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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


UMA ATRAÇÃO IMPOSSIVEL / Brenda Joyce
UMA ATRAÇÃO IMPOSSIVEL / Brenda Joyce

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Depois da morte de sua mãe, Alexandra Bolton renunciou ao amor para cuidar de sua família. Agora, com o bom nome da família Bolton em um escândalo por culpa dos vícios de seu pai, casar-se com um velho latifundiário parecia ser a única maneira que Alexandra tinha de salvar sua família da ruína mais absoluta. Mas não contava conhecer o duque de Clarewood, e que as paixões e os sonhos do passado despertassem em seu interior. Mesmo assim, nunca poderia aceitar a desonesta proposta desse homem, embora fosse o membro mais rico e poderoso da aristocracia.
Depois de sofrer uma infância marcada pelo infeliz casamento de seus pais, o duque de Clarewood tinha jurado que não se casaria nunca. Mas Alexandra Bolton conseguia atraí-lo como nenhuma mulher antes dela o tinha feito e também se empenhava em recusá-lo, algo ao que não estava absolutamente acostumado. Clarewood sempre conseguia o que desejava, mas a chegada de Alexandra a sua vida implicava mudanças para o que não sabia se estava preparado.
Quando a paixão por fim os uniu, um terrível segredo ameaçaria separando-os para sempre...

 

 

 


 

 

 


Havia muita luz no quarto e Alexandra hesitou um momento, sentia-se muito confusa.
- Alexandra? - Sussurrou sua mãe da cama.
Papel dourado e granada adornavam as paredes e pesadas cortinas cobriam as duas janelas do dormitório. A escrivaninha era de madeira de mogno, igual à cama, e
as colchas eram de cor vinho. A única poltrona que havia no quarto era vermelho escuro. Apesar da escura decoração do quarto, a luz que via no meio do dormitório
estava conseguindo cegá-la.
- Estou aqui, mãe - ela sussurrou, enquanto se aproximava da cama.
Elizabeth Bolton estava morrendo, não ia durar outra noite mais. Estava muito esgotada por culpa do tumor que a devorava por dentro. Seu aspecto também era frágil
e débil.
Alexandra conseguiu conter as lágrimas. Não tinha chorado nem uma só vez, nem sequer quando seu pai havia dito a ela que sua mãe tinha uma enfermidade mortal
e que estava já em fase terminal. Não era nenhuma surpresa. A saúde de Elizabeth esteve se deteriorando durante meses ante os olhos de Alexandra e suas irmãs. Ela,
com seus dezessete anos, era a mais velha, e devia se ocupar da família nesse momento de dor.
Tinha o coração apertado em um punho. Mal podia reconhecer seu gasto rosto. Elizabeth tinha sido uma mulher muito bela, cheia de vida. Só tinha trinta e oito
anos, mas parecia uma velha.
Sentou-se com cuidado na cama e tomou suas frágeis e magras mãos.
- Papai disse que queria falar comigo, mãe. O que necessita? Quer um pouco de água?
Elizabeth sorriu fracamente. Deitada entre os grandes almofadões e sob várias mantas parecia menor ainda.
- Há anjos... - sussurrou sem voz. - Pode vê-los?
Alexandra sentiu que os olhos enchiam de lágrimas e pestanejou rapidamente para afastá-las. Sua mãe precisava dela, assim como suas duas irmãs, que só tinham
sete e nove anos. E sabia que seu pai, que nesse momento estava encerrado na biblioteca bebendo genebra, também dependeria dela.
Nesse instante, entendeu a estranha luz que parecia encher o dormitório.
- Não posso vê-los - disse. - Mas os sinto. Tem medo, mãe?
Elizabeth moveu um pouco a cabeça e apertou com mais força suas mãos.
- Não quero... Não quero ir, Alexandra. As meninas... São tão pequenas ainda...
Era muito difícil entendê-la e teve que aproximar-se mais para escutar suas palavras.
- Nós também não queremos que nos deixe mãe, mas você vai estar com os anjos - disse a ela. - Cuidarei de Olivia e de Corey. Não se preocupe. E também me ocuparei
de papai.
- Prometa-me isso querida. Prometa-me isso.
Aproximou a bochecha à face de sua mãe.
- Eu prometo. Você fez tudo por esta família, sempre foi a luz que nos guiou, a rocha em que nos seguramos e agora chegou o momento de que eu me ocupe. Vá sem
preocupações, eu me encarregarei de tudo.
Tentava lhe dar ânimos e evitar que se preocupasse, mas sabia que tudo seria diferente sem sua mãe.
- Estou... Estou muito orgulhosa de você - sussurrou Elizabeth.
Alexandra se levantou um pouco, para poder olhá-la nos olhos. Era a mais velha, a primogênita, e suas irmãs tinham chegado muitos anos depois. Sempre teve uma
conexão especial com sua mãe. Havia lhe ensinado tudo o que sabia sobre como cuidar de uma casa, como receber os convidados e como vestir-se para cada ocasião. Elizabeth
também mostrou a ela como fazer bolachas de canela e limonada. Com ela, aprendeu a sorrir embora estivesse desgostosa, a ser sempre elegante e a agir com dignidade
em todo momento. Sua mãe lhe irradiou o poder do amor, da família, do trabalho e do respeito.
Sabia que sua mãe estava orgulhosa dela. Mas também sabia que não suportaria ver como ia de seu lado para sempre. Era o momento mais duro de sua vida.
- Não se preocupe com as meninas nem por papai. Cuidarei muito bem deles.
- Eu sei - respondeu Elizabeth com um sorriso triste.
Ficou então em silêncio. Alexandra demorou uns segundos em perceber que, apesar de ter ainda os olhos abertos, sua mãe já não podia ver nada.
Não pôde afogar uma exclamação e a dor a embargou com força. Deixou por fim que as lágrimas que estava contendo há tanto tempo fluíssem livremente. Apertou com
mais firmeza as mãos de sua mãe e se deitou ao seu lado. Já sentia sua falta. Embora o desenlace fosse esperado, surpreendeu-lhe a intensidade da dor que sentia.
Foi assim como seu prometido, Owen, a encontrou.
- Alexandra - chamou-a enquanto a ajudava a levantar-se.
Viu que Owen a olhava com preocupação e deixou que a tirasse do dormitório de sua mãe. O quarto já estava escuro e sombrio. A intensa e cálida luz tinha desaparecido
junto com a vida de sua mãe. Quando chegaram ao corredor, Owen a abraçou durante um bom tempo.
E ela deixou que o fizesse enquanto sentia que seu coração voltava a romper-se em mil pedaços. Nesse preciso instante, entendeu o que devia fazer.
Owen era seu melhor amigo e seu único amor, mas isso já não importava.
- Por que está me olhando assim? - perguntou ele com confusão.
- Eu gosto muito de você, Owen - lhe respondeu enquanto acariciava sua face com ternura.
Owen parecia saber o que ia dizer a ele, porque olhou alarmado para ela.
- O que acaba de ocorrer a alterou. É o momento de chorar a perda de sua mãe.
Mas ela negou com a cabeça.
- Não posso me casar, Owen. Prometi a ela que cuidaria desta família e falava a sério. Minha vida já não me pertence. Não posso me casar com você, não posso ser
sua esposa nem a mãe de seus filhos. Não posso... Tenho que cuidar de minhas irmãs.
Soube nesse instante que o que lhe dizia era a verdade e que sua vida tinha mudado para sempre.
- Alexandra! - exclamou Owen - Não se precipite, é um momento muito duro. Eu vou esperar por você. Eu a amo e conseguiremos superar isto, juntos.
Mas ela se afastou. Era a coisa mais dura que já teve que fazer.
- Não, Owen. Tudo mudou. Corey e Olivia precisam de mim. E meu pai também. - Não havia outra opção para ela. Comprometeu-se a manter a família unida e estava
disposta a fazê-lo custasse o que custasse. - Adeus, Owen.
Capítulo 01
- Não posso me permitir tê-la aqui - disse o barão de Edgemont.
Alexandra Bolton olhou surpreendida ao seu desalinhado e sombrio pai. Tinha feito com que chamassem a ela e suas irmãs, para que se reunissem com ele na pequena
e desordenada biblioteca onde estava acostumada encerrar-se para ler.
Estranhou que parecesse estar sóbrio. Depois de tudo, já eram mais das quatro da tarde. Por isso custou ainda mais entender suas palavras.
- Sei que nossa situação econômica é algo precária - ela comentou com um sorriso. - Estou aceitando mais trabalhos e, com o que consigo, acredito que poderei
ganhar uma libra mais à semana.
- É igual a sua mãe, Alexandra - respondeu seu pai. - Ela também era infatigável e sempre se empenhava em me convencer de que tudo ia bem. Fez assim até o dia
de sua morte.
Afastou-se delas para sentar-se atrás de sua mesa de escritório. A poltrona também era muito velha e tinha uma perna quebrada.
Estava cada vez mais nervosa. Trabalhou muito duro para conseguir sustentar à família desde que sua mãe morreu. E não foi fácil. Seu pai gastava muito dinheiro
em bebida e no jogo, algo que sua mãe podia controlar, mas ela não. Recordou então que a última vez que seu pai requisitou a presença de suas filhas na biblioteca
foi para lhes contar que sua mãe tinha uma grave enfermidade. Até então, Elizabeth já estava há muito tempo consumindo-se diante de seus olhos. A notícia lhes quebrou
o coração, mas não fora nenhuma surpresa.
Já estavam há nove anos sem sua mãe. Após sua morte, seu pai perdeu o controle de sua vida por completo e caiu em todo tipo de vícios.
Corey tinha uma personalidade tempestuosa e fazia o que queria quando Alexandra não estava controlando-a. Olivia isolou-se em seu mundo de aquarelas e lápis.
Embora parecesse feliz, sabia que não era.
A própria Alexandra passava por momentos muito duros. Havia renunciado ao amor verdadeiro para cuidar de sua família, mas não se arrependia.
- Bom, alguém tem que estar alegre nesta casa - lhes disse então Alexandra com um sorriso mais firme. - Pode ser que não tenhamos muito dinheiro, mas possuímos
uma bonita casa, embora necessite algumas reparações. Também temos roupa que pôr e comida na mesa. Poderíamos estar muito pior.
Corey, que só tinha dezesseis anos, esteve a ponto de voltar a rir ao escutá-la. A verdade era que todos os tapetes da casa estavam tão desgastados que tinham
buracos, as paredes precisavam de uma pintura e as cortinas caíam em pedaços. Os terrenos nem mesmo estavam em bom estado. Só tinham um homem ao serviço da casa
e nenhum jardineiro. Tiveram que vender a casa de Londres, mas Vila Edgemont estava, por sorte ou por desgraça, a só uma hora de Greenwich.
Decidiu ignorar a reação de sua descarada e imprudente, mas muito bela irmã.
- Pai, está conseguindo me preocupar de verdade.
Também lhe inquietava que já não estivesse bêbado. Estava acostumado a estar assim antes do meio-dia e aquilo não era normal, deu-lhe mau agouro. Embora devesse
ter sido uma boa notícia que deixasse de beber, estava certa de que não tinha razões para sentir-se feliz.
- A última linha de crédito que restava acabou - disse o barão entre suspiros.
Alexandra estava cada vez mais nervosa. Como quase todos os membros da alta sociedade, eles também viviam das rendas e dos empréstimos. Mas a obsessão de seu
pai com o jogo o levou a vender pouco a pouco as granjas aos inquilinos que as alugavam. Só sobravam dois camponeses. Com os aluguéis que pagavam, deveria ser possível
manter uma família, se o pai não jogasse todas as noite.
O vício de seu pai obrigou Alexandra a converter sua paixão pela costura em uma fonte de renda. Foi humilhante. As mesmas mulheres com as quais foi a festas,
e com as quais em algumas ocasiões tomou o chá, transformam-se em suas clientes durante esses anos tão difíceis.
Lady Lewis, por exemplo, adorava lhe entregar em pessoa os objetos que necessitavam reparação. Depois sempre se queixava e criticava os remendos. Alexandra tinha
então que engolir o orgulho e desculpar-se com um humilde sorriso. A verdade era que tinha muito jeito para a costura e sempre gostou de bordar, ao menos quando
não tinha que fazê-lo por necessidade.
Mas pelo menos, tinham um teto sobre suas cabeças, roupa e comida na mesa. Era certo que seus vestidos estavam antiquados e foram arrumados e remendados até não
poder mais, o telhado tinha algumas goteiras quando chovia e sua dieta se limitava a pão, verduras e batatas. Só comiam carne aos domingos, mas era melhor que não
ter nada.
Além disso, suas irmãs não recordavam tempos melhores. Eram muito jovens para lembrar-se dos luxuosos bailes e dos jantares. Algo ao qual Alexandra agradecia
imensamente.
O que não sabia era como iriam poder sobreviver sem crédito.
- Costurarei mais - respondeu ela com segurança.
- Como poderia fazê-lo? - Perguntou-lhe Corey. - Trabalha toda a noite para conseguir terminar a tempo, tem calos nos polegares!
Sabia que sua irmã tinha razão. Não podia trabalhar mais, o dia não tinha horas suficientes.
- O verão passado, lorde Henredon me pediu que o retratasse e eu me neguei - confessou Olivia com sua voz suave. Corey tinha uma bela juba dourada. O cabelo de
Olivia, ao invés, estava entre o castanho e o loiro. Seu cabelo tinha uma cor indefinida, mas era também muito bonita. - Mas acredito que poderia oferecer meus serviços
como retratista por todo o condado. Assim poderia fazer um pouco de dinheiro em pouco tempo - acrescentou.
Alexandra olhou entristecida para Olivia. A felicidade de suas irmãs era tudo para ela.
- Olivia, o que você gosta é do naturalismo. Sei que odeia fazer retratos de pessoas - disse Alexandra.
Mas isso não era tudo. Sabia também que Henredon tinha feito comentários inapropriados a Olivia e sabia que não demoraria a tentar algo com ela. Todo mundo sabia
que se tratava de um mulherengo e um farrista.
- Mas é uma boa idéia - respondeu Olivia enquanto a olhava com seus olhos verdes cheios de força.
- Espero que não seja necessário - comentou Alexandra.
Não queria que ninguém pudesse aproveitar-se dos bons sentimentos de sua irmã.
- Sim, não acredito que chegue a tanto - adicionou seu pai enquanto se fixava em sua filha mais velha. - Quantos anos têm?
Surpreendeu-lhe a pergunta de seu pai.
- Vinte e seis.
- Pensei que fosse mais jovem, vinte e quatro mais ou menos - respondeu o homem um pouco envergonhado. - Mas ainda é uma mulher atraente, Alexandra. E, apesar
dos poucos meios econômicos com os que contamos, fez um bom trabalho sustentando esta família e esta casa. Assim será a primeira. Assim poderá abrir o caminho para
suas irmãs.
Alexandra sentiu um nó no estômago, mas tentou não perder o sorriso.
- A primeira em fazer o que, pai? - perguntou-lhe com suspeitas.
- A primeira em se casar, é obvio. Já é hora, não parece?
- Mas... Não há dinheiro para um dote - respondeu ela com incredulidade.
- Eu sei - replicou Edgemont. - Sei melhor que ninguém, Alexandra. Mesmo assim, alguém se interessou por você.
Alexandra aproximou uma cadeira a seu pai e se sentou. Deu-lhe a impressão de que seu pai estava perdendo a cabeça. Não acreditava que ninguém pudesse mostrar
interesse por uma solteirona sem meios como ela. Todo mundo na cidade sabia que devia costurar e remendar para poder sobreviver e que seu pai gastava tudo que conseguia
bebendo e jogando. Embora lhe custasse reconhecer, sabia que a família Bolton tinha perdido seu prestígio social e seu bom nome.
- Fala a sério, pai?
- O latifundiário Denney se encontrou comigo ontem à noite para perguntar por você e me pediu permissão para visitá-la - seu pai disse a ela com um sorriso entusiasta.
A surpresa foi tão grande que Alexandra se sobressaltou e esteve a ponto de perder o equilíbrio sobre a maltratada cadeira. Não podia acreditar que tivesse a
oportunidade de casar-se depois de tanto tempo. Pela primeira vez em muitos anos, pensou em Owen Saint James, o homem ao qual entregou seu coração no passado.
- Já sabe quem é - continuou seu pai sem deixar de sorrir. - Esteve remendando as roupas de sua falecida esposa durante vários anos. Já deixou o luto e parece
que conseguiste atrair sua atenção.
Alexandra sabia que era melhor não pensar em Owen nem nos sonhos e esperanças que tinham albergado juntos. Recordava bem o latifundiário. Era um homem de certa
idade que sempre foi amável com ela. Não o conhecia muito bem, mas sua esposa foi durante anos uma de seus melhores clientes. Lamentou muito sua morte e sentiu pesar
por seu viúvo, mas já não se sentia assim.
Não podia deixar de tremer. Tinham passado nove anos desde que rompeu o compromisso com Owen e renunciou a casar-se. Naquela época, os Boltons ainda eram uma
família respeitável e com dinheiro, mas tudo havia mudado. Denney era um homem com dinheiro e terras. Sabia que suas vidas poderiam melhorar muito se casasse com
ele.
- Deve ter uns sessenta anos! - exclamou uma pálida Corey.
- Tem cinquenta, Corey. Sei que é velho, mas possui uma desafogada posição econômica. Alexandra poderá ter um armário cheio de vestidos à última moda - comentou
seu pai. - Você gostaria disto, não é verdade Alexandra? - Adicionou enquanto olhava de novo a sua primogênita. - Tem uma grande mansão, uma calesa e um grande carro
de cavalos.
Alexandra respirou profundamente para tentar esclarecer suas ideias e acalmar-se um pouco. Não podia acreditar que tinha um pretendente, um com meios econômicos.
Era um homem velho, mas sempre se mostrou respeitoso com ela. Se resultasse ser além generoso, poderia ser a salvação de sua família. Recordou de novo Owen e seu
noivado e não pôde evitar entristecer-se. Sabia que era melhor não pensar nele.
Devia sentir-se adulada ao ter conseguido atrair a atenção do latifundiário Denney. Esse homem podia ser muito bom para suas irmãs e seu pai. A sua idade e em
suas circunstâncias, sabia que não podia esperar mais da vida.
- Sabe bem que à moda me importa muito pouco, pai. O que me importa é que vocês três estejam bem- disse a seu progenitor. Ficou em pé e sacudiu as saias. Depois
olhou fixamente a seu pai. Estava sóbrio e sabia que não era tolo. - Me diga tudo o que sabe sobre o latifundiário. Ele sabe que não há dote?
- Alexandra! Não me diga que vai dizer que sim ao Denney - murmurou Olivia.
- Não se atreva a pensar que deixaremos que se case com ele! - acrescentou Corey com força.
Ignorou os comentários de suas irmãs.
Edgemont olhou então a suas filhas menores.
- Será melhor que guardem suas opiniões sobre o assunto. Ninguém as quer - disse a elas. - Sim, Denney conhece bem a situação em que estamos Alexandra - acrescentou
olhando sua filha maior.
- Há alguma probabilidade de que esteja disposto a colaborar com esta casa? - perguntou Alexandra depois de passar um tempo em silêncio.
Corey correu até onde estava Alexandra.
- Como pode pensar em se casar com esse fazendeiro velho e gordo? - Perguntou-lhe a jovem. - Não pode casar Alexandra contra sua vontade! - gritou a seu pai.
Edgemont olhou Corey com o cenho franzido.
- Não penso suportar nenhuma palavra mais! - exclamou o homem.
- Corey, por favor, tenho que falar disto com pai - a tranquilizou Alexandra. - É uma grande oportunidade.
- É uma mulher linda e elegante. É também boa e amável... - respondeu Corey com insistência. - Esse homem é muito velho e gordo para você. Não é uma oportunidade,
é uma tortura! É pior que a morte!
- Por favor, se acalme Corey - pediu a sua irmã enquanto acariciava seu braço. - Devo falar com pai.
Olhou seu pai esperando que respondesse sua pergunta.
- Ainda não tratamos esses detalhes. Mas é um homem muito rico, Alexandra. Ouvi dizer que paga o aluguel mais caro de todos os inquilinos de Harrington. Estou
seguro de que será muito generoso conosco.
Alexandra mordeu o lábio inferior. Era uma horrível mania da qual não podia livrar-se. Conhecia bem lady Harrington, foi parte do círculo de amizades da família
Bolton. Elizabeth e Blanche foram boas amigas no passado. A senhora os visitava uma ou duas vezes ao ano, quando ia de passagem, para ver como estavam às três irmãs.
Ela já não visitava lady Blanche. Sua roupa era muito antiga e velha para apresentar-se na mansão de uma dama como ela. Mas decidiu que ia ter que engolir seu
orgulho e esquecer sua vergonha. Lady Blanche poderia responder todas as perguntas que tinha sobre o latifundiário.
- Pai, quero ser muito sincera. Se esse homem estiver disposto a ser generoso com a família, não poderei recusar sua oferta. Bom, se chegar a fazer uma, é obvio.
Corey se pôs a chorar.
- Meu Deus, Alexandra! É uma mulher muito boa e generosa - lhe disse seu pai. - É igual a sua mãe. Ela também era muito desinteressada. Morton Denney insinuou
que será um genro generoso. E estou seguro de que Olivia será capaz de levar muito bem a casa quando se casar.
Alexandra olhou Olivia. Ela também parecia muito afetada e aflita. Queria falar com ela e lhe dizer que não tinha nada com que se preocupar, que tudo sairia bem.
- Virá a nos visitar amanhã pela tarde. Espero que arrume tudo o que possa e ponha o vestido de domingo - lhe disse seu pai com um sorriso. - Bom, vou...
Mas Corey agarrou a manga de seu pai antes que pudesse ir para a porta.
- Não pode vender Alexandra a esse fazendeiro! - exclamou fora de si e com o rosto aceso. - Não é um saco de batatas!
- Corey... - interveio a pacífica Olivia afastando a mão de sua irmã para que seu pai pudesse sair.
- É o que está fazendo... - protestou Corey entre soluços. - Está vendendo Alexandra a um velho fazendeiro para poder encher suas arcas de novo. E, para que?
Para poder continuar jogando tudo e perdendo até o último centavo!
Edgemont levantou a mão e acertou o rosto de sua filha. A bofetada ressoou na sala. Corey gritou e levou as mãos à bochecha dolorida.
- Estou farto de sua insolência! - exclamou um alterado Edgemont. - E eu não gosto nada que se associem contra mim! Sou seu pai e o cabeça da família. Assim farão
o que eu disser, estão advertidas. Depois que Alexandra casar, vocês duas serão as seguintes - concluiu enquanto olhava Olivia e Corey.
As irmãs se olharam fora de si. Alexandra se aproximou mais de seu pai. Ela gostaria que Corey fosse capaz de entender as circunstâncias de seu progenitor e pudesse
perdoá-lo, mas sabia que era muito jovem para fazê-lo. Mesmo assim, sabia que seu pai estava indo muito longe e não desculpava seu comportamento.
Interpôs-se entre Corey e seu pai enquanto Olivia consolava sua irmã pequena. Corey mantinha a cabeça muito alta, mas não parecia capaz de deixar de tremer.
- É obvio pai. É o cabeça da família e faremos o que nos ordenar - assegurou Alexandra para tentar pôr um pouco de calma.
Mas seu pai não deu o braço a torcer.
- Falo sério, Alexandra. Já tomei uma decisão sobre estas bodas e não terei em conta sua opinião. E, embora Denney não queira colaborar com a casa, já é hora
de que se case.
Alexandra ficou paralisada. Não disse o que pensava, mas não dava crédito. Era já muito velha para deixar que alguém a obrigasse a casar-se contra sua vontade.
Seu pai deve ter se dado conta de que tinha sido muito brusco e lhe falou com mais amabilidade.
- É uma boa filha, Alexandra. Tomei esta decisão pensando no que mais lhes convém. As três necessitam maridos e um lar próprio. Não posso me permitir genros jovens,
bonitos e ricos e eu sinto muito. Mas estou fazendo tudo o que posso. A verdade é que foi uma grande sorte que, com sua idade, tenha conseguido atrair a atenção
de alguém como Denney. Seu interesse conseguiu por fim que recuperasse o juízo. Sua mãe deve estar revolvendo-se em sua tumba ao ver até que ponto descuidei de seu
futuro - disse a elas. - E a verdade é que acredito que mereço um pouco de gratidão! - acrescentou olhando às mais jovens. Nenhuma se moveu nem abriu a boca. - Bom,
então vou - disse Edgemont. - Tenho planos esta noite, se é que têm que saber tudo - acrescentou sem atrever-se a encará-las.
Saiu da biblioteca e Alexandra esperou ouvir a portada na porta principal antes de olhar Corey.
- Está bem? - perguntou-lhe.
- Eu o odeio! - replicou Corey com voz trêmula. - Sempre o odiei! Olhe o que nos fez. E agora diz que tem que se casar...
Alexandra abraçou sua irmã com carinho.
- Não pode odiá-lo, é nosso pai. Não pode deixar de fazer o que faz. O jogo e o licor são como uma enfermidade para ele, querida. E eu quero ajudar a vocês duas
para que possam ter uma vida melhor.
- Mas, estamos bem! - protestou Corey entre soluços. - Tudo é culpa dele! Não teríamos por que viver assim se não fosse por ele. É culpa de nosso pai que os jovens
bonitos da cidade me ofereçam flores e depois sussurrem a minhas costas e façam comentários vulgares. É culpa dele que meus vestidos estejam desgastados e velhos.
Eu o odeio! E prefiro fugir antes que tente me casar com algum velho horrível!
Corey se separou dela e saiu correndo da biblioteca.
Olhou então Olivia, que lhe devolveu com serenidade o olhar. As duas ficaram em silêncio um bom tempo.
Depois, Olivia se aproximou e acariciou seu braço.
- Isto não está bem. Mamãe teria escolhido um príncipe para você, nunca teria dado sua aprovação para que se casasse com esse homem. Além disso, somos felizes,
Alexandra. Somos uma família.
Estremeceu ao escutar as palavras de Olivia. Elizabeth Bolton deu sua aprovação para que se casasse com Owen. De fato, estava feliz ao ver que teve a sorte de
encontrar o amor verdadeiro. Deu-se conta então de que sua irmã tinha razão. A sua mãe não gostaria que se desposasse com Denney só porque era o mais sensato e lucrativo.
- Mamãe já não está conosco e nosso pai não pode deixar de esbanjar. Esta família é minha responsabilidade, Olivia, só minha. É toda uma bênção ter conseguido
um pretendente como Denney.
Viu que sua irmã a olhava com maior seriedade.
- Assim que nosso pai começou a falar, soube por sua cara que não íamos poder convencê-la do contrário - disse depois de um momento. - Já se sacrificou por nós
uma vez, mas então era muito jovem para entender. E agora pretende fazê-lo de novo.
- Não é nenhum sacrifício - lhe assegurou ela enquanto ia para as escadas. - Ajuda-me a escolher um vestido?
- Alexandra, por favor, não o faça!
- Só um furacão poderia me deter - respondeu com firmeza. - Ou qualquer outra força da natureza tão formidável como um furacão.
A elegante e ampla calesa negra e seus quatro fabulosos cavalos, também negros, avançavam pelo caminho. De ambos os lados do veículo, destacava-se o brasão dos
Clarewood em ouro e vermelho. Dois lacaios de libré viajavam na parte de trás da calesa.
Dentro da luxuosa calesa, com um cômodo interior decorado também com as cores da família, viajava o duque de Clarewood. Não podia deixar de observar o escuro
céu. Sorriu ao escutar o primeiro trovão. Chegou o relâmpago pouco depois. Deu-se conta de que estava a ponto de desatar uma formidável tormenta. Adorou que assim
fosse. Acreditava que um dia escuro e rude era o melhor cenário para a ocasião.
Não pôde evitar irritar-se ao recordar ao duque anterior, o homem que o criou.
Stephen Mowbray, oitavo duque de Clarewood e reconhecido em todo mundo como o homem mais poderoso e rico do reino, dirigiu seus impassíveis olhos azuis ao escuro
mausoléu que se levantava frente a ele. Edificado em uma zona sem árvores, tinha albergado a sete gerações de membros da família Mowbray. Começou a chover assim
que a calesa se deteve. Não se moveu de onde estava.
De fato, segurou-se com mais força ainda à porta.
Estava ali parar render homenagem ao duque anterior, Tom Mowbray, no décimo quinto aniversário de sua prematura morte. Não estava acostumado a pensar no passado,
era algo que considerava inútil, mas esse dia se levantou com uma enxaqueca que o acompanhou durante a viagem. Em um dia como esse, não podia ignorar o passado.
Acreditava que era a única maneira de recordar e honrar aos mortos.
- Gostaria falar com você, Stephen.
Esteve ocupado com seus livros. Era um bom estudante e gostava de trabalhar conscientemente cada disciplina. Enfrentava suas tarefas com disciplina, dedicação
e diligência. A necessidade de ser o melhor em tudo foi algo que sempre lhe inculcaram. Depois de tudo, um duque não podia se permitir o luxo de fracassar em nada.
Não podia recordar nenhum momento de sua vida no qual não estivesse esforçando-se por dominar uma coisa ou outra. Quando estudava francês, aspirava a controlar a
língua por completo. Quando montava a cavalo, não havia obstáculo muito alto nem equação matemática muito complicada. Tudo era questão de continuar se esforçando
até conseguir os objetivos ansiados. Mesmo que ninguém elogiasse suas insônias.
- Só acertou noventa e dois por cento no exame - disse o duque com severidade.
Pôs-se a tremer imediatamente, enquanto observava a figura alta e formosa de seu pai.
- Assim é, excelência.
Seu pai apertou o papel em um punho e o atirou na lareira.
- Irá fazer este exame de novo!
E assim o fez. Conseguiu então noventa e quatro por cento. O duque ficou tão fora de si que o proibira de sair de seus aposentos durante o resto da semana. No
final, acabou conseguindo um exame sem erros algum tempo depois.
Deu-se conta de que um dos lacaios estava sustentando a porta da calesa aberta. O outro enquanto isso, abria um guarda-chuva. Chovia com mais força ainda.
Doía-lhe muito a cabeça. Fez um gesto a um dos lacaios e desceu do carro sem cobrir-se sob o guarda-chuva. Embora usasse um chapéu de feltro, encharcou-se imediatamente.
- Podem ficar aqui - disse aos seus criados.
Cruzou com dificuldade a propriedade para o mausoléu. Do topo onde se erigia a impressionante cripta de mármore se podia ver a mansão dos Clarewood. A edificação
estava rodeada de um magnífico parque e destacava a palidez de suas pedras contra as escuras árvores. E mais escuro ainda se via o céu. Continuava trovejando e cada
vez chovia mais.
Stephen abriu a pesada porta do panteão e entrou. Procurou uma caixa de fósforos e se dispôs a acender um a um todos os abajures.
A tormenta era cada vez mais intensa, podia sentir a chuva sobre o telhado da cripta. Nem mesmo podia ignorar a presença de Tom Mowbray do outro lado da sala,
como se estivesse esperando-o.
Converteu-se em duque aos dezesseis anos. Nesta época já sabia que Tom não era seu pai biológico, embora ninguém dissesse a ele, nem era um fato importante. Depois
de tudo, o educaram desde o começo para que se convertesse no duque seguinte, era o herdeiro de Tom.
Saber não foi uma grande revelação nem Epifanía, e sim algo que compreendera aos pouco. O duque era conhecido por sua fama de mulherengo, mas Stephen não tinha
mais irmãos, nem sequer ilegítimos, algo que sempre achara muito estranho. Embora passou a infância preso e com a única companhia dos duques e seus tutores, eram
muitos os rumores que tinham chegado a ele durante anos. Era algo que sempre esteve presente em sua vida, desde que fazia uso da razão. Fosse em meio a um elegante
baile ou como segredo sussurrado entre criados, escutava estranhos comentários sobre um menino ilegítimo. Pouco a pouco, acabou por entender a verdade.
Recordou então até que ponto as lições aprendidas durante sua infância podiam ser úteis a um homem. Os rumores sempre o seguiram e a malícia e a inveja de muita
gente não fez mais que aumentar essas histórias. Mas ele sempre ignorou os comentários, não tinha razões para sentir-se ofendido.
A parte a família real, ele era o membro mais poderoso da alta sociedade londrina. Não o preocupava que as pessoas o acusassem de ser cruel e frio com os que
não formavam parte da família dos Clarewood. O legado do ducado ocupava todo seu tempo, assim como a fundação que estabeleceu em nome de sua família.
Conseguiu triplicar o valor de seus bens desde que tomou as rédeas do ducado. A fundação, enquanto isso construiu manicômios, hospitais e outras instituições
por todo o país.
Ficou imóvel olhando a efígie de seu pai. Sua mãe, a duquesa viúva, não quis acompanhá-lo nesse dia. E não podia culpá-la por isso. O falecido duque foi um homem
frio, exigente e difícil. Comportara-se como um tirano para os dois. Nunca poderia esquecer o quanto sua mãe estava acostumada a defendê-lo frente ao duro pai nem
as discussões contínuas. Mas Tom completou sua função. Conseguiu educar um jovem com o caráter necessário para cuidar de um ducado e governá-lo com êxito.
Sabia que eram poucos os homens capazes de assumir a grande responsabilidade de ser o cabeça de um ducado tão poderoso como o de Clarewood.
O tempo na cripta parecia ter parado, mas o ruído da chuva era ensurdecedor. Desprendeu uma tocha da parede e caminhou devagar até o féretro de mármore branco.
Contemplou então mais de perto a imagem do duque anterior. Não perdeu o tempo em dizer algo, não havia nada que queria lhe dizer.
Mas não foi assim no passado.
- Ele deseja vê-lo.
Fez-lhe um nó no estômago. Estava morto de medo. Fechou com cuidado o livro que estava lendo e olhou sua mãe. Estava tão pálida que soube que o duque estava
a ponto de morrer. Estava a três dias nessa situação e a espera estava se tornando interminável para ele. Não desejava que seu pai morresse, mas já assumira que
era inevitável e a tensão começava a fazer rachaduras na paciência de todos os presentes. Mesmo assim, o ensinaram que um duque devia ser capaz de resistir a qualquer
tipo de sofrimento em nome de seu ducado.
Ficou em pé lentamente e tentou controlar seus sentimentos. Entre outras coisas, porque não sabia como se sentia de verdade. Ia ser o duque de Clarewood e estava
decidido a aceitar sua responsabilidade e fazer sempre o que seu cargo o obrigasse. Foi educado desde seu nascimento para esse dia. Sempre soube que tomaria as rédeas
do ducado assim que seu pai morresse e que, como oitavo duque de Clarewood, teria que fazer o melhor possível. Tinha que ignorar qualquer insegurança que pudesse
chegar a sentir, esse era um luxo que não poderia se permitir. Nem mesmo podia sentir medo, ira nem dor.
A duquesa o olhou com atenção, como se esperasse vê-lo chorar.
Mas ele não podia fazer algo assim e muito menos em público. Assentiu com seriedade e saiu de seus aposentos. Sabia que a sua mãe não ficaria surpresa por vê-lo
triste, mas não estava disposto a revelar esse tipo de sentimentos. Além disso, levava as rédeas de suas emoções com firmeza. Aprendeu desde menino que só poderia
sobreviver nesse meio se aprendesse a controlar seus sentimentos.
Custou-lhe reconhecer o homem estendido em seu leito de morte, um dos homens mais poderosos do reino. A difteria consumiu seu corpo, deixando uma criatura gasta
e fraca que não tinha nada a ver com o homem que foi seu pai. Teve que fazer um grande esforço para controlar seus sentimentos ao vê-lo assim. Nesse instante, desejou
com todas suas forças que seu pai não morresse.
Esse homem o criou como se fosse seu próprio filho, lhe deu tudo...
Os olhos do duque abriram-se de repente. Seus olhos azuis, um pouco perdidos, não demoraram a concentrar-se nele. Aproximou-se mais da cama. Desejava tomar as
mãos de seu pai e agarrá-las com força. Queria dizer a ele que se sentia muito agradecido.
- Necessita algo, excelência? - perguntou-lhe com formalidade.
Olharam-se nos olhos. E se deu conta nesse instante do quanto precisava que esse homem lhe dissesse que estava orgulhoso dele. Nunca lhe deu uma palavra de ânimo
nem louvor, só críticas e ataques. Foram muitos os sermões sobre responsabilidade, caráter e honra. Também sofreu uma ou outra bofetada e a temida vara de seu pai.
Mas nunca recebeu uma palavra de louvor. E sentiu de repente que a necessitava nesse instante... E possivelmente também um gesto de carinho.
- Pai...
O duque esteve observando-o com os lábios apertados e o cenho franzido. Como pudesse adivinhar o que Stephen desejava.
- Clarewood é tudo - murmurou o homem quase sem fôlego. - Têm uma grande responsabilidade para com Clarewood.
Stephen passou a língua pelos lábios, sentia-se consternado. Sabia que o duque estava a ponto de morrer, possivelmente fosse só questão de segundos. Tinha que
saber se estava orgulhoso dele, se o amava...
- É obvio - respondeu o jovem.
- Conseguirá que me sinta orgulhoso - sussurrou o duque. - Está chorando?
Todo seu corpo se esticou nesse instante.
- Os duques não choram - disse a seu pai com um nó na garganta.
- Assim é! - respondeu o moribundo com algo mais de força. - Jure sobre a Bíblia que nunca abandonará Clarewood.
Stephen girou, viu uma Bíblia e a segurou com mãos trêmulas. Sabia que não ia receber de seu pai palavras de louvor nem carinho.
- Clarewood é meu dever.
Os olhos do duque brilharam com satisfação ao vê-lo. Segundos depois, deixaram de ver para sempre.
Stephen ouviu de repente uma respiração procedente da tumba. Ficou olhando boquiaberto a efígie de seu pai, mas se deu conta em seguida de que foi ele quem tinha
feito esse som. O certo era que devia tudo o que era a Tom Mowbray e não era justo que o criticasse depois de morto.
- Suponho que está satisfeito, não? Dizem que sou frio, cruel e desumano. Dizem que sou como você foi - murmurou então.
Sua voz retumbava nas paredes da cripta. Se Mowbray o ouviu, não lhe deu nenhum sinal de que assim fosse.
- Falando com os mortos?
A voz atrás dele conseguiu sobressaltá-lo. Deu a volta sabendo que só um homem se atreveria a lhe falar assim. Tinha que ser Alexi de Warenne, seu primo e seu
melhor amigo.
Alexi estava ao lado da porta. Tinha um aspecto desalinhado e estava completamente molhado. A franja de seu cabelo escuro, que usava muito comprido, caía sobre
seus olhos azuis.
- Guillermo me disse que o encontraria aqui - disse. - Vejo que se converteu em um homem muito lento, sempre em companhia dos mortos - acrescentou com um grande
sorriso.
Adorou ver seu primo. Ninguém fora de sua família sabia que eram parentes. Eram muito unidos desde sua infância. Acreditava que era certo o que diziam sobre os
pólos opostos. Eles não podiam ser mais diferentes.
Sua mãe o levou a mansão de Harrington quando tinha nove anos com o pretexto de que sir Rex pudesse conhecê-lo. O homem salvara a vida de Tom Mowbray durante
a guerra. Esse dia foi apresentado a tantas crianças que não pôde recordar todos os nomes. Eram todos primos e membros da família Warenne ou da família O'Neill.
Nada sabia então. Não foi até muito tempo depois quando descobriu que sir Rex de Warenne era seu pai biológico. O calor dessa família e como o tinham acolhido bem,
chamou muito sua atenção. Até então, não podia imaginar tanto carinho em uma família nem tinha ouvido tanta gente rindo. Recordava ter se sentido sem jeito. Era
a primeira vez que visitava uma casa e não conhecia ninguém.
Mas sua mãe o deixou sozinho para passar um tempo em companhia das outras damas e ele se dedicou a observar, da porta e com as mãos nos bolsos, como os meninos
e as meninas dessa casa conversavam, riam e jogavam juntos. Foi Alexi quem se aproximou por fim para convidá-lo para sair com ele e outros meninos ao jardim. Ali
tinham feito o que faziam todos os meninos, travessuras. Tinham roubado cavalos e saído para montar a galope. Recordou também como tinham esparramado os carros de
alguns vendedores de ruas e assustado os transeuntes. Essa mesma noite tinha recebido seu castigo. O duque se zangou tanto ao saber de sua conduta que tirou o cinturão
para açoitá-lo, mas Stephen nunca tinha passado tão bem em sua vida. Esse dia tinha marcado o começo de sua amizade.
Embora já tivesse sentado a cabeça e estava casado, Alexi continuava sendo um espírito livre e um homem muito independente. Podiam falar durante horas e horas
sobre qualquer assunto. Normalmente estavam de acordo nas questões importantes, mas brigavam sobre os mais mínimos detalhes. Antes que se casasse, estavam acostumados
a sair juntos pelas noites. Alexi tinha foi muito mulherengo.
Admirava muito seu primo, quase até o ponto da inveja. Era um homem livre que conseguiu ter a vida que sempre desejou. Não era escravo de ninguém nem devia a
seu senso de dever. Stephen não podia sequer imaginar como seria ter tantas opções e tanta liberdade de escolha.
Mesmo assim, Alexi também decidiu continuar os passos de seu pai e se dedicava ao comércio com a China. De fato, era um dos mais bem-sucedidos do momento e, antes
de casar-se com Elysse, o mar tinha sido seu grande amor. Desde suas bodas, sua esposa estava acostumada acompanhá-lo em algumas dessas longas viagens e tinham residências
por todo mundo.
- Não se pode dizer que fale com os mortos - respondeu Stephen. - E muito menos que me agrade sua companhia - acrescentou enquanto se aproximava de Alexi e o
abraçava brevemente. - Perguntava-me quando poderia vê-lo de novo. Pensei que estaria de viagem. Como é Hong Kong? E, o que é ainda mais importante, como está sua
esposa?
- Minha esposa está estupendamente feliz de estar de volta em casa. Sente sua falta Stephen. Embora não sei o por que. Deve ser por seus irresistíveis encantos
- respondeu Alexi com um grande sorriso- Chove muito e o caminho está a ponto de alagar-se. Pode ser que tenhamos que nos abrigar aqui até que passe o pior da tormenta.
Não se alegra que tenha vindo a lhe ver? - Perguntou-lhe enquanto tirava uma cigarreira do bolso. - Assim poderemos honrar juntos o velho Tom. Saúde!
Não pôde evitar sorrir.
- Se quiser que seja sincero, alegra-me muito que esteja de volta. E sim, eu adoraria beber algo - acrescentou.
Os dois sabiam que Alexi sempre desprezou o duque e que não iria nunca honrar sua memória, mas preferiu não mencionar o tema. Seu amigo nunca tinha compreendido
os métodos de seu progenitor nem tinha apreciado como tratava Stephen. Alexi foi criado de maneira muito diferente, sem críticas verbais e, é obvio, sem castigos
físicos.
- A verdade é que tem muito melhor aspecto em pedra - murmurou Alexi enquanto lhe passava à cigarreira. - E é incrível o quanto se parece. Tão duro e frio como
sempre...
- Não devemos desonrar os mortos - advertiu Stephen depois de beber um gole.
- Não, claro que não. Deus não permita que lhe falte ao respeito ou deixe de lutar pelo ducado. Vejo que você não mudou nada - lhe disse Alexi. - Só pensa em
seu dever, sem desfrutar da vida. É muito respeitável, excelência.
- Sabe que meu dever é toda minha vida. E, por sorte ou por desgraça, não mudei - respondeu.
Alexi adorava jogar na sua cara que dava muita importância a seus deveres e que desfrutava pouco da vida.
- Alguns de nós tem responsabilidades - respondeu.
Alexi pôs-se a rir.
- Uma coisa é ter responsabilidades e, outra muito distinta, levar grilhões - apontou seu amigo entre gole e gole de licor.
- Sim, claro, sou um escravo - respondeu ele com sarcasmo. - E meu destino é horrível, não poderia ser pior. Depois de tudo, tenho poder absoluto para comprar
tudo o que desejo e fazer o que quero e quando quero.
- Tom fez um bom trabalho lhe transmitindo seu senso de dever. Mas qualquer dia destes, quando menos esperar, ressurgirá o sangue Warenne que corre por suas veias
- disse seu amigo. - Embora seu poder seja tanto que todos os que o rodeia obedecem-no sem pensar duas vezes e não se atrevem a contrariá-lo, nunca me cansarei de
tentar lhe convencer para que mude de vida.
- Seria um duque péssimo se não conseguisse que as pessoas me obedecessem - respondeu Stephen. - Clarewood seria um desastre. E acredito que a família já teve
que sofrer a desdita de contar com muitos aventureiros entre suas filas - acrescentou com um sorriso.
O certo era que na família Warenne houve vários aventureiros, mas todos tinham mudado ao casarem-se e tinham terminado por sentar a cabeça. Seu primo Alexi era
boa prova disso.
- Clarewood seria um desastre? - repetiu seu primo. - Impossível com você ao leme do ducado! E imagino pelo que dizem que não vai seguir meus passos. Está quebrando
meu coração - adicionou com dramatismo.
Seu primo sempre conseguia lhe fazer sorrir.
- Então, nada mudou durante minha ausência? Continua sendo o solteiro mais cobiçado de toda Grã-Bretanha?
Sempre o divertia falar com ele. Os membros da família Warenne que sabiam que sir Rex era seu pai, não pareciam nunca cansar-se e tratavam sempre de emparelhá-lo.
Estava claro que necessitava um herdeiro, ele também era consciente disso, mas temia ver-se em um casamento aborrecido e frio, uma união de conveniência.
- Está dez ou onze meses fora do país. O que esperava? Que tivesse encontrado uma dama e me desposasse com ela em tão pouco tempo?
- Acaba de cumprir os trinta e um anos, assim já está a uns quinze anos em busca de esposa.
- Não é algo que possa nem deva apressar-se - respondeu com uma careta.
- Apressar-se? Acredito que leva muito tempo evitando o inevitável. As pessoas só podem atrasar o irremediável, Stephen. Não se pode impedir. Mas a verdade é
que não lamento que tenha recusado as jovens que lhe foram apresentadas nesta temporada em sociedade.
- Devo confessar-lhe que me horroriza a ideia de ter que conversar com alguma imberbe jovem de dezoito anos, por mais educada e linda que seja. Mas, é obvio,
confio em que não conte isto a ninguém.
- Por isso não se preocupe! - Disse seu primo com um sorriso. - Vejo que está amadurecendo.
Pôs-se a rir ao escutá-lo, algo que não estava acostumado a fazer frequentemente, só seu primo conseguia lhe mostrar o humor que havia em certas situações.
- Já era hora. Depois de tudo, já sou um homem de meia idade.
Continuaram bebendo em silêncio.
- Então, não mudou nada durante minha ausência? - perguntou Alexi algum tempo depois. - continua tão trabalhador como sempre, construindo hospitais para mães
solteiras e administrando os bens do ducado?
Hesitou um segundo antes de responder.
- Nada mudou.
- Que aborrecimento! - Respondeu Alexi enquanto olhava a estátua de Tom Mowbray. - Seu pai estará orgulhoso... Por fim!
O comentário conseguiu pô-lo tenso. Olhou também a efígie de seu pai. Por um momento, sentiu que Tom o observava e ria dele. Pareceu-lhe tão vivo como eles dois
e tão crítico com ele como sempre fora.
Cada vez estava ficando mais nervoso, mas a sensação se esfumou tão rapidamente como tinha aparecido.
Tom o tinha olhado com desprezo milhares de vezes, mas eram lembranças que evitava recordar. Esse dia, ao invés, sentiu-se mais menosprezado que nunca.
- Duvido muito - murmurou com amargura.
Olharam-se nos olhos com seriedade.
- Sir Rex está orgulhoso - disse Alexi pouco depois. - Por certo, não se parece em nada a Tom, embora tente ser como ele.
Pensou no que acabava de lhe dizer e recordou que Alexi o tinha ouvido falar com a escultura.
- Sei muito bem como sou, Alexi. Quanto a sir Rex, sempre foi atento e me apoiou em tudo. Lembro que era amável comigo durante minha infância, antes que soubesse
a verdade. Imagino que tenha razão, mas o certo é que isso não importa. Já não preciso que ninguém me admire ou esteja orgulhoso de meus lucros. Sei o que tenho
que fazer. Conheço bem meus deveres e não me importa que burlem de mim.
- Sim, vejo que têm um caráter invejável! - Respondeu Alexi zangado. - Vim para lhe resgatar do velho Tom, mas agora vejo que é de você mesmo que devo resgatá-lo.
Todo mundo necessita carinho e admiração, Stephen. Inclusive o duque de Clarewood.
- Não é verdade - replicou ele.
- Por quê? Acredita que, como cresceu sem saber o que era afeto, pode viver o resto de sua existência desse modo? Menos mal que leva o sangue dos Warenne nas
veias!
Não queria continuar por esse caminho e decidiu deixar o tema.
- Não preciso que ninguém me resgate Alexi. Sou um dos homens mais poderosos do país, esqueceu? Eu sou aquele que resgata às pessoas.
- Sim e é admirável tudo o que faz por aqueles que não podem valer-se por si mesmos. Pode ser que esse trabalho seja o que conseguiu fazer com que não perdesse
a cabeça por completo, essas coisas conseguem distraí-lo que não veja como é na realidade.
Estava a ponto de perder a paciência com seu primo.
- Por que está sempre com o mesmo tema?
- Porque é meu primo, Stephen. Se eu não me preocupar, quem o fará?
- Sua esposa, sua irmã e muitos outros parentes.
- Bom, então não insisto mais - concedeu Alexi com um sorriso e tom mais calmo. - Corramos até o carro. E, se o caminho se alagou, voltaremos nadando.
Stephen pôs-se a rir.
- Se você se afogar, Elysse me asfixiará com suas próprias mãos. Será melhor que esperarmos aqui até que passe a tormenta.
- Sim, acredito que minha esposa seria capaz de algo assim. Nem mesmo me surpreende que tenha escolhido a opção mais sensata e prática - disse Alexi enquanto
abria a porta da cripta. Cada vez chovia mais. - Mas o velho Tom conseguiu me aborrecer... Eu preferiria continuar esta reunião na biblioteca, com o melhor uísque
irlandês que tenha na adega - acrescentou seu primo. - Sabe o que acho? Acho que seu pai ainda está aqui, escutando cada palavra que dizemos e franzindo o cenho.
- Está morto, pelo amor de Deus! Está morto há quinze anos! - replicou Stephen fora de si.
Perguntou-se se seu amigo também poderia sentir a presença de seu falecido pai assim como ele sentiu.
- Então, por que não se liberou ainda? Por que continua dependendo dele?
Ficou imóvel ao ouvi-lo, sem entender o que queria dizer.
- Liberei-me dele, Alexi, igual me liberei de meu passado - assegurou com firmeza - Mas o dever pesa muito e até você mesmo entenderá algo assim. Sou o duque
de Clarewood. Eu sou Clarewood.
- Não, Stephen, não é livre. Nem dele nem do passado. Eu adoraria que fosse consciente disso. Entendo que tenha responsabilidades. E sei que, conhecendo-o como
o conheço, não deveria esperar nada mais de você. Mas espero, não posso evitar.
Acreditava que se equivocava que ele não podia entender o que significava o legado dos Clarewood. Mas não queria continuar discutindo com ele. Só desejava sair
dali e afastar-se de Tom Mowbray.
- Parece que diminuiu um pouco, vamos embora daqui.
Capítulo 02
Alexandra se deteve e olhou suas irmãs.
- Me desejem sorte - pediu com seriedade.
Sabia que seu sorriso não parecia real, que estava esforçando-se muito por parecer tranquila. O latifundiário Denney a esperava na sala com seu pai. Estava muito
nervosa e não era de estranhar. Depois de tudo, o futuro de sua família estava em jogo.
Sabia que não devia se preocupar que a primeira impressão fosse boa, não tinha os meios necessários para que assim fosse, mas se olhou no espelho de todos os
modos. Olivia a ajudou a pentear-se e o coque parecia bem apertado e sério.
Embora usasse um vestido que aguentou melhor o passar dos anos, viu no espelho que parecia muito desgastado e antiquado. Suspirou ao ver seu aspecto. Não havia
maneira de costurar e reparar as pregas desgastadas, só poderia arrumá-lo comprando um novo cós, mas era muito caro.
- Tenho um aspecto muito desalinhado - murmurou.
Corey e Olivia se entreolharam.
- Parece uma heroína de novela, dessas que sofrem contínuas e trágicas circunstâncias - disse Olivia. - Esperando que chegue o misterioso herói e a salve de seu
terrível destino - acrescentou enquanto puxava umas mechas do coque para que não parecesse tão sóbrio. Sorriu com carinho a sua irmã.
- Não sou nenhuma heroína, mas acredito que esse latifundiário poderia ser nosso herói. Bom, será melhor que não o faça esperar mais.
- Não tem por que estar nervosa - lhe aconselhou Olivia. - Já gosta de você.
- Não sei por que não deixou que eu a penteasse- Corey se queixou com os olhos brilhantes.
- Eu teria adorado, mas sei que não posso confiar em você - respondeu Alexandra.
Conhecia bem sua irmã Corey e temeu que tentasse lhe destruir o cabelo para assustar o latifundiário e conseguir que abandonasse seu propósito de se casar com
ela. Podia ouvir vozes masculinas no salão. Levantou a cabeça e foi para ali com decisão.
Suas irmãs a seguiram. Olivia a abraçou antes que pudesse entrar.
- Corey tem razão, Alexandra. Pode conseguir algo mais. Esse homem não te merece. Por favor, pense bem nisso - disse a jovem.
Não se incomodou em lhe dizer que já tinha aceitado há muito tempo. Estava fazendo, como sempre, o melhor para sua família.
Olivia suspirou e olhou Corey. As duas pareciam muito preocupadas.
- Isto não é o fim do mundo - lhes recordou Alexandra com firmeza e um grande sorriso. - De fato, pode ser um novo começo para todos.
Deixou a um lado seu nervosismo e abriu a porta. Pôde escutar as últimas palavras de Corey.
- Meu Deus, tinha me esquecido que era tão baixinho - murmurou sua irmã.
Decidiu ignorar suas palavras. Ela era mais alta que a maioria das mulheres e inclusive mais que muitos homens. Seu pai e Denney estavam frente à janela, como
se estivessem admirando juntos o descuidado lamaçal no qual o jardim da casa se converteu. Havia parado de chover essa manhã, mas a grama se alagou por completo
e havia um tremendo atoleiro. O latifundiário devia ser uns cinco centímetros mais baixo que ela.
Os dois homens giraram ao ouvir a porta.
Sentiu o coração encolher. Denney era tal e como o recordava. Um homem rude com grandes costeletas e olhos amáveis. Usava uma jaqueta para a ocasião e ela se deu
conta de que era um objeto caro e feito sob medida. Fixou-se também no grande anel que usava em uma de suas mãos. Era de ouro e tinha uma bela pedra engastada. Não
podia evitar observar cada detalhe, mas isso só fez com que se sentisse muito miserável, como se fosse simplesmente uma caça-fortunas.
Mas acreditava que era isso o que era e nada mais.
Recordou as palavras de Corey, "Está vendendo Alexandra para um velho fazendeiro!".
Sua irmã estava errada. Seu pai tinha o direito de fazê-lo, era algo muito comum. Eram poucos os afortunados membros da alta sociedade que se casavam por amor.
E menos ainda se tratassem de mulheres como ela, vindas de situação difícil e não tão jovens.
O salão no qual estavam era pequeno. As paredes estavam pintadas de cor mostarda e as cortinas verdes estavam descoloridas e gastas. Edgemont se aproximou sorrindo.
- Alexandra, se aproxime - disse seu pai.
Juntos giraram para olhar o latifundiário. Chamou-lhe a atenção ver o quanto os olhos do homem brilhavam.
- Sinto ter feito com que esperassem - ela conseguiu dizer com o pulso acelerado.
Não entendia por que a situação tinha conseguido entristecê-la de repente. Possivelmente porque, se tudo saísse conforme esperavam, logo teria que sair da casa
de Vila Edgemont e se separar de sua querida família. Pensou de repente em Owen e como se sentia unida a ele.
Desde que seu pai lhe disse que tinha que casar-se pelo bem da família, não deixou de pensar em seu prometido. Mas esse tipo de amor fazia parte do passado e
devia esquecê-lo.
- Apresento-lhe minha linda filha, Alexandra - anunciou Edgemont com orgulho na voz e um grande sorriso.
- Poderia me fazer esperar durante dias e dias, senhorita Bolton, que eu o teria feito encantado, se assim conseguisse vê-la - respondeu Denney com amabilidade.
Alexandra conseguiu sorrir também. Recordou então quão amável Denney sempre foi com sua falecida esposa. Sabia que era um bom homem e acreditava que, com o tempo,
poderia chegar a sentir carinho por ele.
- É muito amável, senhor, não o mereço - respondeu ela.
- Estivemos falando do tempo que fará este verão, segundo o que prediz o calendário. Denney pensa que será um bom verão, não muito caloroso e com bastante chuva
- disse então seu pai.
- Maravilhoso - respondeu ela com sinceridade.
Sabia como o tempo era importante para os agricultores da zona. Dele dependiam suas colheitas e seu gado.
- Tive três anos muito bons. Suficientemente positivos para reunir grandes benefícios. Também tive sorte com alguns negócios que fiz - assegurou Denney com orgulho.
- Investi principalmente na ferrovia e agora mesmo estou acrescentando um anexo à casa. Terei uma nova sala de estar e inclusive um pequeno salão de baile. Decidi
que quero ter mais vida social, poder convidar e fazer festas. Eu adoraria lhe mostrar meus planos.
- Sua casa solar conta com quinze aposentos, Alexandra! Quinze aposentos! - interveio seu pai com entusiasmo.
Conseguiu sorrir de novo. Mas, apesar de suas boas intenções, cada vez estava mais preocupada. O latifundiário não deixava de olhá-la. Parecia ruborizado e os
olhos brilhavam. Temia que tivesse se apaixonado por ela. Não queria causar sofrimento a ele quando percebesse de que ela era incapaz de responder com a mesma paixão.
- Pode me visitar quando quiser em Fox Hill - disse Denney então. - De fato, eu adoraria poder mostrar a você a casa e os jardins.
- Então, irei visitá-lo assim que me seja possível - respondeu ela com amabilidade.
Olhou então para seu pai. Tinha que conseguir estar a sós com Denney para descobrir se estaria disposto a ajudar suas irmãs ou não.
- O latifundiário foi convidado à festa que os Warenne têm amanhã em sua residência. É uma grande honra, trata-se da celebração do aniversário da filha de Lady
Harrington.
- Sim, é uma grande honra - concedeu ela.
Não tinha ouvido falar de tal festa. Conhecia as filhas de lady Harrington, mas fazia anos que não via Marion nem Sara. Eram de idades parecidas com Corey e Olivia.
- Tenho muito boa relação com lady Harrington e sir Rex - assegurou Denney, - A festa é para a mais jovem, Sara. Eu adoraria que pudesse me acompanhar, senhorita
Bolton. Com suas irmãs, é obvio.
O convite a surpreendeu tanto, que não soube como reagir. Pensou em seguida em suas irmãs, que nunca puderam assistir a uma festa desse tipo. Eram muitas as coisas
que precisava levar em conta. Sabia que devia aceitar. Era uma grande oportunidade para suas irmãs e acreditava que mereciam uma noite assim.
Era uma lástima que nunca puderam assistir a nenhum baile. Mas nenhuma das três comprara um vestido novo desde que sua mãe morreu. Suas tristes circunstâncias
faziam com que ninguém as convidasse a nenhum evento. E, embora tivessem contado com esse tipo de convite, o certo era que não tinham sequer roupa adequada que
usar.
Acreditava que Corey conseguiria usar algum de seus velhos vestidos de noite, bastaria com que fizesse alguns pequenos acertos nele. Pensava que Olivia poderia
encontrar também algo que usar entre os trajes de sua mãe. Não estariam na moda, mas ao menos poderiam ir.
- Nós adoraríamos ir - respondeu ela com rapidez.
Seu pai a olhou com o cenho franzido. Imaginou que estaria pensando o mesmo que ela. Sabia que não tinham nada que usar.
- Pai, se não se importar, eu gostaria de acompanhar o senhor Denney até a porta. O sol saiu e parece que já não vai voltar a chover - disse ela.
Edgemont pareceu encantado com seu pedido.
- É obvio, eu tenho que voltar para o escritório. Desfrute do passeio, filha - respondeu seu pai enquanto saía da sala deixando a porta totalmente aberta.
Alexandra esperou uns segundos antes de falar. Olhou então a seu pretendente.
- Senhor Denney, adula-me muito que tenha decidido vir nos ver - disse ela.
- Nenhuma tormenta poderia ter me mantido afastado.
- Poderíamos ter uma conversa sincera, senhor?
O homem a olhou surpreso.
- Eu gosto muito da franqueza - respondeu ele. - De fato, é uma das coisas que mais me agrada em você, senhorita Bolton. É de natureza amável e sempre muito direta.
- Temo que me ponha em um pedestal, senhor Denney. Um lugar que não mereço.
Denney levantou as sobrancelhas ao ouvi-la.
- Se há uma mulher que merece estar em um pedestal, essa é você, senhorita Bolton. - Abriu a boca para protestar, mas Denney a interrompeu. - Faz anos que a admiro.
Fez um grande trabalho cuidando de suas irmãs e de seu pai. E sua compaixão e generosidade são dignas de admiração. E, é obvio, não posso passar por cima de sua
beleza. A verdade é que tê-la diante de mim agora mesmo, faz com que fique quase sem palavras.
Esteve a ponto de ruborizar-se. Acreditava que não era uma mulher bela, mas não pensava discutir com ele.
- Alegra-me que minha forma de ser o agrade. E em algo têm muita razão, tento cuidar bem de minhas irmãs pequenas e de meu pai. Olivia só tem dezoito anos e Corey,
dezesseis.
Viu que parecia meio perplexo.
- São jovens encantadoras.
Assinalou com a mão uma das poltronas para que Denney se sentasse. Tinha decidido que era melhor continuar com a conversa ali mesmo e esquecer o passeio.
Esperou que Denney se sentasse e ela fez o mesmo.
- Estive a ponto de me casar há nove anos, mas foi quando minha mãe morreu - começou ela enquanto cruzava as mãos sobre o colo. - Quando ocorreu, tomei a decisão
de dedicar minha vida à minha família e rompi o compromisso com meu prometido - acrescentou com um valente sorriso - Prometi a minha mãe que o faria e nunca faltarei
com a minha palavra.
- O compromisso do qual me fala só aumenta a admiração que tenho por você, senhorita Bolton - respondeu ele. - Dá-me a impressão de que amava de verdade a esse
cavalheiro.
- É certo - confessou ela enquanto assentia com a cabeça.
- É todo um exemplo, senhorita Bolton. Mas, por que está me contando isto?
- Posso lhe falar com sinceridade?
- Com tanta como é necessário - respondeu ele sem poder evitar ruborizar-se. - Está a ponto de me dizer que pensa ser fiel à promessa que fez a sua mãe no leito
de morte?
- Cuidarei de minhas irmãs e de meu pai até o dia de minha morte, embora espere que possam casar-se bem antes que isso ocorra - disse com um sorriso.
Denney assentiu lentamente.
- Minhas intenções são honradas, senhorita Bolton.
- Isso é o que meu pai me assegurou.
- Sabe por que lhe sugeri que suas irmãs nos acompanhem à festa amanhã de noite? - perguntou ele sem deixar de olhá-la nos olhos.
- Não, a verdade é que não.
- Porque acredito que sua companhia fará com que a noite seja muito mais agradável para você, um pouco menos embaraçosa. Mas também porque pensei que duas jovens
tão agradáveis deveriam ter a oportunidade de sair um pouco e ser vistas.
O coração começou a pulsar com mais força.
- É muito amável.
- Considero-me um homem amável. E também generoso. Se tudo progredir como espero que o faça, já não terá que suportar sozinha a carga de cuidar de sua família.
Ficou sem palavras e os olhos encheram de lágrimas. Não sabia o que dizer.
Nesse momento tomou uma decisão. Sabia que era um homem com posses, acabava de ver que suas intenções eram sérias e que seria generoso com sua família.
- Admirei-a durante anos, senhorita Bolton. Sempre à distância e com todo respeito - disse ele então. - Nunca pensei que minha esposa fosse morrer de maneira
tão repentina e inesperada. Sempre teve boa saúde... Chorei muito sua perda - acrescentou com tristeza. - Mas morreu e já passou um ano. E você continua sem compromisso,
algo que não consigo compreender. - Estava muito sério e a olhava com firmeza nos olhos. - Sou de caráter sólido, senhorita Bolton. Sou sério e confiável, um homem
de palavra. Estou seguro de que iria muito bem aos dois se decide aceitar minha proposta.
- Terei em conta sua oferta - respondeu ela.
Não podia acreditar que aquilo estivesse acontecendo. Suas irmãs iam ter um futuro além das paredes de Vila Edgemont. Parecia-lhe um milagre.
Denney ficou em pé e ela fez o mesmo.
- Damos um passeio? - sugeriu o homem.
Alexandra tomou o braço que oferecia.
- Seria um prazer - respondeu ela.
Olhou para a casa assim que saíram ao jardim. Corey e Olivia os observavam da porta. Pareciam desoladas.
Viu como Corey dava meia volta e entrava correndo na casa.
Alexandra tentou acalmar-se enquanto o carro de cavalos do senhor Denney penetrava no caminho de entrada na mansão dos Harrington.
A noite era espetacular. O céu, tingido de rosa, fazia com que destacasse ainda mais o impressionante perfil de pedra da mansão. Os jardins também lhe pareceram
uma maravilha. Não se cansava de olhar ao seu redor.
Havia uma grande fonte na frente da casa, no caminho de entrada. A água saía disparada a quatro metros de altura, desenhando mágicas formas na noite.
Apesar de tudo, ia ser difícil desfrutar do baile. Estava esgotada. Não dormiu toda a noite para poder terminar a tempo os acertos necessários nos vestidos das
três irmãs. De fato, esteve costurando sem parar desde que o senhor Denney saiu da casa no dia anterior.
Estava mais nervosa que entusiasmada. Olivia, Corey e ela estavam sentadas em sentido contrário à marcha, frente ao seu pai e Denney. Tinha que esticar o pescoço
e girar muito a cabeça para poder ver o que acontecia no exterior. Os carros que esperavam diante do seu eram grandes e luxuosos. Todos os lacaios iam vestidos de
uniforme e nenhum cavalo destoava. As damas e os cavalheiros que saíam das carruagens vestiam seus melhores vestidos e trajes. Apesar de que já começava a anoitecer,
pôde distinguir os brilhantes que as mulheres usavam ao redor de seus pescoços e pendurando em suas orelhas.
Havia esquecido o luxo com o qual a nobreza desse país vivia. Olhou seus dedos, completamente nus, e seu vestido de cetim verde. A malha já não brilhava, tinha
passado muitos anos em um armário. Ninguém mais usava as mangas tão longas como as suas, mas não teve tempo para fazer mudanças em seus vestidos. Tinha cortado as
mangas dos trajes de suas irmãs. Acreditava que era uma sorte que ao menos tivessem encontrado algo para usar.
- Esta usando um vestido lindo - disse então o senhor Denney.
Era como se estivesse lendo seu pensamento. Deu-se conta de que era mais transparente do que imaginara.
Apesar de tudo, conseguiu responder com um sorriso. Continuava chamando sua atenção como os olhos de Denney brilharam quando foi recolhê-las para levá-las a mansão
dos Harrington. Não acreditava que tivesse bom aspecto. Viu-se cansada e pálida no espelho. Muito esgotada depois das horas que passou tratando de arrumar os vestidos
para suas irmãs. Tinha olheiras, mas Denney não se deu conta. Nem mesmo parecia ter visto o velho e antiquado que era seu vestido.
Olivia tomou então sua mão. Brilhavam-lhe os olhos. Estava muito nervosa e excitada. Só a via assim quando desenhava ou pintava. Nunca a tinha visto tão bonita
como essa noite. Fez cachos em seu cabelo castanho e tinha posto um vestido de noite cor marfim que foi de sua mãe. Olharam-se nos olhos. Estava muito orgulhosa
dela.
- Está muito bonita - sussurrou a jovem. - De verdade.
Alexandra apertou a mão de sua irmã.
- Você também - disse. - E Corey. Vai ser uma noite muito agradável. E tudo graças ao latifundiário...
Denney sorriu ao escutá-la.
- Assim espero - ele disse.
Alexandra olhou então para Corey. Olhava com os olhos muito abertos pela janela da carruagem. Seus olhos também brilhavam e não podia deixar de observar tudo.
Sua irmã era quase tão alta quanto ela, mas um pouco mais magra. Ficava fenomenal no vestido de seda azul. Não era apropriado para alguém de dezesseis anos, mas
não pode encontrar outra coisa para ela. Com esse vestido, Corey parecia uns dois anos mais velha do que era, e estava espetacular.
Sentiu um pouco de tristeza ao vê-las assim. Suas irmãs nunca tinham vivido uma noite como aquela. Nunca participaram de eventos sociais de tal magnitude. E,
embora não quisesse procurar culpados, estava muito claro em sua mente quem era o responsável pelas coisas terem sido assim. Recordou então que seu pai tinha mudado
muito.
A morte da Elizabeth Bolton o submergiu em um negro buraco e depois disto, não fazia outra coisa além de jogar e beber.
Alexandra acreditava que suas irmãs mereciam uma vida melhor e pensou que possivelmente surgisse algo bom para elas essa noite. Estava convencida de que os cavalheiros
presentes no baile teriam que estar cegos para não fixar-se em suas lindas irmãs.
De repente ouviu vários cavalos aproximando-se, soavam como um exército. Deu-se conta de que quase tinha chegado sua vez de descer do carro, mas as três irmãs
olharam seu pai e Denney, esperando que os cavalheiros descessem primeiro.
Passou então ao seu lado uma enorme calesa negra, puxada por seis cavalos idênticos. Viu o escudo dourado e vermelho na porta do carro. Devia ser alguém muito
importante para lhes cortar o caminho assim e se colocar como primeiro na fila.
Ficou absorta olhando os elegantes lacaios. Também usavam roupas em vermelho e ouro, como o escudo do carro. Usavam sapatos de verniz negro, meias claras e pomposas
perucas brancas. Cada vez estava mais nervosa. Tentou recordar que, antes que sua mãe morresse, foi com ela a algumas dessas festas. Não havia motivos para sentir-se
nervosa.
Depois de tudo, pensava não que fosse importar a ninguém que aparecesse de novo em sociedade, nem que seus vestidos estivessem passados de moda e velhos.
Mas não a preocupava o que pudessem pensar dela. O que não queria era que alguém risse de suas irmãs nem as ridicularizasse.
Viu que a luxuosa calesa parava diante deles, mas não podia ver quem saía da mesma. Só conseguiu ver uma figura alta e esbelta passando entre os convidados que
esperavam e entrando diretamente na mansão.
Sem saber por que, o coração começou a pulsar com mais força. Não podia deixar de olhá-lo.
- Devemos descer já, é nossa vez - disse Denney então.
Um moço abriu a porta de seu carro e o latifundiário foi o primeiro a descer.
Seu pai fez gesto de sair também. Esperava que não arruinasse essa noite para as três irmãs. Não podia confiar nele. Olhou seu pai com firmeza.
- Espero que não beba mais da conta esta noite, pai - disse.
Edgemont a olhou atônito.
- Não pode me falar desse modo, Alexandra.
Mas ela não ia permitir que a acovardasse. O único que podia controlar essa noite, ou ao menos tentar, era o problema que seu progenitor tinha com a bebida.
- Há uma cigarreira com licor em seu bolso, pai. Pode me dar isso, por favor?
Ele abriu a boca para protestar, mas se ruborizou.
Estendeu para ele a mão e fez um grande esforço para sorrir e tentar acalmar os ânimos.
- Se quiser que me case com Denney, não acredito que ajude que o veja dando tombos pela festa. E, o que é ainda mais importante, pode ser que Corey e Olivia consigam
atrair a atenção de algum pretendente esta noite. Está claro que nossa situação é mais que precária, assim, nossa conduta deve ser impecável. É tudo o que temos.
A contra-gosto, Edgemont tirou a cigarreira de prata de seu bolso. Mas, antes de entregá-la a sua filha, deu um bom gole.
- Pai! - recriminou-o ela.
- Cada dia me recorda mais a sua mãe - respondeu enquanto lhe entregava a pequena garrafa.
Alexandra tirou a tampa e esvaziou o licor pela janela da calesa. Depois olhou suas irmãs.
- É nossa vez - disse a elas. Corey parecia estar ruborizada e pálida ao mesmo tempo. - Tudo sairá bem - murmurou para animá-la.
Ofereceu sua mão ao lacaio de Denney e deixou que a ajudasse a descer da calesa. O moço do latifundiário não usava uniforme nem era tão diferente como os de outros
cavalheiros. Esperou que suas irmãs descessem.
Olivia se aproximou então.
- Por que disse algo assim? - sussurrou-lhe ao ouvido. - Não estamos aqui para atrair nenhum pretendente! Como poderíamos conseguir algo? Todo mundo sabe que
estamos em muito má situação econômica.
Alexandra dedicou um sorriso a sua irmã.
- Estar aqui esta noite me faz sonhar com uma vida melhor. Não para mim, mas sim para você e para Corey. Nossos pais estavam acostumados a assistir a bailes como
este muito frequentemente. Deveria ter este tipo de vida, Olivia. E Corey, também.
- Mas estamos bem - respondeu a jovem. - Além disso, agora mesmo temos todos nossos esforços concentrados em evitar que se comprometa com Denney.
Fez uma careta ao ouvi-la e olhou o latifundiário. Viu, aliviada, que o homem não as tinha ouvido falar.
- Não mudei de opinião, Olivia. Sinto-me muito adulada ao contar com a admiração e o interesse desse homem - sussurrou para sua irmã.
- Bom, pode ser que conheça algum outro cavalheiro esta noite - respondeu Olivia.
Não era uma jovem combativa nem respondona, mas tinha uma vontade de ferro e era persistente. Sempre fora assim, mas era tão bondosa e amável que poucos eram
os que conheciam seu lado mais teimoso.
- Estou muito nervosa - disse Corey então. - Tanto que estou com uma terrível enxaqueca. E esses homens estão nos observando...
Corey não estava acostumada a ficar nunca nervosa. Olhou para onde sua irmã mostrava. Havia três cavalheiros ao lado da porta de entrada, onde os mordomos esperavam
aos convidados para acompanhá-los. Os cavalheiros eram mais ou menos da idade de Alexandra e viu que era verdade, estavam olhando com interesse às três irmãs. Um
deles lhe sorriu e fez gesto de levar a mão a sua cartola. Viu que olhava com interesse sua irmã menor.
- Estava sorrindo para você - disse a Corey. - E não se trata de nada inapropriado nem desavergonhado, é só um sorriso.
- Não, estava sorrindo a Olivia - respondeu a pequena.
Mas viu que se ruborizou.
Tomou o braço de sua irmã para lhe dar todo seu apoio. Não podia esquecer que era ainda muito jovem. Embora fosse temerária e cordata em casa, esse ambiente parecia
estar sobressaltando-a bastante e não estranhou que fosse assim. Sabia que não lhe teria ocorrido se tivesse uma vida melhor. Acreditava que, embora seu casamento
com o latifundiário não fosse conseguir que suas irmãs pudessem mover-se nesse seleto ambiente, era ao menos um passo na direção correta.
Denney as olhou nesse instante e fez um gesto para que o acompanhassem. Foram depressa ao seu lado e o seguiram até a entrada principal. Alexandra esteve muitas
vezes na mansão dos Harrington. Ao princípio com sua mãe e duas vezes mais, depois que morreu. Tinha visitado lady Blanche em companhia de suas irmãs pequenas e
a dama as tinha acolhido com amabilidade e sem que parecesse lhe importar que já não tivessem os mesmos meios econômicos do passado.
O vestíbulo da mansão era quase tão grande como sua casa de Vila Edgemont. Viu a porta do salão de baile os anfitriões dessa noite, lady Blanche e sir Rex. O
cavalheiro tinha perdido a perna durante a guerra e se apoiava em uma bengala. Mas isso não importava. Formavam um belo casal e adorou observá-los enquanto saudavam
com simpatia seus convidados. Ela era uma mulher pálida e bela. Ele, ao invés, era de tez mais escura, grande e atraente. Sara estava com eles. Era uma jovem morena
e atraente. Não pôde evitar fixar-se em seu elegante vestido e nas maravilhosas jóias que usava essa noite. Sentiu um pouco de inveja enquanto a observava, mas não
eram coisas que desejasse para ela, mas para suas irmãs.
Foi então que se deu conta de que alguém as estava observando.
Viu que lady Lewis a estava observando com um olhar cheio de ódio, como se desejasse sua morte. Não podia acreditar. Lady Lewis era uma de suas melhores clientes.
A mulher que estava com ela lhe deu as costas quando se deu conta de que Alexandra as tinha visto. Soube então que estavam falando dela.
O senhor Denney estava saudando outros cavalheiros e se separou um pouco delas três. Olhou suas irmãs com preocupação.
- Viram isso? - perguntou-lhes em voz baixa.
- Por que acha que estariam nos olhando assim? - respondeu Olivia.
Alexandra respirou profundamente para tentar acalmar-se. Viu então lady Henredon no outro lado da sala. E também lady Bothley. Entendeu então que tinha sido um
engano aceitar o convite de Denney para assistir essa festa. Costurava frequentemente para todas essas mulheres e não podiam aceitar que alguém do serviço, uma costureira,
deixasse se ver entre gente de sua categoria.
Fez-lhe um nó no estômago. Deu meia volta depressa e esteve a ponto de bater de frente com lady Lewis, que tinha se aproximado para saudá-la.
- Alexandra, que surpresa! Não a tinha reconhecido vestida assim.
Não pôde sequer fingir um sorriso. Notou que suas irmãs se aproximavam e se colocavam uma a cada lado.
Lady Lewis as olhou com desprezo.
- É impossível reconhecer a qualquer uma das três com essas roupas - comentou.
Alexandra sentiu que o coração estava a ponto de sair do peito.
- Esse comentário é demais - conseguiu murmurar.
Lady Lewis a olhou e levantou uma sobrancelha.
- Não é como se tivesse dito que estou acostumada a vê-la vestida com farrapos e reparando minha roupa - respondeu a mulher.
Corey teve um repentino ataque de tosse.
Olivia tomou a mão de sua irmã pequena para tentar acalmá-la.
E Alexandra se esforçou para sorrir. Queria dizer a essa mulher o que pensava dela, mas não podia perdê-la como cliente, a menos até que visse o que ia ocorrer
com o futuro de sua família.
- Não, é verdade, lady Lewis. Não disse nada parecido. Desculpe-me, por favor. Estou segura de que nunca falaria de maneira tão grosseira.
- Minha donzela levará este vestido amanhã para que você o limpe e engome - disse a dama enquanto a olhava com desdém e dava a volta.
Ficou tremendo.
- Que bruxa...! - exclamou Corey. - Que não ocorra a você limpar e engomar o vestido dessa mulher!
- Claro que sim, é o que tenho que fazer - respondeu Alexandra com calma.
Mas não estava tão tranquila como queria fazer a suas irmãs acreditarem. Sentia que a cabeça ia estalar a qualquer momento. Esteve o dia todo esgotada, depois
de tanto trabalho e esse enfrentamento com lady Lewis não ajudou muito. Olhou ao seu redor com a esperança de encontrar um lugar onde sentar-se.
Mas seu pretendente se aproximou então.
- Senhorita Bolton, permite-me que a apresente a meu bom amigo, o senhor Landon? - Perguntou Denney com um grande sorriso. - George apresento-lhe à senhorita
Bolton e a suas duas irmãs, Olivia e Corey. E ali está Edgemont, é obvio, a ele já o conhece.
Seu pai chegou por fim ao seu lado. Alexandra sorriu e saudou o senhor Landon com cortesia enquanto lhe desejava que tivesse uma noite agradável. O homem começou
então a conversar com Denney sobre um touro que acabava de comprar. Ouviu atrás dela uma dama falando em voz baixa. Não entendeu todas as palavras, mas não lhe custou
saber do que estavam falando.
- Uma desgraça... Bêbado todas as noites... E o jogo... Suas filhas...
Sentiu que se ruborizava e tentou esticar dissimuladamente a cabeça para tentar entender tudo. Seu pai era um bêbado e todo mundo parecia saber.
Fixou-se então em Corey, deu-lhe a impressão de que não estava ouvindo desses comentários e se sentiu muito aliviada. Sua irmã pequena se limitava a olhar a seu
redor com os olhos muito abertos, como se não pudesse dar crédito a tanta elegância e tantos luxos.
Olhou Olivia, que estava observando um homem loiro que parecia familiar. Não acreditava conhecê-lo, mas não pôde evitar sentir que o tinha visto antes. Respirou
profundamente uma vez mais, temia que não tivesse passado ainda o pior e que a noite lhes proporcionasse mais surpresas desagradáveis.
Viu então a três damas de meia idade observando às três irmãs. Não, o pior não tinha passado.
Viu que sussurravam ocultando suas bocas atrás das mãos enluvadas. Estava segura de que estariam murmurando sobre ela, suas irmãs ou seu pai. Não podia deixar
de tremer. Girou para dar as costas a elas.
- Pai, conhece essas damas de atrás de mim? - perguntou-lhe então.
Edgemont olhou às mulheres e ficou pensativo uns segundos antes de responder.
- Ah... Fazia muito tempo que não as via, mas essas damas eram algumas das amigas de sua mãe. Especialmente uma delas, lady Collins. Meu Deus! Passaram tantos
anos! Mas a verdade é que tem bom aspecto.
- Pode ser que tenha bom aspecto, mas não nos olha muito bem - respondeu Olivia então. - Está nos fulminando com o olhar.
- Não pode ser. Era uma mulher muito agradável e sempre tratou Elizabeth bem. Venha, vou aproximar-me para saudá-la.
Alexandra decidiu intervir então.
- Mas se ainda não saudamos os anfitriões...
- Há uma dúzia de pessoas esperando para falar com eles - insistiu Edgemont. - Além disso, Denney está entretido com seu amigo. Lady Collins! - exclamou seu pai
enquanto se aproximava da dama em questão.
Alexandra olhou suas irmãs com preocupação e as três seguiram seu pai a contra gosto. Lady Collins os olhava com grande frieza.
- Alegra-me muito vê-la de novo - comentou Edgemont com galanteria.
A dama assentiu com a cabeça.
- Olá, Edgemont. Não esperava vê-los aqui.
- Também me surpreende estar aqui - respondeu seu pai de bom humor. - Recorda minhas filhas?
Alexandra levantou com orgulho a cabeça enquanto lady Collins dizia que não acreditava tê-las conhecido nunca. Deram-se a mão com correção, mas com absoluta frieza.
A mulher lhes desejou uma agradável noite e se despediu sem tentar ocultar que parecia estar desejando afastar-se deles.
- Por todos os Santos, essa mulher mudou muito! - murmurou Edgemont.
- Não deveríamos ter vindo... - sussurrou Alexandra. - Agora sou só uma costureira. Remendo as roupas de muitas destas damas e não gostam de me ver aqui.
- Mas tem todo o direito do mundo a estar na festa! É a convidada do senhor Denney e estou seguro de que lady Harrington adorará vê-la de novo.
Alexandra olhou suas irmãs. Pareciam desoladas e se arrependeu de ter dito a elas o que pensava. Viu então seu pretendente do outro lado da sala. Denney a olhou
com um grande sorriso e lhe fez um gesto para dizer que voltaria mais tarde ao seu lado. O latifundiário estava em companhia de outros cavalheiros. Parecia claro
que muita gente o apreciava.
Três casais esperavam diante deles para saudar os anfitriões. O nó que tinha no estômago não fazia nada a não ser piorar por momentos. E, além disso, doía-lhe
a cabeça. Lamentava ter aceitado o convite e ter ido com suas irmãs. Ouviu uma senhora diante dela falando sem parar da bela, elegante e refinada que era Sara. Alexandra
estava de acordo.
Sara de Warenne era uma jovem agradável e bonita, não carecia de nada.
- Deixou-a plantada... - ouviu de repente.
Deu a volta e viu uma mulher que a observava com o cenho franzido. Sentia que estava fulminando-a com seus frios olhos e tentou escutar a conversa que mantinha
com outras mulheres.
- No altar? - perguntou estupefata uma das damas enquanto olhava fascinada a Alexandra.
- Sim, deixou-a plantada no altar. Agora recordo tudo - respondeu a outra mulher. - Teve o que merecia. Saint James recuperou finalmente a prudência e acabou
casando-se com uma dama de melhor família e com um verdadeiro título nobiliário.
Alexandra ficou tão estupefata que deu a volta, não podia sequer olhar a essas mulheres.
- Estão falando o que acredito que estão falando? - sussurrou-lhe Olivia. - Dizem que Owen abandonou você quando estavam a ponto de se casar?
De tudo o que tinha suportado até esse momento, nada doeu tanto a Alexandra como a mentira que acabava de escutar. Mas ainda era pior ver que sua irmã também
ouviu.
- Não importa Olivia - assegurou.
Cada vez estava mais cansada e enjoada. Deu-se conta de que estava muito exausta para ficar e celebrar o aniversário de Sara. Olhou ao seu redor tentando encontrar
uma cadeira. Havia assentos ao redor da sala de baile, mas muitos já estavam ocupados.
Só ficavam dois casais frente a eles. Tentou aguentar até conseguir saudar os anfitriões.
Esfregou as têmporas com os dedos. A enxaqueca estava piorando. Se estivesse em casa, teria se deitado e colocado uma compressa de água gelada sobre a testa.
- Por que diriam algo assim? Não é certo - prosseguiu Olivia.
- Estou segura de que não mentiram de propósito - respondeu Alexandra tentando manter a calma. - Seguro que não recordam bem o que aconteceu isso é tudo. Trata-se
de um engano inocente, nada mais.
Não podia dizer a sua irmã o que pensava de verdade.
- Os rumores se estendem com grande rapidez - murmurou Olivia - Quando começam, é impossível controlá-los.
- Acredito que essas damas são odiosas - interveio Corey.
Cada vez doía mais a cabeça. Rodeou os ombros de sua irmã pequena.
- Ninguém é odioso, não diga isso. Além disso, não deveríamos estar escutando.
- Queriam que ouvíssemos - replicou Corey enquanto se separava dela.
- Por que não falamos de outra coisa? Viemos para passar bem, de acordo? - recordou-lhes Alexandra.
- Mas, como vamos desfrutar da noite depois do que ocorreu? - perguntou Olivia com preocupação. - Embora, por outro lado, pode ser que um pequeno escândalo consiga
assustar Denney...
Não sabia se ria ou chorava. A insistência de suas irmãs era incrível. Pareciam cada vez mais desoladas e não acreditava que pudesse convencê-las de como ia ser
bom para todos, que ela se casasse com o velho latifundiário.
Estava a dias sem dormir. Esteve muito nervosa e preocupada desde que seu pai lhe anunciou que decidiu aceitar a oferta de Denney e lhe dar permissão para que
a cortejasse. A noite anterior passou trabalhando nos acertos dos vestidos. Tinha costurado até perder a sensibilidade nos dedos. Deu-se conta de repente de que,
por mais perto que já estivesse de poder saudar os anfitriões, não poderia esperar mais. Devia sentar-se imediatamente. Não se encontrava bem, nada bem.
Tudo começou a dar voltas ao seu redor.
As luzes iam e vinham, não podia ver nada com nitidez.
"Não posso desmaiar, não posso fazê-lo ou falarão ainda mais sobre mim", pensou horrorizada.
Mas o chão parecia mover-se sob seus pés.
Estendeu as mãos para tentar agarrar-se a algo e foi então quando se deu contra um corpo firme e masculino. Sentiu um forte braço rodeando-a. Não podia acreditar.
Fazia quase dez anos que não estava tão perto de um homem. O coração se deteve um instante e depois começou a pulsar rapidamente em seu peito. Era um corpo forte
e musculoso.
Seu salvador a segurava, transmitindo segurança e calidez.
Sem fôlego, Alexandra levantou a vista e se encontrou com o olhar mais intenso e belo que tinha visto em sua vida. Dois maravilhosos olhos azuis a observavam
com preocupação.
- Deixe que a leve a uma cadeira - murmurou o homem com calma.
Tentou responder, mas não conseguiu que a voz saísse. Não podia deixar de olhar seu belo rosto. Tinha as pestanas muito longas, o que fazia com que seu olhar
fosse ainda mais sensual e lânguido. Suas maçãs do rosto e seu nariz pareciam cinzelados, como os de uma escultura de mármore.
Não podia respirar. Era muito atraente e levava muito tempo sem estar entre os braços de um homem:
Seu corpo reagiu também ao contato. Sentiu como se esticavam partes de seu ser enquanto outras derretiam. O coração pulsava cada vez mais rapidamente e havia
conseguido despertar o desejo em seu interior.
Esse homem a olhava também com intensidade. Seus lábios eram carnudos e viu que se curvavam ligeiramente, mas não poderia descrever o gesto como um sorriso.
- Permite-me que a acompanhe até uma cadeira? - ofereceu-lhe de novo.
Seu tom era tão sedutor que fez com que estremecesse. Umedeceu os lábios. Já não recordava como flertar com um homem e decidiu que era melhor não tentar. Isso
se conseguisse ao menos que à voz saísse.
- É muito amável - pôde lhe dizer por fim.
Sua boca relaxou um pouco mais.
- Chamam-me muitas coisas, mas ninguém me descreveu como uma pessoa amável.
Continuava rodeando-a com seus braços. Deu-se conta de que estava muito perto dele.
- Então, são caluniadores os que falam assim de você, senhor - respondeu ela.
O homem parecia estar divertindo-se com a situação, mas fazia grandes esforços para não sorrir.
- Sim, tenho muitos caluniadores - reconheceu ele. - Mas temo que não seja a amabilidade o que me move na hora de resgatar uma mulher bela.
Surpreendeu-lhe que a tratasse como a uma das jovens solteiras ali presente. Não pôde evitar ruborizar-se.
- Vamos? - perguntou ele.
Antes que pudesse sequer assentir com a cabeça, o cavalheiro abriu caminho entre os convidados. Notou que todos se afastavam como se estivessem acostumados a
obedecê-lo. Encontrou-se de repente com uma poltrona de veludo vermelho. Pareceu-lhe que as pessoas murmuravam ao passarem, mas não podia entender as palavras. Continuava
muito tonta e os batimentos do seu coração tinham conseguido ensurdecê-la.
- Preferiria não ter que soltá-la - murmurou ele então.
Ruborizou-se de novo.
- Temo que não tenha outra opção...
- Sempre há mais opções - respondeu o cavalheiro enquanto a ajudava a sentar-se.
Poderia tê-la soltado, mas Alexandra se deu conta de que parecia empenhado em segurá-la até o último momento. Inclusive depois de que se sentasse, continuou com
a mão em sua cintura. Sentiu como se esticavam seus dedos.
- Foi um prazer - disse-lhe ele então.
Não sabia como responder. E, o que era ainda pior, não podia deixar de olhar seu cálido e intenso olhar. Sabia que esse homem estava flertando com ela e não podia
acreditar.
Ele a soltou por fim e se levantou. Era mais alto do que imaginou. Fez-lhe uma reverência e se afastou dali.
Ela permaneceu onde estava sem poder reagir. Aproximaram-se então suas irmãs. Ajoelharam-se ao seu lado e conseguiu pouco a pouco voltar para a realidade. O coração
continuava galopando em seu peito e todo seu corpo parecia vibrar.
Não podia deixar de pensar nesse homem e se perguntou quem seria.
- Sabe quem era? - perguntou Corey como se pudesse ler seu pensamento.
Alexandra levantou o rosto e viu que quase todos os presentes a olhavam enquanto sussurravam.
- Não, não sei.
- Era o duque de Clarewood! - disse Corey com entusiasmo.
Ficou de novo sem fôlego. Tinha ouvido falar muito do duque. Todos o conheciam. Era um modelo para todos os homens. Bonito, rico, com um importante título e um
grande filantropo. De fato, acreditava-se que era o membro mais rico da alta sociedade inglesa e também o mais poderoso. Era também o solteiro mais cobiçado de Grã-Bretanha.
Começou a tremer sem remédio. Todos conheciam também a parte mais escura de sua reputação. Diziam que era desumano e frio. Levava uma década recusando às jovens
mais belas e distinguidas do momento e se negava a escolher esposa. Mas ninguém ignorava que tinha muitas amantes. Também asseguravam que eram muitos os corações
que tinha quebrado.
Capítulo 03
Stephen não podia assistir a nenhum evento social sem atrair a atenção de homens e mulheres por igual. Os homens desejavam sua amizade, não porque gostassem de
seu caráter, mas sim por seu poder e pelas pessoas que conhecia. As mulheres se aproximavam para tentar conseguir um compromisso para elas ou para suas filhas. Outras
se conformavam convertendo-se em suas amantes durante algum tempo.
Mas ele aprendeu muito cedo, inclusive antes de converter-se em duque de Clarewood, que convinha levantar uma parede invisível ao seu redor, um muro que o separasse
dos outros.
Já como filho e herdeiro do anterior duque tinha que suportar aos desmesurados cuidados de pessoas dadas a adular os poderosos.
Acostumou-se a ir pela vida sem olhar a ninguém nos olhos. Quando alguém ousava aproximar-se dele ou tolerava como podia a intromissão ou fulminava com o olhar
para lhe fazer ver que sua presença não era bem-vinda.
Essa noite tinha ocorrido algo fora do comum.
Deteve-se para olhar uma vez mais a jovem alta e morena que esteve a ponto de desmaiar entre seus braços. Seu sangue não fervia em suas veias cada vez que via
uma mulher bela. Estava muito acostumado a desfrutar da companhia de formosas damas. Mas essa jovem conseguiu despertar algo em seu interior e não pôde evitar sorrir.
Viu-a rodeada de outras mulheres e dois cavalheiros mais velhos. Também estavam os anfitriões da noite. Parecia estar tentando tranquilizar a todos lhes assegurando
que se encontrava bem. As jovens ajoelhadas ao seu lado pareciam muito preocupadas e viu certa familiaridade entre as três. Pensou que deviam ser família, possivelmente
fossem suas irmãs.
Não podia deixar de observar a cena e não lhe importou que as pessoas o vissem assim. Era uma jovem muito alta e atraente. Seu rosto lhe resultava tremendamente
interessante. Não era de uma beleza tipicamente feminina, mas tinha conseguido hipnotizá-lo. Tinha conseguido despertar seu interesse e intrigá-lo. Algo que não
acontecia frequentemente.
Não era uma jovem, assim imaginou que não seria inexperiente. O vestido que usava era muito antiquado, devia atravessar uma dura situação econômica. Isso o fez
pensar que não lhe seria difícil convencê-la para chegar a um acordo do qual os dois pudessem beneficiar-se. Poderia converter-se em sua nova amante. A que mantinha
nesse momento, Charlotte, já começava a cansá-lo. Além disso, nunca passava mais de uns meses com a mesma mulher. Decidiu que tinha chegado o momento de mudar.
- Não posso acreditar que tenham tido o descaramento de aparecer por aqui. Podem acreditar? Alexandra Bolton é quem remenda a roupa de lady Henredon! Essa jovem
tem que trabalhar!
Deu a volta para ver quem tinha feito tal comentário. Viu duas damas de certa idade que pareciam estar fora de si. Tratava-se de membros destacados da alta sociedade
londrina. Atrás delas viu sua amante. Charlotte o olhou nos olhos e sorriu.
Ele respondeu inclinando levemente a cabeça com pouco interesse. Não podia deixar de pensar na tal Alexandra Bolton e que devia ganhar a vida costurando para
outras damas. Chamou-lhe muito a atenção que fizesse algo assim. Não conhecia nenhum nobre capaz de trabalhar para sobreviver. Pareceu-lhe digno de admiração.
Nem mesmo conseguia entender que os de sua classe desdenhassem o trabalho até o ponto de criticar essa jovem por ganhar a vida. Até ele, mesmo sendo um dos homens
mais poderosos e ricos do país, tirava a jaqueta e enrolava as mangas de sua camisa todos os dias, fosse na mesa de seu escritório, nos imóveis que estivesse construindo
nesse momento ou no escritório de sua fundação.
- E Edgemont leva anos afastado de nosso círculo de amizades. É um bêbado - disse uma das senhoras à outra. - Não entendo como lady Harrington pôde permitir que
entrasse.
As duas damas se afastaram sem deixar de murmurar, mas pôde lhes ouvir comentar algo sobre a senhorita Bolton e sobre como a jovem fora abandonada no altar por
seu prometido. Essas mulheres, longe de sentir compaixão por ela, acreditavam que era merecido.
Suspirou frustrado. Não podia acreditar que houvesse gente tão desumana para falar assim de outra pessoa. Repugnavam-lhe a frieza e hipocrisia dos membros de
sua classe, embora ele fosse um de seus mais altos representantes. Sempre odiou os rumores, sobre tudo quando se apoiavam na ignorância e seu único objetivo era
fazer mal a alguém.
E lhe dava a impressão de que esse era o caso com essas duas damas. Não acreditava que conhecessem bem à senhorita Bolton, mas pareciam empenhadas em ofendê-la.
Não pôde evitar sentir compaixão por essa mulher. Recordava muito bem sua infância e como havia se sentido quando tanto os criados como os senhores falavam de
sua situação. Depois de um tempo, deixou de lhe importar que falassem de sua condição de filho bastardo, mas os rumores tinham feito muitos danos durante sua infância.
Olhou de novo Alexandra Bolton. Continuava sentada. Levantou de repente a cabeça, como se tivesse adivinhado que a contemplava. Acelerou-lhe de novo o pulso.
Ele era o primeiro a estar surpreso ao ver que uma jovem atraente, mas não tão jovem, pobre e vestida com tão pouco gosto, conseguisse despertar tanto seu interesse.
Fazia muito que não acontecia algo assim com uma mulher.
- Boa noite, excelência - murmurou Charlotte ao seu ouvido.
Girou e saudou a dama com uma reverência. Estava a vários meses desfrutando da companhia dessa mulher. Era loira, pequena e muito bela. E parecia empenhada em
manter seu interesse nela, quase muito. Estava claro que desejava converter-se em sua esposa algum dia. Não podia ocultar. Acreditava que apontava muito alto.
- Boa noite, lady Witte. Está muito bela esta noite.
A mulher sorriu enquanto fazia uma reverência, parecia encantada com sua adulação. Viu como olhava à senhorita Bolton.
- Que teatro, excelência! E sei quanto lhe desgosta esse tipo de cenas...
Olhou-a imperturbável. A verdade era que não gostava dos espetáculos.
- Acaso está acusando à senhorita Bolton de ter tentado atrair minha atenção de propósito? - perguntou-lhe. - Não me parece justo que fale assim quando ela não
está diante para poder defender-se.
- Embora sua intenção não fosse montar uma cena, parece que teve muita sorte, porque vejo que conseguiu atrair seu interesse - respondeu Charlotte com um sorriso
frio.
Conseguiu controlar seus impulsos e não suspirar. Parecia estar ciumenta e imaginou que tinha direito a estar, embora lady Charlotte não fosse mais que sua amante
e nunca tinha feito promessas a ela, de nenhum tipo. Nem a ela nem a nenhuma outra mulher.
- Não sou tão cruel e desumano para permitir que uma moça em apuros desmaie frente a mim sem tentar evitá-lo.
- Não pretendia sugerir tal coisa - respondeu ela à defensiva. Depois sorriu, olhou a seu redor, e se aproximou um pouco mais para que ninguém mais ouvisse o
que ia dizer-lhe. - Recebeu minha mensagem?
- Sim - respondeu ele.
Desejava saber se estava interessado em reunir-se com ela, mais tarde essa mesma noite. Sua intenção ao ler a mensagem tinha sido vê-la, mas as coisas tinham
mudado.
Olhou uma vez mais à senhorita Bolton. Já estava em pé e bebia uma taça de champanha. Viu que sorria a um dos cavalheiros que a acompanhavam. O homem parecia
estar louco por ela, não podia deixar de olhá-la.
- Conhece a senhorita Bolton?
Charlotte, apesar de tudo, conseguiu não perder o sorriso.
- Ouvi falar dela, excelência. Mas não, não a conheço pessoalmente. Como poderia conhecê-la? É só uma costureira e seu pai, um bêbado. Não nos movemos nos mesmos
ambientes.
Olhou-a então com dureza.
- A mesquinharia é um traço pouco favorecedor em uma pessoa - lhe espetou sem contemplações.
A mulher se ruborizou imediatamente.
- Perdoe-me, excelência.
Soube nesse instante que o seu caso com Charlotte Witte estava mais que acabado.
- Poderei lhe ver esta noite? - perguntou-lhe ela em voz baixa.
- Não, esta noite, não - respondeu ele com um sorriso e sem explicar melhor sua decisão.
A jovem fez uma expressão tão encantadora que qualquer outro homem teria mudado de opinião imediatamente.
- Então terei que me resignar a sonhar com você - disse.
Stephen assentiu com a cabeça e esperou que a dama se fosse. Mas Alexi se aproximou antes que pudesse tentar encontrar seu novo objeto de desejo.
- O que aconteceu?
- Não aconteceu nada. Sou um modelo para todos, esqueceu? - respondeu.
Alexi pôs-se a rir.
- Então, por que acaba de despedir desse modo uma mulher tão bela? - perguntou mais sério. - Espere, acredito que conheço a resposta, já conseguiu aborrecê-lo,
não?
Embora tivessem passado a noite anterior conversando e bebendo, Alexi não havia tornado a tirar o tema de sua solteirice, nem a recriminá-lo por isso.
- Por favor, não comece com o mesmo. Não quero que me fale uma vez mais dos prazeres que sente em ser casado.
- Bom, esses prazeres só acontecem quando estamos apaixonados.
- Meu Deus, essa mulher o converteu em um poeta brega e enjoativo.
- Terá que pagar por esse insulto! Vamos beber no Cervo?
- Sua esposa deu permissão?
- Tenho recursos para convencê-la - respondeu Alexi com um grande sorriso.
Não pôde evitar pensar em Alexandra Bolton.
- Muito bem, então nos vemos ali a meia-noite.
- Irei com Ned, se conseguir convencê-lo - disse Alexi.
Ned era primo dos dois, filho e herdeiro do conde.
- E eu? - perguntou então uma mulher. - Trata-se por acaso de uma noite exclusivamente masculina?
Stephen girou para saudar Ariella, a irmã de Alexi, que tinha se tornado lady Saint Xavier após seu casamento. Tinham crescido todos juntos. Converteu-se em uma
mulher muito bela e completamente apaixonada por seu marido. Mas continuava sendo a jovem acesa, intelectual e inquieta que tinha sido desde menina.
Os dois irmãos se abraçaram.
- Sim, temo que seja uma noite de camaradagem puramente masculina. Não esperamos você no Cervo, mas Saint Xavier, sim - disse Alexi a sua irmã.
- Bom, verei se o deixo sair... - brincou a jovem. - Embora tivesse planos muito melhores para ele esta noite.
Stephen sentiu que se ruborizava algo que não acontecia frequentemente.
- Acredito que é mais do que precisávamos saber, Ariella. Um comentário pouco apropriado.
- Nunca me importou o que é ou não apropriado - respondeu ela encolhendo seus ombros e com um sorriso no rosto. - De fato, hoje estive em uma reunião da União
para a Defesa dos Operários Têxteis - explicou enquanto dava um tapinha na bochecha dele. - Vai ajudá-los a financiar um sindicato, não é mesmo? Por certo, ouvi
alguns rumores muito estranhos, excelência. É verdade que está a ponto de se comprometer em casamento?
- Não deveria ir por aí fazendo caso a rumores - disse Stephen.
- Pareceu-me algo pouco acreditável, mas nunca se sabe... - comentou Ariella. - Têm alguém em mente? - adicionou enquanto o olhava diretamente nos olhos.
- Se tivesse me diria - replicou Alexi, - depois de tudo, sou seu melhor amigo. E pode ser que o único.
Não conseguia deixar de pensar em Alexandra Bolton, uma mulher que não tinha perdido sua dignidade nem quando esteve a ponto de desmaiar entre seus braços.
- Faz anos que as pessoas fazem conjecturas sobre minhas possíveis bodas - disse com frieza a seus primos. - Mas não são mais que rumores.
Alexi pôs-se a rir com malícia.
- Faz um bom tempo que observa essa morena.
- Preocupa-me seu estado, isso é tudo - respondeu ele.
- De verdade? - insistiu Alexi. - Ao menos essa mulher não tem dezoito anos. É uma mudança para melhor.
Olhou seu primo com o cenho franzido.
- Está outra vez discutindo com meu marido?
Deu a volta ao escutar a voz de Elysse. A jovem o abraçou com carinho.
- Mas se acabamos de voltar para a Inglaterra, Stephen. Por que discutia com Alexi? - insistiu.
- Porque seu marido gosta de opinar sobre tudo, embora sempre se engane - respondeu Stephen.
Elysse havia sido uma menina mimada e exigente. E sempre se deu ares de importância. Estavam acostumados a odiar tanto sua maneira de ser que não a incluíam em
suas reuniões. Mas tinha mudado muito desde então. Imaginou que a experiência de ver como seu marido a abandonava logo após casar-se com ela e negar a vê-la durante
seis anos tinham sido os detonantes de sua mudança de atitude. Fosse como fosse, apreciava-a muito. Alexi lhe tinha contado a noite anterior uma estupenda notícia,
Elysse se encontrava em estado de boa esperança.
- Vejo que Hong Kong lhe caiu muito bem - disse Stephen enquanto a beijava na bochecha. - Felicidades, querida.
A mulher lhe dedicou um grande sorriso.
- Bom, devo tudo ao meu marido. Ele me faz muito feliz. Foi Alexi o que se empenhou em voltar para a Inglaterra ao saber que estava grávida. A verdade é que nós
dois sentimos sua falta, Stephen. Eu gosto de ver que nada mudou e que continua discutindo com ele como quando eram meninos.
- Sempre estamos iguais - disse Stephen. - Mas isso não é nenhuma novidade, verdade? Brigamos desde que nos conhecemos.
- É verdade e nunca há um ganhador - recordou Elysse com firmeza. - Quem é essa mulher que esteve a ponto de desmaiar entre seus braços?
Antes que pudesse responder, Ariella interveio.
- Trata-se de Alexandra Bolton. Sua mãe era boa amiga de tia Blanche - disse a mulher. - Mas, depois de que faleceu, a família passou momentos muito complicados.
Fazia anos que não a via e me alegra muito que tenha vindo com suas irmãs.
- É viúva? - perguntou Stephen.
Recordava que não tinha visto anéis em seus dedos.
As duas damas o olharam com interesse.
- Não, acredito que nunca chegou a casar- disse Ariella com suspeita - Mas não estou segura. Por quê? Acaso está planejando sua próxima conquista?
Olhou Ariella sem perder a compostura.
- Um cavalheiro não fala dessas coisas.
- Não têm vergonha? - exclamou ela fora de si.
Antes que tivesse ocasião de mudar de tema, alguém os interrompeu.
- Quem está a ponto de ser seduzida?
Stephen girou surpreso ao ver que era o irmão de Elysse quem tinha falado. Jack O'Neill tinha sido bom amigo dele, mas fazia dois anos que não o via, o tempo
que tinha passado na América.
- Ariella tem muita imaginação, já se esqueceu?
Jack sorriu e piscou um olho. Era tão loiro como Elysse, mas seus olhos eram cinza. Tinha a tez mais morena do que recordava, parecia ter passado bastante tempo
ao ar livre.
- Como poderia esquecê-lo? - respondeu o recém-chegado.
- Limito-me a advertir a Mowbray que não deveria aproximar-se da mulher que acaba de socorrer. Conheço-a e não é seu tipo. A menos que tenha boas intenções e
disso eu duvido muito.
Stephen, que estava a ponto de engolir um gole de champanha, engasgou-se ao ouvir sua prima.
- Ela tem razão? - perguntou Jack entre risadas.
- Não - respondeu Stephen. - Limitei-me a evitar que a mulher caísse desmaiada no chão. Não posso acreditar. Faço uma inocente pergunta e me acusa de ter as piores
intenções do mundo.
Olhou Ariella com frieza. Não sabia por que tinha falado assim com ele. Alexandra Bolton devia ter quase trinta anos. E uma mulher tão atraente não podia ser
inocente.
- Bom, não me importa confessar que minhas intenções Nem mesmo seriam boas se estivesse em seu lugar. É uma beleza - declarou Jack olhando depois sua irmã. -
Olá, Elysse. Vou ficar ciumento. Parece se alegrar mais de ver Stephen, só um amigo, que a seu irmão.
Elysse parecia tão atônita que não podia reagir. Estava claro que sua volta à Inglaterra era uma surpresa para todos.
- Faz mais de um ano que não me escreve, assim não penso em dirigir a palavra a você - replicou Elysse com dureza enquanto lhe dava as costas.
- É complicado escrever cartas quando está ocupado protegendo seu lar dos ataques dos índios - explicou Jack com um sorriso. Aproximou-se de sua irmã e a beijou
na bochecha. - Embora esteja zangada comigo, eu continuo amando você. E tenho um presente para você. - Saudou depois Alexi, seu cunhado. - Felicidades.
- Esperamos você no Cervo, a meia-noite - respondeu Alexi com um sorriso.
- Não perderia isso por nada do mundo.
Elysse se voltou para olhar então seu irmão.
- Não conseguirá que o perdoe utilizando um presente como suborno - disse.
- Mas tenho ainda cicatrizes que provam que o que disse é verdadeiro - respondeu Jack fingindo inocência. - E, em algum lugar da América, um guerreiro índio apache
tem ainda parte de minha cabeleira.
- Por que teve que ir a essas terras selvagens?- Elysse perguntou preocupada.
Parecia ter esquecido por completo seu aborrecimento.
- Foi mais fácil do que pensei! - exclamou Jack entre risadas enquanto abraçava sua irmã.
Durante uns instantes, Stephen sentiu que tinha voltado para a infância e contemplava a distância um salão cheio de gente na casa dos Warenne. Sempre lhe pareceu
que estava fora de lugar.
Saint Xavier se aproximou então. A poucos metros dali estavam lady Blanche e sir Rex, falavam com Tyrell de Warenne, conde de Adare, e sua esposa, a bela e roliça
duquesa Lizzie.
Não era a primeira vez que se sentia assim. Era impossível estar acompanhado pela grande família dos Warenne e não sentir que não era como eles, apesar de que
por suas veias corria o mesmo sangue. Mas ele nunca ia ter seu sobrenome e esse parentesco era um segredo de família, ninguém mais devia sabê-lo. Stephen poderia
continuar sendo um satélite desse clã, mas nunca seria parte de sua família.
Tentava não pensar frequentemente neles, não acreditava que tivesse muita importância. Acreditava que um homem de palavra como ele tinha que conhecer bem qual
era seu dever e o seu era o ducado de Clarewood.
Stephen estava convencido de que Jack tinha contado a verdade a eles ao falar dos índios e de sua cabeleira perdida, mas também sabia que tinha manipulado muito
bem sua irmã para conseguir seu perdão.
Olhou ao seu redor. Havia já menos gente na sala onde estavam a maior parte dos convidados se transferira já ao grande salão de baile. Não viu por nenhum lado
à mulher que tinha atraído sua atenção essa noite. Mas nesse momento os Sinclair entravam no salão.
Lorde Sinclair tinha tentado convencê-lo para que considerasse casar-se com sua bela filha. A jovem Anne chegou entre seus pais e muitos giravam para olhá-la.
Mas ele não sentiu que seu coração se acelerasse, o único que queria fazer era afrouxar o nó da gravata.
Não recusou diretamente a proposta de lorde Sinclair. Depois de tudo, Anne cumpria os requisitos necessários, ao menos sobre o papel, para converter-se em sua
esposa e prometeu ao pai que consideraria sua proposta.
Só tinha dezoito anos. Imaginou que seria totalmente fiel e que tentaria agradá-lo. Estava seguro de que careceria de opinião e que seria muito dependente. Mas
poderia converter-se na mais bela duquesa da Inglaterra.
- Por que está franzindo o cenho? - perguntou-lhe Alexi.
- Estou? - respondeu com um sorriso.
Sabia que essa jovem conseguiria aborrecê-lo inclusive antes que chegassem ao altar. Decidiu que não podia casar-se com ela.
- Quem é essa jovem? Ah, não! Espera! Já sei quem é.
- Trata-se de Anne Sinclair. Seu pai veio ver-me para sugerir a possibilidade de que me comprometesse com ela.
- Com ela nunca teria que discutir...
- Vai me dizer agora que o melhor do casamento é ter alguém com quem discutir todo o tempo?
- Eu ficaria extremamente aborrecido se Elysse me obedecesse sempre.
- É que ela não o obedece nunca - respondeu Stephen.
- E isso é o que me faz mais feliz.
- Sim, mas eu não gostaria que minha esposa me desobedecesse.
- Isso eu não acredito, excelência - disse Alexi. - Pode fazer todos acreditarem que é como seu pai, mas não me engana. Nós dois sabemos que nunca embarcaria
em um aborrecido casamento de conveniência. Por isso evitou fazê-lo durante os últimos quinze anos.
Sem saber por que, as palavras de seu amigo o incomodaram mais do que o normal. Voltavam a meter-se em um beco sem saída, uma dessas discussões que tinham com
frequência, mas nas quais nunca havia um ganhador.
- Eu os vejo depois no Cervo. Espero que possamos então falar de seus problemas e não dos meus - disse a ele.
- Covarde! - respondeu Alexi.
Só seu primo podia permitir o luxo de lhe falar dessa maneira. Decidiu ignorar seu insulto e se afastou do grupo para passear entre os convidados. Tinha coisas
mais interessantes em mente essa noite.
Sara esteve rodeada de convidados e admiradores desde que a festa começou. Stephen sorriu ao vê-la e observou sua meio-irmã de onde se encontrava. Nunca a tinha
visto tão feliz, sentiu-se muito orgulhoso dela. Era uma jovem muito bela, amável e tímida. Tinha herdado os traços físicos e o caráter de sua mãe.
Ele a conhecia desde pequena. Sara nasceu pouco antes que ele herdasse o ducado, mas não pode passar muito tempo com ela nem com Marion, ao menos não tanto quanto
ele gostaria. A sua situação era complicada.
Embora a maior parte dos Warenne conhecesse a verdade sobre ele, suas meio-irmãs não souberam até dois anos atrás. Depois de tudo, as crianças não guardavam bem
segredos.
Até então, as meninas o tinham visto como um bom amigo da família, nada mais.
Sara costumava mostrar-se tímida em sua presença. Como se tratasse de um parente longínquo ao qual via só de vez em quando. Também sabia que a jovem sentia certa
admiração por ele e lamentava não poder comportar-se abertamente como seu irmão mais velho.
Essa noite, sua meio-irmã brilhava como nunca. Fazia dezesseis anos e viu que alguns jovens cavalheiros se atreviam inclusive a flertar com ela. Embora tivesse
que ser sempre à distância, pensava ser tão protetor como o seria qualquer homem com sua irmã pequena.
Esperou que chegasse sua vez para saudá-la. Mas os convidados situados diante dele o viram e se colocaram de lado para lhe permitir que os passasse.
Lorde Montclair, muito mais velho que sua meio-irmã, estava nesse momento felicitando a jovem e viu que Sara se ruborizou. Enquanto isso aproveitou para saudar
lady Harrington.
- Como está, excelência? - saudou-o Blanche Harrington enquanto lhe dava a mão.
Blanche tinha sido carinhosa com ele desde que se viram pela primeira vez, quando ele tinha só nove anos de idade. Essa atitude fez que a admirasse após. Sabia
que a mulher tinha decidido aceitá-lo em sua família como prova do amor incondicional que sentia por seu marido, sir Rex.
- Estou desfrutando muito da noite, obrigado. E parece que Sara também está encantada - respondeu.
- A verdade é que a Sara horrorizava esta festa - lhe confiou Blanche em voz baixa. - Temia não estar à altura das circunstâncias, mas está desfrutando muito.
Olhou então sua meio-irmã, perguntando-se como poderia conseguir que confiasse mais em si mesma. Sara o viu então e se aproximou para saudá-lo.
- Excelência - sussurrou a jovem.
Embora fosse estranho que seus irmãos lhe falassem com tanta formalidade, era necessário manter a compostura. Tomou as mãos da jovem com carinho.
- Felicidades, querida. Está muito bela esta noite e acredito que este baile em sua honra está sendo um êxito terminante.
- Obrigada, excelência - respondeu ela com um tímido sorriso. - Alegra-me tanto que pudesse assistir.
- Nunca perderia seu aniversário. Coloquei seu presente com o resto dos presentes, em uma mesa do vestíbulo. Espero que você goste.
- Vou guardá-lo como se fosse um tesouro - respondeu ela com seriedade. - Porque você me deu o presente.
Tomou de novo a mão da jovem e a beijou. Tinha-lhe dado um colar de brilhantes e esperava que o guardasse sempre. Teve de repente a sensação de estar vendo a
imagem de Tom Mowbray atrás de Sara. Foi uma alucinação que só durou um segundo, mas lhe dava a impressão de que seu falecido pai se burlava dele e dos sentimentos
que albergava por sua família.
Só fora uma visão sem sentido, mas podia ouvir suas palavras na cabeça, o recriminando por querer ter relação com seus meio-irmãos quando seu único objetivo na
vida devia ser o ducado de Clarewood.
Mas se queria ter uma melhor relação com seus familiares não era porque sentisse falta de algo em sua vida, mas sim porque eram pessoas às quais tinha carinho.
Sir Rex se despediu de um grupo de convidados e se aproximou para saudá-lo. Acreditava que era uma sorte para ele que seu pai natural fosse um homem de honra.
Tinham conseguido criar uma amizade com os anos.
- Acha que Sara gritará e desmaiará quando vir seu presente? - perguntou-lhe o homem. - Como está, Stephen?
Sir Rex sempre usava com ele seu nome de batismo. E, embora fosse algo estranho, nunca tinha chamado a atenção de ninguém que o fizesse. Ele era a primeira pessoa
que gostava que lhe chamasse assim. Depois de tudo, era seu verdadeiro pai e sempre o tratou com muito carinho.
E Stephen tinha respeitado e admirado sir Rex inclusive antes de conhecer a verdade. Sempre lhe chamou a atenção que fosse especialmente amável com ele e não
entendeu por que era assim, até que descobriu quem era.
- Estou muito bem. Muito ocupado agora com a construção do complexo residencial de Manchester, entre outras muitas coisas - disse.
As casas iam estar destinadas aos operários da indústria têxtil da zona. Tratava-se de moradias dignas, com rede de esgoto e boa ventilação.
Os proprietários da fábrica não estavam de acordo, mas ele não se importava com o que pensassem. Acreditava que mudariam de opinião quando vissem que os operários
saudáveis podiam ser muito mais produtivos que os que adoeciam constantemente.
- Os planos já estão terminados? - perguntou sir Rex com interesse.
O homem sempre apoiou os projetos benéficos e de caráter social nos quais embarcou durante anos.
- Não, ainda não. Mas eu gostaria de mostrá-los quando estiverem.
- Estou seguro de que eu adorarei - respondeu sir Rex com um orgulhoso sorriso.
Sir Rex não se parecia em nada a Tom Mowbray. Acreditava que a melhor maneira de educar alguém era lhe dando todo seu apoio e elogiando seus lucros. O duque,
ao invés, nunca deixou de criticar e menosprezar seus esforços. Não conseguia acostumar-se às alentadoras palavras de sir Rex. Nunca deixavam de surpreendê-lo e
inclusive conseguiam que se sentisse meio incômodo.
- Bom, pode ser que os planos vão mudando no caminho - disse. - Há alguns problemas que terão que ser resolvidos pouco a pouco.
- Você vai conseguir. Sempre consegue. Tenho plena confiança em seu trabalho - respondeu o homem, sem deixar de sorrir.
- Obrigado. Espero não defraudar sua confiança.
Viu então Randolph, o filho de sir Rex e seu meio-irmão. O jovem lhe sorriu ao vê-lo e foi conversar com eles.
- Eu adoro que esteja preparando Randolph e lhe permita trabalhar para você - confessou sir Rex. - Não tem feito outra coisa que elogiar suas boas obras desde
que voltou de Dublin.
- É um jovem decidido e muito inteligente. Descobriu alguns enganos nos livros contábeis da casa de Clarewood em Dublin e tive que destituir o diretor da mesma.
- Já me contou isso. Ele se dá muito bem com os números. Não herdou isso de mim.
Randolph ainda não tinha completado os vinte, mas era um jovem bonito que se parecia muitíssimo a seu pai. Tinha muita segurança em si mesmo e as jovens presentes
o observavam com descaramento.
- Olá, pai - saudou ao chegar lado deles. - Excelência...
- Chega tarde - respondeu Stephen.
Randolph estava um pouco ruborizado e os olhava com um sorriso de satisfação. Sabiam muito bem o que esteve fazendo.
- Bom, acredito que não é o único que resgatou uma dama em apuros esta noite- lhe disse o jovem.
- Assim só conseguirá alguma terrível enfermidade - lhe advertiu Stephen. - E não está bem falar desse tipo de indiscrições em público.
Randolph deixou de sorrir.
- Não era minha intenção me atrasar, o tempo passou sem que me desse conta...
- Claro que não queria chegar tarde, está claro que não estava pensando com claridade. É o aniversário de Sara, Randolph.
Esperava não estar sendo muito duro com o jovem. Mas se comportava às vezes de maneira insensata e isso o preocupava.
- Falarei com Sara e me desculparei - assegurou Randolph.
Viu como o jovem olhava sua irmã e lhe iluminavam os olhos.
- Converteu-se em toda uma beleza, irmã! - exclamou Randolph.
Stephen desfrutou muito ao ver os dois irmãos e viu que sir Rex também ria.
- Falei com ele muitas vezes, mas temo que faça caso omisso de meus conselhos - lhe confessou seu pai.
- Assegurou-me que iria tomar cuidado e é muito discreto - respondeu Stephen.
- Obrigado por tudo - disse sir Rex entre suspiros. - Todos os jovens da família Warenne foram uns mulherengos antes de sentar a cabeça e casar-se - acrescentou
enquanto o olhava com intenção.
- Bom, então Randolph está cumprindo bem com a tradição da família - comentou ele.
Pensou então, meio incomodado, que possivelmente sir Rex também estivesse incluindo ele, nessa generalização. Esperava que não. Considerava que suas relações
amorosas eram algo normal em um solteiro como ele.
Viu de repente Edgemont correndo entre as pessoas e se deu conta de que estava completamente bêbado. Olhou ao redor com preocupação, mas não pôde ver a senhorita
Bolton em nenhum lugar. Foi então quando advertiu a presença da duquesa viúva. E não estava sozinha.
O fato de que sua mãe fosse acompanhada a um baile como esse era algo normal, mas se deu conta em seguida de que essa noite havia algo diferente. O cavalheiro
era alto e bonito. Tinha o cabelo dourado e a tez morena. Sua mãe também parecia especialmente radiante e muito feliz. Nunca a tinha visto tão bem.
Julia Mowbray, duquesa viúva de Clarewood, era uma das mulheres mais fortes e valentes que conhecia. Tinha dedicado toda sua vida a promover os interesses de
seu filho, embora para isso tivesse que se sacrificar. Sua mãe sofreu muito durante seu casamento com o duque. Já tinham se passado quinze anos desde que este morreu
e desidiu não voltar a casar-se. Ele apoiou a decisão, mas começava a se preocupar de que estivesse sozinha.
- Com quem a duquesa está? - perguntou então.
- Acredito que se chama Tyne Jefferson. Disseram-me que é um boiadeiro californiano.
- Está seguro? - Perguntou-se se sua mãe teria algum tipo de relação com esse homem. - Tem dinheiro? É de boa família? Parece ser um pouco selvagem...
- Deveria acalmar-se. Julia é uma mulher forte e sensata. Caça-fortunas a espreitaram durante anos e ela conseguiu afastar a todos.
- Então acredita que se trata de um caça-fortunas! - exclamou Stephen preocupado.
- Não, não acredito. O que ouvi é que tem algum tipo de negócio com seu tio Cliff.
- Acho que deveria me apresentar - respondeu ele. - Perdoe-me.
A duquesa viúva era uma mulher muito rica que acreditava que ele era o responsável por seu bem-estar. Ele não ficava contente por sua mãe ter nada sério com o americano.
Estava muito preocupado.
Julia passeava pelo salão de baile segura no braço de seu acompanhante. Era uma mulher muito diplomática e viu como se detinha para saudar todo mundo e apresentá-los
a Jefferson. O americano não parecia alterar-se e mal falava, mas não deixava de olhar Julia com supremo interesse. Stephen se aproximou por trás.
Sua mãe deu então à volta para saudá-lo.
- Stephen! - exclamou enquanto tomava as mãos de seu filho e dava um beijo na bochecha dele. - Alegra-me tanto vê-lo aqui. Apresento-lhe o senhor Tyne Jefferson
- acrescentou. - Senhor Jefferson, apresento-lhe meu filho, o duque de Clarewood.
- É uma honra, excelência - lhe assegurou o homem.
Mas teve a sensação de que seu título não conseguiu impressionar o americano.
- Senhor Jefferson, está desfrutando de sua visita em meu país? - perguntou ele com um sorriso. - Imagino que não pode assistir a muitos bailes como este na Califórnia.
Julia se aproximou um pouco mais e o olhou com o cenho franzido. Deu-se conta de que sua mãe não gostava de como estava tratando seu amigo.
Mas não se importou. Tinha que protegê-la para que não sofresse nenhum tipo de desengano, fosse econômico ou romântico.
- Não, não temos bailes como este na Califórnia. É agradável mudar um pouco de ares - respondeu Jefferson enquanto olhava Julia.
Viu como sua mãe se ruborizava.
Não podia acreditar. Estava claro que sua mãe sentia algo por esse homem.
- Estou desfrutando muito na Inglaterra - acrescentou o americano. - E foi todo um prazer que me convidassem a esta festa.
- Não podia deixar de convidá-lo para que me acompanhasse senhor Jefferson - respondeu Julia com um sorriso.
Então foi Stephen que olhou a sua mãe com o cenho franzido. Não entendia por que estava agindo assim.
- Que assuntos o trazem até a Inglaterra? - perguntou ao homem.
- Trata-se de um assunto pessoal.
O americano acabava de lhe pedir com educação que não se intrometesse em seus assuntos e ele não gostou.
- Sir Rex acabava de me comentar que têm algum tipo de negócio com Cliff de Warenne.
Seu tio, irmão de Sir Rex, converteu-se em um dos comerciantes mais importantes do país durante os últimos anos e trabalhava por todo mundo.
- Stephen, sei que você adoraria conhecer melhor o senhor Jefferson, mas acabamos de chegar. Quereria saudar outros convidados - sua mãe disse para ele.
Devia parar com seu empenho, ao menos no momento. Mas decidiu averiguar tudo o que pudesse sobre esse homem. E pensava avisar a sua mãe para que fosse visitá-lo
na manhã seguinte, queria que ela mesma lhe contasse por que estava relacionando-se com um homem como esse.
- Pode ser que lhe seja de ajuda em seus negócios. Não só tenho uma boa relação com a família Warenne, mas também com muitos outros empresários do país - ofereceu
Stephen.
- É muito amável ao oferecer seus contatos - respondeu Jefferson com um tom exageradamente solícito e educado. - Vou levar isto em consideração.
Julia lhe lançou uma advertência com seu olhar, mas Stephen a ignorou. Poucas vezes se encontrava com alguém tão arrogante e, apesar disto, deu-se conta de que
com essa atitude tão prepotente o americano tinha conseguido ganhar seu respeito.
- Tome um pouco de chá, ajudará. - disse Denney com preocupação.
Alexandra sorriu agradecida. Todo mundo continuava murmurando e olhando para ela. Depois de nove anos sem aparecer pela cena social, nunca poderia ter imaginado
a recepção tão injusta que tinham lhe proporcionado.
Ninguém falara com ela desde que chegaram ao aniversário de Sara. Todos tentavam fingir que não acontecia nada. A última coisa que desejava era preocupar o senhor
Denney e que este mudasse de opinião sobre ela. Mas estava quase certa de que não hesitaria em abandonar sua conquista quando visse o que as pessoas pensavam dela.
Estavam já há umas duas horas na mansão dos Harrington e sua enxaqueca piorou tanto que não tinha mais remédio que confessar a sua família que não se encontrava
bem.
Denney foi muito atento com ela e lhe deu a impressão de que se tratava de um homem compassivo.
- Obrigada - disse enquanto tomava a xícara de chá que oferecia a ela.
Imaginou que tinha dado muito trabalho conseguir que lhe dessem um chá quente a essas horas da noite.
Tomou um gole. Pareceu-lhe que levava uma eternidade nesse canto do salão de baile, mas viu no relógio que só eram as nove. Nunca se sentiu tão mal, nem tão humilhada.
Não podia acreditar que foi tão ingênua em pensar que podia reaparecer em sociedade quando estava a anos ganhando a vida como costureira.
E preferia não pensar nos maliciosos rumores que teve que suportar. Era muito injusto que todos acreditassem que Owen a abandonou no altar. Doía-lhe, mas ao menos
sabia que não era verdade. O problema era que Denney abandonaria suas intenções de casar-se com ela assim que percebesse que nunca seria aceita entre essas pessoas
influentes.
Observou suas irmãs, entristecida. Deveriam ter passado a noite dançando, mas se negavam a fazê-lo e não se separavam de seu lado. Pareceu-lhe que estavam assustadas
e nervosas. Pareciam decididas a defender sua irmã mais velha de qualquer ataque.
Olhou ao seu redor sem poder evitar buscá-lo dissimuladamente.
Ruborizou-se e o coração começou a pulsar com mais força.
- Irei buscar algo para comer - Denney disse com grande preocupação.
- Muito obrigado - respondeu ela enquanto assentia com a cabeça.
Sabia que assim ao menos teria a oportunidade de falar com suas irmãs em privado.
- Acredito que deveríamos ir - lhe sussurrou Corey assim que ficaram sozinhas.
Parecia muito pálida e consternada.
- Não há razão para ficar assim. É melhor esquecer o que aconteceu - disse a sua irmã pequena com um sorriso.
- Esta gente é odiosa - insistiu Corey. - Não quero ficar nesta festa, já não importa.
- Nem todos são odiosos. Pode ser que algumas destas mulheres sejam meio maliciosas, mas nada mais. Por acaso não gostaram de voltar a ver lady Harrington e suas
filhas? - perguntou a suas irmãs.
Blanche Harrington se mostrou muito amável e preocupada com ela. As filhas também foram muito agradáveis e inclusive pareceram alegres em vê-las de novo. O mesmo
ocorreu com sir Rex.
- Além disso, acredito que despertou o interesse de uns quantos jovens, Corey.
- Não me importa - respondeu sua irmã. - Podemos ir?
Alexandra olhou Olivia. A jovem não deixava de observar um jovem loiro que também atraiu sua atenção ao vê-lo pela primeira vez. Fez-lhe fez um nó no estômago.
Fosse quem fosse esse cavalheiro, sabia que nunca poderia ser para sua irmã.
- Quem é esse jovem? - perguntou-lhe.
- Não sei - respondeu Olivia sem poder evitar ruborizar-se. - ouvi alguém comentar que esteve dois anos nas terras selvagens da América.
Deu-se conta de que sua irmã estava muito interessada. Tomou sua mão e a apertou com carinho. Olhou depois Corey.
- Não podemos ir tão cedo. Seria de muito má educação e nossos anfitriões poderiam sentir-se ofendidos. Também poderia incomodar o senhor Denney, que é quem nos
convidou - explicou às duas.
- Sei, sei... - confessou Corey. - Mas tinha a esperança de que pudéssemos ir.
- Acredito que deveríamos tentar tirar proveito desta noite e desfrutar do tempo que resta - disse Alexandra com entusiasmo.
Suas irmãs a olharam com ceticismo. Viu que seu moderado otimismo não conseguiu convencê-las.
- Onde está nosso pai? - perguntou então Olivia.
Alexandra ficou sem respiração. Recordou então que há uma hora não o via e temeu o pior. Se tivesse bebendo, ia ter que ouvi-la assim que retornassem a casa.
Sabia que não poderia suportar mais um escândalo essa noite.
- Deveríamos encontrá-lo - disse enquanto deixava a xícara de chá e ficava em pé. Mas Olivia a beliscou então. Sentiu no mesmo instante que ele estava perto,
o homem que a ajudou a encontrar uma cadeira, o duque de Clarewood. Soube que a estava observando e todo seu corpo se esticou. Girou lentamente.
Continuava sem acreditar que esteve a ponto de desmaiar e que ele a resgatasse antes que pudesse cair ao chão. Nem mesmo conseguiu assimilar que foi tão amável
e que se atreveu até mesmo a flertar com ela.
E depois ficou observando-a, como fazia nesse preciso instante.
Olharam-se nos olhos e ela ficou sem fôlego. O duque falava com outros cavalheiros sem deixar de olhá-la com intensidade e muita segurança. Sabia que nunca poderia
esquecer o que havia sentido essa noite entre seus braços fortes. Mas sabia muito bem o que um homem como Clarewood poderia ter em mente.
Permanecia solteiro, assim como ela, mas pertenciam a dois mundos diferentes. Sabia que era muito velha e muito pobre e sua família havia caído em desgraça. Se
estivesse interessado nela, sabia muito bem quais seriam suas intenções.
Custava acreditar que pudesse lhe interessar, mas não se sentia lisongeada.
- É Clarewood - sussurrou Corey.
A jovem parecia atônita. Estava claro que não compreendia a situação.
- Sou muito grata a ele - murmurou enquanto olhava Olivia.
Sabia que ela sim era o bastante velha para compreender que um homem como ele não podia ter nenhum interesse respeitável nela. E o certo era que ela nem sequer
compreendia como podia ter atraído sua atenção, embora não suas intenções fossem boas. Esse salão estava cheio de mulheres belas, não entendia por que Clarewood
se fixou nela.
Mas algo distraiu sua atenção, viu seu pai aproximando-se.
Ficou gelada. Vinha cambaleando. Tinha rezado para que as coisas não piorassem ainda mais, mas viu que não teve sorte.
- Agora sim teremos que ir - murmurou Olivia ao seu lado.
Alexandra também desejava voltar para casa. Mas sabia que não poderiam ir com a cabeça baixa e sem dar na cara, isso alimentaria ainda mais os rumores.
- Ficarão aqui. Eu vou encarregar-me de que alguém o leve para casa. Voltarei em seguida.
- Por quê? - perguntou-lhe Olivia.
- Não acredito que Denney tenha visto quão bêbado nosso pai está. Ficaremos no baile até que possamos partir. Depois de tudo, somos suas convidadas, recordem.
Edgemont chegou ao seu lado com um grande sorriso.
- Minha filhinha querida! Está passando bem?
- Prometeu não beber esta noite - replicou ela em voz baixa enquanto tomava seu braço e o acompanhava até um canto do salão.
- Não bebi Alexandra. Juro. Nenhuma gota.
- Cheira a uísque e quase não se mantém em pé - disse ela.
Estava fora de si. Cada vez se sentia mais humilhada e frustrada.
- Não bebi nenhuma gota de uísque - assegurou seu pai. - Era genebra!
- E isso é uma desculpa?
Tentava segurá-lo, mas era muito grande para ela e não podia ajudá-lo bem.
- Deve ir embora do baile, pai. Não pode ficar nesse estado.
- É muito cedo, querida. Acredito que estão jogando cartas...
Edgemont tentou soltar-se e esteve a ponto de perder o equilíbrio e cair no chão.
Alexandra sabia que estavam olhando-os. Agarrou com força o braço de seu pai e tentou levantá-lo. Edgemont se levantou com dificuldade. Sabia que nunca poderia
perdoá-lo pelo que estava fazendo.
- Está passando bem, filha?
- Sim, fenomenal! - replicou ela zangada.
Não sabia como tirá-lo dali. Se o puxasse, todos se dariam conta do que acontecia. Além disso, duvidava muito que tivesse a força necessária para fazê-lo.
Seu pai se soltou de repente e bateu contra a parede.
O ruído atraiu os olhares dos que ainda não estavam observando-os. Estava furiosa e sabia que se ruborizava. Tomou o braço de seu pai e o colocou sobre seus ombros.
- Vamos - disse.
Tentava falar com certa calma, mas não resultava fácil.
- Não quero ir - protestou seu pai. - As cartas...
Olhou-o sem poder acreditar no que ouvia. Seu pai, completamente alheio a sua preocupação, dedicou-lhe um sorriso e Alexandra ficou com vontade de começar a chorar.
Deu-se conta de que era assim que seu pai agia a cada noite, quando saía para beber e jogava o pouco dinheiro que tinham.
Rompia-lhe o coração vê-lo assim. O pior de tudo era saber que, se sua mãe não tivesse morrido seu pai nunca teria se dado à bebida.
- Permita-me que a ajude?
Ficou imóvel ao ver o duque de Clarewood frente a eles dois. Estava suportando quase todo o peso de seu pai sobre os ombros e a manobra a despenteou quase por
completo.
Levantou o rosto e se encontrou com os olhos azuis de Clarewood. Não a olhava com condescendência nem com desprezo.
- Como? - perguntou ela sem poder dominar sua acelerada respiração.
- Poderia ajudá-la de algum jeito? - repetiu o duque com um maravilhoso sorriso.
Sabia que era o tipo de sorriso que poderia chegar a fazer as meninas desmaiarem. Alexandra ficou com vontade de entregar seu pai bêbado a ele e começar a chorar.
Mas se limitou a segurar com mais força o braço de seu pai sobre seus ombros. Levantou o rosto tudo o que pôde e tratou de conter as lágrimas. Mas sabia que não
poderia suportar o peso de seu pai e tirá-lo do salão sozinha. E muito menos subi-lo em um dos carros.
E Clarewood, o homem mais atraente que já viu em sua vida, ia ser testemunha de seu fracasso.
- Não poderá suportar seu peso - disse a ela com amabilidade.
Tinha razão. Passou a língua pelos lábios enquanto pensava que o gesto do duque atrairia mais olhares e rumores.
- Eu sei - reconheceu ela.
Atreveu-se então a olhá-lo de novo nos olhos. Era o olhar mais inteligente e penetrante que já viu. Aproximou-se dela e retirou o braço de seu pai enquanto o
agarrava com firmeza pela cintura. Edgemont grunhiu, não parecia gostar que o sacudissem de um lado a outro.
- Pai, vai sair do salão com o duque - lhe disse Alexandra com tanta calma quanto pôde reunir. - Eu irei segui-los, têm que voltar para casa.
- Não quero ir para casa... - Protestou seu pai. - Com o duque? - acrescentou perplexo enquanto olhava Clarewood.
- Acalme-se, senhor - pediu o jovem com autoridade e firmeza - A noite já terminou e deve voltar para casa como disse a senhorita Bolton.
"Sabe meu nome", pensou ela.
- Excelência... - sussurrou Edgemont com tom submisso.
A presença do duque parecia ter conseguido convencer seu pai. Custou-lhe conter as lágrimas enquanto via como tinha que ocupar-se de seu pai.
Suas irmãs se aproximaram então. As três contemplavam a cena com tristeza e impotência. Todo mundo ficou em silêncio, olhando sem disfarçar como tiravam seu pai
do salão.
Outros dois cavalheiros se aproximaram do duque. Reconheceu o jovem de cabelo castanho, era Randolph de Warenne, filho de sir Rex. Não devia ter mais de vinte
anos. O outro, embora fizesse anos que não o via, era o atraente Alexi de Warenne. Seguraram entre os dois Edgemont para que Clarewood não tivesse que levar todo
o peso.
- Encontrem um carro que o leve de retorno a casa e alguém que o acompanhe - ordenou o duque enquanto esticava a jaqueta.
- Eu mesmo o acompanharei - respondeu Randolph mostrando grande disposição.
- Obrigado - disse Clarewood com um sorriso. - Pode usar minha calesa se quiser. Muito obrigado por sua ajuda, Randolph.
Alexandra se deu conta de que o jovem adorava poder ajudar o duque. Não importava muito a ela quem acompanharia seu pai, só queria que pudesse chegar a salvo
em casa. Nem mesmo deixou de perceber que os dois homens guardavam certa familiaridade. Randolph tinha o cabelo castanho claro e o de Clarewood era mais escuro,
mas seus traços eram muito parecidos. O jovem também tinha os mesmos olhos azuis que abundavam entre os varões da família Warenne.
Os de Clarewood também eram da mesma cor. Não sabia por que estava fixando-se nesses detalhes tão insignificantes, sabia que não era importante.
O duque deu a volta e retornou ao seu lado.
O coração galopou dentro de seu peito e notou que suas irmãs também ficavam nervosas. Perguntou-se se teria ouvido os rumores e comentários maliciosos das pessoas.
Não podia deixar de pensar em que devia vê-la como um refugo da sociedade, alguém indigno e com um pai ao que parecia não poder controlar. Possivelmente soubesse
também que tinha que costurar para ganhar a vida. O que não compreendia era por que se importava tanto com o que o duque de Clarewood pensasse dela.
Viu como recolhia uma taça de champanha da bandeja de um garçom sem deter-se sequer. A ofereceu segundos depois.
- A champanha não é nenhum remédio, mas me pareceu que precisaria beber algo - lhe disse.
Aceitou encantada a taça. Enquanto fazia, Clarewood olhou suas irmãs e elas entenderam que sobravam. Assentiram em uníssono e se afastaram deles dois. Não podia
deixar de olhar a Clarewood e imaginou que os convidados também os observavam.
- Sinto muito o ocorrido, senhorita Bolton.
Não entendeu suas palavras nem por que poderia lhe importar como se sentisse.
- Agradeço o gesto, mas não deveria senti-lo, excelência. Evitou que caísse desmaiada ao chão e acompanhou meu pai bêbado, assegurando-se de que alguém o leve
a nossa casa. Muito obrigado.
- Evitar que a senhorita caísse foi todo um prazer. E o que acabo de fazer por seu pai, foi decisão minha - disse Clarewood com um sorriso.
- Mesmo assim, não é uma situação agradável e lhe agradeço muito por isso. É muito amável, excelência.
Clarewood a observou antes de responder.
- A amabilidade não tem nada a ver com o que fiz - assegurou o duque. - Parece que têm um pretendente esperando por você. Um cavalheiro sabe quando é momento
de retirar-se.
Viu que Denney estava a poucos metros deles, observando-os com atenção. Não lhe tinha passado por cima o tom zombador das palavras do duque e se sentiu cada vez
pior. Não pôde evitar sentir-se um pouco envergonhada ao ver que Clarewood se deu conta de que Denney estava cortejando-a.
Antes de ir, Clarewood a olhou com intensidade uma vez mais. Havia quase uma promessa em seu olhar, como se estivesse lhe assegurando sem palavras que voltaria
a vê-la muito em breve.
Alexandra ficou imóvel olhando como se afastava dela. Sentia-se, como se acabasse de sobreviver a um furacão ou a alguma outra força da natureza.
Capítulo 04
O Botequim do Cervo, no Hotel Saint Lucien, era um clube privado, exclusivo. Embora não tinha que ser membro para que o aceitassem ali, o dono tinha pleno direito
a negar a entrada a quem acreditasse conveniente. E fossem poderosos comerciantes, banqueiros, industriais ou advogados, não permitia a entrada de ninguém, a não
ser que estivessem acompanhados por um dos habituais clientes do estabelecimento.
Era um refúgio para os membros mais destacados da sociedade inglesa. Stephen não estava acostumado a aproximar-se dali nem de locais similares, mas, de vez em
quando, agradecia a privacidade do lugar.
Entrou essa noite com Randolph, com sua mão sobre o ombro do jovem.
- Excelência - o saudou o dono ao abrir a porta para eles. - Senhor Warenne...
Saudaram o homem e entraram na penumbra do salão. Estava decorado com luxo e elegância. Destacavam sobre tudo as valiosas antiguidades e os tapetes persas.
A essas horas, já era quase meia-noite, os presentes eram quase todos cavalheiros de sua idade. Muitos já tinham bebido mais da conta. Passaram ao lado de vários
grupos e se deteve para saudar alguns conhecidos.
Alexi, Jack, Ned e seu irmão mais novo, Charles, estavam sentados em cômodas poltronas de couro a um extremo do salão. As janelas desse lado da casa davam ao
parque e viu que a lua iluminava tudo essa noite.
- Pensávamos que não viriam mais - disse Jack O'Neill enquanto fumava um puro.
- Tive que socorrer ao meu jovem amigo - respondeu Stephen olhando Randolph. - Estava flertando com lady Dupre, a baronesa mais voraz e perigosa de todo o país.
Randolph se deixou cair no sofá, ao lado de Alexi, e se serviu uma taça de conhaque.
- Era a mulher mais bela da festa. E, devo dizer em minha defesa, que a dama esteve me olhando antes que eu me aproximasse - explicou o jovem.
- Todas lhe parecem belas, Randolph - disse Charles.
- O mais inteligente é sempre agir com discrição - recordou Stephen. - Sobre tudo porque sua amante estava ao seu lado e seu marido muito perto dali.
- Lady Dupre... - murmurou Alexi. - Bem feito, Randolph!
O jovem levantou a taça para seu primo para lhe agradecer a adulação.
Stephen se sentou ao lado do sofá enquanto olhava Alexi. Seu amigo estava afundado entre as almofadas de sua poltrona, parecia muito relaxado e disposto a atacar
assim que tivesse a oportunidade. Conhecia-o muito bem.
- Falando de conquistas iminentes. A senhorita Bolton demonstrou o quão agradecida está por havê-la resgatado, não uma, mas duas vezes esta noite? - perguntou-lhe
Alexi com um pícaro sorriso.
Stephen se serviu também do conhaque enquanto recordava furioso, como Alexandra Bolton devia ter se sentido envergonhada enquanto tentava tirar seu pai do salão.
- Este Edgemont é uma vergonha - murmurou.
- Mas a senhorita Bolton pareceu controlar bem a situação - disse Ned então. - Elegante e digna apesar de que estava caindo.
Stephen não podia estar mais de acordo.
- É uma mulher muito chamativa - comentou Jack. - Acredito que é quase tão alta quanto eu.
Stephen o olhou com o cenho franzido.
- Nunca tentaria nada - lhe assegurou Jack. - A verdade é que sinto lástima por ela. E por suas irmãs. Deveriam enforcar esse tipo...
- Isso me parece um pouco selvagem - apontou Ned. - Está de volta à civilização, Jack. Não o esqueça.
- Bom, suponho que me tornei um pouco selvagem - confessou Jack. - por que não vamos a um botequim de verdade? Um onde trabalhem umas boas empregadas. Aqui me
aborreço...
Charles e Randolph se olharam nos olhos.
- Conheço um lugar... - murmurou Charles tentando fingir indiferença.
Seu irmão mais velho o olhou com dureza.
- Recorde quem é - lhe disse Ned - Têm uma reputação a manter.
- Eu sei disso, irmão. Depois de tudo, eu sou o filho de reposição e você, o herdeiro - respondeu Charles.
Os dois jovens fizeram planos para o resto da noite.
- Perguntarei de novo - insistiu Alexi. - Como vai sua última conquista Stephen? Acha que a senhorita Bolton saberá lhe agradecer como merece?
Sentiu que o sangue lhe fervia nas veias ao pensar nela, uma mulher que mostrou uma grande dignidade e orgulho apesar das penosas circunstâncias.
- Mostrou-se moderadamente agradecida, Alexi. Mas não acredito que isso o importe.
- Claro que me importa - respondeu seu primo. - Essa mulher não é como Charlotte Witte. De fato, pode ser que desta vez você encontre um pouco de resistência.
Por certo, Elysse decidiu que quer conhecer a senhorita Bolton. E Ariella será quem fará as apresentações.
Suspirou ao ouvir suas palavras. Não era uma surpresa ver que suas primas tratavam de intrometer-se em sua vida pessoal, não se cansavam de lhe dizer que devia
abandonar sua solteirice, mas não compreendia por que pareciam tão interessadas em Alexandra Bolton.
Pensou que possivelmente Alexi estivesse certo. Recordou que Alexandra se mostrou muito digna e que não tentou flertar com ele. Não era algo ao que estivesse
acostumado.
- Tendo em conta a difícil situação econômica em que parece encontrar-se, estou seguro de que os dois chegaremos a um acordo que beneficie a ambas as partes -
disse com segurança. - Por certo, poderia dizer a sua esposa e a sua irmã que deixem de intrometer-se em minha vida? Não sei por que interessa tanto a elas que tenha
me fixado na senhorita Bolton.
Alexi não deixou de sorrir em todo momento.
- Acredito que neste caso não lhe viria nada mal que Ariella e Elysse se intrometessem. Depois de tudo, parece que Alexandra Bolton não é como as demais.
- O que estão tramando? - perguntou-lhe Stephen.
- Ela não é seu tipo de mulher. Ao menos, não para uma aventura.
- Equivoca-se - assegurou ele.
Mas Alexi o olhava como se soubesse mais do que estava lhe dizendo e não gostou nada disso.
- Não é uma mulher solteira e de boa família? - perguntou Ned sem entender o que acontecia.
Stephen estava cada vez mais incômodo com a conversa.
- Já não é nenhuma jovenzinha, Ned. Quase poderia considerá-la uma solteirona - explicou com impaciência. - Não estamos falando de uma donzela virginal que acaba
de ser apresentada em sociedade, não é como se estivesse tentando seduzir uma jovem inocente.
- Não parece uma mulher superficial nem frívola - respondeu Ned. - Qualquer um pode ver que tem orgulho, não deveria procurar nela seu seguinte entretenimento.
Stephen o olhou com dureza, mas Ned não baixou o olhar. Seu primo se converteria algum dia no conde de Adare, um título com muito poder e prestígio. Não esperava
que Ned se mostrasse submisso a ele, mas não gostava que pusesse em dúvida suas intenções nem lhe desse conselhos.
Nenhum de seus primos se meteu quando Charlotte fora o objeto de seus desejos. Nem com ela nem com as amantes anteriores, que foram muitas.
Mas sabia que Alexi tinha razão em algo, Alexandra não era como Charlotte.
- Pergunto-me como Anne Sinclair suportaria uma noite como a que a senhorita Bolton teve hoje - murmurou Alexi.
Todos riram e ele também sorriu enquanto bebia de sua taça. Perguntou-se por que Alexi teria decidido comparar às duas mulheres.
- Estou seguro de que a senhorita Sinclair também teria se comportado com dignidade e elegância - disse Stephen. - Acaso está interessado em lady Anne, Alexi?
- Eu? É obvio que não. Vejamos que idade tem? Dezoito anos? E o que conseguiu nesse tempo? Foi mimada e malcriada toda sua vida, mas acredito que foi muito bem
no baile. E suas maneiras são impecáveis - acrescentou Alexi com ironia. - Faria um excelente par com ela e seria uma duquesa muito bela. Acredito que todos estão
de acordo nisso.
Ficaram em silêncio uns segundos.
Stephen estava cada vez mais desconfortável.
- Já considerei essa possibilidade, mas decidi recusar a oferta de seu pai.
- É obvio - respondeu Alexi. - E eu apóio sua decisão. Por certo, sabia que a senhorita Bolton leva anos costurando para poder manter suas irmãs e seu pai?
Sabia que seu primo estava lhe lançando a isca para ver até que ponto estava interessado nessa mulher. O que não sabia era por que o estava fazendo.
- É uma mulher com recursos, algo que acho admirável - respondeu.
- De verdade? - perguntou Alexi.
Todos se puseram a rir.
- Acredito que é uma tragédia que tenha que trabalhar para manter a sua família - apontou Randolph.
- Claro que é - assentiu Stephen enquanto olhava Alexi. - A vida está cheia de tragédias de todo tipo.
- E também cheias de jovens inocentes, belas e mimadas - adicionou Alexi.
- O que quer dizer com isso, Alexi?
Tinha conseguido lhe fazer perder a paciência. Recordou então à multidão de jovens entre as quais poderia ter escolhido uma esposa durante a última década. Quase
todas eram como Anne.
- Porque lembra outra jovem malcriada que você deixou plantada no altar, quando foi embora ao estrangeiro - adicionou Stephen.
Alexi não perdeu o sorriso, mas se deu conta de que o olhava com frieza.
- Cometi um terrível engano. Não devia tê-la deixado assim depois de me casar com ela. Mas a verdade é que não imagino que lady Anne possa converter-se na espetacular
dama na qual minha esposa se transformou. É uma mulher independente, com idéias e opiniões próprias. A verdade é que a senhorita Bolton me recorda muito Elysse.
Não fisicamente, mas sim em sua coragem - disse Alexi com firmeza. - E, se não tiver entendido mal, acaba de insultar minha esposa.
Sabia que devia desculpar-se, mas seu primo tinha conseguido irritá-lo essa noite e não pensava dar seu braço a torcer.
- Não me interessam as mulheres com opiniões próprias - murmurou Stephen.
- Meu Deus! Primeiro me insulta, depois a Elysse e agora a todas as mulheres da família - replicou Alexi enquanto se levantava da poltrona.
- Você me entendeu mal - respondeu Stephen também ficando em pé.
- Case-se com Anne ou com alguém como ela se isso for o que quer! - disse-lhe Alexi. - Pode chegar a ser tão idiota... Não posso acreditar que queira casar-se
com uma mulher que o aborreceria até não poder mais, só para satisfazer ao canalha que teve por pai. Parece que quer ser como ele. E vejo que é o que você merece.
Será melhor que se desculpe!
Jack pôs-se a rir e Stephen perdeu por completo o controle.
- Que sou um idiota? Ao menos não me intrometo como você, que parece uma mulher.
Alexi apertou os lábios e entrecerrou os olhos.
Stephen se preparou para o golpe que ia receber.
Mas Ned se interpôs entre os dois ao ver que Alexi começava a apertar os punhos.
- Não pode bater em sua excelência - disse ao seu primo.
- Excelência? Importa-me muito pouco seu título! Por que não posso lhe dar o que merece? Não seria a primeira vez... - resmungou Alexi.
- Bom, a verdade é que Stephen merece - interveio Jack sem perder o sorriso, - insultou Elysse, que é minha única irmã. Se tivesse me falado como falou com você,
Alexi, já lhe teria arrancado a cabeleira com minhas próprias mãos - adicionou entre risadas.
- Vamos, me bata! - provocou-o Stephen. - Não se preocupe, não devolverei a bofetada...
- Não o fará porque sabe que não poderia comigo - respondeu Alexi.
Stephen pôs os olhos em branco, acreditava que seu primo estava fanfarroneando.
- Um momento, admite-se apostas - interveio Jack. - Alguém mais se habilita? - adicionou enquanto olhava Randolph e Charles.
- Ninguém vai brigar não nesta mesa - disse Ned, - Por acaso está pensando em casar-se com Anne Sinclair? É disso que estamos falando? - perguntou a Stephen.
- Não - respondeu ele com firmeza. - E não sei por que Alexi está assim. Está claro que terei que me casar algum dia e que acabarei escolhendo alguma jovem debutante.
Sinto ter insultado Elysse, gosto muito dela. É como uma irmã para mim.
Alexi sorriu, esquecendo por completo seu aborrecimento.
- Sei que a aprecia, Stephen. Mas continua sendo um tolo. Não se dá conta de que passou os últimos anos recusando às jovens mais bonitas das melhores famílias?
- recordou-lhe Alexi. - Mas não é sua culpa, e sim de Tom. Parece empenhado em imitá-lo e terminar casado com uma esposa a qual despreza e vivendo na mais triste
das solidões.
- Desculpou-se - interveio Ned para evitar que Alexi seguisse por esse caminho. - Pode mudar de assunto?
Stephen cruzou os braços. Esperava que seu primo não estivesse certo. Desde menino, sempre pareceu a ele que a mansão de Clarewood era um lugar frio e solitário.
- Vivendo na mais triste das solidões? - imitou-o Stephen. - Parece que se converteu em um poeta.
- A verdade dói - disse Alexi - Eu mudei de opinião. Deveria esquecer-se de Alexandra e casar-se com Anne.
- Já ficou muito claro o que pensa - respondeu Stephen com dureza.
- O que é o que ficou claro? - perguntou Jack.
- Que uma jovem inexperiente como Anne não seria a melhor opção para ser minha esposa. Por isso não deixa de compará-la com a senhorita Bolton. Certamente que
agora passará a expor as vantagens de casar-se com uma mulher independente, inteligente e forte - respondeu Stephen com sarcasmo.
- Eu, ao contrário, sou contra qualquer tipo de casamento - assegurou Jack com um sorriso.
- Cuidado com o que diz, para que não tenha que se arrepender - advertiu Alexi.
- Alexi está muito apaixonado para recordar que a presunção não é uma qualidade que seja bem recebida - adicionou Stephen.
- Pode ser que você também tenha que se arrepender dessas palavras - disse Alexi. - Mas não se preocupe, ainda há esperança. Depois de tudo, é um Warenne e, algum
dia, riremos ao recordar o teimoso e idiota que foi.
- Enternece-me que se preocupe tanto com minha vida pessoal. Mas, poderíamos nos sentar de novo e desfrutar de algumas bebidas mais ou pensa em continuar me atacando?
- Não, eu já tive o bastante por esta noite. Volto para casa com minha inteligente, sincera e independente esposa - disse Alexi com um grande sorriso. - Espero
que todo mundo desfrute da noite.
Depois de Alexi sair, os outros se entreolharam. Eram todos solteiros. Inclusive Ned parecia disposto a continuar de festa.
- Perdeu sua virilidade - apontou Jack.
Stephen estava quase de acordo.
- Que não ouça você dizer isto - avisou.
- Acredito que deveríamos brindar por nossa liberdade e agradecer por nossa sorte - propôs Jack. - Eu estou seguro de que nunca me converterei no que Alexi se
converteu.
Preencheram de novo as taças e Stephen tomou a sua sem poder tirar Alexandra da cabeça.
- Ao menos Alexi é feliz de verdade... - disse a eles.
Alexandra se levantou a manhã seguinte pensando em tudo o que tinha ocorrido à noite anterior. Era impossível esquecer os horríveis comentários e rumores que
teve que escutar, mas era o duque de Clarewood o que estava mais presente em sua cabeça.
Depois de limpar-se e vestir-se, desceu as escadas para tomar o café da manhã. Era muito mais tarde que o habitual, quase a hora do almoço.
Deteve-se de repente e se agarrou com força ao corrimão da escada. Sentiu que perdia um segundo a respiração e que depois suas pulsações se aceleravam. Podia
recordar o rosto e a presença desse homem como se o tivesse diante nesse momento. Sabia que nenhuma mulher poderia esquecer um cavalheiro como o duque.
Continuava sem entender por que teria se incomodado em segurá-la quando esteve a ponto de desmaiar nem por que foi ajudá-la quando viu o estado no qual seu pai
se encontrava. E o que mais lhe custava compreender era como podia sentir-se tão atraída por ele. Era um sentimento que continuava muito vivo em seu interior.
Em sua cabeça, podia justificar a paixão que sentiu no passado por Owen. Estava apaixonada por ele e prometida para casar-se. Mas Clarewood não era mais que um
estranho para ela, não o conhecia.
E a noite anterior ele insinuou que também estava interessado nela. Todo mundo conhecia a vida que o duque levava e suas intenções só podiam ser escandalosas.
E mais escândalos era a última coisa que necessitava em sua vida. Mas estava certa de que o duque recuperaria logo o bom senso. Acreditava que já a teria esquecido.
Devia ter tido uma ideia equivocada dela, mas não era absolutamente o tipo de mulher que estava acostumado a acompanhar o duque e não interessava o que pudesse lhe
oferecer.
O coração continuava pulsando com força quando pensava nele, mas se levantou muito triste essa manhã, e seu estado de ânimo não havia melhorado em nada. Lamentava
ter aceitado o convite do senhor Denney. Acreditava que foi um engano ir a essa festa e suas irmãs tinham sofrido muito.
Tudo o que aconteceu à noite anterior e o que sentiu entre os braços de Clarewood a fez recordar o passado e conseguiu reabrir feridas do passado. Havia-lhe custado
muito dormir. Sentir que estava tão perto desse homem conseguiu despertar seu corpo e também não pode tirar Owen da cabeça. Sacrificou muito durante esses anos.
Voltava a sentir a dor do passado, uma dor que sentia de forma mais intensa ainda.
Chegou a lamentar a decisão tomada nove anos antes e se sentia culpada. Era a primeira vez que passava algo assim pela sua cabeça. Sempre esteve satisfeita com
sua escolha. Depois de tudo, prometeu a sua mãe no leito de morte que cuidaria de seu pai e das meninas e isso era o que tinha feito. Sempre pôs sua felicidade em
um segundo plano e nunca se arrependeu.
- O que faz assim na escada? Parece uma estátua.
A voz de Olivia conseguiu devolvê-la à realidade. Olhou sua irmã e sorriu enquanto descia.
- Dormi mais que o necessário - disse a modo de explicação.
Demorou tanto conciliar o sono que, quando por fim conseguiu, já de madrugada, o cansaço a venceu por completo. Por isso tinha se levantado tão tarde.
- Que estranho! - respondeu sua irmã com inquietação.
Não queria lhe contar que não pode dormir durante horas, não queria preocupá-la mais e decidiu mudar de tema.
- Estou morta de fome - mentiu. - Acompanha-me enquanto tomo o café da manhã?
Antes que Olivia pudesse responder, a porta da biblioteca abriu-se e seu pai saiu. Com a jaqueta ainda posta, mas completamente enrugada, sem barbear e despenteado,
tinha um aspecto lamentável.
- Bom dia - disse a elas.
Alexandra continuava tão zangada com ele que não pôde nem lhe responder. Não se via capaz de lhe dirigir a palavra. Passou ao seu lado de caminho à cozinha. Olivia
ia atrás dela.
- Que falta de educação! - exclamou Edgemont indo atrás de suas filhas. - O que é o que vocês têm?
Alexandra se aproximou do fogão e usou um fósforo para acender um dos fogos. Tremiam as mãos. Encheu de água o bule e o colocou sobre a chama.
- Está zangada? - perguntou-lhe seu pai enquanto esfregava as têmporas. - Foi uma festa agradável? Não recordo tudo o que aconteceu.
Sem aguentar mais, girou para olhá-lo.
- Não! Não foi uma festa agradável! Não quando meu pai estava tão bêbado que nem sequer se mantinha em pé!
Edgemont levantou a cabeça ao ouvir suas palavras.
- Não permito que me fale com tão pouco respeito.
Respirou profundamente para tratar de tranquilizar-se. Nunca se zangava nem gritava como acabava de fazer, não entendia o que tinha lhe ocorrido. Tinha insultado
seu pai. Tentou acalmar-se.
- Por que não? Fez o ridículo diante de todo mundo na mansão dos Harrington, pai - disse com mais tranquilidade. - Recorda como voltou ontem à noite para casa?
- Não, não recordo - reconheceu o homem.
- O duque de Clarewood teve que tirá-lo quase carregado do salão de baile, pai. Sim, estava em um estado tal que nem sequer podia andar. Depois, Alexi e Randolph
Warenne o colocaram na calesa do duque e acredito que foi o jovem Randolph quem o acompanhou até aqui.
Edgemont empalideceu imediatamente, mas não deu seu braço a torcer.
- Um homem tem seus direitos e eu tenho direito a desfrutar de uma taça de genebra. Está exagerando, agora recordo tudo - disse enquanto a olhava com dureza.
- Prepare o café da manhã para mim.
Olivia passou ao seu lado para começar a prepará-lo a contra gosto.
Nesse instante o bule assobiou. Alexandra girou para retirá-lo do fogo. Controlava cada movimento para permanecer serena, mas o que mais gostaria era agarrar
o bule e atirá-lo contra a parede. Amaldiçoou entre dentes.
Era algo que nunca fazia. Não entendia o que lhe ocorria. Não podia tirar o duque de Clarewood da cabeça.
- O que sabemos do senhor Denney? - perguntou seu pai com um pouco de preocupação na voz.
- Não sei - respondeu Alexandra enquanto servia uma xícara de chá para Olivia e outra para ela. - Deseja um pouco de chá, pai?
- Sim.
Serviu-o e o encarou então.
- Estou certa de que mudou de opinião e será tudo sua culpa, pai. Têm que deixar de beber. É uma vergonha e não podemos nos permitir isso.
Edgemont ficou olhando-a nos olhos e ela manteve seu olhar. Sem uma palavra, seu pai tomou a xícara de chá e a levou ao salão.
Olhou então a sua irmã Olivia. As duas sabiam que seu pai não ia mudar.
- Parece que temos convidados - anunciou Corey. - Bom, ao menos um convidado - acrescentou depois.
Alexandra acabava de terminar sua torrada. Corey estava frente à janela da cozinha. Levantou-se para ver quem os visitava antes do meio-dia. Não lhe custou reconhecer
a calesa quando se aproximou um pouco mais a casa, era a do senhor Denney.
Ficou com um nó no estômago. Ele as acompanhara de volta para casa a noite anterior, mas era muito tarde e todos estavam muito cansados para conversar. Corey
dormiu antes de chegar e Denney sugeriu a Alexandra que aproveitasse o trajeto para descansar.
Ela não dormiu, mas tinha aproveitado sua sugestão para fechar os olhos e assim evitar ter que falar com ele.
Provavelmente enviou alguém na calesa para que entregasse uma carta para ela. Estava segura de que deixaria de cortejá-la. Ou talvez preferisse fazê-lo em pessoa.
Teria sido mais fácil para todos que o comunicasse por carta. Embora o mais provável fosse que se limitasse a falar com seu pai. Sabia que se esfumava diante de
seus olhos a única oportunidade que sobrava para conseguir que suas irmãs tivessem uma vida melhor.
Mas não queria pensar nisso. Ainda tinha forças para continuar lutando e não deixaria de tentar dar um bom futuro a suas irmãs.
- É Denney - disse Corey. - Quer que Olivia e eu a acompanhemos?
- Não, não precisa - respondeu Alexandra enquanto tirava o avental e passava as mãos pelo cabelo.
- Acha que vai retirar sua proposta, não é? - disse Corey com tristeza.
- Estou certa - respondeu ela. - Ficará contente, não? Nunca gostou desse homem.
- Ontem à noite você foi acusada de coisas horríveis, Alexandra. Embora eu pense que mereça algo melhor que Denney, preferia que as coisas não terminassem assim.
Alexandra acariciou as costas de sua irmã.
- Se esqueça da festa, Corey.
Olhou Olivia e foi para a porta principal e a abriu a contra gosto. Não era como algo que seria rejeitado.
O homem se aproximou em pessoa e estava muito sério.
- Boa tarde, senhorita Bolton.
Saudou-o e o convidou a entrar, acompanhando-o até o salão.
- É muito cedo para fazer uma visita? Ontem à noite não pude conciliar o sono, senhorita Bolton. Não podia deixar de pensar em você.
Alexandra conseguiu sorrir com um pouco de tristeza.
- Devo me desculpar pela conduta de meu pai. Eu lamento muito. E queria lhe agradecer de novo que tivesse a deferência de nos convidar.
- Não têm nada do que se desculpar.
- É obvio que sim.
- Não - insistiu Denney. - Sinto-me tão aflito... Lamento que tivesse que sofrer tanto durante toda a noite. Não foi essa minha intenção ao convidá-la.
- Estou bem - mentiu ela. - Já esqueci - acrescentou sorridente. - Sei por que está aqui, senhor Denney. E o entendo perfeitamente.
- Muito bem. Então, imaginará também até que ponto me irritou os maliciosos comentários e rumores que tive que ouvir ontem à noite - respondeu ele.
- O senhor também os ouviu? - perguntou ela. Denney assentiu com a cabeça. - Mas, não comentou nada.
- Não queria aumentar seu sofrimento, senhorita Bolton.
Não pôde evitar ruborizar-se ao saber que tinha ouvido todas as vis mentiras que haviam dito sobre ela na festa, como Owen a deixou plantada frente ao altar.
- Não se preocupe senhor Denney. Entendo que nenhum homem queira uma mulher recusada pela sociedade como esposa.
O latifundiário, aparentemente perplexo, abriu muito os olhos ao ouvir suas palavras.
- Como? É isso o que pensa? Não acreditei em nenhum dos comentários que escutei! Não conheço uma mulher que mereça menos esses rumores, senhorita Bolton. É a
luz que brilha entre todas essas sujas e escuras mentiras. Não entendo por que alguém queira caluniá-la assim, de verdade.
Não podia acreditar no que ele estava dizendo. Morton Denney não acreditou nos rumores nem a julgou como o resto dos presentes nessa festa. Adulou-a ver a fé
que tinha nela e em sua honestidade.
Foi então que viu suas irmãs olhando-os do corredor. Tinha deixado a porta do salão aberta e as duas jovens escutavam a conversa com interesse.
- Surpreende-me que acredite tanto em mim, senhor Denney - confessou.
- Trabalhou costurando a roupa de minha falecida esposa durante cinco anos, senhorita Bolton. Acredito que a conheço o suficiente para saber que tipo de pessoa
é.
Ficou uns segundos em silêncio, depois soltou todo o ar que estava retendo.
- Então, isto é só uma visita? Sem mais?
- Que outra coisa poderia ser?
- Pensei que vinha para me informar de que já não estava interessado em mim.
- Justamente o contrário - assegurou Denney. - Vim para ver se a encontrava bem, depois de tudo o que ocorreu ontem à noite.
Era um homem muito generoso. Procurou uma cadeira e se sentou. Denney se aproximou.
- Mas já viu que não sou aceita na sociedade. Acredito que poderia encontrar uma candidata melhor e mais adequada, senhor.
- Não acredito ser possível, senhorita Bolton.
Alexandra tentou recuperar a calma. Sentia-se muito aliviada ao ver que o senhor Denney não pensava abandonar seu empenho, mas também a angustiava dar-se conta
de que estava muito apaixonado por ela.
Desejava sentir o mesmo por ele algum dia. De momento, continuava sem poder tirar o duque de Clarewood da mente. Respirou profundamente um par de vezes e ficou
em pé.
- Owen Saint James não me abandonou frente ao altar, senhor Denney. Eu disse a verdade quando contei que tinha prometido a minha mãe que cuidaria de minha família
e que rompi meu compromisso com Owen.
Denney assentiu com a cabeça. Seu pai entrou nesse momento no salão, parecia muito nervoso.
- Desfrutou ontem à noite da festa, senhor Denney? - perguntou Edgemont diretamente. - Alexandra estava linda, não achou também? Igual a sua mãe, uma dama da
cabeça aos pés.
- A senhorita Bolton sempre está linda - respondeu o latifundiário.
- Gostaria de me acompanhar e tomar uma xícara de chá? - ofereceu Edgemont de bom humor. - Temo que seja muito cedo para lhe oferecer um conhaque.
Denney olhou Alexandra.
Não parecia ter vontade de passar tempo com seu pai, mas os dois homens teriam que se dar bem se seu compromisso chegasse a bom lugar. Alexandra sorriu levemente
para animá-lo sem palavras a que acompanhasse seu pai.
Os homens foram à biblioteca e as irmãs se aproximaram em seguida com preocupação.
- Ele continua interessado - disse Alexandra.
- Nós ouvimos - sussurrou Olivia.
Corey se aproximou à janela de repente.
- Alguém se aproxima a cavalo - disse a jovem.
Alexandra girou e viu o cavaleiro de quem Corey falava. Chegava a meio galope, levantando uma nuvem de pó no descuidado caminho de sua propriedade. O cavalo era
magnífico, viam-se poucos de tanta qualidade por ali. Perguntou-se quem seria o cavaleiro.
- O senhor Denney é um homem generoso e compreensivo - disse então a suas irmãs.
- Bom, então acredito que poderíamos chegar a perdoá-lo por ser tão velho... - sugeriu Olivia.
- Eu não tenho que perdoar nada. Foram vocês que o acusaram de ser muito velho para mim.
Alguém chamou então à porta. Devia ser o cavaleiro e imaginou que era alguém que se perdeu. Foi abrir com suas irmãs atrás dela.
E se encontrou com Randolph Warenne frente a ela. Tinha as botas cheias de barro e as bochechas avermelhadas pelo vento. Segurava na mão um enorme buquê de flores.
Perguntou-se se estaria ali para ver uma de suas irmãs. Não entendia nada.
- Senhorita Bolton - a saudou com um sorriso e uma reverência. - Estas flores são para você.
Desapareceu por completo sua alegria ao pensar que o jovem queria ver Olivia ou Corey.
Sem entender nada, olhou a porta da biblioteca. Viu, aliviada, que continuava fechada. A última coisa que precisava era que Denney visse esse jovem entregando
a ela um buquê de flores.
O coração começou a pulsar com força e sentiu que suas irmãs também seguravam a respiração.
- Tem um cartão dentro do buque - explicou Randolph, sem deixar de sorrir.
- Peço desculpas, parece que esqueci minhas boas maneiras - Alexandra se desculpou sem deixar de tremer.
Não podia acreditar, não podia ser que Clarewood estivesse enviando flores a ela. Não esperava por isto e não acreditava que fosse uma boa notícia. Tomou o presente
e fez um gesto para que passasse.
- Vêm de muito longe? - perguntou com educação.
- Sim, mas meu cavalo é rápido e forte. Veio galopando durante quase todo o trajeto - explicou o jovem enquanto olhava sorridente as suas irmãs. - Demorei só
hora e meia.
Alexandra não podia deixar de tremer. Não entendia ou não queria entender o porquê desse galante gesto. Acompanhou o jovem até o salão.
- Quando terminarem de instalar a ferrovia, dizem que o trajeto de trem de Clarewood até Kensett não durará mais de quarenta e sete minutos - disse ela.
- Mesmo assim, eu continuarei viajando a cavalo - respondeu Randolph rindo.
Viu que o jovem não deixava de olhar Corey.
- Abre o buque - sussurrou Olivia.
Alexandra agarrou as flores com mais força.
- Terá passado frio - disse ao jovem. - Gostaria de tomar uma xícara de chá quente e uns doces? Por certo, me esquecia, muito obrigado por ajudar meu pai. Foi
muito amável.
- Estou bem, não tenho frio - respondeu Randolph. - E foi um prazer acompanhar seu pai. Abra as flores, por favor. Tenho ordens de não ir, até que o faça.
Suas últimas palavras deixaram muito claro que era Clarewood quem enviava o buque. Não parecia ter se esquecido dela, nem ter entendido que não era o tipo de
mulher que lhe convinha.
Confusa e nervosa retirou o papel do buque. Apareceram duas dúzias de rosas vermelhas abertas e perfeitas. Presa a uma delas com alfinete havia um envelope de
cor creme.
Ficou imóvel. Não entendia o que o duque pretendia com esse presente nem por que o fazia.
Recordou que o senhor Denney desejava casar-se com ela.
- São as rosas mais perfeitas que vi em minha vida! - exclamou Corey.
- Nunca tinha visto rosas de um vermelho tão intenso... - adicionou Olivia.
- São muito caras - apontou Randolph então.
Alexandra ficou olhando as rosas como se estivesse hipnotizada. O gesto lhe pareceu muito atrevido e dramático. Não acreditava que Clarewood fosse um romântico,
mas se deu conta de que era um sedutor nato.
- Lê o cartão - pediu Corey.
Entregou as flores a Olivia com mãos trêmulas, abriu com cuidado o envelope e tirou o cartão. Não havia nada escrito nele, só uma letra, a inicial do duque.
- O que diz? - perguntou Corey com grande curiosidade.
Alexandra não disse nada, limitou-se a mostrar o cartão a sua irmã enquanto olhava Randolph. O jovem não deixava de sorrir.
- Poderia colocá-las em um vaso, por favor? - disse a Olivia.
Não tinha terminado de falar quando se deu conta do que devia fazer. Tinha que devolver as flores, não podia aceitá-las.
- Espere!
- O que acontece? - perguntou Olivia.
Olhou Randolph com segurança.
- Não posso aceitar o presente - disse com segurança.
O jovem parecia atônito.
- Por que não? - perguntou Corey.
- Alexandra, deveríamos falar disto - disse Olivia um pouco mais tranquila.
Não podia deixar de tremer, mas estava segura de sua decisão. Tomou de novo o ramo e o entregou a Randolph.
- Por favor - pediu ao jovem quando viu que não queria ter que levá-lo. - Sou eu que deveria ter um gesto como este com o duque. Depois de tudo, foi muito amável
ontem à noite com minha família.
- Mas o duque deseja que as aceite senhorita Bolton - disse Randolph. - De fato, foi muito claro quando me disse que rosas queria e como deviam ser. Quis que
encontrasse as mais belas e perfeitas. Inclusive me disse que uma dúzia não era suficiente. Não pode devolver a ele senhorita, seria uma ofensa.
- Não posso aceitá-las - insistiu ela com voz trêmula.
A última coisa que desejava era ofender Clarewood, sabia que ninguém com um pouco de inteligência o faria.
- Por que não pode aceitá-las? - perguntou o jovem.
Alexandra passou a língua pelos lábios e olhou de novo a porta da biblioteca antes de responder.
- Tenho um pretendente, senhor. Trata-se de um cavalheiro que me deixou muito claro que logo pedirá minha mão em casamento - disse com toda a segurança que pôde
reunir. - Quando o duque souber, estou segura de que não se sentirá ofendido e entenderá minha postura.
- Tenho que falar contigo em privado - sussurrou Olivia em seu ouvido.
Olhou sua irmã sem poder tirar Clarewood da cabeça. Uma parte dela queria aceitar as flores e desfrutar desse momento, mas sabia que não podia fazê-lo, não seria
adequado.
"Clarewood me enviou flores", pensou de novo.
- Não tenho pressa - disse Randolph com firmeza.
O jovem parecia disposto a esperar o que precisasse para não ter que devolver o ramo ao duque.
- Vou preparar um chá para você - ofereceu Corey.
E, sem esperar que respondesse, foi à cozinha correndo.
- Enquanto isso acho que sairei para refrescar um pouco o cavalo. Poderia usar água do poço?
- É obvio - respondeu Alexandra. - A bomba está ao lado do estábulo.
Esperou que saísse e suspirou com força.
- Essas flores são muito bonitas para que as devolva - disse Olivia.
- Mas, como poderia aceitá-las? - respondeu Alexandra.
- Possivelmente suas intenções sejam boas.
- É impossível.
- Tem certeza? E se existisse uma possibilidade de que se interessasse por você como esposa? Se devolver as rosas a ele só conseguirá ofendê-lo.
Olhou sua irmã. Estava segura de que o duque não podia estar interessado nela desse modo. Pensou de novo em Owen. Sentia sua falta. Tinha perdido seu único amor
e todos os sonhos que tiveram.
- Fique com as flores - insistiu Olivia. - Pode ficar com elas sem que isso a obrigue a nada. Mas acredito que devolvê-las poderia prejudicá-la muito, Alexandra.
O argumento de sua irmã estava conseguindo convencê-la. A verdade era que não tinha visto rosas tão belas em sua vida.
- Além disso, eu adoraria poder pintá-las com meus óleos - acrescentou Olivia.
Suas palavras conseguiram persuadi-la e sorriu a sua irmã.
Capítulo 05
À uma e meia, Stephen deixou que os arquitetos continuassem trabalhando com as mudanças que acabava de fazer nos planos e se despediu deles. Não podia deixar
de pensar nas moradias nas quais logo os trabalhadores da fábrica de tecidos poderiam viver. Mas chegara tarde. Esteve toda a manhã imerso no projeto de Manchester
e não queria que sua mãe tivesse que esperar.
Seu pai tinha remodelado e ampliado a mansão dos Clarewood, que constava de um total de cem aposentos. A fachada era gótica e abundavam os torreões e as agulhas.
Sabia que Guillermo, o mordomo, acompanharia sua mãe até o salão dourado, havia a possibilidade de que já estivesse ali esperando por ele.
Era o melhor salão da mansão, que se oferecia aos convidados mais ilustres.
Pensou então no americano que acompanhava sua mãe na noite anterior. Por não residir na Inglaterra, sabia que ia dar muito trabalho investigar o passado dele
e não queria perder tempo e arriscar-se a que relação que sua mãe tinha com ele avançasse antes que pudesse saber que tipo de pessoa era.
Julia tinha cinquenta anos, mas continuava sendo uma mulher muito bela. Era esbelta e elegante. Gostava de montar a cavalo e continuava fazendo-o diariamente.
Estava certo de que essas atividades eram as que a tinham mantido tão jovem e saudável apesar de sua idade. Recordou então como o americano olhava sua mãe durante
o baile, estava seguro de que Jefferson se sentia atraído por ela.
E temia que fosse a fortuna de sua mãe o que mais atraía o americano.
Chegou ao vestíbulo principal e olhou por uma das janelas. Podia ver a grande fonte da entrada e parte do caminho. Não viu nenhum cavaleiro, mas sabia que Randolph
não podia demorar muito em retornar.
Não tinha dormido bem essa noite. Embora não fosse estranho que ele passasse horas dando voltas na cama, normalmente eram as novas ideias, planos e projetos que
tiravam seu sono. Essa noite, ao contrário, foi seu crescente interesse por Alexandra Bolton o que o manteve insone. Se essa mulher tinha decidido recusar seus avanços
para conseguir estimular seu apetite, obteve o efeito desejado.
Guillermo apareceu de repente frente a ele. Levava um cartão de visita na mão.
- Excelência, lady Witte acaba de chegar.
Incomodou-lhe a interrupção, mas sabia que não podia atrasar mais o inevitável. Devia lhe dizer quanto antes que sua relação tinha terminado.
- Onde está?
- Encontra-se no salão Primavera, com a duquesa viúva.
Assentiu e foi para ali. Encontrou sua mãe conversando amigavelmente com lady Witte. As duas mulheres giraram de uma vez ao ouvi-lo entrar.
Sua mãe deixou de sorrir imediatamente e soube que estava preocupada. Recordou o feliz e bela que lhe pareceu à noite anterior, quando a viu entrar no salão de
baile pelo braço de Jefferson. Não ficava mais remédio que admitir que faziam um bom par.
Olhou então sua amante. Charlotte sorria para ele com cumplicidade. Era uma mulher inteligente e ardilosa. Imaginou que estaria ali para tentar manter sua relação
viva.
- Boa tarde, lady Witte, mãe - saudou.
Sorriu à jovem e beijou a duquesa viúva na bochecha.
- Espero que minha visita não seja inoportuna - disse Charlotte.
- A verdade é que eu gostaria de me reunir em privado com Stephen - respondeu Julia com firmeza.
- De acordo, não tenho nenhuma pressa - assegurou lady Witte com um sedutor sorriso.
- Poderia nos conceder uns minutos? - ele perguntou a Charlotte enquanto oferecia o braço a sua mãe para entrar a um salão adjacente.
Lady Witte assentiu com a cabeça, como era de esperar.
Entrou com sua mãe na sala de música. Havia um grande piano de cauda e uma harpa no centro do salão. Rodeavam os instrumentos duas filas de assentos de veludo
dourado.
- Obrigado por vir para ver-me tão rapidamente - disse ele.
- Embora seja sua mãe, eu também devo obedecer ao duque de Clarewood, como todo mundo faz.
Fez uma careta ao ouvir as duras palavras da duquesa viúva.
- Não era uma ordem, e sim um convite, mãe - assegurou. - Fazia muito tempo que não falávamos e há alguns temas que eu gostaria de tratar com você. Mas vejo que
está um pouco inquieta e preocupada.
- Ontem à noite cumpriu com sua responsabilidade interrogando Jefferson, Stephen, não esperava menos. Nós dois sabemos que assim que o viu decidiu que esse homem
não seria de seu agrado. Por isso estou preocupada.
Suas palavras o deixaram intranquilo.
- Não conheço esse homem, nem sequer é inglês. E, para fazer as coisas ainda mais complicadas, pareceu-me que estava muito feliz com ele.
- E isso complica as coisas? - perguntou sua mãe. - Não consigo saber se foi Tom quem o ensinou a ser tão frio ou se é assim por natureza. Sim, tinha razão, estou
preocupada e intranquila. E você é o causador de que me encontre assim.
- Como parece que quer ser muito sincera, eu também o serei. É meu dever protegê-la e afastar os enganadores e caça-fortunas que se aproximarem.
- Não esperaria menos. Tom ensinou você muito bem, filho - disse com ironia.
Era difícil para ele discutir com sua mãe, quase nunca o faziam.
- Sei que têm um alto senso de dever, mãe - respondeu ele.
- Sim, é certo. Por isso dediquei minha vida ao ducado de Clarewood e a sua educação - assegurou sua mãe com firmeza. - Para ele, foi sempre o primeiro, o herdeiro.
Por isso decidi ficar com Tom apesar de me tratar tão mal. Tudo o que fiz, fiz por você, com a ilusão de que se converteria em um grande duque.
Suas palavras conseguiram incomodá-lo. Ninguém sabia tão bem quanto ele os abusos que sua mãe sofreu como esposa de Clarewood. Embora não tivesse boas lembranças
de seu pai, sabia que ele foi ainda mais cruel com Julia. Sempre sentiu desprezo por sua esposa e, no final de seus dias, nem sequer se incomodou em ocultar esses
sentimentos.
E também sabia que sua mãe nunca havia tentando defender-se dos ataques de seu pai. Suportou tudo durante anos com grande dignidade. Só se comportou como uma
leoa quando tivera que defender seu filho. Recordava muito bem as brigas de seus pais, tão violentas que estava acostumado a esconder-se para não ter que suportá-las.
Sempre se sentira triste que sua mãe tivesse que defendê-lo como o fazia. E, quando foi um pouco mais velho, tentava convencê-la para que não se metesse a protegê-lo
e ignorasse os ataques de Tom. Mas ela sempre se negou. Era uma mulher muito valente e forte, sobre tudo quando tinha que enfrentar a seu marido. Mas também soube
ser diplomática quando essa era a melhor tática para conseguir seu propósito, defender os interesses do duque herdeiro.
- Ninguém melhor que eu sabe os sacrifícios que teve que fazer.
- Me alegro. Então você entenderá que já é hora de que eu possa cuidar de mim mesma - disse Julia.
- O que quer dizer com isso? Sempre será a duquesa viúva, minha mãe e minha responsabilidade.
- O que quero dizer é que Tom morreu há quinze anos. Sua morte conseguiu me liberar e por fim pude viver a vida como sempre quis. Nunca desejei voltar a me sentir
prisioneira de ninguém, Stephen. Tenho certeza que sabe que foi por isso não tornei a me casar.
Não gostou que tocasse no tema casamento, deu-lhe mau presságio.
- Continue - pediu com seriedade.
Julia olhou para ele, parecia estar calculando as palavras que ia dizer. Inclusive ruborizou um pouco.
- Há algo em Tyne Jefferson... É amável sem deixar de ser viril por isso. É forte e sólido como a terra que pisamos. Sei que deveria estar com uma mulher muito
mais jovem, acredito que somos da mesma idade, mas parece que me acha interessante e inclusive atraente. E gosto desse homem, Stephen. Eu gosto muito, mas acabo
de me dar conta de que tentará que nossa relação não prossiga.
Não podia acreditar que sua mãe estivesse pensando em casar-se com Jefferson. Ou possivelmente se tratasse só de uma aventura amorosa.
- Quanto tempo faz que o conhece? Por que eu não soube nada dele até agora? - ele perguntou, tentando controlar seu aborrecimento. - Trata-se de uma aventura?
- Acabo de conhecê-lo, fomos apresentados em um jantar - respondeu sua mãe. - E depois nos encontramos por acaso outro dia pelo centro da cidade. Ontem à noite
foi a primeira vez que pudemos falar com tranquilidade. Foi muito agradável, apesar do interrogatório ao qual você o submeteu quando o apresentei.
- Vendo como a olhava, entendo que tenho direito a interrogá-lo - respondeu ele.
- E eu acredito que tenho direito a esta segunda oportunidade! Que certamente será, além disso, a última! - replicou sua mãe. - Sempre fui fiel ao seu pai, quando
sei que qualquer outra mulher em meu lugar teria procurado carinho e consolo em alguma outra parte.
Cada vez estava mais preocupado.
- Se está se sentindo sozinha, eu vou encontrar um novo marido para você - ele disse.
- Sabe por que Tom acabou me odiando apesar de estar apaixonado por mim quando você nasceu? - perguntou-lhe sua mãe. - O suficientemente apaixonado para aceitá-lo
como se fosse seu filho?
Não pôde responder.
- Chegou a me odiar porque nunca consegui dar a ele um filho. Resulta tão irônico! Era impotente, mas decidiu culpar a mim. E depois a você. Jefferson conseguiu
que me sentisse de novo como uma moça e cheia de ilusões - confessou com um sorriso. - Foi muito duro ser a duquesa de Clarewood, sempre me senti muito sozinha.
E não me dava conta de que continuava me sentindo assim até que conheci Jefferson. Ele conseguiu que me sinta viva.
Cada vez estava mais incômodo. Sua mãe estava contando a ele mais do que desejava saber.
- Acredito que a senhora merece o que parece estar procurando, um marido. E vou começar a procurar. Mas sei que pode conseguir algo melhor que um americano inculto
que se dedica ao gado, mãe.
- Desde quando é tão classista? - perguntou atônita a duquesa viúva.
- Acaso estaria com ele se fosse um simples fazendeiro?
Sabia que sua mãe nunca teria nada a ver com um fazendeiro, embora se tratasse de um cavalheiro ou um grande latifundiário.
- Jefferson é muito mais que um fazendeiro. Conseguiu estabelecer um grande rebanho em uns terrenos que eram selvagens até muito recentemente - disse ela - E
que não ocorra a você buscar pretendentes para mim. É Jefferson quem me interessa não o casamento. É muito diferente.
Pensou então que provavelmente sua mãe não procurasse mais que uma aventura temporária. Embora a ideia não o agradasse, acreditava que poderia tolerar melhor
que um segundo casamento.
- Não confio nesse homem. E parece que você nem o conhece muito, mãe.
- Por isso quero cultivar esta amizade e conhecê-lo melhor. Por isso, deveria se dedicar aos seus assuntos e deixar que eu me preocupe com Jefferson.
Ficou calado, não podia fazer o que sua mãe pedia.
- Quer ficar e jantar comigo? Posso anular os planos que tinha para esta noite - ofereceu pouco depois.
- Não, já vou embora - disse Julia ficando em pé. - Tenho planos. Espero que tenha sido o suficientemente clara, Stephen. Eu amo muito você. Mas, se fizer com
que o perca, pode ser que não consiga perdoá-lo nunca.
- Vou acompanhá-la até a porta - respondeu enquanto oferecia seu braço. Sabia que, embora pudesse perder o amor de sua mãe, tinha que fazer o melhor para ela.
- Só peço que você tome cuidado - disse enquanto saíam.
Julia o olhou então com um sorriso e os olhos brilhantes.
- É difícil tomar cuidado quando alguém consegue acelerar seu coração, Stephen. Mas suponho que você nunca sentiu nada parecido.
Veio então a sua cabeça a senhorita Bolton. Ela tinha conseguido acelerar seu coração e desejava conquistá-la, mas não custava ser prático nem cuidadoso ao mesmo
tempo.
Quando chegaram ao vestíbulo, Guillermo já os esperava com a capa e as luvas de sua mãe. Outro mordomo abriu a porta enquanto Guillermo a ajudava a vestir-se.
- Filho, me prometa, ao menos, que será mais educado a próxima vez que o ver - pediu sua mãe. - Quero que conceda a ele o benefício da dúvida, por favor.
- Vou tentar - respondeu ele com pouco entusiasmo.
- Na verdade, você se mostrou muito galante ontem à noite ajudando o pai dessa jovem a sair da casa - acrescentou sua mãe da porta. - A senhorita Bolton parece
uma mulher muito interessante.
- Posso ser galante quando me proponho isso, mãe - respondeu ele com um sorriso. - Apesar do que as pessoas afirmam, sou um cavalheiro.
- Poderia ter pedido a Alexi e Randolph Warenne para ajudar, sem necessidade de interceder você mesmo.
- Eles também me ajudaram com o senhor Bolton.
Julia olhou-o fundo nos olhos, e parecia estar tentando ler seu pensamento.
- Pareceu-me que se esforçou por socorrê-la. Parece uma jovem orgulhosa e forte, Stephen. Não se parece em nada às mulheres que está acostumado a conhecer.
Limitou-se a sorrir e esperou até que a duquesa viúva subisse em sua carruagem para fechar a porta e ir ao salão Primavera. Charlotte esperava sentada em um divã
lendo uma publicação semanal. Sabia que estava posando para ele, sua postura não era natural e ressaltava cada curva de seu corpo. Ela sorriu para ele ao vê-lo entrar
e ficou em pé.
Mas ele não devolveu o gesto.
- Deveria fechar a porta - disse Charlotte com voz sensual enquanto se aproximava.
A jovem já tinha demonstrado a ele que era uma amante experiente.
- Tínhamos um acordo! - ele a recordou. - E não pedi que viesse me ver hoje.
Tinha deixado muito claro a ela, desde o começo, que não gostava de visitas inesperadas. Preferia ser ele quem organizava seus encontros.
Charlotte parou na frente dele e agarrou as lapelas de seu colete.
- Eu nunca gostei dessa regra, Stephen - murmurou ela. - Você pode me chamar, mas eu nunca posso... E também tenho necessidades. Passou já uma semana...
- Não quero discutir - disse enquanto tomava as mãos da jovem e as afastava- Eu sinto muito, Charlotte. Estive muito ocupado com meus projetos e continuo tendo
muito trabalho.
Tentava ser tão educado quanto lhe era possível nessas circunstâncias.
- Ocupado com o trabalho ou com essa costureira desajeitada que resgatou duas vezes ontem à noite? - perguntou Charlotte com a cara avermelhada.
Não podia acreditar. Ficou sem palavras.
- Perdoe-me - se desculpou à jovem. - Mas não posso ignorar seu cavalheirismo. Só se comporta assim quando está interessado em uma mulher.
- Não penso falar da senhorita Bolton com você - disse isso ele com firmeza. - E, sinto muito, Charlotte, mas dou por terminada esta relação.
- Por quê? - perguntou fora de si. - Para ir atrás dela? Ou acaso há alguém mais?
- Desfrutei muito de seus favores, mas não vejo razão para continuar quando meu interesse foi decrescendo - disse enquanto se separava dela.
Pretendia deixar claro que também dava por terminada a visita.
- Não me importa que tente algo com ela porque sei que perderá o interesse depois de uma ou duas noites - respondeu ela sem mover-se.
Não ia cair na tentação de discutir com ela e decidiu mudar de tema.
- Temo que tenha um dia muito ocupado. Deseja que a acompanhe à porta? Farei que alguém traga suas coisas.
Charlotte pôs-se a tremer ao ouvir suas palavras.
- Chame-me quando quiser Stephen. Sei que mudará de opinião e recuperará logo o bom senso.
- Pode pensar o que quiser - respondeu ele com impaciência.
- Eu gostaria de recolher minhas coisas - pediu Charlotte então com voz inocente.
Mas não podia enganá-lo, sabia que tinha alguma carta na manga, via em seu olhar.
- Muito bem, pedirei a Guillermo que a ajude.
- Queria ter um último momento...
Charlotte tinha os olhos cheios de lágrimas, mas ele não se moveu, sabia que era puro teatro. Assentiu com a cabeça e saiu aliviado do salão.
Tinha perdido o interesse por ela pouco a pouco, mas não se deu conta até agora. Pensou que talvez por isso a senhorita Bolton tivesse conseguido atraí-lo tanto.
Era mais fácil convencer-se de que essa era a razão e não tentar analisar por que essa mulher parecia ter despertado seu desejo como nenhuma outra.
Não demorou muito em esquecer Charlotte Witte e concentrar-se nos planos de seu último projeto. Estava a ponto de entrar em seu escritório quando encontrou Randolph
correndo na sua direção pelo corredor. O comprido trajeto a cavalo até Edgemont tinha coberto suas botas de barro.
Deteve-se ao vê-lo e lhe sorriu enquanto olhava seu relógio de bolso.
- Fez muito bom tempo. Ela gostou das rosas? - Randolph hesitou um segundo antes de lhe responder. - Levou a ela as rosas mais bonitas que pode encontrar, não?
- perguntou com preocupação e disposto a cortar a cabeça dele se dissesse o contrário.
- Eram perfeitas e sim, gostou muito... Bom, mais ou menos - respondeu o jovem.
Não entendia que problema havia.
- O que quer dizer? Não entendo. O que é o que disse ao vê-las? Imagino que se sentiria muito adulada.
- Não sei se ela sentiu-se adulada, excelência. Mas me agradeceu.
Ele estava relutando em acreditar no que Randolph contava.
- Ela não se sentiu adulada ao ver que eu estava interessado nela?
Randolph suspirou.
- A verdade é que não queria aceitá-las e tive que convencê-la para que não as devolvesse, excelência.
Não podia entender por que Alexandra Bolton não quis aceitar as rosas. Era como se pensasse recusá-lo, custava-lhe acreditar.
- Por que queria me devolver as flores?
- Parece que tem um pretendente do qual espera uma oferta de casamento - respondeu Randolph.
Ia de surpresa em surpresa. Não entrava em sua cabeça que pudesse estar interessada no homem mais velho com o qual foi ao baile. Encarregou-se de fazer algumas
perguntas e sabia que se tratava de Morton Denney, que tinha mais terras de todos os que arrendavam as culturas de sir Rex. Dobrava Alexandra Bolton em idade, mas
sabia que esse não era o problema. Embora fosse um cavalheiro, também era um fazendeiro. Por outro lado, tinha uma boa situação econômica e, para alguém tão pobre
como Alexandra, poderia significar uma garantia de futuro.
Mas, por mais dinheiro que tivesse, Stephen sabia que ninguém possuía tanta riqueza quanto ele.
- A senhorita Bolton não achava apropriado aceitar seu presente, excelência. Inclusive chegou a me dizer que deveria ser ela a enviar flores ao senhor, como mostra
de sua gratidão.
Seu interesse aumentava cada vez mais. Nenhuma mulher se atreveu nunca a recusá-lo, mas a senhorita Bolton, embora terminou aceitando o presente, esteve a ponto
de devolver as rosas e ofendê-lo com esse gesto.
Mas acreditava que ela estava mais interessada do que queria fazê-lo acreditar. Não se dava por vencido, acreditava que acabaria conseguindo seus favores.
Longe de desanimar, tinha conseguido interessá-lo ainda mais. E, para que sua conquista fosse ainda mais divertida, deveria enfrentar um rival. Adorava brigar
e ganhar. Só o que lamentava era que seu rival não fosse alguém mais interessante, jovem e poderoso. Sorriu lentamente enquanto traçava um plano em sua cabeça.
- Quero que me informe assim que esse latifundiário pedir sua mão - ordenou a ele.
- Vou conversar com nossos advogados em Londres para que chequem que escritório conduz os assuntos do senhor Denney e me assegurar de que nos mantenham informados
em todo momento - disse Randolph.
- Muito bem.
Abriu a porta do escritório e fez um gesto a Randolph para que entrasse, foi então quando viu Charlotte metendo-se de novo no salão. Soube que esteve espiando-os,
mas não se preocupou. Esperava que recuperasse logo o bom senso.
Esqueceu-se de novo de sua amante assim que entrou no escritório.
- Tenho algumas coisas que conversar. Estive examinando os informes de Ridgeway e quereria que desse uma olhada neles.
Enquanto se sentavam à mesa do escritório e antes de centrar-se nos temas que concerniam a sua fundação, decidiu organizar um jantar. Sabia que não ia seria fácil
com Alexandra Bolton, assim teria que ser um convite que não pudesse recusar.
O tipo de convite que nenhuma mulher podia resistir.
Dois dias mais tarde, Alexandra sorriu ao senhor Denney quando chegaram por fim de calesa a Vila Edgemont. Era um dia cinza e nublado. Os caminhos continuavam
enlameados e cobertos de folhas amarelas e vermelhas. Seu pretendente a levou a sua casa para que a conhecesse e ela havia gostado muito. Tinha uma vila linda com
uns jardins muito bem cuidados. Tal e como imaginou o senhor Denney desfrutava de uma boa situação econômica.
Olhou então seu próprio lar. A casa de dois andares estava construída com pedra e tinha um telhado de piçarra cinza. O estábulo era pequeno e também de pedra.
A um extremo dos jardins estava à cabana do serviço que fazia anos que estava vazia. A parte dianteira da propriedade estava cercada por uma cerca baixa que se enchia
de buganvílias cada primavera. Nessa mesma época, floresciam as rosas vermelhas plantadas por sua mãe perto da casa.
Denney girou para entrar pelo caminho da casa e a calesa saltou ao passar por um buraco. Olhou seu pretendente e se desculpou pelo estado do caminho.
- Não se preocupe, será fácil repará-lo - respondeu ele com um sorriso. - Espero que não dê importância que lhe diga isso, senhorita Bolton, mas hoje está linda.
- Obrigado - respondeu ela.
Não se ruborizou nem acelerou o pulso ao ouvir suas palavras. Para cúmulo, pensou imediatamente em Clarewood.
Tinha colocado suas maravilhosas rosas vermelhas em seu dormitório. Ela as admirava cada vez que subia ao seu quarto. Não conseguia entender por que o duque a
escolheu. Sabia que suas intenções não eram boas.
Teve uns dois dias para pensar em tudo aquilo e continuava sem compreender. Mas não queria perder mais tempo nisso. Havia dito a Randolph que tinha um pretendente
e estava segura de que Clarewood cessaria em seu empenho e dirigiria sua atenção a alguma outra mulher.
Apesar de tudo, estava tão preocupada quanto desiludida.
Sacudiu a cabeça zangada. Um homem amável e pormenorizado se interessou por ela. Denney tinha meios econômicos e intenções sérias. Apesar do que aconteceu no
baile dos Harrington, continuava interessado nela. Parecia um homem leal, generoso e agradável. E, o que era ainda mais importante, poderia mudar a vida de suas
irmãs para sempre.
O homem deteve a calesa frente à porta de Vila Edgemont e ela deixou de lado seus pensamentos. Tinha que convidá-lo a entrar e lhe dedicar um pouco de tempo,
mas esperava que se fosse logo. Lady Lewis, tal e como lhe prometeu, levou seu vestido de baile para que o limpasse e engomasse. Tinha que tê-lo preparado para o
dia seguinte, junto com os de outras damas. A tarefa lhe levaria muitas horas de trabalho.
Denney desceu da calesa e foi ajudá-la.
- Você se sentiria ofendida se eu não entrasse? - perguntou depois com gesto preocupado. - Tenho que repassar algumas contas e preparar uma reunião com um de
meus inquilinos mais importantes.
Deu-se conta de que Denney arrendava a outros agricultores as terras que tinha alugadas de sir Rex. A surpreendeu gratamente ver o bom olho que tinha para os
negócios. Foi um alívio também que não ficasse mais tempo.
- Não me ofenderia absolutamente, senhor Denney. Foi uma tarde muito agradável. Obrigada por tudo - disse com sinceridade.
O homem sorriu e tomou suas mãos de maneira impulsiva.
- Estou tentando me controlar, querida. Mas, você se ofenderia muito se eu falasse com seu pai sobre minhas intenções, sem esperar muito mais tempo?
O coração deu um pulo e tentou se convencer de que era surpresa o que sentia e não pânico.
- Duvido muito que pudesse chegar a me ofender, senhor - respondeu ela.
Denney sorriu ainda mais e subiu depressa à sua calesa. Ela esperou no caminho, se despedindo.
Ia pedir logo sua mão. Ficou olhando a calesa e tentando controlar sua consternação. Tinha esperado que a cortejasse durante meses ou inclusive mais tempo.
Mas não estranhava que se mostrasse impaciente. Ela faria vinte e sete anos na primavera e lhe ocorreu que possivelmente desejasse ter mais filhos. Não podia
pensar nisso sem que seu coração encolhesse. Denney já tinha dois filhos e uma filha. Sabia que os três eram casados, mas não tinha conhecido nenhum deles.
Fosse como fosse, não tinha tempo de pensar nessas coisas com todo o trabalho que a esperava dentro da casa.
A porta se abriu atrás dela. Deu a volta e se encontrou com Olivia, que a olhava com os olhos muito abertos. Deu-se conta em seguida de que acontecia algo e correu
para ela.
- O que foi?
- Entra - disse sua irmã. Alarmada, acelerou ainda mais o passo. - Nosso pai não está em casa - disse Olivia enquanto a levava até a sala.
Mas ela não pôde passar da porta. Ficou paralisada ao ver seis vasos na mesa que tinham atrás do sofá. Havia uma dúzia de perfeitas rosa vermelhas em cada vaso.
O coração começou a pulsar com força, como se fosse sair do peito.
"Não desistiu...", pensou incrédula.
- O florista as trouxe pouco depois que você saiu com Denney - sussurrou Olivia com os olhos arregalados.
Alexandra estava tão emocionada que teve que sentar-se.
Corey entrou correndo nesse momento.
- Você pode acreditar nisso? - perguntou a jovem com entusiasmo. - E desta vez enviou uma carta!
Não entendia por que o duque estava fazendo algo assim.
Olivia entregou a ela um envelope.
- E há algo dentro, Alexandra - disse.
Olhou a carta e notou que dentro havia algo mais que papel. Ia endereçada a ela, sem endereço. Imaginou que o florista teria recebido instruções específicas sobre
como chegar até a Vila Edgemont. Não queria nem pensar no que Clarewood teria metido no envelope.
Deu a volta à carta com mãos trêmulas e se encontrou com o emblema do duque, sua inicial em tinta dourada e com um leão a cada lado.
- Abre-o já, por favor - suplicou Corey.
Olhou suas irmãs.
- Eu deixei muito claro. Disse a Randolph que o gesto do duque era inapropriado, expliquei a ele que o senhor Denney está me cortejando e que tem intenção de
casar-se comigo...
Custava a ela reconhecer sua própria voz, estava em tal estado de tensão e nervosismo que doía todo o corpo.
- É tão romântico... - suspirou Corey.
Ficou com vontade de lhe gritar. Sua irmã não entendia. Não parecia um gesto romântico, mas sim do mais sórdido.
Mas passou a língua pelos lábios e pegou o abridor de cartas que Olivia oferecia. Deslizou-o sob a lapela do envelope e o abriu. Ao ver o brilho do objeto, metido
de forma descuidada dentro da carta, ficou sem fôlego. Não podia acreditar.
- O que é? - perguntou Olivia com impaciência.
Não podia responder nem se mover. Tirou do envelope um bracelete de diamantes. Apesar da pouca luz que entrava nessa hora na sala, a jóia brilhava com força.
Corey não pôde afogar uma exclamação e se deixou cair em uma cadeira. Olivia também ofegou.
Alexandra, sem palavras, limitou-se a admirar o bracelete. Tinha uns dois centímetros de largura e estava formada por centenas de brilhantes montados sobre quadrinhos
de platina.
O coração pulsava tão depressa que se sentiu um pouco tonta.
- Esse bracelete vale uma fortuna - sussurrou Olivia enquanto se sentava.
- Por que está fazendo isto? - Alexandra perguntou-se, sem conseguir compreender nada do que estava acontecendo.
O primeiro que pensou foi que com esse bracelete poderia comprar roupa nova a suas irmãs e inclusive proporcionar a elas pequenos dotes. Não entendia no que o
duque de Clarewood podia estar pensando para fazer algo assim.
- Leia a carta - recordou Olivia.
Tinha esquecido por completo a carta. Entregou o bracelete a Olivia, que suspirou ao tocá-la, e tirou a carta.
Querida senhorita Bolton,
Eu adoraria ter a honra de contar com sua presença para jantar esta noite. Espero-lhe às sete da tarde. Estou desejando poder conhecê-la melhor.
Com afeto,
Clarewood
- O que diz? - perguntou Corey enquanto desfrutava de sua vez segurando o bracelete.
Alexandra entregou a carta a Olivia, que a leu em voz alta. A cabeça dava voltas. Não podia ir. Isso era claro, não podia aceitar o convite.
Se por acaso havia alguma dúvida, Clarewood acabava de deixar muito claras suas intenções. Se tivesse o mínimo desejo de cortejá-la, nunca teria enviado a ela
um convite como esse e nenhum bracelete de brilhantes. Acreditava que era o tipo de presente que os homens com dinheiro enviavam as suas amantes.
- Tem que ir - disse Corey enquanto ficava em pé. Alexandra a olhou com o cenho franzido.
- Corey, esse homem só pretende me seduzir. E eu tenho um pretendente, esqueceu?
- O senhor Denney? - perguntou Corey à contra gosto. - Alexandra, o que é que acontece com você? O solteiro mais bonito e rico de todo o país tenta conquistá-la.
Como pode se negar e recusá-lo assim?
- Se for esta noite a sua casa, sairia dali como uma mulher sem honra. Seria uma prostituta sem vergonha alguma! - exclamou sem poder se controlar mais.
Corey empalideceu ao escutá-la, mas viu que não a tinha convencido.
- Acredito que Clarewood seja um cavalheiro. Nunca a obrigaria a fazer nada contra sua vontade - disse.
Alexandra olhou com desespero a menor das irmãs. Queria pensar o mesmo que Corey, mas não confiava nas intenções de Clarewood nem nas suas. O que sua irmã não
sabia era que sonhava em estar entre seus braços e que a beijasse. Clarewood tinha conseguido despertar o desejo em seu corpo e lhe fazer recordar que estava a muito
tempo sem viver esse tipo de emoções. Mas Clarewood não era como Owen e ela não o amava. De fato, nem sequer o conhecia.
Olivia então ficou de pé.
- Corey, eu também acredito que o duque é um cavalheiro, mas estou de acordo com Alexandra. As intenções desse homem não podem ser boas.
Olivia a olhou firme nos olhos parecia ter adivinhado quanto o duque lhe atraía.
- Clarewood não parece disposto a aceitar que Alexandra recuse seus convites - murmurou Olivia.
- Então, não vai ao jantar? - perguntou Corey. - Mas vai ficar com o bracelete, não?
- Corey! - exclamou Olivia com consternação - Eu também estou deslumbrada com a jóia e o gesto de Clarewood, mas Alexandra não pode ficar com ele.
- Mas poderíamos comer durante muito tempo se a vendermos. Inclusive poderíamos saldar as dívidas - respondeu Corey.
As duas jovens olhavam Alexandra, mas ela não podia sequer pensar com claridade.
- Não posso aceitar o bracelete ou ele acreditaria que aceito suas insinuações - disse com mais segurança. - Corey, por favor - acrescentou enquanto estendia
a mão.
De muito má vontade, sua irmã mais nova lhe entregou o bracelete.
- Eu iria - respondeu à jovem. - Preferiria ser a amante do duque que a esposa do latifundiário.
O coração deu um salto ao ouvir suas palavras, mas se negou a reconhecer o que sentia. Nem mesmo queria pensar mais em Clarewood.
- O duque sabe que tenho um pretendente e está claro que não se importa - disse Alexandra com firmeza. - Não posso permitir que siga por este caminho.
Olivia, embora não parecia muito conforme, deu-lhe a razão.
- É verdade, não pode permiti-lo. Sempre e quando continuar convencida de que quer se casar com o senhor Denney, claro.
Voltou a sentir que o coração encolhia, mas ignorou a sensação.
- Assim é - assegurou a suas irmãs enquanto olhava as seis dúzias de rosas. - Não sei como poderia explicar as flores a nosso pai, se chegasse a vê-las. Acredito
que ficaria furioso e não sei o que seria capaz de fazer - disse. Respirou profundamente para tratar de acalmar-se. - Tenho que ir a Clarewood - anunciou Alexandra.
As duas irmãs se sobressaltaram ao ouvi-la.
- Vou devolver a ele as rosas e o bracelete. E deixarei as coisas muito claras ao duque - acrescentou com nervosismo.
Capítulo 06
Stephen saiu do escritório colocando a jaqueta. Tinha deixado Randolph ali, repassando a contabilidade da fundação. Ariella e Elysse já o esperavam. Ele tinha
enviado mensagens para convidá-las.
- Assombra-me que tenham se atrevido a sair da cidade em um dia como este - disse às mulheres quando entrou em um dos salões da mansão.
Fazia uma hora que chovia e o céu estava cada vez mais escuro, anunciando que o pior da tormenta estava ainda por chegar.
Suas primas o esperavam sentadas em um sofá cor de creme. Elysse usava um vestido de listras verdes e Ariella um de seda azul. Pareceu-lhe que formavam uma bela
visão que qualquer pintor gostaria de eternizar em um tecido.
As duas se levantaram para saudá-lo. Elysse o beijou na bochecha e Ariella fez o mesmo. Não parecia importar a elas que Guillermo estivesse presente. O mordomo
era profissional e muito discreto e estava acostumado à familiaridade com que tratavam o duque. Tanto a alta sociedade inglesa como os membros de seu serviço sabiam
que havia uma grande amizade entre Clarewood e os Warenne.
- Sua mensagem nos intrigou muito - explicou Ariella enquanto o observava com seus grandes olhos azuis. - Dizia que estava em apuros e que só Elysse e eu poderíamos
ajudá-lo - adicionou com curiosidade.
- Eu disse a Ariella que devia tratar-se de alguma brincadeira ou um estratagema para conseguir que viéssemos. Não o imagino em apuros. Mesmo que passasse um
furacão por aqui, você se limitaria a assinalá-lo com o dedo e ordenar que se afastasse. Pode com tudo excelência - disse Elysse entre risadas. - Mas, antes que
nos conte algo, estou morta de fome.
Stephen sorriu e olhou o mordomo.
- Sirva-nos um lanche, por favor, Guillermo - pediu.
- Em seguida, excelência - respondeu o solícito servente enquanto saía do salão e fechava a porta.
Stephen fez um gesto às damas para que se sentassem novamente. Depois se acomodou.
- Irei diretamente ao ponto. Quero encontrar um marido à duquesa viúva - disse. As duas mulheres o olharam com a boca aberta. - Sei, sei. Parece meio estranho
depois de quinze anos, mas acredito que Julia seria mais feliz com um marido que vivendo sozinha como tem feito até agora.
Ariella e Elysse se olharam.
- Stephen, por que isto? Não é nenhum segredo que sua mãe sofreu muito enquanto esteve casada com seu pai. Acredito que agora está muito bem. Não tem que dar
explicações a ninguém, só ao atual duque, e você sempre deu muita liberdade a ela. Eu não gostaria de um segundo casamento, parece-me que está satisfeita com sua
vida - disse Ariella.
A irmã de Alexi sempre dizia o que pensava e foi algo que gostou nesse momento.
- Não é minha intenção obrigá-la a que se case. Só quero lhe apresentar alguém atraente, honrado e agradável.
Ariella e Elysse ficaram em silêncio.
- Quer encontrar alguém por quem possa se apaixonar? - perguntou Elysse com incredulidade.
Fez uma careta ao ouvir sua pergunta.
- Quero encontrar um cavalheiro pelo qual minha mãe possa chegar a sentir carinho e que esse sentimento seja mútuo. Se quer chamá-lo amor, tudo bem, dá na mesma
- disse a Elysse enquanto ficava em pé.
Pensou então em Tyne Jefferson e sentiu um pouco de culpa.
Conhecia bem a sua mãe e sabia que não ia gostar que conspirasse assim para dirigir sua vida. Mas acreditava que, se tudo saísse como desejava, acabaria agradecendo
a ele.
- Preferia que sua relação fosse de respeito e admiração. É obvio, o futuro esposo deve ser alguém com uma boa situação econômica para nos assegurar de que não
é o dinheiro de minha mãe o que mais o atrai dela.
Ariella e Elysse se olharam de novo.
- Então, apesar de tudo, você é um romântico - disse Elysse com um grande sorriso.
- Não, não é isso. O que acontece é que Julia esteve agindo de maneira meio estranha ultimamente. E me dei conta de que está sozinha.
- De verdade? - perguntou Elysse entre risadas. - Não me pareceu que se sentisse sozinha a outra noite, no baile dos Harrington.
- Estou seguro de que poderemos encontrar alguém neste país um pouco mais velho e que possa agradar minha mãe - replicou zangado.
Elysse olhou Ariella.
- Como se chamava? - perguntou-lhe.
- Jefferson, como o presidente - respondeu Ariella. - Mas não recordo seu nome de batismo. Pareceu-me que sua mãe estava encantada em companhia do americano.
O que você acha dele?
Estava perdendo a paciência.
- Tyne Jefferson é um boiadeiro que vive na parte mais selvagem da Califórnia - disse. - Não é mais que um fazendeiro! Acredito que também comercializa com a
carne e a exporta a outros países. Não é o pretendente mais adequado para uma duquesa - acrescentou com firmeza.
Tinha falado com Cliff de Warenne sobre Jefferson e cada vez gostava menos desse homem.
Elysse e Ariella se olharam uma vez mais.
- Alexi também é comerciante, como seu pai. Acha que sua mãe não poderia ser feliz com alguém como Alexi ou Cliff? - perguntou Elysse.
- Devo recordar a vocês a linhagem da família dos Warenne? - respondeu.
Era difícil para ele controlar seu gênio. Sabia que seus argumentos eram classistas, mas só tinha em mente o melhor para a duquesa viúva.
Ariella ficou em pé e o olhou com desdém.
- Eu não gosto nada que se mostre assim. A América não é como a Grã-Bretanha, não têm classes sociais como aqui. Acredito que é um país aberto, de colonos, e
os valores pelos quais nos regemos não têm nenhum sentido ali - disse a mulher com segurança.
- É um homem muito atraente - adicionou Elysse ficando também em pé. - E me pareceu que é todo um cavalheiro.
Ele se desesperou ao ver que as duas pareciam ter ficado do lado de sua mãe.
- Meus valores têm sentido em todo mundo, até em Hong Kong! - exclamou ele.
Ariella pôs os olhos em branco.
- É obvio que sim, excelência. Depois de tudo, herdou uma fortuna, um grande reino e é tão controlador como um tirano. Por que não admite que tenha preconceitos
contra esse homem? - perguntou Ariella.
- Você acha isso? - replicou fora de si. - Pois todos os outros pensam que sou muito radical e antimonárquico.
- Não, Stephen, eu é que sou liberal. Seus valores, ao invés, e apesar de todas suas boas obras, são muito antiquados - disse Ariella.
Só essas duas mulheres podiam falar assim a ele sem que ele se irritasse.
- E você sabe mais do que convém a uma dama - respondeu ele tentando controlar seu aborrecimento, - É que sempre têm que me contrariar? Surpreende-me que Saint
Xavier permita tanta liberdade a você. Também discute com ele? Pelo amor de Deus, Ariella, a fundação que dirijo está à vanguarda das reformas políticas e sociais
neste país.
- Discuto com meu marido quando acredito que não tem razão - respondeu Ariella. - E não é minha intenção contrariá-lo. Apesar de sua hipocrisia e todo o resto,
tenho muito carinho por você. E é verdade, está promovendo inovações. Mas, quando se trata da vida de sua mãe, esquece suas ideias mais reformistas. Acredito que
à duquesa viúva agrada a companhia de Jefferson e deveríamos tê-lo em consideração.
- Estou completamente de acordo - apontou Elysse.
Não podia acreditar, estava atônito.
- Necessito ajuda para encontrar um pretendente adequado para minha mãe, alguém de sangue azul e de nacionalidade britânica. A última coisa que a duquesa necessita
é um americano que ganha à vida vendendo carne!
- E se sua mãe se apaixonou? Vai negar a ela a possibilidade de viver algo assim? - perguntou Ariella.
- Não está apaixonada! Está sozinha e ele conseguiu atrair sua atenção. Isso é tudo!
Elysse se aproximou.
- Eu adoraria ajudá-lo- disse de repente e como se não tivesse estado presente durante a conversa. - Você não gostaria também Ariella? - perguntou a sua amiga.
- Sempre gostei muito da duquesa viúva e seria um prazer ajudá-la a encontrar sua metade da laranja.
Olhou as duas e soube que estavam tentando conspirar contra ele.
- Muito bem, Stephen. Vamos ajudá-lo - assegurou Ariella.
- Falo a sério - disse com firmeza. - Não vou aceitar Jefferson de nenhuma maneira. Quero um homem inglês, respeitável e de boa família. E quero ver uma lista
de nomes antes de tomar uma decisão. Não deixarei que se encontrem com minha mãe até que eu diga que está certo.
- É obvio, excelência - disseram as duas ao uníssono e com vozes inocentes.
Alexandra estava gelada e Bonnie, a velha égua que puxava a carruagem, estava ensopada e esgotada. Mas por fim pôde ver a mansão de Clarewood na distância.
Segurava as rédeas como podia enquanto olhava a seu redor. A fonte da entrada era imponente, como o resto dos jardins. Ficou sem fôlego ao ver-se frente à grande
casa de quatro andares. Era quase um palácio mais próprio de um rei que de um duque.
Estremeceu e não foi só por culpa do frio ou a chuva.
O trajeto foi tão longo que já tinha passado parte de seu aborrecimento. A égua tinha doze anos e estava acostumada a viagens muito mais curtas. Pensou que para
Randolph de Warenne não fora difícil fazer essa distância em uma hora e meia e a lombo de um bom cavalo, mas com sua pequena carruagem e a velha égua demorou quase
três horas desde sua casa. E a chuva tinha complicado ainda mais as coisas.
Os caminhos estavam enlameados e escorregadios. O carro era aberto e a capota, que tinha já algumas goteiras, não conseguia resguardá-la do vento nem da chuva.
Nunca sentiu tanto frio. Não lhe importava muito sua aparência. Depois de tudo, sua intenção era recusar Clarewood, mas imaginou que pareceria um desastre.
Além do frio, estava cada vez mais nervosa. Temeu que fosse um engano visitar o duque de Clarewood e enfrentá-lo pessoalmente.
Não queria ter que vê-lo, mas era orgulhosa de sua personalidade e via a si mesma como uma mulher forte e decidida. Tinha chegado o momento de demonstrar sua
coragem e esquecer-se até que ponto Clarewood a amedrontava.
Continuava sem entender por que teria se fixado nela.
Estava tão perdida em seus pensamentos que não viu o que acontecia e que Bonnie se deteve. Puxou então as rédeas.
- Vamos, Bonnie, falta muito pouco - disse para animá-la.
A égua reatou o passo e subiram por uma entrada coberta de folhas. De ambos os lados do caminho havia olmos centenários com ramos tão frondosos que ao menos se
viu um pouco resguardada da chuva. Chegou pouco depois à entrada.
Apesar da chuva, olhou ao seu redor, admirando os belos e cuidados canteiros. Deteve a égua frente aos degraus que levavam a porta principal. Viu uma luxuosa
calesa estacionada sob um arco. Ficou sem fôlego ao entender que o duque tinha convidados.
Não ocorreu a ela que podia estar ocupado, mas já não podia voltar atrás, não tinha mais remédio que continuar com seu plano.
Esperava que o duque não se incomodasse ao vê-la ali e não surgisse nenhum tipo de conflito. A última coisa que queria era zangá-lo e desejava que pudessem esclarecer
as coisas e manter uma amizade.
Tirou as luvas e tratou de limpar-se um pouco, mas tinha o cabelo ensopado. Voltou a colocar seu chapéu de feltro azul. Não podia fazer nada com seu vestido puído,
que estava molhado, mas ao menos a capa tinha mantido a parte superior seca. Estava colocando as luvas novamente quando um mordomo apareceu ao seu lado com um guarda-chuva.
Sorriu agradecida enquanto descia do carro.
Em uns segundos, encontrou-se em um enorme vestíbulo. Os tetos eram altos e no centro se pendurava um lustre de cristal do tamanho de um piano de cauda. O piso
era de mármore branco e negro. Viu elegantes cadeiras de veludo vermelho contra as paredes e belos móveis. As obras de arte que adornavam a entrada deixaram-na sem
fala. Reconheceu alguns quadros de Rafael, Poussin, Tiziano e Constable.
O coração pulsava com tal força que podia ouvir seus próprios batimentos.
Cada vez estava mais nervosa. Estava tão ensopada e pouco apresentável que lamentou estar ali, sobre tudo ao ver que tinha convidados. Mas já era muito tarde
para voltar atrás. Entregou a capa e as luvas ao mordomo. Passou depois as mãos pelas saias para tentar alisá-las um pouco. De uma das paredes pendurava um elegante
e alto espelho com um marco dourado. Olhou-se um segundo e se deu conta de que não poderia fazer nada para melhorar seu aspecto.
Chegou então outro mordomo com um traje escuro. Conseguiu lhe dedicar um sorriso.
- Temo que tenha esquecido meus cartões de visita - mentiu ela.
A verdade era que já não tinha nenhum. Nunca os necessitava.
- A quem deveria anunciar senhora? - perguntou o homem sem fazer nenhum comentário.
- À senhorita Bolton, de Vila Edgemont - disse.
O mordomo se foi e ela ficou esfregando as mãos, nervosa. Não podia deixar de pensar no duque. Mal o conhecia, mas ouviu falar muito sobre ele e sabia de sua
reputação. Temia que não fosse gostar do que lhe diria. Não parecia o tipo de pessoa acostumado que alguém o contrariasse.
Mordeu o lábio inferior enquanto esperava. Cada vez estava mais nervosa.
Então o mordomo voltou.
- O duque a receberá agora, senhorita Bolton.
Seguiu o mordomo. Cruzaram o grande vestíbulo e pôde ver da distância um grande salão decorado em tons marfim e dourado. Parecia ter ao menos uma dúzia de poltronas
e sofás. Passaram ao lado da biblioteca, de madeira escura e muito masculina. Viu o fogo aceso na lareira e teve a sensação de que era seu aposento favorito. Podia
imaginá-lo sentado nesse sofá de couro lendo os jornais do dia.
Sua cabeça começou a doer. Nunca esteve tão nervosa em toda sua vida. Lamentava ter atraído a atenção do duque no baile.
Chegaram então a um salão menor. Tinha as paredes de cor azul clara e era muito mais alegre que a biblioteca. Viu Clarewood de pé e ao lado da lareira de mármore.
Sobre o suporte se destacava o quadro de um sensual nu. O duque era tão bonito como o recordava. O coração deu um salto ao vê-lo e até se esqueceu de respirar.
Clarewood virou a cabeça ao ouvi-la entrar e seus olhos azuis a olharam com uma intensidade a que não podia acostumar-se.
Olharam-se assim nos olhos durante um segundo que para Alexandra era eterno. Ardiam-lhe as bochechas, já não sentia frio. Tinha esquecido o penetrante que era
seu olhar e como sua presença parecia dominar tudo.
Também havia esquecido a capacidade do duque em conseguir que seu corpo se incendiasse pelo desejo.
Viu que a olhava então de cima abaixo. Esse gesto a devolveu à realidade e foi então consciente de que não estavam sozinhos. Duas elegantes damas estavam com
ele e os três a olhavam com interesse. Lamentou não ter escolhido outro momento para sua visita. Sabia que sua aparência era inapropriada e desastrosa e se ruborizou
ainda mais. Mas levantou um pouco o rosto, decidida a esconder sua vergonha com orgulho.
- A senhorita Alexandra Bolton - anunciou então o mordomo.
- Por favor, traga um pouco de lanche para a senhorita Bolton - ordenou Clarewood com calma. - Depressa, Guillermo. E também chá quente - acrescentou enquanto
ia para ela.
Alexandra o saudou com uma rápida reverência. Continuava sem fôlego.
- Boa tarde, excelência - disse.
- Que surpresa tão agradável, senhorita Bolton! - respondeu o duque sem deixar de observá-la. - Boa tarde. Sinto que tenha tido que viajar em um dia tão desagradável.
Angustiada, pôs-se a tremer ao ver que suas puídas roupas estavam tão ensopadas que tinham molhado também o maravilhoso chão de madeira.
- Faz um tempo horrível e desejaria me desculpar por meu desalinhado aspecto. Não tenho um veículo fechado para estas ocasiões.
- Não se desculpe - pediu Clarewood. - Não imagino o que tem feito que atravesse toda Surrey em um dia como este.
Sabia que devia responder, porque suas palavras não eram só um comentário, e sim uma pergunta. Tentou controlar seu nervosismo enquanto se entreolhavam novamente.
Talvez o duque pensasse que estava tão ansiosa por vê-lo essa noite que não pode esperar até as sete da tarde. Rezava para que não estivesse pensando algo assim.
- Acredito que há um tema do qual devemos falar - disse Alexandra quando pôde por fim recuperar a voz.
Clarewood entrecerrou os olhos e suas longas e espessas pestanas, negras como o carvão chamou sua atenção.
- Por que não se coloca frente à lareira?
Mas não era uma sugestão, e sim uma ordem. O duque tomou seu cotovelo com firmeza e a conduziu até o fogo. Embora a tocasse de leve, não pôde evitar estremecer.
Era como se sentisse seus dedos diretamente sobre a pele. Tinha uma mão grande e forte. O gesto lhe pareceu quase possessivo e recordou então como segurou pela cintura
na noite do baile.
Clarewood tinha conseguido que deixasse de sentir frio. Levantou o rosto e se encontrou de novo com seus olhos.
A tensão que tinha começado a sentir desde que o viu pela primeira vez no salão se fez mais forte ainda. Havia uma espécie de energia muito evidente entre os
dois e não sabia o que pensar de tudo aquilo. Não tinha mudado absolutamente a atração que sentiu pelo duque desde o começo. E o pior de tudo era saber que Clarewood
era consciente disso. Viu que sorria levemente.
Alexandra afastou a vista envergonhada e deixou que o duque a colocasse frente à lareira. O coração pulsava depressa e custava pensar com claridade. Estava desejando
poder falar com ele a sós e dar a visita por terminada. Mas outra parte dela se sentia muito segura perto desse homem.
Observou seu belo perfil e imaginou que essa força que transmitia era o que lhe dava tanta segurança. Não estava acostumada a relacionar-se com homens fortes.
Sabia que alguém como o duque nunca jogaria sua fortuna às cartas nem beberia mais da conta. Não o imaginava agindo como um idiota, nem sequer parecia ser capaz
de suportar esse tipo de conduta nos outros.
- Permita-me que a apresente à senhora de Alexi de Warenne e a lady Saint Xavier? - disse Clarewood então.
Não soube como, mas conseguiu oferecer um tímido sorriso às convidadas do duque. Esperava receber olhares de desdém e comentários frios e mal educados. Mas viu
que as duas lhe dedicavam um sorriso também. Se o penoso aspecto de Alexandra ou o inapropriado de sua visita conseguiu escandalizá-las, nenhuma das duas o fez saber,
mas imaginou que não teriam muito bom conceito dela. A noite do baile na mansão dos Harrington tinha aprendido quão cruel podia chegar a ser a alta sociedade.
- Já conhecia lady Saint Xavier - respondeu ela tentando controlar seus nervos. Fazia anos que não via Ariella Saint Xavier, ainda era uma jovem solteira Ariella
de Warenne. - Mas não acredito ter tido o prazer de que me apresentassem à senhora de Warenne - adicionou.
Recordou então que o marido de Elysse foi quem ajudou a tirar seu pai do baile junto com o jovem Randolph.
- É verdade, não nos apresentaram e é um prazer conhecê-la por fim - disse Elysse de Warenne com amabilidade. - Sua excelência o duque a resgatou a outra noite
quando estava a ponto de desmaiar. Já se encontra melhor? Possivelmente não deveria ter saído de casa em um dia tão horrível como hoje.
Ficou olhando à bela mulher enquanto tentava decidir se havia alguma crítica escondida em suas palavras, algo relacionado com os embustes e rumores que escutara
no baile. Mas Elysse de Warenne continuava sorrindo com amabilidade, sem nenhum tipo de rancor nem malícia. Custava-lhe acreditar que essas duas damas pudessem tratá-la
bem depois do que tinha vivido essa noite. Olhou de novo para Clarewood.
Não deixava de observá-la, com a segurança e o ânimo predador próprio dos homens. Cada vez estava mais nervosa. Recordou como se sentiu entre seus braços, mas
não podia pensar nisso. Olhou às duas mulheres com atenção.
- Temo que tenha um assunto urgente que tratar com sua excelência - disse.
Mas se arrependeu em seguida de haver comentado algo assim. Não queria nem imaginar o que essas duas damas podiam estar imaginando, pois era difícil de acreditar
que uma mulher como ela tivesse assuntos dos quais falar com o duque.
- De verdade? - perguntou Elysse enquanto olhava Clarewood com um sorriso. - Vila Edgemont não está bastante longe daqui?
- Elysse - respondeu o duque com o cenho franzido e gesto reprovador. - Nem todo mundo é tão direto como vocês são.
Soube então que havia um duplo sentido nas palavras de Clarewood. As duas mulheres pensavam que tinha se incomodado mais do que o necessário para ir visitar a
casa dele e deviam acreditar que se tratava de algum assunto relacionado com os cuidados que o duque tinha dedicado a ela no dia do baile.
- Sim, está bastante longe - respondeu Alexandra. Mas não disse nada mais. Não podia explicar a elas por que fora visitar o duque. Por isso decidiu mudar de assunto.
- Alguém poderia se ocupar de minha pobre égua nos estábulos? Temo que seja muito velha para uma viagem tão longa. Bonnie está tão ensopada quanto eu - disse.
- É obvio - respondeu Clarewood enquanto saía ao corredor e deixava às três mulheres sozinhas.
Alexandra olhou ao seu redor, admirando a decoração e com a secreta intenção de que não perguntassem a ela sobre as razões que a levaram a visitar o duque.
- É um salão lindo - murmurou.
Mas não morderam a isca.
- Alegra-me que tenha vindo assim temos ocasião de voltar a nos ver - disse Ariella com um sorriso. - Como está senhorita Bolton?
Sabia que haviam ouvido os rumores, como todo mundo, e era claro que tinha visto seu pai com uma taça a mais. Igual a Elysse, Ariella também parecia sincera e
muito cordial, qualidades que não abundavam entre as damas da alta sociedade como elas.
- Estou muito bem, obrigada - respondeu Alexandra medindo suas palavras. - Acredito que vivem também bastante longe, não é assim? - acrescentou para que a conversa
fosse o mais banal possível.
- Assim é. Vivemos em Woodland, que está no condado de Derbyshire. Eu adoro esse lugar. Com o tempo, construiremos uma casa em Londres. Mas, de momento, eu gosto
de me alojar na de meu pai cada vez que viajamos a cidade.
Foi então quando se deu conta de que as duas damas, além de amigas, eram cunhadas.
- Faz anos que não vou a Derbyshire, mas é uma parte muito bela do país - respondeu Alexandra sem deixar de olhar a porta.
Não sabia como ia poder falar em privado com o duque enquanto suas convidadas estivessem ali.
- Se alguma vez encontrar-se por essa zona, deve aproximar-se e nos visitar - disse Ariella sem deixar de sorrir.
Não pôde evitar que seu convite a surpreendesse e abriu muito os olhos. Perguntou-se se falaria a sério.
- Woodland é uma casa de campo, mas construímos uma quadra de tênis e há algumas lojas muito interessantes no povoado. Alguma vez jogou tênis, senhorita Bolton?
Continuava sem acreditar que estivessem sendo tão amáveis com ela.
- Não, não tive ocasião de provar, mas parece um jogo muito interessante.
- E é, mas também é mais difícil do que parece. Têm que nos visitar quando puder e jogaremos um pouco com as raquetes.
- Não tenho planos para viajar a essa zona do país. Mas se alguma vez o fizer, tentarei me aproximar e visitá-la - assegurou com um pouco de nervosismo. - Muito
obrigado.
Olhou pela janela. Continuava chovendo com força.
- Deveria trocar de roupa - sugeriu Elysse de repente. - A outra noite desmaiou ou esteve a ponto de fazê-lo. Não é bom que permaneça com a roupa úmida, poderia
adoecer.
Olhou para a jovem.
- Temo que não trouxe roupa para trocar, mas voltarei para casa assim que termine de tratar com o duque o assunto que me trouxe até aqui.
As duas jovens se olharam em silêncio. Imaginou que não acreditavam nela, mas não podiam contestá-la.
Clarewood retornou então e a olhou de maneira tão sedutora que o coração deu um salto no peito. Era um homem muito seguro de si mesmo. Devia pensar que estava
disposta a aceitar seu escandaloso convite.
- Pode ficar frente à lareira até que se sequem suas roupas - disse Clarewood às outras duas damas. - Encarreguei-me que atendam sua égua, senhorita Bolton.
- Obrigada - respondeu com sinceridade.
Ariella então ficou em pé.
- Tenho que ir, Stephen - anunciou. - Temos um jantar e, com esta chuva, estou segura de que demoraremos mais tempo do que o habitual em retornar para casa.
- Obrigado por vir, Ariella - respondeu Clarewood. - E obrigado também por me ajudar com o assunto do qual estivemos falando - adicionou com uma nota de ameaça
em sua voz.
Ariella sorriu e o beijou na bochecha. Alexandra estava estupefata. Não podia acreditar que chamasse o duque por seu nome de batismo nem que o tratasse com tanta
familiaridade.
- Estou desejando pôr mãos à obra - assegurou a jovem.
Elysse também o beijou com afeto.
- Parece preocupado. Não tema, excelência - disse com tom zombador. - Obedeceremos humildemente suas ordens.
- Estou tremendo - respondeu Clarewood com gesto sério. - Você me deu sua palavra, Elysse. E você também, Ariella.
- É obvio - murmurou Elysse enquanto girava para olhar Alexandra. - Foi um prazer conhecê-la, senhorita Bolton. Espero que tenhamos a ocasião de nos ver de novo
muito em breve.
Alexandra tentou ocultar sua surpresa ao encontrar sinceridade em suas palavras.
- Stephen não é tão perigoso quanto parece. Já sabe que cão ladrador está acostumado a ser pouco mordedor... - disse Ariella então. - Seja o que for que deseja
conseguir, mantenha-se firme, querida - aconselhou.
Estava boquiaberta.
- Somos amigos desde nossa infância - explicou Ariella enquanto se despedia.
- Já volto - disse Clarewood a ela enquanto saía do salão para acompanhar às damas.
Procurou um lugar onde sentar-se assim que ficou sozinha, mas todas as poltronas pareciam tão caras e delicadas que não sabia onde acomodar-se. Não queria estragar
móveis tão elegantes.
Escolheu o assento junto à janela e respirou profundamente, mas não podia deixar de tremer.
Elysse e Ariella tinham sido agradáveis e muito amáveis. Também se mostraram muito diretas, algo que não era comum em seu ambiente. Não sabia o que pensar delas,
mas pareciam apreciar de verdade o duque e não deixavam que ele as intimidasse.
Gostou de ver algo assim, dava a ela outra perspectiva, mais humana, do duque, que sempre lhe pareceu forte como uma rocha e muito poderoso. Pensou que possivelmente
fosse como Ariella assegurou a ela, menos perigoso do que aparentava.
Mas não achava possível.
Pôs-se a tremer uma vez mais. Voltou a reviver a noite do baile, quando a segurou com força para evitar que caísse ao chão. Não podia deixar de pensar em seu
olhar penetrante, não tinha nada a ver com o sorriso amável e generoso do senhor Denney. Apareceu também em sua mente o rosto de seu querido Owen, sempre rindo e
demonstrando quão apaixonado estava por ela. Esfregou as têmporas, cada vez doía mais a cabeça e estava muito confusa. Sabia que estava a ponto de ter a conversa
mais complicada de toda sua vida.
- Senhorita Bolton?
Ela se sobressaltou, não o ouviu entrar. Ficou em pé e voltaram a olhar-se nos olhos. Clarewood sorria sedutoramente, parecia sempre tão seguro...
- Ainda não são sete horas - murmurou. - Ia enviar a calesa para que a trouxesse.
Respirou profundamente antes de responder.
- Não, não são sete - disse. - Deve ser três e meia ou algo assim.
Clarewood levantou as sobrancelhas.
- Deveria interpretá-lo de maneira positiva? - perguntou Clarewood. - Ou deveria me preocupar?
- Esta noite jantarei em minha casa.
- Entendo - respondeu ele sem deixar de olhá-la. - Por quê?
Sentia-se apanhada. Esse homem fazia com que se sentisse culpada e nervosa. Também a fazia desejar coisas para as quais não estava preparada. Sentia que estava
esperando o momento propício para atacá-la, como faria um animal com sua presa.
- Deixei as rosas no carro. São lindas, mas temo que a chuva as tenha quebrado - disse.
Clarewood não disse nada, limitou-se a observá-la e a esperar.
Abriu então seu pequeno bolso e tirou o bracelete.
- Também vim lhe devolver isto. É óbvio que não posso aceitar as flores e nem um presente tão inapropriado.
- Não entendo por que não pode. Desejava que tivesse este bracelete - disse Clarewood,
Estava tão nervosa que mal podia respirar. Não só era todo um sedutor, o duque também parecia extremamente perigoso. Era como um leão, convidando seu domador
que passasse à jaula com a intenção de convertê-lo em seu jantar e brincar com ele. Sabia que não se enganou com esse homem. Não parecia acostumado que ninguém o
contrariasse.
- Seu convite não me pareceu decoroso - disse ela.
- E não era.
Não pôde ocultar sua surpresa ao ver que reconhecia claramente e com calma suas intenções. Mas Clarewood continuava sem dizer nada a ela, limitava-se a olhá-la
e seu coração parecia a ponto de arrebentar.
- Já expliquei a Randolph que tenho um pretendente, excelência. Um com intenção de casar-se.
Clarewood fez então uma careta.
- Não me importa ter concorrência, senhorita Bolton.
Abriu a boca, atônita. Não podia acreditar que ele tinha em mente o mesmo que o senhor Denney. Não compreendia por que não se rendia.
- As intenções dele são honestas - disse então. - As suas também são?
- Não, não são.
Era tão direto que ficou sem palavras. Clarewood sorriu então.
- Eu gosto de ser claro, senhorita Bolton - disse. - E me parece uma frivolidade perder o tempo. Você me atrai muito e acredito que sente o mesmo por mim. Tendo
em conta as circunstâncias nas quais estamos os dois, não sei por que se nega a aceitar minha oferta. A não ser, é obvio, que esteja apaixonada pelo senhor Denney.
Clarewood pretendia ter uma aventura amorosa com ela. Não podia acreditar que fosse tão franco. Inalou e exalou com força para tentar tranquilizar-se um pouco.
- O que sente por esse homem? - perguntou-lhe Clarewood com ironia.
O duque parecia achar divertido que outra pessoa estivesse interessada nela.
- O que sinto pelo senhor Denney não é problema seu - disse com firmeza.
Mas não sabia o que ia fazer se Clarewood não voltasse a trás, renunciando a sua conquista.
- Eu o converti em meu problema - respondeu o duque com calma.
Não podia deixar de tremer nem sabia o que fazer. Clarewood parecia obcecado com ela e não se importava que fosse uma dama, embora sua família carecesse já de
todo prestígio, nem que tivesse um pretendente. Recordou uma vez mais como se sentiu entre seus braços. Seu corpo ardia de desejo, mas era uma mulher com princípios,
tinha que fazê-lo entender.
- Eu a insultei? Não era essa minha intenção, asseguro-lhe isso. A maioria das mulheres gostam de meu interesse - disse ele.
- Eu também me sinto adulada - reconheceu. - Mas, excelência também me ofendeu.
- Por que a ofende meu interesse?
Tinha chegado o momento de deixar tudo muito claro a ele.
- Excelência, encontro-me em uma situação muito complicada. Claro que me adula seu interesse, que mulher não se sentiria assim? Mas acredito que me interpretou
mal. E, não o culpo por isso, mas pretendo que fique muito claro que não vou aceitar suas insinuações.
Clarewood parecia estar divertindo-se com tudo aquilo.
- É uma mudança para melhor que tenha me encontrado com uma mulher como você, não é algo ao qual esteja acostumado. As mulheres costumam beijar, solícitas, a
terra que piso - confessou Clarewood.
- Não é minha intenção recusá-lo por completo - sussurrou ela então.
- Acredito que não a entendo.
- O que quero dizer é que poderíamos ser amigos - respondeu ela.
O duque de Clarewood pôs-se a rir.
- Senhorita Bolton, faz-me uma sugestão muito pouco comum. Não se ofenda, mas a amizade não tem nada a ver com as rosas vermelhas nem os diamantes. Não é amizade
o que procurava em você.
Suas palavras deveriam ter sido o insulto definitivo, mas não podia mover-se. O desejo era mais forte que ela e mal podia controlá-lo.
- Excelência, vim para dizer-lhe que, se o senhor Denney decidir casar-se comigo, aceitarei sua oferta - disse com firmeza.
Clarewood ficou calado, mas sua afirmação não parecia tê-lo afetado muito. Nem mesmo o viu ofendido nem preocupado. Limitava-se a continuar olhando para ela com
seu intenso olhar azul.
- Por isso devolvo as flores e o bracelete, devo declinar seu convite para o jantar desta noite e peço que retroceda em seu empenho - disse. - Sinto muito de
verdade, eu adoraria poder manter uma amizade. Sinto muito.
- Não tanto quanto eu - respondeu Clarewood. - Deveria reconsiderar sua decisão.
Alexandra deixou o bracelete sobre a mesa mais próxima e negou com a cabeça. Tinha vontade de chorar, já não sabia o que fazer para convencê-lo.
- Agradeço muito que tenha me ajudado à noite do baile. E me adula seu interesse, mas... Devo ir - lhe disse.
Passou como pôde ao seu lado. Estava desejando poder chegar quanto antes a seu carro. Não recordava a última vez que havia se sentido tão mal e não entendia por
que. Tinha obtido seus objetivos. Havia dito a ele o que pensava e tinha recusado suas insinuações.
O duque se colocou frente a ela, impedindo sua passagem. Alexandra abriu a boca para protestar ao sentir que agarrava seus braços com firmeza, mas sem lhe fazer
dano.
Não sabia o que pretendia fazer.
- Não estou acostumado a me equivocar com as pessoas - sussurrou Clarewood.
Olhava-a como se procurasse algo em seus olhos. Não podia afastar a vista. O coração pulsava com tanta força que estava segura de que Clarewood poderia ouvi-lo.
- Desta vez cometeu um grave engano.
- Não estou de acordo - respondeu ele. - Acredito que está decidida a aceitar a oferta do latifundiário porque necessita o dinheiro.
- E o que tem se for assim?
Clarewood acariciou então sua mandíbula com o polegar. O desejo era cada vez mais intenso e não podia deixar de tremer.
- Penso ser um benfeitor muito generoso - assegurou o duque.
Era difícil compreender o que ele dizia enquanto a acariciava como o fazia. Sentia-se muito confusa.
- Estou desejando ser generoso com você, em todos os sentidos, Alexandra - murmurou ele então.
Sua voz estava carregada de desejo, o mesmo que havia em seu olhar. Queria afastar-se dele e parar os pés dele, mas não fez nenhuma das duas coisas.
Clarewood levantou o queixo dela com cuidado.
- Está ensopada e seu aspecto é inclusive um pouco desalinhado. Mas, mesmo assim, consegue me deixar sem fôlego - confessou.
- Detenha-se, pare - pediu ela.
Nem sequer estava segura de ter pronunciado essas palavras, só podia pensar em seu rosto, que se aproximava cada vez mais.
"Vai me beijar", pensou.
Ficou imóvel e não foi capaz de pensar em nada. Esqueceu tudo, não sabia o que fazia ali. Só entendia que o duque estava a ponto de beijá-la e todo seu corpo
se rebelou.
Clarewood agarrou seus ombros e roçou os lábios contra os dela. Fez uma e outra vez...
Não podia mover-se. A sensação era tão intensa que só podia pensar em quanto o desejava. Ela também se agarrou a seus fortes ombros e sentiu que ele sorria. Foi
então quando relaxou por fim entre seus braços.
Não recordava por que estava negando o que sentia.
Clarewood emitiu uma espécie de grunhido e apanhou sua boca com ferocidade.
Ela também gemeu enquanto o abraçava e deixava que seus corpos se unissem. Sentiu sua firmeza masculina contra os quadris e o desejo a cegou por completo. Precisava
estar com esse homem, sentir-se segura, receber sua força e seu poder e deixar que a abraçasse.
Alexandra o beijou também.
Mas não eram beijos doces e suaves, próprios de uma dama. Beijou-o com urgência, como se estivesse ficando louca e sua vida dependesse disso. Abriu os lábios
e insistiu até conseguir que Clarewood a beijasse de igual forma, até que suas línguas se uniram em um apaixonado e íntimo beijo. Eram milhares as sensações que
a embriagavam, era incrível sentir seu imponente e ereto membro contra sua pélvis. Desejava gritar seu nome, lhe suplicar para que não parasse, pedir que lhe desse
mais... Beijava-o com o desejo que esteve ignorando durante anos. Sentiu-se mais viva e feliz que nunca.
Não entendia como podia ter vivido tanto tempo sem essas sensações.
Mas Clarewood se separou dela então.
Sustentava-a para evitar que caísse. Alexandra abriu os olhos e se encontrou de novo com seu olhar inflamado pelo desejo. Pouco a pouco, foi recuperando o bom
senso.
Viu então até que ponto estava excitado e como parecia satisfeito. Ela se sentia igual, mas soltou seus ombros e se afastou.
Sentia-se emocionada, não podia acreditar.
Estava consternada, não entendia o que lhe ocorreu nem por que o tinha feito.
- Ficará para o jantar - disse Clarewood.
Ela sacudiu a cabeça e tentou afastar-se. O duque não a soltou, parecia muito surpreso.
- Não. Não posso. Deixe que vá... Por favor!
Não soube se ele a soltou ou se ela conseguiu liberar-se. Sem deixar de olharem-se, viu como o desejo abandonava o olhar do duque, parecia zangado.
- Se está jogando comigo, Alexandra, é uma estupenda jogadora, a melhor que eu encontrei - disse.
Não podia acreditar que pensasse algo assim dela. Deu a volta e correu até a porta, angustiada pelo que acabava de fazer. Sentia-se muito ofuscada para pensar
com claridade ou ver se ele a seguia. Correu pela casa procurando a saída. Não se deteve para recuperar sua capa nem suas luvas. Chegou à porta principal antes que
o mordomo, que correu a abrir a porta para ela. Saiu depressa ao jardim. Continuava chovendo.
Mas seu carro já não estava ali. Recordou que tinham levado sua égua até os estábulos. Ela mesma tinha pedido isto. Tentou controlar as lágrimas que a cegavam.
- Senhorita Bolton! - exclamou Clarewood então.
Deu a volta e viu que chegava a seu lado segurando um guarda-chuva para que não se molhasse mais.
Decidiu ignorá-lo e foi com passo firme para os estábulos.
Clarewood a seguiu com o guarda-chuva ainda sobre sua cabeça. Não demorou em alcançá-la e segurá-la pelo braço.
- Detenha-se - ordenou com o rosto avermelhado.
- Solte-me - rogou ela.
- Continua ensopada e essa pobre égua não se recuperou o suficiente para levá-la a Vila Edgemont.
Atreveu-se por fim olhá-lo aos olhos.
- O que pretende então que faça? - perguntou furiosa. - Quer que fique e aceite a suas insinuações? Pretende que satisfaça seus desejos e necessidades e que faça
tudo o que me ordene?
Apesar do zangado que parecia, Clarewood falou com calma.
- Sinto que tenha esse dilema moral. Não é minha intenção mantê-la cativa, Alexandra. Deixe a égua onde está, pode descansar nos estábulos. Vou me encarregar
de que a levem a sua casa assim que esteja seca. E prometo deixá-la só, enquanto isso.
Ficou olhando para ele sem saber o que fazer nem o que dizer.
- Mas sugiro que pense nos benefícios que poderia conseguir estando comigo, sobre tudo depois do que acaba de ocorrer.
Capítulo 07
- Alexandra! - chamou-a seu pai com alegria no dia seguinte. - Já te disse que o senhor Denney jantará conosco esta noite?
Eram às dez e meia da manhã e Olivia estava preparando o café da manhã a Edgemont, como sempre fazia. Chegava sempre tão tarde da noite e com tantas taças a mais,
que não conseguiam que se levantasse mais cedo.
Alexandra tinha colocado a tábua de engomar em um canto da cozinha e estava engomando já o último dos vestidos que esteve arrumando para suas clientes depois
do baile dos Harrington. Passou quase toda a noite trabalhando.
- Não, pai, não me disse nada - respondeu ela com uma calma que estava longe de sentir.
Clarewood tinha cumprido sua palavra no dia anterior. Acompanhou-a de volta ao salão para que se sentasse frente ao fogo, mas não ficou com ela. Demorou quase
uma hora em secar-se bem. Enquanto isso, uma donzela tinha servido a ela uma comida quente. A princípio, negou-se a tomá-la, mas depois pensou melhor. Sabia que
a viagem de volta a casa ia ser longa, fria e cansativa.
Mas tinha se equivocado. Clarewood se encarregou de que viajasse para casa em uma de suas melhores calesas fechadas.
Tinham colocado tijolos quentes no chão para manter a temperatura e tinha uma manta de pele no assento. O teto da calesa, a diferença da sua, não tinha goteiras
e as janelas de vidro não deixavam que entrasse o frio nem a chuva. Foi uma viagem tão agradável de volta a Vila Edgemont que chegou a cochilar apesar do preocupada
e nervosa que estava.
Mas sabia que não devia pensar mais no dia anterior, precisava se concentrar na tarefa que tinha nas mãos. A última coisa que precisava era ter que pagar um vestido
se o queimasse por um descuido.
Mas, por mais que olhasse o tecido do vestido, não tirava da cabeça o olhar azul de Clarewood. Por mais forte que agarrasse a manga da pesada prancha, eram os
ombros desse homem o que sentia sob seus dedos. Estava desesperada e desejava poder esquecê-lo para sempre.
Seu pai ainda não estava em casa quando ela retornou. Foi o único fato positivo de um dia que não podia ter sido mais complicado. Sabia que não teria sido capaz
de explicar a ele de onde vinha, nem por que o duque lhe emprestou a calesa.
Suas irmãs ficaram sem palavras ao vê-la chegar. Mas, por desgraça, o feitiço não durou muito e não demoraram em crivá-la com perguntas. Não teve forças para
responder e se limitou a subir ao seu dormitório. Ali ainda conservava uma das rosas enviadas por Clarewood. Vê-la sobre a cômoda conseguiu aumentar ainda mais sua
tristeza.
Esse dia também não parecia ser simples. Tinha que organizar um jantar e quase não tinha dinheiro para comprar a comida.
- Disse ao senhor Denney que estamos acostumados a jantar as sete? - perguntou a seu pai enquanto engomava a manga de seda rosa com supremo cuidado.
- Pretende vir um pouco antes para tomar uma taça de xerez. Disse-me que deseja falar em privado comigo.
Edgemont parecia muito contente, mas ela sentiu que o coração encolheu. Deixou a prancha ao lado da pia. Não podia deixar de pensar em Clarewood. Nem mesmo esquecia
a ira em seu olhar ao ver-se recusado.
Mas não podia fazer outra coisa, isso era claro.
Seus olhos se encheram de lágrimas ao recordar o ardente beijo e sentiu de repente que custava respirar. Não entendia por que estava tão triste. Decidiu que não
podia voltar a pensar nesse breve, mas muito apaixonado, encontro.
- Pergunto-me o que quer falar comigo - comentou Edgemont com um sorriso.
Olhou-o e tentou sorrir. Não podia acreditar que Denney fosse pedir sua mão ao seu pai. Embora dissesse a ela que não queria esperar muito, achava que era muito
cedo.
- Espero que ele goste de frango assado - respondeu ela.
Acreditava que era um bom prato principal e o único que podiam permitir-se.
Olivia deixou um prato com duas torradas e um ovo cozido na frente de seu pai. Fazia anos que não podiam comprar presunto nem salsichas.
- Está tão louco por você, que poderia servir a ele qualquer coisa e ele comeria - disse seu pai.
Confusa e triste deu a volta e preparou o vestido para engomar a parte de trás, mas a prancha já tinha se esfriado.
- Alexandra, já engomou esse lado - recordou Olivia com gesto preocupado.
Olhou sua irmã com gesto sério.
- Tem razão - disse enquanto tentava sorrir. - Que tonta estou!
Tudo tinha terminado, mas acreditava que não tinha motivos para sentir-se tão mal.
O duque conseguiu recordar seu passado, os dias de seu noivado com Owen. Embora fosse seu prometido nunca havia sentido uma explosão de desejo tão forte.
Sentia falta de Owen e sentiu de novo a dor de tê-lo perdido.
Seu pai engolia com bom apetite seu café da manhã. Já dissera a elas que passaria o dia fora de casa. Não sabia aonde ia nem mesmo se importava. Tirou o vestido
de noite da cozinha para pendurá-lo. Olivia a seguiu.
- Esmere-se esta noite com o jantar, Alexandra! Não regule em gastos! - exclamou seu pai da cozinha.
Alexandra não respondeu.
- Por que não quer falar do que ocorreu ontem? - perguntou sua irmã enquanto Alexandra pendurava o vestido. - Estou muito preocupada.
Não queria inquietar suas irmãs.
- Não há razão para preocupar-se com nada. Expliquei minha situação ao duque e sei que não tentará nada mais. Isso é tudo.
- Mas se está a ponto de chorar - disse Olivia. - Nem sequer pode sorrir. O que ocorreu? Foi desagradável contigo? Cruel? Não posso deixar de imaginar coisas
horríveis!
- Estava muito zangado - explicou ela enquanto abraçava sua irmã. - Não gosta que o contrariem. Mas terminou e sei que não tenho razões para estar desgostosa.
- Mas está!
Não podia falar a ela do beijo. Nem mesmo podia contar que nesses dias tinha lembrado muito de Owen e tudo o que tinham compartilhado. Sabia que sua irmã usaria
essa informação para tentar convencê-la uma vez mais e impedir que se casasse com o latifundiário Denney.
- Estou exausta, isso é tudo - disse com um sorriso. - Ao menos Bonnie está de férias. Estou certa que se encontra no estábulo mais luxuoso que jamais esteve
e lhe terão dado mais feno de que pode comer.
Olivia não devolveu o sorriso.
- Algo ocorreu na mansão de Clarewood e não quer me contar. Nunca tivemos segredos.
Mordeu o lábio ao escutar como sua irmã estava triste e lhe encheram os olhos de lágrimas.
- Beijou-me - sussurrou.
Olivia não pôde afogar uma exclamação.
- Sinto muito - disse enquanto apoiava as costas na parede. - Tinha esquecido como é que um homem jovem e bonito beija.
- Não é tão jovem. Deve ter uns trinta anos - respondeu Olivia. - É um canalha desprezível...
- Sim, é desprezível.
Seu pai saiu nesse momento da cozinha e ficaram em silêncio. Deu-se conta então de que não acreditava em suas próprias palavras. Não pensava que Clarewood fosse
desprezível.
- Que tenha um bom dia, pai - disseram as duas de uma vez.
- Não regule em gastos, Alexandra - ele recordou com um sorriso enquanto abria a porta principal. - E fique bonita.
Esperaram que fechasse a porta e se olharam de novo nos olhos.
- Então, me enganei com o duque, não tinha boas intenções - disse Olivia com consternação. - Sinto muito, Alexandra.
- Não foi nada, já terminou - respondeu ela com firmeza.
Não estava tão segura como fingia, mas tinha muitas coisas na cabeça para preocupar-se com isso.
- Temos que limpar a casa. Onde está Corey?
- Vou procurá-la.
Passaram uma hora varrendo, esfregando os chãos e limpando tudo. A casa tinha que estar muito limpa para o jantar dessa noite. Apesar do trabalho, Alexandra continuava
pensando em Clarewood e em Owen. Era como se o duque a tivesse despertado de uma longa letargia, mas também havia reaberto suas feridas.
Corey e ela se dedicaram depois a dar brilho aos móveis. Olivia varria a escada de entrada da casa. Era um dia ensolarado e frio, nada a ver com a chuva do dia
anterior.
- Alexandra, venha! Depressa! - gritou de repente Olivia ao entrar no salão.
Alarmada, o coração deu um tombo. A primeira coisa que pensou foi que Clarewood tinha enviado outro presente para ela, mas sabia que não era possível.
Saiu correndo. Corey ia atrás dela.
Viu então que Clarewood tinha enviado sua carruagem de volta. Mas não era Bonnie no veículo, mas um formoso e jovem cavalo negro.
- Onde está Bonnie? - perguntou Olivia.
- Olhem que cavalo! - exclamou Corey.
Parecia um animal capaz de fazer esse longo trajeto desde Clarewood várias vezes ao dia e sem se cansar. Viu então que o cavalo de Randolph estava preso à parte
traseira da carruagem e soube que era o jovem o que tinha conduzido até ali.
Não entendia o que Clarewood pretendia.
Estava preocupada, mas também sentia algo mais. Ficou sem fôlego.
Randolph as saudou com a mão, deteve a carruagem e desceu de um salto.
- Bom dia, senhoritas - disse com um grande sorriso.
Alexandra não pôde responder.
- Onde está Bonnie? - perguntou Corey.
- A égua continua em Clarewood. Temo que coxeie um pouco, mas não há motivo para alarmar-se. O duque conta com os serviços de um grande veterinário e, com um
pouco de descanso, poderá estar de volta em cinco ou seis semanas. Parece que se danificou um tendão.
- Cinco ou seis semanas! - exclamou Corey com preocupação. - É a única montaria que temos para o carro! Como vamos estar tanto tempo sem ela? - adicionou sua
irmã enquanto olhava a ela.
- Nosso pai terá que nos deixar seu cavalo uma temporada, não é nada. Só é algo temporário.
- Nunca aceitará Alexandra, não vai renunciar a seu cavalo - sussurrou Olivia.
- Senhoritas, não têm por que se preocuparem - interrompeu Randolph sem deixar de sorrir. - Sua excelência deseja que Ébano fique aqui até que a égua tenha se
curado por completo.
Não podia acreditar.
- Como? - perguntou enquanto olhava o maravilhoso cavalo negro.
- Podem utilizá-lo até que tragamos a égua, senhorita Bolton - disse o jovem. - Sua excelência insistiu muito.
Olhou então Randolph, que estava observando-a, parecia estar esperando que o contrariasse. Era um gesto muito generoso por parte do duque.
Recordou então as palavras de Clarewood. Tinha prometido a ela que seria um benfeitor muito generoso e tinha sugerido depois de ver suas reticências, que convinha
a ela repensar os benefícios que poderia conseguir estando com ele.
- É uma maravilha - murmurou Corey. - É o cavalo mais belo que vi em minha vida. Podemos montá-lo com sela?
Randolph olhou sua irmã mais nova.
- Sim, é uma boa montaria - disse. - Você gosta de dar passeios a cavalo, senhorita Bolton?
- É obvio, mas faz anos que não o faço - respondeu à jovem. - Nunca tive um cavalo próprio, senhor. Mas, quando era menina, estava acostumada a montar Bonnie
sem sela por estes mesmos prados.
- Corey! - recriminou-a Olivia por falar mais da conta.
Alexandra não era consciente da conversa que tinham. Estava muito preocupada. Não sabia se era um gesto amável e considerado ou se Clarewood tratava de deixar
claro a ela, com esse gesto, que não pensava se render.
Olhou Randolph.
- Muito obrigada pela oferta. É muito generosa, mas temo que não possamos aceitar um cavalo assim, embora seja só para usá-lo de maneira temporária - disse com
segurança.
- Por que não? - perguntou Corey.
O jovem parecia surpreso, mas não deixou de sorrir.
- Senhorita Bolton, o duque insiste, deseja que o aceite. Por que não o agrada?
Ficou em silêncio uns segundos, lhe custava pensar com claridade.
- Senhor, poderíamos falar em privado, por favor?
Antes que Randolph pudesse responder, Corey agarrou seu braço e a olhou com seus belos olhos verdes.
- Alexandra, eu adoro esse cavalo. E o necessitamos. Não podemos passar seis semanas sem a carruagem. Olhe esse animal! Se negar a aceitá-lo, não voltarei a dirigir
a palavra a você.
Mas Olivia tomou o braço de sua irmã mais nova.
- Entremos Corey - pediu com firmeza. - Mas tem razão, Alexandra. Precisamos poder usar o carro. É só é um empréstimo, não o devolva - adicionou Olivia enquanto
a olhava.
Esperou a que suas irmãs entrassem na casa para olhar de novo Randolph.
- Acredito que já expliquei minha situação, senhor - disse então.
- Só se trata de um cavalo, senhorita Bolton.
- Mas é um cavalo muito caro e pertence ao duque de Clarewood.
- Ele me disse que se negaria a aceitá-lo - confessou Randolph enquanto cruzava os braços. Surpreenderam-lhe suas palavras. - Por que negar, senhorita Bolton?
O duque não vai dar-se por vencido, menos ainda neste tema. Quer ajudá-la neste momento de especial necessidade. Não pode estar sem a carruagem.
- Eu gostaria de poder acreditar nisto, senhor.
- Tenho ordens expressas de não retornar com Ébano - disse então. - Assim vou deixá-lo aqui, em seu estábulo. Se de verdade deseja devolvê-lo terá que fazê-lo
você mesma - adicionou com astúcia.
Deu-se por vencida então. Não podia retornar a Clarewood, nem sequer para lhe devolver o cavalo. Não tinha mais remédio que aceitar seu presente. O duque de Clarewood
ganhou a batalha.
- Ninguém nunca disse a você, que não tem ninguém mais preparada que você? - perguntou Elysse com um sorriso enquanto sua elegante calesa entrava na zona comercial
de Londres.
Ariella sorriu a sua amiga.
- A verdade é que tudo foi ideia de Emilian. Recordou-me que o senhor Jefferson está desejando fazer negócios com meu pai e que certamente poderíamos usar esse
fato a nosso favor - confessou Ariella.
Sorriu ao pensar em seu marido. Já estavam casados a sete anos e tinham dois filhos lindos, um menino e uma menina, mas acreditava que cada dia o amava mais.
No início ele lhe pareceu ser um homem introvertido e distante, inclusive meio perigoso, mas tinha se convertido em seu marido, seu amante e em seu melhor amigo.
Emilian tinha se divertido em saber o que pretendiam fazer. A intenção das duas mulheres era ignorar as ordens de Clarewood e tentar que a relação entre a duquesa
viúva e o atraente boiadeiro americano desse certo.
- Diremos ao senhor Jefferson que meu pai me pediu que mostrasse Londres a ele. O americano não vai querer ofender meu pai e imagino que não se atreverá a declinar
nosso convite - disse Ariella com um grande sorriso.
- E nós, que estaremos casualmente de passagem pela mansão Constance, não teremos mais remédio que fazer uma visita à duquesa - acrescentou Elysse com o mesmo
entusiasmo.
- Bastará que consigamos que esteja no mesmo salão - recordou ela. - O que ocorrer depois, já não é nosso assunto.
- Ou sim - respondeu Elysse.
Olhou sua linda amiga. Pareceu ter ficado meio séria e imaginou que estaria recordando o começo de seu próprio casamento e o difícil que foi estar separada de
seu marido durante seis anos.
Elysse sofreu muito. Acreditava que Alexi não chegaria nunca a admitir, mas ela conhecia bem a seu irmão e estava segura de que ele também passou muito mal. Alexi
tinha se limitado a esconder sua dor sob uma fachada de ira. Por sorte, no final se reconciliaram e sabia que eram muito felizes juntos. Nunca poderia ter imaginado
que o farrista de seu irmão terminasse sendo um marido tão devoto.
- Às vezes, um casal necessita uma ajuda externa - disse Elysse então. - Pode ser que Alexi e eu continuássemos separados se não tivessem me convencido a ir atrás
dele e tentar seduzi-lo.
- Foram momentos muito duros - recordou ela. - Com Julia e o senhor Jefferson também será complicado. Eles vem de dois mundos muito diferentes. Ela é a duquesa
viúva e ele, um boiadeiro. Ela tem uma fortuna e é inglesa. Ele carece de tantos meios e é americano. Mas, como parece que já existe certa atração entre os dois,
pode ser que só necessitem um último empurrão para superar as aparentes diferenças.
- Alguém já disse a você como é esperta? - perguntou Ariella então.
- Só meu maravilhoso marido - respondeu sua amiga com um grande sorriso.
As duas jovens tinham insistido em que Tyne Jefferson se sentasse no assento que ia a favor da marcha, mas ele se negou. Acomodou-se de costas ao condutor da
calesa, com suas longas pernas cruzadas frente a ele. Era um americano que tinha percorrido três vezes o país de costa a costa antes que instalassem a ferrovia transcontinental,
tinha sobrevivido a ataques dos índios e dos lobos, mas continuava sendo um cavalheiro. Ou ao menos tentava.
A filha de Cliff de Warenne mostrou a ele outro ponto de interesse com o dedo. Tratava-se do lar de um reconhecido artista britânico. Estava sendo uma tarde muito
agradável. Ficou surpreendido que as jovens damas fossem recolhê-lo ao hotel. Depois de apresentarem-se, se ofereceram para dar uma volta turística pelas zonas mais
famosas da capital inglesa. A filha de Cliff disse que seu pai pediu a ela que o visitasse para lhe fazer companhia, mas em seguida deu a ele a impressão de que
pretendiam algo. Não conseguia entender o que pretendiam, mas não queria ofender a filha de Cliff. Sobre tudo quando estava tentando convencê-lo para que montasse
uma companhia naval em Sacramento. Além disso, não ia passar muito tempo em Londres e pareceu uma boa ideia aproveitar o convite das duas damas para conhecer melhor
a cidade.
Mas já tinha passado duas horas e viu que tinham saído da cidade. Nunca ia a nenhum lugar sem antes estudar os mapas do lugar e soube que deviam estar perto de
Greenwich. Era uma luxuosa zona residencial e uma parte muito bela dos subúrbios de Londres. Viam-se grandes mansões do caminho, com cuidados jardins e luxuosas
entradas. Cada vez estava mais confuso e intrigado.
- Não deveríamos já estar de volta na cidade? - disse a elas. - Eu adoraria tomar o chá no hotel e assim devolver o favor a vocês, lady Saint Xavier.
- Não nos deve nada, senhor Jefferson - respondeu a jovem com um sorriso.
- Podem me chamar Jefferson, sem mais - disse.
A senhora de Warenne olhou então pela janela da calesa fingindo surpresa.
- É o palácio Constance! Pergunto-me se a duquesa viúva estará em casa- murmurou.
O coração deu um salto ao ouvir seu nome.
- Acredito que já teve o prazer de conhecer a duquesa viúva, não é assim? - perguntou-lhe Lady Saint Xavier com muita doçura. - Se estiver em casa, deveríamos
passar e fazer uma visita a ela. Nossas famílias são muito amigas e não tive ocasião de falar muito com ela durante o baile da outra noite na mansão dos Harrington.
Ficou olhando as brancas colunas da fachada principal e as grandes portas de ferro forjado. Seu pulso foi se acalmando pouco a pouco, mas continuava sem entender
por que reagiu assim ao ver que iam visitar a duquesa viúva. Sabia que não era uma casualidade.
Olhou às duas jovens, que o observavam a sua vez com inocentes sorrisos. Cada vez estava mais certo. As duas tramavam algo e não sabia por que o levavam para
ver a duquesa. Com ela não tinha nenhum negócio pendente, sabia que só podia ser uma visita social.
Passou pela sua cabeça que tentassem fazer de casamenteiras com eles e esperava estar equivocado. Mas não pôde evitar pensar na bela duquesa, com seu cabelo loiro
e sua pálida tez.
- De acordo, não me importa que nos detenhamos aqui - disse.
E era verdade.
A duquesa viúva era uma das mulheres mais interessantes que conheceu em sua vida. Mas o certo era que não abundavam mulheres onde ele vivia. E as damas eram um
bem mais escasso ainda.
A carruagem entrou pelo caminho para a casa e teve que reconhecer que estava ficando um pouco nervoso. Esfregou a nuca com a mão, não era algo comum nele. Não
se alterava nem quando aparecia um puma no meio da noite.
Acreditava que, se alguma vez alguém dissessem a ele para imaginar a uma duquesa, teria pensando imediatamente em alguém como Julia Mowbray. O que não sabia até
conhecê-la era que uma mulher pudesse chegar a ser distinguida e elegante sem perder o encanto e a graça. Nem mesmo conheceu alguém com tanto dinheiro. O surpreendeu
muito que o convidasse ao baile dos Harrington. Aceitou sobre tudo por curiosidade. Nunca esteve em uma festa como aquela, nem sequer durante sua juventude em Boston.
Desde que se conheceram uma semana atrás durante um jantar, tentou recordar que era a duquesa viúva e esquecer a impressão que sua beleza lhe causou. Também era
uma mulher inteligente e elegante. Sua admiração só aumentou e passou toda a noite procurando-a com o olhar.
A casualidade quis que se encontrasse com ela na rua uns dias mais tarde. A duquesa estava comprando com uma amiga e, o que ia ser uma breve e educada saudação,
converteu-se em uma conversa de meia hora.
Acreditava que um homem teria que estar cego para não admirar a delicada e esbelta figura da duquesa, seu belo rosto, sua pele clara e sua feminilidade. Uma parte
dela o recordava que não podia pensar nela desse modo. Era uma dama e uma duquesa. Pertenciam a dois mundos diferentes e sabia que nunca poderia ter nada entre eles.
Além disso, sempre se sentira atraído pelas mulheres apaixonadas e ardentes. Sabia que as damas não desfrutavam das relações sexuais, mas sim se limitavam a tolerá-las.
Essa era uma das razões para não tentar nada com a duquesa.
Mas foi muito agradável ir com ela ao baile e não podia evitar estar nervoso ao saber que voltaria a vê-la.
- Espero que não seja uma intrusão - murmurou enquanto o mordomo da duquesa abria a porta da carruagem.
- Não, adorará nos ver - respondeu à senhora de Warenne. - Temos uma grande amizade com seu filho, desde que éramos crianças.
Não pôde evitar franzir o cenho ao pensar em Clarewood. O filho da duquesa se comportou de maneira mal educada e arrogante.
- Já tive o prazer de conhecer o duque de Clarewood outra noite - disse.
Lady Saint Xavier o olhou com seriedade.
- Stephen não é como aparenta ser - assegurou à jovem. - Pode ser que dê ares de importância, mas o certo é que está à vanguarda quanto a reformas sociais. É
um grande filantropo, construiu hospitais e residências por todo o país e agora está embarcado em um projeto urbanístico para dotar às classes operárias de moradias
em condições.
Era a primeira notícia que tinha a respeito. Mas continuava pensando o mesmo de Clarewood.
- Certo que é um grande homem - disse com um pouco de ironia. - A verdade é que não esperava que estivesse metido nesse tipo de projetos - confessou para apaziguar
um pouco as coisas.
Não demoraram a chegar ao vestíbulo da mansão. Essa primeira sala era do tamanho de muitas casas do norte da Califórnia. As mulheres entregaram seus cartões de
visita ao mordomo. Este as colocou em uma bandeja de prata e pediu a eles que o esperassem.
Uns minutos mais tarde, o homem voltou para acompanhá-los a um luxuoso salão. As paredes estavam pintadas de cor turquesa, com adornos dourados e delicadas molduras
de estuque.
Deu-se conta de que o coração pulsava um pouco mais forte do que o habitual. Zangado consigo mesmo, tentou recordar que era um adulto e que ela não era seu tipo
de mulher.
Estavam sentando-se quando a duquesa entrou de repente.
Ficou surpreso ao ver que ia vestida para montar a cavalo. A saia estava dividida em dois, como uma calça, e havia um pouco de barro em suas botas negras. Mesmo
assim, o conjunto era elegante e feminino.
Fixou-se então em seu rosto. Estava ruborizada. Devia estar retornando nesse momento de passar um tempo montando ao ar livre. Algumas mechas claras se soltaram
de seu cabelo preso e emolduravam deliciosamente seu rosto.
Não podia acreditar. O coração galopava em seu peito.
A duquesa se aproximou diretamente às duas jovens e as abraçou com carinho.
- Que surpresa tão agradável! - exclamou.
Nunca a tinha visto tão bela e tentou recuperar a compostura e acalmar-se. Mas não podia deixar de imaginá-la ao lombo de um cavalo. Pensava que uma dama de sua
posição não cavalgaria, mas estaria acostumada a que a levassem em luxuosas calesas a todas as partes.
Adorou descobrir também que tinha os cabelos bem compridos.
A duquesa girou então para ele e dedicou um educado sorriso.
- Alegra-me muito que tenha vindo me visitar, senhor Jefferson - disse ela.
Aproximou-se da dama, tomou sua mão e simulou beijá-la, como tinha aprendido que faziam os cavalheiros ingleses. Para ele parecia um gesto absurdo, mas não queria
que o acusassem de ser um selvagem e um mal educado. Chamou-lhe a atenção o quão pequena e delicada era a mão da duquesa entre as suas.
- As damas insistiram, queriam vir saudá-la. Espero que não se incomode - disse enquanto a olhava nos olhos.
Queria saber se de verdade se alegrava de vê-lo.
A duquesa cheirava ligeiramente a suor, a cavalo e a campo. Tudo misturado com o doce aroma dos lírios. Não pôde evitar que o desejo despertasse em seu interior.
Deu-se conta então de que continuava segurando sua mão e soltou-a como se o queimasse.
- Estou encantada com a visita, senhor Jefferson - respondeu a mulher com um pouco de rubor nas bochechas. - Perdoem meu aspecto. Não sabia que viriam ver-me
e o tempo passou voando. Sempre acontece o mesmo quando saio a montar.
Não podia deixar de olhá-la, estava completamente hipnotizado. Não podia acreditar que a duquesa montasse nem que o fizesse frequentemente. E, o que era ainda
mais interessante, parecia gostar o suficiente para perder a noção do tempo.
- A duquesa viúva é uma de nossas amazonas mais reconhecida - apontou lady Saint Xavier.
Olhou a jovem sem entender suas palavras.
- Eu adoro os cavalos. Você também gosta senhor Jefferson? Imagino que será a alma de seu rancho - disse a duquesa.
Sua pergunta fez que voltasse para a realidade, mas não sabia quanto devia contar a ela sobre a vida no rancho.
- Tenho cinco mil cabeças de gado, excelência. Na primavera, soltamos às cabeças de gado, que chegam à montanha no verão. Quando chega o outono, nós as recolhemos
e é esse um processo que dura semanas. Nenhum vaqueiro pode fazer bem seu trabalho sem um par de bons cavalos.
Surpreendeu-se de ver como parecia atenta, não sabia se estava interessada de verdade.
- Não posso imaginar como deve ser difícil esse recolhimento do gado.
- É um trabalho muito duro e pode ser perigoso. Temos que evitar estar perto das cabeças de gado quando existe a possibilidade de que se produza uma correria.
Lamentou em seguida ter contado a ela algo assim. Sabia que a aristocracia inglesa desdenhava o trabalho duro, sobre tudo se era trabalho manual, mas a duquesa
não deixou de olhá-lo com interesse.
- Eu adoraria poder vê-lo - sussurrou ela.
Ficou sem palavras. Sabia que estava sendo sincera e se perguntou se devia convidá-la para visitá-lo na Califórnia.
- Já participou da caça a raposa, senhor Jefferson? - perguntou a duquesa viúva com um doce sorriso. - É meu hobby preferido.
Ficou imóvel. Pensou que não tinha entendido bem suas palavras.
- Caça raposas, excelência? A cavalo? - perguntou boquiaberto
Não podia imaginar essa dama montada em um cavalo, rodeada de cães e perseguindo uma raposa.
- Sim, caço - respondeu ela sem deixar de sorrir. - E é algo que me apaixona. Deveria unir-se a uma das caçadas, se tiver ocasião. Oferecemos uma isca aos cães
para que a cheirem e depois os soltamos para que sigam às raposas. Os caçadores os seguem a cavalo, vão aonde eles forem - adicionou enquanto o olhava nos olhos.
- Nunca participei de uma caçada a raposas, mas ouvi falar delas. Não tem que saltar frequentemente?
- Sim, é obvio. Encontramos com cercas e obstáculos de todo o tipo. De fato, é normal que o que organiza a caçada coloque mais obstáculos pela zona para fazê-la
mais interessante ainda. Nossos cavalos devem ser capazes de saltar sebes, paredes de pedra ou árvores caídas. Quem se recusa a saltar é desaprovado pelo grupo.
Os olhos da duquesa brilhavam enquanto descrevia sua atividade favorita. Não podia deixar de olhá-la.
Ele a imaginou a cavalo, saltando sobre obstáculos impossíveis e galopando atrás de alguma pobre raposa. Nunca poderia ter suspeitado, ao ver seu frágil corpo,
que fosse uma amazona tão consumada.
- As sebes serão baixas, espero - conseguiu comentar ele.
A duquesa pôs-se a rir e o alegre som conseguiu que o coração desse um tombo.
- Isso não seria muito divertido, senhor Jefferson. E nem mesmo seria um desafio para os caçadores.
- Não, suponho que não.
- Se desejar posso mostrar a você os estábulos outro dia. Tenho alguns dos melhores cavalos de caça do país. E tenho que reconhecer que os criei eu mesma.
Ficou estupefato ao saber que também era criadora de cavalos. Deu-se conta de que ia ter que mudar a imagem que fez da duquesa.
- Eu adoraria ver seus cavalos - assegurou ele.
- Parece surpreso - disse a duquesa sem deixar de olhá-lo. - Se o aborreci, sinto muito, é que os cavalos me apaixonam. Mas bem, suponho que todos nós temos nossas
excentricidades e eu acredito que mereço ter alguma. Também lhe mostrarei meus cães, se quiser vê-los. Formam uma matilha impressionante.
- Não esperaria menos - respondeu ele. - Também foram criados por você?
- É obvio. Os cães precisam ter o impulso necessário para perseguir uma presa e nós os criamos desde o começo para que sejam assim.
- Eu adoraria participar de uma dessas caçadas antes de voltar para a América - disse de repente.
Queria vê-la a cavalo.
- Tentarei organizar tudo, mas pode ser que demore algum tempo. Você gostaria de montar algum dia comigo?
Olhou-a com interesse. A duquesa voltava a convidá-lo, mas não sabia por que. Nem mesmo compreendia como uma mulher assim estava sozinha e não havia tornado a
se casar.
- Seria um prazer, excelência - assegurou ele com tom sedutor.
A duquesa não pareceu passar por alto esse fato, pois se ruborizou imediatamente.
- Também para mim - respondeu ela.
Os dois tinham deixado de sorrir ao mesmo tempo. Sabia que estava olhando-a mais do que era apropriado e que devia parar, mas não podia. E ela sustentou seu olhar
todo o tempo.
Sobressaltou-se ao ouvir uma das jovens damas, tinha esquecido por completo que estavam ali com eles.
- Por que não mostra ao senhor Jefferson os cães que têm em casa, duquesa? - sugeriu lady Saint Xavier.
- A próxima vez que me visitar vou mostrar a ele os estábulos e os cães de caça - disse então a duquesa. - Estou segura de que o senhor Jefferson não tem interesse
em conhecer os cães que tenho na casa - adicionou olhando às jovens.
- Eu adorarei ver os estábulos. E também seus filhotes - respondeu sem muito interesse.
A duquesa saiu ao corredor e chamou uma das criadas.
- Traz Henry e Mathilda - ordenou.
Esperava ver entrar um par de filhotes ruidosos e pequenos, os favoritos das damas. O tipo de animal que se aproximava mais à ideia que fez em um princípio dessa
mulher. Era mais fácil imaginá-la sentada como uma rainha em um desses salões e com um desses filhotes no colo.
Não demorou a aparecer dois grandes cães negros, de raça grande dinamarquesa. Eram quase tão altos quanto a duquesa. Seu instinto fez que desse um passo atrás
ao vê-los.
- Não se preocupe - disse a duquesa viúva para tranquilizá-lo. - Estão bem adestrados e só atacam se eu pedir.
Capítulo 08
Alexandra esperou com suas irmãs no salão. Tinha as mãos sobre o colo e não podia deixar de esfregá-las com nervosismo. O frango estava assando no forno junto
com algumas batatas e outras verduras. Compraram também um bolo e tinham uma garrafa de vinho tinto preparada para o jantar.
Tinham posto a mesa do salão com o melhor que tinham, sua melhor baixela e cristais e com dois candelabros de prata sobre a toalha. Tudo estava preparado para
o jantar com Denney.
O latifundiário e seu pai estavam a mais de meia hora encerrados na biblioteca. Imaginou que já teriam tomado ao menos uma taça de xerez.
Não queria nem pensar no que estava a ponto de acontecer.
Para complicar as coisas ainda mais, Edgemont viu o novo cavalo, Ébano, e Corey teve que mentir para explicar sua presença.
Sua irmã disse que se tratava de um empréstimo temporário de lady Harrington. Assegurou a seu pai que foram visitá-la para lhe agradecer por incluí-las na celebração
da outra noite e que Bonnie começou a coxear ao chegar à mansão.
Edgemont acreditou em sua filha e inclusive pareceu estar contente com a situação. Alexandra percebeu que ele mesmo estava pensando em usar esse magnífico cavalo.
Olivia, vendo como estava nervosa, apertou a sua mão com carinho.
- Pode ser que estejam falando das corridas de cavalos. Não se preocupe, por favor.
O hipódromo de Newmarket estava a ponto de finalizar sua temporada esse ano e todos falavam das últimas corridas.
- Estou bem - mentiu.
- Está tão pálida que parece um fantasma. E não deixa de tremer - disse Corey. - Se voltarem e nos anunciam um compromisso, tem que defender seus direitos e se
negar.
- Não penso fazer algo assim - respondeu ela. - Além disso...
Mas a porta da biblioteca se abriu e os dois homens saíram com grandes sorrisos no rosto. Parecia que tinham conseguido chegar a um acordo em algo. Soube que
acabavam de decidir seu compromisso. Tratou de recordar que a oportunidade que esse casamento representava para sua família era todo um milagre, do qual todos poderiam
beneficiar-se. Decidiu também que não podia voltar a pensar em Clarewood.
- Temos notícias - declarou Edgemont com um grande sorriso de satisfação.
Alexandra ficou em pé e tentou sorrir. Não queria olhar suas irmãs, não se atrevia a fazê-lo.
- Parece contente - disse ela a seu pai.
O senhor Denney se aproximou de Alexandra e tomou suas mãos.
- Querida, pedi a Edgemont sua mão e ele me concedeu! - anunciou-lhe com entusiasmo.
Os olhos do homem brilhavam e ela desejou que não a amasse tanto como o fazia. Nem sequer podia falar.
- Maravilhoso - conseguiu dizer.
- Mas, se nem sequer a cortejou direito! - exclamou Corey furiosa. - Só foram uns dias!
Denney franziu o cenho. Seu pai parecia tão zangado quanto sua irmã mais nova e decidiu intervir.
- Corey, o senhor Denney já havia me indicado que desejava acelerar as coisas e eu estive de acordo.
- Não é verdade! - exclamou Corey sem poder controlar seu aborrecimento. - Desejava um pretendente de verdade. Isso é o que Alexandra disse!
- Se voltar a abrir a boca, vai ao seu quarto! - disse seu pai fora de si.
- Não se preocupe pai. Eu adorarei estar encerrada em meu quarto. Não desejo ver como a pobre Alexandra tem que se vender quando merece um casamento por amor
- anunciou a jovem.
Corey deu meia volta então e subiu correndo a seu quarto. Ouviram pouco depois uma portada que os deixou em silêncio.
Olhou Denney, temia que a reação de Corey o tivesse feito mudar de opinião e já não quisesse ser generoso com sua família. Decidiu que tinha que acalmar as coisas.
- Perdoe, por favor. Minha irmã é muito jovem. Por favor, não tenha em conta sua inapropriada reação.
Denney parecia muito pálido.
- Poderia falar com você em privado, senhorita Bolton?
- É obvio - respondeu ela.
Esperou que seu pai levasse Olivia à biblioteca e fechassem a porta.
- Sinto muito - se desculpou Alexandra uma vez mais.
- É certo o que sua irmã disse? Queria esperar um pouco mais e que a cortejasse durante meses? - perguntou-lhe Denney.
- Bom isto é um pouco apressado, senhor - confessou ela medindo suas palavras. - Mas me sinto muito afortunada e não tenho objeções.
Mas não era verdade, podia pensar em mil razões pelas quais não desejava se casar com esse homem.
Denney se aproximou e tocou seu braço.
- Estou desejando que contraiamos casamento, senhorita Bolton - disse. - A verdade é que não posso esperar mais.
Ficou imóvel ao ouvir suas palavras e lhe fez um nó no estômago.
- Sinto-me muito adulada - mentiu.
Temia que tivesse tanta pressa para fazê-la sua esposa para celebrar a cerimônia em questão de dias.
Denney acariciou então sua bochecha. Não podia acreditar que o homem se atrevesse a tanto, sobre tudo quando viu que não afastava a mão.
- É verdade que merece ter amor, senhorita Bolton - disse ele com suavidade. - Nisso, estou de acordo com sua irmã.
- São poucos os que se casam por amor - conseguiu responder ela.
Teve que conter-se para não afastar-se dele.
Denney deve ter percebido que estava incômoda e baixou a mão.
- Senhorita Bolton, estou apaixonado por você.
Queria morrer. Tentava controlar suas emoções, mas o rosto de Clarewood apareceu de repente em sua cabeça. Não podia deixar de tremer.
- Com o tempo, acredito que chegará a sentir o mesmo por mim - murmurou ele.
Não sabia o que dizer.
- Assim espero - respondeu por fim.
Recordou o quanto Clarewood ficou furioso ao ver-se recusado. E ainda tinha seu belo cavalo nos estábulos.
Denney tomou-a pelos ombros e sorriu com doçura. Cada vez estava mais nervosa. Soube que estava a ponto de beijá-la e não pôde controlar o pânico.
Aproximou-se dela. Sabia que não devia mover-se e tratou de recordar que esse era só o primeiro de muitos beijos. E inclusive chegariam a compartilhar a cama.
Como era de esperar, teriam relações íntimas. Iriam ser marido e mulher. Tentou se concentrar no benefício que sua família tiraria desse casamento.
Mas, em sua cabeça, escutou de novo as palavras de Clarewood. Prometeu a ela que seria um benfeitor generoso e sugeriu que reconsiderasse sua oferta.
Então, os olhos azuis de Clarewood a tinham fulminado e tinha escutado muita autoridade em sua voz. O duque não se limitava a sugerir, tudo parecia uma ordem.
Sentiu a boca do senhor Denney sobre a sua.
Sobressaltou-se e não pôde afogar uma exclamação. O homem apertou com mais força seus ombros e a beijou com mais intensidade.
Ela o separou de um empurrão. Estava horrorizada e queria sair correndo. Não queria sentir sua boca, seu sabor nem suas carícias, não queria ter que passar por
tudo aquilo.
O senhor Denney recuperou a compostura e se separou dela.
Alexandra não podia deixar de tremer. Não só pelo beijo, mas também porque se deu conta de que não podia suportar que esse homem a tocasse.
Soube nesse instante que nunca poderia chegar a amá-lo.
- Por favor, me perdoe - pediu ele envergonhado. - Sua beleza me ofuscou senhorita Bolton.
Conseguiu sacudir a cabeça e, com dificuldade, conseguiu se controlar para não limpar a boca em sua presença.
- Está perdoado - assegurou.
- De verdade? Vejo que a assustei. Lamento-o muitíssimo - insistiu Denney.
- Não foi nada, de verdade. É que eu não esperava - conseguiu dizer a modo de desculpa. - Já esqueci senhor Denney. Que distração! - exclamou de repente. - Tenho
o frango no fogo. Se não se importar...
Deu a volta e foi correndo à cozinha.
Depois do jantar e depois de que Denney partiu, Alexandra subiu ao seu quarto e se sentou na cama. Tinha fechado por dentro a porta e se deu conta de que era
a primeira vez em sua vida que o fazia.
Tomou um travesseiro e o apertou contra seu peito enquanto olhava a rosa que continuava ainda sobre a penteadeira. Era como se Clarewood estivesse se burlando
dela. Ele já tinha duvidado de seus sentimentos por esse outro homem. Parecia ter percebido que nunca poderia chegar a amá-lo nem desejá-lo. Nem sequer o considerava
um rival de verdade em sua conquista.
Clarewood era um homem muito arrogante e seguro de si mesmo. E parecia pensar que não havia comparação possível entre o amável e velho senhor Denney e o bonito
e atraente duque.
Não podia deixar de pensar na conversa que teve com ele. Confessou que se sentia atraído por ela e estava disposto a ser generoso se decidisse converter-se em
sua amante.
Pôs-se a chorar. Não sabia como ia poder casar-se com o senhor Denney, por mais amável que fosse, quando nem sequer pode suportar que a beijasse.
Nos braços de Clarewood, entretanto, havia se sentido muito segura.
Pensou que tinha perdido a vergonha. Não podia acreditar que sonhasse com um homem cuja única intenção era convertê-la em sua amante. Era completamente diferente
ao que teve com Owen, que foi seu prometido e com quem teve toda a intenção de casar-se.
Amou Owen, por Clarewood não sentia o mesmo. Não entendia como podia sentir-se segura entre seus braços quando a intenção do duque era fazê-la sua amante e arruinar
por completo sua honra.
Não sabia o que fazer.
Deitou-se na cama e ficou absorta olhando o teto. Abraçou o travesseiro com mais força e tentou não pensar nesse homem tão perigoso. Tratou de se imaginar como
a esposa de Morton Denney, vivendo em sua agradável casa, cuidando de seu lar, pondo flores nos vasos e almoçando ali com suas irmãs. Lá não teria que limpar nem
cozinhar. Denney tinha duas criadas a seu serviço.
O latifundiário chegaria em casa e sorriria com carinho ao vê-la no salão com suas irmãs. Sentiu um nó no estômago ao imaginá-lo dando um beijo nela.
Acreditava que teria que fingir que gostava de sua presença, estava segura de que não poderia chegar a senti-lo. Voltou a chorar sem consolo.
Mas não queria sentir-se como uma vítima. Talvez chegassem a ter filhos. Sempre desejou tê-los. Gostava e sabia que poderia ser uma boa mãe.
Imaginou então duas pequenas meninas correndo pelo salão enquanto ela comia com suas irmãs e com seu marido. Eram muito bonitas. Uma era loira e a outra tinha
o cabelo castanho, como Olivia e Corey de pequenas. Sentiu-se pior ainda.
Acreditava que não demoraria muito em compartilhar essa mesa com os maridos de suas irmãs. Todos estariam então felizes. As meninas, Denney, suas irmãs, os novos
maridos... Todos menos ela.
Pensou nesse grupo em um jantar, com suas melhores roupas. Corey e Olivia já poderiam permitir-se vestir na moda e inclusive levariam colares de pérolas. Depois
do jantar, o senhor Denney começaria a olhá-la com interesse. Haveria fogo em seus olhos. Ela trataria de sorrir a ele enquanto subiam as escadas e seu marido a
abraçaria por trás assim que chegassem a seu dormitório.
Mas não podia imaginar o resto. Acreditava que ela se limitaria a permanecer imóvel enquanto ele a beijava no pescoço.
Levantou-se de repente na cama sem soltar o travesseiro. Abriu os olhos e só pôde ver a rosa vermelha de Clarewood frente a ela.
"Não posso fazer isto", pensou.
Queria continuar adiante e casar-se com Denney. Desejava poder chegar a ser uma boa esposa para ele, mas sabia que não o amava e que nunca poderia amá-lo. Era
muito velho para ela e acreditava que nunca poderia sentir por ninguém o que sentiu por Owen. Ele foi seu príncipe encantado e se deu conta de repente de que ela
merecia alguém assim, um príncipe em todos os sentidos.
Sentiu que Clarewood estava se burlando dela. Inclusive as rosas que enviou a ela riam de sua situação.
Nesse instante sentiu falta de sua mãe. Adoraria que ela estivesse ali para poder pedir seu conselho.
- O que vou fazer? - perguntou em voz alta.
Seu quarto tinha só uma janela. Era uma noite escura, só havia algumas estrelas no céu. De repente, viu Elizabeth frente à janela. Podia vê-la com toda claridade,
como se fosse real. Como sempre, sua mãe parecia tranquila e sossegada.
"Fará o que tem que fazer", sentiu que sua mãe dizia.
Dobrou as pernas e abraçou seus joelhos. Sua mãe ficou encantada com Owen e feliz de que tivesse encontrado o amor de verdade. Soube então que suas irmãs tinham
razão. Sua mãe não gostaria que se casasse com Denney.
- Mas ele me ama - sussurrou.
"Mas você, não", disse-lhe Elizabeth dentro de sua cabeça. Sabia que era certo e que nunca poderia chegar a querê-lo.
- Queria tirar minhas irmãs da miséria...
Elizabeth sorriu então. "Esse homem não é seu príncipe".
Olhou de novo a rosa vermelha. Pensou em Clarewood. Ele era quase um príncipe e estava segura de que seria muito generoso com ela. Ele tinha prometido. A fortuna
do duque poderia fazer com que qualquer homem, incluído Denney, parecesse um indigente.
Não podia acreditar que estivesse sequer considerando algo assim.
Estava pensando que podia recusar a oferta do latifundiário e conseguir ao mesmo tempo que suas irmãs tivessem uma vida digna e um futuro promissor. Podia aceitar
ser a amante de Clarewood e beneficiar-se de sua generosidade.
Mordeu o lábio. Prometeu a ela que teria uma boa situação econômica e não se importava de estar entre seus braços. Justamente o contrário, sentia que precisava
estar com ele.
Sentia falta de Owen, passou muito tempo e o jovem tinha refeito sua vida...
"Merece ter amor", disse a voz dê sua mãe.
Sobressaltou-se e olhou Elizabeth. Recordou então as palavras que Corey pronunciara essa noite.
- Mas o duque não me ama, só seria um acordo do qual os dois nos beneficiaríamos.
E seria só algo temporário, não para toda a vida.
Sua mãe sorriu.
Apertou com mais força o travesseiro. Sabia que, se alguém descobrisse sua aventura com o duque, ela cairia totalmente em desgraça e arrastaria também a suas
irmãs. Se decidisse aceitar a oferta de Clarewood, teria que ser muito discreta.
- O que devo fazer? - perguntou à sua mãe. Elizabeth se aproximou e sentiu que lhe acariciava com carinho o cabelo.
"Não era minha intenção que se sacrificasse por suas irmãs, Alexandra. E acredito que, muito dentro de você, sabe", sua mãe respondeu.
Nunca havia pensando que cuidar de suas irmãs pequenas tivesse sido um sacrifício. Sorriu a sua mãe sem poder conter as lágrimas, mas a imagem de Elizabeth desapareceu
diante de seus olhos.
Não se importou, tinha conseguido esclarecer suas ideias.
Decidiu que não casaria com o senhor Denney e o alívio que sentiu nesse instante foi imenso.
- Ontem à noite fechou a porta de seu dormitório - disse Corey com os olhos muito abertos.
- Precisava ficar sozinha - respondeu Alexandra enquanto descia as escadas depressa.
Estava segura de sua decisão. Não pensava casar-se com o latifundiário e passar o resto de sua vida sendo sua esposa.
Não pode dormir a noite toda. Esteve pensando no duque e no que este propos a ela. Estava muito nervosa, mas também se sentia aliviada.
Alexandra olhou suas irmãs e sorriu.
- Por certo, mudei de opinião. Não vou casar-me com o senhor Denney.
Olharam-na com os olhos arregalados.
Chegou ao andar de baixo da casa. Já tinha batido na porta do quarto de seu pai, mas ninguém respondeu. Imaginou que teria dormido na biblioteca como fazia muitas
vezes. Não saiu a noite anterior, mas bebeu muito vinho tinto durante o jantar.
O encontrou onde esperava, dormido no pequeno sofá da biblioteca.
Aproximou-se e sacudiu um pouco seu ombro.
- Pai, sinto despertá-lo, mas devemos falar - disse.
Edgemont fez uma careta e se sentou no sofá.
- O que? O que é o que acontece? Dormi? - perguntou sem entender onde estava. - Meu Deus! Agora lembro, você se comprometeu! Isto terá que ser celebrado com uma
taça.
Apertou com força o ombro de seu pai para que não se levantasse.
- Já é de manhã, pai - disse. - Olivia, poderia preparar uma xícara de café, por favor?
- Que horas são? - perguntou o homem enquanto olhava pela janela.
- São só oito e meia da manhã - respondeu sentando-se ao seu lado. - Pai, pensei melhor. Olivia e Corey têm razão. Não posso me casar com o senhor Denney só porque
precisamos de dinheiro. Não posso e não farei.
Edgemont parecia muito confuso. Demorou uns segundos a entender suas palavras. Quando o fez, olhou-a com fúria nos olhos.
- Ontem à noite aceitou a proposta, Alexandra - advertiu com seriedade.
- Não, pai, foi você quem falou com o senhor Denney e parece que chegou a um acordo, mas ninguém assinou nenhum contrato e não levo uma aliança de noivado em
meu dedo - disse ela com firmeza.
Seu pai ficou em pé. Ela, também.
- Vamos assinar os contratos esta mesma noite - disse ele com gravidade. - E também anunciaremos então o compromisso oficial.
Estava cada vez mais tensa.
- Não vou me casar com ele.
- Mas você é a obediente, a generosa - murmurou seu pai sem poder entender o que lhe ocorria. - De fato, é igual a sua mãe, você mantém esta família unida. Não
diga besteiras, vai se casar com o senhor Denney para salvar a todos da ruína.
Começou a sentir um pouco de culpa. Em sua mente, imaginou Clarewood olhando-a com o cenho franzido, como se suspeitasse que voltaria atrás.
- Não posso me casar com ele - insistiu.
- Sim pode! E o fará! - gritou Edgemont. - Sou seu pai e o cabeça da família. Obedecerá e respeitará minhas decisões, Alexandra!
Pôs-se a tremer, mas tratou de ser forte.
- Pode assinar o que quiser com o senhor Denney. Tenho já vinte e seis anos e, legalmente, sou responsável por mim mesma. Não pode me forçar a me casar com ninguém
contra minha vontade.
Seu pai também estava tremendo. Temeu que levantasse a mão contra ela, quando nunca o gez.
- Fará o que te disser! - repetiu seu pai. - E irá ao altar!
Alexandra negou com a cabeça. Não gostava de ter que discutir com seu pai nem demonstrar que já não tinha nenhum poder sobre ela. Mas, a não ser que seu pai decidisse
arrastá-la à igreja, não casaria com Denney.
Encararam-se. Nunca viu seu pai assim. Foi um momento muito duro.
Entristecida e nervosa saiu da biblioteca.
Suas irmãs a esperavam no corredor. Olivia sustentava na mão uma xícara com café. As duas pareciam estar muito pálidas.
- O que vai fazer agora? - perguntou-lhe Olivia em voz baixa.
Não podia dizer a elas que ia aceitar a escandalosa e indecente proposta de Clarewood. Não podia contar que se converteria em sua amante e aceitaria que a pagasse
por isso. Era muito sórdido e sabia que não estava certo. Mas assim suas irmãs poderiam ter um futuro melhor e estava convencida de que era a melhor opção que tinha.
Acreditava que era preferível a casar-se com alguém que não amava e ter que fingir durante o resto de sua vida.
Dessa vez, a viagem de Alexandra até Clarewood foi rápida e muito cômoda, ao menos no referente ao meio de transporte. Ébano puxava a calesa com facilidade e
manteve um bom ritmo durante todo o trajeto. Olhou seu relógio de bolso. Tinham passado menos de duas horas desde que saiu de sua casa e acabava de entrar na propriedade
de Clarewood, embora ainda não se visse a residência do duque.
Acelerou-lhe o pulso e notou que tinha a boca seca. Nunca esteve tão nervosa como nesse momento. Nem sequer a primeira vez que foi visitar o duque para lhe devolver
as rosas e o bracelete de brilhantes.
Tinha que reconhecer que ele ganhou a batalha e imaginou que o duque soube desde o começo que esse seria o resultado.
Tentou se tranquilizar e pensar que aquilo não tinha por que ser o fim do mundo. Decidiu que tiraria proveito da situação e não se arrependeria de nada. Sabia
que estava renunciando a sua honra, mas a ela parecia um preço muito pequeno pelo futuro de suas irmãs.
Além disso, nem tudo era negativo.
Quando se imaginava entre seus braços, o coração pulsava mais depressa ainda, se sentiu assim desde que saiu de Vila Edgemont. Estava angustiada, mas também excitada
com tudo o que a esperava. Não podia acreditar que iria converter-se na amante do duque de Clarewood.
Respirou profundamente para tentar se acalmar. Ébano trotou pelo caminho de pedras para a majestosa casa. Recordou que precisava se concentrar nos termos do acordo
que iriam selar. Queria entender muito bem no que ia consistir sua relação e desejava, acima de tudo, proteger bem seus interesses e os de suas irmãs.
Mas não sabia quanto dinheiro devia pedir a ele.
Teve vontade de deter o cavalo e dar meia volta. Não era muito tarde, podiam continuar vivendo como tinham feito desde que sua mãe faleceu. Mas não podia tirar
a imagem de Clarewood da cabeça. Esse homem a atraía e o futuro de suas irmãs, que estavam já em idade de se casar, pendia por um fio.
- Ébano, para! - gritou enquanto puxava as rédeas.
Ouviu de repente um cavalo a galope que se aproximava da calesa. Girou a cabeça para ver de quem se tratava. Inclusive antes de poder ver o rosto soube que se
tratava de Clarewood.
Montava como fazia tudo, podendo e com autoridade, como o faria um rei.
Mal podia respirar. Os nervos a dominavam por completo.
Clarewood se deteve ao lado da carruagem. Olhou-o e se deu conta de que, com seu traje para montar, estava ainda mais bonito do que era habitual nele. Bastava
estar ao seu lado para sentir-se mais segura.
Olhou em seus olhos, parecia confuso.
- Boa tarde - disse Clarewood. - Vem me devolver o cavalo?
Pôs-se a tremer. O coração pulsava com força. Era o momento da verdade. Se dissesse que sim, poderia voltar para sua casa com a cabeça bem alta. Mas se dissesse
que não, ali começava para ela uma viagem sem volta, uma que ia mudar para sempre o rumo de sua vida.
- Senhorita Bolton - murmurou ele sem deixar de olhá-la. - Poderia convencê-la para que entre e tome uma xícara de chá comigo? Pode ser que então seja mais fácil
me responder.
Passou a língua pelos lábios, tinha a boca seca.
- Não vinha lhe devolver o cavalo - disse por fim.
Clarewood abriu muito os olhos, depois sorriu.
- Entendo...
Parecia muito satisfeito. Seu corpo estremeceu ao ver como a observava. Desceu do cavalo e o atou à calesa. Ela não se moveu, nem sequer podia respirar. Estava
a ponto de converter-se em sua amante e se sentia esmagada pela decisão que acabava de tomar.
Clarewood subiu à frente da calesa e estendeu sua mão para ela.
- Permite-me?
Custou entender o que queria, não podia deixar de olhá-lo nos olhos. Era o homem mais bonito que tinha conhecido, com suas marcadas maçãs do rosto, seu régio
nariz e uns sensuais lábios. Quando estava com ele se sentia mais vulnerável e perdida que nunca, como se estivesse em um pequeno bote em meio de uma tormenta. Ouviu
então que dizia seu nome e conseguiu voltar para a realidade e ver que pedia as rédeas.
Entregou-as.
- É obvio - disse.
Com ele ao seu lado, era ainda mais difícil pensar com claridade. Podia sentir sua forte coxa contra sua perna e custava respirar com normalidade. Não podia deixar
de pensar em seu masculino e musculoso corpo.
- Estou encantado em tê-la aqui - disse ele enquanto incitava o cavalo para que andasse. - Suponho que desta vez a viagem terá sido mais cômoda e que se alegra
de ter Ébano.
Inspirou profundamente antes de responder.
- Sim, foi um trajeto sem complicações. Nada a ver com a viagem do outro dia.
Clarewood sorriu e a olhou com interesse.
- Parece meio nervosa, senhorita Bolton.
Não queria contar a ele como se sentia nem por que estava assim.
- Não é isso, é que me dói um pouco a cabeça - assegurou.
Ele levantou uma sobrancelha, não parecia acreditar em sua versão.
- Então, teremos que nos encarregar de remediá-la. Minha governanta faz algumas beberagens que parecem dar bons resultados. Por certo, como está seu pai? - perguntou
com educação enquanto chegavam à entrada da mansão.
"Meu pai está furioso e não deixa de beber nem de esbanjar o dinheiro da família", pensou.
- Muito bem, obrigada - respondeu com um triste sorriso.
- Tenho que dizer que odeio este tipo de conversas corriqueiras e que normalmente não me vejo na situação de ter que instigá-las eu mesmo - disse ele com franqueza.
Ela olhou para Clarewood e ficaram em silêncio. Era muito difícil falar quando sentia seus ardentes olhos na pele.
- A verdade é que eu passei anos sem ter vida social. Acho que esqueci como manter uma conversa cordial com alguém. Temo que essa é uma de minhas muitas falhas
- disse.
- Pois eu me alegro - respondeu ele mais animado. - Podemos acordar então que é preferível estar em silêncio antes que ter que falar do tempo ou algo parecido.
- Parece-me bem - disse ela sem poder ocultar sua surpresa.
- Então, não se importa com os silêncios longos? Não lhe parecem incômodos?
Seguiu olhando-o. Não conseguia acreditar que fosse tão bonito, tão masculino. Perguntou-se se Clarewood já saberia por que estava ali.
- Não, os silêncios não me incomodam.
- É a primeira mulher que conheço que pensa assim. Sua maneira de ser é muito diferente de outras damas que conheci. E se trata de uma mudança para melhor que
agradeço, de verdade - confessou.
Abriu muitos os olhos ao ouvir suas palavras.
- Isso é uma adulação, excelência?
- Assim é - respondeu ele enquanto puxava as rédeas para deter a calesa frente à porta. - Não tenho muita paciência e as mulheres coquetes me aborrecem. Alegra-me
ver que não é assim.
Não podia deixar de tremer. Clarewood parecia estar lhe dando a entender que, além de sentir-se atraído por ela, também lhe agradava sua companhia.
Clarewood desceu de um salto. Não se cansava de olhá-lo, todos seus movimentos eram ágeis e elegantes. Chegou então correndo um moço dos estábulos para encarregar-se
dos cavalos.
- Posso ajudá-la? - ofereceu Clarewood enquanto estendia a mão para ela com um sorriso.
Estava tão nervosa que sentia que tudo dava voltas a seu redor. Clarewood a olhava com grande intensidade e de uma maneira muito íntima. Era como se não houvesse
outra mulher no mundo, só ela.
Pensou que tudo seria muito menos duro se ele a apreciasse de verdade, se a quisesse. Tomou a mão que lhe oferecia e estremeceu. Era como se um raio a tivesse
atravessado nesse instante. Deixou que a ajudasse a descer da calesa. Esperava que Clarewood não soubesse até que ponto sua presença e suas palavras conseguiam afetá-la.
- Está tremendo - sussurrou ele então.
Ela se sobressaltou e o olhou nos olhos.
- Alegra-me que seja assim... - acrescentou com voz sugestiva.
Viu que ainda continuava lhe dando a mão e a soltou. Sua intenção era esconder sua ansiedade, mas se dava conta de que não podia lhe mentir. Sobre tudo quando
ele estava sendo tão franco.
- Estou nervosa - confessou.
- Pois o sinto - respondeu Clarewood. - Porque, apesar de minha reputação, não mordo. E, apesar do que possa pensar de mim, minha intenção é ser respeitoso em
todo momento - acrescentou enquanto fazia um gesto para que entrasse na casa.
No vestíbulo, um criado recolheu sua capa.
- Excelência, esperava poder lhe falar em privado.
- Não me surpreende. Deseja que nos sirvam o chá mais tarde? - perguntou ele.
Assentiu com a cabeça, não queria adiar por mais tempo a conversa que desejava ter com ele. Clarewood tocou ligeiramente sua cintura para lhe indicar que começasse
a caminhar. Soube então que o duque já sabia que aceitava sua desonesta proposta ou não teria se atrevido a tocá-la desse modo, como se já tivessem uma relação íntima.
Foram até a biblioteca e Clarewood fechou as portas de madeira de ébano atrás dele. O fogo estava aceso na lareira de mármore verde e foi diretamente para ali.
Já não tinha nenhuma dúvida sobre sua decisão, mas não podia deixar de pensar em como negociar com ele para proteger o futuro de suas irmãs.
Sentiu de repente o corpo de Clarewood atrás do seu. Sobressaltada, deu a volta e o duque tomou-a pelos cotovelos para que não perdesse o equilíbrio.
- Está muito nervosa, mas não há razão para isso. Eu gostaria de facilitar-lhe as coisas - disse sem deixar de olhá-la nos olhos. - veio para aceitar minha oferta.
Assentiu então.
- Rechacei a proposta do senhor Denney. Não vou casar-me com ele.
O olhar de Clarewood parecia carregado de desejo e fogo.
- Estupendo, eu não gosto de ter que compartilhá-la com ninguém - disse com segurança.
Ficou sem fôlego ante a franqueza de suas palavras.
- Alexandra, sejamos sinceros - pediu ele. - Será minha amante e espero total lealdade.
- Meu Deus, tudo parece tão sórdido...! - exclamou ela.
O duque a abraçou então.
- Não há nada sórdido no desejo que sentimos um pelo outro. É natural, querida. Além disso, não é como se fôssemos um par de jovens inocentes.
Pôs-se a tremer. Clarewood não sabia, mas ela sim ainda era inocente. E também se considerava uma mulher com princípios e valores morais, embora soubesse que
ele nunca chegaria a imaginá-lo.
- O que é o que ocorre? Vejo dúvidas em seus olhos - disse ele.
Hesitou um segundo. Pensou em lhe dizer a verdade, que nunca teve um amante. Poderia então lhe perguntar por que pensava que não era virgem, mas temia que Clarewood
mudasse de opinião e não quissesse ter nada a ver com ela. Não lhe passou por cima quão irônico era tudo.
- Como pode me respeitar? - perguntou-lhe.
- É uma dama - respondeu ele com um pouco de surpresa em seu olhar- É minha obrigação respeitá-la.
Eram palavras belas, mas não iriam poder reparar a honra que estava perdendo por momentos.
- Então, respeitou também as suas amantes anteriores?
Clarewood a soltou então.
- É uma pergunta muito interessante - disse ele. - Não, a verdade é que não.
Gostou que fosse sincero.
- Mas, comigo fará uma exceção?
- Por que a preocupa tanto o respeito?
- É muito importante para mim, Clarewood - disse.
Ficou pensativo uns instantes.
- É uma mulher muito interessante, Alexandra, e conseguiu despertar minha curiosidade. Não sei por que, mas tenho muito claro que não é como as demais. Entendo
que não toma nossa relação levianamente.
- É certo - reconheceu ela.
Clarewood a olhou com os olhos entrecerrados.
- De verdade ia casar-se com esse homem e o teria feito se eu não interferisse?
- Provavelmente. Essa era minha intenção.
- Foram meus encantos os que conseguiram que mudasse de ideia? - perguntou-lhe com ironia.
- Sabe melhor que ninguém que é difícil de resistir. Está claro que não aceita um não como resposta - respondeu ela sem poder deixar de tremer.
- É verdade - reconheceu Clarewood enquanto acariciava sua bochecha. - Sobre tudo em seu caso, quando há tanta paixão entre nós dois - acrescentou em voz baixa.
Todo seu corpo estava aceso pelo desejo.
- Devemos falar das condições do acordo - conseguiu dizer ela.
O duque parecia encantado com a situação. Deixou de acariciar sua face.
- Muito bem, se insisti...
- Insisto - respondeu ela algo nervosa.
- Embora a verdade é que nunca tive que negociar com nenhuma mulher - disse. - Mas parece tão preocupada...
- O que quer dizer com isso?
- Minhas amantes anteriores estavam tão interessadas em me conquistar como eu a elas. Nunca tive que as tranquilizar nem convencê-las de nada. Nem mesmo tive
que tratar com essas damas as condições de nossa relação - disse o duque. - E isso é o que quer fazer, não é assim? Deseja que deixemos clara a natureza de nosso
acordo, verdade?
Sentiu-se muito envergonhada, mas não ficou mais remédio que responder.
- Sim, excelência. Eu não posso me permitir ser como as outras.
- Suponho que o que mais a preocupa é até que ponto serei generoso com você. Acaso duvida de minha palavra?
- Não, é obvio que não - assegurou. - Mas tenho que saber o que... O que espera de mim e vice versa.
Clarewood sorriu ligeiramente. Tomou-a entre seus braços e a sustentou muito perto de seu corpo.
- Quer detalhes? - murmurou sedutoramente.
Desejava deixar-se levar e desfrutar do momento, mas se esforçou por manter a compostura apesar da delicadeza da situação.
- Há muito do que falar, inclusive de como e quando nos encontraremos. Mas o que mais me importa é que haja uma espécie de contrato entre os dois.
- Um contrato? Não basta com um acordo?
O duque parecia um pouco ofendido, mas essa não era sua intenção.
- Não falo de documentos formais, excelência, mas eu gostaria que chegássemos a um acordo verbal sobre os termos.
Clarewood não deixava de olhá-la nos olhos.
- Muito bem. Que termos deseja Alexandra?
Hesitou um segundo e se ruborizou. Lamentou que Clarewood se sentisse insultado por sua sugestão, mas não encontrava as palavras para lhe explicar o que queria
sem ser muito direta.
Ele esperou e esperou.
- Deve haver discrição, ninguém pode saber que temos este tipo de acerto - disse ao fim.
Clarewood cruzou os braços, parecia muito pensativo.
- Vive em sua casa familiar, com seu pai e irmãs, e a duas horas daqui. Se quiser que lhe fale com franqueza, tenho que dizer que desejaria contar com sua presença
em minha casa todas as noites.
Ruborizou-se ainda mais e lhe veio à cabeça as imagens do que ia ocorrer muito em breve entre os dois. Já se via entre seus fortes braços e em uma grande cama
com dossel.
- Isso é impossível - disse.
- Como?
Parecia muito zangado.
- Teremos que nos ver pela tarde - respondeu ela. - E isso já será bastante complicado para mim.
O duque ficou calado e pensativo uns segundos.
- Comprarei uma casa perto de Vila Edgemont. Quando o conseguir, poderemos passar ali as noites - disse ele - Até então, teremos que nos conformar com uma tarde
ou outra. Meu tempo é ouro, Alexandra. Eu não sou como outros aristocratas, eu trabalho e são muitos os projetos que tenho em marcha.
Nervosa, sacudiu a cabeça.
- Não era minha intenção incomodá-lo, excelência - disse. - Nem mesmo quero importuná-lo, mas entenda que devo proteger o pouco prestígio que fica a minha família.
- Sou um homem razoável e compreendo sua preocupação. Já lhe disse que é muito diferente das outras. É, por exemplo, a primeira que continua vivendo em sua casa
familiar. Não levei em conta as complicações que levaria consigo o fato de que seja uma mulher solteira.
Viu aliviada que tinha entendido o que a preocupava e que já não parecia zangado.
- Obrigado.
- De que mais deseja falar?
Ficou calada de novo. Odiava ter que tirar o tema da remuneração.
- Suponho que deseja saber até que ponto serei generoso, verdade? - sugeriu Clarewood ao ver que ela não se atrevia a falar.
Ela assentiu com a cabeça e mordeu o lábio.
- Desejaria ter o suficiente para poder proporcionar um pequeno dote as minhas irmãs.
Clarewood meteu as mãos nos bolsos de sua jaqueta.
- De que quantidade estamos falando?
Odiava ter que negociar com ele. Sua primeira intenção era lhe pedir algo mais. O suficiente para fazer também umas reparações indispensáveis na casa e poder
comprar roupa e comida para todos. Mas, ao final, decidiu centrar-se nos dotes.
- Isso é tudo - disse. - Olivia e Corey necessitam dotes.
- Não deseja ter você também um dote?
- Não - respondeu enquanto baixava a vista ao chão.
- Quanto necessitará suas irmãs, Alexandra?
Tremendo, olhou-o nos olhos.
- Mil libras cada uma, excelência, a não ser que lhe pareça muito.
- Parece-me muito pouco - respondeu ele. - Trato feito.
Acabava de garantir um futuro melhor a suas irmãs, mas não estava tão contente quanto poderia ter imaginado. Acreditava que tinha perdido toda sua dignidade aos
olhos de Clarewood. Sentia-se humilhada e lhe passou pela cabeça sair dali correndo e voltar atrás. Girou para lhe dar as costas e olhar as chamas. Tinha os olhos
cheios de lágrimas.
Clarewood se aproximou por trás e agarrou seus ombros. Sentiu seu quente fôlego na nuca e no pescoço.
- Não - disse com firmeza. - Não vou permitir que se arrependa disto.
Ficou paralisada ao sentir o forte e quente corpo de Clarewood contra o seu. O coração parecia estar a ponto de sair do peito e sentia a pele em chamas. Desejava-o
como nunca desejou alguém.
Clarewood aproximou a boca a seu pescoço.
- Isto lhe parece reprovável e moralmente repugnante verdade? - sussurrou.
- Sim - conseguiu dizer ela.
- Por quê? Sei que eu não lhe repugno - disse enquanto a fazia girar.
- Não, claro que não.
Era sua oportunidade para lhe dizer a verdade.
- Assumi desde o começo que é uma mulher com um pouco de experiência - disse Clarewood enquanto lhe acariciava os ombros.
Ficou de novo sem fôlego. Temia que não quisesse continuar adiante com seu acordo se lhe confessasse que era virgem. Olhou-o nos olhos, mal podia controlar o
que sentia por ele.
- Não me enganei verdade? - perguntou ele.
Cada vez se sentia mais alarmada, não podia permitir que Clarewood voltasse atrás.
- Houve uma vez alguém... Um homem ao qual amei muito - respondeu então.
Clarewood abriu muito os olhos e deixou de acariciá-la.
- Minha paixão nunca me envergonhou porque o amava. Além disso, íamos nos casar - disse. - Nosso acordo, em vez disto, é um pouco calculado e frio, excelência.
Por isso tenho tantas dúvidas.
- Quem era esse modelo de homem que conseguiu apaixoná-la assim?
- Acaso importa? Ele se casou com outra mulher e eu estou aqui, consentindo em ter uma relação imoral em troca de dinheiro.
- Mas nós dois sairemos ganhando - respondeu ele meio incômodo. - Nós dois nos beneficiaremos Alexandra. E suas irmãs também.
Era impossível afastar o olhar quando ele a observava como fazia nesse momento.
- Sim, é verdade. Minhas irmãs se beneficiarão...
Clarewood a soltou então.
- Sinto que esteja liberando uma batalha com sua consciência. Tenho uma sugestão que espero a ajude. Se não consigo satisfazê-la o suficiente para que esteja
contente com nossa relação e queira continuar livremente comigo, darei por terminado o acordo sem que por isso perca a compensação que acordamos.
Demorou uns segundos em entender o que lhe estava dizendo. Não podia acreditar.
- Quando lhe disse que era um homem generoso, não mentia. Acredito que já é hora de que comece a confiar em minha palavra.
Capítulo 09
No dia seguinte, enquanto Alexandra preparava o jantar com suas irmãs, não podia tirar da cabeça a conversa que manteve com Clarewood.
Recordava com nitidez cada palavra e repassou todo o diálogo enquanto cortava batatas. Nem mesmo podia esquecer o que sentiu ao estar perto dele. Ainda podia
sentir as mãos desse homem em seus ombros e seu fôlego no pescoço. Tremendo, olhou o relógio da cozinha, só eram doze e meia.
Clarewood havia lhe dito que fosse almoçar em sua casa na sexta-feira, para isso faltava um dia. Quase sentiu desilusão ao ouvi-lo. Uma parte dela desejava que
começasse a seduzi-la nesse preciso instante, mas esperava a visita da duquesa viúva e teve que ir.
Foi por outra batata e viu que já não havia mais.
Recordou então como lhe assegurou que gostaria de tê-la ali cada noite.
Não entendia como já podia estar tão nervosa. Seu corpo se encontrava em um estado de permanente excitação desde que terminaram a negociação. Sentia-se muito
envergonhada e não compreendia por que estava se comportando desse modo. Sabia que não estava bem o que ia fazer. Mas, por outro lado, sentia que devia estar com
ele.
Olhou de novo o relógio. Só tinham passado cinco minutos.
- Por que olha o relógio continuamente? - perguntou-lhe Corey.
Era quase como se estivesse desejando que passasse o tempo para poder voltar para a mansão de Clarewood e começar sua escandalosa aventura amorosa, como se estivesse
contando os segundos que faltavam para vê-lo de novo.
- Olha-o a cada cinco minutos - adicionou sua irmã.
Nesse instante chamaram à porta.
Nunca tinham visitas. Seus vizinhos iam muito melhor que eles e nunca se incomodavam em visitá-los para ver como estavam.
Ficou mais nervosa ainda. Fora ver o senhor Denney no dia anterior para lhe dizer que tinha decidido não continuar adiante com seu compromisso. O pobre homem
ficou perplexo e muito aborrecido.
Ela tentou lhe explicar que teria sido injusto casar-se com ele quando estava segura de que nunca voltaria a apaixonar-se. Denney tentou convencê-la de que com
o tempo, acabaria sentindo afeto por ele e lhe assegurou que faria tudo o que estivesse em sua mão para fazê-la feliz.
Mas não conseguiu convencê-la. O encontro foi tenso e embaraçoso. Ao despedir-se, Denney havia lhe dito que não demoraria a recuperar o bom senso e voltar com
ele, mas ela sabia que não mudaria de ideia.
- Só está nervosa pelo compromisso, senhorita Bolton - havia dito. - Estou seguro. Sei que sua irmã tinha razão. Fui muito depressa. Assim estou disposto a ser
mais paciente e cortejá-la como se deve.
- Não, por favor - respondera ela. - mudei de opinião, de verdade.
Mas sabia que Denney não acreditou. Não quis fazê-lo.
Seu pai já tinha saído quando ela retornou a casa, assim não o viu até essa manhã. Mostrou-se muito frio com ela. Sabia que tentaria arrastá-la ao altar, mas
não deixaria que a convencesse para que se casasse com Denney. Depois de tudo, já tinha chegado a um acordo com Clarewood.
Bateram na porta de novo. Tirou o avental depressa e Corey fez o mesmo. Temia que fosse o latifundiário.
- Se for Denney, deve ser forte - aconselhou Olivia. - tomou a melhor decisão possível.
- Esse homem me dá lástima.
- Mais lástima me daria você se tivesse que se casar com ele e fingir toda a vida que sente algo por ele - respondeu Olivia.
- Vou eu - anunciou então Corey. - Se for Denney, dir-lhe-ei que não está em casa.
Mas seguiu sua irmã mais nova até o vestíbulo. Não tinha intenção de esconder-se. Surpreendeu-lhe ver que não era o latifundiário Denney quem chamava, mas uma
bela e loira dama. Reconheceu-a em seguida, a viu na festa de aniversário dos Harrington falando com o duque.
- Olá. É a senhorita Bolton, verdade? - saudou a mulher com um sorriso enquanto tirava as luvas.
Ficou muito nervosa. O sorriso que lhe oferecia era muito frio e havia algo em seus olhos que não gostou nada.
- Sim.
- Sou lady Witte. Ouvi que trabalha como costureira para lady Lewis e lady Henredon e não se cansam de elogiar seu esmerado trabalho - disse enquanto tirava o
casaco.
Alexandra se aproximou para ajudá-la.
- Espero que possa me aceitar como cliente. Tenho uns quantos vestidos que preciso limpar e remendar.
- Sempre estou encantada de aceitar novas clientes - respondeu ela um pouco mais relaxada.
E era verdade. Já tinha muito trabalho, mas sempre agradecia poder ganhar um pouco mais de dinheiro.
- Fantástico! - exclamou lady Witte. - Tenho os vestidos em minha calesa.
Alexandra girou para olhar sua irmã menor.
- Poderia ir buscá-los, Corey? - pediu-lhe. - Faz frio. Gostaria de tomar uma xícara de chá? - ofereceu a lady Witte.
- Sim, faz frio, mas não quero nada, obrigado. Vim porque, ao ser o primeiro trabalho, queria conhecê-la. A próxima vez alguém de meu serviço os trará - explicou
com um sorriso. - Passou bem na festa de Sara de Warenne?
Respirou profundamente e tratou de preparar-se para o que teria que ouvir. Algo lhe dizia que não seria agradável.
- É obvio - mentiu Alexandra. - Como pode imaginar, fazia muito tempo que não saía a um baile - acrescentou enquanto olhava ao seu redor.
- Já o supunha - respondeu a mulher. - Certamente, conseguiu atrair a atenção de todos.
- Não me encontrava bem...
- Menos mal que Clarewood se fixou em você e tomou o incômodo de resgatá-la - disse com o mesmo gélido sorriso.
Soube então que não estava ali para lhe encarregar que arrumasse seus vestidos. Deu-lhe a impressão de que tentava averiguar o que havia entre Clarewood e ela.
Nem sequer tinham começado sua aventura, não podia acreditar que alguém soubesse o que traziam entre mãos. Embora, se tinha aprendido algo da alta sociedade, era
o quão rápido os rumores corriam por ela.
Edgemont descia nesse momento a escada. Viu que se vestiu para sair.
- Vou levar o negro - lhe disse. - Se tiver que sair, pode usar minha égua - acrescentou.
Sorriu com complacência, mas Alexandra estava furiosa por dentro.
- Não tenho previsto sair, pai. Por certo, apresento-lhe lady Witte. Senhora apresento-lhe a meu pai, o barão de Edgemont.
Os dois se saudaram com a devida cortesia e depois seu pai saiu para tirar o cavalo de Clarewood do estábulo. Corey e Olivia entravam na casa nesse momento com
vários vestidos de belos e luxuosos tecidos. Também havia objetos íntimos, feitos com as rendas mais delicadas. Viu que alguns eram negros e muito atrevidos. Era
a primeira vez que lhe levavam esse tipo de roupa para reparar.
Viu que sua irmã Corey parecia envergonhada.
- E não há pressa - disse então lady Witte. - Prefiro que tome todo o tempo que necessite e seja tão meticulosa como queira.
- Temo que seja uma perfeccionista - respondeu Alexandra enquanto a outra mulher tomava o casaco para colocá-lo - Estou muito orgulhosa de meu trabalho.
Lady Witte a olhou com lástima.
- É obvio senhorita Bolton.
Ajudou-a a abrigar-se e abriu a porta. Viu então quão luxuosa era a calesa da dama e quão belos eram seus cavalos, os dois acobreados. Acompanhou à dama até seu
veículo. Seu pai saía nesse momento do estábulo ao lombo de Ébano.
- Obrigado por vir - disse Alexandra.
Lady Witte se deteve ao ver o cavalo e se voltou para olhá-la com suma frieza. Já não sorria. Depois, foi para onde seu pai ainda estava.
- O que é o que aconteceu? - perguntou Alexandra sem entender nada.
- De onde tirou esse cavalo? - disse lady Witte.
- Como? - perguntou Edgemont.
- Lady Harrington teve a amabilidade de nos emprestar este cavalo até que nossa égua se recupere de uma claudicação - disse Alexandra.
- De verdade? - respondeu lady Witte com incredulidade. - Esse cavalo é um dos melhores do duque de Clarewood. Estou segura.
Ficou sem fôlego ao ouvi-la.
- Equivoca-se - respondeu seu pai. - Os Harrington emprestaram-nos. Minha querida e falecida esposa era muito amiga de lady Blanche. Minha filha nem sequer conhece
Clarewood.
Alexandra não podia acreditar no que estava ocorrendo. Estava muito nervosa.
- De verdade? Acaso não resgatou sua filha quando esteve a ponto de desmaiar no baile do outro dia? - perguntou lady Witte. - E você mesmo, Edgemont, voltou para
casa em sua calesa, se não recordar mal.
A mulher parecia furiosa. Foi depressa para sua calesa. O chofer lhe abriu a porta e a dama entrou sem despedir-se.
- Mudei de opinião - disse a Alexandra com as bochechas acesas. - Quero que esteja tudo preparado para depois de amanhã.
Alexandra correu para o carro.
- Mas é impossível, lady Witte.
- Estou segura de que conseguirá terminar - replicou a dama fechando de uma portada a calesa.
O chofer subiu à parte dianteira e tirou o freio da calesa. Alexandra se afastou um pouco para lhe deixar passar.
- Alexandra - seu pai a chamou então.
Olhou-o sorrindo.
- Pai, foi lady Harrington quem nos emprestou o cavalo. Não sei o que é o que acontece com essa mulher - disse com segurança.
Seu pai a olhava com curiosidade, mas relaxou em seguida.
- Sei que você nunca me mentiria - disse. - Nem sequer saberia como fazê-lo. Voltarei a tempo de jantar em casa - acrescentou.
Suas irmãs se aproximaram assim que seu pai se foi.
- O que ocorreu? - Perguntou Olivia.
- Como poderia lady Witte reconhecer a Ébano? - sussurrou Corey.
Alexandra se sentiu chateada. O coração pulsava com força. Tentou recordar lady Witte no baile e se deu conta de que esteve flertando com Clarewood. Ele, ao contrário,
mostrou-se distante em todo momento. De fato, se sua memória não lhe falhava, Clarewood estava observando a ela enquanto essa mal-humorada mulher tentava seduzi-lo.
Só o que lhe ficou claro era que conhecia o suficiente o duque para reconhecer um de seus cavalos. Não desejava tirar conclusões precipitadas, mas era difícil
não fazê-lo. Lady Witte era uma mulher muito bela e elegante. E devia ter menos de vinte e cinco anos.
Perguntou-se se de verdade teria ido vê-la para que reparasse seus vestidos ou se suas razões teriam sido de índole mais pessoal.
- Essa mulher odeia Alexandra - murmurou Corey fora de si. - O que não entendo é por que.
- Acredito que é viúva - acrescentou Olivia. - E me dá a impressão de que não lhe sentou nada bem que o duque de Clarewood se interesse por nossa irmã.
No dia seguinte, Alexandra chegou quinze minutos antes do tempo ao seu encontro na mansão de Clarewood. Guillermo a acompanhou até o salão azul, onde esteve uns
dias antes com Elysse de Warenne e lady Saint Xavier.
- O almoço se serve a uma - informou o mordomo sem alterar-se. - Sua excelência está agora mesmo em reunião, mas não demorará muito.
- Obrigado - conseguiu responder ela.
Esperava que o mordomo não notasse o quanto estava nervosa. Não podia deixar de tremer. Seus nervos a dominavam por completo.
Mal podia acreditar que estivesse a ponto de embarcar em uma aventura amorosa com o duque de Clarewood. Não podia estar sentada e começou a dar voltas pelo salão.
Estava sem fôlego.
Não podia deixar de pensar em que logo estaria acima, no dormitório do duque e em sua cama.
Já não se sentia envergonhada de sua decisão, mas não conseguia tranquilizar-se. Estava convencida de que o duque seria um grande amante e sabia que podia ser
muito amável. De fato, agiu muito bem com ela desde que a ajudou pela primeira vez na casa dos Harrington.
Esperava que também fosse carinhoso com ela essa tarde, necessitava-o.
Embora em realidade não lhe importasse, não acreditava possível, esperava que a tratasse com afeto. Mal se conheciam, mas sabia que ele tinha muita experiência.
Os rumores o relacionavam com um bom número de belas mulheres durante os últimos anos.
Sabia que ele conseguiria que relaxasse. Apesar do escandaloso e imoral de sua relação, era todo um cavalheiro.
Guillermo tinha havia deixado as portas do salão abertas. Ouviu vozes a certa distância, uma delas era a do duque. Acelerou-lhe o pulso.
Girou então para o corredor e ficou sem fôlego ao encontrar-se com seu olhar e seu sedutor sorriso.
Os olhos brilhavam mais esse dia. Voltou-se então para falar com o jovem que estava ao seu lado. Viu que se tratava de Randolph.
- Assegure-se, por favor, de que obtenha a informação que necessito logo que seja possível. Pode ser amanhã mesmo, muito melhor.
- Sim, excelência - respondeu o jovem. Girou então para ela com um afável sorriso. - Boa tarde, senhorita Bolton. Espero que esteja desfrutando de Ébano.
- É obvio - respondeu ela.
Estava muito nervosa para responder.
Randolph de Warenne assentiu com a cabeça e se despediu dos dois.
Clarewood entrou no salão. Levava um montão de papéis nos braços.
- Acordamos que levaríamos tudo com suma discrição - lhe avisou ela.
- Randolph é muito discreto - respondeu ele.
Parecia estar divertindo-se ao vê-la tão preocupada.
- Não me parece apropriado que tenha me visto aqui! - exclamou enquanto ia depressa para a porta.
Clarewood se interpôs entre ela e a saída e agarrou seus ombros.
- Hoje está linda.
Ficou gelada e não pôde evitar perder-se em seus belos olhos azuis.
- Levo muito tempo esperando que chegasse este momento - confessou Clarewood. - Espero que se sinta igual - murmurou.
Sem saber por que, seu olhar deslizou para a boca de Clarewood. Estava como hipnotizada.
- Suponho que sim, mas estou muito nervosa, excelência.
Clarewood lhe dedicou um sorriso mais amplo ainda e viu que tinha uma covinha.
- Não há razão para que se sinta assim - disse enquanto acariciava sua bochecha com o polegar.
Estremeceu. As sensações percorriam seu corpo sem que pudesse fazer nada para evitá-lo.
- Espero que não se equivoque com Randolph - sussurrou ela. - E Guillermo?
- Se Guillermo quisesse me trair, poderia tê-lo feito já muitas vezes.
Perguntou-se o que quereria dizer com esse comentário e lhe veio à cabeça a imagem de lady Witte.
Clarewood soltou seus ombros e deslizou as mãos por seus braços. Sentiu outro calafrio de prazer.
- Ele nunca me trairia - assegurou o duque ao ver que continuava nervosa.
- Conhece lady Witte? - perguntou de repente.
- A verdade é que a conheço muito bem - respondeu ele um pouco surpreso.
Ficou sem fôlego. Soube então que eram amantes.
- É minha nova cliente.
Clarewood abriu muito os olhos.
- Não precisa continuar costurando nem ter novas clientes, Alexandra. Deve me fazer caso. Agora que chegamos a um acordo, eu me encarregarei de você.
Não pôde afogar uma exclamação.
- O que quer dizer?
- Quero dizer que vai necessitar roupa nova e um pouco de dinheiro para comprar - disse ele sem deixar de olhá-la. - Já lhe disse que sou um benfeitor muito generoso.
Ruborizou-se ao ouvi-lo. Surpreendeu-lhe que se mostrasse tão amável e que fosse tão considerado com ela. Pensou que o tinha julgado mal, mas ainda lhe preocupava
a relação que pudesse ter com lady Witte.
- Dá-me a impressão de que quer saber mais - disse ele. - Continue, por favor.
Custava-lhe reunir a coragem necessária para falar.
- Segue...? Continua sendo sua amante? - perguntou por fim.
- Foi minha amante - confessou ele. - Mas já terminou.
Sentiu-se muito aliviada. Entendeu então por que lady Witte quis fazer algumas averiguações sobre ela.
Acreditava que teria percebido durante a festa dos Harrington, que havia certa atração entre o Clarewood e Alexandra. Conhecendo o duque como parecia conhecer,
teria imaginado que tentaria conquistá-la. A presença de Ébano em sua casa lhe teria confirmado seus temores. Não estranhou que tivesse sido tão antipática e desagradável
com ela.
Mas Clarewood lhe assegurou que já não estava com essa mulher. Tentou esconder um sorriso de satisfação, mas ele se deu conta.
- Você é a mulher com a qual quero compartilhar minha cama, Alexandra. Se não me acredita ainda, não demorará a fazê-lo.
Não podia deixar de tremer. Sabia o que ia ocorrer assim que terminassem o almoço.
- Sim, acredito - murmurou ela.
Clarewood estava muito perto e não podia deixar de olhá-lo. Foi então quando se deu conta de que estavam em total silêncio. Podia ouvir a respiração desse homem
e seus próprios batimentos do coração.
Clarewood estendeu a mão para ela e a aceitou trêmula. Estremeceu ao sentir sua pele ardente. Não entendia o poder que esse homem parecia ter sobre ela. Os joelhos
mal podiam sustentá-la e ele deve ter dado conta, porque a agarrou em seguida pelos cotovelos.
- Por que está tão nervosa? - murmurou ele. - Parece uma colegial a que um velho verde tenta seduzir.
Mal podia pensar, não quando o sentia tão perto, não quando estava quase entre seus braços.
Clarewood a abraçou então de verdade, esmagando seus seios contra seu forte torso. Alexandra agarrou seus ombros e foi incrível sentir que ele a abraçava e ela
a ele.
- Meu Deus... - murmurou.
Todo o fogo que Clarewood parecia emitir se concentrava sob sua saia.
- Desejo agir como cavalheiro e ser o perfeito amante, de verdade - sussurrou ele então enquanto se aproximava de sua boca. - Mas eu também me sinto como um colegial.
Impaciente como um jovem - assegurou enquanto acariciava suas bochechas com os lábios- Não pude deixar de pensar em você.
Alexandra mal podia respirar. Agarrava-se a ele como se temesse cair ao chão e não podia deixar de acariciar suas fortes e musculosas costas.
- Excelência... - sussurrou então entre suspiros.
- Stephen - a corrigiu ele.
Sentiu então a boca de Clarewood sobre a sua.
Ficou imóvel e fechou os olhos. A sensação era deliciosa e muito provocadora. Não parecia ter pressa, limitava-se a fazer que suas bocas se roçassem, como em
uma sensual carícia.
Não demorou a sentir sua avultada ereção contra seu estômago. Sobressaltou-se, mas já não a assustava, seu corpo também estava em chamas e ver quanto a desejava
conseguiu que se entregasse totalmente ao momento.
Clarewood a beijou então com mais força, assaltando sua boca com um apetite feroz. Ela respondeu com a mesma intensidade, agarrando-se a ele desesperada por sentir-se
mais perto ainda desse homem. O beijo foi aumentando em intensidade, igual à paixão que havia entre os dois.
Não pôde afogar uma exclamação ao sentir que ele a levava quase no colo. E, sem saber como, acabaram os dois no sofá do salão e com ele em cima.
Beijou-o como uma mulher enlouquecida e lhe passou uma ideia pela cabeça. Embora não tivesse sido consciente até esse momento, decidiu que devia estar apaixonada
por ele. Não encontrava outra explicação para essa urgência nem essa paixão.
Não podia deixar de beijá-lo, cada vez mais apaixonadamente. Estremeceu de novo. Estava desejando que a fizesse dele.
Clarewood se separou de repente. E, tomando sua face entre as mãos, olhou-a nos olhos. Sentiu-se confusa.
- Nunca desejei tanto a alguém - confessou ele com a voz carregada de desejo. - Desejei-lhe desde que a vi pela primeira vez, desde que a sustentei em meus braços.
- Eu também o desejo - respondeu ela em um fio de voz. - Desesperadamente.
Ele sorriu, parecia muito satisfeito.
- Subimos a meus aposentos?
Mas ela não queria atrasar mais o momento. Temia que se desvanecesse a louca e mágica paixão que a dominava por completo.
- Não - respondeu.
Clarewood pôs-se a rir enquanto se entretinha com os botões de seu vestido. Ela se levantou e girou para ajudá-lo. Estremeceu então ao sentir sua língua ardente
e seus beijos na pele já nua de sua nuca. Ele a mordiscava e as sensações eram tão deliciosas que teve que fechar os olhos. Mal podia controlar seus gemidos enquanto
ele a beijava e desabotoava o vestido.
Estremeceu uma vez mais e se rendeu. Não podia controlar por mais tempo seu desejo. Deixou que os gemidos e ofegos escapassem livremente de sua boca.
Stephen lhe tirou o vestido com facilidade. Debaixo só levava uma regata e as meias.
Olhou-o então.
De pé e em roupa interior, sentiu-se muito nua e vulnerável. Stephen não deixava de olhar seus seios enquanto tirava a jaqueta e o colete. Deixou-os cair perto
dali.
Sua regata era velha e estava um pouco desgastada. Não tinha nada a ver com os belos objetos de renda que lady Witte usava, mas ele a olhava com desejo em seus
olhos. Agachou-se e tomou um de seus mamilos na boca enquanto a agarrava pela cintura.
Gritou de prazer, mal podia controlar seu desejo.
Stephen rasgou sua regata, pôde ouvir como se rompia o velho tecido de algodão, para poder beijar diretamente seus seios. O prazer que sentiu não poderia sequer
ser descrito e lhe deu a impressão de que não poderia suportá-lo durante muito tempo. Stephen deslizou então a mão entre suas coxas, onde descobriu seu quente e
úmido sexo.
- Sim... - murmurou satisfeito.
Abraçou-o então com mais força, como se colocasse a vida nisso. Começou a acariciá-la e a explosão de prazer foi instantânea. Alexandra gemia, sem saber o que
fazer para suportar tantas sensações.
As ondas de prazer aconteciam uma atrás de outra e mal foi consciente de que Stephen a deixava de novo sobre o sofá e se tornava sobre ela. Sentiu então sua firme
ereção contra a parte mais íntima de seu corpo.
Stephen não se moveu, limitou-se a lhe beijar o pescoço enquanto ela voltava para a realidade. Deu-se conta de que acabava de descobrir o que era o desejo. Havia-se
sentido como se estivesse flutuando, envolta em uma nuvem de amor e êxtase...
Ele tomou suas faces entre as mãos e ela abriu os olhos. Os de Stephen continuavam acesos pela paixão.
- Querida... - sussurrou antes de beijá-la apaixonadamente.
Stephen tinha conseguido que estremecesse e gritasse de prazer. Continuavam os dois nus e ele estava entre suas pernas. Sentiu como seu corpo reagia de novo ao
senti-lo tão perto. A terrível urgência que a subjugou minutos antes parecia querer fazer-se de novo com o controle.
Beijou-o com a mesma paixão, procurando sua língua enquanto explorava com as mãos suas costas e baixava até seus quadris. Retorceu-se ao sentir a pressão de seu
membro viril e tentou atraí-lo mais perto de seu corpo. Agia sem pensar, não era consciente de seus próprios movimentos e já não lhe importava nada.
Stephen pôs-se a rir e deixou de beijá-la. Foi baixando então por seu corpo, beijando os seios. Ela protestou, mas ele seguiu rindo enquanto se dedicava a torturar
seus mamilos com dentadas e beijos. Não suportava mais esse martírio, desejava-o mais que nunca e queria sentir-se unida a ele. Não podia deixar de gemer enquanto
agarrava com força seus ombros.
- Paciência, querida - murmurou Stephen enquanto chegava com a boca a seu estômago e o beijava.
Soube de repente o que pretendia fazer e ficou imóvel, não podia acreditar.
Quando já estava a meio caminho entre seu umbigo e seu púbis, Stephen levantou o rosto e a olhou.
- Alguém já a saboreou assim?
- Não... - respondeu ela com um estremecimento.
Stephen sorriu e deslizou depois sua língua entre as dobras de seu sexo. Estremeceu de novo. Ele ia intensificando o ritmo de suas íntimas carícias e Alexandra
sentiu que perdia o controle. Deixou-se cair sobre as almofadas do sofá e gritou fora de si.
Antes que pudesse dar-se conta do que fazia, Stephen subiu de novo por seu corpo até que sentiu seu ereto membro entre as pernas. Seu rosto parecia contorcido
pelo desejo e o esforço que estava fazendo por controlar-se.
Olharam-se nos olhos.
- Depressa - o urgiu ela enquanto o agarrava com força. - Depressa, não aguento mais.
Stephen sorriu e se deslizou dentro dela.
A pressão que sentiu foi tão forte que ficou uns segundos sem fôlego. O prazer foi igualmente intenso. Stephen deve ter notado então que era virgem e a olhou
nos olhos com o cenho franzido. Parecia desconcertado.
Ela, sentindo-se perto do clímax, animou-o a seguir.
- Por favor... - sussurrou.
Stephen atravessou a barreira de sua virtude, mas seu rosto tinha mudado por completo, já não sorria. Ela o abraçou com força e se acomodou ao rítmico compasso
de seus movimentos. O prazer era indescritível, não podia comparar-se com nada.
Quando Alexandra despertou, viu que estava sozinha no sofá, coberta com uma echarpe dourada. Demorou uns segundos em recordar onde estava e se sobressaltou ao
ver que continuava nua e que o salão estava às escuras.
Foi recordando pouco a pouco o que tinha ocorrido.
"Acabo de passar a tarde fazendo amor com o duque de Clarewood", disse-se.
Respirou profundamente e agarrou a echarpe para cobrir melhor seu corpo. Imaginou que adormecera, mas continuava ali nua. Ruborizou-se ao recordar tudo e rezou
para que ninguém entrasse no salão e a encontrasse ali nessas circunstâncias.
Sabia que precisava voltar para casa, mas não se moveu.
Seu coração começou a pulsar com rapidez. Eram muitas as emoções que tinha em seu interior.
Fizeram amor duas vezes, sem descanso algum. Stephen era um amante incrível. Nunca pode imaginar que pudesse chegar a haver tanto ardor entre duas pessoas. Nem
mesmo teria acreditado que pudesse ser tão apaixonada e desinibida como se mostrou essa tarde com ele. Converteram-se em amantes e ela era oficialmente a querida
do duque de Clarewood.
Pôs-se a tremer sem poder acreditar no que tinha ocorrido. A felicidade crescia dentro de seu peito sem que pudesse fazer nada para evitá-la. Havia se sentido
muito bem com ele, como se fossem feitos um para o outro.
Recordou como Stephen a tinha olhado, parecia que sentia algo por ela de verdade. Outras vezes, observava-a como se quisesse adivinhar o que havia dentro de sua
alma. Não sabia o que pretendia averiguar e nem mesmo sabia se devia atrever-se a pensar em Stephen de outro modo, não só como em seu amante e benfeitor. Perguntou-se
se poderia permitir o luxo de vê-lo como a um homem, como a um igual, como a alguém que poderia chegar a amar.
Stephen tinha conseguido fasciná-la por completo. Tinha-o tudo. Era um homem bonito e rico. Era um dos mais importantes membros da aristocracia. Todos o conheciam
por suas boas obras. Era também inteligente e trabalhador. E todo um cavalheiro...
Não se envergonhava do que acabava de ocorrer, absolutamente. A verdade era que estava emocionada. "Agora somos amantes", disse-se de novo. Ao menos sabia que
não morreria sendo virgem e conseguiu evitar se casar com o senhor Denney. Além disso, com o Stephen descobriu que havia muito mais entre os dois e tremeu ao recordá-lo.
Nem sequer tinham parado para comer nem conversar.
Pensou que possivelmente a próxima vez que o visitasse pudessem conversar um pouco enquanto bebiam uma taça de vinho. Sorriu ao pensar nas possibilidades que
lhe apresentavam. Imaginou-se no salão com ele e ante uma mesa elegantemente disposta. Ela teria posto um belo vestido de noite que ele lhe teria comprado. Stephen
estava sentado ao seu lado, sorria-lhe e tomava sua mão.
Sem deixar de sorrir, acendeu um abajur que havia ao lado do sofá e olhou a seu redor para procurar sua roupa.
Perguntou-se se estaria apaixonando-se por ele.
Tremeu de novo, não parecia capaz de controlar seu corpo nem seu pulso nesses dias. Entre seus braços essa tarde, quando seus corpos estavam tão unidos como se
fossem um só, pareceu-lhe que compartilhavam algo mais que paixão, que havia amor entre os dois.
Perguntou-se se seria possível sentir tanto desejo se não estivesse apaixonada por ele.
Ruborizou-se uma vez mais. Sabia que era uma mulher sensata. Não acreditava possível que se apaixonasse por alguém a primeira vista, mas lhe deu a impressão de
que isso era precisamente o que ocorreu com o duque de Clarewood. E lhe ocorreu quando o viu pela primeira vez no baile.
Sentindo amor ou não, decidiu embarcar em uma relação em que esses sentimentos não tinham lugar. Mordeu o lábio pensativa e começou a recolher sua roupa, que
continuava jogada pelo chão. Sua regata estava rasgada e se ruborizou ao recordar esse momento de paixão.
Stephen lhe dissera continuamente que devia ser paciente, mas lhe demonstrou com suas ações que ele não era. Sentiu como seu corpo despertava ao recordar os momentos
de absoluta intimidade que tinham vivido.
Começou a vestir-se devagar enquanto rememorava a tarde passada nesse salão. Sentia-se feliz e satisfeita e seu corpo parecia vibrar ainda.
Mas se deu conta de que devia tomar cuidado, Stephen era uma força da natureza e ela não podia controlá-la nem resisti-la. Sorriu ao recordar o que havia dito
uns dias antes a suas irmãs, lhes assegurando que só um furacão poderia evitar que se casasse com o senhor Denney. Tinha encontrado seu furacão e estava desejando
terminar de arrumar-se e sair para buscá-lo. Queria falar com ele uns minutos antes de voltar para casa.
Custou-lhe fechar os botões das costas. Estava tentando quando alguém bateu na porta. Ficou imóvel e lhe deu medo de que a vissem assim.
- Não, não, um momento! - gritou.
- Sua excelência me pediu que viesse vê-la se por acaso necessita ajuda, senhora - disse a voz de uma mulher do outro lado da porta.
Deu-se conta de que Stephen tinha lhe enviado uma donzela. Disse-lhe que podia entrar e a jovem se apressou a ajudá-la com o vestido.
Sorriu agradecida. Não queria nem imaginar o que a mulher devia estar pensando dela. Não havia maneira de justificar por que estava meio nua em um dos salões
do duque e completamente despenteada.
- Obrigada - lhe disse quando terminou. - Como se chama?
- Bettie, senhora. Deseja que lhe arrume o cabelo?
- Boa ideia, mas antes devemos encontrar as forquilhas - disse enquanto procurava no chão e entre as almofadas do sofá.
Só encontrou três e Bettie lhe disse que iria procurar algumas mais. Esperou-a sentada no sofá e o duque voltou imediatamente para sua mente. Perguntou-se o que
estaria fazendo nesse momento. Ficou em pé e se aproximou da porta, que Bettie tinha deixado entreaberta. Abriu um pouco mais e olhou a ambos os lados do corredor.
Viu que a porta da biblioteca também estava aberta. Clarewood estava ali dentro, olhando o fogo na lareira e com as costas para ela.
Antes que pudesse aproximar-se, ele sentiu sua presença porque girou para olhá-la. A sala estava às escuras, só tinha a luz do fogo e não viu bem a expressão
de seu rosto, mas soube que estava observando-a.
Hesitou um segundo, não sabia o que fazer. Imaginou que teria muito mau aspecto e que estaria muito despenteada, mas saiu do salão e cruzou rapidamente o corredor.
Olhou-o com um sorriso tímido.
Clarewood não lhe disse nada, mas seguiu olhando-a. Sua atitude conseguiu confundi-la e preocupá-la, não sabia o que lhe ocorria. Não era a recepção que esperou
ter.
- Excelência, é tarde - disse da soleira. - Devo ir.
Mordeu o lábio. Queria lhe dizer muito mais, mas não sabia se podia lhe falar com liberdade. Precisava fazer algum comentário sobre o que tinha ocorrido, o que
acabavam de compartilhar.
- Entre, Alexandra - ordenou ele.
Não pôde evitar fazer uma careta, seu tom era duro e frio. Entrou devagar. A essa distância, pôde ver que seu gesto era tão duro quanto sua voz e que seus olhos
estavam acesos pela ira.
- O que ocorre? - perguntou ela sem poder entendê-lo.
- O que ocorre? - repetiu ele com incredulidade.
Clarewood estava tão furioso que todo seu corpo parecia tremer como se estivesse tentando controlar sua ira. Instintivamente, deu um passo atrás. Estava muito
confusa.
- O que é que ocorreu? Fiz algo mau?
Ele se aproximou em duas passadas, era tão alto que sua presença a aterrorizou. Ficou imóvel, como se esperasse que ele fosse pegá-la.
- Eu não gosto que me enganem - disse.
Estava furioso, mas não levantou a voz. Teve vontade de sair correndo dali, mas decidiu que devia ser forte e defender-se.
- Não sei a que se refere - respondeu ela.
- Era virgem, senhorita Bolton - Clarewood a acusou.
Estava muito emocionada para pensar com claridade. Não podia acreditar que a tratasse com tanta frieza e formalidade depois de tudo o que tinham compartilhado
essa tarde. Doeu-lhe muito que a tratasse assim.
Clarewood passou ao seu lado e fechou as portas da biblioteca com um golpe. Fez com tanta força que o chão de madeira tremeu sob seus pés. Continuava atônita,
mas também estava conseguindo assustá-la.
O duque parecia ter assumido que tinha experiência nesses terrenos e ela, isso tinha que reconhecer, tinha permitido que fizesse uma ideia equivocada. Mas nunca
pensou que fosse reagir desse modo se chegasse a dar-se conta.
- Por isso está tão zangado? Porque não tenho a experiência que acreditou que tinha? - conseguiu perguntar ela.
- Não estou zangado, estou furioso - replicou ele. - Mentiu-me.
Suas palavras lhe doeram mais que a pior das bofetadas.
- Não pensei que fosse importante - confessou ela.
Estava tão confusa que teve vontade de chorar. Mas tinha que reconhecer que já suspeitava que pudesse ser um detalhe importante para ele, por isso não o havia
dito, para evitar que voltasse atrás.
- Não pensou que fosse importante? - perguntou com incredulidade.
- Acredito que foi um terrível mal-entendido - sussurrou ela com voz trêmula.
Clarewood soprou e começou depois a aplaudir sem entusiasmo.
- Uma atuação insuperável, senhorita Bolton.
- Não entendo do que me fala Stephen! - exclamou ela.
Mas soube que foi um engano chamá-lo por seu nome de batismo, uma concessão que lhe tinha feito em meio de um momento de paixão.
- Sua excelência - a corrigiu ele com dureza.
Deu um passo atrás, continuava sem compreender sua reação.
- Por que está fazendo isto?
- Por quê?
Com cada passo para trás que dava, Clarewood ia aproximando-se dela para que não pudesse pôr distância entre os dois.
- Deveria ter imaginado que era tudo um estratagema. É uma jogadora muito habilidosa, senhorita Bolton.
Estava muito atônita para dizer algo.
- Depois de tudo, nenhuma mulher havia recusado minhas insinuações como você o fez. Mas suponho que só o que procurava com essa atitude era que meu desejo por
você aumentasse verdade? E o detalhe de me devolver o bracelete de brilhantes... Devo felicitá-la por sua atuação. Não conheço nenhuma mulher que em suas penosas
circunstâncias tivesse tido a coragem de me devolver uma jóia tão valiosa.
Deixou-se cair na poltrona mais próxima. Estava muito assustada e perplexa, não se sustentava em pé. Mas Clarewood a seguiu e a olhava com desprezo.
- Não foi nenhum jogo! - protestou ela. - Não podia aceitar um presente como esse. Isso é tudo.
- Não estou de acordo. Tudo foram jogos e estratégias. É muito habilidosa e conseguiu que lhe perseguisse sem descanso - respondeu ele. - Admita senhorita Bolton,
que foi tudo uma armadilha.
- Não - respondeu ela. - Não entendo a que se refere.
- Não penso em me casar com você!
Olhou-o emocionada, não compreendia nada. Demorou uns segundos em entender o que era o que Clarewood pensava dela.
- Acha que lhe estendi uma armadilha com a intenção de me casar com você?
- Não acredito, sei - replicou ele.
Agarrou com força os braços da poltrona. Estava tão angustiada que sentiu que se enjoava. Mas sabia que Clarewood não acreditaria, pensaria que era tudo parte
de seu jogo.
- Reconheço que têm feito um grande trabalho. Foram muitas as mulheres que tentaram me conquistar para converter-se na próxima duquesa de Clarewood. Mas é a primeira
que me entrega sua virgindade para conseguir seus propósitos.
Sentiu que se afogava, que lhe faltava o ar, e tentou acalmar-se. Clarewood a tinha acossado implacavelmente, sem que lhe importassem seus princípios nem seus
valores morais, mas se atrevia a acusá-la de estar tentando apanhá-lo para conseguir que se casasse com ela. Sentiu-se doente, não podia acreditar que lhe estivesse
ocorrendo algo assim.
Quando por fim pôde levantar a cabeça para olhá-lo, viu que Clarewood entregava uma parte de papel.
- Tome isto e se vá - disse.
Demorou uns segundos em dar-se conta de que se tratava de um cheque. Sem pensar, baixou de novo a vista e negou com a cabeça.
- Tome - insistiu ele entre dentes. - Use para o dote. Meu chofer a levará para casa.
Atirou-lhe o cheque, que caiu em seu colo. Não se moveu, não podia fazê-lo. Não queria voltar a ver seu rosto carregado de ódio, mas estava tão furioso que não
teve que vê-lo para sentir sua raiva.
Dava-lhe medo mover-se ou respirar. Sentia arcadas e não queria vomitar, desmaiar nem começar a chorar. Ouviu-o então se afastando dela e abrindo as portas da
biblioteca.
Seguiu sem mover-se, não se atrevia sequer a pestanejar. Esperou até que deixou de ouvir seus passos no corredor. Olhou então o cheque que tinha sobre seu colo.
Tinha-o feito por cinco mil libras.
Sentiu que se afogava e caiu de joelhos ao chão. Era insuportável a dor que sentia em seu coração. Tentou controlar seus soluços e as arcadas que sentia. Encontrou
quase às cegas o cheque e, ainda de joelhos, rompeu-o em mil pedaços.
Capítulo 10
O caminho de volta a Vila Edgemont se fez eterno. Alexandra se negava a chorar e tratou de controlar seu estômago para não vomitar. Continuava sem aceitar o
que tinha ocorrido. Não podia deixar de pensar em tudo o que tinha acontecido essa tarde. Recordou como Clarewood a tinha seduzido, movendo-se sobre ela com um sorriso
cálido no rosto. Não parecia a mesma pessoa que depois lhe atirou um cheque no colo enquanto lhe sugeria que o usasse para um dote. A dor que lhe produziam essas
lembranças era quase insuportável.
Quando o chofer girou para olhá-la e lhe disse que não demoraria a chegar, saiu rapidamente do estado de sonho no qual estava. Não podia continuar pensando no
que aconteceu, mas devia concentrar-se no presente. A realidade que enfrentava seria muito dura e temia ter arruinado sua vida e, o que lhe doía ainda mais, o futuro
de suas irmãs.
Decidiu que devia ocultar por todos os meios o que aconteceu nesse dia. Estava em sua própria calesa e com Ébano puxando-a. O chofer levava outro cavalo preso
à parte traseira do veículo para poder retornar à mansão de Clarewood. Não queria que ninguém a visse retornar com um chofer, já seria bastante complicado ter que
explicar por que voltava a essas horas da noite.
Supôs que seu pai não estaria em casa, nunca estava a essas horas, mas teria que mentir a suas irmãs. Fechou os olhos, sentia-se desesperada. Sabia que essas
mentiras seriam uma das consequências de seus próprios atos.
Equivocou-se por completo.
Esteve tão hipnotizada por Clarewood, pensando que era seu príncipe, que não calculou as possíveis e terríveis consequências de suas decisões.
A dor que tinha no peito era insuportável.
Chegaram em seguida à entrada de Vila Edgemont e ela tomou as rédeas até a entrada da casa. O chofer já ia a caminho de Clarewood ao lombo do outro cavalo.
Viu que havia luz na sala de estar e imaginou que suas irmãs estariam esperando-a ali com grande preocupação. Deviam ser já às dez da noite.
Desceu da calesa e desatou o cavalo para levá-lo ao estábulo. Mas a porta da casa se abriu de repente e suas irmãs saíram ao seu encontro.
- Onde esteve? - perguntou Corey com os olhos arregalados. - estivemos muito preocupadas!
- Deveria ter nos enviado uma nota - disse Olivia. - Nosso pai está em casa, mas tem visita. Estão todos na biblioteca bebendo.
Ficou sem fôlego. Tinham que guardar Ébano depressa. Esperava poder entrar na casa e que seu pai não chegasse a inteirar-se do que tinha ocorrido.
- Podem me ajudar a desenganchá-lo e lhe dar de comer? - perguntou-lhes.
- É obvio - respondeu Olivia.
Olivia levou o cavalo até o estábulo. Corey e Alexandra a seguiram. Era um alívio que não lhe fizessem perguntas, mas sabia que não continuariam muito tempo em
silêncio.
Entraram no estábulo e Corey acendeu um abajur de querosene. Alexandra estava ao outro lado do cavalo, desatando o arreio. Suas irmãs não podiam lhe ver o rosto.
- E bem? - perguntou Olivia depois de que colocassem Ébano em seu cubículo.
Tentou sorrir, mas não o conseguiu.
Olivia viu sua expressão e abriu a boca assustada.
- O que esse homem te fez?
Estava a ponto de chorar. Sabia que suas irmãs a consolariam, mas não podia lhes contar o que tinha ocorrido.
- Tinham razão as duas. As intenções de Clarewood não eram honestas e me dei conta de que não podia me rebaixar tanto - disse.
Olivia se aproximou e a abraçou com carinho.
- Mas aconteceu algo, sei.
Não sabia o que lhe dizer e se separou dela.
- Estou esgotada, vou à cama - disse enquanto saía do estábulo.
- Não pode retornar com essa cara de tristeza e desalinhada e pretender que não lhe perguntemos nada - respondeu Olivia indo atrás dela.
Alexandra correu até a casa. Mas, estava a ponto de agarrar o trinco da porta para entrar, quando ouviu risadas masculinas. Ficou imóvel um segundo. Depois, um
pouco mais segura, abriu a porta e entrou.
Seu pai estava no vestíbulo colocando seu casaco. Acompanhavam-no outros dois senhores de avançada idade. Olhou-a com um grande sorriso.
- Retornou! - exclamou com entusiasmo.
Ela não podia sorrir.
- O que quer dizer, pai? - perguntou enquanto saudava os outros dois homens. - boa noite, cavalheiros.
- Bom, não jantou em casa e a vi chegar na calesa faz poucos minutos - respondeu ele com um pouco de suspicacia. - Onde estava a estas horas?
- Fui tomar o chá com lady Harrington - respondeu ela. Não podia acreditar que lhe estivesse mentindo com tanto descaramento, mas devia ocultar a todos a verdade
fosse como fosse. - Sinto haver perdido o jantar, mas lady Blanche me ofereceu um maravilhoso lanche com o chá. Perdoe-me, por favor.
Viu que suas irmãs a olhavam com incredulidade e gesto de preocupação. Despediu-se de todos e subiu depressa a seu quarto.
Fechou a porta por dentro quando chegou e se apoiou nela.
Quando, um pouco mais tranquila, abriu os olhos, a rosa de Clarewood foi o primeiro que viu.
Estava murchando já, pareceu-lhe uma alegoria perfeita do que acabava de ocorrer.
- Eu te odeio - disse em voz alta. - Eu te odeio...
Mas odiar não formava parte de sua natureza. Tinha uma imagem de Clarewood em sua mente, sorridente e sedutor. Uma imagem que se transformava pelos gestos e olhares
de ódio que lhe proferiu depois. Soube então que não era seu príncipe, nem sequer era um cavalheiro de verdade. Não se parecia com Owen em nada.
Seu prometido sim que foi todo um cavalheiro e seu príncipe encantado. Ele amou de verdade e desejou casar-se com ela. Estava segura de que Owen nunca a teria
castigado como Clarewood acabava de fazer.
Muito tarde, estava se dando conta de que era de Owen quem sentia falta, seu verdadeiro amor, um homem que não tinha nada a ver com esse maldito duque.
Embora Alexandra não acreditasse possível, o dia seguinte foi inclusive pior. Deveria ter imaginado ao ver as cinzas nuvens ao amanhecer. O dia ameaçava ser
tormentoso. Fazia também muito frio e muito vento.
Para cúmulo, suas irmãs também a tratavam com desdém. Entendeu que estivessem icomodadas ao ver que não lhes contava nada, mas teria preferido que lhe fizessem
perguntas e insistissem mais. Doía-lhe muito vê-las assim, sobre tudo quando as necessitava mais que nunca.
No meio da amanhã, apareceu o senhor Denney para visitá-los. Teria sido de má educação não recebê-lo. Além disso, seu pai também estava em casa.
Edgemont o convidou a passar enquanto lhe assegurava que sua filha Alexandra os acompanharia. Denney a tratou com amabilidade. Estava claro que era um homem de
palavra e que pensava cortejá-la de maneira mais tradicional e prolongada.
Mas ela não tinha mudado de ideia e não estava disposta a passar da cama do duque ao altar com outro homem. Passou uma hora muito complicada, tentando ser amável
e conversando com seu pai e com Denney, mas continuava sem poder sorrir. Sentia o coração quebrado, embora soubesse que era absurdo porque nem conhecia realmente
Clarewood nem o amava. Cometeu o engano de pensar que o duque seria como Owen, mas se enganou.
O senhor Denney ficou em pé, indicando que dava por terminada a visita. Notou que a olhava com um pouco de preocupação.
- Alegra-me que viesse nos ver, senhor Denney - lhe disse Edgemont enquanto se despedia e saía da biblioteca.
Seu pai não era um homem muito sutil e estava claro que desejava deixá-los sozinhos para que pudessem falar. Era o último que desejava fazer e, para ocultar sua
contrariedade, foi por seu casaco.
- Obrigada por nos visitar - lhe disse ela com educação. Falava-lhe com um pouco de frieza, não queria que o homem fizesse uma ideia errada. Esperava que ficasse
muito claro que não ia mudar de opinião. Denney, em vez de aceitar seu casaco, agarrou suas mãos. - Senhor! - disse ela com surpresa.
Ele a soltou imediatamente.
- Notei que está triste senhorita Bolton. Espero que não seja por minha culpa.
- Não, é obvio que não - respondeu ela. - E não estou triste, só um pouco cansada. Estes dias tenho que terminar muitos trabalhos.
- Eu não gosto de ver o quanto trabalha - disse ele com preocupação. - E se cair doente?
Era um homem muito bom, mas continuava sem querê-lo por marido.
- Não sou tão frágil - disse para tranquilizá-lo.
- Querida, posso ajudar a você e a suas irmãs de algum modo? - perguntou.
Era tão amável com elas que lhe deu vontade de chorar, mas não podia tirar a imagem de Clarewood de sua cabeça. Descobriu muito tarde que o duque não era um homem
bom. Era frio, calculador e egoísta. Comprovou em sua própria carne que era tão cruel e desumano quanto as pessoas falavam.
- Estamos bem, mas muito obrigado - disse com sinceridade. - é um homem muito bom - acrescentou sem pensar.
- Isso quer dizer que ainda tenho uma oportunidade? - perguntou ele com entusiasmo.
Ficou sem palavras, não sabia o que lhe dizer. Mas um homem como Denney merecia que fosse sincera com ele.
- O outro dia falava a sério e sigo pensando igual senhor. Merece uma mulher que possa chegar a amá-lo.
- E eu sigo pensando que algum dia sentirá o mesmo por mim - sussurrou o homem.
Ficaram os dois em silêncio.
Estava a ponto de acompanhá-lo à porta quando ouviram os cascos de um cavalo no caminho de entrada. Abriu depressa e viu que se tratava de Randolph, chegava a
lombo de um cavalo castanho. Respirou profundamente para tentar acalmar seus nervos. Não sabia o que essa inesperada visita podia significar.
Perguntou-se se Clarewood teria mudado de opinião.
Acelerou-lhe o pulso. Possivelmente Randolph chegasse para lhe entregar uma mensagem de arrependimento. Acreditava que não merecia menos.
- É o jovem Randolph de Warenne. Agora lembro, já o vi aqui a semana passada. Vem com certa frequência? - Denney perguntou franzindo o cenho.
Alexandra pôs-se a tremer ao ver Randolph descendo do cavalo e aproximando-se deles com passo decidido.
- Não, senhor - respondeu ela. Denney não se moveu. Cada vez estava mais nervosa. Não era boa ideia que estivesse presente enquanto falava com Randolph. - Deve
estar interessado em uma de minhas irmãs - disse então.
- Pode ser que seja assim. Ou pode ser que lhe interesse a mais bela das três. E a mais misteriosa - respondeu Denney.
Antes que pudesse lhe assegurar que não tinha nada a ver com esse jovem, Randolph chegou ao seu lado. Saudou o senhor Denney com cortesia e depois a ela.
- Boa tarde, senhorita Bolton - disse.
Esperava que o outro homem se fosse antes que Randolph falasse mais da conta.
- É uma viagem muita longa da mansão dos Harrington - disse o senhor Denney.
Randolph o olhou com seriedade.
- Trabalho para sua excelência o duque de Clarewood - disse com orgulho. - Vive só a duas horas daqui. - Olhou depois a ela. - Eu gostaria de poder falar em privado
com você, senhorita Bolton. Se não for muito incômodo.
- O senhor Denney estava a ponto de ir - respondeu ela com um sorriso.
Era a primeira vez que podia fazê-lo desde que saiu da mansão de Clarewood no dia anterior. Denney abriu a boca para protestar, não parecia confiar no jovem Randolph
nem em suas intenções. Mas terminou por despedir-se inclinando a cabeça e foi até sua calesa, não sem antes lhe recordar que a visitaria no dia seguinte.
Conseguiu sorrir de novo e depois fez um gesto a Randolph para que passasse. Não queria fazer ilusões, mas o coração pulsava cada vez mais depressa.
Randolph tirou então um envelope do bolso interior de sua jaqueta e o entregou.
- O que é isto? - perguntou.
Embora Clarewood lhe pedisse perdão, sabia que não devia perdoá-lo. Mas a verdade era que desejava ter ao menos uma explicação para poder entender por que fez
uma ideia tão equivocada dela.
- Não sei o que há dentro, mas o duque me pediu que lhe desse também uma mensagem. Se não ingressar o cheque no banco, ele mesmo o fará.
Estava tão aturdida que os joelhos tremeram. Sentiu que perdia o equilíbrio e Randolph teve que segurá-la. Abriu então o envelope e viu dentro um novo cheque.
Dessa vez tratava-se de duas mil libras, a quantidade que tinham acordado desde o começo. Não havia nenhuma nota pessoal com o cheque.
Custava-lhe respirar, sentiu que se afogava.
- Encontra-se bem? - perguntou o jovem.
Olhou-o então nos olhos, tentando controlar seu aborrecimento.
- Estou bem - mentiu.
Embora soubesse nesse instante que nunca voltaria a estar bem.
Stephen estava decidido a terminar os planos arquitetônicos de uma vez por todas. Não ia deixar que nada, nem ninguém, o impedisse. De fato, passou toda a noite
trabalhando nesse projeto e teve que refazer os desenhos três vezes.
- Têm um aspecto horrível - disse alguém ao seu lado.
Sobressaltado, levantou a vista e se encontrou com Alexi e com seu mordomo, Guillermo.
- O capitão de Warenne veio vê-lo, senhor - anunciou o mordomo um pouco contrariado. - E, como sempre, não quis esperar que lhe avisasse.
Alexi entrou no escritório com um grande sorriso na cara, mas o olhava nos olhos com intensidade.
- O que lhe ocorre? - perguntou Alexi.
- Traga-nos café, Guillermo - ordenou ao mordomo enquanto ficava em pé.
Recordou então que não se trocou desde o dia anterior e toda sua roupa estava muito enrugada.
E, o que era pior ainda, não podia deixar de pensar nessa maldita mentirosa... Nem mesmo esquecia suas lágrimas, embora soubesse que era puro teatro.
Imaginava seu pai contemplando-o e rindo dele ao ver que essa mulher tinha conseguido enganá-lo.
Guillermo saiu depressa do escritório e Alexi se aproximou da mesa para olhar os planos.
- E bem? Passou a noite de festa?
Alexandra lhe mentiu. Era mais preparada do que imaginou e conseguiu manipulá-lo e rir dele.
Ouviu a voz de Tom em sua cabeça, lhe recordando que era um Clarewood e que Alexandra não era ninguém. Sabia que não podia esquecer a responsabilidade que tinha.
O pior era saber que seu pai, se estivesse vivo, teria lhe dito exatamente isso e estaria certo. Não podia casar-se com essa mulher, não estava disposto a dar
a seus inimigos a satisfação de que se saísse com a sua.
- Estive trabalhando nesses planos toda a noite - explicou a seu primo.
- Que aborrecido! - respondeu Alexi. - Mas, por que parece tão zangado?
Cruzou os braços e o olhou nos olhos.
- Usaram-me, Alexi.
Seu primo levantou as sobrancelhas surpreso. Depois, sorriu.
- Há, há... Estou desejando ouvir todos os detalhes.
- Não tem nenhuma graça.
- Deixe que eu o diga.
Pensou de novo em Alexandra. Mas não a imaginou dominada pela paixão, a não ser a ponto de chorar e tão triste como se ele estivesse lhe rompendo o coração com
suas próprias mãos.
Amaldiçoou entre dentes e decidiu que não era muito cedo para tomar uma taça. Estava convencido de que não lhe tinha feito mal, acreditava que pessoas tão manipuladoras
como Alexandra não tinham sequer coração.
Estava lhe custando muito aceitar que ela fosse assim. Tinha desejado-a como nunca desejou a uma mulher e lhe fez amor com mais paixão da que acreditava possível.
Por isso lhe doía tanto sua traição.
Serviu-se um conhaque e tomou um gole. Notou que a mão tremia.
- Tive algo com Alexandra Bolton - confessou então. - Mas resultou ser uma bruxa manipuladora.
- De verdade? E o que é exatamente o que lhe tem feito para merecer esses adjetivos?
Alexi parecia estar divertindo-se com tudo aquilo, não tinha paciência essa manhã para suportar seus comentários nem suas críticas.
- Era virgem, Alexi. Era virgem e não me disse nada!
Alexi abriu a boca, surpreendido.
Nem ele mesmo podia acreditar. Ele tinha perguntado, embora não diretamente, e lhe fez acreditar que tinha um pouco de experiência. Inclusive chegou a falar da
paixão que sentiu pelo jovem que foi seu prometido no passado. Mas depois descobriu que esse homem não foi seu amante.
Sentiu então a mão de Alexi em seu ombro e girou.
Seu primo o olhava com gesto inocente.
- E suponho que também era a primeira vez para você, não? - disse sem poder conter a risada.
- Dei-lhe tudo o que queira, mas sabe muito bem que, se soubesse que era virgem, nunca teria ido atrás dela - assegurou zangado. - Se soubesse, teria mantido
a distância.
- De verdade? E agora o que?
Antes que pudesse responder, ouviu um sapateio no corredor. Pareciam sapatos de mulher. Soube em seguida quem o visitava e conteve o fôlego.
Quando viu Elysse e Ariella na porta da biblioteca, deu-se conta de que lhe fariam a vida impossível se Alexi lhes contasse o que tinha ocorrido com Alexandra.
Olhou seu primo com o cenho franzido.
- Estrangular-lhe-ei com minhas próprias mãos... - avisou-lhe.
Alexi pôs-se a rir e foi ao encontro de sua esposa, que se lançou em seus braços.
- Se encontraram o cavalheiro perfeito para a duquesa viúva, por que tenho que ser o último em me inteirar? - perguntou então Alexi. - Não temos segredos - acrescentou
olhando a seu primo com intenção.
Stephen entrecerrou os olhos, não estava de humor essa manhã.
- Valoriza tão pouco sua vida?
Alexi riu de novo.
- A verdade é que o motivo de nossa visita é outro - disse Elysse. - Mas, por que Stephen acaba de te ameaçar? O que é lhe ocorre? - perguntou ao seu marido.
- Levo toda a noite trabalhando nesses planos, não dormi nada! - replicou de mau humor.
As duas damas se sobressaltaram ao ouvir o tom de suas palavras.
- Parece que alguém está de muito mau humor - murmurou Ariella. - Acredito que nunca o vi assim. Pode ser que tenha ouvido os rumores.
Stephen ficou sem fôlego. Perguntou-se se Alexandra teria contado a alguém que tinha perdido a virgindade com ele. Possivelmente pretendesse casar-se com ele,
inclusive contra sua vontade.
- Que rumores? - conseguiu perguntar.
- Charlotte Witte é uma amargurada e está fazendo todo o possível por arrastar o bom nome da pobre Alexandra Bolton pelo chão. Recorda à senhorita Bolton, verdade?
- perguntou-lhe Elysse com fingida inocência.
- Claro que a recorda - respondeu Alexi. - Recorda-a muito bem...
Stephen pensou então na noite do baile. Recordou as humilhações e comentários que Alexandra teve que sofrer. Embora tivesse lhe decepcionado muito após, esse
dia a admirou por sua valentia e sua força.
Sentiu-se muito mal. Nunca lhe pareceu que lady Witte fosse uma mulher compassiva, mas Nem mesmo teria esperado que quisesse vingar-se dele de uma maneira tão
ruim. Pensou que teria averiguado que tinha rompido com ela para estar com Alexandra.
- Que mentiras lady Witte está estendendo? - perguntou enquanto tentava convencer-se de que na realidade não lhe importava.
- Assegura que têm uma aventura com a senhorita Bolton, Stephen, e que veio a esta casa em mais de uma ocasião.
Respirou profundamente.
- Claro que todos sabem que você nunca tentaria conquistar nem seduzir a uma mulher tão honrada, verdade, Stephen? - perguntou-lhe Ariella com um pouco de frieza.
- Porque minha tia, lady Blanche, me contou que um latifundiário endinheirado está a ponto de lhe pedir a mão em casamento. A senhorita Bolton passou muito mal desde
que sua mãe morreu. Merece uma vida melhor e a última coisa que precisa é uma aventura amorosa sem possível futuro.
Tomou outro gole de conhaque. Acreditava que todos seus problemas desapareceriam se Alexandra decidisse casar-se com esse tal Denney. Mas, sem saber por que,
essa opção não o satisfazia.
Não queria nem imaginar Alexandra nos braços desse homem. Sabia que não era de sua incumbência, que não devia lhe importar o que ela fizesse com sua vida, mas
não podia evitar.
- Isso ainda está por ver - disse Stephen sem pensar. - Denney ainda tem que lhe pedir a mão, ninguém assinou nenhum contrato. E não é verdade que tenha uma relação
amorosa com a senhorita Alexandra Bolton. Embora se fosse assim, não seria seu assunto, Ariella.
As duas mulheres abriram suas bocas atônitas. Alexi, ao contrário, não deixava de sorrir.
- E como pode estar tão seguro de que ainda não lhe pediu a mão? - perguntou-lhe.
Lamentou ter falado mais da conta Ainda não pode pedir a Randolph que avisasse os investigadores que tinha contratado para saber o que trazia Denney entre mãos.
Já não ia necessitar seus serviços.
Tinha recebido essa mesma manhã um relatório desses homens e sabia que Denney e Alexandra ainda não estavam comprometidos.
Sentiu-se um pouco acalorado, como se tivesse ruborizado. Mas sabia que isso era quase impossível.
- A senhorita Bolton é toda dele se isso for o que esse latifundiário deseja- disse. - E espero que vá muito bem. Serei o primeiro em lhe enviar minhas felicitações
e um presente de bodas se acabarem casando-se.
Viu então a imagem de Alexandra em sua mente. Bela e orgulhosa, com uma dignidade que tinha visto em poucas mulheres. Mas se deu conta de que era tudo mentira.
- Estará apaixonado? - Elysse perguntou ao seu marido.
- Eu estava me perguntando o mesmo- respondeu Alexi.
Stephen não podia acreditar no que ouvia. Deviam ter ficado loucos.
- Como lhe ocorre algo tão absurdo? - replicou. - Só porque me causou admiração a outra noite?
- Sim, e porque essa mulher tem muitas qualidades dignas de ser admiradas - respondeu Alexi. - Além disso, sempre têm um aspecto imaculado. Mas hoje não se barbeou,
têm os olhos vermelhos e está desalinhado. Parece que sabe muito sobre a vida da senhorita Bolton. E está de muito mau humor, Stephen. Ao menos isso tem que reconhecer.
- Não penso admitir nada - replicou Stephen. Olhou depois às duas damas. - Já encontraram um possível marido para a duquesa viúva? - perguntou-lhes para mudar
de assunto.
Ariella não mordeu a isca. Sabia que estaria pensando ainda nele e se estaria interessado em Alexandra de verdade.
- Eu gosto muito da senhorita Bolton - disse Ariella com um sorriso. - Sempre gostei.
- Me alegro - replicou ele com brutalidade.
- Estamos elaborando uma lista de candidatos, mas ainda não estamos preparadas para lhes mostrar isso - assegurou a jovem sem deixar de sorrir. - A senhorita
Bolton não se parece com nenhuma das mulheres com as quais esteve Stephen. Sempre me pareceu muito inteligente e forte. Está claro que ela é a que manteve sua família
durante os últimos anos e apesar de suas difíceis circunstâncias - acrescentou enquanto olhava Elysse. - Deveríamos cercar amizade com ela.
- Eu adoraria! - respondeu Elysse depressa.
Não podia acreditar. A última coisa que precisava era que essas duas se metessem em seus assuntos. Sobre tudo depois do que tinha ocorrido.
- Não acho necessário.
Recordou então que Alexandra tinha rasgado seu primeiro cheque. Chamou-lhe a atenção que o fizesse, mas estava seguro de que a mulher tinha a mira posta em um
objetivo ainda maior.
Por outro lado, era um detalhe que o intranquilizava. Sabia que necessitava com urgência o dinheiro e estava tão zangado nesse momento que decidiu lhe fazer um
cheque com uma quantidade exagerada. Era sua maneira de insultá-la e lhe deixar muito claro o que pensava dela. Acreditava que era uma prostituta muito cara, nada
mais.
Depois se arrependeu e lhe enviou um segundo cheque pela quantidade acordada.
- Por que não quer que a visitemos? - perguntou Ariella.
- Façam o que quiserem Ariella! Depois de tudo, as duas fazem o que lhes dá a vontade. Seus maridos lhes dão absoluta liberdade de movimentos. Se eles não podem
lhes deter, como eu poderia?
Muito tarde, deu-se conta de que essa saída de tom tão inapropriada e estranha nele estava lhes confirmando que lhe acontecia algo. Foi até a porta.
Todos tinham ficado em silêncio.
- Estou assim porque não dormi, não há outra razão - grunhiu a modo de explicação.
Ninguém se atreveu a lhe contrariar.
Mas soube que falariam dele assim que saíssem dali.
Alexandra estava na cozinha, costurando uma das regatas de seda cor creme de Charlotte Witte quando ouviu seu pai descendo as escadas.
Era já meio tarde e seu pai tinha saído umas horas antes, mas não o ouviu retornar. Imaginou que teria voltado para a casa enquanto ela estava no porão.
Procurou o fio violeta, necessitava-o para reparar uma delicada renda que tinha se rasgado. Tentava se concentrar na tarefa que trazia entre mãos sem pensar em
quem era a proprietária dessa roupa interior nem em como teria se rasgado.
Entrou então Edgemont na cozinha.
Não levantou a vista até notar que se deteve e a observava da porta.
Surpreendida, olhou-o com um sorriso, mas viu que seu pai parecia muito zangado.
- O que ocorreu?
- Ouvi alguns rumores ontem à noite - disse com frieza. - Rumores muito feios.
Com cuidado e muito devagar, deixou o que estava costurando a um lado. O coração começou a pulsar mais rapidamente. Perguntou-se se alguém lhe teria contado que
tinha tido uma breve aventura com o duque.
- Não quis acreditar nos rumores. Não podia aceitar que tivesse estado se reunindo às escondidas com o duque de Clarewood.
- É uma acusação terrível - respondeu ela.
- Hoje visitei lady Blanche - disse ele.
Ficou sem fôlego. Sem saber como, ficou em pé. Soube que estava a ponto de descobrir seu engano.
- Ela não lhe emprestou o cavalo. Não estava em sua casa esta semana nem tomou o chá com ela. Quem lhe deu esse cavalo, Alexandra? - perguntou fora de si.
Ela também estava tremendo.
- Só se trata de um empréstimo. Bonnie ficou manca, é a verdade.
- Onde conseguiu o cavalo? - repetiu seu pai. - É de Clarewood, verdade? Lady Witte tinha razão, não é assim? Clarewood te deu esse cavalo!
- É um empréstimo - insistiu ela. - Só um empréstimo.
A Edgemont parecia faltar o ar. Meteu a mão no bolso e tirou um papel. Ela ficou imóvel ao ver que se tratava do cheque.
- É isto um empréstimo também?
Empalideceu e negou com a cabeça. Não saía a voz.
- Revistou meu dormitório? - perguntou quando pôde falar.
- O que teve que fazer para que te desse este dinheiro? - gritou enfurecido.
- Nada - mentiu ela. - Não é... Pai, por favor!
Suas irmãs chegaram correndo nesse instante, pareciam muito assustadas e pálidas.
- O que é o que acontece? - perguntou Corey. - Por que nosso pai grita com você?
- Vão- - pediu ela sem deixar de olhar a seu pai. - Por favor, fora daqui.
Mas não se moveram de seu lado. Edgemont lhe mostrou de novo o cheque.
- O que fez para que te pagasse tão generosamente? - gritou de novo.
Não podia lhe responder. Sabia que devia mentir para salvar-se, mas não era capaz de fazê-lo. Angustiada e desesperada, sentou-se de novo. Caíam as lágrimas pelas
bochechas.
- Abriu as pernas para esse bastardo? - gritou Edgemont com a cara acesa.
- Alexandra nunca faria algo sim! - disse Olivia para tentar defendê-la.
Mas sua irmã a olhava horrorizada.
- Pensei que era... Pensei que ele era um bom homem... Um príncipe - sussurrou.
Edgemont gritou e levou as mãos à cabeça. E, sem prévio aviso, pôs-se a chorar.
Olivia estava pálida, parecia tão emocionada como Corey. Nenhuma das duas se moveu.
- Pensei que seria nosso salvador - disse Alexandra com a voz quebrada. - Mas estava equivocada.
- Meu Deus... - murmurou Olivia.
- Têm que levá-lo ao banco e ingressá-lo - conseguiu dizer ela enquanto cobria o rosto com as mãos.
Sentia-se envergonhada e humilhada. Sabia que suas irmãs nunca voltariam a admirá-la e não podia oltar a encará-las. Depois de tudo, era só uma prostituta.
Corey saiu correndo da cozinha. Ouviu pouco depois como fechava de uma portada a porta de entrada.
Envergonhada, levantou a vista. Olivia parecia horrorizada e fazia mil perguntas com os olhos. Sua irmã não podia entender por que tinha feito algo assim.
- Sinto muito - sussurrou Alexandra.
Seu pai a olhou então.
- Ainda está com ele? - perguntou com dificuldade.
Ela negou com a cabeça.
- Assim que te usou e depois se desfez de você, não? - acrescentou com dureza.
Não podia suportar essa situação. Tudo ia de mal em pior.
- Não, não foi assim. Já lhe disse que cometi um engano. Foi um engano para os dois - disse.
Sabia que era ridículo que tentasse defendê-lo depois de tudo o que tinha ocorrido.
Ficaram em silêncio. Olivia se aproximou dela e se sentou ao seu lado. Depois tomou sua mão com carinho. Agradeceu muito o gesto, necessitava-o.
- Se casará com Denney - ordenou seu pai com firmeza. - Poderia ter ficado grávida. Direi-lhe hoje mesmo que aceita o compromisso.
Pôs-se a tremer. Não quis nem pensar na possibilidade de que tivesse grávida. Mas, dada a situação, não se atreveu a contrariar seu pai.
Edgemont foi para a porta, mas girou antes de sair.
- Casará antes que o mês acabe.
Alexandra tinha pensado que o melhor que podia fazer era esconder-se em seu dormitório. Fechou a porta enquanto tentava controlar sua respiração acelerada. Não
queria chorar. A rosa, já murcha, observava-a do vaso.
Tinha perdido tudo. Seu bom nome, sua dignidade, sua honra e o respeito de sua família. Já não ficava nada, só sua liberdade.
Pensou em quão amável era Denney e em quão horrível o duque foi com ela. Tirou à rosa do vaso e a meteu no cesto de papéis que tinha sob a mesa. Ouviu então a
porta e girou. Era Olivia a que entrava em seu quarto.
- Está bem? - perguntou-lhe enquanto fechava de novo.
- Não, não estou - respondeu sem deixar de esmagar a rosa para colocá-la no cesto de papéis.
Cravaram-lhe alguns espinhos nos dedos.
Olivia a abraçou.
- Entendo.
Separou-se de sua irmã para olhá-la nos olhos.
- Entende? Porque eu não entendo nada.
- É todo um sedutor. E, como sempre faz, não pensou duas vezes na hora de se sacrificar por nós - disse Olivia.
- Sim, é um sedutor - sussurrou Alexandra com o coração quebrado. - E pensei que era uma boa pessoa.
- Não, é horrível. Não posso acreditar que te usasse como o fez. Eu o odeio.
Não pôde conter por mais tempo as lágrimas, precisava desafogar-se. O desprezo de Clarewood lhe produziu uma dor imensa. E suas acusações tinham sido ainda mais
dolorosas.
- Sinto falta de Owen, Olivia - confessou.
Sua irmã se sentou a seu lado e a abraçou.
- Não se estranha. Foi seu verdadeiro amor - disse enquanto a soltava para que a olhasse nos olhos. - Mas te conheço, Alexandra. Sei que não teria feito algo
assim só por nós. Ama o duque?
- Não sei... Possivelmente. Mas, como é possível? É um homem cruel e desumano! - exclamou entre lágrimas.
Olivia a abraçou de novo.
Passaram assim muito tempo. Não podia deixar de soluçar: Chorava por seu coração quebrado e pelos sonhos que nunca chegariam a cumprir-se. Tratava-se de sonhos
que nem sequer se atreveu a reconhecer. Apesar de tudo, não podia deixar de pensar nele. A imagem que guardava não era a dos últimos minutos em sua casa, mas a de
um cavalheiro amável e encantador.
Deu-se conta de que se apaixonou por ele e descobriu, por desgraça para ela, muito tarde.
Separou-se de Olivia quando sentiu que ficou sem lágrimas. Mas continuava sentindo-se desolada.
- Sinto muito, não choro nunca...
- Não ocorre nada - respondeu Olivia. - Poderia estar grávida? - perguntou com muito tato.
Alexandra fechou os olhos. Uma parte dela se alegraria de que assim fosse, mas Clarewood pensaria que era tudo parte de sua armadilha e teria que assegurar-se
de que ele nunca se inteirasse de que levava seu filho nas vísceras.
- Não acredito - disse depois de fazer alguns cálculos.
- Mas não pode se casar com Denney - pediu Olivia.
Empalideceu ao ouvir suas palavras.
- Tenho que fazê-lo. Já ouviu nosso pai, está destroçado. Esse casamento que tratava de evitar por todos os meios é o castigo que mereço.
Olivia parecia estar também a ponto de chorar.
- Como pudemos chegar a esta horrível situação?
- É tudo culpa minha - disse Alexandra. - Embora tudo o que queria era me assegurar de que tivessem um bom futuro...
Dessa vez, foi Olivia a que se pôs a chorar nos braços de sua irmã mais velha.
Alexandra sabia que não podia permanecer escondida em seu quarto para sempre, desceu à cozinha para preparar o jantar, como fazia cada dia. Mantinham tudo quente
no forno até que seu pai voltasse para casa. Imaginou que estaria na casa do senhor Denney e que lhe estaria dizendo que tinha mudado de opinião com respeito ao
compromisso. Imaginou que voltariam juntos para celebrá-lo e já tinha colocado um prato a mais na mesa.
Tinha um nó no estômago, mas sabia que tinha que aceitar seu castigo.
Corey estava colocando flores secas em um vaso para decorar a mesa. Não tinha aberto a boca desde que a viu discutir com seu pai. Pareceu-lhe que estava muito
triste e pálida, não queria olhar a ninguém nem pensar.
Imaginou que sua irmã pequena, de personalidade sonhadora e idealista, estaria emocionada ao saber o que Alexandra fazia. Devia sentir-se traída e a entendia
perfeitamente.
Ouviram a porta de entrada, mas seu pai não parecia vir acompanhado.
Olhou então Olivia.
- Tira a comida do forno, por favor - pediu enquanto limpava as mãos no avental e o tirava depressa.
Saiu ao vestíbulo para receber seu pai.
Edgemont tinha ido diretamente à biblioteca e o encontrou ali, bebendo um copo cheio até acima de genebra. Ficou imóvel na soleira. Olivia estava atrás dela.
Não sabia o que pensar, estava muito cansada para entender o que significava aquilo.
- O senhor Denney não estava em sua casa?
Seu pai bebeu um par de bons goles antes de girar para elas. Tinha os olhos carregados de ira.
- Sim, estava em casa. E também ouviu os rumores...
Estava muito assustada. Não podia suportar a ideia de que as coisas piorassem até mais.
- Podemos falar disso amanhã? Vai se esfriar o jantar.
- Não, não podemos! - gritou Edgemont.
Sobressaltou-se ao ouvir o tom de seu pai. Olivia tomou sua mão, ela também devia pressentir o que ia ocorrer.
- Ouviu todos esses malditos rumores sobre você e esse canalha! - exclamou aproximando-se dela. - Não quer saber nada de você e não é de admirar-se!
Soube que ia pegar-lhe, mas não quis defender-se. E foi Olivia a que gritou. A bofetada foi tão forte que esteve a ponto de perder o equilíbrio.
Era a primeira vez que lhe batiam. Nublou-lhe a vista e a tremenda dor em sua bochecha parecia pulverizar-se por toda a cara.
- Pai! - gritou Olivia.
Levou a mão ao rosto, a dor era insuportável. Sentou-se no chão e esperou que a sala deixasse de dar voltas.
- Não se parece em nada a sua mãe! - gritou então. - É uma prostituta!
Encolheu-se no chão, protegendo a cabeça se por acaso voltava a esbofeteá-la. Corey e Olivia estavam entre seu pai e ela e tratavam de detê-lo.
- Deixe-a em paz! - gritava Corey sem poder deixar de chorar. - Deixe minha irmã em paz!
Alexandra conseguiu levantar-se. Não podia acreditar que a tivesse esbofeteado como o tinha feito. Nem mesmo era agradável ver como suas irmãs tentavam golpear
seu pai para detê-lo.
- Parem! - gritou desesperada.
Edgemont conseguiu livrar-se das duas jovens e a assinalou com o dedo. Tremia-lhe a mão e tinha lágrimas nas bochechas.
- Fora desta casa!
Capítulo 11
Alexandra, desconcertada, olhou a seu redor. Corey e Olivia estavam com ela. Não tinham encontrado nenhum alojamento apropriado perto de sua casa e tinham demorado
mais de uma hora em chegar a essa zona dos subúrbios de Londres. Esse bairro, ao sudoeste da capital, estava cheio de fábricas das quais saía fumaça negra. Também
sujavam o ambiente os grandes barcos a vapor que chegavam ao porto. Os edifícios de tijolo e cal estavam enegrecidos pela fuligem.
O ambiente estava tão rarefeito que custava respirar. Os operários das fábricas, homens, mulheres e meninos, iam de um lado a outro. Quase todos pareciam muito
magros e desnutridos. Vestiam roupas sujas e estavam muito pálidos. Londres tinha mudado tanto durante os últimos dez anos que lhe custava reconhecê-la. Havia fábricas
por toda parte e também passava por ali a ferrovia.
O alojamento que encontraram mais perto de Vila Edgemont era muito caro para elas. Outros quartos estavam muito sujos. Inclusive teve que sofrer escandalosas
insinuações de um dos caseiros.
Esse bairro de Londres era pobre e sujo, mas puderam alugar um quarto a bom preço. Inclusive estava limpo em comparação com o que tinha visto antes.
O quarto de banho era o pior desse alojamento, tinham que compartilhá-lo com uma dúzia de inquilinos. O asseio pessoal se faria em seu próprio quarto, com a água
que podia tirar de um poço que havia no pátio comum.
- Nosso pai mudará de opinião logo- disse Corey.
Tinha os olhos vermelhos de tanto chorar.
Não queria pensar nele, era muito doloroso.
- Vou subir minha bagagem e as coisas de costurar ao quarto- respondeu Alexandra tentando sorrir. - Faz-se tarde, devem voltar já para casa.
- Mas não podemos permitir que fique aqui sozinha Alexandra - disse uma nervosa Olivia ao ver que dois marinheiros bêbados passavam ao seu lado lhes piscando
o olho com descaramento. - Acredito que este lugar não é seguro.
- Já ouviu o senhor Schumacher. As portas do portal se fecham às dez da noite - respondeu ela para tranquilizá-las.
A verdade era que ela mesma duvidava de que fosse assim, mas precisava acalmar suas irmãs.
- Não me importa o que tenha dito esse homem. Embora feche por sua porta dentro, me dá medo que fique aqui sozinha.
- Eu o odeio! - exclamou Corey.
Alexandra não soube se referia a seu pai ou a Clarewood.
- Fico contigo - anunciou Olivia enquanto tomava uma de suas bolsas. - Corey, vigia o carro e o cavalo enquanto ajudo Alexandra.
Corey abriu muito os olhos. Estava claro que não gostaria de ficar só em uma rua tão transitada como essa. A essas horas do dia, estava cheia de carros e todo
tipo de gente.
- Olivia posso subir tudo sozinha. E não vou permitir que fique aqui. Tem que levar Corey a casa, logo se fará de noite. Não se preocupe comigo, estarei bem -
assegurou com pouca convicção.
Estava muito angustiada e triste, mas não podia dizer-lhe.
- De verdade estará bem? Como pode fingir que não ocorre nada? - perguntou Olivia sem poder controlar as lágrimas- Não pode deixá-la aqui. Eu também o odeio.
- Não podem ficar - insistiu Alexandra. - Isto é minha culpa, eu procurei isso. Além disso, a estalagem é muito agradável - acrescentou com firmeza. - vou converter
meu pequeno quarto em um lugar alegre e agradável. Podem me visitar tão frequentemente quanto quiserem, mas amanhã têm que se pôr em contato com todas as clientes
da lista que lhes dei para que saibam onde podem me encontrar agora.
Olivia fez uma careta ao escutá-la.
- Você deveria usar o dinheiro para não ter que continuar costurando. Mas nosso pai ficou com o cheque e sei que perderá tudo jogando às cartas antes que termine
a semana!
Alexandra tinha três malas. Em uma tinha metido os vestidos e objetos que estava reparando. Também tinha uma cesta com comida. O único dinheiro que tinha era
a metade do que tinha conseguido economizar para o dote de Olivia, vinte e cinco libras. Já tinha usado cinco para pagar o aluguel adiantado e para todo o mês. Os
vestidos que já tinha terminado de reparar e que tinha engomado tinha deixado em Vila Edgemont.
- Têm que voltar já, por favor - pediu. - Já tenho muito com o que me preocupar e não quero estar mais nervosa se vir que saem de noite. - Corey não podia deixar
de chorar. Olivia a abraçou enquanto tentava conter as lágrimas. Beijou as duas com carinho. - Estarei bem. Acaso não lhes demonstrei já com acréscimo que sou uma
mulher muito forte? - disse. - Corey estou segura de que algo bom sairá de tudo isto. Deus sempre tem um plano.
- Nada bom pode sair disto. Só poderia solucionar esta situação se o duque quisesse casar-se contigo, que é exatamente o que deveria fazer! - insistiu sua irmã
pequena.
- Querida, o duque não poderia casar-se nunca com alguém como eu, pertencemos a dois mundos diferentes - assegurou Alexandra com o coração em um punho.
Além disso, acreditava que Clarewood a desprezava.
- Mas vi como te olhava o outro dia no baile - respondeu Corey. - O que é que acontece com esse homem? É muito melhor que essas estúpidas debutantes!
Abraçou-as de novo e conseguiu as convencer para que voltassem para o carro. Deu uma palmada em Ébano. Alegrava-se de que ao menos pudessem contar com um forte
e jovem cavalo para voltar para casa.
- Por favor, não se esqueçam de avisar amanhã a minhas clientes - recordou. - E, se tiverem tempo, venham ver-me na quarta-feira.
O carro se afastou e viu que suas irmãs continuavam chorando. Alexandra conseguiu sorrir enquanto as despedia com a mão. Mas deixou que as lágrimas fluíssem livremente
assim que as perdeu de vista.
Não queria se compadecer de si mesma. Acreditava que ela era a única responsável pelo que estava lhe ocorrendo e tinha que aceitar.
Quando se agachou por uma das bolsas, um homem se aproximou. Assustada, levantou-se depressa, mas viu que era seu caseiro.
- Eu subirei a bagagem, senhorita Bolton - disse o alemão.
Era a primeira vez que o via desde que acordassem o preço de seu quarto. O senhor Schumacher era um homem grande e corpulento, quase a assustava seu tamanho,
mas tinha um olhar amável.
- Muito obrigada - respondeu ela com um sorriso. - O agradeço.
Quando chegou ao seu quarto, fechou por dentro e acendeu o único abajur que tinha. Deu-se conta de que teria que comprar outro mais no dia seguinte e também algumas
velas. As paredes estavam caiadas e o chão era de madeira. Só havia uma janela, uma cama estreita, uma mesa meio manca e duas cadeiras. Também tinha um lavabo, uma
despensa e um pequeno fogão de lenha.
Decidiu que não estava mau, tinha visto lugares muito piores. O piso necessitava cera, mas estava limpo. As cortinas de musselina clara também estavam recém lavadas,
igual os lençóis de algodão. Tinha também uma manta e um travesseiro que levou de casa.
Ainda não pode conhecer a senhora Schumacher, mas lhe tinham comentado que ela junto com suas duas filhas eram as que limpavam os quartos e a que cozinhava no
restaurante que tinham abaixo. Mas ela não tinha intenção de comer ali, não podia permitir-se.
Tirou o casaco e o pendurou em um cabide que tinha no quarto. Abriu depois a bolsa em que tinha guardado o que estava costurando esses dias, tirou cinco vestidos
de noite e os pendurou também. Colocou os fios, as agulhas e o dedal na mesa. Sentia que as lágrimas iam acumulando nos olhos e custava respirar, mas tratou de ignorá-las.
Tirou da bolsa também sua prancha e a grossa toalha que usava para engomar os vestidos.
Olhou sua nova oficina satisfeita.
Colocou uma de suas malas aos pés da cama, no chão. Tirou depois sua própria roupa e voltou a colocá-la dobrada na mala que tinha no chão, que ia fazer às vezes
de cômoda.
Quando começou a tirar a comida da cesta, viu que uma de suas irmãs tinha metido um belo buquê de flores secas. Sem poder aguentar mais, rompeu a chorar com amargura.
Deitou-se na cama. Sabia que era tudo culpa dela. Cometeu um terrível engano e acreditou em um homem sem conhecê-lo. Acreditava que não merecia tanta dor nem
tanta miséria. Mas não tinha direito a sentir lástima por sua situação nem a ter medo.
Mas estava sentindo todas essas coisas.
E o pior de tudo era que não podia tirar Clarewood da cabeça. Não o recordava furioso com ela, como o viu pela última vez, a não ser encantador e muito bonito,
como esteve no baile dos Harrington. Recordou como a resgatou e depois a seu pai, não podia esquecer seus olhos nem seu intenso olhar. Era o homem mais sensual e
sedutor que tinha conhecido. E a maneira como a olhou enquanto faziam amor... Sabia que nunca poderia apagar esses momentos de sua memória.
Era uma tortura porque precisava esquecê-lo para poder sobreviver. Sentia que devia ser forte e concentrar-se em seu trabalho para poder comer e ter um teto.
De outro modo, ia acabar na rua e morta de fome.
Mas quando dormiu Clarewood a perseguiu em seus sonhos, como tinha feito com ela desde o começo, e passou toda a noite dando voltas e sem poder descansar até
a madrugada. Levantou-se e dedicou todo o dia a limpar seu quarto. Esfregou de joelhos o chão de madeira, as paredes, o lavabo, a despensa e a cozinha. Depois limpou
o pó.
Queria que tudo estivesse perfeito para quando suas irmãs fossem visitá-la pela primeira vez. Fez capas para as cadeiras com uns recortes vermelhos e dourados.
O resultado era algo exótico e estranho, mas conseguiu alegrar o quarto. Também colocou seu xale violeta aos pés da cama para lhe dar mais cor. Bordou flores nas
singelas cortinas e comprou uma planta com alegres folhas vermelhas para a janela.
Colocou alguns retratos familiares e viu satisfeita que o quarto era muito mais acolhedor, inclusive recordava a seu próprio lar.
Corey e Olivia a visitaram na quarta-feira ao meio-dia. Tal e como lhes tinha pedido tinham entrado em contatado com todas as clientes para lhes dar seu novo
endereço. Lady Lewis já fora a Vila Edgemont para recolher seus vestidos e os pagou. Suas irmãs estavam encantadas de poder lhe dar esse dinheiro e também elogiaram
seus esforços com o quarto.
Alexandra decidiu que podia permitir-se que comessem no restaurante da estalagem. Tal e como lhe assegurou o senhor Schumacher, sua esposa era uma grande cozinheira.
O frango assado estava delicioso, igual às tortas de limão.
Foi um almoço muito agradável, riram sem parar, em parte graças à cerveja que lhes serviram com a comida. Corey e Olivia lhe contaram que seu vizinho tinha caído
do cavalo e tinha acabado na pocilga de seus porcos. A cena era tão divertida que riram sem parar. Sua irmã pequena comentou que era uma lástima que não tivesse
sido o duque o protagonista de tal humilhação.
Suas palavras conseguiram que deixassem de rir.
- Não ouvi nada sobre ele - disse Olivia com cuidado.
O coração de Alexandra começou a pulsar mais depressa. Ocorria cada vez que pensava nele. Perguntou-se se lady Witte já teria deixado de pulverizar horríveis
rumores sobre ela.
- Não tem importância - assegurou Alexandra.
Suas irmãs tinham uma longa viagem de volta até Vila Edgemont e se deu conta de que já só estavam elas no salão. Olhou seu relógio de bolso.
- São as três - disse com o coração encolhido. - Deveriam ir já.
- Não quero ir... - murmurou Corey com tristeza.
Pagou o almoço e se levantaram.
- Necessita algo mais, senhorita Bolton? - perguntou o senhor Schumacher.
- Não, obrigado. Tudo estava muito bom.
O homem olhou a ela e depois a suas irmãs.
- Deveria voltar para casa com sua família - disse com amabilidade.
Alexandra afastou a vista, não podia lhe contar que a tinham jogado de casa. Acompanhou suas irmãs até o carro enquanto tentava controlar a tristeza que crescia
em seu interior. Dava-lhe muita pena ter que despedir-se delas, sentia-se muito sozinha.
- Voltaremos amanhã - prometeu Olivia enquanto a abraçava.
- Não, nada disso - protestou Alexandra. - Está muito longe para que venham cada dia. Esperem até no domingo, por favor. E não abandonem nosso pai. Imagino que
o estará cuidando, verdade?
- É obvio - respondeu Corey à contra gosto. Depois a abraçou com carinho. - Sinto a sua falta - disse sua irmã pequena. - Sinto ter dito que não deveria se casar
com o senhor Denney. Tinha razão, é um bom homem.
- Sim, mas você também tinha razão, Corey. Não podia me casar com ele. Não o amo e teria sido muito infeliz - assegurou enquanto lhe limpava as lágrimas com a
mão.
Corey e Olivia subiram ao carro e ela ficou na calçada as despedindo com a mão.
Uns minutos depois, embora já não as via ficou ali quieta. Era impossível ter que entrar de novo na estalagem e subir a seu quarto. Sentia-se muito sozinha, sentia
tanto sua falta...
Alexandra passou a primeira semana na estalagem concentrada em seu trabalho. Tinha várias clientes que esperavam que terminasse logo de arrumar seus trajes.
Embora lady Witte lhe assegurasse que queria tudo arrumado em um par de dias, suas irmãs haviam lhe dito que ainda não fora recolher suas coisas. Não lhe importou,
a verdade era que não desejava ter que voltar a ver essa mulher. Mas, em sua difícil situação, necessitava o dinheiro e não podia arriscar-se a perder nenhuma cliente.
Esperava que lady Witte enviasse um criado a recolher sua roupa, sobre tudo ao saber que já não vivia em Vila Edgemont. Sabia que uma dama como ela iria querer
aproximar-se desse bairro operário, por isso a surpreendeu tanto sua visita.
Quando Alexandra abriu a porta de seu quarto no sábado pela tarde, ficou sem palavras ao ver que era lady Witte quem a visitava.
A mulher sorria com satisfação, como se estivesse encantada ao ver onde tinha Alexandra acabado. Fixou-se no valioso colar de diamantes que usava. Tinha três
filas de brilhantes e devia custar mais de mil libras. Doeu-lhe vê-lo e não pôde evitar perguntar-se se essa maravilhosa peça teria sido um presente do duque.
Charlotte não deixou de sorrir enquanto a olhava de cima abaixo. Depois observou com descaramento seu quarto.
- Olá, senhorita Bolton. Minhas coisas já estão prontas?
Não queria nem olhá-la à cara.
- É obvio - disse.
Todos os objetos de lady Witte penduravam de um cabide e foi por elas. Odiava essa mulher. E, não só pela maneira como a tratava, mas também porque sabia que
tinha sido a amante do duque. Sabia que estava sendo mesquinha, mas não podia evitar.
Charlotte a seguiu e fechou a porta atrás dela.
- Há! Pois sim caiu para menos! Isto não tem nada a ver com Vila Edgemont, verdade? De fato, os criados que trabalham na mansão de Clarewood têm melhor alojamento
que você.
Ficou imóvel ao ouvir suas palavras. Imaginou que seria verdade e que o serviço do duque viveria melhor que ela, mas não era um comentário fácil de digerir. Tentou
manter a compostura e lhe entregou o pacote com os trajes. Depois de tudo, necessitava o trabalho que lhe pudesse proporcionar essa mulher.
- Não sei como você poderia saber as condições nas que vivem esses criados - comentou ela.
Arrependeu-se de pronunciar as palavras, mas não pode controlá-las.
Charlotte a fulminou com o olhar.
- Como se atreve a me falar com tão pouco respeito? Sei por que o duque está muito orgulhoso de suas idéias progressistas e quis me mostrar os aposentos do serviço.
Mas suponho que você não sabia isso do duque. Provavelmente, só sabe que é muito poderoso e insaciável na cama - acrescentou com veneno.
Ruborizou-se ao ouvir suas palavras. Não pôde responder. Doía-lhe imaginar Clarewood com essa mulher, lhe fazendo amor com a mesma paixão que demonstrou a ela.
Charlotte pôs-se a rir.
- Não é ninguém, senhorita Bolton. Se alguém deixou isso claro, esse foi Clarewood, que se desfez de você como se fosse lixo.
Não pôde afogar uma exclamação.
- Como pode me falar com tanta grosseria?
- Acaso não é o que fez? - perguntou Charlotte. - Os criados falam senhorita Bolton. E, se quisesse ter o incômodo, poderia lhe contar com todo detalhe como foi
seu último encontro com o duque. De verdade pensou que poderia lhe estender uma armadilha para que se casasse com você?
Não podia acreditar, estava atônita. Também muito doída. Nunca conhecei a ninguém tão cruel como essa mulher.
- Por que me faz isto? - perguntou. - O que é o que lhe fiz para que me trate assim?
- Não estou fazendo nada mau - respondeu Charlotte enquanto agarrava o pacote com sua roupa. - Só espero que tudo lhe tenha ficado muito claro. Seu lugar está
entre os criados, não se engane!
Atirou a roupa em cima da mesa sem preocupar-se com as coisas que Alexandra tinha em cima, entre elas, uma xícara de chá já frio. Esteve trabalhando no vestido
de outra cliente e gritou ao ver que derramou a bebida. Temia que o chá destroçasse a seda do vestido que estava costurando.
Lady Witte conseguiu quebrar a xícara, mas foi um alívio ver que todo o chá tinha caído ao chão. Agarrou o vestido e o protegeu entre seus braços.
Enquanto isso, Charlotte Witte abriu o pacote e começou a tirar puxões sua roupa.
- Tudo está engomado! - avisou-lhe Alexandra sem poder acreditar o que a mulher estava fazendo, - E tudo está dentro, asseguro-lhe isso! Não sou uma ladra. Tenho
muito boa reputação como costureira.
- De verdade? Porque me parece que tudo está enrrugadíssimo - a acusou lady Witte enquanto atirava um de seus vestidos ao chão. - Olhe isto! - exclamou tirando
uma de suas regatas. - estragou minha roupa mais delicada!
- Não é certo! - protestou com perplexidade. - por que está fazendo isto?
- Está rasgado! - gritou Charlotte. - Já não o posso usar - acrescentou enquanto rasgava as costuras do delicado objeto.
Estava tão atônita que ficou sem palavras.
- E isto? Queimou meu vestido favorito!
- Sabe de sobra que não queimei nada - respondeu Alexandra com voz trêmula.
Charlotte a olhou com ódio.
- Rasgou uma de minhas regatas e queimado meu melhor vestido. Não engomou nada em condições e demorou mais da conta. Não vale para nada, senhorita Bolton! Para
nada! Vou dizer a todo mundo quão inepta é.
Tremiam-lhe os joelhos.
- Por que está me fazendo isto? Por que me odeia tanto?
- Porque se atreveu a tentar me arrebatar o posto, ousou tentar o duque, meu amante. Você, que não é mais que uma suja criada! Não posso permitir! - gritou enlouquecida
a mulher enquanto recolhia de má maneira a roupa e ia para a porta.
Viu o que estava a ponto de fazer e conseguiu recuperar-se o suficiente para que saísse a voz.
- Não me pagou!
Charlotte a olhou com desprezo.
- Não posso pagá-la por um trabalho tão desastroso.
Faltava-lhe o fôlego.
- Deve-me doze libras, lady Witte! Passei dias reparando sua roupa!
- Não lhe devo nada - respondeu a mulher com um cruel e frio sorriso enquanto saía do quarto.
Seu primeiro instinto foi ir atrás dela, mas estava indefesa. Não podia forçá-la a lhe pagar a roupa e nem podia lhe roubar a bolsa. Essa odiosa mulher ia dizer
a todos que tinha estragado sua roupa. Se a obrigasse a lhe pagar, também a acusaria de ser uma ladra. Fechou a porta e se deixou cair na cama.
Tentou controlar a respiração e convencer-se de que sairia adiante. Depois de tudo, não era o fim do mundo, embora nesse momento lhe desse a impressão de que
não poderia ser pior. Ninguém a tratou como essa mulher acabava de fazê-lo.
Mas recordou então que não era a primeira vez que se sentia assim. O duque de Clarewood também a tratou com crueldade. Inclusive pior que sua amante. Pensou que
eram iguais e pôs-se a chorar. Tinha uma dor no coração que cada vez aumentava.
- Podemos entrar querida?
Alexandra se sobressaltou ao ouvir a amável voz de Blanche Harrington. Limpou os olhos com as mãos, envergonhada de que a vissem nesse estado. Levantou o rosto
e viu lady Blanche na soleira de seu quarto. Estava tão bela e elegante como sempre. Sir Rex, seu marido, estava ao lado. A dama sorria com carinho, mas viu que
parecia um pouco preocupada.
Ficou depressa em pé.
- É obvio - disse enquanto tentava sorrir também.
Lady Blanche não era uma de suas clientes regulares e não a tinha incluído na lista que entregou a suas irmãs. Só uma vez tinha recebido um trabalho dela, mas
sabia que contava com lavadeiras e costureiras na mansão Harrington.
A amável mulher foi uma boa amiga de sua mãe e sempre se levou muito bem com sua família, inclusive durante os últimos anos. Recordou como foi carinhosa com
as três irmãs durante o baile em sua mansão.
- Entre lady Blanche - disse à senhora.
Olhou depois a seu bonito marido, sempre a tinha intimidado com sua presença. Como acontecia com todos os homens da família de Warenne, tinha certo ar de autoridade
e não podia entrar em nenhum lugar sem que todo mundo o notasse.
- Sinto muito, mas não tenho nada que lhes oferecer - sussurrou ela um pouco envergonhada.
- Encarregar-me-ei de que nos subam chá - anunciou sir Rex.
Lady Blanche olhou a seu marido sorridente e esperou a que saísse. Depois se aproximou dela.
- Como está querida? Temo que todo mundo fale de sua nova situação. Ontem à noite lady Lewis me contou isso.
- Quer sentar-se, lady Blanche? - sugeriu-lhe.
A dama sorriu e se sentou em uma das cadeiras. Alexandra se acomodou na outra.
- Charlotte Witte é horrível. Nunca conheci a ninguém como ela. Vi como saía da estalagem quando chegávamos na calesa. Desgostou-lhe?
- Por desgraça, acredito que começamos com mau pé - respondeu ela tentando controlar-se. - Parece que lady Witte me odeia e faz todo o possível para me ferir.
- Mas, como pode lhe fazer dano, querida? Imagino que só com maliciosas mentiras.
Olhou lady Blanche.
- Ameaçou-me arruinando meu negócio de costura. Como sabe, trabalho muito bem e sou meticulosa. Mas tem a intenção de dizer a todo mundo que estraguei sua roupa.
Blanche tomou com carinho sua mão.
- Eu me encarregarei de que todos saibam que é mentira.
- Obrigada - respondeu ela com um fio de voz.
Sentia-se tão comovida que teve vontade de chorar uma vez mais.
- Alexandra, quando ouvi que tinha saído de sua casa, senti que devia vir vê-la para saber como você estava. Sua mãe estaria tão angustiada se a visse aqui...
Existe alguma possibilidade de que possa retornar a casa, onde deveria estar?
Baixou a vista enquanto se perguntava o quanto de sua situação lady Blanche saberia. Olhou-a então nos olhos e decidiu que tinha chegado o momento de deixar de
mentir.
- Meu pai não permitirá que volte. E a verdade é que entendo sua postura. - Lady Blanche abriu surpresa os olhos. - Cometi um engano terrível - admitiu.
- Então, é tudo sua culpa e só sua? - perguntou a mulher.
Ruborizou-se e decidiu que era melhor não responder.
Bateram na porta e Blanche se levantou antes que Alexandra pudesse mover-se. Entrou uma das filhas do senhor Schumacher com uma bandeja. Não pôde ouvir o que
lady Blanche estava dizendo a sir Rex, mas este partiu de novo.
Blanche sorriu à menina e voltou para a mesa.
Quando ficaram de novo sozinhas, lady Blanche serviu duas xícaras de chá e lhe ofereceu uma.
- Não é minha intenção bisbilhotar. Ouvi todo tipo de rumores, mas eu não gosto de lhes fazer caso. E tenho boas razões para pensar assim - confessou à senhora.
- Faz muito tempo, todos os membros da aristocracia pensavam que era uma louca. E a verdade é que acredito que perdi a cabeça. Sabia que todos falavam em minhas
costas, até que sir Rex retornou à cidade para me salvar dessa situação - acrescentou com um sorriso.
Não podia acreditar, estava estupefata.
- Estou segura de que exagera.
- Não, querida. Chamavam-me "a louca" e todos adoravam falar e comentar como tinha caído em desgraça. Mas a verdade é que tudo isso ocorreu há muito tempo, quase
me parece que foi em uma vida anterior.
Estava tão absorta escutando o que estava lhe dizendo que esqueceu que tinha uma xícara de chá na mão.
- Por que me conta isto?
- Porque eu também sofri a crueldade da aristocracia londrina e eu não gosto de acreditar em tudo o que me contam. Por outro lado, parece-me que o duque de Clarewood
teve todo um detalhe com você ao resgatá-la no aniversário de minha filha Sara. E foi muito mais generoso ainda quando decidiu que alguém devia acompanhar Edgemont
de volta a casa.
- Sim, foi muito amável - respondeu ela.
Arrependeu-se ao dizê-lo e lhe encheram os olhos de lágrimas. Já não acreditava que Clarewood fosse um homem amável e bom, era um ser cruel e egoísta, mas era
algo que nunca poderia dizer a lady Blanche.
A mulher franziu o cenho.
- A verdade é que estou muito zangada com ele - confessou a mulher.
Deu-se conta então de que devia saber o que tinha ocorrido entre os dois.
- Eu gostaria de ajudá-la, querida - disse com um sorriso. - por que não vêm a Harrington? Sempre quis ter minha própria costureira pessoal, sobre tudo agora
que Marion está a ponto de casar-se. Há muito trabalho. Tem minha roupa, a de Marion, a de Sara, a de Randolph... Posso lhe oferecer um agradável dormitório no andar
superior. Seguro que estaria muito mais cômoda que aqui.
Não podia acreditar, surpreendeu-lhe seu oferecimento. Mas sabia que na realidade não necessitava uma costureira a tempo integral e que o fazia só como um ato
de caridade.
- Agradeço-lhe muitíssimo a oferta, lady Blanche. Mas não posso aceitá-la.
- Por que não?
- Nós duas sabemos que não me necessita ali para costurar nem engomar a roupa. Emociona-me que me trate com tanta consideração, mas não posso aceitar sua caridade.
Posso cuidar de mim mesma e assim o farei.
Lady Blanche suspirou.
- Já imaginei que não aceitaria. É tão forte, independente e orgulhosa como sua mãe era.
Recordou nesse instante as cruéis palavras de seu pai, quando lhe disse que não se parecia em nada a sua mãe.
Lady Blanche acariciou com ternura sua bochecha sem deixar de sorrir.
- Estaria muito orgulhosa.
Esperava que tivesse razão, mas sabia que não poderia sentir-se orgulhosa do que tinha feito.
- Pode contar comigo sempre, para o que seja - disse Blanche com firmeza. - Se necessitar algo ou se mudar de opinião, não têm mais que dizê-lo.
Sentiu-se muito comovida.
- É muito amável.
- Queria muito a sua mãe. E também quero a você, Alexandra - assegurou enquanto ficava em pé. - Clarewood sabe que teve que abandonar seu lar para viver em uma
estalagem como esta?
Ela também se levantou.
- Não sei, mas não acredito que lhe importe.
Blanche a observou em silencio durante uns segundos.
- Acredito que se equivoca - assegurou depois.
Julia Mowbray se levantou sobre seu arreio para que sua égua pudesse ir mais depressa. Galopava a tal velocidade que as colinas a seu redor se converteram em
uma imagem imprecisa. Seus grandes cães corriam a seu lado. Agachou-se sobre a égua como os cavaleiros das corridas de cavalos para incrementar a velocidade. Era
como se estivesse unida ao animal.
Algum tempo depois, sentou-se de novo na sela e levou a égua ao estábulo a passo mais lento. Os cães iam por diante dela. Estava sem fôlego e já não sentia a
estimulante energia que a dominava quando montava a galope. Ficou muito pensativa.
Não podia deixar de pensar em Tyne Jefferson. Tinha sua imagem gravada na mente. Era um homem forte, musculoso e bronzeado. Seu cabelo, entre dourado e castanho,
apareciam alguns fios grisalhos. Quando sorria, formava uma covinha na bochecha esquerda. Tinha uma fenda no queixo e fortes maçãs do rosto. O nariz era grande e
um pouco torcido, imaginou que o teria quebrado em mais de uma ocasião. Não se parecia em nada aos aristocratas com os quais estava acostumada a relacionar-se.
Era impossível confundi-lo com um inglês. E não só por seus trajes, que não estavam feitos à mão, nem por suas mãos calosas. Havia algo mais nele que o distinguia
dos outros. Era forte e seguro, como um velho carvalho que tivesse que sofrer o frio mais gélido, o calor mais extremo e todo tipo de transformações. Seus ombros
eram tão largos e fortes que lhe deu a impressão de que poderia enfrentar a qualquer problema que se apresentasse em sua vida.
Era a antítese de seu falecido marido, o duque anterior.
Conheceram-se uma semana antes durante um jantar em Londres. Tinha-lhe chamado a atenção assim que entrou no salão. Viu-o ao lado de Cliff de Warenne, um dos
comerciantes mais importantes do país, e de sir Reginald Reed, um reconhecido advogado que controlava grande parte do negócio da ferrovia. Conversavam animadamente
e lhe deu a impressão ao vê-lo de que já o conhecia, como se o tivesse visto antes.
Essa sensação não durou muito, mas foi muito intensa. Seu coração tinha começado a pulsar com força. Mas não demorou em dar-se conta de que se equivocou, nunca
o viu em sua vida. Também soube que devia ser americano. Era muito grande, direto e brusco para ser inglês.
Jefferson a olhou em um par de ocasiões antes que passassem ao salão. Não foram olhadas descaradas, justamente o contrário. Sentaram-nos um frente ao outro à
mesa e foi então quando os anfitriões os apresentaram. Tentou não observá-lo com descaramento, mas seus olhares se encontraram em mais de uma ocasião. O sorriso
desse homem conseguiu lhe acelerar o pulso e era algo que não acontecia frequentemente. Levava muito tempo sem fixar-se em nenhum cavalheiro.
Soube essa noite que era um boiadeiro da Califórnia e que estava em Londres para tratar de embarcar Cliff de Warenne em um negócio. Pretendia montar uma companhia
naval na pequena cidade de Sacramento. O homem lhe contou que logo haveria uma linha de ferrovia na zona e lhe entusiasmava a ideia de poder transportar seu gado
do rancho à cidade e, dali, a outros pontos do mundo.
Depois do jantar, quando os cavalheiros se levantaram para ir fumar e beber licor em outro salão, Jefferson tropeçou com ela. Deu-lhe a impressão de que não foi
algo acidental.
Ela tomou cuidado de não lhe mostrar nenhuma atenção especial durante o jantar, não queria que percebesse até que ponto o considerava interessante.
- Sinto muito. Que torpe sou! - desculpou-se ele. - Acredito que sou muito grande para seu país.
O comentário lhe chamou a atenção e olhou em seus olhos cor âmbar.
- Sim - respondeu ela. - Dá-me a impressão de que é muito corpulento para este diminuto país.
Jefferson levantou as sobrancelhas com surpresa.
- Acaba de me insultar? - perguntou com um sedutor sorriso.
Deu-se conta de que também lhe sorria.
- Não, era um elogio.
Olharam-se nos olhos durante uns segundos. Estava a ponto de lhe fazer algum comentário mais quando viu que Jefferson se fixava em seu colar de safiras e diamantes.
- É minha primeira duquesa - murmurou ele.
Suas palavras, sem saber por que, conseguiram estremecê-la.
- Suponho que não teve a oportunidade de conhecer muitas duquesas na América.
- A nenhuma.
Estremeceu de novo ao recordar esse primeiro encontro. Era um homem de poucas palavras, mas não lhe importava. Quando Jefferson lhe falava, sentia que valia a
pena escutá-lo. E era algo que não lhe ocorria com outros cavalheiros.
Pode conhecê-lo um pouco melhor durante o baile na mansão dos Harrington. Nunca esteve casado e não tinha filhos. Não entendia como um homem assim podia viver
sozinho, mas não quis meter-se nem lhe fazer muitas perguntas.
Chegou em seguida aos estábulos e saíram dois moços para ajudá-la.
Desmontou e seguiu pensando nele. Imaginou que lhe teria causado uma boa impressão, mas recordou como se sentiu surpreendida quando a visitou uns dias antes em
sua própria casa. Ela esteve montando como fazia cada manhã, e estava muito despenteada e acalorada. Mas não lhe pareceu que importasse a Jefferson vê-la assim.
Agradeceu aos moços e foi para a casa. Os cães a seguiam a pouca distância. Acelerou-lhe o pulso ao pensar nele, sentia-se como uma colegial. Havia-o convidado
a que a visitasse quando desejasse. Inclusive tinham falado da possibilidade de ir montar juntos. Mas tinha passado já uma semana após e Jefferson não se aproximou
para vê-la. E não se encontraram por acaso em nenhuma das festas e jantares aos quais compareceu esses dias.
Encolheu-lhe o coração. Acreditava que, se ele tivesse algum interesse nela, já teria ido vê-la.
Não entendia por que estava se comportando desse modo. Já tinha cinquenta anos. Sabia que continuava sendo uma mulher atraente e que não aparentava mais de quarenta.
Imaginava que se mantinha jovem graças a seu modo de vida tão ativo. Montava durante duas ou três horas ao dia. Assim mantinha suas pernas fortes e esbeltas e o
abdômen muito firme. Além disso, sempre estava ocupada.
Teve muitas responsabilidades como duquesa de Clarewood e continuava as tendo como duquesa viúva. Também se envolveu em várias das obras benéficas que seu filho
criou. Entre umas coisas e outras, mal tinha tempo para sentar-se como outras senhoras a tomar uma xícara de chocolate cada tarde.
Apesar de sua idade, Jefferson tinha conseguido despertar algo em seu interior, fazia muito tempo que não se sentia assim. Não podia evitar, desejava estar entre
seus braços. Jefferson conseguia que se sentisse pequena, delicada e muito feminina. Conseguiu lhe recordar que era uma mulher e que podia despertar ainda o desejo
nos homens.
Não sabia quanto tempo ia passar no país, mas sabia que devia tomar uma decisão. Podia continuar estando tão só como sempre ou podia atrever-se a tomar as rédeas
de sua vida.
Foi diretamente à biblioteca e se sentou frente a seu escritório. Ficou pensativa uns segundos. Depois decidiu que devia ser direta. Escreveu uma breve nota para
convidá-lo a montar com ela, tal e como estiveram falando. Fechou o envelope com um pouco de apreensão, não sabia o que ia fazer se ele declinava o convite.
Temia ter interpretado mal seus gestos e que na realidade não estivesse interessado nela.
Mas, antes que pudesse mudar de opinião, chamou um criado.
- Godfrey, que um mensageiro leve isto ao senhor Jefferson, no hotel Saint Lucien - ordenou.
Quando ficou sozinha, chamou seus cães e os acariciou enquanto pensava de novo em Jefferson. Ia receber sua direta carta essa mesma noite. Considerava-se inapropriado
não responder imediatamente, assim não demoraria muito em conhecer se aceitava o convite.
Recordou então como Ariella e Elysse tinham conspirado para aparecer em sua casa com Jefferson. Conhecia-as bastante bem, tinham muita amizade com Stephen. Depois
de tudo, Ariella era sua prima.
Ao ver os três juntos, entendeu que elas estavam por trás de uma visita tão pouco casual. Chamou-lhe a atenção que estivessem tentando fazer de casamenteiras,
mas não lhe importou. Sabia que se seu filho descobrisse o que as duas jovens estavam tentando conseguir, zangar-se-ia muito com elas.
Entristeceu-se ao pensar em Stephen. Tinha ouvido rumores muito desagradáveis esses dias que asseguravam que o duque de Clarewood tinha uma aventura amorosa com
a filha de Edgemont.
Não conhecia a senhorita Bolton, mas a viu durante o baile na mansão dos Harrington. Tinha-lhe parecido uma dama honrada que, embora passasse por um difícil momento
econômico, tinha personalidade e muita dignidade. Não era o tipo de mulher que seu filho estava acostumado a seduzir.
Estava convencida de que a senhorita Bolton não tinha nascido para ser a amante de ninguém.
Por isso tinha fez pouco caso dos rumores e estava segura de que não haveria nada entre eles, mas não lhe tinha passado por cima quão atento Stephen se mostrou
com ela durante a festa.
Perguntou-se se seu filho estaria por fim interessado de verdade em uma mulher. Embora coubesse a possibilidade de que nem ele mesmo percebesse ainda.
Decidiu que devia visitar a senhorita Bolton. Se Stephen se interessou por fim em uma mulher de verdade, ela seria a primeira em celebrá-lo e pouco lhe importava
o que dissessem os rumores.
E se a senhorita Bolton tinha um passado, ela seria a primeira em perdoá-la. Sabia melhor que ninguém quão fácil era cometer enganos na juventude, quando na cabeça
só havia sonhos.
Godfrey retornou à biblioteca.
- Excelência, tem uma visita. Trata-se do senhor Jefferson - anunciou o mordomo.
Ficou sem respiração e acelerou o pulso. Não entendia nada. Demorou uns segundos em dar-se conta de que Jefferson ainda não tinha recebido a nota e a visitava
por sua própria vontade.
- Acompanha-o ao salão turquesa, por favor. Diga-lhe que irei em seguida.
Viu que Godfrey parecia perplexo, mas não lhe importou. Ficou em pé, chamou suas donzelas e subiu depressa a seus aposentos.
Stephen trabalhava cotovelo com cotovelo com seu administrador no escritório. Levava um bom momento escrevendo cheques. Os negócios e os investimentos iam muito
bem, mas o ducado de Clarewood tinha muitos gastos mensais, entre os quais estavam os pessoais. Olhou uma das faturas com surpresa, não sabia do que se tratava.
- Quem é George Lavoisier?
O administrador se aproximou para olhar a fatura. Randolph entrou nesse instante no escritório com sua roupa de montar.
- Trata-se do florista que usou o mês passado, excelência.
Sentiu que o coração dava um tombo. Deu-se conta de que ainda tinha que pagar as espetaculares rosas que enviou a Alexandra. Ficou imóvel. Embora tentasse esquecê-la
e esquecer suas sujas artimanhas, não conseguia, continuava lhe doendo como o primeiro dia.
Por alguma estranha razão, não conseguia deixar de pensar em Alexandra Bolton. Não podia apagar de sua memória aquele último encontro. Tinham gravadas na mente
as horas de paixão que tinham compartilhado.
Continuava sem acreditar no que tinha ocorrido e continuava furioso. E ele não era sim. Nunca se zangava, passou toda a vida escondendo e controlando suas emoções,
era algo que tinha aprendido durante sua infância. Com Alexandra havia sentido uma paixão que não acreditava possível, mas também tinha conseguido tirar as emoções
que tinha tratado de dominar durante anos.
Escreveu um cheque para o florista e o entregou ao administrador.
- Perdoam-nos? - disse-lhe então.
Não era uma pergunta, era uma ordem. O homem se levantou depressa e saiu do escritório.
Randolph tirou sua jaqueta, que a chuva tinha empapado, e foi colocar se frente à lareira. Stephen ficou em pé.
Era um dia frio e chuvoso. Aproximou-se de Randolph a contra gosto, não desejava saber o que ia contar-lhe, a informação que tinham obtido através de seus investigadores.
Mas os rumores se estendiam pela cidade, todo mundo falava da aventura que teve com a senhorita Bolton e imaginou que se inteiraria cedo ou tarde do que o senhor
Denney tinha decidido fazer.
Serviu conhaque a seu irmão menor.
- O compromisso foi quebrado, excelência. Denney mudou de opinião - disse Randolph.
Não o surpreendeu, era o que esperava. Nenhum homem iria querer uma prostituta por esposa e sabia que Alexandra tinha a mira mais alta e não queria conformar-se
com um marido como o senhor Denney.
Ofereceu a taça a seu irmão. Randolph bebeu com vontade e o olhou depois nos olhos.
- Dizem que Denney estava furioso. Ouviu os rumores - contou. - E há mais - acrescentou com um pouco de indecisão.
Stephen meteu as mãos nos bolsos e ficou com o olhar perdido nas chamas, dava as costas a seu irmão. Sabia que não tinha por que sentir-se culpado. Ela tinha
tramado tudo para lhe pôr uma armadilha e conseguir que se casasse com ela. Se não tivesse sido uma bruxa manipuladora, acreditava que poderia chegar a sentir lástima
pela Alexandra. Depois de tudo, imaginou que lhe teria vindo bem casar-se com Denney para poder dar uma segurança econômica a sua família.
Embora tentasse convencer-se de que não podia ser que era absurdo, uma parte dele sentia lástima por essa mulher. Mas só um pouco.
Imaginou que conseguiria enganar a outro para que se casasse com ela.
Mas havia algo que não podia esquecer e que pesava muito em sua consciência. Alexandra não era uma moça e, se era tão manipuladora como tinha lhe demonstrado,
não entendia por que não teria utilizado antes sua virgindade para caçar um marido rico.
Era uma pergunta para a qual não tinha resposta e não gostava nada disso.
- Que mais têm que me contar? - perguntou olhando Randolph.
- Edgemont a jogou fora de casa, parece que ele também ouviu os rumores.
Ficou sem respiração. Não podia acreditar.
- Como a jogou de casa?
O primeiro que lhe passou pela cabeça foi ir ver Edgemont para dizer-lhe umas boas. Embora não compreendia por que podia lhe importar tanto o que acontecesse
com essa mulher.
- Aonde foi?
- Alugou um quarto em Londres. Pelo que entendi, continua costurando para várias damas e montou ali sua oficina.
Encolheu-lhe o coração e não pôde evitar sentir certo temor por Alexandra e sua segurança.
"Jogaram-na de casa e está costurando em alguma estalagem de Londres", pensou com incredulidade.
Tentou recordar que não era seu problema e que pouco lhe importava o que lhe ocorresse. Voltou depressa para sua mesa.
- Eu gostaria que repassássemos os livros de contabilidade, Randolph - disse para mudar de tema.
Seu irmão se aproximou.
- Me disseram que está em um bairro muito pobre - respondeu o jovem. - Por certo, tenho o endereço.
Stephen o olhou nos olhos. Não podia acreditar, mas lhe pareceu notar certo tom de censura nas palavras de seu irmão.
-Acaso faz-me responsável por sua sorte? - perguntou.
- Assim é - respondeu Randolph sem amedrontar-se.
Estava atônito.
- Então, põe-se de seu lado?
Randolph fez uma careta de desagrado.
- Somos irmãos e o admiro imensamente. Sabe melhor que ninguém quanto o agradeço que seja meu mentor - disse Randolph. - Mas não acredito que a senhorita Bolton
mereça o que lhe ocorreu. Sei que nunca jogaria a ninguém de seu lado com a crueldade com a que o fez com ela. Não sei o que pôde fazer para despertar sua ira. Mas,
seja o que for, pode ser que estivesse equivocado ou que possa chegar a perdoá-la, excelência - adicionou.
Embora lhe doesse ouvir essas palavras, sentiu-se orgulhoso de seu irmão.
- Poucos homens se atreveriam a me falar como acaba de fazê-lo. Mas me alegra que me fale com honestidade - disse.
- Não pretendia criticá-lo - respondeu Randolph com um sorriso. - Mas estou um pouco preocupado.
- Aconselho-lhe que não perca tempo. A senhorita Bolton é uma sobrevivente. Estou seguro de que não demorará a reconciliar-se com seu pai. Depois de tudo, ela
é a quem mantém essa família em pé.
- Não pensa em arrumar as coisas? - perguntou Randolph com incredulidade.
- Nunca perdôo ao que me trai, Randolph. E você tão pouc deveria fazê-lo. Essa mulher me enganou, jogou comigo. E, se agora está passando-o mau, não demorará
a encontrar outro benfeitor que a tire dessa situação.
Seu irmão negou com a cabeça.
- E se ninguém a ajudar? Então o que?
- Não me pressione - advertiu zangado.
- Se importaria de eu tomasse conta dela?
Stephen ficou pensativo uns segundos.
- Se assim o desejar, é sua coisa. Mas não quero que me conte nada depois, nenhuma palavra. - Viu que seu irmão não estava de acordo e que seus olhos estavam
cheios de recriminações. - Não é minha culpa, foi ela que provocou esta situação - insistiu.
- É obvio... Excelência.
Capítulo 12
Tyne Jefferson foi até o salão atrás do mordomo. Tentava caminhar com parcimônia, como se lhe importasse pouco essa visita. E não era fácil comportar-se assim
quando tinha o pulso acelerado e custava respirar com normalidade.
Sua intenção era manter-se à margem e não ter em conta o convite que a duquesa viúva lhe fez durante sua primeira visita. Essa mulher o atraía e por isso decidiu
que era melhor não vê-la mais.
O coração deu um salto ao vê-la. Era mais bonita e delicada do que recordava.
- Outra agradável surpresa! - disse Julia com um sorriso.
Conseguiu lhe devolver o sorriso e tentar ignorar as irracionais sensações que sua presença lhe produzia.
- Espero que esteja sendo sincera - respondeu ele.
A duquesa se aproximou sem deixar de observá-lo. Seu olhar era cálido e brilhavam os olhos. Tinha as bochechas rosadas, como se tivesse passado algum tempo ao
ar livre.
- É obvio - assegurou Julia. - Alegra-me que tenha vindo me visitar. Estava precisamente pensando em você.
Acreditava que os britânicos eram as pessoas mais educadas e formais que tinha conhecido em sua vida, mas lhe deu a impressão de que a duquesa estava sendo sincera.
Tratava-o com uma familiaridade que não deixou de lhe surpreender.
Pensava que o convite que lhe fez uns dias antes para que fosse montar com ela fora unicamente fruto dessa educação inglesa, mas se deu conta de que havia algo
mais.
Essa mulher era uma grande dama e uma duquesa, sabia que estava fora de seu alcance e que não podia pensar nela de outro modo, por isso tinha decidido manter-se
à margem.
Também havia tentado não pensar nela, mas não conseguia.
Não deixou de imaginar que se encontrava casualmente com ela em algum outro jantar social ou possivelmente em uma festa ou na ópera. Uma parte dele sonhou com
que ocorresse algo assim, mas não a viu em toda a semana. Nem mesmo a encontrou no parque, nem de compras por Oxford Street.
Ao final, teve que reconhecer que se sentia um pouco desiludido e que desejava voltar a vê-la.
Chegou até mesmo a sonhar com ela. E era algo que o incomodava muito, pois não tinha controle sobre a natureza de seus sonhos e recordava que quase todos foram
de intenso caráter sexual.
A duquesa viúva de Clarewood lhe produziu uma grande impressão, isso o deixava muito claro. E não o agradava que fosse assim porque não tinham futuro possível.
Embora a duquesa fosse uma mulher apaixonada, sabia que ele não era seu tipo de homem. Necessitava alguém com título, um homem refinado que gostasse da ópera e usar
luvas brancas. Ela só poderia estar com um cavalheiro, não com alguém que criasse gado, partisse lenha e, muito menos, com alguém que teve inclusive que matar outro
homem.
Mas não pode resistir. Acabava-lhe o tempo na Inglaterra, só umas semanas mais antes de retornar a Califórnia, e decidiu que tinha que vê-la uma vez mais. Uma
parte dele tinha esperado que seu corpo não reagisse absolutamente ao vê-la, assim teria sido mais fácil.
Equivocou-se. Essa mulher o deixava sem fôlego.
Julia girou para falar com o mordomo e pedir-lhe que levasse algo para lanchar. O gesto lhe deu a oportunidade de observá-la a seu desejo. Era tão pequena e delicada
que lhe deu a impressão de que poderia abranger sua cintura com as mãos.
Quando o mordomo se foi e ela o olhou, não pôde evitar ruborizar-se. Deu-se conta de que tinha estado imaginando-a nua.
- Vai chover - comentou Julia. - Assim não podemos sair para montar.
- A chuva é uma bênção na Califórnia - respondeu ele recuperando em seguida a compostura. - Temos longos e secos verões.
- E invernos muito frios nas terras altas - acrescentou ela. Levantou as sobrancelhas surpreso. - Sentia curiosidade e estive lendo alguns livros sobre a História
da América. E, mais concretamente, da Califórnia - reconheceu a duquesa com um sorriso.
O coração deu outro tombo. Perguntou-se por que teria sentido curiosidade. Teria gostado de poder lhe contar tudo o que tinha ocorrido nessas terras selvagens.
Alguns de seus amigos o consideravam um herói. Mas não sabia se a duquesa poderia admirá-lo por ter enfrentado a uma tempestade de neve como teve que fazê-lo uma
vez. Naquela ocasião teve os membros tão intumescidos que temeu que gangrenassem. Foi então quando decidiu cavar um buraco na neve e proteger-se ali até que passasse
o pior da tempestade de neve e pudesse averiguar onde estava.
- Não sou historiador, mas pode me perguntar o que queira.
Julia o olhou e deixou de sorrir.
- A vida é muito dura ali, na última fronteira, verdade?
Era muito dura e queria lhe contar que não conhecia ninguém capaz de sobreviver a tudo pelo que teve que passar. Uma parte dele desejava impressioná-la com suas
histórias.
- Os verões são muito calorosos. Às vezes não chove nada e o gado morre. Os invernos são mais duros ainda. A neve pode chegar a cobrir por completo as casas -
contou ele. - Mas fazemos o que temos que fazer e seguimos adiante - acrescentou enquanto encolhia os ombros.
A duquesa o olhava com os olhos muito abertos.
- Comecei a ler alguns livros que falam do quão complicado é cruzar o país e instalar acampamentos nas terras do oeste. Parece muito perigoso, senhor Jefferson.
Deu-lhe a impressão de que se preocupava com ele.
- Em efeito, é perigoso - disse com um sorriso. - Para sobreviver ali, os homens devem ser ambiciosos e ter valor. Só assim se pode subsistir nessa zona.
- Disse-me que nunca tinha conhecido a uma duquesa - respondeu ela. - E eu nunca conheci a um colono, se for assim como se fazem chamar.
- Eu me considero um californiano.
- Eu gosto disso - respondeu ela com um sorriso. - Diz muito de você em muito poucas palavras.
Olhou-a sem sorrir e a duquesa lhe sustentou o olhar. Todo seu corpo estava em tensão e se perguntou se ela sentiria o mesmo.
Desejava mais que tudo abraçar seu delicado corpo e saborear sua sugestiva boca. Mas devia recordar que pertenciam a dois mundos muito distintos. Não sabia o
que pensaria a duquesa se lhe contasse que tinha construído o rancho ele mesmo ou que teve que matar a uns quantos homens, quase todos índios e foragidos.
Imaginou que ficaria atônita se lhe dissesse que um inverno, perdido nas montanhas de Nevada, esteve a ponto de morrer de fome. Ou se lhe contasse que comeu carne
crua depois de matar uma raposa com suas próprias mãos para poder subsistir.
Deu-lhe então as costas. Sabia muito bem o que essa dama lhe diria se soubesse esses detalhes de sua vida. Sentir-se-ia horrorizada. E também se chegasse a ver
as cicatrizes de seu corpo.
Ele, ao contrário, sabia que o dela seria perfeito e só podia pensar em acariciá-lo.
Acreditava que a duquesa só tentasse ser cordial e que por isso o convidou a visitá-la e a montar a cavalo com ela.
- Tenho uma pergunta - disse ela de repente. - Disse-me que tinha vindo à Inglaterra por motivos pessoais. Não pretendo me meter, mas parece uma viagem muita
longa só para tratar assuntos de negócios com Cliff de Warenne.
Todo seu corpo se esticou ao ouvir suas palavras e cruzou os braços. Sentiu de repente a necessidade de lhe falar de sua vida.
- Minha filha está enterrada aqui.
A duquesa ficou boquiaberta ao ouvi-lo.
- Quanto o sinto!
- Não ocorre nada. Donna morreu há vinte e oito anos. Devia ter vindo antes visitar sua tumba, mas nunca o fiz...
Julia se aproximou mais e acariciou seu braço.
- Não tinha ideia... Não posso imaginar tudo pelo qual teve que passar. Então, esteve casado?
- Não. Eu sim queria me casar, mas ela me deixou para retornar a sua casa em Brighton. Quando se foi, nem sequer sabia que estava grávida.
Ainda o entristecia falar disso, mas o tempo tinha feito muito por curar as feridas.
- A vida pode ser tão dura, tão cruel... - murmurou ela.
Surpreendeu-lhe a intensidade com a qual falava. Ouvira rumores sobre ela e a crueldade com que seu falecido marido a tratou.
- Sim. A vida não é justa e às pessoas boas ocorrem coisas más todos os dias.
A duquesa ficou uns segundos calada, olhando-o nos olhos.
- Você merece coisas boas, senhor Jefferson. Estou segura - disse ela enquanto colocava de novo uma delicada mão sobre seu braço.
Estremeceu e sentiu que ardia o sangue. Mal podia respirar.
- É muito amável - respondeu ele com um pouco de desconforto enquanto sentia como se ruborizava de novo.
Alexandra andava lentamente pela calçada, evitando a outros pedestres e tentando não pisar em lixo nem nas águas sujas que saíam dos edifícios. Lamentava não
poder tampar o nariz com um lenço. O fedor era espantoso, tanto que sentia arcadas. Mas tinha as mãos ocupadas com duas bolsas e não poderia segurar um lenço. Em
uma levava a comida que tinha comprado e em outra, material para costurar.
Sentia-se consternada. Tinha passado já doze dias na hospedaria do senhor Schumacher. Comparado com o resto do bairro, sujo e pobre, a casa do alemão era uma
espécie de paraíso.
Sabia que os operários ingleses viviam em condições lamentáveis e sempre sentiu lástima por eles, sobre tudo pelas crianças. Mas uma coisa era ler um artigo na
imprensa sobre as terríveis condições nas fábricas e, outra muito distinta, ter que viver entre eles e vê-lo com seus próprios olhos. Não foi consciente de quão
mal passavam essas pessoas até então.
Apesar da difícil situação pela qual sua família tinha passado, não podia comparar-se com a classe operária. Deu-se conta de que sempre foi uma privilegiada.
Nesse bairro, todos estavam sujos e vestiam com farrapos. As pessoas passavam fome de verdade. Inclusive as crianças pareciam gastas, sem vida nos olhos. Vê-los
assim lhe rompia o coração.
E não pareciam entender que ela era igual ao resto. Sentia que a olhavam com respeito, tiravam as boinas para saudá-la e a tratavam com reverência. Viam-na como
alguém da alta burguesia, não entendiam que já não pertencia a essa classe.
Não sabia como ia poder passar assim o resto de sua vida. Deprimia-lhe pensar nisso. Via-se capaz de viver na pobreza, mas sentia falta de suas irmãs e estava
sempre exausta.
E, apesar de tudo, não deixava de pensar em Clarewood. Estava furiosa com ele. Embora já tivesse passado quase três semanas desde que sua aventura amorosa com
ele começasse e terminasse de maneira tão abrupta, continuava sentindo-se traída.
Mas ele não tinha a culpa de tudo. Ela tinha sido débil. Se tivesse lhe parado os pés e resistido a suas insinuações, ainda estaria vivendo em casa com sua família.
Levantou a vista do chão e viu uma elegante calesa ao final da rua. Puxavam-na dois cavalos castanhos. Imóvel, sentiu que ficava sem fôlego. Esse veículo só podia
pertencer a um nobre muito rico ou a algum mercador. Sabia ao menos que não pertencia a Clarewood e não lhe pareceu o de lady Blanche. Relaxou um pouco ao dar-se
conta de que não devia ter nada a ver com ela.
Abriu a porta da hospedaria com o ombro.
Randolph fora visitá-la uns dias antes para saber como estava. Tinha tentado manter a compostura e mostrar-se forte diante do jovem. O recebeu no salão comum,
tinha-lhe assegurado que estava bem e declinou seu convite quando lhe ofereceu ficar um tempo na mansão Harrington como hóspede. Não lhe comentou que sua mãe já
a visitara e lhe surpreendeu o amável e considerado que se mostrou com ela.
Viu do vestíbulo uma elegante e bela dama conversando com o senhor Schumacher. Estava sentada a uma das mesas do salão. Seu caseiro a saudou com a mão ao vê-la
entrar. A dama girou e ficou em pé.
Encolheu-lhe o coração ao ver de quem se tratava. Embora nunca as tivessem apresentado, reconheceu à duquesa viúva de Clarewood imediatamente. A viu no baile
dos Harrington.
Julia Mowbray se aproximou com um sorriso.
- Olá, senhorita Bolton. Temo que esteja sendo muito atrevida, mas decidi que devíamos nos conhecer.
Alexandra agarrou melhor suas bolsas. Estava tão atônita que temeu que caíssem ao chão. Não entendia o que a mãe de Stephen podia querer. Fez-lhe um nó no estômago.
- Excelência - a saudou com um fio de voz enquanto fazia uma reverência.
- Poderíamos ir a seu quarto? O senhor Schumacher prometeu subir um chá - disse a senhora.
Olhou-a com seus olhos cinza e lhe pareceu que a observava com amabilidade. Cada vez estava mais confusa, não entendia o que fazia ali nem o que queria dela.
Tentou pensar em alguma desculpa para não ter que recebê-la em seu quarto, mas não lhe ocorreu nada. Com muita dificuldade, conseguiu lhe devolver o sorriso.
- Temo que meu quarto seja muito modesto, excelência. Não estaria cômoda.
- Têm duas cadeiras?- perguntou. Assentiu com a cabeça. - Isso pensava - adicionou com decisão. - Subamos, por favor. Não pode negar-se a receber-me. Sobre tudo
quando me custou uma hora para encontrar esta hospedaria.
Respirou profundamente para tentar acalmar-se, mas sentia náuseas. Subiu as escadas diante para lhe mostrar o caminho. Deixou as bolsas no chão e abriu a porta.
Observou de lado Julia Mowbray enquanto entravam.
A duquesa olhou muito séria seu pequeno quarto. Mas, quando viu que a observava, dedicou-lhe um sorriso.
- É muito valente, querida - disse - Mas não pode ficar aqui.
Alexandra deixou as bolsas ao lado fogão de lenha. Olhou-a quase sem fôlego.
- Temo que não tenho outro lugar aonde ir.
- Tolices - respondeu com decisão a duquesa. - Virá à mansão Constance.
- Convida-me a sua casa? - perguntou estupefata.
- Não é acaso meu filho o responsável de que se encontre neste apuro? - respondeu a duquesa.
Cada vez estava mais confusa. Não sabia o que pretendia nem por que fazia um oferecimento como esse. Não podia acreditar que fosse tão generosa nem compassiva,
sobre tudo quando a comparava com a crueldade que seu filho tinha lhe mostrado. Mas não pensava acusar Stephen de nada e menos ainda diante de sua mãe.
- Não, Clarewood não é o responsável - murmurou ela.
- Seguro? - respondeu a duquesa enquanto se aproximava e lhe tocava com carinho o braço. - Querida, ouvi os rumores. Não estou acostumada a fazer caso a essas
coisas, mas é óbvio que lhe aconteceu algo. De outro modo, não estaria nestas circunstâncias. Conheço muito bem meu filho e vi como se comportou com você no baile
dos Harrington. Suspeito que Stephen tenha algo a ver em tudo isto. Não é assim?
- Não - respondeu ela lhe dando as costas. Era uma mulher orgulhosa e nunca diria a ninguém o que tinha ocorrido. Não podia fazê-lo. Negava-se a culpar Stephen
de tudo quando era muito consciente de que devia ter recusado suas insinuações. A duquesa viúva a olhava com incredulidade. - As decisões sempre são complexas. Acredito
que alguém deve assumir as consequências de suas decisões. As minhas me levaram a estas circunstâncias, excelência.
Julia abriu muito os olhos.
- É uma mulher surpreendente. Não vai culpar Stephen de nada, verdade?
- Não, como lhe disse, sou responsável por minhas decisões.
- Mesmo assim, não pode viver aqui - disse a duquesa sem deixar de olhá-la nos olhos. - Admiro sua força e sua bondade. Odeia Stephen?
Surpreendeu-lhe a pergunta.
- Tivemos um mal-entendido - disse. - Mas nunca poderia odiá-lo.
- Então, ama-o?
Ruborizou-se imediatamente. E, incapaz de olhá-la no rosto, deu a volta tremendo. Não queria sequer ter que pensar nessa pergunta e não se atrevia a respondê-la.
Julia ficou em silêncio, mas soube que a estava observando.
- Muito bem - disse. - Meu filho é um homem excepcional, mas também um homem difícil.
Girou lentamente para olhar à duquesa.
- Criaram-no para que fosse difícil senhorita Bolton. Seu pai era cruel, frio e desumano. Nunca o tratou com carinho nem elogiou seus progressos. Quando fracassava
em algo, meu marido o castigava, frequentemente com o punho ou com uma vara. Aprendeu a ser duro e insensível. Mostra-se intolerante com seus empregados, seus criados
e seus amigos. Mas é um homem compassivo, disso estou segura. Cedo ou tarde, se dara conta de que cometeu um engano. E deve saber que é o maior defensor dos que
sofrem, dos que são tratados com injustiça e dos que passam necessidades.
Não podia deixar de olhá-la. Era a primeira notícia que tinha sobre a dura infância de Stephen e não pôde evitar compadecer a esse maltratado menino. Queria acreditar
que era compassivo. Recordou então a calidez em seus olhos enquanto faziam amor e suas promessas de generosidade.
Entre seus braços chegou a sentir muito segura e estremeceu ao rememorá-lo.
- Excelência, se trata de sugerir que Stephen... Perdão, que sua excelência defenderá algum dia minha causa, deve saber que não há nada que defender. Sei que
resolverei cedo ou tarde as coisas com meu pai e poderei voltar para Vila Edgemont.
- Seguro? Então, declina meu convite?
Não poderia aceitá-lo. Era muito orgulhosa para aceitar a caridade de alguém. Além disso, não podia ir viver com a mãe de Stephen. E menos ainda, depois do que
tinha ocorrido.
- Não posso aceitar.
Julia Mowbray a olhou com seriedade.
- É muito orgulhosa para aceitar minha oferta? Prefere ontinuar aqui, vivendo como uma operária?
- Sim.
- É uma mulher muito especial, senhorita Bolton - disse Julia enquanto recolhia as luvas que tinha deixado na mesa. - Foi um prazer conhecê-la e não lamento que
tenha declinado meu convite.
Não entendeu o que queria dizer com isso.
- E também me alegra que tenha aparecido na vida de Stephen.
- Não compreendo... O que quer dizer com isso? - perguntou sem poder deixar de tremer.
- Já entenderá - respondeu com um sorriso enigmático.
Sentiu que essa mulher sabia mais do que estava lhe contando.
- Não é necessário que lhe anuncie minha visita, Guillermo - disse Julia ao mordomo enquanto passava ao seu lado.
- Sua excelência nos ordenou que ninguém deve incomodá-lo, duquesa - respondeu o homem estupefato.
- Sim, sei que se zangará. Depois de tudo não enviei uma nota lhe avisando de minha visita e seguro que estou interrompendo-o quando está desenhando algum importante
projeto de caridade - disse com sarcasmo. - Mas a caridade deve começar pela gente mesmo, Guillermo.
Não se deteve de caminho ao escritório e o mordomo a seguia apressadamente.
- Não entendo excelência.
A última coisa que desejava era ter que explicar que se referia à última amante de seu filho, a senhorita Bolton. Uma mulher muito especial que a surpreendeu
gratamente.
- Está em seu escritório?
- Sim, mas... Espere excelência! Deixe ao menos que lhe anuncie - pediu o homem.
Ignorou-o e abriu a porta do escritório. Stephen estava sentado à mesa com dois dos advogados da família.
Levantou a vista surpreso.
- Mãe! Que surpresa!
- Já imagino. Temo que tenha um tema urgente que tratar com você e devo interromper a reunião - disse com um doce e artificial sorriso.
Stephen ficou em pé a contra gosto.
- Alguém está morrendo? - perguntou enquanto os advogados saíam do escritório.
- Bom, espero que não - disse enquanto lhe dava um beijo na bochecha. - Acabo de conhecer a senhorita Bolton.
Stephen franziu o cenho, mas ignorou suas palavras.
- Estava precisamente pensando em você. De fato, decidi lhe encontrar um marido.
Sabia que só queria provocá-la e mudar de tema. E conseguiu seu propósito. Não pôde evitar pensar em Tyne Jefferson. Tinham passado quase duas semanas desde que
o viu em sua casa, quando a visitou de surpresa e soube que tinha perdido sua filha. Tinha voltado a sua casa em outra ocasião, mas o tempo não lhes permitiu sair
para montar e se limitaram a conversar e visitar os estábulos. Havia sentido tanta tensão nessa visita que soube que não imaginava, Jefferson também se sentia atraído
por ela.
Acelerou-lhe o pulso. Depois desses encontros, esperou que começasse a cortejá-la de maneira mais evidente, mas não havia voltado a vê-lo. Sabia que não deveria
estranhar. Ela era uma duquesa e ele, um boiadeiro americano. Teria que tomar as rédeas se pretendia que as coisas fossem além.
Para complicar ainda mais as coisas, seu filho acreditava que tinha que resgatá-la e intrometer-se em sua vida.
- Não penso em me casar, Stephen - disse com firmeza. - Falo a sério.
- Não me diga que ainda continua encantada com o americano.
- Ele prefere considerar-se californiano - respondeu sem pensar. - Acredito que não voltarei a confiar em você, é melhor que não lhe conte nada.
- Suas palavras me dizem mais do que crê - disse Stephen sem deixar de observá-la. - Parece desgostosa. Acaso não está tão interessado como você nele?
- Não penso falar de Jefferson - replicou. - Sabe que jogaram à senhorita Bolton de sua casa e que agora vive em um pequeno e frio quarto? Não tem nenhum tipo
de comodidades. Esse lugar não é um lugar apropriado para uma dama como ela.
Stephen a olhou com firmeza.
- Nada vai detê-la, verdade? Sim, sei que alugou um quarto na hospedaria do senhor Schumacher - anunciou enquanto cruzava os braços. - Não posso acreditar que
se coloque assim em minha vida.
- Vive na pobreza, Stephen - exclamou zangada. - E acredito que é o culpado de sua situação.
- Isso não é justo! - disse ruborizando-se. - Se fosse o culpado, o teria arrumado. Essa mulher tentou me enganar. É muito habilidosa e estou seguro de que sobreviverá.
- Estou muito decepcionada - murmurou ela - E acredito que deveria visitá-la antes de afirmar algo assim. Deve ver com seus próprios olhos como está vivendo.
- Randolph já foi a vê-la! Também a visitaram lady Blanche e sir Rex. Agora me inteiro de que você também foi... Suponho que Elysse e Ariella não demorarão muito
em ir e jogar a culpa de tudo em mim!
- Então, vai permitir que morra de fome? Que costure a luz de uma vela? Que tenha que usar os banhos comuns?
Stephen golpeou com força o punho sobre a mesa e não pôde evitar sobressaltar-se.
- E, o que pretende que faça? Que me case com ela?
Seu filho não estava acostumado a perder o prumo dessa maneira. Ficou olhando-o nos olhos.
- É o casamento com a senhorita Bolton algo que poderia considerar?
- Claro que não! - exclamou furioso.
Viu que tentava controlar-se e dominar sua respiração. Olhou-a algo mais calmo.
- Está exagerando sua grave situação, verdade?
- Não, Stephen. Não exagero nada. É uma vida miserável e inaceitável. Deve arrumar sua situação, não espero menos de você.
Stephen não disse nada mais, limitou-se a dar voltas pelo escritório com gesto resignado e pensativo.
Alexandra começava a temer que tivesse caído doente. Sempre estava cansada e não dormia bem.
Tinham passado já vários dias desde que a duquesa viúva de Clarewood a surpreendesse com sua inesperada visita. Ainda não podia entender por que teria ido vê-la
e tentava não pensar nisso, mas lhe resultava tão difícil como deixar de pensar em Stephen. Era impossível.
Acreditava que teria sido mais fácil esquecer se a duquesa fosse desagradável e cruel com ela. Mas tinha a sensação de que tinha lhe estendido a mão e que, se
decidisse que não podia continuar vivendo como o fazia, a duquesa lhe abriria encantada as portas de seu lar. E não conseguia compreender por que essa mulher mostrava
tanta generosidade com ela.
Caminhou devagar de volta à estalagem. Não tinha dinheiro. Acabava de usar os últimos xelins que ficavam para comprar fio de qualidade e um pouco de comida. Estava
pendente de que várias clientes lhe pagassem os acertos e ia ter que encontrar a maneira de ir até suas casas para pedi-las que a abonassem o que lhe deviam.
Adiantaram-na dois cães esquálidos e tropeçou. Como não queria soltar as bolsas onde levava o material para costurar, caiu ao chão e caíram os pacotes com a comida.
Machucou os joelhos e em um dos cotovelos, mas não soltou em nenhum momento seus fios. A comida caiu em um sujo atoleiro. Três batatas, o repolho e uma cebola rodaram
pela imunda calçada. Levantou a cabeça a tempo de ver como dois pequenos iam pela comida. Um dos cães que a tinha feito tropeçar se aproximou e lambeu sua cara enquanto
meneava contente a cauda.
Olhou a feliz cara do animal e seus olhos brilhantes. Teve vontades de tornar-se a chorar.
- Tome - disse um menino.
Viu diante de sua cara uma mão suja que lhe oferecia uma batata igualmente suja. A mão pertencia a uma menina muito séria, com dois acréscimos e farrapos. Estava
muito magra.
- Pode ficar com a batata - disse.
A menina abriu surpreendida os olhos. Deu a volta e saiu correndo com seu tesouro entre as mãos.
Viu então que tinham pegado o resto da comida e lhe encheram os olhos de lágrimas, mas não queria chorar. Não tinha dinheiro para comprar nada mais, não até que
suas clientes pagassem os acertos. Olhou o cão que ficou sentado ao seu lado.
- Se acha que vou poder te dar os restos de minha comida, equivoca-se de pessoa - disse.
Estava a ponto de se levantar do chão quando viu diante dela uma elegante saia de seda azul. O tecido era caro e soube antes de vê-la que esse vestido só podia
pertencer a uma dama. Rezou para que fosse uma de suas clientes, que se aproximava para lhe dar o que lhe devia, mas se deu conta de que uma dama nunca se aproximaria
desse bairro só para isso. Levantou atemorizada a vista.
Duas damas elegantemente vestidas a olhavam. Uma era de meia idade e levava muitas joias. A outra era uma jovem loira e muito bela. A mais velha a olhava com
desdém. A jovem, com horror.
Imaginou que sabiam quem era e que tinham ido vê-la para contratar seus serviços como costureira. Envergonhada, ficou em pé. A jovem lhe estendeu a mão para ajudá-la.
- Não a toque Anne! - advertiu-lhe a senhora.
A tal Anne baixou depressa a mão.
- Tropecei e caí - explicou Alexandra.
- Isso é óbvio - declarou a senhora com segunda intenção - Suponho que é a infame senhorita Bolton.
Ficou atônita ao ouvir suas duras palavras. Apertou contra seu peito a bolsa com o material de costura.
- Sou Alexandra Bolton - disse à senhora com dignidade. - está aqui para ver-me?
- Sim - respondeu a mulher com condescendência. - Queríamos comprovar com nossos próprios olhos se era verdade que ele lhe jogou à rua. Tinha que ver como era
a prostituta que escolheu quando poderia ter tido minha filha, que seria uma duquesa perfeita - acrescentou. - Vamos, Anne.
Mas a jovem loira não se moveu.
- Mãe... - sussurrou com nervosismo enquanto olhava para o meio-fio.
Alexandra seguiu seu olhar e seus joelhos e tremeram. O coração começou a pulsar com força.
Entrava nesse momento uma impressionante calesa negra puxada por seis cavalos. Foram-lhe os olhos ao escudo do ducado de Clarewood pintado nas portas. Não entendia
o que podia fazer ali.
Não podia pensar, limitou-se a observar o veículo. Foi recuperando pouco a pouco o bom senso. Não sabia o que faria Clarewood ali, mas não tinha por que ficar
a averiguá-lo. Decidiu sair correndo.
Mas não podia mover-se.
- Não posso acreditar - declarou com frieza à senhora.
Olhou de esguelha às damas. Estavam tão hipnotizadas pela presença da calesa como ela mesma. Alguns curiosos pararam também na calçada para olhar. Começou então
a pensar com algo mais de claridade.
Soube que não podia ser Clarewood o que estava dentro do carro. Acreditava que devia ser Randolph ou um criado. Ele nunca iria ver como estava. Tinha-lhe deixado
muito claro quanto a desprezava.
Mas se abriu a porta e foi o próprio Clarewood o que desceu do carro.
Ficou boquiaberta.
As pessoas foram para trás instintivamente, para lhe deixar passar. Mas o duque se limitou a observá-la da porta da calesa. Olharam-se nos olhos e sentiu que
se acendiam suas bochechas.
Não queria que a visse nesse estado, vivendo entre tanta miséria e pobreza. Já tinha conseguido humilhá-la uma vez, mas se sentia ainda mais vencida nesse momento.
Viu que as duas damas saudavam o duque com uma reverência, esqueceu-se delas.
Ficou sem fôlego ao ver que se aproximava. A multidão se abriu para lhe deixar passar. Levava os lábios apertados e parecia muito sério, mas não deixou de olhá-la
em todo momento.
Não sabia o que fazia ali nem o que podia querer dela. Acreditava que já lhe tinha feito bastante dano e teria preferido não voltar a vê-lo.
- Excelência, que surpresa tão agradável! - disse a dama de mais idade.
- Excelência... - murmurou Anne com rubor.
Clarewood nem sequer as olhou, continuava concentrado nela e parecia muito zangado.
Mas se recuperou ao pouco momento e olhou às damas.
- Sim, é uma surpresa - disse com frieza. - Confiou às reparações de sua roupa à senhorita Bolton, lady Sinclair?
A senhora deixou de sorrir.
- Bom... Ouvi que a senhorita Boltom é uma costureira muito boa e vinha para falar com ela - respondeu.
- De verdade? - perguntou Clarewood com incredulidade enquanto olhava Anne. - Este bairro não é apropriado para uma dama. Não posso acreditar que tenha trazido
sua filha aqui.
Alexandra começou a sentir náuseas. Era algo que acontecia com o tempo. Rezou para que lhe passassem logo e não tivesse que vomitar.
- Já íamos, mas têm toda a razão, não deveria ter trazido Anne. Esperamos vê-lo muito em breve, excelência - disse com um sorriso.
Clarewood não abriu a boca e sua expressão não mudou. Esperou que as damas se fossem, depois olhou a ela.
Não podia deixar de tremer. Estava muito enjoada e afastou a vista. Perguntou-se se poderia sair correndo e desaparecer entre as pessoas que enchia a calçada.
Não sabia por que estava ali nem o que queria. Desejava que a deixasse em paz.
Sua presença não fazia mais que piorar as coisas. E, sem que pudesse evitar, recordou os momentos de paixão compartilhados e como depois a acusou de ser uma manipuladora
que tinha jogado com ele com a única intenção de casar-se. Ainda lhe doíam muito suas palavras. Mas o mais duro era sentir que uma parte dela desejava correr a seus
braços para sentir-se de novo segura e amada.
Clarewood tocou ligeiramente seu braço e ela teve que olhá-lo. Parecia muito circunspeto.
- O que ocorreu?
- Cai - respondeu ela com voz tremente. - O que faz aqui?
- Mostre-me onde vive.
Ficou boquiaberta.
- O que?
- Já me ouviu. Sei que alugou um quarto nessa hospedaria - disse enquanto assinalava o edifício em questão.
- Não penso mostrá-lo nada - respondeu ela com algo mais de segurança. - De fato, tenho que ir já. Bom dia.
Clarewood agarrou seu braço quando tentou afastar-se. Estremeceu ao sentir sua mão.
- Edgemont lhe jogou de casa quando soube o que tinha ocorrido entre nós - murmurou.
- Não quero falar disso - respondeu ela.
- Mas eu sim - disse enquanto apertava seu braço com mais força.
Tentou escapar, mas não pôde. Suspirou e decidiu lhe responder.
- Ouviu os rumores e, embora pareça que pensa o contrário, imagino que não me dá muito bem mentir. Sei que você não lançou esses rumores e nem me jogou de minha
casa - disse ela com dureza. - Assim não têm nada a ver em todo este assunto. Pode ir já e sem sentimentos de culpa- acrescentou. - Estou segura de que lady Witte
estará encantada.
Clarewood parecia cada vez mais furioso.
- Quero ver seu quarto.
- Solte-me o braço, por favor - sussurrou ela. - Vá daqui.
Olhava-a como se realmente quisesse saber a verdade e lhe encolheu o coração. Teria lhe encantado que Clarewood pudesse acreditar nela...
Veio-lhe o mundo em cima ao entender por fim que, apesar de tudo, desejava mais que tudo no mundo que Clarewood confiasse nela e a cuidasse. Puxou de novo para
tentar soltar-se, mas isso fez com que não pudesse controlar as arcadas. Gemeu angustiada, soltou a bolsa e correu até a via, onde vomitou.
Quando terminou, sentiu-se mais afundada e humilhada que nunca.
Os paralelepípedos do meio-fio deixaram por fim de dar voltas e pôde levantar-se muito devagar. Respirou profundamente. Estava envergonhada e não se via capaz
de continuar controlando as lágrimas. Imaginou que Clarewood teria ido. Mas se equivocava.
- Deixe que a ajude a subir ao seu quarto - disse atrás dela enquanto tocava suas costas.
Estava horrorizada.
- Ainda continua aqui?
Clarewood lhe ofereceu um lenço. Aceitou-o e limpou a boca e o corpete de seu vestido.
- Faz um mês que estivemos juntos - comentou ele. - Está grávida?
Ficou sem respiração. Temia que fosse assim, mas não estava disposta a dizer-lhe.
- Não, não estou.
Inalou profundamente e se deu conta de que por fim se encontrava melhor. Esteve enjoada todo o dia. Clarewood continuava calado.
Agachou-se para recolher seu pacote, aliviada ao ver que tudo continuava em seu lugar. Mas ele foi mais rápido e o agarrou.
- Quanto tempo esta doente, Alexandra? - perguntou.
Não soube o que lhe dizer, tinha que pensar em algo.
- Acredito que comi algo ontem à noite que me sentou mal.
- Claro...
Clarewood não disse nada mais nem se moveu.
- O que quer? Por que está aqui? Já não me castigou o bastante? Por que deseja me humilhar ainda mais?
- Não é isso - respondeu ele. - Eu lhe subirei a bolsa.
Não podia acreditar. O duque de Clarewood não era um menino de recados.
- Posso fazê-lo sozinha.
- Seguro?
Levantou orgulhosa a cabeça.
- Poderia me devolver à bolsa, excelência?
Sorriu com um pouco de frieza.
- Pedi-lhe que me mostre seu quarto, Alexandra. De fato, acredito que lhe pedi isso quatro vezes.
- Não temos nada do que falar nem há nada que ver. Não penso convidá-lo a subir.
- Não estou de acordo. Acredito que temos muito do que falar. Não pode ficar aqui - respondeu ele com firmeza.
Seu olhar lhe deixou muito claro que pensava sair-se com a sua.
- E aonde sugere que vá? Não fica dinheiro. Acha que deveria aceitar o convite de lady Harrington? O de Randolph? O de sua mãe? Devo fazer como se não tivesse
lar?
- É que não têm lar.
Com mãos trêmulas, tentou agarrar o pacote com suas compras. Clarewood deixou que o fizesse, mas a olhava tão intensamente que não pôde mover-se.
- Tenho um lar - respondeu com segurança. - paguei o aluguel de todo o mês.
- Deveria aceitar minha oferta - disse ele. - E não é uma sugestão, deve fazê-lo.
Não sabia do que se tratava, mas não queria saber. Nunca poderia esquecer o que tinham tido nem como a tinha tratado.
- Não - replicou ela. - Seja o que for não me interessa.
- Nem sequer ouviu o que lhe proponho.
- Não tenho que ouvi-lo. Não quero a caridade de ninguém. E, menos ainda, a sua.
Seus olhos azuis brilhavam mais que nunca, parecia estar fora de si.
- É muito teimosa e já estou me cansando - disse. - O hotel Mayfair é o melhor da cidade. Conseguirei uma suíte ali.
- Em troca do que? - perguntou ela sem poder ocultar sua surpresa. - por que faria algo assim? O que quer de mim?
- Não quero nada.
Alexandra negou com a cabeça.
- Já rechacei a caridade de lady Blanche, de Randolph e da duquesa viúva. Nunca aceitaria a sua. Posso me valer por mim mesma com a oficina de costura. De fato,
tenho mais pedidos que nunca.
- Sério? Mas se acaba de me dizer que está sem um penique - respondeu ele olhando-a nos olhos. - Alguém ingressou meu cheque. Ficou com Edgemont?
Deu-se conta então de que estava chorando.
- Sim, assim foi - disse. - Parte, por favor. Arrumarei isso, excelência, sempre o faço.
Clarewood afastou um instante a vista.
- Temo que não possa fazê-lo.
Agarrou-a de repente entre seus musculosos braços, mantendo-a muito perto de seu corpo. Antes que pudesse entender que fazia, levou-a consigo para a calesa.
- Detenha-se! O que está fazendo? - gritou assustada.
O lacaio abriu a porta e Clarewood a tomou em braços para colocá-la dentro.
- É tão orgulhosa que temo que, se levá-la a um hotel, sairia dali assim que pudesse para retornar a este horrível lugar - disse ele.
Estava em seus braços. Não queria estar nem agarrar seu pescoço, mas não ficou mais remédio que fazê-lo para não cair ao chão. Olhou-o nos olhos. Seus rostos
estavam tão perto que não podia respirar e o coração galopava em seu peito como um cavalo selvagem.
Recordou nesse instante o sabor de seus lábios e os momentos de paixão. Ele tinha conseguido fazer com que se sentisse tão ditosa e amada.
Mas sabia que tudo foi uma farsa.
Clarewood tinha mudado, já não a olhava igual.
Estremeceu entre seus braços e algo despertou em seu interior. Muito a seu pesar, deu-se conta de que ela continuava sentindo o mesmo. A atração fatal que sentia
por ele não tinha desaparecido e pensou que aquilo não podia ser bom para ninguém.
- Deixe-me no chão - sussurrou.
O duque entrou com ela na calesa e o lacaio fechou a porta. Não deixava de olhá-la nos olhos e ela sustentou seu olhar. Quando a deixou por fim no assento, separou-se
dele todo o possível.
- Passará a noite em Clarewood - informou ele. - E amanhã falaremos de sua complicada situação.
Stephen entrou na biblioteca e fechou a porta. Ficou uns instantes olhando o trinco de bronze e os nódulos brancos de sua mão. Ainda não tinha conseguido recuperar-se
da impressão, estava horrorizado.
"Como pôde viver assim?", pensou.
Não chegou a subir ao seu quarto, mas não precisou. Podia fazer uma ideia do lugar onde esteve vivendo, não era a primeira vez que visitava esses subúrbios.
Não podia tirar da cabeça que tudo era culpa dele.
Custava-lhe aceitar, não queria pensar assim. Foi para a mesa dos licores e se serviu uma taça. Tomou um gole com mãos trêmulas.
Sempre pensou que era um homem com princípios, que distinguia o bem do mal. Nunca lhe havia custado tanto fazer essa distinção, tudo tinha sido sempre branco
ou negro.
Alexandra Bolton, apesar da situação de sua família, era uma aristocrata e não merecia viver entre a massa oprimida da sociedade, como se fosse uma deles. Sentia-se
muito impressionado pelo que tinha visto. Mas se sentia sobre tudo culpado.
Não podia deixar de pensar que tudo tinha sido culpa dele.
Tomou outro longo gole de uísque, mas não conseguia relaxar. Tinham demorado quase três horas em voltar para a mansão. Ela não abriu a boca durante todo o trajeto
e ele tão pouco. Limitou-se a olhar pela janela para tentar esconder quanto o tinha afetado ver sua situação.
Teve a esperança de que tinha dormido. Parecia tão cansada que não lhe teria estranhado. Mas, cada vez que a olhava, via que Alexandra o vigiava com os olhos
arregalados, como se lhe tivesse medo.
Ao chegar à mansão, uma donzela a tinha acompanhado a um dos dormitórios de hóspedes. Outra donzela lhe preparava ao mesmo tempo um banho quente. Tinha ordenado
a Guillermo que lhe subissem o jantar e que atendessem qualquer necessidade que pudesse ter. Pareciam-lhe poucos os cuidados, como se pudesse assim ressarci-la pelo
que teve que sofrer durante o último mês.
Apertou com força a taça. Lamentou não ter-se aproximado antes a Londres para ver como estava. Mas estava muito zangado com ela, pensando que tinha tentado enganá-lo
para que se casasse com ele, para preocupar-se com seu bem-estar.
Reconheceu que a tinha julgado mal. Acreditava que Alexandra era uma mulher muito inteligente e, se sua intenção tivesse sido caçar um marido rico, já teria encontrado
algum quando Edgemont a jogou de casa. E, embora não o tivesse conseguido, teria aceitado o convite dos Harrington.
Recordou então quantas vezes tinha recusado-o. Olhou então seu próprio lar. As insinuações ao princípio. Tinha acreditado que era só um jogo, uma maneira de incrementar
seu desejo. Mas estava muito enganado.
Acreditava que ela resistiu porque era virgem e suas intenções com ela foram desonestas desde o começo.
Amaldiçoou entre dentes e lançou a taça contra uma das paredes, mas não se sentiu melhor. Alexandra tinha vinte e seis anos e imaginou que, se quisesse se casar
por dinheiro, já o teria feito quando era mais jovem.
"Como pôde sobreviver todo um mês nesse horrível buraco cheio de sujeira, ratos e enfermidades?", pensou com desespero.
Embora seguisse furioso, mais com ele mesmo que com ela, um sentimento de admiração por essa mulher foi aparecendo em seu interior. Não queria fazê-lo, não queria
admirar sua valentia, seu orgulho nem sua força. Algo lhe dizia que não lhe convinha admirá-la, mas encontrava muitos motivos para fazê-lo. Nunca conheceu nenhuma
mulher, nobre ou não, capaz de viver sozinha em um subúrbio como aquele. Menos ainda depois de ter conhecido uma vida muito melhor.
Já a tinha admirado ao conhecê-la, quando se inteirou de que costurava para poder manter sua família. Ela não era como as demais.
Recordou a conversa que tiveram após fazer amor.
- Mentiu para mim - a tinha acusado ele.
- Não pensei que fosse importante - tinha confessado Alexandra.
- Não pensou que sua virgindade fosse importante?
Amaldiçoou de novo. Todas as mulheres entesouravam sua virtude, não entendia como Alexandra podia lhe dar tão pouca importância. Não entendia que não lhe dissesse
a verdade e esperava poder convencê-la algum dia para que lhe explicasse por que lhe ocultou essa informação.
Quase nunca se equivocava com as pessoas, mas sentia que com ela não acertou em nada.
Dedicou-se a acossá-la e seduzi-la para tratá-la depois pessimamente.
Ficou olhando a parede em frente e sentiu que lhe arrepiava o pêlo da nuca. Deu a volta e viu seu falecido pai, Tom Mowbray, como se estivesse ali com ele. Olhava-o
com o cenho franzido. Sabia muito bem o que lhe diria se estivesse vivo.
Recordar-lhe-ia que devia por completo a Clarewood e que não podia sequer considerar casar-se com alguém como Alexandra. Seu pai queria que desposasse com alguém
de sua mesma fila social, uma mulher com terras e um título. Sabia que nunca iria querer ter como neto um bastardo e que, se a tivesse deixado grávida, seu pai lhe
ordenaria que lhe desse um pouco de dinheiro e se desfizesse dela.
Sentiu que lhe revolviam as vísceras.
"Estará grávida?", perguntou-se.
Alexandra lhe assegurou que não o estava, mas não sabia se podia acreditar nela. Esperava que fosse tudo consequência de alguma comida em mal estado, tal e como
havia dito ela.
Sempre teve muito cuidado com suas amantes para assegurar-se de não conceber um filho ilegítimo. Não pensava permitir que outra pessoa criasse seu filho. E não
era sua própria experiência a que o fazia pensar assim, a não ser seus princípios morais. Não acreditava que pudesse chegar a ser um bom pai, mas pensava em tentar
e sabia que poderia ser muito melhor que Tom Mowbray. Estava convencido de que ele nunca ridicularizaria os fracassos de seu filho e sempre trataria de respirá-lo
com elogios. Se chegasse a ter filhos, estava decidido a criá-los na mansão de Clarewood, fossem filhos ilegítimos ou fruto do casamento.
Por desgraça, com Alexandra não tinha tomado nenhuma precaução. Não entendia como podia ter esquecido, mas imaginou que a paixão do momento tinha conseguido cegá-lo
por completo.
Decidiu que, se Alexandra levava seu filho nas vísceras, ele mesmo o educaria.
E, se estava grávida, teria que ficar vivendo em Clarewood, ao menos até que nascesse o menino. De fato, decidiu que o melhor que podia fazer era convencê-la
para que ficasse ali, assim poderia saber em uns poucos meses se estava grávida ou não. Além disso, sabia que em Clarewood poderia receber os melhores cuidados.
Estava decidido.
Sentiu que seu pai o olhava furioso.
- Não se preocupe - sussurrou. - Não esquecerei minhas responsabilidades. Jurei que assim o faria e nunca rompo minhas promessas.
Não tinha intenção de casar-se com Alexandra. Era Clarewood o que tinha em mente. Devia acordar um casamento vantajoso para que o poder e o legado do ducado crescessem.
Mesmo assim, se Alexandra estivesse grávida, cuidaria dela durante o resto de sua vida para que nunca lhe faltasse nada.
Alguém bateu na porta e soube que era o mordomo. Ordenou-lhe que entrasse.
- A senhorita Bolton já instalou-se?
Guillermo parecia muito sério.
- Não deixou que as donzelas entrassem para ajudá-la e recusou o jantar, excelência. Acredito que fechou por dentro a porta do dormitório.
- Deve estar esgotada. Pode ser que esteja dormindo e não tenha ouvido as donzelas batendo na porta - respondeu ele. - Deixa uma bandeja com comida frente à porta
se por acaso acorde no meio da noite, Guillermo.
Embora soubesse que estava exausta, suspeitava que estivesse comportando-se assim como uma forma de protesto. Não gostou. Seu primeiro impulso foi subir a seu
quarto e lhe ordenar que o obedecesse. Precisava comer sobre tudo se estivesse grávida. Mas mudou de opinião em seguida. Alexandra o odiava e não estranhava nada.
Capítulo 13
Alexandra não poderia permanecer escondida em seu quarto por toda a vida.
Olhou seu pálido reflexo no espelho. O marco era dourado e muito elegante, fazia jogo com as cadeiras colocadas a cada lado do mesmo. Pensou que estaria mais
enjoada, mas descansou muito bem. Dormiu assim que se deitou na cômoda cama e se cobriu com as cálidas e luxuosas mantas. Pela primeira vez em todo um mês, desde
que sua aventura com o duque acabasse tão bruscamente, dormiu toda a noite sem ter pesadelos.
Estava um pouco pálida, mas tinha melhor aspecto do que estava na noite anterior. E não se encontrava do todo mal, mas ainda não podia acreditar que Clarewood
a meteu à força em seu calesa para levá-la a sua casa.
Pôs-se a tremer e não pôde evitar que o pulso acelerasse. O dormitório era muito elegante e luxuoso. As paredes estavam pintadas de verde pálido e as molduras
eram rosa e douradas. Dormira placidamente em uma grande cama com dossel. Havia uma lareira e um sofá com estampado floral frente a ela.
Ao lado de uma das janelas havia uma pequena mesa de comer com duas cadeiras. E no balcão havia outra mesa mais. Ao outro lado do dormitório, uma antiga escrivaninha
sobre a qual colocaram um vaso de cristal com flores frescas, chamou-lhe a atenção.
Nunca ficou em um quarto tão lindo, não podia ser mais diferente do que ficara na hospedaria do senhor Schumacher, mas não estava disposta a admitir a hospitalidade
de Clarewood. Mesmo assim, não sabia como ia dizer, se o duque era como uma força da natureza e sabia que seria muito difícil conseguir que mudasse de opinião. Além
disso, ainda não entendia por que tinha feito algo assim.
Pensou que possivelmente aceitasse por fim sua responsabilidade em todo o assunto e se sentisse culpado.
Sentiu de repente que se enjoava e teve que correr ao quarto de banho. Não podia controlar as arcadas. Angustiada, deixou-se cair ao chão com os olhos fechados.
Já não lhe havia nenhuma dúvida. Não estava doente, estava grávida. Não podia acreditar, mas sabia que levava o filho de Clarewood dentro de si.
Tentou não chorar. Acreditava que um filho devia ser um motivo de felicidade e temia que ele se enfurecesse quando descobrisse. Estava decidida a amar esse bebê,
mas lamentava ter que estar presa por toda vida ao duque.
Limpou as lágrimas e se levantou. Não podia deixar que soubesse a verdade. Sabia que Clarewood interpretaria como parte de seu complô para que se casasse com
ela. Ou, o que era ainda pior, iria querer que o menino e ela vivessem ali. E ela não estava disposta a aceitar sua caridade. Não tinha intenção de converter-se
em uma mantida.
Mas o futuro lhe complicava ainda mais. Sentia muita falta de Vila Edgemont.
Abriu a porta do dormitório e se surpreendeu ao ver que suas malas estavam no corredor. Desceu as escadas devagar. Estava muito nervosa. Não conhecia a casa e
decidiu ir para a porta de entrada, possivelmente pudesse sair dali sem que ninguém a visse. Mas já ia para o vestíbulo, quando Clarewood saiu ao seu encontro, bloqueando
seu caminho.
Usava uma jaqueta escura, um elegante colete cor turquesa e meias beges. Pareceu-lhe que tinha olheiras.
- Bom dia. Espero que tenha dormido bem.
Ele não parecia ter descansado muito. Sua presença parecia encher o estreito corredor e se sentiu um pouco esmagada. Não estava preparada para encontrar-lhe tão
cedo e lhe custou reagir.
- Dormi muito bem - respondeu nervosa. - por que me olha assim, excelência?
- Está muito pálida. Está se sentindo mal? - perguntou de repente.
- Não, estou bem - respondeu ela tentando não pensar no bebê que devia estar crescendo em seu interior.
Clarewood ficou pensativo uns segundos.
- Ontem à noite não quis jantar - disse ao final.
- Adormeci.
Pareceu relaxar um pouco.
- Isso é o que imaginei que teria ocorrido - disse. - Estava a ponto de tomar o café da manhã. Se não se importar... - acrescentou enquanto a tomava pelo cotovelo.
Mas ela se afastou.
- O que faz - perguntou assustada.
- Pretendia acompanhar-lhe ao salão, senhorita Bolton - respondeu ele.
Estava morta de fome, mas negou com a cabeça.
- Não, acredito que vou sair um momento.
Deu a volta para ir para a porta, mas Clarewood a segurou pelo braço e não ficou mais remédio que olhá-lo de novo.
- É minha convidada e tenho o costume de incluir meus convidados nas refeições da casa.
Não podia deixar de tremer. Tudo seria muito mais fácil se deixasse que se fosse dali, se fosse menos bonito, se lhe falasse com um tom mais duro ou se ela não
sonhasse estar novamente entre seus braços. Não entendia como podia fazer com que se sentisse segura quando era a pessoa mais perigosa que tinha conhecido.
- Não pode dizer-se que seja exatamente sua convidada - respondeu ela.
- É obvio que o é.
- Sequestra a todos seus convidados, excelência? Porque o que lembro é que me meteu na calesa contra minha vontade - disse.
- Lamento, mas é que não posso permitir que siga vivendo nessa hospedaria.
- Isso não é nenhuma desculpa.
Clarewood sorriu.
- Parece que não. De fato, suponho que têm razão. Deveria tê-la convencido para que me acompanhasse por vontade própria. Mas bom isso já não importa. E desejo
que se considere minha convidada.
Continuava tremendo.
- Suponho que é melhor que ser sua refém.
- Está faminta - disse ele. - Estou tentando corrigir meus enganos, senhorita Bolton. Os duques já não tomam reféns, esse tipo de conduta faz parte do passado.
Conseguiu afastar-se dele.
- Bom, suponho que tenho um pouco de fome.
- Estupendo - respondeu Clarewood com satisfação enquanto iam para o salão.
Entraram em uma alegre e luminosa sala. Era um alívio ver que podiam entender-se e tratar-se com certa educação.
Assim que viu a comida, esqueceu-se do duque. O bufê do café da manhã ocupava toda uma mesa lateral. Dois criados esperavam para lhes servir os pratos. Os aromas
dos ovos, as batatas, as salsichas, o presunto e a panqueca eram tão tentadores, que seus olhos de encheram lágrimas e o estômago rugiu. Não foi consciente até esse
instante da fome que tinha passado. Levava uma semana comendo só repolho e batatas.
Se Clarewood ouviu o som de seu estômago, escondeu-o bem. Os criados se aproximaram para ajudá-la, mas o duque lhes fez um gesto e foi ele mesmo quem separou
a cadeira para que se sentasse. Viu que havia dois serviços na mesa, Clarewood devia ter previsto que tomaria o café da manhã com ela.
Mas não tentou analisar o que significava, estava muito faminta.
Sentiu suas grandes mãos no respaldo e lhe veio à mente como a acariciou por todo o corpo com essas mesmas mãos. Não pôde evitar ruborizar-se e quase esqueceu
a comida. Sentiu que o estômago encolhia, mas não por culpa da fome nem das náuseas. Sabia que tudo seria muito mais simples se não seguisse lhe atraindo tanto.
Clarewood se sentou frente a ela e olhou brevemente os criados.
- Quando vivia meu pai, tínhamos frequentemente a casa cheia de convidados. Neste salão havia quatro ou cinco mesas e quase sempre estavam ocupadas. Agora já
quase nunca temos tanta gente.
Não sabia por que o estava contando nem por que decidiu ser afável com ela.
- É um salão lindo.
- Estava acostumado a ser escuro e sombrio, mas minha mãe o redecorou assim que meu pai faleceu.
Os criados colocaram pratos com ovos, salsichas, presunto e batatas diante deles. Tragou saliva ao recordar o que a duquesa viúva lhe contou sobre a dura infância
do duque.
- Era muito jovem ainda quando morreu, não? - perguntou.
Embora estivesse morta de fome, não queria parecê-lo. Mas viu que Stephen a observava, parecia estar pendente dela e não pôde evitar ruborizar-se de novo.
- Tinha dezesseis anos quando morreu e me converti no oitavo duque de Clarewood - respondeu ele enquanto tomava seu próprio garfo para convidá-la a fazer o mesmo.
- Por favor... - acrescentou com um sorriso amável.
Ele nunca era assim e imaginou que queria algo. Mas não podia parar para pensar nisso.
Tomou seu garfo e viu que a mão tremia. Seu estômago rugiu dessa vez mais forte. Soube que a tinha ouvido e se sentiu muito envergonhada.
- Perdoe-me!- exclamou soltando o garfo.
- Alexandra...
Olhou-o nos olhos. Sentia-se muito débil e sabia que era por culpa da fome.
- Passou semanas nesse horrível lugar. Deu as duas mil libras a seu pai e a suas irmãs e não teve nada que levar a boca - disse ele com firmeza.
Limpou rapidamente com a mão uma lágrima que tinha escapado sem que pudesse evitar.
- Não, só estou um pouco cansada - assegurou ela. - Além disso, eles necessitavam do dinheiro mais que eu.
Esperava que acreditasse, porque estava muito faminta para discutir com ele.
- Falaremos depois do café da manhã - respondeu ele com mais firmeza ainda. - Coma.
Era uma ordem, mas não lhe importou.
Começou a comer e tentou fazê-lo devagar. Teria devorado toda essa comida em segundos se estivesse sozinha. Começou com os ovos mexidos. Eram os mais deliciosos
que tinha provado em sua vida. As salsichas e o presunto estavam ainda melhor. Inclusive a torrada com manteiga. Tudo tinha sabor de glória.
Quando terminou tudo o que tinha no prato, imediatamente colocaram outro tão cheio de comida quanto o anterior. Não protestou, nem sequer levantou a vista. Sentia
um pouco de vergonha, mas seguiu comendo. Sabia que ele já terminara de tomar o café da manhã e que a observava dissimuladamente por cima de seu jornal.
Terminou também o segundo prato, não deixou nenhum miolo, e um criado o retirou. Limpou então a boca com o guardanapo de linho dourado e levantou o rosto. Ficou
olhando ensimesmada a vista que lhe proporcionava as amplas janelas voltadas para o jardim. Sentia-se fenomenal, era incrível ter o estômago cheio e pensou em suas
irmãs e o quanto teria gostado que pudessem desfrutar de tanta comida também.
- Deseja outro prato?
Inquietou-se ao ouvi-lo. Não queria ter que olhá-lo, mas o fez. Não conseguia acostumar-se a seu atraente físico, sempre a deixava sem fôlego uns segundos.
- Acredito que não poderia comer nada mais - disse.
- Também não acredito - respondeu ele com um sorriso.
Quase nunca sorria. E menos ainda como fazia nesse momento. Também seus olhos pareciam olhá-la com amabilidade. Não pôde evitar que lhe acelerasse o pulso e se
perguntou por que não sorria mais frequentemente.
- Obrigada - sussurrou ela com cuidado. - Obrigada por uma comida tão agradável.
- Foi um prazer - respondeu ele com o mesmo cuidado e sem deixar de olhá-la. - Alegra-me de que tenha descansado bem esta noite em um quarto em condições e que
tenha desfrutado também do café da manhã.
Sabia que não iriam poder continuar assim todo o dia e que acabariam discutindo quando lhe dissesse o que ia fazer, mas não sabia como começar.
- Obrigado por sua hospitalidade - começou. - Mas não posso continuar aqui, excelência. Voltarei esta mesma manhã a meu quarto na hospedaria.
Clarewood deixou de sorrir.
- Não posso permitir.
- Sabe tão bem quanto eu que não posso ficar aqui - insistiu ela com mais firmeza.
- O que sei é que não pode retornar a esse lugar e que deve ficar aqui como minha convidada.
Inalou profundamente para tentar acalmar-se. Clarewood a olhava com dureza.
- Por que está fazendo isto?
Clarewood relaxou sobre o respaldo da cadeira.
- Quero corrigir meus enganos.
- Por quê?
- Angustia-me ver que sofreu tanto por minha culpa - respondeu ele.
Ficou olhando-o com incredulidade. Deu-se conta de que estava dizendo lhe a verdade. Tinha ficado furioso com ela porque pensava que tentava enganá-lo, mas não
parecia querer que seguisse vivendo mal em um pobre subúrbio de Londres.
- Não o entendo - confessou.
- Por que não? Todo mundo sabe que sou um filantropo. Criei asilos para os meninos órfãos e hospitais para atender às mães solteiras. Mas, por minha culpa, uma
aristocrata perdeu sua posição na sociedade e teve que viver na pobreza. Parece-me muito irônico. Não posso permitir que siga nessa terrível situação.
Tentava compreendê-lo, mas não podia. Sabia que era um homem compassivo, embarcado em inumeráveis projetos de corte benéfico. Todo mundo sabia. Perguntou-se se
a veria como uma dessas causas perdidas. Isso era o que lhe parecia.
E estava de acordo com ele em que a situação era muito irônica. Cabia a possibilidade de que terminasse em um desses hospitais para mães solteiras que Clarewood
acabava de mencionar.
- Não têm por que se sentir culpado. Poderíamos admitir que cometemos um engano e continuar nossos caminhos de maneira amistosa - ofereceu ela.
- Considero-me um homem de honra - respondeu Clarewood entrecerrando os olhos. - Quando dei por terminada nossa aventura, nunca pensei que Edgemont lhe jogaria
de casa.
Cada vez estava mais nervosa.
- Não quero falar disso...
- Por que não? Qual assunto deseja evitar, o de seu pai ou o de nossa aventura?
Ficou em pé depressa.
- Vou necessitar de um chofer que me leve de volta à hospedaria.
Clarewood se levantou tão rapidamente quanto ela. Aproximou-se e a agarrou pelo pulso.
- Quero uma resposta, Alexandra.
Não podia lhe falar de seu pai. Sabia que não poderia fazê-lo sem derrubar-se por completo. Não queria que visse quão afetada estava.
Quanto ao que ocorreu entre eles dois, tratava-se de um perigoso território no qual preferia não entrar e muito menos para falá-lo com ele.
- Não tem sentido dar voltas ao passado.
- Normalmente é assim, mas não neste caso - respondeu ele.
Continuava sem soltar seu pulso.
- Não posso ficar aqui. Devo proteger a pouca reputação que fica intacta...
Clarewood a olhava com intensidade. Deu-lhe a impressão de que estava tentando ler sua mente e descobrir seus pensamentos mais íntimos, seus sentimentos e seus
segredos.
- Devemos falar em privado, Alexandra - disse então.
Cada vez estava mais assustada. Puxou seu braço e conseguiu que a soltasse.
- Devo ir.
- Não pode ir. Não têm como retornar à estalagem, não até que eu permita.
- Não havia dito que os duques já não têm reféns? - exclamou furiosa.
- É minha convidada, Alexandra - repetiu enquanto olhava os criados. - retirem-se e fechem as portas. Que ninguém nos incomode.
- Meu Deus... - sussurrou ela.
Não fora consciente até esse instante de que os dois criados foram testemunhas de sua discussão. Haviam permanecido tão calados e imóveis que tinha esquecido
que estavam ali. Esfregou as mãos, angustiada enquanto esperava que saíssem.
- O que quer de mim?
- Já lhe disse mais de uma vez que desejo emendar meu engano - disse ele. - Mas têm razão, há algo mais.
Aterrorizada, deu instintivamente um passo atrás.
- Não pode escapar - avisou Clarewood aproximando-se dela. - Quero que me explique por que tentou me fazer acreditar que não era virgem.
- O que? - perguntou atônita.
- Insinuou que tinha compartilhado uma grande paixão com o pretendente que teve há alguns anos.
Continuou retrocedendo enquanto lhe falava até dar-se com a parede.
- Assim foi - sussurrou ela.
Sentia-se indefesa.
Deu-se conta de que o mal-entendido começara por culpa do que compartilhou com Owen no passado. Acreditava que o duque nunca poderia entender o tipo de relação
pura que tinham tiveram, cheia de sonhos e ilusões. Olharam-se nos olhos. Ela não podia deixar de tremer.
- Estive a ponto de me casar com Owen Saint James. Estávamos apaixonados - sussurrou entristecida.
Mas não sabia se sentia tristeza pelo que não pode ter com Owen, pela terrível situação em que tinha acabado sua vida ou por Clarewood.
Ele a olhava com mais intensidade ainda, mas não disse nada. Nem sequer se moveu. Deu-se conta de que estava esperando a que lhe contasse algo mais.
Sentiu que os olhos enchiam de lágrimas.
- O quis muito e ele a mim. Estávamos acostumados a rir e falar todo o tempo passeávamos de mãos dadas à luz da lua, sonhávamos com o futuro que nos esperava...
- contou-lhe com um fio de voz. - Ainda sinto falta dele - acrescentou.
Ficaram em silêncio uns segundos.
- Quando ocorreu tudo isso?
Olhou-o nos olhos.
- Faz nove anos... Passou toda uma vida.
- E, o que ocorreu?
- Minha mãe morreu - respondeu triste. - Como poderia me casar com ele? Queria-o muito, ainda o quero e sempre o farei, mas minha família precisava de mim. Meu
pai já começara a beber de mais, embora não tanto quanto agora. Minhas irmãs eram tão jovens... Olivia tinha nove anos e Corey, só sete. Assim rompi meu compromisso
com ele... - Limpou as lágrimas que tinham escapado de seus olhos. - Rompi-lhe o coração. Prometeu que me esperaria e eu lhe pedi que não o fizesse. Vimos-nos durante
algum tempo, depois se rendeu, tal e como eu lhe pedi. Soube depois de três anos que se casou com outra mulher e, é obvio, alegrei-me por ele.
- É obvio - repetiu Clarewood.
Sobressaltada, deu-se conta de que esteve imaginando Owen enquanto falava dele, mas era o duque quem a observava com atenção.
- Ainda estão em contato?
- Não. A última coisa que soube dele foi quando me escreveu para me dizer que se casou com Jane Godson - explicou.
- Seria um homem incrível para capturar assim seu coração - observou ele com um pouco de ceticismo.
- Owen era bonito, simpático e encantador. Também era amável e pertencia a uma boa família. Seu pai era barão, como o meu. Mas, acima de tudo, era meu melhor
amigo - disse com um sorriso triste.
Clarewood a olhava com severidade. Ofereceu-lhe um lenço para que se limpasse as lágrimas e ela o aceitou.
- Sinto muito, suponho que ainda sinto falta dele. Quando me resgatou essa noite no baile...
Ficou calada ao dar-se conta de que não podia lhe explicar como se sentiu.
- Continue, por favor.
- É muito bonito e encantador - prosseguiu um pouco envergonhada. - havia esquecido como era estar entre os braços de um homem...
Clarewood a olhou sem nenhuma expressão em seu rosto.
- Então, recordei-lhe seu amor de juventude. Ou possivelmente fosse seu substituto.
- Não, não se parece em nada a Owen, nunca poderia substituí-lo. - Fez uma careta e se deu conta de que parecia estar zangando-se por momentos. - Não pretendia
insultá-lo - assegurou.
- Não, é obvio que não - respondeu ele com pouca convicção - E se nos déssemos a mão à luz da lua e lhe sussurrasse ao ouvido palavras de amor, poderia ser então
como o jovem Owen?
Não sabia o que lhe dizer e não gostou nada de sua expressão nem o tom que estava usando.
- Também desejava que lhe beijasse a luz da lua? Desejava-o?
Soube que estava ruborizando-se, mas não tinha possível escapatória. Clarewood esperava uma resposta
- Amava Owen, claro que também o desejava!
Clarewood a olhou nos olhos e lhe sustentou o olhar.
- Mas não me ama, assim não há maneira de explicar o êxtase que sentiu entre meus braços - disse então com suavidade.
As palavras que acabava de usar fizeram com que se ruborizasse ainda mais. Não entendia por que estava lhe fazendo isso, sabia que só pretendia burlar-se dela.
- Não penso em falar do que tivemos! - exclamou alterada.
- Por que não? Porque não me limitei a sustentar-lhe a mão?
Sentiu pânico ao ver que parecia furioso, mas não compreendia seus motivos.
- Nego-me a continuar falando do assunto...
Clarewood agarrou seu braço antes que pudesse afastar-se dele.
- Vejo que lhe incomoda sentir desejo - disse ele.
- Não há uma explicação racional para a paixão que compartilhamos - sussurrou ela.
Ele se aproximou mais.
- O desejo não é racional, querida. É algo físico, carnal...
Sentia que o coração ia sair do peito, esse homem havia conseguido despertar seu corpo novamente.
- Não sei por que temos que falar disto...
- Porque quero entender seus motivos para me fazer acreditar o que não foi - disse ele.
- Sou... Sou uma desavergonhada... - resmungou ela por fim. - Tentei resistir, mas desejava estar com você - sussurrou.
- E agora? - perguntou Clarewood com um sorriso frio.
Ficou imóvel. Seus olhos estavam carregados de ira, mas também de desejo.
- Não, por favor. Isto não é bom para ninguém...
- O que? - respondeu ele enquanto acariciava sua garganta- Por acaso não quer esquecer de seu antigo amor? Acaso já não quer estar comigo?
Viu que se inclinava para ela.
- Já basta! Owen passou faz muito tempo e já está esquecido!
Clarewood pôs-se a rir.
- Acaba de me falar dele como se tudo ocorresse ontem mesmo - disse com um sorriso amargo. - Não o esqueceu, absolutamente.
- Devo ir.
- Mas não têm aonde ir - disse com dureza. - Sabe tão bem quanto eu.
Pensou em seu horrível quarto na estalagem e no maravilhoso dormitório no qual acabava de passar a noite.
- Não posso ficar aqui!
- Por que não? - perguntou sorridente. - Ainda a desejo. Você ainda me deseja. E, o que é ainda mais importante, necessita alguém que lhe proteja.
Empalideceu ao ouvir suas palavras.
- Além disso, acredito que posso conseguir que se esqueça de seu querido Owen Saint James - acrescentou com um sorriso prepotente.
Alexandra se acomodou no assento que tinha na janela de seu lindo dormitório. Tinha as coisas de bordar na mão, mas não estava trabalhando. Limitava-se a observar
à enorme e luxuosa calesa negra de Clarewood aproximando-se da casa. Não pôde evitar que o coração começasse a pulsar mais depressa.
Já era pela tarde. Saiu correndo do salão depois da conversa que tiveram depois do café da manhã. Sua intenção era fugir dele e das lembranças da paixão que compartilharam.
Uma paixão que Clarewood tinha a capacidade de despertar nela sem muito esforço.
Não estava livre dele nem neste quarto. Depois de tudo, tratava-se de Clarewood e não podia tirá-lo da cabeça. Sentia sua presença e seu poder em todas as partes.
Ainda não acreditava que tentou seduzi-la de novamente. Soube que tinha que sair dali o quanto antes, não podia permitir que acontecesse.
Viu que a calesa já estava passando ao lado da fonte da entrada.
Não pensava reavivar seu romance com ele. Era algo que nem sequer se expunha. Os dois tiveram uma oportunidade e acreditava que haviam cometido enganos que não
podiam corrigir. Não havia nada mais a considerar.
Acreditava, além disso, que não precisava de amparo. E, embora assim fosse não queria que fosse ele a mantê-la. Não depois de tudo o que aconteceu entre eles
e embora uma pequena parte dela precisasse sentir-se querida e cuidada nesses momentos difíceis.
Tentou pensar em Owen, mas já não podia fazê-lo.
Só recordava os momentos de paixão compartilhados com Stephen, mas sabia que nunca poderia perdoá-lo pela crueldade com a qual a tratou depois. Tentou recordar
essa conversa, concentrar-se em cada insulto, em cada detalhe, em cada horrível palavra que havia lhe dito então. Ela estava tão entusiasmada e feliz após fazer
amor com ele e foi horroroso ter que ouvir suas acusações.
Acreditava que era um homem odioso.
Mas não podia esquecer que lhe havia mentido.
Lamentou que a tirasse do humilde bairro no qual esteve vivendo. Era mais fácil sobreviver quando sua lembrança começava a desvanecer-se. Lamentou que lhe devotasse
um dormitório tão quente, cômodo e acolhedor. Lamentou também que tivesse lhe servido um café da manhã tão delicioso.
Mas Clarewood fez todas essas coisas.
Tentou recordar que era um tirano, que estava acostumado a que tanto criados quanto aristocratas cumprissem todas suas ordens imediatamente. Acreditava que ninguém
nunca se negou a obedecê-lo. Mas começava a entendê-lo um pouco melhor. Depois de que sua mãe lhe confessasse a difícil infância que teve e, vendo a quantidade de
poder que o ducado lhe conferia, parecia-lhe quase lógico que se convertesse em um homem tão frio e intransigente.
Os nervos faziam com que se sentisse pior ainda e essa era outra razão pela qual deveria ir, a mais importante de todas. Devia sair dali antes que Clarewood descobrisse
que estava grávida. Não queria que ninguém voltasse a acusá-la de ser uma manipuladora.
Acreditava que poderia valer-se por si mesma. Além disso, não tinha alternativa.
Sentia vontade de chorar e estava muito confusa. Pensou em seu pai, mas se sentiu ainda pior ao recordar como tinha gritado com ela. Apesar do cruel que foi com
ela, esperava que Olivia estivesse cuidando dele e de Corey. Sentia falta deles e lamentou ter conhecido o duque de Clarewood.
Por muito que tentasse, não podia deixar de recordar os momentos de paixão vividos entre seus fortes braços, como ele a olhou, seu sorriso, seu rosto...
Olhou de novo pela janela. Imaginou que ele teria esquecido essa paixão. Os olmos de ambos os lados do passeio central já estavam completamente vermelhos. As
folhas de outras árvores, mais próximos a casa, eram douradas e alaranjadas. O céu não era muito azul esse dia, mas o sol brilhava. Já não podia ver a calesa, imaginou
que o duque não demoraria a entrar na casa.
Ficou em pé, decidida a conseguir que a deixasse sair dali. Ao duque não ia ficar mais remédio que permitir que voltasse para seu pequeno quarto na hospedaria.
Sua vida tinha mudado e era uma mulher muito pobre, não queria ficar muito tempo na mansão ou lhe seria mais difícil ainda voltar para os subúrbios.
Mordeu o lábio e guardou o que estava bordando. Deteve-se um momento frente ao espelho. Suas bochechas estavam rosadas e os olhos brilhavam. Recolheu o cabelo
no alto como pôde, não queria solicitar a ajuda de uma donzela.
Saiu do dormitório e começou a descer as escadas com um nó no estômago. Ouviu vozes masculinas e imaginou que o duque estaria com alguém. Ficou ainda mais nervosa,
ia ter que atrasar a discussão. Porque estava segura de que haveria uma quando lhe dissesse que ia.
Não era sua intenção espiá-los, mas pôde ouvir Clarewood falando. Parecia muito zangado.
- Deve atar curto a sua esposa, Alexi - dizia. - E também a sua irmã.
Decidiu que não lhe viria mau saber do que estava falando e se aproximou devagar das portas da biblioteca, que estavam entreabertas.
- Não estou de acordo. Eu gosto que as mulheres sejam independentes. E, se Elysse tiver decidido intrometer-se em sua vida e desbaratar seus planos, pode ser
que inclusive a anime a continuar. Alguém deve lhe parar os pés, Stephen - respondeu o outro homem.
Não podia acreditar no que estava ouvindo, custava-lhe imaginar-se que Elysse, a esposa de Alexi, enfrentou Clarewood. E não entendia que Alexi de Warenne falasse
com o duque em um tom tão familiar e desrespeitoso.
Aproximou-se um pouco mais e olhou do escuro corredor.
Alexi parecia estar divertindo-se com a situação. Era um homem muito bonito. Usava sua roupa de montar e olhava Clarewood com um grande sorriso no rosto. O duque,
ao contrário, franzia o cenho e tinha um aspecto quase perigoso.
- Não sei como lhe aguento.
- Aguenta-me e aos outros porque não estamos dispostos a jogar a toalha. O que não entendo é como nós lhe aguentamos, sobre tudo com suas constantes mudanças
de humor - disse Alexi de bom humor enquanto se aproximava de uma mesa e servia um par de taças - Não parou alguma vez para pensar nas razões que o levaram a ser
um menino tão arisco? Se transformou em um homem igualmente arisco e anti-social. Embora, graças a Deus, não tanto quanto o velho Tom.
- Vieste ver-me para me insultar? Tenho razões para me queixar. Pedi a essas duas que encontrassem um marido apropriado para minha mãe, não que se fizessem de
alcoviteiras para conseguir que se reunisse com esse americano.
Alexi pôs-se a rir.
- Como lhe disse, são mulheres independentes - disse enquanto lhe oferecia uma das taças.
Surpreendeu-lhe ver que brindavam. Clarewood parecia inclusive um pouco mais relachado.
- Além disso, não acredito que sua mãe queria obedecê-lo neste tema em concreto. E faz um casal estupendo, não lhe parece?
Clarewood se engasgou com a bebida.
- Não me provoque...
- Por que não? É tão fácil provocá-lo... Além disso, acredito que lhe vem muito bem que lhe contrariem, discutam com você e lhe desobedeçam de vez em quando.
Clarewood o olhou zangado.
- Dei-lhes a oportunidade de me ajudar a encontrar um pretendente adequado para a duquesa viúva. Mas não fizeram e decidi prescindir de sua ajuda.
- Temo que seja difícil. Quando têm um objetivo em mente, vão atrás dele como o faria um cão de caça. Não vão deter-se nem desistir, meu amigo.
- Demonstre-lhe quem é que manda - disse Clarewood.
Alexi o olhou com incredulidade e sacudiu a cabeça.
- Por certo, me esquecia. Vi Charlotte Witte ontem à noite na mansão dos Harmon. Espero que já não esteja com ela. Essa mulher é horrível.
Ouviu como Clarewood soprava.
- O que fez?
- Disse a Lizzie que Alexandra Bolton estragou seus vestidos e depois lhe contou como seu pai a pôs para fora de casa e estava vivendo em um subúrbio da cidade.
E parecia encantada com a desgraça dessa mulher. Parece disposta a conseguir que a senhorita Bolton perca a todas suas clientes.
Sentiu-se de repente tão mal que acreditou que ia desmaiar. Teve que agarrar-se ao marco da porta para não perder o equilíbrio.
- Charlotte foi muito longe - respondeu Clarewood furioso enquanto deixava a taça de um golpe sobre a mesa. - Cometi o engano de deixar que voltasse a passar
a noite comigo em um par de ocasiões. Mas estou farto de sua maledicência. A senhorita Bolton não merece.
Alexi deu a volta nesse instante e a viu no corredor.
- Não, certamente que não merece.
Ficou imóvel. Tinha tanto medo que não podia respirar.
Clarewood também olhou.
- Sente-se mau?
- Não - mentiu ela enquanto tentava recuperar a compostura. - Sinto muito. Não pretendia interromper, mas preciso terminar de falar com você sobre o que discutimos
esta manhã.
Sabia que se ruborizou.
Perguntou-se se Clarewood estaria disposto a defendê-la das mentiras de Charlotte Witte.
Aproximou-se depressa e a segurou pelo braço para evitar que perdesse o equilíbrio. Olhou-o nos olhos, pareceu-lhe que estava preocupado, mas sabia que não podia
ser certo.
- Conhece meu amigo, Alexi de Warenne? - perguntou Clarewood. - Alexi, aproxime-se. Apresento-lhe à senhorita Bolton, minha convidada.
Olhou o outro homem, imaginando que a trataria com desprezo e desdém. Mas o cavalheiro lhe dedicou um cálido sorriso.
- Boa tarde, senhorita Bolton. Acredito que conheceste a minha esposa recentemente, falou-me muito bem de você - disse o homem.
Estava tão estupefata que sentiu que os joelhos dobravam. Clarewood também deve ter notado porque a agarrou com mais firmeza.
- Deve se sentar - disse.
Olhou Clarewood e depois Alexi de novo.
- Para mim também foi um prazer conhecer sua esposa e a sua irmã, senhor. E me alegra muito que nos tenham apresentado por fim.
O homem continuava sorrindo enquanto olhava Clarewood e depois a ela.
- Bom, devo ir. Pediram-me que esteja em casa as seis e, como bem sabem, é minha mulher quem manda no galinheiro. - Clarewood o olhou enquanto sacudia a cabeça.
- Que esta besta não lhe assuste - disse Alexi de Warenne com um sorriso enquanto se despedia dela. - As bestas podem ser domadas - adicionou enquanto saía.
Estava atônita. Clarewood era muito diferente quando estava com esse homem. Estava claro que eram grandes amigos e pode comprovar que se apreciavam muito. Sabia
que o duque também tinha uma grande amizade com Elysse e Ariella e o que mais lhe chocava era descobrir que estavam furiosos com Charlotte Witte por seus ataques
e injúrias.
- Está me olhando fixamente - disse ele então.
Usou um tom muito mais amável e isso fez com que se sentisse ainda mais confusa. Não sabia o que pensar dele. Ia conhecendo detalhes que o faziam mais humano.
- Retornou a sentir náuseas e vertigens, Alexandra? - perguntou. - Desta vez espero a verdade.
Deu-se conta de que ainda estava segurando seu braço e se separou dele.
- Não - respondeu ela. - passei a tarde bordando ao lado da janela e vi que retornava em sua calesa - adicionou. - O senhor de Warenne é tão encantador quanto
sua esposa.
- Sim, pode ser um cafajeste encantador. Quando quer, claro. - Clarewood foi à mesa das bebidas e viu que servia uma taça com um pouco de xerez. Depois a ofereceu
e ela sacudiu a cabeça. - Insisto - disse.
Tomou seu gole do vinho e se deu conta de que estava olhando-o nos olhos.
- Pensou melhor nisso? - perguntou-lhe então com voz amável.
O coração deu um tombo. Deu-se conta de que não era de tudo cruel, havia se sentido muito mal ao ouvir o que lady Witte dizia dela. E tinha gente que o queria,
sobre tudo os de Warenne. Supôs que não era a perigosa besta que imaginou.
- Não mudei de opinião - respondeu ela com o pulso acelerado.
- Por quê? Não pode negar que existe certa atração entre os dois e desejo cuidar de você.
- O que pensa fazer com Charlotte? - perguntou contendo a respiração.
- Não voltará a falar de você, nem bem nem mau - assegurou olhando-a intensamente. - Quando disse que a protegeria, é em todos os sentidos possíveis.
Acreditou e o coração se apressou ainda mais. Todo seu corpo ardia quando o tinha tão perto e pôs-se a tremer. Desejava aproximar-se ainda mais. Sabia que ele
a abraçaria e ela voltaria a sentir-se segura como antes.
- Odeio as injustiças - murmurou Clarewood. - E houve uma grande injustiça, não é certo? Equivoquei-me como nunca quando lhe acusei de ter jogado comigo para
tentar me apanhar em um casamento que não desejava.
Encheram-lhe os olhos de lágrimas.
- Não pensei que minha falta de experiência fosse importante... - sussurrou. - Temia que não quisesse estar comigo.
Viu como Clarewood contemplava uma solitária lágrima que rodava por sua bochecha.
- Por que está chorando?
Não sabia o que lhe dizer. Não podia lhe confessar que se apaixonou por ele desde o começo, que a magoou muito. Não sabia como lhe explicar quanto sentia falta
da suas irmãs e inclusive a seu pai. Também a angustiava ter que voltar para esse horrível e pobre bairro londrino e continuar suportando os rumores e os comentários
maliciosos das pessoas.
Viu a expressão de seu rosto como se suavizava. Stephen acariciou com uma mão seu pescoço e a subiu até a bochecha. Segurou assim sua cabeça e se inclinou para
ela.
- Não pode negar... - sussurrou. - Quero arrumar as coisas, Alexandra.
Capítulo 14
Alexandra se encontrou de repente entre os fortes braços de Clarewood. Estremeceu ao sentir seus lábios e seu fôlego. Nunca tinha desejado nada como desejava
esse beijo. E, se fosse sincera, também desejava poder contar com seu amparo.
Ele parecia saber e sentiu que sorria e murmurava seu nome.
Não pôde evitar, deslizou as mãos até segurar seus fortes ombros. Ele a olhou e ela a ele. Seus olhos azuis estavam em chamas.
Sentiu que a desejava e seu corpo reagiu imediatamente, mas sabia que não podia voltar a cair.
Clarewood a abraçou ainda mais, unindo-a a seu corpo e beijando-a apaixonadamente, como se fosse dele. Ela tentou resistir. Mas acabou gemendo, aferrando-se a
seus ombros e permitindo que a beijasse.
Uniram-se seus lábios e suas línguas. O desejo a dominava por completo. Necessitava-o com desespero. Clarewood começou a lhe acariciar o cabelo até desfazer o
coque. Moveu-se com ela até que esteve com as costas contra uma das paredes. Stephen apoiou suas mãos na parede e a segurou ali com seu forte corpo e sem deixar
de beijá-la apaixonadamente.
Nunca tinha desejado tanto a alguém e soube nesse instante. Amava esse homem. Sabia que era um engano e que aquilo seria sua perdição, mas não podia evitar. Por
isso devia afastar-se dele.
- Pare - pediu enquanto tirava a boca para que deixasse de beijá-la.
Clarewood se deteve e a olhou com surpresa.
- Não posso permitir que volte a acontecer isso - sussurrou empurrando-o. - Por favor, deixe que vá.
Parecia estar sem palavras, mas a soltou.
Agachou-se para passar por debaixo de um de seus braços e se separou dele tudo o que pôde. Não podia deixar de tremer e seu corpo continuava aceso pelo desejo.
Mas seu coração era o que mais sofria.
- Prometo cuidar de você - anunciou Clarewood com firmeza.
Olhou-o e viu que a observava como um falcão a sua presa. Desejava-o, mas não podia deixar que ocorresse nada entre eles. Sabia que o duque lhe oferecia uma aventura
amorosa e que, quando terminasse, seu coração se romperia de novo.
- Entendo que não confie em mim - adicionou ele.
- Não posso aceitar sua caridade nem seu amparo - sussurrou ela.
Não deixava de olhá-la com intensidade.
- Vejo que está muito segura de sua decisão - disse algum tempo depois. - É muito teimosa. Mas eu também o sou.
Pôs-se a tremer e se perguntou o que queria dizer com isso.
- Também sou paciente e decidido - disse. - Muito bem, respeitarei seus desejos... Por agora.
Abriu a boca, atônita.
- Espero que não esteja pensando em me cortejar outra vez! - exclamou.
Sabia que não era o bastante forte para resisti-lo.
- Parece consternada - comentou Clarewood com voz suave, - E acredito que nós dois sabemos por que.
Começou a negar com a cabeça.
- Deve respeitar meus desejos em todo momento.
Clarewood cruzou os braços.
- Muito bem, deixarei que escape... Por agora - disse ele. - Mas estou decidido a fazer as coisas bem.
- O que quer dizer com isso? - perguntou com suspicacia.
- Ficará aqui como minha convidada. Insisto - respondeu sem deixar de sorrir.
O coração deu um tombo. O certo era que não queria ir da mansão de Clarewood. Sobre tudo quando pensava na hospedaria na qual esteve vivendo. Mas isso não mudava
as coisas. Estava decidida.
- Não posso aceitar.
- Sim pode e o fará - insistiu Clarewood com mais amabilidade. - Tenho convidados na casa de vez em quando, não é algo fora do comum.
- Mas todo mundo sabe o que aconteceu entre nós! Meu nome já está pelo chão e sei que falarão de mim.
Clarewood deixou de sorrir.
- Não acabo de lhe dizer que cuidarei de você em todos os sentidos? Não haverá mais rumores nem injúrias. De fato, me encarregarei de rebater os falatórios para
que pensem que não houve nada entre nós.
Não podia acreditar. Clarewood ia dizer a seus amigos que a tinha como convidada em sua casa e sob seu amparo. Mas não havia nenhuma razão para que fosse sua
hóspede, Vila Edgemont estava à só duas horas dali. E embora fosse lhes assegurar que não tinham tido nada...
Pôs-se a tremer.
- Ninguém lhe acreditará.
- Pode ser que não. Mas, o que importa? - comentou com ironia. - Todos me obedecem, Alexandra. Menos você, claro. Se fizer saber quanto me desagrada os rumores,
estes cessarão.
Respirou profundamente. Desejava mais que tudo recuperar seu bom nome e que deixassem de falar dela. Pensava que Clarewood poderia conseguir terminar com muitos
dos falatórios, mas sabia que ninguém poderia lhe devolver a honra perdida.
Embora algumas pessoas pudessem tratá-la bem, outras continuariam menosprezando-a. Sobre tudo as damas como lady Witte, que pareciam estar sempre à espreita com
suas línguas afiadas. Mesmo assim, acreditava que as coisas poderiam melhorar bastante se Clarewood decidisse intervir.
- Por que está sendo tão amável?
- É que não sou tão abominável nem cruel como muitos pensam, Alexandra - disse enquanto a observava. - Esta noite tenho um compromisso, por que não diz a Guillermo
o que deseja jantar? Se me desculpar, me vendo recusado, acredito que eu gostaria de continuar lendo...
Ficou olhando-o.
Clarewood assinalou a porta com a mão.
Deu-se conta de que queria ficar sozinho na biblioteca para poder ler e que acabava de lhe dar permissão para que se retirasse. Continuava estupefata, mas reagiu
o suficiente para ir para a porta. Parou para olhá-lo de novo, já estava sentado à mesa com um montão de papéis diante dele e parecia absorto, não a olhou.
Desejava poder aceitar sua oferta, mas não acreditava ter a valentia necessária para fazê-lo.
Clarewood levantou então a vista e ela saiu correndo.
À manhã seguinte, Alexandra descobriu que Stephen gostava de madrugar.
Não sabia a que hora teria retornado a noite anterior. Ela se deitou a meia-noite e ele ainda não estava em casa. Não estava esperando-o, limitou-se a ler uma
novela na cama antes de dormir, mas não pode deixar de pensar que ele estava ausente.
Não pode concentrar-se na leitura, ele ocupava sua mente em todo momento e era uma contínua distração.
Esteve pensando na conversa que tiveram e no maravilhoso e apaixonado beijo. Ele queria que ficasse em sua casa, mas lhe parecia uma decisão muito perigosa. Não
sabia como poderia resistir a ele quando nem sequer ela estava segura de ser capaz de fazê-lo. Acreditava que o que sentia por ele era inapropriado e imoral.
Foi estranho deitar-se nesse dormitório tão luxuoso, mas tinha por fim a agradável sensação de que alguém cuidava dela. Tinha que recordar em todo momento que
Clarewood só sentia desejo, nada mais.
Ela, em vez disto, apaixonou-se por ele.
Sabia que era a única maneira de explicar suas emoções. Sempre estava pensando nele, embora o certo fosse que mal se conheciam. Não passaram mais de umas poucas
horas juntos. Embora tivessem tido bons momentos, também houve muitos maus e dolorosos.
Por outro lado, sabia que o amor era irracional e que ninguém escolhia apaixonar-se, mas sim era o amor quem apanhava suas vítimas despreparadas.
Ouviu contar que eram muitos os corações que Stephen tinha quebrado em seu caminho, assim que ela não era a única tola que se apaixonou por ele a primeira vista.
Gostaria de não sentir-se assim, mas sabia que devia aceitar seus sentimentos.
Desceu a escada nervosa, sem saber muito bem o que a esperava. Eram às oito da manhã. Não havia retornado a vê-lo desde que falaram na biblioteca, quando lhe
assegurou que respeitaria seus desejos, ao menos de maneira temporária, e que queria que ficasse em Clarewood em qualidade de convidada.
Imaginou que os convidados dessa casa tomariam o café da manhã com o duque e conversariam sobre temas mundanos. Esperava que não lhe importasse que fosse ao salão
que usava.
Sentia-se como uma colegial, tinha vontades de vê-lo, embora não queria que Stephen chegasse a descobrir nunca o que sentia por ele.
Mas entrar no salão de café da manhã viu que a sala estava vazia e que só tinham colocado um serviço na mesa.
Tentou conter sua desilusão e se sentou. Serviram-lhe imediatamente outro delicioso e abundante café da manhã. Possivelmente não havia retornado ainda e passou
a noite fora. Pensou em lady Witte e sentiu que o estômago revolvia.
Tirou-lhe o apetite. Já sentira fortes náuseas ao despertar e normalmente ficava com fome depois, mas essa manhã era distinta.
Jogou com a comida um pouco, mas não provou nada. Sabia que o que Clarewood fizesse com sua vida não era assunto dela e que devia concentrar-se no que tinha que
fazer nesse dia. Duas clientes esperavam poder recolher seus trajes no dia seguinte e ainda não tinha terminado de arrumá-los. Havia ficado de que alguém os recolheria
em Londres, mas ia ter que enviá-los da mansão de Clarewood. Também queria escrever a suas irmãs o quanto antes, tinha muitas coisas que lhes explicar.
E em seu pai não queria sequer pensar. Era muito doloroso.
Saiu do salão para subir ao seu dormitório. Pensava preparar uma mesa para engomar e outra para costurar. Ia para a escada quando ouviu vozes. Reconheceu-as em
seguida como as de Clarewood e o jovem Randolph. Depois de tudo, parecia ter dormido em casa.
Quando Alexi de Warenne a descobriu na porta da biblioteca no dia anterior, prometeu-se que não voltaria a escutar às escondidas, mas desceu a escada novamente
e foi na direção das vozes. Estavam em um pequeno escritório. Havia um par de mesas grandes no centro com papéis estendidos sobre elas. Os dois homens estavam dentro.
O duque ia a mangas de camisa e as tinha enrolado até os cotovelos. Usava a gravata solta e o pescoço desabotoado. Havia outros dois ajudantes com eles e as cabeças
dos quatro estavam sobre os papéis. Falavam todos de uma vez. Todos menos Clarewood, que os olhava a certa distância.
Apesar de seu aspecto descuidado, sua presença emanava o poder e a autoridade que toda a aristocracia inglesa respeitava. Dominava o quarto por completo. Era
bonito, masculino e sensual. Bastava-lhe vê-lo para voltar a tremer. Deu-se conta de que falavam de iluminação e de janelas. Clarewood então deu à volta e comprovou
como seu olhar se suavizava ao vê-la.
Ruborizou-se imediatamente, desejava ir para ele, mas não se moveu.
- Sinto muito, espero não ter interrompido - murmurou com nervosismo.
Não podia estar diante dele sem sentir que faltava o ar. E acabava de descobrir que não era só o desejo o que lhe produzia essa reação, mas o amor que sentia
por ele.
Clarewood sorriu e se aproximou dela.
- Você nunca poderia interromper - disse com amabilidade.
Acreditava que o coração sairia do peito. Podia ser o mais encantador dos homens quando o convinha.
- Tolice! Salta à vista que está ocupado.
- Sempre o estou - respondeu ele enquanto estudava seu rosto com atenção. - Dormiu bem?
- Sim, muito bem.
- E o café da manhã tudo bem?
- Estupendo obrigado.
Não sabia por que estava tão nervosa. A ninguém no escritório parecia se importar que estivesse presente. Os dois homens que não conhecia continuavam discutindo
qual seria o melhor lugar para colocar umas janelas. Randolph os escutava com atenção e de vez em quando fazia comentários sobre os custos.
Clarewood olhou os três homens e depois a ela. Estava segura de que não tinha perdido nenhuma palavra do que tinham comentado enquanto se aproximava para saudá-la.
- Estou desenhando casas decentes para a classe operária.
Ficou boquiaberta.
- Ninguém deveria viver sem luz, sem ventilação, sem água quente ou sem rede de esgoto.
Não podia deixar de olhá-lo.
- Há uma fábrica têxtil em Manchester da qual possuo grande parte das ações. Estou construindo ali umas casas dignas. Se o projeto tiver êxito, espero convencer
os outros proprietários da fabrica para construir mais - disse com um sorriso. - Acredito que operários sãos operários mais produtivos e assim todos nos beneficiamos.
- Soa muito bem - respondeu ela.
Já tinha ouvido que se envolvia em obras de caridade, mas não esperava vê-lo em mangas de camisa com seus arquitetos nem falando de seus projetos benéficos com
tanto entusiasmo.
- Por que se importa tanto com esses operários necessitados? - perguntou.
Sabia que era moda entre a aristocracia apoiar esse tipo de causas, mas não viu ninguém tão envolvido como ele.
- Porque recebi muito sem que tivesse que fazer nada para ganhar - ele disse com sinceridade. - Seria muito ingrato se não usasse parte de meu dinheiro em ajudar
aos que não são tão afortunados quanto eu.
Suas palavras a emocionaram. Deu-se conta de que de verdade o importava o que fazia.
- Seu pai também era um filantropo? - perguntou ela.
Seu rosto mudou por completo.
- Não, ele não era - respondeu com dureza. - Devo muito ao anterior duque, mas ele só estava interessado na prosperidade de Clarewood e em tirar o máximo proveito
de cada situação. Imagino que se revolveria na tumba se soubesse a quantidade de dinheiro que gastei para melhorar a existência dos que vivem na miséria.
Observou seu rosto com atenção. Se estava dizendo a verdade, não entendia como podia ser tão diferente de seu pai. Era incrível comprovar que era melhor pessoa
do que podia ter imaginado.
Queria saber mais, mas não desejava intrometer-se.
- Ouvi que seu pai era muito exigente.
Clarewood levantou as sobrancelhas surpreso.
- Ouviu bem. Era impossível agradá-lo e sei que não gostaria nada do que estou fazendo.
Não podia acreditar.
- Estou segura de estaria muito orgulhoso.
- De verdade? Duvido-o muito - respondeu com amargura.
- Eu estou segura - disse ela - Acredito também que seu filho será tão generoso quanto você e que estará orgulhoso dele.
Clarewood entrecerrou os olhos ao ouvi-la.
Ela ficou muito nervosa e se arrependeu do que lhe havia dito. Não pode evitar pensar no menino que levava dentro de si.
- Isso eu espero - murmurou ele pouco depois.
Stephen deu a volta como se desejasse ocultar sua expressão. Quando girou de novo para ela, não a olhou nos olhos.
- Que planos têm para hoje? - perguntou. - Eu tenho uma reunião na cidade esta tarde e um jantar depois.
Deu-se conta de que estaria o resto do dia fora. Não podia evitar sentir-se um pouco abandonada embora soubesse que não tinha direito de pensar assim.
- Tenho que terminar de costurar algumas roupas.
- Acredito que é admirável como conseguiu ganhar a vida em suas difíceis circunstâncias. Mas, enquanto estiver aqui, não lhe faltará nada.
- Tenho duas clientes que esperam seus vestidos. Devem estar limpos e engomados para amanhã.
Clarewood cruzou os braços e a olhou fixamente.
- Minhas donzelas podem ocupar-se disso.
- Nunca poderia fazer algo assim! De fato, esperava encontrar uma mesa para pôr em meu quarto, uma na qual possa costurar e engomar.
Apertou os lábios, parecia muito descontente.
- É absurdo Alexandra. Tenho lavadeiras que se ocupam dessas coisas.
- Trabalhei muito para conseguir uma boa reputação e uma clientela leal - disse ela. - Não posso deixar de trabalhar sem mais.
- Pensei que gostaria de ir à cidade em uma das calesas e fazer algumas compras. Se o que gosta é sair para montar, tenho alguns cavalos muito mansos. Mas parece
que está disposta a passar o dia costurando - assinalou Clarewood com dureza.
- Isso parece - respondeu ela no mesmo tom.
Também parecia que seu anfitrião esqueceu que não tinha dinheiro para comprar nada.
- E amanhã? Também vai passar o dia trabalhando?
- Assim espero.
Clarewood sacudiu a cabeça com desespero.
- Não entendo por que se nega a aproveitar as vantagens que têm como minha convidada. Mas tenho uma sugestão a lhe fazer. Entre em contato com suas clientes para
lhes fazer saber que está tomando um tempo de descanso. Desfrute de sua permanência aqui. Poderia inclusive convidar algumas amigas para almoçar. Pode ser que suas
irmãs queiram vir. Meus cozinheiros prepararão o que desejarem.
Teve que controlar-se para não abrir a boca. Nada lhe faria mais feliz que poder comer com suas irmãs. Recordou então como se imaginou sendo a esposa do senhor
Denney, almoçando com ele e com suas queridas irmãs. Mas tudo mudou.
Não era a mesa de Denney o cenário da fantasia, mas a do duque. Podia imaginá-lo aproximando-se dela enquanto falava animadamente com suas irmãs, sorrindo-lhe
e com os olhos cheios de carinho.
Mas sabia que era só um sonho e que era melhor que não perdesse o tempo pensando nessas coisas.
- O que ocorre? - perguntou ele.
- Tenho que escrever a minhas irmãs, nem sequer sabem que estou aqui. Eu gostaria que pudesse sair à carta com o correio de hoje - disse.
- Encarregar-me-ei de que alguém lhes leve pessoalmente a mensagem - respondeu o duque. - Mas se pensa as convidar para almoçar, poderia dizer-lhes em pessoa
em vez de passar a tarde costurando.
A ideia era muito tentadora, mas não podia.
- E quando tiver que retornar a minha humilde morada na cidade? Então o que, excelência? Como vou poder comprar comida e pagar meu alojamento se perder minha
clientela?
Clarewood entrecerrou os olhos. Seu olhar era perigoso.
- Pode ser que para então tenha um benfeitor além de um protetor.
Sabia o que lhe estava dizendo e se ruborizou. Bastava-lhe com suas palavras e esse olhar para conseguir inflamar seu desejo.
- Acredito que nós dois sabemos que não poderá resistir durante muito mais tempo - disse Stephen com um pouco de vaidade.
- E eu acredito que minha força de vontade poderia acabar superando à sua.
Olhou-a com olhos entrecerrados. Havia tanta tensão entre os dois que quase podia tocá-la.
- Já veremos - murmurou ele encolhendo os ombros.
Mas os olhos brilhavam e lhe deu a impressão de que adorava ter essa espécie de provocação entre os dois, embora ela não tivesse a intenção de desafiá-lo.
- Tenho muito que fazer hoje. Estou desfrutando muito com a discussão, mas temo que deva continuar trabalhando.
- Sinto-o - se desculpou ela. - Deveria ter subido diretamente ao meu quarto...
Stephen agarrou seu braço antes que pudesse ir dali.
- Alexandra, é minha convidada, não têm por que esconder-se em seus aposentos. Dei ordem ao serviço para que atendam todas suas necessidades e a obedeçam. Me
sentiria horrorizado pensar que um convidado desta casa não se sente cômodo nela, se necessitar algo, não tem mais que pedir a Guillermo ou a mim.
Deu-se conta de que falava a sério e que a olhava com desejo em seus olhos. Não era algo que lhe custasse perceber porque ela se sentia igual.
- Obrigado, excelência - disse enquanto tratava de afastar-se.
Soltou-a então.
- Se por acaso não tenha se dado conta, quase sempre obtenho o que ambiciono Alexandra - advertiu ele.
Cada vez estava mais alterada.
- Devo terminar meus trabalhos - disse nervosa. - Que tenha um bom dia, excelência.
Afastou-se depressa, aliviada ao ver que, ao menos dessa vez, conseguiu escapar ilesa, mas podia sentir seus olhos observando-a.
Os dias seguintes passaram lentamente e Alexandra sentia que estava vivendo uma espécie de sonho. Sabia que era a convidada do duque de Clarewood, mas não conseguia
acreditar. Quando despertava pela manhã na enorme cama com dossel e via que a cobria um luxuoso edredom de plumas e que estava rodeada de caros móveis, sempre lhe
custava recordar onde estava. Cada vez que abria a porta de seu quarto se encontrava com uma bandeja em que havia chocolate quente, servido na baixela mais delicada
e bonita que jamais tinha visto. E, quando por fim descia ao salão, sempre tinha um serviço à mesa esperando-a.
Sabia que não ia voltar a encontrar com ele durante o café da manhã. E apenas o via durante o dia. Passava horas reunido com seus arquitetos, falando com administradores
e advogados ou assistindo a diversos eventos na cidade. Acostumou-se a ler enquanto tomava o café da manhã e estava acostumada a dar uma olhada a nos jornais que
ele já tinha visto. O resto do dia passava trabalhando em sua costura. Almoçava algo simples em seu quarto, normalmente um sanduíche. E, quando o necessitava, saía
em uma das calesas para entregar os vestidos reparados.
Quando Clarewood estava fora, passava as horas olhando de vez em quando pelas janelas. Sabia que o estava esperando. Se estava em casa, tratava de estar atenta
às portas que se abriam e fechavam e adorava escutar sua voz grave e masculina, embora estivesse muito longe para entender o que dizia.
O encontrava pela casa quando menos esperava. Ao entrar em algum salão, nas escadas ou no meio do corredor. Quando seus passos se cruzavam, sentia que o tempo
parava. Sua poderosa presença e seu fornido corpo pareciam encher tudo. Sempre se interessava por ela e seu olhar se voltava mais cálido.
Já não lhe perguntava o que pensava fazer nesse dia e em algumas vezes o surpreendeu lhe olhando as mãos. Normalmente usava um dedal e tinha calos nas pontas
dos dedos. Não lhe dizia nada, mas sabia que continuava sem gostar que costurasse.
Cada encontro a deixava sem fôlego e, embora fossem só uns segundos, tinha muito mais saudades depois. Quando estavam juntos, o corpo de Clarewood a atraía como
se fosse um ímã e cada vez lhe era mais difícil não abraçá-lo. Estava quase segura de que ele sentia a mesma tensão entre os dois.
Mas continuava sem tentar nada com ela.
Sacudiu a cabeça e decidiu concentrar-se na costura.
Levantou a agulha para colocar a linha, era já o meio da tarde e Clarewood estava fora desde antes que ela descesse para tomar o café da manhã. Conforme lhe disse
Guillermo, estava em Manchester e cabia a possibilidade de que passasse à noite ali. Sabia que não devia entristecer-se, mas não podia evitar.
Chegou ao pouco tempo o mordomo para lhe dizer que tinha visita. Surpreendeu-lhe a notícia. Tinham passado já cinco dias desde que escreveu a suas irmãs, mas
ainda não a tinham respondido.
Iludida, ficou em pé com a esperança de que fossem Olivia e Corey.
- Quem é?
- Seu pai, o barão de Edgemont.
Ficou sem fôlego. Tinha escrito a suas irmãs, mas não a seu pai. E não o fez porque não sabia o que lhe dizer. Desejava que a perdoasse, tanto quanto desejava
que a quisesse e se sentisse de novo orgulhoso dela. Gostaria muito de ser capaz de apagar o passado.
Não pôde evitar tremer. Olhou-se rapidamente no espelho antes de sair de seu dormitório. Seguiu o mordomo à planta baixa enquanto rezava para que tudo fosse bem
com seu pai. Viu que a esperava em seu salão favorito e girou para olhá-la quando ela se deteve na porta.
Não podia mover-se. O primeiro que viu era que não sorria, mas se deu conta de que ela mesma não o fazia. Teria dado tudo para evitar a última conversa que tiveram,
quando a pôs para fora de sua casa.
- Olá, pai - disse com a voz entrecortada. - Alegra-me que tenha vindo me visitar.
Seguiu muito sério.
- Suas irmãs por fim decidiram me contar que é a convidada do duque.
Fez uma careta ao ouvir suas palavras.
- Sou sua convidada e só sua convidada. Não tenho outro lugar aonde ir.
Olhou suas mãos antes de falar.
- Por que continua costurando?
Tirou o dedal e se deu conta então de que tinha descido com fio e uma agulha na mão.
- Preciso ganhar a vida.
Seu pai abriu a boca, estupefato.
- Não pode ser. Depois de tudo, vive aqui como convidada do duque - disse com intenção. Parecia claro que não acreditava.
- Não estou tendo uma aventura com o duque, pai.
- Então, o que faz aqui?
- Já lhe disse isso, não tenho outro lugar onde viver e ele foi muito amável comigo.
- Amável? - repetiu com uma desagradável careta.
O reencontro não estava indo como queria.
- Sinto muito sua falta, pai. E também de Corey e Olivia. - Queria lhe rogar que a permitisse voltar para casa, mas não o fez. Aproximou-se desesperada a ele.
- Sinto muitíssimo ter desiludido-o. Entendo que me jogasse de casa como o fez. O que fiz foi vergonhoso e imoral, mas necessito tanto seu perdão...
Edgemont pôs-se a tremer.
- É minha primogênita, Alexandra. Claro que te perdôo.
Olhou-o com cautela, não lhe pareceu que estivesse sendo sincero. Continuava muito sério e imperturbável. Mesmo assim, teve vontade de abraçá-lo, mas não o fez.
Sabia que seria embaraçoso para os dois.
- É a maior e a melhor das três. É a mais sensata e boa - continuou ele. - E se parece muito a sua mãe.
Imaginou que pretendia ser carinhoso, mas suas palavras lhe doeram. Recordou que a última vez que se viram lhe havia dito justo o contrário.
- Eu cometi um engano, algo que minha mãe nunca teria feito - disse. Sabia que Elizabeth teria sido forte e não teria caído na tentação. - De verdade me perdoa?
- É obvio - respondeu ele. - De outro modo, não estaria aqui.
Mas não a abraçava nem parecia feliz. Assustada, sentou-se em uma poltrona. Tudo parecia ter mudado. Suas ações abriram um abismo entre os dois e sentia que nunca
voltaria a ser igual.
- Como está pai? Como está Olivia? E Corey?
- Corey chora todas as noites até adormecer, sente muito sua falta. Bom, as duas lhe sentem falta - disse sem contemplações. - Olivia tem buracos nos botas de
cano longo e o sapateiro disse que já não pode repará-los. E os jovens do povoado são tão grosseiros com Corey que já não quer sair de casa.
Estava perplexa. Não podia acreditar que já gastou as duas mil libras que lhe deu. Já tinha imaginado que Corey estaria sofrendo por sua culpa e foi muito duro
ouvi-lo.
Seu pai a olhou com um gesto meio sinistro.
- Acredito que Denney começará a cortejar Olivia. Rompeu-lhe o coração, mas disso já faz um mês e passou duas vezes por casa durante esta última semana.
Não demorou nem dois segundos em ficar de pé.
- Não!
- É muito tarde para tentar recuperar o senhor Denney - disse seu pai enquanto olhava a seu redor. - Além disso, agora tem tudo isto.
- Só sou uma hóspede, pai - repetiu. - E Olivia deve casar-se por amor e com alguém de sua idade.
- E também necessita um dote - disse ele de mau humor. - Isso já sei.
Ficou imóvel.
- As duas mil libras... Eram para minhas irmãs!
- Esse dinheiro já se esfumou e estou tão preocupado por elas que bebo todas as noites até ficar inconsciente...
Custava-lhe respirar. Estava furiosa, mas por fim começava a entender por que seu pai estava ali.
- Deve controlar-se melhor e deixar de beber - disse entre dentes.
- Como poderia fazê-lo? Meus credores vêm cada dia a casa para que lhes pague as dívidas.
Estava muito zangada, mas também se sentia mal pelo homem no qual se converteu.
- Quanto necessita pai?
Edgemont se afastou um pouco dela e colocou as mãos nos bolsos. Deu voltas pelo salão, depois se deteve e a olhou.
- Com mil libras conseguiria me desfazer dos credores mais persistentes. E, com outras quinhentas, poderia comprar roupa e calçado às meninas.
Não podia deixar de pensar que tinha perdido todo o dinheiro jogando cartas e lhe custava aceitar que estivesse lhe pedindo mais.
- Não usa jóias - disse ele então.
Tocou seu pescoço nu com angústia
- Não veio para ver como estou para me perdoar nem para me dizer quanto me quer - sussurrou com amargura.
A dor que sentia era insuportável.
- É minha filha. Claro que vim vê-la. Além disso, já disse que te perdoava.
Mas sabia que não era verdade. Queria conseguir mais dinheiro. Passou a língua pelos lábios.
- Não sou sua amante, sou sua hóspede - disse de novo.
- Então, já prescindiu de você?
- Não é justo... - respondeu com lágrimas nos olhos.
- Não estaria vivendo aqui se o que diz é verdade. Acaso não pensa em ajudar suas irmãs?
Cada vez tremia mais, não podia acreditar que lhe estivesse falando a sério. Nem sequer podia falar, sentia-se doente.
- Continua sendo atraente, Alexandra, e estou seguro de que saberá te recompensar bem... - disse-lhe ao ver que ela não respondia.
Tudo dava voltas, sentiu que tinha que vomitar, mas lhe custava respirar e tinha um nó no estômago.
- E bem? Vai ajudar-nos ou pensa abandonar sua família?
Tentou falar, mas custava fazê-lo.
- Tentarei ajudar - disse ao fim.
Edgemont ficou olhando-a e lhe sustentou o olhar, mas estava chorando e via tudo impreciso.
- Não sei por que chora, vive como uma rainha.
Chorava porque tinha o coração quebrado em mil pedaços. Seu pai acabava de lhe pedir que vendesse seu corpo. E ela aceitou fazê-lo.
- Sim, como uma rainha... Não me encontro bem, pai. Acredito que devo me deitar um momento - disse.
- Não tem bom aspecto - respondeu ele. - Tenho uma longa viagem de volta a casa, será melhor que vá já.
Sem saber como, acompanhou-o à porta. Ficou ali o despedindo com a mão e um sorriso falso na boca. Guillermo lhe perguntou então se estava doente, queria saber
se necessitava alguma coisa. Disse-lhe algo, mas não recordou depois o que. Conseguiu chegar ao seu quarto e deitar-se na cama. Já não estava zangada, só doída,
muito doída. Não podia deixar de chorar.
- O que lhe ocorre? - perguntou Clarewood com delicadeza.
Não o ouviu entrar. Devia saber, não teria deixado que acontecesse, não quando estava tão destroçada e afligida. E Clarewood era a última pessoa que queria ver
nesse momento. Sentou-se na cama enquanto limpava as lágrimas com a mão e lhe dava as costas.
- Alexandra, Guillermo me disse que estava doente. Bati na porta, mas não respondia.
Tentou recuperar a compostura e remendar depressa as partes de seu dolorido coração para que Clarewood não soubesse o que tinha ocorrido nem quão mal estava.
Respirou profundamente, levantou o rosto e o olhou.
Seu rosto não expressava nada, mas suas lágrimas pareciam o ter hipnotizado.
- O que ocorreu? Por que está chorando? Guillermo me disse que Edgemont veio visitá-la.
- Estou bem - mentiu com voz entrecortada. - Necessito um minuto para me tranquilizar, isso é tudo.
- Não está bem. E suponho que a visita de seu pai não foi agradável.
Viu que parecia muito zangado.
- Se me disser que é o que lhe ocorre, talvez possa arrumá-lo - acrescentou com mais suavidade.
Rompeu de novo a chorar, não pôde controlá-lo.
Ele se sentou ao seu lado na cama e agarrou seus ombros para olhá-la fixamente nos olhos.
- Quer... Quer que eu me ofereça a você como uma prostituta - sussurrou sem deixar de chorar. - Necessita mil e quinhentas libras...
Clarewood apertou a mandíbula.
- Entendo - disse.
Tentou afastar-se e lhe dar as costas, mas ele a segurou com mais força. Olhou-o e se sobressaltou ao ver que parecia estar fora de si.
- Não é com você com quem estou zangado - esclareceu com voz mais amável. - É Edgemont o que me tira do sério. E não é a primeira vez...
- Mas, é meu pai! E, apesar de tudo, o amo.
Parecia ainda mais furioso.
- Claro que sim. É sua obrigação amá-lo. Igual era sua obrigação obedecê-lo e cuidar dele. Dar-lhe-ei o dinheiro, Alexandra.
- Não - respondeu ela. - Não posso aceitá-lo.
Clarewood apanhou seu rosto com as mãos.
- Então irei dá-lo diretamente - assegurou com firmeza enquanto a olhava nos olhos. - Meu Deus...!
E a beijou então.
Ficou imóvel. Algo de sua dor começou a desvanecer-se ao sentir os lábios de Clarewood sobre os seus. Precisava estar entre seus braços mais que nunca. Com ele
se sentia segura. Por fim o tinha entendido.
Stephen se separou um momento dela e a olhou com intensidade nos olhos. Parecia angustiado e preocupado.
A intensidade do desejo que tinha conseguido despertar em seu interior era inclusive maior que outras vezes.
- Stephen...
Brilhavam-lhe os olhos, estavam em chamas. Alexandra sabia que eram um reflexo dos seus. Ainda tinha suas fortes mãos ao redor do rosto e começou a beijá-la mais
brandamente e muito mais devagar.
Fechou os olhos e deixou que as lágrimas fluíssem livremente.
- Não chore - sussurrou ele.
Separou os lábios para recebê-lo, animando-o para que seguisse enquanto agarrava seus ombros.
Stephen grunhiu e aprofundou o beijo. Sem poder conter-se mais, abraçou-o. Levava muito tempo desejando fazê-lo e não queria ter que soltá-lo nunca.
"Te amo, te amo tanto", pensou.
- Senti tanto sua falta... - admitiu Stephen.
Não estava segura do que lhe havia dito, não queria fazer ilusões. Mas não lhe importava, queria estar com ele. Acariciou então seu rosto e o olhou fixamente.
- Me faça amor.
Stephen, com os olhos em chamas, deitou-se sobre ela.
Capítulo 15
Alexandra tinha adormecido. Abriu os olhos devagar e viu que já era de noite. Recordou o momento que tinha passado. Fizeram amor várias vezes, com uma paixão
muito mais intensa que a primeira vez.
"Volto a ser a amante de Stephen", pensou então.
Sentou-se na cama e se cobriu com os lençóis o melhor que pôde, subindo-os até o queixo. Ele havia acendido dois abajures e estava de pé do outro lado do dormitório,
terminando de fechar a camisa. O coração começou a dar saltos ao vê-lo. Estava muito apaixonada e lhe tinha encantado ver quão pormenorizado foi com ela.
Respirou profundamente, não queria nem pensar em quão catastrófica tinha sido a visita de seu pai. Stephen, que estava olhando-se no espelho, girou para ela.
O coração pulsou com mais força ainda. Esperava que fosse tão amável como tinha sido antes. Na penumbra do quarto e a certa distância, não podia ver a expressão
de seu rosto. Recordava muito bem o que tinha ocorrido a última vez que estiveram juntos e tinha medo.
Stephen colocou seu colete de brocado cinza e se aproximou da cama. Estava nervosa, mas não podia evitar sentir-se iludida e tentou controlar-se.
Não sabia o que dizer. Era a primeira vez que despertava nua em uma cama depois de ter compartilhado tanto. Tratou de sorrir e ele devolveu-lhe o sorriso imediatamente.
- Deseja ficar na cama? - perguntou ele com amabilidade. - Se quer dormir, parece-me bem.
Vacilou um segundo. Era um alívio vê-lo tão cordial.
- Que horas são?
- Quase as nove - disse enquanto observava suas feições com interesse. - É linda, Alexandra.
Entusiasmada, pensou que possivelmente entendera bem quando acreditou que lhe dizia que havia sentido falta dela. Não pôde evitar ruborizar-se.
- Só sou uma velha solteirona e sabe muito bem.
- De verdade? - respondeu com um sorriso - É mais jovem que eu e não me considero velho absolutamente.
Não podia deixar de sorrir, estava feliz. Mas viu então que Stephen parecia pensativo.
- Arrepende-se? - perguntou ele um pouco mais sério.
- Vai haver dolorosas acusações e recriminações? - respondeu ela com nervosismo.
- Não.
- Então, como poderia me arrepender de algo, excelência? - disse ela.
Desejava usar seu nome de batismo, mas não se atreveu a fazê-lo. Embora fosse consciente de que o usou entre gemidos em mais de uma ocasião essa mesma tarde.
Ruborizou-se ao recordá-lo.
- Excelência? Basta com "Stephen" - respondeu enquanto se sentava a seu lado. - E acredito que selamos por fim nosso acordo, não é assim?
Ficou sem fôlego, não queria nem pensar em que fosse lhe oferecer um cheque para pagar pelo que acabava de ocorrer. Para ela, o que tinham compartilhado não era
uma troca, nem uma transação econômica, era muito mais.
Mas sabia que seu pai necessitava desesperadamente o dinheiro e não podia permitir que sua irmã Olivia tivesse que casar-se com Denney.
- Acredito que não poderia aparentar que não aconteceu nada - admitiu ela.
- Me alegro - respondeu Stephen sem deixar de olhá-la. - E, já se sente melhor?
Não sabia se referia a seu pai.
- Claro que sim.
Stephen sorriu, mas só durou um segundo.
- Não quero que se preocupe por nada - disse com firmeza. - Eu me encarregarei de Edgemont.
Sentiu-se aliviada, mas só em parte.
- Ele é meu problema, não o teu.
- Seguro? Quando disse que a protegeria, falei sério. Quando protejo alguém o faço sem limites - sussurrou enquanto deslizava a mão por seus quadris e se aproximava
mais a ela. - Imagino que já terá se dado conta disso.
Sentiu outra onda de desejo por todo seu corpo. Era tão intensa que não se acostumava.
Não queria ter que aceitar nada mais dele porque então Stephen nunca chegaria a entender que estava apaixonada por ele. Mas, ao mesmo tempo, preocupava-lhe muito
o futuro de Olivia.
- Parece meio triste.
Deu-se conta de que iam ter que falar do tema.
- Embora tenha feito o que fez e me tenha falado como o fez, continua sendo meu pai.
Stephen a beijou no pescoço.
- Sei.
Queria lhe perguntar o que pensava fazer, mas não podia pensar enquanto a beijava como o estava fazendo e se esqueceu de repente de todos seus problemas.
- Desejo-te tanto... - gemeu ele.
Ela suspirou e se rendeu.
A calesa de Clarewood se meteu por um caminho cheio de buracos e muito descuidado. Agarrou-se pela correia de segurança da porta e se preparou para um trecho
complicado.
Olhou pela janela, já chegava à pequena casa de dois andares onde Alexandra viveu. Os jardins estavam muito abandonados. A grama da parte dianteira já não era
mais que um lodaçal e o celeiro que havia atrás da casa parecia estar a ponto de derrubar-se.
Estava seguro de que ao entrar veria que a casa estava em condições tão péssimas quanto o resto da propriedade. Já viu lugares muito piores, casa sem luz nem
janelas nas quais se amontoavam várias famílias. Às vezes estavam tão cheias que mal havia espaço e tão sujas, que o ar era irrespirável.
Estava muito tenso. Acreditava que Alexandra merecia viver em um palácio e adorava poder lhe proporcionar umas condições mais que dignas durante sua permanência
em Clarewood.
Sentia uma sensação nova e distinta. Passava-lhe quando pensava nela e quando estava ao seu lado. Deu-lhe a impressão de que a temperatura dentro da calesa tinha
aumentado vários graus e tinha o pulso acelerado. Era como se seu coração tentasse lhe dizer algo. Algo que não acreditava possível e que não queria escutar.
Possivelmente estivesse sentindo algo especial por ela, mas não podia acreditar. Estava convencido de que era um homem frio, sem coração. Não se via capaz de
amar. E não só porque todo mundo o acusasse de ser assim, mas sim porque foi educado a imagem e semelhança de seu pai.
Mas seu coração continuava galopando desbocado e estava cheio de ilusão. Não recordava ter sentido isso nunca. Estava satisfeito, feliz e contente ao mesmo tempo.
Perguntou-se se caberia a possibilidade de que se apaixonou e se, fosse assim, converter-se-ia em alguém tão transtornado e hipnotizado quanto seu primo Alexi. Também
tinha contemplado essas mudanças em outros de seus primos.
Recordou o lema dessa família, não se cansavam de lhe repetir que os Warenne amavam uma vez e para sempre. Ficou sem fôlego, estava convencido de que ele era
a exceção.
Além disso, não queria ter que analisar seus estranhos sentimentos. Alegrava-lhe ter recuperado a razão e havê-la resgatado desse horrível subúrbio. Sabia que
sempre se sentiria culpado por ter desencadeado os acontecimentos que levaram Alexandra a viver nessas circunstâncias e a passar por tantas penúrias, mas ao menos
estava tentando melhorar as coisas.
Quando pensava nela se sentia diferente, mais aprazível e emotivo. E era algo que nunca teria acreditado possível. Observou com atenção a envelhecida casa e o
descuidado jardim. Alexandra era uma mulher orgulhosa e responsável. Tinha certeza sem que ninguém tivesse que contar-lhe que Alexandra teria sofrido muito vivendo
nessa casa, com duas irmãs solteiras e um pai bêbado para cuidar. Inclusive teve que renunciar ao amor verdadeiro para encarregar-se delas.
Não gostou de recordar suas palavras. Sabia que tinha passado muito tempo após. Mas, mesmo assim, não queria nem pensar em quanto teria amado esse homem.
Estava seguro de que uma mulher como Alexandra não teria entregado seu coração ao primeiro pretendente. Possivelmente fosse, como alguns dos Warenne, alguém que
amasse de verdade, mas só uma vez na vida. Mas, por outro lado, acreditava que sentia algo por ele.
Encolheu-lhe o coração. Desejava que formasse parte de sua vida e que fosse leal a ele. Desejava-o como nunca tinha desejado nada. Pensou que possivelmente só
necessitasse umas quantas noites mais de intensa paixão para conseguir que se apaixonasse loucamente por ele. Estava decidido a tentar.
Não queria que Alexandra seguisse sentindo algo por nenhum outro homem, embora formasse já parte do passado.
Quase tinha chegado à porta da casa e agarrou a correia da porta com mais força. Não recordava quando começou a admirá-la. Possivelmente tivesse ocorrido a primeira
noite, quando a viu no baile dos Harrington, aguentando com dignidade e a cabeça muito alta os comentários maliciosos de alguns.
Mas sua admiração por ela ia crescendo a cada momento e a respeitava cada dia mais. Acreditava que nunca conheceu a ninguém tão forte, hábil e decidido. A verdade
era que tinham mais em comum do que poderia pensar em princípio.
Não estava acostumado a arrepender-se de nada, mas no referente à Alexandra, lamentava muitas de suas decisões. Julgou-a mau e muito cruelmente e ela sofreu por
sua culpa. Mas já tinha deixado atrás essa parte de sua relação e estava disposto e decidido a começar com ela uma nova etapa.
Desejava lhe fazer justiça e reparar os danos. Ia começar por ocupar-se de Edgemont e as irmãs de Alexandra. Acreditava que era o menos que podia fazer.
A calesa se deteve nesse momento. Ela era de novo sua amante e estava decidido a lhe dar tudo o que merecia. Estava desejando tratá-la com atenção com coisas
nas quais nunca parou para pensar. Queria lhe oferecer jóias, deliciosos manjares, os melhores vinhos, lençóis de seda e banhos de espuma. Também desejava lhe encarregar
novos vestidos, levá-la de compras e ir com ela de férias a França e a Itália.
Seu lacaio abriu a porta e o devolveu à realidade. Desceu e foi até a casa com cuidado de não pisar nos muitos atoleiros do caminho.
A porta da residência abriu-se em seguida.
As duas irmãs de Alexandra o esperavam com os olhos muito abertos.
- Ocorreu algo? - exclamou assustada a mais jovem. - Ocorreu algo a Alexandra?
- Está bem - respondeu ele.
Tinha tratado a Alexandra muito mal, mas estava corrigindo seus enganos. Por outro lado, acreditava que o tratamento que a mulher recebeu de seu pai era muito
pior. Odiava Edgemont. Chegou frente às jovens e as saudou com uma inclinação de cabeça.
- Boa tarde. Alexandra está bem, mas tenho alguns assuntos que devo tratar com o barão Edgemont - disse.
Olivia, a mediana, não deixava de observá-lo com atenção. Parecia ensimesmada.
- Por favor, entre - pediu envergonhada ao dar-se conta de que não estava mostrando boas maneiras. - Sinto muito, não sei o que me ocorreu.
Tornou-se a um lado para que ele pudesse entrar.
- Deveria ter avisado - respondeu ele para tranquilizá-la. - Mas temo que seja uma visita decidida a última hora e o tema é bastante urgente.
Olivia continuava estudando-o de perto. Gabava-se de ter bom olho para julgar às pessoas e lhe deu a impressão de que se tratava de uma jovem sensata e inteligente.
Em muitos sentidos, devia ser bastante parecida com sua irmã mais velha. Também lhe pareceu que devia ter um caráter forte e decidido. A menor das três, ao contrário,
parecia muito inocente e impulsiva. E sabia que eram defeitos importantes em uma jovem tão bonita como ela. Deu-se conta de que as duas precisavam encontrar logo
maridos.
Passou a um salão meio velho, mas que estava muito limpo e ordenado. O estofado das poltronas já estava muito desgastado, igual o tecido das cortinas. Passava
o mesmo ao tapete que havia no centro do salão. O chão de madeira estava muito arranhado e algumas tábuas, levantadas. Viu também que as paredes necessitavam pintura.
- Corey, vá procurar nosso pai e traga chá - ordenou Olivia sem deixar de olhá-lo. - por que Alexandra não veio com você?
- Acredito que tinha muito que costurar hoje - respondeu.
Olivia o olhou com incredulidade, mas não podia lhe contar que sua irmã ainda estava dormindo na cama do duque.
- Por que não a visita junto com sua irmã caçula? - sugeriu. - Seguro que meu cozinheiro adorará servir uma comida especial. Além disso, sei que Alexandra sente
muito a falta de sua família e adoraria recebê-las.
A jovem parecia um pouco confusa. Passou a língua pelos lábios, reconheceu em seguida o gesto. Sabia que faria Alexandra muito feliz ter suas irmãs em Clarewood,
mas suspeitava que seu pai lhes tivesse proibido que fossem vê-la. Cada vez estava mais furioso com esse homem, ocorria cada vez que pensava nele. Custou-lhe controlar
seu gênio, mas conseguiu.
Justo nesse instante, o barão Edgemont desceu as escadas atrás de sua filha pequena. Parecia ter abotoado a jaqueta apressadamente. Tinha aspecto de bêbado, justo
o que era, e estava sem barbear e desalinhado, como se tivesse passado muito má noite.
- Não quero ter interrupções - pediu Stephen a Olivia.
A jovem se despediu com uma reverência e saiu depressa ao corredor.
Stephen fechou a porta e olhou o barão com desprezo.
- Excelência! - saudou-o o pai de Alexandra com exagerado entusiasmo. - Que surpresa tão agradável! Se soubesse que viria, teria lhe esperando e teríamos feito
as preparações oportunas.
- Não se incomode, não vai conseguir aplacar minha ira - replicou fora de si. - Acredito que irei ao ponto. Não quero que volte a visitar Alexandra. Que não lhe
ocorra ser cruel com ela ou lhe sugerir que realize nenhum tipo de serviço para conseguir o dinheiro que necessita. E, por certo, não volte a lhe pedir dinheiro.
Fui o bastante claro?
Edgemont empalideceu imediatamente.
- Equivoca-se comigo, excelência... - começou o homem.
Deu-se conta de que tinha apertado os punhos e de que estava a ponto de lhe dar um murro. Não podia acreditar, nunca bateu em ninguém. Tremendo, baixou as mãos
e tentou controlar-se.
- É minha filha, nunca seria cruel com ela...
- Cale-se! - interrompeu-o fora de si. Edgemont o obedeceu em seguida. - Alexandra está sob meu amparo e ninguém maltrata meus protegidos. Fui agora o bastante
claro?
Edgemont assentiu com a cabeça.
- Quanto deve?
- Como?
- Ouviste-me perfeitamente, Edgemont - disse enquanto o fulminava com o olhar. Edgemont se ruborizou.
- Umas mil libras, mais ou menos - gaguejou o homem.
- Quero que me entregue todas as faturas, as nota promissória diretamente - respondeu o duque.
- Estão na biblioteca, excelência.
- Não se mova, não terminei ainda - disse antes que pudesse sair do salão. - Entregarei a você e a suas duas filhas menores uma ajuda mensal. O dinheiro deve
ser usado unicamente para comprar comida, roupa e os gastos diários. Não é para jogar na roleta, nem às cartas, nem nos cavalos. Nem mesmo é para beber-lhe. E advirto-lhe
isso, senhor, se me inteirar de que gasta o dinheiro em outras coisas, encarregar-me-ei de que lhe tirem desta casa e lhe metam no cárcere por não abonar as dívidas.
Entende-o?
- Sim excelência, entendo-o e lhe agradeço isso imensamente. Mas poderei contar com uma pequena soma que me permita sair de noite, verdade?
Estava-lhe custando muito permanecer calmo. Acreditava que esse homem estava doente e que não ia ser capaz de controlar-se, mas não estava disposto a lhe pagar
os vícios. Sabia que nunca poderia fazer que o metessem na prisão, mas estava disposto a tirar suas filhas dali se chegava a acreditá-lo necessário.
Decidiu que o melhor que podia fazer era ameaçá-lo para que tomasse a sério.
- Se abusar de minha boa fé, acabará em uma fria cela.
- Entendo excelência - sussurrou Edgemont.
Como sabia que as irmãs de Alexandra estariam atrás da porta e com as orelhas bem pegas para continuar a conversa, decidiu incluí-las.
- Olivia, pode entrar. Corey, também você - disse em voz alta.
Abriu-se a porta e as duas jovens se aproximaram dele muito devagar. Pareciam estupefatas.
Sorriu e entregou a Olivia um cheque com uma generosa quantidade de dinheiro.
- Isto é para que o empreguem em comprar roupa para as duas e qualquer outra necessidade que tenham.
A jovem nem sequer olhou o cheque. Imediatamente, lhe encheram os olhos de lágrimas.
- Não podemos aceitá-lo - sussurrou.
Recordou-lhe muito a sua irmã mais velha.
Corey, ao contrário, deu-lhe uma cotovelada para que se calasse.
- Obrigada, excelência, muitíssimo obrigada - disse rapidamente a pequena.
Alexandra sabia que devia fazer-se à ideia quanto antes. Converteu-se em uma mantida.
Mas não se sentia envergonhada, justamente o contrário, estava mais feliz que nunca. Não podia deixar de pensar em Stephen e em como a olhava esses dias, com
os olhos cheios de ternura e um grande sorriso. Eram amantes e ela estava cada vez mais apaixonada por ele.
Era já meio-dia e levava um tempo trabalhando em um dos vestidos mais antigos de lady Henredon. Tratava-se de um cheio de rendas que havia comprado em Paris.
Mas lhe custava concentrar-se na tarefa.
Tinham passado já vários dias e ainda não se acostumava. Era como se por fim se cumprissem seus sonhos. Passava os dias em sua casa como se fosse só sua querida
e ele fazia que se sentisse desejada e amada cada noite.
Apesar de tudo, não lhe parecia que fosse só uma amante ou uma prostituta. Sentia-se como uma noiva no dia de suas bodas.
Apaixonou-se por ele muito antes que voltasse a compartilhar sua cama e esse amor só intensificou-se dia após dia. Não podia ser de outro modo, quando ele a tratava
como se fosse sua esposa e os criados a obedeciam e respeitavam como se fosse à senhora da casa. O cozinheiro lhe tinha pedido que planejasse os menus de cada dia.
A governanta lhe perguntava que tipo de lençóis e toalhas preferia. Clarewood a convenceu para que comprasse novos vestidos, e sua donzela pessoal sempre queria
saber qual ia colocar a noite para o jantar e qual devia preparar para o dia seguinte.
Era impossível não sentir-se especial e apreciada. E o melhor de tudo era sentir que essa situação poderia chegar a durar toda a vida. Quase lhe parecia que Clarewood
também sentia algo, embora fosse só um pouco.
Uma parte de si lhe recordava que não devia fazer ilusões, mas era difícil não fazê-lo. Enterneceu ainda mais ao recordar como despertou-a nesse mesmo dia, antes
que amanhecesse, para lhe fazer amor novamente, dessa vez muito devagar e com grande ternura.
E, antes de ir a Manchester a uma reunião, foi procurá-la para lhe dar um beijo de despedida.
Deixou um momento de costurar. Não podia deixar de sorrir. Estava se dando conta de que Clarewood era um homem extraordinário.
Estava vivendo seu próprio conto de fadas e não lhe faltava nem o príncipe encantado. Não entendia como podia ter lhe parecido cruel e desumano. Dedicava toda
sua vida a melhorar a miséria de outros. Sentia uma grande responsabilidade pelo ducado de Clarewood e sabia que esse era um compromisso que seu tinha lhe pai inculcado
a fogo. Mas acreditava que seus projetos caridosos e sociais eram muito mais importantes para Stephen e o fazia muito mais feliz.
Instalaram-se em uma cômoda rotina. Passavam o dia em suas próprias ocupações e se viam cada noite para jantar juntos. Stephen havia deixado de sair de noite
para assistir os eventos aos quais o convidavam. Estava segura de que continuava tendo compromissos. Era, depois de tudo, um dos membros mais destacados da aristocracia
inglesa. Mas não saiu nem uma noite desde que reataram a relação.
Sabia que era só algo temporário, que não demoraria muito em voltar a sair e que então passaria mais noites fora que dentro de sua casa. Tentava se convencer
de que não lhe importava e não pensar nas noites que teria que passar sozinha em Clarewood. Sobre tudo porque, se de verdade fosse algo mais que uma simples amante,
lhe pediria que o acompanhasse a essas festas e jantares.
Deu-se conta também de que estava sendo tão generoso com ela como lhe prometeu. Baixou a vista para contemplar de novo o tecido de seu novo vestido fúcsia. Era
de seda e não se cansava de olhá-lo. Nunca teve nada tão bonito.
Uma semana antes, uma famosa costureira a visitou, com dois de seus ajudantes. A mulher lhe havia dito que o duque tinha lhe encarregado que lhe fizesse um novo
vestuário. Tentou negar-se. Mostrou-lhe os tecidos mais belos e luxuosos que já vira em sua vida.
Recordou que lhe faltou à respiração ao ver tanta cor a seu redor. Não pode evitar e se aproximou para tocar as delicadas sedas, os tecidos de cetim, os veludos...
Mesmo assim, manteve-se firme.
Depois lhe mostrou as amostras de todos os cós e rendas que tinham. Não podia acreditar, não entendia por que Clarewood queria gastar tanto dinheiro nela. Passou
o dia tentando recusar as sugestões da costureira. Mas, cada vez que comentava quanto gostava de um tecido em particular ou certa renda, a costureira decidia apressadamente
lhe fazer um vestido de dia ou um traje de noite com esses tecidos.
Só havia passado uma semana, mas já recebera cinco vestidos e um traje de noite. Imaginou que tiveram um numeroso grupo de costureiras trabalhando sem parar para
poder entregar-lhe tão cedo.
Com Clarewood, quase tudo era maravilhoso nesses dias. Mas, ainda tinha um grande problema que a espreitava, não havia lhe dito que estava grávida.
Bastava-lhe pensar nisso, para sentir-se indisposta. Acreditava que ele não parecia ter notado nada estranho em suas náuseas. Estava certa de que teria lhe dito
algo se suspeitasse de alguma coisa, pois não passava uma manhã sem que tivesse que sair correndo para o quarto de banho para vomitar. Mas quando voltava ele já
estava levantado e trabalhando. Além disso, estava acostumada a limpar pessoalmente o urinol para que ninguém soubesse, embora tivesse a sensação de que sua donzela
pessoal suspeitava de algo.
Clarewood já a acusara uma vez de tentar enganá-lo e acreditava que o que lhe estava ocultando dessa vez era muito mais grave.
A vida e o futuro de uma criança estavam em jogo.
Não sabia o que fazer. Pensava cada dia no bebê que crescia em suas vísceras. Sabia que Clarewood tinha o direito de saber. Mas, embora já passasse muito tempo
desde aquele horrível dia, não podia esquecer as acusações que lhe proferiu nem seus olhos carregados de ira. Não queria que voltasse a lhe magoar nem que a acusasse
de nada.
Desde o começo, estava certa que ele acreditaria que ficara grávida para tentar caçá-lo. Mas as coisas mudaram muito após e já não estava tão segura. Acreditava
que possivelmente entendesse que foi um acidente, algo com o qual ninguém contava. Mas não sabia se ele iria querer continuar com a relação quando soubesse que estava
grávida.
Não queria se arriscar a perdê-lo, era muito cedo.
Sabia que tinha direito de saber que seria pai. E, não tinha dúvida alguma, sabia que seria um bom pai. Seu filho ou filha também tinha direito a viver com as
vantagens de ter o duque de Clarewood como progenitor. Era algo do qual estava convencida. Mas temia que Stephen terminasse com a relação quando dissesse. Cabia
a possibilidade de que pensasse que estava tentando manipulá-lo outra vez e que já não quisesse estar com ela.
Estava tão apaixonada por ele que não queria nem pensar nessa possibilidade, mas não havia perdido o bom senso por completo. Sabia que ele não demoraria muito
em adivinhar a verdade, só uns poucos meses, quando sua condição fosse evidente.
E, como ele averiguaria cedo ou tarde, sabia que devia dizer-lhe quanto antes. Assim conseguiria aliviar um pouco sua consciência. Sabia que era o que devia fazer.
Mesmo assim, tinha muito medo que Clarewood reagisse mal e terminasse perdendo seu interesse nela.
Acreditava que sua relação parecia amor de verdade. Por sua parte, ao menos, era. Mas sabia que não devia esquecer que se tratava só de um acordo quase comercial,
embora Stephen se comportasse tão bem com ela que era muito fácil esquecer.
Levantou-se da cadeira e se esticou. Tinha transformado um pequeno quarto no andar de baixo em sua oficina de costura. Esfregou suas doloridas costas e se aproximou
da janela. Viu então estacionado frente à casa um carro que lhe soava familiar, já o vira antes. Não pôde evitar sentir certo nervosismo.
Stephen ia passar o dia fora da casa e ela não devia receber ninguém. Meio triste deu-se conta de que ia ter que continuar ali escondida até que Guillermo conseguisse
que a inoportuna visita se fosse. Situações como essa lhe recordavam que não era a senhora da casa, só a amante do duque.
Sobressaltou-se ao sentir um golpe na porta que reconheceu imediatamente, tratava-se do mordomo. Foi correndo à porta, imaginou que teria ocorrido algo.
- O que ocorre? - perguntou com preocupação.
- Têm visita. É lady Saint Xavier e a senhora de Warenne.
Empalideceu ao ouvi-lo.
- Não, não é possível. Terão vindo ver o duque.
- As damas me especificaram que é a você a quem vieram ver.
Cada vez estava mais alarmada.
- Diga-lhes que se vão!
- Poderia sugerir que as recebesse no salão dourado, senhorita Bolton?
Não podia acreditar. Estava a uma semana e meia em Clarewood e era a primeira vez que Guillermo expressava sua opinião.
- Isto não vai sair bem... - murmurou angustiada.
- Justamente o contrário, sua excelência adora a essas duas damas e estou seguro de que gostaria que as recebesse - disse Guillermo.
Ficou atônita ao ver que o mordomo a deixava sozinha. Respirou profundamente e se deu conta de que nunca lhe diria algo assim se não estivesse convencido disso.
Mas tinha medo.
Essas duas mulheres foram muito amáveis com ela, mas não conseguia entender por que teriam se aproximado para vê-la. Não parou para pensar nisso, mas imaginou
que todo mundo saberia que estava vivendo com Clarewood. Estava segura de que as línguas mais maliciosas, como a de lady Witte, a acusariam de ser a amante do duque.
Stephen podia ter conseguido que não falassem tanto dela, mas acreditava que sua relação seria de domínio público.
Ariella e Elysse a esperavam já no salão dourado quando ela entrou. Estavam falando sobre alguém que não conhecia, uma prima das duas chamada Margery. Mas, ao
vê-la entrar, calaram-se e a olharam com grandes sorrisos. Pareciam contentes de verdade.
Sentiu-se um pouco mais aliviada, mas não estava de tudo relaxada, temia que a atacassem com ácidos comentários a qualquer momento.
- Boa tarde - disse. - É um prazer vê-las de novo, mas temo que sua excelência não esteja em casa agora.
- Sabemos - respondeu Elysse sem deixar de sorrir. - Mas viemos para ver você, já deveríamos tê-lo feito antes. Queríamos nos assegurar de que Stephen a está
tratando bem. Mas vejo que continua de uma peça e que têm muito bom aspecto, a verdade.
Cada vez estava mais nervosa, não tinha entendido bem suas palavras.
- A verdade é que íamos aproximar-nos da cidade para fazer algumas compras - acrescentou Ariella enquanto olhava sua amiga - E decidimos que deveria nos acompanhar.
- Gostaria de sair às compras? Stephen não se importará. Além disso, vai estar fora todo o dia - disse Elysse. - Sabemos que pode ser um pouco difícil, mas...
Por certo, acredito que é muito valente ao se atrever a suportá-lo. Tem fama de ser um terrível anfitrião.
Ficou boquiaberta ao ouvi-la.
- Quase nunca tem convidados em sua casa e, quando os tem, não ficam muito tempo - explicou Ariella. - Não é que seja mal educado com eles, mas está muito atarefado
com seus projetos para ocupar-se de seus hóspedes. Embora saiba que possa ser meio intolerante com os que decidem ficar mais da conta e abusar de sua hospitalidade.
Alexandra teve a impressão de que tentavam averiguar que tipo de relação havia entre eles.
- É um anfitrião excelente - assegurou. Às duas mulheres pareceram se encantar com sua resposta. Sorriram e ficaram caladas, esperando que acrescentasse algo
mais. - Estou segura de que todo mundo sabe que tive uma briga com meu pai. O duque foi muito amável e sugeriu que ficasse aqui até que pudesse solucionar as coisas
ou encontrar outro alojamento.
Elysse deixou de sorrir.
- É horrível que tenha que sair de sua casa - disse com sinceridade. - Sentimos muitíssimo. Mas é um alívio ver que Stephen está sendo um anfitrião considerado
e não lhe abandonou como tem feito com outros convidados.
- Não tenho nada mau que dizer sobre ele - respondeu Alexandra com firmeza.
- Parece que pode ser um bom anfitrião - comentou Elysse com um sorriso. - Quando quer ser...
- Deve estar apaixonado - murmurou Ariella.
Nervosa, Alexandra mordeu o lábio. Não sabia o que dizer. Deviam saber que era sua amante e não sua convidada. Mas lhe falavam como se não lhes parecesse mal
que o fosse.
- É todo um cavalheiro - disse. - É um anfitrião amável, considerado e muito agradável. Se estiver abusando de sua hospitalidade, ainda não me fez saber isso.
As duas damas se olharam nos olhos, pareciam encantadas.
- Está claro que adora tê-la aqui - respondeu Ariella rindo. - São poucos os que sabem como é de verdade, senhorita Bolton. Tem reputação de ser um homem cruel,
frio, exigente e desumano. Tenho que admitir que se mostre autoritário e meio rude com a maioria, mas parece claro que mudou.
- E vemos que não lhe fez perder a paciência - acrescentou Elysse.
Alexandra podia sentir que se ruborizou, até lhe custava respirar. Era como se esperassem que lhes confessasse a verdade.
- Duvido muito que alguém se atreva a perder a paciência com sua excelência - respondeu.
- Sério? Zanga-me a três por quatro - disse Ariella. - Pode ser muito grosseiro. Outras vezes, é tremendamente aborrecido.
Alexandra abriu os olhos com surpresa.
- É muito engenhoso para aborrecer a alguém - o defendeu então. - A verdade é que é um homem encantador...
Deteve-se imediatamente. Sabia que estava falando mais da conta.
- Bom, alegra-me vê-la tão animada e tão leal - respondeu Elysse sorrindo. - Estou segura de que lhe faz muito bem.
Estava sem palavras.
Ariella se aproximou e agarrou seu braço com carinho.
- Senhorita Bolton, conheço Stephen desde que tinha nove anos. É o melhor amigo de meu irmão. Emociona-nos ver que por fim encontrou alguém tão especial como
você para iluminar sua vida cinza e aborrecida.
- Não entendo o que pretende me dizer com isso! - exclamou ela enquanto se afastava.
- Soubemos que tudo era diferente desta vez desde que o vimos na festa de aniversário de Sarah - disse Elysse. - Conhecemos Stephen muito bem e sabemos que, se
não tivesse um interesse especial em você, não teria se incomodado em ajudá-la como o fez.
Sentia-se indefesa, como se estivessem empurrando-a para que confessasse algo que não desejava confessar, mas sem que pudesse fazer nada para resistir.
- Como disse antes, não tenho outro lugar aonde ir. Foi o suficientemente amável para me oferecer alojamento, isso é tudo - disse angustiada.
- Me alegro - respondeu Ariella - Por que foi culpa dele que a jogassem de sua casa, não? É um homem justo, por isso terminou dando-se conta de seu engano e fazendo
o que devia ter feito desde o começo.
Estava tão enjoada que teve que sentar-se. Mas se deu conta então de que estava sendo uma mal educada não esperou que suas convidadas se sentassem antes que ela.
Não sabia o que pensar. Acreditava que ririam dela e a desprezariam se confessava seus sentimentos. Mas uma parte dela começava a acreditar que de verdade as alegrava
que estivesse com Stephen, Ariella se sentou ao seu lado no sofá e tomou com carinho sua mão.
- O amor é complicado - disse com voz amável. - Quando vi Emilian pela primeira vez, meu mundo mudou por completo. Era em parte romeno e meu pai não queria que
estivesse com ele. Mas eu estava tão apaixonada que estava disposta a tudo por consegui-lo. Foram tempos muito complicados, todos pensavam que nossa relação não
tinha futuro. Às vezes, eu também me desanimava. Mas Emilian é o amor de minha vida - concluiu com um grande sorriso enquanto lhe apertava a mão.
- Eu tinha oito anos quando conheci Alexi - contou então Elysse sentando-se também no sofá. - Lembro que pensei que era o menino mais bonito que já tinha visto...
Mas também o mais insuportável! Passamos a infância e a adolescência tentando impressionar um ao outro enquanto nos ignorávamos ao mesmo tempo. Até que me resgatou
do escândalo para me abandonar depois no altar. Mas o destino nos uniu de novo e soubemos superar nossas diferenças. Agora sei que não poderia viver sem ele.
Alexandra também sorriu. O coração pulsava com força em seu peito. Eram belas histórias de amor e acreditava que não tinham nada a ver com a sua. Mas pareciam
saber que Stephen e ela eram amantes. Dava-lhe a impressão de que contavam com a bênção das duas e inclusive pareciam ter adivinhado que ela o amava.
- Mas isto não está bem! - exclamou de repente. - por que não censuram o que estou fazendo?
- Porque nós gostamos muito de você - respondeu Elysse. - Para mim foi assim desde que a conheci. Além disso, queremos Stephen o suficiente para nos preocupar
com ele.
Não entendia bem o que queria lhe dizer.
- O amor pode ser tão impaciente - adicionou Ariella de forma enigmática. - Bom, agora que esclarecemos as coisas, será melhor que nos ponhamos a caminho - acrescentou
enquanto se levantava. - Vamos à cidade. Eu necessito luvas novas e Elysse deve comprar roupa ao bebê. Têm que nos acompanhar Alexandra, estou segura de que vai
querer comprar algo também. E, não se preocupe, se nos encontrarmos com alguma bruxa, Elysse e eu a defenderemos.
- Ou, melhor ainda, diremos a Stephen e deixaremos que seja ele quem se desfaça das bruxas - comentou Elysse rindo.
Alexandra mordeu o lábio. Não sabia como, mas lhe deu a impressão de que acabava de fazer duas novas amigas. E as duas eram maravilhosas.
Alexandra desceu as escadas correndo com a esperança de poder ver Stephen antes que começasse a trabalhar. Esteve com Ariella e Elysse à noite anterior e não
havia retornado a tempo de jantar com ele. Quando voltou, às nove e meia, o encontrou lendo contratos na biblioteca. Tinha atrasado o jantar para poder comer com
ela e não deixou que se desculpasse quando o tentou mais de uma vez. Deu-lhe a impressão de que gostara de saber que passou à tarde com as duas damas.
Ao final, esqueceram-se do jantar e, depois de que Stephen a abraçasse, terminaram fazendo amor no tapete, diante da lareira.
Depois subiram ao dormitório e ela despertou mais tarde que o habitual, já era às dez e meia da manhã. Ia correndo ao salão quando saiu Stephen no corredor. Estiveram
a ponto de dar-se de bruços, mas ele a segurou antes que perdesse o equilíbrio. Depois a abraçou contra seu corpo.
- Mal falamos ontem à noite e temia que fosse antes que pudesse descer para tomar o café da manhã - disse ela.
Stephen acariciou sua nuca e deslizou a mão até seu cabelo.
- Ontem à noite não estava de humor para conversar, a não ser para outras coisas. Seguro que se deu conta...
Não pôde evitar ruborizar-se ao recordar quão apaixonado foi com ela.
- Minha intenção foi te avisar para que soubesse que ia chegar tarde, não queria que tivesse que me esperar nem que ficasse sem jantar por minha culpa. Sinto
muito, Stephen - disse.
- Já te disse que não me importa - respondeu ele com um sorriso - E, quando digo algo, digo-o de verdade. A verdade é que me alegra que Ariella e Elysse a tirem
de casa. Passou-o bem?
Assentiu com a cabeça.
- Não comprei nada, mas ajudei Elysse a escolher coisas para o bebê.
Ficou calada e ele a observou com interesse.
Estava muito nervosa, quando fazia comentários assim dava-lhe a impressão de que Stephen sabia que estava grávida. Mas estava segura de que abordaria o assunto
se assim fosse.
- Trataram-lhe bem? - perguntou ele para quebrar o gelo.
- As atendentes me trataram como se fosse da realeza, Stephen - respondeu aliviada.
- Bom, então pode ser que se anime a sair um pouco mais - disse com um sorriso. - Mas, por que não comprou nada? Não viu nada que você gostasse?
Mordeu o lábio. Não sabia como lhe dizer que não se sentia cômoda usando seu dinheiro.
Stephen adivinhou o que lhe acontecia e a abraçou de novo.
- Já imaginava - disse. - eu adoraria que saísse para comprar Alexandra. Se quiser que seja sincero, eu gostaria mais ainda que gastasse uma quantidade descomunal
de dinheiro em você mesma.
Não pôde evitar sorrir.
- Parece que fala a sério...
- É obvio - murmurou Stephen. - Vêm comigo à biblioteca.
Havia tanto ardor em seu olhar que pensou que pretendia lhe fazer amor ali mesmo e a essas horas da manhã. Mas foi direto a sua mesa quando entraram na biblioteca
e abriu com chave uma das gavetas. Depois se levantou e a olhou.
- É um prazer para mim te dar isto, Alexandra - disse enquanto lhe mostrava uma caixinha de veludo.
Stephen a abriu e viu que se tratava de um bracelete de diamantes. Pensou por um momento que era o que lhe deu quando tentava cortejá-la, mas viu que era muito
diferente, mais belo e ainda mais caro.
- Quero que tenha este bracelete - adicionou com voz rouca enquanto se aproximava dela e o colocava no pulso.
Conseguiu por fim reagir. Nunca tinha visto tantos diamantes juntos.
- Stephen... Mas, como poderia aceitar algo assim?
- Pode fazê-lo e o fará - respondeu ele com firmeza. - Quero que o tenha como lembrança do afeto, admiração e respeito que tenho por você - acrescentou olhando-a
nos olhos.
Alexandra sentiu que estava a ponto de tornar-se a chorar.
- E não esqueça que quando digo algo, digo-o de verdade - disse enquanto lhe levantava o queixo com ternura.
Deu-se conta de que não pretendia pagar seus serviços, mas lhe mostrar quanto a apreciava. E também havia dito que a admirava e respeitava.
- Eu adorei... - sussurrou ao fim.
Na realidade, estava desejando lhe dizer que o amava, mas não podia fazê-lo.
Stephen sorriu e deslizou brandamente os lábios sobre os dela.
- Está me convertendo em um homem descaradamente feliz.
Estava tão emocionada que não podia falar.
Mas Stephen viu então algo pela janela que atraiu sua atenção. Ela também olhou para ali e viu sua pequena e velha calesa com Ébano à frente.
- São minhas irmãs! - exclamou feliz. - Por fim vêm me visitar!
Stephen a abraçou e lhe deu um beijo na boca.
- Assegure-se de que fiquem para comer, logo lhe verei - disse então.
- Não, espera - pediu ela. Alexandra rodeou seu belo rosto com as mãos e lhe deu um apaixonado beijo. - Não mereço uma jóia como esta, mas muito obrigada. Eu
adorei!
Stephen sorriu.
- Vá receber a suas irmãs e desfrute muito de sua visita, de acordo?
Ela levantou as saias para poder correr e saiu depressa da biblioteca. Correu por toda a casa e, quando chegou ao vestíbulo, o mordomo estava recolhendo os casacos
de Corey e Olivia. Gritaram ao vê-la e correram para abraçá-la. Estava tão feliz que lhe encheram os olhos de lágrimas.
- Senti tanto falta de vocês! - disse.
- Nós também - respondeu Corey abraçando-a uma vez mais. - Que elegante está! Olhe esse vestido... - E viu então seu novo bracelete. - Alexandra!
- Acaba de me dar isso como amostra de afeto e respeito - disse.
Olivia tinha os olhos arregalados.
- É lindo! Embora não tanto quanto você - assegurou. - Nunca a vi assim, tem um brilho especial - adicionou enquanto a olhava nos olhos.
- Pois não mudei - respondeu Alexandra.
Mas soube que se ruborizou e que os olhos brilhavam. Acabava de mentir a Olivia, era uma mulher completamente diferente e as duas sabiam.
- É bom contigo, verdade? Parece tão feliz, posso vê-lo em seu olhar - disse Olivia.
Alexandra acariciou sua bochecha com carinho.
- Veio a Vila Edgemont - contou Corey. - Falou com nosso pai e lhe deixou muito claro o que não devia voltar a fazer. Entre outras coisas, ordenou-lhe que não
voltasse a lhe falar desrespeitosamente!
Perplexa, Alexandra não pôde evitar abrir a boca.
- Proporcionou-nos uma atribuição mensal muito generosa - disse Olivia. - A despensa está cheia, há feno no estábulo e pudemos encarregar três vestidos novos
cada uma.
Não podia acreditar. Emocionava-lhe ver quão bem Stephen estava se levando com sua família.
- É um bom homem, verdade? - perguntou-lhe Corey. - Deve te querer muito para cuidar tanto de nós. Tinha que ter visto como falou com nosso pai. E esse bracelete...
Ficou sem fôlego pensando na possibilidade de que Stephen a quisesse. Não sabia se devia fazer ilusões. Acabava de lhe dizer que a apreciava, admirava e respeitava...
Estava muito emocionada.
- É um homem de natureza generosa - explicou. - E acredito que me aprecia - adicionou depois.
- Que te aprecia? - repetiu Corey com incredulidade enquanto olhava Olivia.
Deu-lhe a impressão de que sabiam algo que não estavam lhe contando.
- Está apaixonada por ele? - Perguntou Olivia.
Alexandra a olhou nos olhos e soube que ocorria algo.
- Do que se trata? O que é o que ocorreu? Porque aconteceu algo, verdade?
Suas irmãs se olharam de novo. Mas, por uma vez na vida, Corey conseguiu conter-se e não respondeu. Foi Olivia a que rompeu o silêncio.
- Owen está no povoado, Alexandra - disse. - Visitou-nos ontem, queria vê-la.
Capítulo 10
Capítulo 16
Alexandra estava tão atônita que pensou por um momento que não entendera bem. Mas suas irmãs a olhavam esperando uma resposta. Não podia acreditar que Owen tivesse
retornado à zona. O coração deu um tombo.
Não sabia o que pensar. Supunha que esteve no povoado várias vezes durante os últimos nove anos, mas era a primeira vez que se aproximava para visitá-la. Era
um fato que a teria extasiado se tivesse ocorrido um mês antes, mas tudo tinha mudado após.
"Por que apareceu de novo em minha vida? Por que agora?", perguntou-se.
Tentou recuperar a compostura e acalmar-se, mas era muito difícil. Vieram-lhe à memória multidão de lembranças. A imagem que tinha de Owen era a de um homem sorridente
e tão brilhante como o sol. Foi seu melhor amigo e seu pretendente. Mas, quando recordou como foi estar entre seus braços e beijá-lo apaixonadamente, ficou sem fôlego.
Embora não tivesse esquecido Owen, era a imagem de Stephen a que estava mais presente em sua cabeça. Angustiada, olhou o bracelete que brilhava em seu pulso e
recordou os momentos de paixão que viveram essa mesma manhã. Amava Stephen, acreditava que ele era seu presente. Além disso, Owen estava a muito tempo casado.
- Mas, por que foi me visitar depois de tanto tempo? - conseguiu perguntar.
Olivia tomou com carinho seu braço.
- Acredito que deveríamos nos sentar, Alexandra - sugeriu.
Ficou sem respiração. Soube que Olivia tinha algo mais que lhe contar e que não podiam ser boas notícias.
-Owen está bem? Aconteceu-lhe algo?
Olivia sorriu timidamente enquanto a levava a um dos salões.
- Bom, está bastante bem, dadas as circunstâncias.
Não entendia nada, mas deixou que sua irmã a levasse até o salão dourado.
- Parece muito desgostosa, Alexandra - disse Corey enquanto olhava Olivia.
Deu-se conta então de que lhe faltava à respiração.
- O que é o que não estão me contando? - perguntou com firmeza - Está claro que não são boas notícias, é normal que esteja nervosa.
Owen foi seu primeiro e único amor. Ainda o queria e sabia que sempre seria assim, mas isso não mudava os sentimentos que tinha por Stephen.
Olivia a olhou e a agarrou pelos ombros.
- Owen enviuvou Alexandra. Enterrou sua esposa faz seis meses - disse.
Não pôde afogar uma exclamação e sentiu que os joelhos falhavam.
- Vai desmaiar? - perguntou sua irmã ao ver que se enjoava.
Estava emocionada, não podia acreditar que sua esposa estivesse morta e tivesse ido visitá-la.
Foi até a poltrona mais próxima e, sem fôlego, sentou-se. Palpitavam as têmporas. Conhecia muito bem Owen e podia imaginar o quanto estaria sofrendo a perda de
sua esposa. Lamentava muitíssimo o que lhe tinha ocorrido e o compadecia.
Mas, ao mesmo tempo, não podia tirar Stephen da cabeça. Dava-lhe a impressão de que estava olhando-a com reprovação em seus olhos.
Respirou devagar e exalou para tentar acalmar seus nervos.
Estava com Stephen e levava seu filho nas vísceras. Sabia que não havia razão para sentir que estava situada entre duas potentes forças que a puxavam em direções
opostas. Embora não se atrevesse a dizer-lhe e pensasse que nunca ia ser mais que sua amante, era Stephen a quem amava.
- Como se encontra? Estará destroçado, não? Quando ocorreu?
- Não sei se estará destroçado, mas me pareceu que estava muito triste. Não o recordava assim - disse Olivia com lástima. - Não tenho muitas lembranças dele,
mas acredito que sempre estava sorrindo e que era um jovem risonho e alegre. Quando o vimos o outro dia, estava muito triste, Alexandra.
- Sim, muito triste - adicionou Corey. - Mas está desejando vê-la.
Suas palavras conseguiram que ficasse ainda mais nervosa.
- Suponho que ainda está de luto e necessitará um ombro onde chorar, um amigo - murmurou com algo mais de convicção. - Seguro que por isso foi ver-me.
Tentava convencer-se de que só procurava sua amizade, que não pretendia reatar sua relação com ela. Não tentou analisar se isso fazia com que se sentisse desiludida
ou aliviada e se concentrou em ajudá-lo. Era seu amigo e o estava passando mal. Estava segura de que Stephen entenderia.
Olivia se sentou ao seu lado sem deixar de observá-la.
- Foi de causar pena que não estivesse em casa.
Alexandra olhou sua irmã, tentando interpretar o que queria lhe dizer.
- Não retornou ao povoado com intenções românticas - disse ela com firmeza.
Olivia e Corey se olharam de novo nos olhos.
- Como pode estar tão segura? - perguntou Olivia.
- Porque passaram nove anos e ainda chora a recente morte de sua esposa - respondeu Alexandra.
Mas lhe pareceu recordar então as palavras pronunciadas pelo jovem Owen muitos anos antes. Tinha-lhe assegurado que nunca deixaria de amá-la e que nunca a esqueceria.
Pôs-se a tremer ao pensar em Stephen, tinha a sensação de que não ia gostar nada de Owen nem que aparecesse de novo em sua vida. E sabia que a Owen também não
se agradaria de ver que estava vivendo na casa do duque.
- O que lhe disseram de mim? - perguntou. - Como explicaram que já não vivo em casa?
- Disse-lhe que estava agora mesmo de convidada na casa do duque de Clarewood. Não acredito que entendesse - assegurou Olivia.
- Disse-nos que te visitaria aqui - adicionou Corey então. - Assim, entenderá muito em breve.
- Nunca tivemos segredos e não penso fazê-lo agora - disse Alexandra. - Não demorará muito em entender que sou a amante de Clarewood.
Tinha tomado uma decisão. Owen necessitava sua amizade e estava convencida de que não tinha nenhuma intenção romântica com ela. E, embora assim fosse não pensava
tomá-lo em conta.
- Se não vier amanhã, eu o visitarei. Tenho a intenção de reatar nossa amizade. Onde se hospeda?
- Está em Greenwich, com lorde e lady Bludgeon - disse Olivia.
Não conhecia esse casal. Esfregou as têmporas. Deu-se conta de que estava desejando ver Owen e poder consolá-lo.
- De verdade está bem? - perguntou Olivia enquanto agarrava sua mão. - Está muito pálida.
- É que foi uma emoção muito grande - explicou. - E Owen me preocupa.
- É obvio.
Olhou os carinhosos olhos de sua irmã. Não gostou de ver que parecia duvidar de suas intenções. Imaginou que desejava saber se sentia ainda algo por Owen.
- Então, o que vai fazer? - perguntou Corey. - O que fará quando o vir?
- Tentarei consolá-lo e ser sua amiga, Corey - repetiu.
Corey e Olivia se olharam nos olhos.
- Não era a isso ao Corey que se referia - recordou Olivia.
Alexandra ficou em pé e começou a dar voltas pelo salão. Suas irmãs não sabiam que estava grávida. Sabia que deixariam de insinuar que poderia chegar a ter algo
romântico com Owen se soubessem. Stephen tinha conseguido ganhar seu afeto e pensavam que era muito generoso e bom.
- Você o quis tanto - recordou Corey. - Lembro o quanto chorou depois de romper com ele.
Deteve-se e olhou sua irmã com firmeza.
- Isso faz parte do passado! - exclamou.
Sabia que Olivia era muito pormenorizada, sempre foi sua confidente. Queria falar com ela em privado.
- Corey, poderia ir procurar Guillermo, o mordomo, e lhe dizer que seremos três para almoçar? - pediu a sua irmã.
- Clarewood disse que comeria conosco também - respondeu Corey com um sorriso.
Quando Corey saiu do salão, Alexandra olhou Olivia.
- Parece que está muito tranquila. Depois de tudo, acaba de saber que o amor de sua vida esteve te buscando e que já não está casado.
- Agora estou com Stephen e sabe tão bem quanto eu.
Olivia ficou calada uns segundos.
- Acha que Stephen te pedirá que se case com ele?
Ficou sem fôlego.
- Olivia, por favor. Sabe tão bem como eu que não cumpro os requisitos para que chegue a me considerar como a futura duquesa de Clarewood.
- Mas há duques, inclusive príncipes e reis, que se casam com plebéias. Acredito que seria uma maravilhosa duquesa.
Encolheu o coração.
- Não diga isso, por favor - pediu enquanto tomava sua mão. - Olivia, disse a Corey que se fosse porque tinha que te contar algo muito importante.
Olivia abriu os olhos, preocupada.
- O que ocorre?
- Estou grávida - disse. - É a primeira pessoa a quem digo, ninguém sabe.
- Alexandra! - exclamou. - Não disse a Clarewood?
- Não, tenho medo de que me acuse de ter planejado tudo para conseguir que se case comigo - disse com nervosismo. - A primeira vez que estivemos juntos, me acusou
de tê-lo enganado ao não lhe dizer que era virgem. - Olivia empalideceu ao escutá-la. - Zangou-se muitíssimo e não poderia suportar voltar a vê-lo assim - adicionou
Alexandra.
- Deveria casar-se contigo - disse sua irmã. - É o mais honrado. Agora entendo que disse que está com ele.
- É que é assim. Além disso, sei que ele te agrada.
- Sim, mas agora que sei que está grávida, acredito que deve casar-se contigo. Isto muda tudo! Está grávida e deveria ser uma boa nova, um motivo de celebração.
Estou segura de que vai querer casar contigo. Não posso acreditar que tenha medo de dizer-lhe.
Olivia começava a sorrir. Pensou que estaria imaginando seu futuro sobrinho ou sobrinha.
- Quero-o, mas... Mas me dá muito medo quando se zanga - confessou tremendo.
- Tem-lhe feito mal?
- Não, claro que não. Ao menos, não fisicamente. A verdade é que acredito que tenha sentimentos por mim Olivia, e que inclusive poderia alegrar-se ao saber que
estou em estado. Mas tenho tanto medo de que me acuse de tentar enganá-lo... Sei que isso seria o fim para os dois.
Olivia agarrou seus braços, zangada.
- Alexandra, esse homem deveria adorá-la. Deveria estar completamente apaixonado por você.
- Não diga isso, deixa-o já!
- Tanto quanto Owen esteve no passado - acrescentou sua irmã.
Alexandra se afastou suas palavras lhe faziam mal.
- Isso não é justo. Owen não tem nada a ver com isto.
- De verdade? Eu estou segura de algo. Owen ainda te ama. E, se Clarewood te abandonar, acredito que Owen nunca deixaria que tivesse que seu filho criar sozinha.
- Cale-se! Não pode sabêr - disse com angústia. - Está dizendo tolices. É Stephen o que me importa e as coisas já são bastante complicadas sem que tenha que pensar
em Owen além de tudo.
Olivia franziu o cenho e sacudiu a cabeça.
- Deve lhe dizer a verdade e deve fazê-lo quanto antes. Depois, já veremos o que acontece.
Não podia acreditar no que sua irmã lhe dizia. Alexandra estava segura de que Stephen não consideraria nunca a possibilidade de casar-se com ela. Nem mesmo acreditava
que Owen fosse tão cavalheiro para desejar resgatá-la se Stephen se negasse a casar-se com ela.
Mas uma parte dela sabia que sempre poderia contar com ele. Era um homem carinhoso e honrado e estava segura de que iria querer ajudá-la, apesar de sua reputação,
e que não lhe importaria ter que sofrer os comentários maliciosos das pessoas.
Respirou profundamente para tentar acalmar a dor em seu coração.
- Sempre soube que esta relação não era para toda a vida - disse.
- Por que não? Por que acha que não é o suficientemente boa para ele? - perguntou Olivia. - Clarewood foi muito generoso com todos nós. Mas, se não estiver disposto
a casar-se contigo, deveria pensar muito melhor no que está fazendo.
Ficou em silêncio. Sabia que o futuro da criança estava em perigo e que sua irmã tinha razão.
- Sei que acha que o ama. Mas, de verdade é assim? Porque eu sei o quanto quis Owen e não acredito que esse tipo de amor chegue a morrer.
A duquesa viúva tinha lhe enviado um convite por meio de um de seus criados, mas Jefferson não respondeu imediatamente. Ao ver passar os dias sem saber dele,
Julia começou a pensar que estava recusando seu convite e que não desejava continuar avançando em sua amizade.
Mas chegou por fim a resposta de Jefferson e uma desculpa, esteve de viagem pelo sul da Escócia. Havia se sentida muito aliviada ao ver que aceitava encantado
seu convite para passar um dia montando a cavalo pelo campo. Estava feliz e encantada.
O olhou de esguelha. Tinha a boca seca e lhe faltava o fôlego. Já estavam cada um a lombo de um cavalo e acabavam de sair dos estábulos. Jefferson não falou muito
desde que chegou esse dia a sua casa. Limitou-se a saudá-la com educação e a lhe perguntar como estava. Ela tentou lhe responder de maneira relaxada, como era habitual
nela, mas estava muito tensa para fingir o que não sentia.
Parecia-lhe mais forte bonito e masculino do que recordava. Dominava tudo com sua presença e era muito consciente em todo momento do perto que estava dele. A
tensão que já havia sentido quando Jefferson a visitou pela última vez parecia ter se intensificado ainda mais, era quase insuportável.
Jefferson a surpreendeu olhando-o e o coração deu um tombo.
- Você gostou da Escócia? - perguntou então.
- Sim, muito. Minha mãe era de Glasgow.
Era a primeira notícia que tinha a respeito.
- Acredito que tenho alguns parentes longínquos, por parte de meu pai, que provêm dessas ilhas do oeste.
- Bom, então parece que temos algo em comum - respondeu ele.
Olharam-se nos olhos um segundo, depois Jefferson afastou o olhar.
Temeu que estivesse incomodado por algo, estava muito mais calado que habitual nele.
- E, está desfrutando de sua visita a Inglaterra?
- Sim - disse ele olhando-a nos olhos com um sorriso meio frio. - Deveria ter vindo antes visitar a tumba de minha filha.
Jefferson lhe confiou algo muito pessoal e doloroso e ela desejava poder lhe dizer mais sobre sua própria vida e sobre o quanto sofreu com Tom. Mas não sabia
se devia fazê-lo.
- Alegra-me que o tenha feito por fim. Espero que lhe faça sentir melhor.
O homem ficou uns segundos em silêncio, com ar pensativo, antes de responder.
- Sim, assim foi.
- Eu decidi faz muitos anos não visitar a tumba de meu falecido esposo - confessou sem pensar.
Jefferson a olhou com interesse.
- Por que não? Se não a incomoda que lhe pergunte...
- Já passaram quinze anos e estava cansada de ir apresentar-lhe meus respeitos - respondeu ela. - Ou ter que fingir que lhe apresentava meus respeitos...
- Ouvi que era um homem difícil.
Mordeu o lábio antes de responder.
- Era frio e complicado. E também cruel.
- Você merecia a alguém melhor. Então, por que foi a sua tumba a princípio?
Surpreendeu-lhe ver que parecia muito interessado.
- Era minha obrigação, senhor Jefferson.
- Claro, é obvio. Estou me dando conta de que as obrigações são muito importantes neste país.
Não entendeu suas palavras e se sentiu mal. Dava-lhe a impressão de que ocorria algo.
- Estou segura de que você também cumpre com seus deveres, não é assim?
- Não sei duquesa. De onde venho um homem necessita orgulho, valentia e ambição. Os deveres e obrigações não são tão importantes, o fundamental é poder sobreviver.
Sentiu-se como se acabasse de esbofeteá-la. Tremendo, afastou a vista.
- Assim na realidade não temos muito em comum, verdade? - murmurou Jefferson.
Sem saber por que, os olhos lhe encheram de lágrimas e teve que piscar rapidamente para controlar-se. Deu-se conta de que não o tinha imaginado, tinha-lhe ocorrido
algo, não parecia a mesma pessoa.
- Galopamos? - sugeriu ela com um sorriso falso.
- Poderá controlar essa égua? Parece um pouco selvagem.
- Sim, posso controlá-la - respondeu incomodada e sem olhá-lo.
Sem esperar que respondesse, açulou sua égua para que saísse a galope. Ouviu que a seguia, sabia que estava justo atrás dela. Sentia-se triste e humilhada.
Acreditava que era uma tola e que devia ter imaginado a atração que tinha sentido entre eles. Viu então a baixa cerca de pedra que estavam a ponto de encontrar.
- Pode evitar a cerca girando à direita, senhor Jefferson - gritou.
A parede era bastante larga. Preparou-se para saltá-la sem olhá-lo, mas se deu conta de que Jefferson tinha freado seu cavalo.
Ela seguiu adiante e a passou sem problemas.
Pela primeira vez em sua vida, não sentiu a excitação que sempre sentia após saltar assim. Estava muito chateada.
Deu umas palmadas à égua no pescoço e girou para olhá-lo. Continuava ao outro lado do muro. Fez-lhe um gesto para sua direita para lhe indicar por onde devia
continuar para evitar a parede de pedra.
Mas ele não fez conta. Viu com terror que se lançava ao galope para a parede e que não sabia nada de saltos. Não segurava com força as bridas. Jefferson pareceu
dar-se conta do problema e açulou ainda mais o cavalo, não queria sequer olhar, sabia que ia ser um desastre.
- Prepare-se! - gritou com todas suas forças. - Levante!
Era muito tarde. Cavalo e cavaleiro se elevaram, mas o animal não se impulsionou o suficiente e tocou a parede com as patas traseiras. Jefferson, que já tinha
perdido o equilíbrio, perdeu um dos estribos. Esteve a ponto de cair quando o cavalo passou a parede, mas se segurou com força às crinas do cavalo e conseguiu voltar
a sentar-se na sela.
Foi reduzindo a velocidade do animal e aproximando-se dela.
Julia mordeu o lábio. Era um alívio ver que não se machucara e decidiu que era melhor não lhe dizer nada e ignorar quão mal dirigiu o cavalo. Tentou manter a
calma até que o teve diante.
- Está bem? - perguntou então.
- Como consegue fazê-lo? - exclamou ele.
- Meu Deus! - respondeu ela com um sorriso. - Nunca havia saltado um muro, verdade?
- Ali nunca o necessitamos. Concentramo-nos em que possam parar e girar depressa e que sejam capazes de nos ajudar a controlar o gado, nada mais.
Interessava-lhe muito o que lhe contava da Califórnia e se sentiu um pouco melhor.
- Bom, os saltos são questão de técnica - disse. - De verdade está bem?
- Sinto-me um pouco humilhado, mas estou bem - respondeu ele enquanto desmontava.
Viu que se agachava para ver as patas de seu cavalo.
Ela também desceu e se ajoelhou ao seu lado.
- Nem sequer tem arranhões, ficará bem - disse ela ficando em pé.
- Menos mal, eu não gostaria de ter ferido a um de seus cavalos.
Foi então quando foi consciente do perto que estavam um do outro. Ficou imóvel e o coração começou a pulsar rapidamente em seu peito. Só estavam a uns centímetros
e não podia pensar em nada que não fosse o homem que tinha diante. A sensação foi ainda mais intensa ao recordar que estavam sozinhos e no meio do campo.
Soube que ele também o sentia porque não deixava de olhá-la e seu olhar se tornou ardente e perigoso.
Sabia que devia dizer algo para romper o momento e afastar-se, mas não podia deixar de olhá-lo.
- Está cheia de surpresas, duquesa - sussurrou ele com voz rouca.
Queria falar, mas não saíam às palavras.
- Maldição... - murmurou Jefferson de repente enquanto se inclinava sobre ela.
Estava boquiaberta, mas não podia afastar-se. Segurou-a pelos ombros.
- Julia - sussurrou.
- Tyne...
- Vou muito em breve - murmurou mais perto ainda dela.
Estava entre seus braços, suas pernas tocavam-se e tinha o peito esmagado contra seu forte torso. Olhou seus lábios, desejava desesperadamente que a beijasse.
Viu que lhe ardiam os olhos, depois a beijou.
Não pôde afogar um gemido. Foi incrível sentir seus lábios. Suas bocas se uniram e o beijo se tornou mais apaixonado. Podia sentir cada centímetro de seu firme
e excitado corpo. Entregue por completo às sensações, também agarrou seus ombros.
Mas Tyne deixou então de beijá-la e deu um passo atrás. Estava sem fôlego, como ela.
- Bom, suponho que foi então uma despedida... - murmurou ele.
Alexandra mostrou a mansão a suas irmãs. Estiveram quase uma hora indo de uma sala a outra e foram momentos felizes, quase conseguiu que se esquecesse dos
problemas. Era incrível estar de novo com elas. Sabia que ia ficar muito deprimida quando se fossem.
Desceram as escadas quando viram Guillermo as esperando abaixo.
- Senhorita Bolton, têm outra visita - anunciou o mordomo.
Surpreendeu-lhe tanto que esteve a ponto de tropeçar em um degrau, perguntou-se se seriam Ariella e Elysse de novo. Mas não acreditava possível, seus lares estavam
a bastante distância de Clarewood e acabava de vê-las no dia anterior.
- Quem é?
Mas soube a resposta antes de terminar de lhe fazer a pergunta. E não foi porque reconhecesse o cartão que Guillermo levava em uma bandeja de prata.
Pôs-se a tremer. Estava segura de que seria Owen.
- Lorde Saint James lhe espera no salão dourado - anunciou o mordomo.
Terminou de descer as escadas sem soltar o balaústre.
- Diga ao cozinheiro que talvez sejamos quatro para almoçar - pediu a Guillermo.
O mordomo assentiu e se foi. Foi para o salão dourado com suas irmãs atrás. Nenhuma abriu a boca.
Esperava-a de pé, ao lado do sofá. Reconheceu em seguida sua esbelta e elegante figura. Girou ao ouvi-las entrar.
Ficou sem respiração. Tinham passado nove anos. Owen era então um jovem muito bonito. Aos trinta, era ainda mais atraente e irresistível. Deu-se conta de que
o passar do tempo lhe tinha sentado muito bem. Estava tremendo, mas sentiu que seu coração voltava a si. Não pôde evitar sorrir.
Owen não sorria, limitava-se a olhá-la como se estivesse hipnotizado. Encontraram-se a meio caminho e juntaram as mãos.
- Alegra-me tanto voltar a vê-lo, Owen - sussurrou. E o dizia com sinceridade.
- Não mudou absolutamente - respondeu ele enquanto estudava seu rosto. - Mas, ao mesmo tempo, acredito que é mais bela ainda.
Sorriu de novo.
- Nunca fui uma beleza e nós dois sabemos. Além disso, agora sou uma solteirona.
Owen sorriu por fim e o coração deu um tombo. Recordava muitos bem seus sorrisos, sempre a tinham encantado. O que tinha diante não era tão brilhante, mas recordou
que acabava de perder sua esposa.
- Se você for uma solteirona, eu sou um velho - disse. - É tão bela e passou tanto tempo que sinto que me vai sair o coração do peito.
Deu-se conta de que lhe acontecia o mesmo. Viu que ainda continuavam com as mãos juntas e se afastou devagar.
- Sinto muito pela senhora Saint James.
- Obrigado - respondeu Owen muito mais triste. - Era uma mulher boa e muito especial. Tudo ocorreu tão depressa que demorei muito em me recuperar.
- Por que não se senta? - sugeriu então. - Comerá com minhas irmãs e comigo?
Girou e viu que Olivia e Corey continuavam na soleira da porta, como se não soubessem o que fazer. Mas as duas sorriram em seguida a Owen.
- Eu adoraria ficar - respondeu ele - Olá, senhorita Olivia. Olá, senhorita Corey. - Sacudiu a cabeça então e olhou de novo Alexandra. - Não posso acreditar quão
maiores são suas irmãs. Quando as vi pela última vez, eram só umas meninas. Mas as duas se converteram em mulheres belas e encantadoras. Educou-as muito bem - disse
Owen enquanto se fixava no custoso tecido de seu vestido fúcsia e no bracelete de diamantes que usava.
Ruborizou-se ao imaginar o que estaria pensando. Estava vestida como se fosse da nobreza. Os trajes de suas irmãs, ao invés, eram antiquados e velhos.
- Fiz o que pude - respondeu então.
- Tenho entendido que o duque não está verdade? - perguntou Owen.
- Hoje está passando o dia em Manchester - respondeu nervosa.
- Temos muito do que falar, devemos nos pôr ao dia - disse ele.
- É verdade - respondeu ela com um sorriso. - por que não almoçamos, já é uma e meia, depois poderíamos dar um passeio pelos jardins e falar dos velhos tempos?
- Isso eu adoraria...
Quando terminaram o delicioso almoço, composto por codornas assadas e tortas de limão, Owen se levantou para afastar a cadeira a Alexandra. Sentia-se muito cômoda
com ele, como se não tivesse passado tanto tempo desde que o visse por última vez. O desconforto dos primeiros minutos tinha passado já e se comportavam como velhos
amigos.
Tinham muito em comum e recordaram o passado juntos.
Falaram das festas, lanches ao ar livre e jogos de críquete aos que tinham assistido no passado. Riram ao recordar como estavam acostumados a esperar que sua
mãe tirasse do forno suas deliciosas bolachas para poder prová-las. Deu-se conta de que esqueceu muitas das anedotas que Owen parecia recordar perfeitamente.
Falaram de uma tarde que passaram pescando no lago. Corey tinha se perdido e todos pensaram que teria caído à água, mas a encontraram algum tempo depois dormindo
na parte traseira da calesa, escondida sob as mantas.
Recordaram uns felizes Natais, quando seu pai retornou de Paris com presentes para todos. Ou quando Owen torceu o tornozelo e Elizabeth insistiu em que ficasse
uns dias em sua casa até que se recuperasse. Alojou-se então no dormitório de hóspedes e Alexandra quem o distraiu jogando com ele às cartas e às damas. Também recordou
ter lhe lido livros. Mas não demorou muito em descobrir que seu tornozelo esteve bem desde o começo e que fingiu tudo para poder ficar ali.
Zangada, tinha-lhe atirado então o travesseiro à cabeça. Owen o apanhou e o atirou a ela, que caiu na cama entre risadas. Foi então quando ele a beijou pela primeira
vez.
Sua mãe os surpreendeu então e fingiu estar zangada com eles, mas ela estava segura de que se alegrava ao ver que compartilhavam uma bela amizade e algo mais.
Tinham muitas lembranças.
Owen nesse momento segurava o respaldo de sua cadeira. Podia sentir sua presença e não podia negar que havia algo entre eles e que ainda lhe parecia muito atraente.
A pesar do tempo que tinha passado e de que ele se casou com outra mulher, nunca deixou de querê-lo. Mas, quando Owen lhe tocava a mão, não sentia nada, não a
deixava sem fôlego. Tinham uma relação de amigos, quase de irmãos. Durante todo o almoço, não tinha deixado de pensar em Stephen.
Quase se sentia culpada ao estar em companhia de Owen.
- Bom, acredito que deveríamos ir já - disse Olivia com tristeza.
- Eu não quero ir - protestou Corey.
Alexandra olhou Owen. Sorriu-lhe e ela fez o mesmo. Sabia que estava pensando o mesmo ela.
- Por que não dormem aqui? Viram que há muitos quartos de convidados e passou tanto tempo... Temos muito do que falar - disse a suas irmãs.
Corey gritou entusiasmada.
- Eu adoraria ficar!
- Mas, quem vai ocupar-se de nosso pai? - perguntou Olivia.
Alexandra sentiu que se desinflava, mas Owen tentou animá-la.
- Seguro que pode valer-se por si mesmo durante um par de noites - disse ele.
Soube que tinha razão.
- É verdade, acredito que o mimamos muito - comentou Alexandra.
- Já imagino - respondeu Owen com um sorriso. - Por certo, prometeu-me um passeio pelo jardim.
- Não o esqueci - respondeu ela.
Enquanto os outros saíam do salão, falou com os criados para que preparassem um par de quartos de convidados. Uma donzela acompanhou suas irmãs ao andar superior
e Alexandra por fim ficou a sós com Owen. Sentiu-se de repente um pouco mais nervosa e se deu conta de que não foi uma boa idéia recordar o passado com ele.
- Alegra-me que possam ficar para passar a noite. Está claro que sentiu muita falta delas - disse Owen.
Olhou-o nos olhos e se deu conta de que não ficava mais remédio que lhe confessar o que tinha ocorrido.
- Sim, sinto muito a falta delas. Sinto falta de Vila Edgemont, inclusive sinto falta de meu pai...
- Inclusive? - repetiu ele enquanto segurava seus ombros para obrigá-la a que o olhasse nos olhos. - O que é o que está ocorrendo, Alexandra? Nunca tivemos segredos,
deve ser sincera comigo. A casa está em umas condições lamentáveis, o que ocorreu?
Pôs-se a tremer, sabia que estava aproximando-se do tema do qual mais lhe custava falar, mas ia ter que lhe explicar cedo ou tarde por que estava na mansão de
Clarewood.
- Meu pai bebe muito e jogou tudo o que tínhamos às cartas - confessou.
Owen parecia atônito.
- Isso tinha ouvido, mas pensei que se tratava só de rumores maliciosos. Sinto-o muitíssimo.
- Fiz tudo o que pude para cuidar de minha família - disse ela. - Agora, tenho que costurar para ganhar a vida.
- Fala a sério? - perguntou ele com incredulidade.
- Sim, conserto os vestidos de damas que estavam acostumadas a ser amigas de minha mãe. Agora me olham por cima do ombro e murmuram a minhas costas - disse.
Viu que Owen se ruborizava.
Baixou a vista, depois voltou a fixar-se em seus olhos azuis.
- Nunca tivemos segredos, mas não vai atrever-se a me perguntar diretamente por que vivo aqui, verdade?
- Parece óbvio, mas tenho a esperança de estar equivocado - respondeu Owen.
Sentiu que os olhos enchiam de lágrimas e se apoiou em seu braço.
- Depois de todos estes anos, apareceu um pretendente que se interessou por mim. Tratava-se de um homem mais velho, um latifundiário da zona. Era muito amável
e bom, mas não podia me casar com ele. Depois do que nós compartilhamos não podia me casar com alguém pelo qual não sentia nada. Ter esse pretendente fez com que
tivesse muito presente a lembrança de nosso amor.
Owen a observava com atenção.
- Estou seguro de que sente algo por Clarewood, conheço-lhe muito bem - disse com seriedade. - Sei que nunca aceitaria ser... Nunca aceitaria este tipo de acordo
se não estivesse apaixonada.
Pôs-se a tremer.
- Começou a me cortejar assim que nos conhecemos. Resisti, é obvio. Mas ele não aceitava um "não" por resposta - disse com voz hesitante. - Meu pai se inteirou
e me jogou de casa.
- Não posso acreditar no que seu pai fez! - exclamou furioso. - Quanto a Clarewood... Que tipo de homem trata de cortejar e seduzir a uma honrada aristocrata?
- Não, não diga isso! É certo, amo Clarewood e foi muito bom comigo.
- De verdade? - perguntou com incredulidade. - É um homem muito rico, Alexandra, não se deixe enganar. Para ele, esse bracelete é uma bagatela. Não significa
nada, sobra-lhe o dinheiro.
Deu um passo atrás ao ouvir suas duras palavras.
- Por favor, não o ataque assim - pediu.
- Por que não? Deveria casar-se com você. Se não o fizer, é um calhorda e não importa que tenha um título muito importante ou não.
Tinha esquecido o compassivo e honrado que era Owen. Alexandra acariciou sua face com ternura e lhe sustentou a mão ali para que não deixasse de acariciá-lo.
Olharam-se então nos olhos.
- Não merece esta vida, merece muito mais - disse ele.
- Não podemos escolher nosso destino.
- Então vai conformar-se com esta situação?
Não sabia o que dizer. Sabia que ia zangar-se muito se lhe dissesse que estava grávida.
- Alegra-me que ainda sejamos amigos - disse ela depois. - E lamento que tenha voltado para a cidade depois de umas circunstâncias tão tristes - adicionou enquanto
separava a mão de seu rosto.
Deu-se conta de que ainda havia muitos sentimentos entre os dois.
- Sempre poderá contar comigo, Alexandra - prometeu Owen.
- Sei - respondeu ela enquanto secava uma lágrima.
Foi então quando notou que, além da que existia entre os dois, havia mais tensão no salão. Olhou para a porta.
- Vejo que têm um convidado - disse Stephen com tom algo zombador enquanto se aproximava. - Apresente-nos, por favor, Alexandra.
Capítulo 17
Alexandra sentiu como se ruborizava. Embora não tinha feito nada mau, sentia-se muito culpada. Só estava passando o momento com um velho amigo de seu passado
que decidiu visitá-la, mas ela era a primeira em reconhecer que a reunião não era tão inocente como queria acreditar.
Owen era muito mais que um amigo e não podia evitar sentir-se culpada de sentir carinho por outro homem.
Olhou Stephen nos olhos, mas sua expressão não lhe dizia nada. Estava concentrado em Owen e o observava com frieza.
- Sou Stephen Mowbray, duque de Clarewood - disse. - Bem-vindo a minha casa.
Owen não sorriu.
- Excelência apresento-lhe lorde Saint James, um velho amigo da família - respondeu ela rapidamente.
Stephen nem sequer a olhou limitou-se a fazer uma careta.
- Há que sorte tem Saint James. É parente do visconde Reginald Saint James? - perguntou-lhe com a voz carregada de ira.
- É meu tio - respondeu Owen com a mesma frieza. - É um prazer conhecê-lo, excelência.
A pesar do tom educado, era óbvio para Alexandra que nenhum dos dois estava sendo sincero. Não ia poder suportar essa situação durante muito tempo.
- Owen estava a ponto de ir - interveio ela.
Stephen a fulminou então com seu olhar azul e conseguiu que se ruborizasse. Deu-se conta de que se referiu a seu convidado pelo nome de batismo.
- Conheço Owen desde que tinha quinze anos - adicionou para explicar tanta familiaridade.
Stephen seguiu olhando-a.
- Estivemos a ponto de comprometer-nos - disse então Owen. - Seu pai aceitou minha oferta, mas a baronesa morreu pouco depois. Alexandra decidiu então que devia
renunciar ao casamento para poder cuidar de seu pai e de suas irmãs pequenas. Rompeu-me o coração - adicionou.
O duque continuava com a mesma dura expressão, nada parecia estar perturbando-o, mas sabia que estava furioso.
- Alexandra me contou isso tudo, Saint James.
Não podia deixar de tremer, estava muito angustiada. A verdade era que mal tinha falado disso. Estava muito nervosa.
- Lorde Saint James chegou recentemente à região. Está em Greenwich com lorde Bludgeon. Alegrou-me muito que viesse me visitar. Sugeri-lhe que ficasse para almoçar
e aceitou o convite. - Sabia que estava falando sem parar, mas não podia controlar-se. - E minhas irmãs também seguem aqui. Comemos os quatro juntos. Tudo estava
delicioso, verdade? - perguntou a Owen com um sorriso nervoso.
Ele a olhava com o cenho franzido e sabia muito bem o que estava perguntando-se. Estava segura de que não poderia entender por que parecia temer seu amante.
- Comemos codornas recheadas com damasco. Pedi a minhas irmãs que ficasse para passar a noite e subiram já faz um tempo aos quartos para descansar. Imaginei que
não se importaria. - disse a Stephen - Temos que planejar um jantar especial para esta noite.
Owen continuava observando-a. Stephen também a olhava.
- Parece muito nervosa Alexandra - disse Clarewood.
Suas palavras fizeram com que se alarmasse ainda mais. Embora sua expressão fosse indiferente, sabia que era perigoso como um leão. E ela estava apanhada em sua
guarida.
- Alexandra tentava que tanto suas irmãs como eu mesmo nos sentíssemos muito cômodos, excelência. E o conseguiu, é uma excelente anfitriã. A verdade é que sempre
o foi - comentou Owen. - Mas prometeu me mostrar os jardins e ainda não o fez.
Stephen parecia cada vez mais furioso. E ela estava muito angustiada.
- Mas já faz muito frio para sair - respondeu ela. - Além disso, não me disse que tinha que voltar para a cidade para tomar o chá com uns amigos?
Não lhe importava mentir, necessitava que fosse dali quanto antes. Stephen parecia muito zangado. Sabia que não podia estar ciumento, mas recordou que lhe tinha
exigido total fidelidade.
Pensou que lhe explicaria o ocorrido assim que Owen se fosse e esperava que tudo voltasse para a normalidade. Embora não estava tão segura como teria gostado
de estar.
Owen abriu a boca para negar, mas, ao final, cedeu.
- Não era minha intenção ficar tanto tempo. Além disso, têm razão, tenho outro compromisso - anunciou a contra gosto enquanto tomava sua mão. - Encantou-me poder
vê-la de novo depois de tanto tempo. Obrigado pelo delicioso almoço e pela interessante companhia.
Alexandra afastou depressa a mão.
- Eu também me alegrei muito - respondeu ela enquanto olhava Stephen de esguelha. - Acompanhar-lhe-ei à porta.
Stephen cruzou os braços.
- Bon Voyage, Saint James - disse com frieza. - Volte quando quiser.
- Obrigado por tudo, excelência - respondeu Owen com o mesmo tom. - Pode ser que tome a palavra - acrescentou com mordacidade.
Estava claro que se odiavam. Saiu do salão com Owen, não podia acalmar-se. Era uma das situações mais incômodas que viveu em sua vida.
- Estará bem? - sussurrou-lhe Owen quando chegaram ao vestíbulo.
- É obvio - respondeu ela. - De verdade - acrescentou com um débil sorriso.
- Pareceu-me um canalha sem coração - disse ele - Pode contar sempre comigo se necessitar ajuda - adicionou enquanto saía da casa.
Cada vez tremia com mais força e se sentia muito enjoada.
Fechou os olhos angustiada foi terrível ver como os dois homens se olhavam. Não sabia o que fazer, mas tinha claro que devia falar com Stephen e lhe explicar
que Owen era só um amigo. Também sabia que não era o momento mais apropriado para lhe falar da criança que esperava.
Levantou a contra gosto a vista. Stephen a olhava com a máxima dureza, depois deu a volta e se afastou dali.
Já tinha comprovado uma vez que tinha muito mau gênio e estava assustada, mas sabia que deviam falar e tentar arrumar as coisas. Correu atrás dele.
Entrou na biblioteca e viu como Stephen tirava a jaqueta e a atirava ao sofá.
- Bom, como está seu velho amor, Alexandra? Como lhe foi? - perguntou com acritude.
- Owen é meu amigo, Stephen. Agora estou contigo - respondeu ela.
Stephen deu a volta para olhá-la nos olhos.
- Amou-o com todo seu coração, lembro muito bem suas palavras. Ia casar-se com ele, mas ao final decidiu se sacrificar para cuidar de sua família. Corrija-me
se me engano, por favor - disse com sarcasmo.
- Não - sussurrou ela. - Não se engana, assim foi. Mas já passou muito tempo após.
Stephen riu com incredulidade.
- O que quer?
Estremeceu, não podia lhe contar tudo o que Owen lhe havia dito.
- O que quer? - repetiu fora de si.
- Não sei - respondeu ela. - Sua esposa morreu faz seis meses e decidiu me visitar para ver como estava e recordar o passado.
Stephen a olhou estupefato.
E ela se deu conta nesse instante do que acontecia. Como se lhe tivessem aberto por fim os olhos, entendeu que Owen continuava apaixonado por ela e que não tinha
ido vê-la para conversar como velhos amigos.
Soube nesse instante que Olivia estava certa. Owen poderia ser o príncipe encantado que a resgataria se chegava a necessitá-lo.
E a verdade era que ela ainda o queria muito. Stephen se aproximou por trás e agarrou seus ombros. Deu-lhe a volta para lhe ver o rosto.
- Entendo - disse amargamente.
- Não - replicou ela angustiada. - Não, não entende! Eu nunca romperia os termos de nosso acordo.
- De que termos fala? - perguntou Stephen. - Ainda o ama, Alexandra? Ou não deveria sequer me incomodar em lhe perguntar isso.
- Eu nunca te seria infiel! - exclamou desesperada.
- De verdade? - perguntou enquanto apertava com mais força seus ombros.
Ficaram uns segundos em silêncio, olhando-se nos olhos. Não podia respirar.
- Não me respondeu. Ainda o ama, Alexandra?
Abriu atônita a boca. Queria responder, mas não saíam às palavras. O coração pulsava com tal força que machucava no peito.
- Uma mulher pode trair um homem de muitas formas - disse ele com dureza enquanto a soltava. - Não se incomode em me responder! - espetou indo para a lareira.
- Porque sei a resposta!
Começou a chorar, não podia controlar as lágrimas.
- Não, não conhece a resposta.
- Ama-o! - acusou-a Stephen. - Amava-o há nove anos e ainda o ama! Não estou cego! É óbvio! - gritou. - Qualquer imbecil poderia ver que estão apaixonados!
As lágrimas caíram por suas bochechas.
- É a você a quem amo - sussurrou ela.
- Atreve-se a me mentir agora? E nega o que sente por Saint James?
Negou com a cabeça.
- Claro que o quero, mas...
Stephen foi para ela como se quisesse lhe bater. Sobressaltou-se, mas não lhe levantou a mão.
- Teria me falado desta visita se não lhes tivesse surpreendido quase abraçados? - perguntou-lhe Stephen com voz trêmula. - Vi como acariciava sua face, Alexandra.
Não me diga que não me traíu!
Queria lhe dizer que teria contado, mas não saía à voz.
- Quantas vezes vai me enganar Alexandra? Quantas vezes?
Não entendia do que lhe falava.
- Nunca te enganei!
- De verdade? - disse Stephen. - E o filho que leva no ventre? Meu filho! Quanto tempo pensava continuar me ocultando isso. Mentiu para mim. Pensava ir daqui
antes que fosse óbvio que estava grávida e fazer o mundo acreditar que era o filho de outro?
Estava horrorizada. Não podia acreditar. Stephen sabia...
- Quanto tempo faz que sabe? - perguntou.
- Desde que te recolhi daquela horrível Rua de Londres - respondeu Stephen.
Havia tanto ódio em seus olhos que deu um passo atrás.
- Por favor, Stephen... Tem que entender. Não queria enganá-lo!
- Então, por quê? - gritou.
Não sabia como lhe dizer que seu gênio a aterrorizava, que tinha teve medo de dizer-lhe
- Tenho direito de saber que está grávida! É meu filho!
Stephen deu um murro ao abajur que caiu ao chão, quebrando-se em mil pedaços. Afastou-se assustada, mas ele a agarrou e a atraiu com violência para seu corpo.
- Mentiu-me desde o começo. Estou acostumado a julgar bem às pessoas, mas vi que contigo as mentiras nunca param, verdade?
- Não! - respondeu chorando. - Stephen, ia contar-lhe sobre a criança.
Mas ele a soltou como se lhe desse asco e se separou dela.
- Saia daqui - disse.
Não se moveu, não podia.
- Saia daqui! - gritou então.
E Alexandra saiu correndo.
Stephen ficou olhando desolado pela janela de sua calesa. Acreditava que já era muito tarde. Sentia ódio por um homem ao qual nem sequer conhecia nunca lhe ocorreu
nada parecido. Sabia que chegou a sentir um grande afeto por Alexandra. Isso não podia negar, mas estava convencido de que já era muito tarde para assumir esses
sentimentos porque a tinha perdido para sempre.
Não podia tirar da cabeça as palavras de Alexandra. Tinha-lhe contado que amou esse homem com todo seu coração e que não se casou com ele pela promessa que tinha
feito a sua mãe no leito de morte.
E, depois de que lhe perguntasse fora de si, Alexandra tinha reconhecido que continuava querendo-o. Amaldiçoou entre dentes.
Tinha perdido a única mulher pela qual chegou a sentir muitas coisas e a perdeu por culpa de outro homem.
A dor era insuportável.
Pôs-se a rir com amargura e terminou sua taça de uísque. Era o solteiro mais cobiçado do reino e um dos mais ricos e poderosos, mas sua amante acabava de deixá-lo
por outro homem. Acreditava que algum dia seria capaz de recordar esse dia e rir da ironia de suas circunstâncias.
Era a primeira vez em sua vida que sentia tantas coisas por uma mulher. Com ela podia falar durante horas, inclusive quando estavam na cama, e sabia que esses
dias tinha sido mais feliz que nunca. Não deixava de sorrir em todo momento. Alexandra encheu sua vida de luz e tinha feito que percebesse o triste e escura que
chegou a ser sua existência até esse momento.
Antes de conhecê-la, era uma vida fácil e sossegada, mas não era feliz. Alexandra lhe ensinou a diferença.
Perguntou-se se aquilo seria amor.
O problema era que, fosse qual fosse à resposta, já não importava.
Alexandra amava outro homem e o tinha deixado muito claro. E acreditava que, embora nunca tivesse tido uma relação íntima com Saint James, olhavam-se nos olhos
e se entendiam sem ter sequer que falar-se, como acontecia com os amantes.
Alexandra tinha lhe recordado que Owen não foi para ela um pretendente mais, a não ser seu melhor amigo.
Deu-se conta então de que ele nunca chegou a ser seu amigo. Sua intenção fora protegê-la, defendê-la e lhe fazer amor. Sempre pensou que Alexi era seu melhor
amigo e não se expôs poder ter uma amizade com ela, mas lhe doía pensar que Alexandra não o considerasse como tal.
A ira o consumia, mas não tanto quanto o ciúme que sentia. Também sentia uma profunda dor no peito e pensou que possivelmente tivesse o coração quebrado. Sorriu
cinicamente ao recordar que alguém como ele, frio e sem coração, não poderia sofrer por uma mulher. Todos lhe tinham recordado sempre que era como o velho Tom.
Angustiado, fechou os olhos. Sabia que seu pai o vigiava de perto e estaria rindo dele.
Ouviu como lhe dizia que os duques não sofriam por amor e que devia esquecer-se dela. Podia ouvi-lo como se estivesse ao seu lado.
Mas não podia esquecer que, embora seu pai tivesse feito todo o possível por fazê-lo a sua imagem e semelhança e conseguir que se convertesse em um homem responsável,
frio e racional, não era seu filho natural. Apesar de tudo, era um Warenne.
E seu primo não se cansou nunca de lhe recordar que os homens de sua família amavam só uma vez na vida, mas o faziam para sempre.
Estava desesperado e amaldiçoou para tentar controlar suas lágrimas. Tinha perdido à mulher que mais lhe importou em sua vida. E, embora lhe custasse reconhecer,
soube que tinha chegado a amá-la. Amava Alexandra Bolton. Acreditava que não havia outra explicação possível para os sentimentos que essa mulher conseguiu despertar
em seu interior. Soube assim que a viu.
Era a mulher mais valente, forte e independente que conheceu em sua vida. Também era, apesar de sua inexperiência, muito apaixonada. Nunca desejou estar com ninguém
como a desejou. E não se viu como um homem apaixonado até que esteve com ela.
Tinha-a olhado muitas vezes, estando os dois na cama, com a intenção de lhe confessar o que sentia por ela. Mas, cada uma dessas vezes, tinha deixado que a presença
de seu pai o freasse. Não podia tirá-lo de cima. Sempre o via criticando-o, rindo dele e lhe recriminando tanta debilidade.
Nunca chegou a dizer a Alexandra o quanto a queria. Mas, ao ver como tinham terminado as coisas, tentou convencer-se de que era melhor assim.
Ficou sem fôlego e imóvel. Temia ter se enganado, mas pensava que nenhum homem em seus cabais confessaria seu amor a uma mulher que não sentisse o mesmo por ele.
Recordou então sua infância e quão duro foi passar anos desejando ouvir palavras de carinho da boca de seu pai, palavras que nunca chegou a pronunciar.
Uma parte dele acreditava que Alexandra também chegou a sentir algo por ele. Acreditava que o tocava como se o quisesse, que seus olhos brilhavam como se o amasse
de verdade... Mas estava convencido de que era Saint James o dono de seu coração, que para ela tudo foi um jogo, nada mais.
Atirou a garrafa de licor ao assento de frente e cobriu o rosto com as mãos. Não podia tirar de cima uma terrível sensação de angústia, não podia suportar.
Nunca se sentiu assim, nunca teve que renunciar a nada nem lhe foi negado nada.
E não podia esquecer-se da criança. Perguntou-se se Alexandra teria chegado a lhe dizer algum dia à verdade.
Não podia estar seguro. Estava tão zangado que se negava a lhe dar o benefício da dúvida. Teve muitas oportunidades para lhe dizer a verdade, mas não o fez.
Sentia que Alexandra lhe tinha mentido muitas vezes. O enganou sobre sua inocência e sobre sua gravidez. Tinha o coração partido em dois. Estava seguro de que
tentou jogar com ele desde o começo e que sua intenção eram continuar fazendo-o durante tanto quanto pudesse.
Apesar de tudo, seu coração lhe dizia que possivelmente teria dito a verdade ao lhe assegurar que esteve a ponto de lhe falar do bebê.
Mas sabia que não podia confiar no que dizia seu coração, ele era um homem racional. E o que ela pensasse fazer já não importava, tudo tinha mudado a volta de
Saint James.
O que tinha muito claro era que não ia deixar que outro homem criasse seu filho.
Encolheu o coração ao pensar nessa possibilidade. Foi consciente nesse instante de que acabava de deter a calesa. Olhou de novo pela janela e viu que estava frente
à mansão que Alexi tinha em Oxford. As luzes que iluminavam a casa pareciam mais brilhantes ainda em meio dessa escura noite. Recordou então que seu primo a tinha
comprado durante o tempo que esteve separado de Elysse. A maravilhosa casa de campo estava rodeada de extensos terrenos e belos jardins.
Desceu da calesa, deu-se conta de que seu lacaio tentava comportar-se com a máxima discrição e mal o olhava, como se não percebesse de que o duque estava bêbado
nem pudesse ver os restos de uma garrafa de uísque no chão do veículo.
Alexi não tinha a ninguém atendendo a porta de noite, assim chamou o timbre e golpeou com força a aldaba. Seu primo apareceu poucos minutos depois. Viu que estava
descalço e sem camisa. Só usava as meias e sustentava uma pistola na mão. Abriu muito os olhos ao ver quem chamava a sua porta a essas horas.
- Entre - disse em seguida. - Morreu alguém?
Stephen passou ao vestíbulo.
- Necessito de uma taça - disse enquanto ia direto à biblioteca.
Tinha passado muito tempo nessa sala com seus primos.
Alexi foi atrás dele e fechou a porta da biblioteca. Stephen tinha ficado de pé frente ao fogo da lareira, desejando que desaparecesse de uma vez a dor que sentia
em seu peito.
Seu primo acendeu vários abajures antes de lhe falar.
- Fez um trajeto muito longo só para tomar uma taça - disse. - Parece necessitá-la, certamente, embora a verdade seja que já cheira a álcool. E nem sequer colocou
um casaco, estará gelado.
- Quebrei uma garrafa de uísque dentro da calesa - respondeu o duque enquanto girava para olhar seu amigo.
Alexi levantou as sobrancelhas surpreso.
- Isso não parece próprio de você - disse enquanto servia um par de taças. - Por certo, é uma da manhã.
- Tenho algo que lhe dizer - respondeu Stephen.
- Já imaginava.
Stephen tomou a taça que lhe oferecia seu primo, mas não bebeu.
- Alexandra está grávida.
Alexi começou a sorrir, mas se conteve ao ver o gesto de seu primo.
- Stephen, se não lhe parece uma boa notícia, vou ter que espancá-lo até que recupere o bom senso. É uma boa mulher e não têm descendência. Sabe tão bem quanto
eu que necessita um filho varão.
Stephen fez uma careta.
- Recorde que sou filho bastardo e que jurei que evitaria a todo custo condenar um menino que sofresse esse mesmo estigma.
- Então, case-se com ela, maldito idiota - respondeu Alexi com um sorriso.
Stephen apertou com força o copo que segurava. Estava em tanta tensão que mal podia respirar. Deu-se conta de que devia casar-se com ela. Depois de tudo, ia ser
a mãe de seu filho.
Podia imaginar-se casado com ela e a ideia o agradava. Inclusive parecia contribuir com luz e alegria a seu futuro. Mas estava seguro de que Alexandra nunca aceitaria
casar-se com ele, não quando queria a outro, seu verdadeiro amor.
- Ama outro homem. - Alexi abriu os olhos atônito. - Pode acreditar? - perguntou o duque.
- Está seguro?
- Sim, estou. E não só porque os surpreendi juntos, mas sim porque ela mesma me falou de que foi e era o único amor de sua vida, o homem com quem esteve a ponto
de casar-se há nove anos - disse a Alexi. - Alexandra rompeu o compromisso quando sua mãe morreu. Sacrificou-se para poder cuidar de sua família. Assim é Alexandra
- acrescentou com ironia.
- Como que os surpreendeu juntos? - perguntou seu primo.
- Não estavam juntos na cama, se isso é o que está imaginando, mas estavam com as cabeças juntas, como se estivessem abraçados.
- E isso é o que o faz pensar que Alexandra ainda sente algo por seu amor de juventude? - Stephen assentiu com a cabeça. - Como disse antes, acredito que é uma
boa mulher - disse Alexi. - Sempre consegue o que quer. Se for a ela a quem quer, vá procurá-la. De todas as formas, sempre lhe sai melhor à jogada quando têm concorrência.
E, se por acaso o interessa, todos estamos encantados com Alexandra.
Não podia acreditar no que estava lhe dizendo.
- Não ouviu o que acabo de lhe dizer? Está apaixonada por Saint James! - Sentiu Tom olhando-o com o cenho franzido. Seu pai lhe ensinou que não tinha que pedir
nada a ninguém, que um duque não podia suplicar a uma mulher que o amasse. - E me esqueci de contar-lhe o resto. Esse homem ficou viúvo, assim já não têm impedimentos
de nenhum tipo e poderão casar-se muito em breve e ser muito felizes - disse com a voz entrecortada.
Não entendia como podia lhe doer tanto ter perdido essa mulher.
Elysse apareceu de repente na biblioteca. Levava um xale cobrindo sua camisola.
- Stephen! Aconteceu algo?
Sentiu-se de novo como se fosse um menino e não tivesse passado o tempo, vivendo solitário em sua jaula de ouro, tentando sempre satisfazer ao duque sem chegar
nunca a conseguir. Podia ver seu pai em um canto da sala, rindo dele com crueldade. Nunca lhe havia dito que o amava nem que tinha orgulhoso dele. Apesar de tê-lo
criado como se fosse seu filho, nunca lhe deu o afeto que tanto tinha necessitado.
Respirou profundamente para tentar recuperar a compostura e acalmar-se um pouco. Deu as costas a Elysse, não queria que o visse assim.
- Estamos bem querida - assegurou Alexi a sua esposa. - Volta para a cama, ainda demorarei a me deitar de novo. Se é que me deito...
Ouviu como Elysse saía da biblioteca.
- Sinto muito. Não era minha intenção ser mal educado com Elysse - disse a Alexi.
- Por fim encontrou o amor - respondeu seu amigo. - Essa é a razão pela qual decidi perdoar isso tudo esta noite.
Stephen olhou Alexi.
- Pode ser que tenha razão, mas não comece agora a me falar dos homens da família. Eu não sou um Warenne, sou um Clarewood. Pareço-me mais a Tom que a sir Rex.
E, enquanto falamos, Alexandra está fazendo planos para casar-se com seu querido Owen.
- Como pode estar tão seguro?
- Estou - respondeu Stephen medindo suas palavras. - Conheço Alexandra. É o tipo de mulher que só entrega seu coração uma vez na vida.
Sentiu algo no peito enquanto falava como se duvidasse de suas próprias palavras. Mas os viu juntos e havia sentido a cumplicidade que havia entre eles, como
se fossem dois velhos amantes. Odiava esse homem com todo seu ser...
Alexi negou com a cabeça ao ouvi-lo.
- O que quer dizer? - perguntou Stephen.
- Tem que entender que um homem cego de amor é exatamente isso, um homem cego. Não pode ver com claridade, nem sequer pode pensar com claridade. Elysse também
está convencida de que Alexandra é perfeita para você e está segura de que o ama. De fato, minha esposa me comentou que Alexandra não é o tipo de mulher que teria
uma aventura amorosa, não se não houvesse amor no meio.
Stephen ficou olhando seu primo enquanto tentava controlar sua respiração. Queria acreditar no que lhe dizia. E quase acreditava quando recordava como Alexandra
estava acostumada lhe acariciar o rosto, como lhe brilhava os olhos, como o olhava...
Depois de tudo, ele foi seu primeiro amante e tinha tratado durante muito tempo de recusá-lo, fiel aos seus princípios morais. Mas recordou então o que tinha
sentido ao vê-la com Saint James. Tinha acariciado o rosto desse homem da mesma maneira. Sentiu que ficava sem fôlego.
- Fala assim porque não os viu juntos.
- É verdade, não os vi. Mas, como lhe disse, agora mesmo está cego. Falou com ela? Falou de verdade com ela, escutando-a?
Ficou sem fôlego um segundo. Depois, ficou a dar voltas pelo salão.
- Foi o que pensei... - murmurou Alexi. - Teve uma horrível discussão com ela e decidiu ir. Por que não volta para casa e dorme um pouco? Quando despertar amanhã
e se recuperar da ressaca, poderá falar com ela de maneira racional e calma.
Olhou então seu primo.
- Não acredito que possa voltar a ser racional. - Alexi sorriu. - Não tem nenhuma graça - resmungou ao ver o gesto de seu primo.
- A mim sim, Stephen. Sempre tive vontades de vê-lo com o coração quebrado por culpa de uma mulher tão incrível como Alexandra. Necessitava alguém que lhe baixasse
as fumaças.
Uma parte dele queria retornar para casa, como Alexi tinha sugerido. Desejava despertar Alexandra e lhe perguntar o que sentia por ele. Precisava saber se o amava,
embora só fosse um pouco. Acreditava que se a seduzisse antes, poderia conseguir que lhe dissesse algo.
Não podia esquecer a conversa que tiveram essa tarde, quase lhe parecia poder escutá-la...
- Ainda o ama, Alexandra?
- É a você a quem amo - sussurrou ela.
- Atreve-se a me mentir agora? E nega o que sente por Saint James?
- Claro que o quero, mas...
Stephen olhou seu primo.
- Obrigado por ser tão pormenorizado - murmurou.
Não podia deixar de pensar que possivelmente Alexandra sentisse algo por ele. Depois de tudo, levava seu filho nas vísceras, não o de Owen.
Alexi se aproximou e lhe deu uma carinhosa palmada no ombro.
- Se lhe disser o que sente e pede que se case com você, sei que aceitará - disse.
Ele não podia estar tão seguro, mas se deu conta de que isso não importava.
Só podia pensar no melhor para a criança. Sabia que deviam casar-se pelo bem de seu filho.
Olhou seu primo, o coração pulsava com força.
- Não vou dizer que a amo porque cabe a possibilidade de que ela não me corresponda.
- Por que não? O que têm a perder?
- Ainda fica um pouco de dignidade - replicou Stephen de má maneira.
Não se via capaz de confessar a Alexandra seus sentimentos, não sem a segurança de ser correspondido.
- Sim, mas pode ser que perca todo o resto se não lhe disser o que sente - respondeu Alexi - O que pretende? Vai afastá-la de seu lado e permitir que retorne
com esse tal Saint James?
Stephen estava fora de si, mal podia controlar seu aborrecimento.
- Sabe muito bem que nunca permitiria que outra pessoa criasse meu filho!
- Mas me disse milhares de vezes que seria um pai terrível, tão mau como o velho. - respondeu Alexi com gesto inocente.
Sabia que seu primo tentava provocá-lo, mas não ia cair na armadilha.
Não estava disposto a retornar para casa e confessar a Alexandra que a amava. Não pensava lhe rogar que o escolhesse e se esquecesse de Saint James. Acreditava
que os duques não rogavam.
Tinham-lhe ensinado que os duques davam ordens.
Podia sentir seu pai como se estivesse vivo e nessa biblioteca com os dois. Quase podia ouvir suas gargalhadas.
- Nunca disse que Mowbray fosse um pai terrível. Era duro e acreditava de verdade na disciplina. Mas ele me converteu no homem que sou agora.
- Não, é como é porque leva em suas veias o sangue dos Warenne, Stephen - replicou Alexi. - Além disso, desfrutou do carinho de sua mãe para rebater a crueldade
de Mowbray.
- Tenho que ir - respondeu Stephen de maneira abrupta.
Foi para a porta e Alexi o seguiu.
- O que vai fazer?
Deteve-se no vestíbulo e olhou seu primo.
- Casaremo-nos pelo bem da criança - anunciou.
Alexi levantou as sobrancelhas.
- Sugiro-lhe que peça com amabilidade.
Stephen sorriu.
- Não me vejo capaz, Alexi.
Ouviu como seu primo suspirava desesperado enquanto Stephen saía da casa.
Alexandra contemplou o amanhecer da janela de seu dormitório. Olivia estava ao seu lado e Corey ficou dormindo em uma poltrona próxima. Tinham os restos do café
da manhã em uma pequena mesa.
Suas irmãs os tinham ouvido discutir acaloradamente e tinham ido em seguida a seu dormitório para consolá-la. Não tinham se separado dela após e tinham passado
uma longa e triste noite juntas.
Tinha os olhos vermelhos e estavam inchados de tanto chorar. Doía-lhe o coração como se de verdade estivesse quebrado. Não tinha dormido nada. As acusações de
Stephen e sua ira tinham conseguido emocioná-la e não podia pensar em outra coisa.
Seus piores pesadelos tinham se feito realidade. Para piorar ainda mais as coisas, sabia que havia saído à meia-noite da casa e não retornou à mansão até três
horas mais tarde.
Não queria nem pensar em onde teria estado, mas acreditava que só havia uma explicação para um homem que saía de sua casa a essas horas da noite. Estava segura
de que teria ido procurar o consolo que necessitava nos braços de outra mulher.
Tinha os joelhos dobrados frente a seu rosto e apoiou em um deles a bochecha. Estava destroçada. Olivia lhe acariciou as costas.
- O que vai fazer?
Levantou a cabeça então.
- Me arrumar e descer para continuar discutindo com ele - disse.
Olivia a olhou com os olhos entrecerrados.
- O que ocorreu ontem à noite não foi uma discussão sem mais.
- Não, é verdade - reconheceu Alexandra enquanto abraçava as pernas.
- Como pode ter mudado tanto em tão pouco tempo? Era tão amável e generoso. Mas quando falava ontem à noite com você, o fazia com tanto ódio...
- Já tinha temido que ocorresse algo assim. Nunca tinha conhecido a ninguém com tão mau gênio. Não é algo que acontece sempre, mas parece que não suporta que
as pessoas sejam desonestas - murmurou com os olhos cheios de lágrimas - Ia dizer-lhe ontem à noite que estou grávida, pode acreditar nisso? E também pensava contar-lhe
que Owen tinha vindo ver-me, de verdade.
Olivia tomou com carinho sua mão.
- Tinha razão, Alexandra. Ao menos quanto a Clarewood.
Corey despertou então.
- Acredito que ele está apaixonado por ela - disse.
Alexandra se sobressaltou ao ver que sua irmã pequena estava acordada.
- Eu adoraria que estivesse certa, mas temo que não seja assim - disse a sua irmã pequena.
- Eu estou segura. Esses dois homens a amam e Clarewood se zangou por culpa de Owen - respondeu Corey.
Alexandra não estava de acordo. Sabia que a Stephen tinha enfurecido que não lhe dissesse que estava grávida tal e como ela temeu. Baixou os pés ao chão, que
estava muito frio.
- Deveria me preparar já, Stephen gosta de madrugar - disse. Não podia deixar de tremer, tinha muito medo. Alguém bateu na porta enquanto ficava em pé. - Entre
- respondeu ela.
Abriu-se a porta e apareceu Stephen na soleira. Seu aspecto era desalinhado, mas havia muita segurança e decisão em seu olhar. Deu-se conta de que ele também
não tinha dormido essa noite. Perguntou-se se teria ficado bebendo.
- Desejaria poder falar com você - anunciou.
Olhou alarmada a suas irmãs, que já ficavam em pé. Pareciam tão surpreendidas e assustadas quanto ela. Olivia a olhou nos olhos.
- Não ocorre nada - sussurrou Alexandra para tranquilizá-la.
Saíram depressa do dormitório sem olhar sequer a Stephen. Quando ficaram sozinhos, ele levou as mãos ao quadril, parecia preparado para o ataque.
- Eu não gosto de discutir contigo - disse ela.
- Então, não minta para mim - replicou ele.
Abriu a boca para defender-se uma vez mais, mas sabia que ele não ia acreditar nela.
- Não quero brigar contigo - insistiu.
- Me alegro. Eu também não quero que briguemos. Ao menos, não no momento. Não quando leva meu filho nas vísceras.
Não podia respirar, era um molho de nervos.
- Assim é - respondeu ela.
- Nos casaremos Alexandra. Casaremo-nos pelo bem da criança.
Estava estupefata.
- Não penso permitir que dê a luz a um bastardo - acrescentou Stephen. - Se este era seu plano, conseguiu o que pretendia.
Pôs-se a tremer. Nunca poderia planejar algo assim. Amava Stephen e seu maior desejo era casar-se com ele, mas não podia estar feliz. Sabia que Stephen estava
zangado com ela e que só queria casar-se pela criança, não porque sentisse algo por ela. Sabia que não podia aceitar uma proposta assim.
Mas não sabia como poderia negar-se.
Pensou então em Owen. Sabia que lhe proporia casamento porque a queria.
- Está muito calada - comentou Stephen com frieza.
- Estou aturdida.
- De verdade? - perguntou com ironia - Sou o solteiro mais cobiçado do reino e ainda não ouvi que aceitasse minha proposta.
Não sabia o que dizer. Amava-o muito para casar-se com ele pelos motivos equivocados. Outra parte dela pensava que, como o amava tanto, não poderia lhe dizer
que não.
- Terei que pensar.
Stephen levantou as sobrancelhas surpreso. Depois, sorriu.
- A verdade é que não esperava essa resposta - disse Stephen. - Pensei que se negaria.
Pareceu-lhe que já não estava zangado com ela. Era muito pior, falava-lhe com ódio e desdém.
- Tenho que pensar, Stephen - repetiu.
- Sério? - perguntou entre risadas. - Deixa que esclareça as coisas, Alexandra. Evitei o casamento sempre e levo a menos uma década procurando minha futura esposa.
Isto não será mais que outro acordo entre nós pelo bem da crianã. Não penso permitir que nasça um bastardo.
Pôs-se a tremer.
- Odeia-me? - perguntou.
Stephen pareceu surpreendido com a pergunta.
- Não - respondeu.
Sentiu um pouco de alívio e fechou brevemente os olhos.
- Mesmo assim, tenho que pensar.
- Por quê? Quer esperar para ver se Saint James lhe faz a mesma proposta? - Abriu a boca para protestar, mas Stephen não a deixou falar. - Deixa que corrija minhas
palavras, porque o que lhe apresentei não era uma proposta a não ser uma alternativa. Pode se casar comigo ou fugir com seu querido Saint James.
Pôs-se a chorar, mas não lhe importou.
- Entretanto, se decide ir com seu amante, o menino tem que ficar aqui, com seu pai. E nos casaremos antes.
Abriu a boca, não podia acreditar no que ouvia.
- O menino é meu e tem que tomar uma decisão.
Stephen deu a volta e foi para a porta.
- Não posso escolher nenhuma das duas coisas! - gritou ela indo atrás dele.
Deteve-se ante a porta e girou para olhá-la, mas se deram de bruços. Stephen a segurou pelos ombros e a olhou com dureza.
- Terá que fazê-lo. Ou Saint James ou eu. Mas o menino fica aqui - disse.
Estava muito desconcertada para falar.
Stephen a soltou e saiu do dormitório.
Capítulo 18
Quando Julia entrou no hotel Saint Lucien, muitos voltaram-se para olhá-la. Atravessou o amplo vestíbulo depressa e tratou de ignorar os olhares. Sabia que
inclusive os que não a reconheciam podiam adivinhar que era uma dama de certa fila e riqueza. A roupa que usava suas joias e seu porte eram seus gestos de identidade.
Mas outros a reconheceram. Ouviu rumores ao passar, e pessoas que se dirigiam a ela por seu título nobiliário. Não olhou a ninguém nem respondeu. Não podia pensar
em nada nem em ninguém mais. Só em Tyne.
Tinha-a beijado brevemente, mas com tanta paixão que ela respondeu da mesma maneira. Depois, havia lhe disse que logo estaria deixando o país e se afastou rapidamente.
Entre o desejo e a comoção, Julia havia tornado a montar no lombo de seu cavalo e haviam retornado para casa quase em silêncio. Tyne se despediu antes que pudesse
lhe sugerir que a visitasse de novo para que pudessem sair monta outro dia.
Tinha certos contatos e pode averiguar que retornaria a América no dia seguinte. Sentia-se consternada e tinha muito medo. Estava há dias sem dormir, desde que
o viu pela última vez, desde que se beijaram. Apaixonou-se por um cowboy americano e, se não fizesse nada para segurá-lo, não voltaria a vê-lo.
Passou a maior parte de sua vida adulta completamente isolada. Enquanto Tom esteve vivo, tinha vida social, e muitos conhecidos, mas nunca teve amigas de verdade.
Aos olhos de todos, sua vida sempre dependeu da responsabilidade que tinha como mãe e como duquesa de Clarewood. Mas, na realidade, passou anos tentando rebater
a crueldade com a qual Tom criava Stephen e suportando o mau gênio de seu marido.
Depois da morte de Tom, manteve algumas das amizades desses anos, outros se afastaram dela. Tentou estar muito perto de Stephen, que só era um jovem de dezesseis
anos com uma grande responsabilidade nas suas costas. Não demorou em se dar conta de que estava qualificado para o posto e conseguiu dirigir o ducado de Clarewood
com mais êxito que seu próprio pai. Não precisou de sua ajuda em nenhum momento, só seu apoio incondicional.
Por fim livre Julia começou a construir uma nova vida para ela, uma que se apoiava no amor que tinha a seus cães e cavalos. Fez amizade com outros cavaleiros.
Mas era uma mulher de natureza reservada e nenhuma dessas amizades foi além.
Não tinha a ninguém em quem confiar.
Depois de despedir-se de Tyne, ficou sozinha e pensativa e analisou a situação acompanhada por seus grandes cães. Chegou à conclusão de que não tinha muitas opções.
Podia ficar sentada sem fazer nada e esperar que ele fosse vê-la ou podia aproximar-se e visitá-lo no hotel e tomar as rédeas de sua própria vida.
A verdade era que se sentia sozinha e queria estar com Tyne. Desejava passear com ele, falar com ele, montar juntos e compartilhar sua paixão. Não queria vê-lo
desaparecer de sua vida. Chegou inclusive a pensar que desejava passar o resto de seus dias com ele.
Cabia a possibilidade de que ele não sentisse o mesmo, mas sabia que só havia uma maneira de descobrir.
Deteve-se em frente ao balcão do hotel. Era muito cedo, não havia nenhum outro cliente esperando. Um jovem se aproximou depressa para atendê-la.
Nem sequer se incomodou em sorrir ou em saudá-lo.
-O senhor Jefferson está em seu quarto? - perguntou.
- Ainda não o vi descer, senhora - respondeu o jovem.
- Em que quarto está hospedado?
O homem nem sequer se surpreendeu. Olhou o livro de registros e lhe deu a informação que necessitava. Julia o agradeceu e foi para a escada.
Sabia que todos a olhavam enquanto subia. Não lhe importava. Sabia que não era apropriado que uma dama visitasse um cavalheiro em seu quarto. Soube que os rumores
não demorariam a correr, mas não pensava preocupar-se com isso. Era tão cedo que não acreditava possível que a acusassem de visitá-lo com intenções luxuriosas. Pensou
que ficariam loucos tentando averiguar a quem foi visitar e para que.
Esteve a ponto de sorrir ao pensar nos rumores, mas estava muito nervosa para fazê-lo. Sentia-se como uma adolescente apaixonada. Perguntou-se se ele se alegraria
em vê-la ou se sua visita lhe incomodaria.
Decidiu que, se o visse incômodo, não tentaria flertar com ele. Cada vez estava mais nervosa. Agarrou com mais força a bolsa e percorreu o corredor depressa procurando
o número de seu quarto. Quando encontrou a porta, inalou profundamente para tentar se acalmar e bateu na porta.
- Um momento - respondeu ele do interior.
Ruborizou-se ao ouvi-lo. Ocorreu-lhe então que possivelmente estivesse em companhia de uma mulher e se sentiu mais envergonhada ainda.
Abriu-se então a porta, usava suas calças e uma camisa branca que parecia ter colocado depressa. Viu que levantava as sobrancelhas ao ver quem chamava a sua porta.
Ela continuava ruborizada e não podia deixar de olhá-lo em seus olhos cor âmbar, como se estivesse hipnotizada. Nesse instante, esqueceu as palavras que tanto
ensaiou.
- Vai amanhã - sussurrou com a voz carregada de emoção.
Tyne assentiu com a cabeça muito devagar. Nem mesmo ele parecia poder afastar a vista dela. Sua presença era entristecedora, podia sentir o calor que emanava
de seu corpo, sua masculinidade. Havia muita tensão entre os dois, parecia encher tudo. Tyne continuava com sua mão no pomo. De repente, deu um passo atrás, afastou-se
e abriu a porta de tudo.
Seus gestos era todo o convite que necessitava.
Tremendo e com a respiração entrecortada, Julia entrou na suíte e ficou imóvel. Havia um sofá e um escritório, mas só tinha olhos para a grande cama. Sentiu que
Tyne estava atrás dela, tão perto que estava tocando a saia de seu vestido.
- Não deixei de pensar em você - disse ele enquanto fechava a porta.
Voltou-se para olhá-lo, não havia tempo para pensar. Só podia sentir e desejar.
- Tyne... - murmurou.
Agarrou-a pelos ombros e a olhou com os olhos acesos pela paixão. Abraçou-a então contra seu torso, rodeando-a com os braços. Podia sentir cada centímetro de
seu firme e musculoso corpo e seu aroma a envolveu.
Estava tão perto dele que sentia os batimentos de seu coração.
Tyne lhe levantou o queixo e se olharam nos olhos. Deu-se conta então de que seu coração pulsava com tanta força quanto o dele, com mais força que nunca. Ele
entendeu tudo sem que tivesse que lhe dizer nada e cobriu sua boca com um beijo.
Foi um beijo apaixonado desde o começo. Julia o agarrou pelos ombros, estava tão excitada que sentiu que perdia a cabeça. Deixou-se levar por ele e separou os
lábios, deixando que suas línguas se acariciassem. Não pôde evitar e começou a gemer. Nem mesmo podia deixar de mover-se entre seus braços. Sentia-se como se estivesse
por fim no lugar adequado, como se toda sua existência a tivesse conduzido a esse momento, a esse beijo, a esses braços.
Beijaram-se apaixonadamente, como dois loucos, e ele a moveu pelo quarto até que sentiu o colchão da cama contra suas coxas. Separou-se então dele e lhe agarrou
a camisa, tentando desesperadamente desabotoar os botões. Só sabia que tinha que lhe tirar a roupa, não podia pensar em nada mais. Ficou sem respiração ao ver seu
torso nu.
Tyne apanhou suas mãos com força.
- Está segura? - perguntou.
Julia escapou dele e acariciou seu torso, deleitando-se em cada músculo e em cada vale. Inalou profundamente e gemeu.
- Nunca estive tão segura de nada. Faça-me amor, Tyne - sussurrou.
Ele terminou de tirar a camisa e a atirou ao chão. Desejava-o tanto que lhe pareceu que estava a ponto de desmaiar. Tyne a tomou em seus braços e a deixou na
cama. Seguiu beijando-a, baixando até seus seios enquanto ela continuava acariciando seu torso e seus fortes braços. Não podia suportar tê-lo tão longe, sentia que
estava a quilômetros de distância, estava muito excitada para esperar um segundo mais.
- Depressa - pediu.
Tyne levantou a cabeça e a olhou. Seus olhos continuavam carregados de desejo, mas lhe pareceu que havia algo mais neles, quase surpresa. Concentrou-se então
nos botões de seu vestido.
Levantou-se para ajudá-lo. Deu-se conta de que voltava a ser a mulher que tinha sido uma que esteve a ponto de esquecer por completo. Enquanto Tyne a despia,
ela foi tirando as forquilhas do cabelo e o pequeno chapéu. Depois o olhou. Tinha terminado de desabotoar-lhe por completo, mas não parecia atrever-se a tirar-lhe
de tudo.
Desejava-o mais que desejou qualquer coisa em sua vida. Levantou os braços para soltar seu cabelo e deixar que seu vestido caísse. Adorou despir-se para ele.
O sutiã que usava era de Paris. A regata, de seda quase transparente. Apesar da leveza da malha, o tecido a incomodava. Estava muito excitada e precisava estar nua.
- É tão bela... - sussurrou Tyne com sensualidade.
Julia ficou em pé e terminou de tirar o vestido.
Tyne a agarrou então pelos quadris.
- E tão pequena e delicada...
Quase parecia assustado, como se temesse rompê-la.
Nunca havia se sentido tão desejada. Beijaram-se com mais paixão ainda e caíram juntos na cama. Notou que Tyne tentava tirar o cinturão e as calças. Quando conseguiu,
começou a acariciá-la sem descanso.
Antes que pudesse dar-se conta de como tinha ocorrido, estava completamente nua e Tyne a acariciava e beijava em lugares que ninguém havia tocado em décadas.
Não podia deixar de gemer e ofegar, nunca havia sentido um prazer tão intenso.
Tyne agarrou seus quadris e lhe sussurrou algo. Depois foi baixando com a boca por seu corpo e começou a beijá-la e acariciá-la entre as coxas. Estremeceu ao
senti-lo, ondas de prazer sacudiam com intensidade seu corpo, não podia pensar.
Algum tempo depois, sentiu que se colocava sobre ela e abriu os olhos para olhá-lo.
"Amo-o", pensou então.
Estava desejando estar com ele e queria que desfrutasse tanto como ela. Adivinhou o que Tyne estava a ponto de fazer, mas se levantou e o beijou, queria lhe fazer
entender quão agradecida estava e quanto gostou do que acabava de ocorrer. Tyne estava de joelhos e podia sentir sua ereção contra sua pélvis. Ficou muito quieto
enquanto ela o beijava. Depois, agachou-se para saboreá-lo.
Sentiu como estremecia e soube que ia protestar, mas ela não ia deter-se. Moveu os lábios sobre seu ereto membro, o desejo era tão intenso que a dominava por
completo. Podia ouvir sua respiração entrecortada. Quando parecia que já não podia conter-se mais, Tyne a afastou para abraçá-la e se olharam nos olhos.
Ele sorriu e se deslizou dentro dela. Sentiu que lhe enchiam os olhos de lágrimas. Mas não estava triste, eram lágrimas de pura alegria. Tyne não demorou muito
em chegar ao clímax, ao mesmo tempo em que ela.
Quando voltou para a realidade, encontrou-se entre seus braços e com suas pernas enredadas. Tyne lhe acariciava com o rosto ternura. A luz da manhã entrava pela
janela. Não pôde evitar ruborizar-se, estava feliz. Não demorou muito em sentir como o desejo crescia de novo em seu interior. Olhou-o sorridente e colocou as mãos
em seu torso.
Tyne também sorriu, havia muito carinho em seus olhos.
- Nunca teria imaginado isso... - sussurrou Tyne enquanto a beijava na testa.
- Passou tanto tempo e me dava muito medo que visse o que sentia por ti...
- Quanto tempo, Julia? - perguntou mais sério.
- Quinze anos.
Tyne ficou olhando-a, parecia perplexo.
- Mas... É uma mulher tão apaixonada... Como pode passar tanto tempo sozinha?
- Ninguém conseguiu despertar meu desejo - confessou ela.
Ele ficou imóvel e a abraçou com mais força. Depois, sem deixar de olhá-la nos olhos, colocou-se sobre ela.
Recordou então que ia ao dia seguinte. Sentiu-se muito triste, tinha o coração apertado.
- Vou sentir sua falta, Tyne.
Ele abriu os olhos surpreso e temeu ter falado mais da conta.
- Tem que ir? - disse ele.
Não entendeu sua pergunta.
- Podemos tomar o café da manhã na cama, gosta de champanha?
Decidiu que, se isso era tudo o que Tyne podia lhe oferecer, ia aceitar de todos os modos. Acariciou o rosto desse homem. Seu coração transbordava de amor por
ele e pensou que devia aproveitar esse momento sem pensar no que ia ocorrer no dia seguinte. Beijou-o então, muito lentamente e desfrutando de cada sensação.
Stephen olhava os planos estendidos sobre a mesa, mas não podia concentrar-se neles. Só eram números e linhas, não lhe diziam nada, via tudo impreciso. A imagem
de Alexandra era só o que via com claridade. Recordou seus olhos vermelhos e inchados. Imaginou que teria passado a noite chorando, mas não podia entender por que.
Não compreendia como podia estar tão triste se seu verdadeiro amor tinha retornado por fim a sua vida.
Não podia deixar de pensar no quanto se mostrou alterada depois de que lhe dissesse que deviam casar-se.
Alexandra tinha se surpreendido muito, como se não esperasse essa proposta. A verdade era que ele nunca suspeitou que ficasse grávida para apanhá-lo, sabia que
foi uma concepção acidental.
Depois de tanto tempo procurando à esposa adequada, estava preparado para casar-se com a mulher que esteve tentando conquistar durante semanas. Uma mulher que
conseguiu seduzir e que depois resgatou uma mulher que se tornou sua amante contra a vontade. Alexandra perdeu seu bom nome. Não tinha dinheiro nem posição social.
Era uma mulher que costurava para poder viver. Por mais poderoso que fosse a vida o surpreendeu uma vez mais.
Acreditava que casariam pelo bem da criança, mas o certo era que desejava casar-se com Alexandra porque a amava. Desejava proteger sua dignidade, protegê-la e
lhe dar uma boa vida, a que merecia.
Amaldiçoou entre dentes.
Várias horas depois, olhou a xícara de chá quente que acabavam de lhe servir. Ao lado tinha uma taça de uísque meio vazia. Estava a horas tentando trabalhar,
do amanhecer, desde que disse a Alexandra que deviam casar-se e que, se decidisse sair dali, teria que deixar a criança com ele.
Os arquitetos, Randolph e seu assistente o deixaram sozinho. Imaginou que teriam visto que não estava de humor para tratar com ninguém nesse dia.
Guillermo era o único que se aproximava de vez em quando. Tinha-lhe servido torradas que não comeu. Depois, ovos mexidos com presunto, que também ignorou. A última
tentativa do mordomo por lhe fazer comer foi um prato com um filé de vitela e rins. Mas nem ao menos pode provar.
Cobriu o rosto com as mãos. Estava exausto. A última coisa que teria esperado de Alexandra era que lhe pedisse um pouco de tempo para pensar. Mas, conhecendo-a
como a conhecia, acreditava que não deveria ter estranhado. Era uma mulher inteligente e imaginou que estaria sopesando suas opções. Não acreditava que houvesse
no reino nenhuma dama solteira que não teria saltado de alegria ao saber que ia ser duquesa, fossem quais fossem suas circunstâncias. Mas a resposta de Alexandra
lhe confirmou suas piores suspeitas. Seu amor não era correspondido, só amava a Saint James.
Levantou a vista. A biblioteca estava em penumbra, mas pôde ver Tom observando-o de um canto da ampla sala. Olhava-o com condescendência e desdém. Piscou e seu
pai se esfumou.
Alguém chamou então à porta, que estava entreaberta. Era Guillermo. Seu mordomo não nunca mudava de expressão, mas viu algo em seus olhos que conseguiu sobressaltá-lo
e se levantou rapidamente.
- O que acontece?
- Acredito que a senhorita Bolton se vai com suas irmãs - disse o homem.
Demorou uns segundos em entender as palavras de Guillermo. Saiu depressa da biblioteca e atravessou a casa até chegar ao vestíbulo principal.
Alexandra estava ali com suas irmãs. Usava um de seus velhos e antiquados vestidos. As três estavam pondo já os casacos para sair. Viu que Alexandra tinha a bolsa
com suas coisas de costurar no chão e ao lado de seus pés. Já não usava o bracelete em seu pulso. Entendeu então que o deixava.
Ela o olhou com a cabeça muito alta. Seus olhos estavam ainda mais inchados que essa manhã. Foi para ele, parecia doída e triste.
- Volto para Vila Edgemont - disse.
Suas palavras atravessaram seu peito com a força de uma adaga, quase sentiu uma dor física ao ouvi-las.
- Entendo - respondeu com muita mais calma da que sentia. - Então, tomou uma decisão.
Alexandra negou com a cabeça e as lágrimas começaram a rodar por suas bochechas.
- Não, não havia nenhuma decisão a tomar.
Não a entendeu, mas sabia que preferia voltar com Saint James antes de escolhê-lo e criança. Respirou profundamente para tentar afastar a dor que sentia.
- Preferiria que ficasse aqui até o nascimento da criança, assim teria os melhores cuidados.
- Não posso ficar aqui, Stephen - disse ela tremendo. - Agora já não, assim não...
Cada vez lhe custava mais manter a compostura e não deixar-se levar pela dor.
- O que quer dizer com isso?
- Depois do que ocorreu, não poderia ficar aqui. Seria insuportável.
Nem sequer podia respirar. Queria tê-la em Clarewood. Ali poderia atendê-la melhor e estaria perto dela, poderia vê-la cada dia.
- Não poderia esperar uns poucos meses mais antes de fugir com seu amante? - perguntou com voz envenenada.
- Não vou com ninguém - respondeu Alexandra. - Mas não posso ficar aqui. Suponho que não tentará impedir que vá, verdade?
Não podia deixar de olhá-la, sentia que todo seu ser sofria com sua partida.
- Não, não impedirei que vá - conseguiu dizer.
Pareceu que suas palavras tranquilizavam um pouco Alexandra. Imaginou que estaria desejando perdê-lo de vista. Não podia entender como tinham chegado a essa situação.
- Enviarei alguns criados a Vila Edgemont para que a atendam ali, mas voltará para Clarewood para o nascimento de meu filho. E, antes que aconteça nos casaremos
- disse.
Não era uma sugestão, mas uma ameaça. Estava decidido a ter um filho legítimo e que nascesse nessa casa.
Ficou atônito ao ver que Alexandra negava de novo com a cabeça.
- Também é meu filho e temo que não possa renunciar a ele, nem sequer para entregá-lo a ti, seu pai. Nosso filho viverá comigo, Stephen.
- Nunca permitirei que outro homem crie meu filho - informou ele com frieza.
Alexandra deu um passo atrás ao vê-lo tão alterado.
- Eu gostaria de falar do menino dentro de algum tempo, quando estivermos mais tranquilos e de melhor humor - disse ela.
- Não há nada do que falar - replicou ele com a respiração entrecortada. - Farei o que tiver que fazer para consegui-lo e de nada te servirá te negar porque o
menino crescerá nesta casa.
Alexandra estremeceu ao ouvir suas palavras e viu que chorava de novo.
- Volto para casa - respondeu ela dando a volta.
Sem pensar no que fazia, agarrou-a antes que pudesse sair.
Alexandra o olhou e ficaram uns segundos em silêncio.
- Não quero brigar, não posso...
- Então, fique aqui e nos casaremos.
- Não posso - insistiu ela.
Soltou-a então, custava-lhe respirar.
- Sinto-o - sussurrou Alexandra. - Sinto-o muitíssimo. - Ele não disse nada, olhou-a enquanto saía. - O bracelete está em minha cômoda - disse Alexandra enquanto
fechava a porta.
Em Alexandra já não ficava mais lágrimas. Agarrou-se bem à correia da porta de sua calesa para rebater os buracos do caminho. Já podia ver pela janela sua pequena
e desmantelada casa. Angustiada, deu-se conta de que nada mudou. O jardim continuava descuidado e cheio de barro. Os atoleiros se converteram em lacunas, um dos
degraus da entrada estava quebrado e à parede de tijolo faltavam algumas peças. Atrás da casa, o celeiro parecia a ponto de desabar-se, como se o telhado fosse afundar-se
a qualquer momento.
Pôs-se a tremer. Pensava que já não ficavam mais lágrimas, mas não era assim. Passou chorando às três horas de caminho e suas irmãs não tinham conseguido consolá-la.
A calesa se deteve frente a casa e a porta se abriu.
Ficou sem fôlego ao ver seu pai. Não queria mais discussões, não tinha energia para suportar mais acusações.
Olivia, que tinha levado a calesa desde Clarewood, jogou o freio e desceu.
- Olá, pai. Alexandra voltou para casa, suponho que queira recebê-la com os braços abertos - disse a Edgemont.
Alexandra olhou sua irmã e pensou que tinha maturado muito durante essas últimas semanas. Mas não podia alegrar-se de algo assim, sabia que eram os maus momentos
passados que a mudaram.
Edgemont parecia tão esgotado quanto ela. Tinha os olhos chorosos, mas usava roupa limpa e parecia sóbrio.
Corey desceu da calesa e Alexandra a seguiu. Foram para a porta.
- Olá, pai - disse com voz trêmula enquanto rezava para que tudo fosse bem.
Ele a olhou com atenção. Sabia que não podia ocultar como se sentia e que qualquer poderia ver que tinha passado horas chorando.
- Olá, Alexandra - respondeu ele - O que ocorreu?
Decidiu que tentaria não dar muita importância ao assunto.
- Parece que ultimamente me jogam de todas as partes - disse enquanto tentava sorrir. Edgemont não sorriu. - Tenho que voltar para casa - informou enquanto tomava
sua bolsa com a costura. - E o rogo que me permita viver aqui - acrescentou com tanta dignidade como pôde reunir.
Seu pai rompeu a chorar.
- Sinto tanto te mandado embora de casa! É que... Doeu-me tanto saber o que fez!
Sentiu um grande alívio ao escutá-lo.
- Pai estou envergonhada. Sinto lhes ter feito mal e ter desonrado toda a família.
Mas pensou então na criança que crescia dentro dela e se deu conta de que não podia arrepender-se. Acontecesse o que acontecesse, ia querer essa criança com todo
seu coração. Sabia que Clarewood seria um duro rival e tentaria ficar com o bebê, mas não permitiria.
Decidiu que não era o melhor momento para contar a seu pai.
- Eu também o sinto muito - respondeu seu pai entre lágrimas. - Meu Deus, Alexandra, é a luz desta família, é igual a sua mãe. Enganei-me, não deveria ter dito
o que disse. Clarewood é um maldito canalha e todo mundo sabe. Seduziu-te, verdade? O muito canalha! Já tinha ouvido dizer que quebrou muitos corações por todo o
reino e acusei a ti em vez de ver quem era de verdade o responsável pelo que ocorreu. Esse maldito bastardo!
Apesar de tudo o que aconteceu, teve vontade de defender Stephen. Mas recordou que queria ficar com seu filho e que a acusou de ser uma embusteira. Não tinha
permitido que se explicasse. Stephen pensava que amava Owen e que pretendia ir com ele. Não podia acreditar que queria forçá-la para que se casasse com ele. Não
confiava nela nem a entendia. Não parecia conhecê-la absolutamente e sempre pensava o pior dela.
Estava convencida de que a odiava e desprezava, não podia casar-se com ele. Amando-o como o amava, não podia unir-se a ele em casamento, não quando seus sentimentos
não eram correspondidos. Parecia-lhe incrível que queria casar-se com ela e que ao mesmo tempo estivesse disposto a permitir que fosse com Owen enquanto ele ficava
com seu filho ou filha.
- Apaixonei-me por ele, pai - conseguiu confessar. - Se fosse de outro modo, acredito que poderia lhe ter parado os pés e não permitir que me seduzisse.
Para sua surpresa, Edgemont acariciou seu rosto.
- Entendo. Sei que, de outro modo, não teria feito algo assim. Apesar das horríveis coisas das quais te acusei, no fundo sabia que não podia ser de outro modo,
Alexandra. Era a genebra a que falava filha. Sabe verdade?
Abraçou seu pai então como teria feito com um menino ou um adulto doente. Sentia que precisava protegê-lo. Edgemont começou a chorar. Sabia que as lágrimas eram
fruto do que bebeu na noite anterior e também de sua dor. Seu pai era um homem débil e doente, levava anos sem valer por si mesmo. Acreditava que o homem com o qual
Elizabeth esteve casada morreu no mesmo dia em que sua mãe se foi, mas já não importava. Seu pai precisava dela, devia cuidar dele e lhe alegrava poder fazê-lo.
Faria durante toda sua vida, tal e como prometeu a sua mãe.
Edgemont se afastou e limpou as lágrimas com um lenço.
- Poderia me fazer uns ovos? Ninguém cozinha tão bem quanto você.
Sorriu ao ouvi-lo. Estava cansada e triste, nada tinha mudado nessa casa. Olhou seu pai e suas irmãs. Depois, fixou-se nos velhos móveis do vestíbulo. Não, nada
tinha mudado, só ela.
Já não era uma mulher inocente e levava um menino em seu ventre. Retornava a Vila Edgemont para cuidar de seu pai, de suas irmãs e desse bebê que ainda não tinha
nascido.
Sentiu que voltava para o ponto de partida.
- Ouvi que você passou quase toda a semana encerrado na biblioteca. Enviei-lhe notas, mas não respondeu nenhuma. Não sabia o que pensar. Arrumou as coisas com
Alexandra ou seguem enlameados na mesma briga de apaixonados?
Stephen estava muito concentrado lendo um relatório sobre um negócio de minas no norte da Europa. Interessava-lhe muito e estava decidido a investir nessa empresa.
Levantou a vista ao ouvir seu primo e viu Alexi na porta. Guillermo estava atrás dele. Todas as venezianas estavam fechadas e também tinha puxado as cortinas. Não
sabia se era de dia ou de noite.
Não estava de humor para receber visitas e era algo que deixou muito claro a seu serviço. Nem Alexi tinha direito a apresentar-se assim, suas ordens foram muito
claras.
- Elysse insistiu muito, queria que viesse lhe ver - explicou Alexi enquanto o observava.
- Disse ao capitão de Warenne que não recebia visitas, excelência - apontou o mordomo. - Mas o capitão de Warenne se negou a acatar minhas indicações.
- Decidi entrar e lhe ver sem mais, como sempre faço - disse seu primo com entusiasmo. - A verdade é que me surpreendeu ver que Guillermo pretendia inclusive
impedir fisicamente que entrasse na biblioteca. Não o entendo. Depois de tudo, sou seu melhor amigo. E pode ser que o único.
Zangado, fechou a pasta com os documentos que esteve estudando.
- Estou muito ocupado, Alexi - advertiu.
- De verdade? Elysse ouviu um rumor. Parece que Alexandra Bolton retornou a sua casa e está sendo cortejada por um cavalheiro ao que não conheço, um tal de Owen
Saint James. Assim suponho que estava certo e eu me enganei. Recusou sua proposta de casamento? Ou acaso não se atreveu a pedir-lhe.
Stephen ficou em pé. Conseguiu sorrir e não perder de todo a calma. Tinham passado cinco dias desde que Alexandra se foi dessa casa e sua atitude lhe deixou muito
claro que pensava ficar com a criança e voltar com Saint James, embora tivesse se empenhado em negar uma e outra vez. Desde esse instante, decidiu deixar de pensar
nela e fechar por completo seu coração. Não queria saber nada dela até a primavera. Tinha calculado que a criança nasceria a princípios de agosto e não tinha pressa
por contatar com ela.
Conseguiu concentrar-se em seu trabalho e acreditava que voltava a ser o mesmo de sempre. Só tinha em mente seu ducado e seus negócios, como deveria ser. Levantava-se
cedo para tratar os assuntos referentes à suas terras e propriedades, depois se ocupava de sua fundação beneficente e de outros projetos. Não se deitava até muito
tarde, mas não o fazia sozinho. A proprietária do bordel mais exclusivo de Londres lhe enviou uma cortesã diferente cada noite desde que Alexandra se foi. Só lhe
pediu que fossem estrangeiras sãs e que não falassem seu idioma.
Mas, apesar de tudo, os comentários de seu primo conseguiram que sentisse o coração encolher. Não queria pensar nisso, sabia que Alexi só desejava provocá-lo
e rir dele.
- Entre, por favor. Depois de tudo, parece que ninguém pode impedi-lo isso. Como está? Como está Elysse? - perguntou enquanto se aproximava da mesa das bebidas.
- Vinho ou uísque?
- A verdade é que é um pouco cedo para beber, assim que nenhuma das duas coisas - respondeu seu primo. Serviu-se uma taça de uísque.
- Guillermo, abre as cortinas, por favor - pediu ao mordomo.
- O que é o que lhe ocorre? O que ocorreu? - perguntou Alexi. - Por que Alexandra se foi?
- Não me ocorre nada, primo. Recuperei o bom senso, isso é tudo - disse com um sorriso.
Alexi o observou com os olhos entrecerrados.
- Negou-se a aceitar sua oferta de casamento, verdade? Por quê? Pediu de maneira romântica ou ordenou?
Todo seu corpo se esticou ao ouvir suas palavras. Tinha-lhe ordenado que se casasse com ele e Alexi o conhecia melhor do que pensava. Mas não pensava falar de
Alexandra Bolton com ele. Nem sequer queria pensar nela. Já sentia a presença de seu pai na biblioteca e acreditava que estaria orgulhoso dele ao ver como solucionou
as coisas.
- Sabe de sobra que não sou um romântico. Tudo terminou e não penso falar do tema.
Levantou-se e se separou de seu primo. Apesar de tudo, não podia desprender da dor que sentia no peito.
Alexi foi atrás dele e o agarrou pelo ombro.
- Vai ter seu filho! Ou é acaso o filho bastardo de Saint James?
Furioso por tal acusação girou para seu primo com o punho em alto, preparado para batê-lo. Não podia acreditar que se atreveu a sugerir que Alexandra lhe fora
infiel. Estava fora de si, nunca havia sentido nada igual. Mas então viu os olhos de Alexi e entendeu o que estava fazendo. Tinha mordido a isca.
Sentiu nesse instante como se rachavam os muros que construiu ao redor de seu coração para não sentir nada. A dor era tão forte que não podia suportar. Tinha
em sua mente a imagem de Alexandra saindo dessa casa com sua bolsa de costura e os olhos cheios de lágrimas.
- Maldito seja! - gritou a seu primo, - A criança é minha! E, quando tiver que nascer, nascerá em Clarewood. Eu criarei meu filho ou minha filha. Não permitirei
que fique com meu filho!
- Stephen, que demônios houve? - perguntou Alexi enquanto o agarrava pelos ombros e o olhava nos olhos. - Por que não luta por ela?
Stephen se separou dele.
- Já passamos por tudo isto antes.
Faltava-lhe o fôlego, não podia controlar sua respiração.
- Meu Deus, têm poder para mover montanhas, Stephen. Conseguiu construir hospitais, residências, casa para os operários mais pobres. E, agora, um homem se interpõe
entre você e a mulher que quer e não faz nada. É um covarde!
Ficou imóvel, perguntando-se se de verdade era um covarde. Mas sabia que Alexandra não sentia nada por ele, estava apaixonada por Saint James. Ao menos, era isso
que ele acreditava.
- Não têm nem ideia - disse a Alexi.
Separou-se de seu primo e este o seguiu.
- Sei mais do que você acredita - respondeu. - Elysse e eu também não começamos bem. Estivemos separados durante anos por culpa do orgulho e da ira. Acredito
que sei qual é o problema. E não se trata de orgulho desta vez, mas sim de amor.
Stephen o olhou com o cenho franzido.
- Tornou-se louco?
- Não. O problema é que não acredita no amor. A culpa é a maneira como foi criado. Seus pais se desprezavam e, se tiver que ser sincero, acredito que o velho
Tom também odiava a você, por mais que decidisse lhe fazer seu herdeiro.
Ficou atônito. Era algo que sempre se perguntou, desde muito menino, sempre teve a sensação de que seu pai não o amava. Era difícil pensar de outro modo com seus
contínuos castigos e recriminações.
- Acredito que o odiava. Sua presença o recordava cada dia que não era capaz de engendrar um herdeiro. Cada vez que o olhava, via Julia com sir Rex. Mas não estava
disposto a permitir que as pessoas soubesse que era impotente, por isso tratou de convertê-lo em seu filho perfeito, o futuro duque de Clarewood. Era um homem cruel
e odioso. Não entranha que desconfie de Alexandra nem que seja como é. Mas têm que recordar sempre que não é Tom nem ela é Julia. Tom tentou te transformar em alguém
como ele, mas é um Warenne, não esqueça nunca - disse Alexi apaixonadamente. - Somos homens orgulhosos e arrogantes, mas não podemos viver sem o amor de uma mulher.
Olhe a mim e a Elysse, pense em sir Rex, seu verdadeiro pai, e lady Blanche. Acredito que se admiraram em segredo durante anos até que encontraram a maneira de estar
juntos. E Ariella e Emilian? Minha irmã desafiou a todos para estar com o amor de sua vida. E não posso me esquecer de meu pai e Amanda, outra história de amor -
acrescentou seu primo. - É um Warenne Stephen, e é capaz de amar de verdade e de amar para sempre. Queira reconhecer ou não, é algo que leva no sangue e têm direito
a sentir-se assim.
Stephen amaldiçoou em voz alta e se deixou cair no sofá. O coração golpeava com força dentro do peito, mas o deixava quebrado. Não podia deixar de pensar em seus
pais e suas terríveis discussões. Ele estava acostumado a sair correndo e se escondia, não gostava de vê-los assim, não podia suportar. Recordou também a expressão
de ódio no rosto de seu pai quando levantava a mão para esbofeteá-lo.
Cobriu o rosto com as mãos, perguntando-se se Alexi teria razão. Ele não acreditava no amor até saber que Saint James havia retornado do passado para aparecer
na vida de Alexandra. Teve que enfrentar ao que sentia por ela.
Amava-a.
A dor era muito profunda, inalcançável, mas sabia que a amava.
Não podia deixar de recordar que Alexandra o abandonou para ir com outro homem. Acreditava que, tal e como tinha ocorrido com seu pai, o amor que lhe tinha não
era correspondido.
Sentia-se doído, vulnerável, impotente. Era como se voltasse a ser um menino, não um homem feito à frente de um poderoso ducado.
Alexi se sentou a seu lado.
- Se for atrás dela, poderia chegar a viver em um lar cheio de carinho e alegria, não na mais fria solidão. Não penso ir daqui até que o convença Stephen.
Tentou controlar a respiração e sua dor. Não podia tirar de cima a sensação de ter sido recusado pelos que mais tinha amado. Sabia que Tom o vigiava de perto
e ria dele.
Seu pai nunca acreditou no amor e seu objetivo fora convertê-lo no frio e calculista oitavo duque de Clarewood.
Levantou lentamente o rosto e olhou seu primo.
- Tenho algo que confessar.
Alexi esperou pacientemente.
Podia ver seu pai observando-os, estava furioso.
- Meu pai nunca foi capaz de me dizer que me amava, nem sequer no leito de morte - disse, com voz entrecortada. - Estava desesperado. Apesar de minha curta idade,
sabia que tudo o que queria era que me dissesse, ao menos uma vez em sua vida, que estava orgulhoso de mim, que me amava.
Alexi lhe esfregou as costas.
- Estou seguro de que Tom não podia pronunciar essas palavras, Stephen. Só lhe importava o ducado. Era um canalha desumano e cruel. Mas, não pense em Tom, mas
em sir Rex. Apareceu em sua vida quando tinha nove anos. Lembro ouvir como falava de você com orgulho. E sempre foi amável e carinhoso. Acredito que é mais filho
de sir Rex que de Tom.
Recordou então com quanta rapidez sua mãe quis enterrar o passado. Negava-se a visitar o mausoléu onde seu pai estava enterrado. De repente, entendeu-a e sentiu
o que mesmo ela.
Estava farto de viver com esse terrível peso a suas costas. Estava cansado de sentir seu falecido pai vigiando-o do além, rindo dele, ridicularizando-o, criticando-o.
Esfregou-se a nuca pensativo. Sabia que o sangue que levava por suas veias era mais importante que outro tipo de laços. Alexi tinha razão, era um Warenne e se
apaixonou.
Era doloroso admitir, mas sabia que devia fazê-lo.
Mais complicado ainda era decidir se devia lutar por Alexandra, como seu primo lhe dizia. Amava-a, necessitava-a. Já não queria ter que brigar por ela para obter
a custódia da criança, porque sabia que conseguiria ganhar e ela ficaria desolada. Deu-se conta de que não poderia fazer-lhe algo assim.
- O que vai fazer? - perguntou Alexi.
Respirou mais profundamente e sentiu que a dor ia desaparecendo de seu peito. Não entendia o que lhe ocorreu. Sempre conseguiu o que queria, era o duque de Clarewood.
Perseguiu-a até consegui-la e havia ganhado. Decidiu que devia fazê-lo de novo. Mas não podia cometer mais enganos, havia muito em jogo.
Olhou seu primo.
- É verdade que Saint James está cortejando-a?
- Acredito que a visita cada dia - respondeu seu primo.
Deu-se conta de que Alexi estava tentando esconder um sorriso de satisfação.
Não sabia se estava lhe dizendo a verdade, mas já não lhe importava. Ficou em pé, estava decidido. Sabia que, se não fizesse nada para evitar, terminaria perdendo
Alexandra para sempre.
- Já estou farto desse Saint James - resmungou. - Não penso suportá-lo mais...
Alexi se levantou com um grande sorriso.
- E, quando terminar tudo isto, me agradecerá como mereço verdade? Porque acredito que têm uma grande dívida comigo.
Stephen ignorou seu comentário e saiu da biblioteca.
- Os conselhos não deveriam ser gratuítos- acrescentou Alexi rindo.
Capítulo 19
- Parece que hoje está um pouco mais animada - disse Owen ao vê-la.
Alexandra sorriu. Estavam sentados na parte dianteira da calesa de Owen. Não podia evitar estar nervosa. Embora fizesse frio, era um dia ensolarado e estavam
dando um passeio pelo campo. As folhas das árvores se tingiram de vermelhos e laranjas. Não demorariam muito em cair ao chão. Tinham saído com uma cesta cheia de
comida e almoçaram em uma pradaria perto do caminho, não muito longe de um rebanho de ovelhas. Passaram umas horas muito agradáveis, mas não pode deixar de pensar
em todo o trabalho que tinha pendente e que teria que fazer assim que a deixasse em sua casa.
- Conseguiu me animar - disse ela. - Mas suponho que esse era seu propósito desde o começo, verdade?
Owen sorriu.
- É obvio. Eu não gostava de ver você tão triste.
Afastou então os olhos sem deixar de sorrir. Owen a visitava a cada dia desde que voltara para casa. Gostava de vê-lo, sua presença lhe dava paz e sua companhia
a agradava muito.
Distraía-lhe falar com ele. Enquanto costurava, não podia evitar pensar em tudo o que aconteceu e lamentar sua perda. Não conseguia tirar Stephen da cabeça. Tinha
o coração quebrado e, embora sentisse que nunca poderia recuperar-se, sabia que o tempo acabaria por melhorar as coisas. Já lhe ocorrera uma vez, quando teve que
romper seu compromisso com Owen.
Sabia que, cedo ou tarde, os corações quebrados se curavam.
Não falou com ele do por que voltou para sua casa, mas Owen lhe disse que estava muito contente ao ver que tinha arrumado as coisas com seu pai e que havia voltado
para Vila Edgemont.
Sabia que Owen teria imaginado que já não estava com Stephen e que se alegrava de que fosse assim. Em cada visita fazia algum comentário que poderia ter dado
pé a ela para lhe confessar o que aconteceu com o duque, mas ela estava acostumada evitar esse tipo de conversa. Não pensava falar com Owen do que teve com Stephen.
Nem mesmo lhe passou despercebido o que já suspeitava, Owen continuava apaixonado por ela. Brilhavam-lhe os olhos quando a olhava, estava acostumado a brincar
com frequência para fazê-la rir e seus gestos eram sempre muito carinhosos. Mas, quando Owen a tocava, não podia evitar sobressaltar-se nem afastar-se. Não estava
pronta para ter um novo pretendente. E não sabia se algum dia voltaria a estar.
Queria-o muito, mas tudo tinha mudado. Era Stephen Mowbray a quem amava.
E Owen não sabia nada sobre a criança que esperava.
Juntou as mãos e decidiu mudar de tema. Não pensava comentar nada sobre o porquê esteve tão triste esses dias.
- Antes estávamos acostumados a falar de tudo - murmurou Owen.
Olhou-o então no rosto.
- Bom, as coisas mudaram. Já não podemos fazê-lo. - disse ela.
- Por que não? Estou preocupado com você.
- Sei Owen. Sua lealdade significa muito para mim.
- Quando estiver preparada, Alexandra, escutarei. Acredito que se sentirá melhor se falar de Clarewood e o que lhe fez.
Embora Stephen agisse muito mal com ela, franziu o cenho, e teve vontade de defendê-lo novamente.
- Owen, aceitei voluntariamente sua proposta. Os dois cometeram enganos - disse.
- Embora me custe dizer, acredito que deveria casar-se com você e arrumar assim as coisas - respondeu Owen.
Afastou os olhos, não podia olhá-lo. Ele tomou então sua mão.
- Sinto muito. Sei que já lhe disse isso e prometo não voltar a fazê-lo. Mas é que odeio esse homem, Alexandra. Merece muito mais.
Queria afastar sua mão, mas não o fez. Não ia dizer-lhe que não estava o bastante qualificada para converter-se na esposa de Stephen e em uma duquesa. Já não
acreditava. Deu-se conta de que Olivia tinha razão. Alguns nobres se casavam com plebeias por amor. Não era o mais normal, mas se davam alguns casos. O problema
era que Stephen não a amava. Acreditava que o amor e o desejo eram duas coisas muito distintas.
- Odeio lhe ver assim, tão triste e machucada - murmurou Owen.
Afastou então a mão.
- Estou bem, de verdade.
- Não, não está, mas admiro sua valentia e decisão - disse ele - Olhe. Parece que têm visita, Alexandra.
Ela já tinha visto a calesa frente a sua casa e não lhe custou reconhecê-la. Muito a pesar dele, Ariella e Elysse se aproximaram para visitá-la. Não entendia
o que podiam querer. Ela já não estava com Stephen e sabia que as duas damas mantinham uma muito boa amizade com ele. Perguntou-se se teriam ido vê-la para rir de
sua dor. Não podia acreditar que estivessem ali para consolá-la.
- De quem se trata? - perguntou Owen enquanto detinha seu veículo ao lado do outro.
- Elysse de Warenne e Ariella Saint Xavier. São... São amigas - explicou ela.
Owen a olhou com o cenho franzido.
Não quis lhe explicar mais. Desceram da calesa e entraram na casa. Olivia e Corey as atendiam no salão. O fogo estava aceso na lareira e viu que havia chá e massas
sobre a mesa. As duas mulheres ficaram em pé ao vê-la entrar com Owen. Sorriam como se gostassem de voltar a vê-la, mas notou que o olhavam com um pouco de suspicacia.
Alexandra tirou o casaco e se aproximou.
- Que surpresa tão agradável! - disse.
Elysse a abraçou com afeto.
- Esqueça-se das formalidades, por favor - respondeu. - depois de tudo, somos amigas. Ouvimos rumores e estávamos um pouco preocupadas com você.
Olhou-a nos olhos e ficou atônita ao ver que parecia sincera de verdade. Julgou-as julgado mal. Elysse de Warenne era uma mulher amável e boa.
Ariella também se aproximou e lhe esfregou as costas com carinho.
- Está bem? - perguntou preocupada.
Desarmou-lhe por completo que fossem tão amáveis com ela. Parecia importarem-se de verdade e sentiu que seu quebrado coração voltava a pulsar no peito. Sabia
que eram amigas de infância de Stephen e pensou que possivelmente elas pudessem ajudá-la a entender por que se comportou tão mal com ela. Talvez pudessem ajudá-la.
- Estou bem - mentiu.
- Não parece - apontou Ariella. - Têm que me acreditar se lhe disser que Stephen tem um coração de verdade de baixo dessa fachada tão dura e fria, mas reage muito
mal quando acredita que tentam enganá-lo.
Pôs-se a tremer.
- Está tão zangado comigo... - sussurrou ela. Ariella e Elysse se olharam nos olhos.
- Chegou a sua vida perfeita e ordenada e a pôs de pés para o ar, Alexandra - Elysse disse então. - Alexi me disse que está destroçado e de muito mau humor.
Alexandra olhou então Owen, parecia muito incômodo e sério, não devia gostar nada do que estava ouvindo.
- Não fiz as apresentações - murmurou Alexandra.
Surpreendeu-lhe ver o quão agradáveis e educadas as duas jovens se mostraram com Owen quando o apresentou. Não parecia lhes importar que fosse um pretendente
e, portanto, rival em certa medida de Stephen. Enquanto se saudavam, ficou pensando no que Elysse acabava de comentar. Chamou-lhe a atenção saber que Stephen também
estava sofrendo nesses dias. Mas não podia entender por que. Pensou que possivelmente sentisse sua falta, mas não lhe parecia possível. Chegou logo à conclusão de
que estaria preocupado pelo bebê.
Enquanto Ariella e Owen conversavam, Elysse tomou Alexandra da mão e a tirou do vestíbulo.
- Não pode renunciar a ele! - disse então.
Mordeu o lábio antes de responder.
- Não entende. Tem muito mau conceito de mim. E me... - Deteve-se antes de continuar, não sabia se devia lhe dizer a verdade. - Pediu-me que me casasse com ele.
Mas o fez por razões erradas e lhe disse que não podia aceitar - confessou ao fim.
Elysse não parecia surpreendida e imaginou que já saberia. Depois de tudo, seu marido era o melhor amigo de Stephen. Perguntou-se se saberia algo mais.
A jovem parecia ter poder para lhe ler a mente. Tomou de novo sua mão e a apertou com carinho.
- Os homens podem chegar a ser tão tolos... - murmurou. - Como pode estar tão segura de que lhe ofereceu casamento sem boas razões para fazê-lo?
Não sabia como responder e decidiu lhe dizer a verdade.
- Eu o amo - confessou. - Mas não sou correspondida.
Elysse sorriu.
- Está segura? - perguntou. - Há algo que deve saber. Stephen não é um homem expressivo, nunca mostra seus sentimentos. A verdade é que não sabe como fazê-lo.
Foi criado pelo duque anterior, que era um homem duro, difícil e muito cruel. Não teve o melhor exemplo de comportamento em casa, Alexandra.
- A duquesa viúva me disse o mesmo. Mas Stephen não é assim, pode chegar a ser carinhoso - sussurrou.
- Se o vê assim é porque sente algo por você, algo muito importante - respondeu Elysse. - E há algo mais. Stephen não leva muito bem o assunto de pais e filhos.
Em parte pela horrível relação que teve com o velho Tom. Mas também tem outras razões. Sabia que jurou solenemente que nunca conceberia um filho fora do casamento?
Ficou sem respiração.
- Não, não tinha ideia. Mas, por quê? São muitos os nobres têm filhos ilegítimos.
Soube que Elysse estava a par de seu estado.
- Temo que ele mesmo tenha que explicar-lhe isso. Mas é um assunto que consegue tirá-lo do sério mais que nenhum outro - disse Elysse.
A cabeça dava voltas. Sabia que estava lhe dando pistas muito importantes para compreender Stephen e que, se conseguisse resolver o enigma, poderia entender melhor
tudo o que tinha ocorrido, mas não se via capaz de encaixar todas as peças desse complicado quebra-cabeças.
- Deveria perguntar a Stephen sobre seu pai e por que jurou que nunca deixaria que outro homem criasse um filho dele.
Pôs-se a tremer. Acreditava que, se esse era o tendão de Aquiles de Stephen, começava a compreender muitas coisas.
- Está segura?
- Estou-o - respondeu Elysse sem deixar de sorrir. - Ainda há esperança, querida. A não ser é claro, que esteja apaixonada pelo encantador Saint James.
- Quero muito a Owen, mas é por Stephen que estou apaixonada - disse Alexandra.
Perguntou-se se de verdade haveria ainda esperança para sua história. Porque, se havia, pensava lutar por seu amor, por um futuro juntos e pela criança que crescia
em suas vísceras.
- Isso é o que eu pensava - respondeu Elysse com satisfação.
Voltaram para o salão. Owen a olhou assim que entraram, parecia preocupado. Sorriu para tranquilizá-lo, mas a verdade era que não estava nada tranquila. Tinha
muitas coisas na cabeça.
Acabava de saber que Stephen tinha algum tipo de aversão aos filhos bastardos, mas não sabia por que. Pensou que possivelmente tivesse irmãos ilegítimos que tivessem
sofrido muito. Era a única conclusão a que conseguiu chegar. Recordou então como se mostrou zangado quando lhe disse que não lhe entregaria o menino. Além disso,
Stephen pensava que pretendia casar-se com Owen e que este seria o encarregado de criar o pequeno.
Deu-se conta de que devia explicar-lhe as coisas novamente. Mas, sabendo o sensível que era com esse, tema, ia ter que ser muito diplomática. Cada vez estava
mais nervosa.
Notou que a Owen mudava a expressão do rosto de repente. Franziu o cenho, parecia muito preocupado. Levantou-se e foi até a janela do salão com as mãos nos bolsos.
Alexandra se levantou para ver o que estava olhando. Corey exclamou entusiasmada e Olivia também se aproximou.
- Bom... Pergunto-me quem será - comentou Ariella com um sorriso.
Todo mundo passou ao lado de Alexandra para ir à janela. E ela também. Randolph de Warenne conduzia um grande carro. A parte de trás estava cheia de ramos de
rosas vermelhas. E Ébano estava preso à parte de trás da carreta.
O coração de Alexandra começou a pulsar com força.
Randolph desceu e se aproximou da casa. Corey a olhou com um grande sorriso e correu a lhe abrir a porta.
Todos estavam em silencio no salão. Alexandra só podia ouvir os batimentos de seu próprio coração.
Não entendia o que significava aquilo nem por que o teria feito.
Randolph entrou poucos segundos depois no salão. Foi diretamente para ela e a saudou com uma reverência.
- Bom dia, senhorita Bolton - disse com um sorriso.
Pôs-se a tremer, nem sequer podia respirar.
- O que ele fez agora?
- Acredito que lhe envia flores, Ébano e uma pequena amostra de seu afeto - respondeu Randolph enquanto tirava uma caixa do bolso da jaqueta. - Suponho que sabe
que não me permite retornar a Clarewood com as flores, o cavalo nem a joia.
Olhou a caixa de veludo. Stephen lhe devolvia o bracelete...
- Por que fez isto?
Randolph levantou as sobrancelhas e abriu a caixa para que pudesse ver o que continha.
- Acredito que sua excelência deseja que aceite estes presentes, senhorita Bolton - disse Randolph. - Parece que por fim se deu conta de que está apaixonado.
Alexandra ficou sem respiração e completamente atônita olhando o enorme anel de diamantes.
Julia se olhou no espelho que havia sobre a cômoda de mogno. Continuava no quarto de Tyne e a luz da manhã penetrava já entre as frestas das cortinas. Ele tinha
saído para deixar que se vestisse na intimidade. Desde que chegou a esse hotel no dia anterior, passaram todo o tempo juntos. Fizeram amor, contaram sobre suas vidas
e haviam retornado a se amar uma e outra vez. Jantaram no quarto e depois fizeram amor de novamente.
Mas Tyne ia nesse dia.
Pôs-se a tremer. Olhando-se no espelho, deu-se conta de que parecia mais radiante que nunca, mas não podia sorrir. Sentia-se muito triste. Era um homem forte
e seguro de si mesmo, mas de gostos simples. Toda sua vida girava ao redor do rancho que tinha construído e de suas terras na Califórnia. Tinha aprendido o que significava
viver ali. Pode acariciar suas muitas cicatrizes. Outras feridas, as que levava na alma ainda não tinham curado. Também lhe falou dessas. Contou-lhe uma dúzia de
histórias lhe relatando todos os perigos pelos quais passou. Não podia acreditar que continuasse vivo depois de tudo aquilo.
A vida que ela levava era completamente distinta. Assistia a festas e bailes, tomava o chá com amigas e saía para passear a cavalo com seus cães. Stephen estava
há anos sem necessitar seu apoio nem seus conselhos. Era um adulto e tinha muito êxito em tudo o que empreendia. Lamentava que ainda não houvesse sentado a cabeça
e que não tivesse família, mas tinha a sensação de que não demoraria a fazê-lo.
Pode comprovar que estava perdidamente apaixonado pela senhorita Bolton. Todo mundo podia ver, todos menos Stephen.
Sabia que Tyne gostaria que o visitasse em seu rancho da Califórnia e ela já tomara a decisão de fazê-lo. Mesmo assim, não suportava a ideia de ter que despedir-se
dele quando acabavam de começar a conhecer-se. Sabia que teria que passar seis meses ou mais sem vê-lo.
Bateram na porta do quarto.
- Entre - respondeu ela com um sorriso.
Tyne entrou e sorriu brevemente.
- Necessito ajuda com os botões - disse ela enquanto girava para lhe dar as costas.
- É obvio - respondeu Tyne sem deixar de olhá-la.
Fechou os olhos enquanto ele abotoava a parte de trás do vestido. Não pôde evitar estremecer ao sentir seus dedos nas costas.
Tyne tomou seus ombros e a fez girar para olhá-la.
- Não parece muito contente hoje - disse.
- Você também não - respondeu ela.
- Não conheço nenhum homem com dois dedos de frente que gostaria de ir embora depois do que aconteceu - respondeu.
Julia abriu muito os olhos e agarrou suas mãos sem pensar.
- Então, não o faça - disse. - Fica um pouco mais para que possamos... Para que possamos aprofundar nesta amizade.
- E depois o que? Cedo ou tarde, terei que ir e sua vida está aqui.
Ficou olhando-o muito pensativa.
- O que ocorre?
- Falava a sério quando te disse que eu gostaria de ir vê-lo na Califórnia - sussurrou ela.
- Mas toda sua vida está aqui, Julia. É a duquesa viúva de Clarewood.
- É verdade. Mas, se não estou muito enganada, logo haverá uma nova duquesa de Clarewood.
- O que quer dizer?
- Que não estou tão atada as minhas responsabilidades na Inglaterra como pensa, mas meus cães têm que vir conosco, não penso abandoná-los.
Tyne a olhou então muito sério e ela ficou sem respiração.
- Julia, tenho que te confessar algo - disse. - eu adoraria ficar mais tempo para estar contigo. Mas há um problema. Se for ver-me na Califórnia, não sei se poderei
deixar que volte para a Inglaterra quando chegar o momento.
- E se disser que não quero voltar para a Inglaterra? E se quizer ficar ali? - perguntou ela enquanto acariciava seu rosto. - Apaixonei-me por você, Tyne, e já
não tenho nada que me amarre a este país.
Tyne a abraçou com força.
- Não posso acreditar... Deixaria toda sua vida aqui por mim? Mas, e se você não gostar da Califórnia? Já te disse que a vida ali é muito dura.
- Estou pronta para começar esta nova etapa de minha vida - disse ela com segurança. - Além disso, sou mais forte do que parece.
Tyne pôs-se a rir. Depois a tomou pela cintura e a levantou no ar, abraçando-a apaixonadamente.
- Sim, a verdade é que nunca tinha visto uma mulher tão pequena e delicada, mas tão dura e valente. Mas já não terá que continuar sendo eu posso cuidar dos dois,
Julia. Eu te amo.
Estava tão feliz que sentiu que o coração saía do peito. Soube que tudo o que lhe aconteceu na vida teve uma razão de ser, a levou até esse instante e com esse
homem, Tyne.
Levantou o rosto e ele a beijou.
- Mas não vou permitir que perca o decoro por estar comigo, Julia.
Com a caixa de veludo ainda na mão, Alexandra entrou na mansão de Clarewood sem sequer saudar o lacaio que lhe abriu a porta. Guillermo sorriu ao vê-la e se
aproximou correndo para lhe tirar o casaco.
- Direi a sua excelência que está aqui, senhorita Bolton - disse apressadamente. - Está no escritório, com seus arquitetos.
Pôs-se a tremer. Não estava preparada para ter que enfrentar a nenhum tipo de formalidades, não queria ter que saudar ninguém, estava muito nervosa.
- Conheço o caminho, Guillermo, mas obrigada - respondeu.
O coração pulsava tão rapidamente que temia perder o conhecimento antes de poder falar com ele. Tinha passado a noite acordada olhando o anel de noivado como
uma tola. Uma parte dela estava encantada. Chegou a conhecer Stephen muito bem e estava segura de que, se estava empenhado em casar-se com ela, nunca aceitaria um
"não" por resposta.
Tinham voltado para o princípio do caminho depois de passar por todo tipo de escolhas. Stephen voltava a cortejá-la e sabia que acabaria conseguindo seus propósitos.
Mas dessa vez tudo era diferente porque, se conseguisse convencê-la, seria sua esposa.
Amava-o tanto que a cabeça dava voltas ante a mera possibilidade de que sua história tivesse um final feliz. Mas era uma mulher orgulhosa e precavida. Acreditava
que Stephen não sabia o que era o compromisso e sabia que não poderiam ser felizes se não havia amor nem compreensão em seu casamento. Não pensava aceitar se acreditasse
que seu amor não era correspondido. Não ia casar-se com ele por conveniência nem pelo bem da criança. Seria muito doloroso.
Recordou então sua conversa com Ariella e Elysse. Elas o conheciam melhor que ninguém e estavam seguras do que Stephen sentia por ela. Mas, se era certo, não
entendia por que não o havia dito ele mesmo.
Imaginou que para um homem como ele seria muito difícil expressar seus sentimentos, só era carinhoso quando estavam na mais estrita intimidade do quarto. Possivelmente
nem sequer soubesse como demonstrar o que sentia nem acreditasse necessário.
Deteve-se frente a seu escritório, rezando para que seu amor fosse correspondido. A porta estava aberta. A luz da manhã entrava pela janela.
Ficou sem respiração ao ver Stephen. Estava de pé com dois arquitetos e os três olhavam uns planos com supremo interesse. Não usava a jaqueta e tinha as mangas
da camisa subidas. O sol iluminava suas fortes maçãs do rosto e seu nariz. Ainda tinha muita dor em seu interior, mas o amor que sentia por ele o superava com acréscimo.
Precisava desse homem.
Stephen levantou a vista nesse momento e se olharam nos olhos.
Viu que se fixava então na caixinha que levava nas mãos.
- Desejaria estar sozinho, por favor - disse aos arquitetos.
Alexandra seguiu imóvel no mesmo lugar, esperando que os outros homens saíssem. Estava tremendo e o coração golpeava no peito. Rezou para que fosse um conto com
final feliz.
Stephen se aproximou com gesto sério, era impossível adivinhar o que estaria pensando.
- Vejo que não colocou o anel. Veio devolvê-lo. - perguntou ele.
Alexandra mordeu o lábio.
- Vim falar disso. - Pareceu-lhe que suas palavras foram muito frias, como se nada daquilo lhe importasse de verdade. - Vim para falar de nós, Stephen - acrescentou.
- Muito bem - respondeu ele com o cenho franzido. - Então, é verdade? Saint James já está cortejando-lhe?
- Stephen, ele esteve me visitando nestes dias, mas só como um amigo. Sabe que tenho o coração quebrado.
- E, como pode estar com seu coração quebrado quando o que sempre foi seu verdadeiro amor acaba de retornar a sua vida, Alexandra? Pensei que estaria louca de
alegria.
- Nada mais longe da realidade - respondeu ela. Não entendia por que lhes custava tanto falar e entender-se. - Não deixou que te explicasse por que não podia
aceitar sua proposta de casamento - disse.
- Então, vieste para recusar minha oferta. Pois será melhor que te advirta que estive pensando muito nisso e que não penso em voltar atrás. Não penso em aceitar
um "não" como resposta. E também não vou permitir que minha esposa vá embora com outro homem.
- Stephen, em uma relação, em nossa relação, não se pode agir com tirania - respondeu ela com um pouco de impaciência.
- Não vou voltar atrás, falo a sério.
Seu coração começava a encher-se de esperança, mas tinha que estar segura do que ele sentia.
- Pela criança, não? Quer se casar porque não suporta a ideia de ter um filho ilegítimo, verdade?
Stephen ficou olhando-a.
- Quem disse isso? Foi Elysse ou Ariella?
- Sim, comentaram-me isso, mas não me disseram por que.
- Então eu lhe contarei isso. Mas, se alguma vez decidir usar essa informação contra mim, negarei tudo. Sou um filho bastardo, Alexandra. Meu verdadeiro pai é
sir Rex.
Não pôde sufocar um grito de surpresa. Não podia acreditar.
- Com esse passado, como ia permitir que outro homem criasse meu filho? - perguntou ele então. - Meu filho deve levar meu sobrenome!
Aproximou-se dele e tomou sua mão.
- Por que não me isso antes?
- É um tema muito sério e delicado. Sei que há rumores, muitos são verdadeiros. Tem que compreender que não é algo que conte a todo mundo. Clarewood estaria em
perigo se algum dia revelasse à verdade e pudesse demonstrar-se.
Continuava atônita, custava-lhe pensar com claridade.
- Se soubesse, poderia entender melhor por que insistia tanto em que deveríamos nos casar ou deixar a criança aos seus cuidados.
Por fim as peças do quebra-cabeça começavam a encaixar. Recordou o que Elysse e Ariella haviam lhe contando sobre a dura infância que Stephen teve.
Pareceu adivinhar o que estava pensando.
- Tom Mowbray foi um pai muito exigente e cruel. Sei que Saint James não se parece em nada a ele e que é um homem razoável, mas não poderia deixar meu filho ou
filha aos cuidados de outro. Não posso fazê-lo.
Alexandra acariciou sua bochecha, começava a entender esse homem. Stephen temia que seu filho vivesse uma infância tão desventurada como foi a sua.
- Não vou casa-me com Owen. Não estou com Owen. Não estou apaixonada por Owen, Stephen - disse ela com toda a firmeza que pôde reunir.
Parecia estupefato.
- Mas você...
- Quero-o como um amigo, mas você é o homem por quem estou apaixonada.
Stephen abriu os olhos.
- O que?
- Acredito que me apaixonei por você quando te vi pela primeira vez no baile dos Harrington, quando evitou que caísse ao chão desmaiada e me ajudou depois com
meu pai - confessou ela com os olhos cheios de lágrimas. - Nunca acreditei que pudesse existir um amor assim, a primeira vista, mas quanto te vi me pareceu um bonito
príncipe, um valente guerreiro e um homem forte e bom.
Stephen tomou-a então entre seus braços.
- Isso era o que necessitava Alexandra, e senti assim que te vi. Necessitava alguém que te ajudasse a levar a pesada carga que esteve conduzindo sozinha durante
anos.
Olhou-o nos olhos, parecia triste. Tinha razão. Precisou de sua força e ele se ofereceu em seguida.
- Sou forte, Stephen, mas estou cansada. Estou farta de ter que ser sempre a mais forte, de cuidar de todos e de costurar até as duas ou às três da manhã.
Stephen tomou suas faces entre as mãos.
- Nunca terá que voltar a se sentir assim. Nunca terá que se sentir cansada e não penso permitir que continue costurando como uma escrava. Entende o que estou
te dizendo? Isto não tem nada a ver com a criança. Quero cuidar de você. Sempre desejei desde que te vi pela primeira vez nesse baile. E isso é o que farei Alexandra,
cuidarei de você! - prometeu Stephen enquanto lhe secava uma lágrima. - Necessito-te, conseguiu trazer vida a esta mansão tão fria.
Perguntou-se se era sua maneira de lhe dizer que a amava.
- Até que chegou a minha vida, pensei que era um homem sem coração. Ensinou-me o que é o amor e a paixão. Entende agora por que não posso deixar que vá do meu
lado?
Assentiu com a cabeça sem poder conter as lágrimas por mais tempo.
- Amo você tanto - disse ela.
- De verdade? - perguntou Stephen com voz trêmula. - Viu o pior de mim. Não posso acreditar que ame alguém como eu. Teve que sofrer com meu mau gênio e minha
crueldade. Como pode me amar?
Acariciou seu rosto com ternura. Não sabia muito de seu passado, mas o viu de repente como o menino frágil e vulnerável que foi, não como o poderoso duque de
Clarewood. Precisava recuperar sua confiança e adorou poder ajudá-lo.
- É verdade, perdeste o gênio de vez em quando, mas não é um homem cruel. É o homem melhor e generoso que jamais conheci- assegurou. Viu que Stephen tinha a vista
perdida. Alexandra deu a volta, mas não havia ninguém atrás deles. - O que acontece? - perguntou.
Deu-lhe a impressão de que Stephen acabava de compreender algo. Olhou-a e sorriu.
- Nada, Alexandra. Fui muito infeliz sem você e não quero viver sozinho em Clarewood, não suportaria.
Surpreendeu-lhe que admitisse algo assim e acariciou sua bochecha.
- Eu também fui muito infeliz nestes dias e sei que não poderia viver sem você.
- Me alegro - respondeu ele enquanto a abraçava.
Deu-se conta de que voltava a ser o mesmo homem seguro e arrogante, o poderoso duque de Clarewood.
- Então, está decidido. Casaremo-nos em seguida, será uma boda pequena e singela.
Alexandra assentiu, não podia deixar de chorar.
Stephen tomou-a em seus braços com um grande sorriso.
- O que faz? - exclamou atônita.
- Tenho que levar assim minha futura esposa para cruzar a soleira. É a tradição!
Julia se deteve na soleira do grande salão de Clarewood. Antes que Guillermo pudesse anunciar sua presença, sorriu satisfeita ao ver a cena em seu interior.
Stephen estava sentado à cabeceira da mesa e com Alexandra a sua direita. Tinham as cabeças juntas e as mãos, unidas. Os dois sorriam, mas seu filho o fazia com
tanta ternura que lhe emocionou vê-lo por fim assim.
Deu-se conta de que suas predições se cumpriram. Sempre rezou para que Stephen encontrasse o amor, não uma esposa, e se sentia muito satisfeita com o resultado
de suas orações. Via muito seu filho feliz e isso era tudo o que necessitava para estar contente também.
- Excelência, a duquesa viúva - anunciou Guillermo então.
Stephen ficou depressa em pé.
- Mãe tem o dom da oportunidade. Guillermo, que coloquem outro serviço à mesa.
O mordomo sorriu e saiu do salão.
Julia entrou e Stephen se aproximou dela para dar-lhe um beijo na bochecha.
Foi então saudar Alexandra, que já não podia ocultar seu estado.
- Como está querida? - perguntou.
- Muito bem, excelência. É um prazer lhe ver de novo - respondeu a jovem ruborizando-se.
Olhou então seu filho, que não deixava de contemplar Alexandra com gesto apaixonado. Pôs-se a rir, sentia-se muito feliz pelos dois jovens.
- Dizia que têm o dom da oportunidade porque temos notícias muito importantes e queria que fosse a primeira em saber. Mas vejo que parece muito feliz, têm também
algo que nos dizer? - perguntou Stephen com os olhos entrecerrados.
- Nunca fui tão feliz e sim, tenho notícias. Mas comecem vocês, por favor.
Estava muito apaixonada e feliz para preocupar-se com o que seu filho pudesse lhe dizer. Não ia permitir que ninguém a impedisse de viver o resto de sua existência
com Tyne.
Stephen olhou Alexandra e rodeou sua cintura com o braço. Depois olhou a ela.
- Pedi a Alexandra que se case comigo e ela aceitou - anunciou Stephen.
Não lhe surpreendia a notícia, mas gostou de ouvi-lo.
- Estou tão feliz! - exclamou enquanto abraçava Alexandra. - Me alegro tanto, querida. Tinha a intuição de que tudo terminaria bem e me alegra muito estar certa.
Alexandra sorriu.
- É muito amável. Obrigada. Amo seu filho, excelência, e tenho a intenção de passar o resto de minha vida tentando que seja feliz. E acredito que também poderei
ensinar-lhe um par de lições sobre o compromisso - acrescentou de bom humor.
Julia pôs-se a rir. Stephen voltava a olhar sua prometida com os mesmos olhos de apaixonado.
- Assim terá que organizar umas bodas... - murmurou. - Suponho que Stephen já se inteirou de que, embora ele seja o duque, será você, Alexandra, quem dará a última
palavra...
Alexandra riu com vontade.
- Não queremos grandes bodas, nos casaremos na intimidade, já decidimos mãe - disse Stephen com firmeza.
Julia ficou pensativa. Sabia que todas as mulheres sonhavam tendo grandes bodas. Alexandra tinha sofrido muito em sua vida e acreditava que merecia viver esse
maravilhoso dia muito bem.
- Não penso permitir que me excluam da celebração, Stephen - disse a seu filho.
- Alexi, Ariella e Elysse também disseram isso... - murmurou Alexandra enquanto tomava a mão de Stephen. - E o que vamos fazer com lady Blanche e sir Rex? Sei
que gostariam de estarem presentes. Igual a Randolph e minhas irmãs, é obvio.
Julia sorriu. Deu-se conta de que Alexandra não tinha intenção de permitir que suas bodas passassem inadvertidas.
- Tinha a esperança de poder evitar um grande evento social - murmurou Stephen suspirando.
- Não pode evitá-lo, Stephen. É o duque de Clarewood - disse Julia com firmeza. Pensou então nos planos que ela tinha com Tyne. Queria casar-se com ela e a amava.
Sentia que seus sonhos tinham se feito realidade. - Mas se houver pressa, poderia ajudá-lo. Seguro que podemos organizar umas bodas não muito grandes, algo familiar,
e o ter preparado para dentro de um mês. Conheço um cozinheiro excelente que poderia preparar o banquete.
- Assim que uns cem ou duzentos convidados... - murmurou Stephen fingindo desespero.
Mas seu filho não podia deixar de sorrir.
- Minhas irmãs adorariam serem minhas damas de honra! - exclamou Alexandra entusiasmada.
- E seguro que a Marion e Sara também gostariam de participar do cortejo - adicionou Julia.
- E Ariella e Elysse! - apontou Alexandra. - Elas me deram esperança quando pensei que não tínhamos futuro.
- De acordo, de acordo - respondeu Stephen. - Rendo-me - disse enquanto abraçava Alexandra. - Vejo que me enganou desde o começo, mas de acordo. Teremos umas
bodas em condições, mas com menos de duzentos convidados, por favor. E tem que ser logo!
Alexandra mordeu o lábio inferior, estava encantada. Nunca tinha sido mais feliz. Ia converter-se na esposa de Stephen e teriam umas maravilhosas e românticas
bodas.
- Sinto-me como se estivesse sonhando e tivesse que me beliscar para comprovar que tudo isto é real - sussurrou encantada.
- Não está sonhando, Alexandra. Mas tenho a sensação de que queria umas bodas assim desde o começo e que conspirou a minhas custas - respondeu Stephen sorrindo.
- Somos mulheres e todas pensam iguais quando se trata de bodas, querido - disse Julia.
Alexandra sorriu ao ouvir sua futura sogra. Podia adivinhar por que parecia tão feliz. Estava apaixonada e tinha facilidade para ver outras pessoas no mesmo estado.
- Mãe, o que é o que acontece? Agora sim que estou preocupado, não deixa de sorrir!
- Não estranho Stephen. Eu também estou apaixonada - confessou Julia.
Alexandra não pôde conter a risada ao ver o cômico gesto de pânico no rosto de Stephen.
- Não será desse americano!
- Vou casar-me com esse americano, Stephen. De fato, nós sim que vamos ter uma boda íntima e pequena.
Stephen olhou sua mãe, parecia estar sem palavras, nunca o viu assim.
- Sou mais feliz do que nunca fui e iremos à Califórnia depois de suas bodas - anunciou Julia.
Stephen teve que sentar-se. Alexandra correu para ele.
- É maravilhoso! Sua mãe merece ser amada e ter uma segunda oportunidade - disse a jovem.
- Uma segunda oportunidade? Na Califórnia? Com um americano? - perguntou ele.
- Olhe como está feliz- disse Alexandra. - Sei que deseja que sua mãe seja feliz e que tenha alguém que a queira e a cuide como merece.
Stephen olhou sua mãe e ficou em pé devagar.
- De verdade é feliz, mãe? Fiz que investigassem Jefferson. Mas, como é americano, demorarão meses em me informar sobre seu passado. Mas o que sei é que não tem
muito dinheiro, mãe.
- Isso não me importa nada! E não tem um passado secreto. É um bom homem, Stephen. Eu gostaria que pudéssemos jantar os quatro esta noite, assim poderá conhecê-lo.
Dar-se-á conta em seguida do sério e formal que é.
Continuava muito sério. Alexandra olhou seu prometido e à duquesa viúva. Acreditava que tinha todo o direito do mundo a ser feliz. Não conheceu Jefferson, mas
o viu no baile dos Harrington e todo mundo comentou que se tratava de um homem forte e honesto. Pareceu-lhe parecido tão sólido como um velho carvalho.
Depois de saber o tipo de vida que Julia teve e quanto se sacrificou para proteger seu filho, sentia que a compreendia muito melhor.
Olhou Stephen. Sempre gostou de proteger às pessoas que amava, mas já tinha começado a mudar. Sorria mais frequentemente, inclusive ria. E se mostrava sempre
carinhoso com ela. Tinha-lhe falado de vez em quando de sua infância, de Tom e de sir Rex.
O anterior duque foi muito duro com ele e começava a entender até que ponto tinha sofrido quando era menino. Surpreendia-lhe que se converteu em um homem tão
maravilhoso. Tudo fazia sentido. Também lhe falou de seu passado, da dor que lhe produziu a morte de sua mãe e das razões de sua ruptura com Owen.
Por fim os dois sentiam que o passado estava no passado. Tinham-no enterrado juntos para poder começar uma nova vida em comum.
Stephen já não ficava com o olhar perdido, como se estivesse vendo fantasmas.
Estava desejando casar-se com ele e concentrar-se depois em conseguir que suas irmãs se casassem também. Stephen havia lhe dito que essa era uma de suas prioridades.
Era um homem bom que acreditava na família. Não só se comprometeu a querer a ela e cuidá-la durante o resto de seus dias. Também ia proteger suas irmãs e inclusive
a seu pai. Stephen não havia dito, mas estava segura de que foi ele quem pagou as dívidas que seu pai que estavam pendentes.
Já não havia mais segredos entre eles nem dor.
Os corredores e salões de Clarewood pareciam cheio de luz, vida e alegria. Tudo parecia mais quente e recebiam visitas cada dia.
Alexi e Elysse se aproximavam frequentemente para vê-los. Também receberam Ariella e Emilian, a Jack O'Neill, a sir Rex e a lady Blanche, entre muitos outros.
Que fosse durante muito tempo o infame capitão Devlin O'Neill, o pai de Elysse, havia inclusive jantado com eles uma noite. Assim pode conhecer também sua esposa
americana. Foi uma noite fascinante.
Estava encantada de conhecer todos os membros da família de Warenne e os O'Neill. Visitavam-nos com frequência e sempre em companhia de seus filhos e netos.
Ainda não tinham feito públicos seus planos de bodas, mas Alexi, Elysse e Ariella sabiam. Assim Alexandra imaginou que o resto da família também estava. Ninguém
lhes tinha dado os parabéns oficialmente ainda, mas todos eram sorrisos e piscadas para eles.
Deu-se conta de que todos na família Warenne sabiam que Stephen era um deles. Tratava-se de um clã grande e acolhedor.
Suas irmãs também iam vê-la cada semana. Pareciam muito felizes e não podiam deixar de falar das bodas e de seu futuro. Teria gostado de vê-las mais frequentemente,
mas estavam muito ocupadas com as obras que se estavam levando a cabo em Vila Edgemont.
Depois de tanto tempo, por fim estavam fazendo os acertos que tanto necessitava, por fora e por dentro. Os estábulos foram derrubados para construí-los de novo.
E suas irmãs por fim tinham a possibilidade de ir à moda com fantásticos vestidos novos.
Estava desejando lhes dizer que já não iam casar-se na intimidade, mas sim seriam umas bodas por todo o alto. Sorriu ao pensar em quão contentes Olivia e Corey
ficariam ficar ao saber.
Mas ficou séria ao recordar os olhares que Jack O'Neill tinha dedicado a Olivia sem que esta o notasse. Não tinha boa fama e não sabia se isso a preocupava ou
alegrava ao ver que existia certo interesse. Embora fosse o filho do capitão O'Neill, não era um jovem com muito capital e sabia que pensava retornar a América,
onde estava lavrando um futuro. Tentou convencer-se de que devia estar enganada, não podia acreditar que um homem assim se sentisse atraído por uma jovem tão doce
e inocente como sua irmã, mas não podia estar segura.
Alexandra olhou Julia e sorriu.
- Nós adoraríamos jantar com você e com o senhor Jefferson esta noite - disse enquanto agarrava Stephen pelo braço. - E estou segura de que nos causará uma estupenda
impressão.
Stephen suspirou.
- De acordo. Embora eu não goste, vejo que está decidida. Não só estou disposto a que jantemos os quatro juntos, mas também me comprometo a lhe dar o benefício
da dúvida - assegurou Stephen.
Julia sorriu e abraçou seu filho. Alexandra sorriu satisfeita. Já tinha imaginado que acabaria por ceder ante sua mãe. Havia mudado muito durante essas semanas
e sabia que não impediria que a duquesa viúva tomasse as rédeas de sua vida.
Apareceu de novo Guillermo na porta do salão.
- Excelência, senhorita Bolton, o conde de Adare está aqui. A condessa vem com ele e também seus meninos - anunciou o mordomo.
- Acompanhe-os até aqui e fala com o cozinheiro para ver se pode servir-nos a todos - ordenou Stephen enquanto a olhava. - Importa-se, Alexandra? Ainda não conheceste
Tyrell. Mas vai encantar-se. E sua esposa, Lizzie, é uma grande mulher.
- Claro que não me importa - respondeu ela.
Tinha conhecido a muita gente esses dias, mas todos lhe tinham parecido agradáveis e encantadores.
Poucos minutos depois, entraram correndo no salão meia dúzia de meninos e meninas. seguiam-nos o atraente Tyrell de Warenne e sua esposa. Stephen fez as apresentações
e depois abraçou Alexandra. Sem poder esperar mais, anunciou-lhes que iriam casar-se.
O conde a felicitou com um beijo na bochecha e lhe deu a bem-vinda à família.
Não demorou a combinar com a esposa do conde. Adorou ver como as crianças brincavam, enchendo o amplo salão de risadas e gritos. Ninguém brigava com eles porque
ninguém se incomodava que se comportassem como crianças.
Levantou a vista para Stephen e se olharam mos olhos. Um dos meninos menores passou nesse instante entre os dois e lhe sorriu com cumplicidade.
Devolveu-lhe o sorriso. Seu coração transbordava felicidade, estava em uma nuvem. Suas orações foram escutadas e teriam um final de conto de fadas.
Olhou então ao seu redor, deu-lhe a impressão de que a imponente mansão de Clarewood também havia mudado. Era muito mais cálida e luminosa, converteu-se em um lar cheio de risadas e amor.

 

 

                                                   Brenda Joyce         

 

 

 

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