Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
UMA PODEROSA ATRAÇÃO
Grace mal podia acreditar no que estava acontecendo, e tudo por causa dos copos de vinho a mais que tomara. Sem saber como nem por que, agora se encontrava ali no quarto, quase nua, diante de Morgan Drake, seu patrão.
Entorpecida pelo álcool, pensou ter visto um brilho de desejo nos olhos de Morgan. Ansiosa, esperou que ele a tomasse nos braços e a beijasse, pois nesse momento seria incapaz de negar o que quer que fosse ao homem que amava...
Quando finalmente saiu do aeroporto, Grace se surpreendeu com o intenso calor. Antes de partir da Inglaterra, havia dado uma olhada na sessão de previsão do tempo dos jornais para saber que temperatura iria encontrar ao chegar em Nova York. Mas, com tantas preocupações na cabeça, ela realmente não conseguira prestar muita atenção. Além disso, tendo partido num dia chuvoso e frio, como poderia pensar que desembarcaria com um sol forte e brilhante e uma temperatura por volta dos trinta graus?
Tirou o casaco, enrolou as mangas da camisa listrada de azul e branco e entrou no primeiro táxi que viu, suspirando aliviada ao sentir o frescor do ar-condicionado do carro. Então, deu ao motorista o nome e o endereço do hotel no qual se hospedaria e recostou-se no banco de olhos fechados. Tinha o direito de saborear o que com certeza seriam seus últimos momentos de tranqüilidade durante as próximas semanas!
Algo lhe dizia que teria de abdicar de sua remota esperança de paz e serenidade ao receber a carta de Jenny há quatro dias. Como sempre, fora uma carta breve e descontínua, que a deixara com a impressão de ter sido escrita apressadamente no final de um dia exaustivo e repleto de atividades excitantes.
Jenny estava com problemas. Deprimida, Grace lera as palavras de caligrafia infantil. Apenas há sete meses em Nova York e ela já estava metida em problemas. Mais do que isso, esperava que Grace cruzasse o Atlântico, gastando quase todas as suas economias para tirá-la de encrencas.
Mas não fora sempre assim? Jenny se metia em enrascadas que qualquer pessoa normal e sensata evitaria com a maior facilidade e então contava com a segurança e a lealdade da irmã para ajudá-la.
Frustrada, Grace olhou para o prédio de cinco andares em frente do qual o táxi havia parado e forçou um sorriso desanimado ao ouvir o motorista:
— É um hotel barato, senhorita, mas não é tão ruim!
Ela se sentiu tentada a responder que a qualidade do hotel era o menor de seus problemas. Porém, em vez disso, deu-lhe outro sorriso amarelo e arrastou a mala até a recepção, onde o recepcionista de meia-idade entregou-lhe a chave do quarto, informou-a de que não havia carregador e aconselhou-a a evitar os elevadores.
Grace não esperava muita coisa do hotel, considerando que fora o mais barato que pudera encontrar no centro de Manhattan e, por isso mesmo, não estava surpresa. O quarto era pequeno, tinha uma televisão portátil, duas imensas reproduções de paisagens nas paredes, um armário com espaço suficiente para guardar as roupas que havia levado para passar duas semanas.
Também tinha um telefone. Ela o fitou por alguns instantes e decidiu tomar banho antes de ligar para a irmã. Além do mais, precisava pensar. Ah, vida, ela pensou com uma careta de desagrado, mal se vencia uma barreira e lá estavam outras tantas acenando no caminho!
Há sete meses, ela levara Jenny até o aeroporto de Heathrow com uma sensação de alívio. Por mais que amasse a irmã, as coisas sempre eram muito mais fáceis quando ela não estava por perto.
Jenny conseguira um excelente emprego em Nova York e fora trabalhar para Morgan Drake, como uma de suas quatro secretárias particulares, e Grace se despedira de sua travessa e irresponsável irmã mais nova com a esperança de que a experiência de viver no exterior a amadurecesse.
— Meus dias agitados acabaram! — Jenny prometera, feliz com sua sorte. — Vou assumir uma posição de muita responsabilidade e pretendo me sair o melhor possível. Você não irá me reconhecer da próxima vez que me encontrar.
— É o que mais desejo, Jen — Grace dissera com sinceridade. — Vou envelhecer antes do tempo se continuar assim, de olho em você vinte e quatro horas por dia.
Seus pais haviam morrido num acidente de carro quando Grace tinha dezoito anos. Na época, com apenas treze anos, Jenny já era uma garota de temperamento difícil. Magricela e rebelde na adolescência, ela se transformara numa bela loira curvilínea. Com certa relutância, Grace dissera adeus à sua própria juventude, fora trabalhar como secretária de um advogado e se preparara para a tarefa inacabável de tentar manter a irmã sob controle.
Por que Jenny sempre dava um jeito de estragar tudo e se meter em mais uma enrascada?, Grace pensou, frustrada. Será que o fato de trabalhar com alguém como Morgan Drake não teria sido o suficiente para incutir um pouco de bom senso naquela cabecinha oca?
Grace não o conhecia pessoalmente, mas lia jornais, e isso lhe possibilitava ter um mínimo de conhecimento sobre o mundo dos negócios para saber que ele não era um tipo fácil. Então por que aquela legendária impiedade não fora capaz de injetar um pouco de sensatez em sua irmã?
Depois do banho, ela sentiu o estômago roncar de fome. Ignorou o aviso insistente e pegou o único vestido sem mangas que levara consigo, um vestido com estampas floridas que não realçava suas formas, mas que ela conservara mesmo assim.
Mudando de idéia quanto a telefonar para Jenny, ela decidiu ir direto ao hospital. Conhecia muito bem a irmã, uma atriz amadora de grande talento. Portanto, não lhe daria tempo para preparar suas expressões faciais para poder arrancar o máximo de solidariedade.
Na rua, deu sinal para um táxi e seguiu para o Hospital de Nova York na Seventh Avenue, convencida de que aquele deveria ser sua última extravagância, se não quisesse correr o risco de ficar sem dinheiro antes que as duas semanas que havia planejado ficar ali acabassem.
Jenny estava deitada quando Grace entrou no quarto, uma perna engessada e suspensa por uma roldana presa ao teto. O punho esquerdo estava enfaixado e por baixo do tecido quase transparente de sua camisola também se via mais ataduras. O cabelo loiro se espalhava em volta de seu rosto e, embora parecesse abatida, com certeza não padecia da dor agonizante que havia insinuado na carta.
— Grace! — ela gritou ao ver a irmã, parecendo surpresa. — Pensei que fosse chegar à noite ou amanhã cedo! Se pudesse teria ido esperá-la no aeroporto, mas... — Ela gesticulou para a perna e sorriu pesarosamente.
— Consegui trocar a minha reserva e voar mais cedo. — Grace se aproximou da cama e a beijou no rosto. — Você não parece tão mal quanto eu estava esperando. Na carta, disse que havia se quebrado toda e que teria muita sorte se pudesse andar de novo. Fiquei muito preocupada.
— Três costelas quebradas, uma perna quebrada e um pulso torcido — Jenny enumerou rapidamente os ferimentos que havia sofrido com uma certa arrogância.
— Como foi que isso aconteceu?
— Um acidente de carro.
— Isso eu já sei — Grace retrucou pacientemente —, mas a sua carta não fornecia muitos detalhes. Tudo que dizia era que estava no hospital e precisava que eu viesse o mais rápido possível. — Ela suspirou e olhou para o rosto corado e emoldurado pelos cachos dourados. Angelical. A impressão de estar envergonhada era apenas enganadora. Ficou aliviada ao saber que o estado de Jenny não era tão sério, mas começava a compreender que talvez tivesse feito aquela longa viagem desnecessariamente. — Alguém mais ficou ferido?
— Oh, não — Jenny deu de ombros e baixou os grandes olhos azuis.
Grace quase estalou a língua de impaciência. Sabia que ela estava escondendo alguma coisa. Passara muito tempo tomando conta da irmã para não perceber quando a verdade estava sendo convenientemente escondida. Por isso mesmo ela insistiu com firmeza:
— Você se importa em ser mais minuciosa?
— Bem... havia mais alguém no carro, mas ele sofreu apenas alguns cortes e arranhões.
— E quem é ele? — Grace se preparou para ouvir o pior. Até onde podia se lembrar, Jenny sempre andava na companhia dos homens mais esquisitos e inconvenientes e zombava de suas objeções.
— O sobrinho de Morgan Drake.
— O sobrinho do seu chefe?
— Precisa dizê-lo nesse tom de voz? — Jenny a fitou com desafio.
Grace contemplou os lábios infantis e curvados e, repentinamente se viu pensando em como seria melhor se estivesse em Londres, no seu apartamento, sem a perspectiva de ter de enfrentar a preocupação que sua irmã significava.
— O que você estava fazendo com o sobrinho de Morgan Drake? — ela perguntou, se sentindo como se estivesse tentando arrancar informações de uma pedra. — E por que estou com a sensação de que ele tem alguma coisa a ver com a minha vinda para cá? Você nunca o mencionou em suas cartas.
— Andamos nos encontrando há algum tempo.
Fez-se um silêncio curto enquanto Grace digeria essa informação, e então ela comentou num tom decidido:
— Bem, fico feliz que ele não tenha se ferido. Mas é sempre assim, não é mesmo? O motorista escapa ileso e o passageiro é que sofre os piores ferimentos. De qualquer forma, você bem que podia ter explicado tudo isso na sua carta... por que insistir que eu viesse quando pode se recuperar tranqüilamente sozinha? Até tem um quarto só para você, e isso deve significar alguma coisa. — Ela olhou em volta pela primeira vez, passando pela televisão em cores com o videocassete, a graciosa penteadeira de vime, as duas poltronas confortáveis. Nada ali lembrava um hospital.
— Rickie insistiu que Morgan me pagasse um quarto particular, do contrário, estaria dividindo as instalações com alguém.
Mais uma vez, Jenny a fitou com um olhar envergonhado, e novamente Grace sentiu a incômoda sensação de que a história toda ainda não tinha sido contada.
— Seu chefe foi muito generoso — ela comentou num tom neutro, tentando imaginar o que estava se passando na cabeça da irmã. O que quer que estivesse sendo escondido viria à tona posteriormente. No entanto, sabia por experiência própria que não seria nada bom forçá-la. Jenny sempre fugira de qualquer tipo de pressão. O melhor seria esperar que a verdade se revelasse por si só.
— No momento, Morgan não está satisfeito comigo — Jenny observou por fim, embora extremamente relutante.
— Por que não? Vai ficar algum tempo afastada do trabalho, mas a culpa não é sua.
Jenny desviou o olhar e agarrou nervosamente a colcha que a cobria.
— Oh, por Deus, Jenny, ande logo com essa história! — Grace vociferou com impaciência, cansada daquela conversa truncada. — Estou cansada e sem ânimo para ficar sentada aqui eternamente fazendo seu jogo.
— Grace, estou com problemas.
"Oh, eu sabia que uma perna e três costelas quebradas e um pulso aberto não era tudo." Desconfiava que Jenny não lhe teria pedido para vir a Nova York apenas para receber um pouco de solidariedade fraternal. Ela reclamaria em todas as cartas de seu sofrimento terrível, mas no final ficaria feliz por poder recuperar-se no seu próprio ritmo, sem a presença incômoda da irmã mais velha.
— Que tipo de problema?
— Um problema sério. Morgan está furioso. Ele pode até mover uma ação contra mim, Grace. Eu estava dirigindo o carro quando houve a batida e nem mesmo o havia segurado.
— Entendo.
Elas se entreolharam, então, uma lágrima rolou pelo rosto de Jenny.
— Não quero ir embora de Nova York. Ele pode me pôr no olho da rua, me processar e até impedir que eu encontre trabalho em outro lugar. Mas não posso ir embora, Grace, simplesmente não posso. Estou apaixonada por Rickie! — Havia um traço de desespero na voz dela.
Estupefata, Grace fitou a irmã. Sentia uma vontade louca de gritar que ela devia ter pensado em tudo aquilo antes de sair para um passeio dirigindo o carro de outra pessoa, num país estrangeiro e sem ter muita experiência como motorista.
— Ele aventou qualquer uma dessas possibilidades? — Grace perguntou depois de alguns segundos.
— Não exatamente.
— O que quer dizer com isso, afinal?
— Ele não disse que irá me processar, mas eu sei que irá! Ele não gosta de mim. Bem, na verdade, não aprova meu relacionamento com o sobrinho dele.
Grace experimentou uma sensação vertiginosa de estar sendo arrastada num remoinho e esfregou os olhos. Sentia-se física e emocionalmente esgotada, e o discurso desesperado de Jenny não lhe era de grande ajuda.
— Por que não?
— Bem, ele acha que Rickie deve aprender a administrar os negócios e para isso não quer que se envolva com mulheres agora. É ele quem dá as ordens e controla as despesas, e isso é muito constrangedor.
— Fico surpresa que ainda não tenha desistido e tentado encontrar outro namorado — Grace comentou com certo sarcasmo. Nunca tinha visto a irmã insistir muito tempo com um homem, fosse quem fosse. Eram eles que sempre a perseguiam. E isso era parte do problema. Pela casa sempre ecoaram os zumbidos constantes dos pretendentes ansiosos e os problemas que representavam. — Talvez ele tenha razão.
— Vai tomar o partido dele?
— Não seja ridícula, não estou tomando partidos!
— O fato é que... bem, gosto muito de Rickie. — Jenny baixou os olhos para os lençóis de um azul pálido, evitando assim o olhar curioso da irmã. — Estou assustada, Grace. Assustada com O que pode me acontecer se Morgan decidir cobrar as despesas e com medo de perder Rickie.
Por um instante, Grace fitou pensativamente a irmã. Havia um ar de vulnerabilidade em sua fisionomia que nunca vira antes.
— E onde eu entro nessa história?
— Gostaria que conversasse com Morgan. — Antes que Grace pudesse protestar, Jenny prosseguiu apressadamente — Tente atenuar as coisas... — Sua voz extinguiu-se.
— Não é minha obrigação interferir em sua vida particular. Não posso solucionar tudo magicamente de modo que Morgan Drake mude de idéia quanto a você e o sobrinho. Isso é algo que só vocês poderão resolver.
— Sei disso. Mas... você poderia tentar e conseguir persuadi-lo a não me processar por causa do acidente. Pode ser que ele a ouça. Você sabe que entro em pânico com muita facilidade, mas você sempre foi calma e racional...
Grace conteve um esgar. Perguntava-se como o que devia ser virtude assumia a proporção de um terrível defeito em sua personalidade. Mas Jenny tinha razão. Enquanto a irmã se mostrava imprudente e espontânea, ela sempre fora sensata e lógica. Se por necessidade ou não, ela não saberia dizer. Afinal, havia se comportado sempre daquela maneira? Talvez não. Talvez tivesse cultivado a sensatez e a racional idade para que pudesse enfrentar a obstinação fascinante, irritante e inalterável da irmã caçula.
Naturalmente, iria ver Morgan, apesar de toda a sua relutância. Que escolha tinha? Além disso, não desejava ver uma Jenny deprimida chegando para pedir sua acolhida dentro de alguns meses. Era pior lidar com ela deprimida do que com o aborrecimento em questão.
Ela ficou no hospital um pouco mais, ouvindo Jenny e pensando sobre o que poderia dizer a Morgan Drake a fim de convencê-lo de que aquele episódio infeliz devia ser creditado à impetuosidade da juventude. Até mesmo Grace acharia difícil aceitar essa desculpa e não duvidava que ele, experiente como devia ser, se mostraria ainda mais cético.
Ao deixar a irmã, Grace estava se sentindo dez anos mais velha e muito mal-humorada.
O sol ainda brilhava intensamente, refletindo-se nas fachadas vítreas dos edifícios. Distraída, ela caminhava ao longo da Broadway. As pessoas ao seu redor pareciam muito apressadas, e o lamento constante dos carros de polícia e de bombeiro emprestavam ao lugar características típicas de um cenário.
Em outras circunstâncias, teria sido agradável perambular por ali, talvez tomar um café num dos tantos bares espalhados pelas calçadas. Grace só viajara ao exterior duas vezes e nunca estivera nos Estados Unidos antes. A princípio, nutrira esperanças de visitar alguns pontos turísticos antes de partir de Nova York, mas naquele momento era a última coisa na qual podia se dar ao luxo de pensar.
Procurou na bolsa o endereço do escritório de Morgan Drake. Definitivamente, aquela seria a última vez que interferia para salvar a irmã de suas enrascadas, qualquer que fosse o motivo. Jenny sempre fora tratada como uma criança, mas agora estava na hora de crescer e encarar suas próprias responsabilidades.
Grace olhou para o imponente edifício de vidro que se erguia a sua frente e depois para o pedaço de papel que segurava, onde tinha anotado o endereço das Indústrias Drake.
Ao lado da porta havia uma placa preta e dourada na qual estava escrito "Drake Plaza". Ela deu um suspiro, observando o intenso fluxo de pessoas que entravam e saíam do prédio. Sabia que o homem era rico, mas Jenny nunca mencionara em suas cartas que um edifício inteiro, imenso e magnífico, pertencia a ele.
"Não gostaria de estar aqui", resmungou com uma sensação de impotência.
Cerrando os dentes, Grace caminhou com determinação em direção à entrada. Já que estava ali, ainda que sua chegada tivesse sido involuntária, seria uma grande estupidez não enfrentar logo o confronto com Morgan Drake.
O espaçoso vestíbulo era tão grandioso quanto prometia a fachada externa do prédio. Havia plantas em todos os lugares, emprestando uma beleza impessoal ao ambiente frio. Grace não perdeu tempo verificando se eram verdadeiras ou apenas réplicas perfeitas. Aproximou-se da recepção e com toda a autoridade que lhe foi possível demonstrar disse que queria ver o sr. Drake.
— Qual deles, senhorita?
— O sr. Morgan Drake. — Rezava para que não parecesse nervosa.
Um ataque de nervos e tudo estaria perdido.
— Tem uma entrevista marcada?
— Não, mas...
— Nesse caso, terá de marcar um horário com uma de suas secretárias. O sr. Drake é um homem muito ocupado.
— Em que andar elas ficam? Posso subir e verificar se posso marcar uma hora para vê-lo. É um assunto muito importante — ela explicou com firmeza e, ao perceber a relutância da recepcionista, acrescentou: — É de natureza estritamente pessoal. Poderia lhe dizer do que se trata e você informaria a secretária dele daqui mesmo, apesar de todas as pessoas que passam por aqui ouvirem tudo. Mas não acho que ele fosse gostar disso. Na verdade, ele poderia ficar muito zangado.
Grace ficou satisfeita consigo mesma ao entrar no elevador que a levaria até o último andar do edifício.
Quem imaginaria que seria tão complicado conseguir ver aquele homem? Por acaso achavam que escondia uma bomba sob o vestido leve e sem mangas? Sorriu diante dessa idéia e saiu para uma sala espaçosa onde ficavam as secretárias dele.
Uma mulher grávida, de cabelos escuros e uma expressão mal-humorada ocupava a mesa mais próxima. Parecia muito concentrada no que estava datilografando. Ela tirou os olhos da máquina ao ouvir os passos de Grace.
— Pois não?
— Gostaria de falar com o sr. Drake.
— Ele não está esperando ninguém. Quem é você? Como conseguiu chegar até aqui? A segurança não devia ter permitido que uma pessoa sem autorização subisse a esse andar. Agora, se não se importa... — Ela se levantou para acompanhá-la até a saída.
— Acho que não entendeu o que lhe disse — Grace contestou, recusando-se a arredar pé depois de todo o esforço que havia feito para chegar até ali. — Estou aqui para ver o sr. Drake e não tenho a menor intenção de ir embora sem que o tenha visto.
— Seu nome? — A secretária murmurou depois de uma pausa e então discou para a sala do chefe. Desligou o aparelho e, num tom de indignação, a informou: — Ele irá recebê-la por cinco minutos. Se precisa de mais tempo, terá de marcar um horário comigo. E a agenda dele está completamente tomada para as próximas três semanas.
Desgostosa, Grace agradeceu, bufando. Em seguida, ela se aproximou da porta ao lado e bateu de leve, abrindo-a quando uma voz de dentro da sala a autorizou a entrar.
Diante de uma mesa cheia de papéis, o homem que ocupava a cadeira giratória, as mãos cruzadas atrás da cabeça, parecia esperar por ela com uma expressão de curiosidade contida no rosto.
Ela ficou surpresa com a figura jovem à sua frente. Sentiu o rosto corar à medida que contemplava sua forte beleza que exalava uma mistura de confiança, poder e riqueza. A cabeleira abundante e negra destacava os olhos de um cinza-claro que a avaliavam perspicazmente, esperando que ela começasse a conversa. Grace não estava acostumada à sensação de surpresa que a invadiu.
"Recomponha-se", ela se advertiu, timidamente visualizando o quadro que devia estar apresentando... olhos arregalados, boca aberta e as faces coradas. E essas não eram características típicas dela. Em geral, era controlada e impassível, principalmente com os homens, uma mulher eficiente em vez de sexy.
— Sou Grace Temple — ela falou, resistindo a um impulso de pigarrear e se dando conta no mesmo instante que estava afirmando o óbvio. Afinal, a secretária dele a anunciara pelo interfone. — Vim para conversar a respeito de minha irmã, Jennifer Temple.
— E você tem como hábito invadir o escritório das pessoas quando quer falar com elas? — ele a repreendeu com um tom divertido enquanto a observava com atenção.
De súbito, Grace se sentiu espantosamente constrangida. E ao se lembrar da maneira como estava vestida, sua inibição aumentou. Eis por que a secretária a fitara com tanto desdém. Talvez não tivesse sido uma boa idéia ter aparecido ali impulsivamente. Devia ter se vestido com mais cuidado se esperava poder persuadir alguém de alguma coisa.
Quando ele apontou para a cadeira do outro lado da mesa, Grace se sentou, aliviada. Pelo menos assim não se sentia um objeto de pesquisa diante de um curioso cientista. Teria aquele homem sempre o mesmo efeito sobre as mulheres?, ela se perguntava. Se tivessem se encontrado em outras circunstâncias, não tinha dúvida de que ele a olharia por alguns breves segundos e então a esqueceria.
— Então você é irmã de Jennifer Temple — Morgan arrastou as palavras. Havia uma leve sugestão de divertimento em sua voz, mas Grace não se importou com isso.
— Exatamente — ela assentiu com indiferença. — Estou vindo do hospital, e ela está muito preocupada com o acidente.
— E deveria estar. Ela lhe forneceu todos os detalhes?
— Claro que sim! — Grace retrucou bruscamente, esquecendo-se de que devia se comportar da melhor forma possível e de que estava ali para lhe pedir um favor. Ele a enervava. Tudo nele a irritava, fazia com que se sentisse desajeitada e constrangida, uma verdadeira adolescente.
Morgan ergueu uma sobrancelha, mas a expressão de seu rosto continuava inalterada.
— Então, sabe que o seguro do carro não estava em nome dela.
— Sim.
— E que a Ferrari ficou completamente destruída.
Ferrari? Jenny não tinha mencionado a marca do veículo.
— Sim — Grace murmurou, perguntando-se o que mais a irmã teria omitido.
— Um carro muito caro, não acha? — ele observou com suavidade, interpretando com precisão a expressão desconcertada no rosto dela.
— Sim. — Grace lhe lançou um olhar fulminante. Sem dúvida, ele estava se divertindo com a conversa.
E seria esse comportamento típico dos magnatas americanos? Seria possível que fossem tão impessoais quanto suas cidades com torres de vidros? Lembrou-se de seu chefe em Londres. A diferença entre os dois homens era gritante.
Mas devia ser capaz de lidar com a autoconfiança intimidadora de Morgan Drake com uma de suas qualidades que era se manter imperturbável mesmo diante das piores situações. No entanto, naquele momento parecia não estar dando certo. A razão lhe dizia para agir com naturalidade, mas seus sentidos estavam intensamente concentrados na masculinidade dele. Estava consciente de sua beleza física agressiva e máscula, da fisionomia sensual, inteligente.
— E quanto à participação de seu sobrinho no acidente? — ela indagou num tom mordaz, desviando os olhos para a janela.
— Oh, ele foi repreendido, acredite-me.
Não deu maiores explicações e também não precisava fazê-lo. O impacto inicial daquele rosto impiedoso fora o suficiente para que Grace soubesse que ele não era o tipo de homem que tolerava comportamentos irresponsáveis.
— Quer dizer que sua irmã a importou da Inglaterra a fim de enfrentar as batalhas em nome dela...
A avaliação da situação foi tão precisa que a deixou sem palavras. Havia um brilho frio e intrigante nos olhos cinzentos que dava a impressão de que ele podia enxergar-lhe a alma, e que por isso mesmo devia estar rindo secretamente às suas custas.
De repente, Grace percebeu que seus cinco minutos tinham se acabado. Ele, no entanto, não parecia estar fazendo nenhum esforço para que a conversa progredisse, mas Grace teria de expressar o objetivo de sua visita ali, do contrário se arriscaria a ter de voltar e reviver todo esse pesadelo mais uma vez. E a idéia não a agradava. Morgan Drake a fazia se sentir numa posição desconfortável como jamais acontecera.
— Não sou um item que se possa importar, sr. Drake — ela o informou com voz clara. — Jenny precisava de mim e vim para lhe dar meu apoio. E isso se chama amor fraternal.
— Está enganada. Para mim, isso é encontrar alguém para fazer o trabalho sujo em seu lugar.
— Lamento que pense assim! — Grace se levantou, os olhos brilhando, furiosos. Afinal, quem ele pensava que era? Nunca ninguém abordara esse assunto de forma tão direta. Por isso, apesar de reconhecer a verdade contida naquelas palavras, sentia-se magoada.
— Ah, eu sabia que por trás dessa fachada formal típica dos ingleses havia um certo calor incendiário! — ele exclamou com satisfação.
— Por que você... — Grace explodiu com veemência. Seu rosto ardia, e precisou cerrar os punhos para conter um desejo selvagem de esbofeteá-lo.
— Vamos, sente-se. Não chegaremos a lugar nenhum se continuar sendo tão melodramática. — Um leve sorriso ainda pairava nos lábios dele, embora sua voz tivesse soado séria.
Grace desejou gritar alguns desaforos e desaparecer daquela sala. Em vez disso, porém, ela se sentou e procurou acalmar os pensamentos.
— Jenny acha que o senhor poderia processá-la por causa do acidente. Vim lhe pedir para reconsiderar a idéia, se essa for sua intenção — ela declarou rudemente.
— Vejo que recuperou o tão admirável autocontrole britânico... devia ter estudado advocacia, srta. Temple. Não é de espantar que sua irmã a tenha importado... desculpe-me, tenha lhe pedido ajuda. Não posso imaginar Jennifer fazendo sua própria defesa com tanta objetividade e eloqüência...
Na frente daquele homem, toda a sua serenidade e domínio pareciam transformados em aflição. Por que Jenny não lhe dera informações mais claras? Suas poucas cartas sempre foram muito vagas e palavras como "atraente mas não o meu tipo" não transmitiam a força e o potencial intimidador inerentes a ele.
— Está se desviando do assunto, sr. Drake — ela o lembrou.
— Tem razão — Morgan concordou.
Ele se levantou e foi até a janela. Imediatamente, Grace se sentiu em desvantagem e cogitou se o grande magnata não estaria agindo de propósito. Lera certa vez que uma boa manobra para intimidar o adversário era ficar em pé diante dele, de modo a fazer com que se sentisse diminuído e vulnerável.
— Na verdade — ele continuou —, nunca me ocorreu mover uma ação contra sua irmã. Quando a visitei no hospital, disse-lhe que devia agradecer às suas orações porque não iria levar a questão até as últimas conseqüências. A garota interpretou mal minhas palavras. O sentimento de culpa deve ter contribuído para isso. Foi uma sorte que o acidente tenha acontecido dentro dos limites do nosso Estado, ou então só Deus saberia qual a atitude que a polícia tomaria.
Ele se calou, mas as implicações de sua última frase ficaram pairando no silêncio que se seguiu.
— Fico-lhe muito grata — Grace disse com respeito. Se agradecimento era o que ele desejava, poderia então agradecê-lo e ir embora imediatamente. Ainda sentia o rosto queimar e uma palpitação intensa causada pela proximidade dele que chegava a ser constrangedor. Além disso, possuía uma consciência aguda de suas limitações físicas aos olhos de um homem como aquele.
Ela se preparou para se levantar.
— Bem, esta foi a razão que me fez procurá-lo, por isso não quero...
— Ainda temos tempo, srta. Temple. Quero falar sobre sua irmã e meu sobrinho. O que ela lhe disse sobre isso?
— Parece que Jennifer gosta muito dele. — Grace evitou se comprometer e cruzou as mãos, fitando-as. Tinha uma necessidade desesperadora de sair daquele escritório e afastar-se o máximo possível da figura perturbadora de Morgan Drake. Não gostava do efeito que ele lhe causava. Fazia com que se sentisse uma adolescente sem graça.
— Vocês, ingleses, são mestres em expor os fatos de maneira atenuada, não é? Acho isso intrigante. — E a encarou profundamente, aumentando o rubor do rosto dela. — Richard acha que está apaixonado por Jennifer. É uma situação muito inconveniente. E você poderia me ajudar a persuadi-los disso.
— O quê? — Grace ergueu a cabeça, surpresa.
— Ele tem vinte e dois anos e é um rapaz muito ajuizado. Mas ainda precisa aprender muito antes que possa começar a dirigir esta companhia. A última coisa que precisa agora é se enrabichar por uma garota inglesa que tem mais um ano para ficar nos Estados Unidos. Ainda mais em se tratando de alguém tão inconstante quanto sua irmã.
— E como acha que posso ajudar? — Grace perguntou sarcasticamente. — Devo montar guarda na porta do hospital até o dia que voltar para a Inglaterra? Não acredito que teria muita influência sobre Jenny no que diz respeito à sua vida pessoal. Caso não tenha reparado, ela é cabeça-dura, muito teimosa.
Jenny nunca prestou a menor atenção às advertências de Grace. Corria sempre para a irmã mais velha quando os problemas surgiam, mas, quando o assunto era homem, considerava a atitude de Grace com certo desdém.
— Poderíamos resolver isso juntos — Morgan sugeriu evasivamente.
— Resolver? — Ela fitou o rosto bronzeado, demonstrando surpresa.
— Ficarei aqui apenas duas semanas. Não acredito que nesse tempo possa visitar todos os pontos turísticos da cidade, muito menos que seja tempo suficiente para tentar convencer minha irmã a desistir de seu sobrinho. Essa é uma tarefa árdua, que levaria a vida toda para ser executada, e mesmo com todo esse tempo não posso garantir que teria sucesso.
Grace se levantou e pegou a bolsa, consciente da intensidade do olhar dele.
— Você não é nada parecida com Jennifer. Eu jamais pensaria que eram irmãs.
Ela ergueu os olhos e o encarou. Quase ouvia o fervilhar do sangue em suas veias, mesmo assim ergueu o queixo e o observou com aversão. Não era preciso que lhe perguntasse o que queria dizer, porque conhecia muito bem o significado daquelas palavras. Desde muito cedo, Jenny fora o centro das atenções, com sua beleza admirada por todos. Os anos foram ainda mais generosos com ela, providenciando-lhe pernas longas e bem torneadas, seios firmes e cheios e um corpo curvilíneo.
Grace se acostumara a viver à sombra de toda essa formosura. Podia entender o que Morgan Drake queria dizer ao compará-la com a irmã. Só não sabia por que o fizera. Ele não parecia perder muito tempo com divagações quando se tratava de outra pessoa.
Ele tinha apenas afirmado um fato óbvio, mas ainda magoava. Involuntariamente, Grace comprimiu os lábios.
— Não precisava ter ficado tão confusa. — Um leve sorriso dançou em seus lábios, deixando-a mais furiosa.
— Essa maneira de ser tão direto com tudo faz parte do comportamento americano ou é o seu modo de fazer as coisas? — ela perguntou abruptamente.
— Acho que um pouco dos dois.
Grace estava de pé e sentiu os olhos dele percorrerem-lhe os seios pequenos e o cabelo castanho e liso que lhe caía até os ombros. Seus olhos eram grandes e azuis e, segundo ela, sua melhor atração. Na verdade, seu maior infortúnio era ter uma irmã que fazia todas as mulheres parecerem insignificantes.
Dando-lhe as costas, ela caminhou rapidamente para a porta. Já segurava a maçaneta quando o ouviu dizer:
— Tem mais uma coisa.
Ela se voltou, perguntando-se o que mais poderia haver para que discutissem. Morgan Drake não planejava processar Jenny e insinuou que poderia ficar em Nova York se o quisesse, apesar de sua oposição quanto ao caso dela com seu sobrinho.
Fitando-o interrogativamente, esperou que ele continuasse.
— Bem, existe o problema da substituição de sua irmã.
Grace assentiu, um tanto confusa. Afinal, nada tinha a ver com esse assunto.
— Fiz questão de contratar alguém da Inglaterra para que, durante um ano, pudesse estagiar aqui conosco e aprender nosso método de trabalho para depois ser transferido para nossos escritórios na Europa, que serão abertos no próximo outono.
— Mas Jenny ficará hospitalizada apenas cerca de oito semanas.
— Alguém terá de substituí-la. Além disso, estava mesmo pensando em contratar mais algumas pessoas. Uma das minhas secretárias está prestes a ganhar nenê e vai se ausentar por algum tempo.
— Nesse caso, boa sorte na sua contratação — Grace disse e virou a maçaneta.
Porém, antes que pudesse abrir a porta, ele a segurou pelo pulso. Grace fitou-o direto nos olhos, e uma sensação estonteante a percorreu, fazendo com que instintivamente se afastasse, desconcertada diante daquela masculinidade irresistivel. Estavam tão próximos que quase podia sentir o calor daquele corpo forte ao lado do seu, e essa experiência embaralhou todos os seus pensamentos.
— Você não gostaria de preencher a vaga de sua irmã? — Morgan perguntou, observando com insistência o rosto dela. — Você é uma secretária experiente. Jennifer me falou sobre isso algum tempo atrás. Não teríamos problemas para conseguir uma autorização de trabalho, e você ficaria ao lado de sua irmã, até que ela esteja recuperada.
Surpreendida pela proposta dele, Grace o fitou em silêncio enquanto procurava superar o impacto de suas palavras.
— Eu já tenho um trabalho na Inglaterra, sr. Drake — ela afirmou, vacilante.
— Mas pode deixá-lo.
— Não posso abandonar meu trabalho, meu apartamento e meus amigos assim, tão de repente.
— Por que não?
— Porque... porque... — Sem conseguir pensar em algumas razões de fato importantes, ela concluiu num tom fraco: — Porque simplesmente não posso.
— Assustada?
— Não! — Grace ergueu os olhos e ficou aborrecida ao perceber que Morgan a fitava divertido e, de novo, experimentou aquela sensação de que ele podia adivinhar seus pensamentos.
— Então? Vai ser um desafio. Você não tem família na Inglaterra. Quanto a seu apartamento, posso encontrar alguém de confiança para alugá-lo na sua ausência. Se isso não for possível, a própria companhia pagará seu aluguel. E você poderá fazer novos amigos aqui. Nós, americanos, somos boas pessoas, só terá de nos dar uma chance. Assim, onde está o problema?
— O problema, sr. Drake — Grace começou a falar, enfatizando o nome dele —, é que não gosto de que a minha vida seja controlada por outra pessoa.
— No entanto, permitiu-se ser controlada por sua irmã ao largar tudo que estava fazendo e cruzar o Atlântico para resolver os problemas dela. — A voz dele soou extremamente suave, mas transmitia a convicção de alguém que não queria desperdiçar qualquer chance. Ele lhe soltou o pulso e recuou. — Pense sobre o assunto. Não tenho intenção de processar sua irmã, mas, de qualquer forma, não podemos nos esquecer da Ferrari...
— Não acredita que pode me fazer ficar aqui por meio de chantagem, não é?
— Quem, eu? Claro que não. Prefiro pensar nisso como persuasão.
— Bem, vou pensar na sua proposta, sr. Drake. — Grace abriu a porta e se preparou para sair.
— Ótimo. O que acha de almoçarmos juntos amanhã? Vou esperá-la ao meio-dia no restaurante Zantini, que fica em Greenwich Village, bem na esquina da West Fourth Street. Poderemos, discutir sua decisão. — Ele sorriu, e por um momento Grace se sentiu totalmente perdida, lutando com desespero para recuperar o bom senso.
Passou o resto do dia e boa parte da noite tentando encontrar razões para recusar a oferta. Não gostava da maneira como ele havia conduzido as coisas. No entanto, mais desconcertante era pensar no motivo que o havia levado a insistir tanto para que trabalhasse em sua empresa. Talvez ele nutrisse esperanças de poder obrigá-la a ajudá-lo na tarefa de afastar Jenny do sobrinho. Mas será que isso significava tanto para ele?
De qualquer forma, quaisquer que fossem as razões, a idéia era tentadora. Ao longo do último ano, sua vida parecia ter assumido os contornos infindáveis de uma rotina sem perspectivas de mudança. Os irmãos Collins, para quem trabalhava, reconheciam sua capacidade, mas lhe explicaram que não podiam promovê-la para uma posição mais interessante por pelo menos mais um ano, porque a firma ainda era muito pequena.
Grace jantou cedo e se deitou disposta a ler um livro. Mas com tantos pensamentos tumultuando-lhe a cabeça, não conseguiu prestar atenção na leitura. Quando por fim adormeceu, já havia tomado uma decisão, sem que para isso tivesse feito muito esforço.
Na manhã seguinte, enquanto escolhia, entre as poucas roupas que trouxera, o que iria vestir, Grace refletia sobre todos os seus problemas. Ocorreu-lhe que a irmã não ficaria muito empolgada com a idéia de vê-la aceitar a proposta de Morgan para trabalhar com ele.
Decidiu passar pelo hospital antes de ir ao encontro de Morgan no restaurante, embora tivesse de cronometrar bem o tempo se não quisesse chegar atrasada. Como boa inglesa que era, cultivava a pontualidade. Além do mais, não pretendia nenhuma entrada em grande estilo num restaurante já cheio e com Morgan sentado e submetendo-a a um exame minucioso e implacável, não quando usava uma saia simples e uma blusa de seda creme. Não podia nem imaginar aqueles olhos lhe percorrendo o corpo, sabendo que Morgan se divertia às custas de sua imagem.
Jenny ostentava uma expressão taciturna e aborrecida quando Grace entrou no quarto. Não era do seu feitio ficar encarcerada num mesmo lugar por muito tempo, e a perspectiva de passar dois meses de inércia forçada já começava a manifestar seus efeitos.
Grace conversou amigavelmente durante alguns minutos, observando a fisionomia da irmã se suavizar quando lhe entregou algumas revistas. Então, achou que era o momento de lhe contar as novidades.
— Como você não vai poder reassumir as suas funções agora, o sr. Drake me convidou para trabalhar com ele como uma de suas assistentes particulares.
— Ele o quê?
— Ele me ofereceu um emprego.
— E você vai aceitar? — Como Grace esperava, Jenny não pareceu gostar muito da idéia.
— Acho que sim. Além de me dar a oportunidade de ficar aqui enquanto você se recupera, pode ser interessante. Trabalhar para o sr. Collins já estava me aborrecendo. E essa oferta pode ser a chance que eu procurava.
Ela olhou para a irmã, quase adivinhando o que se passava em sua mente enquanto ruminava essa nova informação e analisava as implicações que isso lhe traria.
— Eu só queria que você falasse com ele — Jenny protestou —, que lhe pedisse para não me processar e me deixasse ficar em Nova York. Não para que ficasse com o meu emprego.
— Não é o seu emprego — Grace retrucou calmamente. — Você o terá de volta assim que puder trabalhar. E ele não irá processá-la por causa do acidente. — Conteve-se para não lhe dizer que achava que o patrão tinha todo o direito de fazê-lo.
— Bem, isso já é alguma coisa. — Jenny a fitou com cautela. — É que... gosto muito da liberdade que tenho aqui. Não gostaria de ter você me supervisionando o tempo todo e me repreendendo por tudo que faço.
— Não se preocupe, não há muita coisa que você possa fazer num quarto de hospital — Grace a lembrou com um tom brincalhão. Não quis confessar que aquela era a principal razão que a levara a aceitar o trabalho. Afinal, a proposta de Morgan mais parecia uma providência divina, pois estaria perto de Jenny, para o caso de a irmã realmente precisar de ajuda ou de atenção, e não teria de se preocupar constantemente com o que ela poderia estar tramando.
— Morgan lhe falou de Rickie?
— Abordamos de leve o assunto.
— Imagino que ele tenha lhe pedido para me convencer a deixar de vê-lo. Parece que ele não entende que Rickie tem idade suficiente para tomar conta de si.
Grace não estava com ânimo para se indispor com a irmã. Não naquele momento. Sabia que se desse qualquer indicação de que desaprovava o relacionamento deles, Jenny no mesmo instante começaria a desfiar um rosário de argumentos intermináveis.
— Como é que é trabalhar para o sr. Drake? — Ela mudou de assunto.
— Eu não tinha contato direto com ele, já que trabalhava sob a orientação de sua secretária principal. Mas, todas as vezes que o encontrei, ele me pareceu razoável. Isto é, até que eu e Rickie começamos a nos ver.
Ela deslizou os dedos pelo cabelo longo e dourado, erguendo-o graciosamente no alto da cabeça. Observando o movimento suave e naturalmente insinuante, Grace se recordou do estoque de gestos que a irmã possuía e reproduzia quase inconscientemente para chamar atenção.
— Vou me encontrar com ele num restaurante chamado Zantini para discutir os termos do contrato.
— No Zantini? Ele deve estar muito interessado em você. — Jenny lhe deu um sorriso irônico e um olhar intrigante e astuto que Grace preferiu ignorar. — Acho que vai ser bom tê-la por aqui. Poderá me trazer chocolates e revistas enquanto eu estiver no hospital.
— Chocolates? Você nunca sequer os olhava — Grace comentou e Jenny concordou, rindo. Sempre fizera questão de observar seu peso rigidamente.
Agora que havia contado as novidades para a irmã, os pensamentos se precipitavam na mente de Grace, antecipando o encontro com Morgan. Ao inclinar-se para lhe dar um beijo de despedida, surpreendeu-se ao sentir os braços de Jenny envolvê-la pelo pescoço.
— Desta vez, Grace, é muito sério — ela sussurrou com a voz embargada. — Você tem de ficar do meu lado.
Grace retribuiu o abraço e não insistiu no assunto.
Porém, enquanto se dirigia ao restaurante, ela revisou mentalmente o que Jenny lhe havia dito. Notou um tom de súplica desesperada em sua voz que nunca percebera antes. A irmã sempre tivera controle total de sua vida amorosa. Agora, Grace tinha a sensação de que as emoções fugiam ao controle dela e refletia se esse relacionamento teria para Jenny um significado maior do que uma simples paixonite passageira.
Grace chegou ao restaurante quinze minutos atrasada. O trânsito intenso de Nova York vencera seu desejo de ser pontual. Morgan, usando um terno cinza, a esperava sentado a uma das mesas e se levantou para cumprimentá-la. Ela reparou no toque seguro e firme da mão macia e na elegância e seriedade desconcertantes que ele exibia.
Consternada, Grace se deu conta de que o fascínio que dele emanava não havia diminuído durante a noite. Morgan continuava tão irresistivelmente sensual quanto ela temia. E ao ter a mão presa na dele, sentiu um estremecimento que a advertia contra o perigo. "Está agindo como uma idiota", disse a si mesma com desdém. "Este homem nasceu para conquistar mulheres bonitas e sofisticadas."
De soslaio, ela viu duas dessas mulheres numa das mesas próximas que o olhavam com interesse e se perguntou se Morgan sempre produzia esse tipo de reação no sexo oposto.
Grace ponderou que seria bom se pudesse admirar seu fisico atraente e sedutor e ao mesmo tempo permanecer imune a seus efeitos. Afinal, não fora sempre capaz de conduzir racionalmente suas relações com os homens?
— O que gostaria de beber? — Morgan perguntou quando se sentaram e o garçom se aproximou com os cardápios.
— Água mineral, obrigada.
— Você não bebe?
— Não quando posso precisar de minha cabeça no lugar certo — ela respondeu num tom de brincadeira, mas estava dizendo a verdade e pensando que, na companhia daquele homem, ter a cabeça no lugar era a coisa mais importante para qualquer um. Morgan riu como se tivesse interpretado corretamente o sentido de suas palavras e pediu um uísque para si.
Grace imaginou que ele fosse lhe perguntar de imediato sobre sua decisão. Mas, enquanto comiam, ele orientou a conversa para a vida dela e o que fazia em Londres. E se mostrava interessado em tudo o que Grace dizia.
Com certeza, não passava de uma encenação, ela pensou, indiferente. Ademais, que importância tinha o tipo de impressão que lhe causasse? Estava apenas sendo entrevistada para um emprego e não teria de se afligir com a possibilidade de ele mudar de idéia quanto a contratá-la.
Enquanto saboreava o excelente filé ao molho madeira, Grace examinou furtivamente o rosto forte e enérgico dele. Sua postura era a de alguém nascido para exercer o poder. Quando sorria, seus traços se suavizavam, mas o olhar sempre se mostrava cauteloso e vigilante. Era difícil de acreditar que ele tivesse trilhado seu caminho no mundo implacável dos negócios com aquela aparente naturalidade.
Grace desconfiava que o grande empresário sentado à sua frente era um homem duro e resistente e, por isso mesmo, um adversário temido.
— Você já se decidiu quanto a minha oferta? — ele perguntou sem preâmbulos, logo que o café foi servido. Estava encostado na cadeira com os braços cruzados sobre o peito e a observava atentamente.
— Você poderia me falar um pouco sobre o trabalho?
Morgan fez um resumo objetivo das tarefas próprias da função e respondeu às perguntas dela com precisão e clareza.
Grace o ouvia com atenção, esclarecendo todas as dúvidas. O trabalho lhe parecia fascinante. Envolvia muito mais responsabilidade do que seu trabalho atual, e isso, por si só, era uma clara indicação de que seria estimulada a ampliar ao máximo seus conhecimentos na área empresarial.
— Estou disposto a dobrar seu salário, seja ele qual for — Morgan asseverou, aproveitando-se de uma pausa dela.
— Por quê? — Ela terminou de tomar o café e o espreitou, curiosa.
— Porque quero você trabalhando comigo e estou preparado para pagar.
Grace experimentou um rápido arrepio de prazer e desviou o olhar.
— Então, qual é a sua resposta?
— Eu aceito.
Ele não se mostrou surpreso; talvez estivesse acostumado a conseguir tudo o que queria. Rapidamente ela acrescentou:
— Mas terei de voltar a Londres para resolver algumas coisas. Preciso ver como fica o aluguel do meu apartamento e também conversar com meu chefe e ver o que pode ser feito sobre a minha saída repentina, sem o cumprimento do aviso prévio.
Morgan assentiu, então comentou abruptamente:
— Pretendo ir a Londres dentro de uma semana. Poderemos voltar juntos para Nova York e, assim, começarei a informá-la com maiores detalhes sobre os negócios de minhas empresas.
Grace procurou esconder os receios que de súbito a invadiram. Uma coisa era trabalhar com Morgan Drake, e outra muito diferente estar com ele fora do ambiente profissional. Todos os seus instintos lhe garantiam isso, ainda que não houvesse nenhuma base racional para sua suposição.
Não que isso fizesse alguma diferença, ela pensou. Sem dúvida, Morgan era um homem muito atraente, mas não o tipo que se interessaria por ela. Para chamar a atenção dele, uma mulher teria de ser extremamente bonita, o que não era o seu caso.
Grace concordou com um gesto de cabeça, afastando os pensamentos inoportunos da mente.
— Quando você gostaria de viajar? Posso cuidar da sua passagem.
— Eu já tenho uma passagem de volta. Só terei de mudar a data. — Ela franziu a testa e acrescentou: — Mas não sei se isso será possível, porque paguei um preço promocional. Talvez...
— Esqueça, comprarei uma nova passagem para você. — Morgan acenou para o garçom pedindo a conta, e Grace ficou com a impressão de que o assunto estava encerrado no que dizia respeito a ele.
— Onde você está hospedada? — perguntou e examinou rapidamente a conta. Em seguida, colocou o cartão de crédito dentro do estojo aveludado e o fechou.
— Por quê?
— Preciso de um endereço para lhe mandar a passagem. Você sempre faz tantas perguntas?
— Deve ser um hábito que adquiri depois de passar muitos anos cuidando de Jenny. — Grace lhe deu o endereço do hotel e ele assentiu, mas não o anotou.
Por alguns instantes, Morgan a fitou com um ar curioso, e Grace imaginou que ele devia estar comparando-a de novo com Jenny. Sem que pudesse evitar, sentiu-se ruborizar. Desde que se encontraram, aquela era a primeira vez que os olhos cinzentos inclementes a avaliavam enquanto mulher, em vez de uma possível funcionária, percorrendo seu corpo pequeno, os traços delicados, o cabelo castanho liso que lhe alcançava os ombros.
— Suas roupas não a favorecem muito — ele disse de repente e fixou o olhar nela numa avaliação muito mais ostensiva. — Você é magra, mas não tão magra assim. Não devia usar camisas e saias que a escondem.
Morgan continuou observando-a calmamente, brincando com o cartão de crédito, que o garçom lhe devolvera.
Grace, surpreendida pelo comentário dele, não conseguiu pensar em nada sensato para revidar.
— Não compreendo no que meu modo de me vestir possa interessá-lo. — Por fim, ela o censurou com um tom sarcástico, deixando claro que tinha se ofendido com a intromissão dele no que se referia a seu gosto pessoal.
— Ao contrário. Agora que vai trabalhar para mim, cada detalhe sobre sua aparência física será do meu interesse. — Ele lhe lançou um olhar dissimulado e zombeteiro. — Terá chance de verificar quão grande é o número de pessoas com o qual estará em contato quase o tempo todo. E ficará escandalizada ao descobrir como é importante o papel que a roupa desempenha. Mas podemos fazer algumas compras quando estivermos em Londres.
— Não, obrigada — Grace recusou o convite gentilmente. Ele podia se julgar no direito de impor às suas outras secretárias e às mulheres com quem saía, e que não deviam ser poucas, como e para quais ocasiões deviam se vestir, mas jamais permitiria que lhe ditasse ordens quanto à sua vida pessoal. Além disso, não tinha a menor intenção de gastar o que sobrara de suas economias com bobagens. E no caso de se dar mal, se viesse para Nova York e descobrisse que não gostava dali?
— Veremos — Morgan murmurou com um ar especulativo, causando em Grace a profunda impressão de ser um homem que sempre conseguia exatamente o que queria. Quando se ofereceu para levá-la de volta ao hotel na limusine luxuosa que o esperava em frente ao restaurante, ela recusou, afirmando que preferia caminhar um pouco para que pudesse apreciar o cenário desconhecido.
E foi com alívio que viu o carro se misturar aos demais e sumir no trânsito agitado. Lógica e razão, características que acreditava possuir em profusão, na presença dele pareciam abandoná-la. Agora, consentia que sua mente divagasse livremente sobre os prós e os contras de sua decisão de trabalhar para ele. Reconhecia que não gostava de algumas coisas relacionadas àquele homem. Não se preocupava com sua presunção velada de que podia ter tudo o que desejasse. Isso mostrava como era a cabeça dele e que todo seu charme e fascínio mal podiam ocultar um temperamento arrogante e autoritário.
Também não se importava com os comentários dele sobre sua aparência, embora concordasse que ele podia até ter certa razão. Naquele instante, ela passava na frente de uma grande loja de departamentos e, automaticamente, examinou sua silhueta refletida na vitrine. Talvez devesse comprar algumas roupas novas, mas se o fizesse preservaria seu estilo conservador e clássico, optando por cores neutras. E se ele ainda encontrasse motivos para reclamar... bem, de qualquer forma, a opinião dele não lhe interessava.
Grace não voltou a vê-lo antes que partisse de Nova York. Na manhã seguinte ao almoço, recebeu uma passagem de primeira classe para Heathrow, com um bilhete datilografado que a instruía sobre quem contatar na empresa para finalizar os detalhes de seu contrato. Em poucos dias, ela assinou o contrato, dando um novo passo em sua carreira.
— Espero que saiba o que está fazendo — Jenny disse na véspera de sua partida. Rickie tinha ido visitá-la e lhe levara um lindo buquê de flores do campo e um robe branco de seda, e ela estava de ótimo humor.
— Bem, não estou me mudando para Marte — Grace protestou. — Por outro lado, o que tenho a perder? Estou com vinte e cinco anos e apenas vou quebrar a rotina na qual vivi nos últimos anos.
— Contanto que não comece a representar o papel da irmã mais velha comigo quando tiver saído do hospital...
— Mas eu sou a irmã mais velha — Grace a lembrou delicadamente. — Há alguma coisa de errado que me preocupe com você? Ademais, você poderá me apresentar sua nova conquista. — Ela sabia que esse comentário iria divertir a irmã e constatou que tinha razão. Passou mais meia hora ouvindo Jenny falar de Rickie e, ao mesmo tempo, permitiu-se divagar sobre o que teria de fazer durante os próximos dez dias, antes de voltar a Nova York.
Tudo aconteceu com uma rapidez espantosa quando da chegou em Londres. O sr. Collins lhe disse que lamentava vê-la partir, que era difícil encontrar pessoas jovens que trabalhassem bem e que, em vista das circunstâncias especiais que envolviam seu novo trabalho, ele a liberava do aviso prévio.
Quanto ao apartamento, ela colocou um anúncio num jornal um dia depois de sua chegada e na tarde seguinte entrevistou e aceitou duas jovens estudantes de contabilidade como inquilinas.
Com a data de sua partida se aproximando, Grace mal podia conter a agitação que crescia em seu íntimo. Tinha separado as roupas que pretendia levar e arrumado as malas e estava sentada sobre uma delas, revisando mentalmente tudo o que precisava ter feito para se assegurar de não ter esquecido nada, quando a campainha tocou.
Ela se levantou de um salto e olhou desanimada para a velha mala que se abriu, agora livre de seu peso. Então, foi atender a porta, certa de encontrar a vizinha que lhe prometera visitá-la uma última vez. No entanto, a figura alta e fascinante de Morgan surgiu à sua frente.
— Olá — ela o saudou, os olhos arregalados, e corou ao se lembrar de como estava vestida: calça jeans desbotada e uma velha camiseta branca. — O que é que você está fazendo aqui?
— É com esse entusiasmo que você recebe seu futuro chefe? Não vai me convidar para entrar? — Ele se apoiou no batente da porta e a fitou com uma expressão divertida que a enfureceu.
Grace se afastou para dar-lhe passagem. Por alguma razão desconhecida, irritava-a a sensação de que aquela figura imponente e altiva parecia diminuir o pequeno apartamento, enquanto corria os olhos ao redor dos poucos móveis. Ela havia embalado seus objetos mais preciosos, guardando-os num compartimento do subsolo do prédio, deixando ali apenas o essencial.
— O que você está fazendo aqui? — ela repetiu, fechando a porta com um estrondo.
— Você se esqueceu? Temos um encontro.
Ela o encarou com uma expressão de perplexidade estampada no rosto. Porém, aos poucos foi se lembrando da sugestão dele de levá-la para fazer compras.
Ainda estava zangada e confusa com a presença dele em seu apartamento e era-lhe difícil pensar com clareza. Morgan parou perto da janela, fitando-a, uma das mãos no bolso da calça, a outra tocando distraidamente as folhas de uma planta que pendia do teto. Os raios de sol pareciam deixá-lo ainda mais moreno e alto do que ela se lembrava.
Esse homem era realmente impressionante, Grace admitiu com relutância. Ombros largos, quadris estreitos e pernas longas... ele mais parecia um atleta e não um homem de negócios bem-sucedido.
— Desculpe-me — ela mentiu —, esqueci completamente e agora já é muito tarde. Ainda tenho de providenciar algumas coisas de última hora que não quero deixar para amanhã, portanto... — Ela deixou que as palavras se dissipassem no ar, sugestivamente.
Grace desejou que ele não a olhasse com tanta intensidade. Sentia-se em condição muito inferior com aquela roupa informal. Se desaprovara seu modo de se vestir antes, agora devia estar vendo-a com profundo desdém.
— Que coisas de última hora são essas? — ele indagou, recomeçando sua inspeção da sala.
— Coisas — Grace replicou, irritada. — Preciso arrumar um pouco a casa, limpar a geladeira... não quero partir e deixar tudo bagunçado, como se um vendaval tivesse passado por aqui.
— Você pode fazer tudo isso esta noite. Neste momento, vai comigo até a Harrods.
— Você enlouqueceu? Não posso me dar ao luxo de comprar sequer um lenço na Harrods, muito menos roupas! — Ela cruzou os braços e o encarou.
— Eu pagarei. Chame a isso de bonificação para roupas.
— Não vou aceitar seu dinheiro para comprar roupas! — ela exclamou furiosamente e recuou ao vê-lo se aproximando.
— Vai perder tempo com esses argumentos — Morgan a desafiou num tom indolente. — E, agora que trabalha para mim, ficaria agradecido se controlasse um pouco esse seu gênio enfurecido. É capaz de imaginar o que uma pessoa poderia pensar se a ouvisse agora?
— Pensaria que não quero que você compre minhas roupas!
— Não, pensaria que somos namorados, porque secretárias conscienciosas nunca erguem a voz quando se dirigem ao chefe.
Grace arregalou os olhos. Sentiu o rosto queimar ao interpretar as implicações do que ele acabava de dizer. Como poderia lhe explicar que normalmente nunca erguia a voz, mas que havia algo de alarmante nele que parecia lhe provocar todas as reações inconvenientes?
Por ter passado anos tomando conta de Jenny, aprendera a dominar seu próprio temperamento, mas Morgan a incomodava, e ela não tinha muita certeza do porquê.
— Vou ver se posso tirar alguma coisa de uma das malas — ela cedeu, acalmando-se. — Não tinha planejado sair de casa hoje e, além do que vou usar na viagem, já guardei tudo.
— Venha do jeito que está. Você me parece... fascinante.
Ele a olhou da cabeça aos pés, um olhar rápido mas astuto, e Grace desejou esbofeteá-lo por sua atitude benevolente. Fingindo ignorá-lo, ela apanhou a bolsa e se dirigiu para a porta.
Na rua, um táxi os esperava. Ele devia ter certeza de que conseguiria levá-la consigo.
— Fale um pouco sobre você — ele sugeriu enquanto o carro se afastava da calçada. — Há quanto tempo mora em Londres?
— Desde que meus pais morreram — Grace respondeu. — Deus, quanta gente na rua! Deve ser o calor repentino. Sempre acho Londres uma cidade pequena demais para agüentar os turistas e os próprios ingleses, todos nas ruas ao mesmo tempo.
Ela se voltou para a janela do táxi, consciente do olhar de Morgan ao notar que havia mudado de assunto. Mas ele não insistiu, ao contrário, concordou com ela e passaram a conversar sobre amenidades.
Durante todo o percurso. Grace pôde sentir a presença forte e marcante a seu lado, e isso a perturbava. Nunca fora dada a explosões de fascinação ardente pelo sexo oposto e, com certeza, nunca tivera tanta consciência de um homem quanto tinha dele.
De repente, sentiu a pele se arrepiar e fez um esforço deliberado para desviar os olhos daquele perfil bem definido e resoluto. A última coisa que precisava àquela altura era se apaixonar pelo homem com quem iria trabalhar, principalmente um homem tão atraente e que devia saber muito bem o efeito que causava nas mulheres.
E como poderia ser diferente? Enquanto percorriam os corredores da Harrods, ela percebeu que quase todos os olhares femininos se voltavam para o homem a seu lado. E podia apostar que todas pensavam a mesma coisa: o que ele fazia na companhia de uma moça comum, vestida como estava? Ele, por sua vez, devia estar se divertindo muito com a situação.
Grace chegou à loja determinada a encurtar o máximo possível aquela expedição, mas isso acabou sendo mais difícil do que previra.
Morgan examinava as roupas nas prateleiras e cabides rapidamente, mas com um conhecimento incomum e quase profissional do que lhe ficaria bem. Ele escolhia cores que ela jamais sonhara usar e, enquanto experimentava os modelos variados, ficava cada vez mais surpresa ao verificar que lhe caiam muito bem, realçando-lhe as formas.
— É óbvio que você tem experiência nesse tipo de coisa — ela admitiu, relutantemente.
— Devo entender isso como um cumprimento da minha mais nova secretária? — ele perguntou, fingindo incredulidade.
— Se prefere entender dessa forma... — Grace murmurou.
Ele fez um sinal à vendedora para que juntasse o vestido que Grace tinha acabado de experimentar às demais roupas que pretendia comprar, e que tinham sido embrulhadas cuidadosamente com papel de seda. Ela nem ousava imaginar quanto custariam.
— Você tem uma roupa de festa? — Morgan perguntou quando Grace pensou que já tinham encerrado as compras.
— Por que eu precisaria de um vestido de festa?
— Uma resposta simples e objetiva, por favor. — Ele a fitou com as sobrancelhas arqueadas e a cabeça ligeiramente inclinada.
Ela pensou que Morgan seria um excelente advogado. Tinha um olhar que não perdia um único movimento, e uma maneira de falar que sugeria que não deixaria nada em paz até vê-la chegar à sua conclusão natural, ou pelo menos até que sentisse ter esgotado o assunto.
— Não — ela admitiu de má vontade. Suas roupas seguiam uma linha funcional e confortável e, claro, não incluíam nada que se parecesse, ainda que remotamente, com o tipo de roupa de noite que ele devia ter em mente.
Antes que pudesse protestar, Morgan a conduziu para a sessão onde ficavam os trajes de noite e escolheu um deles. Grace olhou horrorizada para o minúsculo vestido de um vermelho vivo que ele lhe entregou.
— Não posso usar isso — ela reprovou a escolha firmemente.
— Pelo menos experimente e me deixe ver como fica.
Furiosa, ela o fitou em silêncio diante da aproximação da vendedora, mas tampouco era do seu estilo fazer cenas em público. Cerrando os dentes, entrou no provador e, desacostumada àquele estilo de roupa colada ao corpo, precisou se contorcer para ajeitar o vestido. Então, afastou-se e se surpreendeu ao ver-se refletida no espelho. Ele se moldava perfeitamente às suas curvas e até mesmo revelou-lhe partes de seu corpo às quais nunca havia prestado atenção.
Imaginou que Morgan fosse sorrir triunfante ao vê-la. Mas ele apenas a avaliou num silêncio total.
— Perfeito, levaremos este também — ele disse à vendedora e, em seguida, dirigiu-se ao caixa.
De volta ao provador, Grace se contorceu para tirar o vestido e se juntou a ele. Ficou confusa com a reação dele e a creditou ao cansaço. Ela própria estava exausta. Demoraram-se ali quase três horas, e Grace já não agüentava mais tirar e vestir roupas.
Será que Jenny enfrentava esse mesmo ritual toda vez que comprava uma roupa nova? Grace observou Morgan enquanto ele pagava a conta e, quando saíam da loja, carregados de sacolas, ela abordou o assunto e lhe disse que gostaria de pagá-lo.
— Já lhe disse que entrará como despesa da companhia — ele respondeu secamente enquanto tomavam um táxi. — Se isso faz com que se sinta melhor, minha última secretária recebeu uma ajuda de custo para comprar roupas e não perdeu tempo em aceitá-la.
Nesse caso, pensou Grace, já que era praxe da empresa beneficiar os funcionários, então não teria com que se preocupar. Ela fechou os olhos e se encostou contra o assento, se sentindo completamente sem energia. Quando o táxi parou em frente a seu prédio, ela se voltou para Morgan:
— Gostaria de lhe oferecer um café, mas já dispensei tudo o que era perecivel.
— Tudo bem. De qualquer forma, preciso voltar agora. Nós nos encontraremos amanhã no aeroporto. — Morgan estendeu o braço sobre ela e abriu a porta e, por um momento, Grace ficou perturbada com as ondas de eletricidade que pareciam emanar do corpo dele.
Pegou as sacolas, recusando a ajuda dele, e se apressou em direção à porta do edifício. Tão logo entrou em seu apartamento, jogou as sacolas no chão e se atirou no sofá.
Não entendia muito bem por que a presença marcante de Morgan Drake mexia tanto com ela, mas não gostava nem um pouco disso. Quando estivesse ao lado dele no avião, teria de se esforçar para ignorar o fato de que ele era um homem e se lembrar apenas de que era agora seu patrão.
Olhando à sua volta, tentou imaginar como seria não voltar para aquele apartamento todo dia depois do trabalho. Era terrível pensar que uma viagem de avião de oito horas seria uma das mais importantes linhas divisórias de toda a sua vida.
Grace percebeu que sua emotividade estava aflorando e, para reprimir essa sensação, começou esvaziar as sacolas e arranjar as roupas no pouco espaço que havia em suas malas.
Teria muito tempo para recordar-se com saudade de Londres quando estivesse em Nova York. Um apartamento já tinha sido providenciado para ela. Disseram-lhe que ficava no mesmo prédio de Jenny, mas isso não lhe dizia nada, uma vez que nem sabia onde a irmã morava. Jenny, que nunca se apegava a nada, tinha alugado seu apartamento no mês anterior para uma amiga, com o pretexto de que passava a maior parte do tempo na casa de Rickie. Por isso, Grace optara por um hotel quando fora visitar a irmã.
Como Morgan havia dito, em menos de uma hora ela cuidou dos últimos detalhes que faltavam e se sentou perto da janela que dava para a sacada, ora lendo ora olhando para a rua, enquanto o sol desaparecia lentamente.
Achava que tudo tinha mudado rápido demais. Sua vida, sempre previsível e monótona, agora sofria uma súbita revolução.
Jenny estava se recuperando rapidamente. Desde que voltara a Nova York, há três semanas, Grace visitava-a com regularidade e estava tendo de enfrentar sua frustração e mau humor crescentes por estar presa a uma cama de hospital e não poder usufruir dos belos dias de verão.
— Para você está tudo bem — ela reclamou no dia anterior —, pode passar o tempo que quiser passeando por aí. Mas eu tenho de ficar aqui, quer queira ou não! — Calou-se por um momento e continuou com um tom moderado: — Mas parece que não se importa com isso. Por Deus, Grace você passa a maior parte do tempo trabalhando! Mesmo quando não precisa fazê-lo!
Grace não foi capaz de negar, afinal, a irmã tinha razão. De qualquer forma, estava gostando muito de suas novas funções. Aos poucos, ia assumindo novas responsabilidades e cada fator novo lhe proporcionava maís segurança.
Intimamente, perguntava-se se havia alguma relação entre o simples fato de ficar perto de Morgan e sua disposição para trabalhar muitas horas, mesmo depois de encerrado o expediente. No entanto, aquela era uma pergunta que a perturbava e por isso mesmo abandonou a idéia. Procurava se convencer de que todos, e não apenas ela, se sentiam motivados pelo dinamismo e vitalidade que ele irradiava.
Ali tudo era muito diferente do seu antigo emprego, onde as decisões eram discutidas e rediscutidas conjuntamente para então serem executadas de maneira calma e vagarosa.
Morgan, por sua vez, possuía uma habilidade excepcional para tomar decisões rápidas e precisas e se mantinha sempre à frente das constantes mudanças do mercado. Seu estilo forte e dinâmico impregnava toda a empresa. Assim, como ela poderia ficar isenta?
Ela estava para encerrar mais um dia de trabalho e se preparando para outra longa e paciente visita ao hospital quando o telefone tocou.
— A srta. Jackson quer ver o sr. Drake — informou-a o guarda que ficava no andar térreo.
— Quem é a srta. Jackson, Harry? — Grace perguntou, correndo os olhos pela agenda e, como esperava, não o encontrou anotado.
— Uma amiga do sr. Drake.
Bem, já era hora de uma delas aparecer ali. Sabia que ele não gostava de misturar trabalho com prazer, por isso não recebia visitas particulares. Considerava seu escritório um verdadeiro santuário.
— Deixe-a subir, Harry — Grace ordenou e, instantes depois, quando a porta do elevador se abriu, a mulher que viu à sua frente parecia saída da capa de uma revista de moda. Ela era alta, esguia, de aparência deslumbrante.
— Quero falar com seu chefe — disse a mulher, lançando-lhe um olhar arrogante.
Grace ligou para Morgan usando a linha interna.
— A srta. Jackson deseja vê-lo.
Ele praguejou e respondeu, impaciente:
— Será que não pode se livrar dela? Estou muito ocupado. Ainda tenho de examinar todos os relatórios da Derekson.
— Posso fazê-la entrar, então?
— Primeiro, acabe com esse sorriso irônico — ele murmurou, percebendo claramente que ela se divertia com a situação —, e então a faça entrar. Mas não vá embora. Essa visita vai ser breve e quero vê-la depois.
— Por aqui, por favor — Grace se dirigiu à mulher depois de desligar o telefone.
Observando-a, ela se perguntava como uma mulher conseguia parecer tão bem arrumada às seis horas da tarde de um dia muito quente. O cabelo estava imaculadamente penteado, a maquiagem aplicada com cuidado e o batom dava a impressão de ter sido passado segundos antes.
Quando Grace abriu a porta, a srta. Jackson passou por ela, envolvendo tudo com seu forte perfume.
— Morgan, querido! Sei que não gosta de ser perturbado no trabalho, mas eu precisava vê-lo.
Grace voltou para a mesa com uma careta. Não era preciso muita imaginação para deduzir o objetivo daquela visita impulsiva. Alguns beijos, algumas palavras sedutoras, deixariam o prédio juntos e então...
Decidida a não perder seu tempo pensando em coisas que não lhe interessavam, ela começou a colocar o arquivo em ordem. Só esperava que Morgan não se demorasse muito. Afinal, por que pedira para que ficasse? Se houvesse algo que ainda quisesse lhe dizer, poderia fazê-lo no dia seguinte.
— Tem sempre uma mulher diferente com ele, e isso dura em média quatro semanas. — Jenny lhe havia falado, referindo-se às conquistas de Morgan. — Basta ler as colunas sociais para ficar sabendo.
Grace olhou para a porta fechada e se perguntou há quanto tempo a srta. Jackson devia estar na disputa. A julgar pela forma descontraída como entrara na sala dele, pareciam estar juntos há mais de um mês.
Ela terminou de arrumar o arquivo e disse a si mesma que o que Morgan Drake fazia em sua vida pessoal não lhe dizia respeito. Nesse momento, a porta ao lado se abriu e ambos surgiram do lado de fora, a mulher segurando-o possessivamente pelo braço e ostentando uma postura muito elegante e confiante.
— Posso ir agora, sr. Drake? — Grace perguntou, olhando para o relógio de propósito.
— Preciso falar com você sobre algumas coisas. — Ele se voltou para a ruiva e se desculpou em voz baixa: — Ainda tenho de terminar um trabalho. Telefono mais tarde.
— Promete? — ela insistiu de maneira provocante. — Tem certeza de que sua querida secretária irá deixá-lo? Ela parece tão possessiva. — Antes que Morgan pudesse responder, ela o abraçou e lhe deu um beijo demorado.
Grace ficou furiosa com o comentário, mas se conteve e, para se ocupar, começou a guardar os papéis e canetas que ainda estavam sobre sua mesa. E só ergueu o olhar quando ouviu a mulher se despedir dele e a porta do elevador se fechar.
— Por que a deixou subir? — Morgan parou diante dela, fitando-a com uma expressão enigmática. Seus olhos assumiram um ar acusativo.
— O que eu devia ter feito? — ela indagou calmamente. — Dizer ao segurança que era uma louca e enxotá-la do prédio?
— Dispenso seu sarcasmo — ele a censurou num tom suave. — Podia ter-lhe dito que eu não estava.
Grace não respondeu e enfrentou o olhar dele, evocando todas as suas forças. Não tinha intenção de se envolver nos casos amorosos de seu patrão; ele que se defendesse sozinho das garras de suas perseguidoras.
— E então? — ele insistiu, fitando-a com os olhos semicerrados.
— Então o quê?
— Pare de evitar o assunto. Não gosto de receber mulheres no escritório. Se Alex aparecer de novo, deixe isso bem claro.
— Alex?
— A srta. Jackson.
Grace assentiu, sentindo sua raiva crescer como um vulcão prestes a explodir.
— Parece que não está de acordo.
— A questão não é essa, sr. Drake — ela observou com firmeza. — Não tenho nada a ver com sua vida particular. Só acho que não faz parte das minhas obrigações inventar desculpas para a sua mais recente conquista quando se cansa dela e não a quer por perto.
Morgan corou, e uma expressão sombria tomou conta de seu rosto. Ela conseguira enfurecê-lo, mas não se importava com isso. E dava-lhe razão quanto ao fato de não concordar com o comportamento dele com as mulheres e não iria tomar parte em suas aventuras.
— Bem, era só isso o que queria me dizer? Posso ir embora?
Admitia que estava sendo arrogante. Ou talvez não gostasse de vê-lo com outra mulher. Mas esse pensamento a assustou de tal forma que imediatamente o rejeitou. Então, pegou a bolsa e a colocou no ombro, preparando-se para sair.
— Vou descer com você — Morgan disse e, segurando-a pelo braço, conduziu-a ao elevador.
Grace sentiu o corpo ficar tenso. Tudo ia muito bem quando ele não estava por perto. Mas, assim que se aproximava, ela sentia a pulsação se acelerar, como se não pudesse reagir à masculinidade de Morgan.
No térreo, vendo Grace prestes a seguir em direção oposta, ele a convidou para beber alguma coisa. Era a primeira vez que Morgan fazia isso desde que começara a trabalhar nas empresas dele. Em geral, ele costumava trabalhar até bem tarde da noite.
— Quero conversar com você sobre Rickie e sua irmã — ele explicou, percebendo que Grace hesitava. — Esta não é uma cantada. Portanto, não precisa se preocupar. Não vou investir contra você num bar cheio de gente e seduzi-la.
Ele a olhava nos olhos enquanto falava, e Grace sentiu que seu rosto ficava vermelho. Não porque desconfiasse do convite, mas porque, ao ouvi-lo, em sua mente se formou um quadro muito vívido do que deveria ser fazer amor com ele.
— Está bem — ela concordou apressadamente — Estava pensando em ir ao hospital, mas Jenny não se importará se eu não for esta noite.
Lá fora o ar estava quente e carregado. Em Nova York, o verão era muito mais forte do que em Londres. Eles caminharam pelas ruas movimentadas até um pequeno bar nos arredores, muito freqüentado pelos empresários da região.
Grace já havia estado ali algumas vezes com uma das garotas do trabalho e gostava do lugar. Não era como um pub inglês que oferecia um ambiente mais escuro e íntimo, mas possuía um certo encanto e refletia a rapidez da vida naquela cidade.
Quando se sentaram com suas bebidas, Morgan relaxou de encontro ao assento e afrouxou o nó da gravada com movimentos ágeis.
— Conversei com Rickie sobre Jennifer — ele começou a falar enquanto tomava um gole de sua bebida —, mas meu sobrinho se recusa a me ouvir. É jovem, está apaixonado e não quer nem pensar na palavra "responsabilidade" associada à empresa. Preciso saber que impressão sua irmão lhe deu sobre o relacionamento deles.
— Por quê?
— Parece que esse é um hábito do qual você não consegue se livrar. — Morgan revidou asperamente e, diante da expressão indagadora de Grace, ele complementou: — Essa sua curiosidade, sua habilidade para responder quase tudo com uma pergunta.
Ele lhe deu um sorriso incrivelmente sensual, e Grace quase engasgou com o vinho branco que estava tomando. Mas então se lembrou do tipo de mulher que ele preferia. Alta, esbelta e sofisticada, nada que se parecesse com ela.
— Jenny gosta muito do seu sobrinho, sr. Drake. Nunca a vi antes tão encantada com alguém. Não tentei falar com ela para que desistisse disso porque, além de não ser da minha conta, não acredito que pudesse ter êxito. Acho que as coisas devem seguir o curso normal entre eles.
— Não se isso afastar Rickie das Indústrias Drake, que foi mais ou menos o que ele insinuou que faria se eu continuasse tentando dissuadi-lo de uma relação séria.
Ele falou num tom firme e intransigente e bebeu outro gole de seu drinque, observando-a com uma profundidade embaraçosa.
— E o que pretende fazer?
— Estive pensando que poderia mandá-lo fazer um curso de três meses em Paris. Daqui há algum tempo, ele assumirá a direção de nossa filial lá, portanto, só estaria acelerando algo que ele teria de fazer de qualquer forma.
Grace o fitou com estupefação. Já havia percebido quão inflexível ele podia ser em matéria de negócios. Era um homem inteligente e astuto, que sempre antecipava os problemas antes que se tornassem grandes demais. Ela admirava essa sua característica, mas agora a questão não envolvia apenas negócios, e esse era um problema que devia ser examinado à parte.
— Acho que estaria cometendo um grande erro — Grace ponderou com calma. Esperou por uma reação explosiva, mas, diante do silêncio dele, continuou: — Isso poderia ter o efeito contrário. Não há muita coisa que possamos fazer se eles realmente se amam.
— Céus, você está falando como uma eterna romântica! — Morgan a criticou, curvando os lábios cinicamente.
Grace quase caiu na gargalhada. Romântica, justo ela que sempre se considerara realista e sensata? Parecia uma brincadeira!
— Deve estar confundindo princípios com romantismo — ela retrucou com suavidade. Os olhos cinzentos perscrutavam seu rosto, irradiando um brilho especulativo quando pousaram sobre os lábios.
— E você já demonstrou que é uma pessoa de princípios, certo? Pelo que vi no escritório, não tenho mais nenhuma dúvida sobre isso. Alguém já lhe disse que é uma pessoa extraordinariamente franca?
— Só sou franca quando me obrigam a isso — ela argumentou ao mesmo tempo em que se questionava por que a admissão daquele fato fazia com que se sentisse deplorável. Desde que ficara com a responsabilidade de cuidar de Jenny, não lhe restara outra alternativa a não ser mostrar-se forte. Com certeza, homens como Morgan Drake achavam aquela qualidade admirável, mas nada atraente.
— Tem uma cabeça interessante, srta. Grace Temple. Mas tome cuidado, pois um dia ainda poderá metê-la em problemas — ele observou suavemente, inclinando-se para a frente e fitando-a com um olhar intenso. — Vou aceitar seu conselho nesse caso, Grace, porque desconfio que esteja certa. Pressão demais fará com que ambos corram para o cartório mais próximo, isto é, assim que sua irmã puder correr.
Ele raramente a chamava pelo nome, e ouvi-lo pronunciado pelos lábios dele despertava-lhe uma sensação inquieta. Grace se moveu nervosamente na cadeira, preparando-se para se levantar e dizer-lhe que precisava ir embora.
— Eu lhe darei uma carona — Morgan se prontificou, como se tivesse lido seus pensamentos.
Grace protestou, mas ele lhe falou num tom que não admitia recusas sobre os problemas de se tomar um ônibus àquela hora e com o calor que estava fazendo. Portanto, sem outra escolha, ela aceitou e, conversando sobre amenidades, ambos voltaram para o estacionamento do edifício onde trabalhavam.
De soslaio, ela avaliava o perfil forte e agressivo e procurava ignorar a ansiedade que a dominava diante da perspectiva de estar em seu apartamento com ele. Lembrava-se de quão perturbador fora quando ele a visitara em Londres, e isso fora semanas atrás, antes de realmente descobrir sua sensualidade ameaçadora.
O prédio no qual morava tinha uma localização excelente, ficando a poucos minutos do Central Park. Aos sábados de manhã, era para lá que Grace ia e, enquanto fazia sua caminhada matinal, aproveitava para observar as pessoas.
— Você se importa se eu subir para uma xícara de café? — Morgan perguntou, não surpreendendo-a, quando o carro grande e prateado parou em frente do prédio. — Enquanto isso o trânsito vai se acalmando e evitarei os congestionamentos.
Grace disse que não, pensando que não tinha razões para se sentir apreensiva quanto ao apartamento, já que o homem era dono do prédio inteiro e conhecia-o muito bem.
Quando entraram, Grace mais uma vez olhou encantada para o espaço decorado com graça e charme.
A pequena mas confortável sala fora mobiliada nas cores verde e rosa, em tons suaves, que pareciam tornar o ambiente espaçoso e acolhedor. À direita, um degrau conduzia à cozinha e, à esquerda, à sala de jantar, e um vão na sala abrigava uma área com prateleiras para o aparelho de som, livros e televisão. Grace raramente assistia televisão, preferindo ouvir música e ler depois do jantar.
Tornara-se amiga da garota que alugava o apartamento de Jenny, e no domingo anterior havia lhe oferecido um jantar nos moldes ingleses. Decidiu não mencionar nada a Morgan, pois, mesmo achando que ele não se importaria com o caso, se ainda não soubesse, preferia não arriscar. Por outro lado, isso implicaria em explicar que Jenny passava a maior parte do tempo na casa de Rickie, em Greenwich Village, e isso significaria mexer numa casa de marimbondos.
Ela foi para a cozinha preparar o café e, quando retomou à sala, olhou com cautela para Morgan, que estava sentado no sofá grande, as pernas esticadas à sua frente. Parecia um gato selvagem, descansando depois de uma caça bem-sucedida. De qualquer forma, ele vivia mesmo numa selva que era o mundo dos negócios e suas armadilhas.
— Tinha até me esquecido do quanto esses apartamentos são agradáveis — ele comentou, passeando os olhos pela sala.
— Foi você quem escolheu a decoração? — ela perguntou, sentando-se numa das poltronas com as pernas dobradas.
— De certa forma sim. Por coincidência, estava saindo com uma decoradora de interiores na época. Ela deu as sugestões e eu aceitei.
Grace o fitou, e seus olhares se encontraram. Havia uma expressão misteriosa nos olhos cinzentos que a assustou.
— Compreendo — ela murmurou, desviando o rosto.
— Esse ambiente parece combinar com você — Morgan disse de repente. — Você parece muito jovem, mais jovem que Jennifer. Qual é a diferença de idade entre vocês?
— Cinco anos.
Grace o observou, esperando que ele terminasse logo de tomar o café e fosse embora. Não desejava prolongar a conversa, pois não se sentia à vontade com Morgan e seu talento especial de direcionar o assunto para o lado pessoal. Era muito mais fácil conviver com ele profissionalmente, já que o trabalho não permitia muitas ocasiões para falar de si mesma.
— Há quanto tempo seus pais morreram?
Grace desejou lhe dizer que aquele assunto não era da conta dele, mas Morgan a fitava com um ar de interesse e não como alguém que estava sendo intrometido.
— Sete anos... foi um acidente de carro. Estavam voltando para casa depois de uma festa e colidiram com um caminhão. O mais irônico é que eles nunca bebiam. O motorista do caminhão escapou com alguns ferimentos apenas. Mas não é sempre assim?
Ela não falava sobre a morte dos pais há muito tempo e se sentiu curiosamente bem, falando sobre isso naquele momento.
— Éramos uma família unida — ela acrescentou como se estivesse pensando em voz alta. — De certa forma, o fato de Jenny ser tão nova me ajudou bastante quando eles morreram. Eu sabia que não podia me abandonar ao meu sofrimento porque precisava cuidar dela. Planejava ir para a universidade, fazer um curso de administração de empresas, mas tive de desistir da idéia. Em vez disso, fiz um curso rápido de secretariado e comecei a trabalhar assim que foi possível.
Grace o olhou como se o que tinha acabado de lhe confessar a surpreendesse tanto quanto a ele.
— Você nunca se arrependeu por não ter continuado seus estudos?
— Por algum tempo, sim. Mas, no fim, pareceu-me sem sentido ficar nutrindo qualquer tipo de arrependimento. Fiz a única opção que achei possível na época. — Grace ergueu o queixo como se esperasse que Morgan a criticasse pela atitude. No entanto, sabia que ele não faria, mas não estava acostumada a abrir sua alma para qualquer pessoa. Nunca mencionara nada disso nem mesmo para a irmã.
Dissera-lhe a verdade quanto ao fato de não se arrepender por não ter concluído os estudos. Podia ser difícil lidar com Jenny, mas Grace a amava muito. Jamais teria sacrificado a educação da irmã por causa de três anos na universidade.
— Você é uma garota muito corajosa — Morgan a elogiou ternamente —, e eu sempre desconfiei disso. Corajosa e honesta. E isso a diferencia das garotas americanas. Elas também são honestas... mas é diferente. Elas falam sem rodeios de coisas que você prefere conservar em segredo...
Grace passou a língua pelos lábios, sentindo um arrepio na espinha. O ambiente estava muito silencioso, e o ruído do ar-condicionado enfatizava ainda mais o silêncio.
— É a minha educação britânica — murmurou, desdobrando a perna. — Fui ensinada a não perder o ânimo e coisas do tipo.
— Está com aquela sensação de formigamento?
Ela assentiu, batendo o pé levemente no chão e, antes que pudesse detê-lo, viu-o ajoelhar-se à sua frente e massagear-lhe os tornozelos com movimentos suaves e vagarosos.
— Não é necessário! — Grace exclamou quase num tom de desespero. Todas as fibras de seu corpo pareciam eletrizadas e ela não gostava nada disso. Talvez Morgan não tivesse idéia do efeito que seu gesto lhe provocava.
— Melhorou?
Grace fez um sinal afirmativo com a cabeça, a boca seca demais para que pudesse falar.
— Então, me acompanhe até a porta. Andar um pouco fará com que o sangue circule novamente.
Morgan se levantou e estendeu-lhe a mão. Ela desejou reagir com indiferença e serenidade, mas todos os seus sentidos pareciam gritar descontrolados, e seu corpo inteiro tremia. Qualquer um pensaria que nunca fora tocada por um homem! Por que então se sentia tão excitada? Afinal, ele a tocara com muita naturalidade!
Grace o acompanhou até a porta e, quando já se preparava para se despedir, ele se inclinou e pousou os lábios levemente sobre os dela. Com a língua, Morgan traçou o contorno de seus lábios entreabertos, então, endireitou-se e partiu.
Grace fechou a porta e encostou-se nela. Uma sensação estonteante a invadiu, impedindo-a de pensar.
Claro que tivera namorados. Não era uma adolescente que nunca fora beijada e, por isso mesmo, sua reação ao toque suave dos lábios de Morgan contra os seus a assustava muito. Jamais sentira um desejo tão profundo por qualquer outro homem. E quando os lábios dele pousaram cálidos sobre os seus, imediatamente percebeu que seus mamilos ficaram intumescidos e que seu corpo inteiro desejava se abandonar à vontade daquele homem.
Numa tentativa de evitar os pensamentos inconvenientes que a assaltavam, ela lavou as xícaras e as deixou no escorredor de pratos. Depois, sentou-se ao lado da janela, o olhar perdido na rua lá embaixo, procurando colocar a mente em ordem. Disse a si mesma que aquele beijo não significava nada para ele, que fora apenas um gesto de solidariedade depois de ter lhe contado detalhes de sua vida pessoal.
Porém, mesmo assim, o sono custou a chegar naquela noite. Durante horas, ficou deitada pensando em Morgan Drake, se sentindo como uma adolescente que se apaixonara pela pessoa errada.
Perguntava-se qual seria a reação dele se descobrisse como se sentia em relação a ele. De qualquer forma, isso não iria acontecer. Gostava muito de seu novo trabalho e não se permitiria prejudicá-lo por causa de seus sentimentos.
O sábado amanheceu ensolarado. Grace planejava dormir até mais tarde, mas acordou cedo, cheia de energia e, num ato impulsivo, decidiu tomar um ônibus para a Fifth Avenue e fazer algumas compras.
Comprou dois conjuntos de seda, as calças lisas e as blusas listradas de azul e branco e a outra de rosa, um vestido de um verde esmeralda que realçava seus olhos e outras coisas que considerava extravagâncias e que duvidava que pudessem ter alguma utilidade.
Jenny a fitou totalmente surpresa ao vê-la entrar no quarto do hospital com tantos pacotes. Pediu para ver as roupas e tentou convencê-la a experimentá-las.
— De jeito nenhum — Grace disse, rindo.
— Está bem. Rickie deve estar chegando e não quero perder o namorado.
Grace olhou para a irmã. Finalmente iriam se encontrar. Ele trabalhava num outro prédio das Indústrias Drake e, quando chegava ao hospital, ela já havià ido embora.
— Ainda está apaixonada? — ela perguntou enquanto guardava as roupas.
— Mais do que nunca! Rickie é diferente de todo mundo que já conheci, é especial. Você vai ver.
— Espero que sim — Grace murmurou num tom sério. Não podia negar que estava curiosa para conhecê-lo.
Quando Rickie chegou, ela o observou atentamente e descobriu que era muito diferente do tio. Tinha os cabelos curtos e louros e uma fisionomia infantil e afável, embora possuísse traços indicativos de que, se ainda não era um empresário astuto, o seria um dia. Não era de se estranhar que Morgan não quisesse vê-lo desperdiçar uma carreira que podia ser promissora com atitudes impensadas.
Ele entrou carregando um imenso buquê de flores vermelhas e amarelas e transbordava felicidade com os gritos de prazer de Jenny.
Grace os observava. Depois de terem sido apresentados e das perguntas corriqueiras sobre como estava se adaptando em Nova York, Rickie se voltou para a namorada. Eles se tocavam compulsivamente, quase sem percebê-lo.
E a impressão que lhe davam era que estavam realmente apaixonados.
Quando já se despedia dos dois, Rickie falou num tom sério:
— Meu tio disse qualquer coisa sobre me mandar para um curso em Paris. Ele falou com você sobre isso?
Ambos a fitavam com ansiedade. Jenny mordia os lábios como se fosse, a qualquer momento, explodir em lágrimas.
— Você não gostaria de passar algum tempo em Paris? — Grace respondeu evasivamente, inclinando-se para pegar as sacolas e ocultar a expressão perturbada de seu rosto. Morgan agira contrariando seu conselho, mas isso não a aborrecia, embora soubesse que ele tinha cometido um erro.
— Não pela razão que meu tio quer me ver longe daqui. Ele acha que tenho o que chama de "tempo para crescer" e saber o que quero de fato.
— Tàlvez ele tenha razão — Grace replicou, olhando-o pensativamente.
— Grace, nós não somos mais crianças. Rickie tem vinte e dois anos e eu, vinte. A mamãe tinha dezessete quando se casou e dezoito quando você nasceu! Não é preciso ficar velho e de cabelos brancos para se saber quando se está apaixonado.
Jenny a encarava com um olhar suplicante, mas o que ela poderia fazer? Não podia prometer-lhes que tudo ficaria bem. Não tinha nenhuma influência sobre as decisões de Morgan para resolver o que ele via como um problema grave. O que poderia dizer-lhes?
— Meu tio sempre se dedicou a construir seu império — Rickie comentou com amargura —, e eu o admiro por isso. Sei o quanto significa para ele o meu interesse pelas empresas. Mas, porque alcançou o sucesso evitando todo e qualquer envolvimento emocional, ele acha que essa é a única maneira de se vencer na vida.
— Bem, eu acho que vai depender de você persuadi-lo do contrário — Grace observou com ternura. Por um momento, viu-se tentada a defender Morgan, apesar do bom senso das palavras de Rickie.
Ela deixou o hospital refletindo sobre suas próprias emoções e sobre a situação da irmã. Lembrava-se de ter ouvido certa vez que o tempo se encarregava de resolver tudo. Se realmente isso fosse verdade, então teria de esperar para ver, mas tinha um pressentimento de que não iria ser tão fácil assim.
Os dias longos e abafados continuaram, esvaindo-se lentamente de uma semana para outra. Grace pensava muito sobre a história de sua irmã e Rickie. Procurava não recordar as coisas desagradáveis que Jenny aprontara no passado porque essas lembranças serviam apenas para aguçar sua inquietação. Não havia nada em particular que a preocupasse, pois apenas os vira juntos duas vezes e nas duas ocasiões eles pareceram despreocupados e alegres e nunca mencionaram a possibilidade de que pudessem ser forçosamente separados por Morgan.
Portanto, não havia com o que se preocupar, ela pensou com otimismo enquanto se vestia para ir trabalhar.
Nem mesmo tinha certeza de que Morgan cumpriria a ameaça de mandar Rickie para Paris.
— Falei sobre a viagem para ele apenas para ver qual seria sua reação — Morgan lhe dissera.
Grace não havia tocado no assunto com ele e ficou surpresa ao perceber que Morgan parecia estar justificando seus atos.
Durante alguns minutos, ele permaneceu rondando sua mesa, esperando por sua reação. Mas, ao vê-la concentrada no trabalho, deu vazão à sua fúria:
— Sei que você não acha uma boa idéia que a relação deles seja interrompida abruptamente, mas estou fazendo aquilo que acho que é melhor.
— Melhor para quem? — Grace perguntou, encontrando-lhe o olhar.
Percebeu que ele não havia gostado de sua indagação.
Morgan disse alguma coisa num sussurro que ela não conseguiu entender e, em seguida, entrou impetuosamente em sua sala.
Essa conversa rápida acontecera há duas semanas e desde então não voltaram a falar do assunto.
Grace olhou uma última vez no espelho antes de sair do apartamento. Com calma, encarou seu próprio reflexo, que parecia lhe dizer que estava bancando a tola, agindo de forma protetora. Então saiu e gastou os próximos minutos ocupada em encontrar um táxi.
Morgan quase lhe ordenara que preferia que fosse trabalhar de táxi em vez de ônibus ou metrô.
— A companhia cobrirá as despesas — ele a informara em seu tom de voz agora familiar, que dava a entender que a questão havia sido resolvida satisfatoriamente e, portanto, podia ser esquecida. Grace preferiu não protestar, mesmo não concordando com a decisão. Claro que era muito mais confortável ir para o trabalho e voltar para casa de táxi, e isso lhe permitia dispor de seu tempo com maior flexibilidade. Assim, passara a freqüentar o bar nas imediações com um grupo de amigas depois do trabalho.
Chegou às oito e meia ao escritório e ficou atônita ao verificar que Morgan ainda não tinha chegado. Essa não era uma característica dele. Embora devotasse suas horas de lazer às extravagâncias e libertinagens, ele também conseguia trabalhar durante muito mais tempo que o normal.
Grace examinou a imensa pilha de correspondência sobre sua mesa e começou a separá-la por ordem de prioridade. O tempo todo seus sentidos estavam alertas para o som de passos que se aproximavam e se sentia meio desapontada quando às dez e meia ele ainda não havia dado nenhum sinal de vida.
"Um dia em paz", ela pensou. Desde a noite que ele a beijara, Grace se esforçara para se manter distante dele. Sabia que Morgan era louco por mulheres e que vivia cercado delas e não pretendia em hipótese alguma se envolver com alguém que trocava de mulher como quem trócava de roupa.
Não podia conter sua agitação interior todas as vezes que ele se inclinava a seu lado para lhe explicar alguma coisa, ou quando seus olhos se encontravam casualmente, mas se esforçava ao máximo para ocultar o nervosismo.
Estava prestes a ir procurar Frank Lewis, um dos diretores cuja sala ficava no andar de baixo, para ver se ele sabia do paradeiro de Morgan, quando o telefone tocou e ela ouviu a voz do patrão do outro lado da linha.
— Não irei trabalhar hoje — anunciou ele sem preâmbulos. — Sofri um acidente.
— Acidente? — Grace repetiu num tom fraco, empalidecendo. — Que tipo de acidente?
— Nada sério. Por quê? Por acaso está preocupada comigo?
Grace percebeu o tom de zombaria da voz dele e, irritada por deixar transparecer sua ansiedade, retrucou energicamente:
— Claro que não. Estou muito mais preocupada com a montanha de papéis que está acumulada em sua mesa! Devo cancelar seus compromissos de hoje ou quer que os transfira para Frank?
— Cancele-os e venha para cá. Preciso terminar os contratos da Grammel até o fim do dia para que possam ser enviados por fax a Paris, de modo que estejam lá para a reunião de amanhã cedo. — Seu tom autoritário a fez saber que o acidente que sofrera, qualquer que fosse sua natureza, em nada havia diminuído seu poder de agressividade.
— Se me disser o que fazer, tenho certeza de que poderei providenciar os contratos aqui mesmo. Estou mais ou menos a par do que está acontecendo com esse caso...
— Não seja estúpida! Venha logo para cá. Meu endereço está na agenda que fica na primeira gaveta de minha mesa. — E, sem mais uma palavra, desligou o telefone.
Grace suspirou, recordando-se do sr. Collins, com quem havia trabalhado um bom tempo e que nunca havia batido o telefone em sua cara. E com uma certa nostalgia lembrou-se de que palavras como "por favor" e "obrigado" sempre fizeram parte de seu vocabulário.
Durante a semana, Morgan usava um apartamento que ficava perto da Fifth Avenue. Grace sabia que ele possuía uma casa bem maior em Long Island, onde passava alguns fins de semana e onde recebia alguns clientes de vez em quando. Essas eram as mordomias de um milionário, ela pensou, entrando no táxi.
Pouco depois, tocou a cãmpainha do apartamento dele. Havia reunido todos os documentos importantes em pastas e, como estavam muito pesadas, ela as colocou no chão. Quando a porta se abriu, Grace se abaixou para apanhar as pastas e deu com as pernas nuas diante de seus olhos. Ao se endireitar novamente, viu que Morgan estava usando short e uma camiseta verde-oliva. Seu tornozelo esquerdo estava muito inchado.
— Até que enfim você chegou — ele exclamou, irritado, afastando-se para deixá-la passar. Com o cabelo despenteado, parecia ter acabado de acordar.
— O trânsito a essa hora é horrível — ela esclareceu, entrando rapidamente. Colocou as pastas sobre uma mesa pequena e virou-se para ele.
Desejou vê-lo vestido como sempre, com seus ternos sérios. Achava terrível tê-lo diante de si com aquele short que a impeliam a olhar quase que fixamente para as pernas longas e bem-feitas.
— Quer um café? — perguntou ele.
Grace assentiu, concentrando sua atenção nas pastas e se ocupando em abri-Ias.
— Ótimo. Eu também quero. A cozinha fica ali no corredor, à direita.
Ela o encarou enquanto Morgan se esparramava no sofá.
— Eu teria o maior prazer em lhe preparar um café, mas como pode ver... — Ele gesticulou para o tornozelo sem a menor intenção de desculpar-se. Na verdade, se fosse uma pessoa desconfiada, Grace teria mesmo acreditado que ele estava se divertindo às suas custas.
— Como foi que se machucou? — ela perguntou, fixando os olhos com determinação no rosto dele e fazendo o máximo para ignorar a intensa sensação que o corpo dele provocava em sua mente.
— Jogando squash — ele resumiu. Grace percebeu um leve sinal de acanhamento em sua voz e não resistiu a um sorriso.
— A parede colidiu com você?
— Ah! Parece que não é nada, mas dói muito — ele retrucou mal humorado, esticando as pernas com uma lentidão deliberada. — Mas você não ia preparar um café para nós dois?
— Claro — Grace se levantou e, enquanto seguia pelo corredor, bradou com ironia: — Nunca diga que não ajudo os inválidos.
Ela se deparou com uma cozinha extremamente limpa e que continha uma coleção enorme de utensílios domésticos. Quase todos eles pareciam nunca ter sido usados.
Quando voltou para a sala com as xícaras de café, Morgan fez-lhe sinal para que puxasse uma cadeira para perto do sofá.
— Então, podemos começar com o trabalho? — ela perguntou, passando-lhe os documentos das pastas.
— Claro. — Morgan pegou os papéis e começou a folheá-los lentamente. — De qualquer forma, não gostaria de mantê-la aqui mais do que o necessário.
Grace o olhou, assustada com o tom dele. As palavras foram pronunciadas com um ar de zombaria, mas deixavam transparecer uma petulância latente que ela não esperava. Afinal, por que ele lhe pedira para ir até lá? Com certeza, aquele trabalho poderia ter esperado mais um dia.
Ou, talvez, quisesse acreditar nisso, ela pensou com cinismo.
Nesse momento, Morgan ergueu a cabeça, e seus olhares se encontraram. Sentindo o rubor se espalhar por seu rosto, Grace desviou os olhos. Com trabalho ou sem trabalho, não deveria estar ali. Alex Jackson deveria estar ali, ou qualquer uma de suas namoradas sofisticadas. Elas não hesitariam em se mostrar solidárias e fariam tudo para ajudá-lo a se sentir melhor.
Morgan anotou tudo o que queria que ela fizesse com os documentos e, quando terminou, recostou-se no sofá com a atitude de um inválido.
— Há muito tempo não tenho um dia de folga — Morgan resmungou, olhando para a perna com a expressão de quem havia sido traído pelo próprio corpo.
— Isso não me parece sério.
— Não invejo sua irmã — ele retrucou, franzindo a testa —, se esta é toda a compaixão que você pode demonstrar.
— Com certeza, seu pé estará ótimo amanhã.
— Obrigado, você faz com que me sinta muito melhor — Morgan disse sarcasticamente — Quando foi que se formou em medicina? — Grace sorriu, e ele prosseguiu asperamente: — Quer, por favor, acabar com esse sorriso irônico? O mínimo que posso esperar de minha secretária é um pouco de solidariedade. Se não acredita que essa torção é séria, então sinta-a.
Havia um certo desafio na voz dele, embora a fitasse com extrema inocência.
— Não, obrigada. Acredito em você — Grace murmurou com rapidez, pensando que nada poderia ser pior para sua paz de espírito do que tocar em Morgan, sentir a pele dele de encontro a sua. Guardou os papéis na pasta e, quando foi se levantar, ele a reteve, segurando-lhe o pulso.
— Acha que poderia voltar na hora do almoço e me preparar alguma coisa? — ele perguntou num tom adulador, distraidamente acariciando-lhe o pulso com o polegar.
Grace ficou tensa. A simples sensação de ter sua pele contra a dele, por mais inocente que o gesto fosse, era suficiente para fazer seu autocontrole se evaporar. Queria puxar a mão, mas isso despertaria a atenção para o efeito que ele lhe causava, por isso permaneceu passiva, ouvindo as batidas aceleradas de seu coração.
— Talvez Alex possa vir — ela sugeriu.
— Nem pensar nisso! — Morgan a encarou com um charme calculado. — Mas, já que falou nisso, o que acha dela?
— Bem, eu só a encontrei uma vez e confesso que não pensei muito nela.
— Você gosta dela?
— E isso tem alguma importância? — Grace perguntou apressadamente e olhou para o relógio. — Preciso voltar agora. — Não desejava que a conversa se tornasse tão pessoal, não ali no apartamento dele e com Morgan vestido de modo tão provocante e sedutor. Ela se levantou e se dirigiu para a porta.
— Ainda não respondeu minha pergunta.
Ela sabia que era perda de tempo evitar o assunto, pois descobrira ao longo das semanas que Morgan era do tipo persistente.
— Tudo o que posso lhe dizer é que nem gosto nem me antipatizo com ela.
— Melhor assim — Morgan comentou com despreocupação, inclinando-se sobre ela para abrir-lhe a porta. —, já que irá encontrá-la neste fim de semana em minha casa em Long Island.
— O quê? — Grace girou nos calcanhares, ficando a poucos centímetros dele.
— Vou dar uma festa em minha casa neste fim de semana e você está convidada.
— Mas não vou poder aceitar o convite — ela reagiu prontamente. — Jenny vai sair do hospital e terei de levá-la para casa.
— Quando ela vai sair?
— Sexta-feira.
— Então, poderá ir de carro no sábado de manhã.
Ela encarou os olhos cinzentos, que mostravam uma resolução que não se podia combater.
— Eu não tenho carro.
— Pare de ficar procurando desculpas. Qualquer pessoa pensaria que está com medo de mim. Pode usar um dos carros da companhia... ah, e leve aquele vestido vermelho. Os convidados são pessoas importantes, clientes antigos e futuros. Quero que cause uma boa impressão.
Um sorriso estonteante iluminou-lhe o rosto, e Grace desejou esbofeteá-lo. Morgan sabia que lhe preparara uma armadilha, e ela nada podia fazer em relação a isso.
— Se Alex vai estar lá não acho que seja necessário que eu cause qualquer tipo de impressão. — Reconhecia que estava agindo com infantilidade e mau humor, mas a perspectiva de passar um fim de semana na companhia de Morgan fazia com que sentisse vontade de gritar e esmurrar a parede.
— Ela tem um papel decorativo, mas você é minha secretária. Poderá desarmá-los com seu sorriso e tomar notas mentais que poderão ser úteis no futuro.
— Oh... está bem — cedeu, sem saber ao certo se devia se sentir lisonjeada ou insultada com o que ele acabava de lhe dizer.
— E não se esqueça de levar o biquíni. Com todo esse calor, talvez queira passar a maior parte do tempo na piscina.
À medida que a sexta-feira se aproximava, Grace ia ficando cada vez mais nervosa. Havia combinado com Jenny que a apanharia no hospital assim que terminasse o trabalho e ficou arranjado que Rickie cuidaria dela durante o final de semana. Obviamente, preferiu não comentar nada disso com Morgan. Não fazia idéia que desculpa Rickie havia dado para se livrar da tal festa, e Morgan, ainda que tivesse desconfiado de algo, nada comentou com ela.
Procurando não pensar em coisas desagradáveis, Grace foi ao encontro da irmã que, contrariando as regras do hospital, havia telefonado para o cabeleireiro e a esperava radiante.
— Pela primeira vez na vida, estou louca para voltar a trabalhar — ela comentou sorrindo quando saíram para o ar livre. — Nunca mais quero ver um hospital e muito menos dirigir um carro, a menos que tudo esteja em perfeita ordem.
Conversavam amigavelmente enquanto se dirigiam para o prédio onde moravam. A moça que alugara o apartamento de Jenny tinha partido duas semanas atrás, e Grace o arrumara meticulosamente.
Grace observava a irmã com carinho. Parecia incrível, mas a cada dia Jenny se mostrava um pouco mais adulta. Há menos de um ano, teria sido submetida a toda uma sessão de queixas sobre quão inconveniente seria ter a imã mais velha por perto. Até aquele momento pelo menos, e Grace cruzou os dedos, Jenny aceitara o fato de que conviveriam no mesmo edifício com uma tranqüilidade que não lhe era característica.
— Tem certeza de que quer ficar no seu apartamento esta noite? — perguntou quando já estava de saída.
— Sim, não se preocupe comigo. Estou bem. Além do mais, posso lhe telefonar se precisar de alguma coisa.
— Está bem. Rickie virá amanhã de manhã, não é?
— Sim — Jenny concordou, desviando os olhos.
Grace estava começando a ficar nervosa de novo. Irritava-se ao pensar que teria de dirigir sozinha até Long Island e mais ainda diante da perspectiva de passar um fim de semana na casa de Morgan. Não notou nada de estranho no comportamento de Jenny.
— Então, eu a verei assim que voltar — disse distraidamente, inclinando-se para beijá-la.
Na manhã de sábado, ela descobriu que dirigir até Long Island não era tão ruim quanto havia previsto. Morgan lhe explicara como chegar a sua casa e também desenhara um mapa, no qual anotara todos os pontos de referências com uma precisão clínica.
Em menos tempo do que esperava, Grace se viu diante de dois imensos portões de ferro que davam para uma entrada tão longa que mais parecia uma avenida. Dos dois lados, os jardins floresciam repletos de rododendros com suas flores grandes e púrpuras, azaléias de várias cores e uma série de arbustos ornamentais. Ela dirigia lentamente, admirando o cenário, quando por fim avistou a imensa e suntuosa mansão.
Quatro grandes colunas entalhadas dominavam a vista frontal, e os raios do sol tornavam seu branco ofuscante. As janelas eram grandes e transparentes, exceto uma delas, que ficava sobre a porta de madeira, que era redonda e colorida. Nada como poder relaxar com classe, ela pensou enquanto se dirigia para a porta.
Esperava ser recebida por um criado no melhor estilo inglês, mas, antes que tocasse a campainha, a porta se abriu e Morgan apareceu a sua frente, vestido informalmente com calça bege e camisa xadrez.
— Vi o carro e resolvi vir agarrá-la antes que mudasse de idéia e desse meia-volta — ele explicou e pegou a bolsa que Grace trazia, afastando-se para o lado para que ela entrasse. — Afinal, não foi nada fácil convencê-la a vir.
— Estou impressionada com a beleza das casas de férias dessa região — ela comentou, observando a escada de mármore e a imponência das dimensões. — Onde estão todos?
— Todos?
— Você me disse que seria uma festa, e isso significa mais do que duas pessoas — Grace retrucou num tom cortante.
— Oito pessoas — ele sussurrou junto a seu ouvido. — Portanto, não precisa ficar nervosa. Estão na piscina. Vou levá-la a seu quarto. Então, poderá vestir seu biquíni e juntar-se a eles.
Morgan passou o braço pela cintura dela e a conduziu pela escada. Foi um gesto espontâneo e inconsciente, mas Grace preferia que ele não o tivesse feito, porque, repentinamente, experimentou um desejo impetuoso de sentir as mãos dele acariciando-lhe os seios.
Toda vez que ele se aproximava dela, sentia-se invadida pelas sensações e desejos mais alucinantes e ficava furiosa consigo mesma por sua reação. Será que não percebia que era uma loucura se deixar envolver emocionalmente por aquele homem? Ainda mais quando sua namorada estava se bronzeando na piscina a poucos passos dali!
Quando Morgan abriu a porta do quarto, ela entrou e foi até a janela.
— Onde é a piscina?
— Na parte de trás da casa. Descendo a escada e seguindo na direção contrária da porta de entrada você vai chegar lá. Ou prefere que eu a espere?
— Não — Grace respondeu apressadamente. — Tenho de desfazer a mala. Estarei lá em quinze minutos.
Sozinha, ela verificou se a porta estava bem fechada e trocou de roupa. Vestiu o biquíni verde-escuro, que achara maravilhoso quando o comprara, mas que agora parecia minúsculo. Para contrabalançar a extrema exposição de seu corpo, optou por uma blusa de seda de um verde mais claro e foi para a piscina.
Além de si mesma e de Alex, só havia mais uma mulher lá, uma senhora de meia-idade com quem Grace se simpatizou de imediato. Morgan a apresentou a todos, exceto a Alex, que estava nadando.
Dois dos homens ela já havia encontrado antes e ficou conversando com eles, olhando de soslaio para a figura esguia e bronzeada que se divertia na água.
— Pensando em experimentar a piscina? — Morgan perguntou com um sorriso.
— Só quando estiver sufocada de calor. — Ela caminhou na direção das espreguiçadeiras.
— Tem de tirar essa blusa se quiser se bronzear.
— Sei disso! — Grace esbravejou, desabotoando a blusa. Queria que Morgan desaparecesse de sua frente, mas ele permaneceu parado a seu lado, fitando-a com um brilho intenso nos olhos.
Quando ela se deitou de costas, Morgan se inclinou e disse:
— Você está branca demais. — Ele correu o dedo ao longo do braço dela. — Acho que está precisando sair de férias e ir para algum lugar ensolarado.
Grace sentiu verdadeiras correntes elétricas dispararem sobre seu corpo enquanto ele continuava acariciando a pele sensível de seu braço. Atormentada com a sensualidade inata que ele exalava e para ocultar a excitação evidente em seus mamilos intumescidos, ela se virou de bruços.
— Obrigada pelo elogio.
Ele riu e se levantou.
— Vou colocar um calção e, se ainda não tiver entrado na água quando eu voltar, então entrará comigo.
Grace semicerrou os olhos por causa do sol e ficou totalmente perturbada com a intensidade com que ele a fitou por um breve instante. Em seguida, Morgan se afastou.
Ele era realmente um homem muito atraente, mas seria tola demais caso se apaixonasse por ele. De olhos fechados, decidiu afastar essas idéias da mente e aproveitar o calor do sol. Estava meio adormecida quando ouviu uma voz de mulher dirigir-se a ela:
— Fiquei surpresa quando Morgan me contou que você também viria. — A entonação usada deixava claro que a surpresa não fora nada agradável.
Grace abriu os olhos e deu com Alex se sentando numa espreguiçadeira a seu lado, passando as mãos pelos cabelos e então sacudindo-os para tirar a água. Os olhos azuis muito pintados a avaliavam friamente, apesar do leve sorriso que lhe curvava os lábios.
— Por quê? — Grace perguntou também sorrindo, ainda que com grande esforço.
— Bem, detesto ser rude, mas você é apenas uma secretária e não parece combinar muito com esse ambiente — ela comentou, pronunciando as palavras devagar.
— Na verdade, não vim aqui para me divertir, estou desempenhando um papel profissional — Grace revidou educadamente. — De qualquer forma, eu lhe agradeço por sua observação tão franca.
A raiva crescia em seu interior, mas ela não tinha nenhuma intenção de manifestá-la. Não porque Alex estivesse saindo com seu chefe, mas porque isso a poria em pé de igualdade com o baixo nível com que a outra estava agindo.
— Sempre achei a honestidade a melhor política, querida. E estaria sendo honesta se lhe dissesse que não me surpreendi quando soube que era a nova secretária de Morgan, que sempre escolhe garotas sem nenhuma sofisticação para trabalhar com ele.
Grace mordeu o lábio, reprimindo uma resposta grosseira e contou até dez. Reparou com satisfação que seu silêncio estava aborrecendo a outra mulher.
— Acho que você não sabe muita coisa sobre Morgan, não é? — Alex indagou com uma imitação de sorriso e começou a espalhar uma loção bronzeadora pelo corpo.
— Não, realmente não sei — ela concordou, checando as horas.
— Nós somos muito íntimos, embora nos conheçamos há pouco tempo.
Grace se sentou e olhou para a piscina, que começava a lhe parecer um convite tentador. Morgan ainda não tinha voltado.
— Se me der licença, acho que vou experimentar a água.
Alex se sentou e a encarou.
— Posso apostar que ele não lhe contou por que faz questão de contratar sempre garotas comuns.
Grace se voltou para ela e ficou assustada com a arrogância que viu nos olhos azuis.
— Não. — Ela esperava que sua resposta monossilábica fizesse Alex se calar.
— Porque ele teve uma experiência infeliz com uma de suas secretárias no passado. Ele debochou do assunto, mas tenho certeza de que falava sério. Parece que a garota se apaixonou por ele. Pode acreditar nisso? — Alex deu uma gargalhada, mas não tirou os olhos de Grace. — Ele me disse que depois disso decidiu adotar a política de contratar apenas mulheres mais velhas, de preferência casadas ou, então, muito simples. Como pode ver, ele desaprova ligações dentro do escritório.
Tendo terminado de falar, Alex se deitou com um sorriso triunfante no rosto; Grace empalideceu e se levantou tão de repente que, por alguns segundos, sentiu tudo girar à sua volta. As palavras que tinha prontas para devolver a grosseria desapareceram de sua mente. Ela se afastou e parou na borda da piscina, mergulhando em seguida. Bem, Alex a prevenira, não podia se esquecer disso, ela repetia a si mesma.
O sol continuou brilhando durante todo o fim de semana. Grace nadou e conversou com os convidados, ignorando Alex e evitando ficar sozinha com Morgan. Sentia falta e precisava da paz e da tranqüilidade de seu apartamento em Manhattan para reorganizar seus pensamentos, e mal podia esperar para voltar para lá.
Sempre que se lembrava da conversa que tivera com Alex, do modo rude e do ar de superioridade com que a outra a abordara, desejava sair correndo e nunca mais voltar àquele lugar. Como pudera ser tão estúpida? Apaixonara-se tolamente por Morgan, ignorando todos os sinais de perigo que havia pressentido desde que o conhecera. E o que era ainda pior, seus sentimentos deviam saltar aos olhos de todos, do contrário Alex não teria ousado tentar intimidá-la.
Nunca concordara com a atitude da irmã, que saltava de um caso amoroso para outro sem o menor escrúpulo. Tinha certeza de que quando se apaixonasse seria para viver uma relação mais firme e equilibrada, afinal não era o tipo que perdia a cabeça por qualquer homem.
Orgulhava-se de seu controle, de sua habilidade de encarar um envolvimento emocional de frente. Mas, no momento que mais precisava, seu bom senso parecia tê-la abandonado.
Mesmo agora, determinada como estava a dar um basta a quaisquer emoções inconstantes, sequer era capaz de olhar de relance para Morgan à beira da piscina sem que seu coração disparasse. A simples presença dele a seu lado bastava para enfraquecer sua decisão, por mais que tentasse se convencer de que Alex tinha razão quanto a um aspecto: Morgan jamais se sentiria atraído por alguém tão sem encantos físicos quanto ela.
Para seu alívio, só teria de passar mais uma noite ali. Planejava dar um jeito de ir embora bem cedo no domingo, sem parecer mal-educada. Não diria nada disso a Morgan, pois sabia que ele esperava que ficasse até o anoitecer. Ele até havia lhe oferecido uma carona, dizendo que podia mandar um funcionário para buscar o carro da empresa. Mas essa era a última coisa de que precisava, ainda mais que provavelmente Alex voltaria com ele.
Grace se preparou demoradamente para a noite de sábado. Além do grupo que já estava na casa, Morgan convidara para um jantar americano alguns amigos e outras pessoas com as quais mantinha um relacionamento profissional. Grace já havia encontrado rapidamente muitas delas no decorrer do trabalho, mas não conhecia a maioria. Ao todo seriam umas quarenta pessoas e, com um pouco de sorte, poderia passar despercebida na multidão. Alex e Morgan que fizessem o que bem entendessem; ela se manteria afastada e se esforçaria para se divertir.
Sentada em frente ao espelho oval de seu quarto, Grace afastou o cabelo do rosto e começou a se maquiar com a precisão de um artista que retocava os últimos detalhes de sua tela. Escolheu cores mais claras do que normalmente usava, aplicando com cuidado o rímel, a sombra dourada e o batom vermelho. Em seguida, escovou os cabelos até conseguir o brilho desejado.
Levantou-se e pegou o vestido vermelho que comprara com Morgan em Londres. Não havia dúvida de que lhe realçava as formas, ajustando-se perfeitamente às curvas de seu corpo. Então, mirou-se no espelho do banheiro e sorriu para si mesma. Estava satisfeita com o resultado.
Quando entrou na imensa sala que dava para o jardim, a maior parte dos convidados já havia chegado. Localizou Morgan entre as pessoas que circulavam por ali com suas bebidas. Ele estava de costas para Grace e conversava com Alex e com um rapaz que não conhecia, ainda assim divertia-lhe o modo como o estranho observava sua aproximação.
No dia seguinte, retomaria à sua personalidade séria e nada intrépida, porém, naquele momento se sentia como uma verdadeira estrela de cinema e estava disposta a aproveitar a ocasião.
Ela sorriu quando Alex se voltou e a viu, experimentando uma rápida satisfação ao perceber a expressão de descontentamento contida no rosto da outra mulher. Com uma saudação informal, ela se juntou ao trio.
Morgan, que estava prestes a tomar um gole de seu uísque, abaixou a mão e a encarou, os olhos cinzentos avaliando as linhas esguias de seu corpo e o vestido vermelho como se nunca o tivesse visto antes.
— O que gostaria de beber, Grace? — ele perguntou, só então bebendo o uísque. No entanto, continuava fitando-a com tanta intensidade que ela sentiu o sangue ferver nas veias.
— Vinho branco, por favor — Grace respondeu, dizendo a si mesma que nada havia no olhar dele além de surpresa, qualquer outra coisa deveria creditar à sua imaginação. Ela se virou para o rapaz que ainda a observava e estendeu-lhe a mão:
— Creio que nunca nos encontramos antes. Conheço algumas pessoas que estão aqui, mas tenho certeza de que, se o tivesse visto antes, não me esqueceria de seu rosto.
Estava sendo honesta. Ele tinha um rosto franco e amigável e nos olhos castanhos brilhava um sorriso permanente.
— Desculpe-me — Morgan murmurou, desviando o olhar do rosto dela para o do rapaz. — Grace, este é Anthony Palmer. Ele trabalha no departamento de marketing da Arncan. Tony, esta é Grace Temple, minha secretária. — Ele acenou para um dos quatro garçons que tinham sido contratados especificamente para aquela noite, e Grace pegou o copo de vinho que ele lhe ofereceu com o mesmo sorriso calmo e amável.
— É uma pena que já esteja empregada — Tony brincou. — Acho que o rendimento da minha empresa dobraria se trabalhasse para mim.
Morgan franziu as sobrancelhas, mas, antes que pudesse dizer qualquer coisa, Alex entrou na conversa.
— Não é incrível a diferença que um vestido faz? Querida, esse é um vestidinho muito gracioso... e muito ousado. Confesso que não esperaria isso de você. — Ela acendeu um cigarro e deu uma tragada demorada.
— Também gosto desse vestido — Grace concordou, correndo os olhos pela roupa de Alex, mas não retribuiu o elogio. Ela usava um vestido preto de seda, extremamente decotado. Um pingente de brilhante reluzia em seu colo, e Grace ficou imaginando se aquele não fora um presente de Morgan. Talvez Alex ainda o usasse quando mais tarde os dois se entregassem a mais uma noite de amor. A idéia lhe era tão desagradável que ela se voltou para Tony, fazendo-lhe perguntas sobre seu trabalho.
Quando Morgan e Alex se afastaram, ela se sentiu aliviada. Tony lhe fez companhia na maior parte do tempo, distraindo-a com histórias sobre seu trabalho. O jantar, cuidadosamente preparado, foi servido, e ela comeu mais do que achava que devia. Também bebeu muito e, perto do final da reunião, se sentia ligeiramente embriagada, e a cabeça começava a doer.
Ela se distanciou do pequeno círculo de pessoas com quem estava conversando. Dirigindo-se para o jardim, acolheu com prazer o ar fresco da noite e caminhou em direção à piscina, pensando no quanto seria bom tirar a roupa e dar um mergulho.
De repente, avistou Morgan e Alex na outra extremidade e se deteve. Estavam bem distantes para que pudesse ouvir o que conversavam, mas com certeza deviam estar combinando os preparativos de uma intensa noite de amor que começaria assim que os convidados se retirassem.
Viu, então, Alex abraçá-lo pelo pescoço e beijá-lo com ardor. A cena dos dois corpos unidos a magoou profundamente.
Grace fechou os olhos e voltou quase correndo para a casa. Diminuiu o passo ao se aproximar da porta, sabendo que estava pálida. De repente, a dor de cabeça aumentou, e ela parou, respirando fundo diversas vezes.
Por fim, havia visto um nos braços do outro, ela pensou. Mas por acaso achava que passavam o tempo jogando xadrez ou conversando sobre política? Então, por que estava reagindo como uma puritana idiota?
— O que aconteceu? — Tony perguntou ansioso e preocupado ao vê-Ia entrar na sala. — Parece que viu um fantasma!
Para Grace, a cena que presenciara era milhões de vezes pior do que ver um fantasma, porém se esforçou para sorrir e respondeu:
— Só estou me sentindo um pouco indisposta. Isso me ensinará a não beber demais.
Ela olhou para as portas amplas que davam para o jardim e viu Morgan entrar na sala, seguido de Alex. Inexpressivo como sempre, ele apenas revelava o que queria que os outros soubessem. De qualquer forma, por mais atraído que estivesse por Alex, fugiria ao seu estilo agir de modo espalhafatoso com ela em público.
Novamente, Grace se sentiu angustiada e desviou o olhar antes que ele pudesse surpreender a expressão de seu rosto.
A maioria dos convidados já estava de saída, e Morgan se dirigiu à porta de entrada, despedindo-se das pessoas sem demonstrar o menor sinal de cansaço, apesar de ser quase três horas da manhã.
Grace notou que Alex desaparecera de vista e imaginou que devia estar se preparando para mais algumas horas de diversão. Como lhe doía muito pensar nisso, ela se empenhou em afastar da mente as imagens excêntricas que insistiam em persegui-Ia.
— Bem, acho que a festa acabou — Tony lamentou. — Posso vê-la de novo?
— Claro. — Ela sorriu, pensando que seria bom fazer novos amigos, e lhe deu o número de seu telefone.
Tony o anotou em sua agenda de endereços e, depois de guardá-la, deslizou o braço sobre o ombro dela. Grace apoiou-se nele, pois dessa forma poderia evitar o olhar de Morgan. Sentiu o corpo um tanto mole e presumiu que devia ser resultado das inúmeras taças de vinho que havia bebido. O rapaz se inclinou para beijá-la na boca, e ela permitiu, retribuindo o beijo com tamanha vivacidade que surpreendeu a ambos.
— Uau! Não esperava encontrar tanta emoção quando vim para cá esta noite! — ele exclamou, afastando-se dela com um sorriso. Em seguida, despediu-se de Morgan, mas ainda a olhava quando partiu.
O imenso vestíbulo ficou vazio e silencioso, a não ser pelo barulho leve dos garçons que limpavam a sala. Morgan estava encostado contra a porta fechada, olhando-a, a expressão sombria à meia-luz. De repente, o efeito do álcool pareceu esvair-se no ar, e Grace se sentiu totalmente desperta e consciente de masculinidade dele.
Irada consigo mesma, ela lhe deu as costas, dirigindo-se para a escada, tentando dar ao seu "boa noite" o tom mais leve e despreocupado possível. E por pouco não caiu quando Morgan lhe segurou o pulso.
— Qual é o significado de tudo isso? — ele indagou, furioso, fazendo-a recuar um passo diante do brilho feroz de seus olhos.
— O que está querendo dizer?
Ele se aproximou, e Grace subiu mais um degrau.
— Por favor, quer me contar a piada? — ele grunhiu sarcasticamente. — Pode ser que seja tarde, mas sempre estou disposto a ouvir algo engraçado. Mas tem de ser algo realmente engraçado, porque não estou com ânimo para tolerar qualquer outra coisa.
Ela o fitava ainda mais irada, lutando contra a pressão da mão dele em seu pulso, mas, em vez de soltá-lo, Morgan o apertou ainda mais.
Tudo o que Grace mais queria naquele momento era subir para seu quarto, trocar de roupa e dormir, dormir tanto que quando acordasse aquele fascínio obsessivo por Morgan tivesse desaparecido completamente.
— Bela festa — ela comentou, desistindo da tentativa de se livrar e evitando o confronto direto dos olhos cinzentos implacáveis, que não a deixavam nem por um segundo.
— E você precisava ficar se exibindo com esse vestido? — Morgan revidou com os dentes cerrados.
— Foi você quem insistiu em comprá-lo — ela falou num tom baixo, sentindo a cabeça latejar. — E eu não estava me exibindo.
— Acho que Tony não concordaria com você. Pensei que os olhos dele fossem saltar quando a viu.
— Tony é uma ótima pessoa. Gostei dele — Grace murmurou, inflexível.
— Mas isso não é razão para ter se atirado nos braços dele!
O olhar indignado de Morgan a deixou totalmente confusa. E ela sequer podia tentar compreendê-lo, porque se sentia zonza e muito cansada.
— Você devia participar dessa reunião em caráter semi-oficial — ele continuou bruscamente —, mas assim que foi apresentada a Tony começou a provocá-lo. Acha que não reparei na maneira como se olhavam? — De forma involuntária, ele lhe apertou ainda mais o pulso.
— Você está me machucando! — ela quase gritou, sentindo a mão dormente.
Morgan a soltou e, no mesmo instante, Grace começou a subir a escada. Mas ele, com grande agilidade, passou à frente e barrou-lhe o caminho.
— Vai ou não vai me explicar seu comportamento? — Ele estava tenso e parecia travar uma luta interna para não perder totalmente o controle.
— Não tenho a obrigação de explicar-lhe coisa alguma — Grace bradou, escolhendo com cuidado as palavras, uma vez que temia começar a gaguejar e ser incoerente. — Não fora do trabalho. Ainda que eu quisesse me insinuar para qualquer homem, isso não lhe diz respeito.
— O que você faz dentro da minha casa me diz respeito, sim!
— Chega desse assunto! — Grace vociferou, sentindo o rosto queimar. — Agora, se não se importar, quero ir dormir.
Morgan franziu a testa. Por um momento, deu a impressão de que iria dizer mais alguma coisa, mas permaneceu calado. Ele se afastou e Grace recomeçou a subir os degraus.
A escada lhe pareceu interminavelmente longa, longa demais para que a subisse de uma só vez. E a presença de Morgan dificultava ainda mais as coisas. Apesar do efeito da bebida, que lhe turvava a mente, podia sentir o magnetismo que o corpo dele irradiava e que lhe penetrava a pele de forma cortante.
Olhou para ele de soslaio, e o descuido a fez pisar em falso. Horrorizada, viu-se cair de encontro a Morgan e ser amparada desajeitadamente, com as mãos dele logo abaixo dos seios.
— Deve ter bebido muito — ele disse, estendendo uma das mãos para afastar o cabelo do rosto dela. Em seguida, tomou-a nos braços e a carregou escada acima.
— Posso ir muito bem sozinha para o quarto — Grace protestou, mas, ao mesmo tempo, fechou os olhos, relaxando o corpo contra o dele.
Morgan a carregava como se seu peso fosse insignificante. Ela sentiu um impeto irresistível de deslizar a mão por baixo da camisa dele, acariciar-lhe a pele e os músculos fortes de seu peito. E, para conter a tentação, cerrou os punhos.
Em frente ao quarto, ele abriu a porta com o pé e a colocou no chão, acendendo o abajur em seguida. O quarto ficou submerso numa fraca luz dourada.
— Depois de umas boas horas de sono irá se sentir melhor — Morgan murmurou suavemente.
— Minha cabeça está doendo — Grace caiu na cama de olhos fechados, os braços ao longo do corpo.
— Não pode dormir com esse vestido — ele disse, ajoelhando-se ao lado dela. — Não posso nem imaginar como consegue respirar dentro dele. Vamos, sente-se e tire isso.
Ela abriu os olhos devagar e o encarou. Percorreu-lhe o rosto, admirando-lhe os traços firmes, a boca sensual, a fisionomia que lhe dava um ar de autoconfiança inabalável.
— Vou dormir alguns minutos e depois me troco — ela murmurou, sonolenta.
— Vamos, sente-se. — Ele a ajudou a se sentar, afastando o cabelo do zíper do vestido e abrindo-o. — Não vai conseguir dormir bem vestida desse jeito. Onde está seu pijama? — ele perguntou, sem olhá-la.
Grace gesticulou para uma das gavetas da penteadeira e Morgan encontrou uma camisola longa de malha, listrada de azul-marinho e branco.
— É essa?
— Sim, alguma coisa errada?
— Nada, só que em matéria de sensualidade, ela deixa muito a desejar.
— Não estou preocupada com isso! — Grace exclamou e, quando Morgan lhe entregou a camisola, acrescentou: — Posso vesti-Ia sozinha.
— Tem certeza?
— Claro que sim! — Ela se recostou nos travesseiros para reunir suas forças. Porém, a posição lhe pareceu muito aconchegante e resolveu permanecer nela por mais alguns minutos, pelo menos até que ele saísse do quarto. Todavia, Morgan continuava imóvel e de olhos fixos nela.
— Vamos, levante-se — ele disse por fim e a ajudou a ficar em pé. Antes que Grace pudesse se dar conta, ele puxou seu vestido para baixo e a fitou, totalmente surpreso ao perceber que ela não estava usando sutiã.
— Oh, Grace! — Ele deixou escapar um gemido gutural, a respiração ofegante. Olhando embevecido para os seios nus, ele os acariciou num gesto quase espontâneo e incontrolado.
Grace suspirou de puro prazer, ansiosa para entregar-se com total abandono às carícias dele. Aproximando-se mais dele, ela se contorceu até ver o vestido deslizar e cair no chão. Seu corpo reagia ao toque das mãos macias com uma sensibilidade que chegava a ser dolorosa.
De repente, ele se inclinou e procurou-lhe os lábios, que, instantaneamente, se entreabriram, permitindo a doce invasão de sua língua, fazendo-a estremecer. Com dedos trêmulos, Grace desabotoou a camisa dele, deliciando-se ao tocar a pele macia. Ela o desejava com uma urgência que jamais teria imaginado possível.
Morgan sussurrava palavras incompreensíveis e gemia enquanto lhe mordiscava o lóbulo da orelha. Suas mãos massageavam-lhe os quadris, deslizando sob o elástico da calcinha até tocá-la intimamente.
Gemendo baixinho, Grace pressionou o corpo contra o dele. Mas, quando começou a soltar-lhe o cinto da calça, ouviu-o soltar um longo suspiro ao mesmo tempo que lhe segurava os pulsos e se afastava dela.
— Qual é o problema? — ela perguntou, confusa.
— Isso tudo não devia estar acontecendo, esse é o problema — Morgan murmurou com um gemido aflito. — São três e meia da manhã, você bebeu muito e eu estou agindo como um adolescente que nunca viu uma mulher nua. Grace, é melhor vestir sua camisola e ir para a cama. É provável que amanhã, quando acordar, não se lembre de nada disso.
As palavras dele caíram sobre ela como uma torrente de água gelada. Grace afastou-se dele e vestiu a camisola. Nunca se sentira tão embaraçada em toda sua vida e sabia que iria se lembrar em detalhes, vívidos e humilhantes, de tudo o que havia acontecido entre eles na manhã seguinte.
— Acho que deve sair — ela sussurrou, os olhos fixos no chão.
Morgan assentiu e caminhou para a porta. Grace deu-lhe as costas e deitou-se sob as cobertas. Não queria vê-lo, não queria pensar sobre o que tinha feito.
Ela ouviu a porta sendo fechada e sentiu o corpo relaxar à medida que dava vazão à sua tensão interna. Milhares de pensamentos desagradáveis atravessavam-lhe a mente enquanto permanecia deitada, os olhos bem abertos e fixos no teto.
Como pudera agir daquela forma? Estava extremamente furiosa consigo mesma por ter demonstrado a intensidade de sua atração por Morgan, por ter permitido que ele percebesse como se sentia.
E agora, depois de toda essa insensatez, o que iria acontecer com seu emprego? Morgan, com certeza, não iria dividir a culpa com ela. E por que deveria? Grace provocara sua reação. E fora apenas graças ao autocontrole dele que não tinham feito amor.
Grace virou-se de lado e golpeou o travesseiro. Sabia que de nada adiantava reclamar naquele momento. De manhã, mais calma, fingiria que não se lembrava de nada caso ele tocasse no assunto.
Sabendo que não conseguiria dormir, ela pegou um livro que deixara sobre o criado-mudo. Esforçou-se para ler, mas agitada e inquieta como estava era-lhe impossível prestar atenção à leitura. Então, recolocou o livro em seu lugar, apagou a luz do abajur e cruzou os braços atrás da cabeça, mergulhando na desordem de seus pensamentos.
Não saberia dizer quanto tempo permaneceu acordada, com as imagens de Morgan fervilhando em sua mente. Ao acordar, raios de sol inundavam o quarto, penetrando pelas frestas das janelas. Ela olhou para o relógio e descobriu espantada que já passava do meio-dia. Aquelas horas de sono deviam ter acabado com os efeitos do álcool, pois estava totalmente desperta e não sentia o estômago enjoado nem dores de cabeça.
Afastou os lençóis e se sentou na beirada da cama. As recordações detalhadas e impiedosas da noite anterior ameaçaram imobilizá-la, mas Grace lutou contra elas, ocupando-se com outras coisas.
Tomou um banho longo e demorado, arrumou suas coisas e, depois de vestida, olhou-se no espelho antes de sair do quarto. Queria ter certeza de que aparentava uma expressão serena e controlada. A noite anterior lhe revelara a intensidade crua e nua de suas emoções e o poder de sua atração por Morgan.
Teria de enfrentar sozinha esses sentimentos, sem permitir que se manifestassem outra vez para ele.
Grace esperava encontrar os convidados de Morgan ainda na casa quando desceu para o andar térreo, mas, além dos três empregados permanentes que ele mantinha para cuidar da casa e do jardim, não viu mais ninguém. Ela passou pela cozinha para tomar um copo de leite antes de ir para o jardim.
Mentalmente, tinha se preparado para o encontro com Morgan. Até mesmo se dera ao trabalho de escolher com cuidado o que vestir, optando por uma saia de corte reto, de um tom cinza-azulado, e uma discreta blusa creme. Não que esperasse vê-lo atirar-se sobre ela se a visse usando alguma coisa provocante, Grace pensou, se remoendo por dentro. À luz do dia, Morgan certamente acharia incompreensível, senão ridículo, seu comportamento da noite anterior. Com o cabelo preso num coque no alto da cabeça, ela mais parecia uma professora. Dessa forma, se sentia numa posição mais confortável para dominar suas emoções, caso começassem a se rebelar.
De qualquer forma, quando viu Morgan descansando em uma das cadeiras perto da piscina, seu coração começou a bater descompassadamente. Parou por um breve instante para se recompor e, com um sorriso contido, aproximou-se dele e puxou uma cadeira para si.
— Dormiu bastante — ele comentou, observando-a com os olhos semicerrados. — Foi a ressaca?
Grace deu de ombros e desviou o olhar, procurando se concentrar na água azul e transparente da piscina.
— Teria descido antes, mas tomei um banho muito demorado. Não sabia que todo mundo iria embora de manhã.
Podia sentir os olhos dele cravados nela, mas era incapaz de encará-lo. Desconfiava que sua fachada calma e controlada se desfizesse com o primeiro contato cara a cara. Portanto, preferiu permanecer de perfil, oferecendo o rosto para o sol e usufruindo de seu calor agradável.
— Quase todas as pessoas moram longe daqui. Eu também já teria partido, mas queria vê-la antes.
Grace assumiu uma postura rígida. Esperava que ele não a submetesse a um interrogatório sobre o que acontecera entre eles. Talvez quisesse lhe dizer que, depois de seu comportamento da noite anterior, não precisava mais de seus serviços. Teve de se esforçar muito para respirar com calma e reprimir o pânico súbito que começava a invadi-Ia.
— Gostaria que me desculpasse pela noite passada — ela começou a falar com firmeza. — Bebi demais e me comportei de maneira totalmente inadequada. E se lhe causei algum constrangimento na frente de seus convidados, por favor, me desculpe.
A palma de suas mãos estavam transpirando, e ela as esfregou de leve sobre as pernas, mantendo o rosto virado e os olhos apertados por causa da claridade ofuscante.
— Não estava falando sobre o modo como se comportou na festa... — Morgan comentou num tom apático.
— Sim, eu sei — Grace o interrompeu, lutando contra o aperto na garganta que quase a impedia de falar. — Bem, acho que todos nós fazemos coisas que acabamos por lamentar, principalmente sob efeito do álcool. — Ela riu numa tentativa de se animar. — Acredite, nunca agi de modo tão estúpido em toda minha vida, e não tenho a menor intenção de deixar isso acontecer de novo.
No íntimo, Grace travava uma luta que contradizia suas palavras e via sua dignidade se engalfinhando com o desejo alucinado de se atirar nos braços dele, com a paixão que sentia por aquele homem e que tomava proporções mais profundas e que relutava em analisar.
— Se você quiser, posso preparar meu pedido de demissão o mais rápido possível — ela continuou no mesmo tom firme e seguro.
— Demissão? Do que está falando? É isso o que quer?
— Claro que não!
— Eu tampouco quero que você se demita. Como acabou de dizer — ele gracejou —, todos nós nos comportamos de maneira lamentável algumas vezes, principalmente sob influência do álcool. Deve ter descoberto que não é uma experiência agradável. Da próxima vez, é melhor ser um pouco mais cuidadosa, ou poderá se meter em situações um pouco mais do que desagradáveis.
— Não haverá uma próxima vez — Grace replicou friamente.
— Bem, com certeza nunca mais irá querer se distanciar do seu auto-controle encouraçado.
Era exatamente o que ela estava pensando em dizer, mesmo assim, a franqueza dele a magoou. Havia na voz dele um tom de censura e acusação.
— Já arrumei minhas coisas e, se você não tem mais nada para me dizer, acho que começarei a viagem de volta agora. Ainda preciso fazer algumas coisas no meu apartamento e ver se Jenny está bem.
— E por que ela não deveria estar? — Morgan perguntou, contorcendo os lábios. — Meu sobrinho não está lá, cuidando dela?
Grace o fitou surpresa, e seus olhos se encontraram.
— Não pensei que você soubesse.
— Claro que sei. Rickie me falou que não podia vir para cá porque tinha sido convidado para uma festa só para homens. Ele devia saber que não adianta mentir para mim. Compreendi isso instantaneamente e, então, coloquei um dos meus seguranças para segui-lo, só para ter absoluta certeza.
— Você não tem o direito de espioná-los!
— Bem, é melhor ter cuidado — ele sorriu —, sua máscara está se desfazendo. Já consigo ver alguma emoção em seu rosto. É porque estamos falando de sua irmã, e ela é a única pessoa com quem você se preocupa o bastante para permitir que seus sentimentos verdadeiros se revelem?
— Não, mas porque você não tem o direito de se intrometer na vida de outras pessoas!
Grace pensou que com isso poderia despertar a fúria dele, mas, em vez disso, Morgan cruzou as mãos atrás da cabeça e esticou as pernas, assumindo uma postura relaxada. Ela seguiu a linha de seus músculos firmes e longos e a lembrança do momento que tentou desabotoar-lhe o cinto, ansiosa para sentir o calor de seu corpo nu, a invadiu.
— Bem, você pode dizer à sua irmã que tomei uma decisão — Morgan comentou casualmente. — Pode lhe contar que decidi mandar Rickie para Paris para o próximo curso que começa em duas semanas. Portanto, devem aproveitar ao máximo o tempo que ainda lhes resta.
Ele se levantou e, com uma estranha sensação, Grace o viu se afastar. Não sabia o que o fizera tomar essa decisão, no entanto, seus instintos lhe diziam que Morgan estava agindo impulsivamente.
Alguns minutos depois, ela abandonou sua cadeira e começou a pensar na viagem de volta, planejando o caminho como forma de afastar Morgan de seus pensamentos. No entanto, gostasse ou não, tinha de admitir que o que sentia por ele era algo muito mais forte do que apenas uma atração física.
Já estava entardecendo quando Grace chegou em seu apartamento e, assim que guardou suas coisas, foi ver a irmã.
Jenny a recebeu com um sorriso radiante.
— Rickie acabou de sair daqui.
O apartamento continuava limpo e em ordem. Grace sempre achava que a irmã jamais seria capaz de surpreendê-la e reconheceu que se enganara.
— Esse lugar não devia lembrar uma zona de guerra? Com almofadas, revistas e pratos espalhados pelo chão?
— Rickie não gosta de bagunça.
— Eu também nunca gostei. Mas não me lembro de ter conseguido intimidá-la. — Grace sorriu, pensando que aquela era a prova final do quanto Jenny estava realmente apaixonada por Rickie.
— A diferença é que você é minha irmã.
Grace a olhou, e ambas caíram na gargalhada. Naquela atmosfera de cordialidade e descontração, ela descreveu seu fim de semana, esforçando-se para dar a Jenny a impressão de que havia se divertido muito. Se lhe fosse possível ignorar a confusão de seus sentimentos e ouvisse apenas o que estava dizendo, podia quase acreditar que continuava sendo a mesma pessoa objetiva e que não cedia à intromissão das emoções caprichosas.
— Morgan sabe que Rickie passou o fim de semana com você — ela murmurou quando houve uma breve pausa na conversa. Havia decidido durante a viagem de volta a Manhattan que colocaria Jenny a par da decisão de Morgan e que tentaria persuadi-Ia a compreender a natureza prática da situação, embora ela própria não estivesse muito convencida.
— Como ele soube?
— Intuição aguda. Você devia saber que Morgan está no comando dessa imensa corporação porque é um homem inteligentíssimo e muito perspicaz. Não é o tipo que pode ser enganado com facilidade.
— O que ele disse?
Grace suspirou e se sentou, inclinando ligeiramente a cabeça.
— Vai mandar Rickie para aquele curso dentro de duas semanas.
Ela esperou por uma reação explosiva e ficou perplexa com a calma que a irmã aceitou a intenção de Morgan. Apesar disso, acrescentou:
— Não fique muito abalada. Talvez essa separação seja boa para vocês. Se a relação sobreviver à separação, esse será um excelente indício de sua força.
Grace observou atentamente a irmã, procurando adivinhar o que se passava por sua cabeça. Sempre vira Jenny como uma pessoa transparente, incapaz de esconder suas emoções. Agora, já não tinha tanta certeza disso.
— Pode ser que tenha razão — Jenny comentou pouco depois. Ela balançou os ombros como se a questão não fosse tão importante e, distraidamente, começou a seguir o contorno das flores de seu vestido.
— É muito melhor que não se deixe transtornar com isso — Grace disse, rompendo o silêncio.
— Tenho certeza de que tudo se resolverá da melhor forma — Jenny concluiu, dando de ombros outra vez.
De volta a seu apartamento, Grace tentou descobrir o que havia por trás da reação da irmã que a deixou tão intranqüila. Afinal, Jenny tinha reagido com maturidade e sensatez, e não era por isso que ela ansiava? Não fora preparada para convencê-la de que alguns meses longe de Rickie não era necessariamente algo ruim?
Devia, portanto, estar satisfeita com o desfecho da história e, pensando nisso, ela passou o resto da noite assistindo televisão e passando roupa.
Na manhã seguinte, quando Grace chegou para trabalhar, Morgan já estava na empresa. A porta adjacente à sua sala estava encostada, mas ela podia vê-lo andando de um lado para outro enquanto falava ao telefone.
Examinava, desatenta, a pilha de trabalho que ele deixara em sua mesa, perguntando-se por onde começar, quando a porta que separava suas salas se abriu. Relutante, Grace olhou em volta. Debatia-se com uma forte dor de cabeça e teve a impressão de que não iria melhorar. Não precisava falar com Morgan para saber que aquele não era um dos seus melhores dias, quando queria que tudo fosse feito com a maior urgência.
— Grace, venha até aqui, por favor!
"Sim, senhor", ela pensou sarcasticamente, pegando o bloco de anotações e a caneta. Morgan olhava pela janela como quem remoia alguma idéia e não se virou quando ela entrou na sala.
— Estou pronta — Grace falou, observando os ombros largos e experimentando um leve e já conhecido tremor de excitação.
— Pronta para quê? — Ele se voltou, os olhos percorrendo-lhe o corpo numa rápida avaliação.
— Para a taquigrafia — ela respondeu, desviando o olhar.
— E, por acaso, eu lhe disse que a chamei aqui para que taquigrafasse?
— Não — ela admitiu, corando.
— Eu a chamei aqui para lhe dizer que vou levá-la para jantar esta noite.
— O quê?
— Você é surda? Disse que vou levá-la para jantar esta noite.
Grace o fitou entre surpresa e assustada. Então, alertada por seu instinto de defesa para o perigo iminente que aquele homem representava, retrucou:
— Lamento não poder aceitar. Tenho um compromisso.
— Desmarque-o.
A figura alta e fascinante pairava à sua frente desafiadoramente, e ela se deu conta de que sua força de vontade começava a enfraquecer. Repetiu a si mesma sua resolução, que se resumia numa tentativa de encobrir suas emoções com uma forte camada de racionalidade, para se proteger do impacto que ele sempre lhe causava.
— Tudo bem — ela concordou, apesar dos ecos que a voz da lógica reproduziam em seu interior.
Imediatamente arrependida, perguntava-se por que aceitava vê-lo fora do ambiente de trabalho. Afinal, não tinha aprendido nada com as experiências que tivera na casa dele? Lembrava-se muito bem da cena que ele e Alex haviam lhe proporcionado perto da piscina, e isso não bastava para que o evitasse o máximo possível?
— Irei buscá-la às sete e meia. Agora podemos começar a trabalhar. — Ele se sentou, com a satisfação de alguém que havia concluído um negócio de acordo com seus planos, e começou a ditar-lhe uma carta.
Grace anotava as palavras dele num gesto quase automático. Os pensamentos vagueavam por esferas que nada tinham a ver com o trabalho. Sua mente emitira todo tipo de aviso, mesmo assim ela os ignorara.
Só havia uma resposta: devia estar enlouquecendo, perdendo completamente o juízo.
Naquela noite, quando ouviu a campainha tocar, ela foi atender a porta se sentindo no domínio de suas faculdades mentais, como sempre deveria estar.
Morgan estava apoiado no batente, ainda usando o terno de trabalho, agora sem a gravata e com os dois primeiros botões da camisa abertos. Ele a encarou com uma expressão que insinuava compreender muito bem o tipo de impressão que ela queria causar com seu vestido azul-marinho de corte formal e sandálias brancas.
— Você está encantadora — ele a elogiou com um leve sorriso.
— Obrigada — Grace o agradeceu um tanto constrangi da. — Quer entrar?
— Agora, não. Fiz a reserva para as oito e meia e acho melhor irmos andando. Podemos beber alguma coisa antes do jantar.
Grace fechou a porta, e seu coração disparou quando Morgan passou o braço por seus ombros: Preferiu ignorar o gesto porque precisava que ele acreditasse que se sentia totalmente controlada. Assim, talvez ela também pudesse acreditar nisso.
Morgan havia escolhido um restaurante pequeno, cuja atmosfera de intimidade não ocultava seu preço. Um garçom educado acompanhou-os até a mesa e anotou os pedidos.
— É um lugar muito agradável — ela comentou, olhando à sua volta.
— Você vem sempre aqui?
— De vez em quando. — Seus olhos cinzentos mergulharam profundamente nos dela, fazendo-a corar.
Era um homem extremamente fascinante e sedutor, consciente de seus atributos e os aceitava com naturalidade.
Morgan começou a falar sobre uma peça de teatro que tinha visto há poucos dias, achando que ela devia assisti-Ia. Agora que a conversa prosseguia dentro de um território mais seguro, Grace foi capaz de descontrair e saborear o peixe grelhado enquanto discutia os méritos da Broadway sobre o teatro londrino.
— Você tem saudade da Inglaterra? — ele perguntou com curiosidade, depois que o garçom retirou os pratos.
Grace pensou seriamente no assunto por alguns instantes.
— Acho que não. Sinto falta de algumas coisas, como passear no Hyde Park num dia ensolarado ou ver os artistas amadores no Covent Garden. Mas, de um modo geral, não sinto saudade. Acho que a novidade de viver em Nova York ainda não passou.
— E quando passar?
— Acho que voltarei para a Inglaterra. — Ela não queria pensar quando chegasse esse momento decisivo. A idéia de nunca mais ver Morgan era algo que a atemorizava. E, para mudar de assunto, disse: — Contei a Jenny sobre sua decisão de mandar Rickie para Paris. Fiquei espantada com a reação dela. Nenhuma crise de histeria, nem lágrimas.
— Rickie também aceitou a idéia sem estardalhaço. Acha que devemos desconfiar de alguma coisa?
Ele a fitava com um brilho febril, percorrendo-lhe o rosto como uma caricia suave e provocante que lhe envolvia o corpo todo num intenso ardor.
— Não há nada que pudéssemos fazer, mesmo que estivéssemos muito desconfiados. Afinal, não podemos prendê-los para sempre, esperando que o que sentem um pelo outro acabe.
— Claro que não. Parece que as emoções agem por conta própria. Elas não acabam simplesmente porque é assim que se quer, ou porque alguém diz que devem acabar. — À luz de velas, o olhar de Morgan parecia sombrio e vigilante. — O tempo que ficarão separados lhes dará uma oportunidade para pensar sobre o que querem.
— Foi o que disse a Jenny. Ela me ouviu pacientemente, mas não acho que ela acredite muito nisso.
— Estamos parecendo pais preocupados falando de seus filhos — Morgan comentou, sorrindo. Seus olhares se encontraram, e Grace desviou o rosto, brincando com o copo de vinho. Teria de ser muito cautelosa. Mais uma vez, estavam penetrando em territórios imprevisíveis.
— Só que não são mais crianças. Ambos são adultos, capazes de cuidar de si mesmos sem a nossa interferência.
O garçom apareceu com o cardápio de sobremesas e pareceu se sentir insultado quando os dois disseram preferir apenas café.
— Está se referindo a mim?
— Não, mas, já que falou nisso, ainda acho que forçá-los a uma separação não é uma boa idéia.
— Tàrde demais — Morgan a fitou com uma expressão estranha.
— Por quê?
— Por que já falei a Rickie que ele parte dentro de duas semanas. Não posso voltar atrás agora.
— Você é orgulhoso demais — Grace o censurou com um sorriso irônico.
— Você também. — A resposta dele a pegou desprevenida, e ela o olhou, espantada. — Eis por que você ergue barreiras à sua volta, mas isso é um erro. Será que não percebe que as barreiras são um grande desafio para qualquer homem?
— Não sei do que está falando — ela contestou, mas admitiu que suas palavras soaram falsas, e a sensação de estar encurralada lhe era angustiante. Sentia-se incapaz de enfrentar o olhar inflexível dele, pois se o fizesse seria arrebatada num transe hipnótico. E, então, como iria se defender?
— Mais café, senhorita? — O garçom interrompeu seus pensamentos, aliviando-a.
— Gostaríamos que nos trouxesse a conta, por favor — Morgan se dirigiu ao rapaz com uma fisionomia irritada, mas em seguida inclinou-se sobre a mesa e sorriu. — Podemos tomar mais café no seu apartamento.
Grace permaneceu em silêncio enquanto ele pagava a conta. O pânico que começou a tomar conta dela naquele momento se intensificou durante o caminho para seu apartamento. Morgan não disse uma palavra, e isso só piorava as coisas, pois lhe dava tempo para se consumir em seu nervosismo.
Tentando se acalmar, ela procurou se convencer de que estava reagindo com exagero. Afinal, não havia nada de ameaçador quanto a Morgan. Apenas jantaram juntos, e ele a incentivou a falar sobre si mesma porque era seu chefe, e os chefes sempre pensavam que deviam conhecer as pessoas com as quais trabalhavam.
Nesse caso, por que então estava tão ansiosa? Não havia nenhuma situaçãó que não pudesse contornar com um belo sorriso.
— Vai me convidar para um café? — ele perguntou ao estacionar o carro em frente ao prédio dela.
— Se você quiser... — Tensa, ela examinava a rua cheia de gente, que parecia não ter pressa para chegar ao seu destino.
— Esse é o convite mais entusiasmado que já recebi — Morgan ironizou e, ao sair do carro, acrescentou: — Mas vou aceitá-lo mesmo assim.
Grace imaginou o sorriso provocativo e malicioso que pairava nos lábios dele e também saiu do carro, determinada que aquele seria o café mais rápido da história da humanidade.
— O que Alex diria sobre isso? — ela perguntou enquanto o elevador os conduzia para o seu andar.
— Sobre o quê?
— Sobre você jantar com sua secretária, depois tomar café... — Grace deixou a frase solta no ar, arrependida por ter tocado no assunto, que só servia para aumentar seu nervosismo.
A porta do elevador se abriu e ambos saíram para o corredor.
— Eu não vejo nada de mais — Morgan murmurou num tom grave. — Além disso, não tenho mais nada com Alex.
Ela ficou imóvel, reprimindo um insano desejo de rir. Isso tornaria as coisas piores, mas mesmo assim ela sentia uma enorme vontade de rir.
— Oh — ela balbuciou evasivamente, inclinando-se para abrir a porta de seu apartamento e, tão logo entraram, acendeu todas as luzes. —Compreendo.
— É mesmo? — Ele deu alguns passos pela sala e, então, se sentou no sofá. — Nós nos separamos diante de uma situação mais ou menos cáustica.
Grace pensava no que Alex poderia ter feito para aborrecê-lo. Com certeza, não fora muito inteligente, pois Morgan não era o tipo de homem que tolerava contrariedades.
Ela ainda remoia as palavras dele quando voltou da cozinha e lhe entregou a xícara de café, sentando-se no sofá menor. Para seu espanto, viu-o erguer-se de onde estava e sentar-se a seu lado. Tensa e constrangida, Grace se esqueceu completamente de Alex à medida que sentia sua pulsação se acelerar.
— Obrigada pela noite — ela quebrou o silêncio que lhe era insuportável. — Aquele restaurante é muito agradável e a comida, ótima.
— E quanto à companhia?
— Também agradável — ela balbuciou, provando o café e em seguida colocando a xícara sobre a mesinha à sua frente. — Mas não consigo imaginar por que você me convidou para jantar. — As palavras escaparam de sua boca espontaneamente. Ela desviou o olhar, desistindo de qualquer pretensão de se mostrar controlada.
— Porque queria a sua companhia.
— Por quê? — ela indagou, incrédula. — Você podia ter a companhia de qualquer mulher que quisesse.
— Mas acontece que eu queria a companhia de uma mulher em particular. Você.
A frase dele pairou no ar, suspensa como minúsculas partículas de explosivo que seriam detonadas no minuto que ela pensasse sobre seu sentido.
Grace o encarou, se sentindo completamente impotente. Sua mente funcionava a toda velocidade, mas de maneira tão desordenada que ela não conseguia vislumbrar uma saída. Podia sentir o corpo reagindo às palavras dele e ao brilho desafiador de seus olhos.
De súbito, Morgan correu o dedo ao longo do rosto dela.
— Não lhe ocorreu que eu podia não desejar a mesma coisa? — ela argumentou num tom de voz quase inaudível.
— Não.
Grace teve a impressão de mergulhar num estado de torpor, como se estivesse à beira de um precipício e, se lhe restasse um mínimo de bom senso, deveria se afastar antes que fosse tarde demais.
Ele a puxou para si, e um longo arrepio a percorreu.
— Nunca me envolvi com uma de minhas secretárias antes — ele murmurou junto a seu ouvido. — Sempre cultivei a política de não misturar negócios com prazer. Você é minha exceção.
— Alex me falou sobre suas... políticas.
— Aquela mulher fala demais — Morgan revidou num tom áspero.
Em seguida, acariciando-lhe o rosto, ele lhe tomou os lábios num beijo ardente e apaixonado, deslizando a língua provocativamente para o interior de sua boca. Grace colou seu corpo ao dele, correspondendo com paixão ao beijo.
Quando Morgan deslizou a língua por seu pescoço, ela se curvou para trás e mergulhou os dedos nos cabelos dele.
— Este não é o melhor lugar para se fazer amor — ele sussurrou com voz abafada. — O sofá é o lugar predileto de adolescentes.
Ele então a pegou no colo e a levou para o quarto, colocando-a delicadamente na cama.
— Eu a desejo muito, Grace — disse, desabotoando devagar a blusa dela e acariciando-lhe os seios nus com movimentos suaves e enlouquecedores.
Grace ouvia as palavras dele ecoando em sua mente febril e podia sentir seu bom senso começando a se debater com sua fragilidade de sucumbir ao desejo que a consumia.
Com desespero, ela se questionava sobre o que estava fazendo. Mas, delicadamente, Morgan lambeu-lhe um dos mamilos e o tomou na boca, sugando-o avidamente e obscurecendo de vez o raciocínio de Grace.
Ao mesmo tempo, ele lhe acariciava os quadris e as pernas, despertando-lhe sensações intensas.
— Você quer fazer amor comigo, Grace? — ele perguntou com voz ofegante.
Grace fechou os olhos, sabendo qual seria sua resposta. Não estava preparada para viver um caso breve com ele, por mais satisfatória que pudesse ser a parte sexual. Não podia abandonar agora os princípios que forneciam suporte para sua vida.
— Eu o desejo — ela respondeu com a voz transtornada pelo desespero. — Mas... Mas não posso fazer amor com você.
— Você ainda é virgem, não é?
Grace confirmou com um sinal de cabeça, se sentindo infinitamente deplorável.
Morgan suspirou e se deitou na cama, as mãos atrás da cabeça. Ela daria tudo para saber quais eram seus pensamentos, embora pudesse arriscar um palpite. Estava pensando que ela era tola e ingênua.
— Não pretendia... induzi-lo a nada — ela se justificou com certa hesitação e ficou aliviada ao vê-lo assentir num gesto de compreensão.
— Eu entendo, Grace, pode acreditar nisso. — Morgan se inclinou sobre ela e, depois de beijá-la na ponta do nariz, se levantou e saiu do quarto.
Grace permaneceu deitada, de olhos fechados, sem compreender por que a preservação de seus princípios a deixara com uma sensação tão amarga. Ela o desejava como jamais havia desejado qualquer coisa. A simples visão daquele corpo másculo a fazia estremecer de desejo.
Ela soltou um gemido de lamento e rolou para o lado. Havia uma razão forte o bastante capaz de explicar sua vulnerabilidade diante daquele homem. Ela o amava!
A consciência de seus verdadeiros sentimentos explodiu em sua cabeça, inundando-lhe os olhos de lágrimas. Amava Morgan de forma incontrolável, e seu único mérito era que ele não sabia disso. Sabia apenas que ela o desejava e, portanto, jamais iria permitir que desconfiasse da profundidade de suas emoções.
Surpreendia-se por não ter percebido, desde o primeiro momento que o vira, a ameaça que ele significava para sua paz de espirito. No entanto, mesmo quando se deu conta disso, continuou se apoiando em sua confiança descabida, certa de que saberia como combater qualquer perigo que ele pudesse representar.
E agora, o que iria fazer?
Na manhã seguinte, Grace chegou ao trabalho e descobriu que Morgan fora chamado com urgência para uma reunião em Paris e que lá ficaria até o meio da semana. Ela leu o bilhete que ele lhe deixara e não sabia ao certo se estava aliviada ou decepcionada com sua ausência inesperada.
Tinha passado a noite em claro, se remexendo na cama, com a imagem de Morgan ocupando cada recesso de sua mente e impedindo-a de dormir.
Morgan havia conseguido transpor a barreira de seu exterior calmo e tranqüilo, forçado-a a admitir que estava atraída por ele. Agora, também a forçara a admitir para si mesma que o amava. E ela não tinha a menor idéia do que pretendia fazer com toda essa história.
Por razões que ainda não podia compreender, sabia que Morgan se sentia atraído por ela mas, resignadamente, reconhecia que sua atração jamais se transformaria em algo mais profundo. Ele sequer precisava lhe dizer que não acreditava no amor, pois isso se manifestava em seus gestos e palavras, na brevidade de seus casos amorosos, na intolerância com que reagia ao impulso de Rickie de colocar seu envolvimento emocional com Jenny acima da própria carreira.
Morgan lhe dissera que entendia sua recusa em fazer amor, e Grace acreditava nele, mas até quando isso duraria se ele soubesse que bastava um olhar, um toque fortuito para que todo seu corpo explodisse numa paixão incontida.
Centenas de perguntas sem respostas se embaralhavam em sua mente e, com isso, ela ganhou uma terrível dor de cabeça. Tomou duas aspirinas e estava tentando comer seu lanche quando o telefone tocou.
Era Tony convidando-a para jantar. Pareceu-lhe bobagem não aceitar, já que não tinha nenhuma intenção de se transformar numa daquelas mulheres que passavam a vida perseguindo um amor impossível.
Foram a um restaurante nas proximidades da Times Square e, dessa vez, Grace preferiu ser cautelosa com o álcool e bebeu apenas o suficiente para entorpecer a intensidade de sua agitação emocional e ser capaz de dar boas gargalhadas.
Tony era uma companhia agradável, não estava apaixonado por ela, mas se mostrava muito interessado, e seus elogios era o que Grace precisava para elevar seu moral.
Quando a deixou em seu apartamento, ela o agradeceu, dando-lhe um beijo rápido.
— Você está com a cabeça em outro lugar, ou em outra pessoa — ele comentou com ternura. — Algum problema?
— Só estou um pouco preocupada.
— Alguém que eu conheça?
Grace sacudiu a cabeça e riu.
— Não é nada importante. Tive uma noite muito agradável e você é uma das melhores pessoas que já conheci.
Mais tarde, enquanto se preparava para ir dormir, ela pensava que se houvesse se interessado por Tony tudo seria muito mais fácil. Ele era um rapaz franco e uma boa companhia. Mas a vida não era mesmo justa e pregava peças inesperadas, como cruzar seu caminho com o de Morgan.
Ele lhe telefonou no dia seguinte, bem no final do expediente.
— Aconteceu alguma coisa que eu deva saber? — Morgan perguntou. — Essa droga de reunião vai se prolongar por mais tempo do que eu imaginava.
— Os documentos que você estava esperando chegaram esta manhã do arquivo. Tirei xerox de todos os relatórios importantes e as enviei para a filial de Chicago. Além disso, nada de urgente.
Eles conversavam sobre trabalho, e Grace, enquanto anotava as instruções que ele lhe dava para o dia seguinte, percebia que sua tensão aumentava.
— Devo ficar aqui por mais alguns dias — ele disse depois de um breve silêncio.
— Tudo bem — Grace forçou um tom de voz animado, apesar de sentir o coração oprimido.
— Não precisa parecer tão satisfeita com a minha ausência.
E por acaso deveria se mostrar tolamente apaixonada?, ela reprimiu a vontade de gritar e, ignorando a insinuação que havia por trás do comentário dele, disse:
— Estou dando conta de tudo aqui. Como está o tempo em Paris?
— Bom.
— Ótimo. Dê um abraço na Torre Eiffel por mim.
Começava a se cansar de seu esforço de parecer animada e tranqüila, como se tudo estivesse maravilhoso.
Fez-se uma pausa constrangedora na ligação, e então Morgan disparou num tom acusativo:
— Telefonei para você ontem à noite, mas ninguém atendeu.
— Eu não estava em casa — Grace respondeu, umedecendo os lábios nervosamente.
— Foi o que pensei. Não me ocorreu que fosse deixar o telefone tocar de propósito. Onde você foi? Saiu com Jenny?
— Fui a um restaurante perto da Times Square. — Ela evitou comprometer-se. — Um ótimo lugar. Muito espaçoso, e suas paredes são cobertas de quadros. Parece que os artistas pagam uma pequena comissão e usam-no como local de exposição.
— Obrigado pela informação do cenário. Com quem você saiu? Com sua irmã?
— Não.
Fez-se outro silêncio. Grace sabia que ele não desistiria do assunto até que lhe contasse com quem havia saído. E não se surpreendeu ao ouvi-lo insistir.
— Com quem, então?
— Com Anthony Palmer — ela respondeu, conformada. — Eu o conheci naquela festa que...
— Lembro-me exatamente de onde o conheceu — Morgan a interrompeu.
Grace percebeu uma ponta de ciúme na voz dele. Porém, sabia que não significava nenhuma manifestação de interesse, mas sim de desejo, atração física apenas. Mesmo assim, um sorriso curvou-lhe os lábios rosados, e ela começou a rabiscar rostos sorridentes em seu bloco de anotações.
— Bem, espero que faça direito esse trabalho que estou lhe passando — ele recomendou agressivamente. — Não quero encontrar tudo pela metade quando voltar.
E, sem dar tempo para que Grace respondesse, desligou o telefone. Não lhe dissera com certeza quando voltaria a Nova York. De qualquer forma, a ausência dele por mais alguns dias lhe daria tempo para pensar e respirar aliviada.
Naquela noite, ela foi ver Jenny, movida mais pelo desejo de parar de ruminar seus pensamentos.
— Estava mesmo pensando em ir até seu apartamento — Jenny falou ao abrir a porta.
— Isso quer dizer que você e suas muletas precisam de companhia? — Grace observou com carinho a irmã e pensou ter visto um ar de preocupação em seu rosto. Mas acabou convencida de que isso se devia ao seu nervosismo por ainda não poder sair de casa.
— Acho que vou guardá-las como lembrança — ela brincou. — Vou olhar para elas toda vez que pensar em fazer alguma coisa que não devo.
— Ansiosa por voltar ao trabalho na próxima semana? — Grace perguntou, seguindo a irmã até a cozinha. Enquanto Jenny colocava água para ferver, ela foi examinar o armário onde ficavam os diversos tipos de chá.
— Sim — Jenny respondeu de modo evasivo. — Quer biscoitos?
Grace recusou-os e, depois que o chá ficou pronto, ambas foram para a sala.
— Já está com saudade de Rickie quando ele ainda não partiu?
Jenny fechou os olhos e se encostou nas almofadas do sofá.
— Não nos separaremos — ela disse apaticamente, brincando com as mechas encaracoladas de seu cabelo. — Nós nos amamos. Morgan não pode entender isso porque nunca esteve apaixonado. Mas, se fosse capaz de entender, saberia que o amor é muito mais importante do que um trabalho qualquer.
— Não é um trabalho qualquer — Grace protestou, embora concordasse com o que a irmã estava dizendo, mas por qualquer motivo se sentia compelida a defender Morgan. — Rickie será o sucessor de Morgan na direção da empresa. Ele tem certas obrigações.
— Você está começando a se parecer com esse tio dele. Qualquer um pensaria que está apaixonada pelo homem. Mas é bobagem discutir esse assunto, porque o que tiver de acontecer, acontecerá.
Grace lançou um olhar desconfiado para a irmã. Era óbvio que Jenny tinha mudado. Mas ela sempre fora cheia de energia e exaltada e sempre seria assim. Portanto, sua atitude indiferente em algo enigmático.
— Você está um tanto misteriosa — Grace comentou, tentando não demonstrar muita curiosidade. — Mas talvez tenha razão. Falar sobre isso não irá mudar nada. Só pensei que pudesse ajudar se você desabafasse.
— Obrigada — Jenny murmurou, distraida, e mudou de assunto. — Tenho estado dentro de casa há tanto tempo que pareço muito pálida perto de você, não acha?
Grace franziu a testa, mas aceitou a mudança de rumo na conversa. Se Jenny não queria se abrir com ela, não havia como convencê-la do contrário.
Tomaram o chá e conversaram sobre seu encontro com Tony. Ela notou que Jenny, saindo de seu langor, ficou interessada pelo assunto. Mas, quando começou a fazer perguntas demais, Grace riu e decidiu que em hora de ir.
Já na porta, viu a irmã abraçá-la subitamente.
— Gosto muito de você, Grace — ela disse com a voz embargada, e Grace a olhou assustada. A vaga inquietação que há pouco havia sentido na companhia de Jenny agora a invadiu por completo.
— O que está acontecendo? — ela indagou, ansiosa.
— Nada!
— Nada? Você não está grávida, não é?
— Não seja tola! Sei que cometo muitos erros, mas fazer amor com Rickie numa cama de hospital, com a perna engessada, não foi um deles!
Grace deixou escapar um suspiro de alívio.
— Não posso lhe dar um abraço de vez em quando sem que seja submetida a um interrogatório rigoroso? — Jenny estava sorrindo, mas havia um pedido silencioso em seus olhos para que não fosse pressionada.
Grace não insistiu, mas saiu do apartamento da irmã com um pressentimento de que alguma coisa estava indo bem.
O dia seguinte amanheceu chovendo. Grace foi trabalhar de táxi, e a corrida rápida até a entrada do prédio foi o suficiente para deixá-la ensopada.
— Devia comprar uma sombrinha.
Ela entrava em sua sala e, sobressaltada, girou nos calcanhares. Morgan era a última pessoa que esperava ver, mas ele estava ali, parado à sua frente e olhava-a, divertido.
— Pensei que fosse ficar em Paris mais alguns dias — ela exclamou, corando ao sentir os olhos dele percorrerem-lhe o corpo quando seu vestido molhado aderia-se à pele provocativamente, revelando o contorno de seus seios.
— Deixei Stewart Hanway no meu lugar. Ele precisa adquirir mais experiência.
— Tenho uma lista enorme de recados para você — ela asseverou, tirando um bloco da gaveta da mesa. Entregou-o a ele, esperando que a deixasse em paz.
— Obrigado. — Ele examinou os recados e, em seguida, voltou a encará-la. — Fiz algumas alterações sobre o trabalho que lhe passei ontem pelo telefone. — Ele pegou uma ficha de arquivo que havia deixado sobre a mesa de Grace, deu a volta e parou atrás dela, inclinando-se sobre seu corpo. Grace sentia a respiração quente contra seu pescoço enquanto ele falava e se manteve imóvel, não confiando em si mesma para fazer o menor movimento.
Sabia que Morgan tinha plena consciência do desejo ardente que fazia vibrar seus corpos e talvez estivesse criando intencionalmente uma atmosfera ao se aproximar dela mais do que era necessário. Ocorreu-lhe que ele podia estar fazendo um jogo, um jogo de sedução lenta e paciente.
— Algum problema? — ele perguntou quando terminou de lhe dar as instruções e ergueu-se.
— Não, nenhum. — Grace podia sentir que Morgan a examinava por trás. Aproveitando o momento, ela se voltou para o processador de texto. Depois de alguns instantes, Morgan voltou para sua sala, permitindo-lhe que respirasse aliviada.
Como iria suportar essa situação? Ela passou o resto do dia nervosa, um olho no trabalho, outro na porta que a separava da sala de Morgan, controlando a tensão quando ele aparecia a seu lado.
Por volta da cinco horas, totalmente esgotada, Grace guardou todos os papéis que restavam sobre a mesa e seguiu quase correndo para o elevador, sem nem mesmo ouvir os passos apressados às suas costas, até que Morgan a alcançou.
— Está apressada hoje, Grace. — Ele lhe lançou um sorriso irônico e se apoiou na parede enquanto esperavam pelo elevador.
Grace o fitou, hipnotizada por aqueles olhos cinzentos que pareciam capazes de devastar sua resistência.
— Você saiu correndo e não me deu tempo de lhe passar algumas correções que deve providenciar amanhã quando chegar.
— Podia tê-las deixado na minha mesa.
O elevador chegou, e as portas se abriram.
— Deixe-o ir — ele ordenou. — Venha comigo até a saIa da diretoria e examinaremos rapidamente o assunto.
— Não pode deixar para amanhã cedo? — Grace perguntou, desesperada.
— Isso tem prioridade sobre todas as outras coisas e eu posso chegar só depois do meio-dia. Tenho uma reunião pela manhã com o pessoal da Servane.
Ela suspirou e olhou para as portas do elevador que se fechavam. Sem opção, seguiu-o até a sala da diretoria. Morgan se sentou à grande mesa preta, e Grace parou a seu lado.
De repente, sentiu uma vontade louca de se inclinar e tocá-lo e, para conter qualquer ato de insanidade, colocou as mãos nos bolsos do vestido. Prestou atenção às instruções e constatou que ele podia simplesmente ter feito as anotações nas margens do papel.
— Acho que entendi tudo — comentou quando Morgan terminou de falar. — Você deixa esses papéis sobre a minha mesa ou prefere que eu os leve até lá?
— Não, eu mesmo levo. Não gostaria de retê-la aqui por mais tempo do que o necessário.
— Quando foi que reclamei sobre trabalhar mais horas do que o normal? — ela protestou, impaciente.
— Você não tinha um namorado antes. — Morgan a fitou com uma expressão séria.
— Do que você está falando? — Grace balbuciou, confusa.
— Espero que não esteja tentando me deixar com ciúme — ele prosseguiu rudemente. — Posso ter passado a última noite em claro, mas não pretendo fazer disso um hábito e não gosto de mulheres que usam táticas como essa.
— Não sei do que você está falando — Grace insistiu, já furiosa.
— Estou falando de você e de Palmer.
— Tony? — Ela arregalou os olhos.
— Claro, o rapaz com quem saiu. Você fez questão de jogar isso na minha cara, não foi?
De súbito, Morgan pareceu irritado, como se percebesse que estava agindo em desacordo com suas convicções. Então se levantou, sem deixar de observá-la, e Grace reprimiu um sorriso. Pela primeira desde que o conhecera, via-o numa posição desconfortável, coisa que não era típica dele. Morgan estava com ciúme!
— Tony e eu saímos para jantar como bons amigos, se é que isso lhe interessa.
— E?
— E o quê? Você não tem o direito de me interrogar sobre minha vida pessoal! O que faço com meu tempo livre não é da sua conta!
— Tony é um tipo muito convencional — Morgan comentou com um sorriso zombeteiro. — É provável que ele já tenha na cabeça a imagem da mulher com quem se casaria. Uma jovem de Dallas, com um passado impecável.
— E o que quer dizer com isso?
— Que você não deve alimentar qualquer ilusão.
— Obrigada pelo conselho — Grace replicou, dando de ombros e sorrindo para si mesma ao notar a fúria frustrada no rosto dele. Não tinha o hábito de fazer aquele jogo de esconde-esconde, mas por que deveria dar a Morgan a satisfação de ouvi-la admitir que não estava interessada em Tony?
— É impossível que esteja atraída por ele — Morgan insistiu com uma fúria cada vez maior. — Não é o seu tipo. Palmer é um sujeito calmo demais, nem um pouco dinâmico.
— Talvez eu ache isso interessante.
— Sei que não é verdade!
— Você não sabe de nada — Grace replicou, divertindo-se perversamente com a reação de Morgan. — Você apenas acha que sabe.
Por um momento, ele a fitou como se fosse explodir, tamanha a raiva que sentia, mas então desviou o olhar e mudou de assunto abruptamente.
— Leve estes papéis para sua sala e guarde-os bem. — Morgan saiu antes mesmo que ela tivesse tempo de recolher os documentos.
Durante o caminho de volta para seu apartamento, Grace rememorou todo o incidente. Havia evitado admitir para ele que Tony não significava nada em sua vida mais para se defender do que para despertar-lhe ciúme. Entretanto, mais cedo ou mais tarde Morgan acabaria descobrindo que nenhum homem era capaz de fazê-la reagir da maneira que ele fazia, que seu fascínio e sensualidade a deixavam desprotegida e vulnerável. E essa descoberta poderia transformar seu desejo em amor? Claro que não. Desde o começo, tivera a impressão de que Morgan aprendera a se insensibilizar contra o amor. E quaisquer que fossem as razões que o levaram a isso, não resolviam o problema dela, pois não poderiam frear suas emoções descontroladas.
Chegando a seu apartamento, Grace foi direto para o banheiro, ansiosa por um longo banho que pudesse esfriar um pouco a intensidade de seus pensamentos. Não tinha planos para aquela noite e agradou-lhe a idéia de poder dispor de seu tempo como bem quisesse.
Saiu do banho usando um robe branco e enrolou os cabelos numa toalha. Estava para ligar a televisão quando notou um envelope no chão, perto da porta. Aproximou-se para apanhá-lo e, ao reconhecer a letra, abriu-o imediatamente, lendo a mensagem curta com a sensação de que devia ter esperado por aquilo.
Tinha achado a atitude da irmã um tanto inquietante nos últimos tempos, como se estivesse escondendo alguma coisa dela. Agora, tudo se esclarecia.
A mensagem era curta e objetiva. Rickie e Jenny tinham fugido. Não havia a menor indicação do paradeiro deles.
Grace se sentou no chão e permaneceu olhando distraída para o pedaço de papel. Morgan teria de saber e ficaria furioso. E ela não teria como convencê-lo de que aquela atitude era mais um ato impensado da juventude.
Suspirou e, decida a não adiar o confronto, foi até o telefone. Hesitante, discou para a casa dele. Ela percebeu o tom de surpresa quando Morgan soube quem estava do outro lado da linha.
— Qual é o problema? — ele perguntou imediatamente.
— Jenny e Rickie partiram. — Ela lhe deu a noticia sem preâmbulos.
— Partiram? Para onde?
— Não tenho a menor idéia. Quando cheguei em casa, encontrei um recado que foi deixado embaixo da porta e que informava que haviam fugido. Não mencionaram o destino, tampouco quanto tempo ficariam onde quer que estejam. Sei que não há nada que possa ser feito, mas achei que você devia saber.
Durante alguns instante, fez-se um silêncio mortal. Então, num tom de voz que dava a impressão de estar prestes a explodir, Morgan disse:
— Está enganada. Sei muito bem para onde foram e irei encontrá-los.
— Não seja estúpido! — Grace exclamou impulsivamente. — Deixe- os em paz. Eles voltarão! De nada vai adiantar persegui-los.
— Ele me desobedeceu!
— Você não é Deus! — ela esbravejou. — Não pode esperar que Rickie siga todas as suas ordens sem sequer questioná-las!
— Não me venha com sermões! — Morgan retrucou num tom cortante. — Desconfio que tenham ido para a casa em que a mãe dele vivia no vale do rio Hudson. Estive lá algumas vezes. É o esconderijo perfeito, no meio do nada. Devem ficar lá alguns dias e depois só Deus sabe o que esses meninos farão. Eles merecem uma boa surra!
— E o que é que pretende fazer? Trazê-los arrastados pelo cabelo?
— Eles são jovens demais para pensar em casamento, ainda mais agora que a carreira de Rickie está atravessando uma fase crucial. Droga!
Grace quase se arrependeu por ter lhe telefonado e concluiu que o melhor era encerrar aquela discussão, pois qualquer argumento só iria enfurecê-lo ainda mais.
— Morgan, deixe para tomar uma decisão amanhã com a cabeça mais fria.
— Aquele garoto idiota! — Morgan gritou, exasperado, e ela afastou o fone do ouvido. — Não vou ficar aqui e esperar até amanhã. Nem você! Vamos agora mesmo para aquela casa resolver tudo isso de uma vez. Se ele queria me desobedecer, podia pelo menos ter tido a coragem de fazê-lo na minha cara! — Sem dizer mais nada, ele bateu o telefone, deixando Grace com a impressão de que isso se transformaria num hábito.
Irritada por ter de agir de acordo com a irracionalidade dele, rapidamente vestiu uma calça jeans e uma camiseta. Por precaução, já que não sabia quanto tempo duraria a viagem, preparou uma bolsa com alguns itens essenciais e uma troca de roupa.
Estava pronta quando o ouviu bater na porta, provavelmente enraivecido demais para se lembrar de tocar a campainha.
— Pronta? — Morgan perguntou, passando por ela como um furacão.
— Sim. Estou levando algumas coisas... não tinha certeza de quanto tempo...
— Ótimo. Já são quase sete horas, mas, com um pouco de sorte, chegaremos lá esta noite.
Morgan saiu, e Grace o seguiu rapidamente. Nunca o tinha visto tão furioso.
— As pessoas deviam ter coragem de enfrentar as coisas com as quais não concordam — ele desabafou enquanto se misturavam ao trânsito de Manhattan. — Ele podia ter conversado comigo. Mas, em vez disso, preferiu a opção mais fácil.
— Mas ele já havia conversado com você — Grace se arriscou a dizer, e ele lhe lançou um rápido olhar de esguelha.
— Não pensei que ele tivesse se magoado tanto com isso. A duração do curso é de apenas três meses. Qualquer pessoa sensata esperaria até o final. Afinal, o que são três meses?
Grace desejou retrucar que o amor normalmente não seguia rotas sensatas. Ela era um excelente exemplo disso. Desde que conhecera Morgan, estava fazendo tudo, menos agir com bom senso. Por isso não podia concordar com o que ele lhe dizia naquele momento.
O carro seguia lentamente em meio ao intenso trânsito, e Morgan, carrancudo, tamborilava os dedos sobre o volante, como se assim pudesse fazer o tráfego fluir.
Grace observava as ruas movimentadas, mal ouvindo ele resmungar, absorvida demais por seus próprios pensamentos para contribuir para a conversa. Sequer imaginava o que iriam conseguir com aquela viagem insana, nem mesmo se encontrariam Jenny e Rickie, mas absteve-se de fazer qualquer comentário com Morgan.
Já passava das sete e meia quando finalmente alcançaram a rodovia que corria paralela ao rio Hudson. Morgan parecia ter recuperado a calma. Respondia às perguntas ocasionais que ela lhe fazia sobre a região e, em seguida, mergulhava no silêncio, preocupado talvez com um problema sobre o qual achava que devia ter tido algum controle.
De súbito, como que para diminuir sua própria preocupação, ele recomeçava a falar, envolvendo-a com sua inteligência e charme até que ela quase se esquecesse do objetivo daquela viagem.
Ocorreu a Grace que também podia usufruir um pouco de sua alegria absurda por estar ao lado dele, mesmo porque essa felicidade se desvaneceria antes mesmo que pudesse pensar nela.
Mesmo não estando cansada, Grace adormeceu. E quando abriu os olhos assustou-se ao perceber que o carro estava parado ao lado de tantos outros, que pareciam formar uma fila que se perdia na distância.
— Houve um acidente. Ninguém sabe quanto tempo levaremos para sair daqui — Morgan explicou o que estava acontecendo, fitando-a com um olhar terno.
— Um acidente? Como sabe disso?
— Ouvi pelo rádio. Não acredito que conseguiremos chegar até a casa esta noite — acrescentou, olhando para a longa fila de carros à frente deles. — Vou parar em Poughkeepsie e tentar encontrar um lugar para passarmos a noite.
Grace concordou, começando a sair de sua sonolência.
— Está com fome?
Ela assentiu novamente e esfregou os olhos. Morgan lançou-lhe um olhar rápido e divertido.
— Costuma ser tão calada quando acaba de acordar? — indagou e, diante do silêncio dela, continuou: — Tàlvez eu devesse adquirir o hábito de acordar a seu lado, assim poderia conhecê-la um pouco mais.
Grace o fitou de modo penetrante, porém ele estava sorrindo e olhando para a frente, com uma expressão indecifrável no rosto. Aparentemente as palavras dele não tinham nenhuma intenção oculta, mas contribuíram para modificar subitamente a atmosfera. De imediato, a pulsação de Grace se alterou, e ela ficou confusa com sua reação, pois Morgan nem mesmo estava olhando-a, nem sequer prestando atenção ao que dizia.
— Não estaríamos aqui se não fosse por suas idéias malucas — Grace o repreendeu num tom irritado.
— Se quer saber, estou até me divertindo — ele murmurou, rindo. — Quase nunca tenho oportunidade de admirar a paisagem, ainda mais com uma mulher bonita e fascinante.
— Ah! — Grace exclamou, desviando o olhar para ocultar sua perturbação. Como era possível que com apenas algumas palavras ele a desconcertasse a tal ponto?
Morgan deu outra gargalhada, mas o tráfego estava começando a melhorar, e ele voltou a se concentrar na estrada, manobrando o carro para o acostamento quando passaram pela causa do acidente, um caminhão que havia capotado.
À medida que adquiriam velocidade, a brisa fresca da noite soprava com maior vigor. Grace fechou a janela e tentou se concentrar em questões práticas, como sua fome que aumentava, o que iria dizer a Jenny quando a encontrasse. Qualquer coisa que a distraísse da presença sedutora de Morgan a seu lado.
Algum tempo depois, chegaram ao vilarejo de Poughkeepsie, e Morgan parou num quiosque, onde comprou sanduiches e refrigerantes. Depois que comeram, ele deu a partida e estacionou um pouco adiante, na frente de um pequeno hotel.
— Vou ver se eles têm vagas.
Morgan saiu do carro, e ela ficou observando sua silhueta esguia que desaparecia pelas portas de vidro. Grace estava começando a perder de vista o motivo daquela viagem. Então, numa tentativa de recuperar o autodomínio, forçou-se a pensar na irmã e no confronto nada agradável que teria de enfrentar.
Viu Morgan sair do hotel, seus olhos maravilhados com o andar ágil e gracioso, o corpo bem proporcionado.
— Estamos com sorte — ele comentou, abaixando-se na janela ao lado dela. — A região está cheia de turistas. Além disso, parece que a maioria das pessoas que ficaram presas naquele congestionamento tiveram a mesma idéia e resolveram passar a noite aqui. Vamos, pegue sua bolsa e desça.
— E você? Não trouxe nada?
— Bem, não esperava ter de pernoitar aqui. Se tudo tivesse dado certo, já estaríamos na casa agora.
Ele abriu a porta do carro, e Grace saiu, aliviada por esticar as pernas. Na recepção, enquanto Morgan cuidava dos detalhes, ela observava os turistas à sua volta.
— Ficaremos no segundo andar — ele sussurrou junto a seu ouvido, assustando-a. — E, como o hotel é pequeno, não tem elevador. Ainda bem que sua bolsa não está tão pesada. — Ele a conduziu para a escada, segurando-a pelo braço, sem se dar conta de que aquele simples contato arrepiava-lhe a pele toda.
Quando ele abriu a porta do quarto, Grace entrou e estendeu a mão para pegar sua bolsa. Mas Morgan também entrou, fechando a porta atrás de si e atirando a bolsa sobre a cama.
— Não é tão ruim. Limpo, bem grande e sem aquelas pinturas grotescas nas paredes — ele disse, olhando ao redor do quarto e, em seguida, aproximando-se da janela. — E uma boa vista, contanto que não queira um cenário formado por campos floridos e árvores frondosas.
Grace ficou parada onde estava, as mãos na cintura. O que ele ainda estava fazendo em seu quarto? Não gostava da forma como permanecia imóvel perto da janela, aparentemente sem intenção de sair.
— Por acaso faz parte do quadro de funcionários do hotel? — ela gracejou, determinada a manter sua aparência calma e cautelosa e a não lhe dar chance de exibir o lado zombeteiro de sua personalidade, o que certamente a irritaria.
Ele se virou, encostando-se na janela, e a fitou como se a analisasse atentamente.
— Em que quarto você pensa que está? — Grace indagou, sem conter o nervosismo. — Eu gostaria de tomar um banho agora, portanto, se não se importar... — ela não completou a frase, esperando que Morgan entendesse a mensagem implícita em suas palavras.
Contudo, ele não se moveu, deixando-a ainda mais irritada. O que mais teria de dizer para que ele saísse de seu quarto?
— Estou no meu quarto — Morgan afirmou suavemente.
— E qual é o meu quarto?
— Vamos dividir este quarto — ele declarou e acrescentou: — E, antes que decida ter uma crise de histeria, é melhor que saiba que não há escolha. A menos que queira passar o resto da noite na estrada.
Grace nada disse. Mesmo que quisesse, não teria forças para falar. Como poderia passar a noite no mesmo quarto que Morgan? Era inconcebível! Sua resistência estava sendo minada mesmo sem ter de enfrentar essa situação.
Ele continuava olhando-a fixamente. De repente, Grace se sentiu muito cansada. Atravessou o quarto e se sentou na cama.
— Mas aqui nem mesmo tem um sofá onde você possa dormir.
— Por que pensa que eu é que deveria dormir num sofá, se houvesse um? Não ouviu falar na liberalização da mulher'?
— Muito engraçado — ela retrucou num tom brusco e áspero. — Você pode achar isso tudo divertido, mas eu não acho. E não estaria aqui se não fosse por sua causa!
— Eu sei. Já deixou isso bem claro, mas o fato é que estamos aqui agora e temos de enfrentar isso da melhor forma possível. Você quer tomar banho primeiro?
Grace não respondeu. Apenas pegou a bolsa e se dirigiu para o banheiro, perguntando-se por que tudo parecia conspirar contra seu frágil instinto de defesa. Tomou um banho demorado, apenas desligando o chuveiro ao ouvir Morgan bater na porta.
— Vai sair daí ou não? Já estou ficando preocupado — Morgan gritou com um tom risonho.
Grace se olhou no espelho e percebeu que sem maquiagem parecia uma garotinha inexperiente.
Por fim, quando saiu do banheiro, Morgan lhe sorriu, avaliando-lhe o corpo esbelto, protegido pela camisola listrada que levara consigo. Ela corou, recordando-se da última vez que ele a vira com aquela camisola.
A lembrança das mãos dele tocando-lhe o corpo nu assaltaram-lhe a mente, e Grace desviou o olhar, com medo de que Morgan pudesse ser capaz de compreender exatamente em que estava pensando.
Ele entrou no banheiro, e Grace se deitou, puxando as cobertas em volta do corpo, tensa demais para conseguir dormir. Quando ouviu a porta se abrir, ela fechou os olhos.
— Dormindo? — ele perguntou, deitando-se na outra metade da cama. — Não precisa ficar nervosa. Posso não ser um dos homens mais românticos do mundo, mas tenho alguns princípios na vida. E um deles é nunca forçar nada com uma mulher.
— A que horas partiremos amanhã? — ela perguntou, desistindo de fingir que estava dormindo.
— Pode acordar a hora que bem entender. Não precisamos sair correndo, como dois desesperados, logo que o dia raiar.
— Duvido que consiga dormir com você na cama. Não estou acostumada a dormir na mesma cama com ninguém.
— Imagine que sou sua irmã.
Grace não respondeu, e os dois ficaram em silêncio. Logo depois, ela ouviu a respiração lenta e rítmica dele. Devia ter a consciência mais tranqüila da face da terra para dormir com tanta facilidade.
Grace continuou deitada de costas para ele, até sentir seu lado esquerdo totalmente adormecido. Bem devagar, ela se virou. Já acostumada à escuridão do quarto, pôde admirá-lo. Mesmo dormindo, sua boca sensual parecia ostentar um contorno intransigente que a fez sorrir.
Admitia que estava perdidamente apaixonada por Morgan e que não tinha a menor chance de se envolver com ele sem que isso significasse apenas sofrimento. Talvez, quando fosse embora de Nova York, sua desilusão se enfraquecesse e ela conseguisse esquecê-lo em menos tempo do que imaginava. Mas o simples pensamento de nunca mais vê-lo era o suficiente para atormentá-la.
Ainda o observava quando, de repente, ele abriu os olhos, fazendo-a prender a respiração.
— Pensei que estivesse dormindo — ela balbuciou, sem poder pensar em mais nada para falar.
— Você acha que é fácil para mim ficar aqui deitado e dormir quando sei que estou na mesma cama que você? — Morgan apoiou-se no cotovelo e a encarou. O cobertor havia deslizado até sua cintura, e Grace notou que ele estava seminu.
Morgan nem precisava tocá-la, pois o simples fato de estar ali ao lado dela era o suficiente para que seu coração disparasse. Sabia o que iria fazer mesmo antes de tomar uma decisão consciente. Por que negar seus sentimentos, negar o desejo que sentia toda vez que ele a olhava? Amava-o, e se ele não podia corresponder a seu amor, esse era um fato da vida ao qual teria de se resignar.
Tudo o que queria era sucumbir e entregar-se a algo que era forte demais para que pudesse resistir.
Ergueu a mão e acariciou-lhe o rosto, sentindo-o tenso.
— Grace, você sabe o que está fazendo? — ele perguntou quase num gemido.
Ela deslizou a mão suavemente pelo ombro e pelo braço dele, deleitando-se ao senti-lo estremecer sob seu toque.
— Eu o desejo, Morgan — Grace murmurou com a voz trêmula. — E quero fazer amor com você. Não posso mais lutar contra isso.
Com um gesto delicado, Morgan passou a mão por trás do pescoço dela e inclinou-se, cobrindo-lhe os lábios com um beijo ardente.
Grace estremeceu e gemeu enquanto ele mudava de posição, pressionando seu corpo contra o dela. Suas roupas pareciam uma barreira que os separava, e ela, com movimentos descontrolados, tirou a camisola, jogando-a no chão. Morgan puxou-a para si e sussurrou de encontro a seus lábios:
— Grace, nunca desejei tanto uma mulher quanto a desejo.
— Então me ame. Faça amor comigo — ela suplicou, a voz traindo suas emoções.
O coração parecia querer saltar-lhe do peito quando sentiu os lábios quentes e úmidos de Morgan explorando-lhe os seios, a língua brincando com os mamilos. Arqueando-se mais para junto dele, Grace mergulhou os dedos em seus cabelos.
Parecia que havia esperado a vida toda por esse momento. Mas o destino era mesmo irônico, pois o homem capaz de despertar suas emoções e sensibilidade com tanta fúria era incapaz de retribuir seu amor.
Doía-lhe profundamente pensar nisso, mas não se importava mais. A necessidade que tinha dele, o fogo que se alastrava por seu corpo tornavam seus movimentos mais desesperados e prementes. Ele continuava acariciando-lhe os seios, os quadris, deslizando a mão por entre suas coxas, proporcionando-lhe sensações tão maravilhosas que chegavam a ser dolorosas. Ouvia-o sussurrar palavras desconexas, sentia a respiração ofegante de ambos se misturarem ao desejo que seus corpos transbordavam, estremecendo e gemendo de puro prazer.
— Grace, vamos agir com cuidado, bem suavemente — Morgan murmurou e, movendo-se com delicadeza, a penetrou.
Ela ficou tensa, mas apenas por uma fração de segundo. Então, sua paixão febril explodiu à medida que os movimentos dele se tomavam mais impetuosos e rítmicos. Toda as suas preocupações desapareceram. Não existia mais passado nem futuro, apenas o momento presente.
Ondas de desejo a inundaram, e Grace gemia enquanto seu corpo reagia ao dele com um ímpeto que jamais imaginara possível, contorcendo-se alucinada até que ondas intensas de prazer a percorreram, deixando-a fraca e exausta.
Sentiu que Morgan também relaxava, embora suas mãos continuassem a acariciá-la e seus lábios explorassem lenta e sensualmente os lábios vermelhos de paixão.
Apesar de todas as suas fantasias, ela nunca imaginara que pudesse ser arrebatada com tanta intensidade pelo desejo e pelo prazer que agora experimentava.
Alguns minutos depois, Morgan rolou para o lado e, fitando-a, afastou alguns fios de cabelo dourado de seu rosto.
— Por que mudou de idéia e quis fazer amor comigo? — ele perguntou, beijando-a na testa.
Grace deu de ombros. Gostaria de dizer-lhe que era porque o amava.
Em vez disso, sorriu e murmurou:
— Por que não? Havia uma forte atração entre nós... isso não lhe parece uma boa razão?
Morgan mordiscou-lhe a orelha enquanto descia a mão até seus seios, sorrindo ao perceber a pele dela se arrepiar.
— Acho que teria enlouquecido se continuássemos trabalhando juntos e não pudesse possuí-Ia.
Posse! Esse era o significado de tudo o que acabava de acontecer entre eles. Se pelo menos isso lhe desse o direito de exclusividade!
Grace correu a mão sobre o corpo dele, se deliciando com o contato firme de seus músculos. De repente, percebeu uma ponta de tristeza querendo intrometer-se em sua frágil felicidade, como se já estivesse pensando no dia em que não mais o teria a seu lado.
— Eu preciso de você, Grace, preciso de você agora — Morgan declarou com a respiração ofegante.
Com muita habilidade, ele lhe cobriu o corpo, e se entregaram a um novo momento de amor, numa ânsia insaciável.
Quando por fim adormeceu, Grace mergulhou num sono profundo, mas sempre consciente da proximidade e do calor do corpo de Morgan junto ao seu.
Ao acordar na manhã seguinte, percebeu pelos sons que vinham do banheiro que Morgan estava tomando banho. Ele tinha deixado a porta aberta, e Grace saiu da cama e não resistiu à tentação de se juntar a ele.
— Entre, a água está uma delícia — ele a convidou, afastando a cortina.
Mais tarde, relutante, ela deixou o quarto do hotel e saiu para o sol que já brilhava fortemente. Era mais fácil esquecer a realidade nos limites daquelas quatro paredes.
— Quanto tempo levaremos para chegar até a casa de Rickie?
— Mudei de idéia — Morgan disse, abrindo a porta do carro e colocando a bolsa dela no banco traseiro.
— Por quê? — Grace franziu a testa, sem compreender a decisão dele. Ela entrou no carro e o fitou. Morgan estendeu o braço sobre o encosto do banco e inclinou-se para beijá-la provocativamente.
— Porque você tem razão em tudo o que disse. Eles não são crianças e, se estiverem cometendo um erro, com certeza aprenderão com isso. — Ele a beijou de novo, desta vez com ardor. — Por isso voltaremos a Manhattan e passaremos o dia na cama.
Grace fechou os olhos e suspirou, satisfeita. Não queria pensar nas conseqüências de seus atos. Não havia espaço para orgulho no que estava sentindo, mas sim um grande espaço para a dor. E, por esse motivo, recusou-se a pensar em qualquer coisa que pudesse magoá-la naquele momento.
Era quase meio-dia quando chegaram a Manhattan e, em vez de seguirem para o apartamento dela, Morgan parou diante do grandioso edifício que abrigava o Hilton Hotel.
— Por que estamos aqui? — ela perguntou, observando o luxo e o requinte da arquitetura moderna.
— Eu lhe disse que íamos passar o dia na cama.
— Mas pensei que iríamos para o meu apartamento.
— E ter de sair para comer? Não, quero ficar o tempo todo com você. Quando sentirmos fome, bastará pegar o telefone e fazer o pedido.
Grace nunca tinha estado num hotel tão caro. O quarto era espetacular, refletindo em cada particularidade todo o bom gosto que o dinheiro podia sustentar.
Morgan se aproximou sorrateiramente dela, abraçando-a e beijando-lhe o pescoço.
— Não vai me parabenizar? — ele perguntou, fazendo com que Grace se virasse para encará-lo.
— Por quê?
— Por não ter parado no meio do caminho para fazer amor com você.
Havia um brilho sensual nos olhos dele. Sorrindo, ela ficou na ponta dos pés e o beijou. Mais do que qualquer outra coisa, desejava que pudesse se sentir tão relaxada e descontraída quanto ele.
— Você é extraordinária, srta. Temple — Morgan murmurou, retribuindo o beijo. — E muito perigosa.
Para Grace, era uma ironia ouvi-lo usar esse adjetivo em relação a ela, porque seria a palavra que escolheria para descrevê-lo. Sabia que poderia se machucar muito, mas naquele momento não tinha tempo para pensar no amanhã.
Na manhã de segunda-feira, Grace estava se preparando para ir trabalhar quando o telefone tocou.
Correu para atendê-lo, pensando imediatamente que devia ser Morgan, embora não pudesse imaginar por que ele lhe telefonaria tão cedo.
O fim de semana fora quase um sonho. Seguindo à risca as palavras dele, passaram toda a sexta-feira no hotel e só o deixaram depois das nove horas da noite para um jantar magnífico, à luz de velas.
Um novo calor a invadia ao se recordar do abandono com que se entregara a Morgan, permitindo que ele a conduzisse a um delírio sensual que nunca imaginara ser possível.
Agora, à luz do dia, Grace se perguntava se ele se comportava da mesma maneira com todas as mulheres com as quais dormia. Afinal, ele a acariciara e a amara com o requinte de um especialista, e estes, por sua vez, adquiriam sua experiência através da vivência prática.
Num momento de paixão, Morgan havia sussurrado que nunca sentira tamanho prazer com outra mulher. Ainda que desejasse desesperadamente interpretar de modo favorável o que havia por trás dessas palavras, ela sabia que não passava de um capricho passageiro e que, portanto, não deveria nutrir esperanças vãs.
A postura de cada um se localizava em extremos opostos. E a atração que sentiam um pelo outro era o único ponto de ligação entre ambos. Seus olhos se iluminaram ao se lembrar da sensação maravilhosa de ter o corpo ardente de Morgan junto ao seu, de todas as vezes que os olhos cinzentos brilhavam cheios de desejo.
Não tinha razões para lamentar, ainda que desconfiasse que sua vida pudesse ser muito mais fácil se tivesse sido capaz de controlar o desejo, de manter-se a uma distância cautelosa dele. Mais fácil, porém infinitamente menos gratificante.
Hesitante, ela tirou o fone do gancho. A voz de Jenny soou tão clara que, por um instante, Grace pensou que a irmã estivesse falando de seu apartamento, ali no mesmo prédio dela.
— Onde você está? — Grace pergúntou, ruminando se iria sempre se preparar para o pior toda vez que o telefone tocasse. — Tem idéia do quanto fiquei preocupada?
Jenny deu uma gargalhada que traduzia sua felicidade.
— Estamos em Londres, Grace.
— Londres? — Grace repetiu, incrédula.
— Não precisa se espantar tanto! Já se esqueceu de que Rickie começa um curso na Europa na próxima semana? Decidimos desviar a rota para Londres antes de seguirmos para Paris. E antecipamos a viagem para que pudéssemos nos casar. Claro que podíamos nos casar em Nova York, mas Londres parecia muito mais romântico e... bem, é minha terra natal. Gostaria muito que estivesse aqui, Grace. — Grace percebeu um tom de tristeza na voz da irmã, mas nada tão sério a ponto de fazê-la reconsiderar sua viagem clandestina.
— E quando vai voltar?
— Quando o curso de Rickie acabar.
Depois de passar anos tentando controlar a irmã, parecia inacreditável que a vida de Jenny estivesse totalmente sob controle e em tempo recorde. Grace sentiu de repente uma onda de nostalgia e, para evitá-la, começou a conversar, ouvindo a irmã falar sobre a decisão que haviam tomado, sobre a viagem, o casamento e a estadia num hotel. Sua alegria era tão contagiante que parecia vencer a distância que as separava.
— Morgan ficou muito furioso? De qualquer forma, Rickie irá fazer o tal curso, e isso deveria agradá-lo, se é que alguma coisa é capaz disso — Jenny falou sem parecer se importar muito com a opinião de Morgan, mas na verdade ela nunca se deixava levar pela opinião alheia.
— Claro que ele ficou furioso, mas já passou. Acho que agora assumiu a postura de que a vida é de vocês, portanto, boa sorte para os dois.
— E o que o fez mudar? — Jenny perguntou, curiosa. — Rickie tinha certeza de que ele ficaria transtornado. Ele disse que quando Morgan toma uma decisão nunca volta atrás.
— Bem, minha querida, isso prova que Rickie estava errado. — De alguma forma, Grace pensou, havia conseguido atenuar a crise entre Morgan e o sobrinho.
Ela desligou o telefone e, nos minutos seguintes, vestiu-se apressadamente e saiu para o trabalho. Era irônico que quando a vida caótica de Jenny começava a fluir com tranqüilidade, sua própria existência iniciava um processo de desintegração.
Ela chegou ao escritório às nove horas em ponto e se sentiu nervosa e inquieta quando Morgan se aproximou de sua mesa com alguns papéis.
Efeitos do amor, ela pensou, sufocando sua frustração. Antes de conhecê-lo, nunca experimentara aquele nervosismo e ansiedade que a fazia parecer uma adolescente diante de seu primeiro namorado.
Ele lhe deu um sorriso encantador, enquanto os olhos vivos e alertas percorriam-lhe o rosto com atenção. Grace se perguntava como ele iria tratá-la agora que eram íntimos. Mas, quando Morgan falou, foi para tratar de trabalho, e ela percebeu que, como bom profissional, ele jamais permitiria qualquer manifestação de intimidade naquele ambiente.
Mergulhando no trabalho, ela se sentiu mais descontraída à medida que o tempo passava, pois, pelo menos durante o expediente, podia se abandonar à normalidade de sua rotina.
No fim do dia, quando estava para ir embora, Morgan lhe perguntou se poderia vê-la naquela noite. Sentindo que as batidas de seu coração se aceleravam, ela concordou e desviou os olhos, temendo que pudesse denunciar o que ocultava em seu íntimo.
À medida que o tempo passava e os longos dias de verão se fundiam num outono ameno, esse se tomou o padrão do relacionamento deles.
No trabalho, ele era sempre o empresário sensato, que acumulava riquezas com sua mente brilhante e talento intuitivo e ela, a secretária. Em pouquíssimas ocasiões Grace o surpreendera observando-a com um interesse que ultrapassava os limites profissionais. Mas definir precisamente sua expressão era-lhe uma tarefa impossível.
Fora do trabalho, quando se encontravam, esqueciam-se da realidade enquanto procuravam saciar o desejo ávido e irracional que os consumia.
Às vezes, Grace tinha a impressão de que estava se deixando aprisionar, consciente de que aquela relação poderia arruiná-la. No entanto, amava-o demais para ter coragem de renunciar a ela.
Gostaria de ter conversado com Jenny sobre sua situação. Mas discrição não era uma das maiores virtudes de sua irmã e, além disso, Jenny estava envolvida demais com sua própria vida. Ela voltara para Nova York, agora uma mulher grávida, feliz e cheia de conselhos sobre os prazeres da vida de casada.
— Nunca pensei que viveria para ver esse dia... você, uma dona de casa contente — Grace lhe disse da última vez que se encontraram para o almoço.
— Oh, Grace! Pretendo recuperar meu corpo assim que o bebê nascer e continuo tingindo o cabelo. Não mudei tanto assim!
Na verdade, Grace admitiu para si mesma, ela, sim, havia mudado, e muito!
No final de outubro, quando o frio do inverno já começava a se impor sobre a cidade, Grace resolveu impulsivamente ir a uma das mais badaladas casas noturnas com duas amigas do trabalho. Morgan estava ocupado com alguns clientes e não lhe agradava passar uma noite sozinha. A solidão não mais exercia sobre ela o mesmo fascínio de outrora. Por outro lado, além de restaurantes e teatros, ela pouco conhecia da vida noturna de Nova York.
A boate já estava cheia quando elas chegaram. Apesar da fraca iluminação, podia-se notar que a decoração era rica e elegante. como a maioria das pessoas que lá estavam.
Dois bares, um especializado apenas em coquetéis, se alinhavam à parede e as mesas se espalhavam num semicírculo em volta da pista de dança. A batida constante da música ecoava ritmicamente e animava o ambiente. Grace tomou dois coquetéis e resolveu parar por aí.
Pretendia se divertir naquela noite. Nos últimos tempos, havia percebido que estava se deixando arrastar por uma situação perigosa, a de apenas ser capaz de realmente se divertir quando na companhia de Morgan.
Descontraída, ela conversava animadamente com as amigas, ria muito e dizia a si mesma que Morgan não era a razão máxima de sua existência e que podia se esquecer de suas inquietações e ser uma pessoa alegre mesmo sem ele.
Começava a acreditar nisso quando, sob a luz dourada da pista de dança, ela divisou duas figuras que dançavam não muito longe de onde estava sentada. Abruptamente, tudo desapareceu de sua mente, a não ser o casal embalado pelo compasso da música. Morgan e Alex.
Grace lutava para afastar os olhos dos dois, mas, movida por um impulso masoquista, olhava-os fascinada, sentindo a respiração suspensa quando os olhos de Morgan encontraram os dela com uma expressão de surpresa.
Ela desviou o olhar. Suas mãos tremiam quando colocou o copo de água mineral sobre a mesa. Apenas um pensamento dominava-lhe a mente, a decepção, a trapaça humilhante e desleal.
Morgan nunca declarara que a amava, mas não esperava vê-lo com outra mulher enquanto estivesse envolvido com ela, por menos importância que desse a isso.
Sua única vontade era sair daquele lugar. Ela se voltou para as amigas, tentando encontrar uma razão plausível para que pudesse ir embora, apesar de estarem ali há menos de duas horas.
— Vou ao toalete — ela disse, percebendo o leve tremor de sua voz.
Imagens e pensamentos dolorosos se confundiam em sua mente com uma intensidade assustadora. Aliviada, ela entrou no banheiro e se deixou cair pesadamente numa das poltronas, fechando os olhos e dando vazão à sensação arrasadora que a sufocava.
Durante um longo tempo evitara ao máximo encarar de frente aquela terrível verdade. Sempre soubera que sua relação com Morgan tinha uma base frágil e um desfecho previsível. Bem, aquele era o desfecho inevitável.
Ela sentiu a presença de mais alguém na ante-sala do banheiro e, ao abrir os olhos, viu Alex parada à sua frente, as sobrancelhas finas erguidas com desdém, os olhos implacáveis e brilhantes.
— Eu a reconheci — Alex comentou friamente, curvando os lábios numa imitação de sorriso.
Grace nada disse, inclinando-se para apanhar a bolsa que havia caído a seus pés.
— Espero que não esteja saindo — Alex continuou, sentando-se numa das cadeiras próximas de Grace. — Achei que devíamos ter uma pequena conversa. Já faz um bom tempo que nos vimos e gostaria de lhe dizer algumas coisas.
— É mesmo? — Grace replicou, inexpressivamente. Alex não havia mudado em nada nos últimos meses. A não ser pelo fato de parecer ainda mais impecável do que ela se lembrava. Sufocando o ciúme repentino, Grace se esforçou para controlar o tremor de sua voz quando acrescentou: — Mas você já não me advertiu sobre Morgan, ou tem a intenção de repisar esse mesmo velho terreno?
— Anda circulando por ai que vocês dois estão tendo um caso. — Ha via na voz de Alex um leve sinal de indagação.
— Você não deveria dar ouvidos a boatos.
— Pode ser que eu e Morgan tenhamos acabado — a outra mulher continuou, torcendo os lábios com escárnio —, mas isso não significa que você pudesse me substituir como o amor da vida dele. Morgan não sabe nada sobre o amor e nem quer saber. Oh, sim, ele é atencioso e fascinante, sabe como tratar uma mulher, mas o amor não faz parte da equação. Acredite-me quando digo que você não é diferente das demais. Ou realmente acha que tem aquilo que é preciso para prendê-lo?
Grace sentia cada palavra atingi-Ia como um punhal, mas se recusava a demonstrar seus sentimentos. Olhou para Alex com um ar de piedade e percebeu com satisfação a raiva que isso provocava na outra mulher.
— Alguma vez ele lhe disse que a amava? — Alex perguntou num tom mais estridente e deu uma gargalhada. — Ele lhe fez alguma promessa? Sabe por quê? Porque você não é adequada para ele. Morgan ficará com você quanto tempo quiser e, então, a abandonará sem nenhum remorso. — Ela se levantou e passou as mãos sobre o vestido que lhe colava ao corpo. — Mas, se tudo não passa de boatos, claro que você não tem com que se preocupar. — Ela riu de novo e saiu do banheiro.
Grace ainda ouvia a gargalhada dela quando voltava para a mesa. Não só a risada, mas também cada uma das palavras pronunciadas com inveja e despeito, mas que a forçavam a encarar as dúvidas contra as quais vinha lutando.
Precisava sair dali, ela repetia a si mesma, o sofrimento e a mágoa castigando-a duramente. A música tinha parado de tocar quando ela se sentou e estava prestes a se desculpar com as amigas, pegar a bolsa e sair correndo quando sentiu um toque em seu ombro.
Virou-se e deu com Morgan às suas costas. Com um esforço tremendo, dominou a tentação de jogar o resto da água no rosto dele. Com o pânico e a raiva vibrando em suas veias, ela cerrou os punhos e lançou lhe um sorriso frio.
Jackie e Caroline olharam para Morgan e, em seguida, trocaram um olhar nervoso. Grace lamentava pelas amigas. Como todo mundo na companhia, elas também demonstravam um grande temor e respeito por ele. Constrangidas, as duas jovens começaram a conversar, e ele fez algumas observações inofensivas que Grace não compreendeu.
Era incapaz de compreender qualquer coisa, porque tinha a cabeça ocupada com a imagem insinuante dos corpos colados de Alex e Morgan enquanto dançavam e com os ecos das palavras cruéis e venenosas que a outra lançara.
Quando Morgan se inclinou e a convidou para dançar, Grace cerrou os dentes para conter a manifestação de seus pensamentos francos e grosseiros.
— Desculpe-me, mas já estava de saída — ela disse laconicamente, voltando-se para Caroline e Jackie, que a fitaram, surpresas.
— Não antes de dançarmos — Morgan disse com firmeza.
— Isso é uma ordem? — Grace revidou num tom quase inaudível.
— Sim.
— Como sabe, não estamos trabalhando agora — ela murmurou e se levantou, encarando-o. Sentia o corpo todo tenso e cada movimento consumia o máximo de suas forças. A vontade de chorar e de esmurrá-lo era enorme. — Portanto, o que faço fora do ambiente de trabalho não é da sua conta. Não quero dançar nem falar com você, tampouco quero ficar perto de você!
Pelo canto dos olhos, ela podia ver Jackie e Caroline quase cochichando, de vez em quando espiando-a ansiosas.
Morgan franziu a testa e apertou os lábios.
— Acabou o discurso? — indagou sarcasticamente, segurando-a pelo pulso e arrastando-a para a pista de dança.
— Solte-me! — Grace tentou se livrar, mas seu gesto só fez com que ele a apertasse ainda mais. — Não tenho nada para falar com você! — Ela se calou diante da idéia de provocar uma cena em público, embora a raiva fervilhasse em seu íntimo, esperando para explodir.
Morgan deslizou o braço em volta da cintura dela, mas Grace permaneceu rígida.
— Escute, Grace — ele começou a falar rispidamente —, estou aqui com clientes. Encontrei Alex por acaso, e ela me arrastou para dançar. O que você queria que eu fizesse?
— Não tenho nada a ver com isso e não quero discutir esse assunto — ela sussurrou. Lutava para estancar a dor que a dominava, para se concentrar em algo que pudesse reduzir o ritmo apavorante de seu coração, mas seus esforços eram inúteis.
— Vamos sair daqui — Morgan sugeriu, mal-humorado. — Este não é o melhor lugar para conversarmos.
— Oh, sim, eu vou embora, mas não com você.
— Isso é o que veremos. — Sem lhe dar tempo para protestar, Morgan a arrastou para uma mesa onde quatro homens estavam sentados, um dos quais era outro diretor da empresa dele.
Pelo que lhe pareceu uma eternidade, ela o ouviu apresentá-la como sua secretária e, se desculpando, dizer-lhes que ela não estava passando bem e que se sentia na obrigação de levá-la para casa e que entraria em contato com eles na segunda-feira de manhã para finalizar o contrato.
Morgan tinha razão ao falar que ela não estava bem. Sua cabeça doía e a atmosfera escura do lugar começava a se tornar claustrofóbica.
— E Alex? — Grace o desafiou, irônica. — Não acha que vai ficar decepcionada se seu herói não aparecer para dividir a cama com ela esta noite?
— Pegue sua bolsa — Morgan grunhiu, ignorando o comentário sarcástico. — E sorria quando se despedir de suas amigas.
Por mais que ela se esforçasse, o sorriso de Grace não passou de um esgar, e quando Jackie perguntou-lhe se estava com algum problema, ela respondeu que era apenas uma dor de cabeça.
Não se importava que seu comportamento pudesse levantar suspeitas, muito menos se todo o escritório ou a cidade inteira estivessem fofocando a seu respeito quando voltasse ao trabalho na segunda-feira. De acordo com Alex, isso já estava acontecendo.
Lá fora, o vento frio da noite bateu-lhe no rosto, esvoaçando-lhe o cabelo.
— Agora — Morgan falou com uma calma ameaçadora —, vamos discutir esse assunto em particular. Meu carro ficou estacionado do outro lado da rua. — Ele não diminuiu a pressão sobre o braço dela enquanto abria a porta do carro.
— Para onde vamos? — Grace percebeu no mesmo instante que aquela era uma pergunta estúpida, pois sabia que iriam para seu apartamento.
Morgan não respondeu e permaneceu calado durante o curto trajeto até o prédio dela. Só quando estacionou o carro ele se voltou para fitá-la.
— Então você me viu com Alex e, com a ajuda desse seu bom senso extraordinário, concluiu que dois e dois são quatro.
— Não, está enganado. Sei muito bem que não há mais nada entre vocês. — Ela mordeu o lábio, incapaz de encará-lo. "Oh, não, isso não me preocupa. O que me magoou foi ter todas as minhas dúvidas confirmadas por ela", Grace desejou gritar, mas se conteve.
— Bem, então qual é o problema?
Ele a olhou com uma expressão de total confusão. Com certeza, não vira Alex segui-Ia até o toalete, e ela não tinha a intenção de informá-lo sobre o conteúdo da conversa, se é que aquilo podia ser chamado de conversa.
— Só estava me sentindo um pouco enjoada. Acho que bebi mais do que tinha planejado. E tudo o que quero agora é ir para a cama. Sozinha. Sem o prazer da sua companhia. — Ela abriu a porta do carro, revestindo-se de coragem para se afastar dele sem revelar seus verdadeiros sentimentos.
— Mas não cóm tanta pressa, Grace.
Havia um tom ameaçador na voz dele, mas isso não a preocupava. Ele a magoara e nada mais que fizesse poderia ser pior. Claro, ela pensou amargamente, havia evitado o inevitável até que o destino desse o primeiro passo. Portanto, era a única culpada. Mas isso não diminuía sua raiva.
— Se tem mais alguma coisa para dizer, por favor diga logo. Quero subir e ficar sozinha. — Seu tom deixava claro que sua paciência havia se esgotado e, decidida, passou a olhar para o relógio a cada segundo e a bocejar. Sabia que isso o irritaria ainda mais.
— Quem você pensa que é? — ele revidou, furioso. — Acha que porque estamos dormindo juntos tem o direito de bancar a amante opressiva e possessiva?
— Nunca fiz nada disso!
A acusação a magoou, porque Grace fizera questão de nunca fazer nenhuma cobrança. Aceitara o relacionamento da maneira por ele determinada, porque o amava.
— O que pensa que está fazendo agora?
Grace riu com cinismo.
— Ninguém significa nada para você, não é? — ela revidou impensadamente, forçando-se a ouvir a declaração de uma vez por todas dos proprios lábios dele. — A menos que você esteja no comando da relação, conseguindo as coisas a seu modo, pouco se importando com qualquer outra coisa!
— Ouça o que acaba de dizer! — Morgan estava ficando cada vez mais irado. — Está agindo como se fosse minha mulher! Lamento decepcioná-la, mas não é minha mulher e não tem direitos sobre mim.
— Sempre soube disso — Grace gritou, liberando toda a sua fúria.
— E por acaso alguém tem algum direito sobre você?
— Não!
Por alguns instantes, permaneceram em silêncio, avaliando-se mutuamente na semi-escuridão do carro.
— Compromisso não faz parte do que tenho a oferecer — ele asseverou rudemente. — Vi meu pai ser destruído por um amor. Oh, no começo, tudo era cor-de-rosa. Não é sempre assim? Mas então minha mãe foi se aborrecendo cada vez mais com ele, com o trabalho dele. Compreendi muito bem o que o amor pode fazer. E quando ela o abandonou, meu pai ficou arruinado. Bem, aprendi muita coisa com essa lição.
Então essa era a razão, Grace pensou, com um sentimento de aflição que superava tudo o que se achava capaz de sentir. Morgan havia deixado bem clara sua posição. Ela não significava nada em sua vida, a não ser um mero objeto sexual.
— Compreendo — Grace murmurou. Foi tudo o que conseguiu dizer. Alex estava realmente certa. Não apenas Alex. Ela própria estivera certa todo o tempo. Vivera numa falsa expectativa, sempre esperando que de alguma forma Morgan viesse a amá-la como ela o amava. Fora uma estúpida, mas ainda não era tarde demais para abandonar essa incômoda posição.
— Você me aceitou pelo que eu era — ele a lembrou com uma expressão soturna, as mãos crispadas no volante. — Nunca fiz promessas que não pudesse cumprir.
— Não — Grace concordou, os olhos cheios de lágrimas.
— Você pensou que fosse diferente do resto? Realmente acreditava nisso? — Morgan a encarou com um brilho hostil nos olhos. — Nunca a forcei a nada. A escolha dependeu só de você.
— E também depende de mim escolher não trabalhar mais para você — Grace retrucou com uma expressão imperturbável. — Vou pedir minha demissão, portanto você pode procurar outra secretária e outra companheira de cama.
As palavras escaparam de sua boca antes que tivesse tempo de refletir, e Morgan as recebeu em silêncio. De súbito, ele virou o rosto, olhando pela janela.
— Se é o que você quer, então vá em frente e se demita. Nunca encontrará um trabalho melhor.
— Não aposte nisso! — Grace jamais iria admitir, mas sabia que ele tinha razão. Morgan a encorajara a assumir um grau de responsabilidade que não encontraria em outro lugar.
— Você e essa sua conversa de compromissos — ele a repreendeu com a voz abafada. — Vocês, mulheres, são todas iguais. Fui um idiota pensando que você era diferente, acreditando que dividiamos a mesma opinião.
— Adeus, Morgan. — Ela saiu para a noite escura, prendendo a respiração diante da súbita onda de frio.
Começou a andar em direção à entrada do edifício, cerrando os dentes para conter as lágrimas que insistiam em rolar pelo seu rosto. Ouviu Morgan abrir a porta do carro e apressou o passo.
— Quero que você se dane! — ele gritou. — Pode fazer o que bem entender, não me importo nem um pouco! Não preciso de você!
Grace o ouviu bater a porta com violência, ligar o motor do carro e desaparecer nas ruas desertas.
Quando entrou no apartamento, ela se sentia vazia e extenuada. Nem mesmo se preocupou em acender as luzes, andando cambaleante em meio à escuridão até chegar ao quarto. Então, sentou-se na cama, permitindo-se o luxo de chorar.
Desde o começo, sabia que isso iria acontecer. Sempre soubera que tipo de homem, ele era, e quando tivera a oportunidade de fugir de seus encantos, preferira tornar-se amante dele.
A decisão de sair do emprego era a única coisa que podia fazer. Telefonaria para a empresa na segunda-feira e aproveitaria para fazer uma reserva no próximo vôo para Londres.
A idéia de nunca mais ver Morgan, nunca mais ver aquele brilho intenso em seus olhos enquanto faziam amor era inconcebível.
Ela dormiu agitada, perseguida por sonhos vívidos e frustrantes que a deixaram com a impressão de ter passado a noite em claro quando acordou na manhã seguinte.
A primeira coisa que fez foi começar a arrumar suas coisas, guardando-as aleatoriamente nas velhas malas. Teria de contar a Jenny seus novos planos, e o fez com o coração oprimido.
— Mas não pode ir agora, Grace! — Jenny lamentou do outro lado da linha. — Quero que fique comigo quando o bebê nascer!
Grace estremeceu. Aguardava quase com a mesma ansiedade que a irmã o nascimento do bebê e a magoava muito não poder participar daqueles primeiros momentos.
— Virei visitá-los — ela disse e acrescentou: — Afinal, Londres não é o fim do mundo.
Quando desligou o telefone, sentiu ter dado o passo final. E, agora, não havia volta, ainda que quisesse.
Apesar dos pretextos esfarrapados para sua partida abrupta de Nova York, conseguiu convencer Jenny de que era o que realmente desejava fazer. Não entrou em detalhes, para poupá-la de angústias desnecessárias.
O resto do dia parecia passar em câmara lenta. Todas as coisas assumiam um ar de irrealidade que a confundia. Estava se despedindo do único homem que sempre iria amar, e tudo o que sentia era um estranho entorpecimento.
Na manhã seguinte, ela ligou para o escritório e falou com uma das outras secretárias, que lhe contou que Morgan estava numa reunião fora da empresa.
— Você pode lhe dizer que não vou trabalhar hoje? Estou com uma dor de estômago terrível. — E, num impulso, acrescentou: — E, se não for amanhã, é pelo mesmo motivo, mas com certeza estarei aí na quarta-feira.
Mais tarde, ela tomou um táxi para o aeroporto e conseguiu um vôo mais cedo do que esperava. Alguém tinha cancelado a reserva na última hora, e Grace ficou com o lugar, mesmo sendo aquela companhia aérea uma das mais caras. E foi com uma sensação de quase clandestinidade que ela embarcou no avião menos de duas horas depois.
Talvez esperasse ver Morgan correndo pelo terminal, com os braços cheios de flores e juras de amor eterno. Ela esboçou um sorriso triste diante de sua fantasia sentimental.
Só depois que o avião decolou ela conseguiu relaxar. Um empresário sentado a seu lado fez o máximo para iniciar uma conversa, mas Grace respondia suas perguntas sem o menor entusiasmo. Ele, finalmente, voltou a atenção para seu jornal, deixando-a entregue a seus pensamentos indesejáveis, mas dos quais não conseguia se livrar.
Procurava se convencer de que tudo voltaria ao normal e que o tempo se encarregaria de ajudá-la a esquecer essa grande desilusão. Afinal, não era a primeira pessoa a sofrer do mal de amor.
Quando iam começar a rodar o filme no avião, Grace estava se sentindo meio zonza, tanto por não ter dormido bem como pela forte investida de suas emoções. Então mergulhou num sono agitado e só acordou com a voz do piloto anunciando que estavam se aproximando de Heathrow.
Em Londres nada parecia ter mudado. Até mesmo o céu conservava aquele tom cinzento que a maioria dos turistas aceitava como parte essencial do clima britânico.
No entanto, Grace se sentia como se estivesse voltando para sua terra muitos anos mais velha. Fora para Nova York com todos os compartimentos de sua vida em ordem e classificados. Não havia semelhança entre esse passado e seu presente desordenado.
Antes de partir dos Estados Unidos, ela telefonara para os agentes imobiliários para avisá-los de sua volta para o apartamento em muito pouco tempo e lhes pediu para que encontrassem alternativas para as duas jovens que o alugavam.
Quando o táxi parou em frente a seu prédio, Grace o olhou apreensiva, pensando que poderia entrar e encontrar o apartamento ainda ocupado por estranhos, já que não dera tempo suficiente para que fosse desocupado.
Mas, tão logo abriu a porta, percebeu que estava vazio. Largou as sacolas e malas no chão e foi até a janela, olhando para fora sem saber o que iria fazer em seguida.
Sabia que deveria começar a fazer planos, mas, sempre que tentava pensar em algo, sua mente enveredava por caminhos indesejáveis, fixando-se em imagens desarticuladas e perturbadoras de Morgan, coisas nas quais não queria pensar.
Completamente sem energia para lutar contra seus sentimentos, ela se sentou e fechou os olhos, permitindo que as recordações de Morgan a arrebatassem até quase se sentir consumida por essas lembranças tão vivas e dolorosas. Como ele teria reagido à sua partida? Com certeza, fora surpreendido, mas talvez tivesse ficado um pouco aliviado. Afinal, ela o confrontara com sua necessidade de um compromisso mais sério, e essa era a última coisa do mundo que ele desejava. Aliás, era o que garantia o fim precoce de qualquer relacionamento com ele.
Mesmo tendo todas as malas para desfazer e o apartamento para arrumar, Grace deixou tudo de lado e foi dormir. Ao acordar na manhã seguinte, uma idéia ainda vaga pairava sobre seus pensamentos. E, sem se dar tempo para ponderar melhor, ela pegou o telefone e discou o número de seu antigo trabalho. Lembrava-se de que ao se despedir dela, o sr. Collins lhe dissera que deveria procurá-lo se algum dia precisasse de um emprego.
— Minha querida! — Seu ex-chefe exclamou, surpreendendo-a por reconhecer sua voz imediatamente. — Veio passar férias em Londres?
— Não — respondeu, esperando que ele deduzisse por que estava telefonando. — Vim para ficar.
— Não agüentou o ritmo de Nova York?
— Mais ou menos — Grace se esforçava para parecer serena. — Bem, na verdade, estou lhe telefonando para saber se não têm uma vaga para secretária. Pensei em falar com vocês antes de entrar em contato com as agências de emprego.
— Bem, acho que podemos encontrar alguma coisa para você. Desde que partiu, temos mais dois novos sócios, e a carga de trabalho aumentou muito. Acho que a nova secretária vai gostar de ter alguém para ajuda-Ia, ainda mais você, que já conhece nosso sistema. Quando quer começar?
— Hoje? — ela sugeriu, olhando para o despertador ao lado da cama. Eram apenas nove horas. Ainda teria tempo de se preparar para mais um dia de trabalho e seria bom poder ocupar sua mente com outras coisas.
— Tem certeza de que não está cansada? — O sr. Collins pareceu atônito, como se não pudesse entender a urgência na voz dela.
— Não, estou muito bem. Se não houver nenhum problema, gostaria de começar imediatamente.
No caminho para a antiga firma de advocacia, Grace pensava que pelo menos temporariamente essa parte de sua vida estava resolvida. Teria algo com que se ocupar. O tempo se encarregaria de cicatrizar as feridas.
Muito pouco havia mudado em seu antigo trabalho. Seus colegas a encheram de perguntas sobre Nova York, e Grace contou tudo o que queriam saber, evitando ao máximo qualquer detalhe sobre sua vida pessoal. Por volta da hora do almoço, a curiosidade deles tinha diminuído e, no final da tarde, ela começava a se sentir como se nunca tivesse saído dali.
Apesar dos dois novos sócios, a carga de trabalho da firma ainda não era tão grande, e antes de ir embora Grace teve uma conversa rápida com o sr. Collins para lhe dizer que, provavelmente, ficaria ali apenas por algum tempo. Ele assentiu e lhe perguntou, com uma expressão risonha, se em Nova York haviam lhe oferecido um emprego com um salário com o qual não podiam competir.
— Algo parecido — Grace disse com um fraco sorriso. Pensou em Morgan em seu escritório, discutindo tantas idéias ao mesmo tempo que ela mal podia compreendê-las, sua mente ativa sempre um passo à frente de todos. — Está sendo muito gentil em me aceitar aqui quando não precisa de mais uma pessoa.
— Oh, sempre precisamos de alguém como você por perto — o sr. Collins lhe assegurou. — Não sei por que voltou para a Inglaterra tão rápido, Grace, mas pude perceber pelo seu tom de voz ao telefone que queria começar a trabalhar imediatamente por outras razões além de dinheiro. E quero que saiba que pode ficar aqui até que se sinta forte o bastante para ir atrás de outras coisas, seja por uma semana, um mês ou um ano.
Ele a olhou com grande ternura em seus olhos meigos, e Grace teve vontade de chorar. Pela segunda vez naquele dia, o sr. Collins a surpreendia. Sempre gostara dele, mas raramente discutiam coisas pessoais. E nunca imaginou que ele fosse tão astuto como agora se revelava.
Teria ela sempre se enganado a respeito das pessoas? A única pessoa que parecia capaz de compreender bem era a si própria. Admitira seu amor por Morgan desde o princípio, mas desde então tudo que obtivera fora uma satisfação duvidosa misturada a um sofrimento maior do que gostava de pensar.
Quando deixou o escritório, a noite já havia caído sobre a cidade, e ela se deu ao luxo de voltar para casa de táxi. Suas chances de encontrar um emprego em Londres que lhe pagasse um salário próximo ao que recebia em Nova York eram mínimas e, por isso mesmo, teria de começar a fazer economias e evitar extravagâncias como andar de táxi.
Perdida em seu devaneio, mal se deu conta de que havia chegado a seu prédio. Apressou-se em pagar o motorista e desceu, procurando a chave na bolsa, enquanto se dirigia ao apartamento.
Com um movimento instintivo, ela virou a maçaneta antes de enfiar a chave na fechadura e viu a porta se abrir. Surpresa, recuou um passo. Tinha certeza de que trancara a porta antes de sair naquela manhã.
Ladrões, ela pensou. Talvez devesse chamar a polícia. Sua mão tremia quando, cautelosamente, ela empurrou a porta, pronta para fugir se percebesse a mais leve suspeita de que havia alguém lá dentro.
Ela deu alguns passos, movendo-se hesitante em direção ao interruptor. Ouviu um ruído abafado e se virou, arregalando os olhos ao divisar a figura de alguém sentada no sofá. Nervosa, ela pressionou o interruptor, e a escuridão cedeu lugar a um sonho colorido.
Grace ficou olhando para Morgan, que não se levantou, incapaz de controlar o susto que a deixou lívida. Totalmente incrédula, continuava apertando a bolsa contra o peito, sentindo as fortes batidas de seu coração.
— Surpresa por me ver? — ele perguntou, de olhos fixos nela.
Lá estava ele, sentado na sala de seu apartamento, tendo lhe dado o maior susto simplesmente por estar ali e exibindo a maior calma do mundo.
— O que está fazendo aqui? E como foi que conseguiu entrar?
— Uma pergunta de cada vez. E, por favor, sente-se. Parece que acabou de ver um fantasma.
— O que você esperava? — Grace bradou. — Não pensei que fosse entrar no meu apartamento e dar com você sentado calmamente aqui dentro.
O pior era se sentir tão trêmula diante dele. No entanto, se Morgan a seguira até a Inglaterra apenas com a intenção de persuadi-Ia a prolongar seu caso amoroso, não teria outra alternativa senão recusar.
— Por que você fugiu? — ele indagou bruscamente.
— Você ainda não respondeu minhas perguntas — Grace replicou evasivamente. Então tirou o casaco, dizendo a si mesma que era estúpido ficar embaraçada diante do olhar intenso que ele lhe lançava. Afinal haviam compartilhado inúmeras noites de amor. Mesmo assim, desviou o olhar do rosto dele enquanto se sentava numa das poltronas.
— Não posso discutir os motivos que me trouxeram até aqui com você sentada tão longe de mim. Tenho a sensação de estar sendo entrevistado.
Grace compreendeu muito bem o significado das palavras dele. E lhe era extremamente doloroso ficar tão próxima dele e ainda assim não poder tocá-lo.
Hesitante, aproximou-se do sofá, consciente de que ele seguia todos os seus movimentos. Impossível dominar o desejo ardente que lhe percorreu o corpo, despertando-lhe lembranças que a fizeram corar.
— Não é melhor assim? — Morgan perguntou num tom suave e baixo.
— Vai me dizer por que veio aqui? — Incapaz de encará-lo, ela baixou os olhos para as mãos.
— Você é uma criatura muito persistente, não? Eu devia ter reconhecido isso logo que a vi, talvez assim tivesse me mantido afastado. — ele se inclinou para olhá-la no rosto e passou a mão pelo braço dela.
Foi uma demonstração de ternura e amabilidade, nada contendo de erótico, ainda assim ela estremeceu e sentiu a respiração suspensa, como se lhe faltasse o ar.
— Não queria vir atrás de você — Morgan entoou em voz baixa, como se falasse consigo mesmo. — Sabia que, se viesse, seria a confirmação de que minha vida de solteiro, estável e segura, teria chegado ao fim.
Grace o olhava em silêncio. O coração parecia querer saltar-lhe do peito e ela dominou o impulso de confessar-lhe todo o seu amor e de abraçá-lo. Afinal, era possível que tudo isso não passasse de uma manobra para convencê-la a continuar sendo sua amante. Tinha consciência de que estava sendo muito severa, mas ceder seria o mesmo que cortejar o perigo e ignorar todas as evidências do que aquele homem era capaz de lhe causar.
— Nunca lhe dei um ultimato — ela murmurou, apenas confirmando uma verdade.
— Mas partiu, fugiu. Não acha que isso foi muito pior do que qualquer ultimato?
— Não queria deixá-lo numa posição desagradável — Grace escolheu as palavras com cuidado, desejando ser honesta em vez de defensiva. Ela o fitou, procurando interpretar sua expressão. — Pelo que me disse, você não estava interessado em relacionamentos, a não ser os sexuais, e sabia que não tinha mentido. Eu me odiaria se tivesse tentado arrancá-lo de sua liberdade.
— Oh, Grace — ele murmurou e, então, aproximou os lábios dos dela, dando-lhe um beijo ávido e cheio de paixão.
Desistindo de sua tentativa de impor resistência, Grace correspondeu ao beijo com todo o abandono das vezes anteriores.
Quando Morgan se levantou, carregando-a nos braços, ela apoiou a cabeça em seu peito, sem protestar enquanto ele a levava para o quarto.
— Você pode cuidar do resto — Morgan murmurou depois de desabotoar a camisa, deitando-se ao lado dela. Gostava que ela o despisse e, naquele momento, Grace o fez com gestos lentos e sensuais, que cooperavam para aumentar a expectativa de ambos. Parecia que há anos não tocava o corpo dele!
Quando Grace começou a acariciar-lhe o ventre, descendo a mão pelas coxas musculosas, Morgan estremeceu, murmurando palavras entrecortadas por gemidos. Com movimentos provocantes e ainda assim delicados, ele a despiu e a puxou para junto de si.
— Pensei que fosse enlouquecer por desejá-la tanto — ele sussurrou de encontro a seu ouvido. — Quando me dei conta de que você tinha me abandonado, milhares de sensações diferentes me invadiram. Raiva, mágoa, espanto diante do poder que você exercia sobre mim; e mais do que nunca queria encontrá-la, tocá-la, sentir seu corpo bonito e quente próximo ao meu.
Morgan afastou o cabelo do rosto de Grace e começou a beijar-lhe o pescoço, enquanto suas mãos vagavam à vontade pelo corpo dela.
Grace se contorcia e o puxava para mais perto, ansiando pela satisfação completa do desejo que crescia dentro de si e ao mesmo tempo querendo prolongar o máximo possível o êxtase que estava sentindo.
— Grace, querida, você é a minha perdição — ele murmurou com voz rouca. — Quanto mais fico com você, mais quero ficar, e quanto mais faço amor com você, mais quero continuar. Não acha isso uma loucura?
Loucura ou não, esse também era o modo como Grace se sentia em relação a Morgan.
Ela sentiu uma excitação febril percorrer-lhe o corpo e o sangue queimar em suas veias quando Morgan a penetrou. Movendo-se num ritmo alucinado, ele a apertou com força, deixando-a louca de prazer.
Exaustos, permaneceram em silêncio até que suas respirações voltassem ao normal. Então, ele rolou para o lado.
— Oh, meu amor, como foi capaz de me deixar? — ele sussurrou, deixando escapar um gemido gutural. — Fez isso por que me viu com Alex naquela boate? Eu juro que foi pura coincidência. Nós nos separamos há muito tempo, e não tenho a menor intenção de reativar minha amizade com ela. Você tem de acreditar em mim!
— Acredito em você, Morgan. Tê-lo visto com Alex só me fez tomar uma decisão que era inevitável — ela admitiu, constrangida.
— O que quer dizer?
Morgan a olhava fixamente. Não era óbvio?, ela pensou, baixando o rosto. Tinha certeza de que ele havia entendido muito bem o que estava tentando lhe dizer, mas queria vê-la admitir em voz alta. Aquele era o confronto que ela havia temido tanto. De súbito, não se preocupava mais com isso. E se o amava, por que tentar esconder?
— Bem... — Grace recomeçou, hesitante — isso significa que sei o que você quer de uma relação, e não é a mesma coisa que eu quero. Aceitei ter um caso com você porque quis, claro, e porque não podia evitar. Achei que poderia amá-lo sem pedir nada em troca, mas estava errada. Por isso, agi com covardia e vim embora.
Morgan respirou fundo e sorriu.
— Você me ama! — ele declarou, parecendo gostar do efeito sonoro da frase. — Você me ama.
Grace estremeceu e o abraçou.
— Sabia que me amava — ele continuou. — Só não tinha consciência do quanto precisava do seu amor até descobrir que tinha partido. Você sabia que eu me apaixonei por você assim que a vi? Você entrou no meu escritório com aquela expressão fria e ousada, pronta para lutar em favor da irmã e, ao colocar os olhos sobre você, já não podia negar a atração que senti.
— Por que nunca me disse isso antes?
— Porque... eu realmente não sei.
Ela o viu corar e reprimiu o riso.
— Não sabe? — ela perguntou com uma incredulidade irônica. — E eu aqui, pensando que você sabia de tudo. Você sempre quis saber tudo sobre mim, e agora eu quero que me conte o que está pensando.
— Estou pensando que fui um tolo — Morgan acariciou-lhe os seios, fazendo-a estremecer. — Tentei me convencer de que o que sentia por você era apenas atração, talvez uma certa ternura. Eu podia manter uma relação baseada em sexo, mas qualquer outra coisa... bem... Não tinha experiência, nunca pensei que houvesse lugar para o amor em minha vida. E, quando você apareceu e virou meu mundo de cabeça para baixo, fiquei com medo e um pouco confuso. Tinha me convencido desde muito jovem que o que aconteceu com meu pai nunca iria acontecer comigo.
Grace se lembrava do que ele lhe contara sobre os pais e compreendia por que se fechara dentro de si mesmo.
— Você acha que foi mais fácil para mim admitir que estava completamente apaixonada por você? O meu mundinho seguro também estava se fragmentando.
— Ainda bem — Morgan caçoou.
— Sempre soube que você significava problemas e, como se a minha intuição não bastasse, Alex se deu ao trabalho de me prevenir quando nos encontramos em sua casa. — Isso sem mencionar o que ela dissera depois, Grace pensou sem ressentimento.
— Aquela idiota! Desconfiei que tivesse feito alguma coisa do gênero. Ela começou a tecer comentários maldosos sobre você que me deixaram furioso. Então a levei para o jardim, onde poderíamos ter uma conversa séria. E, para piorar ainda mais as coisas, quando voltei para a sa Ia, vi você e aquele rapaz flertando descaradamente.
— Rapaz?
— Anthony Palmer. Nunca pensei que tivesse instintos assassinos, mas desejei enforcá-lo!
Grace deu uma sonora gargalhada e começou a explicar-lhe seu relacionamento com Tony, mas suas palavras foram interrompidas pelo beijo impetuoso que ele lhe deu. Quando se afastou ligeiramente dela, Morgan a encarou com uma expressão séria.
— Vim para levá-la comigo, Grace.
Ela suspirou e fechou os olhos. Precisava evitar a qualquer custo a tentação de concordar com ele, esquecendo-se assim de todas as razões que a levaram a deixar Nova York. Era verdade que o amava desesperadamente, mas além disso havia um futuro, o seu futuro. E já podia antever o dia em que Morgan se cansaria dela, e esse pensamento era o suficiente para oprimir-lhe o peito.
— Eu te amo, Morgan.
— Mas não quer ser minha amante — ele continuou a frase, dando-lhe um sorriso fascinante. — Por acaso lhe pedi para ser minha amante? Sei que não tenho sido muito estável no que diz respeito às mulheres, mas você conseguiu mudar tudo isso. Nunca me apaixonei antes, mas estou amando agora, e não posso imaginar nada melhor do que passar o resto da minha vida com você.
— Está me pedindo em casamento? — Grace perguntou, incrédula.
— Apenas se você aceitar.
— Eu aceito.
— Não pensei que fosse tão fácil, querida — Morgan a provocou, deslizando as mãos pelas pernas dela.
Grace sorriu e o beijou, a felicidade estampada em seus olhos.
— Jenny vai ficar extremamente surpresa com todos esses acontecimentos.
— Duvido.
— Por quê?
— Quem você acha que me deu a chave de seu apartamento? Eu lhe disse que, quando a visse de novo, você estaria casada comigo.
— Muito seguro, não? — Grace riu, retribuindo-lhe o beijo ardente. — Imagine o que nos espera... podemos nos amar todos os minutos de cada dia que passarmos juntos pelo resto de nossas vidas.
Grace gemeu enquanto ele lhe acariciava os seios, o corpo forte e quente pressionando o seu, explorando seu ponto mais sensível. Sorrindo, entregou-se completamente a ele, mergulhando num êxtase que agora sabia que não teria fim.
Cathy Williams
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