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O táxi parou em frente ao campus da Universidade Federal de São Paulo, na cidade de Santos. Naquela manhã ensolarada de primavera, Kamila Lins desceu do carro, trazendo em seu coração grandes expectativas para o futuro. Era atriz de teatro desde a adolescência, época na qual participava ativamente das peças produzidas na escola e em grupos menores na cidade.
Iniciaria seus estudos na faculdade de artes cênicas na semana seguinte. Seu sonho era se tornar uma atriz de cinema reconhecida nos grandes estúdios. Naquela nova etapa de sua vida, uma surpresa boa era tudo que ela precisava para começar seus planos.
Depois de seis meses de estudos na universidade, Kamila recebeu a melhor notícia de todas até aquele momento. Ao fim de longos testes naquele semestre, ela finalmente havia sido aceita como atriz na Companhia de Teatro Estrelas do Atlântico, a maior companhia de teatro da baixada santista e uma das maiores do estado de São Paulo.
Agora ela poderia gritar aos quatro cantos da Terra que seu sonho estava se realizando. Pretendia ir mais alto: chegar aos estúdios de cinema, tanto no Brasil quanto no exterior, e o teatro era um bom começo. Só o fato de estar na companhia conceituada da região já lhe abriria as portas para tudo o que pudesse desejar.
Sua rotina de atriz e universitária ocupava cada minuto do seu dia: faculdade de manhã, e de tarde até à noite ensaios no teatro.
O estúdio da companhia teatral Estrelas do Atlântico era enorme, com várias salas de ensaios, refeitório, grande estacionamento, o palco amplo, com capacidade para uma plateia de duas mil pessoas, um ambiente que fazia qualquer artista iniciante sentir-se uma estrela.
A primeira tarde de ensaios começou com uma confraternização. Kamila conheceu seus colegas atores, formaram um círculo ao redor do salão e começaram as apresentações.
Sua vez chegou e, ao se apresentar, sentiu a ansiedade arrepiar seu corpo. Aquele era o início de seu estrelato em sua cidade natal. Mas ainda faltava alguém ali. Talvez por isso seu coração já tivesse acelerado segundos antes, sem que soubesse o porquê.
Gabriel Velásquez, cujo nome artístico era Ricky, chegou atrasado. Ele era o ator mais jovem do grupo e encantava a todas as garotas com seus olhos azuis de cristais e seus cabelos dourados de anjo, que contrastavam com os cabelos e olhos negros de Kamila, sua amiga de tempos atrás. Com o rosto molhado de suor, ele disse atônito ao aproximar-se dos colegas:
— Peço mil desculpas por chegar atrasado logo no primeiro dia! Foi o trânsito lento, tudo por conta de um acidente. Além disso, tive que pegar um UBER. Até já sei dirigir, mas a lei não permite que eu tenha carteira de motorista — justificou-se, enxugando o suor da testa.
Gabriel havia completado dezesseis anos naquele mês. Aprendeu a dirigir com seu pai e aguardava seus dezoito anos para poder colocar essa habilidade em prática.
No instante em que contemplou o rapaz com rosto de anjo, os olhos de Kamila se surpreenderam ao vê-lo ali depois de tanto tempo. Ela havia conhecido Ricky e sua família lá mesmo em Santos, nos tempos em que eram vizinhos e ele ainda era um garotinho. Agora lá estava Gabriel, quase um homem.
Foi uma surpresa boa reencontrá-lo. Apesar da diferença de idade, ele havia sido muito especial no passado dela. Ao se olharem, sorriram um para o outro. Após as apresentações em grupo, Kamila se aproximou do ator que há pouco havia chegado.
— Ricky! É você mesmo? Como você cresceu! — ela exclamou atônita ao ver que o amigo já estava quase mais alto do que ela.
— Sim, Kamila! Sou eu mesmo! É verdade, as pessoas crescem e eu cresci! Olhe só pra mim, já sou quase um homem! O que foi? Queria que eu ficasse criança pra sempre? — ele perguntou, desconsertando-a na resposta.
— Claro que não. Você não é o Peter Pan pra ser criança pra sempre. Está até melhor assim crescido. — Sorriram e se abraçaram. — É uma surpresa encontrá-lo aqui! Nunca imaginei que você tivesse se tornado um ator!
— Acredito que eu fui influenciado por você, por suas ideias! Lembra-se? Eu te ajudava a ensaiar suas peças da escola.
— É verdade, eu me lembro.
— E fique sabendo que a Catarine também se tornou atriz na companhia. Logo ela passa aqui pra me dar um bom dia. Ela faz parte de outro elenco e um espetáculo diferente, por isso não está em nosso grupo.
— Fico feliz em saber. Também nunca imaginei que ela quisesse ser atriz.
— Ninguém imaginava. E, a propósito, eu ainda moro na minha antiga casa, perto da praia do Gonzaga. Aparece lá. Minha mãe vai ficar feliz em te ver de novo.
— Sim, irei com certeza. Quero muito rever minha grande amiga. Sua irmã deve estar grandinha também.
— Ela já é uma linda mocinha.
— Que bom te ver de novo, amigo.
— Eu digo o mesmo. Ah! Aqui está a Catarine.
— Olá, Catarine — Kamila cumprimentou-a.
— Kamila! Então voltou, finalmente. Agora somos todos colegas de trabalho.
— Sim, estou de volta e dessa vez pra ficar. Felizmente somos jovens atores e atrizes trabalhando juntos daqui pra frente. Bem, eu já tenho vinte e oito anos, mas posso me chamar de jovem! Não pareço tão velha assim, não é mesmo?
— Claro que não! Você parece bem mais nova. Agora temos que voltar ao centro do salão para a distribuição dos papéis. Saberemos mais sobre o espetáculo — Ricky disse, segurando Kamila pelo braço.
— Ah, sim, vamos! — Kamila disse, acompanhando Ricky.
— Só passei mesmo pra te desejar um bom dia de ensaio. Agora voltarei ao meu estúdio para ensaiar. Bom trabalho pra vocês. — Catarine desejou, beijando o rosto de Ricky e se retirando em seguida.
— Obrigada! Bom ensaio pra você também — Kamila disse em voz alta antes que a colega saísse.
O diretor-chefe da companhia Estrelas do Litoral, Dylan Mendes, homem maduro de 50 anos, era um veterano do teatro e do cinema; havia dirigido filmes importantes, bem como espetáculos teatrais diversos, inclusive nos Estados Unidos. Após anos de carreira, de volta ao Brasil, recebeu proposta para dirigir os espetáculos daquela companhia no Brasil.
Reunido com seu elenco, Dylan distribuiu os scripts. Ao receber seu texto, Kamila teve a maior das surpresas: ela contracenaria com Ricky! Sim, os dois fariam par romântico no espetáculo teatral “Sonhei Que Dancei Com Você”, que entraria em cartaz dali pouco mais de um mês.
***
Kamila sentiu um nó na garganta depois que leu o script minuciosamente por horas a fio, de noite, em seu quarto, deitada na cama. Percebeu que não estava bem; algo a incomodava cada vez que lia as páginas daquele roteiro.
O início dos ensaios no palco se aproximava e ela sentia seu coração mais e mais apertado. Desejava que aquilo não fosse verdade. O nervosismo dominava sua alma ainda adolescente.
***
Naquele dia, mal entrou no estúdio e correu até o escritório de Dylan, que estava concentrado, preparando roteiros no computador.
— Dylan! Com licença. — Ela entrou sem fôlego.
— O que foi? Algum problema? Por que não está no estúdio ensaiando com seus colegas?
— O problema é esse script! — Ela lançou as folhas de papel sobre a mesa, demonstrando não aceitar a distribuição dos papéis.
— Isto não é problema. É o script o qual você deve decorar e interpretar com maestria — ele respondeu enfático.
— Por que você escalou o Ricky pra ser meu par romântico nesse espetáculo?
— Kamila, o que pensa que está questionando? Insinua que eu não sei escolher os atores ideais para minha peça? Depois dos testes de elenco, eu e os outros diretores nos convencemos de que você e o Ricky formam um par romântico perfeito para nosso espetáculo. Todos os ingressos já estão esgotados e vocês ainda têm semanas para ensaiar! Vocês já foram anunciados como atores principais. Se a sua preocupação é pelo fato dele ser mais novo que você, saiba que isso não afeta em nada; muito pelo contrário, dá um charme esse contraste entre as idades de vocês. Você é uma mulher jovem e ele um rapaz maduro e talentoso. Além do mais, eu sou o diretor aqui e você é apenas a atriz que está sendo paga para interpretar um personagem — explicou-lhe a decisão, entregando o script novamente nas mãos dela.
— O Ricky foi meu amigo de infância. Ficamos um tempo sem nos vermos, agora nos reencontramos aqui no teatro.
— Que bom. Assim ficará mais fácil pra vocês contracenarem, já que são amigos. Deve ter sido emocionante reencontrar alguém tão importante trabalhando junto com você!
— Sim, mas eu só não estou achando emocionante ter que fazer par romântico com um garoto que foi meu amigo. Eu sei que você é quem manda, é o diretor geral, mas há tantas atrizes mais jovens e maravilhosas que podem fazer par com ele. Serão muito melhores do que eu. Acho que o público pode estranhar. Sei lá. Homem mais velho com mulher mais jovem ninguém se importa, mas o contrário fica estranho — Kamila afirmou, ofegante e nervosa com a ideia.
— Acalme-se. Por que está me dizendo tudo isso? Sinceramente, essas suas ideias não fazem o menor sentido! Vocês são apenas atores encenando no palco. O público está pouco se importando com a idade de vocês. Que nervosismo é esse? Nem parece que estou lidando com uma atriz profissional que estudou teatro em Buenos Aires. Fique tranquila. É tudo apenas ficção! Falando desse jeito, até parece que você gosta dele de verdade. Será que você não está dizendo isso com conhecimento de causa? Está apaixonada por ele? Até onde eu sei, uma atriz profissional não se recusa a contracenar com ninguém a não ser por parcialidade.
— Não! De maneira alguma! Que bobagem é essa de conhecimento de causa? Eu nunca me apaixonaria por um rapaz tão mais novo do que eu, por um adolescente muito menos! Eu ainda tenho dignidade.
— Então não há problema algum em fazer o espetáculo com ele. Relaxe, é só ficção! Logo nos reuniremos mais uma vez para discutirmos alguns pontos do script e em seguida iniciaremos os ensaios no palco. Você está muito nervosa hoje. Volte para casa e tire todo este fim de semana de folga pra relaxar e refletir sobre tudo. Dias árduos de ensaios no palco virão. Tudo tem que ficar perfeito.
— Eu já vou mesmo. Até logo! — despediu-se furiosa.
— Até logo. — Dylan voltou sua atenção para a tela do computador.
Kamila bateu a porta depois de sair da sala.
de modo significativo a minha vida ante os acontecimentos que estariam por vir.
Ao fim daquela tarde, Kamila foi à casa de Ricky, que ficava próxima à praia do Gonzaga. A atriz sentiu o cheiro do passado ao pisar pela primeira vez naquela rua desde que fora viver em Buenos Aires há três anos. Alicia, ao ver a amiga dos velhos tempos, correu para abraçá-la.
— Kamila! — exclamou com um sorriso sincero.
— Alicia! — Abraçou a amiga com carinho.
— Que saudade! Você está ótima. O Ricky me avisou que viria, preparei até aquele bolo de chocolate que você adora. — Alicia conduziu-a à entrada da casa.
— É bom vê-la de novo depois de tanto tempo. Estou feliz por estar de volta a Santos — disse, animada.
— O tempo passa mesmo muito rápido. Você é até colega de trabalho do meu filho! Quem diria, hein! Você e o Ricky contracenando juntos?
— É mesmo inacreditável e um sonho realizado. Nunca imaginei que seríamos colegas de cena.
— Venha, entre. — Alicia segurou-a pelo braço.
Entraram na sala e sentaram-se no sofá.
— Fico feliz com o seu sucesso e com o sucesso do meu filho. Então farão par romântico. Ele sempre quis ser artista, estudou teatro por dois anos e conseguiu o emprego. É uma coincidência incrível! Mas, se já estava aqui há seis meses, por que não me procurou?
— Eu achei que você nem estivesse mais morando aqui. Me envolvi demais com a faculdade e com os testes — Kamila respondeu, desconsertada.
— Tudo bem, isso não já não importa. Meu marido continua com o trabalho de caminhoneiro, por isso passo a maior parte dos dias sozinha. Me visite mais vezes. Será muito bom ter sua companhia, Kamila, como há tempos atrás.
— Com certeza. Estarei sempre aqui!
Ricky passou pela sala e elas o observaram.
— Filho, olha quem está aqui! Sua amiga e agora colega do teatro.
— Oi, Kamila. — Ele beijou o rosto dela com ternura. — Achei que não viria mais. Mal fiz a leitura do script. O diretor deu folga hoje.
— Prometi que viria e aqui estou eu, meu parceiro de cena! Não quero incomodar sua mãe. Sei que minha amiga tem seus afazeres. Já estou de saída. Também tenho textos pra decorar — Kamila explicou-se.
— Você quer dizer: nós dois temos scripts pra decorar, Kamila. Já esqueceu que somos par romântico no mesmo espetáculo? — Ricky questionou-a, sentando-se no sofá.
— Como eu poderia esquecer essa brilhante ideia do nosso querido diretor?
— Do jeito que você fala, até parece que não gostou dos nossos papéis. O que foi? Não gostou da ideia de fazer par romântico comigo? Tem medo? — Ricky a provocou.
— Medo de quê? De onde você tirou essa ideia? Só fiquei surpresa. Não esperava por isso. — Kamila tentou disfarçar o nervosismo.
— Pois eu adorei. Aliás, temos que começar a ensaiar juntos. Não vá embora agora. Já que está aqui e hoje é dia de folga, que tal relembrarmos o passado dando uma volta na praia? — Ele fez o convite já esperando o sim.
— Na praia? — Kamila sentiu seu coração disparar.
— Não antes de experimentar meu bolo de chocolate! Vou servir! — Alicia disse, indo até a cozinha.
Kamila pensou por uns segundos antes de responder, respirou fundo e disse sorrindo, sem graça:
— Você me convenceu. Vamos à praia. Mas não posso demorar. Prometi a Margarida que a ajudaria nas compras daqui a pouco. Ela não para de enviar mensagens pelo WhatsApp me chamando. Disse que tem fofocas pra me contar.
— Não vamos demorar. Só precisamos matar a saudade dos velhos tempos e nos conhecermos de novo. — Ricky olhava fixamente para o rosto de Kamila.
Alicia entrou na sala, trazendo a bandeja com o bolo.
— Aqui está, Kamila. Espero que goste do meu bom e velho bolo de chocolate.
— Obrigada, amiga. — Kamila serviu-se, provando um pedaço.
— Minha mãe sempre se lembrava de você, Kamila, quando fazia esse bolo.
— Está uma delícia, como antigamente. Obrigada — a jovem atriz agradeceu, mordendo mais um pedaço.
— Adorei, mãe. Essa calda de chocolate é a melhor. Mas então, Kamila, vamos logo caminhar à beira-mar. Não podemos perder tempo, há tantas coisas que eu quero saber e dizer. — Ricky se mostrou ansioso para relembrar os velhos tempos ao lado da amiga.
Kamila quase engasgou- se com o pedaço de bolo. Ficou nervosa sem saber direito o porquê.
— Vejo que a conversa de vocês será longa! Aproveitem o passeio na praia. — Alicia aconselhou, sorrindo.
***
Na orla, à beira-mar, conversaram enquanto caminhavam lado a lado.
— Achei que nunca mais iria te ver de novo. Você se tornou um rapaz bonito e talentoso. Quase não acredito que somos colegas de trabalho — Kamila iniciou o assunto em tom de voz tenro.
— Eu também pensei que você ficaria em Buenos Aires pra sempre. Quando eu ainda era um garotinho, também não imaginava que seria seu parceiro na arte cênica.
— Ao que me parece, o destino nos aproximou de novo. Ricky, você parou de falar comigo pela internet depois que eu fui embora. Por quê?
— Eu mudei muito, não sou mais aquele menino inocente que você conheceu. Confesso que senti muita saudade sua depois que foi embora, mas, como uma espécie de defesa pra vencer a dor dessa ausência, eu preferi te esquecer. Por isso eu não respondi mais suas mensagens de celular nem pela internet.
— E conseguiu me esquecer?
— Não! Não consegui. Mas pelo menos eu tentei.
— Entendo o seu lado. Eu também mudei muito. Em Buenos Aires fiz vários cursos de teatro, tentei vaga em várias companhias lá, mas não fui chamada. Então fiz os testes para as Estrelas do Litoral e aqui estou de volta. Sei muito bem que você não é mais aquele garotinho que eu conheci. Muito pelo contrário, já é quase um homem. — Os olhos de Kamila brilhavam.
— Eu soube que você namorou um argentino cheio da grana.
— Como você soube? Sim, namorei um argentino cheio da grana.
— Embora eu quisesse te esquecer, de vez em quando eu dava uma olhada nas suas páginas das redes sociais. Adicionei seu namorado no meu Facebook por um tempo. Eu sempre via as fotos que ele postava de vocês juntos nas piscinas, em condomínios de luxo, nas praias, em festas glamorosas.
— Foi ele quem terminou o namoro. Agora estou sozinha, como sempre. Ele não me amava.
— E você, o amava?
— Não. Acho que não era amor, era apenas afeto. Fui apenas muito apaixonada por ele. A paixão é um sentimento que acontece sempre, mas o amor é raro.
— Depois que terminou o namoro ele apagou do Facebook todas as fotos de vocês juntos. Não deixou nem mesmo aquelas de quando eram apenas amigos.
— Estou surpresa que tenha investigado e acompanhado a minha vida pela internet!
— Confesso sem medo que senti sua falta, Kamila. Afinal éramos melhores amigos, apesar da diferença de idade.
— Ricky, você foi o melhor amigo que eu tive até hoje, por mais que ninguém acredite. E você? Não teve nenhuma namorada durante esse tempo? — ela perguntou, curiosa.
— Tive um namoro não muito sério durante os meses em que morei em São Sebastião, na casa dos meus avós. Mas nada como um grande amor nem como uma grande paixão. É como você mesmo disse: a paixão é algo que acontece sempre, mas o amor é raro.
— E a Catarine? Eu vejo como ela te olha apaixonada.
— A Catarine é apenas uma amiga, um flerte casual. Uma simples atração de juventude. Eu não sou apaixonado por ela. Mas reconheço que ela é bonita e muito apaixonada por mim. Gosto dela como amiga, além de ser uma companhia agradável. Uma colega de trabalho, apenas isso.
— Apenas isso? Ela parece significar muito pra você; um flerte, uma amiga. Beijos casuais? — Kamila o encarou à beira-mar.
Pararam de caminhar por alguns instantes e ficaram frente a frente. Ricky pensou bem na reposta.
— Sim, eu já a beijei várias vezes, mas não sou apegado a ela como fui apegado a você. E outra: ela não desperta em mim nenhuma paixão. É apenas uma amiga.
— Mas que pergunta a minha! É claro que você beijou muitas vezes o seu flerte casual. É uma pena que você não seja apaixonado por ela, que é uma garota interessante e talentosa. Formariam um belo casal. Ainda assim acredito que logo você encontrará uma moça legal por quem você vai se apaixonar perdidamente. De repente no teatro você encontra alguém. — Ela demonstrou seu desejo sincero.
— Espero que sim. Mas não quero só me apaixonar, eu quero amar alguém de verdade — ele afirmou com voz suave.
— Você se lembra de quando passeávamos nessa mesma praia e você corria atrás dos caranguejos? — ela perguntou com saudosismo.
— Sim, eu lembro muito bem, como se fosse ontem. E você se lembra de quando ficávamos aqui de noite deitados na areia, admirando a lua e as estrelas? Você me explicava coisas sobre o universo.
— Claro que lembro. Era muito bom — ela confirmou suas doces lembranças.
— Eu passei a gostar cada vez mais de aprender sobre as estrelas, os planetas e o universo. Pretendo fazer faculdade de astronomia ou física; quero estudar o universo e seus mistérios. Continuarei sendo ator, mas também quero ser astrônomo.
— Isso é maravilhoso! De repente um dia você descobre como fazer pra voltar ao passado e reviver todos os momentos bons que já não existem mais. E ainda poderá talvez atuar em filmes ou peças teatrais de adaptações das maiores obras literárias de ficção científica.
— Quantos sonhos! Mas pode ser — Ricky afirmou, sorrindo, olhando o rosto dela com ternura. — Se quiser, podemos nos encontrar aqui na praia durante a noite e relembrarmos tudo o que aconteceu — ele propôs.
— Eu adoraria! Seria muito bom poder viver tudo outra vez. Quando? — Ela pegou na mão dele.
— Pode ser amanhã de noite. Às dezenove horas estarei aqui te esperando.
— Combinado. Amanhã de noite eu também estarei aqui.
Sorriram mais uma vez, se despediram com um abraço forte e, em seguida, Ricky foi para a casa de Catarine, onde juntos assistiram a um filme e depois repassaram as cenas que ela interpretaria em seu próximo espetáculo.
***
Kamila entrou entusiasmada no alojamento da faculdade e iniciou uma conversa com sua amiga Margarida:
— Margarida, eu nem te conto!
— Já era hora de chegar, hein! Temos que fazer compras! Que empolgação é essa?
— Hoje visitei o Ricky e até marcamos um encontro na praia. Será amanhã de noite. Vamos relembrar o passado!
— O quê? Relembrar o passado? Que passado? — Margarida ainda estava confusa.
— Tudo que vivemos nos velhos tempos, quando eu era amiga da família dele — Kamila tentou explicar.
— Você sabe muito bem que o Ricky não é mais o garotinho de antes, seu amiguinho. E se eu bem te conheço, você não vai conseguir ficar perto daquele loirinho lindo sem fazer nada. Se o pai dele descobre isso, é capaz de te matar. Ele nunca foi com a sua cara, nunca gostou de você. Kamila, se toca, você é doze anos mais velha que o Ricky!
— Em uma coisa você está certa. O pai dele nunca gostou de mim, nem da minha amizade com o Ricky, pois achava ridículo uma mulher mais velha ser amiga de um adolescente. Mas o resto é bobagem da sua cabeça. O Ricky sempre foi meu amigo e vai continuar sendo, independentemente das críticas que todos possam fazer contra mim. Se eu podia ser amiga dele quando ele ainda era um garotinho, então posso muito mais agora que ele já é quase um homem. Eu e ele vamos contracenar no mesmo espetáculo teatral. Faremos um par romântico.
— Nossa! Eu nem estava sabendo dessa notícia sobre vocês fazerem par romântico. Achei que estavam só na mesma empresa, que já é uma coincidência curiosa. Mas nesse ponto você tem razão: ele é quase um homem. E a Catarine, ela não é namoradinha dele? Eu cansei de vê-los sempre juntos saindo do teatro e até se beijando na praia. Se eu fosse você, não me iludiria, amiga.
— Ele assumiu que já a beijou várias vezes, mas me garantiu que não é apaixonado por ela.
— Não é apaixonado? Imagina se fosse!
— Ele só a acha “bonitinha”. A Catarine sim é muito apaixonada por ele.
— Que confusão! Mas parece bem divertida e emocionante a situação. Que ela é caidinha por ele é perfeitamente visível. Aquela garota não sai de perto do Ricky por nada. Acho até que ela não vai gostar nem um pouco de ver você com ele fazendo par romântico no palco.
— Aquela garota não tem que gostar nem deixar de gostar de nada. Esse é o nosso trabalho, somos todos atores. E tem mais: ele me contou coisas.
— Que coisas?
— No início, quando eu soube que eu faria par romântico com ele, pensei em desistir. Eu insisti com o diretor pra mudar meu papel, mas não foi possível; tem grana em jogo e todos os ingressos já foram vendidos.
— Que pena. Eu nem cheguei a comprar uma entrada. Queria tanto não perder o grande momento do espetáculo.
— Amiga, não se preocupe; os ingressos de cortesia ainda serão distribuídos, e é claro que você vai ganhar o seu. E outra coisa: quero que assista a meu primeiro ensaio oficial no palco na segunda-feira
— Irei com muito prazer. Não perco esse momento por nada. Quero muito ver a cara de ciúme da Catarine. Mas me diga: que outras coisas o Ricky te contou que te deixaram assim, com os olhos brilhando?
— Ele me disse que durante esses três anos em que morei em Buenos Aires ele acompanhou e vigiou minha vida pelo Facebook, embora não respondesse minhas mensagens.
— Jura? — Margarida estava pasma.
— Sim. Ele via sempre as fotos que o Alejandro postava, inclusive fotos do meu “ex-namorado rico” comigo, como ele mesmo disse.
— Estou passada com essa notícia.
— E tem mais.
— Mais?
— Sim. O Rick me disse que, depois do término do meu namoro, o Alejandro apagou todas as fotos dele comigo, inclusive as da época em que éramos apenas bons amigos. Depois que ele me bloqueou eu não consegui ver mais nada.
— Então o Ricky sentiu saudade de você.
— É o que ele me disse em alto e bom tom. Sentiu muita saudade. Inclusive acha que nós devemos retomar a amizade antiga. Na verdade, ele acha que devemos nos conhecer de novo.
— Kamila, olhe nos meus olhos e me diga a verdade: desde o primeiro instante em que você reencontrou o Ricky, não se sentiu atraída por ele?
— Que bobagem, Margarida! Admito: ele se tornou um rapaz muito lindo, mas eu só o enxergo como o bom e velho amigo que ele sempre foi. Eu até sou muito a favor de que ele namore a Catarine. Afinal, ele precisa de uma namoradinha, nada mais natural na idade dele.
— Não sei por quê, mas as suas palavras não me convencem.
— Acontece que você exagera em tudo. Vamos mudar de assunto?
— Sim. Vamos falar sobre outro assunto e esquecer essa loucura que você está prestes a viver. Kamila, sua louca!
Kamila se arrumou; ficara mais linda do que antes. Seus cabelos compridos e escuros brilhavam como seus olhos. De longe, ela viu Ricky de pé na areia, que permanecia admirando o mar. Foi chegando devagar e colocou as mãos no rosto dele, animada.
Ele disse com um sorriso:
— Deixa-me ver se adivinho! É a minha melhor amiga e colega de trabalho Kamila Lins!
— Sim, sou eu mesma!
Ricky virou-se e abraçou-a em seguida. Ela retribuiu o abraço com vontade.
— Então você já estava aqui me esperando? Chegou cedo.
— Claro que sim. Eu estava apreciando o mar negro por causa da escuridão da noite. Ele é tão lindo assim quanto é durante o dia, azul. E como você está? Ansiosa para o nosso primeiro ensaio juntos no palco amanhã?
— Muito ansiosa para subirmos naquele palco e impressionar todos os diretores desse país! Ainda haverá uma turnê pelo Brasil.
— Será incrível. E o que nós vamos fazer agora?
— Ricky, nós vamos dançar sob a luz das estrelas!
— Dançar?
— Sim, aqui mesmo na areia. Assim aproveitamos pra ensaiar a cena em que dançaremos a música “I’m Not The Only One”.
— Sempre quis que você dançasse comigo! — Ricky confessou, com um sorriso singelo.
— Então chegou a hora. Eu trouxe meu smartphone com a música. — Ela sorriu.
— Excelente!
A noite estava tranquila, serena, o céu repleto de estrelas. Ela ligou a música e então começaram a dançar. Ricky colocou suas mãos na cintura dela e suas faces ficaram próximas. Em certos momentos da dança ele quase segurou Kamila no colo. Ela ficou encantada com o momento, olhos brilhantes, como seu tudo aquilo fosse um sonho.
— Quero ver se você tem coragem de se jogar no mar nesse escuro, de roupa e tudo! — Depois da dança Ricky desafiou a amiga, que temia a escuridão da noite.
— Sempre tive medo de fazer isso. A escuridão do mar noturno sempre me assustou, mas com você aqui comigo eu tenho coragem! — Ela aceitou o desafio segurando a mão dele.
O smartphone ficou na areia. Correram e se jogaram no mar, que estava agradável. Divertiram-se atirando água um no outro e foram felizes como se nunca tivessem se separado.
Ricky, cansado de tanto pular e mergulhar, caiu deitado na areia. Kamila deitou a seu lado. Ali, lado a lado na praia, parecia que todo o mundo havia desaparecido e apenas eles existiam. Permaneceram assim por três horas, conversando enquanto admiravam as estrelas.
— Essa foi minha melhor noite desde que voltei para Santos — ela assegurou.
— E podem existir muitas outras, é só você querer — ele disse, segurando a mão direita dela.
— Eu amaria.
Por um momento, ainda deitados na areia, Kamila e Ricky apenas se olharam. Suas faces se aproximaram e um beijo quase aconteceu, não fosse por ele ter interrompido, dizendo:
— Acho que já é hora de ir embora. Minha mãe pode ficar preocupada, não sou de chegar tarde em casa. Meus pais são rígidos a esse respeito. Nem sei como permitiram que eu me tornasse um ator naquela companhia. Por isso não costumo chegar depois da meia-noite. Poderia até morar sozinho e escapar do controle dos meus pais, mas não quero magoar minha mãe. Só continuo em casa por causa dela. Já que é assim, devo obediência a eles, mesmo sendo praticamente um homem.
— Você tem toda a razão. Sei o quanto a sua mãe é religiosa e o quanto ela se preocupa com você. Seu pai então, nem se fala! Ele é severo. Eu te acompanho até sua casa, é pertinho. Estou de carro, vai levar só um minuto.
— Obrigado, Kamila. Eu só não quero parecer uma criancinha que não sabe voltar sozinho pra casa — ele agradeceu, pegando-a pela para levantá-la da areia.
— Não se preocupe com isso, eu sei muito bem que você não é mais uma criança. Já esqueceu de que eu sou amiga da sua mãe? Eu a conheço perfeitamente. Faço questão de te levar. Como eu disse, vai levar só um minuto.
— Tudo bem. Aceito sua carona. Vamos então — ele concordou.
***
No alojamento Kamila chamou pela amiga:
— Margarida! Ainda está acordada? Sempre dorme cedo. — Logo que entrou no alojamento se deparou com a amiga sentada à mesa, com olhos grudados no notebook.
— Claro que ainda estou acordada. Eu não poderia dormir sem antes saber o que aconteceu naquela praia. Kamila, me conte logo tudo em detalhes! — Margarida estava ansiosa para saber.
— Mas que coisa! Não aconteceu nada. Na verdade, quase aconteceu.
— Como assim quase aconteceu?
— O Ricky quase me beijou, mas ficou nervoso e não conseguiu. Logo se levantou da areia dizendo que precisava ir pra casa porque a mãe poderia estar preocupada.
Margarida começou a rir sem parar. Chegou a se curvar na cadeira.
— Pobrezinho do Ricky! Deve ter ficado super assustado quando você avançou pra cima dele! — Margarida exclamou, enquanto gargalhava.
— Você entendeu errado. Eu não avancei pra cima de ninguém, foi ele quem se aproximou pra me beijar, mas ficou nervoso e desistiu — Kamila esclareceu em tom de voz bravo, olhando fixamente para a amiga.
— Tudo bem, eu acredito em você. Amanhã é o grande dia, não é? Faço questão de estar na plateia e presenciar o grande momento no palco daquele teatro.
— Nem me lembre. Também estou super ansiosa para o ensaio. Vou dormir, porque eu ganho mais descansando do que com conversa fiada com você. Boa noite, Margarida!
— Boa noite, Kamila.
Kamila e Ricky já estavam no palco. Sentada na segunda fileira, Margarida observava atentamente cada cena do ensaio. Era a convidada de honra da protagonista; estava muito entusiasmada. Aquele espetáculo prometia ser emocionante.
Havia umas dez pessoas assistindo. O diretor permitia que cada membro do elenco trouxesse um convidado para prestigiar o primeiro ensaio.
Dylan estava diante do palco acompanhando tudo de perto. Naquele instante a cena em questão era justamente aquela em que Ricky e Kamila dançavam juntos e se beijavam em seguida. Atenta ao grande momento, Margarida fixou seu olhar no casal de jovens atores.
Ao som da música “I’m not only the one”, sob os olhares atentos dos presentes, Ricky e Kamila estavam face a face, os olhos azuis dele ficaram compenetrados no rosto dela, seus lábios se aproximaram cada vez mais até se tocarem. Ricky beijou-a da maneira mais amorosa possível e Kamila sentiu o beijo mais doce de todos.
Ricky fez como jamais fizera com nenhuma outra garota; chegou até a segurar Kamila no colo, mexeu em seus cabelos e apertou a cintura da amada abraçando-a fortemente. No fim daquele beijo estavam emocionados de amor.
Ricky jamais esperou sentir aquilo depois de ensaiar uma cena. Estava extasiado, quase não acreditava no que acabara de acontecer no palco daquele teatro.
Margarida ficou pasma, de boca aberta e sem reação. Dylan ficou muito surpreso com a realidade da cena, pois aquilo tudo não se pareceu nem um pouco com uma simples cena de ficção. Havia sido, na verdade, uma cena de paixão verdadeira entre um jovem ator e uma linda atriz.
— Bravo! Perfeito! Meus parabéns, meus jovens atores! A cena ficou maravilhosa! Parece até que vocês estão apaixonados de verdade. O público não se decepcionará. Por hoje estão dispensados. Este ensaio foi suficiente pra mostrar o quanto eu estava certo em escolher vocês como par romântico — Dylan elogiou-os, aplaudindo.
Margarida foi até a porta do camarim para encontrar a amiga, pois iriam juntas para casa. Estava atônita.
— Kamila, minha amiga, o que foi aquilo? O que foi aquele beijo seu com o Ricky?
— Foi um beijo técnico! Artístico!
— Me desculpa, mas de técnico aquele beijo não tinha nada. Vocês se beijaram de verdade, não é mesmo? Não foi de mentira. Vocês queriam fazer aquilo. Não tente negar, todos perceberam — Margarida a contradisse.
— Foi um beijo artístico, eu já disse. Atores e atrizes se beijam o tempo todo. É normal nas artes cênicas.
— Mas não daquele jeito apaixonado como você e ele fizeram. Não minta pra mim. Eu sei o que vi. Mas não se preocupe: aproveite, porque ali no palco ele é todo seu e ninguém pode falar nada. Vocês formam um par perfeito! — Margarida parecia ser a própria personagem que havia ganhado o beijo.
Houve uns instantes de silêncio.
— Você está certa, Margarida. Foi um beijo de verdade! O Ricky e eu nos beijamos mesmo! E quer saber? Foi maravilhoso! — Kamila confessou sem defesa.
— Amiga, que loucura! Esse rapaz está mesmo apaixonado por você!
***
Dylan, muito impressionado com a realidade da cena, ainda na coxia, interrogou o rapaz:
— Não minta pra mim, que sou diretor há mais de 20 anos. Ricky, o beijo que você deu na Kamila não foi artístico nem técnico, não é mesmo?
O ator parou, pensou, quase mentiu na resposta, mas admitiu:
— Sim, você tem razão. O beijo que eu dei nela não foi artístico, foi bem real. Eu sei lá. Senti vontade de beijá-la. Escapou do meu controle. Eu só parei porque você encerrou o ensaio.
— Isso ficou óbvio. Se eu não pedisse para parar, continuariam se beijando tranquilamente.
— Algum problema?
— Eu não sou contra você ter um romance de verdade com a Kamila só porque ela é mais velha do que você. Aliás, você é um jovem muito maduro, até mais maduro do que muitos atores de trinta anos que eu conheço. Eu só aconselho que você vá com calma. Seus pais são muito rígidos, eles mal aceitam que você trabalhe aqui como ator. O fato dela ser mais velha pode ser um grande obstáculo pra vocês ficarem juntos publicamente — Dylan o aconselhou.
— Tarde demais pra ter medo. É você que está me expondo publicamente com ela. Não foi você que nos escolheu pra sermos par romântico nesse espetáculo? — Ricky o questionou com razão.
Dylan respirou fundo.
— Eu só não imaginava que entre vocês existisse um sentimento verdadeiro. A vida real não é o palco do teatro. Eu nem mesmo sabia que vocês já se conheciam antes dela começar a trabalhar aqui. Só te aconselho a não assumir em público esse relacionamento, pelo menos por enquanto. Não se exponha diante dos seus pais nem de sua comunidade religiosa. Pelo menos não agora. Vamos deixar o que acontece aqui nesse teatro dentro desse teatro.
— Você tem razão. A Kamila pode ser alvo de muitas críticas. Ficará tudo só no palco.
— Na ficção está tudo certo. Os espectadores não se importam com quem está encenando. Mas na vida real as coisas são bem diferentes.
— Eu agradeço seus conselhos, diretor. Pelo menos agora não há o que temer. A Kamila e eu continuaremos sendo apenas amigos. Ela é uma mulher linda, que me atrai, mas ainda assim só uma amiga. Com licença. — Retirou-se.
Na primeira noite de espetáculo a plateia estava lotada. Kamila ficou nervosa como se fosse sua primeira vez em um palco atuando. Margarida, Catarine e Alicia faziam parte do público.
Tudo estava calmo até chegar o momento de Ricky e Kamila se beijarem na cena que impressionou a todos nos ensaios. A plateia aplaudiu de pé a atuação do casal. Catarine, que estava sentada nas últimas fileiras, engoliu seco ao ver a cena em que o amor da sua vida beijava outra mulher. Para ela foi insuportável presenciar e constatar que o rapaz que amava estava ali no palco beijando outra mulher de maneira apaixonada. Não se conteve.
— Não! — Catarine gritou na plateia ao ver seu amado nos braços de outra.
Todos olharam para trás na direção dela, que se levantou e se retirou do teatro. Logo a música continuou e o espetáculo prosseguiu.
Catarine correu para o lado de fora. Dylan foi atrás e interpelou-a:
— Catarine!
Ela olhou para trás.
— Você enlouqueceu, Catarine? O que foi aquilo? Queria estragar o espetáculo? Não percebe que pode prejudicar a imagem da companhia onde você trabalha? Quer perder seu emprego?
— A culpa disso é toda sua! Foi você quem colocou a Kamila e o Ricky pra fazerem par romântico. Desde que essa mulher chegou aqui eu tenho perdido a preferência como atriz. Eu é que deveria estar naquele palco com o Ricky e não ela!
— Agora eu entendi tudo. O Ricky é o problema. Você está ficando louca? Não percebe que é só ficção? Você já é atriz há muito tempo e sabe muito bem que os atores se beijam.
— O que aconteceu naquele palco não pareceu ficção, diretor.
— E qual é o problema? O Ricky não é seu namorado, e se ele gosta da Kamila você tem que se conformar com isso! Eu não permitirei que você estrague o meu espetáculo por causa de uma dor de cotovelo ridícula. Não apareça mais aqui nas noites de apresentação. Eles ainda vão se beijar mais de dez vezes nas apresentações aqui na cidade, e ainda têm a turnê pelo Brasil. Já que isso te incomoda tanto, é melhor não ver. — Dylan estava bravo.
— Quer saber? Eu vou sair daqui antes que eu me arrependa e volte lá pra cometer uma loucura verdadeiramente eficaz.
— Vá pra casa e descanse. Pense muito bem em suas atitudes dentro do seu local de trabalho se ainda quiser um trabalho.
Ela se retirou e entrou no táxi.
***
Naquele dia, ao chegar à companhia, Kamila foi imediatamente para a sala do diretor.
— Dylan!
— Kamila, entre. Sente-se, por favor. Temos que conversar.
— Pelo o que vejo, o assunto é sério. — Ela sentou-se.
— Vou direito ao assunto. Achei que o seu sentimento pelo Ricky fosse coisa passageira — Dylan comentou.
— Eu também achei que fosse só um capricho da ficção, mas infelizmente não é. Estou apaixonada por ele. Éramos amigos no passado, continuo sendo muito amiga da mãe dele agora. Morávamos na mesma rua.
— E vocês estão namorando?
— Não oficialmente. Quero dizer, nós saímos, ensaiamos juntos, costumamos nos beijar no palco, como bem sabe. E é isso. Mas você sabe que o pai dele é um religioso radical e não aceitaria que ele namorasse uma mulher mais velha como eu. Aliás, o senhor Velásquez nunca gostou de mim; nem sei como ele deixa o Ricky ser ator. Se ele visse o que aconteceu no palco desse teatro nessas últimas noites, seria capaz de expulsar o próprio filho de casa.
— Não duvido, mas o problema não é só esse. Você está exposta à inveja. Suas colegas de trabalho sentem muita inveja de você e do seu amado. O que a Catarine fez no dia da estreia da peça foi algo quase imperdoável, mas não podemos negar que a atitude dela revela o quanto é apaixonada pelo Ricky. Eu já me encarreguei de que ela faça os ensaios em um estúdio separado, e já advirto que não quero escândalos aqui na companhia. Mantenha distância dela e de todas as outras atrizes. Escutei coisas aqui que me deixaram assustado. Suas colegas não aceitam o seu sucesso. Infelizmente você precisa se isolar numa bolha. O Ricky também tem que ficar longe delas, que tramam pelos corredores para seduzi-lo a fim de atingir você. Todos sabem que você é apaixonada por ele.
— Eu sei de tudo isso. Elas não me suportam. Mas não se preocupe: manterei minha postura aqui na companhia. Também fiquei surpresa com a atitude da Catarine; ela está mesmo muita revoltada.
— A sorte é que sua atuação e a do Ricky foram tão brilhantes que o público nem se importou com o grito dela. E só mais um conselho: vá com calma com ele, que ainda é um adolescente e certamente não sabe de verdade o que quer. Procure não se iludir, Kamila. O amor é uma das maiores armadilhas da vida.
— Agradeço seus conselhos. Eu já sei bem quão nociva é essa armadilha. Agora eu vou ensaiar. Meus colegas atores me esperam no estúdio.
— Pode ir — Dylan autorizou-a.
***
Cerca de nove meses depois de sua volta a Santos, a jovem atriz Kamila confidenciou seus inevitáveis sentimentos. Kamila sonhava com Ricky todas as noites, sentia falta dele, desejava beijá-lo, amá-lo. Já não podia mais mentir para si mesma. Tudo isso estava perturbando-a ferozmente.
Ao reencontrá-lo depois de tanto tempo longe, e depois de terem trabalhado juntos e se beijado por tantas vezes nos espetáculos, ela tinha certeza de que o amava de todo o seu coração. Seu amigo de infância havia se tornado seu grande amor da noite para o dia e nada poderia mudar isso.
— Margarida, eu preciso te contar uma coisa — iniciou a conversa um pouco trêmula, após retornar de mais um dia de trabalho no estúdio.
— O que foi, amiga? Você parece tão tensa. Tem alguma coisa errada acontecendo?
— Tem sim.
— Então me diga logo o que é!
— Eu amo o Ricky — Kamila declarou, convencida de seus sentimentos.
— Ah, sim! Ele foi seu amigo por tantos anos e agora vocês vivem se beijando no teatro. É natural que você tenha carinho, afeto e atração por ele — Margarida disse, ainda não entendendo a situação.
— Não, Margarida! Eu não estou falando de um simples afeto nem de uma mera atração física. Eu estou falando de paixão, de amor entre um homem e uma mulher. Eu sonho com ele quase todas as noites, e durante esses anos que nos afastamos eu senti sua falta. Agora eu voltei e é maravilhoso tê-lo em meus braços no palco daquele teatro, mesmo que seja só na ficção.
— Amiga, ele só tem dezesseis anos de idade, e ele não pode saber ao certo se te ama. Com certeza ele tem as namoradinhas de escola e no teatro as mocinhas que o rodeiam. Ou você acha que não? Você está confundindo as coisas.
— Eu não estou confundindo nada — Kamila garantiu.
— O que ele sente por você é apenas atração, desejo e carinho por vocês terem sido tão amigos no passado e estarem agora juntos novamente. Tudo bem que o Ricky já é quase um homem, mas ele ainda vai pra escola. Já imaginou se vocês se casassem agora? Você levando seu marido pra escola? Bom, até que seria inusitado! Eu lembro bem quando as pessoas diziam que você esperaria ele crescer pra se casar com ele, só não imaginei que você levaria isso a sério — Margarida disse, rindo da cara da amiga.
— Pare de dizer bobagens, Margarida! Eu estou aqui falando de algo sério e você fica com brincadeira. Eu sei que esse é um amor impossível. Ele ainda é muito jovem e vai conhecer outras garotas da idade dele. É loucura eu me envolver, mas eu preciso beijá-lo e abraçá-lo. Eu não conseguirei viver sem isso. Eu sei que ele não me ama, mas eu preciso senti-lo — Kamila declarou, completamente apaixonada.
— Que loucura, minha amiga! Se pelo menos você tivesse certeza de que ele te ama... Mas, com 16 anos, o que um rapaz pode saber sobre a vida? Até agora ele nem te pediu em namoro. Não deve ter coragem de te assumir diante dos pais. Com tantos homens no mundo, você tinha que correr atrás desse menino? Eu bem sabia que essa história de você sair com ele pra passear na praia e contracenar com ele no teatro não daria certo. Mas mate minha curiosidade: você já o beijou fora do palco? Ele já te beijou na vida real, fora da ficção?
— Acredite se quiser, Margarida. Até agora eu só beijei o Ricky no palco do teatro. Ele não tem coragem de me beijar na vida real.
— E você, Kamila, tem coragem?
— Não! Pior que eu tenho quase certeza de que eu também tenho medo de beijá-lo na vida real. Tenho medo de tê-lo de verdade.
— Eu não entendo vocês. Qual é a diferença do palco do teatro pra vida real?
— É que lá no palco é como se nós tivéssemos uma autorização pra expressarmos nossos sentimentos. No mundo real sentimos uma barreira. O amor é um veneno, um veneno poderoso que escraviza. Você acha que a culpa é minha?
— Esses sonhos, esse seu sentimento... acho que talvez seja carência misturada com afeto. Pense em você: vai sofrer quando vê-lo com as namoradas da escola e até do teatro. Se você se declarar, pode ser ridicularizada, ou simplesmente se decepcionar completamente. Ele pode te dizer não. Até agora ele nem teve coragem de se declarar pra você.
— Faz tempo que não saímos juntos. Mesmo assim eu tenho quase certeza de que ele sente alguma coisa especial por mim. Eu vi o brilho nos olhos dele toda vez em que nos beijamos nas apresentações do espetáculo. O Ricky foi tão sincero. Os beijos também foram sinceros.
— Por que você não viaja pra longe daqui e esfria a sua cabeça? Você está confundindo os sentimentos. Sinceramente, eu duvido muito que ele sinta alguma coisa por você que não seja apenas atração e carinho. Embora ele seja um tremendo rapagão, ainda é apenas um rapaz que, por enquanto, quer aproveitar a juventude, e ele tem toda a razão.
— Mas eu não tenho a menor pretensão de ficar com ele. Eu só preciso dizer que eu o amo e amá-lo enquanto for possível, e da maneira que for possível.
— Então quer apenas realizar uma fantasia?
— Não, isso não é uma fantasia. Eu só quero me despedir do grande amor da minha vida. Sinto como se eu fosse morrer se eu não tiver o Ricky por um pouco de tempo aqui em meus braços.
— Grande amor? O que é isso? Eu não consigo entender essa sua mania de se apaixonar por rapazes mais jovens. Você precisa de um homem da sua idade, ou até mais velho.
— Quando éramos apenas amigos, eu vivi com ele tudo o que eu gostaria de ter vivido com um homem mais velho que me amasse. Eu vivi com o Ricky todos os momentos que eu gostaria de ter vivido com os namorados que eu nunca tive. — Kamila confessou à amiga.
— Então está me dizendo que você namorou um milionário em Buenos Aires e não viveu com ele momentos especiais?
— Com o Alejandro eu vivi bons momentos, mas pareciam muito artificiais. Não eram plenos. Ele era rico, mas tinha bipolaridade e às vezes esquecia que eu era namorada dele. Não teve amor.
— Eu entendo que você se apegou ao Ricky, e lembro bem que as pessoas comentavam e achavam bizarra a amizade entre vocês. Sei sim que foram grandes amigos, apesar da diferença de idade. Até aí eu nunca vi problema. Eu entendo também que agora ele se tornou um rapaz muito interessante, que atrairia qualquer moça e até mesmo mulheres mais velhas. Mas o que estamos falando aqui não é de uma simples atração.
— Tem razão, não é uma simples atração.
— Você é apaixonada por ele. E isso é o pior de tudo. Sinceramente, eu não vejo saída para o seu sofrimento. Se você diz que se declarando pra ele e o beijando terá um pouco mais de paz, então faça isso, mas não pretenda e nem queira nada mais — Margarida aconselhou-a sabiamente mais uma vez.
As amigas se abraçaram.
Kamila chegou cedo à festa de Beatriz Lonner, uma atriz muito talentosa e prestigiada pelos diretores da companhia. Era quase certo que Ricky estaria lá, afinal ele também era amigo da aniversariante.
Os convidados chegavam e o coração de Kamila acelerava na expectativa de que ele aparecesse. Ela estava sentada ao lado de Margarida em uma das mesas dispostas no imenso salão de festas. Catarine ainda não havia chegado e Kamila torcia para não haver concorrência naquela noite.
A música eletrônica começou a rolar. Todos estavam empolgados. A dança começou, mas a jovem atriz permanecia sentada. De repente, seu coração acelerou ao ver Ricky chegar. Estava acompanhado apenas de seus amigos, dois deles do teatro, e serviu de grande alívio para o coração de sua amada, afinal ele não havia chegado com nenhuma outra garota.
De longe, Kamila o seguiu com os olhos. Ele cumprimentou-a com um sorriso distante, apenas acenando com a mão direita. O coração dela disparou mais uma vez. Não conseguia tirar os olhos dele.
Ela ainda estava parada, apesar de quase todos, inclusive Margarida, já estarem animados na pista de dança. Ricky logo começou a dançar em uma rodinha de amigos. A música que tocava era “Under Control” (Calvin Harris & Alesso – ft. Hurts). Durante o refrão Ricky mexia o corpo e a cabeça extasiado. Kamila observava tudo de longe, sentada, meio desanimada.
A música seguinte foi de Icona Pop, “I love it”. Ela continuou sentada. Margarida fazia gestos chamando a amiga para a pista de dança, mas não a convenceu. Começou então a tocar “Outside”, de Calvin Harris e Ellie Goulding. Kamila olhou para o lado e mal podia acreditar no que via: sim, era ele mesmo. Inesperadamente, Ricky se aproximava dela, dançando no ritmo da música e fazendo gestos, convidando-a a dançar.
Ela levantou-se sorrindo, segurando a mão de seu amado, e logo entrou também no ritmo da canção que dizia tudo a respeito dos dois. Era sua música eletrônica favorita.
Em alguns momentos, a música, com um refrão tão agitado, ficava lenta e, assim, Kamila e Ricky se abraçavam e ficavam de rosto colado, juntinhos, face a face. No agito do refrão dançavam entrosados, pulavam, giravam, sorriam um para o outro, e ela até dublava a música, como se estivesse dizendo a letra para ele.
Margarida observava tudo segurando o queixo com a mão direita. Mal podia acreditar que enfim sua amiga tivera coragem de dançar com seu amado em público, diante de todos, e com direito a abraços.
Os convidados observaram com curiosidade a cena da mulher mais velha empolgada dançando com o rapaz mais novo. No fim da dança o casal sorriu despedindo-se um do outro. Ricky voltou para a companhia de seus amigos e Kamila voltou feliz e saltitante para sua mesa.
— Margarida! — chamou pela amiga, sorrindo.
— Kamila! O que foi aquilo?
— O quê? — perguntou, como se não soubesse do que se tratava.
— E você ainda me pergunta? Esqueceu que seus colegas de trabalho e as atrizes invejosas estão nesta festa?
— Eu só dancei com um rapaz! Inclusive eu não fui a única! Várias mulheres mais velhas dançaram com homens mais jovens aqui na festa e vice-versa — justificou sua coragem inesperada.
— Sim, mas nenhuma delas dançou loucamente como se fosse uma adolescente apaixonada. Agora todo mundo já sabe que você é apaixonada e super a fim do Ricky, inclusive a dona da festa, que, cá entre nós, também é louca por ele.
— Todos sempre souberam.
— É mesmo. Quase me esqueço de que as pessoas já sabem que você é maluca por ele desde o espetáculo que encenaram juntos.
— Não me importa nada nem ninguém! Ganhei a noite! Dancei minha música eletrônica favorita com o rapaz que eu amo! Isso é o mais importante! — comemorou.
— Queria só ver se o pai dele estivesse aqui assistindo a tudo isso! Vocês só faltaram se beijar!
— Não por falta de vontade! Eu queria tanto um beijo dele na vida real, mas ele não tem coragem. A mãe dele já me viu beijando-o no palco do teatro, mas o pai dele... Tomara que não veja nunca — Kamila confessou.
— Mas, amiga, enquanto for só no palco, é apenas ficção. Aqui é realidade, e nesta realidade você não é namorada dele. Pense nisso.
— Vamos parar com essa conversa enfadonha. Olha só o tamanho dele! O Ricky não é mais uma criança. Quando as pessoas vão perceber isso?
— Agora você tem razão! De criança ele não tem nada! — Margarida concordou, sorrindo e tocando os ombros da amiga.
A música seguinte foi “Heroes (We Could Be)”, de Alesso e Tove Lo. Hora e outra Ricky lançava olhares e risos carinhosos para Kamila, que retribuía com toda a vontade.
Depois de cantarem “parabéns pra você” à aniversariante, todos foram para a pista e em um grande círculo dançaram juntos a última canção da festa: “This Is What It Feels Like (Audien Remix)”, de Armin van Buuren e Trevor Guthrie.
Catarine tinha a companhia de seu amado ator na hora que bem quisesse. Mesmo sabendo que ele não a amava, era melhor do que não ter nada; vivia das migalhas de afeto que ele lhe dava quando queria. Sofria muito com isso, não tinha seu sentimento verdadeiro reconhecido. Não era namorada do rapaz que tantas vezes a beijou. Em vários momentos chorou sobre seu travesseiro em noites longas e frias. Entendia que sofria a grave ameaça de perdê-lo para sempre por causa de uma mulher mais velha que também mal sabia o que era ser amada.
Pela primeira vez, naquela praia onde antes acreditara ter vivido com Ricky momentos de amor, Catarine sentou-se na areia e chorou, lamentando sua realidade. Danielli, a amiga de todas as horas, aproximou-se. Havia sido chamada minutos antes pelo telefone.
— Catarine.
— Danielli. Você veio.
— Amiga, o que aconteceu? Por que está chorando tanto? Fiquei preocupada quando te vi hoje no teatro daquele jeito, tão desanimada. Por que está tão triste logo agora que vamos começar uma nova temporada de viagens para a apresentação do nosso espetáculo?
— Eu não aguento mais o Ricky me tratando como se eu fosse apenas um brinquedo na vida dele — Catarine explicou-se, aumentando o tom de voz.
— Eu sempre te disse que ele não te amava. Caso contrário, pediria você em namoro. Ele só quer diversão. Eu sinto muito.
— A culpa é daquela mulher que apareceu de repente. Por que ela teve que voltar pra roubar o homem que eu amo?
— Homem? O Ricky é apenas um rapaz imaturo que não sabe o que quer. Todo mundo sabe que ele também engana aquela pobre atriz mais velha. A Kamila é tão louca por ele, mas não toma uma atitude. Está claro que o amado de vocês não quer nada sério com nenhuma das duas. Sinceramente, não entendo. Há tantos homens bonitos e interessantes na cidade, e por que vocês têm que gostar justamente desse rapaz?
— Infelizmente ninguém manda nos sentimentos.
— Engano seu, minha amiga. Nós podemos decidir sim quem serão os nossos afetos. Você precisa se libertar desse sentimento sem futuro.
— Eu o amo de verdade. Como eu mato o amor?
— O amor verdadeiro nunca morre, apenas adormece. E o seu tem que adormecer. Você não merece sofrer assim.
As amigas se abraçaram.
***
O táxi buzinou em frente ao alojamento da faculdade. Empolgadas, Kamila e Margarida desceram correndo as escadas. Iriam juntas a mais uma festa de um amigo ator. Pela primeira vez, depois de meses, Ricky tomou a atitude de convidar Kamila para sair. Ela o abraçou fortemente. Ele estava parado diante do táxi, esperando as amigas.
— Você está lindo, Ricky! Que bom que voltamos a sair juntos — Margarida elogiou o amigo.
Ele sorriu.
— Kamila, Margarida, vocês é que estão lindas. Esta noite promete ser inesquecível. Entrem logo no táxi. Não temos tempo a perder. — Ricky mostrou seu ânimo e simpatia. Beijou o rosto das amigas.
***
Cerca de 200 convidados estavam presentes na festa. A piscina enorme iluminada pelos holofotes do jardim ficava próxima à pista de dança. Tony, o anfitrião, recebeu seus amigos com simpatia.
Ricky foi logo para a pista dançar, primeiramente com Kamila. A música que tocava era de Calvin Harris com Example, “We'll Be Coming Back”. Ela dançou empolgada por trinta minutos seguidos. Depois, cansado, o casal de amigos sentou-se à mesa. Margarida dançou com Tony, o aniversariante, por mais tempo.
— A festa está maravilhosa. Obrigada por ter me convidado, Ricky. O Tony não é muito meu amigo. Aliás, ele é muito amigo da Catarine, por isso não é de me convidar para as festas aqui na mansão. Falando nisso, não a vi até agora. Já era pra ela estar aqui cercando você — Kamila comentou, certa do que dizia.
— Ela já chegou. Também não entendo por que ainda não está aqui implorando pra dançar comigo. — Ricky encarava Kamila com olhar apaixonado.
Catarine se aproximou da mesa dizendo:
— Boa noite, meus amigos. Ricky, você está lindo.
— Olá, Catarine! Eu estava justamente comentando com o Ricky que senti sua falta aqui na festa. Achei que não tinha vindo.
— Aqui estou. Passei uns minutos a mais dentro da mansão me arrumando.
— E valeu a pena. Você está muito linda — ele elogiou-a.
— Comentei ainda pouco que você é muito amiga do Tony. Estão sempre juntos no teatro. É natural que se sinta em casa aqui na mansão dele — Kamila disse.
— Claro que sim. Eu sempre tive muitos amigos e pretendentes. — Catarine reforçou a ideia de não estar sozinha.
— E eu não duvido. Sua beleza é incomparável — Kamila elogiou-a com um riso sem graça.
— Aposto que está louca pra dançarmos juntos. — Ricky convidou-a, estendendo as mãos.
— Adivinhou meus pensamentos. Sempre dançamos juntos nas festas. Por que hoje seria diferente? — Catarine aceitou o convite.
— Então vamos! — Ricky sorriu e segurou-a pela mão gentilmente.
Ricky e Catarine dançaram juntos por dez minutos. Em seguida, ela voltou para a mesa onde estavam suas amigas, e ele voltou à companhia de Kamila.
Os convidados dançaram juntos “Summer”, de Calvin Harris, e em seguida quase todos se jogaram na piscina.
Entre mergulhos, Ricky e Kamila brincavam jogando água um no outro. Sorriam; eram felizes sem saber. Ele se aproximou mais. Foi de repente: os dois ficaram face a face e, sem resistir, se beijaram, diante de todos, que gritavam e assoviavam empolgados com a cena.
Catarine, sentada à mesa, observou a cena e ficou furiosa ao ver seu amado ator beijando a mulher mais velha que ela tanto detestava. Naquele momento não havia ficção; Ricky beijava Kamila espontaneamente. Não havia script naquele instante, e sim paixão.
Com o coração ferido, sentindo-se rejeitada, Catarine comentou com Danielli, que se sentiu apiedada da amiga:
— Danielli, você está vendo o que eu estou vendo? Isso não pode ser verdade. Ele gosta mesmo dessa mulher. O Ricky só me enganou todo esse tempo. Mas isso não vai ficar assim. — Enxugou as lágrimas que caíam por sua face.
— Estou vendo sim, ele está apaixonado por ela. Teve coragem de beijá-la em público, finalmente. Mas pode ser uma coisa passageira. Duvido que dure por muito tempo essa aventura.
— Vou separá-los de qualquer maneira. Sei bem o que fazer. A Kamila só precisa se decepcionar com o garotinho mais novo e ficar sabendo de tudo o que ele faz.
— E de que adianta separá-los se ele não vai ficar com você? Esqueça isso. Olha só, o Tony está bem ali te esperando; vá logo, agarre-o pelo pescoço e aproveite a noite. Valorize quem está sempre ao seu lado. Ele é tão lindo quanto o Ricky. Enxugue essas lágrimas e vá logo — Danielli aconselhou-a.
— A Kamila vai ficar sabendo que o atorzinho Ricky Velásquez ainda costuma beijar a atriz Catarine na areia da praia. Como é bom ter amigos fotógrafos.
— Fotógrafos?
— É isso mesmo. Eu e o Ricky seremos flagrados em breve — revelou sua intenção.
Catarine respirou fundo, levantou-se daquela mesa, foi até Tony, abraçou-o e beijou-o diante de todos.
Naquela manhã de domingo, mais uma vez a família Velásquez acordou cedo para ir à igreja. Kamila vestiu sua roupa tradicional e foi até lá para acompanhar Ricky ao culto, como faziam nos velhos tempos.
Ao chegar à casa, deparou-se com ele sentado à mesa, fazendo o desjejum: chocolate quente, torradas e queijo. Estava trajado em seu terno azul-marinho e usava uma gravata especial.
— Ricky! — chamou por ele logo que entrou na cozinha.
— Kamila! Chegou cedo. Ainda estou tomando meu café da manhã. Você está linda hoje! Fica muito bem de saias. Apesar de não gostar, deveria usá-las mais vezes.
— Deveria, mas não gosto. Só uso pra ir à igreja. Aqui estou eu para irmos juntos, como nos velhos tempos.
— Meus pais foram mais cedo hoje, precisam conversar com o ministro. Eu disse que iria de Uber com você. Sente-se, tome chocolate quente. Você adorava lanchar comigo.
— Obrigada. Acordei em cima da hora e nem tive tempo de me alimentar. — Ela sentou-se à mesa.
— Então pode se servir.
— Obrigada.
— Você se lembra dessa gravata? — ele perguntou, acreditando que ela se recordaria.
— Não me lembro.
— É a gravata que você me deu de presente quando eu completei doze anos de idade. Foi a minha primeira gravata.
— E você guardou até hoje?
— Sim, guardei, e estou usando-a agora.
— Estou surpresa.
— Guardei essa gravata azul com carinho. Nesses quatro anos é a primeira vez que estou usando. É uma boa lembrança. Minha primeira gravata foi você quem me deu. Meu pai sempre foi tão religioso, mas nunca pensou em me dar uma.
Ricky, dono dos olhos azuis esmagadores, levantou-se da mesa e aproximou-se de Kamila, que também se levantou. Ele encarou-a, ela ficou sem graça e não disse nada; ele sorriu com ternura. Suas faces se encontraram como no instante em que se beijaram no palco pela primeira vez, e se beijaram novamente. Já se amavam.
Ela sabia muito bem que poderia machucar seu coração, mesmo assim preferiu arriscar; era melhor ter alguém para lhe fazer companhia do que continuar solitária naquela imensa cidade.
***
O sol brilhava intensamente naquela tarde de verão em Santos. O céu azul fazia um convite para celebrar o amor. Por volta das dezesseis horas, Kamila chegou à casa de Ricky, tocou a campainha e ele abriu a porta.
— Meu amor, que bom que você chegou! Agora o meu dia será melhor, mais alegre! — ele exclamou, sorrindo, e a beijou.
— Não me chame de meu amor em voz alta. Seu pai pode escutar e mandar a polícia me prender! — ela advertiu-o, rindo.
— Você ainda não viu nada. Espere até ele saber que eu e você estamos namorando de verdade — Ricky disse em voz alta.
— Fale baixo!
— Não se preocupe. Meus pais e minha irmã não estão em casa.
— E onde estão?
— Foram todos à igreja.
— Seus pais não vão achar ruim eu ficar aqui com você sozinha?
— Não. Eu conversei com os meus pais e eles não se importam que fiquemos juntos aqui sozinhos, como nos velhos tempos em que você cuidava de mim. Eles sabem muito bem que não sou mais uma criança.
— Por isso mesmo deveriam temer que eu fique aqui sozinha com você.
— Vamos continuar namorando e ninguém precisa saber. Você é a única mulher com quem me sinto bem. Até gostava das outras garotas, mas elas só querem saber da minha beleza e do meu dinheiro. Querem se aproveitar porque eu sou um jovem ator bem pago, ou, quem sabe, querem um filho do jovem ator futuro astro de cinema. E você, Kamila, não tem desses interesses absurdos — afirmou, sorrindo para ela.
— Ricky, você diz cada coisa — ela comentou, balançando a cabeça, fingindo achar absurdas as palavras dele.
— Entre logo. Os vizinhos não precisam saber da nossa conversa.
Ela entrou. Mais uma vez ele se aproximou e beijou-a, afagando os cabelos de sua mulher amada. Kamila ficou emocionada e ainda mais sonhadora devido ao carinho que recebia. Era enfim a namorada do ator lindo e cobiçado. Sua paixão por ele era tão forte que aceitava qualquer condição para continuar por perto.
— Ricky, eu não sei se você acredita, mas eu te amo de verdade. — Ela afagou os cabelos dele.
— Acho que é você que não acredita que eu te amo. Eu nunca te esqueci. — Ele beijou-a mais uma vez.
De mãos dadas, foram para a praia. Dentro do mar de Santos se abraçaram e beijaram-se debaixo d’água, como nas cenas das novelas. Kamila se aproximou da face de seu amado e disse com voz suave:
— É maravilhoso viver tudo isso com você. O seu rosto, os seus olhos azuis... são os desenhos mais lindos gravados na minha mente. Talvez, se eu morrer longe de você, te dou meu coração com todos os meus sofrimentos, mas repleto de amor.
— Você é a única mulher da minha vida e eu quero aproveitar cada segundo pra te amar — Ricky declarou com sinceridade e um sorriso doce.
— E as suas amigas atrizes?
— Elas não me interessam.
— Nem a Catarine?
— Nem a Catarine — garantiu, sorrindo mais uma vez.
— Melhor assim então.
Sorriam.
***
Alicia e Augusto voltaram da igreja. Ao regressarem do passeio, Kamila e Ricky os encontraram na sala.
— Boa tarde, Alicia. Boa tarde, senhor Augusto — Kamila cumprimentou-os.
— Oi, mãe! Oi, pai! Estávamos na praia, precisamente tomando um maravilhoso banho de mar.
— Percebo. Estão molhados — Alicia comentou, sorrindo.
— Kamila, preciso ter uma conversa com você. Por favor, vá até o jardim para falarmos a sós.
— Sim, senhor. Vou trocar de roupa e em seguida estarei lá — ela concordou, sem se intimidar com o olhar severo de Augusto.
Minutos depois, Ricky comentou ao acompanhar Karen ao quintal:
— O que será que o meu pai quer falar com você? Quero participar da conversa. Não admito que ele faça qualquer tipo de intimidação à mulher que eu amo.
— Fique calmo, me espere aqui. Depois eu te conto tudo, não se preocupe. Não deve ser nada de tão importante. Eu entendo a preocupação do seu pai, e saiba que não é com você que ele está preocupado.
— Não?
— Não, Ricky. Seu pai está preocupado comigo, assim como todos que dão palpite no nosso relacionamento há anos, desde que éramos apenas amigos de idades diferentes. Agora as coisas são complicadas porque eu e você somos mais que amigos, somos namorados, e isso preocupa a todos. Meu amor, me espere aqui, eu já volto. — Ela beijou-o e seguiu para o jardim.
***
— Aqui estou, senhor Augusto.
— Kamila.
— Quer falar comigo? Pode dizer!
— Vou direto ao assunto. — Augusto aproximou-se dela. — Serei o mais sincero possível.
— Espero que sim.
— Eu só aceito a sua amizade colorida com meu filho porque entendo que é apenas uma paixão de dois artistas que trabalham juntos e que vivem o fulgor da juventude.
— Amizade colorida? Eu amo o seu filho!
— Entre você e ele é apenas isso que deve existir. Foi difícil eu engolir essa história dele ser ator. Sempre quis que ele fosse um médico, um professor ou engenheiro, mas minha esposa me convenceu a aceitar essa situação que, de certa forma, o remunera muito bem. E, apesar de vocês estarem sempre juntos no teatro contracenando e namorando, a vida real é muito diferente da ficção. Depois que as cortinas se fecham, tudo muda, a magia acaba.
— Não precisa me dizer. Já tenho idade suficiente pra saber disso. O que pensa que eu sou? Uma adolescente iludida com o primeiro namoradinho da escola?
— Falando em namoradinho de escola, o Ricky tem muitas amigas de escola da idade dele, todas apaixonadas e, com certeza, mais cedo ou mais tarde ele também vai se apaixonar por alguma delas. É natural que ele se sinta atraído pelas mulheres mais jovens.
— Eu conheço o seu filho. Sei bem qual é o terreno onde estou pisando.
— Você é apenas uma novidade. Não estou dizendo que você é velha, mas o Ricky ainda é muito jovem pra escolher. Ele não tem maturidade. Não se iluda só porque agora você o conquistou.
— Sei perfeitamente sobre toda essa história que exaustivamente me contam. Não sou uma adolescente apaixonada, eu sou uma mulher que sabe muito bem reconhecer um sentimento de amor.
— Não duvido que você saiba disso nem do que sente. O que eu quero deixar claro é que o seu namoro com o Gabriel, ou “Ricky”, como vocês o chamam, deve ser apenas uma paixão passageira, uma aventura artística, coisa de cinema que termina depois da empolgação. Não queira mais que isso, Kamila. Eu não acredito que essa relação de vocês tenha futuro. Não acredito que meu filho tenha maturidade pra decidir.
— Isso é o que o senhor pensa, mas não quer dizer que seja a verdade.
— Espero que você não tenha intenções de se casar com ele.
— Casar?
— Você já tem quase trinta anos. Deve sonhar em se casar, não?
— Não!
— Nem o sonho fantasioso de ter filhos e uma família feliz?
— Nem isso.
— Melhor assim. Sei que é uma mulher esforçada e que está progredindo em sua carreira de atriz, sei que tem sido a melhor parceira de trabalho do meu filho. Apesar de não concordar que meu filho seja ator, admito que o espetáculo teatral encenado por vocês foi fantástico. Você não ficou sabendo, mas eu estive lá no teatro prestigiando o espetáculo que tentaram esconder de mim. Impossível! Sua atuação foi um sucesso, apareceu nos jornais.
— Então o senhor gostou da minha interpretação teatral.
— Realmente você e meu filho formam um belo casal, mas só na ficção! Você é muito mais velha que ele. Meu filho pode ter tamanho, ele pode ter talento, mas continua sendo apenas um rapaz de dezesseis anos que quer aproveitar a juventude, e um casamento precipitado não seria bom nem pra você nem pra ele — Augusto disse francamente, em um tom mais severo.
Kamila começou a rir sem parar. Não suportava mais ouvir o mesmo discurso sempre que alguém tentava aconselhá-la.
— Por que está rindo, Kamila? O assunto é sério!
— É muito engraçado isso de todos me advertirem a não querer compromisso sério com o Ricky, que já é quase um homem. Pelo amor de Deus! Quem aqui está falando em casamento? Suas preocupações e advertências não têm fundamento e nem razão de ser. — Ela ficou séria. — Mais uma vez, eu repito, já sei de toda essa ladainha de que eu não posso querer me casar com o Ricky porque ele ainda é muito jovem e não está preparado pra escolher. Quer saber de uma coisa? Nunca pensei em me casar. Quero trabalhar como atriz por muitos anos ainda, viajar o mundo filmando grandes produções de cinema. Como farei tudo isso sendo casada e tendo filhos?
— Se sabe e tem consciência disso, então não alimente esperanças falsas. Sempre vejo você e meu filho se beijando por aí. Vocês estão sempre abraçados. Não sei se ele gosta das outras atrizes, mas eu sei que de você ele gosta. Mas que não seja nada mais do que uma aventura de um jovem rapaz com uma mulher mais velha. Desejo de verdade que vocês trabalhem juntos por longos anos e que, quando ele for um adulto, se ele ainda te amar, que então se case com você. Mas agora não! De jeito nenhum.
— Para o senhor, meu namoro com o Ricky pode ser apenas uma aventura passageira, uma paixão de cinema, mas, pra mim, o meu namoro com ele existe porque eu o amo de verdade, somos muito apaixonados um pelo o outro — ela ressaltou convicta.
— Como quiser.
— Era só isso?
— Sim, era só isso. Volte para o seu amado. Aproveitem bastante. A juventude não dura pra sempre, muito menos a paixão.
— Com certeza vou aproveitar muito sim. — Ela sorriu irônica.
Kamila saiu do jardim, entrou na casa e bateu a porta. No corredor, Ricky perguntou nervoso:
— O que meu pai disse? O que foi dessa vez? Ele te ameaçou?
— Nada demais, só a mesma ladainha de sempre. Ele disse que não quer que eu me case com você tão logo porque você é muito jovem e ainda não sabe o que é amar. Seu pai disse que você ainda não é maduro pra escolher com quem vai se casar. Eu só me pergunto de onde vem essa preocupação obsessiva das pessoas por casamento. Eu esclareci que não quero me casar. Ricky, você já é quase um homem e ainda te tratam como se você ainda fosse um menino! Isso me cansa.
— Em poucos meses já completo dezessete anos e ainda me tratam como se eu fosse um garotinho que nunca namorou e que não trabalha como um ator prestigiado na maior companhia de teatro do litoral. Só porque sou jovem eu não posso saber o que é amar? — Ricky questionou nervoso e entrou em seu quarto.
Kamila permaneceu sentada na cama ao lado dele.
— E você, Kamila, também duvida que eu te amo de verdade? Você também acha que eu vou te trocar por alguma garota mais jovem?
— Meu amor, claro que não. Eu sinto que você também me ama. O problema é que ninguém acredita que você me ama. Mas não importa o que eles digam ou pensem, só o que importa é o que eu e você sentimos. — Ela o abraçou.
O amanhecer estava esplendoroso na Praia do Gonzaga. As águas do mar tocavam de leve a areia. Kamila acordou cedo e se arrumou para encontrar seu amor às exatas oito horas da manhã. Completavam alguns meses de namoro. Foram dias difíceis sobrevivendo às críticas e aos olhares de preconceito daqueles que sabiam do relacionamento amoroso que viviam.
Nem Catarine tinha certeza do que de fato acontecia. Afinal, ainda recebia as visitas esporádicas de Ricky. Aguentava calada a certeza de que ele amava outra, mas mantinha esperanças de reconquistá-lo, pois ainda tinha sua atenção no teatro e em momentos de diversão nas festas da companhia, ocasiões em que sempre dançavam juntos.
Logo que Kamila chegou à praia, já avistou Ricky na areia. Correu em direção ao seu amor, agarrou-o pelo pescoço e abraçou-o fortemente.
— Desse jeito você vai me matar sufocado!
— Só se for sufocado de tanto beijo.
— Assim eu quero!
— Hoje o dia está lindo. Vamos caminhar pela orla e depois damos um mergulho no mar. Que tal?
— Boa ideia.
— Minhas ideias sempre são boas.
— Já faz alguns meses que estamos namorando. Nos dois últimos viajamos por várias cidades do Brasil apresentando nosso espetáculo, que tem sido sucesso por onde passa. Temos que comemorar.
— Vivemos juntos grandes e inesquecíveis momentos. — Ela sorriu e ele a beijou.
— E aguentamos pessoas desagradáveis também.
— Verdade. Mas está valendo a pena, não é mesmo? — ela o questionou.
Houve uns instantes de silêncio.
— Sim, está valendo muito a pena.
— Mas penso que já é hora de assumirmos nosso compromisso diante de todos, até mesmo diante da Catarine.
— Você está certa.
— É hora de você cortar seus laços com ela de uma vez. Sei que sente pena dela, mas não posso continuar permitindo que você permaneça iludindo a pobre moça com visitas de amigos e danças nas festas. A nossa sorte foi ela não ter participado da nossa última turnê.
— Tem razão. Hoje mesmo eu vou falar com ela. Eu e você seremos um casal de verdade. Serei somente seu nas festas, nos bailes, nas viagens de trabalho, mesmo que ela esteja por perto.
— Assim espero, Ricky.
Entraram no mar, mergulharam, se jogaram nas ondas. Pararam por um instante e se abraçaram dentro das águas refrescantes. Olhando fixamente para os olhos de seu namorado, Kamila pediu:
— A única coisa que eu preciso neste momento é do seu carinho.
— E terá sempre o meu afeto. Só fico triste porque sei que você não confia plenamente no meu sentimento. Você não acredita que eu te amo. Você pensa como os outros, que acham que eu sou muito jovem pra ser capaz de amar uma mulher de verdade.
— Não é o momento para discutirmos isso.
— Kamila, eu vou te provar que o que estamos vivendo é um amor real e duradouro, não uma simples paixão, nem um mero capricho de um rapaz em busca de aventuras — Ricky declarou, afagando os cabelos dela.
***
Naquela noite passearam no centro da cidade. Ficaram juntos na Praça dos Andradas e depois foram novamente para a praia. Após saírem do táxi, Kamila correu até a areia. Ela estava feliz com tudo que vivia. Enfim sentia-se amada.
— Ricky, quero ver se você me alcança — ela o desafiou, correndo em direção ao mar.
Ele foi atrás de sua amada, pegou-a pela cintura, caíram na água, rolaram pela areia molhada e, deitados, se beijaram.
— Eu gostaria que esse dia não terminasse nunca — ela afirmou, ainda deitada com ele na areia.
— Eu também gostaria que esse momento fosse eterno — ele disse com brilho nos olhos.
***
Eram por volta das onze horas da noite. Catarine levantou depressa da cama para atender a porta. A campainha havia tocado em um momento inesperado. Vestida em seu hobby, desceu correndo as escadas.
— Ricky! O que faz aqui a essa hora? Eu já estava dormindo — disse, sonolenta.
— Desculpe incomodar você e sua família. Sei que já é tarde, não quero atrapalhar seu sono, mas eu preciso falar com você. É importante.
— Tudo bem. Vamos mais adiante no jardim. Não te convido pra entrar porque não quero acordar meus pais.
— Sim. Tudo bem.
O coração de Catarine acelerou. O que Ricky teria a lhe dizer em um momento tão atípico?
— Diga logo, o que tem pra me falar?
— Catarine, eu e você temos sido bons amigos durante todos esses anos, então você merece que eu seja honesto com você. E eu serei.
— Me sinto lisonjeada por saber que mereço a sua sinceridade.
— A verdade é que eu estou namorando a Kamila já há um tempo. É um relacionamento sério. Não é uma paixão passageira. Mantive isso em segredo porque não queria me expor em público. Mas agora não há motivos pra esconder que eu amo aquela mulher com toda a força do meu coração.
— Até aí nenhuma novidade. Tem algo mais importante pra dizer, Ricky?
— Sim. Isso tudo significa que eu não vou mais frequentar a sua casa. Ainda nos veremos no trabalho e serei educado com você lá, mas nas festas não me procure mais pra dançar. Só danço com a minha namorada. Nas viagens não se sente do meu lado porque a partir de agora eu só me sento ao lado da minha namorada.
— Eu já sabia que você estava com ela, mas veio até aqui pra me humilhar depois de ter me beijado várias vezes desde que começou a fazer o espetáculo ridículo! Você apenas me usou, como se eu fosse uma boneca com a qual você brincou quando quis e depois jogou no canto de uma parede, como as crianças fazem com os brinquedos que não lhes interessam mais. A sua namorada sabe que você me beijou quando já era namorado dela?
— Isso aconteceu apenas uma vez porque você se jogou pra cima de mim.
— E você ainda se acha no direito de me ofender dizendo que eu sou a culpada pela sua traição! Ela sabe?
— Não, ela não sabe.
— A Kamila vai ficar sabendo quem você realmente é. Depois de me usar todo esse tempo, agora você me descarta. Você vai pagar por todo o mal que me causou. E fique em paz, porque eu não quero nem chegar perto de você. Diz pra sua namorada que ela pode ficar tranquila, porque eu não vou mais dançar com você nas festas nem sentar ao seu lado nas viagens.
— Se você e eu tivéssemos sido apenas bons amigos, não seria necessário manter essa distância, mas fomos mais que isso, tivemos um lance de paixão, então, para seu próprio bem, se afaste de mim — Ricky enfatizou, segurando-a pelo braço.
— E ainda tem coragem de me dizer que é pro meu próprio bem. Larga o meu braço! Vá embora daqui agora e não fale mais comigo! A sua namorada ainda vai saber quem você é de verdade. Você é ridículo, Ricky! — Catarine entrou em casa batendo a porta, subiu depressa as escadas, se jogou na cama e chorou como nunca.
***
Kamila descobriu o amor da maneira mais difícil e desafiadora. Não foi do jeito que ela imaginou que tudo seria. Namorar um rapaz muito mais novo nunca fez parte de seus planos até conhecer Ricky e tudo mudar. Sabia muito bem que o amor que sentia por ele era muito maior do que o que ele sentia por ela. Mas como ter certeza se o que ele sentia era de fato amor, ou apenas uma simples carência misturada com carinho, atração e gratidão?
Dylan chamou Kamila e Ricky para uma reunião extraordinária em seu escritório. O casal entrou curioso na sala. O diretor os esperava ansioso para dar-lhes a grande notícia de suas vidas.
— Dylan, estou curiosa pra saber por que nos chamou aqui com urgência. Estávamos indo à praia, aproveitando muito os dias de folga. — Kamila estava ansiosa.
— E eu mais ainda. Espero que não seja pra nos demitir — Ricky completou.
— Sentem-se, por favor, e não se preocupem. O que eu tenho pra dizer é a melhor notícia de suas vidas.
— Diz logo. O que é? Não me deixe mais aflita do que já estou, diretor.
— A Star Estúdios, de São Paulo, gostou do nosso espetáculo e principalmente da atuação de vocês como par romântico. A empresa ofereceu para nossa companhia um contrato de um milhão de reais para ter direito de filmar um longa-metragem com vocês, uma adaptação do nosso espetáculo para o cinema. Eles querem vocês como personagens principais do filme.
Fez-se um breve silêncio. Eles entreolharam-se.
— É sério? Então agora eu sou uma atriz de cinema? — Kamila sentiu-se uma diva naquele instante.
— E eu um astro da sétima arte! — Ricky exclamou em tom de comemoração.
— Sim! Meus parabéns! Vocês podem ser astros do cinema. Basta assinarem o contrato. E, a propósito, o cachê de vocês será de um milhão de reais para cada um.
Kamila quase desmaiou ao ouvir o valor do cachê. Ficou trêmula.
— Um milhão! Nunca imaginei que meu talento valeria tanto assim! — Ela quase caiu para trás.
— Agora somos milionários também! — Ricky disse, sem fôlego.
— Sim! E eu já estou com os contratos aqui. Podem levar pra ler e decidirem se aceitam ou não. — Dylan esticou as mãos para entregar-lhes os papéis.
— Mas do que está falando, diretor? Nos dê logo esses contratos que nós vamos assiná-los agora mesmo! — Kamila pediu, entusiasmada.
— Nós? Kamila, eu tenho que falar com meus pais primeiro antes de assinar. Eles também precisam concordar e me autorizar.
— Eu vou assinar meu contrato agora mesmo. Quero meu milhão de reais garantido. Enfim vou poder comprar meu apartamento e não vou precisar mais morar no alojamento da faculdade. — Kamila assinou imediatamente.
— Com esse cachê você não vai mais precisar frequentar a faculdade, Kamila. — Dylan comentou. Riram.
***
Alicia e Augusto a princípio ficaram receosos com a proposta de estrelar um filme que o filho havia recebido. Temiam que a fama pudesse interferir de maneira negativa na vida de Ricky. Mas o alto valor do cachê os convenceu a consentirem que ele assinasse o contrato para gravar o longa-metragem.
Catarine ficou ainda mais furiosa logo que soube da notícia de que Kamila e Ricky contracenariam em um longa-metragem. O próprio diretor havia lhe informado que mais uma vez seriam um par romântico na ficção. Ela não podia mais adiar seus planos e teria que contra-atacar imediatamente.
***
O celular de Kamila tocou. Sim, era ele do outro lado da linha.
— Ricky!
— Sim, sou eu mesmo, meu amor!
— Que surpresa! Pensei que você já tivesse me esquecido.
— Nunca!
— E o que foi que aconteceu?
— Eu só liguei pra dizer que estou com saudade. Ficamos dias sem nos ver desde que eu viajei para o sítio dos meus avós.
— Você precisava de um tempo com a sua família.
— Voltei ontem e você nem me procurou. Quero sair com você ainda nesta noite para comemorar nosso contrato. Agora somos artistas milionários! Vou passar pra te buscar de Uber.
— Eu fiquei tão ocupada com as provas da faculdade que nem percebi que já era o dia da sua volta. Mas, só porque você disse o que disse, eu aceito sim passear com você hoje. Senti muita saudade. Te espero aqui no alojamento para irmos àquelas areias onde nós já fomos tão felizes.
O coração de Kamila disparou de emoção ao lembrar que ainda naquela noite estaria com ele. Esse havia sido o primeiro convite que recebera de seu amado depois de assinarem o contrato para contracenarem no longa-metragem.
Vestiu sua melhor roupa para a ocasião. Colocou suas joias mais bonitas, fez a maquiagem mais linda. Seria um encontro com o homem de sua vida.
Naquela noite de céu estrelado, Ricky chegou em frente ao alojamento. Sentia-se um homem de verdade. Da sacada, sua amada observou-o chegar, desceu correndo pelas escadas e seguiu depressa até a esquina onde ele a esperava.
— Ricky!
— Meu amor. — Ele abraçou-a.
— Você está lindo! — exclamou, transbordando alegria.
— Você é que está maravilhosa!
Sorriram um para o outro. Ela entrou no carro sentindo-se uma princesa. Seguiram para uma casa de shows chamada Glamourosa, no centro da cidade.
Logo que entraram, Kamila ficou encantada com o clima do local e, ao lado de seu amado, foi logo apreciar das janelas a vista para o luar.
— Que lindo! — exclamou, emocionada.
— Daqui até parece que a lua está tão perto — comentou, segurando a mão dela.
— Essa vista é mesmo maravilhosa. É verdade, parece que a lua está logo aqui.
— Espero estar provando que você é a mulher que eu escolhi pra minha vida. Estou ansioso para gravarmos nosso primeiro trabalho no cinema.
— É o destino nos unindo sempre.
— Estou tão feliz. Nunca imaginei que viveria tantas coisas boas ao lado de uma pessoa tão especial — disse, aproximando seu rosto do rosto dela.
— Talvez você esteja conseguindo demonstrar que tudo isso pode ser verdade. Eu também estou super feliz por esse momento que estamos vivendo, apesar de achar que precisamos ser mais realistas — disse Kamila.
— Eu preciso de você, é sério — declarou sincero.
— Será que o nosso amor é possível?
— Sim. Não só é possível como já estamos vivendo esse sentimento da maneira mais intensa — reforçou Ricky.
— Eu tenho você agora, mas amanhã já não sei.
— Não queira saber do amanhã, hoje é o dia que importa. — Ricky mais uma vez beijou-a com amor maior do que antes.
Foram à pista de dança. Tocava “Outside”, de Calvin Harris com Ellie Goulding. Divertiram-se por mais de uma hora.
— O que vamos fazer agora? Ir à praia? Você tinha dito que queria — ele perguntou.
— Quero observar as estrelas nas areias da praia do Embaré — Kamila sugeriu.
***
Deitaram felizes nas areias do Embaré, admirando as estrelas. Era por volta de uma hora da manhã. Ricky teria que provar que tudo aquilo não era apenas uma aventura.
— É emocionante olhar ao redor e ver a cidade toda iluminada. E o céu iluminado pela luz das estrelas — Kamila comentou com voz suave.
— Vou repetir mais uma vez: eu nunca vou esquecer os dias em que te amei. — Ricky se declarou.
— Eu também jamais vou esquecer!
O relógio marcava três horas da manhã quando Ricky deixou Kamila no alojamento da universidade. Ao chegar em casa, ele foi direto para o quarto onde, sob a luz fraca, tirou a roupa e as colocou sobre a poltrona, como era de costume, vestiu o pijama e deitou-se. Quase não conseguiu dormir pensando até quando duraria aquele amor.
***
Já era inegável que se amavam.
— É você mesmo? O mais novo astro do cinema chegando pra me buscar em seu carro novo com o motorista?
— Enquanto a lei não me permite dirigir, tenho o motorista.
— Você é o sonho de todas as garotas! — Kamila afirmou, sorrindo enquanto entrava no carro.
— Não me importam todas as garotas. Eu só quero você! — enfatizou convicto.
— Quase não saímos mais. Você sempre some. Daria tudo pra saber com quem você anda quando estamos longe um do outro — Kamila manifestou sua dúvida.
— É melhor que não saiba.
Ela franziu a testa.
— Estou brincando. Mas acho que essa sua faculdade está ocupando demais seu tempo, Kamila.
— Talvez você tenha razão. E pra onde vamos hoje?
— É surpresa!
Seguiram para o restaurante Mar Del Plata. O carro parou em frente ao local.
— Nunca tinha vindo aqui! Que lugar lindo! — Kamila exclamou ao entrar no restaurante.
— É o melhor da cidade! — Ricky garantiu.
— O jantar deve ser maravilhoso.
— Sorte sua estar comigo, Kamila.
Em certo momento, enquanto jantavam, ela o questionou:
— Ricky, eu sei que eu sempre bato na mesma tecla, insisto no mesmo assunto, mas preciso te perguntar: como você sabe que me ama?
— Isso é fácil saber. Sei que te amo porque não consigo me imaginar vivendo longe de você. Desde que você voltou pra Santos estamos sempre juntos, no trabalho, em casa. Meu sonho é viajarmos pelo mundo, conhecer outros países. Eu lembro que você prometeu que, quando eu completasse dezesseis anos, você me levaria pra viajar. A hora chegou.
— Eu sinto o mesmo. A propósito, esse jantar está uma delícia, mas nossa conversa parece sempre tão vazia. Não temos outro assunto a não ser o futuro incerto do nosso relacionamento.
— Você é que só fala sobre os seus medos. Por que não conversamos sobre o filme que vamos gravar? Você nem parece que está animada com o nosso cachê de um milhão de reais que serão depositados em nossas contas bancárias. Já estou imaginando tudo o que poderemos fazer com todo esse dinheiro. Me diz, que país você vai querer conhecer primeiro?
— São tantos. Eu nunca fui à Europa. Acho que eu quero ir pra Paris, depois Berlim. Enfim, pretendo conhecer todo o continente europeu.
— Então temos que planejar logo essa viagem. Pelo menos pra Paris, antes que as gravações comecem.
— Eu e você em Paris?
— Não acha uma boa ideia?
— Ousada, mas inegavelmente emocionante.
— A razão me diz que, mesmo que eu não queira, eu vou te amar para o resto da minha vida. Meus pais não podem me impedir de me casar com você.
— Enquanto você não completar dezoito anos seus pais não só podem impedir como podem até chamar a polícia pra me prender. — Riram. — Ouvindo a sua declaração de amor, fico muito emocionada. Quero de verdade que sejamos felizes juntos, mas sem os contras da sua família e sem os impedimentos da lei e do moralismo social.
— Eu confesso que, mesmo depois que te beijei pela primeira vez, em nosso primeiro dia de ensaio no palco daquele teatro, eu até tentei namorar a Catarine e as outras atrizes da minha idade, mas não deu certo. Elas não me fizeram sentir nada significativo. Eu não me apaixonei por elas simplesmente porque eu já te amava de alguma maneira.
— Então você tentou ficar com elas.
— Sim, e foi a maior bobagem que eu já fiz.
— Pelo menos você assume que ficou com todas.
— Kamila, eu não sou de ferro. São mulheres bonitas. Mesmo eu não tendo me apaixonado por elas, tentei.
***
Abraçados nos bancos da Praça José Bonifácio, enquanto observavam o céu noturno, conversaram.
— Essa cidade toda iluminada e o céu são lindos. Adoro ficar aqui olhando a Catedral — Kamila disse, atenta ao brilho das estrelas.
— Sim. Me faz lembrar muitas coisas do passado — Ricky concordou.
— É a primeira vez que eu estou aqui nessa praça com você.
— De agora em diante eu só quero chorar de alegria por saber que nunca mais vou ficar sozinho.
— Nossa vida tem sido tão abençoada. Dinheiro, amor...
Abraçaram-se ainda mais forte e se beijaram.
***
Naquela noite serena e inspiradora, sentados na areia da Praia do Boqueirão, que marcou para sempre o amor que sentiam um pelo outro, Ricky e Kamila admiravam o céu repleto de estrelas.
— Me fala alguma coisa sobre a lua. Embora eu já saiba muito, gosto de te ouvir explicar, como fazia antigamente — Ricky pediu, com um sorriso singelo e voz doce, olhando para o céu brilhante.
Kamila também sorriu. Adorava astronomia e o planeta Vênus.
— A Lua está a 300 mil quilômetros daqui!
— É muito longe!
— Sim, é muito longe para nós, que mal nos deslocamos em nosso mundo. É o quinto maior satélite do Sistema Solar. Ela mostra sempre a mesma face visível e é marcada por mares vulcânicos escuros entre as montanhas cristalinas e protuberantes crateras de impacto.
— Incrível.
— E aquela estrela ali, a mais brilhante do céu, na verdade não é uma estrela, é o planeta Vênus — explicou a ele.
— Vênus! A Estrela da Manhã! — Ricky sorriu.
Deitaram-se na areia lado a lado e permaneceram ali contemplando a constelação de brilho azul.
Os trabalhos no teatro recomeçaram e Catarine, Ricky e Kamila voltaram à velha rotina de se verem todos os dias.
Catarine sentia raiva de sua rival, pois tinha certeza de que ela estava roubando-lhe o rapaz que amava. Certa tarde, no teatro, sentindo-se rejeitada, escondeu-se no canto da porta para ouvir a conversa do casal de namorados.
— Ricky, vou sair mais tarde hoje, tenho que ensaiar o novo musical. Podemos nos encontrar na Praça dos Andradas, por volta das vinte horas?
— Tudo bem. Te espero lá, meu amor. Vamos tirar fotos e fazer muitas coisas juntos.
— Combinado então. Vou pro meu ensaio agora.
— Até mais tarde.
— Até! Se cuida! — Ricky disse, beijando-a rapidamente no corredor do estúdio.
Catarine armou um plano. Chegou à Praça dos Andradas antes de Kamila, para marcar um encontro com Ricky na praia. Quando Ricky chegou, sua namorada ainda não estava lá, mas Catarine sim.
— Ricky!
— Catarine.
— Você por aqui!
— Estou esperando a minha namorada. Ela já deve estar chegando.
— Eu andei pensando se nós poderíamos ficar mais tempo juntos ensaiando nossos scripts. Eu sei que você tem a sua namorada, mas continuo precisando de sua ajuda com os ensaios na peça em que estamos contracenando juntos.
— Já ensaiamos juntos no teatro, Catarine.
— Podemos continuar sendo amigos pelo menos, não é mesmo? Ricky, desse jeito parece até que eu sou uma estranha na sua vida.
— É claro que somos amigos, mas é que agora que o trabalho no teatro ficou mais intenso, não sobra mais tempo pra nos vermos como antes. Aliás, já nos vemos todos os dias no trabalho.
— Que tal amanhã no fim do dia na praia do José Menino? Só pra você me ajudar a ensaiar. Eu não aceito suas desculpas.
— Já conversamos sobre isso.
— Sim, e eu aceitei. Por acaso, durante esses meses, atrapalhei alguma vez seu namoro? Não sou mais apaixonada por você. Provei que sou uma boa colega de trabalho.
— Verdade. Você se comportou bem durante esses dias. Eu acho que eu posso te ajudar a ensaiar, mas só dessa vez.
— É assim que eu gosto. — Ela sorriu vitoriosa.
Ao perceber que Kamila se aproximava, Catarine agarrou Ricky pelo pescoço e beijou-o no rosto, insinuando certa intimidade.
Catarine se retirou.
— Meu amor, eu só estava me despedindo da Catarine. Ela passou rápido por aqui.
— Passou rápido! Sei. — Kamila respirou fundo de tão nervosa por ter visto seu namorado perto de sua rival.
***
Ricky parecia ter se apiedado de Catarine. No passado até havia sentido uma atração por ela e, apesar de tudo, a considerava uma amiga, mesmo contra a vontade de sua namorada. Ele foi até a praia do José Menino para ajudá-la a ensaiar na hora marcada. Não havia muita gente durante aquele fim de tarde. Escolheram o canto na areia mais distante de todos.
— Catarine! — ele chamou-a, sorrindo.
— Eu sabia que você viria. — Ela comemorou ao vê-lo ali e o abraçou.
— Como tinha tanta certeza?
— Porque você nunca negou um pedido meu, Ricky. Agora tem que ser assim, nos encontrando escondidos? Por que você não pode ser meu amigo? Estive com você durante tanto tempo, antes da Kamila voltar. Eu vi você se tornar um ator. Já dançamos e viajamos juntos muitas vezes. Tivemos tantos momentos de amor, e agora você se esquece de tudo isso por causa de uma mulher insegura que nem sequer acredita que você a ama de verdade! — Catarine lançou seus argumentos.
— Não diga essas coisas. A minha namorada não duvida do meu amor, ela só tem medo de me perder. E será que ela não tem razão? Olha só onde estou agora, com você. Se ela soubesse, ficaria furiosa por correr esse risco. Estou aqui apenas como seu amigo pra te ajudar a ensaiar. Na verdade, estou aqui pra pedir pra você me deixar em paz. Eu sei que você sente falta da minha amizade, dos momentos que vivemos juntos, mas precisa entender que eu não te amo. Não posso te enganar. Nem mesmo fui apaixonado por você. Eu sinto muito.
— Não minta pra mim, Gabriel! Você está aqui porque não leva a sério aquela atriz velhota que tem idade pra ser sua irmã mais velha, quase mãe.
— Velhota? Ela quase parece ter a sua idade, Catarine. Não invente coisas. A Kamila ainda é jovem e linda.
— De qualquer maneira, eu sei que você gosta de variar. Deixa de conversa e venha logo me beijar. — Catarine o agarrou pelo pescoço e começou a beijá-lo sem parar.
Naquele instante de falso amor havia um fotógrafo do site de celebridades Famosos da Baixada escondido atrás de uma árvore. Ele fotografou exatamente o momento do beijo. Tudo havia sido combinado. No dia seguinte seria publicada a foto no site e no tabloide impresso.
Por um momento o jovem ator cedeu aos encantos de Catarine, mas corajosamente gritou:
— Me larga! Me deixa em paz!
Ricky saiu correndo dali, mas já era tarde demais. O fotógrafo havia conseguido capturar as imagens certas, as provas de uma traição forçada.
***
Kamila sentia-se realizada. Naquela manhã havia acordado feliz. Era uma mulher amada pelo rapaz de seus sonhos e tinha um emprego maravilhoso fazendo o que mais gostava. Combinou de passear com Margarida no Shopping Center Praiamar para colocar as fofocas de amigas em dia.
— Há quanto tempo não conversamos sobre nossos segredos e não saímos juntas! — Kamila exclamou, animada.
— Verdade, amiga. Depois que você começou a namorar o Ricky e se tornou uma atriz de sucesso, você esqueceu que eu existo, mesmo ainda morando comigo. Aliás, com o seu salário de atriz, nem tem mais porque continuar morando aqui nesse alojamento. Mas tudo bem, eu sou apenas uma estudante de artes plásticas anônima. Sei que não sou importante.
— Não diga bobagens, Margarida! Você é minha melhor amiga! Jamais te esqueceria. Gosto de morar aqui porque acho divertido e preciso de uma colega por perto pra dividir meus segredos. Quando eu comprar meu apartamento você vai morar comigo. Agora vamos seguir com nosso passeio, tenho tantas coisas pra te contar. Estou muito feliz — Kamila garantiu.
— Tudo bem, sua boba! Eu só estava brincando. Até parece que eu não sei que o seu gato de olhos azuis é mais legal do que eu — Margarida tranquilizou-a.
Passaram em frente à banca de jornal e revistas. Quão grande foi a surpresa de Margarida ao se aproximar e se deparar com a notícia de capa de três tabloides de celebridades da região: “Ricky Velásquez Tem Tarde de Amor Na Praia do José Menino”. As chamadas eram as mais variadas: “Jovens atores empolgados na praia”, “Atriz Catarine enfim namorando sua verdadeira paixão.”
— Kamila, vamos para o outro lado. Desisti de comprar a revista. — Margarida puxou a amiga pelo braço, desviando-a da direção da banca.
— Mas por que desistiu de comprar? Eu estou louca pra saber o que está acontecendo no mundo das celebridades.
— É que existem os sites. Para quê comprar a revista?
— Eu ainda prefiro os impressos. Vou comprar agora mesmo meu tabloide preferido de fofocas. Logo eu e o Ricky seremos muito famosos, nosso longa-metragem começará a rodar em breve. Vou adorar ser perseguida pelos paparazzi, dar entrevistas, essas coisas — Kamila comemorou sem medir suas palavras.
— Algo me diz que você não vai gostar muito dos paparazzi. Amiga, esqueça essas revistas e vamos embora daqui — Margarida insistiu.
— Claro que não. Quero ver o que dizem os tabloides. Quem sabe tem algo sobre mim.
— Kamila, é melhor não.
Naquele instante ela se irritou com Margarida:
— Pare de ser chata, Margarida! Por que eu não posso ficar aqui e comprar um exemplar dos tabloides e das revistas?
— Amiga, eu não quero nem ver.
Kamila olhou para as revistas e tabloides da banca e logo estava com um deles em suas mãos. Quase não conseguiu acreditar no que via e lia.
— Margarida, me diz que isso é mentira! Não pode ser verdade! Aqui está dizendo que o Ricky passou o fim de tarde ontem com a Catarine na praia. — Suas mãos tremiam, parecia até que ela não conseguiria segurar as folhas do jornal.
— Amiga, eu avisei que você não ia gostar das fotos de paparazzi.
— Meu namorado me traiu. Ele não merece o meu amor. Mentiu quando jurou que não se encontrava mais com ela. Disse que não iria mais ajudá-la nos ensaios. Mas não só ajudou nos ensaios como fez questão de beijá-la — afirmou, decepcionada.
— Acalme-se! Isso é só uma foto de paparazzi mal interpretada. Você sabe que eles vivem inventando coisas sobre a vida de artistas. Além do mais, desde quando a Catarine é perseguida pelos paparazzi aqui na baixada santista? Já parou pra pensar nisso? Pode ser uma armação dela! Você alguma vez já foi fotografada por eles quando estava com o Ricky? Tem algo de muito errado nessa história. A Catarine não é tão famosa assim. E os paparazzi não costumam perseguir atores de teatro.
— Eu sei muito bem o que há de errado. O erro maior foi eu ter acreditado naquele atorzinho descarado. Ele me traiu e a cidade toda sabe disso agora. Tenho que ir até a companhia pra falar com o Dylan agora mesmo.
— Com o Dylan? Mas o que o seu diretor tem a ver com isso?
— Tem tudo a ver! Direi a ele que não vou mais gravar filme nenhum com aquele rapaz!
— Vai desistir do seu trabalho por causa de um adolescente indeciso e uma garota mimada?
— Eu não posso fazer par romântico com o Ricky depois disso! Será que não me entende?
— Nem por um milhão de reais?
— Nem por todo dinheiro desse mundo! É muita humilhação! Como se eu não fosse capaz de conseguir um homem da minha idade, rico e muito famoso... Saiba que eu sou muito cobiçada no teatro, e o meu namoro com o Ricky só me atrapalhou. O Dylan vai me entender. Eu não posso gravar esse filme. A menos que mude o ator.
Furiosa, com um exemplar do tabloide na mão, Kamila invadiu o escritório de Dylan e gritou:
— Dylan, está tudo acabado!
— O que está acabado? Por que está gritando desse jeito? O que aconteceu? — Ele ergueu-se na cadeira.
— É isso mesmo que você ouviu. Está tudo acabado. Eu não vou mais gravar filme nenhum com aquele garotinho falso! Pode cancelar meu contrato. Minha paciência se esgotou!
— Kamila, você ficou louca? Explique-se melhor. Que história é essa de garotinho falso?
— Eu não fiquei louca coisa nenhuma. O Ricky é que enlouqueceu e decidiu me trair. Olha isso! — Entregou nas mãos dele o exemplar do tabloide.
— Ah, sim, é claro. Eu já vi na internet. Vi também em outro tabloide quando me dirigia ao trabalho nesta manhã. Olha, Kamila, eu até entendo a sua dor de cotovelo por essa decepção amorosa, mas lamento lhe informar que você não pode rescindir seu contrato, a menos que tenha três milhões de reais pra me indenizar. Porque este é o valor que eu tenho que pagar de multa caso seja necessário mudar a atriz contratada. Mas, pela sua cara, você não tem esse dinheiro.
— Três milhões de reais?
— Sim, vou perder três milhões de reais caso mude a atriz contratada por um motivo banal como esse.
— Me entenda, eu não posso contracenar com o Ricky depois dessa traição, muito menos fazer par romântico com ele! Eu não posso ter minha imagem estampada em todo o Brasil com um rapaz que meu traiu. Eu não sou obrigada a suportar isso!
Dylan respirou fundo e encarou-a, já irritado com a falta de maturidade da atriz:
— Ao menos uma vez na sua vida seja uma mulher de verdade, seja profissional. Você parece uma adolescente que acabou de perder o primeiro namoradinho pra patricinha da escola! Kamila, tem que ser realista. Agora percebo que você só tem idade, mas não tem maturidade, por isso vive se jogando nos braços de garotos mais jovens que não servem pra você. Enxugue as suas lágrimas, garota, porque em poucos dias você vai gravar um longa-metragem ao lado do rapaz que você tanto ama, vai ser famosa e enfim poderá jogar na cara dessa Catarine que ela não vale nada. Acredite, um milhão de reais fará muita diferença na sua vida. No primeiro mês de gravações você já receberá uma parte do cachê.
— Cachê nenhum pode pagar o preço da minha dignidade. Você não me entende. Sinceramente, eu não compreendo. Há tantas atrizes lindas aqui na companhia, por que logo eu tenho que contracenar com o Ricky? Droga! — ela gritou, saindo com os olhos explodindo de raiva.
Bateu a porta, correu para fora e seguiu chorando em direção à praia.
Ricky estava no táxi, em direção ao estúdio de ensaios da companhia, quando se deparou com os tabloides nas bancas das esquinas. Ficou desesperado. Não sabia como teria o perdão de sua namorada. Havia mentido feio para ela dizendo que não se encontraria mais com Catarine.
— Isso não pode ser verdade! A Catarine vai me pagar por essa armação! — exclamou a si mesmo.
O táxi parou em frente à casa dela. Estava com ódio saltando pela face. Saiu do carro e a viu no quintal.
— Catarine, pode me explicar o que significa isso? — Quase esfregou na cara dela o exemplar do tabloide.
— Meu amor, significa que nós fomos flagrados pelos paparazzi. Não subestime sua fama — respondeu, irônica.
— Não seja cínica. Nós sabemos muito bem que os paparazzi não perseguem atores de teatro, muito menos aqui na baixada! Você armou tudo isso pra me separar da Kamila. Eu vou encontrá-la e provar pra ela que foi tudo armação sua!
— Faça o que você quiser, mas sua namorada tinha que saber que você não é nenhum santo e que ficava comigo e com ela ao mesmo tempo.
— Isso foi antes do meu namoro com ela ser oficial.
— Essa foto mostra claramente que você estava me beijando de livre e espontânea vontade.
— Você não presta, Catarine — ele exclamou e saiu dali furioso.
— E você também não. Se prestasse, não teria ido ao meu encontro! — ela retrucou, ainda mais irritada.
Ricky entrou desesperado no escritório de Dylan, procurando por sua amada.
— Dylan, a Kamila está por aqui?
— Ela estava, mas já saiu faz um tempo.
— Eu preciso encontrá-la logo.
— Entendo o seu desespero, e espero que você a encontre mesmo e faça as pazes. A Kamila não quer mais fazer o filme, quer desistir do contrato por causa do que você aprontou na tarde passada.
— Eu não aprontei nada. Isso tudo foi armação da Catarine. Ela quer me separar da Kamila.
— Sim, é óbvio, afinal os paparazzi não costumam perseguir atores de teatro. Mas o fato é que, sendo armação ou não, você estava lá com a outra. E pelas fotos você não parecia nem um pouco constrangido por beijá-la.
— Eu sei que eu errei, mas a Kamila tem que me perdoar. O que os tabloides dizem é mentira. Eu não tive nenhuma tarde de amor na praia.
— Não é pra mim que você deve explicações. Encontre logo a sua amada e se reconcilie. Eu não quero ter um prejuízo de três milhões de reais por causa de uma briguinha de namorados.
— Está bem, Dylan, eu vou encontrá-la agora mesmo.
Ricky entrou no carro e seguiu em busca de sua amada. Foi pela orla da praia na tentativa de localizá-la. Sabia que Kamila costumava derramar suas lágrimas naquelas areias. E a encontrou. Estava sentada em uma pedra e chorava copiosamente.
— Meu amor! — ele chamou-a, se aproximando.
Ela olhou para trás e, ao reconhecê-lo, gritou:
— Gabriel! O que faz aqui? O que você quer de mim?
— Você tem que me escutar. Não é nada disso que você está pensando! A Catarine armou toda aquela situação pra nos separar. Precisa acreditar em mim. E por que você me chamou de Gabriel e não de Ricky?
— Porque eu te chamava de Ricky quando você ainda era meu namorado; agora que não é mais nada meu, te chamo apenas de Gabriel, meu antigo vizinho. E não me importa nem um pouco se ela pagou um fotógrafo pra flagrar vocês juntos, o fato é que você estava com ela na praia. E as fotos mostram claramente você a beijando sem nenhum constrangimento!
— Por favor, não diga isso! Eu te amo! Sim, eu admito. Eu a beijei, mas foi só isso. Logo depois saí correndo. Eu não passei a tarde com ela. Os tabloides estão mentindo!
— Pouco me importa o que dizem os tabloides. A verdade é que você mentiu quando disse que não a ajudaria mais nos ensaios. Foi até a praia para encontrá-la! Isso é fato! Me esclareça uma dúvida: durante os meses em que namoramos você a beijou alguma vez?
Houve um instante de silêncio. Ricky baixou a cabeça, sentia vergonha de sua resposta.
— Sim, eu a beijei apenas uma vez durante os meses em que eu e você namoramos.
— Eu sabia! Eu tinha certeza de que você tinha me traído!
— Mas foi ela quem partiu pra cima de mim e me agarrou.
— E você cedeu.
— Eu juro que foi só aquela vez. Depois nunca mais. Nós ainda estávamos mantendo nosso namoro em segredo. Eu ainda fazia visitas a ela.
— Você é tão assediado na escola, no teatro... Eu duvido que as garotas não se joguem nos seus braços e você ceda. Está tudo acabado entre nós, Gabriel. Você não é mais meu namorado.
— Não diga isso!
— Enfim você está livre pra viver suas paixões de juventude. Eu não quero mais olhar pra você, muito menos trabalhar com você.
— E o nosso contrato pra filmar o longa-metragem? Kamila, e os nossos planos de viajarmos o mundo?
— Então é com isso que você está preocupado? Com o filme? Com as viagens? Eu não sei ainda o que eu vou fazer pra não causar prejuízos à companhia, mas de uma coisa eu tenho certeza: com você eu não contraceno nunca mais. — Ela se retirou, empurrando-o para que saísse do caminho.
— Kamila, volta aqui! Isso não é justo comigo! Eu amo você! — Tentou alcançá-la em vão.
Ela entrou em seu carro, seguiu para o alojamento da faculdade, se jogou na cama e chorou como nunca. Lamentava pelos momentos de amor que vivera com Ricky terem simplesmente acabado.
Kamila recebeu uma notícia inesperada: um convite para atuar na companhia teatral argentina Alas de Sueños, em Buenos Aires. Ela aceitou. Enfim voltaria a morar em sua antiga cidade e teria acertada sua rescisão contratual com a companhia Estrelas do Atlântico. Naquela manhã entrou segura de si no escritório de seu diretor.
— Dylan, com licença.
— Entre, Kamila. E então, está convencida de que não deve jogar no lixo sua carreira por causa de paixões banais?
— Você já deve estar sabendo que eu recebi um convite pra atuar na Alas de Sueños, na Argentina.
— Sim. Já sei. Eles me ligaram.
— É pra lá que eu vou dentro de um mês. Ao menos será paga minha rescisão contratual de três milhões de reais. Ficarei aqui nesse último mês pra terminar a temporada do espetáculo.
— Sinto muito que seja essa a sua decisão. Mas entendo seus motivos. Pensando nisso tudo que aconteceu, eu mudei o Ricky de espetáculo pra você não ter que contracenar com ele nesse seu último mês de trabalho. O diretor da Alas me telefonou ontem e me avisou que gostaria de ter você pra eles. Sim, pagarão a sua multa contratual. Mas pense bem, o cinema daria a você muito mais fama e mais dinheiro.
— Não tenho mais o que pensar. Fez muito bem em colocar o Ricky em um espetáculo diferente do meu. Com licença. — Ela retirou-se irritada.
Os dias passavam monótonos em Santos e Kamila evitava Ricky de todas as maneiras. Mas algo mudaria.
Naquele dia ele entrou no camarim dela sem pedir licença.
— Kamila!
— Você!
— Precisamos conversar.
— Não tem educação? Como entra assim no meu camarim sem pedir licença? Mas, já que está aqui, fale.
— Isso não está certo. Nós nos amamos, não percebe? No começo eu me preocupava em como iria aceitar não ter mais você. Como eu poderia me convencer de que o suposto amor que eu sentia havia virado uma simples ilusão? Eu não aceito te perder.
— Engraçado você me dizer isso. Eu também perdi o seu amor. Mas eu não poderia continuar com você sabendo que amanhã ou depois vai me trocar por uma garota mais jovem. Sou atriz, eu sei muito bem o que acontece nesse meio.
— Vamos parar com essa besteira! Quero que voltemos a ser como éramos antes. Você é a mulher que eu amo e você sabe disso.
— E até quando eu teria que aguentar a Catarine te cercando? Armando ciladas? Causando intrigas?
— Podemos tentar mais uma vez. Eu vou pensar em um jeito daquela garota insuportável parar de me perseguir. Eu errei, mas quem não erra?
— Eu sei exatamente qual foi nosso erro.
— Qual?
— Erramos ao tentar manter esse relacionamento sem futuro.
— Sem futuro? Como pode dizer isso?
— Seu pai tem toda a razão. Eu não posso querer que você tenha a maturidade de um homem de verdade. Não quero mais olhar pra trás. Estou indo embora para a Argentina no próximo mês. Recebi um convite pra atuar na maior companhia teatral argentina e aceitei. Eu vou embora pra lá de vez. Farei apenas mais algumas noites de espetáculo aqui. Sabe, Ricky, eu passei minha vida inteira procurando alguém como você, e nunca imaginei que um dia eu me arrependeria. Você é tão lindo, só me transmitia coisas boas. Pensei que o nosso romance nunca teria um fim. Mas o fim chegou e você tem que aceitar isso.
— Adeus?
— Sim, adeus. Quando o amor morre, alguém tem que ser forte o bastante pra dizer adeus. Não é mesmo?
— Não, eu não acho que é hora de dizer adeus. É hora de nos perdoarmos. Vamos começar de novo. Eu juro que nunca mais chego perto daquela garota insolente. Eu juro aqui, olhando no fundo dos seus olhos.
— Não me faça rir. Você tem as suas amiguinhas atrizes pra te consolar, e não precisa da garota insolente e nem de mim. Adeus! — ela disse, saindo do camarim. Bateu a porta.
O corpo de Kamila começou a tremer, seu coração acelerou. Ao sair do camarim, largou as roupas no chão, de tão nervosa que havia ficado por ter encontrado seu ex-amor ali.
Correu pelos corredores do teatro e, ao olhar pra trás, viu Ricky parado olhando em sua direção. Kamila não se conteve, foi em direção a ele e o abraçou.
— Perdoe as minhas palavras, Ricky, mas será melhor eu ir embora e te deixar em paz. Você ainda é tão jovem e talvez nem me ame de verdade — ela disse.
— Eu gostaria de ser mais velho pra você acreditar que eu te amo, mas eu não posso me envelhecer. Me desculpe — ele disse enquanto abraçava-a bem forte.
***
Faltavam apenas três dias para Kamila embarcar de volta a Buenos Aires. Alicia sabia que o filho terminara o namoro com ela, havia ouvido os boatos sobre os motivos que levaram o relacionamento ao fim. Ouvira muitas críticas e absurdos. Foi então até o alojamento da universidade falar com Kamila.
— Alicia, minha amiga, que surpresa vê-la aqui! Entre, por favor.
— Kamila, preciso falar com você. O assunto é sério.
— Então diga. Percebo, pelas suas feições, que não é nada bom.
— As pessoas falam muita coisa por aí, desde os tempos em que você era apenas amiga do meu filho. Agora que vocês são atores famosos, as fofocas pioraram. É algo normal nesse meio artístico, mas não pra mim.
— Sim, entendo. Você é a mãe dele, sei que se preocupa. Sempre falaram mal de mim por ser amiga do seu filho. E em todos esses anos eu nunca traí sua confiança, sempre fomos muito amigas e eu jamais te decepcionaria.
— O Ricky te ama de verdade. Ele está sofrendo muito com o seu desprezo. Soube que você não trabalha mais na companhia.
— Sim, não trabalho mais lá. Fui contratada pra trabalhar em uma companhia teatral na Argentina. Estou indo embora pra Buenos Aires em três dias.
— Meus parabéns! Fico feliz que você esteja conquistando uma brilhante carreira de atriz.
— Já comprei um maravilhoso apartamento lá. A empresa adiantou o meu salário. Sou uma atriz de renome agora.
— Que bom pra você. Na verdade, o Ricky sente muito a sua falta, está sofrendo muito com o rompimento de vocês.
— Todos nós, pelo menos uma vez na vida, vamos sofrer por algum motivo. Não importa qual seja o sofrimento, ele virá. Por acaso você pretende privar seu filho dessa inevitável experiência? — Kamila lançou a questão.
— Você está certa. Eu não gosto de ver meu filho sofrendo, assim como qualquer mãe. Amanhã, no início da noite, faremos a festa de aniversário de dezessete anos do Gabriel. Será lá em casa mesmo. Você está convidada. Ele não pediu que eu te chamasse, mas, por favor, vá, ainda que sirva como uma despedida.
— Tudo bem, eu vou pensar se irei à festa.
— Obrigada por me ouvir. Até logo, Kamila.
— Até logo, Alicia! — despediu-se da amiga com um rápido abraço.
Depois da conversa com sua antiga melhor amiga, a atriz decepcionada teve certeza de que seu amor pelo ator traidor era algo impossível, mas também inesquecível. No entanto, de qualquer modo, precisava de coragem para desistir do que sentia e seguir em frente rumo à sua nova vida.
A festa estava animada. Logo chegaram os amigos do teatro. Catarine já estava lá, havia chegado antes de todos; cercava Ricky o tempo inteiro, sentia- se vitoriosa por ter seu objetivo alcançado: afastar de vez sua rival do caminho. Juntos, em círculo, iniciaram a dança de músicas eletrônicas. O aniversariante tentava disfarçar sua tristeza, mas o vazio em seu olhar permanecia. A mulher que ele amava não estava ali.
Entretanto, inesperadamente, ao olhar para o lado, ele pôde vislumbrar o que tanto desejava. Lá estava ela, linda e maquiada, entrando na festa com um sorriso no rosto. Era a despedida. Kamila chegava ansiosa para ver o seu amado agora quase um adulto.
O coração dela acelerou. Não foi possível conter sua emoção ao ver Ricky, o grande amor de sua vida, tão lindo, vestido com sua camisa xadrez de manga comprida dobrada até a altura do cotovelo, mais belo do que nunca. Ele se aproximou dela, emocionado. Não esperava a sua presença.
— Kamila! Você veio! — disse, aliviado por vê-la ali.
— Sim, estou aqui! Somos amigos ainda, não somos? — levantou a questão.
— Somos — ele concordou.
— Feliz aniversário. Eu trouxe esse presente. Espero que goste. — Ela entregou-lhe o embrulho.
— Obrigado. Eu gosto dessa marca de perfumes. Vamos dançar? — convidou-a como se quase não a conhecesse intimamente.
— Depois. Primeiro quero conversar com a sua mãe. Onde ela está?
— Na cozinha.
— Vou até lá. Com licença. — Ela se retirou. Ricky observou-a sumir de vista. Naquele momento Kamila era apenas a amiga de Alicia.
Ele manteve certa distância. A postura rígida de sua amada o constrangeu. Ademais, Catarine não dava trégua, estava toda hora ao redor dele bancando a namoradinha adolescente.
O jardim enfeitado com balões coloridos, as fotos do aniversariante com seus amigos, os convidados animados e a festa perfeita mascaravam muito bem o que de fato acontecia nos corações do casal separado. Apesar de seu comportamento radical, Kamila mal podia esperar para poder falar com seu amado a sós.
No momento dos parabéns, todos ficaram ao redor da mesa e Catarine, inevitavelmente, ficou ao lado do aniversariante.
Kamila não dançou nem aproveitou nada, ela queria mesmo era poder ficar sozinha com seu jovem ator.
Depois das danças e farras, a festa chegava ao fim e, aos poucos, os convidados iam embora. Apenas Catarine continuava por lá rodeando Ricky. Em certo momento ele se distanciou dela, que foi chamada por Alicia para ajudar na cozinha.
Foi um instante oportuno. Kamila pegou Ricky pelo braço e disse:
— Vem comigo até a praia, preciso falar com você.
— Vamos sim. Agora mesmo. — Ele consentiu sem pensar duas vezes.
Caminharam por quinze minutos até a Praia do Gonzaga.
Catarine, com olhos de águia, notou o minuto em que seu amado saiu da festa acompanhado de Kamila. De imediato os seguiu escondida, posicionou-se atrás de uma árvore, como faziam os paparazzi, e observou atentamente tudo o que acontecia.
— Aqui estamos. O que tem a me dizer, Kamila? Aconteceu algo que eu não sei ainda? — Ricky perguntou, encarando-a. Estavam com os pés sobre a areia.
— Sim, aconteceu!
— O quê? Me diga logo, eu quero saber.
— Gabriel, eu te amo. E sempre vou te amar. Você é o homem que me fez feliz. Sonho com você todas as noites. Durante os anos em que ficamos afastados um do outro, eu sofri muito sem a sua amizade. Depois que nos reencontramos, um novo sentimento surgiu no meu coração. Descobri que eu te amo da maneira mais dolorosa possível. Mas o pior de tudo é que não podemos ficar juntos agora — Kamila confessou com a voz trêmula.
— Por que não podemos ficar juntos? Se você soubesse o quanto estou sofrendo com essa sua atitude... Desistiu dos nossos planos, dos nossos sonhos... Sou quase o adulto que você tanto espera. Ninguém vai poder me impedir de ficar com você!
— Adulto? Você continua sendo apenas um adolescente imaturo. Gabriel, você ainda é muito jovem pra escolher. Casamentos prematuros nunca dão certo.
— Então é isso? Você pensa como todos os outros que nos criticam! Não acredita que eu posso te amar de verdade só porque sou mais novo! Seu pensamento me decepciona. Quero me casar com você, construir uma família. Mas, pelo o que vejo, sua vontade não é essa — ele falou em tom mais alto de voz. Estava furioso, com os olhos inflamados de raiva.
— Eu sei de tudo isso, mas você mentiu e me traiu! Sinceramente, eu não quero abortar sua juventude, nem tirar a sua oportunidade de namorar as garotinhas da escola e do teatro.
— Está sendo radical demais. Tudo bem, eu menti quando disse que não encontraria mais a Katharine, mas eu não te traí. Ela me beijou! Armou com o paparazzi o falso flagrante. É pra isso que me chamou até aqui? Pra me condenar? — ele contestou em tom de voz ainda mais alterado.
— Gabriel, eu te chamei aqui apenas pra te pedir um último beijo, o beijo de despedida. Em dois dias irei embora de volta para a Argentina. Serei atriz na maior companhia de teatro de Buenos Aires, Alas de Sueños. Comprei meu apartamento lá. Consegui o que eu tanto queria. Mas eu nunca vou te esquecer.
— Meus parabéns! Então essa é a sua decisão final?
— Sim, e você precisa me entender. Não vou arriscar sofrer no futuro por sua causa. Eu não sou a mulher certa pra você, eu não sou essa mulher que quer casar e ter filhos. Essa mulher com quem você sonha não existe.
— Pelo que percebo você não acredita mesmo no nosso amor. Mas tudo bem, eu vou te dar o que me pede. — Gabriel aproximou seus lábios dos lábios de Kamila. Ele, mais do que ninguém, queria aquele beijo, só não gostaria que fosse o último. Beijou-a intensamente como se fosse de fato a última vez.
— Adeus, Gabriel! — ela disse depois do beijo, seguindo em direção à avenida onde o carro do Uber já a esperava.
— Meu amor! Não vá agora! Fique! — ele pediu, correndo em direção a Kamila.
Já era tarde. Ela havia partido.
Com a sensação de vitória na alma, Catarine se dirigiu a Ricky rindo e comemorando:
— Eu vi tudo o que aconteceu e, sinceramente, não entendo como você pode amar essa mulher que nem sequer tem coragem de enfrentar os preconceitos pra ficar ao seu lado.
— Cale a boca, Catarine! Eu não sei como eu ainda te tolero na minha festa, na minha casa e na minha vida! A Kamila me pediu um último beijo. Ela me ama de verdade. Eu pude sentir isso! E eu também a amo muito! Mas por sua culpa está tudo acabado. Ela vai embora pra Buenos Aires. — Ele tinha lágrimas nos olhos.
— Que bom. Espero que ela seja muito feliz na Argentina, bem longe de nós!
— Você não presta!
— Você a ama? Porque, se a resposta for positiva, você só pode estar louco! Meu amor, antes dela chegar eu e você éramos felizes! Nós nos amávamos. Aquela mulher roubou você de mim. Podemos recomeçar agora, vamos ficar juntos, construir nossa carreira — disse, segurando-o pelos ombros.
— Você é louca! Desapareça da minha vida! Eu não te amo nem nunca te amei! Com licença. Vou pra minha casa, quero ficar sozinho trancado em meu quarto, pensando em como trazer de volta a mulher que eu amo. Me deixa em paz! — ele exclamou com muita raiva e saiu dali empurrando sua amiga como quem tira uma pedra do caminho.
Naquela noite de solidão, Ricky teve certeza do tamanho de sua dor por perder Kamila para sempre. Ficou triste, nos dias seguintes faltou ao trabalho, quase não saía do quarto. Pensava nela o tempo todo, pensava naquele último beijo.
Mas havia chegado o dia de voltar a viver e seguir em frente. O trabalho lhe fazia bem. Às vezes derramava uma lágrima nas areias da praia ao relembrar os momentos em que, ao lado da mulher amada, admirou as estrelas.
***
No dia da partida, Margarida acompanhou Kamila até o aeroporto de Guarulhos. Para a atriz o amor era, na verdade, um veneno mortal que matava aos poucos. Como compreender o porquê da ausência de alguém causar tanto sofrimento? Essa é a pergunta que todos aqueles que amam fazem quando sofrem.
Para Kamila a tortura maior consistia em seus sonhos, que eram sempre os mais absurdos. Com lágrimas no olhar, despediu-se da amiga antes de entrar no portão de embarque.
— Kamila, tem certeza do que está fazendo? Está desistindo do homem que ama — Margarida questionou-a com feição séria.
— Certeza eu nunca tenho de nada, mas sei que é o correto. Tchau, amiga. Até breve.
— Tchau. Até breve. Irei a Buenos Aires te visitar. — Elas se abraçaram.
Dentro do avião Kamila desabou em lágrimas e, ao enxergar do alto o solo da cidade que abandonava, disse adeus a Santos.
Jamila Mafra
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