Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
UM PERVERSO LORDE NAS BODAS
O que deve fazer uma esposa negligenciada quando seu marido parte em missões clandestinas e em lugares desconhecidos? Jogar como espiã, embora só seja para ocupar as noites solitárias que antes estavam cheias de eróticos prazeres.
Quando Eleanor Prescott se casou com o belo oficial de infantaria que a cortejava entre uma e outra missão, imaginava tudo menos uma separação de seis anos. Agora o enigmático esposo que fazia arder seu corpo com seu sensual contato voltou para conquistá-la e desvelar todos seus segredos.
Sebastien Boscastle estava preparado para enfrentar a batalha no referente ao seu maltratado matrimônio, mas não para encontrar a sua esposa disfarçada e saindo de noite. No entanto, o jogo de espionagem e sedução de Eleanor só servia para avivar seu ardente desejo de reclamar até o último centímetro de seu ser.
Dos escuros becos de Londres aos lençóis de seda do leito conjugal, Sebastien lança seus doces e sensuais avanços, disposto a possuir tudo que Eleanor estivesse disposta a entregar.
Londres, outubro 1816.
A mente do Barão não estava no baile de máscaras. Seus pensamentos melancólicos escureciam um rosto que mesmo em seus momentos mais vulneráveis tinha sido descrito como cruel, tanto por seus admiradores como por seus adversários.
Sua companheira de baile se queixava repetidamente que não levava o passo. E era verdade.
Lorde Sebastien Boscastle, primeiro Barão Boscastle de Wycliffe, estava pensando em como atrair a sua cama o cavalheiro mais notório de Londres. Não decidira a estratégia exata que usaria. Mas depois de três meses de espera por um convite, decidiu que já tinha aguardado tempo suficiente. Em realidade sua paciência estava se esgotando ao caminhar, saltar e dar voltas até ficar juntos nas ridículas figuras da camponesa dança escocesa. Só então, quando se encontraram, envolveu-se completamente.
Não podia dizer o mesmo de seu companheiro.
É claro que não ajudava que o “cavalheiro” que tinha capturado a atenção de Londres, fosse sua esposa. Tinha-o pego há sete anos e ainda tinha seu coração. Todo mundo entendia que o marido tinha de manter a vantagem no matrimônio. Mesmo assim, seu problema não era um que pudesse discutir com os outros oficiais em seu clube. Que Deus não permita que alguém o descobrisse.
O fato de que sua esposa tivesse escandalizado o Mundo Elegante durante os seis anos instáveis de seu matrimônio era uma consequência que esperara resolver em particular. Oficialmente separados ou não, doía a um homem, em seu orgulho, que sua perversa amada aparecesse nos dormitórios de toda a cidade, evitando de propósito a cama a que pertencia.
Seus dedos flertaram com as voluptuosas curvas dos seios, e em seguida deslizaram por um lado, para o quadril. Ela se afastou. Fizeram um círculo. Quão próximo soube era que segurava as mãos suarentas de um jovem coronel.
Encolheu os ombros desculpando-se.
O coronel corou.
A dança terminou.
Sebastien se inclinou, procurando a sua esposa enquanto se endireitava.
Viu-a instantaneamente rodeada de convidados, conversando. Batalhou através da multidão para chegar a seu lado. Imperturbável sorriu-lhe, indicando que tinha o controle total da situação.
Desejou poder dizer o mesmo.
Olhar a sua formosa baronesa era ver uma mulher alta curvilínea, que ia às bibliotecas e assistia a festas, que tinha escrito um ou dois panfletos políticos e usava trajes bem escandalosos, mas que não se entregava a fofocas, talvez porque todo mundo falasse dela.
Tudo o que se falava no baile de máscaras que marcava a última quinzena da Pequena Temporada de Londres era do canalha conhecido como o “mascarado de Mayfair”. Suas escapadas tinham revitalizado o ano só notável pelas dívidas e as tormentas de granizo. Sua celebridade evasiva ganhara a atenção da cidade em um momento que a Sociedade necessitava desesperadamente de uma distração.
As damas que se atreveram a ir ao baile de máscaras de Lorde Trotten, nessa noite enevoada de outubro, manifestavam seu alarme porque suas aparições eram cada vez mais frequentes. Suas escoltas juravam proteger estas queridíssimas damas no caso do velhaco aparecer em seus dormitórios.
O que naturalmente significava que estes jovens e galantes defensores da virtude, primeiro deviam estar dentro, atrás das portas fechadas dos quartos destas garotas indefesas, para poder pilhar ao tipo no ato.
No ato de que exatamente, não se sabia.
O audaz cafajeste tinha furtado uma ou duas escrivaninhas, em um gabinete para escrever, e em vários móveis com gavetas. Não tinha levado nada de valor. Entretanto, dera o presente impagável do entretenimento, uma faísca de travessura, para criar um estado de ânimo apaixonado naqueles que assim se sentiam.
Simbolizava perigo, sim, mas também desejo.
- Roubou-me um beijo enquanto dormia - declarou uma viúva.
- Como sabia que estava dormindo? - perguntou-lhe uma mulher mais jovem, obviamente invejosa.
A viúva sorriu.
- A face ainda me queima.
- Está mentindo - disse a jovem dama, a ponto de explodir.
- Não está - disse o patife que vivia graças à generosidade da viúva- Só tenho que me deitar a seu lado para me sentir ardendo.
Nenhuma das presumidas vítimas do mascarado podia descrevê-lo com detalhes que pudessem ajudar à polícia. De fato, seus informes se contradiziam tanto entre si, que poderiam ter sido uma dúzia de homens diferentes. Para acrescentar a seu ar de mistério, várias recontagens indicavam que durante o curso de suas façanhas, sua estatura aumentara consideravelmente.
Seu físico se alargara. Tinha-lhe crescido uma barba. Não, seu maxilar barbeado era inconfundível. Tinha uma covinha no queixo.
As primeiras três damas que declararam havê-lo visto saindo de suas janelas, disseram que tinha deixado uma pena de pavão em seus travesseiros. Pouco depois chegou a grande moda de depositar uma pena de pavão no coração para mostrar apoio por bem, não se sabia a que.
Era mal albergar ternura secreta por um cavalheiro que em realidade não tinha feito nada de mau? A Inglaterra estava se recuperando de uma guerra devastadora. Necessitava de romance.
Até agora, cada uma das vítimas devotas do mascarado nunca tinha sido aclamada na Sociedade por sua beleza ou por sua atração sexual. Uma flor quase murcha não podia deixar de melhorar um pouco quando o sol da atenção pública voltava a iluminá-la outra vez. Ser escolhida depois de todo esse tempo, quando já se conformara com a insignificância, era mais adulador do que se podia admitir.
O único ponto sobre o qual todos pareciam estar de acordo era que o intruso atacava nas últimas horas da noite, quando as sombras deslizavam através do tempo, e os sonhos não se podiam diferenciar da realidade.
Nessas brumas de percepção mágica, ele aparecia e assumia qualquer forma, a que uma mulher mais temia, ou mais desejava. As delicadas do coração, só podiam tremer de assombro.
O que faria? O que queria?
Deveria detê-lo.
Não é verdade?
- Não acredito que exista - Um ébrio de sangue jovem teve a estupidez de declarar através de um hall lotado, onde se tinha iniciado uma animada conversa sobre o tópico. O comentário logo o condenou ao ostracismo.
Impostores. Pretendentes. Amantes e rivais.
Só dois convidados na festa mascarada desfrutavam do delicioso absurdo desta especulação. A pessoa era o marido do mascarado de Mayfair. Além desta duvidosa distinção, Sebastien também tinha a honra de ser o único cavalheiro da festa disfarçado de Lorde Whittington. O outro convidado informado era sua esposa e distraída companheira de dança, Eleanor. Disfarçada como o amado gato do Whittington, com uma capa negra até os joelhos que se agitava ao redor de calças apertadas e botas, passeava com uma dignidade graciosa, que tirava o brilho de todas as inevitáveis princesas e bonitas pastoras.
Não lhe tinha tirado os olhos de cima em toda a noite. E não só porque sua beleza o enfeitiçava.
Mantinha-a a vista porque não confiava que não se metesse em uma confusão.
Enquanto ele não estava, sua encantadora esposa tinha tocado, como em um caldeirão cheio, no assunto. Também era a única mulher que o agitava. A luz do abajur realçava a tonalidade leitosa de sua pele. Que inocente se mostrava, que submissa até que a pessoa via o brilho diabólico de seus olhos.
Sebastien a avaliou com uma reticente diversão. Quem teria adivinhado que sua esposa tinha feito desmaiar tantas damas? Ninguém tinha que o convencer de seu atrativo. Apenas se podia conter e terminar a dança para levá-la a um lugar privado. Desejava-a com qualquer disfarce que escolhesse. Entretanto, que ela admitisse a correspondência por sua paixão era incerto neste momento.
Até essa noite, ele não tinha pressionado o assunto. Mas precisava dela. Terminar com a mascarada. Ao diabo com essa falsa missão dela. Queria voltar a ser seu marido.
Ela parecia não necessitá-lo, entretanto, seus olhos castanho-âmbar o olhavam com uma confiança que lhe queimava o sangue. Recordava sua paixão quando se conheceram na Espanha. Fazia um pouco mais de seis anos que se casaram. Ele tinha estado fora da Inglaterra durante três anos, mas desde que tinham compartilhado uma cama, não havia tornado a tocar outra mulher. Infelizmente, nos poucos meses desde que havia voltado, não tinha encontrado as palavras para explicar por que a tinha abandonado. Se sua confiança nele tinha desaparecido, só podia culpar a si próprio. E jurar fazê-lo melhor, se lhe desse uma única oportunidade para provar que era digno da sua confiança.
Se não o fizesse, bom, teria que recorrer a outros meio, depois de tudo não era um crime desejar à própria esposa. Nem seduzi-la. O pulso lhe ardia de antecipação. Ela tinha lhe roubado o coração. E ele lhe tinha quebrado o seu.
- Deve prestar atenção - Ela olhou para outro lado. - É quase o momento.
- Estou prestando atenção - ele replicou, como se ambos não soubessem onde andavam vagando seus pensamentos.
- Estou quase sem bigodes? – ela sussurrou, colocando-lhe um cacho sob o gorro.
- Não. Mas... -Tomou ar, torturado pela flexível suavidade dos seios contra seu braço.
Que tipo de homem queria fazer amor com uma mulher com o nariz sujo e costeletas de escovão?
- Não sei como pode tolerar isso - disse ela distraída. – Está me deixando muito louca.
- Conheço a cura - disse ele em uma voz profunda e insinuante. – Barbear-se duas vezes ao dia - acrescentou, enrugando o nariz.
- Você... o que?
- Os bigodes. Quero me coçar tão desesperadamente, que gritaria - Sua voz era provocadora e inocente ao mesmo tempo. - Isso era do que falava?
- Não exatamente.
Seus olhos brilhavam através das aberturas de sua máscara de seda negra.
- Seria lhe pedir muito que mantenha sua mente neste trabalho?
- Seria muito lhe recordar que eu estou a cargo? - replicou com uma fugaz sensação de vitória. - Acontece que sou seu chefe.
- Não, Sebastien, renunciou a essa autoridade faz anos.
- Bom, quero-a de volta.
- Não vou discutir isto enquanto tenhamos trabalho a fazer.
- Vai me dizer como levar a cabo esta ridícula missão? - Perguntou-lhe suavemente.
Ela curvou os lábios em um sorriso sedutor.
- Seria capaz de deixar de me olhar a cauda o tempo suficiente para ter êxito?
- Nunca fiz isso.
- Sim, fazia.
Seu olhar vagou por toda sua curvilínea figura.
- Bem. O fazia.
- Sabia - sussurrou.
- E o farei outra vez - ele prometeu com um grande sorriso.
- Pelo menos deixe isso para depois que consigamos a carta.
- Agora, isso soou como um convite.
A banda começou a tocar outra música.
Dançou ao redor dele, ágil e evasiva.
- Ande bem, barão.
-Foi um convite - Seus olhos azuis queimavam com confiança - Aceito.
Nesse momento ela se deu conta que duvidava dele quando jurou que se emendaria por não ter sido um marido decente. Mas, tinha acabado o amor por ele?
Espanha, verão 1809.
Se alguém tivesse pedido à senhorita Eleanor Prescott que descrevesse sua vida no dia que tinha conhecido o esbelto capitão de infantaria de cabelo negro, Sebastien Boscastle teria respondido que tinha saltado dentro das páginas de um conto de fadas.
Não importava que até então estivera com parentes austeros, ou que a mandaram a sombrios internatos, seu destino tinha sido tirado de suas mãos com boas intenções; nem sequer importava que não tivesse ideia de qual poderia ser seu futuro.
Reconheceu seu destino no instante que levantou a vista aos sensuais olhos azuis do oficial que entrou no hospital de campanha de seu pai, nessa tarde sufocante, na Espanha. Ele foi a razão pela qual entrelaçou jasmins no cabelo naquela manhã cedo, embora nunca tenha se dado o trabalho antes.
- Sofreu algum ferimento? - Ela tinha perguntado consciente por seu sorriso audaz, que não havia nada de errado com ele.
Ele tirou seu chapéu bicome. Tinha cabelo de ébano, seus traços fortes estavam polidos pelo sol. Os galões de sua jaqueta escarlate de infantaria descansavam sobre seus ombros largos. Era alto, mais alto que ela. Sua figura enchia a improvisada estação com profundo poder. A seu lado pendia um sabre.
- Devo ter alguma ferida para falar com você?
Sua voz profunda e zombadora produziu-lhe calafrios de prazer.
Todos os oficiais tentavam flertar com ela. Era uma das razões pelas quais seu pai, o doutor Jason Prescott, um cirurgião superior do regimento do General Sir Arthur Wellesley, tinha insistido para que ela não abandonasse o colégio para se unir a ele. Assistir a um cirurgião era um trabalho árduo e sacrificante.
Mas mesmo seu pai não pôde recusar quando foi despedida da Academia da senhora DeLacey no Knightsbridge com uma carta de pesar indicando que não tinha nenhum potencial acadêmico. Carecia de graça social para apresentar- se como uma debutante. Nem sequer ficava sentada em uma cadeira o tempo suficiente para pensar sobre si mesma, se via como uma pessoa tímida.
No dia em que conheceu Sebastien, sua demissão se transformou em uma bênção em vez de uma desgraça. O que importava se havia burros e vagões sujos, em vez de carruagens puxadas por quatro cavalos?
Nenhuma fada madrinha criaria uma magia mais poderosa! As terríveis predições de sua falta de atrativo desvaneceram-se. Tinha ouvido sobre Sebastien pelos falatórios de campanha. As esposas dos oficiais murmuravam que era valente e bondoso, fazendo pior à tentação.
Em Londres se sabia que um Boscastle não conhecia derrota depois que um dos membros da infame família punha na cabeça uma conquista amorosa, o resto era história. Ao que parecia, tinham herdado a paixão das antigas linhas de sangue e estas damas puseram Eleanor de sobre aviso, com sussurros cúmplices.
- A sedução é uma estratégia em homens como ele, - informou-lhe a sobrinha do tenente geral, sem se incomodar em esconder a inveja. Não importava o que lhe dissessem, Eleanor estava impressionada de que ele não parecesse intimidado pela reputação de seu pai. Deve ter os nervos bem firmes para entrar no refúgio médico sem outro motivo que flertar com ela.
Mas então, ele provavelmente podia sentir, pela forma como falava com ele, que tinha captado seu interesse.
- Há algo que te perturba? - Voltou-lhe a perguntar, se dando conta que um deles tinha que romper o feitiço dos olhares tão fixos, um no outro.
- Deve haver alguma coisa – disse ele zombeteiramente.
Tratou de não rir para não animá-lo. Poderia ser capaz de resistir a seus olhos azuis. Seu simples encanto era proporcionado pelo tinido de sua armadura.
- Onde?
Limpou a garganta.
- É minha... minha respiração. – E em seguida se deteve.
- Parece muito sério - disse ela, mordendo o lábio inferior. - Inclusive pode ser contagioso. Acredito que deveríamos chamar meu pai.
Ele parou à sua frente, parecendo envergonhado, mas OH, tão atraente.
- Sou um farsante - confessou ele, por fim, sem rodeios.
- Eu pensei que pudesse ser – disse ela, em voz baixa.
- Quer que eu vá embora? – perguntou ele, de forma insinuante.
Ela não se sentiria ofendida se ele ficasse ali por mais um momento.
- É uma boa ideia. Deveria estar guardando os instrumentos de meu pai na caixa. E se não tem nenhuma dor...
Ele se endireitou. Tinha uma mancha de imundície na face. Ela não teria notado se não estivesse olhando-o tão intensamente.
- Mas tenho uma dor – Insistiu ele, com sinceridade em seus olhos azuis. - Tenho desde que a vi noutra noite no jantar da festa do general.
Ela engoliu em seco e riu.
- Foi você que ficou atrás da cortina?
-Pensava que fosse mais sutil. Mas bom, provavelmente não estava pensando absolutamente.
- Não atirou um bule com chá nessa mesma noite?
Seu sorriso aumentou.
- Notou isso, também. Você me notou então?
- Eu me atreveria a dizer que todos no salão o fizeram - disse com risinho. - Apesar de que tudo o que vi de você foi a parte posterior de sua cabeça.
- Eu gostaria que visse mais de mim, não, quero dizer... - Seus olhos brilhavam com um humor compungido, enquanto ela começava a rir com vontade. - Geralmente não atiro as coisas.
- Imagino que isso seja um bom traço em um oficial.
-Meu nome é Sebastien Boscastle, Barão de... uma coisa ou outra.
- É um barão bom ou mau?
- Por que não o julga você mesma?
- Como? - Perguntou-lhe rindo outra vez pelo brilho de seus olhos, e por quão tola era a pergunta. Tinha que ser um bom oficial porque ela ouvira dizer que sua promoção foi elogiada por todos. Sua companhia ficava admirava quando ele passava caminhando. Ela mesma se sentia aflita por ele. E não porque se esperasse que escalasse nas posições.
Mas um barão mau era outra coisa. Tinha uma visão dos senhores batalhando nas guerras civis medievais, transportando noivas desmaiadas às torres de seus castelos impenetráveis. Não havia dúvida que iria muito bem como guerreiro. Mas se seria suficientemente mau para raptar uma dama, era improvável que soubesse.
- Como acha que devo julgá-lo? - Perguntou-lhe cruzando os braços - Não há nenhum castelo perto que possa sitiar. Não um inglês, em todo caso.
Inclinou sua cabeça para ela. Soube então que não lhe ia pedir que saísse para olhá-lo atirar em uma azeitona posta sobre o chapéu de um companheiro oficial para impressioná-la.
- Posso lhe oferecer uma evidência? - Perguntou-lhe, com um sorriso obscuramente convidativo.
Ela suspirou. O coração lhe palpitava com força pela sensualidade contida em seus olhos. Não se atreveria a beijá-la. Nunca o deixaria. Mas de algum jeito, se escutou perguntando:
- Como?
Seus lábios lentamente pressionaram os seus. No momento tudo ia bem. Doce. Totalmente diferente ao beijo que alguém se podia imaginar de um barão malvado. Sentiu-se invadida por uma sensação ridícula de alívio. Então aconteceu algo. Lentamente esse primeiro beijo se transformou em um potente erotismo, que não queria que terminasse nunca. Sua ilusão de segurança se esfumou. Sua boca firme exigiu entrar na dela. Abriu os braços. Com os dedos, sentiu o punho de seu sabre.
Duro. Aço frio.
Sua língua tentava a dela. Ele a estava segurando, não, repentinamente ela estava firmando- se na parte superior de seus braços. Piedade. Com razão essas noivas raptadas desmaiavam. Nen todas caíam a contra gosto. Nunca deveria estar com ele, em primeiro lugar. A língua seguia explorando mais profundo dentro de sua boca.
Sua mente girava. Assim isto era o que todas essas advertências queriam dizer. Uma mulher enfeitiçada perdia o poder de ver o correto em sua frente. Suas mãos a moldavam contra seu duro corpo, uma delícia nova que ela não podia negar. Mas no próximo instante essas poderosas mãos suscitaram impulsos e desejos que nenhuma dama admitiria em voz alta.
Ele se deteve.
Uma bênção, disse a si mesmo, o que não explicava por que se sentia tão desolada, ou por que as partículas de pó ao redor deles brilhavam como se fossem prova da magia. Ela retrocedeu. Nunca antes havia se sentido tão desarmada.
-Me diga - disse ele, com um sorriso vulnerável, e ainda assim seguro. - O que pensa?
Ela levantou o olhar para seu belo e duro rosto.
- Ainda não sei...
- Quando poderei saber?
Seu pai entrou na estação nesse momento, seu olhar sagaz.
- Se for um prognóstico o que deseja Boscastle, então como cirurgião superior lamento informá-lo que é mais terrível para os patifes jovens.
Sebastien piscou.
- Sou conhecido como um patife, senhor?
-Tem alguma ferida? - O homem mais velho perguntou francamente.
O rubor cobriu as largas maçãs do rosto de Sebastien.
- Bom, na semana passada me bati com...
- Sim ou não?
- Não, mas...
- Então vá. Tem uma reputação excelente. Não a arruinemos.
- Sim senhor. Minhas desculpas senhor. E para a senhorita Prescott.
Olhou de Eleanor a seu pai, virou-se, e foi direto ao outro soldado que estava esperando do lado de fora do consultório do doutor Prescott e o sempre ansiado olhar de sua filha de cabelo escuro. O corpulento ajudante do Surrey endireitou os ombros para olhar ao redor da figura mais alta de Sebastien.
- Vá embora daqui - disse-lhe em um tom baixo- É minha, e tenho um posto superior.
O ajudante retrocedeu se chocando com o pau da carpa.
Eleanor colocou o cinzel de seu pai dentro da caixa.
Minha. Que coragem. Que homem mais ousado.
É minha.
E ele era seu, também.
A princípio trataram de esconder a atração que existia entre eles. Mas se necessitava ajuda para descarregar os fornecimentos de seu pai, ou para estabilizar a ambulância, Sebastien achava a forma de ajudá-la. Quando a companhia partia a outro povoado, ela se atrasava para garantir que não ficasse muito atrás. As tropas francesas tinham assaltado várias mulheres na campanha. Jurou que ninguém poria uma mão em cima de Eleanor.
Encontraram-se umas poucas vezes no rio, também, antes do amanhecer. Ela tinha um passaporte que lhe permitia sair do acampamento. Ele era um oficial. Ajudava-lhe a pegar baldes de água para refúgio de seu pai, uma e outra vez. Frequentemente não se viam durante dias, embora Sebastien sempre conseguisse passar um olho sobre ela.
- Acho que deveria ficar na Inglaterra depois de nos casarmos - disse ele uma vez, enquanto ela se apoiava em uma oliveira.
Estava lhe beijando o rosto. Seus dedos deslizavam pelo maxilar, pelas clavículas, por debaixo de seu manto. Depois, só percebeu que ele tinha jogado sua capa ao chão e a tinha deitado debaixo dele. Ela estava excitada, tremendo, estava a ponto de cair e nenhuma força no mundo poderia salvá-la.
- Você é um atrevido - disse, respirando entre beijos - Nunca me propôs matrimônio.
- Sei sua resposta - Suas mãos excitavam os instintos que ela tratava de conter. Estava fora de controle. Não estava segura de quão longe chegaria. Mas quando acariciou o tenro espaço entre suas coxas foi devastada pelo desejo, seus instintos pisotearam tudo o que lhe tinham ensinado a respeito da virtude, e os homens que ninguém podia resistir.
Ele resistiu a ela.
- Aqui não. - sussurrou ele, bruscamente - Não assim.
Anos depois competiriam por quem deles seria o mais forte. Mas esse dia, Sebastien ganhou a primeira batalha de vontades, ao demonstrar que desejava mais que seu corpo. Parou e voltou a abraçar. As pernas lhe tremiam enquanto ele permanecia sólido e firme como a árvore atrás dela.
-Me escute - Sua voz apenas lhe penetrava os pensamentos- Não ficarei mais só com você até que nos casemos, porque a próxima vez não serei capaz de me deter.
Apoiou o rosto em seu peito. Se esforçasse em escutar, poderia ouvir seu coração pulsando contra sua face. Selvagem. Forte. Mais forte do que gostaria.
Pôs-lhe a capa nos ombros para defendê-la contra seu desejo ou a umidade da manhã, não tinha certeza.
- O que aconteceria se a deixo grávida e me matam antes que nos casemos? Tampouco quero que seja uma esposa de campanha.
Tinha razão.
Ela era prática. Seu pai a tinha criado em um mundo que nem sempre era agradável. E entretanto sonhava com Sebastien todas as noites depois do encontro no rio. Perdia- Se em visões brumosas e quentes do que teriam feito se não fosse mais forte que ela.
Trataram de evitar-se, mas não funcionou.
Ele inventava desculpas para lhe falar. Nenhum soldado tinha tido tantos problemas inexplicáveis de saúde como Sebastien nesse verão. Fez história médica. O aroma picante do olmo escocês deveria ser o afrodisíaco mais apreciado. Quando Eleanor lhe punha um pingo no rosto, tinha que apertar os punhos e pedia a Deus que ela não se desse conta que todo o corpo se punha como de pedra. Mas diabos, a mulher lhe podia pôr barro de um lago com o mesmo resultado.
Ela esperava que dissessem seu nome depois de cada batalha, às vezes tão imóvel pelo pânico, que não podia nem respirar. Vivia para os momentos que se encontravam, um serviço comemorativo, uma comida, ou os estranhos momentos quando o General Wellesley aparecia no acampamento para levantar o espírito.
O desejo crescia cada vez que se olhavam. E também o fazia a confiança. Um olhar significativo, umas poucas palavras, um sorriso ao mesmo tempo. Sebastien Boscastle e Eleanor Prescott foram se apaixonando, cada vez mais e mais profundamente, até que nenhum dos dois se incomodou mais em tratar de negá-lo.
Depois disso, nenhum oficial se atreveu a flertar com ela. Um mau olhar do Capitão Lorde Boscastle afastava seus opositores.
Ele a perseguia com a mesma resoluta determinação que o tinha feito ganhar suas primeiras batalhas. Como oficial de infantaria, conhecia o perigo do fogo antecipado. Sempre havia um momento para fazer um movimento definitivo no campo. E assim a fez sua prisioneira, sendo seu cativo desde o momento que a olhou no rosto.
E um dia foi a ela como um menino perdido, um menino de três anos, angustiado, cujo pai tinha morrido na batalha. A mãe tinha desaparecido poucas horas depois de ver o corpo de seu marido. Os soldados estavam procurando uma ravina onde ela poderia ter sido emboscada.
- Não posso tolerar mais isto - disse ela, enquanto se agachava para limpar o rosto imundo do menino. Estava tiritando, muito cansado para soluçar, com o corpo flácido nos braços de Sebastien.
Sebastien a olhou.
- Quero que volte para a Inglaterra.
Sua mão se fechou nas dela, protetora e poderosa. Nessa mesma noite, a tia do menino chegou a reclamá-lo, e Sebastien a reclamou pedindo permissão a seu pai para se casar com ela.
Quando mais tarde se uniu a seu pai e a Sebastien à luz do abajur, teve que comentar a arrogância deste.
- Ainda nem sequer me perguntou.
- Bom, perguntou a mim - disse seu pai com sua direta maneira. - E aceitei.
Sebastien, um bom oficial, um bom homem. Um barão mau, julgando-se pela forma como a tinha assediado.
A única vez que escandalizou o acampamento foi quando persuadiu um barbeiro para que lhe esculpisse as iniciais de Eleanor nas nádegas. Rogou que o mantivesse em segredo, mas as notícias da divertida transgressão de Boscastle se espalharam pelo regimento até que chegaram a seu pai, que só moveu a cabeça e disse que tinha sido afortunado ao não pegar uma infecção generalizada pelo traseiro.
- E eu pensei que você era sensível - disse ela enquanto caminhavam ao longo de uma linha de vagões de artilharia poucos dias depois.
Sebastien sorriu com a confiança que ela adorava.
- Disse-lhe alguma vez que quero uma família grande?
Quente, resmungona e mais feliz do que ela nunca se imaginara, negou com a cabeça. Tinha lhe dado água de seu cantil, mas o que queria era limonada fria.
- Bom, eu a quero. E se tivermos primeiro um menino, vou lhe chamar Joshua para homenagear meu pai.
- Não está vivo? - disse, esperando tranquila sua resposta. Nunca lhe falava de sua família.
- Ele foi morto.
- OH - Não esperava isso. Ela conseguiu agir como se escutasse esse tipo de confissão todos os dias. De fato, o fazia. Como filha de um cirurgião, os homens lhe confessavam histórias muito tristes e comovedoras que ninguém podia imaginar. E de seu pai tinha aprendido que ser confiável era uma honra. Assim ela guardava as histórias para si mesma. A confiança significava tudo.
- Não sabia.
- Nunca pegaram o homem que o matou - ficou olhando-a decidido antes de acrescentar. - Entretanto, um de nós o achará.
- Nós?
-Meus três irmãos. Nós o acharemos cedo ou tarde.
Ela não o pressionou para que explicasse. Cada vez que falavam, era natural que compartilhassem coisas que nunca haviam dito a mais ninguém.
- Eu fui um fracasso total no colégio - confessou ela- Não podia ficar quieta o suficiente para ler um livro.
- Ainda não fica quieta - Hesitou com picardia nos olhos. - Exceto quando a estou beijando.
- Que por certo é mais emocionante que ler a respeito da batalha do Farsalo.
- Mas Farsalo era fascinante. Todos os homens de minha companhia conhecem o grito de batalha de Pompeu "Hercules Invictus".
- Não está rindo de minha educação incompleta?
- Não! - Se mostrava tão inocente como Lúcifer antes de sua queda- Por que eu gostaria de uma esposa que soubesse mais sobre a cavalaria de César que sobre me beijar?
Um sorriso puxou as comissuras de sua boca.
- Sei uma coisa.
- Que meus beijos a excitam?
- Não. Que César ganhou sua batalha, e Vênus o ajudou.
- Vênus Victrix - disse ele, pondo-se a rir outra vez. - Não lhe soaria um pouco idiota que a infantaria britânica irrompesse na batalha invocando à deusa do amor como inspiração?
- O amor é uma guerra, Sebastien.
Uma cabra se meteu entre eles mordiscando o rabo de seu casaco. Por uns momentos ele teve êxito em ignorar o animal.
- Nesse caso - disse, finalmente empurrando à cabra para que se afastasse- já perdi, não é?
Ela também perdera.
- Se primeiro tivermos uma menina - disse ela, sorrindo ante o pensamento - daremos a ela o nome de Elizabeth. Era o nome de minha mãe.
- Será Elizabeth. E ao próximo par o chamaremos de John e Olive.
-John e Olive - disse ela, sacudindo a cabeça.
Ele olhava para frente, tão confiante do futuro, que ela achava, também
- É um bom começo. Agora tudo o que precisamos é nos pôr de acordo com nove nomes mais, ou assim.
- Nove? - Perguntou ela, atônita.
- Para fazer treze.
-Treze? - Ela era filha única. Não podia imaginar treze de nada, nem gatos ou cães, nem bonecas ou crianças, e no momento que captou o brilho diabólico escondido em seus olhos, se deu conta que poderia se enrolar com algo se não o detivesse.
- Onde os poríamos a todos? - Perguntou levantando a voz, pelo rangido dos vagões e o latido dos cães e à ovelha caminhando entre eles.
Ele a olhou com esse severo e indulgente olhar que dizia que ele se encarregaria de tudo.
-Tenho uma pequena casa de campo no Sussex. Está em más condições, mas em muito pouco tempo a poderíamos transformar em um bom lar.
Ela se deteve para olhá-lo.
- Pensou em tudo.
- E tem uma biblioteca - ele sorriu. - Onde poderá ler para nossos filhos.
Ela riu novamente, perdendo terreno ante sua cálida persuasão.
- É tão arrogante. Ainda não posso acreditar que tenha conquistado a confiança de meu pai. Talvez deveria ter te perguntado quantos filhos gostaria.
Sorriu.
- Posso imaginar isto agora. Eu sentado na escrivaninha revisando as contas da propriedade e as crianças escutando as Viagens do Gulliver.
-Realmente tem a tal propriedade? - Perguntou-lhe, cética.
-Nós a teremos depois da guerra. Não é muito por agora. Só uma branca casa Palladiana com velhas janelas venezianas. O parque tem cinco acres ou algo mais, com um bosque de carvalhos onde os contrabandistas costumavam esconder sua mercadoria.
- Parece muito estupendo!
- Os bosques estão tomados por cervos selvagens.
Soava mais que estupendo. Soava como a casa que tinha desejado em segredo enquanto seu pai desaparecia de um trabalho médico a outro. Não podia negar que tinha gozado com a aventura ao juntar-se com ele, finalmente, mas o que Sebastien escrevia, subitamente a fez desejar o que nunca tinha conhecido.
Quando levantou a vista, estava frente a ela, com os olhos tão escuros como índigo, um sinal que estava a ponto de beijá-la. Os ossos se abrandaram a tal ponto que se surpreendeu que pudessem sustentá-la.
- Não - Sussurrou, quando desejava que sim, e retrocedeu contra um vagão, pois não deseja escapar, mas esperar.
Ele inclinou a cabeça. Seus lábios se abriram involuntariamente. Não havia forma de que a beijasse com percussionistas, corpo de soldados e suas esposas observando abertamente. Mas se o fizesse, não importava.
O amor oferecia esperança. E amava a este homem que tinha crescido sabendo que a pessoa que tinha matado seu pai, tinha ficado livre. Doía-lhe por dentro, como se sua raiva fosse própria. Ou talvez assim se sentia alguém quando permitia que outra pessoa entrasse em seu coração.
Divertia-se facilmente e batalhava duro por esses dias. Era suficientemente teimoso para igualar a Eleanor. Sua intensidade era um contra balanço para a desenfreada energia dela.
Um mês depois quando tinham atirado nele cinco vezes, uma na coxa, ombro e pescoço, e duas nas costas, ela soube que ele não devia ter sobrevivido. Algo além da destreza de seu pai o tinha salvado. Quatro dos amigos mais próximos de Sebastien tinham morrido a seu lado. Um ato de graça o tinha salvado.
Estava agradecida de que tivesse sobrevivido. Tinha rogado a Deus e combinado com o diabo, sem saber o que tinha que oferecer a qualquer deles.
Entretanto, a primeira coisa que ela pensou durante sua recuperação, quando esses vazios olhos azuis se abriram e olharam além dela, foi que seu desejo só tinha sido concedido pela metade.
Sebastien Boscastle tinha morrido na batalha, e só seu fantasma havia voltado dela.
Eles se casaram poucos meses depois em princípios de maio do ano seguinte, na casa de sua tia em Dover. Sebastien tinha uma permissão de ausência indefinida, mas não falava com Eleanor da guerra nem do futuro deles na Inglaterra.
Seu pai a levou para um canto do salão pouco antes da cerimônia e falou:
- Seja forte, viu antes que isto acontece com os homens. Algumas feridas necessitam mais tempo que outras para sarar.
Mas quando Sebastien e Eleanor trocaram os votos no salão de sua tia, uma premonição pavorosa se apoderou dela.
Quem era? O que tinha se passado com seu cínico patife? Conhecia-o?
Sua boca firme tomou a dela, um beijo que podia ter sido uma promessa, ou mesmo uma despedida.
Sentiu que as lágrimas lhe queimavam os olhos, mas não pôde chorar, embora o pequeno grupo de convidados entendesse que uma noiva podia chorar um pouco, de felicidade, no dia de seu casamento.
Afastou-se dele durante a recepção, e não tinha ideia de como confortá-lo. Bebeu muito champanhe e teve uma briga com um jovem suboficial porque lhe tinha dado um beijo inofensivo.
Nunca tinha visto Sebastien perder a calma; sempre parecia estar consciente de sua força física e recusava abusar dela. Mas nessa tarde viu refletido seu medo nos rostos de seus amigos enquanto o afastavam do outro homem.
- O que está fazendo? - Perguntaram-lhe brincando apesar de sua preocupação. - Sua esposa vai expulsá-lo antes de sua lua de mel.
Seu pai perguntou tranquilamente a Sebastien se sentia dor, mas ele negou com a cabeça, tão angustiado com seu violento arrebatamento como todos os outros.
- Não é nada - disse a tia de Eleanor. - Alguns homens se desatam com as bodas. Isto vai desaparecer antes que se dê conta.
Mas quando Eleanor viu uma pequena mancha de sangue na gravata perfeitamente atada de seu marido, soube que era um sinal dos perversos dias que viriam. Suas primeiras feridas nem sequer tinham cicatrizado completamente.
- Depois de tudo - Acrescentou sua tia - os homens da família Boscastle têm uma reputação pelas mudanças súbitas. A paixão não se expressa necessariamente, com suavidade.
E Sebastien era um homem sombrio e apaixonado.
Passou toda a noite das bodas lhe dando prazer. Paciente. E intuitivo.
Suas mãos e boca a deixaram sem fôlego, tão satisfeita, que nenhuma mulher poderia pedir mais. Seu corpo florescia com malvados desejos enquanto a despia. Um botão de pérola, um laço, uma capa de seda branca, e uma a uma cada inibição. Quase desmaiou quando suas mãos deslizaram por seus ombros e seios nus.
- Você - Sussurrou em cima dela, lhe roubando beijos, o fôlego, cada pensamento que lhe vinha à mente - é a mais formosa, a mais excitante, a única mulher que existiu.
- Vênus victrix - disse sorrindo.
Franziu o cenho divertido.
- Se preferir. -respondeu depois de um silêncio desconcertado que indicava que não tinha ideia sobre o que ela estava falando.
Algo frio lhe atravessou o coração.
- O que lhe aconteceu hoje?
- Não arruíne isto - Não queria falar disso. Em realidade, tampouco ela. Nunca o tinha visto beber. Se continuasse seguindo o conselho de sua tia favorita e sem álcool, este matrimônio duraria para sempre.
Ela fechou os olhos enquanto a despia. Entretanto, a curiosidade, um de seus muitos defeitos, a sobressaltou. Sentou-se para ajudá-lo, para olhar. Tinha tirado muitas camisas de homens para a cirurgia. Mas nenhum homem fazia que lhe apertasse a garganta de desejo ou a tentava tocá-la pelo só prazer de fazê-lo.
Fez uma careta de dor quando viu suas cicatrizes. Mas ele sorriu quando traçou com os dedos seu pescoço e os avultados músculos de suas costas.
- Esses pontos não parecem nem tão mau. E... -Desceu a vista a suas iniciais esculpidas nas firmes nádegas-. E quanto a essas outras cicatrizes, sentira-se envergonhado se terminasse na cama com outra mulher.
- Como se houvesse alguma possibilidade disso - disse com um sorriso e a pôs em seu regaço.
A seguinte coisa que ela soube, é que ele a estava levantando para que montasse escarranchada em seu joelho. Suas mãos fechadas ao redor de seu traseiro, também era algo bom. Sentiu essa prazerosa debilidade outra vez. Ela desceu o rosto a seu ombro.
- Nenhuma marca neste precioso corpo - Sussurrou, e lentamente passou os dedos como uma pena por seus seios e barriga.
- Ninguém vai esculpir suas iniciais em meu traseiro.
- Não viveria muito se alguém se atrevesse.
As mãos masculinas vagavam por todo seu corpo. Seu olhar vagava sobre ele até que se deteve no espaço entre suas pernas. Seu pesado membro se erguia de uma sombra de pêlo escuro. Parecia tão cômodo com sua sexualidade, enquanto ela mal podia respirar.
Deitou-a a seu lado. Ela apertou as coxas a princípio, quando os dedos lhe acariciaram as dobras. Então ele sussurrou:
- Minha esposa - E a necessidade que essas duas palavras despertaram, levou suas últimas defesas.
Seu toque a queimou até fazê-la em fumaça. Ele exalou um profundo suspiro em seu pescoço. Seu marido. Levantou- se por si mesma para receber melhor suas atenções.
Céus. Fechou os olhos, sentindo a dolorosa doçura de sua boca sobre seus seios.
- OH - disse, sem estar preparada para a intensa sensação que pulsava no interior de seu ventre.
Mais. Não podia pedir, mas ele sabia. Apertou o casulo de seu sexo enquanto chupava os círculos dos mamilos endurecidos. Outro dedo trabalhava dentro da vagina, estirando-a para abri-la. A umidade filtrava de seu corpo. Escutou-o gemer de prazer, inalando profundamente como se seu aroma o excitasse.
De repente, ela não podia deixar de se mover. E isso era muito bom. Mas seu ambicioso corpo sabia que lhe podia dar mais.
- Necessito...
Ele sorriu.
- OH. Sim. É a coisa mais úmida que toquei alguma vez.
Sua voz rouca e sexy a desfez. Estremeceu empurrando-se contra ele, virtualmente soluçando pelo que seu perverso sorriso lhe prometia.
Estava certa que morreria de prazer, enquanto seu duro corpo permanecia sobre o dela. Suas palmas calosas a massagearam das costelas até seus seios inchados, acariciando as pontas que tinha deixado sensíveis com sua boca. Seus olhos escuros a devoravam.
- Te amo - disse ele.
- Também te amo, Sebastien.
Seus quadris se moveram sinuosamente, convidando-o. Sentiu como a ereção pressionava entre suas coxas. O ar que respiravam entrava em erupção como fogo. Ele empurrou penetrando-a. O calor úmido e a dor se misturaram. Ela envolveu os braços ao redor de sua cintura. Ele gemeu. Ela deixou de se preocupar pelo que deveria fazer, para deixar que o desejo e o instinto seguissem seu curso.
Estava feliz, e pensou que ele também. Inclusive riu como costumava fazê-lo, enquanto cochilava contra ele, ouviu-o sussurrando em seu ouvido:
- Vênus vitrix... Não sei como o esqueci. Minha memória às vezes...
Beijou-o antes que pudesse terminar.
- Suponho que não se possa esperar que Hércules se lembre de tudo e seja o soldado mais valente da batalha.
Ele se virou, separando-se dela, com um sorriso amargo.
-Já não sou mais um soldado.
Ela escutou um leve golpe na porta de seu quarto, durante a noite. Não se preocupou por isso. Havia-lhe dito que logo o chamariam para um novo trabalho. Mas em sua noite de núpcias?
Ele se fora antes dela acordar na manhã seguinte.
E se o homem com o qual se casara nunca retornasse, ela não seria uma esposa pouco sofisticada.
Belgrave Square, Londres julho 1816.
Nos primeiros três anos depois da primeira noite de núpcias, logo que Eleanor se instalou em Londres, Sebastien fez visitas irregulares a sua esposa. Mas então se viu mais envolvido em seu trabalho e passaram outros três anos durante os quais não tiveram nenhum contato. Quando voltou para Londres, desta vez para ficar, sabia que seria ingênuo pensar que seus sentimentos por ele não tivessem mudado. Tinha-a envergonhado nas bodas. Sua conduta nos três anos seguintes de matrimônio tampouco era para estar orgulhoso. Se tivesse sido um homem melhor, deveria lhe fazer um favor e não apresentar-se nunca ao casamento.
Em retrospectiva, realmente parecia ter sido um bastardo.
Entretanto, segundo o que tinha obtido de fontes de inteligência no último ano, Eleanor tinha conseguido sua revanche de uma forma incrível. Poderia não visitá-la por todo esse tempo, mas tinha contatos em Londres que o informavam a respeito de como estava.
Parou nos degraus de entrada de sua casa em Belgrave por um minuto inteiro antes de fazer conhecer sua presença. Deveria bater ou simplesmente abrir a porta?
A maldita casa lhe pertencia. Sua esposa ainda vivia lá. Tinha estado seguindo suas alarmantes atividades desde há vários meses e tinha mantido suas finanças através de seus advogados de Londres durante os seis anos de matrimônio.
É certo. Poderia lhe ter escrito antes para avisar que o esperasse. Mas temeu que fechasse as portas com chave se lhe avisasse de sua volta. Tirou o chapéu.
Dois vendedores de enguias quentes se detiveram para olhá-lo. Um deu uma cotovelada ao outro. Mas seu cenho sombrio os mandou correndo rua abaixo.
Tomou decididamente a maçaneta da porta, mas estava fechada com chave, algo sensato quando uma dama vivia sozinha em uma cidade infestada de crimes, assegurou a si próprio.
Levantou a pesada aldrava de bronze. Depois de um silêncio interminável, escutou passos apressados que se dirigiam à porta. Olhou ao redor. Era sua imaginação ou o varredor tinha detido sua carroça para observá-lo? Sua volta a casa era um momento tão importante que atraía a atenção dos estranhos?
Dirigiu um meio sorriso ao varredor, mas este, não o devolveu.
A porta se abriu. Alívio e desilusão brevemente escureceram suas expectativas. Seu baixo e calvo mordomo estudou-o com receosa seriedade durante um instante antes de esconder a expressão e lhe fazer uma reverência para lhe permitir a entrada.
- Milord - disse o mordomo. - Não tinha me avisado...
- Quem é Woolbrook? - Perguntou uma voz melodiosa do vestíbulo, à direita de Sebastien.
Ele deu um passo ao redor da genuflexão do Woolbrook e da ordenada fila de bolsas de viagem no hall de entrada.
Não tinha certeza se Eleanor estaria chegando ou indo a algum lugar. Mas de uma coisa sim estava seguro. Deu-se conta, pela surpresa em seu rosto oval quando ela deu um passo adiante, que ele era a última pessoa que esperava ver na porta.
Ele limpou a garganta. Na verdade, provavelmente estava tão desconcertado como sua esposa. Tinha esperado mais. Um grito de deleite. Um abraço com lágrimas.
Uma esposa apressando-se para receber seu marido depois de uma separação indesculpável. Estava formosa, elegante e congelada no lugar. Não estava certo do que ela teria feito se ele não tivesse avançado e a tivesse espremido em um desesperado abraço. Não houve outro remédio que deixar-se abraçar.
- Eleanor - Não pôde evitá-lo. Suas mãos passaram da nuca, às costas, e às suaves curvas mais abaixo. Deu-se conta que outra criada se uniu à criada no patamar. Mas estava abraçando sua esposa, em sua casa, e não era um sonho. Fechou os olhos por vários segundos de felicidade, meio convencido que por seu atônito silêncio que poderia ter dado um passo atrás na posição que tinha abandonado fazia seis anos.
Não se fez nenhuma pergunta e não se obteve nenhuma resposta.
Não era essa a forma inglesa?
O senhor está em casa. A esposa está fora de si de alegria. Não o arruinemos com uma cena.
Tudo está bem agora que sua senhoria está aqui.
Não exatamente.
- Voltei para casa - Anunciou desnecessariamente, como se sua falta de houvesse uma grande aflição, em vez de um entusiasmo pela emoção para reagir.
Como aconteceu, ela estava aflita, mas não do tipo "Sebastien, desejei tanto este momento, que não posso falar" mas sim "Que o céu me ajude. Este lixo voltou em realidade, o que devo fazer com ele?”, era a comoção de uma mulher que se considerava virtualmente viúva.
Seu velho galgo escocês desceu as escadas para ficar grunhindo horrivelmente no degrau inferior, como se Sebastien fosse um fantasma. Inclusive a criada pessoal de Eleanor, Mary Sturges, muitos anos servindo fielmente à família, entrou no corredor para olhá-lo com desgosto, antes de aparentemente recordar qual era seu lugar e lhe dar as boas-vindas com pouco entusiasmo.
Considerando sua história, não deveria sentir-se ofendido de que sua esposa e os empregados domésticos não esperassem que ficasse. Para ser justo, tinha estado na França mais tempo que em sua própria casa. Quase não tinha vivido em Londres absolutamente. O padrão dos comportamentos de sua casa se configurara em torno de um senhor ausente. E desde quando regressou, começou a perceber que sua presença desconcertara a todos.
Tinham sentido falta dele?
Não, se julgasse por seu cão.
Nem tampouco por ninguém mais, de todos os modos, decidiu rapidamente.
- Sebastien - Eleanor disse com um sorriso forçado, sem mover. -Não tinha ideia de que tinha voltado para a Inglaterra.
- Devia ter escrito.
Seus olhos se obscureceram ante um acordo sarcástico.
- Bom, sim.
- Não pensei. –Libertou-a, subitamente consciente de que tinham uma pequena audiência de criados, e de que ela levava posta uma capa leve de viagem.
Fez um gesto com as mãos para as bolsas no chão.
- Está indo a algum lugar? - Perguntou-lhe franzindo o cenho.
Subitamente se perguntou se teria sabido que ele estava voltando para casa. Talvez a tinha pilhado tratando de escapar. Não ia permitir isso. Pelo menos era necessário que ela lhe desse uma oportunidade para se redimir.
Ela inclinou a cabeça para trás. Um débil rubor tingiu suas pálidas faces, como duas maçãs.
- Sim. Eu...
Então a beijou.
Não queria ouvir que ia embora, ou que tinha chegado muito tarde. Fechou os braços ao redor de sua cintura, relaxando-a polegada a polegada, até que ela se viu obrigada a ceder ou a fazer um escândalo inapropriado. Sua boca era tão fria como a chuva inglesa, mas a piscada de surpresa o tranqüilizou em que não tinha esquecido a paixão que uma vez tinham compartilhado.
Muito breve. Ele saboreou a débil pressão dos dedos enluvados acima de seu pulso, a cálida entrega do corpo de uma mulher contra uma força não eqüitativa.
Deixou-a ir antes que ela pudesse tomar outro fôlego. Deixou cair a mão de seu pulso. Então riu como se sentisse envergonhada, sendo pelo beijo ou por sua própria débil resposta.
-Me ausentarei por duas semanas - disse depois de uma pausa incômoda.
- A?
- Brighton. Com a duquesa e seus filhos - Explicou, recuperando-se com um aprumo invejável- Ela acredita que um pouco de ar marinho lhes fará bem.
- Não me fará bem. - disse sem pensar.
- Perdão...
Ele riu. Não lhe importava o que os criados pensassem. Não estava pedindo ao pessoal que lhe desse filhos ou compartilhasse sua vida.
- O que quero dizer é que vai justo quando chego em casa, e estou decepcionado.
Ela sacudiu a cabeça. Esperava que o convidasse a acompanhá-la. Em vez disso, disse:
- Bom, acho que você entende o motivo pelo qual não posso decepcionar à duquesa. Pretende ficar aqui enquanto estou fora?
- Não. - Olhou pelo corredor aos criados que estavam esperando como uma fila de soldados de madeira- Não, tenho outros acertos. - E ante seu evidentemente semblante aliviado se sentiu compelido a acrescentar: - Por enquanto.
Disparou-lhe um olhar.
- Então suponho que o verei...?
- Quando voltar de Brighton - disse com firmeza- Não está de saída agora?
Olhou além dele à porta.
- O senhor Loveridge deverá estar aqui a qualquer momento.
- Quem? - Perguntou agudamente.
- O secretário da duquesa.
- Ah, sim. Loveridge. Ouvi o nome.
Produziu-se um silêncio incerto entre eles. Um momento depois observava como desaparecera na confortável carruagem de viagem da Duquesa de Wellington.
Que ironia! Três anos atrás ela tinha estado neste mesmo lugar vendo-o partir pela última vez, lhe dando uma explicação por sua partida tão vazia como soava a dela agora. Ela tinha conhecido pouco a respeito de seu trabalho, só que tinha sido despedido de sua companhia Peninsular cinco anos atrás, por um requerimento pessoal do Duque de Wellington.
Ela e o pessoal da casa achavam que servia em algum tipo de atividade encoberta.
Ele tinha optado por não aprofundar a respeito dessa equivocada percepção aduladora.
A realidade era mais sombria. Depois que Sebastien tinha sido ferido na Espanha, incapacitando-o mais espiritual do que fisicamente, tinham-lhe outorgado a ignominiosa honra de incubar conspirações insurgentes nos estratégicos portos franceses. Enquanto os soldados de sua companhia tinham obtido a glória em Waterloo, Sebastien tinha sido relegado às tavernas de Havre e Honfleur, interceptando mensagens entre as criadas e os luxuriosos clientes que raramente tinham algum significado.
Seus superiores pensavam que lhe fora arranjada algum tipo de decepção. Já não estava em forma para o campo de batalha. Poderia facilmente tomar um rifle e dispará-lo, mas não se recuperara o suficiente para determinar a quem tinha que disparar, um problema considerável para um oficial da infantaria de vanguarda. Entretanto podia cometer males necessários sem deixar rastros.
Fazia entrega de pagamentos, e capturava criminosos de guerra. Oferecia subornos. Algumas vezes iniciava distúrbios. Descobriu que ainda albergava o talento Boscastle para criar uma briga. Inclusive de vez em quando podia fazer desaparecer permanentemente um agente duplo e nem sempre de uma maneira agradável.
O preço que tinha tido que pagar para recuperar seu orgulho não era algo que estava disposto a revelar a Eleanor.
Já estava bastante desiludida pela forma em que a tinha tratado, para lhe dar mais razões para que desconfiasse dele.
Ainda mais, quem ia suspeitar que sua mulher abandonada tivesse procurado uma vida secreta por si mesma? Que ele retornaria não à serena menina inglesa que lhe tinha sussurrado no dia de suas bodas que não poderia sobreviver sem ele, mas à aventureira que não só tinha sobrevivido, mas, além disso, tinha prosperado?
Uma esposa que se convertera em uma agente privada sob o subterfúgio da duquesa de Wellington?
Havia voltado com todas as intenções de chegar a ser o marido com o qual Eleanor acreditara que estivesse casada. Mas claramente sua amada tinha enchido o vazio que ele deixara com suas próprias travessuras.
Que vingança tão ardilosa!
Gostaria que sentisse falta dele. Que perdoasse e voltasse a ser sua esposa outra vez. Em vez disso, transformaram-se em competidores. Ficou nos degraus até que a carruagem a levou e se perdeu de sua vista. Como diabos poderia impressioná-la agora? Deveria correr atrás dela como um idiota apaixonado e lhe exigir que voltasse?
Olhou ao redor. Uma assembleia de vendedores de rua estava em uma esquina olhando-o atônitos.
- Sumam daqui! - disse-lhes de mau humor, voltando- se para a casa.
Tinha cortejado Eleanor apaixonadamente, um oficial que se apaixonara pela filha do cirurgião na Espanha e a tinha assediado entre batalhas com uma determinação desumana.
Mas tinha sido um cretino ao assumir que, estando com ela uma vez, ela lhe pertencia para sempre.
Esperava que tudo começasse novamente. Provar que desta vez, não desapareceria de sua vida.
Esperara com ansiedade cortejar sua própria esposa.
Mas o que não tinha antecipado e que chegou a ser assombrosamente evidente nos seguintes três meses, era que não só tinha de demonstrar ser um marido melhor, como também tinha de provar a Eleanor que era um homem melhor.
Londres, Outubro 1816.
A voz de Eleanor, desafiando-o zombeteiramente, trouxe-o de volta ao dilema atual, o baile de máscaras.
- Não está prestando atenção - disse, fazendo uma careta com a boca- Não escutou nada do que estou dizendo.
- É claro que sim, escuto - mentiu ele.
Ele ficou olhando para sua boca. Agora sim que não escutava mesmo. Tinha tanta vontade de dançar como de conversar.
Seus sentidos, desprovidos durante tanto tempo, rogavam por um alívio. Mal a havia tocado em sua volta e estava tão preparada como um par de pistolas de duelo. Tinha esperado qualquer incentivo para deitar-se com sua formosa esposa.
Fingiu certa atenção. Inclusive inclinou a cabeça para agir como se sua vida dependesse de suas palavras. No intervalo final, a dança a aproximou dele. Tinha sentido falta da fragrância sensual de sua pele, e os prazeres quentes a que convidavam. Não importavam quão desoladores seus trabalhos tinham sido, pensar em Eleanor o fazia sorrir. Sempre tinha tido a intenção de voltar para casa com ela. Provavelmente deveria ter deixado que ela soubesse.
- Estou prestando atenção - disse com uma diversão sombria. - Não se preocupe isto é um jogo de crianças comparado ao que estava acostumado a fazer.
- Isso é o que disse - Ele estudou com cautela especulativo. - Vai revelar alguma vez os detalhes macabros?
- Não - disse, disposto a guardar silêncio sobre o assunto. Se alguma vez se inteirasse da natureza escura e suja de suas imorais missões, iria correndo e gritando para sempre de sua vida.
- Por que não o posso saber?
- Acredito que um pouquinho de mistério torna um homem mais atraente - disse rotundamente. E se isso não o fizesse soar como um imbecil, então não sabia o que o faria.
Sua suave boca se curvou para cima sob a máscara. Tinha o sorriso mais encantador que tinha visto, se a pessoa deixava de lado as costeletas e o fato de que o estava frustrando mais que o inferno.
- Está muito bem um pouco de mistério - ela replicou. - Mas você, meu senhor sombrio, é o Santo Graal dos mistérios.
- Não tem que sair para me procurar - disse ele, com um grande sorriso, enquanto a fazia virar com graça através da fila- Não tenho nenhuma intenção de ser um marido desaparecido outra vez.
- Marido ou guardião arrogante?
- Parece que necessita um pouco de ambos - E realmente o dizia de verdade. Ela não sabia quão resolvido estava a tê-la.
Ela perdeu um passo, os olhos lhe faiscavam.
- Durante esse tempo, me virei sozinha.
- Arrumou-se para se colocar em um enredo incrível.
- Quer dizer, de volta a seus braços?
Ele riu baixo, atraindo-a contra seu corpo.
- Pode ter evitado aos melhores detetives de Londres, madame, mas de mim, não tem escapatória.
Ela levantou a mão para lhe endireitar a banda que lhe cruzava o peito.
- Nunca fui a nenhuma parte, Sebastien - disse em uma voz suave que lhe revolveu a culpa e o desejo em seu interior- Poderia me achar quando quisesse.
Um nó lhe apertou a garganta. Tinha o toque de uma sereia. Desejava senti-lo por todo seu corpo. Mas também tinha uma língua tão afiada como uma espada de aço do Toledo.
Suas palavras cortavam.
- Will está aqui? - Perguntou deslizando a mão a seu lado.
Ele apertou os dentes. Seu olhar a percorreu sem ocultar o desejo. Sentia o vapor ardente entre eles, não dava nenhum sinal de debilidade. Língua cortante, corpo formoso, coração cauteloso. Teria que revisar sua estratégia e tomá-la mediante meios nefastos, em seu lugar.
Olhou através do salão a um arlequim parado ao lado de uma grande lareira de mármore.
Não sabia se Will, o primo de Eleanor, tinha-a animado na busca de emoções, ou se era ao reverso. Só sabia que deveria frear esta dupla cheia de ideias.
- Acaba de chegar do jardim.
A risada e conversa surgiu quando se produziu um silêncio depois que a orquestra terminou a dança. Sebastien a soltou com relutância. Notou que ela resistia a olhar ao redor para reconhecer seu primo. Quanto autocontrole tinha sua esposa agora.
Acontecia isto a uma mulher que aprendia a viver sozinha? Deu-se conta que ele tinha mudado. Era razoável supor que ela não permaneceria sendo a pessoa descomplicada com a qual se casara. Entretanto, para ser honesto, nunca tinha considerado que a ausência de amor pudesse apresentar esta situação intrigante.
Como um homem recuperava a confiança de sua esposa quando essa se transformara em um homem pela cidade?
- Em qualquer momento - Murmurou ele- Se algo sair errado, não deve entrar em pânico.
Deu-lhe uma palmada condescendente no braço.
- Nem você, milorde. Assumirei a responsabilidade total se nos pilharem. Jogue toda a culpa à loucura feminina. A duquesa achará a forma de me tirar segura do país.
- Perdão?
-Tenho tudo sob controle, Sebastien.
- Enquanto acredita nisso, não a desiludirei - Olhou a mão fina que tomava seu braço- Não em público, de qualquer maneira. Em particular. Cada homem é sempre a mesma pessoa, inclusive aqueles que só aspiram a ser homens.
Esperou que ela reagisse. Outro homem teria respondido ao insulto. Em vez disso, bloqueou os olhos com os seus em uma avaliação implícita. Percebeu que não a tinha afetado em nada. Então abriu os lábios e o mais suave dos suspiros escapou dela.
Poderia ter sido um suspiro de exasperação.
Mas lhe queimou o sangue e suas pulsações se incrementaram com masculina resolução.
Tinha uma oportunidade. Sabia.
Não importava quão impenetrável era seu escudo de frieza, tinham feito os votos. No instante que ela se debilitasse, coisa que o faria, aproveitaria sua vantagem.
-Me siga - a instruiu, retirando o braço de seu encantador e firme toque, o assunto já decidido, ao menos em sua mente.
- Como quiser, Sebastien. -Respondeu assentindo com a cabeça. Isso era melhor.
Era uma noite para impressioná-la, para lhe mostrar sua tremenda experiência em subterfúgio. Não ia presumir. Logo ia entender como um profissional dirigia os assuntos encobertos. Inclusive os frívolos, como roubar antigas cartas de amor para uma duquesa exigente.
Crente de que o curso de seu próprio amor verdadeiro não teria tropeços, irritou-se quando ao voltar-se viu um corpulento cavalheiro fantasiado como o rei Charles II, com uma negra peruca frisada e calças até os joelhos, obstruindo seu caminho. Sebastien poderia havê-lo empurrado a um lado tão grosseiramente como ele mesmo se apresentara. Infelizmente não se podia dizer o mesmo da peituda que ainda por cima usava um vestido com o decote bem pronunciado e quem alegremente bamboleava seu soberano traseiro.
Um cavalheiro não tinha asperezas com uma dama embora se aplicassem certas exceções.
Eleanor se deteve a conversar com eles. Sebastien hesitou em intervir. Ela sabia seu jogo. Necessitava ajuda?
Não parecia ser o caso. Ela não deu nenhuma indicação de que tivesse algo melhor que fazer que trocar amabilidades sem sentido com um casal que nunca mais veriam.
- Querida - disse ele, no tom mais leve de censura, como se em qualquer momento o salão não se encheria de fumaça pela mão de sua prima.
- Querido - disse ela sorrindo ingenuamente, como se em qualquer instante o mundo pudesse estalar em chamas, e ela escaparia ilesa- recorda o Major Dunstan e a sua esposa?
- Sabia que esse rosto me era familiar - Fez uma pausa. O casal não lhe era mais familiar que os lacaios que lhes enchiam as taças de champanhe. Às vezes seus lapsos de memória eram uma bênção. Em outros momentos, eram uma fonte de vergonha - Nunca se esquece dos velhos amigos nem daqueles que fazemos em nossas viagens - Eleanor disse rapidamente - Que pouco interessante seria nossa estadia no Bath sem o Major nos entretendo com suas brincadeiras concisas e contundentes.
Olhou sua esposa com profunda gratidão. Sentia-se ressentido porque ela entendia seu problema; queria resgatá-la, maldição, não o contrário.
- Estamos aliviados de vê-lo de volta em casa, e em tão boa forma - disse a esposa do major, passando adiante de seu marido para ter uma melhor vista de Sebastien.
Ele fez uma reverência sobre seu decote empoado em excesso. Um bom espirro e a amistosa dama lhe tiraria um olho.
- E que bom ver que está - fez uma pausa para achar a descrição correta- embelezada para um rei.
Eleanor sorriu, dando um sutil passo para trás. Ele conteve o impulso de tomá-la e mantê-la ao seu lado.
- O major e sua esposa têm escrito frequentemente perguntando quando voltaria para casa.
- Que amáveis!
-Um cavalheiro não pode conceber um herdeiro enquanto está longe – O major Dunstan disse jovialmente.
- É verdade - Sebastien dirigiu um olhar significativo a sua esposa pela extremidade de olho. Ela baixou os olhos, mas por um momento, escureceram-se.
- Então o que está fazendo aqui, milorde? - Perguntou-lhe o major-rei fazendo uma maliciosa piscada a Eleanor.
Sebastien sacudiu a cabeça, se perguntando o mesmo, enquanto Eleanor dava uma vaga resposta.
Até onde o resto da Inglaterra sabia, tinha servido honrosamente na Infantaria Britânica sob o comando de Wellington até que as feridas de batalha o tinham obrigado a servir em uma capacidade mais tranqüila. Pelas aparências, se podia assumir que tinha voltado para casa a cumprir seu próximo papel como um membro privilegiado da sociedade para procriar herdeiros.
É claro, as aparências enganavam, e não era que não estivesse ansioso de cumprir com seu dever.
Mas o que jazia debaixo das aparências de seu particular matrimônio, estremeceria à sociedade até a medula.
Bem, o fato que agora trabalhasse para os agentes do duque provavelmente teria levantado um ou dois assuntos.
Mas como ele e sua esposa se converteram em rivais em uma acalorada corrida de intriga pessoal? Que enquanto Sebastien dera conta de trabalhos subversivos para o duque em escuros portos franceses, sua querida amada obteve um lugar de notoriedade na história de Londres que nenhum deles poderia conseguir esquecer.
A duquesa considerava que Eleanor era sua melhor espiã.
Espionagem? Sebastien teve que sorrir.
As armas que Eleanor usava não eram senão emoções e grandes gestos. A batalha de fidelidade que defendia em nome da duquesa não brigava em nenhum chão estrangeiro, mas aqui, nos dormitórios da Inglaterra.
Como diabos tinha ocorrido?
Como, durante sua separação, sua amada se convertera na pessoa que escandalizava toda Londres?
Sebastien obtivera informações, só porque trabalhava na inteligência britânica.
Pelo que tinha conseguido reunir, a Duquesa de Wellington, uma esposa abandonada, tinha tomado Eleanor sob sua asa. Tanto o duque como a duquesa estimavam muito o pai de Eleanor, um cirurgião compassivo com uma habilidade pouco comum.
Provavelmente o afeto da duquesa pelo doutor Prescott transpassou a sua filha, que também tinha desenvolvido uma destreza pouco comum.
Como as duas damas tinham cozinhado o complô do mascarado, Sebastien não estava certo. Supôs que tinham organizado esta tolice enquanto tomavam chá, especialmente desse ao que alguém adiciona quantidades liberais de xerez no bule. Fez- se um quadro onde via como o complô se ia fazendo cada vez mais atroz à medida que iam bebendo chá até que alguém tinha convencido à outra que o plano tinha seu mérito.
Seu propósito, conforme seu entendimento era achar doze cartas escritas a várias mulheres em toda a Inglaterra, por uma dama que dizia que o duque a tinha descartado como amante. Seu nome era Lady Viola Hutchinson, e agora vivia na Bélgica ou Irlanda. Esta autora descontente não tinha sido vista fazia tempo. Mas a ameaça que suas cartas se fizessem públicas tinha induzido à duquesa a tomar tal decisão.
A Wellington nada importava o que outros dissessem a seu respeito. Tinha ganho uma guerra brilhante. Estava ocupado em Paris repartindo pedaços do mundo em seus poderes como a pessoa repartiria um saboroso pudim de Natal. Tinham-no acusado antes de infidelidade. Inclusive seu nome tinha aparecido em um julgamento.
Quando Sebastien lhe disse do que se inteirara, bradou que deixassem, que publicassem as malditas cartas. O que importava o que dissesse uma amante despeitada? Deixem que as acusações voem como flechas. Encolheu os ombros antes. Sem dúvida o faria outra vez.
Sua esposa e a Duquesa de Wellington decidiram outra coisa. Ele teria dito em sua cara se ele se incomodasse em escutá-la. Estas cartas insultavam sua dignidade.
Precisava considerar a reputação de seus filhos. Por que seus filhos tinham que crescer acreditando que seu brilhante papai tinha cometido adultério? Os presumidos pecados de seu pai não tinham de conduzi-los sobre seus ombros.
Assim, motivada como só uma mãe preocupada poderia ficar , não sendo só a esposa de um grande guerreiro, havia comissionado sua amiga fiel, Lady Boscastle, para recuperar estas missivas escandalosas.
Sebastien apenas se inteirou deste plano, apressando-se a intervir o mais rápido que pôde. Para ser franco, tinha procurado qualquer desculpa para voltar para casa. Apesar dele e Eleanor terem caído neste distanciamento, nunca tinha deixado de pensar em Eleanor como sua esposa. Não gostava da idéia de que estivesse envolvida em qualquer tipo de intriga, inclusive este plano furtivo das taças de chá. Não se dera conta do perigo potencial a que ela se arriscava, até o fato de não ter retornado a Londres. E também mentira quando lhe disse que seus superiores lhe tinham ordenado monitorar seus assuntos.
Mas, inesperadamente, em lugar de detê-la, havia se envolvido ele mesmo em sua questionável intriga. Há uns poucos meses tinha pulado de uma janela em uma carruagem para impressionar sua esposa. E a polícia o perseguira através dos becos.
Em lugar de persuadir Eleanor para que abandonasse essa loucura, ela o tinha convencido para que a ajudasse.
E ainda assim, ela o tinha mantido a distância, uma tentadora que logo se acharia tomada.
Franziu o cenho, e seu pensamento voltou para o baile de máscaras. Nell Gwyn lhe acabava de dar uma cotovelada nas costelas.
- Sua esposa está com medo dele, milorde? - Perguntou-lhe em voz baixa.
Ele piscou. Uma das moscas artificiais do Nell lhe estava correndo para baixo do queixo. Observou-a descer, com interesse.
- Assustada de...?
- Você sabe quem - Eleanor disse com um tremor de confabulação, empurrando a mosca de Nell a seu lugar. - Esse cafajeste que está aterrorizando todos os dormitórios de Londres.
O major Dunstan golpeou com seu cetro a banda de Sebastien.
- O que diria, milorde, se combinarmos nossa autoridade para colocar este mascarado de Mayfair na prisão?
Os olhos de Eleanor se arregalaram alarmados.
- Não acha que está aqui, não é verdade? - Olhou através do salão iluminado com as velas. - Não um dos convidados?
Olhou impotente para Sebastien aproximando- se mais a dele. Embora ele soubesse que esta súplica feminina a sua masculinidade era uma atuação, sua masculinidade respondeu.
Sua teoria era tomar tudo o que lhe oferecia e depois pedir desculpas. Enfrentava uma considerável quantidade de tomar e pedir desculpas, inclusive por abandonar seu matrimônio.
-Talvez devêssemos ir para casa, depois de tudo - Acrescentou ela. - Nunca imaginei que o canalha seria tão atrevido para aparecer em uma festa. Acredito que dobrariam os meus joelhos.
- Com certeza eu o pegarei disse galantemente.
Deu-lhe um sorriso irônico. Que valente era zombando dele.
- Que reconfortante é, coração querido.
-Farei tudo para protegê-la do mascarado, minha pérola preciosa.
- Duvido que represente um perigo para você, Lady Boscastle - Nell Gwyn disse medindo Sebastien pela extremidade do olho. - É difícil imaginar o diabo corajoso que passe a guarda de sua Senhoria.
-Tem mais coragem que qualquer um possa imaginar - disse Sebastien rindo espontaneamente.
A dama dobrou a cabeça a um lado.
-Tem uma associação pessoal com ele? - Perguntou-lhe com astúcia.
Ele grunhiu.
- Não tão pessoal como deveria...
-Meu marido o conhece tão pouco ou tão bem como qualquer um em Londres - Eleanor interrompeu imediatamente-. E o admira, como eu.
Deu-lhe um sorriso agradecido.
- Minha admiração não tem limites. Como meu desejo por vê-lo retirar-se para seu próprio bem, antes que volte a atacar outra vez. Eu adoraria encontrá-lo na escuridão e convencê-lo que se afaste de suas aventuras perigosas.
-Teria que ser bastante persuasivo - o major observou.
- Confiem em mim - Eleanor disse.
-Tudo isto soa um pouco perverso - disse Nell, fazendo um gesto de especulação com seus lábios.
Eleanor deu um tapinha contra sua coxa.
- Perverso é o segundo nome de sua Senhoria.
- Estou desfrutando tremendamente esta conversa - Nell confessou. - Por que esperamos tanto para nos reunir?
Seu marido lhe franziu o cenho.
-Use o aparelho de surdez, querida. Não escutou? Sua Senhoria acaba de voltar da França.
Sebastien lançou uma olhada à lareira, em seguida a Eleanor. O major Dunston desceu a viseira para examinar o espartilho de raias cinzas e a apertada aba negra, ou melhor, as generosas curvas acentuadas pela lã justa.
- Que traje mais novo - Comentou.
Sebastien limpou forte a garganta e franziu o cenho a Eleanor.
- Vou procurar a capa?
- Estou muito bem - disse ela. - Está sentindo frio, milorde?
- Poderia estar mais protegido.
-Talvez deveria se colocar perto do fogo - lhe sugeriu.
- Mas então quem estaria aqui para protegê-la? - Perguntou-lhe em voz baixa, trocando sua postura para lhe recordar que tinha reclamado esse direito.
- O bom major, provavelmente. -Respondeu.
Ele deixou passar o comentário, consciente que estava tentando provocá-lo. Sua interferência no trabalho para a duquesa não estava ajudando a desculpar a separação.
- Quer uma xícara de chá quente? - Perguntou-lhe solícita.
Olhou-a.
- Não, a menos que esteja se oferecendo para ir para casa para ferver água para mim.
Ela se voltou. Era o momento.
Endireitando-se, deu um pequeno assentimento ao arlequim parado ao lado da lareira.
Um cesto de laranjas sustentado entre um par de seios enrugados obstruiu-lhe o passo.
- O que acha que quer o mascarado? - Nell Gwyn recuperou o fôlego, sua obsessão com o homem que era sua esposa punha-lhe os nervos em ponta.
Ele encolheu os ombros, fazendo a conta regressiva.
- Só ele pode responder a isso.
- Sabe que ao menos uma descrição deste vilão poderia corresponder à sua? -Ela perguntou, aproximando-se um pouco.
Ele reprimiu sua exasperação.
-Me diga que isso não é verdade.
- OH, sim. Bom, pelo que lembro. Quanto mede se não se importar que lhe pergunte?
- Em torno de 1,85.
Ela soltou um risinho.
- É muito maior que isso.
- Senhora Dunstan - disse com uma recriminação simulada, - não me diga que uma senhora com seu bom senso atribui o heroísmo ao caráter destes atos?
- Bom, a gente sente certa simpatia pelo descarado.
Ela tratou de escorrer do lado de seu marido para continuar com a conversa.
- Admitirei só isto, se as senhoras de Londres são relutantes a aventurar-se fora logo do anoitecer, é unicamente porque esperam que ele as visite na privacidade de suas casas. Eu... eu desejaria que ele viesse ao meu quarto, milorde. Dar-lhe-ia o que talvez esteja procurando.
- Madame. - Ele tocou seu coração, um perfeito cavalheiro envergonhado por esta terna confissão. E onde diabos Eleanor se meteu?
- O gato conseguindo escapar de você? - O major Dunstan perguntou com um olhar sagaz para a forma que a aba se ondeava através do salão de baile, o tecido produzindo um sibilante som desde seu traseiro.
Uma série de ensurdecedoras explosões e impressionantes brilhos de luz vermelho douradas fizeram erupção na lareira. A fumaça seguiu em redemoinhos que se retorciam para o lustre como demônios desatados.
Nell Gwyn gritou, jogando sua cesta no ar. Suas laranjas voaram a seu redor.
Antes que Sebastien pudesse escapar, ela fingiu um desmaio tão dramático que ele se viu na obrigação de agarrá-la em seus braços. No instante em que ela pareceu estar estável sobre seus pés, a fez retroceder para seu companheiro, que não tinha pronunciado uma palavra, seu rosto branco como giz debaixo dos cachos de cabelo de sua longa peruca negra.
Amaldiçoando a si mesmo, Sebastien recolheu várias laranjas e as jogou de volta dentro da cesta caída.
Estava tentando perder o tempo reconfortando aos convidados desconcertados que não estavam em nenhum perigo por causa desta pirotecnia ilusória, apesar de uma demonstração tão convincente como foi. Sebastien tinha praticado efeitos similares várias vezes com barris de brandy vazios quando ele se escondera a bordo de navios franceses e tinha requerido uma distração para saltar pela amurada.
Ainda assim, ele deveria ter sabido melhor que perder o tempo admirando o truque de aficionados.
Antes que a fumaça se desvanecesse, se deu conta de que Eleanor tinha aproveitado esta oportunidade para escapar. Como deveria fazer ele.
O bom gato, precisava ser um bom camundongo para avantajar a um bom gato.
Cortou caminho através do salão de baile atrás do lugar do cenário onde a orquestra tinha estalado com uma estrepitosa interpretação do “Rule Britannia". Perdera uma oportunidade, enrolado por sua mulher. Enquanto recolhia as laranjas, Eleanor fugira, para revistar o dormitório de Lady Trotten. Isso porque queria impressioná-la com suas artimanhas profissionais.
Verdadeiramente, isso não importaria para ele. A menos um punhado de ganchos de ferro descrevendo um namorico que poderia ou não inclusive ter ocorrido. Preferiria deslumbrar Eleanor com suas habilidades no dormitório em lugar de sua habilidade para fazer explodir pequenas bombas. Tinha a intenção de compensar seis anos de descuido, como marido e como amante.
O que continuava incerto era se poderia persuadi-la de que ele merecia a oportunidade de tentá-lo.
Mudança de planos. Sebastien se felicitou por ter tido a perspicácia de sair pela pequena porta detrás do palco dos músicos, evitando assim o congestionamento que Eleanor acharia fora do salão de baile. A partir daí, previa que achar a carta seria um trabalho fácil. Logo se deu conta de que Lady Trotten não guardava seus pertences privados no dormitório que compartilhava com seu marido. Mantinha uma suíte independente no extremo oposto do corredor. Era bom que tivesse aprendido a antecipar estes rodeios inesperados. Não havia dúvidas de que Eleanor ainda estava procurando no aposento equivocado.
Levou uns trinta e cinco segundos adicionais para forçar a fechadura de bronze que dava a uma escura sala de espera equipada com um enorme divã de veludo que se encaixava em quatro pés com garras de leão.
O sofá, rodeado na esquina mais longínqua por três espelhos em pé, pôs-se claramente para convidar a encontros à luz da lua. Era de esperar, entretanto, que qualquer entrevista que a senhora desfrutasse nesse lugar estava à espera de um momento mais conveniente.
Ao menos, mais conveniente para o homem que tinha irrompido no aposento.
Mal deslizou a carta dentro de sua casaca, designada como a desejada por seu selo quebrado de cor carmesim, deu-se conta de que não estava só na sala da senhora.
Tampouco era a senhora. Era um homem dirigindo-se para o sofá. Adorável momento para que ela levasse a cabo uma aventura.
- Je vous prie, madame [1]- Ofegou seu amante entusiasta enquanto tropeçava com o divã, de maneira que ficou esmagado sob a generosa forma dela, até que tudo o que Sebastien podia distinguir dele era seu braço para fora e seu pé com meias.
- Não faço a menor ideia do que está me falando - sussurrou, sem fôlego - Mas por favor, não se detenha. Sei que nossos países estiveram em guerra. Façamos a paz sob nossos próprios termos.
Sebastien se apoiou contra a parede, suspirando profundamente.
Bom, não era encantador?
Se não se achasse com Eleanor à hora acordada, nunca ouviria o final disto. Acusaria-o de ser pouco profissional.
Esperou uns instantes atrás do toucador, tentando ignorar os gritos de paixão que se erguiam do sofá. Em um momento dado, o amante de Lady Trotten gritou que ela o tinha matado. Sebastien resistiu ao impulso de olhar.
Dentro de uma hora mais ou menos, esperava seu próprio sofrimento, uma agitação similar. Sua esposa tinha que saber quanto a desejava. E pensou que ela também o desejava. Mas, de novo, ele a desejava o suficiente pelos dois.
- Seus seios são como as peras do Anjo- ofegou o homem debaixo da esposa adúltera de Lorde Trotten enquanto reaparecia para tomar ar. - Seu ventre é uma horta de oferendas amadurecidas, um prado de prazeres férteis, um...
- Fale em francês – queixou-se ela- E se apresse, meu marido acredita que estou trocando os sapatos.
Sebastien olhou instintivamente enquanto a porta se abria para deixar entrar uma sombra negra e silenciosa. Os olhos da sombra lhe chamaram atenção.
Ele sorriu.
Ela se aproximou dele.
Ele sacudiu a cabeça em alerta, esperou até que Lady Trotten fizesse outro gemido inconsciente e escapou para reunir-se com Eleanor na porta.
Momentos mais tarde, Lorde Whittington, o Prefeito de Londres, e seu gato fiel, desceram a escada principal pelo braço. Lorde e Lady Boscastle tinham estado separados durante anos por circunstâncias alheias a sua vontade. A multidão entendia o significado de uma saída antecipada. Quem não suspiraria de prazer ao ver o alto e belo barão e a sua amada esposa reunidos por fim?
Lorde Boscastle agradeceu a seu anfitrião por um tempo maravilhoso e se foi tranquilamente com sua esposa para a carruagem estacionada na rua seguinte.
O primo de Eleanor estava inclinado sobre o assento do cocheiro, sua máscara arlequinesca dissimulada debaixo de uma capa de sarja marrom e as rédeas colocadas ao redor dos pulsos.
- Estão com três minutos de atraso - Exclamou enquanto se aproximavam. - Pensei que ia ter de resgatá-los.
Sebastien soprou. O dia que Will Prescott resgatasse a alguém seria um dia para mencionar nos livros de história. O jovem era tão magro como um pau e a metade de intimidatório, com apenas um rastro de barba que demonstrasse sua dignidade. Acovardou-se ante a visão de sangue falso no cenário. Tivera pesadelos desde sua infância. Mas era família de Eleanor e seu companheiro constante. Sebastien sentiu um reticente carinho por ele, embora suspeitasse que fosse ela quem cuidou de Will, apesar dele afirmar o contrário.
Subiu a escada depois de Eleanor e fechou a porta.
A carruagem avançou rapidamente antes que algum deles tivesse a oportunidade de se sentar.
Eleanor tirou a boina, o cabelo vermelho escuro caiu livre. Sebastien sorriu a si mesmo enquanto ela se deixava cair no assento e começava a puxar com impaciência suas calças. perguntou-se quanto tempo lhe levaria a entender que estava apanhada. E de que ele estava disposto a ajudá-la se só o pedisse.
-Recuperei a carta como prometi - disse, fingindo não se dar conta da situação até que seus indignados ofegos se fizeram muito alto para ignorá-los.
- Algo vai mau? - Perguntou.
- Apanhou-me a aba com a porta!
- Eu não... - Olhou para baixo, sorrindo lentamente- De verdade?
Deixou-se cair no chão da carruagem, lhe lançando um olhar.
- Vai ficar aí sentado com esse horrível sorrisinho enquanto luto para me livrar?
- Se deseja minha ajuda, é só pedir!
- Pensei que a estava pedindo.
- É uma honra - disse, inclinando-se sobre ela. - Depois de tudo, quantas vezes pede ao marido que livre sua esposa de...? Bom, provavelmente é melhor não descrevê-lo.
- Não - Engoliu em seco enquanto ele inclinava sua cabeça para a sua. - É melhor não mencioná-lo. Isto é muito incômodo.
- Posso imaginar isso.
- É tentador pensar que o fez de propósito.
Ele estalou a língua.
- Se alguma vez tiver o prazer de te apanhar, não será em uma carruagem correndo pelas ruas de Londres.
- Espero que isso não seja uma ameaça - disse ela em voz baixa, ficando quieta.
Ele riu entre dentes.
- Quando me viu recorrer à força física?
-Às vezes penso que não o conheço absolutamente.
-Tenho a intenção de que isso mude. Caso me dê a oportunidade de provar a mim mesmo.
Seus lábios se esticaram em um sorriso sedutor.
- Mal estou em condições de fazer nada mais.
Ah, um começo.
Ou era uma ilusão de sua parte?
Maldita seja se lhe importasse ao final. Um homem aprendia a pôr o pé na porta e a fazer um lugar a si mesmo.
- Sebastien - Sussurrou, vacilante.
Ele tomou fôlego. Sua boca suave lhe tentava. Aproximou-se para beijá-la no inoportuno momento em que Will dobrou a esquina sobre duas rodas.
- Diabos - pegou-a sob o braço, estabilizando-a contra o movimento da carruagem. Ela começou a rir. Por um momento se contentou abraçando-a. Logo, lentamente, levantou a outra mão, acariciando com os dedos seu rosto e sua garganta. Os olhos femininos se obscureceram, sustentando os seus, atraindo-o para ela.
- Valha-me Deus - disse ele em voz baixa. - Colocou-se em problemas, não é verdade?
- Dei-me conta disso no dia de minhas bodas - disse.
- Ah. Volta a me atormentar. Esperava que perdoasse e esquecesse.
- Sebastien, por favor. Podemos falar de nossa malograda bodas em outro momento.
Ele tirou a máscara e ficou de joelhos, passando a mão da extremidade apanhada até o lugar onde estavam as calças.
- Acredito que sei qual é o problema. - ele lhe deu uns tapinhas no traseiro para consolá-la- A aba está unida ao traje. Um vai claramente com o outro.
- Que ardiloso de sua parte.
Seu bigode com aroma de champanha lhe fez cócegas na nuca durante vários momentos tortuosos e seus seios, cuja forma a ele nunca lhe ocorreria qualificar como peras de Anjou, apertaram-se contra seu ombro. O desejo por ela golpeou através de todos os vasos sanguíneos de seu corpo. Era dela, e ainda assim tinha medo de tê-la perdido.
- O que está fazendo aí embaixo? - Perguntou ela com voz vacilante.
Contemplou suas coxas antes de olhá-la de novo.
- Estava pensando em quão peculiar é a vida.
- Ainda não é hora de tornar-se filosófico - disse com o cenho franzido.
Ele sorriu.
Este era o encontro mais próximo que tinham tido em anos. Ela era literalmente uma espectadora cativa, em uma posição com a que tinha sonhado e embora não fosse a situação propícia para fazer amor, não tinha vindo através do inferno para renunciar a ela sem uma luta.
Ele sacudiu a cabeça, desconcertado.
- Em todos os anos que estivemos separados, perguntei-me constantemente no que empregava o tempo.
- E agora satisfez sua curiosidade? - Olhou- A com um leve sorriso.
- Minha curiosidade não se satisfez absolutamente. Tenho mais pergunta que nunca a respeito de suas atividades, embora deva confessar que em meus piores momentos nunca o teria imaginado nesta situação.
- Não? Como me teria imaginado então?
- Suponho que tinha medo de ter rivais por seu afeto. Cavalheiros que considerassem que um marido ausente não é uma obrigação, a não ser um estímulo.
Ela piscou enquanto ele deslizava a mão ao redor de seu traseiro.
- Não estive a mercê de nenhum homem até este momento - disse- Sua imaginação o enganou.
- Fico aliviado ao saber isso - disse depois de uma pausa. - Entretanto, nunca imaginei que minha esposa estivesse envolvida em nenhum tipo de subterfúgio. Ou que meu rival seria você mesma.
- Mas uma vez que o descobriu...
- Corri de novo a seu lado, alarmado por sua segurança - lhe deu um puxão à longitude de lã. -É livre - disse ele, sacudindo sua aba esmagada em seu regaço. – Pode se levantar.
Ela se levantou de sua incômoda posição de cócoras, estudando-o, bom, ele não podia decidir o que significava esse olhar em seu rosto. Decidiu que tinha feito um trabalho razoável ao ocultar seus próprios pensamentos, tendo em conta que não só quisesse liberar sua aba, mas também lhe tirar o maldito traje, vendo-se livre com ela.
Ela se recostou nas almofadas.
- Obrigada - disse com cautela.
Ele deu de ombros, olhando pela janela para não ver- Se tentado a tomá-la em seus braços outra vez até que não chegassem a casa. Um homem que não podia controlar a si mesmo em uma carruagem em movimento mal podia ter a esperança de reforçar seu controle em assuntos mais importantes.
- Por nada - disse. - Qualquer marido faria o mesmo.
Mas ele não era qualquer marido.
E ela não desejava ser qualquer esposa.
Eleanor sentia pulsar seu coração no mesmo ritmo que as patas dos cavalos golpeando os paralelepípedos.
Lançou outra olhada a seu anguloso perfil. As sombras da noite eram idôneas para emoldurar seu escuro semblante. Tinha empregado toda sua força de vontade para não desfazer-se em seus braços. Apertou fortemente as mãos, afastando rapidamente o olhar quando ele voltou a cabeça.
Muito tarde.
Seu melancólico olhar a encontrou. Uma fraqueza extrema se estendeu sobre ela. Não havia se sentido tão indefesa em anos.
Obrigou-se a sustentar o olhar de seus insondáveis olhos azuis.
Uma chama de excitação saltou entre eles e então ele, finalmente, desviou a vista.
Afrouxou suas mãos, o sangue voltou a fluir ardentemente por suas veias. Tinha vivido sem ele. Poderia fazê-lo outra vez.
E ainda tinha visto desejo em seus olhos. Que estava esperando? Quanto tempo poderia continuar fingindo? Enquanto sua parte ferida queria mantê-lo fora de sua vida, a outra parte, simplesmente, queria-o. Tinham sido anos de inexplicável ausência, de esperar por uma palavra que lhe permitisse saber que continuava vivo.
Tinha estado sozinha e furiosa. Entendia que não queria lhe dizer o tipo de trabalho que tinha feito.
Mas, em que tipo de homem se convertera? Que escuras façanhas tinha cometido em nome da Coroa? Importava? Poderia resistir a ele?
O cinismo tinha esculpido fascinantes rugas em seu rosto. Não pudera deixar de olhá-lo no baile. Sebastien nunca tinha sido um homem tímido. Nem alguém que guardasse segredos. Agora percebia algo calculista nele. Inclusive sua risada tinha um tom que tinha enchido a noite com uma inesperada sensação de antecipação.
Tinha flertado com ela, inclusive à distância. Seus olhos a estudavam com uma evidente intimidade. Seu sorriso prometia e negava ao mesmo tempo. As vezes, pensava que a queria. Em outras, não estava certa de que o tivesse feito alguma vez. Não era o homem que a tinha apanhado e ao que ela tinha capturado na Espanha.
Era muito mais perigoso.
Mas bom, segundo os jornais de Londres, ela também o era. Mas em realidade não era assim. Suas atrocidades eram um mito. Enquanto certas pessoas na Sociedade podiam atribuir malvadas ações ao mascarado do Mayfair, a verdade era que sua outra identidade se mostrava contra matar uma mosca. sentia- Se como um gato perdido na rua. É claro, levava uma pistola durante suas missões para a duquesa. Só o céu sabia que teria passado se tivesse necessitado usá-la. Não tinha ferido deliberadamente nada nem ninguém em toda sua vida.
Sebastien sim. Mas suas ações tinham sido um segredo tão bem guardado que inclusive os contatos da duquesa não puderam descobrir.
Eleanor não tinha tratado de lhe deter quando aceitou sua nefasta missão na França, logo após de suas bodas. Era claro que queria voltar para a ação e que não poderia estar afastado sentindo-se inútil. Que outra coisa podia fazer, salvo lhe deixar partir?
Mas depois, frequentemente se perguntava se lhe havia custado voltar para o serviço. E quando lhe perguntava a respeito da natureza exata de seu trabalho, ele respondia:
- Prefiro não falar disso.
- É um espião, Sebastien?
- Não necessariamente - respondia com um sorriso mordaz que a fazia pensar que ele estava fazendo algo pior.
- Bem, há alguma mulher envolvida?
- Não do jeito que você está pensando.
- O que significa isso?
- Quer dizer que há certos assuntos do governo que não deveriam preocupar uma dama.
Queria gritar que ela nunca tinha sido uma dama. Que era suficientemente forte para aceitar qualquer verdade.
Quantas damas tinham mantido suas mãos nuas sobre os perfurados intestinos de um paciente de cirurgia durante uma noite de emergência? Ou tinham ajudado em numerosas sangrias? Ou utilizavam sanguessugas? Ou, o pior de tudo, quem queria pegar seu marido pelos ombros e beijá-lo até que implorasse por clemência?
Não, ela nunca tinha sido uma dama no sentido que a Sociedade dava a essa palavra.
Era mais que um cavalheiro.
- Estamos quase chegando em casa - disse ele cordialmente. - Bem a tempo. Esperei esta noite muito tempo.
Ela estreitou os olhos ante sua alegre declaração. Tinha retornado a Londres fazia três meses e não estivera mais de uma hora na casa que compartilhavam. Pela forma como agia se pensaria que sua assistência ao baile de fantasias desta noite assinalava sua volta à vida de casados.
- Acredito que deveríamos ir direto para cama - acrescentou ele, no caso de não o ter entendido.
- Estou cansada - admitiu, entreabrindo os olhos. - Poderia dormir durante uma semana.
- Eu achei a noite muito estimulante.
- Mas, acaba de dizer que...
- Sim, disse. Vamos direto para cama. Esperamos muito. Nos reencontramos compartilhando esta sua missão. Já é hora, não está de acordo?
Sua garganta se fechou com um agradável sentido de pânico. Se perguntava o que faria se ela o rechaçasse abertamente. Enganava-se pensando que ele aceitaria tranquilamente uma recusa? Ou que ela fosse capaz de rechaçá-lo?
Ele sorriu reconhecendo suas dúvidas. Talvez, ele não fosse seu marido. Talvez tivesse um gêmeo oculto e diabólico de quem não tinha sabido nada com antecedência. Tinha irmãos. Pode ser que um deles tivesse acabado com Sebastien, lhe roubando seu título e voltando para Londres para causar estragos.
As rodas da carruagem golpearam um sulco. Ela Amaldiçoou Will por sua temerária condução, que a fez ricochetear. Os musculosos braços de Sebastien a estreitaram. Murmurou palavras tranqüilizadoras em seu ouvido. Antes que pudesse lhe assegurar que estava bem, ele se sentiu em vantagem. Sua boca cobriu a dela com um vertiginoso beijo. Ou ela o beijara primeiro?
Suspeitava que o tinha feito, o que não augurava nada bom para sua planejada vingança. Até então ambos tinham mostrado um impecável controle. Não gostaria de ser a primeira a rompê-lo.
Seus pensamentos se esfumaram. O poder masculino a subjugava. Não era um gêmeo diabólico. Este era o homem que lhe tinha ensinado tudo o que sabia sobre o amor e a perda. Não se supunha que lhe ia ensinar uma lição? Não precisava saber que não podia entrar e sair de sua vida com total impunidade?
A carruagem virou outra esquina. O corpo masculino a estabilizava enquanto seus sentidos giravam, seu pulso pulsando com dolorosa necessidade. Ele se aproveitava de sua resposta. Mantinha- a perto, apertando seus seios contra seu peito, beijando seus ombros, lhe prometendo que não lamentaria chegar a casa. Sua cabeça caiu para trás, como se sua dura boca exigisse mais do que ela tinha intenção de dar. Ao menos, ele poderia lhe dizer porquê se fora.
- Quase estamos em casa - murmurou ela.
- Graças a Deus.
Sua boca capturou seus indefesos gemidos. Ela se fundiu dentro de uma reflexiva rendição, sua esperança de uma súbita resposta desvanecendo-se por momentos.
Com ardilosa sedução, ele ficou beijando- a até que era atormentador não pedir mais. Finalmente, ela colocou uma mão ao redor de seu pescoço e se reclinou no assento. Ele se inclinou sobre ela. Sua grossa ereção pressionando contra seu estômago. Seu corpo respondia ansiosamente a sua potente sexualidade.
Acariciou com as pontas dos dedos enluvados sua clavícula, seu decote, entre seus cheios seios, onde seu coração palpitava com força. Um ardente rubor se estendeu por sua pele, suas carícias eram incendiárias, flagrantemente sedutoras. Levantou a cabeça para olhar fixamente seu forte e anguloso rosto.
Não havia segurança ali. Seus olhos ao olhá-la cintilavam com um desejo tão primário que deixavam seu coração inerte. Seu marido, um homem que não reconhecia, mas a quem desejava de todos os modos, tinha-a ferido.
- Não tinha beijado nunca uma mulher com bigode - disse ele suavemente.
Ela foi obrigada a rir.
- E eu nunca tinha beijado um camundongo.
- Devemos estar muito desesperados, então.
- Ou casados - disse ela mexendo se em seu assento.
Ele se inclinou para trás com expressão vigilante.
- Ficarei encantado de lhe tirar essa roupa quanto chegarmos em casa.
- Isso depende - disse ela depois de uma pausa.
Sua sobrancelha se arqueou.
- Do que?
- De onde me conduza isso.
- Saberemos logo. - Sua intensa voz ressoou nos escuros limites da carruagem. - Acabamos de sair de Brompton Road.
Olhou por cima dos ombros dele através da janela. Essa era a velha taverna da esquina. Certamente poderia resistir um minuto ou mais. Mas não poderia fugir dele indefinidamente, tal e como tinha feito durante as últimas semanas.
O que fazer? Resistir? Escapar? Mas aonde? As leis matrimoniais estavam tão profundamente arraigadas na autocracia anglo-saxã como parecia, tornando impossível que uma mulher não vivesse com seu marido.
Por que tinha esperado até esta noite para reivindicar seus direitos matrimoniais era irrelevante. Suspeitava que o tinha animado. Deslizou contra ela. Abriu a boca para protestar quando reparou no manifesto desejo de seu olhar estendendo pontes, eliminando barreiras.
Sua mão lhe pegou o queixo.
- Elle - disse suavemente, utilizando seu apelativo familiar. - Você ainda me deseja.
- Sim - sussurrou. - E também desejo uma carruagem de rodas de ouro, um palácio na Índia com centenas de criados a minha inteira disposição. Desejo tomar vinho com cada comida e..., usando as palavras de meu pai, um montão de coisas que não são boas para mim.
- Serei bom para você. - Olhou-a com convicção. - E bom com você. Por favor, me diga que me quer.
A carruagem freou.
- Muito bem - disse ela. - Quero você da forma como provavelmente deseja. Mas ainda mais quero saber se vai sair e entrar em minha vida outra vez assumindo que o esperarei, ou que tudo vai ser igual.
-Deixo que eu cuido disso. - Fez uma pausa. Parecia muito fácil. - É isso tudo?
- Bom, tem que demonstrá-lo.
- Posso tê-la agora e lhe demonstrar isso mais tarde?
Ela sacudiu a cabeça com exasperação. A carruagem balançou ao parar. Os passos de seu primo ressoaram contra os paralelepípedos. Sebastien e ela ficaram sentados um momento mais, se avaliando mutuamente em silêncio. Cada um de seus instintos femininos ansiava ter seu escultural e duro corpo outra vez em sua cama. Mas seu coração exigia uma retribuição por sua negligência.
- Bem-vindo a casa - disse ela.
Então tomou a cauda de seu vestido com tanta dignidade quanto pôde reunir e saiu antes dele poder dizer algo para detê-la.
Observou-a lançar-se rapidamente pela porta da carruagem que seu primo tinha aberto, e cruzar a grandes passadas o pavimento para a casa no Belgrave Square. Voltou-se para trás com um suspiro de desejo contido. Que lamentável que a arrogância masculina esperasse que o quisesse de volta sem que cumprisse com determinadas demandas de sua parte! Uma mulher necessitava de explicações e desculpas. Maldição, se é que podia achar as palavras para fazê-la entender por que ficara longe por tanto tempo.
Sacudiu a cabeça para si mesmo e saiu pela noite. Seu olhar disparou para a figura oculta atrás da carruagem.
- Está aborrecida com você? -Will perguntou saindo das sombras brumosas.
- Não senti nenhuma portada. Esperemos que não a tenha fechado com chave.
Will estirou uma mão benévola.
- Olhe, é minha prima, tão próxima como o seria uma irmã, mas não significa que possa influir em sua conduta, e se não te importa que lhe diga...
Sebastien olhou ao redor agudamente. Dois homens a cavalo trotaram para a carruagem, então, subitamente, cruzaram a rua. Ficou frente a Will, instintivamente protegendo-o.
-Londres não é seguro nestes dias - Comentou Will depois de um momento. - Um cavalheiro tem medo de caminhar a seu clube, depois que cai a escuridão.
- E com esse mascarado do Mayfair irrompendo nos dormitórios? – Perguntou zombeteiramente.
Will baixou a voz.
- Acredito que nunca estivemos em perigo realmente.
Sebastien grunhiu.
- Explodir bombas em um salão de baile cheio não é o que chamaria um passatempo inofensivo. E que esta noite esteve de acordo, não significa que o vá fazer outra vez.
Will olhou seus sapatos, com o aspecto de um menino a quem castigaram. Mechas de cabelo loiro pálido lhe escapavam do chapéu com forma de sino. Seu pó de arroz tinha se desfeito, mesclando o branco giz com triângulos de negro betume.
-Talvez devesse deixar que ela encontre o resto das cartas. Embora seja para lhe demonstrar seu amor.
Amor.
Sebastien olhou para cima, a elegante casa com estuque branco. A luz das velas piscava detrás da janela saliente do terceiro piso iluminando o ferro trabalhado do balcão.
-Mesmo um homem apaixonado necessita de controle, não é verdade? - Murmurou.
- Espero que não me esteja pedindo conselho. Não tenho coragem para tirar para dançar nem a mais desesperada das debutantes.
Sebastien riu.
- Não. Só lhe incendeia o vestido com sua pólvora falsa.
-Fiz um trabalho decente? - Perguntou Will, enquanto seu grande sorriso aumentava.
Sebastien evitou com tato uma resposta honesta.
- Você cuidou de Eleanor enquanto estive fora. Nada mais importa.
- Agora toca a você.
A boca lhe torceu em um sorriso divertido.
- Bem, me deseje boa sorte.
Eleanor olhou entre as cortinas do dormitório à figura solitária na rua. Will se perdera na noite, provavelmente em busca do restaurador descanso para os ensaios no teatro,na manhã seguinte.
Se perguntou se Sebastien ia ficar lá para sempre.
Tinha mudado de opinião? Tinha espantado-o?
Afastou-se da janela, totalmente exasperada e foi a sua penteadeira tirar os últimos bigodes.
Que homem mais difícil de predizer.
Todos esses beijos e respiração entrecortada eram um prelúdio a uma noite apaixonada, ou outra onde ia ficar dando volta aos polegares na escuridão? Polegares que morriam por lhe tirar o traje, e redescobrir esses encantadores músculos de seu peito, ombros, e suas outras partes.
Tirou o chapéu e a malha e os deixou cair no meio do piso. Deixem que Lorde Boscastle comente que sua senhoria se tornou um pouco desordenada. Tirou uma bota, e a puxou por sobre o ombro e saltou à janela outra vez.
Só uma olhada mais, prometeu-se.
Só uma. Talvez olhasse para cima e se recordasse que ela o estava esperando. Talvez recordasse que estavam casados, e lhe prometesse que não desapareceria nunca mais.
Marido e guardião arrogante. Seu muito canhoto.
OH! Pensou que podia distinguir sua alta figura totalmente coberta pela névoa, correndo em direção à praça. Estava correndo perseguindo algo ou escapando?
- Covarde - Sussurrou- Não é suficientemente valente para me enfrentar.
Sacudiu a cabeça, retrocedendo com uma decepção doída. Onde tinha ido agora?
Dormir seu amado golpe?
Bem, em sua opinião, se a tinha deixado outra vez, pertencia ao rio junto com o resto dos ratos de Londres. Se agachou para tirar a outra bota, desgostosa com ela mesma por ter a esperança que esta noite seria diferente.
Mas tinha sido diferente. Não tinha imaginado o calor que tinha ardido entre eles na carruagem.
- Aqui - Sussurrou uma voz sedosa por sobre o ombro. -me deixe ajudá-la. Não sei como pôde arrumar isso quando estava longe.
Ela virou, perdendo o equilíbrio, e caiu aturdida… em seus braços. Ele a levantou sem esforço, envolvendo-a com um firme abraço.
- Não o ouvi entrar. - Disse ela, em uma voz vergonhosamente baixa. - Pensei que estivesse na rua.
- E para que?
- Não seria a primeira vez que o espero em vão.
Ele tomou-lhe as mãos e a dirigiu à cama, habilmente, evitando o chapéu, capa e botas que tinha atirado ao chão. Não fez nenhum comentário sobre a desordem, mas ela viu que levantava uma sobrancelha.
Olhou-a dirigindo-lhe o sorriso com o qual ela tinha sonhado.
- Achei que necessitaria de um momento para se preparar - disse depois de um silêncio pesado, transpassando- a com o olhar.
- Para...? - Não é que ela não se desse conta do que queria dizer.
Pôs-lhe as mãos nos ombros.
- Para que sejamos marido e mulher outra vez.
Que sentimento mais formoso!
Que raiva!
Mesmo assim, uma descarga de calor lhe percorreu o corpo. Não lhe importava se estava sonhando ou não. Ele parecia uma torre de aço de damasco duro, formoso de observar, tentador de tocar.
- Mas ainda está vestida - disse com um som de desilusão.
Olhou-o fascinada. O que estava passando a sua resolução? Sabia o pouco confiável que era. E entretanto...
- Não tinha certeza de que voltasse. Olhei-o pela janela.
- Pelo menos tirou os bigodes. -Lhe disse com um sorriso zombador.
Ela se olhou involuntariamente no espelho atrás dele, seu reflexo foi quão único pôde ver. Dominante, escuro e malvado. Ele realmente estava em casa.
Guiou-a pelos ombros, sua voz profunda e pausada.
- Não me importa servir nestes assuntos.
- Isso disse - disse apoiando a mão no poste da cama.
- Sempre foi uma mulher perceptiva.
-Uma vez foi fácil de perceber. Não posso dizer o mesmo agora.
-Meus motivos são muito honestos - disse ele.
- Embora seus métodos para alcançá-los não o sejam.
- Querida, desenvolveu uma mente muito sagaz.
Ela riu com isso.
- Bom você sabe o que dizem "a preguiça é a mãe de todos os vícios”. E me deixou inativa durante muito tempo.
- Mas seu diabo está de volta - ele rebateu. - E têm várias surpresas para essas suas ociosas mãos.
Ela ficou sem fôlego.
Assentiu lentamente.
- Está bem. Jogo.
Um sorriso cruzou o rosto.
- Pensei que o faria.
- Não estamos seguros de nós mesmos?
-Tenho tanto que fazer para me pôr em dia.
- O que...?
-Deixe que eu mostro - Suas mãos desceram por suas costas. - Fique quieta.
E um momento depois lhe tinha desatado não só a miríade de laços negros que lhe cruzavam as costas, mas também os do espartilho logo abaixo. O distintivo som de fios quebrados rompeu o silêncio. Ela estava muito sobressaltada para protestar.
Um ou dois ferozes puxões mais, e ficou nua ante sua satisfeita virilidade.
- Deus meu - Ela olhou seu traje arruinado, o rabo do gato enroscado em um sinal de interrogação a seus pés -Não foi essa uma abertura sutil?
- Não acha que já esperamos mais que o suficiente?
- Eu realmente... Sim! – Respondeu-lhe olhando-o com franqueza.
-Graças a Deus por isso.
Seus olhos a cravaram no lugar. Ela desceu as mãos aos lados.
Sem escudo, sem disfarce.
Seu olhar a deixou sem vontade. Enquanto tirava a jaqueta, e os punhos, ela olhava os raios de lua sobre o tapete e desejava mostrar-se tão fria como ele, tão distante, nada que se pudesse capturar. Mas era humano, de sangue quente, suas emoções cambaleando sobre a borda. Se ele não fizesse um movimento logo, ela ia se humilhar.
Era o único homem que a atraía, e tinha silenciado suas necessidades durante muito tempo. Que facilmente caíam juntos na cama. Que facilmente lhe inflamava o sangue e a fazia esquecer-se de que ele a tinha esquecido.
- É incrível - disse ele, suas mãos por toda parte ao mesmo tempo. - Eu gostaria que a luz fosse melhor para vê-la.
Ela riu, embalando seu rosto para lhe devolver seus beijos.
- Eu gosto da escuridão.
- Então, também gosto. Sentia falta disso.
- Demonstre-me isso.
Ele riu lhe beijando o rosto, os lábios, as pontas dos seios até que o úmido calor em seu ventre se converteu em vapor. Ele levantou a cabeça, um desafio subjacente atrás de seu sonolento sorriso.
- Que deseja? - Perguntou-lhe lentamente.
-Já não sei.
- Ainda é minha esposa - disse, lhe passando uma mão ao redor da cintura-. Isso não mudou.
Homem e mulher. Uma licença para amar assim como para sentir luxúria um pelo outro. Quanto ao resto das promessas, não tinha ideia se as tinha mantido, ou o que significavam para ele agora. Dedicar-se-ia a esse assunto em seu devido tempo.
No mesmo instante que o beijou na carruagem, deu-se conta que ia ter que fazer um compromisso consigo mesma. Poderia fazê-los a ambos os miseráveis pretendendo que não o desejava. Mas quanto mais agradável era lhe demonstrar o que perdera.
Tinha sentido tanto sua falta. Cada polegada quente e masculina dele. As mãos direitas que se moviam sobre seu corpo com o poder de um mago.
- Elle - Sussurrou, beijando-a profundamente outra vez, como se esta fosse sua primeira relação sexual. Os longos dedos passavam através de seu cabelo, seu corpo, assentando-se contra o dela, seu lugar estabelecido, assumindo a submissão feminina. - Acha que alguém em Londres notará se ficamos uma semana na cama?
-Foi durante...
-…três anos, e isso só se não contarmos os outros três, quando o vi ocasionalmente - Seu olhar honesto a perturbou. -Assim poderá ver… que necessitarei muito mais que uma semana com você para reparar meu abandono - Ele modelou as nádegas com suas grandes mãos. - Talvez se começarmos com o que nos sai naturalmente, o resto cairá sozinho no lugar adequado.
Não. Não. Espere. Ela recusava lhe entregar o resto de seu coração como o fazia com seu corpo. Os primeiros três anos de seu matrimônio tinham sido completamente vazios. Vê-lo em escassos intervalos, fazia que sentisse sua falta. E enquanto não tinha encontrado satisfação nos três anos posteriores de sua ausência, tinha encontrado um equilíbrio. Não alturas. Nem profundas quedas. Um seguro caminho intermediário.
- Ponha sobre suas costas, Sebastien - lhe disse com uma resolução que a julgar por sua expressão, tinha surpreendido tanto a ele como a ela.
Ele rodou sobre um ombro, levantando as mãos com risada submetida.
- O que tem em mente?
- Não o decidi.
- Parece prometedor. Espontâneo.
- Sim, não é verdade?
- Bem, sou teu - cruzou as mãos atrás do pescoço, olhando- A em um silêncio de expectativa, até que ela lhe fechou a garganta e se deu conta que tinha que fazer algo para dar crédito a sua ameaça.
Mas mesmo assim, com tudo o que tinha esperado este momento de apaixonada vingança, a Eleanor de suas poderosas fantasias, tinha os nervos mais firmes que a de carne e osso.
Ele levantou uma sobrancelha, o macho superior não só chamando-a mentirosa, mas reafirmando sua posição dominante. Seu olhar mediu seu corpo nu, uma fonte de inspiração, se é que necessitava de uma. É claro, ele tinha aumentado a provocação que lhe ofereceu. Sopesou seu próximo movimento, apesar de que seu aroma de almíscar e sua impressionante virilidade realmente a distraíam da fria estratégia.
Ele se apoiou sobre um cotovelo, seu rosto petulante.
- Se preferir que tome a iniciativa...
Com uma determinação renovada, ela se deslizou entre suas coxas estendidas e se ergueu sobre os antebraços debaixo de seu pênis ereto. Suas próprias veias pulsavam com quente antecipação. Poderia não ter uma grande experiência sexual, mas tinha boa memória para os detalhes, e já não era uma donzela. Tinha tido muito tempo para refletir nas coisas que lhe tinha ensinado.
E o que faltava em conhecimento, compensava-o com suas longas horas solitárias de imaginação. Mesmo assim, gostaria de um pouco mais de tempo para voltar a familiarizar-se com a sinuosa graça de seu corpo e sua desinibida resposta que a distraía.
- Por favor - disse ele, recostando-se sobre a cama com um gemido. - Eleanor, por favor, pelo amor de Deus -respirações irregulares se intercalavam entre cada palavra-.
Por favor.
- Essa súplica significa que sim ou que não? - Perguntou com o entusiasmo de alguém que desfruta de sua maldade mais do que prudente.
- Sim, significa que me porei de joelhos para lhe agradecer cada dia pelo resto de minha vida. Por favor, tome na boca.
Ele estremeceu, dos ombros até as panturrilhas, seu corpo duro respondendo perigosamente, incitando a seus esforços para excitá-lo. Toda essa força ao seu dispor.
Era tentador fazer um mau uso de seu poder temporário.
Mas por que não? Uma licença para a luxúria. E se o empurrasse muito longe... um pensamento provocador. Estava disposta a pagar o preço que ele demandasse em troca.
Sua língua se lançou como uma chama, lambeu o caminho desde seu saco contraído até a ponta púrpura de seu sexo. Ele sacudiu os quadris. Seus músculos relaxaram e em seguida se contraíram outra vez. Atou os dedos em seu cabelo e puxou, não o suficientemente forte para lhe produzir dor, mas de maneira que ela entendesse que desejava mais.
-Tenha compaixão de mim. - a voz rasgou agradavelmente sobre seus nervos. A vingança podia ser mais doce do que tinha pensado-. Não faça que me derrame em sua boca em nossa primeira noite juntos.
Ela levantou a vista em reconhecimento, sem lhe conceder nada, lhe sustentando seu olhar por um satisfatório momento. Ante o calor de seus olhos, ela desceu a cabeça reatando sua manobra até que sentiu que ele ia se quebrar. E foi então, no momento em que ela sentiu a vitória, com o corpo dele tenso e perigosamente imóvel, que tomou subitamente nos braços, e a puxou delicadamente sobre suas costas.
- Está vencida - disse simplesmente.
- Você...
- É o momento de dar ao diabo o que lhe corresponde.
O coração lhe palpitava como se estivesse tratando de escapar de seu peito. Em um simples ato de injusta dominação, tinha passado a ser sua cativa. Ou não? Realmente, suas grandes mãos se fecharam como cadeias ao redor de seus pulsos.
Mas tinha que admitir que havia certa vantagem em ter provocado Sebastien até este ponto. Poderiam ter sido dois estranhos que se acharam no baile de máscaras.
Não tinham que compartilhar nenhuma confidência, nem tinham que prometerem algo um ao outro. Amanhã poderiam separar-se outra vez.
Esta noite se pertenciam.
- Como pode ser mais formosa do que a recordava? - Murmurou, sua voz rouca esquentando-a inteira-. E inclusive mais suave.
- Não sou tão suave como pareço. Já não mais.
- Não? - Ele engoliu em seco. - Está bem. Prefiro que não se quebre com facilidade.
Queria lhe pedir que lhe revelasse mais do que sentia. Em vez disso deixou que o momento passasse.
- Seu corpo é mais duro - lhe sussurrou-. Poderia ter contusões em todo o corpo amanhã. E notei umas rugas ao redor de seus olhos. Não muitas, mas ficam bem.
- Se você gostar, então não me preocuparei quando me olhar ao espelho a próxima vez -zombou.
Suas mãos lhe alisaram os músculos entre as omoplatas, acariciaram-lhe as costelas, em seguida os quadris, antes de deslizar através de seu ventre. Ela parecia receptiva, mas ele sentia que havia algo dentro de si mesma que não entregava. Ele não toleraria tais restrições.
Ela o punha tão duro que parecia que cada gota de sangue de seu corpo se dirigiu a seu membro. Enterrou o rosto na curva de seu pescoço. Deixou vagar sua mão mais abaixo, mais abaixo, dentro do calor, do cremoso espaço entre suas coxas. Separou as dobras, deslizando os dedos dentro da escorregadia passagem. Era ainda só dela?
Ela moveu os quadris como se quisesse guiar seus dedos mais profundamente, como se todos os instintos que ele possuía, não tivessem encontrado o caminho sem sua ajuda. Estava tão sedosamente úmida, que ele poderia afundar-se dentro dela e afogar-se.
- Apresse-se, Sebastien - Seus quadris se levantaram da cama.
- Por que? - Pressionou firmemente a palma da outra mão sobre seu monte de Vênus. Ela inalou profundamente, suas pálpebras batendo as asas. Ele se inclinou e a beijou na boca, capturando o pequeno gemido que escapava dela. - Não tenho nenhuma pressa.
- Bem, mas eu, sim.
- Não sou o tipo de homem que perde a sua garota a meia-noite, tampouco.
-Trouxe uma sapatilha?
- A mesma que usou mais cedo.
Cada noite, desde o ano passado, à medida que sua alma voltava para a vida, tinha pensado nela. Tinha estado preparado para lágrimas e raiva, para a porta do dormitório fechando-se com tranca em seu rosto. Tinha procurado em sua mente forma para acalmá-la e escusas para lhe dar porque não se comportara como um marido.
A confiança de Eleanor punha suas intenções no ar e as sacudia com tanta força, que ele não podia diferenciar sedução de entrega. Se rendeu!
Mas também o faria ela.
- Mas não quero esperar - Sussurrou ela, liberando uma mão de um puxão para passar a ponta dos dedos ao longo de todo o pênis. Ele flexionou as costas e seu sangue pulsou de necessidade. Como tinha sentido falta dela, não só das relações sexuais, mas também dos momentos íntimos de risada e os que compartilhavam depois na escuridão.
Ansiava essa proximidade uma vez mais. Nunca se havia sentido tão cômodo com ninguém mais.
- Ainda não - Beijou sua boca amadurecida. - Logo - Afundou outro dedo em seu interior e a estendeu até que choramingou. -Pode ser que tenha que fazer espaço - Brincou.Inclinou a cabeça aos seios cheios. - O que você acha?
- Só há uma maneira de saber.
- Está equivocada.
Ele levou um mamilo pontudo à boca, chupou duramente, e a ouviu gemer suavemente por sobre sua cabeça.
- Há várias maneiras, em realidade. Duvido que as exploremos todas em uma noite, mas poderíamos tentar...
- Não deveria dizer essas coisas, Sebastien.
- Bem. Enquanto me permita as fazer...
Ela ofegou levemente. Arranhou-lhe o ombro outra vez e se esforçou, jurando que não o perdoaria nunca. E quando a sentiu arquear-se, com as costas tensa, soltou-lhe a mão, e a segurou através do clímax que a estremeceu. Seu desinibido alívio o levou a limite do controle, a um limite selvagem.
Seu desejo por ela se intensificou. Lutou para aplacar seus instintos mais elementares. Se os deixava todos soltos de uma vez, temia perder a prudência, assustando-a ao lhe revelar suas mais escuras necessidades.
-Me dê outra oportunidade - disse ele, seu corpo ancorando o dela. Estava tão formosa, tão completamente selvagem, que quando lhe pôs escarranchada um instante depois, resolveu lhe dar o golpe de sua vida. Mas ela levantou o traseiro e se afundou em sua torcida ereção com uma lentidão tão desumana, que lhe arrancou um gemido.
Estava tomando a cada polegada de seu corpo dentro do dela, embainhando-o em fogo. A sensação o sobressaltou.
- Acredito que, todavia, ainda calça a sapatilha- sussurrou ela, com uma voz enrouquecida.
- Acha que possa manter durante toda a festa? - Perguntou-lhe convidando-a a tratar.
Tremeu enquanto ele empurrava para cima, lhe dando um pouco de incentivo.
- Depende se dançar um minué ou uma dança campestre.
- Não me importa enquanto terminemos juntos - olhou para cima por vários segundos, absorvendo cada detalhe de sua sedutora beleza. Sua boca suave se curvava no familiar sorriso que lhe saltava o coração. E enquanto seu próprio corpo estava faminto por chegar ao termo, não protestaria se ela esperasse usar sua sensualidade para lhe ensinar uma lição. Dava-lhe as boas- vindas a sua agressão, um castigo que, bom, fazia por merecer. Deixá-la provar que não a poderia ignorar outra vez sem pagar um preço.
Ela se levantou uma vez mais e deslizou lentamente sobre seu falo, sussurrando.
- Você é o único diferente. Não sei quem é.
Ele a agarrou pelos quadris.
- Seu marido - lhe disse, e investiu com toda força em seu interior.
Jazia sobre seu braço estirado, saciada, com a mente completamente desperta. Sebastien dormia a seu lado com uma respiração lenta e regular. Um som agradável quando se acostumou à paz da solidão. Até então, havia se acostumado à comodidade de dormir sozinha, com chá e bolachas na cama, lendo até o amanhecer, quando tinha vontade.
Um marido tomava uma incrível quantidade de espaço. Subitamente todo o quarto pareceu encolher-se.
- Não voltarei a amá-lo outra vez, Sebastien. – Sussurrou-lhe, observando suas costas magras. Suas cicatrizes tinham desaparecido totalmente? Suas iniciais? Sentou-se, esforçando os olhos para poder ver melhor.
Sua voz profunda a sobressaltou.
- Não lhe darei um momento de paz até que o faça.
Ela ruborizou se sentindo culpada, fingindo que não tivesse estudando seu torso musculoso e suas nádegas.
- Engana-se, acreditando que será tão fácil.
Apoiou-se em um ombro.
- Nunca esperei que fosse fácil. Nada em minha vida o foi - disse com um tom neutro.
- Espero que não seja um truque procurando minha compaixão.
- Nada disso. Meramente uma declaração de fato que deveria interpretar como não tenho nenhuma intenção de me dar por vencido.
- Provavelmente vivemos separados o suficiente para justificar um abandono legal - disse passando os dedos pelo cabelo enredado.
- Visitava você quando podia.
- Ia e vinha como um capricho, até que seu próprio cão deixou de reconhecê-lo.
Fez um gesto com os lábios, como se estivesse contemplando o ponto de vista dela. Mas não a enganou nem por um momento. Captou esse brilho de lobo em seus olhos outra vez. Seu marido era calor e perigo. Amor e todos os riscos que significava. Nunca se permitiria preocupar-se ou chorar por ele outra vez. Não era possível se apaixonar pelo mesmo homem duas vezes, não é verdade?
- Enquanto esse cão não reconhecer nenhum outro homem como amo, não terei nada que objetar.
Ela se deitou a seu lado, inconscientemente empurrando o lençol sobre suas nádegas nuas.
- Esse cão que o rechaça é a menor de minhas preocupações.
-Talvez, mas me sinto como o pai a quem seu filho não reconhece quando volta.
Fez-se um silêncio entre eles. Ela olhava fixo a escuridão. Ele não recorda que perdemos um menino, pensou. De outra maneira, como poderia ter feito esse comentário tão desumano? Engoliu em seco , subitamente sentindo frio. Tinha esperado que recordasse. Nenhum dos dois se deu conta que tinha ficado grávida na noite de núpcias. Ele estava ansioso de partir para a França depois da lamentável cerimônia. Ela não tinha sabido onde lhe mandar as notícias.
Tinha abortado no meio de uma noite antes que alguém se inteirasse, exceto sua criada.
Por certo não era culpa de Sebastien, mas de qualquer maneira, culpava-o por não ter estado para sofrer com ela.
Quando voltou, quatro meses depois que se casaram, esperou que lhe perguntasse por que parecia como se estivesse chorando toda uma semana, ou por que todos seus espartilhos estavam empilhados na cama para que a costureira os alterasse.
Pareceu não notar nada. E quando finalmente se quebrou e o contou, pareceu tão desolado, tão culpado, que desejou ter deixado para si mesma.
Suas visitas a casa se fizeram cada vez menos frequentes nos seguintes três anos. A intuição de Eleanor lhe dizia que embora suas feridas físicas tinham cicatrizado, levava uma dor muito profunda. Em seu primeiro Natal juntos, seu marido parecia mais decidido em reprovar a coragem de seu comandante, que de preocupar-se que ela também o necessitava.
Deixou de esperar com ansiedade suas permissões de saída. Seu desejo por ela esfriou tanto, que inclusive nas noites do verão usava os xales de lã mais abrigados para não gelar. Mais de uma vez de noite o tocava, mas ele se voltava para outro lado, pretendendo dormir.
Na manhã seguinte se fora; tinha de perguntar se acaso tinha uma amante porque já não a achava desejável. Quando tinham se apaixonado, tocava-a cada vez que tinha uma oportunidade. Em seguida, depois de três anos, não voltou mais à sua casa. E ainda assim o amava.
Mas em algum indefinido momento do ano anterior, ela tinha deixado de imaginá-lo em seu futuro absolutamente. Inclusive sua voz se fez mais fraca em sua memória como um eco, até que um dia despertou e dificilmente a ouviu.
Sentiu pânico. O que significava?
Decidiu que tinha deixado de amar Sebastien. Foi como o luto por uma morte, não só a dele, mas também a da mulher que também o esperara.
Nunca mais queria sentir essa dor outra vez.
Uma mão quente sobre seu ombro a trouxe para o presente. Um calafrio lhe desceu pelas costas. Um bonito estranho estava deitado em sua cama.
- Se importaria de trocar de lado? - Perguntou-lhe educadamente- Prefiro dormir perto da porta.
- O que?
- Se não se incomodar.
Incomodá-la? Sua chegada tinha desarrumado toda sua vida.
- Como quiser- E enquanto deslizava sobre seu corpo, viu outro sorriso lhe cruzar o rosto. -Está melhor agora?
Estirou-se com graça animal, olhando os móveis através da peça, como estudando seu próximo movimento no tabuleiro de xadrez.
- Sim.
- Por que tem que vigiar a porta? - Perguntou depois de uma pausa.
Hesitou por um momento tão longo, que pensou que não lhe ia responder.
-Fiz alguns inimigos.
Sua pele sentiu comichão.
- Certamente nenhum que lhe seguisse até aqui, ao Mayfair.
Ele voltou a cabeça para olhá-la. A escura honestidade de seus olhos lhe deu um pouco de medo.
- Provavelmente não, mas alguns hábitos são difíceis de romper. Nem sempre durmo bem de noite.
- Eu durmo como um tronco - riu suavemente.
- Então tem a consciência limpa.
E ele, não?
- Dorme - disse ele, com sua voz forte. -Não corre nenhum perigo, prometo-lhe.
E corria ele?
Seus olhos se sentiam pesados. O sono invadia seus pensamentos. Não pôde evitar enroscar- se contra ele quando a tocou. Seu duro corpo lhe oferecia calor e bem estar.
Suas mãos lhe tiraram a resistência com as carícias.
- Poderíamos ter feito melhor esta noite - Sussurrou ela com um pequeno suspiro.
- Então tratemos outra vez.
Ela riu dele.
- A carta, homem de um só pensamento. Tomou o dobro de tempo do que deveria. Não perderia o tempo tratando de obter a próxima na lista.
- A direção na rua St. George? - Perguntou pensativo.
- Sim. E tenho um plano da casa.
- Poderia procurar o resto só.
Abriu os olhos, sua auto suficiência levantando suas suspeitas. Se não a tivesse debilitado com sua maravilhosa forma de lhe fazer amor, ela nunca teria baixado a guarda.
- Isto é entre a duquesa e eu. Um assunto feminino, se quiser.
- O duque não pensa assim - Murmurou.
- Não trabalho para o duque - disse aborrecida. - Fiz uma promessa, e a manterei.
Sua voz gotejou pura arrogância masculina.
- Querida, o seu foi um jogo divertido. Estou impressionado com sua sutileza e dedicação. Mas um homem dirige melhor estes assuntos.
- O mascarado é um homem.
- Quis dizer um homem com experiência.
- Está claro o que quis dizer.
- E - A risada se ocultava em sua profunda voz, - decididamente é muito mulher.
- Pelo menos nisso estamos de acordo.
Negou rápido com a cabeça para tranqüilizá-la.
- O que quis dizer é que você e a duquesa deveriam observar os papéis que a natureza lhes definiu.
Mordeu a ponta da língua. A natureza não tinha terminado de definir a nenhuma das duas damas, na modesta opinião de Eleanor.
-Falhei-lhe como mulher? - Perguntou-lhe com sua voz mais doce.
- Querida - Seu olhar a percorreu.
- Então?
- Não posso decepcionar o duque - concluiu, com a situação, pelo menos em sua mente, relegada a seus talentos superiores. O que lhe advertiu que tinha que mover- Se logo para recuperar o resto das cartas. Sua amizade com a Duquesa de Wellington, seu amor compartilhado pela intriga, tinham dado a Eleanor uma satisfação enorme. As duas mulheres tinham forjado uma união baseada na solidão mútua. Não ia entregar sua autoridade sem uma boa briga.
Não importava quão perversamente potente seu marido resultou ser. Nem quão politicamente influente o Duque de Wellington chegou a ser.
Fizera um pacto com a duquesa. Era uma agente e lhe pagariam por seu trabalho.
Sua mão deslizou sob o lençol e lhe acariciou languidamente os seios. Obviamente também tinha feito um pacto com o diabo quando se casara.
- O que devo fazer para a recuperar? - Perguntou-lhe sedosamente.
- Deixe dormir com isso.
- Sabe o que um país oferece quando perde uma guerra? - Beijou-a na cabeça? - Recompensa.
De repente, ela despertou por completo.
- Este é um assunto de coração. Não de estado. Não o enrede.
- Desde a antiguidade - continuou como se ela não tivesse falado - a união entre marido e mulher foi considerada como uma sagrada e inquebrável sociedade.
Ah. Ela sabia para onde isto ia indo. Pensou que era altruísta de sua parte não apontar que de fato eram, em realidade, homem e homem.
- Refere aos tempos quando as camponesas estavam escravizadas? - Perguntou-lhe com um sorriso desdenhoso.
- Refiro-me à lei romana.
- Bom, Roma não se construiu em um dia - Alisou uma ruga imaginária do travesseiro - Nem tampouco um bom matrimônio. Escravize-me se quer correr o risco.
A contração de sua sensual boca sugeria que estava tentado a fazer precisamente isso.
- Talvez nos entendamos melhor de manhã - disse sagazmente.
- E estará aqui? - Não pôde evitar lhe perguntar.
Fez uma pausa.
- Talvez não - Admitiu. - Tenho uns assuntos de negócios que foram ignorados. Mas se quando despertar estou aqui ou não, garanto-lhe que estarei de volta antes que me sinta falta. E não se preocupe a respeito de entregar essas cartas à duquesa.
- Não me preocupam as cartas – olhou-o pela extremidade do olho-. Mas você é totalmente outra coisa.
- Seu marido está em casa. Da única coisa que tem de se preocupar, é de ser minha esposa.
Afastou- e de seu calor tentador.
- Boa noite, rato.
Ele riu baixo.
- Que durma bem, gato.
Sebastien queria ser justo. Entendia que estava exigindo demais de Eleanor como esposa, pelo que ele como marido lhe tinha dado em troca. Considerando suas omissões passadas, pensou que era muito generosa que o aceitasse de volta em sua cama com tanto ardor. De qualquer maneira, tendo reclamado seus direitos esta noite, não
Tinha nenhuma intenção de abdicar de sua tênue posse outra vez. O jogo como agente da duquesa durante sua prolongada separação tornava sua necessidade de fazer valer seu lugar, muito mais urgente.
Sua esposa convertida em uma pessoa de má fama, da qual se escrevia nos jornais por toda a Inglaterra? Ele poria fim imediatamente a esta sacanagem.
Olhou a sua figura dormindo. pôs a camisa e tinha caído em um sono pesado, que facilmente se poderia perder a sutil forma diabólica que iluminava seu rosto.
Quem adivinharia a natureza aventureira que esses traços clássicos ocultavam?
Se perguntou o que pensariam essas damas ofegantes de sociedade se pudessem ver agora seu intruso de meia- Noite.
Soprou divertido. Nem ele mesmo sabia o que pensar. deitara-se com o homem dos sonhos das damas.
Com um suspiro profundo deslizou do lençol com o qual o tinha coberto e saiu da cama. Precisava fazer algo, caminhar, beber uma garrafa de brandy, bater na cabeça contra um poste para evitar tomá-la outra vez.
Depois de três anos de ausência de casa e abstinência, seu apetite sexual o tinha transformado em uma besta voraz.
Não lhe podia explicar seu período de celibato. Nem as missões que tinha levado a cabo para recuperar sua auto- estima.
Um cavalheiro preferiria que acreditassem infiel, desinteressado, absorto no dever, ou inclusive morto, antes de admitir que tinha lutado para ser um homem outra vez.
Caminhou pela roupa amassada no piso dando-se conta que sua esposa pôs-se um pouco desordenada em sua ausência, e que necessitava roupa limpa se ia caminhar pela casa.
Voltou para a cama. Os seios de Eleanor que subiam e baixavam sob a camisa de musselina absorveram-lhe a atenção por um momento. Tinha-a apreciado totalmente alguma vez?
- Eleanor - Sussurrou, inclinando- Se sobre ela. - Sinto muito incomodá-la, mas deixei toda minha outra roupa no bote.
- Então por que não a trouxe? -tinha os olhos abertos, cintilando, em um estado de alerta cauteloso. -Ou não tinha a intenção de ficar ?
- Supus que ainda tinha alguma roupa aqui -Fez uma pausa. - A menos que a tenha dado.
Quando tinha chegado a Londres esta última vez tinha navegado em uma lancha horrível mas boa no mar. Não era um segredo para sua esposa, mas tinha sido muito claro que deveria se manter afastada dos moles. Mantinha o bote como um retiro em caso que lhe baixasse o humor sombrio, ou que algum de seus associados mais desagradáveis do passado quisesse contatá-lo.
- Olhe no lado esquerdo do guarda-roupa -Rodou ao lugar dele, e afundou a cabeça sob seu travesseiro.
- Obrigado - Sorriu, contendo-se de dar uns tapinhas na parte avultada da roupa de cama que se sobressaía convidativa. - Pode dormir aí até que volte para a cama.
O travesseiro se levantou. Deixou escapar outro suspiro descontente.
- Vai?
- Não. Só descerei por um brandy e tratarei de me fazer amigo do Teg.
- Não faça que ladre para você outra vez.
Voltou-se para o armário de três portas que parecia uma fortaleza a pequena escala ao lado da lareira. Em cima das portas laterais, haviam torreões decorativos, e ladeavam a parte central com a roupa interior.
Estivera ausente por tanto tempo que não recordava que roupas tinha lá . Pedir-lhe que o ajudasse novamente, só serviria para lhe recordar sua longa ausência.
Abriu as duas portas de uma vez. Como era de esperar, a roupa de Eleanor ocupava a maior parte do armário.
Não reconheceu nem a metade da roupa. Não podia dizer se devia a sua memória defeituosa, ou à extravagância de Eleanor.
Revisou a roupa dela pensativamente, tratando de recordar se tinham estado juntos quando usara um traje particular.
Um traje de noite de tafetá água-marinha. Bonito. Nunca o tinha visto posto. Um de musselina rosa. Vagamente recordou algo com café da manhã, ou talvez um picnic no barco. Só tinha prestado atenção a ela, não ao acontecimento.
Então, ah, teria recordado Eleanor usando este. Um vestido de seda pérola aguada, com um corpo com forma de coração que achou atraente, até que notou a pequena mancha de vinho, ou talvez era algo mais, que empanava o decote profundo de renda belga.
Esfregou o polegar na mancha como querendo que desaparecesse.
Uma sensação desagradável lhe queimou a parte de trás do pescoço. Deu-lhe uma olhada ao reflexo de sua esposa no espelho de corpo inteiro que estava em um canto.
Era uma criatura imaculada, filha de um cirurgião, uma dama que sempre se preocupava com sua aparência. Levava um par de luvas de seda quando o arrastava ao teatro para ver Will. Não a podia imaginar derramando vinho em um vestido que parecia tão caro. E, além disso, guardando-o.
Para que tipo de função se vestiria tão graciosamente e beberia vinho? Seria para um ato do mascarado do Mayfair? Ou o de uma esposa cujo marido estava muito longe?
- Sebastien -grunhiu da cama com uma queixa sonolenta. - Tem que fazer tanto ruído?
- Sinto muito - disse fechando a porta com um ruído enérgico.
Seu rosto apareceu debaixo do travesseiro.
- Em todo caso, esse é o lado direito do guarda-roupa.
- Dou-me conta -respondeu aborrecido.
- Bom, disse-lhe que olhasse no esquerdo.
-Lembro-me do que disse. Estava curioso por sua roupa. Importa-se?
- Importa-me o ruído que faz.
- Não tem um homem escondido aqui, não é verdade? - Perguntou quase sério.
- Sim. Tenho uma dúzia -respondeu. - Como pode ser um espião sendo tão ruidoso?
- Nunca disse que era um espião.
- Nunca disse nada - Sussurrou.
Abriu a porta do centro do armário, E sim, sabia que não era a esquerda nem a direita.
Mas agora, subitamente tinha decidido que queria revistar as gavetas e examinar sua roupa uma a uma. Podia se aprender qualquer quantidade de segredos examinando o que uma pessoa mantinha nas gavetas, e não tinham sido suas duas destas gavetas?
Regalos, ligas, fitas, um traje de fantasia de veludo negro.
Fechou a gaveta e seguiu com o outro. Descobriu um traje de batismo cuidadosamente dobrado com flores e papel tisú.
Tomou-o despreparado. Tocou-o suavemente. Tinha sido para o menino que tinha perdido?
Subitamente as mãos lhe pesaram muito para sustentar esse traje tão delicado. Não tinha sido capaz de falar disso quando o tinha contado. Tinha medo de falar inclusive agora. As mulheres conversavam.
Os homens conquistavam. Teriam outras crianças?
- Sebastien, por favor.
Engoliu em seco, e se ajoelhou para abrir a última gaveta, finalmente, desenterrando um par de cueca e meias. Com estes sobre o ombro, voltou-se.
O lado esquerdo estava bem mais vazio comparado com o direito, mas três camisas - duas de musselina e outra de cambraia -, asseguraram-lhe que ainda tinha seu lugar, embora com aroma de úmido e quase novas, pelo menos no guarda-roupa de sua mulher, se não em seu coração.
Mas eram suas camisas, não é verdade?
Apesar dos lapsos de cor, estava certo que nunca tinha aparecido em público com estas coisas cheias de babados e frente de renda.
Uma dúvida recente fez que se sentasse no tamborete para vestir-se. Tinha-a usado o mascarado do Mayfair, ou outro homem?
Sentiu um impulso súbito de despertar Eleanor para lhe perguntar.
Havia alguém mais que tinha compartilhado sua cama?
Talvez não estivesse preparado para enfrentar isso, tampouco. Outro marido não teria se importado.
Sim, a infidelidade ocorria todo o tempo na alta sociedade. Mas Sebastien, especialmente, não tinha aspirado nunca à moral relaxada da aristocracia.
Quanto a sua esposa seus sentimentos tendiam diretamente para o básico. Pertencia a ele.
Se não tinha estado aqui antes para protegê-la, estaria agora. O acerto de séculos lhe dava um sentido de estabilidade. Foi pelo corredor ao salão, dando volta às coisas com um brandy e escutou uma comoção na rua. Baixando o copo, escutou um cavalo relinchando, passos aproximando-se, um alegre golpe na porta. A esta hora da noite? Quem seria?
Quem estava tão seguro das boas-vindas?
Levantou-se da poltrona para investigar. Provavelmente era o primo de Eleanor outra vez. Talvez a Duquesa o tinha mandado de volta com um recado. Ou uma exigência da última carta que o mascarado tinha recuperado. Poria um final a todas estas escapadas noturnas de uma vez por todas.
Não tinha feito mais que descer à porta quando seu galgo escocês saiu das sombras e começou a disparar furiosamente a seus pés. Ele teria elogiado se os instintos protetores do Teg significassem um aviso para seu amo contra o visitante.
Sebastien tratou de tocá-lo, mas lhe mostrou os dentes com um grunhido.
- Está bem, traidor cão mestiço. Vejamos se Will te arranha a barriga e te dá pedacinhos de seu bife no café da manhã.
Quando abriu a porta, entretanto, não era o primo e amigo próximo de Eleanor que estava parado com seus ombros curvados magros em sua típica pose modesta.
Tratava-se de um homem que nunca tinha visto antes… um que o olhava com uma surpresa tão genuína e torpe, que por um instante Sebastien sentiu que ele era o invasor, e não justamente o contrário.
Sebastien cruzou os braços, adotando uma postura agressiva. Os dois homens se avaliaram entre si com um silêncio que se tornou tão frio que só podia anunciar um assassinato. Nada poderia sobreviver a este frio mortal, exceto a suspeita. O amor murcharia. Era o tipo de geada que arrancava tudo da videira deixando só espinhos cravados na confiança e destruindo tudo exceto os instintos mais poderosos.
- Quem é? - Exigiu-lhe, estirando-se outra polegada para olhar para baixo,ao homem não convidado.
- Nathan Bellisant - O homem mais jovem respondeu com uma voz instável -Não lhe teria incomodado a esta hora. Eu... eu sou um amigo... de sua esposa.
Sebastien lutou para localizar seu nome. Bellisant? Era magro, com cabelo claro despenteado, um rosto magro, os olhos sensíveis e as mãos delicadas de um pintor ou um músico.
Não tinha nada de intimidante na superfície. Sebastien o poderia atirar com só um movimento de pulso, o que não o inclinava mais a convidá-lo a um bate-papo íntimo cara a cara.
De fato lhe deu uma raiva que não sabia que poderia sentir.
Arrivista arrogante. Usurpador. Como se atreve a bater na porta de minha esposa e quantas vezes o fez no passado?
Bellisant também estava falto de palavras, uma inconsistência evasiva em um homem que tinha estado golpeando para que o deixassem entrar fazia só um minuto.
Sebastien se perguntou se estava simplesmente envergonhado de achar-se cara a cara com o marido de Eleanor, ausente desde fazia tanto tempo. Ou melhor, nem sequer sabia que havia um marido. Sua expressão sugeria que estava olhando a um fantasma.
Não estou morto. Mas estava amarrado à terra por uns instintos muito humanos, a posse e a fúria, um estado de choque, que o percorria profundamente.
Como era estúpido! Deveria ter suposto que alguém ia tratar de suplantá-lo.
Mas isso não significava que ele reconheceria ter um rival tendo tornado recentemente. Não concederia nada.
Subitamente, o rival pareceu ansioso de dar uma explicação.
- Suponho que você é Lorde Boscastle. Estou... é uma honra conhecê-lo enfim. Gostaria de lhe ter produzido uma melhor impressão.
O torpe encanto de Bellisant só piorou seu mau humor. A pessoa não podia deixar-se levar pelo encanto do rival, embora não lhe faria mal analisar o atrativo do inimigo.
- Leva-me uma vantagem, senhor - Sebastien podia dar a volta às coisas e fazer o papel de inocente-. Convidaram você com um propósito que eu não recordo?
Bellisant negou vigorosamente.
- Tenho toda a culpa. Como sou uma criatura de impulsos noturnos, ia para minha casa quando vi luz em seu salão. Tenho um livro que me emprestou Lady Boscastle e faz tempo que tinha intenção de devolvê-lo
Lady Boscastle. Sebastien apostaria tudo o que tinha de valor, que Bellisant não teria usado o título se ela, e não seu marido, tivesse aberto a porta.
Ficou olhando para a rua, estacionando uma carruagem com um cavalo. Não era um grande veículo.
Mas tampouco Bellisant estava vestido especialmente na moda. Sua capa com bordo de pele de raposa e suas botas marrons estavam muito usadas, o que significava que não precisava impressionar com sua aparência somente.
- Poderia tê-lo deixado na entrada -lhe disse diretamente.
- Deveria ter pensado nisso.
Sebastien grunhiu.
A Eleanor sempre tinham impressionado mais as habilidades e o caráter que o status social. Se não tivesse aberto ele a porta, haveria um criado reconhecido a Bellisant, e o teria feito entrar discretamente?
Por que o maldito cão não estava ladrando agora? Seu cão. Não reconhecia o perigo contra seu amo na porta? Seus próprios instintos o reconheciam.
- Eu o darei - disse com uma mão estendida, e com a outra fechando a porta.
- Deixe ir buscá-lo primeiro - Bellisant correu à carruagem antes que Sebastien o pudesse acusar que estava usando o livro como um pretexto.
Era claro que se tratava disso. Sebastien franziu o cenho quando Bellisant voltou com o livro um momento depois, e um sorriso de arrependimento. Sebastien pensou que parecia um homem que poderia agradar facilmente, a menos que gostasse de sua esposa.
- Obrigado, Lorde Boscastle - Bellisant desceu os degraus com seus gastos saltos - Me desculpo novamente, por incomodar.
Incomodar.
Sebastien se deu conta irritado que seu cão estava tratando de empurrá-lo a um lado para farejar as mãos elegantes de Bellisant. Um homem não podia chamar intruso a outro quando aparentemente o tinham convidado a entrar.
Talvez o intruso esta noite fosse ele. Pensou no que tinha feito com Eleanor e se perguntou se não tinha estado tão desesperado por ela, que tinha tomado a paixão que ela quisera dar a outro homem.
- Droga! - gritou, enquanto Bellisant subia à carruagem. Sebastien o viu, sabendo que não era a primeira vez que vinha a sua casa, mas desejando assegurar-se de que fosse a última, em vez de somente tomar o livro com boa vontade na porta.
Sua esposa via algo nesta pessoa de atrativo tão despreocupado? Tratou de imaginá-los lendo livros juntos, no salão de cima, em uma noite chuvosa. Como sabia Bellisant que a luz da vela provinha do salão privado do segundo andar? Que intimidade tinha com relação ao fato de conhecer a casa?
Ficou ao pé da escada olhando o chão. Seu cão não lhe grunhia nem tratava de lhe impedir que voltasse a subir.
Esticou uma mão.
- Começamos a nos entender?
O cão lhe lambeu o pulso, em seguida subiu a escada, com as unhas soando na madeira. Não era um rechaço, mas tampouco uma aceitação. Mas era uma expressão de simpatia.
Bom, nada era igual a como o tinha deixado.
Bem, agora que tinha demonstrado seu valor à Coroa, tinha que impressionar a sua esposa.
Olhou para cima e a seu cão.
Ela escutou os sutis sons da noite. Os cascos dos cavalos se detiveram na rua. Teg começou a disparar. Sorriu com reticência. Sebastien devia ter atendido a porta.
Provavelmente era Will que voltava, desejando um brandy e elogios por sua proeza pirotécnica no baile de máscaras. Tinha adquirido o hábito de passar às horas mais estranhas.
Subitamente se fez um silêncio na casa. Ficou perguntando se Sebastien ficara fora pelo resto da noite. Tinha deixado abertas as portas do guarda-roupa, um convite seguro às traças, se é que havia alguma por aí.
Deslizou fora da cama. Ele não tinha fechado a gaveta do fundo, por isso não se podia fechar bem. Tinha estado... OH, tinha visto o vestido de batismo.
Ela não se permitira olhar esta gaveta durante anos. depois de sua perda, não tinha sido capaz de dar de presente o traje, embora não o usaria, inclusive se tivesse outro bebê. Pertencia ao menino que nunca teria. Fechou a gaveta com muito cuidado, perguntando-se se Sebastien teria entendido o que tinha encontrado.
Uma ou duas horas depois, ouviu-o movendo-se pelo quarto outra vez, o som da água no lavabo. Era cedo pela manhã.
Agora viria à cama?
Deveria fazê-la adormecida?
Não podia negar quanto tinha sentido falta das delícias amorosas que o matrimônio permitia. De fato estava ardendo antecipadamente pensando no próximo combate juntos. A julgar pelo encontro recente, ele pensava recuperar o tempo perdido. Manteve os olhos fechados contando até cem.
A porta do dormitório se abriu e se fechou silenciosamente. Esperou respirando irregularmente, até que passou um longo momento em silêncio. Sentou-se procurando a forma viril de seu marido.
- Sebastien? - Sussurrou, entrecerrando os olhos exasperada-. O que está fazendo?
Não houve resposta, e sabia por que.
O patife se fora de novo.
Jogou atrás os lençóis e sentiu algo duro contra o quadril. Olhou e na meia luz viu um livro. Tinha planejado ler na cama enquanto ela dormia?
Curiosa quis ver que tipo de leitura o absorvia, tirou o volume fino de suas costas, franzindo o cenho ao reconhecê-lo. Era o livro a respeito da morte de Apolo que tinha emprestado a seu amigo Sir Nathan Bellisant. Na primeira página havia um pedaço de pergaminho dobrado.
Odiei o dia porque prolonga a luz. Ver todas as coisas, exceto meu amor.
Levou um tempo para reconhecer a entrevista de Spencer, um escritor a quem ambos, Nathan e ela, admiravam, copiada com a letra flórida de Nathan. Era um pintor, um artista que vivia em seu próprio mundo de fantasia.
Gestos como este eram comuns no círculo das amizades dele. Não era a primeira nota desta natureza que lhe tinha dado. Não teria se importado se não a tivesse passado seu marido, que claramente tinha interpretado mais dentro disso do que Eleanor alguma vez teria reconhecido.
Sebastien caminhara até a residência da senhora Isabela Sampson em St. George Street e recuperado a carta incriminatória de sua escrivaninha antes que a criada agitasse os primeiros carvões. Retornou a casa ao sair o sol.
A missão tomou o limite perigoso de seu temperamento. O conhecimento de que tinha dado um novo golpe ao mascarado, uma pequena vitória determinada a zangar a sua esposa, deu-lhe, certamente, um sentido de pequena satisfação.
Ele estava em casa. Eles tinham adormecido juntos. Mas nada era o mesmo. Ela tinha feito o amor com ele, sim, mas não lhe havia dito que ainda o amava.
Pensou em seu sorriso encantador, em seu cabelo escuro de fogo que caía como uma cortina sobre suas curvas voluptuosas.
Pensou na acolhida que lhe tinha dado, em todas as vezes que tinha desaparecido de sua vida despreocupadamente, e em como nunca se dera conta realmente de que em cada volta, convertera-se em uma esposa menos vulnerável e mais em uma força com a que tratar… em termos que ele não tinha esperado.
Suspeitas de infidelidade. Cartas de uma possível amante que tinha esperado aliar-se a um grande homem como Wellington. Como diabos tinha caído neste embrulho feminino? Isto estava além da dignidade masculina. Ele era um oficial, não uma dama da intriga.
E não tinha dúvidas de como isso tinha acontecido.
Estava tão profundamente apaixonado por Eleanor que ficava na ala do teatro Drury Lane, à espera de sua oportunidade para fazer-se de seu herói outra vez. Roubar cartas fofoqueiras de uma mulher adormecida estava muito longe de saltar de uma colina em uma carruagem com uma granada em seus dentes. enfrentara verdadeiros vilãos nas missões sujas nas quais tinha estado, rastreando criminosos sem consciência. O personagem mais sinistro que o mascarado poderia pensar em encontrar era um mordomo assustado, ou um cônjuge ardiloso, como neste preciso momento, por exemplo.
Deslizava dentro de sua casa novamente pela porta traseira quando viu a figura de Eleanor envolta na névoa brilhante. Pensou em esconder-se para observá-la, mas então ela o notou e se deteve.
Quem estava capturando a quem?
Fez um gesto para ela.
Ela cruzou os braços. Suaves mechas de cabelo se frisavam ao redor de seu rosto oval.
- Aqui está - Ela murmurou.
Ele caminhou em sua direção, recordando o muito que ela tinha amado este jardim quando o viu pela primeira vez. Não tinha prestado muita atenção aos assuntos da casa, mas ela tinha sentido prazer em cultivar rosas e ervas medicinais.
Agora estavam no outono.
Os ramos da árvore de castanhas da Índia no qual ela esperava pendurar um balanço para seus filhos estavam descobertos. De fato, tudo no jardim parecia meio morto, abandonado. Demônios, ainda ele seguia pagando aos jardineiros para manter esta confusão sem manutenção?
- Então - disse ele em voz baixa. - O camundongo foi capturado pelo gato durante sua saída, ou sua entrada?
Ela ficou olhando significativamente a máscara negra que pendia de seus dedos. Seus olhos se encontraram com os dele. Dirigiu-lhe um pequeno sorriso de reconhecimento.
Sabia exatamente onde tinha estado. Esse era seu paradeiro durante sua ausência, os detalhes de sua vida sem ele, isso expunha o mistério.
- Devo fazer a mesma pergunta - disse ela, levantando a capa em uma mão. - Entretanto, não precisa se preocupar por uma resposta. É minha culpa por não me dar conta do que está fazendo.
-Mencionei-lhe isso pelo que lembro, querida. Não há necessidade de que se incomode com esta atribuição de novo.
- Sim, mas eu estava distraída, querido. Não acontecerá outra vez. E desenvolvi um gosto por esta tarefa.
Ele deu um assobio baixo.
- As coisas vão ser diferentes agora que estou de volta. Terá muitas distrações.
Ela sacudiu a cabeça.
- Deveria estar em guarda constante contra você.
Ele pensou no homem que tinha batido na porta da casa na noite anterior e em sua doentia nota de amor. Sebastien estaria em guarda agora, também.
Ela poderia ter sacudido seu tortuoso marido. Tinha planejado apresentar os tesouros de sua busca à Duquesa de Wellington, enquanto Sebastien mantinha as mãos vazias. A duquesa não estava mais satisfeita com a interferência de seu marido do que Eleanor estava com o seu.
Ao encontrar o livro em sua cama, ela vestira-se e roubara na cozinha um bolo de maçãs verdes e uma fatia de queijo para sustentar-se. Tinha tido a intenção de achar a carta de Isabela Sampson e ir diretamente à casa da duquesa na Harley Street.
- Essa maçã é para mim? - Perguntou Sebastien, lhe estendendo a mão. - Que esposa tão considerada. Desenvolvi muito apetite.
Ela deixou cair a maçã em sua mão enluvada.
- Assumo que tem a carta?
Ele inclinou a cabeça, seus olhos azuis cinzentos brilhantes. Ela tinha cometido um engano. Não se tratava de um rato. Era um lobo o que tinha em seu jardim, faminto e ardiloso. Ela engoliu em seco enquanto seus brancos dentes atravessavam a maçã. Não o deixaria ser mais esperto que ela de novo.
- Em realidade, deveríamos entrar - Ela fez um gesto para a casa. - Podemos discutir isto com um bom café da manhã. Está bastante magro.
- Café da manhã? Civilizado de nossa parte. A propósito, teve um visitante ontem tarde da noite.
- Sim - Ela deu meia volta para encontrá-lo contemplando-a com uma intensidade que sentiu até os ossos. - Entendi que foi Sir Nathan Bellisant.
- Não é um nome encantador?
-Foi grosseiro com ele?
- Não, absolutamente - Seu sorriso de lobo fez correr um calafrio sobre sua pele. - Apesar de não o convidar a tomar o chá, se a isso é ao que se refere.
- Sebastien...
- E não o golpeei em uma centena de pequenas peças e lancei seus restos debaixo de uma carruagem que passava.
Ela empalideceu.
- Isso soa absolutamente bárbaro - disse com uma voz horrorizada.
- Não é?
- E soa mais que agradado por isso. Ele está sob o amparo da duquesa, me deixe lhe dizer.
- É uma maldita boa coisa. Pensei que estava sendo muito amável, dadas as circunstâncias.
Ofereceu-lhe seu braço. Aturdida, ela tomou e lhe permitiu levá-la para a casa.
- Sentaremo-nos na mesa e conversaremos como um casal adequado - disse ele com firmeza.
- Não há nada adequado sobre nenhum de nós - disse ela em voz baixa.
Seus olhos brilharam para ela.
- Mas ainda estamos casados. Somos um casal.
- Competindo um contra o outro - Ela acrescentou enquanto ele deslizava a máscara dentro de seu casaco.
Ele deu a volta, lhe capturando a mão na sua.
- Podemos suspender a competição. Estarei feliz de cumprir com sua obrigação para sua graça - Ele entrelaçou seus dedos com os dela. - E você ficará livre para voltar para seus deveres de esposa.
- Dei-lhe minha palavra.
- A mim primeiro -respondeu ele, sua voz diabólica.
Seus lábios se curvaram em um sorriso cínico.
- Pensei que tinha fome.
Arrastou-lhe as costas dentro do calor de seu corpo. O barba de seu queixo lhe roçou a face.
-Lívido e faminto - disse ele em voz baixa. - Mas não pelo café da manhã.
Reuniram-se na mesa duas horas mais tarde, refrescados, Eleanor com um vestido de merino azul céu, Sebastien em uma camisa de musselina branca e calça de tecido negro a medida, como se fossem qualquer outros senhor e senhora de Londres que não tivessem vidas secretas, ou que não mantinham segredos entre si.
Se Sebastien se perguntou em sua suja consciência quantas manhãs Eleanor tinha comido sozinha, perdendo sua presença, ele agora tinha motivos para questionar se ela sentira sua falta, ou se sua esposa ficara sozinha durante todo esse tempo.
- Mary instruiu o cozinheiro para que fizesse um pudim de castanhas para você - disse ela sem o mais leve indício de uma discórdia entre eles.
- Pudim de castanhas? - Ele se inclinou para trás com um olhar de perplexidade.
- Café? - Perguntou ela, sua mão apoiada na elegante cafeteira de prata. - Ou quer tomar algo mais forte?
- O café está muito bom - disse com ironia. - E eu não gosto de pudim de castanhas.
Ou tinha gostado no passado? Muitas associações corriqueiras ainda o evitavam. Sentia-se além da frustração ao chegar a uma lembrança e achar um vazio.
- Pensei que o pudim poderia apaziguar esse grande apetite seu- Ela verteu café fumegante em sua xícara. - Não se esqueça que vamos à ópera esta noite.
Dirigiu-lhe um olhar estreito. Como se esperava que ele recordasse um acontecimento tão inconseqüente como a ópera quando se estava perguntando se alguém tinha compartilhado a cama de sua esposa?
- Não me importa a ópera. Prefiro ficar em casa.
Ali. Ele tinha tomado outra postura. Não assistiriam à ópera. Obviamente, se ele tivesse estado em casa para dirigir estes assuntos, ela não se teria extraviado.
Ela o olhou com um provocador sorriso que lhe fez pensar que tinha amarrado sua gravata muito apertada, até que se deu conta que se esquecera de pô-la.
- Entendo - disse ela, sua voz agradavelmente baixa. - Mas não estivemos de acordo que deveríamos aparecer juntos em público sempre que for possível para nos desfazer de qualquer um que pudesse ter captado a essência do mascarado?
Ele negou com a cabeça. Absteve-se de expressar o indecoroso pensamento de que alguém já tinha captado sua essência, só fazer-se passar pelo mascarado não tinha nada a ver com isso absolutamente. Ou talvez sim. Talvez ele não estivesse competindo com ninguém, salvo com este canalha do Mayfair que, sendo sua esposa, apresentava uma oposição interessante.
- Vamos falar sobre o visitante que esteve aqui ontem à noite - disse ele sem rodeios. - Suponho que achou o livro?
Ela fez uma careta, desintegrando sua bolacha no prato.
- Sim - disse com um suspiro. - Que consideração de sua parte colocá-lo onde não podia perder-se.
- Pensei que poderia ter algum significado pessoal.
Ela o olhou com franqueza.
- Poderia ter esperado até mais tarde.
- Eu pensei o mesmo sobre seu... -fez um gesto com o garfo, - o que seja que ele seja.
-Um pintor - Ela olhou com desaprovação o garfo. Ele o deixou. Ela estava evitando seu olhar. Isso não era um bom sinal.
- De retratos - continuou, de repente olhando à parede. - A duquesa encarregou-o de pintar seus filhos como uma surpresa de Natal para o duque. E não pode fazer com que ele saiba... - ela hesitou. - Supõe-se que deve ser uma surpresa.
- Como você quiser - Mas não explicava por que o bode descarado estivera em sua casa. - Acaso só pinta estas obras primas secretas no meio da noite?
Sua boca formou uma pálida careta.
- Não acredito. Desenvolveu um interesse pela arte? Você gostaria de ir ao museu mais próximo daqui?
- Ele lhe escreve notas de amor- lhe disse sem rodeios.
Ela suspirou de novo.
- E então? - disse-lhe. - Nem sequer o teria sabido se o patife não me tivesse utilizado como intermediário.
Ela sorriu vagamente.
- Spencer escreveu essa passagem, apesar de Nathan ter um livro de versos ou dois publicados.
-Tinha um significado especial?
- Não para mim.
Ele franziu o cenho.
-Tem o costume de vir à casa tão tarde da noite?
Ela negou com a cabeça, estudando a disposição dos miolos no prato.
- Não. Bom, veio em raras ocasiões.
Agora ele estava olhando os miolos, também.
- Há alguém mais que faça uso deste convite aberto?
- Eu não o convidei aqui ontem à noite -respondeu ela com calma, olhando-o sem advertências. - Nathan é um desses espíritos que voa sem restrições quando a inspiração o acorda.
Ele fez uma careta.
- Nathan está convidado a achar a sua inspiração em outros lugares. Ou a voar sobre um penhasco.
- Espero que não o diga se bater novamente.
-Tenho a sensação de que não voltará.
- Bom, todos estaremos em problemas se estiver muito aborrecido para terminar de pintar os filhos do duque.
- Asseguro-lhe que os sentimentos de qualquer miserável jovem artista são o menor de minhas preocupações - Ele levantou a voz. Observou como seus olhos se alongaram quando ele enfatizou seu ponto. - E acredito que falo pelo duque quando digo isso.
Ela estava olhando sua mão agora. Ao garfo que tinha levantado de novo e apunhalado com ênfase no ar. Irritado, ele o posou. Um lacaio entrou no aposento para limpar os pratos da mesa, aventurando um olhar cauteloso a seu amo.
- Milord?
- Sim, sim. Terminei.
Entretanto, ele ainda tinha fome.
E uma centena de cafés da manhã civilizados não o satisfariam, até que ele recuperasse a posição de autoridade a que tinha renunciado sem querer.
Eleanor sentou-se sozinha em frente ao fogo durante uma hora, embalando uma taça de Xerez. Ela sabia o que ele tinha desejado saber. A mesma dúvida frequentava seus pensamentos.
Tinha-lhe sido fiel enquanto ele esteve ausente? Ela podia acreditar que durante sua separação não tinha ele dormido com outra mulher? Um homem com sua natureza profundamente apaixonada? Devia acreditar que nenhuma criada ou filha de um embaixador tinham compartilhado uma só vez sua cama?
E agora ele exigia saber se estivera deitada com outro homem. Não o fez. Convertera-se em uma solitária. esteve alguma vez tentada, ou aproximado o suficiente para que Sebastien tivesse motivos para acusá-la?
Não. Embora até este dia Nathan Bellisant acreditasse que ela ia mudar de opinião, e sim, ela tinha desfrutado de sua atenção às vezes. Um artista que seguia seu próprio código de moral, Nathan não se importava muito se Eleanor estava casada. Era um libertino sem âncora, e embora ele fosse um amigo divertido, lamentava ter aceito posar para o retrato que ele tinha pintado.
Quando ela se negara a ser sua belle amie [2], lhe tinha jurado que a esperaria até que ela cedesse. Ela riu e o advertiu que ia esperar para sempre.
O fato é que ela nunca se sentira atraída por ninguém mais que por seu marido, que poderia não ser o mesmo que amava com as ingênuas esperanças que ele próprio tinha desfeito no dia de suas bodas. Mas este era um elemento de sua natureza que se manteve constante.
Ela era uma mulher que levava uma promessa a sério, e se Sebastien não se dava conta disso, então ele casara- se com uma completa estranha.
Sebastien reservara-se dentro de um estado emocional com respeito a esta situação que parecia perturbá-lo mais do que o fazia a sua esposa. A imperturbabilidade dela serve de efeito contrário sobre seu estado de ânimo.
Em realidade, desmascarar pessoas com desacordos políticos lhe parecia mais fácil que decifrar à pessoa em que Eleanor se convertera sob a ardilosa direção da duquesa.
A questão de seu "amigo" não resolveu sua satisfação.
Negava-se a abandonar o tema inclusive enquanto se vestiam para a ópera em seus armários separados.
- A ópera - ele resmungava. - Nunca gostei de ópera. Não disse que eu não iria?
- Está falando consigo mesmo? - perguntou-lhe ela distraidamente, examinando cuidadosamente suas joias.
Ele olhou seu reflexo no espelho de corpo inteiro.
- De fato, faço-o.
- Faz isto frequentemente?
- Provavelmente. Maldita seja, só disse que eu não gosto da ópera.
Ela deu um profundo suspiro.
- Então, vamos ou não?
De repente, ele se perguntou o que havia sobre a ópera que ela achava tão irresistível.
- Vamos.
De fato, pensou que era uma boa ideia que daí em diante ele escoltasse Eleanor em todas suas atividades. Levantou a vista do espelho às nuas paredes de carvalho.
- Onde está seu retrato? - olhou desconcertado ao redor do dormitório.
- O que disse? - perguntou ela detrás da porta. De vez em quando, ela desaparecia dentro de seu armário em uma interessante etapa de meio vestir, só para ressurgir e retomar o fio pendente da conversa. Suspeitava que era para evitar um confronto direto. Bom, ele não tinha nenhuma intenção de ser desalentado.
- O retrato que fez Bellflower?
Ela colocou um pendente de esmeraldas ao redor de seu pescoço. Ele por um momento ficou olhando, com a respiração entrecortada, certo de que não tinha comprado esse elegante colar.
- Esse colar...
- O que acontece com ele? - ela tocou a pedra. - É muito? O verde em geral vai bem com meu cabelo, mas este vestido é tão pálido que... - antes que pudesse fazer ridículo com outra acusação, recordou que o pingente tinha pertencido a sua tia.
Franziu o cenho para cobrir sua confusão, assim como seu alívio.
- Está bem. Bonito. Eu gosto.
- De verdade? - perguntou-lhe com um cético levantamento de sua sobrancelha. - Então, por que parecia tão perturbado quando o viu?
- Eu...
Ela baixou a mão com inquietação.
- Querido Sebastien, está bem?
- Eu... o... estou... - tomou um fôlego, logo outro, perguntando-se como podia ser ela mais formosa que quando se casaram.
- Temos que ir - disse, olhando-o insegura, inclusive com um pouco de medo. - Se não está à altura disto, ficaremos aqui.
Ele sacudiu a cabeça com decisão.
- Vamos. Quero ir. Não, não quero.
Ela pôs-se a rir, parecendo aturdida de um modo encantador.
- Eu gostaria que ficássemos juntos.
- Eu também.
Sentiu que uma labareda de calor o assaltava. Ela estava em pé, a tentação personificada, em um vestido lilás. Cetim ou seda. O inferno se lhe importava.
Estava fascinado pelo contraste de uma manga amarrada a seu ombro, a outra caída até seu cotovelo. Esposa ou dama malvada. Ele a tiraria de qualquer maneira.
- Nem sequer está pronta - disse ele, incapaz de manter o desejo fora de sua voz.
A voz dela saiu ainda mais baixa. Suas esperanças se levantaram.
- Por favor, Sebastien. Vamos chegar ao teatro muito tarde.
Seus olhos a percorreram.
- Vamos chegar ali muito felizes.
Ela sacudiu a cabeça em advertência. Mas seus olhos brilhavam tentadoramente, e ficou imóvel quando podia retirar-se de novo dentro do armário.
- Nos encontraremos com alguém lá? - perguntou ele, o ar entre eles de repente se fez mais pesado.
- Não. - Sua voz era suave. Seu olhar sustentava o seu. Qual deles esgrimia a arma mais poderosa?
Conseguiu encolher os ombros.
- Bom, se não vamos nos encontrar com ninguém, uns poucos minutos não importam.
- Não podemos chegar na metade.
- Por que não? Deite comigo outra vez.
- Estou meio vestida - protestou ela.
-Meio despida. -olhou-a sorrindo-lhe com antecipação. - Uma questão de como se olha.
- Estou vendo um malandro.
- Um malandro que não pode resistir a sua esposa. É isso tão mau?
- Leva tempo para acostumar-se. Resistiu a mim durante muito tempo.
- Que idiota - murmurou.
-Me desculpe?
- Disse que fui um idiota.
Ele deu um passo decisivo, e logo outro, com o que a conversa se deteve. Ela inclinou a cabeça, submissa ou divertida, talvez ambas as coisas. Entretanto, ele reconhecia o desejo quando o via. Firmemente deslizou as mãos para cima pelos flancos de seus ombros, desatando a delicada manga que ela tinha segurado. Seus olhos procuraram os seus, reconhecendo sua necessidade. Ele desabotoou o pendente que deslizou para baixo de sua garganta dentro dos cremosos montículos de seu decote.
Ela ofegou.
-Me deixe fazer isto - ele disse rapidamente.
- Eu posso fazê-lo!
-Me permita. Senti falta destes pequenos momentos.
- Perdeu os grandes também - murmurou.
- Dou-me conta disso. - Seu olhar encoberto a acariciou. - Não o voltarei a fazer.
Ela abriu os lábios, mas não disse nada, uma omissão que Sebastien decidiu tomar como sinal de seu consentimento. Olhando-a absorto, roçou os dedos para baixo por sua elegante garganta e se inundou na fenda entre seus seios. Ela exalou em silêncio. Poderia também ter gemido. Não estava certo. Não podia pensar apropriadamente pela agitação do sangue, dos batimentos de seu coração, que esmurravam através de seu corpo.
- Aqui está - murmurou, envolvendo as argolas de ouro ao redor de seu dedo. - Acredito que se esta cadeia permanecer aqui muito mais tempo, seu calor derreteria inclusive o metal.
- Não é justo - disse ela em voz baixa.
Ele inclinou a cabeça, esfregando o rosto em seu pescoço.
- Como é isso? - sussurrou, sorrindo para si mesmo.
- Está tomando vantagem.
Ele beijou o pulso que batia fracamente em sua garganta.
- De... Minha pecaminosa natureza descuidada.
Afastou-se, o sangue correndo mais rápido por suas veias.
- Pecadores é o estado no qual supostamente nascemos. Mas descuidá-lo não podemos permitir.
Isso significava que ela tinha adormecido sozinha todo este tempo? Apertou o pendente na palma de sua mão e o tirou do pulso.
- Vamos ter que remediar este problema imediatamente.
- Que serviçal de sua parte -ela murmurou enquanto um calafrio a percorria.
- Tenho muito pelo que lhe compensar.
- Não vou negar.
Seu negro olhar a devorava.
- Foi muito agradável ontem à noite.
Ela levantou a outra mão para seu cabelo, um pouco preocupada.
- Levou-nos uma eternidade chegar a isto.
- Ninguém se dará conta.
- Tenho amigos que certamente o farão. Alguns deles não acreditam inclusive que meu marido exista.
Ele fingiu entender, meneando a cabeça compreensivelmente quando ela se queixou das espantosas rugas que teria seu vestido e do tempo que demoraria para parecer apresentável de novo. Seu cabelo estava em uma trança atada na nuca. Hipócrita que era, ele só pensava em desordenar-lhe na forma sensual em que a pesada seda sentia em sua virilha.
De repente ele necessitava de ar. Não, não. Necessitava dela, confiando de novo e sem inibições.
Necessitava não só reafirmar sua presença em sua vida, mas também lhe ressegurar de que honraria seus votos.
Sempre a tinha amado.
Nem sempre tinha agido como se o fizesse.
E como homem sabia que a capitulação sexual não significava necessariamente compromisso.
Pelo que se tratava de um desafio.
- Não vamos à ópera - disse com firmeza. Empurrou-a para baixo, entre suas pernas, sobre a cama.
Ela rodou a um lado, apenas dentro de seu alcance. O cotovelo lhe pressionou sobre a parte baixa das costas, em uma velha lesão que ainda doía.
- Sim, iremos. Quero ir - acrescentou com um encantador sorriso, com clara intenção de persuadi-lo. O que só reforçou seus planos de modificar o entretenimento da noite.
- Não posso ir à ópera nestas condições.
Ela desceu o olhar para o volume em suas calças.
-Meu Deus, Sebastien. A ausência sem dúvida fez que suas partes masculinas se tornassem mais fornidas.
Ele começou a rir.
- Não quero ser mais um estranho. Só seu marido outra vez.
- Talvez queira ir está noite para me luzir com você - sussurrou.
- E eu quero ficar em casa para tê-la só para mim. - Atraiu suas costas contra ele, desceu a cabeça, e disse, segundos antes de beijá-la. -Desejo-a.
E o que um Boscastle desejava, sempre o obtinha. Eleanor tinha ouvido por acaso uma perceptora em um baile advertindo a outra mulher fazia muitos anos em Londres. A mulher aparentemente não tinha escutado. Tampouco, por desgraça, tinha-o feito Eleanor.
Ela mesma agora era uma Boscastle, embora só de nome. Uma igual na paixão, ela teria amado muito lhe arrancar seus calções de musselina e dobrá-lo a sua vontade.
Ele merecia. E assim o fez. Podia expor seus termos um pouco mais tarde. No momento demandaria prazer e se perdeu mesma dentro do descarado entusiasmo de seus deliciosos beijos.
- Eleanor - lhe disse, e ela ouviu a leve rasgadura do tecido através de seus aturdidos pensamentos.
-Meu vestido! -Exclamou ela, enquanto suas cálidas mãos se perdiam erguendo-o por debaixo de sua saia de seda.
- Não foi seu vestido - lhe disse com doçura. - Foi minha roupa interior.
Sua roupa interior. Ela sentiu que a risada brotava profundamente de seu interior, como as borbulhas de um arroio oculto.
- OH, Sebastien. É...
- O que sou? - perguntou-lhe, sorrindo.
Era fogo e escuridão. O desejo de sua alma.
-Você é meu ex-marido.
Sua respiração produziu um calafrio baixando pela nuca.
- Confia em mim?
- Não realmente.
- Deseja-me?
- Por desgraça, sim.
Ele grunhiu e terminou de despi-la com uma mão, e a si mesmo com a outra. Quando aterrissaram no chão ele não tinha certeza de como tinha acontecido, mas enquanto ela parecesse disposta a seguir, não lhe importava.
Mais que disposta. Estava ansiosa. Ardente. Sua esposa e, entretanto parecia outra pessoa. Que o tivesse chamado de seu ex-marido? Não gostava desse pedacinho.
Estirou-se até a cama em busca de um travesseiro para empurrá-la por debaixo de seu traseiro. Inclinou-se para sugar as pontas de seus seios. Ela levou sua mão para baixo com firmeza sobre seu ombro e lhe deu um bom empurrão nas costas. Caiu para trás, rindo. O cabelo dela se afastou da trança e desabou contra seu ventre.
Estava respirando tão duro que pensou que desmaiaria.
- Não é isto melhor que a ópera? - sussurrou-lhe ele, com um sorriso zombador. Levantou-a pela cintura e a desceu sobre seu grosso membro. As escorregadias paredes de sua vagina se estiraram para tomá-lo.
Ela soluçava, virando a cabeça, balançando-se suavemente sobre seu curvo eixo.
- Deus meu - ele gemeu. Agarrou-a pelas nádegas, apertando sua suave carne.
- Isto é bom. Muito bom. Quer ele mais duro?
- Pensa que é possível? - perguntou-lhe febrilmente.
- Não posso pensar em nada.
- Então, mais duro.
- Assim…
Ele se flexionou, empalando-a. Ela arqueou as costas liberando um baixo gemido desinibido. Ele gemeu, levantando-se mais alto. Ela empurrava para baixo.
Ele se ergueu, com os olhos entrecerrados, acelerando seus impulsos. Os joelhos femininos se cravaram em seus quadris. Ele aumentou a intensidade de seus golpes.
Ela gemeu seus movimentos desenfreados, seu corpo encontrando-se com cada um de seus impulsos. Sua fenda empapava sua virilha. Ele levaria sua agradável fragrância sobre a pele toda a noite.
Levou vários minutos para que se recuperassem. Ele tinha vontade de adorá-la a seus pés. Em seu lugar, jazia imóvel sobre o chão, sua mente à deriva até que lhe sacudiu o braço. Sacudiu-se de nova à consciência.
- Não durma ... - disse.
- Dormir? Nunca estive mais acordado em minha vida - abriu os olhos, estudando seu formoso corpo, nu à luz das velas. - E consciente. Agora me diga a verdade, madame.
- Não de novo!
- Nunca respondeu apropriadamente a primeira vez.
- Porque não há nada a dizer.
- Então me aplaque. Alivie minha mente.
Ela começou a inclinar-se longe. Ele se sentou, o braço deslizando ao redor de sua cintura.
- Quero saber - disse com ferocidade. - Tenho que saber. O que é este Bellisant para você?
Ela se acomodou contra seu braço. Seu corpo esquentando-se involuntariamente e procurando sua proximidade. Ele acariciava com os dedos através de seus mamilos escuros.
- Ele é champagne - disse ela depois de um silêncio que pareceu durar para sempre.
- Champagne? - disse ele com um sorriso insultante. - Não é isso encantador?
Ela virou a cabeça e dispersou beijos através de seu peito nu.
- Champagne - sussurrou- Bastante agradável a princípio, mas sua masculinidade é enganosa, um gosto adquirido.
- Economize-me - disse ele, sua ira aumentando à medida que passava as mãos por seu pesado cabelo.
- Você - ela prosseguiu, sua voz completamente tranquila. - é água.
- Água? - disse com desgosto. - Assim sou ordinário.
- Essencial - corrigiu- A pessoa pode sobreviver sem champagne. Mas não sem água.
Ela se levantou antes que pudesse detê-la.
- Água - disse ele, seu olhar cínico enquanto seguia seus movimentos através do aposento.
Ela olhou para trás sobre seu ombro com um sorriso nostálgico que lhe roubou o fôlego. Ele desceu o olhar a seu traseiro antes de voltar a olhar o rosto.
- OH, está bem. Água mesclada com um rude uísque escocês. Isso está um pouco melhor, mas não de todo o que queria ouvir.
Ela sacudiu a cabeça.
- Por que tenho a sensação de que vai conseguir o que quer?
Ele sorriu antes de levantar do piso.
- Por que tenho a sensação de que chegará o dia em que não possa distinguir seus desejos dos meus?
- O dia em que as portas do inferno se congelem? - perguntou-lhe entre risadas antes de desaparecer dentro do armário de novo.
- Ou quando as chamas da paixão as façam arder? - replicou-lhe com um sorriso diretamente antes que a porta se fechasse de repente.
Era seu marido um manipulador consumado ou era sincero em sua promessa de arrumar as coisas? Sentou-se ao lado dele no camarote, analisando-o. Era um desafio fingir concentração no concerto, sua presença lhe absorvia todos os pensamentos. Sentia-se bem insípida em sua presença, ainda com seu bonito vestido de tafetá lilás.
Ele se vestia de negro.
Indiscutivelmente, era o Lorde mais bonito de Londres, embora um enigma total para a Eleanor.
Logo que desceram da carruagem, vários conhecidos se apressaram a lhe dar as boas-vindas dentro da superficial beau monde [3]. Um cavalheiro, mas com má educação, perguntou se sua volta significava que se podia esperar descendência agora. Eleanor levantou o nariz e pretendeu não ter escutado a pergunta.
O assunto dos herdeiros parecia estar no ar.
Dirigiu-se às escadas, embora não suficientemente rápido para evitar ouvir a resposta de Sebastien.
-Logo. É meu objetivo principal. Eleanor me espere, querida. Não vá sozinha pela escuridão.
- Seu objetivo principal? - Sussurrou nas escadas quando a alcançou - Deveria ter mostrado reserva em vez de dar a conhecer suas intenções de engendrar herdeiros a um estranho.
Encolheu os ombros enquanto seus olhos divertidos lhe escrutinavam o rosto.
- Que mais podia dizer?
- Só devia ter sorrido de maneira senhorial, sem dizer nada.
E então não disse nada, no que julgou que era uma maneira senhorial, até que a ária da abertura terminou. Então deslizou a mão para cima por sua espádua até a nuca, uma carícia fugaz que a deixou tremendo por dentro.
- Tinha razão -lhe disse baixo-. Deveria tê-lo discutido com você primeiro.
- Realmente você não gosta de ópera, não é?
Sorriu, lhe tirando um pequeno cacho da nuca.
- Preferiria jogar em vez de olhar.
Ela o fulminou com o olhar. Ele lhe sorriu em resposta, passando os dedos para debaixo de sua garganta até onde jazia seu pendente.
Ela abriu os lábios e umedeceu as comissuras com a ponta de sua língua rosada. Ele se inclinou para frente, aparentemente ansioso de provar o tipo de jogador que era, quando alguém a chamou de outro camarote.
Ambos o ignoraram.
- Não acredito que o cavalheiro do vestíbulo tenha querido ser vulgar - disse ele pensativo. - Nem tampouco eu. Cresci em uma família grande e escandalosa. Não há nada mau em esperar que comecemos a nossa. Não discutimos isto? Estamos há anos casados.
Abriu bruscamente seu leque com aroma de rosas, seu rosto subitamente quente, e olhou fixo para o cenário.
- Fico feliz que o tenha notado.
- Não notei nada que não seja você desde que voltei para casa.
Baixou o leque a seu regaço.
Outra voz, jovem e masculina, chamou de um camarote oposto.
Sebastien se parou franzindo o cenho em direção ao estúpido.
- Isto distrai muito. Que classe de amigos fez enquanto estava longe?
- Impetuosos, é claro. Sente-se, Sebastien. Deixarão de fazê-lo se agir como se não os ouvisse.
Voltou-se a sentar.
- Se isto continua, farei que o tirem do teatro.
- Não. Não o fará - Olhou sua poderosa figura com um secreto deleite- Devemos aparentar ser um casal bem educado. Atrair a atenção não ajuda a nossa outra causa.
- Nossa causa? Bom, está bem.
Suas palavras pareceram acalmá-lo. Depois de um momento pôs sua mão sobre as dela, um gesto de cálida posse que desejou que não fosse tão prazenteiro. Claramente não tinha idéia que ela ainda estava sofrendo pelo menino que tinha perdido. Recordava sequer? Pensou como havia se sentido só, e zangada porque não tinha estado ali para consolá-la. E tratou sem êxito de tirar sua mão. Mas ele não o permitiu.
O leque se deslizou ao chão. Ambos se agacharam ao mesmo tempo para recolhê-lo, sua face raspada tocou a sua. A intimidade acidenta e o aroma musgoso de sua colônia deixaram-na completamente sem ação.
Mas não tanto como quando lhe perguntou, suavemente:
- Não deseja um menino? Pensei que quisesse ter um.
- Me dê o leque? - Perguntou-lhe em lugar de responder.
- Vi o traje de batismo na gaveta.
- OH - disse mordendo o interior da face- Então se lembra?
Ele assentiu. Quando lhe passou o leque, lhe dirigiu um trêmulo sorriso que lhe atravessou o coração como uma lasca de ferro. A dor lhe deu um tombo intenso. Mas se resultaria em uma dor necessária para a cura, ou uma ruptura irreparável, ele não o podia predizer. Talvez não devesse ter mencionado o bebê. Até não ter visto esse traje, realmente não tinha entendido como era pequeno um bebê.
Estava inquieto. Ela voltou a olhá-lo. Furtivamente levantou os binóculos de ópera e olhou para os outros camarotes procurando sinais de admiradores apaixonados. Afinal viu vários pares de mãos enluvadas saudando em sua direção.
Franziu o cenho baixando os binóculos, em seguida os voltou a subir.
- Pelo amor de Deus, o que está fazendo? - Sussurrou ela, tratando de ver sobre seu braço.
- Há três mulheres idosas nos saudando com a mão.
- Bom, cumprimente todas elas.
Passou-lhe os binóculos.
- Não as conheço, não é verdade?
- Não. Mas eu, sim. São agentes que a duquesa - lhe confiou, estudando o trio entusiasta que formava parte de uma rede elite de espionagem, composta em sua maioria de damas e meninas da rua, que a duquesa operava em Londres. Em qualquer momento uma delas se dedicaria a espiar a um marido que estava sendo infiel. Outra entraria numa loja de chapéus a estudá-los, assim a duquesa sempre aparecia com uma criação original. Às vezes sua graça desejava saber as probabilidades de uma corrida de cavalos. Suas damas subterrâneas estavam orgulhosas de seu trabalho, como também ela o estava.
- Devem ter uns setenta anos - disse desconfiado. - E diz que elas...
-Lady Saville tem noventa e três. - Murmurou-. E está muito bem.
- Agentes? - Piscou. - Não vai pensar que acredite que uma associação de damas anciãs...
- Dificilmente sou uma anciã.
- Sejam agentes?
Ela olhou para Sebastien, contendo um sorriso ante seu assombro. Que divertido era desfrutar com a perturbação de suas hipóteses masculinas.
- Nos subestime sob seu próprio risco.
-Já estou aprendendo isso - Sua voz era resignada, mas divertida. - Sabem que é o mascarado?
-Farão se o anuncia por todo o teatro. Santo céu achava que eu era bastante má. Não pode ficar aquieto?
- Posso se não houver nada melhor que fazer - Olhou perplexo- Me sentava por horas em adegas, covas, barris, inclusive ataúdes. Não movia um músculo.
- Os homens têm todas as aventuras - disse ela com um suspiro de inveja.
- Você não o fez tão mal.
Por que sua aprovação a comovia tanto?
- Obrigado.
Os dois se olharam fixamente. Então ela se esticou e o beijou na face.
Ele piscou outra vez, suas narinas se apertaram.
- Isso foi agradável. Quero mais, por favor.
- Espere que cheguemos em casa -respondeu apoiada em seu queixo.
- Por que? - Seu coração trovejava. Passou-lhe o braço pelos ombros e a atraiu para si. -Pedi educadamente.
- Sebastien - disse mais sem fôlego que reprovando.
- Não é este um camarote privado? - Pressionou duros e ardentes beijos descendo por seu pescoço. Seu dedo fazia círculos ao redor do pendente, deslizando-se dentro do vestido para virar em espiral sobre a ponta de seus seios. - E você é minha esposa.
Ela ofegou, depois lentamente levantou as mãos a seu peito.
- As pessoas podem nos ver.
Ele levantou a vista e pela extremidade do olho viu um lacaio apressando-se desde sua localização para fechar as cortinas a este ato de amor. Por este favor, Sebastien ia dar uma excessiva gorjeta ao final da peça e faria acertos para voltar logo para a ópera com a Eleanor.
- Não posso ver nada, - murmurou ele - exceto você.
Ela sorriu, arqueando o pescoço enquanto lhe beijava um lugar especialmente sensível atrás da orelha.
- Veria o cenário se usasse apropriadamente os binóculos - Sussurrou muito baixo.
- Ainda veria só você.
E ele não tinha nenhuma dúvida de que seus poderes de persuasão surtiriam efeito e que logo ela criaria juízo, pondo de lado o mascarado para se concentrar só nele.
Ela despertou duas horas antes do amanhecer e se vestiu na escuridão. Quando terminou se aproximou da cama para assegurar-se que Sebastien não estava acordado. Estudou sua ampla testa, suas poderosas maçãs do rosto, os feiticeiros olhos azuis Boscastle, que se estivessem abertos, a faria em pedacinhos a sua concentração durante várias horas. Apesar de ele estar interferindo em seus deveres, sem mencionar sua escandalosa conduta da noite anterior, tinha que admitir que gostava de despertar ao lado deste bonito demônio.
E era muito bom que despertara primeiro. Espiou suas botas e uma pequena caixa com as ferramentas para poder entrar furtivamente em uma casa, perto da porta. Ele era ardiloso, não é? Ou supunha que toda essa deliciosa arte de lhe fazer amor a tinha deixado estúpida? Ou era possível que ela o tivesse esgotado?
Sentou-se em sua escrivaninha e rabiscou uma mensagem para que ele lembrasse do café da manhã com a duquesa que ela tomaria. Se por um momento pensou que a tinha desviado de seus deveres, levaria uma surpresa. Ainda dormia. Deixou a nota em seu travesseiro e saiu às escondidas.
Embora parasse para olhar a janela de seu dormitório da rua, não viu uma figura atrás das cortinas.
Que alívio! Ainda ficava um pouco de vontade que não lhe tinha roubado.
Não imaginou que seria tão fácil escapar. Talvez não a tivesse detido, mas tinha sido malditamente difícil deixar sua cama.
As sombras se deslocavam na rua. Algumas infelizmente patéticas, outras que devia evitar. Os mendigos rastreavam as canaletas procurando tesouros para vender no mercado. Os que recolhiam ossos revolviam os montículos pestilentos de esterco de cavalo, com seus sacos já avultados. Um menino mensageiro passou veloz por seu lado, sem fôlego, os óculos resplandecendo na neblina. Um aprendiz quase se chocou com ela, enquanto perseguia um cão que tinha roubado a bengala de seu professor.
Londres. Imunda. Abarrotada. Cidade encantadora.
Moveu os dedos com as luvas de pelica negra. Will estava estacionado no lugar habitual na esquina, seu disfarce escondido dentro da carruagem. O mascarado não seria a pessoa elegante de sempre esta manhã, mas uma criada a quem ninguém olharia duas vezes. Se apressou sem olhar atrás à casa outra vez.
Não é que não se sentisse tentada.
De fato, era a primeira vez desde que tinha começado a farsa, que a vida de Lady Boscastle era mais atraente que a de sua outra identidade.
Para Tess Elliot os tempos difíceis chegaram, julgando-se por seus aposentos atuais. Sua casa de hóspedes ocupava uma esquina passada de moda, se separada do Covent Garden, perto do estabelecimento de um agiota.
A única pessoa que Sebastien notou foi uma lavadeira com seios amplos e gorro de volantes, quem ao notá-lo, congelou-se e começou a atirar descuidadamente lençóis e anáguas meio molhadas, de um varal público para pendurar a roupa entre as casas. Que parecesse assustada com sua presença, não lhe incomodou no mínimo.
Que mulher sensata gostaria de chamar a atenção de um homem grande, escondendo-se nos becos traseiros de Londres a esta hora? Ou a qualquer hora em realidade.
Só gostaria que sua esposa mantivesse tais precauções.
Observou à gorda lavadeira escorrer com seu cesto de vime. Penoso. Cada mulher de Londres tinha que fazê-lo pensar em Eleanor?
O dormitório da senhorita Elliot dava para um beco escuro com aroma de conteúdos de urinóis e água de chuva estancada. Sebastien forçou a porta de entrada dos criados e pôs-se a entrar, enquanto seu valete Mick, ficava de sentinela no beco.
De uma porta parcialmente aberta, saía um dueto de roncos. Lançou uma olhada dentro. Tess, com seu traseiro descoberto e elevado, estava esparramada sobre seu corpulento companheiro, que também estava nu, exceto por uma suja capa amarrada ao redor de seu pescoço fofo. Um mosquete de faísca estava apoiado contra um poste da cama.
Sua boca se afinou pelo desgosto. Dificilmente havia um desafio aqui. Ele estaria no meio da cidade antes que este par pudesse desenredar-se para persegui-lo, e menos ainda que possuíssem o engenho para achar suas roupas.
Estava contente de que Eleanor não o tivesse acompanhado. Desagradava-lhe a ideia de trazê-la a bairros pobres, embora se aventurasse em tais lugares com Will como seu duvidoso protetor. Achava-se invulnerável, uma dama aventureira. Poder-lhe-ia ensinar um ou dois truques sobre a arte de ingressar em um lugar furtivamente, e de infiltração.
Moveu-se silenciosamente ao redor da cama para a mesa do vestidor coberta por uma grossa capa de pó. Enquanto prendia sua vela de bolso, pensou em sua esposa, em sua suave boca vermelha engolindo-o polegada a polegada, em seus corpos depois, banhados na fragrância do sexo e segredos íntimos. A cabeça lhe deu voltas com um desejo negro.
Um pingo de cera lhe caiu na luva.
Maldição.
Ela o distraía inclusive quando não estavam juntos.
Se não prestasse atenção, iria causar um tremendo incêndio, incluído ele mesmo.
Franziu o cenho, procurando o guarda-roupa e a caixa com a roupa da senhora Elliot. Que triste, realmente, que uma beleza tenha chegado a isto. Restava um prendedor de cabelo, um relógio quebrado, algumas jóias baratas, duas cartas de um envelope de Surrey exigindo o pagamento de um empréstimo, um soberano de ouro.
Nada. Nada interessante. Em sua mente podia ouvir Eleanor rindo, zombando de que o derrotaria ante seu próprio jogo.
Sorriu e imaginou como ia zombar ele por sua vez. Certamente ainda estaria com a duquesa quando voltasse para casa. Trataria de ser modesto por ser melhor que ela. Perdoaria-o e admitiria sua destreza superior uma vez que estivessem a sós outra vez.
O colosso sobre a cama detrás dele emitiu um bufo gorgojeante. Ajoelhou-se na última gaveta do móvel. Mais quinquilharias. Nenhum sinal de intriga. Maldita perda de tempo. Humilhante!
Ah, um cinturão de castidade? Aparentemente nunca tinha sido usado. Eleanor tinha sido pura em sua noite de bodas.
Tinha passado há tanto tempo?
Agora não era inocente, que Deus o ajudasse. Por que não tinha adotado outro tipo de passatempo, como escrever poesia, ou pintar?
Não. Pintar, não! Provavelmente, tampouco ler poesia.
A última gaveta. Concentre-se!
Doía-lhe a parte baixa das costas, um aviso indesejável do passado. Encontrou um papel dobrado debaixo de um leque de penas de pavão rosa.
Desdobrou-o e examinou à pálida luz.
“Querido rival esqueci-me de mencionar ontem à noite que eu localizaria a próxima carta. Tome cuidado com o cão quando sair. É muito mais desagradável que Teg”.
Um sorriso involuntário lhe esticou a boca. Como tinha chegado primeiro? Por que? Para lhe recordar uma vez mais que não a subestimasse?
Nunca o voltaria fazer.
Houve um assobio curto no beco.
O aviso de Mick.
Fechou a gaveta, endireitou-se, e escapou da casa segundos antes que o mastim entrasse no vestidor com um grunhido rouco.
Ela se sentia cruelmente vitoriosa enquanto chegava a seu quarto, deixando cair o cesto de vime com a roupa úmida a seus pés. Depois acharia a forma de devolver a roupa lavada que roubara. Por agora tinha que escondê-lo. Suspeitava que a criada de sua senhoria tinha sido testemunha de sua volta clandestina à casa.
Eleanor estava segura de ter visto uma sombra ao pé das escadas enquanto subia correndo. Mas, bom, Mary tinha sido testemunha de muitas peculiaridades no curso de seu serviço e nunca tinha pronunciado mais que um suspiro de censura.
Desatou o gorro de babados e tirou os volumosos enchimentos dos seios debaixo de sua capa. Suspirando de prazer por outra carta recuperada, jogou a cabeça para trás, apoiando-a na porta. Seu coração finalmente se tranqüilizou e pôde respirar.
Teria lhe encantado estar na peça da senhora Elliot quando Sebastien descobriu sua nota. Riu-se? Teria jurado sua vingança? Ia neste momento de volta a casa, derrotado?
Não queria deleitar-se, mas tinha que admitir que a mudança de seu marido havia trazido uma energia competitiva que não havia sentido desde que era uma menina, competindo pela atenção de seu pai entre pacientes. O mais provável é que o varão ganhasse. Mas se não o fizesse...
Por um momento, tudo pareceu possível.
Ela podia ser Robin Hood roubando aos ricos, e não a Donzela Mariam rogando abatida, para que não o agarrassem.
Um rei que ordenava as decapitações, não uma Anne Boleyn[4]
Podia ser a esposa de um homem, e o mascarado de Mayfair.
Quando voltou a ser ela mesma outra vez, se deu conta de como o aposento encontrava-se vazio. O espelho de corpo inteiro refletia uma mulher comum, despenteada, com a roupa lavada de alguém mais, uma mulher que dormia sozinha.
Não se via aventureira absolutamente.
- Sebastien? - chamou cautelosamente em direção ao vestidor, em caso de que lhe tivesse ganho em chegar a casa.
Com o silêncio por resposta, viu que a porta do guarda-roupa tinha ficado aberta e ele tinha pendurado ordenadamente sua camisa de dormir em um cabide. Riu com vontade se jogando na cama.
Desta vez disse que ficaria. Para melhor ou para pior, pareceria que já não seria mais uma mulher que dorme sozinha.
Sebastien não pôde ir direto a casa depois de lhe reconhecer a pequena vitória. De fato, dentro da carruagem que Mick conduzia pelas congestionadas ruas de Londres, deu-se conta de quão descarado tinha sido o truque de Eleanor.
A lavadeira é claro. Recordou a figura gordinha com o cesto de roupa de cama empapada e riu com vontade. Não estranhava que ela tivesse estado ansiosa por se afastar rapidamente. Nem por que lhe tinha recordado a sua esposa.
Bom, que desfrute seu momento de triunfo, pois estava decidido que fosse de curta duração.
Examinou a pena de pavão que tinha na mão.
Não lhe tinha dado outra possibilidade mais que armar seus planos, e com suas próprias armas. O justo era que o castigo estivesse de acordo com o crime.
Em todo caso, duvidava que fosse queixar-se de seu tipo de vingança. De agora em diante, ele ia se entender com o mascarado de Mayfair, de homem a homem, e tomaria vantagem de seu ardiloso companheiro de todas as formas que pudesse.
Entretanto, era a segunda vez no dia que sua esposa o surpreendia, mas deveria tê-lo antecipado.
Quando retornou a sua casa no Belgrave Square, descobriu-a no salão, e outro homem lhe segurava a mão. Poderia ter sido derrubado pela pena do mascarado. Quantos segredos guardava dele? Não tinha sido suficientemente enérgico lhe explicando que queria um matrimônio inglês convencional?
Em realidade, nem ela nem seu visitante de ombros encurvados, com longo cabelo grisalho que lhe caía pelos ombros ossudos, lhe prestaram atenção alguma quando chegou.
O par estava no sofá com uma concentração conspiradora. Esperou boquiaberto, a pena que ele segurava pareceu dobrar-se um pouco por compaixão.
O desagradável estranho lhe pegava a delicada mão com seus dedos nodosos como se estivesse lhe estudando a palma? Que tolice era esta?
As cortinas estavam fechadas para esta conspiração. Da churrasqueira saía o aroma de ervas queimando.
- Perdão - disse deixando cair sua jaqueta, chapéu e luvas em uma cadeira desocupada -Estou incomodando-os?
- Eu agradeceria que não parasse na luz - Murmurou o homem estranho.
- Que luz? - Perguntou Sebastien, tentado a levantar os braços como as asas de um morcego.
Eleanor levantou a vista. Os olhos lhe brilhavam nessa artificial escuridão e seus brancos ombros tinham um resplendor que convidavam a beijá-los.
- Vejo que chega para jantar cedo. Que agradável. Viu a mensagem que te deixei esta manhã?
Ele deslizou a penazinha dentro do bolso do colete. Notou uma garrafa de uísque no aparador.
- Sim, vi. Foi muito bom que me advertisse desse cão.
Mediu-o com o olhar.
- Que bom que escapou sem que nada lhe acontecesse.
Daria-lhe o gosto, muito bem. Deixaria-lhe aturdida, quase sem sentido por ele.
Serviu um pouco de uísque em um copo e o ofereceu.
Ela o recusou com a cabeça.
Tomou um gole. Sem diluir. Sem aguá-lo nem um pouco. Bebida para homem.
- É seu porta-luvas? - Perguntou enquanto o uísque lhe chegava ao estômago.
- Quatro madame - disse o homem presunçoso, ignorando-o com má educação. - Quatro incluindo o que perdeu. Isso concorda com sua carta astrológica.
- Sir Perceval é meu adivinho - Eleanor deu uma olhada a sua palma estendida. - A condessa o consulta para cada decisão importante.
- Madame e Sua Graça são muito generosas - disse Sir Perceval com um sorriso obsequioso.
Sebastien ficou olhando-a com um olhar desconfiado.
Ela o olhou brevemente com uma repreensão sensual, e voltou a baixar a vista. Ele estudou sua cabeça encurvada, as mechas de cabelo em sua nuca, sua pele em forma de pérola.
Quatro o que? Perguntou-se. Quatro maridos? Cartas? Quatro amantes?
Incluindo o que perdeu.
Queria saber o que este enganador via em seu futuro.
O adivinho balbuciava um feitiço. As chamas do fogo dançavam.
Eleanor voltou a levantar a vista. Seus olhos alegres se encontraram com os dele.
- Que pestilento - disse Sebastien em voz baixa- Quando será isso?
- Sir Perceval -disse ela com um sorriso meigo - talvez devêssemos continuar em outro momento?
- Como desejar, madame. Não se pode ignorar a presença dos demônios nem dos anjos.
Sebastien esperou que a figura enxuta recolhesse sua capa e seus gráficos, e se fosse, para dirigir-se a ela.
- Devo reconhecer que tomou despreparado o dia de hoje.
Eleanor ficou no sofá, mal contendo um grande sorriso. Se não estivesse tão contente consigo mesma, dar-se-ia conta de que ele estava tramando algo. Bom, ambos viveriam e aprenderiam.
- Então não está aborrecido por eu ter encontrado primeiro a carta? - Perguntou jubilosa.
Ele desabotoou o colete. Sempre sentia calor em sua presença. Logo lhe devolveria o favor.
- É claro que estou - franziu o cenho. - Mais ainda porque visitou essa parte perigosa da cidade. Espero que não tenha estado aí antes.
Por um momento ela fixou a vista em seu colete aberto e, cautelosamente, sacudiu a cabeça. Ele temia que ela fosse a lugares piores. Por que Will a tinha seguido com seus planos?
- Eu... nós... empregamos uma criada com família nessa vizinhança - disse ela com cautela. - Passei por aí uma ou duas vezes.
Ele olhou para outro lado. A tensão em sua voz sugeria que ela começara a questionar aonde ia a conversa.
- Não fala bem do caráter desta criada - disse, olhando- a outra vez.
- Depois de servir quatro anos a meu pai, e seis a mim, atrevo-me a dizer que o caráter de Mary não se pode questionar. Mais ainda, a pessoa não pode escolher seus parentes.
- O mesmo não se aplica aos amigos. Eleanor, realmente. Quem são essas pessoas que traz para casa? Adivinhos, pintores, quem vou achar na biblioteca a próxima vez? Uma tropa de saltimbancos errantes?
- Não acredito que haja espaço suficiente. Obviamente esqueceu que você mesmo comprou essa monstruosa escrivaninha na última visita que fez. Ocupa todo o espaço.
- Não fiz uma visita - disse aborrecido, alcançando o copo outra vez- Um homem não é uma visita em sua casa.
- OH - Sua boca reluziu como uma fruta confeitada. Ele sentiu o calor de seu corpo antecipadamente- É claro, tem razão. É uma observação lamentável de minha parte.
- Vem aqui, Eleanor - Foi à poltrona onde tinha deixado sua jaqueta, chapéu e luvas. O uísque lhe tinha dado confiança para pôr em prática a lição. As janelas escurecidas aumentavam seu humor perverso- Sente-se um momento.
- Estou sentada – disse ela, dando um olhar curioso.
- Perto de mim - disse ligeiramente.
- Por que?
- Verá em um minuto. Venha.
Ela se levantou hesitante.
- Que diabos tem em mente?
-Tenho uma surpresa para você.
Com o olhar seguia seus movimentos, enquanto gesticulava com o chapéu de seda negro.
- Que tipo de surpresa?
- Se lhe disser isso, todo o prazer se dissipará, não acha?
Aproximou-se lenta e cautelosamente, como se faz com um animal selvagem.
- Depende de quem é que vai receber este prazer.
Sorriu o mais inocentemente que pôde.
- Espero que o que tenho seja mútuo e prazeroso.
Ela cruzou os braços.
- Não tenho nenhuma confiança em você.
- Confie em meu julgamento.
- Pus a carta sob chave, se for isso o que quer.
Chegou à poltrona.
Ele se esticou por atrás para fechar a porta. O ferrolho não funcionava bem.
- Não vou me desculpar - disse ela com um leve sorriso - Avisei-lhe o que faria. Não deveria ter intervindo.
-Já trataremos com isso. Agora sente-se.
- Por que tenho que fazê-lo?
- Por favor, querida. Agrade-me.
- Suponho que seguirá com o mesmo até que o faça.
-Tem toda a razão.
Sentou-se rígida e deixou-a na expectativa deliberadamente, indo ao aparador terminar de beber o uísque.
- Entre parênteses, parece uma formosa prisioneira.
Riu inquieta.
- Isto é um interrogatório?
Ele sacudiu sua escura cabeça simulando consternação.
- Isso não soa agradável.
Seus olhos se abriram enormemente quando se deu conta que ele tirava duas tiras de seda negra de sua jaqueta.
- Não se atreveria - disse com uma risada ofegante- Em pleno dia, em nosso salão. Em uma poltrona. Barão é malvado.
- Suponho que não preferirá a mesa? - Perguntou-lhe com um sorriso esperançoso.
- Entre as taças de chá? - disse divertida e impressionada enquanto ele ia para ela. - Como se eu fosse...
-Uma sobremesa? - Inclinou-se, suas mãos posadas sobre o espaldar da poltrona, apanhando-a com seus braços.
O coração dela golpeava enquanto subia o olhar desde sua garganta a seu rosto sardônico.
Sua boca estava curvada em um sorriso perigoso. O pulso lhe acelerou. Isto era um problema.
Ela fez um esforço tardio de levantar-se; ele se ajoelhou com um cachecol de seda entre os dentes, a outra usou para lhe amarrar rapidamente os pulsos à poltrona.
- Sebastien, isto é ridículo - disse para calar-se em seguida, curiosamente, apesar de si mesma, para ver o que ia fazer. E ao que a submeteria-Nunca estive nesta posição.
- Shsh.
- É vergonhoso - Sussurrou, o sangue lhe descia das faces pelo pescoço.
- Não, de meu ponto de vista. Vergonhoso é ser perseguido em um beco por um mastim atrás de seus calcanhares.
- Fez isto a outra pessoa antes? - Perguntou quase levantando-se outra vez, em um arrebatamento de indignação. - OH.
- Não com o mesmo propósito que tenho agora - disse ele com um sorriso arrastado.
-Torturou? -Fez um pequeno grunhido de pânico, provando a resistência das amarrações de seda. - Não responda.
Ele sacudiu a cabeça, com o rosto escuro de desejo.
- Não o farei.
- Não fechou totalmente a porta - Exclamou- Alguém poderia passar e nos ver. Ver-se-ia em um apuro explicando por que me tem atada à poltrona.
Ele assentiu gravemente.
- Pelo que lhe aconselho que fique muito quieta. Para nos evitar uma explicação embaraçosa. Depois de tudo temos que manter as aparências.
Ela baixou o olhar a seus olhos desumanos.
- Por acaso, seu plano é me deixar nesta situação humilhante?
- Isso seria muito pouco cavalheiresco. - Passou as mãos por sua saia e as colocou ao redor dos tornozelos. - Tem belas pernas - murmurou. - Bons músculos.
-Melhor, para lhe dar um pontapé no...
- Mas não o fará - Acariciou suas panturrilhas através de suas pálidas meias.
Ela estremeceu. Arqueou as costas com tal desespero, que por um muito breve instante sentiu vergonha.
-Já expôs seu ponto de vista, Sebastien.
- Não o suficiente - disse com voz tranquila.
- Sim, fez isso - Insistiu- Está ressentido por que o controlei, e esta é sua represália.
Seu sorriso lento pôs fogo em seu ventre.
- A represália de uma pessoa poderia ser a emenda de outra.
Suas mãos deslizavam para cima das panturrilhas, subindo a saia em sedutoras etapas. Ela esticou os pulsos passando uma perna sobre seu antebraço para dissuadi-lo.
Com este esforço realmente tardio, somente conseguiu que tomasse os tornozelos e levantasse a cabeça em advertência.
-Fica quieta, baronesa. - lhe disse, e se levantou brevemente para lhe dar um beijo mais potente que o uísque que ela podia saborear em seus lábios.
- Essa vizinhança que visitou hoje é muito perigosa - disse contra sua boca.
- Parece que agora estou em um perigo maior. - sussurrou ela.
- Necessita de mim – falou ele, com uma certeza exasperante.
- Não para que amarre a uma poltrona.
- E preciso de você.
Suas mãos ascenderam mais. Entre seus joelhos, infiltrando-se pelo espaço entre as coxas.
Um calor escandaloso se disseminou por seu corpo, enchendo e estendendo-se por suas veias em uma resposta aguda. A antecipação da sedução de seu marido, não a fraca seda, amarrava-a à poltrona.
- Ao menos poderia... - Interrompeu ofegando, quando ele baixou a cabeça, deixando-a com poucas opções, salvo dirigir-se a seus largos ombros - fechar bem essa porta.
- Estou ocupado.
- Sebastien,por favor...
Era evidente que tentava continuar, e ao diabo a privacidade. A excitação e a frustração se entreteciam em sensações muito emaranhadas para separá-las. Seus pés não podiam achar apoio no chão até que acidentalmente achou seu chapéu.
Com desespero colocou a ponta dos dedos do pé sob a aba do chapéu e o lançou através da sala.
O chapéu saiu através da porta semiaberta, e aterrissou no meio do corredor. Seus ombros estremeceram de risada
- Bom, se isso não nos delatar, não sei o que poderia fazê-lo.
- Vou gritar - disse muito determinada.
- Por favor, não - E antes que pudesse levar a cabo sua ameaça, levantou-se e fechou a porta, voltando para poltrona, dando voltas à pena de pavão entre seus dedos.
- Não sou nada cortês. -lhe disse rapidamente, seus seios erguendo-se para uma profunda respiração.
- Veremos!
Ela baixou a vista a seu zombador rosto obscurecido, com seu corpo retorcendo-se.
- Na próxima vez, nem sequer vou lhe deixar uma pena. Deveria ter deixado que o mastim te agarrasse.
Passou-lhe a pena suavemente através da boca, depois por seu queixo, descendo com sensuais movimentos para sua garganta.
- Este mascarado de Mayfair é um jovem indisciplinado. Não voltará a tirar o melhor de mim.
- Sabe que hoje é dia de faxina, e que a qualquer momento podem chegar as criadas, e desejarão entrar?
-Foi um engano subestimá-la - continuou, passando-lhe a pena pelas pontas de seus seios. Ela estremeceu, uma reação que não pôde lhe esconder.
- Está confortável, querida? - Perguntou-lhe docemente.
Ela retorceu os pulsos contra as ataduras.
- Como pareço?
- Incitante. -Passou a pena pela covinha do queixo- Vulnerável.
Ela umedeceu os lábios.
- Isto não me vai deter.
- Mas realmente, faz um pouco mais devagar - Seu olhar se movia sobre ela com apreciação. - A duquesa sabe que nos reconciliamos?
- Sabe que estamos trabalhando juntos.
- E que somos novamente marido e mulher?
Ela recusou lhe responder, seu corpo ansiava aliviar-se, embora ela continuasse mantendo o olhar sobre a porta. O cafajeste havia lhe tornado a levantar o vestido, desta vez deixando descobertas suas coxas.
Não se atreveu a baixar a vista. A pena traçava a vulnerável parte de pele debaixo do espartilho, deslizando provocadoramente para o pêlo debaixo de seu ventre.
Que delícia mais pecaminosa lhe estava infligindo. Que espantoso dela desfrutá-lo.
- Abre mais as pernas - Sua voz era firme, para que lhe obedecesse - Me deterei se não fizer.
E enquanto seguia suas indicações, ele deixou cair a pena e enterrou o rosto entre suas coxas. Estava molhada. Torcida. Afundou a língua na profundidade de seu sexo.
Quase imediatamente, ela experimentou a pequena morte. Tinha-a preparado para desejá-lo, antecipando o alívio no instante que ele entrou na sala. Que esperança havia de se conservar a dignidade?
Ele recusou deter-se. Atraiu a rígida pérola entre seus dentes. O pulso dela disparou. O rubor a cobria. Elevou os quadris. Suas mãos a mantinham firme pelos joelhos. Mordeu o interior da face para evitar gritar.
-Me solte - disse com os dentes apertados, quase desesperada.
- Estou fazendo isso - respondeu com a voz abafada de prazer, afundando a língua em seu lugar secreto.
Uma das criadas deixou cair algo, uma vassoura, um atiçador, um quadro. Eleanor se sobressaltou, só para sentir que a boca de Sebastien a distraía dessa crise doméstica.
As sensações que lhe provocava requeriam atenção imediata. Sua fenda gotejava. Fez um esforço simbólico por resistir. Uma perda de tempo. Sentiu como suas mãos lhe afastavam ainda mais as coxas. Deixem que as vassouras caiam ou que voem. Não podia pretender que lhe importasse.
Lutou, e em seguida deslizou mais profundamente dentro de seu poder. Sua língua sedosa a excitava. O que importava que o desejasse e desfrutasse de sua natureza audaz.
O mascarado de Mayfair podia ter prometido lealdade à Duquesa de Wellington, e Eleanor seria leal até o final.
Mas entendia que o primeiro dever de uma esposa era para seu marido.
E se o pessoal achasse um chapéu negro no corredor, o que levantaria uma ou duas sobrancelhas, o dever não devia interromper-se, nem o prazer de seu Senhor e Senhora.
Sebastien se felicitou por tomar o controle das coisas em seu lar.
A maré se voltou a seu favor, e decidiu aproveitar cada oportunidade que lhe dava. Logo, ele e Eleanor deixariam para trás o assunto da duquesa, e sua separação.
Seria então, o momento de começar uma família.
Finalmente se sentia como um homem capaz de aceitar suas próprias debilidades, e possivelmente capaz de oferecer sensatez a sua potencial descendência. Satisfeito, caminhava pela casa até que achou Eleanor lendo em seu salão privado. Levantou a vista, olhou-o com os olhos escurecidos de prazer.
- Vai para cama?
- Subirá logo? – ele se inclinou e lhe deu um rápido beijo de boa noite.
- Não me sinto cansado, embora devesse. E você?
- Acredito que vou ler um pouco.
- E não vai sair?
- Não, Sebastien. A esta hora, não.
Grunhiu de gosto.
- Não esperamos nenhuma visita esta noite?
Ela alisou o penhoar sobre os joelhos.
- Acho que ofendeu Sir Perceval. É um frenólogo muito hábil, e um vidente. Sabia que examinou o crânio da duquesa?
- Não vou perguntar o que achou, ou melhor, o que não achou. Não acredito em videntes.
-Tampouco eu. Ela lhe disse com meio sorriso. Pôs a um lado o jornal que estava lendo. - Quer conversar?
Subitamente sentiu desejo de se sentar a seu lado. Recordou seu pai lendo com sua mãe nas aprazíveis noites do campo.
- Há algo interessante nas notícias?
- Sempre mencionam à família Boscastle.
Ele assentiu mostrando pouca emoção.
- O ramo de Londres.
Ela mordeu o lábio. Parecia havê-lo perdoado por tê-la amarrado a essa poltrona.
- Vem de uma família grande.
- Alguns nos chamariam infames.
- Não tenho certeza disso. Uma de suas primas acaba de anunciar que admitirá garotas difíceis em sua academia de elite. Pense nisso. Eu poderia conseguir um lugar.
Ele sorriu.
- Nossa família nunca seguiu as regras.
- Isso não me surpreende. Temo que os Prescotts não são muito melhores.
- Pobres de nossos filhos.
- Os treze? - Perguntou-lhe ela, levantando rápido a vista antes que tivesse oportunidade de ocultar sua reação.
-Treze? -riu. - Lembro dessa conversa.
- Eu também - disse com tristeza.
Olhou-a. Às vezes uma trégua era um triunfo.
- Que durma bem – Ele lhe disse em voz baixa.
-Também você, Sebastien.
Deixou a sala resistindo ao impulso de voltar para ela.
Se o marido e a esposa podiam se mostrar um mais esperto que o outro, e depois rir disso, então o futuro oferecia bênçãos infindáveis.
Não importava que sua esposa ainda não estivesse de acordo em abandonar suas duvidosas obrigações com outra pessoa, seu entusiasmo incontrolado no dormitório lhe dava muitas esperanças de que logo se aproximaria de seu sensato ponto de vista. E agora estavam sendo amigos.
Só fugazmente, lhe ocorreu que a dela poderia ser a influência mais forte.
Tinha-a em sua cama, a seu lado, sob seu amparo. Quanto a seus outros deveres, Sebastien mantinha contato com o Departamento de Estado e os agentes de Wellington, certo de que quando voltasse para a Inglaterra pediria a ele que servisse em um posto útil e que sua esposa estivesse ocupada em outra coisa e deixasse de lado suas atividades inadequadas.
Treze. Um número improvável, mas agradável. Improvável ou não, gozava com a ideia da criação dos filhos e filhas, ele mesmo procedia de uma grande família. E embora pertencesse aos outros Boscastles, e seus três irmãos tinham tomado rumos diferentes fazia bastante tempo, recordava seus primeiros tempos com um profundo carinho.
Queria às bestas, especialmente a seu irmão mais velho, Colin, que lhe tinha ensinado tudo o que um moço de dezessete anos achava importante saber.
Ao menos as lições que tinham aprendido juntos, tinham-lhes importado então.
Nessa época, Sebastien não se dera conta que foram escapando do que realmente importava, que cedo ou tarde, se um menino corria suficientemente rápido, voltaria feito um homem que tinha esperado escapar.
A morte de seu pai tinha desfeito completamente à família.
Joshua Boscastle, Visconde Norwood, tinha enchido a casa com sua energia até o instante em que fora encontrado morto na entrada da casa. O doutor disse que a causa era um ataque cardíaco.
Mas Colin, o irmão mais velho de Sebastien, clamava que seu pai tinha jantado a noite anterior com um antigo amigo que tinha raiva de Joshua depois que uma empresa de negócios tinha fracassado.
Colin jurava que seu pai tinha sido envenenado.
Dizia que o doutor era um bêbado que nem sequer podia urinar em uma linha reta, menos ainda podia ver a evidência do arsênico frente a ele. A mãe de Colin recusou acreditar nele. Ninguém o fez, exceto Sebastien.
Os dois irmãos fizeram um pacto de sangue.
Sairiam de casa e não retornariam até terem caçado o assassino de Joshua Boscastle.
Poderiam ganhar dinheiro suficiente limpando estábulos e tirando pedras dos campos através do mundo se fosse necessário. Sentiam-se fortes, invencíveis, animados por uma raiva justa.
É claro, o grande plano de Colin e Sebastien terminou em um fracasso total.
Uma noite, depois de dois anos perseguindo à justiça, despertaram em um celeiro e se deram conta que não tinham mais dinheiro, mais pistas para seguir, e que a boa camisa de Colin estava em farrapos.
O espírito abatido era pior que estar sem um centavo.
Sebastien acabava de dormir quando Colin o moveu para despertá-lo, soando e agindo como se tivesse dez anos mais. A Sebastien bastou um só olhar ao rosto firme e imundo, para saber o que ambos se deram conta mas não podiam admitir. Tinham saído em uma busca inútil atrás de um homem muito esperto para se deixar apanhar.
Sebastien, com seu pequeno traseiro congelado, estava à beira das lágrimas, até que Colin lhe deu um pontapé nos joelhos.
- Chegou o momento de crescer - disse Colin.
- Quer dizer que vamos dar por vencidos - Sebastien respondeu amargamente.
- Olhe, segundo tudo o que sabemos, poderia ter sido o coração o que o matou.
- Isso é mentira - A voz de Sebastien se ergueu às vigas do celeiro.
-Talvez já fosse uma mentira antes - Colin estava pondo as botas. - Não sei a maldita verdade, Sebastien. Nem sequer sei se me importa, depois de todo este tempo perdido em moinhos de vento, arrastando você comigo como a um cachorrinho perdido.
- Voltaremos para casa?
- Eu me unirei ao exército.
- Então eu também.
Colin negou com a cabeça e disse um palavrão.
- Não o quero a meu lado o resto de minha vida. Procure seu próprio caminho.
E ele assim o fez.
Família. Sua esposa. Havia algo que importasse mais?
Tinha começado a mudar seus poucos pertences do navio para o armário que agora compartilhava com Eleanor. Cuidadosamente tinha evitado a gaveta que continha o traje de batismo sem usar.
Pendurou sua jaqueta adornada do regimento ao lado do traje de festa mais espetacular, que tinha a mancha de vinho.
Ainda desconcertado por esta aberração aparente, aproximou-se dele pela delicada manga com botões de pérolas.
Teria novos vestidos, podia pagá-los.
Suas espantosas ações na França não tinham ocorrido sem compensação. Sentia-se atraído pela idéia de mimá-la, surpreendê-la com gestos generosos.
Mas a luz lhe revelou uma verdade que a outra noite tinha sido suficientemente amável em ocultar-lhe
Franzindo o cenho, viu claramente que não era uma mancha de vinho o que havia no pronunciado decote, mas uma gota de tinta a óleo.
Eleanor se sentia muito segura de manter sob controle seu marido, ou pelo menos distraí-lo para que não interferisse com seu trabalho. Tinha a intenção de fazer dois papéis, um como agente da duquesa, e outro como a esposa submissa. A verdade era que atuar como uma mulher apaixonada por seu dominante lorde requeria muito pouco sacrifício de sua parte. Assim como não a beneficiava protestar contra a autoridade de Sebastien, e em certos assuntos privados, se submetia quando a perseguia. E vice-versa.
Embora não tivesse tido êxito amarrando-o a uma cadeira e seduzindo-o com uma pena, conseguia implementar alguns de seus próprios instintos femininos quando estava com ânimo.
Ele parecia estar com ânimo cada hora que passava acordado.
Entretanto, também estava consciente de que não podia confiar em Sebastien no que se referia a suas outras obrigações, inclusive quando dormia. Não lhe podia dar um golpe no travesseiro sem que ele rodasse contra ela, impedindo com seu longo corpo qualquer tentativa de escapar da cama.
-Um sonho ruim? - Perguntava. Olhava seus olhos azuis sonolentos, e tinha de resistir a necessidade de lhe arrumar o cabelo despenteado.
- Lá fora, na escuridão, há coisas perigosas. -sussurrou ele uma vez, tomando-a em seus braços.
- Sem mencionar a que tenho na cama.
Riu baixo.
- Não soube me expressar?
Ela deu de ombros.
- Pelo menos reconhece que estou tratando.
Ela voltou a encolher os ombros.
- É melhor assim, você e eu juntos em uma noite fria, em vez dessas outras atividades.
Ela sorriu.
-Talvez.
E justo quando estava sentindo uma onda de ternura pelo canalha, acrescentou.
- Sabia que cedo ou tarde voltaria. Só me surpreende que tenha demorado todo este tempo.
Em realidade se teria surpreendido se soubesse que quando todas as tardes ia à outros lugares comprar produtos lácteos, em realidade estava recebendo as instruções da duquesa.
Usando uma menina da rua como mensageira, a duquesa tinha sugerido a Eleanor que seria sensato atrasar qualquer atividade encoberta até outra indicação.
Seu alerta a pôs sobre aviso de que a polícia tinha designado detetives experimentados por toda a zona oeste, com a esperança de pegar à evasiva celebridade de Londres.
- Detetives experimentados - Eleanor disse com um sorriso depreciativo, e guardou a mensagem no sapato.
Só demonstrava como longe estava a polícia de apanhar o mascarado. Voltou-se franzindo o cenho pensativamente e se chocou com seu marido.
- Não são coalhadas nem queijos - disse ele levantando uma sobrancelha.
Ela baixou o olhar a sua terrina.
- Sim..., tomei muito gosto por eles.
- Alguma razão em particular?
- Não...
-Me deixe levar a terrina por você.
- Não está pesada - disse rapidamente.
- Não se preocupe, senhorita Muffett. Não vou comer - Olhou além da porta.
- Essa moça não vende a nenhuma outra casa. Está segura que não está planejando nos roubar? - Puxou-o pelo braço e o empurrou para dentro. - Achei que ia se reunir com o arquiteto na biblioteca.
Ele baixou a vista. O conteúdo da terrina quase se derramava pelas bordas.
- Sim. Estamos discutindo a renovação da casa de Sussex. A propriedade do campo, se é que assim se podia chamar a pequena mansão.
Ele tirou um lenço do bolso e secou os dedos - Por isso vim buscá-la.
- Necessita de minha opinião?
- É claro.
- É muito amável, Sebastien.
Mas quando o seguiu à biblioteca, imediatamente o arquiteto lhe mostrou os planos do agregado da sala das crianças que Lorde Boscastle tinha desenhado para a casa de campo.
Uma creche muito grande que, como o ajudante do arquiteto o fez notar ladinamente, ocupava toda a parte superior da ala oeste, e planejava sua senhoria criar uma equipe de críquete?
Quando subiu para vestir-se para o jantar, descobriu que outra vez lhe tinha revistado seu guarda-roupa. O vestido de noite com a mancha estava pendurado a plena vista, como se lhe estivesse dizendo que o tinha notado. E não gostava. Seu marido era tudo, menos sutil.
Mordeu o lábio e teria se sentido culpada se não tivesse percebido que o patife também revistara as gavetas de sua escrivaninha. Podia ter sido suficientemente hábil manipulando a fechadura da pequena escrivaninha, mas tinha deixado evidência de sua entrada ilícita. A capa imperceptível de pó de arroz que sempre colocava quando fechava a gaveta estava alterada.
Não parecia faltar nada, nem sua correspondência pessoal, nem as duas últimas cartas que tinham que ser enviadas à duquesa. Mas as duas penas de pavão- real que deixara cruzadas em certo ângulo, tinham sido recolocadas cuidadosamente, embora não como as tinha deixado.
Supunha Sebastien que não se daria conta? É verdade que a tinha confundido com suas gravatas de seda e a sedução na cadeira. Era possível que não tivesse seguido sua rotina cautelosa como devia?
Uma coisa era que a acompanhasse a seu trabalho, mas outra coisa bem diferente era que a espiasse desta maneira.
Havia uma tensão no ambiente quando Sebastien se sentou para jantar com sua esposa três horas mais tarde.
Embora tivessem posto carvão fresco na churrasqueira, queimando lentamente, Eleanor não se incomodou, pondo um xale. Seus ombros brancos brilhantes rivalizavam em beleza com as pérolas em seu pescoço.
Afundou o garfo no purê de batatas com manteiga e salsinha.
- Você está atrasado - disse amavelmente-. Ainda estavam fazendo os desenhos da casa?
- Sim.
- E essa família de treze? - Perguntou com um risinho.
Colocou os dedos em seu queixo.
- Estive pensando. Talvez deveríamos ter seu retrato.
- Meu retrato?
- Sim. Para a casa.
- Bom, imagino - atacando sem misericórdia seu pedaço de cordeiro com hortelã-. Mas antes de planejar cobrir as paredes, sinto que deve saber que não posso ir de Londres até não cumprir minha obrigação com a duquesa.
- É muito nobre – disse ele zombeteiramente.
Baixou a faca.
- Sei que está entre seus direitos que reviste nosso armário, querido marido, mas em realidade tenho que insistir a respeito da privacidade da única gaveta fechada com chave.
- Do que está falando?
- As últimas cartas não estavam como eu as deixei - disse subitamente duvidando por seu tom ofendido.
Encostou-se na cadeira.
- E acha que abri a gaveta para ler umas confissões ridículas de amor frustrado?
- Não o fez?
Tomou sua taça de vinho.
- Claro que não!- Os olhos lhe cintilavam com arrogância-. Se o tivesse feito, nunca o teria notado.
- Terei em conta - Hesitou. - Deve haver algo nessas cartas que o duque não quer que se saiba.
Olhou abaixo à mesa, ferroado por um inesperado sentimento de culpa. O duque provavelmente nem sequer se lembrava que as cartas existiam.
- Há algo errado? - Perguntou-lhe ela.
Olhou para o fogo e depois para ela.
- De fato, sim. É essa mancha em seu vestido.
Os lábios se abriram.
-Meu vestido? Que você...?
Ele franziu o cenho severamente.
- Há uma explicação - disse suavemente.
-Uma que morro de vontade de ouvir.
- É óleo. Do pincel de Bellisant…
Ele se parou abruptamente.
Ela piscou enquanto as taças de vinho cambaleavam na mesa. Ele passou as mãos pelo cabelo agitadamente.
-Me responda - disse, subindo a voz.
-Responder, o quê?
- Esse Bellflower pintou seu retrato?
Ela assentiu sem dizer uma palavra.
- Então, onde está? - Exigiu, inclinando-se para ela.
- Acredito que está com ele - disse em voz muito baixa.
- Ah. É claro -Fechou os olhos brevemente. - E só uma pergunta mais, que sei que é absurda, mas tenha paciência comigo... está usando o vestido nesse retrato?
Ela saltou da cadeira, quase lhe golpeando o queixo com sua cabeça. A mão dele saiu disparada para equilibrá-la. Ela a empurrou.
- Como se atreve a perguntar?
-Tinha roupa posta? - Questionou, se preparando para outro arrebatamento de indignação.
- Não vou responder essa pergunta tão humilhante!
Nesse perigoso instante, dois lacaios bateram, perguntando se Sua Senhoria necessitava mais carvão no fogo, e outra garrafa de vinho alemão.
- Não. E sim. - respondeu, enquanto Eleanor e ele voltavam para seus respectivos lugares na mesa.
A pessoa tinha que manter as aparências.
- A pessoa pensaria - disse, tirando outro tema-, que as mulheres que receberam as cartas de Viola Hutchinson, valorizariam a integridade da Inglaterra sobre sua mesquinha correspondência.
- Ou que se valorizariam elas mesmas - disse ela com ar ausente, deixando de lado seu cordeiro uma vez mais-. Não posso entender como seja um homem ou mulher, possa desfrutar trazendo a luz um caso adúltero. Em primeiro lugar, parece-me degradante admitir que alguém se permitiu tal coisa, mas é pior ainda admiti-lo frente aos demais.
Ele estudou seu rosto.
- Se realmente houve um caso, em primeiro lugar - disse ele cautelosamente.
Seus olhos se encontraram através da mesa.
A chama dos candelabros de prata cintilava entre eles.
- Acha que o duque foi infiel a sua esposa? - Perguntou-lhe ensimesmada.
Ele bebeu vinho.
- Não - Sacudiu a cabeça para dar ênfase.
- Por que não?
- Bom, é uma pessoa com moral, e não posso imaginar perdendo seu tempo livre quando a paz do mundo está em jogo.
- Mas a oportunidade...
- É claro - Ele não pôde negar isso. - estiveram separados muito mais tempo ainda que nós.
- Suponho - disse pensativa- que inclusive se poderia argumentar e justificar uma aventura em tal caso.
Ele esperava não ter que inteirar- Se de tal justificação em seu caso. Franziu o cenho.
- Acha que ele foi infiel?
- Parece-me ingênuo acreditar outra coisa - disse Eleanor.
Duas velas já se gastaram. Pareceu-lhe ouvir o repico da chuva, talvez granizo nas janelas. Ia ter que preocupar-se em procurar um vidraceiro. Ignorara tudo isso. As coisas básicas para manter uma casa em bom estado. A pessoa não podia dar nada por sentado. Nem janelas. Nem esposas.
- Acredito que a duquesa tem dúvidas dele - Eleanor sussurrou, pondo o dedo na gota de vinho que tinha caído na toalha. - Esteve longe tanto tempo, e as princesas e donzelas de todo o mundo o adoram. Não seria normal que fosse tentado quando ninguém está olhando?
- Não, se seu coração foi capturado como o meu.
Ela sorriu enigmaticamente.
- Que encantador de sua parte... - interrompeu ela, quando ele se levantou da mesa deixando sua comida sem tocar. - Onde vai? Disse algo incorreto?
-Tenho o que fazer - disse amavelmente- Não se preocupe se chegar tarde. E nada de mascarado esta noite.
Ela abriu a boca. Começou a protestar, mas ele chegou a seu lado e agachando-se, beijou-a, como se fossem qualquer marido e mulher separando-se por umas quantas horas. Com os lábios lhe fazendo cócegas, ouviu-o chamar o lacaio Burton para que lhe levasse o casaco. E em seguida saiu da casa para a úmida noite. Ela ficou sentada na mesa por um momento mais, recordando todas as vezes que tinha jantado sozinha. Realmente não pensava que lhe tinha sido infiel? Empurrou a cadeira e se levantou, correndo ao corredor. Quando abriu a porta, conseguiu ver Sebastien afastando-se a grandes passos pela rua, com o sobretudo no braço.
- Não acredito que a tenha enganado! -Gritou atrás dele.- Ele está acima disso! É tão confiável como... como você -terminou em voz baixa.
A chuva engoliu a figura de Sebastien. Protegeu-se na entrada.
- Madame! -Voltou-se enquanto a bonita figura de sua criada aparecia pelo escuro corredor atrás dela. Depois de anos de dedicado serviço, Mary sempre sentia quando algo não andava bem.
- Posso ajudar em algo? - Perguntou, se apressando para a porta.
Não tinha ideia de quanto Mary tinha escutado, ou do que pensava. Não era uma aristocrata de nascimento, sua educação era bem "não convencional” Eleanor frequentemente descuidava de manter a distância que uma dama devia pôr entre ela e os que trabalhavam para ela. Mais ainda, Mary tinha fiscalizado a preparação dos pratos super especiais que Sebastien mal tinha provado, e era a que orquestrava as correntes subterrâneas da vida doméstica. Eleanor se veria perdida sem ela.
- Não se preocupe - disse animosamente, retrocedendo ao corredor, com o cabelo molhado. - Me encontrarei com sua senhoria mais tarde. Pode-me preparar a roupa noturna, por favor? E faça que a carruagem esteja preparada. Parece que meu marido irá a pé.
- Mas madame, está tão úmido... - foi direto às escadas, se detinha considerar sua posição da perspectiva de sua criada, poderia ficar nervosa.
- Estou acostumada a cuidar de mim mesma.
Mal escutou a resposta de Mary.
- E eu que pensei que tudo tinha mudado.
Quando Sebastien chegou à casa do Senhor Nathan Bellisant no beco St. Martin, a chuva se transformara em uma névoa com garoa. A caminhada na umidade tinha fracassado em lhe extinguir as dúvidas que se cozinhavam a fogo lento em seu interior. Desta vez seria ele quem faria a visita surpresa. Sabia que não havia melhor maneira para julgar o caráter de um homem, do que visitá-lo em sua casa sem anunciar-se. Parecia muito razoável.
Bellisant se sentia muito a vontade visitando Eleanor a todas as horas. Não deveria queixar-se quando lhe devolvesse o insulto.
O marido de Eleanor bateu forte na porta e ouviu que arrastavam os pés, e uma voz de mulher dentro. Acabava de deixar a sua esposa em casa. Era irracional acreditar que tivesse lido as intenções e se apressado a avisar Bellisant antes que ele chegasse. O que faria se passasse o impossível e a achasse aqui? Teria sequer o ânimo para brigar contra eles?
Sim. Decidiu que teria.
Meu Deus, não estava pensando com clareza. Eleanor não estava!
Mas um retrato íntimo dela sim estava.
Uma governanta de idade avançada abriu a porta, aborrecida, como se a incumbência de afastar visitas perturbadoras toda a noite, e não lhe importasse nenhuma delas.
Sebastien não se deu ao trabalho de se apresentar.
Um papagaio chiou de seu balanço em uma esquina. Acreditou ouvir vozes apagadas de homens que vinham da parte de trás da casa. Uma porta se fechou.
Viu Bellisant parado na parte de baixo da escada, com sua camisa branca desarrumada, seu cabelo loiro amarrado despreocupadamente atrás na nuca.
-Lorde Boscastle - disse com genuíno assombro. - Está bem senhora French, pode nos deixar a sós. Por favor, entre milorde, mas olhe por onde anda.
Sebastien assentiu seguindo a magra figura do Bellisant acima das escadas até o estúdio.
Havia um aroma de uma mescla de azeite de linhaça, terebintina e... suas narinas se abriram... absinto. Sentiu que Bellisant o olhava com seus olhos escuros enquanto ele observava a seu redor.
Havia cavaletes com esboços em frente às janelas, e nas muralhas, havia pelo menos uma dúzia de suportes para as velas acesas, onde não havia quadros. Os potes de pinturas estavam em mesas que não faziam jogo entre si. Sobre a lareira apagada havia uma pilha de livros muito usados. Que mescla tão desordenada. Tranquilizou-se ao não achar evidência de sua esposa.
E então a viu.
Seu olhar subiu à pintura que ocupava o lugar de honra sobre o suporte da lareira. A surpresa lhe pôs os nervos em pé. Sentiu como uma violação e privilégio ao mesmo tempo ver a pintura de Eleanor em uma pose tão descuidada. Estava reclinada sobre um sofá azul marinho, com uma fita de veludo negro no cabelo revolto e uma máscara de seda negra na mão. Seu sorriso parecia inquietantemente triste. Reconheceu o vestido.
Mas quem era a dama que tanto tentava como se mantinha à margem como espectadora?
Não era um artista. Mas ainda assim não podia negar a genialidade da delicadeza e percepção de Bellisant. A textura intrigava os olhos. O balanço de luzes e sombras faziam Eleanor tão viva, que poderia ter estado aí, entre os dois homens que ladeavam a lareira.
- Negou-se a levar o retrato - Sussurrou Bellisant.
- Eu levarei - Sebastien disse sem pensar, e o acento de sua voz dizia que não era em troca de sua esposa.
-Farei com que ele seja enviado amanhã cedo
Sebastien se voltou. Bellisant ainda estava estudando o retrato, encantado, fosse por seu trabalho, ou pela mulher que o tinha inspirado. Para Sebastien era a mesma coisa.
- Está apaixonado por minha esposa? - Perguntou-lhe antes de poder conter seus ânimos.
- Se não o estivesse, não teria deixado seu retrato onde pudesse vê-lo.
A ira formou um nó na garganta de Sebastien.
- Mas ela não o ama.
Nathan balançou um cavalete, como se acreditasse que o protegeria dele.
- Não o deixaria ir com o retrato se acreditasse que me ama - disse com cautela.
- Demônios. Não se dá conta que nada se interporá entre minha mulher e eu? - Baixou a vista. - Nem sequer um cavalete.
- Não acredito que seja a mim quem tem que convencer - Bellisant disse. - Se desafia em duelo, conceder-lhe-ei o primeiro disparo. Tenho muito medo de pistolas.
- Por Deus - disse aborrecido.
- É verdade - disse Bellisant em voz baixa. - Vi quando dispararam e mataram meu pai. Quase desmaio só em ver uma pistola.
Sebastien grunhiu.
- Ainda está zangado comigo?
-Zangado? Por que estaria?
Sebastien saiu a passos largos da sala sem outra palavra. Tinha conseguido o que tinha vindo procurar?
Que poético era pensar que ao reclamar a posse do retrato, poderia reclamar o que pudesse ter perdido. Era muito tarde? Algo no sorriso dessa Eleanor do retrato transmitia o que deveria ter notado uma dúzia de vezes antes. Como tinha passado por cima a tristeza em seus olhos?
Ou então, ainda pior. Tinha sido ele a causa?
Caminhou pelo labirinto de ruelas para o Tâmisa. Não estava seguro do que diria a Eleanor, ou se lhe diria algo.
Deveria pedir desculpas e deixar que as coisas se arrumassem por si mesmas, como tantos assuntos que passavam entre os maridos? Não estava arrependido de haver enfrentado Bellisant, só de ter duvidado dela. E de, talvez, não ter dado um murro no queixo de seu pintor apaixonado para que aprendesse.
A névoa noturna parecia espessar-se cada vez mais.
Era fácil que um homem se perdesse no labirinto de Londres a esta hora.
Soube que o estavam seguindo pouco depois que tomou uma condução para que o levasse a costa marinha, onde tinha seu barco.
Também notou o condutor sem piedade alegre que o avisou:
- Tenha amor à vida. Mandaremos ao bandido direto o rio, né, milord?
- Enquanto não sejamos nós que terminemos aí - disse secamente.
O condutor rompeu em gargalhadas cordiais.
- Escapando de um marido enganado? Vejo que temos companhia.
Sebastien olhou ao redor instintivamente. Uma carruagem pequena estralava atrás deles sem lacaios correndo ao lado. A névoa fazia impossível identificá-lo.
- Conheço Londres - continuou falando o condutor, sem notar que seu passageiro estava mais preocupado porque não lhe cortassem a garganta que pela conversa. - Não seria o primeiro cavalheiro que ajudo a escapar da ira cornuda. Não é difícil evitar uma pessoa neste apuro.
- Bastante certo.
Com esta névoa qualquer um podia materializar-se ou desaparecer. Sebastien vislumbrou uma moça cigana em uma porta, chamando- o para lhe ler a sorte. Curvaram-lhe os lábios. O que tinha esperado Eleanor ver em sua palma? Quatro? Incluindo o que perdeu. O que tinha perdido? O filho de ambos? Quatro crianças. Não, quatro amantes,
Estúpido. O começo de sua equipe de críquete. Por Deus, que insensível estava. Mais insensível que a neblina de Londres.
Estavam quase na margem do rio.
- Diminui a velocidade.
Um par de remos rangeram na escuridão. A esteira da embarcação invisível borbulhava como o caldeirão de uma bruxa. Durante o dia os gritos vulgares dos homens do mar, o bater das asas das velas das embarcações mercantes de A Companhia das Índias Orientais, animavam os moles. Tarde na noite as chatas da centavo e os botes, as caldeiras de sabão e as olarias aquietavam-se. Pensou nos recolhedores de desfeitos no barro que dormiam em lojas abaixo nos túneis, sonhando com uma comida decente. Mais tarde ou mais cedo, todos os que tinham o coração quebrado chegavam à margem do rio. Por aqui e lá, uma voz das cervejarias vagava através dos arcos sombreados do rio.
Sebastien escutou uma puta cantando bêbada uma balada a sua audiência de marinheiros. Mais longe da borda, estavam as propriedades separadas da aristocracia. Se escutasse bem, provavelmente ouviria um marido pedindo a sua esposa que lhe desse outra oportunidade.
- Pare aqui - lhe disse ao cocheiro sem aviso prévio.
- Aqui? Esta não é a parte mais elegante da cidade.
- Bom, tampouco eu sou o mais elegante dos cavalheiros.
- É seu funeral. Espero que ela valha a pena.
Sebastien sorriu sombriamente e lhe pagou três vezes o valor da tarifa.
- Vale muito mais do que nunca antes imaginei.
- Boa sorte, então, milorde.
Eleanor tinha ensaiado várias poses sugestivas para surpreender seu marido. Afinal, dado o espaço limitado da pequena embarcação, decidiu-se por uma posição semi reclinada no sofá de cetim vermelho que ocupava quase todo o espaço da cabine. A menos que já tivesse vindo e se fora, Sebastien deveria estar chegando. Não tinha nenhuma graça esperar sozinha até que seu cocheiro chegasse a recolhê-la.
Estava começando a arrepender-se de estar com ele. Sem nenhuma vergonha tinha procurado sinais da presença de outra mulher. Felizmente, sua busca não tinha dado frutos. Mas embora a cabine não revelasse nenhuma evidência incriminadora, o trabalho dos painéis de carvalho negro, esculpido esplendidamente com sereias de grandes seios perseguidas por luxuriosos marujos, não se ajustava ao o Sebastien que ela conhecia.
Tampouco o fazia a delicada escrivaninha de madeira de magnoli, enfeitada com traços bronzeados e marchetaria dourada, que parecia incompatível com sua masculinidade.
O conteúdo das gavetas parecia suficientemente inocente: uma pena, uns gráficos, um calendário das marés, e um esboço de um castelo espanhol que lhe tinha dado.
Percebeu que no curso de seu trabalho encoberto, devia ter assumido diversas identidades. Entretanto era um desafio vê-lo sentado em uma escrivaninha mais afim à Maria Antonieta que a um barão inglês. Com o indicador golpeou uma flor dourada, e um compartimento secreto se abriu lentamente. O coração lhe acelerou.
Tampouco não havia na lá, exceto uma de suas velhas fitas do cabelo.
O que significava que Sebastien realmente a amava ou se disfarçava como uma dama para enganar seus inimigos.
Que pensamento!
Fechou o compartimento e foi para o sofá, e se sobressaltou ao dar-se conta de que não se via nada pela janela da cabine. Um banco de neblina muito forte a envolvia a lancha. Parecia que não ia poder emboscar o dono ausente do barco, ou mesmo voltar para o cais.
Suas atividades como mascarado pareciam caseiras em comparação ao que ocorria no bordo da água. Cada rangido e chiado se amplificavam com a névoa. Um rangido. Certamente se tratava da água chapinhando na margem, e não de um roedor grande.
Onde tinha ido seu rato de rio? Em todo caso, com que tipo de pessoas se reunia aqui?
E se tinha mudado de opinião e tinha voltado para casa?
E se estava esperando-a ao lado do fogo perguntando-se aonde tinha ido?
Necessitava de solidão? Não podia ter escolhido um lugar mais solitário em toda Londres.
Acomodou-se mais profundamente nas almofadas. O desejo patente em seus olhos quando a olhou através da mesa, perseguia- a. Por que não se dera conta imediatamente que suas perguntas indiretas a respeito da fidelidade do duque era sua forma de interrogá-la?
Levantou a vista a um som apagado na margem. Esperou e não ouviu nada mais. A lancha balançou levemente. O coração lhe acelerou grosseiramente quando uma silhueta de ombros largos apareceu no portal. Uma pistola brilhava no portal. Ficou sem fôlego, o coração a golpeava mais forte que quando o fazia pelo desejo.
Sebastien riu ao reconhecê-la, surpreso.
- Madame - disse enquanto deixava a pistola na escrivaninha e tirava a jaqueta - Aproveitou-se da vantagem.
- Duvido muito, Sebastien - Sussurrou, o sangue lhe circulando em redemoinhos quentes através do corpo.
- Não o duvidaria se pudesse sentir com a força que me está palpitando o coração.
- Como o faz o meu.
- De verdade? - Seu olhar deslizou por sua figura enganosamente relaxada-. Eu gostaria que me tivesse avisado que a esperasse.
-Teria feito - disse convencida. -Se tivesse sabido que entraria com uma grande pistola na mão. Por um momento achei que tinha chegado o final de minha vida.
Sorriu severamente.
-Tenho muita experiência para atirar em qualquer que me espere na escuridão.
-Graças a Deus. - Se conteve de lhe perguntar a que coisas, ou pessoas, tinha atirado. Algum dia insistiria para que o contasse. Até esse momento, permaneceria como um delicioso enigma para que ela o decifrasse.
- Acredito que me seguiram ao rio. Perdoe-me por estar preparado para uma emboscada.
Ela tiritou levemente.
-Talvez devesse deixar essa pistola perto, onde a possa alcançar.
-Talvez devesse ter escutado quando lhe disse que este não era um lugar para você. Entretanto, já que está aqui, melhor é que fique confortável.
Deu um olhar cético ao redor da cabine.
- A propósito de comodidade, perguntava-me a respeito de sua escolha de decoração. Nunca pensei que você gostasse das sereias peitudas e o cetim vermelho.
- Isto era um bordel flutuante - disse depois de uma breve hesitação.
Ficou olhando-o consternada.
- Espero que não fosse um dos clientes.
- É claro que não. Roubei isso cumprindo meu dever.
- Deus Santo.
- E nunca mais deve voltar sozinha.
-Fiz que nosso cocheiro me acompanhasse ao cais.
- Não é um lugar seguro - Acrescentou.
- Imagino, considerando sua história - Ela captou o sorriso que lhe cruzou o rosto. -Já não está aborrecido pelo retrato?
Ele amaldiçoou suavemente.
-Fui atrás dele.
- Escutei-o.
- E me ignorou?
Seus olhos brilharam.
- Não a estou ignorando agora - Apoiou seu quadril atrás contra a escrivaninha.
- Em realidade não nos conhecemos, não é verdade? - Perguntou-lhe ela suavemente.
- Conheço-a o suficiente para me dar conta de que nunca desejarei a ninguém que não seja você.
- Então, posso perguntar por que está parado aí?
Ele riu esplendidamente.
Ela se sentou. O cabelo caiu pesado, frisando-se pela umidade. Não fez nenhuma tentativa de arrumá-lo. Seu estado de ânimo atual seguia seus instintos mais selvagens.
Ela podia também ver a parte inesperada e excitante de seduzir seu próprio marido, apanhando-o em sua guarida. Sentiu-se um pouco perigosa. Ele estava completamente assim, entretanto, seu negro cabelo brilhando pelas gotas de neblina, seu magro corpo movendo-se silenciosamente na escuridão.
Observou-o impacientemente enquanto ele abria o aparador fundo na parede e examinava rapidamente o conteúdo. Como lhe tinham escapado essas prateleiras? Ah. Não tinham trincos.
- Que mais esconde de mim? - Perguntou-lhe curiosa.
Chegou a seu lado caminhando languidamente. Seus olhos com as pálpebras semi-caídas, deslizaram sobre ela.
- Nada. Sou um livro aberto, me leia.
Ela deixou escapar um suspiro de prazer quando ele se sentou a seu lado.
- Muito bem - Ela arrastou os dedos por seu braço até a parte de trás de seu pescoço. Sua camisa flamejante cheirava a ar úmido e amido. - Página um - Sussurrou enquanto lhe tirava a jaqueta. - Aonde foi quando saiu de casa?
- Ver seu amigo o pintor.
Levantou a vista consternada.
- Não era por isso que levava a pistola, não é?
Ele se inclinou sobre ela.
-Um marido está justificado em confrontar ao homem que perseguiu sua mulher.
- Eu tenho justificativa em atirar nas mulheres que o perseguiram enquanto estava longe?
- Que mulheres?
- Honestamente, Sebastien. Não pode esperar que eu acredite que nunca outra dama tratou de persuadi-lo para levá-lo a sua cama.
- Não - disse. Seu sorriso era desumano. - Entretanto posso assegurar que em toda a Europa não existe meu retrato pintado por uma admiradora que morra de amor por mim.
- De verdade viu o retrato?
- Dificilmente poderia tê-lo passado por cima.
- Era tão pouco favorecedor?
- Não. Era tão claro. E nada pouco favorecedor. Não o viu?
- Não terminado. Bellisant só me mostrou o esboço inicial. É bem tímido com essas coisas.
- Pobrezinho - disse com voz descontente. -Em realidade está orgulhoso do quadro.
Passaram uns minutos.
-Tenho medo de lhe perguntar o que fez do quadro e do pintor.
A boca dele se contraiu.
- Ainda está vivo, e o quadro, assim como seu tema, pertencem a mim.
- É tão arrogante.
Beijou-a levemente na boca.
- E você também.
Ela riu nervosamente.
- E não se importa?
- Não.
Ela suspirou, fazendo-o reclinar-se nas almofadas. Antes que pudesse lhe tirar a gravata, lhe tinha desabotoado o vestido. Para não ser ultrapassada, deslizou uma mão brincalhona por sua camisa, e lhe desabotoou a braguilha.
- Agora me diga que sou a primeira mulher que traz aqui - Sussurrou.
Baixou-lhe o vestido pelos ombros e lhe sorriu.
- Não.
- Você...
Baixou seu corpo sobre o dela.
- É a única. Admitir que é a primeira, implicaria que outras virão depois.
- OH - disse suavemente.- Que boa resposta.
Ele espalhou ardentes beijos em seu pescoço, seus ombros, depois a parte superior de seus pálidos seios.
- Quando deixei a mesa, ainda tinha fome esta noite.
- Ofereci-lhe sobremesa.
Seus lábios cinzentos se curvaram. Roçou os dedos através dos mamilos inchados.
- Posso trocar de ideia com uma desculpa?
Ela suspirou, completamente seduzida por seu toque.
- Vim aqui para fazer as pazes.
- Eu gosto de como isso soa.
Subiu-lhe a saia à cintura, em seguida baixou as calças e instalou seu musculoso corpo entre suas coxas. Ela inclinou a cabeça para trás no sofá, ancorando as pernas ao redor de suas nádegas. Ela se ergueu, convidativa. Ele a aceitou com gosto, abrindo-a com os dedos de uma mão, e com a outra beliscando seu casulo até que ela se retorcia contra ele.
- Estou tão feliz de que me tenha esperado - Sussurrou ele.
- Quer dizer aqui, esta noite, ou em geral?
- Ambas – Ele lhe respondeu, guiando o grosso membro para seu interior.
Gemeu quando ele retirou os dedos. Separou-lhe mais ainda os joelhos e empurrou forçando-a a ofegar de prazer. Seu corpo o apertava. Retirou-se várias polegadas, deixando-a ofegando de necessidade até que ela golpeou os calcanhares contra suas costas.
- Muito arrogante, em realidade - Ela ofegava enquanto ele moía seus quadris e se impulsionava profundamente dentro de seu ardor palpitante.
-Meu Deus - disse ele momentos depois, ambos caindo exaustos e sem respiração no sofá. - Pensar que estive a ponto de me livrar deste barco.
Ela se arrastou para cima entre as almofadas e seu torso musculoso.
- Suponho que isto é o que chamam um barco de prazer.
Ele sorriu.
- Agora é.
-Deveríamos nos vestir - disse ela despreocupadamente, mas não fez nenhuma tentativa de se mover.
- Não mais prazer?
- Pedi a Pontuem que voltasse a meia-noite, em caso de que não aparecesse.
Ela se afastou de seus braços e começou a vestir-se furtivamente na escuridão. Enquanto ele se abotoava a camisa, ela tomou o revólver da escrivaninha, e em seguida voltou a soltá-lo. Através da janela da cabine, viu um bote a remos com dois amantes. Deslizava como um escuro cisne na bruma. Escutou Sebastien aproximando-se por detrás.
Quando lhe passou a mão pela cintura, e afundou o rosto em seu cabelo solto, ela tratou de não pensar nos atos obscenos que previamente se levaram a cabo neste barco.
- Suponho que virá para casa comigo - disse ela, jogando a cabeça para trás.
- De... - interrompeu-se com o corpo tenso. Uma tábua rangeu sinistramente na noite. Escutaram um momento. Então a puxou pelos ombros e a dirigiu para trás da cabine. - Atrás do mapa marítimo há um compartimento secreto - Ele lhe sussurrou, tomando o revólver. - Entre agora.
Em vista de suas associações suspeitas, apressou-se a obedecê-lo. Os passos furtivos na coberta, agora eram inconfundíveis. Foi direto ao mapa impermeável, levantou-o e se escondeu em uma greta com aroma de úmido, que tinha uma mira no centro. Respirando apenas, viu como seu marido esperava o intruso com uma calma invejável, enquanto a porta se abria lentamente. Encolheu-se quando ouviu o gatilho. Para seu alívio, em vez de escutar o tiro, ouviu que o amaldiçoava.
- Você, maldito cabeça dura! Cérebro de galinha! Filho da...!
- Não atire em mim!
- Que diabos está fazendo aqui?
-Will? - disse ela sem pensar, apertando-se contra o fino painel.
Seu primo estava parado na entrada com as mãos cruzadas frente ao rosto. Passou ao redor de seu marido que pôs a pistola no cinto. Dirigiu um olhar zangado a Will e tirou uma teia de aranha que lhe pendia do cabelo.
- O que está fazendo aqui? - Exigiu mais emocionada do que achava.
- Vim protegê-la - disse indignado. -Mary estava preocupada de que andasse sozinha pelo rio. E agora que vim a este embarcadouro esta noite, entendo sua preocupação. Um rato do tamanho de um cão pequeno me passou pelo pé.
Sebastien suspirou.
Will baixou as mãos.
- Bom, pensei que se supunha que devia acompanhá-la em todas suas aventuras. - Arriscou um olhar esperançoso a Sebastien. - Não é verdade?
- Sim - Sebastien esteve de acordo. - Assim era. E sua avaliação cuidadosa. Foi você quem me seguiu até aqui?
- Sim.
- E então por que diabos não se anunciou?
- Perdi-me no cais - disse envergonhado.
- Honestamente, Will - disse Eleanor, franzindo o cenho. - Teria lhe pedido que viesse se tivesse precisado esta noite.
Fez-se um longo silêncio. Will olhou do cabelo despenteado de Eleanor à camisa abotoada pela metade e a gravata desmanchada de Sebastien. Ela ruborizou enquanto sentia as mãos de seu marido deslizando furtivamente para cima de suas costas para abotoar os ganchos do vestido que ela não podia alcançar. Não havia necessidade de explicar ao Will que tinha chegado no final de uma ardente entrevista com seu marido. O desordenado aspecto de ambos falava por si mesmo.
Para manter as aparências, Lorde e Lady Boscastle retornaram aquela noite do rio até Belgrave Square, indo direto para a cama, e levantando-se logo no dia seguinte.
Depois de completar o asseio matutino, vestiram-se, e se sentaram juntos cordialmente para um café da manhã tranqüilo. Sebastien deu uma olhada no jornal se por acaso havia alguma menção incomum da atividade política, um cavalheiro que dava toda a impressão de estar se intrometendo nos assuntos domésticos. Eleanor, com um recatado vestido de musselina cinza pérola, o cabelo ruivo escuro penteado em suaves cachos, fez apropriadamente uma observação aflita enquanto seu marido começava a contar as últimas notícias sobre o mascarado de Mayfair.
-Tenho uma entrevista mais tarde hoje - Murmurou, abstendo-se de lhe arrancar o jornal das mãos.
Ele se recostou na cadeira.
- Acho que ele deveria se retirar completamente. Sabe que um editorial propõe encerrá-lo na Torre?
- Não presto atenção a esse tipo de tolices. Não fez nenhum dano, de todo modo.
- O que aconteceria se fosse ferido? - Deixou o jornal a um lado, confrontando-a, e ainda preocupado.
- É pouco provável – respondeu ela, sacudindo a cabeça. Era difícil decidir até onde chegava sua preocupação. Ou se era parte de seu orgulho masculino desejar controlá-la.
- Eu me alegrarei quando deixarmos Londres para ir ao campo - respondeu ele em voz baixa.
- Já me disse isso -Tomou um gole de chá com um sorriso inocente. - Me alegrarei quando tiver cortado todos os laços com seu trabalho, também.
Ele franziu o cenho, mas não respondeu, tampouco o negou nem assentiu. Ela sentiu uma pontada de arrependimento, de fato, por inclusive sugerir que fizesse isso.
Com toda honestidade, duvidava que se retirasse alguma vez do serviço. Não era um homem que encontrasse satisfação na perseguição convencional de cavalheiros.
Tinha-o feito tanto, que parecia duvidoso que tivesse escolhido casar-se com ela.
Três horas mais tarde, entretanto, descobriu algo sobre seu marido que descartou todos os sentimentos de culpa. Foi recolhimento na esquina pelo cocheiro da duquesa para dar um passeio de carruagem ao redor do parque com o secretário pessoal de Sua Graça, o senhor Herbert Loveridge. Sem dizer uma palavra lhe passou as cartas que tinha recuperado. Estaria orgulhosa de responder que não tinha lido uma só palavra delas, se a interrogassem.
- Sua Graça deseja lhe informar de que não vai poder se reunir com você hoje -lhe anunciou com uma voz estentórea.
Eleanor estudou o elegante e educado cavalheiro que freqüentemente servia de intermediário entre a duquesa e seus agentes. Se Loveridge incomodava levar mensagens secretas de sua patroa a vendedores de salsichas ou vendedoras de tofu e soro de leite, ocultava-o atrás de um solene comportamento.
Eleanor tinha presenciado como aceitava notas codificadas de imundas mulheres batedoras de carteira com o mesmo respeito que alguém concederia às princesas. Supôs que pagavam bem pelos serviços ao senhor Loveridge. Também notou que sua lealdade à duquesa ia além da compensação monetária. A Duquesa de Wellington era uma amiga devota daqueles que a serviam. Uma estranha amabilidade para os pobres e solitários corações de toda Londres.
-Lorde Charles tem um dente mole - explicou Loveridge, refirindo- se ao filho pequeno da duquesa - Sua Graça esteve acordada toda a noite.
- OH senhor - disse Eleanor-. Espero que a situação se resolva sozinha.
Os lábios finos de Loveridge se moveram.
- O que não resolve naturalmente, ao redor de uma dúzia de dentistas convocados para atender ao jovem lorde sem dúvida o fará.
- Entendo.
Como filha de um cirurgião, com considerável experiência em emergências médicas, tinham chamado Eleanor várias vezes para consultá-la na casa da duquesa. A duquesa a consultava cada vez que um de seus filhos tinha brotoejas ou moléstias estomacais.
- Sua Graça mandou me dar alguma instrução nova?
Uma sombra cruzou o semblante normalmente neutro de Loveridge.
- Sim, senhora. Tenho que lhe advertir, entretanto, que ela deve começar as ordens com notícias desagradáveis.
Eleanor sentiu o coração palpitar. O mascarado ia ser retirado. É claro que tinha sabido que de uma maneira ou outra, a instância da duquesa ou de seu marido, o desaparecimento era inevitável. Só esperava a oportunidade de poder cumprir com seu destino. depois de entregar as duas cartas que restavam, abdicaria feliz seu reinado. Mas lhe incomodava viver com projetos inacabados.
- Bom, então diga já, senhor Loveridge - disse mais bruscamente do que merecia.- Por favor, me dê a mensagem de Sua Graça palavra por palavra.
Ele sacudiu a cabeça com remorso.
- Concerne a Lancelot.
- Quem? OH - Eleanor conteve a respiração. Lancelot era o nome em chave que a Duquesa de Wellington dava a Sebastien. O Rei Arturo era, é claro, o duque. Sua Graça queria ser conhecida como Genebra, e o nome operativo de Eleanor nas ruas era Merlin - O que tem que ver Lancelot com... Camelot? -Perguntou-lhe tratando de manter-se impassível.
- Lancelot é um cavalheiro andante neste assunto. A rainha se inteirou de que ele se aproximou do Rei Artur e lhe pediu permissão para competir no torneio.
- Que diabos...? - desejava que ele deixasse de falar com este ridículo código e explicasse claramente o que desejava dizer. Mas de repente soube. A Sebastien não tinham ordenado misturar-se em seu trabalho.
- Vou ver se o entendo - disse, espremendo as luvas no punho - Meu espo.... Lancelot, não está atuando sob as ordens do Artur?
Ele assentiu sombriamente.
- Isso é o que a rainha entende.
- Esse ladino indesejável.
- Desculpe-me.
- Sou eu que deve te pedir desculpas. Estou fora de mim, Loveridge.
- Sim, milady.
- Quero assassiná-lo.
- Santo céu.
Ela pensou durante uns momentos.
-Tem Genebra algum conselho em relação ao que deseja que faça seu feiticeiro?
Ele sorriu fracamente, confirmando a suspeita de Eleanor de que desfrutava tanto daquelas intrigas como o faziam ela e a duquesa.
- Ela espera que isto não desanime a Merlin do que lhe prometeu.
Eleanor se sentou em silêncio. Deveria ter estado mais desgostada, ou inclusive surpreendida por aquela revelação, mas não o estava. Sebastien lhe tinha mentido, o que não significava necessariamente que sua declaração de amor fosse falsa, embora tivesse uma mente retorcida. Ou uma ambiciosa. Talvez inclusive tinha a esperança de sair como o herói do duque ao final. Possivelmente lhe tirar seu protagonizou, seria isso?
A carruagem diminuiu a marcha na esquina. Loveridge lhe passou a habitual pilha de pacotes de parte da duquesa que Eleanor necessitaria como prova de sua tarde de compras quando retornasse a casa.
- Diga à rainha que Lancelot será submetido a um feitiço.
Os olhos dele se iluminaram.
- De fato, o torneio...
- Continuará a toda marcha como se planejou.
Eleanor se sentiu aliviada quando entrou na casa e achou a nota de Sebastien explicando que tinha ido a seu clube para um jantar. Prometia-lhe que retornaria a uma hora razoável, e poderia esperá-lo acordada?
Santo céu, este matrimônio tinha esperado durante anos seu retorno. Que diferença podia haver em umas horas mais?
- Esperarei acordada? -resmungou, entrando no salão para atirar a nota ao fogo-. Não, não o farei.
O mascarado tinha trabalho a fazer. Só duas cartas mais.
- O amor pode esperar - disse. - Mas o dever...- Virou-se da lareira com pressa, dando-se conta de que Mary estava na porta com aspecto preocupado.
- Não eram más notícias, verdade senhora?
Eleanor olhou como as chamas chispavam.
- Ainda não decidi.
Mary entrou na sala.
- Não deveria respirar a fumaça. Prejudicará seus pulmões.
- É boa para mim, Mary.
A criada olhou com consternação a carta que ardia.
- Desejaria senhora, que se cuidasse mais.
Eleanor a olhou devagar.
- A que se refere?
Mary sacudiu a cabeça, evitando olhá-la. Ela sabia. É claro que sabia. Arrumava seu vestuário, observava suas idas e vindas. Nunca tinha pronunciado uma palavra. Quando os outros criados paravam a cochichar na porta sobre o último escândalo do mascarado, Mary não tinha participado, exceto para recordar ao pessoal que havia trabalho por fazer.
-Me prepare um banho ligeiro - disse Eleanor com voz suave-. E busca meu disfarce.
- Outro baile de máscaras? - Perguntou-lhe Mary sem ocultar sua desaprovação-. Achava que acabou a temporada destes eventos.
Eleanor sentiu tanta irritação como carinho por sua inquietação.
- Não haverá muito mais festas. - Girou decididamente do fogo.
Mary a seguiu a metade do caminho para a porta.
- Sua senhoria também necessitará de suas roupas?
- Não -titubeou-. Mas garanta que o fogo ainda arde quando voltar para casa. De fato, faça com que os criados amontoem até o último carvão na carvoeira. Quero que tenha uma calorosa boas- vindas.
Roubar uma carta do bordel mais exclusivo de Londres, sobre a Bruton Street, era o desafio mais arriscado que tinha tido até agora. Audrey Watson mantinha uma casa elegante, tão bem guardada que mesmo se Eleanor conseguisse chegar à entrada, não poderia escapar facilmente. Estudara o plano original de arquitetura da casa durante um mês. Um dos contatos da duquesa o havia provido junto com uma descrição do desenho interior.
Esta informação limitava a ajuda. Dizia- se que havia armadilhas ao redor da casa para caçar intrusos jornalistas desejosos de expor tanto a um MP[5] como a jovens aspirantes a pecadores, que arriscariam sua vida e extremidades por alardear que passaram uma tarde no bordel da Sra. Watson.
Só alguns seletos cavalheiros eram convidados aos aposentos de celebração. Outros pagavam uma fortuna pelo privilégio. A privacidade dos convidados era tão legendária como os prazeres culinários, intelectuais e carnais, que Audrey e seu staff treinado ofereciam.
Eleanor nunca tinha se arriscado tanto. Se falhasse, o jogo teria terminado. Se conseguisse, ela e a duquesa alardeariam juntas do resultado pelo resto de seus dias. Que mulher de Londres não sentia um pouco de curiosidade por saber o que acontecia dentro da casa da senhora Watson?
Não tinha discutido quando se infiltraram no serrallo com Sebastien. Parecia que estava muito familiarizado com o desenho do bordel. Só agradecia que não estivesse familiarizado com as damas de semelhante estabelecimento. Ela e seu marido podiam ser enganosos. Consumidos pelo perigo, sim. Mas não desleais.
Em retrospectiva, Eleanor se dava conta que tinha sido muito fácil entrar na Casa de Vênus.
Sabia-se que os guarda-costas da senhora Watson, jovens homens viris com custosa vestimenta, patrulhavam o estabelecimento e seu entorno enquanto se mesclavam entre as visitas, cujos gostos pessoais protegiam.
Fora advertida que podia achar um guarda em cada ponto de entrada ou saída. Nos balcões, nas escadas, para fora dos quartos particulares nos quais um convidado podia desfrutar de qualquer classe de atos inomináveis. Mas ninguém a interceptou no jardim privado atrás da casa. Nenhum cão guardião saiu de entre os arbustos.
E quando usou sua chave de fenda para desenganchar o seguro de ferro da janela do salão, só achou uma escuridão natural.
Não estava segura do que esperar. Possivelmente uma espécie de orgia na qual um tímido convidado não seria advertido.
Subiu com cautela sobre o peitoril e se deteve, escutando as risadas apagadas, o tinido de taças e passos ocasionais dos pisos de cima.
O aposento parecia estar vazio. Ninguém que protegesse a escada oculta atrás da falsa biblioteca que se levantava até o teto. Fechou as cortinas para dissimular a janela aberta, no caso de que tivesse que escapar tão rápido como tinha entrado.
Com uma última olhada ao redor do aposento, passou a subir os degraus.
Tinha preparado uma história em caso de que a apanhassem. Que sujeito não desejaria lançar um olhar dentro desse infame estabelecimento? Ela não era mais que um jovem curioso.
Nunca tinha dormido com uma mulher, só tinham que ver seu corpo medíocre para entender porquê as damas o evitavam. Ele seria a inveja de todos os varões se pudesse clamar que tinha irrompido na casa e guardado uma pequena evidência de sua visita.
Uma borla de travesseiro. Um pente com um cabelo de cortesã enredado. Uma carta. Encontrar uma carta. Escapar. Faça-o. Não pense. Aja!
O coração golpeou em sua garganta. Alcançou o final da escada e abriu a estreita porta para o vestíbulo com tochas. Onde estavam os infames guardas?
Sua pele se arrepiou em sinal de premonição. Olhou por cima de seu ombro. Silencioso como um mausoléu. As paredes deviam estar desenhadas para amortecer o som.
Sua intuição lhe advertia que estava metendo-se em problemas. Ignorou-a. O medo ao perigo pulsava em seu sangue. Essa podia ser a última aparição do mascarado.
Se lhe permitissem ao menos com uma história para contar...
Sebastien estudou as sombras distorcidas que se moviam na névoa. Quase podia descobrir a volumosa forma da carruagem de Will rua abaixo. Sabia que os guardas da senhora Watson tinham advertido sua aparição. Aparentemente, também o tinham visto.
Ainda se tivesse sido Will, teria estacionado em frente da estalagem com vigamento de madeira, na esquina e agido como o fazia habitualmente.
Mas então não teria trazido Eleanor aqui. Involuntariamente deu um passo para frente, enquanto uma figura emergia da casa da Senhora Watson e dava passadas para a outra direção.
Não era Eleanor. Estava demorando muito tempo. Devia intervir?
Seu sobrenome lhe permitiria entrar na casa. Um Boscastle tinha carta branca em meio mundo, ou ao menos isso tinha escutado Sebastien. Não podia golpear a porta e perguntar por sua aventureira esposa. E se ele a interrompesse ou frustrasse sua fuga, nunca o perdoaria.
E além disso, tampouco, perdoaria a si mesmo se ela fosse ferida.
Passaram-se dez minutos. Depois vinte. Muito tempo. por que pretendia desconhecer no que se colocara ela? Obviamente estava em problemas. Inclusive podia ter sido abordada por um convidado que pensava que uma dama vestida de homem era um dos oferecimentos da casa.
Eleanor quase esperara que sua aventura chegasse a um repentino final. Encontrou duas cartas de Lady Viola Hutchinson no aposento da senhora Watson. Mas não tinha esperado que a senhora Watson a encontrasse.
Voltou-se, avaliando o reflexo que se movia no espelho veneziano da parede. Uma atraente mulher, de cabelo avermelhado e de traje de cor vinho entrou no aposento.
Dois jovens guarda-costas esperaram com postura rígida na porta dupla.
Considerou suas opções. Nenhuma. Não podia voltar pelo silencioso corredor, nem atravessar a janela, oculta detrás das cortinas cobre em pó. Teria que esperar que a senhora Watson fizesse sua demanda.
- Está armado? - perguntou a mulher cujo elegante porte falava mais de uma dama de sociedade que da cortesã mais popular da cidade.
- Sim.
- Então seja um bom menino e entregue suas armas aos guardas.
Outra vez não tinha escolha. Eleanor retirou sua pistola com pérolas incrustadas e a entregou antes que a revistassem.
- Então, agora - disse a mulher, levantando seus delicados ombros inquisitivamente. - O que está fazendo em minha casa?
Podia sair do apuro? Provavelmente não, mas faria o esforço.
- Tinha curiosidade.
- A curiosidade matou ao gato. O que esperava achar em meu aposento?
- A você, possivelmente. Há alguma atração melhor em Londres para um jovem de aldeia?
Os olhos da senhora Watson se obscureceram com perigosa diversão.
- Sua primeira vez? - ela começou a desatar os laços de sua manga. - nos deixem a sós, por favor - disse a seus guardas sem sequer olhá-los.
Os homens desapareceram. Uma chave se fechou por fora, o ruído soou no silêncio. Eleanor sentiu uma peculiar sensação de desinteresse. De todos os destinos que ficaram sobre o mascarado, ser convidado à cama de uma cortesã era a última coisa que esperava.
- Tire a roupa - disse a senhora Watson, levantando sua mão para desenredar o coque de seu pesado cabelo. - Hoje estou carinhosa.
Maldita sorte.
Eleanor olhou o espelho.
- Preferiria ficar com a roupa posta, se for o mesmo para você - respondeu com a voz mais áspera que pôde.
- Não nos podemos amar apropriadamente se estamos vestidos. Vamos, menino, não me diga que é tímido. Não depois de entrar aqui armado.
- Seus guardas acabam de confiscar minha pistola, senhora.
A senhora Watson olhou a cintura de Eleanor significativamente.
- Um homem jovem tem outras armas.
Que Deus a ajudasse. O mascarado tinha em suas mãos à prostituta mais famosa de Londres e com um humor lascivo.
- Garanto-lhe que se decepcionará comigo.
- O que sabe de estimulação oral?
O rosto de Eleanor corou.
- Acredito que esta conversa é uma perda de tempo.
A senhora Watson riu.
- É o jovem mais valente que entrou em minha casa alguma vez ou o mais tolo.
- Posso ser ambos? - perguntou Eleanor, piscando com horror enquanto Audrey a encurralava contra o aparador.
- Nesta casa pode ser ou fazer o que desejar...
- Desejo minha liberdade.
- Pagando seu preço-Fez um gesto com sua mão branca e perfumada, de repente era uma mulher de negócios. - Entretanto, acho-o intrigante. Tire a máscara.
- Não - disse Eleanor.
- Tire.
Audrey a alcançou sem avisá-la e puxou o pulso enluvado de Eleanor. As duas cartas que ela tinha guardadas no punho de sua luva caíram no tapete. Audrey ficou olhando para baixo em um silêncio que pareceu durar horas e quando finalmente levantou seu olhar, o brilho de entendimento de seus olhos desvaneceram as esperanças de Eleanor.
- Você! -A mulher respirava ameaçadoramente, estudando Eleanor de cima abaixo.
- Você é o mascarado do Mayfair e está em busca destas cartas. Não de joias. Nem de prazer proibido. Por que?
Outro cravo no ataúde. A senhora Watson era uma prostituta inteligente. E perceptiva.
- Por nenhuma razão em particular.
- Então veio ao lugar correto. Eu lhe darei uma razão.
Eleanor deu de ombros.
- Faça-o.
- Cada mulher de Londres deseja você.
Eleanor riu pela ironia.
- Mas é meu - disse Audrey em voz baixa. Sacudiu a cabeça. - É uma chantagem - refletiu. - Que em meu caso, ao menos, é esbanjar esforço. Tenho mais esqueletos em minhas costas que os há que no Cemitério Cross Bones.
- Não é uma chantagem. - Eleanor tirou a máscara com desgosto. - E não sou o que você deseja, asseguro.
Olhou Audrey nos olhos, desafiante, derrotada. Não estava em posição de resistir e a senhora Watson tinha muita experiência para acreditar que ela fingisse.
Esperar. Isso era tudo o que podia fazer. Uma mulher nunca sabia que podia acontecer. As paredes podiam ser derrubadas. Londres podia incendiar-se de novo.
Audrey a observou com incredulidade.
- Uma mulher - murmurou, levando seus dedos à garganta. - E se seu motivo não é a chantagem, então...
- Só uma diversão. Algo para alegrar uma vida vazia. Não há outra coisa. Sou uma fraude.
- Para quem trabalha? - perguntou Audrey, interrompendo- a.
- Rei MIDAS da Phrygia.
Audrey riu.
- Não o fazemos todos? - inclinou-se para tomar as cartas do tapete. Seu rosto pensativo. - Não sei quem é realmente ou o que é o que quer, mas não o entendo. - Não nos subestimemos. - Olhou desapaixonadamente Eleanor. - Pode ser minha melhor amiga ou minha pior inimizade.
Eleanor se ajoelhou impulsivamente, sua voz soou com urgência.
- Trabalho pelo bem da Inglaterra.
- Como eu - disse Audrey em um tom ácido.
- Mas isso é tudo o que posso dizer.
- O bem da Inglaterra espera que ache que as travessuras do mascarado são atos heróicos?
- Não sou um herói.
- De fato, minha querida, é sim. E com o heroísmo vem a responsabilidade.
Eleanor engoliu saliva. Como poderia escapar Sebastien se estivesse apanhado em um estabelecimento como este? Não havia mistério. Tiraria a máscara, talvez as roupas, revelando a beleza de um deus grego e Audrey moveria céu e terra para apoiar sua causa, porque ele exercia esse poder sobre as mulheres.
E a única arma que tinha agora Eleanor era uma pena de peru.
Um homem bateu suavemente na porta e perguntou com hesitação:
- Senhora, necessita de ajuda?
Eleanor sentiu que endureciam os tendões de suas costas. Tinha sido ontem à noite que ela se compadecera dos desafortunados que tinham sido afundados em bolsas com peso de rochas ou em tonéis atirados ao fundo do Tâmisa? O desaparecimento de Lady Boscastle figuraria nos jornais da manhã. Pensou na reação de Sebastien quando
A maré trouxesse o corpo dela à costa.
-Conhecemo-nos antes? - perguntou Audrey inesperadamente.
- Não - Não era exatamente uma mentira. Tinham participado da mesma exibição no ano anterior, mas não tinham sido apresentadas.
- O que vou fazer com você?
Eleanor rilhou seus dentes.
- Não me importa neste momento. Chame à polícia se quiser.
- Polícia? OH, por favor. Que vulgar.
Olharam- se uma à outra de novo, inimizades, aliadas, mulheres que compartilhavam uma rajada pouco convencional.
-Vi você desde o momento em que se aproximou de minha casa. Mas confesso que não adivinhei sua identidade. A teria convidado a entrar se tivesse sabido.
Eleanor tomou em um impulso a mão de Audrey. Não podia voltar atrás agora.
- Então lhe rogo, se tiver alguma compaixão pelo mascarado, deixe-o ir.
Audrey sorriu lentamente.
- Acredito que poderia ser persuadida.
- E as cartas?
- Não - disse Audrey com firmeza. - É afortunada, tenho fraqueza pelos rogos. Não tente minha tolerância.
- Madame -Disse a voz atrás da porta, agora com mais energia. - Necessita nossa intervenção?
Audrey se libertou e escondeu rapidamente as cartas dentro da urna de ouro que estava próximo à lareira.
- Nunca em minha vida, traí um segredo - disse enquanto se dava volta. - Se confiar em mim, não terá motivo para se lamentar.
- Desgraçadamente, já passei a idade de confiar.
- Madame - disse a voz da porta, mais parecida com a de um ogro agora- Você...?
- Sim - disse Audrey impacientemente. - Necessito sua ajuda, mas só de um de vocês. Desejo que escoltem nosso convidado especial fora daqui da maneira mais discreta possível.
Eleanor foi enfaixada e acompanhada por um guarda através de outra escada que os levava a um jardim posterior. Dali, levaram-na através de um túnel que Eleanor adivinhou que passava debaixo de várias casas do bairro. A mão solícita em suas costas a guiava para uma curta escada que levava ao pavimento. Respirou profundamente várias vezes.
Depois já estava livre, tiraram-lhe a atadura, seu rosto se encheu de fria névoa, não, engano. Tinha sido apanhada novamente, rodeada por chamas. Sua Satânica Majestade Sebastien Boscastle a esperava, seus traços escuros, implacáveis. Eleanor se preparou para o que vinha.
- Se voltar a fazer isto outra vez - disse ele, agarrando-a pelos ombros. - Pessoalmente lhe porei grilhões.
Ela o rodeou, não tinha coragem para lutar. Ele amaldiçoou em voz alta, usando as palavras mais vergonhosas que ela alguma vez tinha escutado. Como tinha sabido ele que tinha que esperá-la aí, não lhe importava.
- Onde está a carruagem? - resmungou ela, caminhando vários passos antes que ele a freasse.
- Na outra direção.
- Não, é...
- Por Deus, Eleanor.
- Está rezando ou me amaldiçoando? Onde está a carruagem?
Levou suas mãos para as dela, tratando de tirar a de sua letargia.
- Movi-a.
- Onde está Will? - perguntou aturdida.
- Em movimento também.
- Você...
- Não se preocupe com Will, o que aconteceu com você?
Ela estremeceu enquanto o olhar dele a atravessava. Sentiu sua fúria, sua preocupação e logo depois de repente se permitiu sentir sua própria vulnerabilidade.
Ele a abraçou. Ela se deixou abraçar, sabendo que merecia a irritação dele, mas necessitava muito mais sua força.
- Está bem? - sussurrou ele grosseiramente enquanto ela apoiava sua cabeça no peito dele, mordendo o lábio quando a mão lhe acariciou a nuca.
Ela assentiu, desejando que houvesse uma maneira de evitar lhe dizer que tinha falhado.
- Como conseguiu escapar?
- Não estou certa de tê-lo conseguido - disse lentamente.- Foi um indulto.
- Não trouxe as cartas?
- Não. - Ela se desprendeu dele, sacudindo a cabeça com amargura. - Havia duas delas. Fui pega.
- Os guardas? - perguntou ele, olhando para trás.
- Não, a...
Um murmúrio de vozes masculinas vinha de alguma porta oculta. Tomou novamente a mão dela e a levou rua abaixo. O salto da bota de Eleanor ficou preso no paralelepípedo.
Ele a segurou, insultando-se ou insultando- a. Ela só sabia que podia seguir respirando e que a mão dele era cálida e segura.
Will passava ao lado da carruagem, uma figura bem vestida com sua capa de lã camelo e seu chapéu alto de castor. Entretanto seu cabelo loiro avermelhado parecia despenteado e Eleanor detectou o aroma do Brandy em seu fôlego quando se aproximou dele.
- Seu marido - Disse ele com um olhar temeroso em direção a Sebastien- é um verdadeiro monstro. Pensei que ia...
Sebastien parou em frente dos dois.
- Deixemos a conversa doméstica para casa. Seu trabalho é conduzir.
Will assentiu educadamente e subiu ao lugar do condutor. Um momento mais tarde Eleanor se achou comodamente sentada na carruagem em frente de seu marido, que se sentou apoiando lentamente suas costas enquanto os cavalos partiram para Racing Pasta.
Olhou-a longamente, depois disse:
- Deseja me explicar o que aconteceu?
- Audrey Watson me apanhou com as mãos na massa e depois me deixou ir.
Ele permaneceu com o cenho franzido, esfregando o rosto de forma ausente.
- Por quê?
- Penso... Acredito que ela deve entender algo do motivo pelo que estou fazendo isto.
- Reze para que ela me esclareça - soltou bruscamente ele. - Por que, Eleanor? Por que começou com isto?
Eleanor virou para evitar o cenho franzido dele.
- Fiz-lhe uma pergunta, madame.
- Na verdade quer saber?
- Sim.
- Desfruto-o.
- Desfruta em entrar e roubar em dormitórios, arriscando sua desonra?
- Era uma forma de passar o tempo.
- Sabe a Senhora Watson quem é? - perguntou-lhe logo depois de uma pausa.
- Ainda não.
- Já se conheciam? - perguntou ele com surpresa.
- Ambas assistimos no verão passado o leilão da Real Academia para ver a exibição das pinturas de Bellisant.
- É claro! - disse ele erguendo suas mãos.
Eleanor se encolheu. Sebastien a desaprovava merecidamente. Era uma questão de tempo que Audrey a reconhecesse. A duquesa sofreria uma dupla humilhação, não só por expor as presumidas indiscrições de seu marido, graças à anfitriã mais popular da sociedade.
- Perdi minha pistola favorita - resmungou ela.
- Um pequeno preço por sua liberdade. Estava preparado para irromper na casa para tirá-la.
- Isso teria causado uma cena - disse com um sorriso a contragosto.
Ele lançou um grunhido.
- Não seria nada comparado com o que faria se algo lhe tivesse acontecido.
Ela o olhou. Não era justo que todo o azul do mundo estivesse concentrado nos olhos de um só homem. Ou que a preocupação de sua voz dissipasse cada sentimento de frieza e ressentimento que ela tinha escondido para proteger- Se a si mesma de se apaixonar por ele novamente. E não era justo que ela tivesse suportado durante anos que ele evitasse olhá-la e que agora seu olhar lhe atravessasse seu coração.
- Por que correr estes riscos? - moveu-se até o assento, ao lado dela.
Ele a estava quebrando com sua preocupação.
Ela queria chorar.
- Pela recompensa, é claro.
- Qual recompensa? - franziu o cenho. - É o dinheiro? A duquesa lhe ofereceu riquezas?
- Não exatamente. Não percebe que o duque voltará um dia a Inglaterra e se converterá em uma figura política importante?
- Presume-se que assim será.
- Há benefícios quando a pessoa está perto de quem tem o poder - disse lentamente. - Benefícios prometidos à família de alguém.
Ele sacudiu a cabeça.
- Então isto não é só algo que acredita. A duquesa prometeu recompensá-la?
- Sim. E a você e também a cada criança que concebamos É essa a resposta que desejava.
- Não tenho certeza, mas ao menos é uma que posso entender. - Seu duro queixo raspou a face de Eleanor. -Me prometa que não se arriscará de novo. Sei que é uma mulher de palavra.
E ainda assim, ele não tinha sido honesto com ela admitiria alguma vez que ele não atuava sob as ordens do duque?
Eleanor enredou seus dedos no cabelo crispado da nuca dele.
- Dou-lhe minha palavra - disse suavemente.
Sebastien tomou a mão dela.
- Terminou com este assunto perigoso?
Ela se fixou no olhar penetrante de Sebastien. Depois de seu encontro próximo no Bruton Street, tinha que admitir que o perigo tinha perdido seu encanto. Ou talvez tinha todo o perigo que pudesse desejar sentada a seu lado.
- E então? - disse-lhe, sua boca perto da dela.
- Não esta noite. Tenho que pensar.
- Então, pense nisto. - Ele entrelaçou os dedos com os dela. - Vamos ter crianças - lhe disse.
- Mas não o que perdemos.
- Sinto muito por isso, Eleanor.
- Sei.
- Nossos filhos não podem ter o mascarado do Mayfair como mãe.
- Provavelmente não - murmurou ela.
Sebastien olhou para baixo, sacudindo sua cabeça.
Esta pensou com frustração, tinha sido uma ameaça para seu matrimônio. Não era Bellisant nem outro jovem, senão um monstro que ela tinha criado. Um de proporções épicas. Um que nem sequer existia, mas contra cuja fictícia fama ele devia competir.
- Por favor - disse ele. - Não deixe que se perca, tampouco.
Sebastien levou o chá e o jornal da manhã a sua mulher na cama na manhã seguinte. Sua criada, Mary, sacudiu a cabeça com uma recriminação silenciosa quando o interceptou em seu caminho de volta subindo as escadas.
Seu olhar desceu ao jornal que tinha dobrado debaixo do braço.
- À senhora usualmente gosta da bandeja colocada junto a sua porta logo depois de uma noite fora de casa.
Com o que supôs que era a forma de Mary de lhe recordar que ela conhecia mais os hábitos de Eleanor do que o fazia seu marido.
- Vou arrumar isso – falou ele, lhe piscando um olho.
Devolveu-lhe um sorriso sem entusiasmo. Sebastien teve que sorrir. Ela realmente não tinha sido cordial.
- Gostaria que subisse uma bandeja para você, milorde?
Provavelmente com alguns pozinhos cheios com mercúrio e chá de cicuta.
- Não, mas lhe agradeço.
- Lorde Boscastle...
- Sim, Mary?
- Perdoe minha chatice, mas a sua senhoria não gosta de ser despertada tão cedo de manhã.
- Isso recordo - lhe disse ironicamente. - Deixe seu temperamento para mim.
De fato, quando levou a bandeja ao dormitório e suavemente tocou a sua mulher no ombro, ela se endireitou com um grito desorientado que o induziu a reconsiderar a advertência da criada. Eleanor nunca tinha sido uma garota risonha de manhã. Ele sabia isso desde o começo. Pena que não tenha sabido no petardo noturno que se converteria.
Apoiou a bandeja sobre a mesinha de noite, assobiando alegremente. Não podia fingir que não estava encantado de que ela finalmente seria toda sua outra vez.
- Preciso falar com você - disse ele antes que sua beleza adormecida o pudesse distrair.
Ela cravou os olhos inexpressivamente na janela como se tivesse ressuscitado de entre os mortos.
- Mais tarde. Amanhã. O mês que vem. Meus pensamentos parecem uma confusão.
- Tome primeiro uma xícara de chá, querida. Isto não pode esperar.
Ele parou na janela, brincando com as cortinas enquanto lhe dava tempo para despertar. Um bule inteiro de chá mais tarde, ouviu o jornal que pusera na cama, um ofego profundo, e depois silêncio.
Perguntava- se o que faria outro homem em seu lugar. Não sabia o que isto dizia de seu caráter, mas ele com toda segurança preferia ser o marido de uma mulher que tinha Londres emocionada a uma que lhe tinha posto os chifres.
- OH, Sebastien. Isto é fatal.
Ele fez um som tranquilizador com sua garganta. Ela olhava-o consternada a impressão que relatava as últimas proezas do mascarado.
- Trouxe-me isto para desfrutar? - acusou-o, completamente acordada agora.
- Não é verdade – disse ele.
- Leu?
- "O que está procurando?" - citou ele, afastando-se da luz da manhã já avançada.
- "Algumas migalhas de amor e a atenção das mulheres mais belas de Londres" - seguiu lendo Eleanor- "Dois Mensageiros do Bow Street foram convocados a um notório bordel do Bruton Street às duas da manhã. A proprietária deu evidências de que ela tinha apanhado e enfrentado o homem cujas aparições em numerosos dormitórios causaram um grande alvoroço nesta cidade há três meses." - Eleanor grunhiu, citando a declaração da Senhora Watson. - "Convenci o mascarado do Mayfair a desmascarar-se".
Sebastien se sentou na cama.
- "E quando o fez..."
- "Revelou-se um dos cavalheiros mais horrivelmente cheios de cicatrizes que alguma vez tive a má sorte de contemplar." - Leu ele sobre seu ombro, saboreando o contato íntimo. - "Ao gentilmente lhe perguntar sobre seus motivos, confessou que era um inglês nascido na Cornualha que tinha sido desfigurado em um acidente mineiro. Seu único prazer, confiou esta pobre criatura, é fazer visitas secretas a belas mulheres que o rechaçariam se revelasse suas imperfeições. Seu delito é o amor pela beleza e um desejo solitário."
- Que fábula! - disse Eleanor com um pequeno cenho franzido. - Nunca pus um pé na Cornualha.
Ele se sentia tentado pelo perfume de seu cabelo desgrenhado.
- Você gostaria de passar uma semana em Penzance? Poderíamos caminhar pela praia juntos. Desfrutaria isso.
Ela correu ligeiramente o ombro, ainda com os batimentos do coração acelerados.
- Viu esta imagem do mascarado?
Ele riu.
- A pessoa dificilmente poderia passá-la por alto.
E ambos ficaram olhando muito concentrados a caricatura de um pequeno cavalheiro, com nariz de falcão, que não só tirara a máscara mas também tinha baixado suas calças para deixar descobertas suas nádegas em um gesto celestialmente grosseiro.
- É um pouco descarado - disse Sebastien embora fosse de pouca ajuda.
- Ela tinha que fazê-lo parecer tão pouco atraente? - perguntou ela, mordendo os lábios.
- Aqueles de nós que verdadeiramente o conhecemos teríamos que apreciar a tática de distração.
- Não posso insistir muito que ela revise seu testemunho.
Ele disse, depois de outro silêncio pensativo -Ao menos faz que se esqueça de todas suas pretensões românticas.
Ela suspirou.
- Para ser honesta, acho seu passado mais convincente do que fiz eu quando... Tudo isto não existia.
Ele não ia ganhar. Certamente deveria ignorar o diabo sobre seu ombro apressando-o para que argumente o ponto.
- Mas seu elemento de intriga terminou - disse ele. - Ele é mais um objeto de compaixão agora que uma figura atraente.
- Pobre mascarado - murmurou Eleanor, passando a mão sobre a caricatura de seu ego caído. - Não tinha idéia de que ele estava tão tragicamente cheio de cicatrizes. Estou realmente comovida por sua história.
- Possivelmente - disse Sebastien, arrebatando o jornal de suas mãos, - deveríamos concentrar nossa atenção em lhe dar um final feliz.
- Não falhei, depois de tudo - disse ela, seu estado de ânimo aparentemente recuperado.
Ele olhou para ela com a intenção de reduzir a sua confiança renovada.
- Não pode fazer isto novamente.
- Concordo.
Ele levantou a bandeja da cama e a colocou no piso.
- Ah, informaremos à duquesa juntos.
- Se ela vir isto, o que fará, não tenho certeza se serei capaz de me apresentar ante ela outra vez. Não depois desta imagem mostrando...
Ele apoiou a cabeça sobre o travesseiro e ela se recostou contra seu peito. Sabia que ela tinha fugido de um compromisso. E que ele teria que recorrer a mais recursos persuasivos para assegurar-se de sua palavra.
Esperou alguns momentos para fazer seu movimento, só para precaver-se de que lhe tinha ganho em chegar ao ponto de partida.
- Tenho que contradizer seu comentário anterior - disse, os dedos desviando-se rumo abaixo por sua coxa.
Ela talvez estivesse blefando com ele, mas igualmente saboreava o momento, a proximidade que estava aprendendo que conduzia a um sexo indescritível. Seu corpo ardia.
Sorriu por dentro, perguntando- se qual deles provaria ser o mais persuasivo.
- As pretensões românticas do mascarado não cairão no esquecimento - ela se aventurou ante sua falta de resposta.
- Ao diabo com isso - lhe disse, e a atraiu entre suas coxas.
Um golpe na porta ressoou através do aposento. A voz frenética de Mary os tirou ambos da cama para ficar em pé.
- Lorde Boscastle! Milady! Nunca os incomodaria sob outras circunstâncias, mas a duquesa enviou seu escudeiro à porta. Parece que está muito indignada. Exige vê-los às quatro em ponto.- E logo, como se ela não tivesse deixado a urgência desse pedido perfeitamente clara, acrescentou, - Com vestimenta formal de tarde.
Eleanor não necessitava do profundo alcance místico do Sir Perceval para compreender que Sebastien não tinha comentado nada do fiasco da noite anterior. Ele sabia que ela tinha dado um fora. Mas era o que ele não sabia o que a preocupava. Morreria de vergonha se inteirasse que a Senhora Watson tinha estado a ponto de seduzi-la. E embora a mulher aparentemente lhe tinha feito um favor, recordava que Audrey tinha mencionado um preço. Ninguém se convertia em uma cortesã sem um bom instinto para os negócios.
Instinto.
Quando Eleanor alguma vez tinha feito algo que não seja por instinto? Olhem onde isso a tinha levado. Estava tão aborrecida que virtualmente saltou sobre Sebastien como um saltador de obstáculos para dirigir a sua carruagem para a entrevista com a duquesa.
Ele estava apertando os dentes enquanto ela guiava os cavalos através de uma multidão de garotos que estavam parados observando uma briga na esquina. Era essa classe de dia em Londres com o ar irrespirável pela fuligem e as paixões reprimidas. Se reduzisse a velocidade, sabia que veria as amas de casa e comerciantes estudando os desenhos do mascarado do Mayfair que tinham sido pegos desde a noite ate pela manhã.
Não mais anonimato!
Olhando de esguelha viu Sebastien estudando uma cópia grande da caricatura que mostrava o mascarado expondo seu traseiro.
Ela poderia evitar a cidade inteira de Londres, poderia enganar à polícia, mas não ao homem sentado a seu lado.
- Não precisa se mostrar tão agradado com tudo isto.
- Não o estou. - Ele sacudiu a cabeça. - Só estou apertando os dentes. Não é como se desfrutasse de ver a parte traseira de minha mulher em cada esquina e taverna da cidade.
- Esse não é o meu... bom, meu.
Ele a percorreu com o olhar para baixo.
- Não há nenhuma semelhança.
- Talvez a Senhora Watson esteja se divertindo muito às minhas custas.
- Possivelmente. Mas ao menos sua descrição não conduzirá a ninguém a sua porta. - cruzou os braços. - Ouvi os lacaios dizendo-se entre eles que o Prince do Gales tinha desafiado o mascarado a entregar-se e procurar refúgio político.
- No Pavilhão Real em Brighton? - ela perguntou. - Com Carême[6] cozinhando?
- Sua oferta não significa que se trate de uma festa privada - disse. - Mas isso demonstra que ele compreende a ameaça que o mascarado enfrenta de seus admiradores assim como também a ameaça que sua existência expõe para o resto de Londres.
Eleanor o olhou com os olhos entrecerrados.
- A que se refere?
- Parece que seu desmascaramento provocou uma tendência malvada na Cidade.
- Irrompendo nos dormitórios das senhoras? - perguntou consternada.
- Não. Baixando as calças a um desconhecido e escapando a toda pressa.
Ela dirigiu um pouco mais rápido, um pouco mais imprudentemente.
- Espero que a duquesa não tenha ouvido essa parte inquietante das notícias.
- Teria que estar entrincheirada na abóbada familiar para não lhe escutá-la disse com exasperante certeza. - Só podemos esperar que ela entenda que isso foi um pouco exagerado.
- Foi muitíssimo mais que um pouquinho de exagero! - Virou para um grupo de pedestres, que saiu correndo pela calçada. - Não tirei nada mais que minha máscara.
- Audrey tirou algo? - perguntou casualmente.
- Que mente tem ? Ela resmungou.
Ele a estudou de esguelha.
- Bom, é uma cortesã. E...
Ela levantou a fronte. Ele se deteve. Ela disse, - OH, vá, fala o que possui um bordel flutuante, mas nunca freqüentou um.
Ele retirou uma mecha de cabelo de sua face.
- Querida, é só que tenho uma mente curiosa. Ou o mascarado tirou a roupa, ou então a história ocorreu...
- A história é uma invenção absoluta...
- De acordo com os jornais - ele emendou. - Santo céu, não me acha um imbecil total que me acredito tudo o que leio.
- Eu... O que está fazendo?
Ela puxou para atrás rapidamente as rédeas quando um par de mendigos com casacos xadrez mergulharam para o punhado de xelins que ele tinha jogado à rua.
Ela saltou com força contra o assento.
- Parece sobressaltada - disse com uma voz afetada.
- É um oráculo de percepção.
Ele sorriu.
-Por que não me deixa tomar as rédeas?
Ela olhou para cima quando uma escura forma apareceu no céu. Um enorme corvo voou no alto, depois abriu as asas assentando-se em um capitel da igreja. Um mensageiro de maldade iminente, diziam Sir Perceval e Mary, embora o pai de Eleanor só riria com desprezo de semelhante superstição.
-Como poderia um pássaro predizer o futuro? -lhe perguntaria com sua voz resmungona. -Um depredador não tem que comer?
Recordou a última predição do Sir Perceval, de uma família numerosa e um matrimônio feliz. Naturalmente ela desejava ver estas esperanças realizadas. Mas a pessoa não podia acreditar em sinais de sorte sem reconhecer os maus agouros, também.
Sebastien amaldiçoou, sobressaltando-a. Colocou a mão firmemente sobre seu pulso.
- Eleanor, devo insistir. - Ele estava bastante branco, agora que ela tomava um momento para examiná-lo. - Está realmente distraída, me deixe conduzir.
- Como quiser. Não me dava conta que conduzir pela cidade o enervasse.
- Não faça isso - lhe disse com seus dentes apertados, como se ela quase não tivesse deitado um encantador de serpentes pela sarjeta nem tivesse incitado um condutor de carros de aluguel a soltar palavrões em sua direção. - De fato, poderia utilizar algumas táticas por mim mesmo. Um carrinho de mão de maçãs conduzido por um burro solitário em terra normanda não é realmente o mesmo que conduzir pelas ruas de Londres.
Ela suspirou e deteve a carruagem na borda a fim de que pudessem trocar de posições.
- Escreveu-me uma carta uma vez, de um carrinho de mão de maçãs -ela refletiu- Sempre me perguntei como conseguia conduzir e escrever ao mesmo tempo. E por que essa foi a única carta que alguma vez me enviou.
- Não ia conduzindo nesse momento. Estava escondido. E temi que poderia ser minha última carta para você. - estirou-se através de seu regaço para tomar as rédeas que ela tinha tomado outra vez sem pensar. Seus olhos se encontraram.
- Tornei-me alguém difícil para conviver? - perguntou-lhe.
Ela franziu seus lábios com admiração enquanto ele expertamente voltava a introduzir-se na rua entre a carreta de um supridor de carvão e uma carruagem desajeitada.
- Possivelmente me acostumei muito a viver sozinha. - Ela não tinha intenção de provocá-lo, só de ser honesta, e ele pareceu entendê-lo.
Ele assentiu com a cabeça.
- Então se alguma vez posso fazer algo para remediar isso, tenha a certeza de que o farei.
- Isso se parece mais a arrojar uma luva que a reafirmar nossos votos.
Ele riu com vontade, tão seguro de si mesmo como no dia em que se conheceram.
- Poderia ser, isso depende de você.
A velha Kitty Packenham, agora conhecida como Catherine Wellesley, duquesa de Wellington e esposa do homem mais importante do mundo, recebeu Lorde e Lady Boscastle com um humor aflito. Os jornais estrangeiros e locais estavam espalhados sobre o tapete Aubusson da sala de estar de seu cunhado em Apsley House. A habitual compaixão da duquesa por Eleanor foi deslocada por uma pontada de inveja enquanto examinava ao homem incrivelmente bonito que a acompanhava.
Assim, o oficial sabotador havia finalmente voltado para casa. Como tinha persuadido o duque para que lhe permitisse misturar-se nos assuntos privados de Kitty, ela não sabia. Só era evidente que o demônio ameaçava estragar toda a diversão. E se ele prejudicasse sua querida amiga e agente favorita, Eleanor, a duquesa se asseguraria de que pagasse. De todo modo, ele era agradável à vista com sua cartola negra, casaca cinza e calça negra com dobras.
Ela chutou um dos caluniosos jornais que descreviam as atividades de seu marido debaixo de uma cadeira. O duque poderia ter suas mãos cheias como o juiz mais importante do mundo, mas sua família tinha pago um preço. Ele poderia ter morrido na guerra pelo que sabiam seus filhos.
- Lorde Boscastle - disse, enquanto a elegante figura levava a sua esposa para Kitty. - Que encantador vê-lo em casa.
E como desejava que fosse Arthur quem estivesse em pé em seu lugar em vez deste injustamente magnífico exemplo de virilidade inglesa. Não fazia tanto tempo que seu próprio amado tinha sido um pobre capitão de dragões. Agora, enquanto Kitty se sentava sobre seu traseiro acumulando pó, a realeza do continente homenageava seu marido. E seus contrapartes cabeças ocas femininas o perseguiam entre sermões de igreja e banquetes de estado.
Kitty se orgulhava de si mesma como tinha aguentado tanto o abandono de seu marido como a crítica da sociedade, com dignidade e graça ducal. Deixou que os cansados morais lhe atribuíssem o insultante apelido de embaixatriz desagradável, um pardal torpe incapaz de elevar-se até as altas esferas de seu marido vitorioso.
Ela era com efeito sua esposa, a mãe de seus dois magníficos e jovens filhos. Como portadora desse privilégio, Kitty tinha superado inumeráveis escândalos. Via sua obrigação das alturas de um espaçoso instinto maternal. Compreendeu sua influência como alguém capaz de traçar um curso que inclusive o duque não podia imaginar.
Por seus filhos se sacrificaria a fim de que a posteridade pudessem beneficiar do esplendor ausente de seu marido.
Arthur podia defender-se contra os perigos físicos de planos de assassinato e possíveis seqüestros. O dever de Kitty era proteger a sua família das lanças e flechas de escândalos vergonhosos.
Inclusive tinha desencadeado indiretamente o último por si mesma.
Quem podia culpá-la se gozava com a pequena intriga que ela e Eleanor tinham inventado? Seu jogo tinha dado a ambas as esposas esquecidas uma pequena medida de vingança, embora o incidente da noite anterior pôde ter terminado mau.
É claro os relatos do jornal poderiam estar equivocados. O homem apanhado no serrallo poderia ter sido um impostor.
Kitty conteve um sorriso. Quão impróprio dela ter causado este rebuliço, enquanto seu marido estava aplacando às potências mundiais. Deveria sentir-se envergonhada de si mesma.
Não estava. Ela vivia indiretamente através das aventuras de seu círculo de espionagem.
- Sua Graça - disse Sebastien com aprumo enquanto se inclinava ante sua cadeira. - O tempo não fez outra coisa que realçar a intensidade de sua beleza.
- Também realçou o poder de sua língua afiada, Boscastle - respondeu com um leve suspiro. - Não é de estranhar que Eleanor não me tenha visitado ultimamente. Senti falta de sua companhia.
Eleanor fez uma reverência.
- Os jovens estão bem, Sua Graça?
Os olhos da duquesa se obscureceram de preocupação.
- Lorde Arthur não foi ele mesmo desde seu último resfriado. Não come nada e brande uma nova contusão em seu acne cada dia. Temo uma doença no sangue. Tenho escrito a seu pai na França. Ele é o único médico em quem confio.
Este anúncio foi seguido de um chiado ruidoso de risadas no aposento contiguo. A ama gritou avisando as crianças de tomar cuidado com o biombo que caía. Seguiu-lhe um golpe. Uma voz de homem, familiar para a Eleanor, gritou exasperada que não podia trabalhar com a babá bramando uma advertência a cada momento, e que não pudesse permitir que as crianças fossem crianças.
A voz pertencia a Bellisant, deu-se conta Eleanor, e quando ela voltou a cabeça captou Sebastien contemplando- a de uma forma apreciativa mas confiante.
- Sir Nathan prometeu completar seu retrato das crianças antes que meu marido chegue a casa para passar o Natal - disse a duquesa, estremecendo-se por uma portada na sala de espera. - Embora como pode trabalhar quando Arar e o pequeno geral recusam sentar-se por um só momento, ultrapassa meu entendimento.
Nem Leonor nem Sebastien responderam.
Eleanor estava imaginando como seria ter seus próprios filhos. É claro que faria pintar seus retratos. É claro, sendo Boscastles, seriam travessos, cheios de encanto.
Quando levantou a vista, viu Sebastien estudando-a de novo da mesma maneira confiante. Mas desta vez estava sorrindo. E ela pensou que poderiam estar pensando o mesmo.
A duquesa suspirou.
Eleanor piscou, recordando por que tinha sido citada aqui. Certamente não para tomar o chá com bolos de creme. A pessoa não celebrava uma vergonha monumental.
Como se sentisse a tensão subjacente, a duquesa fez um gesto para os jornais que jaziam na turca frente a ela.
- Por favor, sentem-se. - Agarrou o jornal mais próximo. - Assumo que têm lido as notícias da manhã? Posso citar? "Mascarado Nu para a Abadesa[7]·."
Eleanor levantou a vista da variedade de edições matinais que revelava o mascarado em sua indigna glória.
- Sua Graça - Disse enquanto se encontrava com o olhar da duquesa. -Estou mortificada.
- Imagino que sim - disse Kitty com um sorriso mordaz. - Na casa da Sra. Watson, de todos os lugares, e pela mais fina prostituta de Londres. Deve ter sido um assunto escandaloso.
Sebastien assentiu com a cabeça.
- Para todas as partes envolvidas.
A duquesa entrecerrou os olhos com especulação.
- A qual de vocês apanharam?
Eleanor de repente desejou ser invisível. Da deliberada descrição equivocada de Audrey do mascarado, à detalhada, embora enganosa caricatura de Fleet Street,
O culpado poderia dizer-se que se parecia tanto a Sebastien como a ela.
Até que Kitty não expôs a pergunta da qual deles pilharam, não tinha considerado que ele podia ser suspeito da vergonha da noite anterior.
Mas tinha sentido. Ele e Eleanor estavam agora trabalhando juntos.
- Sua Graça - ela começou de novo - o que posso dizer com total honestidade é que foi...
- A mim - interrompeu suavemente Sebastien. - Deveria ter pensado melhor antes de entrar em um estabelecimento de tão má fama em suas horas de maior trabalho.
Teria sido mais prudente empregar um meio mais sutil de espionagem. Minha natureza competitiva venceu meu melhor julgamento.
Eleanor levantou a sobrancelha. Ela duvidava que a duquesa acreditasse neste engano simples, mas seu cavalheirismo a comoveu, entretanto. Sebastien, valente e forte, mentindo descaradamente para defender as aspirações impossíveis de sua esposa.
OH, como lhe incomodava sua astúcia. Ela estava em dívida com ele mais agora que no dia de suas bodas. Tinha-lhe salvado a pele e nunca deixaria que ela o esquecesse.
Perguntou-se brevemente se tinha planejado este sacrifício de antemão, ou simplesmente se rendeu ao impulso.
- Sua Graça - disse pela terceira vez.- Meu marido é muito valente.
- Como o meu - disse a duquesa com voz triste. Olhou para os papéis no chão. - Análise militares, óperas, peças de teatro e jantares. Não há uma mulher em Paris, nem em todo o continente, que não beije as botas do Duque de Wellington.
Sebastien soltou sua respiração.
- Quando a pessoas é tão grande como...
- Quem é Grassini? - lamentou-se a duquesa, levantando a voz, a ponta do pé golpeando um dos papéis. - Quem são estas mulheres, sem vergonha nem amor próprio que interferem com os deveres do duque? Estas prostitutas, estas...
- Nunca ouvi falar de La Grassini - interrompeu Eleanor com tato. - Não pode ser alguém de reconhecimento internacional.
- Ela não é nada - disse Sebastien com um encolhimento de ombros desdenhoso. -Uma pequena dom ninguém. Uma coquete supervalorizada com voz esganiçada.
- Conhece-a? - perguntou Eleanor depois de uma longa pausa.
- Bom, não pessoalmente, mas a gente chega a certas conclusões.
- Talvez não tenha lido os jornais - disse a duquesa em um tom que poderia ter sido crítica ou louvor. - É uma famosa cantora de ópera.
- Não tão famosa como você - disse Sebastien.
Eleanor fez rodar seus olhos. Senhor, mas o homem sabia como esparramar encanto.
A duquesa suspirou.
- Suponho que não foi capaz de conseguir as cartas.
- Não - responderam Sebastien e Eleanor ao mesmo tempo.
Eleanor lhe franziu o cenho.
Sorriu-lhe, depois olhou à duquesa e disse:
- Em outro momento. Tenha a certeza. Tenho minhas maneiras.
- Ele realmente as tem - disse Eleanor com um sorriso forçado.
A duquesa tocou as pérolas em sua garganta.
- Deixando de lado o encanto, Boscastle, me ocorre que nunca apanharam Eleanor em nenhuma de suas anteriores missões.
Sebastien franziu o cenho.
- Bom, tampouco a mim.
- Até ontem à noite - sussurrou Eleanor, de repente não sentindo-se culpada absolutamente por deixar que ele se jogasse a culpa. Depois de tudo, ele a tinha enganado a respeito de trabalhar para o duque. E, pior ainda, fazia com que ela o desejasse desesperadamente. Que o rato roesse sua saída disto.
- O que quis dizer - se apressou a acrescentar a duquesa, - é que talvez esta seja uma missão muito delicada para um homem.
- É condenadamente perigosa - disse ele com o cenho franzido.
A duquesa lhe deu um sorriso tranquilizador.
- Você deve ter tido um susto de morte quando o pegaram ontem à noite.
- Não, eu só tive medo de sua reação.
A duquesa se tornou rosa.
Sebastien olhou para Eleanor com um sorriso de triunfo que a fez querer esbofeteá-lo com um dos jornais da duquesa. E então ela baixou o olhar para uma caricatura do traseiro gordinho do mascarado.
- A gente sabe bem que não deve confiar em jornalistas anônimos - disse Eleanor, escondendo o papel debaixo de sua cadeira.
- Em quem pode confiar a pessoa? - replicou a duquesa de novo. - Não em nosso pobre soberano louco ne Windsor. Prinny é um verdadeiro desastre. Inclusive Lorde Byron está manchado por algum tipo de escândalo inominável.
- Incesto - murmurou Sebastien.
- Disse inominável. - Um suspiro revoou de seus lábios. - Em quem, pergunto-lhes… em quem pode um inglês honesto confiar nestes tempos difíceis?
Sebastien lhe dirigiu um sorriso.
- Em você, Sua Graça.
Sua boca tremeu de irônico prazer.
- Eu sou apenas uma força política, adulador. Suponho que utilizou seu encanto para sair do apuro de ontem à noite.
Sebastien vacilou, seus olhos azuis cintilavam.
A duquesa ergueu a mão.
- Não diga nada. Nunca aconteceu. As cartas serão encontradas. Confio em você. Dito isto, prefiro que me dê qualquer impressão que tenha recebido de Paris ultimamente.
O pedido indicou uma mudança de direção.
A duquesa chamou por refrescos. Logo um batalhão de criados entrou e saiu levando chás, café, e a ratafía da tarde, preferida de Sua Graça, um licor de frutas e amêndoas maceradas.
A conversa ficou em temas mais seguros até que o clamor de vozes proveniente do corredor exterior levou a entrevista a seu fim.
- Esse é o jovem Are com seu exército e sua babá amazônica outra vez - disse a duquesa. - Devo ir. - Dirigiu ao Sebastien um sorriso terno. - Os moços podem ser terrivelmente peraltas às vezes, não acha?
Ele fez uma reverência.
- As moças podem ser piores. Ou ao menos isso ouvi - acrescentou com um olhar de soslaio a Eleanor.
- Tomarão cuidado? - disse a duquesa vacilando.
Sebastien se endireitou.
- Minha esposa está de acordo em deixar que me ocupe deste assunto por completo. Ela se deu conta de que possuo certas habilidades em subterfúgios.
- Se não em sutileza - disse Eleanor com voz irônica.
Sebastien seguiu Eleanor pelo enorme corredor. Deixou-a guiar o caminho, notando que passava diretamente pela porta aberta da galeria em que trabalhava Bellisant, sua forma magra, vestido de camisa branca, envolta na luz.
Inclusive se ela esteve tentada a olhar para trás, o impulso foi frustrado pelos dois pequenos soldados com casacas vermelhas que saltaram detrás de uma estátua grega.
Seu grito ressoou no teto, entrelaçado com rajadas de risada infantil.
- Socorro! - ela exclamou. - Estou sob ataque!
- Onde acha que vai? - O moço maior, o herdeiro do duque, de nove anos, Arthur, avançou sobre Sebastien enquanto seu irmão tomava prisioneira a Eleanor. – Estamos em guerra, sabe?
- A guerra vai muito bem. - Sebastien observou ao jovem Charles atando uma corda ao redor dos braços de Eleanor enquanto ela fingia pedir clemência. Mas...
- A guerra vai muito bem - declarou o moço. -Meu pai é o melhor general do mundo.
- Certo, mas posso desatar minha esposa?
- Não.
- Por que não?
- Porque ela é o inimigo. Será fuzilada em um minuto. Pode recolher seu corpo então. Quer dizer, o que seja que fique dele depois de a torturarmos.
- Ela não se quebrará - confiou Sebastien. - É uma prisioneira árdua, se saberei eu.
Sebastien olhou Eleanor que retorcia seus ombros como uma traça apanhada em uma teia de aranha. Era uma cativa atraente. E não podia deixar de notar que os moços estavam afeiçoados a ela.
- Eu prefiro tomar meus prisioneiros vivos, obrigado. Especialmente quando um deles é minha esposa.
Charles cravou sua espada de madeira na axila de seu irmão.
- Isso é estúpido. Lady B não é sua esposa. Ela é a do Sir Nathan.
- Não - Disse Sebastien, forçando um sorriso. - Ela é minha. Casei-me com ela faz algum tempo quando era um soldado.
As duas crianças compartilharam um olhar, encolheram os ombros, e reataram seu jogo de espadas, dando tombos e retrocedendo pela sala da qual tinham escapado. Inclusive depois que Eleanor se tirou a corda, não fez nenhum intento de saudar Bellisant. E Sebastien se deu conta porque a observava como um falcão. Tampouco o artista deixou mostrar que era consciente de sua presença, embora Sebastien viu através da porta entreaberta que se moveu para as janelas e parecia estar absorto em seus pensamentos.
- Não quero ser capturada de novo, Sebastien - sussurrou Eleanor por cima do ombro. - Escapemos antes que as crianças decidam que ambos somos do campo inimigo.
Eleanor tomou a mão. Ele fechou seus dedos sobre os dela, um instinto protetor que não podia explicar. Um pouco mais ameaçador que brigas de espadas ou inclusive ciúmes, escurecia o momento. Ele queria levá-la a casa e mantê-la a salvo, para si mesmo. Inclinou a cabeça.
- Tem a intenção de me agradecer por tê-la defendido ante a duquesa?
Ela riu dissimuladamente.
- Pode ao menos esperar um momento privado para exigir o saldo de sua dívida?
Ele deslizou a outra mão debaixo de seu braço. Sua cabeça desceu até a dela.
- Certamente em uma casa assim tão ampla, ninguém se daria conta se a beijasse.
- Comporte- se diante desses meninos - suspirou ela. - E não pare tão perto de mim com esse olhar em seus olhos.
- Que olhar seria esse, Lady Boscastle?
- Esse que acende um fogo dentro de mim.
- Então vamos a casa e alimentemo-lo.
Enquanto a escoltava para os dois criados de libré com galões dourados que esperavam sua saída, o murmúrio da voz de Bellisant e um coro de queixa jovens penetrou pelo corredor.
Um sorriso nostálgico cruzou o rosto de Eleanor.
- Escute.
- Os gritos? - Ele fez uma careta. - Doloroso, não?
- É um ruído agradável, o dos meninos - disse. - Eu não tive irmãos ou irmãs quando estava crescendo. Só tinha Will.
Ele olhou a seu redor.
O herdeiro do duque estava parado ao final da escada, com um pé plantado no peito de seu irmão menor, sua espada de brinquedo levantada para dar o golpe de graça.
- Eu tenho três irmãos - disse quando Eleanor lhe devolveu o olhar para lhe perguntar por que não tinha seguido- E nunca os apreciei até que era muito tarde.
- Não é muito tarde, Sebastien.
Ele assentiu com a cabeça.
- Talvez. Não sei o que sentem, entretanto.
- Se forem como você imagino que sentem falta daqueles dias, também.
Só uma pessoa em Londres sabia que Audrey Watson, tutora de cortesãs e jovens nobres por igual, era tanto uma invenção de ficção como o era o mascarado do Mayfair.
A diferença da célebre pessoa que Audrey tinha enfrentado a noite anterior, entretanto, ela não tinha nenhuma intenção de ser apanhada, chantageada, ou exposta à mesma sociedade desumana que pagava suas contas. Ela tinha lavrado seu caminho na sociedade, às vezes sobre suas costas, mas sobre tudo com seu engenho.
Sua vida anterior não existia.
Casada com um tirano, encarcerada por um irmão que tinha traído a seu país, ela não tinha nada mais que lembranças dolorosas de seu passado. O presente, ao menos, era de seu próprio desenho. Estava a salvo e, embora fosse escandalosa, era uma mulher que controlava seu próprio destino.
Lorde Heath Boscastle foi o homem que a tinha salvado anos atrás quando tinha perdido toda a esperança. Dele tinha aprendido que não havia traço mais irresistível que a honra.
Não havia uma artimanha em seu livro de segredos picantes que o seduzisse. Ela não o tinha insultado por tentá-lo, inclusive apesar de zombar de todos os homens Boscastle quando os achava em uma festa.
Audrey poderia invejar às mulheres com as que estes formosos homens se casaram. Não obstante, ela não renunciaria a sua liberdade por ninguém.
A lealdade, entretanto, tinha que ser reembolsada com interesses.
Beijou a face de Heath quando ele entrou em sua suíte privada. Tinha chegado em menos de uma hora depois de lhe enviar sua mensagem.
Seu cabelo negro estava penteado para trás de seu rosto forte. Seus inteligentes olhos azuis se fixavam em cada detalhe. Magro e impecavelmente vestido, era uma obra prima.
Desabotoou os três botões inferiores de seu casaco cinza escuro e se sentou na cadeira junto à porta.
Um Boscastle sempre enviava faíscas invisíveis através de um aposento.
Alguns deles punham fogo com apenas um sorriso.
Heath tinha o costume de olhar nos olhos durante suas conversas. Tinha aperfeiçoado a arte do enervante silêncio.
Audrey suspeitava que podia interpretar o que não se dizia tão correntemente como o que se pronunciava. Só depois de despedir-se Audrey se precavia de que enquanto compartilhava segredos que tinha jurado levar a tumba, ele não tinha revelado nada a respeito de si mesmo. Ou sobre qualquer outra pessoa, tinha que reconhecê-lo.
- No que posso ajudá-la, Audrey?
Ela sacudiu a cabeça. A casa estava silenciosa a primeira hora da tarde, e ela preferia os ruídos fortes e as interrupções, à calma. Tinha lutado com sua decisão durante horas depois de dar-se conta a quem exatamente tinha desmascarado ontem à noite.
Ia contra seus instintos trair uma mulher com problemas, mas confiava no julgamento de Heath melhor que no seu.
Não estava certa de que ao encobrir Eleanor Boscastle tivesse feito um favor.
Ele esperou.
Se mudasse de opinião e lhe pedia que partisse, ele se iria sem outra pergunta. O silêncio se tornou muito inquietante. Ela desceu o olhar ao jornal coberto por suas luvas de montar amarelas, depois olhou para cima, não o suficientemente rápido.
O olhar dele a seguiu.
Tinha visto o título. Necessitou de muito pouco para entender tudo.
- Leu a respeito de meu emocionante enfrentamento?
Ele esboçou um sorriso.
- Foi valente ao desafiar tal infame descarado e dar sua descrição à polícia.
- Acha que foi valente de minha parte?
- Penso que foi... interessante.
- É mesmo?
- Estou certo de que sua razão para fazê-lo foi interessante também. - Ele exalou, olhando para baixo ao jornal. - E que como é que isto me envolva logo será revelado.
Fez uma pausa, lhe dando tempo para responder. Ela não disse nada. Ele fez um gesto com a mão.
Ela o olhou fixamente.
- Logo - disse ele. - Esta tarde estaria bem.
- Um membro da família Boscastle está com problemas - disse ela finalmente.
Ele pôs-se a rir.
- O sol se ergueu esta manhã? Um de nós está sempre com problemas. Mas certamente não me pediu que viesse para...
Ambos ficaram olhando a caricatura do farsante com o traseiro nu que tinha feito a mais de alguma viúva nobre pedir que lhe levassem uma vinagreira a seu salão essa mesma manhã. Heath tinha suportado uma vergonha similar três anos atrás, só que então tinha sido um desenho de suas partes privadas o que tinha tomado a Londres por assalto. Um homem nunca se sobrepunha a isso. Especialmente quando aquelas partes eram as envolvidas.
- Não posso dizer que reconheça ninguém de minha família que tenha esse grande traseiro - disse. - Bom, talvez uma tia ou duas. E houve um tempo em que meu primo Gabriel foi suspeito. Mas não é ele.
- Não é sua tia. Tampouco Gabriel. É sua prima por afinidade.
Uma vez que Audrey começou a confessar, é claro, não pôde parar.
Nem ele a voltou a interromper. Ela se sentiu aliviada de ter desabafado, por agora o destino de Eleanor já não estava em suas mãos. Deus sabia que Audrey desprezava aqueles que criticavam a outros.
Heath, naturalmente, não ofereceu nenhuma opinião sobre o comportamento de Eleanor Boscastle.
Agradeceu a Audrey por sua confiança nele e tomou as cartas que Eleanor procurava. Estava tão tranquilo como sempre quando partiu.
De fato, estava tão tranquilo que ela se perguntou se o tinha informado, ou se ele tinha conhecido a identidade do mascarado todo o tempo.
Se fosse assim, Eleanor Boscastle efetivamente trabalhava pelo bem da Inglaterra. E Audrey se alegrou de ter seguido seus instintos e ter deixado escapar o mascarado.
Eleanor levantou os olhos de sua escrivaninha para ver Sebastien retirando-se de seu vestidor com um traje de tarde de lã negra e uma capa. Ela ainda vestia seu confortável penhoar de seda chinesa, depois de um banho quente e uma taça de chocolate.
- Esqueci algum evento? - Perguntou-lhe, estudando sua elegante figura.
- Tenho uma entrevista - disse ele sem dar mais detalhes.
Ela deixou a pena.
- É quase de noite e o nevoeiro está muito forte.
- Ainda é cedo - Se deteve atrás de sua cadeira. -Levarei Teg para passear. Terá uma hora para se pôr em dia com sua correspondência atrasada.
Ela baixou o olhar.
- Não discutimos como acharemos a última das cartas no Castelo Eaton - Levantou o olhar. -Na costa.
- Sei onde está o castelo.
Ela examinou cuidadosamente a bandeja com sua correspondência, à espera de uma discussão. Depois de um momento se virou e disse.
- O conde é um excêntrico. Sua atual esposa esteve controlando sua vida durante os últimos cinco anos e se diz que o enganou para que se casassem. A gente assumiria que a condessa não se desfaria de nenhuma das cartas incriminadoras quando poderia usá-la como futuro amparo. Se eu fosse ela, eu as esconderia a sete chaves.
Ele se endireitou.
- Bom, você não é ela, e já não é esse outro companheiro tampouco. E eu tenho minha própria maneira de achar o que está escondido, embora esteja a sete chaves.
- OH, sim. Esses meios que tem.
Ela deixou a carta que levava em seu regaço.
-Já tem um plano para se infiltrar no castelo?
Sebastien se sentou em uma cadeira em frente a ela.
-Talvez - disse com cautela.
Ela tomou fôlego.
- Sem mim?
- Sem você? Não. O mascarado, entretanto, retirou-se. - Permaneceu pensativo durante um momento, - é hora de uma nova estratégia. Uma verossímil referente ao personagem.
Lançou-lhe um sorriso cínico.
- Assim está planejando assumir uma nova identidade?
- Posso deixar crescer o bigode.
- Superou a si mesmo!
- E barba. Falo aceitavelmente o italiano.
Ela contemplou as cartas sobre seu regaço, incapaz de resistir em zombar.
- Já posso imaginar nas reuniões do castelo. Scaramouche[8] com sua ampla capa e prosa melodramática. Muito sutil. Um belo descarado. Possivelmente poderia fazer uma luta de espadas, acima e abaixo das escadas.
Ele a olhou sem se alterar.
- Vamos fazer de conta que eu correria o risco de agora em diante.
- O que acontece se o reconhecerem?
- Não me apanharão - Se esticou na cadeira -E... melhor ainda, você não estará exposta ao perigo.
Ela se levantou, atirando as cartas de novo sobre a escrivaninha.
- Suponho que tem razão. O plano de Loveridge nunca teria funcionado.
- Qual era seu plano? - Perguntou-lhe com curiosidade.
- Eu apareceria durante a festa como uma criada nova, uma posição que me permite o acesso...
- A cavalheiros que desejam que suas camas sejam esquentadas por algo mais que um tijolo quente - disse ele acidamente. - Eu não gosto da ideia de que minha esposa vá a uma festa na qual os atos libertinos são uma possibilidade.
-Uma possibilidade? - Ela recolheu as luvas de Sebastien do toucador. - Os convidados vão só por essa razão. Mas isso não vem ao caso.
Ele tomou as luvas que lhe ofereceu e recolheu seu chapéu, que estava sobre a cama.
- Não é que não a deixe colocar seus bigodes de gata nisto, mas depois da captura de ontem à noite, não tem mais remédio que me deixar assumir o comando.
- Possivelmente reagi de forma exagerada ontem à noite.
- Não, querida - disse em voz baixa, e calçou as luvas. - Podemos discutir meu plano quando retornar.
Correu escada abaixo, era ainda cedo para a reunião com seu contato de Londres. O cão ladrava no jardim, tinha sido preso pelos criados, que se tinham reunido na rua, para ver um espetáculo italiano de marionetes. Quando deixou Teg entrar em casa, viu um menino que estava sentado em um banco, junto à porta traseira.
Tinha uma bolsinha em uma mão e uma pedra na outra, a pedra que Sebastien supôs, serviria como arma jogada no caso de que o ladrador Teg o atacasse.
- O que está fazendo aqui? - Perguntou Sebastien.
-Tenho o remédio para sua Senhoria. Bati, mas ninguém me respondeu.
-Remédio? - Sebastien lhe confiscou a bolsa e a pedra. Olhou no interior da bolsa, e havia um frasco verde com uma substância de aspecto repugnante.
- É um tônico para o sangue - disse o menino, fazendo uma careta. - Não o deixe cair. Cheira como o inferno. Ela tem que bebê-lo rápido.
-Um tônico para o sangue? - disse Sebastien com preocupação.
Tirou de seu bolso uma moeda. Um guiné. Seria muito ou não seria suficiente? Nunca tinha visto Eleanor tomar uma gota de remédio desde que a conhecia.
Olhou o frasco com receio. Não queria pensar em Eleanor doente. Ela nunca se preocupara por tais coisas. Mas recordou que sua mãe tinha morrido jovem, de uma doença misteriosa que tinha parado seu coração. Havia uma marca astrológica estranha, em um lado da garrafa, e sementes diminutas flutuando no azeite ambarino. Semicerrou os olhos para ler a inscrição: Agnus Castus.
- O que está fazendo aqui, Alex? - Perguntou uma voz seca e autoritária sobre o ombro de Sebastien. Baixou a garrafa, as sementes se afundaram nos sedimentos escuros de cor vermelha-âmbar. O moço se afastou do banco.
Mary, a criada de Eleanor, saiu no degrau envolta em um xale, rodeada de névoa. Ela assentiu com a cabeça a Sebastien.
-Tomarei isso, milorde. Tem um efeito espantoso se não estiver bem repousado.
- É para minha esposa?
Ela assentiu.
- Você não quereria tomá-lo, me acredite.
- Então... Por que quereria eu que bebesse ela?
- É uma ajuda para as mulheres, para os bebês e coisas que não quero saber - Murmurou o moço, lançando um olhar de ódio o rosto indignado e duro de Mary. -Bom, sinto muito - disse na defensiva. - Não diz como influiria em sua virilidade se ele o bebesse.
- Contarei-lhe sua rabugice - Exclamou Mary enquanto ele partia com um sorriso. - Não lhe pago nem para dizer tolices, nem para dar conselhos médicos.
Sebastien entregou a garrafa a Mary.
- Chego tarde. Dará isto a minha esposa? - Caso seja seguro para ela tomá-lo.
- Com muito prazer, milorde.
- Agradeço então.
- Cada vez o gosto é pior - disse Eleanor uns minutos mais tarde, entregando a Mary a colher de prata com uma careta. -Devo tomar outra? Não. Escute a mim, à filha do cirurgião.
- O Dr. Went é o melhor farmacêutico da cidade, - Mary pôs o elixir na vitrine do armário. - Está atrás das outras garrafas, milady.
- Acha que isto funcionará? - Perguntou Eleanor.
A criada hesitou na porta, permitindo um sorriso.
-Funcionou para mim. Mas eu...
- Não falou em Harold em dois meses. Sei que está preocupada, mas talvez ele entregou. - O único filho da Mary tinha escrito na primavera passada para pedir dinheiro, dizendo que ia comprar uma pequena loja. Outra carta chegou umas semanas mais tarde, do irmão de Mary, lhe advertindo que o moço tinha roubado uma carruagem, e que a loja nunca tinha existido. - Que idade tem agora?
- Vinte e dois anos.
- Dê-lhe tempo. Talvez fosse só uma brincadeira para impressionar a seus amigos.
- Ele não tem amigos - disse Mary - Nenhum que seja decente.
O tempo podia sanar algumas feridas, mas agravar outras.
-Talvez poderia vir visitá-la. Ou poderíamos lhe achar um posto na casa.
Mary negou com a cabeça.
- Ele está melhor no campo. A cidade está muito cheia de tentações para um moço como ele.
- Estou certa de que há mais bem que mal nele, se parecer com você.
-Tive a esperança de que isso fosse assim uma vez, também. Mas puxou as maneiras de seu pai. Sair correndo depois de um plano ou outro.
Eleanor assentiu, tratando de aparentar que entendia a situação. Era possível perder a esperança em seu próprio filho?
- Não sei como aconteceu - disse Mary rapidamente, voltando a cabeça antes que Eleanor pudesse vê-la chorar - Um dia seu pai se converteu em um homem a quem nunca tinha conhecido, e depois seu filho cresceu a sua imagem. Se o tivesse sabido antes eu nunca teria casado com ele.
Não teria concebido o menino que agora lhe causava tanta angústia. Eleanor recordou os beijos roubados em uma sufocante noite do verão na Espanha. Teria renunciado a Sebastien para ter outro matrimônio mais seguro?
- Ainda há tempo para que seu filho mude - disse.
Mary olhou para trás.
- É certo. Mas fez coisas que não podem mudar.
- Não pode ser tão mau.
O silêncio de Mary dizia que o era. Seu filho tinha cometido outros crimes.
Mary lhe dedicou um sorriso choroso.
- Não esqueça seu refresco, Lady Boscastle.
Ela assentiu com a cabeça. Alguns instintos eram mais fortes que a morte ou o destino. Se uma mulher escutasse cada advertência sobre os males de amar aos homens e ter filhos, fugiria antes desse primeiro beijo e se negaria a sustentar uma sobrinha ou sobrinho bebê em seu regaço em um jantar. Nunca, jamais aspiraria o aroma da pele de um bebê recém-nascido. Se encadeasse seu coração a primeira vez que ouvisse que o amor pode mudar as rãs em príncipes e as choças do bosque em castelos encantados, ela se converteria em uma bruxa muito respeitada por direito próprio. Não estaria tentada a comprar sapatilhas que lhe fizessem doer os pés ou cravaria o dedo na loja de seu pai esperando o homem que entrasse e a fizesse acreditar na magia.
Ele meditou sobre sua última conversa com Eleanor, ao caminho do cais, para reunir-se com seu contato de Londres. Uma criada, por certo. Isto era suficiente para lhe turvar os miolos. Felizmente a vista de Lorde Heath Boscastle sentado na cabine da lancha fez que sua mente voltasse a enfocar-se.
Assim este ia ser seu contato em casa. Eram crianças a última vez que se viram.
Depois, Heath tinha se tornado um oficial respeitado, em um espião e um decodificador cujo sentido da honra tinha inspirado por igual a soldados de serviço e irregulares.
Por um breve instante, enquanto Heath se levantou para lhe estreitar a mão, não foram mais que primos outra vez.
- Por Deus, passou muito tempo - disse Sebastien, rindo. Heath sacudiu sua cabeça.
- Não posso acreditar.
-Tampouco eu.
Sebastien e seus irmãos tinham competido contra os outros primos Boscastle em almoços campestres e aniversário. Em raras ocasiões Sebastien passou para o lado dos primos de Londres, mas não por muito tempo. Os respectivos irmãos sempre acabavam de novo juntos antes de partir de suas casas. Quando subiam em suas respectivas carruagens, gritavam ameaças e insultos os uns aos outros, o vínculo das relações familiares tinha chegado a estar bastante maltratado. Mas nunca se cortara completamente. Foi só depois da morte do pai de Sebastien que seu ramo da família tinha rompido com os Boscastles de Londres. Era uma pena, realmente.
- É bom vê-lo de novo, Heath.
- E eu a você.
Heath voltou a sentar-se, em frente à porta, exatamente no mesmo lugar que Sebastien sempre ocupava. Ele inclusive apoiava seu ombro esquerdo contra o suporte de madeira do seio de uma sereia. A qualquer um podia parecer que estivesse simplesmente ficando a vontade, mas Sebastien reconhecia um homem que nunca baixava a guarda quando se achava com ele.
Esperou, com curiosidade, enquanto Heath colocava a mão no bolso da cintura para tirar duas cartas, atadas com uma fita carmesim.
- Estas são tuas - disse Heath com um sorriso fugaz. - Cortesia de uma pessoa bem intencionada, que me fez saber que está feliz de que alguém faça uso delas.
As cartas da Sra. Watson. Assim era certo que tinha uma fraqueza pelos Boscastles. Não podia esperar para ver a reação de Eleanor. Estaria indignada? Aliviada?
Esperava que ela se impressionasse. Quantas esposas na Inglaterra valorariam cartas esquecidas sobre diamantes e status social? Só a sua.
-Leu-as? - Perguntou.
- Não. É teu assunto. Entretanto, se necessitar meu conselho, não sou difícil de convencer. Desfruto resolvendo quebra-cabeças, se isso for o que é. Uma modesta admissão.
- Se necessitar de ajuda, pedir-lhe-ei sem dúvida.
Sebastien pôs as cartas sobre sua escrivaninha. Até lhe tremia a mão a intervalos imprevisíveis. A maioria dos homens não se davam conta. Outros assumiam que era propenso à bebida. Mas quando Heath ergueu o olhar, havia compreensão em seus olhos.
- Sei que é muito recente o tempo de sua volta a casa - disse Heath. -Devido a sua experiência passada, considero necessário lhe dizer que temos razão para acreditar que haverá uma tentativa de assassinato contra Wellington.
Conspiração. Objetivo. A maré sempre chegava.
- Por quem?
-Temos vigiado um grupo de radicais locais. A princípio pensávamos que eram inofensivos, mas a informação atual sugere outra coisa.
Sebastien, com o olhar perdido, rememorou o passado de Heath como se fosse uma barcaça que vagava pelo rio. Só fazia quatro anos que o primeiro ministro britânico tinha sido assassinado na Câmara dos Comuns.
- O duque não estará em casa até Natal.
- Isto é o que lhe contou à duquesa - disse Heath. - Mas você e eu sabemos que ele está decidido a estabelecer tanto no mundo como em seu país os direitos e se sacrificará para fazê-lo.
- Entre Paris e Londres, qualquer número de causas políticas pode lhe distrair. Uma emboscada, talvez. O que quer que faça?
- Mantenha-se alerta. Como sabe, estas conspirações costumam explodir antes de chegar a algo.
-Talvez não deveria ir a esse baile de máscaras no Castelo do Eaton ao que minha esposa está empenhada em assistir. Não acreditaria o que está planejando. Ou... possivelmente o faria. Você conhece a Senhora Watson - Pôs-se a rir. - Perseguir cartas frívolas quando uma conspiração se encontra em marcha, tem pouco sentido.
- Mas o matrimônio é uma prioridade, não?
- Não me deveria surpreender que o compreenda.
Heath ficou em pé.
- Estarei em contato. E se sua esposa deseja ir a essa festa se pode arrumar. Às vezes se pode solicitar informação útil da fofoca.
Algum tempo depois, após a saída de Heath, Sebastien se sentou, escutando como as águas chapinhavam contra o navio. Deixou sua mente correr. Daria as cartas a sua esposa imediatamente, e com certeza ela preferiria não as ler. Deveria lê-las?
Um complô de assassinato. Por que aqui? Não tinha sentido. Mas isso só indicava que ele tinha omitido algo. Devia se estar mais atento. Ajudaria saber contra quem.
Eleanor se queixaria se ele escapasse para frequentar clubes e bares? Um sorriso posou em seus lábios. Sua esposa não o faria. Ela só se preocuparia se lhe ocultasse seu trabalho novamente.
Eleanor tinha um posto vestido de seda com os ombros descobertos para o jantar e um colar de pérolas. Tinha permitido a Mary arrumar seu cabelo em um nó com alguns cachos de cabelo que caíam com estudada negligência em sua nuca.
- Isso está melhor - disse Mary com satisfação.
Eleanor inclusive se cobriu de um pó embelezador que prometia realçar suas faces e seu decote.
Decidiu que havia adiado o inevitável por tempo suficiente. Era hora de agir como uma esposa e permitir a seu bonito marido ser o único homem da casa, tal como era. Infelizmente ele estava tão perdido em seus pensamentos que se ela estivesse usando uma toalha e coberta de fuligem ele não notaria. Ele parecia como se não fosse ele mesmo.
Seguia olhando o relógio na cornija da lareira e não a ela. Golpeou sua colher ligeiramente contra o saleiro. Ele não se deu conta.
Deixou cair a colher. Ele olhou para a mesa, e depois para a porta.
- Como esteve a reunião com quem quer que tenha visto? - Ela perguntou quedamente.
Ele sacudiu a cabeça.
- Bem.
- De verdade?
- Sim.
- Soa interessante - disse ela, apoiando-se nos cotovelos para lhe apontar.
Ele deu de ombros vagamente.
- OH, sabe como são as coisas.
- Não, não sei. Você gostaria de me dizer?
- Dizer-lhe o quê?
- Sobre sua reunião, querido.
-Já lhe disse, foi tudo bem.
-Pelo amor de Deus! - disse ela - Qualquer outra esposa suspeitaria que não era nada bom.
Seus olhos brilharam com humor.
- Falando como uma esposa que usualmente não está nada bom para ela mesma.
- Estou-me reformando - disse ela com voz ofendida.
Ele levantou a fronte.
- Ah sim?
- Não o pode ver?
- O que se supõe que deveria ver?
Ela se levantou da mesa e se aproximou de seu assento. Ele se reclinou para trás e esperou, erguendo lentamente o olhar. Seu coração martelava em seu peito.
Seus olhos brilhavam à luz das velas com uma emoção que ela não tinha visto em muito tempo. Nem dúvida, nem medo, mas algo que agitava seus nervos.
Uma paixão diferente à amorosa. Um propósito. Era isso.
E o que quer que tenha provocado esta energia o tornava irresistível. Ela se deteve atrás de sua cadeira, entrelaçando os braços ao redor de seu pescoço.
- Ignorou-me toda a noite - lhe sussurrou ao ouvido - Se estou sendo forçada a me retirar, insisto ao menos em ser informada de suas aventuras. O que aconteceu?
Ele virou sua cabeça.
- Não o chamaria uma aventura.
- Deve ser mais excitante que ter Mary usando pinças quentes para seu cabelo e...
- Não foi nem sequer um dia inteiro - disse ele com um escuro sorriso
- E você nem sequer o notou.
- Notar?
-Meu cabelo. Os cachos de cabelo que caem assim só para captar a atenção de um marido.
Ele a estudo por vários momentos.
- Está muito adorável, mas sempre o faz.
- O que aconteceu quando saiu? - Ela demandou - Por favor, Sebastien. Sei que algo está ocorrendo.
- Encontrei-me com meu primo no cais. Heath Boscastle.
-Tomo como não sendo uma reunião familiar.
-Trabalha com um homem chamado Coronel Hartwell de...
- Sei quem é Hartwell - Ela se afundou na cadeira vazia ao lado dele, olhando-o com temor. - Não lhe pediu que tome outra missão? Fez isso. E é perigosa, e é por isso que está com os cabelos de pé de excitação, egoísta. Como pôde me ocultar isto?
Ele piscou.
- Não estou excitado. E não estou lhe ocultando nada ainda. Este é um tipo diferente de missão.
- Está autorizado a me contar isso.
- Sim. Desde que você não...
Algum tipo de comoção surgiu da rua. Pessoas aclamando, animando e golpeando o que soavam como panelas e frigideiras. Vozes ressoaram do hall de entrada quando um lacaio se apressou à porta para investigar. Eleanor e Sebastien se viraram para a janela simultaneamente ante o ruído das rodas que soou diante da casa.
- A que se deve esse alvoroço, Burton? - disse Sebastien aborrecido.
O criado apareceu na porta.
- Não tenho certeza, milorde. -Respondeu com perplexidade. - Parece haver uma multidão reunida na praça.
Sebastien pôs-se a andar. Eleanor o puxou pela mão.
- Não importa a multidão. O que queria seu primo de você?
- Vigilância. Alguém na cidade trama matar Wellington.
- A milady, a duquesa? - Ela perguntou sua voz baixa com preocupação.
Ele franziu o cenho.
- Ao duque de Wellington.
- Mas ele não está aqui.
- Estará para o Natal.
Ela sentiu um calafrio.
- Que ideia espantosa. As crianças estarão com ele. Eles poderiam sair feridos.
- Poderia não ser nada - disse ele quedamente.
- O que se supõe que faremos enquanto isso?
- Eu só sirvo para manter meus ouvidos e meus olhos abertos. Você, bom, lhe pedirei que faça o mesmo, mas a distância.
- Você gostaria de me postar na ala Oeste?
- Não me importaria. Agora que o menciona, não é uma má idéia. Pouco prática entretanto. Possivelmente poderia simplesmente estar atenta em suas atividades diárias. Escutar rumores. Já sabe explorar os recursos dessas garotas da rua que gostam de brincar de espiãs.
Ela pôs a mão em sua garganta.
-Tem razão. Ouvi algo a respeito de um complô no Mercado a semana passada.
- É mesmo?
- Sim. A esposa do açougueiro planejou fazer um frango para o jantar de um de seus clientes.
- Excelente trabalho - disse Sebastien secamente. Seus olhos se posaram nela. Eleanor teve o pressentimento de que era a primeira vez em toda a noite que ele realmente a estava vendo.
-Fez algo diferente com seu cabelo?
Por um momento ela poderia tê-lo matado alegremente.
- Eu... - Ele hesitou. - E esse vestido... as pérolas... está...
-Tratando de seduzi-lo?
Seus olhos brilharam ante a súbita compreensão.
- É muito tarde para aceitar essa oferta? - Perguntou com um sorriso candente.
Seu coração pulsou com antecipação. Ela decidiu que pediria a Mary que comprasse mais pó embelezador. E amanhã aceitaria ir às compras com sua velha amiga do internato, Lady Phoebe Haywood, cujos convites a tomar o chá, ascensões em globo e outros passatempos sem sentido tinha ignorado rudemente.
Amanhã ela verdadeiramente teria a intenção de converter-se em uma esposa em todo o sentido da palavra.
Inclusive enquanto nesta noite não ia se comportar como uma dama absolutamente.
Levantaram-se da mesa ao mesmo tempo. Sebastien não poderia ter que declarar ante uma corte de justiça se ela se aproximou primeiro e ele a atraiu para si. Sentia-se preocupado durante horas, mas agora que compreendeu que ela esteve tentando captar sua atenção, era totalmente dele.
- Pode te deixar postas as pérolas - disse ele, beijando- a na boca, continuando no pescoço e em seu belo decote sem maquiagem - Mas todo o resto...
Outro coro de gritos e um estalo de luzes surgiram da rua. Sebastien a soltou e se dirigiu à entrada. Ficou parado na porta da casa olhando a onda de pessoas que caminhava para a taverna. Foguetes foram disparados para o céu do jardim da praça.
- O que é isso? - Eleanor lhe sussurrou por cima do ombro, lutando para poder ver.
- Não sei. Algum tipo de celebração. Fique aqui um minuto enquanto averiguo.
- Mas estou... meu Deus! Acredito que Will está apanhado atrás dessas carruagens. Espero que não esteja ferido.
Ele se voltou e lhe deu um distraído beijo na face.
- Dê a Will saudações de minha parte e lhe pergunte se pode voltar amanhã.
- Pergunte você mesmo. Está quase aqui.
Lançou uma olhada à rua e viu Will correr para eles. Uma fileira de luzes de carruagens cintilaram na névoa como os olhos de uma dúzia de fadas barulhentas. Os cavalos relincharam esperando com inquietação.
- Entre na casa! -Will gritou - Estão se tornando loucos!
- Deve haver algum tipo de pessoa importante passando por aqui - Observou Eleanor - Me pergunto quem é.
- Vou averiguar - disse Sebastien.
- Mas nós...
- Volto em seguida. Preciso saber o que está ocorrendo.
Mais luzes cintilantes se moveram na névoa. Correu passando ao Will para a rua e murmurou:
- Entrem os dois. E se comportem.
- Não precisa me dizer isso duas vezes - respondeu Will.
Sebastien se apressou para o lugar para investigar que maldade estava em marcha. Se não tivesse prometido a Heath Boscastle que estaria vigiando, teria pensado duas vezes antes de sair da casa de novo.
Inclusive poderia ter pensado o suficiente para dar-se conta de que sua querida amada era a causa do alvoroço que açoitava à cidade.
Will entregou o casaco à criada e uma edição amassada das notícias da tarde a Eleanor.
- Acha que deveria ir com ele? - Perguntou, voltando-se para a porta.
Ela lançou um olhar preocupado à rua.
- Não. Ele vai estar bem. E não se supõe que venha aqui a todas as horas. Estou fazendo um esforço por mudar.
Eles se olharam durante uns instantes. De repente sua consciência a aguilhoou. Sabia que seu primo tinha pensado que Sebastien nunca voltaria para casa para ficar, e agora não só tinha retornado, mas também tinha deslocado ao Will. Ela se culpava por incentiva-lo a visitá-la a qualquer hora.
- Sinto muito - disse ela, sorrindo com nostalgia. - A mudança não é fácil para mim, tampouco.
Devolveu-lhe o sorriso.
- É possível que não tenha outra opção. Leia as notícias.
Com um profundo cenho franzido, caminhou para o abajur de parede para ter melhor luz e examinar o jornal, olhando os habituais rumores que alimentam os distúrbios, os delitos, e os excessos de Prinny[9], chegou a um tema mais próximo à família. Muito próximo, ao que parecia.
Dado que muitas pessoas se ofereceram para patrulhar Mayfair depois da meia-noite, a polícia recorreu à elaboração de folhas de pagamento na estação de um agrupamento honorários. Vários cavalheiros se entregaram, admitindo sua culpa. Os calabouços estão abarrotados de impostores.
O Escritório de Bow Street indicou que poderia ser necessário realizar uma busca porta a porta para o próprio amparo do mascarado.
Baixou o jornal.
- Bom, ao menos a polícia não pode começar a procurar esta noite com a celebração em progresso.
Will fez uma pausa.
- Não o entende?
O sangue desapareceu de seu rosto.
- Quer dizer que a ...?
- Sim. Estão celebrando ao mascarado. E montando sua Eleanor virtualmente arrastou Sebastien pela entrada do corredor quando ele voltou uma hora mais tarde. Ele estava aliviado de havê-la encontrado como a tinha deixado. E também que seu primo havia partido do lar.
Não estava com humor para a histeria de Will.
Lançou uma olhada pelos escuros corredores, depois outra vez à porta. Tudo parecia estar em ordem exceto pelo pequeno arsenal de pedaços de tijolos, bengalas e sombrinhas empilhadas no bengaleiro.
Suas sobrancelhas se elevaram.
- Estamos nos preparando para sair com o mau tempo ou para construir um quarto de crianças? - Perguntou, desatando sua capa.
- Não viu o amontoado de pessoas?
- É claro que sim.
- Estão procurando o mascarado, Sebastien.
- Sim - Ele esteve de acordo- Temos um problema entre mãos.
- O que vai fazer? - Perguntou ela, seguindo seus calcanhares. - Não posso deixar a casa sozinha.
- Sim, pode - Hesitou ele - Mas o mascarado não.
Lançou-lhe um olhar funesto.
-Tampouco ele pode dirigir-se com uma multidão apaixonada se sua identidade pode ser descoberta.
- Não é uma boa coisa que esteja aqui para cuidar de você?
- Não estou convencida de que mesmo você possa conter essa multidão - Ela agitou um jornal sob seu nariz. - Leia isto. A polícia está...
- Sim. Ouvi. É de tudo o que as pessoas na rua podem falar - Ele a atraiu contra si, envolvendo-a em seus braços. - Causou um verdadeiro escândalo, meu amor.
- Não pensei que chegaria a tanto.
- Os segredos têm um modo de nos enredar.
- Sim - disse ela. - Verdade, não é?
Ele se sentiu poderoso, protetor, capaz de solucionar todos seus problemas.
-Tenho tudo sob controle - lhe disse em tom consolador. - Também tenho um plano - Sorriu, dando uma olhada além dela. - E por sorte não acredito que envolva sombrinhas.
- Qual é?
- Iremos de Londres.
Ela escapou de seu abraço, olhando subjugada.
- E o baile de máscaras no Castelo do Eaton?
-Assistiremos, sob minha supervisão. E logo nos retiraremos ao campo como qualquer outro casal bem educado. Ninguém porá em dúvida nossa saída repentina nesta época do ano. De fato, pareceria estranho se ficássemos aqui.
Ela olhou o jornal que ainda segurava.
- O que diz Eleanor?
-Tem razão.
Cinco minutos mais tarde estavam em cima, empacotando seus pertences para uma estadia de inverno no Sussex.
Calças, dele e dela, estavam amontoadas sobre as cadeiras, tamborete, e até na escrivaninha. Ele entrou no vestidor e viu a garrafa que o moço do farmacêutico tinha entregue esse dia. Com sua anterior atenção sobre uma possível tentativa de assassinato, ele se tinha esquecido. Querido Deus.
Estava doente?
- O que é esta garrafa de aspecto asqueroso que chegou para você hoje? -gritou-lhe do fundo do vestidor.
-Meu elixir, quer dizer...
Ele retornou ao aposento.
- Não bisbilhotava. Mas se algo está mau, acredito que eu deveria saber. - Olhou-a. - Mas se não... eu, pois o que trato de dizer é que não quero que nada mau lhe aconteça - complôs e multidões, ele poderia dirigir.
Ela já se despira e se colocara em uma camisola de linho. Antes que ela terminasse de ajustar os laços, ele tirou sua roupa de rua e vestiu seu roupão negro.
Apesar de seu comportamento desinibido na cama, ele e Eleanor eram muito basicamente ingleses para se envolverem em uma conversa nua durante uma crise.
- Quando perdi nosso bebê - disse ela, com uma franqueza que pareceu desumana a princípio - não podia imaginar que quereria outro. E, é claro, a concepção parecia improvável sem você em casa. Mas agora..., bom, estou tomando um tônico - Não havia nenhuma demanda de compaixão em sua voz, tampouco ele sentiu nenhuma culpa.
-Um tônico? Para...? - Perguntou ele depois de uma incômoda pausa.
- Não seja duro de cabeça, Sebastien. É para fortalecer minha fertilidade.
- É seguro?
- Parece que é - Ela mordeu seu lábio inferior- A metade do tempo só pretendo tomá-lo para agradar a Mary. Mas não deveria haver nenhuma razão pela qual não podemos ter outro menino.
- Importa-me mais ter você.
Ela assentiu com a cabeça, e ele pensou que finalmente o encontrava. Agora bem, se pudesse convencer a de que confiasse nele de outras formas, tudo estaria bem.
Ela se instalou em uma das duas poltronas de orelhas contra a janela, lançando um olhar divertido ao redor do quarto.
- Onde guardamos o correio da tarde que Mary subiu?
Ela parecia estar bem, ele se ressegurou. Tinha a energia de dez soldados. E ele a desejava o suficiente para uma dúzia de homens. Necessitavam algum tônico quando se tinham o um ao outro?
- Aqui está - disse ela com alívio - Na escrivaninha. Vamos dar uma olhada.
Ele se sentou frente a ela, folheando com fingido entusiasmo as cartas que tinham sido escondidas debaixo de suas camisas.
-Terei que ler isso.Possivelmente o campo lhe fará bem.
- Não me converti em uma inválida, de repente - disse ela com um sorrisinho, enroscada em sua cadeira.
- Possivelmente o campo te fará bem.
-Me aborrecendo ridiculamente, deveria dizer.
-Haverá outros entretenimentos - disse ele significativamente.
Ela se ruborizou.
- É tão mau como as crianças da duquesa.
- Possivelmente a deveria tomar cativa.
-Já o fez.
- Não. É ao reverso.
Ele limpou a garganta, rompendo um selo complicado.
- Aqui vamos. Um convite a um baile de Natal, no Kent.
- De quem?
-Meu primo o Marquês de Sedgecroft e sua esposa - Ele sacudiu a cabeça com tristeza. - Minha mãe tinha medo da família de meu pai, acredito.
-Talvez seja tempo de reparar a brecha da família.
- Não necessito de ninguém mais - disse ele - Só de você e de ... Nosso cão.
- Não pensava no Teg.
- Bom, ele é da família.
Ele riu.
- Ao menos é meu amigo outra vez.
- Sim - Ela suspirou com resignação.. - Ganhou-nos todos de volta.
- Exceto Mary. E Will tem medo de mim.
- Abre a outra carta - O impulsionou. - Um baile de Natal tem possibilidades. Pudim de ameixas e pantomimas [10]
Fez isso, sua sobrancelha se levantou ligeiramente.
- Parece ser outro convite. Não somos o casal cobiçado?
Ela se inclinou para frente. O aroma de seu cabelo o seduziu.
- Venha mais perto - convidou-a com voz perigosa. - Não morderei duro.
- Mas realmente morde. - Sussurrou ela, seus olhos escuros divertidos.
- Você também - replicou ele.
Seu sorriso lhe apertou o coração.
- Continue lendo.
Ele se sacudiu, tratando de parecer surpreso enquanto lia.
- Que casualidade. Este é um legítimo convite ao baile de máscaras no Castelo de Eaton. Não teremos que nos fazer passar por criadas depois de tudo. Imagine isto.
-Trapaceiro - disse ela pausadamente. - Malicioso rato sedutor. Planejou isto, me escutou balbuciar sobre o maldito estúpido Loveridge.
Ele riu impotente.
-Foi Health. Disse-me que poderia adulterar um convite. Não pensei que seria tão rápido.
- A conspiração claramente corre em sua família.
- Então nossas crianças estarão condenadas - Passou-lhe o polegar através de seu sensível lábio inferior - Não é um plano tão mau, realmente, ir ao baile de máscaras como marido e mulher?
- Não - Esteve de acordo ela depois de um profundo silêncio- Quem sabe? Poderíamos começar uma moda na sociedade sobre a lealdade no matrimônio outra vez.
- Espero que sim - Ele se inclinou para ela, com intenção em seu olhar. - Nunca esperei com tanta ilusão um inverno como este.
- Necessitarei de um novo guarda-roupa - disse ela pensativamente.
-Um sem calças, espero.
- Em realidade, fiz desenhar este traje.
- Elle - A interrompeu firmemente. - É um bom momento para que vamos. Não quero compartilhá-la com toda Londres.
Tirou-lhe as cartas da mão e as deixou cair uma atrás da outra sobre a escrivaninha.
-Realmente sabe como se sair com a tua, não é verdade?
Levantou-a em seus braços e a levou a cama, despindo-a com fervente necessidade. Suas roupas caíram à boa de Deus sobre o chão. Ela puxou as cortinas fechando-as ao redor da cama e envolveu os braços em seu corpo nu. Ele beijou cada polegada de sua pele nua. Ela ameaçou. Ele prometeu. Ela gemeu. Ele sussurrou seu nome entre beijos tão agridoces que a estremeceram, e embora o passado ainda poderia importar, não era suficiente para mantê-los afastados um do outro.
Ele se rompeu antes dela, e seu corpo se inundou, afligido, detrás dele dentro da felicidade do momento. O quente prazer se expandiu por suas veias. Ela flutuava. Ele suavizava a tensa pele de suas costelas com os dedos e escutava como seu próprio coração e fôlego se normalizavam até que ficou adormecido.
Quando os sinos da igreja despertaram umas horas mais tarde, deu-se conta que ele e Eleanor ainda estavam enredados. Um piso de madeira rangeu em algum lugar da casa. Ele saiu de seus braços e meio se sentou, abrindo as cortinas da cama.
Nem um facho de luz penetrava pelas janelas acortinadas. Algo mais que os sinos o tinham despertado. Contemplou a porta. Tinha visto a luz de uma vela?
Ela se moveu.
- É cedo. Algo está mau?
Ele negou com sua cabeça.
- Alguma vez leu alguma das cartas que recuperou para a duquesa?
- É claro que não - Ela se aninhou mais profundamente dentro das mantas. - São privadas. Se contiveram segredos que envergonhariam a ela ou ao duque, eu não gostaria de saber.
Uma carruagem retumbou sobre os paralelepípedos debaixo da janela.
- Por que o pergunta?
- Só por curiosidade.
- Pensei que estavam acima de nossos pequenos assuntos.
Ele riu.
Ela se levantou sobre um cotovelo, estudando a seu marido em silêncio, os ângulos masculinos de seu corpo, seus ombros, seus quadris estreitos. Seus traços duros davam a seu perfil um aspecto imponente.
Quando lhe diria ele a verdade? Ela deveria encará-lo, ou lhe seguir o jogo? Se ele não trabalhava para o duque, poderia trabalhar para alguém mais? Um agente encoberto? Impossível. O que faria um espião com cartas amorosas?
De repente, ele virou a vista, seu olhar era tão penetrante que ela estremeceu. Na escuridão, parecia um pouco feroz, mais duro que o homem com o qual se casara.
Entristecedor, querer a alguém assim desesperadamente.
A carruagem na rua reduziu a marcha. Uma porta traseira da casa se abriu.
- O que é isso? - Perguntou ele, levantando-se para olhar fixamente pela janela.
- O homem do carvão, imagino.
- Pensei que tinha vindo a princípios desta semana.
-Rogo-lhe que não diga que eles vêm atrás de mim - Sussurrou alarmada. - Nem sequer tenho meu novo guarda-roupa. E você... você anda em couros.
Ele riu, um quente som nas sombras que dissipou seus medos.
- Ninguém a levará enquanto eu estiver aqui.
Depois de um sóbrio café da manhã, o tema do mascarado não se discutiu, Sebastien deixou Eleanor e sua longamente ignorada amiga Lady Phoebe Haywood no distrito de compras de Bond Street.
Advertiu ao Burton, o lacaio, que mantivesse às duas damas à vista e lhe disse que voltaria depois de um café rápido no St. Giles com alguns velhos amigos.
Eleanor murmurou que desejava poder enviar ao lacaio a vigiar a seu marido. St. Giles e suas colônias super povoadas tinham uma má reputação, recordou-lhe.
- E além disso - acrescentou. - Sei por que vai. É parte de seu acordo para se pôr a par de tudo.
- Bom, contemos ao mundo - ele replicou, olhando a aparência ingênua de sua acompanhante.
Respeitosamente esperou em sua carruagem até que ela e Phoebe entraram na loja de luvas. Além de um impresso ou dois flutuando no arroio, não viu nenhuma evidência da apaixonada multidão da noite anterior.
Uma mulher deve estar suficientemente segura comprando um par de luvas, raciocinava ao mesmo tempo em que golpeava o teto da carruagem para alertar a seu cocheiro, Pontuem.
As senhoras estiveram no mostrador mais de uma hora. Não porque fossem selecionar luvas bonitas. Eleanor poderia ter desfrutado disso. Pelo que não desfrutou foi Phoebe conversando para comentar com cada cliente e assistente a respeito de como a aterrorizava o mascarado enquanto ao mesmo tempo a comovia até as lágrimas, e do que aconteceria se a multidão o achasse antes que a polícia. Ia ser despedaçado ou ia ser refugiado por uma prostituta envelhecida?
Eleanor poderia ter amordaçado sua amiga com as custosas luvas com botões de ônix que ela finalmente tinha adquirido. Suspeitava que inclusive então Phoebe não permaneceria em silêncio. Tinha sido um periquito na escola e desmaiaria ao menos uma vez na semana.
- Não comprou nada - exclamou Phoebe enquanto seguia Eleanor para fora.
- Não sei por que não levou essas luvas de couro rosados com botões de pérola. Ficariam tão bem em você!
Eleanor deu um suspiro de alívio. Ela tinha a maioria de seus vestidos, e algumas fantasias para o baile de máscaras, feitos por uma costureira francesa que vivia nos subúrbios da cidade e não se preocupava com a sociedade em geral. Eficiente, discreta, seletiva com seus clientes, atendia a Eleanor só porque ela salvara uma vez seu gato de se afogar com uma espinha de peixe. Talvez Eleanor pudesse convencer a de que fora ao campo para lhe fazer alguns vestidos abrigados e um manto de lã ou dois para caminhar.
Ela e Sebastien não tinham caminhado juntos desde a Espanha. Suspirou feliz ante o pensamento.
Olhou para baixo quando Phoebe pôs sua mão suavemente sobre a dela.
- Posso fazer uma observação honesta entre amigas?
Eleanor duvidava de que pudesse detê-la.
- É que é tão diferente - Phoebe soltou grosseiramente. - Não é absolutamente como a garota que lembro do internato.
- A pessoa cresce.
Phoebe franziu sua pequena boca.
- Sim, mas tem que se crescer tão aborrecida?
Eleanor observou a um grupo de damas enriquecidas saindo de uma carruagem e cruzar a rua. Estavam bem determinadas a olhar muito, presumivelmente resolvidas a passar um dia de compras. De fato, pareciam estar partindo como em uma formação militar. Decidiu que tinha desenvolvido uma aversão à atividade do dia.
- Sou aborrecida? - perguntou, repentinamente dando- se conta da afronta que acabava de receber.
Phoebe lhe dirigiu um sorriso tímido.
- Bom, costumava ser enormemente divertida. Saindo pelas janelas, pondo sanguessugas debaixo do vestido da senhora Paulton.
- Eu fiz isso? Que desperdício de sanguessugas. E que pessoa horrível era.
- Mas você era Eleanor, a que nos entretinha e se atrevia a representar todas as más ações que nos faltava a coragem para realizar.
- Não sei onde está essa coragem - Eleanor admitiu. - Não podia ficar quieta. E...
- Santo céu! - disse Phoebe, olhando além da loja da qual acabavam de sair.
Três carruagens mais tinham descarregado passageiros sobre o pavimento. O grupo aparentava ser predominantemente masculino, os familiares, assumiu Eleanor, das damas partindo adiante com cartazes levantados.
Pela primeira vez em sua vida ficou realmente boquiaberta. Bom, talvez ela ficara boquiaberta uma vez antes. Parecia recordar que ver Sebastien completamente nu em sua noite de núpcias tinha sido uma revelação, também. Mas uma boa. De fato, ela ainda amava olhá-lo. Era um homem magnificamente construído.
- Vêm pelo mascarado - Phoebe respirou. - Pergunto-me se sabem onde está ele.
Eleanor olhou a seu redor com desgosto.
Os cartazes ondeavam no ar pedindo que ela se delatasse, deu a volta na direção oposta. Um cavalheiro idoso tirou o chapéu e o segurou por debaixo de seu peito.
A multidão a tinha encontrado.
- Um centavo para salvá-la do mascarado, minha senhorita encantadora. Você será minha mais bonita contribuinte do dia.
- Eu...
Phoebe colocou várias notas bancárias no chapéu, depois gritou quando o corpo corpulento da esposa do avô lhe pisou no pé e lhe pediu que seguisse adiante.
- Eu não gosto das grandes multidões - disse Phoebe com voz trêmula. Seu rosto empalideceu. Ela fez uma pequena boca de peixe. - Sinto-me como se fosse ser pisoteada em uma correria por elefantes.
Eleanor a pegou pela cintura.
- OH, não. Não agora. Não superou os vapores?
Os olhos de Phoebe ficaram em branco.
- Onde está o criado? - Eleanor perguntou com pânico. - Burton...
Ele fez um gesto frenético da porta da loja através da rua cheia de pessoas, indicando que não podia chegar até ela. Murmurando em voz baixa, meio arrastou Phoebe de volta para a loja de luvas.
Uma tabuleta pedindo clemência pelo mascarado a olhou da janela de vidro. Não havia fuga de si mesma.
O dono da loja e seus ajudantes estavam na calçada para ser testemunhas da emoção.
Phoebe não era a única pessoa que sentia enjoos. Foi como um contágio que se estendeu entre a multidão. Só um estabelecimento parecia oferecer asilo da histérica emoção da multidão reunida. Não foi até que Eleanor tinha empurrado e aberto caminho a cotoveladas, arrastando Phoebe como uma boneca, que se deu conta de que havia homens parados fazendo guarda para fora da loja.
E não eram amistosos por sua aparência, tampouco.
- OH - disse Phoebe, de repente sem um osso lânguido em seu corpo. - Esta é a loja da senhora Sucedi. Estive doida durante toda minha vida por vir aqui. Que valente é, Eleanor. Retrato-me de tudo o que disse, não é aborrecida absolutamente. Segue sendo um mar de divertida.
Eleanor se aproximou do edifício de tijolo de desenho georgiano com temor. Nunca tinha visitado a loja, mas recordou ao Sebastien explicando que a senhora Sucedi atendia às esposas modernas, amantes e cortesãs por igual. Ele poderia insinuar que fizesse uma entrevista. O preço de uma prova privada era exorbitante.
Ela divisou um tipo jovem com duas mulheres em cada braço, os lacaios eficientemente os conduziram dentro. Sob outras circunstâncias ela não teria sido vista entrando nesses locais.
Agora certamente sentia uma curiosidade lasciva. depois de tudo, tinha estado em um bordel. Fazia o amor sobre uma limusine, também. Ela bem poderia descer completamente dentro da decadência moral. O que pensaria Sebastien se o surpreendesse com um traje provocador?
- Vamos entrar -disse com resolução, apesar de que Phoebe já se adiantara, como se fora a investir a porta.
Os lacaios deram um passo adiante com praticada graça como um par de espadas cruzadas.
- Seus nomes, senhoras? - perguntou um com uma crítica avaliação do confortável xale e gorro de Eleanor.
- Lady Phoebe Haywood - disse sua amiga antes que Eleanor pudesse responder.
Os lacaios se olharam, pouco impressionados. Eleanor poderia ter golpeado ao par de estúpidos com seu gorro passado de moda.
- Lady Boscastle - disse ela despreocupadamente. - E não desejo comprar aqui, de todo modo. Eu...
- Lady Boscastle, é claro.
- Uma honra.
- Um privilégio.
- Por favor, perdoe. Seu nome deve ter sido omitido da lista dos clientes do dia de hoje.
Eleanor sentiu uma peculiar onda de poder. Gostou. O sagrado nome Boscastle. Por que Sebastien não tinha tomado vantagem disso antes? Que tão ressentido estava com seus familiares? E que classe de mulheres de sua família tinham influência sobre uma exclusiva zona de compras? Talvez elas não gostassem ou, talvez sim.
- Esse empregado deve ser despedido - disse o primeiro lacaio.
O outro olhou para baixo a sua lista e disse:
- Ah. Aqui está. Você tem uma entrevista agora mesmo. Sinto pelo atraso. Nós…
Uma multidão de mulheres meio histéricas golpeou Eleanor e Phoebe como uma onda.
- Você terá uma entrevista divina com meu pé se não nos permite entrar - disse ela, endireitando seu gorro.
Em um instante se acharam com uma assistente pessoal da senhora, que as apressou através de um pouco impressionante corredor interior iluminado com velas até um lance de escadas.
Outra assistente se uniu a elas no corredor superior. Admirando a cor do cabelo de Eleanor, suas relações familiares, sua cor única de olhos, conduziu-as a um pequeno aposento onde havia um só cliente bebendo Madeira e discutindo seu traje de inverno com a senhora Sucedi.
A mulher, vestida modestamente, como a esposa de um vigário, levantou a vista. Capturou o olhar de Eleanor ao menos durante um segundo, sorriu o suficientemente cortês, então reatou sua conversa.
Phoebe inalou o que soou como um último fôlego.
Eleanor pensou que ela mesma ia desmaiar.
Assentiu com a cabeça à senhora Watson. A cortesã assentiu em resposta sem levantar a vista outra vez. E isso foi tudo.
- Poderia a lady Boscastle lhe interessar alguma bebida? - perguntou outra assistente, um espartilho de seda negro se balançava em seu braço.
- Traga a garrafa inteira - disse a senhora Watson com uma risada baixa e acolhedora.
- Teremos que esperar que esta multidão atroz se vá. É possível que também tenhamos que realizar compras para demonstrar a nossos protetores que não estivemos esbanjando nosso precioso tempo.
- Que idéia inteligente - disse Phoebe, despojando-se a si mesma de sua capa e luvas. -Meu marido vai ficar surpreso se chegar em casa com um traje escandaloso.
- Igual ficará o meu - disse Eleanor com resignação. Apesar de supor que isso seria por uma razão completamente diferente.
Sebastien olhava pela carruagem balançando devido ao mar de damas que enchiam as ruas, com vestidos de dia virando à marcha de sapatilhas delicadas. Tinha visto um bom número de distúrbios no passado. Tinha iniciado batalhas nos lugares públicos e nos moles da França. Tinha pirado navios. Disfarçara-se de camponês e protestado pelos impostos.
Mas nunca tinha encontrado tal intimidante multidão em sua vida. Estando composta principalmente por mulheres simpáticas, de boas maneiras, que se afastaram quando seu cocheiro Pontuem lhes pediu que se movessem, permitindo que sua carruagem passasse.
Mesmo então, Pontuem teve que estacionar a um quilômetro de distância da loja onde Sebastien tinha prometido pegar Eleanor e sua amiga. Não podia recolher às damas dentro da aglomeração. Seu assediado criado Burton lhe explicou que tinham desaparecido dentro do local da senhora Sucedi. Burton tinha recebido instruções de esperar do lado de fora.
As sobrancelhas de Sebastien se elevaram em especulação. Eleanor de compras onde esta modista de Cipriano? Conforme os comentários em seu clube, os vestidos e a roupa interior desenhada por Sucedi poderia despertar as inclinações carnais de uma estátua de pedra. Ele não era feito de pedra.
Estudou a placa na janela. Pensou em Eleanor usando espartilhos subidos de tom com renda na dianteira, despindo-se lentamente para seu entretenimento privado.
Tendo em conta a escolha de sua esposa engalanando- se com calças ou roupa interior tentadora, bom, em realidade não havia muito que decidir.
- Milorde - disse Burton, colocando-se atrás dele enquanto olhava com valentia os outros lacaios. - Devo limpar o caminho para o transporte, enquanto você vai procurar às damas nesse lugar?
Sebastien tirou seu relógio de bolso e fingiu refletir sobre o tempo. Pelo menos sabia que ela estava a salvo dentro dessa loja.
- Não há pressa. Não me importo em caminhar até a livraria por uns minutos. Vou necessitar algo para ler no campo.
Embora se sua senhora desfrutasse dos frutos de uma tarde de compras atrevidas, Sebastien não ia ler uma só página em todo o inverno.
No último momento, nem Sebastien nem Eleanor queriam partir para o Castelo do Eaton. Teg se tinha escapado a noite anterior e se colocara em uma briga com três cães de rua, tinha voltado para casa em um estado tão lamentável que Eleanor teve que lhe dar pontos nas orelhas e repreender as jardineiros por deixar a porta traseira aberta.
Na manhã de sua partida tinha morrido a tia de uma das criadas em estranhas circunstâncias, deixando a sua sobrinha todas suas posses, o que não era suficiente para um retiro prematuro do serviço, mas a moça estava tão desconsolada, que uma multidão de estranhos, advogados e vendedores de frutos secos, reuniram-se no meio-fio a oferecer suas condolências, castanhas assadas e assessoramento legal.
-Ao menos, não é uma multidão de bem- intencionados em busca de certa legendária bagunceira, - Comentou Sebastien com sua esposa. Ela virou sobre seus calcanhares e o deixou em pé só na calçada.
Não podia achar sua capa de viagem, nem sua fantasia para o baile de máscaras que se celebraria no castelo. Eleanor e a senhora Bindy, a governanta, procuraram por toda parte antes de achar o grande baú que continha ambos os objetos colocado junto à cama. Obviamente tinha estado ali todo o tempo, disse Sebastien.
Uma mala não podia mover-se por si só. Continuando, o baú de viagem de Sebastien se abriu quando os cocheiros se inclinaram para levantá-lo. Toda a roupa de Sebastien, sua roupa interior, gravatas de seda, camisa de dormir e livros caíram à rua para que Londres o contemplasse.
- Nego-me a acreditar nos presságios - disse Eleanor, e se perguntou por que se sentia tão mal do estômago que nem sequer podia terminar sua habitual xícara de chá.
- Mas acredita em adivinhos - lhe recordou ele, apesar de saber que não deveria ter dito nada absolutamente.
- Isso é diferente. Só acredito nas boas coisas que ele prediz.
- Havia más?
- Sabia que era supersticioso.
Sebastien olhou a sua mulher, sentada resolutamente na carruagem, a Mary, que se achava em pé nos degraus da entrada com tal expressão de fatalidade que poderia ter feito que o sol deixasse de brilhar.
Supersticioso?
Se tivesse sido um marinheiro a ponto de embarcar em uma travessia, poderia ter levado seu navio de volta à margem e esperado a águas mais calmas. Mas sabia que Eleanor estava decidida a entregar esta última carta à duquesa. portanto, pensava ajudá-la a manter sua promessa ao preço que fora necessário, e a mantê-la a salvo ao mesmo tempo.
Depois de tão prometedora partida, Eleanor não podia desfazer-se de seu péssimo estado de ânimo. Estudou o céu metálico através da janela como se esperasse que as nuvens desatassem uma calamidade sobre a terra. E seguiu perguntando-se se tinha esquecido de fazer algo antes de sair.
Queixou-se de que o interior da carruagem cheirava desagradavelmente a cinza e vinagre, a mesma mistura que os lacaios usavam sempre para refrescar os assentos.
Percebeu uma mancha em sua luva e se negou a acreditar no consolo de Sebastien de que a ninguém importaria.
- Acredite-me, - Murmurou Sebastien sem levantar a vista de seu jornal - ninguém que se encontre com você vai dar- se conta do estado de suas luvas.
Ela apoiou a cabeça contra seu ombro.
- A duquesa tem razão, é um cafajeste.
- Ofende-me essa acusação - disse suavemente-, embora seja verdade. O que me recorda, quando vou ver o que comprou na oficina dessa modista tão acidentada?
- Quando o enviarem a nossa casa de Sussex.
Caíram em um cômodo silêncio. A carruagem retumbou ao passar pelo Apsley House, com suas múltiplas lareiras expulsando fumaça ao sombrio céu de novembro. Logo deixariam atrás a buliçosa Londres.
- Quase escapamos - disse ele, deixando o jornal a um lado. O alívio em seu rosto a fez sorrir. Mas, ultimamente, não tinha mais que lhe lançar uma olhada e sentir que a invadia uma incrível leveza.
- Sua graça irá dentro de uma semana ao campo com as crianças - disse ela, contendo-se de lançar uma última olhada à mansão que tanto amava a duquesa-. Acredito que se teria ido antes, mas Bellisant lhe pediu uns quantos dias mais para terminar sua pintura.
- Deveria ter acabado com ele - disse com um sorriso forçado.
-Alegra-me que se tenha contido - Brincou, desfrutando de sua veia possessiva.
- Com muita dificuldade.
- Por certo, a duquesa estava muito agradecida que recuperasse as cartas da senhora Watson sem provocar outro escândalo.
Ele sorriu.
- Virtualmente caíram em minhas mãos.
-À duquesa não gosta de estar em Londres na noite das fogueiras de Guy Fawkes. É claro as crianças adoram - disse mudando de assunto. - Cada vez que ouço explodir na rua um desses petardos estremeço. NO ano passado Will e eu retornávamos a casa de uma peça de teatro quando uma multidão de bêbados derrubou uma carruagem. Começaram
a descontrolar- Se, então alguém lançou um boneco em chamas a um cavalheiro que ia para seu clube, e seu casaco começou a arder.
- Que sorte que estarei perto para protegê-la dessas pessoas vulgares. De fato - disse enquanto puxava um dos diminutos laços brancos que adornavam sua blusa, - estou muito perto neste momento.
- Sim, e sempre me está desatando de uma maneira ou de outra.
- Sinto muito.
- Não, não sente.
Sua risada a encheu de uma calidez comovedora.
- Não, não sinto.
Deu um pequeno suspiro e fechou seus olhos, o rangido das rodas da carruagem e a profunda voz de seu marido a relaxavam.
- Espero que Teg não volte a escapar outra vez enquanto Burton passeia.
- Acredito que assustou ao pessoal de vigilância.
- Mary parecia nervosa quando saímos. - Abriu os olhos ao sentir seus dentes cravar-se suavemente no lóbulo de sua orelha. Esforçou-se por recordar do que estavam falando. -Will - Continuou distraída pela escura cabeça que se situou entre seus seios. -Ele também estava um pouco triste, até que recebeu esse convite ao castelo.
Ele levantou a cabeça.
- Que convite?
- Acredito que a enviou o próprio conde. Ao que parece, pediu ao Will que fizesse umas quantas interpretações na festa. Will está muito emocionado.
- Eu estava emocionado por tê-la por fim para mim.
- Significa isso que não pode ficar conosco durante o inverno? Sei que o desejava de todo coração, mas se quiser que anule o convite...
- Não o fez.
Eleanor começou a rir.
- Não. Só brincava. - Levantou a vista para o suave som que lhe chegava de cima-. Está chovendo?
Ele escutou.
- Acredito que não.
-Um bom aguaceiro amanhã de noite apagaria todas essas espantosas fogueiras.
Sua boca se converteu em uma fina linha.
- Pena que não pudesse apagar as conspirações ao mesmo tempo.
A notoriedade histórica do Castelo de Eaton tinha existido durante séculos antes que seu atual proprietário começasse a celebrar seus populares bailes de máscaras. Debaixo do torreão havia uma câmara de tortura que presumia cinco masmorras. Dentro destas celas ocultas, os detentos medievais desmoronaram, depois de caírem no esquecimento, logo depois de meses de interrogatórios. Estas premissas comovedoras agora serviam de cenário para o entretenimento de abertura do Conde de Eaton.
Os senhores e as damas da alta sociedade amavam um bom susto. As visitas de meia- noite do conde às masmorras, com uma amostra de verdadeiros instrumentos de tortura e os funcionários gemendo detrás das paredes, garantia que ao menos um convidado sempre desmaiasse.
Lorde e Lady Boscastle fizeram só uma aparição simbólica a este exaltante espetáculo na noite de sua chegada. Eleanor proporcionava toda a inspiração que Sebastien necessitava. Ele, por sua vez, poderia fazê-la cair ligeiramente inconsciente sem sequer sair de seu quarto.
O senhor Will Prescott, entretanto, chegou bem a tempo para fazer uma interpretação do Otelo a luz de velas na sala de banquetes. Sir Perceval o tinha acompanhado de Londres, depois de ter sido empregado pelo Senhor Eaton para adivinhar o futuro na câmara de torturas e dar um ar de misticismo à festa.
Infelizmente, o adivinho deixou cair a bola de cristal de espanto quando um fantasma decapitado emergiu de uma porta secreta para saudar os outros hóspedes. Sir Perceval leu depois as palmas das mãos com um humor ofendido.
Na manhã seguinte, Sebastien e Eleanor ficaram em seu dormitório preparando-se para o café da manhã formal e as rigorosas demandas de misturar-se com outros hóspedes. Eleanor estava sentindo mais à vontade com esta situação do que estava seu marido, que nunca tinha tido muita paciência com as festas para começar. Depois de tudo, tinha zombado de uma cidade inteira. Ainda assim, foi Sebastien quem recebeu o primeiro convite para uma conexão social.
Uma criada chegou com uma mensagem do quarto de um cavalheiro que tinha solicitado reunir-se com Sebastien na praia depois do café da manhã. Não tinha dado seu nome, mas afirmava que ele e Sebastien se conheciam.
- Poderia ser uma centena de homens - disse ele, em busca de seu casaco.
Eleanor lhe entregou seu casaco.
- Vou com você.
- Não. Poderia ser uma notícia sobre o complô contra Wellington.
- Pode ser que seja outra mulher - disse ela com aspereza. - Sei perfeitamente o que acontece nestas festas.
Ele franziu a boca em objeção.
- Este poderia ser meu contato pessoal. Não a quero envolvida em meu trabalho.
- Eu não queria que se envolvesse no meu, tampouco - recordou-lhe.
Ele conteve a impaciência.
- Não entende. Algumas questões só podem ser tratadas por um homem.
- Fui um homem - lhe disse. - Acredito que o entendo muito bem.
- E se supõe que eu tenho que explicar isso a outro agente?
- É claro que não. Pode me apresentar como sua esposa. Depois de tudo, um bom agente deveria ser a última pessoa de quem suspeitar.
O castelo estava localizado sobre a pedra calcária de um penhasco que eclipsava uma baía. Desceram à praia, ele com seu longo abrigo negro, Eleanor envolta em uma capa vermelha que chegava aos tornozelos. Seu fôlego soprava para fora no frio. Onde a névoa se reunia com a água no horizonte, os navios pesqueiros navegavam com o desafio das areias instáveis e as tormentas que freqüentemente se levantavam sem prévio aviso.
Esperaram mais de uma hora que o contato anônimo de Sebastien aparecesse. Ele nunca o fez. As únicas pessoas à vista eram outro casal que penetrou do castelo para passear pela praia.
- Eu sabia - disse Eleanor. - Era outra mulher. Quando me viu com você, a prostituta perdeu a coragem.
Ele sacudiu a cabeça de modo brincalhão.
- Então é uma coisa boa que tenha vindo.
- Isso significa que posso vir com você da próxima vez?
- Absolutamente não.
Seus dentes tocavam castanholas quando ele a guiou até um lugar protegido entre um grupo de cantos rodados. Ela se deixou cair na areia, a capa arrastando-se a seu redor.
- Bom - disse ela, com esforçada alegria. - Aqui estamos. - Tomou um pedaço de madeira flutuante e desenhou um castelo na areia. - Não é este um bom dia para contrair uma doença de pulmão? Estão meus lábios azuis ainda?
Sorriu-lhe.
- Reviverei-a quando estiverem.
- Quando tempo vamos esperar?
Uma rajada de vento soprou através das rochas. A protegeu de uma avalanche de areia molhada, dirigida para os penhascos.
- Outro minuto mais ou menos. O mar é o melhor nesta época do ano. Não há ninguém mais ao redor.
- Não me pergunto por que. A pessoa sensata está sentada junto ao fogo tomando o chá.
- Tenho uma confissão.
Confissão. Um calafrio lhe desceu pelas costas. Finalmente. Olhou-o surpreendida, a madeira flutuante escapou de seus dedos.
- Sim?
- Falou sério quando disse que queria começar de novo? - começou sombrio.
Fez-lhe um gesto alentador.
- A verdade é um bom lugar para começar.
Ele assentiu com a cabeça, seu olhar inescrutável.
- Quando fui, fiz coisas em meu trabalho que nunca tinha feito antes, coisas que não sonhava que seria capaz de fazer.
- Insinuou muitas vezes.
Ele sorriu sem humor.
- Houve momentos nos que me dava conta do que me tinha convertido, e não estava certo se deveria voltar para você.
- O que o fez mudar de opinião?
- Por um lado, não podia viver mais sem você.
Ela não o contestou. Tinha medo de que ele se detivesse.
- E por outro, dava-me conta no que você tinha se convertido e sabia que eu era o responsável.
Ele se afundou em um longo silêncio. De repente, ela não pode suportar o suspense.
-E isso é tudo o que queria confessar?
Ela franziu o cenho.
-Quero deixar perfeitamente claro que minha confissão concerne atos de amor, não de guerra.
- Amor?
Seu inquebrável olhar lhe deu outro calafrio.
- O duque não me ordenou que interviesse nos assuntos de sua esposa. Veio pedir que me pusesse a trabalho..
- Realmente o fez? - lhe perguntou, engolindo através de um inesperado nó em sua garganta.
- Enganei-a - disse simplesmente. - Não sabia como lhe dizer isso. - Ele a olhou com incredulidade.
Ela exalou um suspiro. Até certo ponto para fazê-lo sofrer.
- Sei o que fez - ela admitiu. - Sei há algum tempo.
Ele a olhou com incredulidade.
- E deixou que seguisse me sentindo culpado?
- Fiquei esperando que me dissesse a verdade. - Ela sacudiu a cabeça.
- Não soube todo o tempo.
Seus olhos se estreitaram.
- E não estava aborrecida?
- Porque fez engano? Por que pôs seu duque contra minha duquesa?
- Você trabalhou para ela, foi o que pôs você em perigo - disse. - Nunca percebi quanto até que voltei.
- Asseguro que nunca estive em tanto perigo como você está agora.
- Então, perdoa-me?
- Não o decidi.
- Creio que já o fez.
- O duque está de acordo com este engano? - ela perguntou.
- Bom, ele me escutou e não ofereceu muito mais que uma opinião de um modo ou de outro.
A brisa o mar levantava as escuras mechas vermelhas de seu cabelo.
- Mas o deteve.
- Não - ele sorriu. - Não o fez.
- Então em minha opinião, vocês dois... - Conteve o impulso de dar rédea solta a seus pensamentos. Enquanto pudesse sentir-se justificada em insultar a seu marido, custava-lhe afirmar que o duque era um canalha. A duquesa seguramente o faria. - Espero que o lamente.
Um sorriso apareceu através de seus traços cinzelados.
- Não o lamenta - disse ela. - De fato, acredito que está orgulhoso de si mesmo.
Ele não o negou.
- Recuperei-a - disse, com voz forte e entretanto suave. - Valeu a pena o risco por isso.
Ela sentiu que seus olhos se enchiam de lágrimas. Em poucos minutos o mar apagaria seu castelo. A princesa que estava parada no almenaje, esperando seu príncipe, poderia tanto atraí-lo a seu lado ou observá-lo cair no fosso que ele tinha construído para protegê-la.
- Sempre fui um marido fiel - disse com um sorriso que foi direto a seu coração. - E sempre a amei. A pergunta é: ainda me ama?
Ela meneou sua cabeça para ele.
- Creio que devo dizer.
- Não tem certeza?
- Sim - sussurrou. - Tenho certeza.
-Me perdoe - disse ele, inclinando-se sobre um joelho, olhando-a com esses irresistíveis olhos azuis Boscastle, - Pensei que a tinha perdido. Faria tudo para fazer que me amasse de novo.
- Está ficando tarde - disse ela, não porque lhe importasse de algum modo, mas se não retornassem ao castelo, ela se ajoelharia a seu lado e ficariam até que estivessem cobertos de algas marinhas e beijos. - Temos trabalho para fazer antes do jantar do baile de máscaras.
- Cheguei tarde ao meu próprio casamento - disse com um sorriso triste.
- E com um mau comportamento, além disso. Minha tia, todavia o menciona cada vez que escreve.
- Que posso fazer para conciliar as coisas?
Ela sacudiu a cabeça com impotência.
- Não se deixe matar nesta conspiração.
- Não posso deixar que matem Wellington.
- Temia que fosse dizer isso - sussurrou. - Por que alguém trataria de atraí-lo hoje aqui?
- Pode ser que me tenham confundido com outro dos Boscastles. Talvez seja um engano inocente.
Um trovão retumbou de repente em cima das torres do castelo. Ele olhou para o céu e apertou as mãos, levantando- se da areia. Logo estavam correndo pelo atalho para escapar da chuva com o outro casal que ficara na praia junto com eles. Os quatro estavam empapados no momento de chegar à ponte levadiça. Sebastien passou uma mão por seu cabelo úmido.
Seus aspectos desalinhados levantaram algumas sobrancelhas quando tentaram penetrar através dos convidados mais solenes que se dirigiam para a grande sala para o brandy e fofocar.
- Depressa - disse ele, apertando-lhe a mão antes que se soltassem. - Esses são Hill e Sir Perceval que vêm para nós. É preciso evitá-los até que encontre a última carta.
- E fazer algumas perguntas sobre o homem que queria encontrar-se com você enquanto está nisto. -Disse ela, apressando-se pelas escadas antes que alguém notasse os atoleiros que estavam deixando por toda parte.
Sebastien viu os brancos ombros de sua esposa desaparecer na fumegante água quente de sua banheira. Seu traje de gênio estava sobre a cama. Uma moeda decorava o véu e o toucado de pavão azul, um colete revestido com um cachecol que lhe caía ao redor de seu diafragma. Não estava certo do que fazer com a misteriosa mensagem que tinha recebido. Não pôde achar à criada que o lhe entregara. Tampouco o mordomo recordava- se de uma garota com essa descrição a seu serviço. Supôs, como Eleanor lhe havia dito, que talvez Sebastien tinha uma admiradora secreta que tinha estado esperando reunir-se com ele a sós.
Tudo aquilo o perturbava.
Mas provavelmente não tanto como o fato, de que na festa, sua esposa usaria um par de calças folgadas quase idênticas às suas. Ela era um gênio. Ele era Aladim.
Ela estaria sedutora. Ele não podia olhar-se no espelho.
- Não me dava conta de que seu traje era tão revelador - disse, caminhando pelo aposento. - Tem alguma idéia de quantos homens lhe pedirão que faça seus desejos realidade?
- Eu gostaria que deixasse de passear de um lado a outro e de queixar-se. Isso está incrementando meus nervos. O que aconteceu Sebastien, a coluna vertebral do sabotador de aço? Não pode ter estado sobre o bordo cada vez que levava a cabo suas próprias missões.
Dirigiu-lhe um olhar sombrio.
- Não tinha uma esposa envolvida em véus para me distrair então. Pelo menos não que fosse consciente. Se soubesse o que estava fazendo, duvido que pudesse me ter concentrado absolutamente.
Ela saiu da banheira, espremendo a água de seu longo cabelo. Seus seios brilhavam, seus mamilos escuros e proeminentes. Ele olhou sua forma resplandecente e pensou em uma jovem deusa núbia, em prazeres travessos e em começar uma família.
- Não se preocupe comigo - disse ela. - Prometo permanecer no interior do castelo. Vai poder agir como cavalheiro durante uma hora mais ou menos.
- Isto não deveria tomar tanto tempo. - Ele envolveu a toalha sobre os ombros úmidos, prometendo-se que a teria de volta em seus braços antes da meia- noite. - O aposento de Lady Eaton está justo ao lado da escada.
- Muito conveniente par entrar e sair sigilosamente, não é verdade?
- Não saberia - disse inocentemente. - Bom, não o tipo de furtinhos à que se refere. - Deu-lhe as costas com um suspiro. - Falando de furtos... o que é esse aroma?
- Perdão. Acabo de tomar banho.Pensei que gostava de meu sabonete de lírio.
- Isso não é sabonete. É fumaça. Me cheira a queimado.
Ela passou ao redor dele.
- Espero que não seja a vela de minha lanterna mágica. Acendi-a para ver se a mecha continuava boa. Pensei que a tinha apagado, entretanto.
Ele pegou a lâmpada que estava sobre a mesinha de noite.
- Fez isso.
- Graças a Deus. Não queria queimar o castelo.
- Talvez seja a fogueira que se acendeu no vestíbulo para celebrar Guy Fawkes.
- As fogueiras me inquietam. Acho que alguma de minhas antepassadas foi queimada como bruxa.
- Certamente herdou seus poderes de encantamento de alguém.
- Tenha cuidado, Sebastien - disse em voz baixa enquanto ele se dirigia à porta.
- Você também. - Ele franziu o cenho por cima de seu ombro. - E ponha uma capa sobre esses véus. Está muito atraente nesse traje. Eu, em troca, me sinto como um idiota.
Ele teria procurado e saído do dormitório de Lady Eaton em menos de três minutos se sua senhoria não tivesse decidido uma mudança de vestuário no último momento.
Uma mulher corpulenta com o cabelo muito encaracolado de cor laranja, que mostrava mais de suas qualidades do que ele queria ver, deu-se conta de que provavelmente não era a única Vênus para mostrar sua beleza ao resto dos convidados.
Por sorte surpreendeu- o na galeria a sua porta, e não dentro.
- Abra-te Sésamo - disse ela com uma elevada voz clara, fazendo um gesto para a porta fechada com sua concha de caracol.
Ele não se virou para aceitar o insinuante convite de entrar no dormitório. Tinha uma de suas velhas cartas escondidas dentro de seu traje. Tudo o que ela sabia era que ele havia estado admirando a coleção de molas de suspensão montada sobre a parede do corredor.
- Perdão - disse ele.
Ela baixou seu búzio com um sorriso tímido.
- Poderia haver um tesouro em minha caverna-Deu-lhe uma pequena piscadela com os olhos. - Um tesouro que só compartilho com certos hóspedes.
Ele passou a seu redor.
- Onde há um tesouro, costuma haver problemas.
- Ouvi - disse ela, impedindo seu caminho, - que quando há problemas, em geral há um Boscastle nas proximidades. - Examinou seu traje de perto. - Ou prefere que o chame de Ali Baba Boscastle?
Ele fez uma careta.
- Isso é absolutamente correto - Isto era o que lhe acontecia por usar roupa que Will tinha tomado emprestada do teatro. - Para ser franco, tem a história equivocada. Assim como o homem equivocado.
Ela pôs a mão sobre um de seus dourados braços enluvados.
- Um sultão?
- Seu genro, voltando para casa. - Esta era uma conversa absurda. - Sou Aladim.
- Não teria Aladim seu próprio harém? - perguntou com voz rouca.
- Não acredito - disse ele cortesmente, lhe afastando os dedos de seus arredondados bíceps. - Entretanto, eu certamente não o faço. - Era tudo o que podia fazer para evitar que sua única mulher buscasse seus próprios entretenimentos.
- Todo mundo se perde no castelo a meia-noite - sussurrou, lhe dando uma cotovelada. - Os criados apagam todas as tochas, e temos que nos achar uns aos outros.
- Que terrivelmente emocionante.
Decidiu justo nesse instante que ele e Eleanor se encerrariam em seu quarto às onze. Ao amanhecer já estariam no caminho de volta a Londres para enviar o pessoal ao Sussex, e se chovesse forte, fariam um desvio e permaneceriam um ou dois dias na costa.
- Conheço todos os esconderijos do castelo - continuou a condessa, sem interpretar a indireta. - Queria que eu o achasse se perdesse?
- Acredito que minha esposa fez isso já, Lady Eaton, mas sua oferta é extremamente amável.
- Você não ouviu todavia que mais estou disposta a oferecer.
- Isso poderia ser melhor deixar à imaginação. - De repente se perguntou se ela era quem tinha tratado de reunir-se com ele na praia.
Ela o estudou com amarga diversão.
- Pensei que você e sua esposa tinham estado distanciados durante anos. Certamente você está consciente de que ela foi vista em companhia de outros homens em outras mascaradas. Eu mesma a vi na Aldephia com um pintor de retratos muito bonito.
-Oh, assim, o Senhor...
- Nathan Bellisant. Não é tão interessante como você. Não acredito que ele queria me pintar. Gostava de sua esposa, com certeza. Seguia a seu redor como um cãozinho perdido.
Ele levou a mão direita à testa e fez uma pequena reverência.
-Asseguro-lhe que ela é minha esposa muito devotada, como eu seguirei sendo um marido fiel.
Pelo menos a última parte dessa declaração não seria refutada.
Quanto à fidelidade de Eleanor, ela a tinha demonstrado também, embora isso não significasse que ele pudesse dá-la por sentado de novo, nem deixá-la só para que assistisse a nenhuma outra festa.
E quando ele a viu sair de seu aposento no lado oposto da galeria, não pôde escapar de Lady Eaton suficientemente rápido. Tinha convidados subindo e descendo as escadas, admirando uns aos outros as fantasias.
Nenhum deles parecia tão encantador como o alto gênio com um abajur apagado e irritante expressão em seu rosto.
Viu Eleanor olhar mais à frente, onde ele e Lady Eaton tinham estado parados. Quando o olhou bem irritada, ele bateu na carta que tinha escondido debaixo de seu colete.
- Isso é tudo - disse ele, em voz baixa, quando se encontraram. - Terminamos. Vamos para casa?
Ela olhou por cima de seu magro corpo.
- Ia esquecendo-se de algo, sua adaga. Espero que não a deixasse cair no dormitório daquela mulher desavergonhada.
- Claro que não. Quer ler a carta que encontrei?
- Não. - Seus olhos se mantiveram fixos nos dele.
Ela ajustou a bufanda cosida em seu corpete.
- Por favor, deixa-a em um lugar muito seguro. - Passou seus dedos para cima da luva que rodeava seus duros músculos. - Vou ter que pô-lo em um lugar seguro, também. Dei-me conta de que Lady Eaton achou um modo de estar parada a seu lado durante nossa viagem ao calabouço de ontem à noite.
Ele se inclinou para ela.
- Não percebi - disse. - Mas então eu estava preocupado contemplando as adagas dos cavalheiros que estavam olhando a minha esposa, e se o fizerem de novo, vou colocá-los em seu lugar.
- Adagas. - Ela arrastou a mão pela luva dando um suspiro melancólico. - Apresse-se e encontre a sua. Will insiste em que o acompanhe para fazer um percurso pela câmara de tortura. Não quer ir sem mim.
- Sei como se sente.
- Tem medo da escuridão, também?
Ele sorriu.
- Não, se estiver comigo.
Quando retornou só a seu quarto para ocultar a carta, ouviu o débil clamor dos sinos da praia. A tormenta tinha piorado. Olhou através de uma janela de arco aos navios pesqueiros flutuando no mar. Os marinheiros tinham ignorado a advertência de desembarcar.
Estas intrigas em geral terminam antes que cheguem a algo.
Deveria lê-la?
Sentiu que lhe picava a curiosidade. Eleanor tinha optado por manter sua promessa. Mas não tinha prometido tanto à duquesa. Além disso, comprometera-se a servir ao duque. E manter-se em guarda significava examinar tudo o que chegasse a seu caminho. Inclusive velhas cartas.
Não tinha devotado as atividades encobertas por nada.
Desdobrou a carta e estudou os ganchos de ferro femininos. Santo Deus! Por ser uma condessa, Lady Viola Hutchinson empregava a linguagem mais suja e Eleanor tinha medo das fogueiras? Alguma de suas antepassadas tinha sido queimada como uma bruxa? Ele não sabia. Inclusive tinham passado novembro juntos antes? Não haveria nenhum fogo aceso no povoado com esta chuva. Boa coisa que levavam postos trajes ligeiros esta noite. Assariam-se de outro modo no grande corredor. Ele lançou um olhar abaixo outra vez.
Conheci ao homem mais fascinante chamado Lorde Barry Summers. Era um membro do Escritório de Guerra que perdeu sua posição devido à influência daquele bastardo de Wellesley. Creio realmente que ele odeia aquele bode ambicioso tanto como eu. Riu quando admiti que desejava que uma peste caísse sobre a esposa do Arthur. Prometeu que se eu esperasse e satisfizesse seus desejos, ele satisfaria minha necessidade de vingança. Não é que nada disto lhe interesse, pendendo do dedo de um conde.
Deteve-se. Wellesley tinha se convertido no Duque de Wellington. O destinatário desta carta era a lasciva Lady Eaton, que tinha conseguido seu velho conde.
Ele não tinha nem ideia do que tinha acontecido a este Lorde Barry Summers. Era um nome para recordar. Pôs a carta em seu lugar quando ouviu uma batida na porta. Esperava que fosse Eleanor e rezava para que não fosse Vênus. Mas era um lacaio do castelo com outra mensagem, desta vez de um homem que afirmava ter uma relação familiar. O cavalheiro pedia que Sebastien se encontrasse com ele na ponte levadiça.
- É outra brincadeira? - perguntou sem rodeios.
- Não acredito milorde - respondeu o lacaio. - Quer que o acompanhe por acaso?
- Não, obrigado. Irei só. - O que significava que não implicaria Eleanor.
Mas se era um familiar, só podia ser Heath. Quem mais sabia que Sebastien assistiria a uma festa no castelo? O que poderia ser suficientemente importante para viajar da cidade sob a chuva?
O complô contra Wellington. Uma mulher despeitada e um membro do gabinete com um rancor existente desde há muito tempo. Sentiu uma aceleração, a antecipação, a oportunidade de estar de volta no jogo. Não estava seguro, é claro, de que houvesse uma conexão. Mas era um começo, como Eleanor havia dito, e seu instinto dizia que era um bom.
- Por favor faça Lady Boscastle saber que vou demorar uns minutos mais - indicou ao lacaio antes de fechar a porta.
Levou um tempo para achar o casaco e colocá-lo sobre o disfarce. Um agente secreto não tinha necessidade de andar alardeando por aí vestido como Aladim. Desejava que Eleanor tivesse lido as cartas que tinha encontrado, mas possivelmente agora isso não importava. Simplesmente lhe contaria do conteúdo desta última a Heath. Dessa maneira sua esposa não romperia uma promessa em sua consciência.
Apressou-se a descer a escada de caracol, conseguindo esquivar-se dos convidados que se afastaram das festividades. Teria que voltar para Londres se lhe pedisse. Caminhou através da turvada muralha, por debaixo da grade, um homem que tinha deslocado através do pior da chuva provando a si mesmo.
Eleanor entenderia, uma mulher que tinha demonstrado sua própria lealdade para a Inglaterra e para ele de um modo bastante surpreendente. Como lhe tinha dito uma vez, seus filhos se beneficiariam da afeição de seus pais pela intriga. Medalhas, títulos, posição na corte ou no estrangeiro. Ambiciosos, ele e sua esposa.
Se Heath Boscastle tinha percorrido todo o caminho de Londres para solicitar a ajuda de Sebastien, ela teria que entender por que teve que aceitar. Seu problema seria convencê-la de que não poderia acompanhá-lo.
Para sua surpresa, o homem que estava encoberto na ponte levadiça não era Heath,
Mas seu próprio irmão menor, Gabriel. Sentiu uma pontada de carinho, recordando os demônios ímpios que tinham sido quando ele e Gabriel estavam crescendo. Não só tinha ensinado Gabriel como atirar em uma solitária bolota em uma árvore, mas também a forma de atrair uma criada para que furtivamente desse uma cerveja para um menino bonito no pátio do estábulo. De fato, não havia ninguém como um irmão maior para introduzir um irmão menor ao pecado.
- Você - lhe disse, apertando o braço de seu irmão. - Supunha que seria Heath.
Gabriel observou divertido o turbante de seda de Sebastien.
- Não vou perguntar quem se supõe que é. Enviou-me Heath, em realidade.
Sebastien lançou uma olhada sob a ponte levadiça para o mar, com suspeita antecipação.
- Por quê?
- Porque posso montar a cavalo mais rápido que ele na chuva.
- Ninguém pode montar mais rápido que você.
- Uma habilidade que tive que aperfeiçoar para não ser culpado pelo que meus três irmãos mais velhos tinham feito. Em geral me deixavam parecer o culpado.
- As crianças em problemas aprendem a serem rápidas.
Era a segunda vez durante anos que eles tinham estado um em frente do outro. Sebastien tinha vindo resgatar seu irmão menor em setembro passado em Londres, quando tinha sido emboscado em um beco. Gabriel não entrou em contato com ele depois, embora Sebastien tivesse esperado que ele o fizesse.
Entretanto, durante a década anterior tinham seguido caminhos diferentes. Sebastien tinha escolhido sua carreira com a esperança de glorificar-se com uma promoção militar. Gabriel tinha caído no heroísmo.
Gabriel levantou a vista para a comporta de grades levantada. Poderia se perguntar se a porta de ferro cairia separando-os para sempre. Tomou um profundo fôlego. Obviamente tinha montado duro para lhe trazer esta mensagem.
- O conspirador foi rastreado até alguém que frequenta sua casa - disse-lhe, - Heath pensou que deveria saber e agir em consequência.
- Minha casa? - disse-lhe franzindo o cenho. - Quando?
- Durante o ano passado. - Gabriel secou um úmido rastro de chuva de seu rosto. - A conexão com o complô foi recém descoberta ontem à noite. Tem alguma suspeita?
O coração de Sebastien palpitou. O vento uivava através dos penhascos e das ameias do castelo. A casa de um homem era seu castelo, a fortaleza onde guardava tudo que era querido. Mas se este homem deixava seu castelo indefeso, fosse ele um duque ou um barão, devia esperar que um inimigo trataria de achar uma forma de entrar.
Quem tinha visitado sua casa durante sua ausência?
O muro exterior do castelo se converteu em muito barro e confusão. Os estandartes do castelo revoavam ao vento, sua direção evasiva. A chuva golpeava em suas costas e soprava no rosto de seu irmão.
Quem tinha feito amizade com Eleanor supostamente a teria utilizado para conseguir chegar à duquesa. Sua graça confiava a poucas pessoas a verdadeira amizade, e enquanto ela recebia um favor especial, também se associava com certos elementos questionáveis. Questionáveis, ao menos, na opinião enviesada de Sebastien.
- Nathan Bellisant - disse com uma certeza sombria. - Deve ser ele. Foi quem a convenceu a ficar em Londres.
- Um francês?
- Não perceberia se o encontrasse. É um pintor de retratos que era um convidado freqüente em minha casa. Ninguém que eu houvesse convidado, mas minha esposa e seus amigos estão loucos por seu talento.
- E ainda está vivo? - perguntou Gabriel, seus olhos azuis zombeteiros.
Sebastien forçou um sorriso. Incrível como eles tinham estado separados durante anos e, entretanto, suas mentes vagavam pelos mesmos caminhos tortuosos.
- A duquesa o encarregou de pintar seus filhos para a volta a casa de Wellington no natal.
- Ah. - A boca de Gabriel endureceu. - Talvez terá que terminar sua pintura na Torre. Não podemos decepcionar ao grande duque.
Sebastien sentiu uma sacudida de fúria. Bellisant. O retrato de Eleanor. Ver a esposa de um através dos olhos de outro homem, vê-la cobiçada e utilizada. Como poderia ter misericórdia com o traidor? Não podia. Faria o que a Coroa esperasse dele, e se havia um elemento pessoal de vingança de sua parte... e o que? Estaria justificado de ver o covarde derrubado.
O duque nunca o tinha enviado em missão de bondade.
- Um pintor - Refletiu Gabriel. - Que cobertura perfeita. E se fez amigo de sua esposa ao mesmo tempo.
- Isso é suficiente, Gabriel.
- Não pintou seu retrato, não é? Não. Você não teria permitido que esse tipo de tolices seguisse adiante.
- Vou permitir que sua boca siga adiante - replicou Sebastien.
Gabriel limpou a face com a manga da jaqueta.
- Montamos juntos, ou deveria eu seguir adiante a Londres?
- Iremos juntos, depois nos separaremos. Encontraremos Heath. - Sebastien puxou seu casaco em torno de seu traseiro. - vou ter que me trocar de todo modo e fazer os preparativos para que o primo de Eleanor a leve daqui. Ao menos entra e toma um bolo e uma cerveja antes de ir.
- Atenderei as necessidades de meu cavalo - disse Gabriel sorrindo. - Você se encarrega de sua esposa. E, Sebastien...
Sebastien se virou com um olhar impaciente, chegando-se a seu irmão.
- O que?
-Com este tempo e essa aparência, poderia considerar ir em um tapete voador. É claro o vento lhe tiraria o turbante. Entretanto, se não intervir outros fatores, acredito que isto poderia ser uma bênção.
Eleanor não podia decidir se o faisão assado estava mau, ou a música bestial dos trovadores errantes lhe tinha dado uma dor de cabeça. Qualquer que fosse a causa, desculpou-se da ruidosa festa e saiu da sala, segurando seus véus. Sir Perceval acabava de chegar para ler a sorte. Will a arrastou diligentemente até a porta, comendo um pé de frango.
- Quando foi a última vez que viu meu marido? - perguntou em um sussurro.
- Vi-o na passagem oculta faz meia hora. Parecia estar deixando a torre.
Ela olhou de novo a multidão de convidados disfarçados fazendo fila para ler sua sorte.
- Não é preciso que suba comigo as escadas. Vou esperar em meu quarto até que Sebastien volte. Sir Perceval parecia como se ele pudesse necessitar seu protetor, entretanto.
- Sebastien me pediu que velasse por sua segurança. - O que ele fez, parecendo vacilante quando ela o despediu na porta de seu quarto. - Feche com chave atrás de mim.
- Obrigado, Will. - Ela hesitou. Ele sempre parecia ser uma alma perdida. - Nunca poderia ter feito o que... bom, o ano passado teria sido monótono sem sua ajuda. Talvez já o adivinhou, mas a duquesa tem previsto uma recompensa por seus serviços.
Ele assentiu com a cabeça tristemente.
- É uma pena que tudo tenha que terminar. E, Eleanor, sinto se não fui o mais eficiente dos sócios. Às vezes me deixo levar. Você realmente nunca me necessitou.
- Acredito que, bom, eu sempre necessitei de você. Boa noite.
Ela fechou a porta, escutando seus passos que se afastavam. Ele sempre tinha sido tão sensível, um filho único que desde que ela recordava sempre tinha desfrutado usando fantasias, organizando jogos, inventando personagens para oferecer a seus amigos.
Ela se voltou.
O quarto parecia escuro e sombrio sem Sebastien. Um vento úmido penetrava pelas persianas.
Acendeu o abajur mágico e colocou a pellida[11] quente que Maria tinha insistido que levasse.
O casaco de Sebastien, que ele usara na praia, não estava. Sua capa estava ainda molhada. Esfregou as mãos, perguntando-se por que tinha desaparecido tão misteriosamente. Se aquele não identificado artífice pecaminoso o tinha atraído de novo, estaria desgostosa porque ele não o havia dito ao menos.
Aninhou-se na poltrona onde estivera seu casaco. Sabia que podia cuidar de si mesma, e não tinha vontade de passear pelos corredores do castelo nem pela casa açoitada pelo vento em busca dele.
É claro, se ele não retornasse em um prazo razoável, pediria ao Will e a um lacaio ou dois que a ajudassem a encontrá-lo.
Uma cãibra aguda na boca do estômago a distraiu. Demônios. De todos os momentos para que viesse seu período. Teria que trocar-se, ou melhor ainda, ir para cama com um livro e com seu marido ausente para lhe esfregar as costas.
Moveu sobre seu lado esquerdo, deslizando as mãos por debaixo do calor do casaco. A luz piscava. Pôs a mão distraidamente sobre seu ventre. E este mal-estar habitual dela, ou era algo diferente? Seu último fluxo tinha sido há quatro... ou cinco semanas?
Levantou a vista para o abajur, com medo de sentir-se esperançosa. Cinco semanas. Talvez inclusive mais. Alisou o casaco sobre seu corpo. Sentiu algum objeto esquecido no bolso, não, era algo que costurara à ligeira no forro de cetim. Descosturou os poucos pontos.
Era outra carta. Pensou que a escrita era familiar. Inclinou-se para a luz, rindo ao compreender. Uma mensagem de sua querida Mary, escrito no próprio papel tamanho fólio de Eleanor. Imediatamente reconheceu a caligrafia deficiente das solicitudes de compras que Eleanor tinha ditado a ela durante o chá. Sem dúvida, Mary queria lhe recordar que tomar aquela asquerosidade cordialmente.
Como poderia ela zangar- se quando sua criada só tinha as melhores intenções?
Mas todas estas manchas de tinta corrida não eram o estilo ordenado de sua criada. Poderiam ter sido as lágrimas?
“Senhora, sei que nunca me vai perdoar. Mas espero que uma mulher que perdeu um filho entenda o que outra faria para salvar ao seu. Traí a você e à duquesa. Não sabia que seus preciosos filhos estivessem em risco. Só queria fazer umas quantas libras. Deus me perdoe, mas vendi informação pessoal a respeito de você e sua graça às pessoas que agora me dou conta querem fazer mal à duquesa e a sua família. E agora você e sua senhoria podem estar em perigo.”
Ela amaldiçoou. O resto da carta estava borrada, ilegível.
Um toque na porta a sobressaltou. Engoliu o mau gosto na parte posterior de sua garganta.
- Quem é?
- Will de novo.
- Este não é um momento conveniente.
- Não posso escutar com claridade. Deixe-me entrar.
- Por quê?
- Porque não se supõe que vá. E às vezes me assusta Sebastien. Acredito que ele antes me atiraria de um penhasco que reconhecer que somos primos por afinidade.
-Me escute, Will. Procure Sebastien. Encontre-o.
- O que?
- Há perigo. Explicarei-lhe isso depois. Traga-o aqui, por favor.
- Muito bem. Perigo, diz. OH, Deus! Não deixe o quarto.
Mary, em quem tinha confiado e quem tinham confiado nela. Mary, que conhecia cada segredo que sua senhora guardava a criada fiel que tinha chorado quando Eleanor abortou, a que se sentou junto a sua cama sem dormir nem queixar-se.
Voltou a dobrar o papel, levantando-se da cadeira. O aposento se tornou tão frio que sentia a pele elevar-se por seus braços.
Eleanor. Eleanor Antigone sustente por si mesma, moça. Não tinha pensado em seu pai durante anos. Emocionada, ouviu-o declarar com sua pragmática voz. Fizemos todo o possível para salvar sua mãe. Ela tinha uma constituição débil. Talvez fosse muito pura para este mundo. Necessitamos-nos um ao outro agora, Eleanor.
Este mundo impuro. Ratos e gatos, duquesas e duques. Quem quereria trazer um menino a toda esta maldade? Quem chamaria a sua filha Antigone? Ela escavou dentro do baú de viagem, pressionando um dedo torpe sobre o fecho do compartimento oculto.
As cartas que poderiam mudar o destino da Inglaterra. Teria que romper sua promessa à duquesa. Poderia Will, também, ser parte da trama? Impossível. Com que fim ia desempenhar ele um papel? Para ganhar confiança da duquesa, o conhecimento do paradeiro de sua família? Pela fama? Não Will.
Mas ele era um ator. Um que tinha jurado deixar sua marca na história.
Leu a carta que Sebastien acabava de roubar. Continha muitas referências a resolver uma velha disputa, uma promessa de vingança que seria tratada no seu devido tempo.
Uma mulher despeitada que procurava castigar à duquesa. Um político descontente com uma longa vingança que ardia sem chama contra o duque. Ambição frustrada, desejo trancado.
Não era um jogo, depois de tudo.
Wellington entendia os riscos. Assim como sua esposa, que desprezava as funções sociais derivadas dos mais primitivos motivos segundo seu crítico entendimento.
Os filhos da duquesa. Que melhor vingança havia para um rival que atacar a outra mulher através dos filhos que tinha tido com o homem que ambas tinham amado?
A luz do abajur ardia baixa. Olhou pelo aposento, perguntando-se vagamente quanto tempo duraria a miserável tormenta até que se deu conta de que não foi um trovão o que ouviu.
Era Sebastien exigindo entrar no quarto. Graças a Deus. Jogar a intriga tinha sido maravilhoso enquanto durou, justo até este momento. Voou desde sua cadeira para lhe abrir.
- Abre a porta, Eleanor - disse em voz baixa. - Will disse que algo estava mau.
Ela expulsou seu fôlego e levantou o pesado ferrolho. Seus músculos se estremeceram de alívio quando o viu.
- Onde esteve?
- Na ponte levadiça com meu irmão Gabriel - tirou o turbante, olhando para o baú no chão - Estou voltando para Londres. Vai prometer-me não...
- Tinha razão. Há um complô.
- Bellisant - lhe disse sem olhá-la. - Onde estão minhas botas? E onde diabos está Will? Supunha-se que ele me seguiria até aqui. Meu irmão vai comigo.
- Acalme-se, Sebastien. Não é Bellisant.
Ele colocou seus pés nas botas que lhe levou até a cadeira, com os olhos brilhantes, a boca branca nos cantos.
- Não defenda um traidor em minha cara - replicou. - Não tenho paciência para os artistas bonitos e as damas que os adoram.
- Eu tampouco. Ele é um homem talentoso.
- Eleanor, advirto-lhe...
Ela cruzou os braços sobre seu peito, tendo ainda a carta de Mary na mão.
- São os ciúmes que o acusam, ou a lógica? - perguntou-lhe friamente, apesar de uma ínfima dúvida arder em seu interior.
Dirigiu-lhe um olhar desgostoso.
- É o desejo que sai em sua defesa, ou a verdade?
- A verdade. - Ela sacudiu a cabeça. - Não acredito que ninguém, exceto Sir Perceval, poderia ter predito isto.
- Foi enganada - lhe disse sem inflexão. - por que acha que Bellisant queria que a duquesa ficasse em Londres?
- Ele não tem engenho para tal conspiração.
Ele ficou em pé, impassível, inquebrável, um deus da vingança, até que lhe estendeu a carta que não podia suportar voltar a ver.
- Não é Bellisant - disse outra vez, com voz trêmula. - É Mary. OH, Sebastien, fui enganada.
Ele desceu o olhar, piscando, seu lorde implacável.
- Como sabe?
Ela engoliu a saliva.
- Ela escreveu uma confissão. Traiu-me por dinheiro para dá-lo a seu filho. Eu confiava nela implicitamente, e vendeu a informação que será utilizada...
-… para assassinar o duque ou sequestrar à duquesa - concluiu ele lentamente.
Ela se afastou. Seus olhos se encontraram com mútuo respeito.
- Não. Nenhum deles. Os pequenos Arthur e Charles. Não sei se vão pedir um resgate, ou algo pior.
Tomou a carta dela, sacudindo a cabeça enquanto a lia.
- E está convencida de que Bellisant não está envolvido? - perguntou-lhe seriamente. - Pense. É uma visita íntima em sua casa, assim como na nossa.
- Poderia ser também ele mesmo um menino. Se estou equivocada, então não entendo a natureza humana.
Ele deslizou a mão por seu braço. Nunca se havia sentido mais perto dele que neste momento.
- Mas entende por que suspeito dele? - ele perguntou em voz baixa.
- Sim.
- Não terei piedade se ele estiver envolvido.
- Não deveria - disse. - Eles são crianças. Não deixe que algo lhes aconteça.
Ele assentiu laconicamente.
-Meu irmão e eu estamos montando diretamente a Londres. Não pergunte se pode vir.
- Não iria mesmo se insistisse - respondeu, lhe dando um sorriso relutante.
Ele a estudou com preocupação.
- Por favor me diga que não me oculta uma enfermidade. Ou se trata ao fim de um bom senso comum.
Ela mordeu o lábio.
- Nada disso, milorde. Seu filho está fazendo notar sua presença de uma maneira bastante incômoda. Tanto como os amo a você como à duquesa, não há nenhum poder sobre a terra que me convença de me arriscar a uma viagem apressada.
Ele ficou imóvel. Ela se perguntava se entendera o que havia dito até que se afastou dela e um sorriso de vulnerável felicidade estalou em seu rosto.
- Uma menina ou um menino?
Ela pôs-se a rir.
- Não sei. Pergunte a Sir Perceval.
Ele abaixou a cabeça.
- Agora não quero deixá-la.
- Só volte logo. - Apertou-lhe as mãos. - Volte.
Ele assentiu com a cabeça, afastando-se dela com determinação.
Ela se aproximou para lhe sacudir as gotas de chuva que brilhavam como lágrimas nas costas de sua jaqueta.
Fingiu não dar-se conta quando ele dissimuladamente colocou duas pistolas no cinturão junto com sua adaga. Não era o cavalheiro de Londres que tinha aparecido antes, mas um oficial e um agente que não deixaria que nada interferisse com seu dever. Seguiu-o até a porta, com o coração espremido pela preocupação.
Ele se deteve.
- Cuide-se, Eleanor.
- Só se voltar logo. Vou colocar-me em confusões se não estiver de volta para me manter ocupada.
Mas ela sabia agora que a única coisa que poderia separá-los desta vez era o impensável. Ele ajudaria a apanhar aos conspiradores, perseguiria-os através do canal se fosse necessário. Não tinha outra opção.
Um nó de emoção estreitou sua garganta quando ele calçou um par de luvas de couro, franzindo o cenho ante seus pensamentos.
- Não há ninguém de confiança na casa de Sussex. Os criados estarão angustiados pelo que Mary fez. Talvez peça a Heath que envie um de meus primos para buscá-la.
- Will poderia me levar a casa de sua mãe em Dover - lhe disse com decisão. - Ficaria ali até que volte. Não está longe. O caminho é decente, e nem seu filho nem eu deveríamos viajar demasiado.
- Amo-a - disse, beijando-a rapidamente antes de abrir a porta. - Aos dois.
Ela ficou em seus aposentos durante só uns poucos minutos. Esperar por sua volta era insuportável. Estava quase contente de estar de repente em meio de um frívolo baile de máscaras afastando de sua mente o que poderia acontecer, embora receasse que se uma mão mais puxasse seus véus, ela estrangularia ao autor no ato.
E onde se colocara Will? Sabia que se estavam gerando problemas. Não era próprio dele não envolver-se. Foi a algum lugar fora do castelo para entreter-se em uma festa privada? Ela pusera um olho sobre ele quando se deu conta de que Sir Perceval lhe estava assinalando um dos corredores da grande sala. Levantou-se da mesa onde participava da conversa com pouco entusiasmo. Cruzou a sala e saiu ao corredor para descobrir Sir Perceval muito agitado. Indicou-lhe com gestos dissimulados que o seguisse.
- O que acontece? - ela sussurrou, suspeitando muito que ele tenha feito muitas predições falsas, e agora estivesse pagando o preço. Como o mascarado, ela sabia muito bem que um homem que não estava à altura de seu nome podia ter grandes problemas com as damas.
- Não posso achar seu primo - ele disse com preocupação.
- Tampouco eu - disse ela lentamente, sua apreensão aumentando. Will não era o tipo de pessoa que desaparecesse sem deixar rastro. - Onde o viu pela última vez?
Fez um gesto vago.
- Na câmara de tortura, milady.
Passou junto a ele para o corredor iluminado por tochas. Lady Eaton iluminara a escada de pedra que conduzia às masmorras com spots de prata em forma de caveira. Um toque macabro, ela pensou.
- Por que iria Will à câmara de tortura? - ela se perguntou em voz alta, sua atenção paralisada pela sombra que havia notado na parede.
Não era a dela. Tampouco pertencia a Sir Percival.
Era, entretanto, uma que conhecia muito bem. No perplexo silêncio ela levantou o olhar para o homem que estava no nicho embutido junto às escadas da prisão. Sua mão vestida com uma manopla estava levantada em um gesto furtivo. Ela sentiu onda de antecipação erguendo-se das plantas de seus pés.
- Poderia ter ido se preparar para o entretenimento desta noite - disse Sir Perceval atrás dela.
- Não acredito - lhe respondeu, virando-se lentamente para confrontá-lo.
Ele sacudiu sua grisalha cabeça.
- Lady Boscastle - disse com voz condescendente enquanto tirava uma pistola de faísca das profundidades de sua túnica azul. - Sinto-me adulado de que você e a tola duquesa alguma vez me acreditassem. Por favor, continue pelas escadas para unir-se a seu primo.
Ela engoliu uma onda de fúria.
- Eu pessoalmente o fatiarei para alimentar os corvos, se tiver ferido Will.
Ele se afastou ligeiramente ante a ameaça pouco elegante, mas sua reação não foi tão satisfatória como o pânico que mostrou seu rosto quando ouviu que Sebastien falava sobre seu ombro.
- Eu não desafiaria o talento dela, Sir Perceval. Verá, fui testemunha de sua destreza com o bisturi. A dama tem nervos de aço. Muito impressionante.
- Querido Sebastien - ela murmurou. - Que lindo o que diz. Estou comovida!
- Então, saia de meu caminho, meu amor.
- Pelo amor de Deus - disse Sir Perceval com desprezo. - Ela é só uma mulher.
- Isso é o que você pensa ! - disse Sebastien com um sorriso.
Ela desceu um degrau, suas palpitações se aceleraram quando Sebastien empurrou Sir Perceval contra a parede com a ponta da adaga.
- Ela não se altera ao ver sangue, um traço que me parece extremamente atraente.
Ela levantou a vista a seu rosto duro. Sustentou-lhe o olhar em uma feroz intimidade que provocou seu coração palpitar de novo. Esboçou-lhe um sorriso.
- Nunca me disse isso - disse ela.
- Não acredito ter apreciado suas únicas habilidades o suficiente - respondeu-lhe.
E antes que ela pudesse responder, ele se voltou rapidamente e pegou Sir Perceval pelo pulso. A pistola bateu ruidosamente as escadas entrando na escuridão.
- Will está se recuperando de uma comoção no quarto de Lorde Eaton - disse-lhe sem olhá-la. - É possível que deseje visitá-lo. Eu prefiro que me deixe tratar com o traidor.
Ela tinha melhor senso que ficar discutindo.
- O que quiser.
- Cobrarei essa promessa mais tarde.
- E será muito tarde - disse Sir Perceval, logo, ficou em silêncio quando a ponta da adaga lhe tocou a garganta.
- Por favor vá, Eleanor - disse Sebastien em uma voz de serena autoridade que lhe arrepiou a pele.
Ela subiu um passo a seu redor, depois hesitou.
- A quem deveria enviá-lo?
Ele fez um gesto com a cabeça na direção do corredor. Eleanor olhou para cima surpreendida. Quanto tempo fazia que o bonito homem de cabelo negro estava ali? O que havia em seu perfil cinzelado que a compelia e se sentia desconcertantemente familiar?
Não reconheceu este homem e, entretanto o fez. O estranho de cabelo negro se adiantou e se inclinou seus olhos azuis avaliando-a com oculta diversão. Por um alarmante instante pensou que poderia estar sofrendo uma falsa ilusão. Sebastien tinha um gêmeo malvado?
-Meu irmão Gabriel - disse Sebastien, descendo com Sir Perceval os degraus restantes. - Verá acima.
- A semelhança é ...
- Lamentável. - Gabriel se endireitou com um sorriso encantador. - Tenho que viajar com Sebastien de volta a Londres. Agora que a conheci, entendo por que resiste a partir.
Ela pôs-se a rir, dando as boas vindas ao alívio. Não podia decidir se esse par era mais parecido aos demônios ou aos anjos vingadores. Mas este cafajeste encantador seria o tio de seu filho. De repente se deu conta de que uma família numerosa se abatia em seu futuro. Os Boscastles governavam Londres.
Sir Perceval fez um grunhido indignado de objeção quando Sebastien lhe deu uma cotovelada para que descesse pelas escadas mais rápido. Pouco depois, o ruído de uma porta de ferro ecoou através das câmaras subterrâneas. Ela lançou uma olhada ao duro e formoso rosto de seu marido. Seu sorriso lhe devolveu o espírito.
Perdoaria-o por interferir em seu trabalho. E tinha plena confiança em que lhe ia pedir desculpas por chamar à missão da duquesa um assunto de "xícaras de chá".
Ela não ia presumir, entretanto. Sebastien tinha ganho seu mais profundo respeito por usar sua mente tortuosa em reunir o que ela não se dera conta ainda que fosse um enigma.
O gato e o camundongo que a tinham assediado, tinham trabalhado bem juntos. Era quase uma lástima que se retirasse do serviço para dedicar-se a seguinte geração.
Bom, assim era como devia ser.
Portanto, fechando este capítulo de sua vida, tomou o braço de Sir Gabriel Boscastle com gratidão e deixou Sebastien com os talvez escuros atos que poderiam ser necessários levar a cabo.
Em seu salão, a duquesa de Wellington tomava um ligeiro café da manhã de arenque defumado sobre torradas e se abatia sobre uma pilha de correspondências corriqueiras. Uma criatura da noite, Sir Nathan, aceitara estar cedo por lá para capturar as crianças com sua melhor luz.
Para Kitty isso significava exercer todos os métodos de suborno no arsenal de sua mãe para convencer a seus demônios de que se lavassem atrás de suas orelhas e que não sujassem suas camisas engomadas de linho irlandês. A babá tinha despertado as crianças ao amanhecer. Ela e a duquesa esperavam que estivessem logo o suficientemente cansados para sentar-se. Enquanto Kitty desfrutava da energia de seus filhos, entendeu a frustração de Sir Nathan. Como pode um destilar a energia infantil em um retrato que devia ser considerado em termos aduladores para a posteridade?
Olhou fixamente a janela para o jardim, onde Sir Nathan tinha pedido que as crianças posassem. Uma escolha estranha, refletiu, considerando o clima incerto de novembro.
Entretanto, seus olhos se empanaram com lágrimas enquanto ele dirigia as crianças à parede do jardim. Em uns anos seus filhos iriam a Eton. Não poderia suportar uma casa vazia. Adotaria mais crianças e seu marido poderia servir como embaixador na lua se o desejasse. Ele acharia outros entretenimentos para manter-se longe dos deveres familiares.
E ela devia ter suas lembranças, um retrato para lhe recordar estes anos preciosos.
- Sua graça - disse seu secretário Loveridge, mas ofegando da porta.
Suspirou, desejando poder passar uma hora sem interrupção. E, Deus, o que estavam fazendo as crianças com essa escada de corda na parede? Charles arruinaria outro par de calças de lã escalando. Por que Sir Nathan está parado ali respirando sua má conduta?
- Sua graça.
Voltou-se com impaciência ante o tom ansioso de Loveridge.
- O que se passa agora?
Ele se inclinou, sua peruca torcida, enquanto apresentou uma bandeja de prata com uma carta.
- Urgente.
O duque pensou o coração em sua garganta. Inclusive em um mundo em paz, seu marido andava entre inimigos. Bonapartistas ressentidos, loucos ocasionais, velhos adversários disfarçados como amigos. O preço da liderança. Deveria ter sido uma esposa de campo casada com um fazendeiro latifundiário.
- Não diga às crianças ainda - disse enquanto alcançava a carta.
- Não, sua graça - disse Loveridge com lágrimas em seus olhos.
Se as notícias eram terríveis, deixa-os ser imortalizados por Sir Nathan no último dia de inocência que jamais conhecerão.
Enquanto os dois irmãos Boscastle galopavam ao norte, para Londres, um ramal de mensageiros levava advertências a cada porto imaginável e alfândega na Inglaterra que pudessem ser empregados para escapar ou esconder-se. Empregados humildes e viúvas, assim como barqueiros e capitães leais ao grande duque, caíam de suas camas e passavam a alerta.
Sebastien galopava junto ao andaluz negro de Gabriel, impressionado pelas habilidades de seu irmão na sela. Dois cavalos descansados os esperavam em uma estalagem do Sevenoaks. Uma pinta de cerveja frouxa depois foram em meio galope pela grama escura, reuniram-se nas ruínas da abadia com quatro escoltas com casacas vermelhas. Outro destacamento se dirigiu para a estrada iluminada pela lua e o castelo de lorde Eaton. Sebastien se sentiu mais tranquilo sabendo que Eleanor estaria sob vigilância até que retornasse com ela.
Quando ele e Gabriel entraram em Londres, os sinos da igreja repicavam e as venezianas se abriram em um dia cinza e brumoso. Os limpadores de chaminés e leiteiras se empurravam entre carruagens, agradecidos de que a tormenta da noite anterior tivesse passado e pudessem levar a casa uns quantos centavos.
Um grupo secreto composto de antigos oficiais ingleses tinham sido chamados a caminho das reuniões do gabinete ou as cafeterias. Mais de um criado atara apressadamente um lenço ou deixado um queixo sem barbear enquanto seu amo recebia uma mensagem marcada como urgente.
A House Patrol revistava nos arredores da cidade, as cavalariças e o museu, pistolas e sabres usados debaixo de seus casacos azuis. Os vigilantes inspecionavam as ruas desde seus barracos, renunciando ao luxo habitual de sestas roubadas. Os guardas da estrada interrogavam os viajantes que despertavam suspeita. Os donos dos botequins e suas esposas estavam atentos aos clientes que pediam uma cama para duas crianças.
Uma cadeia de vigilância tinha sido formada não só pela elite, mas também pelos elos de ferro, cidadãos ingleses ordinários, alguns esperando por uma recompensa, outros simplesmente desejosos de proteger aos filhos do duque Wellington.
Sir Nathan Bellisant se perguntava, como o tinha feito em cada traço do retrato, por que se converteu em artista. Mas que outra coisa podia fazer um homem de sua natureza instável para ganhar a vida? Poderia ter sobrevivido como um empregado de banco? Como um comerciante de espécies? Como um granjeiro que cultiva de sol a sol? Não tinha dormido por dois dias. Este trabalho o atormentava. Entretanto, sabia que suas dúvidas diminuiriam depois se acaso tivesse descansado e produzido o esboço definitivo dos jovens que o evitavam.
Duvidava que passasse hoje. Tinha perdido sua concentração. Ou melhor dizendo sua concentração tinha seguido a Arthur e Charles em seu divertido jogo ao fundo do jardim. Olhou para cima à escada de corda que pendia sobre a parede.
- Como chegou lá encima? - perguntou, sua própria imaginação infantil despertada.
Charles deu de ombros.
- Acaba de aparecer. Podemos escalar?
Arthur, o herdeiro do duque, puxou seu irmão pela manga de sua jaqueta.
- É uma armadilha. Vêm nos buscar. Se prepare para brigar, homem.
Nathan estreitou seus olhos.
- Com quem lutamos? Somos superados em número?
Arthur se voltou para avaliá-lo com um olhar muito mais avançado para seus oito anos. Nathan poderia ter chorado. Ali estava a imagem que precisava capturar. A arrogância velada, a inteligência, a sede pela aventura, todo impresso nos traços imaturos de Arthur.
Mas de repente, enquanto girava ao cavalete, o jardim estava cheio de guardas do regimento inglês. Os guardas de casacas vermelhas se aproximaram das duas crianças que estavam paradas com terrifica felicidade na parede.
A duquesa saiu correndo ao jardim, seu rosto tão branco como a cinza. Inconfidente, Nathan olhava, bom, que diabos estava olhando? Um desfile do regimento da casa para o parque? Uma celebração política que ninguém tinha pensado mencionar?
Um grito vitorioso soou pelo ar.
- Salvou-nos, Boscastle! - declarou Charles gritando, sobre os ombros do guarda.
- Estávamos perdidos até que trouxe os reforços!
Nathan virou devagar, movendo a cabeça em rendição abjeta. Olhou fixamente à figura escura que avançava para ele com um par de pistolas levantadas. Não fez movimento para defender-se. Não tinha sonhado que um homem poderia ser detido por estar encaprichado com a esposa de outro homem.
Boscastle claramente queria sangue. Nathan ia morrer justo como seu pai.
- Rendo-me - disse, levantando suas mãos manchadas com carvão no ar. - Atire em mim agora. A propósito sou inocente. Não é que importe. E não necessitava um batalhão para me prender. Minhas pinturas são dificilmente uma ameaça para a segurança da casa.
- Entre na casa - disse Sebastien, dando um passo ao redor dos esboços que os guardas tinham pisoteado na erva. - E por seu próprio amparo não saia novamente até que lhe digam isso.
- Está dizendo que não vai atirar em mim?
- Não agora.
- Bom, graças a Deus, mas importaria-se de não pisotear novamente os esboços?
Os espiões do governo capturaram o resto dos conspiradores que tinham planejado sequestrar os filhos do duque nesse mesmo dia. Dois esperavam levar as crianças em uma elegante carruagem na esquina do Hyde Park, acompanhados por uma mulher atraente que se fazia passar por uma preceptora. Mais tarde confessou que seu nome era Viola Hutchinson e que apaixonara-se por Wellington anos atrás. Outros três membros da conspiração se renderam no cais. Quatro foram presos por guardas do regimento inglês fora de Apsley House.
Envergonhada por sua parte involuntária na conspiração, Mary Sturges cumpriu com os calados agentes da coroa que foram à casa da cidade para interrogá-la. Admitiu que os conspiradores tinham se aproximado primeiro no mercado e depois lhe tinham comprado a informação. Só recentemente se inteirara de que Sir Perceval era parte da conspiração, e que foi ele quem a tinha ameaçado e explicado a gravidade do que se levaria a cabo. Pôs-se a chorar quando Sebastien chegou, e lhe rogou que a perdoasse. Jurou que amava a sua senhora, e não, a beberagem não tinha sido envenenada.
O mascarado do Mayfair não foi mencionado.
Lorde Barry Summers, o instigador do sequestro frustrado, foi detido em uma estalagem perto do Falmouth essa tarde. Poderia ter escapado para a França se uma ardilosa moça do serviço não tivesse escutado por acaso recordando a sua esposa que queimasse seus documentos.
A moça passou a informação a uns bonitos oficiais de patrulha que estavam abaixo na taverna.
Na aldeia a aclamaram como uma heroína. Os brindes foram por conta da casa.
Na hora de deitar a duquesa tinha tomado uma taça ou duas e tinha restaurado a rotina consoladora de sua casa. Às crianças lhes tinha permitido uma hora extra de jogo antes de retirar-se, e duas porções de pudim de nata de amêndoas para a sobremesa. Afirmaram que tinha sido o melhor dia de suas vidas.
Sebastien dormiu na casa da cidade de seu primo Heath antes de sair só na escuridão antes do amanhecer do dia seguinte. Heath tinha suas mãos cheias com o Ministério do Interior. Gabriel galopou de retorno a sua esposa.
Sebastien encontrou Eleanor ansiosa mas segura no castelo de Eaton sob o cuidado de Lorde Devon Boscastle e sua esposa Jocelyn. A maior parte dos convidados partiram.
Depois de lhes informar do sequestro fracassado, as damas e os cavalheiros que tinham permanecido na festa se acharam de repente impaciente de voltar para casa e passar tempo com seus próprios filhos.
Sebastien cruzou o grande vestíbulo do castelo para o banco onde Eleanor estava sentada, participando de uma animada conversa com o mais jovem de seus primos Boscastle, Lorde Devon, e sua esposa. O coração lhe acelerou quando Eleanor levantou o olhar e o viu. A capa e as botas tinham abundantes mancha de barro. Não se tinha barbeado embora se lavara com a água fria da chuva antes de entrar na torre.
Ela se levantou lentamente, seu sorriso era tanto um bálsamo como um incentivo. Numerosos criados revoavam no vestíbulo, atendendo o fogo, oferecendo bebidas.
Teria preferido que estivessem a sós, mas a falta de privacidade não o deteve de estreitá-la entre seus braços. Não se negaria um longo e apaixonado beijo. Abraçou-a fortemente pela cintura.
Precisava sustentá-la, tranquilizar-se de que estava segura enquanto partira. E que esta vez nada tinha ocorrido a seu filho.
Seu sorriso lhe disse o suficiente.
Beijou-a de novo por convertê-lo em pai. Não podia reparar o da última vez. Mas estaria com ela através disto.
- Há pessoas nos olhando - lhe sussurrou sem fôlego com felicidade contra sua boca.
Seus olhos tinham um brilho de lobo.
- Notei-o. E não me importa. Sabe que bem se sente?
Ela deslizou a mão dentro de seu casaco, explorando com as pontas dos dedos seu peito e os músculos dos flancos.
- Sem feridas? - Perguntou-lhe em voz baixa.
- Com os músculos doloridos depois de uma dura cavalgada. - Capturou-lhe o rosto entre as mãos. - Nada que um banho e uns dias na cama não arrumem.
Ela curvou a boca em um sorriso de cumplicidade.
- Como filha de um médico, acredito que é um magnífico conselho.
Uma tosse significativa se misturou em seu encontro. Sebastien se deu conta de repente de que nem sequer tinha agradecido a seu primo mais jovem, Devon, por ter saído a toda pressa ao resgate. Sorriu zombeteiramente para o alto e desajeitado Boscastle, que estava detrás de Eleanor, com olhos diabolicamente azuis e amistosos.
Devon era um menino bagunceiro na última vez que se tinham visto. O primo travesso. Parecia igualmente cheio de travessuras agora. Sebastien lhe segurou o braço. Alegrava-se de que Devon não tivesse mudado.
- Como posso lhe pagar?
- Se o tentar me insultará - Devon o olhou fixamente com respeito- Escutei que seus esforços tiveram êxito. Malditamente bem feito.
Ali seguiram o comum ritual masculino do tapinha no ombro e outra ronda de agradecimentos até que a esposa de Devon, Jocelyn, levantou-se do banco para unir-se a eles. Usava um vestido de lã de cor ameixa, e um cabelo dourado escuro penteado em um coque com joias na nuca. Depois de apresentá-la a Sebastien, levou Eleanor a um lado.
- Pelo que entendo a família Boscastle não viu seu marido durante anos.
Eleanor sorriu com nostalgia enquanto os homens foram para a mesa para continuar sua conversa.
- Até recentemente, eu tampouco.
As duas mulheres pararam para observar como seus maridos bebiam cidra e ficavam em dia sobre as notícias da família. Os criados trouxeram bandejas de pão fresco e dois perus assados. Lorde Eaton, sua esposa e suas duas irmãs mais velhas apareceram para comer. Eleanor e Jocelyn logo se uniram a eles. O apetite de Eleanor tinha aumentado enormemente nos últimos dois dias.
Um ar de festividade animava a noite fresca. O bem tinha triunfado sobre o mal. Aquele vilão do Sir Perceval, que tinha sido o eixo do complô, sentara-se na mesma mesa. Agora o herói do momento, Sebastien Boscastle, sentava-se entre eles, desviando louvores cheios sobre ele com modestos encolhimentos de ombros. A maior parte da missão verdadeiramente perigosa se cumprira em segredo. Assim olhou fixamente a sua esposa grávida e esperou que o assunto mudasse lamentando-o quando aconteceu por ela. Ou melhor, por sua identidade secreta.
- Eu sou da ideia de não voltar para Londres absolutamente, depois de tudo isto - comentou uma das irmãs de Lorde Eaton.
Lorde Eaton franziu o cenho, enquanto coçava a barba.
- Ninguém vai sequestrá-la, Prudence.
- Bom, e o que se passa com o mascarado?
A irmã com óculos grunhiu.
- Vai atrás da beleza. E nunca feriu a ninguém.
- Se despertasse e o visse parado aos pés da cama com o rosto cheio de cicatrizes, acredito que meu coração pararia, embora se me suplicasse compreensão...
- Não acredito que ninguém entenda a esse pobre monstro - Murmurou Jocelyn.
- E você o faz? -respondeu-lhe Devon, rindo com diversão.
Ela baixou o bolo de creme.
- Simplesmente eu gostaria da oportunidade de estar a sós com ele durante um breve tempo.
Ele franziu o cenho ante aquilo.
- Para que?
- Só para lhe explicar que a beleza não conta para tudo. E se tirar a máscara e revelar sua aparência real, achará a alguém que o ame apesar dos defeitos.
Devon fez um ruído grosseiro com a garganta.
- A menos que realmente seja um monstro no fundo, e então o que faria?
- Esperaria domesticá-lo - disse Jocelyn com um sorriso desafiante. -Além disso, você levava uma máscara quando me apaixonei por você.
- Bom, não me considero domesticado.
Ela riu.
- Então tenho feito um grande trabalho.
Olhou para Eleanor.
- O que faria se o mascarado aparecesse em seu quarto uma noite?
- Ofereceria-lhe consolo - respondeu com astúcia.
- Consolo? - Devon passou o olhar dela a sua esposa, como se tivessem moinhos de vento na cabeça. - Eu atiraria no descarado nas bolas.
Jocelyn sorriu.
- Ninguém atirou em você quando era o Bandido beijoqueiro.
- Mas isso era uma brincadeira, não?
- Talvez o mascarado o esteve fazendo todo o tempo - disse Jocelyn, sorrindo pensativamente. -De algum jeito suspeito que o estranho tipo não era quem pretendia ser.
Sebastien pegou uma cidra. Eleanor inclinou a cabeça, esperando que o brilho culpado de seus olhos não a delatasse. Sentiu-se como se pudesse confiar aos Boscastles o segredo.
Mas ainda não. Por agora o mascarado e seus motivos continuariam sendo um mistério.
A maioria concordou que a temporada terminara com intrigas suficientes para ajudá-los a passar o tempo até o próximo ano. O plano de sequestro falhara e o divertido mascarado tinha desaparecido nas névoas do outono, e enquanto ninguém sabia que escândalos se forjariam durante o inverno, cada um esperava que o entretido patife voltasse. Um artigo no Time afirmou que uma vez desmascarado era possível que perdesse seu ímpeto.
A que Sebastien murmurou:
- E o tempo também.
Sinceramente Eleanor duvidava que o desafortunado companheiro aparecesse de novo com sua anterior identidade.
Ela mal entrava em seus cômodos vestidos. E odiava admiti-lo, mas os dinâmicos trajes que ocultava no fundo de seu guarda-roupa não seriam utilizados de novo, absolutamente. À velocidade que suas modestas curvas se ampliavam, dentro de pouco não poderia passar pelas portas.
Seu guarda-roupa de inverno devia chegar qualquer dia. Esperava que Madame Sucedi desenhasse seus vestidos pensando na comodidade, assim como em seu pedido de que fossem românticos. E as costuras se pudessem alterar para acomodar sua figura de grávida. Por agora, sofreria por seu aspecto e não ataria seu espartilho até o final.
Ainda assim, na primeira noite de dezembro, ela e Sebastien tinham jantado em família no lar de Kent do Marquês e a Marquesa de Sedgecroft. Sebastien tinha contado a ela novamente sobre a advertência que Heat lhe fez sobre os Boscastles de Londres que poderiam afligir com seu carisma às pessoas mais reservadas. Com este conselho, uma mulher não tão recatada como aparentava, Eleanor atravessou as portas adornadas com escudos mantendo a guarda alta e sem apetite.
Dois dias mais tarde, muito mais fortalecida graças aos presentes culinários de três cozinheiros franceses e a cálida acolhida da família, caminhou pelas escadas da modesta casa de campo de seu marido no condado de Sussex.
- Bem - disse Sebastien, afrouxando seu lenço em seu mofado e pouco arejado quarto. - Este foi meu lado da família - Jogou uma olhada ao inchado ventre que apenas se via sob a capa de Eleanor. Acariciava-o uma dúzia de vezes ao dia-. Já veremos o que o destino produz mais tarde.
Ela suspirou tristemente. A casa parecia tão vazia e fria.
- Sempre pensei que Mary estaria aqui para meu parto. O que lhe terá acontecido?
Ele tomou suas mãos, beijando seus finos dedos.
- Nada mau, prometo. Ela a traiu pessoalmente. Não sabia nada da conspiração. Sua consciência, acredito adivinhar, será suficiente castigo. Além disso Heath pediu indulgência para ela.
Eleanor levantou sua cabeça enquanto ele se ajoelhava para lhe tirar seus sapatos.
- A duquesa me escreveu para me informar que lhe concederam o título de visconde.
Com certeza sabia. Por que não o anunciou no jantar de ontem à noite?
Seus primos teriam celebrado o acontecimento.
- Pensava que os títulos não a impressionavam.
- Isso era antes de compreender que um menino mudaria tudo.
- Crescendo com três irmãos, penso que é uma subestimação - Ele colocou cuidadosamente seus sapatos sob a cama. Ela pensou de novo quão bem eles se complementavam um ao outro. -Que mais a impressiona? - Perguntou-lhe.
Ela caminhou até as janelas enquanto ele pendurava seu casaco no guarda-roupa.
- Deixe-me pensar – respondeu. - Os maridos que vêm ao resgate no último momento.
Suas botas Hessian golpearam o chão, ao ser alinhadas sob a escrivaninha.
- Excelente. Continue.
Eleanor franziu seus lábios enquanto ele tirava o colete e desabotoava e tirava a camisa.
- Os maridos que são apaixonados. E que penduram sua roupa.
Seu lenço se uniu ao resto de sua roupa.
- Sim. Pensei que deveria reafirmar meu lugar.
- Os maridos fiéis - disse com um sorriso.
-Tem de outro tipo? - Perguntou ele com voz aveludada.
Ela deu uma olhada ao redor.
Ele se colocou sem camisa ante ela, um barão perverso, que logo seria visconde, um cuja musculosa beleza lhe cortava a respiração.
- E, OH querida, o que fomos nós?
Seu olhar se moveu além dele, levantando-se de seus tentadores atributos para olhar o retrato da parede.
- Esse é o retrato que pintou Bellisant de mim - Exclamou ela. - Como terminou aqui?
-Fiz com que ele enviasse antes para lhe fazer uma surpresa - disse, apoiando seu braço contra a lareira para admirá-lo.
- Pensei que você não gostava de seu trabalho.
- O tema desta peça em particular me intriga. E me recorda uma promessa que tenho feito - Sorriu brevemente para a mulher da pintura que olhava fixamente através do quarto. E então caminhou para frente para prestar sua completa atenção a sua encarnação terrestre.
O pulso de Eleanor golpeava irregular.
-Uma nova promessa ou uma velha?
-Um pouco de ambas. Por um lado, prometi pôr minha família antes de qualquer outra coisa - Suas mãos rodearam sua cintura, arrastando-a contra ele-. Por outro, prometi à senhora desse retrato que recordarei que ela não é uma pessoa com a qual nada pode dar-se por sentado. Ou deixar de lado por um período de tempo pouco razoável.
Ela se virou em seus braços.
-Receio que então a inveje. Parece que se apaixonou pela ilusão de uma mulher que não existe.
Ele fechou os olhos.
- Se qualquer de nós usar outra máscara, deve ser só para confundir ao mundo, não a nós.
- Concordo - Ela sussurrou.
Sebastien colocou o polegar debaixo de seu queixo, lhe levantando o rosto para roubar o primeiro dos infinitos beijos da noite. Os tremores derreteram a coluna dorsal de Eleanor. Era como se o menino em seu interior lhe tivesse abrandado o corpo e a tivesse feito mais vulnerável, enquanto Sebastien se fizera mais forte.
Procurava a proximidade de seus braços em cada ocasião. Era certo que ficaram nas mãos do destino perdidos desde o dia de suas bodas. Certamente uma família em florações poria limites a suas perigosas buscas.
Três corações pulsando.
E a linha Boscastle, com toda sua paixão e infâmia, continuada.
[1] Lhe rogo isso, madame.
[2] Bela Amante. (N. da T.)
[3] Alta Sociedade. (N. da T.)
[4] Ana Bolena: rainha consorte da Inglaterra. É popularmente conhecida por ter sido decapitada sob acusação de adultério, incesto e traição. Está extensamente conhecida o ter sido inocente das acusações, e foi comemorada mais tarde como mártir na cultura Protestante inglesa. (N. da T.)
[5] Membro do Parlamento. (N. da T.)
[6] Antonin Carême: o cozinheiro dos reis e o rei dos cozinheiros. (N. da T.)
[7] No jargão do submundo na época vitoriana uma abadessa se referia a uma prostituta e um convento de monjas a um bordel. (N. da T.)
[8] Personagem interpretado como um criado sombrio e pouco confiável no teatro italiano. (N. da T.)
[9] Apodo histórico para o Rei George IV. (N. da T.)
[10] Pantomima: representação musical natalina baseada em contos de fadas. (N. da T.)
[11] Capa sem mangas que se ajusta à pele. (N. da T.)
Jillían Hunter
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