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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


UMA FLECHA NA NEVE / Doreen Owens Malek
UMA FLECHA NA NEVE / Doreen Owens Malek

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

UMA FLECHA NA NEVE

 

O homem moreno estava olhando para ela de novo.

Marisa Hanckock organizou as notas e as guardou na pasta executiva, tentando ignorá-lo. Olhar fixamente para a mesa da parte contrária para deixar nervoso o advogado oponente era uma velha artimanha da profissão, e Marisa não ia morder a isca. Virou-se ligeiramente para não vê-lo e se concentrou no trabalho.

O julgamento já durava três semanas, e as coisas não iam nada bem para Marisa. Ela era advogada especialista em propriedades, e o governo federal a contratara para representar seus interesses naquele caso. Na realidade, Marisa foi chamada no último minuto para substituir o colega que ia atuar na defesa, e se vira mergulhada em uma controvertida polêmica, para a qual não estava preparada.

Lá fora, o suave sol de inverno da Flórida brilhava nas pálidas folhas das árvores, que mal se vislumbrava através do vidro esmerilhado das janelas.

Sabia que as calçadas continuavam abarrotadas de manifestantes, ainda que as vozes deles não fossem ouvidas no quarto andar do tribunal. Marisa suspirou e procurou se concentrar na voz monótona do escrivão do tribunal. Não obstante, notou que continuavam olhando-a intensamente, e, levada por um repentino impulso, virou-se para encarar de frente o homem que não tirava os olhos de cima dela.

Ele sustentou o olhar sem se alterar. Marisa conhecia aquele homem, é claro. Chamava-se Jackson Bluewolf e era fundador e presidente da Indígenas em Defesa da Natureza, uma organização composta por índios americanos que lutavam pela conservação de certos direitos e tradições, com ênfase especial na proteção de templos e assentamentos culturais dos índios americanos. Bluewolf e seu grupo estavam na Flórida tentando impedir que o Estado se apropriasse de um antigo cemitério seminole. O governo precisava do terreno para ligar dois trechos de uma autoestrada interestadual, e os índios queriam conservá-lo para abrir um museu e um centro cultural de indubitável interesse sociológico.

— Senhorita Hanckok, tem algo a acrescentar antes que eu me pronuncie sobre a moção que apresentou? — perguntou laconicamente o Juiz Lasky, tirando-a do ensimesmamento.

— Sim, Meritíssimo — respondeu Marisa, levantando-se. — Queria que este tribunal se lembrasse de que, se o plano do governo for concretizado, os cidadãos deste Estado vão economizar oito milhões de dólares em impostos.

— Obrigado, senhorita Hanckok. Considerei devidamente sua moção e decidi indeferi-la.

Marisa voltou a sentar-se com uma expressão inexpressiva, sentindo nas costas o calor do olhar de Bluewolf. As duas partes estavam em litígio há quase um mês, e durante todo aquele tempo Bluewolf não lhe dirigira a palavra. Limitava-se a observá-la com aquela intensidade quase atropeladora, e Marisa estava começando a se sentir incômoda. Esse incômodo ficava dramaticamente agravado pela convicção que tinha, cada vez mais, de que estava representando a parte errada.

O grupo de Bluewolf pretendia evitar que o governo exercesse seus direitos alegando motivos de “interesse público”... Doutrina esta que permitia a expropriação de qualquer terreno que fosse considerado necessário para o bem da comunidade. Marisa foi do Maine, onde morava e trabalhava, para a Flórida, para se encarregar do caso quando outro advogado da firma onde trabalhava ficou impossibilitado. Para comparecer à audiência preliminar ela teve que abrir caminho à base de empurrões através de uma multidão de manifestantes aglomerados às portas do tribunal. Bluewolf percebeu o sufoco que ela estava enfrentando e a ajudou a passar, sem saber que se tratava de uma rival. Desde então, não lhe tirara os olhos de cima.

Marisa teve a ideia de passar uma longa temporada na Flórida quando, depois das primeiras manobras legais, o tribunal mandou interromper as obras da autoestrada, atendendo à petição da parte contrária. Marisa alegou que o governo não queria destruir um centro de interesse cultural, mas simplesmente que os contribuintes economizassem, pois se as obras necessárias àquela rodovia contornassem o cemitério, custariam uma fortuna. Inclusive expôs com detalhes os planos do governo para recompensar a tribo economicamente. No entanto, ditos argumentos não convenceram o juiz. Segundo a IDN, tal valor jamais poderia compensar a perda histórica que supunha a destruição de um antigo cemitério de trezentos anos. Jackson Bluewolf, principal assessor jurídico da IDN, tinha conseguido a primeira vitória.

Agora Marisa tinha a missão quase impossível de convencer o juiz para que se decidisse pela proibição de continuar a construção da autoestrada. Seria uma batalha árdua, e tinha o dever de vencê-la. Pensava, sem dúvida, que os índios tinham o direito de conservar as próprias terras, mas não podia se manifestar.

A ética profissional exigia que ela defendesse seu cliente, e ela estava plenamente capacitada para tanto.

— Senhorita Hancock? — Marisa olhou para o juiz. Em seguida se levantou e pigarreou para limpar a garganta. — Está pronta para continuar?

— Sim, Meritíssimo — respondeu com voz firme. Em seguida, recolheu os documentos e os guardou na pasta executiva.

O olhar de Bluewolf seguiu-a o tempo todo enquanto Marisa passava diante da mesa dele, indo até a saída do tribunal.

 

Vários dias mais tarde, enquanto Marisa falava, apresentando argumentos lógicos e elaborados, Jackson Bluewolf tornou a lançar-lhe aquele olhar intenso e penetrante. Marisa não tinha culpa se o povo e a mídia tomaram o partido dos seminoles. Por outro lado, todo advogado que representasse o governo teria, diante de si, uma tarefa hercúlea. Sua adversária estava perdendo pontos dia após dia, mas se esforçava denodadamente, e Jackson a admirava por isso.

Ele reparou nela desde o primeiro dia, principalmente pelo belo corpo. Era daquelas louras altas e esbeltas, pelas quais ele sentia verdadeira fraqueza. Ficara muito surpreso ao saber que Marisa era a advogada da parte contrária, mas o comportamento daquela mulher ao longo do julgamento só tinha conseguido fazer com que Jackson ficasse ainda mais atraído por ela, apesar de ela defender o governo. Marisa nunca perdia a compostura, nunca mostrava contrariedade quando o juiz se decidia contra ela, o que acontecia quase sempre. Agia como se Jackson não existisse, e isso o intrigava. Talvez ela estivesse tão concentrada no trabalho que não tinha notado o interesse quase palpável que ele tinha nela. De qualquer forma, Jackson tinha a intenção de averiguar o motivo daquela indiferença o mais breve possível. Naquele mesmo dia, aliás.

Ele continuou observando-a. Estava vestida com um bonito traje formal e blusa cor marfim, sapatos de salto alto, brincos de ouro fazendo jogo com o broche na lapela, e um elegante coque. Ela sempre estava vestida com roupas profissionais e simples, o que lhe escondia as deliciosas formas.

Como Jackson ansiava despenteá-la, tirar-lhe a roupa, contemplar aquele reluzente cabelo caindo-lhe sobre os ombros nus, ver aquela roupa de advogada espalhada pelo chão. Pelo chão do quarto dele. De repente, deu-se conta do que estava pensando, engoliu saliva e parou de olhar para Marisa.

Enquanto estivesse na sala do tribunal devia se concentrar no caso. Teria tempo para procurá-la quando acabasse a sessão.

Porque se sentia incapaz de continuar esperando.

Marisa seguia pelo corredor do tribunal com a intenção de ir embora e voltar para o hotel, quando ouviu que um homem a chamava. Soube quem era sem precisar olhar. Respirou fundo e se virou, tentando parecer tranquila.

— Jackson Bluewolf — ele se apresentou estendendo a mão.

— Eu sei quem o senhor é, Senhor Bluewolf — devolveu Marisa, correspondendo rapidamente ao cumprimento.

— Eu gostaria de conversar com você.

— Pode falar — respondeu ela em tom agradável. Então ela reparou em Jackson e pensou que ele devia ser muito alto. Ela estava usando sapatos altos e, mesmo assim, ele a ultrapassava uns quantos centímetros.

— Aqui não — ele disse. — Onde está hospedada? — ao ver que Marisa hesitava, ele se apressou a acrescentar: — Eu só pensei que poderíamos tomar alguma coisa no bar do seu hotel.

— Estou hospedada no Fillmore — respondeu Marisa, sentindo-se um pouco estúpida.

— Ótimo. No andar térreo do Fillmore tem um bar muito agradável. Permite que eu a acompanhe?

— Para que?

— Gostaria de falar com você. Sobre o caso, naturalmente.

— Creio que já falamos o necessário sobre isso na sala do tribunal — comentou Marisa.

— Serão apenas alguns minutos. Aceite, por favor.

— Está bem — ela acedeu com certa reserva.

— Quer que eu a carregue para você? — perguntou apontando a pasta de Marisa.

— Estou acostumada a carregar pastas executivas, senhor Bluwolf.

— Chame-me de Jack — ele pediu com um sorriso.

“Tenha cuidado”, Marisa disse para si mesma. Aquele homem era tremendamente encantador visto de perto. Além de um físico atraente demais, exibia um sorriso contagiante de dentes brancos e imaculados. Estava vestindo um terno de riscas de uma cor que favorecia o tom moreno da pele e os cabelos negros. Notou que os olhos dele eram de uma interessante cor âmbar.

Sim, ela devia ter muitíssimo cuidado.

— Do que se trata, senhor Bluewolf? — apressou-se a perguntar.

Jack deu uma risadinha.

— O que foi? — inquiriu Marisa, surpresa.

— Jack — ele lembrou com amabilidade.

Marisa deu de ombros. Parecia ridículo manter um tom formal com Jackson Bluewolf.

Ambos saíram para o suave ar da tarde. O hotel ficava do outro lado, e Jack pegou o braço de Marisa enquanto cruzavam a rua. Ela percebeu que ficara rígida, e em seguida fez esforço para relaxar. Estava se comportando como criança.

O bar do hotel estava abarrotado de felizes trabalhadores que tinham acabado de concluir a jornada. Jack cumprimentou o encarregado como se o conhecesse a vida inteira, e este logo os conduziu a um recanto acolhedor, afastado do barulho e do bulício.

— Ele é amigo seu? — perguntou Marisa, apontando o encarregado com a cabeça.

Jack fez um gesto afirmativo.

— Estou há vários meses em Ponte Azul, trabalhando no caso. Ben e eu costumamos vir muito aqui.

Ele estava se referindo a Ben Brady, o advogado da IDN. A menção daquele nome fez com que Marisa se lembrasse do que estava fazendo ali, por isso disse rapidamente:

— E então? — Jack arqueou as sobrancelhas. — O que você queria me dizer sobre o caso?

— Ah sim. Estava me perguntando se você tem consciência de que está defendendo a parte errada — ele disse.

O comentário de Jack refletia com tamanha exatidão o que ela mesma tinha se questionado que Marisa ficou petrificada. Esperou alguns instantes e em seguida disse:

— Não penso discutir sobre política com você, Senhor Bluewolf.

— Política?

— Os objetivos da IDN, por mais louváveis que sejam, não deixam de ser uma questão política. Minha incumbência é representar o governo federal diante do tribunal, e é isso o que pretendo fazer. Seria pouco profissional da minha parte não me esforçar ao máximo para ganhar o caso.

— Você disse-o bem — observou Jack enquanto estudava atentamente o rosto de Marisa.

Nesse momento uma garçonete se aproximou da mesa.

— O que você quer beber? — perguntou-lhe Jack.

— Uma soda com lima — ela disse.

— E um Bourbon para mim, obrigado — esperou que a garota se afastasse e disse: — Você substituiu outro advogado no último instante, não é?

— Como você sabe disso?

— Segundo os documentos do seu escritório de advogados, alguém chamado Arthur Winston ia representar o governo federal. Mas quando você se apresentou na audiência preliminar, adivinhei logo que não era Winston.

— Arthur sofreu um acidente de carro e tive que substituí-lo.

— Entendo — Jack se reclinou na cadeira e cruzou os braços. — Vou ser franco com você, senhorita Hanckok. Neste assunto está em jogo algo muito mais importante que um cemitério e uma rodovia. Os seminoles estão aproveitando este julgamento para divulgar uma longa história de vexames e maus tratos por parte do governo. As manifestações, os editoriais da imprensa, a indignação que parece se propagar por todo o condado..., pouco têm a ver com este caso em concreto. Há que se procurar as causas nas más condições de vida dos índios. Eles estão amargurados e descontentes com tudo isso.

— Sei disso perfeitamente — contrapôs Marisa.

— Você está no centro do redemoinho. É a representante mais visível do governo. Já se deu conta de que pode correr perigo?

Marisa olhou-o nos olhos do outro lado da diminuta mesa.

— Está me ameaçando, senhor Bluewolf? ­— pela erguntou com um tom sereno.

Jack bebeu quase a metade do copo antes de responder.

— Você não me entendeu — disse com voz áspera. — Só estou avisando para que vá com muito cuidado.

— Tenho certeza de que vai compreender que um aviso desse tipo pode ser considerado como tentativa de intimidação.

— Você está fazendo uma conclusão errônea, senhorita Hanckok.

— Talvez. Se for, nesse caso eu lhe peço desculpas. Só estou baseando minha reação na experiência. Você não é o primeiro que recorreria a táticas intimidadoras para me amedrontar. Pode-se ameaçar de forma mais sutil do que simplesmente dizer: “Pegue o primeiro avião e vá embora, senhorita, ou vai lamentar se ficar...”

— De onde você tirou esse conceito sobre mim? — ele perguntou suavemente, sem parar de olhá-la nos olhos.

— Não o conheço, senhor Bluewolf. Sei que minha chegada aqui não presumia nada de bom para sua organização. E, ainda que no momento não esteja me saindo muito bem no julgamento, eu não me rendo. Seria muito mais fácil, e mais barato, se me atirassem para fora da cidade ao invés de me enfrentarem. Se me assustarem para me obrigar a deixar o caso, vocês ganham. A confusão e o atraso que ocasionariam minha substituição por outro advogado redundariam em seu benefício. Ficou clara minha posição?

— Perfeitamente — ele respondeu meio tenso.

— Ótimo — disse Marisa se levantando. — Fico contente que tenhamos nos entendido.

Jack afastou a cadeira e também se levantou, com os olhos despendendo chispas.

— Obrigada pela bebida — acrescentou Maria, apesar de não ter tomado um só gole. Em seguida, deu meia volta e se afastou.

Jack esvaziou o copo enquanto a olhava ir embora. Depois bateu o copo na mesa com tal força que por pouco não quebrou o vidro.

Que mulher mais impossível! Tinha interpretado mal a intenção dele. Não obstante, ao invés de desanimá-lo, a reação fria e decidida de Marisa conseguira fazer com que o interesse dele por ela ficasse ainda maior.

Jack já estava querendo que o dia seguinte chegasse logo para voltar a vê-la.

 

Enquanto abria a porta do quarto do hotel, Marisa se sentia muito satisfeita consigo mesma. Jack Bluewolf acreditava mesmo que ela cairia em um truque tão batido? Por outro lado, mesmo que ele tivesse sido sincero e realmente estava preocupado com a segurança dela, não pensava virar as costas e fugir.

A luz da secretária eletrônica estava piscando. Marisa ligou e comprovou que Charles Wellman, o diretor do departamento de litígios do escritório de advogados onde trabalhava, tinha ligado enquanto ela estava no tribunal.

Verificou a hora. Charles trabalhava frequentemente até as seis, e com certeza ainda estava no gabinete.

— Charles Wellmam — respondeu depois do segundo toque.

— Você atende pessoalmente o telefone? — disse Marisa em tom jocoso.

— Margareth já foi. Como estão as coisas por aí?

Ela deixou escapar um profundo suspiro.

— Tão mal assim? — perguntou Charles muito sério.

— Qual é, Charlie. Você já sabia como seria isto quando me pediu para substituir Arthur. Os manifestantes se amontoam diante do prédio do tribunal todos os dias. Nos editoriais do jornal local fazem contínuos comentários sobre como os malignos federais pretendem destruir um ponto de interesse cultural. E, para completar, o juiz vai concorrer à reeleição na próxima primavera. Como você acha que está indo o caso?

— Você está defendendo bem?

— Imagino que sim. O juiz Lasky inclusive falou a meu favor hoje. Uma vez.

— Lembre-se do que eu lhe disse. Finque o pé quanto ao dinheiro que os contribuintes vão economizar se a rodovia passar pelo cemitério.

— Sim, sim. Mas é uma espécie de jogo de futebol político, Charlie. Mesmo que alguns prefiram economizar esse dinheiro, jamais vão se manifestar abertamente. Ah, já ia esquecendo. O chefão da IDN me convidou para um drinque esta tarde e fez um bonito discurso sobre o quanto está preocupado com minha integridade física.

— Jack Bluewolf?

— O próprio.

— A troco de que essa preocupação com a sua “integridade física”? Você recebeu alguma ameaça anônima ou algo parecido?

— Não, não. Particularmente, creio que ele só estava querendo me assustar.

— E ele a assustou?

— Por favor. Você está falando com a mulher que enfrentou o grande Jim Lafferty e o Sindicato dos Estivadores no ano passado. Estou muito tranquila.

— Como é esse Bluewolf?

— Você pode imaginar. Encantador. Certo de que é um porta-voz muito eficaz para a causa dele. Tem um sorriso que pode engambelar qualquer um.

— E Ben Brady?

— O advogado da IDN? Muito bom, como é de se esperar de um sócio de Henner, Wilson e Drumm. Você sabia que eles não estão cobrando um centavo pela defesa? Eles estão fazendo uma publicidade muito boa. Os jornais mencionam esse detalhe pelo menos uma vez por dia. E para completar, especulam sobre as quantias gastronômicas que os malvados do governo federal pagam para nós.

— Parece que isso está afetando você.

— Não é a primeira vez que sou impopular.

— De qualquer forma, vou mandar alguém para lhe dar uma mão.

— Você ressuscitou Clarence Darrow?

— Quase isso. Dei um jeito para que Tracy Crswell faça os exames o quanto antes. Assim poderá ir até aí para ajudá-la com o caso. Ela não vai voltar à universidade até o final de janeiro, de modo que vai ficar à sua disposição até o final das férias.

— Charlie, isso é magnífico! Será muito bom ter uma ajudante. Estou experimentando novas técnicas quase que todos os dias, e mal disponho de tempo para estudar os precedentes.

— Tracy vai chegar aí esta mesma noite. Margareth já reservou um quarto para ela ao lado do seu.

— Esta é a melhor notícia que recebo desde que cheguei. Tracy é uma garota muito competente. De repente me sinto mais otimista.

— Tenha fé, menina. A firma não espera milagres. A única coisa que temos que mostrar para o governo é que estamos lutando de forma digna para defender-lhe os interesses. Ninguém vai se escandalizar se você perder o caso.

— Não haverá nenhuma decepção?

— Isso eu já não posso prometer. Seria magnífico se você pudesse ganhar o caso, naturalmente.

Fez-se um longo silêncio.

— Farei o que estiver ao meu alcance — disse Marisa por fim com tom resignado.

— Eu sei. Eu volto a ligar para você outra hora. Cuide-se.

— Adeusinho — Marisa desligou o telefone. Nesse instante alguém bateu à porta.

— Sim

— Entrega especial — disse uma voz de homem.

Marisa abriu a porta e o homem lhe entregou uma cesta de vime coberta com papel de embrulho verde. Era de uma floricultura.

— Tem certeza de que é para mim? — perguntou perplexa.

O homem consultou o papel.

— Marisa Hanckok, quarto 213 — perguntou.

— Sim.

— Pois então é para você mesma.

Marisa rebuscou na bolsa, deu uma gorjeta para o homem e fechou a porta. Tirou o envoltório da cesta e viu um pequeno cartão junto de um perfumado buquê de flores de laranjeira. O cartão dizia?

“Você me julgou muito mal. Dê-me outra oportunidade. Jack”.

Típico egoísmo machista, pensou Marisa. Como se ele fosse o único Jack do mundo. Aproximou o nariz do buquê e inalou o cativante perfume. Em seguida, colocou a cesta sobre a mesa e começou a ler o cardápio do hotel para pedir o jantar.

Estava revisando as notas que tinha feito durante a sessão daquele dia quando bateram à porta. Ouviu a voz de Tracy, que gritou:

— Yuhu, sou eu!

Marisa abriu a porta para Tracy entrar. A garota estava com uma camiseta onde se lia “Bem-vindo ao Estado do Sol” e um chapéu de palha enfeitado com limões e limas de plástico.

— Seu departamento de investigação acaba de chegar — anunciou antes de se jogar na cama.

— E você se vestiu adequadamente para a ocasião — disse Marisa dando risada.

— Comprei estas coisas no aeroporto. É a primeira vez que venho à Flórida e pensei em absorver o espírito do lugar. Não se parece em nada ao Maine, né? Lá faz muito mais frio.

— Como estão as coisas em Bar Harbor?

— Vou lhe dizer, está muito frio lá. Ainda não acredito que Charlie decidiu me mandar para cá. Com certeza você o convenceu de que tinha chegado a hora de lhe mandarem os marines.

— Sim, insisti praticamente todos os dias.

— Ahá! Bom, não que me deprimisse a ideia de deixar a tundra para viajar para a terra da loto.

— Não se emocione. Você mal vai ter tempo de ir à praia. Vai estar muito ocupada trabalhando.

— E nos finais de semana?

— Também.

— Mas você não pode me dar nem duas horinhas livres aos domingos? Não posso voltar sem ter tomado sol. Senão ninguém vai acreditar que estive aqui —Tracy contornou a cama e deu uma olhada nas flores em cima da mesa. — O que é isso?

Marisa se jogou sobre a cesta, mas Trazy pegou primeiro.

— “Dê-me outra oportunidade. Jack”. — murmurou. — Quem é Jack?

— Ninguém. Esqueça-se disso. — respondeu Marisa enquanto tirava o cartão dela com um puxão.

— Jack, Jack, Jack — sussurrou Tracy. De repente o rosto dela se iluminou. — Mas é claro! É o líder da IDN, Jackson não sei do que, não é? Eu o vi na televisão semana passada.

— Pura coincidência — disse Marisa num tom pouco convincente.

— Nada disso — Tracy fez uma careta feia. — Você só está aqui há três semanas e já conseguiu que o chefe da oposição lhe mande flores. Por que essas coisas nunca acontecem comigo?

— Você está exagerando. Mal conheço aquele homem. Ele acredita que eu interpretei mal uma coisa que ele disse e essa é a forma de...

— De cortejá-la? — Tracy concluiu a frase por ela.

— Não seja ridícula. Imagino que ele está só tentando se desculpar.

— Você deve ter notado que esse cara é um bombom.

— Tracy, por favor. Estive atarefada demais para prestar atenção nesses detalhes.

— Já vi tudo. Ele a deslumbrou.

— Oh... —Marisa lançou-lhe um olhar que teria feito qualquer outra pessoa se calar, mas Tracy era mais persistente que a maioria.

— E o que foi que ele disse que você interpretou mal? — quis saber.

— Bom, ele me convidou para beber alguma coisa...

— Ahá! — exclamou Tracy em tom triunfante.

— Para me avisar que meu papel de advogada do governo poderia acarretar certos perigos para mim.

— Que homem mais amável — ao ver que Marisa a olhava fixamente, Tracy perguntou: — O que foi? Falei alguma coisa errada?

— Ele só estava tentando me intimidar, Tracy. Fingindo preocupar-se comigo, deixou bem claro que me convinha ter muito cuidado.

— Você ficou paranoica, Marisa.

— Você acha? Sabe quantas vezes, durante o julgamento de Lafferty, um daqueles capangas dele teve uma agradável conversa comigo para me avisar educadamente que, se eu continuasse no caso, podia acabar com um par de botas de cimento?

— Eles lhe disseram isso mesmo? — murmurou Tracy horrorizada.

— Claro que não. Foram muito mais sutis, se bem que nenhum deles se aproximou nem de longe do jeito bajulador e obsequioso do senhor Bluewolf.

— Vai ver que ele estava sendo sincero com você.

— Eu mereço — disse Marisa revirando os olhos.

— Você passa tempo demais entrevistando delinquentes — repôs Tracy balançando a cabeça.

— Pode ser. Mas já sou bem grandinha para cair rendida aos encantos do senhor Bluewolf.

— Então você admite que ele é encantador.

— Se você gosta desse tipo de homem, sim.

— A que tipo de homens você se refere? Aos homens lindos, sofisticados e corretos? — sugeriu Tracy com um sorriso travesso.

— Feche o bico — respondeu Marisa. — Venha, está na hora de trabalhar.

— Como é? — exclamou Tracy indignada. — Você nem sequer vai me deixar jantar primeiro?

— Pediremos um hambúrguer ao serviço de quarto.

— Puxa, muito obrigada.

Marisa lhe entregou um bloco com uma folha impressa grampeada na capa.

— O que é isso? — perguntou Tracy apontando a folha com o dedo.

— Uma lista de todos os casos de direito de expropriação do Estado que aconteceram na Flórida nos últimos cinquenta anos.

— Caramba, quanto detalhe.

— Eu sabia que você não ia querer perder um só minuto.

Em seguida, Marisa lhe passou o telefone e indicou-lhe o número do serviço de quarto.

 

No dia seguinte, no julgamento, Marisa pediu acesso aos registros dos seminoles, nos quais estavam detalhados os números das sepulturas e a respectiva localização no cemitério, a fim de determinar o custo de um possível traslado. Ficou atônita quando o juiz Lasky aprovou sua moção, bem como os repórteres, que de imediato correram em massa para os telefones mais próximos. Quando acabou a sessão da manhã, os repórteres voltaram a ficar alinhados no corredor, aguardando os comentários de Marisa sobre tal decisão que, com toda certeza, deixaria a comunidade indígena indignada. Através das portas da sala olhou consternada a multidão que a aguardava, e se arrependeu de ter mandado Tracy até a biblioteca. Teria agradecido a companhia dela naquele momento crítico.

— Se eu fosse você, não sairia por aí — disse a voz de Jack às suas costas.

— Você poderia se dar esse mesmo conselho — respondeu Marisa com secura, enquanto se virava para olhar para ele. Estava vestindo terno bege claro e camisa marrom, o que fazia os olhos cor de âmbar reluzirem como ouro.

— Conheço um atalho no andar térreo — disse. Ao ver que Marisa o olhava com receio, acrescentou: — Só estou tentando ajudá-la.

— Verdade?

— Por aquela porta — explicou Jack apontando com o dedo. — Você vai evitar esse bando de abutres e vai sair direto no estacionamento.

Marisa suspirou e assentiu com a cabeça.

Eles foram para os fundos da sala e depois desceram pela escada de incêndio. Jack ia à frente. Eles saíram no que, obviamente, era o porão, pois o teto estava coberto de canos e placas de cimento. De repente, dois homens que Marisa reconheceu como repórteres apareceram no corredor.

— Oh, oh — exclamou Jack.

— Parece que você não foi o único a quem ocorreu essa brilhante manobra — observou Marisa.

— Eles não nos viram. Venha por aqui — disse, pegando a mão dela.

Marisa nem teve tempo de protestar. Jack a puxou e a conduziu até um corredor lateral. Abriu uma porta com um puxão e ambos entraram. Marisa enfiou o pé em um balde metálico, que caiu fazendo um enorme estrondo.

— Isto é um armário — disse, enquanto tirava o pé do balde.

— Pois é — Jack fechou a porta. A batida do balde fez com que um esfregão caísse e lhe batesse na cabeça. Marisa tampou a boca tentando não rir. — Bom, o que achou do meu ousado resgate? — perguntou tirando um fiapo do esfregão do olho.

— Bastante impressionante — ela respondeu com uma risadinha.

— Ei, por acaso você não se livrou dos repórteres? — colocou o esfregão no lugar e se virou para olhar para Marisa. Os dois se olharam nos olhos naquele reduzido espaço do armário. O sorriso se esfumaçou do rosto de ambos e reinou o silêncio.

— Provavelmente eles já se foram — comentou Marisa por fim.

— Como é? — ele perguntou, ao que parecia, embevecido.

— Creio que já podemos sair — ela respondeu.

— Ah. Bem — Jack abriu a porta e retrocedeu um passo para que Marisa saísse primeiro. Já no corredor, deram uma olhada cautelosa e confirmaram que não havia mouros na costa. — Recebeu as flores que lhe mandei?

— Sim. Obrigada.

— O que estava escrito no cartão é sério — colocou a mão no braço dela. — Meu aviso foi bem intencionado. Alguns rapazes ativistas se excedem. Eles se vêm em situações como esta e perdem a visão do conjunto.

— A visão do conjunto?

— Bom, digamos que não vai favorecer em nada nossa causa vê-la como a advogada que simplesmente representa a parte contrária em um conflito legal. Não se trata de combater pessoas concretas.

— No entanto, nem todos os integrantes da IDN enxergam a coisa desse modo — ela disse em tom suave.

Jack deu de ombros.

— Eles estão frustrados e irritados porque você está fazendo um bom trabalho. Conseguir autorização para acessar os registros da tribo foi um ótimo golpe da sua parte, e vai nos causar problemas.

— Você acha que eles vão colocar uma bomba no meu hotel? — perguntou Marisa com desenvoltura.

— Não se eu puder evitar — ele respondeu muito sério.

Marisa notou que ele lhe segurava o pulso com força.

— Tenho algumas anotações no carro que vou precisar para a sessão da tarde — ela se apressou a dizer. — Preciso organizá-las.

— Posso convidá-la para almoçar? — ele perguntou olhando-a nos olhos.

— Não, tenho muito trabalho. Estava pensando em pular o almoço.

Jack meneou a cabeça.

— Quanta dedicação. Acredita mesmo que os federais merecem tudo isso?

— Qualquer cliente merece que seu advogado o represente com eficiência — afirmou Marisa taxativamente.

— Não fique tão séria, senhorita Hanckock. Eu estava apenas brincando. Vou acompanhá-la até o carro.

Subiram um lance de escada e saíram do porão para o sol da tarde.

— Ali está meu carro. Obrigada.

Jack observou o carro alugado.

— Pelo que o governo paga ao seu escritório eles bem que podiam ter lhe dado um modelo mais luxuoso.

— Esse está bom para mim.

— Você é uma mulher de gostos simples, hein?

— E péssima motorista, além do mais. Esses carros cheios de coisas, com painéis de instrumentos muito complicados me deixam apavorada. As máquinas, sejam elas quais forem, deixam-me frenética.

Jack lhe pediu as chaves do carro e o abriu. Marisa abriu uma das portas traseiras e tirou uma nécessaire de viagem.

— Aqui está — disse.

— Eu a verei no tribunal – Jack se despediu e se afastou com andar tranquilo.

— Más notícias — disse Tracy enquanto largava o jornal na bandeja do café da manhã de Marisa.

— E alguma vez elas são boas? — respondeu Marisa com voz cansada.

— Segundo as manchetes do jornal, houve uma briga em um bar do centro. Foi entre um grupo de índios jovens e alguns indivíduos que defendiam o plano do governo pelos postos de trabalho que vai proporcionar. Um dos cabeças dos seminoles acabou morto. Tinha dezoito anos.

— Meu Deus! — sussurrou Marisa. A torrada que ela tinha nas mãos caiu. E ficou muito pálida.

— E como se não bastasse — prosseguiu Tracy — o Departamento de Assuntos Indígenas nos designou um “assessor”. O senhor Randall Block vai chegar amanhã para nos ajudar no caso. Devemos brindar-lhe nossa “total colaboração”... — Tracy deixou a mensagem em cima do jornal e olhou para Marisa com as mãos nos quadris.

— Talvez seja bom que ele venha. Não seria nada mau um conselho — disse Marisa com voz serena. — Nunca pensei que alguém fosse acabar assassinado, Tracy. Isso é horroroso.

— O jornal afirma que foi um acidente. Ao que parece, o rapaz lutou com o tal sujeito. O oponente o empurrou e o rapaz bateu a cabeça ao cair.

— É a mesma coisa. O que acontece é que o rapaz morreu. Nenhuma autópsia vale a perda de vidas humanas, pelo amor de Deus! Tenho vontade de abandonar o caso agora mesmo.

— O governo iria em frente com outro advogado, e você teria problemas no escritório — ponderou Tracy. — Você precisa ficar e continuar até o final — o telefone tocou e Tracy atendeu. — Pois não? — Ouviu por um tempo e depois disse: — Não, sou a assistente dela. Um momento, vou passar para ela.

— Quem é? — perguntou Marisa.

Tracy lhe passou o telefone e respondeu:

— Jackson Bluewolf, o homem que você mal conhece.

Marisa pegou o fone e lançou um olhar assassino para Tracy:

— Pois não? — respondeu titubeando.

— Ficou sabendo do que aconteceu ontem à noite? — perguntou Jack laconicamente.

— Sim. Lamento muitíssimo. Nem sei o que dizer.

— Não diga nada. Estou ligando para lhe pedir que solicite um adiamento. Preciso de alguns dias para acalmar jovenzinhos com cérebro de mosquito. Se a audiência continuar hoje, como está previsto, pode haver muitos problemas.

— Lasky já concedeu três prorrogações à minha equipe quando Arthur sofreu o acidente. Ele não vai me conceder mais nenhum adiamento. Seu advogado não pode fazer essa solicitação?

— Brady se nega a tanto. Ele acha que, quanto mais agitação houver, mais beneficiados seremos. E Lasky já deixou bem claro que quer acabar com este assunto o mais rápido possível.

— Não posso mais pedir nenhum adiamento. Lasky iria indeferir minha solicitação. Brady é que terá que fazer essa solicitação.

— Só que ele se nega a me ouvir. Ele só quer ganhar o caso, e pouco lhe importa se alguém sair prejudicado nessa história.

— Um comentário estranho vindo de você, senhor Bluewolf. Há quem pense que seu único papel em tudo isto foi para exacerbar o problema — replicou Marisa com certo mau humor.

Fez-se um longo silêncio.

— Estou nisto porque não quero que o governo prive mais índios das respectivas posse e terras, senhorita Hancock — respondeu Jack, finalmente. — Isso é tudo.

— Claro. Você é completamente inocente. Já ouviu falar na história do aprendiz de feiticeiro?

— Como é? — ele repôs com exasperação.

— Não se lembra da história do aprendiz de mago que se afogou nas águas que ele mesmo invocou? Conseguiu o que desejava, mas perdeu o controle da própria criação.

Jack desligou bruscamente.

Marisa recolocou o fone no gancho com ar tranquilo.

— O que aconteceu? — quis saber Tracy.

— Esse homem é incrível. Nunca conheci ninguém tão descarado. Vem aqui para colocar os seminoles em pé de guerra e, quando consegue, quer que eu o ajude a aplacar os ânimos solicitando um adiamento.

— No seu lugar eu não solicitaria — disse Tracy. — Pelo que você me contou de Lasky, ele pode ficar furioso.

— Talvez. Brady, por sua vez, se nega a pedir, e Bluewolf quer que eu peça. Sabe que Lasky me esfolaria viva. Mesmo assim, exige que eu o ajude a resolver um problema que ele mesmo criou.

— Não foi Bluewolf quem criou o problema, Marisa. Os seminoles se levantaram em protesto muito antes de ele aparecer.

— Bom, pois ele contribuiu para que as coisas piorassem. Ele nem sequer é seminole. É da Tribo dos Pés Pretos da Reserva de Quadro, em Oklahoma. Ele percorre o país para apoiar a causa dos índios. O que é muito louvável, não discordo sobre isso...

— Mas não lhe parece tão louvável quando prejudica sua carreira — objetou Tracy.

— Não é justo você dizer isso! — exclamou Marisa, jogando o guardanapo do café da manhã no cesto de lixo. — E também não quero que ninguém saia prejudicado. Simplesmente me incomoda o fato de que Bluewolf pretenda me pressionar para que eu faça algo que compete ao advogado dele.

— Você não está se alterando demais não? Bluewolf pode ter pensado que valia a pena experimentar essa tática.

— Se eu solicitasse um adiamento Lasky ia acabar comigo, e o bando de Bluewolf alcançaria o objetivo facilmente. Você não se sentiria usada se estivesse no meu lugar?

— Suponho que sim — respondeu Tracy. — E agora, o que está pensando fazer?

— Se o senhor Bluewolf quer um adiamento, ele que peça por conta própria. Eu vou me apresentar no tribunal às nove horas em ponto, como está previsto — afirmou Marisa taxativamente. Depois foi até o banheiro tomar banho.

 

Ela se sentiu menos valente uma hora mais tarde, quando saiu do hotel às oito e quarenta e cinco e viu a multidão aglomerada diante das portas do tribunal. Havia muito mais pessoas que de costume, e a gritaria era ensurdecedora. Quando Tracy e ela cruzaram a rua, a multidão prestou atenção nelas e o vozerio cresceu em intensidade.

— Meu Deus! — exclamou Tracy. — Nós devíamos pedir escolta oficial.

— Tente não parecer assustada — respondeu Marisa.

— Para conseguir fingir a tal ponto eu teria que ter frequentado uma academia de arte dramática — disse Tracy muito séria.

Atravessaram a rua e entraram na multidão, que no ato se dividiu para deixá-las passar, como se fosse o próprio Mar Vermelho. Marisa ficou olhando em frente o tempo todo enquanto subiam as escadas do tribunal, de forma que não viu que alguém lhes apontava um revólver.

Os instantes seguintes foram muito confusos. Marisa ouviu que Tracy gritava e viu que Jackson Bluewolf aparecia como se fosse um gênio saído da lâmpada. Pegou-a pelos braços e a afastou para um lado com tanto ímpeto que Marisa caiu no chão. Nesse instante ouviu-se o som de um tiro. Jackson cambaleou ao lado dela. A bala havia entrado no ombro dele.

A cena se transformou em um autêntico caos. Marisa procurou se levantar, atônita, enquanto as pessoas corriam de um lado para o outro gritando: “Atiraram nele! Chamem a ambulância”! A polícia acudiu rapidamente e apreenderam o autor do disparo, que gritava entre soluços:

— Eu não queria acertar Jack! Eu não queria acertar Jack!

Bluewolf se retorcia como um boneco quebrado na escada do tribunal. Estava com os olhos fechados e o paletó empapado de sangue.

Marisa se aproximou dele engatinhando e lhe desabotoou a gravata. Jack abriu os olhos fugazmente e ela percebeu que ele a reconhecera. Nesse momento alguém apareceu ao lado deles e disse:

— Sou médico — depois pediu que ela se afastasse para que pudesse atender o ferido.

Marisa não atinou que estava chorando até que Tracy se sentou junto dela no degrau e lhe deu um lenço. Em volta delas, os clics das câmeras e as vozes da multidão formavam um confuso som de fundo.

— Aquela bala era destinada a mim — soluçou Marisa.

— Eu sei — respondeu Tracy sem olha-la no rosto. — O autor do disparo é irmão do rapaz falecido. Ouvi alguém comentar.

As duas ficaram observando colocarem Jack na maca e depois transportá-lo até a ambulância.

— Você não precisa me dizer nada — disse Marisa angustiada. — Sei que tudo isso foi culpa minha — Tracy se limitou a mexer a cabeça. — Quero ir até o hospital — acrescentou pondo-se em pé.

— Não acredito que a deixem vê-lo.

— Pelo menos preciso tentar.

— De qualquer maneira, — respondeu Tracy se levantando — é melhor que a gente vá embora daqui. Quando essa confusão acabar eles vão se virar contra nós. Vamos embora.

De volta ao hotel, Marisa ligou para o hospital. O estado de Bluewolf era estável, mas não eram permitidas visitas.

— Fique aqui no hotel, Tracy — disse. — Veja se consegue se comunicar com o juiz Lasky. Depois telefone para o escritório. Tome nota de todas as ligações que receber enquanto eu estiver fora. — Tracy olhou-a fixamente. — Por que está me olhando desse jeito?

— Vão lhe atacar em massa se você for ao hospital.

Mas Marisa foi, de qualquer forma.

O vestíbulo do hospital estava infestado de jornalistas e policiais. Ben Brady, o advogado da IDN, viu Marisa e foi até ela. Pegou-a pelo braço e levou-a até um corredor afastado.

— Que demônios você está fazendo aqui? — perguntou olhando de rabo de olho para o vestíbulo de onde tinham acabado de sair.

—O mesmo que você — respondeu Marisa, soltando-se com um puxão. — Eu queria me certificar de que Bluewolf está bem.

— Se você voltar lá fora, os jornalistas vão comê-la viva. Todos sabem que quando o rapaz atirou, o alvo era você.

— Foi você quem divulgou a notícia? — inquiriu Marisa friamente.

— Ei, não jogue em cima de mim se foi você que meteu os pés pelas mãos! Se houvesse solicitado o adiamento nada disto teria acontecido.

— Você podia ter feito tal solicitação tanto quanto eu! Mas se negou terminantemente, conforme Bluewolf comentou comigo.

— Quando ele lhe disse isso? — perguntou Brady semicerrando os olhos.

— A esta altura, isso já não importa mais. Você pode me levar até o quarto dele?

— E por que eu faria isso? — replicou Brady.

— Porque Jack acabou ferido enquanto tentava me proteger. Se você fosse decente, iria permitir que eu confirmasse que ele está bem. — Brady a analisou em silêncio por alguns segundos. — Ou será que me enganei ao considerá-lo uma pessoa decente?

Brady encolheu os ombros.

— Posso até leva-la até o quarto, mas acho que você não vai conseguir vê-lo.

— Eu vou correr o risco, e vou tentar assim mesmo.

Brady a conduziu através da multidão, afastando os jornalistas agressivos e ignorando os chiados estridentes que os assaltavam de todos os lugares. Quase tiveram que correr para chegar ao elevador. Brady apertou o botão com a palma da mão e ambos se encostaram às paredes da cabine enquanto subia.

— Belo grupo, hein? — ele comentou sarcasticamente.

No terceiro andar se respirava um ambiente muito mais tranquilo. Brady apresentou Marisa ao médico que estava cuidando de Jack.

— Como está o senhor Bluewolf? — ela perguntou com ansiedade.

— Você não é da família, não é?

— Não. Sou...

— Ela era o alvo do autor do disparo — disse Brady por ela.

— Ah. Entendi. — O médico assentiu com a cabeça. — Bom, ele perdeu muito sangue, mas está recebendo transfusão. Ele é jovem e forte. Em seguida nós vamos opera-lo para extrair a bala. Ele vai se recuperar sem problemas, se não surgirem complicações inesperadas.

— Obrigada — respondeu Marisa fechando os olhos.

— Como foi que ele recebeu a bala que era para você? — perguntou o médico com curiosidade.

— Foi um acidente. Ele tentou me afastar da trajetória da bala — explicou Marisa.

— Você ouviu, doutor? — interviu Brady em tom jocoso. — Ainda existem cavaleiros andantes neste mundo.

Marisa o silenciou com um olhar de censura.

— Posso vê-lo? — ela perguntou ao médico.

— Receio que não será possível até depois da cirurgia. A mãe e a irmã dele já saíram de Oklahoma e estão a caminho. Elas decidirão quem pode visitá-lo ou não.

— Posso ficar até terminar a cirurgia?

O médico apontou uma pequena sala de espera no final do corredor.

— Pode esperar sentada ali, se quiser. Vamos demorar um pouco — e se afastou para dar passagem a uma enfermeira.

— Você está pensando em ficar? — Brady perguntou para Marisa.

— Sim.

— Por que não volta para o hotel? Eu ligo para você para colocá-la a par da situação.

Marisa negou com a cabeça.

— Eu vou esperar — disse.

— Você se considera responsável pelo acontecido, não é? — acrescentou o advogado em tom provocador.

— Adeus — respondeu Marisa dando meia volta. Foi até a sala de espera e se sentou em uma das cadeiras de plástico.

Fora um dia muito longo. Falou pelo telefone com Tracy algumas vezes, assistiu um filme na televisão da sala e, finalmente, adormeceu ali mesmo. Quando uma enfermeira a acordou já tinha anoitecido.

— Não é você que estava esperando o resultado da cirurgia do senhor Bluewolf?

— Sim — respondeu Marisa dando um pulo na cadeira.

— Ele já saiu do pós-operatório e já está no quarto. Ele vai se recuperar — Marisa assentiu com a cabeça e apertou a mão da enfermeira como sinal de agradecimento. — Por que não vai para casa? — sugeriu amavelmente a mulher.

Marisa se levantou e foi para o vestíbulo.

Era bastante discutível chamar um hotel de casa.

 

— Você não está pensando em voltar ao hospital, está? — perguntou Tracy em tom exasperado na manhã seguinte. Elas estavam tomando o café da manhã na cafeteria do hotel.

— Pode ter tido alguma mudança esta noite.

— E se você der de cara com os familiares de Bluewolf? Acha que eles vão recebê-la de braços abertos?

— Eu vou arriscar.

— Charlie disse que ia ligar hoje de manhã. Aquele agente da polícia local vai voltar para que você preste declaração sobre o que aconteceu. E Block, o cara do Departamento de Assuntos Indígenas, vai chegar hoje à tarde. E ele não vai querer me ver, e sim, você.

— Estarei de volta lá pelas quatro — respondeu Marisa enquanto pendurava a bolsa no ombro. — Vou ligar para você dentro de algumas horas para ver como tudo está indo. Talvez Lasky decida hoje a data em que retomará o julgamento.

— E se ele quiser falar diretamente com você?

— Ele que ligue para o hospital. Estarei na sala de espera do terceiro andar.

Tracy fez um gesto de despedida e voltou a se concentrar na omelete diante dela. Se Marisa estava empenhada em montar guarda no hospital, não seria ela que iria impedi-la.

A mãe e a irmã de Jack estavam no corredor quando Marisa chegou ao terceiro andar. Não precisaram se identificar. A garota alta, com o cabelo negro pela cintura se parecia muito com Jack, e a mulher mais velha era, evidentemente, a mãe dele.

— Sou Marisa Hancock — disse para a garota, oferecendo-lhe a mão. O coração estava batendo com força.

A garota ficou olhando-a, perplexa.

— A advogada do governo no caso da autoestrada — explicou Marisa sem rodeios.

A garota continuou olhando-a, com os olhos muito abertos.

— Você é a pessoa a quem Jeff Rivertree queria acertar aquele tiro — disse surpresa.

Marisa fez um leve gesto afirmativo.

— O que foi, Ana? — perguntou a mãe.

— Pode deixar que eu cuido disto, mamãe — respondeu a jovem. — Por que não vai até a sala de espera e se senta um pouco? Eu não vou demorar.

A mulher vacilou um segundo e em seguida se foi. A irmã de Jack se virou de novo para Marisa.

— Eu sou Ana Cárter, irmã de Jackson. Veio aqui a troco de que, senhorita Hancock? — perguntou friamente.

— Esperava que me permitissem entrar para ver seu irmão.

A moça cruzou os braços e olhou fixamente para Marisa.

— Então você está querendo visitar meu irmão, é isso, senhorita Hancock? — perguntou, arqueando as sobrancelhas.

— Exatamente.

— E acha que ele quer vê-la também?

— Eu preciso vê-lo pessoalmente para me certificar de que ele está bem — confessou Marisa.

— Não lhe basta a palavra do médico?

Marisa suspirou e olhou para as mãos.

— Senhorita Cárter, a situação está muito complicada. Sinto-me responsável pelo fato de que seu irmão acabou ferido. Não lhe parece motivo suficiente para preocupação?

— Sim. Eu falei com o senhor Brady. Entendo sua posição, senhorita Hancock, e, acredite em mim, eu não gostaria de estar no seu lugar.

— E então, vai permitir que eu o veja ou não? — perguntou Marisa abertamente.

— Não — respondeu Ana com brusquidão. — Hoje só a família pode visitá-lo.

— E amanhã?

— Isso vai depender do médico.

— Muito bem. Pois eu volto amanhã.

Marisa deu meia volta para ir embora, mas a irmã de Jack lhe disse:

— Provavelmente vai perder tempo.

— Eu assumo o risco — replicou Marisa, e em seguida se afastou pelo corredor.

Naquela mesma tarde, Marisa ficou conhecendo Randall Block, do Departamento de Assuntos Indígenas. Block parecia interessado única e exclusivamente em ganhar o caso a todo custo, e tirou Marisa do sério com uma série de sugestões inviáveis pensadas para tumultuar ainda mais a situação. Depois daquele encontro infrutífero, Marisa foi até a delegacia e respondeu a intermináveis perguntas óbvias. Quando voltou ao hotel, ficou sabendo que o processo fora adiado por duas semanas. Não obstante, o escritório lhe deu autorização para que ficasse na Flórida durante aquele tempo para continuar trabalhando no caso.

— Não fica surpresa por Charlie não querer vir pessoalmente supervisionar o caso? — perguntou-lhe Tracy. Ambas estavam nervosas demais para conciliar o sono.

— O que me surpreende é que não me fizeram voltar para a Flórida para me fuzilar — respondeu Marisa, esticando-se na cama.

— Vão culpa-la pelo que aconteceu com Bluewolf?

— O que mais seria? Eu me sinto culpada.

— Por quê? Legalmente falando, você tomou a decisão correta. Se Brady não estivesse disposto a irritar Lasky solicitando o adiamento, você tinha todo o direito a se negar. Qualquer advogado teria feito o mesmo.

— Não tomei essa decisão por motivos estritamente legais — disse Marisa fechando os olhos. Tracy se sentou no pé da cama, esperando uma explicação. — Devo confessar que havia outras razões.

— Quais? — quis saber Tracy.

— Eu me sinto atraída por Bluewolf, e ele sabe disso. Ele procurou se aproveitar dessa circunstância para me manipular.

— Tem certeza?

Marisa cruzou os braços sobre a testa.

— Não passei muito tempo com ele, mas entre nós existe uma química evidente. Tenho certeza de que ele tem o hábito de deslumbrar as mulheres. E eu me neguei a ser controlada como mais uma loura burra.

— Mesmo assim, você fez o que convinha ao seu cliente — insistiu Tracy. — Você é uma excelente profissional.

Marisa sorriu com tristeza.

— Obrigada, Tracy. Neste momento me faz muito bem um voto de confiança.

— Agora, esse tal de Randal Block é um cretino, não acha?

— Bom, ele é um burocrata. Menos mal que vai voltar para Washington amanhã de manhã. Tomara que ele fique por lá — levantou-se da cama. — O que acha se dermos um pulo até o restaurante italiano da Evans Boulevard? Preciso tomar ar, e Charlie vai pagar a conta.

— Mas é para já! — Tracy se levantou de um salto e ambas foram para a porta.

 

Passaram-se dois dias até que Marisa conseguiu visitar Jackson Bluewolf. A irmã dele pareceu se compadecer dela finalmente, e a acompanhou até o quarto de Jack.

— Tenho certeza de que vou acabar me arrependendo por isto — murmurou.

Jack levantou os olhos quando Ana anunciou:

— Você tem visita.

Em seguida desapareceu quando Marisa cruzou a porta.

Jack estava recostado em um monte de almofadas macias. A pele morena fazia um agradável contraste com a brancura do linho imaculado. O equipamento de soro intravenoso continuava junto à cama, mas já haviam retirado dele todos os tubos e borrachas. Ele estava enfaixado até a cintura e estava com o braço apoiado em uma tipoia. Marisa se sentiu aliviada ao comprovar que Jack estava com aspecto forte e saudável. Mesmo assim, era evidente que estava zangado. Muito zangado.

— O que você está fazendo aqui? — perguntou-lhe com um tom furioso.

— É que... Eu... — agora que finalmente conseguira vê-lo, Marisa não sabia o que dizer.

— Vou ter uma conversa séria com minha irmã. Olha quem ela deixou entrar. Você a enfeitiçou ou o quê? — continuou Jack.

— Eu disse para ela que queria me certificar pessoalmente que você está bem — repôs Marisa.

— Bom, pois já se certificou. Estou vivo. Pode ir embora agora.

— Posso fazer alguma coisa por você— perguntou Marisa hesitante.

— Não acha que já fez o bastante? — respondeu Jack.

— Você sabe que eu não queria que isso acontecesse — disse Marisa com voz serena.

— Mas não quis me escutar! — espetou apontando um dedo acusador para ela. — Se você tivesse me dado ouvidos nada disto teria acontecido!

— Parece que você tem muita certeza do que diz — ela respondeu em tom sarcástico, já cansada daquela atitude hostil.

— Você nem sequer reconhece que estava errada! Meu Deus, eu conheci muita gente teimosa, mas você ganhou o troféu!

— Ora, vamos, havia mais alguma coisa nessa coisa toda! E você sabe disso! — acrescentou Marisa acaloradamente.

— O que você quer dizer com isso? — perguntou Jack semicerrando os olhos. Inclinou-se na cama com impaciência.

— Eu me refiro ao buquê de flores, àquela intrépida manobra onde você acabou me salvando dos jornalistas... Acha mesmo que eu não ia perceber o motivo de tantas atenções?

Jack olhou para ela fixamente durante longos minutos. Aqueles olhos negros pareciam mais penetrantes do que nunca devido ao estado dele. A barba de alguns dias que lhe cobria a mandíbula fazia com que ele parecesse mais duro do que de costume, e, curiosamente, mais atraente até.

— Talvez você possa me explicar sobre o que está falando — disse com voz serena. Serena demais.

— Você achou que me bajulando poderia influir na forma como eu levaria o caso — respondeu Marisa sem rodeios.

— Você deve ter a autoestima baixa, senhorita Hancock — disse Jack depois de alguns momentos.

— Não entendi essa.

— Não lhe passa pela cabeça outra explicação para minhas atenções, como você diz, além de um suposto desejo de derrotá-la no tribunal?

Marisa percebeu que estava ruborizando.

— Se você pensa que vou cair nesse truque, engana-se mais uma vez — respondeu com tom inseguro.

— Ah, vá para o diabo — exclamou Jack desgostoso. — Vá embora agora!

— Espere um pouco...

Jack pegou uma garrafa de plástico vazia que estava sobre a mesinha e a arremessou. A garrafa bateu com força na parede, atrás de Marisa.

— Eu já disse para você ir embora! — ele vociferou.

Ela ficou olhando para ele atônita.

— Você tentou me acertar com a garrafa! — exclamou com um suspiro sufocado.

— Se fosse essa a minha intenção, fique certa que eu teria acertado! — disse Jack apertando os dentes. — Eu só quero que você vá embora!

Uma enfermeira assomou à porta e olhou abismada para a garrafa rolando pelo chão.

— Mas que demônios está acontecendo aqui? — perguntou.

— Leve embora essa mulher daqui do meu quarto — pediu Jack com frieza. — Ela me deixa com o estômago embrulhado.

— Já estou indo — ela disse enquanto saía do quarto.

— Senhorita, nós não podemos tolerar que perturbe dessa forma nossos pacientes — cochichou a enfermeira.

— Sossegue — respondeu Marisa. — Eu não vou mais causar aborrecimento para vocês.

E começou a caminhar apressadamente pelo corredor antes que as coisas piorassem ainda mais.

 

Algumas horas depois de Marisa ter ido embora, Jack afastou a bandeja do jantar para um lado e se sentou na borda da cama do hospital. Ele deu uma olhada no relógio.

Faltavam vinte minutos para o próximo horário de visitas, o que significava que a mãe e a irmã voltariam logo. Jack estava agradecido pelas boas intenções delas, mas, no geral, depois de passarem um tempo juntos ele não sabia o que conversar com elas.

Agora, ele sabia de uma visita que não voltaria. Fechou os olhos resignadamente. Ele tinha mesmo atirado uma garrafa nela? Fez uma careta de desgosto e mexeu a cabeça. Na próxima vez lhe bateria na cabeça e lhe daria um golpe de judô. Talvez fosse isso o que ele quisera fazer, na realidade. Talvez seus ancestrais entendessem melhor aquelas coisas. Eles se limitavam a agir, sem se preocupar com os melindres típicos do comportamento civilizado.

Marisa Hancock lhe inspirava sentimentos que não poderiam ser precisamente qualificados de civilizados.

Quando Marisa saíra do quarto ele pensou em se esquecer dela totalmente. Mas logo evocou mentalmente a cena que tivera lugar pouco antes. Lembrou-se da expressão do rosto de Marisa quando ele lhe perguntara se não adivinhava o real motivo das intenções dele. Por um breve e glorioso instante ela soubera a quê ele estava se referindo. Ele queria acreditar naquilo. Mas logo voltou a ficar em guarda e recuperou o humor frio e cínico de sempre.

Mas aquele breve momento servira para que Jack abrigasse esperanças. Quando saísse daquela jaula iria procurar Marisa e voltaria a tentar.

Era isso, ele devia controlar o gênio e tentar não jogar nada nela.

 

— Então, como foram as coisas por lá? — perguntou Tracy quando Marisa entrou no quarto do hotel.

— Foi um desastre. Desastre total. Eu devia ter dado ouvidos a você e ficado longe daquele homem.

— Ele está bem?

— Sim, maravilhosamente bem. Tenho certeza de que vai voltar a nos incomodar no julgamento assim que o processo for retomado.

— Isso me lembrou de uma coisa — disse Tracy entregando-lhe um envelope com o selo do Estado da Flórida. — Uma pequena missiva do Juiz Lasky.

Marisa examinou o envelope com fastio.

— Mais alguma coisa?

— Charlie ligou. Quer que você ligue na casa dele ainda esta noite.

Marisa assentiu com a cabeça.

— Ah, e os registros do cemitério seminole já estão à disposição do tribunal. Você pode consultá-los no gabinete de Lasky quando quiser.

— Sim, é isso mesmo que diz a carta. Bom, é melhor que a gente ponha mãos à obra.

— Agora?

— Por quê não? Não é para isso que estamos aqui? — disse Marisa com mau humor.

— Marisa, — disse Tracy com amabilidade — a esta hora o tribunal está fechado.

— Pois então iremos lá amanhã de manhã. Sem falta.

Tracy assentiu, convencida de que o estado de ânimo de Marisa tinha a ver com a visita ao hospital mais do que algum afã de repassar a história de um antigo cemitério.

Marisa passou o dia seguinte examinando os registros do cemitério. Esgotada, decidiu ficar no apartamento aquela noite ao invés de ir ao cinema com Tracy. Estava olhando uma reprise na televisão quando bateram à porta.

— Um momento — disse em voz alta. Vestiu um robe por cima do pijama e arrumou o cabelo com as mãos.

Não se ouvia nada no corredor.

— Trouxe minha roupa lavada? — perguntou enquanto abria a porta.

— Receio que não — respondeu Jackson Bluewolf.

Marisa ficou olhando-o por alguns instantes. Em seguida, baixou o olhar, consternada, e olhou para os pés descalços e o roupão desbotado que estava vestindo.

— Pensei que era o serviço de quarto — murmurou.

Ao contrário dela, Jack estava com um aspecto estupendo. Ele estava vestido com calça jeans, camisa azul e mocassins de couro. Ainda estava com o braço esquerdo na tipoia, e, jogado sobre o ombro direito, um paletó de risca.

— Posso entrar? — perguntou.

 

— O que está fazendo fora do hospital? — perguntou Marisa, afastando-se para deixar Jack entrar.

— Eu me dei alta contra a vontade dos médicos — ele disse, virando-se para olhá-la enquanto ela fechava a porta. — Tive que assinar um monte de papéis garantindo que minha família vai eximir o hospital de qualquer responsabilidade se eu cair morto na rua ou alguma coisa parecida.

— Se eu fosse sua advogada eu teria tirado semelhante ideia da sua cabeça — respondeu Marisa com secura.

Jack remexeu no bolso e tirou um frasco de comprimidos.

— Tenho que tomar duas destas de quatro em quatro horas — explicou. — Ou quatro a cada duas horas. Tinha me esquecido disso — consultou o rótulo do frasco com o cenho franzido.

— Sente-se, por favor — disse Marisa tirando um monte de papéis de uma cadeira. — Não quero ser testemunha de uma recaída. — Jack se deixou cair pesadamente na cadeira. — Dê-me um minuto para me trocar e eu já volto.

Ele assentiu.

Marisa se meteu a toda pressa no banheiro e pegou a calça jeans e a camiseta que estavam penduradas no gancho da porta. Enquanto se trocava apressadamente, sem parar sequer para vestir roupa íntima, olhou-se no espelho e grunhiu ao ver o estado do cabelo. Encontrou uma piranha e usou-a para prender o cabelo, que recolheu de forma um tanto grosseira.

— Que pena.

— O que foi?

— Eu gostava mais do seu cabelo solto.

Marisa levou a mão à piranha, resistindo ao impulso de tirá-la e jogá-la no chão.

— Esta foi a primeira vez que a vi assim. No tribunal você sempre está toda abotoada e elegante. Com o cabelo solto, em volta do rosto, parece uma mocinha.

Embora se tratasse de uma tentativa deliberada de bajulá-la, Marisa se sentia incapaz de resistir. Estava surtindo efeito. Olhou-o fixamente, sem conseguir articular uma resposta.

— Você deve ter se perguntado, sem dúvida, por que eu vim — continuou dizendo Jack.

— Pois sim, eu me perguntei isso mesmo.

— Eu queria lhe pedir desculpas pelo meu comportamento no hospital. A única justificativa que posso lhe oferecer é que eu estava até aqui de drogas médicas, e que não era responsável pelos meus atos— esboçou um leve sorriso.

— Sim. Você conseguiu me irritar tanto que até me esqueci de lhe agradecer por ter salvado minha vida.

— Ora, vamos, não é para tanto.

— Pois eu penso que sim. Aquele rapaz, Jeff Rivertree...

Jack fez um gesto de desgosto.

— A culpa foi minha. Quando me dei conta do que Jeff queria fazer, corri para o tribunal, mas não cheguei a tempo de evitar o incidente. Eu esperava conseguir deter o rapaz antes da coisa toda.

— Ele foi preso sob qual acusação?

— Tentativa de homicídio. Esperamos reduzir para assalto à mão armada — disse Jack.

— Eu até apoiaria essa redução na acusação, mas não posso me envolver no caso. Espero que você compreenda.

— Sim, eu compreendo.

Eles ficaram alguns instantes em silêncio, olhando-se nos olhos.

— Mas eu vim por outro motivo — disse.

— Sim? — ela repôs, sentando-se na beirada da cama.

Ele se recostou na cadeira e cruzou os braços. Marisa se surpreendeu olhando o botão superior da camisa dele, querendo muito poder desabotoá-lo. Afastou o olhar rapidamente e percebeu que não tinha escutado uma palavra do que Jack estava dizendo.

— Mas isso é muito importante para mim — concluiu Jack.

Marisa olhou para ele, completamente desorientada.

— Perdão. Você dizia...? — perguntou com um fio de voz.

— Você está se sentindo bem?

— Sim, sim. Só um pouco cansada. A semana foi frenética, como você bem sabe — sorriu, sentindo-se como uma perfeita estúpida.

— Certamente. Eu estava dizendo que nunca tive oportunidade de lhe explicar por que meu trabalho na IDN se transformou no motor da minha vida.

— Você não tem outros interesses? — perguntou ingenuamente Marisa, e em seguida mordeu o lábio. — Perdoe-me. Eu não devia lhe afrontar dessa maneira, mas sei que a IDN não lhe paga muito.

— É uma pergunta perfeitamente lógica. Você não tem por que se desculpar. De fato, você está certa. A IDN me paga uma quantia muito pequena. Eu ganho a vida escrevendo.

— Escrevendo?

— Você gosta de histórias de mistério?

Ela negou com a cabeça.

— Receio que meu trabalho não me deixa tempo para ler mais nada a não ser citações legais.

— Bom, pois eu escrevo uma série de mistério protagonizada por um detetive índio.

— Você é Roger Whitemoon! — exclamou Marisa, quase incapaz de acreditar no que ouvira. Até ela já tinha ouvido falar dele.

— Sim — respondeu Jack com um sorriso. — Escrevo dois livros por ano, o que me permite financiar meu trabalho na IDN.

— Seu último livro foi um best seller, não é? — ela perguntou, impressionada. — Como era o título mesmo? A Planície Tranquila?

— A Planície Silenciosa. Quase que você acertou.

— Mas sua principal paixão é a IDN.

Jack encolheu os ombros.

— Os romances dão dinheiro, e eu gosto muito de escrevê-los, mas a IDN é muito mais importante.

— Por quê?

Ele se inclinou para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos.

— Eu cresci em uma reserva em Oklahoma. Meu pai foi assassinado quando eu tinha cinco anos, então fui criado pela minha mãe e pela minha irmã, as quais você já conhece — Marisa assentiu. — Você não pode imaginar o desespero, o vazio que é a vida lá. Graças a uma série de circunstâncias consegui abandonar a reserva, mas jamais me esqueço dela. Decidi trabalhar na medida do possível para melhorar as condições do meu povo.

— Você acredita mesmo que a preservação daquele cemitério é tão crucial para que o governo tenha que gastar oito milhões de dólares para desviar a autoestrada?

— É uma questão de princípios. De qualquer forma, o governo pode se permitir esse gasto.

— Um gasto de oito milhões de dólares?

Jack se pôs de pé tão depressa que Marisa quase se sobressaltou. Ele começou a andar pelo quarto, e ela ficou observando-o em silêncio, notando que a luz da lâmpada fazia o cabelo negro brilhar e projetava a robusta sombra na parede.

— Você acredita mesmo que qualquer quantia, por maior que seja, pode compensar os abusos do passado? — perguntou Jack. — Não existe dinheiro suficiente nos cofres dos EE.UU., para pagar os índios norte-americanos pelo que eles sofreram. Eles foram privados das casas e das terras, e depois foram chacinados nas reservas como se fossem cabeças de gado. O que tem de mais se o governo tiver que soltar oito, dez ou vinte milhões? Não vão mais tirar nem um só palmo de terra dos índios sob nenhuma circunstância. E menos ainda desse cemitério, que é sagrado para os seminoles há séculos — ele chegou a ficar sem fôlego, e se deixou cair na cadeira, com o rosto tenso.

Marisa se levantou rapidamente.

— Eu sinto muito. Não devia tocar nesse assunto esta noite. Obviamente, você ainda não está em condições para debater.

— Estou perfeitamente bem — garantiu Jack, irritado.

— Quer beber alguma coisa?

— Tem café? — ele respondeu correndo os olhos pelo quarto.

— Vou pedir uma xícara de café ao serviço de quarto — disse Marisa.

— Não, por mim não precisa se incomodar... — começou a dizer Jack, mas Marisa já tinha pegado o telefone. Assim que encomendou o café, virou-se e viu que ele a olhava detidamente com aqueles olhos negros e impenetráveis.

— O café vai chegar dentro de alguns minutos — anunciou.

— Você deve pensar que sou um homem muito chato — disse Jack com voz cansada.

— Por quê você diz isso?

— Eu apareço na sua porta, recém-saído do hospital, e nem sequer nestas circunstâncias deixo de confrontá-la com minha nobre causa. Por que você simplesmente não me botou para fora?

— Jackson, você pode ser muitas coisas, mas eu lhe garanto que chato você não é — respondeu Marisa em um tom distraído.

— Gosto como soa — ele repôs depois de um tempo.

— O que?

— Meu nome nos seus lábios. Deve ter lhe custado muito trabalho para dizê-lo, finalmente.

— É o mínimo que posso fazer pelo homem que recebeu uma bala que estava destinada a mim.

— Não seja exagerada — disse Jack ironicamente. — Na realidade, não foi nenhum ato de heroísmo. Eu tentei afastá-la e acabei ferido, só isso.

— Seja como for, você salvou minha vida — Marisa se sentou no pé da cama. — Como descobriu que Jeff Rivertree estava pretendendo fazer algo semelhante?

— A mãe dele me procurou e me disse que o rapaz tinha pegado a arma do pai. Além do mais, na noite em que o irmão dele morreu, ele ficou falando mal de você no bar. Não era preciso ser um gênio para somar dois mais dois.

— Você disse que ele esteve falando mal de mim? — perguntou Marisa.

— Sim.

— E o que foi que ele disse? — Viu que Jack se remexeu incômodo na cadeira. — Vamos lá, vá em frente, diga-me. Ele disse que sou uma gringa paga pelo governo para destruir os pobres índios e arrebatar-lhes a herança? —acrescentou Marisa.

— Foi mais ou menos isso — confirmou Jack.

— E você? Tem a mesma opinião sobre mim? — ela inquiriu abertamente.

— Não mais — ele respondeu, sustentando-lhe o olhar.

Nisso, o café chegou. Em silêncio, Marisa encheu duas xícaras e passou uma para Jack, que tomou a metade com um só gole.

— Já estou me sentindo melhor — disse suspirando.

— Você devia estar na cama — comentou Marisa com certa preocupação.

— Passei quatro dias deitado — ele respondeu muito sério.

— E como está o ombro?

— Bem. Só um pouco rígido.

Marisa observou que ele flexionava os dedos do lado do ombro machucado.

— Então, como você conseguiu abandonar a reserva? — perguntou-lhe. — Se não quiser falar sobre isso, fique à vontade.

— Não, está tudo bem. Um professor se interessou por mim e me ajudou a conseguir uma bolsa de estudos.

— Na universidade?

— Antes disso frequentei uma academia para me preparar.

— Não consigo imaginar você em uma academia — observou Marisa.

— Porque sou índio? — perguntou Jack arqueando uma sobrancelha.

— Não, não foi isso que eu quis dizer — ela murmurou sem olha-lo nos olhos. — E que tal foi a experiência?

— Bom, eu aguentei como pude. Sabia que era uma oportunidade única.

— E a universidade?

— Ah, isso já foram outros quinhentos. Na universidade me dei muitíssimo bem. Por exemplo, as garotas se mostravam interessadas em mim. E depois, finalmente entendi o que as motivava — Marisa olhou-o interrogativamente. — A curiosidade, nada mais do que isso. Elas não estavam interessadas em mim enquanto pessoa. Elas simplesmente se sentiam atraídas por um homem de uma raça diferente.

— Tenho certeza de que nem todas pensavam do mesmo modo — opinou Marisa.

— Como você consegue continuar sendo tão inocente, com o trabalho que faz?

— Com o trabalho que faço? Não sou exatamente uma mercenária, sabia?

— Mas já teve contato com uma faceta da vida que outras mulheres desconhecem. Isso não influenciou você em nada?

Marisa refletiu sobre aquilo por alguns instantes.

— Creio que a experiência me ensinou a não confiar demais nas pessoas — reconheceu.

Jack prorrompeu na gargalhada e ela não conseguiu evitar um sorriso.

— Diga-me uma coisa — ele pediu. — Naquele dia, quando eu a avisei para que tivesse cuidado, pensou que eu estava pretendendo assustá-la e fazê-la deixar a cidade, não é?

— Você não seria o primeiro a tentar — respondeu Marisa.

— Quer dizer então que você é uma mulher dura.

— O suficiente.

— Só que você não tem pinta de durona. Está na hora de alguém ajuda-la a se soltar um pouco, a relaxar. Essa postura tão séria tem a ver com suas raízes na Nova Inglaterra?

— Você fala de mim como se eu fosse uma puritana empertigada. Você jura que eu pareço tão séria assim?

— Não — disse Jack suavemente, olhando-a com olhos mansos. — Você sempre viveu no Maine? — perguntou, enquanto se servia de mais café.

— Sim. Nasci em Freeport e estudei na universidade de Augusta. Atualmente eu trabalho em Portland e vivo em Cumberland Foreside, um bairro residencial dos arredores.

— Entendo. Você é uma autêntica ianque. Com o sotaque que tem e o sobrenome Hancock, quem poderia negar? Você é descendente de John Hancock?

— Minha família afirma que sim, mas, quem sabe?

— E por que lhe puseram esse nome – Marisa?

— Minha mãe é francesa.

— Uma combinação interessante — Jack soltou a xícara e bocejou. — Desculpe-me — disse ficando de pé. — O café não teve o efeito desejado. Estou me sentindo... — ele cambaleou de repente e Marisa correu para segurá-lo.

— Você está bem? — ela perguntou angustiada.

— Estou meio tonto — ele balbuciou. Marisa o levou até a cama e o ajudou a se sentar na beirada.

— Não está na hora de você tomar aqueles comprimidos?

— Acho que sim — respondeu Jack depois de consultar o relógio de pulso.

— Você acha?! — ela perguntou alarmada.

— Acho que tenho que tomar dois.

— Vou pegar um copo d’água no banheiro — disse Marisa indo até a porta. Demorou um pouco para encontrar um copo limpo. Deixou a água correr até que saiu fria, então encheu o copo. Quando voltou para o quarto viu que Jack estava jogado na cama, dormindo profundamente.

Ela estacou e ficou olhando-o fixamente por alguns segundos. Depois se aproximou com cautela para não acorda-lo. Sentia-se culpada por tê-lo feito falar tanto naquele estado, mas a tentação de ter Jack perto dela, de descobrir mais coisas sobre ele, fora grande demais.

Colocou o copo na mesinha e se sentou na cama, ao lado de Jack, estudando aqueles atraentes rasgos faciais e a linha da boca, relaxada por causa do sono. Ele era, sem dúvida nenhuma, o homem mais atraente que ela jamais conhecera.

E estava dormindo na cama dela.

E agora, fazer o que?

Ela podia tentar acorda-lo, mas dita possibilidade era quase inviável devido ao estado de fraqueza dele.

Finalmente, Marisa cobriu Jack com a colcha e depois pendurou na porta o cartaz de NÃO PERTURBE. Em seguida se lembrou de que Tracy voltaria logo, então ela lhe deixou um bilhete pedindo que se abstivesse de entrar no quarto dela pela porta pela qual os dois quartos se comunicavam. Ela lhe explicaria os motivos pela manhã. Depois, Marisa voltou a trabalhar no caso.

Quando foi vencida pelo sono, tirou a piranha do cabelo, apagou o abajur e se deitou na cama ao lado de Jack. Estava convencida de que não conseguiria dormir, mas estava tão esgotada que não demorou a pegar no sono. A última coisa que ouviu foi o som da respiração de Jack na escuridão.

 

Jack acordou antes de Marisa na manhã seguinte. Confuso e desorientado ele analisou com os olhos semicerrados as desconhecidas cortinas que cobriam as janelas. Ele se virou bem devagar, gemendo pela repentina fisgada no ombro esquerdo, e então viu Marisa, que dormia de bruços ao seu lado. Demorou vários segundos para se lembrar do que acontecera na noite anterior. Depois endireitou o corpo para poder contempla-la melhor.

Ela estava com rosto enfiado no travesseiro e uma mecha loura cruzava-lhe a face. Estava dormindo profundamente. Jack tentou reprimir o desejo de toca-la, mas a tentação era grande demais. Enfiou os dedos no cabelo dela e lhe acariciou a nuca.

Marisa se mexeu ligeiramente. Pestanejou e em seguida abriu os olhos. Viu que Jack estava debruçado em cima dela. Aqueles olhos da cor do conhaque pareciam preencher o mundo inteiro. Neles estava estampada a mesma ânsia que Marisa percebia no recanto mais profundo do próprio ser. Ela rodeou-lhe o pescoço com o braço enquanto Jack se abaixava para beijá-la.

Aquela boca era mais suave do que ela imaginara, mas o corpo era duro, forte e musculoso. Marisa disse para si mesma que devia afastá-lo, mas aquele delicioso contato, com o qual sonhara tantas vezes, era maravilhoso demais. Jack começou a tirar a camisa e ela acariciou-lhe as costas nuas. Ofegando, ele a beijou no pescoço com ansiedade, apertando Marisa contra si. Nem o braço na tipoia representou empecilho. Ela estava muito excitada e ele era um perito na arte de amar.

Jack se afastou um pouco e enfiou a mão por baixo da camiseta de Marisa, acariciando-lhe os seios. Ela suspirou e ficou tensa, mas ele a acalmou em seguida, balançando-a levemente em um ritmo lento e suave.

— Por favor — Jack balbuciou. — Oh, por favor.

Marisa se deu por vencida, principalmente porque o desejava demais para resistir-lhe. Ela inclinou o corpo para trás e levantou os braços. Jack estava tirando a camiseta dela quando, de repente, o telefone tocou.

Ambos ficaram petrificados.

— Não atenda — ele murmurou, segurando-a com força.

— Pode ser alguém do escritório — disse Marisa voltando a si. Ela ficou vermelha ao ver o estado da própria roupa. Afastou-se rapidamente de Jack e abeixou a camiseta.

— Maldito escritório — ele murmurou, jogando-se de novo na cama.

Marisa tirou o fone do gancho.

— Pois não? Pode falar — disse com voz rouca.

— Marisa? É você? — respondeu Charles Wellman.

Ela tossiu para limpar a garganta.

— Sim, sou eu.

— Você está resfriada?

— Não, estou bem. O que foi, Charlie?

— Mandei os arquivos que você me pediu. Vão chegar ao meio dia. Se eles não forem entregues no seu quarto, pergunte na recepção.

— Obrigada, Charlie. Vou passar no tribunal agora de manhã. Terei prontos os cálculos definitivos do custo do traslado do cemitério dentro de dois dias.

Houve uma longa pausa silenciosa do outro lado da linha.

— Marisa, — disse Charlie amavelmente — hoje é sábado.

— Ah, claro. Bom, então eu terei esses cálculos na quarta feira.

— Está acontecendo alguma coisa com você, moça? — perguntou Charlie.

Marisa olhou Jack de rabo de olho, que por sua vez a olhava com os olhos semicerrados.

— Não, é claro que não. É que as coisas estão indo tão rápido que estou perdendo a noção do tempo.

— Tem certeza de que você não devia vir para cá? Cada vez que me lembro de que um sujeito quis lhe dar um tiro tenho vontade de fazer uma reserva para você no primeiro avião que saia daí para o Maine. Vamos encontrar alguém que cuide do caso.

— Não. Quero terminar o que comecei, Charlie.

— Está certo. Eu entendo você. E como está Bluewolf?

— Ele já saiu do hospital — respondeu Marisa. “E está na minha cama”, pensou.

— Muito bom. Não quero distraí-la mais. Dê lembranças minhas a Tracy.

— Eu entrego.

— Adeus.

— Adeus.

— Era o chefão de Portland? — perguntou Jack com sarcasmo quando Marisa desligou.

— Sim — ela respondeu laconicamente.

— Oh, oh — ele exclamou. — É imaginação minha ou a temperatura baixou alguns graus neste quarto?

— Por favor, não seja cínico. Eu não ia conseguir aguentar — respondeu Marisa. E horrorizada, percebeu que estava a ponto de chorar, então se virou rapidamente para que Jack não a visse.

Mas ele percebeu. Colocou as mãos nos ombros dela e fê-la dar meia volta.

— Ei, ei, qual é, o que foi? — perguntou preocupado.

— Estou muito... Confusa — respondeu Marisa esfregando os olhos.

— Pois eu não — ele disse com firmeza. — Eu estava desejando você faz dez minutos e continuo desejando. Qual é o problema?

— Como assim, qual é o problema? — ela replicou olhando-o fixamente. — O conceito “conflito de interesses” significa alguma coisa para você?

— Isso é apenas um pretexto — ele respondeu.

— Eu não devia nem falar com você fora do tribunal. E muito menos...

— Muito menos o que? Ter relações sexuais ilícitas?

— Você é realmente desprezível — disse Marisa com desgosto.

— Entendo. E o que vai acontecer agora? A polícia da senhorita advogada vai aparecer e me algemar?

— Creio que está na hora de você ir embora.

— Assim, sem mais nem menos?

— Exatamente. Por acaso ainda tem alguma coisa pra dizermos um para o outro?

— Você podia dizer que apreciou a noite que passamos juntos. E também o que aconteceu esta manhã — disse Jack com voz tranquila.

Marisa se manteve em um gélido silêncio. Não olhou para o rosto dele em momento algum.

— O que você espera, Marisa? — ele perguntou. — Não estou pensando em me desculpar por ter feito algo que desejei desde o primeiro momento que lhe vi.

— Não estou pedindo que se desculpe.

— O que é, então? Quer que eu aja como se nada tivesse acontecido entre nós? Pois eu me nego. Não penso em fingir com você. Porque você não é uma máquina, nem uma virgenzinha inocente sem uma gota de hormônio no corpo...

Marisa lhe deu uma bofetada. Depois ficou olhando para a mão com estranheza, como se esta tivesse adquirido vida e tivesse agido por conta própria.

— Fantástico — disse Jack com a face marcada. — Muito obrigado — pegou o paletó e foi para a porta como um raio.

— Espere — ela disse compungida.

— Para que? Para você me dar outra bofetada?

— Não se esqueça de tomar os comprimidos. Você já pulou duas doses esta noite — respondeu Marisa sentindo-se estúpida.

— Você é completamente louca, sabia? — comentou, dando-lhe as costas. — Primeiro você me esbofeteia por eu dizer a verdade, e depois me lembra para tomar os medicamentos?

— Lamento ter batido em você — ela sussurrou com os olhos marejados de lágrimas de novo.

Ele se virou para olha-la.

— Olha, moça, ignoro por que você se nega a admitir, mas você sente alguma coisa por mim, que nem eu sinto por você. E quanto antes você reconhecer esse fato, mais felizes nós dois seremos — e foi embora, batendo a porta com força.

Marisa caiu sentada na cama, enxugando as lágrimas com as mãos. Ainda se via o marca da cabeça de Jack no travesseiro.

Ao cabo de alguns segundos ela ouviu batidas insistentes na porta de comunicação no quarto ao lado.

— Marisa? — Tracy chamou timidamente. — Você está bem?

Marisa se levantou e se prontificou a enfrentar o inevitável. Abriu a porta e viu que Tracy estava esperando de pé, com as mãos nos quadris.

— Então? — ela perguntou sacudindo no ar o recado que Marisa lhe deixara. — O que está acontecendo?

— Nada.

— Nada?! — inquiriu Tracy assomando por cima do ombro de Marisa. — Ouvi você e um homem conversando. Quem era ele?

— Jack Bluewolf.

— Que surpresa — respondeu Tracy sarcasticamente entrando no quarto de Marisa. — Foi por isso que deixou este recado para mim?

Marisa não respondeu.

— Ele passou a noite aqui? — perguntou Tracy, cuja voz ia ficando cada vez mais excitada.

— Não é o que você está pensando.

— Ah, claro que não. Vocês passaram a noite jogando baralho.

— Jack tinha acabado de sair do hospital e ainda estava fraco. Acabou dormindo na minha cama e eu preferi não acordá-lo. Ele precisava descansar. Foi só isso.

— Tudo não. Está na sua cara, linda. Você me parece muito agitada.

— Nós tivemos uma discussão antes de ele ir embora.

— Essa eu ouvi. E por que ele veio vê-la assim que saiu do hospital?

— Bom, quando eu fui visita-lo nós tivemos um... Mal entendido — disse Marisa com dificuldade.

— Entendo. Primeiro um mal entendido, em seguida uma discussão. Você sabe do que é esse sintoma, não é?

— De que estou perdendo a cabeça — sugeriu Marisa.

— De frustração sexual — disse Tracy.

— Oh, por favor — Marisa se sentou na cadeira e contemplou os pés descalços.

— Estou errada, por acaso? Você está loucamente atraída por ele, ou não? Por que negar?

— Estou com as mãos atadas, Tracy! Você sabe muito bem qual é a minha situação! E Jack é muito...

— Agressivo?

— É, mais ou menos.

— Fico feliz por ele — disse Tracy muito convencida. Em seguida pegou o cardápio do serviço de quarto.

— De que lado você está?

— Do seu, querida. Faz muito tempo que você precisa de um homem como esse. O que você quer no café da manhã?

— Como você pode pensar em comer em uma situação dessas?

— Do que você está falando?

— Eu estou sofrendo com uma crise!

— Que crise? Até que enfim você encontrou um homem que pode derreter essa camada de gelo com a qual você costuma se defender de todo mundo. Vamos pedir alguns bolos de mirtilo?

— E ainda tem mais, Tracy. Ele me pediu que confessasse como me senti esta manhã e... Eu lhe dei uma bofetada.

— Você?! — exclamou Tracy. — Eu teria pagado para ver isso.

— Não pretendo me envolver com Jack.

— Você já se envolveu.

— Mas vou consertar esse erro. Considerações éticas à parte, esse homem é um Casanova. Não quero ser usada por ele e que depois se desfaça de mim como se eu fosse um trapo usado.

— Não seja dissimulada. Qual é o verdadeiro problema?

Marisa pestanejou.

— Está se referindo a que?

— O que ele lhe disse para que você lhe desse uma bofetada?

— Não me lembro.

— Sim, sim, você se lembra, sim.

— Ele disse que eu não era nenhuma virgenzinha inocente.

Tracy explodiu na gargalhada.

— Pois eu não acho nada engraçado — resmungou Marisa.

— Então você não sabe que é isso o que os homens sempre dizem quando não conseguem se dar bem? Esqueça.

— Não posso.

— Por quê não?

— Porque é exatamente isso que eu sou.

— É o que?

— Eu sou virgem.

Tracy olhou para ela boquiaberta.

— Você está me gozando — disse.

— Em absoluto.

— Você deve ser a única virgem de vinte e sete anos que resta no mundo — comentou Tracy assombrada.

— De vinte e oito — corrigiu Marisa compungida.

— Eu não consigo acreditar.

— Jack vai rir de mim.

— Ah não, docinho. Nada disso — disse Tracy deixando o cardápio de lado. — Nem pense isso. A virgindade a torna especial.

— Especial e rara.

— Você nunca se apaixonou?

— Sempre fui muito concentrada no trabalho. Primeiro na universidade, e em seguida, no escritório.

— Mas você já teve alguns pretendentes...

— Oh, é claro. Mas nenhum era... Não sei. Maravilhoso o bastante, suponho.

— Mas este é.

— Ele deve ser sim. Não consigo tirá-lo da cabeça.

— Bom, — Tracy se apressou a dizer — você não pode continuar assim. É melhor que você resolva isso, e rápido.

— Charlie ligou agora de manhã. Ele me perguntou se eu queria voltar para o Maine. Eu podia ter aproveitado a deixa para escapar deste rolo.

— E o que você respondeu?

— Que não.

— Então, no fundo você queria ficar.

— Acabaria sendo insuportável não ver Jack de novo — sussurrou Marisa. — Mas tenho muito medo.

— Quer saber? Bluewolf não é o advogado da parte contrária. Ele é simplesmente um assessor. Tecnicamente não existe impedimento para que vocês tenham um relacionamento.

— Não acredito que Charlie compartilhe dessa opinião — comentou Marisa.

— Você sabe que eu tenho razão. E você conhece as normas tão bem quanto eu. Mas você usa essa desculpa porque tem medo de admitir que sente alguma coisa por esse cara.

— É mais ou menos isso que ele disse.

— Pois ele estava certo. Você devia ligar para ele.

— Nem pensar!

— E o que você vai fazer? Vai voltar ao tribunal daqui dez dias como se nada tivesse acontecido entre vocês?

— Não me resta alternativa.

— Pois eu gostaria de assistir isso sentada na primeira fila.

— Não, querida. Você estará na biblioteca, estudando relatórios sobre a propriedade no Estado da Flórida.

— Ah, qual é, você tem que me deixar assistir o julgamento qualquer hora dessas.

— A gente vê isso depois. Primeiro, hoje nós vamos até Crystal River para falar com o homem que foi guardião do cemitério seminole. Ele mora em um trailer com a neta.

— Trabalho, trabalho, trabalho — protestou Tracy, enquanto consultava de novo o cardápio.

 

 

 

Marisa não teve que esperar que o processo fosse retomado para ver Jack Bluewolf outra vez. Ela estava jantando com Tracy no restaurante do hotel, no domingo à noite, quando Jack entrou de braço dado com uma deslumbrante ruiva.

— Não olhe agora, — disse Tracy em tom confidencial se debruçando sobre o prato com frango — mas adivinha quem acabou de chegar acompanhado de Brenda Starr.

— Como é? — perguntou Marisa bebendo um gole d’água.

— Não se vire agora. Jack acabou de entrar.

Marisa ficou muito rígida, mas manteve a cabeça ereta.

— E onde ele está?

— À sua esquerda. Está indo para a mesa no canto. E está acompanhado de uma ruiva de um metro e setenta e cinco.

— Tracy — ralhou Marisa com exasperação.

— Bom, vamos deixar por um metro e setenta. Se bem que ela está usando sapatos sem saltos. Mas quem demônios é essa mulher?

— E como vou saber? — replicou Marisa irritada.

— Que casualidade ele trazê-la para jantar justamente aqui — disse Tracy com cinismo.

— Este restaurante é um dos melhores da cidade — frisou Marisa.

— Ah, e presumo que o fato de que você esteja hospedada aqui não influiu em nada. Ao que parece, ele quer deixar bem claro que você tem uma rival.

— Qual é o aspecto de Jack?

— Ora, o de sempre. Está lindíssimo — respondeu Tracy. Espetou com o garfo um pedaço de presunto, mas logo o largou no prato. — Vou investigar para saber quem é a recém-chegada — disse com decisão enquanto se levantava da cadeira.

— Tracy! — protestou Marisa.

Mas já era tarde demais.

Depois do que lhe pareceu uma eternidade, finalmente Tracy voltou.

— Vou esfolá-la viva — disse-lhe Marisa.

— Ah, qual é, vai me dizer que não lhe interessa saber o que descobri? — replicou Tracy com ar convencido enquanto pegava o guardanapo.

— O que você fez? Obrigou-a a preencher um questionário?

— Naturalmente que não. Fui até a mesa deles e me apresentei. Em seguida expressei meu pesar pela situação de Jeff Rivertree. O senhor Bluewolf é um perfeito cavalheiro, e não teve alternativa a não ser me apresentar a acompanhante dele.

— Bom, e quem é ela?

— Ahá! Quer dizer então que está curiosa.

— Tracy, você está prestes a me fazer jogar uma faca na sua cabeça — disse Marisa com a voz perigosamente tranquila.

— Está bem, está bem. Ela é jornalista do Miami Herald. Sem dúvida Jack está lhe dando uma versão bastante tendenciosa da situação toda.

— Sem dúvida.

— De qualquer forma, eles pareciam muito amiguinhos. Creio que ele já a conhecia. No seu lugar eu não me preocuparia demais com essa mulher. Ela fez plástica no nariz.

Marisa não conseguiu evitar uma gargalhada.

— Como você chegou a essa conclusão?

— Querida, esse tipo de nariz tão perfeito não é coisa da Mãe Natureza. E tenho certeza de ela pinta o cabelo.

— Mediu-lhe a pressão, para completar?

— E a roupa que ela está vestindo é imitação. Isso se nota a léguas.

De repente, um garçom se aproximou da mesa com uma garrafa de vinho em um balde de gelo.

— Cortesia daquele cavalheiro ali — ele informou educadamente enquanto lhe mostrava a garrafa.

Marisa não olhou, mas Tracy fez um sinal entusiasmado com a mão para a mesa de Jack.

— Pare com isso — — disse Marisa em voz baixa.

— E é do bom — disse Tracy examinando o rótulo da garrafa.

— Diga ao cavalheiro que agradecemos muito, mas que não bebemos álcool — disse Marisa com um tom afetado.

— Mas eu bebo — disse Tracy.

Marisa lhe deu um chute por baixo da mesa.

— Mas, madame... — começou a dizer o garçom.

— Leve-a, por favor — insistiu Marisa com firmeza.

O homem foi embora.

— Você é chata — disse Tracy.

— Não pretendo tomar um gole sequer de uma bebida paga por aquele homem, depois do que... — interrompeu-se de repente.

— Você está com ciúme porque ele veio aqui com a senhorita Tallahassee — comentou Tracy.

— Nem pensar!

— Oh, céus!

— O que foi agora? — perguntou Marisa com impaciência.

— Ele está vindo para cá.

— Quem?

— Quem poderia ser?

Antes que Marisa pudesse reagir, Jack estava plantado ao lado dela.

— Você não gosta de Chardonnay? — perguntou com tom afável. Ele estava vestindo jaqueta de seda bege e camisa sem gravata.

— Não pretendo beber seu vinho — disse Marisa taxativamente.

— Por quê não? Foi simplesmente um gesto amistoso.

— Não somos amigos.

— Algumas pessoas diriam que devolver aquela garrafa de vinho foi o gesto típico de uma garotinha malcriada — ele repôs tranquilamente.

— E algumas pessoas diriam que mandar aquela garrafa de vinho foi o gesto pomposo típico de um pedante orgulhoso de si mesmo — respondeu Marisa.

Tracy parecia abobalhada. Seguia a conversa movimentando a cabeça de um lado para o outro, como se estivesse vendo uma partida de tênis.

— Sua assistente poderia lhe ensinar a ter bons modos — disse Jack.

— E um gorila poderia ensinar você — respondeu Marisa bastante aborrecida, ao mesmo tempo em que afastava a cadeira da mesa.

— Aonde você vai? — ele perguntou.

— Você escreve romances de mistério, não é? Pois tente adivinhar! — Marisa foi em direção do vestíbulo como uma flecha, e Jack foi atrás dela. Tracy e a acompanhante dele ficaram olhando-os perplexas, da mesa onde estavam.

Marisa entrou no lavabo feminino e Jack a seguiu. Uma senhora idosa deu um grito sufocado de assombro quando viu a imagem de Jack refletida no espelho diante dela.

— Fique calma, senhora. Sou inofensivo — ele disse para a mulher, fazendo um gesto tranquilizador com a mão.

— Não acredite nisso! — vociferou Marisa.

A idosa se foi apressada para a porta.

— Vou avisar a segurança — ela declarou muito apressada, e se foi depois de obsequiar Jack com um olhar fulminante.

— Você está se expondo ao ridículo — disse-lhe Marisa.

— Como você, ontem de manhã?

— Estou vendo que você superou aquele episódio bastante rápido — respondeu ela.

— O que quer dizer?

— Por que escolheu justamente este restaurante para vir jantar?

— Pode até parecer que meus motivos tiveram a ver com você.

— Qualquer mulher inteligente chegaria a essa conclusão.

— Não se vanglorie.

— Vá para o inferno! — Marisa deu meia volta e saiu de novo para o vestíbulo. Jack a seguiu. Tracy estava apoiada na parede ao lado da entrada do lavabo feminino, e observava a cena com interesse.

— Pare de me seguir — disse Marisa, virando-se para olhar Jack furiosamente. Nesse instante ela viu Tracy e acrescentou: — Vou para o meu quarto. Importa-se de pagar a conta, Tracy?

Ambos ficaram olhando Marisa enquanto ela se afastava pelo corredor para pegar o elevador. Um homem uniformizado e com um crachá que o identificava como segurança se aproximou de Jack e lhe deu uma olhada cautelosa. Depois de uma breve hesitação, ele se afastou rumo ao balcão da recepção.

— Você me permite fazer uma sugestão? — perguntou Tracy com tom amável.

Jack se virou para olha-la e enfiou as mãos nos bolsos. Em seguida encolheu os ombros.

— Vá em frente, por favor — disse finalmente.

— Você está abordando o assunto de forma errada.

— Não me diga.

— Você e Marisa estão jogando par ou ímpar. Podemos conversar um minuto?

Jack deu uma olhada para o salão do restaurante onde a monumental ruiva o esperava.

— Naturalmente. Vamos voltar para o salão.

— Sua garota é muito compreensiva.

— Ela não é minha garota. É a mulher de um colega da universidade.

— Mas antes você me disse outra coisa — respondeu Tracy sorrindo.

— Está certo. Não lhe disse toda a verdade, mas também não lhe menti. Minha acompanhante trabalha mesmo para o Miami Herald. Permita-me explicar-lhe a situação e em seguida poderemos conversar.

Jack entabulou uma rápida conversa com a mulher, que sorriu e se levantou. Cumprimentou Tracy inclinando levemente a cabeça quando passou perto dela. Jack puxou uma cadeira para que Tracy se sentasse.

— Muito bem. Sou todo ouvidos.

Tracy cruzou os braços sobre a branca toalha de linho.

— Olha, creio que tem uma coisa que deve ficar clara aqui desde o princípio. Você está realmente interessado em Marisa? Ou só está pretendendo ter um namorico?

— Por acaso você é mãe dela? — ele perguntou com uma careta risonha.

— Responda à minha pergunta.

Jack abaixou os olhos um instante.

— Eu a quero de verdade — disse lentamente, como se ele mesmo não o quisesse admitir.

— E acha que ela está brincando com você como uma adolescente.

Jack se reclinou na cadeira e cruzou os braços.

— Não sei se poderia definir assim.

— Seja lá como defina, você está irritado por isso, não é?

Jack concordou com a cabeça olhando para o outro lado.

— Está bem. Se Marisa souber que estou lhe contando isto ela me mata. Mas ela não está se fazendo de difícil. Ela simplesmente está com medo.

— De mim? — perguntou Jack.

— De ter uma relação com você. Eu me refiro a uma relação física.

Jack olhou Tracy fixamente.

— O que quer dizer? Por acaso ela sofreu algum... Estupro? — ele disse a última palavra como se rezasse para que não fosse verdade.

— Não. Seria a primeira vez dela.

Jack ficou boquiaberto.

— Você está me gozando — disse.

— Não. É verdade.

— Não acredito!

— Eu também fiquei muito surpresa quando soube.

— Mas ela é advogada!

Tracy fez um gesto de exasperação.

— E você acha que a profissão tem alguma coisa a ver com iniciação sexual?

— Não, mas Marisa é tão competente e profissional...

— Ela é boa no que faz. Boa demais, talvez. Por isso se descuidou de outros aspectos da vida dela.

— E ela é tão linda... —murmurou como se falasse consigo mesmo.

— Isso não tem nada a ver. A garota mais promíscua da minha escola também era a menos atraente. Que modo de pensar é esse? Por acaso você tem doze anos?

Jack não captou o sarcasmo. Continuou sentado sem se mexer, perplexo.

— Está pensando em mudar de tática? — perguntou Tracy.

— Sim, será melhor que eu mude — respondeu Jack suspirando.

— Falou bonito — disse Tracy afastando a cadeira. Jack se pôs de pé por cortesia. — Não comente nada com ela sobre esta conversa, ou ela me mata, eu garanto.

— Não vou dizer uma palavra.

— Eu lhe desejo sorte.

Tracy saiu do restaurante depois de pegar a fatura do jantar. Enquanto isso, Jack afundou na cadeira com uma expressão pensativa no rosto.

 

Quando Marisa desceu no dia seguinte para ir até o gabinete do juiz Lasky viu Jack sentado no vestíbulo do hotel tomando café. Tentou passar longe, mas ele pulou da cadeira e lhe fechou a passagem.

— Por favor, pare com isso. Vou chegar tarde — disse Marisa com voz fria.

— Apenas cinco minutos — respondeu Jack.

Marisa continuou caminhando.

— Dois minutos.

— Oh, está bem.

Enquanto se sentava na cadeira em frente à que ele estivera sentado, Marisa viu uma pilha de jornais dobrados e um guardanapo de papel cheio de migalhas. — Há quanto tempo você está aqui?

— Um pouco. Pensei que se eu fosse até o seu quarto você teria um ataque, de modo que escolhi terreno neutro.

Ela cruzou as pernas e disse:

— Está certo. Estou esperando.

Jack respirou fundo enquanto Marisa se esforçava para não fixar os olhos na largura daqueles ombros nem naquelas coxas fornidas ressaltadas sob o tecido da calça jeans. Por fim, cravou o olhar no chão.

— Ei, — ele disse — eu estou aqui.

Marisa o olhou nos olhos.

— Assim está melhor — Jack passou a língua nos lábios, o que fez com que ela voltasse a olhar para o outro lado. — O processo não vai ser retomado até a semana que vem. Fiquei curioso para saber se, entretanto, você aceitaria meu convite para jantar.

Marisa negou com a cabeça.

— Não faça essa cara. Prometo me comportar como se deve — disse Jack.

— Você sabe que não é aconselhável.

— Por quê não?

— Como foram as coisas entre nós até agora?

— A gente se deu muito bem na noite em que eu dormi no seu quarto.

— Aquilo foi um acidente, nada mais.

— Olha, estou falando apenas de ir jantar. Eu lhe dou a minha palavra que não vou fazer nada que não seja do seu agrado.

Marisa hesitou um pouco. Ela prometera a si mesma não sucumbir de novo àquele homem. Mas, como conseguiria resistir, quando ele a olhava com um sorriso que derrubava todas as suas defesas?

— Está certo — disse por fim.

Jack se pôs de pé com ar triunfante.

— Amanhã, às oito horas. Um amigo vai me emprestar a lancha. Nós podemos ir até um restaurante flutuante que conheço. Você sabe nadar?

— Sei sim. Esse restaurante é muito luxuoso?

Jack encolheu os ombros.

Marisa olhou para ele exasperada. Nunca conhecera um só homem que soubesse responder àquela pergunta.

— Você vai vestir terno?

Ele assentiu.

— Muito bem. Isso me diz o que preciso saber.

— Vou pegá-la às oito horas no vestíbulo. Está certo?

— Está certo.

 

— Deve ser um lugar muito elegante — disse Tracy dando uma olhada na arara cheia de roupas. — Compre um vestido com zíper — separou um vestido de festa azul celeste e o mostrou a Marisa.

— Acho meio exagerado.

Elas estavam na boutique do hotel procurando uma roupa adequada para o encontro que Marisa tinha com Jack. Na Flórida ela só usava roupa formal de trabalho.

— Eu poderia usar aquele meu conjunto cinza de seda — sugeriu. — Com uma blusa elegante ficaria bem.

— Você não deve ficar bem. Você tem que ficar deslumbrante! Além do mais, cinza é para freiras. O que você acha deste?

— Não, obrigada — Marisa tirou da arara um vestido com enfeites de cetim. — Olha este, acha que é elegante o suficiente?

— Você vai fazer um discurso de formatura? — contrapôs Tracy prestando atenção com desagrado nos enfeites.

— Vou experimentá-lo — disse Marisa apesar de tudo.

— Experimente este também — Tracy lhe passou um vestido azul de seda, simples, mas elegante.

— Este é lindo — reconheceu Marisa.

— Graças a Deus — suspirou Tracy.

Marisa entrou no provador. Quando saiu vestindo o azul com enfeites de cetim, Tracy soltou um grunhido.

— Pois eu gostei — insistiu Marisa. — Ele é muito prático. E eu poderia usá-lo também para ir ao tribunal.

— Precisamente. Para um encontro você deve usar um vestido que não sirva para ir trabalhar.

Marisa voltou ao provador e, depois de alguns minutos, saiu vestindo o azul de seda.

— Este já é outra coisa — disse Tracy.

Marisa girou o corpo para se olhar no espelho. O vestido se ajustava ao corpo nos lugares adequados, e a cor combinava perfeitamente com o tom do cabelo e dos olhos.

— Peregrina, a busca terminou — comentou Tracy.

— É curto demais — objetou Marisa.

— Compre-o — insistiu Tracy.

Marisa deu uma olhada no preço e soltou um suspiro sufocado.

Tracy tirou o cartão de crédito do bolso.

— Se você não comprá-lo, eu o comprarei.

— Não me pressione — disse Marisa meio chateada.

Ela voltou ao provador e saiu de novo com a própria roupa. Foi até o balcão e disse à vendedora:

— Vou levar o de seda.

Tracy soltou uma risadinha.

— Vou lhe emprestar meus brincos de pérolas. Ficarão perfeitos com esse vestido. Jack vai morrer quando vir você. O que eu não daria para estar lá para ver!

Marisa não disse nada. Queria ter a mesma confiança de que a noite seria um sucesso.

 

As dúvidas de Marisa dispararam ao ver a expressão de Jack quando se encontrou com ele no vestíbulo. Resistira à tentação de prender o cabelo em um coque, mas deixou-o solto sobre os ombros. Além do mais, calçara sapatos de saltos bem altos. Jack percorreu-a com o olhar de cima até embaixo.

— Você está incrivelmente linda — disse-lhe com doçura.

Em seguida saíram juntos para a atmosfera suave da noite.

                

— Estou com a lancha ancorada aí em frente — disse Jack, apontando em direção ao cais público, que se via do hotel.

— Será que eu devia ter posto outros sapatos? — perguntou Marisa, olhando os saltos altos.

— Não. A maré está alta. Você vai poder subir direto na lancha. Quando a maré está baixa a gente tem que descer por uma escadinha.

— O que dificultaria bastante com este vestido.

— Por isso escolhi esta hora para o encontro — respondeu Jack.

— Ou seja, você já tinha levado em conta esse detalhe? — perguntou Marisa enquanto caminhavam pelo molhe de madeira.

— Sim — Jack pegou-a pela mão para ajudá-la a pular por cima de uma corda enrolada que alguém deixara no meio do caminho.

— Você estava muito seguro de que eu aceitaria sair com você.

— Pelo contrário. Esperançoso.

Marisa não quis discutir. Contemplou a água do mar e ouviu os grasnidos das gaivotas e outras aves marinhas. A suave brisa lhe agitava o cabelo. Inspirou profundamente e saboreou o cheiro salgado do ar.

— O que foi? — perguntou Jack.

— Tudo é tão lindo — ela respondeu suavemente.

— Sim, tudo — ele concordou, olhando-a fixamente.

— Adoro o mar — disse Marisa.

— Acontece a mesma coisa com todos oriundos do Maine.

Ela concordou com um sorriso.

— Você andou muito de lancha quando era criança? — inquiriu Jack.

— Em barcos à vela. Meu avô era de opinião que as embarcações com motor eram uma abominação.

Jack subiu na lancha com um salto e estendeu os braços para ajudar Marisa.

— Então ele não teria gostado desta.

Ela subiu na lancha e viu que Jack soltou a amarra e verificou o motor. Ato contínuo pressionou o botão de partida e a lancha pareceu adquirir vida.

— Tem certeza de que sabe manejar esta coisa? — perguntou Marisa com voz nervosa ao perceber que o piso vibrava sob os pés.

— Está duvidando por acaso?

— Oklahoma nunca foi famosa pela costa que tem — ela disse. Jack sorriu.

— Andei muito de lancha com um amigo da Flórida —explicou Jack.

— Muito? Quantas vezes?

— Quer se acalmar? Para ser do Maine você está nervosa demais. Bom, vamos lá — disse Jack pegando o volante.

— Que tipo de lancha é esta? — perguntou Marisa enquanto eles saíam do molhe e iam rio adentro.

— Uma Sea Ray Bowrider com motor Melcruiser — ele respondeu.

— Isso é chinês para mim.

Jack deixou escapar uma risadinha.

— Foi você quem me perguntou.

Quando já estavam longe do cais a brisa começou a soprar com mais força. Marisa contemplava fascinada o tráfego de barcos e lanchas que passavam por eles. O vento agitava o cabelo de Marisa, e Jack a olhou quase que extasiado.

— Você gosta? — perguntou-lhe.

— Adoro — ela respondeu.

Conversaram muito pouco ao longo do trajeto, pois o vento e o ronronar da lancha os impedia de falar normalmente. Ao cabo de dez minutos Jack reduziu a velocidade e enveredou por um estreito canal flanqueado de capim e arbustos.

— O que é isto? — perguntou Marisa com curiosidade.

— Um canal. Foi dragado não faz muito tempo pelo Corpo de Engenheiros do Exército, mas quando a maré está alta tem alguns trechos que acabam sendo perigosos por causa da escassa profundidade.

— Perigosos? — inquiriu Marisa alarmada.

— Sossegue, advogada. Abra esse compartimento e me passe o plano que está aí dentro, por favor. É um papel cheio de linhas e números.

— Sei perfeitamente o que é um plano — ela disse muito séria.

— Perdão — estendeu a mão esquerda e Marisa lhe deu o plano. Depois de desdobrá-lo, Jack enrugou a testa e apontou com o dedo.

— Está vendo? Um metro de profundidade. Podemos ter problemas.

— Problemas? — perguntou Marisa com um fio de voz.

— Poderíamos encalhar — disse Jack manobrando a lancha muito devagar. A vegetação das margens ficava cada vez mais espessa. O silêncio era absoluto, quebrado unicamente pelo canto dos grilos e cigarras.

— E por que você escolheu este caminho?

— Porque é mais curto. Além do mais, tem vistas maravilhosas.

— E o que acontece se encalharmos?

— Pois a mesma coisa que aconteceria se viajássemos em um barco à vela. Teríamos que empurrar a lancha para continuar navegando.

— Não teria sido mais fácil vir de carro?

Jack desatou a rir.

— Você não consegue abandonar o papel de advogada nem por um minuto? Onde está seu espírito aventureiro?

— Acho que o deixei no hotel.

— Mas você disse que estava adorando a viagem.

— Quando estávamos navegando a cinquenta por hora e pelo centro do rio.

Ouviu-se um baque e Jack exclamou:

— Maldição!

— O que foi?

— Acho que encalhamos — o motor fez um som chiado quando Jack acelerou para tentar movimentar a lancha, sem resultados. Finalmente, resignado, ele desligou o motor.

— Sim, encalhamos — disse, e deu um puxão para afrouxar a gravata. Marisa viu que ele a tirou e, ato contínuo, começou a desabotoar a camisa.

— O que você vai fazer? — perguntou com medo.

— Preciso empurrar a lancha — respondeu Jack. Tirou o resto da roupa à luz difusa da noite e a deixou sobre o assento do piloto. Marisa olhou para o outro lado quando ele tirou a calça, e em seguida deu uma olhada de rabo de olho. Viu que Jack estava de pé na beirada da lancha, olhando para a água. Estava só com uma cueca preta muito justa. Jogou-se na água e, após alguns segundos, a lancha começou a se mexer. Ouviu-se uma batida surda, e depois reinou silêncio total. Marisa esperou, contando os segundos, até que aqueles segundos se transformaram em minutos. Quando ela estava a ponto de mergulhar para procurá-lo, Jack veio à superfície. Nadou alguns metros e depois subiu a escadinha da lancha.

Marisa lançou-lhe os braços no pescoço.

— Ei, ei, o que foi? — ele disse suavemente, afastando-a com ternura para olha-la nos olhos. — Assim você vai estragar o vestido.

— Que me importa o vestido. Pensei que você tinha se afogado — e o abraçou com força, apertando-o contra si, encostando a face no peito nu.

— Afogado? Mas eu só demorei alguns minutos!

— É que eu ouvi uma pancada, e como você não vinha nunca...

— Está bem, está bem — Jack disse em tom tranquilizador, enquanto lhe acariciava as costas. — Estava dando uma olhada para ver se a lancha havia sofrido algum dano. Tive que acender as luzes do casco para conseguir enxergar.

— E já podemos continuar? — Marisa perguntou finalmente, levantando a cabeça e olhando em volta.

— Sim. Não percebeu que a lancha começou a se movimentar?

— Você deve estar com muito frio — ela disse recuando, subitamente consciente do modo como estava abraçando Jack.

— Enquanto você estava me abraçando não — ele respondeu com suavidade.

— Aqui não tem toalhas? — perguntou Marisa querendo mudar de assunto agora que o medo se fora.

— Sim, nessa sacola de lona aí — ele disse. Em seguida se sentou ao volante e ligou o motor. Marisa encontrou uma grossa toalha de praia e colocou-a sobre os ombros de Jack.

— Obrigado. Então, o que acha? Sou um acompanhante enfadonho? — perguntou fazendo uma careta.

— De maneira nenhuma.

Navegaram pelo estreito canal até que chegaram ao rio. Jack acendeu as luzes de popa a proa. Uma espessa escuridão envolvia a lancha.

— Você não vai poder apreciar a paisagem como eu pretendia — ele disse encolhendo os ombros. — Nós vamos voltar pelo outro caminho. As águas são mais profundas.

— Está bem.

— Lamento tê-la assustado.

— Sossegue, já passou. Na realidade foi uma experiência..., interessante — Marisa se aproximou dele e ajeitou a toalha. — Está melhor assim?

— Muito melhor — Jack se virou para olha, — Creio que eu devia me vestir. Acredito que não vão me deixar entrar no restaurante deste jeito.

Marisa lhe passou a camisa.

— Você ficou mesmo preocupada comigo enquanto eu estava lá embaixo?

— Sim.

Estavam a poucos centímetros um do outro. Eram, aparentemente, as duas únicas pessoas ali, no meio daquelas águas escuras.

— Marisa, eu a desejo com toda minha alma, e esse foi o motivo de todos os conflitos que tivemos desde o começo. Você sabe muito bem disso — voltou a abraça-la e ela rodeou o torso nu com os braços, por baixo da camisa.

— Sim, eu sei — murmurou.

— Porque você também me deseja.

Marisa assentiu em silêncio.

— E o que vamos fazer a respeito disso? — ele perguntou quase que sussurrando.

— Vamos jantar? — ela perguntou desesperada, levantando a cabeça para olha-lo nos olhos.

Jack afastou-lhe da testa uma mecha de cabelo.

— Muito bem — disse, e se inclinou para dar-lhe um beijo na face. — Vamos amarrar este traste no molhe.

Vestiu-se rapidamente e em seguida ligou o motor. Após alguns minutos atracaram no molhe de um iluminado restaurante. O cais estava enfeitado com luzes de Natal, e sobre o telhado do edifício estava escrito em neon o nome do estabelecimento: Leduc’s.

Jack amarrou a lancha e depois vestiu o paletó, olhando para Marisa.

— Estou com a sensação de que está faltando alguma coisa — disse.

— A gravata — ela apontou.

— Você tem espelho?

Marisa pegou um espelhinho na bolsa e o segurou diante de Jack, enquanto ele dava o nó na gravata.

— Fiquei bem? — perguntou.

“Mais do que bem”, pensou Marisa. Não obstante, limitou-se a responder:

— Sim, ficou bem.

Jack a ajudou a descer da lancha e foram de mãos dadas até a entrada do restaurante, que estava flanqueada de plantas enfeitadas com mais luzinhas de Natal. Na porta havia uma guirlanda de visco.

— Quase me esqueci do Natal. Com este clima, não me surpreende — disse Marisa. — Em que data estamos?

— Faltam três semanas para o Natal — informou Jack.

— Isso explica porque armaram uma enorme árvore decorada no vestíbulo do hotel — disse Marisa em tom de brincadeira.

— Você não vai passar o Natal com sua família? — perguntou Jack.

— Na realidade eu não tenho família. Meu avô cuidou de mim depois da morte dos meus pais, mas faleceu faz três anos. Ele deixou a casa para mim.

— E o que você faz nos feriados?

— Bom, eu tenho amigos — respondeu Marisa distraidamente. Quando estavam dentro do restaurante, o capitão os acomodou em uma mesa com vista para fora. — Você já veio aqui antes?

— Sim, duas vezes. Com Ben Brady.

— Sim, este lugar se encaixa no estilo de Ben. Vocês falaram de mim enquanto comiam uma salade Niçoise?

Jack sorriu com ar confidencial.

— A verdade é que Ben admira seu profissionalismo.

— Certamente que não foi isso que ele falou.

— Ele me disse que suas pernas lhe dão vantagem com os jurados masculinos — repôs Jack com uma careta travessa.

Marisa arregalou os olhos.

— Bem típico de Ben — comentou.

— Ele é um bom sujeito. Só fica irritado se uma mulher invade o território dele. Especialmente quando se trata de uma advogada tão boa quanto ele.

— Tão boa quanto não. Melhor.

Ele desatou a rir.

Marisa deu uma olhada no cardápio e franziu o cenho.

— O que você recomenda?

— Coq au vin, coquilles Saint Jacques, trout almandine, flouder Provénçale… — recitou Jack.

— Não tem salada de frango?

— Receio muito que não.

— É o que sempre como quando estou trabalhando.

— Mas agora você não está trabalhando — disse Jack olhando-a fixamente nos olhos.

Marisa assentiu.

— Então vou querer truta. Com acompanhamentos.

O garçom se aproximou da mesa e perguntou se queriam dar uma olhada na carta de vinhos.

— Você continua sem consumir álcool? — perguntou Jack, olhando para ela com o rabo do olho.

— Não vamos começar.

— Também acho — disse Jack ao garçom. — Uma soda com lima para a senhorita e uma cerveja para mim.

— Puxa, servem cerveja neste lugar? — sussurrou Marisa quando o garçom se afastou.

— Só da importada.

— Claro. Só podia.

— Cerveja francesa.

— Ça va.

— Marca Deux Magols.

— D’accord.

Ambos estouraram na gargalhada. Após alguns minutos, o garçom chegou com uma bandeja prateada cheia de canapés.

— Mademoiselle? — disse, aproximando a bandeja de Marisa.

Ela apontou um canapé com o dedo.

— Paté de fois gras — especificou o camareiro.

Marisa olhou para Jack, estranhando.

— Fígado de ganso amassado — esclareceu encolhendo os ombros.

— Isso é caviar? — perguntou Marisa apontando outro canapé.

— De esturjão branco — informou o garçom com tom orgulhoso.

Marisa pediu-lhe amavelmente que levasse a bandeja.

— Pena não terem incluído alguns cachorros quentes — protestou.

— Sua mãe não era francesa? — disse Jack com uma risadinha sufocada.

— Francesa do Canadá— ela esclareceu.

— Ah, entendo.

— Você costuma frequentar lugares como este?

Jack negou com a cabeça.

— A verdade é que não. Fui a restaurantes parecidos em Nova Iorque, com colegas do mundo editorial, mas muito poucas vezes. Só estava tentando fazer você ficar confortável — olharam-se fixamente nos olhos. — Que tal a gente ir embora e procurar um bar onde sirvam hambúrgueres? — perguntou sorrindo.

— Uma ideia excelente.

Jack fez sinal para o garçom, disse-lhe que eles estavam indo embora e deixou uma nota de dez dólares para pagar as bebidas. Quando saíram ao ar livre e ficaram sob a luz da lua, olharam-se e desataram a rir.

— No final desta rua tem um bar onde vendem sanduíches.

— Parece-me perfeito.

— Gostaria de ir passeando?

— Claro. E a lancha pode ficar aí?

— Sim. O molhe é propriedade de todos os moradores desta rua.

— Estamos elegantes demais para comer sanduíches. As pessoas vão estranhar.

— Que olhem — Jack pegou na mão dela e foram andando rua abaixo.

— Você se vira muito bem na Flórida — disse Marisa.

— Na Flórida e em qualquer lugar — ele respondeu.

— Imagino que você deve viajar muito por causa do seu trabalho.

— Sim, bastante.

— E você gosta de ficar viajando frequentemente?

— Tem suas vantagens.

— Uma delas é que você conhece muitas pessoas?

— Pessoas como você.

— Você quer dizer... Mulheres?

Jack olhou-a de lado.

— Isso é uma pergunta capciosa, advogada?

— Foi só curiosidade para saber.

— Qual o motivo?

— Algo me diz que a experiência que está tendo comigo não é totalmente nova para você.

Jack parou.

— A experiência que estou tendo com você? — perguntou muito sério.

— Bom, você sabe... — Marisa se interrompeu sem saber o que dizer.

— Nunca tive uma experiência como esta, Marisa — disse Jack taxativamente.

— Não consegui me expressar direito.

— Eu diria que não.

— Lamento. Eu não sirvo para isto — ela admitiu.

— Não serve para que?

— Conversar com os homens.

— Diga isso para Ben Brady. Ele ainda está com cicatrizes.

— Você sabe a que me refiro. Tenho dificuldade para me relacionar socialmente com os homens.

— Você está sempre concentrada no trabalho, não é?

— Geralmente, sim.

— Pois bem, senhorita Hancock, está na hora de mudar isso.

Quando entraram no bar todos os presentes se viraram para olhar para eles, pestanejando estranhados. Todos estavam vestidos informalmente, e o ambiente estava saturado de fumaça de cigarro. Marisa se sentiu como se estivesse em um funeral usando um vestido de noiva.

— Nossa, todos repararam na nossa chegada — Jack disse-lhe ao ouvido.

— Eu percebi.

Uma garçonete se aproximou deles. Pegou o lápis que estava preso à orelha e os observou com interesse.

— Vocês estavam em uma festa? — perguntou.

— Mais ou menos — respondeu Jack.

— E lá não tinha nada para comer?

— Pois é, não muito.

— Então vieram ao lugar certo. Sigam-me — acompanhou-os até uma mesa junto a uma janela de onde se via a água.

— Uma vista maravilhosa — comentou Marisa.

— Querem beber alguma coisa? — perguntou a garçonete.

— Um chá gelado — respondeu Marisa.

— Traga dois — disse Jack.

— Está bem — respondeu a garçonete, começando a se afastar.

— Ouça, cadê o cardápio? — perguntou Jack.

— No quadro negro — disse, apontando com o polegar em direção a um quadro à esquerda da mesa.

— Você está começando a sentir saudade do caviar? — perguntou Jack com uma careta.

— O que será esse sapo no esconderijo? — perguntou Marisa, esticando o pescoço para conseguir ler a lista de pratos.

— Quem sabe. Tenho até medo de perguntar.

— Vamos pedir hambúrgueres. Todo mundo sabe o que é.

— Eu não teria tanta certeza.

A garçonete voltou com os copos de chá gelado.

— E então? O que vai ser? — perguntou com as mãos nos quadros. E deu uma olhada lasciva para Jack.

— Dois hambúrgueres, por favor. O meu mal passado, e o da senhorita... — olhou para Marisa.

— O meu ao ponto — ela disse.

— Certo — a garçonete se afastou cantarolando uma música.

— Você não parece muito à vontade — disse Jack. — Quer que a gente volte para o hotel?

— Não — respondeu Marisa. — Se formos embora de dois lugares seguidos vou começar a pensar que sou uma mulher difícil de satisfazer. Meu Deus, não — exclamou olhando por cima do ombro de Jack.

— O que foi?

— A garçonete canta também.

Jack olhou e viu que a garota subindo em uma pequena plataforma no centro do bar. Estava com um violão.

— Espero que ela não tenha se esquecido dos nossos hambúrgueres — disse Jack.

A garçonete começou com uma versão de The Midnight Special, que, pelo jeito, era a favorita do público. Mas a garçonete cantava bem. Quando os hambúrgueres chegaram eles perceberam que estavam deliciosos. Depois do número da garçonete, uma pequena banda de três músicos começou a tocar baladas suaves.

— Gostaria de dançar? — perguntou Jack.

Marisa largou o hambúrguer no prato e foi com ele para a pista de dança. Quando ele a tomou nos braços ela se sentiu como se estivesse em casa. Ele cheirava a sabonete e água salgada. Conforme a música soava, eles se abraçaram estreitamente e Marisa recostou a cabeça no ombro de Jack.

Quando já tinham dançado várias músicas, a garçonete se aproximou deles e deu algumas palmadinhas imperiosas no ombro de Jack.

— Vocês vão querer mais alguma coisa? — perguntou.

— Não, obrigado — ele respondeu.

A garçonete arrancou uma folha de papel do bloco cor de rosa que tinha na mão e entregou-a para Jack. Em seguida se afastou.

— Aquilo foi uma indireta, você não achou? — ele disse.

— Ela quer que a gente pague e vá embora de uma vez, eu presumo — respondeu Marisa.

— São onze horas — disse Jack depois de olhar o relógio.

— Eles devem estar prestes a fechar.

Nesse instante a banda começou a tocar Boa noite, senhorita.

— Definitivamente, isso é uma indireta.

Jack pagou a conta e saíram para o ar fresco e cristalino da noite.

— Que noite mais maravilhosa — disse Marisa.

— Está com frio? — ele perguntou.

— Um pouco.

Jack tirou o paletó e o colocou sobre os ombros de Marisa.

— Que lindas estão as estrelas — disse enquanto caminhavam pela rua deserta, em direção ao molhe.

— Nunca vi tantas.

— Na minha terra, quando alguém acampa na planície, vê muito mais estrelas do que na cidade, porque não existe o obstáculo das luzes artificiais. Eu me pergunto o que viam meus antepassados quando percorriam as planícies antes de...

— Antes que nós chegássemos e estragássemos tudo? — sugeriu Marisa.

Jack pegou uma pedra e a jogou na água.

— Não culpo você, concretamente — disse.

— Não devia mesmo. Meus parentes sempre viveram no Maine. Essa amargura é o que faz com que você trabalhe para os índios? — perguntou Marisa estudando o rosto sombrio de Jack.

— Geralmente procuro não demonstrá-la — encolheu os ombros. — Ninguém gosta de gente que se queixa.

— Sentir ira justificada não é o mesmo que se queixar.

— Sim, mas a pessoa tem que controlar essa ira para que ela seja produtiva. Ainda que em determinadas ocasiões seja impossível.

— Não o censuro.

— Mas eu sim — Jack parou quando chegaram ao molhe. Cravou os olhos nas águas escuras. — Não quero bancar o típico índio selvagem e ressentido, entende? É isso que as pessoas esperam.

— Isso de viajar constantemente, sem ter um lugar fixo para morar... Deve ser muito difícil — disse Marisa.

— Não podemos esperar que nos transfiram do despotismo à liberdade em uma cama de plumas — ele citou.

— Thomas Jefferson — ela disse.

— Sim — respondeu Jack olhando-a fixamente.

— Meu ídolo. Fiquei abismada quando fiquei sabendo, na universidade, que ele teve escravos.

— Ele gerenciava uma plantação no sul nos fins do século dezoito. Quem você pensa que fazia todo o trabalho enquanto Thomas escrevia aqueles lindos textos que você lia?

— Pequei por ingenuidade, presumo. Mas foi você quem o citou — respondeu Marisa na defensiva.

— Ele tinha falhas, mas não deixo de reconhecer-lhe o brilhantismo do intelecto.

— Você acha que as consequências serão graves se perderem o julgamento?

Jack se virou para ela e a fitou fixamente.

— Nós não vamos perder.

Marisa sentiu um calafrio, que nada tinha a ver com o ar noturno.

— Vamos deixar esse assunto de lado — disse com voz serena. — Prometi a mim mesma que não tocaria nesse assunto esta noite.

— Boa ideia — Jack subiu na lancha com um salto e ajudou Marisa.

Parecia que ele tinha mudado de humor. Concentrou-se em pilotar a lancha e não tardaram a atracar de volta no porto.

— Você pretende deixa-la aí? — perguntou Marisa enquanto eles se afastavam do molhe.

— É onde o meu amigo costuma deixa-la.

— Quem é esse seu amigo?

— É o marido de uma ruiva com a qual você me viu no restaurante do hotel — respondeu Jack.

— E que você pretendia me fazer acreditar que era uma conquista sua, não é?

— E você acreditou?

— Não.

Jack soltou uma gargalhada.

— Mentirosa.

— Bom, talvez sim. Um pouquinho — confessou Marisa.

Jack a abraçou.

Atravessaram o vestíbulo deserto do hotel e pegaram o elevador.

— Foi uma noitada encantadora — disse Marisa dando a mão para Jack conforme se virava para olha-lo.

— Um pouco estranha, talvez? — perguntou Jack.

— Por isso mesmo foi encantadora.

Ele colocou a mão dela na própria face e fechou os olhos.

— Eu não quero deixa-la assim — disse.

Marisa ficou calada. Naquele momento ela o teria seguido para qualquer lugar.

— Quando você sair do quarto amanhã vai encontrar uma flecha junto à porta — disse Jack com um leve sorriso.

— Como é?

— É um velho costume dos Pés Negros — ele explicou. — Quando um guerreiro escolhe uma donzela especial deixa uma flecha com penas diferenciadas junto à entrada da tenda dela. Se ela ignora a flecha é sinal que está rejeitando o pretendente. Em troca, se devolve a flecha, acabam se casando.

— Eu não o rejeitaria — disse Marisa suavemente.

— Suponho que você não vai me deixar entrar.

— Sabe muito bem o que aconteceria.

— Eu quero que aconteça.

— Jack...

— Já sei. Prometi me comportar. A gente se vê amanhã?

— Tenho que trabalhar.

— Não vai ter sessão no tribunal amanhã.

— Mas eu preciso continuar preparando a defesa, Jack. Foi por isso que eu fiquei.

— Deixe que Tracy faça isso.

— Não, é sério.

— Está bem, está bem. E amanhã à noite?

— Onde você quer que a gente vá?

— A qualquer lugar.

— Para fazer o que?

— Qualquer coisa.

Ela se apoiou no batente da porta, derrotada.

— Está bem. Eu estava interessada em visitar aquela galeria onde expõem arte seminole...

— Maravilha. Vamos visita-la, então. A que horas eu pego você?

— Às sete horas.

— Certo.

— Jack, não vamos estragar tudo. É melhor que você vá agora.

— Permite que eu lhe dê um beijo de boa noite?

Marisa passou os braços pelo pescoço de Jack e ele a beijou.

Tentou beija-la com suavidade, mas foi em vão. Ambos estavam ansiosos demais. Após alguns segundos, Marisa estava apoiada na parede, com Jack pressionando-a terna e firmemente com o corpo. Ela notou a dureza e a urgência do corpo dele enquanto o abraçava.

Jack recuou de chofre.

— Não posso fazer isso — disse. — Já estou bem grandinho para fazer amor em um corredor. Deixe-me entrar ou me peça para ir embora.

— Jack...

— Certo. A gente se vê amanhã. Boa noite — deu meia volta e se afastou pelo corredor com passos rápidos.

Marisa se recostou contra a parede com uma expressão sonhadora no rosto. Depois, abriu a porta e entrou no quarto, meio aturdida. E parou em seco.

Tracy estava sentada na cama com as pernas cruzadas. Estava vestindo um enorme abrigo de uma equipe de futebol e comendo uma madalena.

— E então? — perguntou. — Como foi a noitada? Conte tudo para a mamãe aqui.

 

— Tracy — disse Marisa com voz cansada. — Por que você ainda não está na cama?

— Eu estou na cama — respondeu Tracy com a boca cheia de migalhas de madalena.

— Você está na minha cama — disse Marisa deixando a bolsa em cima da mesa.

— Um detalhe sem importância. O vestido fez sucesso?

— Sim.

— Eu sabia! Ele deve ter pensado que estava tendo uma alucinação, acostumado que está a vê-la com esses trajes tão recatados que você usa sempre.

— Sim, e ele me fez muitos elogios.

— Aonde vocês foram?

— Ao Leduc’s.

— Caramba! É um restaurante elegantíssimo.

— Como você sabe?

— Vejo muita televisão, não sou como umas e outras por aí. E sempre anunciam esse lugar na emissora local. O que vocês jantaram? Faisão?

— Hambúrgueres.

Tracy ficou olhando para ela.

Marisa se sentou pesadamente na cadeira, tirou os sapatos e esticou as pernas.

— Nós não nos sentimos à vontade no Leduc’s, de modo que acabamos jantando em um bar normal e comum.

— E depois?

— Dançamos, conversamos... Ah, e a lancha encalhou no canal...

— Ou seja, foi uma noitada de sonho — disse Tracy com sarcasmo.

— Pois foi mesmo. Eu não queria que Jack fosse embora. Eu queria que ele tivesse entrado comigo neste quarto.

— Onde teriam dado de cara com uma servidora — Tracy apontou para si mesma.

Marisa assentiu, encolhendo os ombros.

— Amanhã à noite vamos sair de novo — ela disse.

— Maravilha!

— Eu lhe sugeri que a gente fosse a uma galeria de arte que tem no centro.

— Ahã — concordou Tracy enquanto se servia de um copo de leite.

— Foi a primeira coisa que me ocorreu. Seria a mesma coisa se fôssemos ao cinema ou à lua. O que nós queremos realmente é ir para a cama juntos.

Tracy soltou o copo e estudou Marisa atentamente.

— Entendo — disse.

— Não consigo mais continuar impedindo-o. Nem quero.

— Você está apaixonada por ele.

Marisa fechou os olhos.

— Devo estar. Nunca senti nada igual.

— Pois vá para a cama com ele.

— Para você é muito fácil falar — respondeu Marisa sem abrir os olhos.

— O que está esperando? Você já tem vinte e oito anos...

— Por favor, nem me lembre — disse Marisa olhando para Tracy de novo. — Esse é o problema. Como é que eu vou dizer para ele?

— Oh, eu não me preocuparia muito nesse sentido — repôs Tracy em tom animado, evitando o olhar de Marisa.

— Tracy, se nós fizermos amor, ele vai perceber.

— Mas não vai se importar.

— Como você pode saber? Eu sempre me esforcei para passar a imagem da mulher capaz e sofisticada. E é óbvio que ele vai ficar surpreso ao descobrir que foi para a cama com uma virgem.

— Talvez acabe sendo..., sugestivo.

— Ou talvez ele pense que sou retardada — disse Marisa compungida.

— Ah, qual é, por favor.

— Ou que sou reprimida? — sugeriu Marisa.

— Duvido muito — Tracy se sentiu tentada a lhe contar que Jack já sabia, mas depois pensou que não seria conveniente. — Alguns homens ficariam lisonjeados por serem escolhidos por uma mulher que soube esperar para entregar a virgindade.

— Não tenho certeza de que Jack se encaixe nessa categoria. Tenho a sensação de que ele saltou de cama em cama como quem corre uma corrida de obstáculos.

— E daí?

— Daí que eu não estou à altura. Não vou poder lhe oferecer aquilo ao qual ele está acostumado a encontrar em outras mulheres.

— Ele não quer o que está acostumado a encontrar. Ele quer você. Por que você não aceita esse fato?

— Não sei — murmurou Marisa pondo-se de pé. — Parece bom demais para ser verdade.

— Arrisque-se a dar esse passo. Ouça meu conselho. Homens como esse são raros. Se eu estivesse no seu lugar não hesitaria.

— Eu sei — disse Marisa sorrindo.

Tracy foi até a porta que comunicava os dois quartos.

— Infelizmente — disse virando-se — não é a mim que ele está perseguindo. Enfim, vou deixá-la para que pense nisso. O que teremos que fazer amanhã?

— Dar os últimos retoques nos cálculos do custo do traslado do cemitério.

— E à noite... Hora da verdade — e colocou dramaticamente a mão sobre o coração.

— Vá para a cama, Tracy.

— Você manda, chefa — despediu-se e entrou no quarto.

Marisa se deitou na cama, procurando usar o pouco de energia que lhe restava para tirar a roupa. Estava excitada e exausta ao mesmo tempo. Pouco depois, desligou o abajur e cravou o olhar na escuridão.

Demorou dois minutos para dormir.

 

Jack se reclinou na espreguiçadeira do alpendre e contemplou a meia lua que se erguia por cima da silhueta das árvores. Não conseguia dormir. Por outro lado, a tela vazia do computador constitua um mudo lembrete de que tampouco conseguia concentrar-se no trabalho. Não conseguia fazer nada, a não ser pensar em Marisa.

Um pássaro ululou no pântano que se estendia além da cabana que alugara. O som foi respondido por uma multidão de grasnidos de outras aves noturnas. A noite da Flórida estava viva, e fazia com que Jack se sentisse menos só enquanto refletia sobre sua vida e se perguntava o quê devia fazer a seguir.

Ele havia alugado aquela cabana, a poucos quilômetros da interestadual, com o objetivo de desfrutar de paz e tranquilidade para trabalhar. Ele se afeiçoara àquele lugar, e até chegara a cogitar a compra-lo quando o contrato de seis meses de aluguel vencesse, no final de dezembro. Naturalmente que tudo ia depender de como estivessem as coisas com Marisa. Se é que ele iria conseguir começar um relacionamento mais profundo com ela.

Marisa era inteligente o suficiente para compreender que eles se achavam em uma encruzilhada. Não eram crianças, e a tensão sexual entre eles estava cada vez mais difícil de suportar. Teriam que fazer algo a respeito, ou do contrário seriam obrigados a trilhar caminhos separados. Jack se alarmou ao descobrir que a segunda hipótese lhe era quase que aterrorizante.

Ele colocou os pés sobre a balaustrada do alpendre e a espreguiçadeira rangeu com o movimento. Era incrível o quanto aquela mulher chegara a ser importante para ele em tão pouco tempo. Só conseguia pensar em conquistar o amor dela, e temia dar o mais leve passo em falso. Ele estava se sentindo inseguro como um colegial. Se alguém tentasse lhe arrebatar Marisa, ele estaria disposto a brigar por ela.

Seria melhor que ninguém se interpusesse no caminho dele.

Jack se levantou com ar decidido e entrou na cabana.

 

Marisa vestiu saia jeans e blusa florida para sair com Jack na noite seguinte. Estava colocando os brincos de ouro quando Tracy surgiu na porta e deixou escapar um gemido.

Não comece — advertiu Marisa.

— A gola dessa blusa está no seu queixo — disse Tracy. — Você não tem alguma com um decote mais generoso?

— Não.

— O que você vestiu por baixo?

Marisa lançou-lhe um olhar assassino.

— Está bem, está bem. Eu sempre tenho sorte quando saio com a roupa íntima mais velha e feia que tenho. Só estava tentando lhe aconselhar com a sabedoria que dá a experiência. Convém estar sempre preparada — disse Tracy. Desapareceu e, após alguns segundos, voltou com um bracelete enfeitado com diminutas pérolas. — Tome, ponha isto. Vai lhe dar sorte.

Marisa pegou o bracelete e o colocou no pulso.

— Obrigada.

Tracy deixou escapar um suspiro.

— Oxalá eu tivesse um encontro. Os únicos homens que conheci aqui são o porteiro gay e o escrivão de Lasky, que costuma me mostrar as fotos dos netos.

— A sua vez vai chegar.

— Deus lhe ouça.

Marisa pegou a bolsa.

Tracy levantou os polegares para animá-la.

— Vai fundo — disse.

Marisa ainda estava sorrindo quando saiu do elevador e viu Jack no vestíbulo. Ele se virou como se tivesse pressentido que ela estava ali, e seus olhos se fundiram com os de Marisa através da longa distância que os separava. Estava com uma camisa de algodão cor de milho, calça jeans marrom e sapatos de couro. Quando começou a caminhar até ela, Marisa sentiu como se o mundo inteiro tivesse desaparecido e só estivessem eles ali.

— Oi — ele cumprimentou com voz suave.

— Oi.

— Estou com o carro estacionado na garagem do subsolo — disse Jack.

 

A galeria ficava no outro extremo da cidade, perto do subúrbio. Estacionaram o carro na calçada em frente e foram até o edifício iluminado de mãos dadas. Marisa percebeu que Jack hesitou ligeiramente ao ver que muitos daqueles jovens militantes índios que costumavam se manifestar em frente ao tribunal estavam perambulando junto à entrada da galeria.

— Jack, vir aqui foi uma má ideia — Marisa se apressou a dizer, parando. — Eles não deviam vê-lo comigo neste lugar. Vamos embora.

— Eu não me importo — ele respondeu. Segurou a mão dela com mais força e começou a puxá-la. — Vamos.

Marisa aferrou-se a ele e manteve os olhos cravados no chão enquanto eles se aproximavam da porta. Percebeu que todos olhavam para eles com atenção. Nesse momento Jack a afastou e se posicionou diante dela quando um dos jovens deu um passo à frente.

— Bluewolf — disse o rapaz com tranquilidade.

— Forest — respondeu Jack no mesmo tom.

— Você não está pensando em entrar com essa señorita — disse Jim Forest, dando ênfase à palavra “senhorita”.

— Por quê não? — replicou Jack. — Ao que me consta esta galeria é aberta ao público.

— Ela não faz parte do público. É o inimigo — disse Jim.

— Você está muito confuso, Jim — respondeu Jack com tom de enfado. — Amadureça um pouco antes de abrir a boca de novo. E agora, deixe-me passar — Jack tentou continuar em frente e Jim o empurrou com violência. Marisa soltou um grito sufocado e cobriu a boca com a mão.

— Jack, por favor — suplicou desesperada para evitar um incidente. Mas que droga, como não lhe ocorrera que uma coisa assim pudesse acontecer? Andava tão apalermada com Jack que parecia incapaz de pensar com clareza.

— Leve embora daqui sua garota antes que lhe aconteça algo desagradável — disse Jim em tom ameaçador.

— Não vai acontecer nada com ela — respondeu Jack muito sério, recuperando o equilíbrio e pegando Jim pelo colarinho da jaqueta.

— Não enquanto ela tiver um maçã como você ao lado dela para protegê-la, mas... — disse Jim, forcejando para se soltar.

Jack lhe deu um murro com tal rapidez que Jim já estava caído no chão antes que Marisa tivesse tempo de entender o que acontecera.

— Levem-no daqui — disse Jack aos companheiros de Jim, que, indecisos, aguardavam em segundo plano o resultado do confronto. Ajudaram o rapaz a se levantar e o carregaram de arrasto.

— Jack, não devíamos verificar se ele está bem? — perguntou Marisa.

— Ele vai sobreviver — respondeu Jack, sacudindo a mão com a qual acabara de bater em Jim.

— Você não devia ter batido nele — disse Marisa consternada.

— Ele mereceu. É o pior do bando. E faz tempo já que ele está procurando alguém que lhe dê uma boa sova. Se não me engano, foi ele que sugeriu para Jeff Rivertree que atirasse em você. Jeff é um sujeito ingênuo que se deixa influenciar por pessoas manipuladoras como Jim.

— O que ele quis dizer ao chama-lo de maçã?

— “Vermelho por fora, branco por dentro” — respondeu Jack olhando-a nos olhos.

— Entendo. Ele disse isso porque você está comigo.

— Disse por que é um imbecil. Ninguém tem o direito de questionar minha dedicação aos problemas dos índios. Muito menos um inútil como Jim Forest, que nos últimos dez anos não fez mais do que falar, enquanto eu e muitas outras pessoas trabalhávamos com garra — Jack tirou o cabelo da testa e, preocupado, olhou para Marisa. — Você está bem? — perguntou.

— É lógico que não, Jack. Isto é horrível. Eu não queria que você se metesse em confusão.

— Mas não foi culpa sua, nunca.

— E como você qualifica o que acabou de acontecer aqui?

— Nós topamos com um delinquente juvenil que procurava qualquer pretexto para armar briga. O lamentável é que qualquer coisa, por mais nobre que seja, atraia lunáticos como esse. Bom, vamos dar uma volta e apreciar os quadros.

— Você não vai querer entrar depois de tudo que aconteceu, vai? — perguntou Marisa horrorizada.

— Eu não vou me deixar intimidar por um grosseirão como Jim — disse Jack com firmeza e pegando a mão de Marisa de novo.

Eles foram o centro das atenções assim que cruzaram a porta, mas após um tempo todo mundo parecia ter se esquecido de que eles estavam ali. Jack quis ficar o tempo suficiente para demonstrar que não dava o braço a torcer. Fez alguns comentários sobre as pinturas e esculturas que Marisa olhava sem se concentrar realmente no que estava vendo. E respirou aliviada quando saíram e foram para o carro.

— Fico aliviada por sair de lá — disse enquanto Jack lhe abria a porta. — Se eu voltar a ter alguma ideia tão brilhante quanto esta, por favor, interne-me em um manicômio até que eu recupere o juízo.

Jack contornou o carro, instalou-se atrás do volante e ligou o motor.

— Por que você não me sugeriu ir para outro lugar? — perguntou Marisa.

— Porque você queria ir à galeria de arte — ele respondeu.

— Só tentei pensar em um lugar público onde não estivéssemos... — ela se interrompeu de chofre. — Mas certamente você imaginou que teríamos problemas — prosseguiu Marisa após alguns instantes.

— Eu não sabia que Jim Forrest estaria ali. Só não tivemos sorte.

— Não tente minimizar as coisas. É evidente que seus amigos não acham graça nenhuma ao nos ver juntos.

— Eles não são meus amigos.

— Você sabe o que eu quero dizer!

— Eu faço o que me dá vontade — disse Jack. — Se eles não sabem a diferença entre trabalho e vida pessoal o problema é deles, não meu.

Marisa compreendeu que era melhor adiar aquele assunto por enquanto.

Jack virou a cabeça e a olhou.

— Aonde vamos? — perguntou enquanto se misturava ao tráfego.

Ela respirou fundo.

— Pelo que entendi, a casa que você alugou fica num lugar lindo — disse. — Eu gostaria de vê-la.

Jack parou diante de um semáforo.

— Tem certeza que é isso mesmo que você quer? — perguntou com voz serena.

— Sim.

— Depende de você — ele acrescentou. — Se tudo o que você quer é visitar minha cabana e depois voltar para o hotel sem mais aquela, não me oponho.

Marisa assentiu. O coração batia desesperadamente forte no peito.

Jack virou à esquerda e pegou a interestadual. Após dez minutos ele pegou uma estrada secundária e em seguida entrou por um caminho sem asfalto flanqueado por pinheiros e pés de laranja.

— Parece um lugar muito..., afastado — disse Marisa um pouco nervosa.

— Sim. É a segunda vez que tento leva-la até um lugar remoto onde pudesse tê-la somente para mim — ao ver que ela não respondia Jack a olhou e acrescentou: — A piada foi ruim.

Marisa continuou calada.

Jack parou o carro e engatou a marcha à ré.

— O que você está fazendo? — perguntou Marisa olhando em volta.

— Parece que você está a caminho de um funeral. E não era exatamente esse o sentimento que eu esperava despertar em você — ele respondeu secamente.

Marisa colocou uma mão sobre o punho com o qual Jack se aferrava ao volante.

— Não é nada com você, Jack, mas comigo — ela disse com voz serena. — Tem uma coisa que você precisa saber.

— Do que se trata? — ele perguntou olhando-a atentamente.

— Não é uma coisa fácil de dizer.

— Você decidiu que eu sou o maior cretino que já conheceu na vida.

— Não, é lógico que não.

— Você recebeu um telegrama do seu médico lhe comunicando que está morrendo de uma doença rara.

— Não brinque com isso — disse Marisa muito séria.

— Se não é nenhuma dessas duas coisas, não importa realmente — Jack pôs o carro em marcha de novo.

— Mas você não entende o que... — ela começou a dizer.

— Entendo sim. Vamos falar sobre isso na cabana, está bem?

Resignada, Marisa suspirou. Não tinha sentido continuar com aquela conversa no carro. Jack tinha razão.

Eles pararam em uma clareira em frente a uma velha cabana com um alpendre muito amplo. Ao descer do carro, Marisa percebeu que tinha começado a soprar um forte vento. As folhas das árvores emitiam um suave sussurro ao serem balançadas pelo vento, e do pântano se ouvia o pio das aves noturnas.

— É lindo, Jack — disse, enquanto subia os degraus de madeira atrás dele.

— Sim. Aqui se pode trabalhar maravilhosamente bem. O terreno faz parte de uma fazenda cujo proprietário faleceu faz tempo já. A filha dele vive no norte e não quer nem saber deste lugar, de modo que o advogado que cuida do testamento está tentando vendê-lo.

— E você já pensou em compra-lo?

— Eu adoraria, — respondeu Jack abrindo a porta — mas não tenho certeza se vale a pena investir tanto dinheiro neste terreno. Não sei com que frequência eu vou poder vir aqui.

— Você quer dizer, até que o julgamento esteja concluído.

Jack se virou para olha-la depois de acender a luz.

— Sim.

Marisa entrou na sala de estar. Havia uma lareira de pedra que ocupava a maior parte da parede, e diante desta, um grosso tapete. A mobília era de madeira de pinho. Viu uma cozinha clássica, e atrás, uma escadinha que dava para o segundo andar. Decerto era onde ficavam os quartos, supôs Marisa.

— Está começando a refrescar. Você gostaria que eu acendesse a lareira? — perguntou Jack.

— Não se incomode por minha causa — ela respondeu.

— Não é incômodo nenhum. — Pegou uma caixa de fósforo e botou fogo nas enrugadas folhas de jornal que estavam no centro da lareira. Marisa ficou observando as chamas que começaram a lamber os troncos empilhados em cima. — Pronto. Não vai demorar muito para ficarmos aquecidos. A casa tem uma ventilação muito boa. Bem se vê que quem a planejou era bom no que fazia. E também fez quase todos os móveis. — Jack tirou um monte de papéis do sofá em frente à lareira e disse: — Sente-se.

Marisa se sentou.

— Quer tomar alguma coisa? Café? Chá?

Ela negou com a cabeça,

— Certo, porque eu já nem sei mais sobre o que falar.

Marisa deu um leve sorriso.

Jack se aproximou e se sentou ao lado dela.

— Então, o que está acontecendo? — ele perguntou.

Ela o olhou. Ele estava muito bonito, muito desejável. E o rosto refletia muita inteligência, muita preocupação. Ela rodeou-lhe o pescoço com os braços, soluçando.

— Ei, ei — ele disse com ternura, abraçando-a imediatamente. — Calma. Eu não vou obriga-la a nada. Vou leva-la de volta para o hotel agora mesmo se...

— Eu desejo você — ela sussurrou, interrompendo-o. — Eu desejo você demais.

— Pois estou aqui, neném.

— Tem uma coisa que você precisa saber — ela disse suavemente.

— Acho que já sei o que é — respondeu Jack. Marisa o olhou, perplexa. — Sei que você é..., principiante.

— Principiante? — ela perguntou devagar.

— Com os homens.

Marisa fechou os olhos e o rubor cobriu-lhe as faces.

— Está tão na cara assim? — sussurrou compungida. Aquela ideia lhe era insuportável.

— É lógico que não. De fato, isso nem me passou pela cabeça, até que Tracy me contou.

— Eu vou mata-la — disse Marisa sem abrir os olhos.

— Não fique assim. Ela fez um favor a nós dois. Eu já estava prestes a me dar por vencido com você, mas depois de falar com Tracy entendi seu comportamento. E alimentei esperanças. Não entende isso?

— Você deve ter rido de mim desde então — disse Marisa com tristeza.

Jack a abraçou com força.

— Querida, não. Reconheço que, a princípio, mal consegui acreditar.

— Muito obrigada.

— No entanto, quando parei para pensar mais detidamente, vi com clareza que muitas reações suas eram bastante lógicas. Você é uma pessoa muito especial.

— Oh, Jack — Marisa o apertou contra si e, quando ele virou a cabeça para beija-la, ela correspondeu com todo o coração.

Jack suspendeu as pernas dela e as colocou no colo. Marisa abriu a boca para beijá-lo e para saborear-lhe a língua. E começou a passar as mãos nas costas dele, enfiando-as por baixo da camisa para acariciar-lhe a pele. Jack gemeu. Seus lábios percorreram o pescoço de Marisa enquanto os dedos lutavam para desabotoar-lhe a blusa. De repente, praguejou em voz baixa.

— O que foi? — perguntou Marisa.

— Não consigo — ele respondeu exasperado.

— Oh, veja como está sua mão — ela disse endireitando o corpo. — Não seria bom colocar um pouco de gelo?

— Agora? Está brincando comigo? — ele respondeu olhando-a fixamente.

— É a segunda vez que você acaba machucado por minha culpa — lamentou Marisa, beijando-lhe os nós dos dedos machucados.

— Não se preocupe — disse Jack. — Vamos fazer assim — puxou a blusa do cós da saia e tirou-a pela cabeça. Ele se livrou da camisa do mesmo jeito, e em seguida, voltou a abraçar Marisa. — Oh, Marisa, sua pele é que nem veludo — disse com voz rouca. Desabotoou o sutiã e o jogou no chão com um puxão. — Acho que o rasguei — disse-lhe ao ouvido.

— E daí? — foi a resposta de Marisa, ofegando enquanto a pele entrava em contato com o torso de Jack.

Ele se afastou ligeiramente para contemplá-la.

— Sou o primeiro homem que vê isto? — ele perguntou com doçura.

— Não tem muita coisa para ver — respondeu Marisa, encolhendo-se com o penetrante olhar dele.

— Você é linda. Perfeita — disse Jack inclinando os lábios até um dos rosados mamilos. Ela suspirou e segurou-lhe a cabeça contra o corpo. Jack mudou de posição e ficou de joelhos no chão, em frente a ela, que o abraçou e se rendeu àquelas ternas carícias.

Ele ergueu os olhos para olhar para ela.

— Sim? — perguntou.

— Sim — ela respondeu.

Jack pegou um edredom dobrado que estava sobre o sofá e o estendeu no chão. Depois pegou Marisa pela cintura e deitou-a junto a ele. Durante alguns instantes, ambos ficaram imóveis. Marisa observou o reflexo do fogo nas faces de Jack. Aqueles olhos negros pareciam preencher tudo.

— Eu desejei você desde o primeiro momento em que lhe vi— ele sussurrou. — Naquele primeiro dia no tribunal, você estava com um vestido azul escuro com botões prateados e sapatos baixos. Você se lembra?

— Sim, eu me lembro.

— E brincos de prata no formato de estrela.

— Você tirou uma foto de mim?

— Tenho essa imagem na cabeça — respondeu, inclinando-se para beija-la de novo. A ânsia dele era indubitável. Em breve não seria possível voltar atrás.

Quando Jack levou a mão ao zíper da saia Marisa ficou rígida.

— O que foi?

— Estou um pouco nervosa.

— Eu vou com calma, prometo — tirou a saia dela e voltou a abraça-la. Ela recostou a cabeça no ombro dele e acariciou a recente cicatriz com os dedos.

— Não dói? — murmurou.

— Não mais.

Marisa beijou a cicatriz e levou os lábios até o pescoço dele. Jack se inclinou para trás e ficou observando enquanto ela passava a ponta da língua pelo peito dele, parando nos mamilos e depois percorrendo a trilha de pelos que descia em direção à cintura. Ele lhe acariciou a nuca, e quando ela explorou o umbigo, emitiu um som inarticulado. Puxou-a com impaciência e deitou-a de costas, cobrindo-lhe o corpo com o próprio corpo.

— Agora — ele disse com urgência.

— Estou pronta — respondeu Marisa.

Ela ficou olhando enquanto ele se levantava e desabotoava o cinto. Assim que tirou toda a roupa, virou-se e se deitou de novo em cima dela, e puxou-lhe as calcinhas com tanta força que as rasgou.

— Eu compro outras para você. De seda pura — disse-lhe ao ouvido.

— Não se preocupe — respondeu Marisa, suspirando ao notar que Jack estava totalmente excitado e pronto para penetrá-la. Ele ergueu o corpo apoiando-se sobre uma mão, e com a outra percorreu a parte interna das coxas dela. Marisa gemeu e fechou os olhos.

— Você tem certeza? — ele perguntou, tremendo pelo esforço de sustentar o corpo sobre um braço.

— Sim — ela sussurrou. — Faça-o, faça-o, por favor.

Jack se posicionou e Marisa jogou as pernas em volta dos quadris dele.

— Pode... Pode doer um pouco — ele murmurou. Marisa o puxou para si.

Quando ele a penetrou, Marisa ficou muito rígida, e Jack parou de chofre.

— Você está bem? — ele perguntou com voz rouca.

Ela disse algo em voz muito baixa.

— O que? — ele perguntou sussurrando.

— Mais. Eu quero mais — respondeu Marisa.

E Jack lhe deu mais.

 

Quando Jack acordou algumas horas mais tarde o fogo estava quase extinto, e Marisa não estava ali. Ele se levantou, e, depois de vestir as calças, colocou algumas achas de lenha na lareira. Depois foi descalço até a cozinha, onde encontrou Marisa. Ela estava sentada tomando uma xícara de café. Estava vestindo o roupão xadrez dele.

— Está se sentindo bem? — perguntou Jack.

— Jamais me senti melhor.

— Precisa usar o banheiro?

— Já o encontrei. E o roupão de banho. Estava pendurado no gancho atrás da porta.

— Você está bem mesmo? — ele insistiu.

Marisa sorriu.

— Jack, perdi a virgindade, não me deram nenhum tiro, nem nada parecido. Estou bem, de verdade.

Ele se inclinou e lhe beijou a nuca.

— Por quê não me acordou?

— Você estava dormindo tão profundamente que eu não quis incomodá-lo.

Jack se sentou na cadeira em frente a ela.

— Não tenho dormido muito bem ultimamente.

— Ficava pensando muito em mim, rapazinho? — perguntou Marisa com tom provocador.

— Sim — ele respondeu muito sério, sustentando-lhe o olhar. Em seguida se levantou e pegou-lhe a mão. — Quer experimentar na cama desta vez?

Marisa se levantou e o seguiu escada acima.

 

O telefone tocou às sete e meia da manhã. Jack tateou para pegar o fone.

— Sim? — grunhiu. Escutou por alguns segundos e em seguida passou para Marisa. — É para você — disse.

— Pois não? — ela disse.

— Notícia relâmpago — respondeu Tracy do outro lado da linha. — O sujeito do Departamento para Assuntos Indígenas voltou e quer vê-la. Hoje.

— Randall Block?

— Em carne e osso.

— Como você sabia onde me encontrar? — perguntou Marisa.

— Adivinha — respondeu Tracy em tom brincalhão. — Ben Brady me deu o número. E olha que deu trabalho, viu...

— Está certo. Estarei aí assim que puder.

— Aconteceu o magno evento? — perguntou Tracy num tom ansioso.

— Depois eu conto — respondeu Marisa.

— Desmancha-prazeres — disse Tracy. — Não demore a vir. Sozinha eu não vou conseguir aguentar aquele sujeito.

— Até já — Marisa desligou o telefone e recostou a cabeça no peito de Jack.

— Nem precisa me dizer. Você tem que trabalhar.

— Acertou.

— Tome uma chuveirada enquanto eu faço café — disse Jack saindo da cama. Não obstante, pareceu mudar de ideia e se deitou de novo em cima de Marisa.

— Estou com pressa — ela protestou.

— Posso acabar rápido — ele respondeu pressionando-a contra o colchão.

— E o café?

— A gente toma a caminho da cidade — murmurou, beijando-lhe o pescoço.

— Certo — Marisa suspirou e se rendeu às atenções de Jack.

 

— Então, que bicho mordeu o senhor Randall Block? — perguntou Tracy quando Marisa voltou à suíte do hotel naquela tarde.

— Ele está muito desgostoso comigo — respondeu Marisa colocando a pasta executiva sobre a cama.

— Por quê?

— Não estou a caminho de ganhar o caso, isso está claro. E, o que é pior, não cheguei a um acordo econômico com os seminoles.

— E que diabos significa isso?

— Significa que Block quer acabar com este assunto de uma vez. Este caso está se prolongando muito mais do que o previsto a princípio. Ben Brady coloca todos os obstáculos possíveis, e isso custa uma fortuna ao governo. Foi o próprio senhor Block quem me disse.

— Por acaso ele espera que você faça milagres?

— Evidente, não acha? Eu lhe disse que se encontrarem outra pessoa que faça melhor, que passo toda a documentação com o maior prazer, e vou embora sem chiar.

— E o que ele respondeu?

— Nada. O problema não consiste no advogado, mas no próprio caso em si. Não temos o direito de tirar dessas pessoas um cemitério que é deles faz séculos. E Block sabe disso muito bem. Ele simplesmente está descontando as frustrações em mim.

— Parece que você passou momentos de medo na reunião — disse Tracy muito séria.

— Pelo menos, uma boa notícia — repôs Marisa com uma careta travessa.

Tracy olhou para ela com curiosidade.

— Como foi com Jack? — perguntou.

— Foi estupendo, maravilhoso, sublime — Maria se sentou em uma cadeira e suspirou satisfeita.

— Ai que inveja! — exclamou Tracy. Nesse momento o telefone tocou. Tracy atendeu e, depois de ouvir um segundo, passou-o para Marisa. — Adivinha quem é.

Marisa se levantou com um salto e, ansiosa, pegou o telefone.

— Pois não? — disse.

— Como está minha garota? — disse Jack do outro lado da linha.

— Feliz.

— Fico feliz por saber. Já terminou o trabalho hoje?

— Assim parece.

— Estupendo. Pego você às sete.

— Qual é o seu plano?

— Bom, depois a gente pensa em alguma coisa — Jack desligou.

— E então? — perguntou Tracy com expetativa enquanto Marisa colocava o fone no gancho.

— Ele virá me pegar dentro de algumas horas.

— Pelo jeito, a partir de agora não vou vê-la tanto pelas tardes — observou Tracy.

— Bem, quando o julgamento recomeçar, dentro de uma semana, vai acabar meu tempo livre. Quero aproveitar pra ficar com Jack, agora que posso.

— Claro, eu entendo. Mas... Enfim, não conheço ninguém nesta cidade e aprecio sua companhia.

— O mesmo digo eu — respondeu Marisa afetuosamente.

Ambas ficaram caladas por alguns segundos.

— Enfim, — disse Tracy de repente — antes que a gente desande a chorar, vou até a farmácia comprar creme dental. Quer que eu lhe traga alguma coisa?

— Não, obrigada.

— Até logo, então. — Tracy saiu e Marisa foi até o armário para ver o que ia vestir naquela noite.

 

Quando Marisa saiu do quarto viu Jack esperando-a no mesmo andar, ao lado do elevador.

— O que está fazendo aqui? — perguntou entre risadas, enquanto corria para abraça-lo.

— Comecei a ficar impaciente, então tive a ideia de subir. Mas não quis entrar no seu quarto, Tracy poderia estar lá.

— Como você é bobo — ela murmurou-lhe ao ouvido.

— Isso faz parte do meu encanto — respondeu Jack examinando-a detidamente.

— O que foi? Por que está me olhando assim?

— Estava checando para ver se você tinha mudado em alguma coisa — ele disse brincalhão.

— Desde esta manhã?

— Faz dez horas já.

— Dez horas, vinte e dois minutos e trinta segundos — corrigiu Marisa.

Jack a puxou contra o corpo e sussurrou no ouvido dela.

— Vamos embora logo.

Deram um tranquilo passeio de carro até a cabana. Durante o trajeto, os dois pensaram a mesma coisa. Quando chegaram, subiram a escada em silêncio e foram para o quarto. Jack tirou o fone do gancho e o silenciou, colocando uma almofada em cima. Então começou a tirar a roupa dela, e depois tirou a calça com rapidez, jogando-a no chão.

— Vai com calma — disse Marisa com uma risadinha.

— Nem pensar — ele se deitou em cima dela, afastando o lençol.

— Assim está melhor — ela comentou. — Eu gosto do contato da sua pele.

— Logo você vai gostar mais — disse Jack no ouvido dela. E fez o possível para demonstrá-lo.

Marisa se aconchegou entre os cálidos e poderosos braços de Jack e deu uma olhada no quarto. Havia livros amontoados em cima de duas estantes e uma TV portátil sobre um arquivo cheio de fitas cassete. As únicas coisas que pertenciam a Jack que tinham na casa, fora a roupa e o computador.

— Você já deve estar farto de viver em lugares diferentes — disse Marisa. — Nunca quis ter um lar permanente?

— Acho que o meu lar é em Oklahoma. É lá que vive minha família.

— Quantos anos você tem?

— Trinta e cinco. E você?

Pelo som da voz dele, Marisa percebeu que Jack estava sorrindo.

— Vinte e oito — respondeu.

— Agora que já trocamos informações muito importantes, tem algo mais que queira saber de mim? Quais as doenças que tive, quantas injeções tomei ao longo da vida, etcétera?

— Não zombe de mim. Eu só estava pensando que tudo aconteceu muito rápido entre a gente. Na realidade eu não sei muito sobre você.

Jack se sentou na cama e colocou um travesseiro atrás da cabeça.

— O que você se interessa em saber? O que fiz na primeira vez que saí com uma garota?

Marisa suspirou. Era uma atitude bem típica dos homens resistirem para falar do passado.

— Você podia começar por aí — respondeu.

— Uma vez fui ao cinema com Mary Beth Reynolds — explicou Jack. — Vimos Love Story, e Mary Beth chorou tanto na cena em que a protagonista morria que as lentes de contato caíram-lhe dos olhos.

— O encontro ideal.

— Deixando de fora a parte das lentes de contato, não foi tão mal assim. Acabamos saindo durante dois anos. Ela vivia em um colégio feminino do bairro e nós nos víamos todos os fins de semana.

— E o que aconteceu?

— Tivemos que nos separar por causa dos pais dela. Não queriam um índio para a princesinha deles. Mary Beth se casou seis anos depois com um cirurgião e teve três filhos. Há alguns meses fiquei sabendo que o marido a deixou pela secretária.

— Parece que você continua se lembrando dela.

— Caramba, senhorita Hancock, está com ciúmes?

— Por acaso seria de estranhar se estivesse? — respondeu Marisa dando-lhe um beijo.

— Acho que gosto disso — disse Jack deitando-se sobre ela.

E esse foi o final daquela conversa.

 

Quando Marisa acordou, o quarto estava escuro como uma caverna. Demorou vários segundos para perceber que o som que estava ouvindo era o de água corrente. Jack estava tomando banho. Ficou deitada na cama, confortável e satisfeita, até que Jack saiu do banheiro e se aproximou dela em silêncio.

— Que horas são? — perguntou Marisa com voz sonolenta.

— Nossa, já acordou. São dez e meia — Disse Jack, sentando-se na beirada da cama perto dela.

— Que cheiro bom — comentou Marisa, esticando os braços para abraça-lo.

Jack riu.

— Sim, de sabonete — disse ele ligando o abajur.

— Estou com uma fome de lobo — disse Marisa.

— Não é de se estranhar — respondeu com um sorriso.

— Você tem alguma coisa para comer? — ela perguntou tateando o chão, procurando a roupa.

— Não sei, vou olhar — Jack vestiu a calça e Marisa entrou no banheiro.

— Desço dentro de alguns minutos — disse-lhe.

Depois de uma rápida chuveirada ela foi ter com ele na cozinha, piscando por causa da luz forte.

— O que gostaria de comer? — perguntou Jack. — Tem biscoitos, maionese, farinha de aveia, uma cebola e uma garrafa de água mineral.

— Argh!

— Ultimamente só tenho comido fora.

— Bem se vê.

— A poucos quilômetros daqui tem um restaurante chinês que serve comida em domicílio — sugeriu Jack.

— Maravilha! Assim não vou precisar me vestir.

— Eu voto a favor — ele murmurou vasculhando uma gaveta. Tirou um folheto de propaganda com o cardápio do restaurante.

— Shangai Sam’s? — perguntou Marisa dando uma olhada no folheto.

— Apesar do nome, a comida não é nada ruim. O que você gostaria?

— Qualquer coisa.

Jack pegou o telefone e enrugou a testa.

— Ligue.

— O aparelho lá do quarto está fora do gancho — lembrou-lhe.

— É verdade. Você se importa de subir para coloca-lo no gancho?

Marisa assim o fez.

— Você é conhecido no Shangai Sam’s? — ela perguntou com uma careta entrando de novo na cozinha.

— Sou o melhor cliente deles. Deles e de quase todos os restaurantes da Flórida — guardou o folheto na gaveta.

— Deduzo então que você não gosta de cozinhar.

— Eu não sei cozinhar, é diferente. Sempre que tento, acabo queimando a comida. Dei-me por vencido faz tempo já — disse Jack estendendo os braços e Marisa se aproximou dele. — Suponho que você se dá bem na cozinha — disse.

— Eu me viro.

— Pedi camarões com molho de lagosta, arroz e feijão.

— Parece perfeito. Jack...

— Sim?

— O que vai acontecer quando este assunto acabar? — perguntou Marisa.

— Que assunto? — ele repôs, tirando alguns copos do armário.

— Você sabe, o julgamento.

— Vamos continuar como até agora — respondeu Jack sem olhar para ela.

— Mas eu moro no Maine, pelo amor de Deus.

— E daí? O Maine não fica na lua, afinal de contas. Tem aviões, trens e estradas, não é?

— Está falando sério?

— Mas é claro que sim. Você não está pensando que vou deixa-la, não é? — disse colocando guardanapos em cima da mesa.

— Eu..., não sei.

— Venha cá — disse Jack. Marisa se aproximou e ele a abraçou de novo. — Está pensando que isto é uma aventura passageira para mim? — perguntou com ternura, acariciando-lhe o cabelo.

— Eu estava esperando que não.

— Ainda assim você decidiu se arriscar.

— Eu desejava você, Jack. Mas sabia que você já tinha tido este tipo de experiência antes — disse Marisa com tom triste.

— Jamais vivi nada parecido — ele respondeu.

A campainha da porta soou. Jack foi abrir e voltou com duas sacolas e um jornal.

— Eu me esqueci de pega-lo na varanda — disse largando o jornal e procurando dentro de uma das sacolas. — Sabe usar isto? — perguntou Jack mostrando um pacote de pauzinhos chineses incluídos no pedido. Tirou a garrafa de água da geladeira e encheu dois copos.

— Tem que segurá-los como se segura um lápis — explicou Marisa fazendo uma demonstração.

Jack se sentou, pegou dois pauzinhos e tentou imitá-la. Mas o camarão escapuliu e caiu-lhe no colo.

— Obrigado — disse olhando para a calça.

— Você que quis saber.

— Pare de se vangloriar — acrescentou, vendo que Marisa manejava os pauzinhos com destreza.

— Meu conselho é que você use um garfo, Jackson — ela respondeu com um sorriso maroto.

Jack se levantou e foi buscar talheres. Ao voltar, comentou:

— Deve ser algo genético. Parece que nós, índios americanos, não sabemos como usar essas coisas.

— Eu não sou mais chinesa do que você.

Jack usou o garfo feito um estilingue e lhe lançou um feijão.

— Uma reação bastante madura — disse Marisa.

— A maturidade é minha especialidade.

— Já percebi — disse Marisa começando a folhear o jornal.

— Você não vai poder ler jornal esta noite — disse Jack com a boca cheia de arroz.

— Vai passar um filme com Bette Davis à meia noite na televisão.

— Nada de TV esta noite — ele acrescentou.

— Qual é, Jack! Eu adoro Bette Davis!

— O que acha de vermos o filme na TV portátil do quarto?

— Nem pensar! Quero ver o filme na TV grande, Jack.

Ele encolheu os ombros.

— Está certo. Mas você me deve uma — ele se levantou grunhindo e foi para sala de estar.

Enquanto arrumava a cozinha, Marisa ouviu Jack acendendo a lareira. Quando foi ter com ele o filme já tinha começado.

Após alguns minutos Jack começou a desabotoar-lhe os botões da blusa.

— Ei — exclamou Marisa. — E o filme?

— Vamos ter deixar para outra ocasião.

A televisão ficou relegada a um segundo plano enquanto eles faziam amor.

 

Pela manhã Marisa acordou e viu que estava na cama de Jack. Não se lembrava de como chegara até ali. Vestiu uma camisa e desceu a escada descalça. Encontrou Jack na cozinha fazendo ovos mexidos. Um delicioso cheiro de café impregnava o ar.

— Bom dia, minha linda — ele disse, fazendo um afetuoso sinal de cumprimento com a escumadeira.

— Pensei que você não sabia cozinhar — disse ela, rodeando-lhe a cintura com os braços.

— Receio que este é o limite do meu repertório — respondeu Jack virando-se para abraça-la.

— Como cheguei ao quarto ontem à noite? — perguntou Marisa abrindo a geladeira, e vendo que estava cheia de comida recém-comprada.

— Eu lhe carreguei nos braços, é claro.

— E quando você comprou tudo isto? — Marisa tirou da geladeira uma embalagem de creme e a deixou em cima da mesa.

— Eu me levantei cedo e dei uma chegada no supermercado.

— Você deve pensar que tenho um apetite enorme — ela disse dando risada.

— Eu sei que você tem, meu bem — ele respondeu com uma careta lasciva.

— Não zombe de mim. Foi você quem me iniciou no caminho da carne e do prazer — repôs Marisa.

Jack desligou o bico de gás do fogão e levou a frigideira até a mesa. Marisa pegou um enorme pedaço de pão torrado e deu uma mordida.

— Não está nada mal — disse com tom otimista.

— Mentirosa. Está queimada.

— Só um pouco. De qualquer forma, odeio torradas mal passadas.

Jack serviu-lhe dois ovos mexidos e se sentou diante dela, observando-a enquanto ela os experimentava.

— Estão muito bons — exclamou Marisa com entusiasmo.

— Sim, ficaram muito bons, modéstia à parte — concordou Jack comendo com deleite. — Então, quais são os planos para hoje?

— Tenho que trabalhar, Jack.

— Qual é, você pode muito bem matar aula um dia.

— Acho que não — ela respondeu. — Não vim para a Flórida para me relacionar com você, senhor Bluewolf, mas para representar um cliente.

— Relacionar? — ele perguntou. — É isso que estivemos fazendo?

— Se você for levar ao pé da letra tudo o que eu digo, vou parar de falar com você.

— Contanto que você não pare de ir para a cama comigo... — disse Jack engolindo um enorme bocado de ovos mexidos. Marisa lhe deu um pontapé por baixo da mesa. — Ai! Você não precisa ir ao tribunal. Não pode deixar para amanhã o que tiver que fazer?

Marisa se sentiu tentada.

— Você exerce uma péssima influência sobre mim — disse. — Você não tem nada para fazer?

— Sim, mas pode esperar.

— Nós dois vamos acabar perdendo o emprego — comentou Marisa, devorando outra torrada. Jack se levantou e a abraçou.

— Vamos aproveitar agora enquanto podemos — disse-lhe ao ouvido. — Talvez a gente não consiga ficar junto com tanta facilidade no futuro.

Marisa sentiu um calafrio. O quê Jack estava tentando dizer?

— Mas nós vamos encontrar um jeito, não é?

— Mas é claro que sim. Mas este parêntesis é um presente do céu. Vamos aproveitar ao máximo.

— Está certo — respondeu Marisa olhando-o nos olhos.

— Eu tenho uma ideia. Aquele meu amigo que me emprestou a lancha tem uma casa na praia.

— Esse cara é milionário?

— Ele está muito bem de vida, sim.

— E por que ele não deixa a lancha na praia?

— Não se pode deixar uma lancha no mar aberto. Ela ficaria aos pedaços. Tem certeza que você mora no Maine?

— Eu tinha me esquecido disso. Continue falando da casa. Mas já vou avisando, nesta época do ano a água está fria demais para o meu gosto.

— Nós não vamos tomar banho. A casa tem vistas maravilhosas. Vamos passear pela praia e levaremos o almoço, o que acha?

— Muito bom — respondeu Marisa estreitando Jack entre os braços.

Quando eles saíram da cabana o sol brilhava com intensidade. Não obstante, vinte minutos depois o céu começara a ficar nublado. Quando chegaram à praia já chovia a cântaros. Eles correram sobre a areia ensopada e subiram correndo os degraus da varanda da casa.

— Eu me exibi com a ideia de vir para cá — disse Jack, e Marisa desatou a rir. — Se bem que, de qualquer forma, que falta vai nos fazer o sol? — ele abraçou Marisa e ambos se jogaram no sofá ao lado da porta. Ficaram ali, deitados, ouvindo o barulho da chuva no telhado da casa.

— Esse seu amigo faz o que? — perguntou Marisa. — Percebe-se que ele tem muito dinheiro.

— Pois a verdade é que ele não faz muita coisa. Creio que ele herdou quase tudo que tem. O pai dele era inventor, ou algo parecido.

— E como você o conheceu?

— Na academia. Ele me ajudou muito. Também fomos colegas de quarto na universidade. Aquela mulher com quem você me viu no restaurante do hotel é esposa dele — esboçou um sorriso. — Você ficou com ciúmes, fala a verdade.

— Nada disso — Marisa apressou-se a responder.

— Diga a verdade...

— Bem, um pouco, talvez.

Jack soltou uma risadinha sufocada.

— Admito que eu quis deixa-la com ciúme.

— Foi uma manobra muito infantil, Jackson.

— Sim, eu sei. Mas surtiu efeito. Eu sabia que precisava lhe dar um empurrãozinho na direção correta, e foi isso que fiz.

— O que são aquelas pequenas calotas ali em cima? — perguntou.

— Luzes emergentes.

— Está brincando? Não trabalho em nenhuma revista de arquitetura, mas já vi luzes emergentes antes.

— Estou falando sério. Você só precisa apertar um daqueles botões brancos na parede, e as luzes emergem de tubos de alumínio, como nos filmes de ficção científica.

Marisa se ergueu sobre um cotovelo e olhou-o com as sobrancelhas arqueadas.

— Experimente se quiser — disse Jack.

Ela pulou do sofá e correu até o painel de botões na parede. Apertou o botão de cima e uma das comportas de alumínio se fechou sobre as portas de cristal.

— Você se enganou de botão — ele comentou.

Marisa apertou o segundo botão e um enorme televisor saiu da parede, próximo à lareira.

— É o terceiro botão à esquerda — disse Jack com paciência.

Marisa apertou o botão e as calotas começaram a se abrir, emitindo um leve chiado.

— Caramba, que coisa — exclamou. — Esses milionários excêntricos...

— Eu vou lhe mostrar a casa com o maior prazer — disse Jack se levantando e abrindo os braços.

Depois de fazer um tour por um número sem fim de modernas peças, Marisa disse:

— Na realidade só uma peça me interessa. Onde fica o quarto?

Jack fez um sinal com o dedo.

— Siga-me.

A escada em caracol levava ao segundo andar onde ficavam os quartos de hóspedes. Tinha também um sótão com lareira e uma janela enorme, de onde se via o mar.

— Maravilhoso — comentou Marisa.

— Se você gosta de luxo, sim — respondeu Jack.

O sótão estava mobiliado com uma enorme cama, mesinhas de cabeceira de pinho e um grande armário. No banheiro tinha uma banheira Jacuzzi, e o chuveiro era isolado por uma fina divisória de vidro.

— Venha — disse Jack para Marisa. Ela voltou ao quarto e ficou de pé junto à ombreira da porta. — Vejamos se o colchão é bom.

Marisa correu e saltou sobre ele. Ambos caíram sobre a cama.

— O que é isso que você está vestindo? — perguntou Jack.

— Costuma ser chamada de ‘blusa’ — ela respondeu brincando. — Ontem à noite você tirou do meu corpo uma igual, já não se lembra?

 

Jack desabotoou os botões com movimentos eficientes e jogou a blusa no chão. Em seguida lhe tirou o resto da roupa e percorreu a linha do quadril com a polpa dos dedos. Após alguns segundos, inclinou-se e mordeu um mamilo suavemente.

Marisa passou os braços pelo pescoço dele, atraiu-o para si e rodeou-lhe a cintura com as pernas.

— Vou lhe dizer uma coisa que jamais disse a nenhum outro homem — ele sussurrou, lambendo-lhe o lóbulo da orelha.

— O que é?

— Tire a roupa.

— Você vai ter que me soltar para isso.

— Sim, mas só por um instante.

Jack se pôs de pé e começou a tirar a roupa enquanto Marisa o observava com olhos ansiosos. Em seguida ele voltou a se deitar e a abraçou.

— Você é o homem mais atraente que jamais vi — disse ela arqueando as costas enquanto Jack traçava uma trilha de beijos pelo pescoço dela.

— Mas também, sou o único homem que você já viu nu.

— Eu não quis dizer nu. Eu quis dizer..., no geral.

— E o que você acha disto, concretamente? — Jack pegou-lhe a mão e levou-a ao próprio sexo.

— Também adoro isso — respondeu Marisa acariciando-o.

Ele gemeu e a pressionou contra a cama.

— Quero você agora, por favor — ela suplicou.

Jack obedeceu.

 

Eles continuaram se vendo diariamente até o dia em que foram retomadas as sessões do tribunal. Naquela manhã Marisa vestira um belo vestido rosa, com bolsa e sapatos combinando. Ela estava abotoando os botões quando Tracy apareceu na porta.

— Você está muito bonita! O amor não é maravilhoso? — comentou.

— Descobri que, de fato, é mesmo.

— Mas lembre-se de que lado você está — Tracy advertiu-lhe.

— O que quer dizer com isso? — perguntou Marisa.

— Não lhe passou pela cabeça que seus sentimentos por Jack podem influenciá-la?

— Estou me esforçando para separar as questões profissionais da minha vida privada — respondeu Marisa.

— Eu lhe desejo sorte.

— Tracy, não torne as coisas mais difíceis para mim. Já estou bastante nervosa — disse Marisa pegando a pasta executiva. Tracy assentiu. — E não se esqueça de mandar o arquivo do secretário quando estiver pronto.

Tracy olhou para Marisa com expressão pensativa enquanto ia embora.

 

Marisa percebeu que alguma coisa estava errada assim que chegou ao tribunal. Jack, que estava sentado na mesa da IDN, não olhou para ela em momento algum. Parecia tenso e muito sério. Ben Brady, em troca, parecia muito alegre. Marisa se sentou, perguntando-se desesperada o que teria acontecido.

Nesse instante, o Juiz Lasky entrou.

— Senhor Brady? — disse o juiz organizando um monte de papéis.

— Sim, Meritíssimo. Solicito ao tribunal uma sentença imediata e favorável para o meu cliente, a organização conhecida como Indígenas em Defesa da Natureza.

Marisa ficou olhando para ele, estupefata.

Lasky arqueou as sobrancelhas.

— Eu lhe advirto, Senhor Brady — disse. — É melhor que essa petição tenha uma base totalmente justificada.

— Meritíssimo, o senhor Randall Block, representante do Departamento de Assuntos Indígenas, tentou me subornar na sexta feira passada.

Houve uma grande agitação na sala de julgamento. Marisa olhou para Jack, que continuava sentado, muito empertigado.

— Trata-se de uma acusação muito séria, senhor Brady — disse o juir Lasky. — Resuma, por favor.

— O senhor Block me ofereceu uma quantia considerável de dinheiro se eu conseguisse convencer a IDN a retirar o processo. Desse modo, o governo federal poderia levar a cabo as obras da autoestrada o mais breve possível.

— Entendo. Vou pensar sobre isso — e deu por encerrada a sessão.

Uma grande confusão instalou-se na sala do tribunal, e Marisa se levantou da cadeira. Ela olhou para Jack, que saía da sala.

Ao ver a expressão gélida que ele tinha no rosto, Marisa compreendeu que Jack estava pensando que ela também participara da tentativa de suborno.

 

— Senhor Brady, acha que era realmente necessário montar aquele espetáculo? — perguntou o juiz Lasky ao advogado da IDN, com evidente mal-estar.

— Bem, Meritíssimo... — Brady começou a dizer.

Lasky o interrompeu com um gesto.

— Você podia ter falado comigo em particular. Mas, dessa forma, o tribunal não estaria infestado de fotógrafos e jornalista, não é mesmo?

Brady tentou se mostrar arrependido, mas não conseguiu. Lasky suspirou.

— Senhor Brady, devo lembrá-lo que estou com sessenta e quatro anos. Já vi tudo que é tipo de estratagemas e trapaças legais que vocês possam imaginar. Entende o que quero dizer?

— Sim, Meritíssimo — disse Brady com tanta humildade quanto pôde aparentar.

Lasky olhou para Marisa, que estava estupefata, ao lado de Brady.

— Senhorita Hancock, suponho que você não sabia de nada sobre a tentativa de suborno que o senhor Brady apresentou contra o representante do governo federal.

Marisa pigarreou para clarear a garganta.

— Não, Meritíssimo.

— Foi o que imaginei — respondeu Lasky secamente.

— Pretendo investigar esse assunto... — Marisa começou a dizer, mas Lasky a interrompeu.

— Você não vai fazer nada — disse o juiz bruscamente. — Vou suspender o processo até que se localize o senhor... — olhou para Brady.

— Block — informou Brady.

— O senhor Block — informou Lasky. — Não obstante, senhor Brady, vou lhe dar um aviso. Se eu chegar a descobrir que tudo isto é uma armação ideada para criar confusão ou atrasar o processo, farei com que o expulsem da advocacia.

Brady não pareceu se preocupar em absoluto, o que deixou Marisa desolada. O advogado devia saber que estava transitando sobre terreno seguro.

Lasky os despediu com um gesto e ergueu os olhos.

— Vou adiar este processo até... — consultou o calendário. — Até 18 de dezembro, quinta feira, às nove horas da manhã.

As pessoas presentes se levantaram e começaram a cochichar sobre o acontecido. Marisa correu atrás de Jack, que já estava saindo pela porta.

— Jack, espere — gritou.

Ele parou, mas não se virou para olha-la.

Marisa o contornou para poder falar com ele.

— Jack, eu não tive nada a ver com essa tentativa de suborno — disse, olhando-o nos olhos. — Eu não sabia de nada sobre isso até Brady fazer a denúncia no tribunal agora de manhã.

Jack continuou calado, e Marisa percebeu que ele não acreditava no que ela estava lhe dizendo.

— Jack, você me conhece bem. Prefere acreditar em um subalterno do governo do que em mim? Você nem sequer o conhece.

— Eu o conheço sim — disse Jack com voz tranquila.

Marisa ficou olhando-, perplexa. Após alguns segundos, disse:

— Aquela sala ali está vazia. Vamos até lá para conversar.

Jack hesitou. Finalmente ele a seguiu de má vontade, sem pronunciar uma só palavra. Assim que entraram, Marisa fechou a porta e perguntou:

— Você não percebe o que está acontecendo? Esse tal de Block estava desgostoso com o rumo do processo e julgou mal Brady. Ben pode ser pedante, sim, mas também é um homem honesto. Block pensou que, se lhe oferecesse dinheiro, Brady ia sugerir à IDN que se retirasse do caso. Mas o tiro saiu pela culatra. Foi isso que aconteceu.

— Eu também estava com Block — repôs Jack. — Quando Brady o ameaçou que iria falar com Lasky sobre a tentativa de suborno, Block confessou que tudo havia sido ideia sua. Você sabia que não ia conseguir ganhar o julgamento, então armou esse estratagema para se sair bem, de qualquer forma.

—Você não acredita de verdade no que está dizendo, não é? — perguntou Marisa horrorizada.

— Por quê não? Pois é bastante lógico.

— Onde está Block? Quero vê-lo! Ele vai ter que repetir o que lhes contou na minha frente.

— Com certeza ele jábvoltou para Washington para tentar salvar o cargo. Mas não se preocupe. Lasky vai convocá-lo para prestar esclarecimentos — Jack deu meia volta com a intenção de ir embora.

— Isso é tudo o que tem para me dizer, Jack? — perguntou Marisa, tentando desesperadamente manter a calma.

Ele virou a cabeça.

— Não. Você me usou. Não consigo acreditar que fui tão estúpido a ponto de cair nessa armadilha. Mas você não vai me enganar de novo.

— Como assim, usei você? — perguntou Marisa espantada.

— Você começou a se relacionar comigo para ganhar minha confiança enquanto conspirava às minhas costas — disse muito sério. — Fui suficientemente claro?

Marisa desandou a chorar.

— Jack, como você pode pensar isso depois que...?

— De ir para a cama comigo? Foi uma bela atuação. E sua amiga Tracy também.

— Tracy?

— Sim. Ela me enganou com aquela comovedora história sobre sua inocência e da falta de experiência com os homens. E eu caí como um patinho.

A consternação que Marisa sentia se transformou em raiva.

— Você está insinuando que me mantive virgem até os vinte e oito anos só para fazê-lo cair em uma armadilha?! — perguntou furiosa.

— Estou insinuando que você manipulou a..., situação... Para me fazer acreditar... — interrompeu-se.

— O que? — sussurrou Marisa.

— Para me fazer acreditar que me amava! — ele vociferou.

— Mas eu amo você — ela balbuciou.

— Ama uma ova! — gritou Jack indo para a porta.

Marisa correu atrás dele e pegou-lhe o braço. Jack se virou e a pegou pelos ombros com tanta força que Marisa fez uma careta.

— Fique longe de mim — avisou. — Não quero machucá-la, mas eu poderia. De modo que me deixe em paz! — soltou-a bruscamente e se foi antes que ela pudesse dizer qualquer coisa.

Desesperada Marisa ficou olhando-o se afastar. Ela ainda não conseguira assimilar o que acontecera aquela manhã no tribunal.

 

— Como é que você voltou tão cedo? — perguntou Tracy erguendo os olhos dos papéis que estava lendo. Mas a expressão dela mudou no ato. — Meu Deus, você está com um aspecto horrível. O que aconteceu?

Marisa lhe contou o que acontecera e Tracy só ficou ouvindo, absorta.

— Puxa, não consigo acreditar — sussurrou.

— Pois então somos duas — disse Marisa desabotoando a jaqueta.

— O que está pensando fazer?

— Não tenho nem ideia — respondeu Marisa esfregando os olhos.

— Antes de qualquer coisa você precisa encontrar Block.

— Já liguei três vezes para o Departamento e deixei recado. A secretária me disse que ele estava em reunião.

— Ele nunca pensou que Brady o denunciaria. Eu já tinha farejado que Block é meio estúpido.

— E agora está tentando se safar alegando que foi tudo ideia minha — repôs Marisa.

— Ele não vai se safar. Com certeza só está tentando ganhar tempo. Tudo vai acabar sendo esclarecido, você vai ver.

— Espero que sim, ou ficarei na rua da amargura — Marisa se sentou pesadamente em uma cadeira e cravou o olhar no tapete.

— Mas não é isso que está lhe preocupando, não é? — murmurou Tracy.

— Jack nem sequer quis me escutar, Tracy — disse Marisa.

— Ele só está magoado, Marisa. Aposto que quando ele esfriar a cabeça vai pensar melhor e vai ligar, você vai ver.

Marisa negou com a cabeça.

— Se você tivesse visto a cara dele, Tracy. Como ele pôde acreditar naquela víbora do Departamento, e não em mim?

— Porque ele não está apaixonado por Block, mas por você.

— O que quer dizer com isso? — gemeu Marisa.

— Jack é um homem orgulhoso, e está caidinho por você. Ele deve ter ficado furioso ao pensar que você não sente o mesmo por ele, que existe a remota possibilidade que você saiu com ele por outros motivos.

— Mas isso não é verdade!

— No final ele vai entender.

— Para você é fácil dizer isso.

— Por que você não deixa passar alguns dias para que ele fique tranquilo, e depois você o procura?

— Isso se ele não me der um tiro quando me vir.

— Ele vai se acalmar, acredite em mim.

— Oxalá eu estivesse tão segura disso. Ele parecia louco, Tracy. Eu nunca o vi assim.

— Mas você sabia que o potencial estava lá. Foi isso, em parte, o que a atraiu nele, não é?

— Não pensei nisso — respondeu Marisa.

— Pois eu sim.

— É claro.

— Os opostos se atraem. Por baixo da superfície polida de Jack existe um rio de fogo apaixonado. E você sempre soube disso, não é?

— Mas eu não esperava que esse fogo chegasse a me queimar! — Marisa se queixou. — Ele se negou a me ouvir!

— E o que você esperava?

— Esperava que ele tivesse um pouco mais de confiança em mim!

— Talvez ele seja mais inseguro do que você pensa — observou Tracy. — Estou falando sério. Pense no passado dele. Ele deve ter vivido experiências horríveis enquanto crescia.

— Ele não quis falar muito sobre isso, mas creio que você tem razão.

— Claro! Para ele, você deve ser uma espécie de deusa!

— Por favor, Tracy — disse Marisa com desgosto.

— Pense um pouco. Ele é um homem atraente, sim. E já correu o mundo. Mas, algum dia teve uma relação séria com alguém como você? E você ainda estranha que ele fique magoado com a possibilidade de que você o tenha manipulado?

— Mas como posso convencê-lo de que isso não é verdade? Ele ficou louco!

— Limite-se a esperar um pouco. Jack vai cair em si. Enquanto isso, vamos nos concentrar em procurar o senhor Randall Block.

— É melhor eu ligar para o Charlie e contar o que aconteceu — disse Marisa resignada.

— Não acha que primeiro você devia avisar o cardiologista? — Tracy brincou.

— Se Charlie também pensa que tive algo a ver com aquela tentativa de suborno eu me atiro pela janela.

— Eu não me preocuparia com Charlie. Ele nunca permite que as emoções lhe nublem a razão.

Marisa concordou e pegou o telefone.

 

Jack fechou com desgosto o processador de textos e jogou todas as anotações no lixo. Era-lhe impossível trabalhar. Não conseguia pensar com clareza. Iria entregar tarde o manuscrito, seu editor ficaria furioso. E o processo a IDN contra o governo estava parado enquanto Lasky estava averiguando quem estava mentindo e por quê. Jack notou que sua vida estava um caos, e tudo porque se deixara enganar por uma loura com aspecto inocente e coração de pedra.

Recostou-se na cadeira e esfregou os olhos. Não estava chorando. Não. Aquelas lágrimas se deviam simplesmente ao cansaço. Ele pestanejou algumas vezes e em seguida se levantou para se servir de uma bebida.

O uísque lhe proporcionou certo alívio.

Ele estava ansiando para que o julgamento acabasse para ir embora logo da Flórida. Aquele lugar só lhe evocava lembranças agridoces. Não lhe agradava se lembrar do quanto fora estúpido. Uma mudança de cenário faria com que ele se esquecesse de tudo mais rápido. Ele se sentiu tentado a pegar um avião e deixar para Brady continuar o julgamento sozinho, mas finalmente decidiu que não devia fugir.

Jack olhou para a garrafa e afastou-a com determinação. O pai dele fora alcoólico, e ele não seguiria o mesmo caminho. Já passara por momentos críticos muito difíceis antes, e sempre sobrevivera.

Ele não conseguia se esquecer da expressão arrogante de Block lhe contando como Marisa tomara parte em um plano astuto para dar fim ao caso da IDN. Jack estava apaixonado demais por ela para perceber o que estava acontecendo. Marisa tinha um enorme orgulho profissional e queria derrotar Ben Brady de forma esmagadora. Definitivamente ela não podia perder o julgamento, e quando viu que as coisas estavam mal paradas para o lado dela, tirou a última carta da manga para salvar a situação. E se envolvera com ele para mantê-lo com a guarda baixa, e, de passagem, para tirar dele alguma informação valiosa. Ele fora estúpido, sim.

Jack esvaziou o copo com um só gole, com a esperança de que, se ficasse meio atordoado, conseguiria dormir. Em seguida subiu a escada e se deitou na cama.

 

Marisa seguiu o conselho de Tracy, e aguardou três dias antes de procurar Jack. Não telefonou porque sabia que ele se negaria a recebê-la. Então ela foi até a isolada cabana no carro que alugara. Chegou ao anoitecer, e quando bateu à porta notou que o coração estava ameaçando sair do peito.

Jack abriu após alguns segundos, e ela lhe suplicou:

— Jack, por favor, não me mande embora. Dê-me uma chance para falar com você.

Ele ficou olhando detidamente para ela durante um longo tempo, e depois se afastou para deixa-la entrar.

— Na realidade, acho que não temos mais nada a nos dizer — disse com voz apagada.

— Como pode me rejeitar assim? — perguntou Marisa. — Não lhe passou pela cabeça que a minha versão pode ser a verdadeira?

— Não — ele respondeu de forma contundente.

— Eu sabia que meu relacionamento com você era bom demais para ser verdade. Ah se eu tivesse percebido antes! Não teria sido ridículo daquele jeito.

— Você quer me magoar, não é?

— E por que não? Olho por olho, dente por dente. É justo.

— Você nunca acreditou que eu lhe amava, não é? — perguntou Marisa amargamente.

— Acho que você só queria ir para a cama comigo, ainda que eu pense que você gostou de verdade, porque ninguém consegue fingir daquele jeito.

— Quando Randall Block confessar perante o juiz você vai perceber o quanto está enganado — replicou Marisa desesperada.

— Não se esforce. Ele já confessou a verdade.

— Ele conseguiu que um juiz federal emitisse uma ordem de afastamento para me manter à distância.

— Rapaz esperto.

— Block sabia que podia se esquivar das minhas ligações, mas que cedo ou tarde eu iria procurá-lo pessoalmente.

— Uma possibilidade aterradora. E o que você ia fazer? Bater nele com a bolsa? — disse Jack com sarcasmo.

— Nem eu sei — respondeu Marisa com um fio de voz.

— Por que você não experimenta ir para a cama com ele? Você já se deu muito bem com isso.

Marisa ficou olhando-o fixamente, incapaz de articular uma resposta.

— Você podia procurá-lo com essa história de que é virgem. Se bem que, agora, não, claro. Isso só funciona uma vez. Mas não se preocupe. Você é uma mulher de imaginação fértil. Logo você engendra alguma coisa.

— Porco — disse Marisa em voz baixa.

— Então somos dois. Então, mais alguma coisa? — ele perguntou indo para a porta.

— Sim — disse Marisa entrecortadamente. — Tem mais uma coisa que quero lhe dizer.

— Pois diga rápido.

— Você vai lamentar tudo isto — Marisa começou a dizer.

— Duvido muito.

— Sei que agora você duvida, mas vai se lembrar deste dia e de tudo o que me disse, e vai entender também o erro que cometeu. Sou a melhor coisa que já aconteceu na sua vida, e você me joga de lado porque é inseguro, cínico e estúpido...

— Cuidado com o que diz — disse Jack com voz tensa.

— E o que vai fazer comigo, grandalhão? — replicou Marisa com os olhos cheios de lágrimas. — Vai bater em mim, como bateu naquele rapaz, na galeria de arte seminole? É assim que você resolve seus problemas, não é?

— Vá embora.

— Eu não fiz nada de errado! — Marisa explodiu, sufocada de repente pela injustiça da situação. — Eu não tentei subornar ninguém, nem sabia nada sobre esse assunto até ouvir a história no tribunal. Mas se é isso o que precisa para que me entenda o quanto você é estúpido e preconceituoso...

— Preconceituoso?! — ele disse sem conseguir acreditar no que ouvira.

— Sim, você me ouviu muito bem — disse Marisa chorando desconsoladamente. — Você acha que sou igual àquela namorada que teve na escola, sofisticada e fria demais...

— Eu acho que você é uma mentirosa — ele repôs com voz apagada.

— Está certo — ela disse. — Vou embora.

— Está bem.

— Eu nunca vou me esquecer de você — soluçou Marisa correndo para a porta.

— Mas eu sim, vou tentar esquecer você! — gritou Jack.

Marisa saiu para a varanda, cega pelas lágrimas. Ela entrou no carro e ficou sentada por algum tempo, esperando que a visão clareasse. Olhou para a porta para ver se Jack estava saindo para buscá-la.

Quando viu que ele não aparecia, arrancou com o carro, dirigiu até o hotel e, lá chegando, enfiou-se direto na cama.

— O que aconteceu? — perguntou Tracy quando voltou uma hora mais tarde e encontrou Marisa encolhida embaixo do edredom com uma caixa de Kleenex na mão.

— Acabou tudo — disse Marisa.

— O quê que acabou?

— O que você acha? Segui seu conselho e fui procurar Jack. Ele continua igual à antes. Teimoso como uma mula. Pior. Ele foi cruel, insultou-me...

Tracy soltou no chão os pacotes que carregava e se sentou.

— Talvez tenha passado pouco tempo...

— Quer parar de arranjar desculpas para ele? — disse Marisa irritada.

Mas ele vai acabar percebendo que você não sabia nada sobre o plano de Block — respondeu Tracy.

— E o que isso importa? Hoje ele me mostrou o que é que pensa de mim realmente.

— Quando você voltar a vê-lo no tribunal... — Tracy começou a dizer.

— Duvido muito que vamos voltar ao tribunal — Marisa interrompeu-a, jogando um lenço usado no cesto de lixo junto à porta.

— Por quê não?

— Provavelmente Lasky vai anular o julgamento e o pessoal do governo vai me mandar tomar ar.

— E vão deixar em paz o cemitério dos seminoles.

— Coisa que deviam ter feito desde o começo — concluiu Marisa.

— O que quer dizer que não ficaremos muito mais tempo por aqui — disse Tracy.

— Não se minhas previsões estiverem certas — respondeu Marisa, assoando o nariz.

— Você está com muita vontade de ir embora — disse Tracy muito séria.

— Nisso você tem razão.

Tracy deixou escapar um suspiro.

— Tem certeza de que Charlie não vai jogar a culpa em cima de nós por toda esta catástrofe quando a gente voltar? — perguntou.

— Charlie sabe o que aconteceu. E Block vai esclarecer tudo, nem que eu tenha que persegui-lo até os confins da terra.

— E o que Charlie disse para você fazer?

— Nada. A principal preocupação dele é que o governe pague ao escritório o mais rápido possível.

— Então vamos poder voltar para casa e nos esquecermos de tudo.

— Eu jamais vou conseguir esquecer — murmurou Marisa.

— A dor vai desaparecer com o tempo.

— Jamais vou conhecer ninguém como ele, Tracy. Você sabe que vou passar o resto da vida pensando em Jack.

— Você é muito jovem. Vai conhecer outros homens.

Marisa fechou os olhos.

— Por favor, não diga isso.

— Não estou querendo banalizar o assunto. Sei que você ainda está muito machucada, mas não tenho nem ideia do que fazer para que se sinta melhor.

— Não há nada a ser feito — Marisa se levantou e deixou a caixa de lenços de papel em cima da mesinha de noite. — Já me cansei de sentir pena de mim mesma. Preciso salvar minha carreira, e essa vai ser minha prioridade de agora em diante.

— Fico feliz por ouvir isso — disse Tracy com um sorriso radiante.

— Vou tomar um banho quente — anunciou Marisa, indo para o banheiro.

— Também fico feliz por ouvir isso — brincou Tracy.

Marisa lançou-lhe um olhar assassino por cima do ombro. Abriu a porta do banheiro e se olhou no espelho.

— Vou pedir que tragam o jantar para nós aqui no quarto — continuou dizendo Tracy.

— Acho que não vou conseguir comer nada — repôs Marisa, abrindo a torneira da banheira.

— Você não pode morrer de fome também. Já começou a emagrecer. Gostaria de um sanduíche de queijo e presunto?

— Está bem, mamãe — disse Marisa com um sorriso fraco.

— E um copo de leite — acrescentou Tracy, e Marisa fechou a porta na cara dela. Depois entrou no chuveiro, desejando que a água e o sabonete pudessem eliminar todos os seus problemas.

Aconteceu exatamente o que Marisa havia previsto. O juiz Lasky declarou nulo o julgamento e os índios conservaram a terra. Marisa voltou para o Maine, e durante algum tempo andou muito ocupada preenchendo papéis para se defender da acusação de tentativa de suborno. Até que as investigações dessem um resultado definitivo e provasse que Block mentira, Marisa teve que deixar de exercer a advocacia temporariamente.

Umas duas semanas depois que Marisa foi embora da Flórida, Jack viajou para Washington e visitou o Departamento de Assuntos Indígenas. Pegou o elevador e percorreu um longo corredor cheio de escritórios. Ele procurava um em particular. Quando o encontrou, deu uma olhada em volta para se certificar de que não tinha ninguém por perto e entrou rapidamente, pegando desprevenido o ocupante do escritório.

— Olá, Randall — disse Jack. — Lembra-se de mim?

O lápis caiu da mão de Block.

— Agora nós dois vamos ter uma conversinha — anunciou Jack e fechou a porta com um pontapé.

 

Marisa colocou a cabeça para fora da janela da casa dela no Maine e comprovou que a neve que caíra não fizera diminuir o fluxo normal do tráfego. Ela ia poder sair para trabalhar.

Ligou o rádio da cozinha e ouviu um jubiloso cântico que lhe fez se lembrar de que aquele dia era Natal. Desligou o rádio de repente. Nunca se sentira com menos vontade de festa em toda a vida.

A cafeteira estava desmontada sobre a bancada da pia. Enquanto a montava e colocava o filtro tentou se lembrar se tinha mandado a saia cinza de algodão para o tintureiro. A jaqueta estava limpa, mas estava faltando um botão em uma das mangas. Suspirou. Ela ia vestir qualquer coisa. Não tinha ânimo nem interesse suficientes para escolher roupas para vestir. Ligou a cafeteira e se aproximou da porta da frente para ver se o distribuidor de jornais deixara o diário matinal na varanda.

Uma forte rajada de vento lhe açoitou o rosto ao abrir a porta. Os beirais estavam cheios de pingentes de gelo, e do outro lado da rua o senhor Henderson estava limpando o jardim com uma barulhenta máquina de tirar neve. Marisa se arrependeu de não ter colocado o carro na garagem na noite anterior. Teria que raspar a camada de gelo que se formara sobre os vidros do carro.

Olhou para o caminho da entrada e parou. Havia um objeto enfiado em um monte de neve pouco além da varanda. Protegendo os olhos contra o brilho da neve, olhou com mais atenção e viu que se tratava de uma flecha com plumas coloridas na ponta.

Com o coração aos pulos Marisa olhou ansiosamente em volta, e viu Jack. Ele estava apoiado no carro, com os braços e os tornozelos cruzados. Estava olhando calmamente para ela.

Automaticamente Marisa levou as mãos ao cabelo e à gola do robe. Teve que fazer um esforço enorme para não sair correndo descalça pela neve para abraça-lo. Mas imediatamente ela se lembrou de que estava zangada com ele, e se obrigou a ficar imóvel.

Jack começou a andar até Marisa, que ficou plantada diante da varanda como se fosse uma árvore. Ele parou a um metro dela e lhe entregou um envelope.

— O que é isto? — perguntou Marisa olhando-o com atenção.

— Por favor, abra-o.

— Jack, não estou com humor para joguinhos. Diga logo o que tem neste envelope.

— A confissão de Randall Block. O senhor Block se declara o único culpado pela tentativa de suborno e desmente que você tivesse algo a ver com o assunto.

Marisa exalou um longo suspiro e estudou a expressão de Jack. Em seguida, atirou o envelope na cara dele, deu meia volta e fechou a porta com uma forte pancada.

— Marisa, abra! — gritou Jack esmurrando a porta. — Vamos, isso não é justo!

— Justo?! — ela respondeu pela janelinha da porta. — Quem é você para dizer o que é justo ou não? Volte para a Flórida!

— Eu vim de Oklahoma!

— Pois volte para lá então! Deixe-me em paz!

— Marisa, por favor. Não pode me ouvir um pouquinho?

— E você me ouviu? Eu me lembro do quanto você foi paciente e compreensivo comigo em relação às acusações de Block. Como se atreve a vir aqui com esse envelope, esperando que eu me esqueça de como você se comportou?

— Não espero que você esqueça. Só quero conversar com você — viu que Marisa titubeava. — Marisa, é Natal. Vai me deixar aqui fora?

Ela suspirou profundamente.

— Vou deixa-lo entrar — ela disse em voz alta. — Mas quando você acabar de falar o que precisa dizer quero que vá embora sem dar um pio! — houve um longo silêncio do outro lado da porta. — E então?

— Acho que não me resta alternativa — respondeu Jack.

Ela abriu a porta com cautela. Jack estava esperando com as mãos atrás das costas.

— Entre — disse Marisa ajeitando o robe.

Ele entrou e olhou com curiosidade para a sala de estar.

— É uma casa magnífica — comentou, colocando a flecha na mesinha da entrada.

— Você veio aqui para falar da arquitetura da Nova Inglaterra? — perguntou Marisa friamente.

— Vejo que você não está disposta a me dar uma folga — disse Jack.

— Você acha que eu deveria? — ela replicou.

Ele lhe devolveu o envelope.

— Pode lê-lo, por favor?

Marisa abriu o envelope com a unha e tirou de dentro duas folhas de papel impressas. Ela leu rapidamente e depois olhou para Jack.

— Como você conseguiu isto? — perguntou.

— Randall e eu tivemos uma conversinha.

— O que significa isso? Você bateu nele?

— Eu..., só o ajudei a ser sincero — respondeu Jack.

— Eu teria comprado entradas para assistir de camarote — brincou Marisa, colocando o cabelo atrás das orelhas.

— Isso quer dizer que você vai me servir uma xícara de café? — ele perguntou, farejando o cheiro que vinha da cozinha.

— Está bem. Uma xícara. E depois você vai embora — Marisa foi para a cozinha e Jack a seguiu, admirando os retratos de família que enfeitavam as paredes.

— Você era uma criança linda — observou.

Marisa tirou uma xícara do armário, encheu-a de café e a entregou para Jack.

— Vai cronometrar enquanto bebo o café? — ele perguntou.

Ela apontou o relógio na parede.

— Entro no serviço às oito e meia — respondeu.

Jack soltou a xícara com resignação.

— Nem sequer vai me agradecer pela confissão de Block?

Marisa olhou-o com expressão impávida.

— Obrigada — disse.

Ele deixou escapar um suspiro.

— Isto não está caminhando como eu tinha pensado. Imaginei que quando eu lhe mostrasse a confissão, você ia gritar de alegria e correr para me abraçar.

— Não me esqueci de como você reagiu ao ouvir as mentiras de Block.

Jack cravou o olhar no chão.

— Marisa, lamento tudo isto.

— Desculpas aceitas. Agora você pode ir embora.

Ele a olhou.

— Você nem sequer vai me deixar explicar por que me comportei daquele jeito?

— Eu sei por quê. Você não confia em mim.

— Eu não confio é em mim mesmo — respondeu Jack com voz serena.

— Jack...

— Sim, já sei. Você tem que sair para trabalhar — respirou fundo e acrescentou: — Podemos jantar juntos?

— Acho que não seria uma boa ideia.

— Você quer me castigar mesmo, não é, Marisa? — disse com tristeza.

— Já aguentei demais, Jack. Sofri muito. Quero que minha vida volte a ser como era antes de conhecer você. Triste e aborrecida, mas sem sofrimento.

— Não quer jantar com um amigo que apenas veio lhe visitar?

— Não somos amigos.

— Somos amantes — disse Jack suavemente.

— Nós éramos — corrigiu Marisa. — Nós éramos amantes.

Ele assentiu.

— Está certo. Eu lhe proponho uma coisa. Esta noite vou ligar para saber como você está.

— Provavelmente igual que agora.

— Você é uma mulher dura, sabia?

— Sim, eu sou, e isso porque você me fez voltar a ser assim — olhou para o relógio de novo.

— Já estou indo embora — disse Jack.

Marisa o acompanhou pelo vestíbulo.

— Adeus, Jack — disse com voz tranquila.

Ele ficou olhando para ela por um longo tempo e depois saiu porta afora.

Marisa já estava começando a desejar com toda a alma vê-lo de novo à noite.

O escritório fechou ao meio dia devido à festa de Natal. Marisa entregou para Charlie Wellman a confissão de Block assim que entrou no escritório aquele dia. Quando Tracy apareceu com um pacote nas mãos, depois da última aula, encontrou Marisa na sala dela.

Tracy, que estava vestindo uma roupa vermelha e um chapéu de elfo, cumprimentou Marisa da porta, freneticamente.

— Muito bem, vou lhe mandar uma cópia depois dos feriados — disse Marisa falando com alguém ao telefone. Ouviu por alguns instantes e acrescentou: — Certo, adeus. E Feliz Natal.

— Tra la la la — cantarolou Tracy. — Odeio lhe dizer isto, mas as pessoas estão em festa. Você é a única que continua trabalhando — entrou na sala e deixou o presente em cima da mesa.

— Você parece muito animada — disse Marisa.

— Sandy Carter me pediu para ir com ele ao baile de fim de ano no Clube de Campo Eaglesmere — confessou Tracy com uma risada travessa.

— Parabéns. Eu também tenho novidades.

— Quais? — Tracy fez soar um dos sininhos que enfeitavam a parede do escritório.

— Jack está aqui.

— Onde? — Tracy olhou ansiosamente em volta, como se esperasse encontrá-lo encolhido em um canto da sala.

— Ele foi até minha casa bem cedinho esta manhã. E adivinha o que ele me deu?

Tracy se sentou e disse:

— Sou toda ouvidos.

Marisa contou o acontecido. Quando acabou, Tracy perguntou entusiasmada:

— E o que você vai fazer esta noite?

— Não sei ainda.

— Mas ele vai voltar, não é?

— Ele disse que sim.

— Não olhe para mim — disse Tracy fazendo um gesto. — Eu correria para abraça-lo e o levaria de arrasto para a cama, portanto, não sou ninguém para lhe dar conselho.

— Tenho que agir com inteligência.

— Qual é. Você sempre age com inteligência. Perca a cabeça pelo menos uma vez. Talvez dê bom resultado.

— Já perdi a cabeça na Flórida.

— E acabou se apaixonando por um homem lindíssimo. Que erro enorme, não?

Nesse momento a porta se abriu e Charlie entrou.

— O que vocês duas estão fazendo aqui? — perguntou. — Mark Dempsey está dançando com o dermatologista do quinto andar, e o juiz Jerrold está pretendendo pedir a próxima dança ao esfregão da Sadie.

— Eu não perderia isso por nada no mundo — brincou Tracy.

— Achei que você estaria animada para festejar o dia — disse Charlie para Marisa. Tropeçou e saiu porta afora.

— Parece que ele está bêbado — disse Tracy.

Marisa pegou o presente que estava em cima da mesa.

— Mandei o meu para sua casa — disse, rasgando o papel.

— Uma edição completa da Enciclopédia Britânica, eu espero.

— Nada tão educativo.

— Maravilha!

— Um frasco de Índigo Sky! — exclamou Marisa. — Que gentileza — murmurou comovida.

— Sei o quanto você gosta desse. Agora vá, corra para junto daquele homem tão maravilhoso — disse Tracy se levantando.

— Eu devia ficar na festa, nem que seja por alguns minutos.

— Esqueça-se da festa. Eu peço desculpas por você a todos. Vamos, andando.

Marisa tirou o casaco do gancho e seguiu o conselho de Tracy.

 

Ela percebeu que alguma coisa estava acontecendo quando colocou o carro na trilha da entrada. Todas as luzes da casa estavam acesas e havia um carro estranho estacionado junto ao meio fio. Ao descer do carro, Marisa viu que Jack saía na varanda.

— O que você está fazendo aqui? — perguntou.

— Até uma criança de quatro anos saberia como abrir a fechadura da sua porta — respondeu Jack convidando-a, com um gesto, a entrar na própria casa. Estava vestindo calça preta e camisa de lã cor creme.

Marisa estacou e olhou surpresa para a sala de estar. Havia uma árvore de Natal toda decorada ao lado da lareira acesa. Viu sobre a mesa duas taças e uma garrafa de champanhe. Da cozinha vinha um delicioso cheiro de carne assada.

— Você fez tudo isto? — perguntou assombrada.

— Sim, eu sozinho.

— Essa lareira não funciona — disse Marisa se aproximando para dar uma olhada no fogo.

— Agora funciona. Eu a consertei.

— E de onde você tirou essa árvore?

— Do Armazéns Finley’s. Estava na oferta.

— Entendi. E também aprendeu a cozinhar?

— Perto daqui tem uma loja onde se pode comprar uma excelente comida pronta. Só precisa esquentar.

Assombroso! Você percorreu o bairro como um tornado — Marisa soltou a pasta executiva e a bolsa em uma cadeira. — Mas, para quê tudo isto, Jack? Está lindo, mas...

— É Natal, Marisa — ele disse com voz tranquila. — Será que você não pode relaxar um pouco e me dar um respiro?

— O que é que você quer? — ela perguntou sem rodeios.

— Eu quero outra oportunidade, — ele respondeu. — eu amo você. Lamento tudo o que fiz, e gostaria que você me desse outra oportunidade.

Marisa se sentou na velha poltrona do avô, perto da lareira.

— Nós não tivemos uma simples briga, Jack. Você preferiu acreditar em outra pessoa em vez de mim em algo que era muito importante. Quando lhe supliquei que me ouvisse você se negou. Você me insultou e...

— Por favor, não me lembre do quanto fui estúpido — ele a interrompeu, consternado.

— O que eu quero dizer é que...

— Eu sei o que você quer dizer. Pensa que esse tipo de coisa pode voltar a acontecer.

— Quer parar de me interromper, por favor?

Jack se sentou no sofá e cruzou os braços.

— Você me machucou demais, Jack.

Ele virou um pouco a cabeça e olhou para outro lado.

— Eu sei — disse com um fio de voz.

— O que o fez mudar de opinião? Por quê você procurou Randall Block?

Jack suspirou.

— Quando você foi embora da Flórida eu tive tempo para refletir, e vi as coisas com mais calma. Percebi que era impossível que você tivesse recorrido a algo tão lamentável quanto o suborno.

— Nossa, acho que me lembro de que foi exatamente isso que eu mesma tentei lhe explicar — disse Marisa com tom aborrecido. — E mais de uma vez.

— Não seja sarcástica, Marisa. Isto já é suficientemente difícil para mim — repôs Jack.

— Continue — ela pediu.

— Então procurei Block em Washington e falei com ele.

— Entendo. E já lhe deram alta? — zombou Marisa.

— Nem toquei nele. Eu queria que ele estivesse em perfeitas condições para que confessasse o que tinha feito.

— Você o ameaçou com o que?

— E que importância tem isso agora? Consegui que ele dissesse a verdade, e isso é o mais importante.

— Se você me amasse de verdade, teria acreditado em mim desde o começo. Acho que mereço uma explicação.

— É mais complicado do que isso.

— Eu imagino.

Jack foi até a lareira e se apoiou na prateleira.

— Sempre me foi difícil confiar nos executivos e pessoas endinheiradas.

— Nossa, obrigada.

— Você sabe a que me refiro. Você estava representando o governo, era de família abastada... Para mim, era muito difícil acreditar que uma mulher tão sofisticada que nem você me amasse. Era mais lógico pensar que você estava me usando.

— Está insinuando que, apesar de ter triunfado na vida, no fundo você tem a sensação de que ainda está na reserva?

Jack abriu os olhos e olhou para ela fixamente.

— Sim — confessou.

— Mas isso não é desculpa para que me tratasse tão mal, Jack.

— Marisa, quando tive a impressão de que você tinha me manipulado, uma vida inteira de dúvidas e suspeitas veio à superfície dentro de mim.

Ela ficou em silêncio.

— Está certo, eu nunca estive apaixonado antes, e não sei como agir! — ele disse acaloradamente.

— Como assim, nunca esteve apaixonado? — perguntou Marisa.

— Não, nunca. Na realidade, isso não é tão raro assim — sentou-se ao lado dela no sofá e ela se afastou alguns centímetros.

— Quer parar de fazer isso? — disse Jack exasperado.

— Isso o quê?

— Cada vez que tento me aproximar de você, parece que dispara um alarme e você se afasta por medo.

— Estou tentando pensar com clareza.

— Você não consegue pensar com clareza quando lhe toco?

— Exato.

— E isso não lhe diz nada?

— Sim, que você está tentando me confundir! — Marisa estava à beira das lágrimas. Levantou-se e foi até a janela.

Jack a seguiu e ficou atrás dela. Ambos ficaram contemplando em silêncio a neve que caía.

— Ninguém nunca vai lhe amar como eu lhe amo — ele disse suavemente.

— Eu sei — sussurrou Marisa.

— Ninguém vai satisfazê-la tanto quanto eu — acrescentou Jack.

Ela concordou com a cabeça.

— Então, por que você não me dá outra chance?

Marisa se virou e o abraçou.

— Você me machucou demais — disse entre soluços.

— Eu sei, e sinto muito. Vou procurar ser melhor no futuro.

— Pensei que você não ia mais voltar. Pensei também que tinha perdido você para sempre.

— Eu me senti um imbecil de primeira quando arranquei a verdade de Block. Vim para cá o mais rápido que pude — murmurou Jack.

— Abrace-me. Senti tanto sua falta.

Ele pegou-lhe a mão e a levou até o sofá.

— Tenho uma coisa para você — disse Jack sentando-se ao lado dela.

— Mais coisas? — ela perguntou.

Ele tirou do bolso uma caixinha quadrada e a colocou na mão de Marisa.

— Abra.

Ela levantou a tampo. Um anel de ouro com um lindo diamante descansava em uma almofadinha de veludo azul.

— Quer se casar comigo? — perguntou Jack.

— Sim.

Ele a estreitou nos braços com tanta força que a caixinha do anel caiu no chão.

— Preciso lhe perguntar uma coisa — ela disse-lhe ao ouvido.

— O que é?

— Você tem dinheiro?

Marisa se afastou ligeiramente para olha-lo no rosto.

— Quase estourei meu cartão de crédito comprando este anel.

— E eu tenho vinte e três dólares na bolsa — respondeu Marisa dando risada.

— Pois terão que durar até depois de amanhã.

De repente, o vestíbulo se encheu com o cheiro de queimado.

— Adeus nosso jantar — disse Jack.

— Tenho atum na despensa — Marisa se levantou e arrumou a roupa. — Vou desligar o forno e fazer um pouco de salada...

— Desligue o forno e venha para o quarto — ele disse com ternura. — Onde é?

— No final do corredor — explicou Marisa. Foi até a cozinha, desligou o forno com dedos trêmulos e depois foi ter com Jack no quarto.

Ele estava esperando-a com duas taças de champanhe.

— A nós — disse.

— A nós — ele repetiu.

Brindaram e beberam o champanhe. Então ele largou a taça e tirou de Marisa a dela.

— Agora, venha cá.

Ela obedeceu com sumo prazer.

 

— Será que vou ter que começar a me preparar para um batizado? — perguntou Tracy. — Eu ainda nem me recuperei do casamento...

— Ainda não é certeza — respondeu Marisa servindo café para Tracy. — Ainda não fui ao médico.

Elas estavam sentadas na cozinha de Marisa. Era uma manhã de domingo no final de março.

— Você já fez um daqueles testes caseiros?

— Sim, mas nem sempre são seguros.

— E então? Deu positivo?

Marisa fez uma careta de satisfação.

— Nem precisa dizer nada — comentou Tracy sorrindo. — Dá para ver no seu olhar.

— Eu tenho tido náuseas, é só isso que sei. Não suporto ver comida até às três da tarde.

— Você deve estar muito emocionada.

— É como um sonho. Se alguém me tivesse dito, quando fui para a Flórida, que eu acabaria casada com Jack, e grávida, eu teria caído na risada.

— E você já contou para ele?

Marisa negou com a cabeça.

— Acabei de saber esta semana, e não quis dizer nada por telefone.

— A que horas ele chega de viagem?

— Às oito horas.

— Uma noite animada lhe espera, hein? E como pretende contar para ele?

— Bom, quando ele vir minha cara ver ao olhar para o café da manhã dele já vai perceber. Ele ficou duas semanas no Japão promovendo Renegado.

— O último romance dele?

— Sim. Receio que seja uma versão dissimulada do nosso romance. Ele já tinha começado a escrever na Flórida. Acredita nisso?

— Você está me gozando! — respondeu Tracy com uma risadinha.

— Não. O protagonista se apaixona por uma advogada na Nova Inglaterra, que se confronta com ele em um complicado julgamento. Soa familiar para você?

— E eu, estou no romance? — perguntou Tracy alegremente.

— Bem, a advogada tem uma amiga chamada Nancy que colabora com ela no trabalho de investigação.

— Uma amiga linda, sedutora e brilhante chamada Nancy — corrigiu Tracy.

— É claro.

— E graças a ela os dois apaixonados conseguem ficar juntos.

— Exato.

— Bom, tenho que ir embora agora — disse Tracy se levantando. — Preciso entregar um trabalho semana que vem e mal comecei.

— Está certo. Boa sorte.

— Dê lembranças minhas ao Jack. E ao pequenininho — deu uma palmadinha no ventre dela.

— Não se preocupe.

— A gente se vê no escritório na segunda pela manhã — Tracy saiu pela porta dos fundos.

Marisa colocou os pratos na pia e sentiu de novo aquela euforia interior que passara a fazer parte da vida dela desde que descobriu que estava grávida. Jack ficaria entusiasmado. Ela estava preparando o prato favorito dele para o jantar, mesmo sabendo que, conhecendo-o como conhecia, estariam na cama antes de experimentá-lo.

 

Jack chegou as oito e dez, carregado de sacolas. Marisa o esperava na sala de estar, sentada perto da lareira.

— Mulher! — gritou Jack largando as sacolas em uma cadeira.

Marisa correu para abraçá-lo.

— Senti tanto a sua falta — murmurou Jack, passando os lábios pelo cabelo dela. — Por quê demônios você não quis viajar comigo?

— Nós já falamos sobre isso antes de você viajar, Jack. Eu tinha um caso importante, e...

— Não importa — disse Jack, afastando-a ligeiramente para olha-la. — Já voltei. É impressão minha ou você ficou mais bonita enquanto estive fora?

— Você só esteve fora duas semanas — ela disse rindo.

— Mas você está mais bonita, não há dúvida disso — ele repôs, e deu-lhe um beijo suave e prolongado.

— Jack... — sussurrou Marisa.

— O que? — ele perguntou distraidamente enquanto a levava para o quarto.

— Você não gostaria de uma bebida?

— Você me apetece muito mais.

— Espere um pouco... —disse Marisa quando Jack começou a desabotoar-lhe os botões da blusa.

— Sim? — ele respondeu com tom inocente.

— Jack — ela insistiu.

Ele enfiou a mão por baixo da blusa para desabotoar o sutiã.

— Jack! — protestou Marisa.

— Sim? — ele voltou a responder com uma careta travessa.

— O que você trouxe para mim? O que há naquelas sacolas?

— Daqui a pouco eu digo — respondeu Jack, tirando-lhe a blusa e acariciando-lhe a pele com a polpa dos dedos.

Marisa fechou os olhos.

Ele passou a língua pelo pescoço e desceu até o canal entre os seios.

Ela deixou escapar um suspiro.

— Está bem. Daqui a pouco — disse.

Eles se amaram furiosamente e não retomaram o assunto senão um tempo depois. Marisa estava apoiada no ombro de Jack, pensando no quanto era feliz.

— Que tal é o Japão? — perguntou.

Jack riu entre os dentes.

— Eu me senti muito sozinho.

— Eu imagino. Não conheceu nenhuma geisha?

Ele lhe beijou a testa.

— Advogada, bem se vê que você nunca promoveu um livro.

— Isso é verdade. A propósito, tem vários recados da IDN para você. Eles querem que você participe de uma reunião para arrecadar fundos para a defesa legal de Jeff Rivertree.

— Está bem. Eu falo com eles amanhã de manhã — ele a estreitou com força nos braços. — Esta noite é só nossa.

— Posso ver meus presentes agora?

Jack suspirou.

— Você parece uma garotinha de seis anos.

— Ah, qual é, estou curiosa — ela saiu da cama e vestiu um robe.

Jack a seguiu.

— Já vou avisando que não são todos para você — disse jogando-se no sofá.

— Mas o que é isso?! — ela exclamou, fingindo-se decepcionada.

— Comprei algumas coisas para minha mãe e para Ana.

— Bom, se me permite...

Marisa abriu o primeiro presente que o marido lhe comprara e exclamou:

— Jack! É lindo! — tirou da caixa um quimono azul de seda com um dragão imperial nas costas, incrustado de safiras e contas.

— Que bom que você gostou — disse. — Na verdade, esse é para mim.

Marisa o olhou muito séria.

—Brincadeirinha!

Ela se pôs de pé, tirou o robe e experimentou o quimono.

— Que tal eu estou?

— Você está parecendo a primeira imperatriz loura do Japão — disse Jack levantando o copo em sinal de cumprimento.

— Pena que só vou poder usa-lo em casa.

— Não recomendo que o vista para ir ao escritório. Charlie Wellman teria um ataque.

Marisa sorriu.

Jack tomou um gole do conhaque e acrescentou:

— Abra o pacote pequeno.

Ela tirou rapidamente o papel de embrulho do pacote e viu que era uma caixinha de joalheria.

— Você está me mimando demais — disse, abrindo-a.

— Estou tentando.

— Pérolas... — disse Marisa, tirando da caixinha um colar de reluzentes gemas.

— Imaginei que esse colar ficaria muito bem com seus brincos.

— Com certeza. Obrigada, muito obrigada — Marisa correu para abraça-lo.

— Ei, ei, ainda não terminou. — ele protestou. — Tem mais um.

Marisa deu uma olhada por cima do ombro e viu um pacote que estava no chão. Ela se ajoelhou e o abriu. Tirou o conteúdo de dentro, desconcertada a princípio.

— O que é isto?

— Olhe de perto — ele aconselhou.

De repente Marisa entendeu do quê se tratava.

— É um porta-bebê indígena.

— Exato.

— Mas isto você não trouxe do Japão.

— Não. Eu o peguei na varanda, quando cheguei. Foi minha mãe que o mandou para nós. O carteiro deve ter deixado lá logo cedo.

— É uma relíquia de família?

Jack assentiu.

— Por acaso isto é uma indireta?

— Essa é a minha mãe, famosa no mundo inteiro pela sutileza.

Marisa deixou o porta-bebê no chão e se sentou ao lado de Jack.

— Jack...

— Sim?

— Tem uma coisa que preciso lhe dizer.

 

                                                                                Doreen Owens Malek  

 

                      

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