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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


UMA BELEZA INALCANSÁVEL / Elizabeth Bevarly
UMA BELEZA INALCANSÁVEL / Elizabeth Bevarly

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

  

Era fato que as coisas iam mais lentas nas salas de urgência dos hospitais de Boston durante o inverno, e, entretanto, Rita Barone não pôde evitar olhar com assombro quão especialmente concorrido estava à sala aquela gelada amanhã de fevereiro. Havia trabalho de sobra para manter a todo o pessoal ocupado. E certamente, o suficiente para arrepender-se de ter trocado o turno para dar uma mão às outras enfermeiras. Normalmente, Rita trabalhava na unidade coronária, que era um passeio pelo parque em comparação com a Sala de Emergência. Entretanto, Rita tinha começado ali sua etapa no hospital geral de Boston, assim, de algum jeito, era como retornar a casa.

Em casa, não obstante, não tinha que enfrentar-se a catarros mal curados, nem a unhas encravadas. Não. Quando Rita ia para casa (à mansão do Beacon Hill em que tinha crescido, não à casa de pedra que compartilhava com duas de suas irmãs), seus pais a tratavam como a uma princesa. De fato, naqueles momentos poderia estar vivendo como uma princesa se assim o tivesse desejado. Quando os irmãos Barone faziam, vinte e um anos lhes eram entregue um dote de um milhão de dólares. Mas Rita, por muito absurdo que parecesse, tinha querido ser enfermeira em lugar de princesa. Agora, depois de três anos trabalhando no hospital geral de Boston, dava-se conta de que tinha escolhido a opção correta. Porque as princesas, por isso ela sabia, em estranhas ocasiões salvavam vidas. E, além disso, não tinham uma cobertura médica tão boa como a que Rita tinha.

-Desculpe, mas levo esperando mais de meia hora - disse-lhe uma jovem enquanto se inclinava sobre o mostrador de enfermeiras, como se estivesse comprovando que não houvesse nenhum médico extra escondido por ali -. Quanto tempo mais passará até que alguém possa ver-me?

-Suponho que não muito - respondeu Rita sabendo que estava sendo muito otimista -. Esta epidemia de gripe impregnou muito fundo por toda parte.

Além disso, e como era lógico, estavam obrigados a atender primeiro os casos mais graves. Com febre moderada, um pouco de tosse e nenhum familiar médico, aquela mulher ia ter ainda que esperar um bom momento.

Por outra parte, estavam esperando uma ambulância, de cuja chegada os tinham alertado fazia uns momentos. Um vagabundo tinha sofrido um ataque de coração não muito longe do hospital. Rita já o tinha comunicado à unidade coronária, e dali iriam enviá-lo a seu melhor médico, o doutor Matthew Grayson, algo assim como uma lenda no hospital geral.

Em honra à verdade, seu status não se devia inteiramente a seu talento como cirurgião cardiovascular. Não, parte de seu status era mais de conto de fadas que de lenda. Porque o doutor Grayson se parecia muito, sem lugar para dúvidas, a um personagem de conto. À Fera de A Bela e a Fera. Não era só por sua atitude, embora bem seja certo que esta tinha sido descrita como «bestial» por mais de uma enfermeira. Rita mal conhecia o doutor Grayson, mas estava convencida de que ninguém na unidade coronária, nem em todo o hospital, conhecia de verdade sobre aquele homem.

Rita nunca tinha tido nenhuma topada com o doutor Grayson, como muitas outras companheiras, mas entendia por que outros o achavam uma pessoa muito difícil. Em ocasiões era resmungão até extremos inconcebíveis, inclusive quando estava de bom humor.

As cicatrizes que tinha na cara e no pescoço, no lado esquerdo, contribuíam para criar sua aparência de fera. Rita não sabia como as tinha feito. O doutor Grayson nunca falava delas, nem tampouco os que o rodeavam, se sabia o que lhes convinha. De qualquer modo, aquelas cicatrizes o tinham deixado definitivamente marcado. Era óbvio que se submeteu a mais de uma operação, mas nem sequer os cirurgiões plásticos eram capazes de fazer milagres. Rita estava convencida de que o doutor Grayson estava marcado para sempre.

Mas não podia estar segura de que era realmente uma besta. Certo que intimidava o bastante, mas também era um profissional dedicado que salvava muitas vidas. Rita admirava e respeitava sua habilidade como cirurgião, e se figurava que provavelmente teria suas razões para ser tão resmungão. Em qualquer caso, nunca tinha mostrado essa atitude para ela. De fato, mantinha-se bem afastado de seu caminho, o que para a Rita resultava perfeito.

Em qualquer caso, seria preciso muito mais que uma cara marcada e um mau caráter para intimidasse Rita Barone. Era a penúltima dos oito irmãos de uma conhecida família de Boston, assim não restava solução a não ser aprender logo a cuidar de si mesma e não permitir que as coisas lhe afetassem. Tinha crescido com quatro irmãos maiores que se comportaram como autênticas bestas, sobre tudo quando alcançaram a puberdade.

Como se lhe tivesse lido o pensamento, o doutor Matthew Grayson apareceu então em direção ao mostrador de enfermeiras, com a bata branca flutuando a suas costas sobre umas calças escuras. Levava também camisa branca e uma gravata discreta em tons azuis.

-Não chegou ainda o paciente do enfarte? -perguntou de supetão, sem saudar-la antes, quando se deteve frente à Rita.

-Chegará a qualquer momento - respondeu ela.

Rita pensou que, se não fosse pelas cicatrizes do rosto, seria um homem extremamente atraente. Media ao redor de um metro oitenta e cinco, bastante mais que ela, que, com seu metro setenta e sete, não estava acostumada a que a ultrapassassem. Àquela altura se acrescentava sua constituição atlética, uns olhos verdes sonhadores, um cabelo cor avelã com reflexos dourados e as roupas caras de marca pelas que estava acostumado a optar, tinham-se todos os ingredientes para ser uma estrela de Hollywood. Somente as cicatrizes danificavam sua perfeição.

E, entretanto, pensou Rita, de algum jeito, aquelas marcas lhe acrescentavam encanto. Conseguiam que sua beleza não fosse muito perfeita, e o faziam parecer mais humano.

Embora naquele momento parecesse bem mais um deus, com aquela altura. Rita lutou contra a tentação de ficar de pé, e ficou sentada onde estava, como se sua companhia não lhe afetasse. E não lhe afetava, à exceção de que o ritmo de seu coração se multiplicou por quatro do momento em que o viu dirigir-se a ela.

Mas, que outra coisa podia ter feito seu coração? Esperavam a um homem com um enfarte em qualquer momento, e o doutor Grayson estava preparado para a ação com antecipação, e era lógico que lhe acontecesse o mesmo, e isso não tinha nada que ver com o atraente doutor. Quando ouviu a sirene que anunciava do exterior a chegada da ambulância, Rita se levantou da cadeira e rodeou o mostrador de enfermeiras com o doutor Grayson lhe seguindo os calcanhares.

O pessoal auxiliar introduziu a vozes e entre dramalhões a um homem idoso que se queixava de dor enquanto agitava os braços. Rita se deu conta de que estava muito sujo quando se aproximou para guiar aos enfermeiros à sala de observação. E também assustado. Colocou-se a seu lado e agarrou instintivamente a mão do homem, ressentindo-se um tanto quando ele apertou a sua com tanta força que a machucou.

 

 

 

 

-Não se preocupe - disse-lhe Rita quando se detiveram em uma sala pequena-. Vai ficar bem - assegurou embora não estivesse muito segura disso -. Aqui temos todo o necessário para ajudá-lo. Vamos cuidar-lo muito bem.

O homem cessou então de tentar escapar dos enfermeiros e deixou também de gritar. Quando se virou para olhar a Rita, tinha a respiração agitada e os olhos cheios de medo.

-Quem... Quem é você? -murmurou antes de compor uma careta de dor.

-Meu nome é Rita - respondeu ela colocando sua outra mão sobre a que o homem tinha bem suja.

Com toda a discrição da que foi capaz, tomou o pulso. Não queria que voltasse a assustar-se. Não o tinha tão disparado como teria pensado dadas as circunstâncias, mas seguia sendo acelerado.

-Você é... Médica? -perguntou o homem com dificuldade.

-Não, sou enfermeira - respondeu Rita enquanto se precavia da atividade desdobrada a seu redor. Mas o médico está aqui. Você está em uma sala de emergência do Hospital Geral de Boston, e tem um enfarte. Agora vou medir lhe a pressão. Não doerá - apressou em falar quando o homem abriu a boca com intenção de voltar a gritar-. Prometo. Mas tem que deixar que comprovemos seu estado.

- Está estabilizado - assegurou um membro dos paramédicos do outro lado da maca-. Mas ainda não está fora de perigo.

Rita dirigiu a seu companheiro um olhar de censura. Quão último necessitava aquele homem era ouvir que ainda estava em perigo.

-Vou... Vou morrer? -perguntou o homem com um uivo.

-Não - respondeu Rita apertando os dentes sem deixar de olhar a seu companheiro, que se limitou a encolher-se de ombros-. Vai ficar bem. Qual é seu nome?

- Joe - respondeu o homem depois de uns segundos, ainda morto de medo.

- Você tem família, Joe? -perguntou-lhe Rita enquanto outros tratavam de monitorá-lo e lhe pôr uma máscara conectada a um tanque de oxigênio-. A quem podemos chamar para que se você se sinta melhor?

O homem sacudiu a cabeça, enquanto aspirava com escassa força o ar da máscara.

-A ninguém. Não tenho família - respondeu com voz ainda mais fraca que antes-. Mas... Mas você faz que... Que me sinta melhor - conseguiu dizer com muita dificuldade.

-Muito bem, Joe - disse então Rita com um sorriso-. Então, ficarei aqui ao seu lado. O que lhe parece?

-Isso estaria muito bem - assegurou-o assentindo levemente-. Não... Não saia daqui.

-Não o farei - prometeu Rita.

O homem esboçou um sorriso agradecido, mas estava ficando claramente sem forças. Rita rezou em silêncio para que ficasse bem. Não sabia nada dele, exceto não tinha casa, nem família e que seu nome era Joe. E também sabia que era um lutador, um sobrevivente, e não tinha mais remédio que admirá-lo por isso. Tomara que sobrevivesse também àquilo.

-Este é o doutor Grayson. -disse-lhe Rita apontando com a cabeça ao cirurgião, que estava ao outro lado da sala-. Em seguida estará com você. É muito bom. O melhor.

Rita levantou o olhar e se deu conta de que o doutor Grayson a estava observando atentamente, como se queria lhe perguntar algo. Ela abriu a boca para lhe perguntar o que queria, mas nesse momento Joe começou a gritar e a revolver-se de novo. Pensando que as dores haviam retornado, Rita voltou-se para atendê-lo, mas não era a dor o que tinha provocado aquela reação. Joe estava olhando diretamente ao doutor Grayson e tinha reunido forças da sua fraqueza para levantar o braço e assinalar as cicatrizes da cara do outro homem.

-Não lhe deixe... Não lhe deixe aproximar-se de mim - disse Joe, muito agitado-. Não é... Não é humano. É um monstro.

O doutor Grayson ignorou aquele comentário e se aproximou até ele. Mas antes que pudesse tocá-lo,

Joe começou a fazer dramalhões.

- Vá! Saia!

-Joe, por favor... -tratou de acalmá-lo Rita.

-É um deles! -exclamou o vagabundo assinalando ao médico-. É... É uma das gárgulas de São Miguel! Às vezes... Às vezes me perseguem... Em meus sonhos... Para me levar ao inferno. São monstros! Que se vá!

-Não passa nada, Joe. -disse Rita lhe segurando com firmeza os braços a ambos os lados do corpo-. O doutor Grayson está aqui para ajudá-lo. É um cirurgião excelente e um homem maravilhoso. Ninguém vai lhe machucar-. Assegurou sujeitando-o ainda mais forte-. Prometo. Eu estou aqui ao seu lado, e não deixarei que ninguém lhe faça mal.

Suas promessas pareceram tranqüilizá-lo. Ou talvez estivesse muito cansado e muito dolorido para seguir lutando. Rita renunciou a comportar-se como uma enfermeira e deixou que outra companheira se encarregasse das necessidades médicas de Joe. Ela voltou a tomar a mão do doente entre as suas e a apertou com força enquanto lhe murmurava palavras tranqüilizadoras, lhe assegurando que ficaria bem agora que o doutor Matthew Grayson ia ocupar se dele.

E Rita estava segura de que se recuperaria, precisamente por aquela razão.

Quem não ficaria bem baixo os cuidados semelhante homem?

 

                                                       Capítulo Um

A unidade coronária do hospital geral de Boston estava muito tranqüila para ser sexta-feira de noite. Estava claro que o frio vento de abril fazia com que muitos pacientes ficassem em casa. Por conseguinte, Rita Barone tinha podido encontrar cinco minutos para sair do mostrador de enfermeiras e tomar um café de máquina na sala de espera. O café era muito ruim, mas constituía seu único apoio para suportar o turno de noite, no que levava meses sem trabalhar.

Depois de três anos naquele hospital, tinha conseguido passar para o horário diurno, e só fazia o turno de noite quando tinha que cobrir a algum companheiro, como aquela noite, ou para tirar-se algum trocado extra no Natal.

Não necessitava um pagamento extra, já que os Barone de Boston não tinham problemas econômicos, mas Rita era a classe de mulher que queria descansar sobre seus próprios louros, e não sobre os de sua família.

Enquanto tirava o café da máquina, Rita recordou que aquele dia cumpria exatamente três anos trabalhando no hospital. Tinha começado suas práticas ali exatamente dois meses antes de licenciar-se em enfermagem pela Universidade de Boston, justamente um mês depois de fazer vinte e dois anos. Agora, com vinte e cinco, ali estava comemorando o aniversário de seu ingresso trabalhando de noite.

Rita retornou ao mostrador de enfermeiras com seu copo de plástico cheio de café e se voltou a sentar. Com ar ausente, recolheu-se uma mecha da juba castanha que lhe tinha escapado do coque antes de procurar o relatório de um paciente. Foi então quando viu o pequeno pacote branco colocado em seu fichário.

Rita lutou contra a onda de apreensão que lhe percorreu a espinha dorsal ao vê-lo.

Aquilo não estava ali quando se levantou para o café. Quem quer que o tenha deixado, acabara de fazê-lo há um instante, quando ela não estava. Tratava-se de uma caixa quadrada envolta em papel de seda branco e rodeada por um laço dourado. Estava claro que era um presente. Mas em lugar de sentir-se adulada pela surpresa, Rita sentiu que seu interior se congelava. Aquela era a terceira vez que encontrava um presente em seu fichário. Como nas ocasiões anteriores, olhou para ver se encontrava uma nota que o acompanhasse, e tampouco esta vez a encontrou. E, como sempre, aquilo a incomodou. E muito.

Tinha que reconhecer que a primeira vez se havia sentido adulada. Tinham ocorrido dois meses atrás, no dia de São Valentim. Quando retornou do almoço, Rita tinha encontrado uma caixinha em seu fichário sem nenhuma nota que explicasse sua aparição. Tinha-lhe encantado abri-la e encontrar nela um pingente que representava um coração rodeado por uma corrente dourada. Pareceu-lhe um detalhe muito apropriado para uma enfermeira de cardiologia, e tinha se apressado em colocar-lhe no bolso dianteiro da bata, justo em cima do nome. Então esperou que a pessoa que o tinha dado se identificasse e explicasse o motivo daquele gesto.

Dado que aquele primeiro presente tinha aparecido no dia de São Valentim, seus companheiros se apressaram em assegurar que Rita tinha um admirador secreto. Ela tinha considerado ridícula aquela possibilidade, mas o rumor se estendeu em seguida como um rastro de pólvora pelo hospital.

Todo mundo se perguntava de quem podia tratar-se. Talvez de algum dos atraentes novos residentes? Algum companheiro muito tímido para confessar abertamente seus sentimentos? Um antigo paciente convencido de que aquela encantadora enfermeira de olhos escuros lhe tinha salvado a vida?

O pingente tinha chamado a atenção de muita gente, mas ninguém tinha reconhecido ser a pessoa que a tinha presenteado. Tampouco nenhum de seus companheiros tinha visto ninguém deixar nada em seu fichário.

O segundo presente apareceu ao mês seguinte no mesmo lugar como motivo de seu aniversário. Uma vez mais, estava envolto em papel de seda branco com um laço dourado, e tampouco ia acompanhado de nenhuma nota. Rita o tinha aberto com a esperança de encontrar alguma pista que identificasse a seu suposto admirador, e se tinha encontrado com um singelo bracelete de prata em que se engastavam doze delicados pendentes relacionados com o mundo da enfermaria. Nessa ocasião também se havia sentido agradada, embora não tinha podido evitar um sentimento de temor.

Mas Rita disse a si mesma que era uma tolice sentir medo, era claro que tinha um admirador secreto, e que isso não tinha nada de mau. Assim, como tinha feito com o pingente, pendurou-se o bracelete na mão, esperando encontrar assim a seu admirador. Uma vez mais, ninguém reclamou ser o autor do presente.

E agora, aquele misterioso admirador atacava de novo. Acabava de lhe deixar um terceiro obséquio no dia que se fazia três anos desde que tinha começado a trabalhar no Hospital Geral de Boston.

Tinha que tratar-se de alguém que trabalhava no hospital e se recordava daquela data. Mas Rita não tinha notado que despertasse o interesse em nenhum companheiro do sexo oposto. Não tinha nenhuma pista de que algum homem a visse como algo mais que não fora outro ser humano que habitava o mesmo planeta. Nem no trabalho, nem tampouco fora dele.

Nunca tinha se interessado muito pelo sexo oposto. Suas irmãs Gina e Maria lhe haviam dito muitas vezes que estava muito concentrada no trabalho e estava perdendo todas as demais coisas que a vida lhe oferecia, incluído o amor.

Rita estava de acordo em certo modo. O trabalho era muito importante para ela. De fato, era o mais importante depois da família. Tinha querido ser enfermeira desde que era menina, e sua profissão a enchia mais do que nunca acreditava que pudesse chegar a fazê-lo uma pessoa.

E, entretanto, enquanto observava o terceiro pacote que lhe tinham deixado, tinha que reconhecer que gostaria de muito descobrir quem lhe deixava os presentes. Rita exalou um suspiro profundo e começou a desatar o laço dourado. Logo abriu a caixa que, como nas ocasiões anteriores, era branca e sóbria, sem nenhuma marca que pudesse identificar o lugar onde se tinha comprado o presente.

-OH, meu Deus... -murmurou com reverência quando viu o que havia dentro.

Um pequeno coração esculpido em cristal brilhava alegremente ante seus olhos desde seu fofo emprego de papel, lançando uma luz caleidoscópica que reverberava em um leque de luz. Parecia ser um peso de papel, mas era muito belo para tão propósito.

Um coração de cristal. Tratar-se-ia de um símbolo de seu trabalho, no que se ocupava de um órgão tão frágil? Ou era uma alegoria dos sentimentos que seu admirador tinha por ela? E como ia averiguar se ele não dava as caras? E por que não aparecia?

Tinham transcorrido dois meses da aparição do primeiro presente. Certamente já estava preparado para apresentar-se. A menos... A menos, pensou Rita, que suas intenções não fossem honradas.

-Senhorita Barone: Você não tem nada melhor a fazer que estar aqui desfrutando de seu café?

Rita deu um coice na cadeira ao escutar aquela pergunta mal-humorada. Não pela pergunta em si, mas sim porque a voz pertencia ao doutor Matthew Grayson. Além das suas qualidades médicas, era conhecido por não gostar que se perdesse tempo no trabalho.

E também por sua absoluta intolerância para algo que se aproximasse ligeiramente à diversão. Alto, grande e mal-humorado. Assim era o doutor Grayson. Mas ninguém nasce solitário e resmungão, raciocinou Rita. Algo tinha que ocorrer na vida de uma pessoa para que se tornasse assim. E ela não podia evitar perguntar-se o que tinha passado na do Matthew Grayson. Perguntava-se também se não teria algo a ver com as cicatrizes que tinha na bochecha esquerda e no pescoço.

Rita fechou instintivamente a caixa que acabara de abrir. Não queria que o doutor Grayson se inteirasse da existência de seu admirador secreto. Com toda a dissimulação de que foi capaz, colocou a caixa em seu fichário e atirou no cesto de papéis o papel de seda e o laço antes de girar-se para olhá-lo.

-Não o ouvi aproximar-se, doutor Grayson. -disse com a voz tremula.

- É claro que não. -respondeu ele com secura.

-E não estava «desfrutando» de meu café. -assegurou-lhe-. Estava tomando um, de acordo, mas de máquina.

O doutor Grayson não pareceu captar a sutileza. Limitou-se a seguir olhando-a com ar feroz.

-Está a ponto de ingressar um paciente na unidade coronária - informou-a o médico com voz neutra-. Tal senhor Harold Asgaard. A operação está prevista para as sete da manhã, mas quero o monitorado toda a noite.

-Sim, senhor - respondeu Rita, tentada a fazer uma saudação militar-. Encarregar-me-ei disso.

-Bem.

-Algo mais? -perguntou ela ao ver que ele se calava.

Parecia-lhe estranho que o doutor Grayson a abordasse para lhe dizer que monitorasse um paciente. Esse era o procedimento habitual na unidade coronária.

O médico escorregou o olhar para o relatório que tinha na mão, começou a examiná-lo, e logo sacudiu a cabeça.

-Não, acredito que isso é tudo. Você está de plantão esta noite? -perguntou sem deixar de esquadrinhar o relatório, como se sentisse incômodo ao olhá-la aos olhos.

-Pois sim - respondeu Rita, confirmando o que era óbvio-. Estou cobrindo Rosemary. Sua avó faz cem anos esta noite e vão celebrar uma festa.

O doutor Grayson assentiu levemente com a cabeça sem levantar a vista do relatório.

-Certo - disse com ar ausente-. Tinha esquecido.

Rita o olhou com suspicácia. Não era próprio de Matthew Grayson esquecer as coisas. Nem tampouco evitar os olhos de outros. O que lhe ocorria naquela noite? Parecia um pouco... desorientado.

- Você está bem, doutor Grayson? -perguntou-lhe sem pensar-. Não parece você mesmo...

Ele levantou o olhar e foi então que Rita se deu conta de que tinha falado com muita familiaridade.

-E o que pareço, Rita? -perguntou-lhe o doutor Grayson com frieza.

-Não saberia lhe dizer... não sei... mas não parece você.

-E o que pareço normalmente? -insistiu ele.

-Eu... o que queria dizer é que...

Excelente. Rita se perguntou como ia se virar para sair daquela confusão.

-Pois sim, Rita, encontro-me perfeitamente. -interveio o médico antes que ela tivesse tempo de pensar algo que dizer-. Embora isso não seja assunto seu. -acrescentou cortante.

Ela se mordeu o lábio inferior para não lhe responder. Limitou-se a assentir com a cabeça e desviar o olhar.

-Sinto muito. -disse finalmente, embora não o sentisse absolutamente-. Não era minha intenção me intrometer.

-Ah, não? -perguntou ele.

Rita negou com a cabeça. Que interesse podia ter ela em indagar na vida privada do Matthew Grayson? Porque achava seu mau humor inexplicável? Por seus olhos verdes sonhadores? Ou porque parecia tão dedicado a seu trabalho como ela mesma?

Rita se disse que tinha que conter-se. Aquele era Matthew Grayson, um reconhecido cirurgião cardiovascular provavelmente dez anos mais velho que ela, e certamente muito sério. Não era seu tipo absolutamente. Embora não tinha nenhum tipo em concreto, se o tivesse não seria certamente o doutor Matthew Grayson.

Por mais sonhadores que fossem seus olhos verdes.

-Não, não estava me intrometendo - assegurou, recordando que lhe tinha feito uma pergunta-. Simplesmente estava um pouco preocupada. Isso é tudo.

O doutor Grayson a observou atentamente durante uns instantes, o tempo suficiente para que Rita pensasse que estava perguntando-se algo sobre ela.

-Não é necessário que se você preocupe comigo - respondeu o médico com a voz mais fria que possa imaginar-se.

E antes que Rita tivesse a oportunidade de responder, ele girou sobre seus calcanhares e partiu.

Mas Rita era uma Barone, e os Barone sempre diziam a última palavra. Sempre.

-Não se preocupe doutor Grayson -assegurou- o suficientemente baixo como para que ele não pudesse ouvi-la - Asseguro-lhe que não voltarei a me preocupar com você nunca mais. Nunca.

Rita retornou então a sua cadeira e a seu trabalho. Mas seguia sentindo como se ainda não houvesse dito a última palavra, assim olhou para trás bem a tempo para ver a imponente figura do doutor Grayson dobrando a esquina ao final do corredor. Então pronunciou uma última palavra para recalcar a anterior.

-Fera. -disse.

Mas, por alguma estranha razão, aquilo não a fez sentir-se melhor.

Matthew Grayson se virou com muita dificuldade para chegar até seu escritório, na ala dos médicos anexa ao edifício do hospital, antes que lhe falhassem os joelhos. Deixou-se cair sobre a poltrona de couro que estava colocado atrás de sua escrivaninha e aspirou com força o ar várias vezes com a esperança de acalmar assim o acelerado ritmo de seu coração. Logo se chamou estúpido de todas as maneiras que conhecia.

Rita Barone tinha estado a ponto de pegá-lo aquela vez. Quando a viu sair do mostrador de enfermeiras, tinha pensado que ia tirar uma pausa de algo mais de dois minutos, assim não se apressou muito em deslizar a caixinha desde seu bolso até o fichário. Logo que tinha tido o tempo justo para deixar o presente e fugir antes que ela retornasse. Por sorte para ele, Rita estava muito concentrada em não derramar o café enquanto caminhava pelo corredor. Se tivesse levantado o olhar um instante o teria encontrado imediatamente e teria visto a caixinha assim que ele se foi. E Rita não demoraria muito a deduzir quem lhe tinha estado deixando presentes os últimos dois meses.

E que o crucificassem se Matthew não se sentia o maior dos estúpidos deixando aqueles misteriosos presentes. Ali estava um homem de trinta e três anos, cirurgião de reputação e membro de uma das famílias mais ilustres de Boston, comportando-se como um adolescente que deixava lembrancinhas secretas no fichário da garota que gostava. O que o fazia comportar-se daquela maneira tão vergonhosa?

É obvio, ele conhecia a resposta. E aquilo o fazia sentir-se ainda mais palhaço. Tratava-se simples e sinceramente da presença de Rita Barone na unidade coronária do Hospital Geral. Ao doutor Grayson, a fera, como sabia perfeitamente que o apelidavam no hospital, gostava de uma das enfermeiras. E não qualquer: uma que era jovem, bonita, e simpática. Uma enfermeira que sentiria no mínimo repulsão se alguma vez chegasse a descobrir a identidade de seu admirador secreto.

Inconscientemente, Matthew levou a mão à bochecha esquerda e percorreu com o dedo indicador as cicatrizes que nem os melhores cirurgiões plásticos nem as técnicas mais sofisticadas podiam apagar a ferida mais profunda, ao menos fisicamente falando tinha ido diretamente ao osso. Ao longo dos últimos vinte e três anos, Matthew tinha sofrido mais operações do que podia recordar. E de fato, pensava que tinha ficado bastante bem, tendo em conta a sanha do ataque e a profundidade das feridas. Matthew sabia que ninguém era perfeito, mas também era consciente de que alguém como Rita Barone, que roçava a perfeição, ao menos a seus olhos, nunca quereria estar mais perto dele do que fora estritamente necessário.

Matthew colocou os cotovelos sobre a mesa, fechou os olhos e afundou o rosto entre as mãos com a esperança de apagar de sua mente os olhos escuros de Rita e sua boca luxuriosa. Mas não podia esquecer a imagem dela mordendo o lábio inferior, nem evitar o calor que o atravessava ao recordar aquela cena. Ainda podia escutar o suave som de seu suspiro ao abrir a caixa que guardava o coração de cristal. E aquela imagem lhe fez sentir também uma quebra de onda de calor distinto a tudo o que tinha sentido até então.

Matthew era consciente de que tinha gostado do presente. Também tinha levado todos os dias ao trabalho o pingente e o bracelete postos desde que os tinha presenteado. Para Matthew, aquilo era como se Rita levasse consigo uma parte dele, embora não consciente disso.

Mas não, aquilo não podia ser. Matthew deixou cair às mãos do rosto e disse a si mesmo que não se sentia atraído por Rita Barone, mas simplesmente a admirava. Admirava sua dedicação profissional e nada mais. Mas não era capaz de expressar verbalmente dita admiração. Muita gente tinha dificuldades para falar de sentimentos.

Repetiu a si mesmo que o que sentia era admiração. Por tomar um exemplo: Fazia algum tempo, Rita tinha acalmado os temores de um vagabundo chamado Joe e tinha permanecido ao seu lado durante toda a operação a coração aberto. Graças a ela, o homem se recuperou completamente.

Matthew tinha ficado admirado por seu carinho e seu profissionalismo naquela ocasião. Admirava o dom que Rita tinha para relacionar-se e simpatizar com outros, duas qualidades que ele não tinha sido capaz de desenvolver. Tinha uma boa razão para isso, mas não por isso deixava de lhe dar o mérito que tinha. Quando viu Rita interagir com Joe, Matthew se sentiu comovido até limites desconhecidos para ele. Esse dia tinha querido fazer algo para demonstrar a Rita quanto valorava a ajuda que lhe tinha emprestado com o Joe, e tinha decidido lhe deixar um presente em seu fichário. Viu aquele pingente de coração enfaixado na loja de presentes do hospital e lhe pareceu um obséquio apropriado. Tinha escrito uma nota de agradecimento para acompanhá-lo, mas tinha sido um dia tão movimentado que se esqueceu de pô-la ao lado da caixa. Também tinha se esquecido que aquele dia em questão era São Valentim.

Mais tarde, quando começou a escutar os rumores sobre o admirador secreto de Rita Barone, deu-se conta do que tinha feito. Quão último desejava naquele momento era identificar-se e arriscar-se a que os fofoqueiros do hospital o etiquetassem como o admirador secreto de Rita. Isso somente levaria a brincadeira, e Matthew odiava que se burlassem dele. Também havia uma boa razão para isso, mas às pessoas isso não lhe importaria. Assim jogou a nota no cesto de papéis e manteve a boca fechada.

Mas aquilo não explicava que sentia na necessidade de lhe deixar outro presente no mês anterior, por seu aniversário, nem um terceiro naquela mesma noite no aniversário de sua chegada ao hospital geral de Boston, nem tampouco explicava que ele conhecesse aquelas datas.

Matthew não queria expor-lhe. Naquele momento tinha coisas mais importantes em que pensar do que em uma enfermeira de olhos negros e cabelo escuro. No dia seguinte cedo tinha uma operação prevista, e ainda tinha que fazer a última ronda. Rita Barone era uma colega de trabalho, e nada mais. E embora houvesse a mais mínima possibilidade de que existisse algo entre eles, que não a havia, ela pertencia aos Barone, um clã de novos ricos. E a sua era uma das famílias mais antigas de Boston. Os Grayson tinham chegado a América no Mayflower, e se encarregavam de que a ninguém esquecesse.

Não, seus pais nunca aprovariam a união de um Grayson com uma Barone, especialmente depois das histórias acidentadas e sórdidas que tinham aparecido no mês anterior nas revistas sobre uma das irmãs de Rita. Matthew recordava vagamente algo sobre umas fotos eróticas mais próprias de uma revista masculina que de um jornal sério. Depois daquilo, não havia nenhuma possibilidade de que a mãe do Grayson permitisse que um Barone pusesse os pés em sua casa.

Mas Matthew recordou a si mesmo que havia muitas coisas que se interpunham entre eles para preocupar-se com o que poderia pensar sua mãe.

O que tinha que fazer era deixar de pensar naqueles olhos escuros.

 

                                                         Capitulo Dois

Rita estava totalmente esgotada quando chegou a sua casa, passada a meia-noite. Como era de esperar, a casa de pedra estava às escuras e em silêncio quando subiu os degraus e abriu a porta principal. Sua irmã Gina, que era mais velha que ela, partira no mês anterior para casar-se com Flint Kingman, e Rita e Maria seguiam tratando de encontrar um inquilino adequado para o apartamento de cima. E sem dúvida, sua irmã Maria estaria fora.

Desde fazia algum tempo, Maria estava saindo mais do que era habitual nela. Isso pensou Rita enquanto abria a porta, era estranho, porque Maria não tinha noivo, nenhuma vida social muito intensa, além de seu trabalho à frente da sorveteria Baronessa na Hanover Street. Estava acostumado a estar em casa tanto como Rita. Mas durante os dois últimos meses estava saindo muito, o que dava a entender que talvez tivesse encontrado a alguém especial. Mas Maria não tinha comentado que tivesse conhecido a ninguém novo.

Nada mais pôr o pé no vestíbulo da casa de pedra, Rita se deu conta de que, efetivamente, estava sozinha. O andar de abaixo da construção de quatro andares servia como salão comum para as irmãs, e tinha se convertido em seu ponto de encontro fora a hora que fora. Mas naquele momento estava vazio, e não havia nenhuma jaqueta pendurada nem nenhum par de sapatos que indicasse que alguém tinha estado em casa recentemente.

Rita subiu as escadas até o terceiro andar, no que estava seu apartamento, pendurou o casaco no cabideiro e entrou diretamente na cozinha para preparar uma infusão. Sentia ainda os efeitos do turno de noite com muita intensidade para deitar-se diretamente, assim, com a xícara na mão, meteu-se na banheira cheia de água com lavanda.

Eram quase duas horas e Rita estava a ponto de apagar a luz da mesinha de cabeceira quando escutou Maria entrar dois andares mais abaixo. Rita afastou os lençóis, saiu da cama e se dirigiu descalça a porta de seu apartamento. Esperou até assegurar-se de que sua irmã estava sozinha antes de abri-la e sair ao patamar.

-Olá - disse então-. Onde estava?

Na penumbra, Maria levantou o olhar de abaixo e sorriu. Sua juba escura lhe chegava pelos ombros, e os olhos negros lhe brilhavam na escuridão como dois luzeiros.

-Olá. O que faz levantada estas horas? -perguntou a sua vez em lugar de responder.

-Esta noite recebi outro presente anônimo - respondeu Rita depois de duvidar uns segundos.

- Vou deixar os sapatos e a bolsa em meu apartamento e subo. -assegurou Maria deixando de sorrir imediatamente.

Rita murmurou umas palavras de agradecimento e retornou a seu próprio apartamento, deixando a porta aberta para que pudesse entrar sua irmã.

Instante mais tarde chegou Maria. Ia vestida de sexta-feira de noite, com umas calças negras e uma blusa de seda azul.

-Não conseguiu ver quem lhe deixou isso? -perguntou Maria sem mais preâmbulo, sentando-se no sofá frente a sua irmã.

-Não, e estou começando a me assustar. -assegurou Rita sacudindo a cabeça-. Por que me deixa presentes sem nada falar?

-O que te diz seu instinto? -perguntou Maria.

-Não sei - respondeu com sinceridade depois de pensar um instante-. Uma parte de mim pensa que o faz porque é tímido e teme que o recuse. Mas por outro lado penso que pode tratar-se de um... obsessivo. -concluiu sentindo um calafrio.

-Não acredito - respondeu sua irmã com expressão dúbia-. Talvez seja uma ingênua, mas estou quase segura de que se trata de um admirador secreto que tem no hospital. Além disso, os perseguidores dão presentes terríveis. O que te deixou esta vez?

Rita se levantou do sofá, tirou de sua bolsa a caixinha branca e a colocou sobre a palma da mão da Maria.

-É precioso! -murmurou com a mesma reverência que sua irmã quando a abriu e viu o coração-. E, além disso, é de uma boa marca. Olhe aqui o logotipo - assegurou pondo-o à luz e assinalando uma esquina do coração-. Vê? Isso significa duas coisas: Ou esse tipo tem bom gosto, ou tem muito dinheiro.

Rita se aproximou para observar o logotipo. Não podia entender por que seu suposto admirador gastou tanto dinheiro dessa vez. Tinha visto o coração com corrente na loja do hospital por dez dólares, e sabia que o bracelete não haveria custado muito mais. Mas era óbvio que este novo presente era bastante caro. A que se devia aquela mudança repentina?

-Vejamos: O primeiro presente no dia de São Valentim - começou a recapitular Maria enquanto admirava o coração de cristal-. E o segundo foi... vá, acabo de me dar conta. O dia de São Valentim. A maldição familiar. Agora compreendo por que tem medo.

Rita exalou um suspiro de impaciência. Muitos Barone acreditavam na maldição que Lucia Conti tinha jogado contra sua família duas gerações atrás, mas Rita não se encontrava entre eles. Era muito sensata para acreditar em maldições, embora conhecesse bem a história, igualmente ao resto da família.

Quando Marco Barone, avô de Rita e fundador dos Sorvetes Baronessa, chegou da Sicilia nos Estados Unidos nos anos trinta, começou a trabalhar como garçom no restaurante dos Conti, um casal também siciliano amigo de seus pais. Os Conti tinham uma filha chamada Lucia que, conforme se dizia, estava muito apaixonada por Marco, e entre as duas famílias se dava por feito que Lucia e Marco se casariam algum dia. Mas Marco se apaixonou pela Angélica Salvo, uma jovem que também trabalhava no restaurante, e se casou com ela num dia de São Valentim. Diz-se que em seu casamento, Lucia lançou uma maldição contra eles e contra toda sua descendência.

-Maldito seja para sempre o aniversário de seu casamento! - havia dito Lucia.

É obvio não todos os dias de São Valentim tinham sido desgraçados para a família Barone. Mas um bom número de desgraças tinham tido lugar naquela data. Em seu primeiro aniversário de casamento, Angélica perdeu o filho que ela e Marco estavam esperando. Uns anos mais tarde, também em São Valentim, um dos gêmeos que acabavam de ter foi raptado do leito do hospital quando só tinha dois dias de vida e nunca voltaram a vê-lo.

E no último São Valentim tinha ocorrido uma catástrofe profissional. Alguém tinha jogado pimenta sobre um novo sabor de sorvete que Baronessa estava apresentando nesse dia em uma festa de gala especial. Todos os que o provaram queimaram a boca, e um homem sofreu inclusive uma reação alérgica grave. Os Barone se viram obrigados a contratar os serviços de um assessor para recuperar a imagem e o prestígio da companhia, e ainda seguiam sofrendo as repercussões do incidente.

A Rita lhe ocorreu pensar que o casamento de Gina com o assessor Flint Kigman era em certo modo a negação da suposta maldição de São Valentim.

-Assim que o primeiro presente chegou em São Valentim -repetiu Maria-. E o segundo em seu aniversário, duas ocasiões especiais- Mas hoje não é...

-Hoje faz três anos, que comecei a trabalhar no Hospital Geral. -interrompeu-a Rita.

-Isso esclarece coisas -assegurou sua irmã com ar triunfal- Então não há dúvida de que se trata de alguém do trabalho. Que romântico.

Romântico? -repetiu Rita, surpreendida ao escutar que uma mulher que passava o dia trabalhando utilizasse semelhante palavra-. Desde quando você se tornou tão romântica?

Não o sou - respondeu sua irmã ruborizando-se-. Simplesmente, acredito que não se trata de um caso obsessivo. Alguém perdeu a cabeça por ti.

-Maria, homens adultos não perdem a cabeça - assegurou Rita franzindo o cenho.

-É obvio que sim - defendeu-se Maria-. E está acostumado a ocorrer aos tipos mais fortes e mais duros.

Rita pensou com desgosto que sua irmã estava falando como uma virgem idealista de vinte e três anos. Embora ela tampouco pudesse dizer nada, porque em certo modo era igualmente idealista, e certamente era uma virgem de vinte e cinco anos.

-Não acredito que tenha nada do que preocupar-se - continuou dizendo Maria enquanto guardava o coração de cristal em sua caixa-, Mas se sente incômoda, talvez devesse deixar de usar o pingente e o bracelete. Seu admirador secreto se dará conta e pode ser que apareça.

-Suponho que vale a pena tentar - respondeu Rita com ar ausente.

Maria lhe estendeu a caixinha com o coração e ela a aceitou. Não estava muito segura de por que queria conservar o presente, mas queria fazê-lo. Talvez fora porque, no fundo de seu coração, sabia que a pessoa que lhe deixava os presentes a admirava em segredo.

E talvez, muito no fundo, gostava daquilo. Nunca antes ninguém a tinha admirado, ao menos por si mesma. Tinha saído ocasionalmente com meninos no instituto e na universidade, mas sempre se perguntava se não o teriam pedido só porque era uma dos ricos Barone. Sobre tudo desde que fez vinte e um anos e, ao igual a outros irmãos, recebeu um dote de um milhão de dólares.

Mas Rita ainda não havia tocado nesse dinheiro.

Preferiu investi-lo, pensando que algum dia o necessitaria para algo. No momento só sabia que não lhe interessava a vida social e que adorava ser enfermeira. Mas talvez algum dia tivesse filhos e necessitaria esse dinheiro para eles. Em qualquer caso, seu admirador secreto não conhecia ou não estava interessado em sua fortuna, porque, em caso contrário, teria aparecido. Assim talvez fosse Rita que o atraía, e não seu dinheiro. E não podia se sentir menos adulada.

-Tem par para a festa do próximo fim de semana? -perguntou Maria levantando-se para ir-se-. Porque se lembra de que há uma festa, verdade? -acrescentou, temendo que sua irmã o tivesse esquecido.

E tinha razão. Rita acabava de lembrar.

-Sim, a festa na sede da Baronesa - continuou explicando Maria-. A que a família organizou para lançar esse concurso que servirá para rebater a má impressão que criamos com o desastre da Fruta da Paixão. Lembra-se? Gina pensou em organizar um concurso para que o ganhador batize um novo sabor de sorvete.

-Oh, não - gemeu Rita-. Tinha-o esquecido. Tive muito trabalho estes dias.

-Você vai, né, Rita? -perguntou Maria com o cenho franzido-. Supõe-se que todos os Barone têm que estar ali para apoiar à família e ao negócio. Tem que ir. Se não, lhe estarão recordando isso toda a vida.

-Sim, sim, claro que vou - tranqüilizou-a Rita.

-E tem par para a festa? -insistiu Maria-. Porque se não, lhe estarão recordando isso também toda a vida - repetiu com um sorriso.

Rita fechou os olhos e reprimiu um uivo. Cada vez que um membro solteiro dos Barone aparecia em uma reunião familiar sem par, a geração anterior o acossava para lhe recordar que seria muito difícil casar-se e ter filhos se estava sozinho.

E para Rita, que nunca levava par a esse tipo de eventos, aquilo estava convertendo em um problema de proporções épicas.

-Rita! -repreendeu-a sua irmã em tom maternal-. Nem sequer convidou ninguém ainda?

-Já te disse que tinha esquecido, de acordo? Mas o arrumarei. Prometo-o.

Pelo que sabia não estava muito segura de como ia manter sua promessa. Aquela ia ser uma festa formal de cinco estrelas. Far-lhe-ia falta alguém soubesse como se portar, alguém distinto, atraente e bem relacionado, alguém como...

Por alguma estranha razão, a imagem do doutor Matthew Grayson surgiu então na mente da Rita. Ela a baniu tão depressa como tinha surgido. De maneira nenhuma ia pedir ao doutor Grayson uma coisa assim. Não teriam nada do que falar e se sentiriam incômodos durante toda a festa, e não só isso: Teria que suportar a sua tia Sandra perguntasse ao doutor quando ia fazer de Rita uma mulher honrada.

Nem pensar.

-Encontrarei a alguém - voltou a prometer a sua irmã.

Esperava de todo coração poder cumprir sua promessa.

 

                                               Capítulo Três

Matthew conhecia muitos médicos que preferiam fazer a ronda pela manhã muito cedo, alguns deles inclusive antes que saísse o sol. Mas ele não era um deles. Não era de natureza madrugadora, e ao contrário que muitos colegas, gostava de ver seus pacientes quando seus familiares estavam visitando-os para que pudessem tirar as dúvidas. Assim não estava acostumado a começar a ronda antes das dez da manhã, o que significava que muitas vezes almoçava tarde.

Na segunda-feira não foi uma exceção, nesse dia nem sequer comeu. A ronda lhe levou mais do que o habitual, provavelmente porque a senhora do Harold Asgaard tinha mais perguntas e preocupações que a maioria dos familiares do pacientes. Matthew não teve oportunidade de almoçar até passadas às três horas, e era tão tarde que preferiu esperar um pouco mais e jantar antes.

Abaixou à cafeteria para tomar um café e viu a Rita Barone sentada em uma das mesas do fundo.

Não estava comendo nada, mas sim parecia sumida na leitura de um livro. Levava junto o jaleco do uniforme e o cabelo recolhido em um desses elaborados coques que estava acostumada a fazer para trabalhar.

Matthew pensou, e não pela primeira vez, que nunca a tinha visto com os cabelos soltos. Nem sequer a tinha visto com roupa comum, porque só se encontrava com ela no trabalho. Supunha que devia ter o cabelo comprido, a julgar pelas mechas que escapavam pela frente, mas não sabia se era liso, encaracolado ou ondulado, e de repente precisava sabê-lo.

Mas não foi essa a razão pela qual se aproximou da sua mesa depois de pedir uma xícara de café. A razão era que...

Que demônios. Quando esteve ao seu lado, Matthew se deu conta de que não tinha nenhuma razão. O que constituiu todo um problema quando Rita levantou a vista e o viu ali em pé.

-Doutor Grayson - sussurrou em um inconfundível tom de surpresa.

-Rita... -replicou ele em seu característico tom áspero, desejando não parecer tão áspero.

O fazia sentir-se incômodo que todas as enfermeiras se dirigissem a ele como «doutor Grayson», quando ele as chamava a todas por seu primeiro nome. Mas era mais incômodo lhes sugerir que o tratassem com menos formalidade. Não estava muito seguro de como comportar-se informalmente, embora gostasse de tentá-lo em alguma ocasião.

Por exemplo, naquela.

Rita esperou a que dissesse algo mais, mas a mente de Matthew ficara em branco. Quão único pôde fazer foi olhar aqueles olhos escuros e tratar de não perder-se para sempre em suas profundidades. Mas ela seguia esperando que falasse e, quando Matthew foi capaz de articular o mais parecido a um pensamento coerente, disse o primeiro que lhe veio à cabeça.

-Esse lugar está ocupado?

Arrependeu-se imediatamente de ter formulado aquela pergunta, não só porque era do mais batido, mas sim porque era uma estupidez, já que a resposta era óbvia.

Rita arqueou as sobrancelhas com ar confuso antes de olhar à cadeira, obviamente vazia, que indicava, e dirigir logo o olhar para a vazia cafeteria.

-Não - respondeu voltando o olhar a ele-. Não está ocupada. Sente-se.

Se partisse naquele momento pareceria um completo idiota. Antes fosse capaz de permanecer ao lado de Rita Barone mais de uns segundos sem estar tão nervoso como um adolescente.

-Obrigado. -murmurou ele.

Então se sentou com grande dignidade frente a ela, mas não foi capaz de pensar em nada mais que dizer.

Rita fechou o livro e voltou a olhá-lo como se esperasse algo.

- Eu... eu odeio comer sozinho. -disse ele para justificar seu estranho comportamento.

-Mas você não está comendo. -observou Rita com um sorriso.

-Também odeio beber sozinho - apressou-se a esclarecer Matthew.

Rita o observou atentamente um instante, duvidando se dizia o que estava pensando.

-É curioso lhe ouvir dizer isso - disse finalmente-. Porque quase sempre o vejo comer ou beber sozinho.

Matthew estava muito ocupado digerindo as implicações da frase para sentir-se molesto. Rita tinha notado que estava acostumado a estar sozinho. Dera-se conta de sua presença. Não podia imaginar por que uma mulher como ela olharia mais de uma vez para um homem como ele.

-Que eu coma e beba sozinho não significa que eu goste - reconheceu.

-Então, fique todo o tempo que queira. -respondeu Rita inclinando o queixo para cima-. Estarei encantada de estar em sua companhia.

Aquilo o deixou muito surpreso, mas antes que tivesse tempo de pensar no alcance de suas palavras, Rita continuou falando.

-Já terminei meu turno - explicou-, Mas estou esperando a minha irmã Maria. Marcamos aqui às três e meia para ir às compras.

Rita pronunciou a última palavra como se estivesse falando do castigo mais horroroso do inferno. Matthew não pôde evitar sorrir.

-Não gosta de ir fazer compras? -perguntou com uma careta zombadora quase inconsciente-. Eu acreditava que o amor às compras estava inscrito no cromossomo x que todas as mulheres têm.

-Vá, vá, doutor Grayson - brincou Rita-. Saiu à luz uma dessas idéias preconcebidas sobre as mulheres que estão inscritas em seus cromossomos Y.

-Touché - respondeu Matthew sorrindo abertamente.

E ao fazê-lo se sentiu muito estranho, porque era algo que não estava acostumado a fazer.

Mas o que foi mais estranho ainda que Rita também lhe sorriu. As mulheres não estavam acostumadas fazê-lo diante dele, porque poucas vezes lhes dava motivos. Mas gostaria que Rita Barone sorrisse para ele com mais assiduidade. E não só pelo sorriso tão deslumbrante que tinha, mas também pelo extraordinariamente bem que o fazia sentir-se ao vê-la.

-Maria não só é uma compradora excelente - continuou conversando Rita-, mas sim, além disso, tem um sentido da moda que eu careço completamente.

-E o necessita você para algo?

-Tenho uma reunião familiar - respondeu ela com uma careta ainda mais eloqüente que a primeira-. E necessito um vestido.

Justo então, quando Matthew se deu conta de que levava vários minutos mantendo uma conversação cômoda e agradável com outra pessoa, algo que não recordava ter feito nunca, viu como Rita olhava por cima de seu ombro e levantava a mão para saudar alguém. Matthew se virou e viu uma jovem que se parecia muito com Rita aproximando-se.

-Maria, este é o doutor Matthew Grayson - apresentou-os Rita ante o olhar de curiosidade de sua irmã.

-Encantada - disse Maria com amabilidade, antes de voltar a olhar a sua irmã-. Por que não pede a ele?

Rita abriu os olhos desmesuradamente em claro sinal de horror, pensou Matthew, embora não tinha nem idéia do que estava falando Maria. Mas Rita sim, a julgar pelo modo em que se ruborizou e os dramalhões que lhe estava fazendo a sua irmã.

Mas a Barone mais jovem fez caso omisso dos gestos de sua irmã.

-Rita necessita um par para uma festa de gala que os Barone vai celebrar este fim de semana - explicou voltando-se para Matthew-. Se não, o resto da família vai atacá-la sem piedade por ter ido sozinha. Sempre vai sozinha a essas coisas, e os mais velhos começam a perguntar se alguma vez conseguirá um par.

Matthew se deu conta de que Rita se ruborizava ainda mais. Ao menos isso lhe pareceu ver antes que ela enterrasse o rosto entre as mãos.

-Maria! -sussurrou com raiva.

-Eu, pessoalmente, não vejo nada de mal em que uma mulher vá sozinha a uma festa - continuou Maria como se nada acontecesse-. Mas os Barone são muito tradicionais. Criaram-nos à moda antiga, sobretudo no que diz respeito ao matrimônio e aos filhos. Por exemplo, nós: Temos seis irmãos, por não falar dos primos.

Esta vez, em lugar de responder, Rita se limitou a soltar uma espécie de gemido.

-Não é que espere que se casem e tenham oito filhos - continuou Maria-. Mas já que estão aqui sentados conversando dou por feito que são amigos, assim não sei por que Rita não pode te pedir que seja seu par, entende?

Matthew pensou que aquilo era lógico. Ao menos, totalmente aceitável do ponto de vista social. Mas desde outra perspectiva era totalmente impossível. Porque... porque... porque não e ponto.

-O que diz então, Rita? -perguntou Maria-. Por que não pede ao doutor Grayson que vá contigo à festa da sexta-feira? A menos que seja comprometido, claro.

Com o rosto ainda escondido entre as mãos, Rita se limitou a negar com a cabeça em resposta à pergunta de sua irmã.

-E a menos também que tenha pedido a outra pessoa - continuou Maria soltando uma gargalhada, como se houvesse dito uma piada muito graciosa-. Era uma brincadeira - explicou ao Matthew-. Ela nunca sai com ninguém. Bom, Rita, o que me diz?

Rita levantou finalmente a cara e girou para olhar Matthew de frente. Seguia ruborizada, mas se refez com um sorriso minimamente acreditável.

-Espero que tenha gostado de conhecer minha irmã - disse-. Ouvirá falar dela amanhã nos jornais. Na seção de óbitos... Esqueça o que lhe foi dito. Não falava a sério.

- Claro que sim. -assegurou Maria.

- Eu adoraria ir com você. -respondeu Matthew quase ao uníssono.

E ficou tão surpreso de ter pronunciado aquelas palavras como a própria Rita de ouvir.

Maria, entretanto, parecia achar a situação completamente normal.

-Viu? -disse a sua irmã-. Já te consegui um par. Agora tenho que te conseguir um vestido. Já me agradecerá ambas as coisas mais tarde. Vamos?

Mas Rita não estava escutando a sua irmã. Matthew se deu conta de que estava olhando-o fixamente a ele.

- Fala a sério? -perguntou-lhe-. De verdade irá comigo?

Á Matthew surpreendeu sua reação. Que homem recusaria o convite de acompanhar a Rita Barone ao fim do mundo com os pés descalços? Então a uma festa da alta sociedade.

Mas, em honra à verdade, ele também estava surpreso por ter rapidamente aceito. Normalmente não gostava das festas, especialmente em que havia gente que não conhecia. De fato, evitava os grupos grandes sempre que podia. Não tinha conseguido gostar como adulto, principalmente porque não tinha sido bem-vindo quando era jovem. As cicatrizes do rosto eram agora menos espantosas do que o tinham sido durante sua juventude, mas houve uma época em sua vida, não muito longínqua, em que tinha estado tão desfigurado que as pessoas davam a volta instintivamente ao vê-lo. E essas lembranças seguiam muito nítida dentro dele.

-É obvio que falo a sério - assegurou Matthew antes que se arrepender -. Depois de tudo, os Barone são uma família célebre em Boston. Será um prazer comparecer.

Nisso tinha razão. A festa de gala seria de alto nível, e compareceria a mais alta da sociedade. Por muito que a família de Matthew destrambelhasse contra os Barone por novos ricos e escandalosos, os Grayson se moviam nos mesmos círculos sociais que eles e, economicamente falando, eram iguais. Assim que talvez indo a aquela festa com a Rita poderia estabelecer uma ponte entre ambas as famílias.

Preferia não pensar em por que aquilo lhe parecia importante.

-A que hora quer que a pegue? -perguntou enquanto Rita seguia olhando-o com incredulidade.

Ou talvez estivesse simplesmente horrorizada ante a perspectiva de passar uma tempo em sua companhia e estava pensando alguma desculpa para livrar-se de ir com ele. Depois de tudo, era sua irmã quem tinha feito a sugestão. Tecnicamente, Rita não o havia convidado.

Então, ela sorriu. E foi então quando Matthew foi consciente de que tinha estado contendo a respiração e deixou escapar um profundo suspiro de alívio.

-Não, eu o pegarei - respondeu Rita-. Para este tipo de eventos costumam enviar um carro a todos os membros da família. Passará primeiro para me recolher e logo iremos a sua casa. Está bom às sete?

-Perfeito - assegurou Matthew assentindo com a cabeça.

Rita lhe dedicou um último sorriso antes de levantar-se da cadeira e sair com sua irmã da cafeteria.

Matthew a observou partir e, quando Rita chegou à porta, ela deu a volta e agitou a mão em gesto de despedida.

Então ele deu-se conta de que não levava nada na mão, nem tampouco se pôs o pingente. O pingente e o bracelete de seu admirador secreto. Seu admirador secreto, o doutor Matthew Grayson.

Não pôde evitar perguntar o que significava aquilo.

      

                                                         Capítulo Quatro

Durante o resto da semana, cada vez que Rita via o doutor Grayson tentava comportar-se como se não houvesse nada diferente entre eles só pelo fato de que ia ser seu par. Ou melhor, dizendo, seu acompanhante.

Mas tudo lhe parecia distinto.

De repente, cada vez que o via sentia uma pequena explosão no ventre e a mente lhe nublava. Não sabia o que lhe dizer depois de saudá-lo, assim sempre inventava alguma desculpa para fugir de sua presença antes que ele pensasse que era uma completa estúpida.

Também começou a ver coisas no doutor Grayson que antes não via. Coisas como se punha mais açúcar em seu café do que deveria um profissional da saúde. Ou os finos e elegantes dedos das mãos, umas mãos que imaginava não operando, a não ser fazendo coisas. Fazendo coisas com ela, coisas nas quais não deveria nem pensar.

Ficou consciente de quão largos eram seus ombros, ocultos sob a bata branca. E o quanto bem cheirava sempre limpo e principalmente a homem. E nos reflexos azulados que adornavam seus olhos verdes sonhadores quando a luz se refletia neles.

Esse tipo de coisas.

Quando chegou na sexta-feira de noite, Rita não estava muito segura de como se supunha que devia agir. Nem quando se apresentasse na sede da Baronessa com o doutor Grayson a seu lado, nem com o doutor Grayson em si. Enquanto contemplava seu reflexo no espelho de seu dormitório às seis e meia, foi consciente do qual vestido que tinha permitido que sua irmã escolhesse por ela não era o que Rita teria elegido por si mesma.

Aquele vestido preto era o vestido preto mais curto que tinha visto em sua vida. E agora lhe parecia ainda mais curto que quando o tinha provado na loja. Maria tinha assegurado que era feito para deixar os ombros descobertos, mas Rita não podia evitar pensar como aquele vestido acabaria por mostrar algo mais que os ombros antes que acabasse a noite.

Quando se deu conta do que acabava de ocorrer, Rita se assustou muitíssimo, e disse a si mesma que de maneira nenhuma aquele vestido ia sair de seu corpo em toda a noite. O Dr. Grayson era muito profissional para tentar alguma coisa com uma colega de trabalho. E ela prometeu a si mesma, tempos atrás que quando se entregasse a um homem seria porque estivesse absoluta e irrevogavelmente apaixonada por ele. E não estava apaixonada pelo Dr. Grayson.

Além disso, o vestido se ajustava a seu corpo como uma segunda pele, embora aquele pensamento não fosse absolutamente tranqüilizador.

Pôs-se para complementar o vestido um colar de pérolas combinando com um bracelete e brincos que tinham pertencido a sua avó. E logo colocou a meia de nylon que também tinha comprado durante sua exaustiva jornada de compras. Apesar de seus protestos iniciais, Maria tinha terminado por convencer-la a comprar também uma cinta-liga para segurar as meias, insistindo em que aquele acessório a faria sentir-se mais feminina, mais brincalhona, e inclusive mais poderosa. Agora, ao dar um último retoque na frente do espelho em seu cabelo, que tinha decidido deixar solto, Rita se sentia completamente nervosa. Fechou um instante os olhos e disse a si mesma que não havia motivo para isso. Estaria rodeada por sua família e amigos de toda a vida, celebrando todos juntos a nova direção que tinha tomado Sorvetes Baronessa para apagar os escândalos dos meses anteriores. Rita ia passar muito bem a noite.

Embora sentisse uma pequena explosão no ventre cada vez que pensava em Matthew Grayson.

A sede executiva da Sorvetes Baronessa estava situada em um edifício de cinco andares de aço e vidro de linha ultramoderna. Rita explicou a Matthew que a empresa familiar possuía também um andar de manufaturação no Brookline, nos subúrbios de Boston. Além desses dois edifícios corporativos, os Barone tinham uma casa em Harwichport, em Cape Code, onde costumavam acontecer as férias familiares.

-É obvio, eu não a visito com tanta freqüência como meus irmãos e meus primos. -confessou-lhe Rita enquanto saíam do elevador-. Com um trabalho como o meu é muito difícil ter muitos dias livres seguidos. Mas é uma casa preciosa, e o lugar é maravilhoso. Talvez um dia... - Rita se deteve na metade da frase, mas Matthew estava certo de que tinha estado a ponto de lhe fazer outro convite, um que incluía reunir-se com ela e sua família. Teria se detido porque não tinha nenhum interesse em continuar a relação, ou porque temia que lhe dissesse que não? As possibilidades eram fascinantes.

Igualmente Rita Barone.

Matthew ainda não se recuperara de ver quão bela estava. Considerava-a bonita desde o primeiro dia que a viu, mas, tal e como ia vestida naquela noite, bonita era um adjetivo que ficava curto.

Quando Matthew abriu a porta de sua casa e a encontrou do outro lado, alegrou-se imediatamente de ter escolhido seu terno escuro mais elegante, camisa branca e gravata de seda. Mas depois, o único em que pôde pensar foi na pele de Rita, tão visível. Em seu aspecto suave e bronzeado. Nunca a tinha visto mais que vestida de uniforme, e não pôde evitar percorrê-la de cima abaixo com o olhar ao menos um par de vezes, notando o suave contorno de seus seios aparecendo por cima do vestido e em suas belas pernas.

E em seu cabelo. Por fim via como realmente era, comprido, e como brilhava igual ao fogo caindo em cascata sobre seus ombros nus. Era uma juba sedosa e abundante, das que provocavam nos homens o desejo de acariciá-la. Matthew sentia o desejo de acariciar a Rita em muitos lugares, não somente no cabelo. Embora não ali, é obvio, com todos os membros de sua família ao redor. Seria muito melhor fazê-lo mais tarde, quando estivessem sozinhos.

Mas Matthew sabia que estava indo muito longe. Rita não lhe tinha dado a entender em nenhum momento que aquele encontro fosse ser algo mais que uma reunião familiar em que tinha convidado um colega de trabalho.

Por que não trabalha no negócio familiar? -perguntou Matthew, tirando um tema de conversação pelo que sentia especial curiosidade-. Depois de tudo, o sobrenome Barone é sinônimo de sorvetes italianos aqui em Boston.

-Não sei - respondeu Rita encolhendo os ombros-. Quis ser enfermeira desde que era menina. Além disso, não tenho alma empresarial. Nunca me interessou muito o negócio, ao contrário de alguns de meus irmãos. Nicholas é o diretor geral da empresa, Joe, o diretor financeiro, Gina a vice-presidente de marketing e relações públicas, e Maria gerencia a sorveteria Baronessa de Hanover Street. Mas somos oito - recordou-lhe -. E também há primos. Meus primos Derrick e Emily trabalham no negócio. Acho que meu pai não teria podido encontrar um posto a todos. Por sorte, alguns seguimos outros caminhos. Meu irmão Reese é vendedor, Alex está na marinha, minha irmã Colleen é assistente social, minha prima Claudia trabalha como voluntária, e meu primo Daniel... Bom, digamos que é uma espécie de playboy profissional. -concluiu Rita com um sorriso.

-É um bom trabalho se pode optar por ele. -comentou Matthew com ironia.

-Vamos lá, Dr. Grayson - disse ela com uma careta-. Em lugar de falar deles, será melhor que os conheça. Estou quase segura de que estarão todos aqui, exceto Reese e Alex.

Rita deu um passo adiante enquanto Matthew permaneceu cravado no chão. Entretanto, estirou o braço e a segurou pela mão, obrigando-a a dar a volta. Ela esteve a ponto de perder o equilíbrio ante o inesperado gesto, embora conseguisse recuperá-lo quando seus corpos estavam separados por apenas uns centímetros. Instintivamente, Rita abriu a mão e a apoiou sobre seu peito para recuperar o equilíbrio, e durante um décimo de segundo, todo o corpo de Matthew ficou rígido sob seu contato. Quando seus olhos se encontraram, ele comprovou que Rita estava desconcertada, mas ela não só não apartou a mão, mas também a apertou ligeiramente contra seu torso, como se temesse cair ao chão se não o fizesse. E Matthew tampouco lhe soltou a mão, como se também temesse algo.

-O que ocorre? -perguntou ela com um tremor na voz que revolveu todo o interior do Matthew.

-Não penso ir a nenhuma parte contigo, Rita - começou a dizer ele pausadamente-, até que prometa deixar de me chamar de Dr. Grayson e comece a me chamar de Matthew.

Ela pareceu duvidar uns instantes. Tinha os lábios ligeiramente entreabertos e o olhar cravado no seu. Os olhos de Rita eram tão escuros, tão profundos e tão hipnóticos, que Matthew sentiu como se afundasse naquele doce abismo de chocolate. Além disso, tinha uma boca tão suculenta e sedutora, que não desejava mais nada que inclinar a cabeça sobre ela e beijá-la brandamente nos lábios. Tão imerso estava naquele pensamento que começou a baixar a cabeça para ela, até que...

-De... de acordo - disse Rita-. Ma... Matthew.

E então o feitiço se rompeu e Matthew deu-se conta da loucura daquela idéia. Levantou a cabeça e lhe soltou a mão, enquanto Rita, que parecia tão enjoada como estava ele, apartou a mão de seu peito.

Ao fim a tinha escutado pronunciar seu nome, embora não tivesse sido capaz de fazê-lo sem gaguejar. Mas gostava de como o havia dito. Gostava muito. Rita voltou a dar um passo adiante, embora com menos decisão que a primeira vez, e ele a seguiu.

Enquanto ela o guiava através de um comprido corredor flanqueado por escritórios e salas de reuniões, Matthew escutou o som de uma música próxima, música de saxofones, clarinetes e percussão. Era jazz. Então giraram para outro corredor menor, dobraram uma esquina e se acharam em uma grande sala de banquetes de vidro que estava claramente desenhada para eventos sociais desse tipo.

O salão estava iluminado por centenas de luzes brancas engastadas em arbustos distribuídos ao longo de toda a sala. Também havia pequenas luzes no teto. Em uma das esquinas ao fundo estava o grupo de jazz, ao lado do qual havia alguns casais dançando. Os garçons, elegantemente vestidos, levavam bandejas de deliciosos canapés. A sala estava abarrotada.

-Certamente, sua família sabe como celebrar uma festa - assegurou Matthew seguindo Rita.

-Isso é verdade - respondeu ela com entusiasmo-. Olhe, aí estão meus pais. Podemos começar pelo mais alto da hierarquia Barone e logo ir descendo. Quando tivermos concluído com todas as apresentações, poderemos começar a nos divertir sem temor de que nos envenenem com perguntas indiscretas.

Ao conhecer a mãe de Rita, Moira Reardon Barone, Matthew se deu conta de que não fazia falta que se preocupasse de estender uma ponte entre sua família e a da Rita. Tinha esquecido que a matriarca do clã, uma mulher de cabelo vermelho e olhos verdes, era filha de um antigo governador de Massachussets. Também descobriu que Moira Barone era simpática, amigável, e estava claramente interessada no acompanhante de sua filha.

-Cirurgião, você disse? -perguntou olhando Rita com um sorriso quando os apresentaram-. Bem, bem, bem. Não temos nenhum médico na família. Até agora.

- Mamãe! -exclamou sua filha, alarmada-. E este é meu pai, Carlo Barone. Papai, o Dr. Matthew Grayson. Trabalha comigo no hospital.

O patriarca dos Barone tinha o cabelo escuro e uns olhos parecidos com os da filha. Matthew o imaginava perfeitamente dirigindo com mão de ferro a Sorvetes Baronessa. Uns quantos minutos de bate-papo bastaram para captar seu vigor e sua força.

-Parece que se dá muito bem com seus pais. -comentou Matthew quando se separaram deles depois de que Rita os beijasse na bochecha.

Achava muito interessante observar a relação que as pessoas tinham com suas famílias, porque ele nunca tinha sentido à sua muito próxima. Matthew não estava muito seguro de que se devia a sua natureza ou a sua educação, mas os Grayson não eram muito amigos dos próximos. Nem física, nem emocionalmente falando.

Depois de tomar ao vôo duas taças de vinho da bandeja de um garçom, Rita guiou Matthew para uma imensa janela através da qual se via o coração de Boston. Mas não prestou atenção à vista.

-E o que me diz de você? -perguntou olhando-o-. Como é sua família?

-Pequena e muito bostoniana. -respondeu ele, desejando que aquilo fosse suficiente para saciar sua curiosidade.

-Fala deles como se tivessem vindo no Mayflower - brincou Rita.

-Já que o menciona...

- Fala a sério? -perguntou ela olhando-o com assombro.

-Temo que sim.

-Os Grayson estão há tanto tempo aqui em Boston?

Matthew assentiu com a cabeça.

-E certamente já seriam ricos e de sangue azul quando chegaram verdade?

-Dizem que se seguirmos a linha sucessória chegaríamos até a realeza européia, mas nunca me interessou fazê-lo.

-E o que me diz de seus irmãos, suas irmãs e seus primos? -perguntou Rita-. Como são?

Matthew tentou encontrar os adjetivos adequados para descrever a sua família. Mas os únicos que lhe ocorriam não eram especialmente agradáveis. Frios. Distantes. Orgulhosos. Pálidos.

-Tenho uma irmã mais nova. -disse finalmente, estacionando momentaneamente os qualificativos-. Digamos que eu sou um pouco a ovelha negra da família. Meu pai é banqueiro, minha mãe fiscal da fazenda e minha irmã agente da bolsa. E meus primos, tios, tias, todos são financistas.

Rita ia comentar que ser um prestigioso cirurgião cardiovascular não lhe parecia próprio de uma ovelha negra, mas nesse momento Carlo Barone, subiu ao podium ao lado do grupo de jazz e anunciou que ia dizer algo a respeito do concurso que a Sorvetes Baronessa tinha organizado. Logo apresentou a Gina Barone, a vice-presidente de relações públicas, conforme recordou Matthew.

A irmã de Rita recordou brevemente a história da Baronessa, mencionou por alto que tinham renunciado ao sabor da Fruta da Paixão e logo mostrou aos convidados uma carta de papel oficio.

-O que tenho na mão é a lista de normas e condições para nosso concurso Batize um sabor. Os jornais de amanhã levarão este anuncio impresso em uma página inteira. Propomos a todas as pessoas da área de Boston que sejam imaginativas e tenham dotes culinários que desenvolvam uma receita para um novo sabor de sorvete.

Os convidados aplaudiram com entusiasmo.

-Todas as receitas recebidas - continuou Gina quando cessaram os aplausos-, serão desenvolvidas em pequena escala na fábrica da Baronessa no Brookline. Logo, um júri composto por vários executivos da empresa, e também por minha mãe - acrescentou com um sorriso, provocando uma nova onda de aplausos-, provarão todos os sabores e decidirão quem é o ganhador.

Mais aplausos.

-O criador da receita ganhadora - seguiu dizendo Gina-, não só verá seu sabor feito realmente em todas as lojas Baronessa do país, por não mencionar os supermercados que vendem nossos produtos, mas também, além disso, receberá mil dólares por seu esforço.

-Descartaram definitivamente o sabor da Fruta da Paixão? -perguntou Matthew inclinando-se sobre Rita para fazer-se escutar por cima dos aplausos-. Soava muito bem.

-Acredito que é o melhor que podem fazer, depois do desastre do lançamento. -a assegurou-. Ainda não sabemos quem pôs a pimenta no sorvete. A família está dividida em dois: os que acreditam que foi obra de alguma empresa rival e os que pensam que é coisa dos Conti. Ouviste falar da maldição?

-Acredito que toda Boston já está consciente dessa história. -respondeu Matthew.

-Entretanto, eu não vejo os Conti fazendo algo semelhante. Acredito mais pela sabotagem industrial, embora também me resulte difícil pensar que uma empresa séria possa fazer algo assim.

-Surpreenderia saber as coisas que as pessoas são capazes de fazer. -assegurou Matthew.

Pronunciou aquelas palavras em um tom que não lhe tinha escutado nunca até então. Algo lhe disse, entretanto, para deixasse as coisas como estavam assim mudou de tema assegurando que esperava que ganhasse alguma variação que tivesse chocolate, porque era seu sabor favorito.

O champanhe não deixou de correr ao longo de toda a noite. E dado a atmosfera tão festiva e que nenhum dos dois tinha que dirigir, deixaram-se levar alegremente pelo ambiente.

Aquela foi à única explicação que Rita encontrou para haver feito a Matthew aquela pergunta, quando mais tarde o levou ao terraço do edifício para que contemplasse as luzes da cidade.

-O que aconteceu para que tivesse essas cicatrizes? -perguntou-lhe quase sem dar conta do que fazia.

Rita levou imediatamente a mão à boca num gesto de arrependimento. Mas estava pensando nisso toda a noite, desde que o tinha visto tão deliciosamente atraente vestido com aquele terno tão caro. Não podia deixar de pensar em que, sem aquelas cicatrizes, seria absolutamente perfeito. Teria que ter mantido a boca fechada. Não só porque se tratava de uma pergunta impertinente, mas sim porque Matthew ficou totalmente rígido ao escutá-la.

-Sinto muito - desculpou-se Rita imediatamente-. Não tinha direito de lhe perguntar isso. Por favor, esquece-o.

Logo estremeceu, dizendo a si mesma que era devido à fresca brisa de abril que corria à intempérie, e não ao olhar glacial de Matthew.

Aquele olhar gelado durou só um instante, entretanto, e se desvaneceu tão depressa como tinha nascido. Matthew devia ter notado seu tremor, porque sua expressão se suavizou.

-Tem frio - comentou com doçura-. Não devia ter sugerido que saíssemos.

Antes que Rita tivesse a oportunidade de dizer algo, ele tirou a jaqueta e a passou pelos seus ombros. Ela estava a ponto de declinar o oferecimento e sugerir que retornassem para dentro, mas assim que o suave tecido da jaqueta roçou seus ombros nus começou a esquentar, e se deu conta de que era o calor do Matthew. Notou também que cheirava a ele, a especiarias, a homem limpo, e que ter sua jaqueta era quase como sentir seus braços ao redor dela. Rita já não queria entrar. De repente, já não sentia frio. De fato, o calor estava começando a esquentar partes dela que nem sequer sabia que tinha frias até aquele momento.

-Obrigada. -murmurou docemente enquanto se envolvia na jaqueta-. Sinto muito, Matthew. Não lhe devia perguntar isso. Não é da minha conta.

-Não, não é isso. -respondeu ele com voz ainda sombria e um tanto distante, como se estivesse sumido em seus pensamentos-. É só que... ocorreu faz tanto tempo que o lógico seria que não me importasse falar disso.

-Mas te importa.

-Às vezes.

-Olhe, de verdade, não tem que me contar isso se não...

- Um leão me atacou.

Rita se calou assim que ele começou a falar, mas não fechou a boca durante toda a explicação que Matthew lhe deu. Sinceramente, não estava muito segura se acreditava ou não. Estaria brincando para ocultar o que de verdade tinha lhe ocorrido? Podia alguém sofrer o ataque de um leão? Parecia bem algo próprio de uma novela do século dezenove.

-Quando eu tinha dez anos fui a um safári no Kenya com meus pais - começou a lhe contar Matthew com voz grave-. Uma noite saí do acampamento. Tinham-me advertido de que não o fizesse, mas queria ver o céu. Fazia uma noite preciosa - disse levantando o olhar para olhar as luzes de Boston-. Não sei quanto tempo estive andando. Era como um filhote de gazela que se afastou da manada - acrescentou com um meio sorriso-. Uma presa fácil. O leão surgiu de repente da escuridão. Era uma fêmea. Tudo estava em silêncio e parecia mágico, e no minuto seguinte... no minuto seguinte estava literalmente lutando por minha vida - assegurou olhando-a aos olhos.

-Oh, Matthew! -sussurrou Rita.

Não podia nem imaginar o terror e a confusão que devia ter sentido naqueles momentos.

-Alguém deve ter escutado os ruídos no acampamento, porque apareceu um grupo correndo e gritando com tochas na mão, e a leoa, surpreendentemente, soltou-me e desapareceu na escuridão. A pior parte do ataque que sofri foi no ombro e nas costas. Se acha que as cicatrizes que tenho na cara são terríveis, deveria ver as que tenho ali -assegurou antes de apartar a vista da Rita-. Embora pensando bem, não acredito que seja uma boa idéia. Os cirurgiões plásticos fizeram o que puderam com meu rosto, mas as primeiras feridas foram tão profundas que...

Matthew não terminou o que estava dizendo, e Rita o compreendeu perfeitamente. Ela tampouco sabia o que lhe dizer. Mas quando ele levantou a vista e a olhou, parecia tão ansioso por escutá-la dizer algo que Rita forçou um sorriso que, para sua própria surpresa, converteu-se de repente em um gesto natural.

-Acredito que os cirurgiões fizeram um trabalho magnífico -assegurou-lhe-. Embora claro, tinham um bom material de trabalho. Poderia ser uma estrela de cinema.

-Não acredito. -respondeu ele baixando de novo a vista como um adolescente tímido-. Mas certamente, tudo isto parece coisa de filme. Passei a maior parte de minha vida desejando que fosse. Não tem graça nenhuma crescer parecendo uma besta.

Matthew permaneceu pensativo uns instantes, ponderando se devia continuar falando ou não. Quando por fim se decidiu a fazê-lo, levantou de novo a vista para olhar ao céu.

-Lembro-me uma vez, quando estava na oitava série, que comecei em um colégio novo, outra vez, porque me tinham expulsado do último por brigar constantemente. É obvio, não era eu que começava - acrescentou como se necessitasse que ela soubesse-. Mas estava em um colégio novo e, como um idiota, confiava em que daquela vez as coisas seriam diferentes. Havia uma garota de minha classe que... era preciosa - disse finalmente com um meio sorriso-. E sempre se virava quando eu a estava olhando, como se o adivinhasse. Mas não parecia lhe importar que a observasse. Sempre me devolvia o olhar. Minha cabeça me dizia que me olhava pelo mesmo motivos dos outros: porque eu era um monstro.

-Matthew... -começou a dizer Rita.

Mas ele continuou falando antes que ela tivesse oportunidade de dizer alguma coisa.

-Havia uma parte de mim que tinha esperanças - disse Matthew-. Não sei... ela me parecia distinta às demais. Então, um dia, sua melhor amiga se aproximou de mim quando eu estava recolhendo minhas coisas em meu fichário e me disse que essa garota queria me conhecer. Que gostava de mim. Que queria falar comigo. Não podia acreditar nisso. Estava feliz. Assim fui encontrar com ela atrás do ginásio, onde sua amiga me disse que estaria me esperando.

Matthew fez uma pausa e aspirou com força o ar antes de exalá-lo em um melancólico suspiro.

-A garota estava me esperando de verdade - continuou dizendo-. Com seu noivo. Disse-me que deixasse de olhá-la em classe, porque lhe dava náuseas. E logo deixou que seu noivo continuasse com o resto do bate-papo. Desgraçadamente, não falamos. E eu tive que deixar a escola para ingressar em outra umas semanas mais tarde.

-Oh, Matthew... -repetiu Rita.

-Assim aí o tem - concluiu ele com ironia-. A vida e milagres da fera.

Algo no interior dela se revoltou ao escutar aquela palavra. Não podia ser que ele visse a si mesmo daquele modo.

-Não é nenhuma fera. -assegurou.

-Ah, não? -perguntou ele rindo-se com amargura-. Pois isso é o que parece pensar todo mundo no hospital.

-Não é pelas cicatrizes - corrigiu-o Rita sem duvidá-lo-. É pela atitude que...

Rita voltou a calar-se antes de tampar de novo a boca com a mão.

-Não quis dizer isso, Matthew - apressou-se a esclarecer-. Não é nenhuma fera - concluiu com ainda, mas firmeza que a vez anterior.

Como quisesse demonstrar-lhe Rita elevou a mão até seu rosto e, depois de uma breve vacilação, percorreu levemente com as pontas dos dedos as cicatrizes que ele parecia achar tão repulsivas. Ao princípio Matthew torceu a cabeça, como se não quisesse que ela o tocasse. Mas Rita voltou a tentá-lo, deslizando os dedos pela carne ferida, e esta vez, por alguma razão, ele o permitiu.

-Não é nenhuma fera - repetiu Rita-. É...

Matthew a olhou e seus olhos se encontraram. Ela se deu conta de que, de algum jeito, em algum momento, aproximaram-se um ao outro. Ele inclinou a cabeça apenas uns milímetros, os suficientes para sentir a carícia mais plenamente.

-O que sou? -perguntou com suavidade, elevando a mão para estreitar a sua.

Rita abriu então a palma completamente, cobrindo com ela toda a bochecha e a mandíbula. Sentiu como avançava mais para ele sem ter tomado a decisão de fazê-lo. Seus instintos pareciam haver-se apoderado dela, e a única coisa que podia fazer era segui-los.

-É... é... -tentou dizer de novo.

Mas as palavras não vieram em sua ajuda para descrevê-lo. Certamente porque naquele momento Matthew era... indescritível. E ao mesmo tempo, muito desejável. Houve algo no modo em que a estava olhando que a fez estremecer-se de emoção. E quando a segurou pela mão daquele modo, o estremecimento pareceu fazer-se forte no centro de seu corpo.

Seguindo seus impulsos, e sem saber muito bem por que o fazia, Rita ficou nas pontas dos pés e o beijou brandamente nos lábios. No momento em que suas bocas roçaram, algo em seu interior desatou, lançando calor e fogo por todo seu corpo. Foi uma sensação tão intensa e tão repentina que Rita se separou dele instantaneamente.

Quando voltou a apoiar completamente os pés no chão, disse a si mesma que se tratou tão somente de um beijo. Um beijinho inocente e totalmente inofensivo. Isso era tudo. Tinha querido lhe demonstrar que não era repulsivo, como ele parecia pensar.

Um beijo repetiu-se Rita com firmeza. Só isso. E, entretanto, sentia como se a terra tivesse desaparecido sob seus pés.

-Não é nenhuma fera, Matthew - disse uma última vez-. Em nenhum sentido.

E então, temendo o que poderia a ocorrer se continuassem do lado de fora e a sós durante mais tempo, Rita deu um passo atrás.

- Deveríamos voltar a entrar - assegurou-. Com certeza estão nos procurando. E a verdade é que aqui fora faz mais frio do que pensava.

Rita se sentiu como uma mentirosa total quando deu a volta sem esperar resposta e se dirigiu para a porta do terraço. Porque sabia que nenhum dos Barone jamais a buscaria se desaparecesse com um atraente e distinto médico. E porque nunca em sua vida tinha estado mais quente.

 

                                               Capítulo Cinco

O que restava da noite foi muito penoso Rita, à exceção das poucas ocasiões que se deparou olhando para Matthew e o encontrou observando-a com um olhar ardente que a fez estremecer-se dos pés à cabeça, passando por todas as regiões intermédias.

Como era possível que naquela festa da alta sociedade, algo pudesse resultar apetitoso depois daquele único e perfeito beijo que ela e Matthew tinham compartilhado no terraço?

Rita não podia seguir defendendo a idéia de que tinha sido tão somente um beijo inocente. Tinha beijado Matthew porque se sentia atraída por ele. Mais que atraída. Comovida. Enfeitiçada. E não era uma atração que surgirá naquela noite, mas sim de tempo atrás. Agora dava conta de que provavelmente se sentiu atraída por ele desde que tinha começado a trabalhar na unidade coronária.

Mesmo que muitas vezes se comportava como um resmungão, Rita sempre tinha detectado sob a superfície algo vulnerável. Agora sabia que tinha acertado, e o porquê. Matthew tinha sofrido uma experiência terrível sendo menino. Devia ser traumático crescer tendo aquele aspecto e recordando o brutal ataque. Além disso, provavelmente não teria tido a oportunidade de interagir com outros de modo mundano e natural.

Aquela noite, ao ouvir contar sobre seu passado, Rita tinha começado a entender que dentro dele seguia existindo um menino pequeno que sentia medo. E tinha querido demonstrar que não tinha medo dele, e que ele tampouco devia temê-la.

Num mútuo e tácito acordo, nenhum dos dois mencionou aquele beijo quando retornaram à festa. Mas já não pareciam sentir cômodos um com o outro, nem tampouco eram capazes de olhar nos olhos, à exceção dos olhares acidentais que Rita tinha captado nele.

Tratou de tranqüilizar-se pensando que quando voltassem para o trabalho na segunda-feira pela manhã, aquele assunto teria ficado esquecido, mas sabia que não seria assim. Conhecia-se o suficiente para saber que não poderia esquecer um beijo como aquele. Não, suas lembranças se multiplicariam e se fariam mais intensas até que não ficasse mais remédio que ir em busca do Matthew e repetir a experiência. Uma e mais outra vez.

Céu santo. Estava totalmente condenada.

-Acredito que deveríamos ir. -disse Rita à meia-noite, quando se deu conta de que todo mundo estava partindo.

Todo mundo menos sua família, que sem dúvida seguiria na festa até a madrugada. Procurou Maria com o olhar, e se surpreendeu muito que não estivesse mais na festa. Embora mais surpreendente era que depois de lhe haver insistido tanto com Rita sobre a necessidade de levar par, ela tivesse se apresentado sozinha à festa.

-Posso voltar para casa em um táxi. -ofereceu-se Matthew, visivelmente incômodo ainda pelo ocorrido no terraço.

-Não, não será necessário. -assegurou Rita, não queria que ele pensasse que havia alguma razão para que trocassem os planos-. O motorista está contratado para nos levar aos dois em casa. Não devemos desperdiçar a oportunidade.

Mal acabou de dizer a última frase, Rita desejou não havê-la pronunciado. Dava a impressão de que podia estar referindo-se a outro tipo de oportunidades.

Matthew parecia ter pensado o mesmo, porque ao olhar para ele descobriu que tinha os olhos acesos e as bochechas um pouco acaloradas. Mas não disse nada: limitou-se a abrir a porta de saída e fez um gesto Rita para que fosse adiante. E logo lhe ofereceu o braço. Rita não queria que pensasse que era uma medrosa, assim, embora temesse tocá-lo inclusive só levianamente, colocou o braço dentro do dele e caminhou a seu lado em direção à porta.

Foram de braços dados, mas não se disseram nenhuma palavra enquanto desciam no elevador. Logo percorreram em silêncio o vestíbulo e saíram através da imensa porta de vidro em direção às limusines que esperavam aos Barone para levá-los para casa. Encontraram a seu carro e o condutor abriu a porta de trás. Rita entrou seguida de Matthew, e quando o chofer fechou atrás deles, ela ficou tensa.

Pela primeira vez desde que se beijaram, estavam sozinhos. Total e absolutamente só graças ao vidro esfumado que os separava do condutor. Agora estavam em um lugar muito mais isolado e muito mais íntimo que o terraço do último andar, em que qualquer um podia ter entrado a qualquer momento. E Rita se encontrou pensando em coisas que não tinham lhe ocorrido antes na festa.

Bom, talvez sim, em alguma parte recôndita, sexual e enfebrecida do seu cérebro. Talvez em uma ou duas ocasiões, quando foram a caminho da festa, entreteve-se brevemente em pensar como seria fazer amor com Matthew Grayson no assento traseiro daquele mesmo carro. Estava tão bonito e tão sensual com aquele traje escuro que Rita não tinha podido evitá-lo. Mas só se tratou de uma fantasia passageira. Mas depois do beijo, tinha pensado em algo mais que durante uns segundos, e de maneira mais gráfica.

Que diabos lhe estava ocorrendo? Estava fantasiando com Matthew Grayson, a fera do Hospital Geral. De acordo, ele tinha suas razões para agir como agia, mas era não certo como agia. Por isso Rita sabia, não acreditava que fosse capaz nem sequer de apaixonar-se por uma mulher.

Mas, o que teria a ver o amor com aquilo? Repreendeu-se a si mesma. É obvio que não estava apaixonada por ele. Não sabia como tinha passado de pensar em sexo ardente na parte traseira de uma limusine, com corações, flores, e finais felizes.

- Você falar sobre o que aconteceu ou faço eu?

A voz de Matthew, profunda e grave, atravessou a escuridão com a dureza de uma faca, igualmente cortante como a pergunta.

-Que assunto? -perguntou Rita aparentando uma falsa inocência.

-O que ocorreu esta noite no terraço. -respondeu ele com voz neutra-. Quando me beijou.

Rita ia negar tudo, insistir que tinha sido coisa de ambos, mas sabia que seria uma mentira. Porque o certo era que Matthew não tinha feito nada: foi ela que o beijou e que se afastou. A responsabilidade era toda dela. Tinha beijado Matthew, e gostaria muito de poder lhe explicar a razão.

-Não estou muito segura do que ocorreu - disse-lhe com sinceridade-. É só que... pareceu-me que era o que tinha que fazer.

Matthew não respondeu, e quando Rita se atreveu a olhá-lo, tinha o rosto escondido entre as sombras, assim não podia saber no que estava pensando. Logo, a limusine passou por uma rua iluminada e, durante um décimo de segundo, captou sua expressão.

Parecia desconcertado.

Rita não esperava vê-lo daquela maneira. Matthew Grayson dava a impressão de ser alguém que sempre tinha uma resposta para tudo, uma explicação para cada mistério. Mas estava desconcertado pelo que tinha ocorrido entre eles aquela noite.

Aquela firmeza chegou a Rita, direto no coração, porque significava que estavam ligados. Até que Matthew falou.

-E se fosse eu quem te beijasse agora, o que aconteceria?

Então, de repente, tudo pareceu transbordar-se. Rita sentiu uma onda de calor atravessando-a pelo corpo, não só pela pergunta em si, mas também pelo modo em que a tinha formulado como se tivesse toda a intenção de averiguar a resposta.

-Por... por que quereria fazer uma coisa assim? -murmurou Rita tragando saliva.

-Porque me parece que é o que tenho que fazer. -respondeu ele aproximando-se mais e mais no meio da escuridão.

E então Matthew a beijou, e ela o beijou de volta, uma tempestade de desejo se desatou em seu interior. Ele pôs a mão sobre a parte de trás de seu pescoço, lhe acariciando a nuca com os dedos com quente e intenso.

“Meu Deus” pensou Rita. O que estava ocorrendo? E por que não podia detê-lo? Por que não queria detê-lo?

No beijo de Matthew não havia nada da insegurança que houve no beijo de Rita. Não. Quando ele cobriu sua boca com a sua, fez com segurança e determinação. Beijou-a como um homem beija a uma mulher que sabe o que deseja, e que pode possuí-la. Nunca a tinham beijado assim antes. Não porque nenhum homem a tivesse desejado, mas sim porque ela nunca tinha desejado tanto a um homem para permitir que a beijasse daquela maneira. E, entretanto, desejava a Matthew assim. Desejava-o muito.

Instintivamente, Rita inclinou a cabeça ligeiramente para um lado, gesto que ele aproveitou para beijá-la com mais profundidade. Matthew deslizou a mão que tinha em sua nuca para seu rosto e lhe acariciou a bochecha e o queixo, urgindo-a sem palavras para que abrisse a boca para ele. Rita o fez encantada, gemendo de agrado ante a inoportuna entrada da língua de Matthew. Uma onda de calor explodiu em seu ventre ante aquela íntima invasão, alcançando os seios e a zona compreendida entre as pernas. Seguindo um impulso, Rita apertou as mãos contra o peito, deslizando uma delas por dentro de sua jaqueta em direção aos ombros. Então, Matthew colocou o outro braço na cintura e a atraiu ainda mais para si. O corpo de Rita ardeu ante seu contato. Podia sentir o calor de Matthew e sua dureza através da roupa mesclando-se com sua própria suavidade enquanto o acariciava. Algo selvagem despertou dentro dela ao comprovar como as diferenças de seus corpos se complementavam a perfeição. Não pôde evitar perguntar-se de que outras formas casariam seus corpos. Assim que se apertou contra ele com urgência, acariciando o cabelo com uma mão, introduzindo os dedos através daquela selva de seda. Matthew pareceu gostar porque um gemido profundo surgiu de algum lugar recôndito de seu interior como resposta. A confirmação de que estava proporcionando prazer fez com que Rita se sentisse poderosa, e voltou a inclinar a cabeça, desta vez em seu próprio benefício, para ter a oportunidade de introduzir ela a língua na boca dele. A sensação de umidade cálida que alagava seu corpo não se parecia com nada que tivesse experimentado até então. Matthew tinha sabor de champanha e caviar, e a algo escuro, masculino e agridoce. E Rita só podia pensar que queria senti-lo ainda mais perto. Não soube se foi ela a responsável pelo que passou depois ou se foi Matthew. Mas Rita acabou no colo dele com as pernas dobradas sobre o largo assento traseiro da limusine. Perdeu um sapato, mas não se importou. De fato, sacudiu-se o outro no que parecia ser um inconsciente intento de liberar-se de toda a roupa que tinha posta. Porque de repente sentia a necessidade de estar sem roupa. E mais que isso: queria que Matthew estivesse também sem ela. Assim poderiam explorar um ao outro completamente. Matthew parecia compartilhar seu desejo, porque enquanto a idéia de explorá-lo-se abria em sua mente, ela sentiu que sua mão se deslizava lentamente desde sua cintura até sua coxa para posar-se sobre os baixos de seu vestido. Sem deixar de beijá-la, Matthew começou a subir o tecido centímetro a centímetro pelas pernas. Pouco a pouco, aquele vestido negro tão curto foi fazendo ainda menor, até que seus dedos abriram caminho pela seda das meias e se encontraram com a pele nua. Quando Matthew se deu conta do que seus dedos tinham encontrado, apartou a cabeça da sua e a olhou aos olhos fixamente.

- Esta vestindo o que acredito que está vestindo? - sussurrou com voz entrecortada pela paixão. Incapaz de articular palavra, Rita se limitou a assentir com a cabeça a resposta. Matthew a estudou em silencio durante uns segundos e logo começou a lhe acariciar a coxa nua lenta e circularmente com o polegar. Cada carícia provocava uma pequena descarga de prazer, até que chegou um momento em que Rita pensou que iria sofrer uma combustão espontânea se não parasse o que estavam fazendo. Quando Matthew deslizou um dedo pela cinta-liga de seda, ela conteve um gemido.

-Sempre tinha acreditado que as mulheres só vestiam estas coisas para encontros sexuais - sussurrou ele sem deixar de acariciar o objeto.

-É a primeira vez que eu ponho isso - respondeu Rita com a voz rouca pelo desejo.

-Seriamente? -perguntou Matthew com grande interesse-. Eu nunca tinha conhecido uma mulher que usasse.

Aquilo deixou a Rita muito surpreendida. Apesar das cicatrizes de seu rosto e de sua atitude distante, parecia ser desse tipo de homem muito versado nos costumes íntimos das mulheres. Então Matthew voltou a beijá-la, de uma maneira que deixou muito claro que o estava. E logo Rita deixou de pensar quando ele voltou a saboreá-la profundamente e seus dedos percorreram de novo a carne sensível e nua de suas coxas. Não pôde fazer outra coisa que tomar seu rosto entre as mãos, voltá-la para ela e beijá-lo com toda sua alma. Enquanto se beijavam, ela sentiu o movimento de sua mão subindo de novo por sua coxa, cada vez mais acima o tecido de seu vestido, até que seus dedos contataram com as calcinhas de renda negras. Matthew se deteve então um instante, como se não estivesse certo sobre se deveria continuar. Então, Rita afundou as mãos no cabelo e o beijou com mais força, devorando-o literalmente. Ele pareceu captar a mensagem, porque levantou o vestido até que pôde cobrir com a palma da mão um dos lados do traseiro de Rita.

Nesse momento, apartou a boca da sua e afundou o rosto na intercessão entre o pescoço e o ombro de Rita, murmurando algo desconexo sobre sua pele cálida antes de mordê-la brandamente. Dessa vez sim Rita gemeu de desejo e de necessidade antes de acomodar-se sobre seu regaço para dar a ele livre acesso a seu corpo. Ao fazê-lo, sentiu como Matthew cobrava vida debaixo, revelando com sua dureza que estava preparado para ela. A mão que tinha no traseiro se apertou mais ante seu movimento, e Rita conteve outro gemido. Logo apoiou a frente sobre a sua e afundou a boca em seus lábios com um beijo arrebatador.

Para então já tinha o vestido por cima da cintura, assim Rita moveu todo seu corpo para afundar-se sobre seu regaço. Agradecia que houvesse um vidro esfumado entre eles, o condutor e o mundo exterior. Mas o fato de saber que estavam atravessando o centro de Boston enquanto perdiam a cabeça a excitava. Ao olhar de frente a Matthew, com os olhares entrecruzados em meio à penumbra, deu-se conta de que ele tinha o aspecto de um homem que estivesse a ponto de alcançar o orgasmo. Assim, para ajudá-lo, inclinou-se para diante, e em lugar de beijá-lo com paixão lhe roçou levemente os lábios, uma, duas e até três vezes. E logo, sem saber muito bem que força a havia possuído para fazê-lo, levou a mão às costas e devagar, muito devagar, começou a baixar a cremalheira do vestido.

Ao princípio, Matthew não pareceu dar-se conta do que ela estava fazendo, mas quando ela tirou o vestido pelas mangas, empurrando-o logo para a cintura, não ficou mais remédio que dar-se conta. Em silêncio, e sem deixar de olhá-la nos olhos, elevou ambas as mãos e lhe cobriram os seios, ocultos sob o sutiã de renda negro. Com um único movimento, despiu-lhe um dos seios para poder sentir a pele nua. Acariciou aquele suave montículo em círculos lentos e suaves com mão tenra, mas segura e confiada.

Rita fechou os olhos enquanto ele a acariciava para desfrutar mais da sensação. E quando sentiu sua boca aberta sobre seu mamilo ereto, suspirou eloqüentemente e lhe acariciou o cabelo com os dedos. Matthew a sugou durante comprido momento, lhe elevando o seio com a mão, introduzindo-lhe na boca com deleite e provocando assim nela um fogo interior. Ele a lambeu com a totalidade da língua, logo a saboreou só com a ponta para depois sugá-la com mais força ainda. Rita não tinha experimentado nunca em sua vida uma sensação tão extraordinária. Não queria que nunca acabasse o prazer que a atravessava como uma brisa.

- Leve-me a sua casa esta noite. -sussurrou quase sem respiração enquanto ele riscava a curva inferior de seu seio com a língua.

Não sabia o que a tinha levado a dizer aquilo, nem o que lhe estava pedindo. Rita só sabia que não podia deixá-lo ainda depois das coisas que lhe tinha ensinado. Só sabia que queria que precisava estar com ele. Precisava saber que mais podia lhe fazer sentir.

-Por favor, Matthew. -repetiu lhe acariciando o cabelo-. Por favor, me leve a sua casa esta noite.

-Está segura? -perguntou ele com doçura apartando-se dela um instante para olhá-la aos olhos.

Rita assentiu com firmeza, embora sentia tudo menos segurança. Recordou a promessa que tinha feito a si mesma, que a primeira vez que fizesse amor com um homem seria porque se trataria de alguém especial: Mas era certo que ela nunca havia se sentido tão especial como naquele momento. Matthew a fazia sentir-se assim. E ele também era especial. Ele era... ele era tudo. Tudo o que Rita sempre tinha desejado de um homem: bonito, inteligente, sensual e amável. E, a fazia sentir coisas que... que coisas ele fazia sentir.

Rita pensou que certamente seria um amante atento, tendo em conta o modo em que a tinha acariciado e o prazer que lhe tinha dado. Tratou de não pensar em quanto teria praticado ele ao longo dos anos, e se concentrou em seu lugar em como se estava levando com ela naqueles instantes. Era muito tenro e delicado, e isso era o que Rita queria e necessitava para sua primeira vez. Além disso, Matthew lhe importava certamente mais do que estava disposta a admitir.

Tinha jurado que a primeira vez estaria apaixonada, mas tinha vinte e cinco anos, e nunca se apaixonara. Talvez fosse pedir muito falar de amor. Talvez para sua primeira vez fosse suficiente admirar e respeitar a seu companheiro.

Matthew era perfeito naquele momento. -Se te levar a minha casa, Rita, já não haverá volta atrás. -disse ele com voz rouca-. Entende-o?

Ela assentiu com a cabeça.

Matthew lhe acariciou o rosto com a mão antes de deslizar os dedos por seu cabelo para apartá-lo do rosto.

-Quando estivermos dentro, vou fechar a porta e passar a noite inteira fazendo amor contigo. E uma vez que tenhamos feito amor...

Deixou a frase sem terminar, e se limitou a olhá-la nos olhos através da penumbra com um olhar carregado de intenção. Rita não estava segura de se queria lhe dizer que depois de fazer amor nada mudaria entre eles, ou que tudo mudaria. Mas, naquele momento, não lhe importava. Só sabia que desejava a Matthew mais do que tinha desejado nunca a ninguém em toda sua vida.

-Entendo. -respondeu.

Mas no fundo não estava segura de ter entendido nada.

 

                                           Capítulo Seis

Rita viu como Matthew assentia em silencio em resposta a sua resposta. Logo lhe acariciou a cabeça, inclinou-se para diante para saborear por última vez seu peito com a boca e, com clara relutância, subiu-lhe o sutiã e a ajudou a colocar de novo o vestido. Rita estava tremendo quase sem controle, mas se virou para afastar-se de seu colo e sentar-se a seu lado justo quando a limusine se deteve em frente à casa do Matthew. Mal teve tempo de baixar o vestido pelas pernas e colocar os sapatos antes que o condutor abrisse a porta de Matthew.

Ele saiu do carro com graça e estilo, e ninguém teria podido imaginar que um instante atrás tinha estado procurando um imenso prazer a uma mulher com a boca em seu seio. Rita, por sua parte, saiu da limusine com algo menos de graça e estilo, porque todo seu corpo tremia por causa do que acabava de ocorrer entre eles, e sua mente estava alagada por pensamentos do que ia ocorrer a seguir.

Matthew pareceu entender sua estado de agitação, porque lhe estendeu um braço pelos ombros e a estreitou contra si assim que ficou de pé. Quando Rita informou ao condutor de que não tinha que levá-la a casa, Matthew abriu a porta principal e se tornou a um lado para deixá-la passar. Logo fechou atrás deles e a estreitou entre seus braços.

Então a beijou ardente e apaixonadamente, sem nenhuma pretensão de levar as coisas com calma. Baixou-lhe a cremalheira do vestido e foi deslizando para baixo, primeiro pela cintura e logo pelos quadris. Tampouco se entreteve muito com o sutiã, e de repente Rita sentiu o contato de suas mãos sobre suas costas nuas, percorrendo-a acima e abaixo como se quisesse conhecer com o tato cada centímetro de sua pele. Enquanto ele a explorava, Rita começou a ocupar-se de sua roupa: tirou-lhe a gravata e a jogou no chão, logo lhe desabotoou um a um os botões da camisa e lhe deslizou de uma vez dito objeto e a jaqueta pelos ombros. Ambas foram parar ao chão ao lado da gravata. Então, Matthew lhe deslizou o vestido pelas pernas, deixando que caísse aos tornozelos. Rita deu um passo e o separou com um chute, e então ambos ficaram frente a frente seminus no meio do vestíbulo.

Um feixe de luz pálida emanava sobre eles de um abajur que Matthew tinha deixado aceso no salão do fundo, e com aquela iluminação, Rita se embebeu dele. Tinha um corpo magnífico, esbelto e atlético, com o peito musculoso e os braços poderosos. Tinha ouvido falar que praticava esqui no inverno e tênis no verão, e à vista estava. Rita riscou com ambos os índices a linha de seus potentes ombros e logo descendeu pelos bíceps até a cintura para voltar a percorrer o mesmo caminho. Mas ao chegar ao ombro esquerdo se deteve, notando pela primeira vez a marca de uma grande cicatriz que lhe chegava quase até o peito. Abriu a palma da mão para percorrer a pele ferida de seu ombro.

-Não - disse ele apartando-se daquele contato com um calafrio.

-Eu quero vê-lo, Matthew. -respondeu ela docemente dando um passo adiante para voltar a acariciá-lo.

Mas ele sacudiu energicamente a cabeça.

-Não. -repetiu- As mulheres não reagem bem ante esta visão.

Rita duvidou um instante, mas não queria pôr em perigo a intimidade que tinham descoberto juntos, e disse a si mesma que já haveria mais oportunidades, que aquela noite com o Matthew seria o princípio de outras muitas. Ela não era a classe de mulher para uma noite, e estava convencida de que ele teria se dado conta. Se naquela noite faziam amor, era porque iam começar algo novo juntos. Ela não era como qualquer das outras mulheres com as quais teria se deitado antes, e aquela noite ia demonstrar-lo.

-Quantas mulheres mais houve? -perguntou sem poder-se conter.

Não pôde olhá-lo aos olhos ao lhe fazer aquela pergunta, e seguiu com o olhar cravado em seu ombro ferido e em seus próprios dedos percorrendo as cicatrizes. Matthew lhe agarrou a mão, ela temeu que para devolvê-la a seu sítio, mas, em seu lugar, a levou aos lábios e depositou um suave beijo na palma. -Não tantas como parece você acreditar -respondeu.

-Pensava que um homem como você... -começou a dizer levantando então a vista para olhá-lo.

Mas Matthew interrompeu a frase lhe rodeando a cintura com o braço e atraindo-a para si, para lhe cobrir de novo a boca com a sua. Rita se derreteu ante aquele contato, tão poderosa foi à força de seu beijo. Durante um bom momento, ela se limitou a permanecer entre seus braços, com as pernas entrecruzadas entre as suas e o coração pulsando tão depressa que se sentia inclusive enjoada. E de repente, seu corpo pareceu cobrar vida, cheio de desejo, paixão e luxúria. Estreitou a cintura de Matthew com força e lhe devolveu o beijo com o mesmo fogo.

Ele emitiu um gemido em resposta, empurrando-a brandamente de costas para o salão que ela não podia ver, até que suas pernas se chocaram contra um sofá de couro cor vinho. Apesar de seu estado de excitação, Rita se fixou no delicioso gosto com o que estava decorada aquela estadia; repleta de belos móveis antigos e impecáveis tapetes orientais. Deu uma olhada às janelas para assegurar-se de que as cortinas estavam fechadas e, ao comprovar que assim era, deslizou as mãos para o zíper das calças de Matthew, a desceu e introduziu os dedos dentro de sua cueca.

Encontrou-o em seguida. Era grande, duro, e estava totalmente disposto para ela. Rita cobriu o extremo de seu membro com a mão, percorrendo-o com círculos indolentes. Uma mescla úmida lhe cobriu os dedos ao fazê-lo, facilitando que lhe percorresse toda a longitude com a mão. Matthew gemeu sobre sua boca quando ela o tocou, e deslizou a sua vez a mão sobre sua calcinha de renda. E sem lhe pedir uma permissão que certamente Rita não lhe tivesse negado, as desceu. Ela terminou de tirar-lhe facilmente e as jogou a um lado antes de retornar a seus braços. Voltou a pôr as mãos em suas calças e fechou a mão sobre ele. Matthew lhe desabotoou a cinta-liga e a atraiu para si enquanto ela esfregava docemente os seios sobre o escuro pêlo de seu torso.

-Não posso esperar mais. -confessou ele-. Quero estar dentro de ti, Rita. Já. Deixa que te faça amor agora mesmo. Na próxima vez te prometo que iremos mais devagar.

Ela assentiu com a cabeça, e entre os dois lhe tiraram as calças. Matthew a colocou suave, mas firmemente sobre o sofá. A sensação do couro suave contra seu traseiro nu pareceu deliciosa a Rita, igualmente notar os delicados dedos de Matthew quando ele os colocou entre suas pernas. Ia protestar, e lhe dizer que estava pronta para ele naquele momento, mas Matthew lhe separou docemente as pernas e afundou os dedos em seu interior, e Rita então não foi capaz de dizer absolutamente nada.

Uma e outra vez lhe percorreu aquela zona, sumindo-se cada vez mais profundamente naquele doce abismo. Rita gritou ante a onda de prazer erótico que a atravessou em resposta a suas carícias, e abriu instintivamente as pernas para lhe facilitar melhor acesso. Enquanto Matthew voltava a introduzir a língua em sua boca, deslizou um dedo no interior de sua delicada feminilidade, e ela arqueou o corpo em resposta, uma ação que fez com que seu dedo se afundasse ainda mais, até a base. Rita se apertou contra ele e Matthew respondeu lhe inserindo dois dedos que introduzia e tirava num movimento frenético que esteve a ponto de voltá-la louca. Cada vez que os colocava, ela apertava o corpo contra seus dedos masculinos até que a fricção que provocava o movimento esteve a ponto de levá-la ao êxtase.

-É muito delicada - sussurrou-lhe Matthew ao ouvido-. Muito estreita. Não tem feito este tipo de coisas muito freqüentemente, verdade, Rita?

Ela só pôde limitar-se a sussurrar um «não» rouco enquanto sacudia a cabeça em sinal de negação. Viu-o então sorrir, como se o fato de conhecer sua inexperiência o fizesse sentir-se melhor. Logo voltou a beijá-la apaixonadamente e, sem deixar de fazê-lo, deslizou a mão para o interior de sua coxa, insistindo-a sem palavras a abrir mais as pernas. Seguindo um instinto desconhecido, Rita dobrou a perna e deixou cair o pé ao chão. Matthew lhe empurrou a outra perna para o sofá, lhe dobrando o joelho, e elevou as suas. Procurou uma almofada que tinha detrás e subiu os quadris de Rita para poder colocar-lhe detrás e aproximar assim seu corpo a sua ereção. Logo, tomando a dos quadris com ambas as mãos, inclinou-se para diante, empurrando seu membro para aquela fenda úmida e ofegante.

Rita jogou a cabeça para trás quando o sentiu entrar nela, desfrutando da sensação de que sua virilidade entrasse com tanta facilidade. Matthew voltou a empurrar para diante, e ela moveu os quadris em sua direção, sentindo como a enchia. Soltou um leve gemido ao sentir uma pequena dor quando ele entrou com mais força, mas em seguida exalou um gemido de prazer ao sentir sua mão deslizar-se com delicadeza sobre seu peito.

-Como você gosta Rita? -perguntou-lhe ele-. Devagar, ou rápido? Forte ou suave?

Ela entendeu em algum lugar recôndito de sua mente o que lhe estava perguntando, mas não tinha nem idéia do que responder. Não sabia como gostava porque nunca antes o tinha feito. Tinha ouvido que para as mulheres podia resultar doloroso a primeira vez, e ela começava a sentir-se algo incômoda devido ao tamanho de Matthew, e isso que ainda não a tinha penetrado completamente. O fato de pensar que aquilo podia durar muito a levou a conclusão de que a dor seria maior, assim talvez a melhor maneira fosse rápido e forte. A dor passaria mais rápido e, quando passasse, poderia começar a desfrutar.

-Rápido - disse com voz débil-. E forte. Quero assim.

-Eu também gosto mais assim. -respondeu Matthew com uma careta sedutora-. Embora tampouco esteja mal da outra maneira, segundo em que circunstâncias.

Mas aquela noite não deviam ser tidas em consideração, ao parecer, porque antes que Rita tivesse a oportunidade de responder, ele a agarrou outra vez com força dos quadris e se afundou completamente em sua tenra e absolutamente inexperiente carne, embora não sem antes atravessar outra pequena barreira. Rita gritou ante a intensidade da dor que a cortou como uma faca ante aquela penetração, e os olhos lhe encheram de lágrimas. Nunca imaginou que poderia ser assim, que sentiria uma dor tão intensa que a deixaria paralisada. Matthew pareceu dar-se conta imediatamente do que tinha ocorrido, porque se separou dela a toda pressa e a colocou em posição sentada, de frente a ele. Durante uns momentos não disse nenhuma palavra, limitou-se a olhar a Rita como se estivesse muito, muito zangado por algo. Logo sua expressão se suavizou e elevou uma mão para seu rosto. Com muita ternura, secou-lhe as lágrimas de uma bochecha e logo depois da outra.

- Diga-me que esta não é sua primeira vez. -disse finalmente com voz séria.

Rita temeu que mudasse de opinião a respeito de fazer amor com ela se soubesse seu estado virginal. Bom, seu anterior estado virginal, em qualquer caso. Tinha medo de que se lhe dissesse que aquela era sua primeira vez, Matthew pararia e lhe pediria que se vestisse e partisse. E apesar de seu anterior desconforto e dos nervos, quão último queria fazer era partir. Tinha provado um adiantamento do que podiam experimentar juntos um homem e uma mulher, ela e Matthew, e queria conhecer o resto. Tudo. disse-se a si mesmo que o pior já tinha passado, e que agora tudo iria melhor. Estava segura disso.

-Que... o que te faz pensar que não tenho feito isto antes? -perguntou-lhe com a respiração ainda entrecortada pela fúria da investida inicial.

-Rita, por favor... -suplicou Matthew enquanto começava a apartar-la de si.

-Não - protestou ela lhe jogando os braços ao pescoço para impedir-lhe. - Por favor, Matthew, não pare. Quero que aconteça. Quero fazer amor contigo.

-Mas...

-Por favor. -suplicou Rita desejando não parecer tão desesperada como estava-. Sim, é minha primeira vez. -admitiu-. Mas não quero que te detenha.

Ele a estudou em silencio durante um instante, pensando no que devia fazer.

-Não quero te machucar. -disse finalmente.

-O pior já passou. -assegurou-a com convencimento-. Esta vez vá mais devagar. Vai estar muito bem. Melhor que bem - corrigiu-se imediatamente-. Vai ser maravilhoso, porque você é maravilhoso. Por favor, Matthew - suplicou uma última vez-. Faça-me amor.

Ele esquadrinhou seu rosto como se procurasse ali a resposta a uma pergunta que não tivesse resposta. Logo, muito lentamente, elevou de novo a mão ao seu rosto e lhe cobriu a boca docemente com a sua. Ao beijá-la, aproximou outra vez o corpo e a sentou sobre seu colo. Logo passou as pernas de Rita ao redor de sua cintura. Ela o sentiu no centro de sua feminilidade ainda duro quente e preparado para ela. Matthew levantou lhe uma vez mais os quadris e a deslizou para sua ereção. Mas desta vez foi muito devagar, entrando com supremo cuidado.

Rita emitiu um leve gemido ao primeiro contato, mas quando viu que ele ficava tenso, relaxou o corpo e o beijou.

-Continue. -sussurrou-lhe na boca-. Estou bem.

-Segura? -murmurou Matthew.

-Sim.

E o dizia de verdade. Porque não havia se sentido tão bem em toda sua vida como naquele momento.

Certo que sentia ainda certo desconforto e uma leve dor, mas esta vez estava preparada para isso, e Matthew a tinha sujeita de um modo que fazia que se acomodasse melhor a ele. Quando Matthew se afundou por completo nela tão profundamente como antes, Rita se sentiu preenchida, feliz, e muito excitada.

-Melhor assim. -sussurrou enquanto jogava os braços ao redor do pescoço dele-. Muito melhor.

A fricção de seus corpos criava um calor delicioso, um calor que atravessou Rita com uma espécie de indolência erótica. Matthew movia seus corpos uma e outra vez, acelerando gradualmente a velocidade, a profundidade e a intensidade. Rita se esqueceu em seguida da dor inicial que tinha experimentado, porque estava muito ocupada sentindo o prazer delicioso daquela maneira de fazer amor.

Uma energia selvagem lhe abrasou o centro do corpo, avançando em espiral em todas as direções. E justo quando pensava que se estenderia até o cosmos, aquela energia pareceu deter um instante antes de explodir em uma tumultuosa comoção que não se parecia com nada que tivesse experimentado com antecedência.

O corpo de Matthew ficou rígido ao mesmo tempo em que o seu, e ele se esvaziou por completo em seu interior. Durante um longo momento ficaram calados, apanhados um nos braços do outro, no clímax do outro. Logo, lentamente, Matthew relaxou e se tornou de costas sobre o sofá colocando Rita sobre ele.

Permaneceram abraçados em silencio longo momento, com os corpos ainda quentes e úmidos pela transpiração de seu orgasmo. Rita apertou a bochecha contra o peito de Matthew, desfrutando da sensação de notar seus dedos lhe acariciando docemente o cabelo. Podia escutar seu coração pulsando a ritmo rápido, ao uníssono com o seu, e Rita estirou a mão para colocá-la em cima, como se quisesse protegê-lo. Sorriu ao pensar em quão perfeitamente sincronizados estavam.

- Por que não me disse que era sua primeira vez? -escutou-o dizer brandamente.

Ela fechou os olhos. Não queria danificar aquele momento, mas sabia que Matthew necessitava uma resposta.

-Porque não pensava que tivesse importância. -respondeu.

Ao ver que não respondia, Rita elevou a cabeça para olhá-lo, e viu que ele a estava observando com estupor. Tinha deixado de lhe acariciar o cabelo e a olhava fixamente.

-Pensou que não tinha importância? -repetiu Matthew.

Rita negou com a cabeça quando se deu conta de que o que acabava de dizer podia se mal interpretar. O que queria lhe dizer era que para ela sim era importante, é obvio, mas que não pensava que pudesse ter nenhum significado para ele. Pensava sinceramente que para Matthew não haveria nenhuma diferença se era sua primeira vez ou sua décima quarta.

-Pensou que não tinha importância... -voltou a repetir ele com tom desiludido.

-Não. -respondeu Rita, ainda um pouco enjoada e incapaz de expressar-se com exatidão-. Para ti, não.

-Que tipo de homem você acha que sou? -perguntou Matthew olhando-a como se não pudesse acreditar no que estava ouvindo-. Verdadeiramente pensa que algo assim, sendo você, não me importaria?

A veemência de sua voz a pegou de surpresa.

-Bom você se importa? -atreveu-se a perguntar, um pouco esperançosa.

- De verdade tem que me fazer essa pergunta? -expôs ele a sua vez sem deixar de olhá-la fixamente com aquela estranha expressão.

-Bom, eu... pois sim. -respondeu Rita olhando-o com curiosidade.

Matthew seguiu observando-a em silencio durante um bom momento, e então, muito devagar, começou a assentir com a cabeça. Rita teve a estranha impressão de que tinha chegado a uma conclusão de extrema importância, mas não tinha nem idéia de qual podia ser.

-Já vejo. -limitou-se ele a dizer.

-Matthew... -começou a explicar-se Rita.

Mas se deteve, porque não estava muito segura do que queria lhe dizer.

Embora, ao notar como os olhos de Matthew pareciam endurecer-se e fazer-se mais frios ao olhá-la, Rita acreditou adivinhar o que gostaria de lhe haver dito, embora lhe desse medo fazê-lo. Não queria descobrir ante ele naquele momento em que se sentia tão confusa e vulnerável.

Não estava muito segura do que tinha ocorrido naquela noite, nem o por que. Só sabia que tinha experimentado algo até então desconhecido, algo profundo, íntimo, e que mudaria sua vida para sempre. E o tinha compartilhado com um homem pelo que sentia algo, embora não fosse capaz de identificar seus sentimentos. Se começasse a falar disso, Rita sabia que ataria as coisas. Assim não disse nada e se limitou a lhe devolver o olhar com a esperança de que não lhe notasse o estranha que se sentia. E com a esperança de equivocar-se ao pensar que Matthew parecia de repente mais distante que nunca.

Em troca, ele parecia saber exatamente o que sentia e o que queria dizer, porque a olhou friamente nos olhos e lhe disse:

-Acredito que deveria partir.

Rita ficou tão assombrada ante suas palavras como se lhe tivesse arrojado na cara um copo de água gelada.

-Mas... -objetou-a.

-De verdade, Rita. -interrompeu-a Matthew apartando-se dela e ficando em pé-. Acredito que o melhor será que o deixemos em uma noite.

Nem sequer se preocupou de vestir a cueca: limitou-se a procurar as calças, subir-la a toda pressa e fechar a cremalheira.

-Suponho que temos feito mal em se despedir do condutor, depois de tudo. Mas posso te chamar um táxi.

Para então, Rita estava tão confundida que não tinha nem idéia do que pensar. Mas imitou os movimentos de Matthew enquanto o escutava falar. Levantou-se do sofá e se colocou o vestido e as meias, renunciando à roupa interior querendo cobrir-se com algo o mais rapidamente possível.

-Matthew, do que está falando? -perguntou sem poder dissimular quão ferida que se sentia-. O que acontece?

Ele atravessou o salão em direção ao vestíbulo para recolher sua camisa. A pôs, mas não a abotoou. Ao menos não a tempo para que Rita pudesse jogar uma olhada às cicatrizes que tinha no lado esquerdo. Matthew tinha razão: eram terríveis. Mas ela nunca, nunca as teria achado repulsivas. Porque formavam parte de Matthew. E ele era formoso a seus olhos. Todo ele.

Quando Matthew se virou para olhá-la, parecia estar sofrendo quase tanto como ela. Mas como era possível que assim fosse, se era ele o causador da situação?

-Vista-se. -disse-. Chamarei um táxi.

E logo se girou sobre seus calcanhares e a deixou ali sozinha. Mais só do que tinha estado em toda sua vida.

“Não pense nisso, Rita”, repetiu-se com os olhos fechados enquanto atravessava de madrugada as ruas de Boston no assento traseiro de um táxi. “Esquece o que ocorreu com o Matthew”.

Com certeza ele já o tinha esquecido. Tinha permanecido oculto até a chegada do táxi, e logo tinha retornado ao salão só para lhe mostrar a saída. Literalmente. Rita seguia sem saber o que tinha feito de errado, mas devia ter sido algo terrível para que Matthew se comportasse daquele modo. Ela tinha duvidado na porta antes de sair, o tempo suficiente para olhá-lo à cara por uma última vez para ver se era capaz de compreender o que estava ocorrendo dentro de sua cabeça. Mas ele se limitou a olhá-la com expressão neutra, sem lhe oferecer nenhuma só dica.

Quando o táxi parou em frente a sua casa, Rita abriu a bolsa para pagar ao condutor, mas lhe fez um gesto com a mão, lhe assegurando que já tinham cuidado de sua fatura quando tinham chamado ao táxi. Rita não soube se sentia-se agradecida ou ainda mais ofendida.

Quão único desejava naquele momento era meter-se em seu apartamento, fechar com chave, e logo talvez lançar algumas peças da mobília contra a porta. Depois poderia permanecer escondida na intimidade de sua casa como um animal ferido durante o resto do fim de semana e fingir que não teria que retornar nunca ao trabalho.

Por desgraça, inclusive aquela pequena consolação teria que esperar. Porque quando entrou na casa de pedra, Rita se deu conta de que ali, no salão comum, e a àquelas horas da madrugada, estavam sentadas sua irmã Maria e sua prima Emily. Maria estava já de bata e camisola, com uma taça de infusão na mão. Mas Emily levava o mesmo vestido que tinha usado na festa.

As sirenes de alarme soaram imediatamente na cabeça da Rita, e durante um instante ao menos foi capaz de se separar do pensamento Matthew Grayson e o colossal engano que tinha cometido estando com ele. Estava claro que algo ia mal. Ambas as mulheres tinham uma expressão preocupada, e olharam a Rita como se tivesse interrompido uma conversação muito séria.

-O que ocorre? -perguntou depois de fechar a porta e entrar no salão-. O que passou?

-Não passa nada, Rita. -tranqüilizou-a Maria com um gesto da mão-. Tranqüila.

-É minha coisa. -confessou sua prima exalando um profundo suspiro-. Quando saí da festa, pus-me a pensar em algumas coisas que me inquietam e decidi que precisava falar com alguém. A casa de pedra resultou ser a residência dos Barone mais próxima.

-O que te passa? -insistiu Rita aproximando-se e tomando assento no outro extremo do sofá que ocupava Maria.

-Algo está ocorrendo na Baronessa. -assegurou Emily inclinando-se para trás na cadeira-. Não posso pôr a mão no fogo, mas estou segura de que algo não parte bem.

-A que se refere? -perguntou Rita.

-Não deveria ter vindo aqui lhes incomodar com isto - assegurou sua prima sacudindo a cabeça-. Mas... não sei como explicá-lo. Tenho a sensação de que passa algo. É como um pressentimento. Ultimamente Derrick está agindo de maneira estranha. Acredito que sabe algo que não quer me contar. Vim ver se Maria tinha escutado algo.

Derrick era o irmão mais velho de Emily e o vice-presidente de qualidade da Baronessa. Trabalhava na fábrica do Brookline, e Emily era sua secretária. Ambos formavam uma boa equipe, em parte graças à familiaridade que havia entre eles e com o resto dos Barone. Rita não tinha conhecimento de que tivesse havido nunca nenhum problema entre eles.

Virou-se para olhar a sua irmã e ver o que tinha que dizer.

-Já disse a Emily que não me ocorre nada - respondeu Maria encolhendo-se de ombros-. Por isso eu sei, o negócio vai como sempre, tendo em conta é obvio os recentes acontecimentos.

-Já dizia eu que não tinha que lhes ter incomodado - murmurou Emily-. É tolice minha. Não devia ter vindo. Sinto haver te acordado, Maria.

-Não se preocupe - assegurou sua prima fazendo um gesto com a mão para lhe subtrair importância ao assunto-. Estava acordada de todas as maneiras.

-Isso me pareceu quando me abriu a porta tão depressa no meio da noite - respondeu Emily olhando-a com certa curiosidade-. O que fazia perdendo horas de sono?

-Isso me lembra - interveio Rita olhando também a sua irmã-, que há algo que quero te perguntar faz tempo. Ultimamente não para em casa. Nem sequer pelas noites, quando antes sempre estava aqui.

-Eu... bom, é que... -começou a dizer Maria com cara de espanto- Na verdade, não...

Rita sabia que sua irmã era a pior mentirosa do planeta. Era incapaz de olhar a alguém aos olhos quando ia dizer uma mentira.

-Bom... o certo é que tive muito trabalho ultimamente na sorveteria. -assegurou apartando a vista de sua irmã-. Já sabe, com todo esse assunto do lançamento fracassado da fruta da paixão trabalhei mais horas do que o habitual.

Rita assentiu com a cabeça sem acreditar em nenhuma palavra.

-Acredito que está com um cara. -espetou-lhe de repente.

-Eu... não sei do que está falando. -respondeu Maria ruborizando-se.

Rita e Emily intercambiaram um olhar de cumplicidade e soltaram uma gargalhada, algo que surpreendeu muito a Rita. Não pensava que pudesse ser capaz de rir depois da noite que tinha tido. Mas talvez encher a paciência de sua irmã era o que o faltava para lhe arrancar da cabeça seus problemas com Matthew.

-É isso, verdade? -contra-atacou contra Maria-. Estiveste vendo um rapaz. E não quer que nós saibamos.

-Não, não é isso. -objetou sua irmã com veemência.

Com muita veemência, pensou Rita.

-Vamos, Maria, você não sabe mentir. Como se chama?

Maria olhou a Rita e logo a Emily e durante um instante pareceu sentir-se muito desgraçada. Mas logo, de repente, sorriu, embora não desvelou o nome de seu rapaz.

-É alguém realmente maravilhoso. -limitou-se a dizer-. As duas gostariam dele.

-Então, por que não o traz por aqui? -perguntou Emily-. Eu adoraria conhecê-lo.

-OH, não, não pode ser. -assegurou Maria apagando de repente o sorriso de seu rosto-. É... é muito tímido. Sim, isso. É tímido. E já sabem quão entristecedores podem chegar a ser os Barone.

-Assim tímido, não? -repetiu Rita sem dissimular suas dúvidas-. Tenho a impressão de que há algo mais. Mas não te pressionarei para que entre em detalhes. E te prometo que não direi a ninguém nenhuma palavra. E Emily tampouco. -assegurou olhando a sua prima, que assentiu a modo de confirmação-. Suponho que o trará quando estiver preparada, sobre tudo se for alguém tão importante para ti como para que te ruborize desse modo com apenas mencioná-lo.

Rita sorriu quando sua irmã voltou a ficar vermelha, mas seu sorriso se desvaneceu imediatamente quando escutou a pergunta da Maria.

-E o que me diz de seu cara? -perguntou sua irmã-. O doutor Grayson e você pareciam muito derretidos esta noite. E chegaste muito tarde. É essa a razão pela que o sutiã aparece pela bolsa? -acrescentou.

Horrorizada, Rita olhou sua bolsa e viu que por ali não aparecia nada.

- Te peguei! -exclamou Maria com uma gargalhada.

Emily começou a rir também, e Rita não teve mais opção que sorrir também.

-Então, admite que leva o sutiã na bolsa? -insistiu Maria sem deixar de rir.

-Não admito nada semelhante. -respondeu Rita-. Foi um ato reflexo.

-Ok, ok. -murmurou Maria-. Se você o diz... não te perguntarei sobre outro tipo de reflexos que tenha podido ter esta noite.

«Bem», pensou Rita. Porque os reflexos daquela noite eram o último no que gostaria de pensar.

-Há mais disso? -perguntou inclinando-se para a taça de Maria acreditando que se tratava de uma infusão.

-Vinho tinto? É obvio. Somos italianas, Rita. Recorda? Sempre temos vinho tinto.

Rita voltou a rir e ao fazê-lo sentiu como se liberava algo da tensão de seu corpo. Um copo de vinho lhe parecia uma boa idéia. Isso, um banho de água quente e um fim de semana entrincheirada em seu apartamento soava exatamente com o que necessitava. Sabia que em algum momento teria que começar a pensar na segunda-feira pela manhã e em voltar a ver Matthew Grayson, mas disse a si mesma que pensaria nisso mais tarde.

Provavelmente, na segunda-feira pela manhã.

 

                                                               Capitulo 7

Na segunda-feira pela manhã, Matthew olhou pela janela de seu escritório e contemplou as gotas cinza que escorregavam por ela. Uma segunda-feira pela manhã chuvosa. Muito apropriado, porque aquele tempo era o reflexo de seu estado de ânimo. De fato, seus sentimentos eram muito mais turbulentos que o rastro de chuva que descendia lentamente pela janela. Matthew soltou um suspiro mudo, girou-se e começou a percorrer seu escritório de cima abaixo, uma e outra vez. Prometera a si mesmo que na segunda-feira pela manhã já teria feito uma destas duas coisas: Apagar de seu memória o que tinha ocorrido com Rita Barone na sexta-feira de noite, ou ter a forma pensada de explicar a ela por que se comportara como um imbecil, lhe oferecer suas desculpas e esquecer o assunto. Mas o prazo que tinha esgotado, e, por desgraça, não tinha tomado ainda nenhuma decisão a respeito. Não havia nenhuma possibilidade de que esquecesse o que tinha ocorrido com Rita, porque lhe importava muito. E seu comportamento da sexta-feira de noite não tinha explicação possível. Ficou tão impressionado pelo que ela pensava dele que não tinha sabido reagir. Rita estava convencida de que era o suficientemente insensível como para que não lhe importasse que ela, o objeto de sua secreta admiração, tivesse-o convertido em seu primeiro amante. Inclusive depois da maneira explosiva em que ambos se uniram, Rita seguia considerando-o alguém tão carente de emoção que não considerava importante o que tinha ocorrido. Pensava que era assim de frio e duro de coração. O que significava que, contra o que lhe havia dito, via-o como a uma fera, exatamente igual a todo mundo no hospital. Não acreditava que fosse capaz de sentir algo por outro ser humano, quando de fato o que sentia por ela era... Mas Matthew não queria pensar nisso naquele momento. Não queria permitir-lhe. O único pensamento que tinha estado lhe amassando a cabeça todo o fim de semana, uma e outra vez, era a pergunta que lhe tinha formulado: «Bom você importa?» Rita não tinha sido capaz de dar-se conta, nem sequer depois do que ambos tinham feito pelo que tinham compartilhado. Não tinha notado o que ele sentia por ela, não havia sentido que ele... Matthew interrompeu seus próprios pensamentos antes que estes o levassem para territórios pelos quais não queria aventurar-se no momento. Talvez, pensou, era realmente uma fera. Por que se não teria reagido daquele modo essa noite? Só uma besta se comportaria assim. Não devia ter lhe dito que partisse, nem devia ter chamado um táxi para facilitar sua partida. Ainda sentia um nó no estômago ao recordá-lo. Nunca em sua vida se levou de modo tão rasteiro com uma mulher. Mas atuou sem pensar, movido pela raiva e pelo medo. Estava furioso porque Rita o considerava tão frio, e tinha medo pelo que pudesse revelar se lhe permitia ficar. Matthew soltou outro suspiro de frustração e levou as mãos à cabeça antes de voltar a percorrer o consultório como um animal enjaulado. Com toda segurança, Rita não lhe deixaria aproximar-se dela para lhe dar uma explicação, e, sinceramente, não podia culpá-la. Deteve-se de novo frente à janela e contemplou as gotas de chuva. «Esquecer o que ocorreu ou explicar seu comportamento e pedir desculpas, Grayson», disse para si mesmo. «Qual das duas opções vai escolher?»Não podia esquecer-se de que ele e Rita trabalhavam juntos, e seria inevitável que seguissem vendo-se como até então, com regularidade. Como iam sentir-se cômodos depois do que tinha ocorrida na sexta-feira de noite? Rita estava absolutamente nervosa e em estado de alerta quando tomou assento em seu lugar no mostrador de enfermeiras da unidade coronária na segunda-feira pela manhã. Sentia-se enjoada e desorientada pela falta de sono que tinha se arrastado por todo o fim de semana, e o coração lhe pulsava a grande velocidade. Uma vez que se acomodou em sua cama entre os lençóis na sexta-feira de noite, ou na sábado pela manhã, melhor dizendo, foi quando se deu conta de algo muito, muito importante. Ela e Matthew não tinham utilizado nenhum sistema anticoncepcional quando fizeram amor. Deixaram-se levar de tal modo pelo que estava ocorrendo, e estavam tão excitados e tão pouco preparados para isso, que nenhum dos dois parara para pensar no que devia ter sido sua principal preocupação. Rita tinha se tranqüilizado um pouco ao fazer um cálculo rápido e descobrir que não eram seus dias férteis, mas seguia nervosa por sua falta de cuidado. Grande profissional da saúde parecia. De acordo, tinha sido sua primeira vez, mas isso não era uma desculpa para não tomar precauções. À mãe natureza não importavam as vezes que uma pessoa tivesse copulado antes de conceber. Por fortuna, o mecanismo biológico de Rita partia como um relógio, o que significava que não corria perigo de estar grávida. Mas, por desgraça, seu mecanismo emocional não era tão preciso o que significava que corria o risco de resultar ferida. Disse a si mesmo que deveria esquecer-se do que tinha ocorrido e colocá-lo na caixa desses enganos estúpidos que todas as mulheres cometem ao menos uma vez na vida. Rita tinha aprendido algo daquele engano, e o utilizaria para assegurar-se de não voltar a cometer outro semelhante. Teria mais cuidado com seu coração, e não voltaria a ficar em uma situação parecida nunca mais, sobre tudo com homens como Matthew Grayson, capazes de fazer amor com uma mulher e ao minuto seguinte, literalmente, chamar um táxi para que fora a recolhê-la.

-Rita.

Ao escutar a voz de Matthew chamando-a por seu nome com tanta doçura, ela se derreteu. Não estava preparada para voltar a vê-lo ainda. Não o estaria até que transcorressem ao menos dois ou três séculos mais. Ou dez. Fazendo um grande esforço, Rita girou a cadeira para olhá-lo e ficou de pé. Então olhou-o nos olhos, aqueles olhos verdes e sonhadores, e aquelas cicatrizes que ela tinha acariciado com tanto carinho, e soube que nunca chegaria o dia em que pudesse deixar de pensar nele com o coração encolhido e perguntando-se o que teria podido passar entre eles. Estava vestido com outro de seus ternos escuros, mas aquele dia tinha esquecido vestir o jaleco de médico. Estava muito bonito, irresistível, e Rita morria de vontades de beijá-lo. Mas, em seu lugar, limitou-se a responder com tom profissional.

- Diga doutor Grayson.

Ele torceu ligeiramente o gesto ao escutar como se dirigia a ele de você, como antes, mas se recuperou imediatamente.

-Tem um momento? -perguntou-lhe com tanta dificuldade como a que ela estava tendo por parecer profissional.

A verdade é que não - respondeu Rita enquanto rebuscava em sua cabeça uma desculpa-. Vou muito mal de tempo. Sempre passa igual depois do fim de semana. O trabalho se acumula.

Só será um momento - repetiu ele.

Rita se mordeu o lábio inferior para abster-se de responder algo do tipo: «Ah, refere a algo rápido, como sexta-feira», mas isso só serviria para fazer com que ambos se sentissem ainda mais incômodos do que já estavam. E deixaria Matthew saber como se sentia ferida, e o último que queria era que ele soubesse quanto lhe importava. Sobre tudo porque o sentimento não era correspondido.

-De acordo - acessou Rita com frieza, sem olhá-lo aos olhos-. Mas seja breve, por favor.

-Obrigado - disse Matthew tratando de aparentar uma calma que não sentia. Ela se levantou e se dispôs a segui-lo em silencio até a sala de espera. Mas ali havia duas pessoas dormindo, por isso seguiram andando pelo corredor até chegar a um dos quartos de depósito. Matthew abriu a porta e a deixou entrar primeiro antes de fechar atrás de si. Rita acendeu a luz e ficaram sozinhos em meio de centenas de cilindros de papel higiênico.

-Seu momento começa agora - disse então ela friamente, olhando o relógio.

-Rita... -começou a dizer Matthew. Mas apesar de que lhe tinha assegurado que não a faria perder o tempo, não disse nada mais. Quando ela apartou a vista do relógio para olhá-lo, viu que ele a estava olhando com o que parecia ser uma mescla de angústia e desejo. Toda a frieza que Rita tinha acumulado durante o fim de semana começou a derreter-se. Obrigou a si mesma a recordar como se comportara na sexta-feira e a não centrar-se na reação daquele momento. Se estava angustiado, seria provavelmente porque temia que lhe dificultasse o trabalho. E se desejava algo, dificilmente podia tratar-se de coisas que já nunca voltariam a ser como eram uma semana atrás.

Desculpe meu comportamento de sexta-feira a noite - murmurou ele finalmente, tão depressa que mal lhe entendeu.

Como? -perguntou ela elevando as sobrancelhas com surpresa-. O que disse?

Disse que sinto meu comportamento de sexta-feira - repetiu ele mais claramente, sem deixar de olhá-la aos olhos. Rita não esperava uma desculpa. Esperava alguma desculpa vaga e que logo lhe dissesse que o melhor seria que esquecesse o ocorrido e atuar como se nada tivesse acontecido. Mas uma desculpa...Talvez, pensou então, ainda havia uma esperança para eles.-Mas acho que seria melhor que esquecessemos tudo e agissemos como se nada tivesse acontecido. - Acrescentou Matthew.

Rita sentiu como seu coração encolhia de dor.

Então para ele não havia significado nada. Fazia um instante havia estado tentada a acreditar que talvez nao fosse como a maioria dos homens, que talvez para ele fosse importante saber que havia sido o primeiro. E agora pretendia apagar o ocorrido e fingir que nada tinha acontecido. - Muito bem. - respondeu ela. - Isso é tudo? - perguntou olhando de novo o relógio. - Nossa, foi realmente só um momento. Você é muito bom Dr. Grayson. - concluiu arrependendo-se daquele ultimo sarcasmo. - E agora, se me dá licença...

Droga. Rita sentiu como seus olhos se enchiam de lágrimas. O ultimo que lhe faltava era que Matthew Grayson a visse chorando. Assim que deu a volta e dirigiu-se com decisão a porta, mas deu-se conta muito tarde de que ele se interpunha em seu caminho, e quando Rita tentou afastá-lo para sair, ele a segurou com decisão pela mão. - Rita... - repetiu.

O que? - ela respondeu com dureza, sem virar-se.

De verdade, sinto muito.

Ella tinha medo de virar-se, de olhá-lo, porque temia começar a chorar se o fizesse. Assim ficou quieta, olhando a porta fechada, esperando que Matthew a soltasse para poder escapar. Mas em lugar disso ele se aproximiou o suficiente para que Rita pudesse sentir o aroma de sua pele e o calor de seu corpo. A respiração de Matthew inundava o ar, e Rita estava convencida de que se fechasse os olhos, poderia escutar o som de seu coração batendo em sincronia com o dele.

- Aceita minhas desculpas? - perguntou ele com suavidade.

Ella assentiu lentamente com a cabeça tentando manter a compostura, mas continuava sentindo como se o mundo girasse fora de controle.

- Sim. - respondeu – Aceito suas desculpas.

- Então também concorda de que devemos esquecer o que passou na sexta-feira?

Rita assentiu de novo, consciente de que estava mentindo.

- Sim, devemos esquecer. - assegurou – Somos adultos e podems levar isso com maturidade. São coisas que acontecem: muito champanhe, muita festa, e nos deixamos levar. Poderia ter acontecido com qualquer um. -Mas havia acontecido a ela. E esse tipo de coisas não aconteciam a Rita Barone, ao menos sem uma boa razão. - Perdão – repetiu. - mas tenho que voltar ao trabalho.

Durante um instante, duvidou que Matthew fosse mover a mão. E temeu tambem que aproximasse o corpo do seu. Pôs-se tensa enquanto esperava ver o que faria, e sentiu algo parecido a desilusão quando ele lhe soltou a mão para deixa-la sair. Em seu foro interno, estava desejando que a tocasse. Mas, por que o faria se a unica coisa que queria era esquecer-se dela?

Sem dizer mais nada, Rita abriu a porta e se virou para manter a compostura enquanto voltava para o mostrador de enfermeiras. Buscou conservar essa atitude enquanto estudava os informes dos pacientes e revisava suas necessidades do dia. E de fato, quando Matthew foi embora da area, Rita foi capaz de se concentrar em seu trabalho com a mesma dedicação de sempre, ocupando-se de seus pacientes. Aquele dia, enquanto tratava dos enfermos da unidade coronária, Rita pensou que nunca deixaria de surpreender-la a capacidade que o coração humano tinha para sobreviver.

Estava de acordo com ele. Matthew retornou a seu escritório depois da ronda matinal, deixou-se cair na cadeira que tinha atrás da escrivaninha, cravou a vista na chuva e se sentiu mais vazio que nunca em toda sua vida. Tinha visitado mais de duas dúzias de pacientes, muitos deles em condições críticas, e só podia pensar em Rita Barone e no modo tão frio em que o tinha olhado antes de lhe dar as costas e reconhecer que o melhor seria esquecer o que tinha ocorrido. E que outra coisa esperava? Do que outro modo podia reagir uma mulher ante um homem que a tinha literalmente jogado de sua casa depois de fazer amor sem lhe dar nenhuma explicação? Tinha sorte de que ao menos queria lhe dirigir a palavra. Acaso pensava que cairia ante ele de joelhos rogando que lhe desse a sua relação uma segunda oportunidade? Se nem sequer tinham uma relação, porque ele tinha arruinado toda possibilidade de começá-la! Matthew reclinou a cabeça contra o respaldo da cadeira. Estava de brincadeira? Uma relação entre a formosa e encantada Rita Barone e a fera do Hospital Geral de Boston? Ela nem sequer usava mais o pingente e o bracelete que lhe tinha presenteado. Matthew já não poderia conformar-se sequer com a secreta emoção daquela proximidade. Antes soubesse por que Rita tinha rompido com o que tinha sido durante meses uma tradição. Por que tinha deixado de usá-los?

«Esquece-o», disse-se a si mesmo. « Esqueça-se de tudo. Esqueça-se de Rita Barone. Esquece que alguma vez lhe deixou algum presente. Esquece que estiveste louco por ela».Se fosse tão fácil... Matthew suspeitava que nunca seria capaz de apagá-la completamente de seus pensamentos, porque, ao fazer amor com ela, tinha permitido que formasse parte dele. E algo lhe dizia que essa parte, igual ao coração, seria-lhe imprescindível para viver.

 

Nas duas semanas que seguiram a sua ruptura oficial com Matthew, embora fosse consciente de que nunca tinha começado nenhuma relação, Rita fez todo o possível para evitar encontrar-se com ele. Mudou de volta com outras enfermeiras, aceitando de bom grado o horário que antes tinha estado encantada de deixar para trás. Mas depois de passar duas semanas evitando-o, não ficou mais solução que aceitar o fato de que estava adiando o inevitável. A menos que pedisse transferência a outro hospital, não conseguiria escapar de Matthew. Teria que tentar superar o fato de trabalhar a seu lado, apesar do que tinha ocorrido. Depois de tudo, disse a si mesma, o que tinha acontecido não voltaria a acontecer nunca. Simplesmente, teria que aceitar o fato de que tinha entregue o coração a um homem que não o apreciava, e seguir adiante com sua vida. E ter mais cuidado na próxima vez que se apaixonasse. «Meu Deus», pensou Rita quando aquela certeza caiu sobre ela naquela manhã nevada de finais de abril. Era isso o que tinha ocorrido? De verdade tinha se apaixonado pela fera do doutor Grayson? Pensou nisso durante uns instantes enquanto saboreava uma xícara de café na cafeteria do hospital no meio da manhã, contemplando a cortina de neve que se via atrás da janela. Apaixonara-se por ele? Rita deu outro sorvo em seu café e disse a si mesma que assim era. Tinha entregue seu coração a um homem que não o queria, a uma fera. Mas imediatamente repudiou seu próprio pensamento. No fundo, sabia que Matthew não era uma fera, de outro modo não se apaixonaria por ele. Durante aquela velada que tinham compartilhado ele não se comportara em nenhum momento de forma bestial. De fato, tinha sido encantador, amável, atento e apaixonado. Ao menos até o final. Por que teria se tornado uma fera então? Rita retornou ao mostrador de enfermeiras com um estranho pressentimento. Não sabia se se devia ao clima ou ao tumulto emocional que estava vivendo em seu interior. Mas quando olhou em seu fichário, como para sempre que se ausentava de seu posto, o sentimento de premonição pareceu multiplicar-se. Porque ali, adornada com um laço dourado mas sem caixa esta vez, havia uma perfeita rosa de cor pêssego. O primeiro instinto de Rita foi olhar ao redor para ver se descobria alguma figura escura ocultando-se pelas esquinas. É obvio, não viu ninguém. De fato, a unidade coronária estava surpreendentemente deserta, o que a fez sentir mais apreensão. Algumas enfermeiras tinham descido para almoçar cedo, e outras ainda não tinham chegado por causa da neve. Rita nunca havia se sentido tão só em sua vida como naquele momento. Tirou então a rosa do fichário e a levou ao nariz. Fechou os olhos e aspirou sua fragrância antes de acariciar uma a uma as pétalas. Sabia que a rosa era de seu admirador secreto pelo laço dourado, mas, por que aquele dia? E por que uma rosa? Não era algo que pudesse ir em sua tradicional caixa branca, e tampouco se tratava de nenhuma data especial. Ao menos não para seu admirador secreto. Mas se cumpriam duas semanas da noite que tinha feito amor com Matthew, embora certamente não fora para celebrá-lo. Rita levou a mão à frente para tratar de acalmar uma dor que parecia ter surgido do nada, era uma loucura. Tinha que averiguar quem estava fazendo aquilo. Não seria capaz de relaxar-se até que soubesse. Por muito que tratasse de convencer-se de que não havia nada mau naqueles presentes, não podia assegurar que fossem inofensivos. Até que não descobrisse a verdade, não se sentiria a salvo nem a gosto no trabalho. Embora sabia que não era só seu admirador secreto o que lhe impedia de desfrutar de seu trabalho. Também influía a presença de Matthew Grayson. Rita exalou um suspiro de frustração, sentou-se em sua cadeira e tratou de não pensar nem em seu admirador nem no Matthew. Entretanto, sabia que teria que passar muito tempo antes de que algum dos dois deixasse de ser um problema.

 

                                                     Capitulo 8

Para quando Rita teve terminado seu turno, às três em ponto, a tormenta tinha alcançado tanta força que as autoridades tinham decretado o estado de alarme. Recomendava-se não sair a menos que se tratasse de uma emergência médica: Mas Rita não queria ficar no hospital enquanto seu persumido perseguidor pudesse seguir perambulando por ali. Depois de trocar-se dirigiu ao vestuário que havia atrás do mostrador de enfermeiras e jogou uma olhada à rosa antes de tirá-la e colocá-la sobre o mostrador. Era realmente espetacular, um casulo mais formoso que algo que o homem pudesse inventar. E parecia inclusive mais bela frente à tormenta exterior. Era como um sopro da primavera, uma metáfora de esperança e renovação em meio de um deserto de gelo. Por essa razão, e não por nenhuma outra, queria cuidar dela. E que demônios, embora quem lhe tinha dado a rosa não soubesse, tinha chegado em um dia muito especial. Ao menos para Rita, embora provavelmente Matthew o tivesse esquecido. Duas semanas. Enquanto Rita se tirava a bata pela cabeça e a jogava no cesto de roupa suja, maravilhou-se de que tivesse passado tanto tempo. Parecia como se tivesse começado outra vida desde que fizera amor com Matthew, mas em realidade só tinham transcorrido duas semanas. Duas semanas tratando de evitá-lo, tratando de aparentar que tudo ia bem, duas semanas encontrando-se com aqueles olhos verdes sonhadores e aspirando sem querer o seu aroma. Duas semanas recordando o modo em que a tinha beijado, acariciado e satisfeito. Duas semanas se sentindo mais só que em toda sua vida. Rita terminou de tirar o resto do uniforme que tinha tido posto durante quase dezoito horas e vestiu sua roupa, que a manteria quentinha até que chegasse em casa. Logo agarrou sua bolsa, e se meteu a bolsa no casaco para protegê-la com delicadeza. Já tinha saído do hospital pela porta de empregados e estava pondo as luvas quando uma figura alta e forte se deteve seu lado. Rita levantou o olhar em meio da tormenta de neve e se encontrou com Matthew Grayson envolto em um casaco de casimira, olhando-a. Durante um longo instante permaneceram olhando um ao outro em silêncio, sem mover-se nem um centímetro enquanto ficavam congelados. A neve revoava a sua redor empurrada por um vento congelante, como se fosse pó mágico. Entretanto, Matthew falou finalmente, rompendo o feitiço e obrigando Rita a retornar de um sonho à realidade mais desconcertada que antes.

-Não pensará ir a casa andando com esta tormenta. -disse ele.

-Não tenho escolha. -respondeu ela encolhendo-se de ombros em gesto contrariado.

-Está a cinco quadras de distância. -assinalou Matthew desnecessariamente. Rita abriu a boca para lhe responder que não passava nada, mas se deteve e o olhou com olhos entreabertos.

-Como sabe que minha casa está a cinco quadras? -perguntou-. Você não sabe onde moro.

Matthew inclinou a cabeça com desconforto, mas sua resposta pareceu inocente.-Tenho o endereço e o telefone de todo o pessoal da unidade coronária. -afirmou em tom seguro-. No caso de.

No caso do que?, quis perguntar Rita. Mas se disse que estava sendo muito suscetível. Todo aquele assunto de seu admirador/perseguidor lhe estava afetando.

-Sinto muito -desculpou-se-. Estou um pouco à defensiva. Deve ser o tempo.

-Razão de mais para que não vá a casa andando. -replicou ele.

-Não posso ficar aqui toda a noite -assegurou Rita assinalando com um gesto o hospital que tinha a suas costas. -Por que não? -perguntou ele com um sorriso-. Há comida, café, camas e televisão. Tudo o que se necessita para lutar contra as inclemências do tempo.

-Claro, comida de cafeteria, café ruim, camas de hospital e sem antena parabólica -reconheceu ela com ironia-. Além disso, poderia me encontrar com alguém com quem não quero encontrar. A expressão de Matthew mudou drasticamente ante aquele comentário, passando de um estado de incômodo armistício a uma clara hostilidade.

-Não se preocupe -assegurou ele com absoluta frieza- . Se por acaso o esqueceste, minha casa está só a duas quadras. Eu me vou. Estará totalmente a salvo no hospital.

Rita caiu então na conta de que Matthew pensava que estava se referindo a ele.

-Não queria dizer isso. -assegurou atrevendo-se inclusive a lhe roçar o antebraço em gesto tranqüilizador-. Não estava falando de ti, Matthew. Referia a meu perseguidor.

Então fechou os olhos com força ao ser consciente de quanto tinha revelado e como devia soar aquilo. Antes ele não a considerasse uma paranóica com mania de perseguição.

-Um perseguidor? -repetiu Matthew com incredulidade-. Do que está falando?

-Bom, talvez não o seja -apressou-se a esclarecer Rita-. Não sei o que é, mas me faz sentir... incômoda. E não quero me arriscar a me encontrar isso em uma tarde de tormenta, com o hospital meio vazio e sem ninguém que escute meus gritos de socorro.

-Sinto muito, mas continuo sem ter nem idéia do que está falando. -confessou ele olhando-a atônito.

-É uma história muito comprida. -concluiu Rita depois de exalar um profundo suspiro. Matthew seguiu olhando-a durante um instante sem falar, como se estivesse sopesando algum assunto de extrema importância.

-Por que não vem a minha casa em lugar de ir à tua? -disse finalmente sem indício de vacilação.

-Eu... acredito que não é uma boa idéia -respondeu Rita elevando as sobrancelhas em gesto de surpresa-. Mas obrigado de todos os modos.

-Olhe, não espero que ocorra nada, de acordo ? -assegurou ele depois de emitir um som de frustração-. Só digo que está mais perto que sua casa, e se não vais sentir a gosto ficando no hospital, pode ser uma alternativa. E assim eu não ficarei preocupado pensando em se tiver conseguido chegar sã e salva através da tormenta.

-Obrigada. -repetiu ela-. Mas não acredito que...

-Rita -interrompeu-a Matthew em tom doce mas enérgico-. Não vai passar nada, prometo-lhe isso. Estou lhe oferecendo isso como amigo. Espero que ao menos possamos ser isso.

Ela não disse nada, porque temia que se o fizesse sua voz delatasse seus sentimentos. Amiga de Matthew Grayson? Depois do que tinham compartilhado? Nunca tinha feito nada parecido com nenhum amigo, e não acreditava que fosse fazê-lo nunca. Matthew era muito mais que um amigo, mas não havia nenhuma razão para que ele soubesse.

-Tenho um quarto de hóspedes. -continuou dizendo Matthew com o mesmo tom de voz neutro-. E se quer te entrincheirar ali e fazer como se eu não existisse, parece-me bem. Deslizarei-te algumas folhas de alface por debaixo da porta para que não morra de fome. -concluiu com uma ameaça de sorriso. Rita pensava que aquilo não era uma boa idéia. Não o era. Diziam que era muito possível que a tormenta fora a mais; o que significava que talvez ficaria apanhada na casa de Matthew mais de uma noite. Mas quando se virou para olhar a neve, deu-se conta de que não se via nada mais alá dos degraus que levavam a calçada. Mas, deveria aceitar seu convite? Se ficasse a sós com Matthew, com o que sentia por ele, Rita temia fazer ou dizer algo que não devesse. E então se sentiria ainda pior do que já se sentia.-Além disso -acrescentou Matthew retomando o tom grave-, quero que me conte o desse perseguidor.

-Talvez não seja tal coisa -repetiu ela-. Pode que se trate só de um admirador secreto.

Matthew mudou imediatamente de expressão, e abriu ligeiramente os lábios como se quisesse dizer algo.

-Um admirador secreto? -conseguiu dizer com muita dificuldade.

   -É o que a maioria das enfermeiras pensam que é -informou-lhe Rita-. Suponho que terá ouvido os rumores, não? Começaram o dia de São Valentim.

   -O dia de São Valentim? -repetiu Matthew com assombro.

   -Essa foi a primeira vez que apareceu um presente anônimo em meu fichário -assegurou ela assentindo com a cabeça-. Era um pingente de enfermeira. Logo, no dia de meu aniversário, apareceu um bracelete precioso que estive usando até recentemente. Mas faz umas semanas, no aniversário de quando comecei a trabalhar aqui, deixou-me um coração de cristal. Precioso, mas muito mais caro que os primeiros presentes. E não me fez sentir bem.

   -Ah, não? -interveio Matthew.

   -A verdade é que não. E faz apenas umas horas me deixou uma rosa. Mas hoje não é nenhuma data especial. Ao menos não que meu perseguidor saiba. -corrigiu-se quase sem dar-se conta. Muito tarde, porque Matthew tinha captado a implicação. Notava-se claramente no modo em que a estava olhando, com os olhos cravados nos seus e a expressão séria, que ele também era consciente do significado daquele dia. Estava pensando no ocorrido duas sexta-feira atrás, exatamente igual a ela.

   -Vêem a casa comigo, Rita. -repetiu com ainda mais convicção.

   -Matthew, não acredito que...

   -Vêem a casa comigo. - Houve algo em seu tom quando o pediu essa última vez que fez com que Rita o reconsiderasse. Talvez deveria fazê-lo. Talvez agora que tinham posto alguma distancia entre eles e aquela noite poderiam falar do acontecido com mais calma, esclarecê-lo e retornar cada um a sua vida por separado. Ou talvez poderia entrincheirar-se no quarto de convidados e deixar que lhe deslizasse folhas de alface por debaixo da porta até que o tempo melhorasse e pudesse ir-se a sua casa.

-De acordo -acessou Rita finalmente.

Um perseguidor? Aquela palavra rondou pela cabeça de Matthew enquanto ele e Rita lutavam contra os elementos para chegar a sua casa. Como as inclemências do clima lhes impediam de falar, a palavra ia cravando mais e mais no cérebro, e ali seguia quando tomaram juntos um jantar improvisado ao chegar. Só deixou de pensar nisso um instante, quando se foi a luz e teve que ir em busca de velas. Então, e baixo aquela luz tênue, não pôde evitar pensar nas implicações românticas da situação, não só pelo ambiente, mas também por Rita. Estava tão formosa, tão sensual, ali outra vez em sua casa, em que ia passar a noite... Se Matthew pensava nisso, não podia evitar desejar voltar a fazer amor com ela. Mas desta vez o faria melhor. Tomaria mais tempo, teria mais cuidado, e se asseguraria de satisfazer suas necessidades. Não é que pensasse que a outra vez ficara insatisfeita. Ao contrário. O orgasmo de Rita tinha sido tão completo como o seu. Mas Matthew sabia que poderia ter sido ainda melhor. E certamente, esta vez não terminaria expulsando-a de sua casa. Não. Se voltassem a fazer amor, ao terminar a abraçaria com força, murmuraria-lhe palavras doces, E...E não a deixaria partir jamais. Matthew observou Rita através das luzes das velas que iluminavam seu comilão, e se deu conta de que não queria que se fora nunca. Tinha desfrutado enormemente da experiência de passar a tarde com ela, fazendo as coisas que normalmente fazem os casais: cozinhar, pôr a mesa, e jantar. Deu-se conta então do quão solitária e triste era sua vida se não tinha a ninguém com quem compartilhá-la. E então soube também que a única pessoa com a que se expor a possibilidade de fazê-lo era com Rita Barone. Havia algo nela que o fazia sentir-se bem consigo mesmo, com sua vida e com tudo. Embora Matthew tivesse estragado as coisas, seguia sentindo-se melhor quando estava a seu lado. Mas naquele momento, quão único podia fazer era tentar desentupir a situação. Estava desejando poder lhe dar outra oportunidade ao que tinha começado entre eles duas semanas atrás, ou talvez inclusive antes. Mas depois de jantar, enquanto estavam sentados comodamente frente ao fogo da chaminé com uma xícara de café salpicado com umas gotinhas de bom uísque, a palavra perseguidor lhe voltou para a cabeça. Durante todo esse tempo, Rita tinha estado pensando que havia algo sinistro, perigoso inclusive por trás dos presentes que lhe tinha dado. O que diria quando averiguasse a verdade? O que pensaria então dele? Matthew era consciente de que naquele momento não o tinha precisamente em grande estima, assim, como ia dizer lhe agora que era ele quem lhe tinha estado deixando os presentes? Olharia-o então com ainda mais desdém? Ou pior ainda: começaria a considerá-lo como alguém sinistro, perigoso inclusive?

Fale-me de seu perseguidor. -disse então em voz alta para tratar de conjurar seus pensamentos. Queria falar daquilo. Precisava que Rita soubesse que não havia nada de ameaçador nos presentes. Queria libera-la de seu medo. O que não sabia era como ia fazê-lo sem delatar-se. Ainda que, talvez devesse se identificar. Com um pouco de sorte, surgiria alguma oportunidade de fazê-lo durante a conversação.

Já te contei quase tudo. - assegurou Rita encolhendo-se levemente de ombros.

Tem certeza de que se trata de um homem? - Matthew perguntou para medir o terreno.

O dei por feito. - respondeu ela. - Não vejo uma mulher fazendo uma coisa assim. Nó as mulheres costumamos ser mais diretas.

Sim, como Glen Close em Atração Fatal – brincou ele.

Por favor, não brinque. - constestou Rita com inquietude.

Matthew virou-se ligeiramente para olha-la e ela lhe devolveu o olhar. Ele se deu conta de que realmente tinha medo da pessoa que lhe deixava as lembranças. Como era possivel que as coisas houvessem se complicado daquele modo? A unica coisa que ele queria era fazer algo agradavel por Rita Barone.

Desculpe. - pediu Matthew, referindo-se a ter lhe recordado seu temos e a ser tambem seu causador. - Talvez se trate de alguem que queira te agradecer a algo que tenha feito por ele.

Não creio. - assegurou ela negando com a cabeça.- Ultimamente não fiz nada do que não faça normalmente.

Talvez o que você considere normal seja algo extraordinário para outra pessoa. - assegurou Matthew, lembrando-se como ela havia se comportado com aquele vagabundo chamado Joe. Ele nunca havia sido capaz de confortar a nenhum ser humano do modo em que Rita o tinha feito naquele dia. - Talvez essa pessoa somente queira te demonstrar que lhe parece extraordinária.

Não sou extraordinária em nenhum sentido. - respondeu Rita com um sorriso melancólico.

Matthew comprovou com surpresa que dizia-o completamente a sério. Acreditava que era normal, como os demais. Era incapaz de ver o que pra ele parecia a coisa mais óbvia do mundo.

Claro que é. - disse sem poder se conter. Mas estava decidido. Matthew virou-se por completo para colocar-se frente a ela. Quando Rita o olhou, ele alçou a mão e lhe acariciou a bochecha. - Rita – sussurrou com doçura perdendo-se naqueles incríveis olhos castanhos. - É a mulher mais extraordinária que conheço. E se nao é capaz de vê-lo, entao entendo por que não compreende a verdade a respeito a esse que chama de acossador.

 

                                                           CAPITULO 9  

Rita observou com expressão de assombro o rosto de Matthew sob a ondulante luz alaranjada do fogo.

-Do que está falando? -perguntou, completamente confundida pelo que acabava de escutar.

-Já o ouviste. -assegurou ele depois de duvidar um instante-. É uma mulher extraordinária, Rita Barone.

Ela negou com a cabeça, mas com isso só conseguiu que a mão de Matthew a roçasse ainda mais, que intensificasse a doce carícia das pontas de seus dedos sobre sua pele. Rita sentiu uma onda de calor lhe atravessando o centro do corpo antes de estender-se lentamente por todos os rincões.

-De verdade o acha? -perguntou com suavidade.

-Sim -assegurou Matthew sem duvidar esta vez nem um instante. E logo, antes de que Rita tivesse tempo de dar-se conta de quais eram suas intenções, Matthew inclinou a cabeça para ela e lhe cobriu a boca com os lábios. Nunca em sua vida a tinham beijado assim, com aquela mescla de tentativa e segurança, exigindo e explorando. Rita sentia como se de algum modo ele estivesse tentando lhe dizer algo com aquele beijo, como se seus sentimentos fossem um amontoado de emoções que nem ele mesmo compreendesse. Rita o beijou a sua vez do mesmo modo. Aquilo estava bem, porque os deixava no mesmo nível. Não estava muito segura de aonde os levaria, mas lhe parecia que era o correto. Sentia-se bem. E levava muito tempo sentindo-se mal. Beijar a Matthew era exatamente o que queria fazer. Mas não podia ser. Rita pensou que devia deter-se ali. Não voltaria a fazer amor com o homem que a tinha expulsado da última vez que estiveram na mesma situação. Apartou a boca dele, ficou em pé e se aproximou da chaminé; ficou ali de costas para contemplar o fogo em lugar de seu atraente rosto.

-Rita -escutou-o dizer com voz rouca-. O que ocorre?

Ela aspirou com força o ar em um intento de recuperar o fôlego e ao mesmo tempo tranqüilizar o acelerado ritmo de seu coração. Escutou ruídos a suas costas, mas não sabia se Matthew estava se pondo de pé também ou simplesmente mudando de postura. Rita tragou saliva. Era consciente de que lhe devia uma explicação sobre por que lhe tinha pedido que partisse depois de ter feito amor com ela na noite da festa. Mas não sabia como perguntar-lhe sem parecer desesperada ou confundida. Sobretudo porque desesperada e confundida era exatamente como se sentia naquele momento.

-Matthew, posso te fazer uma pergunta? -disse finalmente.

-É obvio -respondeu ele.

-A noite da festa, depois de que... -começou a dizer Rita antes de deter-se para tomar ar-, de que... de que fizéssemos amor, por que... Por que me pediu que me fosse?

Escutou mais movimentos a suas costas, desta vez mais próximos, e sentiu a presença de Matthew atrás dela. O fogo dançava grosseiramente criando sombras no chão, e Rita distinguiu sua própria figura como se formasse parte da silhueta de Matthew. Quando voltou a aspirar o ar, captou desta vez também a fragrância inconfundivelmente masculina que formava parte intrínseca dele.

-Sinto muito havê-lo feito. -assegurou Matthew com voz repousada-. Não devia ter feito.

-Mas por que o fez? -insistiu ela. Matthew duvidou um instante antes de responder.-Porque você pensou que eu não valorava o que tinha ocorrido entre nós. Acreditou que não era capaz de apreciá-lo.

Rita se deu a volta e o olhou com os olhos entreabertos pela confusão.-Eu nunca disse isso. -assegurou negando com a cabeça.

-Sim, disse-o. -respondeu Matthew com tristeza.

Rita fez um esforço por recordar a que poderia estar se referindo, e soltou um breve suspiro quando por fim o descobriu.

-Não -assegurou sacudindo a cabeça com ainda mais firmeza-. O que disse foi que não acreditava que o fato de que fora minha primeira vez tivesse importância para ti.

-Exato. Achava que não apreciaria a honra que me tinha outorgado.

-Mas...

-Quando de fato, Rita -continuou ele ignorando suas objeções-, nada poderia me importar mais. E te escutar dizer isso me fez sentir que estava de acordo com o que as pessoas dizem de mim no hospital.

-A que se refere? -perguntou ela franzindo o cenho.

-A que você também me considerava uma fera, incapaz de ter sentimentos por ti.

-OH, Matthew!

-De fato, o que eu sinto...

Não terminou a frase. Limitou-se a olhá-la como se ela fosse a resposta a todas as preces que tivesse elevado ao céu. Rita disse a si mesma que devia fazer algo, dizer algo para lhe demonstrar quanto tinha chegado a significar para ela. Mas pensou que naquele momento devia deixar de pensar e permitir-se simplesmente sentir. E seus sentimentos eram... eram tão fortes! Rita deslizou a mão lentamente por seu rosto e lhe acariciou a bochecha durante uns segundos. Logo elevou o outro braço para as cicatrizes que ele considerava que o faziam parecer uma fera e as percorreu brandamente com os dedos. Finalmente, ficou nas pontas dos pés e apertou os lábios contra os seus. Beijou-o de maneira que ele entendesse que o amava. Porque ainda tinha medo de pronunciar aquelas palavras em voz alta. Era um sentimento muito novo para ela para compreendê-lo, muito frágil ainda para compartilhá-lo. Mas queria que Matthew soubesse o que sentia. Beijar-lo daquele modo era a única forma que lhe ocorria de fazê-lo naquele momento. Ele pareceu entender, ao menos em boa parte porque depois de uns instantes lhe pôs os braços ao redor da cintura, atraiu-a para si e a beijou com igual desejo e igual sentimento que ela. O coração de Rita começou a pulsar a toda pressa ante a força das emoções que a estavam atravessando. Nunca antes havia se sentido assim. Nem sequer a primeira noite com Matthew. Aquilo era algo novo, visceral, extraordinário. Extraordinário. Aquilo era o que lhe havia dito que era. E isso só podia significar que lhe importava. Mas, importaria-lhe tanto como ele a ela? E quereria que aquele sentimento durasse para sempre, como acontecia a ela? Porque Rita soube naquele momento que não queria voltar a separar-se nunca de Matthew. Seus pensamentos se perderam em algum ponto quando ele começou a lhe tirar o pulôver, e o único que Rita pôde fazer foi levantar os braços para que lhe saísse melhor pela cabeça. Matthew o deixou cair ao chão e logo repetiu a mesma operação com sua camiseta interior. Então lhe desabotoou o sutiã e também o tirou pelos braços com delicadeza. Rita sentiu o súbito impulso de cobrir os seios, mas houve algo em seu olhar que a impediu, algo ardente e carregado de desejo. Matthew tinha a vista cravada em seus seios nus e, sem apartá-la dali, elevou uma mão para voltar a aproximar-se dela.

-É preciosa -sussurrou com voz rouca. Devagar, cuidadosamente riscou com a ponta de seu dedo do meio a curva inferior de seu seio, logo a lateral, o topo, e volta a começar. A cada novo círculo, Matthew ia se aproximando um pouco mais, e a cada novo círculo, o coração de Rita pulsava a maior velocidade. Não podia fazer mais que ficar ali enquanto ele riscava seus anéis invisíveis e tentar, com escasso êxito, manter a respiração sob controle. Por último, Matthew lhe cobriu o seio com toda a mão e inclinou a cabeça para voltar a beijá-la com paixão. Enquanto se beijavam, Rita lhe tirou o pulôver e, com os olhos fechados, abriu as mãos para as colocar sobre seus ombros nus. Matthew respondeu apertando-a contra si com força, deslizando as mãos sobre suas costas nuas e esfregando seu peito rude contra os delicados seios de Rita. Aquela fricção lhe produziu um calor quase insuportável, que a levou a perguntar-se se não provocaria uma combustão espontânea. Mas em lugar de explodir, a febre não fez mais que intensificar-se. Pelo modo em que Matthew a estava acariciando, tão frenética, desejosa e apaixonadamente, Rita soube que ele estava experimentando as mesmas sensações.

-Desejo-te, Rita. -sussurrou Matthew entre um beijo e outro-. Quero voltar a te fazer amor. Senti tanto a sua falta nas duas últimas semanas... sonhei contigo todas as noites, com a única vez que estivemos juntos. Lembro muita bem seu sabor, seu tato e seu aroma, e lembro perfeitamente a sensação de me afundar dentro de ti. E te desejo de novo, porque sei que uma vez não será nunca suficiente. Sei que nunca terei suficiente de ti.

Rita disse a si mesma que seria melhor não pensar no que lhe havia dito. Não lhe estava dizendo que queria estar com ela para sempre. Só lhe estava dizendo que queria voltar a estar com ela. Prometeu para si que a próxima vez que fizesse amor seria com um homem que tivesse a intenção de permanecer a seu lado. Então Matthew voltou a beijá-la profunda e apaixonadamente, e ela foi apenas capaz de recordar seu próprio nome, e muito menos as promessas que acabava de fazer-se. Quando a beijava daquele modo, o único no que Rita podia pensar era na maneira em que Matthew a tinha feito sentir a noite em que se fundiram daquele modo tão intenso. Esta vez estava resultando inclusive ainda mais urgente, mais apaixonado. Ela o necessitava mais ainda que antes. Porque antes não sabia o que se estava perdendo, não sabia quão maravilhoso podia chegar a ser. Mas agora era consciente disso, e desejava voltar a sentir-se assim. Desejava-o com toda sua alma.

-Eu também te desejo -confessou-lhe sem poder conter-se-. OH, Matthew, desejo-te tanto...!

E então ele a beijou de um modo que fez impossível que Rita pudesse pensar absolutamente em nada mais. Enquanto a beijava, acariciou-lhe as costas com as mãos, e logo subiu pelos ombros para voltar a descender e percorrer com as pontas dos dedos cada uma de suas costelas. Em cada rincão em que a tocava, provocava pequenos fogos de desejo. Rita também o acariciou, desfrutando da sensação de sentir cada músculo duro com o que seus dedos se encontravam ao longo das costas de Matthew. Tinha também os braços e os ombros poderosos, e ela se maravilhou ante quão diferentes eram seus corpos, e o bem que se complementavam entretanto. Ele era duro, e Rita suave. Onde Matthew era forte, ela era delicada. E onde ele estava quente... ela também o estava. «Agora», pensou Rita apartando a contra gosto a boca da sua. Desejava-o naquele instante. Naquele momento preciso, ali mesmo, frente à chaminé, onde o calor das chamas era um reflexo de sua própria reação. Mas por alguma estranha razão, Rita sentiu vergonha de despir-se enquanto ele a estava olhando, assim que se deu a volta enquanto procurava a cremalheira de suas calças jeans. Antes de ter a oportunidade de baixá-la, entretanto, Matthew se colocou atrás dela e apertou seu corpo contra o seu, roçando com os pelos de seu peito seus ombros nus e provocando nela um calafrio de prazer. Aquele calafrio se converteu em eletricidade quando lhe cobriu as mãos com as suas e as separou das calças.

- Deixe para mim. -sussurrou-lhe ao ouvido com voz rouca enquanto colocava as mãos onde antes tinham estado as de Rita. Antes de que ela pudesse responder, Matthew afundou a cabeça na suave curva em que se enlaçava seu pescoço com o ombro, roçando ligeiramente com a boca entreaberta naquela pele tenra. Rita fechou os olhos instintivamente ante o contato, e estava tão concentrada desfrutando do roce de seus lábios sobre a pele que apenas se precaveu de que Matthew lhe baixava a cremalheira dos jeans. Jogou um braço para trás para afundar os dedos em seu cabelo e inclinou ligeiramente a cabeça para um lado para facilitar a erótica exploração de sua boca. Matthew emitiu um leve e masculino gemido de prazer e devagar, muito devagar, começou a lhe baixar as calças. Rita levava debaixo umas calcinhas singelas de algodão, mas Matthew não pareceu desiludido em nenhum momento. Cobriu-lhe um dos peitos com uma mão enquanto deslizava a outra no interior do suave algodão, lhe pressionando o ventre liso com a palma enquanto apontava com os dedos para o centro de sua feminilidade. Logo, milímetro a milímetro, fez-os avançar para baixo, detendo um instante na parte superior do pêlo encaracolado que tinha Rita entre as pernas. Ela exalou um gemido de prazer quando adivinhou suas intenções, mas Matthew não deteve seu avanço e deslizou ainda mais a mão, empurrando com força. Instintivamente, Rita deu um pequeno passo a um lado para lhe facilitar o acesso ao prêmio que claramente estava procurando. Então, Matthew afundou os dedos em seu interior até que se abriu caminho entre aquele bosque de carne úmida e começou a explorá-lo.

-OH, Matthew! -conseguiu dizer Rita com muita dificuldade quando ele a acariciou tão intimamente.- Isto é tão... tão...

Não estava muito segura, mas lhe pareceu escutar que ele proferia um som de satisfação enquanto lhe afundava mais a mão entre as pernas, lhe massageando brandamente com os dedos, riscando círculos eróticos naquela carne tão sensível, empurrando-a logo com investidas peritas. Rita lhe apertava o cabelo com força a cada movimento que ele fazia, e deslizou a mão que tinha livre sobre seu poderoso antebraço, apertando-lhe com os dedos para lhe insistir sem palavras a que continuasse com sua erótica exploração. E isso foi o que Matthew fez. Uma e outra vez lhe percorreu o interior acima e abaixo, até que finalmente afundou dentro dela o mais comprido de seus dedos com força.

-Quero-te aí, Matthew -gemeu Rita ante aquela penetração-. Todo você. Quero voltar a te sentir dentro de mim. Por favor, me faça amor.

Aquele era o único convite que ele necessitava. Depois de uma investida final, tirou a mão de suas calcinhas e percorreu com os dedos úmidos o caminho por seu ventre até chegar aos quadris. Então, sem prévio aviso, tirou-lhe a roupa interior, deixando-a nua da cintura para baixo. Rita começou a girar-se para olhar-lo de frente, mas Matthew lhe sujeitou as mãos com uma das suas enquanto se tirava suas próprias calças e as cuecas com urgência. Uma vez liberado deles, aproximou-se de Rita, segurou-a pelos quadris e entrou nela por trás. Apesar de sua postura, Rita não o esperava. E agora que o sentia entrar nela daquele modo, pensou que ia se derreter de paixão. Matthew a penetrou com grande segurança, como se ele e só ele tivesse o direito de estar ali, como se aquele fosse o lugar ao que pertencia. Como se fosse uma parte de Rita que levava muito tempo separado dela. E Rita sabia que Matthew era parte dela, que tinha se convertido nisso aquela primeira noite em que fizeram amor. Porque ela se apaixonara por ele naquela noite. Apaixonara-se absoluta e irrevogavélmente. Talvez tivesse acontecido inclusive antes, pensou vagamente enquanto Matthew se retirava dela para voltar a entrar com mais força em seu interior. Talvez por isso tivesse feito amor com ele a primeira noite. Porque em algum recôndito canto de seu subconsciente sempre tinha estado apaixonada por ele. Matthew voltou a sair e entrou uma vez mais, e Rita se apertou contra ele até que sentiu como se a tivesse penetrado até o centro de seu corpo. Por alguma razão, naquele momento recordou vagamente algo que lhes tinha esquecido a vez anterior. Um pouco relacionado com a precaução. Algo que tinha que ver com a gravidez.

-Matthew -conseguiu dizer com muita dificuldade-. Não estamos utilizando nenhum amparo.

Ele pareceu duvidar durante uns instantes, e logo Rita o sentiu assentir com a cabeça. Com delicadeza, saiu dela e a beijou brandamente em um ombro.

-Tenho preservativos no banheiro, subindo as escadas -disse- Espere-me no quarto.

E logo desapareceu, fundindo-se na escuridão da casa como por arte de magia. Rita aspirou com força o ar um par de vezes e logo se envolveu em uma manta vermelha que havia sobre o sofá. Não tinha nem idéia de onde ficava o dormitório de Matthew, mas estava quase segura de que se encontraria acima. Guiando-se unicamente com a luz do fogo da chaminé, subiu as escadas até o final e seguiu uma luz tênue que brilhava ao fundo do corredor em uma das habitações. A estadia era escura e estava decorada com estilo masculino. Uma única vela brilhava sobre um antigo armário de mogno e a roupa da imensa cama de casal estava aberta de modo convidador. Rita entrou no dormitório e Matthew apareceu a suas costas de novo, lhe jogando os braços ao redor da cintura e lhe afundando o rosto na nuca para beijá-la no pescoço. Logo, muito lentamente, girou-a para colocá-la frente a ele e lhe tirou a manta de ao redor dos ombros, deixando-a cair ao chão. Então a estreitou entre seus braços e a beijou apaixonadamente enquanto a aproximava lentamente para a cama. Rita sentiu a firmeza do colchão sob as coxas, mas imediatamente Matthew se deslizou a sua vez na cama, colocando a Rita em cima dele. -Esta vez você marcará o ritmo -ordenou Matthew com um sorriso, enquanto a sujeitava pelos quadris, guiando-a para sua virilidade já encerrada em um preservativo-. Rápido ou lento, profundo ou superficial, como você queira. Cavalgue-me, Rita.

Rita se deu conta então de que não tinha nem idéia do que fazer. Recordou que a primeira vez ele havia dito que gostava de fazê-lo rápido e forte. Mas ela não estava muito segura de estar preparada. Assim, lentamente, colocou-se de joelhos e começou a afundar-se muito devagar nele. Aquilo lhe resultou delicioso. Lenta e brandamente era a melhor maneira de fazê-lo, ao menos no momento. Ao Matthew não pareceu lhe importar, porque fechou os olhos e elevou as mãos para lhe acariciar os seios. Rita se apoiou sobre seu peito musculoso e se elevou sobre ele, repetindo o movimento até que ambos começaram a respirar agitadamente e por seus corpos escorregou um ligeiro suor. Pouco a pouco ela foi aumentando a intensidade, movendo-se cada vez mais depressa e mais forte em cima de Matthew. Ele voltou a sujeitá-la pelos quadris, lhe seguindo o ritmo, ajudando-a a entrar nele com mais força. Uma onda de umidade prazenteira começou a apoderar-se de Rita e logo, em um arrebatamento febril, pareceu consumi-la. Enquanto isso ocorria, Matthew a fez girar, colocou as pernas dela ao redor de sua cintura e tomou o controle de seu acoplamento, afundando-se mais e mais nela. Finalmente, com uma última e selvagem penetração, gritou e ficou rígido. Rita também se precipitou por seu próprio abismo, culminando com seu clímax o orgasmo de Matthew. Então, ele caiu a seu lado, com a respiração tão entrecortada como a da própria Rita. Ficaram nessa posição durante uns instantes, com os corpos úmidos e o calor ainda incandescente. Logo, com bastante reticência, Matthew começou a apartar-se. Instintivamente, Rita o abraçou, temendo que ele estivesse a ponto de fazer o mesmo que a vez anterior e lhe dissesse que partisse. Matthew pareceu entender seu medo, porque lhe beliscou brandamente a bochecha e lhe sorriu com certa tristeza.

-Não vou pedir se que vá -assegurou-. É que tenho que me ocupar de nossas medidas de precaução.

Rita fechou os olhos. Sentia-se como uma estúpida, mas como ela ia sabe-lo? Não era precisamente uma perita nesse tipo de coisas. Ficou tombada em silêncio enquanto Matthew se levantava, maravilhada ante o que ambos acabavam de fazer, impressionada de que tivesse sido melhor inclusive que a outra vez. Ele retornou imediatamente e se tornou a seu lado, com seu corpo forte e quente na escuridão.-Tem frio? -perguntou lhe passando o braço pela cintura-. Se quiser posso jogar a colcha.

-Não. -assegurou Rita virando-se para olhá-lo-. Eu gosto de estar assim contigo. Tem você um corpo impressionante, doutor Grayson.

-Na escuridão. -reconheceu Matthew olhando de esguelha a luz da vela que os envolvia-. À luz do dia não é exatamente uma obra de arte.

Rita sabia que estava se referindo a suas cicatrizes, e quis lhe demonstrar que para ela não tinham nenhuma importância. Elevou a mão para seu ombro e percorreu aquela pele ferida com as pontas dos dedos em delicada carícia.

-Para mim é muito bonito. -respondeu ela com decisão Matthew ficou olhando em silêncio, sem responder a seu comentário. Limitou-se a observá-la como se não pudesse terminar de acreditar-se que Rita fosse real. Logo deslizou a mão por trás de seu pescoço e a atraiu para si para beijá-la.

-Fique o fim de semana comigo -pediu-lhe apartando-se ligeiramente-. Fica até que passe a tormenta.

Algo se estremeceu no interior de Rita ao escutar aquelas palavras. Porque embora estivessem cheias de desejo e apetência, implicavam também um prazo de tempo. Matthew queria que ficasse ali até que passasse a tormenta, mas o que ocorreria depois?

-De acordo -respondeu forçando um sorriso.- Ficarei.

Seu interior era uma mescla de felicidade e dúvida. Queria ficar com ele até que passasse a tormenta, porque sabia que a tormenta de suas emoções não terminaria nunca.

 

                                         Capítulo Dez

Rita ficou na casa do Matthew até no domingo de noite, muito depois de que tivesse passado o temporal e muito depois de que os flocos de neve se secassem nas calçadas. Ficou-se ainda mais, mas obrigou-se a si mesma a retornar a sua casa por duas razões: Primeiro, para pôr em ordem seus sentimentos antes de voltar para trabalho, e segundo porque Matthew só a tinha convidado a ficar o fim de semana. Mas sobretudo, precisava averiguar o que sentia por ele. E também necessitava tempo para si mesma, para tentar encontrar sentido a suas próprias emoções. O fim de semana que tinham passado juntos tinha sido uma via de escapamento da realidade em muitos sentidos, mas na segunda-feira pela manhã retornariam ao mundo real, no que ambos trabalhavam juntos, e Rita precisava estar preparada em caso de que Matthew decidisse voltar para seus antigos modos de fera. Mas disse a si mesma que aquilo não ia acontecer, sobretudo depois da maneira em que ele a tinha beijado para despedir-se na porta de sua casa depois de acompanhá-la até a soleira e lhe haver colocado nas mãos o pequeno vaso de cristal em que estava colocada sua rosa. Era muito estranho, porque Matthew não lhe tinha perguntado nenhuma só vez pela flor em todo o fim de semana, embora a tinha cuidado com tão mimo como ela, assegurando-se de que não lhe faltasse água e de que estivesse colocada em uma janela ensolarada. Tinha sido uma anedota mais do tempo que tinham acontecido juntos. Tinha havido algo mágico na tormenta de neve, algo mágico e ilusório ao longo de todo o fim de semana. Rita sabia que a prova de fogo chegaria na segunda-feira pela manhã, quando ambos aterrissassem de novo no mundo trabalhista. Quão único esperava era que os dois seguissem sentindo o mesmo. Mas o primeiro que Rita viu na segunda-feira pela manhã foi uma nota que Matthew tinha deixado em seu fichário:

Não estarei aqui hoje. Reúna-se comigo para jantar esta noite às sete no restaurante Darian'S. Temos que conversar. Matthew

Foi a última frase a que criou maior preocupação em Rita. Do que tinham que falar? Dobrou a nota e a guardou em um dos bolsos de sua bata com certa apreensão. Teria que esperar de noite para resolver sua dúvida. Rita não tinha estado nunca antes no restaurante que Matthew tinha eleito para jantar. Darian's era considerado como um dos locais mais deliciosos de Boston, mas seus preços não eram precisamente acessíveis para o salário de uma enfermeira. Certo que era membro da milionária família Barone, mas não estava disposta a utilizar seu dote para pagar um jantar. Dada a reputação do restaurante, Rita tinha se vestido com o único traje apropriado que tinha para um estabelecimento dessas características: o vestido negro que tinha usado na festa da Baronessa na noite em que ela e Matthew fazeram amor pela primeira vez. E uma parte dela estava desejando que aquela noite tivesse o mesmo desenlace que a outra, e por essa razão também se pôs a mesma lingerie que naquela ocasião. Até a noite da tormenta, Rita tinha estado convencida de que as coisas com o Matthew não iam funcionar, que o seu tinha terminado antes inclusive de começar. E depois daquela noite, começou a dar-se conta de quanto desejava que sua história funcionasse. Antes da festa da Baronessa, gostava dele e o admirava. Era um resmungão e um mal-humorado, mas Rita sempre teve a impressão de que havia uma razão para isso, algo em seu passado que o tinha ferido, lhe impedindo de aproximar-se muito a ninguém. Na festa tinha averiguado do que se tratava, e ao dar-se conta da profundidade de suas feridas, tanto físicas como emocionais, Rita tinha experimentado um novo tipo de admiração para ele. E tinha começado a sentir algo novo, uma espécie de afeto que tinha ido crescendo gradualmente até converter-se em amor. Tinham muitas coisas em comum. Ambos tomavam seu trabalho muito a sério e estavam dedicados a sua vocação. Matthew tinha um ácido senso de humor quando queria, e sempre se mostrava seguro de si mesmo e razoavelmente contente com sua vida. Ela se tinha limitado a lhe responder a um nível ao que não estava acostumado a relacionar-se com outros. Sempre se sentia a gosto ao lado de Matthew, apesar das aparentes distancias que ele marcava. Recordava uma ocasião, antes do Natal, quando as enfermeiras estavam passando o momento durante um turno aborrecido perguntando: «Se tivesse que ficar apanhada em uma ilha deserta com alguém do hospital, a quem escolheria? A maioria de suas companheiras haviam dito a um residente muito atraente, mas quando tocou o turno dela, Rita o pensou um instante e logo respondeu que o doutor Grayson lhe parecia uma boa eleição. As demais enfermeiras não se esforçaram em dissimular sua surpresa e alguma inclusive lhe assegurou que estava mal da cabeça, mas ela tinha defendido sua eleição assegurando que estaria bem o tê-lo ao redor porque era inteligente, auto-suficiente, e não entraria em pânico. O que não lhes disse nesse dia era que além disso pensava que era atraente, sensual inclusive a sua maneira resmungona. Rita se deu conta de que para então já se sentia atraída por ele. E quanto mais o tinha ido conhecendo, mais gostava. Ao fazer amor com ele tinha compreendido quanto lhe importava, quanto tinha chegado a querê-lo. Agora compreendia que tinha sido seu primeiro amante porque em algum rincão de sua consciência sabia que Matthew era alguém especial, alguém com o que queria compartilhar sua vida, porque o amava. Quão único podia esperar agora era que ele compartilhasse ao menos alguns de seus sentimentos. Mas não poderia estar segura a menos que Matthew lhe fizesse algum sinal de que o que estava ocorrendo entre eles significava para ele tanto como para ela. Certamente, convidar a uma mulher ao restaurante mais caro da cidade era um bom começo. Isso foi o que pensou Rita quando empurrou a porta do Darian's e entrou. Viu Matthew imediatamente, esperando ao lado do mostrador de recepção com a vista cravada na porta como se temesse que se a apartava um instante se perderia a entrada de Rita. Tinha posto um de seus característicos ternos escuros com uma camisa branca e gravata de cor granada. Estava tremendamente atraente.

-Olá -sussurrou Rita docemente.

-Está preciosa -assegurou ele saudando-a com um sorriso lento e sensual.

-Você tampouco está mau -respondeu Rita com uma careta. Então, para sua surpresa, Matthew se inclinou para diante e lhe cobriu a boca com a sua. Foi uma demonstração breve e espontânea de afeto, e Rita sentiu que ia se derreter ali mesmo. Não era um beijo apaixonado, mas era um beijo público, a demonstração pública de que ela era importante para Matthew. Aquilo a adulou até o mais profundo da alma. Ele se apartou com visível relutância, mas para então tinha retornado a encarregada e lhes estava dizendo que sua mesa estava preparada e que fossem tão amáveis de segui-la. Matthew apartou a cadeira de Rita para que ela tomasse assento, e logo em lugar de sentar-se em frente, colocou-se a seu lado, como se não quisesse que nem a distância da mesa os separasse. Rita sentiu uma onda de calor lhe atravessando o corpo. Apareceu um garçom e, depois de lhe jogar uma olhada à carta de vinhos, Matthew pediu uma marca de tinto. Parecia impaciente. Rita tinha a impressão de que queria falar com ela de algo importante, tal e como dizia em sua nota. Mas não parecia saber como tirar o tema.

-E bem ? -disse Rita em um intento de ajudá-lo-. O que ocorre?

-Nada. -assegurou ele parecendo surpreso por sua pergunta-. Por que o diz?

-Dizia-me em sua nota que tínhamos que conversar.-respondeu ela encolhendo-se levemente de ombros-. Algo terá em mente.

Em resposta a seu comentário, Matthew se limitou a olhá-la fixamente em silêncio. E de repente, Rita começou a duvidar do que momentos atrás tinha dado por seguro. Estaria equivocada respeito ao espírito da velada? E se para ele aquilo não era mais que um breve romance? E se, em lugar de tratar de cimentar a relação, Matthew estava tentando aquela noite fazer mais doce a despedida?

-Não se trata do que tenha em mente -disse finalmente-, mas sim do que tenho no bolso.

-O que? -perguntou ela achando estranho. Matthew voltou a estudá-la em silencio durante um instante mais, e logo se reclinou para trás na cadeira para procurar algo no bolso superior de sua jaqueta. Mas quando estava a ponto de tirar o que fora, o garçom retornou com o vinho e Matthew voltou a colocar a mão vazia na mesa. O garçom começou a ordenar as taças meticulosamente na mesa, com tanta parcimônia e bom fazer que Rita esteve tentada de levantar-se da cadeira para insisti-lo a dar-se pressa.

-Darei-lhes uns minutos mais para que estudem a carta -disse com sorriso profissional quando terminou.

Rita voltou a olhar Matthew, que parecia muito ocupado sopesando as opções.

-A vitela tem boa cara. -disse com ar ausente.

Rita apertou os dentes. Fosse o que fosse o que tinha no bolso, estava claro que Matthew ia esperar para mostrar-lhe, assim que ela também olhou o menu e escolheu o primeiro prato em que posou o olhar.

-Chuletas de cordeiro ao estilo Rosemary. -murmurou voltando o olhar para Matthew-. Eu tomarei isso. E agora, o que estava me dizendo?

-Como? -perguntou Matthew olhando-a com surpresa -Ah, sim, a vitela. Dizia que tinha boa cara.

-Não, antes disso. -respondeu Rita tratando de dissimular sua impaciência -Estávamos falando de outra coisa.

-Ah, sim?

-Sim -assegurou ela a ponto de perder os nervos-. É... -Mas não pôde terminar a frase, porque então retornou o garçom para anotar os pedidos. Rita encarregou seu pedido e logo esperou pacientemente a que Matthew se decidisse entre a vitela ou as delícias de pescado, para terminar optando finalmente pelos medalhões de boi, com o que obteve por fim que o garçom se retirasse de uma vez. Rita se aproveitou de sua ausência para colocar os antebraços sobre a mesa e inclinar-se para diante, invadindo o espaço vital de Matthew.

- Antes do da vitela -começou a dizer no tom mais paciente que foi capaz de tirar- estava a ponto de me dizer algo. Matthew abriu a boca com a muito clara intenção de responder que não se lembrava, mas Rita o impediu levantando o dedo indicador em gesto autoritário.

-Disse que tinha algo no bolso -recordou-lhe-. Algo que ia tirar para me mostar isso.- acrescentou se por acaso também se esquecera daquela parte.

-É certo. -reconheceu ele assentindo levemente com a cabeça-. Agora me lembro. Mas talvez deveríamos esperar a sobremesa.

Rita fechou os olhos com força e contou mentalmente até dez.-Não -assegurou com calma depois de voltar a abri-los-. Tem que me dizer isso agora.

Matthew a observou durante uns instantes com seus olhos verdes sonhadores, logo se reclinou para trás e procurou de novo algo no bolso. Mas ainda duvidou uns instantes antes de tirar o que tinha dentro. De repente pareceu sentir-se muito nervoso pelo que estava fazendo. Entretanto, lentamente, agarrou algo com as mãos e o cobriu com elas, de modo que Rita não pudesse vê-lo.

-Feche os olhos. -disse detendo-se antes de lhe mostrar o que era.

Ela obedeceu depois de exalar um suspiro de frustração. Tornou-se para trás e cruzou as mãos sobre o colo. Escutou um som leve, e logo nada.

-Muito bem - disse Matthew com a voz ainda quebrada pelos nervos-. Já pode abri-los.

Ao fazê-lo, o primeiro que viu Rita foi o formoso rosto de Matthew olhando-a com expressão de ansiedade. Logo, com mais curiosidade da que havia sentido nunca em sua vida, baixou a vista para a mesa. Ali, colocada sobre um prato branco de porcelana chinesa, sobre a toalha de linho, havia uma caixinha branca. Uma caixinha branca atada com um laço dourado. Exatamente igual às caixinhas brancas com laços dourados que seu admirador ou seu perseguidor secreto lhe tinha deixado no fichário do hospital.

-Mas o que...?

E então o compreendeu. Era Matthew. Era ele quem lhe tinha estado deixando os presentes anônimos. Rita levantou a cabeça para olhá-lo, e naquele momento compreendeu por que parecia tão preocupado. Porque ele era quem Rita pensava que poderia estar acossando-a. Porque inclusive depois de que lhe tivesse contado quão preocupada estava, atemorizada-o que se sentia pelos presentes anônimos, Matthew não lhe tinha contado a verdade. E agora temia como poderia reagir, agora que sabia a verdade. E para ser sincera, Rita não sabia muito bem como reagir.

-Sempre foi você? -perguntou-lhe.

-Sim -confessou ele assentindo com a cabeça. Ela se limitou a seguir olhando-o fixamente em silêncio, assim Matthew exalou um suspiro de impaciência e tratou de explicar-se. -A primeira vez quão único queria era te agradecer de algum modo sua ajuda na emergência com o Joe, aquele vagabundo. Lembra-se?

-Sim -respondeu Rita assentindo- Mas eu só estava fazendo meu trabalho aquele dia. Não tinha por que me agradecer.

-Devo-te muito mais do que você acredita. -disse-lhe-. Tranqüilizou ao homem e fez possível que eu pudesse fazer meu trabalho. Também lhe assegurou que eu era um cirurgião excelente, que era o melhor. E lhe disse que era um homem maravilhoso. -concluiu depois de duvidar uns instantes-. E parecia falar a sério.

-E assim era. -assegurou Rita.

Sei -respondeu Matthew assentindo com a cabeça-. Por isso senti que tinha que te agradecer. Porque ninguém havia dito nunca nada parecido sobre mim. Com aquele primeiro presente pensei te deixar uma nota de agradecimento.-continuou explicando-. Mas não foi até mais tarde quando escutei esses rumores sobre seu admirador secreto, e então me dei conta de que tinha me esquecido de deixar a nota. Nem sequer soube até depois que aquele dia era São Valentim. E quando as pessoas começaram a falar do admirador secreto de Rita Barone, estava muito envergonhado para me dar a conhecer.

-Porque você não me admirava. -refletiu Rita.

-Não, porque sim te admirava -assegurou ele sacudindo a cabeça.

-Mas... -começou a dizer ela olhando-o com curiosidade.

-Ao olhar atrás, dou-me conta de que, subconscientemente, não te estava deixando um presente para te agradecer. Estava lhe deixando isso para te dizer que me importava. Porque me importava então. E agora também. Por isso te deixei os outros presentes.

-O dia de meu aniversário? -perguntou Rita, embora já conhecia a resposta.

-Sim -respondeu ele.

-E o dia do aniversário de minha entrada no hospital -assegurou ela desta vez, sem perguntar.- E também a rosa...

-Não estava muito seguro de que encontrasse explicação à data do último presente. Fazia duas semanas que tínhamos feito amor, e você se lembrou -acrescentou Matthew-. Você também pensava nesse dia.

-Pensei nisso cada dia desde que ocorreu. -confessou Rita.

-Eu também.

-Mas, como é possível que soubesse também o aniversário do primeiro dia que comecei a trabalhar no hospital? -perguntou Rita sacudindo a cabeça com incredulidade.

-Porque lembrava perfeitamente desse dia. -respondeu Matthew com ternura-. Eu estava na emergência quando apresentou a seu primeiro guarda, e lembrava a primeira vez que passou ao mostrador de enfermeiras. Todo o lugar pareceu... iluminar-se com sua presença. E lembrava cada dia que transcorreu após, Rita. O dia que você chegou ao hospital foi um dos mais importantes de minha vida.

-Por que? -perguntou ela, incapaz de pensar em nada mais que dizer. Matthew se inclinou para diante e tendeu as mãos sobre a mesa para cobrir com elas as de Rita.

-Porque esse foi o dia em que, pela primeira vez desde que era um menino, senti-me bem por dentro.

-Como? -perguntou ela tragando saliva.

-Custou-me um tempo me dar conta, mas havia algo em ti que me fez sentir bem do primeiro momento que pus meus olhos em ti. -confessou Matthew-. E logo, quando nos apresentaram, não te escapuliu nem pareceu te alterar ante minhas cicatrizes, e soube que era especial.

     -Por que ia ser especial por isso? E por que ia escapulir me ao te conhecer? -perguntou Rita-. Lembro que o que pensei foi que foi muito bonito.

     -Não me diga que não reparou nas cicatrizes -respondeu ele olhando-a com certa desconfiança.

     -É obvio que sim -defendeu-se Rita-. Mas não me importaram.

     -Por isso é tão especial -continuou Matthew-. Olhando para atrás, agora me dou conta de que esse foi o momento em que comecei a me apaixonar por ti.

   Rita pensou que tinha entendido mal o que acabava de lhe dizer.-Mas... -começou a dizer tratando de não fazer-se ilusões.

   -Abre a caixa. -ordenou ele sem deixá-la terminar, como se tivesse medo do que pudesse lhe dizer-. Abre-a , por favor. Será a última, prometo-lhe isso.-assegurou mudando de expressão-. De uma maneira ou de outra, será a última.

Ela ia protestar de novo, mas algo na expressão de Matthew a impediu. Rita queria lhe dizer que o amava também, mas uma vez mais houve algo que a fez deter-se. Parecia muito importante para ele que visse o que havia na caixinha antes de falar, assim voltou toda sua atenção para o pacote. Era um quadrado perfeito de apenas uns centímetros. Lentamente, Rita o agarrou e desatou o laço dourado. Ao apartar o papel branco, encontrou uma caixa de veludo negro. Tratava-se da caixa de uma jóia. Rita levantou a vista para olhar a Matthew e abriu uma vez mais a boca para dizer algo, mas ele o impediu com um gesto assinalando a caixa. Ela obedeceu e a abriu com dedos trementes para ver o que havia dentro. Ao descobrir o anel, ficou sem respiração. Era um diamante em forma de coração engastado em uma faixa de platina. Rita se cobriu a boca com uma mão enquanto que com a outra segurava a caixinha com dedos trementes. E quando levantou a vista para olhar a Matthew, duas grosas lágrimas caíram de seus olhos, escorregando por suas bochechas.

   -Está me.... Está me pedindo em casamento? -perguntou com voz débil. Matthew sorriu e emitiu uma espécie de suspiro. Mas em lugar de responder a sua pergunta, fez-lhe uma a sua vez.

   -Aceitaria?

-Isso depende -respondeu Rita.

-Do que? -perguntou ele deixando de sorrir.

-De que tenha dito o que acredito que disse faz um minuto.

-Sobre o que? -insistiu Matthew, confuso.

-Sobre que tinha se apaixonado por mim. -espetou-lhe ela reunindo todo seu valor.

-Amo-te. -assegurou ele olhando-a fixamente com os olhos acesos-. Amo-te há anos, embora não me tivesse dado conta, e seguirei te amando até meu último fôlego. E quero que esteja a meu lado quando isso chegue. -assegurou intensificando o ardor de seu olhar-. O que me responde? Quer te casar comigo, Rita Barone?

-Claro que quero -respondeu ela com um sorriso-. Em algum ponto do caminho eu também me apaixonei por ti. Talvez te amei desde o primeiro momento. E quero estar contigo todos os momentos que restam.

Aquilo pareceu ser tudo o que Matthew precisava escutar, porque sem dizer uma palavra mais, tirou-lhe a caixinha das mãos e tirou o anel de sua cama de veludo. Logo lhe elevou a mão para introduzi-lo em seu dedo do meio, onde encaixou perfeitamente. Então Matthew levou a mão de Rita aos lábios e depositou sobre seu dorso um suave beijo antes de baixar as mãos entrelaçadas sobre a mesa. O anel captava a luz da vela que havia sobre a mesa, refletindo dúzias de faíscas alaranjadas, azuis e douradas. Rita não pôde evitar pensar que aquilo era um símbolo do futuro brilhante que os esperava a ambos.

-Meu irmão Nicholas vai ficar muito contente. -assegurou ela movendo o anel para admirar seu reflexo-. Sempre tinha querido que me casasse com um médico.

-Não costumam ser as mães as que querem essas coisas? -brincou Matthew.

-Mamãe também estará encantada. -respondeu Rita-. Igualmente ao resto da família Barone. E o que me diz dos Grayson? -perguntou elevando-a vista para olhá-lo -O que lhes vai parecer mesclar seu venerável sangue azul com a de uns novos ricos?

-Quando contei a meus pais minhas intenções, tomaram tão a peito que romperam com uma larga tradição familiar -assegurou Matthew com expressão séria.

-Que mal soa isso. -respondeu ela.

-Sim, assim é. -reconheceu ele exalando um profundo suspiro-. Derrubaram-se, e fizeram algo realmente estranho.

-Do que se trata? -perguntou Rita com uma careta.

-Abraçaram-se. -respondeu Matthew sem abandonar a gravidade de sua voz-. E logo me abraçaram. Foi todo um número -acrescentou-. Mas já vê, sou o primeiro em me casar, e já levam tempo desejando ser avós.

-Bom, talvez tenham que esperar um pouco. -assegurou Rita com uma gargalhada-. Quero te ter só para mim durante um tempo.

-Parece-me muito bem -respondeu Matthew lhe estreitando a mão com carinho-. Eu só sei que te quero, e que não posso esperar a começar nossa vida juntos.

-Eu também te quero. -assegurou ela olhando suas mãos entrelaçadas-. E acredito que, de sobremesa, deveríamos ir a sua casa e tomar algo especial.

-Mas aqui têm sorvete Baronessa. -objetou Matthew-. Não o viu no menu?

-Sim, mas por muito que eu goste, há algo mais que acredito que ambos preferiríamos tomar esta noite de sobremesa.

-E do que se trata? -perguntou ele com uma careta.

-De nos comer o um ao outro -respondeu Rita com um sorriso sensual.

-Bem, e por que esperar à sobremesa para isso?

E antes de que Rita pudesse pôr alguma objeção, Matthew ficou em pé, agarrou sua jaqueta, tirou a carteira e depositou sobre a mesa dinheiro suficiente para fazer-se cargo do jantar e a gorjeta.

-Mas não quer nem jantar? -perguntou Rita enquanto lhe retirava a cadeira, obrigando-a a levantar-se.

-Acredito que prefiro tomar primeiro a sobremesa -assegurou Matthew-. Muitas, muitas sobremesas.

Como ela ia recusar uma oferta semelhante? Depois de tudo, Rita era uma Barone, e sempre tinha sabido que as sobremesas eram, sem dúvida nenhuma, o melhor da vida. Assim, de braços dados, Matthew e ela se foram para casa. A começar juntos o melhor de suas vidas. 

 

                                                                                Elizabeth Bevarly  

 

 

                      

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