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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


UMA MULHER SENSIVEL / Jennie Lucas
UMA MULHER SENSIVEL / Jennie Lucas

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

A chuva descia do céu cinzento como uma bruma, fina como teias de aranha, pelos minaretes escuros de Istambul, enquanto Louisa Grey cortava as últimas rosas do outono no jardim. Suas mãos, geralmente tão firmes, tremiam em torno da tesoura de poda.

Não posso estar grávida, disse nervosa a si mesma. Não pode ser!

Poderia...?

Abruptamente, Louisa se sentou no chão, limpando a testa com a manga da roupa no fresco crepúsculo do início de noveirt. bro. Por um momento, olhou para as rosas vermelhas e alaran­jadas do exuberante jardim da antiga mansão otomana. Então, suas mãos caíram sobre o colo. Ela sentiu o peso da podadeira contra sua saia de lã cinza.

Piscando rapidamente, virou instintivamente a cabeça para observar o pôr do sol rubro que brilhava pelo estreito de Bósforo.

Uma noite. Ela trabalhara para seu implacável chefe playboy durante cinco anos. Uma noite arruinara tudo. Ela fugira para Paris no dia seguinte, exigindo uma transferência para trabalhar na casa dele, ignorada, em Istambul. Tentara deixar no passado a noite de prazer que haviam tido. Mas agora, um mês depois, pensava em algo aterrorizante. Uma pergunta que não parava de invadir sua mente. Todo dia, a pergunta se tomava mais alta e mais incisiva.

Ela poderia estar grávida, esperando um bebê de seu chefe?

— Senhorita? O cozinheiro ficou doente — disse uma garota em um inglês com sotaque atrás dela. — Por favor, ele pode ir para casa?

Os ombros de Louisa se empertigaram instantaneamente. Empurrando nariz acima seus óculos de armação preta, ela se virou para olhar a jovem empregada turca. Sabia que não de­veria revelar nenhuma fraqueza aos membros da equipe, que buscavam liderança nela.

— Por que ele mesmo não me pergunta isso?

— Está com medo de a senhorita dizer não. Com tanta coisa a ser feita para a visita do sr. Cruz...

— O sr. Cruz só deve chegar na manhã do dia da festa. Diga ao cozinheiro para ir para casa. Daremos um jeito. Mas, da pró­xima vez — Louisa acrescentou de forma severa — ele mesmo deve vir me perguntar, e não mandar alguém porque está com medo.

— Sim, senhorita.

— Também diga a ele que deve estar totalmente bem no dia da festa, ou será substituído.

 

 

 

 

Com um tímido movimento cortês, a empregada se retirou.

Quando Louisa se viu sozinha, seus ombros desabaram. Inclinando-se para a frente, recolheu duas rosas caídas na grama e as colocou na cesta. Pegou a podadeira e se levantou penosamente. Forçou-se a repassar a lista de afazeres na mente. O piso de mármore e os candelabros estavam brilhan­do, bem limpos. As comidas favoritas de seu chefe haviam sido encomendadas para que chegassem frescas dos mercados todos os dias. A suite dele estava pronta e precisava apenas daquelas rosas frescas para suavizar o sombrio e masculino quarto, para fosse lá qual bela atriz iniciante ele escolhesse levar desta vez.

Tudo devia estar perfeito para a visita dele. O sr. Cruz não deveria ter motivo algum para reclamar. Motivo algum, Louisa pensou ao cortar o caule da última rosa do arbusto com um nouco mais de força que o necessário, para conversar a sós com ela.

Ouviu o portão de ferro forjado se abrir com um longo rangi­do atrás de si. Ela teria que mandar lubrificá-lo, pensou. Ela se virou, esperando ver o jardineiro, ou talvez o vendedor de vinho com a grande entrega de champanhe que ela encomendara para o jantar festivo.

Em vez disso, Louisa respirou fundo enquanto uma silhueta alta saía das sombras. Só que aquele homem não apenas saía das sombras.

Ele era a sombra.

— Senhor Cruz — ela sussurrou, a boca subitamente seca. Os olhos dele brilhavam ao crepúsculo enquanto ele a olhava.

— Senhorita Grey.

A voz rouca e profunda dele ecoou pelo jardim, fazendo o coração dela disparar. Louisa apertou com força a cesta e a po­dadeira para que suas mãos, subitamente desajeitadas, não as deixassem cair. Ele chegara três dias antes. Mas Rafael Cruz jamais fazia o que se esperava.

Belo, implacável e rico, o milionário argentino tinha o char­me sombriamente sedutor de um poeta... e um coração de gelo.

Alto e de ombros largos, com um poder latente em seu cor­po musculoso, ele se destacava entre todos os outros homens por sua força, sua beleza máscula, sua fortuna e sua aparência elegante. Mas naquele dia seus cabelos pretos estavam desgre­nhados. Seu terno preto, geralmente imaculado, parecia amar­rotado, e sua gravata estava frouxa, pendendo do pescoço. Seu maxilar estava escuro, com uma sombra abaixo das faces escarpadas e do nariz romano. Olhos cinza-claros se destacavam contra sua pele de oliva bronzeada.

Por mais desarrumado que estivesse, ele mal parecia civili­zado, algo brutal. E, no entanto, de alguma forma, estava ainda mais lindo do que ela se recordava.

Um mês antes, Louisa estivera em seus braços. Por uma noite, ele possuíra seu corpo, tirara, de forma apaixonada, sua virgindade...

Ela interrompeu o pensamento e respirou fundo para se re­compor.

— Boa noite, senhor. —A voz dela não denunciou suas emo­ções. Era digna, quase fria; a maneira perfeita para uma valiosa funcionária de um homem poderoso. Seu treinamento a man­tinha equilibrada. — Bem-vindo a Istambul. Está tudo pronto para sua visita.

— É claro. — Os lábios dele se curvaram em um sorriso irônico quando se aproximou dela. Seus cabelos escuros esta­vam desarrumados pelo vento e úmidos. — Não esperaria nada menos do que isso de você, senhorita Grey.

Ela inclinou a cabeça para trás, olhando para seu rosto bru­talmente belo.

Havia algo sombrio no olhar dele. Um certo cansaço indes­critível. O playboy implacável por natureza parecia estranha­mente perturbado, de um jeito que ela jamais vira antes.

Contra a própria vontade, a preocupação com ele lhe tomou o coração, enquanto a bruma se transformava em chuva, caindo ruidosamente sobre as árvores escuras acima deles.

— O senhor está... o senhor está bem, senhor Cruz?

Ele se empertigou.

— Perfeito — disse friamente. Claramente não gostara da intromissão dela.

Louisa apertou as mãos contra a alça da cesta, furiosa consi­go mesma. O que estava pensando? Sabia que não devia fazer perguntas pessoais. Se os dez meses de treinamento em admi­nistração de lares não lhe haviam ensinado aquilo, os cinco anos como governanta de Rafael Cruz em Paris certamente deveriam tê-lo feito.

Ele jamais demonstrava seus sentimentos. Ela tentara fazer o mesmo. Havia sido fácil nos primeiros dois anos. Então, por algum motivo, apesar de tanto se esforçar, ela começara a se importar...

Ao olhar para ele naquele instante, tudo em que conseguia pensar era a última vez em que vira seu rosto, a noite em que percebera que estava irremediavelmente, desprezivelmente apai­xonada por seu chefe playboy. Estivera soluçando sozinha na cozinha quando ele chegara inesperadamente cedo em casa, de um encontro com mais uma mulher impossivelmente bela.

— Por que está chorando? — ele perguntara em voz baixa.

Louisa tentara mentir, dizer que era apenas algo que entrara em seu olho, mas, quando os olhares se encontraram, ela não conseguira falar. Não conseguira se mexer enquanto ele cami­nhava diretamente até ela. Ele a tomara nos braços, e ela sou­bera, até a alma, que aquilo só poderia terminar com o coração dela partido. E, no entanto, não conseguia afastá-lo. Como po­deria, quando amava aquele homem indomável e proibido que jamais poderia ser verdadeiramente dela?

Na cobertura dele, próxima aos Champs-Élysées, com a re­luzente cidade e a Torre Eiffel ao fundo, acesa como um farol na noite, ele sussurrara o nome dela em meio a um grunhido. Segurara-lhe os pulsos e a empurrara contra a parede da cozi­nha, beijando-a de forma tão selvagem que tudo o que Louisa pudera fazer fora soluçar seu nome ao primeiro choque de ex­plosivo desejo mútuo e a sede de ambos contida naquele abraço.

Ela o queria com um desejo que reprimira durante anos. Mas como poderia se permitir se render, sabendo que só poderia ter­minar mal?

E aquilo fora antes dela sequer começar a se preocupar com a possibilidade de estar grávida...

Não pense nisso!, ela ordenou desesperadamente a si mesma Não podia estar grávida. Se estivesse, Rafael jamais a perdoaria. Pensaria que ela fizera aquilo de propósito, que havia mentido para ele!

Ela umedeceu os lábios.

— Estou... feliz por você estar bem — ela hesitou.

Seus olhos sombrios, de tom cinza-azulado, percorreram o rosto dela, demorando-se na boca, antes de Rafael se voltar abruptamente para o outro lado, jogando a bolsa de viagem por cima do ombro.

— Leve o jantar ao meu quarto — ele recomendou. Entrou na casa com passos pesados, sem olhar para trás.

— Imediatamente, senhor — ela sussurrou enquanto a chu­va caía mais rapidamente. Gotículas pesadas batiam contra seu rosto e seu corpo, colando seus cabelos à cabeça e nublando os óculos.

Depois que o chefe desapareceu dentro da mansão, ela con­seguiu respirar novamente. Protegendo a cesta de rosas da chu­va com seu blazer de lã cinza, ela foi atrás dos dois assistentes que carregavam as malas dele da limusine, estacionada na ga­ragem externa.

Os últimos raios do sol que se punha banhavam as nuvens baixas de vermelho, enquanto Louisa entrava no foyer principal da mansão do século XIX. Cuidadosamente, limpou os pés an­tes de perceber as pegadas úmidas de seu chefe pelo mármore, que precisaria ser meticulosamente limpo outra vez. Seus olhos seguiram a trilha de pegadas escada acima. Ela viu a cabeça es­cura e as costas de ombros largos de Rafael desaparecerem atrás do patamar que levava até a suite dele.

A casa parecia tão diferente agora que ele estava ali. Rafael Cruz eletrizava tudo. Especialmente Louisa.

Os homens o seguiram escada acima com as malas, e quando se viu sozinha, Louisa se recostou na parede, as pernas cedendo com o alívio.

O primeiro encontro deles havia terminado. Estava feito.

Parecia que Rafael... o sr. Cruz, ela se corrigiu com raiva; o primeiro nome dele se embrenhando em sua mente!... já havia esquecido tudo a respeito da noite de paixão deles em Paris.

Se ao menos ela conseguisse fazer o mesmo...

Seus olhos se voltaram novamente para o patamar do segun­do andar. Mas por que ele parecera tão incomodado? Havia algo de muito errado, e ela sabia que não tinha nada a ver com aquela noite. As mulheres eram descartáveis para ele. Facilmente esquecidas. Completamente substituíveis. Mulher alguma jamais conseguiria tocar o coração de Rafael.

Então, se não era por causa de uma mulher, o que o levara a Istambul três dias antes... e com um humor tão sombrio? Ela olhou as escadas vazias em direção ao quarto dele. Subitamente, desejou saber o que o perturbava. Desejou oferecer consolo a ele, algum tipo de conforto...

Não!

Ela afastou logo aquele pensamento. Toda mulher pensava que Rafael precisava ser confortado. Fazia parte da sedução dele, algo que usava implacavelmente em seu benefício. As mulheres eram atraídas pelo encanto bruto e taciturno, vendo nele uma espécie de Heathcliff moderno com um passado sombrio. Todas desejavam confortar o milionário argentino cansado do mundo, bom seu belo rosto e o sussurro de um coração partido. Louisa já vira incontáveis mulheres se desiludirem ao pensar que elas, e somente elas, poderiam salvar a alma dele. Apenas Louisa sabia da verdade.

Rafael Cruz não tinha alma.

E, ainda assim, ela o amava. Era uma tola! Porque ela, dentre todas as mulheres, sabia o tipo de homem que ele era na verda­de: frio, implacável e impiedoso!

Jure que não há como você engravidar, Louisa, ele lhe disse­ra naquela sedutora noite. Não há como eu engravidar, ela res­pondera.

Se ela tivesse mentido para ele...

Não estou grávida, ela repetiu furiosamente para si mesma. É impossível!

E, no entanto, tinha medo de fazer o teste que lhe daria a certeza. Disse a si mesma que a menstruação estava apenas atra­sada. Muito atrasada.

Deixando os sapatos úmidos na porta principal, carregou a cesta de rosas para o vestíbulo próximo à grande e moderna cozinha. Encheu um caro vaso de cristal com água e arrumou cuidadosamente as rosas dentro dele. Limpou a podadeira e a guardou na gaveta. Ao subir para seu quarto, tirou as roupas molhadas, substituindo-as por um terninho cinza com saia, tão simples e prático quanto o anterior. Arrumou os cabelos castanhos em um austero coque, secou os óculos com uma toalha e deu uma rápida olhada para si mesma no espelho. Parecia bem simples, obediente e invisível; exatamente como ela queria.

Jamais quisera que Rafael a notasse. Rezara para que ele não o fizesse. Depois de tudo o que acontecera a ela no último em­prego, a invisibilidade parecia ser sua única proteção. Mas, de alguma forma, falhara. De alguma forma, ele a notara, mesmo assim. Por que a levara para sua cama? Pena? Conveniência?

Ela respirou fundo, empertigando os ombros. Então, levou o vaso de rosas para a cozinha.

Quase imediatamente, seu humor melhorou. A cozinha, jun­tamente com o resto da mansão, havia mudado bastante no mês que se seguira à chegada de Louisa. Sua constante atenção, tra­balhando 18 horas por dia para contratar funcionários e super­visionar a limpeza e a reforma da então desbotada casa, a trans­formara em um lar bem-administrado. Louisa tocou gentilmente a madeira polida do batente da porta, sorrindo ao baixar o olhar para o colorido e brilhante piso em mosaico. Supervisionar a estauração daquela mansão à sua antiga glória fora um trabalho tanto, mas proporcionara um imenso prazer. O que, antes, fora abandonado, agora, era amado. Querido. A expressão de Louisa ficou séria. Sendo assim, não permi­tiria que sequer um momento de fraqueza a forçasse a deixar o emprego que amara com tamanha paixão durante cinco anos. Fora uma mulher conveniente para Rafael levar para a cama, nada mais. Ela o amava, mas tentaria ao máximo matar esse amor.

Faria seu trabalho. Manteria distância. Tentaria esquecer a maneira como ele tirara sua virgindade.

Ela se esqueceria da forma como os lábios dele haviam sido pressionados contra os dela, tão quentes, fortes e exigentes. Es­queceria a sensação do poderoso corpo, dele pressionando-a con­tra a parede. Esqueceria a força dele e o sombrio desejo em seus olhos quando ele a levantara em seus braços fortes e a carregara em silêncio para sua cama...

Louisa ficou parada por um momento, sozinha na cozinha. En­tão, voltou a si. O que estava fazendo ali? Certo. O jantar dele. O cozinheiro fora para casa, doente. Ela só esperava que ele estivesse com a mesma indisposição estomacal que ela tivera em Paris, seis semanas antes, para que pudesse estar novinho em folha dali a três dias, a tempo para o jantar de aniversário de Rafael. Louisa conseguia fazer pratos simples, mas não era nenhuma chef. Suas habilidades na cozinha tendiam mais para bolos e brownies do que para preparar molho chimichurri para um bife de fraldinha ou uma picante cazuela de mariscos, um cozido de frutos do mar em caldo de tomate para 12 pessoas!

Mas, como o comandante de um navio, ela aprendera qua­se todas as tarefas necessárias à administração de uma imensa casa. Preparou rapidamente um simples, mas delicioso: san­duíche, usando presunto fatiado e o pão caseiro que ela mesma fizera da bem-suprida despensa. Baixou o olhar para a bandeja e esticou cuidadosamente o guardanapo de linho por baixo dos utensílios de prata. Hesitou e, em seguida, acres­centou um pequeno vaso, no qual pôs uma rosa vermelha recém-desabrochada.

Não havia nada de errado em acrescentar uma rosa, disse a si mesma. Não era o ato de uma amante, mas de uma gover­nanta que se importava com os detalhes. Nada havia mudado. Nada.

Ela chamou uma das camareiras.

— Leve esta bandeja para o sr. Cruz, por favor.

A funcionária recém-contratada mudou o peso de um pé para o outro ao pegar a bandeja. Parecia nervosa.

Com um suspiro inaudível, Louisa lhe deu tapinhas incenti­vadores no ombro.

— Não tenha medo. O sr. Cruz é... um homem bondoso. — Ela ficou surpresa por um raio não tê-la atingido por aquela mentira. — Ele não vai machucá-la. — Pelo menos aquilo era verdade. Ele gostava de que suas casas e seus negócios fossem administrados calmamente e, por isso, jamais seduzia funcioná­rias... jamais.

Ao menos até um mês antes, quando jogara Louisa na cama e lhe rasgara as roupas. Quando ela esticara as mãos na direção dele, tão desejosa, enquanto ele caía sobre seu corpo nu, e am­bos eram devorados por sua sede e necessidade urgente...

Não! Não!

— Por favor, leve logo — Louisa falou com dificuldade. Com um movimento da cabeça, a camareira pegou a bandeja e saiu da cozinha. Mas Louisa mal começara a lavar os pratos quando a garota voltou, coberta de presunto, com mostarda Di­jon manchando seu avental e a rosa pendendo precariamente do cabelo recém-molhado!

— O que aconteceu? — Louisa arfou.

A jovem camareira parecia prestes a chorar.

—Ele jogou a bandeja em mim! — Ela segurava a bandeja de prata em uma das mãos e um prato quebrado na outra. O so­taque de seu inglês de escola acentuado pela tensão. — Ele disse que quer que só você o sirva, senhorita!

Louisa inspirou fundo.

— Ele jogou a bandeja! — Louisa ficou chocada ao pensar em seu chefe perdendo o controle. Por Deus, o que acontecera? Ele perdera um bom contrato? Perdera muito dinheiro? O que havia de errado com ele? Para que fosse tão violento e incivilizado a ponto de jogar uma bandeja...

Os olhos de Louisa se estreitaram. O que quer que tivesse acontecido, ainda que ele tivesse perdido toda a fortuna, aquilo não era desculpa para ser cruel com uma funcionária da equipe dela!

— Dê a bandeja para mim, Behiye. Depois, vá para casa.

— Oh, não, senhorita, por favor, não me demita...

— Você acabou de ganhar o resto da semana de folga, com pagamento integral. — Ela abriu um rápido sorriso, encobrindo sua fúria interna. — Férias, como cortesia do senhor Cruz, que se arrepende terrivelmente do comportamento bruto que teve.

— Obrigada, senhorita.                                                      

E se ele ainda não se arrependeu de seu comportamento, Louisa pensou furiosamente enquanto a garota saía, vai ser ar­repender em breve.

A fúria de Louisa cresceu até o ponto de ebulição quando ela jogou o prato de cerâmica, que fora uma bela e antiga peça de porcelana Iznik azul e branca, no lixo. Lavou a bandeja de prata e reorganizou toda a refeição em um novo prato, acrescentando odiosamente uma outra rosa em um vaso de prata. Fez outro sanduíche, exatamente como o primeiro, e subiu as escadas em espiral que levavam até o segundo andar.

Deu uma única e forte batida na porta do quarto dele.

— Entre — a voz de Rafael disse severamente. Ainda furiosa, Louisa empurrou a porta. E parou. O quarto dele estava escuro.

— Senhorita Grey. — Ela ouviu a voz grave e irónica dele. — Que bom que seguiu minhas ordens.

A voz dele era profunda, combativa. Hostil.

Olhando para dentro da escuridão, Louisa o viu sentado em uma cadeira nas sombras, na frente da fria lareira. Ela pôs a bandeja em uma mesa e, atravessando o quarto em seus sóbrios sapatos de salto baixo, puxou um interruptor para acender a pe­quena lâmpada.

Um círculo de luz amarela iluminou a escuridão, revelando um quarto masculino, espartano e severo.

— Desligue isso — ele grunhiu, seu olhar percorrendo o corpo dela. A rajada de calor furioso nos olhos dele quase a fez recuar cambaleando.

Então, empertigando-se, Louisa cerrou os punhos.

— Não vai me intimidar como fez com a pobre Behiye. Como ousa atacar uma camareira, senhor Cruz? Jogar uma bandeja nela? Enlouqueceu?

Os olhos dele se estreitaram enquanto ele se levantava.

— Não é da sua conta. Mas ela se manteve firme.

— Ah, é, sim. Sou paga para supervisionar esta casa. Como espera que eu faça isso com você aterrorizando os funcionários?

— Não joguei a bandeja nela — ele grunhiu. — Derrubei-a da mão dela ao chão. Foi ela quem tentou pegar. Tola.

Falava como um homem que jamais limpara o próprio chão.

— Você a assustou!

Os olhos acinzentados dele brilharam para ela na luz sombria.

— Um acidente — ele falou, desconfortável. — Foi... um descuido meu. — Virando-se para o outro lado, ele suavizou a expressão. — Dê o rosto do dia de folga para a garota.

Ela ergueu o queixo.

— O senhor já deu. Na verdade, acabou de dar a ela férias de uma semana com pagamento integral.

Houve uma pausa na escuridão.

— Senhorita Grey. — A voz dele pareceu subitamente estra­nha, quase melancólica. — Você parece sempre saber do que eu preciso. Às vezes, até antes mesmo que eu saiba.

O olhar que ele lhe lançou fez o coração dela subir à gargan­ta. Como se ele precisasse muito de algo naquele exato instante e quisesse que ela soubesse o quê, sem que ele precisasse dizer uma palavra.

Ela sentiu o olhar dele com uma onda de calor. Contra a pró­pria vontade, lembrou-se de como se sentira quando ele a beija­ra... Não. Não pensaria naquela noite. Não podia!

— É meu trabalho saber o que você quer — ela disse sem emoção, cruzando os braços. — Você me paga para saber.

As palavras você me paga flutuaram entre eles, separando-os.

— Sim — ele disse em voz baixa. — Pago.

Ele se virou para o outro lado, mas não antes que ela perce­besse a desolação no olhar dele. O mesmo olhar que Louisa vira no rosto de Rafael quando ele atravessara o portão do jardim. Não era exatamente angústia, mas um lampejo de vulnerabilidade. De cansaço. Solidão. Mas isso era ridículo. Como o playboy mais implacável da Europa poderia se sentir sozinho?

— Não devia ter mandado a camareira — ele disse em uma voz baixa e perigosa. — Eu lhe disse especificamente que queria que você me trouxesse o jantar. Não uma camareira qualquer. Você.

Ele queria ficar a sós com ela?

A alegria a tomou. Em seguida, o medo sobrepujou tudo. Não podia se permitir ser seduzida novamente, não podia!

Ela manteve a expressão impassível, ocultando suas emo­ções atrás das camadas de seu treinamento, como fora ensinada a fazer. A formalidade era sua arma mais poderosa. Sua única arma.

— Sinto muito por não ter entendido corretamente o pedido senhor — ela disse seriamente. — Trouxe um sanduíche recém-preparado para seu jantar. — Ela fez uma pequena mesura. — Agora, se desejar, eu o deixarei na paz e na tranquilidade de sua própria companhia.

— Pare.

Algo na voz dele a fez obedecer. Lentamente, ela se virou para encará-lo.

O rosto dele estava sombrio. Ele se aproximou, quase tocando-a.

— Eu jamais deveria ter feito isso.

— Jogado a bandeja? — ela concordou.

Os olhos escuros dele faziam arder os dela.

— Feito amor com você em Paris.

Por um momento, ela não conseguiu respirar. Seu desejo pelo chefe ameaçava tudo o que ela prezava. Sua carreira. Seu autorrespeito. Sua alma. Ela se forçou a se endireitar.

— Não me lembro desse incidente, senhor.

— Não? — ele disse em voz baixa. Estendeu a mão para acariciar a bochecha dela. As pontas de seus dedos eram leves como plumas enquanto ele virava o queixo dela para que o olhasse, e Louisa estremeceu com o toque, com a intensidade de seus olhos escuros. — Se não consegue se lembrar disso, devo ter me enganado — ele sussurrou. — Não a beijei naquele dia. Não senti seu corpo estremecendo contra o meu.

— Não, não sentiu. — Ela podia ouvir o som arfante da pró­pria respiração, sufocada pelo bater frenético do coração. — Isso nunca aconteceu.

Ele se inclinou para a frente.

—Então, por que — ele disse — eu não tenho pensado em mais nada?

Os joelhos dela balançaram. Ela estava tão perto de se ren­der! Tão perto de agir como todas as outras, de se atirar nos bra­ços dele. Mas aquilo só poderia terminar de uma forma. Louisa vira aquilo acontecer inúmeras vezes.

Rafael Cruz era implacável. Partia os corações das mulheres com um prazer mórbido.

Se ela se permitisse desejá-lo, ele seria o veneno que a mataria.

Ela balançou desesperadamente a cabeça.

— Não me lembro nem de você ter me beijado.

— Talvez — ele disse suavemente — isto a faça lembrar.

Baixando a cabeça, ele a beijou.

Seus lábios marcaram os dela a fogo, fazendo o corpo inteiro de Louisa arder com aquele ponto de contato. Ela sentiu os bra­ços dele à sua volta, puxando-a para perto, ainda mais perto, até que o corpo grande e musculoso dele parecesse cercá-la por to­dos os lados. Estava perdida, perdida nele. A língua dele tomou a de Louisa, fazendo todos os sentidos dela, dos mamilos aos lóbulos da orelha, aos pés, arderem e se contraírem.

Ele a beijou, e, contra sua própria vontade, ela se rendeu.

 

Rafael Cruz partira muitos corações, e não se sentia muito mal por isso.

Não estava sendo arrogante. Era apenas um fato.

Todas as mulheres que ele já levara para sua cama haviam se oposto ao inevitável fim que ele pusera no relacionamento. Sempre queriam mais. De sedutoras e poderosas, elas se trans­formavam em mulheres carentes, soluçando por outra chan­ce. Não era de admirar que ele raramente dormisse com uma mulher duas vezes. Pois, quando ele as possuía, as mulheres inevitavelmente mudavam e perdiam todas as qualidades que o haviam atraído.

Ele jamais mentia para nenhuma delas. Sempre lhes dizia a verdade — que o relacionamento não duraria muito e não seria baseado em nada que não atração física. Se as mulheres entre­gavam seus corpos e seus corações de uma maneira que acabava por lhes causar dor... bem, isso não era culpa dele. Eram adultas. Faziam suas próprias escolhas.

Mas ele jurara havia muito tempo que jamais seduziria uma funcionária. Não por ser preocupar com um processo por assé­dio sexual no trabalho, ele ria dessa ideia, mas porque o fim do relacionamento tornaria sua vida inconveniente. E Rafael Cruz amais poderia sofrer inconveniências.

O mundo estava cheio de belas mulheres para a sua cama. Mas boas funcionárias eram difíceis de serem encontradas.

Louisa Grey não era apenas uma funcionária competente, era excepcional. Tornara-se indispensável à vida dele. Administra­va impecavelmente todas as casas dele. Depois de cinco anos, ele não conseguia imaginar sua vida sem ela.

Ela jamais tentara atraí-lo. Ao contrário das tentativas fre­quentemente atabalhoadas que todas as mulheres, de sua ido­sa secretária até a garçonete de coquetéis no bar, faziam para conseguir a atenção dele. Louisa mal parecia perceber que ele era um homem. Aquilo o fazia desejá-la mais do que tudo. Ela era muito misteriosa. Jamais falava de seus sentimentos; jamais falava do passado. Mantinha-se friamente reservada e ocultava sua beleza atrás de óculos e péssimas roupas.

Ainda assim, ele prometera a si mesmo que jamais seduziria uma funcionária e nunca se vira tentado a quebrar sua promessa.

Até um mês atrás.

Um erro. Seduzir a senhorita Grey fora um lapso momentâ­neo de força de vontade. Dali em diante, ele jurara a si mesmo que teria um pouco de autocontrole.                                        

Ela era a administradora-chefe de suas casas. Coordenava todos os seus lares ao redor do mundo. Ele não podia perdê-la. E as mulheres sempre desmoronavam quando ele terminava os relacionamentos; até as mulheres que, antes, haviam sido in­dependentes e fortes sempre se tornavam carentes, chorosas e desesperadas no fim. Se a noite deles juntos se transformasse em um relacionamento integral, aquilo só poderia terminar com o fim do emprego de Louisa. Ou ela pediria demissão ou ele seria forçado a demiti-la.

Sua única esperança de mantê-la onde era seu lugar, no co­mando do lar dele e satisfazendo todos os seus desejos antes mesmo que ele se desse conta de que os tinha, era mantê-la à distância.

Mas sua determinação desaparecera no momento em que ele a vira naquele dia.

Rafael tivera um dia terrível. Ao chegar a Istambul... atra­sado demais, demais!... seu corpo inteiro estivera contraído de tensão, dor e raiva.

Ao retornar do funeral de seu pai, o pai que ele jamais conhe­cera, ele se sentia tão tenso que seus músculos doíam pela ira e pelo fracasso. Seu motorista abrira a porta, e ao sair para a fina chuva Rafael afrouxara a gravata e fora na direção da casa, em busca de um grande copo de uísque e talvez mandar seu avião particular a Paris, para buscar seu mais recente flerte francês e levá-la a Istambul. Dissera a si mesmo que aquela noite com sua governanta fora um erro que jamais deveria ser repetido. Deveria ser esquecido.

Então, vira Louisa no crepúsculo do jardim atrás da mansão. Debaixo dos ciprestes e das figueiras, ela estivera segurando uma cesta de rosas recém-colhidas. Parecia ainda mais bela do que ele se lembrava, mais sensual e desejável do que ele po­deria suportar. Olhando para as escuras águas do Bósforo em direção à Ásia, ela estava com uma expressão maravilhada e melancólica.

Louisa Grey era um oásis de tranquilidade e conforto naque­le mundo frio e caótico.

Rafael prometera a si mesmo que não tocaria nela. Mas quan­do ela se virara para ele com seus grandes olhos e cílios pretos, ele olhara para seu corpo esguio por baixo daquelas roupas feias e sem forma. Naquele momento, soubera que a possuiria nova­mente, custasse o que custasse.

Ordenara que ela subisse até o quarto dele. Tenso e irrequie­to, esperara por ela. Então, fora surpreendido pela camareira com a bandeja. Depois, quando Louisa se dignara a ir até o quarto dele, ela o desafiara como mais ninguém havia ousado. Ela o atormentara... o provocara. Por fim, quando empertigara ombros e dissera em uma voz ousada Não me lembro nem de você ter me beijado, algo dentro dele fora acionado.

Ele a aprisionara.

E beijar Louisa era como o paraíso. Os lábios dela eram su­aves, doces e submissos aos dele. Sua pele cheirava a sabonete flores da primavera. O corpo inteiro dele se contraiu com a força do desejo.

Era mais do que desejo. Ele sabia que aquilo era errado, proi­bido, mas queria Louisa como jamais quisera mulher alguma. A arisca senhorita Grey. Quando ele sentiu que ela havia se ren­dido, um rosnado surgiu em sua garganta. Envolveu os braços ao redor dela com mais firmeza e começou a puxá-la na direção da cama.

Arfando, Louisa se soltou dele.

— Não!

— Louisa...

— Não. — Ela cambaleou, afastando-se violentamente dele.

— Não podemos fazer isso!

Ele esticou os braços para ela.

— Precisamos.                                                                        

Ela recuou mais dois passos. Inspirando tremulamente, levou a ponta de dois dedos aos lábios, como se ainda pudesse sentir o beijo dele.

— Não posso — sussurrou. — Eu trabalho para você.

Ele sabia que Louisa estava certa. Isso só o deixava com mais raiva ainda, mais determinado a tê-la.

— Não importa — ele disse ferozmente.

— Ah, importa, sim. O senhor tem uma regra, senhor Cruz — ela disse, empinando o queixo. Seus belos olhos cor de cho­colate brilhavam. — Jamais seduz suas funcionárias. É o único limite que o senhor respeita!

Ele precisava desesperadamente dela. Louisa era o único bál­samo que o faria esquecer tudo o que havia perdido naquele dia Mas não poderia lhe dizer isso. Jamais deveria parecer vulnerá­vel para ninguém; para mulher alguma, e muito menos para uma de suas funcionárias!

— A regra é minha, não sua — ele disse friamente. — Posso decidir fazer uma exceção.

Mas ela se afastou, saindo do alcance dele.

— Eu decidi algo diferente — disse. — O que aconteceu entre nós em Paris foi um erro. Nunca acontecerá de novo. Não posso perder minha carreira, minha reputação, minha vida — ela sussurrou. — Não de novo!

Ele franziu o cenho, tentando decifrar a expressão dela.

— O que quer dizer com de novol

Ela piscou rapidamente ao desviar o olhar.

— Nada.

— Não acredito em você. — Ele sabia pouco a respeito do passado dela além do que constava em seu currículo. Ela sempre descartara perguntas pessoais com um frio e digno comporta­mento reservado.

Ela se virou abruptamente para ele.

— Paris — resmungou. — Quis dizer Paris.

— Você não quis dizer Paris.

— O que mais poderia ser? Outra fuga.

Ele estreitou os olhos.

— Houve outro homem antes de mim — ele arriscou.

— Sabe que não houve!

— Você era virgem. Isso não significa que não tenha havido outro homem. —Aquela ideia fez os ombros dele ficarem ainda mais tensos.

— Você viu minhas referências. Sabe tudo sobre mim.

Rafael não sabia nem metade do que desejava saber. Ficara tão impressionado com ela durante a entrevista que mal buscara informações além das que a agência de empregos exclusiva lhe dera. Não gostava de confiar totalmente em subordinados. Falara com a esposa do último patrão dela, e a mulher não dis-era nada além de elogios a Louisa Grey, chamando-a de "in­crível", "um tesouro". Parecia improvável que ela falasse tão bem de Louisa se suspeitasse que seu marido havia tido um caso com ela.

Não fazia sentido.

—O que está escondendo? — Rafael disse, seus olhos bus­cando o rosto dela. — Nunca fala da sua família, nem de seus amigos. Por quê? Por que nunca quer ir para casa?

Ele viu os olhos dela se arregalarem, ouviu sua respiração. Então, com as mãos trêmulas, ela alisou a exageradamente com­prida saia de lã cinza.

— Não importa. — Ela virou para p outro lado. — Se não desejar mais nada, senhor, vou deixá-lo agora...

— Não, droga. — Ele atravessou o quarto com dois passos, bloqueando a porta para que ela não pudesse se retirar. — Não vou deixar você ir. Não até que me responda. Eu... — Eu preciso de você, ele quase disse, mas as palavras ficaram presas em sua garganta, afiadas como uma navalha. Não as dizia a ninguém fazia anos. Criara sua vida inteira para evitar dizê-las.          

Pela janela aberta ele podia ver as luzes de Istambul reluzin­do ao anoitecer. Silhuetas pretas de minaretes cravados como adagas no pôr do sol vermelho. Ouvia o chamado às preces de um muezim ecoando pelo mar.

No quarto sombrio, seus olhos se fixaram nos dela. A tensão entre eles se alterou. Eletrizou-se. O desejo por ela o dominou, apagando todo o resto.

— Saia da minha frente, senhor Cruz — ela sussurrou.

Ele conseguia ouvir a respiração acelerada dela, conseguia ver o rápido sobe e desce de seu peito.

— Não.

— Não pode me manter aqui!

Rafael quase tremia com a força de seu desejo.

— Não posso? — ele disse suavemente.

Queria se enterrar tão profundamente nela que esqueceria de tudo mais, tudo o que ameaçava despedaçá-lo. Ouviu o rápido arfar da respiração dela. Inspirou profundamente, sentindo a fra­grância dela: sabonete, algodão limpo e rosas recém-colhidas.

Se fosse esperto, ele a deixaria ir. Encontraria outra mulher para a sua cama. A atriz francesa com a qual vinha flertando nos últimos dias. Ela. Qualquer uma.

Qualquer uma, menos Louisa Grey.

Seu olhar baixou para a boca de Louisa. Os lábios dela eram rosados, sem maquiagem. Algo nela o intrigava além de sua compreensão. Ele a queria de uma maneira que parecia ser qua­se contra sua própria vontade. Desejava o prazer inebriante que sentira ao fazer amor com ela. O melhor sexo de sua vida.

O prazer do corpo dela o ajudaria a esquecer a dor. Ela se­ria a droga que o afastaria do sofrimento e da desolação. Ele a possuiria em sua cama, com força, rápido, até que o fogo em seu sangue fosse extinto. Até que a dor em seu coração fosse transformada em cinzas. Depois, e só depois, ele a deixaria ir...

Rafael a olhou. Viu o corpo dela estremecer nas sombras.

Ela queria fugir dele, negar a ambos o que ambos queriam.

Mas aquela garota inexperiente não era páreo para a von­tade dele. Era virgem quando ele a possuíra pela primeira vez em Paris. Não conseguiria resistir a ele. Ele a possuiria até que estivesse plenamente saciado, até que a sentisse se contorcer e estremecer debaixo de seu corpo.

Lenta e implacavelmente, Rafael a puxou para seus baços.

Ela tentou resistir, mas ele não a soltava. Ela estremeceu, inclinando a cabeça para trás, para encará-lo. Por mais alta que ela fosse para uma mulher, ele ainda era muito maior que ela. Os lindos olhos castanhos dela reluziam na fraca luz dourada.

—Por favor — ela disse em voz baixa. — Deixe-me ir.

as mãos dele ficaram mais firmes.

—Está com tanto medo assim? — ele disse tranquilamente.

Ela respirou fundo, tremendo.

— Sim.

Ele levou as mãos gentilmente ao rosto dela.

—De mim?

—Não. Se você me beijar de novo, se me levar para sua cama, tenho medo de...

— Medo de quê?

Ela piscou rapidamente, os fartos cílios pretos em contraste com a pele clara.

— Medo de morrer desejando você — ela sussurrou.

Ele quase se engasgou.

Louisa levou a mão ao rosto áspero dele.

— Senti sua falta — ela disse em uma voz cheia de angústia. — Senti tanto a sua falta...

Ele estremeceu ao toque dela. Tomando-lhe a mão na sua, ele beijou fervorosamente a palma e puxou Louisa para seus braços. Baixando a boca para a dela, ele a beijou. Profundamen­te. Sedento.

Ele a beijou com todo o desejo reprimido do mês em que haviam estado separados... e de todos os anos desperdiçados antes disso.

 

Louisa estremeceu.

O toque de Rafael a fazia arder, a amedrontava e a seduzia.

Ele a beijou, seus poderosos lábios se movendo sobre os dela. Guiando-a. Dando-lhe um prazer tão explosivo, fazendo com que a eletricidade lhe descesse pelo corpo debaixo do terninho de lã cinza até que ela pensasse que morreria daquela dor que queimava como fogo.

Os muitos anos de desejo reprimido não podiam mais ser contidos. Tudo o que ela podia fazer era não deixar escapar os dois devastadores segredos que destruiriam tudo.

Ela estava completa e irremediavelmente apaixonada por um homem que não queria se tornar marido nem um pai. E ela podia estar grávida dele...

A mão de Rafael em sua nuca, acariciando seus cabelos e a pele do pescoço, criava uma fagulha que queimava o corpo dela de cima a baixo. Seus seios ficaram pesados, seus mamilos, ri­jos. Ela formigava com a dolorosa sensação. O desejo de Louisa era tanto que a levava ao desespero.

— Esqueça que sou seu chefe — ele murmurou contra a pele dela. Louisa sentiu o calor da respiração dele, a aspereza do maxilar dele contra sua bochecha. — Fique comigo esta noite.

Ela estava dominada pela sensualidade das mãos dele em seu corpo, os dedos de Rafael lhe descendo pelas costas até os quadris.

Ele se afastou dela, e a luz dourada reluziu em seus olhos como ardentes chamas do inferno.

— Fique comigo — ele ordenou.

O olhar dela baixou para os lábios dele. Louisa mal conse­guia respirar. Queria dizer sim. Queria tanto que pensou que morreria. Mas...

— Não posso — ela arfou enquanto apertava os dedos na camisa preta dele. Umedeceu os lábios. — Se o resto dos fun­cionários descobrirem que sou sua amante... perderão o respeito por mim.

— Não é da conta deles...

— Eu perderia todo o respeito por mim!

Em resposta, ele tocou os cabelos dela. Tirando os alfinetes que prendiam os cabelos de Louisa em um apertado coque, ele os deixou cair sobre os ombros dela.

—Tao linda — ele sussurrou, passando os dedos pelas longas ondas castanhas. Olhou nos olhos dela. — Por que nunca os deixa livres?

Os cabelos? Ou seus sentimentos?

A sensação dos dedos dele se movendo pelos cabelos dela era deliciosa. Louisa prendeu a respiração. Sua cabeça formigava à medida que ele acariciava sua orelha, seu pescoço, com um toque quase como um sussurro e, em seguida, envolvia sua nuca com as duas mãos. Ele baixou o olhar para ela.

—Você faz milagres. — Rafael olhou à volta, maravilhado, para o quarto recém-remodelado. — Não há como não respeitar você.

Ela soltou a respiração. As palavras dele eram como um bálsamo.

Mas Louisa sabia como o mundo funcionava de verdade. Empertigou as costas.

— Relacionamentos como este destroem a reputação de uma pessoa. Ninguém nunca mais me contrataria para um emprego respeitável.

— Por que você me deixaria? — Ele ergueu uma sobrancelha escura. — Mulher nenhuma jamais quis ir embora.

Ele falara em tom de piada, mas Louisa sabia que era verdade. Também sabia que não poderia continuar como governanta de Rafael sendo uma amante descartada. Que já havia sido ruim o suficiente ter lhe dado seu corpo uma vez... aquilo a forçara a fugir para Istambul.

Mal conseguia continuar trabalhando para ele. Mas tinha algum orgulho. Se ela se entregasse completamente a ele, se admitisse que estava apaixonada, sabia que jamais se recupe­raria do desdém dele. Jamais sobreviveria amando-o, traba­lhando para ele... e vendo-o seguir em frente, para a próxima mulher.

Principalmente se estivesse grávida...

Não estou grávida, ela repetiu para si mesma, mas as pala­vras haviam se tornado vazias. Certo. Ela faria o teste. Naquela noite. Assim que ficasse sozinha. Então, teria certeza de que não havia nada a temer. Do contrário, teria notícias chocantes para Rafael Cruz, o encantador, implacável e desalmado playboy, e teria que lhe dizer que o transformaria em pai, mesmo contra a vontade dele.

Ele jamais a perdoaria. Jamais acreditaria que algo dera erra­do com a pílula, que o ciclo dela provavelmente se desregulara com aqueles dois dias de forte indisposição estomacal que ela tivera uma ou duas semanas antes do relacionamento. Louisa lhe dera sua palavra de honra que não havia como engravidar. Ele ficaria furioso. Pensaria que ela havia mentido.

Ou pior: que engravidara de propósito, para prendê-lo. Loui­sa já ouvira amantes abandonadas de Rafael planejando fria­mente engravidar, em uma idiota e egoísta tentativa de se casar com ele. Ele se livrara facilmente daqueles planos. Sendo assim, como se sentiria ficando acidentalmente preso a sua própria governanta?

— Você está tremendo — Rafael murmurou. Ele a puxou para mais perto de si. — Está com frio?

Incapaz de responder, ela balançou a cabeça.

Ele lhe acariciou o rosto.

— Deixe-me aquecê-la — ele sussurrou. A cabeça dele baixou em direção à dela.

— Não! — Ela empurrou Rafael para longe com uma força que não sabia possuir. Eles se olharam, sem se tocar, nas som­bras. O único som era o áspero arfar da respiração de Louisa. Ela deu meia-volta.

— Preciso de você, Louisa — ele disse por trás dela. — Não vá.

Sem se virar, ela fechou os olhos.

— Você não precisa de mim — respondeu roucamente. — Há muitas mulheres por aí para você levar para a cama. Pode escolher a que quiser. Não precisa de mim.

— Eu o encontrei — ela ouviu Rafael dizer. — Meu pai.

Ela ficou imóvel à porta. Surpresa, virou-se rapidamente. No outro lado do grande quarto, Rafael estava parado como uma estátua esculpida em gelo. Seu belo rosto estava tenso e estranho, semi-iluminado pelo raio de luar que entrava pela janela.

— Encontrou seu pai? — ela disse com dificuldade, juntando as mãos. — Oh, Rafael, estou tão feliz! Você vinha procurando por ele fazia tanto tempo!

— Sim.

A voz dele estava severa e afiada como uma faca enferrujada. Louisa franziu o cenho. Por que ele não parecia satisfeito? Por que ainda estava tão imóvel e estranho?

Rafael estivera procurando pelo pai havia 20 anos, desde que o homem argentino que o criara lhe revelara, em seu leito de morte, que Rafael não era seu filho. Antes de morrer, o padrasto lhe dissera que, na semana em que se casara com ela, a mãe de Rafael havia retornado de Istambul... grávida.

— Seu pai está aqui? — Louisa sussurrou. — Em Istambul?,. Falou com ele?

— O nome dele era Uzay Çelik — Rafael a interrompeu. Olhou para a janela. — E ele morreu faz dois dias.

— Oh, não — ela murmurou, o coração na garganta. Contra a própria vontade, Louisa fez o caminho de volta pelo quarto, na direção dele, enquanto Rafael olhava para as luzes do outro lado das escuras águas do estreito. — Seus detetives o encontraram tarde demais...

Lentamente, ele se virou para ela.

— Eles não o encontraram. Foi minha mãe quem finalmente disse. Depois de 20 anos de silêncio, ela mandou um telegrama para Paris. Eu o recebi hoje de manhã. Quando ele já estava morto.

A mágoa na voz dele, a dor como a de um menino, embargou a garganta de Louisa. E ela não conseguiu mais se conter. Esti­cando o braço, ela pôs a mão nas costas dele, massageando os músculos tensos e os fortes e desolados ombros.

— Por que ela esperou tanto tempo para contar a você? Ele soltou uma ríspida risada.

— Para me magoar, acho. Ela não sabe que isso é impossí­vel. Jamais serei magoado novamente... nem por ela nem por ninguém.

A desolação no tom dele desmentia as palavras.

— Mas, sem dúvida — Louisa persistiu —, sua mãe o ama... Os lábios dele se curvaram.

— Ela me mandou uma carta e um pacote. — Ele mostrou um anel de selo dourado. — Ela o guardou durante 37 anos, desde antes de eu nascer. E, agora, mandou para mim. Agora, quando é tarde demais.

O coração de Louisa se revirou no peito quando ela viu a dor no belo rosto dele. Sabia quanto era importante para Rafael encontrar seu verdadeiro pai.

— Mal consegui chegar para o funeral. Havia apenas cinco pessoas, e todas pareciam ter ido lá pensando em pedir dinheiro aos membros restantes da família. Dívidas foram tudo o que meu pai deixou. Não tinha esposa. Nem outros filhos. Não tinha amigos. Apenas dívidas.

— Sinto muito — Louisa sussurrou, desesperada para tirar a dor dos olhos dele, sentindo-se impotente. — Vou falar com seus convidados e dizer que o jantar de aniversário foi cancelado.

O olhar dele se tornou severo.

— Por quê?

— Porque, porque — ela gaguejou —, você está de luto.

Ele balançou a cabeça.

— O jantar festivo ocorrerá como planejado.

— Tem certeza? Não precisa fazer isso.

Ele não respondeu. Em vez disso, olhou o bonito quarto. Sol­tou uma risada baixa.

— Comprei este palácio para meu pai, para quando eu o en­contrasse. Agora, tudo o que me resta... —A mão dele se fechou ern um punho em torno do anel dourado que pendia de uma corrente — ... é isso.

Ela pressionou a mão no áspero rosto dele, encarando-o.

— Se ao menos houvesse algo que eu pudesse fazer, se ao menos...

— Há algo.

E ele a beijou.

Os lábios dele eram ferozes, exigentes. Louisa não conseguiu impedi-lo, nem se afastar; tudo o que pôde fazer foi se render à força dele, e à intensidade de seu próprio desejo.

As mãos dele se moveram pelas roupas dela no suave cír­culo de fraca luz dourada em meio à escuridão. Ele lhe aca­riciou os braços, a barriga. Tirando o blazer de lã de Louisa e deixando-o cair gentilmente ao chão, ele segurou-lhe os seios através da blusa de algodão. Ela arfou. Em seguida, com um fraco gemido, ela envolveu o pescoço de Rafael e o puxou para mais perto.

Ele a fez recuar para a cama, ainda beijando. Movia-se com um crescente ímpeto, tirando-lhe a blusa, tocando por baixo do sutiã de seda para lhe acariciar os seios. Os mamilos dela se enrijeceram sob os dedos dele quando ela o abraçou, preci­sando de seu toque. Mas não era suficiente... sequer chegava perto de ser!

Com uma súbita impaciência, ele abriu a blusa com um único e rápido movimento, arrebentando os botões. Facilmente, ras­gou ao meio o frágil sutiã de seda que ela usava, baixando a cabeça para sugá-la.

Ela arfou, arqueando o corpo sob a boca dele. Enquanto ele lambia e mordiscava um mamilo, sua poderosa mão apertava o outro seio, enviando faíscas de desejo que desciam pelo corpo dela, para o meio de suas pernas.

Erguendo a cabeça, envolvendo os seios dela com suas gran­des mãos, Rafael lhe deu um forte e possessivo beijo que mar­cou os lábios de Louisa. Mas, em meio à dor, havia uma intensi­dade de prazer, a necessidade do próprio desejo dela, que quase a enlouqueceu.

Ela precisava impedir aquilo. Mas morreria se impedisse aquilo.

Enquanto ele a beijava, ela sentiu o peso do corpo dele, to­talmente vestido e tão maior que o dela pressionando-a pesada­mente para o firme colchão. A boca de Rafael atacou a dela, sua língua seduzindo-a e dominando-a. Ela sentiu suas poderosas mãos lhe descerem pelo corpo. Segurando a bainha da saia na altura do joelho, ele a puxou para cima até que as pernas dela ficassem nuas até os quadris.

Continuou a beijá-la ferozmente, prendendo-lhe o corpo à cama com seu peso. Uma das mãos se moveu entre as pernas dela, acariciando no meio das coxas nuas. Ela inspirou profun­damente. Tentou se mexer, empurrá-lo para longe de si, mas não conseguia. Sua mente não controlava mais o corpo, que queria o que queria: ele.

A mão de Rafael se fechou entre a pernas dela, e Louisa arfou. Ele interrompeu a ação com um forte beijo, roubando o protesto dela, deixando-a incapaz de resistir ao que ambos queriam. Rafael levou a mão para baixo da calcinha de algodão branco dela, acariciando as dobras escorregadias como um calor derretido com um grosso dedo, acariciando o centro sensível de Louisa com o polegar.

Ela arfou, arqueando-se na cama.

Ele se afastou, baixando o olhar para ela. Seus olhos estavam escuros.

Então, ele arrancou a calcinha dela com um rápido movi­mento, lançando a peça ao chão. Antes que o bom-senso pu­desse começar a retornar, antes que ela conseguisse se lembrar de que deveria dizer Não, por favor, temos que parar, ele se ajoelhou diante dela na cama. Abrindo as pernas de Louisa, moveu a cabeça para o meio das pernas dela e provou lânguida e demoradamente.

Ela soltou um grito agudo, apertando com as duas mãos o travesseiro em que apoiava a cabeça.

Segurando-lhe firmemente os quadris, recusando-se a per­mitir que ela se movesse, ele a segurou no lugar. Lambeu-a, subindo com a língua em um momento e sugando no seguinte. A língua de Rafael deslizava dentro dela. Então, os dedos vieram a seguir, com uma rude sensualidade que ela não conseguiu negar e da qual não conseguiu escapar.

Com toda a sua experiência, ele sabia exatamente o que fazer. Manuseava Louisa como se fosse um instrumento. Sabia como fazê-la cantar. O prazer era tão intenso que ela quase chorou.

Sentiu as primeiras ondas de dolorosa satisfação começarem a crescer, acumulando-se dentro dela. No exato instante em que seus quadris começaram a se erguer por vontade própria na direção da boca de Rafael, quando seu corpo inteiro começou a estremecer e se contorcer, ele a soltou. Enquanto ela gritava de frustração, ele se levantou. Baixou as calças. Não esperou para tirar o resto das roupas antes de se pôr sobre ela e cobri-la com seu corpo. Louisa sentiu a rigidez que buscava a penetra­ção entre suas pernas por um breve segundo, e Rafael investiu brutalmente para dentro dela. Uma aguda explosão de agoni­zante prazer a atravessou quando ela o sentiu profundamente. Prendendo-a com seu imenso tamanho e seu peso, ele investiu novamente, ainda mais fundo, e o corpo inteiro dela vibrou. A doce agonia se deslocava dentro dela, subindo cada vez mais alto... e mais alto... até que ela não mais conseguisse respirar, até que pensasse que não aguentaria, até que pensasse que se desmantelaria.

Ele se afastou e manteve o movimento, segurando-lhe os qua­dris com suas grandes mãos para penetrá-la de forma profunda, larga e forte, e Louisa se sentiu dividida ao meio. Ela gemeu, segurando a cabeceira preta da cama, contorcendo-se de um lado a outro enquanto ele investia novamente, e outra vez. Teve que morder o lábio para evitar gemer o nome dele, evitar implorar que ele não parasse, que a amasse e jamais a abandonasse...

Com um grunhido, ele investiu uma última vez, tão profun­damente que estilhaçou tudo em mil pedaços reluzentes. Quase lhe penetrou o coração, e enquanto o mundo de Louisa explodia, à distância, ela ouviu a si mesma gritar o nome dele.

 

Na manhã seguinte, Rafael acordou para encontrar sua governanta-chefe, a mais valiosa funcionária de sua equipe, nua e adormecida a seu lado na cama.

Quase gemeu em voz alta. Fizera aquilo. De novo. Depois de prometer a si mesmo que jamais tocaria em Louisa novamente!

A luz do sol brilhava pelas altas janelas do quarto. A madeira escura e a nova mobília, com reluzentes ornamentos de aço e austeros lustres de vidro, tinham uma aparência estranhamente calorosa sob a suave luz dourada que vinha das janelas. Ou talvez o brilho dourado viesse da mulher que dormia ao lado dele Ela tornava tudo belo.

Ele olhou o adorável rosto de Louisa, emoldurado por desarru­mados cabelos castanhos em ondas sobre o travesseiro. Um terno sorriso ainda estava estampado nos lábios rosados dela. Adorme­cida e nua, ela parecia completamente vulnerável. Tão jovem!

Ele xingou a si mesmo em espanhol com uma voz baixa e gutural.

Pensara que teria autocontrole. Fizera tudo para tentar esque­cer sua noite com Louisa Grey e o fato de que aquela havia sido a experiência sexual mais maravilhosa de sua vida. O que, com toda a sua experiência, era algo incrível.

Talvez tivesse sido por isso que ele não fora capaz de es­quecer. Que perdera o interesse por outras mulheres. Que não conseguia pensar em mais nada.

Ainda não sabia por que ela estivera chorando naquela noite em Paris. Ficara chocado ao retornar de outro entediante en­contro e ver Louisa tomada pelas emoções. Louisa, que jamais demonstrava seus sentimentos. Ele não soubera como lidar com aquilo e, por isso, a tomara nos braços. Então, fizera o que pas­sara meses querendo fazer. Ele a beijara. Fizera mais do que beijá-la. Fizera amor de forma apaixonada e inconsequente com ela, e descobrira, para sua surpresa, que aquela bela e contida governanta, aos 28 anos, ainda era virgem.

Mesmo naquele instante, quando devia estar satisfeito, seu corpo se enrijeceu com a lembrança de fazer amor com ela em Paris. De fazer amor com ela na noite anterior. Rafael sentia o calor emanar da pele dela enquanto ela dormia a seu lado, nua em sua cama, e a desejou novamente.

Olhou para Louisa à luz da manhã. Estava tão linda! Tão, impossivelmente jovem! Tão exuberante e atraente!

Ele tentara se livrar do inconveniente desejo que sentia por ela. Permitira que ela se transferisse para sua casa em Istam­bul, apesar de não querer que ela fosse embora. Mantivera-se ocupado com trabalho em Paris. Tentara seguir em frente com outra mulher, especificamente Dominique Lepetit, apesar de, na verdade, a amoral atriz não lhe despertar mais nenhum interesse.

Louisa, no entanto...

Com um fraco resmungo, ele rolou na cama e se sentou, apoiando a cabeça nas mãos. Ainda não conseguia acreditar que dormira com ela sem preservativo novamente, algo que jamais fizera com mulher alguma. Ah, outras mulheres já ha­viam lhe dito que tomavam anticoncepcionais, mas ele jamais confiara plenamente nelas. No passado, se não estivesse bem-provido de preservativos, poria um fim na situação. Simples assim. Jamais desejava ter uma esposa ou um filho, ou ficar preso de maneira alguma. Levava a liberdade ainda mais a sé­rio do que o prazer.

Rafael olhou de relance por cima do ombro para Louisa, que ainda dormia tranquilamente, como uma criança. Sentiu-se imediatamente confortado. Louisa Grey jamais mentiria. Se ela dissera que estava tomando a pílula, era porque estava.

Ele confiava nela. Na verdade, era a única mulher em que confiava. Por Deus, ela ainda era virgem na primeira vez em que a possuíra! Aquela fora uma maravilhosa descoberta duran­te uma incrível noite. A noite passada fora ainda melhor...

Subitamente, teve a lembrança do corpo nu dela sob o dele, da sensação ao investir para dentro dela. A imagem de seu rosto em êxtase quando ele a possuíra, enquanto seus corpos suados se apertavam impetuosamente um contra o outro no calor da noite.

Louisa sempre se continha. Sempre. A não ser na cama dele.

Fosse qual fosse a causa, alguma reação química se apossava da mente dele quando estava perto dela. Ele, que dormira com tantas mulheres, que podia escolher dentre herdeiras, prince­sas e modelos, não conseguia parar de desejar sua governanta. Louisa era como uma droga para ele. Porque era proibida?

O sorriso dele desapareceu. E ele se xingou novamente. Pondo-se de pé, vestiu um robe e saiu do bem-iluminado quarto para a varanda. Olhou para o jardim abaixo e para o es­treito de Bósforo além. Em pouco tempo ela transformara aque­la abandonada mansão em um maravilhoso lar.

As mãos dele apertaram o corrimão de ferro fundido da sa­cada. E, agora, por causa de sua luxúria, ele a perderia, sua mais preciosa funcionária!

Mais uma vez, olhou de relance para a bela mulher que dor­mia em sua cama. Precisava encontrar um jeito de voltar ao simples relacionamento de chefe e funcionária. Mas não tinha certeza de que era capaz disso.

Desde o momento em que a entrevistara pela primeira vez, em Paris, para o cargo de governanta-chefe, ficara intrigado com ela, aquela bela jovem que se esforçava para parecer co­mum, usando feios óculos pretos e roupas largas que em nada a valorizavam, amarrando seus cabelos castanhos em um aperta­do coque, do qual nenhum fio escapava. Havia abandonado seu emprego de chefia na casa de um financista em Miami, onde recebia um belo salário, porque, aparentemente, queria conhe­cer a Europa.

— Você não poderá tirar férias — Rafael lhe dissera naque­la primeira entrevista. — Preciso de alguém que não tenha ne­nhum desejo que não seja administrar minha casa de maneira tranquila e perfeita.

Ele esperara que a senhorita Louisa Grey, uma moderna jo­vem, lhe dissesse que estava louco ao querer aquilo e fosse embora de seu escritório. Em vez disso, ela apenas o olhara com seus frios olhos castanhos.

— É claro.

— Acho que você não entendeu — ele dissera calmamente. — Não vai poder ir embora. Nem em férias. Nem no Natal. E não pense que em algum momento eu a transferirei para Nova York. Gosto de estabilidade em meu lar. Se começar em Paris, ficará aqui.

— Certo — ela respondera, franzindo o cenho.

— Certo? — ele rugira.

— Não preciso voltar para casa.

Ele erguera as sobrancelhas, sem acreditar.

— Nunca?

— Exato. Por... por motivos pessoais que não desejo expli­car. — Ela empinara o queixo. — Farei um excelente trabalho para o senhor, senhor Cruz.

E fizera.

A eficiente e dedicada senhorita Grey jamais tirara um dia de folga. Jamais pedira férias. Jamais reclamara. Jamais pedira para ser transferida. Até ele tê-la seduzido.

Nos primeiros anos como sua governanta, ela agira como se mal conseguisse distinguir Rafael de uma criança intempestiva de quem precisava cuidar e a quem precisava tolerar. Gradual­mente, ele tomara aquilo como um desafio. Ele a atraíra para fora de sua fortaleza introspectiva enquanto jantava tarde da noite na cozinha. Aos poucos, fizera o cálido coração de Louisa sair de seu digno esconderijo. Havia sido uma diversão. Até... uma amizade.

Até ele tê-la seduzido. Novamente, amaldiçoou-se em voz baixa. Ela não era apenas sua preciosa governanta, era uma admi­nistradora extremamente competente que coordenava todas as   p casas deles em Nova York, São Bartolomeu, Buenos Aires, Istambul e Tóquio.

E aquele seria o fim de tudo. Qué fastidio! Agora que ele havia dormido duas vezes com ela, as coisas terminariam mal, como sempre acontecia. Ela deixaria de ser a sensata e útil se­nhorita Grey e se tornaria uma mulher sem um resquício de ra­cionalidade em sua mente. Ficaria carente até a alma.

Ou não?

Louisa Grey, carente? Aquela ideia era quase risível. Ela era muito diferente de todas as outras mulheres. Seria possível que o relacionamento deles também terminasse de forma diferente?

Ele ainda a desejava. Seria possível que ela fosse aquela 1 daria crjatura, uma mulher razoável, e que eles pudessem continuar com o relacionamento até que ele estivesse satisfeito? Poderiam desfrutar a paixão de um caso amoroso e, então, simplesmente voltar para suas vidas normais, já tão convenientes e perfeitas, como funcionária e patrão?

Ele ansiava por ela como não ocorria com nenhuma outra mulher. Com alguns dias, ele certamente se satisfaria. Era assim que todos os seus relacionamentos terminavam. Se ao menos pudesse desfrutá-la em sua cama por apenas mais alguns dias...

— Bom dia — ele a ouviu dizer atrás de si. Virou-se para olhá-la e inspirou profundamente.

Louisa estava na varanda, usando o imenso robe branco dele. A alvorada rósea sobre os minaretes do leste destacava a beleza do rosto dela. Seu sorriso era tranquilo e resoluto.

Ele jamais vira alguém mais bonita, com tanta doçura e dig­nidade. Ela era a mulher mais intrigante que ele já conhecera. Mesmo naquele instante, lembrando-se de como ele a possuíra na noite anterior, Rafael já latejava de desejo por ela. Queria erguê-la nos braços e jogá-la na cama. Queria possuí-la repeti­das vezes, rápido, com força, até que se saciasse.

— Vá embora comigo — ele disse abruptamente.            

Ela riu, divertida, olhando a mansão otomana e a incrível vista de Bósforo.

— Deixar isso tudo para trás?

Ele franziu o cenho, tentando pensar. Era difícil organizar os pensamentos com ela sorrindo daquele jeito. Subitamente, ele se lembrou de uma oferta feita por um conhecido que lhe vendera um imóvel em Paris. Xerxes Novros era um desgraçado desalmado, mas ele oferecera a Rafael o uso de sua ilha.

— Grécia? — eie sugeriu.

Ela viu que Rafael falava sério. Então, balançou a cabeça.

— Seu jantar é daqui a dois dias.

— Conhecendo você, já deve estar tudo pronto.

Ela respirou fundo.

— Mesmo assim...

— Estou farto de Istambul — ele disse bruscamente. — De­pois da festa, pretendo colocar esta casa à venda. Já chega disso aqui. — Os olhos escuros baixaram para os dela. — Mas não de você.

— Eu devia ir. — A voz dela saiu fraca. Infeliz.

— Ir?

— Trabalhar para outra pessoa.

Ele a observou, pasmo. Então, suas sobrancelhas baixaram.

— Não pode — ele disse em voz baixa. — Preciso de você.

— O que você quer dizer é que gosta que eu trabalhe para você. Que acha isso conveniente.

— Sim — ele disse, mal-humorado. — Acho, e é mesmo. Não vejo motivo para não ser mais assim.

Ela soltou uma risada baixa e amargurada.

— Não. Por que veria?

Ele pôs as mãos de modo persuasivo nos ombros dela.

— Mira! E daí se fomos para a cama? Já passei por isso muitas vezes. Passaremos uns dias juntos, voltaremos e não nos sentiremos mais assim. Nossas vidas podem voltar ao normal. Prometo a você.

Ela o olhou, seus olhos castanhos tão profundos e ternos, e por um momento ele pensou tê-la convencido. Então, Louisa

balançou a cabeça.

— Claro, é assim que funciona. Para você. Suas amantes têm colapsos nervosos.

— Você, não. Você jamais seria assim, Louisa — ele disse.

— É digna demais, sensata demais. É isso o que eu mais amo em você. — Ele abriu um repentino e malicioso sorriso para ela.

— Além do seu lindo corpo.

Ela o encarou por um momento. Em seguida, virou a cabeça e observou o estreito, inundado com a brilhante luz rósea do nascer do sol.

Ele pegou as mãos dela e a olhou.

— Esqueça que sou seu chefe. Esqueça que trabalha para mim. Tire dois dias e vá embora comigo. Deixe que eu a mime com luxo em um lugar onde ninguém mais a conheça. Deixe que alguém sirva a você, para variar. Deixe-me dar prazer a você — ele sussurrou, acariciando a pele do pulso de Louisa —, como você jamais sentiu.

Rafael beijou os lábios dela antes que ela pudesse responder. Quando finalmente se afastou, sussurrou na orelha dela:

— Entregue-se. Sabe que vou levá-la, Louisa. Sabe que não conseguirá resistir a mim. Você será minha.

 

Você será minha.

Louisa mal conseguia respirar; ela o desejava tanto!

Olhou para o belo, sombrio e impiedoso olhar dele e sou­be que deveria repeli-lo, dizer de uma forma devastadoramente formal que ela era sua governanta, nada mais, e que a obrigação dela era manter as casas dele organizadas e com bons funcioná­rios. Dizer-lhe que não o considerava nada além de seu chefe. Mas quando olhou na escuridão daqueles olhos, não conseguiu mentir.

O toque dele parecia fogo para ela.

— Certo — ela disse em uma voz suave que quase não reco­nheceu como a sua própria.

Ele se afastou, seus ferozes olhos buscando os dela.

— Sim?

— Vou com você — ela sussurrou.

Ele beijou ardentemente a palma e, depois, as costas da mão dela. Um calafrio de desejo a atravessou, um calafrio que a aba­lou até a alma.

Não podia negar a eles o que ambos queriam. Ela teria dois dias para ser a amante dele e saber como era ser sua adorada mulher. Dois dias que durariam para o resto de sua vida, quando ela o amaria à distância, com o coração partido, sabendo que ele jamais retribuiria o amor.

Louisa apenas rezava para que ele estivesse certo e que dois dias de prazer a curassem daquele amor desesperado e irreme­diável. Rezava para que aquilo a saciasse, acabando com seu desejo por Rafael, para que ela pudesse desfrutar novamente do emprego que amava, supervisionando a limpeza, administrando a equipe e organizando a vida dele.

Seria realmente capaz de vê-lo seguir em frente, para a pró­xima mulher, e não sentir nada? Aparentemente, Rafael achava que sim. E ele sabia muito mais sobre relacionamentos amoro­sos do que ela. Louisa rezava para que ele estivesse certo e que, quando retornassem a Istambul, ela não mais o desejasse, não mais o amasse.

Seria capaz de recuperar seu coração. Não mais chamaria o nome dele na fria solidão da noite. Aquele relacionamento de dois dias poderia salvá-la.

A menos que estivesse grávida. Se estivesse... já era tarde demais.

 

— Outro chá gelado, senhorita Grey?

Protegendo os olhos do quente sol grego, Louisa os ergueu da espreguiçadeira onde relaxava ao lado da piscina.

— Sim — disse, ruborizando. O fato de ser servida, em vez de servir, ainda a incomodava. — Seria ótimo. Obrigada.

O empregado grego, jovem e muito bonito, entregou a ela a bebida gelada com uma mesura respeitosa antes de voltar para trás dos muros brancos da extensa mansão nas colinas.

Bebericando o chá, seu terceiro naquela tarde, Louisa olhou à volta por um instante, chocada. Estava naquela ilha grega particular desde a manhã do dia anterior, mas ainda não conseguia acreditar que relaxava, em vez de correr de um lado para o outro como uma louca, tentando satisfazer os desejos de seu patrão. Em vez de limpando e organizando, estava se bronzeando pre­guiçosamente de biquini, enquanto seu belo amante dava voltas na piscina infinita com vista para o azul mar Egeu.

Erguendo os braços acima da cabeça e bocejando, ela olhou para a mansão branca. Era imensa e luxuosa, e ficava na en­costa rochosa. Ela apoiou a cabeça contra a almofada da espre­guiçadeira. O céu estava de um azul límpido. Esticando a mão para seus óculos de sol, ela os colocou e pegou seu romance.

Segurando-o acima da cabeça para bloquear o sol, tentou se concentrar na página.

Distraiu-se ao ver Rafael sair da água. Enquanto ele se erguia da piscina, ela não conseguia desviar o olhar. Sua pele bron­zeava reluzia ao sol enquanto gotículas de água desciam pelos músculos rígidos de seu corpo, passando pelos pelos escuros do peito e desaparecendo por dentro da pequena sunga, muito abaixo dos quadris esguios.

Subitamente, os lábios dela se ressecaram.

— Está entediada, querida? — Rafael disse com a voz rouca, olhando para ela do outro lado do deque da piscina.

— Sim, muito — ela conseguiu provocá-lo.

— Deixe o livro de lado. — Ele caminhou lentamente pelo piso de concreto branco. Como um leão cercando uma gazela, não tirou os olhos dela. — Se precisar de distração, eu divirto você.

— Gosto de ler... — ela protestou fracamente, mas não con­seguiu resistir quando, pela terceira vez desde que haviam che­gado àquela ilha, ele lhe tirou o livro das mãos. Ela o comprara, um romance deliciosamente vulgar, com grandes expectativas. Mas ainda não conseguira terminar nem o primeiro parágrafo. Talvez por sua vida ter dado uma guinada tão repentina e estar mais cheia de luxo e paixão do que ela jamais poderia ter imagi­nado em qualquer de suas fantasias.

Rafael tirou os óculos de sol do rosto dela e os pôs sobre a mesa. Colocou as duas mãos na fofa almofada branca em volta dela. Por um momento, baixou o olhar para ela, e Louisa foi dominada pela expectativa, pelo cheiro dele, pela sensação fria da pele molhada contra seu corpo quente.

Então, ele baixou a boca para a dela.

Ela fechou os olhos com um suspiro de prazer quando ele a beijou, marcando os lábios intumescidos dela com sua força magnética. Louisa sentiu a pele nua dele contra seu corpo, os ásperos pelos escuros do peito de Rafael pressionando contra sua barriga quente e descoberta. Já haviam feito amor ao menos uma dúzia de vezes desde que haviam chegado ao complexo insular particular que Rafael tomara emprestado de um de seus ricos amigos magnatas, os quais ela jamais conhecera. Dois dias de prazer, de coquetéis e aperitivos, sendo servida. Dois dias de nada além de admiração e adoração.

Era assim que todas as mulheres se sentiam sendo amantes de um homem rico?

Ou era apenas pelo fato de o homem ser Rafael e de ela se deleitar com o milagre da atenção plena e dedicada dele?

Qualquer que fosse o motivo, Louisa jamais se sentira tão bela e tão desejada. Jamais se sentira tão feliz. Sentia-se como uma mulher diferente. Todos ali a tratavam como se ela fosse alguma jovem e deslumbrante criatura que merecesse ser mi­mada e ter todos os seus desejos atendidos. Eles a tratavam como se o luxo e a admiração fossem um direito dela, e o fa­ziam de forma tão convincente que ela quase começava a acre­ditar naquilo. Principalmente quando Rafael a beijava daquele jeito...

Ele se afastou abruptamente. Seus olhos acinzentados esta­vam escurecidos de desejo.                                                      

— Você está linda com este biquini — ele murmurou. — Fi­caria ainda melhor sem ele.

Ela ergueu o olhar para ele. A brilhante luz do sol delineava com sombras os contornos escarpados das faces dele. Ele era absurdamente belo. Irresistível. E ali, naquele lugar fantásti­co, ela não tinha motivo para resistir a ele. Ali, não era uma governanta.

Era a amante de Rafael.

— Fico feliz por você gostar do biquini, já que foi você quem insistiu para que eu comprasse... junto com os outros quatro. — Ela soltou uma repentina risada. — Sinceramente, Rafael, de quantas roupas de banho você acha que uma garota precisa para dois dias de férias?

Ele pôs a mão na pele nua entre os seios dela, mal cobertos por pequenos triângulos de tecido.

— Se a garota for você, eu preferiria nenhum.

Lentamente, ele soltou o laço do biquini. Tirando-o do corpo dela, deixou cair ao chão.

Ela tentou se cobrir com as mãos.

— Os empregados — ela sussurrou.

Ele a impediu, afastando-lhe as mãos.

— Não verão nada — ele disse entre beijos. — São pagos para não ver.

Ele segurou os seios dela e, em seguida, sugou cada mamilo. Lentamente, desceu com a língua pela barriga de Louisa antes de preguiçosamente soltar a parte de baixo do biquini. O reflexo do sol na piscina a deixou tonta, criando pequenos diamantes em sua visão. Ou talvez tivesse sido apenas o jeito como Rafael a tocava...

Louisa fechou os olhos. Sentiu Rafael tocando seu corpo como se ela fosse um precioso tesouro. A adorada e desejada amante dele. Ele beijou e lambeu, descendo por toda a barriga bronzeada dela, sua pele já quente contra a de Louisa. Ela o ouviu se mexer, ouviu a sunga cair ao chão, e ele já estava sobre ela...

Por apenas um momento. O mundo dela virou de cabeça para baixo e Louisa abriu os olhos, surpresa, percebendo que, agora, era ele quem estava debaixo dela na espreguiçadeira, e a fizera montar nele. A rígida ereção se sobressaía entre as pernas nuas dela.

Rafael a olhou fixamente.

Ela respirou fundo. Em seguida, hesitante, ela o tocou, acari­ciando suavemente o membro. Ele se mexeu com o toque dela, ficando, de alguma forma, ainda maior em sua mão, até que ela perguntasse a si mesma como seria possível que ele coubesse dentro dela novamente.

— Beije-me — ele ordenou.

Ela pensou por um momento o que exatamente ele queria dizer com aquilo. Então, ele a puxou pelos ombros para que pu­desse tomar-lhe a boca com a sua. Ele a beijou profundamente, entrelaçando a língua com a dela, e Louisa mexeu involunta­riamente os quadris contra ele. Ela o sentiu saltar debaixo de si, rígido como pedra, e imenso. Seus seios pareciam pesados contra o peito dele, seus mamilos se enrijecendo com dolorosa intensidade enquanto ela balançava.

Ela o desejava loucamente. Loucamente. Mas ele não a pos­suía. Apesar de ela poder ver quanto ele a desejava, ele parecia estar esperando, provocando-a e induzindo-a a tomar a iniciati­va. Queria que fosse ela a possuí-lo.

Inspirando profundamente, ela desceu sobre ele, fazendo-o entrar alguns centímetros.

Louisa o ouviu arfar... ou teria o som saído dos próprios lá­bios dela?

Ela se mexeu e balançou contra ele, envolvendo-o mais aper­tadamente, descendo com movimentos circulares, movendo o centro derretido de seu desejo contra o corpo musculoso e rígrcje-dele. A cada círculo, ela descia mais, fazendo-o entrar mais e mais. Ela o sentiu estremecer e arfar de desejo, mas ele não ten­tou impor o ritmo ou rolá-la para baixo de seu corpo. Deixou-a controlar a velocidade, e quando Louisa olhou para o rosto dele, viu quanto aquilo custava a ele, lutando para controlar o desejo.

Finalmente, tomou-o por inteiro, até o fim, e por um momen­to não conseguiu se mexer. Fechou os olhos, saboreando a sensa­ção de tê-lo dentro de si, desejando poder fazer aquele momento durar para sempre.

Então, ouviu o ofego rouco da respiração dele e soube como o estava torturando. Sorriu. Moveu-se contra ele, cavalgando lenta e profundamente, e a primeira onda de tremor a atingiu quase imediatamente. Apertou os ombros dele e se segurou com todas as forças enquanto seus quadris se moviam com mais força, mais velocidade. Sentiu Rafael estremecer e se contorcer, e ele gritou o nome dela. Ao ouvir o próprio nome nos lábios dele, o mundo dela também explodiu, cegando-a com um milhão de estilhaços de luz e escuridão, de sol branco e mar azul. Ela relaxou.

Quando voltou a si, estava deitada em cima dele. Maravilha­da, olhou para a própria mão, clara, aberta sobre o peito de pelos escuros dele. Apesar de ter ficado se bronzeando o dia inteiro, a pele dela ainda estava clara em contraste com o tom fortemente bronzeado dele. Os dois fortes braços de Rafael ainda a envol­viam possessivamente, segurando-a contra ele. Seus olhos esta­vam fechados, ele dormia, com um sorriso de felicidade ainda delineando sua boca sensual. Ela o amava. Ao observá-lo, não podia negar. Negar? Ela se deleitava com aquilo.

Ela o amava.

Então, o sorriso dela desapareceu.

Ainda não havia feito o teste.

Inspirando fundo, ela baixou a cabeça de volta para o peito nu dele e fechou os olhos. Não ficara sozinha por um único mo­mento sequer, e não havia exatamente uma farmácia 24 horas na ilha. Não havia nada além daquela extensa mansão... quadras de ténis... duas piscinas... estábulos... e um vinhedo. Aquela ilha inteira não era nada além da fantasia de um homem rico.

No dia seguinte, eles retornariam a Istambul. Ela deixaria de ser a adorada amante de Rafael e voltaria a ser sua simples e eficiente governanta. Serviria os convidados na festa de jantar dele e, em seguida, começaria os preparativos para auxiliar o corretor de imóveis na venda da casa que Louisa criara com tanto amor. Que ela criara para ele.

Com a bochecha pressionada contra os pelos escuros do pei­to musculoso dele, ela olhou para o reluzente mar azul abaixo da piscina. Havia começado a se sentir em casa em Istambul. jyfas, agora, assim como em Paris, exatamente como em Miami, o tapete estava sendo puxado de baixo de seus pés.

Quando teria finalmente um lar, um que ninguém jamais pu­desse tirar dela?

Louisa piscou rapidamente, vendo o brilhante mar azul se mesclar à eternidade com o infinito céu azul. Lembranças pas­savam por sua mente, lembranças que ela tentara evitar duran­te cinco anos. Lembranças de Matthias... e Katie. Sinto muito, Louisa. Não era minha intenção engravidar.

Conseguiria se distanciar tanto no espaço quanto no tempo de uma forma que seu passado não mais a assombrasse?

Sentiu a mão de Rafael roçar sua bochecha. Ergueu o olhar para ele.

— O que foi, Louisa? — ele disse suavemente. Seus olhos acinzentado buscavam-lhe a alma. — Em que está pensando?

Respirando fundo, ela desviou o olhar. Não contara a ele so­bre seu passado. Não falara sobre aquilo a ninguém.            

Cinco anos antes, fora apunhalada no coração pelas duas pes­soas que ela mais amava no mundo. Fugira dos Estados Unidos para começar do zero. Trocara suas roupas de cores vivas e que valorizavam seu corpo por outras simples, práticas, cinzentas. Perdera o apetite. Emagrecera. Passara a usar óculos, em vez de lentes de contato, e a prender seus cabelos castanhos em um apertado coque. Fizera tudo o que podia para garantir que ho­mem algum jamais reparasse nela novamente.

Encontrara um novo emprego em Paris. Não tivera medo de trabalhar para Rafael. Sabia que estaria a salvo dos encantos de qualquer playboy. Trabalhara constantemente, literalmente vivera em seu local de trabalho, e não tirara férias, sequer um único sábado de folga.

Tentara não amar Rafael. Tentara. Mas, de alguma forma, ele vencera todas as defesas dela...

A mão de Rafael lhe acariciou o rosto.

— Você não vai responder. Nunca responde — ele disse suavemente. —Algum dia vai responder. Um dia você me dirá tudo.

Mas quando ele a puxou mais uma vez para seus braços, Louisa soube que jamais lhe contaria sobre o último homem por quem se apaixonara. Seu ex-chefe. Ao menos ela pensara ter sido amor na época. Era tão jovem e ingénua...

Pensando na dor do passado, ela olhou para o futuro e teve muito, muito medo.

— Gosta daqui? — ele disse, enrolando no dedo uma mecha de cabelos dela.

Ela o olhou.

— Tanto que acho que devia arrumar um emprego aqui — ela disse, brincando apenas em parte. — Seu amigo, dono dessa ilha, precisa de uma governanta? Qual é o nome dele?

Rafael a encarou. A irritação saltava dele em ondas.

— Ele não é um homem bondoso. Especialmente com rela­ção a mulheres.

Ela estivera tentando suavizar o clima, mas parecia ter fra­cassado clamorosamente. Por que ele levava o comentário dela tão a sério? Apoiando-se em um cotovelo, Louisa esticou a mão para massagear o ombro dele.

— Dá para dizer o mesmo de você — ela provocou.

O músculo do maxilar dele se contraiu.

— Sim. Dá.

Seria possível que ele estivesse com ciúme? Não, claro que não!

— Você sabe que não estou falando sério, Rafael!

— Não gosto de brincadeiras suas falando de outros homens —ele disse de forma tensa. — Você é minha.

Ela parou de massagear o ombro dele. Olhou-o.

— Eu sou sua?

Ele balançou a cabeça.

— Sabe o que quis dizer. É uma funcionária preciosa. Você...

— Não — ela interrompeu. Afastou sua mão dele e se sentou. Subitamente, ficou tão furiosa que não conseguiu pensar direito. — Você falou certo da primeira vez. Pensa que eu sou sua. Que você é meu dono. — E lá se ia o pensamento de que ela era a adorada amante dele! —Acha que não tenho sentimentos.

— Não seja dramática. Eu lhe pago bem. Não há dúvida de que você é minha. Continua trabalhando para mim porque gosta da sua situação.

— E agora? — Ela olhou à volta, para o luxuoso lugar que, de repente, perdera seu glamour. — Estou trabalhando para você agora?

Rafael falou por entre os dentes.

— Não. Você sabe que não está!

— Então, o que sou para você?

— Aqui, você é minha amante. Fora desta ilha, é a melhor empregada da minha equipe. Supervisiona todas as minhas ca^ sas, coordenando seu trabalho com as outras governantas. Nao conseguiria sem você.

Foi o mesmo que ter dado um tapa no rosto dela.

— Talvez seja mesmo hora de eu seguir em frente — Louisa disse lentamente, sentindo-se entorpecida. Por que se sentia tão traída se sempre soubera como aquilo terminaria?

— Não — ele disse furiosamente. — Você não trabalhará para ele... ou para qualquer outro homem. Você é mi... Seu lugar é ao meu lado — ele se corrigiu ao perceber o olhar furioso dela.

As mãos de Rafael seguraram a cintura nua de Louisa. Ela baixou o olhar para os olhos acinzentados dele. O rosto de Rafael estava sombrio, quase selvagem. Ela conseguia ouvir a rou­quidão em sua respiração. Os olhares se avaliaram.

Os dedos dele a apertaram quase dolorosamente.

Então, levantou-se e a beijou.

O beijo foi forte e profundo, um assalto à boca de Louisa, como se ele tivesse estado se contendo durante tempo demais, como se o mestre tivesse sido escravizado por uma paixão indesejada que não mais conseguia controlar. O beijo se tornou abruptamente mais persuasivo, desejoso e sensual, de uma maneira que ela não conseguiu resistir. Louisa envolveu o pescoço dele enquanto com um gemido baixo ele a puxou contra seu corpo nu na espreguiça­deira. Ela podia sentir como eleja a desejava novamente.

— Você é minha — Rafael sussurrou. — Diga que é.

— Nunca.

Mas o desafio dela só pareceu aumentar a intensidade da pai­xão dele. Fez amor com ela novamente, sob o quente sol grego, com força e rapidamente, e com uma brutalidade que se iguala­va ao próprio desejo apaixonado de Louisa.

— Você é a única mulher em quem eu confio — ele disse em voz baixa depois que haviam terminado, acariciando o rosto dela enquanto a observava aninhada em seus braços.

No entanto, enquanto ele a abraçava e fechava os olhos, co­chilando ao sol, lágrimas desceram pelas faces de Louisa, e ele não as percebem.

Estava presa.

Precisava admitir. Apesar de saber que não passava de uma fantasia, apesar de saber que era algo tolo, idiota e perigoso, não conseguia mais deixar de amá-lo. Nenhum sonho de dois dias a curaria de seu amor por Rafael.

Ela era dele. Completamente.

 

De volta a Istambul na tarde seguinte, Louisa cambaleava ao sair do hospital particular. Às cegas, saiu para a rua.

Uma ruidosa buzina a fez recuar quando quase foi atropelada por um motorista de táxi que gritou com ela em um turco fluente e expressivo. Soluçando, quase chorando, Louisa ficou na cal­çada, tremendo com o choque.

Grávida.

Estava grávida de Rafael. Carregava a criança que ela lhe prometera não ter como conceber!

Na semana anterior ela tentara zombar dos próprios temores, tentara se convencer de que estava sendo tola por se preocupar. Mas não fora nem um pouco tola. O médico havia acabado de confirmar que seus piores temores estavam cor-retíssimos.

O que Rafael diria quando ela lhe contasse?

Ela caminhou pela rua, respirou fundo várias vezes até parar de tremer e entrou no pequeno carro que era utilizado pelos fun­cionários. Dirigiu para o norte, para os arredores de Beyoglu.

Tinham retornado a Istambul havia poucas horas, mas tudo já mudara entre eles. Rafael fora imediatamente para seu es­critório e ditara ordens para diversos assistentes a respeito do acordo imobiliário que ele esperava assinar naquela noite. E todos os funcionários haviam corrido para ela, com perguntas sobre os preparativos finais para o jantar festivo.

Louisa se tornara funcionária dele novamente. Rafael se tor­nara seu chefe.

Haviam abandonado os amantes na ilha. Para sempre. Louisa observava o pesado tráfego, coloridos outdoors e an­tigos prédios da cidade.

Deveria sequer contar a Rafael que estava grávida? Lembrou-se das palavras de sua tia-avó. Seja sempre hones­ta, menina. Diga a verdade, mesmo que isso doa. E melhor ma­goar agora do que causar o dobro de sofrimento depois.

Mas Louisa não tinha tanta certeza. Economizara cinco anos de salário na Europa, já que nunca tirara folgas para viagens ou excursões. Sempre dissera a si mesma que não devia ser egoísta; as necessidades do senhor Cruz deviam vir em primeiro lugar. Dissera a si mesma que faria uma excursão pela Europa depois. De alguma forma, aquele momento nunca chegara.

E o que ela ganhara com isso? Estava cinco anos mais velha. Grávida. Sozinha!

Ao entrar pelos portões da mansão mal notou a respeitosa saudação do segurança. Estacionou o carro e entrou na casa.

Tudo estava lindo para o jantar de aniversário de Rafael na­quela noite. Todos os quartos estavam repletos de flores, rosas de outono do jardim, incrementadas por caules de pimenteiras e lírios asiáticos laranja-escuro. Como aquele era o primeiro jantar festivo da casa de Rafael em Istambul, Louisa o planejara com cuidado, escolhendo um menu cheio de sabores exóticos da cida­de. Naquele exato instante, o cozinheiro turco, que, felizmente, se recuperara, corria pela cozinha e gritava ordens para que seus assistentes preparassem o midye dolmasi, mexilhões recheados com arroz de especiarias, o cozido de perca, espetinhos de cor­deiro e uma variedade de frutas e confeitos para a sobremesa.

Ela mesma fizera uma daquelas sobremesas. Não era uma receita tradicional da Turquia e, portanto, não se encaixava no menu, mas ela sabia que era a preferida de Rafael e, por isso, a preparara naquela manhã mesmo assim. Para o aniversário dele. Porque ela o amava. Levara uma hora, mas ela preparara cuida­dosamente sua especialidade: brownies de caramelo de macadâ-niia com gotas de chocolate branco.

Queria tornar o primeiro jantar dele ali especial. Mas, como Rafael pretendia colocar a casa à venda no dia seguinte, também seria o último. Ao olhar à sua volta, ela sentiu um incômodo na garganta.

Quisera que tudo fosse perfeito para ele. Tornara sua casa bela, e sua vida, confortável e cheia de facilidades. Ela sacrificara suas próprias necessidades pelas dele. E, agora, estava tudo acabado. Quando lhe dissesse que estava grávida, ela perderia tudo.

O emprego que ela amava. O homem que ela amava.

Aonde iria, sem ele para ser tanto seu tormento quanto sua felicidade? O que faria sem ele, sozinha?

Lenta e pesadamente, ela começou a subir as escadas para o quarto. Ao passar pelo estúdio, ouviu um dos assistentes dele dizer:

— Mademoiselle Lepetit está ao telefone, senhor.              

Louisa ficou imóvel.

Dominique Lepetit era uma bela atriz iniciante francesa, famosa principalmente por ter posado com os seios nus para os paparazzi durante o Festival de Cinema de Cannes. Loira, curvilínea e cruel, era tudo o que a maioria dos homens parecia querer em uma mulher.

— Diga a ela que estou ocupado — foi a sucinta resposta de Rafael, e Louisa soltou o fôlego. Até então, não percebera quan­to queria que ele fosse fiel a ela, apesar de tudo.

Rafael Cruz fiel a uma mulher? Ela zombou de si mesma ao subir lentamente para o quarto. Os hormônios da gravidez já teriam começado a fazer efeito? Ela devia estar louca mesmo!

Mas ele recusara a ligação de Dominique Lepetit. Um ho­mem poderia mudar assim?

Poderia entender que, às vezes, o destino mudava inespera­damente a vida das pessoas... para melhor?

Quando ela chegou ao quarto, fechou a porta e se recostou nela, recuperando as forças. Baixou o olhar, maravilhada, levan­do as mãos à barriga quando algo novo lhe ocorreu.

Grávida. Uma nova vida crescia dentro dela, o bebê de Ra­fael. Um sorriso curvou seus lábios. Um bebê. Um bebê chei­roso para ela aninhar em seus braços, para amar eternamente. Seus pais haviam morrido fazia muito tempo, e ela estava afas­tada da irmã mais nova havia cinco anos. Mas, com o bebê, ela finalmente teria uma família. Um motivo para criar um lar de verdade, depois de tantos anos sozinha.

Katie teria se sentido daquele jeito quando descobrira que estava grávida?

Louisa afastou o pensamento indesejado. Não queria pensar em Katie. Não queria pensar na sobrinha ou no sobrinho que nunca conhecera. A criança já deveria estar com quase 5 anos, provavelmente com irmãos. E Matthias Spence era o pai...

Ela tentara durante anos não pensar em Matthias. Mas, para sua surpresa, pensar nele não mais a magoava do mesmo jei­to. Porque nunca se importara com ele? Trabalhara para ele durante apenas alguns meses antes de ele lhe pedir a mão era casamento. Não sabia sobre ele nem metade do que sabia sobre

Rafael.

Ou talvez fosse porque o relacionamento com Matthias pa­recia tão ridiculamente distante no passado, a paixão de uma colegial, comparada à enormidade de estar esperando o bebê de Rafael.

Como daria a notícia a Rafael?

Empertigando os ombros, Louisa foi para o armário. Afastou todas as roupas simples e práticas e puxou algo do fundo, cober­to por plástico. Retirando-o de lá, ela observou o sexy vestido preto de bustiê.

Na última vez em que o usara, estava noiva. Sua irmã a esti­vera visitando durante um mês, voltando da faculdade, e insisti­ra para que fossem às compras.

— Você tem tanta sorte — Katie dissera, melancólica. — Transformar-se de governanta em esposa de um homem rico.

— Eu o amo — Louisa respondera sorrindo.

Mas permitira que Katie a convencesse a gastar um salário inteiro em um único vestido para a festa de noivado. Louisa esperara ficar bonita para Matthias e tentara ao máximo impres­sionar os amigos dele. Então, algumas semanas depois, uma hora antes do início da festa de noivado,_sua irmã de 19 anos lhe pedira uma conversa a sós.

— Como pôde? — Louisa soluçara alguns momentos depois. — Você é minha irmã. Como pôde fazer isso comigo?

— Sinto muito! — Katie choramingara. — Não era minha intenção engravidar. Mas não consigo acreditar que você se­quer o ama. Se amasse, não o teria mantido afastado, se re­cusando a dormir com ele antes de se casarem! Ninguém faz isso mais.

— Eu faço! — Louisa retrucara, e pegando a bolsa fugira da casa. Fugira para o mais longe de Miami que pudera, até Paris.

Quase-jogara o vestido no lixo cinco anos antes. Mas, em vez disso, por algum motivo, o guardara. Agora, o sexy vestido preto era a única peça de roupa de sua antiga vida, quando tivera medo de amar, antes de desaparecer do mundo para viver como um fantasma.

Ao colocar o vestido, Louisa disse a si mesma que não tinha ilusões de que Rafael a amasse; certamente, nunca se casaria com ela. Ela rezava apenas para que ele amasse e aceitasse a criança que chegaria. E foi por isso, apenas por isso!, que ela o vestiu.

Estava um pouco largo por ela ter emagrecido nos últimos anos, todo o tempo que passara sem oportunidade de se exer­citar, ou se sentar para fazer refeições, ou cuidar direito de si mesma. Mas ao colocar o cinto o vestido ainda parecia bonito. Louisa escovou os cabelos, deixando-os cair à vontade pelos ombros. Tirou os óculos e pôs lentes de contato. Estava sem prática depois de tê-los usado durante tanto tempo. Colocou um pouco de maquiagem nos cílios e batom vermelho, e ob­servou o resultado no espelho.

Depois de tantos anos, quase não se reconheceu.

Estava bonita.

Louisa rezou para que aquilo ajudasse. Porque estava ater­rorizada.

Ao descer as escadas, conseguiu ouvir os primeiros convi­dados começando a chegar. Viu Rafael na base da escadaria e parou, apertando a madeira polida do corrimão. Fechou os olhos ao respirar fundo uma única vez para se acalmar, a mão sobre a barriga. Poderia aquela noite ser como seus mais profundos sonhos?

— Estou grávida, Rafael — ela diria.

Os olhos acinzentados dele se arregalariam. Ele engasgaria. Em seguida, a tomaria nos braços.

— Fico feliz por isso — ele diria deforma determinada. —E claro que quero esse bebê. E quero você. E a única mulher para mim, querida. —Ao baixar o olhar, ele ergueria o queixo dela e sussurraria ternamente: —Amo você, Louisa.

— Louisa.

Ela abriu os olhos para ver Rafael a observando do pé da escada. Olhava-a com o cenho franzido, como se ela estivesse com o cabelo tingido de roxo e vestida de coelhinho da Páscoa.

—Por que está vestida assim? — ele exigiu saber, examinando-a friamente da cabeça aos pés.

Não era bem a reação que ela esperara, mas tentou sorrir enquanto descia as escadas... com cuidado, em seus saltos altos.

—Para a festa — ela disse. Parou no degrau acima dele. Ele ainda não retribuía o sorriso. — Para o seu aniversário — ela tentou novamente.

Em vez de parecer satisfeito, Rafael fez cara feia.

—Vai chamar atenção assim.

Uma empregada deve ser sempre invisível. A regra fora mar­telada em sua mente durante dez meses. Depois da morte dos pais, Louisa desistira de sua chance de conseguir uma bolsa de estudos numa faculdade para ficar em casa e cuidar de sua irmã­zinha e de sua tia-avó doente. Mas a tia deixara para Louisa uma pequena herança, que ela usara para frequentar um curso para mordomos e se tornar uma administradora doméstica certifica­da. Você não é uma pessoa para seu patrão. É uma ferramenta a serviço dele. Sirva-o de maneira invisível. Jamais invada a privacidade de seu patrão ou o force aperceber você. Isso cau­sará constrangimento para vocês dois.

Louisa ficou tensa.

— Não gostou do meu vestido?                                            

Ele a encarou.

— Não.

Parecia quase impossível acreditar que, naquela mesma ma­nhã, ela estivera nos braços dele. Haviam estado nus, juntos, na incrível mansão grega com vista para o Egeu. Agora, quando ela mais precisava da atenção dele, ele se tornara subitamente apático. Distante.

Já estaria pensando em Dominique Lepetit, que já estava a caminho de lá? Já se esquecera de Louisa por completo?

— Vá se trocar — ele disse friamente. — Os convidados vão chegar a qualquer momento.

Ele parecia completamente desinteressado dela. Exatamente como prometera dois dias antes, o pequeno caso deles, aparente­mente, havia curado o desejo de Rafael por ela. Já se satisfizera. Estava pronto para seguir em frente.                                                

Respirando fundo, ela disse a si mesma que era irrelevante se ele gostava ou não dela. Precisava pensar no bebê. Rafael precisava saber que ela estava grávida. Pelo bem do bebê deles.

Quando ele se virou para deixá-la, ela o segurou pelo pulso. Precisou de toda a coragem que tinha.                                            

— Preciso falar com você.

Ele olhou a mão de Louisa em seu pulso. Ela o soltou, como se tivesse sido queimada.

— Quero você no avião para Buenos Aires amanhã — ele respondeu de maneira gélida.

— Buenos Aires? — ela sussurrou, abalada. Ele não a queria mais em Paris? — Por que Buenos Aires?

— Você vai assumir minha casa lá. — Ele fez um único mo­vimento de cabeça, encerrando o assunto e já lhe dando as cos­tas. — Agora, vá trocar o vestido.

Louisa sentiu uma pontada de dor.

Ele não poderia ter sido mais claro. Não mais a via como nada além de uma funcionária.

E a verdade era que, mesmo na Grécia, quando ela se ima­ginara a adorada amante de Rafael, ainda era sua funcionária. Atendendo a seus desejos na cama, em vez de na casa. E, agora que ele se cansara dela, Rafael esperava que ela apenas voltasse a ser invisível, a ser o fantasma cinzento que desaparecia em meio à madeira centenária da mansão.

Então, ele não se importava com ela, a não ser com o fato de ser sua funcionária invisível? Ela rangeu os dentes.

Que fosse.

Não tinha intenção alguma de ir a Buenos Aires. Não iria, de forma submissa, servi-lo para sempre no exílio enquanto ele desfrutava de muitas outras mulheres!

Fazer com que ele a amasse... que fantasia ridícula aquilo fora!

A cabeça dela latejava. Sentia-se quase fisicamente mal. Mas afastou a dor. Lidaria com aquilo depois. Naquela noite, tinha urn trabalho a fazer.

Tornaria perfeita a festa dele. Rafael jamais teria motivo para reclamar por ela ter algo menos que uma governanta exemplar.

Então, depois, contaria que engravidara acidentalmente. Não porque ainda esperava que ele se importasse, mas porque o bebê dela merecia um pai. E Rafael merecia a verdade. Merecia só isso, nada mais.

A campainha tocou, e ela ergueu o qjieixo.

— Sinto muito, seus convidados já estão chegando — ela disse docemente. — Não tenho tempo para trocar de roupa. Com licença.

Afastando-o do caminho, ela abriu a porta.

Naquela noite, enquanto os hóspedes chegavam, Louisa pe­gava os paletós de cada um pessoalmente. A casa estava toda pronta; ela supervisionara tudo. Ao pegar cada agasalho, percebia que cada convidado era mais poderoso, rico e belo que o anterior. Observou Rafael cumprimentar cada um deles; al­guns, com apertos de mão, outros, com tapinhas nas costas.

Mas não as mulheres. Ele cumprimentava todas com um beijo em cada face. As cinco mulheres eram todas muito belas, e cada uma olhava para Rafael com desejo. Não era de se admi­rar. Vestido impecavelmente num smoking, ele estava mais do que lindo. Era o arcanjo espetacular com o qual compartilhava o nome.

Não olhava para Louisa. Parecia não perceber que ela estava ali, como se ela fosse o relógio ou o cabide de chapéus que ela própria escolhera com tanto carinho para aquela mansão. Todos as posses dele, incluindo Louisa, deveriam ser usadas e descar­tadas à vontade quando ele não mais as achasse úteis. Ela cerrou os punhos, tentando ignorar a dor.

— Dominique — ele ronronou, tirando Louisa do caminho para ajudar a bela estrela loira a tirar o casaco de pele branca. Ele mesmo o tirou dos ombros dela, sorrindo de maneira sedu­tora. — Estou feliz por ver você.

— Rafael! —A bela celebridade francesa fazia Louisa se lem­brar de um gato persa mimado, com seu pequeno nariz de botão, grandes olhos azuis e felpudos cabelos loiros descoloridos. Seu reluzente minivestido dourado mal cobria os mamilos na parte de cima, e a porção superior das coxas na barra. Ela sorriu para ele com os lábios vermelhos. — Não perderia seu aniversário, chéri.

Vendo os dois juntos, Louisa percebeu como era sem graça, quão alta, desajeitada e magrela em seu vestido preto de cinco anos atrás. Uma pontada de dor lhe subiu pela garganta. Vinte minutos antes, pensara estar bem bonita no espelho, mas naque­le instante sentia-se tão simples quanto um pardal. Por que não ficara com seu uniforme cinza e seus óculos? Ao menos assim ninguém riria da garota sem graça que tentava parecer bonita e que, aparentemente, tinha a ilusão de que poderia competir com alguém como Dominique Lepetit!

Rafael e Dominique combinavam de todas as maneiras, tan­to fisicamente quanto por sua reputação. A atriz francesa era tão conhecida por descartar pretendentes apaixonados quanto Rafael era conhecido por destruir corações femininos. Louisa engoliu em seco e baixou o olhar para o chão.

Repentinamente, um casaco de pele foi enfiado em seus bra­ços. Ela quase tossiu com o peso e a sensação de algo tão imen­so e felpudo, como um animal morto debaixo de seu nariz.

—Cuide disso, sim? — Rafael murmurou para Louisa sem tirar os olhos de Dominique.

—É claro, senhor Cruz — ela respondeu tristemente.

O jantar estava maravilhoso. Eram servidos mezes, entradas corno folhas de videira recheadas e molhos, alcachofras cozidas homus com pão pide. junto com coquetéis e vinho argentino. Louisa supervisionava o tempo inteiro, acalmando o chef, que apesar de recuperado de seu mal-estar anterior parecia estar com as emoções perigosamente perturbadas ao correr pela cozinha, percebendo quantas celebridades estavam sentadas na sala de jantar para o aniversário de Rafael, o homem pareceu se desin­tegrar abruptamente sob pressão, e enquanto gritava para um de seus pobres assistentes, quase cortou fora a ponta de seu polegar com uma faca afiada.

Ela se preparara para aquilo. Frequentara o famoso curso para mordomos em Miami quando percebera que não tinha habilida­de alguma a não ser cuidar de pessoas. E organizar lares. E, ela pensou apaticamente, se apaixonar pelo chefe.

Louisa resolveu o problema do cozinheiro, acalmou a cozi­nha e, em seguida, organizou os garçons que levavam cada prato da refeição. Toda vez que ela entrava na sala de jantar, ficava involuntariamente deslumbrada com os belos convidados, com suas animadas conversas e as inteligentes respostas. Tentava não ouvir, mas não conseguia evitar. Como não conseguiu evitar per­ceber a maneira como Rafael olhava nos lindos e malignos olhos de Dominique Lepetit com uma fascinação aparente ao inclina­rem a cabeça um para o outro e ela sussurrar algo no ouvido dele.

Ela sabia que Rafael seguiria em frente, mas jamais pensara que fosse com a velocidade de um raio!

Engoliu em seco, sentindo cada vez mais calor ao voltar à cozinha. Como poderia dizer a ele que estava grávida?

Deveria dizer a ele?

E se ele rejeitasse o bebê? E se não apenas culpasse Louisa pela gravidez, mas também nunca fosse capaz de amar a criança que eles haviam gerado, a criança que ele jamais quisera?

A medida que o interminável jantar finalmente se aproxima­va do fim, ela entrou na sala de jantar e anunciou que a sobre­mesa e o café estariam aguardando por eles no terraço. Quando umas atrizes magras como um palito pediram a ela para listar as sobremesas, Louisa não conseguiu evitar olhar para Rafael ao mencionar os brownies de caramelo de macadâmia. Do outro lado da sala, de onde ele estava sentado ao lado de Dominique Lepetit, os olhos de Rafael subitamente se fixaram nos dela.

Abruptamente, a linda francesa derrubou sua taça de vinho.

— Oh! Mon dieu, como sou desastrada!

Respirando fundo, Louisa se apressou com uma toalha de mão para limpar o desastre. Viu o sorriso felino de Dominique quando a bela garota se inclinou para a frente na mesa, blo­queando o olhar de Rafael para Louisa.

Um dos outros convidados, um homem muito bonito e com olhos escuros sentado do outro lado da mesa, observou a cena, interessado. Quando Louisa se endireitou com as bochechas co­radas e a toalha ensopada de vinho, seus olhos encontraram os do estranho. Os lábios dele se curvaram, como se ele soubesse de tudo. As bochechas dela, já vermelhas com a humilhação, ficaram ainda mais quentes.

— Novros — Rafael disse, levantando-se da mesa com re­pentina rispidez. — Temos negócios a discutir. Está na hora.

— Sim — o outro homem respondeu, seus olhos pretos re­luzindo.

— Com licença. — Rafael falou mais suavemente para os outros convidados à mesa, parando para um sorriso especial para Dominique. — Nós os encontraremos no terraço em um instante. Senhorita Grey, pode levá-los até lá, por favor?

— É claro, senhor — Louisa disse, esquecendo o nó na garganta.

Ao saírem para a noite enluarada, sobre o terraço de pedra com vista para o jardim e para o reluzente Bósforo abaixo, os convidados se espalharam em pares pelas sombras. Louisa instruiu diversas funcionárias sobre a organização dos confeitos.

Enquanto elas se ocupavam em torno dela, Louisa parou sob luar. Piscando rapidamente, olhou para a escuridão total do céu, que brilhava com distantes e imóveis estrelas.

Ainda no dia anterior, fora a amante dele. Fora livre. Tivera tudo o que sempre desejara.

Muita coisa podia mudar em apenas um dia.

Quando o outono começasse no ano seguinte, ela seria mãe. Teria um bebê a quem amar e de quem cuidar.

Mas sua criança teria um pai? Rafael teria algum amor pelo bebê deles, ou apenas se ressentiria e desprezaria a inocente criança por ter sido forçado a reconhecê-la?

Um calafrio percorreu o corpo dela. Temia já saber a respos­ta. Ele não queria uma esposa. Não queria uma criança. Ela fora tola de sequer sonhar que pudesse ser diferente. Louisa olhou para o jardim, desejando fugir e sequer dar a Rafael a chance de desprezá-los e abandoná-los.

Por que não se ativera a seu plano original de esperar até se tornar esposa antes de se arriscar a se tornar mãe?

Porque estava apaixonada por Rafael havia anos. E, aos 28 anos, não se sentia mais uma idealista. A virgindade começara a lhe parecer um fardo. Ela começara a sentir que jamais seria desejada... jamais seria amada.

Respirou fundo ao ouvir os convidados flertando e rindo nas sombras do jardim. Assim que ficasse a sós com Rafael, seria a ga­rota idealista que fora criada para ser. Seria forte. Forçaria a si mes­ma a contar a verdade para ele, mesmo que isso apenas a magoasse.

Não faria isso?

 

Rafael estava no inferno.

Estivera distraído a noite inteira. Pelo retorno a Istambul. Pe­los convidados. Pelo aniversário. Pelo acordo de negócios que estava prestes a fazer.

Acima de tudo, por Louisa.

Tentava ao máximo afastá-la. Mantê-la distante. Estava de­sesperado para voltar a ser apenas o chefe, e ela, a funcionária. Prometera a ela que seria fácil, não prometera? Prometera que quando voltassem a Istambul, tudo se encaixaria. Mas seu pla­no, que nunca falhara antes, havia falhado.

De alguma forma, depois de dois dias fazendo amor com ela, ele ainda a desejava, mais do que nunca.

E se isso não fosse ruim o suficiente, Louisa descera as esca­das como se fosse um maldito símbolo sexual em um apertado vestido preto. Estaria tentando torturá-lo? Ou seria possível... que ela já soubesse que o plano dele fracassara e estivesse pro­curando um novo patrão?

As mãos dele se apertaram. Desde o momento em que a vira com aquele vestido, odiara a ideia de qualquer outro homem olhando para ela. Um acima de todos: seu rival nos negócios, Xerxes Novros. Rafael convidara seu rival grego para a festa por estar determinado a fechar finalmente o acordo imobiliário em Paris; mas os dois homens estavam longe de serem amigos. No­vros era um conquistador tão experiente que fazia Rafael parecer um santo. Fora por isso que Rafael pedira que Louisa mudasse de roupa antes da festa. Quando ela descera tão chocante e gla-morosamente bela, de uma maneira como ele jamais a vira antes, Rafael soubera imediatamente que ela atrairia a atenção errada.

— A propósito — o grego disse friamente enquanto cami­nhavam pelo hall —, não lhe desejei feliz aniversário.

— Obrigado. — Aos 37 anos, Rafael não mais se sentia jo­vem e invencível. Sua determinação começava a enfraquecer. Estava pronto para ir embora daquela cidade, deixando seu fra­casso e a lembrança do funeral do pai para trás.

Rafael tinha centenas, talvez milhares de amigos pelo mun­do. Eram divertidos, inteligentes. As mulheres eram belas e se entregavam avidamente a ele. Os homens eram todos rivais de negócios, que faziam apostas e sorriam mostrando os den­tas como lobos. Ele não se importava de verdade com nenhum deles, incluindo os convidados que estavam ali naquela noite. Ansiava por uma distração.

Ansiava por... ela.

—Você tem uma bela casa — Xerxes Novros disse enquan­to seguia Rafael para seu estúdio particular. — Disse que sua governanta supervisionou a reforma? Aquela adorável criatura com o vestido preto sexy?

— Sim — Rafael grunhiu ao ligar a luz. Fechou a porta e pegou os papéis de sua mesa. — Seus advogados mandaram as correções hoje de manhã. Assine aqui e estará tudo feito.

— Ela tem um amante?

— Quem?

— Sua governanta.

— Não é da sua conta.

Sorrindo, Novros se deixou cair em uma cadeira e olhou apaticamente o contrato.

Rafael se sentou à sua mesa, observando-o. Jamais devia ter pegado emprestada a ilha grega particular do homem nos últi­mos dois dias, pensou sombriamente. Aquilo lhe dava a vaga sensação de estar em dívida com o homem. Uma sensação pe­rigosa, pois ela finalizava as negociações de compra do imóvel em Paris, uma prestigiada propriedade no distrito comercial de La Defense. Uma sensação perigosa, pois chamava a atenção do homem para Louisa.

— Parece que está tudo em ordem. — Novros ergueu o olhar, sorrindo. — Acrescente sua governanta para complementar a oferta e fecharemos o negócio.

Rafael apertou com força a caneta.

— Cuidado — ele rosnou entre os dentes. Ergueu a cabeça, e seus olhos brilhavam perigosamente para o rival. — Não fale dela. Sequer olhe para ela.

Novros ergueu uma sobrancelha escura.

— Entendi — ele disse suavemente, e olhou novamente para os documentos. Balançou a cabeça e os jogos de volta na mesa de Rafael. — Sinto muito. Vou precisar de mais tempo para pen­sar nisso.

Rafael contraiu o músculo do maxilar. Precisava se livrar imediatamente daquele caro imóvel para cumprir seu crono­grama, e os dois sabiam disso. Queria construir uma nova sede para seu conglomerado internacional em Paris. Já haviam acordado um preço. Ele se sentiu tentado a amassar a cara do homem.

Em vez disso, sorriu.

— Quer melhorar a oferta? — Rafael sugeriu. — Assine. Feche o negócio. E esta casa — ele indicou o estúdio com um generoso gesto da mão — será acrescentada à negociação.

Xerxes Novros o observou por um momento.

Então, assentindo, assinou a documentação com um floreio.

— Você cedeu muito facilmente — o homem disse, devol­vendo o contrato a Rafael com um sorriso insolente. — Eu teria aceitado menos dinheiro pelo imóvel em Paris.

Rafael pegou o contrato assinado e o pôs no cofre.

— E eu teria vendido esta casa por um único euro.

Novros o observou.

— Então, nós dois saímos ganhando. — Ergueu o queixo e olhou à volta do estúdio. — De quanto tempo seu pessoal vai precisar para tirar suas coisas da minha casa?

— Uma semana.

— Ótimo. — Novros se levantou e parou à porta. — Imagino que sua governanta seja a amante que você levou à minha ilha.

Rafael ficou tenso. Irritava-o o fato de Novros ter adivinhado aquilo... e de ele ter reparado em Louisa!

— Acha isso tão inacreditável assim?

— Não agora que eu a vi. — Novros parou e em seguida disse, calmamente: —Apenas tenha cuidado.

— Com o quê?

— Com o histórico dela.

Rafael o observou. Novros sabia de algo sobre Louisa que ele não sabia?

— O que tem? — ele disparou.

— Não sabe? Sua senhorita Grey trabalhava para um amigo meu em Miami. Ela se insinuou para ele e conseguiu um noiva­do se recusando a ir para a cama. Então, quando ele começou a perder o interesse, ela convidou sua irmã mais nova para passar um tempo com eles. A irmã o seduziu imediatamente e o levou para a cama. Ele estava tão sedento por sexo que sequer pensou em usar um preservativo. Ela engravidou, como elas haviam planejado, e o homem se sentiu na obrigação de se casar com ela. Um plano bem-esperto.

Um calafrio percorreu a espinha de Rafael.

— Só estou lhe dizendo isso — Novros disse casualmente — de um solteiro livre para outro. Tenha cuidado.

Rafael sentiu frio. Em seguida, calor.

Aquele era o segredo de Louisa? O grande mistério de seu passado? Algo tão sórdido e batido quanto interesseiras se apoderando de homens ricos prendendo-os deliberadamente com uma gravidez?

Ele respirou fundo ao se lembrar das ligações para as refe­rências de Louisa. Claro que a esposa de seu último patrão dera a Louisa uma excelente referência. Era irmã dela!

— Se a engravidar, ela fará o que quiser com você — Novros disse de forma deliberada. — Mas ela fez um excelente trabalho de supervisão nesta casa. Uma garota muito inteligente... e boni­ta. Mande-a para mim quando terminar com ela, sim?

Depois que o homem saiu, Rafael ficou sentado, imóvel, à sua mesa, olhando para o nada.

Louisa dissera que tomava anticoncepcionais. Ele acredita­ra cegamente nela. Dissera a si mesmo que Louisa Grey jamais mentiria. Ele, que não confiava em mulher alguma, confiara nela!

Uma fria fúria cresceu lentamente dentro dele. Seria verdade tudo o que Novros dissera? Louisa estaria tentando engravidar?

Tivera uma grande oportunidade. Ele também não usara pre­servativos na Grécia.

Colocando as mãos na mesa, ele se levantou. Respirou fundo, fechando os olhos por um instante ao cerrar os punhos. E saiu para o jardim.

Encontrou Dominique esperando por ele ao luar, fazendo beicinho e sorrindo.

— Querido, esperei por você durante tanto tempo! — ela ronronou. Foi dançando até ele em seu minúsculo vestido dou­rado. Esticou os braços para cima, mal conseguindo tocar os ombros dele ao soltar uma sedutora risada. — Você demorou tanto!

Friamente, ele a afastou.

— Vá para casa, Dominique — disse. — A festa acabou.

E deixando a mimada atriz francesa boquiaberta atrás de si, ele foi a passos largos na direção do terraço, onde viu a fonte de seu desejo, seu sofrimento e sua fúria. Louisa.

 

Coloridas lanternas de papel balançavam nas árvores ao sabor da brisa, iluminando o jardim escuro acima do brilho sombrio do estreito lá embaixo, enquanto Louisa recolhia os pratos do terraço.

A sobremesa estava encerrada. A maior parte dos convidados desaparecera rapidamente, voltando para suas villas alugadas ou para hotéis ali perto, deslumbrantes mulheres e riquíssimos homens se unindo aos pares, seduzidos um pelo outro e pela exótica sensualidade de Istambul.

Louisa ergueu o olhar ao ouvir uma baixa risada feminina. A risada de Dominique Lepetit. Ouviu o murmúrio da voz grave de Rafael em resposta.

Por um momento, Louisa olhou cegamente para a noite. Piscou para conter as frias lágrimas sob a gélida brisa que chegava da água.

Então, respirando fundo, inclinou-se para continuar esfre­gando a mesa de pedra. Alguns dos confeitos haviam sobrado, mas todos os brownies de caramelo de macadâmia haviam sido devorados, até as últimas migalhas. Rafael acabara não comen­do seu brownie de aniversário...

Louisa ouviu passos no terraço e ergueu o olhar.

Um homem alto e de cabelos escuros estava sozinho do outro lado do terraço. Lançou um olhar para ela.

— Você é a senhorita Grey?

— Sim.

— Gostei daquelas barras que você fez. O que eram?

Ela engoliu em seco.

— Minha receita secreta.

— Um segredo. Que maravilha. — Ele não era totalmente belo; tinha um nariz ligeiramente torto e um formato cruel nos lábios ao dizer despreocupadamente: — E se eu lhe oferecesse 1 milhão de dólares?

Ela empinou o queixo.

— Mesmo assim, não lhe daria. É minha.

Por um momento, ele a observou. Então, sorriu.

— Bom para você.

E com aquelas incompreensíveis palavras o homem a dei­xou. Ela o olhou indo embora por um momento, franzindo o cenho ao erguer a bandeja cheia de pratos sujos, garrafas de uís­que e conhaque e pequenos pratos de sobremesas pela metade.

— O que ele disse a você?

A voz de Rafael estava ríspida atrás dela. Louisa quase deixou a bandeja cair ao se virar. Ele a tomou dela e a pôs sobre a mesa de pedra. Seus olhos acinzentados brilhavam.

— O que Novros disse? — Rafael exigiu saber com uma voz baixa e ameaçadora.

Ela balançou a cabeça, confusa.

— Nada.

— Está mentindo. Eu o ouvi falando com você. Ele lhe ofe­receu um emprego? — Ele segurou os pulsos dela e, repenti­namente, a expressão em seu belo rosto se tornou tão severa e cheia de raiva reprimida que Louisa sentiu medo. — Ele lhe ofereceu algo mais?

Confusa com a estranha reação dele, ela balançou a cabeça.

— Não.

— Então, o quê?

— Ele não disse nada com nada.

— Diga.

Ela sussurrou:

— Ele me ofereceu 1 milhão de dólares pela minha receita de brownie. E quando eu não quis, ele só disse "Bom para você". Sabe o que ele quis dizer?

Com uma expressão furiosa, ele balançou a cabeça.

Ela umedeceu nervosamente os lábios. Por que Rafael agia com tanta raiva? Louisa sentiu um incômodo na garganta, uma náusea logo abaixo das costelas.

Ele não soltava seu pulso, e um rígido nó de fúria cresceu na própria garganta dela. Pensava que o conhecia, todos os seus defeitos. Mas jamais vira Rafael tão sombrio, tão brutal.

Libertando a mão, ela exigiu saber:

— Por que está agindo assim?

— Você sabe por quê — ele rosnou.

Tentando não acreditar, ela perguntou:

— Aconteceu algo com seu acordo de negócios, senhor Cruz? Os lábios dele se contorceram em um sorriso ríspido e irônico ao ouvir o senhor Cruz.

— Uma sugestão interessante. Com você é sempre por causa do dinheiro, não é?

Ele não dizia coisa com coisa, exatamente como aquele gre­go! A mão de Louisa se cerrou em punho ao pegar a toalha molhada e suja que estivera usando para esfregar a mesa de pedra. Respirou fundo:

— A senhorita Lepetit deve estar procurando por você.

— A senhorita Lepetit — ele falou por entre os dentes — foi embora. Todos os convidados foram embora. Estamos — os lá­bios dele se curvaram — sozinhos.

— Oh! — ela sussurrou, umedecendo os lábios subitamente secos. Então, aquela era a chance dela. Talvez sua única chance de dizer a ele que estava grávida...

Mas como poderia dizer, com ele agindo de modo tão som­brio e estranho?

Ela torceu a toalha molhada nas mãos ao olhar nervosamente para ele.

— Há algo que preciso lhe dizer, Rafael — ela sussurrou. — É importante.

Ele segurou os ombros dela. Assustada, Louisa deixou cair a toalha.

— O quê?

Ela tomou fôlego, buscando o olhar dele. Eleja sabia que ela estava grávida? Adivinhara de alguma forma?

— Não é uma coisa que achava que pudesse acontecer. Eu neguei, até para mim mesma...

— Deixe-me adivinhar — ele disse ironicamente. — Você está desesperadamente apaixonada por mim.

Ela quase engasgou. Então, olhando para o rosto dele, disse a verdade.

— Sim.

A expressão dele ficou severa.

— Durante tanto tempo você tem sido um mistério. Um intri­gante problema a ser resolvido. — Ele afastou as mechas de ca­belos escuros que o vento havia soprado no rosto dela. — Mas, agora, eu a entendo. Finalmente.

Ela estremeceu sob o toque dele, fechando os olhos.

Seria possível que tudo com que ela sonhara durante tanto tempo estivesse prestes a acontecer? Seria possível que ele es­tivesse a ponto de dizer que a amava também e, dali a um ins­tante, quando ela lhe contasse timidamente sobre o bebê que chegaria, ele a tomasse nos braços e a beijasse?

Ela mal conseguia respirar...

— Você tem armado para mim — ele disse rispidamente. — Exatamente como você e sua irmã fizeram com seu último patrão.

Os olhos dela se abriram rapidamente.

— Minha... minha irmã?

Ela sentiu os dedos de Rafael se apertarem em seus ombros e arfou. Ele baixou o olhar para ele com algo como ódio nos olhos.

— Achei que pudesse confiar em você — disse em voz bai­xa. — Mas era tudo um truque, não era?

— Não — ela sussurrou. Balançou a cabeça. — Você está enganado.

Ele soltou uma risada cruel.

— Confiei em você. Confiei em você como não confiei em nenhuma outra mulher. Mas você passou os últimos cinco anos armando um golpe para cima de mim?

— O quê? — Lágrimas não derramadas ferroaram os olhos dela quando ela balançou a cabeça com força. — Eu não...

— Diga a verdade! — ele disse friamente. — Fui um idiota por confiar em você? Você mentiu quando disse que estava to­mando anticoncepcionais?

Horrorizada, Louisa tomou fôlego.

Por um momento, o silêncio reinou. A fria brisa do mar fa­zia as lanternas de papel balançarem em meio à escuridão do jardim.

— Achei que tivesse feito a devida diligência ligando pes­soalmente para seu último patrão. Falei com a esposa dele, sem perceber que era sua irmã. É claro, ela lhe deu uma reluzente recomendação... queria ajudar você a conseguir seu homem rico, como você a ajudou!

Louisa recuou, lágrimas subitamente em seus olhos ao pen­sar em toda a dor.

— Não foi assim!

— Não? — Os lábios dele se curvaram. — Então, como foi?

Louisa respirou fundo. Não queria falar do passado, mas não

tinha escolha. Pelo bebê deles, ela precisava fazer Rafael en­tender que sua gravidez fora um acidente... não uma armadilha!

— Há cinco anos, eu me apaixonei pelo meu chefe — ela sussurrou, e parou.

Rafael apertou os ombros dela.

— Continue.

— Só estava trabalhando como governanta dele havia alguns meses quando Matthias me pediu em casamento. — Cada pala­vra baixa e rouca parecia dolorosamente rasgada dela. — Mas não queria ir para a cama com ele. Disse que queria esperar até nossa noite de núpcias. Eu era tão jovem e idealista... Então, minha irmã mais nova foi nos visitar. — Ela olhou para ele, piscando para conter as lágrimas. — Na noite de nossa festa de noivado, Katie me disse que Matthias se casaria com ela, não comigo. Porque... ela estava esperando um filho dele.

Olhando para ela, ele respirou funda e tremulamente. Por um momento, ela pensou que ele quisesse confortá-la. Então, os olhos escuros de Rafael a olharam com a chama da traição.

— Exatamente como vocês duas haviam planejado o tempo todo. Você o deixou faminto por sexo, sua irmã o atraiu para a cama e ele caiu na armadilha. Exatamente como eu caí na sua — ele disse em uma voz baixa e fria. — Confiei em você, Louisa. Mas devia ter suspeitado de algo quando a levei para a cama pela primeira vez. Não haveria motivo para que uma virgem sem namorado estivesse tomando anticoncepcionais...

— Eu disse a você, era para a cólica, para regular meu ciclo...

—Achei que fosse apenas uma infeliz coincidência — ele a interrompeu impiedosamente — o fato de, ao chegar em casa naquela noite, em Paris, e a encontrar chorando, não haver ne­nhum preservativo no apartamento. Você armou para mim de forma tão metódica e eu a desejava tanto que fiquei cego.

Louisa o olhou, chocada e magoada.

Compartilhara uma coisa de seu passado sobre a qual jamais falara com ninguém, mas ele não dera a mínima. Estava deter­minado a usar as palavras de Louisa contra ela própria!

A raiva crescia lentamente dentro dela.

— Tinha esquecido de comprar mais preservativos, mas não foi de propósito! Talvez eu estivesse confusa. — Ela ergueu o queixo de forma desafiadora. — Porque você estava acabando rápido demais com as caixas.

Soltando-a abruptamente, ele cruzou os braços.

—Você me atraiu fingindo distanciamento, sabendo que isso me deixaria intrigado. Depois, certificou-se de que eu a encon­trasse chorando, precisando de conforto, sabendo que só havia um tipo de conforto que eu podia lhe oferecer.

—Jamais pensei que você fosse chegar cedo do seu encontro e me seduzir!

— Quer dizer que não está grávida?

Ela respirou fundo.

Aquilo era muito pior do que ela podia imaginar. Por que não se dera conta de que a indisposição estomacal havia arruina­do completamente a eficácia do controle de natalidade? Jamais pensara que ele vasculharia seu passado e imaginaria que ela pudesse ser tão diabolicamente esperta.

Se fosse, ela pensou amargamente, não teria dormido com um playboy desalmado e desconfiado como Rafael Cruz!

Precisava mentir. Não havia como dizer a verdade a ele na­quele momento.

Mas a ideia de negar a existência de seu bebê, o peso de contar uma mentira tão terrível a esmagavam como pedaços de granizo do tamanho de bolas de golfe.

Ela se sentia incrivelmente hormonal e exausta por estar grávida e pela viagem de volta da Grécia. Sentia-se chorosa e emocionalmente esgotada da montanha-russa dos últimos dias. Ainda no dia anterior, era a adorada amante dele; agora, fora destroçada pela descoberta da gravidez e, ainda assim, fora for­çada a ocultar suas emoções, para servir a ele e a seus ricos convidados enquanto o via flertar com outra mulher.

E, subitamente, ela não aguentou mais.

Louisa respirou fundo. Lentamente, olhou para ele. Ela pode­ria viver sem o amor dele. Poderia envolver seu coração em um bloco de gelo. Poderia ignorar os sentimentos. Já fizera isso antes.

Mas ele teria que amar o bebê deles.

Se Rafael fosse frio com a inocente criança e a tratasse mal durante toda a vida, deixando-a saber que era indesejada... Não, ela não poderia deixar que aquilo acontecesse. Preferia negar a existência da criança a arriscar provocar nela tamanha dor!

Ele acariciou gentilmente o rosto dela. Mas seu olhar era tudo menos gentil ao dilacerar a alma de Louisa com sua fúria. Ela teve a repentina sensação de estar presa. O corpo dele, sua escuridão a dominavam.

O calor entre eles parecia uma queimadura a frio. Como gelo. Como uma ameaça.

— Só há uma coisa que preciso saber — Rafael disse em voz baixa. — Uma coisa que determinará se fui idiota por acreditar que você era a última mulher honesta do mundo. Então, diga. — Os olhos escuros dele brilhavam à oscilante luz das lanternas de papel vermelho. — Você está grávida, Louisa?

 

Os músculos de Rafael estavam dolorosamente tensos enquanto ele esperava uma resposta. Ela não o encarava.

— Você conseguiria amar um bebê? — ela sussurrou.

Ele quase rosnou para ela.

— Não mude de assunto. Responda à minha perguta.

— Se eu tivesse ficado grávida acidentalmente — ela hesi­tou —, você não acharia possível que não tivesse nada a ver com dinheiro e tudo a ver com... com...

— Amor? — ele desdenhou.

Silenciosamente, ela assentiu. Seus olhos eram piscinas gran­des e límpidas na noite. Selvagens. Desesperados.

Por um momento, o corpo dele desejou instintivamente confor­tá-la. Da mesma maneira como ele se sentira quando ela revelara quanto amara seu último chefe e, em seguida, o perdera... para a irmã. Ele quase a puxou para seus braços, mas lembrou a si mesma de que aquilo podia ser parte do golpe. A inocência, a mágoa, o suposto amor... seria tudo fingido para que ele se casasse com ela?

O estômago dele se contorceu.

—Uma simples governanta não se dá o trabalho de ficar grá­vida de um homem rico sem esperar uma compensação.

Empalidecendo, ela arfou.

Então, seu adorável rosto ficou sério, com aquela expressão apática e fria que ele conhecia tão bem.

— Então, sou uma simples governanta agora, não é? — ela disse em voz baixa. — Que tipo de compensação você acha que eu quero?

— Casamento.

Ela respirou fundo.

— Casamento?

— Você sabe muito bem que se você estivesse grávida eu não teria escolha.

Eles se olharam nas sombras do jardim.

O corpo de Rafael doía de tensão e fúria.

Sempre jurara que não seria preso por mulher alguma. Aquilo lhe acontecera uma vez, e fora o suficiente. Aos 17 anos, ele se apaixonara por uma mulher mais velha que o abandonara insensi­velmente para se casar com um homem rico. Quando Rafael implo­rara para que, em vez disso, ela se casasse com ele, ela rira de seu minúsculo anel de diamante. A limitada fortima Cruz não chegava perto de ser suficiente para tentá-la, ela dissera. Gostava muito do corpo dele, mas o dinheiro era o mais importante para ela.

Aos 18, ele tornara sua missão de vida enriquecer. Dez anos depois, arruinara a mulher, e seu marido, em retribuição.

Rafael jamais ficaria desesperado por uma mulher novamen­te. Era por isso que não poderia ter filhos. Não daria a uma mu­lher aquele tipo de poder sobre ele. Jamais se sentiria vulnerável novamente. Jamais.

Ele olhou para Louisa. Especialmente a ela. Já tinha poder demais sobre ele.

Contra a própria vontade, o olhar de Rafael pousou na des­lumbrante boca de Louisa. Mesmo naquele instante, perguntan­do a si mesmo se ela o enganara, se ela era a melhor mentirosa que ele já conhecera, Rafael não conseguia deixar de querer beijá-la. Seu corpo ardia por ela.

— Então, se eu estivesse grávida, você iria querer se casar comigo de verdade? — ela sussurrou.

Apesar de todo aquele desafio, ele viu que ela desejava se ca­sar com ele. Queria prendê-lo. Não era diferente de todo o resto. De maneira indiferente, ele disse:

— Não deixaria meu filho ser criado por outro homem de forma alguma. Então, eu a tornaria minha esposa. É isso o que você quer, Louisa? — ele disse perigosamente. — É o que este­ve querendo durante todo esse tempo?

Ela desviou o olhar, observando a vista de Istambul do outro lado do estreito de Bósforo. Tão perto do outro lado da água, mas em outro continente, na Ásia.

Cerrando os punhos, ele a observou. Louisa era daquele jeito. Tão perto e, no entanto, tão distante. Estava ao lado dele. Ele podia sentir o calor da pele dela. Mas ela estava tão longe! Ra­fael percebeu que nunca a conhecera de verdade.

— Você seria um bom pai? — ela sussurrou para a noite, ainda sem olhar para ele. — Amaria nosso filho?

Os olhos dele se estreitaram ao olhar para o belo rosto dela, tão diferente sem óculos. Os olhos estavam grandes e profundos como a noite. Seus longos cabelos, roçando contra os ombros claros na brisa suave. Era a mulher mais linda e arisca que eleja conhecera. E ele a odiava por sua beleza.

Quando falou, a voz dele saiu baixa e estável.

— Eu me casaria com você pelo bem do bebê. Mas eu a faria pagar por me prender em um casamento — ele continuou. Esticou a mão e afastou uma mecha de cabelo da bochecha dela com as pontas dos dedos. Sentiu Louisa estremecer com o toque quando ele se inclinou para sussurrar em sua orelha: — Eu a faria pagar... pagar... pagar.

—Como assim? — ela arfou, trémula.

Ele abriu um sorriso frio e cruel ao se empertigar.

—Eu tomaria o prazer de você em minha cama até estar sa­ciado. Eu a possuiria, como você jamais possuiria a mim.

Ela respirou fundo e olhou para ele, os olhos preocupados na sombra.

—Mas amaria nosso bebê?

Subitamente, ele se cansou das esquivas dela. Levou a mão ao bolso para pegar o celular. Digitou um número e falou:

— Doutor Vincent, por favor.

— O que está fazendo?

Ele a olhou friamente.

— Já que se recusa a me dizer se está grávida, vou pedir para meu médico examiná-la em Paris.

Louisa arrancou o telefone das mãos dele e desligou. Respi­rou fundo.

— Então? — ele disse com frieza.

— Eu... — Ela umedeceu os lábios.

Ele a observava, seu coração cheio de escuridão e fúria.

— Eu... — ela disse em voz baixa. Fechou os olhos ao dizer: — Eu não estou grávida.                                                          

Ele expirou fortemente.

— Não está?

Louisa o encarou, os olhos dela como piscinas de escuridão.

O alívio o percorreu, quase fazendo com que cambaleasse.

Não estivera enganado a respeito dela! Era confiável! Não fora idiota como temera ter sido!

Então, olhando para os ombros tensos de Louisa, ele recon­siderou aquela afirmação. Se ela fosse inocente, ele acabara de tratá-la muito mal.

Olhando-a com um repentino arrependimento, ele esfregou a nuca. Permitira que as suspeitas de Novros o convencessem.

O desgraçado grego provavelmente inventara tudo, ele pensou, irritado, distorcera os fatos em proveito próprio, na esperança de causar atrito entre Rafael e sua governanta. Na esperança de tomar Louisa para si!

Ele suspirou. Então, afinal de contas, quem era o idiota...?

— Sinto muito — ele disse, abrindo as mãos e seu melhor sorriso para ela. — Pode me perdoar? Deixei minhas suspeitas me dominarem. Devia ter imaginado que podia confiar em você, Louisa...

Mas ao esticar a mão para tocar o ombro dela, ela recuou.

Rafael trincou os dentes, amaldiçoando tanto sua natureza desconfiada quanto o rival de negócios grego que conseguira tão facilmente causar aquele imenso problema no lar dele.

— Então, senhorita Grey — ele disse com uma voz definiti­vamente jocosa —, há uma desesperadora necessidade de suas habilidades de governanta em meu apartamento em Buenos Ai­res. Por favor, vá resolvê-las, assim como fez aqui. Não há mais motivo para ficar em Istambul, já que acabei de incluir esta casa em um acordo de negócios...

— Você fez o quê?!

— Você voará para a Argentina pela manhã. Eu irei dentro de uma ou duas semanas, depois que tiver finalizado o acordo em Paris.

Por um momento, ela ficou em silêncio. Então, disse uma única e fria palavra.

— Não.

Ele tentou novamente.

— Você irá, é claro, receber um merecido aumento. Pretendo dobrar seu salário.

— Não — ela disparou. Ergueu o queixo, e seus olhos relu­ziram. — Não fiz nada, nada para merecer esse seu tratamento humilhante. Meu único erro foi dormir com um playboy sem coração sabendo que tipo de homem você era!

—Louisa, você precisa acreditar que nunca foi minha in­tenção...

—Ainda não terminei! — ela quase gritou. — Neste último mês, fiquei me perguntando sem parar como pude dormir com você em Paris. Então, fiz isso de novo, deixando que você me convencesse a ser sua amante naquela ilha grega. Eu o queria tão desesperadamente... Durante anos, inventei desculpas para seu mau comportamento. Disse a mim mesma que havia bon­dade em você, bem lá no fundo. Dediquei cada momento dos últimos cinco anos a tornar sua vida confortável. Mas, agora, vejo quem você é na verdade. Como pude me permitir amar você? Um desgraçado de coração gelado e egoísta como você?

— Nunca pedi para que me amasse. E lhe paguei bem...

— Você jamais me pagará um único centavo — ela o inter­rompeu em uma fúria baixa e fria. — Não aceitarei mais nada de você. Nunca mais.

Ele respirou fundo.

— Louisa, você só está aborrecida — ele disse em uma voz racional. — Eu admito que fui rude ao tirar conclusões precipi­tadas, mas, sem dúvida, você consegue imaginar o que pensei do seu passado. Sinto muito por tê-la acusado de tentar armar para cima de mim. Devia ter sabido que você jamais tentaria engravidar de propósito e ter uma criança que não queremos. Perdoe minha burrice — ele disse humildemente. — Vamos es­quecer todas essa confusão. Deixar tudo para trás e voltar a ser como éramos. Chefe. Valiosa funcionária.

Ela balançou a cabeça; seu rosto, uma máscara de fúria re­primida e alguma outra emoção que ele não conseguia decifrar. Desgosto? Mágoa?

— Nunca mais trabalharei para você — ela sussurrou. — Que Deus ajude qualquer mulher burra o suficiente para ficar completamente sob o seu controle. Estou farta de você, Rafael. Nunca mais quero vê-lo. — Ela ergueu o queixo, seus olhos brilharam. — Eu me demito.

 

Dezesseis meses depois

A confeitaria estivera movimentada o dia inteiro, em meio à confusão do início da primavera em Key West. Do lado de fora, o sol estava quente, brilhando no mar turquesa, e um cruzei­ro atracara ali perto. Ainda era de tarde, mas Louisa imaginou que já havia servido a quase todos os turistas daquele navio. Enquanto trabalhava no balcão, olhou de relance para o navio através da vitrine da loja, que proclamava Confeitaria Grey.

Então, quando a família de seis foi embora com os braços cheios de rosquinhas e biscoitos, Louisa se virou com um sorri­so de desculpas para o último cliente.

— Boa tarde. Sinto muito pela espera...

E finalmente olhou direito o homem que estivera atrás da multidão de turistas. Ela respirou fundo. A pinça que segurava caiu ao chão com um barulho metálico.

Rafael a olhava, sorrindo com seus olhos escuros.

— Olá, Louisa. Como vai?

Ela o olhou, chocada, incapaz de falar. Havia se passado quase um ano e meio desde que ela o aban­donara em Istambul, aquele homem egoísta e desalmado que não quisera nem uma esposa nem um filho. Ele a olhava naquele nstante com olhos do exato mesmo tom de cinza que seu bebê, que já estava com 8 meses de idade. O bebê que naquele mo­mento dormia no minúsculo escritório atrás do balcão. O bebê sobre o qual ele não sabia.

Involuntariamente, ela se moveu um pouco para a direita, bloqueando a visão dele da porta do escritório. O que Rafael estava fazendo na Flórida? Teria descoberto sobre Noah?

— O que está fazendo aqui? — ela arfou.

— Você não parece muito feliz em me ver. — Ele esfregou a parte de trás de seu cabelo escuro e olhou para ela com um inocente meio sorriso. — Acho que não foi você quem mandou a carta. Esperava que tivesse sido.

— Carta? — Ela ocultou seu choque ao se inclinar atrás do balcão para pegar a pinça do chão. Virou-se e a deixou cair em uma pia de água com sabão. Apoiando as mãos na pia, fechou os olhos e respirou fundo.

— Não exatamente uma carta — ele esclareceu. — Era um panfleto da sua confeitaria. Alguém enviou para o meu escritó­rio em Paris.

Um calafrio a percorreu. Sabia exatamente quem havia man­dado. Maldita Katie!                                                                

O medo atravessou seu coração.

Não tenha medo, ela disse desesperadamente a si mesma. Por que Rafael Cruz deveria amedrontá-la? Ela não era mais sua fun­cionária. Nem sua amante. Aquela era a confeitaria dela; dela e da irmã. E se Louisa pudesse decidir, jogaria Rafael na rua!

Ele não tinha poder sobre ela, disse a si mesma. Nenhum.

Mas sabia que era mentira. Pensou no bebê no quarto escuro atrás dela. Se ele soubesse sobre Noah...

Ele teria como saber?

Ela se virou para encará-lo. Seus olhos estudaram o rosto dele.

Então, soltou o fôlego. Ele não sabia. Não tinha como sa­ber. Se soubesse, não a estaria olhando com uma expressão tão franca, amistosa e terna. Teria entrado ali atirando para todos os lados.

— O que quer, Rafael? — ela disparou. Nunca mais o cha­maria de senhor Cruz.

— Senti falta daqueles seus brownies de caramelo. Vou pagar por eles, claro.

Ela ouviu o eco das palavras que ele dissera havia muito tem­po. Eu afaria pagar... pagar... pagar. Ergueu o queixo.

— Achei que tivesse deixado bem claro que nunca mais que­ria ver você.

— Deixou — ele admitiu. — Mas quando recebi aquela carta concluí que queria ver você. — Sorriu para ela. — Podemos ir a algum lugar para conversarmos?

O sorriso que ele abriu para ela teria derretido o coração de qualquer mulher.

Mas não o dela. Nunca mais. Ela o encarou, e se virou com um falso sorriso para ajudar um novo cliente que acabara de en­trar na loja. Rafael esperou com uma nada costumeira paciência enquanto ela atendia o outro cliente. Quando ele saiu com um saco de rosquinhas, Louisa se virou friamente para Rafael.

— Não tenho nada a dizer a você. Por favor, vá embora.

— Precisava encontrá-la, Louisa. Para dizer a você... para dizer que eu estou... arrependido.

Ela o observou.

Ele estava arrependido.

— Você não tem nada do que estar arrependido — disse fria­mente. — Estou feliz por ter me forçado a me demitir. Minha vida está exatamente como deveria estar. — Depois de fugir de Istambul, ela voltara a Miami, onde fora surpreendida ao descobrir que Katie ficara viúva, morava em um trailer e mal conseguia sustentar sua filha de 5 anos. Louisa a abraçara e elas e haviam chorado nos braços uma da outra. Agora, eram irmãs novamente. Eram uma família. Louisa empinou o queixo. — Você me fez um favor.

Ele a olhou tristemente.

— Fiz?

Louisa assentiu friamente. Usara suas economias para abrir aquela confeitaria em Key West, um lugar que visitara havia muito. Aquela confeitaria não era apenas um negócio de família, era um trabalho de amor. Até sua pequena sobrinha, que estava, agora, na primeira série, ajudava. As duas irmãs trabalhavam ali durante o dia e moravam no andar de cima com os filhos, em um pequeno apartamento.

Louisa tinha a vida perfeita. Tinha sua família, um negócio bem-sucedido que amava e amigos naquela ilha. E se ela ainda sonhava com Rafael, sonhos cálidos dê desejo... e daí? Não o queria. Estava melhor sem ele!

Rafael a olhou. Seus olhos estavam tão profundos e escuros quanto o Caribe à meia-noite. Balançou a cabeça.

— Desde que foi embora de Istambul, tenho me arrependido do meu comportamento naquele dia. Jamais deveria ter deixado minhas suspeitas me dominarem.                                              

— Esqueça isso.

— Não consigo. Eu a acusei de tentar engravidar. Você! De todas as mulheres no mundo, eu deveria saber que você não faria uma coisa assim!

Ela olhou disfarçadamente para a sala onde o bebê dormia. Ouvia o suave som da pesada respiração de Noah. Ele logo fi­caria com fome e acordaria. Katie fora buscar a filha na escola, mas a qualquer momento estaria de volta para assumir seu turno no balcão.

Sem dúvida, sua enxerida e bem-intencionada irmã ficaria empolgadíssima ao ver Rafael.

— Peço perdão — Rafael disse humildemente, baixando a cabeça. — Sinto muito por tê-la tratado tão mal.

Ela ouviu o bebê se remexer no cercadinho, ouviu que come­çava a despertar.

— Eu perdoo você — disse abruptamente.

— Assim?

— Assim. — Ela precisava tirar Rafael da confeitaria... e ra­pidamente. Moveu-se atrás do balcão, usando pinças limpas para pegar alguns brownies de caramelo, o produto mais popular da confeitaria, e os colocou em uma sacola branca. — Tome. Leve-os como uma oferta de paz. Por minha conta.

— Obrigado. — Ele pegou a sacola, mas não foi embora como ela esperara. Em vez disso, hesitou, colocando a sacola sobre a bancada lateral ao olhar lentamente pelo estabelecimen­to. — É uma linda loja.

— Obrigada — ela disse de forma displicente.

— Como veio parar aqui, nesta ilha remota?

Não era remota o suficiente, ela pensou, olhando para ele.

— Minha irmã ainda estava morando com a filha em Miami. O marido dela havia morrido no ano anterior.

— Sim — ele disse calmamente. — Soube disso há pouco.

— Certo. — Matthias Spence, o homem mais velho, belo e rico, por quem as irmãs Grey haviam lutado, morrera de um ataque cardíaco pouco depois de o governo ter tomado o que restava de sua fortuna por desviar dinheiro de seus investidores em um esquema de enriquecimento ilícito. — Mas estamos bem agora.

— Sério? — ele disse suavemente.

— Sim. — A não ser pelo fato de que ela mataria Katie por ter mandado o panfleto para Rafael. A irmã a havia importunado durante todo o ano anterior para que contasse a Rafael sobre Noah. Louisa cruzou os braços. Como Katie pudera ter feito aquilo pelas costas dela?

—Estou feliz por você estar bem. Você merece ser feliz.

—Sim. — Mas o sucesso tinha um preço. Entre cuidar do bebê e da confeitaria, Louisa dormia, no máximo, seis horas por noite. Estava tão, tão cansada... E Rafael estava mais diabolicamente belo do que nunca, com sua camisa preta de botão e jeans bem ajustado ao corpo. — Trabalhamos muito. Matthias não deixou nada para minha irmã. A confeitaria precisa de atenção constante, assim como as crianças.

— Crianças? — ele perguntou.

Louisa mordeu a língua, furiosa com seu erro. Mas, antes que pudesse inventar uma explicação, o sino da porta soou.

— Desculpe pelo atraso. — A irmã dela entrou com a filha, que carregava uma mochila e várias folhas grandes com dese­nhos. — A fila na escola estava muito comprida. Parecia que to­dos os pais tinham ido buscar os filhos hoje... Oh! — Ela parou, olhando para Rafael. — Olá.

Louisa a olhou, furiosa.

— Olhe quem veio nos visitar. Meu ex-chefe.

Katie teve a audácia de sorrir e estender a mão.

— Prazer em conhecê-lo, senhor Cruz.

— Pode me chamar de Rafael.

Atrás deles, Louisa bufava de fúria. Então, deu um salto ao ouvir o bebê choramingar. Olhou para Rafael, mas por algum milagre ele não ouvira. Ainda.

— Acho que vou levá-lo para uma excursão rápida pela ilha — Louisa interrompeu abruptamente. Olhou para Rafael. — Gostaria disso?

Ele pareceu surpreso, mas disse instantaneamente:

— Sim.

Louisa tirou o avental.

— Assuma o balcão no meu lugar, Katie. Dê à criança o que deixei na geladeira. — Ela olhou severamente para a irmã. — Conversamos depois.

Envergonhada, ela assentiu. Katie se certificaria de dar a Noah um pouco do leite que Louisa deixara na geladeira.

Pendurando o avental em um gancho, Louisa deu a volta no balcão. Chutando para longe os sapatos pesados e calçando san­dálias de dedo, ela soltou o coque e balançou o cabelo, deixando cair sobre seus ombros nus acima do top.

— Já conhece Key West?

— Não — ele disse, olhando para os ombros e para os cabe­los dela. Seu olhar se ergueu lentamente dos seios para o pesco­ço, dos lábios para os olhos dela. — Quando meu avião pousou, vim direto para cá.

— Você mal sabe o que o aguarda — ela disse sombriamente. — Venha comigo.

 

Rafael não conseguia parar de olhá-la.

Louisa havia mudado bastante em 16 meses, ele pensou. Quanto haveria mudado? O cabelo? O rosto? As roupas? Sim, mas era mais do que isso.

Durante o último ano e meio, quando ele sonhara com Loui­sa, a imaginara nua ou usando um disforme terninho cinza com saia, com óculos pretos sobre a pele clara, o cabelo castanho preso em um apertado coque.

Aquela nova Louisa não se parecia em nada com a governan­ta tensa, metódica e distante da qual ele se lembrava.

Agora, seu rosto estava bronzeado, destacando a beleza na­tural do rosto sem maquiagem. Ele conseguia ver a intensa cor dos olhos dela ao sol. Seus lábios eram de um rosa profundo. Seu cabelo, não mais preso no coque, mas caindo pelos ombros, reluzindo com o sol em uma escura cor de mel. Ganhara um pouco de peso em todos os lugares certos. Os olhos dele percor­reram a forma do corpo dela sob o top azul-esverdeado e o short de madras. O que estava diferente?

A cor, ele percebeu. Ela estava usando cores.

Era linda como funcionária dele, mas sempre estivera em segundo plano, quase invisível, a eficiente senhorita Grey com seus óculos de armação preta, sapatos discretos e terninho cinza.

Ali, naquela cidadezinha, à beira do mar turquesa do Caribe, Louisa estava vibrante com sua juventude e sua energia. Brilha­va de cor e vida.

Enquanto caminhavam em direção à praia, ele não conseguia tirar os olhos dela. Não fora até ali apenas para pedir perdão. Fora para oferecer a Louisa seu antigo emprego de volta. Sentia falta dela. Pretendia quadruplicar seu salário, lhe dar dois me­ses de férias por ano, convidar sua família para ir junto... o que fosse necessário para consegui-la. Precisava dela. Não apenas como governanta, mas como amante. E amiga.

O panfleto no correio fora o sinal de que ele precisava. Dera a Louisa mais de um ano para que as coisas esfriassem. Fora até a Flórida, confiante de que conseguiria convencê-la.

Mas, desde o momento em que entrara na encantadora e movimentada confeitaria, começara a ter dúvidas. Enquanto desciam a rua, todos por quem passavam pareciam conhecê-la. Jovens mães empurrando carrinhos de bebê, casais aposentados de mãos dadas e cabeças grisalhas, crianças, adolescentes; todos a cumprimentavam com entusiasmo. Incluindo, Rafael rosnou baixinho, alguns homens. Jovens por volta de 20 anos, carre­gando pranchas de surfe e equipamento de mergulho. Homens mais velhos com caros relógios de pulso e carros. Jovens ou idosos, sempre que um deles sorria para Louisa, com os olhos se demorando no rosto e no corpo dela, Rafael precisava se conter para não socar um desconhecido.

Ele fora tão arrogante, tão certo de que conseguiria o que queria durante a viagem de Paris! Mas naquele instante ele a olhava com o canto do olho. O que teria a oferecer que pudes­se competir com a vida vibrante que Louisa criara ali para ela mesma?

Tinha seu próprio negócio, uma vida com airmã e a sobrinha amigos. E também podia ter um amante. Ou pior: mais de um..

— Key West — ela começou — é a área mais ao sul povoada da porção continental dos Estados Unidos... — Ela continuou a descrever a ilha como um guia turístico, mas Rafael mal ouvia as palavras. Ouvia apenas o adorável som daquela bela voz. Via apenas o movimento de seus deslumbrantes lábios róseos. Não conseguia desviar o olhar dela enquanto andavam pela calçada e cruzavam a movimentada rua.

— Está com fome? — ela perguntou subitamente.

Ele percebeu que a encarava francamente. Forçou-se a des­viar o olhar, a não olhar para o maravilhoso rosto bronzeado dela, para a boca sensual ou para a farta forma dos seios naquele apertado top azul. A não perceber quão minúscula a cintura dela estava, quase podendo ser envolvida com as duas mãos dele, acima do amplo balanço de seus quadris e de suas pernas bron­zeadas e impossivelmente longas.

— Então?

Ele engoliu em seco, forçando-se a olhá-la nos olhos, somen­te nos olhos.

— Estou faminto — ele resmungou.

— Venha, então — ela disse, abrindo um breve e impessoal sorriso para ele. — Não podemos deixar você ir embora de es­tômago vazio.

Ele a seguiu até uma barraquinha ali perto. Depois de fazer o pedido, Louisa se virou e enfiou uma massa frita escaldante, envolvida em um guardanapo, nas mãos dele.

— O que é isso?

— E uma fritada em concha — ela disse, dando uma mordi­da. — Experimente.

Ele tentou não observar o modo com a boca de Louisa se movia. Ela lambeu os lábios e ele quase estremeceu.

Então, percebeu que ela o aguardava com expectativa. Ele pegou a carteira.

—Não. E por minha conta — ela disse vibrantemente, impedindo-o. — Você veio de Paris. O mínimo que posso fazer é alimentá-lo antes que vá embora.

Era a segunda vez que ela fazia a menção nada sutil à partida dele. Mas haveria como culpá-la, depois do modo como ele a tratara?

—Certo. — Ele pigarreou. — Vamos nos sentar?

Ela balançou a cabeça.

—Prefiro andar enquanto comemos.

—Está lotado. — Ele sentia os olhares dos turistas que pas­savam e de outras pessoais, moradores locais que cumprimen­tavam Louisa pelo nome com grandes sorrisos. Alguns eram homens. Aquilo o irritava profundamente. — Que tal caminhar­mos ao longo da praia?

— No calçadão? Claro. Tem um caminho. Vamos.

Eles caminharam em silêncio, o único som era o suave es­talar da areia debaixo de seus pés ao cruzarem o caminho. Ele sentia o vento quente soprando contra sua pele.

Rafael a olhou de esguelha. Sentira falta dela. Sonhara com ela. E, naquele instante, ao vê-la daquele jeito, usando quaj^-nada sobre seu corpo curvilíneo...

Ele a desejou.

Com tanta intensidade que estremeceu.

Ela comia com gosto, terminando rapidamente a fritada. Er­guendo as sobrancelhas, ela olhou para a fritada dele. Rafael não dera sequer uma mordida.

— Não gostou? — ela perguntou, os olhos brilhando para ele à luz do sol. Ela o estava desafiando a dizer não. Provo-cando-o a admitir que só gostava de comidas sofisticadas, do tipo que ela preparara para ele quando era sua governanta em Paris.

Ela não sabia sobre todos os anos em que ele mal existira em Nova York, onde começara sua firma de comércio de commodities enquanto ainda estava na universidade. Rafael despejara todo o dinheiro em investimentos, mal conseguindo sobreviver com a comida mais barata que conseguia encontrar.

Mas não tivera que viver daquele jeito durante muito tempo. O sucesso chegara facilmente. Descobrira que tudo o que era necessário para se dar bem no mundo era charme e confiança, e jamais admitir quando não se tinha a menor ideia do que se estava fazendo.

E o mesmo valia para relacionamentos amorosos. Não im­portava o que as mulheres dissessem, não queriam um homem vulnerável. Bondade? Elas a viam como uma fraqueza. Disses­sem o que dissessem, elas se sentiam atraídas por uma única coisa: poder.

Olhando diretamente nos olhos dela, ele mordeu a fritada.

— E boa — ele disse. Deu outra mordida, apesar de quase não sentir o gosto. Como poderia explicar que não tinha apetite? Que só queria uma coisa.

Queria Louisa em sua cama.

— Sei que você não está acostumado a isso — ela disse zom­beteiramente. — Não é exatamente caviar e bife tártaro.

Ele enfiou o restante da fritada na boca, sem sentir sabor al­gum. Pôs o guardanapo no bolso. Parou e olhou para Louisa.

O vento balançava o cabelo cor de mel em torno do rosto dela. Esticou a mão para afastar as mechas do rosto dela. As pontas dos dedos dele roçaram a pele morna dela. Tocá-la fez seus dedos arderem.

Ela o olhou, tão perto sob o brilhante sol da Flórida, e ele percebeu, pela primeira vez, que os olhos que ele sempre ima­ginara que fossem castanhos eram, na verdade, da cor da avelã, reluzindo com milhares de pequenas lascas de verde, azul e cas­tanho como uma explosão de luz e cor.

Respirou fundo.                                                    

— Volte para mim, Louisa — sussurrou. Ela tomou fôlego, olhando para ele.

— Sinto sua falta. — Ele tomou as mãos dela. Os dedos eram guios, suaves e cálidos. Ele a olhou intensamente. — Quero você.

Os olhares se fixaram.

—Quer? Por quê?

Ele não poderia dizer toda a verdade para ela. Não podia di­zer o quanto precisava dela. Ali. Naquele momento. Ser fraco jamais o faria conseguir o que queria; então, disse metade da verdade.

— Minhas casas estão em frangalhos. As governantas fazem o melhor que podem, mas ninguém organiza as coisas como você. Ninguém supervisiona as coisas. Preciso de alguém firme, preciso de seu comando inteligente. Preciso de você.

Ela o encarou. Então, desviou o olhar, piscando rapidamente.

— Você quer que eu trabalhe para você — disse apaticamente. — E disso que você precisa de mim. Quer que eu seja sua governanta novamente.

— Sim. — Ele parou. — Vou quadruplicar seu salário. Dar todo o tempo de férias de que você precisar. O que você quiser.

Os lábios dela se curvaram.

— Você é generoso — ela sussurrou, mas o tom era amar­gurado. Ela se virou para ele. — Mas, infelizmente, não tenho interesse em ser sua governanta outra vez.

Rafael cerrou os punhos. Desde o momento em que a vira na reluzente confeitaria, tão vibrante e feliz ao servir os clientes, aquilo fora exatamente o que ele temera que ela dissesse.

Mas não podia aceitar aquilo... não podia!

— Eu disse que estava arrependido do que tinha dito a você, e estou. Exagerei. Não podemos deixar tudo isso no passado?

— Está no passado. — Ela olhou para além dele, para as ca­bines coloridas ao longo da estrada. A distância, crianças riam brincando. Voltando-se novamente para ele, ela abriu um leve sorriso que não foi acompanhado pelos olhos. — Não vou embora de Key West. Gosto daqui. Com minha família...

— Comprarei um apartamento para sua irmã perto de nós em Paris.

— Não, obrigada.

Por que ela estava sendo tão teimosa? Era mesmo porque amava tanto aquela ilha... ou era porque já entregara o coração a outro homem? Mas ele não pensaria naquela possibilidade, não poderia se permitir pensar!

— Eu poderia lhe oferecer muito dinheiro...

— Não! Nós não estamos com problemas financeiros. Para seu governo, minha confeitaria está indo muito bem. Não que­ro nem preciso da sua ajuda. Consigo sustentar minha própria família. Sem você. — Ela o olhou severamente. — Terá que encontrar outra pessoa para dar um jeito em sua vida desordena­da. — O corpo inteiro dela pareceu ficar tenso. — Preciso voltar para minha confeitaria agora.

— Louisa, espere!

Mas ela começou a voltar. Então, ele não teve escolha a não ser correr atrás dela. Sua mente girava com meios de convencê-la a voltar para ele. Mas não conseguia pensar em nada que ainda não tivesse oferecido. Cruzaram novamente a cidade, onde todos pareciam conhecê-la, onde todos ficavam felizes por vê-la.

O que Rafael poderia oferecer que competisse com aquilo?

— Chegamos — ela disse rapidamente ao alcançarem a porta da loja. Estendeu a mão. —Adeus.

Lentamente, ele pegou a mão de Louisa. Mas, ao senti-la, soube que não conseguiria soltar. Apertou-a e, em vez de liber­tá-la, ele a puxou para mais perto.

—Volte para mim, Louisa — disse em voz baixa. Os olhos buscaram os dela. — Não como minha funcionária... mas como minha amante.

Ela ficou boquiaberta.

— O quê?

—Nunca tentei ser fiel a uma mulher antes. Mas, desde que você se foi, não consigo esquecê-la. Quero estar com você, Loui­sa. Não como seu chefe. Como seu, seu... amante. —A palavra foi arrancada dolorosamente dele, — Fui burro por deixá-la par­tir. Burro por afastá-la. Você é a única mulher que jamais mentiu para mim. — Ele abriu um sorriso constrangido. —A única mu­lher que me desafiou quando mereci, que ousou me dizer que eu estava fazendo papel de idiota. Preciso de você.

Ela o observou.

— O que está dizendo?

— Não posso lhe oferecer o casamento. Mas, enquanto esti­vermos juntos... — ele respirou fundo — ... prometo que serei fiel a você.

Ele a ouviu tomar fôlego, sentiu Louisa tremendo em seus braços.

Repentinamente, uma explosão de felicidade o atravessou. Sabia que a convencera.

Baixando a boca para a de Louisa, ele lhe deu um longo beijo repleto de paixão e ternura. Abraçou-a com força, beijando-a até sentir que ela se rendia, até senti-la suspirar em seus braços. Até que ela começasse a retribuir o beijo.

Quando finalmente se afastou, ele estava sorrindo. Nunca estivera tão feliz.

— Então, você virá? — ele sussurrou, se sentindo mais con­fiante. Acariciando o rosto dela, sorriu. As pálpebras de Louisa se abriram rapidamente. Ela piscou, claramente surpresa quan­do ele acariciou seu rosto e acrescentou: — Meu avião está es­perando para nos levar a Buenos Aires.

Ela respirou fundo.

— Não. Droga! Não!

O queixo de Rafael caiu enquanto ele olhava para ela, in_ capaz de acreditar na resposta. Não conseguia entender o que estava ouvindo. Durante toda a sua vida adulta ele fora o len­dário playboy esquivo. Jamais oferecera a mulher alguma o qne acabara de oferecer a Louisa.

E, agora, ela o recusava!

— Por quê? — ele exigiu saber vencendo o nó na garganta Pensou novamente nos homens pelos quais haviam passado na rua, tão felizes ao vê-la. Todos aqueles surfistas a olhando com desejo, todos aqueles ricos donos de iate que a haviam olhado com luxúria. A expressão de Rafael ficou severa. — Há outra pessoa?

Ele ouviu Louisa respirar fundo enquanto os olhos dela o miraram rapidamente.

— Sim — ela disse em voz baixa. — Há outra pessoa. Sinto muito. — Ela soltou a mão, e ele teve a súbita sensação do calor dela se esvaindo, se esvaindo para sempre. —Adeus — sussurrou.

Virando-se em um turbilhão de cor vibrante, ela abriu a porta da confeitaria. Rafael ouviu o agudo tilintar do sino e foi deixa­do sozinho na calçada de madeira, sob um céu límpido que se estendia até o brilhante mar azul.

 

As pernas de Louisa tremiam de emoção quando ela entrou na confeitaria.

Sentiu a súbita rajada de calor e luz ao entrar na loja, sentiu o cheiro do pão assando, ouviu a risada de sua sobrinha de 6 anos falando com o bebê. Estava em casa novamente, e segura. Man­tivera seu segredo e deixara Rafael para trás para sempre. Pusera seu filho em primeiro lugar. Ele era o que importava.

Então, por que ela não se sentia mais feliz? Por que se sentia arrasada?

— Teve uma boa visita? — a irmã disse inocentemente. — Não esperava que voltasse nas próximas horas.

— Você mandou aquela carta anônima, não mandou? Você o trouxe aqui.

Katie assentiu lentamente.

— Por quê? — Louisa perguntou. Ouviu o bebê chorar e foi rapidamente para trás do balcão erguê-lo e niná-lo enquanto continuava a olhar para a irmã. — Por que tentaria me magoar? Quer que ele tome meu filho de mim? Você ainda me odeia tanto?

— Não! — ela arfou. A expressão horrorizada. Lágrimas surgiram rapidamente em seus olhos, tão parecidos com os de Louisa. Ela engoliu em seco. — Uma vez, eu roubei o homem que você amava. Estou tentando compensar.

Sinto muito pelo que fiz. Achei que eu amava Matthias, e que você, não. Mas estava errada. Um homem que trai uma pes­soa em sua vida trairia outras... Você fez tanto por mim! Sem­pre. Jamais vou me perdoar por ter tirado Matthias de você.

Matthias. A verdade era que Louisa já mal conseguia se lem­brar dele. Como pudera ter pensado que o amava quando mal o conhecia?

Diferentemente de Rafael, que ela conhecia tão bem e de tan­tas maneiras.

O jeito como tocava piano à noite quando se sentia sozinho, o jeito como comia desleixadamente cinco dos brownies de ca­ramelo dela antes do jantar. O jeito como ele afastava as pessoas de sua vida antes que ela pudessem decepcioná-lo.

Louisa balançou a cabeça.

— Você estava certa o tempo todo. Nunca amei Matthias. Mas Rafael...

— Você tem que contar a ele. Ele precisa saber.

— É tarde demais.

— Não pode ser. Preciso fazer algo, algo para que você me perdoe...

Madison, com seu cabelo loiro em marias-chiquinhas, abra­çou a mãe ansiosamente.

— O aconteceu, mamãe? Por que está chorando?

Fazia quase dois anos desde a morte do pai dela, e a garoti­nha já esquecera quase tudo sobre ele.

— Não aconteceu nada, querida — Katie disse, esfregando os olhos e tentando sorrir.

Mas havia tantas coisas erradas, Louisa pensou. Ela e Katie haviam tido uma infância tão feliz, amadas e protegidas pelos pais. Então, muito jovem, a mãe morrera de uma longa doença, seguida pelo pai, seis meses depois, quando ele simplesmente parecera ter perdido a vontade de viver. Elas haviam perdido os pais. A sobrinha, o pai. Mas aquilo estivera além do controle delas.

Louisa estava escolhendo privar seu bebê do pai, e, apesar de tentar lembrar a si mesma que não havia escolha, uma repentina dor a atravessou. Olhou para o bebê. E se ela tivesse feito a escolha errada?

— Algum dia você vai me perdoar? — Katie sussurrou.

Louisa a abraçou fortemente com um dos braços. Percebeu que ela própria também chorava.

— Não há nada a ser perdoado.

— Amo você. E quero que seja feliz. Faça a coisa certa en­quanto tem chance. Dê um pai ao seu filho.

— Não posso contar a ele. Rafael ficaria furioso. Poderia tentar tirar Noah de mim...

— Ele não ousaria!

— Você não o ouviu no ano passado, quando disse que me forçaria a me casar e tornaria minha vida um inferno como es­posa dele. Se souber que tive esse bebê...

Ela olhou para Noah. Com quase 8 meses, era um bebê feliz e rechonchudo, com pernas gorduchas e que adorava sorrir.

— Seja lá o que tenha lhe dito, foi num momento de raiva — Katie argumentou. — Não tiraria Noah de você. Você é urra, boa mãe!

— Você não entende. Se Rafael soubesse que eu tive esse bebê... ele me destruiria.

As palavras ainda saíam de sua boca quando Louisa ouviu o sino da porta. Ficou imóvel. Então, com o bebê ainda apoiado no quadril, ela se virou.

Rafael estava à porta. Estava com o braço estendido para pe­gar a sacola de brownies de caramelo que deixara sobre o balcão. Mas, pelo olhar arregalado dele ao ver Louisa com o bebê nos braços, ela soube que seus piores temores haviam se realizado. Ele sabia de tudo.

— Rafael. Eu posso explicar.

Ele olhou para o bebê.

— Quem é esse? — perguntou em voz baixa.

— Rafael... ele é... eu queria...

Os olhos dele se estreitaram. Os ombros se contraíram, e o corpo dele pareceu muito alto, forte e poderoso. Seu rosto esta­va sombrio quando ele deu um passo na direção dela, e Louisa precisou de toda a sua coragem para continuar onde estava.

— Esse bebê é meu? — A voz dele estava fria. Perigosa.

Em pânico, ela pensou em mentir, dizer que o bebê era da irmã, ou que ela estava cuidando dele para uma vizinha. Mas, ao olhar para os severos olhos acinzentados dele, o coração de Louisa foi à garganta. E ela descobriu que não conseguiria mentir.

— Diga. — A voz dele estava enganosamente suave quando ele deu mais um passo na direção dela. — Quem. É. Esse. Bebê.

— Ele é... meu filho.

Aproximando-se muito dela, olhando-a sem tocar nela ou em Noah, ele disse em uma voz baixa como um suspiro e sombria como a noite:

— E quem é o pai?

Minta! Uma voz dentro da mente dela gritou. Minta!

Mas Louisa não conseguia. Mesmo depois de tudo o que ela fizera, não conseguia olhar nos olhos dele e negar a óbvia verda­de. Tudo no filho dela era exatamente igual a Rafael, do cabelo preto aos lindos olhos acinzentados.

— Ele é meu filho?

Fechando os olhos como se estivesse se preparando para ser atingida, ela respirou fundo.

— Sim — sussurrou.

 

A simples palavra sim quase fez Rafael recuar cambaleando, como se atingido por um golpe mortal. Apesar de ter sabido a verdade no momento em que vira o bebê.

Mas, ao ouvir a palavra, gotículas de suor surgiram em sua testa. O corpo dele inteiro parecia feito de gelo.

Ela tivera o bebê dele. E não lhe contara.

Louisa o fizera abandonar involuntariamente o próprio filho.

Pegando o braço dele e ainda segurando o bebê contra o qua­dril, Louisa puxou Rafael para o alto das escadas que ficavam atrás do balcão. Ele olhou tristemente para o pequeno, bonito e feminino apartamento. Puxando ansiosamente o braço dele, Louisa o levou para um quarto e fechou a porta.

— Por favor, entenda — disse desesperadamente ao se virar para encará-lo. — Você não me deixou escolha!

Ele olhou para o pequeno quarto. Continha uma cama de sol­teiro, um berço e uma mesa para trocar o bebê. Na parede acima do berço, letras em tecido suave soletravam N-O-A-H ao lado de uma imagem emoldurada de uma girafa, parecendo saída de um livro infantil.

Não havia luxo exuberante ali. O apartamento não era um pa­lácio, mas era confortável e aconchegante. Era brilhante e terno. O quarto era decorado com ternura e simplicidade, e absoluta­mente limpo.

Ternura. Amor. Carinho. Tudo o que Louisa negara a Rafael no último ano e meio. Juntamente com a verdade. Juntamente com o filho dele,

A raiva da traição o atravessou.

— Rafael, por favor. Não vai falar comigo?

Lentamente, ele se virou para encará-la. Pensara que Louisa Grey fosse diferente de todas as mulheres que conhecera. Ele a achara uma mulher inteligente, com uma mente brilhante e um raro senso de dignidade, de lealdade. Nos anos em que trabalhara para ele, Rafael ansiara por vê-la toda noite, ao voltar de um de seus encontros. Ficara acostumado a ver os olhos escuros bri­lharem através dos óculos enquanto ela preparava um sanduíche para ele tarde da noite enquanto ouvia algo engraçado sobre as desventuras amorosas de Rafael, que sempre envolvia alguma mulher se despedaçando depois que ele a largara.

— A culpa é sua — ela o censurara suavemente. — Você as trata mal.

— Não prometo nada a elas — ele protestara. — Digo que o relacionamento não pode durar. Não fui feito para o casamento.

— Você pode dizer isso a elas, mas seus olhos dizem outra coisa — ela dissera calmamente. — Já o vi. Você olha para cada mulher como se ela, e só ela, pudesse ser a que o tornará fiel.

Rafael suspirou. Ela estivera certa, claro. As mentiras dele não funcionavam com Louisa. Ela era única.

E, agora, a vingativa crueldade dela lhe tirava o fôlego.

Louisa Grey teria sido sempre uma mentirosa? Ou Rafael a transformara em uma mentirosa... quando dormira com ela?

Não! Ele não pensaria assim, não daria a ela nenhuma des­culpa para dizer que ele era o culpado pelo crime dela. Não fora ele quem fizera aquilo! Durante todos aqueles meses ele se sen­tira tão culpado, pensando que a tratara mal! E o tempo todo fora ela quem mentira para ele. Roubara seu filho.

Se não fosse pela carta anónima, ele talvez jamais tivesse ido ali. Seu bebê poderia ter crescido acreditando que Rafael o abandonara.

Certa vez, ele pensara que Louisa era uma interesseira. Ago­ra, desejava que fosse. Uma interesseira que ao menos teria exigido uma compensação dele. Aquilo era muito pior. Louisa Grey era uma mulher vingativa, fria e impiedosa.

Que tipo de mulher poderia manter um bebê oculto do pró­prio pai?

— Qual é o nome dele? — ele disse rispidamente.

Ela lhe lançou um olhar suplicante.

— Você disse que não queria filhos, Rafael. Você disse...

—Essa é sua desculpa? — ele disparou furiosamente. — Usa minhas próprias palavras contra mim? Eu também disse que, se você estivesse grávida, nós nos casaríamos.

— Mas eu não queria me casar com você!

— Não, não queria. Queria se vingar pelo jeito como eu a tratei. E sabia que isso me machucaria mais do que qualquer outra coisa.

— Não é verdade! Você deixou claro que nunca iria querer uma esposa, nem um filho! Acha que eu compartilharia meu precioso bebê com um homem que sequer o queria?

— Essa não era uma decisão a ser tomada por você.

Sem aviso, Rafael tomou o bebê dela. Viu Louisa arfar em protesto, viu quando ela cerrou os punhos, como se resistindo à reação instintiva inicial de tomar o bebê de volta.

Ele olhou para o bebê.

— Meu filho — sussurrou. — Você é meu filho.

— O nome dele é Noah, como meu pai. Noah Grey.

Segurando o bebê ternamente, ele se virou para encará-la.

— Noah Grey? Você sequer deu meu nome a ele?

Ela balançou a cabeça teimosamente.

— Você mentiu para mim, Louisa — disse suavemente. Olhou de seu precioso filho para a mentirosa que o dera à luz. Viu-a tremer, mas se conteve para não tocá-la, para não se enfu­recer, com um ato de pura força de vontade. — É uma mentirosa muito maior do que eu imaginei. E pensar que você disse que me amava. Foi para isso que serviu seu amor!

— Eu amava você. Isso quase me matou.

— Então, foi por isso que você mentiu sobre estar tomando anticoncepcionais? Porque achou que estava apaixonada por mim?

— Eu não menti!

— E como engravidou?

— Estava tomando a pílula em Paris, como eu disse a você. — Ela balançou a cabeça. — Todos os funcionários comeram um pouco de peixe estragado do mercado. Passei dias vomi­tando. Nunca pensei que aquilo pudesse inutilizar a pílula, mas também — as bochechas dela coraram — nunca prestei muita atenção nos aspectos anticoncepcionais da medicação. Nunca esperei que você me seduzisse!

— Talvez você não esteja mentindo — ele disse tranqui­lamente. — Pois, se fosse realmente uma interesseira, teria agarrado a chance de se casar comigo. A gravidez deve ter sido um acidente. Mas sua mentira nesse período de um ano e meio não foi.

— Não está sendo justo! Você disse que nunca iria querer um filho. Se eu tivesse dito que estava grávida, você teria dito que eu era uma interesseira que tinha tramado para "prender" você!

— Você não distorcerá minhas próprias palavras contra mim. — Ele deu uma risada baixa. — Você é a mulher mais fria e desalmada que já conheci. O que é um feito e tanto.

— Não sou — ela sussurrou.

— Olhou nos meus olhos e mentiu para mim. Não estou grá­vida, você disse. — Ele quase se engasgou com as palavras.

— Quando planejava me contar a verdade, Louisa? Depois que eleja fosse um adulto? Ou pretendia castigar nosso filho além de mim, só contando a verdade a ele depois que eu estivesse morto?

Ela empalideceu.

— Eu jamais faria isso com você.

— Você já fez.

A dor dominava o corpo dele. Louisa o machucara do jeito mais devastador possível.

E meia hora antes eles haviam caminhado na praia, Rafael ha­via oferecido humildemente seu coração, pedindo que ela fosse sua amante...

Ele estremeceu de humilhação e fúria. Então, ainda seguran­do o bebê, ele se virou sem dizer nada.

— Aonde vai?

— Levar meu filho para casa.

— Não! — ela gritou. Correndo à frente, bloqueou a porta. —Você não pode tirar meu bebê de mim, não pode!

— Faremos um acordo de custódia. Você ficou com Noah nos últimos oito meses. Vou ficar com ele pelos próximos oito. Meus advogados entrarão em contato com você antes do Natal do ano que vem.

— Não! — ela gritou e puxou o braço dele. — Não pode tirá-lo de mim, da mãe dele! Não durante oito meses!

Ele a olhou friamente.

— Não posso? Mas foi isso o que você fez comigo. Já teve seu tempo. Terei o meu. Não é "justo" o suficiente para você? — ele disse zombeteiramente.

— Não. — Ela chorava copiosamente. — Por favor. Vou morrer assim.

Rafael a olhou. De alguma forma, mesmo com toda aquela dor e submissão, mesmo com o nariz vermelho e lágrimas es­correndo pelas faces, ela ainda era linda. Ele ainda a desejava. Isso o enfurecia.                                                                          

Ouviu o bebê começar a chorar. Sem jeito, Rafael tentou con­fortar o bebê, mas não conseguia. Não tinha experiência com bebês e não fazia ideia de como confortar Noah. Não conhecia o próprio filho. A injustiça daquilo rugia em seu coração quando ele entregou suavemente o bebê a Louisa.

— Noah. Oh, Noah. Meu lindo bebê.

Rafael os observou. Respirou fundo. E tomou uma repentina decisão.

— Vale. Não separarei vocês.

— Obrigada — Louisa sussurrou.

Ele a olhou friamente.

— É pelo bem do meu filho. Não por você.

Ela embalava o bebê nos braços, a respiração ainda instável entre soluços. Rafael olhou para ela e, lentamente, por todo o quarto.

Ela era, ele pensou com rancor, uma mãe decente. O que não seria, o que jamais seria novamente, era uma mulher em que ele pudesse confiar.

Mas aquilo não impedia Rafael de continuar desejando Louisa.

Há outra pessoa, ela dissera.

Quem seria o homem? Ele cerrou os punhos. Quantos aman­tes teriam estado na cama de Louisa ao longo do último ano, enquanto ele se revirava na dele, atormentado com o desejo pela fantasia que ele criara dela: honesta, amorosa, inocente?

Uma ideia lhe ocorreu. Uma ideia cruel e perfeita.

Seria uma ótima, organizada e perfeita vingança.

Ele sorriu sombriamente. Atravessando o quarto, pôs a mão no ombro dela.

— Há apenas uma condição.

— Qualquer coisa. Só não me separe do meu filho.

Baixando a cabeça, Rafael lhe deu um sedutor beijo. Dominou a boca de Louisa, tomando-a com sua língua. Ele a sentiu estre­mecer em seus braços. Sentiu-a suspirar e, em seguida, se render.

Quando se afastou, ele viu a névoa de desejo nos olhos dela, e conteve um sorriso.

Ela pensava que o vencera, mas ele a faria pagar. Era o mestre da fria e calculista sedução. Ele logo a possuiria completamente.

— Você será completamente minha — sussurrou. Acariciou o rosto dela ao olhá-la, seus olhos reluzindo no quarto sombrio. — Você se casará comigo, Louisa.

 

— Bem-vinda a Buenos Aires, sehora Cruz.

Quando o porteiro a cumprimentou, Louisa mal teve tempo de se pergutar como ele sabia sobre o casamento antes de os guarda-costas a apressarem para dentro do arranha-céu Belle Époque no exclusivo distrito de Recoleta. Em dois segundos eles atravessaram o espaço de mármore e chegaram ao elevador.

Homens imensos a cercavam, fazendo Louisa se sentir pe­quena enquanto embalava nervosamente seu bebê nos braços. Pior: o mais alto e poderoso dos homens ali era Rafael. O novo marido dela.                                                                                

Quando acordara em Key West naquela manhã, Louisa ja­mais imaginara que seria levada a Buenos Aires como esposa de um homem que a odiava. Ele a beijava tão bem que, nos braços dele, ela quase imaginava que ele pudesse perdoá-la. Mas, ao se afastar, ele não conseguia esconder a frieza em seus olhos.

Poucos minutos depois de ter exigido o casamento, ele a ar­rastara até um tribunal. Antes mesmo de saírem de Key West, ouisa já era sua esposa. Ele passara o longo voo em seu avião Particular trabalhando. Ignorando-a.

Naquele instante, no elevador, os escuros olhos de Rafael bri-avam de forma malévola para ela. O que ele pretendia fazer?

Ao menos Louisa ainda tinha o bebê nos braços, confortou a si mesma. Isso era o que importava. Quando pensara que Rafael queria levar seu filho embora, ficara com tanto medo que soubera que faria qualquer coisa para ficar com Noah. Assim, se despedi­ra da irmã e da sobrinha, dizendo que estava fugindo com Rafael.

Katie ficara radiante por ela.

— Vamos ficar ótimas com a confeitaria até você voltar. Divirta-se bastante!

Se ao menos a irmã soubesse a verdade. Louisa temia jamais voltar para aquele caloroso e amoroso lar em Key West. Rafael jamais a libertaria.

Quando o elevador chegou ao último andar, Rafael abriu as

portas.

— Bem-vinda ao lar — disse ironicamente.

— Lar? — Consternada, Louisa olhou à volta. O antigo apar­tamento de luxo era velho, cheirava a mofo e precisava deses­peradamente de uma limpeza e uma reforma. Toda a mobília estava coberta com lençóis brancos, o que dava uma aparência fantasmagórica. Mas, apesar de sua raiva e medo, ela quase era capaz de visualizar como deixar aquele apartamento belo nova­mente. Como torná-lo um lar.

— Não fazia ideia de que estivesse tão desarrumado — ela sussurrou.

Ele deu de ombros.

— Não venho muito aqui.

— Eu poderia melhorar isso aqui.

— Não se dê o trabalho. Não vamos nos demorar muito aqui.

Louisa estremeceu. Agora que era esposa dele, que compar­tilhavam um filho, ele tinha mais poder sobre ela do que nunca. Depois de cinco anos obedecendo as ordens dele como gover­nanta, teria sido fácil recuperar o hábito de tentar agradá-lo. Mas o tempo em Key West a fizera mudar. Finalmente encon­trara sua própria voz.

— Esta casa poderia ser tão linda! — disse suavemente.

— Não se apaixone. Ficaremos aqui apenas alguns dias. — Abriu uma porta. — Você dormirá aqui.

Ao menos aquele quarto fora perfeitamente arrumado. Um oequeno berço havia sido montado no canto mais escuro perto da grande e moderna cama.

Louisa se virou para ele, os olhos brilhando. Perguntou-se se havia alguma bondade na alma dele; deveria haver. Do contrá­rio, por que teria sido tão gentil?

— Obrigada por me deixar dormir no mesmo quarto que o bebê. Prometo que você pode confiar em mim. Não vou levar Noah a lugar nenhum sem sua permissão.

— Sei que não vai. Porque eu e você compartilharemos a cama. Ela olhou para a enorme cama. E imaginou o que ele plane­java fazer com ela ali.

Pensara que faria qualquer coisa para ficar com o bebê... mas isso?

Entregar seu corpo a um homem que a odiava? Que tinha tamanho poder sobre ela? Que queria vingança por ela ter man­tido seu filho em segredo?

Se ela entregasse seu corpo novamente a ele, quanto tempo levaria até que ele possuísse cada centímetro de sua alma?    

Qualquer mulher que amasse Rafael seria, por fim, destruída por esse amor. Porque ele não tinha amor a dar. Oferecia apenas sedução, não amor. Tinha um coração de gelo.

Se ele, por vezes, parecesse se importar, se parecesse vulne­rável, aquela seria a ilusão mais perigosa de todas.

Empertigando os ombros, ela se virou para ele.

— Não vou dormir com você.

— Vai — ele disse, um sensual sorriso delineando sua boca. — Você é minha esposa.

— Só porque somos casados isso não significa que você é meu dono!

— Não?                                                                                   

Ele se aproximou dela, e por um momento ela pensou que ele pretendia beijá-la. Então, o bebê começou a choramingar e se remexer nos braços dela. Ele parou.                                              

— Cuide do meu filho — ele disse. — Quando terminar, estarei esperando.                                                                                

Aconchegando Noah no quarto, ela o alimentou quando ficaram sozinhos. Quando ele adormeceu, ela o pôs ternamente no berço. Ao sair do quarto, o único som era o da respiração estável de Noah.

Louisa inspirou fundo ao ver Rafael esperando por ela no fim do corredor, uma imensa e sombria silhueta em uma casa cheia de sombras.

Os olhos de Rafael não abandonaram os dela enquanto ele se aproximava lentamente. Pôs as mãos nos ombros de Louisa, e ela estremeceu.

Durante quanto tempo conseguiria resistir a ele?

Que Deus a ajudasse se ele se transformasse no homem en­cantador e sedutor que ela conhecera, o homem com o dom das palavras e uma luz em seus olhos escuros que convenceria qualquer mulher de que ela, apenas ela, pudesse trazer à tona o bem que existia no coração dele.

Que Deus a ajudasse se Rafael decidisse fazê-la amá-lo novamente.

— Venha — ele sussurrou.

Pegando a mão dela, ele a puxou pelo corredor. O jantar ha­via sido encomendado e servido na mesa maciça de carvalho no salão com vista para a cidade. A comida foi servida e todos os funcionários se retiraram.

Louisa estava sozinha com Rafael. Olhou para as janelas, além da fantasmagórica mobília. Ele abriu uma garrafa de vinho tinto argentino e serviu dois cálices.

Deveria ter sido algo íntimo, mas, na negligenciada cober­tura, parecia frio. Sem alma. A comida estava deliciosas, mas aquele lugar não parecia um lar. Parecia morto. Parecia uma prisão.

E Rafael era o carcereiro.

— Não está gostando? — ele perguntou.

— Está delicioso. Mas isso não parece um lar.

— No fundo, ainda é uma governanta? — ele disse zombe­teiramente.

Ela ergueu o queixo.

— Prefiro cozinhar para nós. Para nossa família.

— Apenas cuide de Noah. É suficiente. Não vamos ficar aqui muito tempo. Tenho negócios a resolver em Buenos Aires. Uma retribuição há muito merecida. — Ele sorriu. — Quando termi­nar isso, querida, voltaremos a Paris.

Paris. Estremecendo, ela pensou em suas lembranças de lá, onde ela se rendera pela primeira vez ao desejo por seu chefe playboy. Onde pensara que Rafael abrira a alma para ela.

Ela respirou fundo, mexendo os ombros.

—Não consigo simplesmente morar com você sem fazer nada. Eu me casei com você e vim para Buenos Aires porque não tive escolha, mas você deve saber que isso não pode durar. Deixe-me ao menos fazer o papel de governanta, já que não me quer como esposa.

— E você? — ele zombou. — Você me quer como marido?

Ela engoliu em seco, tentando não se lembrar dos ridículos sonhos que tivera depois de descobrir que estava grávida, quan­do sonhara com Rafael se apaixonando por ela. Quando o ima­ginara se transformando, de alguma forma, em um bom pai, um bom marido. Naquela época, ela quisera... Balançou a cabeça. Não pensaria nisso!

— Estava indo muito bem sozinha. Noah e eu éramos felizes em Key West.

— Que pena. Vocês jamais voltarão.

Era exatamente o que ela temera que ele dissesse, mas ergueu a cabeça de maneira desafiadora.

— É claro que voltaremos. Tenho uma confeitaria para admi­nistrar e uma família que precisa de mim...

— Considere a confeitaria um presente para sua irmã. Agora, ela é a dona.

Ela o olhou, chocada, e estreitou os olhos.

— Você está completamente louco se pensa que vou simplesmente abandonar a loja que amo, que construí e criei com as economias da minha vida depois de trabalhar para você durante, cinco árduos anos...                                                                              

— Sim, tenho certeza de que esse foi um destino pior do que a morte — ele disse friamente. — Mas sua irmã e a filha ficarão muito bem com a confeitaria. Serão felizes e terão estabilidade.    

— É o que você quer, não?                                                                     

— É claro que é. Mas quero estar lá com elas! Já passei mui- § to tempo sem elas. A Flórida é o meu lar Você não pode me tirar ; de um lugar onde fiz amigos...

— Si — ele disse ironicamente. — Vi seus muitos amigos quando estava lá. Por que não admite a verdade sobre o motivo de você estar tão desesperada para voltar?

— Porque odeio ver você?

Para frustração de Louisa, ele pareceu não ser afetado pelo golpe. Apenas sorriu friamente.

— Quem é ele?

— Ele?

— O homem com quem tem saído. Ou havia mais de um? Talvez eu tenha sido sua primeira experiência na cama, mas por quanto tempo esperou até ter sua segunda, sua terceira e sua quarta? Diga, Louisa. Quantos homens convidou para sua cama enquanto ainda estava esperando meu filho?

Ela o encarou, horrorizada. Então, se levantou da mesa. Olhan­do para ele, levantou a mão, mas Rafael lhe segurou o pulso. Ele era tão forte que ela não conseguia se soltar.

Ele a olhou durante um momento com uma gélida fúria. Louisa sentia o próprio coração bater, ouvia o arfar suave da própria respiração. Sentiu a eletricidade no ar se alterar repenti­namente entre eles.

Então, ele tomou sua boca em um beijo castigador.

 

Louisa tentava resistir. Tentava afastá-lo. Ele a marcava, a ma­chucava...

Então, o beijo se suavizou subitamente. O abraço se tornou sedutor, os braços a acariciando tão suavemente que a blusa e o short dela desapareceram como se levados por uma leve e cálida brisa. Ela não conseguiu resistir.

Envolveu o pescoço dele quando a ergueu nos braços e a car­regou, não para a cama, mas para o sofá coberto com um lençol branco. Ali, fez amor com ela de forma tão incrivelmente cálida que ela chorou.

Depois, com ela o abraçando enquanto ele dormia, Louisa olhou para a vista da cidade e se lembrou subitamente da pri­meira noite deles em Paris. A noite em que admitiu para si mes­ma que estava apaixonada por ele.

Ela o olhou, encolhido ao lado dela no comprido e largo sofá. Ouvia a respiração dele, sentia o calor da pele dele contra seu rosto, ouvia o coração dele bater com a cabeça dela apoiadãno peito.

E soube que ainda o amava.

Estivera secreta, esperançosa e desesperadamente apaixona­da por ele durante anos. Os 16 meses que haviam passado afas­tados não haviam mudado nada.

Ela o amava.

E, a julgar pelo modo como ele a tocara naquela noite, seria possível que ele a amasse...?

Não, ela disse a si mesma ferozmente. É apenas a natureza dele. O corpo dele promete o que a alma não pode cumprir.

E no entanto...                                                

Eles tinham um filho. De alguma forma, por algum milagre Louisa conseguiria ser a mulher a tocar o coração de Rafael, a completá-lo, a curar sua alma para que pudessem ser a família real e amorosa que ela desejava que fossem?

Ouviu Noah chorar. Para não acordar o marido, ela se esguei­rou para fora de seus braços e seguiu pelo corredor. Ajeitando as roupas, atravessou suavemente pelo apartamento para alimentar o bebê e embalar novamente seu sono.                                              

Voltou para a sala com o coração na garganta, cheia de sonhos, planos e esperança de ajudar Rafael a ser o homem de que ela precisava. O homem que ela amava. Àquele ao lado do qual Louisa tinha certeza de que nascera para ficar. Mal podia esperar para dormir em seus braços...                                                

Ela parou abruptamente ao ver que o sofá estava vazio.            

Ele chegou por trás. Ela se virou para descobri-lo de robe, claramente acabando de sair do banho.                                             

— Isso foi agradável — ele disse friamente, secando o cabelo molhado com uma toalha. — Acho que talvez eu goste de ter uma esposa.

Ela inclinou a cabeça, o coração martelando de esperança.

— Acha mesmo? — sussurrou.

— E claro. Você está na minha cama. A meu serviço. E, apa­rentemente, disposta a cozinhar e limpar para mim sempre que não estiver me satisfazendo na cama. Estou economizando mui­to dinheiro, já que nem preciso lhe pagar. Você é... — ele esticou a mão para acariciar o rosto dela — ... a esposa dos sonhos de qualquer homem.                                                                                  

— Você está tentando me magoar. Por quê?                              

— Eu disse que eu aproveitaria nosso casamento. E você... não aproveitará. Nada mudou. Você se arrependerá de ter roubado meu filho de mim.

A dor a dominou. Era aquilo o que aquela noite juntos sig­nificara Para ele? Ela pensara, sonhara, que pudesse ser algum ripo de recomeço para eles, a doce promessa de perdão e uma nova vida, criando o filho juntos.

Ele a enganara novamente. A ternura, a sensualidade, ha­viam sido as armas que ele usara para castigá-la!

Não posso lhe oferecer o casamento. Mas, enquanto estiver­mos juntos, prometo que serei fiel a você.

Ele se importara com ela. Ainda se importava. Era apenas a raiva que o fazia tentar magoá-la!

Mas Louisa não permitiria isso. Não o deixaria destruir a chance de eles serem uma família. De alguma forma, apesar de tudo, ela venceria a raiva dele e o faria perdoá-la!

Era a única esperança...

Ela o olhou. Pôde ver que ele estava esperando que ela se exaltasse, gritasse, chorasse.

Em vez disso, ela respirou fundo.

— Lamento muito.

— Lamenta? Por ter roubado meu filho? Acha que um pedi­do de desculpa é suficiente?

Ela assentiu.

— Achei que não tivesse escolha. Se eu tivesse dito a você que estava grávida, você teria pensado que eu era uma interes­seira... e me castigaria. Em vez disso, tentei criar nosso filho sozinha, sem sua ajuda. Então, você me acusa de ser vingativa... e quer me castigar. — Ela ergueu o olhar para ele. — Já parou para pensar que você é um homem impossível de se agradar? Já parou para pensar... que o problema pode ser você?

— Está brincando? — ele rosnou. Ela cruzou os braços.

— Eu ainda amo você, Rafael — sussurrou, e abriu um tré­mulo sorriso. — Pronto. Já disse. Apesar de seus defeitos, de suas fraquezas, amo você.

— Minhas fraquezas? — ele explodiu.

Ela estremeceu ao ver o perigo nos olhos dele. Mas ainda se obrigou a ser corajosa o suficiente para falar a verdade em seu coração.

— Um homem forte permite a si mesmo ser vulnerável. De­monstra seu amor a qualquer custo. Um homem realmente forte dá tudo o que tem, tudo o que é, por sua família. Ama de todo o coração, sem se conter!

— E onde você aprendeu isso? Na escola de governantas? — ele desdenhou.

— Não. Aprendi com meu pai, que, apesar de nunca ter fica­do rico, nos fazia sentir que éramos valorizadas e amadas todos os dias.

Rafael tomou fôlego por entre os dentes.

— Esqueça. — Vestindo jeans e uma camiseta preta, calçou sapatos italianos e foi para a porta.

— Aonde vai?

Ele olhou para trás, para ela, apenas uma vez. Seu rosto esta­va escuro nas sombras do apartamento.

— Sair.

— Sair? Para onde? É meia-noite!

Ele soltou uma gargalhada.

— A noite é jovem... para mim. Acho que sou fraco demais para ficar. Esteja pronta para mim quando eu voltar. Talvez eu a queira novamente. — Um sorriso frio curvou sua boca. — Talvez não.

— Não faça isso, Rafael — ela conseguiu dizer, contendo as lágrimas. — Fique e converse comigo. Por favor. Quero tanto que nós...

— Já conversei demais por uma noite — disse friamente. Abrindo a porta, saiu. Ela o ouviu falar em voz baixa com o imen­so guarda-costas do lado de fora depois que a porta se fechou.

Louisa tremia de humilhação e desespero. Foi até a janela e saiu para a sacada, olhando as cintilantes luzes de Recoleta e toda a Buenos Aires na noite quente e úmida.

Baixando o olhar, viu Rafael sair do prédio. Observou-o com o coração na garganta e lágrimas correndo pelo rosto.

Ele olhou para cima. Os olhares se encontraram.

Então, ele se virou friamente. Entrou no carro esporte amare­lo e desapareceu na noite.

Aonde estaria indo?, Louisa se perguntou, angustiada. En­contrar outra mulher?

Ela ficou na sacada durante um longo tempo depois que ele saíra, sentindo-se presa, sentindo-se impotente. A cidade abaixo dela ainda parecia ocupada e viva, barulhenta e jovem. Tudo o que ela não mais sentia.

Louisa teve uma ideia.

Se Rafael não suportava uma discussão franca, ela o atacaria de outra forma.

Usaria o ponto fraco que ele jamais pensaria em proteger. Ela o seduziria com suas habilidades. Daria um lar a ele.

Um pequeno sorriso delineava seus lábios quando ela saiu da sacada. Atravessando o apartamento, abriu a porta da frente. Fa­lou diretamente com o chefe dos guarda-costas, um americano chamado Evan Jones.          

— Preciso da sua ajuda — disse friamente a ele com sua voz de governanta à qual funcionário algum conseguia resistir. Ele também não resistiu.

Ela podia não ser mais a governanta de Rafael, mas ainda tinha poder sobre sua vida. Mais do que nunca. E, apesar de Ra­fael não saber, fora ele próprio quem lhe dera esse poder. Fizera isso quando a tornara sua esposa.

 

Rafael não voltou ao apartamento até o início da tarde do dia seguinte.

Encontrara alguns amigos de colégio para beber, mas, quan­do algumas mulheres foram conversar com eles no bar, ele se vira entediado. Não apenas entediado; desconfortável. Então, fora embora.

Mas não conseguira voltar para casa. Não depois do que Louisa dissera.

Apesar de seus defeitos, de suas fraquezas, amo você.

Como ela ousara? As fraquezas dele? Mulher alguma dissera aquilo a ele! Rafael pretendia castigá-la, e, de alguma forma, ela se adiantara a ele!

Suas fraquezas.

Louisa morara com ele durante cinco anos. Ela o conhecia bem demais.

Rafael não gostava disso. Fazia-o se sentir fraco, como ela o chamara. Então, ele se registrara no hotel Four Seasons para dar uma lição nela; para provar quem estava no controle e quão facilmente ele conseguia magoá-la. Que ela sofresse com as mesmas suspeitas que ele tivera em Key West. Que Louisa se perguntasse que outras amantes estariam tomando seu lugar!

Ele estava com o anel dela no dedo. E, enquanto o tivesse, amais a trairia. Mas ela não precisava saber disso. Já tinha po­der demais sobre ele.

Já parou para pensar que o problema pode ser você?

Ele era o problema?

Rafael rosnou para si mesmo no elevador. Fora ela quem rou­bara o filho dele!

Ignorando o animado cumprimento do guarda-costas, Rafael abriu a porta. E parou.

Por um momento, pensou ter entrado na casa errada. O velho apartamento havia sido meticulosamente limpo, e todas as quin­quilharias antigas e empoeiradas haviam sido guardadas, junta­mente com as fantasmagóricas cobertas brancas. Flores frescas estavam sobre a mesa da cozinha. Ele sentia o cheiro de algo delicioso assando no forno.

E como diabos ela conseguira substituir a antiga mobília de madeira maciça por modernos sofás, cadeiras elegantes e uma imensa televisão; tudo em poucas horas?

— Bem-vindo de volta, Rafael — ele ouviu Louisa dizer ter­namente atrás dele e se virou para encará-la.

Sua esposa estava incrivelmente bela, sorrindo para ele, usando um doce e recatado vestido. Contra a própria vontade, ele se sentiu imediatamente atraído. Respirando fundo, desviou o olhar... apenas para dar de cara com o prato de brownies de caramelo de macadâmia que esfriava sobre a bancada.

Louisa Grey... Louisa Cruz era, de fato, tudo o que um homem poderia querer. Sexy, forte, extremamente inteligente. Uma boa mãe e uma boa cozinheira. Era tudo o que ele sempre quisera.

Mas ele a odiava. Não odiava?

— Como fez tudo isso?

Tenho meus métodos. — Ela sorriu maliciosamente, e o amor brilhou em seus olhos. — Transformei isso aqui em um lar. Para nós. Para nossa família.

— Estou vendo — ele disse fracamente. Chegara em casa esperando que Louisa gritasse com ele e chorasse, como outras mulheres haviam feito quando ele as repelira.

Mas Louisa sequer lhe perguntou onde estivera a noite in­teira. Era como se nem estivesse preocupada, como se tivesse plena confiança de que era a única mulher que ele desejava.

E, maldita, era verdade.

Mas Rafael sabia o que ela queria. Queria sua alma. Não importava quão bela ela estivesse, quão tentadora. Ele não a entre­garia. Jamais se permitiria ser vulnerável novamente.

Manteve a expressão fria.

— Não lhe dei permissão para fazer isso. Gostava da casa como estava. Disse isso a você.

— Bem, eu não gostava.

— Não é você quem escolhe...

— Não era um ambiente saudável para o bebê. — Ela esten­deu o prato. — Brownie?                                                                

Caramelo com gotas de chocolate branco. O preferido dele. Ele estreitou os olhos. Ela realmente o achava tão fraco a ponto de ser comprado de maneira tão simples?

— Não estou com fome.

Ela deu de ombros e cortou um grande pedaço para si. Abriu um largo sorriso. Ele a observou comer o cremoso brownie. O chocolate branco derretido marcou os lábios dela. Ele observou enquanto ela o lambia. Rafael salivou.

Mas não era mais o brownie que ele desejava. Estava faminto por Louisa.

Seu corpo.

Sua risada.

Ela inteira.

Fazer amor com ela na noite anterior fora incrível. Ele a seduzira para castigá-la, mas, no fim, ele fora pego. Acordara sentindo a falta dela em seus braços. Não gostara da sensação. Atirara-se no chuveiro. Tentara fingir que tê-la finalmente em seus braços mais uma vez, finalmente fazer amor com ela depois de 16 meses de desejo não haviam significado nada.

Mas não conseguia mais mentir para si mesmo.

Rafael observou Louisa pegar o bebê de sua cadeirinha e apoiá-lo no quadril. Enquanto cantava para Noah, embalando-o nos braços, seus olhos dançavam, felizes.

Ele se casara com ela no dia anterior com a intenção de des­cartá-la em Paris. Agora, percebia que seus planos haviam mu­dado. Louisa acrescentava tanto à vida dele... Por que deveria deixá-la partir?

Ainda poderia ter sua planejada vingança. Depois, poderia levar Louisa a Paris, para que começassem uma nova vida...

— A propósito — ele disse abruptamente —, minha mãe vem jantar hoje.

Louisa parou, claramente surpresa. Então, seus olhos se avivaram.

— Sua mãe? Que bom! E ela vai poder conhecer o netinho, não vai?

Sim, iria. Pela primeira e última vez.

Pegando a faca, Rafael cortou para si um enorme pedaço de brownie. Deu uma imensa mordida. Estava delicioso. Como o sabor da vingança.

Louisa estava radiante enquanto ele comia. Rafael percebeu que ela pensava que ele estava começando a ceder. Que conti­nuasse pensando.

Ele sorriu para ela.

Logo ela descobriria a verdade. Rafael não cederia tão facil­mente para mulher alguma.

Implorara para que Louisa continuasse como sua governanta. Pedira encarecidamente para que ela se tornasse sua amante.

O casamento mudara tudo.

Aquilo a prenderia como nenhum contrato de trabalho con­seguiria. Louisa aqueceria sua cama, cuidaria de seu filho e pre­pararia suas refeições. O fato de ser sua esposa significava que ele jamais teria que lhe pagar. Jamais teria que lhe dar férias. E jamais teria que temer perdê-la novamente.

Era sua esposa. Pertencia a ele. Para sempre.

 

— Bem-vinda, mamã.

Louisa o viu beijar a mãe no rosto. Agustina Cruz não era nada do que ela esperara. Pensara que a mãe de Rafael seria uma socialite esbelta e severamente elegante. Em vez disso, era gorducha e grisalha, e tinha um sorriso tímido e esperançoso ao olhar para seu belo e alto filho.

— Buenas noches, mi hijo — ela disse a Rafael. — Estou tão feliz por vê-lo! — disse em espanhol, na ponta dos pés para abraçá-lo. O espanhol que Louisa aprendera no colégio esta­va enferrujado depois de tantos anos na França, mas ela ainda conseguiu entender quando Agustina continuou: — Faz tanto tempo. Não vejo você desde que lhe mandei a carta depois que seu pai morreu.

— Eu me lembro — Rafael disse friamente em inglês. — Entre.

Por que ele estava sendo tão estranhamente frio?, Louisa pensou. Aquela mulher era a mãe dele! Fora ela que o dera à luz, o amara, o criara!

Ela esperara que Rafael já tivesse começado a perdoá-la, que estivesse começando a permitir que a bondade em seu co­ração surgisse. Mas naquele instante... Louisa não sabia o que pensar.

Com o bebê no colo, Louisa sorriu para ela.

— Bem-vinda à nossa casa, senora Cruz — ela acrescentou ternamente em inglês. — Estou feliz por finalmente conhecê-la

Agustina piscou ao olhar para Louisa, usando seu vestido de algodão branco, olhando para o bebê Noah, que estava com uma camisa branca, calças pretas e uma pequena gravata. Louisa es­colhera as roupas com cuidado. Encontrar a mãe de Rafael era algo importante para ela. E, no entanto... Ela olhou para Rafael. Estava vestido casualmente com uma camisa preta e jeans escu­ro. Por que só ele não se esforçara?

— Obrigada, querida. Mas quem é você? — Agustina per­guntou.

— Sou a nova esposa de Rafael.

Agustina olhou com reprovação para o filho.

— Rafael, você se casou? — ela repreendeu gentilmente.

Ele deu de ombros.

— E este — Louisa acrescentou rapidamente, para abafar a frieza do marido — é nosso bebê. Noah.

Agustina observou o bebê.

— O bebê... de vocês? — ela arfou. Lágrimas lhe encheram os olhos. — Meu neto?

Louisa assentiu. Sorrindo, pôs o bebê nos braços da avó.

— Oh, mi nieto, mi pequeno angelito — ela sussurrou. As lágrimas escorriam por seu rosto.

Observando a alegria dela, Louisa também teve seus olhos, invadidos por lágrimas. Olhou para o marido com um sorriso, esperando ver a mesma emoção no rosto dele. Em vez disso, os olhos escuros de Rafael estavam apáticos. Sem expressão. Mortos.

— Vamos — ele disse em voz baixa. — Vamos nos sentar para jantar.

A refeição foi maravilhosa, ao menos para o bebê, a mãe e a avó. Agustina Cruz era uma mulher adorável, calorosa e en­cantadora. Lembrava Louisa de sua própria mãe, de quem ela sentia muita falta.

— Estava delicioso —Agustina disse ao fim da refeição.

— Obrigada. — Louisa insistira em preparar ela própria o jantar, como uma expressão de respeito e carinho. Rafael zom­bara da ideia. Depois, dera de ombros e a deixara realizá-la.

Quando ele chegara em casa depois de passar a noite inteira fora, Louisa pensara ter feito tudo o que podia para fazê-lo feliz ali. Trabalhara na casa a noite praticamente toda e a manhã in­teira, entre os cuidados com o bebê. Vestira-se com cuidado. Fi­zera seus pratos favoritos. Realmente pensara que estava come­çando a tocar seu coração... especialmente depois de descobrir por meio do guarda-costas, para seu intenso alívio, que Rafae! passara a noite anterior sozinho num hotel.

Quase entregara a vida para fingir que não se importava. Mas ela conhecia Rafael bem demais. Não podia jogar com as mesmas regras que as outras mulheres haviam usado. Precisava mantê-lo pensando, incerto. Era sua única esperança de conse­guir o que realmente queria.

A felicidade dele... e a sua própria.

— Que refeição maravilhosa!

— Foi Louisa quem fez. Para homenageá-la — Rafael disse friamente.

A gratidão e a alegria encheram o rosto da mãe dele.

— Obrigada. A vocês dois — Agustina disse, chorosa. — Es­tava com tanto medo de você jamais me perdoar, Rafael. Precisa acreditar que nunca quis magoá-lo quando não quis comparti­lhar o nome do seu pai...

— Por que eu a odiaria? Só por ter esperado até que ele es­tivesse morto... por ter se certificado de que eu jamais tivesse um pai de verdade e ter me deixado implorando por respostas durante 20 anos?

As rechonchudas bochechas dela empalideceram.

—Rafael — ela sussurrou. —Achei que você compreendesse

— Eu compreendo. E, agora — ele se levantou —, você tam­bém finalmente entenderá. Saberá como me senti. Encontrou-se com minha família. Pela primeira e única vez. Agora, jamais os verá novamente.

—O quê? — Louisa arfou.

Ele pegou Noah.

—Nunca mais voltaremos a Buenos Aires. Meu filho jamais se lembrará de que tem uma avó. Sequer saberá que você existe. Você morrerá como meu pai morreu. Sozinha.

A mãe dele parecia que ia desmaiar.

— Rafael... você não pode fazer isso — Louisa arfou, se le­vantando. — Não vou deixar que faça isso!

— A escolha é sua — ele disse sem emoção. Olhou severa­mente para ela. — Escolha minha mãe, uma desconhecida para você... ou escolha seu marido e seu filho.

Ainda segurando o bebê nos braços, ele saiu da sala.

Louisa começou a correr atrás deles, mas parou abruptamen­te. Olhou para Agustina, que ainda estava sentada à mesa, sozi­nha e desprezada.

— Sinto muito — Louisa conseguiu dizer. — Vou tentar con­versar com ele!

A mulher mais velha a olhou e, então, balançou a cabeça.

— Não vai adiantar, minha querida — disse suavemente. Abriu um trêmulo sorriso. — Foi maravilhoso conhecer vocês. Cuide bem dos meus garotos. Adios.

Chorando, Louisa correu porta afora. O elevador já se fora, então, ela desceu correndo os seis lances de escada. Mal chegou ao lado de fora a tempo de ver a limusine se afastando da calça­da com seu marido e seu filho dentro.

— Espere! — ela gritou. O carro parou. Arfando, ela entrou no banco de trás ao lado do assento do bebê. Beijou Noah e, quando o carro arrancou, ela se virou para Rafael. — Como pôde fazer isso com sua própria mãe? Ela ama você!

— Agora, você sabe o que faço com as pessoas que me traem. Levou quase 20 anos, mas finalmente a justiça foi feita pelo que ela fez comigo. E pelo pai que nunca conheci — disse friamente. Inclinou-se à frente. — Para o aeroporto.

— Você é mais desalmado do que imaginei — ela sussurrou, subitamente assustada.

— Não sou desalmado. — Abruptamente, ele se inclinou para ela. Segurou seu rosto com as duas mãos. — Pois estou disposto a perdoar você, mi vida, por um erro. Um. — Ele acari­ciou a bochecha dela. — Mas nunca mais me decepcione.

— Como assim? — ela sussurrou, tremendo sob o toque dele.

— Nunca mais minta para mim, e permitirei que continue como minha esposa e crie nosso filho. Será honrada e respeitada para sempre como minha mulher. Mas se me trair novamente...

— Se eu fizer isso...? — ela sussurrou.

Ele afastou a mão abruptamente. Pegou o jornal no colo e o abriu, criando uma barreira entre eles.

— Você perderá tudo.

 

Algumas semanas depois, em Paris, Louisa não parava de tre­mer na fria manhã de primavera, sentada do lado de fora de um café com vista para Notre Dame. Noah dormia, aconchegado sob mantas no carrinho ao lado dela.

Se Rafael soubesse o que ela havia acabado de fazer...

Não tive escolha, disse decididamente a si mesma. Não po­dia permitir que ela magoasse sua mãe de forma tão cruel, não quando o desejo dele por vingança magoaria a todos: avó, neto e, acima de tudo, o próprio Rafael.

Alguns momentos antes, Agustina estivera naquele café, sen­tada ao lado de Louisa. Ficara tão feliz por ver novamente o neto! E Louisa finalmente descobrira a verdade sobre o passado de Rafael. Compreendera por que a mãe o protegera durante todos aqueles anos.

Rafael pensava que ela era uma manipuladora de sangue-frio. Estava errado. Mas, assim como Agustina, Louisa não con­seguiria contar a Rafael sobre seu pai. Isso o magoaria demais. Ela não poderia ferir o coração dele com a verdade.

Louisa pagou a conta e olhou para seu filho no carrinho.

— Vou dar um jeito de tocar o coração dele — sussurrou Para o bebê adormecido. Daria um jeito de ele perdoar a mãe... mas como?

— Mi vida.

Louisa quase saltou da cadeira ao ouvir a voz de Rafael atrás de si. Arfando, ela se virou e o viu sair da limusine que encos­tara na calçada.

— O que está fazendo aqui?

Ele bateu a porta e foi até Louisa.

— Você e Noah estão tendo uma boa manhã? — ele pergun­tou sorrindo.

— Estávamos indo embora agora.

Ela escolhera aquele café no Quartier Latin por ser longe da cobertura deles, que ficava no oitavo arrondissement mais exclusivo do outro lado do rio. Soubera que ele estava com a agenda cheia naquele dia. Jamais imaginara que ele fosse passar pelo café. Dentre todas as ironias do destino...

Subitamente, ela começou a suar. Se o carro de Rafael tivesse passado por ali dez minutos antes, ele teria visto sua mãe ao lado dela!

O casamento, a confiança que crescia teriam sido destruídos para sempre. Ela olhou de relance para o bebê. Noah era tão precioso para ela! Estaria sendo idiota por arriscar uma vida decente na esperança de ter uma família feliz?

Rafael sorriu para ela. Estava tão lindo em seu terno escuro e gravata azul. Seu rosto estava barbeado, e seus olhos brilhavam à luz do sol.

— Antes da minha reunião, fui até La Defense — ele disse. — Nosso novo edifício está perfeito.

— Está pronto? Antes do previsto?

— Na semana que vem começaremos a mudar o pessoal para lá. Então, levarei você para ver.

Mas ela ainda seria esposa dele na semana seguinte? As mãos de Louisa se fecharam com força na barra do carrinho.

— Vamos voltar para o apartamento? — ele perguntou.

Os olhos dela se arregalaram.

— Você tem tempo? Agora, no meio do dia? — Rafael deu de ombros.

— Está uma linda manhã. Eu arrumo tempo.

Ela engoliu em seco. Dentre todos os dias nos quais Louisa desejara que Rafael passasse tempo com ela, ele escolhia justo aquele? Ela respirou fundo e tentou sorrir.

— Seria maravilhoso.

Caminharam juntos pela margem do rio. Ele estivera cons­tantemente ocupado com o trabalho desde que haviam chegado a Paris. Só tivera tempo para dar um beijo no filho antes de sair todas as manhãs... e quando voltava tarde da noite, fazia amor apaixonadamente com Louisa no escuro.

De muitas formas, nada mudara desde a última vez em que ela morara naquela cidade. Ainda baseava seu mundo inteiro em torno de Rafael Cruz, administrando seu lar e tentando conse­guir sua aprovação.

Mas, em outros aspectos, tudo havia mudado. Apesar de ela ainda supervisionar a casa, Rafael queria que ela passasse o tempo cumprindo seu dever de mãe... e esposa.

Dali a alguns dias ela iria a seu primeiro baile da alta socie­dade com ele. A ideia de ir não como governanta, mas como es­posa dele, aos soirees que ela, no passado, organizara, a aterrorizava. Louisa se sentia incomodada só de pensar em encontrar todas aquelas mulheres com quem ele já dormira.

Ela tentara criar um lar de amor. Mas não era nem perto de ser suficiente. Ele ainda não se permitia ser vulnerável. Ainda não se permitia amar Louisa ou o bebê.

A primavera em Paris era adorável. As flores e árvores co­meçavam a se avivar novamente. Noah já estava acordado e ria, feliz, chutando o ar, enquanto Rafael empurrava o carri­nho quando chegaram ao edifício do século XVIII perto dos Champs-Elysées. Rafael era dono do prédio inteiro, mas só usava os dois últimos andares como residência. O andar abaixo era para seus guarda-costas e assistentes, e os diversos outros andares estavam sendo usados como escritórios até que a nova sede ficasse pronta.

Quando o elevador se abriu para a espaçosa cobertura, Loui­sa respirou fundo com a beleza do lugar e a vista da cidade. Podia ver a Torre Eiffel do outro lado do rio. Mesmo como go­vernanta, ela adorara aquele lugar; e, agora, era não apenas a senhora daquela casa, mas de todas as outras casas de Rafael ao redor do mundo.

Mas se ele soubesse que Louisa levara a mãe dele a Paris e permitira que passasse um tempo com Noah...

Era errado. Louisa sabia que não devia ter feito aquilo. Mas ele estava tão obcecado com seu desejo de vingança.

Como ela poderia fazê-lò perdoar a mãe, como poderia fazê-lo abrir seu coração, sem lhe causar irreparáveis danos?

Um súbito pensamento lhe ocorreu.

Poderia contar a verdade a ele. Em vez de esperar que desco­brisse o que ela fizera, em vez de, com sempre, evitar o conflito, ela poderia agarrar o touro pelos chifres e contar tudo.

Mas a ideia a aterrorizava. Não. Não poderia arriscar!

Mais tarde, naquela noite, com o bebê dormindo e algumas horas depois de Louisa ter ido para a cama, ela sentiu Rafael deitar a seu lado. Sempre dormia nua, como ele preferia. An­tes de Louisa saber se estava sonhando ou não, ele já a estava beijando. Ela o sentiu, sentiu seu corpo quente e rígido contra o dela. Em poucos instantes estava gritando de prazer e também o ouviu reagir ao desabar sobre ela.

Depois, ele a manteve nos braços.

— Tenho um presente para você — murmurou contra a pele dela.

Ela o olhou nas sombras, o coração na garganta.

— O que é?

Ele ronronou em sua orelha.

— Você se lembra daquela ilha grega particular?

Como poderia esquecer? Aqueles haviam sido os dois dias mais felizes da vida dela.

— Claro.

Ele beijou a têmpora de Louisa e sussurrou:

— Eu a comprei para você hoje.

Ela se surpreendeu.

— Você... comprou?

— Novros não sabia se queria vender. Mas eu o convenci.

— Obrigada — ela disse suavemente. Seus olhos se enche­ram de lágrimas quando ele a abraçou ainda com mais força.

A mão de Rafael foi em direção ao seio nu dela.

— Qualquer coisa por você, querida. Qualquer coisa?

Subitamente, ela soube que teria que arriscar. Queria que ele confiasse nela. Louisa não queria mentir.

Ela o amava. Ele lhe dava tudo o que ela podia querer com relação ao dinheiro, mas tão pouco de si mesmo, a não ser por fazer amor, o que era criativo e saciante. Agora, ele lhe dera uma ilha inteira, mas ainda não era suficiente. Nem perto disso.

Ela queria Rafael.

Queria que ele fosse o homem que nascera para ser. O ho­mem bondoso, gentil e leal que Louisa sabia haver dentro dele, debaixo daquela armadura rígida.

— Tenho... um favor para lhe pedir.

— Um favor?

Os dentes dela batiam. Favor seria a palavra certa para des­crever o pedido para que ele desistisse de todas as suas ideias de vingança, desistisse de todas as outras mulheres e a amasse loucamente, como ela o amava?

— É maior que um favor.

— Ah! Uma ilha grega não é suficiente para impressioná-la, não é? — Ele abriu um malicioso sorriso ao levar a mão lentamente para a barriga dela. — Vou ver o que mais posso fazer.

— Preciso lhe dizer uma coisa — ela sussurrou. — Mas es­tou com medo.

— Pode me dizer qualquer coisa. Já começou a recuperar minha confiança. Estou feliz por isso.

Uma forte sensação a percorreu.

— Trouxe sua mãe a Paris — ela disse de uma vez. — Fa­lei com ela em um café hoje. — Os dentes de Louisa batiam quando ela ergueu o olhar para ele e sussurrou: — Você precisa perdoá-la.

 

Rafael se sentia um idiota olhando para ela.

— Você trouxe minha mãe a Paris? — disse em voz baixa. — Permitiu que ela visse Noah?

— Sim.

Ele afastou bruscamente a mão dela. Ao se levantar, nu, o mundo parecia girar à sua volta.

— Você me desobedeceu.

Ela balançou a cabeça desesperadamente.

— Estou tentando salvar você!

— Tentando me salvar?

— Sua mãe o ama. Você tem que perdoá-la. Ela teve um bom motivo para não lhe contar sobre seu pai!

Ele respirou fundo.

— Qual foi?

— Eu... eu... Não posso dizer.

O coração dele batia rapidamente dentro de seu peito vazio. Havia um gosto metálico em sua boca.

— Você me traiu.

Ela pegou a mãe de Rafael.

— Eu podia ter mentido para você. Mas estou dizendo a ver­dade. Estou contando agora, em vez de fazer isso pelas suas costas. Eu...

Ele já não ouvia mais.

— Eu disse o que aconteceria se você me traísse novamente. Ela parecia atordoada, como se ele a tivesse estapeado.

— Por favor. Só estava tentando nos tornar uma família de verdade.

Ele se vestiu rapidamente.

— Eu disse o que aconteceria — repetiu.

Suas palavras eram frias, mas, por dentro, ele se sentia re­voltado.

Jamais pensara que ela fosse traí-lo daquele jeito. Jamais pen­sara que teria que cumprir sua ameaça, mas já não tinha escolha.

— Mas, Rafael — ela sussurrou —, eu amo você.

— Ama? Tudo o que você provou é que, toda vez em que começo a confiar em você, você me apunhala pelas costas.

— Mas não fiz isso... Eu disse a verdade!

Como elas deveriam estar se gabando naquele momento, as duas mulheres em sua vida que haviam conspirado contra ele e o feito parecer um idiota impotente em sua própria casa!

— Eu disse o que aconteceria se você me desobedecesse. Saia da minha casa. Vou dar entrada no divórcio.

— Não vou deixar você, nem agora nem nunca! Mas você não pode tratar sua mãe de maneira tão vergonhosa, não com ela sendo inocente do que você pensa que ela fez...

— Imagino que ela tenha lhe dito isso — ele desdenhou.

Louisa começou a falar, mas se interrompeu. Respirou fundo.

— Ela não precisou me dizer. Vi nos olhos dela! Ela o ama e morreria para proteger você. Exatamente o que sinto por Noah!

— Terá que amá-lo à distância — ele disse friamente. — Por­que vou cortá-la da vida dele.

— Não vou abandonar Noah... nem você! Se quer que eu vá, terá que me jogar — ela abriu os braços em direção à ampla linha de árvores dos Champs-Élysées — pela janela!

— Muito dramático — ele disse acidamente, acompanhando o olhar dela. — Mas sua ceninha não vai salvá-la.

Já totalmente vestido, ele saiu a passos largos do quarto de­les, indo direto para o do bebê. Ouviu Louisa segui-lo correndo, procurando um robe.

Mas Rafael não parou. Simplesmente pegou seu filho ador­mecido do berço. Noah começou a chorar imediatamente quan­do foi acordado, acompanhando os gritos e soluços de Louisa que segurou loucamente o braço de Rafael.

— Não! Não pode tirá-lo de mim!

Ele a observou, sem se abalar. Não sentia absolutamente nada Ou ao menos era o que dizia a si mesmo.

— Meu advogado entrará em contato — disse friamente. Soltando o braço, ele carregou o filho escada abaixo e falou rapidamente com o guarda-costas no pequeno apartamento no andar de baixo.

Louisa tentou segui-lo, mas, seguindo as ordens dele, o guar­da-costas a conteve enquanto Rafael ia embora.

Quando Rafael chegou em seu hotel favorito, dez minutos de­pois, sentiu a culpa e a dor ameaçando crescer dentro de si. Afas­tou as emoções. Disse a si mesmo que Louisa não era uma mãe decente, nem uma mulher decente. Mentira, como todas as outras.

Não merecia nem Rafael, nem o filho deles.

Quando a babá chegou ao hotel, o bebê ainda chorava. Mas, mesmo depois de a rechonchuda e carinhosa francesa ter subido até a suite e tomado o bebê ternamente em seus braços, Noah não parava de chorar.

E, lentamente, Rafael percebeu que ele próprio era o mentiroso.

Louisa o tornara um mentiroso.

Porque não conseguiria cumprir sua ameaça. Maldita! Ele não conseguia separá-la do filho. Não fazia diferença quanto ela o tivesse traído, quanto ela merecesse aquilo, ele não suportava ver o filho sofrer com a falta da mãe.

Amaldiçoando Louisa e a si mesmo, percebeu que teria que permitir que ela tivesse acesso à criança. Mas o casamento es­tava acabado, disse a si mesmo furiosamente. Mas ao pegar o telefone para ligar para Louisa o aparelho tocou em sua mão.

— Nunca pensei que você fosse capaz de fazer algo assim. Nunca.

Ele franziu o cenho.

— Mama?

—Louisa me ligou. Como pôde tirar o bebê dela? Como pôde? Você não é o homem que pensei que fosse!

Ele trincou os dentes. Estava claro que Louisa telefonara para ela!

— O que aconteceu entre minha esposa e eu não é da sua conta.

— Estou aqui embaixo. Tenho algo a lhe dizer. Desça já.

— Por quê?

— Para me ver esta última vez, mi hijo. Uma última vez an­tes de eu voltar à Argentina.

O telefone foi desligado suavemente.

Certo. Uma curta conversa seria um preço pequeno a pagar para tirar a mulher da vida deles para sempre. Rafael se certifi­cou de que o filho estivesse aconchegado e desceu.            

Encontrou Agustina no bar. Esperava que tentasse olhá-lo imediatamente com um tímido amor e um sorriso de súplica, como sempre fizera naqueles últimos 20 anos.

Mas, desta vez, ela mudara. Não era mais a mulher suave e ansiosa da qual ele se lembrava. Sua expressão estava séria. Começou a falar assim que ele se sentou ao lado dela.

— Tentei proteger você durante toda a minha vida. Mas você é um homem. Chega um momento em que pai nenhum pode pro­teger seu filho. E, agora que soube o que você acabou de fazer, temo que minha proteção tenha lhe causado mais mal do que bem. — Ela empurrou algumas páginas na direção dele sobre o balcão.

Um sorriso de desdém curvou os lábios de Rafael quando ele pegou as folhas.

O sorriso logo desapareceu quando ele leu as palavras an­tigas e desbotadas. Seus olhos se arregalaram. Ele virou a pá­gina. Não conseguia parar de ler. Cinco minutos depois, sentiu a última apunhalada na garganta ao ler quem assinara a carta. Seu corpo inteiro ficou gelado quando ele finalmente olhou nos olhos da mãe.

— Meu pai escreveu esta carta — ele sussurrou, e balançou a cabeça. — Você disse a ele que estava grávida. E ele lhe disse para se livrar de mim.

Os olhos da mãe de Rafael, tão parecidos com os dele, o observaram intensamente.

— Sim. Quando me recusei, ele me enviou seu anel de ouro. Disse que era tudo o que eu conseguiria dele.

— Por quê? — ele perguntou, vencendo o embargo na gar­ganta. — Por que ele não me queria?

— Ele não gostava de crianças. E jamais tinha sido apaixo­nado por mim. Descobri que ele sequer tinha sido fiel. — Ela respirou fundo. — Eu era muito jovem. Não tinha como nos sustentar. Voltei para Buenos Aires e me casei com o homem com quem meus pais sempre haviam querido que eu me casasse. Arturo disse que seria um bom pai para você... mas não cumpriu a promessa.

— Mas, mama, por que nunca me contou a verdade? Por que me deixou culpá-la durante todos esses anos? Por que não queria me dizer o nome do meu pai?

— Você já tinha sofrido demais por ter um pai que não o ama­va, e durante todos aqueles anos você nunca soube o motivo, até que Arturo quebrou sua promessa e lhe contou a verdade antes de morrer. — Os olhos dela escureceram, e, em seguida, com um suspiro, ela deixou as mãos caírem no colo e se tornou a mãe gentil que ele sempre conhecera. — Você era tão jovem e estava muito magoado. Quando descobriu que não era o filho verdadeiro dele, imaginou todas aquelas coisas maravilhosas sobre seu verdadeiro pai. Eu não poderia deixar que outro pai decepcionasse você. Não poderia deixar que seu coração fosse partido novamente.

Chocado, Rafael se recostou na cadeira.

Tudo o que pensara ser verdade... estava errado.

— Sinto muito — ele sussurrou, se voltando para a mãe. Pôs a mão sobre a dela ao sentir lágrimas surgirem em seus olhos. — Eu lamento tanto...

Agustina sorriu em meio às lágrimas.

— Sinto por não ter lhe dado o pai que você merecia — ela sussurrou. — Mas você pode ser esse pai para Noah. Pode dar a ele a família que tentei dar a você e fracassei.

Família. Rafael tomou fôlego. Louisa.

Repentinamente, tudo em que conseguia pensar era o que fi­zera com sua esposa. A mulher que tanto tentara amá-lo.

— Louisa sabe? — ele perguntou fracamente.

Sua mãe assentiu.

— Mas ela não lhe diria. Não queria magoar você.

Rafael a observou.                                                              

Louisa não quisera magoá-lo? Mesmo depois de ele ter feito a coisa mais cruel possível, tomando seu filho, ela não quisera magoá-lo. Estivera tentando protegê-lo.

Apesar de tudo, apesar de conhecer tão bem os defeitos dele, Louisa realmente o amava. A generosidade e a lealdade do amor dela o deixaram sem fôlego.

E era daquele jeito que ele a tratava. Ela arriscara tudo para contar a ele a parte da verdade que não o magoaria, e ele a fizera pagar por isso. Oferecera abertamente seu coração a ele, não uma, mas duas vezes, e ele o destroçara.

Ele olhou apaticamente as sombras do bar exclusivo.

— Ela nunca vai me perdoar — disse. Sentiu a mão da mãe em seu ombro.

— Vai, sim.

Ele ergueu o olhar, não mais tentando esconder o brilho das lágrimas em seus olhos.

— Como posso recuperá-la? Durante todo esse tempo pensei que não pudesse confiar nela. E a verdadeira questão é como ela poderá confiar novamente em mim. — Ele pensou em seu filho chorando. Fizera tudo errado desde o início!

O que poderia fazer?

Como poderia compensá-la?

Louisa tentara salvar sua alma e ele retribuíra quase destruin­do a dela.

Ele a amava, percebeu.

Ele a amava.

Estivera tentando resistir a isso durante anos. Mesmo quando dissera a si próprio que apenas a desejava em sua cama, ou que precisava de suas habilidades em sua casa, a verdade era que ele a amava havia anos. Não apenas o que ela fazia por ele, mas ela. Seu sorriso, seu carinho, seu humor. A maneira como ela ficava desarrumada ao acordar. A maneira como seus olhos reluziam de ternura quando ela o via do outro lado do cómodo.

Ele a amava.

Cerrando os punhos, ele se levantou lentamente.

Ele a amava. Ainda que isso o enfraquecesse. Ainda que o tor­nasse vulnerável. Amava Louisa, e faria com que ela o amasse.

Venceria aquela luta, ou morreria tentando.

 

Prostrada no chão, Louisa estava encolhida no caríssimo ta­pete turco. Seu reservatório de lágrimas terminara horas atrás. O guarda-costas que a contivera, Evan. Jones, parecera enojado com o trabalho que tivera que fazer, mas obedecera o chefe, mantendo-a uma virtual prisioneira na luxuosa cobertura.

Depois que Rafael saíra, Louisa pensara desesperadamente em ligar para a polícia e, em seguida, perdera a esperança. Afi­nal, Rafael era o pai de Noah! Então, em vez disso, ela ligou para Agustina, que chorara com ela ao telefone. A senhora pro­metera tentar ajudar. Mas, na verdade, o que poderia fazer?

Agora, Louisa estava entorpecida. Tremeu e se remexeu no frio. Depois, se levantou e pôs uma camiseta e uma calça de pijama antes que seus joelhos se enfraquecessem e ela caísse novamente no tapete. Olhou para o teto, sem nada ver, obser­vando uma comprida e fina rachadura no gesso.

Chorara até não conseguir mais. Estava paralisada. Não, es­tava morta. Quando Rafael a deixara, levando o soluçante bebê consigo, ela morrera por dentro.

Agora, não restara nada dela. Levantou-se lentamente. Abrin­do a porta de tela, saiu para a sacada. Olhou para a noite. Sentiu a fria brisa contra seu rosto quente.

Do outro lado do rio, podia ver a Torre Eiffel acesa. Baixou o olhar para a escuridão abaixo da sacada. Seria tão fácil, pen­sou. Tão fácil acabar com toda a mágoa e dor com apenas um simples pulo. Segurou com força o parapeito da sacada, olhando para a rua lá embaixo.

Mas precisava acreditar que havia alguma chance de conse­guir ver seu marido e seu filho novamente. Precisava viver apega­da à esperança de que, algum dia, ela teria os dois em seus braços. Sentiu algo frio ferroar seu rosto e percebeu que estivera er­rada. Ainda tinha algumas lágrimas sobrando afinal. Uma pesada batida soou na porta.

Quem poderia ser àquela hora da noite? Quem o guarda-costas permitiria que chegasse até sua porta?

Por um momento, ela não se moveu. Ficou do lado de fora, na escuridão. Então, ouviu algo que ricocheteou por ela como uma bala.

O choro de seu filho.

Com um soluço sufocado, Louisa correu para dentro, apres­sadamente atravessando o apartamento para abrir a porta.

— Madame Cruz — ela ouviu a idosa babá francesa dizer —, seu marido me enviou...

Mas Louisa não ouviu mais nada. Com um soluço, tomou o filho dos braços da outra mulher. Sussurrou palavras de amor para o bebê ao aninhá-lo perto de si, beijando suas gorduchas bochechas, sua cabeça com a fina pelugem, seus braços gordos. Noah a abraçou desesperadamente e em alguns momentos pa­rou de chorar. Finalmente, se acalmou e, em seguida, adorme­ceu nos braços dela.

— Ah! — a babá francesas disse ternamente, olhando para o bebê nos braços de Louisas. — Enfin, ele dormiu.

Pela primeira vez Louisa olhou para ela.

— O que está fazendo aqui? — disse, sentindo que estava sonhando. — Por que Rafael devolveu Noah a mim?

A francesa balançou a cabeça.

— Não sei, madame. Mas ele quis que o bebê fosse trazido imediatamente para a senhora, apesar de estarmos no meio da noite. — Espreguiçando-se, ela bocejou discretamente. — Se não se importar, irei para casa agora.

— Mas... ele não exige que o mande de volta?

— Não — ela respondeu calmamente. — Monsieur Cruz disse que era para eu deixar especialmente claro que ele jamais tentaria tomar Noah da senhora novamente. Mas pediu para que a senhora o encontrasse amanhã, para o café da manhã.

Os olhos de Louisa se estreitaram. Encontrar Rafael para to­mar café e comer croissants, fingindo que nada havia aconteci­do, depois de tudo o que ele lhe fizera? Ou pior, uma reunião inicial para discutir seu iminente divórcio?

— Não.

A outra mulher assentiu com um triste dar de ombros.

— Transmitirei sua resposta a ele, madame. Agora, se me der licença, preciso voltar para a cama.

Louisa aninhou seu doce bebê nos braços durante a noite inteira. Dormiu na cadeira de balanço, sem vontade de se separar.

Ao acordar na manhã seguinte, ouviu uma batida na porta e atendeu, o coração na garganta. Esperava encontrar Rafael à soleira, exigindo daquela sua fria maneira que ela fosse com ele tomar café da manhã, para que pudessem se reunir com seus advogados.

Em vez disso, viu um mensageiro, cambaleante sob o peso de um imenso arranjo de rosas, centenas delas, de todas as cores.

— Flores para a senhora, madame — ele arfou.

— Quem as enviou? — Então, atrás dele, Louisa viu o guarda-costas sorrindo, e soube.

— Mande-as de volta! — ela determinou, e bateu a porta.

Mas nos três dias que se seguiram os presentes continuaram chegando. Não importava quão firmemente ela os enviasse de volta, não paravam de chegar. Primeiro, flores. Em seguida, uma equipe de manicures e massagistas do spa. Recebeu pacotes de roupas de todas principais grifes francesas. Bolsas, sapatos exó­ticos, vestidos longos. O ápice foi quando um carro esporte rosa-shocking, com um grande arco no capo, foi deixado na esquina.

Ela recusou todos.

Em seguida, chegaram diversas entregas das melhores joalherias da cidade. Compridos colares de inestimáveis pérolas. Um bracelete de esmeralda. Um colar com centenas de safiras. E, por fim, um solitário de diamante, grande como um ovo de pintarroxo, incrustado em platina.

Louisa enviou tudo de volta.

Durante uma longa manhã sua campainha ficou em silêncio. Ela passou a manhã inteira brincando com o bebê, fazendo um bolo de chocolate e tentando não pensar em Rafael. Ele a que­ria de volta. Aquilo parecia óbvio. Mas quando pararia de lhe enviar presentes? De quanto tempo precisaria para ver que a confiança e o perdão dela não poderiam ser comprados?

Rafael a visitaria pessoalmente em algum momento?

Então, a campainha finalmente tocou, e ela se segurou firme para atendê-la, sabendo que seria Rafael.

Em vez disso, havia um mensageiro, segurando uma única rosa... e um bilhete.

 

Tenho algo a lhe dizer. Encontre-se comigo.

Por favor.

Rafael.

 

Ela respirou fundo. Então, assentiu.

— D 'accord — disse ao mensageiro. Estava curiosa, disse a si mesma. Esse era o único motivo. Isso e o fato de que Rafael escrevera um bilhete do próprio punho. Ela imaginou que deve­ria se sentir lisonjeada!

O mensageiro assentiu com um sorriso e disse em francês:

— Há um carro à espera, para levar a senhora e o bebê para o aeroporto. Não há necessidade de fazer malas para nenhum dos dois. Monsieur Cruz já tem tudo resolvido.

Mas Rafael não os estava esperando em seu avião particular. Quando o avião aterrissou na ilha particular, a ilha grega da qual ela se lembrava muito bem, Louisa não conseguiu mais fingir para si mesma que tudo o que sentia era curiosidade. Queria ver Rafael. Não importava quanto tentasse não sentir isso, estava com saudade. Ela o queria. E alguma parte dela ainda deseja­va que ele pudesse amá-la. Apesar de acreditar que ele jamais amaria alguém.

Mas Rafael não estava esperando por ela na pista. Não a es­perava na bela casa caiada de branco da ilha particular.

Aquela, agora, era a ilha dela.

Ele teria mudado de ideia a respeito de encontrá-la ali? De­sistira de seu objetivo? Ele a deixaria sozinha com a guarda do bebê, a solitária rainha daquela ilha?

A casa estava vazia. Uma estranha decepção a atravessou ao passar pelos quartos vazios.

Aconchegou o bebê adormecido no lindo berço elíptico que encontrou no recém-decorado quarto de bebê. Ao fechar a porta suavemente, olhou para o pôr do sol laranja e escarlate. Atraves­sou a casa vazia. Abriu a porta de tela e saiu para o terraço ao lado da enorme piscina. Piscando para conter as lágrimas, olhou à volta e se lembrou de todos os lugares onde os dois haviam rido, onde haviam compartilhado refeições, onde haviam feito amor. A felicidade de outrora a envolveu como um fantasmagórico eco.

Cruzando os braços, ainda contendo as lágrimas, ela ergueu o queixo e olhou o crepúsculo vermelho acima do mar azul que escurecia. Como tudo dera tão errado?

Seu amor não fora suficiente para salvá-lo. Não fora suficiente para fazê-lo amá-la em retribuição. Mas, enquanto chorava, Louisa ouviu subitamente uma voz atrás dela.

— Perdoe-me.

Tomando fôlego, ela se virou e viu Rafael. Estava caminhan­do na direção dela. Sua silhueta estava escura como uma sombra na noite que iniciava. Apenas seus olhos pareciam piscinas de luz, reluzindo para ela com uma intensidade ígnea.

— Perdoe-me — disse novamente. Ela estava paralisada pelo olhar dele, incapaz de se mover enquanto ele se aproximava. Ele a tomou nos braços. Prendendo-a com o olhar, afastou mechas de cabelo do dela. — Eu estava tão errado!

Ela abriu a boca para falar, mas ele a impediu, colocando um dedo em seus lábios. Baixou o olhar para ela, e Louisa percebeu que ele também tinha lágrimas nos olhos.

— Eu amo você — ele sussurrou. — Amo você Louisa. Você e apenas você. Desde o dia em que a levei para minha cama, jamais houve outra mulher para mim. Você é minha amante. Minha amiga. A mãe de meu filho. Acima de tudo... é minha esposa. Eu amo você.

Ela o olhou, sem conseguir falar.

— Você sacrificou tanto para me proteger. Agora, sei de tudo. Minha mãe me contou tudo. Não consigo viver sem você. Não apenas por Noah, mas por mim. Tudo o que sou, tudo o que há de bom, é por sua causa.

— Oh, Rafael...

Ele inspirou profundamente.

— Sei que não pode me perdoar por ter tirado Noah de você daquele jeito. Mas juro que passarei o resto da minha vida ten­tando merecer seu amor novamente. Não consigo pensar em nada a não ser você. Eu desejo você, amo você, preciso de você, sempre...

Louisa interrompeu as palavras dele com um beijo. Quando se afastou, o belo rosto dele estava deslumbrado de felicidade.

— Louisa...

— Eu amo você — ela sussurrou ternamente. — E nunca deixei de amar.

Puxando-a de volta para seus braços fortes, Rafael a beijou ferozmente sob o céu escuro, debaixo das estrelas que brilha­vam nas águas do mar, sua luz na eternidade.

 

— Estamos noivos!

Seis meses depois, Louisa ergueu o olhar da cadeira ao lado da piscina para ver sua irmã com a mão esquerda estendida e um sorriso timidamente alegre.

— Noiva? — Louisa exclamou. — De quem?

Katie sorriu para o chefe dos guarda-costas de Rafael.

— Todas as vezes em que Madison e eu visitamos esta ilha... Jamais pensei pensei que voltaria com uma lembrancinha assim!

— Um marido é sua ideia de lembrancinha? — Evan Jones disse com um sorriso, pegou a mão de Katie e disse francamen­te, olhando nos olhos dela: — Desta vez, não a deixaria voltar à Flórida sem mim.

Louisa se levantou de um salto, batendo palmas.

— Estou tão feliz por vocês!

Durante todo aquele tempo ela esperara que a irmã encon­trasse o amor verdadeiro... e, agora, ela encontrara. Ela olhou para a praia, onde Rafael brincava com sua pequena sobrinha, Madison, e seu filho, Noah, que aos 14 meses de idade já corria rapidamente pela areia, o mais depressa que suas perninhas gor­duchas o permitiam.

— Rafael já sabe?

— Ainda não — Evan disse com um sorriso de remorso. — Achamos que seria melhor contarmos primeiro a você. Talvez precisemos que você suavize as coisas. Sabe como o senhor Cruz detesta mudanças na equipe. Não vai gostar de ter que ar­rumar um novo chefe para os guarda-costas.

Os três olharam para a praia. O sol brilhava contra a areia branca. O bebê Noah pegara um pequeno balde e uma pá e cor­ria freneticamente atrás de sua prima Madison pela areia. Louisa ouviu o marido rir ao pegar o filho no colo e girá-lo no ar. A profunda gargalhada dele, junto com as risadinhas agudas do filho, era o som preferido de Louisa.

— Mas infelizmente para ele — Evan Jones disse, se virando novamente para Katie com um sorriso —, decidi me demitir do emprego de guarda-costas para virar confeiteiro.

— Então, não obrigue Louisa a fazer seu trabalho sujo — Katie disse, empurrando seu noivo com o ombro. — Vá lá e diga a ele que está se demitindo. Quem está armado é você!

— Na verdade, não estou... — ele começou a dizer, e em seguida empertigou os ombros. — Tudo bem. Eu vou.

Ele foi em direção à praia.

Quando Evan já não podia mais ouvir, Louisa perguntou em voz baixa:

— Tem certeza disso? Ele é tão diferente de Matthias...

— Eu sei. — Katie a olhou, seus olhos brilhando com lágri­mas de felicidade. — Evan é melhor do que rico. E um homem honesto e amoroso, com um bom coração.

— Sem falar na coragem. — Ao longe, Louisa viu seu ma­rido franzir o cenho para Evan, cruzando os braços ao receber a notícia de seu agora ex-guarda-costas. Soltou uma risadinha. — Oh-oh! É melhor irmos lá!

Quando Louisa se juntou ao marido na praia, a situação foi facilmente resolvida. Em três minutos Rafael estava dando pa­rabéns ao homem e lhe desejando tudo de bom com um forte tapa nas costas.

Depois, Louisa pegou a mão do marido. Rafael se virou para ela, beijando-lhe a palma, observando-a com olhos que brilhavam de amor. O coração dela se contraiu. Seria possível que alguma mulher tivesse aquela sorte de ser tão adorada?

Então, com uma risada, ela pegou o risonho bebê e correu para a água para brincar. Foram rapidamente seguidos pelo homem que ela amava: seu ex-chefe, seu eterno amante, seu amado marido, que sempre tivera um bom coração, precisava apenas de uma pequena ajuda para encontrá-lo.

Uma governanta sempre sabia exatamente o que deveria ser feito. Exatamente do que seu chefe mais precisava.

E, às vezes, Louisa pensou, sorrindo ao olhar para o mais lindo ex-playboy do mundo, ela sabia antes mesmo que ele.

 

 

                                                                  Jennie Lucas

 

 

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