Biblio "SEBO"
CAPÍTULO I
Sara havia preparado um jantar especial; no entanto, Jenny mal conseguia sentir o sabor da comida.
O assunto que a família toda discutia a deixava agitada, nervosa.
Quando Sara começou a servir café nas xícaras de porcelana fina, eles ainda continuavam a conversar sobre a viagem iminente de Hal para a América Central. Seria uma jornada incerta e perigosa, pois ele estaria agindo à margem da lei e, provavelmente, colocando em risco a própria vida.
Mesmo assim, todos estavam excitados com o fato, especialmente Hal. Sua voz demonstrava entusiasmo e os olhos castanhos brilhavam.
- Será uma empreitada e tanto! - exclamou ele. Monterico é um país muito pobre, à beira de uma guerra civil. Se nosso plano der certo, pelo menos vinte refugiados políticos atravessarão a fronteira. Poderemos até começar uma campanha exigindo respeito aos direitos humanos, coisa que o governo de lá parece ter esquecido.
Ao ocupar seu lugar após servir o café, Sara acariciou a face do filho mais novo com ternura, dizendo:
- É uma missão importante e digna, querido. Mas... você terá todo o cuidado, não é? Não estará correndo perigo de verdade, certo?
- Mamã... - disse Hal, dando uma palmadinha na mão que segurava seu braço com firmeza. - Já lhe disse milhares de vezes que esses refugiados estarão à minha espera na fronteira de Monterico. Tudo quanto faremos é encontrá-los, conduzi-los através do México e...
- Trazê-los ilegalmente para os Estados Unidos completou Cage com um tom ácido, fazendo com que Sara de imediato o encarasse com uma expressão zangada.
Acostumado àquela reação da mãe, Cage, o filho mais velho, permaneceu indiferente. Esticou as longas pernas diante do corpo, enquanto se afundava na cadeira com um jeito que a irritava. Durante a adolescência, sempre fizera questão de manter-se naquela postura à mesa, apenas para chatear os pais. Acabava sendo repreendido, mas parecia não se importar nem um pouco.
Cruzando as pernas diante do corpo, observou o irmão caçula através dos olhos semicerrados, antes de comentar:
- Ignorar os direitos humanos não é um "privilégio ! dos governos lá da América Central... você sabe disso, ao Trazer alguns refugiados para cá e fazer uma campanha? pode ser bom, mas não resolve o problema da miséria e da opressão que vivem. Para dizer a verdade, acho que você pode é se dar mal com essa história. Vai ver que não é nada fácil ser um herói se for parar na cadeia.
- Cage, ou você pára com esse tipo de comentário ou sai já da mesa - retrucou o reverendo Bob Hendren.
- Desculpe, papai - disse Cage, engolindo o café.
- Se Hal for para a cadeia - prosseguiu o pastor -, nós o tiraremos de lá. Afinal, ele está fazendo algo em que acredita.
- Não parecia muito orgulhoso quando teve que ir até a delegacia para me tirar das grades, pai - Cage relembrou-lhe.
- Você foi preso por embriaguez.
- Ora, eu também acredito em me embebedar de vez em quando.
- Cage, por favor! - exclamou Sara num suspiro por favor, trate de se comportar pelo menos uma vez na vida.
Jenny baixou a cabeça, passando a contemplar as próprias mãos. Detestava aquelas cenas em família. Cage poderia estar provocando; no entanto, tinha razão ao afirmar que Hal provavelmente iria se arriscar demais. Além disso, sabia que Cage só agia daquele modo para revidar o mal-estar que sentia diante da declarada preferência dos pais pelo irmão mais jovem, que agora se remexia na cadeira. Embora fosse o beneficiado, Hal ficava pouco à vontade com aquele favoritismo.
Cage assumiu um ar mais sério, eliminando do rosto o sorriso irónico que exibira até então. Porém, não desistiu da discussão:
- O fato é que essa missão "digna e altruísta" de Hal pode levá-lo a ser morto. Por que correr esse risco num país estranho, e se envolver numa questão que não compreende direito e que, pelo que sei, até hoje parecia não lhe dizer respeito? A bem da verdade, nunca vi a família Hendren tão interessada nos problemas da América Central como agora.
- Você nunca conseguiria entender os motivos de Hal
- comentou o pai, balançando a cabeça.
- É claro que posso entender o desejo de ajudar essas pessoas - afirmou Cage, jogando o corpo para a frente e apoiando os braços sobre a mesa.- Assim como posso entender a ajuda que vocês prestam às pessoas daqui da cidade. No entanto, há uma enorme diferença entre auxiliar pobres e doentes de La Bota e escoltar refugiados políticos através do México, entrando ilegalmente nos Estados Unidos... E, depois, como estas pessoas de Monterico sobreviverão quando chegarem ao Texas? Onde vão morar? O que farão? Já pensou nos seus empregos, abrigo, comida, remédios, roupas? Por acaso acha que serão recebidas de braços abertos apenas por terem vindo de um país abalado pela luta? Você e seus amigos deviam pensar melhor antes de agir!
- Estamos contando com a vontade de Deus - anunciou Hal, um tanto inseguro. Sua desenvoltura sempre falhava quando se defrontava com o pragmatismo do irmão. Cage o abalava, o deixava atrapalhado. Justamente porque era mais prático, sempre mantendo os pés no chão. Essa característica fazia do irmão mais velho, ao mesmo tempo, um opositor e um vilão. Não só para Hal como para os pais, que, desde cedo, passaram a discriminar Cage como o rebelde, o descrente, o materialista. Hal encarnava a disciplina, a fé, a espiritualidade. Portanto, todos preferiam combater as ideias de Cage do que tentar compreendê-lo.
- A vontade de Deus, Hal? Pois espero que Deus tenha mais bom senso do que você.
- Já chega, Cage! - interrompeu Bob, com voz enérgica.
Arqueando os ombros, Cage apoiou os cotovelos sobre a mesa, levando a xícara aos lábios. Não segurava a xícara delicada pela asa, mas a abraçava com ambas as mãos, como se fosse um caneco de cerveja. Ficava um pouco deslocado naquela cozinha da casa paroquial, decorada com cortinas esvoaçantes, pisos e azulejos brancos e armários de madeira polida. Tudo meticulosamente limpo e organizado. Parecia não pertencer àquele lugar. Os ? cabelos encaracolados caindo-lhe sobre a testa, as roupas em desalinho, o corpo relaxado na cadeira de espaldar alto, envernizado. Era como se fosse pesado demais para o ambiente. Não que fosse um brutamontes, alto e musculoso. Fisicamente, Cage e Hal se pareciam muito. À distância e de costas, seria difícil diferenciar os irmãos, a não ser pelo fato de que Cage era um pouco mais encorpado, pois sempre gostara mais de esportes e atividades físicas do que Hal. Ambos deviam ter cerca de um metro e oitenta, cabelos claros e olhos castanhos.
No entanto, a semelhança entre os dois terminava aí. Enquanto o caçula sempre fora calmo e introspectivo, o outro tornava-se cada vez mais agitado, inquieto e indócil. Bastava a chegada de Cage para alterar completamente a atmosfera pacata da casa.
Ele deixara de morar com os pais aos vinte anos para ir à universidade, onde se formara em geologia. De volta a La Bota, passara a viver sua própria vida, sem conseguir readaptar-se aos esquemas da família. Agora com trinta anos, morava sozinho, tinha seu trabalho e uma reputação nada exemplar para o filho de um pastor. Namorava muito, às vezes bebia demais.
E nessa noite, como sempre acontecia quando estava presente, a discórdia reinava. Mais uma vez os pais tomavam a defesa de Hal, sem perceber que Cage não tentava agredir o irmão, mas alertá-lo para dificuldades bem concretas, que certamente teria de enfrentar. . - Hal saberá se cuidar! Além do mais, tudo foi bem planejado - comentou Sara, contrariada por ver Cage estragar o jantar de despedida, tentando abalar a confiança de todos naquela "missão de amor", como já chamavam a viagem a Monterico.
Ao ver que Hal passava a relatar seu plano de viagem de novo, Jenny começou a retirar a mesa, tentando não atrapalhar. Ao inclinar-se junto de Hal para retirar-lhe o prato, ele tomou-lhe a mão, dando-lhe um apertãozinho e levando-a aos lábios, mas sem interromper a descrição de seu plano.
Jenny teve ímpetos de beijar aqueles cabelos louros e implorar para que desistisse da viagem. Mas não o fez. Seria um gesto reprovável e todos à mesa, exceto Cage, imaginariam que estava completamente maluca.
Controlou as emoções e levou os pratos para a pia. Ninguém se ofereceu para ajudá-la. Afinal, desde que viera viver naquela casa, sempre lavara os pratos do jantar.
Eles ainda conversavam quando, quinze minutos mais tarde, Jenny enxugou as mãos no avental, retirando-o e pendurando-o no lugar. Então, dirigiu-se para a porta, descendo os degraus do alpendre, cruzando o quintal na direção da cerca de madeira branca.
Debruçando-se na beirada, contemplou a noite agradável, quase sem vento, algo raro na região oeste do Texas. Uma noite apropriada para os amantes estarem se abraçando, se beijando, trocando palavras carinhosas. Não era uma noite para se dizer adeus.
Sentia-se inquieta, perturbada. Algo parecia lhe dizer que aquela seria uma noite importante em sua vida.
O rangido da porta de tela às suas costas fez com que se voltasse. Cage desceu os degraus da varanda e postou-se a seu lado junto à cerca.
Sem dizer qualquer palavra, ele tirou o maço de cigarros do bolso da camisa e colocou um cigarro entre os lábios. Depois de acendê-lo e devolver o maço e o isqueiro ao bolso, deu uma longa tragada.
- Sabe que essas coisas matam a gente? - Jenny comentou, fitando o vazio à sua frente.
Cage girou a cabeça lentamente, fitando-a por um instante antes de apoiar-se na cerca e dizer:
- Comecei a fumar quando tinha onze anos e ainda não estou morto.
- Não sabia que tinha começado tão cedo! - exclamou num sorriso, enquanto lançava um olhar na direção dele. - Pois pense só no que está fazendo com os seus pulmões! Deveria desistir de fumar.
- É mesmo? - retrucou com um sorriso cativante, o mesmo que mexia com o coração das mulheres da pequena cidade do Texas. Nenhuma mulher de La Bota ficaria indiferente ao sorriso de Cage Hendren.
- Deveria sim. Mas sei que não fará isso. Há anos que ouço Sara pedir para você desistir.
- Ela só faz isso porque não gosta dos cinzeiros sujos e do cheiro penetrante do fumo. Jamais me pediu para desistir porque estivesse preocupada com minha saúde comentou ele com um toque amargo na voz. Alguém com menos sensibilidade do que Jenny não teria percebido a mudança de tom.
- Eu me preocupo com sua saúde.
- É verdade?
- É sim.
- Quer que eu desista de fumar agora mesmo?
- Sim - respondeu ela, sabendo que Cage não falava a sério, porém decidida a continuar a brincadeira.
- Pronto! - exclamou, jogando o cigarro fora e apagando-o com a ponta do sapato. - Viu? Já desisti.
Jenny riu. E não sabia o quanto ficava linda quando ria assim, jogando os cabelos loiros para trás. O pescoço arqueara-se num gesto gracioso, os dentes claros brilhavam. Os olhos verdes eram firmes e penetrantes. Todos viam Jenny como uma moça meiga, de natureza dócil. Poucos percebiam nela uma constante inquietação.
Mas Cage percebera. Sabia que por trás da atitude sempre obediente e disciplinar de Jeny havia uma mulher de grande vitalidade e energia. Sempre tivera a impressão de que ela se reprimia, tentando adaptar-se à rigidez dos padrões morais da família de pastor.
- É a primeira vez que vejo você rir esta noite.
- Não tenho muita vontade de rir hoje - comentou, ficando imediatamente sombria.
- Porque Hal vai partir?
- É claro.
- E porque tiveram de adiar o casamento mais uma vez?
- Por isso também, apesar de não ser tão importante.
- Por que diz que não é importante? - inquiriu num tom áspero. - Sempre pensei que o casamento era algo bem importante na vida de uma mulher. Pelo menos, para uma mulher como você.
- E é, mas quando comparado com a missão de Hal... Cage resmungou uma palavra obscena, silenciando-a.
Os pais sempre se indignavam com a linguagem dele, mas Jenny não se importava. Afinal, sabia que dizer palavrões fazia parte da maneira de se expressar de muita gente e não via nenhum mal nisso.
- E o que me diz das outras vezes? - prosseguiu asperamente.
- Está falando dos adiamentos?
- Isso mesmo.
- Hal precisava terminar a faculdade. Era importante que concluísse o curso antes de nos casarmos e de... e de termos filhos.
Como sempre, Cage a fazia sentir-se insegura de suas próprias afirmações. Mas Jenny não se abalava diante daquela agressividade do mesmo modo como acontecia com o restante da família. Se ficava nervosa, não era pelo mesmo motivo dos outros. Não o via como um "mau sujeito"; pelo contrário, sentia uma certa admiração pela sua rebeldia e independência. No entanto, a simples presença de Cage a alterava, a amedrontava. Nunca ficava indiferente ao lado dele, e evitava ao máximo aproximar-se fisicamente. Poderia contar nos dedos quantas vezes haviam se tocado, apesar de já terem morado sob o mesmo teto.
- Quando é que você e Hal começaram a namorar?
- ele indagou abruptamente.
- Namorar?!
- Sim. Você sabe do que estou falando. De começar a sair um com o outro, segurar na mão, frequentar o drive in. Namorar. Deve ter sido quando eu fui para a faculdade, pois não me lembro.
- Bem, na verdade, nunca começamos mesmo a namorar. Apenas, foi... foi acontecendo. Sempre estávamos juntos e todos acabaram achando que formávamos um par perfeito.
- Jenny Fletcher! - exclamou Cage, cruzando os braços diante do peito e fitando-a com um olhar incrédulo.
- Vai me dizer que nunca namorou com um outro rapaz antes?
- Não namorei, não! E o que isso tem de errado? retrucou, na defensiva.
- Calma! Eu não disse que tinha algo de errado. Apenas acho isso um pouco estranho, pois pelo que me lembro, mais da metade dos rapazes da cidade gostaria de namorar com você!
- Não seja exagerado, Cage! - reclamou, acanhada.
- Não estou exagerando! Afinal, a cidade não é muito grande! - Cage ria, e não resistiu à tentação de tocar o rosto avermelhado de Jenny com as costas da mão. Imediatamente, ela girou a cabeça para o lado, afastando-se um pouco.
- Acho que você não deu chance a nenhum outro rapaz porque queria ser fiel a Hal, não é?
- É claro! Sempre gostei de Hal. Nenhum outro ra paz me chamou a atenção.
- Mesmo quando estava na Universidade?
- Mesmo lá.
- Sei... - comentou, automaticamente buscando um cigarro, porém desistindo ao se recordar da promessa. Sem desviar o olhar de Jenny, indagou:
- Quando foi que Hal lhe propôs casamento?
- Há alguns anos. Acho que foi quando ele começou o curso de teologia.
- Você acha? Não se recorda? Como é que foi esquecer isso, Jenny?
- Não me provoque, Cage.
- Então me diga quando foi que Hal pediu você em casamento.
- Já disse, foi...
- Onde vocês estavam? Descreva a paisagem. - Diante do silêncio dela, continuou insistindo. - O que aconteceu? Você ficou feliz? Foi no banco de trás do carro? Foi de dia? À noite? Quando?
- Pare com isso! Já lhe disse que não me lembro!
- Algumas vezes ele pediu para se casar com você? Agora o tom de voz era baixo, suave.
- O que quer dizer?
- Alguma vez Hal chegou a pronunciar estas palavras em voz alta: "Jenny, quero que se case comigo"?
- Sempre soubemos que íamos nos casar - admitiu, baixando a cabeça.
- Quem sempre soube? Você? Hal? Papai e mamãe?
- Sim. Todo mundo - concluiu, fitando-o e relanceando o olhar na direção da casa. - Preciso entrar e...
- Diga a Hal para desistir dessa viagem estúpida! pediu Cage, puxando-a pelo pulso com gentileza.
- O quê? - indagou Jenny, com ar surpreso.
- Já me ouviu. Peça a Hal para ficar em casa, que é seu lugar. Essa história de Monterico pode acabar muito mal.
- Não posso pedir isso a ele agora.
- Você é a única pessoa a quem meu irmão atenderia. Não quer que ele vá, não é?
- Não! - admitiu, livrando o braço. - Porém, não posso me interpor entre Hal e essa missão. É algo muito importante para ele.
- Ele te ama?
- Ama.
- E você o ama?
- Sim.
- Quer se casar com Hal, ter uma casa cheia de filhos e uma vida tranquila, não quer?
- Olhe, isso é assunto nosso! Meu e de Hal.
- Droga, Jenny! Não estou tentando interferir na vida de vocês dois. Só quero tentar impedir que meu irmão caçula faça uma grande besteira. Quer, por favor, me responder com franqueza?
Jenny sentiu raiva diante daquela insistência, porém ficou constrangida por ver que, como os pais dele costumavam fazer com frequência, ela também estava isolando Cage dos assuntos da família, quando, na verdade, a "estranha" na casa era ela. Fitou-o diretamente nos olhos ao responder:
- É claro que é o que desejo! Esperei anos para me casar com Hal.
- Tudo bem - disse ele, calmamente. Depois de um longo silêncio, resolveu prosseguir: - Acho que devia pôr os pés no chão, Jenny. Por que não diz a ele como se sente? Por que não lhe faz um ultimato? Diga-lhe para não ir, ou não encontrará mais você aqui quando voltar!... Diga-lhe que devem se casar, e que essa viagem não faz sentido!
- Não posso. Trata-se de algo que se sente impelido a fazer!
- Então, desvie-o desse "bom caminho"! Faça alguma coisa, Jenny! Estou pensando nele tanto quanto em você. Olhe, se presidentes, diplomatas, guerrilheiros não conseguem ajeitar as coisas lá na América Central, por que, diabos, Hal acha que será capaz? Estará é se metendo em algo que desconhece totalmente!
- Deus vai protegê-lo!
- Pare com isso! Posso entender esse tipo de argumento vindo de meu pai, minha mãe, e mesmo de meu irmão. Mas não de você! Sabe, também conheço a Bíblia. Me fizeram conhecer à força. Numa certa época até me interessei em estudar os grandes generais de guerra hebreus. E sei que se eles conseguiram vencer batalhas "milagrosas" foi porque estavam protegidos por um poderoso exército. Não é o caso de Hal. Não terá apoio de ninguém, muito menos do governo norte-americano... Deus nos deu mentes para raciocinar, também. Você sabe que Hal não está sendo sensato!
Era claro que ela sabia! No entanto, Cage era exímio em manipular palavras e ideias para firmar seu modo de ver a realidade. E não era fácil acompanhá-lo. Seus pais o consideravam um descrente, quase um herege. Quanto a Jenny, ela até podia tentar compreendê-lo, mas tinha muitas reservas. E, além disso, devia lealdade a Hal e a seu modo de pensar.
- Boa noite, Cage - disse, começando a se afastar.
- Quanto tempo faz que vive conosco, Jenny?
Os Hendren tinham passado a cuidar dela desde a morte de seus pais, num acidente de automóvel. Aos catorze anos de idade, havia ficado sozinha no mundo. Não tinha parentes e ninguém que pudesse se responsabilizar por ela.
Os amigos mais próximos dos Fletcher eram o pastor Bob Hendren e sua esposa, Sara. Uma vez que Jenny não tinha ninguém mais a quem pudesse recorrer, não houve qualquer discussão quanto ao seu destino.
- Doze anos, Cage - respondeu, baixando os olhos.
- Me lembro de ter voltado do colégio na véspera do dia de Ação de Graças e ter te encontrado aqui - disse Cage. - Mamãe transformara seu quarto de costuras num aposento à altura de uma princesa. Finalmente conseguira a filha que sempre desejara. Então me disseram para tratar você como a um membro da família. Mas logo depois tive que servir ao Exército. Seu primeiro ano em casa foi bom?
- Seus pais sempre foram muito bons comigo.
- É por isso que nunca os enfrentou?
- Não sei do que está falando - retrucou num tom ofendido.
- Ah, sabe sim. Já faz doze anos que deveria expressar sua própria opinião. O que há? Tem medo que te rejeitem se resolver não concordar com eles?
- Isso é ridículo!
- Não, não é. É muito triste - comentou Cage, erguendo o queixo com determinação. - Digo isso por experiência própria... Não sei como suporta que decidam quem pode ou não ser seu amigo, que tipo de roupa deve usar, a universidade a frequentar... e até mesmo com quem deve se casar. Agora, parece que também vão decidir quando vai ser o casamento. Vai permitir que planejem sua família? Quantos filhos deve ter?
- Já basta, Cage. As coisas não são como você está dizendo, e não vou ficar ouvindo isso! Por acaso andou bebendo?
- Infelizmente não. Mas não diria nada de diferente se tivesse bebido - comentou, avançando e segurando-a pelo braço. - Jenny, vê se acorda! Eles estão tomando conta da sua vida, como fazem com Hal e tentaram fazer comigo. Você é uma mulher linda, adulta e livre. Já não tem quatorze anos. Não pode deixar que tomem decisões em seu lugar. Se não concordar com as ideias deles, não tem que aceitá-las. Não poderão punir você, e duvido que a expulsem de casa. E mesmo que fizessem isso, há milhões de lugares para se ir e...
- E ser uma mulher independente?
- Acho que isso resume tudo.
- Acredita que devo viver a vida como você faz?
- Não. Porém, penso que pode fazer algo melhor do que passar noventa por cento da sua vida debruçada sobre uma bíblia.
- Gosto do trabalho que faço na igreja.
- E isso basta? - indagou, passando as mãos pelos cabelos num gesto agitado. - Todo o trabalho que faz na igreja é admirável; nunca menosprezaria seu esforço, sua dedicação. Apenas odeio ver você agir como uma velha muito antes do tempo. Está jogando sua vida fora!
- Não estou! vou ter uma vida inteira com Hal.
- Não se ele for para a América Central e morrer! exclamou, imediatamente verificando que ela ficara pálida. Então mudou o tom de voz e continuou: - Me desculpe. Não pretendia dizer tudo isso.
- Na verdade, o assunto é Hal.
- Isso mesmo. Fale com Hal, Jenny.
- Não posso mudar o modo de ele pensar.
- Mas precisa tentar. Afinal, vocês vão se casar e ele terá que ouvir você.
- Não tenha tanta certeza. Parece que essa viagem transformou-se numa obstinação.
- Mas você me promete que vai tentar convencê-lo a desistir?
- Sim, vou tentar... mais uma vez. Já discutimos isso há umas semanas, mas ele estava irredutível.
- Sabia que não estava tão cega quanto eles - comentou Cage, aliviado.
- Sua mãe disse que você iria passar esta noite aqui...
- Sim, prometi que ficaria para me despedir de Hal, amanhã de manhã. Tomara que não haja despedida alguma.
- Bem, de qualquer forma, Sara gosta que durma aqui de vez em quando.
- Ah, Jenny! - exclamou num meio sorriso. - Você é uma diplomata e tanto. Na certa mamãe me convidou para ficar, porque quer se livrar daqueles trofeus de basquete e futebol que estão no meu antigo quarto. Ela já disse um milhão de vezes que está cansada de tirar o pó daquilo e que não há espaço para guardar minhas tralhas em casa.
Jenny engoliu seco. Apenas havia algumas semanas ela e Sara tinham limpado e embrulhado cuidadosamente os trofeus de Hal, que agora estavam bem guardados numa caixa no sótão. Havia anos ficara evidente para Jenny que Sara preferia Hal. A diferença no tratamento que ela dispensava aos dois filhos era gritante. No entanto, o próprio Cage piorara a situação escolhendo um modo de vida que desagradava aos pais.
- Boa noite, Cage.
- Boa noite.
com relutância, ela deixou-o a sós e entrou em casa. Ao vê-la entrar, Hal fez-lhe um gesto para que se aproximasse. Estava atento à explicação do pai sobre como conseguir fundos para ajudar os refugiados assim que eles chegassem ao Texas.
Em pé atrás da cadeira de Hal, Jenny enlaçou-o pelo pescoço, encaixando o queixo sobre a cabeça loira.
Está cansada? - inquiriu ele, quando Bob parou
de falar.
- Um pouco.
- Por que não vai para cima e se deita? Já é tarde e terá de acordar bem cedo para me dizer adeus, amanhã.
- Não conseguirei dormir - informou ela num suspiro.
- Tome uma daquelas pílulas que o médico me receitou - sugeriu Sara. - São bem fracas e não poderão lhe fazer mal algum.
- Vamos - anunciou Hal, afastando a cadeira. ,vou acompanhar você.
- Boa noite, Bob. Boa noite, Sara - sussurrou Jenny.
- Filho, ainda não nos disse o nome de seu contato no México e também não falou sobre... - Bob se interrompeu diante do gesto de mão de Hal.
- Só um minuto, papai. Volto logo e continuaremos a conversar.
Eles subiram as escadas, abraçados. Ao passarem diante do quarto dos pais, Hal se deteve.
- vou apanhar as pílulas para dormir.
Em poucos segundos, retornou com duas pequenas cápsulas na palma da mão.
- As instruções dizem para tomar uma ou duas. Acho melhor tomar duas.
Dirigiram-se para o quarto de Jenny, que acendeu o abajur de cabeceira. Cage tinha razão. AsSim que mudara para aquele lugar, percebera que se tratava de um "quarto de princesa". Infelizmente, não pudera opinar na decoração.
Mesmo poucos anos atrás, quando Sara sugerira a redecoração do quarto, não conseguira colocar sua opinião, seu gosto. O aposento continuou parecendo juvenil demais, como se fosse destinado a uma menina crescida. Tudo porque Jenny não se sentia capaz de magoar aquela que tinha sido como uma mãe para ela. "Mas eu precisava ter dito que não gostava desses móveis, dessas cores!" A conversa com Cage atingira-a em pontos fundamentais, e ela não conseguia parar de pensar.
Provavelmente, depois do casamento ela e Hal continuariam morando naquela casa. Pelo menos era o que todos esperavam. Bob seria substituído pelo filho, logo que se aposentasse. Será que isso seria bom? Será que algum dia teria liberdade para escolher seus próprios móveis, seu jeito de arrumar a sala? Algum dia seria ela mesma a decidir sua vida?
- Não fique tão preocupada. - A voz de Hal interrompeu aquela série de perguntas que Jenny demorara tanto a se fazer. - Tudo vai dar certo, querida!
Fixando os olhos em Hal, Jenny sentiu-se invadida por uma sensação de estranheza, de alheamento. Era como se nunca o tivesse visto antes. Quem era aquele rapaz bonito, de cabelos claros e encaracolados, com uma expressão quase angelical? Ela realmente o conhecia? Sentia alguma coisa por ele?
- Jenny, o que foi? Por que está me olhando assim?
- Sem obter resposta, Hal se voltou, apanhando a jarra de água sobre a cómoda e enchendo um copo. A seguir, colocou as duas pílulas na mão de Jenny e, com um gesto, pediu que as engolisse. Sem parar de fitá-lo, ela obedeceu, num movimento automático.
- Querida, você deve estar muito cansada... e assustada também. Mas não precisa se preocupar, eu juro. Sei o que estou fazendo, e logo estarei de volta. Agora é melhor você tentar relaxar e dormir um pouco, está bem?
- Está bem - ela concordou, num murmúrio. Então foi até a cómoda e abriu a primeira gaveta onde
guardava seus pijamas e algumas camisetas. Olhou para as roupas, mas não apanhou nenhuma. A seguir fechou a gaveta, abrindo a segunda. Lá estava a camisola. Uma peça que escolhera para usar quando se casasse. Branca, de cetim, com alças finas e um decote ousado. Nunca usara algo tão sensual em sua vida.
Uma linda camisola de cetim, para usar quando se casasse... quando se casasse com Hal? Apanhando-a, fechou a gaveta e foi até o banheiro da pequena suíte.
Hal sentara-se à beira da cama, esperando que ela vestisse o pijama, para que pudesse deixá-la, com um beijo suave, como costumava fazer quase todas as noites.
"Jenny Fletcher... O que está acontecendo com você? Por que está tão confusa?", perguntou a si mesma, momentos depois ao ver-se diante do espelho. Não podia ignorar sua própria beleza e sensualidade dentro daquela camisola.
Mas o que, exatamente, ela estava querendo fazer? As palavras de Cage não saíam de sua cabeça, só que, agora, nada lhe parecia claro. "Ele te ama? Você o ama?... Diga-lhe que essa viagem não faz sentido!"
- Jenny, você está bem? - Hal batia de leve na porta do banheiro, apreensivo. Ela lhe parecera muito estranha. Jamais se comportara daquela forma. No entanto, uma surpresa bem maior o aguardava.
Num gesto impulsivo, Jenny abriu a porta, surgindo diante dele.
Mudo de espanto, afastou-se um pouco, sem conseguir desviar os olhos. Jenny estava linda. Os cabelos loiros caíam sobre os ombros, o tecido cor de pérola marcava as formas esbeltas, e o decote ousado deixava à mostra a curva dos seios.
Finalmente, ele gaguejou:
- O que você... ha... Jenny, por que se vestiu assim?
- Não estou bonita?
- Está linda, mas...
Agora era ele quem estava nervoso. Pior que isso, Hal parecia apavorado. Apesar de estarem juntos havia tanto tempo, a relação entre os dois jamais fora de grande intimidade. Pelo contrário, a sensualidade de ambos sempre fora colocada meio de lado, como se se tratasse de algo menos importante. Não que não se sentissem atraídos um pelo outro. Mas costumavam gastar mais tempo conversando, trabalhando juntos, estudando, do que se acariciando. O próprio ambiente da casa paroquial e a presença constante dos pais reforçavam esse comportamento.
Vendo-o tão frágil e assustado, Jenny se aproximou, acariciando-lhe os cabelos.
- Hal...
- Sim...
- Você me ama?
- É claro... é claro, que amo você!
Os dois estavam embaraçados e mal conseguiam se olhar.
- Preciso lhe pedir uma coisa...
- O que é?
- Não quero que você vá nessa viagem, Hal. Quero que fique... e quero fazer amor com você!
Então ele a encarou, perplexo. Como se ignorasse as últimas palavras dela, retrucou:
- Mas nós já discutimos a viagem antes, e concordamos que...
- Não concordamos em coisa alguma nessa questão. Você decidiu partir... Não quero te perder, Hal. Estou me sentindo muito confusa; não sei mais se quero me casar, se quero continuar morando nessa casa... mas sei que tenho medo que algo de ruim lhe aconteça nessa viagem! Estive conversando com Cage e...
O rosto de Hal se transformou. Seu embaraço parecia ter se tornado indignação.
- Cage! Esteve conversando com Cage! Eu devia saber que você não diria essas coisas se não estivesse influenciada por ele.
- Aproximando-se ainda mais, Jenny o abraçou, fazendo-o silenciar.
Sentindo-a tão junto de si, Hal gemeu baixinho.
Oh, por favor, Jenny. Não faça isso comigo. Você
sabe que tenho que ir. Quando eu voltar, nos casaremos e então...
Preciso de você agora, Hal! Será que não entende?
Preciso provar a mim mesma que o que sentimos é real. E também quero uma prova do seu amor!
As bocas se uniram num beijo prolongado, enquanto as mãos dele deslizavam, até encontrar os quadris arredondados.
Subitamente, Hal se afastou, como se uma força externa o impelisse a isso.
- Querida, não podemos. Pense bem, seria contra todos os nossos princípios. Amanhã estarei partindo para cumprir uma missão importante, e Deus estará comigo. Meu pai e minha mãe estão me esperando lá embaixo, e ainda tenho muito o que falar com eles.
Contendo as lágrimas, Jenny o ouvia, em silêncio.
- Juro que vou voltar a salvo, Jenny. Agora seja sensata e procure dormir. Em algumas semanas, tudo estará resolvido, e seremos felizes, exatamente como planejamos.
Hal a conduziu até a cama, cobriu-a com os lençóis e beijou-lhe os lábios, mais uma vez.
- Vejo-a pela manhã. Eu te amo de verdade, querida. Por isso não faço o que está me pedindo. Sei que me dará razão mais tarde.
Dizendo isso, ele apagou a luz, atravessou o quarto e fechou a porta atrás de si, deixando-a só, imersa na mais completa escuridão.
Rolando para o lado, Jenny começou a chorar. Lágrimas quentes e salgadas cobriam seu rosto, umedecendo o travesseiro. Sentia-se tão desamparada como no dia em que seus pais morreram. Fora abandonada, rejeitada. Se pelo menos Hal tivesse sido mais ardente, se tivesse se deitado com ela... talvez nem precisassem fazer amor. Mas a decisão dele fora inabalável. Nada deveria ser mais importante que seus princípios e sua fé! Sentia-se envergonhada, humilhada. Na verdade, ela não tentara desviar Hal do "bom caminho", como Cage sugerira. Simplesmente abrira seu coração, pedira a ele para ficar... e ele se recusara.
Agora a imagem de Cage fazendo-lhe mil perguntas se misturava à de Hal. A voz de Cage, firme, sensual. Ela soluçou mais alto. O sono provocado pelo calmante começava a invadi-la, mas o choro não parava, e a dor daquela noite parecia que nunca chegaria ao fim.
Então a porta do quarto se abriu.
Ela se voltou ao ouvir o barulho, tentando vislumbrar, através dos olhos nublados pelas lágrimas, a figura que se desenhava no umbral, tendo a luz do corredor atrás de si. De um salto, sentou-se na cama e estendeu os braços, o coração cheio de alegria.
- Hal!
CAPÍTULO II
- Hal, por favor, me abrace!
Ele se aproximou da cama e então sentou-se ao lado dela. O quarto estava completamente escuro.
- Você voltou... - Jenny sussurrou, buscando os braços fortes que, por fim, a envolveram, confortando-a, aconchegando-a.
Devido à ação do calmante, um leve torpor tomava conta de todo o seu corpo, fazendo-a duvidar dos próprios sentidos. O que estava vivendo era sonho ou realidade? Uma energia nova e intensa parecia brotar daquele abraço!
Ele inclinou-se ligeiramente, a pele macia do rosto afagando as têmporas de Jenny. Num gesto impulsivo, ela buscou-lhe os lábios, com o indicador, sentindo-os quentes, entreabertos. Também percebeu que ele prendera a respiração. Gemendo baixinho, Jenny se aproximou ainda mais, lânguida, sensual, oferecendo-se àquele beijo latente.
Segundos após as bocas se encontrarem, as línguas passaram a se explorar mutuamente, mornas, úmidas.
O beijo prosseguiu, ganhando maior vigor a cada segundo, excitando-os, envolvendo-os na busca de um prazer crescente.
O lençol deslizara para o chão e agora ele a acariciava-a inteira, tocava-lhe os seios, os braços, a cintura delgada.
Quando a aconchegou de volta ao leito, ela afundou o rosto na maciez do travesseiro. Logo as alças da camisola foram abaixadas, e Jenny gemeu sem saber bem se em protesto ou consentimento. A única coisa de que tinha certeza era que as mãos ágeis cobriam sua nudez palmo a palmo, reconhecendo-a, afagando-a, roçando os mamilos sensíveis uma vez, duas. Depois, o calor e a umidade de uma boca lhe tomavam o ventre, os braços, os seios.
Jamais experimentara sensações tão prazerosas, tão inebriantes. Queria tocar seu amante com a mesma desenvoltura com que era tocada, mas seus gestos não acompanhavam sua vontade. Jenny afagou os cabelos encaracolados, o rosto, os ombros fortes. Sentia-se amada, desejada. E tudo isso era novo, maravilhosamente novo! Recebeu de bom grado o peso do corpo másculo sobre o seu, cobrindo-a parcialmente. Conduzida pelas mãos experientes, arqueou os quadris para que ele pudesse despila, deixá-la nua! Fazendo pausas, transformando cada carícia num jogo delicioso, ele a transportava para um mundo diferente, um mundo onde só existiam os sonhos e o prazer. Um mundo sem regras, sem obrigações, sem nomes.
Deslizando as mãos pelas costas largas, ela demonstrava seu desejo, sua receptividade.
Sentiu-o afastar-se por alguns momentos para depois cobri-la outra vez. Estava nu e totalmente pronto para ela.
Os corpos se uniram de forma ardente, apaixonada. Um gemido de dor e prazer brotou da garganta de Jenny. Combinavam-se perfeitamente e buscavam o prazer em sincronia, os movimentos rítmicos se acelerando até que, numa explosão deliciosa, atingiram o gozo simultaneamente.
Jenny já estava dormindo quando ele a deixou. Adormecera nos braços do amante, envolta por uma sensação de aconchego... e alegria.
Ela acordou bem cedo. Hal a tinha deixado durante a noite, o que era compreensível pois os Hendren nunca aprovariam o que acontecera entre ambos. Portanto, deviam ser discretos e fazer tudo para que ninguém jamais desconfiasse de nada.
Jenny ouviu o som de passos, conversas sussurradas, e sentiu o agradável aroma de café sendo preparado.
Certamente todos estavam esperando pela partida de Hal. Uma dúvida passou-lhe pela cabeça, assim que se sentou na cama. Será que ele desistira da viagem? Ou havia feito amor com ela para provar que a amava sem, entretanto, desistir de seus propósitos anteriores?
Se realmente tivesse resolvido seguir viagem, Jenny sabia que nada poderia fazer. Sentiu o coração apertar e rezou para que Hal houvesse desistido. Mas sua grande esperança era a de que se a noite anterior o tivesse feito tão feliz quanto a ela, Hal não iria embora. Mal podendo esperar para reencontrá-lo, levantou-se, experimentando uma sensação estranha ao perceber que estava nua. Imediatamente reportou-se aos momentos maravilhosos que vivera poucas horas atrás.
Depois de tomar uma ducha e se vestir às pressas, voou para o andar inferior. Seu coração pulsava descompassado ao chegar à cozinha, onde encontrou a família reunida numa prece. Sara e Bob pareciam concentrados na oração e Cage também se achava à mesa. De cabeça baixa, ele fitava a xícara de café diante de si, pensativamente.
Mas ela não avistou Hal. Logo imaginou que deveria estar cuidando dos últimos preparativos. No instante em que Bob proferiu o "amém", erguendo os olhos, Jenny indagou:
- Onde está Hal?
Os três encararam-na em silêncio. Então soube que não gostaria de ouvir a resposta que se seguiria.
- Ele já se foi, Jenny - respondeu Bob num tom terno, erguendo-se da cadeira e dando um passo em sua direção.
Recuando como se algo a ameaçasse, encarou o pastor. Seus olhos verdes tornaram-se sombrios, e ela sussurrou, incrédula:
- Não é possível! Ele nem mesmo me disse adeus.
- Disse que preferia não submetê-la a uma cena triste de despedida - informou Bob. - Achou que seria melhor assim.
- Não acredito! - esbravejou ela, contemplando os três. Os pais de Hal a fitavam com piedade, e Cage não demonstrava qualquer emoção. A seguir, correu para a porta da cozinha, alcançando o alpendre. O quintal estava deserto e não havia nenhum veículo estacionado junto à calçada. Ele tinha partido.
A verdade atingiu-a duramente. Pensou que iria desmaiar, suas pernas tremiam. Sentia vontade de gritar, de chorar. Queria sumir dali, esconder-se das pessoas, ficar completamente só.
Mas, afinal, pensou, o que estava esperando de Hal? Ele não lhe fizera declarações apaixonadas, e nem dissera que não partiria. Talvez tivesse se decidido a fazer amor apenas para não desapontá-la, sem ter a menor intenção de mudar de planos. Mas deixá-la assim, sem ao menos um beijo de despedida... era imperdoável.
Mais uma vez sentia-se abandonada, rejeitada. Desceu as escadas, atravessou o quintal e o portão de madeira branca.
Imóvel junto à calçada, ficou observando a rua vazia. Seus pensamentos voltaram para a noite anterior. Será que Hal a amava? Era difícil conciliar aquela atitude racional e fria que ele tivera antes de sair do quarto com as carícias apaixonadas, intensas que lhe proporcionara momentos depois. As duas atitudes pareciam incoerentes, quase opostas. Quando ouvira a porta se abrir, mal pudera acreditar que tivesse voltado. Ao vê-lo entrar, uma grande alegria a inundara, ela estendera os braços.
No entanto, já não pensava que fariam amor. Ficaria feliz por vê-lo de volta, imaginando que se arrependera daquela atitude tão rígida, irredutível. Achou que iriam se abraçar, se beijar e então trocar palavras de conforto e compreensão mútua. Mas quando, por fim, se abraçaram, uma energia desconhecida tomara conta de seu corpo. O abraço, terno e aconchegante de início, fora se intensificando. Jenny não se recordava de ter tido um contato tão intenso quanto aquele em todo o seu namoro com Hal.
Sem dúvida, aquela noite transformara sua vida. Agora mais do que nunca, sentia necessidade de pensar sobre as perguntas que Cage lhe fizera. Amava mesmo Hal? Queria realmente casar-se com ele, ter filhos, morar naquela casa?
Ironicamente, ao mesmo tempo em que descobrira que fazer amor com o noivo era maravilhoso, perfeito, sentia-se impelida a questionar todos os outros aspectos da relação. Tudo teria que estar muito claro para ela quando Hal voltasse, caso contrário poderiam estar cometendo um grande erro se casando.
Dando meia volta, dirigiu-se para casa. Ao subir as escadas do alpendre, quase colidiu com Cage, que já ia à sua procura.
Jenny sobressaltou-se com o impacto daquele olhar masculino. Ele a analisava detidamente, os olhos castanhos fitando-a, lentos e felinos. Cage permaneceu imóvel, a expressão impassível e séria, até que o canto dos lábios se ergueu num breve sorriso.
Aquele olhar a inquietou e irritou ao mesmo tempo. Estaria sentindo pena por ela não ter conseguido convencer Hal a desistir da viagem?
Aborrecida com aquele pensamento, desviou o olhar e, endireitando os ombros, tentou passar por Cage, que imediatamente colocou-se à sua frente, bloqueando-lhe o caminho.
- Você está bem, Jenny? - perguntou com ternura.
- É claro que sim. Por que não estaria?
- Bem... meu irmão foi embora sem se despedir de você - comentou, erguendo os ombros.
- Mas vai voltar. Foi até bom que tenha ido embora desse jeito, sem despedidas sofridas. Eu não suportaria ter de me despedir dele.
- Vocês conversaram ontem à noite?
- Conversamos.
- E então?
- Hal me fez sentir bem melhor a respeito de tudo. E pretendemos nos casar assim que regressar - informou, sem conseguir disfarçar sua insegurança, sua incerteza. O olhar perscrutador de Cage provou-lhe que não estava convencido. - Você já tomou o café da manhã? Quer que eu lhe prepare os ovos? Dois ovos moles? - ela perguntou, indo em frente e, então, forçando-o a sair do caminho.
- Você ainda se lembra de como eu gosto dos ovos?
- inquiriu, sorrindo satisfeito.
- É claro que sim - respondeu, abrindo a porta de tela da cozinha e segurando-a para que ele passasse. O peito másculo tocou-a de leve e Jenny sentiu-se arrepiar, como se seu corpo despertasse.
Surpresa com aquela reação involuntária, ela apressou-se em preparar os ovos. Suas mãos tremiam um pouco, deixando-a atrapalhada. Assim que acabou de servir Cage, subiu direto para o quarto, sem vontade de comer ou conversar.
Sentou-se na cama, abraçando os joelhos e encaixando-os sob o queixo. Que ironia, pensou ela. Agora que seu corpo despertara para o sexo parecia não querer mais se aquietar. No entanto, será que perdera todo discernimento? Reagiria daquela forma toda vez que algum homem a tocasse de leve?
Chateada, aconchegou-se mais nas cobertas. No entanto, logo se deixou envolver pelas recordações da sua noite de amor, deleitando-se com as sensações agradáveis que a percorriam da cabeça aos pés.
Três garrafas de cerveja vazias alinhavam-se sobre mesa. Já fazia uma hora Que Cage passara para o uísque, no entanto, nem o álcool conseguia diluir a culpa que lhe envenenava o sangue.
Ele violara Jenny.
Não havia como atenuar a terrível verdade, usando eufemismos. Jamais poderia dizer que fizera amor com ela, Que a amara. Não. A grande verdade é que ele a violara. Não se tratava de violação brutal, mas de uma trapaça. Ele a tivera nos braços fazendo-se passar pelo irmão.
Cage tomou mais um gole da bebida, e sua garganta ressentiu-se à passagem do líquido ardente. Queria beber o suficiente para esquecer aquilo tudo, esquecer sua própria vileza e sua culpa. Havia anos não se sentia culpado e, agora, estava mergulhado num remorso irremediável. O que poderia fazer? Contar a Jenny? Confessar?
- Olhe, Jenny, preciso lhe confessar algo, sabe? Naquela noite em que Hal foi embora... bem, não foi meu irmão que entrou em seu quarto e a tomou nos braços, e sim eu. Fui eu - ele disse entredentes antes de praguejar e tomar o drinque de um gole só. Jamais conseguiria dizer aquilo a Jenny Fletcher. Afinal era a namorada de seu irmão! E também uma garota muito séria, leal. Na certa ficaria horrorizada, poderia mesmo ter um choque ao saber o que tinha acontecido realmente na noite em que Hal partira. Iria odiá-lo para o resto da vida!
Não, não teria coragem de lhe contar.
Já fizera muitas coisas malucas apenas para chocar as pessoas de La Bota e de sua própria família, e gostava de sua reputação de farrista, de louco. Na verdade, aquele fora o modo que encontrara para conseguir viver ali, entre pessoas cuja maior distração, depois de ir à igreja, acabava sendo vigiar e julgar o comportamento alheio. Chegara mesmo a receber a culpa por coisas que jamais fizera, sem ao menos se dar ao trabalho de defender-se.
Somente alguns amigos mais próximos conheciam o lado dócil e afetuoso que Cage Hendren escondia da fami lia e da cidade.
Escolhera viver assim e nunca se arrependera. Mas agora...
Acenou para o garçom, voltando à realidade. O Doly era um bar pequeno e, nessa noite, estava com excesso de gente e de fumaça. O anúncio luminoso de marca de cerveja piscava bem diante de seus olhos, incomodando-o, e um ornamento de Natal do ano anterior ainda pendia do teto de vigas de madeira. Uma loira sensual sorria para ele, do póster pregado junto à vitrola automática, que tocava uma música do fim da década de setenta.
"Tudo triste e de mau gosto!", pensou Cage. "Meu cotidiano, meu destino..."
- Obrigado, Bert - disse laconicamente quando o garçom estendeu-lhe mais um copo cheio de uísque.
- Teve um dia duro?
"Tive uma semana dura", pensou, sem ânimo para responder. Havia sete dias carregava aquele peso, aquela culpa que o devorava internamente.
- Ouvi algo que você vai gostar de saber... - informou Bert, transferindo as garrafas vazias para a bandeja.
- É mesmo? O que é?
- É sobre aquele pedaço de terra a oeste da planície.
- A fazenda do velho Parson? - indagou Cage, sentindo a curiosidade imediatamente aguçada, apesar do desânimo.
- Sim. Ouvi dizer que ele está disposto a negociar pela melhor oferta.
- Obrigado, amigão - anunciou Cage, esboçando um sorriso largo e depositando uma gorjeta generosa na bandeja. Bert retribuiu o sorriso, pois Cage era seu cliente predileto e sempre gostava de ajudá-lo.
Cage Hendren era, sem qualquer sombra de dúvida, um homem esperto. Conseguia identificar solos ricos em petróleo apenas pelo faro, como se soubesse instintivamente onde encontrá-lo. Era certo que tinha se graduado em geologia e conhecia o assunto; no entanto, também possuía um sexto sentido para detectar petróleo, e isso ninguém aprendia nos livros. Muito raramente, perfurava um poço Que não produzia nada. O que bastava para fazê-lo conseguir o respeito das pessoas que estavam naquele ramo muitos anos antes de ele nascer.
Havia anos Cage vinha tentando conseguir o direito de exploração mineral das terras de Parson. O dono havia morrido havia alguns anos e os filhos não estavam dispostos a negociar. No entanto, pelo que Bert lhe dissera agora, os Parson pareciam ter mudado de ideia. No dia seguinte faria uma visita ao responsável pelas terras.
Tomando mais um gole de uísque, fechou os olhos, voltando a pensar em Jenny. O quarto dela seria muito mais apropriado a uma menina do que a uma mulher usando camisola de cetim. Sim, era de cetim. Seus dedos haviam reconhecido a maciez do tecido sobre a pele delicada, feminina. A pele de Jenny, seus lábios suaves, seus cabelos. Gostaria de senti-la mais mil vezes. Gostaria de estar junto dela para sempre.
A virgindade de Jenny deixara-o chocado. Afinal, seu irmão e ela haviam namorado durante vários anos. Como haviam conseguido viver sob o mesmo teto por tantos anos sem nunca fazer amor? Seus pensamentos voltaram ainda mais no tempo.
O relacionamento daqueles dois sempre o intrigara. Apesar de estarem juntos o tempo todo e se tratarem com carinho, parecia faltar vivacidade àquele namoro. Não se lembrava de tê-los flagrado se acariciando mais ousadamente uma única vez quando chegava de surpresa à casa dos pais. Por certo a moralidade imbatível do irmão fora um fator decisivo no comportamento de ambos. No entanto, Cage não conseguia conceber homem algum abraçado a códigos de moral assim tão rígidos!
E Jenny era tão linda, tão sensual... Jamais se esqueceria do dia em que viera morar com eles, na casa paroquial. Ele estava para completar dezoito anos. Hal tinha dezesseis e Jenny, catorze. Três adolescentes belíssimos, cheios de sonhos e vitalidade. O fato de tê-la em casa alegrava a toda a família, mas principalmente aos dois rapazes. Mas desde essa época a preferência de Sara e Bob pelo filho mais novo era inquestionável. A bela Jenny, de cabelos loiros e olhos angelicais, ficaria bem melhor protegida na companhia de Hal que na de Cage, pois Hal estudava mais, ia à igreja, tinha amigos simpáticos e educados. O natural seria que Hal a acompanhasse à escola, à igreja, ao cinema. E Cage acabara aceitando essa orientação dos pais. Afinal, não era bom, jamais se preocupara com nada nem com ninguém - pelo menos as pessoas diziam isso a seu respeito, e queria que continuassem pensando assim. Então guardara só para si um segredo: preocupava-se com Jenny. Respeitava-a demais e queria vê-la sempre alegre, sempre bem. Durante o tempo que antecedeu sua partida para o quartel, onde cumpriria o serviço militar, sonhara com ela diversas vezes.
Alguns dias antes de partir, encontrara-a na praça, voltando da igreja. Hal não a acompanhava nesse dia.
- Olá, Cage!
- Oi, Jenny. Você está voltando para casa?
- Estou sim. Só que quero passar antes na livraria. Quer ir comigo?
- Claro, vamos lá.
Era uma tarde quente, mas havia uma brisa leve, agradável. Caminhando ao lado dela, Cage se sentia o sujeito mais feliz de La Bota, o dono do mundo. Além de bonita e meiga, ele a achava inteligente, viva. Os dois gostavam de ler, e quando tinham oportunidade ficavam trocando ideias sobre romances, poemas, novelas. Hal não se interessava muito por literatura e muitas vezes, quando não começava outro assunto, deixava-os a sós, conversando.
Que livro vai comprar? - perguntou, ao entrarem na livraria.
Hal me pediu para comprar o livro de história que o professor indicou no colégio. E também vou comprar um livro de poesias. Já leu alguma coisa de Walt Whitman?
Só alguns poemas. Mas me lembro de um trecho de que gosto muito...
- Então diga, Cage. Você sabe declamar como ninguém!
- Ora, não é bem assim, Jenny. E também não vou declamar. vou apenas dizer para você. É assim:
"Ela é dona da casa na subida da encosta e bem vestida e simpática se esconde por trás das venezianas da janela.
A quem ela dedicará seu amor?"
Jenny o olhou em silêncio, por alguns momentos. Então perguntou:
- E você esqueceu o restante?
- Não, mas é muito longo, você se cansaria de ouvir. O garçom tocou o ombro de Cage, trazendo-o de volta
para o presente. Então perguntou num tom amigável, cúmplice:
- O que foi, amigão? Andou arranjando mais alguma grande encrenca? Você parece fora do ar!
- É, Bert! Só que dessa vez não estou encontrando saída. Me traga mais um uísque, está bem?!
Quando Bert se afastou, Cage cruzou os braços sobre a mesa, afundando a cabeça entre eles. Jamais se esquecera daquela tarde com Jenny, mesmo depois de ter voltado do exército e, depois de alguns meses, ter partido novamente, dessa vez para fazer a faculdade de geologia em Dalas. E agora estava se lembrando do restante do poema.
A moça dos versos ficava sempre por trás da janela, olhando os rapazes que se banhavam no rio, mas nunca tocara nenhum deles. Achava-os lindos, na certa os amava, mas nenhum deles fizera amor com ela. Durante tanto tempo, Jenny também ficara por trás da janela. Por quê? Se gostasse mesmo de Hal e se ele realmente a amasse, não teriam suportado tanto tempo sem fazer amor. Ou teriam? "Cage Hendren, que enorme tormento você foi arranjar", disse para si mesmo.
Agora iria querer passar a limpo todo o passado? Isso seria loucura! Mesmo assim não conseguia deixar de vasculhar suas memórias.
Naquela tarde, depois de ouvir o poema, Jenny o olhara de forma especial. Como o olhara muitas vezes depois. Mas nunca, a não ser em sonhos, Cage se dera o direito de desejá-la para si, de pensar em conquistá-la. Sobretudo quando ficou subentendido para toda a família que, um dia, ela e Hal se casariam.
Quanto mais forte era sua paixão por Jenny, mais Cage se afastava da casa dos pais. Nos dois primeiros anos de faculdade passara as férias com eles, mas já no terceiro viajara com amigos, conhecendo outros estados, outras regiões do país. Ao terminar o curso, planejara fixar-se numa cidade vizinha, mas sentira que não conseguiria ficar longe de casa... longe de Jenny. Logo percebeu que tampouco suportaria morar sob o mesmo teto que Jenny, Hal, Bob e Sara. Assim, alugara um apartamento e fora morar sozinho, visitando-os com certa frequência.
Mas suas relações com a família tornaram-se praticamente impossíveis. Tudo que obtinha no "lar" era rejeição, dor, frustração. Ironicamente, a única a tratá-lo com carinho, respeito e afeição era Jenny. Mesmo quando chegava embriagado, com a clara intenção de chocar e agredir os pais e o irmão, ela o recebia com boa vontade, tentando aplacar sua raiva, confortá-lo. Cage sentia que Jenny gostava dele de verdade. Mas sempre pensara que se tratasse de um sentimento fraternal. Teria sido sempre assim?
Tanto Cage quanto Jenny eram extremamente sensíveis. E ambos sabiam que não deveriam se tocar. Nunca chegaram a falar sobre isso, mas havia quase que um acordo tácito entre os dois. Ela sempre tivera um comportamento carinhoso com todos da família; todos se abraçavam, se beijavam. Mas com ele tornava-se tímida, arredia. Cage, por sua vez, procurava manter sempre uma boa distância.
Na verdade, os pais e o irmão também eram menos afetuosos com ele. Mas tinham razões que Jenny não tinha. Consideravam-no um irresponsável, um imoral, um descrente. Talvez nem o amassem mais. Mas Jenny gostava dele, disso Cage nunca duvidara.
Jenny Fletcher tinha olhos, podia ver e sentir as pessoas. Não era tão austera quanto o resto da família Hendren.
Em termos de sensualidade, Jenny jamais poderia ser equiparada a eles. Cage lembrou-se de que antes da chegada dela a sua casa as pessoas mal se tocavam. As demonstrações de afeto reduziam-se a palavras ou gestos superficiais. Jenny os transformara pouco a pouco, com seu jeito carinhoso, com seus abraços espontâneos, intensos.
"Meu Deus, como eu a amo", pensou, com uma grande vontade de chorar. A bebida o atordoara, mas não conseguia fazê-lo esquecer aquela noite decisiva.
Ele não entrara no quarto de Jenny com a intenção de fazer o que fizera. Tinha acabado de dizer boa noite aos pais e ao irmão, que continuavam conversando na cozinha, e a seguir subira para seu antigo quarto. Ao passar diante da porta de Jenny, ouvira-a chorando, e logo compreendera que seus apelos para que Hal não partisse tinham sido em vão. Parecia estar sofrendo muito, e Cage quisera confortá-la, ampará-la.
Porém, quando percebera que estava sendo confundido com Hal, fora impelido na direção dos braços abertos como as ondas são impelidas para a praia. Percorrera a pequena distância até o leito de Jenny afirmando a si mesmo que se identificaria a qualquer instante.
No entanto, depois de tocá-la, de ouvir a ansiedade em sua voz, sentira-se prisioneiro de um encantamento. Queria falar, mas sua garganta se fechara, num nó apertado e doloroso, e a emoção o dominava. Mal podia acreditar que a tinha em seus braços. Desejava prolongar aquele engano pelo menos por mais alguns instantes, e então ficara imóvel, prendendo a respiração. Se descobrisse que não era Hal, e sim ele, Jenny se enrijeceria, se afastaria como sempre fizera ao senti-lo mais perto. Ao perceber que ela se aproximara, oferecendo-lhe os lábios, não pudera mais resistir, e muito menos retroceder...
O que fizera não tinha perdão. Mas o que pretendia fazer agora seria tanto ou mais imperdoável. Tentaria conquistá-la, mesmo sendo Jenny noiva de seu irmão. Agora que sabia o quanto a queria, o quanto era maravilhoso tê-la nos braços, não estava disposto a afastar-se. Mesmo sabendo que seria desleal, que se transformaria no canalha que sempre fingira ser. Não permitiria que sua família continuasse endurecendo-lhe o espírito. Jenny dera a Hal a oportunidade de amá-la, de conhecê-la como amante, como mulher, e ele a rejeitara. Cage não iria ficar observando aquele rosto querido perder o brilho, a vivacidade, casando-se com alguém tão austero. Conhecera-a aos catorze anos e jamais imaginara que teria que esperar até os vinte e seis para amar um homem. Talvez estivesse totalmente errado. Talvez ela tivesse esperado o tempo certo, pelo homem certo, que deveria ser Hal, seu irmão. Mas ele preferia morrer a acreditar nisso, agora que havia desencadeado aquela situação louca, sem saída.
O que Hal faria quando voltasse e soubesse que Jenny havia sido violada por ele? Provavelmente a julgaria indigna do casamento e Cage, por sua vez, seria banido para sempre do convívio da família. Na certa, Hal cobraria de Jenny uma explicação: como pudera confundi-lo com o irmão mais velho? Tinha tomado um calmante, mas não estava inconsciente. Como pudera corresponder a outro homem, que não ele, seu noivo, seu companheiro de tantos anos?
"Como?", Cage se perguntou, com uma esperança indefinida invadindo seu coração. "Cara, você está ficando totalmente louco!", disse para si mesmo, mas a pergunta voltou a sua mente: Como Jenny pudera confundi-lo com seu irmão? Afinal os dois eram namorados, deviam conhecer bem um ao outro, deviam se reconhecer pelo toque, pelo cheiro. Seria muito difícil um engano desse nível, a não ser que...
Cage achou que estava mesmo enlouquecendo. Mas não pôde evitar a hipótese de que Jenny sabia que era ele. Não a nível consciente, era claro... Mas talvez ela pudesse estar muito confusa, talvez ela não estivesse mais diferenciando realidade e fantasia... talvez tivesse desejado estar com ele e não com Hal!
Ele reconhecia que estava forjando uma porção de explicações absurdas apenas para tentar ver uma saída para aquela situação sem saída, para aquele amor sem saída. Então mais uma peça se juntou ao seu quebra-cabeça amoroso, dando-lhe ainda um pouco mais de esperança: Jenny dissera o nome de Hal ao vê-lo entrar no quarto, e pedira que a abraçasse. Aquilo lhe doera muito, pois deixava claro que era seu irmão que ela queria e não ele.
No entanto, em nenhum outro momento, durante o ato de amor, Jenny pronunciara o nome de Hal.
CAPITULO III
Jenny acabava de colocar água em alguns vasos de plantas, junto à entrada do templo, quando viu Cage chegar. Ele segurava os óculos escuros numa das mãos e avançou lentamente, sorrindo enquanto subia as escadas.
- Olá.
- Olá.
- Será que a igreja não tem fundo para contratar um zelador? - inquiriu, dando uma olhadela na cesta de produtos de limpeza que Jenny tinha aos pés.
- Ah, eu gosto de fazer isso - anunciou, puxando um pedaço de flanela do bolso traseiro do jeans e tirando a poeira acumulada sobre os vasos esmaltados.
- Parece surpresa por me ver - comentou ele, rindo.
- E estou mesmo. Desde quando você não põe os pés na igreja? - indagou, sentando-se num dos degraus.
- Desde a última Páscoa - retrucou sentando-se bem ao lado dela, olhando ao redor. Tudo permanecia igual: as árvores, o gramado, a entrada do templo sóbria e sem ornamentos, a não ser os vasos, repletos de folhagem verde-clara. Seu olhar demorou-se um pouco mais em Jenny, que prendera os cabelos graciosamente ao alto da cabeça. Todo seu rosto parecia brilhar sob os raios de sol da tarde; os olhos verdes estavam calmos, serenos. Os jeans caíam-lhe perfeitamente e o par de ténis gastos davam-lhe um ar jovial, descontraído.
- Ah, sim. Naquele dia fizemos um piquenique no parque.
- E eu empurrei você na balança.
Como poderia me esquecer disso? - comentou ela, rindo. - Gritei para que não me empurrasse muito alto, mas você continuou mesmo assim.
_ Você adorou.
_ Como soube? - indagou com um brilho travesso no olhar, enquanto esboçava um sorriso encantador.
Por instinto.
A mente de Cage voou, recordando-se da data mencionada. Tratava-se do domingo de Páscoa à tarde; o céu estava de um azul límpido, o ar morno e agradável. Jenny usava um vestido amarelo vaporoso que se colava ao corpo esbelto a cada lufada de vento.
Tinha adorado puxá-la para bem próximo de si, ao impulsioná-la no balanço, preso por cordas a uma árvore gigante. Pudera senti-la bem perto, aspirar o perfume suave dos cabelos, apreciar o leve contato do corpo dela contra seu peito.
Quando a empurrava com muita força, Jenny ria como uma criança feliz. Ainda guardava na memória aquele riso alegre, quase infantil. Cada vez que o balanço a trazia de volta, Cage reprimia sua vontade de segurá-la junto dele, de abraçá-la, beijá-la. Nenhuma outra mulher tinha o poder de encantá-lo daquele modo.
Mas, infelizmente, Jenny era a garota de Hal. Logo lá estavam os dois juntos, conversando com as pessoas da paróquia, participando de brincadeiras só para casais. Depois de observá-los juntos por um bom tempo, sentindo-se enciumado, Cage foi até seu carro e apanhou uma cerveja que mantinha numa geladeira portátil. Seus pais demonstraram imensa desaprovação por aquele gesto.
Como não pretendia estragar o dia de todos, especialmente o de Jenny, pois sabia que sua dissonância com a família a perturbava tremendamente, resmungara uma despedida e saíra no seu Corvette, em disparada.
Sentia, agora, a mesma necessidade de tocá-la. Os cabelos loiros brilhavam, as faces estavam rosadas. Parecia tão suave e convidativa. Mas algo lhe dizia que talvez fosse um pecado tomá-la nos braços e beijá-la do modo como tanto desejava, bem ali, diante da igreja. No entanto, se não tivesse a certeza de que Jenny iria achá-lo um maluco e mandá-lo embora, provavelmente não se importaria em ser um pecador.
- Quem doou as flores esta semana? - indagou ele, querendo começar algum assunto.
- Os Randall - ela informou.
- Conheço o filho deles, Joe Wiley Randall - comentou Cage, estreitando os olhos e esboçando um sorriso.
- Você o conheceu?
- Não.
- Puxa, não vejo Joe há bastante tempo. Nos divertimos muito juntos, no tempo do colégio. Uma vez levei uma surra por causa dele. Mas valeu a pena, estava tentando defender Joe de uma acusação injusta.
- E então apanhou no lugar dele?
- É! Às vezes isso acontece. A gente vive uma situação que estava reservada a outra pessoa! Ele é um grande sujeito, Jenny. E era um excelente jogador de basquete. Um inferno de bom! - Subitamente, Cage inclinou o corpo para o lado, colocando as mãos sobre a cabeça, num gesto engraçado. - Nossa! Será que posso falar isso à porta da igreja?
- Que diferença faz? - indagou Jenny, rindo. - Deus está ouvindo o tempo todo. - De repente, ela ficou séria, fitando-o intensamente. - Você acredita em Deus, não é verdade, Cage?
- Sim. Do meu próprio modo, eu acredito - concordou num tom sério que não deixava dúvidas sobre sua sinceridade. - Sei muito bem o que as pessoas falam de mim. Meus próprios pais acham que eu sou um descrente, um cético.
- Não é bem assim, Cage.
E você, o que pensa de mim? - inquiriu ele, encarando-a.
Que é o exemplo típico do filho de um pastor.
_ Puxa! Isso é simplificar as coisas, não? - disse ele, jogando a cabeça para trás enquanto ria.
Nem tanto. Desde menino você sempre fez tudo para agir de forma a não ser chamado de bonzinho.
- Bem, já não sou mais um menino e ainda não gosto de ser bonzinho.
- Certo, ninguém em La Bota o acusaria disso! - retrucou num tom provocante, tocando-o no ombro. De imediato retirou a mão ao verificar que se tratava de um ombro tão musculoso e firme quanto o de Hal, que ela beijara com tanto ardor naquela noite. Para encobrir aquele embaraço, mudou de assunto:
- Você se recorda de quanto tentava me fazer rir enquanto eu cantava no coro?
- Quem, eu? - perguntou indignado. - Jamais fiz isso.
- Ah, fez sim, e como! Fazia caretas e virava os olhos. Bem de lá, na última fileira, onde ficava sentado com uma de suas garotas; você...
- com uma de minhas garotas? Está parecendo até que eu tinha um harém.
- E não tinha?... Não tem?
Cage a olhou afetando um ar de conquistador, e então indagou, imitando a voz do locutor da rádio local:
- Bem, há sempre lugar para mais uma. Não quer se candidatar?
Rindo, Jenny se levantou.
- Muito bem, Cage, agora saia já daqui. Tenho muito o que fazer!
- É, eu também tenho - anunciou, levantando e preparando-se para ir embora. - Acabei de assinar um contrato que me permite explorar a propriedade do velho Parson.
- E isso é bom? - inquiriu ela num tom sincero, pois pouco sabia do trabalho dele. Sabia apenas que estava relacionado a petróleo e que estava sendo muito bem-sucedido.
- Muito. Já estamos prontos para começar a perfurar.
- Parabéns.
- Deixe as congratulações para quando jorrar o primeiro poço - anunciou num tom de brincadeira, enquanto descia os primeiros degraus.
- Cage?
- Sim... - respondeu voltando-se, os cabelos encaracolados brilhando ao sol, contrastando com a pele bronzeada, as mãos enfiadas nos bolsos da calça jeans. Jenny o achou especialmente bonito.
- Esqueci de perguntar por que veio até aqui.
- Sem qualquer motivo especial. Até mais, Jenny.
- Até logo, Cage.
Fitou-a ainda por alguns instantes, antes de recolocar os óculos escuros e descer as escadas em direção ao carro.
Jenny lutava para pendurar o lençol molhado no varal antes que uma rajada de vento o tirasse das mãos. Ao conseguir colocar o último pregador, baixou os braços cansados e, de imediato, percebeu que alguém se aproximava. Sara e Bob haviam saído e ela ficara sozinha em casa. "Quem estará chegando?", perguntou a si mesma.
O quintal dos fundos, onde estava, era cercado por muros altos e a porta da frente tinha sido trancada. Portanto, só alguém que tivesse a chave poderia ter entrado. Os lençóis brancos toldavam-lhe a visão, mas Jenny pôde distinguir um vulto de homem surgindo diante dela.
- Quem está aí? - indagou, mas não obteve resposta. A figura continuava parada do outro lado dos lençóis. Então, por um momento, ela achou que Hal tivesse voltado. Subitamente, o pano branco foi levantado, fazendo-a afastar-se, sobressaltada.
Cage Hendren, você me assustou!
perdão, Jenny. Não foi minha intenção desculpou-se sorrindo e aproximando-se mais.
Balançando a cabeça, ela também sorriu.
_ Você não tem jeito mesmo, não é? Sei que me assustou de propósito. Cheguei a pensar que fosse seu irmão...
Os dois estavam bem próximos um do outro, e Cage ajeitou uma mecha de cabelos que caía sobre o rosto dela. Nesse momento, os olhos de ambos se encontraram. Sem conseguir manter o olhar por mais de alguns segundos, Jenny baixou a cabeça, afastando-se.
- Acho melhor estender as últimas fronhas enquanto o sol está quente - disse, apressando-se em terminar a tarefa.
Depois da partida de Hal, Cage passara a visitar a casa com maior frequência. Toda vez que aparecia, perguntava por notícias do irmão, mas Jenny percebia que não era esse o principal motivo de suas visitas. Talvez estivesse fazendo isso em benefício dos pais, afinal Sara e Bob deviam sentir muito a falta de Hal.
Numa tarde de domingo aparecera com um bolo nas mãos, dizendo que o comprara do fundo de caridade, mas não conseguiria comê-lo sozinho. Nunca parecera tão dócil e respeitoso, e os pais apreciaram aquela mudança. Jenny também gostava de vê-lo assim, alegre, menos amargo.
Na verdade, a companhia dele a agradava cada dia mais.
- A secadora de roupas está quebrada? - inquiriu, pegando o cesto de vime vazio, seguindo-a até a porta dos fundos.
- Não, mas eu gosto do cheirinho dos lençóis e fronhas quando secam do lado de fora.
- Você é um caso sério, Jenny - comentou, sorrindo.
- Eu sei. Às vezes, sou extremamente antiquada.
- Acho que é uma das coisas que aprecio em você! Ao pararem junto à porta, ela o sentiu fitá-la novamente de forma ainda mais intensa. Dessa vez, resolveu encarálo também, perguntando:
- Você quer... gostaria de tomar um refrigerante?
- Seria ótimo! - concordou Cage, levando a cesta para a lavanderia, enquanto Jenny dirigia-se para a cozinha, apanhando os copos, depois os refrigerantes gelados.
- Onde estão papai e mamãe? - perguntou ao voltar, sentando-se à mesa e observando-a abrir as garrafas e servir.
- Precisaram visitar algumas pessoas no hospital informou Jenny, de repente tomando consciência de que estavam a sós em casa. Sem compreender bem por quê, lembrou-se das primeiras vezes em que ficara a sós com Hal, quando ainda eram adolescentes. Naquela época, os pais costumavam evitar ao máximo deixá-los sozinhos, e só o faziam em caso de extrema necessidade, tomando o cuidado de deixar a ambos muitas tarefas e mil recomendações...
O olhar insistente de Cage mexia com ela, e isso a deixava constrangida.
- Jenny?
- O que foi? - indagou, nervosa, como se Cage pudesse flagrar sua excitação e seu embaraço a qualquer momento. Ele estava vestido como Hal naquela noite, usando uma camisa de algodão xadrez e calça jeans. Sua pele bronzeada contrastava com os cabelos claros, quase dourados.
- Teve notícias de Hal?
- Não. Nada além da última carta, que enviou há um mês. Acha que isso significa algo?
- Sim, acho.
Jenny o encarou, curiosa por conhecer-lhe a opinião.
- Significa que tudo está bem - ele completou, levantando os ombros.
- As más notícias sempre chegam depressa, não é?
- Creio que sim.
- Bob e Sara fingem que tudo vai bem, mas estão preocupados.
A esta altura, Hal já deveria estar a caminho de casa. - Pode até estar. Vai ver que não teve oportunidade de nos informar ainda.
- Pode ser - concordou Jenny. Sentia-se um pouco egoísta, mas não conseguira deixar de ficar magoada com a atitude de Hal. Nas duas cartas que mandara, dirigira-se a toda a família. Havia dito que as condições em Monterico eram péssimas, mas que estava bem e a salvo. Não incluíra nenhuma palavra particular, só para ela. Não dissera que a amava. Talvez aquela noite não tivesse sido tão importante para ele, afinal.
- Sente falta do meu irmão? - perguntou Cage em tom suave.
- Muita - retrucou, erguendo os olhos, porém baixando-os a seguir, temendo que Cage percebesse que não estava sendo sincera. Afinal, não sentia muita falta, não tanta quanto imaginava que sentiria. Na verdade, de certa forma, estava aliviada por não tê-lo sempre a seu lado. Mais uma vez, não conseguia compreender seus próprios sentimentos.
O que acontecia com ela? Agora que tinha feito amor com Hal não o desejava mais? Tinha sentimentos contraditórios. Queria muito fazer amor novamente, experimentar mais uma vez todas aquelas sensações maravilhosas. No entanto, não se sentia ansiosa por ver Hal. Ainda há pouco, quando imaginara ser ele a figura atrás dos lençóis, não ficara alterada, nem especialmente feliz. Confusa e envergonhada, Jenny só não conseguia admitir para si mesma o óbvio: estava atraída por Cage!
A voz dele interrompeu seus pensamentos:
- Não se preocupe, Hal estará bem! Talvez se esfole um pouco, mas ficará bem... Sabe, há uma história que você não conhece, pois aconteceu bem antes de te trazerem para morar conosco. Eu tinha uns doze anos e Hal deveria estar com nove ou dez. Os Tate, nossos vizinhos, tinham uma filha, Marta, da mesma idade de Hal. Marta era supergorducha e vários meninos da escola viviam mexendo com ela, magoando muito a garota. Um grupo de moleques costumava ficar esperando na esquina e cair às gargalhadas, ou correr atrás dela, assim que surgisse, a caminho de casa. Era uma atitude muito idiota, a deles. - Fez uma pausa, continuando num tom sério, levemente áspero: - Um dia Hal voltava para casa junto com Marta, quando depararam com o bando de meninos, e então começou a cena de sempre. Tentando defender a amiga, ele conseguiu um nariz sangrando, um olho roxo e um lábio machucado. Mas, naquela noite, meus pais o chamaram de herói por ter se defrontado com inimigos, mais fortes, em maior número. Mamãe deixou que repetisse a sobremesa, e papai fez analogias com sua boa ação, comparando-a à de David e Golias.
Fez uma pausa, tomando um gole de refrigerante, e prosseguiu:
- Então, eu pensei: "Ora, se é isso que preciso fazer para torná-los felizes, é muito fácil". Eu sabia lutar bem, melhor do que Hal. Daí, no dia seguinte, fiquei escondido atrás da garagem, esperando pelos moleques. Eu tinha duas coisas a cobrar: por terem batido no meu irmão menor e por estarem fazendo gozação com Marta, só porque era gordinha.
- E o que foi que você fez?
- Eles estavam muito orgulhosos de si mesmos, perseguindo a menina pela calçada e rindo a valer. Pulei na frente deles e logo fui jogando a lata de lixo em cima do primeiro que apareceu. Dei um soco no estômago do segundo, tirando-lhe o fôlego. O outro saiu correndo, com medo de apanhar também.
- E o que aconteceu? - perguntou Jenny rindo, não da cena que Cage descrevia, mas do modo engraçado como contava a história.
- Bem, quando cheguei em casa, fiquei esperando receber o mesmo tratamento especial que tinham dado ao meu irmão. - com um meio sorriso, balançou a cabeça lentamente. - Fui mandado para o quarto sem jantar depois de um sermão e tanto, de uma surra e da proibição de usar minha bicicleta por duas semanas inteiras... - Cage assumiu um ar cansado, triste. - Portanto, querida Jenny, se fosse eu quem tivesse ido para essa missão na América Central, seria considerado um criador de casos. Mas Hal é considerado um herói. E acho que pouco importaria aos meus pais saber que eu até iria com Hal nessa viagem se ele me chamasse, se aceitasse minha ajuda. Meu irmão é um homem de coragem, que luta por seus ideais, e sempre vou admirá-lo por isso, mas meus pais sempre fizeram questão de nos colocar em lados opostos, mesmo quando nossas opiniões eram parecidas.
- Sinto muito, Cage - disse ela, cobrindo-lhe a mão com a sua, impulsivamente. - Sei como isso magoa.
Imediatamente a mão forte cobriu a dela e Cage fitou os olhos claros, que corresponderam aos seus.
- Jenny? Chegamos! Estamos em casa - anunciaram os Hendren passando pela porta da frente. No entanto, os dois permaneceram como estavam. Só desviaram o olhar e soltaram as mãos uma fração de segundo antes de o casal entrar.
- Ah, você está aqui. Como vai, Cage?
Jenny levantou-se oferecendo aos dois um refrigerante, que ambos recusaram. Depois de alguns minutos Cage também se pôs em pé.
- Acho que já vou indo. Dei uma paradinha para ver se tinham notícias de Hal. Mais tarde entro em contato. Até logo mais!
Não havia motivos para prolongar aquela visita. Ele queria saber a respeito do irmão, no entanto, a razão principal que o levara até ali fora ver Jenny.
E a tinha visto. Ela o tocara, estendera a mão e o tocara. Agora, estava se sentindo muito bem.
Jenny inclinou-se a fim de colocar o pacote com mantimentos no banco traseiro do carro. Os Hendren haviam dado a ela um veículo económico e compacto assim que se formara. Um assobio longo e provocante, bem ao seu lado, fez com que se voltasse, sobressaltada.
Cage estava parado, montado numa moto que, pelo aspecto, deveria ser bem possante. Tinha um capacete preto numa das mãos e a fitava com uma expressão provocante. Usava uma camiseta preta, bastante cavada nos ombros, e calças jeans bem justas. Jenny achou-o escandalosamente atraente. Os ombros fortes à mostra, as coxas musculosas delineadas pela calça justa.
A belíssima tarde de verão convidava a um passeio de motocicleta, e ele resolvera dar uma volta pela cidade. Ao vê-la perto do supermercado, sentiu-se um homem de sorte.
- Alguma moça já assobiou para você hoje? - ela indagou sorrindo, com ar de provocação.
- Não, por quê? Acha que estou atraente?
- Diria que suas roupas devem chamar mais a atenção que as minhas, e alguém já andou assobiando para mim... por acaso viu quem foi?
- Confesso que fui eu, senhorita, mas com todo o respeito do mundo.
Os dois riram e Jenny terminou de ajeitar o pacote, fechando o porta-malas e encostando-se no carro. Também estava bonita. O calor da tarde avermelhava as faces delicadas, os cabelos loiros caíam soltos sobre os ombros. A jardineira de brim azul-claro que usava marcava as formas esbeltas do corpo.
- Você está linda, Jenny! - exclamou fitando-a detidamente, o que a fez corar quase no mesmo instante. Depois de alguns momentos, ela comentou:
- Seus pais é que não gostariam dessa sua nova moto. Iam achar que é mais uma de suas loucuras...
- E é! É um delírio correr com essa máquina estrada afora, sentindo o vento tocar a gente. Tenho a impressão de que vou acabar voando... Gostaria de voar para bem longe, Jenny. Não quer vir comigo?
- Você não tem jeito. É incorrigível - respondeu sorrindo e balançando a cabeça.
- É o que todos dizem - comentou Cage, sorrindo também e pondo à mostra os dentes claros, enquanto se debruçava sobre o guidão da moto, apoiado nos dois braços. - Mas falo sério. Não quer dar uma voltinha de moto? Aposto que vai adorar!
- Uma voltinha? - repetiu Jenny, dirigindo-se para a porta do motorista. - Está ficando maluco.
- Pois você também ficaria, se arriscasse... - comentou, rindo gostosamente diante da careta dela ao observar a moto. - Vamos, Jenny. Vai ser emocionante.
- De jeito nenhum. Esqueça, Cage.
- Por quê?
- Não confio em você como piloto.
- Estou sóbrio como uma rocha - retrucou, afetando seriedade.
- Não mesmo. Já saí com você para dar uma volta de carro e, pelo que me lembro, arrisquei minha vida a cada quilómetro. Se tive medo num carro, imagine nessa moto, que mais parece um avião... - Ela abriu a porta do veículo.
- Sempre gostei de velocidade. Prometo que estará segura...
- Estou segura no meu carro! Obrigada e até mais disse, deslizando rapidamente para trás do volante. Além disso, o sorvete está derretendo - completou ao fechar a porta e ligar o motor.
Cage acompanhou-a até a paróquia, ziguezagueando diante do carro algumas vezes, por brincadeira. Duas vezes a fez brecar, com medo de atropelá-lo.
Olhando através do espelho retrovisor, Cage viu que Jenny tentava parecer zangada e demonstrar sua desaprovação, no entanto, ambos estavam rindo ao chegar em casa.
- Está vendo? - indagou ele, parando a moto ao lado do carro e retirando o capacete. - É um passeio perfeitamente inofensivo. Venha dar uma voltinha comigo convidou novamente, o olhar determinado fixando-a. O saco de mantimentos pesava em seus braços, enquanto ela hesitava. - Quando foi a última vez que fez alguma coisa espontaneamente? - voltou a insistir, tentando-a.
"Na noite em que Hal partiu", pensou, vendo a imagem do noivo voltar à sua mente. Já havia se passado dez semanas desde então. Cage continuava aparecendo com bastante frequência, nos momentos mais inesperados.
- Na verdade, não posso mesmo.
- É claro que pode. Ande, vamos. Eu ajudo a guardar o sorvete.
Não houve como discutir com ele. Sara e Bob não estavam, o que a deixava menos constrangida. Guardaram as compras e voltaram para a frente da casa.
Vendo-a ainda hesitante, Cage insistiu com um sorriso irresistível.
- Por favor, Jenny! Só uma volta!
- Ah, está bem - rendeu-se ela, soltando um suspiro irritado. Na verdade, seu coração palpitava de emoção.
Parecendo uma criança de tão alegre, ele se aproximou e, antes que pudesse dizer qualquer coisa, colocou-lhe o capacete. No entanto, antes que fechasse a presilha sob o queixo, Jenny o retirou, num gesto rápido.
- Por que quer que eu coloque isso?
- Porque só temos um, e prefiro proteger você!
- Pois se não podemos nos proteger os dois, vamos nos arriscar os dois, Cage Hendren!
Por um instante os olhares se prenderam. Mas ambos desistiram, baixando os olhos, amedrontados. Num instante ele estava sobre a moto, estendendo o braço para que Jenny subisse.
- Agora, ponha seus braços ao redor da minha cintura - ordenou, assim que a viu acomodada na garupa.
Meio sem jeito, ela obedeceu, deslizando as mãos sobre a camiseta macia. O simples contato com aquele corpo quente a alterou, fazendo seu coração acelerar.
- Tudo bem - anunciou Cage, agarrando-lhe as mãos, juntando-as diante do próprio corpo e pressionando-as com firmeza. - É assim que precisa segurar. Bem firme.
Sentia-se tão perto dele... Quando a moto foi ligada e finalmente arrancou, fechou os olhos, com uma grande vontade de deslizar as mãos pelo peito largo, acariciando-o. Mas as manteve imóveis e bem juntas.
- Está gostando? - perguntou Cage sem se virar.
- Adorando! - retrucou com honestidade após sobrepujar o primeiro instante de timidez.
O vento morno desmanchava-lhe os cabelos, tocava-lhe o corpo todo, fazendo-os vibrar de prazer. A toda velocidade, Cage tomou a estrada, saindo da cidade. Era algo muito excitante ter apenas duas rodas separando-os do asfalto.
Depois de alguns quilómetros, Cage afastou-se da rodovia, tomando uma estrada lateral e íngreme e, por fim, cruzando um portão. Estavam numa bela casa, no topo de uma colina. Grama e arbustos baixos haviam sido plantados no quintal, rodeado por uma cerca branca, e havia inúmeras árvores com copas abundantes, produzindo sombras acolhedoras. A varanda da frente, que continuava nas laterais da casa, estava protegida do sol pelos balcões do andar superior.
Num dos lados havia uma garagem e Jenny notou que o Corvette preto de Cage estava estacionado ali, ao lado de mais alguns veículos. Um pouco além da garagem havia um estábulo e dois cavalos pastavam calmamente num gramado mais adiante.
- Este é o meu lar - anunciou Cage, simplesmente, estacionando a moto e esperando que Jenny descesse antes dele.
- Está morando aqui agora? - indagou ela, com ar surpreso, enquanto descia da garupa.
- Sim.
- Que maravilha! Por que nunca nos convidou para conhecer essa casa, Cage? - perguntou, voltando-se para ele.
- Acho que não tive vontade... Papai e mamãe nunca se preocupavam e...
- Por que não me convidou? - ela o interrompeu.
- Teria vindo?
- Acho que sim - retrucou Jenny, porém ambos sabiam que não era verdade.
- Bem, estamos aqui. Vamos entrar? - convidou, num tom humilde, parecendo extremamente vulnerável apesar de toda a sua energia e vivacidade.
- É claro, Cage! Vamos entrar. Imediatamente, ele esboçou um sorriso largo, conduzindo-a através das escadas, até a entrada principal.
- A casa foi construída bem na virada do século. Passou pelas mãos de muitos donos, e cada um deles deixou que se deteriorasse um pouco mais. Quando eu comprei isto aqui, tudo estava abandonado. Meu maior interesse eram as terras e cheguei a pensar em demolir o casarão. No entanto, ele me conquistou, porque parecia pertencer ao lugar. Resolvi reformar a construção e tornar o lugar habitável. Ficou bonito, não?
- Muito - exclamou Jenny, percorrendo os cómodos de teto alto, bem espaçosos, arejados e bem iluminados.
Cage decorara o lugar com simplicidade, pintando tudo de branco: as paredes, as venezianas, a madeira entalhada, o portal que separava o hall central da sala de visitas de um lado e da sala de jantar circular, de outro. O chão de carvalho tinha sido raspado e encerado até adquirir um brilho suave. Mais voltada para o conforto que para a beleza, a mobília misturava agradavelmente elementos antigos e modernos, e tudo parecia de bom gosto e bem arrumado.
No andar superior havia três quartos, mas apenas um fora completamente reformado.
Da soleira da porta, Jenny deu uma olhada no quarto de dormir de Cage, um aposento amplo, de paredes brancas e janelas cor de areia com uma cama larga, de madeira sólida, coberta por uma colcha também cor de areia. De onde ela estava, pôde divisar o banheiro, contíguo ao quarto.
- Gosto de me estender na banheira e apreciar a paisagem - informou Cage, percebendo a direção de seu olhar. - Venha ver. - Eles atravessaram o quarto, em direção ao banheiro, um aposento também amplo e iluminado. Sobre a banheira generosa, uma janela de vidro panorâmica deixava ver o céu límpido da tarde de verão.
- É incrível! - ela exclamou, admirada.
- À noite também é muito agradável. Costumo ficar no banho durante horas, quando a lua está cheia e as estrelas brilhando...
"Deve ser realmente agradável", ela pensou, imaginando-se dentro da água morna, contemplando o céu. Logo sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo.
- É uma casa que combina com você perfeitamente, Cage. A princípio achei que não, mas agora vejo que sim.
- Venha ver a piscina - convidou, parecendo satisfeito. Cage conduziu-a para o andar inferior, passando por um alpendre fechado por telas até um pátio com chão coberto por lajotas de pedra rústica. Vasos de terracota aconchegavam gerânios em flor. A um canto do jardim,, um cactus enorme florescia, com botões amarelos e rosa. A piscina era de um azul profundo, fascinante.
- Puxa! - exclamou ela.
- Quer nadar?
- Não trouxe o maio.
- Quer nadar?
O tom de voz que ele usara para repetir a pergunta implicava em algo sutil e sedutor, porém indubitavelmente claro.
Mais uma vez, Jenny imaginou-se dentro dágua. O convite, a voz sedutora de Cage, a presença dele, sua proximidade, seus olhos que a buscavam, intensos... tudo aquilo mexia com ela, deixando-a extremamente agitada e constrangida ao mesmo tempo. Sentia a cabeça girar, transportando-a para um outro mundo. Sem tirar os olhos da piscina, imaginou-se nua dentro dela, ao lado de Cage. Cage, a pele dourada, os músculos bem-feitos, banhados de sol...
Não queria abandonar aquela fantasia magnífica.
Viu-se acariciando-o, sentindo as mãos fortes deslizando sobre sua pele, tocando-lhe os seios, o ventre...
- Preciso voltar para casa - exclamou, girando nos calcanhares e cruzando o pátio na direção da saída, tão depressa como se uma grande ameaça a afligisse.
Cage alcançou-a na varanda da frente. Jenny mantinha p corpo reto, tensa, enquanto aguardava que ele fechasse a porta. No instante em que pegou-a pelo braço a fim de conduzi-la através das escadas, ela retirou o braço, delicadamente.
- Alguma coisa errada, Jenny?
- Não, não. É claro que não. Gostei muito da sua casa - respondeu, ao mesmo tempo em que analisava a própria atitude. Por que sentira tanto medo? Cage jamais a magoaria, jamais faria o que ela não desejasse.
O que a amedrontava era o seu próprio desejo: forte, intenso e vigoroso. Como se já o quisesse há muito, muito tempo. Como se jamais tivesse sonhado com outro homem que não ele.
- Ei, Jenny, não se preocupe! Já vou levar você para casa, está bem? - disse com voz terna. Os dois subiram na moto, e depois de acionar o motor, ele gritou: Segure-se firme, lá vamos nós!
- Cage!
Foi a última palavra que conseguiu proferir. Ele avançou com tal velocidade ao longo da rodovia que pareciam estar voando. Agarrando-se a ele, procurando manter-se firme, já sem medo de espalmar as mãos sobre o abdómen reto, Jenny colou seu corpo ao dele.
Ao se aproximarem da rua que levava à casa paroquial, Cage diminuiu a marcha consideravelmente, saltando, porém, para cima da calçada e começando a ziguezaguear seu caminho entre as árvores.
- Você está completamente doido! - exclamou Jenny, sem conseguir deixar de rir. - Se aparecer um pedestre, vamos pagar uma multa!
Os dois morriam de rir ao chegarem junto à casa e estacionarem.
- Quer repetir a dose amanhã? - indagou Cage, já sabendo a resposta.
- Não - retrucou ela, descendo e tentando se manter firme nos joelhos trémulos. - Definitivamente, não. Podemos nos acostumar a essas corridas, e então nossas vidas vão estar sempre em risco!
As faces de Jenny estavam coradas e os olhos verdes brilhavam. Cage jamais a vira daquele modo. Desaparecera aquela máscara conservadora que sempre insistira em manter. Ele desceu da moto, apanhando o capacete que prendera ao lado do banco.
- Um dia você não conseguirá mais viver sem correr riscos, Jenny! E será muito bom! - anunciou, ajeitandolhe os cabelos, passando os dedos pelos fios sedosos como se fosse a coisa mais natural deste mundo. - Na próxima vez, vou levar você até o mar!
Cage passou o braço pelos ombros de Jenny que, ainda sentindo-se trémula e fraca, enlaçou-o pela cintura. Ambos dirigiram-se para a porta com passos incertos como se fossem duas crianças, brincando ao subirem as escadas. A porta abriu-se e Bob surgiu diante deles. Fitando Cage com uma expressão acusadora, passou a olhar para Jenny. Os dois pararam abruptamente.
- Papai?
- Bob? - indagaram, quase ao mesmo tempo. No entanto, já pressentiam a terrível notícia.
- Meu filho está morto.
CAPÍTULO IV
"Meu filho está morto". As palavras de Bob não saíam da cabeça de Jenny desde que as ouvira, na tarde anterior.
- Jenny? - sussurrou Cage num tom afetuoso. Jenny, por favor, não chore. Quer que eu peça algo à aeromoça?
- Não, obrigada, Cage. Estou bem - resmungou, levando o lenço úmido aos olhos mais uma vez. Na verdade, não estava nada bem. Nem poderia, depois de saber que Hal havia sido executado por um pelotão de fuzilamento em Monterico.
- Não sei por que fui concordar em trazer você nesta viagem! - exclamou, reprovando-se amargamente.
- Era algo que eu precisava fazer.
- Acho que apenas passará por uma provação desnecessária. Podíamos ter evitado tudo isso! Você ficaria em casa e...
- Não mesmo. Eu não poderia ficar lá sentada, esperando. Precisava vir junto, senão acabaria enlouquecendo.
Cage compreendia aquela atitude. No entanto, seria uma terrível viagem. Teriam que identificar o corpo de Hal e trasladá-lo para os Estados Unidos. Haveria pilhas de documentos a serem tratados com a Embaixada Americana, sem mencionar as negociações com a petulante junta militar de Monterico. Mas, provavelmente, nada poderia ser pior do que assistir à dor e ao pesar dos Hendren em casa.
Jenny não conseguia esquecer a expressão desesperada deles ao lhe darem a notícia.
- Minha filha, onde você esteve? - Sara havia perguntado, a dor transformando sua voz. - Seu carro está aqui... Procuramos em todos os lugares... Oh, Jenny!
Nos braços da filha adotiva, Sara chorara copiosamente. Cage sentara-se no sofá com os joelhos afastados, baixando a cabeça e fitando o chão. Ninguém o confortava pela morte do irmão. Pelo contrário, Bob o olhava com ar de reprovação, depois de observar, por alguns instantes, o capacete que havia sido deixado a um canto assim que entraram.
- Sinto muito por não estar aqui... - sussurrou Jenny, ajeitando os cabelos castanhos-claros de Sara - Eu... Cage e eu fomos dar uma volta de motocicleta.
- Estava com Cage? - indagou Sara, erguendo a cabeça de relance e fitando o filho. Contemplava-o como se estivesse olhando para um estranho, um completo desconhecido.
- Como ficou sabendo a respeito de Hal, mamãe? inquiriu ele num tom suave, mas não obteve resposta. Sara parecia alheia, impassível, os olhos vermelhos de tanto chorar.
- Um representante da embaixada dos Estados Unidos em Monterico telefonou cerca de uma hora atrás Bob informou. O pastor parecia subitamente velho e abatido, os ombros caídos, o olhar sem brilho. Mesmo a voz que sempre soava num tom impressionante e cheio de convicção, depois de tantos anos no púlpito, agora estava trémula, fraca. - Aqueles fascistas não tiveram o menor escrúpulo... Descobriram o plano de Hal e ele, juntamente com os outros membros de seu grupo e alguns guerrilheiros que os acompanhavam, foram capturados. Todos foram. .. - Fez uma pausa, seus olhos buscaram os olhos da esposa. Então, atenuou as palavras que o representante da embaixada pronunciara ao telefone - ... todos foram mortos. Nosso governo está fazendo um protesto formal.
Nosso filho está morto! - exclamou Sara, num grito lancinante. - De que adianta protestos? Nada o trará de volta!
Jenny abraçou-a, tentando confortá-la, aliviar sua dor. Mas também não pôde se conter, e as duas choraram por um longo tempo. As notícias logo se espalharam e não demorou para que a casa paroquial estivesse cheia de gente que vinha apresentar suas condolências e demonstrar solidariedade.
Todos estavam chocados com a morte de Hal Hendren, um rapaz tão jovem, tão bom. O pastor e sua mulher limitavam-se a receber os pêsames, sem ânimo para falar com ninguém. Cage e Jenny acabaram recebendo as pessoas por eles.
No entanto, nenhum dos quatro conseguia se conformar. Não queriam acreditar que Hal tivesse sido arrebatado de suas vidas de um modo tão cruel e irreversível.
- Você parece exausta, Jenny! - Ela girou o corpo enquanto se servia de uma xícara de café, descobrindo Cage postado bem às suas costas. - Já comeu alguma coisa?
- Não, nada. E você?
- Também não. Nem tenho fome.
- Na verdade, todos deveríamos nos alimentar - completou Bob, juntando-se a eles. Sara, que vinha apoiada em seu braço, deslizou para a cadeira mais próxima.
- Papai, um homem chamado Whithers, da embaixada, telefonou - informou-lhe Cage. - Amanhã viajo para Monterico a fim de acompanhar o corpo de Hal de volta.
- A mãe gemeu, comprimindo os lábios, e então soluçou baixinho. Cage fitou-a com uma expressão triste e prosseguiu: - Esse tal de Whithers vai me encontrar na Cidade do México. Viajará comigo e, felizmente, vai tentar facilitar as coisas, apressando a documentação. Assim que souber de algo, telefono e vocês poderão providenciar o funeral. - vou com você, Cage - anunciou Jenny, num tom calmo e decidido, que não admitiria réplicas.
Os dois partiram na manhã seguinte, dirigindo até El Paso, onde embarcaram num voo até a Cidade do México, o mesmo que Hal havia tomado quase três meses atrás.
Agora Cage estava sentado ao lado dela no avião. Vendo-a com o lenço totalmente encharcado, ofereceu-lhe o seu, retirando-o do bolso do paletó.
- Obrigada.
- Tente se acalmar, esquecer um pouco...
- Sinto-me tão culpada.
- Culpada? Ora, mas por quê?
- Não sei. Por um milhão de razões. Por ter ficado zangada quando Hal partiu sem se despedir. Por me sentir magoada quando ele escreveu as cartas para todos e não só para mim... Sei que são coisas tolas, mas mesmo assim fico pensando.
- Quando alguém morre, todos se sentem culpados com coisas desse tipo. É natural.
- Mas não é apenas isso... - disse, fitando-o com os olhos cheios de lágrimas. - Ontem nós nos divertimos tanto e... naquela hora, Hal já estava morto.
- Jenny...-comentou, querendo consolá-la; no entanto, sentia o peito apertado. A mesma culpa que a assaltava também o atingia. E Jenny nem imaginava quantos motivos ele tinha para sentir-se culpado.
Mas Cage tentava não se entregar a esse tipo de sentimento. Afinal, sabia que não fizera nada com a intenção de ferir o irmão. Passando o braço pelos ombros delicados, puxou-a para junto de si, acariciando-lhe os cabelos.
- Mas não deve sentir-se culpada por estar viva. Hal não iria querer isso. Foi ele quem escolheu seu próprio destino. Sabia bem o perigo que iria enfrentar e resolveu correr o risco.
Como era bom poder abraçá-la. E quanto ele desejava esquecer que a morte do irmão lhe concedia esse privilégio.
Que maldita situação! Por que Hal tivera de morrer? Certamente os dois iriam brigar muito, magoar-se muito mutuamente, agora que ele, Cage, resolvera lutar pelo amor de Jenny. Mas acabariam encontrando uma solução. Afinal, tudo tinha uma solução, menos a morte... com as costas da mão enxugou as lágrimas do rosto de Jenny. Não queria perguntar-lhe nada a respeito de seus sentimentos com relação a Hal depois da noite da partida, pois sabia que não seria honesto. Estaria enganando cada vez mais a mulher que amava, abusando de sua confiança. No entanto, não conseguia se conter, precisava saber o que ela sentia.
- Por que estava zangada com Hal quando ele partiu? - indagou, por fim.
Depois de alguns momentos, ela respondeu:
- Na noite anterior à partida dele, aconteceu algo que nos aproximou muito. Cheguei até a pensar que não partiria. Mas, na manhã seguinte, ele foi embora sem ao menos se despedir, como se nada tivesse acontecido. - Antes de prosseguir, suspirou profundamente. - Eu me senti muito rejeitada. Acho que não conseguia aceitar o fato de que meus sentimentos não tinham importância para ele, não mais do que essa missão...
"O que teria ela sentido exatamente naquela manhã?", Cage se indagou. Ao fitá-la por sobre a mesa do café, um milhão de pensamentos havia lhe ocorrido. Quisera poder fazer-lhe inúmeras perguntas, porém sua própria traição forçara-o ao silêncio. Tivera vontade de correr em sua direção, perguntando:
- Você está bem? Eu magoei você? Oh, Jenny, foi maravilhoso, não foi?
Ainda não tinha as respostas para essas perguntas. Talvez nunca as tivesse. Afinal de contas, o amante dela fora Hal. Fora Hal seu noivo, seu par, seu companheiro. Ele não passara de uma sombra dentro da noite. O que obtivera de Jenny não era para ele. E tudo o que ela lhe dedicaria, se algum dia viesse a conhecer a verdade, seria um profundo desprezo. Certamente o consideraria um canalha, um oportunista, um farsante. Como isso lhe doía!
Também era doloroso para Cage saber que Hal não merecia a raiva e a mágoa que Jenny sentira, julgando que o noivo agira casualmente após terem feito amor. Hal jamais agiria assim. Tampouco Jenny tinha culpa. Só havia um culpado em toda aquela história, e esse culpado era ele.
Sentindo a tensão de Cage, Jenny afastou-se, murmurando desculpas.
- Não deveria estar preocupando você com meus problemas. Afinal, são coisas pessoais, que não devem lhe interessar.
Oh, ela não sabia o quanto seus problemas pessoais o interessavam. O quanto desejava ajudá-la, compreendêla, confortá-la. Não imaginava que ninguém jamais estivera tão próximo dela quanto ele. Nem mesmo Hal se aproximara tanto.
De repente, a imagem do irmão surgiu em sua memória. Como podia estar pensando naquelas coisas? Será que não respeitava mesmo nada, nem mesmo a morte de um ente querido? Ou será que amava tanto aquela mulher, que todas as outras pessoas do mundo tornavam-se menos importantes diante daquele sentimento?
- Já vamos aterrissar - Cage anunciou com voz rouca, tentando esconder sua confusão, sua culpa, sua dor.
- Então, é melhor eu lavar o rosto. Meus olhos devem estar inchados.
- Você está linda. Jenny encarou-o, surpresa.
Apesar do desgosto que sentia e dos pensamentos que o atormentavam, Cage não podia deixar de contemplá-la.
Fitando-o intensamente, sentiu-se agradecida por tudo o que ele estava fazendo. Cage assumira todas as tarefas desagradáveis sem ninguém lhe pedir. Na certa, os pais nem se dariam ao trabalho de agradecê-lo.
Se não estivesse por perto, não sei o que iríamos fazer, Cage. Estou contente por termos você conosco!
Também estou contente por poder ajudar.
Será que estaria tão agradecida se soubesse do que ele fora capaz? Pouco importava isso agora. Na verdade, queria mesmo fazer todo o possível para aliviar a dor de Jenny e de seus pais. E talvez, algum dia, chegasse a perdoar a si mesmo por ter se envolvido naquela situação.
Depois de descerem na Cidade do México, continuaram a viagem até Monterico por terra, no carro de Whithers, o representante da embaixada. Os acontecimentos que se seguiram foram extremamente exaustivos e dolorosos para ambos. A realidade do conflito na América Central era ainda mais terrível do que haviam imaginado.
Apesar de não serem pessoas alienadas e terem alguma ideia das condições de opressão política e económica nos países do terceiro mundo, Jenny e Cage ficaram chocados diante da violência a que todo um povo podia ser submetido.
Ninguém estaria seguro naquele lugar. O governo mantinha seus soldados na rua, e a guerrilha parecia não descansar nunca. Seria difícil imaginar quantas pessoas já haviam sido torturadas e assassinadas desde a chegada de Hal ali.
- Só estamos realmente nos importando com esse inferno porque mataram alguém que amávamos. E também um cidadão norte-americano. Como podemos ignorar nosso verdadeiro papel com relação a essa gente, Jenny?
Cage tinha a garganta apertada, sua voz irradiava raiva e energia.
- Hal tentou fazer alguma coisa...
- Hal tentou salvar algumas pessoas numa jornada utópica, mal pensada e mal planejada. Gostaria que jamais tivesse interferido nessa história. Pelo menos não dessa maneira.
- Foi a maneira que ele encontrou!
- É... talvez ele fosse melhor que nós. Porque nós, provavelmente, vamos querer sumir daqui o mais rápido possível, e provavelmente nos esquecer do que acontece além das fronteiras dos Estados Unidos, pelo resto de nossas vidas...
Os dois se abraçaram por alguns instantes, tristes. Cage lembrou-se da terrível dor que o atingira, ao ter de reconhecer o corpo do irmão, momentos atrás. Jenny não tivera forças para fazer aquilo, deixando-o incumbir-se de mais uma terrível tarefa. Ao confirmar a morte de Hal, não conseguira conter as lágrimas. Jenny o abraçara, chorando também.
Tudo o que desejavam agora era sumir dali, afastar-se daquele lugar conturbado, caótico, diante do qual sentiam-se tão culpados quanto impotentes.
Whithers, um sujeito magro e bem falante, já havia providenciado o traslado do corpo para os EUA, negociando com os prepotentes, porém diligentes membros da junta militar, encarregada do assunto.
Cage e Jenny fizeram questão de manter-se à distância, pois seria ainda mais terrível ter de se defrontarem com os assassinos de Hal que, agora, pareciam tão solícitos.
Hal Hendren fora assassinado numa província, juntamente com os outros cinco membros de seu grupo, ligados à Igreja, e mais oito guerrilheiros. Era o único norte-americano do grupo.
O governo dos EUA certamente faria um protesto formal. No entanto, nada traria de volta aquelas vidas.
Ao anoitecer, tudo estava resolvido. No entanto, teriam que pernoitar ali, pois não seria recomendável partir antes de o dia clarear.
Hospedaram-se num pequeno hotel, no centro da cidade. O lugar era triste e escuro, o que os oprimiu ainda mais.
Escute, Jenny, não fique assim. Só ficaremos aqui por poucas horas.
Tudo bem... Vamos passar por essa noite, como passamos pela de ontem! Tudo vai ficar bem... Boa noite.
Boa noite.
O quarto de Jenny ficava ao lado do de Cage. Nenhum dos dois havia se alimentado, a não ser no avião, e, durante a madrugada, ela despertou, acometida por um terrível pesadelo. Vira, no sonho, vários homens perfilados, diante de um pelotão de fuzilamento. No início da fileira, lado a lado, estavam Cage e Hal. Uma voz medonha anunciara, pelo alto-falante, que ela poderia salvar um dos homens. Mas teria de escolher um. Apenas um.
Desesperada, Jenny acordara. Tremia e suava frio. Impulsivamente, deixou seu quarto, indo bater à porta dele.
A luz estava acesa, e logo a porta se abria.
- O que houve, Jenny? Você está pálida.
- Tive um pesadelo horrível. Posso entrar?
- É claro que pode! - disse Cage, afastando-se e dando-lhe passagem.
- Estou com medo, Cage. Esse lugar me assusta, me faz pensar em coisas terríveis, em morte, sofrimento...
- Também não consegui dormir. Você ouviu os tiros, lá fora?
Ela se lembrou do pesadelo. Antes de ver os homens perfilados, ouvira tiros, explosões e gritos. Talvez o sonho tivesse tomado dados da realidade exterior.
- Não, não ouvi - respondeu, simplesmente.
- Que estranho não ter ouvido, Jenny: Os tiros soaram tão perto daqui. Quase fui até seu quarto, mas logo pararam de atirar, e achei que tinha preferido ficar sozinha.
Os dois usavam camisetas de malha e calças de pijama. Cage tomara um banho e ainda tinha os cabelos molhados.
- vou arrumar a cama para você - disse, começando a estender o lençol, dobrado sobre o travesseiro.
- Não, durma você. vou ficar aqui sentada e...
- Não seja teimosa. Você está fraca e cansada. Nós não dormimos há várias horas e nos alimentamos mal. Posso resistir melhor a isso que você, senhorita. Vamos, deite aí. Eu não conseguiria dormir, mesmo que quisesse. vou ficar lendo um pouco. Logo será dia, e iremos embora daqui.
Concordando, Jenny foi até a cama e se deitou. Cage ajeitou-lhe o lençol sob o queixo, deslizando os dedos sobre os dela, que se agarravam à beirada do tecido.
- Você é algo especial, Jenny Fletcher - informou num tom suave. - Sabia disso?
- O que quer dizer?
- Passou por tudo que aconteceu o dia inteiro e não se lamentou nem uma única vez. Acho você formidável.
- Você também é formidável - disse num tom levemente trémulo. - Você chorou por causa de Hal.
- Ele era meu irmão. Apesar de nossas diferenças, eu amava Hal.
- Fico pensando se ele sofreu muito, e se...
- Não pense sobre isso, Jenny.
- Mas, é preciso!
- Não, não é preciso. Vai ficar maluca se continuar insistindo nisso.
- Mas você também está pensando a respeito disso tudo, eu sei que está! O que aconteceu antes que ele morresse? Será que foi torturado? Estava assustado? Será que ele...
Cage a interrompeu colocando o indicador sobre os lábios trémulos.
- É claro que tenho pensado nisso também. Acho que Hal deve ter enfrentado tudo com muita coragem. Ele tinha uma fé inabalável, e estava fazendo aquilo que achava que devia fazer. Não creio que sua fé o abandonaria no último instante, não importa o que tenha acontecido.
- Você o admirava - sussurrou ela, de repente.
Sim, e muito. Nossas reações eram sempre muito diferentes. Sempre fui mais agressivo e Hal, mais pacífico. Talvez seja muito mais difícil ser paciente e conciliador do Que ser um criador de casos, afinal.
- Ele também o admirava muito - informou Jenny, acariciando-lhe a face num gesto espontâneo.
- É mesmo? - indagou, incrédulo.
- Por seu desafio, por sua garra, por seu espírito independente.
- Talvez... - admitiu, pensativamente. - Gostaria de achar que sim. - Por fim, como se retornasse à realidade, voltou a ajeitar os lençóis, dando-lhe uma palmadinha no ombro. - Veja se dorme um pouco aconselhou, hesitando por alguns instantes antes de depositar um beijo fraternal em sua fronte.
A seguir, apanhou a única cadeira confortável disponível no aposento, arrastando-a para junto da janela, onde se instalou. O dia puxado cobrava seu tributo: em poucos minutos, ambos haviam adormecido.
- O que foi isso? - gritou Jenny, sentando-se sobressaltada. O aposento estava às escuras; contudo, fachos de luz cortavam a penumbra, periodicamente.
- Está tudo bem - ele anunciou, levantando-se e correndo para a cama rapidamente. - Estão a quilómetros de distância. Já faz meia hora que isso começou.
- Não são relâmpagos? - indagou ela numa voz rouca e sonolenta.
- Não.
- Estão lutando?
- Estão.
- Deus do céu! - lamentou ela, cobrindo o rosto com as mãos e afundando no travesseiro de novo. - Por que isso não pára nunca? Estou assustada e odeio a mim mesma por ter medo. Mas não consigo me controlar!
- Calma, Jenny. Por favor, mantenha a calma. Cage estendeu-se a seu lado, enlaçando-a e puxando-a para junto de si. - A luta está acontecendo a uma boa distância daqui. Amanhã iremos embora e tudo voltará ao normal. Eu estou aqui, e juro que vou proteger você.
A voz doce e terna a acalmava, enquanto ele acariciava os cabelos loiros, como se embalasse uma menina.
- Não vou permitir que ninguém a magoe enquanto eu viver, Jenny.
Confortada com aquelas palavras, aconchegou-se no peito largo. Quando Cage apoiou-se na cabeceira da cama, trazendo-a para junto de si, ela não ofereceu resistência, deixando-se embalar. Sentia-se amada e protegida como jamais se sentira depois da morte dos pais. Apesar de ter sido amada por Hal, Sara e Bob, nenhum deles jamais conseguira aproximar-se dela tanto e tão ternamente.
Mantendo-a bem junto de si, ele sussurrou promessas que Jenny estava querendo ouvir. Ela não diria que o homem que a protegia e confortava também estava cheio de medo e horror. ,
Por fim, Jenny adormeceu. Cage só pôde perceber isso pela respiração regular, compassada, pois os cabelos longos cobriam-lhe o rosto delicado.
Os tiros e explosões diminuíam gradativamente, e o coração dele também conseguiu, aos poucos, se acalmar.
A manhã nascia e ela permanecia em seus braços, adormecida. Jenny Fletcher, a noiva de Hal. Mas também a única mulher que amara em toda a sua vida.
CAPITULO V
O funeral de Hal Hendren atraiu a atenção pública, gerando polémica em La Bota. Alguns julgavam-no ingénuo e fanático; outros o consideravam um verdadeiro mártir. Mas todos mantinham a cabeça baixa agora, à beira do túmulo. Afinal, acima de tudo tratava-se da morte de um jovem saudável e cheio de energia. Equipes de televisão de várias cidades vizinhas transmitiam cenas da cerimônia.
Jenny, que ocupava seu lugar entre Bob e Sara, ainda não podia acreditar que tudo aquilo acontecera de verdade.
Desde que haviam retornado de Monterico, a casa paroquial transformara-se num lugar agitado. O telefone tocava sem parar, e as pessoas formavam fila para apresentar condolências à família.
Jenny dormira muito pouco depois de ter acordado nos braços de Cage no hotel, em Monterico. Ao despertar, vira-se abraçada ao peito largo, todo seu corpo moldado ao dele. Embaraçada, erguera os olhos e encontrara o olhar sempre atento e penetrante, analisando-a. Imediatamente escorregara para fora da cama, dirigindo-se para o banheiro, às pressas.
Daquele momento em diante, a tensão crescera entre ambos, a ponto de ficar insustentável. Toda vez que arriscava um olhar na direção de Cage, parecia encontrá-lo fitando-a, estudando-a, analisando-a atentamente.
A partir de então, passara a evitar a aproximação e até mesmo o olhar de Cage. Isso pareceu irritá-lo profundamente.
Pouco conversaram durante a cansativa viagem de volta.
A camaradagem que crescera entre ambos em Monterico parecia jamais ter existido e, por motivos que não conseguia explicar, Jenny tornava-se cada vez mais arredia. Se Cage entrava num aposento, ela se retirava a seguir. Se a encarava, desviava o olhar.
Não sabia exatamente por que estava agindo desse2 jeito, porém era claro que tinha alguma coisa a ver com a noite que passaram no hotel, em Monterico.
Haviam dormido juntos, abraçados. E daí?
Estavam cercados pelo perigo e eram amigos, aliados numa terra estranha. As pessoas costumavam agir de modo inesperado em situações especiais. Certamente jamais teria feito aquilo em circunstâncias normais.
Agora, Jenny abraçava Sara, que continuava inconsolável. Precisava afastar Cage de seus pensamentos.
Jamais se arriscaria a chegar tão perto dele novamente. Levantando os olhos, viu-o postado junto do pai, a expressão tensa, carregada.
Anoitecia quando, depois de uma última oração, a cerimónia foi encerrada. Mais uma parte daquele doloroso episódio chegou ao fim. Na limusine que os levou para casa, Sara chorava baixinho, a cabeça apoiada no ombro do marido. Cage fitava através da janela em silêncio, concentrado. Havia afrouxado a gravata e desabotoado o colarinho. Jenny apenas retorcia um lenço entre os dedos, sem dizer nada.
Assim que chegaram de volta, Jenny dirigiu-se para a cozinha, a fim de tomar um café bem forte, que deixara preparado. Ficou aliviada ao regressar à sala e deparar-se apenas com os Hendren. Não suportava mais condolências e pêsames de ninguém e tudo o que desejava era ser deixada em paz. Triste e exausta, recostou-se em sua poltrona, apoiando a cabeça numa almofada.
Abriu os olhos ao ouvir Cage acendendo o isqueiro.
Devia estar muito nervoso, pois quase sempre evitava fumar dentro daquela casa.
Já lhe disse para não fumar aqui - Sara exclamou, remexendo-se no sofá.
Desculpe, mamãe - disse Cage meio constrangido, levantando, encaminhando-se para a porta e jogando o cigarro fora. - É o hábito.
- E será que precisa trazer esses seus hábitos desagradáveis para dentro desta casa? Será que não tem nenhum respeito pela sua mãe? - indagou Bob, fazendo com que Cage parasse antes de retornar à sua cadeira, abismado com o tom rude e acusador do pai.
- Eu respeito vocês dois - retrucou num tom calmo, embora seu corpo estivesse tenso de emoção.
- Você não respeita nada - interveio Sara, encarando-o. - Não chegou a me dizer uma única vez que sentiu a morte de seu irmão. Não tive um gesto de conforto de sua parte.
- Mamãe, eu...
- Nem sei por que ainda esperava isso de você... prosseguiu ela como se o filho não tivesse se manifestado. - Não fez nada na vida senão me causar preocupações desde o dia em que nasceu. Nunca me levou em consideração do jeito que Hal fazia.
Jenny pressentiu a terrível cena que se seguiria. Tentou relembrar Sara de que ele havia cuidado de tudo, livrando-os de tomar todas as providências desagradáveis relativas à morte de Hal. No entanto, não teve qualquer chance, pois a mãe de Cage prosseguiu:
- Hal estaria sempre ao meu lado numa situação como esta.
- Não sou Hal, mamãe.
- E acha que precisa me dizer isso? É claro que não é Hal, e nunca será bom como ele foi!
- Sara, por favor, pare com isso - pediu Jenny, endireitando-se na poltrona.
- Hal era tão bom, tão doce. Meu Hal... - Sem conseguir conter a emoção, começou a soluçar convulsivamente, o rosto banhado em lágrimas. - Não é justo, meu Deus! Se tinha que levar um dos meus filhos, por que levou o mais virtuoso, o de melhor coração?
- Oh, Deus! - exclamou Jenny, levando a mão à boca.
Bob ajoelhou-se diante da esposa e começou a confortála. Cage ficou paralisado, observando os pais com uma expressão de total descrença. Então, seu rosto se transformou numa máscara de mágoa, raiva e desespero. Virou-se, avançando na direção da saída com passos decididos, abrindo a porta de tela com tal força que parecia querer arrancá-la das dobradiças. Como um corisco, passou pela varanda da frente e desceu os degraus, alcançando o quintal. Um nó apertava-lhe a garganta, dolorosamente.
Sem parar para pensar, Jenny saiu em seu encalço, correndo através do gramado e alcançando-o junto ao Corvette. Cage arrancava o paletó escuro, a gravata e o colete, como se sentisse um calor insuportável.
- Volte para o lugar onde deveria estar! - gritou ele, jogando-se para trás do volante esportivo e ligando a ignição de tal modo que ela ficou surpresa pela chave não ter se quebrado. Pisando na embreagem, engatou a primeira e, no exato instante em que Jenny abria a porta de passageiros e entrava às pressas, o carro arrancou, disparando como uma bala. Agarrando-se à maçaneta da porta ela conseguiu fechá-la, miraculosamente, enquanto sentia-o acelerar cada vez mais.
Quando alcançaram os limites da cidade, Cage engatou a quarta marcha e Jenny nem se arriscou a conferir o velocímetro. Pareciam voar, enquanto os faróis cortavam a escuridão, iluminando a paisagem deformada pela velocidade.
Cage ligou o rádio girando o sintonizador até encontrar um rock pesado e, então, regulou o som no volume máximo.
Cometeu um terrível engano - gritou para Jenny. Deveria ter ficado em casa.
A seguir abriu o porta-luvas, retirando uma pequena garrafa. Apoiando-a entre as coxas, retirou a tampa antes de levar o gargalo aos lábios e tomar um gole bem longo. A careta que fez ao engolir o líquido não deixou dúvidas de que se tratava de uma bebida forte. Depois de alguns instantes, tomou novo trago, mantendo o veículo a alta velocidade bem no meio da pista e governando o volante com apenas uma mão..
As janelas do Corvette estavam abertas e o vento fustigava os cabelos e o rosto de Jenny, que fazia o possível para se manter calma. Colocando a garrafa novamente entre as coxas, ele buscou um cigarro no bolso da camisa, acendendo-o.
- Está se divertindo, princesa? - indagou, sarcástico. Impassível, ela ficou olhando à frente, recusando-se a
responder. A velocidade exagerada a atemorizava. Logo saíram da rodovia principal, tomando uma pequena estrada lateral, sem asfalto nem iluminação.
O carro esporte avançou através do solo cheio de lombadas, aos trancos, obrigando-a a agarrar-se à beirada do estofamento, para evitar de bater a cabeça no teto.
Finalmente, depois de uma subida íngreme, ele parou, desligando o motor e também o rádio. Um silêncio súbito transformou o ambiente, fazendo-a suspirar, aliviada. Apoiando o antebraço na janela aberta, Cage retirou o cigarro dos lábios com uma das mãos e levou a garrafa de bebida à boca com a outra. Novamente sorveu um longo gole, estalando a língua de satisfação.
Depois voltou-se para Jenny, que o fitava com um olhar de reprovação.
- Ah, sinto muito. Perdi os meus modos. Tome, beba! - ordenou, estendendo-lhe a garrafa. Diante do silêncio, prosseguiu: - Ah, não quer? Que pena! Sou o único da família que tem esse péssimo hábito! - ironizou, bebendo novamente e retirando o maço de cigarros do bolso. - Quer fumar? Ah, não, é claro que não. Trata-se de uma mocinha sem qualquer vício, não é? Doce e virtuosa, digna do amor santo, do meu santo irmão, Hal Hendren.
com um riso irónico acendeu o cigarro e tragou profundamente. Então soltou a fumaça bem junto ao rosto de Jenny, que permaneceu impassível, encarando-o sem raiva, medo ou desprezo.
- Vamos ver... O que será que abala você? O que te faria gritar de horror? O que preciso fazer para colocá-la para fora do meu carro, da minha vista, dessa droga da minha vida?
A última indagação Cage fizera gritando. A seguir, esforçou-se para se controlar e, quando voltou a falar, seu tom de voz ainda estava trémulo de mágoa e revolta, mas dessa vez não gritou.
- Como poderei convencer você de que está ao lado de um homem muito perigoso? Está se arriscando, Jenny. Posso fazer bastante mal a pessoas dignas, bondosas e decentes.
- Não vai conseguir me fazer sentir medo, Cage.
- Quer apostar?
- Nada do que disser ou fizer vai fazer com que eu deixe você sozinho agora.
- É mesmo? Está disposta a me salvar? É isso? - indagou com um sorriso irónico. - Não perca seu tempo.
- Não vou deixar você sozinho - voltou a insistir.
- É mesmo? - os olhos castanhos se apertaram, numa expressão desafiante. - Veremos.
Cage inclinou-se e deslizando uma mão pela nuca de Jenny, puxou-a para si. Seus lábios se apossaram dos dela com fúria, quase machucando-os. Jenny não tentou se livrar. Sabia que ele não iria adiante, pois jamais fora agressivo ou violento com ela antes.
O arfar suave de Jenny o despertou, arrancando-o daquele delírio cego, fazendo-o retornar à realidade. No mesmo instante, Cage se afastou estirando o corpo e afundando a nuca no encosto do banco. Respirando fundo várias vezes, tentou recuperar o fôlego e, por fim, lágrimas quentes rolaram pelo rosto abrasado. Num gesto rápido, Cage abriu a porta e saiu do carro.
Fechando os olhos, ela o ouviu soluçar. Sabia que seria melhor deixá-lo sozinho por alguns momentos, até que estivesse mais aliviado. Também sentia muita vontade de chorar, mas se conteve e, quando percebeu que ele já não soluçava, abriu a porta do carro e desceu.
Cage sentara-se sobre o capo do veículo, fitando o nada. Ela reconheceu o lugar: estavam perto de uma curva da estrada de terra, de onde poderiam avistar o vale. Tinham vindo até ali muitas vezes, ela, Cage e Hal, quando eram adolescentes. Abaixo deles, o vale se escondia sob a escuridão da noite de poucas estrelas. O vento forte e quente colava-lhe o tecido do vestido ao corpo, desarrumando os cabelos longos. Ela postou-se bem diante de Cage, quase tocando-lhe os joelhos. Erguendo o olhar, fitou-a brevemente e, então, baixou a cabeça, murmurando:
- Sinto muito.
- Eu sei - redarguiu ela, afastando-lhe da testa os cabelos encaracolados.
- Como pude...
- Não importa, Cage.
- Importa sim - retrucou entre dentes. - E muito.
Estendendo a mão, tocou com a ponta dos dedos os lábios suaves que, ainda há pouco, assaltara. Nada havia de sexual em seu toque.
- Eu te machuquei?
- Não - respondeu Jenny, afastando-lhe a mão.
- Machuquei sim.
- Não machucou, mas poderia ter machucado. Seus pais magoam você, e você, como sempre, desconta sobre outras pessoas, ou sobre si mesmo...
Ambos se entreolharam demoradamente, como se falassem de um assunto que só os dois conheciam. Então ela deixou o braço cair ao longo do corpo e Cage fez o mesmo. A seguir, sentou-se ao lado dele sobre o capo. A superfície encerada estava quente, mas não o suficiente para incomodá-los.
- Sara não pretendia dizer aquilo, Cage.
- Ah, pretendia, sim! - disse com um riso amargo.
- Queria dizer e disse!
- Sua mãe estava arrasada. Era sua dor se manifestando, não ela.
- Não, Jenny, não adianta. Sei como meus pais se sentem em relação a mim. Preferiam que eu jamais tivesse nascido. Sou a presença viva de algo em que eles falharam, um embaraço eterno em suas vidas e um insulto à sua virtude, sua moral. Mesmo que mamãe não tivesse dito, eu saberia muito bem o que está sentindo, pensando. O que todos estão pensando... Cage Hendren merecia morrer, e não seu irmão!
- Não é verdade!
Cage levantou-se, dirigindo-se para a beira do barranco, enfiando as mãos nos bolsos. Jenny o seguiu.
- Quando será que isso tudo começou? - ela indagou.
- Assim que Hal nasceu. Talvez, até antes disso. Não me lembro. A única coisa de que me recordo é que sempre foi assim. - Fechando os olhos, parecia tentar visualizar alguma coisa. com um sorriso amargo falou em tom muito baixo: - Hal também tinha os cabelos loiros. Eu devia ter nascido com cabelos negros e então seria, literalmente, a ovelha negra.
- Não fale assim...
- Mas é verdade, não é? - indagou bruscamente, encarando-a. - Veja o que fiz com você! Como pude agredir a mulher que eu... - interrompeu-se no meio da frase, como quem desiste de revelar um segredo. Sem se dar conta do que ele quase dissera, Jenny replicou:
Sei por que fez isso comigo, e por que estava bebendo
dirigindo em alta velocidade. Quis provar que eles estão certos a seu respeito. Mas não estão, Cage. - Deu um
passo à frente. - Você não é o elemento ruim de uma família boa e sem falhas. Sabe que não é. Não sei o que nasceu antes, se sua rebeldia, que seus pais não souberam controlar, ou se o desdém deles, que o fez ficar rebelde. Puxou-o pela manga da camisa, obrigando-o a encarála. - Não é algo óbvio? Você tem reagido a eles durante toda a sua vida. Faz de tudo para ser considerado uma má pessoa, porque é isso que os outros esperam de você. Assumiu direitinho o papel de ovelha negra da família do pastor. Será que não enxerga, Cage? Mesmo quando criança, costumava fazer coisas fora do comum para conseguir a atenção deles, só porque preferiam Hal. Isso foi uma falha deles. Deles, Cage, não sua. - Fez uma pausa, encarando-o intensamente. - Eles tinham dois filhos, cada um com uma personalidade completamente diferente. Só que a de Hal lhes agradava mais; portanto, ele se transformou no filho predileto, no menino perfeito. Você tentou conquistar-lhes a aprovação e, quando isso falhou, deu-lhes as costas e fez exatamente o contrário.
- Puxa, parece que você compreendeu tudo direitinho, não é mesmo? - Ele riu com um ar de superioridade.
- Pois acho que compreendi, sim! Do mesmo modo que compreendi o que aconteceu agora há pouco. Se tivesse acontecido há alguns meses atrás, não sei como eu reagiria. Mas, hoje, sabia muito bem que você não iria me machucar. Como jamais magoaria seus pais, se eles não te obrigassem a isso todo o tempo. Tenho observado você ultimamente. Vi você chorar diante de seu irmão morto. Sei o que sentiu em Monterico e vi que se importa com as outras pessoas tanto ou mais que toda a sua família. Não interessa que seja ou não um sentimento cristão. A agressividade, a energia e a revolta não impedem você de amar, mas fazem parte do seu jeito de amar. O que é triste é ver você vestir a carapuça de "mau menino" e sair por aí arrebentando os outros e se deixando arrebentar! Cage ouvia-a com atenção. Por mais que quisesse negar, o que Jenny dizia fazia sentido. Baixou a cabeça, passando a observar a ponta do sapato.
- Só queria saber até onde pretende levar tudo isso.
- Levar tudo isso o quê? - Fitou-a de súbito. - Não entendi.
- Fez de tudo para mostrar que não merece respeito. Quanto tempo ainda vai levar para provar que eles têm razão? Quanto tempo levará para provar que não tem valor algum?
- Já que chegou tão longe - disse ele, jogando a cabeça para o lado de um modo arrogante -, por que não vai direto ao ponto e diz logo o que está querendo? Acha que estou vivendo em busca da morte?
- Pessoas sem auto-estima fazem coisas bem idiotas!
- Como dirigir em alta velocidade, ou beber até perder a consciência?
- Exatamente.
- Você daria uma ótima psicóloga! E que tal seria viver dentro das regras, com bastante auto-estima, ao lado da minha família afetuosa, hein?! Você e Hal até que conseguiram ser bem felizes, não é, Jenny?
- Não precisa me agredir, Cage. Sei muito bem que não sou modelo de felicidade, de equilíbrio. E também sei que não é fácil para você se livrar de tantos problemas. Não é fácil para você nem para ninguém.
- Acha que estou cometendo uma forma lenta de suicídio?
- Não diria isso.
- Não diria, mas disse!
- Está bem, me desculpe. Só estou preocupada porque me importo com você, Cage. E me importo muito.
- Eu sei... - anunciou ele, enternecido. Sua expressão tornou-se menos tensa e a voz, mais suave. – Mas não precisa se preocupar comigo tentando me consertar. Gosto de dirigir em alta velocidade, gosto de beber e também gostaria de nunca mais voltar para aquela casa.
Acho que seus pais também se preocupam muito com
você. A suavidade que demonstrara havia pouco pareceu desvanecer-se. Os olhos castanhos ficaram sombrios, mergulhados na paisagem.
Será que minha mãe não percebe que eu quis ficar junto dela, perto dos dois? Desde que soube da morte de Hal, queria ir direto para eles e abraçá-los, protegê-los.
- Seu tom de voz baixou, a garganta parecia embargada. - E queria que eles me abraçassem.
- Cage! - Jenny estendeu a mão, querendo tocá-lo no braço; no entanto, ele se desvencilhou. Não desejava a piedade de ninguém.
- Não me aproximei mais porque sabia que meus pais não me queriam por perto. Então, tentei demonstrar meu amor e simpatia de outra maneira - lembrou, suspirando. - Só que eles nem perceberam.
- Eu notei e fiquei muito agradecida.
- Mas você também, Jenny, não permitiu que eu me aproximasse - retrucou abruptamente, fitando-a nos olhos.
- Não sei do que está falando - replicou, desviando o olhar.
- Uma droga que não sabe! Quando estávamos em Monterico, você ficou perto de mim, apoiou-se em mim, sem medo nem vergonha. Mas desde que regressamos, me transformei num indesejável novamente. É sempre "tire as mãos de mim". Não me toque. Não converse comigo. Você nem mesmo tem olhado para mim!
Cage estava com a razão, porém ela permaneceu em silêncio.
- Será que essa mudança não tem algo a ver com aquela noite que passamos em Monterico?
Ela girou a cabeça e umedeceu os lábios, subitamente sentindo-os ásperos e frios.
- É claro que não!
- Tem certeza?
- Por que aquela noite me afetaria?
- Dormimos juntos.
- Não foi bem assim!
- Exatamente - concordou, aproximando-se mais. -- Mas, pelo modo como está agindo, poderia ter sido "bem assim". Do que está se sentindo culpada?
- Não estou me sentindo culpada.
- Não mesmo? Não está, por acaso, pensando que foi desleal com meu irmão, dormindo nos meus braços?
- Talvez não devesse ter ficado com você daquele jeito - retrucou ela, cruzando os braços diante do corpo, sentindo um grande peso no estômago.
- Por quê?
- Sabe muito bem para ficar perguntando.
- Pois eu lhe digo que não houve nada de que devamos sentir vergonha ou nos arrepender. Do que você tem medo, Jenny?
- De nada.
- Tem medo de que descubram que estivemos juntos na mesma cama, que isso ofenda sua moral, sua reputação?
- Não!
- Tem medo de mim? - indagou, por fim, num tom hesitante e sofrido. Jenny viu a tristeza surgir naquele rosto.
- Não, Cage, não - declarou, abraçando-o e apoiando a cabeça no peito largo. Ele a enlaçou de imediato.
- Não a culparia se tivesse, especialmente depois do que acabei de fazer. Mas juro que eu odiaria isso, odiaria isso mais que tudo. Não poderia suportar a ideia de que tem medo de que eu magoe você.
Jenny poderia dizer-lhe que não o temia mais do que a si própria quando estavam próximos. Temia sentir-se
livre para abandonar sua concha habitual e tornar-se uma pessoa inteira, uma mulher inteira. Cage parecia ter o poder de transformá-la. Era como se o tivesse amado durante todos esses anos ao invés de Hal. Tinha vontade de beijá-lo, abraçá-lo. Queria dizer o quanto o amava e poder aliviar sua dor. Assustada com esses sentimentos, afastou-se abruptamente, dizendo:
É melhor irmos para casa. Eles devem estar preocupados.
Cage parecia desapontado, mas, mesmo assim, conduziu-a até o carro, tampou a garrafa, guardando-a no porta-luvas, e jogou fora o maço de cigarros vazio.
- Nunca vai parar de fumar? - perguntou em tom de brincadeira.
- Quer que eu lhe prometa outra vez? Ambos sorriram. Tudo estava bem agora.
CAPÍTULO VI
Quando Jenny entrou na cozinha na manhã seguinte, Bob estava preparando as torradas. Beijando-o na face e se servindo de uma xícara de café, sentou-se à mesa ao lado de Sara.
- Onde esteve ontem com Cage?
- Saímos para dar uma volta de carro, Sara.
- Já era muito tarde quando chegou em casa - comentou Bob, tentando parecer casual; porém, Jenny logo notou que havia algo de hostil e ressentido naquele tom.
- Como podem saber? Já estavam dormindo quando cheguei.
- A sra. Hicks esteve aqui ainda há pouco. Ela viu Cage trazer você até a porta, ontem à noite.
Jenny passou o olhar de um para o outro, ao mesmo tempo confusa e irritada. A sra. Hicks era a vizinha mais bisbilhoteira de todo o quarteirão e adorava tomar conta da vida alheia.
- O que foi que ela disse?
- Nada - informou o pastor, pouco à vontade.
- Não, eu quero saber. O que foi que ela disse? O que quer que tenha sido, chateou vocês.
- Não estamos zangados, Jenny - anunciou Bob num tom diplomático. - Só que não gostaríamos de ver seu nome ligado ao de Cage.
- Meu nome já está ligado ao de Cage. Ele tem o sobre nome Hendren e é filho de vocês - retrucou num tom irado. - Passei esses últimos doze anos sob o teto dos endren. Como é que meu nome poderia não estar ligado ao dele?
Sabe muito bem o que estamos querendo dizer, querida retrucou Sara com os olhos cheios de lágrimas. - Você é tudo quanto nos resta. Nós...
Não é bem assim! - ela protestou, levantando-se do lugar. - Afinal vocês ainda têm um filho! Jamais imaginei dizer uma coisa dessas, mas tenho vergonha de vocês dois. Já pararam para pensar o quanto conseguiram magoar Cage ontem à noite? Pode ser que não gostem muito do que ele faz, mas, ainda assim, são os pais dele!
Sara baixou a cabeça e começou a chorar. Jenny, constrangida por ter desabafado, voltou a se sentar. Bob aproximou-se, dando palmadinhas no ombro da esposa, tentando acalmá-la, enquanto buscava justificar-lhe a atitude.
- Ela não quis falar daquele modo com Cage, Jenny. Só estava transformada pela dor... ontem à noite, quando vocês saíram correndo daqui, ficamos muito preocupados.
Jenny engoliu o café lentamente, aguardando que Sara parasse de chorar. Então depositou a xícara no pires e anunciou com voz calma e decidida:
- vou deixar esta casa.
Como já previra, os dois ficaram pasmados. Por um longo espaço de tempo, não conseguiram dizer nada, limitando-se a fitá-la, descrentes.
- Ir embora? - manifestou-se Sara, afinal.
- vou procurar um emprego e, assim que encontrar, vou alugar um apartamento, talvez bem perto daqui. Não pretendo abandonar as atividades da igreja, mas também não quero ficar restrita a elas. Afinal, preciso cuidar de mim mesma. Acho que já deveria ter feito isso há muito tempo.
- Não, Jenny, por favor! Não suportaríamos perder você também!
- Bob, compreenda, eu...
- Nós precisamos de você, Jenny! - gritou Sara segurando-a pelo braço. - Como precisávamos de Hal. Sempre quisemos você como se fosse nossa própria filha. Não pode fazer isso conosco! Por favor! Não agora. Nos dê um tempo, Jenny! - implorou, voltando a cair em prantos.
Aquela cena fez Jenny sentir-se muito mal. Na verdade, deixar a casa dos pais adotivos e ir viver sua própria vida não seria uma decisão tão simples. Principalmente naquele momento. O casal nunca havia precisado tanto dela quanto agora e não seria fácil abandoná-los.
- Tudo bem, tudo bem - disse, afinal, abraçando Sara e ajudando-a a se acalmar. - Acho que me precipitei um pouco. Voltaremos a conversar sobre isso quando todos estivermos mais calmos.
Bob sentou-se ao lado da esposa, e os dois encararam Jenny, pois sentiam que ela desejava falar-lhes algo mais.
- Vocês dois sabem que têm todo meu amor e meu respeito - disse com suavidade. - No entanto, não acho justo o modo como estão agindo com Cage...
- Sempre foi muito difícil para nós lidar com ele, querida - Bob parecia se desculpar, e tremia quando se serviu de uma xícara de café.
- Sei disso, Bob, mas penso que se não se esforçarem para conviver melhor com seu filho, estarão fazendo muito mal a ele... e a si mesmos. Cage ama vocês, mas nunca poderá demonstrar isso, se não deixarem que se aproxime; se passarem o resto da vida exigindo que ele seja o que não é.
Sara baixou a cabeça e Bob passou o braço sobre o ombro da esposa. Ambos pareciam tristes e cansados.
- Por favor, peçam desculpas a Cage pelo modo como falaram na noite passada! Ele está muito magoado!
- Ele não é tão frágil como você imagina, Jenny. A voz de Sara soou baixa, rouca. - Cage é duro, forte como uma rocha. E também é teimoso e egoísta. Não gosto de dizer isso a respeito do meu próprio filho, mas ele
é assim!
- Será que é mesmo, Sara?
Os três se entreolharam, tensos, e Jenny prosseguiu:
Desde que vim para esta casa, tenho visto Cage ser tratado com dureza. E também vi vocês exercendo autoridade sobre ele de um modo bem diferente do que faziam comigo ou com Hal.
Como assim? - Bob parecia não compreender onde ela queria chegar.
- Bem, eu poderia dar muitos exemplos, mas vou citar um bem claro. Logo que vim morar aqui, lembro-me de ter visto Sara pedir a Hal que fosse com ela até a igreja, ajudar na montagem das barracas para uma quermesse...
- Sim, também me lembro dessa ocasião - interrompeu Sara. - Hal não pôde me ajudar pois precisava terminar um trabalho do colégio... e eu, muito tola, resolvi pedir a ajuda de Cage!
- Não, Sara... antes de recorrer a Cage você pediu que eu ajudasse você, não lembra?
- Pedi?
- Sim, pediu. E quase sempre era assim. Você só procurava Cage quando não tinha mais nenhuma alternativa.
- Ele nunca se interessou pela igreja, e também nunca se empenhou em me ajudar em coisa alguma!
- Será? Pois nessa ocasião que estamos recordando agora não foi bem assim.
- É claro que foi! Me lembro muito bem de que, além de se recusar, Cage me respondeu mal!
- Você só está se esquecendo de um detalhe, Sara. Estávamos nós três na sala quando você chegou. Eu, Hal e Cage. Hal preparava o trabalho de escola, eu e Cage estávamos lendo.
- E daí, o que aconteceu? - perguntou Bob.
- Bem, com a mesma delicadeza que pedira a Hal, Sara me pediu ajuda. Mas logo a seguir notou que eu estava lendo a Bíblia. Imediatamente, ela se voltou para Cage que lia na poltrona ao lado.
- E então? - indagou Bob, uma vez mais.
- Então Sara disse a Cage que era o único desocupado ali e que teria que ir com ela até a igreja...
Os três permaneceram em silêncio por algum tempo, até que Jenny resolveu continuar.
- Essa cena se repetiu muitas vezes, Sara, de modos diferentes. E com você também, Bob. A reação de Cage só poderia ser de revolta. Muitas vezes vocês simplesmente não viam Cage, e tratavam com ele de forma autoritária e insensível... nada mais natural do que receberem, em troca, o mesmo tratamento.
- Acha que somos os únicos culpados nisso tudo? perguntou Sara, limpando uma lágrima do rosto com as costas da mão.
- Não. Mas acho que deveriam repensar o relacionamento de vocês. E principalmente esse julgamento que fazem de Cage. Eu também conheço o filho de vocês, e nunca achei que ele fosse duro e egoísta. Pelo contrário, sempre gostei muito dele e só recebi de Cage carinho e respeito. Talvez um dia vocês possam conseguir o mesmo.
Duas semanas mais tarde, Cage e Jenny se encontraram no supermercado.
- Olá!
- Oi! Parece que gostamos de fazer compras no mesmo lugar... Como estão meu pai e minha mãe?
- Estão se recuperando devagar. Você precisa aparecer mais vezes!
No mesmo dia em que tivera aquela conversa com Sara e Bob, Jenny ligara para Cage, pedindo que viesse visitálos. Fora uma cena constrangedora.
Cage chegara depois do jantar e permanecera plantado na porta como se temesse que os pais não o convidassem Para entrar. jenny prendera a respiração ao vê-lo, incapaz de ouvir as rápidas palavras trocadas entre ele e Bob, no hall. Depois de alguns momentos lá estava Cage, parado no meio da sala, diante de Sara, que se encolhera no sofá. Por fim ela erguera a cabeça e cumprimentara o filho.
Olá, Cage... obrigada por ter vindo!
Olá, mamãe. Como está se sentindo?
- Bem, bem - dissera, tentando ser convincente, enquanto lançava um olhar para Jenny. - Escute, Cage, a respeito da noite passada, eu sinto muito... tudo aquilo que eu disse não...
Não importa - Cage apressou-se em dizer, cruzando a distância que os separava e ajoelhando-se junto à mãe, tomando-lhe a mão trémula. - Não importa, mamãe.
Jenny sentira a garganta apertar. Talvez as desculpas de Sara não fossem totalmente sinceras, mas Cage precisava muito daquilo, e esforçava-se para acreditar. Quando os dois se abraçaram, concluiu que valera a pena promover aquele encontro.
Agora Cage a olhava atentamente. Jenny sabia que aparentava fadiga. Havia perdido peso devido à tremenda falta de apetite e estava abatida e pálida. As atividades da igreja tomavam quase todo o seu tempo.
- Estou preocupado com você - anunciou Cage num tom suave.
- Estou cansada. Acho que todos estamos.
- Você está passando mais tempo dentro daquela paróquia do que passava antes. Trabalhar tanto, sem descansar, não faz nenhum bem para a saúde.
- Mas preciso ajudar seus pais.
- A igreja é responsabilidade deles, não sua. Se permitir, eles vão dar um jeito de manter você lá dentro o tempo todo.
- Cage, por favor, não comece a me pressionar, está bem? Você sempre exagera as coisas. Além do mais, eu já disse a eles que estou pensando em ir embora assim qUe conseguir um emprego.
- Verdade? E qual foi a reação deles?
- Ficaram muito perturbados. Tanto que achei melhor esperar mais um tempo para voltar ao assunto.
- E já pensou que tipo de trabalho vai procurar?
- Bem, não estou pensando em deixar a igreja. Gosto do trabalho que faço lá, principalmente da parte assistencial. Afinal, fiz o curso de Serviço Social para trabalhar na igreja com seus pais e... e Hal. Mas agora que Hal está morto, sinto que preciso repensar todos os meus planos. Não quero permanecer ao lado de Sara e Bob realizando sonhos que são mais deles do que meus. Portanto, preciso encontrar um emprego, qualquer emprego que me dê a chance de ganhar meu próprio dinheiro e conseguir alguma independência. com o tempo, poderei ter minha própria casa e descobrir o que realmente quero fazer da minha vida.
- Tenho uma ideia! - exclamou Cage, de repente, agarrando-a pela mão e puxando-a consigo. - Vamos!
- Não posso abandonar as compras!
- Desta vez não tem o sorvete como desculpa.
- Cage, não vou deixar um carrinho cheio de mantimentos abandonado no meio do corredor - anunciou, fincando os pés.
- Que garota complicada - retrucou, agitado, pegando o carrinho e conduzindo-o com passos apressados até a frente da loja. - Ei, Zack! - gritou, então, para o gerente. - Cuide das compras da srta. Fletcher para mim. Voltaremos mais tarde.
- Claro, Cage! Até logo mais!
Antes de enfiar o braço no de Jenny e conduzi-la para fora, passou pelo balcão de doces e, apanhando uma barra de chocolate, saudou o gerente, acenando-a no ar.
- Você roubou isso!
- É claro que não! Zack vai colocar isso na sua conta - riu ele, desembrulhando o chocolate e colocando metade na boca, enquanto oferecia a outra metade a ela. vou aceitar. Afinal, sou eu quem está financiando
o chocolate! - disse rindo e saboreando sua parte com
prazer.
Cage abriu a porta do Corvette para que ela entrasse e dirigiu de maneira quase tão louca quanto costumava fazer na estrada. Mas, apesar da velocidade, era um motorista ágil e cuidadoso. Estacionou o veículo diante de um prédio de escritórios, desceu do carro e abriu a porta para que Jenny descesse.
Entraram no prédio e, momentos depois, ele destrancava uma porta. Ao observar o aposento, Jenny não compreendeu do que se tratava. A sala, de início em semi-escuridão, parecia bem pior quando Cage abriu as persianas empoeiradas, deixando que o sol a iluminasse.
Jenny jamais vira um escritório, se é que se podia chamar aquilo de escritório, em tal desordem. Um sofá gasto, encostado numa parede, tinha o estofamento escurecido por grossa camada de poeira. As almofadas não estavam em melhor estado.
Velhas prateleiras de metal ocupavam a outra parede, apinhadas de papéis espalhados, mapas enrolados e pastas de papel abarrotadas e mal ajeitadas.
Todos os cinzeiros do lugar estavam sujos, e o ar rescencia a cinza de cigarros.
Uma escrivaninha antiga, coberta de livros e mapas, e uma poltrona de perna meio quebrada constituíam o restante da mobília.
- O que é isto?! - perguntou, voltando-se para ele.
- Meu escritório - anunciou, sem se abalar.
- Vai me dizer que trabalha no meio dessa bagunça?
- Bem, não trabalho só aqui. Digamos que esse é meu quartel-general.
- Pois para um quartel-general passável, isto aqui está precisando, no mínimo, de uma limpeza!
- Está tão mau assim?
- Digamos que fui até pouco rigorosa no comentário!
- Passou o dedo pela superfície de um dos móveis. - Se fosse alérgico a poeira, já estaria morto. Alguma vez já mandou limpar esse lugar?
- Creio que sim. Ah, sim, certa vez contratei os serviços de um faxineiro. Ele era um sujeito cem por cento. Começamos a beber juntos e...
- Já sei, não precisa continuar. Por que me trouxe aqui, Cage? - indagou, por fim, encarando-o.
- Bem você disse que queria um emprego e estava pensando... - começou ele, colocando as mãos nos bolsos dos jeans.
- Não pode estar falando a sério!
- Ouça, Jenny! Preciso de alguém que...
- Precisa de uma equipe de demolição! - retrucou ela, avançando na direção da porta: porém, Cage barrou-lhe o caminho.
- Escute, estou falando a sério, sim! Nunca consegui ter uma secretária por mais de um mês, porque elas ficavam malucas com a minha desorganização. Talvez você pudesse me ajudar a me disciplinar. Posso mandar limpar tudo aqui e...
- Já sobreviveu todos esses anos sem mim.
- Jenny, por favor. Você quer um emprego e eu posso lhe oferecer um. E gostaria de trabalhar com você. Não disse que quer um emprego de emergência, algo temporário, para ajudá-la a reestruturar seus planos?
- Sim, mas não vejo em que eu poderia ajudar você.
- Já lhe disse, quero que seja minha secretária. Não pense que, apenas porque esse lugar é uma bagunça, não há trabalho a ser feito. Ficaria surpresa com o volume de serviço que se acumula, justamente pelo fato de não conseguir me organizar. Você sabe como eu sou...
É, eu sei.
Se concordar, passará a cuidar de toda minha correspondência, organização de arquivos, contato com clientes. Não é lá um trabalho muito emocionante, mas eu pagaria a você ao invés de pagar a estranhos. Poderia centralizar minhas atividades aqui, coisa que nunca consegui fazer, embora já tenha tentado.
- Não posso, Cage.
- Por que não?
- Seus pais precisam muito de mim.
- É claro que precisam. Só que não tanto quanto pensam. Acho que precisam de alguma ajuda sua com as atividades da paróquia. Também precisam do seu amor e carinho. Mas não dependem de você, e isso é importante que todos percebam. Aumentar a relação de dependência agora, Jenny, seria ruim para você e para meus pais... Eu jamais tive um filho, portanto, não sei o que representa perder um... - prosseguiu ele. - No entanto, fico imaginando que deve ser tentador a gente se encolher, se encostar, desistir de viver. Meus pais podem começar a passar todas as responsabilidades deles para você, Jenny, se continuar aceitando isso. Além do que também podem colocar em você todas as expectativas deles, esperar que faça o que Hal não pôde fazer. Penso que, se isso acontecer, não será bom para ninguém.
Pensativa, Jenny sentou-se na poltrona, junto à escrivaninha. Cage permaneceu de pé, a seu lado.
- Você tem razão em alguns pontos... Seu pai parece cada dia mais cansado e Sara praticamente abandonou suas atividades. Já tentei dizer a eles que não .podem se deixar abater desse jeito, que ainda são fortes e capazes de enfrentar a realidade...
- Pois é exatamente o que eu penso. Se fizer tudo por eles, não vão sentir necessidade de se mexer.
- Também já pensei bastante sobre o fato de eles poderem esperar que eu substitua Hal... sei que não quer assumir este papel.
Os dois se olharam e então ficaram em silêncio. Finalmente ela prosseguiu, com ar decidido;
- Não poderei trabalhar nas sextas-feiras, pois vou reservar este dia para ajudar Sara e Bob. Gostaria de ter um horário razoavelmente flexível, e uma hora e meia de almoço. Concorda?
- Puxa, que garota direta! - exclamou Cage, sorrindo, satisfeito. - Concordo!
- Quanto ao salário...
- Que tal cento e cinquenta por semana? - ele arriscou.
- Aceito - Jenny respondeu. - E não porei os pés neste local enquanto não estiver bem limpo. Eu disse limpo.
- Sim, madame - retrucou ele, batendo os calcanhares. - Alguma coisa mais?
- Sim - disse ela, achando-o adorável, mas pensando ainda num problema a enfrentar. - Como direi a seus pais?
- Você sempre soube se comunicar com eles bem melhor que eu, Jenny... - disse, com um sorriso triste. E então, negócio fechado?
- Negócio fechado - repetiu ela, apertando-lhe a mão.
- Sabe de uma coisa? vou gostar muito de ter você por perto, srta. Fletcher! Espero que seja uma boa decisão para todos nós!
Depois de dizer isso, Cage beijou-a no rosto. Um beijo terno, cheio de carinho e de esperança. Jenny estava, com aquela atitude, conseguindo mais espaço para si mesma. E talvez um dia houvesse um espaço para ele, junto à mulher que amava cada vez mais.
Os Hendren não aceitaram a notícia do emprego de bom grado. Sara deixara cair o garfo dentro do prato quando Jenny informou-os, à mesa do jantar.
Começo na segunda-feira.
Você vai trabalhar para...
Para Cage? - conclui o pastor por sua esposa.
Sim- Se têm alguma coisa que eu possa fazer para vOcês antes disso, é só me avisar - anunciou ela, saindo logo da cozinha, antes que ambos se recuperassem da súbita mudez. Conhecia-os bem e sabia que a melhor forma de resolver o assunto era mostrar-se decidida, sem dar espaço, naquele momento, para maiores discussões.
Às nove horas em ponto da segunda-feira seguinte, Jenny chegou ao escritório. A porta tinha sido deixada destrancada e, por um breve lapso de tempo, ela imaginou que entrara no local errado.
As paredes, antes de um cinza escuro, agora estavam pintadas de um leve tom pastel. O horrível sofá fora substituído por duas poltronas de couro marrom, ladeadas por uma mesinha de cerejeira.
Um tapete artesanal recobria o centro da sala e as prateleiras de metal haviam sido trocadas por elegantes estantes de madeira. A escrivaninha antiga permanecia em seu lugar, porém estava arrumada e, no novo contexto do escritório, adquirira uma sóbria dignidade. Uma cadeira de espaldar alto substituíra a poltrona velha. Uma mesa ampla, antiga como a escrivaninha, fora colocada no local mais iluminado da sala, próxima à janela, e dois grandes arquivos ocupavam esse canto do aposento. Atrás da mesa havia uma cadeira de madeira escura, bonita e confortável. Dentro de um vaso longo, estava um botão de rosa vermelho.
- Espero que tenha gostado!
Jenny girou o corpo, deparando-se com Cage parado junto à porta aberta.
- Como conseguiu fazer isso? - inquiriu, abismada.
- Com um talão de cheques - anunciou com um sorriso. - E acho que o resultado não foi dos piores. Gostou da mudança?
- Ficou muito bonito. Mas não precisava ter feito ísso tudo, bastava...
- Isso era algo que já deveria ter feito há anos. Costumava levar meus clientes até a lanchonete da esquina com vergonha de trazê-los para cá. Na certa, não fecharia nenhum bom negócio no meio daquela bagunça.
- Bem, ficou ótimo. Gostei muito mesmo!
- Ótimo. Quero que se sinta confortável aqui.
- Obrigada pelo botão de rosa - agradeceu ela, experimentando a nova cadeira.
- Esta ocasião é muito especial.
Ambos se fitaram demoradamente e, alguns momentos depois, Cage lhe mostrou onde estavam os artigos de escritório e também deu algumas instruções sobre o funcionamento da máquina de escrever elétrica.
- Andei dando uma olhada no manual, pois nunca usei máquina elétrica. Se tiver alguma dúvida, ele está aí, dentro da sua primeira gaveta. - Dito isto, Cage apanhou a jaqueta que deixara sobre a cadeira e dirigiu-se para a porta.
- Até logo.
Fez uma pausa, voltando-se com a mão na maçaneta.
- Puxa! Você está bonita sentada aí! Logo estarei de volta. Se der uma boa espiada dentro dos armários e nos arquivos, vai ver que a organização do lugar foi apenas externa. Portanto, não se apavore com o volume de trabalho. Quando voltar, esclarecerei as suas dúvidas. Tchau, Jenny.
Ao chegar alguns minutos antes do meio-dia, carregando um pacote, Cage exclamou:
- Hora do almoço!
Jenny acenou-lhe com a mão, fazendo um gesto para que se calasse, voltando a fazer algumas anotações enquanto falava ao telefone.
- Sim, sim, já anotei. Passarei a informação para o sr. Aendren assim que ele chegar. Obrigada. - Desligando o fone, Jenny estendeu-lhe o recado.
- Que maravilha! - exclamou, após ler a mensagem. Há muito que estava esperando pela permissão de visitar essas terras. Você me trouxe sorte! - Dando um sorriso, ele colocou o pacote sobre a mesa. - Trouxe o almoço.
_ Posso esperar por esse tratamento especial todos os dias? - indagou Jenny, dando uma espiada dentro do saco de papel.
- É claro que não. Mas, como disse antes, é uma ocasião especial.
Animada pelo humor de Cage, Jenny arrumou o conteúdo do pacote sobre a escrivaninha. O almoço provinha de um dos melhores restaurantes da cidade.
-E, para completar tudo isso... - informou Cage, tirando da gaveta da escrivaninha dele uma garrafa de vinho - Aqui está!
- Vinho?
- Sim, senhora, e muito bom! - disse ele, abrindo a garrafa com agilidade e servindo a bebida em copos descartáveis.
- Eu não deveria beber isso, Cage.
- E por que não?
- Não estou acostumada...
- Mas você não vê nada de errado em tomar um vinho para comemorar uma ocasião especial, não é?
- Não, claro que não.
- E também gosta de um bom vinho, disso eu sei, pois adorava quando papai abria uma garrafa, em momentos especiais, certo?
- Certo!
- Então, não há o que temer! Saúde, Jenny! - exclamou, alegre, estendendo-lhe o copo. - Gostou?
- Sim - respondeu ela.
- E então, o que acha de...
- De...
- Saborearmos um gostoso pastrame?
Jamais comera um pastrame tão delicioso. Na verdade, era um dos mais saborosos pratos de carne que Jenny já havia experimentado. Enquanto almoçavam, Cage deulhe mais algumas informações sobre seus negócios e ficou muito satisfeito com as perguntas inteligentes e intuitivas vindas da parte dela.
- Ei, desse jeito vai acabar deixando de ser minha secretária para ser minha sócia dos negócios!
- Se fosse geóloga, talvez me tornasse sua concorrente!
- Oh, não, você tem ética demais para fazer uma coisa dessas.
Ambos riram. Gostavam de estar assim, próximos um do outro.
Trabalhar com Cage passou a ser, para Jenny, mais que um simples emprego de secretária. Era maravilhoso poder conhecê-lo melhor, poder ajudá-lo, conhecer seu trabalho de geólogo, seus amigos.
Em pouco tempo ela organizou todos os papéis de Cage, colocou em dia a correspondência, atualizou a agenda de telefones e endereços, fez contato com vários proprietários de terras da região nas quais ele tinha interesse e até o ajudou a fechar um novo contrato.
Jenny sabia que a cidade estava fervilhando de mexericos a respeito do relacionamento deles. Os caixas dos bancos ficaram chocados ao ver que ela começara a cuidar dos serviços bancários de Cage. Agora, já estavam acostumados ao vê-la entrar e se encarregar dos créditos e débitos do ex-futuro cunhado, mas, mal virava as costas, notava que todos se agrupavam e ficavam cochichando.
Jenny apreciava o serviço que estava fazendo e, ao final da segunda semana, já agia com desenvoltura e eficiência notáveis.
Escritório do sr. Hendren - disse ela, atendendo o telefone.
Jenny, querida, o poço jorrou. Prepare-se para uma comemoração. Vamos saborear o maior filé da cidade durante o almoço. vou comprar tudo e chego aí dentro duma hora!
Tenho um compromisso daqui a meia hora, mas é coisa rápida. Por que não nos encontramos em algum lugar? - ela sugeriu.
- Está bem. Podemos nos encontrar no restaurante Roda de Carroça, às doze e trinta.
Jenny concordou com o lugar e a hora.
Contudo, às doze e trinta, ela vagava desorientada pela rua principal da cidade, sua mente vazia, sem registrar nada. Estava parada no meio da calçada, diante de uma vitrine, porém não olhava para coisa alguma.
Cage ia passando de carro e a avistou. Parou o veículo, chamou-a pelo nome, buzinou, mas Jenny não se virou. Parecia nem tê-lo ouvido.
Fazendo uma curva em U ilegal e enfiando o Corvette às pressas na primeira vaga que encontrou, Cage saiu correndo na direção dela, chamando-a uma vez mais. Suas botas e a bainha dos jeans estavam cobertas de lama.
- Jenny! - disse, tentando recuperar o fôlego. - Está indo na direção errada! Não combinamos no Roda de Carroça?
O sorriso de Cage desapareceu de imediato ao contemplar os olhos que o fitavam, tristes e sombrios. Imediatamente alarmado, pegou-a pelos braços, sacudindo-a de leve.
- Jenny, o que está acontecendo?
- Cage - respondeu num fio de voz, as sobrancelhas franzidas numa expressão de angústia. - Oh, Cage!
- Por favor, não me assuste desse jeito! O que aconteceu? O que houve? Você está doente?
- Não. Mas, não estou com vontade de almoçar. Sinto muito. Estou contente pelo poço ter jorrado, mas não estou com...
- Pouco importa o poço! Quero saber o que está acontecendo com você.
Ela se apoiou no braço forte, como se fosse desmaiar. Ele a segurou junto ao peito, amparando-a.
- Ei, não fique assim, Jenny. Venha, vamos até a lanchonete. Podemos beber um suco natural.
Mal entraram na lanchonete, Jenny afundou-se no banco de vinil e Cage pediu logo:
- Duas laranjadas, Hazel, por favor.
Até o instante em que a garçonete colocou a bebida diante deles, Cage não desviou o olhar de Jenny, que mantinha a cabeça baixa e as mãos crispadas sobre o tampo de for mica.
- Querida, beba o suco. Está pálida e tremendo. Vendo-a sorver o líquido através do canudinho num gesto obediente, ele prosseguiu: - Agora, diga-me o que há de errado.
Jenny manteve a cabeça baixa por mais alguns momentos. Cage já estava prestes a perder o controle, quando, por fim, ela o encarou com os olhos cheios de lágrimas.
- Cage - disse num sussurro, fazendo uma pausa a fim de recuperar o fôlego. - Estou grávida.
CAPÍTULO VII
Sentado diante de Jenny, à mesa da lanchonete, Cage quase derramou o copo de suco.
- Grávida?
- Sim. Acabo de vir do consultório médico. vou ter um filho.
- Não sabia disso?
- Não.
- Mas existem sinais!
- Eu sei, mas sempre fui um pouco desregulada e pensei que poderia ser um problema de origem nervosa, por causa da morte de Hal e de todas as consequências. Jamais pensei que pudesse estar... Oh, Cage, o que vou fazer?
O que devia fazer? Ora, eles deveriam sair dali e casarse imediatamente. Isso era o que deveriam fazer. Afinal, iam ter um filho! Um filho! A alegria tomou conta de Cage. Queria levantar-se, dar vivas, correr pelas ruas, parar o tráfego e dizer a todo mundo que iria ser pai.
No entanto, ao observar Jenny e vê-la tão abatida, chorando baixinho, logo soube que não poderia demonstrar qualquer reação. Ela acreditava estar esperando o filho de Hal. Jamais poderia revelar-lhe a verdade, pois Jenny passaria a desprezá-lo, logo agora que começava a confiar nele.
"Conte-lhe! Conte-lhe! Já!", uma voz interna sussurrava-lhe.
E como queria fazer isso! Queria tomá-la nos braços e dizer-lhe que não havia motivo algum para chorar. Queria proclamar seu amor por ela e pela criança e prometer que cuidaria de ambos por toda sua vida. Mas seria im possível tomar essa atitude naquele momento. Descobri que estar grávida já tinha sido bastante devastador para Jenny. Não poderia lhe causar mais um choque, revelandolhe que o filho não era de quem pensava ser.
- Não vai adiantar nada ficar chorando, Jenny - comentou Cage, satisfeito por ao menos poder ser seu amigo.
- O que seus pais vão pensar? O que as pessoas vão dizer?
- Está realmente preocupada com o que as pessoas vão dizer? Que digam o que quiserem! Este é um problema só seu, e ninguém tem nada a ver com ele!
- Ainda não consigo acreditar que isso esteja acontecendo comigo. Eu e Hal...
Cage desviou o olhar, percebendo que entrariam numa questão muito íntima, que ele conhecia melhor que ninguém. Teve ímpetos de impedi-la de falar, mas sua vontade de conhecer os sentimentos de Jenny falou mais alto, fazendo-o permanecer em silêncio, até que ela continuou:
- Cage, acreditaria se eu lhe dissesse que eu e Hal fizemos amor uma única vez? Meu Deus, por que eu tinha que ficar grávida?
- Está arrependida do que aconteceu entre vocês, Jenny?
- Não! Quero dizer... nunca vou me arrepender daquela noite, Cage! A noite anterior à partida de Hal. Foi maravilhosa, foi uma das coisas mais maravilhosas que senti em toda a minha vida!
Sentindo a garganta apertar, ele desviou o olhar mais uma vez. A revelação de Jenny o tocava profundamente. Por mais ambígua que fosse aquela situação, fora ele quem estivera lá. Fora ele que compartilhara as emoções de Jenny naquela noite! E agora acabava de descobrir que tinha sido tão maravilhoso para ela quanto para ele!
- Cage - prosseguiu, com voz trémula. - Não sei que vai acontecer comigo agora! Nunca enfrentei uma ? situação tão difícil como essa, e estou com medo.
- Não se desespere, querida. Tudo vai ficar bem, você vai ver. Como está se sentindo fisicamente?
Um pouco fraca. Mas não tenho enjoos, como muitas mulheres costumam ter.
Tomando a mão delicada entre as suas, ele indagou:
- Quer ter esse filho, Jenny?
- Quero, mas estou com medo.
- A decisão mais difícil você já tomou. Pode contar comigo para tudo o que precisar, está bem? vou estar do seu lado todo o tempo.
- Obrigada, Cage. Obrigada por estar sendo tão compreensivo. - Agradeceu, dando-lhe um apertãozinho na mão. - Quando deixei o consultório médico, me sentia totalmente perdida. Não sabia que caminho tomar nem para onde ir. Me sentia perdida e abandonada.
- Pois saiba que você tem a mim. Sempre,. Para qualquer coisa.
- É bom ouvir isso.
- O que pretende fazer?
- Não sei ainda.
- Case-se comigo, Jenny.
Completamente atordoada, ela não conseguiu proferir uma única palavra. Apenas o fitava impassível, esperando que o coração, que palpitava como um louco em seu peito, voltasse a bater normalmente.
- Por que está dizendo isso, Cage? - indagou, afinal.
- Porque... - Cage tinha que pensar rápido. Se pudesse se guiar apenas pelos sentimentos, saberia exatamente o que responder, mas esse não era o caso. Ainda não podia dizer a ela o quanto a amava. Não naquele momento.
- Por que seria mais fácil para você. Eu poderia ajudar muito, poderia dar o apoio que vai precisar nessa situação difícil.
- Não poderia me casar com você apenas porque estou numa situação difícil. Jamais faria uma coisa desse tipo.
- É claro, eu sei que não faria. Desculpe, acho qUe foi uma ideia boba.
Ambos baixaram os olhos e permaneceram em silêncio durante alguns minutos. Tinham tanto que dizer um ao outro, mas não conseguiriam. Pareciam prisioneiros de um grande quebra-cabeça impossível de montar. Cage a queria demais e a simples possibilidade de perdê-la, de fazêla afastar-se, o apavorava. Portanto, não se sentia capaz de ousar, dizendo que a amava, que sempre a amara.
Jenny, por sua vez, era a própria confusão. Como poderia dizer a Cage que estava apaixonada por ele, justamente agora que descobrira estar grávida de Hal? Seria irónico demais.
- Cage, posso continuar trabalhando para você? perguntou, aflita por mudar de assunto.
- E será que precisa perguntar? - retrucou, franzindo a testa.
- Acho que não - murmurou Jenny sorrindo, recostando-se no banco e, inconscientemente, passando a mão pelo ventre ainda reto.
"Está tão magrinha!", pensou Cage, imaginando como ela poderia ter uma criança crescendo em seu interior.
Era tão pequena. Sempre adorara aquele corpo esbelto; no entanto, agora temia por ela. Os olhos contemplaram os seios arredondados. Não se notava qualquer aumento de volume, porém pareciam firmes e macios.
- Seus pais terão de saber.
- Quer que eu lhes conte? - indagou Cage, voltando a fitá-la nos olhos.
- Não. É uma questão que terei que enfrentar. Somente gostaria de saber como é que eles vão receber a notícia.
- E como poderiam receber? Vão ficar encantados. Fez uma pausa antes de acrescentar: - Afinal, será o primeiro neto deles!
Talvez. Mas acho que não será tão simples. São pessoas com valores morais rígidos, Cage. Não preciso lhe dizer isso. Para eles, as fronteiras entre o certo e o errado São muito bem definidas.
Mas meu pai, durante toda a vida, pregou a caridade cristã. A graça de Deus e o perdão têm sido os temas de muitos de seus sermões. Não condenarão você, Jenny. Estou certo disto.
Seria bom estar tão confiante quanto Cage, porém Jenny se sentia insegura.
Antes de saírem, Cage a convenceu a tomar um leite maltado alegando que, mais do que nunca, precisava ganhar peso e força. Ambos brindaram ao poço de petróleo e ao bebé.
- Agora vou levar você para casa, depois voltarei para ver como vai o trabalho lá no poço.
- Mas, só trabalhei meio dia - reclamou ela.
- E já foi bem difícil. Descanse esta tarde. Depois do jantar passarei por lá para vê-la.
- Terei de contar as novidades a Bob e Sara antes disso.
- Quer que eu esteja ao seu lado quando contar?
- Não, prefiro fazer isso sozinha.
- Tudo bem. Mas prometa que vai descansar um pouco antes de enfrentar os dois.
- Prometo. Obrigada por tudo. E não precisará me levar. Resolvi vir com meu carro esta manhã, pois teria que passar pelo consultório médico. Já vou indo. Até a noite, Cage.
- Até a noite.
Cage a observou afastar-se na direção do estacionamento e imaginou se ela o odiaria quando soubesse que era o único responsável por toda aquela confusão.
Cage estacionou o carro junto à casa dos pais um pouco depois das sete horas. Após ter-se despedido de Jenny, voltara para o campo de perfuração, onde passara o resto da tarde. Embora estivesse muito ocupado, não conseguira afastá-la de sua mente um minuto sequer. Preocupava-se com sua condição física, com seu estado emocional.
Do lado de fora, parecia tudo como sempre. O carro de Jenny estava estacionado ao lado da perua de Bob e havia luzes na cozinha e no living. Mesmo assim, Cage sentiu um calafrio, pois seu instinto lhe dizia que algo não corria bem.
- Alo - disse ele, abrindo a porta e entrando sem ser convidado. Bob e Sara permaneceram exatamente como estavam, sentados na sala de visitas.
- Olá, Cage - cumprimentou o pai sem qualquer entusiasmo. Sara ficou calada, apenas retorcendo um lenço entre os dedos.
- Onde está Jenny?
Bob engoliu seco, como se sentisse grande dificuldade em responder. Então sua voz soou, seca e direta:
- Ela foi embora.
- Embora? - Cage exclamou, já se sentindo alterado. - O que quer dizer com isso? O carro dela está lá fora.
- Ela decidiu ir embora sem levar nada além de algumas roupas - Bob passou a mão pelo rosto, atenuando a expressão de nervosismo.
Sem querer esperar mais, Cage avançou em direção à escada, subindo os degraus de dois em dois, como costumava fazer quando pequeno. Esse gesto quebrava as regras da casa; no entanto, não se importara em contrariar as regras no passado, e não iria se importar agora.
Jenny não estava em seu quarto.
- Jenny! - esbravejou, descendo as escadas correndo. - O que houve? Que fizeram com ela? O que lhe disseram? - perguntou, encarando os pais. - Ela não lhes contou que está esperando um bebé?
- Sim - ainda era Bob quem falava. - Ficamos assustados.
Assustados? Assustados? Ficam sabendo que Jenny está esperando o primeiro neto de vocês e a reação que têm é dizer que estão assustados?
- Ela está dizendo que é filho de Hal. Aquela frase fez o sangue de Cage ferver. Como o pai podia falar daquele modo a respeito de Jenny? A voz de Bob demonstrava uma mistura de desprezo e desconfiança.
E por acaso duvida da sinceridade dela? - inquiriu, furioso.
- É claro que duvidamos - disse Sara, falando pela primeira vez. - Hal não teria feito isso! Ainda mais na noite em que se preparava para partir para a América Central, como ela está dizendo que foi.
- E por que não faria? Sabe, mamãe, antes de ser um missionário, Hal era um homem.
- Está querendo dizer que...
- Que não seria nenhum absurdo Hal fazer amor com Jenny antes de partir! Aliás, penso que nada poderia ter sido mais bonito na vida do meu irmão do que amar alguém como ela!
- Cage, pelo amor de Deus, pare com isso! - Bob sibilou entre os dentes, erguendo-se para melhor poder encará-lo. - Como ousa se dirigir à sua mãe dessa maneira?
- Está bem... Sabem, não dou a mínima sobre o que pensam a meu respeito, mas como puderam expulsar Jenny de casa desse jeito?
- Não a expulsamos de casa. Ela saiu por vontade própria.
- Mas devem ter dito algo muito desagradável, do contrário não teria ido embora assim. O que foi que disseram?
- Ela afirmou que Hal... que Hal era o pai do bebé.
- Bob explicou. - Sua mãe e eu até poderíamos conceber que sim. Afinal, como você disse, ele era um homem. Mas, se realmente aconteceu algo naquela noite, Jenny deve ter tentado seu irmão a agir contra seus princípios.
- O que possa ter acontecido, aconteceu por amor.
- Acredito nisso. Mesmo assim, Hal não teria desviado sua atenção da missão, a não ser que estivesse extremamente... abalado. Se Jenny conseguiu envolver seu irmão a ponto de fazê-lo ir contra princípios tão importantes para ele, talvez... talvez tenha sido a culpada pela sua morte. Talvez Hal tenha ficado tão arrependido e perturbado e em conflito consigo mesmo que sentiu sua fé abalada no momento em que mais precisava acreditar que Deus estaria com ele!
- Não acredito! - explodiu Cage, encarando os pais, abismado. Como podiam ter mentes tão estreitas? - Pai, vocês tiveram a coragem de dizer isso a Jenny? Puderam culpá-la pela morte de Hal?
- Ela é a culpada - retrucou Sara. - As convicções de seu irmão eram bem firmes; ele jamais tomaria uma iniciativa desse tipo! Se o que Jenny diz é verdade, ela só pode ter seduzido Hal, insistido demais! Não percebe o quanto nos sentimos traídos? Criamos essa moça como se fosse nossa própria filha e jamais imaginamos que nos causaria tamanho desgosto! E agora está esperando um filho ilegítimo! O que as pessoas vão pensar? E a memória de Hal, não vale nada?
Cage não sabia o que dizer diante de tanta mediocridade e moralismo. Eles lançavam a culpa da morte do filho sobre os ombros de Jenny. No entanto, o único responsável por isso fora o próprio Hal. A história que estavam imaginando era absurda. No entanto, qualquer revelação que Cage fizesse em nome da verdade, ao invés de inocentar Jenny, pioraria ainda mais o quadro já bastante terrível criado pelos pais.
A atitude deles o deixava enojado. Tinha assegurado a Jenny que a receberiam de braços abertos ao saber que estava grávida. Ao invés disso, eles a haviam julgado e condenado do modo menos cristão possível. Pensou em jogar-lhes no rosto o quanto eram hipócritas, porém não dispunha de tempo, E também não quis gastar energia Naquele momento, acreditou simplesmente que seus pais eram uma causa perdida e só uma coisa importava: encontrar Jenny.
Para onde ela foi?
Não sabemos - anunciou Bob com voz neutra. Chamou um táxi.
_ Tenho pena de vocês dois! - explodiu, antes de sair e bater a porta com força.
Cage foi direto para a rodoviária de La Bota. Walter, o vendedor de bilhetes, lhe informou que Jenny partira.
- Há quanto tempo?
- Bem, deixe-me ver... Jenny deve ter partido há uns vinte minutos, Cage. O ônibus saiu às dezenove e quinze.
- Faz alguma parada pelo caminho?
- Não. Nenhuma. Não até chegar a Abilene.
- Por qual rodovia costumam ir?
Mal recebeu a informação, Cage agradeceu e voou na direção do Corvette, imediatamente engatando a marcha e partindo em alta velocidade.
O balanço monótono do ônibus ajudava Jenny a não pensar em coisa alguma. Se não tentasse manter a mente vazia, talvez fosse impossível levar adiante aquela fuga. Afinal, estava dentro de um ônibus a caminho de Dalas, onde não conhecia ninguém.
Quase sem dinheiro, grávida e sem nenhum emprego em vista, sabia que teria que resolver sua situação de algum modo. Mas no momento só desejava conseguir se acalmar.
Os Hendren a haviam magoado demais. Achavam que era uma Jezebel, que tentara seu santo filho, desviando-o de sua missão na vida e provavelmente provocando-lhe a morte.
Fechou os olhos, determinada a não derramar uma lágrima sequer. Seria forte e saberia enfrentar seu destino.
Aconchegou-se para dormir, mas não conseguiu conciliar o sono. Então percebeu uma crescente agitação entre os outros passageiros, que falavam em voz alta:
- Veja aquele doido! . - É um maluco!
- Será que o nosso motorista já viu o que ele está fazendo?
Curiosa por ver o que chamava a atenção dos companheiros de viagem, Jenny olhou através da janela. Logo avistou o carro esporte derrapar ao lado do ônibus aproximando-se perigosamente das rodas enormes.
- Ah, não! - exclamou, surpresa.
De repente, o ônibus deu uma guinada e o motorista pisou no breque, desviando o pesado veículo para o acostamento.
Enquanto vários passageiros debruçavam-se sobre a janela a fim de ver melhor, Jenny encolheu-se no banco, com vontade de sumir. O motorista trocou algumas palavras com o "maluco" lá fora e, a seguir, abriu a porta automática. Ao ver Cage saltar para dentro do coletivo, ela fez-lhe um sinal.
- Peço desculpas a todos - disse ele, enquanto ia ao encontro de Jenny. - Não sou um assaltante. Não vou incomodar ninguém. Apenas preciso falar com um dos passageiros. Não levarei mais do que um minuto, prometo concluiu, avançando pelo corredor, até chegar diante dela.
- Por favor, Jenny, pegue suas coisas e vamos voltar para casa.
- Não vou, não, Cage. Não tenho mais casa, agora. Mandei uma carta para você explicando tudo. Coloquei no correio antes de tomar o ônibus. Não deveria ter vindo atrás de mim.
- Bem, mas eu vim. Escute, vamos sair e conversar com calma. Depois disso, se ainda quiser, prometo que a levarei para onde desejar ir. Só quero conversar com você, com calma. Está bem?
Todos no ônibus pareciam atentos à conversa. Depois de hesitar por alguns instantes, ela concordou. - Está bem. Mas não vou mudar de ideia - disse erguendo-se. - Minha bagagem está no porta-malas do ônibus. - Por favor, o sr. pode apanhar a bagagem da moça? pediu Cage ao motorista com firmeza, porém com extrema educação.
Vamos lá - concordou o homem, entre divertido e contrariado.
Os três desceram do veículo e o motorista abriu o compartimento de malas. Ao entregar a mala a Jenny ele perguntou:
- Tem certeza de que quer ir com ele, senhorita? Não está indo contra sua vontade?
- Oh, não senhor. Ele é um amigo... meu melhor amigo.
- Muito bem, moça. Então, boa sorte para vocês disse, voltando as costas e entrando no ônibus. Em poucos segundos, o enorme veículo retomava a estrada.
Colocando a mala no chão, ela o encarou. Tinha o corpo tenso e uma grande vontade de chorar.
- Bem, Cage Hendren, essa foi uma proeza e tanto. O que espera conseguir com isso?
- Impedir que você fuja da cidade como um coelhinho assustado.
- Bem, talvez eu seja mesmo um coelho assustado! exclamou, quase gritando e, finalmente, dando vazão às lágrimas que vinha contendo desde a cena com Sara e Bob.
- O que tinha em mente, Jenny? Fugir para Dalas e fazer um aborto?
- Não! Já disse a você que quero esse filho! - respondeu, sem parar de chorar. - Apenas não poderia ficar naquela casa, depois de saber como seus pais se sentiam.
- Mas o que ia fazer em Dalas? Não conhece ninguém lá, não tem nenhum amigo... Afinal, seu melhor amigo está em La Bota... não foi o que disse ao motorista? Cage se aproximara, levantando-lhe o rosto com um gesto terno e cuidadoso.
- Por que não me procurou, Jenny? Por que resolveu ir para uma cidade grande, onde tudo seria mais difícil? talvez até perigoso?
- Preciso ir para algum lugar. Não pense que não estou apavorada! Mas sei que serei capaz de encontrar um modo de viver, com meu filho, sem ter que dar satisfações a ninguém.
- Por isso quer ir para Dalas? Para não ter que dar satisfações a ninguém?
- Poderei encontrar um emprego como assistente social bem mais facilmente do que em La Bota. E para dizer a verdade, também acho que talvez seja melhor recomeçar minha vida num lugar onde as pessoas não me conheçam. Pelo menos ninguém se achará no direito de me cobrar coisa alguma...
- Ora, será que está maluca? Acredita que as pessoas em La Bota vão cobrar algo de você?
- É claro que vão. A começar por Bob e Sara, Cage! Para você é difícil compreender como me sinto; afinal, nunca deu a mínima para o que as pessoas pudessem pensar ou dizer.
- Acredita mesmo nisso? Que nunca me importei?
- Pelo menos sempre fez questão de demonstrar que não se importava.
- Engraçado, Jenny. Parece que minha relação com as pessoas da cidade acabou sendo bem parecida com a relação que tenho com meus pais.
- Em que sentido?
- Bem, de início tentei ser reconhecido e aceito. Quando percebi que só conseguiria isso deixando de ser eu mesmo, passei a repudiar as pessoas, fazendo tudo para chocar e agredir aqueles que não tivessem interesse ou afeto suficiente
Para se aproximar de mim e me reconhecer como eu desejava, ou seja, como eu era. E o que aconteceu?
Não me arrependi. Pode parecer estranho, mas tenho muitos amigos em La Bota. Gente que me respeita e a quem respeito, e de quem eu gosto bastante. Pouco me importa que comentem isso; pelo contrário, até me diverte. O único julgamento que poderia me atingir seria o das pessoas que aprendi a amar e respeitar, mas essas não costumam fazer julgamentos superficiais e apressados... O mais triste em tudo isso é que meus pais não estão nesse último grupo... mas talvez um dia venham a estar.
- Sabe que não são pessoas ruins, não é, Cage?
- Claro que sei. Mas você está tendo uma amostra do quanto podem ser obtusos e intolerantes diante de quem os desafia.
- Mas eu não quis desafiar ninguém. Apenas...
- Apenas se permitiu fazer o que desejava, tentando ser autêntica, ser você mesma. Numa família como a nossa, isso pode ser bem perigoso, querida... Acho que nunca vai se esquecer desse episódio, Jenny. Sei que é triste e doloroso, mas é desse jeito que a gente mais aprende!
- Sim, acho que tem razão.
- Bem, o que vai fazer agora? Quer que eu te leve até Dalas?
- Não.
- Para algum outro lugar?
- Acho que também gosto de La Bota, afinal. Vamos voltar para lá, certo?
- Certo, garota.
- vou passar a trabalhar nas sextas-feiras também! Afinal, agora terei que pagar um aluguel, despesas de casa e tudo o mais.
- Por mim, tudo bem!
- E, em primeiro lugar, precisarei arranjar um lugar para passar essa noite.
- Que tal a minha casa? - sugeriu, com um sorriso cativante, enquanto ajeitava a mala no porta-malas do? Corvette.
- Próxima sugestão, sr. Hendren...
- podemos tentar conseguir um apartamento com Roxy.
Os dois entraram no carro e logo seguiam de volta para a pequena cidade do interior do Texas.
CAPÍTULO VIII
já haviam percorrido alguns quilómetros de estrada quando Jenny caiu em si, voltando-se para Cage e perguntando:
- Você quer me ajudar a alugar um apartamento de Roxy Clemmons?
- Sim. Você a conhece?
- Ouvi falar dela - resmungou, contrariada, lembrando-se de que já ouvira muitos comentários a respeito de Roxy e Cage.
- Não parece muito entusiasmada com essa ideia.
- Acho que nesse momento seria difícil me entusiasmar com qualquer ideia.
- Tem algo contra Roxy Clemmons?
Jenny não respondeu, permanecendo calada. Estava zangada, porém, num primeiro momento, não conseguiu determinar o motivo. Afinal, nem ao menos conhecia Roxy. E, se fosse verdade que Cage tivera um caso com a garota, não seria de sua conta. Cage não lhe devia explicações, não era seu namorado. Não tinha por que sentir ciúme dele. Mas estava sentindo ciúme. E como estava!
Os dois não entabularam conversa durante o restante da curta viagem. Ao chegarem a La Bota, havia pouca gente nas ruas. Cage parou o carro no estacionamento de dois blocos de apartamentos e desligou o motor.
- Onde estamos? - indagou Jenny.
- Acho que poderá encontrar um bom apartamento aqui, por um preço razoável. Gosta dos prédios?
- São simpáticos.
- Então vamos até lá. - Eles saíram do carro, entraram num dos prédios e logo estavam diante de um apartamento em cuja porta se via uma placa com a palavra "Administração".
Cage tocou a campainha. Através da porta podiam ouvir o som da televisão ligada. Um momento depois, Jenny viu-se cara a cara com Roxy Clemmons. A mulher fitoua com uma reserva toda especial, educadamente, e então, avistando Cage um pouco mais atrás, esboçou logo um sorriso largo.
- Olá, Cage. O que está havendo?
- Poderíamos entrar?
- Lógico - retrucou Roxy, dando-lhes passagem.
- Sinto estar incomodando a essa hora - Cage foi logo se desculpando.
- Não se preocupe com isso. Nem é tão tarde assim.
- Roxy, esta é Jenny Fletcher.
- Olá, Jenny, prazer em conhecê-la.
- O prazer é todo meu, srta. Clemmons. - Jenny estendeu a mão, retribuindo o cumprimento, surpresa diante daquela cordialidade.
- Pode me chamar de Roxy - anunciou a outra, rindo. - Gostaria de beber algo? Tenho cerveja geladinha, Cage.
- Parece convidativo.
- E você, Jenny?
- Na... não obrigada.
- Um refrigerante, talvez?
- Sim, pode ser - retrucou, não querendo parecer descortês.
- Sentem-se e finjam que estão em casa - brincou Roxy, dirigindo-se para a cozinha.
Jenny a observava atentamente. Devia ter por volta de trinta anos, era uma mulher muito simpática e atraente, de cabelos e olhos castanhos-escuros. Jenny tentava se controlar e não ficar imaginand o coisas, mas não conseguia.
Será que Cage e Roxy tinham realmente sido amantes? Será que tinham se apaixonado? Será que... ainda havia algo entre os dois?
Cage se acomodara no sofá e folheava uma revista feminina.
- Sente-se, Jenny - pediu, percebendo que ela se mantinha plantada no meio da sala.
Assentindo, Jenny sentou-se ao lado dele, mas era evidente que não se sentia à vontade.
Roxy retornou com as bebidas e, após sorver um gole de cerveja demorado, Cage falou:
- Tem algum apartamento desalugado? Estamos precisando de um.
- Para vocês dois? - Roxy perguntou, num tom neutro como se se tratasse da coisa mais natural do mundo.
- Não! - disse Jenny, agora ainda menos à vontade. - Não, Roxy! - repetiu Cage, rindo. - Jenny ficará
morando no apartamento sozinha.
As faces de Jenny estavam em chamas e ela sentiu vontade de matar Cage por ter dado aquele tom ao assunto, fazendo parecer que ambos tinham um romance. No entanto, no instante em que tudo foi esclarecido, logo fitou Roxy a fim de verificar se ela estava aliviada, ou algo parecido. Contudo, o que viu na expressão da outra foi apenas um leve embaraço por ter se enganado.
- Oh! - exclamou Roxy, encarando Jenny e sorrindo. - Bem, então está com sorte. Tenho um apartamento de um quarto, vago.
- Será que poderia me deixar ver o apartamento?
Jenny perguntou, tomando um gole do refrigerante.
- Claro, querida. Fica no outro bloco, no quarto andar. Se quiser, podemos ir até lá agora mesmo. Eu gostaria, se não for incómodo para você. Não será incómodo nenhum. vou apanhar as chaves- Dizendo isso, Roxy levantou-se, saindo da sala mais uma Vez e retornando em poucos instantes.
- Vamos lá! - disse, com as chaves na mão.
- Vamos! - continuou Cage, bebendo um último gole de cerveja e tomando o braço de Jenny.
Ao percorrer a calçada que unia os dois edifícios, ROss falava, animada:
- Está muito bem localizado. Afastado e calmo, porém não tão isolado que a faça se sentir solitária - prosseguiu, apontando as instalações da lavanderia, a área onde estava localizada a piscina e declinando o conforto daqueles apartamentos.
O lugar parecia tranquilo, seguro, e agradava a Jenny que já podia se imaginar morando ali.
- Chegamos - anunciou Roxy, abrindo a porta ao apartamento e acendendo as luzes. - Puxa! Está abafado! Não foi aberto desde que pintaram tudo.
Realmente o local cheirava a desinfetante e tinta fresca, mas Jenny não se importou, pois, como resultado disso, estava impecavelmente limpo.
- Este é o living, é claro. E a cozinha é por aqui informou Roxy, conduzindo-a através do apartamento, espaçoso e bem iluminado.
- Quanto é o aluguel? - indagou Jenny após conhecer o apartamento inteiro: havia apenas um quarto e um banheiro além da sala e da cozinha, mas todos os aposentos eram espaçosos e aconchegantes.
- Trezentos por mês.
- Puxa! É meio pesado... mas acho que valerá a pena.
- É claro que valerá, Jenny. Eu acho muito aconchegante! - disse Cage, incentivando-a.
Jenny fez um cálculo mental de seu ordenado e despesas. Se fizesse um pouco de economia, daria para pagar. Ademais, esse era um dos conjuntos de apartamentos mais simpáticos da cidade e a ideia de morar ali a agradava mais do que imaginara. Tentando não se incomodar com o fato de ser vizinha de uma ex-amante de Cage, indagou, decidida: preciso assinar algum contrato?
Então, vai ficar com ele?
_ Sim, vou ficar - retrucou, imaginando o porquê de ela se mostrar tão satisfeita.
Fantástico! Estou feliz por ter você como vizinha, podemos acertar tudo agora mesmo. E já que é indicada por Cage, não vai ter nenhuma despesa com o contrato, certo? Vamos voltar lá para casa.
Que ótimo, Jenny. Acho que tomou uma boa decisão! - exclamou Cage, beijando-a no rosto.
- É, também acho - ela respondeu, sorrindo. Meia hora mais tarde, Jenny tinha uma cópia do contrato assinado e um jogo de chaves nas mãos.
- Pode se mudar amanhã mesmo - informou Roxy.
- Logo cedo, vou abrir tudo para que fique bem arejado.
- Obrigada - agradeceu Jenny com um aperto de mão, dirigindo-se para o carro, escoltada por Cage. Ao vê-la instalada no banco da frente, ele retornou para junto de Roxy, que permanecera junto à entrada do prédio.
- Obrigada pela ajuda, Roxy!
- Parece que finalmente está realizando seu sonho, hein, Cage?! - comentou Roxy, esboçando um sorriso largo. - Ela parece gostar bastante de você.
- Achou mesmo?
- Pode apostar que achei. E vou torcer por vocês dois.
- Conversaremos mais tarde - anunciou, Cage, sorrindo. - Obrigado por tudo.
- De nada. Para que servem os amigos?
Antes de voltar para o carro, Cage beijou Roxy rapidamente nos lábios e ela afagou-lhe os cabelos com carinho. Jenny os observava e sentia o coração apertado, as farpas do ciúme ferindo-a, magoando-a.
Não podia saber sobre o que os dois falavam, no entanto, notara como um sorria para o outro e o modo como Cage inclinara-se para beijar Roxy nos lábios. Jenny sentia-se remoer diante da familiaridade com que os dois se tratavam. Embora dissesse para si mesma que não se importava nem um pouco com o que via, uma mistura de dor e raiva crescia dentro dela.
- Muito bem, garota, amanhã vou ajudar você a comprar alguma mobília para sua casa nova, certo? - disse ele, assim que entrou no carro e acenou adeus para Roxy mais uma vez.
- Não precisa se preocupar - respondeu em tom ressentido. - Posso me virar muito bem sozinha.
- Jenny, o que houve? Por que está chateada?
- Não estou chateada. Só estou um pouco cansada; minha cabeça parece pesar cem quilos. E, além do mais, preciso arranjar um lugar para passar essa noite!
- Ora, você vai para minha casa, comigo, já havíamos combinado.
- Não vou, não.
- Por acaso está pensando em voltar para a casa dos meus pais?
- É claro que não! Acho que vai ter que me ajudar a encontrar um hotel, ou motel, sei lá. Mas não será nada difícil, afinal, você deve conhecer muitos!
Havia uma amarga ironia no comentário, e Cage não a ignorou.
- Conheço vários, sim. Para dizer a verdade, não há muitos motéis em La Bota. Se prefere passar a noite em um deles, posso levar você ao melhor.
- Ótimo. Então vamos. Estou exausta e terei que acordar cedo amanhã.
- Jenny, o que há? Por que ficou tão irritada de repente?
- Nada. Não há nada, Cage. Por favor, vamos embora daqui.
Ele assentiu, ligando o motor e partindo. Não demoraram a chegar a um motel diante do qual estacionou o carro, dizendo:
- Espere aqui. Volto num instante.
Jenny observou-o penetrar no hall iluminado, conversar alguns instantes com o recepcionista e então apanhar a chave do quarto. Ao voltar, sem dizer uma palavra, ligou novamente o carro, conduzindo-a até o quarto Delicado. Ao desligar o motor, ele a encarou.
Já esteve aqui antes, não é? - comentou Jenny, intuitivamente.
Jenny...
- Não esteve?
_ Sim, estive. E daí?
- Daí nada. O local lhe parece familiar, só isso.
- Por que está com raiva de mim, Jenny?
- Por que acha que estou com raiva?
- Seu tom de voz está diferente, está me respondendo com frases secas e parou de olhar para mim. Acha que preciso de mais algum sinal?
- Não! Acho que você percebe muito bem as pessoas quando quer perceber.
- Não entendi.
- Pode perceber que estou com raiva agora, mas não percebeu que eu estava pouco à vontade perto de sua amiga Roxy. Ou pelo menos fingiu não perceber.
- Claro que reparei que estava constrangida. Mas o que você queria que eu fizesse?
- Podia pelo menos ter sido menos... menos familiar com ela.
- Jenny, você sentiu ciúme de Roxy?
- Não, é claro que não. Nem teria por que sentir. Só achei que ela estava sendo simpática demais. Exageradamente simpática... bem, essa conversa não vai nos levar a lugar nenhum. Nem sei por que começamos a falar disso. Quer, por favor, me ajudar a levar a mala até o quarto?
- É lógico que a ajudarei. Vamos lá - disse ele descendo e abrindo-lhe a porta. A seguir apanhou a bagagem e os dois se dirigiram ao quarto.
- Bem, acho que já vou indo - disse ele depois de colocar a mala sobre uma cadeira. - Ficará confortável aqui. É um lugar seguro e o atendimento é excelente. Se precisar de algo é só chamar pelo interfone e...
- Tudo bem, Cage, posso descobrir tudo isso sozinha. Afinal de contas não sou nenhuma criança.
Aquela interrupção brusca o irritou. Afinal, tudo o que queria era ajudá-la e não estava disposto a ser maltratado, magoado.
- Pois às vezes parece uma criança e bem pouco educada! - respondeu, agora usando o mesmo tom que ela.
- Desculpe, Cage! Acho que estou muito abalada e acabo descontando em você, que é a única pessoa que está me ajudando. Por favor, me desculpe.
Vendo-a se desculpar, Cage pôde sentir o quanto estava frágil, cansada. Os cabelos loiros caíam em desalinho sobre os ombros, os olhos verdes pareciam opacos, tristes. Desejou poder aninhá-la entre os braços, beijá-la, confortá-la.
- Jenny vem cá... - disse sem conseguir se conter. Por favor, me abrace.
Tão impulsivamente quanto ele, Jenny se aproximou e eles se abraçaram. Um abraço intenso, cheio de afeto e de ternura.
- Ah, Jenny, querida... Eu te amo tanto, tanto...
Um longo silêncio se seguiu àquelas palavras. Eles permaneciam abraçados, e Jenny sentiu lágrimas quentes lhe descerem pelo rosto.
- Eu te amo, Jenny! - disse mais uma vez, enquanto a afastava com cuidado com a intenção de encarála. Ao ver o rosto delicado molhado pelas lágrimas, Cage não pôde resistir. Puxou-a novamente para si, dessa vez tomando-lhe os lábios, num beijo ardente, prolongado.
Ambos estavam tão emocionados que poderia se dizer que haviam esquecido o resto do mundo naquele instante.
- Cage... - ela sussurrou quando, finalmente, se afastaram.
Nunca vou esquecer tudo o que está fazendo por mim.
Não estou fazendo nada perto do que você merece,
querida. - A expressão dele, até então radiante, tornou-se sombria- - Talvez um dia você venha a me desprezar e odiar» Jenny. Se isso acontecer, quero que tente se lembrar do que vou lhe dizer agora... Nunca fiz nada com intenção e magOar Você ou meu irmão Hal. Amei você desde o começo, desde que te conheci. Mas nunca faria nada de desonesto para afastar você do meu irmão...
Por que está me dizendo tudo isso? Não estou compreendendo...
Um dia vai compreender. Agora preciso ir, Jenny. Amanhã cedo passarei aqui para apanhar você. Até mais!
- Cage, o que houve? Você ficou pálido de repente.
- Não foi nada. Logo estarei melhor. Até amanhã, Jenny.
- Até amanhã.
Cage precisava se afastar logo. Um nó apertava-lhe a garganta e quase o impedia de falar. O beijo rápido no rosto de Jenny foi sua despedida. Mal acabou de se sentar atrás do volante do Corvette, um choro convulsivo tomou conta dele. Agora, mais do que nunca, sabia que teria de contar toda a verdade a Jenny. Amava-a demais e não poderia viver com aquela mentira entre eles. Teria de contar-lhe a verdade. Mesmo que isso significasse perdêla para sempre.
Ao ouvir o telefone soar bem junto à cabeça, Jenny despertou, assustada. Olhando para o relógio de parede do quarto do motel, verificou que já passava das três da madrugada.
- Alo?
- Desculpe o modo como me despedi de você! - A voz de Cage soou firme, mas ela percebeu que estava cansado.
Nenhum dos dois falou por um longo instante, o coração de Jenny batia com força e ela aconchegou o receptor junto ao rosto como se assim pudesse ficar mais perto de Cage.
- Está tudo bem! Não há o que desculpar. Só fiquei preocupada...
- Não se preocupe. Apenas me descontrolei, mas estou bem melhor agora.
- Quer me dizer o que está te afligindo tanto?
- Não, agora já estou melhor, verdade.
- Acho que estamos os dois numa situação difícil, não é mesmo?
Ele não respondeu nada, e um silêncio pesado os separou por alguns momentos.
- Jenny?
- O que foi?
- Não estou arrependido de ter beijado você. E também não estou arrependido por confessar meus sentimentos... Será que um dia vamos poder dizer tudo o que sentimos um ao outro?
- Acho que podemos tentar... Não vai ser fácil, mas podemos tentar...
- Você é maravilhosa. - Você também é.
- Acho que é melhor dormirmos agora, certo?
- Certo.
- Amanhã... quero dizer, hoje - os dois riram -, lá pelas dez horas, passarei aí para apanhá-la. Durma bem. Boa noite, Jenny!
- Boa noite.
Jenny foi despertada com a voz de Cage:
- bom dia, dorminhoca.
- Ha?
- Eu disse bom dia.
Jenny bocejou, espreguiçando-se sob as cobertas, e abriu os olhos. Então, recostou-se na cama, de um salto. Cage estava sentado ao seu lado, sorrindo.
Bem-vinda ao mundo dos despertos!
Que horas são?
Dez e dez. Cheguei às dez em ponto, bati na porta
e não obtive resposta. Daí fui até a recepção, pedi ao Joe uma chave extra e entrei.
- Sinto muito. Estava exausta.
Está com fome?
__ Estou morrendo de fome!
_ Enquanto se veste, vou encomendar o café na lanchonete - anunciou Cage, depositando um beijinho na ponta do nariz delicado.
- Logo estarei lá - retrucou Jenny antes que a porta se fechasse.
Vinte minutos mais tarde, ao juntar-se a Cage, na lanchonete, ela apresentava um frescor sem igual e parecia descansada. Vestira um conjunto de malha bem leve, azulclaro, e usava um belo par de sandálias novas, que logo chamaram a atenção de Cage. Ele sabia que Jenny usara seu primeiro pagamento renovando algumas peças de seu guarda-roupa e, agora, vestia-se de forma mais atraente do que antes.
- Estou atrasada?
- Seu café acabou de chegar. A propósito, gostei muito das suas sandálias. Elas lhe dão um ar sensual.
- É mesmo? - indagou, risonha, enquanto fitava o prato reforçado à sua frente. - Tudo isso para mim?
- Exatamente.
- Não vai esperar que eu coma tudo isso.
- Ande, comece. Quero vê-la saboreando seu café da
manhã.
- E você?
- Já tomei meu café da manhã - anunciou Cage. Em seguida concentrou-se no bloco de anotações diante de si. Já fizera uma lista de itens domésticos que precisariam comprar.
Jenny o observou inclinado sobre o bloco de papel, o cenho franzido, como se desejasse lembrar algo. Estava especialmente bonito dentro das calças jeans desbotadas e da camiseta azul-marinho de mangas curtas, bem justas.
Ao terminar a refeição, ela relanceou o olhar para os itens anotados no papel.
- Meu apartamento não combina com uma lista grande - comentou ao verificar os nomes das lojas que ele programara visitarem.
- Talvez o seu patrão lhe dê um aumento.
- Preste atenção no que vou lhe dizer, Cage: não aceitarei caridade de ninguém.
- E quem está falando em caridade? Não posso lhe dar um aumento?
- Não! E se eu precisar de mais dinheiro posso arrumar algum trabalho extra, para fazer em casa. Não se preocupe comigo, pois sei me virar muito bem.
- Jamais duvidei disso. Espero que pelo menos me deixe ajudar a escolher seus móveis!
- É claro. Pelo que vi em sua casa, você seria um excelente decorador.
Ao chegarem à primeira loja, porém, Jenny já ficou apavorada:
- Cage, não vou levar esse sofá! O outro é a metade do preço.
- Mas é bem mais feio.
- É funcional.
- Não gostei dele, Jenny. Este aqui tem almofadas mais espessas e é bem confortável.
- Por isso é tão caro. Beleza e conforto costumam custar caro, sabia?
- Nem sempre. Podemos procurar em outra loja, se acha mesmo que o preço é abusivo.
- Ótimo, então vamos. Afinal de contas esta loja é luxuosa demais; talvez por isso os preços estejam tão altos.
Tenho certeza de que encontrarei algo que me agradará por um preço melhor.
os dois andaram ? o dia todo e Jenny mostrou-se muito viva e exigente. Não comprou nada de que não gostasse porém conseguiu manter-se dentro de seu orçamento.
Cansada? - indagou Cage ao vê-la apoiar a cabeça
no descanso do banco de passageiros do Corvette.
Sim - retrucou com um suspiro. - Provavelmente nunca mais vou mudar desse apartamento. Não suportarei passar por tudo isso novamente! - Ambos riram e Cage deu-lhe uma boa notícia.
- Tudo que compramos até agora será entregue ainda hoje.
- Então era por isso que ficava conversando em particular com todos os vendedores e vendedoras! Como conseguiu que tudo fosse entregue hoje?
- Gorjetas, negociações e um pouco de charme, tudo a que tive direito - informou com um sorriso zombeteiro; no entanto, ela sabia que estava falando a verdade.
- Seu grande maluco!
- Jenny, estive pensando... Por que não pega seu carro de volta?
- Já disse que não quero nada de Bob e Sara, Cage.
Prefiro assim.
- Mas vai lhe fazer muita falta.
- Sim, mas vou começar a procurar um outro emprego e acho que não demorarei muito a me estabilizar. Então, comprarei outro carro.
- Está ganhando tão mal assim, moça?
- Sabe que não é disso que estou falando. Até que o salário que você me paga não é nada ruim. Mas tenho que me profissionalizar de verdade, Cage, encontrar um trabalho que me satisfaça mais, e o aspecto económico está incluído também. A Fundação Dixy abre concursos para assistentes sociais todos os anos. É um trabalho interessante e oferecem um excelente salário. Já decidi qUe vou prestar esse concurso no final do ano.
- Excelente, Jenny. Fico contente em ver você tão animada. Posso lhe fazer um oferecimento, então?
- Que oferecimento?
- posso emprestar-lhe um dos meus carros. Quando comprar o seu, você me devolverá. Assim, não terá de depender de ônibus ou táxis.
- Aceito, Cage. E agradeço muito, mais uma vez. Os dois foram para o apartamento. Roxy cumprira a promessa feita: as janelas haviam sido abertas, tornado o ambiente arejado. Uma hora e meia mais tarde chegava a última encomenda.
- Oh, deve ter havido algum engano - comentou Jenny, surpresa ao ver a entrega.
- Nenhum engano, moça. Dá licença - pediu o carregador, transferindo o charuto para o outro lado da boca e passando por ela com um ar casual, transportando uma bela cadeira de balanço.
- Mas, espere! Não comprei essa cadeira! - insistiu ela.
- Tenho a nota aqui, moça, e não há nenhum engano
- informou o homem colocando a peça no chão e estendendo-lhe um papel verde.
- Ah, não! - explodiu ela, ao relancear o olhar pela nota fiscal. - Cage, deve ter havido algu... - imediatamente parou de falar ao notar-lhe o sorriso largo. Ele viera sentar-se na cadeira nova, e se balançava como uma criança travessa.
- Você não tinha achado essa cadeira maravilhosa?
- O que foi que você fez? - indagou ela, entre dentes.
- Comprei para dar de presente a você. Presente de casamento!
- O quê?
- Pretendo convencê-la a se casar comigo, e já estou lhe dando um presente para comemorar minha primeira tentativa? E então?
- Então o quê, Cage?
Você aceita?
Consegui um maluco para me ajudar a mobiliar a casa - disse ela rindo, sem levar a sério a proposta. Não saberia o que responder.
- Aceita ou não?
Tudo bem, Cage. É a cadeira de balanço mais linda e confortável que já vi e eu aceito.
O carregador não pôde deixar de ouvi-los e ainda ria quando se retirou.
- Na certa o homem achou que somos doidos - disse ela, rindo e aproximando-se da cadeira onde Cage se balançava.
- E não está errado... afinal, somos loucos, não, Jenny?
Cage se levantou, fechou a porta e voltou-se para ela.
- Acho que sua casa vai ficar muito bonita!
- Espero que sim. Nunca pensei que iria me sentir tão bem em arranjar minha própria casa, do meu jeito. Apesar de todos os problemas, estou contente de verdade, sabia?
- Que bom que está se sentindo bem!
- E tem mais uma coisa que quero lhe dizer, Cage. Não me sinto bem apenas por estar dirigindo melhor minha própria vida. Estou bem por que estou perto de você! Aproximando-se mais, ela continuou, com voz trémula:
- Cage não tive coragem de dizer ontem à noite, mas...
- Mas...
- Estou apaixonada por você.
Feliz, mas não surpreso com aquela declaração, ele se aproximou. O que Jenny não tivera coragem de dizer, na noite anterior, as lágrimas haviam dito por ela, e Cage compreendera.
Agora, os dois estavam perigosamente perto. Cage segurou-a pelos ombros beijando-a de leve, várias vezes até que os lábios generosos de Jenny se entreabriram receptivos.
As bocas moldaram-se num beijo prolongado, as línguas se explorando mutuamente, num contato gostoso. Levada pela necessidade de tê-lo bem junto a si, Jenny deu um passo à frente, colando-se a ele.
- Oh! Jenny! - Cage sussurrou-lhe ao ouvido, a respiração quente acariciando-lhe a face.
Jenny sentia-se entregar suavemente, perdendo aos poucos o controle, deixando-se levar por aquelas sensações maravilhosas. Como era bom estar nos braços do homem que amava.
- Cage, eu quero você, muito!
- Eu também te quero!
Cage a abraçou com força. Em seguida tocou-lhe os seios, massageando-os com as palmas das mãos. Jenny suspirou de prazer.
As mãos ágeis passaram para as nádegas de Jenny, puxando-a firmemente contra si a fim de fazê-la sentir a urgência de seu desejo.
Gemendo baixinho, ela gingou o corpo, comprimindo-se contra o membro entumescido. O sangue pulsava loucamente em suas veias, o coração acelerado.
- Jenny, querida Jenny! - sussurrou ele, deslizando uma das mãos entre os dois corpos colados e tomando o seio macio, provocando-o com gestos ritmados do polegar. - Ah, é tão doce tocar você!
Inclinando-se diante dela, beijou-lhe o seio através do tecido da blusa, a boca demorando-se sobre o mamilo rígido.
- Quero fazer amor com você... - anunciou ele num tom rouco, passando a acariciar-lhe a curva do pescoço com os lábios em fogo. - Quero amar você agora e mais mil vezes... Eu te amo muito, muito mesmo...
Cage - ela sussurrou, afagando-lhe os cabelos encaracolados.-
Hei vocês dois aí! Abram a porta! - A voz soou
depois de a campainha tocar. - Trouxe a festa comigo!
Cage ergueu a cabeça, irritado com a interrupção. Entretanto
respirou fundo, sorrindo meio sem vontade e dizendo:
- É Roxy! Não podemos ferir-lhe os sentimentos.
jenny livrou-se do abraço e foi até a porta a fim de receber a nova vizinha.
CAPÍTULO IX
Roxy entrou na sala carregando uma garrafa de vinho e um pacote de supermercado, do qual Cage apossou-se de imediato, checando o conteúdo.
- Hei, o que temos aqui? Batatinhas fritas, salgadinhos e queijo.
- Como eu disse, trouxe a festa comigo - comentou Roxy alegremente. - Olá, Jenny. Tudo bem com o apartamento?
- Está ótimo, obrigada.
- Puxa! Está maravilhoso! - exclamou Roxy, dando um pequeno assobio. - Tem alguns copos? Vamos fazer um brinde à nova moradia - sugeriu ela, partindo na direção da cozinha, tendo Cage em seu encalço. Jenny não teve outra opção senão segui-los.
Cage abriu o pacote de batatinhas, despejando-as num recipiente. Saboreou uma delas, não sem antes oferecêla a Roxy, que deu uma dentada, rindo, ao mesmo tempo em que tentava tirar a rolha do vinho. A outra metade da batata frita Cage saboreou, lambendo os dedos a seguir.
Sentindo-se um pouco deslocada entre os dois e sem um pingo de vontade de comemorar, Jenny permaneceu meio afastada.
- Não costumo dar esse tratamento a todos os meus inquilinos - informou Roxy, fitando-a por cima do ombro enquanto junto com Cage lavava os copos recémcomprados. - Mas, uma vez que é amiga de Cage, acho que merece todo carinho...
Todo carinho do mundo! - ele completou, rindo
e Caçando Roxy, com as mãos ainda molhadas. e Ei, Pare Já com isso! Está me molhando toda, - ela exclamou, e os dois se puseram a rir. Jenny não se sentia nada à vontade. Parecia não pertencer àquele mundo, e não conseguia participar daquela brincadeira. Roxy sabia exatamente o que dizer a fim de provocar o riso de Cage, e ele não se intimidava em tocála, carinhoso.
sem dúvida aquela intimidade entre os dois a estava incomodando. Era claro que não desejava se intrometer no relacionamento de Cage e Roxy, fossem eles amigos ou mais que isso, mas não conseguia ficar impassível vendo-os juntos. Estava com ciúmes e, se não se controlasse, ia acabar fazendo uma cena.
De repente lembrou-se das intensas carícias que ainda havia pouco trocara com Cage e sentiu raiva por ter sido justamente Roxy a interrompê-los.
Logo Cage serviu o vinho e todos brindaram "ao novo lar". Mal tomou o primeiro gole da bebida, Jenny desculpou-se, saindo da cozinha e indo trancar-se no banheiro, enjoada.
- Jenny? - chamou Cage alguns instantes mais tarde, num tom preocupado. - Alguma coisa errada?
- vou sair logo - anunciou ela, sem abrir a porta.
- Está zangada conosco? - perguntou ele assim que Jenny apareceu à porta.
Ao ver o rosto de Cage, tenso e preocupado, Jenny teve vontade de abraçá-lo. Afinal, por que estava tão irritada? Sabia que era a ela que Cage queria e amava. Por que se importar tanto com o fato de Roxy estar ali, de ter sido ou não amante dele? Cage a amava, e Jenny não podia duvidar disso. Estava escrito em seus gestos, em seu rosto, agora tenso e preocupado. E ela também o amava. Tanto que só se sentiria bem novamente quando conseguisse vencer a raiva e o ciúme, abraçando-o.
- Não, não é nada disso, Cage. Apenas não estou me sentindo muito bem - disse, simplesmente.
- Será que há algum problema com o bebé? Você sente dores ou...
- Não, não... é apenas cansaço. Fiquei em pé praticamente o dia todo e acho que não estou mais aguentando.
- Eu já deveria ter ido embora há muito tempo. De veria ter deixado você ir para a cama descansar.
- Até algumas horas atrás eu ainda não tinha uma cama.
- Bem... - Riu diante daquela tentativa dela em demonstrar bom humor. - Então, deveria tê-la mandado para a cama assim que ela foi entregue. - Você quer que eu passe a noite aqui, com você?
- Não, acho que prefiro ficar sozinha e descansar.
- Tudo bem, querida. - Pegando-a pela mão, conduziu-a até a sala. - Roxy, está na hora de dizermos até logo. Esta moça precisa dormir um pouco.
- Está se sentindo bem, Jenny? - indagou Roxy, levantando-se do sofá e aproximando-se. - Posso fazer alguma coisa?
Jenny teve ímpetos de responder que a melhor coisa a fazer seria se retirar, pois seu maior mal era o ciúme. Agora que reconhecera isso claramente, desejava ver Roxy bem longe dali. Talvez, com o tempo, conseguisse superar aquele sentimento, mas no momento não se sentia capaz.
- Não, obrigada - disse num tom diplomático. Quando for para a cama me sentirei bem melhor.
Mesmo protestando, Jenny não conseguiu evitar que Cage e Roxy lhe arrumassem a cama.
- Amanhã talvez queira lavar esses lençóis novos para que fiquem macios - comentou Roxy. - Se precisar de ajuda para levar tudo até a lavanderia é só me chamar.
- Obrigada - disse num sussurro, ponderando que jamais pediria favor algum a Roxy Clemmons.
- Depois que sairmos, tranque a porta. E se precisar de mim no meio da noite, vá até a casa de Roxy e me telefone.
Não precisa se preocupar comigo.
- Gosto de me preocupar com você - retrucou, risonho. - Amanhã vão instalar o telefone.
- Mas eu não solicitei...
- Fiz isso por você! - anunciou, calando-a com um gesto. - Hoje pela manhã, antes de apanhar você no motel. Agora, boa noite e durma logo. - Inclinou-se, dandolhe um beijo suave nos lábios para, a seguir, sair na companhia de Roxy, comentando: - Vamos, Roxy, vou levar você para casa.
Jenny fechou a porta, chateada. Cage iria acompanhar Roxy e, talvez, retomassem a festa no ponto em que foram interrompidos. A imagem de ambos, rindo e se divertindo, abraçados, cruzou sua mente durante um longo tempo, mesmo depois de ter se acomodado para dormir. No entanto, não conseguia conciliar o sono, irritada com a ideia de saber que Cage estava junto de outra mulher.
Já era muito tarde quando ouviu o motor do Corvette ser ligado.
No dia seguinte, pela manhã, Jenny já se sentia um pouco melhor. Era um sábado e, portanto, não teria de ir ao escritório.
Ainda enrolada num robe, preparou o café e, ao levar a xícara aos lábios, alguém bateu à porta. Pelo olho mágico pôde ver quem era e então encostou-se à parede desanimada. Depois do que acontecera na noite anterior, não tinha a menor vontade de ver Roxy, além do mais assim tão cedo.
- Olá! - a outra cumprimentou-a, quando, finalmente, resolveu abrir a porta - Não te acordei, não é?
- Não.
- Ótimo! Cage me mataria se eu fizesse isso. Ouça, trouxe um pedaço de torta para você.
- Entre - convidou Jenny, achando que não seria educado não convidá-la a entrar após aquela gentileza. - ACabei de fazer o café.
- Ótimo!... Você tem muito bom gosto, sabia? - Comentou ao entrar e passear o olhar pelo ambiente num gesto demorado. - Adorei sua decoração.
- Obrigada. Cage me ajudou bastante na escolha da mobília. Vamos para a cozinha!
- Ele também tem um gosto extraordinário - disse a vizinha, seguindo-a e dando-lhe uma piscada; contudo, Jenny não soube bem como interpretá-la. Concentrou-se, então, na xícara de café que estava servindo, enquanto Roxy se sentava.
- Tem uma faca e dois garfos? - inquiriu Roxy, pegando a xícara e depositando-a junto ao pequeno pacote que trouxera, embrulhado com papel alumínio.
Jenny entregou-lhe os talheres e ficou observando Roxy cortar duas fatias generosas da torta e servi-las.
- Parece deliciosa - elogiou Jenny.
- E está mesmo. A receita é bem simples - comentou Roxy, comendo seu pedaço de torta. Jenny saboreou uma garfada, comprovando sua primeira impressão: estava deliciosa.
- Quer que eu leve aqueles lençóis até a lavanderia?
- Roxy indagou, num tom bastante gentil.
- Não, obrigada.
- Tem certeza? Não tenho nada o que fazer.
- Posso cuidar disso sozinha, não se preocupe.
- Quer mais uma fatia? - perguntou, posicionando a faca acima da torta de queijo.
- Não, obrigada. Não tenho muita fome. Mas está bastante gostosa.
Roxy depositou a faca ao lado do prato ainda parcialmente envolto com o papel alumínio e apoiou os braços na beirada da mesa. Fitou Jenny intensamente com aquele olhar castanho-escuro, antes de perguntar:
- Você não gosta de mim, não é?
Jenny ficou perplexa. Sempre tentara evitar confrontações e não estava disposta a entrar numa. Preparou-se para negar, com a maior diplomacia possível, masr Roxy não lhe deu chance de falar.
- Não precisa negar. Sei que não gosta e sei o motivo. Pensa que tive um caso com Cage.
O rubor subiu às faces de Jenny de imediato e ela teve de baixar o olhar, o que confirmou as suspeitas da outra. Roxy, então, recostou-se na cadeira, prosseguindo:
- Bem, se é essa a razão da sua antipatia por mim, talvez tenhamos mais chances de nos aproximar se eu esclarecer a situação. Nunca tive um caso com Cage.
- Escute, você não me deve nenhuma explicação e...
- Sei muito bem que não lhe devo nada, Jenny. A única razão de estar lhe dizendo isso é que simpatizei com você, De verdade. E gostaria de poder te conhecer melhor. Mas estou vendo que, se continuar com dúvidas a respeito da minha relação com ele, isso nunca vai ser possível.
- Você gosta bastante de Cage, não?
- Gosto sim. Sabe, Jenny, Cage é um grande amigo... Quando enfrentei uma fase muito ruim da minha vida, se ele não tivesse me ajudado, não sei o que teria feito.
- Foi há muito tempo?
- Bem, nos conhecemos há uns oito anos, mais ou menos. Eu morava em Dalas e Cage também.
- Na época em que ele fazia a faculdade, não é?
- Sim. Éramos vizinhos. Cage morava numa república com mais uns cinco rapazes, todos muito alegres e brincalhões. E eu morava com meu marido, Mark, na casa ao lado.
- Então você foi casada?
- Fui. E foi muito bom enquanto durou. Eu estava grávida de quatro meses quando Mark morreu.
- Roxy...? - disse Jenny tocando-lhe levemente a mão sobre a mesa. - O que houve com ele?
- Teve um problema sério no fígado e não resistiu.
Mark era um homem maravilhoso, mas não conseguia se controlar em relação à bebida. Sem dúvida essa foi a causa da morte dele.
- E o seu bebé?
- Não chegou a nascer. Alguns meses depois da morte de Mark, eu perdi a criança. Mas não quero ficar contando uma porção de histórias tristes. Também há uma parte bem alegre. Mark e eu éramos muito amigos dos rapazes da república, mas especialmente de Cage. Gostávamos de conversar e de beber juntos. Ele e Cage viviam pregando peças nas pessoas, mas todo mundo adorava os dois.
- E o que Mark fazia? Também estudava geologia?
- Oh, não! Ele era marceneiro. E também desenhava os móveis e peças de madeira que executava. Às vezes Cage passava tardes inteiras com ele na oficina, ajudando no trabalho.
- Cage sempre gostou de trabalhar com madeira, desde criança, e tinha muito jeito para isso. Hal, irmão dele, às vezes ficava chateado por não ter a mesma habilidade.
- Você era noiva do irmão dele, não é?
- íamos nos casar, sim. Cage lhe contou tudo?
- Contou, Jenny. Aliás já faz um bom tempo que ele
só fala em você.
- Contou também que estou grávida de Hal? Roxy encarou Jenny e percebeu que poderia ser totalmente sincera:
- Não sei se vai ficar chateada com isso, mas não vou negar. Ele me contou sim, Jenny.
- Não estou chateada. Pelo que estou percebendo, vo cês são mesmo muito amigos. Acho que Cage incluiu vo cê quando disse que gostava de verdade de algumas pessoas em La Bota.
As duas sorriam. Aquela conversa franca e direta estava fazendo muito bem a Jenny. De repente, ao invés de hostilidade, começava a sentir confiança e respeito por Roxy Clemmons.
Cage tem suas diferenças com esta cidade, mas também tem bons amigos. Eu mesma só vim para cá, há uns três anos, porque ele me ofereceu emprego na administração desses dois blocos de apartamentos, quando soube qUe minha situação em Dalas estava difícil.
- Aconteceu algo com você?
- Bem, depois que Mark morreu Dalas passou a ser uma cidade triste para mim. Continuei trabalhando como enfermeira, no Hospital Central, durante alguns anos. Cage e os outros rapazes terminaram o curso na faculdade e todos se mudaram para outras cidades. Me senti meio sozinha por lá.
- Você não tinha parentes em Dalas?
- Não. Não tenho parentes em parte alguma, querida. E também não conheci meus pais.
- Nesse ponto, temos histórias meio parecidas, então. Mas por que resolveu vir para La Bota?
- Bem, há uns três anos tive dois grandes problemas de uma só vez. Perdi o emprego no hospital e adoeci, com uma crise nervosa muito séria. Então escrevi para Cage e, na semana seguinte, ele apareceu em casa, me convidando para vir para cá. Disse que tinha comprado dois blocos de apartamentos em sociedade com algumas outras pessoas e que eu poderia trabalhar na administração, com um bom salário e moradia garantida. É claro que aceitei, e fiquei muito agradecida a ele.
- Ele nem me disse que é dono dos apartamentos...
- Cage não costuma fazer alarde das coisas que tem.
- É verdade. Mas você se recuperou logo da crise nervosa, Roxy?
- Ah, sim, essa parte da história é engraçada. Cage viu que eu estava passando por um mau pedaço, então me trouxe de Dalas e me hospedou por umas cinco semanas, até eu me recuperar. Foi aí que as pessoas começaram a dizer que estávamos tendo um caso. Quando se deu conta dos comentários, o maluco começou a dar corda à ima ginação dos mexeriqueiros da cidade e me levava com ele para todo lado, para festas, bailes e restaurantes. No fim das contas, acabamos nos divertindo muito com a brin cadeira. Gary é que não gostou muito da história e então Cage e eu paramos de desfilar pela cidade.
- Gary?
- Gary Roberts. Um sujeito formidável mas um pouco ciumento. Você vai conhecê-lo ainda hoje. Trabalha para a companhia telefónica e virá instalar sua linha daqui a pouco.
- É seu namorado?
- É sim. E eu estou apaixonadíssima - disse Roxy, rindo. - Foi Cage quem nos apresentou!
- Puxa! - exclamou Jenny, rindo também. - Esta foi a torta de queijo mais simpática que já comi.
Gary Roberts não demorou a aparecer. Era um homem extremamente simpático, que não podia ter mais de trinta e dois anos. Apesar de forte e atraente, tinha uns dez centímetros a menos que Roxy, o que dava ao casal um ar meio engraçado.
- Oi, Jenny!
- Oi, Gary! Roxy me falou muito de você hoje!
- Ah, sim, isso é comum nas mulheres apaixonadas
- disse ele, brincalhão. - Onde quer que eu instale os aparelhos? - perguntou, a seguir.
- Os aparelhos? Não sabia que instalavam mais de um
- comentou Jenny, surpresa.
- E não instalamos, mas é que Cage solicitou três.
- Olá, pessoal! Estão com fome? - indagou Cage, enfiando a cabeça pela porta que encontrara aberta devido à movimentação reinante.
Jenny, que se sentia leve e contente, correu, sorrindo, em sua direção, e por pouco não se jogou nos braços fortes.
Ora, não pare por aí! - comentou Cage num tom sorridente. Ela aproximou-se mais, abraçando-o ternamente. A seguir deu um passo atrás, dizendo um "olá" um tanto tímido.
Olá! - retrucou ele, encantado, enquanto analisava-lhe o rosto detalhadamente. - Me diga o motivo dessa recepção calorosa, porque eu gostaria que se repetisse.
- Estou muito zangada com você.
- Pois fique zangada sempre. Gosto de vê-la zangada assim. E por favor, me abrace.
- Uma vez é o suficiente.
- Mas minhas mãos estão ocupadas e não posso abraçar você! Portanto, mereço sua colaboração.
Rindo, ela o abraçou mais uma vez.
- Agora, me diga por que está zangada comigo?
- O que vou fazer com três telefones?
- Economizará algumas passadas - informou, beijando-a de leve. - Mas, estava feliz por me ver. Deu para perceber isso. Por quê?
- Porque trouxe o almoço! - retrucou, fazendo um gesto na direção dos pacotes que ele ainda segurava nos braços.
- Gosta de cheeseburguer?
- Adoro!
Em poucos instantes, os quatro estavam almoçando, descontraídos e alegres.
- Acho que vocês planejaram esse almoço a quatro.
- anunciou Roxy num tom de suspeita enquanto se deliciava com um pacote de batatas fritas.
- Eu não planejei. Juro - anunciou Cage. - Foi você, Gary?
- Eu é que não planejei - retrucou o outro. - Passe-me o ketchup, sim?
- Roxy e eu poderíamos ter outros planos para o almoço! - disse Jenny fingindo um tom arrogante.
Cage lançou-lhe um sorriso largo, contente por Vê-la agora participando da brincadeira. ?
- Acho que estão gostando da nossa surpresa mas não vão admitir, Gary! ?
- Mulheres, Cage! Quem consegue entender o que elas querem, afinal?
Os quatro riram, divertidos. O primeiro almoço no apartamento de Jenny foi um sucesso.
A gravidez de Jenny transcorria feliz e tranquila. Ela jamais se sentira tão livre, tão bem em toda a sua vida, e deixara para trás a austeridade e a disciplina da família Hendren como uma freira sem vocação que abandona o hábito.
Contudo, não ficara desatenta às responsabilidades na igreja. Costumava frequentá-la regularmente, e Cage a acompanhava. Sentavam-se na última fileira e raramente deparavam-se com Bob, exceto no púlpito. Se o pastor sabia que estavam presentes, jamais dava qualquer sinal de que havia notado. Sara também não parecia vê-los, de seu habitual lugar, na segunda fileira.
Jenny e Cage podiam sentir os olhares furtivos das pessoas e ouvir os cochichos ao deixarem a igreja: no entanto, sempre se dirigiam a todos com educação. Afinal, ignorar mexericos não estava sendo tão difícil quanto Jenny imaginara.
Trabalhar no escritório tornara-se para ela uma atividade bastante simples, porém sempre divertida. Gostava de ajudar Cage, de estar perto dele.
- Vai acabar se esgotando - comentou ao encontrála no escritório depois das seis da tarde.
- Que horas são? Já passa das seis.
- Perdi a noção do tempo.
- Está querendo fazer horas extras?
- Estou lhe devendo essa honra. Fui ao médico logo após o almoço e me atrasei. Portanto, pare de me mandar embora.
Jamais a mandaria embora, srta. Fletcher. Nenhuma outra secretária entenderia minha letra!
Puxa, pensei que ia dizer que me achava eficiente.
Você sabe que é, sua boba. Mas, falando sério, não gosto que fique trabalhando demais - disse aproximando-se dela, que estava de pé, junto ao arquivo.
Cage baixou a mão, acariciando-lhe o ventre com ternura, antes de massagear-lhe os quadris através do tecido da saia. Jenny apreciou a carícia, mas logo se afastou.
- Você tem razão. Acho melhor ir andando.
- Por que ficou com pressa de repente? - indagou, encostando o rosto nos cabelos sedosos.
- Está ficando tarde - disse Jenny, quase perdendo o fôlego ao senti-lo mordiscar-lhe o lóbulo da orelha. Eu Já deveria estar chegando em casa.
- Gosto de ficar perto de você, sabia?
As palavras foram proferidas com os lábios roçando os dela, e quando a boca se apossou da sua, Jenny sentiu-se inflamar. Cage puxou-a delicadamente, pressionando-a contra si.
Deslizando a mão para a nuca delicada e prendendo-a com firmeza, intensificou o beijo, a língua úmida e insinuante buscando um contato mais fundo.
- Hum... Cage, não! - Jenny protestou com um fio de voz ao conseguir se libertar dos lábios dele.
- Por que não?
- Não devíamos... Não deveríamos ficar nos acariciando aqui, no seu escritório.
- Então vamos para a minha casa.
- Não.
- Seu apartamento?
- Não.
- Então, para onde?
- Para lugar algum. Não devíamos estar fazendo isso em lugar algum - ponderou ela, afastando-se, pois ultimamente, todas as vezes em que Cage a beijava, vinhalhe à mente a imagem de Hal. Jenny tentava evitar o sentimento de traição, de culpa, mas não era nada fácil.
- Jenny, por favor.
- Não.
- Não faz sentido ficar fugindo de mim. Sabe muito bem que não vai deixar de me desejar. E eu te desejo cada vez mais, não consigo tirar você da minha cabeça, dos meus sonhos...
Tomando-a nos braços novamente, beijou-a com paixão. Sem conseguir resistir, ela correspondeu abraçando-o também.
- Por que tem me evitado nos últimos dias? - perguntou, sem deixar de abraçá-la. - Já está morando em seu apartamento há quase três semanas e só me convidou para entrar duas vezes. POr acaso está com medo de mim?
- Sabe que não é bem assim, Cage. Tenho sentido o mesmo que você, tenho sonhado com o momento em que poderemos estar juntos...
- Mas já estamos juntos, Jenny! Pelo que está querendo esperar? Por acaso acha que há algo errado em fazermos amor?
Agora estavam afastados, encarando-se frente a frente.
- Não é isso. Apenas... tenho pensado muito em Hal, no bebé...
- Ainda se sentindo culpada?
- Sei que não deveria, mas me sinto sim.
- Sabe o que eu penso, Jenny? Penso que ninguém no mundo deveria se sentir culpado por amar, por desejar. Não há nada de errado em querer carinho, afeto, prazer... Você era noiva de Hal, iam se casar. Mas o destino deu uma virada na história e meu irmão está morto. Já pensou o que você sentiria se hoje Hal estivesse vivo, casado com você, e de repente...
- De repente?
- E se você descobrisse que me desejava, estando ao lado dele, Jenny? O que faria?
- Já pensei nisso, sim. Tenho pensado o tempo todo, tentando compreender. O que sinto por você, o que sentia por Hal... Eu amava Hal, Cage. Amava muito- Mas nunca, em todo o tempo que estivemos juntos, senti por ele o que sinto por você.
- E... acha que o que sente por mim é amor, também.
- É, sim. Mas desejo você de uma forma muito mais intensa do que desejava Hal. E redescobri, ao seu lado, um sentimento que tinha ficado embotado, esquecido no fundo de mim desde a infância... Redescobri a alegria. Pode parecer estranho, mas mesmo com todos os Pro blemas que estou tendo que enfrentar, mesmo com a amargura que me traz a morte de Hal, o desprezo de seus pais, a insegurança com relação ao futuro do meu menino... com tudo isso, hoje eu saio na rua e respiro um ar mais leve, olho para o céu e para as árvores e para as pessoas e parece que tudo está mais vivo, mais bonito. Me simto mais forte e alegre, Cage. Meu corpo mudou, - Jenny agora estava chorando. - Queria ter me sentido assim antes, Cage! Porque é maravilhoso estar apaixonada, mesmo que o mundo inteiro pareça estar caindo sobre minha cabeça por causa disso!
- Querida, não chore. Por favor, não chore - ele Pediu, aconchegando-a num abraço. - Vamos ser felizes, eu juro que vamos! Sei que não está sendo fácil para você enfrentar tanta coisa nova, mas logo tudo estará bem! Ele enxugava as lágrimas que inundavam o rosto delicado.
- Você fica ainda mais bonita assim, chorando.
- Mentiroso!
- É verdade. Mas você também é linda quando está alegre, ou zangada, brigando comigo, ou...
- Você está me bajulando muito. Por quê?
- Porque quero que me convide para jantar em seu apartamento.
- Certo. Convido você para jantar comigo amanhã então. Mas só porque você foi bem sincero, direto e...
- E?
- Por que eu também quero muito jantar com você!
- Viu só? Afinal, temos muita sorte! Conseguimos chegar a um ótimo acordo.
CAPITULO X
Na noite seguinte, Cage tocou a campainha do apartamento de Jenny por volta das oito horas.
- Trouxe rosas para você - anunciou entregando-lhe um buquê envolto em papel de seda verde e com uma fragrância deliciosa.
- São lindas, Cage. Obrigado.
Ao entrar ficou imediatamente encantado com a transformação que ocorrera na sala.
Jenny, com o auxílio de Roxy, não só fizera um novo arranjo com os móveis, mais a seu gosto, como comprara cortinas, um tapete belíssimo, e forrara as paredes com um papel em cores suaves, que combinava perfeitamente com a mobília. Era engraçado, mas a sala ficara parecida com ela.
- Você gostou, Cage? - perguntou, balançando os braços.
- Se gostei? Acho que vou me mudar para cá hoje mesmo!
Jenny ignorou o comentário insinuante e ele prosseguiu:
- Ficou lindo! Não se parece nem um pouco com seu antigo quarto, Jenny!
- É, tem razão. Quando Roxy me perguntou se não gostaria de dar ao ambiente um ar mais jovial eu respondi um "não" tão enfático que ela até se assustou!
- É que Roxy não conhece a história - disse ele rindo. - Gostei do que fez com as paredes.
- Forrei com papel comprado numa liquidação. Roxy me ajudou e levamos quase duas tardes para terminar.
As cores que Jenny selecionara para decorar o ambiente eram repousantes, sóbrias, mas combinadas proporcionavam ao ambiente um aspecto alegre, luminoso. As cores dominantes eram o bege e o amarelo-claro.
- Tudo parece perfeito!
- Obrigada - respondeu sem hesitar.
- Principalmente você - declarou, inclinando-se subitamente e beijando-a. Depois de alguns instantes, Jenny afastou-se, tentando recuperar o fôlego.
- É melhor pôr essas flores na água antes que comecem a murchar - disse ela, dirigindo-se para a cozinha. Como não havia nenhum vaso adequado para as rosas, colocou-as numa garrafa de gargalo largo, dando-lhes uma ajeitada especial. Ao regressar à sala, colocou-as sobre a mesa, que já arrumara para o jantar.
- Está de roupa nova?
- Sim - ela falou, meio sem jeito.
- Venha até aqui, para que eu possa te ver melhor!
- pediu ele, carinhoso.
Jenny se aproximou, com um sorriso tímido. Usava um conjunto de saia e blusa de seda, amarelo bem claro, que lhe caia perfeitamente. Os cabelos loiros presos num coque ao alto da cabeça, com algumas mechas soltas à altura das têmporas e da nuca, davam-lhe um aspecto meigo e sensual.
Cage não pôde deixar de reparar novamente nas sandálias. Jenny quase nunca usara sandálias de salto alto antes, decerto porque não soubera o quanto lhe ficavam bem, valorizando as pernas bonitas, bem desenhadas.
- Você fica muito sexy com sandálias, sabia?
- Você já me disse que gosta...
- É verdade, mas devia ter usado sandálias assim antes.
- Talvez. Talvez devesse ter feito muita coisa antes, mas acho que ainda tenho bastante tempo para me descobrir melhor, perceber melhor o que realmente gosto e o que quero fazer.
Quantos anos você tem, Jenny?
Vinte e seis. Quatro a menos que você.
_ Então vai ser mãe aos vinte e seis. Acha uma boa idade para se ter o primeiro filho?
Para mim está ótimo. Quero ter esse filho, Cage, é uma sensação muito boa a de gerar algo que a gente deseja, que a gente quer de verdade.
- Imagino que seja bom, mesmo. Ter um filho será maravilhoso... quero dizer, sei que você vai achar maravilhoso. Mas você ainda não engordou muito, Jenny...
- Não? Já engordei cinco quilos. O médico disse que está ótimo, e que provavelmente não vou engordar muito até o fim da gravidez... Preciso dar uma olhada no jantar, Cage.
- O que vamos comer? - indagou, seguindo-a até a cozinha. - O cheiro está delicioso.
- Lombo de porco recheado com molho de aspargos... Batatas assadas na manteiga, e sorvete de sobremesa!
- Puxa! Parece sensacional.
- Da próxima vez podemos cozinhar juntos - sugeriu, rindo ao imaginar como seria cozinhar com ele.
- Do que está rindo? Por acaso pensa que não sei cozinhar? Pois está redondamente enganada!
- Mas eu não disse nada.
- Mas pensou; conheço esse seu risinho. Fique sabendo que sou um excelente cozinheiro.
- É mesmo? Pelo que me lembro, tudo o que você sabia fazer quando perdia o jantar era fritar um ovo. E Sara sempre reclamava de que você havia queimado a frigideira!
- Melhorei muito desde aqueles tempos. O próximo jantar vai ser na minha casa e provarei a você o meu talento na cozinha - disse, aproximando-se enquanto ela verificava o assado, ainda no forno.
- Quer ajuda? - indagou, beijando-a na orelha.
- Não. Pelo contrário, pelo seu jeito estou vendo que vai é me desviar a atenção!
- Por quê? Só por que estou beijando você? - o tom dele era insinuante, sensual, e agora Cage a beijava na altura do pescoço, fazendo-a arrepiar-se. - Você está linda, Jenny. Linda mesmo! - murmurou, acariciando-lhe os quadris sob a seda fina.
- Cage! - exclamou quase sem fôlego - O assado está queimando!
- E quem se importa? - gemeu ele.
- Eu me importo. Me deu muito trabalho.
- Está bem - concordou num suspiro, afastando-se e deixando-a retirar do forno a carne e as batatas douradas.
Minutos mais tarde, ambos estavam jantando. Jenny ficou aguardando, inquieta, a opinião dele.
- Muito bom, Jenny. Lembra os assados de mamãe. Afinal você aprendeu a cozinhar com ela, não foi?
- Foi - confirmou, satisfeita pelo elogio, mas meio chateada ao se lembrar dos bons tempos ao lado de Sara e Bob, e pensar que talvez a odiassem agora.
- Você os tem visto, Cage?
- Papai e mamãe? Não. E você?
- Não. Me sinto culpada por ter causado este mal-estar entre eles e você.
- Jenny! - exclamou, rindo. - Meus pais começaram a se afastar de mim desde o dia em que eu nasci.
- Não fale assim! O fato de eu ter me mudado e a minha gravidez piorou a situação... Na verdade, esperava aproximar vocês e acabei afastando todo mundo ainda mais.
- Sabe o que eu acho? - comentou ele, passando o olhar pelo apartamento. - Acho que eles ficariam enciumados ao ver o que você fez por aqui.
- Enciumados?
- Sim. Certamente queriam que sentisse tanta falta deles como sentem de você. No entanto, não é o caso. Está se virando muito bem sem eles. Diria até que está bem melhor sozinha.
Não está sendo justo, Cage. Sinto muito a falta dos seus pais. Queria poder ir até lá, ver como estão, conversar.
Não disse que não sente a falta deles. Disse apenas que acho que pode muito bem ser independente, livre. Papai e mamãe sempre a viram como. uma garotinha dócil e disciplinada, a nora com quem sempre sonharam...
- Estou certa que já não pensam mais assim.
- Também acho que não, porém acredito que é muito mais salutar desse jeito. Se realmente amam você, um dia terão que compreender o que aconteceu. - Balançou a cabeça, chateado, completando: - Espero que tenha mais sorte do que eu!
- Um dia seus pais vão compreender você também, Cage! Tenho certeza disso!
- Talvez. O que me deixa triste é saber que estão sozinhos naquela casa imensa, sentindo a falta de Hal, a sua. Se não fossem tão austeros consigo mesmos, nunca teriam deixado que fosse embora, nem perdido a chance de conviver com o neto que vem aí.
- É verdade. Sempre quiseram demais ter um netinho. Principalmente Bob.
- Lembro de ter ouvido meu pai pedindo a Hal que lhe desse muitos netos. Acho que foi há uns três anos, numa festa de aniversário de mamãe. Hal prometeu que faria o possível e... eu fiquei com uma raiva danada.
- Por que, Cage?
- Bem, primeiro porque papai não me pediu o mesmo e já inferi que, para ele, só Hal era digno de continuar o nome da família. E depois porque você estava tão linda naquela festa... E senti ciúme.
- Ciúme?
- Sim. Senti ciúme de você muitas vezes, mas dessa vez foi diferente. Imaginei vocês dois casados, e você grávida ao lado dele. Jamais desejei tanto estar no lugar do meu irmão.
- Cage... - ela começou a falar tocando-lhe a mão espalmada sobre a mesa. Já haviam terminado o jantar e pareciam dispostos a ficar ali, conversando, falando do passado. No entanto, as lembranças nem sempre eram agradáveis.
- Mas não fiquei triste no final daquela noite - ele prosseguiu, sorrindo. - E sabe por quê?
Jenny tinha uma ideia do que ele iria dizer, pois também se recordava da festa de aniversário de Sara, à qual Cage se referia. Mas preferiu não arriscar.
- Por quê?
- Por que você dançou comigo! Não está lembrada?
- ela não respondeu, e Cage continuou: - Estava com um vestido branco, lindo, e tinha deixado os cabelos soltos... lembra?
- Lembro. E você estava todo de preto, como se tivesse se vestido para ir a algum velório.
O olhar sério de Jenny encontrou os olhos marotos de Cage. E então os dois caíram na risada.
- Bem, acho que tinha discutido com mamãe na última vez que visitei vocês. Então, resolvi ir todo de preto àquela festa de aniversário.
- É bem o seu estilo, não é, seu maluquinho? Seu pai ficou doido da vida e Sara queria que colocasse uma roupa de Hal, não foi?
- Isso mesmo. Mas eu disse que gostava de preto e que ninguém na festa diria que minha roupa não estava decente... Foi o primo Rick quem resolveu ligar a vitrola e colocar algumas valsas, não?
- Sim. Ele estava com a noiva e queria dançar, então sugeriu que seus pais dançassem também!
- Puxa, foi ótimo! De repente, todo mundo estava valsando na varanda! Fazia uma noite linda, era uma noite de verão.,.
- E Hall não quis dançar. Ele achava que não tinha jeito para a dança e ficava constrangido.
Então eu tirei a moça mais bonita da festa para dançar!
Bajulador! Até que suas primas da Califórnia eram bem bonitas...
Ah, não chegavam aos seus pés, Jenny! Sabe, eu fiquei jjiuito feliz naquela noite! Havia uma lua maravilhosa, fazia calor, os grilos também pareciam estar dando uma festa!
Os dois riram, e Jenny notou que os olhos dele brilhavam.
- Foi lindo, Jenny! Nós dois tão próximos, valsando! Nós nunca ficáramos tão perto, mas naquela noite você encostou seu rosto no meu...
- Também achei maravilhoso, Cage! - ela confessou, tímida.
- Mas quando a dança terminou...
- O que houve?
- Bem, eu estava tão encantado que acho que quis pensar que você era minha namorada. Então fui buscar duas taças daquele delicioso ponche da tia Emily, uma para mim, outra para você, crente de que ficaríamos juntos, conversando e dançando o resto da noite. Mas quando voltei, Hal estava ao seu lado, e já tinha lhe trazido uma taça de ponche.
Jenny tentou dizer algo, mas Cage continuou falando:
- Daí, caí novamente na realidade. Disfarcei, dei meia volta e...
- E?
- E enchi o delicioso e inocente ponche da tia Emily de rum.
- Colocou rum na poncheira?
- Uma garrafa inteira. E poucas pessoas, além da tia Emily, é claro, perceberam a diferença. Mas os mais sedentos ficaram meio alegrinhos.
- E você?
- Assim que percebi que já tinha bebido demais, voltei para casa e fiquei lá, maldizendo a minha sorte. Mas quando lembrava que tínhamos dançado, a tristeza desaparecia, e eu me sentia feliz novamente... por aquele momento bonito.
Agora eles tinham ambas as mãos entrelaçadas sobre a mesa, e se olhavam carinhosamente.
- Não sei como pude te amar tanto, por tanto tempo, e permanecer afastado, Jenny. Juro que não sei!
- Não é só você que tem problemas para se entender! Também não sei como pude fazer uma porção de coisas, e deixar de fazer umas outras tantas!
- Quero lhe fazer uma pergunta delicada! Se não quiser responder, esqueça - disse ele, um pouco inseguro.
- Pergunte. - A voz de Jenny soou calma, firme.
- O que você sente por mim é algo recente, Jenny? Quero dizer, em todo o tempo que nos conhecemos nunca pensou em mim a não ser como um irmão ou um cunhado?
Embora não tivesse conseguido ser tão incisivo quanto desejava, Cage chegara ao ponto que queria.
- Eu... isso é algo que venho me perguntando também, Cage. Desde que Hal partiu para a América Central. Para dizer a verdade, desde a noite anterior à partida dele.
- Como assim, não estou compreendendo... - A voz dele estava nervosa, ansiosa.
- É difícil explicar. Mas desde que eu e Hal... desde que eu e Hal fizemos amor, e até um pouco antes disso, desde aquela conversa que eu e você tivemos na noite anterior à partida dele, tenho me questionado muito. Tenho me perguntado o que fiz da minha vida, o que fiz dos meus sentimentos.
Cage a olhava fixamente, percebendo que as mãos dela tremiam um pouco.
- Você se questionou muito e... chegou a alguma conclusão?
- Não é bem assim! Não acho que cheguei ou que chegarei, algum dia, a uma conclusão definitiva... quero dizer que acho que o tempo vai me ajudar a compreender melhor o que sinto hoje, o que senti.
- Você disse que amava Hal, de verdade...
- E amava mesmo.
- E se ainda estivesse vivo, se casaria com ele?
- Não sei, Cage. Já não sabia mais se queria me casar com seu irmão na noite em que fiz amor com ele. Me sentia como se tivesse ficado adormecida por muitos anos e de repente acordasse num lugar estranho, no meio de pessoas estranhas...
- E acha que foi a nossa conversa que lhe causou tantas dúvidas?
- É claro que não foi apenas nossa conversa. Aquele era um momento doloroso e decisivo na minha vida; Hal tinha adiado nosso casamento e iria se arriscar numa viagem perigosa; Sara e Bob nos incitavam, mais do que nunca, a um comportamento meio fanático, encarando aquela viagem como uma "missão de amor, inspirada por Deus". Tudo isso fervilhava na minha cabeça. Então, a nossa conversa acabou acendendo o estopim para uma grande explosão que aconteceu dentro de mim, Cage!
- Você estava muito inquieta e ansiosa naquela noite, não é?
- Estava. Como se pressentisse que minha vida mudaria depois dela. E foi o que aconteceu.
- Foi uma noite decisiva para mim também -? disse ele, apertando as mãos delicadas entre as suas. Jenny curvou as sobrancelhas, intrigada.
- Jenny, me responda, por favor - pediu com voz aflita - Sentiu ou não atração por mim em vários momentos de nossas vidas? - A aflição de Cage aumentava à medida em que tentava se expressar: - Momentos de nossa adolescência, como aquela tarde, na livraria do Ike, antes de eu ir servir o Exército, ou o piquenique da igreja, quando empurrei você no balanço, ou a festa em que dançámos valsa.
E tantos outros momentos. Sentiu? Não falo de simples atração física, mas de algo especial, de uma emoção especial, Jenny.
- Senti - ela respondeu simplesmente, a voz calma, os olhos límpidos.
- Sentiu isso também durante a nossa conversa naquela noite? - - Senti. Senti, Cage. Não posso e não quero mais negar o que sinto por você. O que sempre senti, mas escondia de mim mesma. Não é algo recente, é como se sempre tivesse amado você.
Ele baixara a cabeça e ouvia a voz suave de Jenny tornarse rouca, embargada. Sem dúvida, aquele era o momento mais feliz da vida de Cage.
- Tive vontade de te dizer isso, e de fazer amor com você, quando me levou para conhecer sua casa. Tive vontade de fazer amor com você em Monterico, que Deus me perdoe! Tive vontade de abraçar você e dizer que jamais amara alguém tanto no dia em que chorou por causa das palavras duras de Sara. Tenho vontade de fazer amor com você agora, Cage.
Levantando-se, ele foi até ela, fazendo-a erguer-se para abraçá-lo. Ambos tinham os olhos úmidos, o coração disparado.
Ao se abraçarem, uma onda de desejo os invadiu. Os corpos se buscaram com urgência, as bocas se colaram num beijo apaixonado.
- Jenny, Jenny, Jenny...
Cage sentia o coração dela pulsar contra o seu, os mamilos rijos e desejáveis sob o tecido, roçando-lhe contra o peito.
Ele a amava! E mal podia acreditar que finalmente ela se tornaria sua.
As mãos de ambos pareciam explorar tesouros havia muito desejados. Jenny afagava-lhe os cabelos, o rosto, os ombros fortes, enquanto ele procurava-a inteira, e a buscando-lhe os seios, apertando-a contra si.
Jenny, vamos para a cama...
A resposta foi o corpo arqueado, colando-se ainda mais ao dele. num gesto receptivo. Cage se afastou, tomandoaqoela mão, e ambos dirigiram-se para o quarto. porém, antes que conseguissem entrar no outro aposento alguém tocou a campainha.
- Oh, essa não! - ele exclamou visivelmente irritado - Acho que estamos sem sorte.
A campainha voltou a tocar, e Cage se dirigiu para a porta, afastando-se de Jenny a contragosto.
Sem se preocupar com a aparência, o rosto afogueado, os cabelos em desalinho, ele abriu a porta com raiva.
Roxy e Gary estavam parados junto à soleira.
- O edifício está pegando fogo? - indagou Cage, irritado.
- Não.
- Então, acho que podemos conversar amanhã, certo? - exclamou, deixando claro que não era o melhor momento para uma visita.
- Desculpe, Cage, sei que deve ser um momento bem errado, mas o caso é sério - disse Roxy, apertando o lábio inferior entre os dentes. - Gary e eu vamos nos casar esta noite!
CAPÍTULO XI
Roxy e Gary estavam abraçados diante de Cage, que segurava a porta entreaberta com um ar zangado.
- Vão se casar esta noite? - indagou Jenny, surpresa, aproximando-se.
- Interrompemos algo importante? - Roxy perguntou, mas já sabia a resposta. Jenny limitou-se a negar, balançando a cabeça, mas a expressão de Cage não deixava dúvidas.
- Sinto muito, amigão - Gary murmurou.
- Cage, ouviu o que Roxy disse? Eles vão se casar!
- anunciou Jenny.
- Exato! - Roxy retrucou, dando um abraço apertado em Gary. - Mas precisamos da ajuda de vocês.
- Estão falando sério? Vão se casar mesmo? - inquiriu Cage, surpreso, após recobrar-se da irritação.
- Sim! - exclamou Gary alegre.
- Puxa! Que maravilha! - Cage disse, apertando a mão de Gary, e depois abraçando a amiga.
- Parabéns, Gary - exclamou Jenny, abraçando um após o outro. - Estou feliz por você, Roxy.
- E para que vão precisar da nossa ajuda? - Cage quis saber.
- Temos reservas para o voo do meio-dia de El Paso até Acapulco, amanhã - Roxy informou. - Vamos nos casar em El Paso, antes de viajar, e precisaríamos que fossem conosco até lá, para trazerem o carro de Gary de volta.
- E, além disso, queríamos que fossem nossos padrinhos, se é que ainda se usa isso! - disse Gary, sorrindo.
Eu topo! - disse Cage, esboçando um sorriso largo.
- E você, Jenny?
Aquela viagem noturna deixava Jenny um pouco assustada- Entre La Bota e El Paso havia apenas areia e deserto.
No entanto, seria algo diferente, quase que uma aventura para ela. Além do que, sentiu vontade de assistir ao casamento de Roxy e Gary, a quem se afeiçoara bastante.
- Para mim, tudo bem!
Vinte minutos mais tarde, depois de alguns preparativos e muita agitação devido à viagem repentina, os quatro se encontraram diante da entrada do prédio de Roxy.
- Acho que estamos prontos! - exclamou Gary, agitando uma garrafa de champanhe acima da cabeça.
- O auxiliar da administração vai cuidar de tudo por aqui enquanto estivermos fora! - exclareceu Roxy, entrando no carro e abraçando Gary, que fora para trás do volante.
- Isto não está nada bom - comentou Cage. - Como é que Gary pode dirigir ao mesmo tempo que ficam se abraçando? Vamos dar uma paradinha em minha casa e pegaremos meu Lincoln. Vocês poderão namorar no banco de trás durante toda a viagem.
- Essa ideia é ótima! - exclamou Roxy, entusiasmada.
- Além do mais... - comentou Jenny, brincando ...se Cage for dirigindo, estaremos em El Paso na metade do tempo.
Logo chegaram à casa de Cage e transferiram a bagagem para o Lincoln. Um belo carro, extremamente espaçoso e confortável.
- Façam de conta que estão em casa - sorriu Cage, lançando um olhar maroto para o casal, no banco de trás, enquanto se posicionava atrás do volante.
- Vai ser uma ótima viagem - comentou Roxy, aconchegando-se ao peito de Gary.
- Acho que não vamos ter outra chance de conversar com esses dois até chegarmos a El Paso! - comentou Gary, rindo, dirigindo-se para a rodovia.
Ele se mantinha na pista a uma velocidade de cento e vinte quilómetros por hora, porém a estrada estava deserta e bem iluminada. Jenny não tinha medo; pelo contrário, sentia-se segura e alegre ao lado dele.
- Confortável? - Cage perguntou, depois de ter ligado o rádio e deixado uma música suave invadir o ambiente do carro requintado.
- Hum, sim - retrucou ela num suspiro.
- Está com sono?
- Não, na verdade não.
- Está terrivelmente calada.
- Estava pensando.
- Escute, acho que este banco é espaçoso demais para nós dois. Que tal diminuir essa distância e ficar mais perto de mim?
Jenny lançou-lhe um sorriso, deslizando através do banco até que as coxas de ambos se encostassem.
- Agora sim. Ficou bem melhor - disse ele, passandolhe o braço sobre o ombro, num abraço carinhoso.
- Ficou melhor, mesmo - ela concordou, sorrindo.
- No que está pensando?
- No quanto isso está sendo divertido! Nunca fiz uma viagem tão inesperada e maluca! - confessou, apoiando a cabeça no ombro largo e deslizando a mão para a coxa máscula.
- Viagem maluca? Apenas estamos dirigindo ao longo de uma rodovia. E também não vejo nada de maluco em um casalzinho ficar se acariciando quando estão obviamente se amando e em breve vão se casar.
- Não disse que iria me casar com você. Após uma pausa significativa, ele rebateu:
- Estava me referindo a Roxy e Gary.
Desconcertada, Jenny parou de acariciá-lo, retirando a mão da coxa musculosa e tentando se afastar. No entanto, Cage a impediu, sorrindo.
- Não precisa ficar zangada. Afinal, bem que eu poderia estar falando de nós dois... Então, quer dizer que não Quer se casar comigo?
- Não sei - murmurou, baixando a cabeça.
O carro deslizava suavemente pela pista, e um vento agradável entrava pelas janelas, ligeiramente abertas.
- Seus pais jamais aceitariam...
- Perguntei se você quer se casar.comigo, Jenny.
- Vamos dar um tempo para falar sobre isso, está bem, Cage? Afinal de contas, não é uma questão simples.
- E qual é a complicação? Podemos muito bem enfrentar meus pais, e ninguém mais poderá se colocar entre nós.
- Não esqueça de que estou esperando um filho de Hal. Para mim isto não é a coisa mais simples do mundo.
Cage emudeceu, como se por alguns instantes quisesse abandonar-se à sensação de estar em alta velocidade, percorrendo uma estrada sem fim.
Não poderia discutir aquele assunto com Jenny até que estivesse disposto a contar-lhe toda a verdade. Será que deveria mesmo revelar tudo a ela? E se não dissesse nunca; se a deixasse pensar que aquele era realmente o filho de Hal? Será que suportaria a dor de não poder assumir o próprio filho?
O medo de perdê-la e a perspectiva de ter que viver uma mentira pelo resto de sua vida angustiavam-no igualmente. Em breve teria que se decidir.
- Não fique triste - pediu ela, vendo-o calado e perdido nos próprios pensamentos.
- Não, não ficarei. Afinal, ainda tenho você perto de mim... você sabe o que teria acontecido se Roxy e Gary não tivessem nos interrompido, não é?
- Teríamos feito amor.
- Ainda estaríamos fazendo amor.
- E talvez estivéssemos errados.
- Como pode dizer uma coisa dessas depois de ter admitido que nos amamos?
- Há mais alguém envolvido. O filho de Hal.
- Essa criança também é sua, não, Jenny? Uma parte viva de você mesma. Eu te amo. Amo essa criança. É bem simples, não acha?
- Simples demais. Eu queria fazer amor com você hoje, Cage. Mas mesmo assim sinto-me confusa.
- Por quê?
- Não sei! Pode parecer loucura, mas não consigo deixar de pensar em Hal. Tenho tido pesadelos estranhos, onde a imagem dele se confunde com a sua, o rosto dele com o seu.
- Sei como está se sentindo. E também sei que quando fizermos amor tudo vai ficar mais claro. Preciso... preciso lhe dizer algo muito importante, Jenny. Mas não agora.
Jenny o abraçou intensamente, como se desejasse saber o que se passava dentro dele, como se quisesse apaziguá-lo tanto quanto desejava apaziguar a si mesma.
Num gesto impulsivo, Cage desviou o carro para o acostamento.
- Por que estamos parando? - perguntou Gary, do banco de trás, mas logo pôde perceber o motivo.
Cage e Jenny beijavam-se ardentemente, no banco dianteiro do Lincoln.
Depois de alguns minutos, o veículo retornava à estrada.
Jenny e Cage, depois da cerimónia, quando já estavam de volta a La Bota, comentaram:
- Achei tudo muito romântico...
- Parecíamos um grupo bem estranho. Se eu fosse aquele juiz de paz, teria barrado a nossa entrada.
Eles praticamente haviam arrancado o juiz da cama, convencendo-o a realizar o casamento, embora de má vontade. DePois os noivos se instalaram num quarto de hotel a esperar pela hora do voo. Cage e Jenny se despediram e após tomarem várias xícaras de café e uma refeição no meio da noite, abasteceram o Lincoln e voltaram para a estrada, a caminho de casa.
- Podíamos conseguir um quarto e dormir algumas horas - sugeriu Cage a Jenny.
Não. Estou me sentindo tão cansada que prefiro ir para casa.
Cage fitou-a com um sorriso. Em algum momento durante aquelas horas Jenny tinha desistido de manter os grampos teimosos no lugar e soltara os cabelos, que caíam indolentemente sobre os ombros. Tanto a saia quanto a blusa estavam amarrotadas, e aquele jeito desalinhado dava-lhe um ar preguiçoso e sensual.
- Por que está rindo de mim?
- Você está adorável. Por que não se estica no banco e dorme um pouco?
- Tem certeza de que não vai precisar da minha companhia para mantê-lo acordado na estrada?
- Certeza absoluta.
Jenny estendeu-se, apoiando a cabeça no colo de Cage.
- Está bem melhor - admitiu ela, suspirando.
Cage deslizou a mão ao longo das costas delicadas, acabando por acariciar-lhe os braços, um pouco frios devido à queda da temperatura do início da madrugada.
- Está com frio?
- Não.
Agora a mão dele encontrara o seio, quente, macio.
- Estou muito bem - sussurrou ela num tom sugestivo.
- E eu também.
Cage continuou a acariciá-la, no entanto não com a intenção de excitá-la. Seu coração transbordava de alegria ao ver que Jenny confiava nele agora, o suficiente para permitir esse tipo de intimidade. Em poucos instantes dormia e o carro prosseguia através da estrada, sob o - cinzento que prenunciava o amanhecer.
Jenny acordou quando o carro parou.
- Onde estamos? - perguntou piscando diante dos raios de sol que enchiam a manhã.
- Praticamente em casa. Parei para comermos algma coisa.
- Não posso entrar nesse lugar assim desarrumada!
- Besteira. Você está maravilhosa.
Ao descer do carro, depois de tentar inutilmente ajeitar as roupas para que ficassem menos amassadas, Jenny sentiu o pé adormecido e logo avisou Cage.
- Meu pé adormeceu. vou ter de me apoiar em você.
- Não me importo nem um pouco - retrucou, antes de fechar a porta do Lincoln. - Ei, o que é isso?
- indagou, notando a garrafa de champanhe sobre o banco de trás. - Olhe só, esquecemos de brindar ao casamento.
Jenny sorriu enquanto se apoiava no ombro forte.
- Vamos poupá-la para uma ocasião especial!
- Ótima ideia!
Cage resolveu pegar a garrafa de champanhe e a entregou a Jenny.
Alegres, porém cansados, ambos caminharam até os degraus diante do restaurante, Cage apoiando Jenny, que se ressentia do pé adormecido. No exato instante em que ele estendeu a mão para a maçaneta, um outro casal cruzava a porta, saindo: Bob e Sara Hendren.
Já era costume dos Hendren tomarem o café da manhã a sós, todos os sábados, desde que os filhos haviam crescido o suficiente para saberem se cuidar. Bob e Sara permitiam-se o luxo de ficarem a sós pelo menos durante duas horas, apreciando a companhia um do outro. As exigências do trabalho de Bob roubavam-lhe muito tempo, eles tratavam cada fim de semana como uma ocasião especial e procuravam sair e conhecer lugares diferentes. A coincidência, no entanto, não poderia ser mais infeliz ao perceberem o estado das roupas de Jenny e a bar-ba de Cage por fazer, o casal ficou boquiaberto, sem conseguir se mover. Os olhares ficaram presos em Jenny, qUe passara por uma metamorfose considerável desde a última vez em que se encontraram, além de estar abraçada à garrafa de champanhe que trazia junto ao peito.
- Olá, papai. Olá, mamãe. - Cage quebrou o pesado silêncio após retirar o braço da cintura de Jenny para aliviar a tensão do momento. No entanto, ela sentiu as pernas enfraquecerem, apoiando-se nele ainda mais.
- bom dia! - cumprimentou Bob num tom frio, porém cortês.
Sem dizer nada, Sara continuou a encarar Jenny. Não tinham ficado frente a frente desde o dia em que a acusara de ter seduzido Hal. A expressão pesada demonstrava que ainda estava muito certa da acusação.
- Sara, Bob... - Jenny disse num tom constrangido
- ... não é nada do que vocês estão pensando. Nós... eu e Cage... fomos... fomos...
- Nós fomos até El Paso para o casamento de dois amigos - retomou Cage onde Jenny falhara. - Fizemos a viagem de ida e volta e estamos acabando de chegar. Viemos direto. - Ele tentava enfatizar o fato de que não haviam passado a noite juntos, apesar de ponderar que seria bem melhor se o tivessem feito. Desta forma, não teriam se deparado com Bob e Sara, evitando aquela cena terrivelmente desagradável.
- A champanhe era para comemorar o casamento! disse Jenny, numa explicação inútil e desconcertante. Esquecemos dela. Estão vendo? Nem mesmo foi aberta. Não quero que pensem que...
- Não tem de dar explicações a eles! - rebateu Cage, irritado.
Na verdade, não estava zangado com Jenny e sim com os pais que, automaticamente, estavam tomando conclusões precipitadas sem conceder a Jenny o benefício da dúvida.
- Sempre foi como uma filha para nós! - anunciou Sara num tom trémulo.
- E ainda sou e quero continuar sendo. Amo vocês dois e senti muito sua falta.
- É mesmo? - prosseguiu Sara com voz áspera. Ficamos sabendo sobre seu apartamento. Nem mesmo nos deu o endereço e muito menos se preocupou em vir nos visitar.
- Por que achei que não queriam me ver.
- Esqueceu-se de nós tão rapidamente quanto se esqueceu de Hal - prosseguiu Sara num tom acusador.
- Jamais me esquecerei! Como poderia? Amava Hal e estou esperando um filho dele.
Aquelas palavras ditas num tom suave, querendo reavivar-lhes a memória, provocaram o choro de Sara, que se apoiou no ombro de Bob, soluçando.
- Ela está aborrecida, Jenny - disse o pastor. - Sente muita falta de você. Sei que não recebemos bem a notícia sobre o bebé, mas pensamos no assunto e reavaliamos o que fizemos. Queremos fazer parte da vida dessa criança. Nesta manhã mesmo falamos a esse respeito e tínhamos decidido chamá-la para conversar. É nosso dever cristão manter a família em harmonia. Não podemos dar um mau exemplo aos paroquianos. - Mas, agora, vendo vocês desse jeito, já não sei mais! - completou, balançando a cabeça tristemente enquanto abraçava a esposa com um gesto protetor e a conduzia para o carro.
- Oh, por favor! - Jenny gemeu, dando um passo à frente com a intenção de abraçá-los.
- Jenny, não! - pediu Cage num tom suave, segurando-a.
- Dê-lhes tempo. Precisam de tempo para tentar compreender o que está acontecendo.
Abraçando-a, conduziu-a até o Lincoln, estacionado no lado oposto ao que Bob estacionara sua perua. Assim que entrou no veículo ela começou a chorar.
Lágrimas amargas molhavam-lhe o rosto. Jenny sabia que a fadiga e a gravidez eram, em parte, responsáveis por aquele ataque de choro, e entregou-se a ele, desabafando, enquanto Cage se apressava em partir dali. Só parou de soluçar, aos poucos, quando percebeu que Cage parara o carro e desligara o motor.
- Esta é a sua casa - comentou ela num tom cansado, enxugando as lágrimas.
- Acertou.
- O que estamos fazendo aqui? - indagou quando Cage estendeu a mão a fim de ajudá-la a descer.
- vou providenciar para que tome um café da manhã reforçado. E não adianta reclamar! - acrescentou logo ao vê-la tentar protestar.
Jenny sentia-se exausta demais para discutir e, portanto, deixou-se conduzir para dentro da casa, subindo as escadas com passos pesados, seguindo-o até o quarto, dele.
- Você já sabe onde é o banheiro - disse ele, vasculhando as gavetas e retirando uma camiseta de malha. Acho bom tomar uma ducha quente e vestir isto. Se não quiser descer para comer, posso trazer seu café aqui ofereceu, dando-lhe um beijinho rápido e esperando a resposta.
- Obrigada, não será preciso. Desço daqui a pouco, assim que sair do chuveiro.
A água estava estilumante, e no instante em que vestiu a camiseta Jenny sentia-se mil vezes melhor.
Parou junto à porta da cozinha, hesitante, sentindo-se vulnerável e exposta. A única coisa que tinha sobre o corpo era a camiseta que ia até a altura média das coxas e o biquini.
- Não fique parada aí! Pode me ajudar com as torradas?
- O que quer que eu faça?
- Pode passar manteiga ou geléia e colocá-las num prato.
- Certo.
Dentro de poucos minutos, ambos estavam sentados diante de um prato fumegante de ovos fritos com bacon. Faminta, ela saboreou a comida com prazer. Depois de várias garfadas, parou ao perceber o olhar divertido de Cage.
- Você não mentiu quando disse que cozinhava bem!
- comentou constrangida, tomando um gole de suco de laranja.
- Pode continuar. Não ligue para mim.
Ao terminar, Jenny estava tão exausta que recusou a xícara de chá que Cage lhe estendeu.
- Tudo bem, é evidente que precisa dormir por umas boas horas. Venha, vou levar você!
- Para onde?
- Para a cama! - informou, tomando-a nos braços.
- Eu deveria me vestir e ir embora. Ponha-me no chão, Cage.
- Não vai gostar de dormir no chão! É muito frio!
Ela realmente achava que deveria ir embora, no entanto não tinha energias para isso. O cochilo no carro não fora suficiente e não se lembrava de ter se sentido tão cansada. Fechou os olhos e apoiou a cabeça no peito largo. Cage era tão forte, tão carinhoso. E ela o amava...
- Durma bem! - disse ele no instante em que a colocou entre os lençóis aconchegantes, cobrindo-a.
- O que vai fazer?
- Lavar a louça.
Não é justo. Você dirigiu a noite toda, preparou a refeição... - comentou ela, mal conseguindo concatenar as palavras.
- Poderá me ajudar numa outra vez. Agora você precisa de descanso - falou Cage, inclinando-se para beijála nos lábios suavemente.
CAPÍTULO XII
Ao despertar, Jenny levou alguns instantes para recordar onde se encontrava. Permaneceu imóvel, o olhar sonolento percorrendo o ambiente, até verificar que se tratava do quarto de Cage.
Recapitulou rapidamente todos os acontecimentos da noite anterior, desde que ele lhe entregara as rosas à porta de seu apartamento, até o instante em que a colocara na cama para dormir.
Já estava anoitecendo outra vez. Através das cortinas entreabertas pôde ver o céu vermelho escuro devido aos últimos raios de sol e a lua pálida surgindo.
Espreguiçou-se languidamente, jogando os cabelos para trás e ajeitando a camiseta de malha que se enrolara à altura da cintura. De repente, prendeu a respiração.
Cage estava estendido a seu lado, completamente imóvel e a uma distância de alguns centímetros. Deitado de costas, tinha o dorso nu, as mãos cruzadas sob a nuca, e a observava atentamente. Como lhe pareceu inadequado dizer alguma coisa, Jenny apenas retribuiu o olhar silencioso, encarando-o.
Cage tomara um banho enquanto ela dormia e sua pele agora tinha a mesma fragrância do sabonete que Jenny usara. O rosto bem escanhoado e os cabelos encaracolados e em desalinho davam-lhe a aparência de um menino.
Sentiu uma vontade imensa de tocá-lo; no entanto, permaneceu quieta. Por um momento, apenas os olhares se acariciaram, explícitos, intensos.
Jenny sabia que ele a estivera analisando; seus cabelos, o rosto, a boca generosa, os seios. Também não podia ter deixado de notar as coxas bem moldadas, o ventre arredondado que a camiseta deixara à mostra. Sob aqueles olhos ardentes, todo o seu corpo parecia despertar, exigindo carícias, exigindo prazer.
Notando os músculos dos braços fortes, teve vontade de beijá-los, sentir-lhe a rigidez, mas ainda não teve coragem. Estava fascinada pela beleza, pela masculinidade de Cage.
Então passou a analisá-lo lentamente, estudando cada detalhe: a curva dos músculos do peito, a camada aveludada dos pelinhos quase castanhos, o abdómen reto.
Cage mantinha as pernas estendidas e cruzadas à altura dos tornozelos. Os pés estavam descalços e usava uma calça de pijama de malha que lhe moldava os quadris, as coxas fortes.
Fechando os olhos, Jenny suspirou, como se tentasse aplacar o desejo crescente. Desejava-o demais; no entanto, permanecia imóvel, inerte. Ao abrir os olhos novamente, viu-o sorrindo. O sorriso que sempre mexera com ela, o sorriso cativante, sedutor. Num impulso incontrolável, as pontas dos dedos buscaram o ventre reto, desafiador.
A pele era cálida e macia. Inexoravelmente atraída, deixou que a mão deslizasse até o cós da calça de malha. Depois de hesitar por um momento, prossseguiu, mas parou ao ouvi-lo gemer, baixinho.
Voltando novamente os olhos para os dele, encontrouos cheios de desejo, de paixão.
Comovida, Jenny pensou que aquele não era um momento excepecional apenas para ela. Afinal, Cage a amava e provavelmente nunca estivera tão, envolvido com alguém. Podia ter estado com muitas mulheres, mas jamais se entregara totalmente, jamais se sentira amado e amando alguém. Jenny não hesitou mais, e a mão desapareceu sob a calça de malha.
Um gemido profundo emergiu do peito de Cage, como se tivesse experimentado um prazer insustentável. No instante seguinte, ele se livrava do pijama, num movimemto rápido, e depois a trazia para junto de si.
Maravilhada com aquela nudez, perdendo todo resquí cio de medo ou vergonha, Jenny apoiou a cabeça sobre o quadril estreito, deixando que seus cabelos soltos o cobrissem como um manto acetinado. Desejava-o mais a cada segundo e queria que ele percebesse isso. Então, num gesto ousado, ergueu o rosto, inclinou-se para a frente e beijou-lhe o sexo.
Cage afagou-lhe os cabelos, alucinado com o calor daqueles lábios, mas logo puxou-o para si, beijando-lhe a boca, afagando os seios, o ventre, os quadris.
As mãos ágeis deslizaram por entre as coxas, entreabrindo-as, e acariciando-as, livrando-se do biquini e tocando-a intimamente.
No instante seguinte era a boca de Cage que lhe buscava o sexo, cálida, úmida e terna.
Jenny jamais sentira tanto prazer, aliado a uma emoção tão forte. Tinha impressão de que a qualquer momento perderia totalmente o controle de si mesma, confundindo-se com o homem que amava.
Então ouviu a voz terna que lhe fazia um pedido.
- Abra os olhos, Jenny. Por favor, olhe para mim.
Ao abrir os olhos, a imagem de Cage tomou conta dela, de seus sentidos, de seu coração. com um movimento suave ele colocou-se sobre ela e a penetrou, sorrindo diante do rosto radiante à sua frente.
Cage viu a expressão de Jenny se transformar aos poucos. Ao acelerar o ritmo, percebeu os olhos brilhantes, maravilhados, e soube que a levava cada vez mais próxima do clímax.
Viu-a atingir a plenitude, alguns momentos antes dele; o gozo dando ao rosto de Jenny uma expressão divina. Jamais a vira tão linda!
- Você é o que existe de mais belo, mais precioso para mim, Jenny. Eu te amo. Sempre te amei - disse num sussurro, e logo a emoção fechou-lhe a garganta, fazendo-o calar-se. - Também te amo, Cage! - ela confessou, enquanto estendia a mão e acariciava-lhe os lábios finos, as faces, a têmpora, como se quisesse se assegurar de que tudo aquilo era verdade e não um simples sonho.
- Lembra-se do que lhe disse? Que tudo ficaria mais claro quando fizéssemos amor?
- Sim, lembro. Você estava certo. Foi lindo, Cage, e não tenho mais dúvidas sobre os meus sentimentos.
- Você é linda - retrucou, começando a mover-se, ainda dentro dela.
- Espere, Cage. Quero ficar quieta, ao seu lado, por alguns momentos.
- É claro, querida! Por você posso esperar todo o tempo do mundo!
Antes de estender-se ao lado dela, Cage ergueu-lhe cuidadosamente a camiseta de algodão, passando-a pelos ombros e jogando-a de lado.
- Queria vê-la nua! - disse com voz suave, fitando os seios firmes e acariciando-os ternamente.
A seguir, deitados lado a lado, permaneceram quietos, as mãos entrelaçadas. O quarto logo ficou às escuras pois a noite caíra. Apenas a luz ténue do luar penetrava através da janela.
- Está dormindo, Jenny?
- Não.
- Está feliz?
Ela apertou os dedos fortes entre os seus, como resposta. Depois de mais um tempo em silêncio ele perguntou:
- Vai se casar comigo, não vai, Jenny?
- Acha que isso será o melhor, para todos nós?
- Acho que será a melhor coisa para nós dois. Portanto, acabará sendo o melhor para o bebé, e para meus pais também, se é o que está querendo perguntar.
- É. Talvez você tenha razão...
- Não quer ficar comigo, morar comigo, ser minha mulher?
- Você sabe que eu quero!
- Não, não posso saber se você não me disser isso claramente. Se tiver medo... se ficar colocando empecilhos toda vez que toco no assunto.
- Pois estou lhe dizendo agora. Quero, sim, quero muito me casar com você! Apenas não sei se...
- Se...?
- Oh, Cage, por favor me abrace!
Sem esperar que pedisse novamente, ele girou o corpo sobre o dela, abraçando-a, beijando-a no rosto, nos cabelos, nos ombros. A seguir, beijou o mamilo róseo, fazendo-a gemer baixinho.
- Querida! - sussurrou, acariciando-lhe o ventre com um gesto leve e sensual. Preciso novamente fazer amor com você, Jenny.
Ela também estava excitada; no entanto, uma sensação estranha a invadiu, fazendo-a afastá-lo de si.
- O que houve? Não está se sentindo bem? - Cage indagou, preocupado.
- Estou bem... Só senti de repente uma sensação estranha...
- Calma, meu amor - disse, tentando tranquilizá-la e voltando a tocá-la no ombro; porém, desta vez, não retirou a mão, mesmo quando ela quis se esquivar, enrijecendo o corpo.
- Você não percebe, não é mesmo? - ela exclamou, sentando-se de imediato.
Cage a fitou com ar incrédulo, vendo-a saltar da cama, enrolar-se no lençol e, a seguir, avançar na direção da janela, encostando o ombro no batente, de costas para ele.
- É. Acho que não percebi, Jenny. Por que não me explica? - pediu, enquanto saía da cama e colocava o pijama. Estava chateado, magoado. O tapete macio impediu-a de perceber que Cage se aproximara. Ao voltar-se, levou um susto, vendo-o diante de si, o cenho franzido, os cabelos despenteados e a expressão magoada.
- Pode não fazer diferença para você, Cage, mas, para mim, não é nada fácil.
- O que não é fácil, Jenny?
- Estar esperando um filho de um homem e fazer amor com o irmão dele, a poucos meses de sua morte...
- Por que está simplificando as coisas dessa maneira?
- Por que no final das contas é exatamente isso o que está acontecendo. São fatos, Cage, e estão bem claros, diante de nosso nariz!
- Fatos? E o que você entende por fatos? Por acaso acredita que a realidade seja extremamente simples e que basta ter dois bons olhos abertos para enxergar os fatos, as verdades da vida das pessoas?
- Acho que podemos ser objetivos, se tivermos coragem para enxergar e assumir nossos erros.
- Erros, Jenny? E qual foi o grande erro que você cometeu?
- Você sabe!
- Oh, eu não sei, não! Nunca saberei o que é erro para você, Como não saberei o que são os fatos, ou a verdade. Acha que está vivendo uma situação errada, agora, por fazer amor comigo. No entanto, chegou a admitir que viveu anos ao lado de Hal, me desejando. Amar um homem e viver ao lado de outro também não é pecado, Jenny?
- Não falei em pecado, Cage. Não mude as minhas palavras!
- Não falou em pecado, mas é essa ideia, exatamente a ideia de pecado que está atormentando você! Que te atormentou, puniu, castrou e policiou durante toda a vida. E se não se deu conta disso, vai continuar se policiando, se culpando e se punindo em nome de verdades que não existem. Não dentro de você.
O tom de voz de Cage era ardente, quase irado. Jenny o olhava, perplexa, como se quisesse dizer algo mas não conseguisse.
- Sempre foi uma mulher extremamente sensual Jenny. E vi meus pais tentando reprimir isso em você durante todo o tempo em que morou com eles. Também vi fazerem isso com Hal. E quase conseguiram comigo. Afinal, eu também precisava de amor, de carinho. E era essa a troca infernal que eles faziam, que muita gente faz o tempo todo. Amor, carinho, aprovação em troca de disciplina, controle, dissimulação. Até que chega uma hora em que nada disso tem valor, nada é real. Tudo vira máscara, Jenny. As pessoas ficam ocas, não resta nada nelas digno de amor.
Cage permaneceu em silêncio por um longo instante antes de se dirigir para a cama e sentar-se na beirada do colchão. Ele separou os joelhos, apoiando neles os cotovelos, enquanto esfregava as têmporas, cabisbaixo, e fitava o chão.
- Não tem qualquer motivo para se sentir culpada, Jenny.
- Isso apenas eu posso saber, e ninguém mais, Cage.
- Me escute, e escute bem! - ele pediu com um tom amargo, pesado, enquanto erguia a cabeça. - Não deve se sentir culpada por fazer amor comigo enquanto espera um filho de meu irmão.
Jenny o olhava atentamente, apreensiva com aquele tom de voz.
- Hal não gerou essa criança, Jenny. Fui eu quem foi no seu quarto naquela noite, não Hal. Foi comigo que você fez amor.
Jenny, perplexa, enrolou mais o lençol em torno do corpo, como se sentisse frio.
- Isso é impossível - disse quase sem voz.
- Mas foi o que aconteceu.
- Hal veio até o meu quarto. Eu o vi!
- Viu a mim. O aposento estava às escuras. Eu estava parado junto à porta, tendo a luz às minhas costas. Não viu nada além de uma silhueta.
- Era Hal!
- Eu passava diante da porta quando te ouvi soluçando. Tive um ímpeto de ir em busca de Hal, no entanto ele estava no andar de baixo, imerso na conversa com meus pais. Portanto, decidi eu mesmo falar com você.
- Não! - retrucou, num lamento, balançando a cabeça, angustiada.
- Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, você me estendeu os braços e...
- Não acredito em você - ela o interrompeu.
- Você estendeu os braços e havia esperança em sua voz, quando pronunciou o nome do meu irmão - Cage continuou. - Sei que deveria ter me identificado no instante em que me chamou de Hal, porém não fiz isso. Não pude fazer isso naquele momento... e não estou arrependido!
- Não quero ouvir mais nada! - anunciou ela, tapando os ouvidos.
- Sabia que você estava sofrendo, Jenny. Estava magoada e precisava de alguém naquela hora. Meu irmão não teve sensibilidade para voltar e confortar você!
- Mas você sim - ela exclamou com raiva.
- É, eu sim! - retrucou, levantando-se e aproximando-se de Jenny, que se deixara cair numa cadeira, junto à janela. - Me pediu para abraçá-la, Jenny.
- Pedi a Hal!
- Porém, ele não estava lá, não é? - indagou, irónico. - Estava no andar de baixo, falando de suas visões, seus chamados, suas causas! Pouco se importou em saber se você estava chorando ou sofrendo!
- Fiz amor com Hal! - murmurou, numa última tentativa de negar os fatos que ouvia.
- Você estava perturbada. Eu e Hal éramos suficientemente parecidos para propiciar um engano. Naquela noite, usávamos o mesmo tipo de roupa. Não falei nada e assim não pôde reconhecer minha voz.
- Mas eu saberia a diferença!
Um pesado silêncio se instalou entre os dois. Então Jenny começou a chorar baixinho.
- Como pôde fazer isso comigo, Cage? Como pôde me enganar desse jeito? Como pôde... - Engasgou-se com as próprias lágrimas, e ele se ajoelhou diante dela. Estava aflito, desesperado. Mas tentava manter a calma, e fazêla compreender o que o levara àquele ato tão reprovável.
- Eu te amava! - Jenny fitou-o, sem conseguir dizer nada, e ele prosseguiu: - Precisava tocá-la tanto quanto você precisava de alguém que te amasse. Desejei você durante anos, Jenny; te amei como jamais amei ninguém em minha vida. E naquela noite você estava diante de mim, carente e não se afastou quando te abracei. A princípio, imaginei somente abraçar você, ter você bem perto de mim por um momento, e depois me revelar. No entanto, no instante em que nos tocamos, me senti fascinado, encantado. Então, de repente, me ofereceu seus lábios, e achei que estava mergulhando num sonho, um sonho maravilhoso. Não podia e não queria me preocupar com mais nada, só queria amar você! Sei que o que fiz não tem perdão, porque não te dei chance de escolher. Posso ter sido um oportunista, um canalha, mas não me sinto assim. Porque foi o ato mais bonito, mais limpo e prazeroso que realizei na minha vida.
Jenny permanecia em silêncio. Tinha os olhos fixos na Lua, brilhante e cheia. Também parara de chorar. Aquele silêncio aumentou a angústia de Cage, que continuou tentando se explicar:
- No dia em que me contou que estava grávida, mal pude me controlar. Queria te abraçar, gritar, dançar com você naquela lanchonete...
Só depois de alguns momentos encarando-o ela indagou, com voz triste:
- Por que não me contou, Cage? Fiz amor com um homem achando que se tratava de outro! Por que não me contou?
- A princípio porque pensei que podia estar apaixonada por Hal. Não queria que me odiasse por ter tomado o lugar dele.
- Muitos meses se passaram. Por que não me contou?
- Porque tinha medo de perder você, porque não queria te magoar...
- E agora? Acha que não estou magoada?
- Sei que está! E também sei que posso perder você por isso.
- Não pretendia me contar nunca? Queria se casar comigo com essa mentira entre nós?
- Pretendia contar tudo a você. Mas era difícil demais. Naquela noite, quando a deixei no motel, quase lhe revelei toda a verdade. Sabia que não conseguiria conviver com essa dor pelo resto de minha vida.
- Dor?
- Sim. A dor de amar demais alguém e ter que mentir, falsear ou dissimular para não ser desprezado. Toda a minha vida foi uma negação disso, Jenny. Suportei a dor de ser desprezado por meus pais para poder ser eu mesmo, para não ter que fingir ser outra pessoa. E isso doeu como o diabo. Também me afastei de você, quando éramos mais jovens, com medo de te destruir e ao meu irmão, e isso doeu ainda mais. Quando, depois de tanta dureza e sofrimento, vislumbrei uma esperança, uma chance de ser feliz... Vi que a minha própria esperança de amar e ser amado tinha sido construída sobre uma mentira.
Naquele instante, Jenny quase o perdoou. Quase sucumbiu ao tremor daquela voz emocionada, abraçando-o e retribuindo suas palavras de amor e devoção. No entanto, não podia aceitar o que Cage lhe fizera.
- Amor não é feito de mentiras, Cage! - disse com voz amarga, triste. - E tem mentido para mim durante todos esses meses. O que espera que eu faça?
- Que tente me compreender e perdoar! Que dê uma chance ao sentimento maravilhoso que existe entre nós.
- Me fez de idiota, de tola!
- E também fiz você feliz! Fiz você reencontrar a alegria! Não foi o que me disse algum tempo atrás?... Meu gesto não foi correto, mas foi o início de uma luta nossa, minha e sua, por amor, prazer e liberdade!
- Liberdade? Liberdade!? Nem ao menos me deu a chance de dizer se queria ou não fazer amor com você naquela noite! Como pode falar em liberdade? Não se preocupou com o que eu iria sentir tendo sido enganada, manipulada. Não pensou que não tinha o direito de interferir em minhas escolhas de maneira tão violenta, tão brutal, mesmo que não concordasse com elas? Eu era noiva de Hal, esperava por Hal e você sabia disso! Talvez naquela mesma noite eu desejasse você mais que ao seu irmão, Cage! Mas era um problema meu, que só caberia a mim compreender e resolver!
Ele baixara a cabeça e a ouvia, calado.
- Ter sido levado pelo desejo, pela paixão, não justifica coisa alguma, Cage! Se me respeitasse mais como ser humano, se me enxergasse mais, não teria se deixado levar pelo impulso, sem se preocupar com o que aconteceria depois. A minha própria gravidez é prova de que não se preocupou comigo! Quem lhe garantia que eu gostaria de conceber um filho? Ainda mais dentro da terrível situação em que nos colocou, e que seria ainda pior se Hal não tivesse morrido! Sei que também não fui cuidadosa, que também vacilei, mas isso não muda nada... Acho que amar não é só desejo, ou mesmo ternura, Cage. Acho que amar envolve muito mais. Envolve cuidado, consideração, respeito.
Depois de um longo silêncio, ele indagou com voz rouca:
- Nunca vai me perdoar, não é mesmo?
- Não sei, Cage. Juro que nesse momento não estou sabendo o que vai acontecer comigo... Só sei que quero ir para casa.
- Agora?
- É. Quero ficar sozinha. Você pode me levar?
- Claro. - Ao se erguer, Cage parecia cansado, abatido. Jenny não parecia melhor ao apanhar suas roupas e ir para o banheiro.
Ao chegar ao seu apartamento, Jenny entrou, fechou a porta e foi direto para a cama. Não trocou de roupa e nem sequer acendeu as luzes. Tinha vontade de dormir por muito tempo. Dormir e esquecer todo aquele pesadelo.
Mas logo percebeu que não conseguiria. A imagem de Cage, triste, apaixonado, arrependido, não lhe saía da cabeça. Não conseguia esquecer o quanto tinha sido bom fazer amor com ele, horas atrás, e guardava na memória, com perfeição, cada carícia, cada beijo, cada palavra.
Se não o amasse tanto, jamais o perdoaria. Mas justamente porque o amava, tudo dentro dela queria perdoálo, compreendê-lo, justificá-lo. Afinal, sabia que Cage não era um canalha, um hipócrita ou um farsante. Mas se quisesse poderia, objetivamente, julgá-lo e condená-lo. Como poderia julgar a si mesma, se resolvesse fazer um balanço crítico de sua vida ao lado de Hal, Bob e Sara. Dissera palavras bem duras a Cage, mas não podia esquecer as dele também. Teria de refletir muito até chegar a uma conclusão do que fazer dali por diante.
Jenny ainda estava tentando clarear suas ideias e sentimentos quando sirenes nervosas quebraram o silêncio da noite. Depois de poucos minutos, o telefone tocou.
CAPÍTULO XIII
com um pressentimento ruim, Jenny apressou-se em atender o telefone.
- Alo.
- Srta. Fletcher?
- Sim.
- Aqui fala o delegado Rawline. Saberia nos dizer onde poderíamos localizar os Hendren?
- Já tentou a casa paroquial e a igreja?
- Sim, mas não estão nem num lugar nem no outro.
- Então não sei dizer onde se encontram. Mas por que quer falar com eles?
- É um caso urgente. O filho deles acaba de sofrer um acidente.
Uma onda de náusea invadiu Jenny, que empalideceu e sentiu o coração disparar. Fechou os olhos com força, murmurando com voz débil:
- Cage...
- Sim, Cage.
- Mas... mas estive com ele ainda há pouco.
- Aconteceu há minutos atrás.
- Como ele está? Não foi grave, não é mesmo? - A voz dela, grave, denotava desespero.
- Ainda não sabemos, srta. Fletcher. A ambulância já está a caminho do hospital. Foi muito sério. Um trem atingiu seu carro. - Jenny levou a mão à boca, suprimindo um grito. Um trem! - Por isso estamos à procura dos pais dele! - continuou o delegado.
Jenny sentiu náuseas novamente, mas sabia que teria de ser forte.
Srta. Fletcher?
- Não sei onde Bob e Sara estão! - informou mais uma vez, tentando manter-se calma. - Mas estarei no hospital dentro de alguns minutos. Até logo. Preciso me apressar.
Desligou o telefone às pressas sem dar ao delegado qualquer chance de prosseguir. Seus joelhos estavam trémulos ao sair da cama e dirigir-se para o armário em busca do que vestir.
Precisava ir para junto de Cage. Precisava dizer-lhe o quanto o amava antes que...
Não, Deus! Ele não morreria! Cage não podia morrer!
Desde o instante em que fora informada do desastre, Jenny ficou imaginando se se tratava de um acidente ou não. Lembrou-se das palavras dele: "Nunca vai me perdoar, não é mesmo?". Ao deixá-la em seu apartamento, ele lhe parecera acabado, vazio. Nem mesmo haviam se despedido direito. Teria sua recusa ao amor de Cage sido uma rejeição que ele não pudera suportar?
Jenny saiu correndo do apartamento, mal conseguindo dirigir direito devido às lágrimas que lhe turvavam a visão. Usava um dos carros de Cage, e isso a fez pensar em como ele dirigia o Corvette, sempre em alta velocidade. Mas desta vez ele estava com o Lincoln. Avistou a cena do acidente a dois quarteirões de distância. Um guincho havia afastado para o acostamento o que restava do Lincoln e a polícia tentava manter os curiosos afastados.
O automóvel fora praticamente destruído. com um gemido de dor, Jenny aumentou a velocidade. Queria chorar, mas não conseguia. Também não conseguia rezar. Tudo o que pôde fazer foi pisar fundo o acelerador, desesperada por chegar ao hospital o mais breve possível.
Ao chegar, atravessou o saguão quase correndo, indagando à recepcionista:
- Cage Hendren, por favor.
- Acaba de subir para a cirurgia.
"Obrigada, meu Deus!", Jenny exclamou para si mesma. Ele ainda estava vivo!
- Qual é o andar?
Assim que obteve a resposta, Jenny disparou para o elevador, ouvindo a moça avisar-lhe, à distância:
- Senhorita? Poderá demorar muito tempo!
- Não importa. Esperarei quanto
for preciso. Obrigada!
No terceiro andar, a enfermeira de plantão confirmou que Cage entrara para a sala de cirurgia.
- É seu parente? - indagou num tom suave.
- Fomos criados juntos. Sou filha adotiva dos pais dele.
- Compreendo. Ainda não conseguimos localizar os pais, porém continuaremos tentando.
- Logo irão conseguir... - respondeu Jenny, quase sem ânimo para falar, mas percebendo que não podia se deixar tomar pelo desespero.
- Há um policial de plantão na casa deles, esperando para dar-lhes o aviso. Provavelmente logo estarão aqui.
- Vão ficar muito assustados!
- Esses momentos são sempre difíceis.... Por que não se senta na sala de espera? - sugeriu, apontando-lhe o local. - Estou certa de que em breve teremos notícias sobre o sr. Hendren.
Como um autómato, Jenny se dirigiu para a sala de espera e afundou-se no sofá. Ponderou se deveria ir até a casa paroquial a fim de ela mesma dar a notícia a Bob e Sara. No entanto, não poderia se afastar dali. Queria estar perto de Cage, o mais perto possível. Amava-o tanto, precisava tanto dele! Se o perdesse agora... tinha impressão de que não poderia suportar tanta dor. Será que Cage sentira a mesma coisa ao pensar em perdê-la, e isso o levara a uma atitude desesperada?
Não, ele não faria isso! Afinal, iam ter um filho! Lágrimas começaram a escorrer pelo rosto de Jenny.
Ela não expressara a menor alegria ao saber que o filho que esperava era de Cage e não de Hal. Sentira, mas não expressara. Quisera puni-lo, fazê-lo sofrer. E certamente conseguira. Portanto, não havia lógica em esperar agora que ele tivesse se preservado em nome desse filho.
"Cage, por favor, não morra." Repetia em pensamento sem conseguir parar de chorar.
- Srta. Fletcher?
- Sim? - respondeu sobressaltada, e imediatamente começando a rezar para que aquele homem não tivesse vindo lhe trazer uma notícia trágica.
- Achei que era a senhorita. Sou o delegado Rawline. Falei com a senhorita pelo telefone.
- Ah, sim, eu me lembro.
- Queria apresentar-lhe o sr. Smith. Foi a família dele que Cage salvou.
- Salvou? - indagou ela, enxugando o rosto e mal conseguindo falar.
- A mulher e os filhos do sr. Smith estavam dentro do carro quando o veículo parou bem em cima da linha do trem. Problemas de motor. Então, Cage encostou o Lincoln na traseira do carro, tendo tempo suficiente para empurrá-lo para longe dos trilhos. Isso porque o condutor percebeu o que estava acontecendo e conseguiu diminuir a marcha do trem. Mas não deu tempo de parar a composição. - Pigarreou antes de continuar: - Foi uma sorte o Lincoln ter sido atingido do lado do passageiro além do fato de Cage não estar usando o cinto de segurança, o que permitiu que fosse atirado para fora do carro!
O coração de Jenny se aliviou. Ele não tentara se suicidar! Pelo contrário, tentara ajudar outras pessoas a continuar vivendo!
- A sua família está bem, sr. Smith?
- Sim, senhorita. Ainda estão um pouco abalados, mas
graças ao sr. Hendren estão vivos. Estou rezando para que ele se salve.
- E eu também.
- Senhorita, se precisar de ajuda, se precisar de qualquer coisa, por favor, me procure, está bem?
Jenny assentou, apanhando o cartão que o homem lhe estendia. O sr. Smith estava visivelmente emocionado.
- Por que não vamos para casa, sr. Smith? - sugeriu o delegado dando-lhe palmadinhas no ombro.
- Obrigada, sr. Smith - ela agradeceu.
- Pelo quê? Se não fosse por aquele meu carro velho nada disso teria acontecido e...
- Obrigada por se preocupar! - disse num tom suave. Vendo-o concordar com um gesto de cabeça e ser conduzido para o elevador pelo delegado Rawline.
A informação da enfermeira de que logo teriam notícias de Cage não se confirmou. Sentada, a sós, na sala de espera, Jenny já começava a se desesperar por não ver ninguém sair da sala de cirurgia.
Mais de duas horas já haviam se passado quando a porta do elevador se abriu e Bob e Sara surgiram, apressados. Ambos pareciam angustiados, transtornados.
Jenny os viu falar com a enfermeira de plantão, apoiados um no outro, como se temessem desabar. Receberam a mesma resposta educada e esperançosa e logo se voltaram para se dirigirem à sala de espera. Quando avistaram Jenny, pareceram ficar ainda mais tristes e, também, envergonhados.
Ela os encarou com uma expressão dura, porém não desejava acusá-los de nada. Afinal, eles, mais do que ninguém, sabiam que jamais haviam dado o amor e o carinho que o filho precisava, e já deviam estar sofrendo bastante por isso.
Sem conseguir se manter indiferente, Jenny ergueu-se, estendendo os braços na direção de Sara. Aliviada e agradecida por aquele gesto receptivo, a mãe de Cage abrigou-se nos braços da filha adotiva.
- Não se preocupe, Sara. Ele vai ficar bem - Jenny âcalmou-a.
- Fomos para fora da cidade visitar um amigo que estava doente - explicou Sara entre soluços. - Ao voltarmos, avistamos o carro da polícia estacionado diante de casa. Logo deduzimos que algo de terrível deveria ter acontecido. - Os três sentaram-se no sofá. - Primeiro foi Hal, agora Cage. Não posso suportar tudo isto.
- Se importaria muito com a morte de Cage? - indagou Jenny, mal acreditando que conseguira ser tão direta. Ambos a encararam, assombrados; no entanto, Jenny de repente não se importou em parecer impiedosa. Estava lutando por Cage.
- Não creio que Cage pensasse que se importavam!
- continuou, decidida.
- Mas ele é nosso filho. Nós o amamos! - disse Sara em prantos.
- E quantas vezes lhe disseram isso claramente? Sem chantagem, sem dissimulação? - Bob baixou a cabeça e Sara engoliu seco. - Não precisam responder. Durante todo o tempo em que vivi junto com vocês, nunca o valorizaram, nem demonstraram amor por ele.
- Nós... nós tivemos muitos problemas com Cage...
- Bob manifestou-se.
- Escutem, não quero e não posso julgar a atitude de vocês. Mas o que penso é que desistiram de Cage muito cedo. Desistiram de compreender e amar o filho de vocês porque ele não correspondia às suas expectativas.
- Jenny - disse Sara com voz firme, encarando-a. Você está esperando um filho! Quando ele nascer, saberá que é muito difícil ter toda a responsabilidade sobre a vida de outro ser humano. Tentei amar e respeitar Cage como ele era, mas não consegui. Falhei! Quando Hal nasceu, achei que Deus tinha nos dado outra chance, nos enviando uma criança mais dócil. Jamais disse isso a alguém, filha, mas Cage chegava a me assustar! Era genioso, exigente, quase selvagem desde muito pequenininho.
- Sei que não deve ter sido fácil para vocês. Mas também sei que fizeram muito mal a Cage transferindo para Hal todo o carinho e aprovação que não conseguiam dedicar-lhe. Sabe o que eu penso, Sara? Que se quiserem o amor do seu filho agora terão de lutar por ele. Talvez ainda não seja tarde para buscar uma forma de compreender e conviver com ele.
- E você, Jenny? Você está apaixonada por Cage?
- Estou. E se Deus nos permitir vamos nos casar... e fazer tudo para que nosso filho cresça num ambiente de amor e de carinho.
A declaração de Jenny deixou Sara e Bob boquiabertos.
- Jenny, por que mentiu para nós sobre o bebé?!
- Eu não menti, Bob. Algum dia tentarei explicar a vocês o que realmente aconteceu. Mas já lhes aviso que não será muito fácil de entender. Só compreenderão se realmente precisarem e desejarem compreender. O neto de vocês é filho de Cage. Terão uma chance de aceitar e amar essa criança. A escolha será de vocês.
- Reverendo Hendren?
Os três se voltaram, deparando-se com o médico, sr. Marby.
- Ele está vivo! - informou, trazendo-lhes alívio imediato. - Mas ainda está numa situação crítica. Sofreu várias fraturas é teve de ser submetido a uma cirurgia de emergência, pois uma das costelas fraturadas estava abalando o pulmão. A operação foi um sucesso, mas o estado dele ainda é preocupante.
- Ele viverá, doutor? - Sara indagou com voz débil.
- Tem grandes possibilidades, pois é forte como um touro. Conseguiu sobreviver ao acidente e à cirurgia. Se pôde superar esses dois traumas, tem grandes chances de sobrevida. Agora, se me desculparem, preciso voltar para lá.
- Quando vamos poder vê-lo? - inquiriu Jenny, antes Que o médico se retirasse.
- Assim que for removido para a UTI, um de vocês poderá vê-lo por alguns minutos! - informou ele ao fitar os rostos apreensivos. - Ficarei em contato com vocês - concluiu, afastando-se rapidamente.
- Preciso ver meu filho! - anunciou Sara. - Preciso dizer-lhe o quanto nos preocupamos com ele.
- Claro, querida, você vai! - concordou Bob.
- Não! - retrucou Jenny com firmeza. - Eu vou. Tiveram a vida inteira para dizer-lhe o quanto o amavam, porém não o fizeram. Espero que tenham o resto de suas vidas para consertar isso. Mas, esta noite, eu vou ver Cage. Ele precisa de mim, e eu dele. Espero que compreendam isso também.
A esperança e a coragem cresceram em seu interior e Jenny prosseguiu, sorrindo entre lágrimas:
- Quero que saibam que sempre amei muito vocês dois. E espero que nos amem, a mim, a Cage e ao bebé! - Ela apoiou a mão nos ombros de ambos e disse com toda sinceridade: - Mas se não conseguirem nos aceitar como somos... não haverá motivo para tentarmos conviver.
Meia hora mais tarde, quando o médico regressou a fim de acompanhar um deles até a UTI, foi Jenny quem o seguiu.
EPÍLOGO
- O que está acontecendo aí?
- Estamos tomando um banho.
- Vão acabar inundando o banheiro!
- É culpa de Trení. Ele está impossível!
- Aposto que sei a quem ele puxou!
Da porta, Jenny sorriu para o marido e o filho, mergulhados na banheira. A criança, já com sete meses, estava acomodada no colo de Cage, as costas apoiadas nas coxas musculosas e os pezinhos revolvendo a água morna.
- Pelo menos ele está ficando limpinho?
- Impecável.
Jenny se aproximou, ajoelhando-se ao lado da banheira. De imediato, Trent reconheceu a mãe, lançando-lhe um sorriso irresistível.
- Olhe só esse sorriso! Ainda mais perigoso do que o do pai! - disse, rindo, enquanto pegava o bebé no colo. Então seu olhar resvalou para a cicatriz arroxeada no peito de Cage. A sorte não os havia abandonado, e ele não tardara a se recuperar.
- Cuidado, ele está bem escorregadio! - alertou Cage, erguendo-se da banheira.
- Estou vendo! - Jenny exclamou, enrolando o filho na toalha e saindo.
Quando Cage juntou-se a eles, no quarto que haviam reformado para o bebé, Trent já estava vestido com um pijaminha.
- Diga boa-noite ao papai - pediu Jenny, erguendo o filho para que Cage o beijasse. Tomando o bebé nos braços, ele estalou um beijo na bochecha rosada.
- Boa noite, Trent! Papai adora você. Agora durma. -- E Cage começou a embalar o garoto.
Jenny fitou os dois com uma expressão terna, vendo o bebé adormecer nos braços de Cage.
- Ele estava exausto! - observou ela. - E eu também estou! Vocês dois não são nada fáceis!
- É mesmo? - inquiriu Cage, colocando cuidadosamente o filho no berço e então, abraçando a esposa. Bem, para provar que não sou assim tão difícil vou levar você para o nosso quarto agora mesmo e te colocar na cama também, certo?
- vou achar ótimo! - ela respondeu, rindo. Cage a pegou no colo, atravessou o corredor e depois
de um minuto já a acomodava na cama. Os dois vestiam apenas robes de malha leve, e logo começaram a se acariciar, num jogo terno e excitante.
- Então quer dizer que a sra. Jenny Hendren acaba de receber uma promoção na Fundação Dixy, não é? Como está se sentindo como uma profissional de sucesso? - indagou enquanto a beijava várias vezes no rosto e no pescoço.
- Muito bem! E espero me sentir ainda melhor no jantar de amanhã.
- Roxy e Gary poderão vir?
- Virão, sim. E Bob e Sara também já confirmaram.
- Se meus pais trouxerem mais um brinquedo ou roupas para Trent, seremos obrigados a comprar um armário novo! Acho que não temos mais lugar para guardar tantos presentes!
- É verdade. Nunca vi um casal de avós mais dedicados...
- Só mesmo você para conseguir um milagre desses, Jenny. Mal posso acreditar que estejamos convivendo tão bem.
- Acho que tivemos muita sorte! E também tivemos coragem de enfrentar o que nos incomodava e o que nos fazia mal.
Agora Jenny acariciava os cabelos de Cage.
- Você é lindo, sabia?
- Puxa, nunca me disseram isso antes.
- Grande mentiroso!
- Bem, isso já disseram algumas vezes!
Ambos riram, e Cage acariciou-lhe os quadris, antes de abrir-lhe o roupão, deixando a mostra os seios, o ventre, as coxas bem feitas.
- Adoro fazer amor com você, Jenny! E te amo mais, a cada dia em que ficamos juntos!
- Não sente falta de sua vida noturna, ou vontade de ter muitas namoradas, como antes?
- Não tive tantas namoradas como você pensa. O pessoal dessa cidade é que é exagerado.
- Oh, é claro.. - disse ela, com um sorrisinho irónico, enquanto abria o robe de Cage. - Mas não respondeu à minha pergunta.
- Sabe muito bem que não sinto falta nenhuma do passado! E que estou mais feliz do que poderia imaginar ser um dia!
- Verdade?
- Sabe que é... E você, Jenny? Está feliz ao meu lado? A resposta foi um beijo intenso e apaixonado.
- Cage... - ela sussurrou, enquanto sentia o corpo forte cobrir o seu.
- Sim?
- Também não sinto falta do passado... E te amo, cada dia mais...
Erin St. Claire
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