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Series & Trilogias Literarias
O mundo está girando.
Por que o mundo está girando?
Não. É a cama que está girando?
Abro os olhos e solto um gemido involuntário quando a luz do dia me cega por um instante. Coloco a mão sobre os olhos e me sento, tentando assimilar por que alguém estaria girando a cama. E focalizo meu olhar confuso no quarto estranho.
Espera... onde estou?
É um quarto espaçoso. Elegante. Muito masculino...
De repente sinto meu estômago revirando, e tanto pode ser por causa da ressaca que acabo de perceber que está me atacando ou por me dar conta de que aquele é o quarto de algum homem.
Levanto os lençóis chiques e constato com certo horror que estou vestindo uma camisa masculina.
— Ah, merda! — murmuro, aterrorizada.
Com quem eu transei?
Tento me lembrar do que aconteceu...
Eu estava na festa de Natal da empresa. E havia bebido um bocado, quando deveria apenas experimentar as diferentes bebidas caras, porém...
Escuto vozes no corredor e pulo da cama.
Merda, preciso sair daqui, seja lá onde eu estiver!
Caço minhas roupas e não as encontro, então enxergo minha bolsa em uma cadeira. Pego-a e decido rápido que terei que fugir vestida assim. Não deve ser difícil conseguir um táxi, mas certamente não posso pegar o ônibus só de camiseta. Avisto meus sapatos jogados perto da porta e respiro aliviada. Eles são os itens mais caros do meu closet . Custaram um mês de almoço na faculdade (eu emagreci três quilos e quatro centímetros de culote), mas tinha valido a pena enfiar o pé na jaca e zerar o limite do cartão naqueles Manolo Blahnik vermelhos incríveis e perdê-los seria um desastre. Mais animada, os calço apressada e estou justamente saindo do quarto, reparando vagamente que o corredor no qual me encontro também é muito elegante, quando paro horrorizada.
Seis pessoas estão me fitando surpresas.
Uma senhora muito fina está com a mão na boca. O homem grisalho ao lado dela parece consternado. Uma moça loira está franzindo a testa com certa reprovação enquanto me analisa e o rapaz alto do seu lado está segurando o riso.
Mais atrás há outro homem jovem, que olha para todos os lados menos para mim, como se estivesse me poupando, enquanto uma garota ruiva passa por baixo do seu braço e aponta para mim, rindo.
— Então essa é a noiva do Simon?
O quê?
Espera...
Eles estão falando de Simon Bennett? Meu chefe?
Puta que pariu!
Capítulo 1
Julie
Na noite anterior...
— O que sabe sobre o Simon Bennett?
Tomo um longo gole de uma das taças que seguro enquanto introduzo, casualmente, o nome do CEO da empresa na conversa.
Pode parecer uma pergunta idiota, afinal, ele é o cara que detém o poder de vida e morte sobre nossas cabeças, quer dizer, pelo menos enquanto estivermos em nossas baias trabalhando. A verdade é que pouco se sabe sobre Simon Bennett, além da parte profissional. Como o fato de ele ser o CEO mais jovem a passar pela DBS Enterprises (apenas 28 anos. Dá para acreditar que, além de lindo, ele é inteligente?) e ocupa o cargo há somente seis meses. E, claro, é um workaholic , sempre o primeiro a chegar e o último a sair. O que faz com que todos à sua volta tentem manter o mesmo padrão; afinal, quem vai se arriscar a chegar atrasado quando o chefe já está presente às sete da matina? Erin, a minha chefe (aquela cobra que me odeia, tenho certeza), lamenta todos os dias por não poder mais fazer yoga pela manhã, como fazia na época do antigo CEO. E Nancy, minha colega, lamenta não poder mais sair estrategicamente para ir ao banheiro, fingindo estar com dor de barriga, para poder atualizar seu Facebook. Bom, eu fui contratada há apenas uma semana e já lamento não poder tomar café na Starbucks com a frequência que gostaria.
Alan Felton, o cara do financeiro, me encara por cima de sua taça de champanhe. Não me pergunte seu cargo, não faço ideia dos nomes técnicos. Separo todo mundo assim: Alan, o engomadinho do financeiro. Benjamin, o japa da informática; Tyler, o tarado da fotocópia (ainda tenho arrepios quando Erin me manda tirar cópia e eu antevejo as piadinhas maliciosas e sem a menor criatividade de Tyler envolvendo alguma parte da minha anatomia).
— Como assim? Todo mundo conhece o chefe. Ele tem 28 anos. Teve uma carreira vertiginosa na empresa, onde entrou ao se formar, há seis anos, é o mais novo CEO e é viciado em trabalho.
— Isso eu já sei! Quero saber alguma coisa pessoal! — Pisco, bebendo mais um gole de uma das taças. Uma das minhas missões nessa noite é experimentar todas as bebidas grátis da festa. Não é todo dia em que eu posso participar de uma festa open bar desse nível. Eu acabei de sair da faculdade, então ainda estou pagando meu empréstimo estudantil enquanto divido um apartamento com duas amigas, Nancy e Holly. Aliás, foi Nancy que conseguiu para mim o emprego como assistente de Erin, a vaca das relações públicas.
— Ah, vai dizer que você também é uma das garotas do fã-clube do Bennett, Julie? — Ele levanta a sobrancelha com sarcasmo.
Enrubesço. Será que sou tão transparente assim e, tipo, sério que existia um fã-clube? Por que eu não sabia? Deveriam pregar cartazes nas paredes do banheiro feminino!
— Não! — Solto uma gargalhada falsa até para meus ouvidos e termino a segunda taça. Sinto uma pequena vertigem que ignoro.
Segunda missão da noite: não dar vexame por causa da bebida.
Eu não sou uma pessoa muito forte em se tratando de bebida alcoólica e já dei vários vexames na universidade. Mas, se eu mantiver a linha, nada vai acontecer. Afinal, estou apenas experimentando bebidas, um golinho de cada não vai me fazer mal.
— Tudo bem? — Alan segura meu cotovelo com olhar preocupado.
— Claro que sim. Só preciso comer alguma coisa, acho. — Coloco as taças na bandeja do garçom que acabou de passar e pego outra. Já experimentei essa? Não me recordo, mas é boa. Foco em Alan de novo. — Então, estava me contando sobre Simon.
— O que quer saber?
— Tudo — respondo afoita demais e enrubesço de novo, escondendo meu rosto na taça. Merda. — Quer dizer, só estou curiosa! Ele é o chefe, acho que todo mundo quer saber tudo sobre ele. Estou aqui há uma semana e não tenho ouvido muito.
— Simon não gosta de fofocas sobre sua vida — Alan explica em tom conspiratório, chegando mais perto. Era necessário ficar tão perto? Consigo enxergar a espinha em sua testa daquele ângulo. — A última pessoa que foi pega fazendo fofoca foi demitida, por isso ninguém comenta nada sobre ele.
— Ah... — Está explicado por que, toda vez que eu tentava perguntar casualmente sobre o chefe, as pessoas mudavam de assunto. — E o que a pessoa estava falando?
— Ele comentou que viu Simon com uma garota em um pub .
Meus olhos brilham de curiosidade e desta vez sou eu que me aproximo mais de Alan. Na verdade, eram duas espinhas.
— Sério? Era a namorada dele? — Por favor, que não seja uma namorada. Que ele não tenha uma namorada!
— Não. Ele nunca é visto com a mesma mulher mais de uma vez — Alan comenta com malícia, provavelmente esquecendo a regra de ouro de não fofocar sobre a vida pessoal do chefe.
— Como sabe? Achei que ninguém soubesse de nada!
Alan sorri, muito animado com nossa pequena sessão de mexericos.
— Todo mundo sabe, só não fica comentando.
— Então ele é tipo um solteirão convicto? — Hum, não sei se gosto. Não sei se é bom para minha terceira missão naquela festa.
Missão três: conquistar Simon Bennett.
Sei que não é uma missão fácil se levar em consideração tudo o que está em meu caminho, mas, ah, eu já falei em como ele é perfeito?
A história da minha paixão por Simon Bennett é a seguinte.
Eu estava superansiosa em meu primeiro dia de trabalho, há exatamente uma semana. Erin me entrevistou alguns dias antes e foi uma completa vaca, tanto que eu tive certeza que não seria contratada, mesmo com o empurrãozinho de Nancy, que era assistente do vampiro do RH (sério, Mark parece uma criatura das trevas com aquela pele branca e olhar maligno). Para meu espanto, Erin me deu o cargo e eu estava feliz e nervosa ao mesmo tempo por conseguir meu primeiro emprego de verdade. Faz três meses que eu me formei em Comunicação Social e meu pai já estava começando a lançar indiretas no grupo da família no WhatsApp. E minha mãe me enviou de presente de Natal antecipado um livro de autoajuda chamado “Como ser bem-sucedida em sua carreira e deixar de viver da mesada dos pais”.
Deixei Nancy e Holly me convencerem a ir beber para comemorar no karaokê preferido de Holly. Ela cantava muito bem e já tinha tentado entrar duas vezes no X-Factor , mas foi avacalhada pelo Simon da última vez, sendo eliminada na primeira etapa, o que foi uma tremenda injustiça. Ela é realmente boa. Pelo menos em comparação comigo, que sou péssima. Mas, depois da segunda pint , eu já estava toda corajosa e cantando de Madonna a El Divo em cima do palco.
Resultado: acordei no dia seguinte com uma tremenda dor de cabeça e atrasada!
Depois de alguns minutos de desespero, sem saber se tomava banho, tentava desamassar minha cara ou simplesmente voltava a dormir e esquecia que precisava de um emprego, consegui mexer minhas pernas e me arrumar em tempo recorde, me lembrando, só naquele momento crítico, que meu closet estava cheio de jeans e tênis, mas nada glamoroso para trabalhar em uma empresa em Canary Wharf. Enfim, como não dava tempo de correr na Primark e fazer umas comprinhas de última hora, tive que me contentar com meu jeans e camiseta de sempre. Vesti meu velho casaco rosa por cima, um cachecol vermelho de Holly e saí correndo, torcendo para que o metrô não estivesse um inferno. Obviamente estava, e assim eu acumulei mais alguns minutos de atraso quando cheguei correndo no prédio da DBS Enterprises, uma empresa de tecnologia que aparentemente fazia alguns apps maneiros, tipo aqueles caras do Vale do Silício, acho. Eu até tentei estudar sobre a empresa, mas era muito complicado para entender assim de uma hora para outra, sem contar que era mais legal assistir a última temporada de Irmãos à Obra .
Corri pela recepção depois de pegar meu crachá temporário e consegui entrar no elevador, onde um senhor gordinho com cara de poucos amigos, o único ocupante, fez uma careta quando pisei em seu pé sem querer. Inferno!
As portas se fecharam e eu olhava meu celular, irritada por perceber que já estava atrasada quarenta minutos no meu primeiro dia de trabalho, quando a porta se abriu em outro andar.
Levantei meu olhar da tela do celular, bufando por mais aqueles segundos preciosos de atraso, quando ele entrou.
Perdi o fôlego. A voz. O rumo.
O coração.
Tudo por causa do cara mais maravilhoso que já tinha visto na vida.
Alto, com cabelos cor de cobre perfeitamente bagunçados, uma tez pálida que em outro poderia parecer doentia, não nele.
Era como se fosse um dos irmãos Weasley, assim, muito melhorado! Tipo depois de um feitiço de beleza que os deixaria sexy ou algo assim.
Ele era perfeito, um herói de um romance gótico antigo. Lindo e misterioso. Num terno preto impecável. Segurava alguns papéis, onde mantinha os olhos presos, alheio à minha presença ou à do senhor mal-humorado.
Mordi os lábios nervosamente, tentando me lembrar como se respirava quando a porta se fechou e o cheiro embriagador do homem perfeito chegou a mim. Delicioso.
De repente ele levantou a cabeça e focalizou no senhor ao meu lado.
— James, atrasado? — Ah, aquela voz... entrou em meus ouvidos e fez um estrago por onde passava, pousando na boca do meu estômago.
Puta merda!
— Me desculpe, Simon, o trânsito estava terrível...
— Você sabe como se livrar do trânsito. É só sair mais cedo — o cara perfeito continuou, num tom frio como gelo.
Simon... O senhor mal-humorado o chamou de Simon?
Caramba, aquele era Simon Bennett? O CEO da empresa?
Como assim? Ele era lindo demais para estar ali! Devia estar estampando as capas de revistas de moda!
— Eu sei, claro — o senhor balbuciou como se fosse um adolescente repreendido pelo diretor da escola, o que era bem esquisito, já que Simon Bennett parecia ter idade para ser seu filho.
Quando o elevador parou, Simon saiu sem sequer dirigir o olhar em minha direção. Eu quase almejei que ele me notasse e me desse uma boa bronca com aquela voz linda como fez com senhor que agora saía do elevador seguindo-o como um cachorrinho. Pelo menos assim eu o teria olhando para mim, falando comigo e aí quem sabe...
— Ele é rico e parece exercer um fascínio sobre as mulheres — Alan diz, me fazendo voltar ao presente.
Sim, ele exercia mesmo. Exercia demais.
Eu entendia bem daquele fascínio, afinal vinha sofrendo há uma semana. E até agora não tive o prazer de ouvir a voz de Simon Bennett se dirigindo a mim, o que estava me deixando maluca!
Eu trabalhava a três andares da presidência e, mesmo arranjando desculpas esfarrapadas para ir a seu andar a toda hora e tentar fazer amizade com Natasha — a secretária meio gótica, uma moça loira sem humor algum que mais parecia saída de um convento de freiras silenciosas —, de nada havia adiantado. A única coisa que eu conseguia era vê-lo de longe. O que deveria ter servido para acabar com aquela paixonite, mas não. Só fazia piorar.
Não conseguia tirá-lo da minha cabeça e sonhava com ele toda noite.
Era quase uma obsessão.
E cá estou eu. Na festa de Natal de empresa. No restaurante chique que fica no último andar, todo decorado com motivos natalinos, esperando sua chegada.
E tinha prometido a mim mesma que de hoje não passa.
Vou pelo menos me apresentar. Esse era o plano original quando saí de casa. Até treinei no espelho meu olhar de flerte, depois de deixar Nancy me maquiar e fazer babyliss no meu cabelo castanho comprido e naturalmente liso. Até peguei um vestido emprestado de Holly. Era de brocado verde e muito curto. Um tanto ousado, mas eu precisava tentar, não é? Minhas pernas não eram nada mal.
E pelos olhares que quase toda a galera masculina vinha me lançando e até mesmo duas garotas (eu não fazia ideia se elas eram lésbicas ou estavam bêbadas mesmo ou só julgando minha ousadia), eu acho que acertei em cheio.
Agora só preciso chamar a atenção de uma pessoa: Simon Bennett. E embriagada pelo meu sucesso repentino, decidi que posso conquistá-lo. Claro que posso.
E meu coração dá um pulo no peito quando o vejo surgir no meio da multidão.
Capítulo 2
Julie
Lá está ele.
Lindo em seu terno caro e os cabelos bagunçados pelo vento de inverno. Ele está sorrindo. Sinto uma pontada no peito. E mais abaixo. Ah, Deus, preciso que ele me note. É, tipo, uma questão de vida ou morte.
— Parece que o chefe chegou — Alan comenta o óbvio, mas já não estou prestando a menor atenção.
Meus pés se movem como que por vontade própria em direção ao objeto do meu desejo. É agora ou nunca. Simon está sendo cumprimentado pelos bajuladores de plantão. Algumas mulheres aproveitam a ocasião para abraçá-lo. Vadias. Serão todas demitidas quando eu for a Senhora Bennett. Sorrio enquanto chego cada vez mais perto. Já antevejo a hora em que Simon vai se virar e me notar em meio ao bando de funcionários embriagados pelo open bar . Nossos olhares se prenderão e tudo desaparecerá como nos filmes. Como Elizabeth e o Senhor Darcy na dança de Orgulho e Preconceito .
Vai ser perfeito. Vai ser...
— Porra! — exclamo quando tropeço em alguém, fazendo todo conteúdo que ainda restava na minha taça escorrer pelo vestido branco da mulher à minha frente.
Merda! Levanto a cabeça para xingar seja lá quem foi que me atrapalhou de chegar a Simon, mas me calo ao reconhecer Erin.
Mil vezes merda!
— Porra digo eu, Julie! O que está pensando? — Ela segura o vestido longe do corpo, vermelha de cólera.
— Desculpe-me, Erin, estava distraída, não te vi e... — balbucio. Erin não está nem um pouco feliz nesse momento.
— Você não se cansa de ser desastrada? — grita, fazendo vários olhares se prenderem em nós.
Ruborizo de vergonha. Inferno, por que Erin tinha que ser tão má comigo? Se sou desastrada em sua presença, a culpa era totalmente dela!
Não foi minha culpa se ela se virou abruptamente em minha direção quando pediu um café, no meu primeiro dia, fazendo a xícara voar da minha mão e aterrissar na sua mesa impecável. Graças a Deus o notebook havia sido poupado.
Ou se, ao fazer o favor de abrir a janela do escritório, sendo solícita e proativa quando ela reclamou do calor, um vento vindo sabe Deus de onde espalhou todos os documentos de sua mesa. Ela me obrigou a pegar um a um, levando, tipo, umas três horas e me deixando com dor nos joelhos por dias!
E agora isso!
— Você é um desastre ambulante! Como vou cumprimentar o Simon com essa roupa?
— Sinto muito — digo humildemente, embora por dentro esteja rindo. Menos uma para se aproximar do Simon hoje.
Lanço de novo meu olhar para frente e bufo ao ver que ele já desapareceu em meio aos funcionários e garçons servindo canapés.
Droga!
— Sentir muito não é suficiente! Estragou meu vestido! Custou uma fortuna e deveria lhe mandar a conta da lavanderia!
— Tudo bem, claro, qualquer coisa para me redimir... — concordo rápido, com um sorriso de desculpas, enquanto na minha mente estou quebrando a taça vazia em seu cabelo de palhaço.
— Ah, quer se redimir? — Ela me mede com interesse. — Então acho que pode trocar de roupa comigo.
O quê? Ela enlouqueceu? Trocar meu lindo vestido sexy de brocado por aquele vestido branco manchado?
Nem morta!
Porém, Erin já está segurando meu braço e praticamente me arrastando até o banheiro feminino.
— Erin, de verdade, não vai dar certo, você é bem mais alta do que eu e...
Ela já estava passando o vestido pela cabeça.
— Ande logo, tire o vestido! Ou prefere ser demitida?
Vencida, tiro o vestido com vontade de chorar, que só aumenta ao pegar o branco. Passo-o pela minha cabeça e olho minha imagem no espelho.
Meu Deus, pareço uma alma penada em cujo vestido alguém esporrou!
Isso não pode estar acontecendo comigo!
— Acho que vai servir, embora eu pareça um tanto vadia — Erin diz, se olhando no espelho.
Realmente o vestido está supercurto para ela. No entanto, a demônia tem pernas compridas e está parecendo uma daquelas modelos russas, com aquele cabelo ruivo volumoso.
Isso não é justo. Nem um pouco.
— Obrigada, Julie, acho que poderá manter seu emprego até o Natal.
Sorrio de má vontade e, quando ela se vira e sai do banheiro, lhe mostro o dedo do meio.
Bem, só me resta tentar passar despercebida até a saída e dar o fora dessa droga de festa!
E deixar meu lindo sonho com Simon Bennett para trás.
Saio do banheiro e sou interceptada por Nancy.
— Ei, onde se enfiou... que vestido horrível é esse e... quem foi que esporrou em você?
Reviro os olhos, pegando a taça de sua mão e virando o conteúdo de uma vez. É melhor ficar bem bêbada logo para esquecer o fiasco.
— Derramei bebida na Erin e ela me obrigou a trocar de vestido com ela.
— Ah, sabia que conhecia aquela roupa. — Ela aponta para algum lugar na multidão e eu noto Erin conversando animadamente com Simon e James Potter.
— Vaca! — Pego outra taça quando o garçom passa por mim.
— Ei, vai devagar aí! — Nancy diz. — Não quero ter que te carregar pra casa desmaiada.
— Essa festa está uma merda! — resmungo.
— O que foi? Só porque está vestida de Gasparzinho? Não é o fim do mundo.
— Você não entende... — bufo. Realmente, Nancy não entendia.
Eu estou mantendo minha paixonite por Simon Bennett bem escondida de minhas amigas.
— Venha, vamos circular...
— Não, nem pensar. Quero ir embora.
— Não vai, não, combinamos de dividir o táxi, lembra? E eu quero tentar ficar com o Alan.
— Alan, sério?
— Bem, se quer ficar aí escondida, pode ficar, mas pare de beber, certo?
Faço uma careta e, assim que ela se afasta, pego outra taça.
Nancy que se dane. Assim como Erin.
Arrasto meus olhos de novo para onde Simon está. Tão lindo... Agora Natasha se juntou ao grupo e a mais um figurão da diretoria cujo nome esqueci. Todos felizes e rindo com seus drinks e roupas impecáveis. Podia ser eu ali, no lugar da anoréxica da Natasha, por exemplo. Erin tinha estragado tudo. Talvez fosse uma boa ideia colocar veneno de rato em seu café na segunda-feira. Ou só cuspir fosse mais seguro, porque não estava a fim de ser presa. Não fico bem de laranja.
— Não acha que já bebeu demais? — A voz do garçom me tira do devaneio assassino e franzo o cenho.
— O que disse?
— Não acha que já bebeu demais?
— Claro que não! — refuto, pegando outra taça, e me afasto um pouco mais para as sombras quando avisto Tyler passando, provavelmente procurando alguma vítima bem bêbada para levar para casa.
Bom, eu não estou bêbada.
De repente percebo que estou tropeçando nos meus próprios pés e que tudo está rodando.
Oh, merda.
Estou muito bêbada. Acho que já é hora de ir embora.
Tentando não cair de cara no chão, caminho tropegamente até o elevador, rezando para conseguir ao menos chegar a um táxi.
— Ei, Julie, aonde vai, linda?
Olho para trás e Tyler está vindo atrás de mim.
Ah, merda! Aperto com mais força o botão do elevador.
— Me deixe em paz, Tyler.
— Gata, já está bêbada? — Ele ri e rosno irritada quando ele toca meu braço.
Bato com a bolsa em sua mão atrevida.
— Tira a mão de mim!
— Calma, só quero te ajudar. Que tal te levar pra casa?
Eu rio. Ele acha que sou idiota?
Graças a Deus o elevador chega e me precipito para dentro, empurrando Tyler para fora sem nem saber como.
— Vai se foder, Tyler! — Ataco o botão para descer e Tyler tenta entrar de novo, mas a porta vai se fechando.
— Eu vou te encontrar lá embaixo... — ainda grita antes que a porta se feche.
Encosto minha cabeça na parede de vidro com vontade de morrer.
Eu tinha tantas expectativas para aquela noite... E tudo se transformou num completo desastre.
Agora o tarado da fotocópia ainda queria se aproveitar de mim.
O que eu tinha feito para merecer aquilo?
A porta do elevador se abre e caminho com meus saltos batendo no chão, não exatamente em linha reta, e percebo que não estou no térreo, e sim na garagem subterrânea cheia de carros.
— Ah, droga!
Como faço para sair daqui?
De repente escuto passos.
Tyler?
Que merda! Apavorada, tento entrar no primeiro carro que encontro, respirando aliviada quando a porta se abre, e me jogo no banco de passageiros.
Ainda escuto Tyler me chamando, até que a voz vai ficando mais distante.
Ok, acho que posso sair agora.
Mas está tão bom aqui, tão confortável... e se eu desse só uma cochiladinha? Ninguém vai me notar, estão todos na festa...
Fechos os olhos e me ajeito melhor no banco.
E adormeço.
***
O mundo está girando.
Por que o mundo está girando?
Não. É a cama que está girando?
Abro os olhos e solto um gemido involuntário quando a luz do dia me cega por um instante. Coloco a mão sobre os olhos e me sento, tentando assimilar por que alguém estaria girando a cama. E focalizo meu olhar confuso no quarto estranho.
Espera... onde estou?
É um quarto espaçoso. Elegante. Muito masculino...
De repente sinto meu estômago revirando, e tanto pode ser por causa da ressaca que acabo de perceber que estou sofrendo ou por me dar conta de que aquele é o quarto de algum homem.
Levanto os lençóis chiques e constato com certo horror que estou vestindo uma camisa masculina.
— Ah, merda! — murmuro, aterrorizada.
Com quem eu transei?
Tento me lembrar do que aconteceu...
Eu estava na festa de Natal da empresa. E havia bebido um bocado, quando deveria apenas experimentar as diferentes bebidas caras, porém...
Escuto vozes no corredor e pulo da cama.
Merda, preciso sair daqui, seja lá onde eu estiver!
Caço minhas roupas e não as encontro, então enxergo minha bolsa em uma cadeira. Pego-a e decido rápido que terei que fugir vestida assim. Não deve ser difícil conseguir um táxi, mas certamente não posso pegar o ônibus só de camiseta. Avisto meus sapatos jogados perto da porta e respiro aliviada. Eles são os itens mais caros do meu closet . Custaram um mês de almoço na faculdade (eu emagreci três quilos e quatro centímetros de culote), mas tinha valido a pena enfiar o pé na jaca e zerar o limite do cartão naqueles Manolo Blahnik vermelhos incríveis e perdê-los seria um desastre. Mais animada, os calço apressada e estou justamente saindo do quarto, reparando vagamente que o corredor no qual me encontro também é muito elegante, quando paro horrorizada.
Seis pessoas estão me fitando surpresas.
Uma senhora muito fina está com a mão na boca. O homem grisalho ao lado dela parece consternado. Uma moça loira está franzindo a testa com certa reprovação enquanto me analisa e o rapaz alto do seu lado está segurando o riso.
Mais atrás há outro homem jovem, que olha para todos os lados menos para mim, como se estivesse me poupando, enquanto uma garota ruiva passa por baixo do seu braço e aponta para mim, rindo.
— Então essa é a noiva do Simon?
O quê?
Espera...
Eles estão falando de Simon Bennett? Meu chefe?
Puta que pariu!
Eu tinha conseguido!
Eu tinha transado com Simon!
Mas...
Como?
Eu não conseguia me lembrar de nada.
Como eu fui parar na casa dele?
Quem eram aquelas pessoas na minha frente e...
Eles tinham me chamado de noiva de Simon? Desde quando Simon Bennett era noivo?
— Que diabos estão fazendo aqui?
De repente, vejo a razão de toda minha confusão surgir no meu campo de visão.
E que visão!
Ele encara as pessoas com um olhar irritado.
Os cabelos em um desalinho matinal, vestindo apenas uma calça de pijama e o peito largo brilhando em perfeição.
Uau!
Eu devo ter morrido e estou no paraíso.
Simon Bennett descomposto à luz da manhã é melhor ainda do que o Simon Bennett CEO de terno Armani.
— Esse é o jeito de falar com sua família, querido? — a mulher mais velha reclama.
— Ainda não entendi o que estão fazendo aqui!
— A gente veio te visitar, oras! — a moça ruiva explica. — Entendo por que está bravo, já que pegamos você e sua noiva em um momento... íntimo.
De repente, ele se vira e seu olhar está preso em mim.
Coro por vários motivos.
De timidez, de medo e de alegria boba.
Ele está olhando pra mim. Finalmente!
E, porra, se todas as pistas estão certas, ele fez mais do que isso ontem à noite e é extremamente lamentável que não me lembre de nada!
— Olá, eu sou Mila, irmã do Simon — a moça continua. — Que educação a nossa, nem nos apresentamos! Estávamos loucos para conhecer você! Este é meu marido, Scott. — Ela aponta para o rapaz tímido às suas costas.
— É, eu... — Não sei o que dizer, mas preciso desfazer o mal-entendido.
Espere. Então Simon é mesmo noivo?
Meu coração afunda no peito.
Não é possível!
— E eu sou Maggie, mãe do Simon — a mulher mais velha diz, sorrindo. — Este é meu marido, Alfred. — Aponta para o senhor bonito do seu lado.
— Sean, irmão do Simon! — O rapaz alto e também ruivo levanta a mão, piscando. — Bonita camisa.
Eu coro mais ainda.
— E esta é minha esposa, Florence. — Sean abraça a moça loira.
— Muito prazer...
— Julie Harris. — Eu me vejo dizendo meu nome. Bem, eu podia ser educada, não é?
— Como assim? O nome não era Kate? — Mila encara Simon, confusa.
Ai, meu Deus, o nome da noiva de Simon é Kate?
Sinto que vou vomitar.
— Oh, Deus. — Coloco a mão na boca.
É isso, vou vomitar na frente dos Bennett.
— Já chega! — Simon se apressa em minha direção e segura meu braço, praticamente me arrastando até o banheiro.
É tempo exato de me jogar no vaso sanitário e vomitar todo o champanhe caro que ingeri ontem.
Assim como toda minha vergonha e decepção.
E, em algum momento da minha nojenta epifania, percebo que Simon segura meus cabelos longe do meu rosto.
— Você está bem? — pergunta com cuidado quando finalmente meu estômago esvazia.
Encosto a cabeça na tampa do vaso enquanto estico a mão para dar descarga, os olhos fechados, respirando com dificuldade.
Minha mente ainda dá voltas, bem como meus pensamentos confusos.
— Me desculpe — murmuro.
Ele me fita com um olhar analítico agora, como se sua mente estivesse cheia de conjecturas.
Por que ele não tinha dito lá fora que eu não era sua noiva?
— Seu nome é Julie Harris. — Não é uma pergunta. Bem, será que eu nem tinha dito meu nome ontem à noite? — E trabalha na DBS Enterprises, não é?
— Acho que já tem todas as respostas — resmungo.
De repente quero ir embora.
Não quero mais ficar ali, me recordando do quão idiota fui me envolvendo com um cara que era noivo.
— Do que se lembra de ontem à noite?
— Desculpe-me, não me lembro de nada.
— Eu desconfiava.
— Preciso ir embora — balbucio, ainda sem conseguir me mexer.
Escuto uma batida na porta do banheiro e Simon se afasta, abrindo-a.
— Está tudo bem, Simon? — É sua mãe quem pergunta, preocupada.
— Sim, apenas ressaca. Fomos à festa da empresa ontem.
— Ah, entendi. Por que ela disse que seu nome era Julie? Florence está falando que provavelmente essa não é a sua noiva, é verdade?
— Florence está enganada. Julie é minha noiva, sim.
O quê? Que diabos ele está dizendo?
Finalmente consigo me sentar e escutar atentamente o estranho diálogo.
— Você não disse que o nome dela era Kate?
— Vocês devem ter se confundido.
— Bem, se está dizendo...
— Assim que nos recompusermos, vamos encontrá-los na sala, ok?
— Claro, querido.
Simon fecha a porta e volta para perto de mim.
— Que merda estava falando para sua mãe? Não sou sua noiva!
Ele estende a mão e me puxa do chão.
Encaro seus olhos muito verdes.
Caramba, assim de perto ele é ainda mais bonito.
Concentre-se, Julie!
— Posso saber por que de repente eu virei sua noiva? E quem é essa Kate? Você é noivo? Você traiu sua noiva? Que... nojo!
— Não sou noivo.
— Sua família acha que é! E você acabou de dizer para sua mãe que eu sou sua noiva!
— Sim, eles acham que sou noivo. Só que não existe nenhuma noiva.
O quê? Está cada vez mais difícil de acompanhar a conversa.
— Devagar, está dando nó na minha cabeça.
— Eu menti pra eles.
— Mentiu?
— Sim.
— Que estava noivo?
— Sim.
— Por quê?
— Não queira entender minha família e eu.
— Não, acho que me deve uma explicação sim! É o mínimo que eu mereço, afinal acabou de dizer para sua mãe que sou sua noiva!
— Tudo bem. A verdade é que minha família não entende que não quero ter um compromisso. Queriam que eu me casasse com Lorna.
— Quem diabos é Lorna? — Aquela história estava ficando cada vez mais bizarra.
— Uma antiga namorada de adolescência. Estavam insistindo tanto que da última vez que fui visitá-los falei que estava namorando sério.
— E como o namoro virou um noivado?
— Eles achavam que não ia dar em nada. Então eu inventei que ia me casar.
— E quando pretendia contar a verdade a eles?
— Não sei, não pensei nisso. Estava tendo alguns meses de sossego até que eles decidiram vir pra cidade conhecer minha noiva, como pode ver! — diz, exasperado.
— Por que disse que eu era a tal noiva? Poderia ter dito a verdade!
— Não posso fazer isso.
— E o que pretende fazer?
Ele me encara muito seriamente.
— Acho que você deveria ser a minha noiva.
Capítulo 3
Julie
O quê?
Abro a boca sem saber o que dizer.
Simon Bennett é insano ou o quê?
Realmente, era estranho ele ser tão perfeito, tinha que ter algum defeito!
— Oi? Isso é um pedido de casamento? Se for, não foi nada romântico!
— Sei que parece temerário, porém eu preciso manter essa farsa enquanto eles estiverem na cidade.
— Não... nem pensar!
Ok, eu estava louca por Simon Bennett e provavelmente tinha feito sexo com ele ontem, mesmo sem me lembrar de nada, daí a aceitar ser sua noiva de mentira para enganar sua família já era um pouco demais!
— Por favor. Será apenas enquanto estiverem aqui. É só fingir que é minha noiva e depois estará livre.
— Não pode me obrigar!
— Claro que posso.
— Claro que não!
— Eu sou seu chefe.
Arregalo os olhos, horrorizada.
— Está falando sério? Não tem medo que eu o processe por assédio ou algo do tipo?
— Não está sendo razoável. Ontem à noite, Erin York, sua supervisora, disse que ia te demitir na segunda-feira. Parece que ela não gostou nada de ter o vestido arruinado pelo champanhe.
— Ela disse?!
— Claro que não fazia ideia quem era a assistente dela. E nem que ia encontrá-la desacordada em meu carro quando chegasse em casa.
— Ah, meu Deus, então foi no seu carro que eu entrei?
— Ainda me pergunto o que pretendia.
Eu coro de vergonha.
— Eu estava bêbada.
— Isso eu percebi.
— E queria ir embora e tinha um cara chato atrás de mim. Abri a primeira porta que encontrei e entrei. Não sabia que era seu carro.
— Eu descobri seu nome ao olhar sua identidade e, como parecia muito mal, apenas te trouxe para casa e...
— Espere... Então foi só isso que aconteceu? — indago, surpresa.
Nem sei se me sinto aliviada ou decepcionada. Então eu não o tinha seduzido, como imaginei.
Ao mesmo tempo, do que adiantava ter dormido com Simon e não me lembrar de nada?
— O que imaginou que tivesse acontecido? — Ele levanta a sobrancelha, aguardando minha resposta.
Fico vermelha de vergonha.
— Achei que a gente tinha... tinha...
— Transado? — Ele agora parece horrorizado. Como se eu tivesse dito que fez sexo com um porco, como naquele episódio maluco de Black Mirror .
— Por que não? Era bem provável! — retruco, ofendida.
— Em que mundo algo assim seria provável?
— Por que não seria?
— Primeiro, eu nunca te vi antes.
— Eu trabalho para você, como nunca me viu? — Agora estou mais do que ofendida. Acho que estou até um pouco magoada.
— Eu administro uma empresa com centenas de funcionários, não conheço todo mundo! — responde, exasperado. — Segundo, não me aproveito de mulheres bêbadas e desacordadas.
— E se eu estivesse acordada? — Sei que estou abusando da paciência de Simon, não pude resistir.
E como eu previ, ele franze o cenho, irritado.
— Não é esse o ponto!
— Certo, tem razão. — Cruzo os braços em frente ao peito.
Decididamente aquela manhã não está correndo como eu esperava ao acordar na cama do chefe.
— E terceiro e mais importante: eu não saio com funcionárias. Nunca.
Ah, sério?
Minhas esperanças caem por terra, mortas e secas como folhas de outono.
Como assim ele não sai com funcionárias?
— Então por que diabos está pedindo para eu fingir ser sua noiva?
— Não estou te pedindo em casamento! Estou pedindo para fingir para minha família.
Caramba, ele estava mesmo insistindo naquela história?
— Claro, quer que eu minta para sua família senão me demite! Desculpe se não estou pulando de alegria com essa grande oportunidade, senhor! — esbravejo.
— Escute, eu não quero ameaçar você. — Sua voz se suaviza embora não me pareça sincera. Ele parece um lobo em pele de cordeiro. Acho que foi assim que conseguiu chegar onde chegou tão rápido. Está claramente tentando me manipular. — Eu quero que me faça este favor.
— E o que eu ganho em troca? — arrisco.
Não que eu tivesse concordando com aquela farsa. Claro que não.
Mas...
E se aceitasse?
A verdade é que de repente eu começo a perceber outros aspectos daquela situação inusitada.
Simon Bennett precisa de mim.
De mim, Julie Harris.
Não do jeito que eu tinha sonhado, mas é um começo, não é?
— Como assim? — Ele parece desconcertado.
Ah, Simon, eu também sei negociar!
Levanto o queixo.
— Exatamente o que ouviu. Por que eu te ajudaria?
— Porque trabalha para mim — responde devagar, como se ainda estivesse formulando a resposta. — E pode encarar como uma de suas funções.
Eu solto uma risada.
— Tenho certeza de que quando assinei o contrato para assistente de relações públicas não havia nada especificado sobre fingir ser a noiva do chefe!
— Se eu contar à Erin o que aprontou, não terá mais emprego na segunda-feira.
— Ah, está me ameaçando de novo!
— Estou apenas negociando os termos de nosso acordo.
— Termos do nosso acordo? — Cara , ele é realmente maluco.
Não. Ele é astuto. Acho que essa é a palavra.
— Acho que tem que aceitar a realidade. Erin te odeia. Ela vai te demitir mais dia, menos dia.
— Como sabe?
— Acho que ficou claro na festa.
— Ah, merda, eu preciso mesmo desse trabalho... — Começo a perceber a seriedade da situação.
Está claro que Simon Bennett não vai me perdoar se eu não aceitar a sua ideia insana.
E eu seria realmente demitida. Na época de Natal!
Não é nem um pouco justo!
— Sério, por que não conta logo pra sua família que não tem noiva nenhuma? Não seria mais fácil?
— Você não conhece minha família.
— Então invente que sua noiva, a tal “Kate imaginária”, viajou!
— E como explico você na minha casa usando minha camiseta?
— Pode contar a verdade, que sou uma funcionária bêbada que ajudou ontem.
— Duvido que irão acreditar que não rolou nada entre nós.
— Devia ter pensado nisso antes de me trazer para seu apartamento e me vestir com suas roupas! — De súbito, imagino a cena.
Simon tirando minha roupa.
Ah, Deus.
De repente meu rosto está pegando fogo.
— Escute, acho que já discutimos demais e precisamos voltar à sala. Eles já devem estar impacientes, se perguntando por que estamos demorando tanto.
— Então vai mesmo me obrigar?
— Ok, você disse que queria saber o que ia ganhar com isso. — Ele assume a posição de executivo fodão. Certo, é meio sexy de se ver. Ou muito.
— Sim, eu disse... — Eu o encaro desconfiada.
— É razoável. Eu quero que fique aqui enquanto minha família estiver e finja ser minha noiva e pode pedir o que quiser em troca. É justo.
Levanto a sobrancelha.
— Qualquer coisa?
— Qualquer soma razoável.
— Acha que quero dinheiro?
— O que mais poderia querer?
Hum... Sim, o que mais eu poderia querer?
Uma grana a mais ia calhar bem...
Podia pagar minhas dívidas estudantis e ainda comprar aquele casaco maneiro da Chanel.
— Ok, de quanto estamos falando? — Simon percebe que estou pensando no assunto e espera minha resposta, atento.
Eu o fito. Cara, ele é lindo demais.
E se eu for realmente sincera, nenhuma grana do mundo ia compensar o fato de que eu nunca teria uma chance com ele.
A não ser que...
— Tudo bem, já sei o que eu quero.
— Pode dizer.
— Eu quero uma noite com você.
Capítulo 4
Simon
A situação está claramente fugindo do controle.
E se há uma coisa que eu abomino é perder o controle.
Desde que acordei essa manhã, com aquela moça desconhecida do lado balbuciando coisas sem sentido enquanto dormia, estou me sentindo num trem desgovernado indo ladeira abaixo, para onde só existe o caos.
Um trem chamado Julie Harris.
E não gosto nem um pouco disso.
Não foi assim que cheguei onde estou. No topo. Onde tudo é ordem e disciplina. Onde todos seguem minhas ordens. É assim que eu gosto que as coisas sejam.
É assim que eu mantinha o controle.
Eu sempre sei aonde vou, como vou e o que me espera quando chegar lá.
Sempre sei o resultado final.
Sempre tenho a palavra final.
Agora a moça diante de mim acaba de confundir minha mente.
Que diabos ela tinha acabado de propor? Provavelmente eu não tinha ouvido direito. Ela continua ali, me fitando com o queixo erguido. Os cabelos castanhos em completo desalinho, os braços cruzados sobre o peito, batendo os pequenos pés descalços no chão.
Os olhos castanhos, borrados pelo resto de maquiagem preta que escorre por seu rosto, presos nos meus em desafio.
Mas que porra?
Quando lhe propus que fingisse ser minha noiva e ela começou com aquele papo de que queria algo em troca, imaginei que fosse dinheiro.
O que mais ela poderia querer?
No entanto ela queria...
— Está dizendo que quer que eu faça sexo com você? — expresso minha dúvida da forma mais clara possível, para não haver confusão.
Porque só podia ter entendido errado.
— Exatamente. É isso ou nada.
Abro a boca para refutar e não encontro palavras.
Eu não sou um cara de perder as palavras. Fui orador da turma na formatura da escola, presidente do grêmio na faculdade e sou a droga do CEO de uma importante empresa, porra!
— Certo, acho que talvez precise pensar — ela diz por fim, diante do meu silêncio. — Vou tomar um banho, terá alguns minutos para pensar.
E ela fica olhando pra mim, até que sacudo a cabeça, aturdido, entendendo que quer que eu saia do banheiro.
— Tudo bem — balbucio de um jeito que é estranho para mim, enquanto saio e fecho a porta.
Como é que eu me meti naquela enrascada?
Para começar, nunca deveria ter mentido para minha família.
Eles me exasperavam demais. Desde que meus dois irmãos mais novos, Sean e Mila, tinham se casado, eles começaram a agir como se eu fosse uma espécie de ovelha negra. E não perdiam a oportunidade de me crivar de perguntas impertinentes sobre meus relacionamentos amorosos e quando um deles se tornaria sério e eu iria colocar um anel no dedo de alguma felizarda.
Era difícil explicar à minha família que eu não estava nem um pouco interessado em relacionamento sério. Desde que saí da faculdade, estou focado em minha carreira e uma namorada em tempo integral somente iria me atrapalhar.
Se eu quiser companhia feminina é só ir a um pub e conseguir uma. E despachá-la na manhã seguinte. Muito simples. Sem amarras, apenas bons momentos e adeus.
Então, há uns dois meses fui passar o fim de semana na casa dos meus pais em Costwoods e eles convidaram Lorna, minha ex-namorada da época do colégio e filha de um casal amigo dos meus pais. Lorna era linda, educada e de boa família, tudo o que meus pais sonhavam para mim. Enquanto eu já não tinha sonhos com Lorna há muito tempo, ela parecia bem disposta a entrar no jogo dos meus pais.
Eu expliquei com todas as letras quando o fim de semana acabou que não ia rolar mais nada entre nós e, devido à sua insistência, acabei inventando que estava em um relacionamento sério em Londres.
Infelizmente, Lorna não tardou a contar tudo à minha família e eles começaram a me bombardear com perguntas sobre minha suposta namorada. E tive que lhes dar um nome e inventar que éramos colegas de trabalho e que em breve iríamos morar juntos, afinal, eu iria pedi-la em casamento.
Achei que seria o bastante para tirá-los do meu encalço. E por um tempo eles pareciam bem tranquilos por saber que o filho perdido estava tomando juízo.
O que eu não esperava era que eles apareceriam na minha casa sem aviso. Justamente quando estava com aquela inesperada hóspede desmaiada na minha cama.
E o que posso dizer de Julie Harris?
Eu não fazia ideia de sua existência até olhar pelo espelho retrovisor, quando estacionei na minha garagem, e ver a moça dormindo no banco de trás.
Entrei em choque, sem saber como aquela mulher desacordada tinha ido parar ali. Tentei acordá-la, mas ela parecia realmente desmaiada. Sem saber o que fazer, peguei sua bolsa e vi sua identidade e me recordei de Erin reclamando de sua assistente Julie Harris ontem.
— Minha assistente é um completo desastre — desabafou quando Natasha fez um comentário inconveniente sobre o tamanho de seu vestido.
Realmente, estava bem curto, o que me fez ter certa dificuldade de desviar os olhos, assim como James, que não teve a mesma discrição e só faltava ajoelhar e começar a lamber as coxas da gerente de relações públicas.
Porém, mesmo Erin sendo uma mulher lindíssima, eu tinha regras muito rígidas e nunca me envolvia com funcionárias. Seria um desastre.
— Julie Harris? — Natasha perguntou. — Ela parece meio avoada e fala demais, vive no andar da diretoria procurando assunto comigo. Mas odeio conversa fiada.
Sim, Natasha era de poucas palavras. Ela chegava a ser até um tanto assustadora e não me admiraria se encontrassem esqueletos em seu quintal. Tirando o fato de ser um tanto esquisita, era uma ótima secretária. Eu gostava que fosse circunspecta. Ajudava a manter a ordem. E ela não reclamava quando eu lhe dava trabalho depois do expediente.
— Sim, Julie! Ela derramou champanhe no meu vestido e a obriguei a trocar comigo! Claro que devia estar bêbada! Acho que terei que demiti-la!
— Acha que é um bom motivo para demiti-la? — James havia perguntado.
— Não acha que estou certa, Simon? — Erin me perguntou.
— Se ela tiver o mesmo comportamento inadequado na empresa, não há dúvida — respondi.
Erin sorriu.
— É o que eu acho! Vou ter uma conversa muito séria com ela na segunda-feira e, se não melhorar, rua!
Ela parecia muito orgulhosa de demonstrar sua autoridade com a assistente na minha frente.
Então, aquela era Julie Harris, a moça apagada no banco de trás.
E como é que veio parar no meu carro? Era uma incógnita. Eu precisava pensar rápido. Talvez chamar a emergência? A polícia? Tirá-la do carro e deixá-la caída na garagem? Bem, eu não poderia fazer isso. Era uma funcionária, afinal. Então a peguei no colo e levei para meu apartamento.
O vestido branco que ela usava estava todo manchado. Provavelmente era esse vestido que Erin a obrigara a vestir. Sem alternativa, a livrei dele, fazendo o possível para não olhar para seu corpo despido, já que não sou um aproveitador de mulheres bêbadas, então a vesti com uma de minhas camisas, como se fosse uma boneca de pano.
Julie Harris não acordou em nenhum momento.
Cansado, deitei-me do seu lado e a cobri, com preguiça de carregá-la para um dos quartos de hóspedes.
Quando acordei na manhã seguinte, ela continuava apagada, balbuciando coisas sem sentido no sono.
Eu a cobri novamente e me levantei, tomando um banho e indo fazer um café. Quando a moça acordasse, faria meu interrogatório para saber como foi parar no meu carro e depois a despacharia para sua casa.
Assunto encerrado.
Não quero confusão com funcionárias.
Só que minha família apareceu. E entrei em pânico quando vi Julie Harris, vestindo apenas minha camisa, sendo confundida com minha noiva.
Perdi o prumo por um momento, tentando achar uma saída, enquanto minha família se apresentava para minha suposta noiva.
E subitamente uma ideia insana passou pela minha mente enquanto via Julie ficar verde e a arrastava até o banheiro.
E se eu a usasse para satisfazer a curiosidade de minha família intrometida?
Eles já estavam achando que Julie era minha noiva. E até eu explicar que não era minha noiva, e sim uma funcionária que apareceu desacordada no meu carro... Certo, a história parecia absurda demais para alguém acreditar.
E ainda teria que apresentar uma noiva a minha família.
Ou contar a verdade.
Já podia antever a merda que seria. Eles ficariam furiosos comigo, para dizer o mínimo. E depois voltariam com a mesma insistência de sempre.
E começaríamos tudo de novo.
Enquanto a moça pálida encostava a cabeça na privada me encarando com os olhos perdidos, eu tive certeza que era uma boa ideia.
Seria apenas por algumas horas.
E minha família iria embora, satisfeita.
E tudo voltaria a ser como antes.
Só não poderia imaginar que ela me faria uma contraproposta maliciosa.
Não que eu não já não tivesse recebido inúmeras propostas como aquela. E aceitado a maioria delas.
Mas essa situação é bem diferente.
De repente, a razão do meu atual tormento sai do banheiro.
Eu a meço da cabeça aos pés, com outros olhos agora.
Sua pele era branca como a neve e os cabelos castanhos molhados caíam soltos por seus ombros. Seus dedos seguravam a toalha contra o corpo e lamento não ter dado uma olhada melhor ontem quando a tive nua, mas o pouco que me recordava não era nada mal. Quer dizer, era muito bom na verdade, se forçasse a memória. Afinal, eu não precisava mais ser respeitador depois de sua proposta indecorosa.
Sim, Julie Harris era atraente. Muito. De um jeito meio psicopata tipo “Atração Fatal” de ser... Mas, mesmo assim, muito sexy .
O rosto sem maquiagem parecia perfeito, os lábios vermelhos que ela mordia, insegura, eram apetitosos. E ela ruborizava.
Caramba, como podia ruborizar depois de ter exigido que eu fizesse sexo com ela em troca de participar de minha farsa?
De repente quis muito descobrir quem era Julie Harris. O que se passava por sua mente.
Ela era um quebra-cabeça difícil de desvendar.
Podia ser a funcionária descuidada que Erin a acusou de ser. Ou a garota bêbada que desmaiava em carros estranhos. Ou a atrevida que havia respondido de queixo erguido à minha proposta, me deixando sem fala ao pedir uma noite comigo.
Porra.
Eu estava mesmo cogitando aceitar?
Que saída eu tinha?
“Você pode mandá-la para casa e deixar que Erin a demita para evitar mais confusão, além de contar a verdade a sua família.”
Ou...
Aceitar sua proposta e levá-la para a cama.
Ver o que existia debaixo daquela toalha.
Sinto meu corpo reagindo àquela ideia, muito cheio de suas próprias ideias bem sacanas.
Sim, eu podia fazer coisas bem sacanas com Julie Harris. Não seria nenhum sacrifício. Muito pelo contrário.
Na verdade, existia uma parte de minha anatomia que estava bem disposta a fazê-lo neste momento.
— E então? — ela pergunta por fim.
— Tudo bem. Eu aceito.
Inferno. Eu estava ferrado.
Capítulo 5
Julie
Por um momento não consigo emitir um som sequer.
Na verdade, não consigo nem pensar direito.
Minha mente apenas repete as palavras mágicas de Simon Bennett.
“Eu aceito.”
Puta que pariu!
Ele aceitou! Tenho certeza que meu coração parou de bater, tamanha a emoção. Sinceramente, enquanto tomava banho analisei minha insólita conversa com Simon e, tipo, que diabos eu estava pensando?
Achava mesmo que o CEO da DBS Enterprises, aquele cara lindo, rico e mais inacessível que um príncipe iria aceitar dormir comigo?
Tudo bem que ele parece meio sem noção por inventar aquela farsa maluca de noiva de mentira, daí a aceitar transar comigo para que eu finja por algumas horas ser a tal noiva era ir longe demais.
Mas eu tinha que tentar, não é?
A única coisa que fiz a semana toda foi sonhar com ele, então como é que poderia deixar passar a oportunidade? Porém, até alguém otimista como eu sabia que as chances eram quase nulas. Simon deixou claro que não se envolvia com funcionárias.
E pior, ele não havia demonstrado nenhum interesse em mim. Essa era a triste verdade.
Chegar a essa conclusão me deixou com uma dorzinha boba no peito e um nó na garganta, mas precisava ser realista: tive sorte de ele não ter rido da minha cara ou me colocado para fora do seu apartamento a pontapés.
E, enquanto voltava para o quarto sem saber o que iria acontecer, me questionava se ainda teria um emprego. Duvidava muito.
No entanto, cá estou eu, segurando a toalha contra o corpo e com a boca aberta em choque, enquanto Simon Bennett, no alto de toda sua perfeição, aguarda minha reação.
Ruborizo quando me dou conta de como estou exposta e, agora que o impacto da resposta positiva está passando, começo a perceber que Simon está me medindo. E com interesse bem masculino.
Oh, Deus. Coro inteira agora e nem é mais de vergonha.
Sinto um formigamento que vai da ponta dos pés até a raiz dos cabelos e começo a ter problemas para respirar.
Simon Bennett está olhando pra mim. Realmente olhando!
Daquele jeito que eu imaginei nos meus mais loucos sonhos.
De repente me sinto como uma criança na manhã de Natal quando abre seu presente tão esperado, aquele que sonhou ganhar o ano inteiro.
O Natal chegou mais cedo para mim esse ano.
Melhor Natal de todos!
E ainda faltava uma semana!
Obrigada, Papai Noel.
Porra, muito obrigada!
E em meio a minha epifania, percebo que Simon, provavelmente, está esperando que eu diga alguma coisa.
Limpo a garganta, tentando achar as palavras certas para se dizer nessas situações.
O que poderia ser?
“Quando é que vamos fazer”?
Ai, caramba, será que aquele silêncio esquisito e seu olhar sedento me diziam que íamos fazer, tipo assim, agora?
Agora?
Perco o ar e meu cérebro já assoberbado vira gelatina.
O pobre coitado vai entrar em colapso. E talvez meu corpo inteiro entre em colapso também, tamanho é o calor que estou sentindo.
E a única coisa que consigo pensar é: Graças a Deus estou com a depilação em dia!
Amém!
E o que eu devo fazer? Pular na cama?
Pular em cima dele?
Quem iria tomar a iniciativa?
Eu?
De repente fico tímida como uma colegial virgem. E olha que não me senti assim nem quando transei pela primeira vez com Danny Martin no baile de formatura!
— Então temos um acordo? — Ele limpa a garganta também e desvia o olhar.
E lá está o Simon executivo fodão de novo.
O que não ajuda muito a minha mente a voltar ao normal.
— Bem, acho que sim, não é? — respondo, um tanto indecisa.
Ok, eu tinha criado aquela situação e agora não sabia como ela iria se desenrolar.
— Meus pais estão lá fora esperando. Vamos sair e convencê-los, ok?
Hum, então meu pagamento não seria já?
Não sei se fico decepcionada ou aliviada.
— Certo, mas... não tenho o que vestir! — Merda, não quero vestir aquela monstruosidade de Erin novamente. Nem pensar.
— Eu coloquei seu vestido na lavadora. Já deve estar seco.
— Aquele vestido nem é meu e é horrível!
— Terá que vesti-lo, vamos acabar logo com isso.
E, sem mais, ele sai do quarto e me sento na cama sem saber o que fazer.
Simon retorna um tempo depois com o vestido lavado.
— Vou deixar que se arrume. Não demore, por favor.
— Ok, chefe — bufo com ironia e me apresso a colocar o vestido ridículo.
Encaro minha imagem no espelho. Pelo menos não está mais manchado. Não sei como ia explicar aquela mancha que mais parecia esperma para os pais de Simon. Dos males, o menor.
Mas ainda me sinto ridícula. Então, pego de novo a camisa de Simon e a coloco em cima, dando um nó na cintura. Hum, nada mal.
Saio do quarto e caminho, meio insegura, até a sala, onde a família está reunida. Todos param e me encaram quando entro. Coro de embaraço. Como é que vou fazer isso? Eu me dou conta que não tínhamos combinado nada!
— Como está se sentindo, querida? — a mãe de Simon indaga com preocupação quase carinhosa.
— Estou bem, me desculpe. — Busco o olhar de Simon. Ele parece estar pensando em estratégias, como se tivesse à frente de uma negociação milionária.
Bem, pelo menos alguém precisa estar no controle da situação. Porque eu estou sentindo vontade de sair correndo. Aí me lembro do que vou ganhar e me obrigo a sorrir e dar um passo à frente.
— Acho que preciso apresentá-los formalmente — ele diz, por fim. — Essa é Julie Harris, minha... noiva.
Eu sorrio como nas novelas.
— Muito prazer, estou tão feliz por finalmente conhecê-los! Simon fala demais de vocês! — Nossa, eu sou mesmo boa atriz!
Talvez deva tentar carreira artística... Talvez eu faça isso se ainda tiver um emprego depois de toda essa confusão!
— Sério? Interessante, Simon falava bem pouco de você! — a garota ruiva diz com humor.
Simon revira os olhos ante o comentário da irmã.
— Mila, querida, não seja impertinente. — O pai de Simon é quem chama a atenção da filha. — Me desculpe, Julie. Mila fala tudo o que pensa.
— É verdade. — Dessa vez é Sean quem se intromete. — A gente teve que vir até aqui para te conhecer, porque Simon se recusava a levá-la para conhecer a família!
— E não está certo se vão se casar — a esposa de Sean acrescenta.
— Parem de provocar o irmão de vocês — Maggie interrompe a discussão. — Simon, vá se arrumar para irmos todos almoçar!
— Certo. — Ele me encara antes de sair, com um olhar que acho que quer dizer “veja bem o que vai falar”.
— Sente-se aqui, Julie. — Mila me puxa para seu lado. — É realmente muito bonita. Achei que devia ter alguma coisa errada com você, já que Simon estava te escondendo.
— Mila! — A mãe a encara horrorizada.
Eu sorrio. Aquela parecia maluca de pedra.
— Agora acho que o motivo foi o contrário. — Sean pisca, malicioso, levando um tapa de sua esposa. — Simon devia estar te mantendo amarrada ao pé da cama.
— Desculpe meus filhos, Julie — Alfred pede, exasperado. — Embora não pareça, são muito bem-educados, não se deixe enganar.
— Não tem problema, não estou ofendida.
— E então como se conheceram? — Florence pergunta, curiosa.
— Sim, aposto que foi muito romântico! — Mila continua, animada.
Ai, merda, e agora?
— Bem... sim, muito romântico — digo devagar, tentando pensar em algo convincente.
— Conte tudo! — Mila insiste.
Observo os seis pares de olhos grudados em mim, interessados.
— Simon me salvou de um atropelamento — digo rapidamente.
Opa, exagerei?
Contemplo a cara chocada dos meus ouvintes.
— Minha nossa, como assim? — Florence indaga, estupefata.
— Eu sou um tanto distraída e estava andando na rua, depois de sair... da... fisioterapia.
— Fisioterapia? — Mila franze a testa.
Ai, droga.
— Sim, eu tive um problema... no pé. No osso do cúbito direito.
— Nunca ouvi falar desse osso — Maggie balbucia e acho que ninguém ouviu falar, já que na verdade nem eu sei do que estou falando, porém continuam me encarando interessados na minha história mirabolante.
— E desde quando tem esse problema? — o marido de Mila pergunta.
— Desde adolescente. Eu descobri quando caí do alto de uma torre de cheerleaders .
Todos exclamam horrorizados, com certeza imaginando a cena.
— Sim, eu era líder de torcida e tinha uma linda carreira como dançarina pela frente. Era o que todos diziam, modéstia à parte. Desde então... — Suspiro com o olhar perdido. Sério. Eu merecia o Oscar.
Nunca tinha sido líder de torcida na vida e muito menos sabia dançar.
— E esse problema é sério? — Sean pergunta.
— Muitíssimo. Eu tenho dores terríveis no pé. O médico na época disse que talvez eu nunca mais andasse...
— Oh, pobrezinha! — Maggie leva a mão ao peito, comovida.
— Sim, mas, graças às orações da minha mãe, eu voltei a caminhar — sussurro, emocionada. Minha mãe não tinha o costume de orar, a não ser que os rituais da Wicca contassem. — Na minha cidade eu sou conhecida como “a pequena criança milagrosa”.
Mila segura minha mão.
— E então ainda não se curou? Foi assim que conheceu o Simon...
Ah é, esqueci onde tinha que chegar com aquela história.
— Ah, sim, eu estava caminhando e sentindo um pouco de dor ainda. Hoje estou quase bem, mas às vezes ainda preciso de tratamento. É um fardo que carrego com muito pesar, mas com muita força e... — Pigarreio, percebendo que estava exagerando de novo. — Não ouvi o carro se aproximando e, do nada, Simon estava lá, me segurando e rolamos pela rua, com seu corpo forte me protegendo. Quando abri os olhos...
Encaro a plateia vidrada diante de mim e faço uma pausa dramática.
— Me apaixonei.
— Oh, que lindo! — Florence coloca a mão no coração.
— Sim, muito tocante! — Mila enxuga os olhos. — Parece filme.
E não é?
Talvez eu também tenha habilidades como roteirista. Vou anotar para minhas resoluções do próximo ano.
— Não se conheceram no escritório? — Scott questiona de repente.
Ah, merda!
— Sim, agora que falou, acho que Simon comentou sobre terem se conhecido no escritório — ele continua.
Scott deveria continuar calado e não estragar a minha história!
— Acho que se confundiu, querido — Mila diz.
— Bem, a gente entendeu até o nome dela errado! — Sean comenta.
— Vamos?
Simon retorna à sala, já arrumado.
— Simon, por que não contou como se conheceram de forma tão romântica? — Florence exclama ainda com os olhos brilhando.
— Sim, você foi um herói, quem diria! — Mila ri.
Simon me encara com os olhos estreitados e uma clara ameaça neles.
Ai, droga.
Eu me levanto.
— Preciso ir ao banheiro antes de irmos. — E corro da sala.
Quando retorno, todos estão colocando seus casacos para sair e me recordo que não tenho um.
Simon está me fitando como se quisesse me estrangular.
Acho que a família já o tinha inteirado da minha pequena história romântica.
— Eu não tenho um casaco — murmuro. Provavelmente ainda estava na empresa, o retirei quando cheguei à festa ontem.
— Pode usar esse meu. — Ele pega um casaco preto, eu o visto. Tem cheiro de Simon. Delicioso! — Afinal, parece estar curtindo usar minhas roupas.
— Acho tão romântico! — Mila cantarola enquanto todos saímos para o corredor.
Simon continua com cara de poucos amigos.
A família entra no elevador, Simon me segura.
— Vão na frente, vamos esperar o próximo.
Assim que a porta se fecha, ele me encara furioso.
— Que diabos pensa que está fazendo?
— O que foi? — Eu me faço de desentendida.
— Que história foi aquela que inventou?
— Ué, não combinamos nada, eles estavam perguntando, eu tinha que contar alguma coisa!
— Você inventou que eu te salvei de um atropelamento!
— E daí? Foi romântico!
— Foi inverossímil! E que merda é esse de problema no pé que inventou? Esse osso nem fica no pé, pelo amor de Deus.
— Ninguém percebeu que era mentira! Todos acreditaram!
O elevador chega ao andar novamente e nós entramos. Simon passa a mão pelos cabelos, ainda exasperado.
Eu belisco seu braço.
— Ai, que porra...? — Ele me fita atordoado.
— Para de agir como se tivesse um toco enfiado na bunda! Se pretende convencer sua família que está apaixonado por mim, terá que fazer mais do que ficar brigando comigo e me encarando como se quisesse colocar uma granada na minha boca!
Ele respira fundo, finamente entendendo onde quero chegar.
— Certo, tem razão. Só pare de inventar histórias sem sentido. Podem desconfiar.
— Ok, querido.
Ele me encara irritado de novo e dou de ombros.
— Prefere o quê? Amor? Docinho? Será que a gente precisa de um apelido carinhoso? O que poderia ser? Todo casal tem um!
— Pelo amor de Deus, cale a boca, porque a opção de enfiar um granada na sua boca está me parecendo bem interessante no momento! — Ele segura meu braço e me leva para fora do prédio, onde seu carro já está estacionado.
Sua família se divide em outros dois carros e eles combinam de se encontrar no Albaine .
— Uau!
— O que foi? — Ele dá partida no carro.
— Albaine é muito chique. O que sua família faz? Você já era rico antes de ser CEO da DBS?
— Meu pai é um hábil investidor.
— Você foi criado em Costwoods?
— Não. Lá era nossa casa de campo. Fui criado em Londres. Mayfair.
— Claro. — Obviamente ele tinha crescido em um dos bairros mais ricos da cidade.
— Eles se mudaram para lá há alguns anos, depois que meu pai se aposentou.
— E seus irmãos?
— Mila acabou de se formar e se casou há alguns meses com Scott. Eles moram em Oxford, ele é professor.
— E Sean?
— Sean é jogador de rúgbi. Mora em Newcastle com Florence. Eles se casaram há um ano.
— Parecem ser pessoas bem legais. — “Por que fica mentindo para eles?”, gostaria de perguntar, porém é melhor não entrar nesse assunto.
Nós chegamos ao restaurante e fico um tanto surpresa quando Simon segura minha mão e seguimos para a mesa na qual sua família já está reunida.
— Me desculpem pela minha roupa. — Aponto para mim mesma um tanto embaraçada. — Fui da festa ontem direto para a casa de Simon e...
— Vocês não estão morando juntos? — Mila pergunta, confusa.
— Sim — Simon responde.
— Não — respondo ao mesmo tempo.
Ah, merda!
Eles nos fitam aturdidos.
— Você disse que iam morar juntos. — Scott franze a testa. E sinto um tom de desconfiança em sua voz.
— Simon me fez o convite, mas ainda não me mudei de vez — esclareço. — Ainda não me acostumei com tudo. Estamos indo devagar.
— E sobre trabalharem juntos? Tenho certeza que o Simon disse que trabalhavam na mesma empresa — Scott insiste.
Meu Deus, que cara chato! Ele era detetive ou o quê?
Abro a boca para começar a inventar mais alguma história, quando sinto a mão de Simon apertando a minha por baixo da mesa.
— Julie trabalha na DBS, sim — Simon diz.
— Dá pra parar de apertar? Vai quebrar meus dedos — murmuro em seu ouvido, sorrindo como se tivesse dizendo alguma piadinha carinhosa.
Ele afrouxa minha mão e começa a acariciar onde apertou.
Meu pulso acelera. É inevitável.
— Como assim? E aquela história de como se conheceram? — Mila pergunta.
— Quando tropecei no Simon, não sabia que ele era meu chefe. Descobrimos depois... — Ele aperta minha mão de novo e eu paro.
— Sim, foi uma coincidência. Vamos pedir? — Ele larga minha mão para pegar o cardápio.
Graças a Deus! Se ele continuasse a apertar minha mão daquele jeito eu teria realmente que ir ao fisioterapeuta.
— Simon disse que tem vinte e cinco anos, Julie. Mas parece ter bem menos! — Florence comenta.
Deixo minhas mãos em cima da mesa para Simon não tentar quebrar meus dedos de novo, enquanto respondo ignorando seu olhar mortal.
— Ah, obrigada, mas tenho vinte e dois. Na verdade Simon não tem culpa, eu menti minha idade quando nos conhecemos.
— Sério? — Mila ri, interessada. — Por quê?
— Já chega de ser curiosa, Mila! — Simon corta a irmã e nossos pedidos chegam.
E todos começam a falar sobre comida e o assunto muda, graças a Deus.
Simon continua a me lançar olhares assassinos, só que agora disfarça com um sorriso. Ok, era bem assustador. Como aqueles psicopatas que seduziam suas vítimas antes de amarrá-las no porão por meses.
Não que eu fosse reclamar de ser amarrada por Simon, aliás, pensando bem, podia ser uma boa ideia...
— E cadê sua aliança? — Florence me tira do meu devaneio erótico.
— O quê? — balbucio, olhando pra Simon em busca de socorro.
— Julie deixou em casa. Ela tem medo de perder — ele responde casualmente.
Todos parecem entender, anuindo com a cabeça.
— Por quê? É muito cara? Aposto que sim! — Florence continua. — Vai ter que me mostrar quando voltarmos pra casa...
— Espere, vocês não vão embora? — Simon os encara, alarmado.
— Claro que não! — É Maggie quem responde. — Viemos passar o fim de semana com você e sua linda noiva!
Fim de semana? Definitivamente isso não estava nos planos!
Eu e Simon trocamos um olhar de receio. Como Katniss e Peeta antes de comer as frutinhas venenosas em Jogos Vorazes . Estávamos em uma arena e tínhamos que nos virar para sair vivos. Quer dizer, mais ou menos.
— Sim, vai ser tão divertido! — Mila bate palmas, animada. — E nós vamos fazer compras agora à tarde. Quer vir com a gente, Julie?
— Não! — Simon exclama para surpresa de todos, inclusive minha. — Eu e Julie temos um compromisso agora à tarde. Podiam ter avisado que vinham.
— Sem problemas! — Alfred anui. — Nos encontramos todos para o jantar! E assim poderemos saber mais sobre a Julie, ela pode nos contar tudo!
— E sobre os planos de casamento também — Mila continua.
— E eu vou querer ver a aliança! — Florence completa.
— Podemos ficar no seu apartamento, não é, querido? — Maggie questiona, animada. — Não faz sentido irmos para um hotel, seu apartamento é tão espaçoso.
— Claro que podem — Simon responde com um sorriso tão falso que não sei como sua família não percebe.
Isso significa que terei que passar a noite lá com ele.
Ai! Meu! Deus!
Capítulo 6
Julie
Assim que a família Bennett entra em seus respectivos carros depois de despedidas entusiasmadas, que eu aproveitei para abraçar a cintura de Simon e me colar nele como uma noivinha apaixonada, Simon desprende meus braços com cara de poucos amigos.
Ah, que pena. Eu estava realmente curtindo ficar colada nele, sentindo seu perfume delicioso.
— Não foi tão ruim. — Tento manter o otimismo, mas me dou conta pela sua expressão irritada que ele não pensa como eu.
— Poderia ter sido melhor. — Ele caminha até o carro com passos decididos e o sigo.
— Claro que poderia, era só você contar a verdade, aí nada disso seria necessário! — provoco e Simon me lança um olhar mortal antes de entrar no carro.
Eu me calo, afinal, não quero que ameace calar minha boca com algum objeto inflamável de novo!
Entro no carro também e permaneço em silêncio, admirando seu perfil compenetrado no trânsito.
— Tem mesmo que ficar me encarando? — ele rosna em certo ponto e eu solto uma risada.
— É uma boa vista.
Ele me encara impaciente enquanto estaciona em uma rua comercial.
— O quê?
— Nada! — desconverso. Será que não sabia que era lindo de morrer?
Simon deveria ter mulheres o secando o tempo inteiro.
— Onde estamos? Achei que quando você disse para sua família que tínhamos um compromisso era só para despistá-los.
— Isso também. — Ele sai do carro e faço o mesmo, notando que estamos em uma das ruas mais finas de Chelsea, o bairro que mora. E vejo boquiaberta Simon entrando em nada mais nada menos que na Tiffany!
— Por que estamos aqui? — Eu o sigo, aturdida.
— Você precisa de um anel de noivado.
Puta que pariu!
— Está falando sério? — quase grito e uma vendedora se aproxima com um sorriso polido.
— Em que posso ajudá-los?
— Precisamos de um anel de noivado — Simon responde todo pragmático, como se pedisse um café na padaria.
O sorriso da moça se alarga.
— Oh, meus parabéns, que tipo de pedra preferem?
— Diamante! — solto sem querer e Simon me fita com os olhos estreitados.
Dou de ombros, vermelha.
— Ela perguntou!
A moça parece não reparar na tensão que emana dele e segue até o balcão, colocando um mostruário com vários anéis de diamante na nossa frente.
Minha nossa!
— De que tamanho prefere? — Ela começa a mostrar várias pedras, uma mais ostentosa que a outra.
Fito Simon de esguelha e ele parece meio impaciente, batendo os longos dedos no vidro no balcão. Acho que está cogitando inventar para a família que nosso cachorro comeu o anel.
Espera! Não temos cachorro.
Talvez possa inventar que caiu no vaso sanitário ou algo assim.
— E então? — a vendedora indaga diante de nosso silêncio.
— Qualquer um.
A moça agora fita Simon, chocada.
— Querido, tenho certeza que para mim é importante. — Toco sua mão em cima do balcão e ele me fita com aquele olhar de psicopata.
É minha vez de apertar seus dedos.
— Não precisamos fingir aqui, Julie — Solta minha mão e eu bufo.
A vendedora nos encara entre embaraçada e confusa.
— Bom, vou deixá-los à vontade, se preferem...
— Não, nós estamos com pressa. — Simon pega a carteira.
Caramba, como ele podia ser tão rude?
A moça agora me encara com um olhar de pena.
Deve estar achando que Simon é um daqueles caras abusivos e que eu só estou com ele por causa do dinheiro.
— Tenho certeza que sua noiva gostaria de escolher com mais cuidado, é um momento importante.
Simon respira fundo e, antes que ele dê mais uma resposta ríspida para a coitada da vendedora, aponto para o maior diamante.
— Esse aqui. — Sorrio para amenizar a situação. — É lindo.
— Tem certeza? — a mulher insiste, com um olhar de desafio para Simon. — Eu posso te mostrar mais opções...
— Não, este está ótimo — respondo rápido. — Nós estamos realmente com pressa.
Ela parece achar que sou louca também, mas dá de ombros e encaminha Simon para o caixa.
— Não quer colocá-lo no dedo de sua noiva? — pergunta quando entrega a Simon a caixa com o anel.
Ele revira os olhos, impaciente, e estendo a mão.
— Sim, querido, faça as honras! — provoco. Ele pega o anel e coloca no meu dedo, me lançando um olhar de “já chega, não acha?”.
— Ficou lindo! — a vendedora comenta com um sorriso polido.
Quando Simon segue na frente, ela toca meu braço.
— Ele é lindo e deve ser bem rico, mas acho que pode conseguir coisa melhor!
— Tudo bem, ele é bom de cama. — Pisco antes de seguir Simon quase correndo para fora da loja.
Bem, era bom que ele fosse mesmo pra compensar toda aquela grosseria!
Espero até que estejamos no carro para soltar os cachorros.
— Como pode ser tão grosso?
— Por que está gritando? — ele pergunta calmamente.
— Você poderia ter sido educado lá dentro!
— Eu falei, não tem por que ficarmos fingindo quando estamos longe da minha família, Julie.
— Eu sei, mas a vendedora não tem culpa se você inventou essa farsa ridícula!
— Farsa ridícula? — Seus olhos brilham perigosamente.
— Sabe que é!
— Você concordou com essa “farsa ridícula” e até colocou suas condições, não?
Recuo, vermelha.
Sim, eu tinha me aproveitado da situação.
— Talvez eu também ache seus termos ridículos — ele conclui.
Abro a boca consternada.
— O que está querendo dizer? Só porque eu pedi pra transar com você acha que sou ridícula?
— Não foi o que eu disse...
— OK, vá em frente, pode dizer o que pensa de mim! — esbravejo.
Quem Simon pensa que é?
Já estou começando a me arrepender de ter concordado em ajudá-lo.
Não sei se uma transa valia todo aquele drama!
— Eu não sei o que pensar — ele diz, por fim. — Você é imprevisível demais para meu gosto.
— Ah... “para seu gosto”? E qual seria o gosto de Vossa Alteza Simon Bennett? — ironizo.
— Não sei o que isso tem a ver com a nossa situação! Estou perdendo a paciência com essa discussão sem sentido! Deveriam ser apenas algumas horas com meus pais, eles iriam embora e...
— E você faria o sacrifício de transar comigo? — indago, tentando não soar magoada. Não sei se consegui.
Simon era um cretino!
— Não disse isso!
— Então o que quer dizer? Realmente, Simon, estou cogitando de verdade desistir dessa história! Não é só você que está farto, não!
— Como assim? Não pode desistir.
— Claro que posso! Não quero ficar na companhia de um cara que me acha insuportável!
— Não falei que é insuportável!
— Ficou nas entrelinhas, pois saiba que você é um estúpido, mandão e... graças a Deus que não sou sua noiva de verdade! Deus me livre ter que conviver com um cara como você!
— Como assim “um cara como eu”? — Agora é ele que parece ofendido.
— Um cara frio que trata tudo como se fosse um negócio!
— Não sou assim.
— Não? Você é maníaco por controle!
— Não sou! — insiste como uma criança birrenta.
Nem vou perder meu tempo de acrescentar este item na minha lista de defeitos que estou jogando em sua cara.
— Pois eu também não gostaria nada de ser noivo de alguém como você!
— Alguém como eu? Insuportável?
— Louca.
— Ah, então a louca sou eu, tem certeza? Quem inventou uma noiva imaginária para a família inteira? Vai se foder, Simon! Já chega! — Abro a porta e saio para a rua, furiosa.
Antes que dê três passos, Simon surge na minha frente.
— Julie, espere.
— Saia da minha frente! — Tento passar, ele me intercepta.
— Entre no carro!
— A gente estava discutindo e não vejo motivos para continuar com essa palhaçada! Pra mim já deu...
— Não pode ir embora, temos um acordo!
— Ah, não? Fique olhando! — Eu o empurro e saio correndo, atravessando a rua.
Tudo acontece muito rápido.
Escuto a buzina e me viro, aturdida, para ver faróis altos muito próximos. Paraliso de horror e, no momento seguinte, Simon está me puxando e rolamos pela rua, até que paramos próximos à calçada, eu em cima dele, respirando pesadamente, ainda em choque.
Caramba, o que foi aquilo?
Olho para Simon, ele parece tão chocado quanto eu.
— Oh, meu Deus... eu ia ser atropelada.
— Ia — ele balbucia e então me dou conta da situação.
Era exatamente a mesma situação que eu havia descrito para sua família na minha hilariante história romântica de como eu e Simon teríamos nos conhecido. E acho que ele percebe a mesma coisa.
— Porra — soltamos ao mesmo tempo.
E, no minuto seguinte, caímos na gargalhada.
Eu rio tanto que saem lágrimas dos meus olhos e em algum momento percebo que Simon está rindo tanto quanto eu. Realmente rindo, sem controle.
E é a coisa mais linda de se ver.
Eu não imaginava que ele pudesse ficar mais perfeito. Ele ficou.
— Ei, tudo bem aí? — Um carro para ao nosso lado e o motorista olha para nós preocupado.
— Sim, obrigado — Simon responde e me encara. — Isso sim foi ridículo.
— Pelos menos não é mais tão mentira. Podemos fingir que nos conhecemos agora — sugiro.
Ele levanta a sobrancelha.
— E poderia esquecer que sou grosso, estúpido e seja lá mais o que falou?
— Talvez, se parar de me achar insuportável.
— Não é insuportável, Julie Harris — ele diz com uma suavidade que nunca vi antes, enquanto um dedo retira uma mecha de cabelo do meu rosto, colocando-a atrás da minha orelha.
Meu rosto esquenta. E fito seus lábios. Nunca desejei tanto ser beijada na vida. Acho que seria o final perfeito.
Como uma perfeita comédia romântica e...
— Ei, os pombinhos podem sair do caminho? — Outro motorista buzina querendo estacionar e nós rimos, mas dessa vez nos levantamos do chão tentando limpar a roupa.
— Se machucou? — Simon pergunta e sacudo a cabeça negativamente.
— Não, você amorteceu minha queda.
— Foi o que eu falei, imprevisível — ele diz e agora, além da exasperação, há um toque de divertimento. Faz borboletas voarem em minha barriga. — Ainda quer ir embora? — averigua mais sério.
Ai, merda.
Eu deveria.
Simon está deixando minha vida de cabeça para baixo.
E aquela atração que eu sinto por ele está começando a me parecer uma armadilha.
— Não posso te obrigar a ficar se não quiser — completa.
— Vai contar a verdade a sua família se eu for embora?
— Não, provavelmente inventarei alguma história. Acho que posso ser tão criativo quanto você.
Caramba, ele não ia desistir. Que cara teimoso!
Bom, se ele não queria desistir...
— Tudo bem, eu fico.
Simon parece aliviado.
— Obrigado. — Seu tom é o mais humilde que já ouvi dele. — E desculpe-me por ter te chamado de insuportável.
— Você não disse isso.
— Mas pensei — confessa sem a menor culpa. — No entanto, acho que posso conviver com isso.
— E eu posso conviver com o fato de você ser birrento.
— Não disse isso.
— Mas pensei. — Pisco e volto para o carro. — O que vamos fazer agora? Pode me levar em casa para eu poder trocar de roupa, já que vamos jantar com seus pais?
— Claro. Agora seu vestido está realmente horrível.
Olho para mim e vejo que o vestido antes branco está todo sujo de lama da rua.
Eu lhe passo meu endereço e, quando para em frente a meu prédio, sinto-me subitamente temerosa. Quero convidá-lo para subir. Certamente não é a coisa certa a fazer.
— Venho buscá-la à noite, ok?
— Tudo bem.
Abro a porta para sair, no entanto, ele me chama.
— Julie?
— Sim? — Eu me viro.
— Não vai ser nenhum sacrifício seguir os seus termos — afirma, me encarando de um jeito que faz meu rosto pegar fogo.
E todo o ar fugir dos meus pulmões.
E um desejo insidioso se instalar em meu ventre.
— Até a noite — ele se despede, voltando a atenção para o trânsito e dando partida.
Salto do carro e fico olhando-o se afastar.
Ainda sem fala.
Capítulo 7
Julie
Antes de abrir a porta do apartamento já escuto a voz de Holly tentando imitar Mariah Carey ao som de “All I Want for Christmas is You”. Preciso ter uma conversa séria com ela, pois nossos vizinhos não tinham a mesma paciência que eu e Nancy de aguentar seus arroubos artísticos.
— Ei, a fugitiva apareceu! — Ela para imediatamente de cantar quando entro na sala. — Onde esteve? Eu disse para a Nancy que provavelmente estava com algum cara, mas ela ficou toda preocupada! Ligou no seu celular e estava desligado.
— Ele deve ter morrido em algum momento, sem bateria.
Arranco os sapatos e me jogo no sofá ao seu lado.
— E aí? Quem ganhou a aposta? Eu ou Nancy? — insiste, interessada.
— O que Nancy apostou?
— Que tinha sido sequestrada por algum psicopata.
Abro um sorriso. Sim, talvez Nancy não estivesse tão errada. Simon tinha mesmo um jeito de psicopata às vezes.
— Acho que as duas podem dividir o prêmio! — Pisco e me levanto, pegando os sapatos e indo para o quarto.
— Ei, volte aqui, não entendi nada! E que vestido é esse?...
Ignoro Holly e entro no quarto, me jogando na cama.
Contemplo o anel em meu dedo com assombro.
Agora que estou em meu quarto, de volta ao meu próprio mundo, é difícil acreditar que até ontem Simon Bennett era apenas o CEO da empresa em que eu trabalhava e por quem eu tinha uma queda enorme.
Ainda parece incrível que em menos de vinte e quatro horas minha vida tenha virado de ponta cabeça.
Eu tinha entrado bêbada justamente no carro de Simon, dormi em sua cama e de manhã ele tinha me proposto um noivado de mentirinha.
Eu tenho até um anel de diamante!
E em troca de concordar em ser “sua noiva”, pedi para transar com ele.
E ele aceitou.
“Não vai ser nenhum sacrifício.”, ele falou.
Perco o fôlego por um momento e tento ignorar as batidas frenéticas do meu coração ao imaginar que ia realmente transar com Simon.
Oh, Deus, vai acontecer!
Só que, como a Cinderela depois do baile, eu voltaria ao mundo real quando a farsa acabasse. Aquele em que eu tinha uma chefe chata e Simon era apenas um CEO inacessível.
Certamente ele nem perderia seu tempo para me olhar de novo depois que ambos cumpríssemos nossas partes no acordo.
Desta vez, meu coração afunda no peito e suspiro pesadamente.
— É tudo uma brincadeira, Julie — murmuro para mim mesma.
Era melhor manter minha cabeça no lugar.
Ou pelo menos tentar.
Explicar para Holly que o vestido dela já era não foi fácil e tive que prometer pagar o prejuízo, já que ela não aceitou o vestido horrendo de Erin como moeda de troca. Acho que nem o brechó mais fuleiro aceitaria aquela monstruosidade!
E agora observo meu closet sem saber o que vestir para jantar com a pomposa família de Simon. Holly tinha saído para beber com amigos e me chamou, porém recusei, dizendo que tinha um encontro.
— Com o gato psicopata? — Sorriu maliciosa, ainda tentando entender o que é que quis dizer.
Obviamente eu não podia lhe contar com quem tinha passado a noite, apesar de não ter sido um encontro romântico.
Quer dizer, eu tinha um anel de diamante, porém com certeza seria demais explicar a verdadeira situação. E tudo bem que Holly não conhecia Simon, mas ela poderia contar a Nancy e aí eu estaria lascada.
Nancy era a pessoa mais fofoqueira da face da Terra. E com certeza Simon não ia gostar nada se nosso pequeno arranjo vazasse pelos corredores da empresa.
Deus me livre!
E ainda estou sem saber o que vestir quando a campainha toca e corro para abrir a porta, me deparando com um entregador.
— Julie Harris?
— Sim, sou eu.
— Entrega para a senhorita. Assine aqui, por favor.
Eu assino o recibo e pego o pacote que me oferece, fechando a porta meio desconfiada.
Quem diabos me mandou aquilo?
E se fosse uma bomba? Será que os terroristas agiam assim agora? Talvez eu devesse chamar o esquadrão antibombas. E passar maquiagem, no caso de aparecer alguma rede de TV.
Ao virar o pacote, arregalo os olhos ao reconhecer o logo da grife Valentino.
— Mas que...
Impaciente, abro o pacote e um lindo vestido preto de inverno surge ante meus olhos abobalhados.
E ainda há um bilhete no fundo da sacola.
“Espero que compense a perda de seu outro vestido. S.”
— Puta merda!
Não consigo acreditar. Simon me mandou um vestido?
E nem era culpa dele se o vestido de Erin foi estragado!
“Por que está reclamando? Pelo menos agora tem algo bonito para usar no jantar.”, minha consciência me cutuca.
Corro para me arrumar, combinando o vestido com meias pretas grossas, uma bota de cano alto e um casaco de pele que roubei do closet de Holly.
Holly era uma herdeira podre de rica que tinha se mudado para Londres a fim de tentar a carreira de cantora enquanto vivia da mesada dos pais, uns coroas que moravam em Edimburgo.
Ela nem iria dar falta, era só não derramar nada suspeito nele até devolver.
Ainda faço uma pequena mala com uma muda de roupa para amanhã e sinto de novo um frio na barriga ao lembrar que passaria a noite com Simon. Caramba, ele vai cumprir a parte dele do nosso acordo e só de pensar sinto vibrar cada célula do meu corpo em expectativa.
Observo minha imagem no espelho, satisfeita com minha aparência e me sobressalto quando escuto a campainha. Corro para abrir a porta e Simon está ali, me encarando, do alto de toda sua perfeição.
Perco o fôlego por um momento, esquecendo de como se respira.
Caramba, ele tinha ficado mais bonito ou era impressão minha?
— Pronta? — ele pergunta, um tanto impaciente com meu silêncio embasbacado.
— Nunca estive tão pronta na minha vida — murmuro e nem sei se ele ouviu, enquanto pego o casaco e fecho a porta seguindo-o para as escadas.
Entramos no carro e Simon está calado, perdido em seus próprios pensamentos. É um Simon diferente daquele de hoje, antes da nossa discussão. Não sinto que esteja emanando raiva em minha direção, mas também não entendo seu silêncio circunspecto.
Mordo os lábios, subitamente tímida.
— E sua família? — indago para quebrar o silêncio tenso.
— Já estão a caminho do The Ivy.
Uau! Não sei por que eu me surpreendia por estarmos indo a um restaurante chique próximo da empresa, onde provavelmente ele deveria comer todos os dias. Bem, eu não podia me dar a esse luxo.
— Aposto que foi você quem escolheu — alfineto.
— Na verdade, eu sugeri. Já que a comida de lá é boa. Mila ficou animada, porque tem uma pista de patinação ao lado agora na época de Natal.
— Está brincando que a gente vai ter que patinar! — Deixo entrever meu terror.
Eu era péssima patinando.
— Por quê? Não curtiu a ideia? Achei que fosse uma exímia dançarina ou algo assim. — É a vez dele me alfinetar, ao me recordar da minha mirabolante história de cheerleader .
— Esqueceu que eu quebrei o osso cúbito do meu pé direito?
Dessa vez ele ri e sinto de novo aquele frio na barriga. Borboletas.
Mordo os lábios para não suspirar.
Ele para o carro em frente ao restaurante e descemos. Eu me surpreendo quando Simon segura minha mão e toca o anel em meu dedo.
— Espero que seja o suficiente — diz quase que para si mesmo e de repente sinto frio no peito ao recordar o motivo de estarmos ali.
Apenas para fazer um teatro para sua família.
“Pare de ser idiota, e concentre-se no que você quer.”
Certo. Eu posso fazer isso.
Coloco um sorriso falso no rosto e acompanho Simon até a mesa onde sua família está reunida bebericando coquetéis finos.
— Aí estão eles. — Alfred é o primeiro a perceber nossa presença.
— Demoraram, hein? — Sean pisca com malícia e Florence revira os olhos.
— Pare com isso, querido!
Nos sentamos à mesa e nos ocupamos em fazer nosso pedido, quando Mila pega minha mão, arregalando os olhos.
— Meu Deus, olha o tamanho deste diamante!
— Uau, é quase do tamanho do meu punho! — Florence também parece impressionada.
— É realmente um lindo anel, Julie — Maggie diz. — Conte-nos como Simon lhe propôs.
Ai, merda.
— Sim, conte-nos — Mila acompanha o coro, animada.
E todos na mesa nos encaram com ansiedade.
Que porra de família curiosa era aquela?
Olho para Simon e ele parece sem saber o que falar.
Bem, aparentemente eu era a mais criativa de nós dois e caberia a mim inventar algo convincente.
— Bem, eu posso contar... — começo devagar. Tendo o cuidado de manter as mãos à vista para Simon não tentar quebrá-las. Posso sentir seus olhos aflitos presos em mim, mas os evito deliberadamente, mantendo a atenção na plateia curiosa. — Foi mesmo muito romântico... — Sem ter as minhas mãos para vitimar, Simon aperta minha coxa. Acho que deveria ser apenas uma advertência, mas faz com que eu me arrepie de uma forma nada inocente e perco o fio da meada por um instante, o encarando. E como previ, seus olhos são pura advertência.
Limpo a garganta para tentar me concentrar, porque ele mantém a mão na minha perna.
— Simon me levou na Tiffany — falo a verdade, porque meu cérebro parece ter virado gelatina. — E pediu que eu escolhesse.
Arg! Era só isso que eu ia dizer? Os rostos à minha frente parecem decepcionados.
— Não me parece nada romântico. — Mila pisca confusa.
— Parece o Simon — Sean completa.
— Mas foi de surpresa — emendo rápido. — Eu não fazia ideia que Simon ia me levar lá. Nós tínhamos tido uma discussão terrível! — A briga foi depois, mas quem liga?
— Sério? Vocês parecem tão apaixonados, não diria que têm desavenças! — Florence comenta surpresa.
Ai, caramba.
— Simon pode ser um pé no saco às vezes — sibilo sem me conter e ruborizo em seguida. Merda, o que estou fazendo?
Encaro Simon e seus olhos soltam lasers em minha direção.
— O quê? É verdade! — murmuro.
— Você não fica atrás... querida — ele rosna com falsa docilidade, apertando mais minha coxa. Talvez fique roxa depois, mas eu não ia reclamar.
Em vez disso, levo a minha mão à coxa dele e aperto também.
— Não vamos assustar sua família com nossas diferenças, querido! — pronuncio o “querido” no mesmo tom que ele.
Simon aperta ainda mais minha coxa em resposta e agora acho que estamos em algum tipo de competição.
— Bem, todo casal tem suas diferenças — Alfred vem em nosso socorro, já que toda a família nos encara como se estivéssemos em um circo ou algo assim.
— E o Simon é mesmo um pé no saco — Sean completa.
Fito as mulheres que parecem um tanto decepcionadas por não terem ouvido uma história melosa.
Ah, por favor, vão ler um romance de banca!
— É verdade — Mila anui finalmente. — Simon é mesmo um chato às vezes. Estava até me perguntando como é que uma criatura tão meiga como você o aguenta.
— Meiga? — Simon quase cospe sua bebida. — Julie?
— O que quer dizer, querido? — Aperto sua coxa desta vez usando as unhas.
Ah, isso ele não podia fazer!
Escuto seu gemido de dor, mas acho que ninguém percebeu.
— Sim, não acha a Julie doce? — Florence questiona.
O garçom chega com nossos pedidos, salvando Simon de uma resposta.
E somos obrigados a parar a competição de quem aperta mais a coxa um do outro para comermos.
É quase uma pena.
Graças a Deus o assunto muda e eles deixam Simon e eu em paz por um tempo.
Quando o jantar termina, Mila anuncia animada que vamos para a pista de patinação.
— Ah, que... ótimo! — Sorrio falsamente.
Maggie e Alfred dizem que vão apenas assistir e eu já me preparo para dizer o mesmo quando chegamos.
— Você vai com a gente, não é, Julie? — Mila me encara ansiosa. — Tenho certeza que uma ex-cheerleader deve arrasar no gelo também!
— Sim, querida, não disse que era ótima patinadora? — Simon me provoca e eu o fuzilo com o olhar.
— Querido, você se esqueceu do meu problema no osso cúbito direito? — digo entredentes.
Simon rola os olhos.
— Você tem que vir, Julie! — Mila insiste, animada, e eles se afastam para colocarem os patins.
Encaro Simon.
— Que filho da puta você é!
Para minha consternação, ele ri, muito divertido por meu infortúnio.
— Foi você que começou essa história!
— E seu dever era me acobertar e não me deixar em apuros com sua família! Ou quer que sejamos descobertos?
— Se você parasse de inventar histórias mirabolantes, seria bem mais fácil.
— Eu não inventei mais nada!
— Ei, vocês não vêm? — Mila grita do meio da pista.
— Você devia ir. Vou ficar com seus pais.
— Por que não vem? Não precisa fingir que é campeã olímpica de patinação artística, Mila e Florence também só querem se divertir.
— Porque eu sou a pessoa mais descoordenada do mundo! Até parece que vou entrar aí!
— Eu te seguro, venha. — Ele me puxa pela mão.
— Eu não quero, Simon!
Mas ele já está pedindo um par de patins para mim, ignorando minha negativa.
— Isso é tão desnecessário! Aposto que quer me ver cair para ficar rindo da minha cara!
Simon ri e se aproxima, me ajudando a ficar de pé.
— Depois eu é que sou birrento!
Rolo os olhos enquanto ele me leva para o centro da pista.
— Julie, que bom que veio! — Mila passa por nós rodopiando como uma bailarina, seguida de perto por Scott.
Eu sorrio amarelo.
— Por favor, se me deixar cair eu te matarei lentamente enquanto estiver dormindo! — murmuro medrosa.
Simon ri e me vira de costas, mantendo a mão na minha cintura.
— Estou falando sério! Passei anos assistindo aquelas programas sobre crimes passionais e sei várias maneiras eficientes para matar um noivo falso!
— Não vou deixar você cair. Você me tem em tão pouca consideração, Julie?
— Não sou só eu que dou uma de imprevisível se quer saber!
Ele ri e me arrepio quando sinto seus lábios em meu ouvido.
— Apenas relaxe, vou cuidar de você.
Ah, Deus, por que de repente aquilo parecia meio erótico? Será que era com essa voz macia que Simon sussurraria em meu ouvido durante o sexo?
Fecho os olhos e faço o que pediu. Relaxo. E deixo suas mãos me guiarem.
E é... mágico. A música tocando, meus pés deslizando pelo gelo e Simon atrás de mim.
Eu podia facilmente me acostumar com isso.
— Eu não disse? É fácil — diz me virando para ele e sorrio.
— Sim, com você me segurando! Se me soltar eu vou cair e quebrar uns dois dentes, para dizer o mínimo.
— Talvez quebre o osso cúbito direito de verdade.
Nós rimos da piadinha infame.
De repente ele é de novo aquele Simon legal que me levou pra casa depois do quase atropelamento.
— Por que estava chato de novo quando foi me buscar em casa? — pergunto sem me conter. Ele franze a testa. — Ah, sabe que estava meio frio comigo.
— Eu sou frio, Julie — ele rebate.
— Até pode ser. Mas de vez em quando é diferente.
— Diferente como?
— Um cara legal.
— Achei que eu fosse um pé no saco.
Sorrio.
— Às vezes é também. — E meu sorriso se transforma num suspiro, sem que eu consiga me conter, quando Simon aumenta a velocidade fazendo com que eu me agarre a seus ombros, com medo de cair, e sem que tenha planejado nossos corpos estão se roçando.
E nossos rostos estão muito próximos, tanto que sinto sua respiração.
E o ar muda sutilmente.
Tudo desaparece à minha volta, perde o foco, o mundo girando mais lentamente enquanto só consigo enxergar Simon. E seu olhar ávido sobre mim.
Ah, Deus...
Prendo o ar antes que sua boca desça sobre a minha. E assim, sem aviso, Simon Bennett está me beijando.
Capítulo 8
Julie
Simon Bennett está me beijando.
E bastam poucos segundos para que me esqueça de qualquer lembrança que existisse na minha mente sobre outros beijos.
Não havia comparação.
Havia beijos bons e havia Simon Bennett.
Fecho os olhos e deslizo com ele sobre o gelo, enquanto seus lábios se movem sobre os meus, experimentando, provocando, excitando.
Solto um gemido, totalmente perdida em sensações incríveis que sequer sabia que um beijo poderia causar. Meu corpo inteiro está prestes a entrar em combustão espontânea enquanto Simon desliza sua língua para dentro da minha boca, gemendo no processo, fazendo um arrepio de puro prazer atravessar minha espinha e um desejo quente e ansioso percorrer minha pele e se instalar no meio de minhas pernas com um pulsar urgente.
Puta que pariu, como ele conseguia isso?
Em poucos segundos ele não só se tornou o melhor beijo de todos os tempos como me deixou pronta para arrancar nossas roupas e implorar para que cumprisse sua parte no acordo, tipo assim, agora!
— Arrumem um quarto! — A voz divertida de Sean grita em algum lugar muito perto e Simon finalmente termina o beijo.
Abro os olhos, vermelha feito pimentão e sem fôlego, para ver os irmãos de Simon rindo maliciosamente.
Encaro-o com o coração disparado no peito, de um jeito que me deixa apreensiva e alvoroçada ao mesmo tempo.
Perco-me nas profundezas de seus olhos, que me fitam como se nunca tivesse me visto antes. Quero sorrir e dizer que está tudo bem. Que embora eu sonhasse com aquele beijo desde que o vi pela primeira vez, também estava surpresa com a força das sensações e emoções que me tomaram de assalto.
Aí Simon desvia a atenção para seus irmãos, com um olhar analítico.
— Acho que acreditaram.
Espere. O quê?
Que merda ele está dizendo?
Com o coração afundando no peito, me dou conta que Simon me beijou apenas para fazer um teatrinho para sua família.
Eu o empurro irritada, não somente com ele, comigo também.
— Julie, o quê... — Ele me encara confuso quando deslizo para fora de seus braços.
Direto para o chão.
Simon surge acima de mim, segundos depois.
— Está maluca? — Estende a mão e, sem alternativa, deixo que me levante, sem disfarçar minha cara de descontentamento. — O que foi? Por que se afastou? — indaga quando me leva para fora do rinque de patinação.
— Tudo bem, Julie? — Mila passa por nós e me obrigo a sorrir.
— Sim, foi apenas minha lesão no osso cúbito direito!
— Ah, claro. Se machucou?
— Ela vai ficar bem — Simon responde enquanto saímos finalmente da pista e posso me soltar dele, me sentando para tirar a droga dos patins.
Simon tira os dele em silêncio também e então me encara.
— Por que diabos está com essa cara?
Mordo os lábios, sem saber o que dizer. Poderia ser “Estou puta, porque você me beijou apenas para reforçar a farsa de noivado para sua família.”?
Porque é a mais pura verdade.
E não estou apenas brava. Estou decepcionada.
Estou com vontade de sentar e chorar.
O que me deixa tão assustada que tenho vontade de pedir para acabar com aquele acordo imediatamente.
“Sem passar pela cama de Simon?”, uma vozinha insidiosa me sussurra, fazendo meu coração afundar mais ainda.
Eu estava em uma enrascada sem tamanho e não sabia como sair dela sem me machucar. Mas tinha que tentar.
Aquela farsa estava ficando perigosa demais pra mim. E se eu já estava uma bagunça apenas por causa de um beijo, como estaria depois que Simon estivesse dentro de mim?
Depois daquele beijo, eu sabia que Simon e eu seríamos pura dinamite juntos. E, obviamente, para ele não significava nada. Iria dormir comigo e depois me enxotar de sua vida sem se importar com meus sentimentos.
E de quem era culpa?
Eu inventei aquela história de sexo em troca da farsa de noivado.
Talvez Simon nem se importasse se eu dissesse que não queria mais.
Quer dizer, não era uma questão de querer, né?
Eu nunca quis tanto alguém na minha vida, embora começasse a perceber que recuar talvez fosse a melhor saída. Assim, quem sabe, quando este fim de semana acabasse eu ainda tivesse alguma chance de eliminar Simon do meu sistema.
— Mudança de planos — comunico e Simon estreita o olhar.
— O quê?
— Lembra que eu disse que queria passar uma noite com você?
— Sim? — Os olhos de Simon se estreitam mais ainda.
— Então, estou te liberando da sua parte do acordo.
Simon parece confuso por um instante e eu quero que ele diga logo “Ok, sem problemas.” com o tom de voz profissional que lhe é peculiar.
Porém ele parece um tanto desorientado.
— Que merda está dizendo?
— Acho que você entendeu. Não quero mais transar com você.
Simon
Espera.
Julie Harris está dizendo que não vamos mais transar?
Fico olhando para seu rosto impassível, tentando entender que porra ela está pensando. Nunca quis tanto ler o pensamento de alguém como quero ler o dela neste momento.
É exatamente o que eu quis dizer quando a chamei de imprevisível!
Como assim ela está desistindo?
Depois de colocar todas aquelas ideias sacanas na minha cabeça, ideias que tinham permeado meus pensamentos o dia todo, mesmo depois de deixá-la em casa e me reunir com minha família, todos muito encantados com “minha noiva”. Mesmo quando eles se desmanchavam em elogios, Mila dizendo que já previa que seriam ótimas amigas e minha mãe oferecendo o seu próprio vestido de casamento, enquanto Florence perguntava quando seria o grande dia e até meu pai entrou na onda casamenteira perguntando quando iríamos conhecer a família da “minha noiva”.
Porra! Eles não cansavam de tanta insistência? Eu passei a tarde fingindo concordar com seus planos mirabolantes, quando na verdade só conseguia pensar em tudo o que iria fazer com Julie na minha cama naquela noite.
Em que momento minha falsa noiva tinha se tornado uma pequena obsessão?
Quando ela ergueu o queixo e disse que queria uma noite comigo sem vergonha alguma, me fazendo imaginar desde quando nutria aquela atração por mim, se me seguia pela empresa, arquitetando maneiras de chamar minha atenção quando eu nem fazia ideia de sua existência?
Será que o fato de ela estar no meu carro na outra noite foi armação?
E eu me importava?
Merda, não!
Eu só pensava que tinha sido tão consciencioso ontem à noite, quando deveria tê-la colocado embaixo de um chuveiro gelado, lhe dado café quente e a acordado com minhas mãos. Ou minha boca.
Porra. Só de pensar no que podia ter acontecido, no que com certeza ainda iria acontecer, me deixou com uma baita ereção inadequada o dia inteiro.
Eu só pensava em buscá-la e terminar logo com aquilo.
Então quando a vi na porta do apartamento, usando o lindo vestido que pedi à Mila para escolher para substituir o que havia perdido na festa, com seus olhos brilhando de antecipação, um alarme piscou como uma sirene do esquadrão antibombas em minha mente.
Eu me lembrei que ela não era apenas muito desejável. Ela era divertida. E provocadora de um jeito que me exasperava e me deixava vivo.
E me dei conta de que estava desejando aquela garota imprevisível de um jeito que nunca tinha desejado ninguém antes.
E ela era uma funcionária da DBS.
E minha falsa noiva.
E com certeza tinha alguns parafusos a menos na cabeça.
Além de poder ser uma perseguidora sexual psicopata, se eu levasse em conta todas as coisas malucas que vinham acontecendo desde que a conheci.
Julie Harris estava pirando minha cabeça.
Exatamente como as perseguidoras sexuais psicopatas faziam naqueles programas de TV sobre crimes passionais.
Porra!
E então eu tentei me conter. Voltar a ser o que deveria ter sido desde que propus aquele acordo. Frio como gelo.
Foi justamente o gelo que me traiu, quando a conduzi pela pista de patinação sentindo seu perfume incrível e seu sorriso perfeito.
Dali para o beijo foi um pulo.
E então me dei conta que não importava que fosse uma perseguidora sexual.
Eu a queria.
Merda, eu estava fodido.
Quando ela me encarou com aquele olhar que dizia sem palavras que todo o desejo que estava me sufocando era recíproco, senti novamente aquele medo me assolar.
Disfarcei dizendo que a beijei apenas para reforçar nossa farsa.
Afinal, embora estivesse disposto a fazer algumas coisas bem sacanas com Julie Harris, seria só isso.
Sexo.
E ela voltaria a ser apenas uma funcionária qualquer da DBS na segunda-feira.
Não mais minha noiva de mentira.
Ou meu objeto de desejo.
Agora ela está jogando um balde de água fria nos meus planos.
E de novo tento entender o que se passa na sua mente psicopata.
Só isso para explicar a mudança brusca. Porque não era possível que ela não tivesse sentido o mesmo que eu quando a beijei.
Respiro fundo tentando manter o foco.
— E posso saber o motivo dessa mudança de planos? — indago com a voz mais fria que encontro.
Ela dá de ombros.
— Não estou mais interessada.
— Como é?
— Isso mesmo. Não quero mais transar com você.
— Por quê? — Tento manter a voz impassível.
— Olha, Simon, não quero ferir seus sentimentos, porém não senti nada quando me beijou.
O quê?
— Está mentindo.
Ela ri.
— Não estou. A verdade é que seu beijo é péssimo!
Desta vez sou eu que rio.
Ela só pode estar de brincadeira!
— Isso não é verdade.
— Se quer pensar assim...
Minha família se aproxima em peso, encerrando nossa discussão.
— Vamos embora? — meu pai diz. — Já está tarde, crianças.
— Sim, vamos embora. — Puxo Julie pela mão até o carro, ignorando seu rosto fechado.
Quando entramos no carro, ela me encara.
— Talvez nem seja necessário que eu durma na sua casa...
— Vai dormir lá, sim. Minha família espera por isso. — Não vou deixá-la se safar tão fácil.
Dou partida, arrancando com o carro.
Estou furioso.
Julie Harris me provocou.
Ela me desafiou.
Ela não faz ideia onde se meteu.
Capítulo 9
Julie
As coisas não estão saindo como eu queria.
Definitivamente.
Primeiro que eu não deveria estar no apartamento de Simon. Na minha imaginação, quando eu dissesse que não queria mais seguir em frente com aquela história de transarmos, ele me largaria em casa e seria o fim. Pelo menos no que diz respeito à minha insana ideia de ir para a cama com ele. Seria triste e realmente uma pena, ainda mais depois da amostra grátis que tinha me dado com seu beijo que, diferentemente do que eu havia dito, foi espetacular. Se fechasse os olhos ainda podia ouvir os fogos de artifício.
E é justamente por isso que não posso transar com ele. Tenho uma forte desconfiança de que depois de passar por sua cama nada mais vai ser o mesmo. Minha vida sexual será definida como antes e depois de Simon. Provavelmente os pobres coitados que dormirem comigo depois serão muito prejudicados, pois ele será sempre minha fonte de comparação. E vamos combinar, arranjar outro Simon nessa vida será praticamente um milagre. Um raio não cai duas vezes no mesmo lugar.
Enquanto entramos em seu apartamento me pergunto se Simon concordaria que eu dormisse na lavanderia. Ele está me olhando com um olhar estranho desde que entramos no carro. E eu tinha até tentado me safar, dizendo que era melhor me levar pra casa, mas ele foi bastante enfático ao negar. E a mim não restou alternativa a não ser aceitar e rezar para que a família dele acreditasse quando eu dissesse que minha religião não permitia que eu dormisse com meu noivo. Infelizmente nem tive tempo de fazer meu discurso cristão sobre o fogo do inferno que aguardava as garotas que perdiam a virgindade antes do casamento, pois todos deram boa noite e seguiram para seus respectivos quartos de hóspede.
— Por acaso você tem mais um quarto sobrando? — arrisco perguntar me virando para Simon. E lá está, aquele olhar feroz e quase demoníaco. Minha nossa, o que estava se passando com ele?
— Eu não tenho mais nenhum quarto, teremos que compartilhar o meu. — E segue pelo corredor.
Ai, merda.
Ele para à porta e faz sinal para que eu entre. Hesito, como se o diabo estivesse me convidando para uma festa.
Ou para sua cama.
Entro toda corajosa, afinal, Simon não pode me obrigar a fazer nada.
— Só estou vendo uma cama... — insisto, cruzando os braços no peito.
— Vamos dividi-la — diz calmamente enquanto entra e fecha a porta atrás de si.
Meu coração dispara, nem sei se é de medo ou de expectativa.
— Espere, tudo bem dividir o quarto, mas por que dividir a cama? Você deveria ser cavalheiro e dormir, sei lá... no chão!
Ele ri, dando um passo à frente e começando a abrir a camisa.
O quê? Arregalo os olhos, meu rosto esquentando, enquanto o peito de estátua grega de Simon se revela.
— O que está fazendo?
— Tirando a roupa para dormir. Devia fazer o mesmo.
A camisa vai para o chão e tento tirar os olhos de cima dele. Porra, por que ele tem que ser tão perfeito?
É como uma estátua viva de David.
Ele está... tirando a calça?
Abro a boca, estupefata, meu corpo inteiro esquentando ao vê-lo apenas de cueca boxer preta.
Minha nossa!
— Não vou tirar minha roupa! — digo enquanto ele prende o olhar no meu de novo e esqueço-me de como respirar, minha boca seca e meu corpo entra numa espécie de letargia, esquentando e derretendo em lugares estratégicos.
Ah, Deus, estou tão ferrada.
Simon para na minha frente, tão ao meu alcance, tão... irresistível.
Não é nem um pouco justo. Meu cérebro entra em curto-circuito e para de funcionar. Passo a língua por meus lábios ressequidos, incapaz de me mover. Todas as células do meu corpo estão gritando para se fundir com as dele, como se um ímã me puxasse em sua direção.
E é naquele momento que entendo, vejo em seu olhar intenso sobre mim, que não aceitou minha recusa.
Puta que pariu!
Começo a respirar por arquejos quando percebo que em vez de correr e fugir sem olhar para trás, quero mandar meus medos para o espaço e abraçar o perigo.
Jogar-me no fogo que arde em seus olhos.
Na promessa que arde no fundo da íris verde.
— Por que está fazendo isso? — sussurro, ainda tentando escapar daquela armadilha.
— Por que mentiu? — rebate.
— Eu não menti, você realmente beija mal — insisto.
Ele sorri. Perigosamente. Lindamente.
E aquele sorriso faz coisas incríveis em meu ventre. Então, ele levanta a mão e toca meus lábios, que se abrem automaticamente. Ah, por favor. Minha língua traidora toca seus dedos. Seus olhos escurecem de desejo.
— Talvez eu deva te beijar de novo.
Sim!
Quer dizer, não!
Dou um passo para trás e meus joelhos tocam a cama. Droga!
— Aceite, Simon, você beija mal e muito provavelmente é ruim de cama também!
Desta vez os olhos dele escurecem de raiva. E descubro com um arrepio de medo e antecipação que falei a coisa errada.
Ops!
E no segundo seguinte, Simon me puxa bruscamente e desce os lábios sobre os meus.
E, se o outro beijo foi espetacular, este não sei nem descrever!
Provavelmente eu teria caído no chão se ele não tivesse suas mãos firmemente grudadas em minhas costas. Neste momento, essas mesmas mãos estão deslizando, queimando e puxando meus cabelos, enquanto sua língua está fazendo misérias com a minha. Caramba, como ele faz isso? Cravo as unhas em seus ombros e deixo gemidos deliciados escaparem da minha garganta, meu corpo inteiro formigando, da cabeça aos pés. Quando o beijo termina, estou respirando parcamente e completamente zonza.
— Foi ruim? — Simon morde meu lábio inferior e suspiro, ainda com olhos fechados.
— Horrível — murmuro, obrigando meus dedos a desgrudarem de seus ombros e abrindo os olhos, para encontrar os dele queimando em mim.
— Podemos tentar de novo — ele rosna e me beija novamente. Desta vez é diferente. Simon me provoca com beijos curtos e doces, saboreando e incitando, me deixando louca por mais. Derreto contra ele, mordo seus lábios ansiosamente fazendo-o gemer e rir.
— Muito ruim? — sussurra dentro da minha boca e sacudo a cabeça, fazendo com que sua boca passe a mirar meu queixo. E é tão bom quanto, seus lábios deslizando por meu rosto, fazendo um caminho de fogo até meu ouvido. — Quem beija mal?
Ah Deus, ele está beijando meu pescoço e realmente estou começando a perder o controle e é um desastre total, ainda mais quando suas mãos descem até meus quadris e apertam.
Aí o restante do meu controle vai embora quando sinto sua ereção.
Tento reunir o que resta de minha sanidade e encontrar alguma palavra coerente dentro do meu cérebro confuso.
— Eu não tenho certeza...
Simon solta um rosnado irritado que só causa mais arrepios em minha espinha e me solta. Por um momento penso que venci. E em vez de ficar feliz só tenho vontade de chorar de frustração como uma criança privada de seu brinquedo predileto.
Então Simon me empurra em direção à cama e ofego de surpresa e excitação.
— Muito bem, Julie Harris, está me desafiando e eu não corro de um desafio — diz com ferocidade, deslizando para cima de mim e, espere, isso não deveria estar acontecendo, como é que se freia aquele desejo insano dentro de mim?
Quando sua boca oscila a poucos centímetros da minha, mal consigo respirar de tanta ansiedade.
Em vez de me beijar, Simon se afasta e abro os olhos para vê-lo pairando sobre mim como um Deus.
— Onde mais devo te beijar para você entender, Julie? — pergunta com uma expressão de perversidade que me faz tremer.
Em seguida ele enfia a mão debaixo do meu vestido, começando a deslizar a meia-calça por minhas pernas. Os olhos presos nos meus, como que me desafiando a mandá-lo parar. Eu nem me lembro mais por que eu queria parar antes, principalmente quando minha calcinha segue o mesmo destino.
Simon levanta meu vestido e sorri para mim antes de enfiar a cabeça no meio das minhas pernas.
Ah, Deus...
Meus olhos rolam para fora das órbitas quando sinto sua língua me provocando perversamente, fazendo um prazer quente, úmido e pulsante se instalar onde ele está beijando. Gemidos desconexos escapam de meus lábios enquanto sinto todo meu ser se despedaçando com um prazer que queima até a alma.
Porra, ele é bom!
Em tempo recorde sinto meu corpo responder àquele ataque sensual da boca de Simon Bennett e um orgasmo arrebatador me faz arquear os quadris e gritar, meus dedos puxando seus cabelos, enquanto estremeço com o prazer mais incrível que senti na vida.
Puta merda!
Abro os olhos para vê-lo me encarando com um sorriso sacana.
Só consigo pensar que ele não pode ser real. Não é possível.
Sinto vontade de construir um altar em homenagem a Simon Bennett, o deus do sexo. Talvez ele se torne minha religião e eu possa trazer outras mulheres para louvar sua figura mítica.
Não, não é uma boa ideia. Nada de outras mulheres. Talvez eu deva mesmo sequestrá-lo e prendê-lo no meu porão, para que faça o que acabou de fazer todos os dias.
— E então? — questiona, presunçoso. O que é um tanto irritante, devo salientar.
— Não quer dizer que não seja ruim de cama — rebato e ele solta um palavrão irritado e franze a testa.
— Está me provocando, não é? Quer que eu te prove também como posso ser bom no sexo?
Engulo em seco. Só a palavra “sexo” saindo da boca de Simon já faz meu ventre se contorcer de desejo novamente.
— Simon, eu quero tanto transar com você que chega a doer, porém, sinceramente, não acho uma boa ideia — confesso.
Ele me encara confuso.
— Por que não?
— Porque não faz sentido.
— Você achava que fazia muito sentido quando me propôs.
— Exatamente. Vai dizer que não achou insano? A verdade é que não posso obrigá-lo a transar comigo.
— Julie — sua voz sai exasperada quando ele pega minha mão e, sem aviso, coloca sobre sua ereção. Ai, meu Deus. — Parece obrigação para você? — Ele faz meus dedos acariciá-lo.
Nós dois gememos.
— Eu quero você — ele diz contra meus lábios.
Meu coração dispara no peito.
— Continua não sendo uma boa ideia — sussurro antes de beijá-lo.
Que se dane!
Rolo por cima de Simon e o beijo com toda a vontade e adoro sentir seus gemidos roucos dentro da minha boca.
No minuto seguinte, ele está tirando meu vestido apressadamente e o atrito de nossas peles nuas faz um novo fogaréu arder em meu íntimo. Simon me joga na cama de novo, enquanto faz uma trilha de beijos por meu pescoço, meu colo, até chegar a meus seios.
E faz a mágica ali também, sua língua dura e quente cingindo um mamilo, depois o outro, chupando forte até que eu esteja tremendo de ansiedade e enterrando as unhas em suas costas.
— Por favor...
— Por favor, o quê? — Ele ri da minha impaciência e, em retaliação, deslizo minha mão por sua barriga de tanquinho e enfio minha mão em sua cueca, segurando sua ereção entre meus dedos, provocando-o e fazendo-o fechar os olhos e gemer. Ah, ele é lindo assim, nas minhas mãos.
— Dentro de mim... agora! — sussurro em seu ouvido e ele se afasta para pegar um preservativo na cômoda e tirar a cueca antes de vir para cima de mim. — Sim... — murmuro quando o sinto me preenchendo. É simplesmente sublime.
Perfeito.
Ele segura meus braços acima da minha cabeça e morde meus lábios.
— Está bom o suficiente para você? — rosna, movendo os quadris furiosamente.
Eu só consigo gemer, perdida em sensações, ele me beija com força enquanto intensifica suas investidas, e novamente estou flutuando naquele prazer perfeito. Desta vez, quando gozo Simon me acompanha, gemendo roucamente em meu ouvido, até que estejamos ambos exauridos sobre os lençóis.
Puta que pariu, o que foi isso?
Sinto como se um rolo compressor tivesse passado em cima de mim. E eu adorei.
Na verdade, acho que nunca mais vou conseguir me mexer na vida. Talvez eu precise de cadeira de rodas, como naquele filme do Latrell.
Começo a rir do absurdo da situação e Simon levanta a cabeça, me fitando confuso.
Ele está lindo, com os cabelos molhados de suor e ainda meio ofegante.
— Do que está rindo?
— Nada. — Levanto a mão, tirando uma mecha de cabelo de sua testa.
Meu Deus, eu gosto deste cara.
— Você é meio maluca — diz e eu rio ainda mais. Acho que nunca mais vou parar de sorrir.
— Talvez eu seja mesmo — sussurro, fechando os olhos e bocejando.
— Não me respondeu.
— O quê? — Abro os olhos, confusa.
— Foi bom o suficiente para você?
Reviro os olhos. Caramba, ele estava realmente preocupado com sua performance?
— Talvez tenhamos que fazer de novo para me convencer... Mas posso dormir um pouco antes? — Bocejo de novo.
Ele ri e, para minha surpresa, me beija devagar.
— OK, Julie Harris, durma.
Ele se levanta da cama e vai em direção ao banheiro. Sorrio. Ele é realmente uma bela visão de costas também. Fecho os olhos satisfeita e pego no sono.
Capítulo 10
Julie
Acordo sozinha no dia seguinte, como um déjà-vu da manhã anterior, quando acordei totalmente confusa na cama do meu chefe.
Espere: só faz vinte e quatro horas que tudo aconteceu? Parece ter passado uma vida!
Por um momento, fico ali, olhando o teto e recordando a noite louca com Simon. Caramba, ele cumpriu sua parte no acordo. Eu tinha passado uma noite com Simon Bennett e o que podia dizer? Foi a melhor noite da minha vida!
Merda!
Será que Simon tinha curtido tanto quanto eu? Ele parecia estar curtindo. Porém homens são diferentes das mulheres, enquanto estou aqui fantasiando sobre quão maravilhoso seria se Simon entrasse por aquela porta agora, abrisse aquele sorriso deslumbrante e dissesse que a noite passada foi a melhor da vida dele também, ele provavelmente está apenas satisfeito por ter tido sexo fácil.
Eu devia realmente ter insistido em ir pra casa, pois agora como ia ser? Simon deve estar contando as horas para se livrar de mim. Bastaria sua família sair por uma porta que ele me chutaria por outra.
Meu coração despenca no peito e suspiro pesadamente.
Bem, eu tinha o resto da minha parte do acordo para cumprir. Então, me levanto, tomo uma ducha rápida e me visto, saindo do quarto.
Os irmãos de Simon e respectivos cônjuges estão reunidos na cozinha, mas nada de Simon ou de seus pais.
— Olha só quem acordou! — Mila me vê primeiro e sorri, fazendo todos os outros olhos se voltarem para mim.
— Bom dia. — Entro e pego um bule de café, fingindo ser habitual para mim, acordar na casa de Simon, quando, na verdade, estou um tanto tímida de encarar parte da família Bennett sem ele por perto.
— Bom dia, Julie. — É o marido de Mila que responde e ele parece meio tímido também, desviando o olhar.
Mila está rindo baixinho, escondendo o rosto na xícara.
E quando olho para Florence e Sean, percebo que estão me encarando com um olhar cheio de malícia.
— Parece que a noite foi boa, hein? — Florence é a primeira a falar e meu rosto ruboriza instantaneamente.
— Ainda pode andar? — Sean ri e eu decididamente quero morrer. — Pelos gritos que ouvimos ontem, achei que ia aparecer numa cadeira de rodas.
— Sean! — Florence lhe dá um tapa no ombro, mas está rindo também, assim como os outros. Até Scott, embora não me olhe nos olhos.
Minha nossa, que vergonha!
— Vocês ouviram? — pergunto mortificada.
— Acho que Londres inteira ouviu — Mila confirma divertida.
— Ah que vergonha... oh, Deus, seus pais ouviram! — Eu tinha que ir embora dali, tipo assim, agora!
— Não se preocupe. Meus pais têm problemas para dormir fora de casa e tomam pílulas que os fazem apagar — Sean responde e suspiro aliviada.
— Graças a Deus! E cadê seus pais e Simon?
— Papai e mamãe foram caminhar no parque e Simon, acho que está no escritório, deve saber que ele é maníaco por trabalho! — Mila diz em tom de crítica. — Achei que ia deixar de lado, já que você está aqui.
Eu sorrio amarelo.
— É, eu desconfiava — minto. Como é que eu ia saber que Simon trabalhava até no domingo? — Bem, vou tentar tirá-lo de lá!
— Faça isso! — Mila diz. — A gente precisa decidir onde vai almoçar.
— Enquanto isso, vamos dar um pulo no parque também? — Sean sugere e todos os outros aquiescem, saindo para buscar os casacos.
Ando pelo corredor abrindo portas, porque não faço ideia de onde fica o escritório até que, ao me aproximar da última porta, escuto uma música clássica vindo de lá.
Encontro Simon debruçado sobre um notebook , muito compenetrado, enquanto um som sai de uma vitrola em um canto e arregalo os olhos ao ver uma estante cheia de vinis.
— Uau.
Simon levanta o olhar e me vê parada à porta.
— Julie! — Ele parece confuso por um momento, como se nem se lembrasse mais que eu estava ali.
Sorrio meio sem graça.
Se fosse sua noiva de verdade, eu podia atravessar a mesa e me jogar em seu colo e dar bom dia com um beijo bem dado. E talvez, já que toda sua família intrometida saiu, arrastá-lo de volta para a cama para fazer mais algumas coisas bem sacanas.
Porém, não sou sua noiva de verdade.
— Sim, eu. Esqueceu que tem uma noiva, querido? — digo com ironia, entrando no escritório e examinando tudo mais de perto. — Você tem uma bela coleção aqui. — Pego um disco do David Bowie.
Em um segundo Simon está na minha frente, arrancando-o da minha mão.
— Sim e não gosto que mexam em nada.
— Nossa, credo! — Levanto as mãos.
Ele recoloca o disco no lugar.
— Esse é bem raro e custa mais de mil libras, então é melhor não pôr a mão.
— Você tem um vinil que custa mais de mil libras? Minha nossa!
— Na verdade, estava neste exato momento procurando uma edição do Sex Pistols que custa mais de dez.
— Minha nossa!
Ele dá de ombros.
— Apenas gosto de música.
— Nunca imaginei.
— O quê?
— Que curtisse algo tão... normal como música.
— Por que o espanto? — Ele parece meio ofendido.
— Você é todo certinho, todo viciado em trabalho!
— Na verdade eu tinha até uma banda quando era adolescente.
Agora estou realmente de queixo caído.
— Está falando sério?
— Sim, eu tocava guitarra e piano.
— Uau, é mesmo surpreendente.
— Por que tanta surpresa? Você nem me conhece, Julie.
Desvio o olhar para que ele não veja o quanto isso me afeta.
Tem toda razão. Eu não o conheço de verdade. E nem ele a mim.
De repente, quero remediar aquela falha. Quero conhecer Simon.
Conhecer de verdade. E quero que ele me conheça.
“Por quê?”, diz uma vozinha debocha dentro de mim e levanto a cabeça de novo, desta vez tomando o cuidado de colocar um sorriso despreocupado no rosto para esconder o desapontamento.
— Tem razão, realmente não sei nada sobre você! De repente pode ser até um ex-garoto de programa e eu nem faço ideia.
Ele ri, fazendo as borboletas voltarem ao meu estômago.
— Acha que tenho habilidade suficiente para ser garoto de programa?
Ruborizo ao me lembrar que sim, ele tem muita habilidade.
— Aposto que podia ganhar mais do que sendo um CEO. — Faço seu sorriso aumentar com meu comentário. — Não seja presunçoso!
Ele dá de ombros.
— Você que está dizendo.
— Seus irmãos nos ouviram. Quase morri de vergonha, se quer saber.
— Eles que cuidem da vida deles! — Simon mantém o humor.
Quero lhe dizer que continua me surpreendendo. Talvez ele não seja apenas o CEO frio e sério que eu pensava que fosse.
Simon tinha muito mais lados. Muito mais interessantes.
— Por que não seguiu a carreira de músico? — arrisco-me a perguntar.
Era difícil imaginar um Simon mais jovem, tocando em uma banda e sendo rebelde.
— Eu queria ganhar dinheiro.
— Sua família é rica.
— Meus pais são ricos, não eu. Queria fazer minha própria história.
Ah, isso eu podia acreditar. Simon era orgulhoso. E queria mostrar ao mundo que podia ser o melhor. Provavelmente deve ser o motivo de trabalhar tanto.
— Às vezes só trabalhar não tem graça nenhuma.
— E você, deixou para trás algum sonho maluco, antes de ir trabalhar com RP?
Dou de ombros, não querendo falar sobre mim.
Não quero que Simon me conheça melhor agora que me toquei que não vai levar a nada.
Manter conversas sobre nós mesmos só iria me deixar mais iludida e chafurdando um pouco mais naquela paixão sem futuro.
— Quase fui bailarina, você sabe, aí aconteceu meu acidente com o osso cúbito do pé direito.
Ele ri e eu rio também, não sei se percebe o que estou fazendo.
Então ele estende a mão.
— Já que é uma exímia bailarina... — E sem aviso me puxa para perto, me conduzindo ao som da música.
— Não sei dançar isso! — murmuro sem fôlego.
— É Debussy, Clair de La Lune .
— Seu gosto parece bastante eclético.
— Meu pai me ensinou a gostar de música clássica.
— Hum... — Não sei o que dizer.
Estou ocupada tentando me lembrar de respirar ou resistindo à vontade de me aconchegar mais a ele.
Por alguns instantes, apenas ficamos ali, Simon me levando ao som da música.
E fazendo eu me apaixonar mais um pouquinho por ele.
Oh, Deus, estou tão ferrada!
— Me fale algo sobre você — diz de repente, me surpreendendo.
Engulo em seco, encarando o fundo de sua íris verde.
Ah, Simon, se você soubesse...
Antes que eu possa articular qualquer resposta o celular dele toca sobre a mesa, quebrando o encanto do momento.
Ele me solta para atender.
— Oi, Mila, sim, eu sei... Pode escolher onde quer almoçar... Não, não vai inventar de cozinhar aqui... Problema seu, se não quer sair não coma então.
— Eu posso cozinhar — interrompo a conversa e Simon me encara confuso.
— Mila, espere. — Ele coloca a mão sobre o fone. — O que disse?
— Eu disse que posso cozinhar para sua família, se eles quiserem.
— Você sabe cozinhar?
— Acho que todo mundo sabe, Simon! — Reviro os olhos. Não ia dizer para ele que eu amava cozinhar e o fazia muito bem, obrigada.
Ele volta ao telefone.
— Tudo bem, Mila. Julie vai cozinhar.
Ele desliga e me encara com o cenho franzido.
— Tem certeza? Podemos ir a um restaurante.
— Não, eu cozinho — afirmo.
— Sério que sabe cozinhar? — insiste, incrédulo.
— Sim, eu sei! Até me inscrevi para o Masterchef Austrália há alguns anos, mas meu pai não quis pagar minha passagem. Acho que ele teve medo que algum canguru me comesse, ou algum surfista. Enfim, alguma coisa assim...
— Está falando sério ou é mais uma de suas histórias fantasiosas?
— Aguarde e veja! — rebato, deixando-o sozinho e indo para a cozinha.
Eu ia mostrar a ele!
A família de Simon chega uma hora depois e todos parecem surpresos por eu estar cozinhando.
— Julie, você não precisava se dar ao trabalho, querida — Maggie diz.
— Gosto de cozinhar, não se preocupe — respondo com um sorriso enquanto coloco a carne no forno.
— Ela parece saber o que está fazendo! — Florence diz meio abismada.
— Florence não sabe nem ligar o forno, Julie. — Mila ri.
— E você sabe? — Florence rebate.
— Não preciso de ajuda, podem ir para a sala que eu chamo quando a comida estiver pronta — digo, querendo me livrar delas.
— A gente queria conversar com você. — Mila se acomoda no balcão. — Pegue um vinho, Florence!
— Sim, vamos falar sobre os planos de casamento! — Florence bate palmas, animada.
Ai, meu Deus!
— Realmente, acho que prefiro cozinhar concentrada... — insisto, um tanto alarmada. Não estava a fim de falar sobre meu casamento imaginário com Simon.
E nem inventar mais histórias malucas.
— Meninas, deixem a Julie em paz! — Maggie me salva. — Julie, vamos aguardar na sala com os rapazes, ok?
— Obrigada. — Respiro aliviada.
Já estou quase terminando quando Simon aparece. Ele fica me observando desconfiado enquanto me movo pela cozinha.
— O que está fazendo aí me espionando?
— Achei que ia pôr fogo na cozinha ou algo assim.
Eu solto uma gargalhada.
— Eu disse que sabia cozinhar!
— Você é mesmo imprevisível!
— Por que fala de forma negativa? — Não consigo deixar de me irritar um pouco.
— Minha família está encantada com você. — Ele não responde minha pergunta.
Levanto o olhar do prato de salada que estava temperando e o vejo me fitando de forma esquisita.
— Que bom que seu plano deu certo, não é?
— Sim, deu certo.
— E já pensou no que vai dizer a eles quando perguntarem por mim? — Volto minha atenção para a salada.
— Não pensei nisso ainda — ele diz a contragosto. — Não se preocupe, pensarei em algo.
— Tenho certeza que sim — resmungo. — A comida está pronta, pode chamar todos?
É realmente um deleite ver a família de Simon se refestelando com minha comida.
Eu amava cozinhar desde criança. Tinha aprendido com minha avó paterna, já que minha mãe odiava cozinhar. E foi bastante útil para não morrer de fome enquanto crescia.
Desde que me mudei para Londres, para estudar, não tive muito tempo para usar meus dotes culinários. E adorei fazê-lo na cozinha maravilhosa de Simon.
Por falar em Simon, eu o encaro do meu lado da mesa, muito satisfeita por vê-lo devorar minha comida.
— Está estupendo, Julie — Alfred elogia.
— Sim, muito bom. O Simon vai engordar uns cem quilos se tiver que comer sua comida todos os dias! — Sean brinca.
— Você é realmente uma ótima cozinheira, querida — Maggie diz com um sorriso maternal.
— Quer trocar de mulher, irmão? — Sean continua. — Florence é péssima na cozinha.
Simon, que estava quieto até aquele momento, levanta os olhos do prato.
— Que merda está dizendo?
— Ei, olha o palavreado! — Maggie ralha.
— Calma, é brincadeira. — Sean ri. — Não trocaria minha Florence por ninguém. — Ele abraça Florence.
— Você também quer me trocar, Scott? — Mila indaga ao marido.
— Claro que não, querida. — Ele lhe dá um beijo carinhoso no rosto e sinto muita inveja dos dois casais.
Quero virar para o Simon e dizer “podia ser a gente, mas você não colabora”.
Simon está silencioso e perdido em seus próprios pensamentos.
De repente levanto o olhar e pego Scott nos encarando.
Novamente tenho a impressão que Scott desconfia de algo. Como é que pode desconfiar com todo o barulho que fizemos ontem?
Depois do almoço, a família de Simon se despede e parte.
E ficamos sozinhos.
Me pergunto o que ele acharia se eu pedisse para gente ter uma foda de despedida.
— Parece que acabou. Vou te levar em casa — ele comunica.
Hum, nada de foda de despedida então.
— Tudo bem — concordo, indo pegar minha bolsa.
Sinto o começo de uma dorzinha querendo se alastrar por meu peito, mas ignoro-a.
Era ridículo. Simon era apenas uma paixonite.
Ia passar, como uma gripe.
Era isso.
— Acho que deu tudo certo, não? — comento no carro, para quebrar o silêncio enquanto ele dirige.
— Sim, deu tudo certo.
— Você não parece contente — arrisco.
— Acredita que fico contente por enganar minha família? — Ele parece meio irritado.
— Pensei que fosse o que queria!
Ele para o carro em frente ao meu prédio e me encara.
— Sim, era o que eu queria. Estava de saco cheio daquela insistência para que arranjasse um relacionamento sério.
— Qual o problema com um relacionamento sério?
— Não tenho tempo para essas coisas.
— Nunca vai ter? — Sei que estou sendo intrometida, só não consigo parar.
— Não tenho tempo no momento.
— Quando então? — insisto quase ansiosa. Quem sabe se ele tivesse um prazo, poderia ir me preparando...
— Parece minha família falando! Foi exatamente por isso que inventei uma noiva!
Suspiro, desanimada.
— Pelo menos eles te deixarão em paz agora, não é?
— Espero que sim. Obrigado por ter me ajudado — ele diz e sorrio tristemente, retirando o anel que ainda estava no meu dedo, devolvendo-o a ele.
— Bem, ambos cumprimos nossa parte — digo com certa ironia para camuflar minha tristeza por nosso tempo juntos ter terminado. — Tchau, Simon!
— Julie, espere.
Eu me volto, quase esperançosa.
Era agora que ele ia dizer que não queria que acabasse e...
— Espero que mantenha segredo sobre o que aconteceu.
Ah...
— Tem que ficar entre nós. Ninguém no escritório pode saber.
— Fique tranquilo. Eu também não quero que ninguém saiba — respondo seca e saio do carro, batendo a porta com mais força do que deveria.
Parece que agora acabou de vez, tirando a parte que eu ainda teria que vê-lo todos os dias no trabalho.
Lindo e inacessível como antes.
Tudo bem, vou tirar isso de letra. Seria adulta e madura e esqueceria minha paixonite por Simon.
Seria fácil.
Não seria?
Capítulo 11
Julie
Só que no dia seguinte acordo ridiculamente atrasada depois de passar a noite tendo pesadelos com Simon. Exatamente. Agora, em vez de sonhos românticos, tinha pesadelos nos quais persigo Simon vestida de noiva e ele corre apavorado pelas ruas gritando, fugindo de mim.
Xingando todos os palavrões possíveis, consigo me arrumar e correr para pegar o metrô. Quando entro no elevador da DBS, respiro fundo, olhando a hora no celular e percebendo que, apesar de toda minha correria, estou atrasada quarenta minutos. Erin ia me matar.
Para completar, a porta se abre em algum andar antes do meu e, para minha consternação, Simon Bennett entra no elevador, seguido de Mark Wilson, o vampiro do RH.
Seu olhar brilha de surpresa por um instante e tenho certeza que estou vermelha feito um pimentão quando ele se vira, ficando de costas para mim.
Ah, claro que ele iria me ignorar.
Tudo bem, eu podia fazer a mesma coisa.
A porta do elevador se fecha enquanto Mark mostra a ele algo num tablet .
— Esses números podem comprovar o que estou dizendo... — Mark continua a falar sem que eu preste atenção. Aliás, minha atenção está na nuca de Simon enquanto tento ignorar seu cheiro delicioso e agora familiar chegando até mim e detonando com a minha memória olfativa.
— Atrasada, Senhorita Harris? — De repente a voz de Simon corta Mark e arregalo os olhos.
Ele falou comigo?
Ai, meu Deus!
Limpo a garganta, tentando pensar no que responder, enquanto Mark vira a cabeça lentamente em minha direção.
Sorrio amarelo.
— É, oi, Senhor Vamp... quer dizer, Wilson.
— Eu te fiz uma pergunta, Senhorita Harris — Simon insiste, sem se voltar, com voz autoritária de CEO.
De repente sinto a raiva borbulhando dentro de mim. Ok, Simon pode chamar minha atenção, afinal, é o chefe supremo, no entanto eu sei que não está me questionando por isso.
Na verdade, não entendo bem por que está falando comigo quando foi ele mesmo quem frisou que não queria que ninguém no escritório soubesse da nossa ligação.
E não acho que notar minha existência e começar a me questionar de uma hora para outra é ser discreto.
Bem. Dois podem jogar esse jogo.
— Desculpe, senhor — respondo. — É que eu tive um fim de semana muito agitado.
Desta vez ele se vira, com os olhos em fogo.
Ah! Eu sorrio triunfante para seu rosto carrancudo.
— É mesmo? — indaga devagar. — Teve um encontro?
Ah, ele ia jogar? Podia ver em seu olhar que estava me desafiando.
— Na verdade, acho até que fiquei noiva!
Os olhos dele se arregalam de surpresa e tenho vontade de rir.
Tome essa, seu cretino!
— Meus parabéns — Mark se intromete em nosso estranho diálogo e tanto eu quanto Simon nos viramos para o vampiro, quer dizer, o gerente de RH.
Antes que qualquer um possa dizer algo, o elevador para de novo e Alan Felton entra.
Seu rosto se ilumina ao me ver.
— Ei, Julie. — Ele para do meu lado e só então parece notar Simon e Mark. — Bom dia — diz mais comedido.
A porta se fecha de novo. Mark volta a falar com Simon e Alan sorri para mim.
— Onde se meteu na noite da festa? Te procurei e não te encontrei — ele sussurra.
— Precisei ir embora mais cedo. — Se Alan soubesse...
— Pensei que tivesse saído com Tyler.
— Deus me livre! Tyler é um tarado babaca, na verdade fui embora fugindo daquele idiota.
— Sério? Enfim, quer almoçar comigo hoje?
Olho para a nuca de Simon. Lembro de como fantasiei com ele. E até realizei parte da minha fantasia. Apenas para a realidade esmurrar minha cara com força.
Sorrio para Alan quando a porta se abre no nosso andar.
— Claro!
Acompanho Alan para fora do elevador, mas ainda arrisco olhar para trás apenas para ver Simon me fuzilando com o olhar antes de a porta se fechar.
A vontade de mostrar o dedo do meio é grande, e só não faço porque Mark ainda está mostrando seus números idiotas para ele.
— Que filho da puta — estou xingando sozinha quando chego à minha mesa, ainda furiosa com Simon.
— Isso é hora de chegar? — Levo um susto ao ver Erin surgir na minha frente com cara de assassina.
Ai, merda!
Era só o que me faltava!
— Me desculpe, Erin, eu....
— Estou farta de suas desculpas! Eu já estava muito insatisfeita com seu desempenho antes do fiasco da festa e agora...
O telefone toca na minha mesa e atendo sem pensar, apenas para me livrar da falação desvairada de Erin.
— Julie Harris...
— Julie, é Natasha. — Escuto a voz cavernosa da secretária de Simon. — Simon está pedindo para Erin subir à sala dele imediatamente. É melhor que ela não demore, ele não está de bom humor hoje.
— Ele disse o que queria com ela? — arrisco-me perguntar e posso quase imaginar Natasha rolando os olhos do outro lado da linha.
— Com certeza e depois escovamos o cabelo um do outro enquanto contávamos sobre nosso fim de semana! Claro que que não! Você está bêbada ainda ou o quê?
— Desculpe-me...
— Apenas passe o recado para Erin. — E desliga na minha cara.
Recoloco o telefone no gancho, com uma horrível sensação de inevitabilidade na boca do estômago.
Simon ia dar carta branca para Erin me demitir. Tenho certeza.
— E você deveria ser grata pela chance que te dei aqui, porque não tem experiência alguma e... — ela continua.
— Simon Bennett pediu para você ir à sala dele agora. E Natasha frisou o “agora”, porque ele não parece de bom humor.
Erin se empertiga toda.
— Ah, ok. — Arruma o cabelo com o rosto preocupado e antes de sair aponta o dedo para mim. — Nossa conversa ainda não terminou.
Bufo quando ela desaparece porta afora.
Talvez eu devesse arrumar minhas coisas e dar o fora dali antes da humilhação de ser demitida.
E quem sabe antes não devesse ir à sala de Erin com um taco de baseball e quebrar tudo. Da impressora aos bibelôs cafonas em sua mesa.
A verdade é que não é a mesa de Erin que eu quero quebrar, e sim a do CEO da empresa.
Poxa, eu fui tão legal com ele. Concordei em participar daquela farsa ridícula com sua família e para quê? Para depois ele me tratar feito uma criminosa! Com certeza deve estar arrependido de ter se envolvido comigo e está pedindo à Erin que se livre de mim o mais rápido possível.
Cansada de esperar Erin voltar, vou até a sala de café fazer hora. Não ia perder meu tempo trabalhando se ia ser demitida.
— E aí, sumida! — Nancy aparece toda sorridente. — Onde se meteu na festa, sua louca? — Eu não tinha visto Nancy o fim de semana inteiro. E ela sempre acordava mais cedo para ir malhar antes de vir para a empresa. — Holly me falou algo sobre um encontro com um psicopata. Não entendi nada!
— Melhor não entender mesmo!
— Não pode me deixar nessa curiosidade! Com quem você saiu da festa?
— Você não conhece...
— Ah, então teve mesmo alguém... — Ela está praticamente salivando de curiosidade e me dá uma vontade imensa de contar sobre Simon e o cretino que ele era. Assim, Nancy com sua boca grande iria espalhar a história sórdida para toda a empresa e Simon ficaria com o moral no chão.
E eu estaria rindo feito louca. Em casa assistindo Irmãos à Obra e comendo pipoca enquanto procurava emprego nos classificados, claro.
— Ah, aí está você! — Natasha aparece na porta da sala do café com cara de poucos amigos. — Venha comigo!
— Ir com você para onde?
— Simon está pedindo que vá até a sala dele.
Arregalo os olhos.
Como é?
Será que ele mesmo queria me demitir?
— E se eu não quiser ir?
— Por que não iria?
— Eu estou esperando Erin.
— Ela já foi almoçar.
— Então ela já saiu da sala dele?
— Nossa, quanta pergunta! Vai me acompanhar até a sala da diretoria ou quer que eu diga a Simon que se recusou?
— Julie, o que foi que você aprontou? — Nancy sussurra.
Coloco a xícara na mesa e me levanto.
— Tudo bem, eu vou!
Acompanho Natasha como um cordeiro indo em direção ao sacrifício.
Ela abre a porta da sala de Simon para mim.
E lá está ele. Como o rei em seu trono, na grande mesa de carvalho no fundo da sala toda envidraçada com uma linda vista para o Tâmisa.
Não consigo interpretar seu olhar quando levanta a cabeça e me vê.
— Pode nos deixar a sós, Natasha. E não me passe nenhuma ligação.
Natasha fecha a porta silenciosamente atrás de si e respiro fundo.
— Posso saber que diabos estou fazendo aqui? — Não disfarço meu descontentamento. — Estava falando com Erin sobre minha demissão? Pretende fazer você mesmo?
Ele franze a testa.
— Acha que vou te demitir?
— Não sei, me diga você!
— Não sei o que seu cérebro maluco estava cogitando, mas não será demitida.
— Ah... — Não sei se sinto alívio.
Na verdade, nem sei o que estou sentindo.
— Sente-se, Julie.
Sento-me na cadeira em frente à sua mesa, encarando-o desconfiada.
— Por que achou que eu ia te demitir?
— Porque ficou me questionando com voz de Darth Vader no elevador!
Ele ri.
— Eu questiono todo mundo, Julie.
— Não a mim. Na verdade, você nem deveria me conhecer!
— Por que não conheceria? É minha funcionária.
— Não sabia da minha existência até poucos dias.
— Agora eu sei da sua existência e se chegar atrasada posso questioná-la como qualquer outro funcionário.
— Parecia que estava com raiva de mim, que queria me punir.
— Não estou com raiva de você, que merda está falando?
— Não sei! Está tudo muito confuso!
— Pensou que eu ia mandar te demitir?
— Chamou a Erin para que então?
— Justamente para pedir que não a demitisse.
Abro a boca, estupefata.
— Sério?
— Eu disse que ela estava querendo te demitir. Só queria me certificar de que ela não o faria.
— E o que disse?
— Nada comprometedor, óbvio. Apenas que não deve demitir ninguém precipitadamente. Embora ela não tenha ficado muito contente, concordou em te dar outra oportunidade.
— Ela me odeia, mais dia menos dia vai arranjar um jeito — desabafo.
— Se for uma boa funcionária e não chegar atrasada, não vai ter motivos.
Pergunto-me se ele iria me proteger caso Erin tentasse novamente.
E na verdade sinto-me confortada por saber que me defendeu. Quer dizer, mais ou menos, né?
E lá vamos nós! Cá estou toda derretida por Simon Bennett outra vez.
Já estava na hora de parar.
— Bom, se era só isso. — Levanto-me, pronta pra fugir dali.
— Na verdade, não foi por isso que a chamei aqui.
Engulo em seco. Como é?
— E me chamou por quê? — indago devagar.
Ele empurra a cadeira para trás e se levanta, dando a volta na mesa e parando na minha frente.
— Minha família está contando com você para passar o Natal na minha casa.
— Como é? — Meu cérebro dá nó.
— Aparentemente eles ficaram encantados com minha noiva — fala, cheio de ironia. — E não vão aceitar um “não” como resposta.
— E por que eu iria passar o Natal com a sua família?
— Por isso a chamei. Queria te pedir que finja ser minha noiva mais uma vez.
Eu o encaro em choque.
Ele só pode estar brincando, não é? Ia rir e dizer que era uma pegadinha.
Mas Simon não está rindo.
Porra, ele está falando sério?
— Está maluco? Que absurdo!
— Não é absurdo. Já fizemos uma vez. Só estou pedindo que faça de novo. É bem simples.
— Simples o caralho! Não posso fingir ser sua noiva sempre que precisar, Simon!
— Não estou pedindo sempre! Somente mais essa vez.
— E quem garante?
— Eu garanto.
— Não. — Nego com a cabeça e as mãos para enfatizar minha negativa.
— Não está sendo razoável — Ele começa a repetir as mesmas palavras que disse antes, com aquela voz de negociador implacável. Não vai colar desta vez!
— Agora vai me dizer que é meu chefe e... — Paro, desconfiada. — Espere... Intercedeu por mim junto à Erin apenas para me persuadir a concordar com seu joguinho? Que escroto, Simon!
— Não foi só por isso...
— Ah, cale a boca! — Passo por ele disposta a sair da sala.
— Julie, espere.
— Não, já chega!
— O que você quer em troca de concordar?
Eu me volto devagar, estreitando os olhos.
Sério que ele está me perguntando?
Porra, será que está querendo dizer...
Não. Claro que não.
Noto em seu olhar uma determinação quase feroz enquanto se aproxima de mim.
Ah, merda, minhas pernas amolecem.
Meu rosto ruboriza e esqueço como se respira.
Simon continua a se aproximar.
Como um predador em volta de sua presa.
Corra, Julie.
Fuja para as montanhas!
— Não estou interessada... — Eu me volto, colocando a mão na maçaneta.
E então sua mão está sobre a minha e sinto sua respiração em meu ouvido.
— Eu me lembro muito bem dos seus termos.
Fecho os olhos, me arrepiando da cabeça aos pés.
Simon desliza a outra mão por minha cintura, me levando para junto do seu corpo firme atrás do meu e... puta merda, ele tem uma ereção.
Começo a respirar por arquejos, enquanto um pulsar úmido se instala como uma bomba-relógio no meio de minhas pernas.
— E estou disposto a seguir à risca — continua num sussurro sensual, enquanto os lábios percorrem meu pescoço.
Solto um gemido involuntário, meu corpo traidor se aconchegando ao dele. Sua mão atrevida desliza para debaixo de minha saia e ultrapassa a barreira da minha calcinha.
— Ah, Deus... — murmuro, perdida ao sentir os dedos longos de Simon me torturando.
Eu não deveria estar aqui, eu...
— Qual sua resposta, Julie? — Ele morde meu pescoço e se esfrega desavergonhadamente em mim.
— Isso não é justo...
— Estou sendo muito justo... Eu sempre sou muito justo em meus negócios...
Negócios?
Reteso o corpo.
Negócios?
É como um balde de água fria.
E basta para que consiga me desvencilhar com um safanão.
— Me solta!
— Ei, o que... — Simon me deixa ir, com um olhar entre frustrado e confuso.
— Acha que sou muito fácil, não é?
— Julie...
— Eu disse que não!
Ele fica sério novamente.
— Se não quer isso, o que quer?
— Não quero nada! Só que me deixe em paz.
— Julie, por favor...
— Até qualquer hora, Simon!
E saio da sala sem olhar para trás.
Só paro quando chego a minha mesa e me sento, ainda meio em choque.
Eu tinha dito não à chance de transar com Simon em sua mesa?
Eu estava louca?
Por que ele tinha que ser tão cretino?
— Ei, Julie, você já soube? — Nancy aparece na minha frente e percebo que já estou há um bom tempo olhando para o nada.
— Soube o quê?
— Tyler foi demitido!
— Como?
— Parece que alguém o denunciou por assédio sexual! E diretamente com o próprio Simon!
Porra, Simon demitiu Tyler por minha causa?
Era bem feito para Tyler.
Mas não fazia de Simon um príncipe encantado. Não mesmo.
De repente o telefone toca na minha mesa e eu atendo, dispensando Nancy com um olhar.
— Julie Harris.
— Julie, é Maggie.
— Maggie? — Fico sem reação. O que a mãe de Simon quer comigo?
— Simon me disse que não ia poder vir para o Natal...
Ah, isso.
— Sim, me desculpe, tenho minha própria família e...
— Claro, querida. Eu entendo! E Simon me disse exatamente que era esse o motivo, por isso tomei a liberdade de pedir o telefone dos seus pais para o Simon...
— Espere, o quê?
— Espero que não fique brava, ele me passou e eu liguei para sua mãe e contei que queria que você passasse o Natal com a família de seu noivo...
Caralho! Merda! Porra!
Como assim?
Maggie tinha ligado para minha mãe?
— E ela ficou surpresa quanto ao seu noivado! Disse que nem sabia que estava namorando! Por que não contou a seus pais, querida?
De repente escuto meu celular tocando.
E ao pegá-lo noto que tem, tipo, um milhão de ligações.
Fodeu.
— É, eu...
— Expliquei à sua mãe que os jovens são assim mesmo hoje em dia. Veja o Simon, nem queria trazer a noiva para conhecer a família! Mas vamos consertar tudo! Ela disse que vai te ligar e pedir que leve Simon para jantar na sua casa e que ficaria feliz de cedê-la para nós no Natal. Ela disse que nem são religiosos... Ou são Wicca, algo assim, não entendi muito... é tipo budismo?
— Maggie, desculpe-me preciso desligar, acho que é minha mãe no celular.
— Claro, fale com ela. Eu te ligo depois. Você come peru, não é?
Eu desligo e atendo o celular.
— Julie, como assim está noiva?
— Não...
— Querida, estou tão feliz! — Minha mãe começa a rir feito louca.
O quê?
— Eu sabia que o feitiço que eu fiz no solstício ia fazer efeito!
— Mãe, que feitiço? — Minha mãe ia todo ano bater tambor junto com seus amigos malucos no solstício de verão em Stonehenge.
— Para que sua vida se iluminasse! Só não sabia que seria tanto assim! Está noiva! Que maravilha, a Mãe Terra sabe como nos presentear com seus frutos e...
— Mãe, por favor, pare...
— Seu pai já está limpando a adega para mostrar ao seu noivo amanhã.
— Como assim? Papai sabe?
— Claro que sabe! Ele está muito feliz também! Disse que vai abrir aquele vinho da safra de 84 que guarda desde que ganhamos de casamento... vai ser lindo!
— Como assim “amanhã”?
— O jantar com seu noivo, claro! Liguei para combinar! Que horas conseguem chegar? Não saiam muito tarde, não podem pegar trânsito...
— Mãe, está confundindo tudo...
— E a vovó está tão feliz.
Ah, merda!
— Contou à vovó?
Minha vó estava lutando contra um câncer faz alguns meses, o que me deixava com o coração partido. Ela era meu ponto fraco.
— Vovó Mary está ansiosa para conhecer seu noivo! Ah, querida, ela disse que ficou tão feliz de ver você encaminhada antes de, você sabe, nos deixar.
— Ah, Deus. — Fecho os olhos com vontade de chorar.
O que eu ia fazer?
De repente levanto o olhar e vejo Simon se aproximando.
Filho da puta! Era tudo culpa dele!
— Mãe, espere um minuto.
Aperto o mudo e o encaro.
— Por que deu o telefone da minha mãe para a sua?
— Não consigo dizer “não” para minha mãe. Vim te explicar. Peguei no RH...
— Sabe a confusão em que me colocou? Minha mãe quer que você vá jantar lá em casa amanhã!
— Tudo bem, eu vou.
Arregalo os olhos.
— Que merda está dizendo?
— Que posso fingir ser seu noivo para sua família, já que fingiu para a minha.
— Eu não quero... — De repente eu paro.
Bem, não era uma ideia absurda.
Penso rápido e volto para a ligação da minha mãe.
— Mãe, tudo certo para amanhã. Levarei meu noivo para conhecerem.
Eu podia apresentar Simon para minha vó. E ela ficaria feliz.
Seria uma troca justa.
E nada de sexo no meio desta vez. Não mesmo. Nem pensar.
Como Simon havia frisado. Apenas negócios.
Capítulo 12
Simon
Talvez a loucura fosse algo contagioso.
Só isso explica estar diante de Julie Harris enquanto concordo em ir até a casa dos seus pais “devolver” o favor que ela fez mentindo por mim.
Eu não deveria estar surpreso com minha insanidade recém-adquirida, porque não surgiu repentinamente minutos atrás. Ela estava se alastrando por meu sistema, como um vírus silencioso, desde que minha família se deparou com Julie e a confundiu com minha noiva falsa, fazendo com que eu tivesse a brilhante ideia de usá-la na encenação.
E o que dizer do seu pedido sacana? Aquele que fez sem nem ao menos ficar vermelha, exigindo que eu passasse a noite com ela em troca de participar da minha mentira? E pior: o que dizer do fato de eu ter aceitado e ficado incrivelmente puto quando ela desistiu?
E nem queria considerar que o sexo com Julie Harris tinha sido incrível. A química entre nós foi explosiva e acordei do seu lado ansiando por mais.
Pelo menos naquela ocasião a razão pareceu voltar momentaneamente, pois me afastei do seu corpo morno, que teimava em se enroscar no meu durante o sono, e entrei debaixo de uma ducha fria para acalmar minha ereção matinal muito inconveniente, que não entendia que Julie Harris era proibida de tantas maneiras que eu passaria o dia classificando. Ela era uma funcionária, para começar. E eu nunca me envolvia com funcionários. Sim, vamos colocar aí os do sexo masculino também — não que eu tenha alguma inclinação, só tive que me livrar de algumas investidas no banheiro masculino. E se apenas esse fato não fosse suficiente, podia lembrar que ela era maluca de pedra e ainda não tinha certeza se não era realmente uma perseguidora sexual psicopata.
E o pior de tudo: ela tinha se infiltrado em meus pensamentos de uma maneira muito fácil e traiçoeira. Da qual eu não gostava nem um pouco. Se já estava com dificuldade para lidar com os sentimentos impróprios que Julie Harris suscitava em mim com apenas dois dias de (falso) relacionamento, imagina se a deixasse continuar por ali.
Ok, eu estava mesmo pensando em prolongar nosso insólito acordo. Por que não? O sexo era incrível e podíamos manter as coisas neste nível. Sem o negócio do noivado falso, claro. Aí já seria confusão demais. Essa ideia insana passou pela minha mente várias vezes durante o dia de ontem, ainda mais quando ela conquistava cada vez mais minha família. E o que dizer da comida deliciosa? Acho que nunca comi tão bem na minha vida e até requentei à noite!
E não posso negar que, quando a deixei em casa, percebi que ela estava com aquele olhar esperançoso. E não pude me impedir de querer atender a seu desejo. Seja ele qual fosse.
A verdade era que Julie Harris e sua paixão me confundiam e me deixavam meio amedrontado. E o pior era que eu sequer entendia direito os motivos.
Só sentia que devia correr para o mais longe possível.
Então ignorei seu olhar magoado e segui para meu apartamento vazio de um jeito que eu nunca tinha percebido antes.
Aquele silêncio sempre me foi familiar e apreciado. Eu gostava da minha paz. Poder trabalhar até tarde sem ter ninguém reivindicando minha atenção.
E no momento só conseguia pensar que, se Julie estivesse ali, ela poderia estar me provocando com suas histórias mirabolantes e absurdas. Ou fazendo mais daquela comida incrível.
Ou poderíamos estar fodendo como coelhos.
Em vez disso, fui dormir sozinho e sentindo seu cheiro que ficou impregnado no travesseiro.
Cara, quão ferrado eu estava?
Acordei achando que estava tudo sob controle. Era segunda-feira e tudo voltaria ao normal. Praticamente nem veria Julie Harris, já que ela trabalhava em outro andar e eu nem tinha contato com assistentes.
E se passei duas vezes pelo departamento de comunicação, onde ficava o pessoal de Relações Públicas, foi apenas para me certificar de que todos estavam trabalhando de forma satisfatória.
Talvez eu fizesse isso todos os dias de hoje em diante. Talvez até duas vezes ao dia.
Julie não estava em sua mesa e vi Erin gritando com uma tal de Nancy, perguntando onde Julie se meteu.
E qual não foi minha surpresa ao vê-la no elevador. Atrasada.
Sei que eu deveria ignorá-la. Afinal, foi o que combinamos e seria o mais correto a fazer. Mas não resisti e chamei sua atenção. Apenas para ela me provocar citando o falso noivado. Era uma pena que Mark e o Felton estivessem no elevador, porque eu iria colocá-la em seu devido lugar se estivéssemos sozinhos. Nada sexual, claro, o elevador tinha câmeras. Talvez eu pudesse pedir para desligar as câmeras? Seria permitido? Podia verificar com os seguranças...
E o que rolava entre ela e o tal Felton? Era óbvio que ele tinha uma queda imensa por ela, e quem poderia culpá-lo?
Sem contar que eu odiei quando Julie citou Tyler; saber que ele a perseguia me deixou furioso. E não perdi tempo em pedir sua cabeça. Agora ia ser assim, se mais alguém perseguisse Julie pelo prédio ia dançar. Será que deveria demitir o Felton também?
Também tive o cuidado de chamar Erin e defender Julie. Discretamente, claro. Erin não gostou muito, ela realmente não estava satisfeita com seu desempenho e me perguntei se Julie era mesmo ineficiente ou era apenas cisma de Erin. Talvez eu devesse removê-la daquele setor. Quem sabe ela poderia trabalhar na diretoria. Talvez eu a trocasse com Natasha... Natasha me assustava pra caralho mesmo. Às vezes achava que ela tinha pensamentos assassinos quando eu estava ditando algum memorando. Podia claramente ouvir a voz sinistra em sua mente: “Eu podia furar o olho dele com este lápis.” ou “Se eu bater com força com o grampeador na sua cabeça, posso causar um traumatismo craniano?”.
E eu estava quase pedindo para Mark ir até a minha sala para tratarmos da troca quando minha mãe ligou insistindo para que convidasse Julie para o Natal. Minha primeira ideia foi negar categoricamente. Por motivos óbvios.
Então, enquanto minha mãe insistia, comecei a curtir a ideia. Podia pedir para Julie mentir de novo e levá-la para a casa dos meus pais. Se recusasse, diria que ela teria quantas noites de sexo quisesse. Até se fartar. Daria até uma amostra grátis ali mesmo no escritório.
E com um sorriso satisfeito no rosto, pedi à Natasha que chamasse Julie na minha sala.
Ela parecia desconfiada quando entrou e me acusou de querer demiti-la. O que estava pensando? Que eu era um vilão de novela? Depois de desfazer o mal-entendido, fiz a proposta e, para minha consternação, ela não aceitou. Nem mesmo quando eu disse que estava disposto a aceitar seus antigos termos. Até lhe dei uma palhinha, o que me deixou com uma vontade louca de adiantar o Natal para agora mesmo para que pudesse levar Julie para minha casa e fodê-la até que aquele meu desejo doloroso por ela passasse.
No entanto, ela disse não.
Porra!
Eu a deixei ir totalmente furioso.
Será que havia me enganado? Julie não estava mais interessada?
De repente, quis que ela fosse mesmo uma perseguidora sexual psicopata. Assim, eu poderia ser sua vítima. Quem se importa com a ordem dos fatores? Contanto que aquela ereção tivesse um final feliz, eu aceitaria tudo.
Quando minha mãe ligou para confirmar a presença de Julie, tive que inventar que ela declinou do convite, pois iria passar com a própria família, então minha mãe teve a ideia de pedir o telefone da mãe de Julie.
Claro que eu neguei.
Minha mãe podia ser bem insistente quando queria e de repente tive vontade de praticar uma pequena vingança contra Julie. Ela merecia por ter fodido com meus pensamentos e com minha sanidade.
Meu pobre pau rejeitado estava clamando por justiça!
Não foi difícil conseguir o telefone dos pais de Julie no RH e esperar.
Quando minha mãe ligou dizendo que conversou com Alicia, a mãe de Julie, e que ela, claro, não fazia ideia do tal noivado, tive um princípio de arrependimento.
— E o que aconteceu? — indaguei preocupado. Julie ia me matar. Para dizer o mínimo.
— Coitadinha, ficou toda confusa, porém expliquei que os jovens são assim mesmo, desnaturados! E tivemos uma ótima conversa! Ela está louca para te conhecer e concordou com a vinda de Julie para nossa casa, não é maravilhoso?
Porra, o que minha mãe fez?
Desliguei e fui para a sala de Julie. Confesso que quando cheguei lá e ela me encarou com uma expressão assassina, eu não sabia o que fazer.
Talvez pedir desculpas? Oferecer-me para ligar para sua mãe e desfazer o mal-entendido? Talvez rir um pouco e me divertir com seu infortúnio antes de pedir desculpas e me oferecer para fazer o telefonema?
Então decidi concordar em ir até sua casa.
Por que não?
Ela teria que aceitar ir até a minha casa depois!
Sabia que tinha uma chance mínima de ela concordar, afinal, não havia inventado um noivo falso, como eu.
Para minha surpresa, ela aceitou!
E eu não sabia como é que tínhamos chegado naquele ponto. Sentia-me como se tivesse usado um coquetel das drogas mais pesadas, que circulavam por meu sangue e me deixavam tonto.
Julie Harris era como heroína.
— Por que está fazendo isso? — ela indaga quando desliga o telefone.
— Ora, talvez eu queira apenas retribuir o favor que fez a mim.
— E por que acredita que eu iria querer que retribuísse? Diferentemente de você, eu não tenho por que mentir para minha família. Nunca inventei noivo nenhum.
— Acabou de aceitar minha ajuda. Imagino que deva ter seus motivos... — De repente me sinto muito curioso sobre o motivo de ela querer mentir para a família. — Quer me contar?
— Não. Não quero — ela me corta —, mas eu não acredito em você.
— Em que não acredita?
— Nesse seu altruísmo repentino! Sabe o que acho? Que ficou puto porque eu disse não a você. Por eu não estar mais disposta a colaborar com sua pequena farsa! E aí, como não suporta ser contrariado nos seus intentos, resolveu se vingar de mim colocando minha família no meio!
— Ah, Julie, não sou tão mau assim.
— Mas é mau! — ela insiste.
— Você pode ligar para sua mãe e contar a verdade — arrisco. Por algum motivo, sei que ela não vai.
Então passa pela minha mente que Julie quer continuar com nossa farsa.
Bem, dois podiam continuar jogando aquele jogo.
Enfio a mão no bolso e tiro o anel.
— Então, já que vamos continuar fingindo... — Pego sua mão e deslizo o anel em seu dedo. Ele fica bem ali. — Bem-vinda de volta à minha vida, noiva.
Capítulo 13
Julie
Admiro o anel de volta ao meu dedo com uma estranha sensação de irrealidade se espalhando por meu íntimo.
Como é que ele foi parar ali?
Ainda estou tentando entender, vinte e quatro horas depois de Simon tê-lo colocado em meu dedo novamente.
Ele simplesmente colocou o anel no meu dedo e voltou para sua sala, no Olimpo dos CEOs, me deixando para trás completamente confusa.
Simon era uma cobra peçonhenta. Só isso explicava a maneira como manipulou tudo para que eu aceitasse aquele anel de volta e a farsa que ele representava.
E agora, não satisfeita com o novelo de mentiras para a família Bennett, eu também estendi a mentira para minha própria família!
Bem, Simon não tinha como adivinhar que eu iria concordar com um noivado falso para deixar minha avó feliz. Ou talvez soubesse. Devia existir alguma coisa diferentona na cabeça dos CEOs. Tipo uma inteligência acima do normal, que fazia com que ele lesse mentes ou algo assim. Isso explicaria muita coisa: seu sucesso profissional estrondoso em tão pouco tempo, por exemplo. Ou o fato de ele ser fabuloso na cama.
Ah, minha nossa, será que ele tinha entendido que aceitando a farsa (agora dupla), estava implícito que a gente faria sexo outra vez?
Eu devia ter explicado melhor aquela parte, penso enquanto tomo meu enésimo café. Na verdade, eu estava um tanto nervosa pelo jantar na minha casa hoje e tinha me entupido de café, considerando-se que beber uísque no horário de trabalho era proibido.
Certamente eu não precisava de mais motivos para Erin me odiar. Ainda sentia que a corda estava em meu pescoço. Graças a Deus eu cheguei no horário hoje!
— Oi, Julie. — Alan entra na sala de café todo sorridente. — E aí, quer almoçar comigo hoje? Já que ontem furou...
— Me desculpe por ontem. Como cheguei atrasada, Erin ficou pegando no meu pé. — A verdade era que fiquei tão abalada com os acontecimentos do dia que nem fome senti.
— Fiquei sabendo que Simon esteve aqui no seu setor — ele especula. — Nunca o vi por aqui.
Fico vermelha. Como se Alan pudesse adivinhar o que estava rolando, algo impossível.
— Esteve? Nem vi. — Pego mais um pouco de café, desviando o olhar.
— Não? Benjamim falou que o viu perto da sua mesa, falando com você.
Ai, merda, aquele japa da informática era um linguarudo!
Será que ele viu a parte do anel? Provavelmente não, senão já teria espalhado.
— Ah, sim... Ele estava perguntando sobre Erin.
— Posso saber o que estão fazendo aqui?
Falando no diabo!
Quase dou um pulo ao ouvir a voz de Simon na porta da sala de café.
O que ele está fazendo aqui?
Ele corre o olhar irritado de mim para Alan com desconfiança.
O que achava que estava acontecendo? Que eu e Alan estávamos fazendo sexo em cima da máquina de café?
— Tomando café — respondo, seca. — E você, o que está fazendo aqui?
Alan se engasga com o café e eu me toco que não podia responder assim na presença dos outros.
Merda!
— Quer dizer, podemos ajudá-lo em algo, chefe? — Sorrio docemente.
— Tudo bem, Felton? — Simon pergunta enquanto Alan tosse sem parar.
— Sim, desculpe-me — responde todo vermelho.
— Não tem trabalho a fazer?
— É... tenho, quer dizer, já vou indo para minha sala. — Alan sai quase correndo e encaro Simon.
— Por que tem que ser tão pau no cu?
Ele levanta a sobrancelha.
— O quê? Acha normal que os funcionários fiquem flertando na sala de café enquanto deveriam estar trabalhando?
— Não estávamos flertando!
— Você está saindo com esse Alan? Por isso que não queria mais aceitar nosso acordo?
Como? De onde ele tira essas coisas?
— Não!
— Ele parece bem interessado em você.
— O que não significa que eu esteja nele. — Ah, merda, resposta errada! Eu devia estar respondendo que sim, que queria muito sair com Alan Felton. Era bom Simon saber que estava interessada em outros além dele! Ou melhor, que eu já havia superado totalmente minha paixonite por ele!
E tinha mesmo!
— Quer dizer, posso ficar interessada.
— Gosta dele? — Simon indaga em um tom sério, quase irritado.
Espera! Sério que ele está todo irritado porque posso estar interessada em outro cara?
Que babaca!
Não quer nada comigo e não posso querer com outra pessoa?
— Ele é um cara legal. Não tem medo de compromisso, sabe? — provoco.
— É o que você quer?
— Quero estar com alguém que queira estar comigo, para começar. O resto, quem sabe? Alguém que não tenha medo de se arriscar. — Levanto o queixo.
Para meio entendedor...
— Então quer um compromisso?
Ele insiste. Talvez não seja tão inteligente assim.
— Ora, quem não quer? Ops! — Rio, cheia de sarcasmo. — Esqueci que você não quer! Tem pavor de compromisso ou algo parecido!
— Não tenho pavor!
— Se você diz...
— Julie, vai ficar o dia inteiro tomando café... — Erin surge gritando, mas para ao deparar com Simon — Oh, Simon, não sabia que estava aqui!
Ela parece totalmente desconcertada. Quem não estaria?
Simon nunca aparecia por ali!
Quero ver como é que ele vai se sair dessa!
— Vim tomar café. — Ele pega um copo e enche de café.
— Aqui? — Erin franze a testa.
— Faz parte da nova diretriz da diretoria — explica. — Os diretores tomarão café em todos os setores. Para conhecer melhor os funcionários.
— Ah, não sabia dessa nova diretriz...
— Acho que passei o e-mail para sua assistente...
Que cretino!
— Não recebi nada! Deve ser problema no servidor! Benjamim da informática fica fazendo fofoca em vez de fazer seu trabalho direito! — rebato e aproveito para fazer a caveira do fofoqueiro também. Se esteve me espionando e viu Simon na minha sala, o que mais ele poderia ver? Que eu lia romances em vez de trabalhar de vez em quando?
— Bem, vou voltar a minha sala — ele diz por fim. — E Erin, Julie estava me perguntando se teria algum inconveniente se ela saísse mais cedo hoje.
O quê?
— Ela perguntou para você? — Erin se vira pra mim, indignada. — O que estava pensando, Julie? Perturbar Simon com esse assunto! E claro que a resposta é nã...
— Eu disse a ela que sim — Simon corta Erin.
— Mas Simon...
— Não há problema. O trabalho está meio devagar por conta da proximidade do Natal, em uma semana.
— Bom, se você já concordou...
— Está vendo, Julie, eu disse que Erin seria razoável — ele diz.
Erin sorri, sem saber se foi um elogio para ela ou não.
Simon sai da sala, deixando uma Erin furiosa comigo.
— Se perturbar o CEO da empresa outra vez com pergunta idiota, eu te ponho na rua, entendeu?
— Claramente! — Reviro os olhos sem que ela veja.
— Agora vá trabalhar, já que vai sair mais cedo.
Corro para minha mesa e olho meu e-mail.
Há uma mensagem de Simon.
“Esteja pronta às 16h”.
Respiro fundo.
Não tinha mais como fugir.
Lá vou eu levar meu noivo de mentira para conhecer meus pais.
Pontualmente às 16h estou em frente ao prédio, me perguntando se não seria muita indiscrição se eu entrasse no carro de Simon ali. Meu celular apita e vejo uma mensagem sucinta pedindo que eu vá para frente do The Ivy, o restaurante da rua de trás, o mesmo no qual havíamos jantado com sua família no sábado.
— Que folgado! — Reviro os olhos. Mesmo a contragosto sei que ele tem razão, então caminho até o restaurante e seu carro já está lá me aguardando.
— Pronta? — questiona, dando partida e por um momento eu me perco na contemplação do seu perfil perfeito. Uma vontade imensa de me inclinar e lamber seu queixo quadrado e...
De repente começo a me questionar sobre a decisão de voltar a fingir com Simon, pois já estou de novo toda atraída por ele.
Quer dizer, quando foi que deixei de estar?
— Tudo bem? — Ele tira os olhos do trânsito por um momento e me encara.
— Ainda dá tempo de desistir. — Tento colocar a decisão na mão dele.
— Por que eu desistiria?
— Porque não conhece minha família. Eles são um pouco... — Como descrever meus pais? Eu não sabia nem por onde começar.
Simon volta a atenção para o tráfego com um sorriso.
— Um pouco o quê? Malucos como você?
— Minha família não é maluca! — Eu me ofendo.
— Então tudo bem. É apenas um jantar, vou sobreviver, Julie.
— Estou mais preocupada comigo — resmungo e Simon não diz mais nada.
Talvez fosse bem feito para ele ter que aguentar meus pais.
Simon é tão metido que está achando que vai ser fácil.
Bem, quem sabe não me divirto rindo da cara dele.
Meus pais moram em uma pequena cidade numa região rural próxima de Londres. Papai tem uma fazenda de ovelhas, um negócio de família, herdado do pai dele.
Simon estaciona o carro em frente à nossa velha casa, hoje toda iluminada com a decoração de Natal da minha mãe, algo entre as tradicionais luzes natalinas com elfos e renas e algumas imagens de deuses pagãos no meio. É um tanto assustador.
E meus pais saem pela porta, muito animados, quando saltamos do carro.
Mamãe corre e abraça Simon, que arregala os olhos, assustado.
— Que incrível te conhecer! — Ela segura sua cabeça, examinando-o com um olhar clínico. — Sua aura está um pouco nebulosa, aposto que é um homem sem muita espiritualidade, mas vamos dar um jeito nisso! Tenho vários banhos medicinais para abrir seus chacras. — Pega um de seus colares cheios de pedras que jura serem mágicas e coloca no pescoço de Simon. — Isso já vai ajudar.
Eu estou segurando para não rir. Simon parece que vai sair correndo a qualquer momento.
— Alicia, deixa o pobre rapaz em paz! — Papai se aproxima, segurando seu charuto em uma mão e uma cerveja na outra. — Bem-vindo à família! Não ligue para Alicia, ela é sem noção às vezes.
— Tom! — Mamãe coloca a mão na cintura, ofendida. — Não sou sem noção, é meu dever cuidar da saúde espiritual de nossa família! E Simon é família!
Papai rola os olhos.
— Se continuar, vai assustá-lo como fez com os outros!
Ai, merda, eles não iam começar...
— Outros? — Simon franze a testa.
— Tenho certeza que o Simon não quer saber — corto.
— Os outros namorados da Julie. Alicia botou pra correr pelo menos uns três que vieram nos conhecer com sua maluquice espiritual.
— Não fiz isso! — mamãe se defende. — Aquele tal de Richard tinha a aura negra! Negra! Sabe o que o significa? É como casar nossa filha com o Saruman!
— Pelo amor de Deus, mãe!
— Você namorou um vilão do Senhor dos Anéis ? — Simon pergunta.
— Ele era de uma gangue de motoqueiros, na verdade — explico.
— Se vamos falar da vasta vida amorosa de Julie, melhor entrarmos! — Meu pai faz sinal para subirmos as escadas da varanda e Simon me encara quando minha mãe segue meu pai.
— Vasta vida amorosa? — Levanta a sobrancelha.
— Depende do ponto de vista — Eu me defendo.
Minha lista de ex-namorados não é tão grande assim. Aposto que a de Simon é bem mais extensa que a minha.
— De quantos estamos falando? — insiste enquanto seguimos meus pais para dentro de casa.
— Por que não fala da sua? Aposto que é o dobro da minha.
— Na verdade, só consta um nome.
— O quê?
— Se falarmos de relacionamento sério, quero dizer.
— Está brincando? Você só teve uma namorada?
— Aí estão vocês!
Mamãe nos interrompe quando entramos na sala. Ela está se aproximando com uma bandeja contendo duas taças com um líquido verde de aparência duvidosa.
Lá vamos nós.
— Aqui está meu drinque do amor.
— Achei que drinque do amor fosse vermelho, como vinho tinto ou pelo menos suco de morango! — reclamo.
— Não seja impertinente, querida, a deusa não gosta disso. — Mamãe pega a taça e dá a Simon.
Não tenho alternativa a não ser pegar a minha. Simon está cheirando a taça com desconfiança.
— O que tem aqui? — questiona, incerto.
— Melhor não saber — sussurro.
— Temos mesmo que beber?
— Claro que sim! Está uma delícia, eu garanto! Tomem logo — mamãe encoraja.
Eu levo a taça à boca.
— Não assim! — ela grita, fazendo Simon parar o movimento, assustado. — Tem que cruzar os braços! Como recém-casados tomando champanhe!
— Mamãe, fala sério, não somos casados!
— Aos olhos da deusa, todos os amantes o são. Almas gêmeas quando se encontram...
— Tá bom — corto-a. — Ok. — Encaro Simon e ele continua confuso.
É engraçado vê-lo sem ação.
Ele para indeciso, sem saber o que fazer, e mamãe revira os olhos, pegando nossos braços e cruzando.
— Assim! Exatamente! — Ela bate palmas, animadíssima, enquanto tentamos tomar o líquido esquisito, que na verdade tem gosto de chá verde e abacate, talvez.
De repente um flash nos assusta e vejo meu pai com uma máquina fotográfica antiga nas mãos.
— Essa vai ficar boa!
Papai é um fotógrafo frustrado. O sonho dele era viajar o mundo tirando fotos de guerras sangrentas, catástrofes e outras coisas, mas acabou ficando por aqui, cuidando do negócio da família depois que vovô morreu.
Ele fotografava tudo o que via na sua frente. Há alguns meses minha mãe tinha pedido o divórcio depois de pegá-lo no celeiro fotografando a esposa do dono do pub local nua em pelo. Não foi fácil para mamãe entender que era apenas um nu artístico.
— Agora que já tomou a gororoba de Alicia, que tal uma cerveja, Simon? — Papai lhe joga uma latinha e aproveito para me livrar do suco mágico de mamãe.
— Obrigado — Simon aceita, educado, e é realmente uma visão interessante tê-lo sentado no velho sofá da minha casa, tomando cerveja direto da latinha. — O que foi, por que está me encarando?
— Nada, é esquisito ver você aqui na minha casa, tomando cerveja e tal.
— Eu gosto de cerveja, Julie, qual o problema?
— Achei que fosse o tipo de cara que bebe só uísque chique.
Ele ri.
— Você não me conhece.
— É, não conheço — sussurro, sentindo aquela vontade de saber tudo sobre Simon.
De repente ele se vira e agora é meu pai que o está encarando fixamente.
— Algum problema, senhor? — Simon questiona, incomodado.
— Você tem uma estrutura óssea muito boa... muito boa mesmo. Já pensou em ser modelo?
Engasgo com a cerveja e Simon está fitando meu pai totalmente sem fala.
— Aposto que tem um belo peitoral debaixo dessa camisa também, você me deixaria ver?
— Pai! — Desta vez eu não consigo conter o riso com a cara horrorizada de Simon.
— Só estava verificando! — papai continua. — Já pensou em posar nu para algumas fotos?
— Como? — Simon parece querer vomitar.
— Pai, pare de assustá-lo! — Não consigo parar de rir. — Simon, meu pai não está dando em cima de você, ele apenas adora fotografar e parece que nus artísticos são sua nova mania.
— Sim, seria muito artístico! — papai afirma. — Depois posso te levar ao celeiro para mostrar alguns trabalhos.
— Não vai mostrar nada, porque eu queimei todas as fotos daquela desavergonhada! — Mamãe volta para sala e está usando um avental. O que indica que está cozinhando.
Que a grande deusa tenha piedade de nós!
Papai abaixa o tom.
— Na verdade eu guardei algumas, escondi no saco de feno — sussurra para que mamãe não escute.
— Acho que a vovó chegou! — minha mãe anuncia e me levanto quando vovó Mary adentra na sala.
— Vovó! — Corro para abraçá-la, feliz por ela parecer mais saudável do que na última vez que a vi. Vovó Mary morava em uma casa de repouso a alguns quilômetros dali, pois não queria dar trabalho para mamãe e papai, embora eles não se importassem. Na verdade, acho que ela estava de saco cheio das magias curadoras da minha mãe. Ou das tentativas culinárias.
— Minha querida, como está bonita! — Ela segura meu ombro, me estudando como sempre faz. — E que novidade é essa que sua mãe me contou?
Ela olha através de mim para Simon. Seus olhos se iluminam.
— É seu noivo?
— Sim, vovó!
— Olá, senhora, sou Simon Bennett. — Ele segura sua mão, todo educado, e vovó parece encantada.
— Você é muito bonito. E muito alto! — Ela sorri satisfeita para mim. — Boa escolha, querida, melhor que aquele motoqueiro cabeludo.
— Vovó!
— Isso é coisa do passado! Agora é noiva! Deixe-me ver o anel! — Eu mostro minha mão com o anel de Simon brilhando e vovó fica com os olhos marejados. — Eu vivi para ver isso, depois de todos aqueles rapazes esquisitos... Achei que nunca tomaria jeito!
— Mary, não assuste o noivo de Julie! — mamãe pede.
— Se está apaixonado pela nossa menina, aposto que não se assusta fácil! — Vovó dá tapinhas no rosto de Simon.
— Vamos comer! O jantar já está na mesa! — Mamãe chama entusiasmada.
— Eu já comi, sabe que tenho uma dieta especial, mas vou lhes fazer companhia — vovó explica e sei que na verdade ela já comeu porque sabe que a comida da minha mãe é horrível.
— E como está, vovó? E o tratamento? — Eu sento ao seu lado.
— Estou bem, querida, não deve se preocupar! — Ela aperta minhas bochechas e sei que diz isso para não me deixar triste. Todos nós sabíamos que os tratamentos que vovó faz servem apenas para adiar o inevitável. — Principalmente agora, com um casamento a caminho! Estou tão feliz! — Encara Simon do outro lado da mesa, que está olhando com preocupação para a torta de batata que mamãe lhe serviu. — Você me fez uma velha muito feliz, meu filho! Vai tomar conta desta menina!
— Vovó! Estamos no século XXI, não preciso que ninguém tome conta de mim — digo com carinho na voz.
— Todos nós precisamos de alguém que tome conta de nós, minha querida! E você vai cuidar do rapazinho também, não é?
Eu olho para Simon dando de ombros, divertida. Ele está com o cenho franzido, como se só agora tivesse entendido por que eu havia aceitado sua proposta para estar ali hoje.
Ele entendeu que era pela minha avó.
— Claro que vou cuidar dela, Senhora Harris — ele diz quase solene.
— Me chame de Mary, nada de formalidades.
— Coma, Simon! — mamãe insiste. — Está uma delícia!
Eu coloco um bocado na boca e bebo vinho por cima. É uma boa maneira de tentar amenizar o gosto da gororoba. Devia ter pedido para Simon passar no Mc Donald’s no caminho.
Ele mastiga a torta com cara de quem está mastigando testículos e engole com esforço.
— E então? —– Mamãe pergunta, ansiosa.
— Delicioso, senhora. — Ele toma o vinho.
— Pode me chamar de Alicia. Ou de mamãe, se preferir.
Ah, Deus!
— Não está comendo, querido! — mamãe reclama com meu pai, que come apenas a salada.
— Estou de dieta, Alicia, você sabe! — Ele mente tão mal! Eu sabia que meu pai passava todos os dias no pub da cidade antes do jantar e fazia uma boquinha para chegar em casa e mentir que estava de dieta! E minha mãe nem desconfiava!
— E então, Simon, fale-nos de sua família! — mamãe pede, curiosa, e Simon começa a falar dos Bennett.
E eu fico observando-o falar sobre sua família, respondendo pacientemente as perguntas dos meus pais e da minha avó e sinto uma dorzinha no peito porque nada daquilo é real.
E queria muito que fosse.
— Quem vai querer sobremesa? — mamãe pergunta quando terminamos o jantar, não sem algum sacrifício.
— Não, obrigado — todos dizem ao mesmo tempo.
— Ah, que pena! Encomendei uma torta de maçã no Waitrose.
— Se é assim, acho que vou querer — vovó diz e nós fazemos coro.
Depois da torta, voltamos à sala e espio pela janela, notando que está nevando.
— Acho que devemos ir embora, a neve pode piorar — digo, preocupada.
— Neve? Nunca neva nessa época do ano! — Simon se coloca do meu lado.
— O tempo está louco, deve ser a volta do El Divo ou algo assim! — mamãe diz.
— El Niño , Alicia! — papai a corrige.
— É perigoso andar de carro com essa neve! — vovó afirma. — Vou dormir aqui essa noite.
— Claro, Mary! — mamãe concorda e nos encara. — Vocês deviam fazer o mesmo!
— Mãe, temos que trabalhar amanhã, se formos agora...
— Eu concordo com sua mãe, devemos ficar — Simon me corta e o encaro sem entender.
— Mas...
— Pronto, está decidido. Todos ficam! — mamãe define.
— Já que é assim, eu vou dormir! — meu pai anuncia. — Amanhã meu dia será longo. Boa noite! Venha comigo, mamãe, vou levá-la ao quarto de hóspedes.
— Achei que tinham transformado meu quarto em academia.
— Essa era a ideia, acabamos desistindo, já que aqui ninguém ia fazer exercício algum. — Papai ri e os dois desaparecem escada acima.
— Seu quarto está arrumado, filha — diz mamãe, piscando maliciosamente. — Se precisar de algo, como camisinhas ou velas aromáticas... quem sabe lubrificante para sexo anal...
— Mãe, pelo amor de Deus! — Até Simon está ruborizado.
— Ah, claro, aposto que não tentaram o anal ainda, não é? É realmente algo que se deve fazer com mais intimidade...
— Mãe, boa noite!
Pego a mão de Simon e o puxo escada acima.
E só paro quando entramos em meu antigo quarto.
Quando ele fecha a porta atrás de si, o encaro.
E agora?
Capítulo 14
Julie
— Minha nossa, que foi isso? — Ele solta o ar lentamente, como se tivesse corrido vários quilômetros fugindo de um bando de loucos do hospício e finalmente encontrasse um esconderijo.
Solto uma risadinha, sentando na cama.
— Eu queria ter pena de você, mas nem tenho. É bem feito por ter provocado essa situação! — Há um certo triunfo em minha voz.
— Sua mãe é bem liberal, me deixando dormir aqui. — Ele olha ao redor, observando meu quarto, que preservava a mesma decoração desde que, por volta dos 13 anos, havia me livrado dos ursinhos e das cortinas cor de rosa. Tudo ali era meio lúgubre, em tons de roxo. Herança da minha época gótica suave.
— Na verdade, você é o primeiro homem que eles deixam entrar aqui. — Recosto-me no travesseiro.
— E toda aquela vasta lista de ex? — Simon senta na cama do meu lado.
Tento ignorar a onda de excitação que faz minha pele formigar apenas com sua proximidade. E ele está na minha cama. Puta merda! Difícil manter minha convicção nessa circunstância.
— Meus pais nunca deixariam um cara entrar aqui. Eles podem parecer modernos, porém não são tanto assim.
— Mas eu estou aqui.
— Deve ser porque é “meu noivo”.
— Então sou o primeiro cara na sua cama? — Seu dedo acaricia meu braço distraidamente. Ah, droga.
— Na verdade, eu tive um namorado que costumava pular a janela para ficar comigo... espere, acho que foram uns três — corrijo, puxando minha memória.
— Você transava com seus namorados no seu quarto? Seus pais nunca desconfiaram?
— A gente ficava só de amasso, na verdade. Só perdi minha virgindade na festa de formatura do colégio.
— E o tal Saruman foi antes ou depois?
— Depois. Eu o conheci quando já estava na faculdade.
— Teve muitos namorados na faculdade? — Seus dedos estão brincando com uma mecha do meu cabelo.
— Você está muito curioso!
— Qual o problema? Só queria saber quem passou por essa cama antes de mim...
— Ah... — Afasto sua mão, ao entender o que está fazendo. — Está achando que vou transar com você aqui?
— Por que não? Aparentemente ficou implícito no nosso acordo que seriam as mesmas condições de antes.
— Não discutimos e achei que dessa vez seriam somente negócios!
— Nada mais de pedidos sexuais?
— Não!
Seus dedos acariciam meu pulso acelerado. Ele sabe que estou blefando e é péssimo.
— Hum, se você não tem um pedido, talvez eu tenha.
Ai, Deus, meu coração dispara ridiculamente no peito.
Por que ele tem que estar tão perto e ter aquela voz tão envolvente e perfeita?
— Não vou transar com você na casa dos meus pais, Simon. — Tento apelar para algum bom senso dentro de meu cérebro em curto-circuito com sua sedução. — As paredes daqui são bem finas e, diferentemente dos seus pais que tomam sossega-leão para apagar, os meus têm sono leve!
— Então, quem sabe podemos...
Sem que eu saiba como, ele está me manobrando, os braços em volta de mim, enquanto me leva para baixo, com seu corpo se insinuando sobre o meu. Meus joelhos se abrem automaticamente para recebê-lo.
— Dar uns amassos, como nos seus velhos tempos.
E de repente ele está me beijando e expulsando meu bom senso, assim como qualquer lembrança que eu pudesse ter de outros beijos. Ah, ele é muito bom nisso...
Suspiro, rendida, passando meus próprios braços ansiosos por sua nuca, içando os quadris da cama, buscando atrito, porque estou queimando. E é a vez de Simon gemer, daquele jeito rouco e delicioso, dentro da minha boca, enquanto se esfrega em mim de um jeito que faz um prazer indecente percorrer meu ventre.
— Ah, sim... — murmuro perdida quando ele aparta os lábios dos meus para deslizá-los por minha garganta, enfiando a mão debaixo da minha blusa e capturando meu seio.
— Preciso foder você — ele exige, torcendo meu mamilo e mordendo meu pescoço enquanto nossos quadris se buscam e se ressentem da barreira das roupas.
— Isso... — concordo, porque no estado de ebulição em que me encontro concordaria com qualquer coisa que Simon pedisse.
Ele solta um grunhido de satisfação e se ajoelha diante de mim arrancando a camisa. Papai tinha razão: havia mesmo um bom peitoral escondido ali. Talvez eu devesse encorajá-lo a posar pelado para meu pai e ficar com as fotos para mim. Ia colocar uma na minha carteira para ficar admirando...
Ele leva a mão a meu jeans e o desce facilmente por minhas pernas.
E já estou me ajoelhando e levando a mão a seu jeans quando escuto uma música sendo entoada em algum lugar. Nós dois paramos os movimentos e até de respirar enquanto a música fica mais clara. Está na porta do meu quarto e aquela voz... é da minha mãe!
— O quê?...
Levanto-me de um pulo e abro a porta para ver minha mãe com um tambor na mão enquanto dança e entoa mantras de olhos fechados.
— Que merda é essa? — Sinto a presença de Simon bem atrás de mim, tão estupefato quanto eu.
Mamãe abre os olhos e sorri.
— Oh, atrapalhei vocês? Me desculpem, podem continuar...
— Que diabo está fazendo?
— É uma dança da fertilidade!
— Fertilidade? Enlouqueceu?
— Fertilidade? Quer dizer para... — Simon pergunta devagar.
— Sim, para fazer belos bebês! — Mamãe sorri.
— Bebês? — Simon está branco feito papel.
Ai, que merda. Nunca mais ele transaria comigo depois dessa merda!
— Mãe, que bebês? A gente nem é casado, tá louca?
— O que foi, querido? — Sua atenção continua em Simon. — Não me diga que é um desses homens que têm pavor de ter filhos?
— Mãe!
— Não, acho que esta é uma boa hora para esclarecermos! Vamos, Simon, vai querer ter filhos, não é?
Simon parece que vai sair correndo.
— Bem, não pensei...
— A ideia o assusta? O faz querer fugir para a Venezuela?
— Não, claro que não.
— Então quer ter filhos?
— Bem, hipoteticamente falando, acho que sim, um dia...
— Quantos? — mamãe insiste, séria.
Ah, pelo amor da deusa!
— Mãe, já chega, não acha? É melhor ir dormir! Não precisamos de nenhuma dança da fertilidade no momento.
— Ah, está certo... E a dança do acasalamento?
— Não!
— Ok, então pelo menos fiquem com essas velas aromáticas! — Ela pega duas velas e põe na mão de Simon — E, se quiserem, temos uma versão atualizada do Kama Sutra e...
— Boa noite, mãe! — Fecho a porta na sua cara e Simon está ali me encarando com as velas na mão e acho que depois de tudo o pau dele deve ter se encolhido e agora ele é um eunuco.
Ou talvez ele jogue as velas para cima e pule a janela, fugindo para sempre daquele manicômio que é minha casa.
Em vez disso, ele começa a rir.
Rir com vontade, gargalhar.
Começo a rir também. Aliviada por pelo menos ele estar se divertindo.
— Cara , sua mãe é uma figura!
— Você não viu nada! — Pego as velas de sua mão e as coloco sobre a mesa de cabeceira.
Quando o encaro, ele não está mais rindo, e sim com um olhar intenso que me arrepia inteira enquanto se aproxima.
— Desculpe pela dança da fertilidade. — Tomo o cuidado de garantir, só por via das dúvidas. — E não precisa se preocupar... essas coisas da minha mãe nunca funcionam e... — Minhas palavras são engolidas pela sua boca e esqueço qualquer pensamento coerente enquanto me deixo levar pela paixão que ele desperta em mim.
No minuto seguinte, estamos sobre a cama, ocupados em arrancar nossas roupas. Simon ri quando jogo para longe o colar de pedras mágicas que minha mãe colocou em seu pescoço.
— Shi, não ria alto, não quero que ninguém mais apareça!
Ele me beija de leve e pega um preservativo no bolso de sua calça.
— Então é melhor se manter calada, Senhorita Harris. — Ele sorri maliciosamente, vindo para cima de mim e solto um gemido alto quando ele me preenche devagar.
— Shi... — sussurra contra meus lábios. — Quer acordar seus pais? — Ele me beija e se move, enquanto o prazer cresce numa espiral de sensações em meu ventre. Eu me esforço para não me empolgar e fazer barulho, até meu ventre explodir em um orgasmo incrível e Simon engole meus gemidos com seus lábios perfeitos. Quando os tremores diminuem, ele me encara com um sorriso preguiçoso.
— Melhor que os amassos? — Ele me provoca.
— Não é justo se comparar com amassos de adolescentes afoitos.
— Então sou o melhor de todos?
— Deus, Simon, que presunçoso! — Eu o empurro e ele aproveita para ir até o banheiro, ainda rindo, se livrar do preservativo enquanto puxo a coberta para cima de mim.
— Nunca disse se eu sou boa — provoco-o quando ele deita ao meu lado novamente.
— Você é incrível, Julie Harris. — Acaricia meu rosto e faz meu coração bater tão forte que acho que vai sair pela boca.
Controle-se, Julie. Ele está falando de sexo. Só isso.
— Então sente tesão por mim?
Ele ri.
— Acho que eu te mostrei.
— Eu fui bem fácil.
— Não achei. Você inventou que não queria mais ficar comigo, lembra?
— Ops. Era mentira.
— Eu sabia.
— Sabia nada! Ficou todo com o orgulho ferido!
— E você fez de propósito para me provocar.
Eu dou de ombros, bocejando.
— É, talvez tenha feito... Boa noite!
Viro-me e Simon se encaixa atrás de mim, me abraçando, enquanto deposita um beijo em minha nuca.
— Boa noite, Julie.
Eu sorrio, mais feliz do que era permitido.
Na manhã seguinte, acordo grudada em Simon e por um momento não me mexo, perdida naquela fantasia de que o lugar dele é ali, me envolvendo em seus braços.
Sei que é uma fantasia muito perigosa. Por isso me desvencilho e vou para o banheiro. Tomo uma ducha rápida, volto para o quarto e sacudo Simon.
— Simon, acorde, precisamos ir trabalhar!
Ele acorda todo lindo, o que não é nem um pouco justo, me encarando com os olhos pesados de sono.
— Rápido! A gente ainda tem que ir pra Londres!
— Por que é tão chata de manhã?
— Porque meu chefe fica bravo quando chego atrasada! — bufo, procurando alguma roupa decente no meio das roupas velhas que ficaram ali.
Simon ri enquanto segue para o banheiro.
Coloco uma roupa e saio do quarto. Meus pais estão acordados tomando café.
— Bom dia, querida. Cadê o Simon? — mamãe pergunta.
— Tomando banho. — Pego uma xícara de café. — Cadê a vovó?
— Ela acabou de ir. Deixou um abraço e disse que espera você no Ano Novo pelo menos.
— Ela não ficou brava por não passar o Natal com vocês?
— Claro que não. Disse que deve acompanhar seu noivo!
De repente sinto uma ponta de culpa por estar mentindo tão descaradamente.
Ela nunca ia precisar saber a verdade.
E para meus pais posso dizer que nós terminamos e pronto.
Simon aparece minutos depois e mamãe o abraça, toda feliz.
— Você é ainda mais lindo assim, à luz da manhã — diz, admirando-o. — Não é, querido? — Cutuca meu pai.
— Sim, se tirar a calça podemos conferir se é tudo bonito mesmo...
— Pai! O Simon não vai posar para você! — Rolo os olhos, enquanto Simon fica vermelho. É engraçado vê-lo ruborizando, para falar a verdade!
— Julie, precisamos ir — ele me apressa.
— Claro, vamos!
Despedimo-nos dos meus pais e entramos no carro.
Respiro aliviada. Ufa. Acabou.
— Tudo bem? — Simon questiona.
Eu sorrio.
— Sim, tudo. Estou aliviada que já passou.
— Ainda terá que encarar minha família.
— Sim... — Não sei bem o que sentir com aquilo. A verdade é que estou quase ansiosa. Ia passar dois dias na casa dos pais de Simon. Dormiríamos juntos novamente.
E coisas incríveis aconteciam quando eu dormia com Simon.
Bem, que mal havia?
Nós dois sabíamos onde estávamos pisando.
“E depois, Julie?”, uma vozinha traiçoeira sussurra dentro de mim.
Eu a ignoro.
Pensaria nisso depois. Por enquanto, vou aproveitar esses momentos com Simon.
Ao chegarmos à empresa, Simon estaciona o carro na esquina e me encara.
— Julie, sobre ontem...
— Era parte do acordo, não? — falo rápido. Não quero que ele pense que estou com ideias erradas. Claro que não estou.
— É, o acordo — ele anui. — Espero que esteja preparada para ir para casa da minha família dentro de três dias.
— Estarei — respondo e saio do carro.
Caminho apressadamente até o prédio da DBS e entro no elevador, olhando as horas. Pelos menos não estou atrasada. Erin não teria motivos para me dar bronca.
Antes de o elevador chegar ao meu andar, ele para e Rachel, a bonitona da publicidade, entra. Ela é alta como uma modelo e tem os maiores peitos que já vi na vida. Sorri desinteressada para mim.
— Bom dia.
— Bom dia... — respondo ajeitando o cabelo e então os olhos dela se arregalam.
— Meu Deus, olha o tamanho desse diamante!
Ela segura minha mão, impressionada, e tarde demais lembro que não deveria estar usando aquele anel no trabalho.
— Uau, você está noiva? Meus parabéns!
— É, estou — respondo sem graça.
— Seu noivo deve ser bem generoso! Vi esse anel na Tiffany! — Seu olhar brilha de curiosidade.
— Sim, é da Tiffany.
— E aí, vai me contar sobre seu noivo? — ela pergunta quando saímos no nosso andar.
— Noivo? — Benjamim da informática passa por nós. — Julie está noiva?
E fala tão alto que pelo menos seis pessoas colocam as cabeças fora de suas baias, curiosas.
Ai, merda!
— Sim, veja o anel dela! — Rachel segura minha mão, exibindo-a para Benjamin.
— Uau, Julie! — Uma moça, cujo nome nem sei, se aproxima.
— Meus parabéns! — outra diz, também pegando minha mão.
— Nós conhecemos seu noivo? Nem sabia que tinha namorado... Não ia sair com o Alan? — alguém indaga em meio ao burburinho.
— Não, quer dizer... — Ai, meu Deus, que confusão!
— Posso saber que bagunça é essa? — Erin surge toda imponente e seu olhar solta faíscas ao me reconhecer no meio da balbúrdia. — Tinha que ser você!
— Não fique brava, Erin. — Rachel vem ao meu socorro. — Julie ficou noiva! Mostre para ela o anel, Julie!
Os olhos de Erin se estreitam.
— Sério?
— É, acho que sim? — murmuro, indecisa sobre o que fazer.
Ela pega minha mão, impressionada.
— É um anel da Tiffany?
— Sim, não é fabuloso? — Rachel diz.
— Ah, Simon, desculpe-me, já estava subindo para a reunião. — Erin larga minha mão e olha além de mim. Viro-me para ver Simon saindo do elevador.
Que diabos ele está fazendo ali? Fico vermelha.
— O que está acontecendo? — ele especula. — Não deveriam estar trabalhando?
Todos voltam quase correndo para seus postos. Exceto Erin.
Tento fazer o mesmo, mas ela me para.
— Estamos parabenizando Julie pelo noivado.
Os olhos de Simon se estreitam.
— Noivado?
Ai, merda. Agora fodeu.
Capítulo 15
Julie
Simon está me fitando em busca de uma explicação enquanto abro a boca várias vezes sem saber o que dizer.
— Você está noiva, Julie Harris. Tem certeza? — ele me instiga e posso ver seu olhar escurecendo cada vez mais de fúria.
— Como assim, ela tem certeza? — Erin ri, mas me fita com a testa franzida — Não está? Por que estaria usando um anel e fazendo toda essa bagunça? Vai me dizer que inventou esse tal noivado para poder ter privilégios aqui, e quem sabe eu esquecer sua incompetência? Ah, acho que já vi isso em um reality show ...
— Não estou inventando! — eu me defendo e pela expressão de Simon sei que disse a coisa errada.
Ai, que merda!
— Claro que estou noiva! — penso rápido. — Qual o problema? Acho que o fato de eu estar noiva não tem nada a ver com o meu trabalho aqui, aliás, com licença! — Dou meia-volta e vou quase correndo para minha mesa antes que Simon possa me matar.
— Como assim está noiva? — Nancy surge correndo e pega minha mão. — Minha nossa, onde roubou isso? Você roubou, não é? Meu Deus, Julie, você vai ser presa! Vamos aparecer no jornal da noite e terei que dar um depoimento de como nunca desconfiei que tinha uma ladra dormindo no quarto ao lado e...
— Cala a boca, Nancy! — Sento-me, tentando respirar.
— Não, tem que me explicar isso! Se não roubou o anel, está mesmo noiva? De quem? Nem tem namorado!
— Talvez eu tenha e você não sabe!
— Ninguém sabe, quer dizer? Por acaso o tal namorado sabe? Agora é uma daquelas mulheres loucas que ficam noivas de homens imaginários?
— Não é imaginário!
— Nós moramos juntas e eu não sabia... Espera, o cara da noite da festa! — Seus olhos se iluminam.
— Shi, não fala alto!
— Eu sabia, é ele? Mas vocês estão juntos, tipo, há dias! Não faz sentido!
Meu Deus, como eu ia me livrar de Nancy?
Eu podia contar que era mentira. Mas teria que explicar a verdade e tinha medo que ela deixasse escapar para alguém e aí seria bem pior.
— Na verdade, foi algo fulminante — digo em tom conspiratório. — Amor à primeira vista, sabe?
— Oh, conta mais! Conta mais! — Ela pula de emoção.
Ok, vamos ver...
— A gente se conheceu no elevador da empresa, no dia em que eu cheguei.
— O dia que chegou atrasada!
— Sim, eu atrasei porque nós... tivemos uma pequena sessão de sexo selvagem no elevador!
— Minha nossa, Julie! — Seus olhos estão arregalados agora.
— E desde então estamos vivendo um louco caso de amor. Transamos em todos os lugares, escondido!
— Na sala de café? Eu não pude entrar lá na sexta passada e disseram que estava em limpeza...
— Éramos nós!
— E onde mais?
— Na sala de arquivo... no banheiro...
— Masculino ou feminino?
— Nos dois!
— Uau! E como ninguém nunca viu?
— Eu sou discreta! — digo com presunção, ligando meu computador.
— Mas quem é? Tem que me dizer...
— Não posso. É um romance secreto!
— Mas está noiva, todo mundo vai saber!
— Não agora. Por favor, Nancy, nem insiste.
— É o Alan?
— Claro que não!
— O Benjamim?
— Não...
— O Mark do Recursos Humanos...
— Eca, não! Agora me deixa trabalhar! Se a Erin te ver aqui, vai ficar brava comigo!
— OK, preciso ligar para a Holly e contar essa novidade, ela não vai nem acreditar! E mandar uns e-mails para toda nossa turma da faculdade e fazer um post no Facebook te parabenizando e...
Ela sai destilando toda a lista para quem vai contar sobre meu noivado e eu enterro a cabeça entre as mãos.
Estou tão ferrada! Aquilo está fugindo do controle.
Tento trabalhar a manhã inteira, mas é quase impossível com a quantidade de e-mails que recebo, dentre os quais encontro não só felicitações, como dicas de lugares para a recepção (parece que era possível fazer até em Windsor, tipo o Príncipe Harry, ou era o que dizia um dos e-mails. Esse eu salvei porque vai que...), imagens de vestidos de noiva (tem uns até bem bonitos... Particularmente, fiquei babando por um Vera Wang e até tive uma visão de mim mesma indo naquela programa de escolhas de vestidos de noiva da TV), e até dicas de onde passar a lua de mel (amei a dica do Brasil!).
Talvez eu deva sair para almoçar e não voltar nunca mais. É mesmo uma boa ideia, já que nem quero ver o que Simon vai fazer comigo quando tiver oportunidade. Graças a Deus todos os diretores estavam em uma reunião a manhã inteira, o que, certamente, era o motivo dele não ter me matado ainda.
E estou ali, contando os minutos para ir almoçar e tentar respirar longe daquela loucura toda, quando dentre os e-mails noto um de Simon Bennett.
Hesito um momento, com medo de abrir.
“Venha até a minha sala às 13h. Seja discreta. Natasha e boa parte dos funcionários do andar estarão almoçando. E nem ouse não vir. Precisamos falar sobre sua indiscrição e saiba que não estou nem um pouco contente.”
Ai, merda. Merda!
— Julie?
Dou um pulo ao ouvir a voz de Erin atrás de mim e me atrapalho tentando fechar a tela onde está o e-mail.
— O que está fazendo? — Ela me fita desconfiada.
— Nada. Apenas respondendo alguns e-mails.
— Espero que não seja nada pessoal.
— Claro que não.
— E que não esteja comprando vestido de noiva do E-bay, é a sua cara fazer isso!
Ai, que bruxa! Eu nunca ia comprar vestido de noiva sem experimentar!
— Bem, a reunião finalmente acabou. Eu vou almoçar! Esteja aqui à tarde, pois precisamos fazer o discurso para o lançamento do novo aplicativo, que será no primeiro dia útil do ano.
— Novo aplicativo?
— Francamente, Julie, onde está sua atenção? Esqueceu que todos estão se preparando para isso há meses?
— Eu só cheguei faz uma semana! — eu me defendo.
— Já deu tempo de se atualizar!
— Farei isso!
— Precisamos correr com toda a campanha... — ela diz, distraída.
— Espera, o discurso já não deveria estar pronto?
— O quê?
— Oras, disse que estão esperando há meses, só vai fazer agora, em cima da hora?
Seu rosto fica vermelho de raiva.
Ai, droga, não devia tê-la questionado.
— Está questionando meu método de trabalho?
— Claro que não. Me desculpe.
— É bom mesmo!
Ela sai marchando e olho o relógio. São 13h em ponto.
Levanto-me e vou para o elevador. O andar também está quase vazio, com todos seus funcionários em horário de almoço. Subo para o andar da diretoria, andando na ponta dos pés como uma criminosa. Escuto vozes no corredor e me escondo atrás de uma árvore de Natal gigante, sem nem respirar. Mark e um cara baixinho, o esquisito da logística, passam por mim.
Assim que eles dobram a esquina, saio do meu esconderijo e rumo para a sala do CEO. Como ele disse, Natasha não está na sua mesa quando eu passo por ali e adentro a sala de Simon.
Ele está ao telefone quando entro e sinto seu olhar queimando em mim. Aceno amigavelmente, fingindo uma calma que estou longe de sentir, e sento na cadeira à sua frente.
— Esse lançamento é muito importante, James, nada pode dar errado. E se alguma coisa não sair como planejei, cabeças vão rolar, então conserte isso! Senão, todos vão ficar aqui no Natal trabalhando!
Ele desliga e passa a mão pelos cabelos.
— Problemas? — arrisco.
— Eu espero que não.
— E o que queria comigo? Eu preferia estar almoçando, então seja breve...
— Bem, o que posso querer, Senhorita Harris? Talvez parabenizá-la pelo seu noivado?
— Ah, isso...
— Ah, isso! Você pirou? Qual a parte do “seja discreta” não entendeu?
— Eu não tive culpa! Aquela enxerida da Rachel viu o anel e começou a tirar conclusões...
— Podia ter inventado qualquer coisa, pelo que me lembro você é boa nisso!
— Eu não tive tempo! Foi tudo tão rápido! De repente todos estavam à minha volta me parabenizando e começaram a chegar os e-mails...
— E-mails?
— Sim! Todo mundo parece ter algo a indicar! Desde lugares para a recepção até onde passar a lua de mel! Aliás, adorei a dica do Brasil, sabe que eles têm umas ilhas e...
— Chega! Já chega dessa loucura! — Ele se levanta, exasperado. — Era para ser algo entre nós, agora estão todos trocando e-mails ridículos! — Ele anda de um lado para o outro.
Eu me levanto também.
— Espera, não tem por que ter um chilique, Simon.
— Não estou tendo um chilique!
— Está, sim! — Paro na sua frente. — Ninguém sabe quem é meu noivo!
— O que foi que você disse?
Dou de ombros, ficando vermelha ao me lembrar das coisas que inventei a Nancy.
Droga!
— O que foi que disse sobre seu suposto noivo, Julie? — Simon insiste.
— Quase nada, e apenas para minha colega de apartamento que achou esquisito eu estar noiva, sendo que nem tinha namorado.
— O que disse a ela?
— Só umas coisinhas...
— Julie? — Ele se aproxima, parando na minha frente com um olhar ameaçador.
— Ela achava que eu estava saindo com algum cara aqui da empresa...
— Por que ela acha isso?
— Porque é como pareceu depois que eu sumi no dia da festa e voltei no dia seguinte... e talvez eu tenha dado a entender que foi isso mesmo.
— Você falou de mim?
— Claro que não! Mas aí hoje, quando ela veio me questionar, achei mais fácil dizer que era o mesmo cara.
— E ela acreditou?
— Queria que eu fizesse o quê?
— Desmentisse essa história de noivado, para começar!
— Simon, deixa pra lá! Ninguém se importa! É apenas a novidade do dia e eles esquecerão! E depois do Natal eu vou te devolver o anel e invento que terminei o noivado e pronto, acabou o assunto!
— Espero mesmo que seja assim, porque se isso vazar, ficarei furioso e você não quer me ver furioso, Julie!
— Ei, está me ameaçando? — Começo a me irritar. — Lembra que foi você quem começou com essa história? Então abaixa o tom de voz comigo! Quer saber, já tomou demais o meu tempo, até mais, “chefe”!
E caminho a passos decididos até a porta, mas Simon se põe na minha frente.
— Julie, espera.
— Sai da minha frente!
— Me desculpe.
Levanto a sobrancelha, surpresa.
Ele está pedindo desculpa? Simon Bennett?
— Tem razão, eu que comecei com isso. Só quero que entenda que minha posição nesta empresa ainda é recente. E eu lutei para caralho pra chegar até aqui, não quero que um escândalo ponha tudo a perder.
Tento não ficar chateada por ele estar dizendo que se envolver com alguém como eu seria um escândalo.
— Eu também tenho um emprego para perder, Simon. Também não quero que isso vire uma confusão. — Abro a porta. — Então não se preocupe. Está tudo sob controle. Eu vou ser discretíssima!
E saio da sala sem olhar para trás.
E é quando retorno do almoço que percebo que o “tudo sob controle” que disse a Simon se transformou em um pandemônio.
— Julie, tem que contar para gente: quem é seu noivo secreto? — questiona Angie, a recepcionista, está ali na minha mesa quando deveria estar lá embaixo no seu posto. E ao lado dela tem, tipo, um tanto de garotas que não consigo nem contar e todas estão especulando quem é meu noivo secreto.
— O que diabo está acontecendo aqui? — Tento chegar até minha mesa.
— É verdade que vocês transaram no estoque? — Rachel indaga com os olhos brilhando.
— O quê?... — Encontro o olhar de Nancy no meio da horda ensandecida. — Sua linguaruda!
— Desculpa, mas a história era boa demais para eu guardar só pra mim!
— E como foi que driblaram as câmeras no elevador? — alguém pergunta. E tipo, é Phil, o gostoso do financeiro, colega de Alan.
E por falar em Alan, ele também está ali, mais afastado e com cara de quem vai chorar.
Merda!
— Na verdade, eu tenho bastante interesse nisso, Julie — Phil continua. — Sabe como é, talvez eu queira fazer o mesmo!
— Gente, fala sério, precisam sair daqui! Erin vai me matar!
— Pelo menos conta quem é seu noivo! — Rachel insiste. — A gente vai descobrir mais dia, menos dia!
— Já ficou sabendo da aposta? — Benjamin indaga mostrando um tablet e percebo que há um banco de aposta com vários nomes de funcionários. “Quem é o noivo secreto de Julie Harris?”
— Puta merda, vocês enlouqueceram?
— Gente, a Erin está vindo aí, melhor a gente vazar! — Nancy alerta e todo mundo se afasta correndo. Respiro aliviada. Nunca fiquei tão feliz de ver Erin.
— Tudo bem por aqui? — Ela olha para os lados, desconfiada.
— Tudo ótimo. Quando quiser trabalhar no discurso, estou à disposição. Só vou escovar meus dentes. — Pego minha nécessaire.
— Já devia ter feito isso! — resmunga e entra na sua sala.
Corro para o banheiro feminino e escovo os dentes em tempo recorde e, quando estou passando batom, levo um susto ao ver pelo espelho Simon entrando.
— Que porra está fazendo aqui? — Me viro, desorientada.
— Tudo sob controle? — ele diz perigosamente baixo e percebo que está a um passo de explodir.
— Não sei o que está querendo dizer...
— Talvez deva me falar sobre um banco de aposta, onde até o nome do segurança noturno está sendo cogitado!
— Sério? Até o Billy? — Billy tinha idade para ser meu avô e era cocho de uma perna! Pelo amor de Deus!
— E o Mark. E tem gente que jura que é a Helena do Marketing.
— Mas eu disse que era um noivo, um homem! Por que estão apostando em uma mulher?
— Para você ver a que ponto a loucura chegou!
— Eu não tenho culpa!
— E de quem é a culpa, Julie?
— Bem, pelo menos o seu nome não está lá!
— É bom mesmo que não esteja, porque já estou perdendo a paciência.
De repente escuto passos se aproximando.
Ai, merda.
— Se não quer entrar na lista é melhor se esconder...
— O quê?...
Eu o empurro para dentro do primeiro box e fecho a porta na mesma hora que passos se aproximam da pia.
Simon está branco feito papel agora e faço sinal para ficar quieto.
— Mas o quê...
— Cala a boca!
— Ei, Julie?
Droga, é Nancy.
— Oi?
— Tudo bem aí?
— Claro...
— Achei que tinha ouvido você falando com alguém...
— Estou numa ligação.
— Mas seu celular está aqui...
Ai, merda!
— Espera... Oh, você está com seu noivo aí dentro?
Porra!
Eu e Simon nos encaramos em total terror agora.
— Claro que não...
— Ah, eu estou vendo os pés de vocês!
Caralho, ela tinha se abaixado para olhar? Que enxerida!
— Ok, pegou a gente! — Tento pensar rápido. Simon está com cara de quem vai me matar.
Nancy solta um risinho malicioso.
— Oi, noivo da Julie! Por que não pode dizer quem é? Está todo mundo curioso para saber quem é você!
— Nancy, se não se importa, pode sair, você sabe... a gente tem que acabar aqui...
Simon revira os olhos, impaciente, e eu dou de ombros.
— Opa, desculpa, atrapalhei, né? Depois vai ter que me contar detalhes, hein?
— Conto, sim. Agora suma daqui!
— Já vou! É... divirtam-se!
Escuto os passos se afastando e respiro aliviada.
— Graças a Deus!
Coloco a mão na maçaneta para sair, mas Simon me impede.
— Por que ela achava que estava aqui com o tal noivo?
— Não sei...
— Julie?
— Talvez eu tenha contado a ela que eu e você, quer dizer, eu e o meu noivo temos encontro quentes secretos pela empresa. Você sabe, no banheiro, no elevador, no estoque...
— Porra, Julie, de onde você tira essas coisas absurdas? — Ele parece impressionado e irritado ao mesmo tempo.
— Eu tinha que inventar algo e, tipo, não é absurdo, podia ser verdade!
— Que a gente transa no banheiro? — ele indaga e então a atmosfera muda de repente.
De tensa para sensual quando me dou conta que estou naquele lugar apertado com Simon e que ele está muito perto. Tão perto que sinto seu hálito na minha língua. Mordo os lábios, olhando para sua boca.
— Podemos tentar... — murmuro e, com um gemido, Simon me puxa pela nuca e me beija com força.
Ai, caramba, isso devia estar acontecendo? Provavelmente não, mas quem disse que eu conseguia parar?
Eu me agarro a ele, retribuindo o beijo com a mesma intensidade, enquanto Simon me prensa contra a porta, as mãos atrevidas me apalpando, apertando meus quadris para que eu sinta que ele está tão excitado quanto eu.
— Isso não deveria estar acontecendo — externo meus pensamentos quando ele morde meu pescoço, as mãos subindo minha saia para me tocar onde estou derretendo por ele.
— Então me pare — sussurra em meu ouvido em desafio, enquanto os dedos fazem um estrago dentro de mim.
— Eu devia! — arquejo, levando minha mão à sua calça, o acariciando. É a vez de ele gemer e me beijar de novo, agora com mais fúria, e nós dois gememos, perdidos naquela insanidade.
Mas em vez de tirar minha calcinha e me foder, ele se afasta, segurando minhas mãos para longe e me encara ofegante.
— Não podemos fazer isso aqui.
— Podemos sim, claro que podemos, você é CEO, caramba, você pode tudo!
Ele ri nervosamente.
— Alguém pode aparecer e, além do mais, eu não tenho preservativo aqui.
— Ah, certo. É verdade — Ele tinha total razão.
Onde eu estava com a cabeça?
Dou um passo atrás e ajeito minha roupa.
— OK, eu vou sair e você pode sair depois.
— Tudo bem.
Eu saio, pego minhas coisas e vou para minha sala, com um sorriso sacana no rosto.
Ao passar pela mesa de Nancy, ela pisca maliciosamente.
— Onde esteve? — Erin aparece atrás de mim, me dando um susto.
— Estava no banheiro.
— Estava com dor de barriga ou algo assim?
— Desculpa, não vai mais acontecer.
— Ou vai me dizer que os boatos descabidos que estão rolando é verdade?
— Que boatos?
— De que você e seu tal noivo ficam se pegando pelos cantos da empresa! Sabe que se for verdade vai ser demitida, não é?
— Claro que é boato! — desminto rápido. — Sabe como as pessoas inventam e aumentam...
— É bom mesmo! Vou ficar de olho em você. E posso saber quem é seu noivo?
— Não. Isso é assunto particular, Erin.
— Bem, essa história está bem mal contada!
— Não se preocupe. Minha vida pessoal não tem nada a ver com o meu trabalho.
— Espero que sim. Te passei o discurso por e-mail. Providencie para que esteja formatado e envie ao Simon, para ele dar o ok.
— Pode deixar.
Ela se afasta e eu abro o arquivo.
Meu Deus, mas que lixo é aquele? Está horrível!
Como Erin tinha coragem de enviar isso para o Simon? Ele ia trucidá-la, para dizer o mínimo!
— Vamos ver o que podemos arrumar aqui... — Começo a reescrever o texto e no fim está praticamente outro.
Mas que se dane, está muito melhor do que o de Erin.
Encaminho para o Simon e “esqueço” de enviar a cópia de Erin.
E aproveito para dar uma olhada nas apostas e agora colocaram o Alan no meio, que está até ganhando.
— Por que acham que estou noiva do Alan?
Talvez porque ele claramente dava em cima de mim o tempo todo, óbvio.
E estou me preparando para começar a olhar o monte de e-mail que recebi na parte da tarde quando Simon surge na minha frente.
Obviamente meu coração traidor dá um pequeno salto no peito.
— O que está fazendo aq... Quer dizer, em que posso ajudá-lo, Senhor Bennett?
— Todos aqui se tratam informalmente, Julie — ele diz, todo sério, mas seus olhos em mim dizem outra coisa. Dizem que ele lembra muito bem o que quase fizemos no banheiro e...
— Simon, já estava indo embora. — Erin sai da sala segurando sua bolsa e casaco e quero rir, porque ela está vermelha. Afinal, está indo embora um pouco mais cedo. E todo mundo sabe que Simon odeia isso!
— Oi, Erin, só vim parabenizá-la pelo discurso. Está muito bom.
Ah! Eu abro um sorriso.
E já estou abrindo a boca para dizer que o mérito na verdade é meu quando Erin fala na minha frente.
— Sério? Eu estava há semanas trabalhando nele, fico muito feliz que tenha gostado.
— Foi um trabalho em equipe? — ele pergunta olhando pra mim e Erin solta um risinho.
— Claro que não! Quer dizer, Julie acabou de chegar, ela não teria capacidade para ajudar!
Ah! Que vaca!
— Eu fiz sozinha! — gaba-se.
Vadia! Eu podia abrir minha boca e dizer exatamente que fui que fiz, mas decido ficar quieta.
Erin é minha chefe afinal, e eu não ia ganhar nada entrando em uma briga com ela, ainda mais na frente de Simon.
— Certo, muito bem. Fez um ótimo trabalho — Simon diz por fim. — Bem, até amanhã.
Ele se afasta e Erin vai atrás dele, certamente tentando puxar o saco.
Suspiro, desanimada. Não era justo que Erin levasse o crédito por algo que eu fiz, mas como eu podia desfazer aquilo sem ficar mal com ela?
Agora é tarde. Conformada, abro de novo os e-mails e decido apagar sem nem ler, já que muitos têm títulos sugestivos tipo “Como faço para transar na sala de estoque sem ser pego?”.
Quando termino, percebo que já passou da hora de ir embora e todo o andar já está vazio. Pego meu casaco e bolsa e vou para o elevador.
E qual não é minha surpresa ao ver Simon lá dentro.
Eu hesito por um momento antes de entrar.
— Parece que a gente se encontra bastante em elevadores — ele diz sorrindo.
Ah, por que ele tinha que ser tão lindo?
— Dizem até que a gente transa bastante no elevador. — Ah, merda, por que eu fui abrir a boca? Agora minha mente está infestada de imagens proibidas que envolvem a mim, Simon, um elevador e um alto teor de sacanagem.
E quando relanceio a vista para ele, percebo que sua mente está cheia das mesmas imagens.
— Podemos tentar — ele diz devagar e eu engulo em seco, desviando o olhar.
— Não acho uma boa ideia. Esqueceu que tem câmeras aqui?
— Merda, preciso mandar um memorando para tirar todas as câmeras dos elevadores!
— Continuaria sendo uma má ideia — digo com certa tristeza na voz e Simon me encara. — Simon, a gente está brincando com fogo aqui. A situação já saiu do controle e pode piorar. E foi justamente você quem me alertou da importância de não deixar isso acontecer.
Ele fica sério de repente.
— Sim, tem razão.
O elevador para no térreo e nós saímos para a recepção.
Quando chego à calçada, Simon me encara.
— Quer uma carona?
Mordo os lábios, tentada.
E a tentação era bem grande, porque eu sabia que não se trataria de uma carona inocente. Estava escrito nos olhos de fogo de Simon.
E eu queria muito. Demais.
Mas seria um grande erro.
O manobrista aparece com o carro de Simon e dou um passo atrás.
— Não, obrigada, o que diriam se me vissem entrando no seu carro?
Ele coça a nuca com sorriso culpado.
— Tem razão, mais uma vez. Quando foi que se tornou tão sensata, Senhorita Harris?
Eu sorrio.
— Eu tento ser... de vez em quando.
Ele ri e entra no carro.
— Ei, Julie?
Eu me viro.
— Tem razão em mantermos distância no escritório, mas não esqueça que no Natal estaremos na casa dos meus pais, onde é totalmente permitido eu ser seu noivo — avisa e fecha o vidro, saindo com o carro.
E eu fico ali, sorrindo feito boba.
E ansiando mais do que nunca pelo Natal.
Capítulo 16
Julie
Estou ligeiramente ansiosa quando desço com minha mala para esperar Simon.
Os três dias que antecederam o Natal foram um tanto bizarros, para dizer o mínimo.
Por causa da onda de boatos (a banca de apostas continuava pegando fogo até ontem. Pelo que eu tinha observado, graças a Deus, ninguém teve a audácia de incluir o nome de Simon), eu fugi dele como o diabo foge da cruz. Não que fosse fácil. Simon parecia estar em todos os lugares e meu desejo de tornar verdadeiras as fofocas sobre as minhas transas quentes em locais inusitados na empresa era imenso. Sem contar que só conseguia me lembrar de suas últimas palavras sobre quando estivéssemos na casa de seus pais, onde teríamos permissão para sermos noivos com tudo que tínhamos direito.
Eu sentia necessidade de me abanar toda vez que pensava nisso, apesar da temperatura estar quase zero em Londres.
No momento estou arrastando minha mala até a porta e verifico o relógio, ansiosa.
Ele enviou uma mensagem ontem dizendo que era para eu esperá-lo às 10h e quase nem dormi pensando em como ia ser. Nunca esperei tanto por um Natal, nem quando era criança e ainda acreditava que o Papai Noel ia descer pela nossa chaminé e deixar a casa da Barbie para mim.
Eu só esperava que esse Natal não fosse uma decepção como aqueles de quando era criança, pois minha mãe riponga sempre dava um jeito de me presentear com brinquedos artesanais, como uma casa da bruxa feita de pano de cortina (minha avó ficou puta, porque minha mãe destruiu a cortina da sala), ou pedras mágicas que ela encontrava nas ruas.
O carro elegante estaciona e tento conter a onda de alegria descabida quando abro a porta e entro.
Meu sorriso morre no rosto quando percebo que não é Simon que está dirigindo.
E sim seu cunhado, Scott.
— Scott?
— Bom dia, Julie.
— Cadê o Simon?
— Simon teve um imprevisto e não pôde te buscar, ele só vai à tarde — responde dando partida.
— E mandou você vir em seu lugar? — Aquela história estava muito esquisita.
— Eu estava na cidade e ele pediu que eu a levasse.
“Justo você?” quero questionar, meio malcriada, mas decido ficar em silêncio. A verdade é que, de todos os familiares de Simon, aquele com quem me sentia menos à vontade era Scott.
Sempre parecia me encarar como se tivesse certeza que eu era uma farsa. Ele não poderia saber, não é? Ou poderia?
Prosseguimos em silêncio por um tempo, até que resolvo puxar assunto.
— Que tipo de imprevisto Simon teve?
— Você não sabe? — Ele levanta a sobrancelha.
Ah, merda. Como noiva de Simon eu deveria saber dessas coisas, né?
— Ele não teve tempo de me contar, ao que parece. Sabe como ele é... — Jogo no ar, tentando parecer convincente.
— Ele foi até uma feira de discos em Liverpool. Disseram que lá encontraria o tal que está caçando há tempos.
— Ah, Sex Pistols. — Eu me recordo de Simon contando que estava à procura de um álbum da banda quando descobri seu vício em vinil. Ao que parecia ele era mesmo aficionado, para ter se abalado até outra cidade em plena véspera de Natal.
— Sim, esse mesmo.
— Espero que ele encontre, já está procurando faz tempo — arrisco um conhecimento que não tenho para me exibir para Scott.
Porém ele não comenta mais nada.
Quando chegamos à propriedade dos Bennett, arregalo os olhos ao me deparar com uma linda mansão de pedra cercada por um jardim magnífico.
Mila e Florence saem da casa, empolgadas, e me abraçam.
— Finalmente chegou! — Florence pega minha mala.
— A gente estava ansiosa pela sua chegada! — Mila me arrasta para dentro. — Temos um milhão de coisas para fazer!
— Oi, Julie, como está? — Maggie passa segurando um grande vaso de flores e apenas acena.
— Estou bem... — digo, mas ela já desapareceu pelo corredor.
Mila continua me puxando escada acima e mal tenho tempo de apreciar a beleza da casa por dentro.
Entramos em um quarto enorme decorado em tons marrons tipicamente masculinos, e em cima da cama estão vários vestidos jogados.
— Esse é o quarto de Simon, presumo.
— Sim, claro!
— E para que esse monte de vestido?
— Eu trouxe! — Florence bate palmas. — Quer dizer, sendo esposa de um jogador famoso, tenho certas regalias e não foi difícil pedir que algumas grifes me mandassem uns vestidos para a gente escolher um para você.
— Espera, como é?
— Sim, não é demais? — Mila pega um vestido preto e coloca na minha frente. — Esse vai ficar lindo!
— Achei sóbrio demais! — Florence reclama e pega um vermelho curto e brilhante.
— Esse ficaria bem se ela fosse fazer programa! Credo, Florence!
— Gente, pra que isso? Eu trouxe uma roupa para hoje! — Não foi fácil convencer Holly a me emprestar um vestido, mas ela acabou concordando no fim das contas.
As duas trocam um olhar e riem.
— Claro que precisa de algo mais fabuloso! — Mila começa a tirar minha blusa. — Venha, vamos experimentar!
— Melhor ver como fica no seu corpo!
Gente, elas eram loucas ou o quê?
Na hora seguinte, sou transformada na Barbie de Mila e Florence enquanto elas me fazem provar um vestido após o outro.
— Uau, esse está lindo! — Florence dá um passo atrás depois de fechar o zíper de um vestido longo vermelho com um decote enorme.
— Sim, fabuloso! — Mila concorda.
Espio minha imagem no espelho e realmente não está nada mal, mas...
— Gente, isso não é um pouco exagerado para um Natal em família?
Antes que elas respondam, escutamos batidas na porta.
— Deve ser o cabeleireiro! — Mila corre para atender e um homem alto com cabelos verdes entra na sala seguido de uma moça com cabelos rosa e piercing no nariz. — Ah, que bom, a maquiadora chegou também!
— Gente, sério, para que tudo isso? — Tudo bem que a família de Simon é rica, mas aquela produção de Oscar já está ficando estranha.
As duas se encaram como que cogitando se deveriam me contar o que diabo está acontecendo ou não.
Espere, tem algo acontecendo?
— Então, era uma surpresa, estamos organizando uma grande festa de noivado!
Ai. Meu. Deus.
Juro que pensei seriamente em pular a janela e correr sem olhar para trás até Londres, me livrando assim daquela festa totalmente descabida.
No entanto, Florence e Mila eram como carcereiras de presídio feminino e não me deixaram sozinha em nenhum momento, não até que a noite já tivesse caído e eu estivesse totalmente pronta para minha festa de noivado surpresa.
— Simon sabe dessa maluquice? — indaguei em certo momento e as duas riram.
— Ele vai saber assim que chegar — Mila falou.
— Você não conhece seu irmão? Não acha que ele vai ficar muito irritado?
— Claro que não! Por que ficaria?
“Porque nosso noivado é mais falso que o nariz do Michael Jackson?”
— Não fique preocupada — Florence diz sorrindo, com seu vestido de contas branco balançando. — Você já deve saber que Simon é como aqueles cachorros que ladram, mas não mordem.
Disso eu tinha muitas dúvidas!
— E ele não deveria ter chegado? — Mila olha o relógio, preocupada. — Mamãe vai matar o Simon se ele se atrasar!
— Vou pedir para o Sean ligar pra ele! — Florence sai do quarto e Mila senta ao meu lado.
— Estou tão feliz que vai se casar com o Simon!
Eu forço um sorriso.
— Bem, nós só estamos noivos, não significa que vamos casar!
— Como não? Noivados são para isso! Para acabar em casamento!
Ai, Deus, me pergunto se a família vai aceitar quando ele contar que “terminamos”. Eles parecem meio preocupados com o estado civil de Simon.
— Por que querem tanto que Simon se case? — arrisco perguntar. Sinceramente, aquilo não parece muito normal.
— Porque ele nunca namora ninguém a sério! Isso não é legal!
— É uma escolha dele...
— Era antes, agora ele tem você!
— Sim, e se ele resolvesse ficar assim para sempre, qual o problema? Não deveria ser sua escolha?
— Claro, só não acho que ele era realmente feliz daquele jeito. Apenas trabalhando e fazendo sexo com inúmeras mulheres descartáveis... — Ela para, ruborizando. — Quer dizer, não eram tantas assim...
— Simon vai mesmo se atrasar! — Florence entra no quarto. — E é melhor descermos, os convidados já estão chegando.
— Vamos então, quero apresentar Julie a todos os nossos amigos.
E, assim, sou arrastada escada abaixo por Florence e Mila, que passam a hora seguinte me apresentando a vários amigos da família dos quais nunca lembrarei os nomes e ainda sou obrigada a contar a história imaginária do meu primeiro encontro com Simon, que por sinal todos acham muito romântico.
— Julie, esse é o Doutor Green, o médico da família e meu sogro! — ela me apresenta um homem grisalho.
— Muito prazer em conhecê-la, Julie.
— Conte a ele, Julie, sobre seu acidente com o osso cúbito... — Ai, merda! Ela se vira para o médico. — Julie fraturou esse osso quando era adolescente e foi por isso que ela conheceu o Simon, sua perna cedeu na rua e...
— Mas o osso cúbito é no braço. — O homem me encara confuso.
— Não, foi na perna! Ela era cheerleader e caiu, ficou até sem andar, conte pra ele, Julie!
Cale a boca, Mila!
— Tenho certeza que deve estar havendo algum engano. Osso cúbito é um dos ossos que formam o antebraço.
— Você não disse que foi a perna? — Mila insiste, confusa.
— Sim, claro que foi o que eu disse. Eu quebrei o osso cúbito do meu pé direito e... — confirmo tentando aparentar serenidade.
— Isso é impossível — Caralho! Era por isso que Scott desconfiava? Ele sabia que eu estava inventando?
— O Simon chegou! — Florence anuncia e eu aproveito para fugir do médico, que me olha como se eu fosse maluca.
— Que ótimo, vamos encontrá-lo. — Puxo Mila comigo para que seu sogro não continue a me delatar.
— Não entendi por que ele disse que seu acidente era impossível, Julie...
— Ele é quem deve estar confuso! Acha que não sei o osso que quebrei e que destruiu minha carreira de cheerleader ? Aliás, tem certeza que ele é médico mesmo? Eu desconfiaria desse diploma... Vai ver que se formou pela internet. Vi algo assim no noticiário, um escândalo!
— Será? — Mila me encara aturdida e então noto que Florence está com uma expressão grave.
— Cadê o Simon? — pergunto.
— Na verdade, Mila, pode vir comigo um minuto? — Florence puxa Mila.
— Cadê o Simon? — insisto.
— Ele já vai descer, Julie! Por que não dança com Sean? — Ela puxa o marido, que está discutindo futebol com um senhor. — Querido, dance com a Julie! Ninguém está dançando e é uma festa!
“Não, não! Eu não sei dançar!”, quero gritar.
Mas Sean já está me levando para o meio da pista do grande salão de festas dos Bennett.
— A gente não tem que fazer isso, você parecia muito animado discutindo futebol com seu amigo!
— Não vou contrariar minha esposa.
Ele começa a me conduzir e eu piso no seu pé, ficando vermelha.
— Ei, você tem os dois pés esquerdos?
— Na verdade, é minha perna... quer dizer, meu pé, aquele que eu quebrei, o osso cúbito...
— Sean, já pode deixar minha noiva. — Escuto a voz de Simon atrás de mim e me viro, sem saber se devo ficar aliviada ou preocupada.
O que posso dizer? Simon está uma visão com um smoking preto.
E no minuto seguinte, Sean se afastou e Simon me puxa para perto.
Por um momento nenhum de nós fala nada e fico ali, apreciando o fato de seus braços estarem a minha volta após três longos dias.
E eu havia sentido falta de tê-lo exatamente assim. Ao meu alcance.
— Olá, noiva — ele diz depois de um tempo com um sorriso brincalhão e eu não consigo deixar de sorrir também.
— Olá, noivo.
— Essa festa... Eu não fazia ideia, juro.
— Estou sabendo. Parece que sua família maluca resolveu nos fazer uma surpresa e só posso dizer que estou feliz por nosso noivado ser de mentira, fico pensando o que mais eles estariam imaginando para nós.
— Quem é você para acusar a família de alguém de maluca, Harris?
— É, tem razão! Onde se meteu que chegou somente agora? Scott disse que foi atrás de um vinil.
— Pois é, quando cheguei lá já era tarde. Foi vendido.
— Que pena, pelo menos economizou algumas libras. É bom porque sou uma mulher meio perdulária e posso querer um casamento bem caro! — brinco.
— Não se preocupe com o casamento. Meu pai tem um fundo de investimentos destinado aos nossos casamentos desde que somos crianças.
— Sério? Minha nossa! Meus pais nem conseguiram juntar dinheiro para pagar minha faculdade!
A gente ri e de repente eu piso em seu pé.
— Realmente sou péssima nesse negócio de dança!
— Estou vendo! Que vergonha para uma ex-cheerleader!
— Cale a boca! Sabe que sofri um acidente gravíssimo...
— Claro, osso cúbito do pé direito!
— Ah, esse osso existe, viu? O tal Doutor Green pode confirmar. Só que é um osso do braço e não do pé!
Simon explode numa gargalhada e, sem aviso, me ergue, fazendo com que eu acomode as pontas dos meus sapatos em cima dos seus.
— Melhor agora?
Claro que estava bem melhor! Principalmente porque estávamos muito mais próximos e a mão de Simon nas minhas costas parecia queimar através do vestido.
E não consigo deixar de suspirar quando fito seus olhos tão de perto. Como ele pode ficar mais lindo a cada hora que passa? Não era para eu já ter me acostumado?
— Aliás, me esqueci de dizer que está linda — ele fala num tom de voz tão envolvente quanto veludo.
Meu coração bobo derrete todo.
— Você sabe que pode me beijar, não é? — desafio, infiltrando meus dedos em seus cabelos e o trazendo para mais perto.
— Achei que não iria pedir nunca... — E então sua boca deliciosa está colada na minha. Instantaneamente me esqueço de onde estamos e quem somos, apenas me deixo levar pela sensação sublime que é beijar Simon Bennett.
— Olá! Atenção aqui!
De repente escutamos uma voz como vinda de um alto-falante. Simon e eu paramos de nos beijar para olhar através da multidão e ver Mila numa espécie de palco com um microfone na mão.
— Como sabem, estamos reunidos aqui para celebrar o noivado do meu irmão com sua linda Julie Harris. — Ai, meu Deus... — sussurro ruborizada quando todos os olhos se voltam para nós.
— Não acho que pode ficar pior. — Simon parece estar se divertindo.
— E acredito que é um bom momento para Simon subir aqui e fazer um discurso!
— Mas que porra!
Agora ele não parece mais divertido.
— Venha, Simon, não seja tímido! — Mila acena, ignorando a cara de assassino dele.
— Mila, sinceramente... — Simon resmunga.
— Tudo bem, então venha você, Julie! — E ela pula do palco e me puxa para cima.
E eu encaro toda a plateia à espera do meu discurso.
Como diabos eu tinha me metido nesta merda?
— Conte a eles como se conheceram! — Mila encoraja.
Ai, droga!
— É, bem... — Encaro Simon, que agora parece estar se divertindo com meu infortúnio. — Eu tive um problema muito triste quando era adolescente... — Começo a contar minha triste história imaginária. — Quebrei o osso cúbito do pé direito... — E não posso deixar de encarar o Dr. Green em desafio — que, embora alguns digam que seja do braço, eu tenho certeza que é no pé! — Respiro fundo e continuo a contar com a voz dramática e acho que vi até algumas lágrimas. Simon está segurando o riso. Filho da puta! — Enfim, eu estava andando pela rua certo dia e senti meu pé falhar e Simon me salvou de ser atropelada.
— A Julie se esqueceu de dizer que depois eles descobriram que trabalhavam juntos. O destino não é incrível? — Mila se intromete e todos sorriem deslumbrados.
— Ah, que romântico! — alguém diz e os outros concordam.
— Sim, foi muito romântico — afirmo.
Ou melhor, seria se fosse verdade. De repente, não tenho mais vontade de mentir.
— Mas eu quero falar de outro momento — decido de súbito. — Quero falar de quando me apaixonei pelo Simon de verdade. Acho que não foi naquele momento, e sim quando o vi pela primeira vez no elevador da empresa onde trabalhamos. Não sei se eu tive uma intuição de que ele se tornaria tão importante para mim e que um dia estaríamos aqui. — Não ouso olhar para Simon. Sei que não devia estar dizendo essas coisas, mas elas jorram pela minha boca sem que eu consiga impedir. — Só sei que daquele dia em diante nada mais foi o mesmo e, o que posso dizer, eu aceitei ser sua noiva — “de mentira”, minha consciência avisa e sorrio, tentando ignorar a tristeza — e só desejo que estejamos juntos pra sempre.
— Ah, que lindo! — Mila grita, aplaudindo, e todos fazem o mesmo.
Ainda estou de cabeça baixa sem conseguir encarar ninguém, o que é bom para que não vejam que estou com cara de enterro e não de noiva feliz.
— Agora o Simon! — Florence grita e ouso levantar o olhar para ver Sean empurrando Simon para o palco.
Ele não parece nem um pouco feliz.
— Que porra, Sean!
— Deixe de ser chato e vai lá! — Florence resmunga e eu desço do palco o encarando com um sorriso sarcástico.
— Vai lá, querido! — encorajo, cheia de ironia. — Acho que todos querem ouvir sua versão dos fatos!
— Sim, queremos ouvir! — alguém grita e Sean volta a empurrar Simon.
Sem alternativa, Simon sobe no palco e encara a multidão.
— Não sou muito bom nisso, diferentemente de minha noiva. — Todos riem. — O que posso dizer que ela não tenha dito? Parece mesmo uma história inventada de tão perfeita, não acham? — As pessoas riem como se fosse uma piada. Só nós dois sabemos que a piada é maior do que imaginam.
— Acho que deve falar da Julie! — Mila incentiva. — Todos queremos saber o que de tão maravilhoso ela tem que fez você pedi-la em casamento!
— Julie Harris? — Ele me encara — Julie é... uma linda bagunça. — Ele sorri e eu prendo a respiração. — Com certeza ela pode parecer louca a maior parte do tempo... Às vezes eu me pergunto como eu vivi sem essa loucura até conhecê-la. Eu gosto quando ela pede o que quer, me desafiando e me deixando sem palavras. Acho que nunca conheci alguém como ela. Com certeza, Julie Harris é única. — Ele me encara agora e eu desejo do fundo do meu coração que esteja falando a verdade e não inventando para a plateia ávida por romance. — E, graças a Deus, existe apenas uma Julie. Acho que o mundo não conseguiria lidar com duas Julie Harris de uma só vez — ele termina com humor e todos gargalham.
Eu não tenho vontade de rir. Tento entender o que ele quis dizer.
— E obrigada por estar aqui, Julie — ele acrescenta, agora mais sério. — Acho que só você sabe a importância desse momento.
Ah, claro que eu sei! Ele está agradecendo por eu ser louca a ponto de concordar com aquela farsa!
— Eu gosto muito... de ter você como parceira de crime. — Ele sorri para mim e infelizmente, como sou uma idiota, me vejo sorrindo de volta.
Todos aplaudem e Simon se vira para que algumas pessoas o cumprimentem.
— Acho que não fomos apresentadas. — Eu me viro e vejo uma moça loira linda me encarando com um sorriso falso. Sinto um mau presságio. — Sou Lorna Midleton. Ex-namorada do Simon.
O quê?
Capítulo 17
Julie
Perco a fala por um momento, totalmente chocada, enquanto a loira me mede de cima a baixo.
Como assim a ex-namorada de Simon, e pelo que acabei de recordar, sua única ex, está na festa de noivado dele com outra mulher? Tudo bem que é um noivado falso, porém ela não tem como saber, não é?
— Parece extremamente surpresa em me ver. — Ela sorri com uma presunção ensaiada, o que me deixa com vontade de passar uma navalha em sua boca cheia de dentes.
— Bem, realmente não sei o que a ex-namorada de Simon estaria fazendo na festa de noivado dele — externo meus pensamentos, o que só faz seu sorriso aumentar.
— Ah, querida, ninguém te contou? Sou quase da família.
— Lorna, aí está você! — Mila aparece com uma expressão alarmada. — Achei que já tivesse ido embora!
— Por que eu iria, Mila? — Lorna joga os cabelos escovados para trás. — Fui convidada!
— Foi um erro! — Agora Florence também está ali e compreendo a cena estranha de minutos atrás, quando ela me jogou para dançar com Sean. Deve ter sido porque elas descobriram a presença de Lorna.
Realmente uma situação desconfortável, para dizer o mínimo.
— Eu já expliquei que a organizadora da festa se equivocou e convidou todos da nossa lista de amigos e esqueceu que você é ex-namorada de Simon! — Mila explica. — Me desculpe, Julie, realmente a gente não sabia...
— Espere, não sou mais bem-vinda? — Lorna encara Florence e Mila com sarcasmo. — Até pouco tempo atrás toda vez que o Simon vinha para cá vocês imploravam para que eu viesse também.
Agora me lembro. Ela é a tal ex que os Bennett queriam empurrar para o Simon. A garota que achavam ser a noiva perfeita.
— É, bem... — Mila está vermelha. — As coisas obviamente mudaram...
— Eu não acredito! Não sou mais bem-vinda na sua casa porque essa garota que chegou há cinco minutos está aqui...
— Ela é a noiva do Simon! — Florence a interrompe.
— Que chegou há cinco minutos! E vocês me conhecem faz quanto tempo? Eu namorei Simon por três anos! E conheço sua família a vida inteira e...
Três anos? Minha nossa, era bastante tempo!
Por que ele terminou com ela?
Com certeza é bastante bonita. E rica, pelo o que pude notar pelas joias que ostenta. E era queridinha dos Bennett.
Até eu aparecer.
O que me dá certa vantagem, penso.
Então levanto a cabeça.
— Acho que você deveria parar de se humilhar e dar o fora. — Lorna arregala os olhos, ultrajada. — Se não percebeu, a sua vez passou e você perdeu! Então pegue esse seu cabelo loiro aguado e dê o fora!
Mila e Florence estão perplexas, enquanto Lorna parece que vai explodir.
— Ora, sua... sua...
— O que está acontecendo aqui?... — Escuto a voz de Simon, que se interrompe quando ele vê a loira ali. — Lorna! — exclama, surpreso.
A moça se recompõe rapidamente ao ver Simon e abre um sorriso angelical.
Quanta falsidade!
— Simon, querido, parabéns pelo noivado! — Ela passa por mim e o abraça.
— Não sabia que você vinha. — Ele parece desconcertado.
— Não perderia uma ocasião tão importante para você por nada! E estava justamente dizendo à sua noiva como estou feliz em conhecê-la! — diz ela, ainda com o braço em volta de Simon.
Mila e Florence assistem tudo como se estivessem vendo uma novela de TV.
— Ah, claro, ela está muito feliz! — Reviro os olhos.
— Que espirituosa! — Lorna sorri. — Simon, ela é uma graça! Espero que sejamos boas amigas!
— É... claro. — Simon olha de mim para Lorna aturdido.
— Estava dizendo a ela que fomos namorados por alguns longos anos...
— Bem, faz bastante tempo... — Simon diz devagar.
— Claro. Mas ainda somos amigos! E Julie, se quiser saber tudo sobre Simon, pode contar comigo! Somos bastante íntimos... Aliás, sou íntima de toda a família Bennett, adoraria ajudá-la a se introduzir na sociedade local e em tudo o que implica ser uma Bennett.
Ela está de brincadeira, não é?
— Tenho certeza que será difícil para você sendo tão... comum.
Respiro fundo, pronta para dar uma boa resposta, já que não podia socar seu rosto cheio de plástica.
— Ah, a banda voltou a tocar — Florence se intromete, possivelmente notando os ânimos começando a se exaltar. — Vamos dançar!
— Adoro essa música, dance comigo, Simon. — Lorna o puxa para o meio da pista. — Tenho certeza que Julie não vai se importar de emprestá-lo um pouquinho, não é?
— Claro que não — murmuro. — Sua vaca! — completo baixinho quando eles se afastam.
Fico observando-os na pista e parecem perfeitos juntos.
Um casal perfeito. Não é à toa que os Bennett insistiam tanto para que Simon a pedisse em casamento.
De repente, me sinto muito cansada de tudo aquilo. De toda aquela farsa sem sentido. Cansada de me iludir, achando que posso pertencer àquela família, àquele homem.
Caminho para fora da casa e, ignorando a neve que cai no jardim, sento num banco e pego meu celular.
Vovó atende depois de algumas chamadas.
— Oi, vovó.
— Julie, querida! Que bom te ouvir! Como está seu Natal?
— Eu queria estar aí com você. — Tento conter a vontade de chorar.
— Duvido muito. Sua mãe queimou o peru e quase botou fogo na casa. Estamos comendo pizza.
Eu rio, fungando.
— Ainda assim, são minha família. É onde eu pertenço.
— O que está acontecendo, querida? Sua voz está triste. Não está feliz de estar na casa do seu noivo?
Engulo a verdade que está na ponta da minha língua. Quero contar que minha presença na casa de Simon não passa de uma brincadeira de mau gosto orquestrada por ele.
— Julie? — Levanto a cabeça e Simon está vindo em minha direção.
— Vovó, preciso desligar. Amanhã eu ligo novamente, está bem?
— Claro, vá ficar com seu noivo.
Desligo e Simon agora está mais perto.
— Que porra está fazendo aqui fora? Está congelando! — Ele tira o próprio paletó e põe em meus ombros.
— Estava falando com a minha vó.
— Não podia ligar de lá de dentro?
— Precisava de um pouco de ar e não achei que perceberia que saí, já que estava se divertindo bastante com sua ex-namorada. Aliás, ela é linda. Não entendo por que não quis ficar com ela!
Simon franze a testa.
— Que porra está falando?
— De Lorna e de como ela parece meio zangada por você estar noivo de outra!
— Lorna não está zangada...
— Simon, por acaso você é cego? Ela só faltou pular na minha jugular! Toda aquela simpatia era pura falsidade!
— Acho que está exagerando!
— Estou? E aquela ceninha “dance comigo, Simon” — faço voz de nojo.
— Está com raiva por eu ter dançado com Lorna?
— Claro que não! — minto. — Porém ficou claro que ela estava querendo me mostrar que você poderia muito bem estar com ela! E nem posso culpá-la! Parece que sua família a iludiu achando que mais dia, menos dia você iria ceder e pedi-la em casamento! O que não entendo é por que não o fez!
— Está falando sério? Eu te falei que não estava a fim de ceder à pressão ridícula de minha família! Por isso inventei um noivado, por isso está aqui! — Ele parece irritado.
— É, por isso estou aqui! — Engulo o nó na minha garganta.
— Julie, qual o problema? Por que estamos discutindo?
— Ai, Simon, às vezes você é tão burro! — me exaspero e começo a me afastar, mas o salto escorrega na neve e, antes que eu vá ao chão, Simon me puxa para seu colo. — Isso é desnecessário!
— Não quero que quebre outro osso cúbito! — ele responde com escárnio e, em vez de me levar de volta para a festa, sobe as escadas. E só paramos quando estamos no seu quarto.
E, de repente, já não tenho tanta certeza se quero estar ali.
A aparição de Lorna só me fez ver o absurdo que aquela situação representa.
E o quanto está custando às minhas emoções.
— Eu vou... me arrumar para dormir. — Entro no banheiro e fecho a porta.
Observo minha imagem no espelho e respiro fundo. Estou linda como nunca estive antes. Aquele podia ser realmente o dia da minha festa de noivado, com aquele cara incrível do outro lado da porta. No entanto, tudo não passa de uma mentira.
Então decido que para mim já chega. Nada mais de brincar de noivado pulando na cama de Simon.
Podia até parecer muito fácil e divertido. Certo. Mas no fundo só piorava tudo.
Engolindo a vontade de chorar, levo a mão às costas do vestido, mas o zíper não cede.
— Julie, tudo bem aí? — Simon entra no banheiro. Ele tirou a camisa e está apenas de calça.
— É esse zíper idiota! — resmungo e ele se posiciona atrás de mim, abrindo-o facilmente.
Começo a ofegar enquanto suas mãos deslizam o vestido para baixo vagarosamente.
E de repente é bem difícil me lembrar da minha resolução anterior.
A gente podia ter uma despedida, não podia?
— Você sabe que é a última vez, não é? — sussurro num fio de voz, tentando manter a mente funcionando, o que é bem difícil com as mãos de Simon segurando meus seios.
Nossos olhares se encontram através do espelho e percebo sua expressão confusa.
— Depois de amanhã acaba nosso noivado falso — explico.
— Ah... isso. — Ele parece aturdido por um momento, como se não tivesse se dado conta.
— Então... — Viro-me e envolvo seu pescoço com os braços. Que se dane! Eu ia aproveitar aquele último momento. Eu precisaria de muitas lembranças para compensar meu sofrimento depois. — Acho que devia me levar para a cama... — murmuro contra seus lábios e Simon solta um grunhido antes de me beijar com força.
Isso.
Assim!
Eu me perco naquele beijo e mal vejo quando ele me levanta e faz exatamente o que pedi, me levando para a cama.
Há algo diferente agora. Um certo desespero em cada beijo, cada toque. Como se nossos corpos soubessem que é a última vez.
E quando ele está dentro de mim, toda a ansiedade cessa. E ficamos assim, unidos e quietos, apreciando aquela perfeição. Depois Simon se move devagar dentro de mim, arrancando suspiros da minha garganta em cada investida. E quanto mais fundo ele vai, mais um pedacinho do meu coração ele leva e, quando termina, não há mais nada dentro de mim que não seja dele.
Fico de olhos fechados, escutando o som de nossas respirações voltando ao normal, não querendo encarar a realidade.
Simon se afasta e quando retorna ainda não abri os olhos. Quero dormir e acordar só depois do Natal, porque me recordo que ainda temos o dia de amanhã para continuar fingindo para sua família e não sei se suportarei mais.
— Julie? — Escuto sua voz me chamando na semiescuridão e abro os olhos.
Simon está deitado do meu lado. A vontade que tenho de me aproximar e me aconchegar em seus braços é tanta que chega a doer.
— Sobre essa ser a última vez... E se não fosse?
Como assim?
Meu coração quase morto de repente volta à vida, batendo descontroladamente.
— O que está querendo dizer, Simon?
— Que podemos continuar nos vendo.
Espere... Como é?
Eu me sento e puxo o lençol sobre os seios, tentando pensar racionalmente.
— Não estou entendendo...
Simon se senta também, me fitando com aquela expressão de CEO implacável. Meu coração desacelera, pois infelizmente começo a conhecer Simon e suas intenções muito bem.
— Não precisamos mais dessa farsa, tem toda razão. Mas não tem por que não continuarmos dormindo juntos.
— Ah... E como seria? — indago, já imaginando sua resposta.
— Seria algo discreto, claro. E apenas sexo.
— Claro, tipo um caso? Sexo sem compromisso?
— Sim, acho que podemos usar esse termo.
Por um momento fico encarando seu olhar esperançoso. Aposto que está achando que vou concordar sem pestanejar, que eu talvez até agradeça por estar sendo tão generoso comigo, se oferecendo pra me foder.
Muito discretamente, claro.
— Não, não quero — respondo por fim.
— Por que não?
— Simon, não daria certo! Você é um cara muito frio e todo pomposo e ainda tem sua família e essa mentira... É complicado demais! — tento explicar parte da verdade.
— Não estou pedindo pra gente se casar, Julie.
— É, estou percebendo... — Sorrio com amargor.
— Eu não entendo você! Achei que estávamos curtindo.
— Não vou fingir que não estou!
— Então por que não?
— Simon, você não tem sentimentos, enquanto eu tenho demais — confesso.
— O que está querendo dizer? — Ele franze a testa.
— Se nem é capaz de entender, acredito que estou tomando a decisão certa. — Desvio o olhar com tristeza.
— É sua resposta final? — Há alguma frieza em sua voz agora e só quero que ele desapareça antes que eu cuspa tudo o que estou sentido em sua cara e, sinceramente, gostaria de manter certa dignidade.
— Sim, é. E... não quero dormir com você hoje.
— Tudo bem. — Ele levanta e veste a calça, sem olhar para minha cara quando sai do quarto batendo a porta.
Aí, sim, eu posso chorar.
Acordo na manhã seguinte sem um pingo de espírito natalino.
Pergunto-me onde Simon se meteu na noite passada. E se sua família sabe que não dormiu comigo.
— Julie, bom dia! — Alfred me encontra ao pé da escada e sorri animado. — Já estamos todos na sala!
Forço um sorriso.
— Ah, que ótimo!
Acompanho Alfred para a sala e Mila já está lá, orquestrando a distribuição de presentes.
— Bom dia, Julie! — Florence me puxa para sentar ao seu lado.
Sean e Scott estão com cara de tédio e Maggie tirando foto de tudo.
Cadê o Simon?
— Cadê o Simon? — questiono sua ausência.
— Ele teve que sair bem cedo, já deve estar voltando — Scott explica.
Sair bem cedo para onde?
— Podemos começar sem ele? — Mila pergunta, agitada.
— Tudo bem, querida — Maggie concorda e ela começa a distribuir caixas para todos.
Fico surpresa ao receber algumas. Roupas de Mila, perfumes de Florence e até um colar de Maggie e Alfred.
— Obrigada, realmente não precisavam se preocupar comigo. Eu não trouxe nada para vocês...
— Não importa! — Maggie diz. — Queríamos apenas que soubesse que é bem-vinda à nossa família.
Ah, merda, por que ela tinha que ser tão gentil?
E como é que Simon podia ser tão filho da puta e enganar a família daquele jeito?
E onde é que ele se meteu?
— Simon, finalmente! — Mila exclama e levanto a cabeça para ver Simon surgindo, ainda vestindo casaco e com o cabelo cheio de neve.
— Eu disse que não ia demorar. — Seu olhar encontra o meu e ele dá um passo para o lado e meu queixo cai ao ver que minha avó está com ele. — Eu fui buscar meu presente para você, Julie.
Capítulo 18
Julie
— Vovó Mary! — Levanto de um pulo e corro para abraçar minha avó, ainda em choque. — Não acredito que está aqui!
— Deve agradecer ao seu noivo que foi me buscar. Parece que ele achou você meio tristinha por estar longe da família.
Eu encaro Simon, sem saber o que pensar.
— Eu só queria que ficasse feliz — ele diz simplesmente e, tipo, como assim?
Ontem ele saiu do quarto batendo a porta, como se estivesse com raiva de mim por eu não ter concordado com sua proposta de sexo sem compromisso.
E de repente decide buscar minha avó?
O que será que ele está aprontando?
Será que acha que vou ceder só porque ele fez um gesto legal? Sinceramente, não duvido de nada vindo de Simon.
— Que ótimo poder conhecer alguém da família de Julie! — Maggie se aproxima e leva minha avó até o sofá.
— Ah, que gentil! Estou tão feliz que Julie arranjou um noivo tão bonito e educado como seu filho!
Reviro os olhos e encaro Simon.
— O que pensa que está fazendo? — cochicho.
— Por que está irritada? — ele pergunta no mesmo tom.
— Por que você foi buscar minha avó?
— Não ouviu o que eu disse?
— Acha que eu acredito?
— Por que não acredita?
— Que embuste você é, Simon! Se acha que vou concordar com sua proposta só porque...
— Ei, parem de cochichar! — Mila reclama. — Vamos acabar de distribuir os presentes e ir comer que estou com fome!
Sento-me ao lado da minha avó e decido curtir o momento com ela e me esquecer de Simon. O que é bem difícil porque ele está o tempo todo me encarando.
— O que a senhora acha de um casamento no nosso jardim? — Florence está perguntando para vovó e arregalo os olhos. Que merda!
— Acho que seria lindíssimo. Se bem que a mãe de Julie já tem os próprios planos! — vovó diz. — Eu gostaria que fosse algo mais tradicional em vez de um casamento celebrado no meio do mato com um sino de latão, vassouras e círculos mágicos!
— Hum, que... interessante! — Maggie sorri confusa. — Nós estávamos pensando em algo mais formal, como uma igreja anglicana e uma recepção no nosso jardim.
— Eu acho que poderia ser mais moderno e acontecer na Itália, por exemplo! Temos um amigo que se casou em uma vila na Toscana! — Mila sugere.
— O avô de Julie era italiano, de Nápoles — vovó fala, empolgada. — Teve que fugir de lá depois de se envolver com a Cosanostra.
— A máfia? — Alfred exclama horrorizado.
— Não, é uma lenda, vovó está exagerando — corrijo.
— Parece que a mente criativa é algo de família — Simon diz, brincalhão, e o fuzilo com o olhar.
— O importante é que minha Julie vai ter um lindo casamento. — Vovó segura minha mão com um sorriso feliz.
E mais do que nunca me sinto uma fraude.
E decido que preciso contar a verdade a ela.
Não quero que fique iludida com algo que nem é real.
— Vamos comer? — Maggie nos chama para a sala de jantar e lá a conversa continua animada sobre o casamento imaginário que todos juram que vai acontecer.
E só vou ficando cada vez mais deprimida.
Este Natal está mais triste do que o Natal em que ganhei a casa de bruxa feita de cortina em vez da Barbie. Parece que eu sempre me iludia com falsas esperanças.
Ao fim da refeição, vovó diz que está cansada e que precisa retornar para casa.
— Eu vou com a senhora — eu me apresso em dizer.
— Ah, não, fique com seu noivo...
— Simon não vai se importar! — Espero não ter colocado muito ressentimento no meu tom de voz.
— Claro, se deseja ir — ele concorda facilmente. — Vou levá-las.
O que me deixa um pouco decepcionada. Talvez eu tenha mantido alguma ilusão depois de ele aparecer com minha avó, porém ele está desistindo muito rápido.
Pelo visto, me iludi de novo.
Disse que não ia ser trouxa? Fui trouxa!
Despeço-me da família de Simon e entramos no carro.
Como vovó está conosco, seguimos em silêncio até a casa dos meus pais, a duas horas da casa dos pais de Simon.
Quando estacionamos, papai e mamãe saem animados ao nos ver.
Vovó se despede de Simon e entra, reclamando do frio nas articulações. Realmente, está tão frio que começa a nevar.
— Simon, feliz Natal! — Papai acena de sua cadeira na varanda, onde toma uma cerveja. — Não se esqueça do que conversamos mais cedo.
— O que conversaram mais cedo? — Encaro Simon confusa.
— Seu pai fez uma proposta formal para que eu pose para ele.
— Ele pirou?
Simon ri.
— Eu disse que ia pensar.
— Não há nada para pensar! Você sabe que ele quer que você pose pelado, né?
— Ele disse que posso usar uma folha de bananeira e encarnar Adão ou algo parecido.
— Papai enlouqueceu!
Mamãe se aproxima e abraça Simon toda feliz.
— Vai ficar? Ainda temos peru.
— Deus me livre, quer dizer — ele tosse —, muito obrigada, mas tenho que retornar para a casa dos meus pais. Só vim trazer a Julie.
— Não foi lindo o que Simon fez, buscando sua avó? — Mamãe dá tapinhas no rosto de Simon. — Que noivo maravilhoso, filha! A deusa te mandou um homem perfeito! Podemos celebrar um lindo casamento no solstício e...
Ah, já chega! Se Simon quer manter aquela farsa para a família dele, que seja, eu já estou farta!
— Na verdade, mamãe...
— Julie, será que posso conversar com você um minuto? — Simon me interrompe e imediatamente segura meu braço, me levando para longe da varanda.
— Simon, me solte! O que pensa que está fazendo?
Ele só para quando estamos longe o bastante.
— Preciso conversar com você antes de ir.
— Estou congelando! Seja rápido! Se for para voltar com aquela ideia de sexo sem compromisso...
— Na verdade, é exatamente sobre isso.
— Ah, vá se foder! — Eu me preparo para dar meia-volta e deixá-lo falando sozinho, mas ele segura meu braço, me impedindo.
— Eu quero refazer a proposta.
— Eu já disse “não”.
— De casamento.
— O quê? — Por um momento acho que não ouvi direito.
— Acho que deveríamos ficar noivos de verdade.
— Você tomou algum chá da minha mãe? — Mamãe fazia uns chás realmente muito esquisitos que ela jurava que eram inofensivos, algo que eu duvidava muito.
Só isso explicaria Simon estar ali, no meio da neve, dizendo que devíamos ser noivos de verdade.
— Estou falando sério.
— Não pode! É absurdo!
— Tudo bem, talvez seja. Não quero uma resposta agora. Preciso voltar para a casa dos meus pais e você deve ficar com sua família. Voltaremos a conversar depois do Ano Novo.
— Tudo bem nada! Acha que pode me arrastar pela neve e despejar essa proposta bizarra em cima de mim e sair sem mais nem menos?
— A não ser que já tenha uma reposta para mim...
— Claro que não!
— Era o que eu imaginava...
— Eu quis dizer não!
— Não é a resposta que eu espero — ele me ignora. — Agora volte para dentro de casa antes que congele. — Inclina-se e beija meus lábios dormentes de frio. — Feliz Natal, Julie!
Fico observando Simon se afastar totalmente chocada.
Não sou eu a louca. É ele!
Os dias que antecedem o fim do ano se arrastam lentamente e me sinto cada vez mais estranha enquanto fico revivendo a minha última conversa com Simon vezes sem fim.
Acabei separando algumas teorias sobre seu pedido bizarro.
1 - Ele sofre de alguma doença mental grave, tipo transtorno borderline , bipolar ou sei lá como chama. É aquela coisa que as pessoas mudam radicalmente de humor de repente, deixando todos a seu redor confusos. Tipo O médico e o monstro .
2 - O problema é mais sério e ele tem várias personalidades. Provavelmente aquele que me pediu em casamento se chama Robert e é o cara que não tem medo de compromisso. Fico imaginando como serão suas outras personalidades e como devem se chamar. Talvez tenha até uma chamada Theodora, uma cantora de ópera ninfomaníaca. Só espero que nenhuma das outras personalidades seja de algum psicopata ou algo do tipo.
3 - Ele bateu a cabeça ontem, depois que me deixou no quarto. Deve ter quebrado algum osso do crânio, tipo o osso cuboide (acho que esse existe), ficou confuso e com amnésia. Talvez acredite que está em 1999 e vá começar a cantarolar Backstreet Boys e Spice Girls.
4 - Depois de caminhar sozinho pela noite e quase morrer congelado (talvez ele tenha até perdido um dedo do pé por causa da gangrena — aconteceu naquele filme Everest ... não, espera, acho que foram dedos da mão), ele tinha finalmente percebido que foi um tremendo canalha me propondo aquela história de sexo sem compromisso e finalmente entendeu minhas dicas e chegou à conclusão óbvia: que estou loucamente apaixonada por ele. E a cereja do bolo: ele percebeu que também está apaixonado por mim. Talvez tenha até corrido na neve num arroubo de felicidade cantando “Last Christmas” do Wham! (Wham não! É muito gay, preciso de algo mais másculo, talvez alguma do Michael Bublé. Sim, Michael Bublé é hot).
Enfim, por mais que eu tentasse entender, era bem difícil. E dizem que as mulheres são complicadas. Com certeza quem inventou essa máxima não conhecia Simon Bennett.
Assim, os dias passam. E eu os ocupava posando para meu pai (de roupa, obviamente. Seria realmente muito traumático posar pelada para meu próprio pai, mesmo sendo algo artístico. Além do mais, acho que meu pai nem tinha se tocado que eu possuía seios), ajudando minha mãe a fazer geleia (uma pior que a outra, já que ela errou todas as receitas. Pobres coitados dos membros de sua turma da Wicca, que iam receber aquela meleca esquisita de presente), ou passando um tempo com minha avó que, graças a Deus, era a pessoa mais normal da família.
E no primeiro dia do ano, depois de um belo almoço feito por mim, claro, meu pai cantava Madonna no karaokê que mamãe tinha lhe dado de Natal (isso e a cueca mágica ungida pela deusa, que ela jurava ter poderes de aumentar o apetite sexual dele. É óbvio que, depois de ela me contar, tive alguma ânsia de vômito e já tratei de marcar uma sessão de terapia) e eu estou mexendo em seus vinis antigos quando me deparo com um disco do Sex Pistols, me lembrando de Simon na hora.
— Papai, não sabia que era fã de punk.
— Querida, sabe que eu já fui punk, não é? — Ele para de cantar “Like a Virgin” e me encara. — Até me chamavam de Tony Vicius.
— Pai, pare de mentir!
— É verdade!
— Por acaso esse disco aqui é aquele super-raro do Sex Pistols?
— Sim, vale uma fortuna. Já quiseram comprar, mas é claro que não vou vender.
— O Simon está procurado esse vinil!
— Seu namorado é punk?
— Ele coleciona vinil. Tem um monte no apartamento dele em Londres. Ele é aficionado ou algo assim! Podia vender para ele.
— Bem, se quiser lhe dar de presente, pode dar.
— Sério?
— Simon é da família! Claro que não vou vender, Julie!
Meu pai volta a cantar, dessa vez, “God Save The Queen” do Sex Pistols, usando uma voz cavernosa e fazendo gestos obscenos com os dedos.
Minha Nossa Senhora!
Saio da sala levando o vinil e sento em minha cama, pensativa.
Será que Simon merecia aquele vinil? Eu devia quebrá-lo em pedacinhos e deixar na sua cama, como aquela cena do cavalo morto de O Poderoso Chefão . Seria bem feito.
Pelo menos era o que o Simon embuste merecia.
E aquele Simon que disse que queria ficar comigo de verdade? Não uma proposta de sexo sem compromisso, e sim um noivado?
Caramba, será que ele falou sério?
Como é que podia me propor algo assim, sendo que a gente se conhece há menos de um mês?
Bom, amanhã eu voltaria ao trabalho e acabaria o prazo que ele me deu para pensar no assunto.
E eu precisava tomar uma decisão.
Estou tão ansiosa na manhã do primeiro dia de trabalho do ano que acordo supercedo e demoro séculos para escolher uma roupa. Opto por um vestido preto da Burberry de Holly (ela não tinha voltado ainda das férias na casa dos pais podres de ricos na Escócia) e coloco até meus sapatos vermelhos Manolo Blahnik. Claro que não tinha nada a ver com o fato de que iria encontrar Simon. Hoje era o dia do lançamento do novo aplicativo da DBS e um dia importante para meu departamento. Quer dizer, para a bruxa da Erin, que faria uma apresentação para os jornalistas convidados. E eu queria desejar que ela gaguejasse e passasse vergonha na frente de todo mundo, mas não consigo. Afinal, somos uma equipe. Mesmo que ela me veja apenas como uma barata que gostaria de pisar. Além disso, não quero prejudicar a DBS. E nem Simon.
Aff, lá está Simon nos meus pensamentos outra vez!
Como seria hoje? Ele iria falar comigo? Claro que não. Provavelmente ia me ignorar, todo preocupado com o lançamento.
E se fosse assim, como é que iríamos tratar “daquele assunto”?
Eu teria que esperar o dia inteiro?
Não quero esperar!
Pego meu casaco, minha bolsa e saio de casa rumo ao apartamento de Simon, e estou levando o vinil. Só vou dar para ele caso nossa conversa termine como eu imagino. Quer dizer, não que eu tenha imaginado muita coisa. Só umas quatrocentos e vinte opções. Isso citando as boas opções. Também havia as trágicas. Neste caso, eu quebraria o vinil na cabeça dele.
Pego um táxi para ir mais rápido e desço em frente ao seu prédio bem nervosa. São pouco mais de sete da manhã e espero que Simon ainda não tenha saído. De repente um medo faz surgir um nó no meu estômago.
Estou lá, parada no frio por alguns minutos, sem saber o que fazer, quando a porta da garagem se abre e um carro sai. Aproveito e entro por ali. Isso! Iria surpreendê-lo. Esperá-lo ao lado do seu carro. Seria menos invasivo.
Pronto, gostei dessa abordagem. Sou mesmo a rainha da diplomacia e da comunicação não violenta.
Encontro facilmente o carro de Simon e me encosto nele. Verifico as horas no celular. Sete e meia. Estou começando a ficar com fome. Devia ter passado no Starbucks e pego um mocha. E talvez alguns biscoitos.
De repente escuto passos e, de onde estou, vejo um senhor grisalho saindo do elevador. Merda. O que ele vai pensar? E se achar que estou fazendo ponto ali ou algo assim? E se chamar a polícia?
Sem pensar, tento a porta do carro de Simon e, porra, está aberta!
Ele não trancava a porta do carro nunca?
Bem, para mim hoje é bom que não o faça, então, escorrego para dentro do carro e me agacho no banco traseiro.
Espero alguns minutos. Será que o velho já foi?
Antes que me levante, a porta do carro abre e Simon senta no banco do motorista.
Ai, meu Deus. É agora.
Fico ali, sem nem conseguir respirar, enquanto ele dá partida e sai da garagem. Como sei que não posso ficar escondida para sempre, me sento rápido.
— Oi, Simon.
— Puta que pariu! — ele grita de susto, perdendo o controle do volante por um momento. O carro oscila para o lado direito, fazendo várias buzinas soarem e alguns palavrões serem proferidos até que ele consiga colocar o carro na pista certa outra vez. — Julie, que merda está fazendo aqui, de onde você saiu?
Eu sorrio culpada.
— Precisava falar com você!
— Se escondendo no meu carro feito uma criminosa? Quase me matou do coração, caralho! Sabe que meu tio-avô morreu assim?
— Uma garota se escondeu no carro dele?
— Não, morreu do coração! Ainda não explicou o que está fazendo aqui! Que mania é essa de se esconder no meu carro?
De repente sinto-me meio nervosa e sem saber o que dizer.
Será que eu queria mesmo questionar Simon e ouvi-lo dizer que não foi ele quem fez a proposta e sim seu irmão gêmeo do mal Sigfried (sim, eu criei mais algumas teorias para a proposta maluca).
— Eu te trouxe um presente de Natal atrasado — murmuro enfiando a mão na bolsa e tirando o vinil. Lá se vai o plano de manter o vinil como refém.
— Está falando sério?
Eu pulo para frente, lhe entregando o vinil que tinha embrulhado com papel de presente.
— Caramba, é sério! — Simon estaciona o carro e pega o vinil. Olho em volta, meio nervosa, e noto que estamos em frente a um Starbucks.
— Vou pegar um café! — E saio do carro rapidamente.
Respiro no final na fila do café, tentando me acalmar.
Pego meu mocha e volto para o carro.
Simon está olhando para o vinil muito estupefato.
— Onde conseguiu?
Dou de ombros, tomando um gole de minha bebida.
— Meu pai tinha na sala dele todo esse tempo.
— Seu pai curte bandas punks?
— Ele só tem um monte dessas velharias em casa, embora jure que foi punk. Eu duvido!
— E ele quer quanto por ele?
— Nada! Não ouviu? É um presente. Talvez tenha que posar pelado para ele para compensar, aí é problema seu e dele.
Simon ri e eu suspiro. Tinha esquecido como ele era lindo, ainda mais sorrindo.
— Na verdade, não foi esse o único motivo de eu me esconder no seu carro como uma criminosa. Acho que nós temos assuntos pendentes. — Tomo coragem de iniciar a conversa.
Simon me fita mais sério.
— Julie, estou bastante ansioso para continuarmos essa conversa, só acho, sinceramente, que não é o momento.
— Ah. — Tento conter meu desapontamento. Será que consigo pegar o vinil como refém de novo? — Eu achei... Não pode me culpar por estar confusa! Você deixou uma bomba para eu pensar!
— Eu sei. Mas precisamos ir para a empresa, hoje é um dia muito importante. Quero me concentrar somente nisso.
E lá está. O Simon CEO fodão, colocando o trabalho antes de tudo. Eu devia tomar isso como um aviso e pular fora agora. Talvez levando o vinil comigo. Eu poderia jogá-lo no Tâmisa, gravar um vídeo e mandar para Simon rindo histericamente, como aquelas mulheres malucas que queimavam as roupas dos ex-namorados.
Em vez disso, assinto muito serena.
— Tudo bem, tem razão.
Nossa, eu sou muito sensata, quem diria?
Simon coloca o vinil no banco de trás e dá partida. Seguimos em silêncio e tento manter minha ansiedade controlada.
Simon não tinha dito nada demais. Apenas algo muito racional, afinal, é mesmo um dia crucial para a carreira dele.
E estou tão perturbada e distraída que nem noto que ele parou o carro na garagem da empresa e não na esquina, como seria mais discreto. Saltamos e entramos no elevador, que graças a Deus está vazio. E então eu não suporto mais.
Estico a mão e aperto o botão para parar.
— Que diabos... — Simon me fita aturdido.
— Eu falei que estava tudo bem, mas não está! Não vou ficar esperando você voltar ao assunto quando bem lhe aprouver! — desabafo e ele me encara de volta com um semblante tenso. — Teremos que esclarecer tudo neste exato momento, senão vou enlouquecer!
É agora que ele vai dizer que era uma pegadinha, tipo aquelas da televisão, e que estamos num reality show maluco chamado “a pegadinha do CEO” (mais uma teoria).
E então, sem que eu anteveja, ele me puxa pela nuca e me beija.
Pura que pariu!
Eu não previ isso.
Quer dizer, talvez eu tenha fantasiado um pouquinho, sim.
E, ah, como eu senti falta dele assim, com a língua enroscando na minha, com seu corpo incrível colado no meu. Com um gemido, deixo meus dedos cravarem em sua camisa, não querendo que termine nunca.
Como sei que ainda não é o final que eu quero, me obrigo a parar o beijo e a encará-lo.
— Por que me beijou? — indago, ofegante, e ele sorri sem me soltar.
— Porque estava com saudade.
— Ah, Simon, não é justo! — reclamo, toda derretida. — Tem que parar de ser fofo quando eu quero te bater!
— Você quer me bater? A gente pode dar um jeito se tem tendências sadomasoquistas. — Ele ri.
— Não é nada disso! — Quer dizer, até que não seria má ideia. Eu gostava mesmo de uma roupa de couro e... Foco, Julie! — O que desejo saber é se falou sério lá na casa dos meus pais.
— Sobre ficarmos noivos de verdade? Sim, eu falei sério — ele responde calmamente.
— Simples assim? De onde veio isso?
— Eu disse que queria ficar com você naquela noite.
— Você propôs sexo sem compromisso, não noivado!
— Eu estava confuso.
— Claro, pessoas bipolares são assim mesmo!
— Não sou bipolar, Julie!
— Se você diz...
— Eu só... — Ele respira fundo. — Eu sabia que não queria que acabasse. Que queria continuar com você. Claro que naquele momento eu não ia propor algo tão absurdo como um noivado de verdade.
— No entanto, propôs no dia seguinte!
— Quando você disse que não aceitava ficar comigo, fiquei puto. E saí para pensar.
— Na neve? Perdeu um dedo? Cantou Michael Bublé? — disparo como uma metralhadora e Simon franze a testa.
— Hein?
— Nada, continue!
— Eu encontrei o Scott e acabei confessando para ele toda a verdade. E ele falou que já desconfiava.
— Eu sabia! Foi por causa do osso cúbito, não é?
— Scott só é mais esperto que toda minha família, que enxerga só o que quer. Aliás, Mila causou um pequeno incidente diplomático na família Green ao exigir que o sogro mostrasse o diploma, que, segundo ela, ele devia ter tirado pela internet.
— Nossa, que absurdo. — Faço minha melhor cara de indignada.
— Enfim, eu disse a ele que, embora fosse tudo uma farsa, eu queria que continuássemos juntos e você havia dito que não.
— Eu não quero só sexo com você, Simon, mesmo que o sexo seja incrível.
Ele sorri e me beija.
— Não, não, use essa boca pra falar! — insisto.
— Ele disse que eu era um babaca e que você provavelmente tinha ficado ofendida porque, embora fosse normal para mim lhe propor algo do tipo, para você poderia parecer muito frio.
— Pareceu muito frio! — Nossa, Scott Green era um guru sentimental, quem diria? Ele podia ter um programa na TV tipo o Dr. Phil, ganhar rios de dinheiro e até escrever um livro!
— Eu não entendi naquele momento. Pensei que era o que você queria também.
— Você podia ter perguntado o que eu queria!
— Eu sei. E então eu fiquei pensando em tudo e só sabia que não queria te perder, daí tive a ideia: podemos continuar com o noivado.
— Continua sem fazer muito sentido!
— Você estava irritada comigo e eu precisava me redimir, então decidi buscar sua avó, pois sabia que ficaria feliz.
— É, você ganhou muitos pontos com sua atitude. Então fez tudo isso para poder continuar me levando para a cama?
— Bem, é uma ideia...
— É o único motivo?
— Acha que me daria a todo esse trabalho apenas por causa disso?
— Eu sou muito incrível, você mesmo disse!
Ele ri e acaricia meu rosto. E eu ainda tenho medo de acreditar no que vejo em seu olhar.
— Vai ter que dizer com todas as palavras — sussurro.
— Talvez eu tenha me apaixonado por você, Julie Harris.
Oh, Deus!
— Em uma semana? Quem se apaixona em uma semana? — Tento ser sensata. Simon apaixonado por mim é bom demais para ser verdade.
— Você se apaixonou por mim em uma semana!
— Quem disse que estou apaixonada por você?
— Se não está teremos que dar um jeito. — Ele abaixa a cabeça e beija meu pescoço.
— Ah, é? — Eu me seguro em seus ombros para não cair, porque meus joelhos viraram geleia.
— Eu tenho muitas habilidades sexuais, Senhorita Harris. — Ele enfia a mão dentro da minha saia.
— Ah, não vai ser suficiente dessa vez — ofego.
— Eu posso ser romântico também. — Ele beija meus lábios devagar e persuasivamente.
— Ah, isso eu quero ver!
Ele me encara com um olhar quase solene.
— Apenas me dê uma chance de te mostrar.
— Simon, não brinque comigo... — sussurro ainda com algum medo.
— Por que acha que não estou falando sério?
— Porque falou que não queria compromisso com ninguém.
— Eu quero com você.
Meu coração dispara no peito.
— Por que eu?
— Tenho uma queda por malucas com fratura no osso cúbito direito...
Eu rio, e ele me beija.
— Isso é um “sim”? — ele insiste.
— Não acha meio bizarro manter o noivado? Não estamos indo rápido demais?
— Não precisamos casar amanhã, Julie.
— Casar! Ai, meu Deus! — começo a hiperventilar.
— Podemos ter o noivado mais longo da história! — ele sugere.
— E como vai ser na empresa?
— Teremos mesmo que ser discretos — ele diz meio sério, como se só agora tivesse lembrado onde estávamos e se afasta ajeitando a gravata. — O que me lembra que não podíamos estar nos pegando aqui.
— Então acho que o mistério do meu noivo secreto vai continuar. — Ajeito minha roupa também.
— Gosto da parte que você transa com seu noivo secreto em todos os cantos.
Trocamos um sorriso cheio de promessas e ele deposita um beijo rápido na minha boca.
— Pronta?
— Claro, chefe!
Ele sorri enquanto aperta o botão e o elevador volta a se movimentar.
E quando Mark, o vampiro do RH, entra no elevador, voltamos a ser só a Julie do departamento de relações públicas e Simon, o CEO.
Mas, no meu coração, ele é meu noivo.
Porra, eu estou noiva de verdade de Simon Bennett!
Muito discretamente, claro.
Ah, esse vai ser um bom ano. Estou sentindo.
Epílogo
Nada faz o sorriso sair do meu rosto naquele dia.
Nem Erin tendo ataque de pelanca a manhã inteira enquanto organizamos a coletiva de imprensa para o lançamento do aplicativo da DBS.
Na verdade, é um aplicativo bem legal chamado discount e vai funcionar como uma comunidade para as pessoas conseguirem preços mais baratos em compras on-line . O app notifica ofertas quentes, compara preços e mais um monte de outras coisas bem bacanas que não tive tempo de decorar.
E, quando finalmente está tudo pronto, Simon surge acompanhado de outros membros da diretoria e todo mundo fica alerta enquanto ele cumprimenta os jornalistas.
— Você está bonita hoje, Julie. — Alan para do meu lado, atrapalhando meu momento de secar meu noivo secreto.
Sim, eu tenho um noivo. E secreto!
Estou me sentindo como em um episódio de Grey’s Anatomy , quando a Meredith se pegava às escondidas com o Derek no elevador.
— Obrigada, Alan.
— É, está tudo bem? Quer dizer, com seu noivo e tal. — Ele aponta para meu dedo sem o anel.
Sim, eu tinha deixado o anel em casa, afinal, meu “noivado” com Simon acabou no Natal.
Agora ele poderia voltar ao meu dedo! E de verdade!
— Ah, sim, eu só deixei em casa hoje.
— Entendi. — Ele parece desconsolado.
— Julie, posso saber que merda é essa?
Erin surge cuspindo fogo enquanto segura alguns papéis e desconfio que só agora ela percebeu que imprimiu o meu discurso e não o dela.
— O que foi? — Eu me faço de inocente.
— Essa porcaria não é o discurso que escrevi!
— Eu sei — respondo, calma.
— Que merda é essa?
— Foi o discurso que enviei ao Simon. E deve lembrar que ele aprovou!
— Mas não foi o que eu mandei!
— Sim, esse foi escrito por mim e é infinitamente melhor que o seu.
Agora os olhos dela parecem soltar faíscas também, como nos desenhos animados.
— Posso saber o que pensou que estava fazendo?
— O que está acontecendo? — Simon se aproxima. — Erin, está pronta? Faltam dois minutos.
— Não estou! Julie estragou tudo!
Simon olha pra mim aturdido.
— O que aconteceu?
— Ela trocou o discurso! Mandou a você o discurso errado, não era o que eu escrevi!
— O discurso que aprovei estava perfeito. Não estou entendendo!
— Não foi o que eu redigi! Ela teve a infeliz ideia de reescrever um discurso sem a minha autorização e mandar para você.
Simon me encara sério.
— Você fez isso?
— Fiz sim, o dela não estava bom!
— Ah, que impertinência! Eu vou demiti-la! Agora mesmo!
— Erin, espere. Não temos tempo para esse tipo de confusão agora. Você precisa subir lá e fazer a apresentação!
— Sim, eu sei, mas não vou fazer o discurso dela! — Aponta o dedo acusatório para mim.
— Certo. Onde está o seu texto? — Simon indaga.
Ela pega o tablet , digita rapidamente e mostra para Simon.
— Aqui está o discurso oficial! — Ela quase cospe o “oficial” na minha cara.
Eu só sei que se Simon não perceber que o dela está um lixo completo, eu mesma me demito.
Simon lê em silêncio e, quando termina, encara Erin.
— Está horrível.
O rosto de Erin vai ao chão.
Eu me seguro para não gargalhar.
Tome, sua vaca!
— Mas...
— Não estamos com tempo agora. Suba lá e faça a apresentação que Julie fez.
— Eu não...
— Vai se recusar? Se não fizer, a própria Julie vai fazer.
Ah, merda. Não estou preparada para isso, não!
— Não, ela está aqui há uma semana, não pode!
— Sim, concordo, por isso você irá engolir seu orgulho, subir lá e apresentar o aplicativo com o discurso da Julie. E depois deveria agradecer a ela por ter melhorado muito seu texto medíocre.
Erin parece que vai explodir de tão vermelha, porém pega o texto e sobe no palco.
Simon fica ao meu lado, enquanto ela começa a fazer a apresentação.
— Bom trabalho — ele sussurra e sorrio, feliz.
— Obrigada.
— Seu texto está incrível. Não deveria ficar surpreso, você é realmente muito boa com as palavras.
— Sou boa em um monte de coisas, Bennett.
— Eu sei, Harris. — Ele sorri e me seguro para não pular em cima dele.
Aquele negócio de “discretamente” vai ser bem difícil.
Assim que Erin termina, Simon sobe e começa a responder as perguntas.
Erin para ao meu lado com cara de poucos amigos. No entanto, não abre a boca para falar nada.
— De nada — provoco, fazendo menção ao “obrigada” que ela devia ter me dito, como Simon sugeriu.
— Está bem feliz, não é? Pois saiba que estou de olho em você, Harris.
Ah, que bruxa!
De repente escuto um burburinho e todo mundo parece estar olhando suas telas de celular e cochichando.
— Julie, já viu a última? — Nancy para ao meu lado.
— O que foi?
— Parece que houve uma movimentação extraordinária na aposta “quem é o noivo de Julie Harris”
— Ainda isso? Vocês não desistem?
— E não sabe da maior! O Billy, da segurança, aquele que fica na sala da vigilância, sabe? Que espia a gente pelos monitores? Acabou de fazer uma aposta altíssima e sabe em quem?
Ai, meu Deus!
Tenho um forte pressentimento.
Os elevadores têm câmeras.
Puta que pariu!
— Em Simon Bennett.
Ai, merda.
Agora lascou de vez.
Lá se foi o noivado discreto.
E agora?
Um natal sem Julie
Copyright © 2020 por Juliana Dantas
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Esse é um trabalho de ficção. Nomes, personagens, lugares, negócios, eventos e incidentes são ou os produtos da imaginação do autor ou usados de forma fictícia. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, ou eventos reais é mera coincidência.
Título Original: Um natal sem Julie
Revisão: Sheila Mendonça
Capa: Jéssica Gomes
Capítulo 1
Simon
— Simoooooooooon...
O grito que vem de algum lugar da casa é tão alto e estridente que tenho certeza que alguma veia estourou no meu cérebro e provavelmente estarei sequelado para todo o sempre.
Levanto o olhar do notebook, onde verifico alguns números cruciais do balanço anual da DBS e o prendo na porta do porão, assustado como se a voz que me chamasse fosse de algum ser infernal pronto para comer meus miolos e depois me arrastar pelo pé para o inferno.
Meu coração até diminui o ritmo, e minha testa se enche de suor, tenso e pegajoso.
Por favor, por favor... Só mais uma hora...
— Simon, onde você está? — O grito se repete, agora perigosamente próximo e um grunhido irritado sai do fundo da minha garganta.
Não, eu não posso ter sido encontrado. Não ali no meu esconderijo.
Mas o meu medo mais profundo se concretiza quando escuto a maçaneta da porta mexer.
Sem pensar, arrasto-me de quatro pelo porão empoeirado e escuro, por entre a bagunça de móveis, caixas e bugigangas que nunca foram arrumadas, segurando o notebook precariamente com uma mão, até que consiga me esgueirar para trás de uma pilha de caixas.
Um feixe de luz invade o porão.
— Simon? — Agora a voz não passa de um sussurro, menos ameaçadora, mas sei que pode ser um engodo.
Prendo a respiração, me sentindo em um filme de terror ruim, quando escuto passos descendo as escadas.
Fecho os olhos fazendo uma prece, e olha que nem sou religioso.
“Por favor, Deus, que não me encontre aqui. Só quero ter uma noite de paz trabalhando em silêncio.”
— Que merda está fazendo?
Abro os olhos para encontrar minha esposa pairando acima de mim, com a mão na cintura e uma expressão confusa e incrédula a toldar seu rosto.
Por um momento tenho vontade de pegar meu notebook e correr escada acima. Entrar no carro e dirigir sem olhar para trás.
Ou poderia fingir que desenvolvi algum tipo de segunda personalidade e agora me chamo Edward e não faço ideia de quem ela seja.
Ou quem sabe começar a chorar como uma criança pega no flagra depois de se esconder onde não devia.
— Simon? — ela repete agora irritada. — Não me ouviu te chamar? Está surdo?
Sim, surdez é uma boa também. Talvez eu deva começar a fazer linguagens de sinais ou inventar uma.
— O que está fazendo escondido aqui? — continua. — Estou te procurando há meia hora! Já estava achando que tinha sido abduzido por ETs! — Ela olha em volta. — Esse porão está uma sujeira! Olha essas caixas! Deviam ter sido arrumadas há um ano! E a gente conversou sobre a reforma, lembra? Por que ainda não fizemos? Seria incrível fazer uma casa de hóspedes! Ah mamãe e papai iam amar, até posso deixar minha mãe fazer um altar para deusa aqui — ri, começando a fuçar em uma caixa acima da minha cabeça. — Olha Simon, o primeiro carrinho da Penélope... Ah que lindo! Isso me faz lembrar que precisamos comprar um carrinho maior. Ela está ficando bem pesada. Será que é normal? E se estiver desenvolvendo obesidade infantil? E se ela for uma dessas crianças que vai ficar muito gordinha e sofrer bullying no parquinho, e aí quando virar adolescente pode ficar como a Princesa Diana, com distúrbio alimentar. Isso é muito sério, Simon! Você viu o episódio de The Crown? Coitadinha... Também com aquele príncipe embuste e aquela Camila. Onde já se viu ter uma esposa e uma amante? Simon, se você fizer isso comigo eu corto seu pênis, você sabe, né? E nem me importo de ir pra cadeia! Talvez até façam uma série comigo... Ei, está me ouvindo? — Ela me dá um chute na canela e percebo que estou com a cabeça enfiada entre os joelhos tentando não ouvir a metralhadora de bobagens que sai da boca de Julie.
— Simon! Para de me ignorar! — insiste com voz queixosa.
E de repente ela está ajoelhada ao meu lado, segurando minha cabeça e me encarando em pânico.
— Meu Deus, você está bem? Está doente? Por acaso está mesmo surdo? Estava brincando, mas talvez tenha entrado água no seu ouvido quando transamos na banheira ontem, ah meu Deus, eu deixei meu marido surdo...
— Julie, pelo amor de Deus, para de ser absurda! — Finalmente consigo me desvencilhar e me levantar.
Julie se levanta também e seu olhar vai até o notebook em minha mão.
— Espera... estava aqui trabalhando? — Ela me encara agora furiosa.
Pronto, lá vamos nós.
— Sim, eu estava — respondo em tom de desafio.
Que se foda.
— Eu não acredito! O que foi que combinamos? Nada mais de trabalho aqui em casa! Simon, você burlou as regras! Por isso se enfiou aqui no porão escuro como um criminoso?
Rolo os olhos, afastando-me e subindo as escadas.
— Preciso trabalhar sem você ficar reclamando no meu ouvido.
— Claro que eu ia reclamar. — Julie me segue para fora do porão. — A gente combinou que não ia mais trabalhar em casa!
— Eu sei, mas eu preciso checar esses números!
Entro na cozinha e coloco o notebook sobre o balcão.
A cozinha rescende a temperos e sinto meu estômago roncar.
— Hum, o que está fazendo para o jantar? — Levanto a tampa da panela e Julie me dá um tapa na mão. — Ei ficou louca?
— Lembra o que combinamos? Se voltasse a trabalhar aqui eu não ia mais cozinhar pra você! Então não vai comer! — Ela se coloca entre a panela e eu com os braços abertos.
Começo a rir, abrindo a geladeira.
— Para de ser ridícula.
— Ridícula? Você é ridículo! Além do mais, esqueceu que combinamos hoje que ia prender as luzes de Natal lá fora! Falta só uma semana para o Natal, Simon! E você nem sequer me ajudou a montar a árvore!
— Você montou e ficou linda. — Pego uma cerveja na geladeira.
Não estava nos meus planos beber hoje.
Meu plano era analisar os malditos números. Porém, meus planos foram estragados.
Na verdade, meus planos foram estragados no dia em que botei os olhos em Julie Harris e toda sua loucura.
Ok, eu me apaixonei por ela, o que complicou tudo.
E em vez de correr para longe gritando, deixei que ela me envolvesse em sua insanidade a ponto de eu começar a duvidar da minha.
Joguei meus planos muito bem elaborados e ambiciosos — que envolviam apenas cuidar da minha magnífica carreira como CEO de uma grande empresa — para o alto e refiz meus planos com Julie Harris.
Agora Julie Bennett, corrijo.
Ok, a vida é boa em muitos aspectos.
Julie é adoravelmente insana. Extravagante, exagerada e apaixonada.
Apaixonada por mim, claro.
Até demais.
Eu a amo da mesma forma, o que faz com que esqueça que preciso manter a sanidade e o controle sobre minha vida e isso, às vezes, é impossível com Julie.
Ocasionalmente eu me pego desejando minha antiga vida.
A vida sem Julie.
A vida calma, controlada e objetiva.
Sem esposas que enlouqueciam por uma simples árvore de Natal para montar. Ou com o fato de que eu preciso trabalhar. Afinal, ela gosta bastante de gastar meu dinheiro com decoração cara de Natal.
— Não vai beber, vai? — Ela cruza os braços com censura.
— Por que eu não posso beber?
— Porque hoje é seu dia de fazer a Penélope dormir! E acho que ela não precisa do trauma de ter um pai alcoólatra. Psicólogos custam caro, Simon.
— É só uma cerveja, Julie — resmungo, mas já deixando a ideia do álcool de lado.
Realmente não quero cuidar da Penélope, nossa filha de pouco mais de um ano, com bafo de cerveja.
— Aliás, cadê a Penélope? — indago olhando em volta.
Penélope sempre estava no cadeirão enquanto Julie cozinhava.
— Ela não fica mais no cadeirão quietinha! — Julie diz com voz cansada. — Eu tive que a soltar por aí porque ela não parava de chorar e...
De repente nós dois nos entreolhamos em pânico.
Penélope tinha começado a andar há algumas semanas. E aprendemos rapidamente que era um grande erro deixá-la sozinha andando pela casa.
Ainda mais quando ela fica em silêncio por um longo tempo.
Nessas últimas semanas tivemos várias avarias, sendo a pior delas um dos meus vinis raros destroçados.
— Merda! — Julie grita correndo da cozinha e eu vou atrás.
Por favor, que Penélope não tenha achado meus discos. Não vou suportar ter mais um vinil quebrado por aquelas mãozinhas diabólicas.
Se ela fez isso de novo eu juro que entrego aquela criança para a adoção.
Mas respiro aliviado quando chegamos à sala e contemplamos nossa filha em volta da árvore de Natal destruída. Todos os laços e enfeites estão espalhados pelo chão e o pisca-pisca está em volta do pequeno corpo de Penélope que ri e rodopia pela sala como um pequeno gnomo do mal em sua sanha destruidora.
Eu começo a rir. Primeiro que estou aliviado que a fúria da minha filha não foi direcionada para meus preciosos vinis raros, e sim para a árvore de Natal de Julie. E segundo que é muito engraçado.
Mas meu alívio e divertimento duram pouco quando olho para Julie e ela está ficando vermelha feito pimentão, como se fosse explodir.
— Não acredito nisso... Minha árvore... Meu Natal... — Estremece de horror e Penélope agora está pulando e rindo. — Essa menina não pode ser minha filha... — Julie balbucia.
— Julie, calma...
— Calma? Olha pra ela Simon, parece um mini grinch ! Só falta ser verde! Eu expliquei que não podia...
— Claro que não ia entender, Julie. Penélope é só um bebê.
— Socorro, olha esse estrago! — Julie abre os braços olhando em volta ainda chocada. — Nem um gato faria isso! Na verdade, penso agora que deveríamos ter tido um gato em vez de uma criança!
— Para de ser dramática. É só enfeitar de novo e...
Ela aponta o dedo pra mim, muito séria.
— Você! Está achando graça, não é? Ela não quebrou nada seu dessa vez! Mas fique sabendo que você vai arrumar isso aqui! — Ela vai até Penélope ignorando seu esperneio e começa a tirar o pisca-pisca de sua volta.
— Eu?
— Sim, você mesmo, engraçadinho!
— Mas eu tenho que dar banho em Penélope e fazê-la dormir.
— Eu cuido disso! — Ela pega Penélope no colo que agora grita a todo pulmão. — Você, monta essa merda de árvore.
— Julie...
— E é bom que esteja impecável, entendeu? Senão eu solto Penélope lá no seu precioso escritório, não vai sobrar um vinil pra contar história!
— Você não faria...
Ela sorri. Aquele sorriso de gótica illuminati que me assusta para caralho.
O mesmo sorriso que ela tinha usado para rasgar os pneus do meu carro com um estilete.
— Duvida?
Não, eu não duvido.
— Ok, eu arrumo tudo — concordo.
— É bom mesmo! E depois que terminar aqui, prenda as malditas luzes lá fora!
Ela sai marchando da sala, com Penélope ainda gritando e esperneando.
Com um suspiro cansado, eu me ajoelho e começo a catar as malditas bolas do chão.
É uma boa analogia com as minhas próprias bolas.
É assim que me sinto agora.
Catando minhas bolas no chão.
Não sei quanto tempo levo para colocar todos aqueles malditos enfeites no lugar. Rezando para que passe no crivo de Julie.
Penélope ainda chora lá em cima e me pergunto como um ser tão pequeno pode gritar tão alto?
Deve ter puxado a Julie, provavelmente.
A sanha assassina ela já tinha.
Questiono-me como ela vai ser daqui alguns anos.
Será que vai tentar me matar com uma pá quando eu não a deixar sair com um namorado?
Finalmente termino de montar a árvore e com um suspiro cansado e minhas costas doendo noto desanimado que começou a nevar.
Meu carro ainda está na rua e preciso levá-lo para a garagem. Pego as chaves e coloco no bolso com esse intuito.
Arrasto meus pés de escravo de Natal pelo jardim e posiciono a escada, começando a subir, enquanto tento ignorar a neve me cegando.
Se eu pegar uma pneumonia e morrer eu mato a Julie.
Voltarei para assombrá-la. Ainda mais se ela se casar com algum idiota de novo.
Inferno, eu podia estar agora em meu escritório trabalhando em silêncio. Sem criança chorando ou esposa maluca gritando.
Ou podia estar agora em algum Pub, tomando uma pint . Jogando conversa fora com Henry.
Escolhendo uma garota para levar...
Paro o rumo dos meus pensamentos, como se Julie pudesse ouvir. E eu não duvido que ela tenha desenvolvido essa habilidade.
Claro que eu não quero outra garota.
Provavelmente se eu tivesse coragem de arriscar minhas bolas traindo Julie, eu nem ia conseguir fazer meu pau funcionar. Porque Julie deve ter jogado algum feitiço nele com a ajuda da mãe maluca.
Desde que botei meus olhos em Julie, aquela garota bêbada desmaiada no banco traseiro do meu carro, eu não conseguia olhar para mais ninguém.
Se não era uma maldição era o quê?
Distraído pensando no meu infortúnio, piso em falso na escada e escorrego na madeira molhada de neve. Por alguns segundos, eu me equilibro precariamente tentando me segurar em vão antes de voar pelo ar e aterrissar no chão com um baque.
E sou tomado pela escuridão.
Uma dor na nuca me faz gemer e estremecer de frio.
Que porra, por que estou congelando minha bunda? Penso desorientado ao abrir os olhos e perceber que estou caído em um jardim.
Sento-me, levando a mão à cabeça e sinto um galo.
Eu caí?
Deixo meu olhar vagar em volta, confuso. Há neve no chão e sobre minhas roupas.
Sim, parece que eu caí, mas... como?
Forço minha mente, mas não consigo lembrar.
Com algum esforço, consigo me levantar, limpando a neve das minhas roupas úmidas, olhando para a casa atrás de mim.
O que estou fazendo aqui? Não me lembro desta vizinhança.
Será que estou bêbado?
Mas não me sinto bêbado. Porém, o que explica o fato que não lembro como vim parar neste lugar?
Começo a me sentir assustado e cogito a possibilidade de estar drogado. Mas eu lembraria se usasse drogas, não?
Eu não fumo baseado desde a faculdade, caramba!
A neve começa a cair de novo e estremeço de frio. Preciso sair daqui. Tenho que voltar à DBS. Depois de amanhã é aquela maldita festa de Natal inútil e depois tudo vira uma bagunça. Forço minhas pernas semicongeladas a se moverem e vejo meu carro estacionado.
Graças a Deus, pelo menos eu não vim andando até aqui.
Pego a chave no bolso e abro a porta, suspirando aliviado ao ligar o aquecedor.
Com um último olhar para a casa, dou partida e o carro desliza pela rua. Pelo espelho retrovisor, noto quando a porta da casa se abre e uma mulher jovem aparece gritando alguma coisa.
Ela está gritando comigo?
Acho que não, porque eu nunca a vi antes.
Capítulo 2
Julie
— Simoooooon!
Meu grito de desespero ecoa pelo banheiro enquanto tento me levantar do chão escorregadio ao mesmo tempo que puxo o bebê que esperneia e grita para fora da banheira.
Óbvio que nem consigo levantar e muito menos tirar Penélope que agora está jogando água em mim e rindo de sua pequena vitória.
— Simon, vem aqui agora! — grito de novo estendendo as mãos na nova tentativa de tirar minha filha da banheira, mas seu corpinho escorregadio desvia facilmente dos meus esforços de agarrá-la e agora me vejo parcialmente cega quando um jato de água e sabão atinge meus olhos.
— Que cacete, Simon! — grito e começo a ficar verdadeiramente brava.
Pra mim já chega.
Abro o ralo e deixo toda a água sair, para ver se ela se toca que não pode ficar ali.
Mas Penélope continua me ignorando e quando tento tirá-la, ela grita como se eu estivesse a torturando ou algo assim e depois continua a brincar com seus patinhos.
Simon é sempre mais bem-sucedido naquela tarefa. Deve ser alguma coisa no gene de CEO que faz com que Penélope o obedeça mais facilmente do que a mim.
Quando é a vez dele dar banho na nossa filha, ele sempre termina impecável, sem um fio do seu magnífico cabelo ruivo fora do lugar. Ao contrário de mim, que agora me arrasto pelo chão como uma sobrevivente do naufrágio do Titanic, até chegar ao quarto e finalmente conseguir me levantar.
Onde Simon se meteu? Ele que vá tirar Penélope da banheira, seja lá qual for sua estratégia.
— Simon? — Saio do quarto e desço as escadas, achando que vou encontrá-lo ainda tentando ajeitar a árvore que, percebo agora, talvez tenha sido um tanto injusto lhe conferir aquela tarefa.
Primeiro, que sou infinitamente mais talentosa do que ele nesse quesito. Segundo, que trocar a arrumação da árvore por dar banho em Penélope foi um tiro no pé.
Porém, ao chegar à sala, encontro o cômodo vazio e a árvore de Natal totalmente montada.
Hum, Simon conseguiu, penso num misto de satisfação e irritação.
Tem alguma coisa que Simon não faça bem?
Talvez cumprir a promessa de trabalhar menos? Uma vozinha desconfiada sussurra dentro de mim.
— Simon? — chamo de novo, mas apenas o silêncio ecoa pela sala vazia.
Será possível que ele voltou ao porão?
Puta merda, se Simon fez isso, vou ficar tão brava! Marcho para o porão, já pensando que preciso de sanções mais restritivas em relação àquele assunto.
Só gritar e reclamar não estão adiantando.
Ameaçar não cozinhar não funcionou aparentemente.
Certo. Talvez tenha chegado a hora de usar a carta mais alta do meu baralho: nada de sexo.
Ok, eu evito usar aquela sanção porque vamos combinar, deixar Simon sem sexo seria algo que me atingiria diretamente também. E por que eu tenho que me punir para punir Simon?
Não é justo.
No entanto, preciso ser forte e tomar as rédeas daquela situação.
Sim, se Simon estiver no porão com aquele maldito notebook de novo eu serei enfática: nada de sexo por uma semana.
Ah nossa, tudo isso?
Será que quebrar o notebook com um machado não seria mais eficaz?
Não, não vou usar violência. Ainda.
Vou ter que usar o sexo mesmo, fazer o quê?
Mas Simon tem que aprender. É para o bem do nosso casamento, oras!
E pensar que Simon prometeu no Natal do ano passado que estava mudando. Que não seria mais aquele workaholic de antes, que a partir daquele momento se dedicaria a mim e a Penélope. Ele tinha até passado as ações da DBS que comprou escondido para meu nome.
Sim, aquelas ações que ele comprou usando o dinheiro que conseguiu da herança do avô ao se casar comigo. Ainda me sinto ligeiramente enfurecida quando me lembro da cara de pau de Simon naquele episódio.
Sorrio para mim mesma, sim, eu sou mesmo uma esposa incrível que pensa no bem do matrimônio acima de suas vontades egoístas.
— Simon? — Abro a porta do porão e acendo a luz.
Porém, nada dele ali também.
Onde Simon se meteu?
Então me lembro que pedi para que ele colocasse as luzes na fora.
Abro a cortina espiando e o pisca-pisca está no chão, parcialmente coberto pela neve que cai.
E Simon está caminhando em direção ao seu carro.
— Simon? — eu o chamo, confusa.
Mas ele não me escuta e continua andando até abrir a porta do carro e entrar. Que merda ele está fazendo?
Saio correndo e abro a porta, gritando seu nome, mas o carro se afasta pela rua até desaparecer na próxima esquina.
— Onde diabos ele foi a essa hora? — indago-me entrando em casa e então lembro que deixei Penélope na banheira.
— Droga.
Corro para cima e Penélope continua brincando com seus patinhos de borracha muito feliz de ter sido deixada em paz.
Bem, eu teria que fazer aquela tarefa sozinha.
— Ei, querida, já chega de banheira. — Uso a voz mais doce que encontro.
Simon diz que meu tom de voz deixa Penélope assustada e agressiva. Claro que é uma bobagem. Eu sou supercalma e minha voz é de uma lady ! E daí que sou enérgica quando preciso? Mulheres podem e devem elevar a voz para serem ouvidas. E não tenho culpa se Penélope às vezes só me obedece quando grito. Bem que eu queria ser uma daquelas mães modernas e que nunca elevam a voz, que resolvem tudo com voz suave e olhar compreensivo, hipnotizando seus filhos ou sei lá o quê.
Eu juro que tentei.
Tentei a tática de ser direta, clara e demonstrar firmeza, como dizia nos livros. Aí quando Penélope se pendurou na TV, eu a sentei no sofá e expliquei exatamente por que ela não deveria estragar a TV: “Se você se pendurar na TV vai cair e quebrar a cabeça, entendeu? E se tiver que levar pontos, ficará com cicatrizes horríveis que custarão caro ao cirurgião plástico para consertar. Isso se não quebrar o nariz. Querida, sabe como é difícil deixar seu nariz aceitável apenas com maquiagem? Isso se tiver conserto! Às vezes nem plástica resolve, então será melhor que na sua geração as pessoas não liguem mais para a aparência, porque senão gastará uma grana preta com terapia para se aceitar. Entendeu?”.
Penélope apenas me encarou de volta com seus olhinhos confusos e pulou do sofá, indo de novo tentar se pendurar na TV.
Aí eu tive que gritar um “desce dessa merda, agora!”.
Então ela se assustou e caiu e eu quase tive um infarto. Certeza que envelheci uns dez anos enquanto a pegava do chão, examinando-a para ver se não tinha quebrado nenhum osso.
Simon apareceu na sala perguntando o que estava acontecendo e eu só balbuciava: “E se ela quebrou o osso cúbito, Simon? Onde é esse osso mesmo? Na canela? Na mão? Isso é um castigo!”.
Felizmente Penélope não quebrou nenhum osso, ou teve que tomar ponto ou estragou o nariz, mas depois que expliquei a Simon o que tinha acontecido, ele me veio com essa de que eu não deveria gritar mais.
Mas para ele era fácil falar, já que parecia que todo mundo o obedecia sem pestanejar apenas com um olhar.
Agora eu torço para que Penélope não dê um de seus escândalos de novo, quando estendo a mão para tirá-la da banheira.
— Cacete, Simon! — ela repete o que eu disse antes me encarando sorrindo com seus pequenos dentes aparecendo.
— Penélope, isso é uma palavra feia! — Enrubesço como se alguém pudesse ouvir minha filha repetindo o que eu mesma tinha dito. — Não pode falar isso.
Porém, respiro aliviada por ela não estar gritando e esperneando, quando a levo para o quarto para arrumá-la para dormir.
E o tempo inteiro ela repete “cacete, Simon” como um maldito papagaio beberrão.
E eu ainda estou me perguntando onde cacete Simon se meteu quando finalmente dou mamadeira a Penélope e ela adormece.
Desço para a sala e pego meu celular, ligando para Simon, mas o celular dele toca em cima da mesa, onde o deixou ao lado do seu precioso notebook.
Será que ele foi para a DBS?
Ah, se ele fez isso...
Ligo para o número da empresa, mas o segurança, Billy, atende com voz de sono.
— Ei, Billy aqui é a Julie.
— Julie?
Quase consigo ver ele se ajeitando na cadeira, onde deveria estar tentando não dormir enquanto vigia as câmeras de segurança.
— Sim, por acaso sabe se o Simon está aí?
— Sim, eu o vi passando pela recepção faz meia hora...
— Ah que filho da puta!
— É, hum...
Ele parece sem saber como reagir aos meus impropérios.
— Posso ajudá-la?
Tenho vontade de pedir que ele pegue um taco de beisebol, suba na sala de Simon e quebre suas duas pernas.
Será que Billy faria este trabalhinho sujo pra mim?
Talvez com a grana certa...
Não, deixa pra lá.
Eu mesma quero quebrar as pernas de Simon.
Ou fazer coisa pior.
— Não, tudo bem. Só queria confirmar. Obrigada, Billy.
Desligo, bufando.
Então quer dizer que Simon tinha fugido sorrateiramente para trabalhar?
Ah mas isso não vai ficar assim. Uma semana sem sexo seria pouco. Talvez um mês.
Talvez deixar Penélope quebrar mais alguns de seus preciosos vinis...
Não, se eu fizer isso, certeza que é capaz de Simon pedir o divórcio e não precisamos chegar a tanto.
Certo, preciso me acalmar. Nada de gritos. Nada de ameaças violentas. Eu sou uma mulher calma e sensata. Não sou mais a maluca que rasgou os pneus do carro de Simon, se bem que adoraria lixar minhas unhas na cara dele neste momento.
Não, eu vou esperá-lo voltar. Vou surpreendê-lo com uma atitude fria e calculista, assim como ele faz comigo quando está bravo. Ou pelo menos ele tenta até que perca a paciência.
Vou lhe dizer exatamente o quanto estou decepcionada com a atitude dele. E que nem tente chegar perto de mim com aquela mão cheia de dedos, porque não vai rolar.
Sim, um mês sem sexo.
Não vou mudar de ideia, decido, deitando-me.
Dez minutos depois
Ok, talvez um mês seja muito severo. Duas semanas acho que já resolverá a questão.
Quinze minutos depois
Quer dizer, uma semana acho que é o bastante para ele aprender.
Vinte minutos depois
Certo, só essa noite, decido.
Vinte e um minutos depois
Ou talvez eu esteja usando a tática errada. Talvez Simon precise de mais sexo.
Isso, foi assim que começamos não? Com uma proposta sexual?
Talvez eu deva lhe mostrar que gastar seu tempo transando comigo seja mais interessante do que ficar olhando aqueles malditos números.
Sim, eu posso fazer isso, penso sorrindo e me ajeitando no travesseiro. Vou só tirar um cochilo. Assim que Simon chegar, vou mostrar pra ele...
Porém, quando acordo na manhã seguinte, Simon ainda não apareceu.
Oh Meu Deus.
Será que ele passou a noite na DBS? Acho que isso era demais até pra Simon!
E se ele sofreu algum acidente terrível? E se agora eu sou uma viúva?
Socorro, sou muito jovem para ser viúva!
Capítulo 3
Simon
Alguma coisa muito estranha está acontecendo e eu só não consegui perceber ainda o que é.
Ou alguma coisa seja um eufemismo. Está tudo bem estranho na verdade, como se eu estivesse numa daquelas viagens de LSD que experimentei uma vez numa viagem da faculdade. Naquela época, com alguns amigos, estávamos em festa em Amsterdam e achei que seria uma boa ideia experimentar.
Não me lembrava de absolutamente nada do que tinha acontecido, mas alguns amigos gravaram minha viagem de ácido enquanto eu corria às margens do canal cantando alguma música horrenda das Spice Girls. E eu tinha até mesmo feito uma performance. Meus amigos me chamaram de Posh Spice por um ano inteiro.
Eu tinha detestado aquela experiência porque perder totalmente o controle dos meus atos era algo que odiava.
Mas é como me sinto agora. Aliás, é como eu me sinto desde ontem quando acordei caído na neve.
Primeiro que não consegui encontrar meu celular em lugar algum. Será que tinham roubado ou perdido? Não fazia ideia.
Decidi ir para a DBS, porque algo me fazia ter a impressão de que eu tinha trabalho a fazer lá. Só que quando cheguei não achei meu notebook. Provavelmente deveria estar no meu apartamento. Ainda atordoado saí da empresa, vazia àquele horário, e dirigi por uma Londres iluminada para o Natal. Lembrei que no dia seguinte era a festa de natal da DBS, o que em minha opinião era uma total perda de tempo, já que os funcionários ficavam animados demais e a semana depois disso, antes do Natal, tornavam-se inúteis e preguiçosos. Deus me livre se isso causasse algum prejuízo. Eu era o CEO da empresa há seis meses e ralei muito para chegar aonde cheguei e não deixaria nenhum quadro de funcionários alienado pelo espírito natalino estragar tudo. Irritado com este pensamento, em vez de ir pra casa, mudei o caminho e fui para um pub. Sim, beber uma pint seria uma boa. Talvez achar alguma garota interessante pra levar pra casa... Este pensamento tinha me deixado com uma estranha sensação de mal-estar, em vez da animação que eu esperei sentir, mas deixei pra lá e entrei no pub em Notting Hill. Se eu tivesse com meu celular poderia ligar para Henry vir me encontrar, ele morava ali perto, mas com o celular perdido, desisti da ideia. Pedi uma pint e deixei meu olhar vagar ao redor me prendendo em algumas garotas em uma rodinha ali perto. Uma delas olhou pra mim e acenou. Achei mesmo que ia me dar bem mais rápido do que pensava e mesmo não me sentindo muito ansioso para flertar com a garota que se aproximava sorrindo, eu me esforcei para sorrir de volta.
— Oi Simon — ela me surpreendeu ao dizer meu nome.
Eu tinha franzido a testa, intrigado.
Eu a conhecia? Não conseguia me lembrar.
— Nos conhecemos?
— Sou eu, Holly! Amiga da Julie...
Ela falava divertida como se isso devesse fazer algum sentido.
Quem diabos era Julie?
— Acho que não... talvez esteja me confundindo... — Fiz um sinal de descaso, tentando me afastar, sorrindo para uma moça loira que estava claramente me encarando no balcão ao lado.
Aquela tal de Holly podia ser alguma maluca e eu definitivamente não gostava de mulheres loucas.
— Oi, tudo bem? — cumprimentei a loira.
— Simon, vai mesmo agir assim? — A tal Holly continuou para meu espanto. — Vai fingir que não me conhece? Meu Deus, está aqui paquerando essa garota... Ah que filho da puta!
Eu me voltei com vontade de mandar aquela garota doida, que cismava que me conhecia, à merda, mas ela já se afastava e continuava gesticulando e apontando pra mim junto à rodinha de amigas, agora todas estavam com os olhares indignados presos em mim.
— Nossa, ela está brava com você, é uma ex? — a moça loira indagou curiosa.
— Não! Não faço ideia de quem seja...
— Então não tem namorada?
— Eu não tenho este tipo de compromisso — falei sério, tomando um gole da minha cerveja. Era bom deixar aquele assunto claro logo de início.
Deus me livre ter uma namorada.
Namoradas só serviam para atrapalhar meu trabalho.
— Ah sei... mas acho que deixou aquela garota bem brava, ela está tirando fotos suas.
Sim, agora a tal de Holly estava com seu celular apontado para mim.
— Tem certeza que não a conhece? Por que de repente tenho a impressão que é um desses caras que transa com uma mulher e depois nem lembra o nome dela?
— Eu não faço isso! — Eu a encarei indignado. Ok, eu costumava me livrar das garotas depois de uma noite, mas certamente não era tão filho da puta de esquecer seus nomes ou seus rostos.
Eu não tinha transado com aquela tal de Holly.
“Mas você não se lembra como foi parar naquela calçada e muito menos onde foi parar seu celular.”. Uma voz assustada sussurrou dentro de mim e eu me senti mal de repente.
Sim, talvez eu tenha mesmo transado com a tal Holly, se levar em conta as coisas bizarras que andava esquecendo.
— Eu... tenho que ir... — balbuciei confuso, colocando minha pint inacabada no balcão e saindo do pub sozinho, ignorando o olhar confuso da moça loira.
E assim eu tinha entrado no carro e ido para meu apartamento.
O porteiro havia me cumprimentado de forma esquisita quando cheguei com um “Sr. Bennett, o que faz aqui?”.
Oras, eu morava lá não?
Ignorei o olhar intrigado do porteiro e subi para meu apartamento. Ainda me sentia levemente tonto e uma dor onde um galo agora se formava me fez lembrar do tombo que levei.
Ainda era tudo muito estranho.
Assim, como meu apartamento parecia bem esquisito.
Os móveis estavam todos ali, mas não havia nenhum objeto pessoal à vista. Cadê as fotos dos meus familiares que ficavam no aparador? Os quadros caros que Mila, minha irmã, havia cismado em comprar quando decorou o apartamento?
Que porra estava acontecendo ali?
De repente me senti muito cansado. Minha cabeça começou a latejar e talvez dormir fosse uma boa coisa a se fazer.
Sim, dormir e descansar. Talvez estivesse com um daqueles problemas de quem trabalhava demais, como era mesmo o nome?
Não conseguia lembrar.
Caminhei até meu quarto e tirei a roupa, deitando-me na cama, suspirando ao me ajeitar e me dando conta que não havia lençol sobre o colchão.
Porém o sono já me dominava e deixei mais aquela incógnita para depois.
Achava que quando acordasse na manhã seguinte tudo pareceria um sonho.
Só que agora estou acordado depois de uma noite de sono e tudo continua como uma louca viagem de ácido.
Ainda me recordo dos acontecimentos bizarros da noite passada e não encontro explicação plausível. Nem para ter acordado caído naquela calçada e nem para tudo o que rolou desde então.
Começando a me sentir irritado com aquele descontrole, decido tomar um banho e me vestir para trabalhar.
Ok, vamos esquecer a noite passada e seguir em frente.
Só que meu closet está estranhamente vazio quando vou me trocar.
— Cadê as porras das minhas roupas? — murmuro para o armário vazio.
Fuço nas gavetas, com uma sensação de desespero me dominando e na última gaveta encontro algo inexplicável.
Um sapato feminino.
Apenas um pé de um scarpin vermelho. Manolo Blahnik está escrito na sola.
Que merda aquele sapato está fazendo ali?
Eu não trago garotas mais de uma vez no meu apartamento para elas deixarem suas tralhas ali. Então que explicação tem aquele sapato perdido?
Mais uma coisa estranha para a lista que está ficando cada vez mais bizarra.
— Já chega — digo em voz alta me levantando.
Cansei daquela esquisitice toda.
Visto as mesmas roupas que estava ontem, uma calça jeans e camiseta nem um pouco adequada para trabalho, e resolvo que preciso ir trabalhar e tentar achar uma ordem no meio daquele caos que virou minha mente.
Não sei o que me faz pegar o maldito sapato e levar comigo para o carro, mas só quando chego ao estacionamento, que percebo que estou segurando o dito-cujo. Jogo no banco de trás como se tivesse queimando minha mão. E é justamente quando olho para o banco de trás que um lapso de memória passa pela minha mente.
Foi algo breve e fugidio, mas por um momento tive a impressão de ter visto aquele sapato no pé de uma mulher.
E os pés revestidos de scarpin Manolo Blahnik estavam sob os bancos traseiros do meu carro.
A imagem desaparece assim como surgiu e sacudo a cabeça, assustado.
Que merda foi aquilo?
Dou partida e saio do estacionamento dizendo o tempo inteiro pra mim mesmo que talvez precise diminuir o ritmo de trabalho, afinal. Se tudo aquilo que estivesse ocorrendo fosse causado por algum esgotamento mental.
Mas é ridículo. Não estou com esgotamento mental. Isso é coisa de gente preguiçosa que usa transtornos mentais para justificar seus fracassos.
Certamente assim que sentar na minha mesa e começar a trabalhar, aquela sensação bizarra vai passar.
Então, firme neste propósito, saio do carro e entro no elevador, direto para o andar da diretoria.
Só que o elevador para no térreo e James Potter, o diretor financeiro, entra em seguida.
— Bom dia, Simon.
— Bom dia, James. — Ignoro o olhar intrigado que ele lançou as minhas roupas, checando a hora no relógio. Como previ, James está atrasado.
Mas se ele está atrasado significa que eu também estou.
Merda.
Como posso ser um exemplo chegando atrasado? Não que isso seja desculpa para James, assim como para a moça que agora corre em direção ao elevador e James segura a porta para ela.
A moça finalmente nos alcança e prende os olhos furiosos em mim.
— Posso saber que merda é essa?
O quê?
Quem é aquela?
— Bom dia, Julie — James diz em algum lugar atrás de mim.
Julie?
Ela é funcionária da DBS? Noto que tem um crachá em sua mão.
Sim, ela é funcionária. Então está atrasada.
— Atrasada?
Ela arregala os olhos mais furiosa ainda.
— Sério que é isso que tem a me dizer? Puta que pariu, Simon!
Dessa vez sou eu que arregalo os olhos, furioso.
Quem aquela maluca pensa que é pra falar assim comigo?
Ela não sabe quem eu sou?
A porta do elevador abre nos interrompendo e James passa por nós, aliviado com um “bom dia” se afastando quase correndo.
Quando a porta fecha novamente, volto minha atenção à moça na minha frente.
— Você deveria ser mais responsável... — pego o crachá, lendo seu nome — Julie Harris.
Ela dá um passo atrás, empalidecendo e agora não sei se ela está brava ou assustada.
— Simon, que diabos deu em você? Está esquisito! Por acaso caiu e bateu a cabeça?
Agora é minha vez de dar um passo atrás atordoado.
Como ela sabe?
Não, não tem como saber.
— Por que está fingindo que não me conhece? Está bravo comigo por causa da árvore de Natal? Ou porque fiquei irritada por causa do seu trabalho?...
— Eu não estou fingindo, não te conheço.
— Ficou maluco? Vai continuar com essa palhaçada? Porque não tem graça nenhuma!
Ela fala realmente ofendida, e com convicção.
Mas de repente tenho a nítida impressão de conhecê-la de algum lugar.
Bem, é funcionária, devo ter cruzado com ela nos corredores em algum momento.
Mas ela está dizendo coisas que não faziam sentido. Era como se realmente nos conhecêssemos...
Pela primeira vez desde que ela entrou no elevador eu a examino com atenção.
Julie Harris é bonita. Bem atraente na verdade, não posso deixar de notar. Ela usa uma saia lápis preta e uma camisa branca elegante que faz um contraste interessante com seus cabelos escuros. Os olhos castanhos são expressivos e agora parece que lançam chamas em minha direção enquanto franze os lábios grossos em um bico irritado.
A porta do elevador se abre neste instante, mas Julie aperta para fechar de novo enquanto se vira para mim com o rosto vermelho de consternação.
— Não vai sair daqui enquanto não me explicar onde se meteu na última noite!
— Eu não te devo explicação!
— Ah não? Vai continuar com esse teatrinho bobo? Oras Simon, achei que fosse mais maduro! Não vai conseguir que eu te perdoe dando uma de maluco com amnésia!
Espera, amnésia?
Ela está me acusando de estar com amnésia?
— Por que está dizendo isso?
— Está de brincadeira? Ah já chega, ok? Não tem graça! Para de se fazer de doido e me diz por que me ignorou ontem entrando no carro e sumindo a noite inteira?...
Ah...
De repente a imagem da noite passada volta à minha mente. A moça que saiu da casa gesticulando em minha direção.
Era ela. Era Julie Harris.
— Era você ontem à noite...
— Sim era eu, Rain Man! Achou que fosse quem?
— Eu não entendo...
— Quem não entende sou eu! Está fazendo de propósito? Fingindo que não me conhece? Isso é ridículo!
— Escuta aqui, eu não conheço todos os funcionários.
— Ah, nem aquela que chupa seu pau?
O quê?
Levo a mão ao peito, horrorizado.
Que merda aquela maluca está falando agora?
Ela está insinuando...
Começo a sentir falta de ar.
Todos aqueles acontecimentos bizarros... Acordando naquela calçada em frente à casa estranha. A moça que agora está me acusando de... — Deixar que ela chupe meu pau, caramba! — saindo da casa e me chamando.
Eu não me lembro como fui parar lá...
Não me lembro desta garota na minha frente.
Aliás, não me lembro de um monte de coisa que deveria lembrar...
E se eu estiver mesmo... com amnésia?
É ridículo demais para aceitar, mas começa a fazer um assustador sentido.
— Você está querendo dizer... Que eu transei com você?
— E como! — Ela solta uma gargalhada histérica. — Simon, para com isso! Está começando a me assustar! Está mesmo falando sério? Por acaso usou alguma droga? Ai meu Deus, você é viciado em crack? Um cracudo? Socorro...
Agora é ela que parece perder o ar.
Ela continua balbuciando coisas absurdas como “E se você morrer como a Amy Winehouse? E se começar a vender nossos móveis para comprar tóxico?”.
Mas eu ainda estou atordoado com a informação de que eu transei com Julie Harris.
Uma funcionária.
Essa é a minha regra mais antiga e que eu nunca quebrei. Será que é mesmo verdade?
E se for como não me lembro de nada?
Não, eu me recuso a acreditar.
Julie Harris é muito atraente — de uma forma meio perturbadora na verdade —, mas eu não faria isso.
Deve ter alguma explicação lógica para tudo o que está rolando.
Aprumo minha postura, obrigando a minha mente a retomar o controle.
Certo. Já chega.
Aperto o botão para abrir a porta do elevador e ignorando os chamados de Julie Harris atrás de mim, afasto-me caminhando com toda dignidade que consigo reunir pelo corredor.
Quase respiro aliviado ao chegar ao escritório, e tomo o segundo susto do dia ao entrar na sala e me deparar com minha secretária Natasha de uma forma que nunca vi antes.
Ela está com os cabelos loiros soltos e veste roupas que mais parecem saída do musical Hair, aquele cheio de hippie maluco, enquanto dança em torno de si mesma entoando algo que parece ser um mantra e um incenso queima em sua mão.
— Natasha?
Ela se vira e sorri pra mim.
Meu Deus, quem é aquela?
A Natasha que conheço se veste toda de preto, os cabelos loiros estão sempre presos num coque austero e ela nunca, nunca ri.
Confesso que tinha até certo medo dela, mas essa...
Parece outra pessoa.
— Oi Simon. Desculpe invadir sua sala. — Ela praticamente flutua em minha direção. — Eu sei que pediu que eu não acendesse incensos aqui, mas acreditei que estaria em uma reunião hoje cedo. E senti que estava precisando de uma limpeza geral nesta sala, estava carregada de maus fluídos. A deusa vai ajudar a limpar tudo e...
— Reunião?
— Sim, com a Harvey? — Ela sorri novamente. — Quer que eu ligue avisando que é pra cancelar?
— Sim, faça isso?
Que merda de reunião ela está falando e quem é Harvey?
Ela sai da sala ainda com aquele sorriso de quem fumou um baseado muito bom, fechando a porta atrás de si e avanço até minha mesa, me sentando, aturdido.
Meu Deus, quando aquele pesadelo psicodélico vai acabar?
Parece que não tão cedo, já que quando olho pra minha mesa vejo um porta-retratos com uma foto que faz meu coração parar a ponto de eu achar que estou tendo um enfarto.
É uma foto de Julie Harris. E ela segura uma criança no colo. Uma criança ruiva que parece ter mais ou menos um ano.
Socorro, o que diabos aquilo significa?
Capítulo 4
Julie
O que está acontecendo?
Caminho devagar meio tonta pelos corredores da DBS até minha sala, ainda tentando achar algum sentido no estranho diálogo com Simon no elevador.
Quer dizer, se for pra achar sentido em alguma coisa é melhor eu começar pelo sumiço de Simon ontem que ele não tinha me explicado.
Eu e Simon já brigamos centenas de vezes antes, mas ele nunca tinha sumido depois sem dar explicação e ainda passado a noite fora.
Primeiro fiquei furiosa, já imaginando que merda ele tinha feito e até elenquei algumas opções em minha mente enquanto tomava banho.
Opção 1 — Simon passou a noite trabalhando na DBS como bom viciado em trabalho que era, não se importando nem um pouco comigo ou com Penélope. E se algum ladrão entrasse em casa? Como naquele filme esqueceram de mim , os ladrões molhados , ou sei lá como chamavam que alagavam a casa depois de roubar tudo, aproveitando que as pessoas estavam fora no Natal? Gente, eu sou criativa mas não faço ideia de como fazer aquelas armadilhas maneiras do Kevin. Eu devia mesmo ter assistido aquele filme mais vezes quando criança. Será que tinha na Netflix? Podia assistir com a Penélope e...
Opção 2 — Simon saiu da DBS e foi beber em algum pub e bebeu tanto que caiu em alguma sarjeta e provavelmente agora estava acordando com a bunda congelada e algum cachorro qualquer lambendo a boca.
Opção 3 — Simon limpou nossas contas bancárias e fugiu para o México, assumindo uma identidade nova, com algum nome exótico como Antônio de Guadalupe e agora vai fazer carreira como astro de novelas mexicanas. Vamos combinar que ele é bonito como o Fernando Calunga e, nossa, ele poderia mesmo fazer uma nova versão de Maria do Bairro.
Nenhuma dessas opções parecia razoável pra mim.
Enquanto me arrumava para trabalhar e depois me despedia de Penélope, que mamava bem quietinha assistindo desenho, eu ainda me sentia atordoada.
Irina, a babá de origem russa de Penélope, havia me acalmado dizendo que provavelmente Simon teve algum motivo para não vir pra casa. Mas o que ela sabia? Irina era viúva e havia se mudado com o marido quando tinha vinte anos para a Inglaterra, por causa do trabalho dele. Eu ainda achava que o tal trabalho deveria ter alguma coisa a ver com a polícia russa, a KGB. Certeza que o marido de Irina era algum espião que se mudou para Londres para espiar cidadãos ingleses! E sendo assim devia ser comum ele passar noites e até dias fora.
Mas Simon não era um espião — quer dizer, seria maneiro se fosse, né? Tipo aquela série “The Americans”, que o casal russo se muda para os Estados Unidos e finge ser americano. Eu ia me dar superbém sendo espião, já que sou um poço de discrição.
Então não consegui achar nenhum motivo plausível para ele ter passado a noite fora de casa.
E qual não foi minha surpresa de vê-lo no elevador e ainda fingindo que não me conhecia?
Que tipo de jogo Simon está fazendo comigo?
— Julie, você está bem?
Escuto a voz do meu assistente, Miguel, me chamando, quando passo direto pela sua mesa e entro na minha sala, desmoronando na minha cadeira.
Miguel entra na sala atrás de mim me fitando preocupado.
— Julie, amada, está fazendo a egípcia por quê?
— Simon... — sussurro aturdida e Miguel solta um risinho fechando a porta atrás de si e sentando na minha frente.
— Brigou com o Simon? Conte-me tudo. Vamos analisar isso aí, tenho certeza que não é tão ruim quanto parece. Que tal buscar um daqueles cafés que adora na Starbucks?
Miguel está tentando me animar como sempre faz quando estou chateada com algo, ou brava com Simon como é o que mais acontece.
E ele sempre consegue, o que lhe garantiu muitos aumentos sucessivos nos últimos meses desde que começou a trabalhar pra mim.
Eu realmente não estava muito certa de que contratar o namorado porto-riquenho de Justin, meu ex-chefe, seria uma boa ideia, quando Justin pediu uma vaga ali na DBS, agora que Miguel tinha conseguido autorização para trabalhar no país e não era mais ilegal. Porém, Miguel era mesmo muito eficiente. Além de lindo e sempre disposto a me animar. Seja buscando café e Donuts pra mim, ou fazendo massagem no meu pé, ou bancando meu personal stylist porque ele também entendia muito de moda e até costurava e desenhava roupas!
— Quer que eu tire a camisa pra te animar? — sugere já levando as mãos à camisa e eu o impeço.
— Não adianta...
Não acho que ver Miguel trabalhando sem camisa hoje vai ser capaz de me animar como das outras vezes.
Claro que Simon, ou qualquer pessoa da DBS, não faz ideia dessa prática pouco ortodoxa, mas quem liga? Certeza que se o mundo fosse menos careta e conversador ia entender que os corpos humanos são feitos para serem apreciados, ainda mais corpos malhados como o de Miguel. E vamos combinar que está até na Bíblia, né? Veja Adão e Eva, viviam peladões no Paraíso e tal.
— Nossa, Julie está me preocupando! O que o Simon fez dessa vez de tão grave? Se bem que na maioria das vezes é você que apronta e o deixa irado, né?
— Ei, não na maioria das vezes! — Eu me ofendo.
Ele ri, indulgente.
— Ok, devo entender então que é culpa de Simon desta vez? O que foi agora?
— Bem, pra começar, ontem ele se escondeu no porão para... trabalhar!
— Ah, que safadinho! Mas querida, ele é mesmo viciado em trabalho e aposto que você adora isso nele.
— Não adoro não!
— Vai dizer que preferia que ele fosse um desses caras desocupados que passa o dia jogando golf? Até parece! Você se sentiu atraída pela aura de poder dele, confesse. Sei bem como é. Não esquece que também sou como você e amo um engravatado!
— Mas Justin não é viciado em trabalho como Simon!
— Então a briga foi por isso?
— Na verdade, isso nem é o mais estranho. Depois que o peguei no flagrante, eu o obriguei a colocar os enfeites na árvore que a Penélope destruiu.
Miguel solta uma gargalhada.
— Essa menina é pior que um gato de rua.
— É o que eu digo! E também exigi que ele colocasse as luzes na casa, sabe? Óbvio que Simon detesta isso, mas ele queria o quê? Que eu colocasse? Ok, eu sou bem adepta às causas feministas e tudo o mais, mas algumas coisas são os homens que tem que fazer. Como serviços braçais e abrir as latas de molho! Enfim, eu estava cuidando da Penélope e aí quando me dei conta Simon estava entrando no carro e sumindo!
— Como assim?
— Ele veio para a DBS, acredita?
— Oh, que sorrateiro!
— Um filho da puta isso sim. Fiquei esperando ele voltar bem brava! Quer dizer. Eu tinha pensado em fazer greve de sexo, mas depois decidi que melhor seria a terapia reversa. Muito sexo, para assim ele se esquecer de trabalhar. Porém acordei hoje cedo e ele não tinha voltado pra casa!
— Sério? E onde ele se meteu? Passou a noite aqui?
— Não sei! E isso não é o pior!
— Tem pior?
— Eu o encontrei no elevador e ele agiu como se não me conhecesse!
— Como assim?
— Isso mesmo! Eu gritando com ele e perguntando onde se meteu e ele ficou falando comigo como se nunca tivesse me visto!
— Meu Deus, Simon fez a louca?
— Ou eu estou louca, nem sei mais! Mas ainda estou sem entender nada. Ele não explicou o que aconteceu e saiu do elevador me ignorando. O que deu nele? Será que está usando drogas? Faz parte de alguma seita que faz lavagem cerebral?
— Ou está fingindo?
— Fingindo?
— Sim, eu tinha um namorado que fazia isso quando ficava bravo. Passava horas me ignorando e fingindo que eu não estava ali. Às vezes dias.
— Mas o Simon está muito fodido se estiver mentindo.
— O que mais pode ser? Ele deve ter ficado bravo com você ontem e resolveu te dar um gelo.
— Eu que deveria estar brava!
— Tem certeza?
— O que quer dizer?
— Não fez nada mesmo?
— Bem, eu fui bem enérgica e mandona e... Ah Deus, Simon estava mesmo bravo comigo pelo jeito que falei com ele?
— Às vezes os heteros são assim, querida. Sinto muito. Eles acham lógica em serem escrotos, porque se sentem ameaçados em sua masculinidade.
— O quê?
— Você é bem mandona e intensa quando quer e isso já causaria um estrago no ego de qualquer homem. Em um cara como Simon, que sempre foi o que controla tudo à sua volta... Imagina como ele deve ter se sentido...
— Com ele se sentiu?
— Castrado.
— Ah, não! Nunca faria isso!
— Mas acredite, o próximo passo será broxar.
— Não!
— Escute o que estou dizendo.
— Oh Miguel, você é muito bom nisso. Deveria ter sua própria coluna na Cosmo sobre relacionamentos.
— Eu também acho.
— Então Simon vai ficar dias assim me ignorando porque sente que cortei seu pau fora metaforicamente ou algo assim?
— Eu não sei.
— Como posso consertar isso?
— Tenho certeza que dará um jeito.
Eu me levanto.
— Certo. Eu vou resolver isso, e no melhor estilo Julie e Simon!
— Isso aí garota!
Saio marchando da sala enquanto Miguel fica fazendo passos da Beyoncé em “Run the World (girls)”.
Eu vou até a sala de Simon e farei o melhor sexo oral que já se teve notícia.
Se isso não resolver, não sei mais o que resolve.
Capítulo 5
Simon
Não sei quanto tempo se passou, se horas, minutos ou pode até mesmo ser segundos, mas ainda estou sentado na mesma posição em estado apoplético tentando entender o que a foto da louca do elevador ou melhor falando, a tal de Julie Harris, está fazendo na minha mesa — e nem quero tentar entender quem é a criança, que sim, é bem bonitinha e os cabelos... os cabelos parecem com os de minha irmã, Mila. Na verdade, a garotinha me lembra alguém, talvez seja mesmo Mila... De repente a porta se abre e levanto o olhar para me deparar com a mesma moça doida do elevador entrando na minha sala.
— Oi, Simon. — Ela abre um sorriso enquanto bate a porta atrás de si e dá uns passos em direção a minha mesa. Ela caminha sinuosamente e enquanto vai chegando mais perto percebo que seu sorriso é malicioso.
Recupero a fala quando ela chega à minha mesa.
— Posso saber o que está fazendo aqui?
— O que acha que estou fazendo aqui? — Sua voz tem um tom sexy e convidativo e tirando todo o fato de não ser nem um pouco apropriado, eu gosto daquele som.
O que é ridículo.
— Na verdade não me interessa. — Eu me inclino, ligando o computador, ainda me perguntando onde enfiei meu notebook, tentando ignorar a presença nada oportuna de Julie Harris na minha sala. — Qualquer pessoa que precisa falar comigo tem que ser anunciada pela minha secretária. Você é nova na empresa? Provavelmente sim, pois saberia deste fato. Então por favor, se retire e se tem algo urgente peça uma hora com Natasha e... o que pensa que está fazendo? — Paro de falar ao ver que minhas palavras não fizeram Julie Harris recuar, pelo contrário, agora ela está dando a volta na mesa e sem que eu possa imaginar que merda está passando por sua mente, que começo a desconfiar que realmente seja insana, ajoelha na frente da minha cadeira.
— O que acha, Simon? — Solta um risinho e mergulha a mão no meu cinto, começando a abri-lo com destreza.
Misericórdia!
Por um momento me sinto tão chocado que não consigo me mexer, enquanto Julie Harris abre minha braguilha ainda ostentando um sorrisinho malicioso no rosto.
— Ah, deixa você sem fala? Gosta disso, não é? Reclama mas adora quando eu te surpreendo...
— Ei, ficou louca? — Consigo achar minha voz quando sinto os dedos atrevidos da funcionária doida tocando minha cueca.
Ela ri mais ainda enquanto se inclina para trás um instante e eu acho que finalmente achou o juízo, mas ela continua com o sorriso nos lábios, enquanto se ocupa em prender os cabelos.
— Sou louca por você, para sua sorte!
Por alguns instantes, várias coisas passaram pela minha mente.
Primeiro, que Julie Harris deve ter fugido de algum manicômio e que assim que eu me livrar dela pedirei sua ficha ao Mark no RH para saber exatamente com quem estou lidando. Não que haja alguma chance dela ficar mais um dia sequer na DBS depois de agir desta maneira inapropriada.
Mas e se ela está fazendo isso com algo na cabeça? Sim, eu já ouvi falar sobre funcionárias que cavam uma denúncia de assédio. Julie Harris pode tirar milhões de mim e da DBS.
Meu Deus, e se tiver câmeras nos filmando agora? Deixo meu olhar apavorado vagar em volta à procura das câmeras escondidas.
E aproveitando a minha distração, Julie Harris avança de novo e eu consigo empurrar a cadeira para trás, no afã de fugir de seu ataque sexual.
— Pare com isso agora! — grito com toda autoridade que consigo achar dentro de mim, mas Julie continua rindo, enquanto empurro a cadeira para trás.
— O que foi, Simon? Se não te conhecesse, diria que está com medo de mim? — Ela joga a cabeça para trás, achando isso muito divertido.
Quero dizer que não tenho medo dela, mas seria uma mentira deslavada.
Estou apavorado porque nunca me vi numa situação bizarra dessas.
Eu já tive colegas de trabalho e até subalternas dando em cima de mim, mas bastava uma conversa franca sobre limites e deixar claro que nunca me envolvo com minhas funcionárias para elas não insistirem.
Mas parece que Julie Harris não foi informada deste fato.
— Quem deveria ter medo é você, por favor, levante-se e saia da sala, antes que perca seu emprego.
Ela para de rir.
— O que foi? Está dizendo que vai me demitir? Ficou maluco? Só por causa da briga de ontem?
O que essa doida está falando agora?
Que briga de ontem?
“Você não se lembra do que aconteceu ontem.”. Uma voz murmura dentro de mim.
Ah merda.
Que porra está acontecendo?
— Escuta aqui, Simon. Estou começando a ficar cansada desse seu joguinho! — Ela avança de novo.
Tento ir para trás, mas a cadeira bate na parede, encurralando-me.
Ela para na minha frente e, sem aviso, me puxa pela gravata até que meus olhos estejam na mesma altura que os dela.
— Não vou permitir que fique bravo comigo. — Sua voz agora adquire uma suavidade pela qual eu não estou preparado. E seu olhar parece magoado.
Algo esquisito aperta meu coração, como se alguém estivesse realmente o esmurrando.
— Então eu peço desculpas por seja lá o que fiz para te deixar assim. Mas pare de fingir que não me conhece. — Então ela aproxima os lábios dos meus. — E me deixa lembrar você de como eu te conheço.
Então, Julie Harris, a maluca do elevador, está me beijando.
E algo mais bizarro acontece. Eu gosto disso.
Gosto de como ela se move para perto, suas mãos, infiltrando-se no meu cabelo, a língua se enroscando na minha como se tivesse feito isso mil vezes antes e soubesse exatamente como fazer.
Gosto ainda mais de como meu corpo reage a isso.
Caramba, gosto muito.
Ainda mais uma parte bem específica da minha anatomia que de repente já não acha tão absurdo assim que Julie Harris faça o que entrou naquela sala louca pra fazer.
Com um gemido de rendição, minha própria mão se infiltra em seu cabelo como se tivesse vontade própria, puxando-a para mais perto e o gemido de Julie em resposta é delicioso e faz com que eu fique com mais tesão, ainda mais quando ela desce a mão e...
De repente um alarme toca na minha cabeça.
Não, não!
Isso aqui não está certo não!
Consigo segurar a cabeça de Julie e afastá-la de mim, encarando-a com os olhos arregalados e a respiração ofegante.
— Acho que devemos parar por aqui...
— Parar? Nem começamos! — Ela empurra minhas mãos e dou um pulo quando toca meu pau. — Por que está tão preocupado? A gente já fez isso mil vezes Simon, prometo que vou ser rápida e...
Minha nossa, se ela continuar a me acariciar assim, vou mandar à merda o fato de que é uma funcionária e que eu não transo com funcionárias, ainda mais aquelas que invadem minha sala falando coisas sem sentido e...
De repente, o celular dela toca em cima da mesa.
O som estridente faz com que ela se distraia olhando em direção ao aparelho e aproveito para empurrá-la e me levantar, quase correndo para o canto mais afastado da sala como uma mocinha com medo de ser desvirginada.
— Acho melhor atender seu celular.
Ela rola os olhos e se levanta, pega o aparelho e eu quase respiro aliviado.
Sim, agora é o momento de fugir.
Por um momento, quando ela atende a ligação e fica escutando a pessoa do outro lado da linha, calculo a distância até a porta e se conseguirei sair a tempo dela me ver.
— Holly, que bobagem está me dizendo? — Julie diz com voz furiosa e olha pra mim.
Merda. Eu devia ter corrido direto para a porta!
— Eu não acredito nisso, Holly... — Sua voz sai gélida.
Holly? Onde foi que eu ouvi esse nome?
— Tem provas então eu quero ver!
Ela tira o aparelho do ouvido e examina alguma coisa que provavelmente a tal Holly está lhe mandando.
É agora! Aproveitando-me da distração dou alguns passos em direção à porta quase na ponta dos pés como naqueles desenhos animados.
— Parado aí agora! — Julie ordena com uma voz de Darth Vader que me faz estacar.
Ela vem até mim e mostra o celular.
— Que porra é essa aqui?
Examino a foto e é de ontem à noite. Estou conversando com a moça do pub...
— Quem te mandou isso aí?
— Ah... então confessa?
— Confesso o quê? Que fui a um pub e flertei com essa garota? Qual o problema?
— O quê? — Sua voz alcança decibéis que acredito ser impossível para algum ser humano e seus olhos parecem soltar faíscas. — Oras, seu...
E sem aviso, avança em minha direção a chutes e pontapés.
— Seu filho da puta, adúltero! — Seus punhos fechados me atingem em todo lugar enquanto tento me defender, amedrontado com aquele ataque violento.
— Por que está me batendo? Pare com isso... sua maluca!
— Maluca? Você passa a noite fora fazendo sabe Deus o que com mulheres desconhecidas que pegou no pub e eu que sou maluca? Eu vou matar você! — E sem aviso ela me bate com toda força com o celular, que atinge minha testa me fazendo cair para trás, tonto.
Julie Harris vem pra cima de mim enfurecida e naquele momento eu acredito mesmo que ela vai me matar.
Então é assim que vou morrer. A golpes de celular deferidos pelas pequenas mãos de Julie Harris.
Eu devia ter a deixado fazer o maldito boquete, penso, minha visão começando a turvar.
— E eu em casa com nossa filha e você por aí...
— O que disse? — Abro os olhos, embora minha vista esteja embaçada, tentando me manter acordado à luz daquela nova bizarrice que saiu da boca de Julie.
— Eu disse que vai ser uma pena que Penélope vá crescer sem pai!
— Quem é Penélope?
— Como assim? Sua filha, ora! Se bem que depois disso, talvez eu tire seu nome da certidão de nascimento dela e... Simon? — ela finalmente para de me bater, os olhos focalizando preocupados em mim. — Simon?
— Isso não faz sentido... — murmuro fechando os olhos.
— O que não faz sentido?
— Eu não tenho uma filha...
É a última coisa que consigo balbuciar antes de deslizar para a escuridão.
Capítulo 6
Julie
— Oh Meu Deus, eu matei o Simon! — balbucio enquanto os paramédicos levam a maca de Simon da sala e Natasha dança em volta de si mesma com um incenso nas mãos.
— Não matou, Julie. Ele apenas desmaiou! — Mark diz ao meu lado.
— Sim, Julie, tudo vai ficar bem... — Natasha sorri. — Se eu ainda acreditasse em espíritos maus, eu diria que Simon está com um encosto, mas provavelmente é apenas a aura dele que está precisando ser limpa... E acho que a sua também... — Ela sacode o incenso no meu rosto me fazendo tossir.
— Para com isso, Natasha!
— Sim, Natasha, pare com isso e volte ao trabalho — Mark pede. — Vou levá-la para o Pronto Socorro para acompanhar o Simon, ok?
Concordo enquanto Mark me leva pelos corredores até o estacionamento.
Entramos no seu carro e Mark me lança um olhar preocupado.
— O que foi que aconteceu?
— Eu não sei! Está tudo bizarro desde ontem. Simon sumiu sem dar explicação e hoje de manhã agiu como se não me conhecesse no elevador e aí fui à sala dele sabe, pra conversar. — Fico vermelha. Óbvio que não vou contar a Mark o que fui fazer na sala de Simon. — E devo ter ficado brava com ele... — De novo desconverso. Não quero que Mark fique sabendo que provavelmente Simon é um escroto traidor.
Sinto meu coração afundando no peito ao me lembrar das fotos. Holly havia me ligado para dedurar Simon dizendo que o viu ontem bancando o solteiro no pub e de paquera com uma mulher desconhecida.
Eu não acreditei e ela disse que tinha provas e mandou as fotos.
Então Simon não tinha fugido só para trabalhar, e sim para vadiar também. E ainda ficou fingindo que não me conhecia. Filho da puta!
Mas o que tudo aquilo significa, pergunto-me.
— Então você o agrediu com o celular mesmo? — Mark questiona e enrubesço de novo.
— Não foi bem assim. Eu só perdi um pouco a postura, assim, de leve... Não era pra machucar... — Ok, na hora eu só vi tudo vermelho e queria mesmo machucar Simon por ele ter me sacaneado e magoado.
Mas não queria machucar de verdade, claro que não.
E se ele ficasse sequelado para o resto da vida? E se nunca mais acordasse?
Sou muito jovem para ser viúva!
E Penélope? Sem pai?
Ela vai crescer sofrendo bullying na escola, se tornará agressiva com os colegas e será expulsa do colégio da princesa Charlotte! (Sim, eu já estou pesquisando o colégio que os príncipes reais estudam para matricular Penélope lá também. É importante que ela cresça em boa companhia e quer companhia melhor que o da realeza? Simon não entende isso, mas eu conversei com Sophia sobre o assunto e ela super me compreende e está disposta a me ajudar no que for preciso, já que é uma duquesa e pra ela deve ser fácil conseguir essas coisas, como vaga nos melhores colégios, ou crack do melhor fornecedor ou algo assim. Não que eu queira comprar crack, mas enfim...).
Como Penélope vai crescer sem pai?
E se eu mesma me tornar alcoólatra depois da perda de Simon e não for capaz de dar atenção a minha filha? Ela vai ser levada para um orfanato e vai crescer toda carente como a Anne de Green Gables.
— Não se preocupe, vai ficar bem.
Eu só noto que estou chorando quando Mark me dá tapinhas no meu ombro com sua mão branca de vampiro.
— Chegamos.
Estacionamos no hospital e vamos até a recepção. Informam que Simon está passando por vários exames e que está consciente.
— Ainda bem. — Respiro mais aliviada. — E ele está falando coisa com coisa? — Ainda não descarto a ideia das sequelas.
De repente imagens terríveis passam pela minha cabeça. Como Simon correndo por um campo florido e gritando lingo lingo como naquele filme turco na Netflix.
— Terão que esperar o médico — a enfermeira nos informa. — Ele está passando por uma bateria de exames agora. Pode demorar um pouco.
Mark olha no celular.
— Julie, ficará bem sozinha? Parece que a empresa está um pandemônio agora que a notícia de Simon se espalhou. Preciso retornar.
— Tudo bem. Pode ir.
— Eu voltarei assim que possível.
Mark se despede e eu me pergunto se devo avisar à família de Simon, mas todos estão viajando para passar os feriados de fim de ano em uma ensolarada ilha no Caribe. Eu e Simon deveríamos estar na mesma viagem se ele não tivesse declinado do convite, alegando que tinha muito trabalho.
Eu tinha ficado bem brava e gritado que era típico dele me tirar a chance de usar biquínis minúsculos enquanto me bronzeava bebericando bons drinks, o que Simon rebateu dizendo que viajar com uma bebê de um ano provavelmente não seria tão divertido assim.
Ok, eu tive que concordar com ele.
Não, melhor verificar direitinho o que aconteceu com Simon e depois eu comunico a família. Mesmo porque, vou falar o quê?
“Eu bati no Simon com o celular e ele morreu.”. Será que existia celularsídio ? Eu seria a primeira a endossar as estatísticas de celularsídio pelo país. Eu ia ser pioneira, né? Podiam até nomear o crime com meu nome e aí ficaria “Juliesídio”. Soa bem.
Mas o que será da minha vida sem Simon?
Sinto dificuldade de respirar só de pensar nessa possibilidade.
Sei que estava brava por ele ter sido um embuste ontem e hoje também, ao fingir que não me conhecia, mas a gente podia dar um jeito.
Por que será que ele foi àquele pub?
Será que não me ama mais?
Oh Deus, será que Simon cansou de mim? Será que essa história de fingir que não me conhece é apenas porque não tem coragem de dizer na minha cara que gostaria mesmo de não me conhecer? Que sua vida anterior, viciado em trabalho e se distraindo em pubs com garotas desconhecidas era mais divertida do que viver comigo?
— Senhora Bennett?
Eu me levanto quando um senhor de jaleco entra na sala.
— Sim? Como meu marido está? Ele morreu? — Minha voz treme. — Ele disse que não me ama mais? Vai pedir o divórcio? Vou ser uma dessas mulheres divorciadas procurando rapazes na internet para me satisfazer sexualmente enquanto extorque todo o dinheiro do meu ex-marido?
O médico franze o olhar confuso.
— O quê? Não faço ideia do que está falando, mas, o Senhor Bennett está fora de perigo.
— Graças a Deus. — Respiro aliviada. Pelo menos não passarei meus dias trancafiada atrás das grades. Não fico bem de laranja. — Mas o que aconteceu? Ele vai ficar bem?
— Fisicamente sim.
— Como assim? Oh Deus, ele está sequelado? Ele está babando? Gritando lingo lingo?
— De novo, não sei do que está falando. Mas não sei se está a par, o Senhor Bennett sofreu uma queda ontem.
— Queda?
— Ele não lembra bem o que aconteceu, mas narrou que acordou ontem em um lugar desconhecido e entrou no carro saindo de lá...
— Não era um lugar desconhecido! Era nossa casa! Eu pedi que ele colocasse as luzes de Natal na casa e... Será que foi aí que ele caiu?
— Provavelmente. E ele narrou que muitas coisas não faziam sentido. Eu lhe fiz algumas perguntas e cheguei à conclusão de que seu marido está com amnésia.
— Como é que é?
— Aparentemente o Senhor Bennett esqueceu os dois últimos anos de sua vida.
Eu me sento de novo, porque minhas pernas viraram gelatina e minha mente está dando voltas.
Amnésia?
— Isso é absurdo!
— Acontece. Não sabemos explicar todas as nuances da mente humana, mas deve ter a ver com a queda e a contusão.
— Então quer dizer que Simon realmente não se lembra de mim? — Agora tudo começa a fazer um sentido assustador.
Ele acordou depois do tombo e não reconheceu nossa casa. Entrou no carro e foi embora.
Para a empresa.
E depois para o maldito pub.
Tinha flertado com mulheres e depois feito sei lá mais o quê...
— Ele falou o que fez ontem à noite?
O médico examina alguns papéis em sua mão.
— Ele foi até a empresa onde trabalha, depois a um pub, onde uma tal de Holly o abordou e foi agressiva.
— Sim, minha amiga. Simon não deve se lembrar dela.
— E sentindo-se confuso, foi para seu apartamento, mas achou estranho que estava vazio.
— Claro que sim, nos mudamos há mais de um ano quando nossa filha nasceu... Oh Deus, ele não se lembra da nossa filha também?
— Não, Senhora Bennett. Simon Bennett acredita que é solteiro e não tem filhos.
— Minha nossa... — Sinto vontade de chorar.
Sim, Simon esqueceu mesmo de mim.
E de Penélope.
Não estava fingindo. Por isso ele estava esquisito.
Então foi no antigo apartamento que ele passou a noite? Bem, pelo menos não foi na cama de alguma mulher me traindo.
Menos mal.
E pensando nesse prisma da amnésia, eu posso ficar com raiva por ele ter flertado com outras mulheres?
Na mente dele isso era normal. Ele não se lembrava de mim.
Não se lembra de mim... de novo meu coração afunda.
— E o que vai acontecer? Quando ele vai lembrar? Tem alguma cirurgia que possa fazer, algum remédio, sei lá... Choque elétrico? Ainda se usa isso?
— Não tem nada que se possa fazer. Pode ser um estado de confusão momentânea e sua memória vai voltar em breve, ou pode demorar. Ou até mesmo nunca ser recuperada.
— Nossa, que horrível... E o que eu posso fazer? Ele não se lembra de mim...
O médico sorri compadecido.
— A senhora pode ajudá-lo a se lembrar.
Sim, eu vou fazer Simon se lembrar de mim.
Vou sim.
Nem que seja à força!
Capítulo 7
Simon
— Amnésia? — repito o que o médico acabou de me dizer.
Deveria me sentir aliviado? Achei que depois de todos os exames e perguntas esquisitas como “em que ano estamos?” ele fosse dizer alguma coisa que fizesse sentido e eu pudesse voltar a minha vida de sempre.
Mas agora ele me diz que estou com amnésia?
— Sim, aparentemente o senhor esqueceu dois anos de sua vida.
— Dois anos? — Meu grito sai agudo e por um momento temo que vá desmaiar de novo.
Claro que desmaiei antes porque fui atacado pela fúria ensandecida da funcionária maluca chamada Julie Harris como se não bastasse ter me atacado sexualmente.
— Isso... Não faz sentido!
— Sei que é confuso e assustador, mas garanto ao senhor que sim, é exatamente isso que está acontecendo.
Passo a mão pelo cabelo, ainda sentado na maca do hospital onde nas últimas horas passei por uma bateria de exames o que me fez sentir como um rato de laboratório.
E tudo o que eu queria era voltar ao trabalho.
Voltar a minha vida normal.
Mas se eu esqueci dois anos da minha vida, o que é normal agora?
— O que vou fazer? Existe algum remédio... cura sei lá?
Ok, posso ser prático e objetivo. Eu tenho dinheiro. Deve haver algum tratamento para isso. Farei o que for necessário.
— Infelizmente não temos como precisar. Fisicamente o senhor está bem, a não ser pelo galo na nuca e agora esse na testa.
Passo a mão por minha testa, onde Julie Harris desferiu o celular.
Será que eu poderia dar queixa de agressão na polícia? E onde será que Julie Harris e sua fúria assassina estavam agora? Provavelmente trabalhando na DBS como se nada tivesse acontecido. Mas é bom ela aproveitar seus últimos momentos porque assim que eu for liberado voltarei à empresa e a demitirei. E ainda lhe direi que deve ficar contente por eu não tê-la colocado atrás das grades por agressão. E ataque sexual.
Confesso que ao pensar em Julie Harris sou acometido por sentimentos conflitantes. Estou furioso por ela ter me colocado nesta situação. Embora não seja culpa dela eu ter caído e agora estar desmemoriado. Porém, não posso negar que sinto certo medo dela. E se eu a demitir e ela passar a me perseguir como uma stalker vingativa?
Sim, ela é bem capaz disso, se tomar como exemplo sua conduta desde que me abordou naquele elevador.
De repente algo assustador passa pela minha mente. E se naquele elevador não foi a primeira vez que eu a vi?
Sim, faz sentido. Tento me lembrar das coisas que me disse. Ela parecia estar furiosa comigo. Falava sobre algo que aconteceu na noite passada... Como?
E se...
Não, é absurdo demais pensar que eu tenho algum relacionamento com Julie Harris fora da empresa.
Mas se ela é apenas uma funcionária, porque entrou na minha sala pronta para colocar sua boca no meu...
Puta que Pariu!
Sinto uma vertigem, como se tivesse em uma montanha-russa desgovernada sem saber como descer.
E lá embaixo acenando com seu sorriso malicioso está Julie Harris.
— Sei que parece assustador, mas provavelmente sua memória pode voltar.
Encaro o médico.
— Mas posso ficar assim pra sempre também?
— Como eu disse, não tem como saber.
Respiro fundo, tentando manter a sanidade. Sim, preciso retomar o controle.
Ok, esqueci dois anos da minha vida. E daí? Não é tanto tempo assim.
Ainda sou o CEO da DBS e imagino que nesses dois anos devo ter feito um trabalho fantástico, como sempre.
Mas... O que mais?
O buraco escuro na minha mente parece querer me tragar e isso não é nada bom.
O que diabos eu estava fazendo na frente daquela casa ontem? Por que Julie Harris estava lá?
Por que ela parecia estar brava comigo por algo que eu não faço ideia do que seja?
E tinha tentado me seduzir hoje com se fosse algo que tivesse feito muitas vezes. E o beijo... Sim, o beijo tinha sido incrível.
Merda.
Mil vezes merda! Que porra está acontecendo?
— Fique calmo. — O médico coloca a mão no meu ombro e percebo que tinha praguejado em voz alta. — Eu a chamarei aqui. Certamente a Senhora Bennett poderá ajudá-lo a se lembrar e...
— O quê? — Que diabo ele disse?
Que senhora Bennett?
Minha mãe está aqui?
Ele não pode estar falando de Florence, a esposa do meu irmão, certamente.
Mas antes que o médico possa responder a porta do consultório se abre e Julie Harris entra ostentando um sorriso esperançoso.
— Simon, querido, me desculpe! — Avança em minha direção com os braços estendidos e num reflexo eu me encolho, com medo que ela esteja portando alguma faca, pá de pedreiro, ou qualquer coisa que possa me atacar.
Ela interrompe os passos a poucos centímetros de mim e seu sorriso morre no rosto.
— Oh... o que foi? — Ela olha de mim para o médico, confusa.
— Senhora Bennett, devo lembrá-la que seu marido não se recorda da senhora...
O... quê?
Marido?
Julie Harris é a Senhora Bennett?
Ou melhor... Julie Bennett?
Não... Não pode ser.
Isso deve ser uma brincadeira. Talvez uma pegadinha de mau gosto.
— Que merda é essa? — Pulo da maca, não me preocupando de estar vestindo um camisolão de hospital ridículo.
Agora essa loucura foi longe demais!
— Senhora Bennett? Marido? Não sou casado e muito menos com você!
— Claro, você não lembra. — Julie suspira e volta a sorrir. — Simon, nós somos casados sim! Há quase dois anos. O doutor me explicou que caiu ontem e não se lembra. Aposto que nem se lembra que pedi que colocasse as luzes de Natal em frente a nossa casa e provavelmente se desequilibrou e caiu!
— Não... Isso é ridículo...
— E eu estava lá, lembra? Ontem à noite? Você entrou no carro e não me escutou! E hoje de manhã eu estava brava por ter sumido e discuti com você que não entendeu nada. E mesmo depois quando entrei na sua sala, sabe... — Ela cora me fazendo lembrar exatamente o que ela tinha tentado fazer. — Enfim, e depois Holly me mandou aquelas fotos... por isso fiquei furiosa e te ataquei... peço mil desculpas, se soubesse que não se lembrava de mim e...
— Espera... não pode estar falando sério! — Olho para o médico em busca de socorro. — Quer que eu acredite nisso?
— Senhor Bennett, se acalme...
— Como posso ficar calmo? Quer que eu acredite que sou casado com alguém que nunca tinha visto antes?
— Não está acreditando? — Julie parece ofendida e percebo de novo sua voz se elevando.
— Tenho certeza que o Senhor Bennett está apenas confuso agora. Com o tempo a senhora lhe explica tudo. — O médico assina algum papel na prancheta em sua mão. — Estou te dando alta. Então pode ir embora com sua esposa.
— Não acredito que está duvidando! — Julie continua e o médico lhe lança um olhar de censura.
— Senhora Bennett precisa ter paciência, ok?
Ela respira fundo e fecha os olhos e quando volta a abri-los está sorrindo docemente.
Devo dizer que essas mudanças de humor são meio assustadoras.
— Certo, claro. Eu sou uma esposa compreensiva e paciente e que vai ajudar o marido a lembrar de tudo. Claro. Eu consigo. Ok, Simon, se não acredita eu posso te provar! — Ela pega o celular e disca rapidamente passando o aparelho para mim.
Vejo o nome de Henry piscando no visor.
— Como conhece Henry? — indago espantado.
Ela rola os olhos.
— Claro que eu conheço o Henry. Fale com ele e eu vou te esperar lá fora, certo?
Ela sai da sala e escuto a voz de Henry do outro lado da linha.
— Julie?
— Não, aqui é o Simon...
— Ei, cara . Tudo bem?
— Henry, que merda está acontecendo?
— Do que está falando?
Eu lhe explico todas as bizarrices que têm acontecido desde ontem, terminando com o ataque de Julie e a descoberta de que estou com amnésia.
Henry está rindo muito quando termino.
— Cara , que história mais bizarra... Ei, amor, não vai acreditar — ele grita para alguém. — Simon está desmemoriado!
— Com quem está falando? E não é engraçado, pare de rir.
— Ok, desculpa, mas é engraçado sim. Imagino o que Julie está pensando! Cara , você está ferrado. Julie deve estar mais louca do que já é agora com essa história.
— Então é sério? Essa... Julie é mesmo minha, minha...
— Esposa? Claro que é.
— Porra, que merda eu fiz? — Eu me sento de novo, assustado pra cacete.
Então é tudo verdade, Julie Harris é minha esposa.
A funcionária louca.
Como eu pude ter casado com uma funcionária? Como aquilo aconteceu?
E nem casar eu queria!
— Olha cara , preciso desligar, estamos no meio de um evento aqui e minha mãe e Sophia vão me matar se ficar no celular...
— Quem é Sophia?
— Minha esposa.
— Caramba, você também?
Henry ri.
— É, às vezes eu também acho estranho...
— Henry, o que vou fazer? Isso tudo... Não estou entendendo nada!
— Fica calmo, ok? Deve ser só algo momentâneo, tenho certeza que amanhã vai acordar e se lembrar de tudo. Eu iria te dar uma força, mas estou em Durham.
— Voltou pra Durham?
— É uma longa história. Quando tudo acabar aqui eu te ligo de novo, certo?
— Ok.
Eu desligo e fico olhando para o aparelho.
Então é isso. Sou casado agora.
Com Julie Harris. Ou melhor, Julie Bennett.
O mundo tinha virado de ponta-cabeça ou o quê?
Estamos no táxi passando pelas ruas enfeitadas para o Natal de Londres. Uma música natalina toca no rádio do carro e Julie cantarola enquanto eu só consigo ficar encarando seu perfil e me perguntando que diabos deu na minha cabeça para ter me casado com aquela garota.
Ok, ela é bonita.
Muito bonita na verdade.
Atrevida, se tirar como exemplo o fato de ter invadido minha sala com uma proposta indecorosa.
Beija bem.
Aposto que faz outras coisas bem, penso sem conseguir conter minha imaginação.
Mas certamente isso não era um ponto decisivo para me fazer mudar de ideia quanto a me casar.
Eu estava bem satisfeito com a minha vida do jeito que era. Concentrado na minha carreira. Um relacionamento seria uma distração.
Então como Julie tinha acontecido?
De repente ela se vira para mim, sorrindo.
— Por que está me olhando assim?
— Desculpe, é que... ainda é bizarro imaginar que sou casado.
— Eu imagino, mas você vai lembrar. Claro que vai. — Ela parece estar falando consigo mesma. — Olha, chegamos.
O carro para em frente a um bonito jardim e reconheço a casa.
É realmente onde eu acordei ontem.
Saímos do carro e eu olho em volta, perdido.
— Então eu moro aqui agora?
— Moramos aqui! Eu, você e... Oi Irina! — Julie cumprimenta uma mulher que abre a porta. Ela aparenta ter uns sessenta anos e tem um sotaque russo. Ou eu acho que é russo.
— Senhora, ainda bem que chegou! Penélope fugiu para a casa do vizinho de novo!
— De novo? — Julie suspira entrando na casa e avançando pelos cômodos.
Meus olhos percorrem tudo abismado.
É uma casa bonita. Aconchegante. Há uma árvore de Natal enorme na sala e até na cozinha há algumas guirlandas.
Julie passa pelas portas de vidro e sai para o quintal e então eu franzo o olhar enquanto a sigo.
— Quem é Penélope? — Escuto um latido de cachorro. — Temos um cachorro?
Julie se vira para mim, horrorizada.
— Nossa filha não é um cachorro.
— Filha? — grito.
E me recordo de Julie falando algo sobre isso antes de eu desmaiar na minha sala.
Mas eu tinha me esquecido desse detalhe.
Não... Além de casado eu tenho uma filha?
Sinto vontade de me ajoelhar no chão e colocar a cabeça entre as pernas, mas Julie segue em frente e eu a sigo como um autômato, ainda apalermado com aquela revelação.
Julie chega até uma cerca e espia por cima.
— Penélope, volta pra casa agora! — ela ordena a um cachorro enorme no jardim vizinho.
Não, não é para o cachorro. Uma garotinha que não deve ter nem dois anos sai de trás do cachorro que é maior que ela, rindo.
É a mesma da foto, reconheço. A menina dos cabelos vermelhos.
Ela não se parece com Mila. Ela se parece comigo.
Minha nossa!
— Mama, au au! — Ela aponta para o cachorro que agora percebeu nossa presença e se virou rosnando.
— Sai daí, Penélope, esse cachorro vai comer você, esqueceu do que eu disse?
Sim, o cachorro preto enorme parece mesmo capaz de comer uma criança. Ou até mesmo um de nós.
— Não! — Ela acaricia o cachorro.
— Penélope, se não voltar agora, seu pai vai aí te pegar.
Demora alguns segundos para eu entender que o pai sou eu.
— Eu? Está louca?
— E quem mais? Eu que não vou entrar aí! Esse cachorro me odeia!
— Eu não... Eu nem... — Quero dizer que nem sei quem é aquela criança, então não devo arriscar meu rabo entrando naquele quintal.
— Simon, por favor? Se tivesse atendido meu pedido de arranjar um cachorrinho para Penélope ela não ficaria fugindo para a casa do vizinho!
— E o que eu sei sobre isso?
Julie rola os olhos.
— Sério?
— Esqueceu que eu não lembro?
— Ah droga, é verdade! Mas isso não é desculpa! Pode não lembrar, mas ela é sua filha e a culpa é sua se ela tem uma obsessão por Aquiles.
— Quem é Aquiles?
— O cachorro. E Feliciano, o vizinho. Claro, não se lembra dele também, mas é um senhor adorável. Muito gay e tal. Ele é estilista. E acho que é apaixonado por você. — Ela ri. — Se ele não fosse um senhorzinho estilo Elton John eu superdeixava ele te pegar e aí eu podia assistir e...
— Que porra está falando?
— Nada, esquece. Vai lá pegar a Penélope.
— Julie, isso é absurdo...
— Sério que vai usar a desculpa esfarrapada da amnésia para deixar sua filha ser comida por um rottweiler?
— O cachorro não vai comer a criança!
— Ah não? Tem certeza? Quer ficar com essa culpa pra sempre, se ele arrancar o bracinho dela? Vai deixar nossa filha ficar maneta, Simon?
— Meu Deus, por que está falando tanto besteira?
— Não são besteiras, pode acontecer! E se ele atacar o rosto dela e desfigurá-la? Custa caro um bom cirurgião e...
— Ok, chega! — Julie parece uma metralhadora destilando absurdos e eu só quero que ela pare. — Eu vou lá.
Ela sorri, satisfeita, abrindo o portão.
Eu entro, andando devagar para não assustar o cachorro que agora está rosnando e mostrando os dentes enquanto entra em posição de ataque.
— Simon, ele vai te atacar — Julie grita.
Penélope está gargalhando e batendo palmas.
Meu Deus, ela está achando divertido isso?
— Papa, au au!
Caramba, ela me chamou de papai?
Isso é muito, muito estranho!
— É, menininha, por favor, vem aqui. — Estendo a mão para ver se ela vem em minha direção.
Ela sorri e corre, mas para longe de mim, para dentro de casa.
— Não me pega... — grita, ou algo que pareça isso, porque provavelmente ela não fala nada direito ainda. E me surpreendo que eu entenda.
Porém, antes que pense sobre isso, o cachorro late e pula na minha direção.
Eu me viro e corro.
Julie grita também e fecha o portão me deixando encurralado.
— Abre isso, cacete! — ordeno, batendo na cerca, mas o cachorro agora está abocanhando meu traseiro.
— Oh meu Deus Simon, Aquiles está comendo sua bunda! — Julie grita por cima da cerca.
— Eu sei, merda! — Eu me viro tentando me livrar do cachorro que felizmente prendeu os dentes apenas na minha calça e cá estou eu, sacudindo o cachorro preso na minha bunda de lá pra cá como um maldito desenho animado.
— Aquiles, pare com isso!
Uma voz sai de dentro da casa e em seguida um homem que parece mesmo sósia do Elton John aparece. Ele usa um terno roxo e tem os cabelos bizarramente pintados de laranja.
E segura Penélope pela mão.
Felizmente o cachorro obedece ao homem e me solta, correndo em sua direção.
O homem do cabelo laranja sorri para o cachorro.
— Oh, meu filhinho lindo, por que atacou o Simon? Hein? Ele tem uma bunda gostosa não é, querido? — Ele ri jogando a cabeça para trás. — Eu também atacaria, quem me dera...
— Au au fofo — Penélope abraça o cachorro que não parece se importar.
— Agora já pra dentro, Aquiles! — o homem ordena e o cachorro entra na casa abanando o rabo.
— Oh Feliciano, me desculpe por isso.
Agora que o cachorro está fora de cena, Julie aparece sorridente.
— Imagina, Aquiles está muito emotivo, sabe, é a época de Natal.
Julie pega Penélope no colo.
— E você é muito danadinha de fugir assim!
— É só uma criança. E ela é adorável. É bem-vinda quando quiser. E vocês também, claro. — Ele passa a mão por meu peito e Julie abafa um riso.
Meu Deus, que mundo paralelo é aquele em que me meti?
Voltamos para casa, eu com minha calça arruinada, mostrando minha cueca para quem quiser ver e tentando manter certa dignidade, o que acho que já perdi faz tempo. A babá russa é solícita em me trazer uma calça limpa que deve ser minha, penso quando me visto no lavabo da casa, pois serve muito bem.
Quando saio de lá, ainda perdido, a babá russa se despede e assim estou sozinho com Julie e a criança.
Quer dizer, Penélope.
Minha filha.
Ainda sinto falta de ar quando penso nisso.
E agora a menininha está correndo pela sala, aparentemente sem propósito algum, enquanto Julie liga a TV e um desenho animado enche o som do ambiente.
— Enfim, sós. — Ela sorri.
Eu enfio as mãos nos bolsos sem saber o que fazer.
E agora?
— Ah, coitadinho, está perdido, não é? Simon, tenho certeza que quando menos esperar vai lembrar de tudo e eu vou te ajudar, ok? Que tal agora eu... sei lá, te mostrar a casa?
— Pode ser um bom começo.
— Isso! Vou te mostrar a casa e acho que pode ser que já se lembre de tudo quando terminar!
Julie sai na frente me mostrando todos os cômodos da casa que é enorme e mesmo assim, ao final do tour , que acaba quando ela me mostra o meu escritório e eu quase choro de emoção ao ver minha coleção de vinis, ainda não me recordo dela, da casa ou da menina que agora canta na sala acompanhando algum personagem da Disney.
— Nada? — Julie sorri entre esperançosa e preocupada.
Sacudo a cabeça em negativa.
— Não, nada.
— Ok, nada de pânico — ela diz com aquele sorriso doce assustador. — Tudo vai dar certo. Eu vou... fazer nosso jantar. Isso.
— Ótimo, eu vou... trabalhar — digo aliviado ao ver meu notebook e, ao lado, o meu celular que acreditava estar perdido.
O sorriso de Julie é substituído por um olhar de ira, mas em seguida ela sorri. Um sorriso bem forçado na verdade.
— Certo. Não tem problema algum. Pode... trabalhar.
Ela sai do escritório e eu fecho a porta, contendo a vontade de trancar.
Reconheço minhas coisas.
Quase me sinto em casa ao colocar um vinil do David Bowie para tocar e sento na minha mesa, abrindo meu notebook.
Sim, posso manter o controle. Ou ao menos tentar.
Capítulo 8
Julie
Está tudo dando errado.
Não foi assim que imaginei que a noite terminaria! Quando o médico me disse que Simon estava com amnésia eu mantive a calma e disse a mim mesma que iria fazê-lo se lembrar de mim.
Claro que ele ia lembrar! Achei que era só trazê-lo para nossa casa. Ele veria nosso lar, veria Penélope e tudo o que tínhamos juntos e com certeza sua mente se abriria para as lembranças.
Mas nada disso aconteceu.
Primeiro ele foi atacado por Aquiles. Depois eu lhe mostrei a casa e me senti como um corretor de imóveis falastrão e Simon era o cliente chato que não tinha o menor interesse pelo imóvel.
Senti que podia dar certo quando ele viu seu escritório e os amados vinis, mas ele ainda parecia não saber que merda estava acontecendo e depois se trancou lá com o notebook dizendo que ia trabalhar.
Bem, desse hábito terrível ele não esqueceu e mesmo assim fingi que estava tudo bem e deixei pra lá. Ok, que ele fosse trabalhar, quem sabe assim se lembraria de algo?
Porém, ele ficou escondido lá até que eu o chamasse pra jantar.
Acreditei até que, sentados à mesa como uma família, com Penélope jogando sopa de cenoura para todo lado — como sempre costumava fazer e me deixava louca — ele se lembraria de como conseguia fazê-la parar, com aquela voz de CEO fodão que deixava todo mundo com medo.
Mas ele não fez isso.
Penélope sujou toda a parede e minha roupa, enquanto eu tentava alimentá-la e Simon só olhava de longe com cara de horror.
— Isso é normal? — chegou a perguntar quando finalmente tirei Penélope do cadeirão, limpando suas mãozinhas e tirando o babador para que ela corresse gritando para a sala.
— Sim, é — resmunguei.
Mas Simon acompanhava a pequena figura de Penélope correndo como se ela fosse o boneco Chucky encarnado ou algo assim.
— E então, alguma lembrança? — indaguei esperançosa.
— Não, nenhuma. Ainda continuo achando que nem moro aqui.
Suspirei, cansada. Mas não desisti.
— Gostou da comida?
Eu sei que Simon adorava aquele prato. É linguine de camarão.
— Sim, está ótimo — respondeu educado.
— Você lembra quando eu causei intoxicação alimentar na Bárbara? — Ri e Simon me encarou horrorizado.
— Você causou intoxicação alimentar na Bárbara?
— Não foi nada. — Dei de ombros, tomando um gole de vinho. — Nem sabia que ela era alérgica... Foi um acidente.
— Meu Deus! Barbara é uma acionista!
— E ela nem sabia que a gente namorava e eu tive que fingir que era uma cozinheira contratada. — Ri mais ainda ao me recordar. — Foi engraçado.
— Acha isso engraçado?
— Hum, na verdade, mais engraçado foi quando você achou que eu tinha te envenenado com veneno de rato!
Simon parou de mastigar na hora me encarando assustado.
— O quê? Você tentou me envenenar?
— Claro que não. Eu só queria te assustar. Eu estava brava porque você contratou um novo gerente de RP e me deixou de fora.
— Como assim? O que aconteceu com a Erin?
— Ah, você não lembra que a Erin me acusou de ter tentado matá-la a jogando das escadas da casa dos seus pais?
Simon empalideceu.
— Você tentou matar a Erin?
— Não. Mas ela me odiava e só queria me prejudicar. Não tenho culpa se ela caiu... Eu sou superpacífica, Simon, imagina se ia causar mal a alguém.
Simon ficou me olhando como se não acreditasse.
Na verdade ele parecia bem assustado.
E eu tive uma ideia.
— Acho que eu preciso te contar, né?
— Contar o quê?
— Tudo! Talvez seja mais fácil se eu te contar tudo o que aconteceu nesses dois anos e...
— Eu vou voltar ao trabalho. — E praticamente fugiu correndo para o escritório e eu queria gritar que ele devia ir lavar a louça, mas deixei pra lá.
Agora, volto ao escritório depois de colocar Penélope para dormir.
— E aí?
— Muita informação para absorver. Parece que fizemos bastantes negócios nesses dois anos...
— Sim, é o que parece — resmungo desanimada —, mas acho que está na hora de dormir.
Simon olha pra mim, ressabiado e enquanto fecha o notebook e se levanta, acompanhando-me para fora do escritório, parece que está ponderando as palavras.
— Sobre isso... Não espera que dormimos juntos, não é?
— E onde mais dormiria? — Eu paro no meio das escadas o encarando.
— Não acho... apropriado...
— Ah Simon, fala sério? Você não lembra, mas a gente é casado!
— Exatamente, eu não lembro.
— Mas vai lembrar! — Sou enfática. — Então vamos dormir juntos sim.
Antes que eu continue minha explanação, meu celular toca.
Vejo o nome de Sophia brilhando no visor.
— Preciso atender.
Desço as escadas, querendo falar com Sophia longe de Simon.
— Oi Sophia.
— Julie o que aconteceu? Henry me falou sobre uma história maluca do Simon ter perdido a memória?
— É maluca, mas verdadeira! — Conto a ela tudo o que aconteceu.
— Nossa, mas que estranho! Agora o Simon nem sabe que você e a Penélope existem?
— Bem, ele sabe, né? Mas é como se fôssemos estranhas pra ele! Precisa ver, ele fica me olhando como se eu fosse maluca. Justo eu! Que sou um poço de sensatez.
— Maluco é ele, que esqueceu tudo, fala sério!
— Concordo com você, mas não sei o que fazer... é tão triste. — Pisco para afugentar a vontade de chorar.
Estou tentando ser forte, mas é difícil quando o cara que você ama a ponto de obsessão nem lembra que ama você também.
Se é que ama, né? Penso sombriamente.
— Como ele pode ter esquecido? — sussurro para Sophia.
— Ah, Julie, não fica assim. Simon vai lembrar, claro que vai!
— Mas quando? E como?
— Você é a pessoa mais determinada que eu conheço. Certeza que se tem alguém que vai conseguir desatar esse nó e mostrar para o Simon que se amam e são uma família é você.
— Sim, tem razão. Não adianta ficar aqui choramingando. Simon está bem louco se acha que vai se livrar de mim!
Desligo e respiro fundo.
O que eu vou fazer?
Bem, neste momento Simon está no nosso quarto.
Um sorriso se distende em meu rosto.
Ok, lá no escritório ele não quis transar comigo porque achava que eu era só uma funcionária tarada, mas agora ele sabe que somos casados.
Então podemos sim transar.
Isso. É este meu plano.
Certeza que Simon vai se lembrar de tudo quando eu mostrar pra ele exatamente como somos perfeitos juntos.
Capítulo 9
Simon
— Eu estou no controle — repito a mim mesmo enquanto examino minha imagem no espelho depois de tomar um banho.
Talvez se repetir isso pra mim muitas vezes como aqueles livros bobos de autoafirmação, eu consiga acreditar que tudo vai ficar bem. Que não estou num daqueles filmes ridículos de Natal que Mila nos obrigava a assistir quando era adolescente, onde um cara cansado de sua vida acordava em outra realidade.
Porém, é bem difícil quando acabei de descobrir que sou casado com uma possível psicopata com tendências assassinas.
Como Julie podia me contar aquelas atrocidades sobre envenenamento e quedas suspeitas de escadas rindo?
Até agora estou sentindo meu estômago revirando de medo de que ela tenha colocado alguma coisa na minha comida. Eu devia ter comido menos, mas a verdade é que Julie cozinhava bem pra caramba e foi difícil não repetir. Mas se ela tivesse contado aquelas histórias de terror culinária antes, certamente eu seria mais cuidadoso.
E depois ela inventou que queria me contar o que tinha rolado naqueles dois anos. Não que eu não estivesse curioso, mas fugir para o escritório me pareceu uma boa ideia, porque havia uma parte de mim que estava com medo de saber.
E agora cá estou eu, reconhecendo minhas roupas no closet , enquanto visto um pijama e volto para o quarto onde Julie insistiu que devíamos dormir. Juntos. E ela nem precisou dizer com todas as palavras que íamos foder antes.
E o pior é que me sinto ligeiramente tentado a deixar rolar, porque, puta merda, somos casados, não?
Talvez eu deva relaxar e deixar aquela maluquice me dominar e dar vazão ao tesão que Julie tinha me despertado desde que entrou na minha sala com sua proposta indecorosa.
O problema é que, embora uma parte bem específica da minha anatomia já esteja se aquecendo para tal façanha, minha mente ainda se debate entre o certo e o errado.
Julie podia ser minha esposa, mas eu não me lembro deste fato. Não me lembro como foi nosso primeiro olhar. Nosso primeiro beijo. Nossa primeira noite juntos.
E como é que eu tinha me apaixonado por ela a ponto de quebrar todas as minhas regras e me deixado engendrar em um casamento.
Eu, que botava a carreira acima de todas as coisas a ponto de ter inventado uma noiva de mentira para aquietar as cobranças da minha família. Que não passava mais de uma noite com a mesma mulher porque Deus me livre de me apegar.
Só que em algum momento eu tinha me apegado a Julie Harris.
E não fazia ideia como isso tinha acontecido.
Talvez não seja uma boa ideia transar com minha suposta esposa, porque certamente não poderei colocá-la em um táxi depois de gozar.
Sento-me na cama, sentindo-me perdido.
Por que isso está acontecendo comigo? Será que vou dormir e acordar amanhã, no meu apartamento solteiro e desimpedido e me lembrar de Julie apenas como um sonho muito louco?
— Oi, Simon.
Abro os olhos para me deparar com Julie entrando no quarto.
Ela está sorrindo, aquele mesmo sorriso malicioso com o qual entrou na minha sala mais cedo.
Desta vez eu sei exatamente qual sua ideia e estou preparado.
Eu me sento, disposto a comunicar minha decisão.
— Olá, Julie, acho que devemos conversar sobre sua conduta e... — começo a falar como se estivesse conversando com algum funcionário que não estava realizando bem seu trabalho, mas Julie já está subindo na cama e me empurrando sobre o colchão, até estar planando em cima de mim.
— Não quero conversar, Simon. Acho que eu sei muito bem o que devemos fazer para você se lembrar de mim... — Ela senta em cima de mim e começa a abrir a blusa.
Minha nossa.
Um sutiã meia taça branco se revela e eu realmente não deveria olhar, mas os mamilos de Julie estão visíveis sob o fino tecido e minha boca enche de água de vontade de abocanhá-lo.
Ela morde os lábios, gostado da minha reação, quando retira a blusa jogando longe.
Eu limpo a garganta.
— Julie, é sério, isso não é uma boa ideia e...
— É a melhor ideia do mundo! — Ela começa a abrir minha camisa e eu seguro suas mãos. Meio apavorado, meio excitado.
Muito ferrado.
— Temos que parar agora.
Ela ri se inclinando.
— Adoro quando fala com este tom de CEO fodão comigo! — Ela beija meu pescoço e solto um gemido involuntário quando sinto seus quadris se movendo em cima dos meus e é impossível evitar meu corpo de me trair.
Misericórdia, eu sou apenas um homem tentando manter o parco controle que lhe resta de uma vida que virou de ponta-cabeça!
Com um rosnado, eu a seguro e a viro no colchão, prendendo suas mãos acima da cabeça.
— Isso! — ela geme não entendendo que meu movimento não é de “vou te foder agora”, e sim de “já chega dessa loucura”. — Parece que não esqueceu que eu gosto quando as coisas ficam violentas...
— Quê?
Antes que ela responda um choro de criança se faz ouvir e Julie suspira, empurrando-me.
— Penélope! — resmunga se levantando. — Não sai daí! — Ela aponta pra mim antes de sair do quarto.
Eu fico ali, mais perdido do que nunca, tentando dizer ao meu pau exatamente porque não podemos trepar com Julie Harris, quer dizer, Julie Bennett. Inferno!
— Eu estou no controle — digo a mim mesmo de novo.
Julie pode ser uma gostosa, eu posso estar bem tentado a entender que possivelmente por isso eu não tenha resistido, mas seja lá o que o antigo Simon — aquele que se envolveu com Julie e que eu não conheço — tenha feito, eu não compactuo com isso.
Preciso de controle. Preciso estar no domínio da minha vida.
E isso não tem nada a ver em estar casado com uma maluca com tendências violentas e que ainda por cima é uma funcionária, Jesus Cristo! Ainda não consigo entender como pude ser tão descuidado e como é que passei impune pelos acionistas que certamente não devem ter gostado nada que o CEO se envolvesse com uma de suas funcionárias.
Talvez eu deva esperar Julie voltar e questionar exatamente como aquela história começou, para quem sabe assim entender como é que eu tinha ido de CEO focado em sua carreira e nada mais para um homem de família.
Só que quando escuto os passos de Julie se aproximando, arrego feito um rapazote virgem e me enfiando debaixo das cobertas fecho os olhos.
— Simon?
Escuto Julie me chamar, mas finjo dormir.
Ela se aproxima e me sacode de leve.
— Simon, você dormiu?
Continuo fingindo até que ela suspira desanimada e desiste.
Quase respiro aliviado quando ela desaparece dentro do banheiro e quando retorna eu nem ouso me mexer ao escutá-la deitar ao meu lado e apagar a luz.
Em pouco tempo ela está ressonando e finalmente abro os olhos, espiando sua figura adormecida.
Ela veste um pijama de cetim de inverno e isso é um alívio. Já estava difícil resistir com ela vestida imagina se aparecesse com uma camisola sensual ou algo do tipo.
Finalmente eu relaxo depois daquele dia interminável e fecho os olhos de novo, tentando dormir.
E estou quase dormindo quando algo me faz despertar. Confuso, abro os olhos e levo um susto ao ver uma pequena figura parada ao lado da cama com o rosto bem perto do meu.
Por um momento, acho que estou em algum filme de terror, tipo aquele do boneco assassino. E devo dizer que a criança com o cabelo vermelho podia mesmo se passar pelo Chucky no meu atual estado sonolento.
— Oi papa.
Minha nossa.
Caramba, que susto porra! Meu coração está disparado e tenho certeza que é exatamente dessa emoção que são feitos os filmes de terror.
A menininha, Penélope, começa a falar e a gesticular com a mão e eu não entendo nada.
— Desculpa, eu não te entendo... — murmuro apalermado enquanto ela continua a falar.
Que diabo de língua é aquela? Será que é normal?
Olho para Julie, pensando em acordá-la, mas antes que decida o que fazer Penélope pula na cama e deita ao meu lado.
Eu nem ouso me mexer, de novo tomado de choque enquanto a criança se aconchega contra mim parecendo muito satisfeita.
O que eu faço? O que eu faço?
Fico ali, parado e quase sem respirar, imaginando se ela vai se levantar e ir para seu quarto.
Em poucos segundos, no entanto, escuto seu ressonar tranquilo, denunciando que ela adormeceu.
Devo me levantar e levá-la para o berço?
Acordo Julie?
Mas se acordar Julie e ela me atacar de novo? Há um limite para o que um homem desmemoriado consegue aguentar, afinal.
E se eu me levantar e levar a menina para o berço e ela acordar e começar a falar naquela língua bizarra de novo que mais parece saída de um ritual satânico?
Consigo relaxar, não totalmente, dadas as circunstâncias, sem saber o que fazer. Espio a neném dormindo. Ela é bem bonita. Tem um cheirinho gostoso de bebê e assim, adormecida, parece indefesa.
Mas eu sei que ela é filha de Julie e provavelmente já sabe os nomes de todos os venenos letais e deve apavorar os coleguinhas na creche.
“Ela é sua filha também”, uma voz assombrada sussurra dentro de mim.
Se eu gerei essa criatura, como é que também me esqueci disso?
Então essa é minha vida agora?
Ainda estou assustado e não sei o que fazer.
Como me acostumar a essa nova realidade?
Antes de adormecer eu torço para acordar amanhã me lembrando de quem sou agora.
Ou se isso for um sonho maluco, que eu acorde dele.
Capítulo 10
Simon
Só que quando acordo na manhã seguinte, ainda estou no quarto de Julie.
Ou melhor, no nosso quarto, corrijo-me.
— Bom dia.
— Julie aparece na porta do quarto, carregando Penélope no colo.
Ela usa um jeans e suéter, graças a Deus.
Eu me sento, ainda sonolento e meio desanimado dos últimos dois anos ainda ser um buraco negro na minha mente.
— E aí? Lembrou? — Julie indaga esperançosa e sacudo a cabeça em negativa, sentindo-me culpado quando o sorriso morre em seu rosto.
— Ah... mas está tudo bem. — Ela volta a sorrir de novo. — Vai lembrar. Eu tenho planos para hoje! Então se vista e desça! E nem precisa de um terno, ok?
Franzo o olhar com medo de perguntar que planos são esses.
— Planos? — Arrisco-me.
— Vamos tirar o dia de folga.
— Dia de folga? Nem pensar! Estamos a poucos dias do Natal e hoje tem festa da empresa.
– A festa de empresa foi cancelada.
— Por quê? — Surpreendo-me, não que eu não sinta certo prazer com essa notícia.
— Mark achou melhor, devido a seu acidente. E nem comece com essa conversa chata de CEO viciado em trabalho! Você sabe que precisa de um tempo para resolvermos essa questão da amnésia.
E sem mais, ela sai do quarto levando Penélope.
Enquanto estou me vestindo, luto contra a vontade de contradizê-la e vestir meu terno e dizer que sim, eu vou trabalhar, mas no fundo sei que Julie tem razão.
Talvez eu não tenha alternativa a não ser confiar em seu plano.
Seja lá qual for.
Desço para a cozinha e a tal babá russa está alimentando Penélope que acena de cima de sua cadeirinha.
Eu aceno de volta, timidamente.
— Essa menina... quer dizer, Penélope, pulou na nossa cama ontem à noite.
Julie ri me dando uma xícara de café.
— Ela faz isso às vezes. Eu disse que não é legal, mas você deixa.
— Eu deixo?
— Sim, deixa. Na verdade, Penélope se entende mais com você do que comigo. Não entendo como isso é possível! Você vive cedendo às vontades dela e mesmo assim ela ainda te obedece quando preciso. Acho que isso tem a ver com esse gene de CEO fodão que você tem, sei lá. Deve ser alguma estratégia. Só sei que não funciona comigo.
Ok, isso não faz o menor sentido.
A babá tira Penélope do cadeirão. Ela está com a boca toda suja de papinha de banana ou algo assim e corre em minha direção, estendendo os bracinhos.
— Papa, beijo.
Olho pra Julie assustado e ela dá de ombros.
— Penélope sabe que você vai sair pra trabalhar e ficar o dia inteiro fora e quer se despedir.
— O que eu faço?
— Apenas a pegue no colo e deixe que ela o beije.
Ainda meio sem jeito, pego a menina melecada e ela envolve meu pescoço com os bracinhos, depositando beijos melados em meu rosto, rindo.
É inesperadamente gostoso, para falar a verdade.
Eu a passo para a babá.
— Vou levá-la para escovar os dentes.
— Obrigada, Irina — Julie responde.
— Ah, hoje chegou um pacote para a senhora.
Os olhos de Julie se iluminam!
— Que ótimo.
— A mulher se afasta e volto a encarar Julie do outro lado do balcão da cozinha.
— Então, que plano mirabolante é este? Não sei como tirar folga pode ajudar em alguma coisa.
— Nós vamos sair e eu vou te contar exatamente como nos conhecemos e nos apaixonamos.
— Então eu sou mesmo apaixonado por você? — Levanto a sobrancelha, ainda incrédulo e Julie ri.
— Espero que sim, senão eu te mato.
— Está dizendo isso metaforicamente, né?
— É, claro. — Ela dá de ombros tomando um gole de café.
— E devo entender que é apaixonada por mim?
Parece uma pergunta idiota, mas me vejo compelido a fazer.
Ela se inclina por sobre o balcão.
— Não sou apaixonada por você.
— Não?
— Eu sou louca por você. Viciada. Obcecada — afirma com convicção.
A mesma convicção que os psicopatas usam para prender suas vítimas para sempre em seus porões, imagino.
Eu devia ficar com medo.
Mas só sinto um tesão totalmente descabido.
Caramba, é disso que Julie é capaz?
Quão sem noção eu me tornei nesses últimos dois anos para curtir isso?
— Então, eu tenho certeza que vou fazer você se lembrar deste fato.
Ela volta à posição na mesa, tomando seu café.
— Pronto para sair? — questiona quando acabo o café.
De repente me vejo meio receoso.
— Talvez seja melhor eu falar com alguém da minha família?
Sim, eu posso ir para a casa dos meus pais. Refugiar-me lá até...
Até o quê?
Lembrar? E se nunca lembrar?
— Seus pais e seus irmãos estão em um cruzeiro no Caribe — ela fala isso meio com ironia. — E por sua culpa não estamos lá.
— Cruzeiro?
— Sim, fomos convidados, mas você disse que tínhamos que trabalhar. — Faz um sinal de descaso com a mão e sai da cozinha.
Certo, o plano de recorrer a minha família foi por água abaixo e agora estou à mercê de Julie.
Vou para a sala a seguindo e encontro Julie abrindo alguns pacotes, muito animada.
— Olha Simon, chegou!
— Chegou o quê?
Ela retira de um pacote um medonho suéter vermelho com um desenho de rena mais medonho ainda. Eu nunca entendi aquela fissura das pessoas na época de Natal de vestir essas roupas ridículas.
— Olha, essa é a sua! — Ela mostra um suéter igual me fazendo empalidecer.
Não mesmo!
Não é possível que eu tenha mudado tanto assim naqueles dois anos a ponto de concordar em vestir aquilo.
O que mais eu ia fazer?
Participar de um coral de Natal?
Vestir-me de Papai Noel?
— É... peculiar — consigo responder, embora meu olhar de terror deva me entregar.
— Sabe que vai ter que usar, né? Não vai sumir com o seu, inventando que foi roubado, como fez no ano passado!
Ah, então eu não tinha mudado tanto assim, penso satisfeito.
— Vamos. — Ela coloca os pacotes de lado e se põe de pé.
Eu a sigo para fora de casa.
— Trouxeram nossos carros ontem, mas hoje eu vou dirigir, ok?
Ela entra em um carro preto e eu me sento no banco de passageiro.
— Eu só perdi a memória dos últimos dois anos e não esqueci como se dirige!
— Mas não sabe para onde vamos! — Ela pisca dando partida.
— E então, aonde vamos?
— Você verá!
— Há quanto tempo moramos aqui?
— Desde o ano passado. Depois que Penélope nasceu você me fez essa surpresa.
— Eu?
— Sim, você. Fiquei insistindo muito e você dizia que não precisávamos de uma casa nova, e muito menos de um castelo.
— Castelo?
— Deixa pra lá.
— Quantos meses tem Penélope?
— Um ano e três meses.
— E nos conhecemos há dois anos? Minha nossa eu te engravidei assim que nos conhecemos?
— Praticamente.
— Isso é...
— Sei, foi rápido.
— E como... como nos conhecemos? Quer dizer, acredito que foi na DBS.
Julie solta uma risadinha.
— Na verdade você me salvou de ser atropelada.
— O quê?
— Então, eu tenho um problema no meu pé... por causa de um acidente quando eu era adolescente, eu era cheerleade r e caí. Quebrei o osso cúbito direito. Um dia estava atravessando a rua e depois de sair da fisioterapia eu quase fui atropelada, mas você apareceu e me salvou. Rolamos pela rua com seu corpo forte me protegendo... Quando eu abri os olhos, me apaixonei — ela suspira.
— Mas que história mais absurda é essa? — Será mesmo que aquela história estapafúrdia que mais parecia saída de alguma novela ruim tinha mesmo acontecido?
Então Julie começa a rir.
— Não, é brincadeira.
— Por que inventou isso? É uma história absurda e ninguém acreditaria em algo assim.
— Pois fique sabendo que quando eu conheci sua família, contei essa história e eles acreditaram por um bom tempo.
— Por que mentiu para minha família?
— Na verdade, a gente mentiu para todo mundo por um tempo.
— Como assim?
Ela estaciona o carro e me encara.
— Eu vou te contar a nossa verdadeira história, mas sinceramente é quase tão absurda quanto à do osso cúbito.
— Não pode ser.
— Sim, nos conhecemos na DBS. Ou melhor, eu te conheci.
— Não entendi.
— Eu comecei a trabalhar da DBS uma semana antes da festa de Natal. E cheguei atrasada no meu primeiro dia. Entrei correndo no elevador e lá estava você dando bronca no James por estar atrasado. Sequer reparou em mim, mas eu te vi. E me apaixonei.
— Está querendo dizer que se apaixonou à primeira vista? — Nunca tinha acreditado naquele tipo de baboseira.
— Sim. Eu fiquei obcecada por você.
— Sabia quem eu era?
— Descobri naquele momento.
— E não achou inapropriado?
— Eu só queria dar pra você na verdade, estava pouco me lixando se era inapropriado.
— Meu Deus, eu não me envolvia com funcionárias, como isso aconteceu?
— Na festa da empresa em jurei que ia te conquistar.
— Não pode ter sido tão fácil!
— E não foi. Descobri naquela festa que você não pegava funcionárias, o que foi uma decepção. E pra piorar, derrubei champanhe na Erin e ela me fez trocar de vestido com ela e fiquei bêbada depois disso e... ainda tive que fugir do tarado da fotocópia.
— Tarado da fotocópia?
— Tyler. Mas ele foi demitido. Aliás, você o demitiu quando descobriu isso. Enfim, eu estava fugindo, muito bêbada, entrei num carro desconhecido e adormeci.
— Quem diabos faz isso?
— Eu fiz! E então na manhã seguinte, acordei na sua cama.
— Isso não é possível...
— Pensei a mesma coisa. E qual não foi a minha surpresa quando vi toda sua família me encarando e perguntando se eu era sua noiva.
— Kate?
— É, a tal Kate imaginária. Aí eu vomitei e você me contou que me achou no seu carro.
De repente eu me lembro do flash de memória.
Da minha impressão de ver alguém vestindo sapatos vermelhos deitada no banco traseiro do meu carro.
Minha nossa, então aquela história era mesmo verdadeira?
— Você usava sapatos vermelhos... — murmuro e os olhos de Julie se iluminam.
— Você se lembra disso?
— Não, mas encontrei um pé de sapato no closet do meu apartamento quando dormi lá.
— Sério que ficou lá? Estou procurando este sapato há séculos!
— Certo, isso é irrelevante! — eu a interrompo. Já notei que Julie se distrai facilmente e muda de assunto, começando a divagar sobre coisas sem sentido algum. — E o que aconteceu depois?
— Como estava apagada, viu que eu era funcionária e me trouxe para casa. Muito legal da sua parte.
— E por isso estava na minha cama.
— Pois é. E então você me surpreendeu propondo que eu fosse sua noiva de mentira.
— O quê?
— Também fiquei pasmada!
— Eu não faria isso.
— Mas fez! Estava de saco cheio de sua família insistindo que tinha que ter um relacionamento.
— Sim, isso é verdade. Por isso inventei a Kate, mas você não é a Kate.
— Kate não existe! Enfim, passado o susto eu decidi aceitar só que com uma condição.
— Condição?
— Que você passasse uma noite comigo.
Por um momento espero que ela vá rir, como se estivesse inventando uma história mirabolante de novo, mas ela não ri.
— Está brincando de novo, não é?
— Não! É sério. Eu não ia perder a oportunidade de transar com você! — Ela abre a porta e sai do carro, eu a sigo ainda chocado.
Eu tinha descartado a ideia de estar usando drogas depois que descobri que minha confusão era fruto da amnésia. Mas agora começo a desconfiar que eu estava drogado quando fiz aquela proposta absurda a Julie.
— E isso nos trouxe aqui! — Olho para cima e noto que estamos na porta da joalheria Tiffany.
— O que estamos fazendo aqui exatamente?
Julie pisca e entra, não tenho alternativa a não ser segui-la.
— Depois que você aceitou minha contraproposta me trouxe aqui, para escolhermos um anel de noivado.
— Porque precisava de um anel de noivado... espera. — Eu a puxo pelo braço. — Disse que eu aceitei sua proposta indecorosa?
— Não faz essa cara de mocinho seduzido, Simon! Aposto que estava bem a fim de transar comigo também!
Certo, eu não lembro o que me fez aceitar aquela proposta maluca, mas não duvido que eu estivesse mesmo louco de vontade de pular na cama com Julie.
— Isso tudo era muito inapropriado!
— E daí? Você quem começou inventando que eu tinha que fingir que era sua noiva para escapar de sua família! — Ela se vira para a vendedora que se aproxima, solícita. — Olá, lembra de nós?
A vendedora parece confusa por um momento até me encarar e noto um brilho de reconhecimento em seu olhar.
Não de um jeito simpático, devo dizer.
— Ah, sim. Estiveram aqui há algum tempo para comprar um anel de noivado. Vejo que ainda estão juntos. — Ela parece surpresa.
— Claro que sim! Nos casamos e temos uma filhinha linda! — Julie diz orgulhosa e a mulher sorri forçadamente.
— Meus parabéns. — Os cumprimentos da vendedora parecem mais significar um “coitada de você”. — E em que posso ajudar?
— O Natal está chegando, o Simon quer me dar um presente. Brincos de rubi talvez? — Julie sugere e de novo eu seguro seu braço a obrigando a me encarar.
— Brincos de rubi? Ficou maluca?
— Querido, é Natal! Mas se preferir pode me dar um bracelete de brilhantes ou um colar de ouro branco e...
— Você está louca se acha que vou te dar uma joia!
A vendedora limpa a garganta interrompendo nossa discussão.
— Se preferem discutir primeiro este assunto, eu os deixarei à vontade — diz entredentes me encarando com um olhar de desaprovação.
— Ah não, já está decidido. Simon é grosso assim mesmo, mas ele é rico, lembra que eu te disse? Claro que ele pode me dar um presente bem generoso. Que tal pegar aquela pulseira com pingente de diamante ali? — Aponta para uma prateleira.
— Julie... — Tento chamar a atenção dela de novo.
— Simon, acho que me deve um presente não? Lembra que ficou de me dar uma viagem para Nova York quando Penélope fez um ano e até hoje estou esperando?
— Por que você ganharia um presente se foi Penélope quem fez aniversário?
— Porque eu sou a mãe, oras! E vamos combinar, agora você me deve mais que nunca, por ter esquecido que eu existo!
E ela segue em frente até o balcão onde a vendedora lhe mostra a pulseira.
Será que além de tudo Julie era aquele tipo de mulher que esbanjava o dinheiro do marido?
Será que eu deveria me preocupar com minhas finanças? Talvez verificar com meu contador se não estava faltando dinheiro e...
— Sei que não é da minha conta...
Paro a linha de pensamento ao ouvir a vendedora sussurrar para Julie.
—... mas por que ainda está com este homem horroroso? Peça o divórcio e se livre dele! Ainda dá tempo!
O quê?
Como ela ousa me chamar de homem horroroso?
— Me livrar de Simon? Nunca! — Julie responde ainda bem-humorada, experimentando a pulseira.
— Senhora, é apenas um conselho. Ele te tratava mal antes do casamento e agora parece que piorou! — Ela me lança olhares assustados como se eu fosse um marido psicopata que prendia Julie no sótão.
E mesmo que não me lembre de como era meu casamento com Julie tenho certeza que se alguém é psicopata ali não sou eu!
— Julie, vamos embora? — Eu me aproximo, ignorando a vendedora intrometida.
— Não se lembra de nada? — Ela descansa o olhar esperançoso em meu rosto. — Lembra que viemos aqui, você foi grosso assim e até a vendedora é a mesma!
— Não, não lembro!
Sua expressão esperançosa cai.
— Sinto muito — concluo.
Ela respira fundo com um sorriso triste.
— Tudo bem, vamos em frente então. — Devolve a pulseira à vendedora.
— Não, fique com ela — eu me vejo dizendo.
A vendedora faz cara de pouco caso.
E acho que escuto ela resmungar um “Típico, como se presente adiantasse alguma coisa!” antes de se afastar.
— Eu estava brincando, não quero joias. Queria só que se lembrasse de mim — Julie murmura.
Ah merda. Ela vai chorar. Sua voz está trêmula e os olhos marejados. E de repente não sei o que fazer. Só não quero que ela chore.
— Julie, não chore, sabe que me assusta pra caralho quando fica assim...
De repente os olhos de Julie se iluminam de novo.
— Você já me disse isso.
— O quê?
— Você já disse isso, não gosta que eu fique emocional e chorosa e prefere que eu seja louca e rasgue os pneus do seu carro ou ameace quebrar seus vinis.
— Você rasgou o pneu do meu carro? — questiono chocado.
— Só uma vez — responde na defensiva —, mas o importante é que você não esqueceu totalmente!
— O que quer dizer?
— Está aí, na sua cabeça! — Sorri animada. — E vai lembrar! Vamos sair daqui e vou te levar a outro lugar que com certeza vai ajudar.
Ela segura meu braço, mas antes de sairmos, a vendedora chama Julie.
— Senhora, por favor, posso trocar uma palavrinha?
Julie se aproxima da mulher que abaixa a voz lhe entregando um cartão.
— Fique com isso.
— Que sigla é essa? GAMIMVAT?
— É meu grupo de apoio a mulheres infernizadas por maridos violentos, alcoólatras e tóxicos! — Ela lança um olhar de reprovação a mim de novo. — Talvez possa precisar. Podemos ajudá-la, sabe? A fugir e se esconder, ou até — ela abaixa a voz de novo — dar uma dura neles. Podemos quebrar seu maxilar ou quem sabe cortar seu pênis e...
— Ok, já entendi — Julie a interrompe. — Obrigada, vou pensar no caso — responde educada e seguimos para fora da loja enquanto a vendedora nos acompanha com um olhar preocupado.
Certamente ela acha que saindo dali eu pegarei o cartão e farei Julie engolir e depois lhe darei umas bofetadas ou sei lá.
Porém, Julie está rindo quando entramos no carro como se fosse muito engraçado a simples sugestão de cortar o meu pênis. E não me passa despercebido que ela guarda o cartão na bolsa em vez de jogar fora.
Capítulo 11
Simon
— Para onde vamos?
— Que tal para a Primark? — sugere animada dando partida no carro.
— O que tem a ver com a nossa história?
— Nada, mas podemos fazer compras! Adoro as promoções de Natal e queria comprar pijamas combinando para nós, sabe, um daqueles de Natal? Eu vi que tem umas fantasias de gnomo, será que tem do tamanho da Penélope?
— Não, não vamos para a Primark em plena época de Natal. A Oxford Street deve estar infernal cheia de gente consumista sem noção!
— Mas é Natal! Melhor época do ano para ser consumista sem noção. É permitido!
— Não vai me convencer.
— Tudo bem, não ia ajudar em nada mesmo.
— Então para onde vamos agora?
— Para Canary Wharf.
— Achei que não íamos trabalhar.
— Não vamos!
Nem ouso perguntar o que Julie está pretendendo desta vez até que ela estaciona em frente a uma pista de patinação no gelo.
— O que estamos fazendo aqui? — indago quando saímos do carro e adentramos no lugar que aquela hora está cheio de adolescentes e crianças patinando.
— Quando estávamos fingindo para seus pais, nós saímos para jantar e sua irmã cismou que tínhamos que vir patinar depois.
— Mila adora isso mesmo — comento distraído quando ela pede dois patins para a recepção e seguimos para colocá-los.
— Sério que vamos patinar? — Não estou certo de que aquilo vá ajudar em alguma coisa.
— Eu te disse que íamos fazer algumas coisas que fizemos antes, para assim você começar a lembrar!
Suspiro cansadamente e sento ao seu lado para colocar os malditos patins.
— Então viemos patinar e?...
— Eu fiquei assustada!
— Por quê?
— Porque sua família esperava que eu fosse ótima nisso, já que inventei a história de ser dançarina antes do acidente do osso cúbito... Mas a verdade é que eu era péssima.
— E mesmo assim quis voltar aqui?
Julie se levanta e se enrosca nas próprias pernas e eu me apresso em segurá-la, guiando-a para dentro da pista.
— Sim, é por uma boa causa — sorri pegando minha mão e colocando na sua cintura —, mas você vai ter que me segurar, como fez antes.
De novo sou tentado a me recusar a fazer o que pede, mas já saquei que se recusar a atender aos pedidos de Julie, mesmo aqueles absurdos, pode não ser uma boa ideia.
Então deslizo com ela pela pista.
Julie vira a cabeça esperançosa.
— Lembrou?
— Nada — respondo para sua contrariedade.
— Porra, Simon!
— Não me xinga! Acha que é minha culpa ter este buraco na minha cabeça? Toda essa confusão? Acha que planejei passar por isso?
Ela gira até que esteja de frente pra mim, enquanto ainda deslizamos pela pista.
— Eu sinto muito. Acho que até agora só pensei em como é uma merda pra mim, mas pra você não deve ser legal.
— Pra dizer o mínimo — resmungo.
Julie morde os lábios, pensativa, e então levanta os braços e enquadra meu rosto e chegando mais perto me beija.
Por um momento fico paralisado de surpresa, mas como da outra vez que Julie me beijou, o mundo explodiu à minha volta em poucos segundos e eu apenas sigo um instinto mais velho que o mundo e a abraço, trazendo-a para perto enquanto nossos pés deslizam pelo gelo.
E quando o beijo termina, Julie descansa os olhos ansiosos e excitados nos meus.
— E aí?
— E aí o quê?
— Nada?
Sacudo a cabeça em negativa e Julie rola os olhos, contrariada.
— Nem uma faisquinha?
— O que quer dizer com faísca? Quer saber se eu sinto tesão em beijar você?
— Claro que sente tesão por mim. Somos perfeitos juntos.
Ela parece muito certa do que está dizendo e de repente tudo o que eu mais desejo é me lembrar dela.
Da primeira vez que senti essa vontade irresistível de trazê-la para perto e mantê-la ali, entre meus braços.
E entender porque a esqueci.
Era só uma questão fisiológica consequência da queda ou minha mente está me pregando uma peça?
Julie parece um trem desgovernado na maior parte do tempo, mas tem algo nela que é irresistível. E talvez eu comece a entender porque eu não resisti.
— O que aconteceu? — questiono. — Era tudo de mentira. Como se tornou...
— E eu fiquei com medo de transar com você depois que nos beijamos.
— Como assim?
— Eu percebi que você podia quebrar meu coração se levasse aquilo adiante.
— Eu não faço isso.
— Não faz o quê?
— Quebro corações femininos. Eu nem tenho relacionamentos. — Não percebo que falei no presente, como se ainda estivesse lá, naquele tempo em que não me prendia a nada.
Mas em algum momento eu me prendi a Julie.
Ou ela se prendeu a mim?
— Você não tinha relacionamentos. Antes de mim. Quer dizer, teve a cobra da Lorna, mas prefiro fingir que ela não existiu.
— Você conhece a Lorna?
— Infelizmente conheço! Mas ela é passado. Embora fosse bem legal se você tivesse se esquecido dela também, ia ajudar muito minha autoestima. Enfim, eu estava com medo, disse que não queria mais, mas aí você insistiu muito.
— Eu?
— Sim! Você! E foi...
— Foi?
Ela sorri daquele seu jeito malicioso.
— Talvez eu devesse te mostrar.
— Aqui?
— Não aqui... Ou... bem...
— Você pirou?
Ela ri.
— Ai Simon, estou brincando! Mas a questão é que sexo entre nós sempre foi incrível.
— Então passamos de noivado de mentira para noivado de verdade? Não vejo como isso pode ter acontecido!
— Por que é difícil acreditar que você se apaixonou por mim? — Ela parece ofendida. — Por que não acredita que é apaixonado por mim?
— Porque eu não lembro! Se é tão especial assim, por que não lembro?
— É isso que eu também quero saber! Mas tudo bem. — Ela respira fundo. — Sou inteligente demais pra deixar essa sua mente traidora estragar tudo!
— O que quer dizer?
— Vamos embora.
— Achei que ia me contar nossa história... Como foi que me casei com você mesmo colocando minha carreira em risco...
— Foi bem complicado na verdade e teve confusão que se eu fosse te contar em detalhes precisaríamos de uma semana inteira e não temos este tempo.
— O que quer dizer?
— Eu tenho um plano B.
De novo tenho muito medo do que Julie quer dizer com plano B.
E quando chegamos em casa, percebo que eu devia mesmo ter medo, pois Julie me leva direto para o jardim do fundo onde me deparo com a cena mais bizarra que já vi na minha vida.
Tem um bando de mulher de meia idade vestida de hippies ou algo que se parece com isso, todas entoam mantras, ou canções de invocações satânicas, não sei, enquanto giram em torno de si mesmas, tocam tambor ou jogam algum pó esquisito no ar. Purpurina? Cocaína? Não sei.
Só sei que estou com muito, muito medo do que diabos é aquilo.
— Que porra psicodélica é essa?
— Eu fui obrigada a chamar reforço! — Julie diz ao meu lado.
— Reforços? Loucos do manicômio? Alguma seita satânica?
— Malucas elas parecem mesmo, e sim, também pode ser uma seita, mas está mais pra bruxaria do que pra satanismo.
— Julie, querida. — Uma das bruxas malucas vem em nossa direção sorrindo.
— Mamãe.
— Essa é sua mãe?
— Estou aqui para te ajudar, meu anjo! — A mulher sopra o pó esquisito em mim. — E você, Simon, o que aconteceu com sua mente, meu querido? — Ela pega minha cabeça e começa a girar de um lado para o outro. — Mas a deusa vai nos mostrar o que tem aí, onde estão suas memórias....
A mulher finalmente me solta.
E eu encaro Julie, assustado.
— O que é isso?
— Minha mãe é bruxa, ou ela acha que é, eu nunca acreditei muito nisso, mas acho que estou apelando pra qualquer coisa!
Antes que eu consiga correr e fugir, a mãe de Julie está segurando minha mão e me puxando para o meio das bruxas hippies.
— Irmãs, estamos aqui para ajudar nosso querido Simon.
As mulheres assentem, murmurando coisas que não entendo.
Até que vejo que há uma piscina no meio do jardim, uma daquelas piscinas de plásticos de criança.
— O quê?...
De repente sinto uma mão em meu ombro e me viro e ninguém menos que minha secretária Natasha está ali, vestido como uma das bruxas doidas.
— Simon, se abra para nós, não tenha medo.
— Natasha, o que faz aqui?...
Ela sorri.
— Vamos despi-lo para podermos libertá-lo.
E então ela leva a mão a minha blusa e eu dou um passo atrás assustado.
— Natasha, ficou doida?
— Simon, para com isso, não resista! — Julie está ao meu lado. — Deixe que elas façam o que tem que fazer.
— Natasha é minha secretária, isso é muito inapropriado.
— Se quer saber, Natasha já te deu uns tapas em uma boate BDSM, então relaxa!
Arregalo os olhos em choque.
O quê? Antes que consiga me recobrar, outras mãos estão em minhas roupas, as vozes entoando mantras aumentam enquanto começo a ser despido pelas bruxas taradas, ou sei lá o que, até estar de cueca e sendo colocado dentro da piscininha infantil.
Meu Deus, que isso seja um sonho.
Eu não posso estar no jardim de uma casa que dizem ser minha, ajoelhado pelado em uma piscina infantil enquanto um bando de mulher descabelada de meia idade fumando... maconha? Eu senti cheiro de maconha? (Algumas estão rindo e tenho certeza que deve ter pelo menos algum alucinógeno rolando ali! Socorro!)
— Julie... — Acho Julie no meio das malucas e ela está de braços cruzados encarando toda a cena com um olhar grave.
— É bom isso funcionar, mãe!
Agora a mãe de Julie está batendo em mim com um ramo de alguma folha esquisita.
— Eu falei que seria melhor se fosse à noite, na floresta... E devíamos estar nuas e louvando a lua, a deusa ficaria muito mais satisfeita e...
— Não temos tempo! Faça ele lembrar!
— Vamos irmãs, vamos ao trabalho! — A mãe de Julie grita e alguém coloca um colar em mim com uma pedra. Uma senhorinha que deve ter uns cem anos, segura minha cabeça, enquanto outra despeja um líquido verde na minha garganta. Tusso, engasgado, mas elas não parecem ter misericórdia. Algumas jogam mato em mim, ou ervas, não tenho certeza, mas de repente começo a esperar que elas vão me cozinhar com batatas ou algo assim.
— Oh deusa, nos escute! Liberte o homem de nossa irmã Julie — alguém grita. — Libere sua mente!
— Liberte-se, Simon! — Natasha grita dançando a minha volta e outras mulheres entoam um coro de “Liberte-se Simon!”.
Seguidos de coisas do tipo “Deixe a deusa te possuir”, “deixe seus pensamentos te guiar para Julie”, e acho que ouvi até um “venha para a luz, Simon”.
E como se não pudesse ficar pior, vejo que tem um homem fotografando tudo com um sorriso satisfeito?
— Ei, Simon, fiquei sabendo que está com amnésia. — O homem ri, acenando. — Mas pelo menos pude ver esse corpinho de novo! — E continua a fotografar. — Muito bem, ótimo, Sim, vira um pouquinho pra cá, para que eu possa fotografar seu torso? E se tirasse a cueca?
— Pai, para com isso! — Julie grita.
Pai?
O fotógrafo que queria me ver pelado é pai de Julie?
Que família é aquela?
— Seu pai tem razão, talvez a deusa aprecie a nudez total do Simon como uma oferenda, isso! — a mãe de Julie diz e as mulheres em volta aplaudem animadas.
— Papa! — Eu me viro pra ver Penélope correndo pelo jardim enquanto Irina corre atrás com um olhar preocupado.
— Penélope, volte aqui!
Mas a menina ri e entra na piscina que obviamente deve ser dela.
— Água! — Ri jogando água em mim.
— Penélope, saia daí — Julie grita.
Ok, já chega.
Eu me levanto, ignorando a senhorinha grisalha que agora está passando algum unguento ou pomada pra dor muscular nos meus ombros e sacudindo todo o matagal que jogaram em mim, saio da piscina.
— Simon, o que está fazendo? — Julie indaga enquanto tenta tirar Penélope de dentro da água, mas a menina parece resoluta.
— Estou caindo fora! — Caminho pelo jardim com o único intuito de fugir daquela maluquice generalizada.
— Não pode, tem que voltar, nem se lembrou de nada ainda! — Julie vem atrás de mim depois de passar Penélope esperneando para a babá.
— Lembrar o quê? Que sua família é louca?
— Agora é sua família também!
Sim, ela tem razão e isso é mais assustador ainda.
Será que foi isso?
A mãe bruxa de Julie fez algum vodu meu e eu tinha me apaixonado pela filha dela?
Entro na casa com Julie me seguindo e Penélope chorando.
— Simon, pare de ser absurdo.
Eu me volto furioso.
— Eu sou absurdo? E toda aquela cena saída de um filme de terror ruim lá fora?
— Era pra te ajudar!
— Olhe pra mim! — Aponto para mim mesmo, quase pelado, ainda cheio de erva pelo corpo e besuntado de coisas que nem quero saber o que são. — Acha que isso ajudou em alguma coisa? Ser apalpado por velhas doidas vestidas de bruxas doidonas e até pela minha secretária?
— Não foi tão ruim...
Solto uma risada sem humor.
— E seu pai estava tirando foto do meu pênis! — grito horrorizado. — Do meu pênis!
— Não foi, nem tirou a cueca...
— Para mim chega! Eu vou tomar um banho e tentar achar minha dignidade que temo ter sido perdida para sempre!
Afasto-me subindo as escadas e ignorando Julie.
Ainda escuto a voz do seu pai que acabou de entrar na sala.
— Será que Simon me deixaria fazer um ensaio dele tomando banho?
Capítulo 12
Julie
— Minha vida é um desastre! — Jogo-me no sofá, arrasada depois que Simon desapareceu escada acima.
— Filha, calma, não desanime! — Papai tenta me consolar. — Sua vida não é um desastre! Olhe sua casa, sua filha linda. Sua carreira. E este marido que mais parece um modelo de cueca da Calvin Klein?
— Claro, um marido que esqueceu que eu existo! É realmente motivo para comemorar!
Eu tinha acordado tão esperançosa. Ia contar nossa história a Simon, levá-lo a lugares onde tudo aconteceu e ele se lembraria de mim. De nós.
Mas nada aconteceu como planejei. Então decidi aceitar a ajuda da minha mãe que cismou em vir pra Londres com duas amigas da Wicca para um ritual que prometia libertar a mente de Simon.
E veja no que deu!
Agora Simon me odeia além de tudo.
E como culpá-lo?
Irina entra na sala segurando Penélope que ainda está chorando e pedindo para ir para a água.
— Irina, pode dar banho nela? Está toda molhada e fedendo a essas ervas malucas da minha mãe.
— Claro que sim.
Irina sobe com Penélope e minha mãe entra na sala.
— Querida, o que foi? Simon se lembrou de alguma coisa?
— Não! E agora está bravo comigo. A culpa é sua!
— Minha?
— Sim, sua e de suas amigas malucas e... sinceramente não sei se era mesmo necessário Simon tirar a roupa! Estamos quase no inverno pelo amor de Deus e se ele pegasse pneumonia? E se morresse? Morrer sem se lembrar de mim? Ia ter que colocar na sua lápide “Simon Bennett, marido desmemoriado que talvez tenha amado sua esposa aqui jaz!”.
— Não me culpe por querer ajudar!
— Pois piorou tudo!
— Se vão discutir eu vou pegar uma cerveja na geladeira. — Meu pai se afasta.
— Pare de me atacar, pois não vai ajudar nada! — Minha mãe senta ao meu lado. — Vamos lá, acalme sua mente! Sua aura está muito escura e confusa.
Rolo os olhos.
— Mãe, não está me ajudando, ok? Eu estou perdida aqui! Simon esqueceu que eu existo e me sinto sem chão! Por que isso aconteceu? É só o que eu me pergunto.
— O que quer dizer?
— Acho que Simon não quer se lembrar de mim — confesso meu pior medo. — E se essa amnésia é a forma que o subconsciente dele achou de se livrar de mim? E se eu sou uma péssima esposa?
— Não é uma péssima esposa, querida...
— Mas acha que tem algum sentido nisso? E se o Simon não gostar mais de mim? E se ele se arrependeu de casar comigo? De Penélope? Talvez ele nunca mais lembre e aí? O que vai acontecer? — Começo a chorar.
— Ah querida, não fique assim. Todos os casamentos passam por altos e baixos.
— Nunca achei que eu e Simon passaríamos por algo assim. Mas... talvez seja um sinal.
— Sinal do quê?
— De que não somos tão perfeitos como eu achava que era.
— Ninguém é perfeito, Julie.
— O que eu faço?
— Você é uma menina inteligente e sempre sabe o que fazer, Julie. Certamente sabe a resposta.
— Não vai adiantar rasgar os pneus do carro dele de novo...
— Não estou falando disso!
— Acha que devo prender ele no porão então? Talvez seja bem radical, mas pensando bem...
— Não Julie! E se você experimentasse... dar espaço ao Simon!
— Espaço? Como assim?
— Você é muito intensa querida, isso pode ser um pouco sufocante.
— Acha que sufoco o Simon?
— O que você acha?
Não sei o que dizer.
Será que a culpa é minha? Fiz Simon desistir de mim?
Mas eu não posso desistir dele!
Talvez eu devesse considerar a ideia do porão...
— Não posso desistir de Simon.
— Não se pode prender ninguém do nosso lado.
— Nem com bruxaria?
— Nem com bruxaria
— Tem certeza? Sei lá, dançar nua ao luar, alguma poção, posso pegar o sêmen de Simon e...
— Não.
— Ok.
Respiro fundo tentando não deixar o desespero me dominar, porque no fundo sei que minha mãe pode ter razão.
Simon
Depois de tomar um banho, sinto-me mais humano e não um frango cheio de erva aromática pronto para ir ao forno, porém, não menos confuso.
Eu me visto e estou saindo do closet ainda sem saber muito bem que rumo tomar agora e me deparo com Penélope pulando em cima da cama.
— Papa! — Ela sorri ignorando a babá Irina que aparece na porta do quarto com um olhar severo e pede algo à menina em russo.
— Você falou em russo com ela?
A mulher sorri.
— Sim. O senhor mesmo incentiva que ela aprenda uma segunda língua. Ao que parece será algo que vai agregar no currículo da menina.
Sim, parece algo que eu diria.
— Penélope, venha querida.
— Não!
— Está na hora da sua soneca da tarde.
— Não! — A menina é rápida e corre da babá, rindo e achando divertido quando a mulher tropeça no próprio pé caindo na cama no afã de agarrá-la.
— Ok, já chega. — Estendo os braços e consigo pegar Penélope. — Eu já disse que não pode desobedecer a Irina não disse?
A menina para de rir no mesmo instante, sacudindo a cabecinha de maneira séria.
— Sim.
— Parece que disso não esqueceu — Irina chama minha atenção e me dou conta do que acabei de fazer.
E não faço ideia de onde saiu.
— Eu... não sei nem porque disse isso.
— Claro que sabe. É quem o senhor é, o pai dela. Ela sabe disso e no fundo o senhor também sabe, apenas está um pouco confuso, Senhor Bennett. Por que não leva a Penélope para o quarto e a põe para dormir?
— Eu?
— Tenho certeza que saberá exatamente como fazer isso.
A mulher sai do quarto me deixando sozinho com a criança que agora boceja sonolenta e deita a cabeça em meu ombro.
Será que Irina tem razão? Penso enquanto caminho com a menina até chegar ao seu quarto.
Acaricio as costas da criança agora relaxada em meus braços me perguntando quantas vezes eu já fiz isso antes. Espero um princípio de pânico e repulsa, mas ele não vem.
Apenas sinto como se estivesse certo.
Normal.
E percebo que gosto disso. Gosto do peso de Penélope em meus braços, da sua mãozinha brincando como os botões da minha camisa, do cheiro gostoso de shampoo infantil no seu cabelo.
Talvez eu goste desta menina.
Muito. Talvez algo dentro de mim se lembre disso.
Eu deposito no berço algum momento depois, quando ela já ressoa tranquila.
E pela primeira vez tenho a impressão de pertencer àquele lugar. De que não é um total absurdo estar ali.
Mas o que farei? Será possível eu me lembrar de tudo em algum momento? Será que devo seguir em frente assim, mesmo não lembrando como cheguei até ali?
Saio do quarto, ainda sem saber a resposta, e encontro Julie em pé ao lado da porta da casa com uma mala do lado.
— Vai a algum lugar?
— Você vai.
Eu me surpreendo com sua resposta.
Julie está me mandando embora?
— O que quer dizer?
— Simon, alguma coisa aconteceu.
— Sim, eu caí e perdi a memória. — De repente fico na defensiva.
Eu devia estar aliviado por Julie estar me liberando de ficar ali, em um lugar que não reconheço como meu.
Com uma esposa que não reconheço como minha.
Mas me recordo de Penélope e da sensação que tive de pertencimento, mesmo que fosse algo esquisito.
Será que em algum lugar dentro de mim eu também não sei que Julie pertence a mim?
— Não, alguma coisa aconteceu para você esquecer.
— Acha que estou fazendo de propósito?
— Não, mas... E se você não gosta mais de mim? E se... queria se divorciar de mim?
— Como eu posso saber? Eu não me lembro!
— Então acho que é melhor você ir.
Ela abre a porta.
Quero lhe dizer que não sei se essa é a solução, mas o que eu sei?
Talvez ela tenha razão.
— Você tem certeza disso?
— Não, não tenho. Mas acho que é o melhor a fazer agora.
— Achei que ia tentar me fazer lembrar...
— E se não lembrar?
— É o que eu me pergunto.
— Acho que deve fazer o que você deseja agora. E claramente seu desejo é não se lembrar de mim. Então acho que deve ir.
— E quando devo voltar?
— Quando se lembrar de mim. De Penélope. De nós.
— E se não lembrar?
— Então talvez não tenha por que voltar.
Há uma tristeza em seu olhar que me deixa muito culpado.
E triste também.
Eu pego a mala e a chave do carro.
— Eu sinto muito.
— Simon, quero que saiba o quanto isso é difícil pra mim. Não sabe o que está custando a mim não te levar para o porão e te amarrar lá. Ou acabar com seu carro. Arranhar todos os seus vinis, ou pegar o cartão daquela vendedora e pedir que elas...
— Ok, já entendi — eu a interrompo.
— Então é melhor você ir.
***
Eu achei que me sentiria aliviado quando pudesse voltar à vida que eu conhecia como normal, mas a verdade é que uma semana se passou e eu só me sinto mais perdido do que nunca, o que não faz o menor sentido.
Eu voltei para meu apartamento. Achei tudo silencioso demais. Calmo demais. Talvez fosse porque estava muito vazio. Ou por que eu estava sozinho? Era difícil acreditar que isso estivesse me incomodando, já que sempre apreciei a solidão e o silêncio para poder trabalhar em paz.
Voltei a DBS como se nada tivesse acontecido, ou ao menos tentei. Pedi que Mark alertasse os funcionários de que não queria ninguém me fazendo pergunta idiota, como Benjamin da informática que me encontrou no elevador e ficou gritando comigo “Bom dia Simon, espero que esteja bem”, como se eu tivesse perdido a audição e não a memória.
Ainda era difícil me acostumar com Natasha com seu novo estilo, mas fiz um esforço para esquecer sua má conduta na sessão de exorcismo ou sei lá como chamou aquele delírio que me fizeram participar.
E então tinha Julie Harris e aquela falta esquisita que eu sentia dela.
Ela não apareceu na empresa naquela semana e Natasha me disse que ela tirou a semana de folga antes do Natal. Eu tive vontade de ligar ou ir até lá e ver se estava bem, mas ela mesma me mandou embora e disse para não voltar a não ser que lembrasse então, talvez fosse melhor seguir distante.
Mas e se eu não lembrar?
Significa que o nosso casamento acabou?
Eu poderei seguir em frente, como se Julie não tivesse existido na minha vida?
Talvez sim.
Mas enquanto a semana passa, bizarramente monótona, chata e sem sentido algum, começo a perceber que não quero continuar assim.
Sem Julie.
Agora, é véspera de Natal e eu dirijo sem rumo pela cidade, observando as luzes pela janela depois de sair da DBS onde trabalhei, mesmo com todos já tendo ido embora. O que mais eu podia fazer?
Minha família estava longe. Henry estava em Durham.
“Você pode ir ver Julie e Penélope”, uma voz sussurra dentro de mim.
Mas e se Julie não quiser me ver?
Não, é melhor eu ir embora.
Chego ao meu apartamento vazio e tomo um banho, abro a mala procurando uma roupa e me deparo com o suéter de Natal horrível que Julie comprou.
Eu o visto, mesmo me sentindo patético.
Será que ela vestiu o dela?
Abro o notebook, pensando em trabalhar, não querendo pensar em como aquilo é deprimente até pra mim. Trabalhar na noite de Natal.
Então vejo um e-mail de Natasha com o título “passagens para Nova York”.
Eu o abro e é uma mensagem que Natasha encaminhou para mim com reservas de um hotel e passagens compradas para mim e Julie com destino a Nova York. A data é do Dia dos Namorados, daqui a dois meses.
“Simon, esqueci de te encaminhar, que concluí as reservas de passagem e hotel que me pediu para a viagem que vai presentear Julie. Bom Natal. PS. Que a deusa esteja com você.”
Então eu iria surpreender Julie com uma viagem a Nova York no Dia dos Namorados?
Isso não se parece com algo que um marido de saco cheio da esposa faria.
Talvez Julie estivesse enganada. Eu não estava cansado ou querendo me livrar dela.
Inferno, mesmo agora que eu nem me lembrava dela, eu ainda queria estar perto.
Fecho o notebook, uma resolução se formando em minha mente. Apanho o celular e pesquiso algo que preciso fazer antes e saio do apartamento.
E quando entro no carro e dou partida noto o sapato esquecido no banco de trás e de novo a imagem de alguém os calçando caída no banco volta a minha mente. Só que desta vez a imagem vem completa.
Vejo a mim mesmo abrindo a porta traseira e me deparando com Julie dormindo. Ela usa um vestido branco manchado e os sapatos vermelhos.
Sinto-me confuso e pego sua bolsa, vejo o nome no seu documento: Julie Harris.
E decido levá-la para meu apartamento.
E assim, tudo começou.
Capítulo 13
Julie
Eu devia ter prendido Simon no porão.
Penso pela enésima vez enquanto acalento Penélope.
Não devia ter o deixado ir embora tão fácil.
Mas eu tinha ouvido os conselhos da minha mãe. Dar espaço. Deixar Simon decidir o que queria.
Mesmo que ele decidisse que não me queria.
Foi muito difícil assisti-lo ir embora, mais difícil ainda passar aquela semana esperando se ele ia lembrar e voltar.
Ou se eu não ia resistir e ir atrás dele como uma dessas mulheres desesperadas e carentes. Já conseguia visualizar a mim mesma gritando na porta da DBS com Penélope no colo, toda descabelada e usando roupas horríveis: “Simon, não pode me deixar! Se não voltar pra mim eu vou arruinar sua vida!”. E todos meus colegas passando por mim com olhares de pena.
Meu Deus será que é esse meu futuro? Vou ser uma divorciada alcoólatra sem senso de moda que nem faz a manicure?
Talvez eu entre para a GAMIMVAT e passe o resto dos meus dias cortando o pênis dos maridos abusivos dos membros do clube ou sei lá como se chama.
Penélope adormece finalmente e eu a coloco no berço.
Ela sente falta de Simon também. Vive perguntando por ele.
Beijo seu rostinho e desço para a sala vazia. Eu devia ter ido para a casa da minha mãe, mas não estava com o menor ânimo de confraternizar. Nada parece fazer sentido sem Simon, é como se minha vida estivesse faltando um pedaço. Incompleta.
Estou pensando seriamente em me embebedar assistindo filmes de Natal da TV quando escuto um carro estacionando em frente a casa.
Abro a porta e me surpreendo ao ver Simon saindo do carro.
Usando o suéter de Natal e segurando um cachorrinho na mão.
— Simon e... cachorro?
Ele sorri se aproximando e sem falar nada me puxa pela nuca e me beija.
Ah caramba, isso está mesmo acontecendo ou eu já bebi e estou com alucinação alcoólica?
Simon geme na minha boca enquanto me empurra pra dentro e fecha a porta com os pés, enquanto larga o cachorro no chão e me abraça.
Que saber? Quem liga? Se eu estiver sonhando isso é infinitamente melhor que a realidade chata que estou vivendo então o abraço de volta, adorando quando ele me pega no colo e me leva escada acima.
Em segundos estamos no quarto e Simon está arrancando minhas roupas como eu arranco as dele. Certo, o suéter é mesmo horrível ainda mais quando o peito desnudo de Simon aparece para minha apreciação.
— Estou sonhando? — consigo balbuciar em algum momento e Simon ri vindo para cima de mim, nu e lindo e me preenchendo como se fizesse anos que não esteve ali, dentro de mim. E nós dois gememos enquanto seus dedos se entrelaçam nos meus.
— Caramba, não dá pra ser sonho...
— Por que acha que está sonhando?
— Por que está aqui?
— Por que acha que estou aqui?
— Não sei...
Ele desliza os lábios por minha bochecha até o meu ouvido.
— Acho que tenho uma queda por malucas com fraturas no osso cúbito direito...
E então, ele está se movendo furiosamente dentro de mim e arrancando suspiros da minha garganta e o prazer mais incrível do meu corpo. E esqueço de tudo o mais, até que não reste nada a não ser nós dois.
Juntos.
Como deve ser.
Quando termina, estou agarrada a ele com tanta força que duvido que um dia o deixarei se soltar.
Ah dane-se! Já dei espaço demais.
— Nem pense em ir a algum lugar — murmuro ainda ofegante e Simon sorri.
— Por que iria?
E então algo em seu olhar faz meu coração disparar.
— Você lembrou?...
— Sim — confirma e sinto que vou explodir de felicidade.
— Eu sabia! Sabia que o sexo era a chave de tudo!
— Desculpa te decepcionar, mas eu lembrei faz algumas horas.
Eu me desvencilho dele, sentando-me na cama e Simon faz o mesmo.
— O que aconteceu?
— Eu estava no meu apartamento sentindo-me miserável. Sozinho e decidi que queria te ver.
— Sério? Mesmo sem se lembrar de mim?
— A vida sem você é uma merda, Julie.
— Mas me esqueceu!
— Eu sei. Acho que estava... meio sufocado.
— Ah, então foi mesmo isso? Bem que a minha mãe falou, mas por que não me disse?
— Acho que nem tinha me dado conta, mas essa semana sem você foi um tédio total. Não parecia fazer sentido, mesmo eu não me lembrando do nosso casamento. Quando decidi que queria vir ficar com você, eu entrei no carro e de repente foi como te visse de novo ali, no banco traseiro. E me lembrei de tudo. — Ele me abraça e me leva para perto. — Me lembrei de como foi irresistível pra mim. De como chegou e mudou tudo e me fez ver que a vida é mais que trabalho e carreira. Como me fez feliz, mesmo me deixando maluco com sua intensidade.
— Mas estava se sentindo sufocado com essa intensidade.
— Sua intensidade é assustadora, mas também é apaixonante, Julie Harris.
— Julie Bennett. — Sorrio e ele me beija.
Então me lembro de algo.
— E aquele cachorro?
— Comprei para Penélope.
— Oh meu Deus, ela vai amar!
— E onde ela está?
— Dormindo. Ela sentiu sua falta.
— Eu também senti falta dela.
— E sentiu minha falta?
— Mais que tudo... Eu te amo, Julie.
— Eu sei, mas nunca mais faz isso comigo, porque se fizer eu não hesitarei em te prender no porão, ok?
— Eu nunca mais vou me esquecer de você.
Ele me beija e finalmente eu sinto que estou completa de novo.
Simon
Mais tarde naquela noite acordamos para descobrir que Penélope fugiu do berço e está na sala muito satisfeita destruindo a árvore de Natal, desta vez junto com seu novo amigo, o cachorrinho spitz alemão que eu trouxe.
Achei que Julie ficaria furiosa, mas ela apenas ri e me ajuda a arrumar a árvore de novo até que tudo esteja no lugar de novo.
E é assim que me sinto agora.
Como se finalmente as coisas estivessem no lugar.
Então nos sentamos em frente à árvore e mostro algo no celular a Julie.
— O que é isso?
— Seu presente de Natal.
Ela lê o e-mail sobre a viagem.
— Sério?
— Sim, para comemorar dois anos de casados.
— Amei! — Ela me puxa pra perto e sinto-me feliz de ver Julie feliz de novo.
Ela pode ser maluca a maior parte do tempo, mas me faz feliz.
E eu quero fazê-la feliz sempre também.
Penélope se enfia no meio da gente com seus bracinhos cingindo nossos pescoços.
E ficamos ali, vendo as luzes da árvore de Natal.
Essa é minha vida.
Com Julie e Penélope.
Eu precisei esquecer e ficar longe para perceber que não havia outro lugar que eu quisesse estar.
Juliana Dantas
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