Biblio VT
Há muito tempo viveu uma família extraordinária, os Clayborne, unidos por algo mais que os puros laços do sangue.
Conheceram-se meninos nas ruas de Nova Iorque. Adam, o escravo fugitivo, Douglas, o ladrão de carteira, Cole o pistoleiro e Travis o estelionatário. Sobreviveram protegendo uns aos outros das bandas mais fortes da cidade, e o dia que encontraram um bebê, uma menina, abandonada em seu beco, fizeram a promessa de lhe dar uma vida melhor e se mudaram para o oeste. Ao final se instalaram nas terras chamadas Rosehill, em pleno coração de Montana.
A única orientação que receberam, conforme foram crescendo, foram as cartas da mãe do Adam, Rose. Ela foi conhecendo-os pouco a pouco através dos íntimos relatos que escreviam, confiando seus temores, esperanças e sonhos. Em troca lhes deu o que nunca tinham tido, o amor e a aceitação incondicionais de uma mãe.
Com o tempo, chegaram a considerá-la sua própria Mama Rose, e quando por fim se uniu a eles, sentiram-se ditosos. Entretanto, sua chegada ao cabo de vinte longos anos foi para ela, de uma vez motivo de celebração e consternação. Sua filha estava casada com um homem de bem e esperava seu primeiro bebê, e seus filhos já eram homens fortes e de honra, tendo triunfado cada um ao seu modo. Mas mamãe Rose ainda não estava totalmente satisfeita. Acomodaram-se muito em sua condição de solteiros. E como ela acreditava que Deus ajuda a quem ajuda a si mesmo, só restava uma coisa por fazer.
Tomar conta do assunto ela mesma.
Capítulo 1
Aquela mulher miúda tinha um problema. Um grande problema. Ninguém, homem ou mulher, mirava Douglas Clayborne com um rifle sem pagar pelas consequências, e depois que conseguisse arrancar a arma de sua mão, a faria saber.
Primeiro pediria com educação que saísse do estábulo para que a pudesse ver. Planejou continuar falando até que se encontrasse perto o suficiente para agarrá-la de surpresa. Iria arrancar o rifle de suas mãos, descarregar e o partir com o joelho. A menos que fosse uma Winchester e nesse caso ficaria com ele.
Podia vê-la agora. Estava de cócoras atrás da porta da cerca, oculta na penumbra, com o canhão da arma apoiado na tábua superior. Havia um lampião de querosene enganchado a um poste no lado oposto do estábulo, mas sua luz não era intensa o suficiente para ver além de onde se encontrava, a alguns metros da porta que se encontrava aberta.
Uma chuva intensa e torrencial golpeava suas costas. Estava totalmente encharcado, como Brutus, seu corcel alazão. Precisava tirar a sela de montar do animal para depois secá-lo o mais rápido possível, mas o que ele desejava e o que a mulher o permitiria fazer eram duas coisas muito diferentes.
A luz de um relâmpago, seguida de um estrondoso trovão, iluminou a entrada, assustando Brutus que se ergueu sobre as patas traseiras, relinchando e agitando a cabeça. O cavalo queria proteger-se, tanto quanto ele, da chuva.
Douglas manteve sua atenção no rifle enquanto tentava acalmar o animal com um sussurro prometendo que tudo iria terminar bem.
- Você é Isabel Grant?
Ela respondeu com um leve grunhido. Imaginou que o tom áspero de sua voz a tivesse assustado, e quando se dispunha a tentar de novo com um tom mais calmo ouviu como a mulher ofegava. Ao princípio acreditou que se enganava, mas o som se tornou mais intenso. Estava realmente ofegando e isso não tinha nenhum sentido. Ela não tinha movido um só músculo, portanto não podia ter ficado sem fôlego.
Esperou que a ofego diminuísse antes de falar de novo.
- É a esposa de Parker Grant?
- Sabe bem quem sou. Saia daqui ou irei atirar. Deixe a porta aberta ao sair. Quero vê-lo partir.
- Senhora, é com seu marido que quero falar. Se for amável e me dizer onde ele está, iria buscá-lo. Não comentou com você que eu iria aparecer? Meu nome é...
Interrompeu-o com um grito.
- Seu nome não me interessa! É um dos homens de Boyle e isso é tudo o que preciso saber. Fora daqui.
O pânico de sua voz frustrou seu aborrecimento.
- Não há necessidade de se zangar. Vou embora logo. Poderia dizer a seu marido que Douglas Clayborne o espera no povoado para lhe dar o resto do dinheiro pelo corcel árabe? Terei primeiro que ver o animal, como combinamos. Poderá lembrar de tudo?
- Vendeu um cavalo para você?
- Sim. Vendeu-me um árabe há alguns meses.
- Está mentindo! - gritou -. Parker nunca teria vendido um de meus cavalos árabes!
Não estava com humor para discutir com ela.
- Tenho os papéis para comprovar. Apenas diga, certo?
- Comprou um cavalo sem tê-lo visto antes?
- O mostrou ao meu irmão - explicou -. E seu julgamento é tão bom quanto o meu.
A mulher rompeu no choro. Deu um passo para ela sem pensar, tinha uma vaga ideia de consolá-la,mas se deteve bruscamente, ao perceber o que fazia.
- Sinto muito que seu marido não tenha lhe dito nada sobre o cavalo.
- Não, por favor, agora não!
Começou de novo a respirar com dificuldade. "Que demônios estava acontecendo?". Sabia que algo não estava bem e pressentia que seu marido era o responsável por seu pranto. O homem deveria ter contado a sua mulher sobre o cavalo. Ainda assim sua reação parecia um pouco exagerada.
Douglas pensou que deveria dizer algo para consolá-la.
- Tenho certeza que todos os casamentos passam por momentos difíceis. Seu marido deve ter tido uma boa razão para vender o garanhão, e com certeza estava tão ocupado que esqueceu de dizer a você. Isso é tudo.
O ofego se intensificou antes de desaparecer. Depois choramingou produzindo um som grave em sua garganta, que o lembrou a queixa de um animal ferido. Ele queria partir mas sabia que não podia abandoná-la se estava com problemas... e onde Parker estava?
- Isto não deveria estar acontecendo! - gritou entre soluços.
- Que não deveria estar acontecendo? - perguntou.
- Vá embora!
Ele era o teimoso o suficiente para permanecer bem aonde se encontrava.
- Não irei até que me diga quem é Boyle. Feriu-a? Parece sofrer.
Isabel respondeu instintivamente ao perceber o interesse em sua voz.
- Não trabalha para Boyle?
- Não.
- Mostre-me então.
- Não posso demonstrar sem que veja a carta de seu marido e o papel que assinou.
- Fique onde está!
Não podia compreender por que gritava se não se movera um centímetro se quer.
- Se quiser que eu a ajude, terá que me dizer o que é que está acontecendo.
- Tudo vai mal.
- Terá que ser mais precisa.
- Deve está vindo. Não entende? Devo ter feito algo que não devia. OH, Deus meu, não deixe que venha ainda!
- Quem vem? - perguntou voltando-se para olhar com nervosismo para suas costas, esquadrinhando entre a escuridão. Pensou que seria o tal Boyle, ou quem quer que seja.
Estava enganado.
- O bebê! - gritou desesperada-, estou tendo outra contração.
Douglas sentiu como se alguém esmurrasse seu estômago.
- Vai ter um bebê? Agora?
- Sim!
- Ah, não, não me faça isso! - Não se deu conta da incoerência de sua súplica até que ela concordou com seu pedido entre soluços. Jogou a cabeça para trás com um movimento rápido-. Está tendo dores agora?
- Sim! - respondeu alargando o som com um lamento.
- Pelo amor de Deus, tire o dedo do gatilho e coloque o rifle no chão.
Ela não entendia o que dizia. A contração ia aumento com uma intensidade tão agonizante que quase não podia manter-se de pé. Fechou os olhos e apertou os dentes com força esperando que a dor cessasse.
Deu-se conta do engano que tinha cometido depois que abriu os olhos, mas já era muito tarde. O forasteiro tinha desaparecido, entretanto não tinha abandonado o estábulo, pois seu cavalo estava ainda junto à porta.
O rifle foi arrebatado de repente de suas mãos. Com um grito de terror, retrocedeu ainda mais para o interior da cocheira, esperando que a atacasse.
Tudo começou a acontecer devagar. A porta rangeu ao abrir-se, parecia um grito penetrante e eterno. O estranho, um homem alto e musculoso que parecia aspirar todo o oxigênio do interior do estábulo, dirigia-se em sua direção. Possuía o cabelo e os olhos negros, a expressão de seu rosto mostrava seu aborrecimento... Não, por favor, não queria que a matasse ainda. O bebê morreria dentro dela.
Já não podia controlar sua mente. Tomou ar para gritar, sabendo que uma vez começasse, não poderia parar. "Por favor, Meu deus, não posso suportar por mais tempo. Não posso, não posso...".
Ele a fez recuperar a prudência sem uma palavra. Simplesmente entregou o rifle.
- E agora, me escute! - ordenou -. Quero que pare agora mesmo o nascimento do bebê! -. Depois de ordenar irracionalmente em tom cortante e autoritário, deu meia volta e se afastou.
- Vai embora ?
- Não, não vou. Vou mover a luz para poder ver o que estou fazendo. Se estiver a ponto de parir, o que está fazendo em um estábulo? Não deveria estar na cama?
Sua respiração se tornou entrecortada de novo. Só de ouvi-la um calafrio percorria sua coluna.
- Pedi para parar. Não pode nascer agora, então esqueça.
Ela esperou até que a contração passasse para lhe dizer o quanto era estúpido.
Ele o admitiu para si mesmo.
- Só quero que não o tenha até que encontre seu marido.
- Não o estou fazendo de propósito.
- Onde está Parker?
- Foi embora.
Douglas praguejou.
- Achei que fosse me dizer isso.
- Por quê está tão zangado comigo? Não vou bater em você.
Não estava zangado; estava apavorado. Ele tinha ajudado a um sem-fim de animais a parir, mas nunca a uma mulher e agora não queria fazê-lo com ela. Realmente estava assustado, mas era ardiloso o bastante para não deixar que aquela mulher percebesse.
- Não estou zangado - respondeu -, É que me pegou de surpresa. Eu a Ajudarei a voltar para casa e depois irei em busca do doutor.
E a última coisa que queria ouvir era que não havia nenhum no povoado.
- Não pode vir aqui.
Douglas recolheu finalmente o lampião que estava enganchado no poste do estábulo, deu meia volta e viu Isabel pela primeira vez. Era uma mulher atraente, mesmo com o cenho franzido. Tinha sardas no nariz, coisa que sempre o atraíra Douglas, também adorava cabelos de cor avermelhada e o dela era de um vermelho escuro intenso que resplandecia como o fogo com a luz.
Era uma mulher casada, lembrou-se a si mesmo e portanto não deveria reparar em sua aparência. Em todo caso, os fatos eram os fatos. Isabel Grant era uma mulher deliciosa.
Também estava tão grande quanto um balão. Ao perceber voltou para a realidade.
- Por que o doutor não pode vir aqui?
- Sam Boyle não permitiria. O doutor Simpson veio uma vez quando meu estado estava muito avançado para ir ao povoado e visitá-lo, mas Boyle disse que o mataria se viesse para ver-me outra vez. Sem dúvida alguma o faria - acrescentou em um sussurro -. É um homem horrível. É o dono de todo o povoado e das pessoas que vivem nele. O povo é decente, mas fazem o que Boyle ordena por que têm medo. Não posso culpá-los. Eu também tenho medo dele.
- O que tem Boyle contra você e seu marido?
- Seu rancho está ao lado do nosso, assim quer ampliá-lo para que seu gado disponha de mais terras para pastar. Ofereceu dinheiro a Parker pela escritura, mas era uma miséria comparado com o que meu marido pagou por ela. De qualquer modo não a teria vendido por nenhuma outra quantia. Este é nosso lar e nosso sonho.
- Senhora Parker, onde está seu marido? - Ao ver as lágrimas em seus olhos compreendeu em seguida -. Está morto, não é?
- Sim, enterrado na colina atrás do estábulo. Alguém atirou nele pelas costas.
- Boyle?
- Naturalmente .
Douglas se apoiou no poste, cruzou os braços sobre o peito e esperou que ela se acalmasse.
Ela se recostou sobre a parede e abaixou a cabeça. De repente se sentiu tão fatigada que mal podia sustentar-se em pé.
Esperou uns minutos mais antes de continuar perguntando.
- O xerife investigou-o?
- Sweet Creek já não tem xerife. Boyle se desfez dele antes de Parker e eu nos mudássemos.
- Suponho que ninguém quer o posto.
- Você iria querer? - perguntou enquanto secava uma lágrima de sua face e erguia o olhar para ele -. O doutor Simpson me contou que Sweet Creek era um pequeno povoado tranquilo. Sua mulher e ele são meus amigos – acrescentou -, Estão tentando me ajudar.
- Como?
- Enviaram telegramas e escreveram cartas a todos os povoados da região pedindo ajuda. A última vez que vi o doutor, comentou-me que tinha ouvido algumas historia sobre um oficial de justiça dos Estados Unidos que andava por esta região. Pensou que este homem da lei era a resposta a nossas preces. O doutor não tinha podido localizá-lo ainda, mas estava seguro de que ele mesmo viria se soubesse quantas leis Boyle não há cumprido. Tento não perder a esperança – acrescentou - Boyle tem ao menos vinte homens trabalhando para ele e acredito que seria necessário um exército para vencê-lo.
- Estou certo de que há algum modo de ... - Deteve-se no meio da frase ao dar-se conta de que tinha ficado sem ofegar a vários minutos. – A dor desapareceu?
Ela parecia surpreendida. Pôs a mão sobre sua protuberante cintura e sorriu.
- Sim, passou. Desapareceu.
"Graças a Deus", pensou consigo mesmo.
- Realmente está totalmente sozinha aqui? Não me olhe assim, Isabel. Já deve ter percebido que não trabalho para Boyle.
Fez um lento movimento de assentimento.
- Aprendi a ser desconfiada. Estive sozinha durante muito tempo.
Tentou dissimular ante ela quão assustado estava. Uma mulher em seu estado, nos últimos meses de gravidez deveria estar com pessoas que cuidasse dela.
A cólera dominou suas vísceras.
- Ninguém do povoado veio visitá-la?
- Senhor Clayborne, eu...
- Douglas - corrigiu-a.
- Douglas, não acho que entenda a gravidade de minha situação. Boyle cortou o caminho. Ninguém pode vir sem seu consentimento.
Ele sorriu com ar de brincadeira.
- Eu o fiz.
Que ele o tivesse conseguido a fez sorrir de novo. Era estranho mas também começava a sentir-se mais segura.
- Os homens do Boyle devem ter partido tão logo começou a chover. Acredito que voltam para seu rancho a cada noite quando, mas não estou muito certa.
Levantou-se, afastando-se da parede para sacudir o pó da saia e de repente sentiu que suas pernas fraquejavam. Estava horrorizada. apoiou-se de novo para não cair de joelhos desviando o rosto enquanto explicava o que tinha acontecido em um sussurro.
Sua voz refletia medo e vergonha. Em seguida, Douglas se colocou ao seu lado, apoiando a mão sobre seu ombro em uma torpe tentativa de reconfortá-la.
- Está tudo bem... Acho que a bolsa rompeu - tentou parecer uma autoridade no assunto. Na realidade, acabava de resumir tudo o que sabia sobre partos com aquela simples afirmação.
- Algo não está certo. Só deveria acontecer dentro de três ou quatro semanas. Tudo é por minha culpa. Não deveria ter esfregado o chão e lavado a roupa ontem, mas estava tudo tão sujo, além disso queria me manter ocupada para não pensar no fato de ter o bebê sozinha. Nunca deveria haver....
- Estou certo que não fez nada de mau - interrompeu-a -, Então pare de se culpar. Alguns meninos decidem se adiantar. Isso é tudo.
- Acha que...?
- Não foi culpa sua – insistiu -. O bebê tem suas próprias ideias e mesmo se tivesse ficado na cama, a bolsa romperia. Estou certo disso.
Parecia que sabia do que estava falando e isso a fez parar de sentir-se culpada.
- Acho que o bebê nascerá esta noite.
- Sim - assentiu ele.
- É estranho, não sinto nenhuma dor.
Os dois sussurravam agora. Ele tentava ser gentil com ela. Ela tentava recompor-se de sua vergonha. Era um completo estranho e, Deus!, quem dera fosse velho e feio. Mas era jovem e extremamente bonito. Sabia que com toda segurança morreria de vergonha se permitisse ajudá-la a trazer seu filho para o mundo, porque teria que tirar a roupa e a veria...
- Isabel, vai parar de se esconder de mim? Tem que ser prática. Vamos! - disse em tom persuasivo -. Olhe-me.
Levou um minuto inteiro para reunir coragem e fazer o que o homem pedia. O acanhamento a tinha deixado rubra.
- Vai ser prática - repetiu enquanto a levantava em seus braços.
- O que está fazendo?
- Levando-a de volta para casa. Agarre-se a mim.
Agora se encontravam cara a cara, à mesma altura. Ele ficou olhando às sardas, e ela o teto.
- Isto é vergonhoso – sussurrou.
- Não acredito que o bebê se importe muito se sua mãe se sente incômoda ou não.
Tirou-a do estábulo, deteve-se apenas para afastar o rifle dela, apoiando-o junto ao poste e continuou para a porta.
- Tome cuidado, está carregada. Poderia ter disparado quando...
- Descarreguei-a.
Estava tão surpresa que o olhou diretamente nos olhos.
- Quando?
- Antes de devolvê-lo. Não vai começar a se preocupar novamente, não é?
- Não, mas vai ter que me deixar no chão um momento. Tenho que tratar primeiro do Pégaso.
- Refere-se ao garanhão ?
- Sim.
- Não se encontra em condições de se aproximar dele.
- Não entende. Ele feriu a pata esquerda traseira, preciso limpar o ferimento antes que infeccione. Não levará muito tempo.
- Eu me encarregarei dele.
- Sabe o que tem que fazer?
- Certamente. Sou muito bom com os cavalos.
Sentiu que relaxava em seus braços.
- Douglas?
- Sim?
- É bom com as mulheres também. Estava-me perguntando se...
- Sim?
- Falando de partos. Ajudou alguma vez a alguma mulher a dar a luz?
Decidiu mitigar sua preocupação, respondendo pela metade.
- Tenho um pouco de experiência... - e depois completou para si mesmo, "com os cavalos".
- Saberá o que fazer se algo der errado?
- Tudo sairá bem. - A segurança com que falou não deixa espaço para dúvidas-. Sei que está assustada e se sente sozinha...
- Não estou sozinha... OH, não! Não vai me deixar sozinha, não é?
- Não fique nervosa, não vou a lugar algum.
Ao ouvi-lo deixou escapar um suspiro, colocando a cabeça sob o queixo dele no momento que saiu do estábulo. A chuva ainda era intensa. Douglas lamentou não ter nada para envolvê-la. A cabana que ela chamava lar se encontrava a uns cinquenta metros, e quando chegou à porta, ela estava tão molhada quanto ele.
Um lampião iluminava o interior da cabana. O ambiente era quente e acolhedor, entretanto o que mais atraiu sua atenção foi a essência de rosas que dominava o ar. À direita da entrada havia uma mesa retangular coberta com uma toalha de mesa tecida de quadros amarelos e brancos, e no centro um vaso de cristal cheio com ao menos uma dúzia de rosas brancas. Era óbvio que ela tinha tentado introduzir a beleza e a alegria na desoladora realidade de sua vida; aquele simples gesto feminino o fez sentir tristeza por aquela mulher.
A cabana estava reluzente. Havia uma lareira de pedra em frente a porta, e sobre um manto, alguns porta-retratos de prata com fotografias. Uma cadeira de balanço, com uma almofada amarelo e branco, enchia o espaço à esquerda da lareira, a direita havia uma cadeira de madeira de respaldo alto. Duas agulhas de fazer tricô se sobressaíam de uma meada de linha colocada sobre os pés da cadeira e os longos fios estavam sobre um colorido e velho tapete.
- Tem uma casa realmente encantadora.
- Eu gostaria que a cozinha fosse maior. Coloquei essa cortina para separá-la do aposento principal. Está sempre tão bagunçada. Ia limpá-la quando acabasse com o estábulo.
- Não se preocupe com isso.
- Viu as rosas? Não são lindas? Crescem selvagens perto da fileira de árvores atrás dos pastos. Parker plantou algumas ao lado da casa, mas ainda não fincaram raiz.
A natureza prática de Douglas se manifestou de novo.
- Não deveria ter saído sozinha. Poderia haver se cansado.
- Para mim foi um prazer as trazer para dentro, além disso, estou segura de que o exercício me fez bem. Odeio permanecer o dia inteiro trancada. Por favor, já pode me deixar no chão, agora me sinto melhor.
Fez o que pediu, mas continuou segurando-a pelo braço até estar bem seguro de que podia sustentar-se por si só.
- O que posso fazer para ajudá-la?
- Poderia acender o fogo? Pus a lenha junto à lareira, não quis acendê-la até que não retornasse das baias.
- Trouxe a lenha até aqui?
- É culpa minha que o bebê vá nascer, não é? Por trazer a lenha das colinas esta manhã. E depois voltar lá em cima para recolher mais. Faz tanto frio e a umidade de noite... Não o pensei e agora meu filho vai...
Ele a interrompeu antes que começasse tudo de novo.
- Tranquilize-se, Isabel. Muitas mulheres fazem suas tarefas até pouco antes do parto. Só me preocupava com a possibilidade de ter se cansado. Isso é tudo.
- Então, por que disse...?
- Cansada – repetiu -. Isso é tudo no que estava pensando. Não aconteceu nada, portanto não há nenhum dano a lamentar. Agora pare de se preocupar.
Ela assentiu e começou a atravessar o cômodo. Ele a agarrou forte pelo braço, disse que se apoiasse nele e andasse devagar.
- Vou demorar horas para chegar ao quarto se continuar tratando-me como uma inválida.
Ele se adiantou para abrir a porta. Estava realmente escuro ali dentro.
- Não se mova até que eu ascenda uma vela. Não quero que...
- Caia? Parece terrivelmente preocupado com essa possibilidade.
- Não se ofenda, mas está tão redonda que com toda segurança não consegue ver os pés. E é obvio, me preocupa que possa cair.
Riu com vontade agora, coisa que não tinha feito há muito tempo.
- Precisa retirar essa roupa molhada – lembrou-a.
- Há algumas velas no tocador, a sua direita.
Ficou contente por ter algo que fazer. Sentia-se incômodo, atordoado. Não se deu conta de que suas mãos tremiam até que tentou acender as velas. Fez três tentativas até que por fim conseguiu. Quando deu a volta, ela já estava estendendo uma colcha grande colorida sobre a cama.
- Está molhada. É melhor que tire a roupa úmida antes.
- E o que me diz de você? Tem algo para mudar?
- Nos alforjes. Se não precisa de minha ajuda, acenderei o fogo, e retornarei ao estábulo e me encarregarei dos cavalos. Deu o que comer aos seus?
- Sim - respondeu-lhe -. Tome cuidado com o Pégaso, não gosta de estranhos. - Isabel ficou olhando ao chão com as mãos enlaçadas. Quando Douglas se voltou para partir, o chamou.
- Voltará, não é?
Estava de novo assustada. A última coisa pela qual devia se preocupar agora, era precisamente ficar sozinha. Teve o pressentimento que teriam uma noite infernal e queria que ela conservasse todas suas forças para a tarefa mais importante que viria.
- Vai ter que confiar em mim.
- Tentarei.
Ainda aparentava estar assustada. Apoiou-se no marco da porta, pensando no que poderia dizer para convencê-la de que não ia abandoná-la.
Ele se separou da porta e se dirigiu para ela.
- Poderia me fazer um favor?
- Sim.
Tirou o relógio de ouro de seu bolso e desenganchando-o o entregou. A corrente balançou entre os dedos dela.
- É o objeto mais valioso que tenho. Mama Rose deu-o para mim e eu não gostaria que acontecesse nada a ele. Pégaso poderia lhe dar um coice ou poderia cair enquanto seco meu alazão. Guarde-o para mim, sim?
- Claro, eu o guardarei.
Depois que ele saiu do quarto, ela apertou o relógio contra o peito, fechando os olhos. Seu pequeno e ela estavam outra vez a salvo e pela primeira vez em muito tempo, Isabel sentiu segura de si mesma.
Capítulo 2
Entrou em um estado de ira delirante. Entretanto, não se importava, sabia que estava perdendo o último pingo de autocontrole que restava. Em algum lugar no recôndito de sua mente era consciente de que estava sendo irracional. Mas pouco se importava.
Queria morrer. Era um pensamento covarde, mas não se encontrava com ânimo para se sentir culpada por isso. A morte seria um agradável descanso em comparação à dor que estava suportando e naquela fase em que uma atroz contração a arrastava a outra e a outra, a morte era a única coisa em que conseguia pensar.
Douglas continuava dizendo que tudo estava bem, e nesse momento decidiu que queria viver suficiente para matá-lo. Como se atrevia a estar tão tranquilo e racional? O que sabia ele sobre aquilo? Era um homem, pelo amor de Deus e no que a ela se referia, o culpado absoluto de sua agonia.
- Não quero continuar com isto, Douglas! Está me ouvindo? Não quero continuar com isto por mais tempo!
Não eram sussurros que saiam de sua boca, eram verdadeiros rugidos.
- Serão apenas mais alguns minutos, Isabel - prometeu com um fio sussurrado de voz.
Ela respondeu que morreria.
Com toda honestidade ele gostaria de confortá-la. Odiava vê-la naquele estado miserável. Sentia-se inútil, inepto e tão obviamente apavorado, que não podia pensar no que fazer.
Na aparência, mostrava um ar estoico, mas não estava certo de por quanto tempo poderia manter tal atitude. Em qualquer momento ela se daria conta de como suas mãos tremiam e então voltaria a se assustar. Preferia muito mais sua cólera a seu medo e se o que o fazia sentir-se bem era insultá-lo, ele não a deteria.
Acidentalmente derrubou a bacia ao jogar nela o trapo úmido que passara em sua testa.
- Se fosse um cavalheiro, faria o que peço.
- Isabel não vou deixá-la inconsciente.
- Um pequeno golpe no queixo! Preciso descansar!
Fez um movimento negativo com a cabeça.
Começou a chorar.
- Quanto tempo já se passou? Diga-me, quanto?
- Só seis horas - respondeu.
- Só seis horas? Odeio você, Douglas Clayborne!
- Eu sei.
- Não posso suportá-lo mais!
- As contrações são mais frequentes agora, logo terá seu bebê nos braços.
- Não terei nenhum filho! – gritou -. Decidi Douglas.
- De acordo, Isabel. Não tem que ter o bebê.
- Obrigado.
Parou de gritar e fechou os olhos. Pediu perdão pelas horríveis palavras que havia dito. Ele calculou que levaria alguns minutos para enxugar a água do chão e ir procurar mais toalhas antes da próxima contração. Estava fechando a porta atrás de si quando o chamou.
- Deixa-a aberta para que possa me ouvir!
Deveria estar brincando. Estava gritando alto o suficiente para que quase toda Montana a ouvisse. Os ouvidos ainda palpitavam por causa do último grito que tinha dado, mas pensou que não seria uma boa ideia lhe dizer aquilo agora. Entretanto, assentiu, há umas três horas tinha aprendido a não contradizer uma mulher com dores. Tentar fazer Isabel voltar a razão era impossível. Certamente era muito mais fácil dar razão a tudo que dissesse, não importasse o quanto estranho parecesse suas ideias.
Douglas levou o recipiente de porcelana ao aposento separado por uma cortina que Isabel usava como cozinha, agarrou um várias toalhas. Atiçou o fogo antes que a realidade da situação sobreviesse de repente. "Tinha que trazer um menino ao mundo!". Sentiu que o chão se movia sob seus pés. Jogou as toalhas de lado, deixando-se cair contra a parede. Inclinando-se para frente, rodeou os joelhos com as mãos, e fechou os olhos enquanto tentava desesperadamente encarar o inevitável.
Seu irmão Cole o tinha ensinado um truque para usar quando tivesse que enfrentar um tiroteio. Cole dizia que deveria pensar na situação mais difícil e perigosa, colocar-se em meio dela e imaginar-se vencedor. Douglas sempre pensou que o jogo mental de seu irmão era uma perda de tempo, mas naquele momento era a única coisa que tinha, assim decidiu tentar.
"Posso fazê-lo. Posso fazê-lo. Não, não, tudo sairá bem e eu posso cuidar de tudo, estou ali de pé, em frente do bar do Tommy, no Hammond. Cinco... não, dez assassinos sedentos de sangue estão esperando que eu entre. Não há escapatória. Tenho que entrar, eu sei e estou preparado. Sei que aqueles bastardos têm suas armas destravadas e miradas. Entretanto, poderei com eles. Acabarei com cinco deles com o revólver de minha mão esquerda e com os outros cinco com o da mão direita, enquanto dou um salto para me cobrir. Vai ser tão simples e rápido como beber um bom uísque com um gole. Sim, poderei com todos eles."
Respirou profundamente. "E tão certo quanto a terra é redonda, poderei trazer este menino ao mundo."
O jogo de Cole não estava dando resultado. Douglas começou inspirando todo o ar que podia, para logo em seguida deixá-lo sair cada vez mais rápido.
Isabel pôde sentir o princípio de outra contração. Desta vez parecia que ia ser forte. Apertou os olhos ao fechá-los, preparando-se e estava disposta a gritar para chamar Douglas quando ouviu um som peculiar. Soava como se alguém respirasse com dificuldade, como se acabasse de correr uma grande distancia. Douglas? Não, não podia ser Douglas. OH, não! Estava imaginando coisas.
A contração se mitigou enquanto estava distraída. Segundos depois, atraiu toda sua atenção como se tratasse de uma vingança. Sentiu seu corpo se rompendo em mil pedaços, quando o espasmo alcançou seu ponto máximo, seus gemidos se transformaram em um horripilante grito.
Douglas se colocou imediatamente junto a ela. Rodeou-a pelos ombros com os braços, levantando-a contra ele.
- Agarre-me forte, querida. Agarre-me forte até que passe.
Estava soluçando quando a contração terminou. Imediatamente foi sacudida por outra.
- Douglas, chegou o momento. Está vindo.
Ela estava certa. Dez minutos mais tarde ele tinha a criança entre seus braços. Era extremamente pálido e magro. Douglas pensou que o pequeno não teria força suficiente para abrir os olhos ou sequer durar um dia inteiro. Sua respiração era apagada e quando finalmente rompeu a chorar, o som se fez penosamente fraco.
- O bebê está bem? - perguntou com um sussurro.
- É um menino, Isabel. Deixarei que o pegue quando o tiver lavado. É muito magro - advertiu -, mas estou certo de que está bem.
Douglas não sabia se estava dando falsas esperanças ou não. Honestamente não sabia se poderia sobreviver. Era tão pequeno que cabia em suas mãos, entretanto podia abrir e fechar os olhos, retorcendo-se sem parar. Seus dedos e pés eram tão pequeninos, que Douglas temia tocá-los por medo de que se desfizeram. Com muito cuidado o segurou e brandamente pôs a ponta do dedo sobre o peito do pequeno. Seu coração pulsava. Como uma coisa tão pequena podia estar tão bem formada? Era totalmente assombroso que pudesse respirar.
"Meu Deus!", pensou, "poderia acidentalmente quebrar um osso pequenino se não tomasse cuidado. A absoluta beleza da criação de Deus o assombrava e o fazia sentir-se ao mesmo tempo insignificante. Agora, Isabel precisava de algo mais que um milagre para manter seu filho vivo."
- Terá que ser um lutador, pequeno - disse em voz baixa e carregada de emoção.
Isabel o ouviu.
- Terá ajuda, as irmãs nos disseram que quando nasce um bebê, Deus envia a um anjo da guarda para que cuide dele.
Douglas levantou o olhar para ela.
- Espero realmente que chegue logo.
Isabel sorriu, porque em seu coração sabia que esse anjo da guarda já tinha chegado e estava com seu filho nos braços.
Levou uma longa hora preparar o menino e Isabel. Douglas teve que desprezar a ideia de usar o berço que o marido dela havia construído já que ao tocá-lo com o joelho, o fundo caiu ao chão. Deve ter utilizado madeira velha para fazer a base. E mesmo que a madeira fosse nova, Douglas teria se desfeito dele. Tinha visto alguns pregos tão longos quanto os dedos das mãos de um homem na parte exterior das tabuletas e suas largas pontas se curvava perigosamente afiadas para o interior. Estremeceu-se ao pensar no dano que aqueles pregos enferrujados poderiam causar ao menino.
Encontrava-se muito cansado para poder fazer algo a respeito. Tirou a roupa, colocou outro par de calças e retornou ao quarto para improvisar uma cama temporária para o bebê. Escolheu para isso a última gaveta da cômoda, preenchendo-o com várias toalhas que logo cobriu com uma fronha.
Quando terminou, Isabel estava dormindo profundamente. A serenidade de seu rosto era cativante, sendo impossível desviar a atenção. Ficou observando como dormia; sua maneira de respirar. Era tão bela e perfeita quanto seu filho. Seus cabelos estavam estendidos sobre o travesseiro que havia atrás dela completamente enrolados. Agora parecia um anjo... Nada haver com o Belzebu com o qual a tinha comparado durante o parto.
Outro bocejo o tirou de sua contemplação. Com extremo cuidado colocou ao bebê na gaveta e quando se dispunha a abandonar o quarto, Isabel o chamou.
Correu para seu lado, esquecendo por completo de seu estado seminu. Ainda não vestira a camisa, nem sequer se preocupara em fechar as calças, já que o que mais o preocupava era que dissesse que a hemorragia tinha aumentado.
- Aconteceu algo? Não está...
- Estou bem. Sente-se a meu lado. Quero que me diga a verdade, me olhando nos olhos de maneira que veja que não me está dizendo só o que quero escutar. Meu pequeno sobreviverá?
- Espero que sim, mas honestamente não sei.
- É tão pequeno. Deveria havê-lo levado dentro de mim muito mais tempo.
- Parece um lutador. Provavelmente só precise ganhar um pouco de peso.
Ela se relaxou visivelmente.
- Sim, ficará forte. Não é lindo? Tem o cabelo negro como seu pai.
- Sim, - tinha repetido ao menos cinco vezes a mesma pergunta -. Ainda continua sendo.
- Não deveria trazer o berço ao quarto?
- Não pude usar o berço. Estragou.
Não parecia surpreendida.
- O que fez com o bebê?
- Coloquei-o na cômoda.
- Na cômoda?
Ele indicou com a cabeça. Só tinha que inclinar-se para ver seu bebê. Deixou-se cair de novo sobre o travesseiro e riu.
- É um homem de recursos.
- Prático.
- Isso também. Obrigado, Douglas, foi a resposta a minhas preces.
- Não chore Isabel. Precisa dormir.
- Ficará uns minutos comigo... Por favor?
Douglas trocou de posição de maneira que seus ombros repousassem sobre a cabeceira e suas pernas sobre a colcha.
- Pensou um nome para seu filho?
- Parker, como seu pai.
- Bom.
Ouviu-o bocejar de novo. Estava cansado, e ela não devia mantê-lo acordado por mais tempo com suas divagações, entretanto, não podia pedir que partisse. Não queria que aquele momento de intimidade entre eles se acabasse. Tinham compartilhado o milagre do nascimento, sentia-se mais perto dele do que jamais se sentiu ao lado de qualquer outro homem. Seu marido teria compreendido, ela sabia; o imaginou sorrindo do céu a seu filho.
Seus pensamentos se centraram agora em Douglas. Estava a ponto de perguntar onde ia dormir quando ouviu seu leve ronco. Não despertou. Aproximou-se com cuidado, colocou a mão sobre a dele e a agarrou com força.
E então dormiu.
Capítulo 3
Douglas se viu envolto em meio de um pesadelo. Sabia que a situação de Isabel era ruim. Se o que contara no dia anterior era verdade - e estava seguro de que era -, então tinha um grave problema. Não só estava sendo presa de um grupo de bandidos sob as ordens de um malévolo bastardo, chamado Boyle, mas também se encontrava em uma situação que não podia receber ajuda nem provisões. Por último, e não por isso menos importante, estava o fato de que acabava de dar a luz. O recém-nascido precisava de sua total atenção, os dois, mãe e filho estavam muito fracos e eram muito vulneráveis para qualquer coisa.
A coisa não podia ficar pior. A chuva não parava. Ao amanhecer, alternaram-se a garoa e o dilúvio com trovões. Começou a se preocupar realmente com tempo logo que saiu com a cinzenta luz do dia e viu onde se encontrava exatamente situada a cabana de troncos. A noite anterior tinha sido muito escura para ver algo enquanto cavalgado ladeira abaixo, guiado tão somente por uma tênue luz. Naquele momento, percebia que a cabana estava rodeada por três de seus lados, por montanhas, mas o que não tinha visto era que estava cravada bem no centro do curso natural do rio. Qualquer trasbordamento de lagos ou riachos passaria pela casa a fim de alcançar o rio mais abaixo.
Não podia acreditar que alguém houvesse construído uma casa em um lugar tão perigoso. Douglas não estava acostumado a falar mal dos mortos, mas os fatos eram os fatos e era óbvio que Parker Grant, tinha sido um completo imbecil. Douglas lhe concedeu o beneficio da dúvida quando viu o berço. Alguns homens não eram bons fazendo móveis. Nada contra isso pensou, mas construir a casa em meio de uma corrente já era outra coisa.
Ainda assim, Douglas não quis chegar a nenhuma conclusão. Outra pessoa poderia ter construído a casa em outro tempo e Grant, simplesmente, ter instalado sua mulher ali como medida temporária até que construísse uma adequada em um terreno mais elevado.
Douglas esperava está certo. Com um pouco de sorte, e só Deus sabia que ela a merecia!, a nova casa de Grant teria um teto. Se não estivesse tão longe, poderia levar Isabel e a criança dali durante alguns dias.
O tempo não era muito crítico ainda. Embora houvesse atoleiros por todo o terreno que rodeava os fundos da casa e estábulo e a terra sob seus pés estivessem encharcada, pensou que ainda tinha tempo antes de ver-se obrigado a abandonar o lugar. Existia também a possibilidade de que a chuva cessasse. O habitual calor do verão secaria em seguida a água, o que daria a eles um pouco mais de tempo.
Precisava de algo que levantasse seu ânimo e dirigiu-se ao estábulo para ver de novo o cavalo árabe. O garanhão era tão magnífico quanto seu irmão havia dito.
Era grande para um cavalo árabe, com uma bela pelagem cinza clara. Douglas podia sentir sua força e desconfiança. Isabel estava certa, Pégaso não gostava de estranhos, mas felizmente Douglas sempre tivera boa mão com os cavalos e uma vez que o animal se acostumara a seu cheiro e a sua voz, deixou que olhasse sua ferida.
Sua companheira era menor, com um ar delicado e decididamente orgulhosa de si mesmo. Jogou a cabeça para trás como uma mulher vaidosa, o que fez com que Douglas gostasse dela ainda mais.
O casal foi feito para permanecer juntos. No mesmo instante que Douglas colocou à égua em uma cavalariça junto ao macho, aproximaram seus focinhos e permitiram que os escovassem. Não havia nenhuma dúvida por que Isabel tinha querido conservá-los. Seu marido não deveria ter vendido o garanhão sem antes haver discutido com ela, não importava o quanto desesperado estivesse pelo perigo.
O alimento para os animais começava a escassear. Depois de repartir entre seu alazão e os árabes o que considerou que necessitavam, calculou que restava uma semana mais de alimento.
O estoque no interior da cabana eram igualmente escasso. Quando estava terminando de fazer um inventário ouviu o pranto da criança. Decidiu trocá-lo para que Isabel pudesse permanecer na cama, mas ao chegar à porta a encontrou fechada.
Chamou duas vezes à porta até que ela o respondeu com uma leve gagueira, pedindo que, por favor, esperasse até que terminasse de se vestir.
- Já pode entrar.
Estava de pé junto à cômoda, com um vestido azul abotoado até o pescoço. Tinha Parker agasalhado entre seus braços. A cada minuto que passava estava mais bonita. Douglas se deu conta de que a estava olhando fixamente e desviou o olhar, vendo então o vestido que tinha deixado sobre a cama.
- Deveria estar descansando.
Finalmente levantou o olhar. Seus olhos refletiram ainda o brilho da maternidade e um leve rubor apareceu em sua face; entretanto não estava olhando para Douglas, seus olhos estavam cravados na parede à esquerda dele.
- Aconteceu algo?
- Não, não é nada - parecia nervosa -, Quero me vestir e preparar o café da manhã.
Ele moveu a cabeça em desacordo.
- Pelo amor de Deus, acaba de dar a luz! Eu prepararei o café da manhã. Sente-se na cadeira de balanço enquanto troco os lençóis.
O tom de sua voz indicou que não havia lugar para discussão. Sentou-se mais rápido do que devia, deixando escapar um lamento em voz alta.
- Acho que é melhor ficar de pé.
Ajudou-a a levantar-se, com ela evitando olhá-lo.
- Por que está tão acanhada?
Ela ruborizou-se ainda mais. Não deveria ter sido tão direto, pensou Douglas.
- Depois... de, você sabe.
- Não, não sei. Por isso pergunto.
- É... Vergonhoso. Pensava em como o conheci e teve que... Foi necessário que você... quando o bebê ia ...
Ele começou a rir sem poder evitar. Não era engraçado.
- Estava realmente ocupado naquele momento. Tudo o que lembro é do pequeno. Estava preocupado, temendo que ele caísse.
- Verdade?
- Sim, francamente. Se a incomodar muito ficar sentada, encoste-se na cômoda até que termine arrumar a cama. A última coisa que falta é você cair . Deve estar muito fraca.
- Parker parece assustado - disse com voz tremula, tentando mudar de tema.
Douglas se inclinou aproximando-se dela e deu uma olhada no pequeno que dormia placidamente. Assustado era a última palavra que teria empregado para descrevê-lo.
- Me parece bem tranquilo.
Olharam-se um ao outro, compartilhando um sorriso. Douglas foi o primeiro a desviar o olhar, mas não sem antes observar como eram seus olhos. Tinham mais à cor dourada do ouro que ao marrom, e diabos!, Essas pestanas poderiam continuar distraindo-o se permanecesse tão perto dela.
Suas mãos eram delicadas também. Notara durante as contrações quando ela tentou estrangulá-lo porque não queria deixá-la inconsciente com um golpe.
Trocou rapidamente os lençóis enquanto a nova mãe enumerava com convicção todas as qualidades que seu filho tinha. Começou dizendo que Parker já tinha demonstrado como era preparado, e quando terminou de citar todos seus atributos o tinha elevado à categoria de gênio.
Douglas não fazia ideia de como tinha chegado a tais conclusões. O pequeno não tinha completado ainda um dia de vida e tudo o que ela podia saber dele era que dormia e se molhava. Começou a fraquejar quando Douglas tomou o menino de seus braços.
– Poderia ir à cozinha com você e ajudá-lo a preparar o café da manhã.
– Não é necessário –respondeu –. Parker está comendo bem?
– Alimentará... Logo.
– Por favor, tente superar sua vergonha. Preciso saber se for tudo bem.
– Como o bastante. O doutor passou muito tempo me explicando como aconteceria e o que esperar. Deverei ser capaz de alimentá-lo durante a noite
Ele assentiu.
– Se começar a sangrar, me dirá, certo?
– Douglas...
– Estou pensando em Parker –explicou –. Talvez devesse procurar o doutor para que possa examiná-la. Poderíamos escapulir entre os homens do Boyle durante a noite.
– Não é necessário. Prometi que o avisaria se algo acontecesse.
Depois de colocar de novo o bebê em sua cama, ajudou Isabel a tirar o vestido. Suas mãos tremiam enquanto tentava desabotoar o vestido, queixando todo o tempo de que podia fazê-lo ela mesma. Apesar de seus protestos ele tomou para si a tarefa.
– Não estou nem um pouco cansada, dormi muito.
Continuou protestando, inclusive depois de que ele a agasalhou entre os lençóis. Ante sua insistência voltou a verificar que o menino se encontrava bem antes de sair do quarto, e quando se dispôs a fechar a porta, Isabel já estava profundamente adormecida.
Ela tomou o café da manhã cedo aquela manhã. Serviu de algumas torradas queimadas e uma torta solada de aveia adoçada com açúcar. Para ele tinha uma pinta bastante apetitosa. Entretanto, para ela aquilo tinha uma aparência horrível, mas já que se esforçar em prepará-la, não teve mais remédio que comer tanto quanto pôde deixando de lado as náuseas, e agradecendo-o profundamente.
Depois de retirar a bandeja, sentou-se de lado da cama para discutir a situação.
– Precisamos conversar.
Ela deixou cair o guardanapo sobre seu colo.
– Vai nos deixar.
– Isabel...
– Entendo.
Sua cara empalideceu completamente. Agitando a cabeça respondeu:
– Não, não vou. Vou fazer algo a respeito da sua escassez de provisões.
– Verdade?
– Sim.
– Viria muito bem farinha e o açúcar! Não há nada.
– Vou ao povoado.
– Não o deixarão voltar.
Pôs suas mãos sobre as dela.
– Escute, não é bom que se altere. Não pretendo sair por aí em pleno dia e entrar no armazém principal. Confie um pouco mais em mim.
– Então como... – Esboçou um sorriso zombador.
– Irei de noite.
Isabel pareceu preocupada ante a ideia.
– Vai roubar o senhor Cooper?
– Precisamos de mantimentos e quero adquirir um pouco de roupa, só trouxe uma camisa a mais e uma calças para vir aqui. Deixarei dinheiro no mostrador.
– OH, não pode fazer isso! O senhor Cooper se dará conta de que alguém entrou no armazém e dirá a Boyle. Conta tudo a ele. É muito arriscado, Douglas. Alguém poderia suspeitar que está me ajudando. Espera, já sei o que pode fazer. Esconda o dinheiro sob os papéis do escritório de Cooper, atrás do mostrador. Encontrara-o e não se importará de como chegou até ali. Nós saberemos que não roubamos e nossas consciências ficarão tranquilas. Sim, faça isso.
– Por que Cooper conta tudo a Boyle?
– Porque sim – o respondeu –. Como todos os outros. Só alguns, contados com os dedos de uma mão resistiram. O doutor Simpson é um deles. Inclusive mentiu por mim, dizendo que o bebê não nasceria até o fim de setembro. Tentava me dar um pouco mais de tempo para que pensasse em um modo de escapar de Boyle.
– Bom, deixaremos que Boyle continue acreditando nisso durante todo o tempo que possamos. O doutor veio aqui alguma vez?
– Sim, uma vez.
– Disse onde se encontravam os postos de vigilância?
– Lembro que me disse que eram meio preguiçosos porque ficavam nas colinas bem na saída do povoado, bloqueando o caminho que conduz até aqui. Fazem substituições indo e vindo até Sweet Creek.
– Vi esses postos quando me dirigia para cá. Estava me perguntando se mencionou outros pontos que estivessem mais perto. Estava escuro quando desci pelas últimas colinas e pode ser que não os visse.
– Não acredito que haja mais. Não há nenhuma razão na realidade para que vigiem a cabana. Eles sabem que não posso entrar na parte mais selvagem do bosque. Se tentasse me dirigir para o oeste, levaria uma semana aproximadamente para chegar ao povoado mais próximo. Em minhas condições, não poderia me arriscar. Não, o único lugar seguro é através de Sweet Creek.
– Se não estão vigiando a cabana, isso é uma boa notícia.
– Por quê?
– Quanto mais tempo passe sem que me descubram, melhor, e se não vigiarem o campo, poderei ir e vir do estábulo, exercitando aos cavalos. Assegurarei-me primeiro de que os homens de Boyle não trocaram de lugar.
– Quando sairá para o armazém?
– Logo que anoitecer. Ficará bem sozinha?
– Sim, mas é muito perigoso que vá cavalgando você sozinho de noite.
– Não haverá nenhum problema – exagerou, tentando apartar as mãos das dela, mas esta as agarrou com força –.Diga-me tudo o que saiba sobre o traçado do povoado.
Sua memória para os detalhes era impressionante; descreveu cada um dos edifícios com minuciosidade. Inclusive sabia exatamente onde Cooper tinha colocadas os estoques no interior do armazém.
– Agora me diga onde está a casa do doutor Simpson, quero descobrir quantos homens o estão vigiando.
Ela fez o que pediu e depois disse.
– Não poderá trazer muitas provisões se não levar a carroça e isso seria muito perigoso, já que os homens do Boyle ouvirão o chiado das rodas.
– Isso pode se arrumar . Pare de se preocupar e não me espere antes do amanhecer. Deixarei o rifle e cartuchos de sobra junto à cama... só se por acaso Boyle decidir fazer uma visita. – Meu Deus, Isabel, odeio ter que deixá-la, mas eu...
Ela jogou os braços ao redor de seu pescoço.
– Por favor, volte. Sei que não procurava nada disto, sinto tanto tê-lo envolvido, mas realmente espero que volte.
Ele a rodeou com seus braços, segurando-a com força.
– Se acalme, voltarei, prometo.
Tentou soltá-lo, mas foi incapaz. Odiava a si mesmo por depender tanto dele. Nunca dependera de seu marido, mas então sabia a debilidade dele. Douglas era totalmente diferente.
Nada parecia desconcertá-lo.
– Parker precisa de você até que eu esteja melhor.
– Voltarei –prometeu uma vez mais –. Terá que me soltar.
– Posso fazer algo para ajudá-lo?
– Claro, me faça uma lista de tudo o que precisa não quero me esquecer de nada.
– Há uma na gaveta da cozinha. Comecei-a faz umas semanas.– Pareceu desesperada quando acrescentou –. A chamava de lista dos desejos.
Não se deu conta de que estava chorando até que o soltou, deixando cair contra a cabeceira.
– Querida, não chore.
– Só estou um pouco sensível hoje. Isso é tudo.
Tinha que fazer algo para que confiasse nele. Lançou uma olhada no pequeno Parker, depois pegou seu relógio de bolso, disse que horas eram e o voltou a meter na gaveta da cômoda. Ao olhá-la de novo, viu o medo ainda em seus olhos.
– Sabe de que precisa Isabel?
– Está tudo em minha lista – lhe respondeu.
– Não estou falando de provisões.
– Então, não sei do que preciso.
– Fé. Tente encontrar um pouco enquanto estou fora, se não, você e eu vamos ter umas palavras quando voltar.
O tom mordaz de sua reprimenda não a incomodou.
Fora reconfortante em realidade. Ele voltaria, mesmo que fosse para repreendê-la por ter duvidado dele. Era arrogante e orgulhoso para não o fazer, mas mesmo que fosse apenas para isso era tão maravilhoiso tê-lo ali ralhando com ela.
– Não queria ofendê-lo.
– Pois o fez.
Tentava parecer compungida. Não queria que ele partisse aborrecido.
– Terei um pouco de fé. Prometo. – Havia certo brilho em seus olhos quando acrescentou –: Tenha cuidado querido.
Capítulo 4
Os velhos hábitos nunca morrem. Douglas não se esqueceu de como abrir um ferrolho ou de entrar e sair de um edifício sem ser visto. Tinha passado vários anos vivendo nas ruas de Nova Iorque, sobrevivendo graças a seu talento e a suas habilidades delinquentes, antes de conhecer seus três irmãos e a sua pequena irmã e dirigir-se ao oeste. Antes daquilo, tinha vivido em um orfanato. É obvio que só era um menino quando aperfeiçoou suas técnicas de roubo, mas era como fazer amor. Uma vez que se aprende, nunca se esquece.
Sua experiência como trombadinha viria muito bem agora. Assim como a chuva, já que manteria os vigias da noite em suas casas. Os homens do Boyle não eram um problema, só um inconveniente. Douglas escondeu a carroça em uma caverna perto de sua guarida na colina que dava para Sweet Creek, depois deslizou até os quatro homens e escutou sua conversa com a esperança de obter alguma informação útil sobre seu chefe. Não se inteirou de nada importante. Além do muito que amaldiçoaram Boyle por colocar em um trabalho tão desagradável, os homens passaram o resto do tempo alardeando sobre o número de goles de uísque que eram capazes de beber de uma vez. Eram terrivelmente aborrecidos e depois de escutar suas repetitivas queixa durante vinte minutos, Douglas não averiguou nada significativo. Estava a ponto de rodeá-los para continuar, quando os homens do Boyle decidiram abandonar seus postos e voltar para povoado para passar a noite. Não só foi o tempo o que os fizeram desistir, e sim a certeza de que seu chefe nunca descobriria.
Sua vadiagem pôs as coisas mais fáceis ao Douglas. Fez seis viagens do armazém até a carroça com as provisões que Isabel precisava, e depois se dirigiu para casa do doutor Simpson.
Não bateu na porta, e sim se introduziu pela porta de trás, já que, como Isabel suspeitava, Boyle vigiava o médico de perto. Tinha a um homem vigiando a frente. Douglas divisou o guarda apoiado contra um poste que atravessava a rua, com um rifle em uma mão e uma garrafa de licor na outra. Entretanto, na parte dos fundos não havia ninguém. Douglas deduziu que Boyle teria ordenado a um de seus homens vigiar também a porta de atrás, e igualmente como os que se queixavam lá encima na colina, provavelmente este teria escapulido para a sua casa também.
Douglas não se lembrava de ouvir Isabel dizer que Simpson era casado. Sua mulher se encontrava docemente agasalhada e grudada a ele, dormindo de lado, as costas de seu marido. Tudo o que pôde ver foi uma fileira de cabelos cinza que se sobressaíam da colcha.
Não utilizou a pistola para despertar o ancião, somente tampou-lhe a boca com a mão, sussurrando que era um amigo de Isabel Grant e pediu que fosse ao andar de baixo para conversar.
O doutor aparentemente estava acostumado a ser despertado em plena noite. Os meninos, Douglas sabia, frequentemente vinham no momento mais inoportuno. Embora o doutor se mostrasse desconfiado não discutiu com ele.
Sua mulher não despertou. Simpson fechou a porta atrás dele e conduziu Douglas para seu escritório. Correu as cortinas e acendeu um lampião.
– É de verdade amigo de Isabel?
– Sim, assim é.
– E se chama...?
– Douglas Clayborne.
– Não pretenderá machucá-la, não é?
Ainda não o convencera.
– Quero ajudá-la – insistiu Douglas.
– Pode ser que sim, pode ser que não – respondeu Simpson –. Não é daqui, certo? De onde conhece nossa Isabel?
– Realmente acabo de conhecê-la. Seu marido me vendeu um garanhão árabe, a alguns meses, mas eu estava ampliando meus negócios naquela época e não pude vir até que contratei mais algum pessoal.
– Mas é um amigo. Não é assim?
Simpson ficou olhando fixamente durante um comprido minuto, acariciando-se com lentidão a barba sobre o queixo, até que compreendeu aquilo que lhe tinha ensimesmado; então disse:
– Bom, ela precisava de um amigo grande e de aparência agradável como você, jovem. Espero que seja forte quando chegar o momento de protegê-la. Sabe utilizar essa pistola que leva?
– Sim.
– É rápido e certeiro?
Douglas se sentiu como se estivesse passando por um interrogatório da Inquisição, mas não se ofendeu porque sabia que o médico tinha em mente sobre tudo a segurança da Isabel.
– Sou rápido o suficiente.
– Vi seu rifle na mesa da entrada – seguiu Simpson –. É também bom com essa arma?
Douglas não viu nenhum mal em ser completamente honesto.
– Prefiro o rifle.
– E por quê?
– Deixa um buraco maior, senhor, e se disparo em alguém, atiro para matar.
O doutor riu com ironia.
– Espero que seja o que diz – sublinhou.
Sentou-se atrás da mesa, indicando o Douglas que fizesse o mesmo, com um gesto, justo em frente dele.
Ele declinou o oferecimento com um gesto.
– Como está nossa garota? Desejaria realmente poder vê-la. Suponho que está engordando e sentindo-se mais pesada agora.
– Teve a criança ontem à noite.
– Deus santo! Já teve o bebê? Adiantou-se muito. O que foi? Um menino ou uma menina?
– Um menino.
– Está bem?
– Sim, mas é magro, terrivelmente magro... e pequeno. Seu pranto é verdadeiramente fraco, também.
Simpson se recostou em sua cadeira, agitando a cabeça.
– É um milagre que tenha sobrevivido. Além de estar fraco, tem algum sintoma de estar doente?
– Não sei se está ou não. Dorme a maior parte do tempo.
– Come bem?
– Tenta –respondeu.
– Bem, isso é bom sinal. O leite de sua mãe o fará engordar. Diga a Isabel que tente dar de mamar de hora em hora ou menos, até que esteja mais forte. Tomará um pouco cada vez, mas isso é normal. Se negar a comer ou não pode reter o alimento, então teremos um sério problema nas mãos. Não sei que bem lhe poderia fazer eu se se complicar a coisa; é muito pequeno para tomar remédios. Só resta rezar para que sobreviva. Um resfriado o mataria, por isso devem mantê-lo sempre abrigado. É muito importante, filho.
– Assim o farei.
– Não quero parecer desagradável... Mas tem que compreender e aceitar os fatos. Há muitas probabilidades de que o menino não sobreviva, não importa o que faça.
– Não quero pensar nessa possibilidade.
– Se isso chegar a ocorrer, terá que ajudar a Isabel a superar. Isso é o que fazem os amigos.
– Sim, o farei.
– Como está ela? Há algo que deva saber?
– Passou-o muito mal durante o parto. Agora parece estar bem.
– Ajudou-a a ter ao menino?
– Sim.
– Cortou-a?
– Não, mas sangrou bastante. Não sei se foi mais que o normal. Nunca havia trazido um menino ao mundo. Perguntei como estava, mas pareceu sentir-se envergonhada e se negou a falar do assunto.
O doutor assentiu.
– Se tivesse algum problema, me diria pelo bem de seu filho. Tente deixá-la tranquila e tenha cuidado para não preocupá-la. Isabel é uma mulher forte, mas agora é muito vulnerável. As mulheres que acabam de dar a luz tendem a ficar mais sensíveis e não acredito que ela seja diferente. A mínima coisa pode fazê-la desmoronar e não convém que se assuste por nada. A mulher do Paul Morgan chorou durante um mês inteiro. Levou seu marido até a beira da loucura, preocupado todo o tempo por ela. A mulher chorava quando estava feliz e quando estava triste. Não havia nenhuma continuidade nem motivo para isso. Finalmente se recuperou. Isabel tem problemas muito mais sérios que enfrentar. Não sei como suportaria se eu tivesse Boyle respirando em meu pescoço. Estou realmente preocupado por seu filho, entretanto, havendo-se adiantado como o tem feito sei que ela também deve estar preocupada. Se o pequeno sobreviver, pensou em ficar com nossa jovem até que se possa cuidar do bebê?
– Sim, ficarei. Quanto tempo acredita que será necessário?
– Pelo menos oito semanas, mas dez seriam melhor se custar a engordar. Sinto uma grande curiosidade a respeito de algo, filho. Como se arrumou para chegar ao rancho da Isabel?
– Estava muito escuro, ia seguindo o caminho mais direto, me guiando pela luz da lua, até que começou a chover. Por pouco não tropeço com os vigilantes do Boyle por acaso. Estavam tão bêbados que não podiam me ouvir. Perguntei-me o que estariam fazendo escondidos na escuridão – admitiu encolhendo os ombros –, mas não senti curiosidade suficiente para averiguá-lo. Agora me alegro de não me haver detido.
– Arriscou-se muito ao descer cavalgando o caminho da montanha de noite.
– Não me apressei ao fazê-lo, andei parte do caminho e a luz da janela de Isabel me serviu de guia.
– Está seguro de que poderá retornar ali esta noite?.
– Estou seguro.
– Desejaria ser, mas jovem e ágil. Eu também tentaria chegar até a Isabel na escuridão da noite, mas na minha idade não atrevo a me arriscar. Nunca me deram bem os cavalos. Assustam-me – admitiu –. Me tenho cansado mais vezes do que quero lembrar. Agora tenho dificuldades até com a carroça, é Trudy que me ajuda a preparar os cavalos pela manhã. Além disso, Boyle poderia inteirar-se e fazer mal a Trudy. Não, não posso me arriscar, mas agradeço a Deus que tenha aparecido por aqui.
«Via me dizer que não há nada para fazer pelo bebê, agora», recordou-se a si mesmo, Douglas.
– Poderia ser um consolo para a Isabel. É como uma filha para Trudy e para mim. Depois da morte do Parker, pedi que viesse viver conosco, mas nem quis ouvir falar do assunto. Está resolvida a manter-se por si só. Trudy lhe suplicou que ficasse conosco até que nascesse o menino; então Boyle soube de nossos planos e pôs fim a ele. Minha mulher encontrou uma pequena e acolhedora casa de campo no final desta rua; queríamos que Isabel reconsiderasse e mudasse para lá para criar seu filho em Sweet Creek. Seria tão independente quanto ela desejasse, e estaria o bastante perto para que pudéssemos dar uma mão sempre que quisesse.
O afeto do doutor por Isabel fez com que Douglas gostasse ainda mais daquela pessoa.
– Eu darei toda a atenção possível a ela – prometeu ele.
– Percebeu no quanto é bonita?
Quase riu pelo absurdo da pergunta.
– Sim, notei.
– Então tenho que perguntar quais são suas intenções, filho.
A pergunta o deixou atônito.
– Perdoe-me?
– Vou me justificar e acredito que se zangará. Apesar disso tenho que perguntar. Quando se recuperar do parto, vai flertar com ela?
Nunca o tinham exposto daquela maneira.
– Não.
Simpson não parecia convencido. Sugeriu a Douglas que servisse um gole de brandy a cada um e esperou que lhe desse o copo para reclinar-se em sua cadeira e pensar na situação.
– Poderia acontecer de todas as formas – remarcou.
– Conheço-a só a...
Simpson o interrompeu.
– Acaba de me prometer que ficará com ela durante dez semanas? É um homem de palavra, não?
– Sim, ficarei, mas isso não significa que...
– Filho, deixe-me que conte algo sobre um homem que conheci por acaso no River’s Bend.
Douglas sentia sua frustração aumentar por momentos; não queria escutar a história naquele instante. Queria falar sobre o Boyle e conseguir toda a informação possível daquele homem.
O doutor não era muito de ter pressa, a julgar pelo modo que sorvia o brandy e de fitar distraído o espaço. A idade concedia ao ancião o direito de ser escutado por parte de Douglas, assim como seu respeito, portanto se apoiou no lado da mesa e esperou que lhe contasse a história.
Levou-lhe uns trinta minutos a contar a história de três casais que ficaram presos em meio de uma tormenta de neve e que permaneceram em uma cabana de mineiros um inverno inteiro. Quando por fim chegou o degelo da primavera, os seis tinham feito o que o doutor chamava uma amizade para a vida toda. Cinco anos depois, conheceu por acaso um dos sobreviventes e lhe fez uma série de perguntas. Para surpresa do doutor, o cavalheiro não podia lembrar nem um só nome dos homens com os que tinham passado aquele inverno.
– Esse é o centro de minha história – disse Simpson –. Sim, senhor, esse é. Vai viver com Isabel durante muito tempo e quero que lembre deste relato que contei. Jurou sua amizade, até tal ponto que chegou a chamar os outros dois homens de irmãos, entretanto, uma vez que voltou para sua vida normal, esqueceu-se completamente deles.
– Entendo– disse Douglas.
– Tem certeza? Isabel tem bom coração e é uma pessoa muito fácil de amar. É o futuro o que me preocupa, depois de que tenha tratado o assunto do Boyle e volte para casa. Vai fazer algo com respeito desse tirano, verdade?
Por fim Simpson tocou o tema que Douglas queria discutir.
– Pelo jeito terei que fazê-lo – respondeu –. Diga-me tudo que sabe sobre Boyle.
– Sei que é um monstro – sua voz refletiu seu desgosto –. A razão pela que sigo respirando é que pode precisar dos meus serviços no futuro. Ameaçou-me de morte, mas não acredito que cumpra. É difícil trazer médicos por esta região. Entretanto, seria capaz de fazer algo a Trudy. Disso estou seguro.
– Isabel me disse que só uns poucos homens no povoado tiveram a coragem de resistir a Boyle e que você era um deles. Por que os outros não fazem o mesmo?
– Todos que conheço gostariam de ajudar, mas têm medo. Viram o que acontece aos homens de boa fé que tentaram. Se a algum deles pensar sequer em propor algo para ajudar Isabel, correriam para contar a Boyle, e o instigador pagaria caro. Quebraram as duas mãos de Wendell Border depois de contar a dois supostos amigos deles que ia encontrar o xerife de quem se ouviu tantas histórias heroicas. O homem da lei estava rastreando o território em busca de um grupo de proscritos, mas Wendell nunca teve a oportunidade de ir em sua busca. Os homens de Boyle até ele antes que pudesse abandonar o povoado. Quando estava engessando suas mãos, prometi, em voz baixa, que encontraria a maneira de conseguir ajuda. lhe prometi que rezaria por ele.
– Tinha a intenção de ir à busca do oficial de justiça?
– Não, sou muito velho e estou esgotado para ir em busca de alguém. Minha Trudy teve uma ideia melhor. Duas vezes por semana vou a Liddyville a ver uns pacientes. Está a só duas horas do Sweet Creek de carroça – esclareceu –. Minha mulher me disse que utilizasse o escritório de telégrafos dali e enviasse telegramas a todos os xerifes da região. Ela acredita que um ou dois poderiam querer nos ajudar. Eu fui mais à frente e enviei telegramas a dois pregadores que Wendell tinha me falado, pedindo que nos ajudassem a encontrar o oficial. Ainda não me respondeu nenhum deles, mas tenho o pressentimento de que se o texano se inteirar de nosso problema, virá, e ainda mais se souber que uma mãe e seu filho recém-nascido precisam ajuda. Pois bem, deixará tudo e virá correndo.
– Por que acredita que...
Simpson não lhe deixou acabar.
– Porque se os rumores são certos, dizem que o oficial provocou acidentalmente a morte de algumas mulheres e meninos durante um assalto a um banco do Texas. Ele não sabia que estavam dentro como reféns quando seus homens entraram. Conforme disseram os assaltantes, teriam os matados de qualquer jeito, mas o oficial ainda se sente culpando. Tenho certeza que virá em seguida... se se inteirar de nossos problemas. Quanto desejaria saber o nome desse sujeito! Facilitaria as coisas na hora de buscá-lo, suponho.
– Está procurando Daniel Ryan – disse Douglas –. Meus irmãos também o estavam procurando. – deteve-se ao ouvir uns passos atrás de si –. Acordamos sua mulher.
– Não, mas costuma se enroscar contra mim, deve ter despertado quando sentiu frio.
– Importaria de pedir a ela que abaixe a pistola?
Simpson estava impressionado.
– Tem olhos nas costas? Trudy deixa isso aí e se aproxime. Quero que conheça um amigo da Isabel. Prometeu ajudar a nossa pequena.
Douglas se deu a volta e fez uma inclinação ante a mulher.
– Sinto haver incomodado você e seu marido – começou dizendo.
Trudy deixou a arma sobre a mesa, precipitando-se para estreitar a mão de Douglas. O apertão de mãos foi surpreendentemente forte para uma mulher de sua estatura, já que apenas chegava aos ombros. – Meu marido e eu rezávamos para que acontecesse um milagre, e parece que conseguimos. Sei que não é o xerife de que todo mundo fala. É grande como nos haviam dito, mas não é loiro, nem tem os olhos azuis; além disso, nosso pregador nos fez uma descrição detalhada do oficial, assim o reconheceríamos se viesse ao povoado. Rezamos cada domingo para que tão corajoso homem tenha notícias de nós e apareça por aqui. É você amigo dele? Ele o enviou?
– Não senhora, ele não me enviou.
Não pôde dissimular seu desapontamento.
– Mas, ainda assim vai ajudar a nossa pequena?
Douglas sorriu. O afeto dos Simpson por Isabel a agradava. Só Deus sabia o quanto precisava bons amigos agora e era agradável saber que tinha a dois ferrenhos defensores em Sweet Creek.
– Sim, vou ajudá-la.
Apertou suas mãos antes de partir.
– Acredito que será melhor que eu saia pela cozinha.
Esperou até que seu marido fizesse um gesto de assentimento antes de olhar de novo ao Douglas –. Não parta até que tenha empacotado algumas coisas para que as leve.
– Terá que trabalhar na escuridão, Trudy – o recordou seu marido.
– Já vou cuidar disso, acenderei um lampião e o porei no corredor. Ninguém poderá ver o que faço.
– Senhora, realmente já deveria estar de volta em casa da Isabel.
Moveu a cabeça, deixando a biblioteca quase em uma carreira.
Simpson riu entre dentes.
– É melhor relaxar. Trudy não vai deixar que parta sem uma bolsa cheia de comida caseira. Sente-se em uma cadeira em condições e me conte por que seus irmãos estão procurando o texano. Tantos problemas têm no lugar de onde vem que é necessária a ação da justiça?
– Não. – Respondeu Douglas –. Ryan ajudou um de meus irmãos. Na realidade, salvou a vida de Travis.
– Assim, que o que quer é agradecer.
– Sim, mas também recuperar uma bússola que... Tomou emprestada.
– Isso soa a um relato muito interessante.
– Contarei tudo em outro momento –prometeu Douglas –. Quando vinha para aqui, vi que o povoado tem um serviço de telégrafos, assim por que tem que ir ao Liddyville para enviar seus telegramas.
– Só há um modo de que tenha visto o escritório de telégrafos e é tendo estado dentro do armazém principal. Está dentro da loja por que entrou ali?
– Para procurar provisões.
– Viu alguém?
– Não.
– Bem! – sussurrou Simpson –. Entrou para roubar, não?
– Sim.
– Arrebentou a fechadura ou quebrado a janela?
Douglas se sentiu um pouco insultado pela pergunta.
– Não, é obvio que não. Cooper não saberá que estive ali, a menos que faça um inventário exaustivo.
Simpson sorriu com prazer.
– Espero que tenha roubado Vernon Cooper sem escrúpulo. Seu irmão, Jasper, dirige o escritório de telégrafos e Boyle tem esses dois canalhas metidos no bolso. Ninguém em Sweet Creek se atreve a enviar um telegrama daqui a menos que queira que Boyle se inteire disso, e esse é o motivo pelo qual vou ao escritório do Liddyville. Por princípios, Trudy e eu fazemos nossas compras ali também. Preferiríamos passarmos fome antes de dar a qualquer dos Cooper um centavo de nosso dinheiro, dificilmente ganho.
– Se Ryan aparecesse por aqui e prendesse o Boyle, o homem que teve as mãos quebradas, deporia contra ele?
Simpson negou com a cabeça.
– Acredito que Ryan terá que encontrar outra forma de se desfazer do Boyle – disse – ou expulsar primeiro a seus seguidores do povoado. Wendell está muito assustado para declarar. Tem mulher e duas filhas de curta idade. Não se atreverá a dizer uma palavra contra Boyle, ou sua família pagará as consequências. Pobre homem. Não poderá colher com as mãos quebradas os grãos que estará preparado daqui a algumas semanas e terá que ver como se estraga.
– Não haverá ninguém no povoado que o ajude?
– Temem fazer algo que possa provocar Boyle.
– Por que quer as terras da Isabel?
– Diz que quer levar seu gado para pastar lá. Possui muitas terras ao redor de seu rancho, mas as aluga para alguns estranhos que compram gado lá no Texas e o trazem para suas terras para engordá-los. Boyle fez uma fortuna nos últimos quinze anos, mas é avaro e quer mais.
– Se deseja tanto usar as terras da Isabel, por que não o faz? Ela não poderia impedi-lo e ele deve saber.
– Não só quer suas terras, filho, a quer também. Fica vociferando aos quatro ventos que vai ser dele. Além disso, o descarado se exibe por todo o povoado como um galo presunçoso, convidando às pessoas para o casamento. As pessoas contam que começou a desejá-la desde a segunda vez que a viu.
– A que está esperando? Poderia forçá-la a casar-se com ele agora.
– Não conhece o Boyle tanto quanto eu. É orgulhoso demais. Quer que suplique que se case com ela e acha que se conseguir desesperá-la o suficiente, ao final o fará.
– Matou seu marido?
– Se a bala não tivesse entrado pelas costas, teria jurado que Parker se matou acidentalmente. Não quero falar mal dos mortos, entenda. Só me limito a expor os fatos, e o marido de Isabel era tão útil como uma caçarola com um buraco no fundo. Tinha grandes noções sobre todos os tipo de coisas. No entanto, tratava Isabel muito bem. E era amável com o velho Paddy, «o louco», inclusive sabendo que Boyle se inteiraria e ficaria furioso.
Douglas estava intrigado.
– Ser amável com um velho, pode irritar Boyle?
– É surpreendente, não? Paddy chegou a Sweet Creek diretamente da Irlanda, e estava vivendo aqui fazia tanto tempo quanto minha memória pode recordar. Boyle veio há uns dez anos e se apropriou ilegalmente das terras que se avizinham com a propriedade da Isabel. Em um ano começou a construir uma grande casa de três andares, e quando terminou esta, era tão luxuosa como qualquer uma do leste. Encheu-a com os móveis que embarcara da Europa e fez uma grande festa convidando todo o povoado, assim pôde mostrar seu palacete. E convidou Paddy também, mas algo aconteceu naquela noite que fez surgir a inimizade entre esses dois homens. Ninguém lembra de havê-los visto juntos durante a festa, mas desde daquela noite, Boyle atormentou Paddy com a vingança. As pessoas começaram então a chamar o irlandês de «louco», porque não importava quantas vezes Boyle fosse atrás dele, Paddy ria disso. Sabe o que me disse o amalucado enquanto eu o tratava dele uma noite? Que ele ia ser o último a rir. O engraçado de tudo é que assim foi.
– Como o fez?
–Paddy estava morrendo de tuberculose. Resistiu até um sábado de noite, porque sabia que Boyle sempre ia ao salão para jogar às cartas. Por casualidade eu estava ali àquela noite e posso dizer que foi a morte mais estranha que já vi. Paddy saiu arrastado de seu leito de morte, dirigiu-se ao salão de jogo e ali se estendeu no chão. Cruzou os braços sobre o peito como se já estivesse metido no caixão e anunciou que ia morrer em alguns minutos. Nesse momento foi quando as coisas se aconteceram de um modo muito peculiar. Boyle derrubou uma cadeira ao precipitar-se sobre o velho. Ajoelhou-se junto a ele, nos indicando com a mão a mim e a outros que nos afastássemos, e então o agarrou com força pela camisa, agitando-o e gritando ao mesmo tempo: «diga-me velho. Diga-me quem é».
– O que aconteceu então? – insistiu para que continuasse, fascinado por tão estranha história.
– Foi tudo tão incrível, filho, isto é o que aconteceu: Paddy ofereceu a Boyle um de seus melhores sorrisos isento de dentes, sussurrando algo que só Boyle pôde ouvir. Depois sorriu. E ponho o Deus por testemunha que Paddy morreu. Boyle ficou louco. Começou a estrangular o falecido, proferindo todo tipo de impropérios contra ele. Dois de seus homens tiveram que separá-lo do irlandês para que o carro fúnebre pudesse levá-lo ouvi um deles perguntar por que não o tinha matado há anos. Boyle estava ainda com a cabeça nas nuvens com o que quer que o irlandês tenha dito, limitando-se a murmurar que não podia fazê-lo sem conhecer o segredo que guardava. No dia seguinte Trudy e eu fomos dizer o último adeus ao velho Paddy e juro que quando olhei no interior do caixão, aquele velho louco tinha um grande sorriso no rosto. Não é a história mais louca que já ouviu?
Douglas assentiu com a cabeça. O doutor deu um grande suspirou e acrescentou:
– Boyle se recuperou do que o estava preocupando tão rápido quanto se esperava e começou a acossar Isabel e a Parker na semana seguinte. Ninguém o viu matar ao Parker, mas todo mundo acredita que foi ele. Estou certo que pensou que então nossa pequena cairia rapidamente em seus braços, grávida e indefesa. Esse foi seu grande engano, porque não há nada de indefesa em Isabel. Naturalmente é vulnerável por causa do bebê e imagino que Boyle, com todo seu dinheiro e poder, pensou que poderia aproveitar-se das circunstâncias.
– Quer casar-se com ela?
– OH, sim, ele quer que seja legalmente dele! – respondeu Simpson –. E já que Isabel não começou a suplicar ainda, pensamos que está esperando que o menino nasça. É muito ardiloso. A maioria das mães fariam o que fosse preciso para alimentar seus filhos. Isabel é uma mulher inteligente, mas muito bonita para sua desgraça. Menti para Boyle, ao lhe dizer que não nasceria até fins de setembro e como a gravidez de Isabel não começou a se notada até ter completado seu quinto mês, ele não tem nenhum motivo para pensar que estou mentindo. Não sei se servirá de algo ter um pouco mais de tempo, mas confio que Boyle seguirá deixando-a tranquila até que veja por si mesmo que a criança nasceu.
– A comida já está empacotada! – gritou Trudy do corredor.
Simpson ficou imediatamente em pé.
– Em que mais posso ajudá-lo? – perguntou.
– Estaria grato se mandasse um telegrama para meus irmãos, dizendo que me atrasarei.
O doutor indicou uns papéis e uma pena.
– Escreva tudo e será a primeira coisa que farei pela manhã.
– Visita normalmente seus pacientes nas segundas-feiras em Liddyville?
– Não, as terças-feiras e as sextas-feiras é mais usual, mas poderia aparecer antes com algum pretexto.
– Não é necessário. Além disso, não deveria mudar sua rotina.
– Está planejando trazer ajuda logo?
– Sim.
– Esperava que o fizesse –replicou –. Deveria mencionar algo importante primeiro. Boyle partirá para seu encontro anual nas Dakotas. Nunca perdeu uma em todos os anos que vive aqui, todo mundo espera que se vá logo. Não vai querer que volte com mais homens; e sei que o fará se inteirar-se de que Isabel equiparou as forças. Além disso, é muito arriscado mudar-se com o bebê agora e tampouco vai querer que os homens de Boyle coloquem fogo em sua casa, coisa que farão tão certo quanto o trovão segue ao relâmpago, se averiguarem que não está lá dentro.
– Quanto tempo permanecerá fora?
– Varia cada ano. Não se pode predizer. O ano passado ficou seis semanas, mas o anterior retornou depois de um mês. Ouvi dizer que é um grande acontecimento familiar e como está muito bem considerado entre os parentes, gosta de ficar uma temporada para ser adulado.
– Vou escrever uma segunda mensagem que quero que mande quando chegar o momento e me prometa que me avisará se souber um pouco do Ryan. Eu gostaria de ter umas palavras com ele.
– Como o farei?
– Virei cada segunda-feira de noite para trocar impressões com você.
– Unicamente para averiguar se tiver sabido algo do oficial? Filho, isso soa como se estivesse fazendo falsas ilusões. As probabilidades de localizá-lo são mínimas.
Douglas agitou a cabeça.
– Essa não é a principal razão para trocar informações com você. Se não aparecer por aqui, saberá que algo está mal e é então que quero que mande a segunda mensagem. Entendeu?
– Sim, entendo – assentiu –. Tomará cuidado quando voltar aqui?
– Sim – prometeu –. Embora desejasse que houvesse um modo de trazer comigo Isabel e o pequeno.
– Traria problemas ao povoado se tentasse. Boyle a vigia e estou seguro de que um de seus homens o substituirão quando partir. Se ela não estiver onde se supõe que deve estar, destroçarão o povoado procurando-a. Não servirá de nada levá-los a Liddyville porque também tem amigos ali e não há outro povoado perto o suficiente para levar o recém-nascido são e salvo. Só tem que permanecer no mesmo lugar, filho. Se não deixar que os homens do Boyle o vejam, continuarão deixando Isabel tranquila. Não quererá que esses monstros apartam atrás de você. Não, claro que não quer!
Douglas não estava de acordo.
– Depois que Isabel e seu filho estiverem a salvo, vou querer que Boyle venha até a mim. De fato, estou desejando que isso ocorra.
O doutor sentiu uma corrente fria impregnar seus ossos. O paladino de Isabel sorriu com seu último comentário, mas seu olhar dizia outra coisa, era fria... Cadavérica.
Simpson deu um passo atrás antes de dar-se conta de que não havia nada que temer. Seguiu ao Douglas até a cozinha, sussurrando um conselho mais.
– Quando chegar o momento precisará de ajuda.
Vinte homens trabalham para Boyle no rancho, e todos canalhas que só procuram problemas, com o Boyle comandando-os, o que soma vinte e cinco no total.
– Não me preocupa, meus irmãos virão.
A esposa do Simpson ouviu o comentário.
– Quantos irmãos tem? – perguntou-lhe.
– Agora cinco, incluído meu cunhado.
Simpson o olhou incrédulo.
– Cinco contra vinte e cinco?
Douglas sorriu com ar zombador.
– É mais que suficiente.
Capítulo 5
Douglas não chegou ao rancho até quase ao amanhecer. Antes de descarregar as provisões e dar proteção ao alazão, dirigiu-se rapidamente para a cabana para verificar que Isabel e o menino estavam bem.
Ela se encontrava de pé junto à lareira, com o rifle levantado e preparado. Quando ouviu seu nome e o suave toque na porta, correu para ela, desenganchou o ferrolho e se jogou em seus braços. Não se importou que estivesse molhado dos pés a cabeça.
– Estou tão feliz de que esteja em casa.
Tinha-o rodeado pela cintura com força. Sentiu o canhão do rifle pregado as suas costas e rapidamente o agarrou para afastá-lo. Ainda o abraçava quando se inclinou para um lado para pôr a arma na mesa.
– Não podia imaginar que era o que estava retendo-o – falou em voz baixa –, mas não pensei nem um instante que não voltaria.
– Fico feliz em ouvir isso – lhe disse –. Está tremendo! Se me soltar, jogarei outro tronco ao fogo. As mães depois do parto têm que cuidar-se. Não vai querer ficar doente.
Não queria soltá-lo.
– Não tenho frio... só me aliviou que tenha retornado. Douglas, estava preocupada com você.
Seu tremor era agora quase convulsivo. Ele a segurou para evitar que caísse.
– Eu também estava preocupado por você – admitiu.
O rosto dela estava oculta contra seu peito.
– Teve algum problema?
– Nenhum –respondeu –. Consegui tudo o que havia em sua lista dos desejos e algumas coisas a mais. Depois fui ver o doutor Simpson.
– Mas Boyle me disse que seus homens estavam vigiando dia e noite sua casa! – gritou alarmada.
– Não me viram – a assegurou –. Também conheci à mulher do doutor. Deu-me esta bolsa de comida e leite fresco para você.
– Foi muito delicado de sua parte!
– O doutor enviou milhares de conselhos.
Estava lhe dando tapinhas com os dedos no peito. Perguntava-se se ela se estaria dando conta do que fazia.
– É um homem de recursos, Douglas. E de confiança – acrescentou baixando a voz –. Como se arrumou para entrar e sair do armazém e da casa do Simpson sem ser visto? Quebrou os ferrolhos?
– Não, só os abri forçando-os com um fio.
– Deus! Onde aprendeu a fazê-lo?
– Há muito, muito tempo fui um ladrão.
Por alguma razão ela encontrou graça em sua declaração. Não sabia o que fazer ante sua reação, entretanto gostou de sua risada. Desprendia tanta alegria.
Obrigou-se a centrar-se em assuntos mais práticos. Afastando-se dela, agarrou-a pela mão e a conduziu a sua cama.
– Esteve muito tempo de pé?
– A maior parte da noite – reconheceu –, e o pequeno, também. Acaba de dormir.
– O doutor quer que tente alimentá-lo a cada hora mais ou menos. Mamou já?
– Sim – respondeu.
– Acha que tomou leite o suficiente?
– Sim, também o reteve bem.
Parecia orgulhosa de sua bem sucedida façanha, embora também envergonhada disso. Seus olhares se encontraram, trocaram um sorriso e mandou que dormisse.
– Não poderia ajudá-lo a descarregar as provisões?
– Não.
– OH, quase esqueci! Preparei o café da manhã. Está no fogão.
– Tomarei o café da manhã mais tarde. Tenho que colocar tudo e tratar de Brutus.
– Lembrou de deixar dinheiro para o senhor Cooper. Nunca em minha vida roubei nada e não vou começar agora.
– Deixei o quanto merecia.
Na realidade não mentira. Não havia dito a verdade tampouco, mas apesar disso não se sentiu culpado. Tinha deixado para Vernon Cooper o que lhe devia, quer dizer.. nada, nem um só centavo. Cooper tinha dado as costas a Isabel e se uniu às filas de Boyle; no que se referia a Douglas, Vernon e seu irmão, Jasper, o canalha do escritório de telégrafos, deveriam ser expulsos do povoado. Só então daria a ambos seu castigo. Isabel estava muito nervosa para dormir, mas fingiu fazê-lo para que Douglas colocasse os mantimentos na casa. Sua excitação aumentava cada vez que o ouvia entrar de novo. Fazia a conta pela frequência com que a tábua do chão frente à lareira fazia ruído. Doze maravilhosas vezes escutou o chiar do chão, o que significava seis viagens à cozinha e seis de volta a carroça. Levaria os braços cheios ou só uma bolsa cada vez?
A espera era prazerosamente insuportável. Finalmente o escutou conduzindo a carroça de volta ao estábulo e não pôde suportar nem um segundo mais o mistério. Jogou a colcha de lado, colocou um roupão e as sapatilhas e saiu nas pontas dos pés para a sala.
Deixou escapar um grito de alegria ao ver a mesa e as quatro cadeiras cheias de bolsas, pelo chão havia mais. Correu para a mesa, dando outro pequeno grito ao ver uma grande talha com manteiga, manteiga de verdade e outra cheia de café. Acariciava cada uma das bolsas e para onde olhasse via algo ainda mais maravilhoso, que proporcionava a ela mais um motivo para exclamar. Havia carne-seca, presunto, toucinho e quatro pacotes gigantes de papel branco. O líquido das conservas estava derramando sobre a mesa, e para ela aquilo era, sem dúvida alguma, a mais bela das imagens.
Levantou o olhar e viu Douglas contemplando-a. Estava de pé na porta, com outra bolsa em seus braços. Perguntou-se no que estaria pensando. Tinha um olhar estranho em seu rosto, como se não soubesse o que fazer ante aquela imagem, mas havia tanta ternura em seus olhos, que soube imediatamente que não precisava preocupar-se com que ele pudesse zangar-se ao vê-la em pé.
– Não sabia que estava aí –disse ela.
– Estava observando-a. Parece uma menina pequena no dia de Natal. – Sua voz estava cheia de compaixão: quanto tempo teria sido privada das coisas mais básicas às que todo homem e mulher têm direito? Seria consciente de que estava abraçando um saco de farinha? Ou de que estava chorando?
– Há mais no fogão.
– Mais? – gritou.
Parecia ser muito para assimilar. Ficou ali, petrificada, seus braços rodeando com força o saco de farinha e o olhar cravado nos tesouros da mesa.
– Venha ver– sugeriu.
Não soltou a farinha, e sim a levou ao pequeno espaço da cozinha. Jogou a comprida cortina que chegava até o chão para um lado da barra, tentando empurrá-lo também para o lado para que pudesse ver o interior. A cozinha era muito estreita para os dois, mas não deu tempo para afastar-se, encolhendo-se ao passar junto a ele.
Ficou de novo boquiaberta.
– Sal, pimenta e canela... ! Douglas podemos nos permitir tudo isto?
Estava apertada contra ele, com sua cara levantada para a sua. Um homem poderia perder a cabeça ante aquelas maravilhosas sardas e incríveis olhos cor caramelo dourado.
– Podemos? – perguntou de novo sem o fôlego.
A pergunta o tirou de seus pensamentos.
– Podemos, o que?
– Bem, pagar tudo isso.
– Ah... sim! – respondeu arrastando as palavras –. Cooper estava liquidando. – Se esforçou para não rir ante tamanha mentira.
– OH, isso é estupendo!
Ficaram olhando um para o outro. Ele se inclinou e lentamente secou as lágrimas de face com os dedos.
Isabel o surpreendeu ao ficar nas pontas dos pés e beijá-lo.
– E isso a que se deve?
– Por ser tão bom comigo e meu filho. Tenho certeza de que recuperarei as forças muito em breve. Nunca dependi que ninguém antes, nunca. Entretanto, é muito amável de sua parte. Obrigado.
Voltou-se para partir. Ele a seguiu, segurando-a pelo ombro para lhe tirar o saco de farinha.
– E em relação ao seu marido? Alguma vez dependeu dele?
– Parker possuía várias qualidades. Sinto que não o tenha conhecido. Estou certa de teria gostado dele. Era um homem realmente bom, Douglas. Boa noite.
Ele ficou olhando enquanto se retirava. Não respondera e não estava seguro de se fora uma evasiva ou não. Decidiu não perguntar de novo porque se encontrava muito cansado. Voltou para estábulo para secar a seu alazão, e logo encheu um cubo de água de chuva para assear-se antes de meter-se na cama.
Dormiu quase toda a noite em um saco em frente à lareira. Finalmente, despertou assuatdo para ouvir os berros do Parker tentando atrair a atenção de sua mãe. Seu pranto não era absolutamente fraco e sim, muito pelo contrário, cheio de força. Estaria realmente fortalecendo-se? Ouviam-se as risadas da Isabel. Estava na cozinha dando seu primeiro banho em Parker.
Douglas se uniu a ela.
– Sua voz é mais potente hoje – comentou ao mesmo tempo que bocejava.
– Está zangado.
Douglas notou que Parker estava tremendo e lembrou que o doutor tinha aconselhado mantê-lo o mais abrigado possível.
– Deveria ter mantido vivo o fogo da lareira.
– Precisava dormir.
– Via demorar mais? Não quero que o pequeno se resfrie.
A atenção dela estava centrada em Parker.
– Já está limpo meu menino! E, e agora cale-se! Douglas poderia fazer a amabilidade de se aproximar com a toalha?
Apressou-se a fazer o que era pedido. Estendeu a toalha sobre as costas nua e tomou em seus braços para tombá-lo sobre ela. Isabel usou outra toalha, secou-o com leves carícias. Um minuto mais tarde, enquanto o vestia com fraldas, Douglas se deu conta de que os lábios de Parker estavam ficando roxos.
– Temos que aquecê-lo rapidamente. Desabotoe o robe e a camisola.
Não hesitou.
– Está frio como o gelo – sussurrou alarmada –. Não deveria havê-lo banhado. Está tão frio, nem sequer pode chorar.
– Sentirá calor em um minuto –prometeu ele. Envolveu-a com o robe e a camisola, rodeou a diminuta cabeça coberta de encaracolado cabelo negro de Parker com uma fralda limpa e ficou junto a eles, olhando-os com o cenho franzido –. Avise-me quando parar de tremer.
Tinha medo de se mover.
– Tudo foi culpa minha. No que estava pensando?
– Que seu filho cheirava mal. Mas na próxima vez o banharemos os dois junto ao fogo.
– Já parou!
– De tremer?
– Sim, acredito que adormeceu – disse deixando escapar um suspiro de felicidade.
Douglas levantou a fralda que cobria a cabeça de Parker para ver seu rosto.
– Sim, está dormindo – murmurou.
Seu rostinho estava apoiada sobre as sardas de sua mãe.
– É um homem de sorte.
– Homenzinho –corrigiu. Ruborizou-se ao levantar a face para Douglas –. Sim, é afortunado e eu também por tê-lo aqui.
– Não irá chorar, certo?
– Oh, não, eu nunca choro!
Achou que ela estivesse brincando, mas ela não sorriu.
– Não costumo exteriorizar minhas emoções. Não percebeu?
– Não posso dizer que tenha sido assim até agora.
– Poderia me fazer um favor? Há algumas cadeiras com os pés um pouco soltos e agradeceria que me ensinasse às fixá-los. Não estou certa se deveria cravar os pés à base ou se...
– Eu o farei –prometeu –. Algo mais?
Ao fim tinham uma longa lista de reparações para serem feitas. Embora considerasse uma loucura arrumar alguns móveis que depois não poderia levar consigo, uma vez que tivesse que partir, decidiu repará-los de todas as formas. Não discutiria sobre o futuro ainda com ela, com a intenção de esperar que recuperasse as forças e estivesse menos sensível emocionalmente, já que segundo o que ele podia perceber, o parto a havia deixado física e mentalmente exausta. O doutor Simpson o tinha aconselhado que não se alterasse. Além disso, essas tarefas o manteriam ocupado.
– Os homens do Boyle estão vigiando a cabana? – perguntou ela.
– Ontem à noite não, mas pode que se aproximaram mais a estas alturas do dia. Não vou me arriscar verificando. O doutor me aconselhou me esconder durante o dia e trabalhar de noite, coisa que eu já tinha decidido. Enquanto Boyle acreditar que está sozinha, ficará esperançoso e contente de esperar.
– E o que faremos com os cavalos? Não podem permanecer encerrados no estábulo todo o tempo.
– Irei exercitá-los de noite. Começarei a reconstruir o celeiro depois que escurecer. Pare de se preocupar.
– Como posso ajudar?
–Fortalecendo-se.
Teria discutido com ele se Parker não tivesse requerido sua atenção.
Cozinhar não era um dos talentos do Douglas, portanto cortou umas fatias de presunto cozido e de pão que Trudy tinha enviado e abriu um pote de beterraba em vinagre que tinha roubado do armazém. Entregou a Isabel um copo cheio de leite. Ela não queria beber inteiro para economizar e tria insistido se ele não houvesse dito que poderia conseguir mais.
Retornou à casa principal uma hora mais tarde com Parker sobre seu ombro, para observar como Douglas arrumava uma cadeira enquanto ela andava de um lado para o outro com o pequeno que estava inquieto. Douglas a viu exausta e decidiu deixar as outras cadeiras para a noite seguinte. Lavou-se as mãos e tomou ao bebê.
– Eu me encarregarei dele.
– Não sei o que está acontecendo. O alimentei, troquei-o e arrotou, mas ainda assim não quer dormir.
– Só está um pouco teimoso.
Estava entrando no quarto quando mudou de ideia.
– Ficarei com você e...
– Não é necessário. Se tiver algum problema, sei onde encontrá-la.
– Está certo de que não é nada?
– Sim, estou.
– Então, boa noite.
Douglas se sentou na cadeira de balanço e começou a dar suaves tapinhas nas costas. Recordou como estava acostumado a balançar a sua irmã. Santo Deus, como tinha passado rápido o tempo! Dentro de pouco tempo Mary Rose estaria balançando seu próprio filho ou filha. Douglas estava acostumado a falar com sua irmã enquanto a embalava e agora fazia o mesmo com Parker. A vibração de sua voz a acalmava ou dormia de aborrecimento. O motivo não importava realmente; o resultado era sempre o mesmo. Parker se acalmou em alguns minutos e começou a roncar como um homem feito.
Era noite quando Douglas acabou alguns trabalhos. preparou-se para a raiva que sentiria no mesmo instante que saísse pela porta. E assim aconteceu assim que voltou a ver que a cabana se encontrava no meio do curso da corrente. Por mais que tentasse não podia evitar essa espantosa realidade. Embora o falecido marido de Isabel não a tivesse construído, o certo é que tampouco tinha mudado sua esposa grávida para algum lugar provisório enquanto ele construía outra em um terreno mais elevado. De qualquer forma tinha posto Isabel em perigo. Mas por que, pelo amor de Deus, o tinha feito? Não se importava com ela?
E a incompetência de Grant não acabava aí, já que tinha construído um curral, ao menos isso era o que se supunha que era, que com o primeiro vento forte que soprou havia desabado. Estava convencido de que Pégaso continuava com a pata ferida porque acidentalmente roçava com uma das pontas que tinha deixado descoberto. Se era assim, o risco de infecções graves aumentava grandemente. Tinha que averiguar logo que fosse possível, quando fosse trocar o unguento que estava aplicando em sua pata, mas pensou que esperaria à manhã seguinte para assim deixar Isabel dormir o suficiente.
Não fazia muito que tinha amanhecido quando ela se uniu à mesa. Levava Parker enrodilhado em seus braços. O fogo crepitava na lareira, dando à habitação um quente e agradável resplendor. Douglas ficou de pé para lhe oferecer uma cadeira. Ela viu a compacta torta de aveia e as torradas queimadas que tinha preparado outra vez.
Ele ficou olhando, observando como brilhava seu cabelo à luz do fogo. Tinha-o prendido em uma trança grossa que caía pelas costas. Umas frisados mechas de cor avermelhada se soltaram do laço, caindo em ambos os lados do rosto, «demônios». Era uma mulher bonita. A maternidade lhe caia muito bem.
Deu-se conta de que a contemplava sem disfarçar.
– Parker não expulsa os gases. – Foi tudo o que ocorreu dizer para afstar da mente dele, de sua descontrolada reação.
Colocou um pano limpo sobre o ombro e tomou ao menino em seus braços.
– Pode se sentar à mesa?
– Sim, já me encontro melhor.
Douglas ficou de pé ao lado dela enquanto com suavidade dava tapinhas nas costas do Parker. Isabel não queria ferir sua sensibilidade rechaçando um pouco apetitosa comida, assim, se esforçou para comer a metade intercalando os bocados com grandes goles de água. Queria guardar o resto do leite para o jantar.
– Deveria beber leite com todas as comidas. Trarei mais na segunda-feira que vem.
– Nós tínhamos duas vacas leiteiras há alguns meses.
– E que aconteceu?
– Não estou muito certas. Um dia estavam aqui e no dia seguinte tinham desaparecido.
– Acha que Boyle as roubou?
Ela encolheu os ombros.
– Parker não pareceu se preocupar muito com isso e se negou a falar do assunto. Possivelmente esqueceu de fechar as portas do estábulo. Era um pouco avoado.
– Está-me dizendo que pode ter deixado que escapassem?
– As portas do celeiro poderiam ter ficado abertas – acrescentou com o olhar fixo na mesa. Parecia envergonhada e por essa razão Douglas deixou o tema de lado. Deu a volta para que ela não pudesse ver seu rosto assombrado. Honestamente seu marido valia tanto quanto uma gota de água no oceano.
– E esta cabana? Parker não a construiu, não é?
– Não. Como sabe?
Estava bem construída, portanto não podia havê-la feito, mas não respondeu a sua pergunta por medo a incomodá-la e a evitou fazendo outra em seu lugar.
– Estava construindo outra casa para você em um terreno mais elevado?
– Não. Que pergunta! Mudamo-nos para cá.
Tentou levantar-se da mesa, mas Douglas lhe pôs a mão no ombro para que ficasse.
– Termina seu café da manhã. Precisa recuperar as forças. me diga como Pégaso se feriu.
– Alguns homens de Boyle fizeram alguns disparos para o ar, Pégaso se assuntou e começou a dar coices contra a porta do celeiro.
– Cortou-se com um prego que estava solto?
– Não, não foi assim.
O pequeno atraiu a atenção de ambos com um arroto próprio de um proscrito. O sorriso de Isabel fez que Douglas pensasse que ela considerava aquilo uma surpreendente façanha.
– De verdade, não posso comer mais – protestou –, Tomarei para mais tarde. – ficou em pé antes que ele pudesse repreendê-la –. Eu gostaria de preparar o jantar desta noite. É que eu gosto de cozinhar – acrescentou exagerando a pura realidade –. É... relaxante. Sim, é relaxante.
Ele não engoliu. Soltou uma gargalhada e movendo a cabeça e disse:
– Está tão terrível assim a torta de aveia?
Os olhos dela brilharam com malícia.
– Tem sabor de papel!
Ficaram olhando-se aos olhos, o que pareceu uma eternidade, sem que nenhum dos dois quisesse desviar o olhar.
– Tem que parar de fazer isso.
A gravidade de seu tom a fez sentir um sufoco por todo seu corpo.
– Fazer o quê? – perguntou quase sem fôlego.
– Estar cada dia mais bonita.
– Ah! – exclamou com um suspiro.
Ele reagiu ante o que estava ocorrendo antes que ela o fizesse. Estava olhando fixamente suas sardas de novo e se obrigou com rapidez a olhar pela janela. Um movimento perto da fila de árvores captou de repente sua atenção. Ficou gelado. Uma sombra se aproximava lentamente caminhando para o vale. Estava ainda longe para que Douglas pudesse distinguir seu rosto, mas imaginou quem podia ser. O cavaleiro solitário tinha que ser Boyle. O doutor Simpson o tinha advertido que o predador gostava de visitar a mulher que estava aterrorizando. Naturalmente, era Boyle!
A principal preocupação do Douglas é que Isabel não caísse presa do pânico. Despertaria o pequeno e Boyle entraria com seus homens. Douglas continuou olhando à sombra e procurou que sua voz soasse tão suave quanto o ronco do Parker.
– Isabel, dormirá o bebê um pouco mais?
– Oh, sim! Ficou quase toda a noite acordado. Tem que recuperar essas horas.
Tomou o menino dos braços do Douglas e se dirigiu ao quarto. Ele a seguiu, esperou a que agasalhasse Parker e então disse com calma que tinham companhia.
Isabel não perdeu a calma. Em vez disso, começou a despir-se.
– Quanto tempo tenho? – atirou o robe sobre a cama e começou a desabotoar a camisola.
– O que está fazendo?
– Tenho que me vestir e sair.
– Nem pensar! Ficará aqui!
– Douglas seja razoável. Se me vir, vai embora. Sempre saio até a porta com o rifle. Quero aparentar estar grávida grávida. Preciso de um cinturão. Pode me dar o de Parker que esta na gaveta da esquerda? Não fique aí, quieto! Temos que nos apressar. Não gosta que o façam esperar.
– Você não vai...
Correu para a ele, tampando sua boca com um dedo para que não continuasse protestando.
– Se não sair, começará a disparar para o ar e o ruído despertará Parker. Quer que o ouça? Agora, me ajude a me vestir para que possa aplacar esse homem, por favor.
Afastou a mão de sua boca e a segurou.
–Não há mais que o que discutir! Vou sair e matar aquele bastardo. Escutou?
– Não.
– Será uma luta justa – prometeu.
Agitou a cabeça com desespero.
– Deixa de ser tão teimoso! Não arrastará ao Boyle para uma briga. É um covarde, Douglas. Não há tempo para discutir isso. Pode me proteger da janela. Se perceber que tenta me machucar, sai e deixe que parta. Mas não o mate. Entende-me? – Sua mandíbula apertada refletia que não a entendia – Por favor! Contenha-se por mim. Certo?
– Sinceramente, asseguro-a que eu gostaria...
Ela o deteve sem premeditá-lo, tocando sua face.
– Mas não o fará.
Não mostraria sua concordância ou discordância.
– Vá. – Foi a única concessão que fez.
Ela ergueu os olhos ao céu.
– O cinturão, por favor. Me passe o cinturão.
Tirou o seu e o deu a ela.
– Não vai usar nada de Parker.
Aquilo parecia preocupá-lo muito e como as calças os tinha inclinados pelos quadris, ela não quis perder o tempo discutindo.
Depois que ele se dirigiu à janela para comprovar por onde andava Boyle, ela terminou de vestir-se. Ainda estava um pouco cheia na cintura, mas não o suficiente para parecer que estava aproximando-se da data de dar a luz que o doutor tinha dado a Boyle.
Uniu-se a Douglas quando Boyle estava a ponto de alcançar o final da colina.
– Parece que estou tão grávida como se supõe que devo estar?
– Acho que sim.
Colocou a mão no seu braço.
– Supõe-se que deve me olhar antes de dizer algo.
Lançou-lhe uma rápida olhada. Não gostou do que viu e franziu o cenho para que ela notasse como se sentia. Isabel usava uma blusa branca e um pulôver de cor escura que se alargava pela parte do meio, para sua opinião estava muito arrumada para aquele bastardo. Queria deliberadamente seduzi-lo? Não, claro que não. Não podia evitar ser bonita e desgraçadamente não ocorria a ele nenhuma ideia para mudar radicalmente seu aspecto... a menos que pusesse um saco em sua cabeça. Mas não se incomodou em tentar porque sabia que não gostaria.
– Termine de fechar a camisa!
– Está fechada.
– Os dois de cima, não – disse ele. Colocou de novo a pistola na coldre e se ocupou da tarefa –. Não verá mais do que deve – acrescentou.
Seus dedos roçaram o queixo dela. Como em nome de todos os Santos, podia uma mulher ter uma pele tão sedosa?
– Não me fará mal – sussurrou ela.
Ele desviou o olhar para ela.
– Vou me Assegurar de que seja assim. Se eu for obrigado a matá-lo, não quero ouvir nenhuma objeção, de acordo?
– Vamos então. Ele está chegando.
Agarrou a maçaneta da porta, com sua atenção posta em Douglas, esperando que tomasse sua posição junto à janela. Não esperou que lhe desse permissão para sair porque sabia que ficaria o resto do dia ali esperando que aquele homem teimoso desse seu consentimento.
– Vou sair.
– Isabel?
– Sim?
– Não sorria.
Capítulo 6
Boyle era mais feio que o pecado. Tinha a cara coberta de marcas de varíola, os olhos muito juntos e lábios que virtualmente desapareciam quando fechava a boca. Parecia um frango. Mas Douglas não se surpreendeu sua aparência. O fato de que tivesse que aterrorizar uma mulher para que se casasse com ele, demonstrava que aquele bastardo tinha um sério problema com o sexo oposto, já que qualquer mulher que se fixasse no fundo das pessoas teria adoecido imediatamente ao descobrir o diabo escondido em seu interior.
Douglas desejava que Boyle aproximasse a mão de sua pistola, mas não o fez. Nem sequer se incomodou em olhar à janela, tinha o olhar fixo em sua presa.
Isabel mantinha a sua fixa nele.
– Disse a você que se mantivesse afastado de minhas terras. Agora, vá...!
– É essa a maneira de falar com seu futuro marido, pequena? E eu que planejava uma verdadeira festa de bodas para você. Parece preocupada. Está ficando com medo por ter que dar a luz sozinha?
– Tem dez segundos para partir ou usarei este rifle!
– Iria presa se o fizesse.
– Nenhum jurado me condenaria. Todo mundo em Sweet Creek o odeia tanto como eu. E agora, me deixe em paz!
Assinalando-a com o dedo disse:
– Vigia sua língua comigo! Eu não gosto da insolência! Ainda tem muita soberba em seu interior e terei que fazer algo ao respeito depois de nos casarmos. Acabará me suplicando que me case com você, sabe? Só é questão de tempo.
Estava preparando a arma quando ele cravou as esporas no cavalo e partiu cavalgando.
– Voltarei! – Sua ameaça foi acompanhada de uma risada.
Douglas não afastou a vista do Boyle até que se encontrou a meio caminho através do plano. Isabel entrou, fechou a porta com cuidado e se deixou cair contra ela.
– Maldito seja, é horrível! – murmurou ele.
Ela assentiu com um gesto.
– Não voltará até cerca de duas semanas.
– Pode que seja assim. Estaremos preparados para algo. O doutor Simpson me disse que Boyle partirá para assistir a um tipo de reunião familiar.
– Vai partir? Isso são boas notícias, Douglas!
– Simpson disse que está acostumado a ficar com sua família durante um mês ou seis semanas em Dakotas. Não vamos baixar o guarda nem nos descuidar.
– Não, é obvio que não. Posso perguntar algo?
Ele manteve o olhar afastado da dela, vigiava o caminho.
– Claro.
– Vai me olhar? – perguntou.
– Não até que Boyle chegue à parte alta.
– Não entendo o que se passou. Disse-me que não queria que Boyle o visse e que enquanto acreditasse que estou sozinha, ele estaria contente de esperar...
– Isso foi até me inteirar de que sempre sai e fala com ele.
– Mas...
– Eu não gosto.
Ela olhou para cima.
– É óbvio que não –respondeu –. Continuarei saindo cada vez que venha, você goste ou não.
–Discutiremos isso mais adiante. Não deveria se zangar, Isabel. O doutor disse que não era bom para sua saúde.
– Pelo amor de Deus! Não estou doente! Certamente terá dado conta de que cada hora que passa estou mais forte. E meu filho também.
– Oito semanas do mesmo minuto que veio ao mundo – anunciou com autoridade é o tempo que levará para ficar forte.
– Com toda segurança, não.
– Oito semanas – insistiu teimosa.
– Quando partirá?
Sorriu.
– Dentro de oito semanas, a menos que você ou Parker tenham problemas. Possivelmente mais tempo. E a propósito, seu filho e você virão comigo. Vou tirar vocês daqui.
– Não, não o fará. Ninguém vai me tirar da minha própria casa. Entendeu? Ninguém vai me tirar de minhas terras.
Deu-se conta muito tarde de que a tinha alterado. Sua voz tinha adquirido um tom agudo e quando a olhou viu lágrimas brotar de seus olhos. Rapidamente tentou acalmá-la.
– Pode fazer o que quiser – mentiu ele –, a partir de agora até dentro de oito semanas.
– Provavelmente não possa ficar todo esse tempo. Asseguro-o que estarei completamente restabelecida muito antes e Parker ficará mais forte. Estaremos bem. É obvio que sentiremos falta de você – acrescentou para si : «E muito»,.
Não sabia o que o impulsionou a isso, mas se inclinou para frente e beijou sua testa.
– Parece ter problemas com o domínio dos números, carinho. Estarei aqui durante oito semanas. Quer que eu diga quantos dias são?
Sabia que se estava brincando coma ela mas não tinha a menor ideia do que responder. Seu marido tinha sido sempre tão sério a respeito de tudo. Nunca flertou com ela, nem ela tampouco, e sabia que Douglas estava fazendo justo isso agora. Decidiu afastar-se dele durante uns minutos. Não podia pensar quando estava tão perto.
– Isso está em suas mãos –disse –. Não me embargará a culpa e se não se importa de ficar, eu... quero dizer, nós... eu tenho um bebê, sabe, e nos alegrará tê-lo por aqui. – Sabia que estava gaguejando. Também estava mentindo. Não só ficaria feliz, e sim eufórica.
– Por que não tira um descanso?
Estava dizendo algo, mas não era capaz prestar atenção devida as palavras. Estava tentando imaginar como um homem aparência tão caridoso e forte conseguira permanecer tanto tempo solteiro. Devia estar perto dos trinta, se seus cálculos eram exatos. Possivelmente, estivesse comprometido afinal. Poderia haver uma linda jovem esperando pacientemente sua volta. Sim, era provável. Provavelmente fosse refinada e elegante também. Isabel imaginou com o cabelo de cor dourada e absolutamente penteado e encaracolado.
– Por que me beijou? – deixou escapar de repente.
– Estava com vontade. Incomodou-a?
– Não... não me incomodou.
Disse-se a si mesmo que tinha que recuperar-se de seu atordoamento. Já era hora de que se enfrentasse à realidade. Não era uma jovem senhorita ingênua com esperanças, sonhos e desejos de ser amada. Era uma viúva com um bebê que dependia dela. Não podia mudar, nem mudaria seu passado. Tinha sido agraciada por ter um querido amigo como companheiro e agora tinha um belo filho dele.
Ainda assim não havia nenhum mal em sonhar acordada com um futuro que alguma vez poderia ter, não? Não era natural perguntar-se como seria sentir-se amada por um homem como Douglas? Pensar nisso era uma curiosidade natural por sua parte. Nada mais. Parecia tão forte, robusto e sensual; nunca conheceu alguém como ele. por que, ainda tendo sido mãe recentemente e sem sentir uma atração física por ele, não podia evitar apreciar sua erótica e mundana áurea? Além disso, não havia nada de mau em observar as maravilhosas diferenças entre eles, e, Senhor, era tão másculo!
Tinha certeza que era um amante exigente e não pararia até que ela houvesse...
Deus santo! O que estava fazendo? Obrigou-se a afastar essa incrível fantasia de sua mente.
– Acredito que vou descansar um momento. – ele mostrou-se divertido por seu comentário.
– Parece que está muito bem – brincou.
Ela se voltou, tropeçou em algo, que foi ao chão e saiu apressada. Ele a seguiu.
– Sente-se bem? – perguntou.
– Sim.
– Parece um pouco preocupada.
– Preciso descansar, Douglas. Acabo de ser mãe e devo repousar.
Apoiou-se no marco da porta, negando-se a mover-se quando ela tentou fechar a porta.
– Eu gostaria de ficar a sós para poder trocar de roupa. Devolverei seu cinturão logo.
– Está no chão na outra habitação junto com as toalhas que utilizou para aparentar a gravidez.
Não acreditou até que tocou sua cintura. Deus santo! Como estava cansada! Por que não tinha reparado?
– Quer me dizer no que estava pensando há um minuto?
Pôde sentir que se avermelhava.
– Uma coisa e outra.
– É a “coisa” como se chama? – ele perguntou.
– Os cavalos – disse sem pensar nesse mesmo instante –, Minerva e Pégaso. Sim, o garanhão árabe é Pégaso e sua companheira é Minerva. Não havia dito seus nomes, não é?
– Só o do Pégaso.
Realmente desejava ficar sozinha um momento. A maneira que a olhava a estava inibindo e fazendo-a sentir-se incômoda como uma menina pequena.
– Como esteve chamando o meu puro sangue?
– Uma coisa e outra.
Lentamente ele roçou com seus dedos a delicada face de Isabel.
– Acredito que deveria saber algo. Eu adoro as mulheres com sardas. As suas me deixam louco – se inclinou e a beijou com rapidez e força na boca –. A propósito –disse em um sussurro –, eu também tenho pensamentos arrebatadores sobre você.
Deixou-a sem respiração e sabia. Por isso piscou os olhos antes de dar a volta e se afastar. Ela ficou olhando fixamente até que desapareceu na cozinha; então fechou a porta e se deixou cair contra ela. Céus! Todo o tempo tinha sabido o que estava pensando! Nunca mais se atreveria a olhar em seus olhos!
Encontrava-se mortificada. Deixou-se levar, mas como diabos o tinha feito? Não sabia e não ia perguntar-se e não voltaria a ter outro pensamento escandaloso sobre ele em toda sua vida. Na realidade não pensaria nele nem um instante.
Jogou-se na cama e gemeu. Adormeceu uns minutos mais tarde com os pés pendurados por um lado da cama, com os sapatos e as meias calçados e um pensamento revoando em sua mente.
Gostava das sardas.
Capítulo 7
Também gostava dos jogos. Perguntou durante o jantar se por acaso tinha um baralho de cartas, ao que respondeu que sim e então sugeriu jogassem pôquer.
– Jogou continental alguma vez?
– Claro, além disso sou boa.
A sorte estava com eles. Jogaram cinco mãos antes de Parker pedisse sua mamada. De todas as formas, já era muito tarde para ela e parecia como se de um momento a outro fosse adormecer.
Ante sua insistência, somou os pontos para saber a quantidade que lhe devia.
Ficou em pé, bocejou e disse:
– Devolverei isso com o que ganhar amanhã de noite quando jogarmos xadrez.
Ele riu.
– Também é boa jogando de xadrez?
– Espera e verá.
Ele também era. A noite seguinte o demonstrou derrotando-a em questão de minutos. Obviamente ela não tinha jogado muito xadrez, e depois de haver ganho cinco jogos de uma vez, ao final da semana o devia ao redor de mil dólares.
Douglas mudou as regras a partir de então. Disse que tinha uma ideia melhor. Em lugar de dinheiro, o ganhador poderia perguntar algo que ele ou ela quisessem. Não importava quão pessoal fosse o tema, era obrigatório responder.
De repente suas habilidades melhoraram. Ela ganhou três jogos antes dele descobrisse seu engano.
– Estava me deixando ganhar, não é?
– Alguns homens gostam de ganhar.
– À maioria gosta de ganhar. A partir de agora, ambos jogaremos para ganhar, de acordo?
– Sim – replicou –. Deveríamos começar de novo. Ontem à noite o deixei ganhar também.
Rasgou a folha de papel com os resultados antes de passar o baralho de cartas a ela. Embaralhou-as como um verdadeiro croupier no Salão do Tommy, arrancando um sorriso de Douglas.
– Espertinha!
– Joguei cartas muitas vezes – reconheceu.
– Não me diga!
Demonstrou como era boa ganhando as seguintes mãos. Antes que inclusive lhe mostrasse seu penoso jogo consistente em um para de valetes, fez a primeira pergunta.
– Disse-me que foi um ladrão, lembra? Quero saber quando e onde.
– De pequeno vivia nas ruas de Nova Iorque, e me podia ter, virtualmente, o que quisesse.
Abriu os olhos sem acreditar embora sua voz soasse como se estivesse atemorizada por suas origens delinquentes.
– Apanharam-no alguma vez?
– Não, nunca me apanharam. Tive sorte.
Depois de ganhar o jogo seguinte, pediu que falasse de sua família. Então explicou como ele, Travis, Cole e Adam se uniram para formar uma família quando encontraram um bebê em um montão de lixo.
Isabel estava fascinada, fez um sem-fim de perguntas e só então se deu conta de que tinha estado falando durante mais de uma hora. Quando terminou, tinha falado até do marido de sua irmã, Harrison e da nova mulher de Travis, Emily. reservou a melhor parte para o final; sua voz se encheu de ternura quando falou de Mama Rose.
– Sabe é realmente estranho agora que o penso, mas a razão de que me encontre aqui é Mama Rose. Ela foi quem ouviu falar dos puro sangues e queria que viesse vê-los. Estava muito ocupado naquele momento, assim pedi a Travis que fosse ao leilão por mim.
– Parker ia vender os cavalos árabes em um leilão? Não pode estar certo. A única vez que saiu de Sweet Creek foi para ir a um advogado a caminho de River’s Bend. Paddy foi com ele e estou segura de que voltaram diretamente para cá.
Douglas se deu conta muito tarde de que tinha tocado em um tema amargo.
– Certamente pararam para que descansassem os cavalos, isso é tudo. Por certo, o doutor Simpson me comentou algo sobre Paddy. Estava realmente louco?
– Não, mas todo mundo no povoado pensava que sim. Era algo especial. Cheguei a conhecer-lhe muito bem porque vinha jantar ao menos quatro vezes por semana. Entretanto, era mais unido a Parker. Os dois estavam acostumados a juntar suas cabeças e conversar sobre sussurros até bem tardar da noite. Era uma estranha amizade.
– Parker contou a você sobre o que falavam?
– Não, era muito reservado para isso, assim não o importunava para que me falasse. Dizia-me que tinha prometido ao Paddy não contar nada sobre qualquer dos planos que estivessem tramando. Sinto falta do irlandês. Sabia que chegou a Sweet Creek antes que fosse criado o povoado?
– Não, não sabia –disse ele –. Diga-me, tinha outros segredos ?
– Se estas pensando em que Parker ia vender Pégaso sem me dizer está engando. Parker e eu crescemos juntos em um orfanato de Chicago e sei tudo o que tenho que saber sobre ele. Não teria feito uma coisa assim. Sabia o que os cavalos significavam para mim. As irmãs do orfanato me deram de presente como dote para quando as deixasse.
– Onde conseguiram os cavalos?
– Foram doados por um homem que elas tinham dada proteção. Estava morrendo e foi sua maneira de agradecer, suponho. Não tinha nenhum familiar e tinha medo de morrer. As irmãs passaram dia e noite junto a ele.
Douglas notou que se estava ficando melancólica e mudou rapidamente de assunto.
– Bem, satisfiz sua curiosidade a respeito de minha família?
Trocou a expressão de sua cara e agitou a cabeça.
– Como Travis conheceu sua mulher, Emily?
Douglas contou toda a história e para quando terminou, já estava sorrindo outra vez. Era evidente que tinha deixado a um lado o assunto do Parker e a venda do Pégaso pelo momento.
– Eles tem tratado Emily bem?
Havia um tom de ansiedade em sua voz que não entendia completamente. Estava preocupada com o novo membro da família? Se era assim, por que?
– Sim, gostamos muito uns dos outros.
– Estou certa de que eu também gostaria– disse com um bocejo que não pôde reprimir –. Possivelmente deveríamos terminar por hoje, poderemos jogar às cartas amanhã?
– Quando tiver acabado de arrumar todas estas cadeiras. Ainda faltam três para ajustar.
– Não se preocupe muito. Já as arrumei.
Ele pareceu surpreender-se.
– Sinceramente, Douglas, não sou uma inútil. Trabalho bem. Verifique por si mesmo.
Não acreditou até que as examinou.
– Fez um trabalho melhor que o meu.
– Observei-o, lembra?
Recordava-o. Estava impressionado pois ela fizera o trabalho apesar de sua afirmação que o faria ele mesmo.
– Seus olhos estão fechando. Está com sono.
– Sim. boa noite, Douglas.
– boa noite, querida.
As quatro semanas seguintes passaram rapidamente. Douglas estava surpreso de quão rápido tinha passado o tempo e do gosto que se encontrava no lar da Isabel. Sentia-se como se fora parte da família e embora isto lhe inquietava, era também muito, muito agradável.
Mantinha-se ocupado do pôr-do-sol até o amanhecer. Uma vez à semana se arriscava a ser visto durante o dia para caçar carne fresca e pescar em um riacho que descobriu nas montanhas ao oeste do rancho. Cada noite cavalgava nos lombos do Brutus até as colinas para vigiar aos homens do Boyle e assegurar-se de que não tinha havido nenhuma mudança em suas posições ou número. Quando retornava ao rancho se dedicava às tarefas rotineiras, como cortar lenha e limpar as cavalariças.
Sua relação com Isabel tinha experimentado uma sutil mudança. Ao princípio brincava com ela para que se sentisse melhor e risse. Agora o fazia porque suas risadas faziam que se sentisse bem. Não estava muito certo de quando tinha acontecido, mas já não pensava nela como uma mulher que tinha dado a luz. transformou-se em uma mulher maravilhosa e sexy, com curvas maravilhosas. Tudo nela o estimulava. Gostava de seu modo de falar, sua forma de andar, da maneira de rir. O doutor Simpson estava no certo quando lhe disse que Isabel era uma mulher fácil de amar. Douglas reconhecia que seu coração se encontrava em perigo, mas não podia imaginar como evitar que acontecesse o inevitável.
Como um casal de anciões, os dois jogavam às cartas cada noite até que escurecia o suficiente para que ele pudesse sair. Várias noites Parker os uniu e o alternavam nos braços enquanto jogavam. Isabel ganhava com mais frequência, até que finalmente parava de olhar as sardas e começava a prestar atenção ao que estava fazendo.
A visita que Boyle fazia a Isabel estava a ponto acontecer, e Douglas começava a ficar nervoso só pensando nesse canalha. Queria pôr fim às táticas de terror que usava contra ela.
– Acaba de ganhar uma mão, por que está com o cenho franzido?
– Estava pensado em Boyle. Está se atrasando em sua visita. Disse-me que vinha a vê-la a cada duas semanas...
– Normalmente é assim – afirmou ela.
– Então, por que não o fez? Sei que não foi a Dakota porque cada segunda-feira quando vou ver o doutor Simpson, é o primeira coisa que pergunto. por que está atrasando tanto?
– Não sei, mas não quero pensar nele agora. Estaremos preparados para quando vier. Me faça a pergunta para que possamos jogar outra mão antes que Parker queira comer.
– Por que chamou os cavalos de Pégaso e Minerva?
– Adorava mitologia quando estava no colégio. Estava acostumado a fazer desenhos de Pégaso o tempo todo. Segundo a lenda, era um belo cavalo branco com majestosas asas. Minerva era a deusa romana da sabedoria e as irmãs do orfanato me diziam constantemente que eu podia fazer uso de um pouco de meu julgamento. – «Eu não tinha muito senso comum naquele tempo, nem agora», pensou em acrescentar com ironia –. De qualquer maneira Minerva capturou Pégaso e o adestrou. Eu achava aquilo muito romântico.
Tampou-se a boca espirrou e depois se desculpou.
– Não é necessário que se desculpar –disse –.Diga-me algo. Parker a apanhou do mesmo modo que fez Minerva, ou foi você quem o apanhou?
– Não foi assim com Parker e comigo. Fomos os melhores amigos desde que criamos juízo. As irmãs do orfanato o chamavam de pequeno sonhador. Estou certa de que o diziam com sinceridade, porque Parker tinha um coração tão nobre... Queria mudar o mundo, era muito apaixonado com respeito às responsabilidades sociais.
– Era apaixonado por você?
– Já respondi muitas perguntas. Divida as cartas, por favor.
Pôde perceber sua retirada e sabia que era porque a estava pressionando, entretanto, não podia deixá-lo.
Espirrou de novo e depois se desculpou.
Ele ganhou um jogo e voltou a perguntar.
– O que foi para você o orfanato?
– Um lugar muito agradável. As irmãs nos tratavam como se fôssemos seus próprios filhos. Eram severas, como imagino que o são os pais, mas também carinhosas.
– Não chegou a se sentir sozinha?
– Não frequentemente. Desde de pequena tinha Parker para contar meus segredos. Era afortunada como você foi, porque encontrou uma família.
– Sim – assentiu ele.
Uma hora mais tarde ganhou outra mão.
– Não foi difícil se casar com seu melhor amigo?
– Claro que não! – respondeu –. Foi muito bonito. Meu marido era um homem maravilhoso com muitas qualidades. Vamos, não havia nada que não pudesse fazer!
Realmente acreditava naquilo? Pela expressão de seu rosto, ele pensou que assim era e não a contradisse. Em sua opinião não havia nada que Parker pudesse fazer.
– Sim, já sei. Era um santo.
Ela arqueou o queixo.
– Era meu melhor amigo.
– O que significa que não havia nenhuma paixão em seu leito, verdade?
– Não tem direito a me perguntar essas coisas tão pessoais!
Tinha razão naquele sentido, disse a si mesmo, entretanto não podia evitar tentar descobrir tudo o que pudesse sobre ela.
– Do que tem medo, Isabel? O fato de ser franco a respeito de seu marido não a transforma em uma traidora. Ambos sabemos que deve ter sido incômodo fazer o amor com seu melhor amigo.
– Quer dizer que não pode ser amigo de seu cônjuge ?
– Não –respondeu –, mas tem que haver outro elemento envolto, além da amizade.
– Que elemento?
Inclinou-se para frente.
– Magia.
Fez um gesto de desaprovação.
– Não desejo discutir sobre este assunto por mais tempo. É um tanto grosseiro tentar averiguar como foi meu casamento. Nunca conheceu Parker.
– Não estava fazendo indagações – replicou –. Já tinha chegado a esta conclusão.
– Ah, sim? E como conseguiu dados para concluir tudo?
Seu tom sarcástico a tinha intrigado.
– Muito fácil –replicou –. O modo que que me responde... tudo é novo para você, verdade? Posso ver em cada uma de suas reações. Na realidade, está assustada com tudo o que está ocorrendo com você.
Tinha as mãos apertadas em punho.
– Ah! E o que é exatamente o que me está ocorrendo? Estou segura de que quer muito me dizer.
Inclinou-se sobre a mesa em sua direção e com um murmúrio lhe disse:
– Eu sou o que está ocorrendo, querida.
Ela ficou em pé de um salto.
– Vou para a cama. É tarde.
– Refere-se que já é hora de correr e se esconder de mim?
– Não, não é isso o que queria dizer.
Levou um longo tempo andando com lentidão para seu dormitório. Mesmo que desejasse sair correndo.
Capítulo 8
Parker não estava engordando tão rápido quanto Douglas esperava que o fizesse. O pequeno tinha quase seis semanas, mas continuava tão magro como no dia que nasceu. Isabel não estava de acordo e insistia que seu filho tinha ganho um peso considerável. Parker parecia bastante saudável para seu tamanho e certamente tinha muito apetite. O doutor Simpson era o perito e tinha ordenado que se mantivesse Parker no interior da casa ao menos durante oito semanas. Douglas não compreendia por que o médico tinha estabelecido esse período de tempo específico, mas ele ia a atender a esse número sem importar quão ansioso estivesse por partir.
Se Parker continuasse melhorando, ele e sua mãe poderiam viajar dentro de pouco durante uns quatorze dias. Douglas esperava que o tempo melhorasse antes que chegasse esse momento. A chuva tinha cessado, mas ainda fazia frio e umidade, e alguém que não levasse a conta das estações, tivesse pensado que estava em meados de outono. O ar da noite era o bastante frio o bastante para se camisas grossas de flanela e se preocupava com o fato de ter que manter Parker quente quando o levassem. O ar da noite o afetaria?
O bebê não era sua única preocupação. A verdade é que não sabia como ia resistir outras duas semanas sem tocar Isabel. Estar na mesma casa com ela era tudo o que o fazia falta para sentir-se incômodo. Seu aroma era tão maravilhoso e sua pele tão suave e delicada, que em quão único pensava era em tomá-la em seus braços e abraçá-la.
Estava determinado a não se deixar vencer por seus impulsos naturais. Não queria complicar a vida, por isso se mantinha ocupado todas as horas do dia, seguro que estaria muito cansado para pensar nela.
Quando terminou suas tarefas no estábulo quase ao amanhecer, dirigiu-se à casa e se encontrou a Isabel sentada à mesa com a cabeça entre as mãos. Tinha o cabelo emaranhado, os olhos chorosos e o nariz de um vermelho intenso. Parecia ter ressaca.
– Parker a manteve acordada toda a noite?
Espirrou antes de poder responder.
– Não, resfriei-me um pouco – esclareceu, espirrando de novo.
– Possivelmente deveria retornar à cama.
Não faria caso de tal sugestão. Nunca em sua vida tinha dado muito atenção a si mesma e não ia começar agora. depois de lavar e engomar, preparou a comida mas não pôde provar nenhum um bocado, por isso fez uma bule de chá antes de voltar para a cama.
Trocou-se, tinha posto a camisola e o robe, e ao redor dos ombros uma manta velha e andrajosa que arrastava pelo chão atrás dela. Enganchou um pé sob ela e quase derrubou a bandeja se ele não a tivesse arrebatado das mãos.
– Eu levarei isso. Possivelmente deveria comer algo, não acha? o que lhe parecem umas torradas?
«Não sabia aquele homem preparar qualquer outra coisa?»
– Tentará não as queimar? – perguntou, tentando não parecer arisca.
Ele assentiu.
– Certamente ficou doente de trabalhar tanto.
– Só é um resfriado. Rogo a Deus que Parker não se contagie. O que faremos se tiver febre?
Não queria pensar naquela possibilidade. Parker não podia se permitir deixar de comer como Isabel.
– Saberemos cuidar dele – a assegurou.
Quando retornou com a bandeja, ela estava a ponto de dormir. Abriu os olhos no momento que se dispunha a deixar o quarto.
– Estou acordada.
Pôs a bandeja na cômoda, colocou uns travesseiros nas costas e aproximou a testa de seu colo.
Tinha queimado as torradas outra vez. Também tinha colocado uma rosa branca junto ao jogo de chá. A rosa dava um toque tão tenro que seu humor se restabeleceu e não se importou comer as torradas queimadas.
– Dói a garganta? – perguntou-a em voz baixa.
– Não. Pare de se preocupar, por favor.
– Isabel, quero me preocupar, certo? Me faz sentir melhor.
Deu uns tapinhas na cama, esperando a que se sentasse e pegou a rosa.
– Pode que seja apreensivo, mas também é um romântico.
Moveu a cabeça para negá-lo e seguiu olhando-a com o cenho franzido. Ainda assim, sua preocupação era irracional, dado que só estava congestionada.
Ergueu a mão para acariciar sua face, gostando do tato rude de sua pele. Não tinha se barbeado aquela manhã e a cor escura da incipiente barba dava a ele um aspecto inclusive atrativo em sua rudeza e em certo sentido perigoso.
Lembrou de como estivera assustada naquela escura noite de chuva quando se conheceram. Perfilada sua sombra sobre os relâmpagos e o rugido do vento soprando cada vez com mais força ao redor dele e de seu cavalo, uma imensa besta de olhos desenfreados, sua visão era aterradora. Achou que ia matá-la... até que lhe devolvera o rifle. Deveria haver-se dado conta antes que nunca teria feito mal a ela. O tom suave de sua voz quando se voltou para acalmar ao animal era uma amostra. O cuidado com o qual tomou em seus braços era sem dúvida outro sinal. A compaixão que alagava seus olhos e ...
– Isabel, preste atenção! Pare de sonhar acordada e beba o chá antes que se esfrie!
Foi arrastada ao presente pela brutalidade da ordem.
– Já disseram a você o quanto é mandão, Douglas? Então, me permita que seja a primeira a fazê-lo. É um mandão. Lembra-se da noite que nos conhecemos?
Sentia calafrios cada vez que pensava nisso.
– Nunca a esquecerei.
A expressão de seu rosto a fez rir.
– Não foi tão terrível!
– Sim, sim foi.
– Fui difícil?
– Sim.
– Não pode ser muito pior que quaisquer das outras mulheres que ajudou. Não é verdade?
– Ajudei várias... fêmeas.
– Sim?
Ele encolheu os ombros.
– Sim, o que?
– Dei mais trabalho que as outras?
– Decididamente, sim.
– Por quê? – pediu que explicasse.
– As outras não tentaram me estrangular.
– Não, não o fiz.
– Sim, você fez.
– O que mais fiz? Está bem, pode me dizer. Prometo que não ficarei louca – levantou o xícara de chá e deu um grande sorvo –. Estou esperando.
– Lembro que me acusou de uma infinidade de delitos.
O brilho de seus olhos lhe impedia de deduzir se estava sendo sincero ou não.
– Como quais?
– Vejamos – disse arrastando as palavras –. Foram tantos que é difícil pô-los em ordem. Ah, sim! Lembro que me culpou de sua gravidez.
A xícara tilintou sobre o prato.
– Não o fiz – sussurrou.
– Sim, sim o fez, e quase me convenceu. Diabos, eu até me desculpei! – acrescentou com um amplo sorriso –. Entretanto, eu não fui o responsável. Acredite-me, querida. Com certeza lembraria se a tivesse levado para a cama.
Ficou da cor do nariz. Colocou a xícara na bandeja, mas com sua atenção centrada em Douglas. Ele pôde ver como tentava conter a risada a toda custo.
– De que mais o acusei?
– De ser responsável por sua agonia.
– Isso já você já disse.
– Sinto muito. É complicado revivê-lo.
– Por favor, tente.
– Bem. Também era responsável pela chuva e ah, este é alucinante! Culpado de por ter tido uma infância infeliz.
– Não tive uma infância infeliz.
– Convenceu-me. E me desculpei.
Explodiu em risadas.
– Você gosta de exagerar, não? Estou certa de que as outras mulheres que ajudou foram iguais e tão difíceis quanto eu.
– Não, não foram.
– Quais eram essas mulheres? Santas?
Pôs a bandeja na mesa como medida de precaução antes de responder.
– Não eram exatamente mulheres, ao menos não no sentido que está pensando...
Deixou de rir.
– Então, o que eram?
– Éguas.
Ficou boquiaberta. Para sua surpresa, não se zangou, mas sim se pôs-se a rir.
– Meu Deus, devia estar tão apavorado como eu!
– Sim.
– Tinha alguma ideia do que teria que fazer?
Riu abertamente.
– Na realidade, não.
As lágrimas saltavam misturando-se com as risadas, e ao dar-se conta de que o ruído podia despertar Parker, tampou-se a boca com a mão.
– Estava tão... tranquilo... e tão seguro de tudo.
– Estava assustado.
– Você?
– Sim, eu. Ficou tão louca. E isso me assustou ainda mais.
– Não é verdade. Deixa de brincar comigo! Lembro perfeitamente o que aconteceu. Dominei-me o tempo todo. Lembro que levantei a voz uma ou duas vezes para que pudesse me ouvir do outro aposento, mas, além disso, o resto não foi tão mau, absolutamente.
– Isabel, estamos falando do seu parto ou de um jantar que compareceu?
– Nunca estive em um jantar, mas dei a luz e quero que saiba que meu incômodo e dores foram insignificantes comparados com o valioso presente que recebi. É maravilhoso!
– Quem é maravilhoso?
Desesperou-se.
– Meu filho! De quem pensava que estava falando?
– De mim.
Riria de novo se não tivesse começado a espirrar. Deu-lhe um lenço limpo, disse que descansasse e logo partiu para que assim o fizesse.
Para alívio dele, melhorou em um par de dias e Parker não parecia ter se contagiado. Ao chegar na segunda-feira pela tarde, com Douglas esgotado e a ponto de dormir na cadeira de balanço com o Parker em seus braços, ouviu o som claro de cavalos aproximando-se. Isabel estava preparando o jantar. Tinha reparado na presença dos visitantes no mesmo momento em que ele o tinha ouvido, já que se encontraram a meio caminho para avisar o um ao outro. Aproximou-se para tomar seu filho e se apressar para preparar-se.
Douglas se dirigiu à janela para ver por onde vinham. Disse entre dentes todas as blasfêmias que lhe passaram pela cabeça enquanto observava como Boyle e um estranho, que presumia seria um de seus capangas contratados, cruzavam o pátio. Douglas decidiu receber os dois homens. Não ia deixar que Isabel saísse. Aquelas artimanhas para lhe causar medo iam terminar. Estava sorrindo quando agarrou a maçaneta da porta disposto a sair.
Ela viu como destravava a arma. Não precisava ser uma clarividente para saber o que estava planejando fazer. Não havia tempo para rezar pelo pecado que ia cometer.
- Douglas, teremos que deixar que Boyle espere. É necessário que cuide de Parker. Acredito que tem febre. Que Boyle espere! – repetiu em um tom muito mais forte.
Esperou que Douglas soltasse o fecho da porta e passasse correndo diante dela, depois pediu perdão a Deus enquanto tomava posse do rifle e corria para receber Boyle. Tinha que sair antes que Douglas se desse conta de que o tinha enganado. Ia ficar muito furioso.
Boyle já estava levantando sua pistola para disparar para ar quando ela saiu. Manteve uma das mãos atrás, na maçaneta da porta para fechá-la, segurando o rifle com a outra sob o braço e com o dedo no gatilho.
– O que querem? – perguntou.
Boyle sorriu com malícia. Isabel não possuía estômago para suportar aquela visão. O desconhecido sentado sobre os arreios negros a olhava com desprezo. Não podia ver seus olhos, porque levava a aba do chapéu afundado até as sobrancelhas, mas sentia como a atravessava com o olhar. Como Boyle, o forasteiro aparentemente não considerava o rifle uma séria ameaça. Tinha as duas mãos imóveis sobre a sela de montar.
– Não está sendo muito sociável, Isabel, me apontando seu rifle!
– Fora de minhas terras, Boyle!
– Partirei quando estiver preparado. Vim lhe dizer que estarei fora uma temporada. Não crie falsas esperanças porque voltarei. Vou a minha reunião anual de família e espero ficar umas seis longas semanas, possivelmente um pouco mais. Como não quero que se sinta sozinha enquanto estou por aí, encarregarei minha mão direita que se ocupe de você. Chama-se Spear.
Voltou-se para seu companheiro, mandou que tirasse o chapéu ante sua futura esposa e se voltou para a Isabel.
– Spear cuidará de você. Mandei vários de meus homens lá encima no topo da montanha para que a vigiem também. Estarão dia e noite. Confortam-na meus cuidados? Não quero que lhe ocorra nada enquanto estiver fora. Quando eu voltar virá comigo. Compreende o que digo, pequena?
A mofa no tom de sua voz a deixou furiosa
– Fora daqui! – gritou.
Ele riu.
– Espero que já tenha tido essa criança quando voltar. Sua figura deve estar bem e com suas belas curvas de novo, para quando nos casarmos. Já está preparada para aceitar seu futuro,, e começar a suplicar que me case com você?
Respondeu apontando o rifle em sua direção. Spear levou mão a sua pistola mas não destravou. Boyle agitou as rédeas e se afastou cavalgando. Spear o seguiu.
– Não disse que era toda fúria e coragem? – gritou Boyle –. Terminará me rogando, entretanto, e o fará diante de todo o povoado. Só espere e verá.
Isabel não ouviu a resposta de Spear. A risada do Boyle a enfureceu. Ficou ali na entrada da porta vários minutos, vendo como se afastavam... e reunindo a coragem para enfrentar-se Douglas.
Pensou em ficar onde estava o resto do dia, mas Douglas tinha outros planos. Não ouviu que a porta se abria, mas sentiu que ele a puxava para trás, e a pressão em sua cintura, inclusive através do enchimento, era como um garra. Felizmente, teve prudência o suficiente para colocar o rifle em um lugar seguro antes que caísse.
Ele o agarrou antes que se chocasse contra o chão, fechou a porta comum golpe e a fez girar para que o olhasse cara a cara e só então a soltou.
O enchimento da cintura caiu ao chão e ela o afastou com um chute. Tinha decidido a estratégia que empregaria. Pela expressão de seus olhos, sabia que não ia ser razoável e já que sua única defesa era retirar-se ou atacar, escolheu a última.
Deu um passo para diante, plantou-se as mãos nos quadris e olhou com o cenho franzido.
– Me escute, senhor Clayborne. Se tivesse saído, tivesse tentado disparar e um deles poderia ter morrido. E então, o que seria de Parker e de mim? Me diga! Boyle tem amigos, lembra-se? Se o matasse, viriam para buscá-los e teríamos que nos desfazer de vinte homens enquanto tentamos defender um menino pequeno. Sou boa disparando e imagino que você também, mas também sou realista e não haveria maneira de eliminar todos antes que nos matassem. Convenci-o?
Adivinhou que não assim que abriu a boca.
– Se voltar, não sairá para falar com ele.
– Sabia que diria isso.
– Mentiu e quero que me prometa que não voltará a fazer.
– Agora sim acordou! Despertou o bebê. Veja!
– Ninguém vai se mexer até que me prometa isso. Sabe o quanto me assustou quando me disse que Parker estava doente? Maldita seja, Isabel, se alguma vez me mentir...!
– Se isso implicasse salvar sua pele, mentiria outra vez. Deveríamos estar celebrando em vez de brigar. Não ouviu o que disse Boyle? Por fim se vai! É uma notícia maravilhosa!
– Estou esperando.
– Ah, certo! Prometo não voltar a mentir. E agora, se me desculpa vou ver meu filho.
– Eu vou.
Tudo o que Parker precisava era que lhe limpassem as fraldas e logo que Douglas o trocou voltou a dormir.
Douglas não podia tirar Spear da cabeça. Pela expressão de seu olhar, sabia que ia ser uma ameaça mais séria do que Boyle.
Isabel percebeu como estava calado no jantar e pediu que dissesse no que estava pensando.
– Em Spear –a respondeu –. Boyle não me preocupa tanto como seu novo capanga.
– Não estou de acordo. Boyle é cruel e não tem escrúpulos.
– É um covarde, também.
– Como sabe?
– Ataca às mulheres, por isso sei. Não vai ser difícil desfazer-se dele, agora que sei qual é seu ponto fraco.
– Tem ao menos cem pontos fracos, mas ainda assim ninguém o matou. Passaria o resto de seus dias no cárcere ou... Seria enforcado.
– Não o matarei. Pensei em algo pior. Estou impaciente de que chegue o dia que tenha que prestar contas.
– O que vai fazer?
– Espera e verá.
– É legal?
Encolheu-se de ombros.
– Pergunto-me se Boyle terá contratado alguém mais.
– Quer dizer a alguém como Spear?
Ele assentiu.
– Como Boyle foi tão amável de nos comunicar que tem homens vigiando o rancho, irei cavalgando cada noite às montanhas para escutar suas conversas durante um momento.
– É necessário?
– Sim, é- – insistiu –. Parker vai completar logo oito semanas e o doutor Simpson disse que já estaria o suficientemente forte para sair daqui.
– Também disse que dez semanas seriam melhores.
– Está ganhando um pouco de peso?
– Claro que sim.
Douglas não estava convencido.
– Cada vez que o tomo em meus braços, dou-me conta de como é frágil e pequeno. Não me parece que engordou.
– Se esquece de como é grande? Cada dia que passa está mais forte, mas ainda é muito novo para levá-lo ao ar frio da noite.
– Pode ser que tenhamos que arriscamos – argumentou.
– Não o porei em perigo!
– E ficar aqui não é ainda mais perigoso?
– Sinceramente não quero falar disso agora.
– Pior para você – replicou–, porque temos que fazê-lo. Tem adquirir um pouco de razão. Meus irmãos me ajudarão a protegê-los e é melhor que partamos quando Boyle não esteja. Vou me assegurar de que realmente deixe o povoado antes de...
Estava movendo a cabeça com veemência.
– Parker é muito pequeno para viajarmos.
– Se o doutor dissesse que deveríamos nos arriscar, concordaria?
Teve que pensar durante um longo momento antes de aceitar finalmente.
– Desde que não o faça mudar de opinião. Não tente convencê-lo, Douglas.
Ele assentiu com um movimento de cabeça.
– Tem ideia do que quer fazer quando for daqui?
Ainda não tinha decidido nada sobre seu futuro. Podia mudar-se de novo para Chicago para dar aulas no orfanato ou ficar em Sweet Creek e conseguir um posto de professora no povoado ou nas proximidades do Liddyville.
O futuro não a assustava. Era deixar para trás o passado o que lhe produzia tanto dor. Sabia que tinha que deixar o rancho pela perigosa situação que se encontrava a casa onde seu falecido marido tinha insistido em instalá-la. Sim, tinha que partir, mas a ideia de empacotá-lo tudo e sair dali para sempre produzia uma desagradável sensação de fracasso. Aquela terra era o seu lar, eram o sonho do Parker. Tinha morrido protegendo ambas as coisas e que Deus a ajudasse, de onde ia tirar forças para deixar para trás seu sonho? Douglas não poderia compreender a angústia que lhe afligia e ela não queria explicar.
– Não quero discutir agora.
– Vai ter que enfrentar ao futuro, mais cedo ou mais tarde.
Isabel se levantou da mesa e apressou seu passo para a cozinha.
– Tenho tempo para decidi-lo com calma, agora que Boyle se vai.
– Não, não tem tempo, a não ser que tenha perdido a cabeça e acredita em algo que diga aquele bastardo.
– Você gosta de biscoitos? Pensei que poderia fazer e assim quando voltar do povoado poderá comer um pouco.
– Pelo amor de Deus! Tem que enfrentar os fatos, não à confeitaria!
Abriu a cortina para poder vê-lo.
– Quero cozinhar agora – pronunciou estas palavras com lentidão e precisão, lhe dando o mesmo tom a cada uma delas –. Resolvo meus problemas quando cozinho. Você gosta de biscoitos ou não?
Parecia estar suficientemente alterada para lhe disparar se lhe dizia que não. Rendeu-se em um intento por fazê-la raciocinar.
– Claro.
Douglas deixou o rancho uns minutos mais tarde, mas antes, passou pelo lugar onde se encontravam os homens do Boyle e não chegou a casa do Simpson até a meia-noite. O doutor o estava esperando sentado à mesa da cozinha com uma fumegante caneca de café em uma mão e sua pistola na outra.
– Chegou tarde esta noite – ressaltou –. Sente-se e servirei uma caneca de café, filho. Como está o pequeno?
Douglas tirou uma cadeira, sentou-se escarranchado e lhe disse ao doutor que não se incomodasse em lhe preparar nada. – Parker está bem, mas Isabel se está recuperando de um resfriado. O que deveríamos fazer se o pequeno se contagia?
– Mantenha-o abrigado...
– Isso é justo o que estivemos fazendo. Não há nada mais que se possa fazer? E se tiver febre?
– Douglas, o menino é muito pequeno para tomar medicamentos. Só resta esperar e rezar para que não caia doente.
– Quero tirá-los daquela armadilha mortal que ela chama de lar. Se tomar cuidado, poderia...
Interrompeu seu intento de expor seu plano ao ver o doutor Simpson mover a cabeça em desacordo.
– É um milagre que o menino sobreviva e isso é um fato, nascendo adiantado como o fez. Dar-se conta de como tentaria à sorte, tirando-o de noite? E aonde os levará? Boyle porá de pés para cima Sweet Creek buscando-os e não pense em ir a Liddyville, porque não sabe quem de lá Boyle tem no bolso. Já sei que falamos disso antes. Boyle também tem amigos em Liddyville e alguém se inteiraria de sua chegada. As pessoas falam de tudo com todos. Digo que é muito perigoso.
Douglas sentiu que uma forte dor de cabeça se aproximava.
– Que embrulho! – murmurou.
– Isabel está ansiosa por partir?
Fez um movimento negativo com a cabeça.
– Sabe que tem que ser assim, mas ainda não quer falar disso. Continua resistindo. É frustrante.
– Sei o que é e tenho mais más notícias para você – disse Simpson –. Boyle contratou outro capanga. Chamam ele de Spear e tem um semblante realmente aterrador. Fui bisbilhotando por aí para averiguar tudo o que pudesse e sei que Boyle o conheceu em uma das suas viagens anuais à Dakota. E a propósito de viagens, Boyle parte amanhã pela manhã. Ouvi como dizia a Jasper Cooper que ia pôr Spear no comando enquanto estiver fora – o doutor deu um gole ao café e continuou –. Ninguém no povoado suspeita que Isabel está recebendo ajuda. O tempo corre a seu favor porque tem outro mês para que o pequeno engorde e se desenvolva antes que Boyle retorne.
– Disse-me que poderíamos mudá-los quando tivesse oito semanas.
– Também disse que dez semanas seriam melhores.
– Se pudesse pedir ajuda agora, não poderia...
– Pense bem, filho. Não vai querer começar uma guerra com Isabel e seu filho no meio, verdade? Não, claro que não. Olhe o lado bom –sugeriu. Não fez caso do olhar incrédulo do Douglas e continuou –. Estiveram indo muito bem durante sete semanas e estou convencido de que pode resistir um pouco mais sem nenhum problema. Depois poderá pedir ajuda e tirar Isabel e menino dali. Ainda não entendo por que quer tirá-lo de noite, pense que quanto mais peso ganhe o pequeno, mais possibilidades terá. Além disso, com Boyle fora, será mais fácil. Não vê? Não é tudo tão lúgubre, não?
– Sim, sim é, diabos!
Simpson riu entre dentes.
– Está se apaixonando, não é certo, filho?
Douglas se encolheu de ombros mas não disse nenhuma só palavra.
– Posso vê-lo tão claro quanto água. Está pensando em se apaixonar por nossa garota?
– Não –negou com paixão e convicção.
Não estava mentindo porque não estava «pensando» nisso. Já estava apaixonado por ela.
Capítulo 9
A vida de Douglas se transformou em um inferno. Nunca tinha experimentado uma frustração semelhante e nem podia dizer que não gostava absolutamente. Felizmente, ela não sabia como se sentia e estava seguro de que não tinha notado como a olhava sempre que estava em sua presença. O doutor estava certo quando o assegurou que era muito bonita para seu próprio bem.
Tentava manter-se afastado dela sempre que podia. Tentou ignorar a atração física que existia entre eles. Era um engano e sabia. Além disso, era evidente que ela não estava preparada para admitir que seu casamento tinha sido insatisfatório nem que Parker carecia de qualidades óbvias. Se ela estava decidida a elevar aquele homem à categoria de santo, para Douglas estava tudo bem. De agora em diante, não importaria o ignorante, incompetente e louco que ele pensasse que tinha sido, guardaria sua opinião para si. Em qualquer caso, que direito ele tinha de criticar? E por que se incomodava que ela fosse devota da memória de Parker?
Era óbvio que ainda amava o marido.
Douglas reconheceu que não estava sendo lógico. A questão que o importunava era a lealdade. Sempre tinha gostado de pessoas que demonstrava ser leais, especialmente quando não era simples. Estavam vários níveis acima dos outros. Como sua família... e Isabel. Sim, Isabel. Continuava sendo leal a seu marido e a verdade era que Douglas não esperava menos dela. Ainda assim, tinha que ser tão cegamente leal? Tinha entregue a Parker sua fé, seu amor e sua lealdade imperecível, e entretanto ele falhara em todos os sentidos.
Mas não ia preocupar se mais com isso. Depois que o bebê engordasse um pouco mais, tiraria ambos de Sweet Creek, se ocuparia de Boyle e de seus bandidos e retornaria a casa, aonde pertencia. Até que chegasse esse dia, planejou ser educado com a Isabel, mas a distância.
Mas era mais fácil dizer do que levar a prática.
Os dias eram insuportáveis, já que no momento que dormia, os sonhos eróticos com ela o assaltavam. Não podia controlar seus pensamentos quando estava descansando e chegou ao extremo de ter medo de fechar os olhos.
Ela tinha piorado tudo ao pedir que deixasse de dormir no saco e usasse sua cama. Tinha um argumento válido. Ela se mantinha acordada durante o dia e elevaria a pequena cama de Parker para fora, Douglas poderia dormir sem interrupção.
Mas o problema não eram os ruídos. O que não queria era estar rodeado por seu leve e delicado aroma de mulher, embora estivesse disposto a levar um tiro antes de dizê-lo. De todo jeito não o entenderia e como não queria ferir seus sentimentos, jogou a cabeça para trás e se virou, apertando os dentes, perguntando-se quanta tortura poderia suportar um homem antes de explodir.
O pequeno era a única alegria em sua vida. Parker ia aumentando de peso e parecia estar mais forte a cada dia que passava. Embora parecesse impossível, sua voz também se tornou mais potente. Douglas não acreditava que os meninos desenvolvessem traços de sua personalidade até que tinham uns cinco ou seis meses, mas o filho de Isabel demonstrava ser tão extraordinário quanto sua irmã, Mary Rose, quando era um bebê.
Parker era mais magro que Mary Rose, mas apesar disso era capaz de exercer seu poder sobre os dois adultos, simplesmente abrindo a boca e murmurando para ter suas necessidades cobertas.
Para Douglas aquele pequeno tirano roubara seu coração. Certo que às vezes quando dava voltas de um lado para outro em meio a noite, com o bebê apoiado em seu ombro, tinha desejado colocar bolas de algodão nos ouvidos, para ter um momento de silêncio celestial. Mas outras, quando Parker rodeava com seu punho um dos dedos, apertando-o com força, dormindo tranquilamente em seus braços, sentia o enorme laço que se criara entre eles. Tinha ajudado a trazer Parker ao mundo e como qualquer pai desejava vê-lo crescer.
OH, sim, era uma alegria ter Parker por perto! Entretanto, não se podia dizer o mesmo de sua mãe. A atração física por ela ia crescendo e embora tentasse convencer-se de que era intocável, o propósito não funcionava. depois de viver juntos naquela intimidade durante oito semanas, a tensão e a frustração eram evidentes.
Isabel o via de outro modo, segura de que Douglas estava desejando desfazer-se dela. Acreditava que logo não aguentaria estar no mesmo aposento que ela e não importava como tentasse atrair sua atenção, porque ele a ignorava descaradamente. Se por acidente roçava seu braço ou de uma maneira não tão casual se aproximava dele, ficava tenso e fora de si.
Sua atitude a afetava mais do que queria admitir.
O que o céu a amparasse! Tinha inclusive sonhos indecorosos com ele e em cada um deles, ela era sempre a agressora. Não podia compreender por que não sonhava com seu falecido marido. Deveria ser assim ou não? Parker tinha sido seu melhor amigo. Douglas também era um amigo, mas não se parecia em nada com seu marido, já que enquanto Parker tinha sido um homem doce e amável, mas em certo modo pouco prático, Douglas era apaixonado, sexy, incrivelmente viril e útil em todos os aspectos, das iluminações à política. Irradiava segurança sobre si mesmo e pela primeira vez em sua vida, sentiu ter a alguém perto capaz de cumprir com sua parte. Até que Douglas apareceu, ela tinha levado toda a carga sozinha.
Desejava-o como nunca tinha desejado seu marido e era dolorosamente difícil para ela admiti-lo. Deitar com seu marido tinha sido um dever necessário para gerar um filho, que ambos desejavam, mas nenhum deles pusera entusiasmo no ato. Ela se encheu de alegria quando soube que estava grávida, mas também sentiu alívio, já que depois do doutor Simpson confirmar o diagnóstico, nem ela nem seu marido se voltaram a tocar de noite.
Isabel sofreu pela perda de seu amigo, mas não sentiu falta do que nunca tinha experimentado... até que Douglas apareceu em sua vida.
Queria lhe desgostar só para deixar de ter esses sonhos impróprios com ele, embora também a aterrorizava a separação final. Mas não era a única estava confusa. Tinha certeza que até Deus o estava, já que continuamente rogava a ele para que Douglas partisse, e também para que ficasse. De algum modo alentador, Deus seria capaz de solucioná-lo.
A última hora de uma tarde Douglas a surpreendeu banhando-se. Ela tinha acreditado que estava profundamente adormecido, já que a porta estava fechada e tinha sido tão silenciosa quanto um camundongo enquanto enchia a banheira de metal com a água que tinha esquentado no fogo da lareira. Não queria despertá-lo, por isso deslizara na água e lavara cada centímetro de seu corpo sem produzir nem um só barulhinho ou sequer deixar escapar um suspiro que pudesse ser ouvido. Acabava de apertar o laço que prendia o cabelo na parte superior da cabeça, jogando-o para trás de olhos fechados, quando ouviu o rangido de uma tábua no chão. Abriu os olhos no momento que Douglas saía do aposento.
Os dois ficaram petrificados. Muito estupefata para falar, a única coisa que pôde fazer foi olhá-lo com verdadeiro assombro, enquanto ele permanecia paralisado, fazendo mais patente que não esperava encontrá-la completamente nua, sentada em uma Cuba de água com os ombros e os pés se sobressaindo para ele.
Ele também estava meio nu. Deu-se conta imediatamente. As pernas afastadas, ia descalço e só usava calças de botões que não se preocupou em fechar. Tinha o peito coberto de pelo encaracolado e escuro e quando seus olhos começaram a descer, obrigou-se a fechá-los.
Finalmente sua voz saiu.
– Esqueceu de fechar as calças, pelo amor de Deus!
Devia estar brincando, já que não era ele o que estava completamente nu, e sim ela. Não a olhou mais de um segundo ou dois, mas foi suficiente para ver aqueles ombros dourados, os pés de cor rosada e virtualmente tudo o que havia entre eles. Demônios! Tinha o busto salpicado de sardas. Desforrou-se por sua tortura involuntária da única maneira que pôde. voltou-se, retornou com pisadas fortes ao quarto, e fechou com uma pancada a porta atrás de si.
O ruído despertou o menino, e isso a deixou furiosa. De repente se zangou tanto que perdeu todo rastro de vergonha, e se não tivesse recuperado a prudência no momento justo, o teria seguido envolta em uma fina toalha para lhe dizer que estava enjoada e cansada de ser tratada como uma leprosa.
Mas o pequeno tinha outras preocupações, parecia uma fúria, retorcendo seu minúsculo punho dentro da boca e pedindo aos gritos sua comida. A gaveta estava na mesa e quando levantou o menino em seus braços, seu aborrecimento se incrementou. Seu filho não deveria estar dormindo em uma gaveta de cômoda, pelo amor de Deus. por que Douglas não tinha feito nada a respeito?
Depois de trocar suas fraldas e o pijama, sentou-se na cadeira de balanço e deu-o de comer. Contou entre sussurros todas as transgressões de Douglas. Os olhos do Parker se mantiveram abertos, fixos nela até que se fartou de comer. Inclusive antes que o incorporasse sobre seu ombro, soltou um forte arroto, fechou os olhos e voltou a dormir.
Segurou-o com um braço, balançando-o tão forte que terminou marcando-o.
Douglas saiu um minuto mais tarde. Não se atrevia a falar com ele enquanto estivesse tão zangada. Precisava se acalmar primeiro. Entregou-lhe ao menino sem se incomodar em olhá-lo, trocou os lençóis da gaveta, e depois reclamou seu pequeno para deitá-lo.
O jantar estava quase preparado. Fizera uma grande panela de guisado e só restava tirar a gaveta da mesa, prepará-la e esquentar os pão-doces.
Ele não ficou o tempo necessário para comer. Disse que tinha trabalho que fazer e partiu. Sabia que estava zangado como ela, mas ele não perderia o controle por mais que provocasse. Não era aquele o traço mais frustrante de um homem? Tinha que mostrar-se tão estoico todo o tempo? Pensando bem, jamais perdia o controle e isso simplesmente não era humano.
Dava amostras de um surpreendente domínio. Quanto mais pensava naquele horrível defeito, mais se zangava. Os pão-doces queimaram e sinceramente isso foi a gota d’agua. Ia comê-los de todas as formas, jurou-o, mesmo que tivesse de obrigá-lo a engolir. Também ia comer seu guisado de carne que tinha demorado horas em preparar.
Isabel sabia que não estava sendo razoável, mas não se importava. Sabia que podia estar zangado e frustrado e sabia que podia amaldiçoa-la e continuar mantendo-a a salva. Sim, embora se comportasse como um urso mal-humorado, ele a fazia se sentir a salva, e gloriosamente viva.
Decidiu comportar-se como uma pessoa adulta. Levaria o jantar ao estábulo em sinal de paz. Esse ato de consideração faria com ele mudasse com toda segurança. Depois que jantasse, pediria que explicasse a ela o que o preocupava e por que tornava tão difícil a convivência com ele ultimamente. Ela queria fatos concretos, ela os teria.
Foi verificar como estava Parker, prendeu seu cabelo com um lenço branco e levou a bandeja ao estábulo. repetiu-se várias vezes pelo caminho o que diria:
«Estava certa de que estava com fome e por isso...»
Não, podia fazer melhor. Queria mostrar-se indiferente, não tímida.
– Deixarei a bandeja junto à porta, Douglas. Quando tiver fome, se sirva você mesmo – disse com um murmúrio. Sim, isso estava muito melhor. Então sugeriria sentar-se e falar quando tivesse terminado de jantar.
Ergueu-se e entrou. Divisou-o do outro lado do estábulo. Tinha as mangas arregaçadas e estava jogando um grande balde de água em uma tina de metal. Havia dois baldes vazios no chão junto a ele. endireitou-se, fazendo movimentos circulares com os ombros para eliminar a rigidez, secou as mãos em uma toalha que tinha pendurado em um poste e se dirigiu ao cocheira de Pégaso.
Ela avançou para poder ver o garanhão. Pôde ouvir como Douglas falava com animal, mas sem distinguir o que dizia. Viu como acariciava o pescoço do cavalo e como este mostrava sua gratidão, batendo com o focinho em seu ombro.
Ele sabia que o estava observando. Teria que estar morto e enterrado para não ouvir todo o alvoroço que estava montando. Isabel tinha convencido a si mesmo a entrar no estábulo e agora estava claramente tendo problemas para segurar a bandeja. Ou estava nervosa ou simplesmente fazia ruído para chamar a atenção dele. O copo produzia um tinido contra o prato e com a extremidade do olho pôde ver como os talheres e o resto de utensílios cambaleavam de um lado a outro.
Queria estar menos aborrecido antes de lhe dirigir a palavra, já que se a olhasse agora perderia o controle, feriria seus frágeis sentimentos e logo se sentiria mal por isso.
– Douglas, Quanto tempo acha que vai continuar me ignorando?
Ele se virou.
– Tentava averiguar por que quebrou a promessa que me fez. Lembra? Estou certo que me prometeu que não sairia a noite por que não poderia cuidar dos cavalos e de você ao mesmo tempo.
Colocou a bandeja a sua direita, sobre o assento da carroça antes de responder.
– Sim, lembro, mas pensei que teria fome e eu...
Interrompeu-a deliberadamente.
– Lembra por que dissemos que poderia ser perigoso?
– Douglas, pare de me tratar com uma criança! Sei perfeitamente o que prometi. Sei por que insistiu tanto. Disse que uma vez... só uma vez, alguns dos homens de Boyle se embebedaram e cavalgaram colina abaixo durante a noite e foi então que sugeriu que permanecesse aqui dentro.
– Se esqueceu de algo.
– Sim?
Olhou-a como dizendo que não acreditava que tivesse esquecido.
– Disse-me que tentaram entrar na cabana. Lembra?
Sabia que tinha razão. Não deveria haver se arriscado. Deveria haver ficado dentro de casa com seu filho. Era seu dever protegê-lo. Oh, não, o Winchester! deixou a arma lá dentro, junto à janela.
– Não pensei nisso. Está contente? Admita. estive muito preocupada ultimamente. E agora se me desculpar, vou voltar para meu filho.
Voltou-se e saiu apressada dali.
– Isabel, onde está o rifle?
Não o respondeu. Ele sabia bem onde estava, já que não o levava nas mãos quando entrou no estábulo. Perguntara só para fazê-la sentir uma estúpida, e com toda certeza estava se sentido assim, o que a fez zangar-se consigo mesma. Se não tivesse estado tão distraída com Douglas, nunca teria feito uma loucura como aquela.
Douglas passou a grandes passadas junto a ela e verificou como estava Parker. Dormia placidamente na gaveta sobre a mesa. O teria levado para o quarto, mas tinha as mãos cheias de graxa e decidiu esperar e lavá-las primeiro. Isabel ficou de pé junto ele, olhando seu filho. Não lhe dirigiu a palavra. Era hora de ambos falarem longamente sobre o futuro dela; tinha decidido, e depois que se lavou, planejou sentá-la frente a frente e forçá-la a tomar umas decisões.
Agarrou uma toalha limpa, uma barra de sabão e se dirigiu ao estábulo para tomar um banho. Esfregou seu corpo para eliminar a sujeira, mas a água não ajudou a desfazer-se da febre que padecia há semanas, cada vez que pensava em Isabel. Desgraçadamente, isso acontecia na maioria dos dias e noites. Não, nem sequer a água fria o aliviava. Poderia lavar-se na neve e ainda assim arderia por dentro por tocá-la.
Precisava fugir dela e o quanto antes possível, mas não podia fazê-lo até que lhe dissesse, em nome de Deus aonde queria ir. Ficaria evitando aquele momento se ele assim o permitisse. Antes do anoitecer, ela ia tomar uma decisão. Douglas sabia que tinha que controlar-se. Também sabia como fazê-lo. Tudo o que tinha que fazer era expulsar o diabo que tinha dentro de si, porque estava se tornando um animal selvagem.
As coisas iriam mudar de agora em diante. Colocou roupa limpa, apagou o abajur e se dispôs a ter a conversa tão esperada com Isabel.
Ela o esperava.
Levou a bandeja com o jantar intocado para a cozinha.
– Temos que conversar – disse em voz baixa para não despertar ao pequeno –. Antes levarei ao Parker daqui.
– De novo à cômoda? – seu tom mostrava sua indignação.
– Não é momento de suportar uma de seus ataques Isabel. Temos que...
– Um de meus ataques? Não posso acreditar no que acaba de dizer... Deixa a gaveta aí e venha comigo. Quero que veja algo. Dirigiu-se às pressas ao quarto para evitar que respondesse. Assim que ele entrou, fechou a porta e indicando com agitação o saco de dormir que estava no chão junto a sua cama, o cutucou com o dedo.
– Importaria-se de me explicar por que dormiu no chão hoje, quando há uma cama em perfeitas condições a um passo? Acredito que sei o porquê, mas prefiro de todas formas ouvi-lo dizer.
– Por que acha que dormi no chão? – respondeu com evasivas.
- Porque a ideia de te se deitar em minha cama lhe é tão repulsiva que em seu lugar prefere a dureza do chão. Estou certa, não é?
– Não, não está.
Teve o descaramento de franzir a sobrancelha e isso a enfureceu. Ficou do outro lado da cama para plantar alguma distancia entre eles.
– Não negue. Sei que você não gosta de estar aqui. Nem pode suportar ficar na mesmo ambiente que eu. O que eu fiz para que se sinta assim, Douglas? Não, não responda. Acho que chegou o momento de você partir. Isso é do que queria me falar, estou errada?
Não podia acreditar que uma mulher pudesse ser tão ingênua. Tinha confundido tudo e para ser sincero, não podia imaginar-se como chegara a tão extravagantes conclusões. Será que nunca ninguém disseraa o quanto era bonita?
– Não tem nem ideia do que estou pensando, verdade? – surpreendeu-se a si mesmo ante tal revelação.
Ela respirou profundamente, e se ordenou deixar de criticar; decidiu desculpar-se.
– Sinto muito haver falado desse modo. Se não fosse por você, não sei que teríamos feito Parker e eu. Sentia-me tão frágil. Deveria estar agradecendo sua ajuda e a única desculpa que tenho para me comportar como uma harpia é que não me sinto eu mesma ultimamente.
– Por quê?
– Por quê? Dê uma olhada a seu redor, Douglas. Minha vida está se desmoronando. Não sei como...
– Não é tão desolador.
Ia lembrá-la que tinha um filho maravilhoso que cada dia estava se tornando mais forte, mas não lhe deu tempo a dizer outra palavra. Não estava de humor para ser razoável e particularmente não gostava que a contrariassem. Sua voz se voltou ainda mais aguda.
– Claro que é desolador! Meu filho dorme na gaveta da cômoda, pelo amor de Deus. Quando terá um berço em condições e eu vou parar de me apavorar quando chover? Acha que não sei onde Parker me instalou? Todo mundo no povoado tentou convencê-lo de que não o fizesse, mas estava decidido a lhes demonstrar que se equivocavam. E agora, está contente? Reconheci que não era perfeito. Nem você tampouco, Douglas. É mal educado e frio e tão terrivelmente sensato todo o tempo que faz que queira gritar de desespero.
– Está gritando, querida.
– Não comece a ficar amável! Nunca perde a compostura?
– É meu turno já? Não para de me fazer perguntas, mas não me deixa responde-las.
Parecia tranquilo e cometido, como sempre. Isto a confundia.
– Não faz ideia de quanta frustração me faz sentir!
– Quer que falemos de frustração? – deixou escapar um sorriso áspero e se aproximou dela –Está ante a pessoa mais frustrada do mundo. Tem que estar cega ou simplesmente louca para não se dar conta do que provoca em mim sua mera presença.
Uma vez que começou, as palavras saíram sozinhas e não pôde deter-se.
– Durmo no chão porque seu cheiro está nos lençóis e me faz sentir tão condenadamente ardente que não posso pregar o olho. Só penso em fazer amor. Entende agora?
De repente se encontrou encurralando-a contra a parede, olhando-a iradamente.
– Agora está assustada ou a emudeci ao ferir sua sensibilidade? De que diabos está rindo, Isabel? Quero levá-la para cama. Entende? E agora, não está assustada?
Lentamente, Isabel moveu a cabeça.
– Isabel, rogo a você . Me mande embora.
– Fique.
– Entende o que...?
– Sim, entendo – disse baixando o tom de voz.
Rodeou-lhe o pescoço com seus braços. Ele segurou com suavidade seu rosto entre as mãos, abachou a cabeça lentamente e lhe disse:
– Tentei me manter afastado de você...
– Tentou? – perguntou-lhe quase sem fôlego com um suspiro.
– Não sou suficiente forte para resistir. São tão sexys essas sardas...
– As sardas?
– Sim, as sardas. Um homem só pode resistir à tentação até que lhe levam a dar uma dentada à maçã, querida, e quando a vi metida no banheiro, eu...
– Douglas, vai me beijar de uma vez?
Antes de ter terminado de lhe fazer à pergunta a boca dele se apossou da sua. Não foi perfeito, foi muito melhor. Sua reação se desatou imediatamente. Todo seu corpo respondeu a aquele beijo e quando sua língua encontrou a dele, ela imitou seu movimento, beijando-o com toda a paixão reprimida em seu interior.
Manteve-a presa a ele enquanto procurava prolongar sua ânsia por devorá-la. Ele se Acabaria antes que houvesse inclusive começado a lhe fazer todas as coisas que queria, se não a convencia para que fosse mais devagar, embora só a ideia de parar para explicar era simplesmente muito para que ele aceitasse.
Nenhum dos dois teve tempo de pensar em despir um ao outro ou em meter-se na cama. Douglas poderia ter se jogado sobre ela em sua pressa por cobri-la com seu corpo. Ou justamente o contrário, ela poderia haver se atirado sobre ele. Parecia ter adquirido uma força extraordinária nos últimos minutos enquanto a obrigava sutilmente a deixar de beijar cada centímetro de seu peito.
Não opôs resistência alguma. Como a amava. Era tudo o que sempre tinha desejado em uma amante.
O contato com sua cálida pele era incrivelmente maravilhoso. Tão perfeita em tudo. Adorava o modo em que seus seios pressionavam sobre seu próprio tórax, e enlouquecia ouvindo seus ofegos cada vez que aproximava seu corpo do dela, que não tentava ocultar o fato de estar tão fogosa quanto ele. Assim deixou de lado o controle e as inibições.
Percorreu com os lábios todo seu corpo, começou pelo pescoço, os ombros, os seios e lentamente desceu por seu ventre.
– O que está fazendo? – perguntou-lhe com voz entrecortada pela paixão.
– Estou beijando cada uma de suas sardas.
Eram as palavras mais lindas que já tinha escutado.
– OH, minha mãe! – sussurrava repetida vezes, a cada vez que a tocava, beijava ou a acariciava.
Afligiu todos seus sentidos até que foi incapaz de pensar. Pediu-a que lhe dissesse se algo não a agradasse, mas embora tentasse responder, dizer que nada do que fizesse podia ser desagradável, cada vez que abria a boca ele fazia algo mais maravilhoso ainda, e não podia fazer nada a não ser suspirar e gemer.
Se o que pretendia era deixa-la louca, estava conseguindo gloriosamente. Quando veio a apoderar-se finalmente dela, sentiu um beliscão de dor à medida que se introduzia com lentidão em seu corpo, convertendo-se agora em uma parte de seu ser. Mas ele a segurava com tanta suavidade que a dor se transformou rapidamente em prazer.
Ia saboreando cada sussurro, cada movimento dela, e quando, por último, a urgência de encontrar um alívio se fez insustentável, ele se esforçou em satisfazê-la plenamente, aumentando o ritmo e impondo seu domínio.
O êxtase que jamais antes tinha experimentado começou como um murmúrio, logo se transformou em um batimento do coração até chegar à explosão do clímax. Abraçou-o estreitamente enquanto o mundo se fragmentava em milhares de estrelas brilhantes, impregnando-se seu maravilhoso ato de amor de beleza e júbilo.
Levou vários minutos para se recuperar. Manteve-a estreitada contra ele, beijando seu pescoço e acariciando-a com delicadeza.
– Está bem? – perguntou ele com um fio de voz.
Não o respondeu, em seu lugar deixou escapar um suspiro em seu ouvido e ele soube antes de reunir as forças suficientes para levantar a cabeça e olhá-la que ela estava feliz.
Satisfazia seu orgulho havê-la deixado exausta. Ficou relaxada abraçada a ele, com suas longas pernas entrelaçadas às suas e seu rosto escondido na curva de seu pescoço, nesse preciso momento, pertencia completamente a ele. Isso teria que bastar por toda uma vida.
Capítulo 10
Na escuridão com a Isabel entre seus braços, Douglas se sentiu embargado pela culpa. Fazer amor tinha sido um engano. Aproveitou-se dela quando era vulnerável e dependente dele. Não tinha sido honrado. Em que diabo estaria pensando? Por todos os Santos! Não tinha pensado, não ao menos com a cabeça, porque se fosse assim não a teria possuído. Sua falta era imperdoável, mas ainda assim sabia que nunca esqueceria como se sentiu ela em seus braços. Sua lembrança ia persegui-lo durante o resto de sua vida.
Agora a magoaria fazendo encarar a realidade. As circunstâncias os unira, mas em outro tempo e lugar não o teria escolhido e quando voltasse a ao mundo exterior, se daria conta.
Era a antítese absoluta de seu falecido marido. Parker era um sonhador. Douglas realista, e até então, também, um homem sensato.
O choramingo do bebê obrigou Douglas a deixar de lado seus lúgubres pensamentos. Trocou suas fraldas e depois o balançou enquanto explicava a ela sua agonia pelo qual estava passando. O pequeno deixou de queixar-se durante uns minutos, ergueu os olhos para ele, com um olhar fixo que Douglas interpretou como de curiosidade intelectual.
Sentiu-se como se fosse perder seu filho. Do momento em que Parker veio ao mundo, Douglas o tinha amado e mimado como se fosse o pai do menino.
O pequeno dormiu rendido, beijou sua testa, disse que o amava em voz baixa e o pôs de novo na cama.
Despertou Isabel com suavidade. Rodeou-lhe o pescoço com os braços e tentou abraçá-lo para puxá-lo para cama. Douglas a beijou nas pálpebras e insistiu que abrisse os olhos, prometendo que poderia dormir quando retornasse de sua ronda noturna.
– Tem que vigiar aos homens do Boyle todas as noites?
Tinha muito sono para discutir. Seguiu-o até a porta principal para fechar de
atrás dele a tranca.
– Quanto tempo estará fora?
– Como sempre –respondeu –. Escutarei a conversa deles durante um momento e logo voltarei.
– Nunca dizem nada interessante –lembrou-o ela.
– Ainda estou nisso.
Bocejou, assegurou-o que estaria acordada e o beijou.
– Tome cuidado.
O encanto de seu delicado corpo era difícil de resistir. Uma hora mais tarde dava obrigado por ter mantido sua rotineira visita, já que os homens do Boyle estavam faladores, e como de costume, bêbados. O tema de conversa era diferente aquela noite; para variar não amaldiçoavam Boyle por tê-los feito permanecer à intempérie toda a noite. O objetivo de seu ressentimento era Isabel. Sua fúria estava dirigida por completo contra ela. Se não fosse tão obstinada, se daria conta de quanto Boyle era rico e poderoso e faria o que a ordenava. Seu chefe queria que se ajoelhasse e suplicasse que se casasse com ela, e a opinião unânime de todos aqueles pistoleiros a salário é que era só questão de tempo que acabasse fazendo exatamente aquilo.
Douglas tinha escutado aquelas queixa antes mas não daquele modo tão veemente. Então um deles sugeriu levar a cabo o plano de Spear, que consistia em entrar pela força em casa da Isabel e levá-la ao rancho do Boyle.
– Spear quer impressionar o chefe e está certo que pôr a essa mulher em sua cama, resolveria o problema. Acha que Boyle o gratificaria bem e se todo mundo levar o plano adiante, prometeu compartilhar parte do dinheiro conosco.
Dois dos homens se mostraram completamente em desacordo. Um deles continuou dizendo que Boyle não lhes tinha pago o último mês de trabalho, porque fazia-os esperar até que retornasse de Dakota.
Logo se fez evidente para Douglas que inclusive os que se opunham ao plano do Spear, temiam-no. Era questão de tempo o que estivessem atemorizados o bastante para não ser capazes de opor-se. Ouvir o que diziam de Isabel, enfureceu-o, e só controlava sua ira obrigando-se a lembrar que ela e Parker vinham primeiro. Quando estivessem a salvo, Boyle e seus bandidos seriam uma presa fácil.
Deus, com que ânsias esperava Douglas esse momento!
O tempo tinha passado muito rápido. Era hora de mandar procurar seus irmãos, assim continuou para a casa do médico.
Como cabia esperar, Simpson discutiu com ele, mas Douglas fez caso omisso a suas palavras.
– Pode que Boyle não volte até dentro de uma semana ou dois, e esse bebê precisa de cada cada hora que possa permanecer em sua casa. É muito frágil ainda para ir a algum lugar.
– Sabe o que irá acontecer se Spear descer até o Rancho? Vou matá-lo e então Boyle virá correndo com ao menos vinte homens. Parker não terá nenhuma oportunidade se começar uma guerra. Sabe que tenho razão. Envie esse maldito telegrama amanhã.
– Deus o ajude, filho.
No passado, Douglas sempre tinha sido muito franco e quando à manhã seguinte falou com a Isabel, fez uso disso.
Esteve caminhando ante a lareira antes que ela chegasse. Tinha a cesta da costura nas mãos e se apressou a deixá-la sobre a mesa para poder lhe abraçar.
Disse-lhe que se sentasse, mas não teve a menor suspeita do que estava a ponto de lhe soltar até que lhe olhou a cara.
– O que foi?
– Nós, isso é o que foi.
Seus olhos se abriram desconfiados.
– Não.
– Sim – insistiu ele –. Não deveria tê-la levado para a cama ontem à noite e quero que entenda. Aproveitei-me de você, foi isso. Pelo amor de Deus, não balance a cabeça assim! Sabe que tenho razão. Poderia havê-lo deixado grávida, Isabel. Não pode voltar a correr este risco.
Ficou estupefata ante a crueldade de suas palavras e o tom zangado de sua voz.
– Não o entendo! – gritou –. Por que me diz essas coisas? Não percebe como me magoa?
– Por favor, não o faça isto mais difícil do que já é. Poderia lhe dar centenas de razões por que isto é errado.
– Me dê uma que tenha sentido.
– Sentiu gratidão por eu tê-la ajudado.
– É obvio que me sinto gratidão, mas essa não é a razão de termos feito o amor. Não. O que passou entre nós não foi um engano... foi bonito... e adorável... E... – não pôde continuar. Os olhos se encheram de lágrimas ao lhe dar as costas. Significavam tão pouco para ele as horas que compartilharam? Não, não acreditava. Não podia.
– Uma vez que voltar para mundo exterior, este contratempo se...
– Contratempo? – disse com um fio de voz –. Pelo amor de Deus! Pare de ser tão sensato todo o tempo e escuta seu coração.
– Deixar de ser sensato? Maldita seja! Se tivesse sido sensato, teria tirado você e Parker deste inferno a muito tempo e teria mantido minhas mãos afastadas de você.
– Não teria partido. Teria posto em perigo a meu filho. Foi prudente ficar e ontem à noite eu o desejava tanto como você a mim.
Precipitou-se sobre ele para abraça-lo, mas ele retrocedeu, dizendo que não com a cabeça.
– Tentará entender? Nos deixamos arrastar por circunstâncias fora de nosso controle. Você estava desesperada e tão grata por minha ajuda que confundiu a gratidão com o amor. É uma base fraca para um compromisso duradouro e com o tempo e a distância se dará conta de que tenho razão. Tem que seguir adiante com seu filho, Isabel. Assim é como deve ser.
– Sem você?
– Sim.
Tinha sido sua última palavra e ela estava destroçada demais para tentar fazê-lo mudar de ideia. Dirigiu-se ao quarto rezando para que ele a seguisse e dissesse algo que lhe desse esperanças de um futuro junto a ele.
Não pronunciou nenhuma palavra. Ela se voltou para rogar uma última vez, mas as palavras ficaram presas em sua garganta. Vê-lo era tão doloroso como ásperas tinham sido ao que dissera. Estava de pé ante a lareira com a cabeça voltada para diante e as mãos cruzadas. As linhas de seu rosto refletiam a angústia interior.
Parecia pesaroso. Acabava-lhe de dizer um adeus?
– Douglas, importa alguma coisa o fato de amá-lo?
O silêncio foi sua resposta.
Capítulo 11
Isabel e Douglas se evitaram tanto quanto foi possível durante os dois dias seguintes. Estava absorta em seus pensamentos, ante a ideia de um futuro sem ele e tentando aceitar sua decisão abandoná-los. Ele por sua parte, passava horas considerando a maneira mais lógica de mantê-los todos com vida até que chegasse ajuda.
Não comentara o plano dos homens do Boyle, nem nada do telegrama que tinha enviado a seus irmãos, mas Deus sabia que não tinha sido por não havê-lo tentado. Cada vez que tocava no assunto, ela se girava, saía da cômoda e ia atender seu filho.
Ele se mantinha ocupado cada dia até que entardecia o bastante para ir espiar os homens do Boyle.
Ela se passava o dia cozinhando. A primeira hora da noite do segundo dia, havia quatro empanadas e dois bolos sobre a mesa. Isabel estava ainda nisso quando ele se preparou para partir.
– Poderia parar de mexer nessa massa tempo suficiente para me escutar?
– Claro que sim.
Deu-se conta de que seria muito pedir que o olhasse. Sabia quanto magoada estava e se perguntava se faria uma ideia do quanto difícil era para ele aquela situação. Não perguntou que não desejava entrar em outra discussão. Se chorasse de novo, o destroçaria. Estava decidido e convencido de que fazia o certo. Com o tempo e com a distância, ela o compreenderia.
– Se não estiver muito cansada quando voltar acho que seria uma boa ideia empacotar algumas coisas para quando formos.
– Não estou muito cansada.
– Passa o tranca assim que eu fechar a porta.
– Ninguém vigiará a cabana esta noite; está chovendo.
– De todas as formas vou dar uma olhada.
– Amo-o Douglas – deixou escapar as palavras antes que ele pudesse detê-la –. Estou tentando entender por que você...
Interrompeu-a.
– Está muito alterada para falar disso. Quando se sentir mais...
– Lógica?
– Sim.
Esteve a ponto de atirar a massa de biscoitos em sua cabeça. Pôs a terrina sobre o fogão, antes de reagir movimento por um impulso e segui-lo até a porta. Esperou a que se despedisse dela com um beijo, sabendo com toda certeza que não o faria. Depois fechou a porta, explodiu em prantos. Supunha-se que o amor não era tão doloroso, não era assim? Como poderia lhe fazer compreender que o seu era real? Por que o estava estragando? Sabia que ele a amava e que acreditava que tinha atuado vilmente, aproveitando-se dela. Estava engando, mas também era orgulhoso e teimoso, e não sabia como lhe fazer trocar de opinião. Recuperaria o sentido comum com o tempo e a distância, ou continuaria pensando que tinha atuado da maneira correta, partindo?
«Meu Deus, não permita que nos abandone. Ajude-o a ver que estamos destinados a ficar juntos.»
A ideia de um futuro sem o Douglas se fazia insuportável; em uns minutos se encontrou arremessada para diante, respirando com dificuldade entre assustadores soluços.
Não ouviu os homens do Boyle até que os cavalos entraram rapidamente no pátio. Ao mesmo tempo, começaram a soar disparos contra a cabana. Os homens rodearam a casa, proferindo ameaças atrozes e obscenidades contra ela enquanto seguiam esvaziando suas armas.
Santo Deus, o pequeno... Tinha que chegar até o bebê e protegê-lo. Correu para ele, com frenesi para pô-lo a salvo. Os soluços eram abafados em sua garganta enquanto tomava o seu filho entre seus braços. Encurvou-se para protegê-lo e girou para uma das paredes do fundo. A bala teria que atravessá-la primeiro antes de alcançar seu filho.
O ruído era ensurdecedor. Os disparos ricocheteavam nas paredes, os homens não deixavam de gritar, Parker chorava e a única coisa que podia pensar era encontrar um lugar seguro onde esconder seu bebê. Não havia tempo para consolá-lo. Tinha que pô-lo a salvo.
«A SALVO... Deus santo, me ajude a protegê-lo... me ajude.
O armário. Sim, o armário estava embutido em uma parede interna. Isabel correu para ele, abriu as portas com uma puxão, deixou-se cair sobre os joelhos, afastando com desespero os sapatos.
«Depressa, depressa» – sussurrava enquanto estendia o braço para desenganchar o grosso roupão do cabide e o colocava estendido para que fizesse de almofada sobre o duro chão. Deitou Parker sobre ele se levantou com um salto e entreabriu as portas deixando unicamente uma fresta para que entrasse ar.
Tinha passado menos de um minuto desde que se ouviu o primeiro disparo, mas sua cabeça gritava que se apressasse, depressa, depressa. Voltou a toda velocidade para sala de estar, apagou as luzes e acionou o gatilho do rifle. Com as costas pregadas à parede, começou lentamente a deslizar-se para as cortinas para poder olhar lá fora.
A janela da parte dianteira saltou pelos ares, e os cristais estalaram em mil pedaços dispersando-se por toda a habitação, enquanto as balas seguiam perfurando as paredes e o chão. Uma vela saltou pelos ares, chocou-se contra o tapete, e foi parar à lareira.
De repente se fez o silêncio, aquilo era mais aterrador que o ruído. Tinham acabado com seu jogo ou estavam carregando suas armas? Se estavam bêbados, se aborreceriam rápido e partiriam.
«Por favor, Meu deus, por favor. Faça que se vão».
Aproximou-se um pouco mais ao buraco que agora era a janela. Levantou a cortina feita em farrapos com a ponta do canhão do rifle e olhou para fora.
Lá fora reinava a mais absoluta escuridão. Um trovão soou na distância, enquanto a chuva golpeava seu rosto e o pescoço. Esforçou-se em ouvir até o som mais insignificante, esperando a que um deles viesse para ela.
De repente o céu se iluminou com um relâmpago e pôde ver os seis com claridade. Tinham formado uma fila bem diante de sua porta e se encontravam a menos de seis metros de seu filho.
A cara do Spear surgiu ameaçadora diante dela, sob a crepitante luz cinzenta, sua pele tinha adquirido um tom fantasmagórico, seus olhos, Meu deus, seus olhos estavam tão vermelhos quanto os do diabo.
Tornou-se para trás contra a parede e respirou profundamente, contendo-se para não gritar. Mataria primeiro ele.
Uma voz a ameaçou com a força de um látego assobiando no mais absoluto silêncio.
– Lembra-se de mim, cadela? Meu nome é Spear e sou o chefe agora. Estou esperando-a. Ouviu? Vou contar até dez e se não quer que faça mal a você, sairá antes que termine.
Sua voz era fria, pausada e cheia de ódio. Não parecia estar bêbado e isto o fazia ainda mais perigoso. Não era o álcool o que guiava seu comportamento e sim o diabo.
– Um... dois... três...
– Espera Spear! – gritou um deles –. Não é o choro de um menino?
– Maldita cadela! – vociferou outro –.Já teve o bebê.
Douglas deu a volta lentamente no celeiro e se aproximou por trás de Spear. Estava tão furioso que tinha que repetir a si mesmo « calma».
– Terá que entrar um de nós e pegar o menino, assim nos seguiria – sugeriu o homem à esquerda do Spear entre risadas nervosas –. Entra e agarre-o, Spear. Eu não vou entrar aí com essa harpía. Faça você.
– Irei eu pelos dois – disse seu amigo –. Eu não tenho medo. – Sua voz fanfarrona se converteu de repente em um grito –. Algo me mordeu! Morderam minha perna!
– Do que está falando, Benton? As serpentes não sairiam a noite. Você deve está assustado, isso é tudo.
Spear desceu do cavalo.
– Vocês dois calem a boca para que possa ouvi-la quando responder.
– Acha que vai convidá-lo para entrar? – perguntou um deles dissimulando a risada.
Benton girou seus arreios e se dirigiu às colinas. Douglas pôde ouvi-lo gemer enquanto partia cavalgando. perguntou quanto tempo levaria a aquele louco bêbado perceber que levava uma faca cravada atrás da coxa.
Spear ficou de pé junto a seus arreios, com toda certeza tentando decidir se entrava ou não.
Douglas rezava para que o fizesse. Não permitiria que se aproximasse da porta e se supunha que tinha que matá-lo, não sentiria o menor escrúpulo. Aquele bastardo tinha aterrorizado uma mãe inocente, destruído parcialmente seu lar e agora queria arrastá-la com seu filho. Só pensar que algum deles pudesse tocar Isabel ou Parker o fazia ir às nuvens.
«Vamos, Spear. Adiante».
Spear sacou a arma; um terrível equívoco. Tinha dado um passo para a soleira da porta quando Douglas acertou em sua perna direita.
Isso o fez sentir-se realmente bem.
Spear não pensou o mesmo. Deu um grito de dor enquanto caia de joelhos. Cambaleou-se com desespero para ficar de pé, e se voltou veloz, apontando com sua pistola para cima para disparar.
Douglas disparou na outra perna. Spear caiu para frente com a pistola enganchada na mão, aterrissando de cara no barro.
– Alguém mais quer ficar aleijado para o resto da vida?
A veemência na voz de Douglas, unida ao lamento do Spear, foi suficiente para convencer aos outros de que desistissem de lutar.
Spear rolava no barro como um porco tentando manter-se em pé. Gritou a seus homens que matassem Douglas, enquanto rodava sobre um de seus flancos, levantando a cabeça e apontando com a arma.
Douglas disparou no meio da testa. Um de seus amigos foi agarrar a arma, mas sua mão nunca chegou a tocar a coldre. A seguinte bala de Douglas acertou seu ombro. O homem soltou um grito e desabou.
– Atirem as armas ao chão! – ordenou Douglas.
Esperou a que obedecessem a sua ordem para chamar a Isabel.
– Já terminou. Você e os meninos estão bem?
Pôde perceber o medo em sua voz quando respondeu.
– Sim, sim... Estamos bem.
Uns segundos mais tarde, a luz do abajur de querosene deslizou pela janela para o pátio.
– Nossos amigos estão lá encima nas colinas, senhor – alardeou um dos prisioneiros –. Se tiver um pouco de senso comum, será melhor que se vá antes que cavalguem colina abaixo e lhe matem.
– Intuo que está só – disse um de seus amigos a meia voz.
– Segue intuindo, animal!
Era a voz de Cole. Douglas se alegrou tanto de ouvi-lo que começou a rir. Não teve que voltar-se para saber que seus irmãos estavam atrás dele. Não o tinha escutado se aproximar e estaria contrariado se tivesse sido assim, porque o menor ruído teria sido um indício de descuido. Ser descuidado no oeste podia significar morrer.
– Por que diabo demorou tanto para chegar?
– Tive que reunir aos outros antes de partimos – respondeu Adam.
– Vai matar esses homens?
– Não vai matá-los, Cole.
– Fico feliz que tenha chegado a tempo, Harrison – disse Douglas.
– Deveria deixar que partíssemos senhor. Benton escapou e alertará aos outros.
– Deus, que estúpidos! – acrescentou Adam.
– Suponho que o homem com a faca era Benton – disse Harrison –. Travis foi atrás dele. Imaginou que iria querer sua faca de volta.
Douglas fez um gesto com a arma a Cole.
– Ata-os bem no celeiro.
De repente a porta da cabana se abriu e Isabel saiu correndo com o rifle nas mãos.
Douglas se adiantou para a luz, e arrebatou o rifle para evitar que acidentalmente disparasse em um de seus irmãos. Soube que os tinha visto porque se deteve em seco, olhando com atenção por cima de seu ombro, mas depois de lançar um rápido olhar a cada um deles, voltou sua atenção aos bandidos do Boyle.
– Onde está? – perguntou a voz tremendo de cólera.
– Quem? – perguntou Douglas.
– Spear. Você o matou? Não importa. Tanto faz se estiver morto ou não. vou acertá-lo de qualquer jeito.
Douglas não a permitiu agarrar de novo o rifle. Assegurou-se de que estava seguro e o lançou a Adam.
– Não quer disparar em ninguém.
– Sim, claro que quero. Quero disparar em todos.
Agarrou a saia com força.
– Vou atirar em alguém, Douglas. Eles... acordaram... o meu... bebê... E eles...
Não pôde continuar. O horror pelo que acabava de passar, sobreveio de repente. Derrubou-se por completo, apoiando-se sobre ele e começou a soluçar.
– Partiremos daqui, Douglas. Não me zangarei mais com você. Partiremos, partiremos.
Capítulo 12
A cozinha dos Simpson se encontrava cheia do Claybornes. Trudy Simpson estava preparando outro bule de café para seus honráveis convidados, emocionada por tê-los à mesa, e tentava preparar um festim para demonstrar sua apreciação. Os irmãos tinham vindo ao Sweet Creek para ajudar a Isabel, e isso os fazia seres excepcionais.
Falavam-se sussurrando os uns aos outros para não incomodar ao Parker, que dormia placidamente sobre o ombro de Cole.
O doutor se uniu uns minutos mais tarde, e quando chegou, jogou um grande pacote de papéis amarelados atados com um laço rosa sobre a mesa ante o Douglas.
– Os tirei de Isabel. Era mais de uma da madrugada e a encontrei estudando-os atentamente quando deveria estar dormindo. por que não os examina por ela? Um deles deve ser a escritura dessa terra imprestável e quando a encontrar, acredito que deveríamos queimá-la, pois já tirou todo o proveito possível.
– Como se encontra? – perguntou Trudy.
– Está esgotada, mas bem. Não é necessário que se preocupe de nossa garota.
– É um milagre que este pequeno homenzinho tenha sobrevivido – assinalou-a. Colocou uma bandeja de presunto na mesa e retornou ao fogão para recolher o pão-doce –. Ora, se for menor que uma ervilha! Não acredito que tenha havido nunca um menino tão pequenino.
O doutor se fez um oco com a cadeira entre o Adam e Harrison e se sentou.
– Não é tão pequeno quanto esperava, mas não deve movê-lo até que ganhe um pouco mais de peso. Entende o que estou dizendo, Douglas? Isabel e seu menino devem ficar aqui, e agora que os trouxe, eu gostaria de saber quais são seus planos para quando surgirem os problemas.
– Refere-se a Boyle e seus homens? – perguntou Harrison.
Douglas tinha contado a seus irmãos tudo o que sabia de Boyle e para quando teve terminado de lhes dar os detalhes, todos estavam ansiosos para conhecer homem que sozinho tinha conseguido aterrorizar a um povoado inteiro. Cole era o que estava mais intrigado, e também era o mais decidido a acabar com o reino do tirano.
– Assegurarei de que a luta não aconteça no povoado – disse Douglas.
– Como conseguirá? – quis saber o doutor Simpson.
– Senhora Simpson, poderia parar de me olhar assim? – pediu-lhe Cole –. Está me deixando nervoso.
Trudy riu.
– Não posso evitar. É tal como imaginava o Delegado Ryan. Tem a mesma cor de cabelo e olhos, e tão grande como se supõe que ele seja.
– Mas não o viu nunca, verdade, senhora? – perguntou-lhe com aparente desespero.
– Isso não muda as coisas. O ministro nos deu uma descrição detalhada do homem da lei e quase todos os domingos durante o sermão nos conta alguma que outra historia sobre a coragem de Ryan.
– Não deveria pregar sobre a parábola ou fragmentos da Bíblia? por que falar de Ryan? – perguntou Adam.
– Para nos dar esperança – respondeu Trudy, nublando-se o os olhos pela emoção – Todo mundo precisa ter esperanças. E ao ver Cole entrar em minha cozinha, todo garboso, assumi com toda naturalidade que era Ryan. Por isso o abracei e beijei.
– Senhora, eu não estava garboso, estava andando. E eu não gosto de muito que me comparem com o Daniel Ryan.
– Por que não? O homem é uma lenda, pelo amor de Deus! Várias histórias se ouvem dele, contos de glória...!
– Desculpe-me, senhora, mas não acredito que seja uma boa ideia contar a Cole qualquer dessas histórias agora. Não gosta muito do oficial. De fato, não gosta nem um pouco – esclareceu Adam.
Trudy se levou a mão à garganta.
– OH, não pode ser! Todo mundo gosta dele!
Douglas não prestou atenção na conversa. Estava entretido observando o fardo de papéis que Parker tinha deixado para sua esposa. Não queria examiná-los, porque cada vez que pensava em seu falecido marido, zangava-se. Parker tinha submetido Isabel a grandes penas pelas quais nenhuma mulher deveria passar.
Lançou o pacote a seu irmão Adam por cima da mesa.
– Examine-os. Separe os documentos importantes.
Com rapidez Adam empurrou os papéis para o Harrison.
– Você é o advogado. Examina-os você.
– Por quê tenho que fazê-lo agora? – perguntou Harrison.
– Isabel quer encontrar o certificado dos cavalos árabes. Tem em mente fazer algo com os papéis, mas não me confiará o que. Pode ser muito obstinada e já sabe até que ponto uma mulher pode ...
– Doutor, vigia suas palavras – o recordou Trudy.
– Só ia dizer que as mulheres têm o gênio debaixo da manga, Trudy.
Soltou um bufo, desconfiando de suas palavras. Seu marido trocou rapidamente de tema para evitar uma discussão.
– O que têm feito com os puros sangues? – perguntou.
– Travis tinha algo em mente. Assim que o deixamos em suas mãos-explicou Adam–. Com toda certeza são cavalos magníficos – acrescentou com um gesto de assentimento.
Harrison se encurvou sobre a mesa para ler os documentos e Douglas ficou a explicar as mudanças que o doutor teria que fazer em sua rotina até que Boyle estivesse controlado.
– Terá que permanecer aqui até que resolva isto.
– E o que ocorrerá se alguém fica doente enquanto isso? Tenho que ir aonde precisam de mim – argumentou o doutor.
– Então dois de meus irmãos irão com você. Cole, fique no povoado com o Adam e se assegure de que ninguém se aproxima desta casa.
– Isso quer dizer matar qualquer homem de Boyle – disse Cole.
– Chegado o momento, é o que fará.
– Quem é Patrick O’Donnel? – perguntou Harrison.
Pergunta-a captou toda a atenção do doutor.
– Por que me pergunta pelo Paddy, «o louco irlandês»? Conhecia-o?
– Não, senhor, não o conhecia, mas seu testamento está aqui e seu nome aparece nesta escritura. Pergunto-me se...
Simpson não lhe deixou terminar a frase.
– Bem, filho, tenho que contar uma história, justo como a contei ao Douglas, sobre como Paddy, o irlandês, riu pela última vez.
Douglas fez um gesto a Harrison para que passasse a escritura e o testamento com o fim de lê-los enquanto o médico contava a estranha história do louco ancião irlandês.
Os irmãos ficaram fascinados com o relato. Douglas estava fascinado, mas com os documentos que segurava entre as mãos. Releu a descrição da propriedade que Parker Grant tinha herdado de Patrick O’Donnell, mas ainda não podia assimilar o que estava vendo até que leu a escritura uma terceira vez.
Quando Simpson acabou seu relato, Douglas começou a rir. Tentou explicar o que o divertia tanto, mas cada vez que começava a falar, a risada se apoderava dele.
– Filho, vou pensar que está tão louco como o velho Paddy, o irlandês. O que é o que o faz rir tanto?
Douglas entregou os papéis ao homem. Uns segundos depois, a risada se apoderou também do doutor Simpson.
– Bendito seja Deus, depois de tudo há justiça neste triste mundo! – disse enquanto se secava as lágrimas dos olhos.
– O que picou aos dois? – perguntou Trudy intrigada.
Cole ficou em pé e começou a passear pela cozinha com Parker nos braços. O pequeno se despertou com toda aquela comoção.
– Baixem a voz! – espetou –.Parker não está gostando disso.
Adam se levantou e tomou ao menino dos braços de Cole.
– Já ficou com ele muito tempo, agora me dê.
– Paddy não estava louco, Trudy. Na realidade era um homem inteligente.
– E Parker também – reconheceu Douglas.
– Paddy apresentou uma reclamação sobre algumas terras anos antes que Boyle chegasse aqui e se instalasse.
O doutor esmiuçou a história então.
– Boyle nunca respeitou a lei. Sempre gostou de se apoderar do que queria. E ainda o faz – acrescentou.
– Agora bem, lembrança que levava muito pouco tempo por aqui quando decidiu construir uma grande casa no topo da colina nos subúrbios do povoado.
– Todo mundo sentia saudades pelo peculiar das visitas diárias do Paddy, chovesse ou fizesse sol, ao lugar, para ver como progrediam as obras. Levou mais de um ano terminá-la, quase dois! Sim, senhor, isso levou! A casa tinha três andares e todos e cada um dos detalhes de luxo que jamais pudessem imaginar. O lustre de cristal que pendurava da sala de jantar veio de Paris, França. Sim, realmente era um palácio e Boyle queria fazer alarde disso.
– De onde tirou todo o dinheiro para construir uma casa tão grande? – perguntou Adam.
– De arrendar a maior parte das terras a esses magnatas estrangeiros que se introduziram no negócio do gado por ser tão rentável. O gado era conduzido do Texas para pastar nos campos de doce erva de Montana. Fez uma maldita e imensa fortuna durante anos, recolhendo o dinheiro das rendas.
– Só que não era o dinheiro de suas rendas mas sim das de Paddy. Ele era o dono das terras onde Boyle construiu sua casa – explicou Douglas.
– Deve ter dito na noite da festa, porque foi quando começaram os golpes. Tive que tratar Paddy tantas vezes que perdi a conta.
– E por que simplesmente não o matou? – perguntou Cole.
– Paddy foi a um advogado para fazer o testamento. Era suficientemente esperto para não incitar Boyle sem proteger-se legalmente e conhecendo como gostava de divertir-se, imagino que se negaria a dizer a Boyle quem herdaria as terras depois de sua morte. Certamente não disse onde poderia encontrar o testamento; Paddy era um tipo ardiloso depois de tudo.
– E quem as herdou? – perguntou Adam.
– Não sei a quem deixaria tudo, quando redigiu o primeiro testamento, mas conforme se deduz desta emenda, mudou-o depois de conhecer Parker e a Isabel. Provavelmente porque foram tão amáveis com ele, deixou-lhes tudo.
– Então ela é a proprietária da casa e de todas as terras? – perguntou Travis.
– Sim – respondeu o doutor.
– O dinheiro que recebeu dos arrendamentos aos magnatas, também pertence a ela – interferiu Harrison.
– Ou Paddy disse a Boyle justo antes de morrer, a quem as terras iriam, ou Parker o fez depois que Paddy morreu. Em qualquer caso foi um engano. Qualquer coisa que o fizesse deveria ter recorrido à lei para reforçar a demanda – assentiu Douglas.
– Boyle não teria feito caso da lei – acrescentou Simpson.
Harrison mostrou seu desacordo.
– Um bom advogado teria conseguido que um juiz confiscasse as contas do banco. Boyle teria que ir a julgamento e ganhá-lo para poder voltar a pôr as mãos no dinheiro. Se tivesse perdido, é obvio, e os homens pobres não podem pagar a seus capangas para que façam o trabalho sujo.
De repente, os Clayborne ficaram de pé e começaram a mover-se. Douglas e Cole tiraram suas pistolas ao mesmo tempo, dirigindo-se à porta de atrás. Adam desapareceu pelo corredor com o Parker, e Harrison ficou ante Trudy Simpson com a arma destravada.
Todo mundo esperou em silêncio. Trudy se sobressaltou ao ouvir um assobio pela janela.
Um segundo mais tarde entrou Travis andando tranquilamente, parecia cansado, mas feliz. Deu uma palmada no ombro de Douglas ao passar junto a ele, saudou a senhora Simpson levantando o chapéu ligeiramente antes de tirá-lo e logo se sentou sobre a mesa.
Fizeram-se as apresentações oportunas e Trudy deu o último toque à mesa para dar a s boas-vindas.
– Está com fome, jovem? Será melhor que prepare um pouco para você.
– Não quero causar nenhuma incomodo, senhora.
Trudy já se deu a volta para agarrar a frigideira. O doutor serviu-o uma taça de café e se sentou de novo.
– Vai comer filho, então é melhor aceitar. Minha Trudy decidiu e já tirou a frigideira.
– Sim, senhor. Comerei.
– Trouxe minha faca de volta? – perguntou Douglas.
– Sim. Prendi Benton a um poste no celeiro para que deixe loucos os outros com seus gritos. Nunca tinha visto um homem chorar daquele modo. Sinceramente, foi desagradável.
Cole riu.
– Ouvimos você se aproximar da porta, Travis. Está se tornando desajeitado.
– Queria que me ouvissem.
Adam retornou à cozinha com Parker.
– Parker tem fome – remarcou.
Douglas se levantou em seguida, tomou ao menino e se dirigiu às escadas.
Trudy saiu correndo atrás dele.
– Espera Douglas! Não pode entrar no quarto de Isabel desse modo! Não seria apropriado.
– Trudy, ele trouxe para esse mundo o menino! – gritou seu marido. –. Não acredito que tenha importância se a vir de camisola agora. Esteve vivendo sob seu teto durante mais de dois meses.
– Isso foi antes e agora é agora – respondeu ela –. Douglas teve que trazer para esse mundo o menino porque não havia ninguém mais ao redor para fazê-lo. Agora tudo tem que ser mais apropriado. Eu levarei o pequeno.
Secou as mãos no avental antes de pegar o menino. Não respondeu, porque sabia que seria melhor para a Isabel se não o visse outra vez. Tinha-a ferido, fazendo-a enfrentar à realidade. Com o tempo, se daria conta de que aproveitara-se dela e tinha a esperança de que quando esse dia chegasse não o odiasse.
Apoiou-se contra a parede, cruzou os braços sobre o peito e ficou olhando fixamente a um nada, tentando imaginar o que seria de sua vida sem a Isabel e Parker.
Harrison o tirou de seu ensimesmamento provocado por esses rudes pensamentos.
– Trouxe para aquele menino ao mundo?
– Sim.
– Sente-se e me conte como o fez.
– Por quê? – perguntou Adam.
– Quero estar preparado quando meu filho ou filha nascer. Estou um pouco... Nervoso. Eu não gosto da ideia de ver minha mulher sofrer.
Douglas agradeceu a distração. Sentou-se escarranchado para olhar de frente a Harrison.
– Nervoso você? Nunca acreditei que pudesse se alterar por algo.
Harrison encolheu os ombros.
– Me conte como foi – pediu.
Douglas decidiu ser sincero. Soergueu-se e disse a meia voz.
– Um verdadeiro inferno.
– O que disse? – perguntou Cole.
– Disse que foi um verdadeiro inferno – repetiu Adam –. Deixa de brincar, Douglas. Harrison está ficando pálido.
Os irmãos achavam que estava brincando. Douglas pensou que tinha resumido bastante a experiência, mas ao refletir sobre isso, se deu conta de que tinha sido como um inferno só durante um momento.
– Não foi de todo mau – disse –. A princípio estava assustado e depois muito ocupado pensando em tudo o que podia acontecer de errado. Isabel fez todo o trabalho e quando segurei Parker em minhas mãos...
Todos esperaram a que terminasse. Douglas moveu a cabeça. Não queria compartilhar a lembrança. Isso pertencia a Isabel e a ele. Era a única coisa que poderia levar consigo quando deixasse Sweet Creek.
– Foi quase um milagre, Harrison – admitiu –. Então pare de se preocupar. Além disso, você não terá que fazer nada. Mama Rose ajudará no parto.
– Pensei em ficar com ela quando chegar o momento.
– Trudy retornou à cozinha para recolher a cafeteira, depois rodeou a mesa para servir café.
– Obrigado – disse Cole –. Sabe o que não chego a compreender?
– O que? – perguntou Adam.
– O povo de Sweet Creek – respondeu Cole –. Como pode um homem só atemorizar todo um povoado?
– Um homem com vinte pistoleiros trabalhando para ele – interferiu o doutor –. Não há covardes no Sweet Creek, mas a maioria é rancheiro. Nenhum deles poderia se defender em uma briga porque não têm experiência. Se não pergunte ao pobre Wendell Border.
– O que aconteceu com ele? – perguntou Adam.
– Wendell saía da igreja com sua mulher e seus filhos quando alguns homens o apanharam. Obrigaram-no a se ajoelhar diante de Sam Boyle. Wendell não suplicou e foi então que este ordenou a seus homens quebrassem suas duas mãos. As pessoas tentaram impedi-lo, mas seus bandidos tiraram as armas, ameaçando matar quem ficasse em seu caminho. A pobre família do Wendell teve que assistir à barbárie. Foi realmente um dia lamentável.
– Entende agora por que fiquei feliz quando pensei que foi o oficial Ryan, Cole? – perguntou Trudy –. Parecia ser a resposta a nossas preces.
Travis abriu os olhos surpreso.
– Ele adora quando o confundem com Ryan.
– Todo mundo em Sweet Creek vai se confundir como eu o fiz– insistiu Trudy.
Foi este comentário inocente o que brindou Douglas com um plano. O doutor Simpson estava se desculpando quando Douglas se voltou para ele.
– Doutor, há cadeia em Sweet Creek?
– Sim. Está ao final do povoado, perto dos estábulos. Ninguém esteve ali dentro desde que o anterior xerife pôs sua insígnia sobre a mesa e partiu do povoado. Por que o pergunta?
– Cole vai utilizá-la – replicou –. Não acredito que queira conhecer mais detalhes, senhor. Poderia fazê-lo ter alguns problemas com a lei.
– De acordo, então – assentiu –. Vamos Trudy. Estes homens precisam de certa privacidade agora. Tenho o pressentimento de que amanhã vai ser um dia ocupado para todos nós. Mais é melhor que durmamos um pouco enquanto podemos.
Douglas esperou que o casal de anciões subisse as escadas para contar a seus irmãos o que queria fazer.
– O senhor Simpson me disse que todo mundo no Sweet Creek esteve rezando para que Daniel Ryan viesse a salvá-los.
– E? – perguntou, Cole.
Douglas sorriu abertamente.
– Amanhã, suas preces serão resposta.
Daniel Ryan, ou melhor, Cole Clayborne fazendo-se passar por Daniel Ryan, chegou cavalgando pela rua principal do Sweet Creek na sexta-feira pela manhã, justamente às dez em ponto. Foi diretamente ao escritório de telégrafos, onde segundo mais tarde se comentava apontou na frente com uma pistola para Jasper Cooper para convencer de que colaborasse e enviasse um telegrama ao Sam Boyle, informando de que suas contas tinham sido canceladas.
Nesse mesmo instante, Harrison entrou no banco, apresentando-se aos empregados um documento realmente convincente que os ordenava transferir todo o dinheiro da conta de Boyle ao banco do Liddyville, onde permaneceria até que o tribunal determinasse quem era o credor.
O diretor do banco, como bem demonstrou, não era um dos partidários de Boyle, já que não examinou com atenção os papéis e não perdeu nem um minuto em transferir o dinheiro para Liddyville. Entretanto, esboçou um pequeno sorriso.
Duas das caixas ajudaram a escrever um grande cartaz, que cravaram no poste que havia fora do banco, notificando a todo mundo que o dinheiro do Boyle tinha desaparecido.
A notícia explodiu como pólvora e no espaço de duas horas, ao menos quinze dos vinte e cinco pistoleiros de Boyle abandonaram o povoado para destinos desconhecidos. Sua lealdade desapareceu com o dinheiro. Aqueles que decidiram esperar Boyle para restabelecer sua ordem, foram presos, pelo oficial Ryan e dois de seus delegados e encarcerados na prisão.
Nada do que os Clayborne estavam fazendo era legal, uma realidade que Harrison assinalou ao menos uma dúzia de vezes. Cole podia ficar onze anos sob trabalhos forçados por suplantar a personalidade de um homem da lei e Harrison compartilharia a cela com ele por falsificar documentos.
Cole negou a se preocupar com as consequências. Tinha a esperança de que Ryan ouvisse que havia um impostor e viesse por ele. Então Cole conseguiria recuperar a bússola que o oficial tinha arrebatado de Mama Rose.
Douglas foi ao encontro de Boyle. Não consentiu que nenhum de seus irmãos o acompanhasse e se negou a dar detalhes do que tinha planejado fazer. Pediu-lhe ao doutor Simpson que dissesse a Wendell Border que levasse a sua família à igreja no domingo seguinte e que saísse exatamente às onze em ponto. Haveria uma surpresa lhe esperando.
Não é necessário dizer que a igreja estava abarrotada de gente. O reverendo Thomas se emocionou de ter a casa cheia e decidiu tirar o máximo partido. Desprezou o sermão que tinha preparado e em seu lugar falou do fogo do inferno. Delirou, encolerizou-se e inclusive ameaçou. Aqueles que não assistiam à igreja assiduamente estavam predestinados a arder no fogo
Do inferno para toda a eternidade. E gritando e golpeando o púlpito com os punhos enquanto conduzia à congregação a um estado de frenética culpabilidade e introduzia o temor a Deus em seus corações.
No momento em que pronunciou a palavra «condenação», Wendell Border e sua família ficaram de pé.
O orador se deteve no meio grito.
– Já está na hora, Wendell?
– Vão dar as onze – disse em voz alta.
A multidão esperou em silêncio contido que Wendell abandonasse seu banco e encabeçasse a saída da igreja. Sua mulher, enganchada do braço, caminhava junto a ele, enquanto que suas duas filhas pequenas os seguiam saltitando.
Nesse momento, nem em suas mais exageradas especulações, ninguém do povoado teria podido imaginar o que ia acontecer.
Aproximando-se caminho abaixo pelo centro da rua, para a igreja ia Sam Boyle. Douglas o seguia, apontando com a pistola para que avançasse.
As pessoas começaram a rir. Boyle não parecia tão feroz agora. Estava vestido apenas com calções sujos e uma camiseta interior. Andava saltitando sobre um pé e logo sobre o outro, e embora as gargalhadas abafassem qualquer outro ruído, todo mundo pôde ver que Boyle estava chorando.
Não, agora não parecia nenhuma ameaça para ninguém, nem sequer para os meninos. A fera tinha sido por fim dobrada e só restava o covarde.
O doutor contou mais tarde a Isabel que Douglas tinha encontrado um castigo pior que a morte para o Boyle. Utilizou seu orgulho para destruí-lo.
Boyle chorou todo o caminho até a igreja, depois se ajoelhou ante Wendell, suplicando perdão. Mas Wendell não se encontrava muito disposto a concedê-la e permaneceu em obstinado silêncio.
Os amantes da lei do Sweet Creek perseguiram Boyle até jogá-lo do povoado. Ninguém esperava que voltasse, mas se se atrevia a fazê-lo, repartiriam justiça outra vez. Seu halo de poder o tinha feito parecer invencível ante aqueles que tinha atemorizado, mas agora o povoado tinha visto como era na realidade e deixaram de temê-lo.
Peter Collins, o homem do estábulo, deu um passo à frente e se ofereceu como xerife. Cole ainda como Daniel Ryan, meio que incomodo aceitou seu juramento.
Os Clayborne deixaram o povoado umas horas mais tarde. Douglas deixou seu coração atrás de si.
Capítulo 13
Voltar a rotina não foi uma coisa fácil. Douglas se mantinha ocupado, cada hora do dia, para não pensar nem um segundo em Isabel. Os negócios estavam no auge. Vinha gente até o Blue Bell e até de Nova Iorque para dar uma olhada aos magníficos cavalos que os Clayborne criavam.
Douglas ampliou a operação, comprando outras terras adjacentes ao rancho principal. Os cavalos selvagens que Cole e Adam capturavam eram levados aos pastos verdes e adestrados ali, antes de pô-los à venda.
O estábulo do Blue Bell foi também aumentado, assim como uma segunda cavalariça que adquiriu Douglas aos subúrbios do Hammond.
Trabalhava de sol a sol, mas nem o tempo nem a distância nem o trabalho duro mitigavam a dor que sentia sempre que o assaltava algum pensamento a respeito da Isabel. Ele se dizia repetidas vezes que tinha feito o certo. Então, por que machucava tanto?
Seus irmãos se mantinham tão afastados de seu caminho quanto possível. Adam o batizou de «o urso», apelido unanimemente aceito, já que encaixava com o caráter áspero que mostrava aqueles dias. Grunhia a todo mundo, exceto a Mama Rose e a sua irmã, ria pouco e se negava com obstinação a contar o que o preocupava.
Seus irmãos imaginavam, já que tinham conhecido Isabel Grant e depois de passar uns minutos no mesmo aposento com ela e Douglas, se deram conta de que seu irmão estava apaixonado por uma mulher formosa. Falava com doçura, era por natureza delicada e obviamente muito mais inteligente que ele. Não tentou esconder o que sentia por seu irmão, o que fez que gostassem ainda mais. Por outro lado, Douglas estava decidido a se comportar como uma mula teimosa. Se eles sabiam que amava Isabel, e ele também o sabia, então quando ia recuperar a sanidade e fazer algo a respeito?
Cole apostou cinco dólares que levaria três meses para reagir. Travis já opinava que levaria dois meses, viu os cinco dólares de Cole e aumentou a aposta inicial até dez dólares. Adam disse que não era simpático apostar na miséria de Douglas, mas como também pensava que demoraria quatro meses para ir atrás de Isabel, dobrou em vinte dólares a oferta de Travis.
Douglas não se inteirou de nada. Já fazia seis semanas que tinha deixado Sweet Creek e não tinha passado nem sequer um dia sem pensar em Isabel e Parker. Não sabia quanto tempo demoraria em ceder à tentação e retornar a procurá-la.
Estava a ponto de abandonar Hammond para ir a um leilão um pouco mais ao norte no River’s Bend, quando recebeu um telegrama do Adam pedinto que fosse para casa.
Douglas pensou que sua irmã se adiantara no parto. Mary Rose fizera com que todos prometessem que estariam no nascimento de seu primeiro filho. Não os queria para que confortasse a futura mãe, essa seria tarefa do marido. A tarefa deles era acalmar Harrison.
Chegou a Rosehill ao redor das três da tarde. O sol abrasava seus ombros; não tinha se barbeado em dois dias e só pensava era em beber algo fresco e tomar um banho de água quente.
Divisou ao Pégaso quando cavalgava caminho abaixo pela última colina. O garanhão árabe estava encabritado dentro do curral. Douglas estreitou os olhos cegados pelo sol e viu o Adam e a Cole sentados à sombra no alpendre, com os pés apoiados no corrimão.
Ordenou a seu cavalo que acelerasse a marcha quando se aproximou do curral, e no momento em que foi desmontar, a porta da estrebaria se abriu e viu que Travis deixava Minerva sair .
– Não tem uma aparência espetacular esta égua? – gritou Travis.
Douglas ficou paralisado sem poder acreditar. Tinha a voz rouca quando perguntou em voz alta:
– Como chegaram até aqui?
Travis encolheu os ombros.
– Terá que perguntar a Adam – sugeriu –. Talvez ele saiba.
Douglas se dirigiu para a casa, mas antes que pudesse fazer nenhuma pergunta Adam ofereceu uma cerveja fria.
– Parece ter febre –assinalou.
– Acho que está doente – acrescentou Cole.
– Como chegaram aqui? – perguntou Douglas.
– Como chegaram aqui, quem?
– Os puros sangues – resmungou.
– Pode que tenham vindo dando um passeio – disse Cole.
– Ou galopando, talvez – acrescentou Adam.
Trocaram risadas antes de continuar atormentando um pouco mais a seu irmão.
Douglas estava apoiado contra uma coluna, olhando fixamente através do guichê da porta para a entrada. A angústia que viu em seus olhos fez que Adam se sentisse culpado.
– Talvez possamos dizer, Cole.
– Acho que deveria sofrer um pouco mais. Foi um inferno viver com ele durante o último mês e meio. Além disso, perdi a aposta ou a perderei logo que a veja.
– Está aqui, então?
– Estava – disse Adam.
– Onde está agora?
– Não precisa gritar. Podemos ouvi-lo muito bem.
– Isabel Grant é uma mulher contraditória – remarcou Cole –, parece tão doce e inocente, mas tem um lado obscuro desconhecido, Douglas, que é o que faz que eu goste tanto dela. Precisa pensar onde vai se meter antes de ir procurá-la.
– Do que está falando? Isabel não tem um lado obscuro. É perfeita maldita seja! É boa, amável e...
– E generosa?
– Sim, generosa.
– Estou de acordo com você – disse Adam –. Mas também estou de acordo com Cole. A garota realmente tem um lado obscuro. Quer que fiquemos com os cavalos árabes porque a ajudou muito e isto a transforma em uma mulher generosa de pés a cabeça. Não pensa o mesmo, Cole?
– Claro que sim. Mas também veio a matá-lo – recordou a seu irmão –. Parece realmente decidida a fazê-lo. Penso que talvez não devesse ter carregado o rifle para ela, Adam.
– Não, suponho que não foi uma boa ideia.
– Está ainda aqui?
Douglas se estava dirigindo à porta quando Adam respondeu.
– Sim, está aqui.
– Se o matar, ficaremos com os puros sangues, de todas formas – gritou Cole –. Ela prometeu.
Douglas já tinha entrado na casa. Procurou na parte de cima, no salão, na biblioteca, na sala de jantar e por último olhou na cozinha. Mama Rose estava de pé junto ao forno. Voltou-se para ele entrar; levava ao Parker encolhido em seus braços.
Parou-se em seco, simplesmente contemplando-o.
– Não é a coisa mais doce que já viu Douglas? Sorri o tempo todo. Olhe, já está rindo outra vez.
Douglas estendeu a mão para tocá-lo, acariciou com a ponta dos dedos a cabeça coberta pelos finos cabelos.
Parker o olhou e sorriu.
– Onde está sua mãe? – perguntou com voz emocionada.
– Foi ao estábulo –respondeu Mama Rose –. Eu, tomaria cuidado se fosse você, está muito zangada.
Douglas sorria outra vez.
– Ouvi dizer.
Saiu pela porta de atrás, deu a volta à esquina da casa e correu para as cavalariças. Cole chamou para que se voltasse com um agudo assobio.
Girou-se e ali estava ela, na parte de acima das escadas, observando-o.
De repente se esqueceu de andar. Não podia acreditar que ela se encontrasse ali. Parecia estar completamente louca, e era sem dúvida a mulher mais bela que jamais tinha visto... Ou amado.
Ao diabo com a honra! Por bem ou para mau, não ia deixar que partisse jamais. Deu um passo para ela. Isabel levantou as saias e começou a descender as escadas, mas Cole a deteve.
– Não esqueça o rifle, Isabel.
— Obrigado, Cole, por me lembrar.
Levantou a arma, se voltou e continuou. Deteve-se uns quatro metros dele elevou a mão.
Fique onde está, Douglas Clayborne. Tenho algo a dizer e vai me escutar.
– Senti saudades, Isabel.
Ela moveu a cabeça.
– Não acredito que tenha sentido saudades. Esperei e esperei, mas você não foi me procurar e estava segura de que o faria. Tem-me feito mal, Douglas. Precisava vir aqui e lhe dizer quão cruel foi me deixar. Tudo o que me disse antes de partir... Lembra? Eu não esqueci nenhuma palavra. Disse que tinha que me reencontrar com o mundo exterior e que certamente depois disso o esqueceria. Pois bem, estava enganado. Não o esquecerei jamais. Esquecerá de mim?
– Não, nunca poderia te esquecer. Isabel, ia a ...
Não o deixou terminar.
– Nunca me disse que me amava, mas eu sabia. Disse como me sentia. Lembra? Amava-o, amo-o agora e o amarei até o fim dos meus dias. Eu precisava dizer isso. Espero que seja tão desgraçado como eu sou. Obstinado, é teimoso como uma mula!
Avançou um passo mais para ela. Retrocedeu e levantou de novo a mão.
– Não se mova e deixa que termine. Não tenho feito mais que começar. Tive tudo isso guardado muito tempo e vai me escutar. Como se atreveu a me dizer que te abri meus braços e meu coração porque me senti agradecida contigo? Enfureceu-me que acreditasse tal coisa, mas logo, quanto mais o pensava, mais me dava conta da razão que tinha.
Surpreendeu-lhe sua admissão.
– Não, não tinha razão – disse ele.
– Sim, tinha – replicou –. Me senti grata e isso foi com certeza o motivo pelo qual dormi com você. O amor não teve nada a ver.
– Isabel, não pode acreditar realmente...
– Quer parar de me interromper? Preciso terminar com isto. Quando você partiu, tive muito tempo para pensar e me dei conta de que também me sentia agradecida ao doutor Simpson. Sim, com certeza estava grata, assim dormi com ele. A Trudy não se importou. Logo pensei que também que devia algo a Wendell Border. O homem tentou conseguir ajuda para mim, afinal. Não tem nenhuma graça, Douglas, assim pode parar de sorrir.
– Dormiu com Wendell?
– Sim. Sua mulher foi muito compreensiva. Os cavalos lhe pertencem. Não pode separá-los e Parker vendeu Pégaso. Além disso, não tenho onde cria-los.
– É proprietária do meio Montana! – a lembrou.
– Não, o orfanato possui meio Montana. As irmãs se mudarão com os meninos um destes dias a grande casa do Paddy. Serão autossuficientes e terão ganhos abundantes pelo arrendamento das terras. Fiz que prometessem colocar o nome de Fazenda Paddy’s em seu novo lar. Queriam chamá-lo St.Patrick’s Fazenda, mas me saí com a minha.
– Você doou tudo? E o que tem que seu filho? Como vai...?
– Meu filho e eu estaremos bem. Vou ensinar na escola e ganharei o suficiente para os dois.
– Isabel, preciso com todo meu coração beijá-la.
– Não –disse ela –, não terminei com meus agradecimentos. Dei-me conta de que devia algo ao seus irmãos. Foram muito gentis, como se lembra, e vou dormir com cada um deles. É justo. Quando terminar, vou sair daqui e atirarei em você por ser tão teimoso – baixou a arma e tentou afastar Cole — Concede-me alguns minutos? – gritou.
Douglas estava rendido quando a agarrou pela mão e a atraiu para si.
– Amo-a, Isabel. Amei-a antes, amo-a agora e a amarei até o fim dos meus dias. Somos como seus puros sangues, meu coração. Não podemos nos separar. Fui tão miserável sem você e Parker. Não quero deixar de amá-la e o único homem ao que vai ter que agradecer serei eu. Deus, não chore! Ia buscá-la. Não poderia resistir por mais tempo. Estar longe de você e do Parker me deixando louco.
– Desta vez sou eu quem vai abandoná-lo.
Rodeou-a com seus braços, se inclinou e a beijou.
– Não, não vai. Pertencemo-nos um ao outro, agora e para sempre.
Abraçou-o e deixou que a beijasse de novo.
– Então, deixará de lado as tolices?
Riu de novo.
– Sim – prometeu.
– Devo voltar para Sweet Creek e será melhor me seguir. Deus o ajude se não o fizer! Vai me cortejar, faremos piqueniques e me levará a bailes, goste você ou não.
– Tenho uma ideia melhor, querida. Case-se comigo.
Julie Garwood
O melhor da literatura para todos os gostos e idades