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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


UM TOQUE DE PAIXÃO / Anne Marie Winston
UM TOQUE DE PAIXÃO / Anne Marie Winston

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

UM TOQUE DE PAIXÃO

 

Lynne DeVane acabara de deixar no corredor mais algumas das caixas usadas na mudança quando ouviu um estrondo, seguido por diversas palavras criativas e vividas. Já conhecera muitas pessoas rudes, mas nunca ouvira aquela combinação específica de palavras.

Largou as caixas e saiu apressada para o corredor do adorável prédio de tijolos aparentes em Gettysburg, Pensilvânia, no qual acabara de alugar um apartamento. Havia caixas espalhadas por toda parte à volta de um homem — um homem grande — que estava se levantando e sacudindo a poeira de suas calças escuras. Havia um golden teriever perto do homem, cheirando-o, aparentando preocupação.

— Meu Deus, desculpe — começou Lynne.

— Não desculpo não. — O homem interrompeu-a no meio da frase, olhos azuis dirigidos para o seu cão, em vez de para ela. — O corredor não é depósito de lixo.

Lynne ficou tão estarrecida com a brusca resposta que nem soube o que dizer. E antes que as palavras certas lhe ocorressem, o homem tateou em busca do portal da porta aberta diretamente em frente à de Lynne.

— Feather, venha. — O homem não olhou para trás, mas Lynne ficou mais preocupada ao vê-lo atrapalhar-se por um segundo com a maçaneta.

— Ei, espere! Está se sentindo bem? Bateu a cabeça?

Muito devagar, ele se virou para encará-la enquanto o cachorro entrava no apartamento.

— Não, eu não bati a cabeça. Bati com a porcaria do meu joelho, e ralei a palma da mão e o cotovelo, mas não precisa se preocupar, porque não vou processá-la.

— Eu... O problema não é esse. — Ela estava desconcertada com a atitude agressiva daquele homem. — É que você pareceu tonto ou desorientado, e fiquei preocupada.

— Estou bem. — Agora a voz dele parecia levemente cansada. — Obrigado pela preocupação.

Enquanto o homem virava a maçaneta e dava um passo cauteloso, Lynne percebeu uma coisa: seu novo vizinho era cego. Ou, no mínimo, portador de uma séria deficiência visual.

O homem desapareceu no interior do apartamento è a porta se fechou com um clique alto.

Decerto essa não era a melhor maneira de começar um relacionamento com seu vizinho mais próximo. Pegou as caixas que causaram o problema e arrastou-as pela escada de serviço até os fundos do prédio, onde havia uma lixeira de reciclagem de papelão. Lynne jamais teria deixado caixas no corredor se soubesse que tinha um vizinho deficiente visual.

Apesar da vergonha que sentiu, Lynne notou que seu vizinho era muito bonito, com cabelos negros e cacheados, feições másculas e uma covinha funda no queixo quadrado. O cão ficara preocupado com ele, e Lynne considerou que talvez fosse um guia. Mas, se era, por que não o guiara? E por que o homem não estava com uma bengala? Bem, talvez ele não fosse cego, apenas desajeitado.

Mas não fazia diferença se o vizinho era cego ou não. Ela lhe devia desculpas.

Com biscoitos, decidiu. Poucos homens continuariam com raiva depois de provar os biscoitos amanteigados de sua avó, uma receita de família passada a Lynne no dia em que se formara no ensino médio. Ironicamente, as duas não sabiam que levaria quase dez anos até que Lynne pudesse voltar a comer biscoitos.

Ela subiu para se preparar para uma segunda viagem até a lixeira de reciclagem. Talvez seu vizinho saísse do apartamento, dando-lhe mais uma chance de pedir desculpas. Mas a porta em frente à sua estava fechada, e parecia propensa a permanecer assim.

Depois de descer pela quarta vez, Lynne fez uma pausa e pendurou o enorme espelho com moldura em mogno de sua avó acima do bufete da sala de jantar. Ao recuar para admirar o espelho, Lynne ficou surpresa com a estranha que apareceu no reflexo.

A pessoa que ela viu era uma mulher esbelta, com cabelos louros amarrados num coque. A mulher que ela subconscientemente esperara ver tinha cabelos ruivos cortados em camadas e era magra. Não apenas esbelta, mas muito, muito magra. E não estaria usando calças jeans desbotadas e camisa de malha, mas alguma coisa saída da coleção de outono de um estilista famoso.

Havia mais de um ano desde que Lynne desistira de sua bem-sucedida carreira de modelo. A hora escolhida fora um verdadeiro suicídio profissional. Mesmo se mudasse de idéia e quisesse voltar, havia fechado completamente todas as portas. Tomara a decisão logo depois de terminar sua primeira sessão de fotos para a Sports Illustrated. O único lugar para ir a partir daí teria sido para cima, mas ela optara por sair.

— Mas por quê?—perguntara frustrado seu agente, Edwin. — Querida, você é a modelo mais promissora desde Elle MacPherson. Você pode ficar muito famosa. — Ele desenhara um outdoor no ar. — A'Lynne. Apenas um único nome. O rosto da... Clinique, ou da Victoria's Secret, alguma coisa grande assim. Por que quer desistir?

— Não estou feliz, Ed — respondera.

Estava farta de voar de um fim do mundo para outro para ser fotografada nas águas frias de alguma praia. De passar o tempo todo vigiando o peso. De freqüentar festas por obrigação.

Quando um dos produtores da Sports Illustrated a fotografara e comentara criticamente: "Menina, você devia perder uns dois quilos", ela decidiu que aquilo passara dos limites. Já era magra demais para uma mulher de quase l,80m.

Ela nem tinha mais certeza de qual era a cor natural de seus cabelos. Como a maioria de suas colegas,Lynne usava um penteado e uma coloração de cabelo de acordo com sua imagem pública. Contudo, ao contrário de muitas modelos, não era bulímica, entupindo-se de comida para vomitar tudo em seguida. Era anoréxica? Se não fosse modelo, provavelmente não iria se sentir compelida a comer tão pouco. Mas estava determinada a descobrir.

— Você pode não ser feliz, mas é famosa — dissera Ed. — E muitíssimo bem paga. Quem precisa de felicidade quando é milionária?

Lynne sentiu um arrepio só de pensar que um dia poderia tornar-se tão cínica quanto Ed.

— Não quero mais viver assim. Eu não vou viver mais assim. Não vou aceitar mais trabalhos. Vou cumprir meus contratos e, então, parar.

— Mas o que você vai fazer da sua vida? — perguntara Ed, absolutamente perplexo. No mundo de Ed, as únicas coisas importantes eram fama e riqueza.

— Ser feliz — respondera simplesmente. — Ser uma pessoa comum, com preocupações e horários comuns. Comer o que bem entender. Fazer serviços voluntários, freqüentar a igreja. Ser uma pessoa importante por causa do bem que faz ao mundo, não porque as roupas mais estranhas do planeta caem bem em seu corpo.

Sim, definitivamente fechara todas as portas. Desistira do A que sua mãe acrescentara ao seu nome e passara a usar seu sobrenome verdadeiro em vez do nome de solteira da mãe. A'Lynne Frasier estava morta, mas Lynne DeVane estava viva e bem.

Voltara para a casa da mãe, na Virgínia, onde ganhara peso suficiente para não mais parecer uma recém chegada de um campo de concentração. Seus cabelos mais uma vez estavam compridos e lisos, embora fosse seu hábito usá-los quase sempre amarrados num coque. Sem maquiagem e com os cabelos em seu louro natural, até agora conseguira não ser reconhecida, evitando o assédio da imprensa.

Depois de um ano, decidira que para manter a sanidade teria de achar um lugar próprio para morar. Escolhera Gettysburg porque ficava a pouco mais de uma hora da casa de sua irmã.

Com sorte, enfiada numa cidadezinha nas montanhas da Pensilvânia, Lynne conseguiria permanecer despercebida.

Desceu com mais uma pilha de caixas de papelão, as quais amassou antes de depositar na lixeira. Talvez tivesse uma chance se não esbarrasse com nenhum leitor fanático da Sports Illustrated.

Depois da sétima viagem começou a ficar cansada. Assim, subiu os degraus da varanda para desfrutar de alguns minutos do ar puro de uma cidade pequena. Julgava-se em forma, mas as escadas pareciam mais longas a cada subida.

— Até parece que as caixas estão se multiplicando — resmungou enquanto tentava recuperar o fôlego.— Eu não sabia que tinha tanta tralha.

— Eu vou tropeçar de novo em você ou nas suas coisas?

Assustada ao ouvir a voz grave, Lynne girou nos calcanhares. Seu vizinho resmungão acabara de abrir a porta. Sua mão esquerda agora segurava o pegador de uma guia de couro, mas o cão na coleira não era o golden retriever que ela vira antes. Este era grande, preto e mais pesado. O homem segurava com firmeza o pegador de metal da guia. Tivera razão ao suspeitar que ele era cego. Lynne levantou-se, abrindo a boca para pedir desculpas de novo. E, então, notou que ele estava sorrindo. Só agora percebeu que seu tom não fora zangado, mas dotado de um humor sarcástico.

— Desculpe. Só estou tomando um pouco de ar. Essas escadas estão me deixando com vontade de adicionar mais alguns quilômetros à minha corrida matinal.

— Ainda bem que não é um arranha-céu — disse ele com uma risadinha.

— Não gosto nem de pensar. Mas, se fosse, haveria um elevador. — Respirou fundo. — Sinto muito pelas caixas. Você deve ter reparado que eu as tirei do caminho.

— Reparei. — Ele sorriu de novo, revelando dentes brancos e impecáveis.

Lynne ficou levemente chocada à sua reação instantânea àquele sorriso de bad boy. Ele a convidava a sorrir também, a dizer alguma piadinha. Era um sorriso que fazia daquele homem um dos mais sensuais que ela já conhecera. E contrastava imensamente com seu comportamento anterior.

—Também sinto muito—disse ele.—Não costumo ser tão rude e mal-humorado. E agora sei que não devo sair do apartamento sem meus olhos de confiança.

— Desculpas aceitas — disse ela. Lynne olhou para o cão. — Você tingiu seu cachorro para combinar com suas roupas, ou algo assim?

Ele levantou as sobrancelhas e riu. Inclinou a cabeça na direção do cachorro parado pacientemente ao seu lado.

— Este é Cedar, meu guia. O cachorro que estava comigo na hora do almoço era Feather, minha guia aposentada. Eu estava descendo para pegar minhas cartas.

— Pensava que o certo é usar uma bengala quando não estiver com seu cachorro. — Lynne não sabia qual era o protocolo para falar sobre a deficiência física de uma pessoa, mas como ele ja gritara com ela uma vez, o que poderia acontecer de pior?

Ele abriu um sorriso humilde.

— Bem, é muito trabalhoso botar a coleira em um cachorro. Em geral não faço isso para caminhadas curtas. Deveria levar minha bengala, mas as caixas de correio ficam bem no pé das escadas. Como posso me guiar pelo corrimão, costumo trapacear. — Estendeu a mão direita. — Brendan Reilly. É minha nova vizinha?

— Sou. — Apertou a mão de Brendan. — Lynne DeVane. É um prazer conhecê-lo. — Era realmente um prazer. A mão dele era grande e quente. Quando aqueles dedos fecharam-se com firmeza em torno dos de Lynne, ela chegou a sentir falta de ar. — Também é um prazer conhecer você, Cedar — apressou-se em acrescentar. Ele pareceu relutar antes de soltar a mão de Lynne.

— Já está terminando a mudança?

Ela fez que sim com a cabeça antes de lembrar que ele não podia vê-la.

— Sim. Já estou com tudo dentro de casa. E tenho só mais umas seis caixas para abrir.

— Só? — Ele balançou a cabeça, e ela ficou impressionada com a naturalidade do movimento. Ela podia apostar que ele não era cego de nascença.

— Mais algumas horas e terei acabado — garantiu Lynne. — Mal posso esperar!

— Se eu fosse um sujeito realmente bom, iria me oferecer para ajudá-la. — Ele sorriu de novo. — Infelizmente, não sou tão bonzinho assim. Preciso voltar ao trabalho.

— Você estava na sua hora do almoço? Ele fez que sim.

— Vim para casa soltar a Feather e lhe dar um pouco de atenção. Sou advogado. Trabalho em um escritório a alguns quarteirões daqui.

— Que bom que é tão perto.

— É conveniente, porque posso ir e voltar sem precisar que ninguém me leve de carro.

— Também gosto daqui — disse ela. — Estava procurando um lugar afastado da cidade e gostei daqui porque não é completamente rural.

— Que cidade?

— Nova York. Eu morava num apartamento em Manhattan.

— Ai! Esses lugares não são baratos.

— Parece que você já sentiu isso na pele.

— Fiz Direito na Columbia School of Law — disse com um aceno de cabeça. — Eu dividia um apartamento no Upper West Side com três outros estudantes de advocacia, e mesmo assim o aluguel era um roubo.

Ela fez que sim, e então lembrou de novo que ele não podia vê-la. Ela jamais iria se habituar àquela situação. Também era um pouco chocante perceber o tamanho do papel que a linguagem corporal desempenhava em suas interações.

— Você pode repetir isso. Não percebi o quanto era caro até começar a procurar um apartamento em Gettysburg. Gosto muito mais daqui.

— É uma ótima cidadezinha. Decidiu vir para cá por algum motivo especial?

— Na verdade, não. — Lynne não queria contar a ninguém a respeito de sua vida antiga. — Conheci Gettysburg numa excursão de escola, quando era menina. Vim ver se ainda era como eu lembrava. Quando vi que a cidade não havia mudado nada, comecei a procurar um apartamento.

— Tem sorte de ter encontrado este. Apartamentos bons assim não aparecem a toda hora. O inquilino anterior era um solteiro que morou aqui por quase trinta anos.

— Quem sabe? Talvez eu mesma acabe passando trinta anos aqui. — Ela pigarreou. — Bem, não vou prender você. Foi um prazer conhecê-lo.

— Todo meu. Boa sorte com o resto das caixas.

— Prometo que não vou deixá-las no corredor — disse com uma risadinha.

— Eu não teria caído se estivesse acompanhado por um cão-guia — comentou enquanto se virava para a direção da rua. — Tenha uma boa tarde.

— Obrigada. — Ela quase acenou para ele, mas se conteve a tempo.

— Cedar, em frente — disse Brendan ao cão.

Ela observou Brendan caminhar com confiança até o fim do quarteirão e atravessar a rua até a pracinha. Tentou imaginar como ele teria perdido a visão. Brendan possuía muitos hábitos de uma pessoa que já fora capaz de enxergar, como a forma como estendera a mão com confiança para cumprimentá-la, ou a maneira como parecia olhar seu rosto enquanto falava. Se Lynne não soubesse que ele era cego, teria jurado que ele estava olhando bem em seus olhos.

Lembrou dos biscoitos que planejara assar. Ainda iria fazê-los, embora ele parecesse ter aceitado suas desculpas.

 

Naquela noite, Brendan estava checando sua correspondência quando ouviu a campainha. Feather e Cedar, deitados em lados opostos de sua cadeira no escritório, levantaram-se subitamente, embora nenhum tenha latido. Cedar correu até a porta, mas Feather permaneceu com o dono. Brendan apoiou uma das mãos na cabeça de Feather enquanto se levantava, virava-se e caminhava pelo escritório.

— Você é uma boa menininha — disse Brendan baixinho enquanto atravessava o corredor e a sala de estar. Ao chegar à porta, perguntou: — Quem é?

A cauda grossa de Cedar bateu contra a frente da perna direita de Brendan enquanto Feather simplesmente aguardava à esquerda dele.

— Lynne. Sua vizinha.

Ela não precisava ter dito isso, Brendan teria lembrado dela instantaneamente. Para não mencionar da maciez de sua mão e de sua voz agradavelmente rouca.

Esqueça, Brendan. Você não está interessado.

Era muito mais fácil dizer isso a si mesmo do que acreditar.

— Oi — disse ele, abrindo a porta. — Não esperava vê-la de novo hoje.

— Eu lhe trouxe uma oferenda de paz.

Ele ouviu um farfalhar de papel alumínio e, então, um aroma maravilhoso invadiu suas narinas.

— O que é isso? — perguntou, aspirando profundamente. — Que cheiro delicioso.

— Biscoitos amanteigados de chocolate e manteiga de amendoim — disse Lynne. — Receita de minha avó.                                                              

— Você não precisava ter feito isso — disse ele.

— Eu sei. Mas realmente sinto muito por ter deixado aquelas caixas no corredor. Além disso, precisava de uma boa desculpa para fazer estes biscoitos.

Ele riu.

— Se o sabor for tão bom quanto o aroma, posso entender completamente você. Quer entrar?

— Não, eu...

— Por favor. Eu pretendo atacar imediatamente esses biscoitos e adoraria dividi-los com alguém que diga alguma coisa além de au-au.

Foi a vez de Lynne rir.

— Neste caso, eu ficaria deliciada.

Brendan deu um passo para o lado e aguardou até tê-la ouvido entrar no apartamento.

Fechando a porta, Brendan apontou para o arranjo de sofá, poltronas e mesas em sua sala de estar.

— Fique à vontade. Quer beber alguma coisa?

— Você tem água ou leite? Qualquer uma dessas coisas seria ótima.

— Não tenho leite. Quer sua água com gelo?

— Sim, por favor.

Afinal, por que ele a havia convidado a entrar? Enquanto pegava copos de água e guardanapos e voltava até a sala de estar, decidiu que tinha sido sua voz. Brendan sabia que qualquer relacionamento com um vizinho poderia ficar pegajoso, mas alguma coisa naquela voz sensual e rouca tinha feito com que ele esquecesse completamente disso. Pousando os copos na mesa, estendeu a mão até os descansos que deixava na mesmha de café e colocou um debaixo de cada copo.

Ao ouvir um farfalhar de papel alumínio, deduziu que ela estava desembrulhando os biscoitos.

— Seus cães certamente são muito bem comportados — observou Lynne. — Quando criança, eu tinha uma cocker spaniel que comia qualquer coisa deixada desprotegida.

— Pelo menos ela não era um cachorro grande. Ela riu, e o som foi uma melodia adorável que o fez sorrir em resposta.

— Bem, Ethel não se deixava intimidar por lugares altos. Ela subia em cadeiras e mesas e saltava com facilidade para o balcão da cozinha. Deixava minha mãe louca.

Ele estava acostumado a ouvir nomes estranhos para cães. Mas...

— Ethel?

— Tínhamos Lucy, também. Mas Ethel era a problemática. Todos os cães-guia são bem comportados como os seus?              

— Quase todos. Mas continuam sendo apenas cães, é claro. Sempre que eu começo a ficar convencido de que meu cão é perfeito, ele faz alguma coisa para me lembrar que continua sendo um animal.                  

— Eles exigem muito tempo de adestramento, não é?

— Nós apenas os treinamos para que sejam obedientes e atendam a comandos específicos. O crédito por seu comportamento agradável é todo dos criadores de filhotes.

— Criadores de filhotes?

— As pessoas que cuidam deles quando são filhotinhos. Os criadores ensinam aos filhotes obediência básica e os socializam com muitas pessoas e outros animais. Eles também os ensinam a serem bem-educados dentro de casa.

— Como não roubar comida da mesa de seus donos.

— Ou do lixo, ou de qualquer lugar onde a vejam. Ensinar um cão a não fazer essas coisas pode ser um tremendo desafio, principalmente se o cão for um labrador. O cão aprende a não caçar gatos na casa, a não pular em cima de pessoas, a não subir na mobília...

Ela pigarreou.

— Ah, eu odeio lhe dizer isso, mas acho que tem um enorme cachorro preto deitado na sua poltrona.

Ele riu.

— Não conte isso à escola de treinamento dele, por favor.

— Você pode ter problemas por causa disso?

— Não. Depois que nos tornamos parceiros de um cão, esse cão se torna nosso. A escola só removeria o cão de um usuário se suspeitasse que ele é violento com o animal. E eu pessoalmente nunca ouvi falar de um caso desses.

— Feather não sobe nos móveis?

— Feather não sai do meu lado. Ela nunca se interessou por dormir no sofá ou na cama.

— Reparei que ela entrou e saiu da cozinha com você.

— Feather está tendo dificuldade de se ajustar à aposentadoria.

—Todos eles precisam se aposentar quando chegam a uma certa idade? Ela ainda parece bem animada.  

—Ela é bem animada, para um animal de estimação. Mas está com quase 10 anos e sofrendo de artrite. Ela estava começando a ter dificuldade de caminhar tanto quanto eu precisava. E estava começando a hesitar.

— Hesitar?

— A perder a confiança. Ela não queria atravessar a rua, mesmo quando não passavam carros. Um dia ela parou no meio de uma passagem de pedestres e empacou. Ainda não sei se foi por medo ou se ela simplesmente perdeu a concentração. Mas foi nesse dia que eu soube que precisava de um novo guia.

— Isso deve ter sido difícil.                                  

— Muito. — Ele ainda sentia dificuldade de falar sobre isso. — Fomos parceiros por mais de oito anos. Tinha a impressão de que estava me desfazendo dela. Alguns usuários ficam com seus cães aposentados, outros os devolvem à pessoa que os criou. Alguns cães são adotados por parentes ou amigos do usuário, ou por desconhecidos aprovados pela escola de adestramento. Eu achei que seria doloroso demais ficar sem ela. Mas agora... Agora não tenho certeza. — Pigarreou. — Desculpa, estou bombardeando você com informações.

— Não se preocupe com isso. Estou achando tudo muito interessante. Coma um biscoito. Eles são mais gostosos quentes.

— Onde estão?

— Na mesinha de café. Ah, mais ou menos à sua direita...

— Pense nos ponteiros de um relógio — disse ele.— Se estou voltado para o 12, onde estaria o prato?

— Você está no meio do relógio ou no 6? Ele teve de sorrir. Era uma pergunta lógica.

— O meio.

— Duas da tarde — disse ela prontamente.

Ele estendeu a mão e sentiu-se gratificado quando seus dedos encontraram a beirada de um prato. Ele pegou um biscoito e o aproximou do nariz.

— Não tenho certeza se vou conseguir comer isto. Eu poderia passar o resto da minha vida sentindo este cheiro.

— Posso lhe dar a receita — disse ela. — Não é como se você nunca mais fosse vê-los de novo.

Ele percebeu que ela se arrependeu instantaneamente do que dissera. Houve um silêncio breve.

— Puxa vida, sinto muito — disse ela. — Falei sem pensar.

— "Puxa vida?" — Ele se forçou a não rir alto.

— A maioria das pessoas usa xingamentos bem mais fortes.

Ele suspeitou que ela deu com os ombros. Então, ela disse:

— É uma mistura satisfatória de consoantes e vogais que eu posso murmurar quando estou com raiva. Não gosto de usar... ou escutar... palavrões.

— Puxa vida — repetiu ele. Kendra também não gostava de linguagem chula. Era uma das coisinhas que ele amara nela. — Funciona para mim.

De repente ele percebeu que fazia muito tempo desde a última vez em que pensara em sua noiva.

— Em todo caso, eu estava no meio de um pedido de desculpas — disse Lynne.

— Desculpas desnecessárias. Você não precisa censurar seu vocabulário.

Ele deu mais uma mordida no biscoito e fez questão de expressar com clareza seu prazer. Kendra fora a primeira mulher que Brendan amara. Eles romperam alguns meses depois que ele perdera a visão, e desde então Brendan passara a evitar relacionamentos.

— Que bom que você gostou dos biscoitos. Quer jantar lá em casa amanhã à noite? Há mais de onde esses vieram.

— Obrigado, mas não?— Sua resposta foi automática. Ele podia ter dominado a arte de comer sem ver a comida, mas ainda morria de medo de passar vergonha. — Eu tenho de cuidar dos cães e...

— Pode levá-los. Um pouco de pêlo de cachorro não vai arruinar minha casa.

— Você realmente não precisa fazer isso.

— Eu quero. Na verdade, não conheço ninguém aqui. Você pode me falar a respeito da cidade.

Bem, ele podia imaginar a cidade.

— Tudo bem. A que horas?

— Seis e meia está bem?

— Sim.

— Algum pedido especial?

— Por favor, nada de espaguete. Ela riu.

— Aposto que há algumas comidas problemáticas, não é? Tudo bem. Nada de espaguete, eu prometo.

Ele não conseguia identificar o sotaque dela. Às vezes parecia britânico, mas, de vez em quando, ela arrastava as sílabas como uma nativa do Sul dos Estados Unidos. Talvez na noite do dia seguinte ele conseguisse fazer com que ela falasse um pouco sobre si mesma. Seria uma mudança agradável da rotina de responder a perguntas sobre sua cegueira e seus cães.

Lynne finalmente retirou a última caixa de mudança de sua casa nova. Em apenas dois dias, depois que a mobília chegara, ela conseguira colocar quase todas as coisas em seus devidos lugares. Por enquanto, não havia muitos quadros nas paredes, nem qualquer outra decoração pessoal.

Depois de terminar a arrumação, passou o aspirador de pó na casa e foi fazer mais uma fornada de biscoitos. Decidiu preparar galinha assada com batatas, e pãezinhos de aveia e mel. Depois que colocou a massa na máquina de fazer pão, lavou o brócolis para cozinhá-lo no vapor.

Cozinhar ainda era uma diversão, com um leve sabor de coisa proibida. Passara quase dez anos trabalhando como modelo, sempre preocupada com cada grama extra adquirido, mantendo o corpo num peso bem abaixo do que teria naturalmente. Desde que interrompera a carreira, engordara quase seis quilos. Mas fizera isso de forma cuidadosa e, quando se sentira mais como um ser humano do que como um espantalho, passara a se concentrar em manter o peso. Era ridiculamente fácil em comparação com a dieta rígida! que seguira no passado.

Relaxando na água quente da banheira, massageou a panturrilha dolorida. Ela precisava admitir que estava extenuada depois de passar o dia arrumando a casa e, em seguida, cozinhando. Seria terrível se bocejasse na frente de Brendan ou, ainda pior, se dormisse!

Um pouco antes das seis e meia ela tomou um refrigerante cheio de cafeína enquanto punha a mesa, e então correu para o quarto para pentear o cabelo.

Sua mão parou no meio de um movimento quando ela percebeu o que estava fazendo. Brendan não podia ver sua aparência!

Essa lembrança foi um pensamento surpreendentemente libertador. Naquela noite ela seria julgada unicamente por sua personalidade e conversa, por como era como pessoa. Sua aparência não iria importar.

Era uma sensação libertadora, mas também aterrorizante. E se ela não fosse uma pessoa digna de interesse?

 

Brendan acabou de lavar as tigelas dos cachorros. Já levara os dois para passear, mas, enquanto ouvia as horas, deu-se conta de que precisava se apressar caso não quisesse chegar atrasado ao jantar com sua nova vizinha.

Foi ao quarto trocar de roupa. Correu os dedos pelos cabides de calças. Escolheu calças caqui em vez de jeans. Em seguida, puxou um cinto marrom, identificado pela etiqueta em braile com a qual rotulava suas roupas.

Passou pelos ternos emparelhados com camisas de manga comprida e gravatas que ficavam nos cabides de metal e sentiu os de plástico. Era seu sistema para localizar camisas casuais. Era melhor pegar uma camisa limpa. Aparecer com uma mancha de tinta ou comida na gola não passaria uma boa impressão.

Corria as pontas dos dedos pelos rótulos que indicavam as cores quando sua mão parou numa camisa de linha. Desde quando se preocupava tanto em passar uma boa impressão para uma mulher?

Terminou de se vestir e chamou os cães. Colocou um arreio em Cedar e uma coleira em Feather. A cadela tentou se colocar entre Cedar e ele, e quando Brendan finalmente usou um tom severo, ela se encolheu como se tivessem batido nela com um pedaço de pau.

— Sinto muito, menina — disse ele, ao parar diante da porta de Lynne. — Estou me esforçando ao máximo para fazer com que isso funcione.

— Fazer o que funcionar? — Lynne abriu a porta a tempo de escutar seu último comentário.

Brendan forçou uma risada.

— Desculpe. Não costumo conversar com meus cães.

— Mesmo? — retorquiu num tom bem-humorado.

— Certo, talvez eu converse — admitiu.

— Eu não o culpo. Cães costumam prestar mais atenção no que você diz do que a maioria das pessoas.

A direção da voz de Lynne mudou quando ela recuou para permitir que ele entrasse.

— Por favor, entre e fique à vontade. Mas você vai ter de me dizer sobre o que está falando.

— Ache uma cadeira — disse Brendan a Cedar.

— Não sabia que se ensinava esse tipo de coisas a eles — comentou Lynne enquanto Cedar conduzia Brendan através da sala até uma larga cadeira de braços.

— Bom menino — disse ao cão. Para Lynne, ele disse: — Não é um comando formal ensinado pela escola, mas da primeira vez que peguei Feather, outro usuário de cão-guia me sugeriu que seria um comando útil, juntamente com coisas como "Ache a porta". Algumas pessoas usam comandos específicos para achar um parente em uma loja grande.

— Há quanto tempo você tem Cedar? — perguntou Lynne.

— Há duas semanas. Acabamos de nos formar na escola de treinamento.

— Puxa vida! — disse ela, claramente surpresa. — Eu pensava que vocês eram parceiros há muito mais tempo do que isso.

— Ele é um bom cachorro — disse com um sorriso. — E ajuda o fato de eu já possuir experiência anterior com um cachorro. Falando nisso, onde está Feather?— Ele estendeu a mão até seu lado direito, onde estivera tentando ensinar Feather a deitar, mas ela não estava ali.

— Sinto muito — disse Lynne. — Eu estava fazendo carinho nela. Isso não é permitido?

— Se o cachorro não estiver trabalhando, tudo bem. Ela deve estar adorando a atenção. Ela tem estado cada vez mais deprimida desde que a aposentei e peguei Cedar.

— Como você sabe? Ele deu de ombros.

— Não tem se alimentado bem. Cheira a comida, mas não come. E já foi bem mais animada. Vivia saltitando e balançando o rabo. Sempre percebi isso porque o corpo inteiro dela vibra da traseira para a frente quando ela está abanando o rabo.

— A idéia de um cachorro deprimido parece estrada, mas acho que faz sentido. Vocês dois trabalham juntos há oito anos, é isso?

— Sim. Acaba de completar 10 anos. — Suspirou. — Estou começando a achar que deveria me separar dela. As famílias que criaram os cachorros quando eles eram filhotes costumam adotá-los novamente. Quando isso não acontece, as escolas entram em contato com famílias interessadas em adotar um cão-guia aposentado.

— Como você poderia abrir mão dela, depois de todo esse tempo que passaram juntos?

Ele ficou comovido ao perceber que ela compreendia seus sentimentos.

— Exatamente. Cuidar de dois cães não é fácil para um homem como eu, cego e que mora sozinho, mas não poderia simplesmente me livrar dela. Ela faz parte de minha família.

— Faço idéia — murmurou Lynne. — Acho que também não conseguiria fazer isso. — O tom de voz de Lynne mudou quando ela começou a falar com a cadela. — Você é uma linda cachorrinha. E que nome lindo!

Lynne riu de deleite.

— Deixe-me adivinhar. Ela deitou e está convidando você a cocar sua barriga.

— Então você deixa qualquer pessoa cocar sua barriga? — disse ela a Feather. — Que decepção!

Brendan riu.

— Você precisa me desculpar por fazer tantas perguntas — disse Lynne. — Não deve agüentar mais responder a perguntas sobre seus cachorros ou sobre sua deficiência visual.

Ele deu de ombros.

— No primeiro ano isso me deixava maluco, mas acabei me acostumando.

— Então você nem sempre foi cego. — Foi uma declaração, não uma pergunta. — Por causa de algumas de suas reações, tive a impressão de que você já foi capaz de enxergar.

— Eu enxerguei até os 21 anos. Estava numa festa de fraternidade quando caí de um balcão e bati de cabeça.

— Puxa vida! Você tem sorte de ter sobrevivido.

— Muita.

— Uma festa de fraternidade — disse ela. — Eu não fiz faculdade. Essas festas são tão agitadas e imorais quanto ouvi falar?

— Estive em algumas que se encaixariam nessa discrição — disse ele com um sorriso amarelo. — Mas não estava bebendo naquela noite. Um cara tropeçou e esbarrou em mim. Caí por puro azar.

— Coitado! — disse ela com sentimento. — Você soube imediatamente que estava cego?

— Não imediatamente. — Hesitou enquanto recordava seus primeiros dias no hospital. Kendra estivera com ele no dia em que perguntara ao médico sobre sua visão.

— Vamos mudar de assunto — disse Lynne. — Acho que é sua vez de fazer perguntas.

Brendan ficou decepcionado consigo mesmo ao perceber que permanecera em silêncio por muito tempo. Ele perdera todo o traquejo social. Receber clientes era muito diferente de jantar com garotas.          

— Desculpe. É que isso traz de volta muitas lembranças. Foi um período em que vivi... muitas mudanças. — Ele decidiu aceitar a oferta de Lynne. — O que você faz?                                                            

Ele sentiu uma mudança sutil no ambiente, uma tensão que o surpreendeu. Ele esperara que fosse uma pergunta inócua.

— Não estou trabalhando no momento — respondeu Lynne. — Mas tenho algumas entrevistas de emprego marcadas para esta semana. Assim, estou torcendo para ter como responder a esta pergunta em breve.

— Certo — disse Brendan. Ela provavelmente acabara de ser demitida, e estava se sentindo constrangida ou humilhada. — Vou refazer a pergunta. Que tipo de trabalho você gostaria de fazer?

— As entrevistas de emprego que tenho marcadas são para o cargo de auxiliar em educação pré-escolar e em uma escola de ensino fundamental — respondeu. — Mas o que eu gostaria realmente de fazer é de entrar numa faculdade e aprender a lecionar.

— Com que faixa de idade você prefere trabalhar?

— Não tenho certeza — admitiu. — Gosto de crianças pequenas, mas sinceramente não conheço o bastante sobre crianças mais velhas ou adolescentes para saber se também gostaria dessas faixas etárias. Daí as escolhas de emprego.

— Então nunca trabalhou com crianças?

— Nunca. — Ele a ouviu se levantar. — Quer beber alguma coisa?

— Tem chá gelado?

— Açúcar ou limão?

— Só limão.

Ele ouviu os passos de Lynne se distanciarem e, então, soarem no que pareceram azulejos de uma cozinha. O apartamento dela parecia ter a mesma planta do dele, embora invertida. O tamborilar das patas de Feather alertou-o que ela acompanhara Lynne.

Era sua imaginação ou sua anfitriã sentira-se incomodada no momento em que ele perguntara sobre seu passado? Ela arranjara uma desculpa para se afastar logo depois e, certamente, não oferecera nenhuma informação sobre o que fizera antes de se mudar para Gettysburg.

Brendan ouviu o som de cubos de gelo e, um minuto depois, Lynne voltou com o chá.

— Há algum lugar em particular que você queira que eu coloque isto? — perguntou.

— Há uma mesa perto de mim?

— Tem uma mesinha de canto do lado direito da sua poltrona. Você pode colocar o copo nela.

Brendan ouviu-a mover-se na direção referida quando o copo pousou na mesa, uma fragrância feminina o envolveu. Ela estava próxima.

Qual seria sua altura? Provavelmente era bem alta para uma mulher, considerando que quando estava de frente para ele sua voz não soava vindo muito de baixo.                                                                                      

— Pronto — disse ela. — Está na frente da mesa, no canto mais perto de você.

— Obrigado.

— O jantar vai demorar um pouco. Como eu queria evitar extravagâncias, assei um frango.

— Gosto de frango assado. Batatas? — perguntou, esperançoso.

— Igualmente assadas. E cada uma com dois recheios.

— Aquele tipo que é amassada com creme de leite e queijo e, então, colocada de volta na concha? Ela riu.

— Concha, não. Casca.

— Tanto faz — disse ele, com um encolher de ombros. — Parece maravilhoso, especialmente para alguém acostumado com comida congelada.

— Aposto que cozinhar é difícil para você — disse com cautela.

Brendan riu, e então pegou o copo de chá e tomou um gole.

— Conheço outro cara cego que é um cozinheiro fabuloso. Se bem que ele é parcial, o que facilita as coisas.

— Parcial?

— Uma pessoa que ainda tem parte da visão, mesmo que muito limitada. Alguns parciais possuem mais visão num olho que no outro. Outros enxergam em certos quadrantes de seu campo de visão. Como não tenho visão alguma, sou um total.

— Desculpe por ter interrompido você. Estava falando que seu amigo cozinha.

— Tudo bem. Eu só ia contar que mesmo quando eu podia enxergar, a culinária não ficava no topo da minha lista de atividades favoritas.

— Desde que era menininha, sempre gostei de cozinhar. Mas durante muito tempo não fiz isso.

Ele lamentou não ter visto seu rosto quando ela fez essa declaração tão estranha.

— Vida cheia?

— Algo assim — murmurou. — Você sempre morou aqui?

Ela claramente não queria falar de si mesma.

— Não. Eu cresci na região rural da Pensilvânia, perto de Pittsburgh. E você?

— Uma cidadezinha chamada Barboursville, lá na Virgínia.

— Fica perto de Williamsburg?

— Não. É vizinha de Richmond. Por quê?

— Um dos sócios de minha firma cursou faculdade na William & Mary. Como tínhamos ficado muito amigos nos tempos de escola, fui até lá visitá-lo algumas vezes.

— Esqueci que você trabalha num escritório de advocacia.

— Isso. Brinkmen & Brinkmen. Nosso escritório fica no centro da cidade, na Baltimore Street.

— Gosto da cidade. É encantadora.

— E conveniente.

— Conveniente?

— É fácil para mim andar por ela sem ajuda.

— Sim, claro. — Ela fez uma pausa. — Não pensei por esse ângulo. Como você não dirige, precisa ter os serviços básicos a uma distância que possa percorrer a pé. — Por seu tom de voz, ela pareceu estar falando mais consigo mesma do que com ele.

— Muitas pessoas com deficiência visual vivem em grandes cidades, porque nelas as coisas são mais convenientes, isso sem falar no sistema de transporte público.

— Também não tinha pensado nisso — admitiu Lynne.

— Uma das coisas que me atraiu a Gettysburg foi a proximidade de coisas das quais preciso. A Main Street possui um comércio fervilhante por causa da universidade. Posso chegar a pé a bancos, médicos e lavanderias. A rua também tem uma mercearia e uma farmácia. E excelentes restaurantes.

— Você costuma ir à universidade?

— Vou a muitas apresentações de teatro e música. Às vezes, eles também oferecem palestras maravilhosas.

— Que bom! — disse ela, deliciada. — Adoro música.

— Toca algum instrumento?

— Não. Eu tocava piano quando criança É uma atividade que sempre quis recomeçar.

— Talvez esta seja sua chance — disse ele.

— Talvez seja. Então, o que há mais para se fazer em Gettysburg?

— Bem, espero que você goste de História da Guerra Civil.

Ela riu.

— Culpada. Foi uma das coisas que me atraiu neste lugar. Quero aprender mais sobre o campo de batalha e a guerra inteira.

— Eu posso apostar que você terá muitas oportunidades.

— O que mais?

— As coisas de sempre, com foco extra em História, talvez, Há uma Associação Comunitária de Concertos, uma biblioteca, uma sociedade de assistência, grupos de teatro, algumas igrejas, organizações empresariais e civis... Se você quiser se envolver em qualquer uma dessas organizações, garanto que será recebida de braços abertos.

— Eu nunca fiz nenhum trabalho voluntário. Não saberia o que fazer.

— Você não precisa ter experiência. — Ele se perguntou porque Lynne parecia tão pouco confiante. — Se você comparecer a uma ou duas reuniões, ou se juntar a uma igreja, não vai demorar muito para que comecem a pedir sua ajuda.

— Isso seria bom. — Ele a ouviu se levantar. — O Jantar já deve estar ficando pronto. Por que não vamos Para a mesa?

O jantar foi delicioso, e a conversa simples e despretensiosa. Depois, tomaram café e beliscaram biscoitos.

Finalmente, ele se lembrou de que começaria o dia bem cedo na manhã seguinte. Estava se levantando quando o telefone tocou.

— Com licença. — Ouviu-a caminhar pela sala. — É melhor eu atender — disse, aparentemente depois de olhar a tela de identificação de chamada. — Alô? — disse numa voz cautelosa e calma.

Embora fosse falta de educação, ele não podia evitar escutar a parte de Lynne na conversa.

— Olá, papai. — Sua voz soou com um prazer que Brendan adoraria ter ouvido ser direcionado a ele. — Como vai? Sim... sim. Eu não pude ir. — A animação deu lugar a um tom claramente decepcionado. — Entendo. Quando vai ser? Parabéns. Não, acho que não terei tempo... Talvez no Natal. Preciso ver se posso me ausentar. Olhe, não posso conversar muito estou com uma visita.

Lynne concluiu a conversa com uma palavra de despedida que soou artificial. Enquanto ela punha o fone de volta no gancho, Brendan rapidamente pegou mais um biscoito para fingir que não estivera ouvindo. Ela voltou a se sentar, e depois de um momento de silêncio inquietantemente longo ele finalmente perguntou:

— Alguma coisa importante?

— Meu pai. Ele vai se casar de novo.

— Sinto muito. Quero dizer, achei que eram más notícias.

Ela arfou, e ele percebeu que ela estava quase chorando. Em algum lugar à esquerda de Brendan, Feather ganiu, e ele a ouviu caminhar até os pés de Lynne. Um momento depois Lynne soltou uma risada trêmula.

— Obrigada, menina. — Ela disse a ele: — Sua cachorrinha acaba de me dar um beijo. Acho que está preocupada comigo.

— Não é a única. — Sem pensar, segurou o braço que ele a ouvira colocar na mesa. Em seguida deslizou a palma pelo braço de Lynne até finalmente estar cobrindo sua mão.

Sentiu-a pousar a outra mão sobre a sua e apertá-la gentilmente. E, então, ela retirou ambas as mãos.

— Agradeço sua preocupação, mas estou bem. Eu já devia estar acostumada com isso.

— Acostumada com... seu pai não ser mais casado com sua mãe? — Talvez o pai dela tivesse tido uma crise dos quarenta e tantos anos, se divorciado e arrumado uma mulher mais jovem, não necessariamente nessa ordem. Ele via muitos casos assim em seu trabalho.

— Meus pais se divorciaram quando eu tinha dois anos — disse Lynne. — Essa sortuda será sua sexta esposa.

Ele não conseguiu esconder sua surpresa.

— Uau! Ele gosta de se casar. Para seu alívio, ela riu.

Para dizer o mínimo. — Ela bebericou seu café. Desculpe por isso ter atrapalhado nosso jantar. Ele sempre consegue me chocar quando conta sobre seu mais novo relacionamento, embora eu não saiba porquê. — Ela pigarreou. — Feather foi muito carinhosa. Ela sempre reage assim quando vê alguém triste?

— Quando sente que estou triste, ela faz a mesma coisa. Mas, até onde eu saiba, você é a única outra pessoa que teve a honra de receber um beijo canino lambuzado.

— Eu gostei — disse, levantando-se da mesa. — Quer levar alguns biscoitos?

— Talvez só alguns. Preciso confessar que já acabei com os que você me deu.

— Antes você do que...

Lynne foi interrompida por um rosnado alto.

— Qual é o problema? — perguntou Lynne. Ele suspirou.

— Acho que ela não gostou de algo que Cedar fez. ou talvez tenha sido apenas o jeito como ele olhou para ela. Não está lidando graciosamente com o fato de estar sendo substituída. — Ele chamou seu cão-guia, ouvindo os sininhos da coleira de Cedar tilintarem debaixo da mesa, onde ele estivera deitado.

— Pobre menina — disse Lynne. — Posso imaginar como ela se sente. — Sua voz soou de baixo e ao longe, e ele concluiu que ela havia se agachado para acariciar Feather. — Não é divertido ser substituída, é?

— E é muito difícil para ela me ver sair de casa todas as manhãs com Cedar — disse Brendan.

Pensando que ver seu pai casar-se pela sexta vez dera a Lynne muita experiência em ser substituída no afeto de alguém. — Como eu disse, realmente não quero me separar dela, mas se ela puder ser mais feliz com outra pessoa, não é justo da minha parte segurá-la.

Brendan se levantou e tateou até achar a guia de Cedar. Ainda parecia estranho tocar aquele couro novo, depois de tantos anos segurando a guia desgastada de Feather.

Lynne precedeu-o até a porta, e ele chamou por Feather. Como tinham apenas cruzado o corredor, Brendan não se dera ao trabalho de colocar uma guia na coleira de Feather, mas ele não ouviu o tilintar de seus sinos.

— Feather, venha. Nada.

— O que ela está fazendo? — finalmente perguntou a Lynne.

— Ah, ela ainda está deitada no tapete da cozinha.

— Feather, venha — tentou de novo. Mais uma vez, ele não ouviu nada. Ele sussurrou: — Cachorra, se eu tiver de ir até aí pegá-la, a coisa vai ficar bem feia para você.

Lynne produziu um som abafado, como uma tentativa de segurar o riso.

― Parece que ela quer ficar mais um pouco.

― Não, obrigado. Seria um abuso. Vir jantar e depois deixar uma cachorra aqui para você cuidar.

― Eu não me importaria, juro.

Com clareza repentina, ele lembrou do telefonema que ela acabara de receber. Aquilo a deixara muito abalada, a despeito de seu esforço em fingir se recuperar. E Feather a confortara. Talvez ...                      

— Muito bem — disse ele sem pensar muito. — Se você realmente quiser, ela pode ficar. — Ele se virou novamente na direção da cozinha. — Mas ela ainda precisa vir quando eu a chamar. Feather! Venha! — ordenou com o tom de "Eu não estou brincando" que ele raramente usava. Dessa vez ouviu-a levantar-se, espreguiçar-se e, finalmente, caminhar até ele.

— Você é muito metida a esperta — disse a Feather quando ela parou ao seu lado. Ele segurou a coleira de Feather quando ela tentou colocar-se entre Cedar e ele. — Não, menina. Sinto muito. — Ele se ajoelhou. — Quer passar esta noite com Lynne?

— Você podia vir pegá-la quando chegar em casa do trabalho amanhã — disse Lynne. — Tenho uma entrevista às 13 horas, mas não ficarei fora nem por uma hora. Assim, ela não ficará sozinha o dia todo.

Nem Lynne, pensou Brendan, lendo nas entrelinhas.

— Por mim, tudo bem, se tiver certeza de que não será incômodo.

— Incômodo nenhum — disse num tom absolutamente honesto. — Vou adorar a companhia.

— Certo. — Ele fez um carinho na cadela e pegou a guia de Cedar. — Vamos ver como ela vai age quando eu caminhar até a porta.

Ele deu o comando de caminhar para a frente enquanto Lynne abria a porta. Cedar conduziu-o através do corredor para parar em frente à porta.

— O que ela fez?

— Ela voltou para a cozinha e deitou-se no tapete de novo.

Ele riu, embora se sentisse vagamente magoado.

— Traidora.

Estendeu a mão direita para Lynne, percebendo o quanto estava ansioso por sentir de novo o toque daquela pele.

— Obrigado pelo jantar. E, mais uma vez, pelos biscoitos.

Ela segurou a mão dele, e a emoção que crescera durante a noite explodiu em seu plexo solar.

Lynne ficou imóvel quando eles apertaram as mãos. Absolutamente imóvel, como se estivesse congelada. O corpo de Brendan recomeçou a voltar à vida ao toque suave da pele de Lynne. Sua mão pequena e delicada quase foi engolida pela mão bem maior de Brendan. Ele se manteve simplesmente segurando aquela mão, incapaz de soltá-la. Lentamente, esfregou o polegar pelas costas da mão de Lynne e ouviu-a arfar alto.

Uma satisfação correu pelo corpo de Brendan. Ela também sentia.

O que pensa que está fazendo? Não está interessado num relacionamento.]Química, assegurou-se. Apenas isso. Não significava nada. E, mesmo assim... Ele ainda segurava com firmeza a mão de Lynne.

O telefone tocou, agudo em meio ao silêncio que pairava no ambiente. Ele sentiu-a puxar abruptamente a mão.

— Deve ser minha irmã. Aposto que papai também acaba de falar com ela.

— Vou deixar vocês conversando — disse ele, ciente de que o momento havia se passado. — Que tal nos encontrarmos no corredor às 10h30 para levá-los para passear à noite? Então ensinarei a você os comandos dela.

— Combinado. — Ela tocou o braço dele por um breve instante. — Obrigado por ter vindo. Nos vemos daqui a pouco.

Lynne correu de volta para seu próprio apartamento quando o fone tocou de novo, e ele a ouviu fechar a porta.

 

Feather, você quer sair?

Lynne vestiu um casaco leve e pegou a guia de couro que encontrara pendurada na porta.

A cadela de Brendan correu até ela, abanando a cauda. Parecia muito animada, e Lynne sorriu ao prender a guia na coleira de Feather.

— Você é uma menininha muito fofa, sabia? Se uma cadela pudesse sorrir, esta o teria feito.

Ao sair para o corredor, Lynne viu que Brendan já estava ali com Cedar.

— Bem na hora — disse ele. — "Avante", para caminhar para a frente, e "Senta", "Deita" e "Fica". Por que você não me segue para fora?

Feather caminhou ao lado de Lynne até eles chegarem a um gramado perto da porta.

— Bem, faça o que tiver de fazer. — Sentia-se boba, caminhando pela grama, tentando induzir a cachorra a "fazer".

— Estacione — disse Brendan.

— Como é que é?

Esta é a palavra que você deve usar para ela se aliviar. Acho que ela não vai responder a "faça o que tiver de fazer".

— Não consigo acreditar que seus cães são treinados para ir ao banheiro sob comando. Está falando sério? — Ela estava acostumada com bichinhos que eram soltos no quintal para farejarem tudo até acharem o lugar perfeito.

— Claro. Você não acha que eu vou ficar aqui fora, neste frio, esperando até meus cães decidirem que é hora de fazer, acha? — Entrou no gramado com Cedar. — Fique parada num mesmo lugar, como eu.

— Não tenho de caminhar com ela?

— Caminhar faz bem a ela, mas neste momento, não. Apenas mande-a estacionar.

— Estacione — repetiu, sem confiança.

E Feather finalmente fez o que tinha de fazer. Cedar também. Aparentemente, "estacione" era uma palavra mágica.

— É isso? — perguntou, um pouco incrédula. — Só vir até aqui, parar e mandar ela "estacionar"?

— Sim. — Ele riu. — A única outra coisa que eu recomendo é que você traga um saquinho para recolher o cocô, se for preciso.

— Eu não tinha pensado nisso. O que mais preciso saber?

— De vez em quando, ela resolve brincar e não obedece. Então eu digo que vamos entrar, o que geralmente faz com que ela se lembre que é melhor seguir o programa, se não quiser passar a noite inteira de pernas cruzadas.                                            

Ela riu.

— E ela odeia chuva e neve. Quando o tempo está feio, eu praticamente preciso arrastá-la. Ela realmente odeia se molhar.

— Certo. Então, mais quantas coisas eu preciso aprender?

— Você tem de dar a ela um comando para comer. Mas eu posso mostrar isso amanhã de manhã.

— E quanto a dormir? Ela pode subir na cama? —Ela nunca foi muito de dormir no sofá ou na cama,

ao contrário deste grande bobalhão — disse ele, indicando Cedar. — Ele dorme no sofá desde o primeiro dia em que o levei para casa. Mas isso não é proibido, a não ser que você não queira. Eu nunca a encorajei a isso... Os pêlos amarelos dela aparecem muito mais nos meus ternos do que os pêlos pretos dele.

Ela não se conteve a correr os olhos pelas roupas dele e então... então esqueceu instantaneamente dos pêlos de cachorro.

Brendan estava usando calças de moletom e uma velha camisa de malha da faculdade de direito de Colúmbia. Concluiu que ele devia fazer musculação porque tinha o peito bem esculpido e os músculos dos braços pareciam querer saltar das mangas da camisa.

Puxa vida!, pensou Lynne. Ela o achara gostoso antes, mas agora... A calça de moletom não era apertada, mas quando ele se virou para voltar para dentro, ela viu que não havia um grama de gordura em qualquer parte dele. Suas costas eram tão rígidas e musculosas quanto o resto do corpo.

Segurou a pesada porta dos fundos e a abriu. Mantendo-a aberta, recuou um passo.

— Primeiro as damas.

— Obrigada — murmurou. Ela deu um passo para a frente, depois de um momento, Feather moveu-se ao lado dela e subiu os degraus.

Enquanto subia a escada na frente dele, ela refletiu que era uma sensação agradável saber que ele não estava comendo-a com os olhos. Lynne perdera a conta do número de homens que pareciam acreditar que, sendo ela uma celebridade, particularmente uma modelo, eles tinham o direito de lhe dar uma palmada, um beliscão ou uma passada de mão. A maioria das pessoas via as modelos como bonecas animadas, desprovidas de sentimentos e emoções.

— Desculpe por não ter lembrado de lhe contar os outros comandos dela — disse Brendan às suas costas.

— Bem, pelo menos eu conheço o mais importante.

Ele riu.                  

— É verdade. Se quiser, pode levá-la para passear amanhã, mas se não tiver tempo, farei isso à noite.

— Por favor, não. Eu adoraria passear com Feather. Mas devo dizer a ela "Avante" e não "Pra frente"?

— Isso é apenas para um cão que esteja com guia. Ela conhece muito mais comandos, mas esses são os únicos dos quais você vai precisar, e alguns dos outros ela precisa apenas quando está trabalhando.

Quando chegaram aos apartamentos, ela pegou sua chave e se virou.

— Boa noite. Ele sorriu.

— Vejo você amanhã de manhã.

Enquanto escovava os dentes, Lynne pensou no quanto ela e seu vizinho estavam se afinando, apesar do começo tempestuoso.

Ela não o mencionara a CeCe, sua irmã. Durante sua conversa por telefone, as duas haviam passado a maior parte do tempo se queixando uma à outra a respeito do quanto seu pai era um péssimo juiz de caráter.

— Por que ele precisa casar com elas? — perguntara CeCe. — Por que simplesmente não mora com elas? Assim ele não teria de pagar pensões depois que se cansasse delas.

Lynne imaginou que devia haver algum motivo psicológico complexo para seu pai precisar se casar com uma mulher atrás da outra, embora havia anos tivesse desistido de descobrir que motivo era esse.

Estremeceu ao lembrar do telefonema que teria de dar à sua mãe no dia seguinte. Sua mãe jamais se casara de novo, e cada vez que seu pai achava uma nova esposa, a mãe de Lynne explodia de raiva.

Suspirando, Lynne chamou por Feather. A cadela entrou alegremente no quarto de Lynne e se deitou no tapete ao lado da cama. Lynne passou vários minutos acariciando a barriga sedosa de Feather.

— Você é melhor do que um homem. Se eu tivesse uma cadela como você, jamais ficaria preocupada em ficar sozinha. Você seria fiel a sua vida inteira, não seria?

Na manhã seguinte, Lynne acabara de terminar sua ioga quando a campainha tocou. Ela abriu a porta para ver Brendan num terno escuro impecável, camisa branca e gravata listrada, pronto para o dia.

— Bom dia — disse ele.

— Oi. — O instinto a fez baixar seu suéter para os quadris antes de lembrar-se que ele não podia vê-la. Ainda sentia-se gorda em suas roupas de ginástica. Às vezes era difícil se lembrar de que ela ganhara peso de propósito.

— Você está ótimo nesse terno. Mas como você consegue combinar as cores?

Aquele homem certamente era lindo. Ela apostava que no tempo da faculdade as garotas faziam fila para ficar com ele. Bem, provavelmente ainda faziam.

— Tenho rótulos em braile em algumas de minhas roupas. E sou cliente de uma lavanderia fantástica. Quando levo roupas para eles lavarem, sempre ponho cada conjunto em bolsas separadas. Assim, todas as roupas que estou usando irão mais tarde para o mesmo saco. Depois, os funcionários da lavanderia recolocam o conjunto inteiro numa bolsa limpa antes que eu vá pegá-lo.

Feather passou por eles e se enrodilhou nos joelhos de Brendan. Sem se importar com o terno, ele se ajoelhou e lhe fez um carinho.

— Ei, menina. Também senti falta de você. Quando ele se levantou, Lynne viu a sacola de comida que ele pusera ao lado da porta.

— Aqui está o desjejum dela e jantar suficiente, para o caso de eu chegar tarde em casa.

— Certo. — Ela pareceu reduzir-se a frases de uma só palavra ao olhar de novo para ele. Devia ser crime um homem ser tão bonito.

— Alguma coisa errada? — perguntou ele. Ela soltou uma risadinha.

— É que você está tão elegante que eu estou parada aqui, agradecendo aos céus por você não poder me ver!

Ele também riu, o que fez com que ela se sentisse menos desajeitada.

— Bem, agora você me deixou curioso — disse ele.

E, antes que ela percebesse, ele estendeu o braço e pousou uma enorme mão no seu ombro.

Ela quase arfou ao toque de sua palma quente. A mão dele era tão grande que seu polegar repousou facilmente na concavidade na base de sua garganta; ela se perguntou se ele conseguia sentir sua pulsação.

— Ah — disse ele, sentindo a alça de sua malha sem mangas. — Roupa de ginástica. O que você estava fazendo?

— Ioga — respondeu, de novo com uma só palavra.

— Desculpe por interromper. Vou deixar você voltar para ela.

— Já terminei — disse ela. — Três vezes por semana faço uma sessão rápida e depois saio para correr. Nos outros três dias tenho uma rotina completa para seguir.

— Com isso, são apenas seis. — Ele ainda estava com a mão no ombro dela, roçando o polegar para a frente e para trás em sua clavícula. Ela conteve um impulso de dar um passo para a frente e aninhar seu corpo no dele. O que havia de errado com ela?

— Bem... seis. Certo. — Meu Deus, por favor, me . ajude. — Tiro os domingos de folga, a não ser quando sinto vontade de fazer alguma coisa.

— Eu também — disse ele. — Faço esteira todos os dias e levanto pesos três vezes por semana.

— Posso fazer mais uma pergunta idiota? — Ela ia ser rude novamente, mas estava realmente curiosa em saber como ele se virava sozinho tão bem.

Para seu alívio e decepção, ele soltou seu ombro e recuou um passo.

— Segundo meu velho professor de latim, não existem perguntas idiotas, apenas respostas idiotas.

— Como você sabia? Como sabia exatamente onde estava o meu ombro?                                     Por um momento, ele pareceu intrigado.            

— Agora mesmo, quando estendeu a mão, você não se atrapalhou nem pegou a parte errada do meu corpo. Você colocou a mão exatamente onde queria.

Ele riu.

— Como você sabe? Talvez eu não quisesse pegar um ombro!

Ela o fulminou com um olhar severo, e então lembrou que isso não surtiria efeito.

— Muito engraçado.

— Você nunca irá saber, não é?

— Eu vou saber depois que você tiver respondido minha pergunta — disse ela com firmeza. Esse flerte estava fugindo ao controle. Ele era apenas seu vizinho, pelo amor de Deus! Embora fosse lindo de morrer e ela babasse cada vez que ele jogava a cabeça para trás e ria daquele jeito, Lynne não estava interessada num relacionamento. Tudo que queria era acomodar-se numa cidade pequena e ter uma vida agradável.

— Muito bem — disse ele, finalmente sério. — Quando perdi a visão, minha audição aos poucos começou a ser mais do que a audição comum de uma pessoa que enxerga. Ou talvez seja apenas o fato de que agora eu recorro mais a ela. Enquanto uma pessoa está falando, uso a audição para medir sua altura ou a distância na qual ela se encontra. Mas não é algo que eu faça conscientemente. Simplesmente sabia onde seu ombro estaria.

— Isso faz sentido.

Colocou a mão em seu relógio de pulso, e uma voz anunciou as horas.                                                  

— Preciso ir. Se não for problema para você, passo aqui à noite para pegar minha menininha.                  

— Está ótimo para mim. Tenha um bom dia.

— Obrigado. Você também. — Pousou a mão na cabeça de Feather e fez um carinho em suas orelhas. — A gente se vê mais tarde, menina. Passe um bom dia com a Lynne.

Enquanto se agachava para pegar a bolsa com comida, Lynne observou-o virar-se e caminhar com determinação pelo corredor. Ele nem hesitou antes de começar a descer as escadas com o cachorro.

Como seria depender tanto de um animal? Ela duvidava que fosse capaz de confiar tanto num cachorro a ponto de descer uma escadaria sem enxergar.

— Venha, Feather — disse enquanto se virava para entrar no apartamento. A cadela ainda estava parada onde Brendan a deixara, e se Lynne fosse uma pessoa dada a vôos de imaginação, ela diria que a coitadinha estava triste. — Por que não saímos para passear?

Naquela noite, Brendan estava ansioso para chegar em casa. Tivera um dia longo preparando-se para um julgamento no qual ele seria o principal advogado de acusação. Parou no térreo para pegar sua correspondência e subiu os degraus para o segundo andar. Mal pusera os pés no corredor quando ouviu uma porta se abrir.

Unhas de cachorro pinicaram rapidamente nadadeira, acompanhadas por um alegre gemida canino.

Feather não parecia tão feliz desde que Brendan trouxera Cedar para casa. Durante o período de quase um mês que Brendan passara na escola de adestramento, Feather ficara na casa do velho colega de escola com quem ele trabalhava. Feather considerava John Brinkmen o sujeito mais fantástico do planeta, e Brendan não tinha dúvidas de que ele a mimara terrivelmente durante sua ausência. Brink a trouxera de volta no dia em que Brendan retornara da escola de treinamento. Feather ficara animada em vê-lo até o momento em que sentiu em suas roupas o cheiro de um cachorro desconhecido. Desde então, ela havia estado cada vez mais deprimida.

Ele pegou Feather enquanto Cedar mantinha-se imóvel, aguardando pacientemente o próximo comando.

— Oi, menina. Passou um bom dia com Lynne?

Ele levantou a cabeça. Mesmo se não tivesse Feather ali para avisá-lo, ele saberia que ela estava ali. Lynne não emitira nenhum som e ainda estava longe demais para que ele sentisse seu perfume, mas ele soube.

— Oi.

— Oi! — Parecia animada, empolgada. — Adivinhe o que fiz hoje!

— Ganhou na loteria?

Ela riu.

— Não chegou nem perto. Comprei um piano!

— Puxa, quando decide fazer alguma coisa, você não perde tempo!

— Vão entregar na terça. E liguei para a universidade para saber se tinham alguém que pudesse me dar aulas. Começo na semana que vem!

— Bom para você.

— Também tive uma entrevista na escola de educação pré-escolar. Precisam de alguém só para vinte horas por semana. E quanto mais penso, mais acho que preferiria isso a um emprego de tempo integral. Assim, posso começar a pensar em estudar. Talvez até comece em janeiro.

— Você vai para a Gettysburg?

— Não posso. A universidade não tem nenhum curso de formação de professores. Mas há várias outras faculdades nas redondezas. Procurei na Internet. Os campi de Shippensburg University, Wilson College, Penn State's Mont Alto e Messiah College ficam a menos de uma hora de viagem daqui. Com exceção de Mont Alto, todas as universidades possuem faculdades da educação, mas eu poderia fazer os primeiros dois anos lá e depois pedir transferência. Se eu quisesse ficar na Penn State, teria de terminar o curso no campus da University Park, que fica a mais de duas horas de viagem, mas não quero me estabelecer aqui e depois me mudar, e também não quero ter de dirigir duas horas e meia até a universidade durante dois anos. Assim, na semana que vem vou visitar as universidades Shipp, Wilson e Messiah.

— Você tem muita energia, não é mesmo? Ela riu.

— Tanta quanto qualquer outra pessoa. Só parece assim porque estou começando muitas coisas novas.

Ele estava morrendo de curiosidade em saber no que ela trabalhara antes, que tipo de carreira ela aparentemente abandonara. Talvez fosse alguma coisa tão trivial quanto atendente de lanchonete, mas ele duvidava. Então, ele pensou em outra coisa.

— Você sabe que trabalhando vinte horas por semana provavelmente não terá como pagar o aluguel?

— Quanto mais um piano novo, acrescentou em pensamento.

Ela ficou imóvel. Ele talvez não pudesse vê-la, mas percebeu que ela estava praticamente congelada. Finalmente, ela pigarreou e disse baixinho:

— Eu sei disso.

— Espero não ter desanimado você — disse ele, agora arrependido por ter aberto a boca. — Mas isso não é da minha conta. Por favor, me desculpe.

— Tudo bem. Eu devia ter imaginado que isso pareceria um problema para alguém que não me conhece.

— Ela hesitou. — Eu... bem... — Ela parou novamente e soltou uma risadinha nervosa. — Não tem jeito educado de dizer isso. Eu sou financeiramente independente.

— Isso foi educado. Você podia ter dito que é podre de rica.

— Acho que poderia. — Ela riu de novo.

— Você é?

— Sou o quê?

— Podre de rica.

— Defina "podre de rica", por favor.

Ele não pôde evitar um sorriso.                            

— Certo. Mais de um milhão.                              

— Ah, sim. — O que ele ouviu em sua voz foi alívio? — Sim.                                                        

Ela possuía mais de 1 milhão de dólares? Seria algum tipo de herdeira de um industrial ou algo assim? Mas não lhe ocorreu nenhuma forma educada de perguntar.

— Isso é bom — comentou simplesmente. Ele pegara a chave em seu bolso. Enquanto abria a porta, disse: — Entre. Então Feather foi boazinha hoje?

— Ela foi maravilhosa. — Brendan ouviu-a fechar a porta enquanto ele se curvava para remover a guia de Cedar. — Ela ficou me seguindo de um quarto para outro. Acho que ela estava acostumada a ficar sempre na companhia de alguém.

— Sim. No trabalho, meu cachorro fica deitado ao lado de minha mesa. Ela ficou bem chateada quando passou a ser deixada sozinha todos os dias, embora eu sempre dê um jeito de passar em casa para dar comida a ela.

— Bem, eu não me importo de tê-la comigo um pouco. Ela é sempre bem-vinda em minha casa.

— Obrigado. — Ele não queria abusar da boa vontade de Lynne, mas era bom saber que ele tinha com quem contar num caso de emergência. — Já esteve no campo de batalha?

— Não. Mas ele está quase no topo da minha lista. Acho que provavelmente é contra a lei morar em Gettysburg e não saber nada sobre a batalha.

— Eu tenho um passeio guiado de carro gravado em CD. Posso emprestá-lo a você ou, se estiver livre amanhã, eu adoraria acompanhá-la.

Brendan ficou um pouco surpreso em ouvir as palavras saírem de sua boca, particularmente porque não tivera nenhuma intenção de tirar folga no dia seguinte.

Ele acabara de convidá-la para sair? Ele não tinha certeza se a oferta casual se qualificava como um encontro. Ainda assim, ele não tinha nada tão próximo a um encontro desde o fim de seu noivado, alguns meses depois do acidente.

— Eu gostaria — disse ela. — E adoraria sua companhia. Podemos levar os cães?

— Eles podem nos acompanhar no carro. Cedar pode ir a qualquer lugar que eu vá, mas Feather agora é um animal de estimação, não um cão-guia. Eu preciso verificar se o Serviço do Parque permite cães no campo de batalha.

— Eu posso checar isso. Vou dar uma olhada mais tarde na Internet. Se não descobrir nada, ligamos para o serviço do parque amanhã de manhã.

— Obrigado.

— Eu é que agradeço. Estava mesmo querendo ver o campo de batalha. — Ele percebeu que ela estava se virando enquanto falava. — Vou entrar na Internet agora.

Ele a seguiu até a porta.

— A que horas você gostaria de ir?

— Sou flexível. Que tal nove da manhã?

— Está ótimo.

— Então, até amanhã.

— Lynne. — Ele estendeu a mão e segurou seu pulso antes que ela pudesse abrir a porta. — Obrigado por cuidar de Feather hoje. Ela significa muito para mim, e foi mais fácil trabalhar sabendo que ela não estava sozinha.

Lynne ficou imobilizada quando ele a tocou. Então, para surpresa de Brendan, ela virou a mão sob a dele de modo a fazer com que suas palmas se tocassem, e apertou levemente seus dedos. Apele de Lynne era tão morna e macia que ele soube que, qualquer que tivesse sido seu emprego anterior, não envolvera trabalho manual. Também sabia que não estava mais preparada do que ele para a tensão sexual imediata que surgira entre os dois. Ele sentira uma aceleração intensa em seu próprio pulso quando suas mãos haviam se tocado, e a julgar pelo arfado baixo que ela deixara escapar, Lynne sentira a mesma coisa.

Mesmo assim, seu tom de voz foi calmo e suas palavras simples, quando ela pigarreou e disse:

— Foi maravilhoso ter companhia — disse ela. — Não sabia o quanto me sentia solitária até me mudar para cá. E estou determinada a mudar isso. |— Ela riu. — Mesmo se tiver de começar com um cachorro.

— Então, seu tom de voz mudou quando ela soltou a mão dele. — Epa!

— O que foi?

— Feather. Ela está sentada ao lado da porta. Acho que pensa que vai ficar comigo novamente.

— Feather, venha.

Silêncio. Que ótimo. Estava para acontecer uma reprise do jantar da noite anterior. Ele tentou não se sentir magoado. Afinal de contas, do ponto de vista de Feather, era ele quem a substituíra.

— Eu adoraria ficar com ela novamente — disse Lynne, hesitante. — Mas sei que gostaria dela aqui com você.

— Sim, mas eu gostaria que ela fosse feliz...

— Ela vai superar. — A mão de Lynne tocou de leve o ombro dele, esfregando um círculo pequeno e tranqüilizador.

Pelo menos, ele tinha certeza absoluta de que aquela massagem pretendia ser relaxante.

Na verdade, cada célula nervosa de seu corpo voltou à vida ao sentir aquela mão pequena e morna.

Há anos Brendan não considerava relacionamentos, mas esta nova vizinha, de voz sensual e pele macia, estava excitando-o de uma forma impossível de ignorar.

Não que ele não gostasse de mulheres. Ele gostava, Muito. Ele amara, certa vez. Mas depois do acidente o qual perdera a visão deixara de acreditar que ela estaria de passar o resto da vida com ele. Por mais estúpida que sua atitude lhe parecesse agora, ele havia repelido a noiva, isolando-se por trás de uma parede de autopiedade e insegurança.

Ele precisara de vários anos de terapia para se tornar confortável com o que era agora, para se convencer de que não perdera sua masculinidade junto com sua visão. Quando finalmente se recuperou, Kendra já havia seguido em frente. Ele a havia procurado apenas para descobrir que ela se casara.

Ele saíra da casa de Kendra com um sabor de derrota e a certeza de que a perdera por causa de sua própria estupidez.

Depois disso, ele saíra com algumas mulheres agradáveis e tivera um encontro às escuras que se revelara um desastre completo.

Mas, de todos os encontros normais que tivera, nenhum fora memorável, e nenhuma mulher o deixara com água na boca e pulso acelerado. Fora fácil imergir completamente em seu trabalho como advogado. Ele vivera bem com essa situação até há menos de uma semana, quando Lynne DeVane mudara-se para o apartamento em frente ao seu.

E agora?

Ele não fazia a menor idéia de como ela era, mas ela, certamente, era estupenda. E isso não era simplesmente sexual. Ela possuía um humor seco do qual ele gostava, era direta e prestativa, e amava seus cães. Ela nem se importava em ter pêlo de cachorro como um acessório para suas roupas, o que por si só já a tornava perfeita.

Além disso, a atração que ele sentia por ela era inegável.

A atração que eles sentiam. Porque Brendan tinha certeza de que ela também estava sentindo a química entre os dois. As pausas estranhas, os silêncios carregados, o senso de possibilidade elétrico que fluía entre eles... Sim, ela também sentia.

O coração de Brendan batia forte sempre que sentia o aroma da pele de Lynne. Seu corpo inteiro se arrepiava sempre que ouvia aquela risada rouca. E o calor da mão de Lynne fazia-o imaginar como seria senti-la em suas partes mais íntimas.

Sim, fazia muito tempo desde a última vez que se sentira tão atraído por uma mulher.

Mas não havia questão de que ele sentia atração por essa. E ele sabia exatamente o que iria fazer a respeito.

— Depois do passeio pelo campo de batalha, iremos ao centro de visitantes — disse Brendan. — É melhor você começar com o pé direito.

— O começo da minha educação sobre Gettysburg? — perguntou rindo.

Ele fez que sim com a cabeça e sorriu em resposta.

— O começo da sua vida em Gettysburg.

— Gosto de como esta frase soa — disse ela com grande satisfação. — Minha vida em Gettysburg.

 

Lynne iria se divertir hoje.

Verificou mais uma vez sua mochila para ter certeza de que não esquecera nada vital, e olhou as horas. Caso não se atrasasse, Brendan chegaria aqui em um minuto, e ela apostaria todo o seu dinheiro na pontualidade dele.

Estava nervosa sem motivo. Isso não era realmente um encontro. Apenas um passeio de vizinhos. Ele estava grato por sua ajuda com Feather e queria recompensá-la pelo jantar.

Era um encontro. Pelo menos, fora o que parecera quando ele oferecera seu CD e sua companhia. E, em seguida, planejara o dia inteiro deles. Lynne suspeitava que, à medida que o conhecesse melhor, descobriria um fanático por controle por baixo daqueles ternos escuros e gravatas elegantes que caíam tão bem em sua silhueta alta e sólida.

Na hora exata, uma batida alta e segura soou na porta. Ela atravessou a sala e abriu a porta.

— Bom dia.

Feather passou na frente dela, e Brendan curvou-se para acariciar as orelhas da cadela.

—   Bom dia e bom dia. Como esta minha menininha?

Lynne teve certeza de que ele não se referira a ela na segunda frase.

— Ela fez o desjejum e pareceu contente hoje de manhã. Eu realmente gosto de tê-la por perto.

— Bom. — O sorriso dele foi largo e demonstrou alívio. — Tinha medo que ela pensasse que eu a estava abandonando.

Deus, ela achara que esse homem ficava bonito de terno, mas hoje, com uma camisa de moletom cor de vinho e calças jeans desbotadas, que aderiam às suas coxas musculosas, ele estava de tirar o fôlego.

Seus ombros pareciam ter um quilômetro de largura por baixo da camisa, e ele levantara as mangas para revelar antebraços musculosos cobertos por pêlos negros e sedosos.

Como ela não percebera, nesses últimos dias, o quanto ele era alto? Ela própria media quase l,80m, e quase não batia em seu queixo, de modo que ele devia ter quase l,95m.

— Os seus pais são altos? — perguntou ela.

Uma sobrancelha escura se levantou numa expressão que ela já vira muitas vezes, como se ele não tivesse certeza de como a conversa tomara essa direção.

— Meu pai é. Minha mãe tem altura normal, mas tem três irmãos e todos medem mais de l,90m. — Ele estendeu uma das mãos e tocou o ombro de Lynne. Você também é alta. De onde veio a sua altura?

— Meu pai. Minha mãe mede apenas 1,57m. — Ela tentou rir. — Não é fácil ser a menina mais alta da turma. Eu era mais alta do que minha irmã mais velha antes de sairmos da escola fundamental.

— Gosto de mulheres altas. Minha namorada de escola era capitã do time de basquete.

— Nunca joguei basquete. Os treinadores sempre tentavam me convencer a entrar para o time, mas nunca me interessei. Eu era dançarina. Durante muito tempo sonhei em me candidatar a uma das grandes companhias de bale. Mas finalmente aceitei o fato de que ninguém vai querer uma bailarina que é mais alta e pesada que todos os homens que terão de levantá-la.

— Você não é mais pesada do que qualquer homem que eu conheça.

— Err...

Brendan? Sem querer ser rude, posso perguntar como você saberia quanto eu peso? Até onde você sabe, posso pesar uma tonelada.

— Sem chance. — A mão que estava tocando seu ombro apertou a junta frágil e, como antes, ela ficou imediatamente cônscia do quanto a mão daquele homem era grande, e do quanto de sua pele a mão poderia cobrir caso ele estendesse os dedos.

— Você é magra — sentenciou, correndo o polegar de sua clavícula até a linha de seu queixo. — Na verdade, eu diria que você é quase magra demais.

— Eu não sou! — Imagine se ele a tivesse conhecido quando ela era modelo. E, então, notou o sorriso levantando as pontas dos lábios de Brendan. Ela cerrou o punho e deu um soquinho leve no ombro dele.

— Está me provocando.

O sorriso ficou ainda mais largo.

— Espero que sim.

Espero que sim. Ele teria dito isso com duplo sentido? Ela estava tendo dificuldade de pensar. Qual seria a sensação de ter aqueles lábios em contato com os seus? De ter aquelas mãos correndo por sua pele, pressionando-a contra aquele corpo grande e rígido?

— Gostaria de poder ver seu rosto — disse num tom intenso.

— Por quê? — perguntou, quase sem fôlego.

Ele virou sua palma para amparar a lateral do rosto de Lynne.

— Eu daria tudo para saber como são os seus lábios.

O coração de Lynne disparou. E antes que conseguisse pensar em todos os motivos pelos quais aquela era uma má idéia, ela segurou o dedo indicador dele e o levou até os lábios.

Em silêncio, Brendan correu o dedo pelos lábios de Lynne, enquanto ela se mantinha imóvel, hipnotizada pela sensação estranhamente íntima de senti-lo tocar seu rosto. Brendan correu o dedo pelos lábios de Lynne e, então, o moveu até o queixo, deixando-o por alguns instantes na covinha que ela sempre detestara. Então, ele prosseguiu, tocando-a ao longo do queixo ate a orelha, onde circulou a concha frágil e em seguida puxou levemente o lóbulo. Ela estremeceu, e ele deixou a orelha para explorar a parte posterior de sua cabeça. Ela penteara os cabelos num coque intrincado do qual gostava porque continha os fios rebeldes por longas horas. Ele correu suavemente a mão por todo o coque até achar a ponta, que ficava sobre o pescoço. Enfiou a mão por baixo do nó de cabelos e a pôs em concha em sua nuca. Lynne sentiu que vacilava na direção dele, mas antes que pudesse completar o movimento a mão de Brendan movia-se de novo para a frente, até sua têmpora, cruzando o espaço amplo de sua testa macia para, então, descer a ladeira curta e reta de seu nariz. Ele penteou as sobrancelhas de Lynne, fazendo seus olhos tremerem... E, então, a mão se foi. Ela abriu os olhos.

— Obrigado. Desculpe se me demorei.

— Não há de quê. — Sua voz soou normal, comparada com os sentimentos que ainda fervilhavam dentro dela.

O principal desses sentimentos era decepção. Ela ansiara por um beijo dele. Estava patética, ridiculamente encantada com seu vizinho de menos de uma semana. E ele, ainda que pudesse estar interessado nela, como uma fêmea disponível, decerto não parecia sofrer os mesmos efeitos que sua simples presença provocava nela.

— Descobri que se pedir às pessoas que descrevam a si mesmas, elas costumam ser muito pouco prestativas. Consigo uma imagem mais precisa tocando nas pessoas.

Portanto, ele fazia isso com freqüência. Ou, se não com freqüência, pelo menos quando estava conhecendo alguém.

É como braile para ele, disse a si mesma. Não necessariamente significara mais nada. Foi apenas sua maneira de aprender um pouco mais a meu respeito. 0 que na verdade é absolutamente justo, considerando que eu sei como ele é.

Lynne sentia-se vazia como um balão de gás furado.

— Bem, agora você sabe. Nada extraordinário. — Ela pegou a mochila. — Está pronto para ir?

As sobrancelhas haviam feito aquele movimento engraçado de novo ao ouvi-la, mas ele respondeu simplesmente:

— Claro.

Ela caminhou na frente até seu pequeno utilitário esporte. Depois de um momento de hesitação, ele perguntou:

— Onde devemos colocar os cachorros?

— Eles podem ir atrás juntos, se você puser um cobertor no banco para protegê-lo dos pêlos. Há alguma maneira de impedir que eles sejam jogados para a tente, caso tenhamos um acidente?

Tenho uma rede de carga que se estende de lado iado logo acima do banco traseiro. Isso funciona?

— É perfeito. A escola nos ensina a colocá-los no piso, aos nossos pés, mas a maioria dos alunos que conheci discordava, alegando que é perigoso demais, no caso de uma colisão frontal.

Brendan removeu a guia de Cedar e deu uma palmadinha na parte interna da porta.

— Pulem.

Ambos os cães saltaram para dentro do utilitário.

— Se estivéssemos indo para mais longe, eu os deixaria num canil, para ficarem em segurança, mas o campo de batalha não é muito longe daqui.

Enquanto ela caminhava até o lado do motorista, ele correu uma das mãos pelo lado do passageiro até alcançar a porta, e ambos sentaram ao mesmo tempo.

— Opa — disse ele quando os joelhos praticamente bateram em seu nariz. — Alguém bem menor do que eu sentou aqui da última vez, não é?

Ela riu.

— Mamãe veio comigo para me ajudar na mudança. Você vai achar uns botões automáticos na lateral do banco.

— Tome — disse ele dando a ela um estojo com um CD. — Este é o passeio do campo de batalha. Saia na 116 em direção à Fairfield and Reynolds Avenue. Começamos a uma pequena distância da cidade à sua direita, logo depois do Seminário Luterano.

Lynne seguiu as instruções e achou com facilidade a estrada certa. Quase imediatamente depois a vista se abriu para uma deslumbrante paisagem de campos e bosques. Canhões surgiam ocasionalmente em pequenas formações, e ao longo das estradas havia várias placas e estátuas. Alguns quilômetros diretamente à frente, um monumento grande, cercado por largos degraus de pedra, invadia a paisagem verde, ainda adorável naquele começo do outono. O Peace Light Memorial, explicou Brendan.

— Deve haver um recuo na estrada mais ou menos por aqui — disse Brendan. — Se você parar ali, poderemos colocar o CD e iniciar o passeio. O CD vai conduzir nosso percurso.

— Quantas vezes você fez isso? — perguntou Lynne.

— Menos de uma dúzia, mas o bastante para estar bem familiarizado com o caminho. Servi de guia aos meus amigos, à família de minha irmã, a amigos que vieram me visitar, aos pais de meu sócio...

— Então, provavelmente, não precisamos do CD.

— Bem, precisamos sim. — Ele riu. — Gosto muito de História da Guerra Civil. Se me pedir para narrar, o passeio pode durar três dias em vez de três horas.

Eles conversaram pouco enquanto Lynne dirigia o carro. Duas vezes Brendan pediu que ela descrevesse um certo monumento ou cena. Freqüentemente ele acrescentou comentários pessoais.

Lynne ficou absolutamente envolvida com a saga .Ele lhe mostrou Cemetery Hill, onde as forças da mão reuniram-se depois de uma humilhante derrota no primeiro dia de batalha. Havia Peach Orchard, Wheatfield, Little Round Top; nomes que ela vagamente reconhecia de suas aulas de História dos Estados Unidos no ensino médio.

Ela sabia que iria se comover ao caminhar por um lugar onde tantos haviam morrido. Mas jamais esperava emocionar-se tanto com os monumentos erguidos para honrar os soldados. Lynne ficou particularmente impressionada com o memorial esculpido no cemitério que descrevia o general confederado Armistead tendo seus ferimentos letais tratados por Henry Bingham, capitão da União. Lynne chorou quando Brendan lhe contou sobre a amizade desenvolvida entre Armistead e o oficial de comando de Bingham, o general-de-divisão Winfield Hancock.

Mas o monumento do qual ela mais gostou foi o do estado da Virgínia, com seus soldados de patentes diversas reunidos na base e a escultura impressionante de Robert E. Lee montado em seu cavalo Traveler no topo da coluna.

— Dizem que é a representação que faz mais jus a Lee — comentou Brendan num tom quase reverente.

— Você não estava exagerando quando disse que sabia muito sobre este lugar.

— Ele me fascina desde que eu era criança. Como estive aqui muitas vezes antes do meu acidente, ainda lembro de algumas coisas.

— Como isso funciona? Digo, sua memorial —Eis se calou por um instante para formular seus pensamentos. — Você ainda tem lembranças claras ou elas se desgastaram com o tempo?

— Ainda tenho lembranças. Mas com o passar do tempo elas ficaram um pouco desbotadas. Pense numa pintura impressionista. Tenho o contorno geral e a idéia, mas os detalhes estão sumindo. Uma das primeiras coisas que se desintegrou foi a caligrafia.

— Mas como você assina cartões de crédito e documentos?

— Não costumo usar cartões de crédito. Eles podem ser trocados, clonados ou ter seus códigos copiados bem na minha frente e jamais ficarei sabendo. Ando com dinheiro vivo sempre que posso, e faço muitas compras por catálogo e em lugares onde estabeleci relacionamentos e tenho uma conta mensal. Quanto a documentos, que, sendo advogado, preciso assinar com freqüência, tenho um cartãozinho chamado guia de assinatura que me ajuda a escrever em determinado espaço. Se você usar um com freqüência, sua memória muscular ajudará a manter uma assinatura legível e consistente.

Não havia raiva ou mesmo resignação em sua voz, ele estava simplesmente comentando um fato. Mais uma vez ela ficou maravilhada com o quão pouco de sua vida parecia prejudicada por sua deficiência visual. Apesar do considerável número de mudanças que ele tinha sido forçado a enfrentar, ele superara a maioria dos problemas com engenhosidade e elegância.

Ao longo da Emmitsburg Road, onde os soldados confederados tinham sido obrigados a realizar um ataque suicida atravessando um campo aberto, subindo uma colina e passando por fortificações temporárias da União, Brendan contou-lhe que fotografias do local depois da batalha mostravam homens enfileirados no chão, onde tinham sido abatidos.

— Foi insano. As tropas da União estavam no alto da cadeia de montanhas à sua frente. Elas esperavam os rebeldes chegar bem próximo e então abriam fogo. Insano — repetiu, pesaroso. Ele contou sobre o ataque fútil de Pickett, depois do qual Pickett retornou a Lee com amargura e raiva. — Lee mandou que ele preparasse sua divisão para um contra-ataque — disse Brendan. — Pickett respondeu: "General, eu não tenho uma divisão."

Eles saíram do carro algumas vezes para examinar monumentos erigidos por estados para honrar seus mortos. Lynne chorou novamente ao ver o tributo à Brigada Irlandesa, uma linda cruz celta com um wolfhound irlandês, uma Has baixas da batalha, deitado em sua base.

Em Devil's Den, Brendan insistiu que eles escalassem as rochas. Eles deixaram Feather no utilitário, mas Lynne ficou surpresa em ver a competência com que Cedar conduziu Brendan através do emaranhado de rochas até o cume.

— Estou virado em que direção? — perguntou ele. — Parece Norte ou Nordeste.

Ela pensou por um momento enquanto cerrava as pálpebras para proteger os olhos do sol de fim de outono.

— E é. Como sabia?

— O sol está no meu rosto.

Ele a segurou pelo ombro e a virou para posicioná-la levemente para o Leste, enquanto ele começava a explicar os movimentos de tropas e ataques que determinaram o resultado da batalha.

— Se a União tivesse perdido Little Round Top, os Confederados poderiam ter tomado Gettysburg. Na verdade, considerando a liderança soberba do general Lee e a falta de um general da União realmente forte e determinado, é muito provável que isso tivesse acontecido. O resultado da guerra poderia ter sido diferente. E se Lee tivesse aceitado o pedido de Lincoln para liderar o Exército da União, eu, sinceramente, duvido que ainda houvesse uma guerra acontecendo em 1863.

O rosto de Brendan estava animado, o sol iluminando seus olhos azuis. Ela examinou seu rosto, querendo tocá-lo como ele tocara o seu há algumas horas. Querendo mais que isso. Ela estava extremamente consciente de seu braço, que deslizara de seu ombro por suas costas e agora estava pousado em torno de sua cintura. Mesmo através do tecido de suas roupas, ela sentia sua mão imensa.

— Lynne? — disse Brendan. — Meu Deus, sinto Muito. Sou tão chato assim?

— Não! — exclamou, acordada de seus devaneios sensuais. — Você não é nem um pouco chato. Eu só estava tentando... visualizar.

— E conseguiu? — Ele se virará para ela e estava bem mais próximo de seu espaço pessoal do que ficaria um homem dotado de visão.

— Mais ou menos — respondeu ela, ofegante, quase para si mesma. — Acho que deveríamos descer e seguir em frente.

— Tem razão.

Seria arrependimento o que estava ouvindo na sua voz dele?, perguntou-se enquanto escolhia cuidadosamente um caminho entre as rochas para o homem e o cachorro. Se Brendan tivesse alguma idéia do quanto ela estava interessada nele! Era bobagem ser tão obcecada com um homem. Quanto mais tempo Lynne passava com Brendan, mais ela queria estar com ele.

Passaram quase cinco horas no campo de batalha, e ela poderia ter passado mais cinco. Ela levara maçãs e sanduíches de presunto, e eles pararam para lanchar sentados na parte traseira do utilitário. Quando o sol começou a descer para as montanhas que os cercavam, ela dirigiu de volta para casa.

— Obrigada — disse Lynne depois que eles haviam subido a escadaria até seu andar. Ela parou no centro do corredor, a meio caminho entre suas portas. — Foi absolutamente fascinante.

— Estou feliz por você ter gostado. Algumas pessoas não estão nem aí para a história da região.

— Não posso imaginar como alguém não acharia isso interessante. Da próxima vez, em vez de ouvir um CD, vou ouvir você o percurso todo.

Assim que as palavras saíram de sua boca, Lynne quis imediatamente afundar no chão. Ele não indicara, de forma alguma, que desejava passar mais tempo em sua companhia. Mas Brendan abriu um sorriso.

— Negócio fechado. — Seu relógio anunciou a hora, algo com que ela estava começando a se acostumar. — É melhor eu ir. Tenho planos para um jantar esta noite.

— Tudo bem. — Jantar marcado. Seria uma dica para ela se afastar? — Eu também preciso ir. Eu...

— Lynne. — Ele a parou encostando um dedo em seus lábios. — Obrigado. — Ele pegou sua outra mão e a levou até os lábios.

Uau. Se ele estivesse tentando, não poderia fazer nada mais garantido de derretê-la toda do que beijar sua mão.

Ela não disse nada enquanto seus lábios quentes acariciavam com firmeza as costas de sua mão; não seria capaz. Brendan recuou um passo e a soltou.

— A gente se vê depois. — Então, ele balançou a cabeça e sorriu. — Falando figurativamente.

Foi só porque não conseguiu dormir naquela noite que ela o ouviu chegar em casa um pouco antes da meia-noite. Puro acidente, disse a si mesma, o fato de ter levantado da cama para fazer uma xícara de chá e ter decidido sentar na sala de estar e fazer sudokus até ficar sonolenta. E ela não o viu no domingo, embora o tenha escutado sair e retornar à tarde, depois que ela chegara da igreja. Ela também não o viu na segunda-feira.

Mas na manhã de terça-feira seu telefone tocou um pouco depois dela ter acordado. Ela parou no meio de seu Pilates e atendeu ao telefone.

— Alô.

— Oi, Lynne, é Brendan. — Ela já sabia, tinha visto seu número na tela do identificador de chamadas.

— Você estaria interessada em ficar com Feather em algum momento desta semana?

— Eu adoraria. Tenho achado a casa estranha e silenciosa depois que me acostumei a ter um cachorro aqui.

— Sei como você se sente. Certa vez, Feather precisou passar a noite na veterinária. Não foi divertido ficar sem minha parceira, mas foi bem mais do que isso. Foi como ficar longe de um parente. Eu odiei.

— Fez uma pausa. — Bem, tenho de ir. Semana cheia. Vou levá-la em um minuto.

Ela mal tivera tempo de enxugar o rosto com uma toalha quando ouviu a campainha.

— Oi — disse ela, abrindo a porta.

— Oi. — Ele sorriu. — Mil obrigados. Eu a deixei sozinha em casa ontem e ela passou a noite inteira deprimida.

— Se você quiser, ela será bem-vinda para passar a semana inteira aqui.

Para surpresa de Lynne, ele fez que sim com a cabeça.

— Eu realmente gostaria muito disso. Odeio deixá-la sozinha o dia todo, vendo-a apenas em minha rápida passada aqui na hora do almoço.

— Tenho certeza disso.

— Fantástico! Tome mais comida de cachorro. Preciso ir. Ligue pra mim se tiver qualquer dúvida ou problema.

Dias antes Brendan dera-lhe seu cartão de visitas.

— Não vamos ter problema algum. Tenha um bom... dia. — Esta palavra foi dita para as costas de Brendan, enquanto ele dava um comando a Cedar e os dois caminhavam para a escadaria.

Bem, ele não devia estar exagerando quando dizia que estava ocupado.

Terça à noite Lynne compareceu a uma reunião do grupo de apoio comunitário da biblioteca e, prontamente, foi recrutada para ser tesoureira, porque a mulher que ocupava o posto acabara de sofrer um acidente.

— É temporário — assegurou o presidente. Contudo, o vice-presidente piscou para ela.

— Foi o que me disseram dez anos atrás — confidenciou.

Feather ficou empolgada ao vê-la retomar, ainda que não tivesse passado fora nem mesmo uma hora. Ela ficou um pouco surpresa ao notar que Brendan não telefonara para saber sobre a cadela, mas presumiu que ele estivesse com trabalho até o pescoço.

Na manhã de quarta-feira ela fez sua rotina de exercícios em casa e, em seguida, saiu para correr na Taneytown Road. Ela passou pelo Setor de Visitantes do serviço do parque e pela extremidade sul do campo de batalha.

Brendan contara que durante os três dias de combate, em julho de 1863, houvera embates e escaramuças, sem contar a grande batalha final, praticamente em toda a periferia da cidadezinha. Naquela época, Gettysburg era um centro importante, com cinco estradas convergindo para ela. Com exceção de uma, todas contornavam ou cruzavam alguma parte do campo de batalha.

Segundo uma placa, a Rota 15 não ficava muito longe. Achou melhor retornar. Ela também vira uma placa para a fábrica da Boyd's Bear e um shopping center de ponta de estoque, e era melhor manter-se o mais longe possível desses dois lugares.

Enquanto retornava,'reduziu o passo e caminhou pelo último quarteirão até sua casa. Assim que chegou, seguiu para o chuveiro e para a balança. Ainda tinha o hábito de manter uma vigilância rígida sobre o peso. Contudo, ultimamente sua preocupação era exatamente a oposta daquela de seus tempos de modelo. Agora tomava o cuidado de comer o suficiente para manter o peso saudável que adquirira ao desistir da carreira.

E Brendan achava que ela era magérrima agora. Imagine se ele a tivesse conhecido antes...!

Brendan telefonou enquanto Lynne almoçava. Mas pareceu apressado, e quando ela comentou que Feather estava bem, Brendan agradeceu e encerrou a conversa.

Na quinta e na sexta-feira o mesmo padrão se repetiu. Na noite de sexta, ela estava sentindo uma pontada de decepção. Ele não chegara em casa às 19h. Ela concluiu que Brendan queria que ela ficasse com Feather até o sábado. Então, Lynne ouviu os passos de Brendan no corredor.

Levantou-se abruptamente do sofá no qual estivera enrodilhada lendo um livro. Feather, deitada ao seu lado, pareceu alerta, mas não se levantou.

E um momento depois, enquanto Lynne estava parada no meio da sala, tentando decidir o que diria quando abrisse a porta, ela ouviu a porta de Brendan ser aberta.

E ser fechada.

Muito bem, parecia que ele não estava muito ansioso para ver Feather, e muito menos ela.

Ele não disse que passaria aqui para ver você.

Isso era verdade. Mas eles haviam se divertido tanto juntos no sábado anterior! Ela não imaginara a química entre eles, imaginara?

Irritada consigo mesma, foi até a cozinha e espalhou os relatórios financeiros da Amigos da Biblioteca. Eles haviam garantido que ser tesoureira do grupo não daria muito trabalho, mas se precisava autorizar pagamentos para uma organização sem fins lucrativos, ela pretendia ler tudo para compreender o que estava fazendo.

Brendan telefonou na manhã de sábado, quando Lynne fazia alongamento para se preparar para mais uma corrida.

— Bom dia! Aposto que você pensou que eu havia abandonado a minha cachorra.

— De jeito nenhum. Você disse que teria uma semana cheia. — E ele realmente dissera, mas ela não esperara que Brendan sumisse da face da Terra por cinco dias.

— Estou me preparando para um julgamento. Mal tive tempo para comer.

Houve uma breve pausa. Ela pensou em várias respostas, mas antes de decidir por uma o silêncio prolongou-se desconfortavelmente.

— Você tem planos para hoje? — perguntou num tom que parecia indicar que ele não achara seu silêncio estranho.

— Não. Meu único plano é correr esta manhã. Pensei em visitar a fábrica da Boyd's Bears esta tarde. Colecionar ursinhos de pelúcia não faz meu estilo, mas estou começando a planejar as compras de Natal, e minha sobrinha ia adorar ganhar um.

— Natal — resmungou ele. — Não me diga que você é uma daquelas — disse num tom de galhofa.

— Uma daquelas o quê?

— Uma daquelas pessoas organizadas que passa o mês de dezembro inteiro tranqüila enquanto o restante de nós tenta freneticamente comprar o que falta.

— Sou, admito. Não há nada que eu odeie mais do que fazer compras em lugares cheios.

— Concordo. Já é muito difícil percorrer os corredores guiado por um cachorro. Tente fazer isso nas semanas antes do Natal e verá que é quase impossível. Mas não foi por isso que liguei.

— Não achei que fosse. — Ela estava se sentindo mais feliz simplesmente por ouvir a voz dele. — Deixe-me adivinhar. Quer sua cachorra de volta?

— Não — respondeu. — Bem, eu quero, mas também não foi por causa disso que liguei. Gostaria de sair comigo para jantar esta noite?

Um encontro? Ele a havia convidado para um encontro? Pega de guarda baixa, Lynne não respondeu imediatamente.

— Lynne? — Ela achou notar um tom de incerteza em sua voz habitualmente segura. — Sei que provavelmente estou perguntando muito em cima...

— Eu vou adorar jantar fora com você esta noite — Lynne apressou-se em responder. — Tem algum lugar em mente?

— A Dobbin House. É um restaurante local que serve refeições do século XIX num ambiente de época.

— Eu vi os anúncios e pensei que valeria a pena. Você vai lá freqüentemente?

— Não. — A voz dele alterou-se sutilmente, tornando-se um pouco mais séria. — Não costumo ir muito.

O que tinha sido aquilo? O clima mudara claramente.

— Devo estar pronta a que horas? — Ela não queria que ele mudasse de idéia.

— Que tal às seis e meia?

— Seis e meia, então. Esperarei ansiosamente.

— E eu também. Senti falta de ver você esta semana. — Seu tom estava caloroso novamente, e por um momento ela julgou ter imaginado aquela mudança breve. — Nos vemos então.

Lynne desligou o telefone, ficou de pé ao lado dele por um momento, e então começou a dançar como uma boba pela cozinha. Ele tinha estado atarefado! E disse que sentira falta dela!

O resto do dia passou muito devagar. Ela lavou os cabelos e passou um longo tempo na banheira. Ela se permitiu muito tempo porque seus cabelos demoravam bastante para secar, mesmo quando usava um secador.

Seu grande dilema foi o que vestir. O que era interessante.

Vestir-se para sair com um cego. Se ele a tocasse, ela queria que ele achasse atraente a sensação provocada pelo tecido. Caso ele pudesse enxergá-la, ela também teria tomado mais cuidado com a maquiagem, mas se limitou a hidratar a pele e colocar um pouco de protetor labial. Ela estava naquela cidade para iniciar uma vida normal e, quanto menos se parecesse com sua antiga personalidade, menores seriam suas chances de ser reconhecida.

Deveria contar a Brendan. Logo. A esta altura ele a conhecia bem o bastante para que sua vida antiga não se tornasse um empecilho em seu relacionamento. Mas ela o conhecia há apenas uma semana e meia, lembrou a si mesma. Não era como se estivesse guardando de propósito um segredo. Ela simplesmente ainda não tivera uma boa oportunidade de abordar o assunto.

Finalmente eram seis e meia. A campainha tocou e ela se forçou a caminhar — e não correr — da cozinha onde estivera sentada esperando até a porta.

— Oi — disse ao abrir a porta.

— Oi. — Ele estava segurando um enorme buquê de rosas de tons extraordinários de vermelho, pêssego e laranja, acompanhadas por algumas pequenas flores brancas, um verdadeiro nascer do sol em sua mão livre, que ele estendeu para ela. — São para você.

— Brendan! — Ela falou. — São maravilhosas!

— Que bom. A mulher na floricultura descreveu vários arranjos diferentes para mim. Este soou bonito.

— É absolutamente deslumbrante — ela assegurou.

— Obrigado. — Eles ainda estavam de pé na porta, e ela recuou um passo.

— Por favor, entre enquanto eu pego um vaso para colocá-las na água.

Ela correu até a cozinha e tirou de um armário um grande vaso de vidro enrugado. Ela colocou os cabos das rosas debaixo d'água e cortou-os rapidamente. Em seguida, dispôs as lindas flores no vaso.

Brendan seguira-a até a cozinha. Enquanto ela pegava o vaso para carregá-lo até a sala de estar e colocá-lo na mesinha de centro estreita, ele perguntou:

— O que você está usando?

— Roupas ou perfume?

— Ambos. — Ele sorriu. — Você está com um perfume delicioso, que me deixou curioso sobre como está vestida. Descreva-se para mim.

— Não estou usando perfume. Você deve estar sentindo o cheiro de meu sabonete. Acho que era lírio do vale. Descrever-me? Bem, sou alta...

— Eu já sei disso. — Seu tom foi seco. — E magra.

— Esbelta — disse ela severamente. — Meus cabelos são longos e realmente lisos... — O que mais ela poderia dizer?

— De que cor?

— Louros. Bem claros. Meus olhos são azuis e minha pele bem clara, quando não estou bronzeada. Sem maquiagem, sou praticamente translúcida.

— Difícil de imaginar — murmurou ele. — Continue.

— O que mais você quer saber?

— Cabelos... qual o comprimento exato deles quando os deixa soltos.

— Anos atrás eles desciam quase até a minha cintura. Agora eles descem até um pouco abaixo dos meus ombros. Estou tentando deixar que cresçam um pouco mais.

— Parecem bonitos.

Muito mais bonitos do que ruivos e cacheados, como ela os usava quando era modelo. Por um momento ela ficou horrorizada com a possibilidade de ter dito isso em voz alta, mas como a expressão de Brendan se manteve inalterada, ela deixou escapar um suspiro de alívio.

— Tenho pés grandes para uma mulher — admitiu.

— É normal para pessoas altas. É tão difícil achar meu número que muitas vezes mando fazer sapatos sob medida. Conte-me sobre seu rosto.

— Meu rosto? O que tem ele? — Estava intrigada, e um pouco desconfortável por ser o foco de sua atenção daquela forma. Estava acostumada a ter seus atributos físicos analisados, mas jamais ninguém lhe pedira para ela mesma fazer isso. Também estava acostumada com as pessoas observarem seu corpo, mas isso jamais a afetara num nível pessoal dessa forma.

— Qual é a forma dele?

— Forma? Não sei. Acho que comprido e magro. Oval, talvez?

— E eu já sei que você tem malares altos e uma covinha linda no queixo.                              — Covinha que eu detesto.

— Por quê? É sexy. Agora me diga o que está usando.

— Uma saia comprida e uma blusa de seda. Estou com um casaco de veludo no encosto do sofá para usar esta noite. Sei que está quente para novembro, mas está frio para uma blusa fina.

— Você se importa se eu tocar suas roupas?

— Não me importo. — Ela segurou um pedaço da saia e o guiou até a mão dele.

— Hum... Parece camurça.

— Não. Eu acho que é poliéster escovado.

Então a mão de Brendan subiu pela dobra da saia que ela lhe estendera. Ele correu a palma levemente sobre o quadril dela até suas costas, e esfregou um pequeno círculo em sua blusa.

— Uau — disse ele. — Seda. Parece maravilhoso. Ela não tinha uma resposta imediata para ele. Seu corpo se enrijecera em antecipação ao contato de seus dedos, e ela estava quase tremendo. Bendito céu, o homem era poderoso! Se ele podia fazer isso com apenas o toque das pontas dos dedos, como seria se.... Pare com isso, Lynnel Mais uma vez, ela lembrou a si mesma que não estava procurando um relacionamento.

Ela tivera muitas oportunidades para isso quando trabalhara como modelo; e nenhum homem lhe interessara seriamente depois de Jeremy.

Até agora.

Certo, então Brendan era lindo, sexy demais para ter permissão de andar por aí e tinha uma conversa mais agradável do que qualquer pessoa que ela já conhecera. Isso não significava que ela ia se atirar sobre ele. Obviamente não.

Como era uma manhã de temperatura amena para novembro e o tempo estivera limpo e seco durante toda a semana, eles decidiram caminhar os poucos quarteirões até a Dobbin House.

Brendan deixara Cedar em casa, sabendo o quanto seria difícil o cachorro ficar fora do caminho das pessoas num restaurante.

— Pisaram no rabo do coitado todos os dias desta semana durante meus almoços de negócios — explicou Brendan.

Brendan carregava uma bengala branca, e ela ficou surpresa em ver a facilidade com que ele percorria as calçadas irregulares da velha cidade.

— Se eu não pudesse ver aonde vou, provavelmente ficaria com os joelhos ralados de tanto cair.

— Às vezes isso acontece. Mas como tomo muito cuidado nessas calçadas irregulares, geralmente não me machuco. Mas sempre preciso me concentrar, esteja com o cão-guia ou usando uma bengala.

— Como você aprendeu a usar a bengala? Você freqüentou alguma espécie de escola depois do acidente?

— Não. Na Pensilvânia, o Departamento de Cegueira e Serviços Visuais designa para você um "treinador em domicílio". Infelizmente, os instrutores são designados segundo a caixa postal do deficiente visual, e nem todos são bons. De qualquer modo, só tive três aulas.

— Três aulas!

— Sim. — Ele resfolegou. — Tenho sorte. Minha família possuía recursos para contratar uma instrutora particular por seis semanas. Ela foi imensamente útil.

— Eu não consigo imaginar. — Como ele se manteve em silêncio, ela teve de perguntar: — De que forma?

— Ela me ensinou como as coisas seriam mais fáceis se eu aprendesse braile. Muitas pessoas que ficam cegas na idade adulta jamais aprendem. Mas agora tenho um marcador de rótulos especial e posso colar etiquetas em todas as minhas roupas para saber quais combinam entre si, quais são os temperos em cada frasco, coisas assim. Aprendi a usar um leitor de tela, que traduz mensagens digitadas, como e-mails e páginas da Internet, e tenho alguns aparelhos que facilitam minha vida, como meu relógio falante. Você nem imagina todas as coisas que existem agora no mercado para cegos, embora a maioria não seja realmente necessária.

— Qual foi o seu maior desafio? Ele nem hesitou.

— Eu tive de me acostumar a usar muito mais meu tato e a decorar coisas como distâncias e a posição dos móveis. Ouvir padrões de tráfego é outra habilidade cujo domínio exige muita concentração.

— E quanto às pessoas? É frustrante tentar desçobrir quem está falando com você?                          

— Não costuma ser. — Com a bengala, ele encontrou a ponta do meio-fio, e parou no instante em que ela estava para segurar seu braço. — A não ser quando é alguém que eu não vejo há anos, descobri que sou muito bom em reconhecer as vozes das pessoas.

— Eu acho que você é extraordinário — disse ela com sinceridade. — Acho que nenhum de nós sabe como reagiria diante de coisas como aquelas pelas quais você passou. Mas eu jamais poderia fazer o que você faz.

— Estou apenas vivendo — disse ele.                

— Sozinho — completou ela. — Independentemente. Você se sustenta, cuida de dois animais.

— A gente faz o que precisa fazer—disse ele. — Se você me perguntar se eu teria conseguido lidar com a cegueira quando era adolescente, eu nem preciso pensar no assunto. Certamente não teria conseguido.

— Se você diz... — comentou ela, sem acreditar completamente. Ela fora sincera ao dizer que o considerava extraordinário. Quanto mais se acostumava com Brendan, mais Lynne tinha dificuldade de lembrar que ele era cego. Ele era apenas... Brendan.

Então, eles chegaram ao restaurante, e ela o conduziu cuidadosamente através da entrada. Depois que penduraram seus casacos, a garçonete começou a conduzi-los até uma mesa. Então ele se virou para ela.

— Posso segurar seu braço? Você poderia me guiar até nossas cadeiras.

— Claro. — Ela nem hesitou. — Bem... direito ou esquerdo?

— Esquerdo. Chama-se isso de técnica do "guia com visão". Simplesmente mantenha o braço perto do seu tronco e me permita colocar a mão sob o seu cotovelo. Dessa forma você estará um passo à minha frente, e eu poderei saber se estamos nos movendo para a frente ou para trás, subindo ou descendo degraus e rampas. E você poderá me impedir de ficar me chocando contra as coisas.

— Certo. — Ela se colocou na posição e esperou que ele segurasse seu braço esquerdo.

Brendan levantou a mão direita e procurou o cotovelo de Lynne. Ao fazer isso, os dedos de Brendan roçaram nas costelas de Lynne e no lado de seu seio.

Uma rajada de calor trespassou o corpo de Lynne, que jurou ouvir um estrondo de trovão. Ela fechou os olhos. Será que algum dia em sua vida ela estivera tão fascinada por um homem?

— Lynne?

A voz dele soou grave e próxima à orelha de Lynne. Ela virou a cabeça para ver sua boca a poucos centímetros de sua orelha. O que ela teria dado para eliminar esse espaço de centímetros entre eles! Lynne pigarreou, determinada a tirar Brendan de seus pensamentos e voltar a se concentrar no jantar.

— Eu estava apenas esperando a garçonete nos levar até a mesa — justificou-se Lynne, começando a caminhar.

Ela parou quando ele estava ao lado de sua cadeira.

— A cadeira está diretamente à sua esquerda. O encosto está perto da sua mão esquerda.

Ele estendeu a mão e segurou o encosto da cadeira, acomodando-se com facilidade enquanto ela caminhava até sua própria cadeira no outro lado da mesa. Mas quando olhou para Brendan, seu rosto estava franzido na expressão mais irritada que Lynne vira desde que ele tropeçara nas caixas, uma semana antes.

— Qual é o problema? Ele deu de ombros.

— Nada. — Houve um momento de silêncio tenso e, então, ele suspirou. — Às vezes fico irritado quando não consigo fazer coisas que deveria num encontro, como puxar a cadeira para você. Ou abrir portas.

— Eu não gosto dessas coisas — garantiu Lynne. — Inclusive, ficaria ofendida se você pudesse enxergar, mas você é egocêntrico a ponto de não notar isso.

Brendan soltou uma risadinha, e suas feições relaxaram.

— Do jeito que você fala, está acostumada com homens assim.

— Você não conseguiria imaginar quantas vezes eu saí com um homem apenas para me sentir tratada como... um acessório — disse Lynne, pensando em muitas de suas noites mais tediosas ao lado do play-boy mimado que a estivesse caçando na época. Houve um silêncio curto.

— Aposto que você saiu com muitos homens "egocêntricos" — disse Brendan, um tom de curiosidade na voz.

Lynne ficou chocada ao compreender que ela quase esquecera que Brendan jamais a tinha visto, que ele não fazia idéia de quem ela havia sido.

— Não tantos — disse ela, tentando minimizar o dano. — Talvez eu apenas lembre desses homens com clareza porque tive encontros péssimos com eles.

— E quanto aos encontros bons?

— Bons? Eu tive alguns também.

— Algum em particular? — Seu tom foi leve, embora Lynne tenha detectado uma intensidade que ela não conseguiu definir completamente.

— Houve um homem que eu imaginei que seria um príncipe, mas acabou se revelando um porco.

— Sapo — corrigiu-a Brendan. — No conto de fadas, a heroína beija um sapo.

— Eu sei, mas esse foi, definitivamente, um porco.

— O que ele fez para merecer essa alcunha?

Ela escolheu cuidadosamente as palavras, pensando em como conhecera Jeremy numa festa depois de um grande desfile em Paris.

— Eu o conheci quando era jovem e ainda um pouco impressionável. Ele era inglês, e rico. Muito rico, e eu creio que sua família tinha certas expectativas para ele. Pensei que ele me amava, mas acabei descobrindo que ele gostava mais da forma como eu adornava seu braço do que do tipo de pessoa que eu era.

— Como descobriu isso?

Lynne torceu a boca e se obrigou a respirar com calma. Jeremy pertencia ao passado distante.

— Eu estava começando a sonhar em me casar com ele. Quando percebeu isso, ele colocou em termos bem claros que eu não era adequada para ser sua esposa. Mas que, apesar disso, ele ficaria mais do que feliz em me ter por perto depois que se casasse.

Brendan deixou escapar baixinho uma palavra que fez com que ela levantasse as sobrancelhas.

— Você merece mais que isso — acrescentou.

— Foi o que disse a mim mesma. — Reunindo coragem, ela disse: — E quanto a você? Alguma porca no seu passado?

Ele sorriu.

— Não. Nenhuma porca. Na verdade, o porco fui eu.

— Como assim? — Ela inclinou a cabeça, curiosa.

— Também já estive noivo.

Ele fez uma pausa, esperando por sua reação. Mas Lynne não disse nada, sentindo-se surpreendentemente ressentida por ele ter quase se casado. Um sentimento tolo, considerando que ela própria estivera perto disso. Quando percebeu que ela não iria dizer nada, ele prosseguiu:

— Bem, simplesmente não estava dando certo, e eu terminei. Ela não queria romper, mas eu insisti. Assim, acho que eu sou o porco.

— Você deve ter tido bons motivos. — Disso Lynne tinha certeza. Brendan não era o tipo de homem que magoaria alguém sem necessidade.

— Eles me pareceram bons na época.

Alguma coisa no tom de voz de Brendan fez Lynne perguntar:

— Mas agora você se arrepende?

— Eu me arrependi, depois, e por um longo tempo. Mas...

A garçonete chegou à mesa, e ele não terminou sua frase. A noite foi agradável; a refeição, interessante.

A garçonete usava saia comprida, avental e uma blusa de época. A comida foi preparada e servida como teria sido um século antes.

Enquanto comiam, os dois conversaram sobre trivialidades. Brendan claramente não estava mais interessado em fazer revelações pessoais, mas ela lamentou profundamente que ele não tivesse terminado aquela frase.

Contudo, ela não queria, fazer mais perguntas sobre o passado. Se ela continuasse a sondá-lo, ele poderia fazer perguntas que também seriam constrangedoras para ela.

E ela não queria falar sobre seu passado. Seria fácil deixar escapar alguma pista a respeito de que ela era, ou tinha sido, algo mais que uma garota comum. Ela iria contar a ele, prometeu a si mesma. Um dia.

Mas seria tão bom estar com alguém que não a tratasse como A'Lynne, a top model raiva da capa da Sports Illustrated.

Depois do jantar eles caminharam de volta até seu prédio.

— Quer entrar para tomar um café? — perguntou Lynne enquanto eles subiam as escadas.

— Ótima idéia. Eu adoraria.

Brendan entrou no apartamento de Lynne e sentou-se no sofá enquanto ela ia para a cozinha. Feather imediatamente apropriou-se de um lugar onde deitar — bem em cima dos seus pés. Enquanto trabalhava na cozinha, Lynne ouviu-o falar num tom gentil com a idosa cadela.

Alguma coisa em sua voz a fez lembrar da forma como seu pai falara com ela quando era pequena. Seu pai. Ela evitara pensar nele durante a última semana, mas o tom de Brendan derrubara suas barreiras mentais. Era possível dizer tudo a respeito do pai de Lynne, menos que ele era um tomem quê não amava suas filhas.

Ela suspirou. Por que ele se sentia compelido a casar de novo? Lynne queria que ele parasse de se unir legalmente a cada mulher que aparecia em sua vida. Não por causa de quaisquer direitos de herança dela e de sua irmã; Deus sabia que Lynne tinha dinheiro guardado suficiente para viver confortavelmente pelo resto da vida, e CeCe era casada com um engenheiro de desenvolvimento de sistemas, dono de uma empresa muito bem-sucedida. Josh era um homem maravilhoso que CeCe conhecera na faculdade e que a adorava e aos dois filhos do casal.

Hum... Isso era algo em que pensar.

Embora seus pais não fossem um exemplo para casamento, CeCe estava casada com Josh havia nove anos, e estavam juntos há quase 14. E eles eram o casal mais feliz que Lynne conhecia.

Mas por que ela pensara nisso? A última coisa de que ela precisava era pensar em casamento. Que bobagem!

Ela levou uma bandeja com café e xícaras até a sala de estar e colocou-a na mesinha antes de sentar no sofá a uma distância respeitável de Brendan.

— Entregaram seu piano? — ele perguntou, depois de pegar uma caneca fumegante.

— Entregaram! Mal posso esperar pela semana que vem, quando começam minhas aulas! — Ela estava se sentindo uma menininha, prestes a saltitar de entusiasmo. — Tenho praticado escalas e alguns exercícios que eu lembrava de minhas antigas lições.

— Logo, logo você vai ser uma pianista de concerto.

— Quem me dera. Já tocou algum instrumento?

— Trombone, na escola. Mas parei depois que entrei na faculdade.

— Nunca toquei nada numa banda, embora sempre tenha achado que seria divertido.

— E era. Minha escola era grande e minha band muito competitiva. Teve um ano que nós até marcha mos na Parada das Rosas.

— Puxa! Aposto que foi emocionante.

— Foi. — Ele riu. — Mas eu acho que esperar pela ocasião foi ainda mais. Passamos um ano e meio levantando dinheiro para irmos até lá.

— Parece que as suas recordações dos tempos de escola são boas.

— As suas não são? Ela sacudiu os ombros.

— Eu era mais alta que qualquer menino da minha turma do começo do sexto ano em diante. Mesmo no último ano, havia apenas alguns rapazes mais altos do que eu. Como não gostava de basquete, não tinha nada que me concedesse uma identidade. Eu amava bale, mas não era uma atividade na minha escola.

— Você deveria ter considerado tornar-se modelo. Altura é um pré-requisito para a profissão, não é?

Ai, meu Deus, é a deixa perfeita, pensou Lynne. Mas ela ainda não estava preparada para contar a ele. Brendan parecia gostar de sua companhia agora. Ele gostava simplesmente dela... Lynne. Depois que lhe dissesse quem era, ela não teria como saber se ele estava reagindo a ela ou à sua imagem.

— Eu devia ter pensado nisso — disse Lynne em tom casual.

Não era uma mentira, considerando que ela se tornara modelo puramente por acaso. Para ajudar a custear a faculdade, Lynne arrumara um emprego como caixa de banco. Certa vez, trabalhando num evento de caridade promovido pelo banco, Lynne chamou a atenção de um fotógrafo, que bateu uma foto dela.

— Acrescente a isso uma irmã mais velha que era a capitã das líderes de torcida e você terá uma menina fadada à obscuridade na maior parte do tempo.

— É difícil imaginar isso — disse Brendan. — Eu acho que teria notado você. Mesmo em meu estágio de adolescente bobalhão.

— Você acha? — perguntou com uma risadinha.

— Tenho certeza. — Ele pousou a xícara de café. — Preciso ir. Terei de trabalhar amanhã de manhã. Ainda estou trabalhando nos últimos detalhes do julgamento.

— Meu Deus, eu esqueci! — Ela pousou sua xícara e se levantou junto com ele, seguindo-o até a porta enquanto Feather dava voltas em torno das pernas dos dois. —Acabou?

— Acabou ontem. — Ele encostou a bengala na parede e, então, entrelaçando os dedos acima da cabeça, espreguiçou — Graças a Deus.

— O resultado foi bom, espero.

— Claro que foi. — Ele sorriu enquanto abaixava os braços. — Queria sempre poder dizer isso. Era um caso bem sólido. Fraude de seguro.

— Parabéns! — Ela deu um soquinho carinhoso no ombro dele, sentindo a carne sólida sob seu punho cerrado. — Por que não disse nada durante o jantar? Poderíamos ter celebrado.

— Eu não pensei nisso durante o jantar — disse Brendan. Ele estendeu os braços e pousou as mãos grandes nos ombros de Lynne, esfregando de leve os polegares sobre o tecido sedoso de sua blusa. — Eu estava absorto em você.

Ela estava estarrecida demais para falar Absorto nela?

Antes que ela conseguisse encontrar palavras, ele enlaçou com os braços e a puxou para perto de si.  

— Eu vou beijar você agora.

Não era uma pergunta, mas quando seu rosto se aproximou mais e seus lábios encontraram os de Lynne, ela não se importou. Ela pôs os braços em torno do pescoço dele, uma ação que permitiu que ele a abraçasse ainda mais forte, enquanto arrebatava sua boca com uma exploração firme e total que disparou rajadas de excitação por todo o corpo de Lynne.

Ela já sentira algo assim? Essa necessidade quase irresistível de mandar a cautela às favas e se entregar àquele homem? Ela já sentira que sua carne ameaçava saltar de seus ossos caso um certo homem não a tocasse?

Uma das mãos de Brendan deslizou pelas costas de Lynne, pressionando-a contra os contornos rígidos de seu corpo. Ela não conteve o suave arfado que escapou de sua garganta quando seus corpos se colaram completamente, encaixando-se como se tivessem feito com esse propósito.

Brendan afastou os lábios dos dela e salpicou uma trilha de beijos ferventes ao longo do queixo até a orelha de Lynne, onde encontrou um ponto tão sensível que os joelhos dela chegaram estremecer quando a língua dele a acariciou ali.

— Lynne. — Ele suspirou o nome contra a pele dela, arrepiando os pelinhos da carne macia de seus braços. — Eu estava ansioso por isso.

Ela sorriu enquanto deixava a cabeça cair para trás, permitindo que ele deslizasse a boca ao longo de sua garganta.

— E eu estava ansiosa para que você fizesse.

Ele deu uma risadinha, e então sua boca buscou novamente a dela.

Ele a beijou com força e profundidade, esfregando repetidamente seu corpo contra o dela. Lynne estava tão excitada que se contorceu contra ele e gemeu.

Finalmente Brendan recuou lentamente, deixando o corpo de Lynne latejando de desejo.

— Preciso ir — disse rouco, ainda segurando-a levemente. — Antes que eu a incite a fazer alguma coisa para a qual não está preparada.

Ela se sentiu inacreditavelmente tocada pela consideração dele.

— Eu não estou — confirmou Lynne. — Mas você, provavelmente, conseguiria fazer eu mudar de idéia — acrescentou com honestidade.

Ele gemeu. Baixando a cabeça, pressionou um último beijo vigoroso na boca de Lynne.

— Você precisa deixar a coisa mais dura?

No momento em que ele disse isso, um silêncio denso caiu entre eles.

— Má escolha de vocabulário — comentou, embaraçado, enquanto se afastava dela.

Ela riu, deliciada com sua franqueza.

— Vamos deixar para nos preocupar com isso em outra ocasião.

— Deus, espero que sim — disse com fervor enquanto pegava a bengala e tateava em busca da maçaneta da porta. — Ligo para você amanhã.

Brendan entrou no apartamento e parou no meio da sala. Cedar estava fechado dentro da cozinha, e o metal começou a tilintar quando o cão antecipou sua libertação.

— Estou indo, companheiro.

Libertado da cozinha, Cedar foi enroscar-se alegremente entre as pernas de Brendan, que acariciou sua ampla cabeça.

— Também amo você, companheiro — disse em voz alta. — Mas, com certeza, não é você que eu gostaria que estivesse me tocando agora.

Ainda ofegante depois de seu momento com Lynne, Brendan prendeu uma correia à coleira de Cedar. Em seguida desceu com o cachorro ao parque dos fundos do prédio.

Não estivera procurando por um relacionamento. Na verdade, depois de muito tempo sem tentar aproximar-se de mulheres, Brendan começara a pensar que talvez sua falta de interesse se devesse ao fato de não poder mais enxergá-las.

Agora sabia que não poderia ter estado mais enganado. Simplesmente não conhecera a mulher certa.

Entrou novamente em seu apartamento, ainda excitado pela mera lembrança das curvas suaves e da boca adocicada de Lynne. Não ficaria satisfeito com nada menos que sua linda vizinha deitada sob ele na cama, pernas compridas e bem torneadas envolvendo seus quadris, corpo arqueando contra o seu enquanto ele lhe proporcionava prazer.

Isso sim seria satisfatório.

Abaixando a mão, caminhou nu pelo corredor até o banheiro. Jamais gostara de banhos gelados, mas esta noite seria uma exceção à regra.

 

No dia seguinte, ao voltar da igreja para casa, Lynne encontrou uma mensagem de Brendan na secretária eletrônica. Ela gostaria de caminhar pela Michaux State Forest?

Sim! Lynne sentiu o coração saltar dentro do peito ao ouvir a voz de Brendan, e seus dedos tremeram enquanto ela discava o número de seu telefone.

Quando atendeu ao telefone, Brendan soou estranhamente tímido ao repetir o convite.

— Só tem um problema — disse ele.

— E qual é?

— Você terá de dirigir.

— Ora, eu não me importo de dirigir — respondeu prontamente. Se ela teria de dirigir para passar a tarde com ele, Lynne poderia atravessar o país.

A caminhada foi agradável, estando o tempo ainda ameno. A trilha era espaçosa e linear, de modo que não apresentou dificuldades a Brendan e Cedar. Contudo, a primeira metade foi quase completamente apenas subida, e quando eles finalmente chegaram a um platô, ela estava praticamente sem fôlego.

Mas Lynne notou que Brendan não parecia nem ter suado.

— Não é justo — disse ela. — Como você consegue fazer isso parecer tão fácil?

Ele sorriu. Usava uma calça jeans que envolvia os contornos fortes de suas coxas e — embora ela tenha tentado não olhar — moldava uma protuberância em seu zíper. Sua camisa de moletom verde-claro destacava a pele bronzeada e os cabelos negros. Lynne teve de admitir que sua falta de fôlego não se devia apenas à subida.

— Exercício regular —justificou ele.

— Ei! Eu me exercito regularmente!

— Talvez eu apenas tenha naturalmente melhor forma física que você.

Ela resfolegou, mostrando-lhe sua opinião a respeito daquilo. Ele riu. Então virou-se e fez um gesto para a paisagem diante deles.

— Conte-me o que você vê.

— Como você faz isso? — inquiriu, caminhando até o lado dela.

— Como faço o quê?

— Como sabia de que lado fica a vista?

— Eu bem que gostaria de dizer que posso senti-la, mas há uma explicação lógica. Nós subimos a colina e eu me virei para falar com você. Mas Cedar ainda está parado na mesma posição em que estava quando chegamos ao cume. E como já estive aqui antes, sabia que a vista aberta estava bem à frente e no topo da trilha. — Ele segurou a mão de Lynne e entrelaçou os dedos com os dela. — Então, diga-me o que você vê.

Ela pigarreou, tentando pensar através da neblina de desejo que anuviava seu cérebro.

— Ah... agora quase todas as árvores estão desfolhadas e seus troncos conferem um tom meio prateado à montanha. É um dia bonito e o céu está muito, muito azul. Lá no fundo do vale, entre as duas montanhas, tem um rio, e como tivemos um verão úmido, o nível da água ainda está alto e há poças de brancura nos locais onde pequenas cachoeiras se formaram.

— Imagens muito bonitas. Estive aqui com meu colega de turma da escola antes do acidente. Ainda consigo visualizar a paisagem, mas é agradável ouvir sua descrição. Realmente traz as lembranças de volta.

— O seu colega ainda mora nesta área?

— Ainda. É com ele que eu trabalho.

— Então foi isso que atraiu você a Gettysburg.

— Foi isso que me atraiu a Gettysburg — confirmou. Ele pegou a guia de Cedar. — Acho melhor começarmos a descer. Tenho um jantar marcado para esta noite. Na verdade, um jantar de negócios, e terei de cuidar dos preparativos.

Enquanto desciam a colina, ela se deu conta de que estava muito feliz. Ele não a convidara para fazer nada naquela noite, mas revelara o porquê, em vez de deixá-la na dúvida se haveria ou não outro encontro.

No dia seguinte, ela se apresentou pela primeira vez como voluntária para trabalhar num restaurante comunitário local. Os outros voluntários eram, em sua maioria, aposentados que se conheciam há anos, mas receberam-na tão bem que, ao lavar e guardar o último prato do dia ela teve a impressão de estar ali há muito tempo. Quando souberam que ela dispunha de tempo e estava interessada em prestar mais serviço comunitário, prontamente recrutaram-na para o grupo que passaria o resto da semana entregando refeições a pessoas que não podiam sair de suas casas.

Ela suspeitou que Brendan estava tendo mais uma semana muito atarefada porque não teve notícias dele por dois dias, e ficou feliz por também estar ocupada. Ela não recebera ainda nenhuma notícia sobre a entrevista de emprego na pré-escola. Na segunda-feira Lynne compareceu a uma reunião da comissão executiva de seu grupo de biblioteca, onde aprendeu mais do que imaginara ser possível a respeito do custo de transferir textos históricos selecionados para CDs. Naquela noite, ela pegou uma escova que Brendan mandara, junto com a comida de Feather, levou a cadela até os fundos do prédio e ali lhe aplicou uma escovada completa. Calculou que se guardasse todo o pêlo retirado de Feather, em um ano teria o suficiente para tricotar um suéter.

Lynne teve sua primeira aula de piano na terça-feira. Naquela noite, estava fazendo um novo exercício de escala quando a campainha tocou. Quase quebrou o tornozelo ao correr até a porta, porque Feather disparou na sua frente e ela estava determinada a chegar primeiro. Mas decidiu que valera a pena quando abriu a porta para ver Brendan parado no corredor, parecendo ridiculamente bonito e gostoso num terno preto com camisa branca e uma gravata cor de vinho de estilo conservador.

— Oi — disse ela.

— Oi. Ouvi música?

Ela fez que sim, e então lembrou de falar.

— Sim. Tive minha primeira aula de piano esta tarde. Gostaria de entrar?

Ele fez que não com a cabeça.

— Preciso voltar ao escritório. Mas eu me perguntei se você gostaria de me acompanhar a um concerto amanhã à noite. A apresentação será de um quarteto de jazz bastante conhecido.

— Parece um ótimo programa. Eu adoraria — Brendan acaba de me convidar para sair com ele de novo!

— Baterei na sua porta por volta das sete horas — prometeu. — O concerto começa às sete e meia, de modo que teremos tempo da sobra para caminhar até lá. Será na escola.

Na noite seguinte ele chegou pontualmente, e eles caminharam até a escola para uma noite de jazz. Cedar passou o tempo todo deitado aos pés de Brendan, aparentemente adormecido.

— Eu não consigo acreditar que o Cedar não fica incomodado com a música — comentou Lynne no intervalo.

— O casal que o criou quando filhote costumava levá-lo aos concertos de rock dos seus filhos. Desde então ele é fã de música.

— Um cachorro culto! — disse rindo.

Depois do concerto eles voltaram a pé para casa, para o prazer absoluto de Lynne, Brendan mandou Cedar ficar parado e a beijou diante de sua porta, explorando sua boca e puxando-a contra seu corpo rígido por tanto tempo que em dado momento ela teve de se afastar dele para respirar.

Ele encostou a testa contra a dela.

— Você é muito estimulante, moça.

— Obrigada — disse ela. — Acho.

— Estarei muito enrolado amanhã e na sexta-feira, mas se você quiser ficar comigo no sábado, estarei a seu dispor.

— Preciso fazer algumas compras de Natal nos shoppings de ponta de estoque — disse Lynne. — Nada divertido, mas necessário. Se quiser, pode vir comigo.

— Seria ótimo. Você pode me ajudar a escolher presentes para minha mãe e minha irmã.

— Mas eu não as conheço! — protestou. — Como vou saber do que elas gostariam?

— Eu sei o que quero e os tamanhos delas. Você pode ser minha consultora de moda e cores.

— Posso tentar.

Na noite de terça-feira, Lynne saiu para o corredor enquanto Brendan abria a porta dele. Ela o convidou para jantar, mas ele teve de recusar porque teria de voltar ao escritório para uma reunião às 19 horas.

— Vai viajar no Dia de Ações de Graças? — perguntou Brendan.

— Sim. Minha irmã me convidou e a minha mãe para o jantar. Será que você me deixaria levar Feather? Prometo que não vou deixar meu sobrinho e minha sobrinha atazanarem a coitadinha.

— Isso seria ótimo. — Ele estivera preocupado sobre como os dois cães iriam se comportar na casa de seus pais. O pai de Brendan iria pegá-lo de carro no dia seguinte.

— Isso é ótimo! — disse ela. — Como só vou sair na quinta de manhã, vou dormir lá apenas uma noite.

— Não tem problema. — Ele se aproximou mais, enlaçou-a pela cintura e apertou-a gentilmente. — Venha cá e me dê um beijo de despedida.

— Até logo.

Quando os lábios dos dois se encontraram, Brendan pôde senti-la sorrir.

Na manhã de quarta-feira, Brendan teve de ir até o tribunal de Franklin County em Chambersburg, que ficava a quase uma hora de viagem. Não demorou tanto quanto o esperado, porque Brendan pegou uma carona com um policial local que precisava ir até lá para um julgamento, e o sujeito dirigia como um corredor das 500 milhas. Mesmo sem enxergar, Brendan percebeu que eles estavam se movendo muito acima do limite de velocidade.

O policial sintonizou o rádio numa estação de música clássica e começou a cantar bem alto, junto com a música. E desafinado! Brendan não ficaria surpreso se Cedar, que estava viajando na traseira do utilitário, ao lado do cão de patrulha do policial, tivesse começado a uivar.

Quando passaram pelo desvio para a Michaux State Forest, os pensamentos de Brendan imediatamente desviaram-se do caso que ele deveria estar revisando para o fim de semana anterior. Para Lynne.

O passeio de compras no sábado transcorrera bem, na medida do possível. Ele odiava fazer compras desde que ainda enxergava. Mas, ao lado de Lynne, fazer compras foi uma experiência bem mais agradável. Ela o ajudou a comprar seus presentes, e caso tenha se incomodado com o tempo extra que isso exigiu, não demonstrou. Na verdade, de todas as pessoas que ele conhecera, ela era uma das que lidavam melhor com sua deficiência visual. Como sua própria mãe, que ficava grudada nele sempre que ele a visitava, perguntando-lhe ansiosamente como poderia ajudá-lo.

Durante muito tempo Brendan sentira-se incomodado com a atitude de sua mãe, mas agora simplesmente tentava ignorá-la, ciente de que sua irmã estava sentada do outro lado da sala, sorrindo. Sua irmã, Jeanne, casada e com duas crianças, costumava ser o objeto da necessidade quase compulsiva de sua mãe por ajudar, de como ela adorava a folga desfrutada quando ele vinha para casa.

Lynne, por outro lado, jamais se via no dever de fazer qualquer coisa. Se ele precisava de ajuda, ela reagia com naturalidade. Quando não entendia alguma coisa, fazia perguntas adequadas. Brendan tinha certeza de que Jeanne iria gostar dela.

Queria levá-la para casa para apresentá-la à família, talvez no Natal, embora ainda não houvesse lhe dito isso. Conheciam-se há três semanas. Apenas três semanas... E durante essas três semanas descobrira-se completamente despreparado para as emoções causadas pela mulher alta e de modos calmos que vivia do outro lado do corredor.

Brendan estava caminhando por um saguão no segundo andar quando ouviu a voz de uma mulher.

— Brendan?

Ele parou, instantaneamente arrebatado pelo passado, mas inseguro se estava imaginando coisas.

— Olá?

— Brendan. — A voz aproximou-se mais, e ele ouviu os passos leves de uma mulher. — E Kendra. Desconfiei que era você, e então vi seu cachorro e tive certeza. Como vai? O que faz aqui?

Sentiu a mão de Kendra tocar seu antebraço, e automaticamente levantou a sua para apertar a dela.

— Estou bem. Vim até aqui para cuidar de um caso. Como vai você? Faz muito tempo que não a vejo.

Ela se calou, e um momento de constrangimento transcorreu enquanto ela recordava claramente a, última vez em que o vira.

— Vim renovar meu passaporte. Joe e eu estamos querendo viajar até a Irlanda para visitar minha avó. Lembra dela?

Ele se lembrava. A avó de Kendra era uma mulher pequena e vigorosa que viera passar o Natal aqui certa vez, quando eles ainda estavam na escola.

— Lembro. Ela vai bem?

— Sim. Vamos até lá porque... Bem, estou grávida. O bebê nascerá em fevereiro, e queremos que ela o veja. Vovó não tem mais idade para viajar de avião.

— Parabéns — disse ele com um sorriso sincero. — Você estará bem ocupada no ano que vem.

— Sim. E mal posso esperar por isso. Estou torcendo por uma menina, mas sei que depois que tiver este bebê em meus braços não irei dar a mínima para seu sexo. — Sua voz borbulhava com entusiasmo, mas Brendan notou tensão por baixo do tom alegre.

— Estou realmente feliz por você, Kendra — disse Brendan. — Queria apenas que as coisas tivessem sido diferentes. Eu fui um calhorda.

— Você não foi um calhorda — disse ela com um tom gentil. — Você era um homem lidando, da melhor forma que podia, com um acontecimento que mudou sua vida. — Sua voz mudou, adquirindo um tom provocante. — Claro que quem saiu perdendo foi você.

— Tem razão. Joe é um sujeito de sorte. — Ele sorriu. Embora suas vidas tivessem tomado rumos muito diferentes daqueles que haviam planejado trilhar juntos, Brendan guardava lembranças felizes de suas juventudes.

— Esse cachorro é novo? Da última vez que o vi, você tinha uma golden retriever.

— Feather. Acabo de aposentá-la. Este aqui é o Cedar, e ele está fazendo um belo trabalho.

Brendan contou-lhe mais sobre Cedar, e depois de mais algum minutos de conversa ela se despediu dele com um beijo na face.

Logo depois disso ele foi convocado para a audiência e não teve tempo de pensar no encontro até a viagem de volta para casa, ouvindo o policial Depree cantando "These Boots Were Made for Walking".

Quando chegasse em casa, seu pai, provavelmente, estaria à sua espera. Brendan e Cedar iriam passar alguns dias na casa dos pais dele, que lamentava que Lynne não pudesse acompanhá-lo.

E Brendan subitamente se deu conta do quanto pensara em Lynne nos últimos dias. Seu encontro com Kendra não lhe causara qualquer sofrimento, como da vez em que fora até sua casa para dizer que a queria de volta... apenas para descobrir que ela havia se casado.

Não, dessa vez ele se sentira genuinamente feliz por ela. Brendan agora tinha Lynne, e a antiga mágoa desaparecera. Na verdade, era quase impossível comparar seus sentimentos juvenis por Kendra com os que começava a nutrir por Lynne. Diabos, ele estava realmente começando a pensar naquela palavra com "C"?

Casamento. Em sua juventude, considerara o casamento uma obrigação. Todo mundo crescia, se apaixonava e casava. Pelo menos essa era a visão simplista que tivera do mundo naquela época.

Gostara de Kendra. Mas seu relacionamento fora baseado principalmente em atração sexual. Com Lynne havia mais.

Eles tinham alguns interesses em comum e gostavam das diferenças entre eles.

Lynne ficara feliz quando ele ganhara seu último caso; Brendan ficara deliciado quando ela voltara a tocar piano. Ele tentava fazer com que ela risse pelo simples prazer de escutar o som musical, e apreciava o fato de que ela não via sua cegueira como uma coisa que o tornava inferior ou diferente.

Ele não fizera amor com ela... ainda... mas tinha certeza de que, quando fizesse, a explosão poderia ser vista na China. Então, sim, atração física, definitivamente, fazia parte da equação. Ele mal podia esperar para levá-la para a cama, porque seria mais um elo entre eles, além de a melhor coisa que teria acontecido com ele em toda sua vida adulta.

Desde que decidira afastar-se de Kendra, Brendan deixara de pensar em casamento. Mas, agora... agora o sonho tinha rosto e voz.

Podia imaginar-se morando com Lynne, compartilhando os pequenos momentos que compunham uma vida a dois.

E filhos! Brendan mal conseguia conter sua expectativa. Ainda não a pressionara, mas isso estava prestes a mudar. Tanto porque queria atraí-la para si com tanta força que ela jamais conseguiria se afastar dele, quanto porque sua paciência começava a se esgotar.

Brendan queria saber tudo a respeito de Lynne, mas ela era surpreendentemente reservada para uma mulher. Lynne só dava informações sobre si mesma quando ele fazia perguntas diretas. Brendan sabia que ela mantinha uma parte oculta para ele... e para todos.

Brendan queria conquistá-la e mantê-la ao seu lado até que os dois estivessem bem velhinhos, sentados lado a lado em cadeiras de balanço na varanda da frente de um asilo. Portanto, ela precisaria abrir mão dessa pequena tendência a esconder coisas.

Como Brendan previra, seu pai estava à sua espera quando ele retornou. E para sua profunda decepção, Lynne não estava em casa. Ele não havia percebido até agora o quanto quisera apresentá-la a seu pai.

Feather latiu de dentro do apartamento de Lynne. Ele falou com ela através da porta, antes de sair, sentindo-se vagamente culpado, embora soubesse que Lynne já a amava e que tomaria conta da cadela tão bem quanto ele o faria.

Mas foi com alguma relutância que ele deu o comando "Avante" a Cedar e começou a sair do prédio atrás de seu pai.

O Dia de Ação de Graças na casa de CeCe tinha sido um redemoinho de desfiles, tortas de abóbora e crianças animadas que passavam o tempo todo pedindo para que ela brincasse com eles.

— Só mais uma vez, tia Lynnie? Por favor?

Como ela poderia resistir a isso? Sua sobrinha se afinou muito bem com Feather, principalmente depois que ela explicou que Feather era uma senhora mais velha e que provavelmente não gostaria de passar muito tempo correndo atrás de bolas ou pelo quintal.

No todo, tinha sido uma visita extremamente agradável. Como ela e CeCe não comentaram nada com a mãe a respeito do casamento mais recente de seu pai, o fim de semana foi bem tranqüilo. Elas tentariam segurar a informação até depois do Natal. Então, lhe contariam tudo, e com sorte sua fúria passaria antes do próximo grande encontro de família.

Na tarde de sexta-feira, depois de ter subido com sua bagagem, Lynne bateu na porta de Brendan, mas ninguém respondeu. Bem, ele devia estar trabalhando.

Mas ela não ouviu seus passos nem na sexta nem no sábado. Ele devia estar passando o feriado de Ação de Graças inteiro fora. Profundamente decepcionada, ela se flagrou contendo lágrimas várias vezes.

Mais uma vez ela parecia estar presumindo demais.

Ela lembrava vividamente da conversa que eles tinham tido sobre o Dia de Ação de Graças. Ela contara seus planos... mas não ouvira os dele. Em retrospecto, isso tinha sido um sinal bem claro de que ele não estava pronto para intimidade em um nível mais profundo.

E Lynne disse a si mesma que não via qualquer problema nisso. Estava apenas decepcionada porque eles haviam passado muito tempo juntos.

Ela conversara com seu pai na noite anterior. Bem, principalmente ela havia escutado o pai falar pelos cotovelos sobre a noiva. Ele pensava que estava apaixonado. E realmente parecia. Mas ela sabia que não iria durar. O que a fez se perguntar se ela poderia confiar em seus próprios sentimentos.

Nesse momento, sentia-se profundamente atraída por Brendan.

Ela podia sonhar acordada com uma casa com cercas brancas perfeitas, dois filhos e um utilitário na garagem. O cachorro era certo. Mas...

Eu não o possuo, nem quero possuí-lo.

Certo. Grande mentirosa.

Ela suspirou. Não podia negar que considerava Brendan imensamente atraente...

Toe! Toe! Toe!

— Eu sei que você está aí dentro.

Breve silêncio.

Então os estrondos, que ela finalmente compreendeu serem as batidas altamente entusiasmadas na porta, recomeçaram.

— Abra, Brendan. — A voz era de homem, grave e frustrada. — Acabo de ficar sabendo que Kendra está grávida, e sei que ela lhe contou. Você está bem?

Gravidez? E que Kendra era essa? Por que Brendan ficaria irritado com isso? Ela subitamente sentiu um nó no estômago.

Oh, pare com isso! Deveria haver uma dúzia de explicações. Feather escolheu esse exato momento para começar a latir.

— Feather! — sussurrou Lynne, tentando não deixar que o visitante soubesse que havia alguém ali. Mas a cadela não a atendeu. Ela correu até a porta e começou a ganir e a soltar latidos altos e agudos. Lynne nunca vira a cadela comportar-se tão mal.

As batidas na porta de Brendan pararam. E, então, Lynne pulou de susto quando a pessoa no corredor transferiu o punho para sua porta.

—- Feather? É você, Feather? Ei, Brendan, se está aí abra essa porcaria de porta!

Bem, se a cadela gostava dele, o estranho não poderia ser perigoso. Ela destrancou a porta.

No momento em que abriu a porta, Feather saiu correndo até o homem parado no corredor. Tão alto quanto ela, era louro, fortemente bronzeado e dotado de feições másculas, com sobrancelhas espessas sobre penetrantes olhos azuis. Se eles não estivessem em Gettysburg, ela juraria que ele acabara de chegar da praia com sua prancha de surfe.

— Ei! — exclamou o homem como saudação. Ele se ajoelhou, e Feather deitou de costas para que ele fizesse carinho em sua barriga. — Como está minha menininha? Sentiu saudades de mim, Feather?

Ele levantou os olhos para Lynne e sorriu, aparentemente não se importando a mínima por ela tê-lo ouvido falar com a cadela como se fosse um bebê.

— Desculpe. Eu e Feather somos amigos especiais.

— Estou vendo. — Ela estendeu a mão direita. — Sou Lynne DeVane.

Ele se levantou e apertou sua mão com firmeza por um momento.

— Eu sou John Brinkmen, Brink para os amigos. Brendan e eu trabalhamos juntos. — Ele examinou-a descaradamente dos pés à cabeça. — Você deve ser nova aqui. O vizinho do Brendan que morava aqui antes era baixo e grisalho e... certamente, não parecia nem um pouco com você.

Ela assentiu positivamente, insegura quanto ao que dizer, mas o amigo de Brendan mal parou para respirar.

— Sabe onde ele está?

Ela fez que não com a cabeça.

— Brendan já tinha saído quando cheguei na sexta-feira, e desde então não falei com ele.

O sorriso de Brink diminuiu um pouco.      

— Então, por que você está com a cadela dele?

— Feather tem passado a maior parte do tempo aqui desde que me mudei. — E por que ela estava se explicando a este homem cujos olhos pareciam cada vez mais desconfiados? — Ela estava com ciúmes de Brendan com Cedar, e parece preferir ficar aqui. — Ela se ajoelhou e chamou a cadela, que logo obedeceu e sentou ao seu lado. — Eu adoro ficar com ela.

A expressão de Brink relaxou.

— Entendo. Ele me disse que estava tendo alguns problemas em integrar Cedar na equação. Mas queria saber por que ele nunca me falou de você.

Ela deu com os ombros.

— Não há nada para falar. Ele é um bom vizinho. — E o meu nariz, provavelmente, está crescendo. Nada para falar uma ova.

Uma sobrancelha loura se levantou.

— Entendo.

Ela, sinceramente, esperava que não. Não havia nada pior do que parecer uma boba apaixonada, especialmente na frente dos amigos mais íntimos do objeto de seu afeto.

— Eu gostaria de deixar um recado para o Brendan. Diga a ele que eu estive aqui. — Brink brandiu um celular. — Deixei mensagens de voz para ele o dia todo, mas ele não respondeu.

Então ele fez uma pausa e olhou intrigado para ela.

— Nós já não nos conhecemos? Você me parece estranhamente familiar.

Um alarme soou na cabeça de Lynne.

— Não. — Ela levantou as mãos. — Muita gente fala isso. Eu devo ter um daqueles rostos comuns.

Brink ainda a estava examinando.

— Talvez. — Então ele sorriu e estendeu a mão novamente. — Foi um prazer conhecê-la, Nova Vizinha Lynne. Obrigada por transmitir meu recado a Brendan.

— Não tem de quê. Também foi um prazer conhecê-lo.

Mas enquanto conduzia a cadela de volta ao seu apartamento, Lynne só conseguia pensar no que ouvira. Quem era a tal grávida, Kendra? E por que Brendan não gostaria de saber dessa notícia? Havia uma resposta óbvia: um homem que não queria ser pai não ficaria feliz em saber que uma mulher esperava um filho dele.

                

Uma hora depois, quando Lynne estava quase indo dormir, Feather eriçou as orelhas ao ouvir os passos de Brendan nas escadas. Lynne conteve o impulso de correr até a porta; teria tempo de sobra na segunda pela manhã para lhe dar o recado do amigo.

Lynne ouviu um segundo conjunto de passadas, que também parou diante da porta de Brendan. Vozes graves e másculas murmuraram por alguns momentos, e logo um dos conjuntos de passadas moveu-se em direção à escadaria no fundo do corredor.

E, então, em vez de se dirigirem ao seu próprio apartamento, as passadas de Brendan seguiram para a porta de Lynne. Feather ficou enlouquecida, ganindo e pulando, embora não tenha latido, como fizera antes.

Suspirando, Lynne caminhou até a porta. Era melhor acabar logo com isso. Parte dela estava ansiosa por vê-lo. Ansiosa demais. A outra parte lutava contra sentimentos de mágoa e insignificância.

— Olá — disse ela. — Bem-vindo ao lar.

— Obrigado. Senti saudade de você. — Ele estendeu o braço até ela, mas Lynne recuou um passo e ele só pegou sua mão. Depois de um momento de silêncio constrangedor, ele perguntou: — Você teve um bom fim de semana?

Ele soltou sua mão e se abaixou para acariciar as orelhas de Feather.

— Sim, muito bom. E você?

— Agradável. Fui visitar minha família. Mas é um alívio voltar para casa.

E acho que Cedar cansou de ser perseguido pelo gato de minha mãe.

Ela não conseguiu conter uma risadinha ao pensar naquele cachorrão preto fugindo de um gato. Então lembrou que estava tentando manter-se reservada e calma, e se recompôs.

— Como Feather se comportou na sua viagem? Ela fez um breve relatório e então respirou fundo.

— Um amigo seu passou aqui.

— Quem? — Ele não pareceu mais do que levemente interessado.

— John Brinkmen.

— Oh, Brink. Não sei se eu poderia chamar Brink exatamente de amigo. — Brendan sorriu, e ela sentiu que ele estava determinado a manter a conversa tranqüila e agradável. — Embora a vida perca um pouco de sua emoção sem ele por perto.

— Deixei Feather sair para vê-lo. Ela ficou maluca quando ouviu a voz dele.

— Aposto que ficou. Quando peguei meu primeiro cachorro, alguns usuários de cães-guias mais experientes me alertaram que quase todo cão tem alguma pessoa a quem ele reage, uma pessoa que faz com que ele perda todo o bom senso e o treinamento e passe a agir como um total idiota. Brink é o mau exemplo de Feather.

— Isso me pareceu muito óbvio.

— Depois de muito tempo eu convenci a ambos que ela precisava se comportar e agir como um guia quando estava no escritório. Mas em casa... — Ele balançou a cabeça, desanimado.

— Ele mencionou alguma coisa sobre uma Kendra, também — disse Lynne, esforçando-se para manter um tom de voz neutro. — Estava preocupado com você.

Brendan ficou subitamente imóvel.

— O que foi exatamente que Brink disse?

— Ele soube que você descobriu que ela está grávida e ficou preocupado com a forma como você iria reagir. Talvez seja melhor telefonar para ele.

Brendan exalou.

— Ou talvez eu deva simplesmente ir até a casa dele e estrangulá-lo.

— Hein? — Ela perdeu subitamente a aparência calma que estivera tentando manter.

Ele levantou uma das mãos e esfregou a nuca.

— Devo uma explicação a você.

— Brendan, você não precisa me explicar nada. Não é como se nós fôssemos...

— Lynne, não termine esta frase — sentenciou Brendan.

Como não sabia o que dizer em resposta a isso, ela não disse nada.

— Dê-me cinco minutos para descer com o cachorro e levar todas as minhas coisas para dentro. Papai e eu deixamos minhas malas no corredor.

— Muito bem. — Normalmente ela teria se oferecido para ajudar, mas sentia que ele precisava desse tempo a sós.

— Vou botar a cabeça para fora da porta e chamar por você — avisou.

— Está bem. — Havia momentos em que não valia a pena discutir. Por algum motivo Brendan reagira negativamente a algo que ela dissera, e Lynne tinha certeza absoluta de que dentro de minutos descobriria o quê.

Exatos nove minutos depois o grito de Brendan soou através do corredor.

Quando entrou no apartamento, Lynne viu que havia apenas uma luz acesa, e que a sala estava na penumbra.

— Sente-se — convidou. — Servi um pouco de vinho para nós. — Indicou duas taças na mesinha de café em frente ao sofá.  

Ela sentou em silêncio no lugar que ele indicou e se moveu para olhar Brendan enquanto ele sentava ao seu lado.

Contudo, depois de sentar, ele não falou imediatamente.

Em vez disso, ele segurou a mão de Lynne e se pôs a esfregar o polegar nas costas de seus dedos, que eram muito menores.

Finalmente ele disse:

— Eu lhe devo uma explicação. Simplesmente nunca me ocorreu que isso fosse importante. — Com a mão livre, pegou sua taça e bebericou o vinho. — Eu mencionei antes que tive uma namorada firme nos meus tempos de estudante. Seu nome era Kendra.

O coração de Lynne afundou. Então ele a conhecia havia muito, muito tempo.

— Noivamos no Natal do nosso último ano na faculdade. Em fevereiro, sofri o acidente. — Não precisou entrar em detalhes; ela sabia o que ele queria dizer. — E como lhe disse, alguns meses depois eu mesmo cancelei o casamento.

Para encorajá-lo a prosseguir, ela exprimiu um "Hum-hum?" não comprometedor.

— Kendra casou-se alguns anos depois. Ela mora em Chambersburg. Um dia desses esbarrei com ela no tribunal de Franklin County. — Deu com os ombros. — Com toda sinceridade, jamais teria sabido que Kendra estava lá se ela não tivesse falado comigo. Conversar com Kendra foi... agradável. Está grávida e seu bebê nascerá em breve.

Lynne ficou tão aliviada que, mesmo se quisesse, não teria conseguido dizer nada. O filho não era dele! Não que ela tivesse realmente pensado que fosse... ela simplesmente não soubera o que pensar.

— Bem, parece que o enxerido do meu amigo e sócio descobriu isso, e achou que a notícia ia me levar ao suicídio. Foi por causa disso que ele veio até aqui.

Lynne finalmente conseguiu dizer alguma coisa:

— Ele apenas estava preocupado. Foi gentil da parte dele.

— Hum! — Em uma única sílaba curta, Brendan deixou claro o que pensava sobre a preocupação de Brink.

Então ele a puxou para mais perto e passou um braço sobre seus ombros.

— Por favor, desculpe-me por não ter mantido contato com você nos últimos dias. Fui passar o Dia de Ação de Graças com minha família. Meu plano era voltar para casa sexta-feira, mas minha mãe me convenceu a passar o fim de semana inteiro com ela. Quis ligar para você, mas descobri que só tenho seu número no trabalho.

— Está tudo bem. Você não me deve...

— Mas que droga, Lynne! — Sua voz foi tão explosiva que ela tomou um susto. — Por que você sempre tenta minimizar o que está havendo entre nós?

— Eu não tento minimizar nada — protestou. — Mas eu não tenho nenhum direito sobre...

— Talvez eu queira que você tenha — disse ele num tom baixo e feroz que a pegou completamente de surpresa.

Brendan puxou-a e pressionou sua boca contra a dela. A intensidade daquele beijo deixou Lynne atordoada e sem ação. Brendan buscou audaciosamente a língua de Lynne, dominando e devastando suas defesas. Finalmente Lynne plantou as palmas das mãos nos ombros dele — para empurrá-lo? —, mas Brendan segurou um dos braços de Lynne e o conduziu até seus próprios ombros, para repousá-lo em sua nuca.

Ao mesmo tempo, deitou-a no sofá enquanto introduzia uma das mãos por baixo do suéter fino que ela estava usando. Não houve nenhuma hesitação nos movimentos de Brendan quando ele empurrou para o lado o sutiã de renda e colheu o seio inteiro na palma da mão.

E ele continuou calado enquanto esfregava o mamilo sensível de Lynne, atiçando as chamas de desejo que já ardiam em seu íntimo.

Lynne não. conseguia falar, mover-se ou pensar; tudo que podia fazer era ficar deitada ali e sentir. Brendan deslizou um joelho entre suas pernas, empurrando para o lado o tecido da saia, permitindo que ela sentisse uma lufada de ar frio na parte inferior do corpo. Ele a estava beijando novamente, drenando sua força de vontade e submetendo-a a uma onda arrebatadora de desejo.

— Brendan — arfava como se estivesse correndo uma maratona.

— Lynne. Eu quero você — declarou, sua voz grave e rouca. — Tenho ficado louco imaginando se você pensa em mim da mesma forma que eu penso em você.

As palavras derreteram o fiapo de resistência que Lynne tinha a oferecer.

— Sim, eu penso sim.

Mas ele já estava com a boca colada na sua, beijando-a quase freneticamente. Ele deslizou os lábios ao longo da linha de seu queixo. Lynne sentiu a respiração quente em seu lóbulo sensível um momento antes de ele ser sugado pela boca de Brendan, que o lambeu delicadamente. Uma inesperada rajada de desejo quente correu por ela, e Lynne respirou fundo enquanto arqueava o corpo contra o dele.

— Espere! — arfou Lynne, não inteiramente certa do que queria dizer. Mas ele simplesmente balançou a cabeça enquanto sua boca viajava pelo pescoço de Lynne em busca de seu seio, começando a sugá-lo mesmo por cima da blusa e do sutiã. — Não posso.

Uma parte distante de Lynne sentiu-o abaixar uma das mãos. A mão grande e quente moveu-se determinada entre eles. Então, de repente, de forma radical, Brendan puxou para fora do caminho a calcinha fio-dental e empurrou seu membro, rijo como aço, contra a entrada úmida e macia do corpo de Lynne.

Por instinto, Lynne tentou fechar as pernas, mas ele a dominou com facilidade, e num instante sua coxa fora levantada até a altura da cintura de Brendan, que continuou empurrando até que o corpo de Lynne cedesse. Ele deslizou para dentro dela, pressionando regularmente para a frente à medida que era aceito pelo seu corpo. Ela sentiu uma pontada de desconforto e, então, a excitação lubrificou-a ainda mais, facilitando a trajetória. Enquanto Brendan a invadia, Lynne gemeu, convicta de que não conseguiria receber nem mais um milímetro.

Brendan recuou e arremeteu novamente. Com o corpo subjugado pela agressão rija de Brendan, Lynne afundou as unhas em suas costas. A evidência material de excitação masculina aumentava ainda mais a necessidade que fervilhava em Lynne. Levantando as pernas em torno da cintura de Brendan, Lynne usou os calcanhares para apertá-lo mais contra ela. A mudança na posição a expôs aos golpes amorosos de uma forma ainda mais íntima, que fez ondas de prazer quente percorrerem seu corpo em cadência com os movimentos dele.

Brendan golpeou o íntimo de Lynne cada vez mais depressa. Músculos pulsavam sob as mãos de Lynne enquanto ele corria as mãos por suas costas.

Ela não conseguia pensar, não conseguia respirar, não conseguia fazer nada à medida que o prazer crescia. Então gritou, o som abafado pelo ombro de Brendan, enquanto ele deslizava a mão entre eles e pressionava um dedo firmemente contra ela. As costas de Lynne arquearam -e ela estremeceu por baixo dele enquanto sentia rajadas de prazer trespassarem-na. Enquanto seu corpo espremia e apertava o membro intumescido, Lynne ouvia vagamente Brendan deixar escapar roucos gemidos de prazer. Subitamente, os movimentos cessaram; Brendan estava imobilizado por cima dela, braços tremendo enquanto vertia jatos de calor líquido. Por fim, desabou satisfeito, virando o rosto para o pescoço de Lynne para ali pressionar seus lábios.

As costas de Brendan ergueram-se sob as mãos de Lynne enquanto ele respirava com dificuldade. Brendan era pesado, mas quando se moveu Lynne deixou escapar um som incoerente de negação e o puxou de volta.

Ele soltou uma risada baixa enquanto cheirava o pescoço de Lynne, para em seguida caçar seus lábios.

— Uma pessoa pode morrer de prazer? — perguntou.

Ela sorriu.

— Até agora, eu achava que não.

Então, apesar do protesto de Lynne, ele se moveu, deslizando para fora dela e rolando para um dos lados. Antes que ela tivesse tempo de se sentir descartada, ele se virou e a puxou para seus braços.

Ela sentia seu próprio corpo pesado e letárgico, e seu último pensamento antes de fechar os olhos foi de que seria feliz se passasse o resto da vida naquela posição.

Um pouco depois — ela perdeu completamente a noção da passagem do tempo —, Brendan estremeceu, seu peito musculoso movendo-se sob sua cabeça. Um dedo deslizou pelo queixo de Lynne e levantou seu rosto. Ela se entregou completamente quando ele tornou a beijá-la. Finalmente Brendan recuou a cabeça por alguns centímetros e perguntou, sussurrando contra sua boca:

— O que você esteve pensando nestas últimas horas?

— Pensei que você talvez estivesse apaixonado por outra pessoa — admitiu. No momento em que as palavras atingiram o ar, Lynne quis se enfiar num buraco para nunca mais sair. Não podia crer que tivesse dito aquilo em voz alta.

Brendan ficara absolutamente imóvel. Não podia culpá-lo. Sexo, especialmente para homens, não tinha necessariamente qualquer relação com amor.

Então, ele se moveu para mais uma vez imobilizá-la sob seu corpo.

— E isso incomodou você? Ela hesitou, antes de sussurrar:

— Sim. — Ela já dissera o que não devia; por que tentar consertar isso agora?

— Que bom — disse, acariciando suavemente os ossos do rosto de Lynne. — Porque estou me apaixonando por você e odiaria pensai- que sou o único afetado.

— Brendan... — A voz morreu na garganta, e ela não conseguiu falar mais nada. Ela estava muito feliz. Era assustador estar feliz, saber que outra pessoa poderia segurar seu mundo na ponta de um dedo.

Ele a beijou novamente, e ela sentiu contra sua barriga o indício de que o corpo dele estava retornando à vida. Lynne baixou a mão entre eles. Brendan gemeu de prazer quando sentiu os dedos de Lynne envolverem-no, tracejando a carne dura desde a ponta até a densa circunferência na base.

Ela esqueceu de qualquer intenção de falar quando ele se deitou de costas e estendeu os braços, convidando-a a montar sobre sua virilha. Um involuntário tremor de excitação correu por Lynne ao senti-lo solidamente aninhado em sua pele macia e úmida. Brendan deixou escapar uma risadinha de relaxado prazer.

— Podemos conversar depois. Neste momento penso em coisas melhores para fazer.

Na manhã seguinte, Brendan mal entrara no escritório quando Brink se aproximou dele.

— Então, o que está acontecendo entre você e a loura linda do apartamento em frente?

— Quem disse que está acontecendo alguma coisa? — Ele esperou um pouco, mas não resistiu a perguntar: — Linda, é? Como ela se parece?

— Gostosa — respondeu Brink. — Muito, muito gostosa. Alta, pernas compridas e bem torneadas...

— Seu rosto — asseverou Brendan. — Apenas seu rosto.

— Ela é bonita — disse Brink com simplicidade. — Não estava usando maquiagem quando a vi, e não acho que teria me chamado a atenção no meio de uma multidão, mas depois de dar uma boa olhada, você não esquece aquele rosto. Malares lindos, lábios carnudos, covinhas. Uma covinha tremendamente sexy no queixo. Dentes bonitos. Olhos azuis, grandes e convidativos...                                            

— Certo. Você pode parar por aí.

Brink riu.

— Opa! É o gene do ciúme que está falando?

— Não preciso. Ela é minha.

— Está brincando? — Brink pareceu estarrecido.

— Nem um pouco. Fica longe, companheiro.

— Droga. — Brink pareceu ofendido. — Não há justiça no mundo. Você não consegue enxergar e conquista a mulher mais bonita da cidade. Poderia ter arrumado uma garota engraçadinha, charmosa e bem-humorada, com uma personalidade maravilhosa. Não teria feito diferença se ela fosse uma trombada. Mas não, você precisava pegar uma mulher linda!

Brendan fez que sim com a cabeça enquanto ria alto.

Desde o dia de seu acidente, Brink tinha sido irreverente e divertido, recusando-se a dançar em torno do assunto da cegueira de Brendan.

— Uma trombada, é? Obrigado por sua consideração.

— Sem problemas. Para que servem os amigos? Então ela virá com você na festa de Natal?

— Pensei nisso. E você, já arrumou uma acompanhante?

— A Amanda da firma de contabilidade no outro lado da rua.

— Aquela com quem você tem almoçado? Aquela que você disse que parece com a Meg Ryan, só que calada e misteriosa?

— A própria.

— Mandou ver!

— Sim. As garotas mais gostosas da festa estarão conosco. — Brendan ouviu o som dos passos de seu amigo dirigindo-se até a porta. Então Brink virou-se novamente. — E, então, você não chegou a me responder... o que está havendo entre vocês?

Ele não hesitou.

— Algo sério.

— Sério no nível de alianças e votos? Brendan fez que sim.

— Mas a gente não se conhece há muito tempo. Não quero apressá-la.

— Eu não sei, meu chapa — disse Brink antes de caminhar até seu escritório. — Aquela garota é inacreditavelmente linda. Acho melhor não esperar muito tempo. Naquela tarde , o celular de Lynne tocou quando ela voltava para casa de uma reunião na igreja que ela começara a freqüentar. Ela fora com Feather, porque o pastor dissera que não haveria problema de comparecer com a cadela. Ficou feliz ao ler na telinha do celular: Brendan. Antes de se despedirem naquela manhã, Brendan insistira que trocassem números fixos e de celular.

— Alô?

— Oi, querida. Como foi a reunião?

— Acaba de terminar. Acho que vou entrar para essa igreja. Gostei muito.

— Acho que terei de fazer isso também.

Ela quase deixou cair o telefone. O que ele quisera dizer? Não tire conclusões apressadas, Lynne.

— Você será bem-vindo a me acompanhar, qualquer dia desses.

— Então é um compromisso para domingo. — Ele mudou de assunto. — Tem planos para o jantar?

— Não. Ia apenas fazer um bolo de carne. — Ela ainda estava pensando no que ele dissera sobre "um compromisso para domingo". — Gostaria de jantar comigo?

— Seria ótimo. Não posso chegar em casa antes das seis. Estarei lá logo depois que tiver dado a comida de Cedar.

— Muito bem. Até lá.

— Estou com saudades de você. Não pensei em outra coisa o dia inteiro.

Ela parou de supetão.

— Brendan, eu sinto o mesmo. — Ela abaixou a voz. — Corra para casa para eu poder lhe mostrar o quanto senti sua falta. — Ela realmente acabara de dizer isso?

Houve um momento de silêncio do outro lado da linha. Então, ele falou novamente, a voz grave e rouca.

— Vou exigir que cumpra sua palavra, querida.

Em casa, Lynne assou brownies. Enquanto esfriavam, colocou lençóis limpos na cama. Só por precaução. Em seguida, preparou o bolo de carne e o colocou no forno, junto com duas batatas assadas. Assim que eles estivessem prontos para jantar, ela cozinharia alguns aspargos no vapor.

Olhando o relógio, viu que havia tempo para um banho rápido. Bom. Prendeu o cabelo e entrou no chuveiro. Quando terminou, viu que eram cinco e meia. Estava com sobra de tempo.

Vestiu o roupão, começou a soltar os cabelos... e tomou um susto quando a campainha tocou. Droga. Quem poderia ser? Ainda não era hora de Brendan chegar em casa.

Mas quando chegou à porta, Feather já estava ali, cauda balançando em um ritmo frenético. Lynne abriu a porta.

— Chegou cedo! — Ela olhou em torno. — Onde está Cedar?

— Fui mais rápido do que esperava — explicou Brendan. — Cedar já comeu. — Ele fechou a porta e puxou Lynne. — Venha cá.

Enquanto ele a abraçava, apertando-a contra seu corpo, ela estremeceu com desejo renovado. Como ele conseguia fazer isso? Num minuto estava tranqüila, no seguinte, sentia-se a ponto de ser reduzida a uma nuvem de vapor.

— Beije-me. — Ela abraçou o pescoço de Brendan e levantou o rosto até o dele.

Porém, depois de alguns instantes ficou claro que Feather estava determinada a não ser excluída. Com uma risada, Brendan soltou Lynne e se ajoelhou para abraçar seu cão-guia aposentado. Finalmente, Brendan se levantou e foi prender a cadela na cozinha. Virando-se, pegou a mão de Lynne. Caminharam de volta até a sala de estar e ele imediatamente abraçou Lynne de novo. Mas ele logo recuou.

— O que você está usando? — Suas mãos já estavam no cinto do roupão de Lynne. Abrindo-o, introduziu as mãos para acariciar suas curvas nuas.

— Brendan! Estamos na sala de estar!

— E daí? As cortinas estão fechadas?

— Estão, mas...

— "Mas" nada. — Ele recomeçou a beijá-la enquanto corria as mãos por seu corpo, acariciando-a e provocando-a, roçando repetidamente seus mamilos com os polegares até ficarem duros, disparando rajadas de prazer para a parte baixa de seu corpo cada vez que eram tocados. Ela tentou se desvencilhar de Brendan, mas ele a levou contra a parede e continuou a acariciá-la, a mão descendo pela barriga plana até o arbusto em forma de V.

Ele levantou um dos joelhos contra ela e pressionou até Lynne afastar as coxas para permitir que aquela mão grande e quente sondasse profundamente entre suas pernas. A mão deslizou pela costura macia e a abriu gentilmente, para espalhar sua umidade.

Lynne encostou a cabeça na parede e deixou o corpo afundar, rendendo-se, enquanto ele curvava a cabeça para sugá-la. Lynne gemeu novamente ao sentir o movimento de um dedo comprido dentro dela, entrando, saindo, esfregando o botão latejante que ele descobrira no meio de suas coxas.

— Brendan — ela arfou. — Não posso... Não posso...

— Você pode — disse ele com determinação, introduzindo um segundo dedo. Ele girou a almofada de seu polegar mais uma vez contra ela, e Lynne cerrou os dentes para conter o grito que queria escapar.

E, então, ele a tocou novamente, e o mundo explodiu enquanto ele a levava à loucura com a mão, prolongando suas reações até ela estremecer de prazer. Gentilmente, ele retirou a mão, e esse simples ato a fez soltar mais um gemido de prazer.

— Uau — murmurou Lynne. — Se é isso que você faz sempre que entra em casa, vou precisar tomar mais vitaminas.

Ele riu e a abraçou fortemente.

— Vamos fazer disso um hábito.

Enquanto descansava encostada nele, Lynne se deu conta de que, embora houvesse relaxado, ele estava muito longe disso. E quando ela desceu a mão para segurar a protuberância na frente de suas calças, ele disse:

— Talvez seja melhor acharmos uma cama.

— Ou não. — Antes que ele pudesse se mover, ela se ajoelhou diante dele.

— O que está fazendo? — A pergunta foi retórica; sua voz soou rouca de excitação e antecipação.

Lentamente, desafivelou o cinto de Brendan e correu o zíper das calças, revelando cueca azul com listras brancas. Levou uma das mãos à abertura e envolveu com os dedos a coluna de carne rija para em seguida massageá-la delicadamente.

— Lynne, você vai me matar — disse uma voz gutural acima de sua cabeça.

Ela sorriu enquanto abaixava a cueca dele.

— Espero que não.

Estava completamente excitado. Ao vê-lo livre, curvou-se para a frente e colheu sua ponta com os lábios. Brendan arqueou as costas; por um momento, cerrou as mãos em punhos. Curvando-se, obrigou Lynne a se levantar. Num único movimento fluido, levantou-a, abraçou-a contra a porta e a possuiu.

Houve um momento em que Lynne sentiu-se suspensa, seu mundo equilibrado num afiado gume de desejo. Brendan segurou os quadris de Lynne e a puxou com firmeza para baixo, impulsionando-se para a frente num único golpe longo que o fez alojar-se profundamente na bainha receptiva. Apoiou os braços na parede, de cada lado da cabeça de Lynne, e começou a mover-se com constância, contraindo as nádegas a cada golpe.

Ela passou as pernas em torno da cintura de Brendan. O prazer de Lynne era tão intenso que ela mal conseguia formar um pensamento consciente. Era um prazer ampliado pela consciência da excitação plena de Brendan, e quando ele arremeteu contra ela, no momento final de sua satisfação, Lynne também chegou ao clímax. Ainda comprimidos contra a parede, começaram a arfar, exauridos.

Brendan começou a rir.

— Meus joelhos parecem feitos de macarrão cozido. Consegue caminhar?

— Não tenho certeza. — Ela não estava brincando. Com gentileza, levantou-a e abaixou-a. Segurou os quadris de Lynne até sentir que ela estava de pé com firmeza.

— Precisamos ficar na horizontal antes de cairmos — disse Lynne, rindo.

— Bom plano. — Despiu calças e sapatos, camisa e meias.

E, então, gloriosamente nu, segurou-a no colo.

— O que está fazendo? — perguntou Lynne num tom levemente apreensivo.

— Me dê direções.

— Mas eu sou pesada demais. Ponha-me no chão.

— Direções — repetiu. — Ou não vamos alcançar a cama.

— Dois passos para a frente e vire à direita!

 

As duas semanas seguintes foram as mais felizes da vida de Lynne. Ela e Brendan jantavam, cuidavam dos cães e, depois, passavam a noite juntos, em geral no apartamento dela. No fim de semana que se seguiu à primeira noite em que eles haviam feito amor, Brendan saiu para correr com ela.

Nenhum deles tinha certeza sobre como aquilo ia funcionar. Brendan ainda corria numa esteira, mas parará de praticar cooper ao perder a visão.

Mas disse a Lynne que uma usuária de cão-guia, a quem conhecera num grupo de discussão na Internet, corria a Maratona de Nova York com o marido. Eles usavam a técnica do guia com visão, embora fosse diferente da típica posição de caminhada mão-direita-no-cotovelo-esquerdo.

Assim, depois de consultarem a mulher, saíram de manhãzinha para as estradas longas e retas que cruzavam o campo de batalha. Devido ao imenso volume de turistas no verão, as estradas eram mantidas em boas condições. Mas em meados de dezembro o tráfego era quase nulo.

Caminharam até o campo de batalha para fazer aquecimento e alongamento. Ele estranhou não estar com Cedar, mas a escola de treinamento de cães-guias que o treinara dera-lhe instruções explícitas quanto a não correr com o cão. Era fácil superaquecer um cão que já estava usando um guia, e muito perigoso. Não queria desobedecer as instruções da escola em uma questão tão importante. Isso, explicou a ela, era um pouco diferente do que deixar o cachorro deitar na poltrona.

Brendan levara uma faixa de pano largo, com a qual amarraram-se um ao outro, o pulso esquerdo de Lynne no direito de Brendan.

Como cada um deles teria de manter um padrão respiratório estável durante a corrida, estabeleceram um sistema de comunicação não-verbal. Brendan corria um pouco à frente para poder responder aos leves puxões em seu pulso. O trabalho de Lynne era transmitir indicações a ele, bem como se manter atenta para buracos na estrada e veículos que se aproximassem.

— Isso foi incrível! — exclamou Brendan, jubiloso, ao reduzirem o ritmo para uma caminhada e recuperar fôlego suficiente para conversar. Com o braço direito, que estava livre, ele a segurou e a puxou para si, procurando por seus lábios.

— Muito obrigado. Achava que jamais correria ao ar livre de novo.

— Podemos fazer disso um hábito regular — ela comentou quando ele a soltou. — Embora eu ache que deva ser bem difícil encontrar um horário seguro para correr durante a temporada de turismo.

— Provavelmente. Essas estradas ficam incrivelmente congestionadas.

Ele fez que sim com a cabeça enquanto caminhavam rapidamente na direção do prédio deles.

— Você realmente não viveu em Gettysburg até estar aqui junto com os turistas. Parece uma praga de gafanhotos.

— Vai ser interessante. Nunca morei num lugar que fosse atração turística. — Mal podia esperar a chegada do verão. Sentir-se incomodada por visitantes significaria que estava aqui há tempo suficiente para fincar raízes, e, então, teria a sensação de realmente pertencer à comunidade.

Naquela noite, acordou no meio da noite e percebeu que ele também estava acordado, embora não tivesse falado nada. Ainda era emocionante adormecer em seus braços e acordar da mesma forma. Supunha que um dia essa emoção iria acabar, embora não conseguisse nem imaginar isso.

Ele se deitou com ela aninhada na curva de seu braço, uma das pernas entrelaçada com a dele.

Com a mão livre, ele enrascava uma madeixa dos cabelos de Lynne.

— Brendan?

— Oi.

— O que estava fazendo?

Ele abandonou seu cabelo e se virou para segurar seu rosto em concha e beijar seus lábios.

— Estava apenas deitado aqui, pensando na sorte que tive em conhecer você.

O coração de Lynne expandiu-se um pouco mais ao ouvir estas ternas palavras.

— A sensação é mútua.

Houve um momento de silêncio confortável. Então, ele disse:

— Nunca terminamos uma conversa que começamos há algumas semanas.

— Que conversa? — Ela estava sonolenta, saciada e absolutamente confortável.

Por baixo do rosto de Lynne, o peito de Brendan subiu e desceu enquanto ele ria.

— Correndo o risco de cometer uma gafe terrível ao mencionar o nome de outra mulher enquanto estamos na cama, estávamos falando sobre Kendra.

— Oh. — Ela pensou no assunto. — Realmente é um risco que você está correndo, mas estou ouvindo.

— Eu realmente gostaria de contar a respeito dela. — Sua voz ficara séria.

Levantou a mão e acariciou o rosto dele.

— É claro.

— Ela foi fantástica depois do acidente. Ela me apoiou muito, e se mostrou muito determinada a não me deixar afundar num poço de autopiedade. Na verdade, foi ela quem sugeriu que eu arrumasse um cão-guia.

— Certo. Talvez eu goste dela.

Ele sorriu e acariciou os cabelos de Lynne.

— Ainda gostava dela, mas nessa época estava completamente centrado em mim mesmo. Só conseguia pensar em como minha vida havia mudado.

— É compreensível.

— Talvez. Em todo caso, depois de seis meses, eu disse a Kendra que não poderia me casar com ela. Meti na cabeça a idéia idiota de que agora tinha tantos desafios físicos a vencer que não poderia ser o tipo de marido que ela merecia.

— Isso foi incrivelmente estúpido. Ele estremeceu.

— Eu sei. Realmente a magoei. A única coisa que Kendra me fez prometer foi que eu buscaria apoio psicológico depois que rompêssemos. Foi o que fiz. O psicólogo com quem me consultei também havia perdido a visão quando tinha cerca de 20 anos. Ele me ajudou muito a passar da fase do "Por que eu?" e começar a viver novamente. Entrei numa lista de espera por um cachorro e, então, cerca de seis meses depois, uniram-me a Feather.

— Mas por que você não voltou com Kendra? — Ela se deitou, usando o braço dele como travesseiro. — Não que eu esteja me queixando.

Ele sorriu.

— Eu me sentia culpado por ter terminado daquele jeito. E, então, depois de muito tempo, pensei que talvez conseguisse consertar nosso relacionamento. — Ele cocou a cabeça enquanto falava. — Vendo agora, acho que o que eu desejava mais era a familiaridade do relacionamento conhecido, mas decidi que a queria de volta.

Lynne não pôde conter um estremecimento. Brendan hesitou, mas então ele simplesmente prosseguiu com seu relato.

— Ela ainda estava morando no mesmo prédio. Assim, um dia eu simplesmente apareci por lá. Toquei a campainha e um cara que eu não reconheci atendeu a porta. Assim que ele me viu, gritou por Kendra. Eles haviam acabado de se casar.

— Puxa. Hora errada.

— É. Eu me senti um idiota. Durante muito tempo, pensei que ainda a amava. Eu estava furioso comigo mesmo por tê-la perdido, e furioso com ela por ter desistido de mim, por mais irracional que isso fosse, considerando que fui eu quem a chutou.

— Sentimentos nem sempre são racionais.

— Quando a vi, outro dia, realmente me fez bem perceber que não a amava mais. Eu não fiquei magoado com ela, nem a quis. — Ele recolheu o braço, trazendo-a para mais perto para beijar sua testa. — Eu havia prosseguido com minha vida. Tinha conhecido você.

Uma bolha de felicidade se expandiu dentro dela, ameaçando fazê-la flutuar até o teto.

— Eu nunca me senti assim a respeito de ninguém — disse ele. — Eu achava que amava Kendra, mas nunca senti por ela o que sinto por você. Lynne, eu amo você.

Contudo, a felicidade tornou-se apreensão quando ela lembrou que também tinha um segredo. Precisava contar quem ela havia sido. Ela não achava que isso tinha alguma importância, mas... não era o tipo de segredo que ela deveria guardar do homem com quem queria passar o resto da vida. E ela queria.

— Querida? — Ele a fez deitar-se e se colocou sobre ela, um vulto imenso pairando sobre ela na escuridão, com ombros que bloqueavam a pouca luz do cômodo.

— No que está pensando?

— Faça amor comigo — disse ela. Ela precisava pensar em como explicar por que guardara aquele segredo, antes de revelar tudo. Deliberadamente, levantou o joelho, que estava aninhado entre as pernas dele, e esfregou-o suavemente para a frente e para trás, sentindo-o estremecer quando sua pele sensível foi estimulada, e quando ele se moveu para se deitar entre as pernas dela, ela imediatamente começou a balançar-se contra ele. Ela sentiu o membro quente e latejante crescer. Quando Brendan curvou-se para trás, e a ponta lisa sondou sua delicada abertura, Lynne sentiu uma rajada de excitação percorrer seu corpo. Plantou os pés na cama e empurrou o corpo para cima. Ele arfou alto quando a ação de Lynne levou-o profundamente para dentro dela.

Brendan pôs as mãos enormes em concha nas nádegas de Lynne, inclinando-a para receber seus golpes constantes. A medida que sentia a nuvem de desejo adensar-se, preparando-se para irromper sobre sua cabeca, Lynne agarrou-se a ele, cruzando os tornozelos por trás de suas costas para segurá-lo firme e profundamente. Eu também amo você, pensou, mas não poderia dizer isso em voz alta até ter sido completamente honesta com ele. Eu também amo você.

Na noite de sexta-feira armaram uma árvore de Natal no apartamento de Lynne. Brendan não decorava o apartamento.                                                          

— Não é que eu não goste do Natal — explicou, mas não posso ver a decoração, e é um saco retirar um monte de coisas dos armários para depois guardar tudo de novo. Mas vou adorar ajudar você.

—Tudo bem. Mas pelo menos coloque uma guirlanda na porta. E me ajude a decorar meu apartamento.

— Meu trabalho será comer biscoitos enquanto troco CDs natalinos.

— Que grande voluntário!

Ele riu, feliz por ela querer dividir com ele os preparativos para o Natal.

— Acordo fechado...

Foram de carro até uma loja comprar uma árvore. Caminhando por entre as fileiras de árvores, Brendan apertou a mão enluvada de Lynne. O tempo estava muito mais frio do que na semana anterior, quando eles haviam corrido, e a meteorologia previra neve para o fim de semana.                                            

— Isto é fantástico — disse ele, respirando profundamente o ar gelado e com aroma de pinho. — Traz de volta boas lembranças de minha infância. Minha família costumava sair para cortarmos juntos nossa árvore.

— Isso devia ser agradável. Nós sempre comprávamos uma árvore artificial. Mamãe dizia que era muito difícil para uma mulher solteira e duas menininhas carregarem uma árvore de verdade.

— Então agora você mesma decora uma árvore de verdade.

— E a minha irmã também. Faço isso porque é divertido. Ela também faz porque está determinada a dar um Natal de verdade aos filhos.

— Você não teve um Natal de verdade quando criança?

Ela balançou a cabeça.

— Mamãe nunca dedicou muito tempo a fazer nada além do necessário para mim e CeCe. Não me entenda mal... Ela não é má pessoa, mas estava absorta demais em seu sofrimento e na raiva por meu pai para se concentrar em nós.

— Você se recorda dos dois juntos?

— Na verdade, não. Tenho umas lembranças vagas dele brincando conosco, mas nenhuma recordação específica de minha família unida. Ele voltou por cerca de um ano depois de se divorciar da segunda esposa, mas nos deixou de novo quando eu tinha 9 anos. Depois ele teve mais três esposas, durante minha adolescência e o começo de minha vida adulta, e agora está para se casar com a número 6.

Ele estava um pouco estarrecido com a infância que ela tivera.

— Ele deve gostar muito de pagar pensão.

O comentário fez Lynne rir. Ela encostou a cabeça no ombro dele por um doce momento antes de dizerem à vendedora qual árvore haviam escolhido.

De volta ao apartamento, ele a ajudou a carregar a árvore escadaria acima e colocá-la em sua sala de estar. Contando com a ajuda dele, ela pudera escolher uma árvore maior do que de costume. Brendan gostava da forma como ela sempre considerava que ele era capaz de fazer a maioria das coisas, exceto quando ele dizia que não. Ele não ajudara ninguém com essa parte do ritual do Natal desde que perdera a visão, e estava achando profundamente satisfatório ser mais do que simples espectador. E ficou ainda mais feliz ao conseguir subir as escadas com aquela árvore sem quebrar o pescoço.

Lynne tinha inúmeras bolas, ornamentos e delicados enfeites de madeira alemães que, segundo ela, eram principalmente vermelhos, prateados e verdes, belas guirlandas decorativas e uma coleção de ornamentos de cristal irlandeses.

— Papai dá um a CeCe e a mim todos os anos, desde que nascemos — disse ela, colocando uma peça fria de vidro na mão dele.

Explorando a peça, ele percebeu que se tratava de um anjo, e que havia alguma coisa gravada num dos lados.

— O que diz aqui?

— O primeiro Natal do bebê. Com meu nome e a data de nascimento. Todos eles têm minhas iniciais e o ano.

— Uma bela tradição — declarou. — Todos nós temos meias de Natal tricotadas por minha mãe. E vários dos nossos enfeites de árvore foram feitos por ela numa época ou noutra. Desconfio que não existe nenhum tipo de costura que ela não consiga fazer.

— Acho que eu gostaria de ter coisas como essas.

— Desculpe, mas eu não sei costurar — disse, fazendo-a rir.

Depois que terminaram de montar a árvore, ele a puxou para si, sentindo a excitação que sempre lhe despertavam aquelas curvas longas e esbeltas.

— Obrigado por me pedir para fazer isso. Tenho a impressão de que estamos criando algumas tradições.

Ela beijou o queixo dele.

— Gostei de ouvir esta palavra: tradições.

— Coisas que faremos todos os anos — esclareceu, querendo ter certeza de que ela entendia o quanto era importante em sua vida. Era engraçado como, em menos de dois meses, Lynne tornara-se tão necessária para ele quanto... respirar.

Ele a sentiu respirar fundo.

— Minha irmã me convidou para passar o Natal com ela, mas ainda não lhe dei certeza.

Ouvindo a pergunta que ela não fizera, ele comentou:

—Acho melhor conversarmos sobre o que faremos com relação ao Natal. Quero conhecer sua família...

— E eu quero que você os conheça. Inclusive, CeCe ameaçou não me dar meus presentes se eu não levar você para a ceia de Natal.

Ele riu.

— Eu quero apresentar você à minha família também. Mas por que não fazemos nossos planos logo, pra que eu possa dizer à minha mãe quando estaremos lá?

— Seria muito agradável passar a véspera de Natal aqui. E ir ao culto em minha própria igreja pela primeira vez.

— Seria bom mesmo — concordou. — O culto deve acabar por volta das nove. Gostaria de ir até a casa da sua irmã depois disso?

Ela fez que não com a cabeça.

— Preferia passar a véspera de Natal aqui mesmo, apenas nós e os cachorros. Podemos acordar de manhã bem cedo para irmos até a casa de CeCe.

— E à tarde ir até è casa da minha família?

— Parece um plano. — Ele podia ouvir um tom de diversão em sua voz. — Mas se comermos nos dois lugares, depois não vamos caber em nossas roupas.

— Correrei esse risco, se você correr.

Ele abaixou a cabeça para salpicar uma linha de beijinhos pela sensível coluna do pescoço de Lynne até afundar o nariz na concavidade acima de sua clavícula.

— Acabamos de montar a árvore? Porque tenho um presente que quero dar a você.

Ela riu, deslizando a mão pela frente do corpo dele para explorar a forma crescente de sua excitação.

— Mal posso esperar. Pode me dar agora?

A festa de Natal no escritório de Brendan foi realizada, no terceiro sábado de dezembro, em um clube nos arredores da cidade.

Lynne estava empolgada por Brendan querer que ela o acompanhasse para conhecer seus amigos e colegas de trabalho. Ele já fora à igreja com ela duas vezes, e algumas das pessoas ela já conhecera lá. Era agradável saber que outras pessoas os consideravam um casal.

Ainda assim, estava terrivelmente nervosa por causa da festa. Queria estar bonita para Brendan, embora ele não pudesse apreciar isso visualmente. O fato de que ela seria examinada pelas pessoas que o conheciam era motivo suficiente para fazê-la querer estar o mais bonita possível.

Mas vestir-se, colocar maquiagem e arrumar o cabelo trouxe sua tensão e medo de volta à superfície. Ela se sentiu da mesma forma que nas primeiras semanas depois de ter desistido de trabalhar como modelo. Ela passara algum tempo com a mãe até decidir onde iria morar. Cada vez que saíra da casa, sentira-se como um ratinho do campo aventurando-se fora de seu esconderijo, expondo-se aos predadores. Sentira-se aterrorizada com a possibilidade de que desconfiassem que ela era algum tipo de celebridade e acabassem reconhecendo seu rosto.

Mas com o passar do tempo Lynne descobriu uma verdade surpreendente: as pessoas estão muito concentradas em suas próprias vidas e preocupações para dar muita importância a um novo rosto que acabam de conhecer.

De vez em quando alguém olhava para ela e perguntava se já se conheciam, como Brink, o amigo de Brendan. Mas ninguém jamais fizera a conexão.

Prometeu a si mesma que contaria tudo a Brendan em breve. Antes do Natal. Então, eles começariam o novo ano sem nenhum segredo, sem nada oculto entre eles. Contudo, ela começava a achar que estava ficando paranóica, achando que alguém iria reconhecê-la.

Era a cor, concluíra Lynne meses antes. Sem maquiagem, seus olhos eram comuns e a ênfase facial era em sua estrutura óssea e pele de porcelana. Mas com maquiagem... com a maquiagem correta, seus olhos tornavam-se poças negras e ardentes. Quando pintava os lábios nas cores ousadas exigidas por seus cabelos, então ruivos, sua boca ficava carnuda e seus olhos hipnóticos. E usara os cabelos numa explosão de cachos que atraíam a atenção de todos.

Sem os cabelos ruivos e cacheados, Lynne era outra pessoa. Apenas levara algum tempo para relaxar e compreender isso.

Mas agora estava diante de um dilema: precisava vestir-se para a festa. Vestir-se significava usar alguma maquiagem, fazer algum esforço. E correr o risco de que seu rosto despertasse a memória de alguém.

Mesmo assim, ela não tinha escolha. Não podia vestir-se mal, Brendan dissera-lhe que quando o pai de Brink se aposentasse, dali a um ano, ele iria lhe oferecer sociedade na firma. Era uma oportunidade maravilhosa para Brendan, e ela precisava apoiá-lo.

Então, fez todo o possível para se camuflar.

Como A'Lynne, dispensando qualquer sobrenome, ela quase sempre usara os cabelos ruivos soltos, exibindo os cachos. Para a festa, ela os amarrou, lisos, numa trança elegante.

Ela iria se vestir em tons escuros, que combinariam com seus cabelos louros. Como Brendan usaria smoking, ela teria de vestir algo longo.

Ainda possuía alguns vestidos deslumbrantes, mas em vez disso enfrentou uma hora de carro até a casa da irmã para pegar emprestado um vestido de veludo verde-pinho falsamente simples. Era sem mangas, com gola suspensa na frente e um decote nas costas até a cintura.

Ela sabia que a textura e o corte apelariam ao tato de Brendan, e decerto desviaria a atenção de seu rosto.

Seu rosto. Havia pouco que pudesse ser feito com seu rosto, exceto aplicação de cor. Escolheu tons terra em vez dos rosas e pêssegos que costumara usar em suas fotos, e fez o máximo possível para parecer atraente e elegante sem deixar seu rosto inesquecível. Lynne prometeu a si mesma que não deixaria sua paranóia atormentá-la naquela noite.

Brendan cruzou o corredor e bateu na porta de Lynne. Estava bonito e imponente, num smoking escuro, combinando com camisa e gravata pretas. Ele não estava com Cedar. Contou que pensara muito se deveria levar o cachorro, mas finalmente decidira deixar seu guia descansar em casa, afinal eles passariam a maior parte do tempo sentados à mesa de jantar.

Brink e sua acompanhante vieram pegá-los. Vários escritórios de advocacia compareceriam à festa. Cada escritório realizaria um jantar ou nas salas privativas do clube ou em outros pontos da cidade. Mas depois do jantar haveria um baile no salão elegante do clube, para o qual todos os convidados tinham entradas, independentemente de onde fosse o jantar do escritório.

Quando a Mercedes de Brink entrou no estacionamento, Brendan disse:

— Você sabe que seu trabalho será me dizer quando eu sujar a gola com comida, não sabe?

— Oooh — murmurou Lynne enquanto ele a ajudava a sentar no banco traseiro da Mercedes. —Acho que isso lhe dará algum incentivo para ser gentil comigo.

Ele contornou o carro, dobrou a bengala, ocupou seu lugar ao lado dela e bateu a porta. Enquanto Brink abria a porta para Amanda, Brendan inclinou-se até ela e disse com um sorriso:

— Pretendo ser muito, muito gentil com você mais tarde, querida.

— Mal posso esperar — ronronou Lynne, correndo um dos dedos pela coxa musculosa de Brendan. .

— Não. Não. Não. — Ele pegou a mão de Lynne e entrelaçou os dedos com os dela. — A não ser que queira nos embaraçar, essa é realmente uma péssima idéia. É um passeio muito curto até o clube.

O jantar propriamente dito foi agradável. Ficaram a urna mesa com Brink e Amanda, suas assistentes pessoais, acompanhadas por seus respectivos maridos.

As outras duas mulheres informaram a respeito de quem era quem na sala, com comentários de Brink, que tagarelava como um apresentador de talk show. Na verdade, Lynne estava grata por aquilo, porque significava que ela não precisava falar muito e que a atenção das pessoas estava em outra parte.

Depois da sobremesa, as mesas foram limpas e a banda começou a tocar. Era um grupo excelente. Ao ouvir as notas da primeira música lenta, Brendan levantou-se e segurou a mão de Lynne.

— Dance comigo.

Foi o céu. Ela ainda não o conhecia tempo suficiente para ter se acostumado a estar em seus braços. E ela adorava dançar. Brendan era um parceiro forte e, com um mínimo de direcionamento da parte de Lynne, para que eles não esbarrassem em outros casais, os dois moviam-se extremamente bem juntos.

Durante uma pausa da banda, Brendan fez uma pergunta baixa a Brink, e quando seu amigo respondeu, a cabeça de Brendan girou para a esquerda. Depois de um breve aceno de cabeça, Brendan virou-se para ela e disse:

— Quero apresentá-la ao Sr. Brinkmen. É filho do fundador da firma, tendo assumido os negócios quando o avô de Brink se aposentou. Agora ele esta querendo que Brink faça a mesma coisa.

— E, então, você será promovido a sócio? Brendan assentiu.

— Brinkmen & Reilly, Advogados Associados. Soa bem, não acha?

Ela riu.

— Acho sim.

— Sr. & sra. Brendan Reilly também soa bem — acrescentou Brendan. — Também adoro a sonoridade do nome Lynne Reilly.

Ele a estava pedindo em casamento? Pega completamente de surpresa, ela disse a primeira coisa que lhe passou pela cabeça.

— Adoro, mas como ninguém chamado Reilly me pediu para casar com ele, tudo isso é hipotético.

Brendan soltou uma gargalhada tão alta que as pessoas ao redor viraram-se para olhar.

— Você é bem direta, não é? — Ele deslizou as mãos pelos braços de Lynne para colocar as mãos em seus ombros. — Lynne, eu não pretendia fazer isso esta noite. Ainda não comprei uma aliança. Mas como parecemos estar circundando aquele que provavelmente será o assunto mais importante de nossas vidas... quer casar comigo?

A cabeça de Lynne estava girando. Ela precisou lembrar a si mesma que precisava respirar.

— Brendan... Você tem certeza? Espere! Eu não quis dizer isso!

Ele gargalhou novamente.

— Neste momento eu preferiria uma resposta de uma palavra só.

— Sim — disse, apressada. — Sim!

As pessoas ao redor já haviam notado que alguma coisa estava acontecendo. Alheio aos seus olhares, ou talvez sem se importar com eles, Brendan abraçou-a e beijou-a, curvando-a para trás de modo que num segundo ela estava dependurada no pescoço forte de Brendan, dependendo dele para equilibrar-se.

Quando levantou a cabeça, Brendan disse:

— Ei, pessoal, esta linda moça acabou de aceitar se casar comigo!

Ao redor deles explodiu uma saraivada de aplausos, assobios e brados.

— Aí, amigão! — Brink estava lá, dando um tapa carinhoso nas costas de Brendan, enquanto uma das assistentes pessoais abraçava Lynne.

— Parabéns, querida. Brendan é um dos jovens mais decentes que eu conheço.

Ela abriu a boca para responder, mas seu celular, que estava na bolsa pousada na mesa, começou a tocar.

— Desculpem, é meu celular! Com licença.

Ela já estava preocupada antes mesmo de abrir a tampa e falar. Ela só possuía um celular para ser informada sobre emergências de família, ou para que sua mãe entrasse em contato com ela em caso de necessidade. Ela, honestamente, não lembrava dele ter tocado desde que ela se mudara para Gettysburg.

— Alô?

— Lynnie? — Era CeCe, e Lynne notou imediatamente que ela estava chorando.

— CeCe, o que aconteceu? — Ela sentiu seu coração apertar como se estivesse num avião numa turbulência.

— Você está bem?

— Estou — disse CeCe, mas, Lynnie, papai está no hospital. Você pode vir pra cá?

— É claro. — Ela imediatamente pegou um guar-danapo e começou a rabiscar um endereço. — O que aconteceu?

CeCe começou a chorar ainda mais forte.

— Ele saiu para correr com a noiva. Parece que ela é atleta. Correram por 16 quilômetros, e então papai desmaiou. Estão achando que ele teve um ataque cardíaco.                        

— Dezesseis quilômetros! — O pai delas tinha excelente forma física, mas... — Ele não disse a ela que nunca correu mais do que quatro ou cinco quilômetros em toda a vida?

— Conhece papai — disse CeCe, sua voz ligeiramente mais calma. — Ele preferiria morrer a admitir que não é tão forte e em forma quanto um homem jovem. Houve um silêncio súbito quando CeCe percebeu o que acabara de dizer, e então começou a chorar novamente. — Pode vir imediatamente, Lynne?

— Claro.

Sem hesitar, Lynne concordou e foi contar a Brendan o que acontecera, desapontada e perturbada com a trágica mudança de eventos. Como o melhor momento de sua vida subitamente tornara-se o pior?

 

Na manhã de segunda-feira Lynne telefonou para o escritório de Brendan. Ela mantivera-se em contato constante com ele desde que saíra correndo da cidade na noite de sábado para visitar o pai. E, como se revelou, ele realmente tivera um leve ataque cardíaco.

Depois de conversar com a irmã, Lynne ficara terrivelmente preocupada e frenética por pegar a estrada. Brink levara-os para casa imediatamente. Estava fora de cogitação que Brendan a acompanhasse; ele precisava ficar para cuidar dos cães.

Depois de voltar ao prédio, ela agira com a velocidade de um furacão. Ele tinha certeza absoluta de que ela trocara de roupa, fizera as malas e saíra pela porta em menos de cinco minutos.

— Bom dia — disse ele em resposta à saudação de Lynne. — Como seu pai está hoje?

—Passando bem melhor. — Havia um tom seco em sua voz. — Ele está recebendo muita atenção amorosa de Allison, a mais nova atração. Ele teria adoecido antes, se tivesse imaginado quanta atenção iria receber — acrescentou com uma risada.

Eles conversaram por mais alguns minutos sobre a família dela e Brendan assegurou-lhe que os cachorros estavam bem.

— Sinto falta de você — disse ele. — Dormir sozinho não tem mais a menor graça.

— Também sinto falta de você. Papai receberá alta esta tarde. Assim que ele voltar para seu apartamento, onde terá Allison cuidando dele, eu irei para casa.

— Vou aguardar ansiosamente — disse com a mais profunda sinceridade.

Hoje Brendon passara duas horas na joalheria em frente ao escritório escolhendo uma aliança. Ele levara sua assistente pessoal para ajudá-lo a escolher uma aliança que Lynne consideraria um tesouro. Ele compraria algumas flores no caminho para casa, e esta noite eles iriam oficializar seu noivado.

Depois de se despedirem, Brendan direcionou sua atenção para o relatório no qual estava trabalhando. Estava concentrado nisso há meia hora quando Brink, que passara a manhã fora, abriu a porta de repente.

— Finalmente descobri! — exclamou Brink. — Seu cachorrão!

— Bom dia para você também. Descobriu o quê?

— Você sabe. Lynne.

— Do que diabos você está falando? — Ele finalmente desligou o leitor de tela e deu atenção a Brink.

— Descobriu o quê?

— Você sabe... Lynne. Quem ela realmente é.

— Ah, descobriu, é? — retorquiu num tom seco.

— Quer dividir essa revelação? Tenho certeza de que deve ser engraçado.

Houve uma pausa desconfortável, que o fez desejar que pudesse ver a expressão de seu amigo.

— Você está brincando, não está? Ela é A'Lynne. Da Sports Illustrated.

— Allan quem?

— Não, não Allan. A'Lynne, e não é um cara. Uma top model... Com um só nome. Ela apareceu na capa da edição de roupas de banho da Sports Illustrated, há alguns anos — assegurou Brink. — Você está brincando comigo.

— Não — disse Brendan cautelosamente. — Não estou brincando. Você realmente acha que essa modelo Lynne se parece com ela?

Brendan ouviu o som de uma revista caindo em sua mesa.

— Guardo todas as edições de roupas de banho da Sports Illustrated. É a mesma mulher. Eu até perguntei a papai, e ele concordou.

Brendan ficou calado por um momento. Finalmente disse:

— Você pirou. O que faz você pensar que é ela?

— Quase não a reconheci. Está diferente agora, ela usava os cabelos pintados de ruivo e muito, muito cacheados. Era uma espécie de marca registrada, na capa da revista está bronzeada e, é claro, usando muita maquiagem. Mas estou lhe dizendo, Brendan, definitivamente, o mesmo rosto. Estrutura óssea, formato dos olhos e lábios... E o corpo combina. Alta e esbelta, embora ela pareça bem mais magra na revista.

Pense bem. O nome é parecido, apenas Lynne precedido de um A com apóstrofo. Está me dizendo que não sabia disso?

— Ela nunca mencionou isso, se for verdade. — Ele fingiu despreocupação, mas seu coração estava acelerado. — Vou falar sobre isso com ela à noite. Imagino que vá dá umas boas risadas. Mas, obrigado. É bem lisonjeiro, acho, que você tenha confundido a minha namorada... aliás, minha noiva... com uma top model.

Houve silêncio no rastro de suas palavras. Finalmente Brink disse:

— Certo. Devo ter cometido um engano. Ela vai achar uma coincidência incrível. — Ele soou aliviado quando sua assistente o chamou de fora da sala para que atendesse a um telefonema. —A gente se fala depois.

Ela não julgara possível sentir tanta falta de Brendan. Naquela noite, enquanto destrancava a porta e entrava em seu apartamento, Lynne mal podia esperar para largar suas malas e atravessar o corredor para se jogar em seus braços.

Mas ela não teve chance. Ao sair do quarto, a porta da frente abriu e Brendan entrou.

— Oi! — exclamou ela. — Estava indo ver você. — Ela atravessou a sala e o abraçou para beijar os seus...

E ele recuou.

Chocada demais para reagir, ela simplesmente ficou imóvel.

Brendan jogou uma revista na mesa ao lado da porta.

— Explique isto.

Ela automaticamente direcionou os olhos para a revista.

E congelou.

Ali estava ela, coberta de areia, pele fortemente bronzeada e usando apenas um exíguo biquíni azul, na capa da Sports Illustrated.

Era um dos trabalhos mais cobiçados do mundo... e ela ainda podia lembrar o quanto se sentira infeliz naquela época. Separada da família, privada dos prazeres simples que muitas de suas amigas desfrutavam, profundamente deprimida pelo fim de seu relacionamento com Jeremy, que ela então considerara o amor de sua vida.

Lynne nem sabia o que dizer.

— Onde conseguiu isso? Brendan disse, furioso:

— Deve ter sido muito divertido para você sair com alguém que jamais conseguiria descobrir quem você era.

— Não foi divertido! Foi... maravilhoso. — Ela estava atordoada pela intensidade da raiva de Brendan. — Sei que devia ter contado antes, mas...

— Acha mesmo? — interrompeu-a, com a voz carregada de sarcasmo. — Brink acha que eu sou um idiota. E eu acho que sou. Eu esperava honestidade da mulher de quem gosto...                                  

— Eu nunca menti para você!

— Omissão é uma forma de mentira — retorquiu. — Você me enganou. Propositalmente.

—- Não foi de propósito. — Mas ela soubera que era errado esconder informações dele. Sentia-se culpada, e um tom de desafio coloriu sua resposta. — Quando nos encontramos, eu não lhe devia nada além de meu nome. E Lynne DeVane é o meu nome verdadeiro. — Ela estava lutando contra lágrimas de raiva diante de suas acusações. — E, então, à medida que começamos a conhecer melhor um ao outro, eu apenas... apenas gostei de saber que você gostava de mim pelo que sou, não porque era bacana estar com alguém famosa.

— Isso parece sensato, mas ainda não explica por que você não me contou. Eu a pedi em casamento! Não lhe ocorreu que talvez eu devesse saber com quem estou realmente firmando um compromisso?

Ao terminar a frase ele já estava gritando, e ela recuou, cruzando os braços para abraçar a si mesma, como se tentando manter-se íntegra ao ver desmoronar os sonhos que nutria desde que conhecera aquele homem.

— Você pensa que sabe tudo, sr. Perfeição — disse ela, soluçando. — Mas permita que eu lhe conte como é a vida de uma top model. Você não pode sair de casa sem ser seguida por gente fazendo perguntas e batendo fotos. Você nunca sabe se as pessoas que conhece são genuínas ou se elas querem apenas se aproximar de você para usufruir um pouco de seu glamour. Seu empresário vigia tudo que você come e você precisa se cuidar para não acabar fazendo o que três quartos das suas colegas fazem, que é comer como loucas e depois vomitar, ou, então, passar fome porque todos acham que você está gorda. Cafajestes convidam você para sair porque acham que por você ser uma celebridade não tem nenhuma moral e vai se drogar e fazer sexo com eles. E, às vezes, um deles é doce e gentil com você, e você realmente acha que esse cara é diferente... — Ela teve de conter mais um soluço. — ... e então você descobre que ele não é nem um pouco diferente, que apenas a quer porque estar com você é uma forma de autopromoção. — Ela cutucou Brendan com um dedo. — Nunca ouse julgar meus motivos para tentar me manter incógnita.

Ela passou por ele, com cuidado para não tocá-lo, e estendeu a mão até a maçaneta. Virando-se para ele, Lynne acrescentou:

— Achei que você era diferente. Achei que você me amasse por quem eu era, não pelo que eu era.

— E eu amava!

— Então repita isso até se convencer. Porque para mim você é tão ruim quanto Jeremy, mesmo que de uma forma diferente. Ele me queria pelo que eu era. Você não me quer pelo mesmo motivo. Agora, saia daqui.

— Lynne...

— Saia!

Ela não conseguia parar de chorar. Passou a noite inteira chorando, até que, com o raiar do dia, finalmente desistiu de tentar dormir e se levantou. Caminhou de um lado para outro pelo apartamento, seguida ansiosamente por Feather.

Às sete e meia, a realidade a atingiu com a força de um golpe no estômago. Estava terminado. Não haveria retorno das palavras zangadas que ela e Brendan haviam trocado na noite anterior. O que ela ia fazer? Como ela conseguiria continuar sendo vizinha de porta dele, encontrar-se casualmente com ele quase todos os dias? Como ela iria suportar saber o que ele pensava dela?

A resposta à última pergunta era clara: não iria suportar. Pelo menos, não se ela tivesse de enfrentar seu escárnio. Quanto a isso, ela podia fazer algo.

Voltou ao quarto e pegou uma, mala maior que a que levara até o hospital em que seu pai fora internado. Pôs-se a jogar aleatoriamente diversas peças de roupa que iriam mantê-la por uma semana ou mais. Ela iria entrar em contato com a corretora que lhe alugara o apartamento e providenciaria uma sublocação. Ficaria na casa de CeCe por mais alguns dias enquanto decidia o que fazer em seguida. Só tinha certeza de que não poderia permanecer em Gettysburg.

Devia ter adivinhado que isto aconteceria quando Brendan lhe contara os verdadeiros motivos do fim de seu relacionamento anterior. Em vez de ser largado, fora Brendan quem largara a noiva — e por uma presunção estúpida de que ele não era bom o bastante para ter uma esposa capaz de enxergar. Brendan garantira ter superado isso, e ela acreditara nele.

Mas Brendan cometera outra presunção estúpida a respeito de seus "motivos" para se envolver com ele, uma presunção que demonstrava que suas incertezas existiam. Como o fato dele não enxergar não tivera nenhuma relação com seus motivos para não lhe contar nada sobre sua carreira passada. Se ele pudesse enxergar e não tivesse descoberto, Lynne teria feito exatamente a mesma coisa. Talvez ela realmente o tivesse enganado, mas não o fizera com má intenção.

Mas que droga, ela o amava! Raiva e desespero deram impulso aos seus atos, e a mala foi entupida em poucos instantes. Fechou a tampa e pegou uma bolsinha de artigos de higiene pessoal.

Estava a meio caminho da porta quando se deu conta de que não poderia simplesmente deixar Feather ali.

E não podia levá-la consigo, deduziu. Feather não era dela.

Triste e zangada, afundou no sofá e se curvou para abraçar a cadela idosa.

— Sinto muito, menina — disse, acariciando as orelhas de Feather. — Sabe que sempre amarei você. Mas preciso ir.

Ela esfregou a beirada sedosa das orelhas de Feather, lágrimas correndo por seu rosto. A única coisa que podia fazer era deixar a porta destrancada e depois ligar para Brendan e lhe dizer para pegar Feather.

Ele ouviu a porta do apartamento de Lynne ser fechada e em seguida seus passos diminuíram ao longo do corredor, mas Brendan estava zangado demais para conversar com ela por algum tempo.

E magoado. Ele podia admitir isso. Ela não confiara nele. Ele estivera disposto, até ansioso, a lhe dar seu coração, e ela não havia sentido a mesma coisa. Se esse fosse o caso, ela teria lhe contado tudo semanas atrás.

Quantas semanas atrás? Não faz nem oito semanas que vocês se conhecem.

E nesse curto período de tempo ele se apaixonara perdidamente. Para alguém que vivera uma deslumbrante vida anterior, Lynne era notavelmente humilde. Seus gostos eram simples, seus desejos, escassos. Era modesta em vez de arrogante, e ansiava por amor em vez de adulação.

Muito bem, ele tivera uma top model cuidando de sua cachorra. Era difícil até de compreender, Embora ele estivesse em paz com sua perda de visão, de vez em quando lamentava amargamente não poder enxergar. Este era um desses momentos. Talvez, se ele pudesse ver Lynne, compará-la com a foto naquela revista...

Por quê? Para você ter prova de que ela é alguém diferente?

Diferente na superfície, talvez, mas o fato era que ela abandonara esse estilo de vida e escolhera este — escolhera ele — falava muito a respeito de sua personalidade.

O telefone tocou. Ele se levantou abruptamente para atender, desejando que fosse ela.

— Alô?

— Brendan. Você precisa atravessar o corredor e pegar Feather. Deixei minha porta destrancada. Os brinquedos, a coleira e a tigela estão em uma bolsa no balcão da cozinha.

— Lynne, você não precisa me devolver a...

— Não vou morar mais aqui. Sinto muito, mas não poderei cuidar dela para você. — Ela acrescentou antes que ele pudesse reagir: — Gostei muito de ficar com ela. Obrigada por isso. Adeus.

E no instante seguinte tudo que ele estava ouvindo era um sinal de ocupado. Ela havia partido! Ela o deixara de vez. Mudara-se. Bem, obviamente ela ainda não se mudara, mas pretendia fazer isso.

Ele afundou no sofá com a cabeça nas mãos, raiva subitamente esquecida diante da decisão no tom da voz de Lynne.

Meu Deus, o que ele havia feito?

Nos primeiros dois dias ele deixou nove recados no celular de Lynne, mas ela não ligou de volta. Ele estava em pânico, imaginando que talvez a saúde do pai dela tivesse piorado, ou que talvez ela o estivesse evitando por estar muito magoada.

A terça-feira se arrastou e, então, a quarta e a quinta.

Na sexta-feira ele começou a duvidar que ela voltasse. O fim de semana foi envolto numa névoa de tristeza. E raiva... raiva de si mesmo. Ele não devia ter permitido seu comportamento ser ditado por uma reação impulsiva. Ele fora treinado para parar e pensar completamente antes de agir.

Como pudera ser tão estúpido?

Eu achei que você me amava por quem eu era, não pelo que eu era.

Era engraçado como isso fazia sentido agora que ele havia superado a mágoa e a raiva iniciais. Precisava haver uma maneira de falar com ela. De fazer com que entendesse que ele estava arrependido pelas coisas que dissera. Mas... para um advogado que passara no exame da Ordem com uma das notas mais altas do estado, ele se sentia completamente desorientado. Até agora não tivera uma única idéia viável para fazer com que Lynne falasse de novo com ele.

Amanhã de segunda-feira se arrastou. Ele passara em casa na hora do almoço para deixar Feather sair, mas Lynne ainda não voltara para o apartamento. Ele saberia disso no instante em que ela chegasse. Tudo que ele precisava fazer era se manter atento para sua cadela. Jamais vira Feather tão arrasada. Feather ficara deprimida e irritada ao ser aposentada e substituída por um novo cachorro, mas agora seu comportamento era tão diferente que ele estava realmente preocupado. Ela nem se levantava mais quando ele chegava em casa. Ontem ele a levara ao veterinário porque a cadela comera tão pouco nos últimos dias que estava perdendo peso.

Ele destrancou a porta e entrou no apartamento.

— Feather — chamou. — Ei, menina. Onde você está? — Nenhum som traiu sua presença. — Feather?

— Ele chamou seu nome quatro vezes, antes de escutar um profundo suspiro canino e o som de suas patas arrastando-se pelo chão para ele. A tristeza de Feather atingiu Brendan quase como um golpe físico. Ela era uma golden retriever, raça que praticamente era listada no dicionário como sinônimo para saltitante. Mas nos últimos dias ela não demonstrara nenhum sinal de energia.

— Sinto muito, Feather. — Ele se ajoelhou, e quando a cabeça da cadela veio descansar em seu peito, massageou suas orelhas sedosas. Ele não chorava desde que era criança, mas o sofrimento palpável de sua amada e velha parceira fez lágrimas correrem por sua face. — Também a quero de volta — sussurrou.

Subitamente, com a energia que Feather não demonstrara nos últimos dias, a cadela recuou e se afastou dele. Brendan ouviu suas unhas clicarem freneticamente pelo chão até a porta, e então começar a latir. Cedar seguiu-a, menos empolgado, mas interessado no que a deixara tão animada.

A esperança cresceu no peito de Brendan.

Feather agia dessa forma quando Brink estava por perto, mas talvez... Ele correu atrás dela, calculou errado a distância até a porta e bateu contra ela.

Ele espalmou uma das mãos na madeira segundos antes de seu nariz encontrar com ela. Um estrondo soou quando a porta estremeceu.

Droga! Por um momento ele quase torceu para ser Brink, porque assim Lynne não o pegaria fazendo papel de bobo.

— Brendan? Você está bem?

A voz de Lynne! Seus joelhos tremeram subitamente como se estivessem prestes a desmoronar, e uma sensação de alívio profundo o tomou enquanto ele abria abruptamente a porta e saía para o corredor logo atrás de Feather. Cedar, agitado com o quase acidente, manteve-se bem perto dele.

— Oi — disse Brendan, tentando parecer casual, mas temendo ter fracassado miseravelmente. — Estou bem. Estou feliz por você estar de volta.

Houve um silêncio tenso.

— Não vou ficar — disse num tom desanimado. — Vim apenas pegar algumas coisas importantes que eu não gostaria que os homens da mudança danificassem.

Brendan ouviu-a ajoelhar-se, e quando Feather acalmou-se compreendeu que Lynne estava fazendo carinho nela.

— Os homens da mudança?

— Virão na sexta-feira.

— Sexta. — Ele teve a impressão de que as palavras estavam quicando na superfície de seu cérebro, incompreensíveis.

— Esta sexta?

— Sim. — Ele mal podia ouvi-la.

— Mas... você não pode se mudar.

Mais silêncio. Ele esperou, aguardando por uma resposta, qualquer resposta. Mas ela não deu nenhuma.

— Por favor, entre e venha ver Feather. — Ele não se importava se parecia desesperado. — Ela não está comendo bem. Sente falta de você.

Lynne ajoelhou-se no chão, esfregando as orelhas sedosas de Feather, repousando a testa contra a da velha cadela.

— Você é uma boa menina — disse a ela em voz baixa. — Pare com essa mania de escolher comida. E seja boazinha com Cedar. — A voz de Lynne embargou, e teve de pigarrear enquanto se levantava.

— Não, obrigada. Tenho muito a fazer.

Esta provavelmente seria a última vez que ela veria Brendan, e ela devorou com os olhos suas feições, desejando que houvesse uma maneira de voltar dois meses no passado e começar tudo de novo.

— Lynne, eu sinto muito. — Ele abaixou a cabeça, não permitindo que ela lesse perfeitamente sua expressão. Ela piscou, incerta se ouvira corretamente. Sentia muito pelo quê? — Eu sei que provavelmente isso não vai mudar nada, mas quero que saiba que eu estou realmente arrependido. Não tinha o direito de julgar você sem perguntar por que sentia a necessidade de ser anônima.

Ela engoliu em seco, tão sufocada que mal conseguiu falar.

— Talvez não. Mas eu errei ao enganar você, e também peço desculpas por isso. — Vendo-se incapaz de agüentar mais um minuto sequer de arrependimento educado e sincero, ela se virou para a porta. —Adeus, Brendan.

— Para onde está indo? — Ele estava de pé entre ela e a porta do apartamento, e não se moveu.

— Já lhe disse que estou me mudando. O proprietário vai sublocar meu apartamento pelo restante do meu contrato. — Ela tentou sorrir. — Pedi a ele que se certificasse de que será alguém que adore cachorros.

Brendan deu um passo para a frente e ela se moveu para o lado para que ele pudesse passar por ela. Em vez disso, com a estranha intuição que ela observara antes, Brendan estendeu os braços diretamente até ela. Ele deslizou as mãos pelos braços de Lynne. Ele segurou as mãos de Lynne e os dois entrelaçaram os dedos.

— Não vá.

— Eu preciso. — Não conseguia conter as lágrimas.

— Não. Você não precisa.

Brendan a abraçou, e ela queria tanto estar aninhada em seu corpo que não se debateu.

— Eu preciso — disse ela. Atirando o orgulho ao vento, ela chorou. — Não posso ficar aqui. Não sou forte o bastante para ajudar você com Feather, ver você todos os dias, viver do outro lado do corredor e jamais poder estar com você de novo. — Ela se soltou dos seus braços. — Agradeço suas desculpas, e sempre vou querer ter agido de outra maneira, mas...

Ele mais uma vez a envolveu em seus braços. Abaixando a cabeça, cobriu os lábios de Lynne com os dele, abafando seus protestos. Ele a beijou como sempre a beijava, explorando-a e devorando-a, provocando uma reação indefesa até que ela levantasse os braços para segurar delicadamente a parte de trás de seu pescoço, beijando-o em resposta, sem dar ouvidos a sua racionalidade.                                                

Quando finalmente afastou os lábios dos de Lynne, foi apenas para transferir a boca para o pescoço dela.                                                                    

— Faça amor comigo — disse contra sua pele.

— Não. — Ela se debateu novamente, desesperada para se afastar antes de se dissolver completamente em lágrimas. Ele estava gostando de tornar isso ainda mais difícil?

— Por que não? — Ele era implacável. — Seria exatamente isso: fazer amor. Eu amo você, Lynne. — Seu tom ficou mais ardoroso. — E sei que você me ama. Eu estava errado. A mulher por quem me apaixonei não é diferente da mulher que você foi por toda a vida. Se eu aprendi alguma coisa, foi isso.

Ela mordeu o lábio. Queria acreditar nele, queria extravasar toda a tristeza e dor de cabeça dos últimos dias, mas...

— Eu amo você. — Ela pigarreou. — Mas, Brendan, eu não posso mudar meu passado. Vou ser sempre uma top model.

— Você ainda quer ser uma? Porque, se quiser, ou se decidir que gostaria de retornar, vou apoiar sua decisão.

— Não! — Esta era a única coisa da qual tinha certeza. — Eu só quero ser uma pessoa normal, com uma vida normal.

— Certo. Podemos fazer isso. — Ele levantou uma das mãos e a colocou em concha em sua face, e ela sentiu suas dúvidas começando a se esvair. — Quero fazer você feliz, querida. E eu não acho que você vai ser feliz se me deixar.

— Eu também acho — confessou. — Mas você pode realmente ser feliz comigo agora que sabe que eu não sou apenas a garota do apartamento da frente?

— Sem nenhum problema. — Ele a puxou para si novamente, seu corpanzil quente e sólido contra o dela. — De qualquer modo, não quero que você seja a garota do apartamento da frente. Quero que você seja minha esposa.

Lágrimas arderam em seus olhos.

— Eu quero isso, também. Tem certeza?

Ele sorriu ao segurar a mão de Lynne e conduzi-la ao seu apartamento.

— Tenho uma coisa para você. Eu ia esperar até a manhã de Natal, mas agora mudei de idéia.

Ela permitiu que ele a sentasse no sofá e, então, o observou caminhar até o quarto e retornar com uma caixinha embrulhada em papel prateado e amarrado com um laço vermelho. O coração de Lynne se encheu de esperança.

Sentando ao lado dela, Brendan segurou sua mão e virou sua palma para cima. E pousou nela a caixinha.

— Abra.

— Agora? Ainda não embrulhei os seus presentes. Ela queria muito abrir a caixinha, mas suas mãos tremiam. Lynne pressionou a caixinha firmemente.

— Depois do jeito com que me comportei, o único presente que quero é você — disse Brendan. Ele desceu do sofá, apoiou um joelho no chão e tomou as mãos de Lynne entre as suas. — Eu já lhe pedi para se casar comigo uma vez, mas estou perguntando novamente. Casa comigo?

Pela primeira vez em dias ela sentiu uma fagulha de felicidade.

— Brendan, você tem certeza?

— Absoluta. Não há nada que você possa me dizer que me faça mudar de idéia. Eu já aprendi do jeito difícil que ter você em minha vida é mais importante do que qualquer coisa que possa se colocar entre nós.

— Você não se incomoda que eu seja financeiramente independente? — Era melhor expor todos os problemas agora, para que eles não corressem o risco de desabarem sobre eles depois.

Quando ele resfolegou, Lynne entendeu que não tinha nenhum motivo para se preocupar.

— Quer dizer, se eu acho que a minha masculinidade está ameaçada? Não. Contanto que você não possa correr mais rápido ou pular mais alto do que eu. Isso realmente iria me deixar chateado.

— Você não está em perigo. — A felicidade permitiu que ela respondesse no mesmo tom brincalhão. — Educação física não era o meu forte na escola. Eu agora corro para me manter em forma, mas não há velocidade envolvida na atividade. E eu, certamente, não salto.

— Então está tudo bem. — Ele apertou levemente as mãos dela. — Então abra isso.

Ela respirou fundo.

— Certo. — Ela puxou a fita e cuidadosamente retirou o papel, sem rasgá-lo.

— O que você está fazendo? — perguntou num tom impaciente. — Não me diga que você tem mania de poupar papel!

— Tenho, com toda certeza. Ele suspirou.

— Acorde-me quando estiver pronta para abrir a caixa.

Mas ela já havia retirado a caixinha de jóias da caixa quadrada e branca, e ao ouvi-la abrir a tampa, ele imediatamente levantou a cabeça.

Ele não se moveu... e ela também não. Finalmente ele disse:

— E então? — Havia incerteza em sua voz novamente.

— É... incrível — ela respondeu, numa voz esganiçada.

E era.

— Gostou? Eu disse ao joalheiro o que queria e ele me ajudou com os detalhes.

— Eu amei — disse fervorosamente. — Ele tem um diamante enorme no centro com dois menores em cada lado. Além disso, o aro é incrustado com pedrinhas. Não posso descrever a luz que ele irradia.

Ele apanhou a caixa e removeu o anel. Em seguida, segurou a mão esquerda de Lynne e pegou seu dedo anelar.

Deslizou o anel até posicioná-lo e perguntou:

— Coube direitinho?

— Está perfeito! — Ela estendeu a mão, incapaz de acreditar que estava usando um anel tão lindo.

— Bom — disse ele — vai combinar com minha esposa perfeita.

— Eu também amo você. — Ela riu. — Xi... tenho expectativas altas a cumprir!

— Você não terá a menor dificuldade. — Ele fez uma pausa, e então a puxou para seus braços. — Eu amo você, querida. O dia em que tropecei nas suas caixas foi o melhor da minha vida.

Ela riu, e seus lábios tocaram levemente o rosto dele.

— Pense na história que teremos para contar quando nossos filhos perguntarem como nos conhecemos.

— Nossos filhos. Gosto do som disso. — Ele se levantou, levando-a junto. Entrelaçou os dedos de Lynne nos seus. — Acho que devemos começar.

— A contar a história?

— Não. — Ele a puxou para si, encaixando seu corpo rijo na suavidade do corpo de Lynne. — A fazer os filhos.                                                          

— Brendan! Ainda nem estamos casados!

— E daí? Devíamos praticar. Precisamos ter certeza de que vamos fazer direito.

E enquanto as mãos de Brendan deslizavam por baixo do suéter de Lynne em busca da pele macia e quente que ele escondia, ela desatou a gravata dele e começou a abrir os botões de sua camisa.

— Concordo. Vamos treinar bastante para fazer tudo direitinho.

 

                                                                                Anne Marie Winston  

 

                      

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