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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


UMA DUQUESA NO OESTE / Delora Scott
UMA DUQUESA NO OESTE / Delora Scott

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

UMA DUQUESA NO OESTE

 

Seu marido havia sido assassinado. E a duquesa britânica fugira de sua terra natal, na esperança de desaparecer no vasto Oeste americano. Mas nada do que aprendera sobre as colônias a prepararam para as terras vastas e selvagens, ou personagens como Nate Bishop. Um homem com um passado, que estava determinado a se tornar o futuro dela!

Bastou um olhar para Antoinette, e Nate soube que estava metido em encrenca. Era óbvio que a moça não era o que dissera ser. Mesmo assim, quanto mais ela se mantinha distante, mais ele queria desvendar todos os seus segredos e descobrir exatamente que tipo de mulher a sra. Huntington realmente era...

 

 

                   Inglaterra, outubro de 1875

Assim que ouviram os latidos dos cães do duque, os integrantes do pequeno grupo de caça se espalharam. Matthew, primo do duque, se­guiu para a esquerda, enquanto Edmund Huntington, duque de Gravenworth, rumou para a direita. A duquesa preferiu ficar no centro. Se tudo corresse bem, em breve, os cães espantariam uma boa caça para fora da proteção da floresta, perturbando momentaneamen­te a névoa que ainda cobria parte da campina.

Sendo uma amazona soberba, Antoinette posicio­nou seu cavalo cinza de maneira esplêndida. Como sempre, seu traje de montaria, assim como seu cha­péu, espelhavam a última moda em Paris. No en­tanto, seus pensamentos encontravam-se longe de cavalgadas, moda, e até mesmo da caçada.

Ao retirar o rifle da sela, Antoinette franziu o cenho de leve, o que foi o único sinal da dor provocada pelo esforço. Ao menos, suas roupas escondiam os ferimen­tos que Edmund lhe infligira, na noite anterior.

Pousando a arma sobre as coxas, a duquesa fixou os olhos nas costas do marido. Antes mesmo que Edmund esporeasse sua montaria, ela reconhecera o brilho nos dele. O duque já antecipava o prazer da matança. Os lábios de Antoinette curvaram-se em um sorriso de desprezo, ao mesmo tempo em que ela en­rascava o dedo no gatilho. Finalmente, ergueu o rifle e esperou pelo veado que, desesperado, já tentava es­capar dos cães e da morte. Porém, como se fosse guiada por uma força desconhecida, moveu lentamente a arma, até que a nuca do marido se encontrasse na mira.

Cinco anos de maus-tratos cruzaram-lhe a mente. Fora com Edmund que ela aprendera o significado da palavra ódio. Quantas noites não havia rezado para que algum infortúnio se abatesse sobre ele? Poderia pôr um fim àquela tirania, de uma vez por todas. Bastaria puxar o gatilho.

De repente, o veado saltou para a clareira, a me­nos de dois metros de onde Edmund havia se posi­cionado. Ele atirou, mas o animal magnífico não tombou. Mais uma vez, o duque errara o alvo.

Uma calma incomum tomou conta de Antoinette, que voltou a verificar sua mira, mantendo a arma apon­tada para a nuca do marido. Conseguiria matá-lo? Seria capaz de um ato tão monstruoso? Seria tão fácil.

Um tiro explodiu no ar. Os olhos de Antoinette se arregalaram, enquanto ela observava Edmund oscilar na sela e, então, lentamente, deslizar para o chão. O sangue do ferimento em suas costas já se espalhava pelo traje de montaria amarelo.

Por um breve instante, Antoinette experimentou um sentimento de satisfação. No momento seguinte, foi consumida pelo horror provocado pelo que aca­bara de fazer. A arma escapou de suas mãos e caiu no chão. Desviando os olhos do corpo inerte, virou-se para Matthew. Precisava desesperadamente expli­car que tudo não passara de um acidente.

— Eu... eu...

As palavras recusaram-se a serem pronunciadas.

Quando Matthew guardou o próprio rifle, Antoi­nette notou que os lábios dele exibiam um sorriso cínico e satisfeito. Foi então que ela se perguntou se teria sido ela mesma a assassina de Edmund, ou se fora Matthew.

— Você matou o duque! — acusou-o.

— Eu? — Matthew inquiriu com expressão surpresa. Não! Antoinette tentou raciocinar com clareza.

Não poderia ter cometido aquele crime. Afinal, não se sentia culpada. De repente, deu-se conta da pre­cariedade da situação em que se encontrava. Se Matthew realmente cometera o assassinato, não de­sejaria deixar uma testemunha viva. Aflita, ela pu­xou as rédeas de seu cavalo para o lado. Tinha de alcançar o alojamento de caça, assim como a segu­rança, o mais depressa possível.

Fincou os calcanhares nos flancos do animal, co­locando imediatamente em movimento, mas sua he­sitação proporcionara a Matthew o tempo necessário para se aproximar. A mão forte agarrou as rédeas, fazendo com que a cabeça do cavalo fosse brutal­mente puxada para trás. Antoinette teve de usar toda a sua habilidade para se manter na sela, en­quanto o animal empinava no ar. Desesperada, ela chicoteou a mão de Matthew, mas ele continuou a segurar as rédeas com firmeza. Finalmente, Antoi­nette desistiu de lutar pela liberdade.

— Você atirou em Edmund pelas costas! — voltou a acusá-lo.

O sorriso de Matthew não alcançou os olhos frios.

— Ora, vamos, minha cara. Foi um ladrão quem o matou. Certo?

— Não havia ladrão algum por aqui!

— Se não foi um ladrão — Matthew continuou, erguendo uma sobrancelha —, só pode ter sido você.

Antoinette sentiu um gosto amargo na garganta.

— Quem mais odiava Edmund o bastante para matá-lo? Com certeza, não eu. Se eu tivesse essa intenção, teria resolvido o assunto há muito tempo.

Antoinette levou as mãos trêmulas ao pescoço.

— Ninguém acreditaria que eu seria capaz de um ato tão vil — protestou com convicção muito maior do que realmente sentia.

— É aqui que está enganada, minha cara. Não será mais fácil acreditarem que você se livrou do marido que desprezava, ao mesmo tempo em que garantia o título do filho que carrega no ventre, do que aceitarem a idéia de que eu matei o duque. quando lucraria muito menos com tal crime?

Matthew soltou as rédeas do cavalo dela. Apesar de apavorada, Antoinette sabia que a fuga era impossível.

— Eu... acho que foi mesmo um ladrão — mur­murou, sentindo a mente mergulhar na mais pro­funda confusão.

— Fico satisfeito em saber que sua versão deste infortúnio coincide com a minha. Nunca tive a menor dúvida de que você é uma mulher muito inteligente, minha cara. Na verdade, prestou um grande serviço ao mundo, ao acabar com a vida de Edmund. — Matthew observou um corvo sobrevoar o bosque. — Pense bem. Se meu pai não houvesse nascido seis minutos depois do pai de Edmund, eu seria o duque. Ah, mas como meu pai costumava dizer, não foi o destino que determinou aquela noite maldita. Foi ele o primeiro a nascer, mas como seus cabelos não eram escuros como os dos Huntington, decidiram dizer que foi o segundo.

Antoinette ouvira a mesma história várias vezes. Vezes demais.

Matthew pressionou as solas das botas contra os estribos e esticou as pernas.

— Agora, você carrega o filho de Edmund no ventre, o que me impede, mais uma vez, de reclamar o que deveria ser meu. O que me deixa, ou talvez eu deveria dizer que deixa você, diante de duas alternativas: ca­sar-se comigo, ou morrer pelo crime que cometeu.

A duquesa abriu a boca para falar, mas não con­seguiu emitir nenhum som. Casar-se com ele? Tudo o que pôde fazer foi assentir.

— Bom. Uma semana depois do enterro de Ed­mund, anunciaremos o nosso noivado.

Antoinette arregalou os olhos.

— Todos vão acreditar que o filho que estou es­perando é seu!

— Exatamente.

Um arrepio percorreu a espinha de Antoinette, ao mesmo tempo em que sua cabeça começava a latejar. Ela lançou um olhar desesperado para a floresta, na esperança de que alguém aparecesse para socorrê-la. No fundo, porém, sabia que não ha­veria ninguém por perto.

— E, claro, sendo o pai de seu filho, serei eu o duque, daqui por diante — Matthew continuou. — Vou me tornar seu protetor, por assim dizer. Agora, minha cara, devemos nos apressar em informar os criados sobre a terrível atrocidade que ocorreu neste dia fatal.

 

Alteza, há um mensageiro à sua espera.

— Obrigada, sra. Cuthwell.

Ann foi até o hall de entrada e recebeu a men­sagem. Assim que voltou à sala aquecida, abriu o envelope e leu a carta do pai. Ele contava que, depois de uma longa reunião com o irmão, o duque de Wilmington, ficara decidido que ela deveria hospedar-se na casa do primo, Beau Falkner, na América, e es­perar pelo nascimento do filho. Se nascesse um me­nino, ele seria o próximo duque de Gravenworth, o que frustraria os planos de Matthew para obter o título. Se fosse menina, outros arranjos teriam de ser feitos. A passagem já fora reservada no Dolphin. um dos luxuosos navios de propriedade de W.T. Honeycutt, amigo íntimo do tio de Ann. O dinheiro necessário à viagem também já fora providenciado.

Ann amassou o papel e ficou parada junto da ja­nela do chalé, observando a chuva pesada que caía lá fora. As nuvens escuras e baixas bloqueava a luz do sol, fazendo parecer que já era fim de tarde, e não de manhã. O clima perfeito para o plano ousado que ela estivera contemplando. Seria terrivelmente arriscado levá-lo adiante, mas Ann contaria com a vantagem da surpresa. E, por mais que tentasse, não conseguia pensar em outra maneira eficaz de impedir que Matthew obtivesse o controle de Gravenworth. Ann deixou a sala e se dirigiu ao pequeno escritório do capitão Cuthwell.

Vinte minutos mais tarde, depois de meias verdades e evasivas, Antoinette Huntington conseguira conven­cer o capitão de navio aposentado a contratar um cocheiro que fosse confiável e que tivesse cavalos rápidos.

Enquanto esperava com impaciência pelo retorno do capitão, Ann pensou em sua fuga de Gravenworth. No enterro de Edmund, haviam bastado algumas pa­lavras sussurradas ao ouvido de Jonathan Falkner, para que ele pusesse sua única filha em sua carrua­gem e a libertasse do domínio de Matthew.

Ann sorriu diante das lembranças. Durante a via­gem até o chalé onde se encontrava agora, ela con­tara ao pai o que realmente acontecera durante a caçada. Ò homem alto e imponente mostrara-se mui­to compreensivo, murmurando algo sobre Edmund ter recebido o pagamento justo por tudo o que fizera.

— Talvez seja porque não consigo imaginar-me matando alguém — Ann dissera —, mas, no fundo de meu coração, não acredito que disparei o tiro que o matou.

— Compreendo que, na ocasião, você não se en­contrava em condições de raciocinar com clareza, mas é uma pena que não tenha apanhado o seu rifle. Seria fácil saber se um tiro havia sido dispa­rado. Felizmente, a história sobre o ladrão conven­ceu a todos — o pai comentara. — Há muita coisa em jogo se, como você suspeita, Matthew realmente planejou a morte de Edmund — ele havia acrescen­tado, pensativo. — Matthew pode não hesitar em lhe fazer mal, agora que escapou ao controle dele.

— Estarei segura, na Mansão Seaborne.

— Ter você na mansão seria uma grande alegria para mim. Tenho me sentido muito solitário, desde a morte de sua mãe, há tantos anos, e principal­mente depois que seu irmão partiu para a índia. No entanto, não seria seguro irmos para lá. Vou levá-la para o chalé de um velho amigo.

Percebendo que a filha estava prestes a protestar, Jonathan tomara-lhe as mãos e explicara:

— Minha querida, deve ficar em Bath até deci­dirmos o que fazer. Matthew jamais a encontrará na casa do capitão Cuthwell e sua esposa.

Embora as duas semanas seguintes se arrastassem, uma vez que Ann ficara confinada ao chalé, ela tivera tempo para assimilar os sentimentos provocados pela morte de Edmund. Sabia que deveria sentir-se cul­pada por não se importar, mas não conseguira der­ramar nenhuma lágrima, e também não havia o me­nor sinal de pesar em seu coração. Fazia muito tempo que Edmund destruíra quaisquer sentimentos que ela fosse capaz de guardar. Pela primeira vez, em muitos anos, Ann estava livre para fazer o que a agradasse. E, se houvessem lágrimas a derramar, que fossem por ela mesma e pelo pecado que cometera contra Deus... se realmente cometera algum pecado.

Apesar de seus temores, Ann deixou Bath naquela mesma manhã. O tempo era seu maior inimigo. O Dolphin partiria dentro de dois dias, mas se ela tivesse sorte, as ondas bravias provocadas pela tem­pestade atrasariam a partida do navio até que ela conseguisse embarcar.

 

Matthew atirou a taça na lareira com um gesto furioso. Onde estaria Antoinette Huntington? Sabia com certeza que ela não chegara em Seaborne. Onde o pai a escondera? Virou-se, a fim de aquecer as costas. O tempo frio e úmido só fazia piorar seu humor.

O que teria de acontecer para que a duquesa aban­donasse seu esconderijo? Matthew anunciara uma recompensa pelo retorno dela, mas não obtivera qualquer resultado. Até mesmo os homens que man­dara vigiar os navios que partiam de Bristol haviam voltado de mãos vazias. Ora, ela teria de aparecer, mais cedo ou mais tarde.

Matthew acreditara ter toda a situação sob con­trole. Convencera-se de que o medo e o sentimento de culpa de Ann fossem impedi-la de tentar fugir. Quando os convidados para o funeral começaram a chegar, ele permanecera ao lado dela o tempo todo. No entanto, quando o caixão era baixado para dentro da sepultura, ela se aproximara do pai, e Matthew não pudera fazer nada. Ao vê-la sussurrar algo no ouvido do mais velho, dera-se conta de que fora en­ganado. A aparente submissão da duquesa não pas­sara de uma artimanha para evitar que Matthew suspeitasse de suas verdadeiras intenções.

Esmurrou a parede, tentando livrar-se da frus­tração que ameaçava sufocá-lo. Sendo o parente mais próximo, seria o próximo duque de Gravenworth... se Ann não carregasse no ventre a semente de Edmund. Não havia dúvida de que ela informara o pai sobre sua condição, o que significava que seu tio, o duque de Wilmington, também sabia de tudo. E o duque contava com a admiração da rainha. Mat­thew sabia que, se tentasse obter o título, o tio de Ann se apressaria em informar a rainha sobre a gravidez da duquesa. E ele não tinha a menor in­tenção de encerrar a vida na guilhotina.

Matthew franziu o cenho. Tinha de encontrar Ann e declarar-se pai do filho que ela esperava. Mas até essa possibilidade parecia condenada ao fracasso, pois a duquesa parecia ter desaparecido da face da terra!

A porta do quarto de Matthew abriu-se com um estrondo, provocando-lhe um sobressalto.

— Como se atreve a entrar desse jeito? — ele trovejou.

— Milorde — Thomas, seu valete, falou apres­sado —, as criadas da cozinha acabaram de me informar que a duquesa esteve aqui... e partiu.

— E ninguém tentou impedi-la? — Matthew cor­reu para a porta. — Cabeças vão rolar por isso! Apanhe meu casaco... prepare meu cavalo!

Seus passos já ecoavam pelo corredor, e Thomas teve de correr para alcançá-lo.

— Ela também levou o cachorro e Hester — anun­ciou, ofegante.

 

Na carruagem, Ann esforçava-se para não cair do assento. Estava tão tensa que todo o seu corpo doía. O céu carregado, a fuga desesperada e a incerteza de alcançar a segurança já exerciam seus efeitos sobre ela.

Tentou relaxar e, virou-se para a criada grávida, sentada na outra extremidade do banco. Mal podia vê-la, na escuridão. Ann temia que a viagem pela estrada esburacada levasse Hester a perder o bebê, mas diminuir a velocidade seria desastroso.

Antoinette reprimiu um gemido. Se houvesse per­manecido em Gravenworth, Matthew logo teria des­coberto que sua gravidez não passara de uma men­tira, inventada apenas para manter o marido longe de seu quarto.

O chicote do cocheiro estalou no ar, lembrando Ann do som de um tiro. Por um breve instante, ela reviveu a visão do sangue encharcando o casaco de Edmund enquanto ele deslizava...

― Se eu não morrer por causa dessa viagem ma­luca certamente morrerei de frio! - Hester chora­mingou, puxando o cobertor até o queixo.

Ann guardou a pistola na bolsa. Ameaçar Hester com uma arma fora o único meio eficiente de fazer a críada insolente obedecê-la de pronto. Ann ainda encontrava dificuldade em acreditar que, mesmo grá­vida de quatro meses, Hester não apresentava o ventre protuberante. Teria ela mentido, também? Chega! Não havia tempo para esse tipo de consideração.

Os pensamentos da duquesa voltaram a se con­centrar em sir Drake, trazendo lágrimas a seus olhos Além de tudo o que havia perdido, ela agora perdera também seu cachorro. Mesmo depois de ter saído do castelo em segurança, Ann tivera de manter a pistola apontada para Hester. Com as mãos ocu­padas, e muita pressa, Ann deixara a coleira escapar de seus dedos. No mesmo instante, o cão se afastara, a fim de atender às suas necessidades. Para deses­pero de Ann, não havia tempo para procura-lo, ou para esperar que ele voltasse. ,

― Para que inferno de lugar está me levando?

― Hester inquiriu.

― Alguém deveria ter lavado sua boca suja com sabão há muito tempo — Ann retrucou

― Edmund não se queixava. - A criada enrolou um cacho de cabelos dourados no dedo. - Ao menos, não sou estéril.

― Você parece estar se esquecendo de um detalhe muito importante - Ann falou com toda calma. ― Edmund está morto, e é justamente por você estar carregado o filho bastardo do duque, que Matthew não perderá tempo em providenciar a sua morte, também. Hester arregalou os olhos.                                    

— Ele não faria isso! Por que está dizendo isso? Edmund me disse que um bastardo não poderia herdar o título, mas que ele cuidaria para que o filho tivesse do bom e do melhor.

— E você acreditou? — Ann zombou. — Matthew é o parente mais próximo de Edmund. Matou o primo para ficar com o título. Por que ele deixaria o filho de Edmund, mesmo que bastardo, viver? Mas Mat­thew não vai conseguir o que quer. Cuidarei para que Richard seja o próximo duque de Gravenworth.

— Richard? — Hester repetiu, confusa.

— Esse será o nome do filho de Edmund.

Ann puxou a cortina e tentou enxergar a estrada. Seus instintos lhe diziam que Matthew a seguia de perto. A pausa momentânea da chuva parecia uma bênção dos céus. Ela bateu na porta, a fim de chamar a atenção do cocheiro, o que demorou a acontecer.

— Holbert — Ann ordenou, quando o homem fi­nalmente abriu a portinhola. —, conduza a carrua­gem para a floresta! Estamos sendo seguidos.

Assim que a carruagem se encontrava bem escon­dida entre as árvores, o cocheiro apressou-se em cobrir o focinho dos cavalos com cachecóis, a fim de impedir que eles relinchassem. Então, esperaram em silêncio.

Menos de cinco minutos depois, ouviram o som de cascos a castigar a terra úmida. Ann só distinguiu as silhuetas dos cavaleiros, quando eles passaram, mas reconheceu a forma de Matthew entre eles.

Respirou fundo. O que faria, agora? Em breve, os cavaleiros se dariam conta de que haviam sido despistados, e dariam meia-volta, para continuar a busca. Foi então que ela se lembrou de uma velha estrada, que deixara de ser utilizada havia anos. Logo depois de se casar com Edmund, Ann costu­mava cavalgar por ela, pela manhã, pois sabia que o marido nem pensaria em procurá-la ali. Ergueu os olhos para o céu. Assim que deixassem a proteção da floresta, o luar iluminaria o caminho.

Rapidamente, falou a Holbert sobre a estrada, e sobre como encontrá-la. O cocheiro já havia provado o seu valor, assim como seu preço. Sabendo que não havia mais nada que pudesse fazer, Ann recostou-se no banco. As nuvens se dissipavam depressa. Teria a tempestade terminado, afinal? Se fosse assim, se­ria impossível chegar em Bath, a tempo de embarcar no Dolphin, que as levaria diretamente para San Francisco. Esperara demais para buscar Hester.

Se o navio houvesse partido, quando alcançassem o porto, Ann teria de encontrar outro meio de chegar na América. Seus lábios se curvaram em um sorriso. Conseguira enganar Matthew e, no momento, sen­tia-se merecidamente orgulhosa de sua vitória.

— Como sabe que foi Matthew quem matou o duque? — Hester perguntou, bem menos insolente do que antes.

— Eu estava lá — Ann mentiu, sabendo que a criada jamais conheceria a verdade.

— Mas disse a todos...

— Eu disse o que tinha de ser dito.

— Milady, por que está me protegendo?

— Por causa do filho que está esperando. Pretendo criar o bastardo de Edmund, como se fosse meu próprio filho.

A mentira sobre estar grávida acabara se tornando muito mais útil do que ela havia imaginado. Mes­mo assim, Ann sentia-se culpada por continuar en­ganando o pai. Infelizmente, a única maneira de garantir a sucessão do título seria fazer com que todos acreditassem que Richard era seu filho.

— Deve decidir se concorda com isso, até chegar­mos em Bath — continuou. — Se concordar, nave­garemos para as colônias, onde providenciarei sua segurança financeira.

Hester sempre desejou viver nas colônias.

— E se for menina?

— Os Huntington são conhecidos por produzirem filhos homens, mas se for menina, garantirei seu futuro assim mesmo.

Ann já concluíra que, se fosse necessário, encon­traria um menino em algum orfanato.

Finalmente alcançaram a velha estrada. O solo ir­regular tornaria a viagem ainda mais desconfortável, mas não havia alternativa. Na escuridão do interior da carruagem, Ann podia sentir o olhar fixo da criada.

Calada, Hester absorvia lentamente o que a du­quesa lhe dissera. Não era incomum uma família estéril criar um filho bastardo. A morte do duque pusera fim a todos os seus planos. Agora, ela jamais seria a senhora do castelo. Quem poderia imaginar que Edmund morreria tão jovem?

Hester respirou fundo. Desde a morte de seu se­nhor, ela pouco se importara com o futuro da cria­tura que carregava no ventre. Agora, porém, estando a duquesa tão interessada em criar seu filho como se fosse dela, um leque de possibilidades se abria diante de seus olhos. Por enquanto, faria tudo o que a duquesa quisesse.

— Não preciso pensar mais, alteza. Estou disposta a acompanhá-la. Richard será seu filho.

Ann reclinou a cabeça no encosto do banco. A.o menos por enquanto, a linhagem dos Huntington permaneceria intacta. Somente coisas boas pode­riam resultar de sua decisão de se tornar protetora de Richard. Além do mais, o compromisso fora fir­mado, e ela já não tinha a opção de mudar de idéia. Dali por diante, faria o que fosse preciso para ga­rantir que o filho de Edmund se tornasse o próximo duque de Gravenworth.

 

                  Nova York, Março de 1876

Com as mãos pousadas sobre o ventre protuberante, Hester continuou a andar de um lado para outro. O tempo estava se esgotando. Em breve, ela daria à luz. Quem a ajudaria? Não haviam encontrado nenhuma parteira, e ela já percebera que a condessa não entendia nada dessas coisas.

Infelizmente, mesmo estando tão perto de ter o bebê, Hester sabia que tinham de continuar a via­gem. Se não tivessem perdido o Dolphin, não esta­riam presas em Nova York, agora. Porém, não ha­viam chegado em Bath a tempo de embarcar no Dolphin e, conseqüentemente, a duquesa reservara passagens no primeiro navio que partiria para as colônias, acreditando que a América era pequena demais para ela ter de ser preocupar com o porto onde desembarcariam.

Hester esfregou as mãos no ventre. O bebê aca­bara de chutá-la. A sorte não a abandonara. Ter o filho do duque lhe daria muito mais poder do que ela jamais sonhara ter. A viagem através do oceano havia lhe proporcionado tempo de sobra para pla­nejar o seu futuro.

Quando chegassem à fazenda de Beau Falkner, Hester Potter se apresentaria como duquesa de Gravenworth.

Ela sorriu e voltou a andar de um lado para outro. Enquanto estavam a bordo do navio, servia sua se­nhora com toda humildade, a fim de conquistar-lhe a confiança. A informação que dera início ao plano de trocar os papéis fora a descoberta de que Beau Falkner nunca pusera os olhos na prima. Entediada, a duquesa nem sequer precisara ser encorajada a pas­sar horas falando de seu passado, ou a responder perguntas. Agora, Hester sabia tudo sobre a vida da duquesa, incluindo os anos que passara em Seaborné.

A criada estufou o peito, orgulhosa. Não fora tola a ponto de acreditar que isso seria o bastante para assegurar o sucesso de seu plano. O comportamento e a maneira de falar também eram importantes. As­sim, ouvira com atenção, enquanto a duquesa falava. Então, quando se via sozinha, praticava com afinco, até que finalmente conseguiu conversar com a mesma sofisticação que sua senhora, além de se comportar com a mesma graça e elegância. Em breve, seus es­forços trariam um bocado de ouro à sua bolsa.

Sem sombra de dúvida, o pai e o tio da duquesa já haviam enviado uma mensagem ao sobrinho, in­formando sobre a chegada de Ann, bem como sobre sua gravidez. Embora as tonalidades de seus cabelos fossem diferentes, tanto ela quanto a duquesa eram loiras. Sim, elogiou a si mesma, traçara seu plano com perfeição, e estava mais que preparada para fazer a transição.

Hester riu, já se imaginando no papel de duquesa. Evidentemente, teria de cuidar para que Antoinette Huntington jamais chegasse à fazenda do primo.

Olhou pela janela. A neve começava a cair, mas isso não tinha importância. A idéia de ser tratada com dignidade dava-lhe forças para suportar qualquer coisa. Quando o dinheiro chegasse da Inglaterra, seria uma mulher rica. Então, abandonaria a criança em um orfanato e viveria sua vida em paz.

A porta do quarto se abriu, e Ann entrou. Os carregadores a seguiram, os braços carregados de pacotes. A duquesa estivera fazendo compras de novo. Já não havia comprado roupas suficientes para uma dúzia de mulheres?

— Ah, alteza — Hester falou com falsa docilidade, assim que a porta se abriu —, mal posso esperar para ver o que comprou.

Ann tirou a capa de lã, o chapéu e o véu, e sorriu para a criada. Pobre mulher, pensou. Como conse­guia se movimentar com tamanha agilidade, ao mes­mo tempo em que carregava um fardo tão pesado? Apontou para duas das caixas.

— Aquelas são para você — anunciou. Hester tentou parecer entusiasmada por estar re­cebendo presentes.

— Conseguiu encontrar uma ama-de-leite? — per­guntou, enquanto desfazia os laços.

Retirou um chapéu da caixa, mas não pensou em experimentá-lo.

Ann franziu o cenho.

— Não. Na Inglaterra, não teríamos encontrado a menor dificuldade. Lá, elas estão em todos os lu­gares. A América é um lugar confuso e pouco civi­lizado. Aqui, supõe-se que as mulheres amamentem seus próprios filhos.

Hester sentou-se na beirada da cama.

— Continuamos longe da propriedade de seu primo e, agora, a senhora me diz que não há ninguém para amamentar o bebê! Disse que a viagem de navio nos levaria diretamente a ele.

Lutou para recuperar o controle.

Ann sentiu uma pontada de culpa. Todos aqueles meses não haviam sido fáceis para Hester, mas ela jamais se queixava.

— Tenho certeza de que logo encontrarei uma ama-de-leite.

O problema era descobrir onde. Embora fosse in­capaz de esquecer quem era o pai do filho que Hester carregava, Ann afeiçoara-se à criada. Quando a via­gem marítima provocara-lhe enjôos terríveis, Hester permanecera ao seu lado, oferecendo-lhe simpatia e amizade.

Ann ajeitou os cabelos e retirou um lido vestido de uma das caixas. Era feito de veludo marrom, com uma longa cauda. Ao menos, suas roupas novas proporcionavam-lhe satisfação.

— Já descobriu onde vive o seu primo?

— Não — Ann respondeu com honestidade. — Perguntei nas melhores lojas, mas ninguém jamais ouviu falar dele.

— Acho que tenho uma solução para o nosso problema.

Ann ficou contente por ouvir Hester falar de ma­neira correta. Com tantas melhoras em seus modos, talvez a criada conseguisse construir uma vida digna.

Hester baixou os olhos.

— Já concordei que o filho do duque será seu, mas por que não posso ser eu sua ama-de-leite'

Os olhos verdes de Ann exibiram um brilho de interesse, que logo desapareceu.

— Já ficou provado que esse tipo de arranjo funciona melhor quando a mãe é separada do bebê ime­diatamente após o nascimento — explicou com gen­tileza. — Assim, o sofrimento é menor.

De repente, Ann perguntou-se o que aconteceria se Hester mudasse de idéia e se recusasse a entre­gar-lhe a criança. Como poderia forçá-la a fazer isso? Afinal, tantos erros já haviam sido cometidos.

Hester insistiu:

— Sua alteza disse que os homens de Matthew acabariam nos encontrando, se permanecêssemos aqui por muito tempo. Eu poderia amamentar Richard, sem que ninguém suspeitasse que sou sua mãe. E, mais importante, continuaríamos a viagem para a fazenda de seu primo.

— Não podemos partir. Richard tem de nascer antes que cheguemos lá. Do contrário, todos saberão que ele não é meu filho.

Hester cerrou os dentes. Quanto mais perto esti­vessem do território de Arizona quando o bebê nas­cesse, mais fácil seria levar adiante o seu plano.

— Podemos parar em alguma cidadezinha, no caminho. Matthew teria mais dificuldade em nos encontrar.

Ann sacudiu a cabeça.

— Não daria certo. Um dia, você decidiria se de­clarar a verdadeira mãe de Richard.

— E quem acreditaria na minha palavra, contra a de sua alteza? Especialmente, depois que os anos se passassem? Milady, como eu, uma reles criada, poderia tentar impedir que meu filho se tornasse duque de Gravenworth? Eu ficaria tão orgulhosa!

Ann cometeu o erro de fitar os olhos azuis e meigos de Hester, e descobriu-se incapaz de recusar o pe­dido. Além do mais, as palavras da criada faziam muito sentido.

— Precisamos seguir viagem — concluiu com um suspiro. — Está bem. Vamos tentar.

Quando saiu do quarto, Ann sentia-se mal, pois seus instintos lhe diziam que acabara de tomar a decisão errada.

Ann saiu da carruagem alugada e estudou o edi­fício à sua frente. Lera, no London Times, que Vanderbilt não poupara despesas na construção da es­tação Grand Central, e tinha de concordar que nunca vira algo tão magnífico.

Quinze minutos depois, Ann continuava parada diante do vendedor de passagens, decidida a se mo­ver. Não obtivera nenhuma resposta que fizesse sen­tido. Respirou fundo e tentou mais uma vez:

— Como já disse, quero duas passagens para o território de Arizona.

— Como já disse, madame, não posso lhe vender passagens para lá. Verifiquei todos os trens, e ne­nhum deles vai para esse lugar. Não sabe sequer dizer em que direção pretende viajar.

— Creio que ela queira ir para o oeste o homem imediatamente atrás de Ann falou com impaciência.

— Oeste — o vendedor repetiu, antes de voltar a estudar a relação de trens. — Pode pegar um trem para Colorado e, então... — correu os dedos pela lista de números. — De lá, poderá pegar outro para Denver, onde comprará passagens de diligên­cia. Saberão informá-la para onde ir, então. En­tregou os bilhetes a Ann. — Seu trem parte amanhã, às oito e vinte e cinco da noite.

A cabeça de Ann girava em torno de tantos nomes que ela jamais ouvira antes.

— Quanto tempo levará a viagem?

— Um ou dois dias, madame — o homem atrás dela voltou a falar. — Já comprou suas passagens e, agora, faça o favor de sair da frente, para que eu possa comprar a minha.

Ann pagou o vendedor e, então, virou-se para en­carai o sujeito que a perturbava.

— O senhor é extremamente rude! — declarou e, com a dignidade própria de sua posição, afastou-se. Uma vez fora das vistas do homem mal-educado, Ann franziu o cenho. Havia calculado mal o seu di­nheiro, que estava se acabando depressa demais. No entanto, não sabia como poderia ter gasto menos. Não comprara absolutamente nada de que não precisasse. Estava prestes a deixar a estação, quando alguém tocou-lhe o ombro. Esperando deparar-se com o mesmo sujeito irritante que acabara de encontrar, virou-se, pronta para a batalha. Surpreendeu-se ao constatar que nunca vira o homem magro à sua frente. Ele se vestia mal demais para ser um cavalheiro.

— Madame, permita-me que me apresente — ele começou, tirando o chapéu e curvando-se em uma reverência. — Meu nome é Jefferson Davis. Talvez já tenha ouvido falar de mim.

— Não. Jefferson sorriu.

— Por acaso, ouvi sua conversa com o vendedor de passagens. Pelo seu sotaque, logo percebi que é nova no país.

— Bem, sim, acabei de chegar.

Ele olhou em volta, como se quisesse se certificar de que ninguém mais ouvia a conversa.

— O que o vendedor não lhe disse foi que, quando deixar Nova York, encontrará todo tipo de bandidos.

Tentou segurar o braço dela e conduzi-la para fora da estação, mas Ann recuou um passo.

— E o que o senhor tem a ver com isso, sr. Davis?

— Estou apenas tentando ser amigável, madame. Eu não conseguiria dormir em paz, se não a avisasse. Se está viajando na companhia de uma criada, ou pior ainda, de uma criança, sem nenhum homem para protegê-las, está correndo grande perigo.

A apreensão de Ann tornou-se ainda maior. Co­nhecidos haviam relatado que as terras que circun­davam as cidades estavam repletas de índios e ban­didos. Ninguém estava seguro.

— Bem, o que acha que devo fazer?

— Sugiro que contrate alguém para acompanhá-la na viagem. Alguém que possua uma boa arma.

— Conhece alguém que se encaixe nessa descrição?

— Está olhando para ele, madame.

— Que diabos está fazendo aqui? — uma voz alta esbravejou, ao mesmo tempo em que Jefferson era forçado a virar-se.

Ele correu. Enquanto observava a perseguição, Ann avistou um cavalheiro inteiramente diferente que, pa­rado a um canto, observava toda a situação em silêncio.

Uma pontada de medo atravessou-a. Seria um dos homens de Matthew? Deveria ter deixado Nova York no dia em que desembarcara do navio, mas achara melhor esperar que a criança nascesse. E, ainda, tinha de providenciar a ama-de-leite, bem como roupas novas. Que escolha tivera?

Ann abaixou a cabeça e correu para fora. Imedia­tamente, avistou outro homem suspeito, observando as pessoas que entravam e saíam da estação. Era possível que sua imaginação estivesse correndo solta, mas a paranóia já se infiltrara em sua mente. Teve de se esforçar para caminhar com passos firmes, em vez de correr até uma carruagem de aluguel.

Foi somente depois de ter feito o cocheiro de rosto avermelhado seguir por diversas ruas secundárias, que Ann se convenceu de que não estava sendo se­guida. Por que um problema parecia levar a outro? Acreditara em Jefferson Davis, o que significava que tinha de ser mais desconfiada com relação às pes­soas. Mesmo assim, o sr. Davis chamara sua atenção para um detalhe muito importante. Mulheres via­jando sozinhas estavam à mercê dos outros. Apesar desse fato triste, ela teria de seguir viagem para a fazenda de Beau, e rezar para não ser assassinada, violentada ou roubada, no caminho.

Ann espiou pela janela, justamente quando a car­ruagem passava em frente a um alfaiate, cuja vitrine exibia um traje masculino muito elegante. No mes­mo instante, perguntou-se se seria capaz, mas só teve de pensar na resposta por um momento.

— Pare! — gritou para o cocheiro.

A carruagem parou de súbito, atirando-a para a frente. Seu chapéu tombou para o lado, e o grampo que o prendia puxou seus cabelos sem piedade. De­pois de se recompor, Ann virou-se e voltou a exa­minar a vitrine.

— Vai descer, madame? — o cocheiro perguntou.

— Sim, mas quero que espere por mim — Ann respondeu.

Aparentemente, o sujeito não tinha a menor inten­ção de ajudá-la a descer da carruagem e, por isso, ela teve de fazer isso sozinha. Disse a si mesma que detestava Nova York mais e mais, a cada momento.

Ann caminhou até a loja e observou o traje. Ser­viria nela. Era alta, magra e, ao contrário de Hester, tinha seios pequenos.

Embora a idéia de vestir roupas masculinas lhe revirassem o estômago, uma solução para os seus pro­blemas começava a tomar forma. Ela e Hester pode­riam viajar como marido e mulher. Se homens atua­vam como mulheres, nas peças de Shakespeare, por que uma mulher não poderia se passar por homem? O vento soprou gelado, e ela se apressou para a porta.

Os olhos de Hester deixaram o traje masculino para pousarem na duquesa.

— Vamos viajar como marido e mulher?

— Não se mostre tão chocada. Temos de fazer o que for preciso para nos proteger.

A idéia de ver a duquesa envergando aquelas roupas quase provocou uma crise de gargalhadas na criada.

— Espero que você não tenha o bebê, antes de encontrarmos uma parteira.

Hester preferiu não comentar que não tinha o menor controle sobre isso.

Concentrando a atenção nas roupas, Ann apanhou a calça e suspendeu-a diante do próprio corpo, na tentativa de julgar-lhe o tamanho.

— Quando estivermos instaladas, tenho certeza de que você vai se adaptar ao modo de vida ame­ricano. Sou muito bem informada sobre as colônias — Ann declarou, orgulhosa. — Antes de me casar, costumava conversar sobre este lugar com meus amigos. Por exemplo, vai gostar de saber que esta terra é menor que a Inglaterra. Nunca consegui en­tender por que nos demos ao trabalho de travar uma guerra por causa deste lugar.

— A senhora disse que viajarmos em um navio cujo destino era Nova York não causaria atrasos — Hester lembrou-a. — Se fosse assim, por que seu pai se preocuparia em reservar passagens no Dolphin, que atracaria em San Francisco?

— Provavelmente, porque partiria antes. O ter­ritório de Arizona tem de estar situado em algum ponto, entre as duas cidades.

Ann desabotoou a saia de lã e deixou-a cair no chão.

— Também disse que a viagem de navio duraria seis semanas — a criada continuou —, mas quando chegamos nas ilhas, esperamos, para então zarparmos novamente, outros dois meses haviam se passado.

— O capitão se esqueceu de mencionar a parada nas ilhas do Caribe — Ann argumentou.

Hester conteve o riso. A duquesa mimada não sabia de nada.

— Vou buscar minha cesta de costura, no outro quarto. Teremos de fazer alguns ajustes, para que o traje lhe sirva.

Ann vestiu a calça. O tecido era áspero.

— Hester — disse, assim que a criada voltou —, precisamos ter muito cuidado. Não podemos conver­sar com ninguém. Eu havia começado a acreditar que estávamos seguras, mas hoje fui lembrada de que isso não é verdade. Vi dois homens na estação. Podiam ser empregados de Matthew. Foi então que me lembrei de que nossa situação é muito precária.

Hester não estava nem um pouco preocupada. Se Matthew as encontrasse, não teria qualquer motivo para matá-la.

— Como vamos nos chamar?

— Do que está falando?

— Se vamos viajar como marido e mulher, que nomes usaremos?

— Você continuará sendo Hester... qual é o seu sobrenome?

— Potter.

— Muito bem, seremos o sr. e a sra. Potter. Vou me chamar... Albert. Sempre admirei esse nome. Com­prei mais uma coisa para compor meu novo visual. ― Ann procurou dentro da caixa do chapéu, até en­contrar o que queria. Retirou o objeto e exibiu-o. — Um bigode. Achei que minha pele seria macia demais para um homem, e isto vai resolver o problema.

Ann colocou o bigode sobre o lábio superior.

— A cor está errada.

— E só um pouco mais escuro que meus cabelos. Já vi muitos homens, cujos bigodes não apresenta­vam a tonalidade exata de seus cabelos.

Hester não foi capaz de conter o riso, desta vez.

— Tinha de comprar um bigode tão peludo? — perguntou entre gargalhadas.

— Podemos apará-lo — Ann defendeu-se. Hester sacudiu a cabeça.

— E quanto aos seus cabelos? — indagou.

— Meus cabelos?

A criada marcou o ajuste a ser feito na cintura da calça.

— Cavalheiros não usam cabelos na altura dos quadris.

Sabendo que Hester tinha razão, Ann sentiu uma lágrima descer por sua face. Como Edmund fizera questão de repetir tantas vezes, seus cabelos eram a única beleza que ela possuía.

— Você terá de cortá-los.

— E uma pena.

— Eles voltarão a crescer — Ann afirmou, mais para si mesma do que para a criada.

As duas se puseram a trabalhar. Tinham muito o que fazer, para partir no dia seguinte.

Enquanto os carregadores levavam a bagagem, Ann examinou pela última vez o seu próprio reflexo no espelho. Ainda encontrava dificuldade em acreditar que ela e a imagem refletida eram a mesma pessoa. Realmente, parecia um homem, dos sapatos ao chapéu, incluindo a bengala que completava o traje. Edmund costumava dizer que sua voz rouca mais parecia masculina. O bigode parecia estranho, mas não havia muito o que ela pudesse fazer a respeito. Virou-se e enfiou a pistola no bolso do paletó. Agora, descobriria se era mesmo capaz de enganar os outros.

Enquanto seguia, juntamente com Hester, os pas­sos apressados do carregador, na estação, Ann mal podia conter a satisfação. O homem não olhara para o casal uma segunda vez. As mulheres flertavam com ela ostensivamente, ou melhor, com Albert. Ann começou a relaxar. A medida que sua confiança cres­cia, ela chegou a alargar o passo, batendo com a bengala no chão.

Ann virou-se para encorajar a ofegante Hester a caminhar mais depressa, quando deu de encontro com um objeto sólido. Depois de uma manobra rápida para recuperar o chapéu que fora derrubado, ela ergueu os olhos, a fim de saber contra o que batera. Para sua surpresa, descobriu tratar-se de um homem!

Ann ressentiu-se da maneira como ele a fitou, com seus olhos negros. Afinal, tudo não passara de um acidente. Então, ignorando-a por completo, sem lhe dar a chance de se desculpar, passou os braços em torno da mulher que o acompanhava.. Seus lá­bios capturaram os dela em um beijo que fez as faces de Ann arderem de embaraço. Ora, um cava­lheiro não beijaria uma dama daquela maneira, es­pecialmente se estivessem em público!

Horrorizada por ter de testemunhar a falta de boas maneiras do sujeito, Ann ajeitou o colete e con­tinuou a seguir Hester. No entanto, não resistiu à tentação de olhar para trás. O homem continuava abraçado à mulher. Ann nunca vira um homem usando paletó de camurça branca e, menos ainda, com franjas pendendo das costuras das mangas. Era verdade que estava um pouco surrado, mas mesmo assim, tratava-se de um traje magnífico. Por outro lado, Ann jamais vira qualquer coisa parecida com o homem que o vestia. Os cabelos negros, que che­gavam aos ombros, os traços perfeitos, os ombros largos... tudo nele transpirava masculinidade. En­fim, era uma figura intimidativa.

 

Depois de entrarem no vagão de luxo, Ann e Hester ocuparam seus assentos forrados. Hester olhou em volta, admirando as aco­modações confortáveis. O interior era decorado de madeira, com lampiões de vidro verde pendendo do teto. O cabineiro informara Albert que havia um vagão-bar, onde os passageiros podiam descansar em sofás macios, e os homens podiam fumar.

— Está bem acomodada?—Ann perguntou a Hester.

— Estarei assim que recuperar o fôlego.

Ann estava ansiosa para que o trem se pusesse a caminho. Só estariam em segurança, depois que deixassem Nova York. Sentada junto à janela, exa­minou a plataforma, a fim de verificar se havia al­guém suspeito ali. Seus olhos cessaram a busca, ao pousarem no mesmo homem com quem ela dera de encontro, acidentalmente. De novo, ele estava bei­jando a bela ruiva, mas era evidente que tentava desvencilhar-se dela.

Um apito soou e o condutor gritou: — Ultima chamada! Todos a bordo! O trem deu um solavanco e, em seguida, as rodas começaram a girar lentamente. Ann ficou intrigada. Seria o homem de cabelos negros, ou a mulher ruiva, que embarcaria?

À medida que o trem foi deixando a plataforma, Ann perdeu de vista o casal apaixonado, que obvia­mente não queria se separar. Jamais saberia o que aconteceu, ou por que um dos dois tinha de partir.

— Olá, senhor.

Ann ergueu os olhos e deparou com o mesmo homem que estivera ocupando seus pensamentos. Os olhos dele exibiam um brilho de simpatia e amizade, e eram tão escuros, que pareciam negros. Embora não pu­desse ser considerado bonito, no sentido que Edmund sempre fora classificado, eram sem sombra de dúvida o homem mais atraente que ela já vira. Ann assentiu em cumprimentou, mas não disse nada.

— Vão seguir viagem por uma longa distância? — ele perguntou a Ann, ao sentar-se diante de Hester.

— Ah... eu... — Ora, até mesmo a voz dele era agradável de ouvir. — Vamos até Coloda.

— Quer dizer Colorado.

Ann lembrou a si mesma que, quanto mais ela e Hester se mantivessem isoladas, menores seriam os problemas a enfrentar. Porém, só olhar para o estranho provocava um tremor agradável em suas entranhas.

— Sim. Essa é a vila onde vamos desembarcar.

— Vila? — ele repetiu, rindo. — Tem certeza de que saber para onde está indo? Colorado é um ter­ritório, não uma vila.

— Estamos a caminho do território de Arizona — Hester esclareceu.

Ann se ressentiu da intromissão. O homem tirou o chapéu e colocou-o sobre a ca­deira vazia ao seu lado.

— Ao que parece, viajaremos juntos por vários dias. Meu nome é Nathan Bishop, mas os amigos me cha­mam de Nate. Também vou desembarcar em Denver.

— Vários dias? — Hester repetiu. — Deve estar mal informado. Colorado fica a um ou dois dias daqui.

Nate voltou a rir.

— Não sei com quem estiveram conversando, mas a viagem até o Colorado demora seis dias.

— Seis? Não sei se teremos esse tempo! — Hester protestou, lançando um olhar acusador para o suposto marido. — Você disse dois dias! Onde vamos dormir?

Ann estava igualmente chocada com a informação.

— Dormiremos aqui — defendeu-se. — O cabineiro disse que estes bancos se transformam em camas. E há outras camas, acima de nossas cabeças. Cortinas são usadas para garantir a privacidade dos passageiros. Dormirei na cama de cima. Tenho cer­teza de que ficaremos bem acomodados.

Nate acomodou-se melhor.

— Quando deixaram a Inglaterra? — perguntou a Hester.

— Se não se importa, minha esposa precisa des­cansar — Ann declarou em tom pouco amigável.

— Estou me sentindo muito bem, Albert — Hester falou com um sorriso dócil, antes de virar-se para Nate e confidenciar: — Meu marido se preocupa demais comigo.

O sangue ferveu nas veias de Ann, quando o es­tranho lhe dirigiu um sorriso. Então, uma forte de­cepção tomou conta dela, pois ele voltou a se con­centrar em Hester. Ora, aquilo era ridículo! Afinal, ela nem conhecia o sujeito.

Hester sorriu para o homem deliciosamente atraente.

— Partimos da Inglaterra há quase cinco meses.

— Ainda não me disseram seus nomes — Nate lembrou.

— Sou Hester Potter. Este é meu marido, Albert.

Nate assentiu.

Preocupada por ver Hester dar informações com tamanha facilidade, Ann tentou beliscar-lhe o quadril, como lembrete de sua situação precária. Infelizmente, os muitos saiotes a impediram de atingir o alvo, e um comentário certamente chamaria atenção.

— Imagino que esteja voltando para casa, para estar com sua esposa e filhos — Hester falou a quei­ma-roupa, determinada a descobrir imediatamente se o cavalheiro era casado.

— Não sou casado.

— Interessante. Por que deixou Nova York, e está se dirigindo para o oeste?

— Tenho uma pequena fazenda, perto do território de Arizona.

Enquanto Hester e o desconhecido conversavam, Ann tentava pensar em um meio de alertar a criada sobre o caráter do sujeito. Ele provara não ser um cavalheiro, ao beijar aquela mulher, no meio da es­tação. E que beijo! Ora, ela jamais permitiria que um homem a beijasse daquela maneira.

Ann olhou pela janela, curiosa para avistar algum índio, e descobriu que podia observar o reflexo do sr. Bishop no vidro. Seus traços inspiravam força, o rosto era bem desenhado, e os dentes brancos e perfeitos proporcionavam um belo contraste com a pele bronzeada. A postura dos ombros largos indi­cavam tratar-se de um homem autoconfiante. Ele sorria o tempo todo e se mostrava muito amigável, mas também havia uma aura de perigo em torno dele. De repente, Ann deu-se conta de que o sr. Bishop também olhava para a janela. Teria perce­bido que ela o observava? Apoiou a cabeça no encosto da poltrona, e a imagem desapareceu. Como podia se sentir atraída por um homem como aquele? De­pois de tolerar os abusos de Edmund por tanto tem­po, imaginara que nunca mais desejaria sequer olhar para um homem. Ainda assim, um momento antes, estivera olhando fixamente para o sr. Bishop. Ora, não deveria tratá-lo assim. Teria de chamá-lo de Nate, pois os homens geralmente usavam o pri­meiro nome como tratamento, entre si.

Na manhã seguinte, Nate estava sentado com a cabeça apoiada no encosto, o chapéu cobrindo-lhe o rosto, tentando recuperar o sono perdido. Sabia que as camas dos trens de luxo não haviam sido planejadas para homens do seu tamanho. Era como tentar dormir em uma prancha de embarque, muito estreita. Ao ouvir o condutor anunciar que o trem faria uma pa­rada rápida para o café da manhã, Nate empurrou o chapéu para o topo da cabeça, e sentou-se.

— Bom dia — uma voz feminina e dócil cumprimentou-o.

— Bom dia — ele replicou à dama inglesa. Depois de prenderem as cortinas, Ann e Hester tomaram seus lugares. Embora houvesse tentado soar animada, era evidente que Hester ainda estava muito sonolenta. Ann fez questão de nem sequer olhar para Nate. Ele a deixava nervosa. Em vez de estar preocupada com as reações que ele lhe provo­cava, deveria preocupar-se em chegar à fazenda de Beau, antes que Hester tivesse o bebê. Por outro lado, seria muito bem se Nate permanecesse calado pelo resto da viagem.

— Acho que devem saber que, quando um trem faz uma parada para refeições — Nate informou —, temos pouquíssimo tempo para comer.

Ann fechou os olhos. Deveria ter adivinhado que seus desejos não se realizariam. ― Por quê? — Hester perguntou.

— Trata-se de um acordo desonesto, mas não há nada que os passageiros possam fazer a respeito. Geralmente, o pagamento pela refeição é recolhido antes. Em alguns trens, o condutor força os passa­geiros a embarcar, assim que a comida é servida. Os pratos são recolhidos, e servidos novamente, quando o próximo trem parar. O condutor recebe uma comissão por isso.

— Está dizendo que a mesma comida é servida várias vezes?

— Exatamente. É claro que isso nem sempre acon­tece, mas é um fato que, ao longo de toda a viagem, não há comida boa. Mesmo assim, se quiserem ga­rantir tempo suficiente para comer, tratem de de­sembarcar o mais depressa possível.

— Nós nos saímos muito bem se a sua assistência, até agora — Ann comentou.

Como explicara a Hester, na noite anterior, ti­nham de manter distância dos outros. Embora hou­vessem, possivelmente, escapado dos homens de Matthew, seria melhor evitar comentários sobre um casal inglês, incluindo uma mulher grávida, viajan­do para oeste.

Vinte minutos depois, Nate e outros passageiros experientes, saltaram do trem antes mesmo que as rodas parassem de girar.

Foi somente quando Nate engolia a última porção de sua comida, que o sr. e a sra. Potter entraram no restaurante.

— Todos a bordo! — gritou o condutor. Evidentemente, o magro Albert precisava de toda a comida que conseguisse ingerir, e na condição de Hester, uma refeição era essencial, também. No en­tanto, Nate divertiu-se um bocado ao reconhecer a expressão de choque no rosto delas quando o con­dutor repetiu: — Todos a bordo!

Nate concluiu que estavam recebendo o pagamen­to justo por terem ignorado seu conselho.

Nate deixou o restaurante, subiu os degraus de aço e entrou no vagão. Dali por diante, o melhor a fazer seria guardar seus conselhos para si.

Acomodou-se em seu lugar e observou os demais passageiros tomarem seus lugares. Não queria se envolver com os Potter. Não se importava com a língua afiada de Albert, e já recebera respostas gros­seiras demais. No entanto, quem realmente o inco­modava era Hester, pois ela havia despertado lem­branças de uma outra mulher grávida, muito meiga, que Nate conhecera anos antes. E ele acreditara ter enterrado de vez tais lembranças.

Como em um piscar de olhos, sua mente formou a imagem de Bright Moon. Nate havia se casado com a princesa Cheyenne, e vivera junto dela uma vida respeitável. Sim, a vida era boa, então.

Os olhos de Nate pousaram no casal inglês, que voltava ao vagão. Ora, os dois não combinavam em nada. Albert parecia jovem demais para ser marido de Hester. Seu rosto era bonito demais para um homem. A verdade era que ele parecia uma criança. Sua pele era tão lisa e macia quanto a de um bebê, e era difícil acreditar que o sujeito jamais usara uma navalha para se barbear. E aquele bigode ri­dículo... Seria possível que Albert pensasse que as pessoas acreditassem que o bigode era real? Hester, por sua vez, era uma mulher delicada, de baixa esta­tura. Exceto pelo ventre protuberante, fazia o tipo mig-fion, e tinha um rosto realmente muito bonito. Ela era simpática e amigável. Albert, não. Ambos eram loiros, embora os cabelos de Albert fossem quase prateados, enquanto os de Hester eram bem mais escuros. Albert caminhava com ar superior. Hester balançava os qua­dris de maneira exagerada, quando andava. Mais uma coisa: Hester parecia-se mais com uma pessoa comum do que o marido. Albert tinha os maneirismos de al­guém que se considera superior aos outros.

Ann podia sentir o olhar de Nathan Bishop sobre ela e Hester, enquanto as duas se aproximavam pelo corredor. Sentiu a aflição crescer. Quanto tempo ele levaria para se dar conta de que ela não era um homem? Aproximou-se de Hester e sussurrou:

— Não vou esperar por você na próxima parada, Hester. Você, deliberadamente, demorou para de­sembarcar e, por isso, não conseguimos comer.

Hester não disse nada. Embora deixasse seu lu­gar, de tempos em tempo, para caminhar pelo cor­redor do vagão, seu desconforto era enorme, assim como o tédio. Agora, teria de acrescentar a fome à sua longa lista de queixas. Ainda assim, não tinha a menor intenção de se desculpar. O prazer de fazer Antoinette Huntington esperar e, ainda, ficar sem comer, era tão grande quanto o de comer um doce.

Ann emitiu um suspiro impaciente, quando Hes­ter se acomodou em seu lugar e, no mesmo instante, virou-se para Nathan e perguntou:

— Viaja com freqüência?

Aparentemente, a conversa sobre manterem dis­tância e se protegerem havia entrado por um ouvido e saído pelo outro.

— Não — Nate respondeu com visível relutância. Como o trem parasse em toda cidadezinha por que passavam, Ann manteve-se alerta. Queria ver quem desembarcava e quem embarcava em seu vagão. Em­bora duvidasse que Matthew tivesse homens vigiando trens em movimento, sabia que não poderia baixar a guarda. Não conseguia entender por que Hester não demonstrava a menor preocupação com a própria se­gurança. A única coisa que parecia importar para a criada era ouvir atentamente cada palavra de Nate. E Ann nem poderia culpá-la. Ela mesma sentia uma forte atração por ele, e não demorara a notar os ombros largos que enchiam o casaco de couro.

Ann olhara pela janela quando, de repente, seus lábios se curvaram em um sorriso. Um garoto sardento, montando um cavalo sem sela, cavalgava pelo campo, tentando acompanhar o trem. Seu rosto mos­trava-se iluminado pela alegria e pelo entusiasmo. Ann descobriu-se a torcer pelo menino, mas a corrida durou pouco tempo. O garoto finalmente puxou as rédeas e acenou para o trem que se afastava. Ann perguntou-se se Richard teria a chance de desfrutar de prazeres tão simples, e rezou para que assim fosse. Então,   suspirou. Em nenhum momento, dera qualquer pista a Hester sobre sua participação na morte de Edmund. Nos últimos meses, porém, pas­sara muitas horas deliberando sobre quem teria realmente assassinado o duque. Ah, como seu pai fora sábio ao mandá-la para a casa do capitão Cuthwell e, agora, para a fazenda de seu primo. Ela não tinha a menor dúvida de que Matthew continuava a procurá-la. Ann e Richard estariam correndo pe­rigo constante, enquanto não estivessem no territó­rio de Arizona, sob a proteção de Beau.

Ao meio-dia, Ann e Hester juntaram-se aos outros, prontas para descer os degraus metálicos, no ins­tante em que o trem parasse. Só conseguiram comer parte de sua comida, antes que tivessem de embar­car novamente. Ambas estavam determinadas a ser a primeira da fila, na próxima refeição.

— Mas, Albert...

— Obedeça, Hester, e sente-se junto à janela — Ann insistiu em voz baixa, porém firme.

Nate cerrou os dentes e desviou o olhar. Por nada no mundo se envolveria naquela disputa de forças.

— Sentar ao lado da janela me deixa nauseada — Hester choramingou.

Ann limpou a garganta.

— Bem... — balbuciou, totalmente desconsertada.

Cruzou as pernas. Precisava aliviar suas neces­sidades fisiológicas, e não seria capaz de adiar isso por muito mais tempo. Já era ruim o bastante para uma mulher da sua posição, ter de usar roupas mas­culinas. Ser forçada a usar o banheiro dos homens era absolutamente desmoralizante.

Mais tarde, quando Hester teve certeza de que a condessa estava mais calma, ela falou com voz meiga para o marido:

— Querido, Nate sabe onde fica o Arizona. — Virou-se para Nate. — Talvez ele esteja disposto a nos acompanhar até lá.

Ann não acreditou nos próprios ouvidos. Como Hester podia sequer sugerir tal coisa? Fazer isso seria o mesmo que anunciar publicamente que era ela a mãe de Richard!

— Discutiremos isso mais tarde — declarou. Hester assentiu, antes de voltar a encarar Nate.

— Ela... Quero dizer, ele vai pensar a respeito. Ann virou-se para a janela, embora não visse nada à sua frente. Talvez ela mesma houvesse dado início àquele confronto, com seu comentário, mas saber disso não diminuía em nada a sua fúria. Além do mais, quem era Nate para dizer que ela nunca con­versava com Hester, quando Hester passava o tempo todo conversando com ele? Que tipo de homem era aquele, afinal? Em um momento, estivera beijando apaixonadamente a mulher que amava, no meio da estação. Um instante depois, já flertava com Hester!

Ann lembrou-se de um baile de que participara, um ano antes. Ouvira duas viúvas conversando so­bre homens que gostavam de praticar sexo com mu­lheres grávidas. Na ocasião, ela havia considerado a conversa desagradável, e se afastara. Olhou para Nate, sentindo uma pontada de nojo. Ele era não diferente dos outros, no que dizia respeito a correr dos braços de uma mulher, diretamente para outra.

Ann fechou os olhos. O fato de seu casamento tê-la tornado fria não significava que Nate não es­tivesse errado.

Dizer que ela e Edmund faziam amor seria um total mau uso das palavras. Nos primeiros tempos de casados, ele se deleitava em ouvir-lhe os gritos, enquanto a tomava à força. Ann não precisara de muito tempo para se dar conta de que o silêncio era a sua melhor defesa. Finalmente, ignorando a repercussão do que aconteceria, caso ele descobrisse a mentira, Ann inventara a ousada história sobre estar grávida. Por alguma razão, o plano dera certo. Edmund mantivera-se longe de sua cama. Até a noi­te anterior à sua morte.

Ela cerrou os punhos. Com impressionante clare­za, ainda podia vê-lo entrando em seu quarto, nu, as feições contorcidas. Naquele momento, Ann de­sejara morrer. Não existiam limites de degradação que Edmund respeitasse, quando decidia satisfazer seus desejos depravados. E aquela noite fora a pior.

Se estivesse mesmo grávida, não havia dúvida de que teria perdido o bebê. Talvez fosse esse o objetivo dele. Aliás, era muito provável que ele a houvesse tornado estéril muito tempo antes.

Agora, Matthew a perseguia. Seu sofrimento não teria fim?

Depois de passar uma hora sentada, observando pessoas embarcarem e desembarcarem do trem, Ann sentia uma forte dor de cabeça. Ao massagear as têm­poras, ocorreu-lhe que Hester havia adormecido. Ah, como gostaria de descansar com tamanha facilidade. O condutor a informara que haveria uma demora de quinze minutos na parada seguinte, o que lhe daria tempo para uma caminhada.

Quando o trem finalmente parou, Ann saltou para o corredor imediatamente. Com um olhar rápido, certificou-se de que Hester continuava dormindo. Então, saiu apressada.

Assim que se viu longe do trem, Ann respirou fundo. A brisa suave e o ar puro logo aplacaram sua dor de cabeça. Ela consultou o relógio de bolso, a fim de calcular a hora de voltar.

Não se afastara muito, quando, mais uma vez, de­parou-se com um peito largo à sua frente. Recuou um passo. A proximidade de Nate a deixava atordoada.

— Está bloqueando o meu caminho de propósito?

— inquiriu.

Embora fosse alta, diante de Nate ela se sentia muito pequena.

— Pode-se dizer que sim. Quero saber qual é o seu problema.

— Não sei do que está falando — Ann retrucou, irritada.

— Nesse caso, serei mais específico. Você não sabe nada a meu respeito, mas quando se dirige a mim, é rude e grosseiro. Quero saber por quê.

Ann endireitou os ombros.

— Muito bem. Considero-o um oportunista, que nem eu, nem minha esposa, precisamos por perto. Portanto, aconselho-o a procurar outro lugar para se sentar.

Nate retirou um charuto do bolso.

— E como chegou a essa conclusão?

— Eu o vi na estação, com uma mulher, agindo de maneira desprezível. Então, assim que se sentou no vagão, começou a flertar com minha esposa. O senhor não passa de um mulherengo.

— Flertando? — Nate riu. — Eu só estava ten­tando ser simpático.

Ann considerou a possibilidade de ele estar di­zendo a verdade, mas descartou-a de pronto. Não poderia correr o risco de fazer amizade com alguém que conhecesse a verdade sobre o nascimento de Richard. Decidiu que aquela era a oportunidade per­feita para livrar-se de Nate de uma vez por todas.

— Não acredito no que está dizendo. Aconselho-o a mudar-se para outro vagão.

Nate ergueu uma sobrancelha.

— Se tivesse me pedido isso com gentileza, eu teria atendido com prazer. Acontece que só há um vagão-leito, e o único lugar desocupado é justamente ao meu lado.

Ann observou-o acender o charuto e de um passo para o lado, a fim de passar por ele. Mais uma vez, Nate posicionou-se de maneira a bloquear o seu caminho.

— Ah, não! — ele disse. — Você já disse o que queria e, se já terminou, agora é minha vez. Não vou permitir que fuja. Portanto, trate de relaxar e me ouvir.

Ann fitou os olhos negros, que a desafiavam.

— Muito bem. Já me dei conta de que quaisquer palavras que troquemos não passarão de uma gran­de perda de tempo. Se for preciso, tolerarei sua pre­sença até Davers...

— Denver.

— Exatamente.

Nate soltou uma gargalhada.

— Posso saber o que acha tão engraçado?

— Você, Albert. Estou rindo de você. — O humor desapareceu do rosto de nate. — Já vi muitos ho­mens como você... Covardes que tentam intimidar os outros com ameaças.

— Não ficarei aqui, parado, permitindo que me insulte!

Ann tentou passar por ele, mas foi empurrada e teve de fazer um grande esforço para não cair de costas.

— Eu disse que era a minha vez de falar. Vou lhe dar um conselho, embora duvide que você vá segui-lo. Não faça ameaças no oeste. Eu detestaria ver uma mulher bonita e simpática com Hester, per­dida no fim do mundo, viúva, sem um centavo, e com um filho para criar. Mais uma coisa. Palavras gentis não custam nada. Você teria menos problemas com sua esposa, se as usasse, de vez em quando.

— É casado? — Ann perguntou, furiosa.

— Não.

— Então, não tente parecer uma autoridade sobre um assunto do qual não sabe nada.

Nate soltou uma baforada do charuto, antes de dizer:

— Acontece, que sou uma autoridade no que diz respeito às mulheres, sr. Potter. Duvido que possa dizer o mesmo.

Então, virou-se, zangado consigo mesmo. Sempre fizera questão de cuidar da própria vida. Mas, então, por que continuava a ignorar os próprios princípios? Tudo se concentrava em Albert. Ele era como aqueles vermes que se infiltram na pele, provocam coceiras insuportáveis, e são impossíveis de se livrar deles.

Ann continuou a caminhar. Ah, como teria gostado de plantar um murro no estômago daquele intro­metido! Autoridade! Francamente! O grande conhe­cedor de mulheres nem sequer percebera que Ann era uma delas! De repente, ela se perguntou como Nate a trataria, se soubesse que ela era uma mulher. Sorriria para ela, como sorria para Hester?

Quando voltava para o trem, Ann admitiu que Nathan Bishop tinha todo direito de estar zangado com as maneiras rudes de Albert. E ela não tinha o menor direito de zangar-se com ele. Nate não fizera nada além de demonstrar preocupação com Hester, uma atitude cavalheiresca, que Ann não poderia cri­ticar. E era Hester quem insistiu em puxar conversa com ele. Como a criada não percebia as possíveis ramificações de seus atos? Na primeira oportunida­de, teriam uma conversa muito séria a respeito.

— Todos a bordo!

Sem pensar, Ann estendeu a mão para o condutor, à espera de ajuda para subir os degraus. Foi a ex­pressão no rosto dele que fez Ann se dar conta de que sua reação fora tipicamente feminina. No mes­mo instante, olhou em volta, a fim de se certificar de que Nate Bishop não testemunhara seu lapso. Felizmente, não viu o menor sinal dele.

Quando se aproximava de seu lugar, viu que Nate e Hester já conversavam. E, para horror de Ann, Hester estendeu a mão e tocou o ombro dele. A in­clinação da cabeça da criada, assim como sua maneira de pestanejar, deixaram suas intenções mais do que claras. Mesmo grávida, Hester flertava os­tensivamente com Nate!

Ann continuou se aproximando, invadida por uma raiva forte e inesperada. Teriam sido aquelas mes­mas táticas que Hester utilizara para engravidar?

Posicionando-se entre Hester e Nate, Ann fitou-a nos olhos.

— Como pode se esquecer de quem é? — inquiriu por entre os dentes. — Agora, sente-se junto da janela.

Desta vez, não houve discussão. Obediente, Hester mudou de poltrona, pois sabia exatamente por que Ann estava tão zangada.

Ao ouvir a ordem grosseira de Albert, Nate cerrou os punhos e fez um esforço enorme para não se le­vantar de um pulo e esmurrar o covarde. Gostaria de dizer a Hester que, se ela preferisse, poderia se sentar ao seu lado. Queria fazer Albert arrepender-se de sua arrogância. Queria quebrar-lhe o nariz! Infe­lizmente, nada do que gostaria de fazer mudaria qual­quer coisa. Ainda assim, não pôde resistir ao impulso de agarrar o patife pela manga do paletó e rosnar:

— Se voltar a falar dessa maneira, ou tocar um dedo em Hester, enquanto eu estiver neste trem, garanto que vai rezar para ser atacado por índios, ou bandidos. Porque, se eu conseguir agarrá-lo an­tes, nunca mais poderá dizer que é um homem!

Ann desvencilhou-se e, então, manteve os olhos fixos à frente, determinada a ignorar a ameaça. Até onde ele poderia realmente lhes fazer mal? Seus nervos já se encontravam à flor da pele. Nem a raiva nem as ameaças teriam acontecido, se Hester houvesse permanecido calada.

O restante da tarde se passou em abençoado silêncio. Ann tentou dormir, mas não conseguiu. A exi­bição ostensiva dos atributos femininos de Hester a haviam perturbado profundamente. Sabia que não fora somente o atrevimento da criada que a haviam levado à explosão. O fato de Nate parecer aceitar as atenções de Hester havia tornado a situação insuportável para Ann. Agora, porém, ela se dava conta de que houvera mais uma razão. Por mais que a desagradasse admitir, havia experimentado uma crise de ciúme.

Quando Edmund era vivo, ela não se importara em saber com quem ele dormia. Na verdade, sen­tira-se grata a qualquer mulher que o mantivesse longe de sua cama. Porém, quando ele se atrevera a seduzir sua dama de companhia, Ann sentira-se traída, pois havia começado a pensar em Hester como sendo uma amiga.

Era quase uma hora da madrugada, quando Ann sen­tou-se de um pulo, batendo a cabeça com força. O que a despertara? Teria ouvido Hester gemer? Como contasse com pouco espaço para se mover, foi com dificuldade que conseguiu inclinar-se, até enxergar Hester.

— Você está bem? — perguntou, preocupada.

— O bebê vai nascer — Hester gemeu.

— Não, não! — Ann insistiu. — Não há uma parteira, aqui. Não pode fazê-lo esperar?

Hester fez uma careta.

— Não tenho o menor controle sobre isso. Então, suas feições se contorceram de dor. Apressada, Ann vestiu o robe por cima do pijama.

Mais uma vez, ouviu um gemido da cama de baixo. O que fazer?

Quase caiu da cama, quando Hester emitiu um grito aflito. Sem saber como, Ann conseguiu descer os degraus até o chão de madeira. Vários passageiros já punham a cabeça para fora da cortina, alguns curiosos, outros furiosos por terem sido acordados.

— Hester... minha esposa está tendo um bebê — Ann anunciou, desesperada. — Alguém pode nos ajudar?

Outro grito. Ann puxou a cortina, aterrorizada pela possibilidade de se deparar com Hester morta. A criada, porém, tinha os olhos bem abertos. O suor cobria seu rosto, sua pele apresentava-se pálida, mas foi o sangue nos lençóis que acabou de vez com o controle de Ann. Hester sangraria até a morte! Ann desviou o olhar e agarrou-se à escada, na tentativa de não desmaiar.

Nate reconheceu o tremou na voz de Albert, quan­do ele pediu ajuda para a esposa. Minutos haviam se passado, mas o inglês não recebera resposta. Ten­do ouvido os primeiros gemidos de Hester, Nate acei­tara o inevitável. Tinha o hábito de dormir vestido, quando viajava, pois seria impossível saber o que o tiraria da cama. Por exemplo, pensara em livrar-se dos Potter, desembarcando em Chicago, para pegar um outro trem, mais tarde. Infelizmente, as dores de Hester haviam chegado cedo demais. Não chegariam em Chicago, antes das nove e meia da manhã.

Nate sentiu as mãos trêmulas. A última criança que trouxera ao mundo, nascera morta.

Saiu de sua cama e juntou-se ao marido inútil. Empurrou o sujeito pálido para o lado, abriu a cor­tina e examinou Hester. Ela agarrou sua mão, contorcendo-se mais uma vez. Definitivamente, o bebê não esperaria até Chicago para nascer.

— Albert, faça algo útil e rasgue os lençóis de sua cama — Nate ordenou. — E peça ao cabineiro que traga bastante água quente, uma tesoura e uísque.

— Uísque? O que pretende fazer? — Ann inquiriu, torcendo as mãos. — Esta não é a melhor hora para beber.

Nate tentou simpatizar com o nervosismo de Al­bert, mas não conseguiu.

— Pretendo torná-lo pai, embora sinta pena da criança. O uísque serve para limpar. A propósito, tirar o bigode foi a melhor atitude que já tomou.

Só então Ann deu-se conta de que, na pressa, esquecera-se de colar o bigode no lugar. Agora, não tinha escolha, senão ficar sem ele.

Para surpresa de Nate, Albert insistiu em ajudar no parto de Hester. Por outro lado, provou ser mais um estorvo, do que uma ajuda. Por isso, Nate or­denou-lhe que ficasse junto de Hester. Na maior parte do tempo, os olhos de Albert permaneceram fechados. Nate finalmente sugeriu que ele fosse para o vagão-bar e se embriagasse. Albert recusou a su­gestão, mas tratou de ficar fora do caminho de Nate.

Embora disfarçasse, Ann chorava pela pobre Hes­ter. Sabia que deveria estar oferecendo conforto, no lugar de Nate. Nunca vira uma mulher em trabalho de parto, e jamais imaginara a intensidade da dor envolvida no processo. Por que os homens não podiam ter filhos? Se obtinham tanto prazer no sexo, deveriam ser forçados a partilhar o sofrimento, depois.

A risada de Nate apanhou Ann de surpresa.

— Isso mesmo, menina — ele disse a Hester. — Empurre com força. Já posso ver a cabeça. Venha, Albert, e veja seu filho nascendo. Pode cortar o cor­dão umbilical.

Imaginando todo tipo de horrores, Ann cobriu a boca com a mão e correu para a porta no final do corredor. Conseguiu abri-la a tempo de não vomitar em público.

Quando, apoiada na grade entre os dois vagões, limpava a boca com o lenço, Nate aproximou-se e, com voz fria, anunciou:

— Você é pai de um menino. Ann gemeu e falou com voz fraca:

— Obrigado... por ter ajudado no parto. Tenho certeza de uma coisa, sr. Bishop: se conhecesse todas as circunstâncias, seria mais tolerante comigo.

— Duvido.

Nate voltou para dentro do vagão, apanhou a gar­rafa de uísque e se afastou. Aquele inglês covarde não merecia a sua atenção. Ele que fosse para o inferno, Nate disse a si mesmo. Acabara de trazer um menino ao mundo, e tinha direito a uma boa comemoração.

Depois que Nate se afastou, Ann continuou onde estava, embora se sentisse bem melhor. Passou a mão por entre os cabelos e, no mesmo instante, lem­brou-se de que Nate não se preocupara em pentear os dele, antes de ajudar Hester a dar à luz. Os cabelos negros apresentavam-se deliciosamente despenteados, e o colarinho desabotoado revelava parte do peito musculoso, coberto de pêlos, também negros. Ann foi tomada de uma súbita necessidade de ser abraçada, de ter todas as suas inseguranças apagadas.

Não se importaria se fosse Nate quem a abraçasse.Naquela noite, ele havia conquistado o seu respeito,algo que ela sentia por pouquíssimos homens.

 

Sentada ao lado de Nate, Ann deleitava-se com o odor agradável exalado pelo ca­saco que ele usava. Ou, talvez, fosse ele mesmo quem exalasse tal perfume. O cheiro a fez pensar em terra úmida e sol, com um toque sutil de flores silvestres.

Cruzou e descruzou as pernas, um mau hábito que ela parecera adquirir, desde que começara a usar rou­pas masculinas. Flores silvestres... Francamente!

Inclinou-se para a frente e puxou a cortina diante de si. Hester e a criança dormiam tranqüilamente. Ann voltou a se acomodar. Mal podia esperar para segurar seu filho nos braços.

Um instante depois, descobriu-se a torcer as mãos. Nate não voltara a lhe dirigir a palavra, desde que se afastara com a garrafa de uísque, na noite an­terior. Ela teria dito algo, se houvesse conseguido pensar no que dizer.

Embora não se tocassem, Ann sentia com nitidez o calor do corpo dele. Era o mesmo calor que sentira nos sonhos que vinha tendo com freqüência, ulti­mamente. Nate segurava-lhe a mão, sussurrando palavras doces em seu ouvido. Ou, então, simplesmente a fitava, com seus olhos negros cheios de paixão. E eram esses sonhos que a levavam a desejar buscar força e conforto naqueles braços poderosos.

Sem pensar, Ann voltou a cruzar as pernas. Havia muitas outras coisas em que pensar, além de Nathan Bishop. Mais uma vez, olhou para a cortina fechada. Por que uma mulher se dispunha a enfrentar tanta dor, para ter um filho? Não que as mulheres tivessem escolha. Não era de admirar que existissem amas de leite, babás e coisas assim. Ela, ao menos, nunca teria de passar por tal provação, pois tinha Richard.

Antes que Hester adormecesse, Ann havia lhe per­guntado se deveriam desembarcar na próxima pa­rada e ficar em um hotel, por uma semana, para que a criada pudesse se recuperar. No mesmo ins­tante, Hester a lembrara de que o dinheiro que ti­nham não era muito, e que para estarem realmente seguras, teriam de chegar na fazenda de Beau o quanto antes. Ann considerara tal gesto como sendo uma grande prova de bravura. Jurou nunca mais questionar a bondade e a lealdade de Hester. De repente, um pensamento horrível penetrou a mente de Ann. Agora, que Hester segurara Richard nos braços, mudaria de idéia e decidiria ficar com ele?

— Suponho que pretenda desembarcar na próxi­ma parada.

Ann ergueu as sobrancelhas, perguntando-se se Nate havia lido seus pensamentos.

— Hester garantiu que poderá descansar o quanto precisa, mesmo estando no trem — respondeu, grata pela oportunidade de conversar.

Nate assentiu.

— Ela é miúda, mas muito forte.

— É verdade — Ann concordou. — Onde estava, em Nova York? — perguntou, tentando soar ami­gável. Por que não pensara em fazer tal pergunta, antes? — É lá que você mora?

― Um parente morreu. Já escolheu um nome para seu filho?

O sorriso repentino e radiante de Albert apanhou Nate de surpresa, totalmente desprevenido.

― Sim — Ann respondeu, orgulhosa. — Richard,em homenagem a Ricardo Coração de Leão. Richard Edmund Huntington. O senhor deveria se sentir orgulhoso.

Nate remexeu-se na poltrona. Estava encontrando problemas diante do sorriso de Albert. O rosto do inglês havia se transformado por completo. Nate chegou a evitar fitá-lo. Se Albert fosse uma mulher, Nate a classificaria como uma beldade irresistível.

— Ajudou o futuro duque de Gravenworth a nas­cer — o pai satisfeito completou.

Por que Albert nomeara o filho Richard Hunting­ton, em vez de Richard Potter? Nate considerou a questão, mas concluiu que seria muito mais fácil obter tal resposta de Hester, e não do marido dela.

— Não entendo nada de títulos — falou, só para dizer alguma coisa.

Ao mesmo tempo, encolheu-se na direção do corredor. Ann estava chocada.

— Não entende nada de títulos? — repetiu, tendo encontrado o assunto perfeito para uma boa con­versa. — Como pode não ter conhecimento de uma coisa tão importante?

— Importante para quem? Não temos títulos na América.

— É justamente o que está errado, no seu país — Ann declarou com toda honestidade.

Nate afastou o chapéu da testa. Começava a se zan­gar. Em parte, sua reação se devia à aparência de Albert, mas também havia o fato de que, toda vez que tentavam conversar, o sujeito fazia seu sangue ferver.

— Eu não sabia que havia algo errado com este país.

Ann decidiu que, para o bem dele, deveria escla­recer a situação.

— Se a América houvesse continuado sob o do­mínio inglês, vocês teriam descoberto os diversos benefícios de tal condição. Como duquesa... — Ann parou de falar e mordeu o lábio. Como podia ter cometido tamanho lapso? Já falara demais, ao in­formá-lo o nome completo de seu filho. — Os súditos são bem cuidados.

— Súditos? Sou dono de minhas terras e de mim mesmo, assim como muitos outros. Lutamos para nos tornarmos um povo livre, e não respondemos a nenhum lorde que tenha controle sobre nós. — Em­bora se engajasse na discussão, Nate continuava se negando a olhar para Albert. — Não sei de que tanto se orgulha. Conheci um cavalheiro inglês, há algum tempo, que não parava de elogiar nossas ter­ras vastas. Ele também falava da sujeira e da po­breza que existem em seu país.

As palavras amargas e quase rudes despertaram a ira de Ann, que só tentara informá-lo.

— Seu amigo foz parecer que a Inglaterra é toda assim. O que não é verdade. Certamente, tal "ca­valheiro" gostava de se misturar à ralé. — Dando-se conta de que outros passageiros viravam-se para ela, Ann tratou de baixar o tom de voz. — De que outra maneira ele poderia ser tão mal informado? Bem, acho melhor encerrarmos essa discussão.

Nate finalmente virou-se para encarar o inglês arrogante, mas voltou a desviar os olhos imediata­mente. Os olhos de Albert eram do verde mais pro fundo que ele já vira.

― É evidente que você tem uma forte tendência a conduzir conversas unilaterais, mas não estamos na Inglaterra, e eu me recuso a ser dispensado. O homem com quem conversei pertence à nobreza, e veio até aqui para participar de uma expedição de caça. Está mais do que qualificado para fazer comparações.

— Duvido que seu amigo fosse mesmo um nobre, ou que soubesse qualquer coisa sobre a Inglaterra. Ele, sem dúvida, gostava de ouvir a si mesmo, enquanto falava. E como o senhor pode insinuar que seu país não tem pobres? O que me diz dos irlandeses? São tratados como escravos. E o que fizeram com os índios? Eles são tratados com mais respeito na Inglaterra, do que aqui. Ora, vocês nem têm amas de leite!

Nate olhou fixamente para Albert durante um lon­go momento. O que amas de leite tinham a ver com aquela conversa? Definitivamente, era impossível acompanhar a lógica daquele homem. Albert olhou para o outro lado, determinando o final da discussão.

Nate cerrou os dentes e decidiu manter a boca fechada, ao mesmo tempo em que ignorava o idiota ao seu lado. Na noite anterior, teria se embriagado, se o uísque não houvesse acabado. Na verdade, fal­tara-lhe companhia com quem pudesse festejar. O parto bem-sucedido de Hester fora um momento inesquecível para ele.

Deliberadamente, Nate focalizou os pensamentos no passado. Fazia mais de dez anos, que ele fizera o parto da própria esposa. Algumas das lembranças já se dissipavam. Nate já não conseguia visualizar sua corrida pela floresta, à procura da esposa, nem a trilha de sangue deixada por ela. Por outro lado, a visão de Bright Moon à beira do rio, semi-consciente, tentando dar à luz o filho, jamais seria esquecida. Nate tentara ajudá-la, mas no final, perdera ambos. Felizmente, o tempo havia curado a ferida. A idade também fazia um homem ver as coisas de um ponto de vista diferente. Ele já não se culpava por que havia acontecido, assim como já não passava noites em claro, amaldiçoando o próprio destino. Nate sorriu consigo mesmo. Dessa vez, tudo dera certo. Para ele, fora comi uma redenção. O choro saudável de Richard fora som mais lindo que Nate ouvira em muitos anos.

Durante os dois dias seguintes, todos os passa­geiros do trem encontraram um meio de visitar o vagão para parabenizar os novos pais. Qualquer esperança que Ann guardava de manter a si e a Hester isoladas foi totalmente destruída.

Ann mal podia acreditar na rapidez com que Hester se recuperou do parto. A disposição da criada era invejável, e ela não apresentava qualquer sinal do sofrimento pelo qual havia passado. Hester chegara a dizer que o parto fora rápido, e que não ela não sentia qualquer efeito do esforço. Ann sentia-se aflita só de pensar em como seria um parto demorado.

Recostou-se na poltrona confortável e permitiu-se desfrutar do prazer de ter um filho. Ele era tão perfeito, até a ponta dos dedinhos dos pés. Todas as suas preces haviam sido atendidas. O filho de Edmund ocuparia o lugar que lhe pertencia por di­reito, como duque de Gravenworth. Ele até mesmo se parecia com o pai, cujos belos traços haviam ser­vido como disfarce perfeito para sua crueldade. No entanto, por mais que desejasse segurar o bebê nos braços, Ann simplesmente não conseguia fazê-lo. Ri­chard era pequeno demais, e ela temia machucá-lo

O que aconteceria se o segurasse da maneira errada e lhe quebrasse algum osso? Quando ele crescesse um pouco mais, ela certamente se sentiria mais segura.

Quanto a Hester, ela retomara os risinhos e des­culpas para tocar com freqüência o homem que se considerava um especialista em mulheres. Nate nem sequer se dava conta de que Hester o fazia de tolo, apenas para satisfazer a própria vaidade.

Ann cobriu os lábios e bocejou. Não vinha dor­mindo bem à noite, pois o colchão era duro e o espaço, reduzido. Virou a cabeça e olhou para Nate. Qual seria a sensação de tocá-lo? Como seria ser tocada por ele? Na noite anterior, sonhara estar na cama, com ele. Acordara encharcada de suor, ainda arden­do de paixão. Prazeres deliciosos haviam tomado conta de seu corpo, e ela...

Ann sentiu a paixão despertar. Embaraçada, olhou em volta, a fim de verificar se alguém teste­munhava o rubor que tomava conta de suas faces. Não. Ergueu o livro de poemas que tinha nas mãos, usando-o como escudo. Como podia sonhar com pai­xão, quando jamais havia experimentado a sensa­ção? E por quê? Depois de Edmund, havia jurado nunca mais permitir que um homem a tocasse. Abriu o livro e fingiu ler.

A curiosidade de Nate o consumia. Por que Albert nomeara o filho Richard Huntington, em vez de Richard Potter? Aquele parecia o momento perfeito para escla­recer a dúvida. Albert certamente não daria a infor­mação de bom grado, mas Hester era muito diferente. —- Albert me contou que seu filho é um duque — Nate comentou em tom casual.

Hester ficou chocada ao saber que a duquesa havia feito tal revelação.

— Ah... sim.

— Isso significa que você é uma duquesa?

— Bem, eu... sim.

Hester sabia que seu suposto marido lançava olha­res furiosos, pois sentia o calor em suas costas. Po­rém, deu-se conta de que aquela seria a oportuni­dade perfeita para dar início ao seu plano.

— Na verdade, sou Antoinette Huntington, du­quesa de Gravenworth — continuou, ignorando o beliscão doloroso de sua senhora, dando o primeiro passo para a troca de papéis com a duquesa. — Os amigos e parentes me chamam de Ann.

Nate sorriu. Se Hester era duquesa, Albert só po­dia ser um duque. O que explicaria sua arrogância e falta de músculos. Bem, eram apenas suposições, uma vez que ele jamais conhecera um duque, antes.

— De onde veio o nome Hester?

A criada inclinou-se para ele e sussurrou:

— Eu não queria que ninguém conhecesse minha verdadeira identidade. Por isso, usei o nome de uma criada. Ouviu tantas histórias sobre o seu país, que temi por minha integridade.

Nate refletiu por um instante.

— Eu diria que tem todo direito de se sentir assim. Importa-se se eu a chamar de Ann?

— Sim! — a duquesa resmungou baixinho.

— Não — Hester respondeu, animada, mais uma vez ignorando a vontade de sua senhora.

— Por que estão indo para o oeste? — Nate indagou

— Vamos nos hospedar na propriedade de meu primo, no Arizona.

— O território de Arizona é imenso, com índio; e o quente deserto, que vai de Santa Fé até o sei destino. Se fosse você, eu convenceria Albert a contratar um bom guia, que possa protegê-los, antes de iniciarem a viagem.

O bebê começou a chorar, e Hester teve de amamentá-lo. As palavras de Nate a assustaram. Enquan­to o bebê mamava, Hester considerou as vantagens de convencer Nate a levá-las para o Arizona. Ele pa­recia ser o único a saber onde ficava o tal lugar. E, ainda, havia outros benefícios. Quando chegassem na fazenda de Beau, ele confirmaria que ela era a ver­dadeira duquesa e mãe de Richard. Milady alegaria que tudo não passava de uma grande mentira, mas quem acreditaria nela? O plano era perfeito!

Embora Hester não parecesse se incomodar, Ann colocara um pano sobre seus seios, para que os ou­tros não a observassem amamentar. Nate, ao menos, tivera a cortesia de deixar o vagão. Provavelmente, fora para o bar.

— Hester, onde estava com a cabeça, quando disse a Nate que é a duquesa de Gravenworth? — Ann inquiriu, preocupada.

Hester fitou-a com ar chocado.

— Não tive escolha. Depois que a senhora contou a ele o verdadeiro nome de Richard, eu tinha de ser dona do título.

— Tem razão. A culpa foi minha. Bem, acho que não tem importância. Nunca mais voltaremos a vê-lo, depois de desembarcarmos em Colorado. — Ann olhou para o bebê precioso, e concluiu que não po­deria mais adiar a pergunta que a vinha atormen­tando. — Hester, você não mudou de idéia quanto a me dar Richard, mudou?

Por enquanto, Hester ainda precisava da duquesa. Assim, levou a mão aos lábios, fingindo-se horrorizada.

— Ah, não, milady! — respondeu com falsa humildade. — Como pode fazer uma pergunta como essa? A senhora é a mãe. Sou apenas a ama-de-leite. As preocupações de Ann dissiparam-se imediata­mente. Havia tomado a decisão de que, caso Hester insistisse em ficar com Richard, ela não tentaria tomá-lo a força. Porém, embora aquele dilema esti­vesse resolvido, a aventura ainda não estava nem perto do fim. Observar quem entrava e saía do trem tornara-se tão automático, que Ann já o fazia sem se dar conta.

— Hester, por favor, tenha o cuidado de não dar qualquer informação a mais ninguém. Não estaremos seguras, enquanto não chegarmos à fazenda de Beau.

— Compreendo perfeitamente a sua preocupação — Hester afirmou com um sorriso. — Richard está dormindo. Gostaria de segurar o seu filho?

Ann retribuiu o sorriso.

Sem esperar pela resposta, Hester acomodou Ri­chard nos braços de Ann. Diante do brilho que ilu­minou os olhos da duquesa, a criada concluiu que havia tomado a decisão correta.

— Ele é tão pequenino — Ann sussurrou.

— Não precisa ter medo de acordá-lo. Ele está alimentado e satisfeito.

Hester espreguiçou-se. Era tão bom não estar mais grávida. E, ao que tudo indicava, seu corpo não demoraria para recuperar a antiga forma. Ela mal podia esperar para se deitar na cama de Nate.

— Duquesa, parece estar desconfortável. Deixe-me acomodar milorde — disse, ajeitando Richard no assento, entre as duas. — Ele vai se tornar um grande duque — murmurou, antes de voltar a en­carar Ann com ar inocente. — Quem vai cuidar de nós, quando chegarmos à vila Colorado?

Ann continuava olhando para o bebê adormecido. Os dedinhos perfeitos a fascinavam.

— Você parece ter alguém em mente. Por acaso, está pensando em Nate?

— Por favor, ouça o que tenho a dizer.

— Richard é capaz de enxergar?

— Ainda não — Hester respondeu, impaciente, temendo receber ordens para se manter calada. — Nate sabe como chegar no Arizona. Ele me disse que o lugar é muito perigoso. Se lhe oferecer di­nheiro, é possível que ele concorde em nos acompa­nhar. Teríamos, ao menos, um guia, e também um pouco de proteção. Os homens de Matthew não estão à procura de um grupo assim.

— Está se esquecendo do perigo contido no seu próprio plano, Hester. Não sabemos nada sobre esse homem. Ele pode estar mentindo, apenas para tomar o nosso dinheiro. Não quero nem pensar nisso. Con­seguimos chegar até aqui e vamos conseguir chegar ao nosso destino, sozinhas.

— Mas Nate disse que o território é imenso. Hester percebeu que suas tentativas não estavam produzindo qualquer resultado. Mesmo assim, sabia que havia plantado a semente da idéia. À noite, exploraria o assunto um pouco mais. Ann não conseguia parar de acariciar Richard.

Acomodou-o nos braços e ninou-o. Nate dissera que o Colorado ficava no meio do caminho para a costa oeste. Encontrar Beau seria um problema maior do que ela havia calculado? Os intermináveis quilôme­tros de campos abertos iam muito além do que ela jamais vira. Nada daquilo se encaixava nas descri­ções que ela ouvira na Inglaterra. E ela ainda não vira nenhum índio, ou bandido.

Meia hora depois, Ann levantou-se e acomodou Richard na poltrona. Embora preferisse ficar com o filho nos braços pelo resto da viagem, tinha de ir ao ba­nheiro. Ressentia-se profundamente de não poder agachar e esconder o que quer que estivesse fazendo, sob o tecido da saia, como era apropriado a uma dama.

Suspirou aliviada ao descobrir que não havia fila na porta do banheiro masculino. Entrou, mas antes que pudesse fechar a porta, a mão forte de Nate a impediu. Incrédula, ela se virou e observou-o apoiar-se no batente.

— Saia daqui imediatamente — Ann ordenou.

— Por quê? Quero conversar sobre a sua viagem ao Arizona.

— O que quer que tenha a dizer, pode perfeita­mente esperar. Exijo minha privacidade!

Ann disse a si mesma que precisava se controlar. Seria a sua imaginação, ou Nate realmente vinha evitando fitá-la nos olhos?

Nate sorriu. Sentia-se disposto a incomodar Albert de todas as maneiras que pudesse.

— Acha que se sentiria menos ofendido, se eu me virasse de costas? Talvez não queira que sua au­sência de masculinidade seja vista.

Ann empertigou-se, tensa. Seria possível que ele já soubesse a verdade?

— O que está querendo dizer? Nate sacudiu a cabeça devagar.

— Pensei que fosse óbvio.

Ann sentiu as faces arderem, quando se deu conta da alusão que ele estava fazendo. Bem, ao menos, ele ainda acreditava que ela fosse homem.

— Saia do meu caminho. Se preferir, deixarei que use o banheiro antes de mim. Vou esperar lá fora.

Tentou sair, mas Nate continuou bloqueando a passagem.

— Não será necessário, Albert — ele falou com ar de desgosto.

Com isso, saiu e fechou a porta atrás de si.

Rapidamente, Ann certificou-se de que estava trancada. Que outras humilhações teria de enfren­tar, antes que aquela viagem chegasse ao fim?

— Encontre-se comigo no vagão-bar, quando ter­minar — Nate chamou do lado de fora. — Não me faça esperar muito.

Ann pôde ouvir-lhe a risada, à medida que ele se afastava. Enquanto desabotoava a calça, ela se per­guntou como era possível que Nate fizesse seu co­ração disparar, se toda vez que se encontravam, o clima entre eles era mais que hostil.

Quando finalmente entrou no vagão-bar, Ann con­seguira se recompor. Seus olhos fixaram-se imedia­tamente no homem viril, sentado a um canto, com uma bebida na mão. A maneira como as roupas ade­riam ao corpo másculo fez os joelhos dela tremerem. Mesmo assim, pela expressão no rosto dele, Ann sabia que estava prestes a enfrentar mais proble­mas. Decidiu atacar em primeiro lugar, desta vez.

— Não gosto de ameaças — declarou, ao se juntar a ele.

— Nem eu. Beba — Nate praticamente ordenou, estendendo-lhe um copo já cheio. — É uísque. Talvez faça crescerem pêlos no seu peito, mas eu duvido.

Ann pensou em recusar, mas mudou de idéia. Quan­to antes Nate dissesse o que tinha mente, mais cedo ela poderia deixar a companhia dele. Levou o copo aos lábios, mas o cheiro da bebido forçou-a a abaixá-lo Novamente. Preferia o bom uísque irlandês.

Nate sacudiu a cabeça.

— Albert, você é tão bobo que chego a fica embaraçado.

— Não preciso ouvir o seu sarcasmo. O que de tão importante para conversarmos?

— Tomei uma decisão.

— Não estou nem um pouco interessado nas suas decisões.

— Diabos! Trate de controlar essa sua língua, o vai acabar se arrependendo! — Nate praguejou, pondo-se de pé, e decidindo que a melhor maneira de lidar com o duque seria evitá-lo. — Desenvolvi uma grande afeição por sua esposa.

Ann levantou-se de um pulo, mas foi empurrada de volta para a cadeira.

Nate apoiou-se nos braços da cadeira e inclinou-se, fitando Albert muito de perto.

— Não da maneira como pensa — continuou. — E, como concordei em ser o padrinho de Richard..

— Você o quê? — Ann interrompeu-o, incrédula. — Não! Eu proíbo! Não fui consultado.

Foi somente quando ele se endireitou, que Ann perceber estar prendendo a respiração. Por que ele a fitava de maneira tão estranha?

— Já se barbeou, alguma vez? Ela levou a mão ao rosto.

— Eu... Bem... Sou um homem de sorte. Nunca tive muita barba. Espero chegar a um acordo sobre a questão de você ser o padrinho de Richard. Já escolhi outra pessoa.

— Como eu ia dizendo, já que sou padrinho de Richard, acompanharei vocês até o Arizona.

Ann tentou controlar o pânico. Como aquilo podia estar acontecendo?

— Ouça o que estou dizendo. Você não é o padri­nho de Richard!

— Sua opinião já não conta mais nada.

— É claro que conta! Sou o pai dele. Além do mais, você jamais encontraria a fazenda do primo Beau.

— Beau? — Nate repetiu, surpreso. — Beau Falkner? Ann quase gemeu.

— Conhece Beau? — indagou com voz fraca.

— Duvida que exista um homem no território de Arizona que não tenha ouvido falar dele, assim como no Novo México. E um homem muito rico. — Nate franziu o cenho. — Se eu soubesse que iam para lá, teria oferecido assistência antes.

Nate havia recuado alguns passos, o que deu a Ann a oportunidade de se levantar. Ela se sentia como se houvesse sido pisoteada por uma manada rebelde.

— Pegaremos um trem de Denver para Pueblo. En­tão, seguiremos para Santa Fé de diligência. De lá...

— O senhor não está me ouvindo — Ann inter­rompeu, desesperada. — Sua companhia não será necessária.

Virou-se, pronta para partir o mais depressa possível. Nate sacudiu a cabeça.

— Já tomei a minha decisão. Queira ou não, serei o seu guia. Pode ficar sossegado, Albert. Cuidarei para que chegue à fazenda de Falkner depressa, e com o mínimo de inconvenientes.

Com isso, Nate girou nos calcanhares e saiu.

Ann deixou-se cair na cadeira, apanhou o copo e bebeu seu conteúdo de um só gole. O que deveria ter feito diante de Nate, em vez de ficar ouvindo seus insultos. A bebida não era tão forte quanto o uísque escocês que ela costumava beber para aliviar a dor provocada pelos golpes de Edmund.

As palavras de Nate significavam desastre. Ele contaria a todos que ajudara no parto de Hester! Ann tinha de encontrar um meio de fazê-lo mudar de idéia. Depois de já ter percorrido tamanha dis­tância de trem, qualquer tolo saberia que chegar ao território de Arizona não seria tão fácil como ela havia calculado. Com um pouco de sorte, encontraria ajuda em Denver, ou Pueblo. Tinha de se livrar de Nate de uma vez por todas.

O trem continuava a viagem monótona, e passa­geiros ainda se aproximavam para ver como o re­cém-nascido estava passando. Na opinião de Ann, Nate comportava-se mais como o pai orgulhoso do que ela. Ele segurava Richard nos braços com freqüência, e não demonstrava a menor timidez em exibi-lo aos outros. Estaria planejando roubar Hes­ter de Albert, também? Quanta audácia!

Ann passava o tempo tentando desesperadamente traçar um plano para se livrar dele, caso tivesse difi­culdade em encontrar outro guia. Até então, nada além de assassinato lhe ocorrera. Seria um grande desper­dício, um homem tão atraente, morrer tão cedo. Ora, ele não parecia ter sequer completado trinta anos!

Quanta bobagem! Que diferença fazia que idade ele tinha? Era o futuro de Richard que estava em jogo. Ann perguntara a Hester por que tornara Nate padrinho do menino.

— Como Nathan fez a gentileza de ajudá-lo a nascer, achei que essa seria uma boa maneira de expressar nossa gratidão — foi a resposta da criada.

Ann não conseguiu continuar zangada com Hester pelo que ela fizera. Como sempre, seus atos se ba­seavam em bondade. Hester não teria como saber que a segurança de Richard passaria a ser respon­sabilidade de Nate.

Quando Nate retomou seu lugar, Hester ainda dormia. Ter sido convidado a ser padrinho de Ri­chard exercera um efeito estranho sobre ele. Des­cobrira-se assumindo a responsabilidade com a maior seriedade. Sabia que tinha de garantir que o bebê e sua mãe alcançassem seu destino em se­gurança. Seguia viagem para suas terras, entre Santa Fé e o território de Arizona. Portanto, alguns quilômetros a mais não fariam a menor diferença.

Nate pensou em Beau Falkner. Ouvira falar mui­tas coisas sobre a propriedade de Falkner, e já se sentia ansioso para conhecer a grande fazenda, bem como seu proprietário.

 

Enquanto a carruagem alugada se di­rigia ao hotel onde passariam a noite, Ann observava a paisagem. Denver era, definitiva­mente, diferente do que ela havia imaginado, e não se parecia em nada com Nova York. Tratava-se de uma cidade nova, em franco crescimento. No lugar das lojas de madeira, erguiam-se edifícios de tijolos, e as ruas movimentadas encontravam-se repletas de veículos de luxo. Ann prestou atenção especial aos vestidos que as mulheres usavam, que estavam, no mínimo, dez anos atrasados com relação à moda.

Ficou fascinada. Finalmente, conhecia a América, a terra indomada de que, até então, só ouvira falar. Fazia anos que não se sentia tão entusiasmada.

— Amanhã de manhã, embarcaremos no trem para Pueblo — Nate informou-as. — No dia seguin­te, seguiremos de diligência para Santa Fé.

Ann olhou para o bebê adormecido em seus braços, para então voltar a se concentrar no movimento das ruas. Para sua surpresa, o hotel era bastante lu­xuoso e confortável. Depois de concordar em jantar com Nate, as duas mulheres se retiraram para seu quarto, a fim de descansar.

Os apartamentos lhe pareceram enormes, embora não chegassem aos pés de seus aposentos, em Gravenworth. Bem, a verdade era que tudo não passava de ilusão. Depois de todos os meses no navio, do hotelzinho em Nova York e da cama minúscula do trem, qualquer coisa teria parecido imensa.

Richard começou a choramingar e, com um sor­riso, Ann entregou-o para Hester.

— Ele passou um longo tempo sem se alimentar — comentou.

Uma rápida inspeção assegurou Ann de que a mobília era de boa qualidade, perfeitamente limpa e polida. Ao entrar em um dos dois quartos, ela puxou as cobertas, à procura de insetos, mas en­controu lençóis brancos impecáveis. Até mesmo o colchão de penas parecia perfeito.

Com um sorriso largo e um raro brilho nos olhos, virou-se para Hester, que havia parado na porta.

— Ao menos por esta noite, dormiremos em camas de verdade.

— Mal posso acreditar! — a criada exclamou, maravilhada.

Richard começava a se tornar impaciente, mas ela não lhe deu atenção, pois estava ocupada demais em observar tudo à sua volta. Nunca antes se hos­pedara em um lugar como aquele.

— Não vai alimentar Richard? — Ann inquiriu. Ressentindo-se pela intromissão, Hester sentou-se em uma poltrona de veludo vermelho, desabotoou o vestido e ofereceu o seio ao menino. Não via a hora de se livrar da criatura.

— Hester, se Nate for conosco, será impossível con­vencer Beau e sua família de que sou eu a mãe de Richard—Ann falou, tirando o chapéu. — Felizmente, ele não faz idéia do problema que poderia causar.

Você é que não faz idéia do problema que a espera, Hester pensou com maldade.

— Hester, está me ouvindo? A criada ergueu os olhos.

— Sim, claro. Precisamos pensar em um meio de nos livrar de Nate.

— Exatamente. Tenho uma idéia. Eu também. Suma da minha vida!. Ann sentou-se na cama, satisfeita por saber que não estava sendo observada por estranhos.

— Amanhã — continuou —, quando o trem nos deixar em...

— Pueblo.

— Sim, Pueblo. — Ann tirou o paletó e espreguiçou-se. — Enquanto estivermos esperando pela di­ligência, quero que mantenha Nate ocupado. Tente envolvê-lo em uma das conversas intermináveis, que tinham no trem. Isso me dará a oportunidade de colher informações e tentar encontrar alguém que possa nos levar de Santa Fé para o Arizona. Então, você informará o sr. Bishop que a companhia dele não será necessária.

— Tenho certeza de que a senhora vai conseguir — Hester murmurou com seu ar de humildade. — Sei que sou a culpada por este problema, mas Nate é tão bonito, simpático e atencioso, que acabei me deixando levar.

Ann levantou-se da cama, sabendo exatamente a que a criada se referia. Massageou as têmporas, pois as preocupações crescentes já lhe provocavam outra dor de cabeça.

Foi até a janela e observou a rua. Em Londres, as ruas eram muito estreitas, mas em Denver, não eram assim.

— Hester, às vezes, tenho a impressão de que você não está realmente preocupada com os riscos que corremos. Está pensando em fugir com Nate? Se estiver, por favor, dê-me tempo para encontrar uma ama-de-leite.

Hester forçou-se a permanecer calma.

— Não, duquesa. Ele nem sequer mencionou tal possibilidade. Sinto-me obrigada a confessar que, se recebesse tal proposta, eu me sentiria tentada a acei­tá-la. Mas, não. Estava apenas me divertindo com ele. Eu jamais faria qualquer coisa, sem conversar com a senhora, antes.

Ann não disse nada.

Embora milady tentasse disfarçar, Hester sabia que a patroa estava com ciúme. Nate era bonito demais, de rosto e de corpo, para que a duquesa não se sentisse atraída por ele, também. E ele não escondia o fato de não gostar dela, ou melhor, de Albert. Hester con­teve o riso. A duquesa devia estar fervendo de raiva, por saber que ele preferia uma criada a ela.

Saciado, Richard fechou os olhos e, rapidamente, adormeceu. Hester acomodou no colo, envolvendo-o no cobertor.

Depois de um jantar excelente e um café da manhã reforçado, Ann conseguiu apreciar a viagem de trem a Pueblo. O cabineiro a informara de que o trajeto seria curto. Ela passou a maior parte do tempo cui­dando de Richard, e pensando. Deu-se conta, com certo alívio, de que quando chegassem a Pueblo, ou Santa Fé, não teria mais de ouvir o sarcasmo de Nate. Mas, se fosse honesta consigo mesma, tinha de admitir que se lembraria dele durante muito tempo ainda.

Ann cruzou as pernas e observou a criança adormecida no banco ao seu lado. Perguntou-se se todos os bebês dormiam tanto. Hester agia como se isso fosse normal, mas exceto pelos momentos em que o amamentava, passava pouco tempo com o filho, o que Ann interpretou como um bom sinal, de que ela passara a aceitar o fato de que a duquesa seria a mãe dele.

Por quanto tempo deveriam permanecer nas co­lônias, antes de retornar à Inglaterra? Deveriam esperar até que o menino tivesse idade suficiente para se defender? Ora, a essa altura, ele já teria criado laços, e não desejaria partir. Por outro lado, atravessar o oceano com um bebê era arriscado de­mais. Havia muito o que considerar. Ser mãe im­plicava uma grande carga de responsabilidade.

Antoinette suspirou. No dia seguinte, viajariam com conforto. A diligência certamente pararia em boas hospedarias, que serviriam a melhor comida. Tudo isso deveria deixá-la feliz, mas sem que soubesse por que, ela foi tomada por uma forte vontade de chorar. Aque­la aventura vinha sendo mais difícil do que ela se permitia admitir. Ergueu uma das mãos e segurou a ponta dos cabelos entre os dedos. Ah, como sentia falta dos longos cachos quase prateados.

Seguindo as instruções da duquesa, assim que de­sembarcaram em Pueblo, Hester pediu a Nate que a acompanhasse em uma caminhada, alegando pre­cisar de um pouco de ar fresco.

Os dois passeavam tranqüilamente, desfrutando a brisa fresca. Quando Hester comentou que jamais vira montanhas como aquelas, Nate mostrou-se feliz em falar das montanhas Rochosas, assim como da vida selvagem que as habitava.

— Pela maneira como fala, Nate, parece gostar muito do território de Colorado. Se é assim, por que não vive aqui?

— Já vivi, no passado.

— Por que partiu?

— É uma longa história.

Hester pousou a mão no braço de Nate, fazendo-o parar.

— Eu... — fez uma pausa e respirou fundo. — Nate, você tem sido tão bom para nós... Sinto-me tão...

Percebendo-lhe o ar preocupado, ele indagou:

— Algo errado?

— Não exatamente. Ah, esqueça. Vamos continuar o passeio. Conte-me mais sobre os animais magní­ficos que vivem nas montanhas.

— Se tem algo a dizer, fale de uma vez — ele a encorajou com um sorriso.

Hester soltou uma risadinha nervosa.

— Vamos nos sentar sob aquela árvore — sugeriu. Assim que se acomodaram, e que Richard dormia tranqüilo, sobre a grama, olhou por cima do ombro, a fim de se certificar de que a duquesa não se apro­ximava. Satisfeita por constatar que não seria inter­rompida tão cedo, lançou um olhar meigo para Nate, desviando os olhos rapidamente. Tratava-se de um gesto que sempre captava o interesse masculino.

— Como ia dizendo, você tem sido muito bom para nós. Não sei o que teria acontecido comigo, quando Richard nasceu, se você não estivesse lá. Não tive a oportunidade de agradecê-lo apropriada­mente. E por causa da sua generosidade e gentileza, que me sinto obrigada a ser completamente honesta.

Nate voltou a sorrir.

— Ora, o que poderia ser tão sério?

— Não está facilitando a conversa para mim.

— Está bem. Vamos falar a sério. Que segredos terríveis tem para me contar?

Hester voltou a olhar para a estação. Pensara mui­to no que deveria contar a Nate, e se decidira por meias verdades e meias mentiras. Dizer somente mentiras nunca dava certo.

— Albert não é meu marido.

Nate demorou um instante para assimilar a informação.

— O que está querendo dizer?

A voz dele soou muito baixa, mais ameaçadora do que um grito irado. No mesmo instante, Hester soube que conseguira despertar a reação que esperava.

— Bem, eu... Deixe-me tentar de novo. Não é fácil para mim. — Retirou um lenço do bolso do vestido. — Meu marido foi assassinado, durante uma caçada, por um assaltante. Albert e eu fomos as únicas tes­temunhas do crime. — Abaixou a cabeça e levou o lenço ao nariz. — Edmund, meu marido, era um homem cruel, e lamento dizer que o crime foi jus­tificado, mas essa é uma outra história. — Secou uma lágrima. — Todos sabiam que Edmund me tra­tava com brutalidade, e Albert advertiu-me de que eu poderia ser acusada pelo assassinato, caso não partíssemos. Na ocasião, o que Albert disse fez sen­tido. Eu estava tão confusa... e não tinha mais nin­guém a quem pudesse pedir ajuda.

— Então, Albert trouxe você para a América.

— Ele me garantiu que ficaríamos em segurança, aqui, mas acabou descobrindo que Matthew, primo de meu marido, estava à nossa procura, e havia pago mercenários para nos seguir. Albert insistiu em que deixássemos Nova York e seguíssemos para a fazenda de meu primo, onde eu estaria segura.

Hester ergueu os olhos meigos e suplicantes.

— No início, senti profunda gratidão. Albert abriu mão de tudo, para me trazer para cá. Eu acreditava que ele havia salvo minha vida. No entanto, quando chegamos em Nova York, ele começou a fazer co­mentários sobre como deveria ser recompensado. Dizia que, afinal, ele era o único capaz de provar minha inocência. A princípio, concordei, e disse que, depois que a criança nascesse, voltaríamos para a Ingla­terra, e ele seria recompensado com justiça. Aquela altura, eu já começava a questionar nossa partida abrupta. Quando ele começou a falar em casamento, fiquei seriamente preocupada.

Hester voltou a abaixar a cabeça.

— Nate, tenho medo de não chegar viva à fazenda de meu primo, Beau. Tenho certeza de que Albert pretende me forçar a casar com ele, no caminho. Já tentei me livrar dele, mas tudo o que consegui foi receber ameaças. Não sei o que fazer. Sou uma mu­lher sozinha, com um filho recém-nascido, cujo di­nheiro está chegando ao fim.

A expressão gelada de Nate deixou-a incerta quan­to ao que ele estava pensando. Porém, última coisa que esperava foi a gargalhada que ele soltou.

— Não vejo a menor graça na situação! — excla­mou, indignada, antes de apanhar Richard e tentar levantar-se.

Nate segurou-a pelo braço.

— Desculpe-me por ter rido — disse. — Acontece que sua revelação explica muitas coisas. Agora, en­tendo por que Albert nunca agiu como um marido de verdade. Espero que ele não tenha...

— Ah, não! — Hester apressou-se em declarar. — Eu esperava que você pudesse me sugerir alguma solução.

Nate levantou-se.

— Seu suposto marido se aproxima. Você não pre­cisa se preocupar com mais nada. Cuidarei de tudo.

Ajudou-a a se pôr de pé.

Hester encontrou certa dificuldade em disfarçar a alegria.

— Deixe-me agradecê-lo, enquanto tenho a chan­ce, por qualquer ajuda que possa me dar — sussur­rou, tomando o filho nos braços.

— O chefe da estação garantiu que nossa baga­gem será entregue no escritório da diligência — Ann informou-os.

Descobrira que teria de esperar até chegarem em Santa Fé, para procurar por um substituto para Nate. Lançou-lhe um olhar rápido e deu-se conta de que real­mente sentiria falta dele. Porém, era melhor terminar tudo daquela maneira. Estava se apaixonando por um homem que nem sequer sabia de sua existência.

— Sugiro que vocês voltem para o hotel — Nate falou.

— E quanto a você? — Hester inquiriu, ansiosa.

— Eu, minha cara, vou visitar o saloon.

— Mas...

— Não há o que temer. Não tenho a menor in­tenção de abandoná-la.

Nate virou-se e afastou-se. Havia começado a sen­tir certo respeito por Albert, pois calculara que um homem capaz de dar tanta atenção ao filho não po­deria ser de todo mau. Bem, fora o que pensara, até ouvir a história da duquesa. Agora, estava cu­rioso para saber se tudo não passava de encenação.

Nate precisava de uma boa dose de uísque. Como fora se envolver em uma situação tão complexa? Por mais que detestasse admitir, Albert tinha razão. Ele deveria ter cuidado de sua própria vida.

 

Ann olhou, incrédula, para a diligência na qual viajariam para Santa Fé. Não se parecia em nada com os veículos existentes na In­glaterra, e os seis cavalos que a puxavam eram velhos e pareciam doentes. Além do número excessivo de passageiros que se espremeria nos dois bancos duros, outras pessoas fariam a viagem empoleiradas no teto. A cena lembrava as carroças de leite inglesas.

Ann virou-se para reclamar, mas ao se deparar com a expressão dura no rosto de Nate, manteve-se calada. Não estava disposta a iniciar mais uma dis­cussão. Era óbvio que a viagem não seria agradável como ela imaginara.

Nate ajudou Hester a embarcar e, então, sentou-se ao lado dela. Quando Ann finalmente entrou na dili­gência, não tinha escolha, senão sentar-se junto à ja­nela, diante de Hester. Secretamente, admitiu para si mesma que teria preferido sentar-se ao lado de Nate.

No segundo dia de viagem, Ann já havia descoberto que os cocheiros americanos não se importavam com o conforto dos passageiros. A diligência seguia em alta velocidade por estradas primitivas e esburacadas. Depois das quinze horas e dos sessenta e cinco qui­lômetros que haviam percorrido na véspera, mais os noventa e cinco quilômetros que deveriam cobrir na­quele dia, Ann estava convencida de que seria me­lhor morrer, a continuar com aquele sofrimento.

Ann abriu a cortina de couro e olhou para o céu. As cortinas deveriam impedir que a poeira entrasse no interior do veículo, mas isso não funcionava. Ao menos, as nuvens baixas que cobriam o céu manti­nham a temperatura mais baixa do que na véspera, quando ela chegara a pensar que desmaiaria de calor.

Voltou a fechar a cortina. A chuva não demoraria a chegar, pois já era possível sentir o cheiro da terra molhada. Os homens que viajavam no topo da di­ligência ficariam encharcados.

Ann virou-se para Nate.

— Da maneira como esta diligência sacode, não entendo como aqueles homens lá em cima ainda não caíram na estrada — comentou.

Nate não respondeu, assim como nenhum outro passageiro. Ann desviou o olhar. Desde que haviam deixado Pueblo, ela o surpreendera diversas vezes a fitá-la com ódio, mas não fazia a menor idéia do que provocara a zanga dele, dessa vez.

Ao ouvir gritos e assobios, Ann abriu a cortina, assim como os demais passageiros. A diligência es­tava prestes a passar por duas carroças cobertas, que transportavam mulheres. Algumas seguiam a pé, enquanto outras iam sentadas nos veículos.

Os homens as cumprimentaram com entusiasmo, e Ann ficou chocada a vê-las acenar, fazer gestos obscenos e erguer as saias coloridas, a fim de exibir as pernas nuas.

— Belas saias — resmungou, antes de fechar a cortina, no exato momento em que o cocheiro con­duzia a diligência para a esquerda, aparentemente tentando não deixar as mulheres no rastro de poeira.

Toda vez que o olhava para o homem sentado diante de Hester, Nate sentia o sangue ferver. Quan­do soubera o que Albert fizera com a duquesa, seu primeiro impulso fora, simplesmente, matá-lo. Mais tarde, concluíra que tal fim seria ameno demais para o patife. Já que lorde Albert queria viajar para o oeste, nada mais apropriado do que mostrar a ele o verdadeiro oeste americano.

— Até quando o cocheiro vai insistir em viajar em velocidade tão absurda? — Ann indagou, logo depois de passarem por mais um buraco.

Os lábios de Nate curvaram-se em um sorriso.

— Talvez você prefira caminhar.

Antes que Albert pudesse imaginar o que estava por trás do comentário irônico, Nate agarrou-o pelo braço, ao mesmo tempo em que abria a porta da di­ligência. Bastou um gesto brusco para que Albert voas­se para fora. Nate não deu a menor atenção aos olha­res perplexos dos demais passageiros. Fazia anos que não experimentava satisfação tão completa.

— Um homem caiu da diligência! — gritou alguém que viajava empoleirado no teto.

O cocheiro puxou as rédeas, mas Nate enfiou a cabeça pela janela e disse:

— Siga adiante. O cavalheiro não resistiu à ne­cessidade de prazer.

Todos riram e, rapidamente, os cavalos retoma­ram o ritmo anterior. Hestér também riu, incapaz de esconder sua alegria.

— O que você fez foi uma grande crueldade — disse, sem grande convicção —, mas acho que ele mereceu tal punição.

Assim que parou de rolar, Ann pôs-se de pé, gri­tando sem parar. Ao ver a diligência diminuir a velocidade, correu naquela direção, mas o cocheiro incitou os cavalos adiante, imediatamente. Gritando a plenos pulmões, agitando as mãos no ar, ela pulou e girou em torno de si mesma, sufocando em frustração. Finalmente chutou com força o chapéu que cair no chão e, então, ficou ali parada, observando a diligência desaparecer em meio a uma nuvem de poeira.

— Patife... miserável... cascavel — praguejou. — Que Deus o ajude, Nathan Bishop, pois não escapar impune, depois de me roubar a esposa e o filho.

Ann baixou os olhos para as próprias roupas. Uma das mangas do paletó continuava presa ao ombro por um fio apenas. Ela a arrancou a atirou-a longe.

— Bastardo! E pensar que eu já começava a ad­mirá-lo. Deveria ter mantido minha primeira opinião.

De ombros vergados, a respiração ofegante, Ann começou a caminhar.

— Você não vale...

Um ruído chamou-lhe a atenção. Ann virou-se deparou com as carroças de mulheres, que avançavam na sua direção.

— Olá, doçura — uma delas cumprimentou, assim que a caravana parou. — Ah, mas ele é tão jovem.

— Precisa de uma carona, rapaz? — outra ofereceu. Por alguns momentos, Ann havia se esquecido de que vestia roupas masculinas.

— Vocês... vocês não compreendem — replicou nervosa. — Não sou...

As palavras morreram em sua garganta, quando um homem de pele escura adiantou-se para ela. Ann queria virar e correr, mas suas pernas recusaram-se a obedecê-la. As trancas negras que passavam dos ombros, as contas coloridas que formavam a faixa que ele tinha em torno da cabeça e o cavalo pintado não deixavam dúvidas de que ela, finalmente, se via diante de um índio. Ann desmaiou.

— Estou dizendo que não há nada aí! — a ruiva insistiu.

— Como sabe, Jezebel? — Agnes indagou. A mais velha afastou suas garotas.

— O que está acontecendo?

— Mae, Jezebel acha que ele não é homem — Agnes zombou. — Está tão acostumada a vê-los sem roupa, que é incapaz de reconhecê-los vestidos.

As mulheres nas carroças, assim como as que ca­minhavam, começaram a correr para elas, a fim de entender o que se passava.

— Todas de volta aos seus lugares! — Mae orde­nou. — Cuidarei disso, pessoalmente.

Afastou os cabelos tingidos do rosto e examinou o homem inerte. As roupas indicavam tratar-se de um cavalheiro, mas era verdade que seu rosto era bonito demais para ser masculino.

— Agnes, desabotoe a calça dele — comandou. — Vamos decidir isso, agora mesmo.

Justamente quando a morena miúda se abaixava, o desconhecido abriu os olhos. Agnes endireitou-se depressa.

Ann fitou as três mulheres maquiadas que a exa­minavam, mas foram os índios montados em cavalos, a poucos metros de distância, que a fizeram sen­tar-se de um pulo.

O medo evidente no rosto do rapaz fez Mae virar-se para onde ele olhava. Sua gargalhada foi sonora.

— Não precisa ter medo dos garotos — afirmou. — Eu os pago para manter a mim e às garotas em segurança.

— Levante-se — Agnes sugeriu com voz suave, fascinada com seu achado. — Deixaremos você viajar em nossa carroça.

— Posso, perfeitamente, caminhar para onde te­nho de ir — Ann declarou, embora continuasse sen­tada no chão.

Apesar da tentativa da mais velha em acalmá-la, os homens ainda a assustavam.

— Caminhar? — Mae repetiu, levando as mãos à cintura. — Como pretende fazer isso? E quanto aos apaches? E como vai conseguir água e comida?

— Por que eu deveria me preocupar com apaches, se estou diante de três índios montados? — Ann inquiriu com voz trêmula.

Mae sacudiu a cabeça.

— Querido, apaches são índios, também. Estes garotos são bons índios. Zacariah, por exemplo, de pele mais clara, é meio índio, meio branco. Venha conosco — convidou com uma piscadela. — Cuida­remos bem de você.

Mordendo o lábio, Ann levantou-se devagar. Tentou com todas as forças conter as lágrimas, mas seu esforço foi inútil. O som de um trovão foi o golpe final. Ela voltou a desabar no chão, chorando incontrolavelmente.

Boquiabertas, Mae e as outras continuaram olhando fixamente para a criatura sentada no chão. Nem se deram conta dos pingos de chuva que co­meçavam a cair, pois nunca antes haviam visto um homem chorar daquela maneira.

Mae limpou a garganta.

— Senhor...

— Não sou um homem — Ann confessou entre soluços. — Será possível que ninguém percebe que sou mulher?

Escondeu o rosto nas mãos e chorou ainda mais.

Foi o pingo de chuva que caiu em seu nariz, que trouxe Mae de volta à realidade. Erguendo os olhos para o céu, ela se deu conta de que, dentro de poucos minutos, uma tempestade se abateria sobre tudo e todos.

— Todos nas carroças! — ordenou.

Uma vez estabelecido que a criatura não era ho­mem, Mae sabia exatamente o que fazer. Convivia com mulheres temperamentais havia quase quinze anos, e aquela não poderia ser diferente das outras.

— Levante-se! — determinou, agarrando a desconhecida pelo braço e forçando-a a se pôr de pé.— Não vou me encharcar na chuva, só porque você está sentindo pena de si mesma.

Quando se viu na carroça, Ann finalmente parou de soluçar e se sentou em um dos bancos, tentando ignorar os olhares curiosos, fixos nela. Seu compor­tamento e evidente vulnerabilidade a embaraçavam.

A chuva não demorou a cessar, embora nuvens escuras continuassem a cobrir o céu. Como Mae não dera ordens para que as carroças seguissem viagem, assim que a chuva parou, as mulheres da outra carroça correram para a primeira, todas querendo saber por que a mulher de sotaque estranho usava roupas masculinas.

Ann notou que até mesmo os três índios e os dois cocheiros haviam se assumido posições estratégicas, na intenção de ouvi-la.

— Muito bem — Mae começou em tom gentil —, conte-nos o que aconteceu.

Talvez fosse a ansiedade no rosto de todas, ou então, a simpatia na voz da mais velha, mas Ann jamais seria capaz de explicar por que acabou abrindo o coração para aquelas mulheres devassas. Mes­mo assim, pela primeira vez, as palavras deixaram seus lábios em uma torrente. Contou tudo sobre a morte de Edmund, sobre a viagem, e confessou todas as suas preocupações, dúvidas e mágoas.

Quando terminou sua história, com exceção dos homens presentes, todos os olhos apresentavam-se vermelhos e cheios de lágrimas. Inclusive os de Mae.

— Não podemos permitir que esse tal de Nate saia impune! — Uma das moças protestou com vee­mência. — Ele tentou matá-la!

Todas as cabeças balançaram em concordância.

— Mas... o que podemos fazer? — uma outra indagou. Mae olhou para seus guardas índios. Contando com dois cocheiros, ela não precisava de mais que dois outros homens. Zacariah, porém, que já havia sido contratado, a convencera a levar dois amigos dele. Ela e Zach se conheciam havia anos. Ele era, não só um bom amante, mas também dono de um sorriso contagiante e uma personalidade marcante, que tornavam impossível recusar-lhe qualquer coisa. Ela voltou a olhar para Ann.

— Sabe montar?

— Muito bem.

— Mae teve uma idéia — alguém sussurrou. Todos ficaram em silêncio, aguardando com expectativa.

— Zacariah, quero que ajude Ann a alcançar a diligência. Então, cuide para que o homem chamado Nate tenha uma recompensa justa pelo que fez.

Todos os olhos se voltaram para Zacariah.

Ann abriu a boca para protestar, mas mudou de idéia. Precisava de ajuda e não tinha mais ninguém a quem recorrer.

— O que devo fazer? — o homem de olhos cin­zentos perguntou. — Matá-lo?

— Não, não — Ann apressou-se me dizer. — Quero vingança, mas não quero minhas mãos sujas de san­gue. Ele deve ser abandonado no meio do nada, como fez comigo. E quero que ele saiba que sou mulher. Quero que perceba como foi cego.

Um coro de concordância elevou-se do grupo.

— Então, você e Hester poderão seguir adiante, conforme seus planos — alguém sugeriu.

As mulheres queriam ver Ann conseguir a sua vingança. Ao que parecia, todas consideravam Zach a solução ideal. Mae garantira, várias vezes, que aqueles índios eram dignos de total confiança. Para Ann, não havia escolha. Fizera tudo o que estava ao seu alcance para garantir a segurança de Gravenworth, e não poderia desistir agora.

Endireitou as costas.

— Tenho dinheiro — declarou.

Zach fitou-a por um longo momento, antes de indagar:

— É verdade?

O sorriso dele era contagiante. Ann não esperava se deparar com dentes tão brancos e perfeitos e, até então, não se dera conta de quanto ele era atraente.

— E me manter satisfeito faz parte do acordo? — ele perguntou.

— Não — ela respondeu com firmeza. — O serviço não inclui qualquer privilégio na cama. — Então, virou-se para os outros dois. — Algum de vocês está interessado em ganhar um bom dinheiro?

Zach riu.

— Eles não falam inglês.

— Muito bem. Já que você parece não ser homem o bastante para dar conta da incumbência, cuidarei de tudo sozinha. Abaixando-se, Ann dirigiu-se à abertura da carroça.

— Não pode, simplesmente, ir embora — Agnes argumentou.

— Mae, você me perguntou se sei montar. Devo entender que tem um cavalo que eu poderia usar?

Mae assentiu, observando Zach pelo canto do olho, sabendo que ele ainda não tomara sua decisão.

— Zach, mande Joe selar Star.

Zach murmurou algo em uma língua que Ann não compreendeu, mas assim que ele parou de falar, o índio chamado Joe afastou-se.

— E, por acaso, tem um rifle? — Ann perguntou. Mae ficou impressionada.

— Também sabe atirar?

Ann assentiu, antes de saltar para o chão. Desta vez, suas pernas revelaram-se firmes. Mae seguiu-a, assim como as outras moças.

— Pretende ficar em Santa Fé? — Ann perguntou, tirando a poeira das roupas.

— Ah, sim — Mae confirmou. — Dentro de pouco tempo, espero ter dinheiro suficiente para abrir um salão de jogos.

— Providenciarei para que seu cavalo seja devol­vido em segurança — Ann garantiu com um sorriso.

Joe reapareceu, conduzindo uma égua selada. Tra­tava-se de um belo animal. O outro índio estendeu-lhe um rifle. Um cantil pendia da sela, assim como um alforje, que Ann concluiu conter comida. Seus olhos encheram de lágrimas.

— Obrigada, Mae, e a todas vocês, pela ajuda. Se todos tivessem tanta compaixão, o mundo seria melhor.

Ann montou, e Joe apressou-se em ajustar os estribos. Emocionada, ela mal podia falar.

— Em que direção devo seguir? — perguntou com voz estrangulada.

— Para oeste — um dos cocheiros informou-a. — Há uma taverna a menos de oitenta quilômetros daqui, onde todas as diligências param.

Ann sorriu, acenou e fincou os calcanhares nos flancos da égua. Teria de cavalgar um bocado para alcançar a diligência, e precisaria ter o cuidado de não cansar demais o animal.

 

Os passageiros da diligência estavam exaustos, e Nate não era exceção. A roda quebrada que exigira reparos, os quilômetros extras que haviam percorrido, por causa dos riachos cheios demais e a chuva persistente haviam exercido efeitos devastadores sobre todos. Como haviam se distanciado da rota de tavernas, haviam sido força­dos a parar diversas vezes para dar descanso aos cavalos, sem poder trocá-los. E, quando viajavam, os animais seguiam em ritmo lento.

Quando o dia amanheceu, Nate observou os de­mais passageiros. As roupas molhadas, o odor dos corpos e os roncos altos tornavam seu desconforto ainda maior. O único que enfrentara todos os atrasos sem nenhuma queixa fora Richard. O bebê parecia, simplesmente, imune a todas as dificuldades.

Nate tentou mover os pés, mas não conseguiu. Qua­tro dos homens que viajavam no topo da diligência estavam, agora, espremidos dentro dela. Ora, não havia espaço sequer para alguém pensar! A idéia de que Albert acabara se saindo muito melhor do todos ali não ajudou em nada a melhorar o humor sombrio de Nate.

A diligência passou por cima de mais um buraco, e a mão de Hester pressionou a dele. A respiração regular e profunda indicava que ela conseguira dor­mir. Com Richard acomodado em um dos braços, a duquesa deixara a cabeça pender lentamente, até repousá-la por completo no ombro de Nate. Ele riu baixinho. As mulheres sabiam como deixar claro que desejavam um homem, e Hester fizera o possível para que ele percebesse todos os sinais.

Alguns anos antes, ele teria considerado as vanta­gens de um envolvimento com uma mulher como ela. Era atraente, simpática, dona de um corpo repleto de curvas suaves. Agora, porém, Nate não se interes­sava. Não que levasse uma vida exemplar. Muito pelo contrário. No entanto, a idade provocara mudanças em sua personalidade, e as conquistas fáceis não ofe­reciam o mesmo sabor que tinham em sua juventude. Infelizmente, o tempo não corrigira a sua falta de paciência, e ele continuava a não hesitar em matar um homem, caso considerasse necessário.

Talvez fosse mais parecido com o pai do que ima­ginara. Muita gente o acusara de ser frio. Mesmo assim, o pequeno Richard conseguira ultrapassar todas as barreiras. O bebê tocara fundo seu coração.

Nate pensou na própria infância. O amor não fizera parte de sua educação. Sua mãe estivera sempre mui­to ocupada com seu papel de socialite rica, e seu pai usava o dinheiro para comprar e dominar os outros. Farto da crueldade e amargura do pai, Nate fugira do internato, plenamente consciente de que seria de­serdado por isso. Aos catorze anos, a riqueza e um império de navios não apresentavam atrativos. O oes-i te, por outro lado, era tudo o que um garoto sonhava i experimentar. Depois de roubar dinheiro do pai, ele deixara sua casa, sem jamais ter olhado para trás.

Até o pai morrer de um ataque cardíaco.

Algo que o velho, evidentemente, não imaginara dera ao trabalho de alterar o testamento. Para felicidade da esposa, ela se tornara uma viúva mais rica do que antes, o que impediu que sofresse com a solidão. Quando Nate vivia com os índios, a mãe conseguira informá-lo da morte do pai. Também avisara que não seria necessário que ele voltasse para casa, uma vez que o pai fora cremado, e que ela estava de mudança para a França. Martha Bishop não precisava de nada, nem de ninguém.

Acometida por uma doença súbita, ela retornara a Nova York. Sabendo que Nate seria facilmente encontrado por um tio que vivia em San Francisco, ela enviara uma mensagem, pedindo para vê-lo. O que surpreendeu Nate, uma vez que nunca haviam se aproximado, antes.

Mesmo assim, ele havia viajado para Nova York. Embora não existisse amor entre os dois, eles ha­viam conseguido superar as mágoas e diferenças, antes que ela morresse. Fora somente depois do fu­neral que Nate descobrira ter herdado tudo, inclu­sive a imensa mansão que o pai construíra, a fim de ostentar sua riqueza. Nate sorriu com amargura. Partira de Nova York, deixando instruções para que o advogado da família vendesse a propriedade.

A duquesa acomodou melhor a cabeça. Nate fi­tou-a por um momento, pensativo. Deveria informá-la de que o homem do qual estava fugindo, estava à sua espera, em Santa Fé?

Virou-se para a janela. Sempre gostara da com­panhia das mulheres, mas talvez por causa de sua mãe, ou de suas próprias experiências, não confiava nelas. Por exemplo, como saber se a história da du­quesa não passava de um amontoado de mentiras?

Se estivesse convencido da inocência dela, cuidaria para que Matthew Huntington a deixasse em paz. A duquesa sentou-se de súbito, quase derrubando o bebê. Teve de fazer uma manobra rápida, a fim de impedir que ele caísse. Aconchegou-o nos braços, murmurando palavras doces. Nate sorriu. Richard não emitiu sequer um gemido.

— Vamos, finalmente, chegar na taverna, dentro de uma hora — Nate informou-a.

Os olhos de Ann brilharam de prazer. Finalmente, avistava uma taverna. Um homem atrelava cavalos descansados à diligência.

Ann e Zach desceram uma colina e, quando emer­giram do outro lado, o homem desaparecera. Ela cal­culou que ele havia entrado, para se juntar aos outros.

Graças a Zach, haviam alcançado o desprezível Nathan Bishop. E ele estava prestes a descobrir como era estar na mira de um rifle. Não passava de um ladrão de esposas e bebês, e merecia paga­mento pior do que aquele que receberia.

Ann e Zach pararam os cavalos diante da cons­trução de madeira, e desmontaram. Ann retirou o rifle da sela. Zach sacou a pistola.

— Vou lhe dar cobertura — ele disse.

Com uma autoconfiança que surpreendeu até a si mesma, Ann encaminhou-se para a porta e abriu-a. Seus olhos pousaram, imediatamente, no casal sen­tado à mesa, de costas para ela. Ergueu o rifle, apontando-o para o homem que vestia o casaco de camurça.

— Deveria ter me matado, sr. Bishop.

Os passageiros interromperam a refeição, erguen­do os olhos para saber o que se passava. Foi a ex­pressão de culpa no rosto pálido de Hester que plantou a semente da suspeita na mente de Ann. Teria a criada traído sua confiança, mais uma vez? Nate, por outro lado, não demonstrou qualquer sinal de surpresa, medo ou arrependimento.

— Levante-se — Ann ordenou. — Vai pagar pelo que fez comigo. — Acenou com a cabeça na direção de Zach. — Meu amigo me garantiu que tem um tratamento especial para lhe dar.

Nate empurrou a cadeira para trás e levantou-se devagar.

Ann fixou os olhos nos dele. Jamais o perdoaria pelo que ele lhe fizera. Nate não era diferente de qualquer outro homem que usava as mulheres. Du­rante a viagem, ela chegara a pensar que, talvez... Bem, nada disso importava, agora.

— Ah... — Zach tentou falar.

Ann abanou a mão para silenciá-lo. Mais uma vez, Zach tentou fazê-la ouvir o que ele tinha a dizer.

— Preciso falar...

— Quieto! Tenho este homem exatamente onde o queria, e pretendo saborear cada momento.

Embora Nate se mostrasse calmo, Ann reconheceu com clareza a fúria os olhos negros, que sustentavam seu olhar. Não hesitou, nem se sentiu intimidada. Deu-se conta de que, em algum ponto daquela aven­tura, despira-se de sua pele de cordeiro e vestira a do lobo. Não tinha medo de Nate.

— Zach — ela sibilou —, acompanhe o cavalheiro até lá fora. Mas, antes de matá-lo — disse, apenas para amedrontar Nate —, descubra por que ele me atirou para fora da diligência.

Então, seus olhos pousaram em Hester.

A criada transferiu Richard para o braço esquerdo, preocupada com a frieza e determinação nos olhos da duquesa. Não havia o menor sinal de mi­sericórdia, ou de fraqueza, no semblante de sua se­nhora. Teria ela adivinhado a verdade?

— Não — Hester arriscou, na tentativa de salvar seu plano perfeito. — Não pode matá-lo. Ele ajudou Richard a nascer. Não é possível que não sinta se­quer gratidão por isso.

Com um gesto nervoso, afastou os cabelos do rosto. Embora soubesse tratar-se de uma idéia tola, olhou para a porta, considerando suas chances de fuga. Tinha de convencer Ann de que era inocente.

— Estou tão aliviada por vê-la sã e salva — mur­murou com voz trêmula. Ora, por que não pensara em demonstrar preocupação, antes? — Não tive nada a ver com tudo isso. Eu queria voltar para apanhá-la, mas não podia. Tinha de proteger Ri­chard. — Baixou os olhos, em atitude humilde. — Sinto-me muito envergonhada. Tinha razão ao dizer que eu não deveria sequer conversar com Nate.

Hester sabia que sua tentativa de parecer sincera não estava convencendo Ann.

Nate virou-se lentamente para as duas. Sempre dissera a si mesmo que um homem jamais deveria dar as costas a uma mulher, pois ela o apunhalaria sem a menor hesitação. Ali estava o exemplo per­feito. Menos de uma hora antes, a duquesa havia declarado seu eterno amor por ele.

— Estou tentando lhe dizer — Zach persistiu — que este...

A boca de Zach continuou aberta, mas ele não pronunciou nenhuma outra palavra. Horrorizada, Ann viu-o desabar no chão. Somente então viu a flecha cravada no ombro dele. Mas, de onde...

— Ataque de índios! — alguém gritou.

Ann viu-se dividida entre ajudar Zach e vigiar Nate. Quando Nate virou-se, ignorando o rifle que ela man­tinha apontado na direção dele, Ann teve o ímpeto de puxar o gatilho, mas ajoelhou-se, deixando a arma no chão, bem ao seu alcance, e ajudou Zach a se sentar. O sangue já encharcava a camisa do mestiço. No mes­mo instante, ela se lembrou da morte de Edmund, mas mesmo assim, sua força não oscilou.

— O que devo fazer? — perguntou a Zach. — Devo retirar a flecha?

— Não. Diablo cuidará de mim, quando tiver tempo.

— Diablo? — ela repetiu, curiosa.

— Nate e eu fomos companheiros de viagem. Era o que eu estava tentando lhe dizer.

Ann fitou-o, incrédula. De todos homens, por que tinha de ter encontrado justamente um que conhecia Nate? Sua falta de sorte parecia não ter mais fim.

— Todas as mulheres devem ficar juntas, no meio do salão — Nate instruiu, enquanto armas eram distribuídas.

— Fique com as mulheres — Zach disse a Ann. — Estarei bem. — Para surpresa de Ann, ele se pôs de pé e gritou: — Dêem-me uma arma!

— Você não está em condição de fazer coisa al­guma — ela protestou.

— Precisamos de toda a ajuda que pudermos conseguir.

Observando Zach afastar-se, Ann lembrou-se das histórias dos massacres praticados pelos índios. Na­quele momento, nada lhe parecia mais tentador do que juntar-se às outras mulheres. Infelizmente, quando rastejava para junto de Hester, foi agarrada por um braço forte, que a pôs de pé pelo colarinho.

— Aonde pensa que vai? — Nate inquiriu.

— Eu...

— Você não passa de um covarde asqueroso, da cabeça aos pés, mas não vai se esconder, desta vez. Apanhe uma arma e se posicione em uma das ja­nelas, ou eu mesmo me encarregarei de pôr um fim à sua vida inútil!

Com isso, Nate chutou o rifle que ela havia dei­xado no chão. Ann hesitou, mas concluiu que aquele não era o melhor momento para contar a ele sobre sua verdadeira identidade.

Nate empunhou a pistola que carregava no bolso do casaco, mas antes que pudesse apontá-la para Ann, ela se abaixou e apanhou sua arma. Em se­guida, correu até a janela mais próxima. Foi somente quando espiou pela pequena abertura, que se deu conta da precariedade da situação em que se en­contravam. Um grande número de índios montados em cavalos magníficos, gritavam ao mesmo tempo em que circundavam a taverna. Seus rostos apre­sentavam pinturas grotescas, e todos empunhavam arcos e armas de fogo.

Foi como se todos os ossos e músculos de Ann hou­vessem parado de funcionar. Ela nem sequer percebeu quando ergueu o rifle, enfiou-o pela abertura e dis­parou. Só despertou do transe quando viu um índio cavalgando diretamente na sua direção, com uma es­pingarda apontada para ela. Por um breve instante, seus olhares se encontraram. Ann sentiu na garganta o gosto amargo do medo. Puxou o gatilho e viu o guerreiro tombar da sela. Então, ergueu uma das mãos e secou o suor que banhava sua testa.

Tudo aconteceu tão depressa, que ela perdeu a noção de tempo. Tudo em que Ann conseguia pensar era na própria sobrevivência... e na de Richard... e, claro, de Hester.

Ann disparou mais um tiro, antes de virar-se para Hester e Richard. Foi tomada pela fúria ao ver a criada abandonar o bebê no chão, mas foi a expressão de desprezo no rosto de Hester, ao se afastar do filho, que transformou o coração de Ann em uma pedra de gelo. Como uma mulher podia odiar a crian­ça que ela mesma dera à luz?

Ann já se virava para apanhar Richard, quando uma bala cravou-se na madeira, bem acima de sua cabeça. Nate tinha razão. Se havia alguma chance de sobrevivência, teriam de ficar firmes em seus postos. Os índios já haviam roubado os cavalos, e a diligência transformara-se em uma imensa foguei­ra. Por mais que desejasse tomar nos braços o bebê que chorava, sabia que não poderia abandonar a janela. Ao menos por enquanto, Richard encontra­va-se fora de perigo.

Aflita, Hester olhou em volta. Os homens que não haviam apanhado armas estavam ocupados, distri­buindo munição para os outros. A esposa e a filha do dono da taverna atendiam os feridos. Dois ho­mens haviam sido atingidos. Por que ninguém dava atenção a ela? Como podiam esperar que ela ficasse sozinha, à espera da morte?

Um fraco assobio chamou-lhe a atenção. Para seu horror, uma flecha em chamas cravou-se a menos de um metro de onde estava. Atordoada, permane­ceu imóvel por alguns instantes, olhando fixamente para o fogo que logo se firmou no chão de tábuas.

Recuperando-se do susto e ignorando o filho, ela se afastou com rapidez. Para seu alívio, um homem correu e abafou as chamas com os pés.

Outra flecha incendiaria penetrou por uma janela que ficara sem sentinela. Desta vez, a barra da saia de Hester foi atingida. Desesperada, ela olhou em volta, à procura de ajuda. Todos estavam de costas para ela. Tentou gritar, mas sua garganta estava seca demais, para emitir qualquer som.

Com mãos trêmulas, tentou livrar-se do tecido em chamas. Seus olhos encheram de lágrimas, e ela sentiu o cheiro de pano queimado. Assim que con­seguiu tirar a saia, saltou para longe. Tinha de en­contrar água! Tinha de apagar o fogo!

Antes que qualquer pessoa se desse conta do que Hester pretendia fazer, ela retirou a tranca da porta e, com força inesperada, abriu-a.

O cocho! Tinha de alcançar o cocho onde os cavalos bebiam água.

Com o rosto encostado no rifle, Ann disparou mais uma vez. Não fazia idéia de quantas vezes havia atirado, nem se lembrava de ter recebido munição.

De repente, abaixou a arma e arregalou os olhos, incrédula com o que viu.

— Não — murmurou consigo mesma, enquanto observava Hester correndo a céu aberto, a bainha da saia em chamas.

Ann olhou para o outro lado. Os índios fechavam o cerco e, agora, aproximavam-se de Hester. As balas erguiam poeira do chão, perto dos pés da criada. En­tão, como se surgisse do nada, Nate apareceu. Ann prendeu a respiração, enquanto ele corria em zigue-zague, na direção de Hester. Assim que se aproximou o suficiente, mergulhou no ar, derrubando a mulher desesperada, apanhando um punhado de terra e usan­do-o para apagar o fogo na roupa dela. Em seguida, levantou-se, tomou-a nos braços, e correu de volta para a taverna. Os índios fincavam os calcanhares em seus cavalos, tentando impedir-lhe a fuga.

Ann ergueu o rifle e pôs-se a atirar nos persegui­dores, tentando dar a Nate tempo para alcançar a segurança. Só voltou a respirar quando ouviu a porta se fechar atrás de si.

— Eles atearam fogo nos fundos! — um homem gritou.

Ann virou-se e viu a fumaça que entrava por de­baixo da porta e começava a tomar conta do salão. Outros homens já corriam para lá. Não haveria como fugir? Seria esse o fim de todos ali?

— Albert!

Ann virou-se e viu Nate se aproximando. Havia um furo em seu casaco. Quando ele fora atingido? Ao que parecia, ele nem sequer se dera conta do ferimento.

— Se algum dia sonhou em se tornar um herói — Nate falou —, vou lhe dar sua chance, agora.

O tom rude impediu-a de pronunciar qualquer palavra gentil para o ferido.

— Sendo o mais magro de todos nós, terá de ser o nosso salvador.

Ann teve o palpite de que não ia gostar das pró­ximas palavras dele. Praticar um ato heróico era o último de seus desejos.

— Tenho certeza de que alguém...

— Há um túnel estreito, que leva a um curral de cavalos. Os sioux ainda não chegaram lá. Você terá de atravessar o túnel, montar um cavalo e se dirigir para oeste, até o Forte Bennington. Se não trouxer a Cavalaria bem depressa, morreremos todos.

Ann engoliu em seco, ao segui-lo até o fundo do salão. Nate parou, abaixou-se e abriu um alçapão no chão, ao lado da bomba de água. Ela daria qual quer coisa para poder se recusar a atendê-lo. Queria que Nate escolhesse outra pessoa, alguém que conhe­cesse a localização do forte. Teve vontade de gritar que era uma mulher, e que tinha pavor de ambientes fechados. Queria... Olhou para Richard, no chão. O pobrezinho havia chorado tanto que, agora, dormia.

A medida que Ann rastejava pelo túnel aparente­mente interminável, seu corpo foi se encharcando de suor, devido ao calor e à falta de ar. Teria sido esse o castigo escolhido por Nate, por ela ter lhe apontado uma arma? Seu rosto estava coberto de teias de aranha, que ela tentou retirar com as costas da mão. Queria voltar, mas não havia espaço sequer para virar-se. E, se voltasse, estaria decretando a própria morte.

Ann tinha certeza de que aranhas e outras cria­turas passavam por seu rosto e suas mãos. No en­tanto, a imagem de Richard, dormindo, deu-lhe co­ragem para seguir adiante e manter-se lúcida. Fosse como fosse, tinha de chegar ao forte.

Quando, finalmente saiu do túnel, respirou fundo e murmurou uma prece de agradecimento. Rolou no chão, até ficar de bruços, e espiou a taverna, sendo atacada pelos índios. Sob a cobertura de balas, o ho­mem calvo que se sentara ao lado dela, na diligência, saiu pela porta dos fundos e despejou um balde de água sobre as chamas. Outro homem o seguiu.

Na outra direção, a pouco mais de um metro de distância, situava-se o curral, onde os cavalos nervosos encontravam-se praticamente amontoados a um canto. Ann arrastou-se até lá. Não havia nenhuma sela ou cabresto à vista. Fazia muito tempo que Ann não tentava provar ao irmão que era perfeitamente capaz de montar sem tais apetrechos.

Depois de selecionar um cavalo, Ann aproximou-se dele com cuidado.

— Calma — murmurou com voz gentil. — Não vou lhe fazer mal.

Ao perceber que o cavalo não se tornara arisco com sua aproximação, ela se agarrou à crina espessa e montou. Então, fez algumas manobras rápidas, a fim de se certificar de que o animal poderia ser conduzido pela crina. Em seguida, Ann inclinou-se para um lado e soltou a tira de couro que prendia a porteira do curral. O que Zach lhe dissera sobre como saber se estava viajando para oeste?

 

Apoiada em uma cadeira, Hester tentou limpar a garganta. Doía demais. Le­vou a mão ao peito e, então, ergueu-a à altura dos olhos. Estava coberta de sangue. Deu-se conta de que estava morrendo. Amargurada, amaldiçoou a mulher que tanto odiava. Todas as injustiças que haviam se abatido sobre sua vida eram culpa de Antoinette Huntington.

— Ela deveria estar aqui, em meu lugar — resmungou.

Tendo fechado o alçapão, logo após a saída de Albert, Nate passou os olhos pelo salão. A maior parte dos homens, inclusive os feridos, mantinham suas posições, mas ele sabia que a situação poderia mudar em questão de minutos. Richard, ao menos, parecia satisfeito. Envolto por um cobertor macio, o menino havia parado de chorar. Agora, chupava um dedo com vontade, mas o pobrezinho demoraria um longo tempo para ser alimentado novamente.

Nate aproximou-se de onde a duquesa jazia, no chão. Ela estava morrendo, e não havia nada que ele pudesse fazer.

— Abrace-me — Hester implorou, quando Nate ajoelhou-se ao seu lado.

Com cuidado, ele a aconchegou nos braços. Os olhos dela já estavam vidrados. Fora atingida por vários tiros, quando correra para fora. Um deles quase lhe acertara o coração.

— Nate, por favor, abaixe-se. Preciso lhe dizer uma coisa, mas está muito difícil falar.

— Psiu...

— Eu menti sobre Albert — Hester declarou, agarrando-se à camisa de Nate.

Sem saber se havia compreendido as palavras de maneira correta, ele se inclinou para ela. Hester lutou para manter os olhos abertos.

— Eu estava desesperada. — Tossiu novamente e, desta vez, o sangue saiu por seu nariz e pelo canto da boca. — Albert... Albert é Antoinette Huntington, a verdadeira duquesa de Gravenworth.

— Mas...

— Ela se fez passar por homem.

Nate estava chocado. Se isso fosse verdade... Não, não podia acreditar.

Por um instante, a mão de Hester soltou-lhe a camisa, ao mesmo tempo em que os olhos dela se fechavam. Ela se forçou a abri-los. Não podia morrer, ainda. A duquesa tinha de pagar.

— Meu verdadeiro nome é Hester. Sou uma sim­ples criada, que gerou o filho bastardo do duque... porque a duquesa é estéril.

Nate percebeu que a maneira de falar de Hester havia mudado totalmente. Seu sotaque atual não deixava dúvidas quanto a ela ser exatamente o que acabara de declarar.

— Ela me forçou a vir com ela para as colônias, para poder tirar Richard de mim, quando ele nas­cesse, mas não conseguiu encontrar uma ama-de-leite. Vivi todo esse tempo com medo do que ela faria comigo, quando não precisasse mais de mim. Nate sentiu um aperto no peito, de pura revolta por tal injustiça.

— Tente descansar.

— Não! Preciso terminar. — A respiração de Hes­ter tornava-se cada vez mais difícil, mas ela tinha de agüentar mais um pouco. Sua mão voltou a agar­rar a camisa de Nate com força. — Ela planeja dizer que Richard é filho dela, para que ele se torne duque. Assim, ela manterá o poder e a riqueza, e impedirá que o primo de Edmund herde o título.

Nate afastou os cabelos do rosto de Hester. Perce­bendo a dúvida nos olhos dele, ela tentou novamente:

— Juro em meu leito de morte que estou dizendo a verdade. Não tenho nada a ganhar, agora. — Outro acesso de tosse, mais sangue. — Prometa que não vai permitir que ela leve meu filho.

— Hester...

— Prometa! — A voz dela começava a sumir, e ela tentou puxá-lo para si. — Não deixe que ela fique com Richard. A duquesa vai destruir meu filho! Prometa!

Nate não precisou responder. Hester estava mor­ta. Com gestos delicados, ele voltou a deitá-la no chão. De repente, os sons dos tiros, dos cavalos relinchando e dos feridos gemendo voltaram a existir. Nate não poderia se demorar nem mais um minuto.

Uma fúria intensa crescia em seu peito, como há muitos anos ele não sentia. A menos que algo lhe acontecesse, a duquesa jamais poria as mãos em seu afilhado. Apanhou o rifle. Se Hester realmente lhe contara a verdade, a duquesa voltaria para apanhar Richard, mesmo que para isso tivesse de trazer consigo toda a Cavalaria. A mulher só se interessava por dinheiro e poder.

Ann seguiu a Cavalaria colina abaixo, com a sen­sação de que seu coração explodiria de felicidade. A taverna continuava de pé, e tiros ainda saíam pelas janelas. Imaginara encontrar o lugar em cha­mas, e todos os seus ocupantes, mortos. Era maravilhoso descobrir que se enganara.

No momento em que ouviram o som de cascos e viram os soldados se aproximando, os índios inci­taram seus cavalos na direção oposta e fugiram. A Cavalaria continuou a perseguição aos renegados, mas Ann fez seu cavalo parar diante da taverna. Quando desmontava, a porta se abriu. Três homens sorridentes saíram. Cada um cumprimentou-a por ter trazido ajuda e, então, gritaram palavras de in­centivo para a Cavalaria que se afastava.

Ann correu para dentro, ansiosa para encontrar Richard. O ódio terrível que ela reconhecera nos olhos de Hester, ao fitar o filho ficara gravado em sua mente.

A alegria que sentira até então se dissipou, pois ela se deparou com homens deitados no chão. Alguns estavam feridos, outros, mortos. O salão parecia mergulhado no som dos gemidos. Foi o choro de Richard que a levou até onde ele estava. A filha do dono dar taverna o ninava. Aliviada por saber que ele se encontrava são e salvo, Ann olhou em volta, à procura de Hester. Richard só chorava quando estava assustado, ou faminto. Evidentemente, o po­brezinho não fora alimentado.

Ann sentiu um forte aperto no peito ao se deparar com a mulher caída no chão, perto da porta, os ca­belos espalhados como um leque em torno de sua cabeça. Seus olhos estavam fechados e os lábios, curvados em um sorriso estranho.

Ann aproximou-se. Não podia ser verdade. Tinha de estar enganada. Hester não podia estar morta. — Tiros disparados pelos índios a atingiram, quando ela correu para fora. Nada poderia ter sido feito para salvá-la.

Embora Nate falasse em voz baixa, Ann compreendeu as palavras com clareza. Ficou parada, olhando para Hester. Ocorreu-lhe que a morte a estava seguindo. Primeiro, fora Edmund. Agora, Hester. Ela não deveria ter tirado a criada da Inglaterra. Pela primeira vez, Ann questionou a validade de seus atos.

Secando as lágrimas, ela olhou em volta, à procura de Nate. Localizou-o em um canto escuro, sentado no chão, as costas apoiadas na parede, o rifle pousado sobre as coxas. O belo paletó de couro, agora, não passava de uma peça suja e amarrotada, atirada no chão. Ann hesitou em se aproximar, mesmo depois que o sangue na camisa dele lembrou-a de que ele fora atingido, quando saíra para salvar Hester. Não havia a menor indicação de que Nate estivesse morrendo, e Ann recusou-se a oferecer qualquer mani­festação de simpatia. Aquele era o homem que a atirara para fora da diligência e tentara fugir com Hester e Richard. Ann também o culpava, tanto quanto a si mesma, pela morte de Hester. Dirigiu-se para onde estava Richard.

— Espere um instante — Nate falou em tom au­toritário, embora tivesse a garganta seca e dolorida. Em toda a sua vida, nunca fora ferido em mo­mento pior. A segunda bala o atingira poucos mi­nutos antes da chegada da Cavalaria. O que chegava a parecer maldição. A duquesa vencera, mais uma vez. O tiro pouco acima da cintura o deixara com­pletamente incapacitado.

Ann virou-se e fitou-o nos olhos. Por alguma razão que ela jamais seria capaz de explicar, ocorreu-lhe que aquela era a primeira vez em que via Nate com a barba crescida. A sujeira no rosto e nas roupas dele a fizeram perguntar-se como estaria a sua pró­pria aparência.

— Quero falar com você.

Ann hesitou, mas ao se lembrar de como ele havia arriscado a própria vida para salvar a de Hester, finalmente cedeu. E, enquanto conversavam, pode­ria tentar pôr um fim à hemorragia provocada pelo ferimento dele. Por mais que o odiasse, não supor­taria a idéia de ver mais alguém morrer.

Assim que se aproximou, abaixou-se e estendeu a mão para abrir a camisa de Nate.

— Não se atreva a pôr suas mãos em mim! — Nate sibilou.

Furiosa pelo ataque verbal injustificado, Ann se levantou.

— Na verdade, eu não tinha vontade de ajudá-lo — declarou. — O que tem a me dizer? Tenho difi­culdade em acreditar que vai me agradecer por ter trazido a Cavalaria.

— Tem razão. Não vou agradecer coisa alguma. No que me diz respeito, você é inútil. Tive de forçar você a lutar, assim como tive de forçar você a buscar ajuda. Só voltou por uma razão: Richard.

Sentindo o sangue ferver nas veias, Ann já se afastava, quando viu três soldados entrarem.

— Sou médico — um deles anunciou.

— Quer que eu peça para ele vir cuidar de você?

— Ann inquiriu com ar de desprezo.

— Não estou tão mal que não possa esperar que ele cuide dos outros, antes.

— Um gesto magnânimo! — ela zombou. — Não foi tão magnânimo, quando tentou fugir com minha esposa.

A frieza nos olhos negros de Nate chegava a ser assustadora, mas Ann decidiu ignorá-la. Nada a im­pediria de vingar-se da humilhação que sofrerá.

— Eu adoraria ter visto o seu rosto — continuou, irônica —, quando descobriu que a duquesa não ti­nha dinheiro algum.

Com a rapidez de uma serpente, Nate atirou-se sobre ela, mas seus ferimentos o haviam enfraquecido.

Ann empalideceu, ao mesmo tempo em que sal­tava para trás. Ele quase conseguira agarrar-lhe um tornozelo.

— Fique longe de Richard — Nate advertiu-a. Ela sustentou seu olhar.

— Richard pertence a mim — declarou com firmeza.

— Se puser as mãos naquele garoto, juro que vai se arrepender.

— Ora, vejam quem está fazendo ameaças! Não pode sequer se levantar.

— Não passarei o resto da vida assim.

Os olhos verdes de Ann haviam escurecido de raiva.

— Se, algum dia, eu voltar a vê-lo, cuidarei para que seja morto.

Com estas palavras, a cabeça erguida, Ann virou-se e afastou-se.

A incapacidade de Nate impedi-la de partir le­vando Richard ameaçava enlouquecê-lo.

— Hester contou toda a verdade — falou com voz fraca. — Se levar Richard, é melhor passar a olhar para trás o tempo todo, duquesa, pois um dia, estarei bem atrás de você!

Um arrepio percorreu a espinha de Ann, mas seus passos mantiveram-se firmes. Teria Hester contado mesmo a verdade, ou estaria ele blefando? Bem, se estava blefando, por que a chamara de duquesa?

Tomado de uma amargura muito maior que a dor provocada pelos ferimentos, Nate observou Ann sair, levando Richard nos braços. Já não tinha a menor dúvida de que Albert era uma mulher. Agora, tal fato parecia mais do que óbvio. No entanto, o fato de ser mulher não salvaria a pele daquela criatura fria e calculista.

Quando Ann e Richard finalmente deixaram a taverna, os soldados cavavam túmulos. Embora as mortes desnecessárias pesassem muito sobre os om­bros de Ann, ela tentou se lembrar de que, exceto pela perda de Hester, a sorte ficara ao seu lado. Afinal, ela e Richard haviam escapado ilesos.

Fez uma prece silenciosa pela alma de Hester e dos demais mortos. Foi a primeira de muitas que ela faria, nos dias que se seguiriam. Mesmo assim, o ódio de Hester por uma criança inocente a ator­mentaria durante muito, muito tempo.

Ann endireitou as costas. Ainda teria de percorrer um longo caminho, antes que sua viagem terminasse e, provavelmente, ainda enfrentaria muitos proble­mas. Em primeiro lugar, tinha de encontrar uma ama-de-leite. Então, tinha de descobrir um meio de chegar no território de Arizona e localizar Beau. Acalentara a esperança de que Zach a levasse, ao menos, até Santa Fé, mas uma flecha pusera um fim a tal sonho. E, ainda, havia Nate.

Como pudera se deixar atrair por um homem tão irritante? Os anos que passara casada com Edmund não haviam lhe ensinado coisa alguma. Era evidente que ela tinha uma grande fraqueza pela combinação fatal de virilidade, humor, objetividade, gentileza e, claro, coragem. Mais uma vez, quase se apaixonara por um homem que era um especialista na arte de esconder seu verdadeiro eu.

Ann estremeceu. Ter Matthew no seu encalço já era demais. Ela não precisava ter de acrescentar Nate à lista.

Ao ouvir Richard chupar o dedinho com apetite, Ann sorriu. Ele era o seu futuro.

Dez minutos depois, Ann viu o sol desaparecer no horizonte, deixando camadas de rosa e laranja a cobrir parte do céu. Aquele dia permaneceria para sempre em sua memória. Não somente por causa do pesar que carregava no peito, mas também por­que, mais uma vez, testemunhara a rapidez com que uma vida poderia deixar de existir.

 

                   Forte Bennington, Território do Novo México

Depois de ter passado apenas dois dias no forte, Ann permaneceu imóvel na porta da casa do sargento King, observando a Ca­valaria retornar, trazendo os feridos do ataque à taverna. Infelizmente, a casa ficava em um lado do terreno, e o hospital, do outro, impedindo uma visão clara dos homens nas maças.

Quais seriam as condições de Nate? Ann tentou adivinhar a resposta, enquanto os soldados carrega­vam uma maça de cada vez, para dentro do hospital. Seria o estado dele ruim o bastante para mantê-lo na cama por mais três dias? Ann cruzou os dedos. Teria a resposta naquela noite, conversando com a sra. King. Só mais três dias e, então, os preparativos para sua viagem a Santa Fé estariam completos.

Infelizmente, a determinação de Ann em se con­centrar no futuro e afastar as ameaças de Nate da mente não havia produzido sucesso. O olhar de ódio que ele lhe lançara, na última vez em que haviam estado juntos ficara gravado na memória de Ann. Mais de uma vez, ela se surpreendera a olhar por cima do ombro, a fim de verificar se ele a seguia.

Quando uma das últimas maças era levada para dentro, Ann sentiu um arrepio na espinha. Estava sen­do observada. Podia sentir os olhos negros, fixos nela, como se Nate estivesse parado bem à sua frente. Nem a luz fraca, ou a sala confortável, fizeram com que ela se sentisse segura. Seus instintos gritavam para que ela deixasse Forte Bennington o mais depressa possível.

Lembrou-se do que Inez King lhe dissera, depois do jantar, na noite anterior. Inez insistira para que se sentassem nas cadeiras de balanço da varanda, para conversar. Ann acabara cedendo, na esperança de que a conversa fosse breve.

— Provavelmente — Inez começara, assim que se sentaram —, não sabe que o homem que conhece por Nathan Bishop é conhecido como Diablo. Só sei disso porque o major Oxford contou a outro oficial, que con­tou à esposa. Bishop e Diablo são a mesma pessoa. — Inez sacudira, a cabeça. — Um patife, é o que ele é! Ouvi dizer que ele matou a família, quando era muito jovem, e foi viver com os índios. Depois disso, tornou-se um bandido. Ele não presta, e não é digno de confiança. A única razão pela qual ficará aqui, no forte, é que ele e o major Oxford são velhos amigos.

— Se é um bandido, por que não está atrás das grades? — Ninguém jamais conseguiu provar coisa alguma contra ele. Nenhum de nós estará seguro, en­quanto ele não for embora. Especialmente, as mu­lheres. A reputação dele nesse aspecto é ainda pior. Mais tarde, deitada em sua cama, Ann refletira sobre as palavras de Inez King. A paciência e a gentileza de Nate para com Hester haviam sido exemplares, mas havia um propósito no comporta­mento dele. Sua conclusão foi de que ele pensara que a duquesa tinha muito dinheiro. Por outro lado, Nate tentara salvar a vida dela, assim como de todos os outros, na taverna. Ninguém poderia colocar em dúvida a sua coragem. Era verdade que ele não pas­sava de um oportunista sem escrúpulos, mas seria ele um homem realmente mau, um assassino que matara os próprios pais?

Ann espiou pela porta. Todos os feridos já haviam sido carregados para dentro do hospital, e ela esfregou os braços, na tentativa de aquecê-los. Depois de sentir os olhos de Nate sobre si, minutos antes, já começava a repensar suas conclusões da noite anterior.

Satisfeita por saber que Nate não poderia vê-la, Ann saiu para a varanda, saboreando o calor do sol. Talvez pudesse fazer alguma coisa para apressar os preparativos para a viagem a Santa Fé. Dirigiu-se ao armazém de suprimentos, do outro lado do forte. Ao passar por uma outra casa, ouviu o choro de um bebê. Perguntou-se o que teria feito, se não hou­vesse encontrado Blossom. Quando Ann chegara no forte, o comandante afirmara ser impossível acomo­dar Albert nos alojamentos, por causa do bebê. Fora então que o sargento King oferecera hospedagem para Albert, no quarto extra que havia em sua casa. No início, Ann pensara em contar a Inez King a verdade sobre sua identidade. Porém, mudara ra­pidamente de idéia, pois ficara evidente que a mu­lher miúda, de cabelos castanhos, estava profunda­mente entusiasmada diante da perspectiva de hos­pedar um cavalheiro inglês em sua casa. E não se tratava de um cavalheiro inglês qualquer, mas sim do sr. Potter, aquele que, sozinho, levara a Cavalaria à taverna, salvando com isso a vida de toda aquela gente. Em poucas horas, ela havia informado a todos no forte que o herói ficaria em sua casa.

Inez era uma grande fofoqueira, mas também era uma mulher de iniciativa, que sabia exatamente o que fazer. Quando Ann e Richard chegaram, Inez já havia providenciado uma ama-de-leite, uma índia roliça, chamada Blossom. A primeira reação de Ann fora recusá-la, mas o choro insistente de Richard não lhe deixara escolha, senão entregá-lo para a mulher de pele escura e seios fartos.

Ann sorriu. Blossom se revelara uma verdadeira bênção. Além de amamentar Richard e cuidar dele como se fosse seu próprio filho, ela também havia tomado as providências necessárias para a viagem. Como não soubesse nada sobre esse tipo de tarefa, só restava a Ann oferecer ajuda. Agora, teria de informar Blossom de que precisavam se apressar.

Três dias depois, no hospital, o médico observava Nate, que jazia em sua cama. Depois de um exame detalhado, sentia-se satisfeito com os resultados de seu tratamento.

— Vai voltar a ser exatamente como era antes — falou com um sorriso. — No entanto, terá de ficar por algum tempo aqui.

Nate não disse nada.

Um gemido ergueu-se da cama posicionada no canto do quarto. Zach estava enfrentando maus bocados.

— Ele vai ficar bem? — Nate perguntou ao médico.

— Ainda está sofrendo com a infecção, mas poderá ir embora, assim que o ferimento no ombro fechar. Ele quer ir ao encontro de uma mulher chamada Mae. Jura que ela cuidará dele muito melhor do que eu. Sabe de quem ele está falando?

Nate sacudiu a cabeça, mas o movimento provocou uma pontada de dor aguda, que atravessou seu ombro e desceu pelo corpo. Quanto antes saísse daquele lugar, melhor.

Mais tarde, depois de terminar a ronda e deixar o hospital, o médico viu Albert e a ama-de-leite, dei­xando o forte. Formavam um par estranho. O inglês usava um quepe da Cavalaria e montava uma égua magnífica, enquanto a índia o seguia, em um burro.

Blossom, a ama-de-leite índia, puxava as rédeas de dois outros burros, que carregavam baús e su­primentos. Estreitando os olhos, percebeu o suporte de pano que todas as índias usavam para carregar seus bebês junto ao corpo. Aquecido e alimentado, Richard viajaria tranqüilo.

Com um suspiro, o médico virou-se e seguiu para a sala dos oficiais.

A medida que os dias foram passando, Zach e Nate foram se fortalecendo. Os outros homens que haviam se ferido no ataque índio já haviam partido. Um deles continuava mancando, mas todos deixa­ram o forte com sorrisos de gratidão.

Em uma tarde particularmente quente, Nate chamou:

— Zach!

— O que é?

— Por que estava acompanhando Albert?

— Albert? Não conheço ninguém chamado Albert. Nate apoiou-se em um cotovelo e espiou o amigo, na outra cama.

— Sei que levei dois tiros, mas nenhum deles afetou minha capacidade de raciocínio. Espera, sin­ceramente, que eu acredite que você ia me matar, na taverna, sem nem mesmo saber o nome do inglês que o contratou para isso?

De repente, Zach deu-se conta de quem Nate estava falando. Não lhe ocorrera que Diablo fosse es­perar tanto tempo para tocar no assunto.

— Eu e alguns amigos acompanhávamos duas car­roças para Mae Hoffman e suas garotas, quando você atirou "Albert" para fora da diligência. Nate lembrou-se de terem passado por uma ca­ravana de prostitutas. — Você sabia que Albert era uma mulher? — Soube muito antes de você, amigo. — Zach riu. A simples idéia de que uma mulher conseguira en­ganar Diablo era divertida demais. — Ela contou a todos a sua história.

— A criança que ela levou é meu afilhado. Pre­tendo tomá-lo de volta. — Por quê? O garoto precisa de uma mãe. — Um garoto precisa de um pai. Ela só quer usá-lo para garantir a riqueza e o poder que deixou na Inglaterra.

— Por uma oferta bastante razoável, concordei em acompanhá-la e cuidar para que um homem cha­mado Nate fosse deixado no meio do nada. Acontece que o único nome pelo qual conhecia você era Diablo. — Zach passara a admirar a coragem e a determi­nação daquela mulher, enquanto cavalgavam para alcançar a diligência. — Não posso dizer que a culpo por querer vingança, depois do que você fez a ela.

— Você só ouviu o lado dela, nessa história. Eu deveria ter esperado que não houvesse ninguém por perto, para então atirá-la para fora da diligência.

 

Ann secou o suor da testa, embora de nada adiantasse. Novas gotas substituí­ram as antigas imediatamente. Mesmo depois de se livrar do colete, suas roupas continuavam a colar em sua pele úmida, como se ela houvesse mergulhado em um lago. Embora a viagem houvesse sido mais difícil nas montanhas, ao menos não haviam sido for­çados a enfrentar o calor terrível das planícies.

No trem, ela havia contado os dias que faltavam, até que pudesse voltar a vestir roupas femininas. Os vestidos que comprara em Nova York de pouco serviriam. Eram todos trajes de inverno. O que seu primo pensaria, quando a visse vestida de homem?

Torceu o nariz queimado pelo sol. Teria Nathan Bishop se recuperado e iniciado a prometida perse­guição a ela? Não. Impossível. Inez lhe dissera que ele ficaria confinado no hospital por um longo período, e fazia apenas uma semana que Ann havia deixado o forte. O que ele estaria fazendo, naquele exato mo­mento? Por mais que tentasse esquecer o sujeito de-salmado, ele continuava a invadir-lhe os pensamentos. Assim como Hester, e um número incontável de outras mulheres, Ann deixara-se enfeitiçar por ele.

Pouco antes do pôr-do-sol, Ann avistou Santa Fé na distância. A maior dificuldade que enfrentara naquela viagem fora suportar as vastas planícies e o silêncio constante. Finalmente, estaria em meio a muita gente, novamente. E, mesmo não contando com muito dinheiro, faria questão de boas acomodações e boa comida, nos dois dias seguintes.

Quando entraram na poeirenta Santa Fé, o calor ainda era insuportável. Parecia vir do solo, dos edifícios e até mesmo do ar que Ann respirava. Ela se sentiu profundamente aliviada ao se deparar com, um hotel, poucos minutos depois de ter cruzado as fronteiras da cidade. Não era tão luxuoso quanto os hotéis em que costumava se hospedar, mas cer­tamente ofereceria cama limpa e uma banheira. Ela desmontou e entrou no saguão. Minutos depois, fi­tava, incrédula, o recepcionista baixinho e roliço.

— Teremos o maior prazer em hospedá-lo, cava­lheiro — ele declarou —, mas como já disse, a índia e o bebê terão de dormir no estábulo. Ann saiu do hotel.

Uma hora se passou, antes que ela conseguisse encontrar um hotel que aceitasse acomodar os três. Embora sujo e situado em uma vizinhança pouco simpática, teria de servir.

Depois de apagar o lampião, naquela noite, Ann ficou deitada na cama, completamente vestida. Man­tinha os olhos abertos, enquanto cantarolava uma canção de ninar para o filho. Passou a mão pelo rosto, certa de que uma barata havia passado por ali. Como não sentisse nada sob os dedos, deslizou a mão pelos bracinhos e pernas de Richard, a fim de se certificar de que não havia nenhum inseto sobre ele. Aquela seria mais uma noite de insônia. Poucos minutos depois, Ann dormia profundamente.

Na manhã seguinte, depois de um café da manhã surpreendente pela variedade e qualidade da comi­da, Ann deixou o quarto, a fim de procurar por um guia. Talvez o cavalariço do estábulo onde deixara seu cavalo pudesse dizer-lhe por onde começar.

Seguindo as instrução do rapaz, Ann não encon­trou dificuldade em chegar ao escritório da empresa proprietária das diligências da região.

Já puxava as rédeas de seu cavalo, a fim de parar diante do edifício, quando a porta se abriu e dois homens saíram. Com o coração aos saltos, ela fincou os calcanhares nos flancos do animal, incitando a partir a galope. Reconhecera, não somente o cocheiro da diligência, mas também o homem que lhe oferecia um charuto.

Matthew lançou um olhar furioso para o sujeito magro que acabara de sair a galope, deixando atrás de si uma nuvem de poeira que cobriu suas roupas caras. O que mais chamou sua atenção foi o quepe do Exército que o homem usava.

— Seria de se esperar que um ex-soldado tivesse mais consideração pelas pessoas! — queixou-se, es­palmando o casaco com a mão enluvada.

O cocheiro sorriu.

— Acho que, aqui, as cidades são mais poeirentas do que na Inglaterra — sugeriu.

Gus acendeu seu charuto e, protegendo a chama com a mão, acendeu o de Matthew, também. O inglês agradeceu.

— Agora, deixe-me ver se entendi bem. — Tirou uma baforada e soprou a fumaça com ar de impa­ciência. — Disse que, na sua diligência, havia um casal de ingleses, com um bebê.

— Exatamente. — Gus detestava ter de se repetir.

— Como já disse, a mulher foi morta pelos índios, e quando saiu correndo da taverna, e foi o marido dela quem levou a Cavalaria e salvou nossas vidas. Um camarada muito corajoso, senhor. Excelente ati­rador, também.

— E o que aconteceu com o bebê e o pai? Gus olhou para a casa de banho, ansioso para se ver dentro de uma banheira cheia de água quente, e com muita espuma, e ser esfregado pelas mulheres.            

— Não faço idéia. Agora, se me der licença, pretendo tomar um banho.

Aparentemente, o cocheiro não tinha qualquer ou­tra informação a dar.

— Obrigado pelo tempo que gastou comigo e pelas informações que me deu.

Gus já se afastava, quando parou.

— Pelo que entendi, eram seus parentes.

— Ah... sim... eram.

— Sinto muito pela mulher. Era uma coisinha linda. Com isso, voltou a avançar na direção da casa de banho.

— Espere um instante — Matthew chamou-o, ao mesmo tempo em que corria para alcançá-lo. — Disse que ela era uma "coisinha" linda?

Gus franziu o cenho.

— Sim, foi o que eu disse. Era pequenina... assim

— levou um dedo ao ombro, a fim de indicar a es­tatura da mulher a quem se referia.                                    

Perplexo com as reações estranhas do cavalheiro inglês, Gus virou-se, decidido a não permitir que nada mais atrasasse seu banho.

— Qual era a cor dos cabelos do homem e da mulher? — Matthew praticamente gritou.

— Os dois eram loiros! — Gus respondeu por cima do ombro, um segundo antes de desaparecer de vista.

Matthew voltou à calçada de madeira, a mente girando em disparada. Seria possível que Ann fosse o marido e Hester, a esposa?

Antes de partir para a América, Matthew desco­brira segredos, até então muito bem guardados. De­pois de sofrer sérias ameaças, a criada pessoal de Ann admitira que a duquesa não estava grávida, quando partira. Fora com tristeza que Rose infor­mara Matthew de que a mentira fora apenas uma tática para manter o duque longe da cama de milady.

Poucos dias depois de ter descoberto que a du­quesa e a antiga criada haviam partido para a Amé­rica, Matthew finalmente juntara as peças do que­bra-cabeça. Ann precisava de um filho, e a criada que ela levara consigo carregava o filho bastardo de Edmund no ventre. Era tudo tão simples, que ele chegou a se irritar consigo mesmo, por não ter percebido antes. A duquesa planejava apresentar a criança como sendo seu filho legítimo.

Ann era mais inteligente e esperta do que ele imaginara. Um erro que Matthew jamais voltaria a cometer.

Deitado na cama do hospital do forte, Nate tinha os olhos bem abertos. Estava farto do Forte Bennington e de assistir à Cavalaria fazer exercícios no pátio. Seus ferimentos o haviam prendido ali por mais tempo do que ele imaginara possível. Talvez o médico esti­vesse certo ao dizer que, quanto mais velho um ho­mem, maior o tempo necessário para sua recuperação.

Teria a duquesa se dirigido diretamente para o território de Arizona, ou teria mudado de idéia e decidido não ir para lá? Era possível que ela hou­vesse ficado em Santa Fé, sabendo que Nate conhecia a localização da propriedade de Falkner e, por isso, poderia segui-la até lá. Nate fizera muitas coi­sas na vida, esquecendo-se rapidamente da maioria delas. E conhecera todo tipo de homem, mulher, pis­toleiro, bandido, prostituta e dama, mas nunca antes fora tão completamente enganado, como fora por Antoinette Huntington.

Apanhou o copo de água, deixado sobre a mesa-de-cabeceira, e bebeu o conteúdo. Uma boa dose de uísque teria sido bem mais satisfatória.

Seus pensamentos voltaram no tempo. Depois de comprar sua passagem de trem, em Nova York, havia parado e deixado que um garoto engraxasse suas bo­tas. Uma dama inglesa, usando um véu pesado, dis­cutia com o vendedor de passagens. As vozes erguidas haviam chamado a atenção de Nate. Agora, ele se dava conta de que tal mulher só podia ser Ann.

Embora houvesse passado pouco mais de dois meses em Nova York, ouvira falar da recompensa oferecida por qualquer informação que levasse ao paradeiro de uma dama inglesa, possivelmente grávida. Sabia até mesmo que o homem a oferecer tal recompensa cha­mava-se Matthew Huntington, e que se encontrava em Santa Fé, com dinheiro bastante para premiar quem lhe fornecesse uma indicação correta.

Teria Ann se encontrado com Matthew Hunting­ton, em Santa Fé? Os lábios de Nate se curvaram em um sorriso maroto. Gostaria de ser uma mosca, para poder ouvir a conversa dos dois.

Nate recolocou o copo na mesa-de-cabeceira e, en­tão, voltou a deitar-se. Pouco importava quais se­riam suas condições, pois dali a uma semana, sairia do forte. Em primeiro lugar, iria para Santa Fé. Se não conseguisse localizar a duquesa e o bebê, seguiria para a fazenda de Beau Falkner. De um jeito, ou de outro, tomaria Richard de volta, mesmo que para isso tivesse de viajar até a Inglaterra.

O céu mal começara a clarear, quando Nate saiu da cama e apanhou as roupas cuidadosamente do­bradas de sobre a cadeira ao lado. Havia esperado cinco dias. Estava na hora de partir.

— Diablo — Zach chamou-o. — Vai para Santa Fé?

— Vou. Zach sentou-se na cama.

— Vou com você. Conheço uma mulher chamada Mae, que pretendia abrir um salão de jogos, lá. Quando a encontrar, receberei todos os cuidados que um homem pode desejar.

Nate riu do comentário do índio, mas o riso logo foi substituído por um gemido, pois o movimento de calçar as botas era um bocado doloroso.

Levando os alforjes nos ombros, os dois homens deixaram o hospital e se dirigiram ao estábulo. Nate ainda sentia os ferimentos, mas seus passos eram firmes, e o desconforto, suportável. Teria de conviver com isso durante algum tempo. Zach não pronun­ciara uma palavra que indicasse queixa, mas Nate sabia que o amigo não se sentia melhor do que ele. Mesmo sendo ainda tão cedo, Nate sentiu o calor do sol no rosto. Desviando dos montes de estéreo de cavalo, entrou no estábulo e, sem qualquer de­mora, localizou o animal que comprara secretamente na semana anterior. Conforme o prometido, arreios e sela encontravam-se em um canto da baia. O ca­valo estava longe de ser o melhor que eleja possuíra, mas até chegar em Santa Fé, teria de viajar com o que tinha à disposição.

Oito dias haviam se passado, mas Ann ainda não havia se recuperado do choque de ter visto Matthew. Mesmo depois de dois dias de viagem, ela continuava a se virar na sela, a todo instante, temendo estar sendo seguida. Chegara a pensar que, mais uma vez, o tempo seria seu maior inimigo. Blossom havia demorado três dias para encontrar um guia e, de­pois, mais três, para providenciar os suprimentos necessários à viagem. Isso, somado ao ritmo lento da jornada, por causa do burro de Blossom, conti­nuava a preocupar Ann. O que aconteceria se Mat­thew descobrisse que haviam partido, e conseguisse alcançá-los? E se Nate aparecesse do nada?

Ann voltou a se acomodar na sela e olhou para o homem que conduzia o grupo. O guia era um ho­mem grisalho e magro, cuja pele tornara-se escura pela exposição ao sol. Ele vestia roupas de camurça surradas. Uma tira de couro mantinha os cabelos longos presos na nuca, e o chapéu de aba larga es­condia os olhos pequenos e inteligentes. Parecia estar sempre mal-humorado, e falava pouco. Blossom havia se mostrado muito orgulhosa de seu achado, e afir­mara que Will, que alegava não ter sobrenome, era de confiança e que fora indicado pelos índios locais.

Ann passava parte do tempo criando imagens de Nate pendurado em uma árvore, com uma corda em torno do pescoço. Além de tudo mais que já fizera, Nate era a única pessoa que poderia ter informado Matthew de que ela estaria se dirigindo para Santa Fé. Isso explicava até mesmo por que Nate tentara livrar-se dela. As circunstâncias teriam sido total­mente diferentes se, na ocasião, ele soubesse que era ela quem Matthew procurava. Nate não a teria jogado da diligência.

Quando pararam para montar acampamento, ao final do quinto dia de viagem, Ann finalmente sentiu que as coisas iam bem para ela e Richard. Will e Blossom nunca pareciam cansados, mas Ann tam­bém se orgulhava de sua resistência. A noite, suas pernas e costas já não doíam pelas horas, dias e semanas passadas sobre a sela. Até mesmo seu nariz tornara-se escuro, em vez de vermelho, e sempre descascando. Richard mostrava-se tão sereno e tran­qüilo que em diversas ocasiões, ela tivera de exa­miná-lo de perto, a fim de se certificar de que ele estava bem. A vida finalmente adquirira uma rotina, da qual Ann começava a gostar.

 

Matthew esfregou as mãos, envoltas por luvas e couro, e aspirou o odor suave, porém agradável, de madeira recentemente encerada, misturada com fumaça de charuto. Um homem estivera fumando ali, pouco antes.                          

Sentindo a brisa leve, encaminhou-se para a grande porta de vidro e apreciou as árvores altas que ofereciam sombra fresca. Voltou a olhar para a porta de madeira. Quanto tempo mais Beau demoraria a aparecer?                    

Quando era levado ao imenso escritório, tivera um vislumbre de outros aposentos. Pelo que vira, a casa inteira estava repleta de móveis caros e de bom gosto. Algo que ele jamais esperaria encontrar um local tão remoto. Evidentemente, não havia ter­mo de comparação com a opulência de Gravenworth.

— Matthew?

O inglês virou-se e encarou o dono da casa. Em­bora muitos anos houvessem se passado desde seu último encontro, o mestiço alto e forte continuava tão impressionante quanto antes. Matthew nunca dera muita atenção a ele. Considerava uma grande falta de etiqueta os nobres receberem um selvagem em seu meio, durante os anos que Beau passara na Inglaterra, vivendo com o tio.

— Beau! — Matthew cumprimentou com um sor­riso, adiantando-se para o outro com a mão esten­dida. — Nunca pensei que um homem refinado como você conseguisse viver em local tão quente e isolado. O que faz para se divertir?

O sorriso largo de Beau fez com que Matthew relaxasse.

— Nem eu imaginava vê-lo aqui, Matthew. Ra­ramente tenho a sorte de receber visitantes da In­glaterra. Por favor, sente-se — Beau convidou, apon­tando para uma das duas poltronas, posicionadas de frente, uma para a outra. — Aceita algo para beber? Um drinque, ou talvez, prefira uma limonada gelada, para se refrescar, em um dia tão quente.

— Limonada me parece uma excelente idéia. Beau puxou uma delicada corda feita de fios de seda, e uma criada apareceu imediatamente. En­quanto Beau pedia que a limonada fosse servida, Matthew sentou-se e, então, passou um dedo por dentro do colarinho engomado. Felizmente, o inte­rior da casa era bem mais fresco, mas ainda assim, o calor era desconfortável.

— Você me parece muito bem — Beau comentou.

— Obrigado. Sinto-me esplêndido — Matthew afirmou, embora considerasse as roupas leves de Beau bem mais apropriadas. — Certamente, não passa os verões inteiros aqui?

Beau riu.

— Estou habituado ao clima quente.

A criada voltou com uma jarra de limonada e dois copos. Deixando a bandeja sobre a mesa de centro, desapareceu. Beau serviu a bebida e entregou um dos copos a Matthew.

— Como vai Edmund? — perguntou, ao sentar-se diante do visitante.

Matthew sentiu os músculos tensos. Seria a per­gunta uma armadilha?

— Edmund está morto. Beau franziu o cenho.

— Morto?

Era impossível distinguir qualquer emoção no semblante do mestiço.

— Foi um acidente, durante uma caçada — Mat­thew bebeu vários goles da limonada. — O motivo da minha chegada em sua casa não é uma história agradável. Fico embaraçado em admitir que, talvez, tenhamos problemas...

Matthew olhou para a porta de vidro e deu-se conta de que começava a escurecer, lá fora. Retirou o relógio do bolso e abriu-o.

— Cheguei bem mais tarde do que planejava. Acei­te minhas sinceras desculpas pela falta de boas ma­neiras. Não quero atrasar o seu jantar. — Terminou a bebida e levantou-se. — Se não estiver ocupado, voltarei pela manhã.

Beau também se pôs de pé.

— Hospedou-se em algum hotel, em Prescott?

— Não. Vim direto para cá. Na pressa, não parei para pensar que tal atitude era uma grande falta de tato. Deveria ter enviado meu valete, trazendo meu cartão, antes.

— Não damos importância a formalidades, aqui, Matthew. Hóspedes são sempre bem-vindos. Eu fi­caria ofendido se não aceitasse minha hospitalidade, durante o tempo que ficar aqui.

— Obrigado. Eu não poderia recusar tal oferta.

— Pedirei que preparem seus aposentos, e man­darei chamar seu valete. Por causa do calor, costu­mamos comer mais tarde. Se você concordar, depois do jantar, poderá nos contar o que o trouxe aqui.

Matthew assentiu.

Beau encaminhou-se para a porta.

— Enquanto espera, por que não descansa na va­randa? — sugeriu com um sorriso. — E sirva-se de mais um copo de limonada.

Assim que Beau deixou o escritório, Matthew pôs-se a andar de um lado para outro. O anfitrião fora cortês em todos os aspectos, mas continuava a manter a distância que Matthew sempre considerara irritante.

Matthew voltou a encher seu copo, perguntando-se se Beau Falkner saberia do que havia acontecido na Inglaterra. Teria Ann chegado ali antes dele? Era possível que Beau estivesse jogando com ele, na es­perança de fazê-lo cair em contradição. Matthew pas­sou a língua pelos lábios ressecados. Teria de esperar para obter respostas para todas as suas perguntas.

De repente, ouviu um zumbido. Pelo canto do olho, viu um inseto voando na sua direção. Sentiu a picada no pescoço, antes que tivesse tempo de fazer qual­quer coisa para afastar a criatura.

— Milorde, seus aposentos estão prontos. Inspe­cionei-os pessoalmente.

— Pelo amor de Deus, Thomas, fui picado! Faça alguma coisa!

— Deve ter sido uma vespa — Thomas declarou, correndo para perto de seu senhor. — Posso ver o ferrão, milorde. Fique imóvel. Vou tentar tirá-lo.

Embora o pescoço de Matthew estivesse inchado a ponto de tornar impossível abotoar o colarinho, ele estava pronto para o jantar. Depois de uma re­feição excelente, ele, Beau e sua linda esposa, Danielle, retiraram-se para a sala de estar. Matthew já se sentia bem mais seguro. Agora, era evidente que Ann ainda não aparecera por ali, e não havia qualquer indicação de que ele fosse visto como vilão. Quando a criada acabou de servir os drinques, a curiosidade de Danielle já atingira seu pico.

— Beau me disse que o senhor chegou com um propósito diferente de uma simples visita.

— Sim. Minha presença está relacionada com a prima de Beau, Ann — Matthew replicou. — Até chegar em Santa Fé, eu temia que ela houvesse perecido no mar.

— Ann? — Danielle indagou, virando-se para o marido. — Não me lembro de você ter mencionado este nome, querido.

— Peço desculpas. Os amigos e parentes próximos a tratam assim. O nome dela é Antoinette Huntington, a duquesa de Gravenworth. — Matthew retirou um lenço do bolso e secou o suor do rosto. — Não me lembro se chegou a conhecê-la — acrescentou para Beau.

— Não — o anfitrião disse. — Não a conheci. Ela veio para a América?

— Sim. Minha viagem foi tão apressada, porque eu queria ter certeza de que chegaria aqui antes dela.

— Não se trata de uma contradição? — Danielle inquiriu, tamborilando os dedos com impaciência no braço da poltrona. — Primeiro, disse que achou que ela houvesse morrido no mar. Agora, diz que queria chegar antes dela.

Matthew exibiu um sorriso de desculpas.

— Acho que comecei minha história da maneira errada — disse, girando o copo de cristal nos dedos. — O problema começou quando um assaltante ma­tou Edmund, durante uma caçada. Ann e eu pre­senciamos tudo. A tragédia produziu um efeito muito profundo em Ann. Ela ficou... desequilibrada. Os cria­dos e eu continuamos a concordar com as fantasias dela, na esperança de que ela recuperasse a sanidade. Evidentemente, não contei ao pai dela o que estava se passando, por causa do embaraço que isso envol­veria. Família alguma deseja admitir a insanidade de um de seus membros — explicou em voz baixa.

Beau abriu o estojo de charutos e ofereceu a Matthew, que sacudiu a cabeça em negativa.

— Não demorou muito para que Ann começasse a acusar pessoas diferentes pelo crime, e a jurar que havia um complô contra ela. Após algum tempo, as acusações recaíram sobre mim. Para piorar ainda mais a situação, Ann convenceu-se de que estava grávida de Edmund. Sua criada pessoal me garantiu que as regras da duquesa tiveram início no dia se­guinte à caçada, mas na mente de Ann, ela agora tinha duas pessoas a proteger: o filho e ela mesma.

Matthew fez uma pausa e massageou o pescoço com gestos cuidadosos.

— No funeral, ela contou alguma história ao pai. Não sei o que ela disse, pois ele se recusa a falar comigo. Não tive como impedir, quando ele a levou embora, sem sua carruagem. Agora, sei que não de­veria ter mantido o problema em segredo.

— Então, ela pegou um navio para a América? — Danielle encorajou-o a continuar.

— Tenho certeza de que o pai dela tomou provi­dências para isso. — Matthew levantou-se e cami­nhou até a porta de vidro. — A parte mais estranha dessa história é que, antes de embarcar, Ann voltou ao castelo, e fugiu novamente, levando consigo uma antiga criada, que estava grávida. — Virou-se para encarar a audiência. — Descobri tudo isso tarde de­mais para impedir que ela partisse.

— Por que nenhum de meus tios informou-me sobre a chegada iminente de Ann? — Beau inquiriu.

— Talvez tenham tentado, querido — Danielle falou. — Você sabe como tem sido difícil receber correspondência, com todos esses ataques índios.

Beau assentiu, e Matthew continuou com ar de profunda tristeza:

— Também embarquei para cá, assim que descobri que ela havia deixado a Inglaterra. Fiz esta longa via­gem, mas só tive uma possível pista de seu paradeiro.

— Pista? — Danielle perguntou, entusiasmada.

— Um cocheiro de diligência contou-me sobre um casal de ingleses que viajou com ele. Foram apa­nhados em um ataque índio, e a mulher foi morta.

— Que tipo de pista é essa? — Danielle insistiu.

— Depois de muito pensar, ocorreu-me que tal casal poderia ser, na verdade, Ann e sua criada. Fiz tudo o que podia para encontrar Ann. Não poupei gastos. Mesmo assim, nunca pensei que Ann se faria passar por homem. O casal tinha um bebê recém-nascido.

— Disse que Ann não estava grávida — Danielle lembrou-o.

Matthew virou-se e lançou um olhar muito sóbrio para a linda ruiva.

— Mas a criada estava. Ela carregava o filho bastardo de Edmund no ventre, quando deixou a Inglaterra.

Danielle fitou-o de olhos arregalados.

— Embora Ann possa estar morta, decidi vir para cá e esperar. Se ela estiver viva, sei que será este o seu destino. Minha preocupação era de que ela chegasse antes e lhes contasse mentiras, que tor­naria difícil me fazer acreditar.

— Como sabe que ela virá para cá? — Beau perguntou.

— Para onde mais ela iria? Em diversas ocasiões, Ann mencionou o primo que vivia na América, falando de seus grandes feitos. Se estou certo, se o casal era mesmo Ann e Hester, então, Hester está morta, e Ann ficou com a criança. Não tenho a menor dúvida de que ela vai insistir que o bebê é filho dela.

— Como não sou parente próxima, estou muito cu­riosa para compreender por que teve todo esse tra­balho, só para encontrar Ann — Danielle admitiu.

Matthew secou o suor da testa.

— Estou apaixonado por ela. Decidi dedicar minha vida a encontrá-la e levá-la, sã e salva, de volta para casa.

Danielle ficou ainda mais entusiasmada, diante da perspectiva de um romance se desenrolando den­tro de sua casa. No entanto, seu hóspede parecia tornar-se mais e mais pálido, a cada momento.

— Beau acho que Matthew está com febre.

— Estou bem — Matthew protestou.

— Danny tem razão. É melhor ir se deitar. — Beau puxou a corda e, quando a criada apareceu, disse: — Maria, chame o valete do sr. Huntington. Receio que o calor, ou a picada de inseto, deixou nosso visitante febril.

— Cuidarei disso agora mesmo — a criada afir­mou. — Farei um chá de ervas, para baixar a febre.

Beau assentiu.

Depois que o hóspede se retirou, Danielle e Beau foram para seu quarto.

 

Ann fez questão de manter o burro de Blossom e o cavalo de Will bem pró­ximos ao seu, embora os cinco homens que os es­coltassem, garantissem que estavam nas terras do sr. Falkner. Também se certificara de que sua pis­tola estava ao alcance de sua mão. Como poderia saber se aqueles homens eram dignos de confiança? Talvez, fossem apenas bandidos, que os estivessem levando para seu acampamento.

Ann olhou em volta. Se tudo aquilo realmente pertencia a Beau, ele era mesmo um homem muito rico. Estavam um lindo vale verdejante, cercado por montanhas, onde o ar era muito mais fresco do que nas planícies.

Quando uma bonita e imensa mansão surgiu na distância, Ann riu alto. Uma construção tão sofis­ticada só poderia pertencer ao seu primo. Apesar de todos os problemas que enfrentara, conseguira chegar ao seu destino vitoriosa. Não precisaria mais vestir roupas de homem. Poderia, finalmente, es­quecer todos os medos e preocupações. Dali por dian­te, Beau seria seu protetor.

Deitada na cama, Danielle olhava para o marido, acomodado ao seu lado. Sempre adorara a maneira como os cabelos negros e espessos cobriam-lhe os olhos, pela manhã. Na verdade, não havia nada nele que ela não adorasse, exceto, às vezes, por sua tei­mosia e obstinação.

— Como pode acreditar em Matthew? — Danielle perguntou, tendo mudado sua opinião sobre o hós­pede. — Ele é completamente... tão...

— Pomposo?

— Exatamente! Ele ama demais a si mesmo, para se apaixonar por quem quer que seja.

Beau beijou a esposa na ponta do nariz e, então, saiu da cama.

Uma forte batida na porta sobressaltou-os.

— O que é? — Beau inquiriu.

— Jake acaba de chegar — a criada informou, do outro lado da porta. — Veio avisar que uma mu­lher está sendo trazida para cá. Ela diz ser sua prima. Os homens concluíram tratar-se da pessoa que o senhor pediu que esperassem.

— Sairei assim que estiver vestido. Enquanto isso, acorde nosso hóspede. — Beau olhou par a esposa e sorriu. — Ao que parece, Matthew estava certo. Ela não morreu no mar. — Foi até uma cadeira e apanhou a calça que deixara ali. — É melhor se vestir, meu amor. Acho que vamos precisar de você.

Danielle pulou da cama, rindo alto.

— Tudo isso está parecendo uma história muito excitante. Pense bem, Beau. Não só estamos assistindo a uma história de amor, mas também estamos fazendo parte dela! Isso, para não mencionar o clima de mis­tério! A pergunta é: como Edmund realmente morreu?

A medida que se aproximavam da casa, a felicidade de Ann crescia. O homem alto e atraente, de cabelos negros, que a esperava na varanda, só podia ser seu primo, Beau. Agora, ela compreendia por que as mulheres inglesas haviam falado tanto dele... por trás de seus leques abertos.

Ann preparava-se para cumprimentá-lo da ma­neira mais apropriada, quando Matthew saiu da casa. A viagem de navio, todas as dificuldades, e até mesmo a morte de Hester, haviam sido por nada. A pessoa de quem ela tentara desesperadamente escapar havia chegado antes.

— Matthew — Ann murmurou, chocada. Então, disse a si mesma que não tinha mais o que temer. Assim, endireitou os ombros, firmou o pé esquerdo no estribo e desmontou.

— Primo Beau? — indagou, assim que se viu no chão.

Beau sorriu. A prima viajara um bocado. Sua pele, cabelos e roupas estavam cobertos de poeira da es­trada. Embora Ann fosse bem mais alta, e as tona­lidades de pele e cabelos fossem totalmente diferentes, ele se lembrou de seu primeiro encontro com Danny.

— Você deve ser Antoinette — disse, estendendo a mão para ela, mas a prima se afastou de pronto.

— Aquele homem assassinou meu marido! — Ann acusou.

Beau lançou um olhar rápido para Matthew, antes de voltar a se concentrar em Ann.

— Deve estar exausta. Por que não entra? Dis­cutiremos isso mais tarde.

Danielle saiu apressada da casa e correu para Ann.

— Querida, estávamos preocupados com você. Danny passou um braço firme em torno da cintura de Ann e conduziu-a para dentro.

Ann hesitou.

— Meu filho — falou, olhando para Blossom. Todos os olhos se voltaram para a índia.

 

Ann demorou a acordar. Quanto tempo teria dor­mido? Espreguiçou-se lentamente e, só então, abriu os olhos.

Sentou-se na cama de súbito, uma vez que suas preocupações voltaram a atacá-la com a força de um furacão. Onde estavam Blossom e Richard? E o que Matthew dissera a seu primo? Certamente, não a ver­dade, ou Beau não teria se mostrado tão passivo, quan­do ela acusara Matthew de assassinato.

Ann tentou ajeitar os cabelos com os dedos. Não tivera oportunidade de conversar com Beau sobre Mat­thew, o crime que ele cometera, ou por que ela fora para a sua fazenda. Uma criada a levara para o quarto, onde seu banho fora preparado e sua bagagem, desfeita. Uma leve batida na porta chamou-lhe a atenção.

— Sim? — Ann replicou, ansiosa. Danielle apareceu na porta.

— Posso entrar? — perguntou.

— Por favor.

Talvez, agora, Ann tivesse a chance de descobrir que mentiras Matthew havia contado.

Uma criada roliça seguiu Danny para dentro do quarto.

— Onde está o meu filho? — Ann perguntou, ainda mais ansiosa.

— No quarto ao lado — Danielle respondeu, cal­mamente. — Aquela porta a levará até lá. — Apon­tou para um canto do quarto. — Blossom está cui­dando dele. Ela, simplesmente, se recusa a sair do lado do menino.

Não foi difícil reconhecer o suspiro de alívio emi­tido por Ann.

— E Matthew? Ele foi embora?

— Não, mas ninguém lhe pediu que fosse. Danielle surpreendeu-se com a mulher que saiu da cama. Agora, que toda a sujeira fora retirada de sua pele e cabelos, uma mulher alta e esguia emer­gira, com a graça de uma borboleta.

— Nesse caso, quem deve partir sou eu. Disse­ram-me que Beau seria meu protetor. Aparentemen­te, não é assim.

Ann olhou em volta, à procura de suas roupas. Danny sentiu o coração amolecer pela duquesa de Gravenworth, pois compreendia perfeitamente os receios dela.

— Por favor, acredite. Você não tem qualquer mo­tivo de preocupação. Beau leva suas obrigações mui­to a sério. Você e seu filho estão seguros, aqui.

— Não, se Matthew continuar na mesma casa!

— Ann deu um passo à frente. — Você não o conhece — falou em um sussurro. — Ele é mau. Fará qual­quer coisa para se tornar duque.

Danny acomodou-se confortavelmente na poltrona de veludo verde.

— Mas não poderá fazer nada, se estiver morto.

— Morto?

— Aqui, não existe lei. Beau é juiz e jurado. Tenho certeza de que você conhece o passado dele.

Ann assentiu.

— Nesse caso, deve saber que, quando Beau disse a Matthew que ele seria um homem morto, se qual­quer coisa acontecesse a você, ou a Richard, Mat­thew levou a ameaça a sério.

Uma risada incrédula escapou dos lábios de Ann.

— Beau disse isso?

— Assim que você foi trazida para o quarto — Danny confirmou, antes de virar-se para a criada, que permanecia calada, junto da porta. — Juanita, venha cá.

Quando Juanita se aproximou, Ann percebeu que ela carregava um vestido amarelo.

— Quando Juanita retirou seus vestidos dos baús, para arejá-los e alisá-los, percebi que são todos trajes de inverno — Danny esclareceu. — Achei que gos­taria de ter algo mais leve, para vestir para o jantar. Espero que não se incomode com o fato de essas roupas terem pertencido à irmã de Beau, que as deixou aqui, quando se casou e mudou-se para a costa leste. São vestidos muito práticos.

— Ah, como sonhei com o dia em que poderia voltar a usar um vestido! Pouco importa se são velhos.

Danielle riu.

— Devo avisá-la que estes não foram feitos para serem usados com saiotes e anáguas. Andréa descartou tais apetrechos há muito tempo, por causa do calor.

O entusiasmo de Ann em voltar a se parecer com uma mulher se desvaneceu, assim que Juanita a vestiu. Sentiu-se nua. O vestido não contava com espartilho, ou anquinhas, e havia apenas uma anágua fina sob a saia. Porém, uma vez pronta, diante do espelho, Ann viu-se forçada a admitir que o ves­tido era mais leve e fresco do que qualquer outra roupa que ela já usara.

De repente, deu-se conta de que havia passado por uma incrível transformação, durante sua longa viagem até ali. No passado, teria ficado horrorizada diante da perspectiva de vestir as roupas de uma outra mulher. Especialmente, em se tratando de algo tão fora de moda, tão carente de roupas de baixo. Agora, depois de tanto tempo metida em roupas de homem, o vestido chegava a lhe parecer bonito.

— Obrigada, Juanita — Danielle agradeceu, quando a criada acabou de vestir Ann. — Pode voltar a ajudar na cozinha.

Ann voltou a se olhar no espelho, e não ficou nem um pouco insatisfeita com a imagem que viu. A saia chegava somente aos seus tornozelos, mas o resto servia perfeitamente.

— Obrigada — voltou a agradecer.

Danny sorriu com profunda simpatia, mas não seria capaz de esperar nem mais um minuto. Sua curiosidade estava corroendo suas entranhas, e ela já havia esperado tempo demais para descobrir se a interpretação de Ann sobre o que acontecera a Edmund seria coerente com a de Matthew.

— O jantar ainda vai demorar um pouco. Por isso, achei que poderíamos aproveitar a oportuni­dade de nos conhecermos melhor.

 

Agachado à sombra de um velho carva­lho, Nate estudava o cenário à sua frente. Na distância, erguia-se uma mansão impres­sionante, construída em estilo espanhol, cercadas de árvores imensas, que produziam sombra fresca e convidativa. Perto dali, havia um grande estábulo, onde, sem dúvida, os melhores cavalos eram guar­dados. Nate riu, divertindo-se a valer, quando um ganso saiu de trás do estábulo, as asas abertas, per­seguindo um cachorro magricela, de pêlos curtos, que corria apavorado, o rabo entre as pernas.

As demais construções situavam-se longe da casa, e incluíam um alojamento com cozinha para vaquei­ros e caubóis, um defumadouro, um curtume, uma oficina de ferreiro, e tudo mais que fosse necessário para tornar uma grande fazenda auto-suficiente.

Enquanto observava a área, Nate contou onze tra­balhadores, ocupados com as mais diversas tarefas. Tal número incluía os cinco homens parados junto à cerca do curral de exercícios. Sem dúvida, havia ou­tros, mas esses encontravam-se fora de sua vista, ago­ra. As mulheres, com certeza, encontravam-se na casa. Nate lançou um último olhar à sua volta, certificando-se de que havia gravado na memória todos os detalhes necessários. Caso tivesse de fugir às pres­sas, queria saber exatamente em que direção seguir, para se ver longe dali. A duquesa dissera que man­daria matá-lo, se voltasse a vê-lo. Bem, dissera muitas coisas, a maioria das quais sem o menor valor. Nate levantou-se e, com movimentos ágeis, mon­tou seu cavalo. Chegara o momento de tornar sua presença ali conhecida.

— Sou um grande conhecedor de cavalos — Matthew declarou, orgulhoso. — Posso afirmar com cer­teza que aquele animal é um dos melhores que já vi. Onde acha que Ann conseguiu comprá-la?

Will deu um tapinha no ombro de Beau.

— Ao que parece, você tem mais um visitante. Beau virou-se, a fim de descobrir do que o velho guia estava falando e, então, emitiu um gemido bai­xo. O homem que cavalgava na direção deles era, sem a menor sombra de dúvida, um predador. Tendo sido o mesmo, durante anos, Beau não encontrava dificuldade em reconhecer outro igual. E o desco­nhecido eram bem versado na arte de não levar um tiro. Mantinha a mão longe da pistola que carregava no coldre, e conduzia o cavalo lentamente, deixando claro para todos que o vissem que não estava ali para criar problemas.

— Ora, vejam! — Will exclamou, ao mesmo tempo em que tirava o chapéu e cocava a cabeça. — Conheço aquele camarada. E o sujeito que chamam de Diablo.

— Pensei que estivesse morto — disse um dos vaqueiros.

— Também ouvi rumores assim — Will concordou, sacudindo a cabeça. — Mas é ele, tenho certeza. Não foi à toa que lhe deram o nome do diabo. E um dos sujeitos mais rápidos no gatilho que já conheci. Eu o vi atirar em um jogador, alguns anos atrás. Pelo que entendi, o sujeito estava roubando no pôquer.

— O que traria esse homem até aqui?

Nate puxou as rédeas do cavalo e tocou o chapéu em um cumprimento.

— Bom dia — disse em voz alta. Todos assentiram em resposta.

— Você é Beau Falkner?

Beau afastou-se da cerca do curral, onde estava apoiado.

— Eu mesmo. Em que posso ajudá-lo?

— Você mudou um bocado, desde a última vez em que o vi. Se bem me lembro, na época, era um guerreiro Cheyenne. — Nate desmontou e estendeu a mão. — Meu nome é Nate Bishop. Há alguns anos, fui casado com Bright Moon, filha do cacique Howling Dog.

Os dois homens trocaram um firme aperto de mão.

— Lembro-me muito bem do cacique Howling Dog. Como vai a filha dele?

Estavam avaliando um ao outro, e ambos sabiam disso.

— Ela morreu de parto. Enterrei minha esposa e meu filho, e parti, para nunca mais voltar.

Beau assentiu. Ouvira a história e sabia que o cacique Howling Dog e seu povo haviam passado muitos anos curiosos para saber o que havia acon­tecido com o marido de Bright Moon. Tudo aconte­cera muitos anos antes e, provavelmente, ninguém mais sabia da história, ou se importava, exceto por aqueles diretamente envolvidos.

— Muito tempo se passou, desde então. Por que veio me procurar? — Beau perguntou.

— Estou fazendo um reconhecimento da região e achei que, talvez, você me permitisse ficar aqui por algum tempo. Estou disposto a trabalhar na fazenda. Beau ouviu um corvo piar. Tratava-se de bom agouro. Não poderia negar tal favor a um ex-guerreiro, especialmente se seus propósitos fossem honrados.

— Will disse que você é quem chamam de Diablo. Não hesitarei em matar qualquer homem que ponha em risco a segurança de minha família.

— Eu faria o mesmo, se estivesse no seu lugar. Como você mesmo disse, muitos anos se passaram. Já não sou um jovem filhote de urso, testando mi­nhas garras. Tudo o que busco é conhecimento.

— Bem, já que nos entendemos tão bem, será bem-vindo em minha casa, por quanto tempo pre­cisar ficar.

— O alojamento me bastará. Beau riu.

— Não. Minha esposa jamais permitiria isso. Ter você hospedado em nossa casa ajudará a alegrar os jantares. Além do mais, lá, posso ficar de olho em você.

— Alegrar os jantares?

— Foi só maneira de dizer. Temos outros hóspedes e sua presença será interessante.

Beau fez as devidas apresentações. Os caubóis mais jovens não conseguiram esconder o fascínio que Diablo exercia sobre eles.

Embora estivesse surpreso por ter encontrado Matthew Huntington ali, Nate não deu a menor in­dicação de jamais ter ouvido o nome dele. Teriam o inglês e a duquesa chegado juntos à fazenda?

Beau virou-se para o jovem cavalariço de cabelos cor de areia e disse:

— Providencie para que o cavalo e a bagagem de nosso novo hóspede recebam os cuidados necessários. Venha, Nate. Vou levá-lo para casa. Lá conhe­cerá minha esposa e, então, poderá acomodar-se em seus aposentos.

Nate deu-se conta de que acabara de ser presen­teado com a chance de matar dois coelhos com um único tiro. Passaria algum tempo na companhia de Beau e Matthew, conheceria a fazenda e descobriria tudo o que fosse possível sobre o inglês, antes de encarar a duquesa.

Quando os três homens finalmente partiram a cavalo, Nate acomodou-se confortavelmente na sela. Ao contrário do animal que o levara até ali, o cavalo oferecido pelo anfitrião era dos melhores que Nate já montara.

Originalmente, Nate pensara em invadir a casa, du­rante a noite, e fugir com Richard. Porém, enquanto viajava para a fazenda, dera-se conta de que haveriam diversos obstáculos. Alimentar o garoto seria um deles. Matthew Huntington não se parecia em nada com a imagem que Nate formara dele em sua mente. Era quase tão alto quanto Beau, esbelto, o tipo de homem que a maioria das mulheres consideraria atraente. No entanto, a maneira como Matthew montara seu cavalo dera uma grande quantidade de informações a Nate. Matthew não era tão inepto quanto sua pompa levava a pensar. Enquanto Beau encontrava-se dentro da casa, falando com a esposa, Nate conseguira estabelecer uma conversa bastante informativa com o inglês. Descobrira que a duquesa de Gravenworth e seu filho encontravam-se na fa­zenda. Segundo Matthew, ela ainda não havia dei­xado seus aposentos, quando ele saíra de casa, e fora o cavalo dela que os homens estavam admirando, no curral. Nate estava mais do que curioso para saber como Matthew conseguira, finalmente, encon­trar a mulher que procurava, mas não queria de­monstrar maior interesse.

Hester dissera que Ann apresentaria Richard como sendo seu próprio filho. Pelo que Matthew dissera, fora exatamente o que ela fizera. Nate riu consigo mesmo. Se estivesse certo em suas suposições, a du­quesa não ficaria nem um pouco satisfeita em vê-lo.

 

Ann passou a manhã inteira brincando com Ri­chard, e advertiu Blossom de que, estando Matthew na mesma casa, teriam de ser muito cuidadosas.

Foi o aroma delicioso de pão fresco sendo retirado do forno que, mais tarde, atraiu Ann até a cozinha. Tratava-se de um cômodo espaçoso, com uma grande mesa redonda, cercada de cadeiras, a um canto, e ervas secas e vasos de todo tipo espalhados por todos os lados. Havia outras mesas, apropriadas para o trabalho de culinária, além de uma grande cesta, cheia de ovos frescos, uma pia enorme e uma bomba de água. Uma mulher remexia as cinzas da imensa lareira, que tomava quase toda uma parede, enquan­to outra lavava verduras recém-apanhadas da horta. Danielle encontrava-se junto ao fogão, experimen­tando o conteúdo de uma panela.

— Excelente — Danny decretou, elogiando a cozinheira.

Assim que viu Ann entrar, foi se juntar a ela.

— Meu filho, Kit, ficará entusiasmado quando co­nhecer Richard — disse.

— Eu não sabia que tinha um filho.

— Kit tem dois anos. Gostaria de tomar chá com biscoitos?

Ann sorriu timidamente.

— Ah, eu adoraria.

— Maria — Danny chamou por cima do ombro —-, por favor, sirva-nos chá e biscoitos, na sala de estar.

Então, segurou o braço de Ann e conduziu-a para fora da cozinha. Enquanto caminhavam pelo longo corredor, Danielle debatia seu dilema: deveria ou não contar a Ann o que Matthew lhes dissera, em sua primeira noite na fazenda? Finalmente, decidiu que Ann tinha o direito de saber.

Trinta minutos depois, Ann depositou a xícara no pires, em um gesto pouco delicado, e se levantou. Esforçava-se para manter a calma, mas não estava conseguindo.

— Matthew dizer que me ama é a coisa mais absurda que já ouvi em toda a minha a vida! Esse patife não conhece limites para sua ambição deso­nesta! — Pôs-se a andar de um lado para outro. Então, parou de súbito. — Mas não tenho meios de provar que ele está mentindo, tenho?

— Não — Danielle confirmou em voz baixa.

— Matthew é muito esperto. O que quer que eu diga, ele já providenciou para que haja uma respos­ta. Danielle, não percebe que tudo não passa de um plano mesquinho para me levar de volta para a In­glaterra? — Ann ouviu um cachorro latir. — Esse... parece sir Drake.

— E é. Matthew decidiu trazê-lo, para agradá-la. O cão parece estar gostando muito daqui. Corre por todos os lugares, e adora ser afagado pelos caubóis.

Animada pela notícia, Ann bateu palmas e sorriu.

Naquela tarde, Danny organizou uma festa para os meninos, com um grande bolo, todo decorado. Blossom, Richard, Ann e sir Drake eram os convidados. Kit e sir Drake apaixonaram-se um pelo ou­tro, imediatamente. Ann ficou encantada com o me­nino, que já tinha o charme e a beleza do pai... assim como seus cabelos negros. Observando o ga­roto, um pensamento cruzou a mente de Ann: se Nate tivesse um filho, certamente seria muito pa­recido com Kit... Então, perguntou-se o que a fizera pensar em Nate.

 

Ann permaneceu sentada diante do es­pelho, tentando compreender por que, primeira vista, não havia reconhecido a si mesma. Era verdade que, depois de passar tantos dias viajando ao sol, sua pele adquirira uma tonalidade bem mais escura... e um tanto fora de moda... e depois de Juanita ter operado um verdadeiro milagre com seu ferro de frisar cabelos, ela parecia uma mulher, e não mais um homem... mas nada disso tinha a ver com o que estava vendo no reflexo à sua frente. Tratava-se de algo mais sutil. Gradualmente, foi se dando conta do que era. Havia desenvolvido maturidade e coragem, das quais orgulhava-se com justiça. E tais traços estavam ali, bem visíveis em seu semblante. Ann sorriu, muito satisfeita com suas admiráveis qualidades.

Levantou-se do banquinho e, então, ajeitou o corpete rosa e a saia rodada. O vestido de Andréa era perfeito para jantar... e muito bonito, apesar de estar fora de moda.

Ann olhou para o relógio. Surpresa ao constatar que horas eram, apressou-se em sair do quarto. As­sim que entrou na sala de estar, Matthew adian­tou-se para ela. Sua falsa expressão de preocupação deixou Ann furiosa.

— Ann, você está maravilhosa — ele elogiou.

— Por que diz essas coisas, Matthew? — Ann indagou, lutando com todas as forças para manter a voz calma e conciliatória. — Sabe muito bem que já tive dias melhores.

— Continuo achando você absolutamente espeta­cular. Eu não sabia o que esperar. Durante meses, quase enlouqueci de preocupação. Temos tanto a conversar. Talvez, depois do jantar...

— Tenho certeza de que esta conversa pode es­perar até uma outra ocasião — Beau interrompeu-o. — Quem sabe, um ou dois dias, depois que Ann tenha se recuperado de sua longa viagem.

As faces de Matthew adquiriram uma tonalidade escarlate.

— Sim... bem...

— Também viajei muito, nos últimos tempos — declarou uma voz profunda. — Sei muito bem como pode ser cansativo ficar na estrada.

A mente de Ann parou de funcionar. Aquela voz. Não podia ser... Como se tudo acontecesse em meio a um espesso nevoeiro, Matthew deu um passo para o lado, e Nate Bishop surgiu diante de Ann. Sentindo um forte zumbido nos ouvidos, e certa de que estava prestes a desmaiar, ela se deixou cair na cadeira mais próxima.

— Ann, está se sentindo bem? — Matthew per­guntou, preocupado. — Ficou pálida, de repente.

— Está vendo? Você a deixou nervosa! — Danielle acusou-o.

Começou a se levantar do sofá, mas Ann ergueu a mão, a fim de impedi-la.

— Estou bem — Ann garantiu a todos. Então, respirou fundo e forçou-se a parar de tremer. — Apenas perdi o equilíbrio.

O que mais poderia se abater sobre ela? Precisaria de uma força de vontade sobre-humana, para con­trolar os nervos.

Ann lembrou-se da primeira aula de etiqueta que recebera, quando ainda era uma garotinha. Cruze as mãos sobre as coxas. Tal gesto ajuda a conter emoções indesejadas. Ann cruzou as mãos. Edmund também lhe fornecera um bocado de munição, nesse aspecto. Ela aprendera a se recuperar depressa de circunstâncias inesperadas e, mais importante, a guardar seus sentimentos somente para si.

— Nada que Matthew diga poderia me deixar ner­vosa, Danielle — afirmou.

Infelizmente, seu estômago parecia dar voltas, o que tornou suas palavras menos convincentes.

Satisfeito por saber que a vertigem momentâneas da prima não fora causada pelo confronto com Mat­thew, Beau apontou para Nate.

— Ann, permita-me apresentar-lhe mais um de nossos hóspedes. Este é Nate Bishop. Nate, esta é minha prima, Antoinette Huntington, duquesa de Gravenworth.

— É um prazer conhecê-la, finalmente. Matthew passou a tarde inteira tecendo elogios à duquesa.

Nate percebera a expressão momentânea de medo que tomara conta do semblante de Ann. As ameaças dela não haviam passado de um grande blefe. Em vez de ordenar que ele fosse morto, ela agia como se nunca o tivesse visto antes.

— E sou o que o senhor esperava? — Ann indagou com o que ela mesma considerou uma voz admiravelmente calma.

Sabendo, afinal, que era ele quem tinha o total e definitivo controle da situação, Nate permitiu que seus lábios se curvassem em um sorriso largo.

— De maneira alguma. — Nate aproximou-se, es­tudando detidamente cada traço do rosto delicado, os ombros, os seios pequenos e perfeitos, a cintura del­gada. O que, antes, fora falta de músculos, agora era beleza e elegância. — Acredite, ver você é uma expe­riência sem igual. — Sim, ela era mesmo uma beldade. Nate decidira, no momento em que Ann entrara na sala, que ele não deixaria aquela fazenda, enquanto não tivesse a duquesa em sua cama. — Por favor, desculpe-me por não desviar meus olhos, mas algo na sua aparência me faz lembrar de um homem que conheci — zombou, parando bem diante dela. Ann cerrou os punhos.

— Está insinuando que pareço homem? Um sorriso maroto curvou os lábios de Nate.

— De jeito nenhum. Posso assegurá-la de que sua beleza é extremamente feminina. O que eu quis di­zer é que Albert, este era o nome do homem, pare­cia-se com você o bastante, para ser seu irmão.

Ann teve vontade de gritar. Por que ele, simples­mente, não dizia a todos que haviam viajado juntos, e que fora Hester quem dera à luz Richard?

— O irmão de Ann encontra-se na índia, já faz algum tempo — Matthew informou-o, mais preocu­pado em ajeitar as rendas do punho do paletó. — No entanto, quando Ann chegou aqui, poderia ser confundida com um homem, uma vez que vestia rou­pas masculinas, e usava os cabelos muito curtos.

Nate riu, pois era divertido saber que Matthew desconhecia metade da história.

— Foi uma questão de sobrevivência, Matthew — Ann declarou em tom ácido.

A raiva ameaçava tomar conta dela. Tanto Ann, quanto Matthew e Nate, estavam todos fazendo papéis ridículos, porém convincentes. Até mesmo Nate, vestido em roupas formais, poderia ser facilmente confundido com um cavalheiro extremamente atraente, em vez de ser reconhecido pelo grande pa­tife que, na realidade, era.

Convencida de que Ann estava prestes a perder a paciência com Matthew, Danielle anunciou:

— O jantar está servido. Vamos para a sala de jantar. Ao perceber que Matthew se adiantava na direção dele e de Ann, Nate foi rápido em oferecer o braço a ela, antes que o inglês os alcançasse.

— Seria uma honra acompanhá-la até a mesa, duquesa.

Ann queria recusar a oferta, mas não podia. Ao menos por enquanto, Nate parecia disposto a levar adiante a farsa a que ela dera início, de que os dois nunca haviam se visto antes.

— Eu avisei que viria à sua procura — Nate sus­surrou, quando Ann pousou a mão em seu braço. — Não quero saber como vai fazer, mas encontre um meio de ir ao meu quarto, esta noite.

— Não pode imaginar que...

— Duquesa — Nate interrompeu-a em voz alta, para que todos ouvissem —, está tremendo! Quer que eu peça a uma criada que apanhe o seu xale?

— Não preciso de um xale, sr. Bishop — Ann sibilou.

— Por favor, chame-me de Nate.

— Diga-me, por quanto tempo pretende valer-se da hospitalidade dos Falkner?

Ann estava furiosa consigo mesma por ter per­mitido que Nate percebesse quanto a presença dele a abalava.

— O suficiente para conhecer toda a região — Nate respondeu em tom gentil, conduzindo-a até a mesa.

Quando se sentaram, os pensamentos de Ann for­mavam um verdadeiro caos em sua mente. De uma coisa, porém, ela tinha certeza: Nate fora até ali em busca de Richard.

Enquanto a sopa era servida, Beau fez uma ad­vertência bem-humorada a Matthew:

— E melhor ter cuidado com o que diz sobre mu­lheres que usam roupas masculinas, ou vai acabar em maus lençóis com Danny. Não é incomum en­contrá-la cuidando do gado, usando calças de couro.

— Minhas sinceras desculpas. Eu...

Ficou evidente que Matthew estivera prestes a dizer alguma coisa, mas concluíra que só se meteria em encrenca maior e, por isso, decidiu calar-se.

— Desculpas aceitas — Danielle declarou com ar de simpatia, embora tivesse vontade de esmurrá-lo.

Ann descobriu-se incapaz de conversar sobre amenidades, ao mesmo tempo em que sentia os olhos de Nate fixos nela. Por que ele tinha de estar sentado bem diante dela?

— Como foi que vocês dois se conheceram? — Nate perguntou a Danny, desviando os olhos de Ann por um breve instante.

— Foi em uma diligência — Beau respondeu. Danny lançou um olhar apaixonado para o marido.

— Foi amor à primeira vista — provocou-o.

— A sopa está soberba, Danielle — Matthew elo­giou entre delicadas colheradas.

— Nate, você disse que veio de Santa Fé — Da­nielle falou, ignorando o elogio do inglês. — Foi uma pena não ter conhecido Matthew, lá. Vocês dois po­deriam ter viajado juntos, até aqui.

O prato de Ann estava vazio, embora ela não se lembrasse de ter sequer provado da sopa. Como Nate se atrevia a esperar que ela fosse ao quarto dele?

— Na verdade, eu não estava em Santa Fé. Estive visitando um amigo, no Forte Bennington.

As criadas retiraram da mesa os pratos usados e começaram a servir o prato principal.

Matthew e Nate! Ann deu-se conta, repentina­mente, do significado da presença dos dois homens na fazenda. Ah, mas estava tudo muito claro! Nate planejara entregá-la a Matthew, mas seus planos haviam sido frustrados. Assim, uma vez recuperado de seus ferimentos, Nate viajara para Santa Fé e se encontrara com Matthew. Então, contara ao in­glês tudo o que acontecera no trem e na diligência. Mesmo assim, ainda havia um fio de esperança para Ann. Também seria capaz de fazer o jogo de Mat­thew. Nate fizera tudo por dinheiro. Por que uma serpente como ele não se deixaria subornar para negar as alegações de Matthew?

Matthew continuou com seus elogios:

— A carne está excelente.

O sorriso de Danielle foi um tanto forçado. Sentindo um clima de hostilidade entre seus hóspedes, ela disse:

— Beau, querido, por que não conta a Matthew como o mercado de carne bovina se tornou tão ren­tável na América?

Beau lançou-lhe um olhar confuso, e Danny deu de ombros.

— Sim — Matthew concordou de pronto. — Estou curioso para saber como isso aconteceu.

— Não há muito o que contar — Beau falou, pas­sando manteiga em uma fatia de pão, sem demons­trar pressa. — Somente carne de porco e de carneiro eram comidas no leste. A corrida do ouro mudou tudo isso. Quando voltaram para casa, os mineiros haviam tomado gosto pela carne bovina. O preço do gado, por cabeça, subiu vertiginosamente, e os fazen­deiros começaram a pensar de maneira diferente. Ha­via centenas de milhares de gado selvagem, e os va­queiros começaram a reuni-los e confiná-los. Rebanhos imensos foram conduzidos por centenas de quilôme­tros, até onde se encontravam os compradores. Muito dinheiro trocou de mãos. E foi assim que as grandes fazendas de gado começaram a se formar.

Ann já começava a pensar que o jantar jamais terminaria, quando os pratos foram finalmente re­tirados e a sobremesa foi colocada à sua frente.

Nate comeu um pedaço de torta de amora.

— Ouvi dizer que tem um filho, duquesa. Os olhos verdes de Ann faiscaram de raiva.

— Um menino lindo — Danielle comentou. — O nome dele é Richard.

— Ele se parece com a mãe — Matthew acres­centou com sarcasmo.

Nate terminou a sobremesa.

— Richard? Como é inglesa, devo supor que o batizou em homenagem a Ricardo Coração de Leão?

Ann cerrou os dentes. Como ele se atrevia a brin­car de gato e rato com ela?

— O senhor é muito intuitivo, sr. Bishop. Sim, escolhi o nome em homenagem ao rei Ricardo. Há mais alguma coisa que gostaria de saber sobre mim? Talvez esteja interessado em saber como Matthew matou o pai de Richard.

Matthew secou o suor da testa com o guardanapo.

— Ann, você sabe que não tive qualquer envol­vimento na morte de Edmund! Ele foi assassinado por um assaltante!

Danielle abriu a boca para dizer algo, mas Beau sacudiu a cabeça de leve, silenciando-a.

— Por favor, me desculpe, duquesa — Nate falou com fingida inocência. — Não tive a intenção de perturbá-la. Só estava tentando conversar.

— Ora, seu... — Ann tratou de se calar, limitan­do-se a fitá-lo por um longo momento. Então, exibiu um sorriso forçado para Danielle. — O jantar estava excelente, mas se me derem licença, vou me retirar. Estou exausta.

— Fique à vontade. Tenho certeza de que estará se sentindo melhor, amanhã.

Os homens se levantaram e, com a dignidade re­sultante de uma vida inteira de treinamento, Ann levantou-se com ar majestoso.

— Mais uma vez, peço desculpas, sra. Falkner — Ann ouviu Nate dizer, quando ela deixava a sala de jantar.

As mentiras de Matthew e Nate eram um bocado convincentes. Nate a apanhara em uma armadilha.

— Ao que parece, mesmo sem ter a intenção, dei­xei sua hóspede abalada e perturbei o seu jantar maravilhoso — ele continuou.

— Você não teve culpa, Nathan — Matthew as­segurou. — A mente de Ann está confusa, desde a morte de seu marido.

— Confusa?

— Tenho certeza de que, com o tempo... e bastante descanso, ela ficará bem. Garanto-lhe que não sou o assassino de meu primo.

— Com licença — Danielle murmurou, levantando-se. — Quero ter certeza de que Ann está bem.

Os homens voltaram a se pôr de pé.

— Cavalheiros — Beau convidou —, por que não vamos para o escritório, onde poderemos desfrutar de um drinque e um bom charuto?

Assim que teve certeza de que ninguém poderia ouvi-la, Ann saiu correndo para seu quarto. Uma vez lá dentro, foi diretamente para o quarto contí­guo. Blossom dormia na cadeira de balanço e Richard, no berço. Ann sacudiu de leve o ombro da índia. Blossom acordou imediatamente.

— Quero que vá até a cozinha e descubra onde fica o quarto de Nate Bishop. Aja como se estivesse apenas curiosa. Não quero que as criadas suspeitem que está colhendo a informação para mim.

Um sorriso largo iluminou o semblante de Blossom.

— Encontrou homem que gosta?

— Não. Esse homem só traz problemas.

Poucos minutos depois, Danielle chegou. Para alí­vio de Ann, a ruiva ficou no quarto por pouco tempo. Assim que ela saiu, Ann acendeu uma vela e esperou com nervosismo pelo retorno de Blossom.

 

Em absoluto silêncio, Ann saiu para o corredor escuro, usando a mão em con­cha para proteger a chama da vela. Segundo Blossom, o quarto de Nate era a terceira porta adiante.

Ann não sabia ao certo quanto tempo se passara, desde que ela deixara a sala de jantar, mas tinha a esperança de que os homens houvessem encerrado a sessão de drinques e charutos. Queria pôr um fim àquela história o mais depressa possível. Uma vez que ficara óbvio que Nate era um homem desprovido de princípios morais, convencê-lo a aceitar seu di­nheiro certamente não seria problema. Estava dis­posta a oferecer o dobro do que Matthew estava pagando, pouco importava o valor da quantia.

Ann parou diante da porta do suposto quarto de Nate, e bateu de leve. Como não recebesse resposta, bateu mais uma vez, um pouco mais forte. Ainda assim, não obteve resposta. A última coisa que de­sejava era ser surpreendida por um dos criados e, por isso, girou o trinco e abriu a porta pesada. O quarto encontrava-se às escuras.

— Nate? — chamou assim mesmo.

De repente, sentiu o aperto da mão forte em seu braço, e foi puxada para dentro do quarto.

— Estou bem aqui, querida — Nate sussurrou segurando-a com força contra o próprio corpo, ele fechou a porta. — Eu não perderia o nosso encontro por nada

O tom sarcástico e zombeteiro de Nate era inconfundível.

— Solte-me! — Ann ordenou.

— Está tremendo de novo. Fico me perguntando o que tenho para assustá-la tanto, duquesa.

Ann tentou chutá-lo, mas errou o alvo. Ele a segurava com tamanha firmeza, que o esforço foi doloroso.

— Se gritar, ou fizer qualquer outra coisa para cha­mar atenção, lembre-se de que é você quem terá de dar explicações — ele falou, ao mesmo tempo em que deslizava uma das mãos por sobre os seios de Ann.

— O que está fazendo?

Quando a mão de Nate continuou a passear pelo seu corpo, Ann abriu a boca para gritar, mas ele usou a outra mão para cobrir-lhe a boca.

— Lembre-se, duquesa, foi você quem veio ao meu quarto, e não o contrário.

Retirou a mão.

— Você ordenou que eu viesse!

— Pode provar isso?

Ele estava erguendo a saia dela!

— Não pode fazer isso! — Ann protestou, aflita.

— Garanto-lhe que sua honra está segura. Estou apenas revistando você, à procura de alguma arma. Como vê, não confio em ninguém, especialmente em mulheres ardilosas como você, minha cara. Talvez tenha amarrado um punhal à coxa.

A mão dele subiu por uma das pernas de Ann, e desceu pela outra, sem deixar de explorar-lhe os quadris. Ela sentiu o coração acelerar.

— Como se atreve? — Ann sibilou.

Nate retirou a mão debaixo de sua saia e, então, soltou-a. Ann olhou para a própria mão e, surpresa, perguntou-se como conseguira continuar segurando a vela acesa. Virou-se de pronto, prestes a dizer a ele tudo o que pensava de homens que se aproveitavam das circunstâncias, para usar as mulheres. Porém, ao se deparar com a mão de Nate erguida no ar, recuou.

— Pouco me importa se alguém me encontrar no seu quarto. Se me bater, juro que vou gritar.

Ele afastou uma mecha de cabelos que havia caído sobre seus olhos, e Ann deu-se conta de que, em momento algum, Nate pretendera agredi-la.

Nate apoiou-se na porta.

— O que há de errado, duquesa? Está com a cons­ciência pesada?

— Você não tinha o direito de tomar tais liberdades.

Ter as mãos dele passeando por seu corpo fora de­gradante, mas ao mesmo tempo, Ann ficara excitada. Ainda podia sentir o calor dos dedos dele em sua pele.

— E você me julgou mal — ele falou com voz suave. — Sempre busco vingança para as injustiças, mas não tenho o hábito de bater em mulheres.

— De que injustiça está me acusando? Não fiz nada a você, além de me fingir de homem. No entanto, não acha que poderíamos discutir o que você fez para mim?

Nate riu.

— Albert estava cavando sua própria sepultura. Caso aquele sujeitinho pomposo e idiota que você criou continuasse a seguir aquela linha de raciocínio totalmente ilógico, teria acabado com uma bala na testa. Portanto, eu lhe prestei um grande favor. — Acendeu o lampião próximo à porta. — Mas isso não tem nada a ver com o motivo pelo qual estou aqui. Vim buscar Richard.

O coração de Ann transformou-se em uma pedra de gelo.

— Não pode levá-lo.

— Está enganada — Nate argumentou com olhar duro. — É você quem não poderá ficar com ele. Hester me contou por que você quer tanto que Richard se passe por seu filho.

— Ela também disse que não hesitou um segundo sequer, antes de concordar em me dar o menino? — Agora, Ann compreendia por que Nate não ficara nem um pouco surpreso ao vê-la. — Eu disse a todos que sou a mãe de Richard.

— Não tenho a menor dúvida disso.

Ann bateu contra uma cama enorme, e tratou de se afastar depressa.

— Não vim até aqui porque você me ordenou. Vim para lhe fazer uma proposta.

Os olhos de Nate baixaram, deliberadamente, dos de Ann para seus ombros e, então, para seus seios.

— E que tipo de proposta seria essa?

— Ai! — Ann queixou, quase deixando cair a vela. Depressa, retirou a cera quente que pingara em seu dedo e, então, soprou a chama e colocou a vela sobre a mesa. — Sei por que você e Matthew estão aqui — declarou, orgulhosa da própria inte­ligência e perspicácia.

Colocou-se atrás de uma cadeira.

— Já lhe disse por que estou aqui.

Ann arregalou os olhos, alarmado. Teria mesmo ouvido a chave girar na fechadura? As mãos de Nate continuavam escondidas atrás dele.

— Eu... — Olhou para a janela, que se encontrava aberta. — Não vim aqui para... — As palavras en­rascaram em sua garganta.

— Eu não disse que veio.

Ora, ele estava zombando dela, e se divertindo às suas custas.

— Vim para lhe oferecer dinheiro. E gostaria de parasse de me olhar desse jeito.

— Gosto do que vejo.

— Sei perfeitamente que não tenho as qualidades que os homens acham interessantes e atraentes em uma mulher. Portanto, não perca seu tempo, tentando me convencer do contrário. — Ann perguntou-se por que continuava falando de coisas sem importância, em vez de resolver de uma vez por todas aquele im­passe. — Estou aqui para fazer negócios.

— Toda mulher tem sua beleza — Nate comentou, ao mesmo tempo em que se afastava da porta e começava a tirar o paletó.

— O que está fazendo? — Ann inquiriu em voz mais alta do que planejara.

A chave continuava na fechadura. Teria Nate trancado a porta, ou teria a sua imaginação lhe pre­gado uma peça?

— Estou ficando à vontade. Isso a incomoda?

— Sim, e muito. Não se trata de algo que um cavalheiro deva fazer diante de uma dama.

Nate não havia imaginado que a duquesa fosse ficar tão nervosa. Calculara que, quando ela desco­brisse que ele sabia tudo sobre seus planos, agiria com frieza. No entanto, ali estava ela, aflita como uma noiva em véspera de casamento.

— Já que parece tão preocupada com questões de protocolo, quem sabe possa me dizer se é permi­tido a uma dama ficar sozinha com um homem, no quarto dele.

Nate atirou o paletó sobre a cama.

Dando a volta na cadeira, Ann conseguiu colocar a pesada peça de mobília entre eles. Não confiava em Nate. Ele começava a usar com ela o mesmo tom de voz que usara com Hester.

— Você me ordenou que viesse! Se, ao menos, me deixasse...

Ele riu.

— Devo admitir que não imaginei que você tivesse coragem de...

— Chega! Vai me deixar falar, ou não?

Nate deu de ombros, sentou-se na beirada da cama e esperou.

— Você me fez esquecer o que tinha a dizer — Ann queixou-se, massageando a têmpora. — Em pri­meiro lugar, quero que saiba que não tenho o menor desejo de... Não o considero atraente e... Bem, pode tirar da cabeça qualquer idéia... O que estou ten­tando dizer é...

— Não veio me pedir para fazer amor com você?

— Sim. Exatamente.

— Estou arrasado — Nate declarou com uma gargalhada.

— Não vejo a menor graça. Ele se levantou.

— Se, como diz, os homens não a consideram atraente, por que acha que eu desejaria tê-la em minha cama?

— Todos os homens...

— Nenhum homem é igual ao outro, querida. Tal­vez você esteja apenas tentando ouvir elogios.

— De maneira alguma!

— Pois saiba que acho você muito atraente. Ele se aproximava.

— Devo avisá-lo que vou gritar...

— Está corada! Lamento desapontá-la, mas só pretendo apanhar um charuto. — Parou diante da mesa de canto, junto da cadeira que Ann usava como escudo, e retirou um charuto do estojo. — Gostaria de saber como você é, na cama. Provavelmente, um homem precisaria de uma noite inteira, só para que­brar o seu gelo.

— Como se atreve a falar comigo dessa maneira grosseira?

Nate deu-lhe as costas e, então, sentou-se justamente na cadeira atrás da qual Ann tentava se proteger.

— Muito bem. Qual é a proposta que você deseja me fazer? — ele perguntou, enquanto acendia o charuto.

Sem escolha, Ann fez um grande círculo, até se ver frente a frente com Nate, novamente.

— Esta noite, dei-me conta de que o fato de você e Matthew estarem aqui não é mera coincidência. Quando vi Matthew em Santa Fé, não foi difícil calcular o que ele estava fazendo lá. Ele estava à minha espera. Quando enviou o telegrama? Foi de Chicago? Antes ou depois disso?

Nate estava achando aquela teoria muito interes­sante. Sorriu.

— Sabe de uma coisa, duquesa? Tem uma mente muito afiada.

— Muito bem. Pode guardar seus segredos, se quiser. — Ann aproximou-se da cama e, então, virou-se. O quarto parecia abafado demais. Até mesmo suas faces ardiam. — Tenho certeza de que, quando se encontrou com Matthew, foi com prazer que con­tou tudo o que aconteceu durante nossa viagem jun­tos. Agora, Matthew tem como comprovar que Ri­chard não passa do filho bastardo de Edmund.

Fazia muito tempo que Nate não se divertia tanto.

Mantendo a cabeça baixa, enquanto os pensamen­tos giravam em disparada, Ann pôs-se a caminhar de um lado para outro, entre a cama e a cômoda. Finalmente, parou e ergueu os olhos para o homem viril, confortavelmente instalado na poltrona.

— No início, pensei em apelar para o seu senso de honra, mas então me lembrei de que você não conhece o significado dessa palavra. Portanto, a mi­nha proposta é a seguinte: já que tudo se resume em dinheiro, estou disposta a pagar o dobro do que Matthew lhe ofereceu.

— Para fazer o quê? — Nate indagou.

A voz profunda e ressonante trouxe de volta a tensão de que Ann quase conseguira livrar-se.

— Para jurar que ajudou no meu parto.

Nate estreitou os olhos, enquanto a fumaça esca­pava lentamente de seus lábios.

— Por quê?

— Por quê? Ora, a única coisa importante que você precisa saber é que vai receber o dobro do di­nheiro que planejava.

— Quero saber por quê. Ann suspirou, irritada.

— Matthew assassinou meu marido. Se ele conse­guir provar que Richard não é meu filho, vai se tornar herdeiro do título de duque, e obter todas as terras, o dinheiro e tudo mais o que acompanha o ducado. Se eu puder provar que Richard é meu filho, Richard será o herdeiro, e Matthew não ficará com nada.

— E você ficaria com tudo.

— Não é essa a questão.

— Não?

A irritação de Ann tornava-se cada vez maior.

— Matthew não pode lucrar com o crime que cometeu. — Suspirou, desanimada. — Ora, você ja­mais compreenderia.

Pensativo, Nate bateu a cinza do charuto no cin­zeiro. As conjecturas de Ann estavam totalmente erradas, mas exceto pela parte sobre Matthew ter matado Edmund, a história coincidia com o que Hester lhe contara. Até onde a duquesa chegaria, para atingir seus propósitos?

Ann não poderia suportar o silêncio de Nate, nem por mais um segundo.

— Não vai dizer nada?

— Lamento estragar o seu excelente trabalho de detetive, mas minha presença aqui não tem nada a ver com Matthew.

— Mas... Você se encontrou com ele em Santa Fé, não?

— Não. Nunca vi aquele sujeito, até chegar aqui. Ann ficou completamente perdida.

— Então, por que está aqui?

— Para tirar Richard de uma mulher, cujo único propósito é usá-lo em seu próprio benefício.

— Isso não é verdade!

— Nesse caso, vai ter de provar que estou errado, duquesa. Pelo que entendi, bastariam umas poucas palavras minhas a Beau e Matthew, para pôr fim ao seu grande plano. Como deve saber, pouco me importa o que Matthew vai ganhar, ou não.

Nate levantou-se, apagando o charuto no cinzeiro. Ann aproximou-se dele.

— Com certeza, Hester lhe disse que minhas in­tenções são as melhores.

— Hester jurou, em seu leito de morte, que você é má, e que não sabe o que é o amor. Isso é verdade?

— Não posso acreditar que ela tenha dito isso.

— Garanto que foi exatamente o que ela disse. E verdade que não sabe o que é o amor?

— E claro que não!

— Então, você já amou alguém?

— Já.

Nate observara Ann aproximar, sem se dar conta do que fazia. ,Em um piscar de olhos, ele poderia estender os braços e puxá-la para si. O que era uma possibilidade um tanto tentadora.

— Quem?

— Isso não é da sua conta.

— Decidi que é da minha conta.

Ela sustentou seu olhar em a menor hesitação.

— E quanto ao dinheiro? Faça seu preço. Tenho uma pequena quantia comigo, no momento, mas es­tou certa de que Beau me daria quanto eu pedisse, até que meu pai envie mais dinheiro, da Inglaterra.

— Já disse que estou aqui por uma única razão — Nate insistiu em tom duro. — Richard.

— Nunca permitirei que tire Richard de mim! Se estivesse sendo sincero sobre suas intenções, certa­mente enxergaria as vantagens de deixá-lo comigo. O que tem a oferecer a ele? É um andarilho. Tudo o que faria seria arrastá-lo de um lugar para outro, até acabar entregando-o a alguém, só para se ver livre da responsabilidade. Não quer ficar com Ri­chard. Só que me impedir de ficar com ele!

— Vou lhe dar duas semanas.

— Não pode fazer uma coisa tão terrível — Ann persistiu, furiosa.

— Nunca tentei me fazer passar por santo.

— Como posso provar que só quero o melhor para ele?

Nate passou a mão pelos cabelos. Zangada, Ann parecia tornar-se mais cheia de vida. Sua postura ereta indicava orgulho, mas também, tensão. Os olhos verdes faiscavam. Os olhos de Nate pousaram nos lábios generosos e tentadores. Não importava qual fosse a opinião que tivesse sobre ela, seria impossível negar o desejo que aquela mulher lhe despertava.

— Imagino que seria capaz de fazer qualquer coisa para me manter calado.

— Qualquer coisa.

Nate estendeu os braços e puxou-a para si. Os lábios dela se abriram para pronunciar uma negativa, mas ele a beijou, impedindo-a de falar. No início, Ann lutou para se desvencilhar dele, mas à medida que o beijo foi se tornando mais intenso e profundo, tornou-se submissa, ao ponto de apoiar-se em Nate. Seus braços se erguiam para enlaçar o pescoço dele, quando de repente, ela atirou a cabeça para trás, aparentemente se dando conta do que estava fazendo. Nate nem se­quer tentou prendê-la junto de si.

— Evidentemente, não faria qualquer coisa — ele disse com um sorriso maroto.

— Você é desprezível — Ann acusou-o, ainda ator­doada pelo beijo. — Se, um dia, eu tiver a oportunidade, vou me vingar por você ter tomado tamanha liberdade.

— Ora, admita que gostou de ser beijada.

— Não gostei. Sinto-me nauseada.

— Ah, você é uma grande mentirosa. Duas se­manas, duquesa. Se, até lá, eu não estiver conven­cido de que você é uma boa mãe para Richard, con­tarei a todos quem é a verdadeira mãe dele. Então, partirei, levando-o comigo. Fui claro?

Ann estava horrorizada. As feições de Nate pa­reciam esculpidas em pedra. Não havia o menor sinal de humor nos olhos negros, agora.

— Poderia aceitar o dinheiro — tentou mais uma vez.

— Você ainda não entendeu. Não quero o seu dinheiro, querida. — O sorriso que curvou os lábios dele foi frio como gelo. — Quero conhecer de perto a capacidade de amar, que você afirma possuir.

Ann prendeu a respiração.

—- Está dizendo... — Furiosa, caminhou em círculos, antes de voltar a encará-lo. — Está dizendo que guar­dará o meu segredo, se eu me deitar em sua cama?

Nate aproximou-se. Não, não fora essa a intenção de suas palavras, mas com certeza, essa seria a ma­neira mais rápida e eficaz de descobrir como era a verdadeira Antoinette Huntington.

Ann mal podia respirar, pois um nó se formara em sua garganta. Nate estava muito perto, e ela podia sentir-lhe o hálito quente contra a face, assim como o odor másculo e agradável que o coro dele exalava.

— Com certeza, não espera que eu...

Nate passou a ponta do dedo por seus lábios.

— Por que não?

Quando ela se encolheu, Nate lembrou-se da rea­ção que ela tivera antes, quando pensara que ele fosse esbofeteá-la. Segurou-lhe o queixo entre os de­dos, forçando-a com gentileza a fitá-lo. Os olhos ver­des ainda faiscavam.

— Tem a opção de dizer não — lembrou-a.

— Tenho? E se eu disser não, até que ponto estarei influenciando em sua decisão? Se está determinado a me usar, então, só fará isso depois que disser a Beau que Richard é meu filho.

— Não faça ameaças, duquesa. Não sou do tipo que fica amedrontado com facilidade. Quanto a usá-la, não é isso o que está fazendo com Richard?

— Vou mandar matá-lo!

— Não creio que Beau permita uma coisa dessas. Desde o início, você me olhou com opiniões pré-concebidas e, claro, não quero desapontá-la. — Nate virou-se e afastou-se. — Só quero você em minha cama se for de livre e espontânea vontade.

— E como você saberia se estou me deitando com você por que quero, ou por causa de Richard?

Ele soltou uma risada amarga.

— Acredite, duquesa, eu saberia.

— Duvido!

— E, enquanto espero que se entregue para mim, sem reservas, estarei observando, sem garantir nada. Portanto, a questão é até onde pretende chegar para garantir a sua, ou melhor, a posição de Richard.

Ann atirou-se sobre ele. Nate só teve tempo de segurar-lhe o braço, antes que ela o esbofeteasse.

— Por que não resolvemos isso de uma vez por todas, aqui e agora? — ela sibilou, sentindo a dor provocada pela mão forte em torno de seu pulso.

Nate puxou-a para si. Seu beijo foi quase violento, mas Ann não sentiu dor. Viu-se envolvida pela pai­xão que os lábios dele lhe despertavam. Odiou a si mesma, pela própria fraqueza, mas Nate fazia com que se sentisse mulher. Não era capaz de pensar em nada, exceto nas sensações deliciosas que ele provocava. Não queria que o beijo terminasse. Muito antes do que gostaria, Nate descolou os lábios dos dela e se afastou, deixando-a parada, de pé, no meio do quarto, sentindo-se profundamente sozinha.

— O que você precisa, minha cara, é de um bom homem.

Ann foi tomada pela indignação.

— O que menos preciso em minha vida, é de um homem.

— Seu marido não a satisfazia, duquesa? — Nate inquiriu em um sussurro. Na última hora, desco­brira muito mais sobre Ann do que ela jamais po­deria imaginar. — Assustou-se comigo, quando ergui a mão, porque seu marido costumava espancá-la?

— O que aconteceu entre mim e meu marido não é da sua conta — Ann defendeu-se. — Assim como não tem nada a ver com a sua decisão.

Ela não suportaria a vergonha de ver seu casa­mento discutido por quem quer que fosse, especial­mente aquele desconhecido sem caráter. Virou-se e se dirigiu para a porta, mas foi impedida por Nate, que a segurou pelo braço, forçando-a a encará-lo.

— Não vai a lugar nenhum, a menos que eu decida que pode ir.

Ele voltou a passar um dedo pelo contorno dos lábios generosos. Ann permaneceu imóvel.

— Por que está fazendo isso?

De repente, Nate surpreendeu-se fazendo a mes­ma pergunta. Então, soltou-lhe o braço.

— Nunca me deitarei em sua cama de livre e espontânea vontade — Ann declarou, praticamente cuspindo as palavras.

— Tem medo de descobrir que há uma mulher de verdade escondida dentro de você? Acredite, querida, está mais perto de fazer isso do que pode imaginar.

— Tenho sua permissão para sair, agora? — ela inquiriu, sem disfarçar o cinismo.

— Faça como quiser. A propósito, foi seu marido quem a convenceu de que você não tem nada que um homem poderia desejar?

Ann marchou até a porta. Quando pousou a mão no trinco, hesitou. Estaria trancada?

— Achei que você não gostaria se alguém entrasse e nos surpreendesse aqui — Nate explicou. — Quer que eu espie o corredor, e me certifique de que não há ninguém por perto?

Ann assentiu e deu um passo para o lado. Nate destrancou a porta, abriu-a e enfiou a cabeça na fresta.

— Pode sair. Não há ninguém — disse em tom de riso.

— O senhor é a criatura mais vil que já tive o desprazer de conhecer.

— Isso é o que você pensa. Ann saiu quase correndo.

— Lembre-se: duas semanas — ele fez questão de lembrar da porta.

Nate ficou parado na escuridão, junto à janela aberta de seu quarto, ouvindo os grilos cantarem lá fora. Pela manhã, iria ver Richard. Aquela fora um dia muito esclarecedor. A partir do momento em que embarcara no trem, em Nova York, fora enganado de todas as maneiras, uma idéia que ele ainda encontrava dificuldades em assimilar. As mentiras haviam se amontoado, umas sobre as ou­tras. Estava ansioso para ouvir a versão de Matthew sobre o que acontecera quando Edmund fora morto. Porém, havia uma coisa boa que surgira de toda aquela situação confusa. Descobrir que Albert era mulher havia tirado um peso imenso de seus ombros. Sua masculinidade estava salva.

Todas as características que tanto o desagrada­vam em Albert, agora pareciam perfeitas nas curvas do corpo de Ann. A duquesa era uma beldade, mesmo usando os cabelos curtos. O vestido rosa que ela usava naquela noite não deixava qualquer dúvida quanto a isso.

Ao ouvir um barulho lá fora, Nate ergueu os olhos e viu Matthew caminhando por entre as árvores. Estaria ele também pensando em Ann? Aquela mu­lher parecia virar a cabeça de todos os homens que cruzavam seu caminho.

Nate afastou-se da janela e começou a se despir. Saber que Ann sentira desejo por ele era uma coisa. Fazê-la admitir seus sentimentos e se entregar para ele de livre e espontânea vontade era outra, muito diferente.

Tirou a camisa. Partir àquela altura estaria to­talmente fora de cogitação... a menos que Richard estivesse sendo maltratado.

Tirou a calça. A lembrança das tantas ocasiões em que Albert havia chegado muito perto de levar um soco no nariz provocou um acesso de riso em Nate. A imagem da expressão no rosto de Albert, ao ser atirado para fora da diligência, praticamente nos braços das prostitutas fez Nate explodir em gar­galhadas. Quanto tempo as moças teriam demorado para descobrir que Ann não era homem?

— Sr. Huntington? — uma voz masculina chamou baixinho.

— Sim — Matthew replicou —, sou eu.

— Encontrei o homem certo para o senhor. — Tex olhou em volta, a fim de se certificar de que ninguém o veria conversando com o inglês. — O nome dele é Chico. Por um preço justo, fará qualquer coisa que o senhor queira, inclusive matar alguém.

— Você trabalhou muito bem — Matthew elogiou, estendendo dinheiro para Tex.

— Ele disse que virá encontrá-lo aqui, dentro de duas noites, na mesma hora.

Com isso, Tex desapareceu na noite.

Matthew voltou para seus aposentos. Na primeira vez em que pusera os olhos no jovem vaqueiro, Mat­thew soubera que Tex era do tipo que gostava de ganhar dinheiro, sem ter de trabalhar para isso. Dentro de duas noites, ele poria seus planos para Antoinette em ação.

 

O rosto e as mãos de Edmund estavam cobertos de sangue, e ele forçava Ann a se deitar na cama. Sua gargalhada cruel ecoava nos ouvidos dela. Desesperada, ela se debatia e chutava, mas ele era forte demais. Ann gritou de dor quando ele a penetrou. Para seu horror, quando o marido voltou a se afastar, transformou-se em um esqueleto, com pe­daços de carne pendendo dos ossos. Ann gritou, ao mes­mo tempo em que alguém a chamava de assassina.

Ann acordou sobressaltada e sentou-se na cama. Demorou um momento para se dar conta de que tudo não passara de um pesadelo. Esfregou os olhos e levantou-se da cama. Dormira muito pouco, e o dia logo amanheceria. Foi até a cômoda, despejou água da jarra na bacia e lavou o rosto. Parte da água encharcou sua camisola, proporcionando-lhe uma agradável sensação de frescor.

O sonho havia lhe provocado um terrível senti­mento de solidão. No entanto, ela havia feito sua escolha, e não havia caminho de volta, agora. Se Richard não se tornasse duque de Gravenworth, qual teria sido o sentido de tudo o que ela havia enfrentado, ou da morte de Hester?

Sentindo-se mais refrescada do que esperava, Ann foi até o guarda-roupa e escolheu a roupa que ves­tiria naquele dia. O sol acabara de despontar no horizonte, e o ar ainda estava fresco.

Depois de se vestir, Ann foi até o quarto contíguo, para fazer sua visita diária matinal ao filho. Ficou horrorizada quando Blossom a informou de que, antes do amanhecer, Nate passara meia hora com o bebê.

— Deixou que ele segurasse Richard nos braços? — Ann inquiriu, furiosa.

Blossom sorriu.

— Não preocupar. Diablo bom homem, grande guerreiro.

— Ele quer tirar Richard de mim. Nunca mais permita que ele toque em meu filho!

O constrangimento de Ann tornou-se ainda maior, quando Blossom assentiu em concordância, mas alargou o sorriso.

Quando Richard adormeceu, Ann voltou para seu quarto. Olhou em volta. Estava cansada de tentar evi­tar Matthew e Nate e, certamente, não precisava que o fantasma de Edmund viesse assombrá-la. Pensou em Star. O cavalo precisava de exercícios, assim como ela. Decidiu que uma boa cavalgada faria bem aos dois.

Nate e Beau estavam sentados na cerca do curral, admirando o touro que acabara de chegar da Inglaterra. Vinham passando muito tempo juntos, conversando so­bre todo tipo de assunto, de índios, a qualidade de diferentes pastos. E Beau desenvolvera um saudável respeito pelo homem que, um dia, se chamara Diablo. Na verdade, gostava mais dele do que de qualquer outro homem branco com quem tivesse se relacionado.

Beau tirou o chapéu, afastou os cabelos da testa, e voltou a colocar o chapéu.

— Algo me diz que você e Ann já se conheciam, quando se encontraram aqui — disse.

Desceram da cerca e começaram a caminhar.

— Por acaso, percebeu que ela não gosta muito de mim? Às vezes, tenho saudade do tempo de tran­qüilidade, quando eu vivia com os cheyenne.

Beau assentiu.

— Ontem à noite, tive um sonho. Eu corria com o vento e lutava contra meus inimigos. Viajei du­rante centenas de quilômetros, sem ver nada além de planícies e búfalos.

— Aqueles tempos foram bons e ruins. Está di­zendo que gostaria a viver como índio?

Beau riu.

— Não. Foi um sonho sobre tempos passados. Sou um homem feliz, mas de vez em quando... — Parou de falar e olhou para Nate. — Diga-me uma coisa, Diablo. Acha que ainda é capaz de montar um cavalo selvagem e domá-lo, sem fazer uso de uma corda?

Os olhos de Nate exibiram um brilho de interesse.

— Tenho certeza que sim. E você? Beau sorriu.

— Está se esquecendo de que já fui um guerreiro cheyenne?

— Não me esqueci.

— Aposto mil dólares como não é capaz.

— E eu aposto mil como você não é capaz. Beau ergueu uma sobrancelha.

— Tem dinheiro para pagar, caso perca a aposta?

— Antes de vir para cá, estive em Nova York, para assistir ao enterro de minha mãe e cuidar das propriedades. Meu pai era dono de muitos navios, tanto na América, quanto na Inglaterra. Sou tão rico quanto você. Talvez, mais. Posso pagar os seus mil dólares quantas vezes quiser.

— Isso é bom, pois pretendo ganhar — Beau ad­vertiu com uma gargalhada.

— Avise-me quando estiver pronto a testar mi­nhas habilidades.

— Que tal hoje à noite, depois que todos estiverem dormindo?

— Onde?

— No curral mais distante da casa.

— Estarei lá.

Ainda rindo, Beau encaminhou-se para a oficina do ferreiro, enquanto Nate seguia na direção oposta. De repente, Beau deu-se conta de que Nate não havia respondido a sua pergunta sobre ele e Ann terem se conhecido, antes de se encontrarem em sua fazenda. Beau riu consigo mesmo. Nate era um sujeito esperto.

Depois de uma cavalgada revigorante, tendo en­tregue as rédeas de Star nas mãos do jovem cava-lariço, Ann sentia-se plenamente em controle de si mesma. O passeio lhe permitira analisar a situação com calma. Chegara à conclusão de que Beau seria perfeitamente capaz de manter Matthew sob seu controle. Quanto a Nate, tentaria ser mais feminina e delicada, em vez de discutir e ser grosseira, toda vez que se confrontavam.

Quando deu a volta no estábulo, viu Beau e Nate se separarem.

— Nate — chamou, esquecendo-se imediatamente da idéia de ser simpática e gentil.

Nate parou e virou-se. Ao ver que Ann se adiantava para ele, recuou até a sombra de uma árvore e esperou.

— Não quero que visite Richard — ela ordenou, assim que parou à frente dele. — E de nada vai adiantar conquistar a simpatia de Blossom.

― Eu só queria ter certeza de que Richard está

sendo bem tratado — ele explicou, calmamente.

— Agora, que já sabe, não há motivo para voltar a vê-lo.

— Isso é tudo o que tem a me dizer?

— Não. Quero dizer mais uma coisa. — De re­pente, Ann lembrou-se de que deveria tratá-lo com maior cortesia e, assim, quando voltou a falar, usou de voz mais suave e relaxou a postura tensa. — Sei que é um homem justo e, ao longo das próximas duas semanas, vai se dar conta de que também me importo com a felicidade de Richard, assim como com o futuro dele. Quando reconhecer e aceitar isso, vai compreender que deve dizer a todos que sou a verdadeira mãe de Richard.

Nate ergueu uma sobrancelha.

— Ora, vejam só! Como sua opinião a meu respeito mudou!

A duquesa estava, na verdade, tentando agradá-lo. Com movimentos casuais, aproximou-se dela, for­çando-a a dar as costas para a parede do estábulo.

— Admito que tenho sido dura demais com você — Ann declarou com um sorriso. — Tenho enfrentado muitos problemas. Começamos da maneira errada. Vamos tentar começar de novo e sermos bons amigos.

— Não há nada que eu deseje mais do que isso.

— Bom.

— Mas meus termos não mudaram, nem mudarão, no futuro.

— Espera-se que amigos sejam capazes de perdoa­rem uns aos outros—Ann lembrou por entre os dentes.

— Já faz tanto tempo que nos beijamos pela úl­tima vez.

— O quê? Por acaso, ouviu alguma palavra do que eu disse, até agora?

— Todas elas.

Nate inclinou-se e beijou-a.

Embora se recusasse a se deixar levar pelos avanços dele, as sensações que ele lhe despertava eram com­pletamente diferentes de tudo o que ela havia experi­mentado antes. Como se fosse à distância, ouviu ge­midos de prazer. De repente, deu-se conta de que era ela mesma quem gemia! Virou a cabeça rapidamente.

Prevendo o movimento que ela faria a seguir, Nate plantou as mãos na parede, dos dois lados de Ann, impedindo-a de fugir.

— Por que continua se esforçando para combater o seu desejo, Ann? — perguntou em tom suave. — Por que... — beijou-lhe a ponta do nariz — ...não admite... — beijou-lhe as pálpebras — ...que me quer... — bei­jou-lhe os cantos da boca — ...tanto quanto quero você?

Finalmente, seus lábios capturaram os dela, exi­gindo que ela partilhasse o seu prazer.

Ann sentiu o sangue ferver em suas veias. Mais uma vez, detestou a si mesma por ser tão fraca, mas descobriu-se incapaz de se afastar.

— Relaxe, Ann — Nate sussurrou, os lábios ainda roçando os dela.

Ann estava prestes a se esquecer de todas as amea­ças que pairavam sobre ela, quando ouviu o riso de crianças. Para seu alívio, bem como para sua tristeza, Nate se afastou, fitando-a com olhar divertido.

— É um hábito seu, assediar toda mulher que cruza o seu caminho? — Ann inquiriu com antipatia, tentando disfarçar a paixão que ele acendia dentro dela com tamanha facilidade. Então, ajeitou o ves­tido. — Do que está rindo?

— É uma pena que aqueles garotos tenham de­cidido aparecer agora.

— Do que está falando?

— Quem vai salvá-la da próxima vez, duquesa? Com isso, ainda sorrindo, Nate fez uma pequena reverência, virou-se e partiu.

Ann fechou os olhos, mas de nada adiantou. Não conseguia dormir. Agora, tinha um problema novo, e muito sério. Não era diferente de Hester, ou de todas as mulheres. Por mais que lutasse contra os próprios sentimentos, Nate estava se tornando cada vez mais irresistível. Era humilhante e degradante. E, pior, ele estava plenamente consciente da reação dela aos seus beijos. Saiu da cama e, com passos silenciosos, aproximou-se da janela. Uma brisa fres­ca e suave soprou, despertando parte da antiga Ann.

Sem pensar, ela pulou a janela. Era tarde e ninguém a veria. Deleitou-se com a sensação provocada pela brisa em seus cabelos e roupas, com o perfume dos jasmins, que tornavam a noite mágica. No céu escuro, milhares de estrelas pareciam piscar para ela. Talvez fosse apenas por um breve momento, mas pela primeira vez em muitos anos, Ann sentiu-se totalmente livre.

O sussurro de vozes masculinas chamou-lhe a atenção. Pareciam as vozes de Beau e Nate. Curiosa, ela se afastou da janela. Estaria Nate contando a Beau que Richard não era seu filho?

Sentindo uma presença ao seu lado, Ann virou-se depressa. Danny levou um dedo aos lábios, indicando-lhe que permanecesse em silêncio.

— Você não mencionou que teríamos de fazer isso no escuro — Nate protestou.

— Achou que eu facilitaria a tarefa? Do que está reclamando, afinal? Temos lua cheia e, portanto, o curral estará iluminado.

Quando os dois homens se afastaram, Ann virou-se para Danny e perguntou:

— O que está se passando?

— Não sei, mas pretendo descobrir por que meu marido saiu da cama sorrateiramente, assim que pensou que eu estivesse dormindo. Ele tem agido de maneira estranha, ultimamente. — Danielle vol­tou a levar o dedo aos lábios. — Vamos ver o que esses dois estão tramando. Beau tem ouvidos de gavião, mas acho que está distraído demais com a conversa com Nate, e não nos ouvirá.

A curiosidade de Ann também fora despertada, e ela acompanhou a ruiva com passos leves e rápidos.

Danny e Ann seguiram os dois à distância. Quan­do Beau e Nate pararam diante de um grande curral, ao sul da propriedade, as duas mulheres esconde­ram-se nas sombras. Havia outros homens reunidos lá, inclusive Matthew. Aparentemente, estavam à espera de Beau e Nate.

Dentro do curral,.encontravam-se dois cavalos selvagens, ambos enormes. As narinas dilatadas, a orelhas dobradas para trás, eles iam de um lado para outro do curral, sem jamais tirar os olhos dos homens junto da cerca.

— Como pediu, patrão, separei os dois mais bravos que consegui encontrar — disse o capataz.

Beau assentiu.

— Quer mudar de idéia, Nate? Nate riu.

— E você, Matthew, gostaria de se juntar a nós? — Beau perguntou. — Os cavalos selvagens foram capturados ontem. Temos um para você, se quiser.

— De jeito nenhum — Matthew respondeu de pronto. Danielle e Ann agacharam, tentando se acomodar com o maior conforto possível.

— O que eles vão fazer? — Ann indagou.

— Não faço a menor idéia — Danny admitiu.

Ann observou os dois homens tirarem roupas e sapatos, ficando só de calças. Nunca antes vira ta­manha masculinidade. Seus corpos eram moldados com perfeição e seus músculos firmes reluziam ao luar. Fizeram-na lembrar-se de guerreiros gregos em batalha. Preocupada, ela se perguntou por que os dois pretendiam lutar. Porém, quando subiram na cerca e saltaram para dentro do curral, pareceu-lhe que a intenção deles não era lutar.

Os cavalos bateram os cacos no chão de terra ba­tida, correndo um para cada lado do curral.

Danielle pousou a mão sobre o peito.

— Já sei o que eles vão fazer — sussurrou, aflita. — Vão domar os cavalos.

— Isso é impossível. Não há nada lá dentro, para que possam realizar tal tarefa.

— Beau me falou disso, uma vez, mas nunca vi acontecer. Ah, Ann, eles podem ser mortos!

— Então, vamos correr e impedi-los.

— Não posso.

— Mas eu posso.

Ann começou a se levantar, mas Danielle a puxou de volta.

— Você não compreende, e não sei explicar, mas sei que, se aparecermos e fizermos uma cena, os dois ficarão em maus lençóis, diante dos outros. Es­pero que, um dia, alguém consiga me explicar por que os homens têm de agir como animais para po­derem provar sua masculinidade.

A respiração de Ann tornou-se superficial, en­quanto ela observava cada homem escolher um animal e, então, começar a cercá-lo. Às vezes, Beau, e Nate, agitavam os braços e gritavam para os cavalos assustados, à medida que se aproximavam deles. Outras vezes, murmuravam palavras suaves, como se estivessem falando com um bebê.

Quando um deles passou por Beau, ele afagou-lhe o pêlo e a crina, deslizando a mão ao longo do corpo poderoso, quase sendo atingido por ele. Então, o ani­mal aproximou-se de Nate, ameaçando mordê-lo. Nate teve de esquivar-se rapidamente.

Imóvel e sem palavras, Ann ficou sentada, assis­tindo aos dois homens magníficos que exibiam suas habilidades. Uma paixão incontrolável tomou conta de seu corpo, quando Nate agarrou a crina do cavalo e montou seu dorso, para desmontar em seguida. Beau agarrou uma das orelhas do garanhão e mordeu-a, forçando o animal a dobrar as patas dianteiras. Então, com um movimento ágil, montou-o. Foi atirado para longe, mas levantou-se com rapidez e facilidade.

O tempo parecia haver parado. O suor fazia os corpos perfeitos brilharem, e músculos contraíam-se e distendiam-se, à medida que os dois homens co­meçavam a exercer controle sobre seus animais. En­tão, após que pareciam sonhos impossíveis, coices, relinchos, mordidas e quedas, Beau, seguido por Nate, montavam os dois cavalos, trotando pelo cur­ral. Os animais obedeciam a cada comando que lhes era dado, e agiam como se jamais houvessem co­nhecido dias de liberdade e vida selvagem.

Enquanto os dois homens riam da mais pura ale­gria, Ann ouviu Danielle soltar o ar devagar. E, quando Nate e Beau saltaram para o chão e se abra­çaram, Danny levantou-se e voltou para casa.

— Danny, você está bem? — Ann perguntou, quando já se encontravam longe do curral, onde os homens não poderiam ouvi-las.

Danny assentiu.

— Sim, estou. Foi magnífico, não?

— Nunca vi nada parecido — Ann concordou, ain­da abalada pela experiência.

Danny apertou a mão dela.

— E você, está bem? Ann fingiu desinteresse.

— Por que não estaria? Danielle riu.

— Se está tentando enganar alguém, devo avisá-la de que só está enganando a si mesma.

Uma vez de volta a sua cama, Ann puxou o lençol sobre si. Seus mamilos estavam sensíveis, e seu corpo parecia tomado de uma vida mais intensa do que nun­ca. Sua mão deslizou até o ventre e parou. Aquilo não podia estar acontecendo. O que Nate fizera a ela?

— De nada adianta fingir que está dormindo, meu amor — Beau murmurou, ao se deitar na cama. — Gostou do show?

— Sabia que eu estava assistindo?

— Percebemos, assim que vocês duas começaram a nos seguir.

— Seu patife! — Danny exclamou, fingindo tentar esmurrá-lo.

Beau não se esquivou do golpe.

— Poderia ter acabado morto! — ela falou, come­çando a chorar.

Beau tomou-a nos braços e beijou-lhe a testa. Danny aconchegou-se de encontro ao peito do marido.

— Gostaria de lhe pedir que nunca mais fizesse isso, mas sei que não posso.

Ele secou as lágrimas da esposa.

— E acho que, se você concordasse, deixaria de ser o homem por quem me apaixonei. — Danny tomou-lhe uma das mãos e levou-a ao seio, antes de dizer em tom sedutor: — A propósito, você esteve magnífico.

 

Ann entrou na sala de jantar, não es­perando encontrar Matthew sozinho, saboreando seu café da manhã.

— Bom dia, minha cara — ele a cumprimentou com um sorriso. — Não me lembro de jamais tê-la visto acordada tão cedo, ou tão linda.

— É muita generosidade sua — ela replicou com frieza.

Ann apanhou um prato e começou a se servir de um dos pratos apetitosos dispostos sobre o bufê.

— Onde estão os outros? — perguntou, esforçan­do-se para soar indiferente.

— Segundo a criada, Nate e os Falkner tomaram café ao amanhecer, e saíram em seguida. — Mat­thew secou o suor do pescoço com um gesto teatral e exagerado. — Mesmo às sete horas da manhã, o calor aqui é insuportável. Não vejo a hora de voltarmos para a Inglaterra.

— Quando eu voltar, não será com você. — Ann , sentiu melhor, pois era muito bom poder dizer exatamente o que pensava, sem medo de sofrer represá­lias. — Danny contou-me sobre suas mentiras absur­das. Achou mesmo que eles acreditariam em você?

— Exceto pela parte do assaltante, o que contei a eles foi a mais pura verdade.

— Ora, vamos! Sua ingenuidade chega a ser ri­dícula. Não acha que dizer a Beau e Danny que me ama foi um tanto implausível?

— Tenho certeza de que você sabe, há anos, quais são meus sentimentos por você — Matthew retrucou com suavidade.

Ann colocou o prato na mesa e serviu-se de café.

— Sua declaração foi uma grande perda de tempo.

Ergueu a xícara e descobriu que suas mãos apre­sentavam firmeza surpreendente. Talvez, houvesse fi­nalmente perdido o medo que, antes, tinha de Matthew. Nathan Bishop, por outro lado, continuava a ser um problema, aparentemente sem solução. Algo lhe dizia que o patife faria o que bem entendesse, independente do que, ou quem, se pusesse em seu caminho.

Matthew afastou o prato vazio para o lado.

— Imaginei que você passaria a ser uma mulher muito mais feliz, depois de providenciar a morte de Edmund.

A mão de Ann imobilizou-se no ar, e a comida que era carregada pelo garfo caiu no prato.

— Eu jamais faria uma coisa dessas!

— Tente se lembrar de com quem está falando. Ou será que já se esqueceu de que eu estava lá?

Ann espetou mais um pedaço de comida.

— Estou surpresa por você não ter saído com os outros, esta manhã.

— Não vejo o menor prazer no estilo de vida ame­ricano. — Matthew retirou um farelo da manga do paletó. — Além do mais, não consigo entender por que Beau expôs a todos nós, inclusive sua bela es­posa, a um salteador.

— Como sabe que ele é um salteador?

— Ele foi identificado por aquele guia que trouxe você até aqui. Devo admitir, no entanto, que para um ladrão de estrada, ele parece um sujeito bastante simpático e amigável.

Assim como Matthew, Nate gostava de passar o tempo conquistando a simpatia das pessoas.

— Estamos sozinhos, Matthew. Esta é uma excelente oportunidade para você fazer suas ameaças, ou declarar sua proposta — Ann falou com calma, e esperou.

— Muito bem. Quero que volte para a Inglaterra comigo, o mais depressa possível. Poderemos nos casar no navio. O capitão tem o poder de celebrar a união.

— Nunca me casarei com você — Ann afirmou, mastigando a comida com calma. — Por que não vai embora, Matthew? — perguntou, após alguns instan­tes. — Não há qualquer razão para você ficar aqui. Richard é o duque de Gravenworth, agora. Não existe a menor possibilidade de você ficar com o título.

— A menos que fique provado que ele não é seu filho. — Matthew examinou a bela mulher sentada à sua frente. — Nós dois sabemos que Richard é o filho bastardo de Edmund. Não insista em manter essa farsa, Ann, ou vai acabar se arrependendo da sua decisão. Existem mil maneiras de tirar você des­ta casa, e não dou a menor importância ao bastardo.

— Beau deixou bem claro que você seria um homem morto, caso algo acontecesse a mim, ou a Richard.

— O dinheiro pode comprar muitos favores.

— Ele não está interessado em dinheiro.

— Não estou em referindo a Beau.

Ann colocou o garfo no prato, com gestos lentos e cuidadosos.

— Do que está falando?

— Estou tentando lhe dizer que não tenho a me­nor intenção de ficar aqui por mais tempo do que o necessário.

Ann levantou-se tão depressa, que sua cadeira tombou no chão, atrás dela.

― Informarei   Beau   sobre   suas   ameaças,imediatamente.

― E eu vou negá-las, assim como venho negando que aquele bastardo é seu filho.

― Não importa o que você faça, nada vai mudar.

Richard será o duque de Gravenworth. Enviarei uma carta a meu pai, comunicando-o de que ele já é avô e que o ducado está garantido.

— Se o novo duque sobreviver. Sugiro que conte a verdade ao nosso anfitrião, e que faça isso o quanto antes.

Ann deixou a sala de jantar apressada. A ameaça de Matthew a assustara. A vida de Richard estava em perigo. Se uma simples adoção pudesse trans­formar Richard no herdeiro legal do título, não ha­veria motivo de preocupação. Infelizmente, as leis inglesas não permitiam que um bastardo, ou um filho adotivo, herdasse o título de duque.

Teria de tentar, mais uma vez, fazer Nate enxergar a importância de que todos acreditassem que ela era a verdadeira mãe de Richard. Se não conseguisse, aceitaria a proposta dele e se deitaria com ele.

Uma vez fechada na segurança de seu quarto, Ann apanhou o livro que deixara na estante, na véspera. Poucos minutos depois, fechou-o. Não con­seguia se concentrar em mais nada, exceto no que estava planejando fazer.

Outras mulheres não viam o menor problema em se deitarem com seus amantes. Então, por que tal decisão era tão difícil para ela? Por causa de seu orgulho e de sua posição, claro. Permitiria que Nate tivesse dela exatamente o que queria, através de chantagem. Isso, para não mencionar a maneira como ele a havia tratado, no passado. Seria possível que ela já havia se esquecido de que o odiava?

Bem, só lhe restava engolir o orgulho. A situação tinha de ser resolvida, quanto antes, melhor. Além do mais, tudo o que teria de fazer seria entrar no quarto de Nate, deitar-se na cama e abrir as pernas. Ele se encarregaria do resto. Nada poderia ser pior do que Ann enfrentara, nos anos em que estivera casada com Edmund. Cinco... dez... quinze minutos, no máximo, seria o tempo necessário para que ele alcançasse a satisfação. Então, estaria tudo termina­do. Ann estaria livre de Nate e, uma vez provada a origem de Richard, Matthew retornaria à Inglaterra.

Naquela noite, depois do jantar, Ann foi direta­mente para o quarto de Nate. Estava exausta, mas não só por ter dormido pouco, na noite anterior. Durante toda a tarde, e o jantar, também, não con­seguira pensar em qualquer outra coisa, exceto no que estava prestes a fazer.

Pensou em acender o lampião, mas mudou de idéia. Se tinha de fazer algo tão sujo, preferia que o quarto permanecesse mergulhado na escuridão. Sentou-se em uma cadeira pequena e desconfortável. As dúvidas que a haviam atormentado, antes, voltaram a atacá-la com força total. Se pulso estava acelerado e seu rosto, coberto de suor, provocado pelo nervosismo. Mesmo assim, não poderia mudar de idéia, agora.

Ann passou a observar o relógio sobre a cômoda. O tempo se arrastava... sua tensão crescia. Tentara dizer a Nate que estaria à espera dele, mas ele se mantivera distante, e ela não tivera qualquer opor­tunidade de lhe falar.

Uma hora se passou.

Ann passou a mão trêmula por entre os cabelos. Se não se apressasse e resolvesse aquela situação de uma vez por todas, certamente acabaria louca. Quanto tempo os homens costumavam demorar para tomar um drinque e fumar um charuto? Do que falavam, durante tanto tempo? Provavelmente, de gado e cavalos, uma vez que esses haviam sido os assuntos predominantes, durante o jantar.

Ann cruzou as mãos sobre as coxas. As artima­nhas para a obtenção de um título eram coisas sobre as quais ela ouvira falar com freqüência, e com que convivera, durante toda a sua vida. Compreendia-a e sabia como lidar com elas. Eram os seus senti­mentos por Nate que lhe pareciam totalmente es­tranhos, e a mantinham em um estado de constante confusão. Parte dela considerava Nate irresistível. Sua mente ainda insistia em formar a imagem dele, domando o cavalo selvagem, na noite anterior. A outra parte de Ann, porém, detestava-o. Talvez fosse o perigo que ele parecia exalar que a fizesse querer testar seus limites. Mulher idiota!

Voltou a olhar para o relógio. Mais meia hora havia se passado. Ann não poderia ficar mais ali.

A porta se abriu de repente, provocando-lhe um sobressalto e levando-a a se pôr de pé. Embora não houvesse iluminação no quarto, pôde distinguir com clareza a silhueta de Nate, delineada na moldura do batente da porta.

— Minhas desculpas. Se soubesse que estava à minha espera, teria feito questão de voltar para cá muito antes.

—- Vim para, mais uma vez, pedir que me ajude.

— E mesmo?

Ann gostaria que ele se parecesse mais com o sujeitinho estranho que ela conhecera na estação de trem, em Nova York, do que com um homem alto, forte e muito viril. Tudo teria sido muito mais fácil, assim.

— Quero que se esqueça de nosso acordo.

— Eu nem sabia que tínhamos um acordo.

— Disse que, se eu me deitasse em sua cama, de livre e espontânea vontade...

Nate ergueu uma sobrancelha.

— E por isso que está aqui?

Aquela era a grande oportunidade de Ann dizer sim. Ela abriu a boca, mas a palavra não se formou em seus lábios. Por mais determinada que estivesse, deu-se conta de que não seria capaz de levar aquela farsa adiante. Endireitou os ombros, empinou o quei­xo e fitou Nate nos olhos.

— Não — mentiu. — Queria lhe dizer que amo Richard como se fosse meu filho, e não suportaria se você o roubasse de mim.

Nate sentou-se na poltrona que havia se tornado a sua favorita, e esticou as pernas.

— Roubar? Eu não poderia roubar Richard, mes­mo que quisesse.

Ann aproximou-se, sentindo a chama da esperan­ça acender-se em seu peito.

— O que está dizendo?

— Para começar, não conheço outra ama-de-leite, que pudesse substituir Blossom. — Estendeu a mão e retirou um charuto do estojo. — E, tirar Blossom de dentro desta casa seria um feito muito maior do que sou capaz de realizar. Ela faria tanto barulho, que qualquer pessoa, dentro de um raio de dois qui­lômetros, a ouviria. E, mesmo que eu conseguisse tirar Blossom, Richard e a mim mesmo daqui, ela me atrasaria tanto, que até mesmo Matthew seria capaz de me apanhar. E, ainda, haveria Beau, assim como todos os empregados da fazenda, para enfrentar.

Ann chegou a ter medo de acreditar no que estava ouvindo. Nate não estava planejando levar Richard embora!

Nate acendeu um fósforo, aproximou-o da ponta do charuto, e tirou várias baforadas.

— Existe apenas uma maneira de eu partir, le­vando Richard — declarou.

A alegria de Ann se dissipou.

— Que maneira?

Nate exibiu um sorriso maroto.

— Você não sabe?

— Não.

— Se eu contar a verdade sobre o nascimento dele.

Com passos lentos, Ann encaminhou-se para a porta e saiu do quarto.

Nate franziu o cenho, olhando fixamente para a porta fechada. Por um breve instante, sentira pena da duquesa. Fumou mais um pouco. Ann não apren­dera a esconder seus sentimentos atrás de uma fa­chada de frieza, e ele pudera ver com clareza a ter­rível batalha que se travava dentro dela. Sentia-se tentada a fazer amor com ele, mas seu pudor e in­tegridade a impediam. Ela, definitivamente, não sa­bia como se comportar, diante de um homem deter­minado a seduzi-la, nem sabia flertar, ou usar das artimanhas femininas naquele jogo. Sim, em diver­sos aspectos, Ann era uma virgem.

 

Confortavelmente acomodado na sela, Nate con­tinuou sentado ao lado de Beau e Matthew, obser­vando os bezerros de três anos, que os vaqueiros marcavam. Puxou a aba do chapéu, a fim de impedir que o sol atrapalhasse sua visão.

— É um belo rebanho, o que você vai mandar para o forte — comentou com Beau.

Beau riu.

— E assim que mantenho meu contrato. Ouvindo um ganido, Nate olhou para o chão. O cachorro puxava, com toda força, a corda que Nate amarrara em seu pescoço. Ele riu.

— O cachorro parece estar querendo ajudar a reu­nir o rebanho — disse.

Matthew exibiu ar de contrariedade.

— Por que acha que sir Drake sempre segue qual­quer um que monte um cavalo?

— Talvez ele se considere um cão pastor — Nate sugeriu.

Matthew emitiu um som de desgosto.

— O maldito animal nunca gostou de mim.

— E você, gosta dele? — Nate indagou.

— De maneira alguma. Nate sorriu.

— Aí está a sua resposta.

Matthew remexeu-se na sela. Preferia o modelo inglês, àquele utilizado na América.

— Fico me perguntando o que Ann diria, se sou­besse como sir Drake está sendo tratado — falou em tom esnobe. — Até agora, ele teve uma vida de mimos e conforto.

Nate voltou a rir.

— Se sir Drake pretende continuar me seguindo, terá de aprender a não perseguir tudo o que se move diante dele. Do contrário, vai acabar se deparando com alguma criatura, que acredite ser ele uma boa refeição.

Beau concordou.

Nate esticou a perna e ajeitou o pé no estribo.

— Não faço a menor idéia do que Ann pensaria disso, mas também não me importo. Diga-me, Beau você tem algo contra eu amarrar uma corda no pes­coço do cachorro?

— Absolutamente nada.

Nate deu um leve puxão na corda, fazendo com que sir Drake parasse de se debater.

— Bem, se os cavalheiros me derem licença, acho que vou voltar para casa.

Sorriu.

— Voltarei com você — Matthew decidiu.

— Por favor, avisem Danny que chegarei um pou­co atrasado para o jantar. Quero saber por que não vi o jovem Tex ajudando a reunir o gado. Provavel­mente, está sentado à sombra de uma árvore, en­quanto os outros fazem todo o serviço. Então, terei uma conversa com o pai dele.

Com um aceno para os dois, Beau incitou seu cavalo adiante.

Pela expressão de tédio no rosto de Matthew, Nate calculara que o inglês estava ansioso para voltar para casa. Na verdade, estivera contando com isso.

Sentindo a corda se afrouxar momentaneamente, sir Drake atirou-se na direção do bezerro mais próximo. Quando a corda se estendeu por completo, o impulso que o cão tomara fez com que fosse atirado no ar.

Nate sacudiu a cabeça.

— Você é tão teimoso quanto a mulher que o criou — resmungou, antes de fincar os calcanhares nos flancos do cavalo, puxando as rédeas, a fim de seguir na direção contrária.

Finalmente, sir Drake seguiu-o com obediência e docilidade, mantendo o rabo no meio das pernas, parecendo um animal muito covarde. Nate, porém, não se deixou enganar. Sir Drake estava sempre pronto a atirar-se sobre qualquer coisa, independente do tamanho da criatura, ou do perigo oferecido por ela. Talvez fosse por isso que Nate gostasse tanto dele.

— Por que continua hospedado na fazenda? — Matthew perguntou, quando atravessavam o pasto.

O tom ácido da voz do inglês deixou claro para Nate que a pergunta não fora casual. Nate relaxou na sela, demonstrando grande tranqüilidade.

— Chega a ser embaraçoso admitir que vim tentar aprender a lidar com gado. Tenho alguns acres de terra, entre esta fazenda e Santa Fé, e quero tor­ná-los rentáveis. Creio que este seja o melhor lugar para aprender.

— Quantos acres você possui? — Matthew inda­gou com sarcasmo.

— Pouco mais de mil.

Matthew ficou impressionado, pois não esperava uma propriedade tão grande.

— Está planejando estabelecer-se aqui?

— Talvez, dentro de um ou dois anos. Ainda pre­ciso encontrar uma mulher com quem eu me sinta disposto a passar o resto da vida.

Pelo canto do olho, Nate reconheceu a expressão satisfeita de Matthew. Não era difícil adivinhar o propósito de tais perguntas. Ann parecia ser o mo­tivo de tudo, ultimamente.

Nate puxou o chapéu mais para perto dos olhos, a fim de bloquear o sol.

— Nunca tive muita sorte com as mulheres, nem sequer consigo compreendê-las — comentou em tom inocente. — Por exemplo, desde o dia em que che­guei, não entendo por que a duquesa o acusa de ter assassinado o marido dela.

Matthew lançou-lhe um olhar faiscante.

— Tem algum motivo em particular, para querer saber? — inquiriu.

— Apenas curiosidade. A quem mais eu poderia perguntar? Ela parece sempre disposta a arrancar a cabeça de qualquer homem que cruze o seu caminho.

Matthew riu, visivelmente deliciado com o comentário.

Quando chegaram na casa, Nate sabia tudo sobre Edmund Huntington. Sabia que Edmund dormia com todas as mulheres que conhecia. Sabia que Ed­mund agredia a esposa, e que, diversas vezes, Mat­thew sentira-se tentado a invadir o quarto, a fim de acabar com aquele abuso, mas não o fizera por saber que tal atitude só serviria para piorar o pro­blema. Nate sabia que o pai de Edmund fora um homem violento, e acabara seus dias louco. Também sabia que Edmund freqüentava um determinado bairro de Londres, onde o ópio e todo tipo de depravação eram encontrados em abundância. Nate conhecia lugares parecidos, em San Francisco.

Depois de entregarem seus cavalos ao cavalariço, no estábulo, Nate e Matthew se separaram. Sir Drake correu na direção de onde vinha o som do riso de Kit, ao lado da casa. Nate riu ao ver o cachorro fazer um grande círculo, a fim de se desviar do ganso. Aparen­temente, o animal aprendera alguma coisa, afinal.

Nate entrou no pátio e se dirigiu para a grande árvore que se erguia no centro. Os galhos imensos estendiam-se em todas as direções, oferecendo abri­go contra o sol quente.

Tirou o chapéu, atirou-o sobre o banco circular, cons­truído em torno do tronco da árvore e, então, sentou-se. Fechando os olhos, inspirou o delicado perfume das flores. Os botões coloridos tomavam conta de floreiras e jardineiras, que pendiam de ganchos presos à pa­rede da casa, assim como dos canteiros. Alguns dias antes, ele encontrara Danny ali, cuidando de suas plantas. Ela dissera que aquele ser o seu lugar pre­dileto, na casa. Nate concordara e compreendera.

Nate apoiou-se no tronco da árvore e relaxou. Lem­brou-se de que Ann o chamara de andarilho. Ela não sabia que aquela parte de sua vida tivera fim, havia anos... mesmo antes de ele se juntar à mãe, em Nova York. Sua única dúvida fora onde gostaria de viver. Agora, tinha a resposta. Assim como o pai de Beau fizera, Nate transformaria suas terras em uma grande fazenda, além de um lar para Richard. Já se sentia ansioso pelas visitas que fazia ao menino, mas se res­sentia de ter de fazê-lo ao amanhecer, para evitar que Blossom tivesse problemas com Ann.

Nate apanhou o chapéu e alisou a aba. As perguntas casuais que fizera a Blossom, Danny e às criadas, não haviam lhe dado as respostas que ele esperava. Todos elogiavam Ann, dizendo que ela era uma mãe amorosa e perfeita. O comentário seguinte era sempre o mesmo: "E uma pena que ela tenha perdido o marido."

Tais comentários não coincidiam com a imagem que Hester pintara da duquesa. A descrição de uma mulher confusa e maltratada, que Matthew forne­cera, também não parecia de acordo. A impressão que Nate tinha de Ann era completamente diferente do que Hester e Matthew haviam tentado transmi­tir. Mas... quem era a verdadeira Antoinette Hun-tington? A mulher que só queria dinheiro e poder, sem se importar com ninguém? A mãe amorosa e dedicada? A mulher que acusava Matthew de ter matado seu marido, só para se livrar dele? Ou a criatura teimosa, porém insegura, que fora ao seu quarto, tentando fazer um acordo? Ou, quem sabe, ela estivesse se divertindo à custa de todos eles. Ann fora bastante convincente, no papel de Albert, o ma­rido insuportável. Só isso já era o suficiente para pro­var que ela não merecia confiança. Ora, mas Nate jamais permitiria que ela voltasse a enganá-lo.

Levantando-se, ele se espreguiçou. Se Ann era tão esperta e inteligente, como não percebera que havia começado a sua história da maneira errada? Como poderia explicar que Nate a ajudara no parto de Ri­chard, depois de ter negado já tê-lo visto antes?

 

Ann seguiu pela trilha estreita que des­cobrira acidentalmente, em uma de suas cavalgadas com Star. Há dias sua curiosidade estivera aguçada. Para onde o caminho levava? Não havia dú­vida de que a trilha era muito antiga. Em diversos trechos, chegava a desaparecer, escondida sob o mato. Muitas vezes, Ann teve de examinar o terreno com cuidado, a fim de se certificar de que continuava no caminho certo. Ao menos, tal esforço a ajudava a man­ter a mente afastada de Nate. Estava desolada consigo mesma. Ao que parecia, ele era a única coisa capaz de ocupar seus pensamentos, ultimamente.

— Antoinette, quero conversar com você.

Ann sentiu como se uma onda de gelo a envol­vesse, da cabeça aos pés. Como Matthew a encon­trara ali? Tinha certeza de que ninguém a vira dei­xar a casa. Assumindo controle sobre as emoções, virou-se devagar e encarou-o.

Matthew espirrou.

— Onde pensa que vai? — ele inquiriu.

Ann teve o impulso de sair correndo, mas sabia que ele a alcançaria. Sua única chance de continuar em segurança seria não demonstrar medo.

— Queria conversar com você, a sós — declarou com frieza. Notou que Matthew não parava de olhar em volta. — O que está procurando?

— Achei que poderia estar indo ao encontro de Bishop.

Ann empertigou-se, sentindo a tensão tomar conta de todos os seus músculos e nervos.

— Por que diz isso?

— Por que não diria? Todas as mulheres da casa parecem enfeitiçadas por ele. Não gostei da maneira como você olhava para ele, durante o café da manhã.

Matthew voltou a espirrar.

Embora Nathan houvesse, supostamente, saído com Beau, pela manhã, ele achara melhor se certi­ficar de que tudo não passara de uma farsa. Satis­feito por confirmar que não havia mais ninguém por perto, voltou a concentrar a atenção em Ann.

— Quero que se lembre de uma coisa, minha cara. Eu a mataria, antes de permitir que se atirasse nos braços de outro homem.

Matthew falava em tom casual, mas Ann sabia perfeitamente que a ameaça era séria.

— Assim como matou Edmund? — indagou, de­terminada a não permitir que ele a intimidasse, ou assustasse.

— Pare com essa tolice, Ann. Você não pertence a este lugar selvagem, assim como eu também não.

 

— Pois saiba que passei a gostar muito deste lugar supostamente selvagem.

— Vai se cansar daqui, rapidamente. Logo vai des­cobrir que sente falta dos bailes e outros compromissos sociais, a que estava acostumada, na Inglaterra. Você não tem nada em comum com essa gente.

Matthew tirou o lenço do bolso e assoou o nariz.

— E quanto a Richard?

Matthew ergueu os olhos para o céu azul, em um esforço a controlar a paciência.

— Por que insiste nisso? — Voltou a encarar Ann. — Podemos nos casar e ter nossos próprios filhos. Por que teria de criar um bastardo?

Ann virou-se de costas para ele. Furioso, Matthew agarrou-lhe o braço e forçou-a a encará-lo, com brutalidade.

— Posso lhe garantir que sei perfeitamente ser um homem romântico. Infelizmente, as circunstân­cias impediram-me de provar isso.

Puxou para si e colou os lábios aos dela. Em vez de lutar, Ann permaneceu imóvel. Matthew empurrou-a.

— Não é de admirar que Edmund a agredisse — resmungou, irritado. — Provavelmente, foi a única maneira que ele encontrou de despertar algum sen­timento em você.

— Como se atreve a falar comigo nesse tom? — Ann sibilou. — Como se atreve a se esquecer de que sou a duquesa de Gravenworth? Pode fazer o que quiser comigo, mas não vai ganhar nada com isso.Tenho provas de que fui eu quem deu à luz Richard.

De onde estavam, Ann não tinha visão sequer dos currais.

— Isso é impossível! No entanto, supondo que esteja dizendo a verdade, então, serei eu o pai. Mas, antes, terá de provar sua afirmação. Como vê, nada mudou. Faça o que fizer, não vai conseguir fugir de mim, meu amor.

Ann percebeu que os olhos de Matthew baixaram, até pousarem em seus seios. Então, exibiram um brilho repugnante. Por Deus! Ele estava pensando em agarrá-la ali mesmo! Rapidamente, virou-se, fin­gindo examinar um arbusto à margem da trilha.

— Não faça nenhuma tolice, Matthew — murmu­rou — Se alguma coisa, qualquer coisa, acontecer a Richard, ou a mim, Beau matará você.

— Se ele conseguir me encontrar — Matthew re­trucou com um sorriso. — No entanto, minha cara, não tenho a menor intenção de cair em desgraça com Beau — acrescentou em tom suave.

Tinha de ser cuidadoso. Havia esperado muito para possuir Ann, e poderia esperar um pouco mais. Chico já partira para San Francisco, a fim de en­contrar o capitão certo, com o navio certo, para pôr seu plano em prática. Seu olhar endureceu.

— Lembre-se de minha advertência, caso esteja considerando a possibilidade de se envolver com o salteador.

Com isso, girou nos calcanhares e partiu.

Ann observou Matthew desaparecer entre as árvo­res. Então, sentou-se no chão, trêmula. Por enquanto, estava segura. Mas, como seria na próxima vez? Mat­thew tinha um plano, e estava apenas esperando pelas circunstâncias adequadas, para colocá-lo em ação.

Ann queria voltar para casa, mas não podia su­portar a idéia de que Matthew estaria à sua espera. Fora uma grande tolice ter saído sozinha. Tivera a idéia de fazer um passeio ao ar livre, a fim de clarear os pensamentos, e livrar-se de certas imagens. Ima­gens de Nate domando o cavalo selvagem, seu rosto, seu corpo, seus beijos. A simples lembrança das sen­sações que a proximidade dele lhe despertava, fun­cionava como um poderoso afrodisíaco.

Ann olhou para a frente. Não poderia continuar ali, sentada. Levantando-se, decidiu explorar a tri­lha mais um pouco. O caminho tinha de levar a algum lugar.

A vegetação agitou-se atrás dela. Ann virou-se depressa. Matthew voltara. Apanhou um galho seco do chão, ergueu-o acima da cabeça e esperou. Porém, em vez de Matthew, foi sir Drake que correu na sua direção. Ann soltou uma risada de puro alívio.

— Onde estava, quando precisei de você? — per­guntou com voz afetuoso, abaixando a mão para afa­gar o cachorro.

Ann prosseguiu em sua jornada, mas ficou desa­pontada, quando a trilha terminou abruptamente, em um riacho largo. Sir Drake correu até a margem e pôs-se a beber água, enquanto Ann examinava atentamente a vegetação do outro lado do riacho. Era evidente que a trilha seguia adiante. Ela mor­deu o lábio, a imaginação correndo solta, a curiosi­dade corroendo suas entranhas.

Teria a trilha sido um caminho de bandidos, ou de índios? Jamais saberia, se não atravessasse o riacho. O que significaria estragar um par de sapatos em perfeito estado, ou removê-los e arriscar-se a cortar os pés, nas pedras de pontas afiadas que cobriam o leito. No entanto, o riacho parecia raso, e a correnteza que seguia pelo centro não parecia forte. Depois de ter chegado até ali, parecia-lhe um desperdício desis­tir. Olhou para o céu. A tarde ainda não chegara ao meio, e o trajeto de volta para casa não seria longo.

Uma vez decidida, Ann tirou os sapatos. Sentin­do-se cada vez mais empolgada, abaixou-se e segu­rou a bainha da saia. Passou a parte traseira por entre as pernas, prendeu o restante da saia no tecido restante, e enfiou parte da bainha no cinto. De sa­patos na mão, entrou na água. Era mais fria do que ela havia imaginado, mas não passava muito da altura de seus tornozelos, e as pedras no fundo não eram tão afiadas quanto pareciam.

Ann havia alcançado o ponto de correnteza, quando sir Drake latiu. Ela se virou para ver o que o perturbara. Teve um vislumbre de uma raposa, pouco antes de ser carregada pela água. O meio do rio era bem mais fundo, e a correnteza, mais forte do que ela havia calculado. Agitou braços e pernas, na tentativa de não ser arras­tada para debaixo da água, mas não sabia nadar, e o vestido havia se tornado pesado demais, além de ter se enrolado em torno de seu corpo. Como caíra de bruços, estava engolindo muita água. A correnteza a ar­rastava rio abaixo. Estava prestes a morrer!

Ann demorou alguns instantes para se dar conta de que estava deitada em águas rasas. Tossindo, engasgando e lutando desesperadamente para res­pirar, finalmente conseguiu arrastar-se e sentar-se. As roupas encharcadas tornavam qualquer outro movimento impossível. Apertando o estômago com as mãos, inclinou-se para um lado e pôs para fora boa parte da água que havia engolido.

Ann não fazia a menor idéia de quanto tempo havia passado ali, quando ouviu um latido, do outro lado do riacho. Ergueu os olhos no momento em que sir Drake atirava-se na água. Ele correu diretamente para ela. Depois de várias lambidas em seu rosto, ele se sacudiu. Ann nem tentou se esquivar aos pingos que voaram em todas as direções. Satisfeito, sir Drake encaminhou-se para a margem. Ann viu o ferimento em seu pescoço, onde ele, aparentemente, fora mordido.

Com esforço, ela conseguiu se pôr de pé, mas sua respiração tornou-se ainda mais difícil, depois de ter arrastado o vestido atrás de si. Mesmo assim, alcançou o ponto onde. sir Drake esperava por ela. As pedras eram mais afiadas, naquele ponto do ria­cho, e feriam seus pés sem piedade. Várias vezes,ela teve de parar, cerrar os dentes até que a dor diminuísse, para então seguir adiante. Agradeceu a bênção representada pelo calor do sol, quando fi­nalmente conseguiu sair da água e sentar-se na mar­gem. Poças de lama já se formavam sob seu corpo, mas ela não se importou. Estava cansada demais para se importar com qualquer coisa.

Blossom estava tão desesperada, que só conseguia falar em sua língua nativa. Preocupada com a pos­sibilidade de algo ter acontecido a uma das crianças, Danny correu para fora da casa, à procura de Little Dog. O velho índio poderia traduzir o que Blossom estava tentando lhe dizer. Se Beau não houvesse ido para o forte, a fim de fechar o negócio do gado...

— Danny!

Danny foi invadida por uma onda de alívio, ao se deparar com Nate, parado junto ao estábulo.

— Por que está com tanta pressa? — ele pergun­tou, encaminhando-se para ela. — Algo errado?

— Blossom está muito aflita por alguma coisa que aconteceu. Não consigo entender uma palavra do que ela diz. Fala a língua dela?

— Compreendo a maior parte.

Correram de volta para a casa. Blossom encon­trou-os na porta, aliviada por ver Diablo. Sem perder tempo, contou a ele o que a afligia.

— O que ela disse? — Danielle perguntou, ansiosa. — Aconteceu alguma coisa com uma das crianças?

— Não. O problema é com Ann.

— Ann?

— Blossom está convencida de que algo aconteceu a ela. Disse que Ann saiu para dar um passeio, no início da tarde, e não voltou até agora. Você a viu?

Danny sacudiu a cabeça.

— Não. Já faz horas que estive com ela. Imaginei que estivesse descansando, ou que houvesse prefe­rido se retirar para o quarto, a fim de evitar Matthew. Ele parece estar sempre atrás dela. Não confio naquele homem, de jeito nenhum. Acha que ele po­der ter feito algum mal a Ann?

— Vou procurá-lo. Pergunte a todos os criados e empregados, se alguém a viu sair.

Danielle assentiu.

— Um dos caubóis me disse que ela tem saído para cavalgadas, com Star, ultimamente.

— Mas não desta vez. Star está em sua baia. Os dois se separaram depressa.

Nate encontrou Matthew sentado na varanda, be­bendo chá gelado.

— Onde está Ann? — inquiriu sem preâmbulos.

— Aconteceu alguma coisa?

— Não sei, mas Blossom acha que sim. Ann saiu para um passeio e ainda não voltou.

Matthew franziu o cenho.

— Nós conversamos, há algumas horas, mas ela seguiu por uma velha trilha que descobriu.

— Mostre-me a trilha. Vou avisá-lo, Matthew, se fez alguma coisa...

— Por que eu faria mal à mulher com quem vou me casar? — Matthew inquiriu, indignado.

O sol já começava a se esconder no horizonte, e cada minuto se tornava crucial. Matthew pôs-se a caminho, e Nate o seguiu.

— Eu estava caminhando por aqui quando, por acaso, vi Ann desaparecer atrás do curtume. Então, decidi segui-la.

— E deixou que ela continuasse a caminhar sozinha?

— Ela disse que queria ficar sozinha.

— Vocês brigaram? — Nate persistiu.

— O que conversamos não é da sua conta, mas não, nós não tivemos uma briga.

Encaminharam-se para trás do curtume.

— Ali — Matthew indicou, apontando para a trilha.

— Seguirei a trilha. Peça a Danny que reúna al­guns homens. Talvez eu precise de ajuda para pro­curar por Ann.

— Você vai falar com Danny — Matthew retrucou, irritado. — Eu vou procurá-la, não você.

Matthew adiantou-se e, quando Nate tentou detê-lo, ele tentou esmurrar o oponente. Nate esquivou-se ao golpe.

— Diabos, Matthew! Não temos tempo para acertar nossas diferenças, agora. Fui ensinado a seguir ras­tros... —Nate esquivou-se de outro soco. Descobrindo-se sem escolha, acertou um golpe certeiro no estômago do inglês, fazendo-o dobrar-se de dor. — Procure por Danny. Faça com que traga homens e lampiões.

Com isso, Nate saiu correndo.

Quando Matthew, finalmente, conseguiu se levan­tar, sentiu-se tentado a partir no encalço de Nate. No entanto, sabia que o salteador tinha razão. Co­meçava a escurecer. Sem perder mais tempo, saiu à procura de Danny. Ele e Nate teriam de acertar suas diferenças em outra ocasião.

Com a vegetação crescida, a trilha talvez nem fosse encontrada pela maioria das pessoas. Mesmo assim, Nate encontrou o local onde Ann e Matthew haviam se encontrado, onde haviam se separado e, até mesmo, onde sir Drake se juntara a ela. Mas os rastros já tinham horas. Ann deveria ter voltado para casa muito antes.

Nate intensificou a busca, prestando pouca aten­ção a arbustos e galhos que o feriam. Ann não co­nhecia a região, nem os perigos que poderiam sur­preendê-la. Além de animais selvagens, índios apa­reciam por ali, sabendo que se encontravam sem segurança, estando nas terras de Falkner. Seriam capazes de fazer algum mal a ela?

Nate chegou ao riacho. Ao que parecia, chovera muito nas montanhas, pois o volume de água era grande. Assim que descobriu que Ann começara a atravessar o riacho, Nate entrou na água. O tempo era seu inimigo, agora. O sol desaparecera por com­pleto, e a noite chegava depressa.

Não havia qualquer sinal de que Ann havia saído da água, na outra margem. A preocupação de Nate aumentou, mas ele se recusou a sequer pensar que ela pudesse ter se afogado. Pôs-se a descer o riacho, observando cuidadosamente as margens, à procura de algum sinal de que ela houvesse alcançado terra firme. Tal procedimento tomava muito tempo, mas ele não poderia se arriscar a perder qualquer pista.

Nate não fora muito longe, quando pensou em sir Drake. Tinha esperança de que o cão ainda estivesse junto de Antoinette. Levando dois dedos aos lábios, Nate emitiu um assobio alto.

— Aqui, Drake — chamou. — Venha, garoto!

Voltou a assobiar. O latido de sir Drake o fez disparar na direção correta.

A noite caíra depressa, e Nate mal pôde distinguir o cachorro, postado em atitude protetora junto ao corpo inerte, deitado no chão. Viu os dedos se mo­verem. Ann estava viva!

Nate ajoelhou-se junto dela e pousou a mão em sua testa. Embora tremesse muito, Ann não parecia ter febre. Tinha de aquecê-la o mais depressa possível.

Ann abriu os olhos.

— Nate? — balbuciou, mas seus dentes rangiam de frio, e era muito difícil falar.

— Sim, meu anjo.

— S... sinto tanto... frio.

— Eu sei. — Ele retirou a faca da bota. — Vou ter de tirar suas roupas. Estão encharcadas.

Ann assentiu.

— Eu... caí... no riacho.

Quando ela vestia apenas a combinação, Nate tirou a própria camisa e usou-a para envolver o corpo de Ann. Sabendo que não havia mais nada que pudesse fazer no momento, tomou-a nos braços e levantou-se. Ela se aconchegou de encontro ao seu peito, como se tentasse extrair algum calor de seu corpo. Conside­rando a força da determinação de Ann, era difícil acre­ditar que ela fosse tão leve em seus braços.

Ao ouvir sir Drake ganir, Nate baixou os olhos e sorriu.

— Fez um bom trabalho, garoto — elogiou. Nate voltou a descer o riacho, tentando adivinhar onde seria a parte mais rasa. Então ouviu vozes e viu lampiões, na margem do outro lado. A ajuda chegara.

Ann ergueu a cabeça do travesseiro. A janela es­tava aberta. Foi a fraca iluminação do quarto que lhe indicou que a tarde já chegava ao fim. Ela havia dormido durante toda a noite e a maior parte do dia, também. Voltou a se deitar. Depois de ter quase se afogado, sentia-se incrivelmente bem. Embora houvesse oscilando entre a consciência e a inconsciência, enquanto Nate a carregava de volta para casa, lembrava-se com clareza da sensação de sentir o peito nu contra o rosto, o corpo forte a aquecê-la.

Ergueu a mão e tocou na lama seca em seus ca­belos. Pela primeira vez, sentiu-se grata por tê-los cortado. Tirar toda aquela lama, tendo os cabelos na altura dos quadris, teria sido uma tarefa quase impossível. Quando fora acomodada na cama, Danny e Maria havia tirado o que restava de suas roapas. Um rápido banho de esponja se seguira. Então fora envolvido por uma confortável camisola de flanela e coberta até o queixo. Um tijolo aquecido fora pre­viamente colocado entre os lençóis, a fim de aque­cer-lhe os pés. Exausta, ela não conseguira ficar acordada nem por mais um minuto.

Ann ouviu um latido. Ah, o querido sir Drake! Ele não a abandonara, na noite anterior. Ficara ao seu lado e, provavelmente, impedira que ela apa­nhasse uma pneumonia. Ann precisava se certificar de que a mordida no pescoço de seu cachorro havia sido devidamente cuidada.

A porta se abriu devagar, e Ann viu Danny entrar no quarto.

— Está acordada — Danny falou, ao mesmo tempo em que ajeitava a saia para se sentar na beirada da cama. — Como está se sentindo?

Ann riu.

— Como a Bela Adormecida, exceto por não ter sido despertada por um príncipe.

— Vou sair e deixá-la descansar.

— Não. Por favor, fique. Estou me sentindo muito bem. Quero saber como Nate me encontrou.

— Assim como Beau, Nate sabe como seguir ras­tros. Foi Blossom quem me alertou da sua demora. Contei a Nate, e Matthew indicou a trilha pela qual você havia seguido. Interessante — Danny murmu­rou, estudando Ann. — Você parece tão corada e bem-disposta, que é difícil acreditar no que passou, tem certeza de que não prefere que eu saia, para ! que possa descansar um pouco mais?

— Absoluta. Lamento ter causado preocupação a todos.

— Já que mencionou um príncipe, devo dizer que acho que você encontrou um.

Ann ajeitou os travesseiros e se sentou.

— Do que está falando?

— Nathan Bishop. Ele insistiu em carregá-la nos braços, até aqui. Só deixou o seu quarto porque eu o obriguei a sair. Mesmo então, ficou no corredor, andando de um lado para outro, como um animal enjaulado, e se recusou a ir para a cama, até Blosson garantir que você estava bem. E, para ser justa Matthew mostrou-se igualmente preocupado. Não tenho a menor dúvida de que os dois teriam lutado aí mesmo, no corredor, caso eu não os tivesse lembrado que você estava dormindo.

— Verdade? Danny assentiu.

— Você precisava ter visto a expressão de aflição no rosto de ambos. Acho que você está subestimando Nate. Ele, certamente, é um apreciador das mulhe­res, mas parece saber exatamente quando se retirai de uma batalha. É um homem que passou a proteger o próprio coração com todo cuidado. Creio que, desta vez, os sentimentos que o invadiram vão muito além de mera preocupação.

— Você é muito romântica.

— Sou, mas ainda acho que você conquistou o coração de um homem que, até agora, conseguiu se manter intocável. Já ouviu a história de Diablo?

— Sei que é um bandido.

― Quem disse isso? — Danny inquiriu, indignada.

— Uma mulher, no forte. E tenho certeza de que Diablo já teve muitas mulheres — Ann comentou, mais para si mesmo do que para Danny.

A risada da outra encheu o ar.

— Bem, devo admitir que isso é um tanto óbvio.

— Óbvio?

— Pode-se ver isso nos olhos dele, assim como na maneira que ele olha para uma mulher. Nate sabia muito bem como se proteger das mulheres... até você aparecer.

— Se ele é um bandido, por que nunca foi preso?

— Até ele chegar aqui, eu não ouvia falar de Dia­blo há muitos anos. Ele nunca foi colocado atrás das grades porque qualquer testemunha de seus cri­mes apontava o homem errado, para ser preso. Ele é uma lenda. Sempre ajudou os necessitados, espe­cialmente os espanhóis. Homens e meninos queriam ser iguais a ele, e as mulheres o queriam em suas camas. — Danny sorriu. — Duvido que exista, no oeste, um homem ou uma mulher que não tenha ouvido falar de Diablo.

— Bem, você está enganada quanto a ele estar in­teressado em mim. Nate só se importa com Richard. E o meu corpo que ele... — Ann parou de falar, pois deu-se conta de que acabara de cometer um grave erro.

— Ele só se importa com Richard? Seu corpo? — Danny indagou com ar de suspeita. Então, inclinou-se para Ann e tomou-lhe uma das mãos entre as suas. — Sei que está escondendo alguma coisa. Por que não me deixa ser sua amiga? Aprendi que tudo sempre parece melhor, quando se pode conversar com alguém.

Ann fechou os olhos, lutando contra o impulso de contar tudo.

— Se é por causa de Beau, não precisa se preocupar. Ann precisava desesperadamente de uma confidente.

— Você não conhece Beau como eu conheço — Danny disse. — Se fosse assim, não desejaria esconder coisa alguma dele. Mesmo assim, se pedir que eu não repita o que me contar, guardarei o seu segredo.

Lágrimas brotaram nos olhos de Ann.

— Acho que, se não começar a confiar em alguém, vou mesmo acabar louca.

Uma hora depois, depois de muitas perguntas e verdades, Danny levantou-se da cama e suspirou.

— Pobre Ann. A empreitada que está carregando sobre os ombros é monumental. E, todo esse tempo, não teve ninguém. Nem mesmo Hester. Quanto a Nate, sei que é um sujeito muito esperto. Ainda assim, não creio que eu o tenha julgado erradamente. Por que ele a chantagearia, para levá-la para a cama, quando pode ter qualquer mulher que escolher?

— Porque ele sabe que não pode ter a mim, e isso fere o seu orgulho de macho.

— É possível. Prometi não contar a Beau a ver­dade sobre Richard, e vou cumprir minha promessa. No entanto, você está cometendo um grave erro. Matthew a ameaçou e você acredita que ele tem um plano. Beau cuidaria para que ele não pudesse cumprir tais ameaças. Que dilema! Se você demons­trar qualquer interesse por Nate, Matthew poderá lhe fazer mal. Por outro lado, se você não encontrar um meio de satisfazer Nate, ele poderá contar tudo e partir, levando Richard.

— Acha que ele seria capaz de fazer isso? Danny sorriu.

— Não. Ah, se eu pudesse conversar com Beau... — lamentou.

― Danny, amo Richard como se fosse meu verda­deiro filho. Eu não suportaria ter de me separar dele.

― Eu sei, mas concordo com o que Nate disse ,por enquanto, Richard encontra-se em total segu­rança. — Danny encaminhou-se para a porta. — Está com fome?

— Ah, sim, faminta!

— E que tal um banho quente? Ann sorriu.

— Excelente idéia! Danny riu alegremente.

— Mandarei que preparem a sua comida agora mesmo, e seu banho estará pronto, assim que a água for aquecida. Enquanto isso, avisarei Blossom e os outros que você está bem. Ah. a preciosa Blossom! Ela passou a noite inteira sentada aqui, cuidando de você, e só saiu do quarto para cuidar de Richard. Foi somente depois que ela teve a mais absoluta certeza de que você não corria risco de vida, que consegui convencê-la a descansar um pouco. Você tem amigos muito leais.

— Danny, acho que vou jantar com vocês, esta noite. Não posso permitir que Matthew pense que conseguiu me intimidar.

— Isso é bom. Sua presença também dará aos outros a oportunidade de verificarem com os pró­prios olhos que você não sofreu nada. — Danny pou­sou a mão no trinco. — Ann, quais são seus senti­mentos por Nate, afinal?

Ann sentou-se na cama e pousou os pés no chão. Sentiu uma leve tontura, mas logo se recuperou.

— Ele é um oportunista, indigno de confiança — murmurou em voz baixa.

— Você o ama?

— É claro que não! Eu jamais seria capaz de amar outro homem.

Nem por um segundo, Danny acreditou nas pa­lavras que ouviu.

— Mas você não amava Edmund. Pelo que me contou, nunca se apaixonou, de verdade. Não sei se saberia reconhecer tais sentimentos, se os tivesse em seu coração. — Danny abriu a porta. — Permi­ta-me expressar uma opinião. Se não quer contar a verdade a Beau, conte a Nate. Não importa o que você pensa, ele é a solução para os seus problemas.

— Mas ele quer tirar Richard de mim.

— Porque Nate vê somente o que você permite que ele veja. Avisarei a todos que você jantará conosco.

Danny fechou a porta atrás de si.

Ann olhou em volta, sem enxergar nada. Contar a verdade a Danny havia retirado um imenso fardo de seus ombros. Era bom saber que não era a única a conhecer a verdadeira natureza de Matthew. In­felizmente, porém, o desabafo não havia resolvido coisa alguma. Quisera conselhos e os recebera, mas, como fora desde o início, a decisão continuava a ser sua. Poderia se casar com Matthew e deixar que Nate levasse Richard. Assim, todos seriam felizes. Menos ela. A simples idéia de ter as mãos de Mat­thew em seu corpo, e de nunca mais pôr os olhos em Richard, era mais do que ela poderia tolerar. Havia começado aquela guerra e lutaria até o fim.

Naquela noite, Nate sentou-se na sala, beberican­do seu drinque e sorrindo. Era evidente que Mat­thew tinha uma forte tendência para estar no lugar errado, na hora errada.

— Não tenho palavras para descrever o alívio que senti, quando Thomas voltou da cozinha, dizendo que eu não corria o risco de morrer envenenado — Matthew continuou a contar sua história para Danny. — Estou surpreso por poder me sentar. O es­corpião estava entre os lençóis. Era pouco maior do que a unha de meu dedo mínimo. Ainda assim, a picada doeu muito.

— Sinto muito — Danny mentiu.

Gostaria que Ann não a houvesse feito jurar guar­dar segredo. Quando Beau chegasse, mais tarde, o que ela mais gostaria de fazer seria contar ao marido tudo o que sabia, e pôr um fim à visita de Matthew.

O inglês ainda discutia a extensão de seu des­conforto, quando Ann entrou na sala. Os dois ho­mens se levantaram. Nate seguiu-a com o olhar, enquanto Matthew a conduzia até uma poltrona. Ela era alta, esbelta, bonita, e movia-se com uma graça que poucas mulheres possuíam. Como podia ter acreditado que Albert era homem?

— Fiquei tão aliviado, quando Danny informou que você estava tão bem, que jantaria conosco, esta noite — Matthew declarou. — Sinto-me culpado. Não de­veria ter permitido que você seguisse sozinha, ontem.

Ann queria gritar, mas Matthew era perigoso, e ela não teria como se defender.

— Se bem me lembro, a decisão foi minha, não sua.

— Acha sensato ter saído da cama, depois de tão pouco tempo?

— Estou bem. Quero me desculpar pela tolice que cometi, e agradecer a todos por terem salvo minha vida. — Antes de descer, passara algum tempo com Richard, e dissera a Blossom quanto se sentia grata a ela. — Já agradeci sir Drake.

— Sir Drake? — Matthew indagou.

— Sim. Mesmo tendo sido o latido dele o que me fez cair na água, ele permaneceu ao meu lado, aquecendo-me o quanto podia. Pobrezinho, a raposa que ele perseguiu mordeu-o no pescoço, mas ele nem se queixou.

— Cuidarei para que ele receba um osso extra, esta noite — Danny decidiu com um sorriso.

Enquanto Ann explicava o que havia acontecido no riacho, Nate a observava atentamente, do outro lado da sala. Não deixou passar um movimento se­quer, nem o fato de que ela evitava fitá-lo nos olhos. Por quê? Nate olhou para Matthew. O inglês parecia mais satisfeito do que nunca. O que ele dissera a Ann, para torná-la tão cuidadosa?

 

Ann pegou Richard da grama e colocou-o de volta sobre o cobertor, embora sou­besse que ele não ficaria ali por muito tempo. Ele já começava a engatinhar, mas em vez de mover-se para a frente, continuava a ir para trás. Richard soltou um gritinho de alegria e virou-se de bruços, a fim de observar Kit e Blossom, que brincavam de pega-pega. Kit não conseguia parar de rir, o que fazia Richard gritar ainda mais. Richard adorava passar o tempo acordado ao ar livre e, vendo como ele se divertia, Ann soube o que deveria fazer. Havia apenas uma maneira segura de garantir a herança de seu filho.

Depois de levar Richard de volta ao quarto, para dormir um pouco, Ann saiu à procura de Danny. Caminhara uns poucos passos pelo corredor, quando Matthew entrou pela porta de vidro que levava à varanda. Não havia a menor sombra de dúvida que ele estivera à sua espera.

Matthew agarrou-a pelos dois braços e empurrou-a para a parede.

Ann fitou-o com olhar frio.

— Para o seu próprio bem, trate de se lembrar de que, um dia, voltarei para a Inglaterra — ela ameaçou. — Se continuar a me tratar assim, cui­darei para que pague caro por todos os seus erros.

Matthew ignorou a advertência.

— Estive conversando com Beau até poucos minutos atrás. Ao que parece, você não disse nada a ele, ou à esposa dele, sobre partir de volta para a Inglaterra.

— Nem tenho a menor intenção de fazê-lo. Recu­so-me a permitir que você me amedronte, ou que tente governar minha vida. Já enviei cartas a meu pai e meu tio, informando-os do nascimento do novo duque. Também contei a Danny que você está me ameaçando, e cuidei para que Richard esteja protegido o tempo todo. Dentro de um ou dois dias, terei a prova defi­nitiva de que Richard é meu filho legítimo.

Matthew soltou-lhe os braços e recuou um passo.

— E como pretende provar isso?

— Direi a você, assim como a todo mundo, quando tiver as provas em mãos. Quando descobrirem que você mentiu sobre o filho ser de Hester, não acreditarão em nenhuma palavra do que disse. A atitude mais sensata a tomar seria você ouvir o próprio conselho e partir. Também sugiro que, assim que chegar na Inglaterra, você retire todos os seus pertences de Gravenworth. Não será mais um hóspede bem-vindo em nossa casa.

Os lábios de Matthew formaram uma linha dura.

— De nada adianta continuar com seus joguinhos comigo, Ann. Não acredito em uma palavra sequer do que você diz. Quando eu partir, o que realmente acontecerá muito em breve, você estará comigo, e nós nos casaremos a bordo do navio.

Ann virou-se e seguiu pelo corredor, sentindo os braços doerem, onde Matthew os apertara com tanta força. Por quanto tempo mais seria capaz de manter aquela farsa? Pela maneira como Matthew estava se comportando, algo terrível estava prestes a acontecer. O que mais a assustava era a total confiança que ele demonstrava. Ele tinha um plano e, como não soubesse de que direção o golpe viria, Ann não tinha qualquer possibilidade de defesa... sem contar com ajuda.

Os olhos de Matthew mantiveram-se fixos em Ann, até ela desaparecer de sua vista. Na véspera, Tex o informara de que Chico voltaria, assim que encontrasse um capitão disposto a concordar com seus planos. O que levaria uma ou duas semanas, no máximo, Tex havia garantido. Então, Matthew poderia colocar seu plano em ação. Tratava-se de um plano muito simples. Chico raptaria Ann. Como trabalhasse na fazenda, Tex cuidaria para que Chico deixasse a propriedade em encontrar qualquer di­ficuldade. Então, Chico levaria Ann até o navio, em San Francisco, a bordo do qual ela seria mantida prisioneira. Continuando hospedado na casa de Beau, Matthew não poderia ser acusado de coisa alguma, pois ninguém seria capaz de provar seu envolvimento no desaparecimento de Ann.

Matthew sorriu. Então, com profunda tristeza, quando Ann não fosse mesmo encontrada, ele desis­tiria de tentar voltar a vê-la, e partiria para San Fran­cisco, a fim de seguir viagem para a Inglaterra. Ele e Ann se casariam durante a viagem. Pagara uma quantia considerável para Tex e Chico, e prometera mais dinheiro, quando chegasse ao navio e se certi­ficasse de que Ann fora bem cuidada. Tex e Chico eram ambiciosos demais para cometer qualquer erro.

Matthew saiu da casa pela varanda e se dirigiu diretamente para a oficina do ferreiro.

— Boa tarde — Hector cumprimentou-o com um sorriso largo. — Posso fazer alguma coisa pelo senhor?

Parou de trabalhar nas ferraduras que consertava e limpou as mãos no avental de couro.

Matthew olhou com desgosto para a saliência na face do ferreiro, formada pelo pedaço de tabaco que ele mascava.

— Na verdade, sim. — Teve o cuidado de não esbarrar em nada, a fim de não sujar as roupas. ― Estou planejando voltar para a Inglaterra, e gostaria de apanhar alguns animais selvagens para levar comigo na viagem. Gostaria de saber se pode cons­truir uma gaiola. Digamos... de um tamanho que possa abrigar um coiote, mas que permita que ele se exercite, coma e beba.

Hector cocou o queixo, pensativo.

— Para quando precisa da gaiola?

— Naturalmente, gostaria de começar a caçar o quanto antes.

— Amanhã está bem para o senhor? Matthew exibiu um sorriso tolerante.

— Seria excelente. Começou a se retirar.

— Tem algum lugar em mente, onde deixar a gaiola? — Hector perguntou.

Matthew fez meia-volta e se aproximou dele novamente.

— Não. Tem alguma sugestão? Hector cuspiu o tabaco no chão.

— Há um carvalho muito grande e velho, no pasto ao sul da fazenda. Não há como não encontrá-lo. Há bastante sombra, e um riacho corre bem ao lado dele. Ninguém vai até lá, há muito tempo. Dizem que é um lugar sagrado para os índios. Seus animais estariam seguros, lá.

Matthew assentiu.

— Sim, tem razão. Parece o lugar perfeito.

 

Ann tamborilava os dedos no braço da poltrona, enquanto ela e os outros espera­vam que Beau trocasse de roupas para o jantar, e se juntasse a eles na sala. Durante os últimos trinta mi­nutos, ouvira Matthew distrair Danny e Nate com uma longa dissertação sobre castelos. Chegava a lhe dar náuseas ver como ele desempenhava o papel do cava­lheiro, desprovido de quaisquer más intenções. Era ver­dade que ele fizera várias tentativas de incluí-la na conversa, mas ela se recusara a fazer parte daquela farsa. Assim, no momento, estava sendo ignorada.

Nate, porém, fora um pouco mais longe. Exceto por um breve e cortês cumprimento, quando Ann entrara na sala, ele a ignorara por completo. Como já fizera antes, não lhe deu a menor chance de in­formá-lo de que, naquela noite, ela voltaria ao quarto dele e, dessa vez, não bancaria a covarde. Dessa vez, faria o que ele queria. Se Nate não houvesse passado o dia inteiro cavalgando com Beau, Ann já teria resolvido a questão de uma vez por todas.

O conhecimento que Danny tinha do passado de Nate, assim como os comentários que ela fizera sobre a maneira como ele agia com relação às mulheres, continuavam a perturbar Ann. Ela conseguia fingir que estava prestando atenção em Matthew, mas na verdade, estava ocupada em comparar as lembranças que tinha de Nate no trem, com seu comportamento atual. Uma metamorfose seria a melhor maneira de descrever o que se passava. Ao que parecia, Ann estivera tão concentrada nos próprios problemas, que simplesmente não havia notado a maneira como ele exalava charme, nem a facilidade com que exibia o sorriso irresistível e contagioso. Nate sabia como fazer uma mulher se derreter, e não parecia ter o menor escrúpulo em usar tal qualidade em beneficio próprio. A irritação de Ann tornou-se ainda maior, quando ele continuou a manter a frieza e a distância, du­rante o jantar. Ocorreu-lhe que ele não a considerava digna de um tratamento cavalheiresco, mesmo de­sejando tê-la em sua cama. Matthew, sem dúvida, estava se deleitando com o fato de Nate ignorá-la. Ann cobriu os lábios com o guardanapo de linho. Como ele se atrevia a tratá-la assim e, sempre que tinha a oportunidade, roubar-lhe beijos? Ah, como o odiava! Odiava tudo em Nate. Desprezava-o, assim como a Matthew, pelo que os dois a estavam forçando a fazer. Matthew a assustava. Especialmente, depois do confronto no corredor. Tinha de pôr um fim a quais­quer planos que ele estivesse arquitetando, o mais de­pressa possível, e só conhecia uma maneira de fazê-lo: provar que Richard era, de fato, o herdeiro do título. Espetou um pedaço de cenoura com o garfo. Por mais que detestasse Nate, parecia incapaz de des­viar os olhos dele. Quando ele ergueu a taça de vinho e a levou aos lábios, Ann descobriu-se fasci­nada pelos dedos longos, curvados sobre o cristal. Ele poderia segurar as duas mãos dela em apenas uma das dele, com a maior facilidade. As mesmas mãos que haviam passeado por seu corpo com ta­manha liberdade, quando ele a forçara a permanecer imóvel, enquanto ele procurava por uma possível arma que ela levasse escondida na roupa.

Ann baixou os olhos para a comida quase intocada em seu prato. A mulher que vira na estação, em Nova York, agarrara-se a Nate. Hester parecera in­capaz de não tocá-lo. Isso jamais aconteceria com ela. Naquela noite, sua atração teria fim. Depois de ser obrigada a tolerar o corpo dele sobre o seu, pas­saria a considerá-lo repugnante, e nunca mais sen­tiria vontade de sequer olhar para ele.

Ann ergueu os olhos para dizer a Danny que que­ria dar um presente a Kit, mas descobriu um par de olhos negros a observá-la. Os cílios de Nate eram deliciosamente longos para um homem. Antes que ela tivesse tempo de desviar o olhar, ele piscou. O gesto foi tão inesperado, que o garfo escapou dos dedos de Ann, caindo no prato com um ruído alto. A gafe chamou a atenção de todos para ela. Com um sorriso fraco, tudo o que ela conseguiu fazer foi murmurar um pedido de desculpas.

Ann perguntou-se se Nate sabia que ela o estivera observando. Era muita petulância, piscar para ela daquela maneira! Mas, se a piscadela a irritara tan­to, por que aquela onda de calor a percorrer-lhe o corpo? Porque a piscadela provava que, embora ele não demonstrasse o menor interesse, estivera pen­sando nela o tempo todo.

— Danny — falou, afinal —, se você não tiver nenhuma objeção, eu gostaria de dar sir Drake de presente para Kit.

— Mas, Ann, Matthew disse que o cachorro tem grande valor.

Ann sorriu.

— Na Inglaterra, sim, mas no território de Arizona, eu duvido. Quase nunca o vejo, e sei que Kit o adora.

— Tem certeza de que quer fazer isso? — Danny indagou. — Espero que não pense...

Ann sacudiu a cabeça.

— Não penso coisa alguma.

— Kit vai ficar muito feliz — Danielle admitiu, entusiasmada.

Então, pôs-se a contar as brincadeiras do filho com o cachorro, quando se encontravam ao ar livre.

Depois do jantar, os outros decidiram engajar-se em um jogo de adivinhações. Ann preferiu limitar-se a assistir, o que deixava duas duplas na competição. Usou ou tempo para reforçar seu juramento de que não deixaria o quarto de Nate, enquanto seu acordo não estivesse selado.

Trinta minutos depois de terminado o jogo, Ann encontrava-se em seu quarto, sentada diante da pen­teadeira, escovando os cabelos até que brilhassem. Sabia que estava adiando o momento da decisão. Não queria ir ao quarto de Nate. Sentia-se como se estivesse dando as costas à própria integridade. Com mãos trêmulas, ajeitou o laço azul na frente da camisola. O traje longo cobria todo o seu corpo, mas não era a camisola mais simples que ela possuía. O corpete era todo enfeitado de renda.

Quinze minutos, no máximo, disse a si mesma. Então, estará terminado.

Respirou fundo, na esperança de que isso trouxesse sua estabilidade de volta, e saiu do quarto. A palma das mãos, assim como suas faces, já se encontravam cobertas de suor, provocado pelo nervosismo.

Algum tempo antes, Ann descobrira que os dois quartos eram os únicos naquela ala do corredor. Mes­mo assim, temendo ser vista, correu até os aposentos de Nate. Já contara tantas mentiras, que mal se lem­brava de todas elas, e não queria ter de inventar outras. Sem anunciar a sua chegada, abriu a porta e entrou apressada. O lampião estava aceso. Ann sus­pirou. Acalentou a esperança de que ele passasse a noite inteira sem voltar para o quarto, mas sabia que não havia a menor chance de isso acontecer.

Quando caminhava pelo corredor, Nate ainda ria de uma das raras piadas engraçadas que Matthew contara. Quando entrou no quarto, demorou alguns instantes para notar que Ann estava parada, em silêncio, ao lado do guarda-roupa. A postura dela era rígida, e as mangas longas e gola alta da ca­misola estava longe de proporcionar a visão mais sedutora que ele já vira. Ann era a imagem perfeita da puritana, ele concluiu. Seus olhos baixaram len­tamente, examinando cada detalhe, até pararem nos chinelos simples que despontavam por debaixo da bainha da camisola. Então, voltaram a subir, fazen­do uma pausa nos lábios generosos, e dirigindo-se, finalmente, aos espetaculares olhos verdes.

— Vim consumar o nosso acordo — Ann declarou sem preâmbulos. Pronto! Dissera o que tinha a dizer! — E de livre e espontânea vontade — acrescentou, por medida de precaução.

— Estou vendo.

— Isso é tudo o que tem a dizer? — ela inquiriu, observando-o tirar o paletó a atirá-lo sobre uma ca­deira, sem deixar de notar os músculos do braço delineados pelo tecido fino da camisa. — Danny disse que você é um homem nobre e...

— Não tente me ver como sendo muito nobre, ou vai acabar decepcionada.

Nate foi até a cômoda, e serviu-se de um copo de água.

Ann continuou olhando fixamente para ele, incré­dula. Nada estava acontecendo como ela havia ima­ginado que seria.

— Considerando-se a sua reputação...

Nate bebeu a água, antes de virar-se para ela.

— Minha reputação?

— Danielle contou-me tudo sobre Diablo.

Ann passou a língua pelos lábios ressecados. Por que ele não se aproximava, de uma vez?

A irritação de Nate crescia a cada momento. Ao mesmo tempo, perguntava-se o que mais poderia ter esperado. Ela mesma dissera que faria qualquer coisa para atingir seus objetivos. Ann não mentira.

— Você já foi para a cama com um homem que não fosse o seu marido? — inquiriu.

Por que ele estava agindo com tamanha frieza?

— E claro que não!

— Por quê?

— Como por quê?

— Por que nunca foi para a cama com outro ho­mem? Ainda é uma mulher jovem e muito bonita. Pretende se tornar freira?

— Isso é...

— Volte para o seu quarto, duquesa.

Ann olhou para a porta. Não. Não podia partir.

— Estou aqui porque você disse que afirmaria que Richard é meu filho, seu eu fosse para a cama com você. Como, aparentemente, você não quer se deitar comigo, devo entender que vai cumprir a sua parte do acordo e dizer a todos que me ajudou a dar à luz o meu filho.

Nate lançou-lhe um olhar furioso.

__Não deve entender coisa nenhuma!

Estava prestes a dizer que jamais se comprome­tera a afirmar tal mentira, quando ela, de repente, se encaminhou para a cama.

— Muito bem. Então, vamos resolver isso de uma vez por todas — Ann declarou. — Quinze minutos devem ser mais que suficientes para satisfazer os seus desejos.

Ela mal podia acreditar que estava sendo tão direta e objetiva, em um assunto tão delicado e constrangedor.

— Para alguém que jura ser tão inocente, você me parece uma grande autoridade no assunto — Nate comentou, sem se dar ao trabalho de esconder o sarcasmo.

— Bem... já fui casada.

— Ah, sim. Creio que isso a torna uma grande conhecedora de tais procedimentos.

— Claro.

Enquanto se aproximava do lampião, Ann fez uma prece silenciosa, pedindo que suas pernas trêmulas não vergassem ao peso de seu corpo.

— O que está fazendo? — Nate perguntou.

— Vou apagar o lampião.

— Mas eu quero que ele fique aceso.

Ora, seria possível que ele pretendesse copular em um quarto iluminado? Ann foi para a cama. Ape­nas quinze minutos, continuava repetindo para si mesma. Só quinze minutos.

Nate observou, perplexo, enquanto a duquesa do­brava as cobertas da cama com cuidado, para então deitar-se, mantendo a camisola devidamente esten­dida, de maneira que nenhuma parte de seu corpo ficasse exposta. Mantendo as pernas pressionadas uma contra a outra, cruzou as mãos sobre o ventre e manteve os olhos fixos no teto.

Os lábios de Nate curvaram-se lentamente em um sorriso. Um homem honrado jamais se aproveitaria de uma dama como ela. Ao que parecia, ele não era um homem honrado. Desabotoou a camisa e despiu-se dela. Já era tempo de alguém ensinar à duquesa uma lição da qual ela jamais se esqueceria. E, por acaso, ele estava mais que disposto a ser o professor. E, mesmo que o mundo desabasse, ela não sairia daquele quarto dentro de quinze minutos.

— Não posso dizer que você é a mulher mais se­dutora que já conheci — provocou-a.

Ann sentou-se na cama, deparando-se com o peito nu, coberto de pêlos negros e encaracolados.

Nate sentou-se em uma poltrona e tirou as botas, sem se apressar.

— Concordamos que eu viria para sua cama, e estou cumprindo a minha parte no acordo. Agora, será que podemos resolver isso de uma vez por todas?

Ela voltou a se deitar, mais uma vez fixando os olhos no teto.

— Já que está se mostrando tão ansiosa em fazer amor comigo, creio que devo atender o seu pedido.

Nate levantou-se e tirou a calça.

— Fazer amor? É assim que você diz?

— Estou curioso, meu anjo. Espera passar por isso sem sentir absolutamente nada?

— Sou uma dama. Somente os homens desfrutam dos prazeres da paixão.

O sorriso de Nate tornou-se mais largo. Quanto mais desafios ela lhe lançava, mais a situação o agradava.

— Está usando alguma peça de roupa, por baixo da camisola, que deva ser removida?

— Você poderia, ao menos, demonstrar respeito bastante para não tocar nesse tipo de assunto.

— Responda apenas sim, ou não.

— Não.

Sentindo o colchão ceder ao seu lado, Ann cerrou os olhos com força, à espera de que ele se posicio­nasse sobre ela. No entanto, Nate limitou-se a afas­tar os cabelos de seu rosto.

Então, apoiou-se em um cotovelo e fitou-a.

— Olhe para mim. Ann sacudiu a cabeça.

— Não mordo.

A voz profunda não passava de um sussurro, mas Ann ouviu cada palavra, assim como o tom divertido em que ele falava. O patife estava se divertindo à custa de seu constrangimento! Abriu um olho de cada vez.

— Fazer amor não me proporcionaria o menor prazer, se você não sentisse tanto prazer quanto eu.

— Não preciso ouvir suas mentiras. Não sou tola a ponto de não saber que um homem não precisa da paixão de uma mulher, para se satisfazer.

— Eu preciso. — Ele se inclinou sobre ela e bei­jou-a de leve nos lábios. — Você é tão doce.

Ann perguntou-se se Nate estava zombando dela. Ele apanhou uma de suas mãos e posicionou-a sobre o peito largo. Ela puxou a mão de volta.

— Por que tenta resistir? Desfrute de todo o prazer que eu puder lhe dar.

— O prazer é seu, não meu. Nate riu.

— Também vai me dizer que não pensou em como seria estarmos juntos, na cama?

Ele passou a língua pelo pescoço de Ann e, então, mordiscou-lhe o lóbulo da orelha.

Ela voltou a olhar para o teto.

— O único pensamento que tem ocupado a minha mente é ver você pendurado em uma árvore, com uma corda em torno do pescoço. Você é o tipo mais baixo de homem, para ser capaz de me forçar a isso.

— Pobre Antoinette. Acho que tem razão. Vai ter de sofrer esse sacrifício. — Beijou-lhe um canto da boca. — Mas, como faço questão que o prazer seja igualmente partilhado, insisto para que você parti­cipe. Naturalmente, basta você fingir, mas no papel de Albert, você provou ser uma excelente atriz.

Voltou a mordiscar-lhe a orelha.

Ann sentia o calor do corpo dele contra sua pele.

— Não posso...

— Não pode? Ah, que palavras terríveis! Antoinette cerrou os punhos, lutando contra as

sensações que os beijos suaves de Nate começavam a despertar.

— Já que insiste, vou tentar.

Ann inclinou-se e deu-lhe um rápido e casto beijo no rosto.

— Bem, já é um começo — Nate comentou, perguntando-se se nenhum homem a beijara antes. Sen­tiu-a tornar-se tensa. — Ninguém sabe o que está se passando aqui, exceto você e eu.

Ann prendeu a respiração, recusando-se a admitir o prazer que estava sentindo.

— Se eu fizer amor com você, o que vai impedi-la de fazer amor comigo? Ponha sua mão de volta em meu peito, Ann.

Hesitante, ela obedeceu, descobrindo que era agradável sentir os músculos fortes sob os dedos. O beijo de Nate tornou-se mais ardente. Incerta sobre o que fazer, Ann não só permitiu que ele a beijasse com ardor, mas também imitou-o, retribuindo o bei­jo, sem nem mesmo saber que o fazia. Tal união provocou-lhe sensações incrivelmente eróticas. Ela se inclinou para ele, subitamente desejosa de expe­rimentar mais. Afinal, tudo não passava de fingi­mento. Quando Nate a apertou contra si, tremores sacudiram seu corpo, e ela pressionou o corpo ao dele, moldando cada curva e saliência, sentindo os mamilos roçarem os pêlos do peito dele.

— Não é melhor quando fazemos juntos?

Ann não poderia responder, mesmo que quisesse.

Pouco a pouco, Nate destruiu a resistência de Ann. Já havia determinado que o marido dela não fora um bom amante. Ann era como uma criança, ex­plorando novos brinquedos e descobrindo os prazeres que eles podiam lhe dar. Nate duvidou que ela se­quer tivesse consciência da maneira como suas mãos exploravam o corpo dele.

Nate devorou-a com seus beijos, extraindo o pró­prio prazer das reações do corpo dela, que parecia tomar vida, rendendo-se à paixão que ela nunca ha­via experimentado antes. Puxou a bainha da camisola, deslizando a mão pela parte interna das coxas dela. Ann tornou-se tensa, mas não tentou impedi-lo. Quando os dedos de Nate encontraram o que pro­curavam, ela não pôde conter um gemido. Já estava úmida e muito, muito quente.

— Diga-me para parar, Ann. Ela se recusou.

— Diga-me que quer que eu faça amor com você. Ann sentia-se arrastar para um profundo oceano de desejo. O corpo de Nate era perfeito. Não era mais possível combater a paixão que tomara conta dela.

— Eu...

— Diga.

O sim que ela murmurou foi abafado por mais um beijo apaixonado. Admitir abertamente que 0 queria, havia posto um fim definitivo a quaisquer inibições que Ann ainda tivesse. Ele a estava le­vando à loucura, enquanto as mãos fortes e expe­rientes, assim como os lábios ardentes, passeavam por cada recanto de seu corpo. Nate beijou-a e aca­riciou-a de maneiras que ela jamais imaginara pos­síveis e, quando ele tomou uma de suas mãos e a conduziu à prova irrefutável de sua virilidade, ela se descobriu incapaz de parar de tocá-lo.

— Você é tão linda — Nate murmurou, ofegante. Ann pouco se importou em verificar se ele dizia a verdade, ou não. As palavras soaram como música em seus ouvidos, e ela já flutuava sobre nuvens. Nate retirou a mão debaixo da camisola.

— Não — ela implorou, já não dando a menor importância à própria ousadia.

— Há muito mais para saborearmos — ele con­fidenciou, voltando a beijá-la com ardor.

Ann só se deu conta de que Nate havia tirado sua camisola, quando seus corpos nus colaram-se um ao outro. E foi então que ela se sentiu completa.

— Sim! — murmurou, quando ele a penetrou. Em algum momento, sua mente havia parado de

funcionar. Ann acreditara-se incapaz de tais senti­mentos, mas agora, não queria que Nate parasse... nunca mais. Pela primeira vez, descobria a beleza de ser mulher.

— Você é deliciosa.

— Sim, sim... — Ann encorajava-o a mover-se mais depressa, mais profundamente dentro dela.

Sua respiração tornou-se mais rápida, e ela pen­sou que fosse enlouquecer de desejo.

Finalmente, Nate levou ambos aos picos do prazer. Quando Ann deu por si, Nate ainda estava deitado ao seu lado.

― O que aconteceu? — ela perguntou.

― Você desmaiou.

― Não. Impossível. Eu nunca...

Ele beijou-lhe um seio.

— Isso acontece, às vezes.

De repente, Ann não sabia o que dizer, ou o que fazer. Deveria vestir-se e sair? Estendeu o braço e cobriu-se como lençol.

Nate retirou a coberta imediatamente.

— Nunca se envergonhe. Você é linda, e sua pai­xão é a visão mais bonita que um homem pode gra­var na memória.

— Acho que fui convincente.

Nate beijou-lhe a mão e, então, saiu da cama.

— Do que está falando?

— Você disse que eu deveria fingir.

Ele soltou uma sonora gargalhada, ao mesmo tem­po em que se servia de água.

Só então Ann se deu conta de que o lampião con­tinuava aceso. Mesmo assim, Nate movimentava-se pelo quarto, totalmente nu e, ao que parecia, muito à vontade.

Ann aceitou o copo que ele lhe estendeu, e bebeu com avidez.

— Fui uma decepção? — perguntou, recusando-se a fitá-lo nos olhos. Segurava o copo com tanta força, que seus dedos começavam a ficar esbranquiçados. — Sei que já teve muitas mulheres... — Bebeu mais um gole de água.

Nate voltou a se deitar ao lado dela. Então, retirou o copo de suas mãos e depositou-o na mesa-de-cabeceira.

— Não diga mais nada — ordenou com suavidade puxando-a para si. — Não existiu mulher alguma antes de você, assim como não houve nenhum ho­mem antes de mim. — Beijou-lhe a ponta do nariz — Você foi magnífica. Tanto, que já quero fazer amor com você, outra vez.

— Não quer que eu vá embora?

— Ah, não!

— Nate, não posso...

— Ah, sim, você pode.

— Mas... Ann parou de falar e cravou as unhas nos ombros dele, assim que Nate provou que era capaz de des­pertar a paixão em seu corpo, mais uma vez.

Ann deixou o quarto de Nate pouco antes do ama­nhecer. Era uma nova mulher. Nunca se sentira tão exausta, nem tão feliz. Não caminhava, flutuava. Riu consigo mesma. Nem havia se lembrado de cal­çar os chinelos.

 

Matthew atirou a carne dentro da gaio­la e, então, ficou observando sir Drake. O cachorro rosnou, mas não avançou para ele. Matthew mentira para Hector sobre a finalidade da gaiola que encomendara, pois sabia que Ann faria um escândalo, diante da sugestão de enjaular seu cão de estimação. Franziu o cenho, lembrando-se da batalha que tivera de enfrentar, só para passar uma corda em torno do pescoço do maldito cachorro, e arrastá-lo até lá.

Até agora, não havia o menor sinal de qualquer problema com sir Drake, mas os dez dias ainda não haviam se passado.

Os olhos de Matthew examinaram atentamente a gaiola, a fim de verificar se ela continuava bem fe­chada. Satisfeito, montou seu cavalo e seguiu para o norte. Já deveria ter levado Ann para longe dali, mas Chico ainda não havia retornado de San Francisco.

Matthew fincou os calcanhares no cavalo. Se seus cálculos estivessem corretos, chegaria ao riacho que chamavam de Skunk Creek, antes de Nathan.

 

Nate assobiava o Hino à República, quando avis­tou as árvores que ladeavam Skunk Creek. Ao sentir o cheiro da água, seu cavalo relinchou, sacudiu a cabeça e passou a galopar mais depressa. Nate riu

— Não posso culpá-lo, pois também estou com sede — disse.

Nate sentia-se bem. Sua viagem a Prescott resul­tará em tempo muito bem empregado. Enviara um telegrama para seu advogado, em Nova York. O ad­vogado enviara a resposta, confirmando que o dinheiro requisitado seria transferido para um dos bancos Falkner, em Santa Fé, assim como para o banco de Prescott. Nate também estava satisfeito como preço que ele e Beau haviam estabelecido para o gado que ele compraria. Tudo estava acertado, agora.

Só lhe restava tomar uma decisão quanto a Ann e Richard. Havia acreditado que Ann não queria nada além de dinheiro e poder. Desde que chegara na fazenda, já a vira determinada, intocável, vul­nerável, grata, triste e enlouquecida de paixão. Tra­tava-se de uma combinação que, desde o início, o atraíra como um ímã. Bem, ele sempre tivera a ten­dência de desejar o que não devia, ou não podia ter.

Depois de ter passado a noIte inteira fazendo amor com ela, conhecia seu corpo e suas expressões, tão bem quanto conhecia a palma da própria mão. Ago­ra, conhecia Ann bem demais, para acreditar nas mentiras de Hester. Assim que Ann se despira de todas as suas inibições, Nate descobrira todo tipo de qualidades nela, mas o ódio e a indiferença não estavam entre elas. Assim como não pudera encon­trar nenhuma falha no comportamento de Ann como mãe e, por isso, não havia motivo para duvidar de que ela realmente amasse Richard. Era fácil adivi­nhar as razões de Hester para amaldiçoar Ann, mas tudo não passava de suposição.

As paixões de Ann pareciam ter sido feitas sob encomenda para ele. Na noite anterior, ele a despertara, ela se tornara sua. Agora, porém, Nate já não queria somente o seu corpo. Queria também sua alma.

Quando alcançou o riacho, Nate desmontou e dei­xou que o cavalo matasse sua sede. Estava prestes a se ajoelhar, para beber um pouco de água, quando um tiro ecoou no ar, e uma bala se alojou no tronco da árvore bem atrás dele. Nate virou-se e deparou com Matthew parado a poucos metros de distância.

— Não errei por acidente — o inglês declarou com um sorriso maroto. — Sou um excelente atira­dor. Tenho certeza de que você já está adivinhando o propósito de minha presença aqui.

Os olhos de Nate faiscaram.

— Não gosto que ninguém atire na minha direção, especialmente, quando estou desarmado.

— Pouco me importa o que você gosta, ou não gosta. Não tenho qualquer reserva quando sinto que devo proteger o que é meu, e Ann me pertence.

— Então, vai me matar, assim como matou Edmund?

— Se matei ou não matei Edmund não vem ao caso. No entanto, garanto que eu não hesitaria em matar você, caso isso se tornasse necessário.

— Ann não é propriedade sua, Matthew. Matthew aproximou-se, mantendo a pistola apon­tada para Nate.

— Fique longe dela. Você não passa de um salteador barato, sem a menor perspectiva de futuro. Jamais seria capaz de fazê-la feliz. Ela deve voltar à Inglaterra, e viver em meio a pessoas de seu nível.

Nate lançou um olhar rápido ao seu redor. Mat­thew escolhera o momento e o local perfeitos para uma emboscada. Não havia ninguém por perto.

— Você não me assusta, Matthew. Já enfrentei ameaças bem piores que você, e a maioria não pas­sava de covardes... como você.

— Sua tentativa de me zangar é tempo perdido. E não pense que será capaz de se esconder de mim, depois. Existem muitas maneiras de apanhar um homem des-prevenido e de fazer uma morte parecer acidental.

Pelo canto do olho, Matthew viu algo se mover. Virou-se para ver o que era, descobrindo tratar-se de um simples rato, em busca de abrigo. Tarde de­mais, deu-se conta do erro que cometera. Nate já avançava para ele. Matthew ergueu a pistola, mas Nate foi mais rápido. Com um golpe certeiro, der­rubou a pistola no chão, e chutou-a para longe.

— Muito bem, seu bastardo — Nate rosnou. Em seguida, ergueu o punho e golpeou, mas para

sua surpresa, Matthew esquivou-se com facilidade. O inglês era rápido e ágil.

Matthew conseguiu acertar alguns socos em Nate, mas a luta não durou muito. Quando o inglês tombou de bruços no chão, lutando para respirar, Nate plan­tou um pé em suas costas, erguendo-lhe a cabeça pelos cabelos.

— Agradeça-me por não matá-lo aqui e agora. Vamos deixar uma coisa bem clara. Pretendo estar com Ann quantas vezes tiver vontade. E, como não tenho o menor desejo de passar o tempo todo olhando por cima do ombro, para saber se você está se aproximando, deixarei uma carta com Beau. É melhor cuidar muito bem de mim, Matthew, porque se eu morrer, Beau abrirá a carta, e é você quem arcará com a culpa por minha morte. Está entendendo o que estou dizendo?

— Sim, eu entendo.

Nate soltou-lhe os cabelos abruptamente, deixando que Matthew afundasse o rosto no chão. Então, retirou o pé das costas do inglês e encaminhou-se para onde seu cavalo buscara abrigo, ao se assustar com o tiro.

— Mais uma coisa — acrescentou, ao apanhar as rédeas. — Nunca mais aponte uma arma para mim, a menos que pretenda usá-la.

Nate atirou as rédeas por sobre o pescoço do cavalo e montou. Incitou a montaria a um galope rápido, e desapareceu sem olhar para trás.

Matthew atirou-se para onde sua pistola caíra. Ela havia desaparecido! Levantou-se, sentindo o cor­po todo doer pelos golpes que havia recebido, e ficou ali parado, observando a nuvem de poeira deixada pelo cavalo de Nate. O maldito havia apanhado sua pistola e a levara consigo.

Quando voltou para casa, Nate encontrou Ann e Danny no pátio, cuidando das flores. Blossom cui­dava de Richard, que observava Kit brincar com seus soldadinhos de chumbo.

— Nate, Nate — Kit chamou, correndo para ele.

Nate segurou o menino por sob as axilas e er­gueu-o no ar, fazendo gritar de alegria. Até Richard riu alto.

— Ann — Nate falou, depois de colocar Kit de volta no chão —, o que acha de sairmos para uma cavalgada?

— Aonde quer ir?

— Achei que você gostaria de saber para onde leva a trilha que tentou seguir. Depois do que pas­sou, nada mais justo.

Ann ergueu os olhos e se deparou com um sorriso muito maroto nos lábios dele. Virou-se para Danny, que sorriu.

— Sou perfeitamente capaz de cuidar sozinha das flores — a anfitriã afirmou. — E não se preocupe com Richard. Ele ficará bem.

Ann tirou o avental.

— Preciso trocar de roupa — comentou, espal­mando a terra do vestido.

— Bobagem — Nate protestou. — Está linda. Além do mais já mandei selar Star. Ela está à sua espera.

Ann não precisou ser convidada pela segunda vez. Depois de beijar Richard, seguiu Nate até o estábulo.

Mais tarde, quando chegaram ao seu destino, Nate desmontou. Ann entregou-lhe as rédeas de Star, mas permaneceu sentada na sela, fascinada.

— Ah, Nate — murmurou, enquanto seus olhos embriagavam-se com a paisagem à sua frente. — São como castelos construídos na rocha.

Nate ajudou-a a desmontar.

— São antigas residências de índios — explicou, enquanto amarrava os cavalos a uma árvore. — Se você não tivesse caído no riacho, teria encontrado este lugar sozinha.

Ann adiantou-se, observando cada detalhe do que via.

— Como sabia deste lugar?

— Depois que encontrei você e a levei para casa, também fiquei curioso em saber qual seria o destino da trilha.

Seus olhos pousaram nos cabelos loiros de Ann que, agora, já atingiam a altura dos ombros. Então, foram baixando, até pousarem na bainha do vestido, que deixava à vista apenas as botas.

— Acha seguro irmos até lá?

— Algumas partes estão desabando, mas acho que podermos visitar a construção sem correr perigo. Só precisamos ter cuidado.

Ann continuou caminhando, erguendo os olhos,determinada a ver tudo. São como edifícios de seis andares. Obrigada ter me trazido aqui.

Nate sentou-se em um tronco caído.

― Está me observando de novo — ela protestou, ntes de se virar e sorrir.

Não se dera conta de quanto se distanciara dele.

― Como sabia?

― Sinto seus olhos em mim. — Cruzando as mãos atrás das costas, ela se encaminhou para ele. — Sempre sei quando está olhando para mim. Soube, exatamente, quando você me viu, no forte.

— Contou a alguém que estivemos juntos, ontem à noite?

Ann abaixou a cabeça.

— Não — murmurou baixinho.

— Quando permitiu que eu fizesse amor com você, abriu mão de muito mais do que imagina.

— Do que está falando?

— Agora, você me pertence.

— Não pertenço a ninguém, exceto Richard. Nate riu.

— Não se trata de uma sentença de morte, sabia? Quer que eu prove que tenho razão?

Ann cruzou os braços e fitou-o nos olhos.

— Não vai responder? Ah, duquesa, conheço-a tão bem, agora. Sei como fazê-la rir, como fazê-la chorar. Conheço as expressões em seu rosto, e sei que ficou excitada quando a convidei para vir comigo, mesmo você tendo se esforçado para esconder a reação de Danny. Também sei que, ao longo do trajeto até aqui, você não parou de pensar em estar nos meus braços de novo, mas é orgulhosa demais para me pedir que faça amor com você.

Ann sentiu-se embaraçada ao constatara que Nate era capaz de ler seus pensamentos com tamanha facilidade.

— Não é verdade — negou.

— Está dizendo que não quer que eu faça amor com você, agora?

— É exatamente o que estou dizendo.

— Não tente mentir para mim, duquesa Não vai dar resultado. Você me quer tanto quanto quero você.

— Fizemos um acordo e eu cumpri a minha parte. Nada mais. Quando você pretende dizer a Beau e aos outros que sou a mãe legítima de Richard?

Nate tirou o chapéu.

— Não tenho a menor intenção de dizer nada a ninguém.

— Mas você...

— Você calculou que eu diria, e não me dei ao trabalho de corrigi-la. Não direi a Beau, nem a qual­quer outra pessoa, que você é a mãe de Richard.

Ann apanhou uma pedra do chão e atirou-a nele. Atirou mais outra, antes de correr na direção dos cavalos. Em um movimento rápido, Nate saltou do tronco e segurou-a pelo braço, antes que ela tivesse a chance de alcançar as rédeas de Star.

— Solte-me — Ann ordenou.

Nate imobilizou-lhe os punhos com facilidade.

— Você não esperou que eu terminasse.

Com a fúria de uma tigresa, Ann inclinou-se para ele e mordeu-o no ombro.

— Ora, atrevida! — ele murmurou, antes de bei­já-la com violência.

Ann mordeu-lhe o lábio, mas o beijo prosseguiu. Ela tentou chutá-lo, mas foi atirada no chão.

— Não quero que me toque — gritou.

Agitada, contorceu o corpo de um lado para o ou­tro, esmurrando-o no peito. Quando deu por si, Nate estava deitado sobre ela, com um joelho firmemente plantado entre suas pernas, impedindo-lhe os mo­vimentos. Quando Ann tentou arranhar-lhe as cos­tas, ele a segurou pelos punhos e levou-os bem acima da cabeça dela. Então, os lábios dele voltaram a cobrir os dela. Ah, como ela o odiava! Ao mesmo tempo, o beijo de Nate fazia derreter o seu coração. E por mais que tentasse, ela não era capaz de apa­gar o fogo que já começava a consumi-la.

Nate descolou os lábios dos dela, mas não se afastou.

— Já disse que, agora, você é minha.

Mais uma vez, Ann tentou lutar, e Nate riu. Ela logo desistiu de tentar desvencilhar-se dele, pois não teve escolha, senão ceder à paixão que Nate des­pertava com tamanha facilidade. Desejava-o, e ele sabia muito bem disso. O desejo de um espelhava o do outro, assim como foi o prazer e a satisfação de que desfrutaram.

Ainda em estado de euforia, Ann aconchegou-se nos braços de Nate, esperando que a respiração vol­tasse lentamente ao normal.

— De nada adiantaria eu dizer a todos que você é a mãe de Richard.

Ann sentou-se e olhou para ele. Nate tinha os olhos fechados, e parecia adormecido.

— Como pode dizer isso? — ela perguntou, ainda se agarrando a um fio de esperança de que ele mu­dasse de idéia.

Nate abriu os olhos e ficou em silêncio por um instante, pensativo.

— Acontece, duquesa — falou, afinal —, que você desempenha bem demais os seus papéis. Cometeu um grande erro, quando fez com que todos acreditassem que nós dois nunca tínhamos nos visto antes. Não acreditarão na verdade, agora, pois pensarão que me coagiu a dizer que é a mãe de Richard.

Ann empalideceu. Estivera tão determinada a provar que Richard era seu filho, que simplesmente não vira tal impossibilidade. A morte de Hester, a luta e a angústia que ela enfrentara, evitando ir para a cama com Nate e, depois, a humilhação que sofrerá por ter agido como uma prostituta, tudo isso fora por nada. Até mesmo sua fuga de Matthew falhara. Matthew tinha razão. Nada mudara. Ann estava de volta ao ponto em que começara. Os homens a tinham onde queriam que ela estivesse. Matthew poderia continuar a fazer ameaças, sempre que estivessem sozinhos. Nate conseguira exatamente o que desejava.

Ann apanhou as roupas e começou a se vestir.

— Quero voltar para casa.

Nate reconheceu os sentimentos que se mostravam com tanta clareza no semblante de Ann, e não teve dificuldade de imaginar os pensamentos que lhe cruzavam a mente. Pensou em tomá-la nos bra­ços e oferecer-lhe conforto contra suas preocupações e medos, mas no momento, ela não o queria. E tinha todo direito de estar nervosa.

Cavalgaram em silêncio, ambos mergulhados em seus próprios pensamentos. Quando deixaram os ca­valos no estábulo, Ann encaminhou-se para casa so­zinha. Sua postura era rígida, e sua determinação parecia de pedra. Ao se aproximar da casa, viu o ganso perseguindo algumas galinhas que haviam escapado do galinheiro.

— Nate — chamou em tom pouco amigável ― tem visto sir Drake, ultimamente?

— Não.

— Estranho. Ninguém o viu.

― Provavelmente, encontrou um coiote fêmea no cio. Vai aparecer em breve.

Nate disse a si mesmo que, na primeira oportu­nidade iria à procura do cão. Esperava que sir Drake não houvesse se metido em algum tipo de encrenca, da qual não tivesse competência para sair.

— Não pode fugir de seus sentimentos, duquesa — disse, observando-a afastar-se.

— Veremos. Nate riu.

 

Duas noites depois, Ann andava de um lado para outro, em seu quarto mal ilu­minado, ardendo de desejo de fazer amor com Nate. Mesmo depois de ele a ter usado de todas as maneiras mais desprezíveis, naquela noite, na sala, ela tivera de lutar contra o impulso de tocá-lo. Queria sentir os lábios dele a devorá-la... seus corpos unidos.

Foi até a cômoda a lavou o rosto com água fria. Não permitiria que isso acontecesse. Ergueu a camisola e passou as mãos molhadas pelo ventre, na tentativa de livrar-se do calor que a consumia. Não pertencia a Nate, nem o queria. Tinha um filho para criar e já era tempo de voltar a se concentrar no seu propósito ali, em vez de passar o tempo todo pensando em um homem que não merecia sua atenção.

Gotas de suor cobriram seu rosto, assim que ela se atirou na cama. Estava vivendo em um inferno, criado por ela mesma. Não. A culpa era de Nate. Nada disso teria acontecido, se ele a houvesse deixado em paz.

A porta do quarto abriu-se de repente.

— Você é a criatura mais teimosa que já conheci — Nate rosnou, aproximando-se da cama de Ann.

— Saia do meu quarto! — ela ordenou, permitindo que o orgulho falasse em seu lugar.

Porém, seu desejo ainda imperava. O peito de Nate apresentava-se nu, e ela duvidava que houvesse qualquer outra peça de roupa por baixa da calça que ele vestia.

Embora o lampião estivesse quase se apagando, Mate reconheceu a paixão nos olhos dela.

― Acho que não vou sair — falou, tomando-a nos braços e se dirigindo para a porta. — Eu a possuiria aqui mesmo, agora, não fosse por Richard e Blossom.

― Não! — Ann persistiu, apesar dos arrepios que percorriam seu corpo. Afinal, Nate fora buscá-la!

À medida em que ele a carregava pelo corredor, o corpo de Ann foi se moldando ao dele. Enterrando o rosto no pescoço dele, inspirou o perfume másculo que já lhe era tão familiar. Como poderia ter sequer pensado que seria capaz de resistir a ele? Desejava-o mais do que nunca. Estar nos braços dele já tornava a paixão quase dolorosa. Seu corpo estava molhado de suor, latejando de desejo.

Nate entrou em seu quarto e fechou a porta com o pé.

Ann fitou-o nos olhos, esperando, precisando sentir os lábios dele nos seus. Nate, porém, tomou-lhe um mamilo entre os lábios, mordiscando-o através do tecido fino da camisola. Com um gemido, Ann arqueou o corpo, a fim de lhe permitir melhor acesso. Enrascou os dedos nos cabelos dele, e fechou os olhos, esquecendo-se das razões pelas quais havia decidido negar-lhe seu corpo. Não havia nada que desejasse mais do que se sentir completa, e isso, só Nate era capaz de lhe proporcionar. Nate acomodou-a na cama. Enquanto ele tirava a calça, Ann livrou-se da camisola com gestos impa­cientes, ansiosa para sentir o corpo dele colado ao seu.

Nate deitou-se ao seu lado. Na outra noite, ele havia transformado uma gatinha em tigresa. Embora soubesse que Ann estava pronta para recebê-lo queria ver a tigresa em ação, mais uma vez. Beijou-a, e acariciou-a, nos pontos onde sabia que a sensibilidade dela era maior.

— Nate — ela chamou, ofegante —, quero você

— Antes, quero sentir sua pele macia, sua boca doce.

— Mas...

Ele continuou a beijá-la e acariciá-la.

— Só vou parar quando seu corpo estiver gritando por mim. — Mordiscou-lhe o ventre, ao mesmo tempo em que seus dedos deslizavam pela parte interna da coxas dela. Então, voltou a beijá-la na boca, colando o corpo ao dela. — Quero ouvir você pedir por favor

— Por favor — Ann murmurou com voz trêmula.

Nate mordiscou-lhe o lábio inferior, mas não ,a beijou. Já atordoada pela paixão, ela começou a me ver os quadris, tentando obter o prazer que fosse possível da mão que ele mantinha entre suas costas. Ao mesmo tempo, cobria o corpo de Nate de beijos Também o estava levando aos limites da resistência.

— Diga que nunca mais ficará longe de mim — Nate murmurou com dificuldade.

Ann sacudiu a cabeça.

— Nunca mais!

Nate rolou e deitou-se de costas. Não estava apenas enlouquecendo Ann. Ele mesmo já quase não podia se controlar. Riu, deliciado, quando Ann se posicionou sobre ele, recebendo-o dentro de si. A chama que ardia em suas entranhas havia se transformado em uma fogueira devastadora. Ann parecia possuída e determinada. Ela era tudo o que ele sempre sonhara encontrar em uma mulher.

― Ah, como você é deliciosa! — Nate sussurrou.

Ela mantinha as costas arqueadas, os seios empinados para a frente, como se fizessem um convite irrecusável aos seus lábios. A boca entreaberta, os olhos fechados, Ann continuava girando os quadris. Nate sentou-se, penetrando-a mais profundamente.

― Nate! — ela gritou, passando os braços em torno do pescoço dele.

Para delícia de Nate, ela o beijou com paixão, sem jamais para de mexer os quadris.

— Sentiu minha falta, ontem à noite? — ele per­guntou entre beijos, a voz enrouquecida.

— Eu... pensei que... ia... enlouquecer... Queria tanto... ter você...

Nate já não podia mais se controlar, e já ouvira o que queria ouvir. Ann era sua, de corpo e alma. Deitou-a de costas. Ela o enlaçou com as pernas. Juntos, subiram às nuvens, como duas águias en­voltas em magia.

Mais tarde, Ann observou Nate atravessar o quar­to, nu, para apanhar dois copos de água. Ele lhe dissera que nunca usava roupas de dormir, nem mesmo no inverno. Depois de ajeitar os cabelos com a mão, lavou o rosto com água da jarra. Em momento algum, Ann desviou os olhos dele.

— Você deveria ter me avisado que não diria a ninguém que Richard é meu filho — Ann falou, depois de terem bebido água. Nate voltara para a cama. — Você me forçou a vir para a sua cama, acreditando...

Ele riu.

— Tenho fama de não conhecer limites, em se tra­tando de conseguir o que quero. — Afagou os cabelos dela. — Eu estava disposto a fazer qualquer coisa para tê-la em meus braços. E não vou dizer que estou arrependido. Faria tudo de novo, se fosse necessário Ann sentiu o pulso acelerar. Seriam aquelas palavras, uma declaração de amor? Não, ela estava fantasiando. Por outro lado, era possível que ele pudesse aprender a amá-la.

— Nate, por que não vai para a Inglaterra comigo?

— Por que você tem de voltar para a Inglaterra? Por que não pode ficar na América?

— Richard tem de ser proclamado duque de Gravenworth.

— O dinheiro e o poder ainda são tão importantes para você?

Ann virou-se para encará-lo.

— Dinheiro e poder não têm nada a ver com isso, Nate. — Aconchegou-se a ele e passou um braço sobre o peito largo. — Você disse que me conhece muito bem. Pode ser verdade, mas a mulher que você conhece na América não é a duquesa de Gra­venworth. Nate, desde que nasci, fui educada para conhecer todas as minhas obrigações. Também aprendi que elas são mais importantes que tudo mais. Meus desejos vêm em segundo lugar. Aceitei tais obrigações, quando me casei com Edmund.

Ann ergueu os olhos.

— Nate, não compreende o que estou dizendo? Não posso dar as costas a todos os vassalos por quem sou responsável. Quando Richard crescer, vai ter de arcar com as mesmas responsabilidades.

Nate permaneceu em silêncio, e Ann voltou a se deitar. Deveria ter esperado mais um pouco, para discutir seu retorno à Inglaterra. Por mais que hou­vesse tentado se convencer a ficar na América, sabia que não havia escolha. Tinha de voltar. Tratava-se de um direito de nascimento.

 

Ná tarde seguinte, Nate e Ann saíram para um passeio a cavalo. Assim que se viram longe de olhares curiosos, fizeram amor.

Para surpresa e delícia de Nate, Ann havia se livrado por completo de suas inibições. Entregou-se para ele com a liberdade da paixão, sem sequer he­sitar em admitir quanto o desejava e precisava dele. Ela queria aprender e experimentar tudo. Divertiu-se correndo pelo mato, nua. Antoinette Huntington havia descoberto uma vida inteiramente nova.

Durante as horas que se seguiram, Nate e Ann fizeram amor ardente, deitados na grama. Quando não estavam fazendo amor, conversavam.

— Seus pais ainda estão vivos? — Ann perguntou.

— Não. Meu pai morreu quando eu tinha dezes­sete anos. Eu estava voltando do enterro da minha mãe, quando embarquei no trem, em Nova York. Conte-me sobre seus pais.

— Minha mãe morreu quando eu tinha sete anos. A tristeza foi enterrada há muito tempo, juntamente com as lembranças. Meu pai é um homem alto, muito atraente e cobiçado por diversas mulheres. Tenho um irmão, dois anos mais velho que eu.

Lembranças doces provocaram um sorriso em seus lábios.

— Quando era menina, estava sempre escapando, só para poder seguir Piers, o que o deixava furioso. Como ele continuasse a insistir que eu era jovem de­mais para acompanhá-lo, tornei-me decidida a provar que era tão boa quanto ele, em tudo o que ele fazia.

Ann riu com prazer.

— Meu pai não ficava nem um pouco satisfeito com minhas maneiras de moleque. Convencido de que eu deveria me comportar como uma pequena dama, vivia mudando de professoras e babás. Mais de uma vez, ameaçou mandar-me para um convento se eu não começasse a agir da maneira correta.

— Gostaria de tê-la conhecido, então — Nate murmurou, apertando-a contra si. — Tenho um tio, em San Francisco. Há alguns anos, ele me deu um conselho

— O que ele disse?

— Advertiu-me para ter cuidado com as mulheres. Especialmente, as inglesas.

Beijou-a longamente.

— Não acredito que ele tenha dito isso — Ann protestou, ligeiramente ofegante.

— Nunca fui muito bom em seguir conselhos.

Ao longo das semanas que se seguiram, Ann e Nate aproveitavam toda oportunidade que surgia para ficarem sozinhos. Por enquanto, Ann não pre­cisava se preocupar com Matthew. Ele continuava fechado em seu quarto, tentando superar as crises de espirros, a coriza e inflamação nos olhos.

Na maioria das vezes, Ann e Nate faziam amor nas antigas residências dos índios, um lugar que Ann adorava. Passavam as noites no quarto de Nate Ann estava sempre preocupada com a possibilidade de serem apanhados, enquanto Nate parecia não dar a menor importância a tal perigo.

O tempo, porém, corria.

Ann não suportava a idéia de deixar Nate. Ama­va-o demais para perdê-lo. Mesmo assim, em breve, ela e Richard teriam de partir para a Inglaterra.

Por mais que tentasse, Ann não conseguia fazer Nate compreender que muita gente dependia dela, e que seu pai tinha suas próprias responsabilidades, e não poderia cuidar dos vassalos e obrigações dela, além dos dele.

 

No fim da semana, quando ela e Nate recupera­vam-se de mais uma sessão de amor e paixão na velha tribo dos índios, Ann decidiu voltar ao assunto. Sabia que Nate não queria falar sobre isso, mas ela se sentia incapaz de ignorar uma questão tão importante.

Ann sentou-se e olhou para o homem que amava. Nate passou um dedo por seus seios nus, em um gesto provocante.

— Eu já lhe disse que seus seios são perfeitos? O orgulho tomou conta de Ann. Tanto quanto Edmund a fizer sentir-se feia, Nate fazia com que se sentisse uma rainha. Ele a puxou para si e beijou-lhe os seios.

— E gostosos, também — acrescentou.

— Pare com isso — Ann pediu com um sorriso, antes de se afastar e endireitar-se. — Tenho algo a discutir com você.

Nate riu.

— Certo. O que quer conversar?

— Eu não lhe disse que, na Inglaterra, você poderá ter tudo o que quiser.

Nate gemeu e deitou-se de costas.

— Nate, estou tentando, de todas as maneiras, convencê-lo a ir comigo.

— Já tenho tudo o que quero — ele retrucou. Nate estava enfrentando uma grande batalha com seus próprios demônios. Nunca amara uma mulher com tamanha intensidade, e isso o assustava.

— Aparentemente, compreendi mal a situação. — Ann olhou em volta, tentando controlar os sen­timentos. — Não me dei conta de que era tão in­gênua. Pensei... — Baixou os olhos para o chão. — Você tem razão. Não daria certo. Meu pai insistiria para que nos casássemos.

Ann limpou a garganta. O silêncio de Nate era insuportável.

— Desculpe-me. Embora você nunca tenha pro­nunciado as palavras, achei que me amava.

Virou-se de costas para ele, lutando para conter as lágrimas que ameaçavam explodir. Aquele era Diablo. Como podia ter imaginado que, mesmo sendo amantes, ele estivesse apaixonado por ela? Sentiu-se embaraçada, magoada. Queria morrer.

— Eu deveria saber que...

Nate tomou-lhe as mãos entre as suas.

— Não tem de que se desculpar, meu anjo. Puxou-a para si.

— Acabo de fazer papel de tola e... acho que deveríamos...

— Ann, eu amo você. Demorei um pouco para me dar conta disso. Comecei a questionar meus motivos para levá-la para a cama, depois de tê-la encontrado inconsciente e gelada, à margem do riacho. Eu teria sido capaz de matar qualquer homem que tentasse afastá-la de mim, naquela noite.

— Teria feito isso? — Ann indagou, de olhos arregalados.

— Em um piscar de olhos.

— E agora? Nate riu.

— Agora, sou ainda mais perigoso.

— Acho que me apaixonei por você, na primeira vez em que o vi.

— Quanto você me ama? — Nate perguntou com seriedade.

— Está me pedindo para provar o meu amor?

— Fique comigo, na América.

— Você sabe que não posso fazer isso — ela falou. — Mas podemos viver juntos, na Inglaterra, poderíamos voltar para visitar a América, sempre que quiséssemos.

Nate sentou-se. Precisava desesperadamente que ela provasse o amor que tinha por ele. Não por dinheiro, nem por poder, ou mesmo por Richard. Por ele.

— Ann, mande a Inglaterra para o inferno. Deixe que Matthew tenha o título que tanto almeja, e fique comigo. Sei que podemos ser felizes, aqui. Richard cresceria como qualquer outro garoto. Não há nada na Inglaterra que vocês não possam ter aqui.

— Não posso.

Ann levantou-se, mais uma vez lutando contra as lágrimas. Nate não compreendera absolutamente nada do que ela tentara explicar.

— Então, faça com que alguém cuide das proprie­dades no seu lugar.

— Está falando em contratar um administrador? Ele poderia acabar ficando com tudo, além de roubar e maltratar meus vassalos. Se me ama como diz, por que não pode ir para a Inglaterra, em vez que querer que eu fique aqui?

— Jamais serei um homem que vive à custa de uma mulher.

— Não! — Ann falou, ansiosa. — Não seria assim. Nate também se levantou.

— Pois eu acho que seria. Começou a se vestir.

— Nate, não seja tão teimoso — Ann implorou. — Não há nada que o prenda nas colônias.

Ele a fitou com olhar repleto de mágoa e suspeitas. Estavam diante de um grande impasse. Nate queria tomá-la nos braços e dizer que iria com ela para a Inglaterra. Mas, antes, precisava ter certeza de que,uma vez chegando lá, ela não fosse decidir que não o amava, que havia simplesmente assegurado a o título de Richard.

— Eu poderia dizer o mesmo. Você não tem nada que a prenda na Inglaterra — ele retrucou.

— Sabe que não é verdade.

— O que sei é que você faria qualquer coisa para tornar uma criança, que nem sequer é seu filho, um duque. Richard é apenas um bebê. Não pode governar seus vassalos. Portanto, não diga que está fazendo isso por ele.

Ann queria dizer que um homem não se tornava duque só porque recebia o título, que tal condição exigia anos de treinamento. Mas, de que adiantaria? Ela se abaixou e apanhou as roupas. Não parecia haver solução para eles.

Depois do jantar, Matthew correu para seu quarto. Danny e Ann foram para a sala de estar, enquanto Nate e Beau sentavam-se na varanda, a fim de to­mar um drinque e fumar um charuto.

— Linda noite —Nate comentou.

— Não é essa a opinião de Matthew. Danny me contou que ele passou horas sentado, inclinado sobre uma bacia de água escaldante, uma toalha sobre a cabeça, inalando o que quer que seja que Thomas pôs na água. A cozinheira contou a Danny que ele até tentou emplastros de mostarda, e tudo mais que lhe foi sugerido.

Nate riu.

— Isso não poderia acontecer com uma pessoa mais merecedora. Infelizmente, ele disse a Ann que já está começando a se sentir melhor.

Beau assentiu.

Nate virou-se para encarar o amigo.

__Sei que está pensando em alguma outra coisa, além de Matthew. Por que não e abre comigo?

— Passei o dia inteiro em meu escritório, e não vi o menor sinal da duquesa, ou de você. Danny confessou que, enquanto Matthew passou a semana toda fechado no quarto, você e Ann saíram para longas cavalgadas, todos os dias.

— Ann não é uma solteirona, guardando sua vir­gindade, Beau. Ela é uma viúva. O que ela faz só diz respeito a ela mesma.

— Como amigo, peço que me conte o que está acontecendo.

Nate fumou seu charuto por algum tempo, antes de voltar a falar:

— Muito bem. Suas suspeitas estão perfeitamente corretas. Eu a seduzi.

— Seduziu ou forçou?

— Isso depende da sua interpretação de forçar.

— Que diabos está dizendo, Nate? Você forçou minha prima, fisicamente, a estar com você?

— Não. Ela se deitou comigo de livre e espontânea vontade.

Beau passou a mão pelos cabelos. Sentia-se per­dido com relação ao que Nate estava lhe contando.

— Está dizendo que ela gosta de ter amantes.

— De jeito nenhum.

— O que é, então? Estamos participando de um jogo de adivinhações?

— Só não gosto de conversar sobre isso. Eu a seduzi, mais o tiro saiu pela culatra. Estou apaixonado.

Nate não esperava a sonora gargalhada que Beau foi incapaz de conter.

— Ah, isso vai deixar Danny muito feliz — Beau conseguiu falar, após alguns instantes. — Ela veio dizendo, desde o primeiro dia, que vocês dois formam o par perfeito. Então, o infame Diablo finalmente caiu nas garras de uma mulher!

Ele não podia parar de rir.

Um sorriso curvou os lábios de Nate.

— Não sei que motivo você tem para rir tanto. Danny fez o mesmo com você.

— Não percebe? É justamente aí que está a graça. Mais um bom homem caiu na mesma armadilha que eu! — Beau encarou o amigo. — Pediu Ann em casamento?

— Não.

— Sei que é um homem adulto, e que sabe o que faz da própria vida, mas deixe-me dar um conselho, Nate. Não permita que Matthew o impeça de tomar posse do que é seu. Por causa do meu maldito orgulho, quase perdi Danny para outro homem. Felizmente, não demorei muito a recuperar o bom senso.

— Não foi Matthew quem me impediu de tomar uma decisão definitiva.

Beau franziu o cenho. Uma coruja piou três vezes, o que nunca era um bom agouro. Algo estava prestes a acontecer e, certamente, não seria uma coisa boa.

— Então, Ann foi o motivo de sua vinda para cá? Nate assentiu.

— Acontece que temos dois problemas. O primeiro é que ela está determinada a voltar para a Ingla­terra. Em segundo lugar, não estou certo de que ela me ama. Talvez apenas pense que me ama.

— Você é um homem muito desconfiado, mas eu também era assim.

Nate sorriu.

— A minha desconfiança já faz parte de mim.

Um amigo colocou a questão de maneira muito clara. Trata-se de um problema causado por raízes amargas.

― Já que parece estar com disposição para con­versar, esta noite, importa-se de me contar como você e Ann se conheceram, antes de virem para cá?

Nate riu. Não estava surpreso pelo fato de Beau ter percebido a ligação.

— Não estou com tanta disposição para conversar.

— Mas admite que já se conheciam.

O sorriso de Nate tornou-se mais largo.

— Prometo falar sobre isso, daqui uns dois anos.

Beau sabia que de nada adiantaria tentar per­suadir o amigo a contar sua história.

— Recebi outro telegrama daqueles compradores, em Chicago.

— E?

— Decidi ir até lá, para conversar com eles. Que­rem comprar gado para criação. Ao que parece, estão interessados em ter sua própria fazenda de gado.

— Quanto tempo vai ficar fora?

— Duas semanas, no máximo. Posso contar com você, para cuidar de tudo, por aqui?

Nate assentiu, antes de terminar seu drinque.

 

Sentindo-se finalmente melhor, depois de muitos dias de desconforto, Matthew saiu a cavalo, a fim de verificar como sir Drake estava passando, e de se certificar de que Tex havia alimentado o cachorro da maneira adequada.

Depois de amarrar seu cavalo em uma árvore, Matthew caminhou até a gaiola. Observou sir Drake correr pelo espaço reduzido, deitar-se e, então, fazer tudo de novo. O cão parecia ansioso. Seus olhos es­tavam vermelhos, e seu apetite era estranho. Ele se recusara a comer a comida que havia sido dada, mas devorava as próprias fezes com aparente prazer. Não havia a menor dúvida de que a raposa que o mordera havia lhe transmitido a raiva.

Matthew perguntou-se se haveria um meio de usar isso em benefício próprio, mas descartou a idéia assim que ela lhe ocorreu. Alguém teria de pôr um fim ao sofrimento do animal, mas não seria ele. To­dos sabiam que sir Drake não gostava dele e, sem dúvida, o acusariam de assassinato.

Matthew montou seu cavalo e voltou para casa. Em­bora também não gostasse do cachorro, não havia mo­tivo para deixá-lo sofrer por mais tempo. Provavelmen­te, quando chegasse em casa, Beau já teria retornado de sua súbita viagem e Chicago. Do contrário, Danny teria de oferecer uma solução para o problema.

Logo depois de entregar seu cavalo ao cavalariço, Matthew correu para casa.

—- Nelly — chamou a criada que lhe fizera com­panhia na noite anterior. — O sr. Falkner já voltou?

Nelly soltou uma risadinha nervosa.

— Não, senhor. Devo ir ao seu quarto novamente, esta noite?

— Não quero ser incomodado, agora — ele ad­vertiu. — Se eu a quiser, mandarei buscá-la. Onde está a duquesa?

— Acho que está no quarto do filho — Nelly res­pondeu, fazendo beicinho.

— E sua patroa?

— Ela e Diablo estão lá fora, mas não sei exata­mente onde.

— O nome dele não é Diablo!

Matthew deixou a casa. Depois de perguntar a vários empregados, um deles lhe disse que Danny e Diablo estavam no estábulo. Matthew cerrou os dentes. Muito em breve, não teria mais de ouvir aquele nome.

Entrou no estábulo magnífico, capaz de competir com qualquer um dos que ele conhecia na Inglaterra. Foi caminhando pelo corredor largo, espiando em cada baia. Alguns dos cavalos punham a cabeça para fora, curiosos. Outros não davam a menor impor­tância à sua presença. Inspirou os odores familiares de couro e feno. Lembrou-se de seu próprio estábulo e, de repente, viu-se invadido por um forte desejo de voltar à Inglaterra. Onde estaria Chico? O sujeito já tivera tempo de sobra para localizar uma dúzia de capitães dispostos a participar de seu plano. Ao passar pela baia de Star, franziu o cenho. De um jeito ou de outro, encontraria o proprietário daque] montaria e ofereceria um preço irrecusável. Ao ouvir o riso de Danny, apressou o passo.

— Ela é tão linda! — Danny riu de novo. — Nate já viu um animal tão perfeito?

Matthew alcançou a baia de grandes proporções Danny, Nate e vários caubóis admiravam a nov potranca, que tentava se pôr de pé, sobre perna trêmulas, e logo voltava a cair. A mãe a encorajava, a tentar novamente.

— Esta é, realmente, uma ocasião para festejar. Todos se viraram, a fim de saber quem fizera tal comentário.

— Infelizmente — Matthew continuou —, sou for­çado a interrompê-los. Danny, preciso falar com você, em particular.

— O assunto não pode esperar? — Nate inquiriu.

— Não.

O tom solene de Matthew convenceu Danny de que ela deveria acompanhá-lo, embora se ressentisse da interrupção. Quando Beau retornasse de Chicago, ela tentaria, mais uma vez, persuadi-lo a fazer Mat­thew partir.

— O que é tão importante, Matthew? — Danny perguntou com impaciência, quando ficaram a sós.

— Sir Drake pegou raiva. Danny fitou-o, incrédula.

— Todos estão procurando por ele — murmurou.

— Tem certeza? — Nate inquiriu.

Matthew ergueu os olhos, surpreso e furioso, pois não se dera conta de que Nate tivera a audácia de segui-los.

Danny deixou-se cair sobre um pacote de feno.

— Isso é terrível! Kit vai ficar arrasado, mas cuidarei disso. Ann, por outro lado... Ela acredita que sir Drake salvou a vida dela.

― Falarei com ela — Nate decidiu. — Então, irei ver o cachorro.

Danny sacudiu a cabeça.

— Não. Vá cuidar de sir Drake. Se ele realmente pegou raiva, terá de pôr fim ao sofrimento do po­brezinho, não é?

Nate assentiu.

— Falarei com Ann — Danny garantiu, antes de olhar para Matthew e surpreender-se com o ar preo­cupado em seu semblante. — Devemos a nossa gra­tidão. Não quero nem pensar no que poderia ter acon­tecido, se você não houvesse reconhecido os sintomas.

— Fico muito satisfeito por ter podido retribuir, de alguma maneira, a sua generosa hospitalidade. — Depois de explicar a Nate como chegar no pasto onde se encontrava a gaiola, Matthew disse: — Ago­ra, se me derem licença, vou até a varanda, para tomar o meu chá.

Assim que Matthew se afastou, Danny encami­nhou-se para casa, com passos muito lentos. Preci­sava de tempo para pensar em como dar a triste notícia a Ann.

Matthew bebericou o chá que Thomas havia pre­parado, e mordiscou um biscoito. Qualquer idiota perceberia que Ann e Nate estavam tendo um caso. Se ele conseguisse descobrir onde Beau guardara a carta de Nate, o salteador seria um homem morto. No entanto, Matthew já havia procurado no escri­tório de Beau, e Thomas praticamente revirara os aposentos de Beau e Danny, e nenhum dos dois não havia encontrado nada.

Retirou a tampa do bule e se serviu de mais uma xícara de chá. Com Beau viajando, aquele seria o mo­mento perfeito para colocar seu plano em prática. Ann ficaria arrasada com aquela nova catástrofe e, por isso, não criaria maiores problemas. Não podia mais esperar por Chico. Era evidente que o mexicano havia fugido com o dinheiro. Mas, com a ajuda de Tex...

— Como se atreve! — Ann acusou-o, assim que atravessou a porta de vidro. — Mentiras! Só men­tiras! — Ela marchou diretamente par onde Matthew se encontrava e esbofeteou-o. — Como pôde fazer isso? Sabe muito bem que não há nada errado com sir Drake. Tudo o que quer é me atingir!

Danny, que seguira Ann até a varanda, prendeu a respiração. Quando Matthew se levantou, ela pôde ver a fúria contida nos olhos do inglês.

— Já chega, Ann — ele ordenou.

— Nunca mais tente me dar ordens. Você não tem autoridade, não tem título e... — Ann respirou fundo, tentando recuperar o controle. — Se Nate matar sir Drake, cuidarei para que você seja... — Seu rosto iluminou-se de súbito, ao mesmo tempo em eu seus olhos pousavam em um ponto além do ombro de Matthew. — Ah, meu pobre sir Drake — murmurou, e percebendo o estado precário do ca­chorro, perguntou: — O que ele fez com você?

Matthew virou-se. De alguma maneira, sir Drake havia escapado de sua gaiola. Espumava pela boca e latia para tudo e para todos. Matthew adiantou-se, empurrando Ann, justamente quando ela estendia a mão para afagar o cachorro. No mesmo instante, sentiu os dentes afiados cravarem-se em sua perna.

Nate voltou a galope, a fim de informar a todos que sir Drake havia desaparecido. Assim que infor­masse Ann e Danny, reuniria todos os empregados para procurar pelo cachorro. Entrou na varanda no exato momento em que Matthew empurrava Ann, sir Drake mordia-lhe a perna. Nate logo viu o sangue na calça de Matthew. Sacou sua pistola e atirou no cachorro. Ann cobriu os lábios com a mão, ao mesmo tempo em que empalidecia. Danny per­maneceu imóvel, aparentemente sem voz.

— Exijo que me mate, também — Matthew de­clarou em voz baixa, dirigindo-se a Nate. — Um homem não deve ser submetido a tal sofrimento, antes de encontrar a morte.

— Não — Danny interferiu. — Ele não pode fazer isso. Não podemos saber, com certeza, se você foi infectado.

— Compreendo. — Com a dignidade pomposa de um nobre, Matthew encaminhou-se para a porta de vidro. — Então, tranquem-me na velha prisão, no bosque, amanhã.

— Pode ficar em seu próprio quarto — Danny insistiu.

— E o que vai acontecer se eu começar a morder tudo o que aparecer ná minha frente? Acha que eu teria a força de vontade de permanecer em meu quarto?

— Em primeiro lugar, pedirei que cuidem de sua perna.

— Receio, minha cara, que eu mesmo terei de cuidar disso. Ninguém deve tocar em meu sangue.

— Muito bem — Danny finalmente concordou. — A prisão não é usada há anos, mas pedirei que a limpem e preparem, da melhor maneira possível. Trata-se de uma construção antiga, e o chão é de terra batida. Tem certeza de que não prefere ser trancado em seu quarto?

— Absoluta.

Ann limitou-se e ficar ali, parada, ouvindo. Tudo aquilo estava acontecendo por sua culpa. Se hou­vesse tentado ouvi-lo, em vez de acusá-lo...

— Matthew — finalmente encontrou a voz —, uma vez, eu o chamei de covarde. Estava errada.

— Você errou em muitas coisas, minha cara, mas se eu fosse um homem corajoso, tiraria a minha própria vida.

Quando chegou de viagem, Beau encontrou Mat­thew trancado na velha prisão. Foi Nate quem lhe contou o que havia acontecido. No mesmo dia, Danny entregou uma carta a Matthew. Assim que ela saiu, ele abriu o envelope e leu o conteúdo. A caligrafia era horrível, e as palavras apresentavam erros gros­seiros, mas não foi difícil decifrar a mensagem: "Asei capitão. Esta tudo serto. Sabe onde mi ecotrar. Chico."

A risada amarga de Matthew ecoou nas paredes de pedra. Chico voltara tarde demais.

A medida que os dias foram passando, Ann foi se fechando mais e mais consigo mesma. Suas dores de cabeça eram impiedosas, e os pesadelos, insuportáveis. Recusava-se a sair de seu quarto e não recebia nin­guém, com exceção de Blossom e Danielle. Nem sequer cogitava a possibilidade de estar com Nate.

Danny tentou convencê-la de que nem Nate, nem qualquer outra pessoa, a culpava pelo que havia acontecido, mas Ann continuou irredutível. Era ela quem não conseguia livrar-se do sentimento de cul­pa. Se ela não houvesse saído para aquele passeio, sir Drake não teria confrontado a raposa, e Matthew não teria sido mordido. Mesmo depois das acusações terríveis que ela lhe fizera, ele sacrificara a própria vida para salvar a dela.

Embora Danny a mantivesse informada sobre as condições de Matthew, a certa altura, ouvir relatos sobre a saúde dele já não a satisfazia. Ann precisava ver por si mesma que, até então, ele não apresentara nenhum sintoma da doença.

— Matthew? — Ann chamou-o, ao chegar na velha prisão.

Ouviu um ruído no fundo da cela.

― Matthew? — repetiu.

A cama ficava nas sombras, impossível de ver, estando fora da grade.

— Você esperou um bocado para me fazer uma visita. A menos que eu tenha me enganado na conta, este é o décimo-terceiro dia que estou fechado neste maldito buraco. Os outros têm me visitado duas ve­zes ao dia. Por que você não veio?

Ann segurou as grades com força.

— Descobri que não seria capaz de continuar a conviver comigo mesma, se não o agradecesse por ter salvo minha vida, e se não lhe dissesse que sinto muito por ter causado este infortúnio.

— É verdade? "Infortúnio" não é a palavra mais adequada para descrever a minha aflição. Seria mais correto dizer que, já que tudo indica que vou morrer, agora você está disposta a me dedicar uma palavra de conforto, e até mesmo a demonstrar certa com­paixão. — Ele saiu das sombras. — É muita gene­rosidade sua. E, acima de tudo, quer o meu perdão.

— Não posso culpá-lo por estar amargurado. Deve ser terrível ficar trancado aqui, dia após dia, esperando.

Ann procurou por sinais de loucura. Mesmo na­quele lugar horrível, as roupas de Matthew apre­sentavam-se impecáveis, ele havia se barbeado e os cabelos estavam bem penteados. Parecia cansado, mas isso seria de se esperar.

— Matthew, não acreditei que sir Drake houvesse contraído raiva. Achei que você havia inventado a história. Eu jamais desejaria tamanha tragédia para quem quer que fosse.

— Por favor, diga-me, por que eu inventaria uma coisa assim?

— Você conhece a resposta. Como me recusei a deixar Richard e partir para a Inglaterra com você, achei que estava se vingando de mim.

— Ainda acredito que você está cometendo um grave erro, não seguindo o meu conselho, mas não há mais nada que eu possa fazer. Você venceu a batalha, Ann. O bastardo vai se tornar duque de Gravenworth.

Ann não se sentia nem um pouco vitoriosa.

— Talvez você não tenha sido contaminado pela doença.

— É possível, mas improvável.

— Danny me disse que você não apresentou ne­nhum sintoma, até agora. Beau mandou buscar o médico, em Prescott, mais uma vez. Como você deve saber, o médico da família está acamado, sofrendo de gota. Beau ordenou aos seus homens que, desta vez, terão de trazer um médico, independente de quanto ele proteste.

— E o que um médico pode fazer por mim?

— Não podemos perder a esperança. Thomas está providenciando tudo o que você precisa?

— Sim. Entrega-me tudo o que peço, através de um longo pedaço de madeira. Tem medo de se apro­ximar de mim. Por que essa preocupação repentina, Ann? Por que está aqui, afinal? Certamente, não espera que eu acredite que veio me ver por pura preocupação, ou para pedir perdão.

Ann abaixou a cabeça.

― Não. Esses não foram os únicos motivos de minha visita — admitiu, voltando a erguer os olhos, quando imagens das campinas inglesas se formaram em sua mente. — Por favor, Matthew, eu preciso saber. Quem matou Edmund? Você ou eu?

O olhar duro de Matthew sustentou o dela pelo que pareceu uma eternidade.

— Fui eu. — Ele fingiu retirar um cisco da lapela do paletó. — No momento em que vi você largar o rifle e notei a expressão de horror em seu rosto, percebi que você acreditava ter cometido o crime. Analisei a situação rapidamente, e usei a sua dúvida em meu benefício. O amor leva um homem a fazer coisas muito estranhas.

— Amor? Você nunca me amou.

— Sempre. Vou morrer, Ann — ele disse com um toque de ironia. — Não haveria razão para eu men­tir, agora.

Ann perguntou-se como, durante todos aqueles anos, nem sequer desconfiara de nada.

— Não me agrada incomodá-lo, Matthew, mas você é a única pessoa que tem as respostas para perguntas que me atormentam há muito tempo. Pos­so perguntar outra coisa?

— Sinta-se à vontade. Em sua próxima visita, talvez eu não esteja em condição de responder.

Ann hesitou, tentando encontrar as palavras certas.

— Você sabe por que Edmund me odiava tanto? Por que ele me batia, quando nunca ergueu a mão para Hester? Fui uma decepção tão grande, que ele não suportava a minha existência?

Matthew suspirou profundamente, antes de se adiantar e pousar as mãos sobre as dela.

— Acho que Edmund a amava... tanto quanto ele era capaz de amar alguém.

— Como pode dizer isso?

— Ele não sabia como demonstrar o amor que sentia. Foi ensinado que essas coisas são sinais de fraqueza, em um homem. Batia em você por causa dessa fraqueza, e porque você nunca permitiu que ele a dominasse.

Uma lágrima escapou dos olhos de Ann. Final­mente, conhecia a verdade. A culpa nunca fora sua.

— Você nunca rastejou diante de Edmund.

— Como você?

Matthew retomou sua atitude arrogante.

— E muitos outros. Ao menos, fiz com que ele acreditasse nisso. Eu gostava das conveniências que minha posição me proporcionava, e estava mais que disposto a conviver com a loucura de meu primo.

Ann deu-se conta de que nunca chegara a conhecer o verdadeiro Matthew. Seria sua postura pomposa apenas uma fachada, uma máscara atrás da qual ele se escondia?

— Assassinou Edmund pelo título?

A gargalhada repentina e cruel assustou-a.

— Você não disse que tinha mais uma pergunta. Ann tentou retirar as mãos da grade, mas ele se recusou a soltá-las.

— Não lhe ocorreu que, seu eu morder sua mão, você será colocada aqui dentro, comigo? Pense nisso. Ficaríamos juntos pela eternidade.

Aterrorizada, Ann tentou pensar em um meio de forçá-lo a libertá-la.

— Você ia me contar por que matou Edmund. Matthew riu baixinho.

— Mais uma vez, você errou em seu julgamento Não planejei matá-lo. No entanto, já que insiste em saber, eu o matei por sua causa, minha cara.

No momento em que ele retirou as mãos de cima dela, Ann fugiu.

Naquela tarde, um médico foi levado à fazenda. Danny informou Ann de que o velho mantivera-se apático, afirmando que nada poderia ser feito por Matthew. Ele também dissera que os sintomas po­deriam demorar até cinqüenta dias para aparecer. A depressão, inquietação e fadiga que Matthew de­monstrava poderiam ser sinais, mas também pode­riam ser meros resultados das circunstâncias em que ele estava vivendo. Recusara-se a sequer chegar perto de Matthew e insistira para ser levado de volta à cidade, imediatamente. Seu desejo fora atendido.

As mesmas explicações não poderiam ser usadas para justificar a febre e a agitação que surgiram, dois dias depois. Matthew contraíra raiva. A doença já começava a afetar-lhe os nervos.

Ao que parecia, quanto pior se tornava o estado de Matthew, mais a saúde de Ann declinava. Ela fora a culpada pelas mortes de Edmund e de Hester e, agora, Matthew seria acrescentado à lista.

Ela quase não comia, e sua perda de peso era visível. Recusava a receber até mesmo Danny. Suas únicas companhias eram Richard e Blossom. Todos na casa estavam profundamente preocupados. Nate foi buscar outro médico na cidade e, por insistência de Beau, Ann se deixou examinar. O médico não encontrou nenhuma doença nela.

Apesar de preocupado, zangado e amargurado pela rejeição de Ann, Nate atendeu aos desejos dela. No entanto, graças a Blossom, todos os dias ele re­cebia um relatório completo sobre as condições de Ann. Mas, quando o médico afirmou que ela não estava doente, a paciência de Nate chegou ao fim.

No meio da manhã, ele entrou no quarto escuro de Ann, foi até a janela e abriu-a. Então, foi até a cama, onde ela estava deitada.

— Levante-se!

Ann tentou cobrir o rosto com o cobertor, mas Na te puxou-o.

Ficou furioso ao perceber as olheiras fundas sob os olhos verdes. O corpo de Ann era pouco mais que pele e ossos.

— Diabos, Ann! Como pôde fazer isso a si mesma?

— Vá embora.

— Não vou a lugar nenhum, e sugiro que nem tente puxar aquele cordão, para chamar a criada. Pode se levantar, ou terei de carregá-la?

— Por que está fazendo isso? — Ann levou as mãos à cabeça. — Não vê que estou doente?

— Doente? O que você tem? Eu te amo, Ann, e não vou permitir que ninguém tire você de mim, nem você mesma! Quero você fora deste quarto, no sol. Quero vê-la comer, mesmo que você jure não poder engolir absolutamente nada. — Arrancou de vez as cobertas que escondiam o corpo debilitado. — De um jeito ou de outro, vou provar que...

— Nate, vou morrer.

— Eu me recuso a acreditar nisso.

— Tive um sonho, no qual recebi a mensagem de que, se Matthew morresse, eu morreria também. Está acontecendo.

Era triste reconhecer o pavor nos olhos dela.

— Se está acontecendo é porque você está permi­tindo que seja assim, querida.

Nate tomou-a nos braços.

— Posso andar — ela protestou com voz fraca. Nate ignorou-a. Era bom tê-la nos braços de novo.

Carregou-a para fora do quarto, atravessou o corredor e saiu para a varanda. Uma mesa fora arrum­ada, com suco, frutas, mingau e biscoitos.

― Hoje, meu amor, comeremos juntos.

Acomodou-a em uma cadeira e, então, sentou-se na outra.

― Não posso comer nada disso!

― Ficaremos aqui, sentados, e você vai comer, mesmo que leve o dia inteiro para isso.

Danielle e as criadas espiavam da porta, com sor­risos satisfeitos. Se alguém podia salvar Ann, só poderia ser Nate.

Naquela noite, carregando um lampião para ilu­minar o seu caminho, Ann saiu da casa sem fazer o menor barulho. Ouviu os gemidos de agonia de Matthew, muito antes de chegar na prisão. Desta vez, ela não tocou na grade.

— Matthew? — chamou-o.

O odor que vinha de dentro da cela era terrível.

— Ann?

A voz dele não passava de um sussurro.

Ele correu para a grade, provocando um sobres­salto em Ann, que recuou alguns passos. Ela ergueu o lampião. Matthew fechou os olhos vermelhos e tentou esconder o rosto com a mão, mas ela já con­seguira ver o que restava do que, um dia, fora um homem orgulhoso. Ele espumava pela boca, seu rosto apresentava-se contorcido, e seu corpo tremia. Ann voltou a baixar o lampião.

— Sinto muito — murmurou.

— Ann, por favor, ouça o que vou dizer. Estou ficando paralisado, e as convulsões já começaram. Implorei ao médico, a Beau e a Nate, que me ma­tassem. Ann, tenha piedade. Eu lhe peço, acabe com o meu sofrimento. Não me deixe morrer assim.

Ann saiu correndo. Não suportava ver Matthev sofrendo tanto. De repente, parou e apurou os ouvidos. O silêncio era total. Teria ouvido um tiro? Virou-se e correu de volta para a prisão. Mais uma vez, silêncio. Devagar, ergueu o lampião acima da cabeça, iluminando o chão da cela. Matthew estava caído de costas, os braços estendidos, a expressão, pacífica. Levara um tiro entre os olhos.

Apavorada, a cabeça latejando, enquanto imagens medonhas se formavam em sua mente, Ann recuou .O veado... Edmund caindo do cavalo... índios... Hester morta no chão...

Ann largou o lampião e cobriu os olhos com as mãos, tentando bloquear tais visões. — Ah, meu Deus, por favor, me ajude! O rosto grotesco de Matthew... Gritos terríveis rasgaram a noite. Finalmente, Ann caiu no chão, envolta pela escuridão. Inconsciente, não viu as chamas do lampião se alastrarem pela palha e se erguerem dentro da pequena e antiga construção.

 

Entre — Nate falou, ao ouvir a batida na porta de seu quarto. Ficou surpreso ao ver Danny entrar. A expressão no rosto dela indicava problemas. — Vou arriscar um palpite de que sua visita está relacionada com Ann.

— Ela pediu a Beau que tomasse as providências necessárias para que ela, Richard e Thomas voltem para a Inglaterra.

— Compreendo.

Desde o incêndio na prisão, três noites antes, Nate tentara de todas as maneiras conversar com Ann. Ela se recusara a vê-lo, exceto quando havia mais gente por perto. O espírito livre e ousado que ele havia despertado nela, morrera juntamente com Matthew. Agora, havia apenas tristeza nos lindos olhos verdes. Nate sabia que a estava perdendo.

— Ela está na sala — Danny informou-o —, à sua espera.

Ann estava de pé, olhando pela janela. Um raio cruzou o céu, seguido por um forte trovão. Uma tem­pestade parecida se abatera sobre ela, no dia em que decidira voltar a Gravenworth para buscar Hester. Era como um círculo vicioso, como se ela hou­vesse voltado no tempo.

Olhou para a maçã vermelha sobre o prato. Parecia ridícula, uma vez que somente uma mordida fora comida. Ao menos, sua saúde havia melhorado. Graças a Nate. As dores de cabeça e os pesadelos haviam, finalmente, desaparecido. Era patético pen­sar que o pobre Matthew tivera de morrer, para que ela enxergasse o que deveria fazer, mesmo não podendo levar o corpo dele de volta para a Ingla­terra. A prisão fora totalmente queimada, transfor­mando-se em um amontoado de cinzas.

Ann soube o exato momento em que Nate entrou na sala. Embora os movimentos dele não produzis­sem nenhum ruído, ela sempre fora capaz de sentir quando ele se aproximava.

— Você pretendia me contar que pediu a Beau que tomasse providências para a sua viagem, ou eu só deveria descobrir depois que você partisse?

— Planejei contar tudo a você, esta manhã.

— Por que esperou até agora? Sabe onde fica o meu quarto.

Ann virou-se. Ah, ele parecia mais forte e mag­nífico do que nunca, e Ann precisava desesperada-mente sentir aqueles braços poderosos em torno de seu corpo, pela última vez.

— Tínhamos de conversar em um lugar onde não pudéssemos fazer amor. Não consigo raciocinar, quando estou nos seus braços. — Ah, se pudessem recuperar o que partilhavam, antes que sir Drake mordesse Matthew! — Está zangado comigo.

— Ora, por que deveria estar? Seria porque você vai embora, ou porque não me deixou sequer chegar perto de você, desde que Matthew morreu? Como posso ajudá-la, se não me é permitido sequer falar com você? Ann, amor é muito mais que sexo.

―Sei que não fui justa com você, mas tinha de pôr minhas idéias em ordem. Você não poderia ter me ajudado.

―Nem mesmo tive a chance de tentar. Eu sempre disse que somente os tolos se apaixonam. Deveria ter dado ouvidos às minhas próprias palavras.

Ann sentou-se em uma poltrona e fez um sinal para que ele também se sentasse.

— Prefiro ficar de pé — Nate rosnou.

— Nate, tenho algumas coisas a lhe dizer, e não vai ser fácil para mim. Poderia, por favor, sentar-se, em vez de ficar andando de um lado para outro, como um animal selvagem?

Ele permaneceu de pé.

— Eu estava esperando por uma oportunidade de lhe dizer que vou para a Inglaterra com você. Beau me disse que eu jamais compreenderia o que você tentou me explicar, a menos que fosse para lá.

Lágrimas caíram dos olhos de Ann.

— Amo você, Nate, mas não posso levá-lo comigo.

— Ora, minha cara, você sabe muito bem como mudar as coisas a seu favor. — Nate virou-se para a porta, mas de repente, parou e voltou a encará-la. — Está dizendo que, agora, devo sair do seu caminho com toda dignidade, e deixar que se vá? Bem, minha cara, saiba que não estou nem um pouco interessado em agir com dignidade, no momento. Quero entender como você pode me dizer que me ama e, em seguida, afirmar que não posso ficar com você.

Ann encolheu-se. A voz baixa e profunda não dei­xava dúvidas quanto à fúria que tomara conta dele.

— Estou tentando explicar. Se você se sentar... Outro raio cruzou o céu, seguido por mais um trovão ensurdecedor.

Nate afundou-se no sofá e esperou.

— Nate, será que não compreende? Nada disso tem relação com você, ou com o amor que partilha­mos. O problema sou eu, o que eu tenho de fazer. — Seus dedos enroscavam-se na renda do lenço que ela tinha nas mãos. — Preciso me curar.

— Do que está falando?

— Meu sentimento de culpa...

— Se não estou enganado, Matthew confessou que foi ele quem matou Edmund.

Nate continuava se perguntando se o moribundo dissera isso, apenas para tirar o peso da culpa de cima dos ombros de Ann.

— Preciso terminar o que comecei e, também, recu­perar minha auto-estima. Desde a morte de Edmund, uma catástrofe se seguiu a outra. Nem tive a chance de descobrir quem é a verdadeira Antoinette. Tenho de voltar às minhas origens. Inglaterra. Somente lá, e sem a interferência de ninguém, poderei me perdoar pelas mortes que causei. Preciso aprender a gostar de mim novamente. Quer ser feliz pelo que conquistei, em vez de viver infeliz pelo que não consegui realizar. Se ficássemos juntos, agora, eu certamente destruiria o nosso amor. Não quero que isso aconteça.

Nate permaneceu em silêncio. Não queria ouvir o que ela dizia, provavelmente por compreender exa­tamente como ela se sentia.

Ann suspirou.

— Antes de morrer, Matthew confessou ter as­sassinado Edmund. Sabe por que ele fez isso? — Ela não esperou pela resposta. — Por minha causa. Portanto, as mortes de Edmund, Hester e Matthew, estão todas ligadas a mim.

Abaixou a cabeça e secou as lágrimas.

Nate queria tomá-la nos braços e afastar todos os seus problemas, mas sabia que isso só a faria sentir-se ainda pior. Já a perdera, e tal constatação doía mais que qualquer ferimento já sofrido.

— Sou uma assassina, Nate. Não uma vez, mas três.

— Por favor, Ann — ele pediu em voz baixa —, não faça isso consigo mesma. — Passou a mão pelos cabelos, sentindo-se frustrado e impotente. — Ann, você não matou nenhum deles.

— Fui a causa das três mortes.

— Ann, podemos resolver isso juntos. Ela fixou os olhos nas mãos.

— Trata-se de algo que devo fazer sozinha. No estado em que me encontro agora, não sou boa para ninguém, nem para mim mesma. Tenho de aprender a conviver com meus pecados, Nate, e rezar para que Deus me perdoe. Quem sabe, um dia, eu consiga olhar para o amanhã, em vez de passar o tempo todo lamentando o passado, como faço agora. — Er­gueu os olhos para fitá-lo. — Nate, não conseguirei fazer isso sem a sua ajuda. Tem de me deixar partir.

Lentamente, ela se levantou e voltou à janela, lutando contra o desejo de se atirar nos braços dele.

— E quanto a Richard?

Ann observou a chuva que caía lá fora.

— Sei quanto você o ama. Blossom admitiu que você continuou a visitá-lo, todas as manhãs.

— Vou levá-lo comigo e criá-lo à minha maneira — Nate declarou.

Ann virou-se para ele com um sorriso triste.

— Sim, você poderia fazer isso. Também poderia contar a Beau que não sou a verdadeira mãe dele. Mas, se realmente me ama, não permita que tudo o que fiz até agora tenha sido inútil. Deixe Richard assumir o lugar a que tem direito, como duque de Gravenworth.

— É justamente por causa de tudo o que você fez, e tudo pelo que passou, que tenho sérias dúvidas quanto a isso. Você não tem mais com o que se preocupar. Matthew está morto. Sou a única pessoa que sabe da verdade. Uma vez livre de mim, você terá tudo o que considera seu por direito.

— Acha que partir é fácil para mim? Já disse que amo você!

— Ama mesmo? Ou fui o maior tolo em toda essa história?

Com isso, Nate girou nos calcanhares e saiu da sala. Os olhos de Ann encheram de lágrimas.

Naquela noite, Nate encaminhou-se para o está-bulo, levando seu saco de dormir enrolado debaixo do braço. Não informara ninguém sobre sua partida, nem fora visitar Richard. Seria melhor deixar as coisas como estavam.

Demorou poucos minutos para selar o grande ga-ranhão que havia comprado de Beau.

Quando deixou a fazenda, não olhou para trás. Ha­via perdido. Acreditara que nunca deixaria Ann ir embora, mas havia se enganado. Aquela não era a primeira vez que ele se sentia como se o coração hou­vesse sido arrancado de seu peito e, provavelmente, não seria a última. A vida parecia nunca mudar. Ás vezes, um homem ganhava, outras vezes, perdia. Des­ta vez, porém, a perda fora dolorosa demais.

 

                     Gravenworth, Inglaterra Um ano depois

Em silêncio, Antoinette depositou sua xícara de chá no pires, e concentrou toda a sua atenção nas duas mulheres à sua frente.

— Não tive escolha, duquesa — a mais jovem choramingou. — Ele me atirou no chão. Juro que estava tentando me livrar dele, quando a sra. Curry entrou na despensa. Sou uma boa moça, duquesa. Não costumo andar com homens.

— O que ouvi foram risadas, não gritos, nem cho­ro! — a governanta explodiu. — Esta moça é uma grande encrenqueira, duquesa.

— Com quem ela estava, sra. Curry?

— Com um dos cavalariços — a governanta respondeu.

A criada não tinha traços bonitos, e seus cabelos eram os mais vermelhos e rebeldes que Ann já vira.

— Volte a conversar comigo amanhã, de manhã.

— Mas...

Ann dirigiu um olhar severo para a governanta. As duas mulheres saíram. Ann sabia que deveria ter resolvido a questão de uma vez por todas, mas simplesmente não se sentia disposta a fazê-lo. Durante toda a manhã, sentira-se inquieta, o que, ultimamen­te, vinha acontecendo com freqüência cada vez maior. Olhou pela janela. O dia era lindo e ensolarado. Certamente, nem teria reparado em tal fato, logo após o seu retorno à Inglaterra. Graças a seu pai, agora, ela podia enxergar as coisas de uma pers­pectiva totalmente diferente. Um dia, enquanto ca­valgavam juntos pelos campos verdejantes da pro­priedade, ela admitira o sentimento de culpa que carregava pelas mortes de Edmund, Hester e Matthew. Para sua surpresa, seu pai havia considerado tal postura como uma grande perda de tempo.

— Durante a guerra, matei muitos inimigos da coroa, e garanto que não passei o resto da vida me condenando por isso. A morte, um dia, chega para todos nós. O segredo é aproveitarmos ao máximo tudo o que a vida nos dá de bom, e aceitar e tentar esquecer o que vem de ruim.

Com isso, ele encerrara a discussão, deixando cla­ro que também considerava perda de tempo conti­nuar conversando sobre um assunto como aquele. Ao longo dos meses que se seguiram, ela havia pen­sado muito nas palavras do pai e, finalmente, desco­brira-se a olhar para o futuro, em vez de pensar no passado. Quando a doce e sorridente Blossom morrera de pneumonia, quatro meses depois de sua chegada na Inglaterra, Ann ficara arrasada. Porém, graças àquelas mesmas palavras de seu pai, ela conseguira superar a dor e pensar em tudo de bom que Blossom havia trazido para sua vida. Um sorriso triste cur­vou-lhe os lábios. E, embora soubesse que jamais ama­ria outro homem como amara Nate, tinha certeza, no fundo de seu coração, de que voltar para a Inglaterra fora a decisão certa a tomar. Agora, ela era a du­quesa de Gravenworth, enquanto seu filho já ocu­para o lugar do duque. Tudo saíra exatamente con­forme ela havia planejado, tanto tempo antes.

Ann levantou-se e espreguiçou-se. A carta que rece­bera de Danielle, naquela manhã, fizera com que vol­tasse a pensar no passado. Como sempre, Danny não mencionara o nome de Nate. Ann franziu o cenho, em­bora soubesse que isso não era culpa da amiga. Antes de deixar a fazenda, Ann pedira que o nome de Nate nunca mais fosse mencionado para ela. Fora tola por acreditar que, assim, seu coração partido se curaria mais depressa. No momento, ardia de curiosidade para saber se ele estava bem, se mantivera contato com Beau, se permanecera no Arizona, e se havia encon­trado outra mulher para tomar o lugar dela.

Convencida de que uma caminhada ajudaria a tor­nar seu espírito mais leve, Ann deixou o solário. Uma vez lá fora, inspirou profundamente o ar puro, e de­leitou-se ao sentir o calor do sol em seu rosto. Desde que voltara, o castelo sempre lhe parecia gelado.

Sem pressa, Ann caminhou pelo pátio, desceu os degraus de pedra, e foi passear entre os canteiros de flores. Os botões coloridos e perfumados deram-lhe a impressão de ter entrado na terra das fadas. Cumprimentou e elogiou os jardineiros, e examinou de perto a maior parte das plantas, deixando-se en­volver por toda aquela beleza. Como alguém podia continuar triste, em meio a tamanha perfeição?

Ann não saberia dizer quanto tempo havia ficado no jardim, mas quando voltou ao pátio, sentia-se muito melhor. Ao ver o cavalo do pai amarrado ao poste, correu para dentro do castelo. Encontrou o homem alto e elegante no salão principal, parado junto à grande lareira. Ele ria das gracinhas do neto, que montava seu cavalinho de madeira. A um canto, a babá assistia à cena com um sorriso afetuoso.

— Papai — Ann cumprimentou-o —, que surpresa boa! Há quanto tempo está aqui?

— Apenas alguns minutos.

Richard deslizou de cima do cavalo e correu para a mãe. Ann tomou o menino nos braços, e pôs-se a fazer caretas para ele.

— Seu avô acordou você do seu cochilo?

— É claro! — Jonathan admitiu. — Ele já está grande demais para cochilos. Ora, em breve, fará dois anos, e estará pronto a montar seu próprio pônei.

Ann sorriu.

— Bobagem — murmurou, colocando o filho de volta no chão. — Edmund era um homem bonito, e acho que Richard se parece com ele cada vez mais.

— Duquesa — a babá chamou —, está na hora da refeição do duque.

Ann assentiu. A babá levou Richard embora.

— Venha sentar-se comigo, Antoinette — o pai convidou, acomodando-se em uma confortável pol­trona. — Faz tempo que não conversamos.

— Algo errado, papai? — ela inquiriu, sentando-se diante dele.

— Estou preocupado com você. Fiquei sabendo que você recusou o convite para o baile de lady Percy, no mês que vem. Corrija-me se eu estiver errado, mas creio que você não compareceu a nenhum evento social, desde que voltou da América.

Ann sentiu os músculos tensos.

— Não há motivo para se preocupar, papai. Es­tou bem.

— Deveria ver gente, rir, dançar e se divertir.

― Imagino que não vai me dizer que ainda está la­mentando a morte de Edmund.

— Eu jamais seria tão hipócrita, papai! — Ann cruzou as mãos sobre as coxas e adotou uma postura de completa serenidade. — Com o tempo, sem dú­vida, vou querer voltar à vida social. No momento, porém, estou satisfeita em viver assim.

— Com o tempo? Já faz um ano que você voltou. Jonathan estudou a filha com seu olhar perspicaz. — Você gostou um bocado do Novo Mundo, não foi?

— Sim, muito.

Um brilho repentino iluminou os olhos dela, um brilho que o pai não via, desde o retorno da filha.

— Eu pensava em conhecer as colônias, mas perdi o interesse quando meu irmão, o pai de Beau, mor­reu. Em suas cartas, Gerard sempre dizia que aque­las terras possuíam uma beleza muito diferente da Inglaterra, e que eram imensas.

Ann relaxou na poltrona, pensando nos muitos quilômetros de terra virgem que vira.

— Ah, papai, pode-se viajar para sempre, e cada dia, a paisagem é diferente.

— Ann, minha filha — Jonathan falou em tom gentil —, você nunca me falou muito da América. Disse que as lembranças eram dolorosas demais. Acha que podemos conversar sobre isso, agora?

Ann estudou uma das janelas de vitral. O sol do fim da tarde tornava as cores vibrantes e cheias de vida.

— Sim — respondeu com um sorriso. — Eu gos­taria muito.

Pai e filha conversaram até tarde da noite. Ao inverter os papéis, transformando Hester em mari­do, Ann pôde contar a Jonathan a maior parte do que acontecera. Era difícil continuar mentindo sobre o nascimento de Richard, mas esse era um fato que ela passara a aceitar muito tempo antes. Somente duas outras pessoas conheciam a verdade sobre as origens de seu filho, e era assim que teria de ser.

Quando Antoinette terminou o seu relato, Jonathan ainda tentava se recuperar da dura realidade dos obstáculos que a filha enfrentara, enquanto ten­tava encontrar o primo. O simples fato de ela ter sobrevivido já era um milagre. Embora preferisse não confessar seus sentimentos, estava muito orgu­lhoso da maneira como ela resolvera os problemas.

Jonathan levantou-se de sua poltrona e foi até a mesa onde a garrafa de uísque repousava. Conhecia a filha bem demais, para não perceber que ela havia deixado diversas partes da história sem serem con­tadas. Ele ainda não sabia por que ela parecia tão infeliz desde que voltara. Era verdade que, agora, ela parecia bem mas feliz do que quando chegara, mas por que a melancolia não deixava seu semblante?

— Antoinette, por que ficou na Inglaterra? Ann foi apanhada de surpresa pela pergunta.

— Você sabe por quê. Richard é o duque de Gravenworth. Ele tem responsabilidades. — Soltou uma risada um tanto forçada. — Já se cansou de mim, papai?

— Você sabe que não. Estou curioso para saber o que aconteceu àquele homem... Nathan Bishop. Camarada interessante. Pareceu-me ser o tipo de homem que eu gostaria de conhecer.

Ann bebericou o vinho que ele lhe serviu.

— Ah, ele deve estar por lá.

Ela não sabia o que mais poderia dizer.

— Está dizendo que, depois de tudo o que enfren­taram juntos, não manteve contato com ele? Não perguntou a Beau, ou...

— Não — Ann respondeu em tom ligeiramente tenso. — Onde ele está não tem a menor importância para mim. Não o vejo há mais de um ano.

Jonathan ergueu uma sobrancelha, com ar des­confiado, enquanto se servia do uísque.

— Você mencionou as obrigações de Richard, assim como as suas. Por pior que Edmund fosse, como ho­mem, ninguém jamais poderá criticar-lhe o tino para os negócios. Verifiquei todas as propriedades, e des­cobri que estão em excelentes condições. Ele também foi inteligente a ponto de só contratar os melhores homens para cuidar de seus investimentos. Seus ne­gócios não estão dando prejuízo. Muito pelo contrário.

Como vinha recebendo relatórios constantes, Ann não ficou surpresa com a notícia.

Jonathan aproximou-se da lareira e passou alguns instantes admirando o fogo.

— Estamos aqui sentados, conversando, há... já nem sei há quantas horas. Rimos, nos lamentamos e, algu­mas vezes, ficamos com lágrimas nos olhos. Mas nunca, desde que você voltou, eu a vi tão entusiasmada, como ficou enquanto me contava as suas aventuras.

— O que está querendo dizer, papai? — Ann per­guntou, erguendo o copo, que foi imediatamente ser­vido por uma criada.

— Esse Nathan Bishop do qual falou... Você se apaixonou por ele?

Ann ficou chocada com a perspicácia do pai.

— Não entendo o que isso poderia ter a ver com o resto...

— Não respondeu à minha pergunta. Ann empinou o queixo.

— Sim, eu o amava.

Jonathan começava a compreender.

— Ele não quis vir para a Inglaterra?

— Eu não quis que ele viesse.

— Por quê?

— Ele não seria feliz aqui, e eu precisava de tempo para pensar.

— Mas essa escolha deveria ter sido dele, não sua.

— Papai, por favor, eu não quero falar sobre isso.

— Talvez tenha descoberto que não o amava, tanto quanto havia imaginado.

Ann levantou-se de um pulo, quase derrubando o vinho em seu copo.

— Não é verdade!

— Então, por que você está aqui e ele, lá?

— O que é isso? Um interrogatório? — ela inqui­riu, zangada. — Sabe por que estou aqui. Sempre levei minhas obrigações a sério.

As feições de Jonathan suavizaram.

— Antoinette, não sou cego. Você nunca foi feliz, desde que voltou. Agora que me contou a maior parte do que aconteceu, enquanto esteve longe, compreen­do por que não compareceu a nenhum evento social. Seu coração ficou no território de Arizona, e estou desconfiado de que ficou junto desse homem a quem você chama de Nate.

Ann virou-se de costas, a fim de esconder as lágrimas.

— Eu não fazia idéia de quanto o amor podia ser maravilhoso, ou doloroso, até conhecê-lo — confessou.

Embora ela falasse muito baixo, o pai ouviu o bastante para saber que sua filha sofria como nunca sofrerá antes.

— E ele ama você? Ann assentiu.

Jonathan estendeu-lhe um lenço, passou um braço em torno de seus ombros e deixou que ela soluçasse, algo que não a via fazer desde que era criança.

Quando os soluços cederam, Ann contou ao pai como fora sua despedida de Nate.

— Querida, volte para o Arizona, e para o homem que ama — ele murmurou.

Ann ergueu os olhos ainda cheios de lágrimas para fitá-lo.

— Mas já faz mais de um ano. E se ele...

— Você nunca vai saber, até encontrá-lo de novo.

— Mas as propriedades...

— Estão em mão perfeitamente capacitadas. Cui­darei de informá-la, caso seu retorno seja necessário. Tenho certeza de que você e sua família farão muitas viagens à Inglaterra, ao longo dos anos, e Richard se beneficiará disso. Quando ficar mais velho, ele poderá passar os verões aqui. — Ele sorriu. — Es­tando com seu tio, seu irmão e comigo, Richard vai se tornar um duque magnífico.

— Mas nossa despedida amarga...

— Todos os amantes enfrentam dificuldades. É o que mantém os romances interessantes. Se o amor que ele tinha por você era mesmo verdadeiro, não terá acabado. Além do mais, você é bonita demais para ser esquecida. — Fez um sinal para a criada, para que lhe trouxesse seus pertences. — Providen­ciarei passagens para daqui a duas semanas. Enquan­to isso, sugiro que peça às criadas que comecem a fazer suas malas, amanhã mesmo. — Ele riu. — Só os pertences de Richard ocuparão metade de um navio.

Ann secou as lágrimas.

— Obrigada, papai. Vou amá-lo para sempre.

— E eu a você, minha querida.

Jonathan apanhou a capa que a criada lhe esten­deu e a pôs nos ombros.

— Papai — Antoinette chamou, quando ele já alcançava a porta —, acha mesmo que pode dar certo? — indagou, prendendo a respiração.

— Tenho certeza que sim. Amei sua mãe acima de tudo em minha vida, e ela jamais me perdoaria se eu impedisse você de experimentar o tipo de amor que partilhamos.

Parada junto à amurada do navio, Ann nem dava atenção aos pingos de água que respingavam seu rosto. Lentamente, o sol e a sua Inglaterra desapa­reciam no horizonte.

Ann foi tomada por uma súbita ansiedade. As duas últimas semanas haviam sido repletas de ati­vidade. Agora, porém, pela primeira vez, a realidade do que estava fazendo a atingiu. Estava voltando para a terra e para o homem que haviam roubado seu coração. Algo que ela se forçara a aceitar que jamais aconteceria.

Um movimento na água chamou-lhe a atenção. Bai­xando os olhos, Ann viu diversos golfinhos que nada­vam junto ao navio. Inclinou-se para apreciar-lhes os corpos prateados, que se mantinham ao lado do navio, aparentemente sem grandes esforços. Seria verdade que tais animais já haviam salvo vidas de marinhei­ros? O sol já se fora, e ela os perdeu de vista.

Pela centésima vez, Ann perguntou-se se haviam tomado a decisão certa? E se Nate nunca mais qui­sesse vê-la? Havia decidido não discutir Nate, até estar instalada na fazenda. Havia uma porção de coisas que ela precisava saber, antes de tentar encontrá-lo.

 

Ann já observava o porto com olhar an­sioso, quando o navio atracou. Não ima­ginara que San Francisco fosse uma cidade grande e, por isso, surpreendeu-se com as docas, que fervi­lhavam de gente e atividade. Estivadores descarre­gavam navios, passageiros corriam para embarcar, enquanto parentes e amigos acenavam em despedida. E, ainda, havia uma pequena multidão, à esperada daqueles que desembarcariam do navio em que ela estava. Mesmo sabendo que seria impossível avistar Beau, ou Danny, Ann continuou olhando. E se eles houvessem sido impedidos de ir encontrá-la? Pior ain­da, se não houvessem recebido sua carta?

Foi então que viu Beau, bem mais alto que a maio­ria das pessoas ao seu redor, avançando com deter­minação para a prancha, que já fora baixada. Com o coração aos saltos, Ann correu ao encontro dele. Agora, estava em casa.

Depois de providenciar para que a bagagem da prima fosse entregue no Hotel Palace, Beau levou Ann, Richard e Maggy ao hotel, onde Danny e Kit esperavam. Ann não pôde se lembrar de um encontro mais alegre.

Depois de duas semanas de descanso e passeios em San Francisco, o grupo seguiu para o território de Arizona, e a fazenda de Beau. Comparada à viagem que Ann fizera de Nova York até lá, esta era o exemplo do luxo e do conforto. Havia até mesmo uma banheira de bronze, em uma das carroças, onde não faltava água. Beau conhecia todos os riachos e nascentes. À noite, depois do jantar, os meninos brincavam, en­quanto Beau, Danny e Ann conversavam. Beau men­cionou o nome de Nate diversas vezes, mas Ann não fez qualquer comentário. Ainda não se sentia à von­tade para falar de Nate diante de Beau. Preferia es­perar e conversar com Danny, em particular.

Quando finalmente avistou a casa da fazenda, Ann não pôde conter as lágrimas. O retorno a Gravenworth trouxera à tona lembranças da crueldade de Edmund e da determinação de Matthew em man­tê-la lá. Ali, ela só conhecera felicidade e liberdade.

A medida que os dias se passaram, Ann e Richard foram se habituando aos seus antigos aposentos. Em um dia particularmente quente, Danny e Ann foram até o curral, para assistir aos exercícios de Kit com seu pônei.

— Ele parece ter nascido sobre um cavalo.

— E bem filho do pai dele, o que às vezes me assusta. Ann apoiou-se na cerca do curral.

— Ainda não consigo acreditar que deixei Beau me convencer a permitir que Little Dog levasse Ri­chard em sua primeira expedição de caça! Ele só tem dois anos! Não consigo parar de me preocupar. Graças a Deus, voltarão hoje.

— Ann, tente relaxar. Sei que é difícil, pois lem­bro-me da minha aflição, quando Beau pediu a Little Dog que levasse Kit. Pensei que Kit fosse voltar chorando e querendo ficar junto da mãe, depois de uma expedição assim. Como Richard, aquela foi a primeira vez que Kit viajou sem um de nós. Mas Kit adorou a experiência, e nunca se esqueceu do que aprendeu. Agora, fica ansioso pelas caçadas que faz com Beau e Little Dog, duas vezes por ano. Vai ser igual para Richard. Detesto admitir, mas Beau estava certo. Eles aprendem a ser homens.

— Homens? É um garoto de dois anos!

— Veja, mamãe! — Kit gritou.

Danny virou-se em tempo de ver o filho saltar de cima do pônei.

— Joe — Danny chamou —, se for preciso, amarre Kit à sela! Não quero que ele volte a fazer isso. Poderia ter sido pisoteado!

— Sim, senhora — o simpático cheyenne replicou, com um sorriso largo.

— Kit tem um forte espírito de aventura, e Beau o encoraja. — Danny limpou as mãos na calça e franziu o cenho. — Os cheyenne são grandes guer­reiros, famosos por suas habilidades sobre um ca­valo. Acho que Joe está tentando transformar Kit em um grande guerreiro, como o pai dele foi.

Observou o índio colocar Kit sobre a sela e prender as tiras de couro em torno de sua cintura. Tinha certeza de que Joe as removeria, no momento em que ela e Ann voltassem para casa.

— Nunca vou me esquecer da noite em que as­sistimos a Beau e a Nate domarem os cavalos sel­vagens — Ann disse, enquanto seus olhos torna­vam-se distantes, perdidos na lembrança. — Foi o espetáculo mais magnífico que já vi.

Danny estudou a amiga por um momento.

— Esta é a primeira vez que você menciona o nome de Nate. Ann, não agüento mais a curiosidade.

― Eu estava errada? Você amava Nate? Acreditei que vocês formariam um par perfeito. Você voltou para a Inglaterra e o esqueceu?

Uma nuvem de poeira erguia pelo pônei de Kit caiu sobre Ann. Ela ergueu o lenço e limpou a areia dos olhos.

― Você está bem? — Danny perguntou. — E claro que estou. — Ann riu. — Deixei de ser a delicada flor inglesa, no dia em que parti para o território de Arizona, há mais de dois anos.

Danny riu e tomou-lhe o braço.

— Venha. Vamos sair do sol e tomar uma limo­nada. Devo avisá-la, porém, que não vou desistir de minhas perguntas sobre Nate — continuou, en­quanto se dirigiam ao pátio. — Depois de tanto tem­po, acho que mereço saber o que aconteceu, na noite em que ele partiu.

— Não há mistério. Quando ele foi me encontrar, na sala, eu disse a ele que Richard e eu seguiríamos para a Inglaterra, sozinhos. Não voltamos a nos fa­lar, depois disso.

Entraram no pátio e sentaram-se no banco que circundava a árvore no centro, aliviadas pela sombra fresca.

— Viu Nate, alguma vez? — Ann perguntou.

— Sim, uns cinco meses depois.

Danny não pôde deixar de perceber a satisfação no semblante de Ann.

A criada se aproximou com uma jarra de limonada e dois copos.

— Obrigada, Elizabeth — Danny agradeceu, antes de beber um longo gole. Acomodou-se de encontro ao tronco da árvore. — Beau compreendeu por que você tinha de partir, mas creio que ele não concordou com a sua decisão. Pensei que você amasse Nate, e esperava que perguntasse dele em suas cartas, ao menos uma vez.

— Não perguntei nada sobre Nate, porque tinha medo das respostas. Mas, voltar para a Inglaterra foi a decisão mais correta. Não só pelo bem de Richard, mas por mim, também. Eu tinha de me livrar dos demônios que habitavam minha mente, antes de as­sumir qualquer compromisso, com quem quer que fosse.

— Durante todo esse tempo, planejou voltar para cá?

Ann sacudiu a cabeça.

— Tinha certeza de que passaria o resto de minha vida na Inglaterra, ajudando Richard a se tornar um grande duque. E, quando ele finalmente assu­misse suas responsabilidades, muitos anos teriam se passado, para que eu tivesse alguma chance de recuperar o amor de Nate.

Danny agitou as mãos no ar.

— Estou completamente confusa. Se não preten­dia voltar, que diferença fariam as respostas às suas perguntas sobre Nate?

Ann olhou para as montanhas que circundavam o vale. Pareciam azuis. Soltou uma risada cansada.

— Deixe-me começar do início. Sempre tive uma tendência para analisar as situações de um ponto de vista mais amplo que o necessário. Felizmente, meu pai é especialista em colocar as questões em uma perspectiva mais adequada.

Danny dobrou as pernas e apoiou os pés no banco.

— Meu pai é um homem muito sábio. Ele esperou que eu pusesse minhas idéias em ordem e cuidasse da adaptação de Richard, antes de...

Danny ouviu com interesse e atenção, enquanto Ann abria totalmente o seu coração. Quando Ann terminou, Danny ainda estava perdida em meio à maravilhosa história de amor que acabara de ouvir.

— Eu disse a Beau que vocês haviam nascido um para o outro! — explodiu. — Você voltou para des­cobrir se Nate ainda a ama! — Levantou-se de um pulo. — Que romântico!

— Não foi só isso. Também vim visitar você e sua família.

Danny abraçou Ann com entusiasmo.

— Sei disso.

— Mamãe!

As duas se viraram ao mesmo tempo. Richard corria para elas, com Little Dog ao seu lado. Ann estendeu os braços e o filho sorridente atirou-se entre eles.

— Mamãe! Peixe! — Richard virou-se nos braços de Ann e olhou para Little Dog. — Mostre.

Little Dog obedeceu, e tirou um peixe do bolso.

— Meu — Richard declarou, orgulhoso. Todos riram.

Ann torceu o nariz.

— Você está cheirando mal. Vamos pedir a Maggy que prepare o seu banho.

— Ann — Danny chamou, quando a duquesa en­trava na casa —, Nate está transformando suas ter­ras, perto de Santa Fé, em uma grande fazenda de criação de cavalos.

Ann tropeçou e quase derrubou Richard.

— Tem falado com ele?

— Ele esteve aqui em diversas ocasiões — Danny provocou-a.

Ann entrou na casa. Ainda não reunira coragem para fazer a pergunta crucial. Mais tarde, pensou. Descobriria mais tarde.

Vários dias se passaram, antes que Ann decidisse voltar a falar de Nate. Ajoelhada no chão do pátio, ao lado de Danny, seu avental e luvas já sujos de terra, Ann enterrou a pá no solo rico do canteiro de flores.

— Por que não me disse mais nada sobre Nate? Danny deu de ombros, fingindo desinteresse.

— Achei que você voltaria ao assunto, quando estivesse preparada para discuti-lo.

Ann respirou fundo.

— Existe outra mulher na vida de Nate? Vou com­preender, se houver — acrescentou depressa. — Afi­nal, ele não espera voltar a me ver. A reputação dele...

— Ann! — Danny sentou-se no chão e olhou para Ann, que cavava como se pretendesse abrir um túnel até o inferno. — Ann, vai me deixar responder à sua pergunta?

Ann parou de cavar.

— Não sei se quero ouvir a resposta.

— Até onde sei, Nate não arranjou outra mulher, mas não o vemos há meses.

Ann também se sentou.

— Danny, depois que fui embora, alguma vez ele... Ele mencionou meu nome, ou disse que sentia minha falta?

Danny inclinou-se para ela e tomou-lhe uma das mãos.

— Depois que Nate partiu, quase cinco meses se passaram, antes que voltássemos a vê-lo. Um dia, ele parou seu cavalo diante de nossa casa, querendo nos contar sobre a fazenda de criação de cavalos que havia começado a construir. Ele nunca mencionou a noite em que vocês dois se separaram. Ao menos, não para mim. E duvido que tenha dito algo a Beau.

— Ah, Danny! Pensei que pudesse viver sem ele,mas estava errada. Você não pode imaginar a falta que tenho sentido de Nate. Danny assentiu.

— Mas deve pensar em como ele deve ter se sen­tido, quando você partiu. Você foi a única mulher que ele realmente quis, mas deixou claro que não voltaria. Ele tinha de construir uma vida para si mesmo, sem você. Nate é um homem orgulhoso, e não creio que esteja disposto a permitir que você parta seu coração, mais uma vez.

As duas ficaram em silêncio.

Ann limpou a terra do rosto com as costas da mão e, então, colocou-se de joelhos. Apanhou um bulbo e enterrou-o no buraco que havia cavado.

— Enquanto Nate não me disser, olhando nos meus olhos, que deixou de me amar, recuso-me a acreditar que não podemos viver juntos. Sei que o magoei profundamente, e não faço idéia do que ele sente por mim, agora. Pensei muito sobre como de­veria abordá-lo, e me decidi por enviar uma carta. Não quero embaraçá-lo, aparecendo de surpresa. Ele vai precisar de tempo para aceitar a minha volta e decidir o que deseja fazer a respeito. Se preferir me dar às costas, terei de pensar em outra maneira de reconquistar o seu amor.

 

Embora houvesse voltado de Santa Fé havia mais de uma semana, Nate só agora descobria que faltava uma página no diário onde ele registrava o dia-a-dia de sua criação de cavalos. Sabendo como sua governanta era descui­dada, começou procurar na confusão que tomava conta de sua escrivaninha. Provavelmente, ela guar­dara o papel em algum lugar. Difícil seria adivinhar onde. Ao erguer uma cesta de flores que ela se es­quecera de levar embora, Nate encontrou uma carta. Praguejando baixinho e jurando contratar outra go­vernanta o quanto antes, rasgou o envelope. A cali­grafia perfeita, evidentemente feminina, levou-o a bai­xar os olhos diretamente para a assinatura. Recusan­do-se a acreditar no que via, olhou mais uma vez. Suas faces avermelharam, ao mesmo tempo em que seus punhos cerravam, amassando o papel. Como Ann se atrevia a fazer contato? Ela estava fora de sua vida e era assim que ele queria que continuasse. Ati­rou a carta no cesto de papéis, e saiu de casa.

Cinco minutos depois, Nate voltava. Furioso con­sigo mesmo por ser tão fraco, apanhou a carta do cesto, alisou o papel sobre a escrivaninha, e sen­tou-se na cadeira de espaldar alto. Por que Ann decidira escrever, depois de tanto tempo?

 

                           "Meu querido Nathan,

Deve estar surpreso por estar recebendo esta carta. Parece que uma eternidade se passou, desde que nos separamos. Na ocasião, eu estava confusa, infeliz e convencida de que nunca mais voltaríamos a nos ver. Foi muita ingenuidade de minha parte acreditar que, estando longe, eu aprenderia a aceitar a vida sem você. Por isso, meu querido, voltei para descobrir se o amor que partilhamos um dia ainda existe. Sei que, quan­do parti, magoei você profundamente, mas se pudermos recapturar a felicidade que conhece­mos juntos, juro que nunca mais o deixarei. Porém, se tempo demais já se passou, e você já não tem os mesmos sentimentos por mim, serei capaz de compreender. Mas se, por acaso, você ainda me ama, por favor, venha me encontrar, o mais depressa que seu cavalo possa trazê-lo.

                     Sempre sua, Ann"

 

Nate voltou a jogar a carta no cesto e, mais uma vez, saiu de casa.

No entanto, mesmo depois de duas semanas terem se passado, ele não conseguia parar de pensar em Ann, à sua espera, na fazenda de Beau. As lembranças invadiam-lhe a mente: Ann se passando por marido de Hester; a expressão no rosto dela, quando Nate atirara para fora da diligência, deixando-a à mercê das prostitutas; a visão dela deixando o forte como herói, seguida por Blossom e Richard; o brilho em seus olhos, quando haviam feito amor; o som de sua risada e até mesmo seus momentos de mau humor. Ainda a amava? Muito mais do que gostaria de ad­mitir. Queria ir ao encontro dela? Sim. Confiava nela? Não. Acreditava que ela o amava de verdade? Não.

Embora estivesse determinado a não permitir que Ann o fizesse passar por tolo novamente, as noites de insônia começava a surtir seus efeitos. Finalmente, cansou-se de viver de lembranças, lutando consigo mesmo. Iria ao encontro de Ann e, de uma vez por todas, a tiraria da cabeça. Ouviria o que ela tinha a dizer e, então, partiria. Tendo tomado sua decisão, dois dias mais tarde, deixou a fazenda montando seu garanhão, antes que o sol despontasse no horizonte.

À medida que os quilômetros ficavam para trás, sob as patas de seu cavalo, Nate começou a se perguntar, com toda seriedade, se Ann dissera a verdade ao afirmar que ainda o amava. Sabia que ela o amara, um dia. Por que não podia continuar a sentir o mesmo? Incitou o garanhão ao um galope mais rápido. E se ela houvesse desistido de esperar por ele, e retomado para a Ingla­terra? Chamando-se de idiota, entre outras coisas, forçou o pobre cavalo até o limite de sua capacidade.

Tanto cavalo, quanto cavaleiro, estavam exaustos, quando Nate finalmente puxou as rédeas, diante da casa de Beau e Danny. Nate já se encontrava no chão, antes mesmo que a poeira assentasse. Foi di­retamente para dentro da casa, gritando:

— Beau, Danny, Kit? Onde está ela? Onde está Ann? Danny veio em disparada pelo corredor, com um largo sorriso nos lábios.

— Eu estava no meu quarto, mas ouvi você assim mesmo! — Passou os braços me torno do pescoço dele e abraçou-o com força. — Beau e Kit foram até Prescott, para fazer compras.

— Não estou aqui para ver Beau e Kit. Onde está Ann?

— Ela saiu para uma cavalgada. Eu me ofereci para acompanhá-la, mas ela disse que precisava ficar sozinha. Ah, Nate, ela está tão infeliz. Pensa que você deixou de amá-la.

Ann o amava, de verdade! Uma onda de alegria correu pelas veias de Nate, um sentimento que ele nunca mais experimentara, desde que Ann partira para a Inglaterra.

— Vai chover — comentou, mais para si mesmo, do que para Danny.

Então, girou nos calcanhares e dirigiu-se para a porta.

— Aonde você vai? — Danny perguntou.

— Acho que sei onde encontrar Ann.

Ann deu a volta pelas rochas, lentamente, en­quanto apreciava as magníficas e antigas residên­cias dos índios. Havia mato por todo lado.

Sem se importar com boas maneiras, sentou-se em uma das rochas maiores e continuou a olhar para a construção que, um dia, abrigara um povo orgulhoso. Assim como o amor de Nate, as residên­cias haviam se deteriorado com o tempo. Seus olhos encheram-se de lágrimas, enquanto ela se lembrava das horas que passara ali, com Nate, fazendo amor, conversando, se conhecendo. Aqueles haviam sido dias muito especiais, quando nada mais importava, além de estar junto do homem que amava.

Por que Nate não fora ao seu encontro? Já fazia quase um mês que ela lhe enviara a carta.

De repente, Ann empertigou-se na rocha. Temen­do virar-se e descobrir que havia se enganado, foi girando lentamente, para verificar se Nate estava por perto. Montado em um cavalo, alto, forte e mag­nífico como sempre, ele a observava. Há quanto tem­po estaria ali? Quando ele desmontou, com a faci­lidade de um homem habituado à sela, Ann sentiu como se o ar houvesse abandonado seus pulmões.

Seus olhos percorreram toda a extensão do corpo dele, enquanto Nate se aproximava. Era como se o tempo houvesse parado. Nate não mudara em ab­solutamente nada. Ainda era o homem mais mara­vilhoso que ela já vira.

— Nunca imaginei que isso fosse possível, mas você está ainda mais linda do que era antes — Nate disse.

Parou muito perto dela, incapaz de desviar o olhar.

— Pensei que você não viesse mais — Ann declarou. Não imaginara que se tornaria tímida e hesitante, mas, simplesmente, não sabia o que dizer.

— Quase não vim — Nate admitiu.

— Eu não sabia se você ainda...

Nate tomou-a nos braços, desejando magoá-la como ela o havia magoado. Mas, quando ela passou os braços em torno de seu pescoço e pressionou o corpo contra o dele, Nate deu-se conta de que a mulher que o deixara, mais de um ano antes, deixara de existir. A mulher por quem ele havia se apaixo­nado, voltara. A antiga confiança e determinação brilhavam, fortes e firmes como o sol. Mas foi a expressão do mais puro amor, estampada naqueles olhos verdes espetaculares, quando ela se virou para fitá-lo, que destruiu de uma vez por todas os últimos resquícios de sua resistência. Incapaz de esperar mais um segundo que fosse, colou os lábios aos dela, em um beijo ardente. Todos os pensamentos sobre o passado e o futuro foram apagados, pois sua paixão explodiu em chamas. Por mais que se esforçassem, não conseguiram se despir com a rapidez desejada.

— Ah, Nate — Ann murmurou, já ofegante. — Parece que esperei minha vida inteira para fazer amor com você. Eu te amo tanto.

Gemeu de prazer e felicidade, quando Nate a pe­netrou. Nem sequer notaram os pingos de chuva que começaram a cair sobre sua pele. Assim como não perceberam quando a chuva cessou.

Uma hora depois, Ann repousava com a cabeça apoiada no ombro de Nate, que mantinha os braços em torno dela, em atitude protetora. Embora não quisesse quebrar o encanto do momento, Ann estava preocupada e ansiosa. Mesmo enquanto faziam amor, Nate não dissera que a amava.

— Acabou, não é? — finalmente criou coragem, lutando para conter as lágrimas.

— O que acabou?

— Seu amor por mim. Perdi você.

Nate apoiou-se em um cotovelo e mordiscou-lhe o ombro.

Ann sentou-se para fitá-lo com olhar faiscante. Ao ouvi-lo rir, apanhou as roupas.

— E essa a sua maneira de se vingar de mim? Apro­veita-se do que tenho para lhe dar e, então, me deixa?

Nate puxou-a, forçando-a a deitar-se de costas. Então, imobilizou-lhe braços e pernas, até que ela parasse de lutar.

— Meu Deus, você fica linda, quando está zangada!

— Solte-me!

— Pensei que ficaríamos aqui até o anoitecer, fa­zendo amor. Temos muito tempo perdido a recuperar.

A primeira coisa que Ann reconheceu foi o brilho nos olhos dele. Nate estava tentando provocá-la. O sorriso que, lentamente, curvou os lábios dele fez o coração dela disparar dentro do peito.

— Por acaso, eu me esqueci de dizer que te amo?

— Sim, esqueceu.

Nate passou a ponta da língua por um dos ma-milos de Ann. Nunca mais permitiria que ela o dei­xasse, mesmo que para isso, tivesse de raptá-la, fugir para as montanhas e tornar-se um eremita.

— Está disposta a se casar comigo e viver em minha fazenda? — perguntou, antes de mordiscar-lhe o outro mamilo.

― Posso me casar com você hoje mesmo, se quiser.

A risada de Nate ecoou nas rochas e nas cons­truções indígenas.

— Eu adoraria, mas não será possível.

— Por quê? — Ann perguntou, apreensiva.

— Porque, minha querida, quando saí da casa de Beau, ouvi Danny comentar com alegria, algo sobre os preparativos para o casamento, que ela precisava começar a providenciar. — Nate beijou a ponta do nariz de Ann. — Eu já disse quanto te amo, nos últimos cinco minutos?

— Não. Já faz, pelo menos, seis. Prefiro que me mostre, em vez de dizer.

— Você é mesmo uma devassa.

— Foi você quem me fez assim.

Nate riu de pura alegria. A amargura do passado simplesmente deixara de existir. Em sua família,. somente o amor e a felicidade reinariam.

De repente, encarou-a com expressão séria.

— Não está planejando viver na Inglaterra, está? Ann sorriu.

— Richard e eu viveremos com você, em sua fazenda.

Esperaria até depois do casamento para informá-lo de que visitas ocasionais à Inglaterra se fariam necessárias.

— Vou transformar você na rainha de Santa Fé. Eu nunca lhe contei, mas sou um homem muito rico.

— Nate, tem de me prometer que nunca mais roubará as pessoas. Eu não suportaria viver constantemente preocupada com a possibilidade de você ser preso.

— Recebi uma grande herança, meu amor. Ann queria interrogá-lo mais, mas as mãos dele já traçavam linhas de fogo em sua pele.

 

Depois de entregar a filha a Nathan, Jonathan sentou-se no primeiro banco e assistiu à cerimônia. Era um casamento grandioso, com convidados vindo até mesmo da Inglaterra. To­dos pareciam determinados a testemunhar a união da duquesa com seu salteador.

Jonathan sentiu o peito estufar de orgulho. Antoinette nunca parecera tão linda, ou tão feliz, como se mostrava naquele momento. O vestido cor de creme era coberto por pérolas e diamantes, provando ser ela a grande du­quesa que nascera para ser. E as pérolas e diamantes em seus cabelos eram a sua coroa. Jonathan piscou para Richard, que se encontrava de pé junto do altar, empu­nhando com orgulho a aliança que lhe fora dada para cuidar temporariamente. Richard piscou de volta.

Jonathan limpou a garganta. Fora muito bom não ter descoberto que sua filha planejava se casar com um assaltante de estrada, até depois de ter chegado nas colônias. Se houvesse sabido disso antes, jamais teria permitido que ela voltasse. No entanto, o pas­sado criminoso de Nathan parecia não incomodar a mais ninguém, exceto a ele. Na verdade, seu genro era profundamente respeitado, e era tratado como uma espécie de lenda. E, para ser honesto, Jonathan tinha de admitir que, depois de conhecer o homem em questão, era forçado a reconhecer que Antoinette fizera a melhor escolha possível.

Enquanto o casal fazia seus votos, Jonathan lembrou-se de seu próprio casamento, tantos anos antes. Amara a esposa do fundo de seu coração, e continuava a amá-la, mesmo tendo perdido sua companhia há tanto tempo. Era por isso que nunca sequer conside­rara a possibilidade de voltar a se casar. E, quando Antoinette e Nathan viraram-se para encarar os con­vidados, já como marido e mulher, ele reconheceu aquele mesmo amor eterno nos olhos de ambos. Estava feliz. Olhou em volta. Convencido de que todos os olhos encontravam-se voltados para o feliz casal, secou uma lágrima que rolava por sua face. Então, riu con­sigo mesmo. O sol brilhava, o ar estava repleto de riso e música, e sua filha acabara de se casar. Um homem não poderia ter na vida um dia mais feliz. Adiantou-se para cumprimentar os noivos.

 

                                                                                Delora Scott  

 

                      

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