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Series & Trilogias Literarias
Camilla estava terminando de empacotar suas coisas, quando seu pai, Carlo Rossetti, telefonou.
– Oi, Pai!
– Oi, Filha! Já arrumou suas coisas? Porque amanhã bem cedo o Murilo vai te apanhar de caminhonete.
– Estou quase acabando e não vejo a hora de voltar para casa.
– Queria te contar que convidei nossos familiares para comemorarmos a sua chegada. Até contratei uma equipe para fazer churrasco.
– Mas, Pai, por que você não me consultou? Eu preferia ficar só com você, para colocarmos os assuntos da fazenda em dia. Você sabe que só voltei para terminar meu curso na cidade para poder te ajudar com a administração.
– Eu sei minha Filha, mas você sabe como são nossos parentes. Melhor enfrentar o povo todo num dia só.
– Bem, isso é verdade.
– Vai ser divertido, você vai ver! E depois do anoitecer terá música e dança.
– E quem vai tocar?
– Um violeiro e dos bons, filho de um velho empregado e grande amigo meu. Eu o reencontrei na festa do compadre João, tocando umas músicas que o povo adorou. Pedi para que também viesse tocar no nosso churrasco. Você vai gostar dele, tenho certeza.
– Pare de querer me arrumar namorado, Pai.
– Tá na hora de você superar o que aquele pilantra te fez sofrer. Se ele aparecesse na minha frente, nem sei o que eu seria capaz de fazer.
– Não se preocupe que vou superar.
– Eu sei.
– Então me deixe terminar de empacotar as coisas. Amanhã estarei de volta para sempre.
– Vai ser uma alegria, minha Filha. Sua mãe ficaria orgulhosa de saber que se formou como a primeira da turma.
– Ela me faz tanta falta!
– Faz mesmo, Filha. Mas tenho certeza de que ela continua olhando por nós. Nem a morte consegue separar as pessoas que se amam.
– Beijo, Pai. Até amanhã.
– Até amanhã! Lindos sonhos!
Depois da ligação para a filha, Carlo Rossetti fez outra chamada.
– Alô, Vitor?
– Ele mesmo.
– Tudo certo por aí?
– Tudo tranquilo. Amanhã seguirei atrás do Murilo, discretamente.
– Ótimo! Fico mais aliviado. E não se esqueça de que me prometeu tocar na festa. Camilla adora música sertaneja.
– Será um prazer tocar para ela.
– Até amanhã, então!
– Até!
Com um suspiro, Carlo largou o telefone. Lembrou-se da agonia que passou ao ver sua filha internada no hospital, vítima da violência de Joaquim, um namorado abusivo e ciumento, que jogou água fervendo em seu corpo. Camilla teve queimaduras de terceiro grau, que deixaram marcas em sua pele e em sua alma. Carlo fez o que pode para consolar a filha e para colocar o covarde atrás das grades. Joaquim foi condenado a dez anos de prisão. Infelizmente, depois de cinco anos atrás das grades, tinha conseguido liberdade condicional e Carlo temia que ele tentasse chegar perto da filha novamente. Por isso tinha contratado os serviços de Vítor, que além de violeiro nas horas vagas, tinha uma pequena empresa de segurança. Ele seria o guarda-costas de Camila, mas não contou isso para a filha, porque não teve coragem de revelar que Joaquim estava solto. Temia que as crises de pânico dela voltassem. Esperaria para contar quando ela estivesse protegida em casa.
Depois de deixar tudo pronto para o retorno à fazenda, Camila foi tomar um banho. Despiu as roupas e, enquanto esperava a água esquentar, observou seu corpo no espelho. Apesar das plásticas, o ombro, o braço e o seio do lado direito ainda guardavam marcas das queimaduras. Além dos médicos, ninguém mais tinha visto seu corpo despido. Não tinha deixado nenhum homem se aproximar, nem como amigo. O medo de ser rejeitada sexualmente, pela má aparência de seu seio, ou de se envolver novamente com um homem como Joaquim a apavorava. Por isso tinha decidido se dedicar totalmente à administração da fazenda. Ocupar a cabeça com trabalho seria a melhor terapia para esquecer-se das dores do passado.
Dentro do carro, Vítor observava a movimentação de Camilla através das luzes que ela ia acendendo no apartamento. Ainda não a conhecia, mas já nutria um sentimento genuíno de querer protegê-la. Carlo lhe contou o que ela havia sofrido e ele faria de tudo para que Joaquim jamais se aproximasse novamente. Conhecendo tipos como ele, Vítor estava ciente da grande possibilidade dele querer contatá-la novamente, ou pior, tentar um novo ataque. Por isso já tinha organizado um esquema de segurança na fazenda, com vigilância dia e noite. E cuidaria pessoalmente para que ela chegasse sã e salva ao encontro do pai que tanto a amava.
Na manhã seguinte, Murilo chegou cedo e entrou na garagem do prédio para apanhar Camilla e seus pertences. Vítor ficou esperando do lado de fora, atento a qualquer movimento estranho. Seu funcionário, que estava de plantão próximo à casa dos pais de Joaquim, reportou que ele estava dentro da propriedade. Mesmo assim, todo cuidado era pouco. Ao receber a sentença de sua condenação, o ex-namorado de Camilla tinha prometido que se vingaria dela. A prudência mandava considerar tal promessa como uma possibilidade real. Homens com o perfil de Joaquim são muito perigosos e se acham no direito de matar mulheres. Vitor tinha desprezo por homens deste tipo.
Quando Camilla e Murilo saíram da garagem, rumo à fazenda, Vítor pode ver o rosto dela. Seu perfil delicado mostrava o quanto era bela, mas também mostrava sua determinação de seguir vivendo. Gostaria de ter sido ele o motorista para levá-la até a fazenda, mas Carlo achou melhor que ela o conhecesse noutro contexto, pois assim aceitaria melhor sua presença como segurança. Vítor estava torcendo para que Carlo estivesse certo quanto a isso.
Foi seguindo de perto a caminhonete, mas, quando estavam quase chegando, o telefone de Vítor tocou.
– Patrão, estou seguindo o indivíduo. Ele saiu de casa dirigindo o carro dos pais.
– Não deixe que ele perceba que está sendo seguido, Alaor. Se você achar que ele pretende pegar a estrada da fazenda, pode bater atrás do carro dele e faça-o descer para que você o reembolse pelo prejuízo. Diga que se distraiu com o celular, ou algo parecido. Estamos quase chegando e eu não quero que este infeliz a veja no carro. Eu te aviso quando ela estiver a salvo dentro dos portões.
– Combinado, patrão. Até!
– Até!
Vítor aproximou seu carro ainda mais, pronto para reagir diante de qualquer ameaça, mas felizmente Camilla entrou na fazenda sem ter corrido nenhum risco. Ligou para avisar Alaor de que já estavam dentro da fazenda e para saber o paradeiro de Joaquim.
– O indivíduo estava indo mesmo na direção da fazenda, patrão, mas parece que mudou de ideia – relatou Alaor. – Fez meia volta e seguiu até um boteco na beira da estrada. Estou parado aqui fora, vendo ele no balcão, conversando com a garçonete. Acho que está dando uma cantada nela.
– Fique de olho e qualquer coisa me avise. Vou mandar o Lipe te substituir, para que você descanse. Aguarde o telefonema dele para indicar a sua localização.
– Certo. Retorno depois para o turno da noite.
– Combinado, Alaor.
Camilla nem acreditava que desta vez estava de volta para sempre, sem provas para estudar, nem TCC para fazer. Poderia finalmente ajudar seu pai a cuidar da terra que tanto amava. Pela janela aberta, aspirou o cheiro de mato da fazenda, que ficava ainda mais intenso nos dias de sol quente. Pode ver ao longe os campos verdes de plantação de milho, com as espigas cheias de grãos. Imagem que lhe despertava um sentimento de gratidão à natureza. Se tudo corresse bem, a colheita seria das melhores.
Seu pai a esperava na varanda da casa principal e desceu correndo as escadas para abraçá-la.
– Filha, que saudades de você! Vem aqui me dar um abraço!
– Oi, Pai! Eu também estava com muitas saudades de tudo por aqui.
– Murilo, por favor, leve as coisas da Camilla para o quarto dela.
– Pode deixar seu Carlo. Farei isso agora mesmo.
– Obrigada por ter ido me buscar, Murilo – agradeceu Camilla.
– Que é isso, senhorita. Não precisa agradecer.
Depois que Murilo saiu carregando algumas malas, Camilla e o pai continuaram conversando.
– Que horas você marcou o almoço, Pai?
– A partir de meio-dia já deve ter gente chegando. A mesa já está montada e a equipe de churrasco já começou a trabalhar.
– Estou com medo que fiquem me perguntando se estou bem. A pior é a tia Cotinha, não aguento mais ela olhando com piedade para as minhas queimaduras.
– É que eles se preocupam com você, mas não têm muita sensibilidade para saber quando devem parar. Mas hoje foram convidados para comemorarem sua formatura, acho que vão se comportar.
– Espero que sim. Vou aproveitar dar uma arrumada nas minhas coisas antes do almoço.
– Vou ver como estão os preparativos e já te alcanço.
– Está bem.
Carlo Rossetti esperou a filha entrar, para só então ir ao encontro de Vítor, que aguardava ao longe.
– Oi, Vítor! Você deve estar cansado. Mandei preparar um quarto para você dormir um pouco.
– Ah, obrigado, Carlo. Mas antes, se não se importar, quero me exercitar nadando no rio. E não se preocupe que já deixei minha equipe de prontidão. Joaquim está sendo vigiado de perto.
– Ótimo. Pode ir nadar tranquilo. E peça na cozinha que te preparem o que quiser. Nos vemos à noite.
– Com licença, então.
Enquanto caminhava até o quarto de Camilla, Carlo pensava em Vítor, em como ele era um jovem bem apessoado e de excelente caráter. Daria um ótimo genro. Pena que ele, como pai, não pudesse escolhê-lo como namorado para a filha, mas dar uma mãozinha ao destino não faria mal.
– Posso entrar? – perguntou Carlo, depois de dar umas batidinhas na porta. – Filha, deixe essa arrumação pra depois. Por que você não vai dar um mergulho no rio e tomar um sol antes do almoço? O dia está maravilhoso!
– Eu estava pensando nisso. Depois da queimadura não tentei mais nadar, mas acho que já estou pronta para arriscar.
– O médico já te deu alta, não é mesmo?
– Já sim.
– Então vá. Aproveite antes que os parentes cheguem.
– Vou precisar desses minutos de paz para ter forças de enfrentar a parentada.
– Quem escuta você falando assim vai pensar que seus tios e primos são pessoas horríveis.
– Não são horríveis, mas falam alto, fazem fofoca, brigam e fazem as pazes, tudo ao mesmo tempo.
– Como qualquer família de origem italiana.
– Acho que puxei a genética dos ancestrais nórdicos por parte da Mamãe. Gosto de silêncio e de paz.
– Prometo que amanhã haverá silêncio e paz, mas hoje faça um esforço e sorria para todos.
– Vou me esforçar, prometo.
– Até depois, então. Bom passeio até o rio.
– Obrigada.
Camilla deixou as caixas como estavam e colocou um biquíni. Vestiu shorts e uma camiseta por cima e pegou uma toalha para se enxugar. Desde pequena, o rio sempre foi um dos seus locais favoritos para relaxar na fazenda. Mas enquanto estava sarando das queimaduras e das cirurgias reconstrutoras não pode entrar na água, para não correr nenhum risco de contaminação. Então já fazia bastante tempo que não se dava ao luxo de se refrescar nadando. Agora que estava de volta, e com a pele cicatrizada, pretendia voltar a nadar todos os dias.
No caminho até o rio, lembrou-se da vez que foi com uma amiga da faculdade para a praia e notou algumas pessoas olhando com repugnância para suas cicatrizes. Não tinha sido uma experiência agradável. E talvez nunca mais conseguisse se sentir à vontade ficando nua na frente de um homem. Tudo ainda estava muito vívido em sua mente, as agressões verbais sem motivo, as agressões físicas e a água quente sendo atirada em seu corpo, só porque tinha recebido o telefonema de um amigo. Sua esperança era de que o banho de rio afastasse aquelas lembranças.
Ao longe Camilla já podia ver o reflexo do sol na água, brilhando como se fossem milhões de estrelinhas douradas. Bem que poderiam ser estrelinhas mágicas, que removessem as cicatrizes que restaram e trouxessem sua pele lisa de volta. Mas já que isso era impossível, que removessem as cicatrizes da sua alma, para que voltasse ter a esperança de poder amar e ser amada por um homem decente.
Com este desejo no coração, Camilla retirou o short e a camiseta. O reflexo do sol estava tão intenso que ela precisou deixar os olhos semicerrados, para que o brilho não ofuscasse sua visão. Olhando para baixo, não percebeu que Vítor estava saindo da água e vinha em sua direção. Quando levantou a cabeça, e se deparou com ele, levou o maior susto. Seu coração disparou e um ataque de pânico se instalou em seu corpo. Começou a tremer e ficou branca. Percebendo que Camilla podia desmaiar, Vítor a segurou com um dos braços e com o outro pegou a toalha dela e a estendeu no chão, para que ela deitasse e o sangue voltasse ao seu rosto.
– Não tenha medo – ele disse. – Meu nome é Vítor e estou aqui a convite de seu pai. Desculpe se a assustei.
– Não precisa se desculpar, nem se preocupar – ela disse um pouco mais calma. – Tenho tido esses sintomas de pânico, mas já vai passar. Não é nada grave.
– Se eu soubesse que queria nadar, eu não teria vindo, mas seu pai não me disse nada, quando avisei que viria nadar um pouco.
– Ah, então está explicado porque meu pai insistiu para que eu viesse nadar. Como ele não confia mais nas minhas escolhas amorosas, anda tentando me arrumar um namorado. Ele até encontrou um que toca violão e que vai cantar hoje de noite, só porque eu gosto de música sertaneja. Espere. Esse um é você?
– Sim, sou eu. Ele me pediu para tocar, mas não falou nada sobre namorar você.
– Bem coisa do meu pai. O que acha de fazermos de conta de que não sabemos do plano dele e fingimos que ficamos atraídos um pelo outro, para depois desmascará-lo.
– Eu não precisaria fingir. Você é muito linda!
Só ao escutar o elogio de Vítor, Camila se deu conta de que estava de biquíni, com praticamente todas as suas cicatrizes à mostra. Em nenhum momento ele tinha olhado com repulsa para ela, pelo contrário, parecia nem notar a pele descolorida e cheia de queloides em seu braço, colo e ombro.
– Agora fiquei envergonhada por ter feito essa proposta. Vamos fingir de que não tivemos essa conversa, isso sim.
– Eu achei divertida a proposta – ele comentou sorrindo. – Não precisa ficar envergonhada. Vamos começar de novo, deixa eu me apresentar. Meu nome é Vítor, sou filho de um velho empregado e amigo de seu pai e vou tocar umas modas de viola na comemoração da sua formatura.
– Muito prazer, meu nome é Camilla e agradeço sua gentileza. Gosto muito de escutar alguém tocando violão.
– O prazer será meu. E fico feliz em ver que já está melhor. A cor voltou ao seu rosto. Vou deixar que tome seu banho de rio em paz. Até de noite, Camilla.
Camilla ficou observando Vítor colocando a camiseta e indo embora. Ele era bonito, alto e forte, além de ser simpático e tocar violão. Não podia negar que seu pai tinha escolhido um belo exemplar masculino, mas teria que dar um jeito de fazê-lo parar de querer arrumar um par para ela. Já estava se conformando de que deveria ser feliz sozinha.
Mergulhou nas águas do rio e por um tempo se deixou levar pela leve correnteza. Sentiu uma paz como há muito tempo não sentia. Vítor tinha dito que ela era linda e ela acreditou que ele estava sendo sincero. Não havia motivo para se envergonhar das marcas em seu corpo, nem do que tinha lhe acontecido. Joaquim é que devia se envergonhar, pela monstruosidade que tinha feito.
Retornando para se arrumar para o almoço, lembrou-se de que não tinha convidado Vítor para o churrasco. Ele tinha dito “Até a noite”, portanto não pretendia vê-la antes disso. Será que seu pai tinha ficado com medo de que o comparecimento dele no almoço desse muito na cara sua vontade de querer que os dois namorassem? Precisava urgente ter uma conversa bem séria com seu pai, Carlo, o casamenteiro.
Camilla escolheu seus trajes preferidos para o almoço, botas, jeans e camisa xadrez. Deixou os cabelos soltos e fez uma maquiagem leve. Depois de passar seu perfume preferido, colocou seus óculos escuros e foi enfrentar a chegada e os cumprimentos dos parentes. Oh povo que adorava uma festa.
Tia Cotinha foi a primeira a chegar e a abraçar Camilla. Os olhos apertadinhos, marejados de lágrimas, e a voz chorosa, eram a sua marca. Desde pequena tinha uma tendência ao dramático. Felizmente seu pai a afastou, antes que ela começasse a relembrar as desgraças vividas por Camilla. Depois chegaram seus tios por parte de pai, junto com os filhos, netos e agregados. A barulheira dos jovens deixou o clima mais alegre e, quando todos se acomodaram na comprida mesa, armada na sombra da varanda, Artur Camacho fez soar o cristal de sua taça, com o auxilio de um garfo.
– Um momento de atenção, por favor! – ele pediu, mas o burburinho era tanto que ele teve que bater novamente, fazendo o cristal soar mais alto. – O pessoal, eu quero fazer um brinde à minha filha, que se formou como primeira de sua turma e que está de volta perto de mim. Que ela tenha gosto pelo trabalho na fazenda e pela companhia deste velho pai que a ama. À Camilla – ele brindou, erguendo a taça.
– À Camilla – responderam todos erguendo as taças, nas quais tinha sido servido um espumante para o brinde.
– Obrigada pai, você sabe que eu te adoro e que vou amar trabalhar aqui junto de você. Obrigada pessoal pelo carinho. Mas chega de discurso, podem começar a se servir, os churrasqueiros já vão trazer a carne. Bom apetite para todos.
As saladas dispostas sobre a mesa foram atacadas pelos famintos. Em dias de festa seus parentes nem tomavam café da manhã, para comerem até não poderem mais. Mastigavam com tanto gosto que era medonho de se ver, mas Camila dava graças por estar ali entre eles, livre dos abusos e curada dos machucados. Todos, de um jeito ou de outro, tinham colaborado com a sua recuperação. Era uma geleia especial que lhe mandavam, ou um xale quentinho feito à mão, muitas orações e missas, mensagens diárias de incentivo e amor. Apesar de preferir o silêncio, às vezes era gostoso participar daquela confusão.
Quando a carne começou a ser servida, a comilança aumentou ainda mais, com farofa, banana à milanesa e maionese. Entre mastigadas, tio João, irmão de Carlo, contava piadas e causos. As caras ora de espanto, ora de risos, eram tão divertidas que Camilla nem viu o tempo passar. O bolo de sobremesa foi servido, mas nem todos tiveram espaço na barriga para comer. Ficou para ser terminado no lanche da noite, quando o baile começasse.
O coração de Camilla disparou ao lembrar que era Vítor quem iria tocar. Não queria admitir, mas estava louca de vontade de ficar perto dele novamente. Com os parentes reunidos seria bem difícil conseguir isso. Pensou em perguntar ao pai se ele estava no alojamento dos funcionários, mas ficou com vergonha de demonstrar seu interesse, já que provavelmente Vítor nem quisesse ficar sozinho com ela. Ela é que estava carente do olhar de um homem que a desejasse. Seu pai não precisava saber de nada, caso fosse rejeitada, ele já sofria demais por não ter conseguido protegê-la de Joaquim.
Foi para o quarto descansar um pouco, enquanto os demais deitavam nas redes que foram armadas na varanda e nas árvores. Nada como um cochilo para renovar as forças. Carlo ficou no comando da montagem do tablado, que serviria de pista de dança, e da nova mesa de comida para o lanche noturno. Feliz com a festa da filha, ele esqueceu-se de pedir para que não postassem fotos. Queria adiar ao máximo que Joaquim soubesse da presença de Camilla na fazenda. Mas o que os jovens fazem? Postam fotos de tudo o que estão fazendo.
Vítor dormiu até às seis da tarde e levantou sentindo-se inspirado para compor uma música. Enquanto tomava banho, lembrou-se do encontro com Camilla e do quanto tinha gostado de estar com ela. Versos foram surgindo como se já existissem em seus pensamentos e uma alegre melodia para eles também. Vítor, se quisesse, poderia muito bem ter seguido a carreira de músico, tinha talento e aparência para isso. Mas ele queria ter tempo para formar e curtir uma família e isso seria muito complicado se fosse cantor.
Depois do cochilo, Camilla resolveu tomar outro banho e se arrumar mais bonita para a noite. Escolheu uma camisa de seda branca de mangas compridas, uma calça jeans bem justa e elegantes sandálias de tiras, enfeitadas com pedras de tonalidade azul. Prendeu os cabelos num rabo de cavalo e caprichou na maquiagem dos olhos, esfumando-os de preto. Arregaçou um pouco as mangas e colocou gostas de perfume no pulso e no pescoço. Se tivesse a sorte de dançar com Vítor, ele sentiria o aroma bem de perto. Com essa esperança no coração, foi ver como andavam os preparativos para a segunda rodada de comilança.
Encontrou seu pai conversando com o DJ, que assumiria a responsabilidade pelas músicas que seriam tocadas depois que a apresentação de Vítor terminasse. Ele apontou com o dedo para a mesa, para que ela desse a aprovação final na disposição das travessas de comida. Seriam servidos sanduíches com recheios leves, para que todos pudessem dançar bastante sem passarem mal. Camila fez sinal de positivo para o pai, aprovando as escolhas dele.
Logo os parentes começaram a rodear a mesa, esperando a permissão para atacarem os pães. Quando Carlo tocou o sino preso no batente da porta e gritou que o lanche estava servido, os Rossetti se achegaram da mesa em peso, disputando pratos, copos e sanduíches. Camilla esperou para se servir na segunda leva de comensais, a dos menos famintos. Apesar dos anos de convivência com a família, ainda se admirava do apetite dos parentes.
Saciados, os Rossetti começaram assobiar e gritar, chamando pelo violeiro. Carlo foi até o microfone que tinha sido instalado em cima do tablado, para anunciar que Vítor estaria no palco dentro de quinze minutos. Todos bateram palmas e continuaram com as demonstrações altas de alegria e entusiasmo pela apresentação que se aproximava.
A emoção de Camilla também estava nas alturas. Só de imaginar Vítor segurando um violão seu coração se acelerava. Ela já se sentia atraída por ele, e tinha certeza que se apaixonaria de vez, quando o escutasse cantar as músicas que adorava. Era bom ter aquelas sensações de frio na barriga novamente, pelo clima de paquera. Mesmo que fosse só da parte dela. Tinha pensado que nunca mais iria se apaixonar. Que bom que estava enganada quanto ao seu coração, que demonstrava estar mais vivo do que nunca.
– E com vocês, – anunciou Carlo ao microfone– o mais famoso violeiro da região, Vítor José Martins. Palmas para ele!
Os assovios cresceram ainda mais de intensidade e Camilla se juntou aos parentes, assoviando e batendo palmas para Vítor, que lhe lançou um sorriso mais do que lindo. Para a sorte dela, a atração estava parecendo mútua. Depois de arrumar o microfone, Vítor olhou fixamente para Camila e disse:
– Com a permissão de seu pai, dedico esta música, de minha autoria, para você, Camila!
O menina linda
Eu quero você
Guarda as mágoas do passado
E vem me conhecer
Prometo ser gentil e carinhoso
Amável e generoso
Porque estar com você, meu Bem
É algo precioso
Vem pra dentro dos meus braços
Que eu vou te proteger
Afastar todos os males
Para longe de você
E de noite em nossa cama
Vou te amar até morrer
Porque o seu gosto e o seu cheiro
Sei que vão me enlouquecer
O delícia linda
Eu quero você
Esquece as mágoas do passado
Meu futuro é com você
Quando Vítor terminou de cantar e soprou um beijo para Camilla, a plateia de parentes foi à loucura. Nunca na vida os Rossetti gritaram tanto e bateram tantas palmas. A melodia alegre e dançante, e cheia de significados, era arrebatadora. Tia Cotinha, com as mãos no coração, deixava as lágrimas escorrerem e Carlo sorria com alegria, vendo, depois de tanto tempo, a felicidade estampada no rosto da filha.
Vítor convidou Camilla para subir ao lado dele no palco e, ajudado por ela nos refrãos, cantou vários sucessos sertanejos. Os Rossetti acompanhavam, dançavam e pediam sempre mais. Quando estava quase rouco, Vítor precisou encerrar sua apresentação, passando a bola para o DJ. Foi ovacionado ao descer do palco de mãos dadas com Camilla. Os mais jovens começaram a gritar:
– Beija, beija, beija...
Ele se virou sorrindo para Camila e pediu baixinho:
– Posso?
Ela fez que sim e ele a tomou nos braços, beijando-a longamente.
A loucura foi total. Chapéus foram atirados para o alto e assovios agudíssimos foram dados. Camilla se sentiu nas nuvens, pois, apesar da vergonha, o beijo foi quente e delicioso, fazendo acordar sensações em suas partes íntimas, que tinham sido reprimidas pelos maus-tratos de Joaquim. O ex-namorado a chamava de puta com desprezo e a obrigava a transar com ele. Mas tudo aquilo era passado e Camilla sentia que finalmente podia se dar o direito de ser feliz novamente. Dançar com Vítor, sentindo faíscas cada vez que seus corpos se roçavam, era uma prova disso.
Durante a pausa do DJ, os Rossetti correram para a mesa de sobremesas. O bolo inacabado do almoço desapareceu em instantes. Camilla conseguiu pegar uma fatia para Vítor, que quis dividir com ela. Sentaram num banco mais escondido, para terem mais privacidade. A princípio para apenas comerem o bolo, alternando, de um para o outro, garfadas da delícia em camadas. Mas ao notar que havia ficado um pouco de chantilly no canto da boca de Camilla, Vítor se aproximou do rosto dela para limpar o doce. O gesto inocente, mas ao mesmo tempo sensual, atiçou o fogo da atração entre eles. Ele ficou olhando para os lábios de Camilla, lembrando o gosto do beijo que tinham trocado. O pratinho de bolo acabou ficando esquecido e Camilla tremeu de prazer ao sentir a mão de Vítor em sua nuca, atraindo-a para perto dos seus lábios, ansiosos por beijá-la mais uma vez.
O segundo beijo foi mais intenso, línguas experimentando o doce da boca um do outro, fazendo-os imaginar a delícia que seria a de ficarem sós, podendo extravasar o desejo de fazerem amor. Foram interrompidos com a chamada para uma segunda rodada de dança. Outros beijos tiveram que ficar para depois.
Ao se dirigirem abraçados para a pista de dança, um receio passou pela mente de Vítor, o de que Camilla, quando soubesse de que ele estava ali como seu guarda-costas, desconfiasse da veracidade dos seus sentimentos. Mas ele estava verdadeiramente atraído por ela. O fato dela estar em perigo o deixava querendo protegê-la ainda mais. A verdade precisaria ser dita naquela noite mesmo, para que nada pudesse prejudicar o que viesse acontecer entre eles. Por isso esperaria que todos fossem embora e pediria permissão a Carlo para contar a ela que Joaquim tinha sido solto.
O novo casal, Camilla e Vítor, mais a parentada toda, dançaram até não se aguentarem mais em pé. A festa chegou ao fim e as despedidas começaram. Camilla escutou muitos votos de sucesso e felicidade no amor. E Carlo, ao lado da filha, agradecia a presença de cada um que tinha comparecido.
Vítor aproveitou que Camilla estava ocupada e ligou para Alaor, para saber como andavam as coisas.
– Alô, Alaor! Alguma novidade?
– Já retomei a vigília do indivíduo. Depois de passar a tarde jogando sinuca no bar, ele voltou para a casa dos pais. O carro foi guardado na garagem, então aparentemente ele não pretende sair, mas ficarei de olho. O que está me preocupando, patrão, são as redes sociais dos Rossetti, que pediu que eu monitorasse. Várias fotos da festa foram postadas e Camilla aparece em muitas delas, inclusive cantando ao lado do senhor. Se o indivíduo tiver acesso a esses perfis, poderá não gostar de vê-la feliz e isso não será nada bom.
– Não será mesmo, Alaor! Obrigado por me informar e fique atento. Não importa a hora, se houver movimentação por aí, me chame. Aqui o pessoal também estará de plantão.
– Combinado, patrão!
As informações recebidas de Alaor confirmaram sua decisão de revelar tudo para Camilla. Procurou Carlo com os olhos e viu que ele se dirigia para dar ordens na cozinha. Alcançou-o antes que chegasse lá.
– Carlo, podemos conversar um momento, por favor?
– Se for por causa do beijo não se incomode. Já te disse que faço gosto que vocês namorem.
– Obrigado, mas a minha preocupação é outra.
– O que foi que aconteceu? Aquele desgraçado descobriu que minha filha está aqui?
– Se ainda não descobriu, vai descobrir logo. Seus sobrinhos postaram várias fotos da festa e Camilla aparece em algumas delas.
– Bem, isso iria acontecer de qualquer jeito, mas não precisava ser tão cedo. Eta juventude danada.
– Por isso eu queria sua permissão para contar tudo para Camilla. Não quero assustá-la, mas quero que fique preparada para gritar por ajuda se for necessário.
– Pode contar. Eu ainda estou com muita raiva para falar com ela sobre isso. Sempre tenho vontade de dizer que se eu pudesse eu matava o Joaquim. E ela não precisa de mais esse medo de eu acabar preso.
– Entendo você, Carlo. O que aconteceu com Camilla é revoltante mesmo. O Alaor está de prontidão e avisará se o cretino se movimentar. Aqui, depois que todos forem embora, os cachorros serão soltos, para fazerem a ronda com a equipe de segurança. Os cuidados no portão também foram reforçados, ninguém entra sem sua permissão.
– Ótimo. Com mais o alarme da casa ligado, acho que poderemos dormir tranquilos. Agora pode voltar para junto de Camilla. Fico muito feliz que ela gostou de você.
– Eu também fico.
Vítor e Camilla ajudaram a recolher para dentro de casa tudo o que tinha sido usado para receber os parentes. A louça já tinha sido lavada e o pessoal extra, que tinha vindo ajudar, ido embora. Só faltava fecharem bem as portas e ligarem o alarme. Depois de terem tomado todas essas preocupações, Carlo pediu licença para se retirar. Estava cansado e queria dormir.
– Obrigada por tudo, Pai! Adorei a festa!
– Que bom que gostou, Filha. Você merece muita alegria em sua vida!
– Ter você sempre perto de mim é a minha maior alegria, Pai. Não sei o que seria de mim sem você. Espero que descanse bastante e tenha lindos sonhos essa noite.
– Vamos torcer para que sim. Cuide da minha filha, Vítor. Estou indo dormir.
– Cuidarei, pode dormir tranquilo.
Depois que o pai subiu, Camilla puxou Vítor pela mão, dizendo:
– Vem cá, eu quero te mostrar o meu quarto.
– Mas seu pai não vai se importar?
– Com certeza não, já que ele mesmo deu uma de cupido.
– Quanto a isso, eu preciso te contar uma coisa.
– Você me conta lá em cima.
Vítor se deixou puxar por Camilla. Mas, quando ela abriu a porta e viu a desorganização que havia deixado, fechou a porta rapidamente.
– Esqueci que deixei as caixas da mudança reviradas, tem roupa por tudo.
– Vamos para o meu quarto, então. Meu não, o de hóspedes, que seu pai me cedeu por alguns dias. Daí a gente pode conversar com mais privacidade.
– Então vamos – ela concordou, imaginando o que ele gostaria de conversar. Pela expressão no rosto dele, já sabia que era algo sério. Um frio gelado percorreu suas veias, fazendo-a temer ter mais um ataque de pânico. Mas estar de mãos dadas com Vítor a ajudou para que mantivesse seu controle emocional. Sentia-se segura com ele.
No quarto, Camilla sentou-se na poltrona e ele puxou uma cadeira para ficar de frente para ela.
– Comece a falar logo, porque estou ficando assustada com essa sua expressão séria. Você é casado, é isso? Ou está comprometido com alguém e se arrependeu da música que fez para mim? Ou pensou bem e está com medo de ter que olhar para minhas cicatrizes? Pode falar a verdade, eu aguento. Eu também levei muito tempo para me aceitar.
– Não é nada disso, Camilla. Você é linda e eu te desejo mais do que tudo. Quero muito fazer amor com você hoje mesmo, se você também desejar. Suas cicatrizes só me fazem gostar ainda mais de você. Elas representam sua força, sua superação, sua vontade de continuar vivendo. Mas preciso te contar toda a verdade, para que não fique nenhuma dúvida de que eu realmente me apaixonei a primeira vista por você.
– Mas que verdade é essa?
– A verdade é que seu pai me encontrou como ele disse, tocando na festa do compadre João. O que ele não contou foi que neste dia ele me contratou para ser o seu guarda-costas. Ele estava muito preocupado por uma notícia que ele não teve coragem de te contar, porque você estava escrevendo seu TCC e prestes a se formar. A de que seu ex-namorado conseguiu liberdade condicional e está na cidade, na casa dos pais dele.
– O quê? – pálida e tremendo, ela não queria acreditar no que tinha ouvido. – Ele vai vir atrás de mim, ele prometeu que me mataria na próxima vez que me encontrasse.
– Eu não vou deixar que nada de ruim te aconteça, confie em mim. Meus homens o estão vigiando e a segurança da fazenda foi toda reforçada. E eu vou dormir aqui todas as noites, pra te proteger.
– Por que isso tinha que acontecer justo agora, que eu estava começando a achar que podia voltar a ser feliz? Não é justo soltarem aquele bandido! – desesperada, Camilla começou a chorar.
– Vem cá, me deixe te abraçar – ele pediu, estendendo a mão para ela, depois de se levantar.
Camilla aceitou o conforto que ele lhe oferecia. Vítor a abrigou entre seus braços, deixando-a chorar toda a angústia que sentia. A dor emocional era tanta que as pernas dela fraquejaram. Ele a segurou antes que caísse e a carregou nos braços até a cama. Desde que tinha sido queimada por Joaquim, Camilla tinha feito de tudo para manter sua força. Se tivesse ficado deprimida seu pai sofreria muito, porque ele se sentia culpado por não ter protegido a filha. Ele não tinha percebido o que estava acontecendo. Enlutado pela morte da esposa, Carlo não viu os hematomas surgirem na pele de Camilla, nem no olho roxo escondido por trás dos óculos escuros.
Joaquim aproveitou-se de que Camilla não tinha mais a mãe para observá-la e começou os maus-tratos. Ele não aceitava que, por estar triste, ela não quisesse transar com ele. Obrigava-a fazer o que ele quisesse, batendo e chutando-a, quando caía no chão. Quando ela disse que não aguentava mais e que ia chamar a polícia, Joaquim ameaçou matá-la e matar seu pai. E era bem capaz disso. Louco por armas, ele tinha um arsenal dentro de casa. Mas Camilla só ficou sabendo desse lado obscuro dele depois de muitos meses. No começo do namoro ele se mostrou romântico e carinhoso. A mudança de atitude foi acontecendo aos poucos, mas Camilla interpretava o modo agressivo, que ele às vezes apresentava, como nervosismo pelo trabalho ou por problemas com a família dele.
Mas depois vieram também os ciúmes exagerados, o controle das roupas que ela usava, os xingamentos e as agressões físicas. Depois de cada crise, Joaquim pedia perdão de joelhos, dizendo que ia mudar, que só perdia a cabeça por amá-la demais. No começo ela acreditava, mas no fim, só não fugia por puro medo de que algo pior acontecesse. E o pior acabou acontecendo mesmo assim, quando ele jogou a água que ela estava fervendo para cozinhar macarrão em cima dela, só porque ela atendeu o celular para conversar com um amigo da faculdade e não colocou o espaguete na água. Ele estava com fome, foi o motivo que deu, por ter feito o que fez, ao delegado que o prendeu.
Vítor deitou-se ao lado de Camilla e aconchegou-a junto ao seu peito. Ele queria que ela sentisse protegida ao lado dele e faria de tudo para que ela voltasse a ter segurança e felicidade em sua vida. Enxugou com beijos as lágrimas que escorriam pelo rosto dela. Não conseguia entender homens como Joaquim, machistas covardes que batem em mulheres, que não têm condições de se defenderem física e emocionalmente.
– Você gostou mesmo de mim? – ela perguntou baixinho, depois que as lágrimas pararam de escorrer.
– Eu adorei você, Camilla, assim que te vi na janela da caminhonete do Murilo. Eu tinha passado a noite na frente do seu apartamento e depois segui vocês até aqui, cuidando para que nenhum imprevisto atrapalhasse sua volta ao lar. Minha vontade era a de estar dirigindo e te cuidando bem de perto, mas seu pai ficou com medo de que você recusasse minha presença como seu segurança e quis que você me conhecesse como um tocador de violão primeiro. Achou que minha música amoleceria seu coração. Mas te juro que, da minha parte, o encontro no rio foi totalmente inesperado, assim como os sentimentos que você despertou em mim, um misto de querer protegê-la de todos os males do universo e o de tê-la para sempre em meus braços.
Sem responder nada, Camilla tomou coragem e desabotoou devagarinho a camisa branca de seda que estava usando, deslizando-a pelos ombros. Respirando fundo, ela fechou os olhos, porque seria difícil enfrentar o olhar dele quando retirasse o sutiã. Apesar do medo, ela o tirou e continuou de olhos fechados quando perguntou:
– Depois de ter visto o que aconteceu com o meu corpo, você ainda quer fazer amor comigo?
– Camilla, olhe para mim. – Vítor esperou que ela abrisse os olhos para continuar. – A resposta para sua pergunta é: todos os dias se você deixar e mais de uma vez por dia se desejar e, se quiser saber mais da minha vontade, acho que está claro de que eu gostaria de começar já – comentou apontando para a enorme forma cilíndrica, crescida sobre o jeans. – Seu streap-tease me deixou bastante animado.
– Não sei o que dizer – ela disse com os olhos marejados de emoção, pelas palavras dele.
– Não precisa dizer nada, só sentir o quanto eu te desejo.
Olhando com paixão para ela, Vítor retirou as roupas, provando, sem margem alguma de dúvida, o quanto a queria. Carinhosamente ele afastou a mão dela, que teimava em esconder o seio queimado, e ajudou-a a retirar as partes de baixo da roupa, conduzindo-a para cama. Beijou-a inteirinha, da cabeça aos pés, até sentir que ela tinha se desligado dos problemas e dos receios pela aparência do seio.
Camilla entregou-se de corpo e alma para Vítor e ele a penetrou com cuidado, fazendo movimentos profundos, mas suaves, resgatando, com sua compreensão e delicadeza, a capacidade dela em sentir prazer. Percebendo que ela tinha atingido o orgasmo, ele sentiu-se realizado e completamente apaixonado. Gozou em seguida, de modo muito intenso. Dormiram abraçados, certos da força do amor que crescia entre eles.
Acordaram tarde na manhã seguinte. Carlo já estava terminando de tomar seu café da manhã, quando Camilla chegou abraçada com Vítor.
– Bom dia, Pai! – ela o cumprimentou, enquanto Vítor fez só um aceno com a cabeça.
– Bom dia, Filha! Bom dia, Vítor. – ele respondeu. – E não precisam ficar constrangidos, sei que dormiram juntos.
– Pai!
– Vítor é um bom homem, confio nele. Se ele te faz feliz, eu também fico feliz.
– Estou feliz, Pai. E te perdoo por não ter me contado sobre a condicional do Joaquim. Entendo que não teve coragem e agradeço por ter providenciado minha proteção. Sei que é necessária. Joaquim é um psicopata, capaz de tudo.
– Vamos torcer para que ele tenha pensado melhor e desistido da ameaça que fez. Mas, se aparecer por aqui, vai ter o que merece.
– Tomara que ele tenha esquecido que eu existo.
– Tomara que sim. Fiquem à vontade para tomar o café. Falamos depois Vítor. Espero você no escritório, ao lado do alojamento dos funcionários.
– Já chego lá.
– Não precisa se apressar, faça companhia para Camilla. Ela não gosta de comer sozinha.
– Não gosto mesmo.
Depois de dar um beijo na filha, Carlo foi tratar dos assuntos da fazenda.
– Pensei que ia levar uma bronca do seu pai, quando ele disse que sabia que dormimos juntos – Vítor comentou.
– Sabendo de tudo o que eu passei, acho que ele torcia para que isso acontecesse, para que eu voltasse a gostar de alguém. Além disso, anda louco para conseguir uns netinhos.
– Eu adoraria contribuir para o desejo dele se realizar. Uns seis netinhos você acha que deixaria ele satisfeito?
– Seis?
– Sim! Adoro família grande. Podemos começar a tentar mais tarde, o que acha?
– Acho você doido.
– Doido por você! – exclamou rindo, antes de beijá-la. – Nos vemos mais tarde. E não saia por aí sem a minha companhia. Se quiser passear me ligue. Me passa o seu celular para eu deixar meu número cadastrado.
– Vou aproveitar para arrumar meu quarto, enquanto você fala com o meu pai. Melhor deixar a cama disponível. Vai que eu topo começar a produção dos seis hoje mesmo – ela brincou.
– Já estou de dedos cruzados para que sim – sorriu malicioso para ela, antes de sair.
Camilla foi para o quarto, começar a arrumação. Colocou as roupas no armário e rearranjou seus itens pessoais, para que coubesse tudo o que havia trazido do seu apartamento na cidade. Com o quarto em ordem e a cama livre, só faltavam umas flores para deixar o ambiente mais alegre. Lembrou-se das calêndulas que cresciam na beira do rio, bem no local onde tinha conhecido Vítor. Um vaso pequeno cheio delas daria um toque especial para a noite romântica que pretendia ter com ele.
Vítor tinha recomendado de que não saísse sem a companhia dele, mas um pulo até o rio, só pra colher umas flores rapidinho, não haveria de ser um problema. Na passagem pela cozinha, Gina, a cozinheira e amiga da família de anos, quis saber onde ela pretendia ir com um vaso na mão.
– Espera aí, menina! Onde pretende ir com tanta pressa e ainda por cima com um vaso pesado desses?
– Até o rio, buscar umas flores. Quero deixar meu quarto bem lindo! Acho que estou apaixonada, Gina! Parece até que estou sonhando.
– Mas para que levar o vaso?
– Pra arrumar lá mesmo, assim não faço sujeira por aqui. Você por acaso tem uma tesoura para me emprestar?
– Tenho, mas a tesoura vai e volta, entendeu?
– Entendi. Te devolvo assim que eu voltar. Obrigada, Gina. Você sabe que eu te amo!
– Eu sei! Agora me deixe trabalhar, senão o seu violeiro não vai ter o que comer no almoço.
– Meu violeiro? Adorei! Então prepare um almoço bem gostoso para ele. Eu volto já! – Camilla deu um abraço na cozinheira e foi buscar suas flores. Gina ficou torcendo para que a felicidade voltasse de vez para o coração da jovem.
Enquanto isso, Vítor e Carlo vistoriavam a segurança nos limites da fazenda. A cerca tinha sido reforçada e eletrificada nos pontos mais vulneráveis. Além disso, câmeras de monitoramento estavam sendo instaladas ao redor da casa e no portão principal. Ocupados que estavam, nenhum dos funcionários percebeu a saída de Camilla.
Quando já estavam retornando para casa, Vítor recebeu uma ligação de Lipe, que estava no turno de vigilância de Joaquim.
– Patrão, estou seguindo o indivíduo, que saiu desembestado da lanchonete onde estava, depois de ter visto algo no celular. Ele está correndo muito e indo em direção à fazenda.
– Tente tirá-lo da estrada e deixe o celular no viva voz. Vá me dizendo o que está acontecendo – Vítor ordenou angustiado, sentindo o risco que Camilla corria.
– Ele passou reto à entrada da fazenda, mas pegou a entrada da fazenda vizinha. E acaba de invadir a propriedade, depois de quebrar a porteira.
– Siga ele de perto e veja o que ele pretende fazer. – Vítor pediu, voltando a toda a velocidade, para a casa da fazenda. Desesperado ao seu lado, Carlo pedia aos anjos que protegessem sua filha, até que eles chegassem.
– Patrão ele desceu do carro perto do rio e saiu correndo. Acho que ele vai pegar o barco. Ele está escapando, não consegui detê-lo.
– Chame a polícia e venha pra fazenda, Lipe. Ele está vindo pelo rio.
Ao chegarem a casa, Vítor desceu do carro correndo e entrou chamando por Camilla. Gina veio avisar que ela tinha ido colher flores na beira do rio.
– Salve minha filha, Vítor! – pediu Carlo desesperado, mas ele nem teve tempo de responder, porque tinha saído em correndo em disparada, para impedir que Joaquim machucasse Camilla.
Ela estava abaixada arrumando o vaso, quando escutou o barulho de um motor de barco. Não se preocupou muito, porque alguns pescadores sempre passavam por ali. Mas quando ouviu o motor ser desligado, levantou e sentiu o rosto gelar, ao ver Joaquim descendo do barco.
– Aí está você, sua vadia! Pensa que isso vai ficar assim? Me fazendo passar por corno, cantando com um violeiro? Sua priminha Aline fez questão de postar sua recuperação e felicidade no Facebook. Mas sem mim, Camilla, você não tem direito à felicidade. Desista desse homem enquanto é tempo, ou eu vou te matar.
– Desista você de me perseguir, seu crápula – ela respondeu, jogando o pesado vaso em cima dele.
– Você me machucou sua vagabunda – Joaquim exclamou furioso, se jogando em cima dela.
– Me largue, saia de cima de mim – ela implorava, enquanto tentava alcançar a tesoura que estava no bolso traseiro da calça.
– Fale a verdade, diga que sentiu saudades – ele tentava beijá-la, mas ela virava o rosto com nojo.
– Está me rejeitando, vadia, então vai aprender a me respeitar – ele levantou a mão para esbofeteá-la, mas Camilla enfiou a tesoura nas costas dele, conseguindo escapar.
– Você vai me pagar – Joaquim gritou, enquanto retirava a tesoura das costas, que não tinha feito um corte muito fundo.
Camilla saiu correndo e gritou quando viu Vítor se atirando em cima de Joaquim, que trazia a tesoura na mão, com a intenção de matá-la. Os dois se atracaram numa luta corporal e a tesoura voou longe. Camilla gritou por socorro desesperada, mas Vítor conseguiu imobilizar Joaquim, depois de nocauteá-lo com um golpe.
Logo outros empregados da fazenda chegaram até eles, trazendo a polícia. Joaquim foi preso e seguiu algemado para a delegacia. Perderia o direito à condicional. Enlouquecido por não ter conseguido descarregar sua raiva em Camilla, ele tentou fugir ao descer da viatura, mas acabou sendo alvejado na perna. A bala atingiu a artéria femoral e ele faleceu antes da chegada de socorro.
Em casa, tentando se recuperar do trauma, Camilla recebeu a notícia da morte de Joaquim. Sentiu-se aliviada, mas emocionalmente exausta. Carlo chamou o Dr. Paulo, médico da família, e ele prescreveu um calmante para ela. Medicada, ela caiu num sono profundo. Vítor a carregou nos braços até a cama. Retirou suas sandálias para que ficasse mais confortável e a cobriu com uma manta, deixando a porta entreaberta, caso chamasse por ele.
Assim como Carlo, Lipe e os outros funcionários da fazenda, ele ainda teria que prestar depoimento sobre o que tinha acontecido, mas faria isso no dia seguinte. Só sairia depois de ter certeza de que Camilla estava bem. Agradecido por sua filha estar salva, Carlo abraçou Vítor e disse obrigado.
– Carlo, você não precisa me agradecer. Eu amo a sua filha e daria minha vida para salvá-la.
– Eu sei disso e estou muito feliz por vocês terem se apaixonado. Camilla precisa deste amor para superar o passado terrível.
– Tenha certeza de que vou fazer de tudo para fazê-la feliz.
– Se cantar e tocar violão, não existirá mais tristeza nos pensamentos dela.
– Então vamos ter uma roda de viola todas as noites. O que acha?
– Acho ótimo, meu filho. Vou chamá-lo assim de agora em diante. Você acaba de ser incorporado à família.
– E eu me sinto honrado.
Um mês depois...
– Camilla, se apresse, os convidados estão ao ar livre. Daqui a pouco o sol vai esquentar e o povo vai morrer de calor.
– Estou quase pronta, Pai. Pode entrar se quiser.
Carlo entrou e ficou boquiaberto ao ver a filha. Camilla estava linda, com um vestido branco rendado e uma coroa de flores silvestres sobre os cabelos soltos.
– Sua mãe ficaria encantada em te ver casar, ainda mais estando linda deste jeito.
– Estou usando os brincos que a mamãe usou no casamento de vocês. Assim sentirei que ela estará comigo, neste momento tão importante para mim. Acho que ela gostaria muito do Vítor.
– Gostaria mesmo. Que lá do céu ela proteja você e ele para sempre!
– Amém! Então vamos, que já terminei de me arrumar.
Carlo conduziu a filha por entre os convidados, sentados em cadeiras brancas, arrumadas em semicírculos ao redor do altar, montado sobre a grama. Pequenos buques de flores do campo enfeitavam o encosto das cadeiras e um tapete branco forrava o caminho a ser percorrido por Camilla.
Ao pé do altar, um Vitor ansioso esperava sua noiva chegar, pelos braços do pai. Ao recebê-la, com os olhos brilhantes de emoção, ele se sentiu o homem mais feliz do mundo. Apaixonada e orgulhosa, do homem maravilhoso com o qual estava casando, Camilla também se sentiu a mulher mais feliz do universo.
Os Rossetti, os amigos e os familiares de Vítor que lá estavam, testemunharam os dois dizerem sim, ao desejo de se unirem como marido e mulher. Tia Cotinha chorou. E, quando trocaram o beijo final, foram ouvidos muitos assobios e gritos de viva os noivos. Na saída do altar, uma chuva de arroz os esperava. Pela quantidade exagerada de grãos, Vítor e Camilla atrairiam muita prosperidade e seriam muito férteis. O que seria bem importante, caso o projeto dos seis netinhos para o vovô Carlo continuasse.
Famintos, os parentes de Camilla lotaram grande parte das longas mesas armadas no quintal, para o almoço de churrasco. Mais uma vez, não tinham tomado café da manhã para se esbaldarem na comilança. Sabendo disso, Carlo mandou logo servir o aperitivo de linguiça assada e cortada em pedacinhos, para serem espetados e passados na farinha de mandioca torrada.
Vítor e Camilla, depois de terem cumprimentado a todos, aproveitaram para darem uma escapada. Estavam loucos para ficarem a sós por uns momentos. Correram até o quarto dela, antes que alguém os visse, e trancaram a porta. Ele a puxou de encontro ao peito e beijou-a intensamente.
– Amo você mais do que tudo no mundo e quero muito fazer amor com a minha esposa. Acho que não vou conseguir esperar até de noite – ele disse.
– Eu também não quero esperar para fazer amor com o meu marido.
Os beijos continuaram e os trajes nupciais retirados e jogados sobre a poltrona. Camilla não tinha mais receio de mostrar seu corpo. Vítor a desejava e amava por inteiro. Os arrepios que ele lhe causava beijando seu corpo afastavam de sua mente qualquer lembrança dos tempos difíceis. Ela aprendeu a se soltar, a se deixar tocar em toda a pele, e sentir prazer.
Mas naquele primeiro dia de casados, Camilla queria ser ela a beijá-lo por inteiro. Queria proporcionar a ele o prazer que ele vinha proporcionando a ela. Por isso ela pediu que ele se deitasse. Começou os beijos pelos lábios, depois foi descendo para os pelos que cobriam seu peito, dando pequenas lambidas nos mamilos enrijecidos, pelo prazer que ele estava sentindo. O caminho continuou rumo ao pênis em riste, mais duro do que nunca. Camilla olhou excitada para o membro de Vítor. Era a primeira vez que faria sexo oral nele e estava ansiosa. Começou molhando a glande com a língua, circulando toda a superfície. Com a mão dando suporte para a base, foi introduzindo o pênis na boca, levando-o até a garganta, para depois retirá-lo e repetir o movimento alguma vezes. Vítor gemia, deliciado com a experiência de prazer que Camilla estava lhe proporcionando. Ela continuou o que estava fazendo, lambendo e chupando com gosto o pau dele, até que ele gozasse.
– Uau! Você acaba de me dar o melhor presente de casamento que eu poderia desejar. Você foi maravilhosa!
– Tenho tido aulas com um professor maravilhoso.
– Ah é, e como é o nome desse professor?
– Vítor, e ele agora é o meu marido.
– Vem cá sua linda, que eu quero te abraçar. De noite você não me escapa. Vai ser minha vez de te beijar inteirinha.
Felizes e apaixonados, os dois se vestiram e voltaram para a festa. A música começaria mais cedo desta vez, logo após o almoço, e Vítor tinha preparado uma surpresa para Camilla.
– Alô, alô... – ele testou o microfone no palco e Carlo, sabendo da surpresa, começou a bater na taça de cristal para todos que ficassem quietos. – Obrigado, meu sogro! – ele agradeceu.
– Não tem de quê, meu genro! – Carlo falou dando risada e segurando a mão de Camilla que estava ao lado dele. O ar dela era de espanto, porque tinham passado aquele mês todo juntos e ele não tinha ensaiado em nenhum momento.
– Essa música é pra você, Camilla, a minha esposa, a quem eu amo de paixão!
Na alegria e na tristeza
No altar eu declarei
Que para sempre vou te amar
Mas eu quero te dizer, meu amor
Que só alegria haverá
Porque, se depender de mim
A tristeza acabará
Se o Céu nos abençoar
Com filhos desse nosso amor tão lindo
Nossas vidas transbordarão
Com muito mais amor bem-vindo
É o que eu mais quero no mundo
Uma família com você formar
Ser fiel e te amar todos os dias
E dos nossos filhos cuidar
Na alegria para sempre
Junto a você, meu amor
Em nosso lar eu vou estar
Vítor chamou Camilla para o palco e cantou mais uma vez para ela. A produção dos seis começou naquela noite mesmo e eles foram felizes para sempre.
Nic Chaud
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