Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


UMA VEZ UM LIBERTINO / Rona Sharon
UMA VEZ UM LIBERTINO / Rona Sharon

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

UMA VEZ UM LIBERTINO

 

Uma irresistível paixão que só conduz...

A guerra marcou o rosto do conde de Ashby... E possivelmente também sua alma. Antes de ser ferido na guerra contra Napoleão e ser rejeitado pela sociedade, o arrumado lorde tinha sido um célebre libertino. Agora, Isabel Aubrey, uma dama decente, atreve-se a aproximar-se ao mascarado e solitário aristocrata para conseguir uma substancial doação de beneficência e decide que deve lhe salvar do auto desprezo que sente por si mesmo. Isabel começa a paquerar e ele responde. Convida a um baile de máscaras. Ele aceita e a deslumbra com um beijo.

...à paixão mais escandalosa.

Mas Isabel já tem um prometido, e apesar da atração que sente pelo conde, sabe que deve rejeitar ele. Entretanto, não há força sobre a face da terra maior que a paixão que a leva até sua cama; nada do que experimentou é mais excitante e erótico. Agora ele pede que fique a seu lado embora isso implique em sua queda em desgraça. Isabel não deve aceitar... E o apaixonado conde não pode permitir que ela diga não. Para ganhar seu corpo e seu coração, coloca em andamento um escandaloso plano que só um libertino poderia conceber... e que nenhuma mulher poderia resistir.

 

 

Londres, 1817.

Isabel Aubrey respirou profundamente uma baforada de ar revigorante e subiu a escada principal da residência Lancaster. A residência particular do conde de Ashby estava localizada em Park Lane, na zona mais elegante de Mayfair. Durante anos tinha passado frente a seu lar sabendo que ele se encontrava em algum lugar do continente, arriscando a vida enquanto lutava contra Napoleão.

Fazia já dois anos, pouco depois de Waterloo, que ele retornara.

O coração bateu rapidamente quando golpeou a porta com a aldrava de bronze e aguardou. Apareceu um volumoso mordomo.

—Bom dia, senhorita. No que posso ajudar?

Isabel sorriu.

—Bom dia, vim ver o milord.

O mordomo moveu a cabeça com gesto pesaroso.

—Milord não recebe visitas, senhorita. Mil desculpas, e que você tenha um bom dia - fechou a porta na sua cara.

"Maldito seja". Isabel deu um passo para trás, agitando-se desgostada. Esteve tão preocupada tentando controlar suas emoções enquanto ia vê-lo que não ocorrera que Ashby pudesse se recusar a recebê-la. Embora em realidade não se negasse a ver ela em particular, não recebia a ninguém.

—Não deveríamos voltar para casa, senhorita Isabel? - perguntou sua donzela, que obedientemente ficou na calçada para vigiar se alguém passava por ali. Isabel olhou para trás.

Salvo por um carro de frutas, a rua estava deserta. Ainda era muito cedo para que a alta sociedade abandonasse suas suaves camas, mas devia tomar cuidado com os cavaleiros madrugadores que estavam acostumados a cavalgar no parque com as primeiras luzes da alvorada.

—Teremos sérios problemas se alguém nos vir na soleira da Gárgula - acrescentou a donzela, olhando atemorizada a direita e esquerda.

—Por favor, não o chame assim, Lucy - Isabel repreendeu a sua donzela. - Milord merece nossa piedade, não nossas brincadeiras.

Embora na realidade, ela tinha razão nesse ponto. Se só soubesse que ela esteve visitando a Gárgula, quando havia uma regra estrita que estipulava que nenhuma jovem solteira, e com magníficas possibilidades para casar-se bem, podia ousar visitar um cavalheiro, salvo por estritas questões de negócios ou profissionais... Sua mãe teria um ataque cardíaco, e seu irmão mais velho, o visconde Stilgoe, a casaria rapidamente com o primeiro cavalheiro solteiro com quem tivesse dançado na quarta-feira no Almack'S.

Na realidade, ela ultrapassara todo limite de propriedade rejeitando a cinco candidatos alegando que nenhum pareceu apropriado.

"Pensa!", ordenou. Devia ter alguma maneira de aproximar-se do conde. Mordeu o lábio ao ocorrer o uma ideia. Era um tanto ousada, mas parecia ser seu único recurso. Buscou em sua bolsa e pegou um lápis e um elegante cartão de apresentação onde, junto a seu nome, estava sua designação como Presidente da Sociedade de Viúvas, Mães e Irmãs de Soldados Mortos em Combate.

Escreveu uma breve mensagem a trás do cartão. E antes de perder a coragem, bateu à porta de novo.

O mordomo respondeu rapidamente.

—Você teria a gentileza de entregar meu cartão ao milord? E, por favor, solicite que leia a mensagem que escrevi a trás - conseguiu indicar ao mordomo quando se dispunha a fechar a porta na sua cara pela segunda vez.

Os olhos amáveis do mordomo se suavizaram e a olharam compassivamente.

—Você não é a primeira jovem que veio visitá-lo, senhorita. E jamais quis receber a nenhuma delas. Sinto muito.

Isabel se ergueu desafiante.

—Eu não sou uma de suas... jovens amigas. Milord foi amigo do meu irmão, e seu oficial superior. Ele me receberá. Por favor, entregue a ele meu cartão.

O mordomo examinou primeiro ela, e depois à recatada donzela que aguardava uns passos detrás da jovem. Agarrou o cartão.

—Consultarei-o - a porta se fechou novamente.

Isabel entrelaçou nervosamente as mãos. O que jamais pôde imaginar, nem sequer em seus piores pesadelos, era que o formidável conde de Ashby, lorde e coronel Ashby, comandante do Regimento 18 do Hussar, ficasse relegado à triste situação de um recluso. Que uma ferida de guerra o obrigasse a se fechar como um eremita era uma ideia que resultava... inconcebível.

O Ashby que ela tão bem recordava era um homem de força indômita, sagaz, encantador, forte, arrumado como um deus, além de fabulosamente rico, atributo este, que bastaria por si só para que a alta sociedade perdoasse qualquer desfiguração do rosto que tivesse, sem importar quão grave fosse. Entretanto, seus inumeráveis atributos pareciam não resultar suficientes para que Ashby o assumisse.

O mordomo reapareceu.

—Por favor, entre, senhorita Aubrey. Milord a receberá.

"Ele a recordava" pensou feliz com seu triunfo, e Isabel entrou na residência Lancaster. Era um palácio imponente de cor azul prateada com um abajur de arandela brilhante que pendurava no teto o dobro de altura.

Bom, ali era onde ele vivia, olhou a seu redor com excitação, ali era onde se escondeu durante os últimos dois anos. E mesmo assim, não podia evitar perguntar-se como um homem tão corajoso como Ashby podia passar todo o tempo enclausurado nessa casa em solitário cativeiro. Se ela estivesse em seu lugar, em uma semana estaria subindo pelas paredes... e isso por que ela não tinha passado anos empreendendo valorosas tropas de cavalaria a céu aberto.

Deixou Lucy no vestíbulo e seguiu ao mordomo até uma sala que dava à frente. Chamou a sua atenção uma coleção de pequenos macacos esculpidos em madeira exibida em uma vitrine.

Notou com divertido espanto que um deles guardava uma assombrosa semelhança com o Wellington. Outro era a viva imagem de lorde Castlereagh.

—A Gárgula é um artista - sorriu agarrando um dos macacos, que recordou o príncipe George - e tem um mordaz senso de humor...

—À Gárgula desgosta que pessoas estranhas bisbilhotem seus pertences pessoais.

Isabel deu um pulo. Prinny foi arrancado da sua mão e foi colocado novamente na prateleira de cristal da vitrine.

—Você desejava me ver? - um sério e desajeitado homem de cabelo grisalho estava de pé frente a ela. Não guardava nenhuma semelhança com o soldado despreocupado que anos atrás Will levara para jantar na casa de seus pais.

O seu coração deu um salto. Por Deus.

—O que aconteceu...? - emudeceu apertando os lábios a tempo para uma cortês reverencia. A guerra teria produzido isso? Ou sua mente teria entesourado uma imagem muito exaltada dele durante anos?

Inclusive seu casaco de cor dourado acobreado era muito amplo para sua desajeitada figura. Desolada, procurou a cicatriz no rosto. Não achou nenhuma.

O conde a observou com desconsideração.

—Posso fazer algo por você, senhorita... ?

—Aubrey, milord. Irmã do Will - "não a reconhecera", pensou. Pois então, o que o induzira a vê-la quando não recebia a ninguém, nem sequer a suas jovens amigas?

—Aubrey... Mais velho William Aubrey? OH, sim, é obvio, recordo-o. Por favor, aceite minhas sinceras condolências pela perda de seu irmão; um homem excelente, senhorita Aubrey. Um oficial exemplar.

Isabel franziu o cenho. Algo não encaixava. Will havia sido seu melhor amigo durante anos, e isso era tudo o que tinha para dizer?

—Você leu... meu cartão, milord? - perguntou cautelosamente. Ninguém, salvo Ashby, entenderia a alusão atrevida que continha a mensagem que escrevera no cartão.

Entretanto, seu anfitrião parecia totalmente avoado.

—Seu cartão? - piscou desconcertado.

A verdade a sacudiu como um raio. "Esse homem era um impostor". Por que outra razão inventaria uma ferida inexistente para justificar seu isolamento da sociedade? Só poderia ter uma razão plausível.

Só podia significar uma coisa: Ashby estava morto, enterrado em algum frio campo da Bélgica junto a seu irmão, e esse vilão usurpava sua identidade e vivia de seus bens! Precisava sair dali. Precisava informar a alguém.

—Obrigado por me receber, senhor; meu deus, acabo de recordar que tenho um compromisso. Foi um prazer, - se dirigiu rapidamente para a saída.

Ao abrir a porta de duas folhas descobriu a figura do mordomo que descobriu suas apreensões pela expressão de seu rosto. O homem entrou e fechou a porta atrás de si.

—Senhorita Aubrey, ambos estamos ao serviço de milord - disse baixo.

—OH, Phipps, é um maldito idiota - descobriu o impostor - Podem nos prender por isso. Você e suas loucas ideias.

—Teria sido uma ideia brilhante se não tivesse se comportado como um miserável imbecil - replicou Phipps, bufando com exasperação.

—A única coisa que devia fazer era investigar o que queria.

—Como se supunha que podia fazer isso? O que sou eu... um maldito Bow Street Runner ?

Isabel olhou de maneira penetrante ao roliço primeiro mordomo, e depois a seu esquálido cúmplice, enquanto sua mente corria com velocidade a respeito do que devia fazer. Um policial... um policial era com quem devia falar!

O impostor secou a fronte úmida com um lenço.

—Ela unicamente fez menção de seu cartão.

Phipps extraiu o cartão do bolso de seu colete e leu a direta mensagem que continha.

—O que significa? - perguntou ele com visível curiosidade.

—Por que não o pergunta a seu amo? - respondeu ela taxativamente. Dirigiu o olhar para as portas e gritou:

—Lucy! Corre, vá com Stilgoe! Diga a ele que avise à polícia! Este homem é um impostor!

—Sim, senhorita Isabel! - a resposta de Lucy chegou em um tom apagado do vestíbulo.

—Não a deixe sair! - ordenou Phipps a seu cúmplice e saiu correndo. Foi detida pelo impostor, que se interpôs na soleira; Isabel escutou o ruído da porta principal ao abrir, e fechar depois de uma pancada.

—O homem está bloqueando a porta principal, senhorita Isabel! - gritou Lucy. - O que devo fazer?

—Rápido Lucy! - exclamou Isabel. - Crave nele a ponta de meu guarda-sol nas costelas!

—Ai! - uivou o mordomo no vestíbulo. - Maldita pirralha insolente!

—Não funcionou! - comunicou Lucy. - O que devo fazer agora?

Isabel olhou furiosa ao impostor. Ele encolheu os ombros como se desculpando. Amaldiçoando-o, espiou por cima de seu ombro.

—Lucy, há um vaso no canto. Acerte-o no crânio!

—Dudley, pode fazê-la se calar? - rogou Phipps em voz alta. - Vão me matar aqui!

Quando Dudley desviou o olhar para ver o que acontecia na entrada principal, Isabel girou sua bolsa e o cravou na cabeça.

—Odiosos vilãos! - gritou afastando-se dele com rapidez. - Vocês apodrecerão em Newgate por isso! - Pôde ver como Phipps se cobria depois da porta, ao mesmo tempo em que Lucy o apontava com o vaso.

Escutou os passos de Dudley que a perseguiam dando tropeções, quase chegara à entrada, quando um terrível cão de guarda deixou a todos petrificados. Lucy deixou cair o vaso.

—Quieto Héctor - ordenou uma profunda e viril voz masculina do corredor. Isabel levantou o olhar, ofegante. O lustre bloqueava a sua visão, mas através da balaustrada da escada, pôde ver um cão de caça negro sentado muito alerta junto a um brilhante par de botas Hesse negras. - É meu casaco o que tem posto? - escutou-se a voz de Ashby ressonar acima.

Dudley se encolheu amedrontado.

—Sim, milord, mas posso explicar...

—Espero que possa fazê-lo. Phipps se afaste. Deixa ir à mulher.

Phipps deu um olhar desolado a amedrontadora figura que se vislumbrava na parte superior do vestíbulo.

—Milord, eu...

—Faça imediatamente, Phipps! - escutou-se o som da fricção do couro quando Ashby girou sobre os calcanhares.

Isabel reagiu tremente. Era sua oportunidade.

—Lorde Ashby, posso vê-lo um momento em privado? Somente para me assegurar que não seja uma fraude, que você seja realmente...

Ele se deteve. Uns olhos distantes a examinaram através dos brilhos de luz do lustre.

—Aguarde na sala - disse depois de uma pausa prolongada. - Me reunirei com você em seguida - escutou o ruído de suas pegadas contra a madeira ao afastar-se pelo corredor, e seu eco foi ensurdecendo-se até sumir no interior da casa.

Phipps se aproximou com expressão contrita.

—Senhorita Aubrey, suplico que me perdoe.

—Eu também - disse Dudley assentindo bruscamente, com o casaco pendurado ordenadamente no braço.

—Não tínhamos intenção de assustá-la - continuou Phipps.

—Como tampouco a sua donzela - afirmou Dudley. - Ele não a teria recebido se não fizéssemos algo... - ... Drástico.

Desculpamo-nos sinceramente - a olharam suplicantes ao mesmo tempo que Dudley esfregava a cabeça no lugar onde recebera o golpe e Phipps abraçava as costelas.

Isabel dispensou um olhar como se os considerassem dois inadaptados sociais.

—Espero que também se desculpem com a Lucy - espetou em tom irado.

—Faremos isso imediatamente - prometeram ao mesmo tempo, inclinando em humilde reverencia.

Isabel retornou à sala. A ansiedade a percorreu de um extremo ao outro tentando controlar seu nervosismo. Ouviu as firmes pisadas, conteve a respiração para ver se...

Quando ele atravessou a soleira, parou o seu coração.

—Ashby.

Oculto atrás de uma máscara de cetim negro, o conde se apoiou no marco da porta com os braços cruzados sobre o peito robusto.

—Que alívio. Por um momento temi dar com meus ossos em Newgate.

A espessa e brilhante cabeleira dele caía irregular sobre os largos ombros. Através da fina camisa branca de musselina se notavam os batimentos acelerados na garganta e os músculos marcados do peito.

Apertadas calças de montar negras moldavam as suas coxas esbeltas e fibrosas, resultado de ter estado tantos anos sobre uma montaria. Alto, robusto e de ar assustador, exsudava uma feroz virilidade.

Ela fez uma reverência, com os olhos muito abertos pelo temor. Anos atrás se comentava que as mulheres se penduravam quando ele entrava em um salão de festa, e que era o único cavalheiro que necessitava um cartão de baile. Não entendia muito bem quando era pequena, mas agora podia fazê-lo. Até com a máscara, seu escuro encanto tinha uma atração magnética. Este era um homem que podia ter tudo o que quisesse, e a quem desejasse.

Observou-a de cima abaixo através das ranhuras da máscara, examinando-a atentamente, desde seu bonito chapéu amarelo que emoldurava seus dourados cachos até o vestido matinal que fazia jogo.

Quando seus olhares se encontraram, ela se precaveu de que sua memória falhou só em um detalhe. Os olhos do homem não eram azuis, deveria ter considerado dessa cor pelo reflexo azul de seu uniforme, posto que em realidade tivessem uma tonalidade verde azulado. Abruptamente, ele se separou do marco da porta.

—Me diga o que quer e se vá.

Isabel ficou imóvel, olhando-o boquiaberta.

—Já vejo - seus lábios sensuais se curvaram em um cínico sorriso sob a máscara. - Bem, agora que averiguou o que queria, além de satisfazer sua curiosidade ao mesmo tempo, me despeço de você —cruzou a habitação em cinco largos passos com o cão negro trotando atrás dele. Com um movimento brusco fechou as pesadas cortinas da janela que olhava à rua inundando a sala em penumbras.

Ficou com pena ao imaginar o que ele devia enfrentar a cada manhã ao ver-se no espelho. Devia resultar terrível isolar-se assim do mundo.

Isabel se recompôs.

—Lorde Ashby, represento à Sociedade de Viúvas, Mães e Irmãs de Soldados Mortos em Combate. É uma organização de caridade para ajudar às mulheres desprovidas que perderam aos homens que proviam o sustento antes da guerra. Comerciantes, ferreiros, granjeiros que deixaram a sua família em uma situação de desamparo. Essas pobres almas que hoje não têm a ninguém. Nosso objetivo é ajudar A...

—Importa-me um nada seus objetivos, madame. Bom dia - se dirigiu para a porta.

Quando passou junto a ela, Isabel segurou seu braço. Sentiu seus músculos tensos sob os dedos.

—Pois deveria - afirmou. - Têm a ver com as famílias dos homens que você comandou, seus bravos soldados que morreram no campo de batalha.

Cravou o olhar no braço que mantinha segurando teimosamente e depois a olhou nos olhos.

—E seu ponto é?

Soltou-o.

—Você era responsável por esses homens que elas amavam. Não acredita que seus homens poderiam esperar de você que fizesse algo por suas famílias?

Aproximando-se dela cravou um afiado olhar.

—Meu dever era exterminar um exército. Cumpri com ele.

Percebeu o perfume de sabão de barbear; esse aroma a fez pensar em bosques e arvoredos. Relutante a se dar por vencida, sustentou o olhar.

—Possivelmente se soubesse o nome de meu irmão...

—Sei quem é você, Isabel.

O coração parou.

—Sabe? - perguntou incapaz de respirar de repente. Desejou que a encontrasse... Atraente, ao menos por simples orgulho de mulher. De jovenzinha esteve louca por ele, apesar de sua conhecida reputação de descarado. Um notório libertino, jogador e mulherengo, diziam os que brincavam sobre ele; mas Will sustentava que a atenção que seu amigo despertava era por ter herdado o título sendo ainda muito jovem. Embora na opinião da Isabel, o caráter tão especial de Ashby era o que o destacava do resto dos jovens libertinos da alta sociedade.

—Cresceu - murmurou ele. - A última vez que a vi, levava saias curtas azuis e rebeldes cachos.

Sentiu fogo nas faces.

—Isso aconteceu faz sete anos - foi quando o vira pela última vez, ele vestia o uniforme de seu regimento e com suas calças de montar brancas, jaqueta tipo dolman de cor azul com abotoadura com prata no peito, e o casaco forrado em pele correspondente que pendurava no ombro... estava magnífico. Ela ficou boba por ele. Tinha quinze anos. - Ficou com o Héctor - disse ela.

—Prometi que o faria - a negra máscara acetinada ocultava a maior parte do rosto, mas deixava ver sua poderosa mandíbula, o queixo e a boca, a que, como ela bem sabia, podia sentir tão suave como parecia.

Afastando com dificuldade o olhar, ajoelhou no tapete e emitiu um suave e melodioso assobio. O imponente animal se sentou, movendo as orelhas. Decidida a investigar mais de perto, se aproximou para farejar a mão.

—Olá, Héctor. Lembra de mim? - afundou os dedos na brilhante pelagem, esfregando e acariciando.- Fomos excelentes amigos naquele tempo, naquele tempo, quando foi tão somente um filhote —o animal latiu movendo a cauda alegremente. Ela riu. - Por Deus, como você cresceu. É tão formoso, grande e forte agora - procurou o olhar impenetrável de Ashby. - Vejo que cuidaram bem de você.

—Sim eu fiz - respondeu Ashby, embora ambos sabiam que ela falou ao cão. - Héctor me salvou a vida duas vezes. Somos virtualmente como irmãos - ele ofereceu a mão.

Com o coração pulsando com força, ela colocou a mão sobre essa poderosa palma e permitiu que a ajudasse a se levantar. Permaneceram de pé muito perto um do outro, envoltos na escuridão provocada pelas pesadas cortinas fechadas.

—Lamento o que aconteceu com Will - disse asperamente. - Te prometi que o traria de volta. E fracassei.

—Eu também lamento... - murmurou ela - o que aconteceu a você em Waterloo.

—Sorauren - inalou. - Me desfiguraram o rosto em Sorauren.

—Isso aconteceu faz quatro anos - se inteirou quando as pessoas começaram a se referir a ele como "a Gárgula do Mayfair" - Will jamais mencionou...

—... Que me converti em um ser horrendo? Will era muito bom para falar mal de seus amigos. Fazia que se sentissem humanos, embora nada de humanidade ficasse já neles.

Olhando fixamente os angustiados e ardentes olhos masculinos, sentiu que o coração se espremia de compaixão.

—Lorde Ashby, você é o homem mais amável e mais generoso que conheci. Não acredito que alguma vez, nem por nenhuma razão, pudesse perder seu sentido de humanidade.

—Poderia se surpreender.

Suas duras palavras provocaram um desagradável calafrio que a percorreu todo o corpo.

—Sofri o desconsolo e o desespero, milord, mas descobri que o socorrer a outros, a pessoas menos afortunadas, ajuda a se recuperar.

—Estou extremamente agradado de que você tenha encontrado o caminho à virtude, mas não sempre o mesmo método serve para todos por igual.

Antes que ele desse a volta para retirar-se, ela disse:

—Viu alguma vez como se ilumina o rosto de um menino ante um prato de comida quente, ou de desfrutar novamente de um casaco quente, ou de ver sorrir a sua mãe ante uma pequena amostra de ajuda?

Tanto você como eu temos muito que dar, e nosso dever é ajudá-los.

Ele permaneceu em silencio durante um momento.

—Que tipo de ajuda é a que me pede?

Seu tom de voz não assegurava promessa de ajuda alguma, mas denotava curiosidade.

—Nosso Diretório contratou um advogado para elaborar e apresentar um projeto de lei que contemple um subsídio anual para os familiares dos soldados falecidos em combate, para as mulheres e os meninos que se encontram privados de meios de subsistência.

—Quando menciona "Diretório", devo presumir que se refere a você mesma?

—Sim, a lady Íris Chilton, à senhora Sophie Fairchild e a mim.

—Continue.

—Procuramos um cavalheiro influente para que defenda nossa causa e impulsione a legislação que procuramos. Como membro da Câmara, você...

—Não assisto às sessões da Câmara dos Lordes há muito tempo. Nem tenho intenção de fazê-lo em um futuro imediato. Portanto, não sou o... campeão que vocês procuram. Algo mais?

—Com seu poder e influência, e com suas conexões no Ministério de Guerra, você poderia contribuir a nossa causa muito mais que qualquer outro membro do Parlamento.

—Você está equivocada, Isabel - disse severamente. - Não tenho que contribuir com ninguém.

"Você pode contribuir comigo", pensou desanimada. A imagem de Ashby e Will rindo juntos espremeu o coração dela.

—Possivelmente... Poderíamos nos ajudar mutuamente - ofereceu gentilmente.

—Como poderia você ajudar a mim? - disse quase mordendo as palavras. - Não estava a par de que necessitava ajuda.

—Você não é a única pessoa a quem a guerra deixou cicatrizes, milord.

—Como poderia você me ajudar? - espetou furiosamente. - Minha vida está acabada - jogou um disfarçado olhar aos lábios femininos, e quando seus olhares se encontraram, ela soube com certeza que ele recordava tudo o que acontecera no exterior de sua casa nessa noite tão distante. A intensidade de seu olhar provocou nela temor e, ao mesmo tempo, emoção.

Isabel deixou escapar um tremente suspiro. Deus, ela aprendera a lição a respeito dele.

—Você uma vez me disse que considerava o Will como um irmão. E como sua irmã, estaria feliz...

—Não me trate com condescendência - grunhiu olhando-a furiosamente como se ela o tivesse esbofeteado. - Eu não sou um de seus malditos casos de caridade! Se eu fosse o mesmo homem de quatro anos atrás, você se acharia em uma situação muito difícil!

Isabel deu um pulo, desconcertada pela intensidade de sua fúria.

—Me perdoe. Não foi minha intenção... - Vá a sua casa, Isabel, e não volte jamais aqui. A Gárgula não merece nem sua piedade nem sua brincadeira - abandonou a sala a grandes passos, se despedindo sem olhar a ela.

—Não deixei estritas instruções proibindo toda visita a esta casa?

O furioso bramido teria provocado que os assustados ratos, se houvessem, fugissem escorrendo-se para se protegerem nos buracos das paredes. Furioso, Ashby subiu esmurrando a escada com suas fortes pisadas, amaldiçoando por baixo. Maldita fosse toda essa merda! Por que ela haveria que irromper em sua vida outra vez?

Seguindo-o ofegante, Phipps argumentou brandamente:

—Ela ameaçou me infligir dano físico, milord.

Ashby se voltou tão bruscamente que fez com que seu mordomo tropeçasse com risco de cair pela escada.

—E outra coisa, não te avisei especificamente que mantivesse as cortinas fechadas todo o tempo?

Resfolegando, Phipps se agarrou no corrimão da escada.

—Você o fez, milord, mas não teria sido apropriado receber à senhorita Aubrey em uma sala às escuras, não é assim, senhor?

—Não deveria havê-la recebido em primeiro lugar, você... desprezível intrometido!

Com as têmporas pulsando rapidamente, Ashby chegou ao andar de cima e se dirigiu para seu quarto. Necessitava... destroçar algo, para tirar da cabeça a imagem de Isabel Aubrey rodeada de um circulo de luz. Cristo, como mudara! Quase não pode reconhecê-la. A pequena Izzy era um pulso de olhos brilhantes e laços no cabelo. A mulher que acabava de encontrar era tão impressionante... que rasgava o coração.

Possivelmente não era o melhor elogio que um cavalheiro podia dedicar a uma dama, mas era exatamente o que ela provocara no saguão essa visão deslumbrante de feminilidade, o requintado oval de seu rosto emoldurado por suaves cachos de cabelo dourados, seus lábios perfeitos entreabertos pelo assombro, sua graciosa figura, amadurecida e bem torneada.

Realmente, não podia acreditar que tivesse sugerido que devia considerá-la como uma irmã. Ela não o tinha considerado como um irmão nessa noite distante, quando era ainda um homem jovem e completo.

Maldita, maldita seja! O fazia sentir-se antigo, como se fosse um velho débil sem esperança de recuperação, quando o que ansiava dolorosamente era terminar esse beijo que começara sete anos atrás.

Ashby arrancou a máscara do rosto e a jogou por cima do ombro sabendo que sua muda sombra estaria ali para recolhê-la.

—Há alguma razão específica pela qual siga me pisando os calcanhares em minha própria casa? Asseguro a você que sou perfeitamente capaz de caminhar sozinho.

—Eu gostaria de esclarecer, se me permitir isso, milord, que Dudley estava totalmente contra fazer se passar por você.

Ashby bufou com desgosto.

—Onde demônios se encontram esse obstinado ajudante de câmara?

—Escondido em algum lugar, milord.

—Bem. Mantém ali - ao entrar em seu quarto, Ashby se dirigiu a grandes passos à cômoda e abriu uma das gavetas. Buscou em seu interior, mas não encontrou o que procurava. Phipps tossiu.

Zangado, Ashby o olhou com desgosto. - Por que se encontra ainda na soleira, ofegando e soprando?

—Estaria em melhor estado se me autorizasse a receber algumas visitas ocasionais, milord.

—Estaria em muito melhor estado se em vez de elaborar artimanhas, dirigisse esta casa mais eficientemente - Ashby abriu a segunda gaveta e continuou sua busca. Sem êxito.

Observando sem pestanejar como seu amo desarmava o móvel, Phipps disse submissamente:

—A maioria dos homens estaria de melhor ânimo com a visita inesperada de uma bela borboleta, milord.

—Uma borboleta! - Ashby sorriu com suficiência. - Ela e sua donzela fizeram de tudo, menos te matar.

Phipps deu de ombros.

—Dei a elas suficiente razão para pensarem mal de mim.

—Me dá suficiente razão diariamente, e nem por isso te incrusto guarda-sóis nem te acerto com vasos. Entretanto, estou considerando seriamente o de te jogar daqui e te enviar a Ashby Park.

O mordomo se surpreendeu.

—Nem sequer sonharia abandonar ao milord.

—Que pena - incapaz de encontrar o que estava procurando, Ashby se dirigiu a revistar o armário. E o cão o seguiu saltando ao seu redor. - Fala de uma vez por todas, Phipps, antes de que eu fique velho e grisalho.

—É a respeito da senhorita Aubrey, milord. Acredito que seu propósito ao vir aqui não era totalmente impessoal - Phipps extraiu o cartão de apresentação do bolso do colete.

—Assim esteve você ouvindo. Que vergonha - Ashby afastou as elegantes jaquetas penduradas no armário e se inclinou para procurar nas caixas ordenadamente guardadas no fundo. Abriu uma atrás da outra, jogando sobre seu ombro as gravatas novas, nem sequer usadas.

Phipps continuou.

—A reação da senhorita Aubrey em relação ao subterfúgio foi... bom, mostrou-se muito angustiada.

—Obviamente. Pensou que você e Dudley fossem um par de criminosos, Phipps.

—Esse é precisamente meu ponto. Deveria haver-se atemorizado, mas em lugar disso, enfureceu-se e... bem, não pude deixar de notar que estava genuinamente preocupada.

Evitando que o mordomo pudesse ver sua expressão, Ashby inferiu:

—Perdeu a seu irmão recentemente. Era um ser muito querido para ela, e eu era seu melhor amigo, seu comandante.

—Pois então, por que você a jogou... quando ela estava chorando incontrolavelmente, milord?

Ficou tentado a trancá-la e engolir a chave e, mas teria que passar o resto de sua vida atrás de uma máscara. A doce e bondosa Isabel, que recolhia cachorrinhos de ruas, cairia morta de um desmaio se o visse sem a máscara. "Ele não era um de seus malditos casos de caridade!"

Apertando os dentes, Ashby enfrentou ao mordomo.

—Onde demônios você colocou, Phipps?

—A que artigo se refere milord?

Ashby deu um olhar exasperado a seu mordomo.

—Sabe muito bem a que artigo me refiro!

O mordomo se adiantou disposto.

—No baú que está debaixo de sua cama, onde guarda os uniformes e as medalhas, mas, está você seguro de que é conveniente milord? A última vez que você...

—Eu dito o que é conveniente nesta casa. Agora desaparece! - Ashby o separou de uma cotovelada e se ajoelhou frente à cama. Arrastou o pesado baú e levantou a tampa.

Não o havia tocado nos últimos dois anos e tremiam as mãos ao abri-lo agora.

—Está envolto na manta de montaria, milord.

Ashby se equilibrou, fez girar o Phipps e o empurrou para a porta que fechou com um brutal chute. Pensando melhor, fechou a porta com chave. O imbecil considerava que seus deveres incluíam se fazer de babá.

Era a história de sua vida: criados que o criavam, confortavam, velavam por todas suas necessidades, e jamais podiam dar conta de quando deveriam deixá-lo tranquilo.

Suspirou cansado e se deixou cair sobre a cama olhando fixamente o baú aberto. Guardava seus uniformes dobrados, seu capacete de couro, o sabre mameluco, o bacamarte1 , e ainda por cima de tudo, as medalhas.

Essa imagem trouxe um amontoado de lembranças, algumas agradáveis; a maioria... insuportáveis. "Que espera precisamente?", perguntou-se a si mesmo.

A última vez que se aventurou a cometer essa idiotice tão autodestrutiva terminou destroçando todos os espelhos da casa, exceto um, o espelho da penteadeira de sua mãe. Afundou o braço nas dobras da ornamentada manta, e ali estava. Agarrou, sem atrever a se olhar nele.

Três cirurgiões se negaram a operá-lo, assegurando que custaria a sua vida. Só um assistente de cirurgião, um hindu de pequena estatura que Will encontrara no acampamento de um batalhão de infantaria, aceitara levar a cabo, mais tarde, disseram a ele que o estrangeiro salvou sua vida.

Fechou os olhos arrasado pela velha dor e a auto-recriminação. Will salvou sua vida e o que havia feito ele em retribuição? A lembrança de um disparo de pistola ressonou no coração.

Ashby tremeu, sentia a alma rasgada pelas angústias. Possivelmente esta tortura se devia em parte por ter visto a irmã de Will outra vez. Tão espiritual como fisicamente, Isabel era uma réplica do único amigo verdadeiro que teve na vida.

Como podia ajudá-la se não podia ajudar-se a si mesmo?

Abriu os olhos e olhou fixamente a Gárgula refletida no espelho que sustentava na mão.

—Vá para o inferno - disse com aspereza, enquanto que o cabo do espelho, também em forma de Gárgula, parecia amaldiçoá-lo com sua boca pétrea...

Alguém tocou levemente à porta. Ashby levantou a vista e viu o cartão deslizar-se sob a fresta da porta até ficar sobre o tapete. Ficou de pé e a recolheu.

Tinha uma elegante gravura em relevo com o nome da Isabel como presidente da organização de caridade.

"Leia o que está escrito no dorso", sugerira Phipps. Se Ashby não o conhecesse tão bem, juraria que o maldito aporrinho fizera buracos na porta. Amaldiçoando, virou o cartão e sentiu como se um punho oprimisse o coração. Com letra prolixa e harmoniosa estava escrito: "Necessito de suas habilidades especiais".

 

Número 7 da Rua Dover, sete anos atrás.

—Me perguntou o que haverá para o jantar - disse o capitão William Aubrey lambendo-se enquanto trotavam ao longo do Dover Street. - Cheiro sopa de rabo, porco e bolo de maçã, e carne assada com pastéis redondos York Shire.

—Não os avisou que devíamos passar três dias? - perguntou Ashby.

—Para que estragar a surpresa? - sorriu Will. - Os gritos e choros de Izzy serão uma diversão estupenda.

Ashby esboçou um sorriso.

—Ela sempre reage assim quando a visita.

Will dirigiu a ele um olhar sardônico.

—Quando eu a visito?

Ashby sentiu o rosto acalorado.

—Não continue Will. Ela não deve saber que eu sei.

Will lançou uma gargalhada.

—Todo mundo sabe que minha pequena irmã tem tenros sentimentos por você, Ash. É óbvio para qualquer um que tenha olhos e ouvidos.

—Não, não é assim, e se souber que estou ciente se sentirá envergonhada.

—É o único que parece envergonhado, Ashby - Will riu maliciosamente. - Não posso acreditar que de todas essas mulheres dos povoados e guarnições, sem mencionar as de Londres, que se jogam sobre você; seja minha inocente irmã a única que te faz ruborizar. É incrível!

Era verdade. Izzy Aubrey o fazia ruborizar-se. E muito. Supunha que o motivo de sua reação tão absurda era não saber as razões pelas quais gostava. Sempre agradara as mulheres. Por seu título, seu dinheiro... inclusive a algumas, por sua má reputação; e à maioria delas, por seu corpo que as fazia desfrutar, mas a uma pequena de quinze anos? Esse era um mistério que era incapaz de resolver.

—Falando do diabo... - Will sorriu maliciosamente, ao mesmo tempo que avistaram a Isabel sentada em um banco perto do jardim de rosas com um pequeno cachorrinho negro no colo.

—Isabel Jane Aubrey - gritou Will. - Veem dar um beijo de boas-vindas a seu esgotado irmão!

—Will! - gritou Izzy e ficou de pé de um salto. Seu olhar escorregou para o Ashby e um resplendor de adoração brilhou em seus olhos azuis. Ashby sentiu que parava o coração por um instante para logo expandir-se e absorver o quente sentimento que infundia. Vagamente recordou ter experimentado esse sentimento... muito, muito tempo atrás.

—Refiro-me a evidencia - murmurou Will. Desmontou e abriu os braços para recebê-la. Izzy colocou o cachorrinho em uma cesta forrada que apoiou sobre o banco e correu para os braços de seu irmão.

Desfrutando da cena, Ashby desmontou e jogou as rédeas de seu cavalo e as do cavalo do Will a um moço de estábulo que estava aguardando.

—E não há um beijo para mim? - Sorriu e a olhou nos olhos, enquanto ela apoiava a face no peito do Will.

Isabel se soltou do abraço de seu irmão e se aproximou dele timidamente. Profundamente ruborizada, seu infantil sorriso derreteu o seu coração.

—Capitão lorde Ashby. - Fez uma pequena reverência e ficou nas pontas dos pés para dar um suave beijo na face.

—Agora major - a corrigiu Will.

—Felicitações! Obteve-o antes que Will. - O glorioso sorriso que Isabel deu conseguiu aturdir o Ashby. Não importou e o elogiou aplaudindo. Ninguém mais o fez, somente seus criados; e recebiam pagamento por ser respeitosos.

—Obrigado. - Ashby assentiu rigidamente, com a garganta fechada.

—E provavelmente consiga subir ao grau de tenente coronel antes de fazer trinta anos - assinalou Will. - Percebo o aroma de bolo Eccles , possivelmente? - continuou farejando o ar.

—Você cheirou cada refeição da cidade de Rodrigo até St. James Street - sorriu maliciosamente Ashby.

Izzy meneou a cabeça.

—Espere, Will, preciso que de uma olhada no meu novo mascote. Não pode apoiar-se sobre a pata esquerda, mas não consigo descobrir o que o aflige.

—E eu o que sei de cachorrinhos? Pergunte ao perito - assinalou ao Ashby. - Aqui tem o homem que tem habilidades especiais - se dirigiu ao interior da casa, anunciando ao resto de sua presença.

Izzy olhou fixamente ao Ashby. Ele se encaminhou para o banco.

—Vamos dar uma olhada no seu cachorrinho, parece bom para você?

Sentaram-se um ao lado do outro. Izzy levantou a pequena bola peluda e negra da cesta, e a colocou nas mãos de Ashby.

—Não tenho nem ideia de como chegou até aqui. Parece que tem apenas uns poucos dias. E eu gostaria de saber o que aconteceu com sua mãe e a seus irmãos. Não pude encontrá-los em nenhum lugar a uma milha de distância de Dover Street.

O pequenino mal conseguia encher a palma da mão de Ashby. Acariciou-o esfregando o pescoço com o dedo, o fazendo grunhir de prazer.

—A pata esquerda você disse? Vejamos - virou brandamente o filhote deixando ele de barriga para cima para examinar a pata. - Não tem arranhões, nem hematomas.

Tampouco ossos quebrados - tentou fazer que ficasse de pé apoiando-se na pata esquerda, mas o filhote se inclinou para um lado, e caiu. Ashby o recolheu brandamente. - Onde diz que achou a esta bola negra de cabelo?

—Estava destruindo as rosas da mamãe - respondeu Isabel. - Ela quis jogá-lo na rua.

—O jardim de rosas... - Ashby sorriu. Agarrou ao bichinho e examinou cuidadosamente a pata. - Achei - extraiu um fino espinho, quase imperceptível, e o mostrou a Isabel. - Aqui esta o problema.

Brilharam os olhos de Isabel.

—É magnífico, Ashby... Perdão, major lorde Ashby.

—Me chame P... - o coração começou a pulsar rapidamente - Pode me chamar Ashby. Todos me chamam assim.

—Obrigado... Ashby - deu outro casto beijo na face, o filhote saltou de seu colo e se dirigiu dando saltos para a escada da frente da casa. - Meu Deus! Dentro de casa não —seguiu a toda pressa o animal, com os cachos dourados balançando sobre os ombros, as saias curtas azuis formando redemoinhos ao redor das meias três - quartos que ocultavam suas esbeltas panturrilhas, até que desapareceu no interior da casa.

Ashby chegou a uma decisão, a mais assombrosa que alguma vez tomara: desejava uma esposa. Desejava isso, o que tinham Will e Izzy, um lar com meninos e mascotes que o recebessem, com apetitosos manjares fumegantes na cozinha. Queria manter correspondência de verdade com alguém mais que advogados, banqueiros e administradores. Ansiava uma família.

Era a única coisa pelo qual valia a pena viver, por isso queria voltar quando a guerra terminasse.

Assobiando com satisfação, encaminhou-se a esse caos tão familiar que reinava sempre no número 7 da Rua Dover e encontrou o Will ao pé da escada, com a boca cheia de torta.

—Curou o cão?

—Curei o cão.

O alvoroço caótico do andar de cima pareceu incrementar-se.

—Averiguemos o que pode ser tão interessante para provocar esse revoo.

Subiram lentamente as escadas e por pouco tropeçam com o pequeno cachorrinho que fugia a toda pressa de gritos e tropeções, por pouco foram investidos pelo pequeno exército que carregava contra eles encabeçado por Teddy e Freddy, as irmãs de Will de só oito anos que eram réplicas em miniatura de Izzy; as gêmeas eram seguidas por Izzy e três ansiosos criados que se arrastavam atemorizados pela furiosa voz de lady Hyacinth:

—Se essa insignificante coisa imunda não estiver fora de minha porta em um minuto, a primeira coisa que deverão fazer amanhã é procurar um novo emprego!

—Bem-vindo ao número 7 da Rua Dover - riu entre dentes Will.

Ashby sorriu. "Um lar, com meninos para recebê-lo". Totalmente decidido, seguiu Will até o escritório do andar de cima para saudar a dama dragão.

—OH, William! Meu querido filho! - lady Hyacinth se equilibrou sobre Will e depositou um sonoro beijo na face. - E meu querido capitão, lorde Ashby, que amável de sua parte por ter vindo.

OH! Deve ficar para jantar conosco. Insisto, rotundamente. Não me importam os manjares que estejam preparando na residência Lancaster. Deve ficar conosco e nos contar tudo sobre o Wellington.

—Estarei encantado de ficar para jantar com vocês, lady Hyacinth - Ashby sorriu.

—Bem. Está arrumado. Agora devo enviar a alguém para procurar o Stilgoe no Whites's. Norris!

—Que boa vida tem seu irmão - disse Ashby sorrindo a Will.

Will deu de ombros.

—Sim, bem, nem todos são como você, Ash.

—Não o critiquei. Ele tem uma família que cuidar como a maioria dos membros da aristocracia. Eu não.

—É obvio que a tem - Will bateu em suas costas afetuosamente. - O que nós somos? Cervos? Além disso, se algo acontecesse a você, Izzy não voltaria a me dirigir a palavra.

Ashby esboçou um sorriso.

—Sabe que eu poderia fugir com ela a Gretna Green, se me seguir sorrindo dessa maneira?

—Por favor, faça! Fuja com ela! Restaura a paz em minha família!

—A sua mãe não agradaria - sorriu Ashby.

—Diz a sério? - Will enrugou o rosto comicamente. - Minha mãe faria uma oferenda aos deuses! Acredito que, de todas as formas, faz em segredo... - Will guardou silêncio quando lady Hyacinth voltou a entrar.

—OH, Por Deus. Olhem-se - examinou os sujos uniformes com o cenho franzido. - Devem se lavar e trocar-se antes de jantar, Will, mostre a Ashby o quarto de hóspedes, o que acha, meu amor?

—Ashby sabe onde está o quarto de hóspedes, mamãe - de todas as formas se encaminhou para cumprir a ordem.

—A propósito, Ash, o quarto de minha irmã está ali - assinalou na direção oposta em que se dirigiam pelo corredor - Se por acaso você decide fugir com ela.

—Não me tente.

—É só uma ideia - Will agitou os braços enquanto entrava em seu quarto.

Ashby seguiu pelo corredor em direção ao quarto de hóspedes. A ideia de fugir com Isabel resultava tanto divertida como... inquietante. Era treze anos mais nova que ele.

Quando a guerra terminasse e ela fosse mais velha, ele seria tão velho que nem sequer recordaria o que vira nele.

Banhou-se, colocou um uniforme limpo e escreveu uma nota para enviar a sua casa informando a Phipps que chegaria mais tarde. Will e ele já se detiveram no Guarda Montado para receber a nova designação de Ashby, por isso tinham três dias de folga, depois dos quais deviam voltar para o inferno, mas não antes de fazer uma visita a certa dama. Decidiu que no dia seguinte iria a Ashby Park para ver a Olivia. Sentiu uma calidez em seu interior ante a perspectiva. Olivia deu a entender em mais de uma ocasião que não importava quando ele se declarasse, ela não esperaria até que a guerra terminasse para casar-se. Também dera a entender que estava disposta a não esperar tampouco para outros aspectos, se concordavam uma data futura para comprometer-se.

Essa era uma questão para a qual não tinha pressa alguma.

A última coisa que queria era deixar um filho órfão.

Quando se sentaram à mesa, Ashby notou que Isabel não estava.

—Diabos, Ashby! Olha você! - Charles Aubrey, visconde de Stilgoe, deu uma olhada apreciativa de cima a baixo. - Que grau tem agora..., major? Impressionante, velho amigo.

Quem teria pensado nos alegres dias de Cambridge que algum dia se converteria em um herói de guerra?

Ashby assentiu com um sorriso.

—Nem sequer eu posso ainda me recuperar do assombro - se inclinou para um lado e em voz baixa perguntou ao Will. - Onde está Izzy? Não vai jantar conosco?

Will deu de ombros.

—Não tenho nem ideia. Nunca perde um jantar se você estiver - olhou para o outro extremo da mesa. - Theodora, Frederica, onde está sua irmã mais velha?

—Confinada! - anunciou a pequena Freddy com tom solene.

—Muito zangada, pequena - a corrigiu Will. - Onde se encontra?

—Está muito longe, no apartamento de cobertura, com seu novo cachorrinho - informou a todos Teddy.

—Não é verdade - discutiu Freddy. - Está em seu quarto, mas disse que não descerá para jantar até que mamãe diga que pode ficar com o cachorrinho - se virou para sua mãe com olhos suplicantes.

—Podemos ter filhotes nós também, mamãe?

Lady Hyacinth inspirou profundamente.

—Não, não podem. E tampouco Izzy. Se sua obstinação for maior que sua fome, pode ficar em seu quarto até que mude de opinião.

—Possivelmente possa ajudá-la a mudar de opinião - disse Ashby, se desculpando para retirar-se da mesa e se dirigiu ao andar de cima. Não estava seguro de qual dos quartos das meninas era o de Izzy, por isso avançou lentamente tratando de escutar algum ruído que fizesse mimos ao cão. Mas o que ouviu foi o som de seu pranto. Engoliu com dificuldade e golpeou brandamente à porta.

—Vai embora! - gritou Isabel com voz chorosa.

—Sou eu Ashby, Isabel. Posso entrar, por favor?

—Não pode, estou sozinha.

Ashby moveu a cabeça sorrindo. À pequena se preocupava com sua reputação. Diabos, por que não? Ele era um homem; e ela tinha todo o direito de se considerar uma pequena dama.

—Então deixarei a porta aberta.

—Está bem - respondeu sorvendo as lágrimas.

Encontrou-a sentada no chão, brincando com a cesta acolchoada. Tinha os imensos olhos azuis avermelhados e o nariz torcido. Entrou deixando a porta aberta.

—Onde está esse pequeno demônio negro? - perguntou, buscando-o no quarto. Nunca esteve nos aposentos de uma menina, embora sim nos de jovens damas, mas nessas não haviam drapeados com volantes de cor rosa nem bonecas sobre a cama.

—Está escondido debaixo da cama - Izzy soou o nariz com um lenço e o olhou aos olhos. - Todos o estavam perseguindo e agora o pobrezinho tem um medo de morte.

—Não está assustado - Ashby se sentou junto a ela apoiando à mão em um dos joelhos, ambas as pernas calçadas com botas.

—É muito jovem para saber o que é o medo. Provavelmente pensou que era um tipo de jogo divertido. Sairá em seguida. Já verá.

—Tentei convencê-lo, mas não quis saber de nada. Sem dúvida também tem medo de mim agora.

Ashby deu uma olhada à cama com volantes rosas.

—Tentou com comida?

Assinalou-lhe uma pequena tigela com leite que estava no chão junto à cama.

—Nem sequer a tocou.

Algum dia teria uma filha como ela, pensou Ashby agradado.

—Não acredita que está exagerando um pouco a questão? É só um cão, Izzy.

—Ele é minha responsabilidade.

—É sua responsabilidade porque assim você decidiu.

—Sim, assim é - respondeu, levantando a maravilhosa cabeleira de rebeldes cachos de cor dourada acobreado como o entardecer; os olhos ardentes pela emoção, as faces brilhavam avermelhadas e os lábios carnudos tremiam pela fúria. - Não podemos fechar os olhos para simular que não vemos o sofrimento. Ou o que é pior, supor que outro solucionará o problema.

O pequenino não tem a ninguém no mundo inteiro, Ashby. Tudo isto é tão incompreensível para você?

Sentiu uma opressão na garganta. Uma menina pequena... a quem queria enganar? Ela era uma pequena mulher com o potencial de apanhar qualquer coração masculino, assim como sua mente e sua alma.

—Por que sua mãe se opõe tanto a permitir que adote o cachorrinho?

—Minha mãe teme que destroce os móveis - resmungou com raiva. - Devo deixar a tigela com leite fora da cozinha - os formosos olhos se encheram de lágrimas.

—Comida e proteção não são nem remotamente suficientes. Se correr para a rua poderia atropelá-lo um carro. Pode ser um cão, mas é um pobre filhote órfão. Necessita que o amem. Como poderia sobreviver de outra maneira?

Quase desejou ser o cão.

—As criaturas podem sobreviver sem amor - afirmou brandamente.

Olhou-o desdenhosamente, como se fosse o homem mais cruel do mundo.

—Obrigado por ter vindo, milord, mas está esfriando o jantar.

Seu gélido olhar foi mais do que pôde suportar.

—Se prometer a você que cuidarei bem de seu pequeno mascote, permitiria que o leve comigo?

Olhou-o horrorizada.

—À fronteira espanhola?

—Muitos soldados têm cães. Ficará com a tropa enquanto eu...

—Enquanto você arrisca a vida - terminou a frase ao mesmo tempo que deslizaram umas lágrimas pelas brilhantes faces. O fulgor de seus olhos ocultavam algo mais...

Uma profunda preocupação por sua segurança. - Me desculpe por minha grosseria. Perdoe-me, por favor. Você é o melhor homem, mais generoso...

Ashby pôde respirar normalmente outra vez. Ficou de pé.

—Não, não sou. Agora vamos jantar. Deixaremos a porta fechada para que Héctor não escape enquanto estamos comendo.

—Héctor? - sorriu, ficando de pé.

—Por que não. Héctor foi um grande guerreiro. Posso necessitar de um amigo assim a meu lado. Ajudará-me a cuidar de Will - a seguiu em direção ao corredor e fechou a porta atrás de si.

—Suponha que se negue a sair de debaixo da cama? - perguntou Izzy quando chegaram às escadas.

—Em algum momento tem que sair. Acredite-me. Por leite, por uma carícia... pelo que necessite mais - pela extremidade do olho viu que seu comentário a agradara. Sorriu.

—Eu sairia por uma carícia - disse e entrou em marcha.

—Prometo não me esquecer disso, Ashby - sorriu atraente.

Esse tipo de comentário era o que o fazia ruborizar-se. Diabos.

Todos estiveram agradados quando se uniram ao jantar, uma vez já servida a sopa de rabo e antes que trouxessem o porco e o bolo de maçã.

—Me alegro que tenha entrado em razões, Izzy - declarou Hyacinth.

O sorriso de Isabel era tênue, mas triunfante.

—Ashby se ofereceu para adotar o meu cão. Levará o Héctor a Espanha com ele.

—Héctor? - Will riu baixo - Temo que cresça uma auréola de santo em você, meu amigo.

Ashby se encontrou com os olhos sorridentes da Isabel. Já tinha sua recompensa, aqui e agora.

—Realmente tem a intenção de levar contigo a essa bola de pelos? - perguntou Stilgoe depois do jantar, quando os homens ficaram sozinhos na mesa bebendo uísque e fumando charutos.

—Dei minha palavra a Izzy - respondeu Ashby. - Não posso voltar atrás agora.

—Pode deixá-lo com Phipps - Will o olhou levantando uma sobrancelha.

—Phipps não sabe nada de cães. - Ashby terminou sua bebida de um gole e sentiu um calor que abrasava a garganta. Também se sentiu um idiota, não por haver se devotado a cuidar do mascote, mas sim pela razão pela qual o fizera. - E tampouco acredito que possa deixar a Olivia.

—Olivia, bom - murmurou Will com um olhar de profundo desdém. - Sem dúvida o cozinharia e o serviria aos criados.

—Iria ferir os sentimentos de Izzy - explicou Ashby.

—Sério? Como feriria os sentimentos de minha irmã?

Ashby enfrentou o olhar duvidoso e zangado de Will.

—Decidi pedir a Olivia que se case comigo.

—E quando teve lugar tal epifanía?

—Hoje - por que diabos sentia que devia se desculpar? Amaldiçoou Ashby para si mesmo.

Will deu uma olhada a seu irmão mais velho.

—Charlie, importaria em nos deixar a sós uns minutos?

—Nem um pouco - Stilgoe ficou de pé. - Tenho um jogo de cartas que está me esperando no Boodle's - rodeou a mesa e aplaudiu o ombro de Ashby. - Se Cuide, velho amigo. Verei você amanhã, Will.

Logo que estiveram sozinhos, Will atacou.

—Olivia? Perdeu a cabeça completamente e sem remédio? Pensei que a loucura heroica na Serra do Bussaco obedeceu a um momento de loucura passageira que, além disso, serviu para sua ascensão, não que estava em um estado avançado de demência.

Ashby se serviu outro copo de uísque.

—Isso é interessante vindo de você.

—Se explique. Agitou a bebida.

—Sabe por que considera uma loucura minha manobra da Serra do Bussaco, Will? Porque você tem isto! Este lar, com suas risadas e loucuras, toda uma vida que te impulsiona a retornar.

Eu tenho uma enorme e luxuosa mansão vazia.

—E acredita que Olivia Hanson a encherá de risadas, loucura e vida? Pense bem, meu amigo. Olivia não se parece em nada a Isabel! É uma cadela fria, manipuladora e gananciosa!

—Conheço a Olivia desde que éramos meninos. Sei como é.

Will estava tremendo de ira e incredulidade.

—E?

—Ela me ama.

Will se afundou na cadeira balançando a cabeça e grunhindo.

—Meu deus, Ash. Entendo por que Wellington te distinguiu, por que considera você uma tipo de prodígio, e por que te apoia profissionalmente, mas Por Deus, pode ser tão estúpido algumas vezes!

Ashby observou o líquido ambarino de sua taça e decidiu desistir.

—Devo ir. - se separou da mesa e ficou de pé. - Está bêbado. E eu também. Verei você dentro de três dias - levantou a pequena cesta de piquenique que Izzy deixara sobre uma cadeira e se dirigiu para a porta.

Abriu a tampa da cesta e sorriu à pequena bola de pelo que estava dormindo sobre uma almofada. - Espero que tenha se despedido de sua proprietária, porque pode ser que não a veja por muito tempo.

Seu cavalo de combate estava selado e aguardando-o no atalho principal.

—Obrigado, Jimmy - agarrou as rédeas e deixou que se retirasse o moço de estábulo. Estava a ponto de montar quando se abriu a porta principal e se fechou bruscamente.

Olhou por cima do ombro e viu Izzy correndo para ele.

—Ashby... - ofegou e o olhou com olhos carregados de emoção.

Ficou paralisado.

—O que acontece, Isabel? Aconteceu algo a Will?

Ela negou com a cabeça, sem fôlego. Engoliu com dificuldade.

—Foi se deitar.

Apoiou a cesta no chão e segurou as rédeas na parte dianteira dos arreios. Os pensamentos corriam em várias direções e rapidamente.

Uma das possibilidades era que tivesse escutado ele conversar com Will. Não queria ferir os sentimentos de Izzy mas ele era um homem de vinte e oito anos e ela deveria entender que, cedo ou tarde, teria uma esposa.

—Veem, vamos nos sentar no banco - a segurou no cotovelo guiando-a para lá.

Sentaram-se em silêncio deixando uma decorosa distância entre ambos.

—Lorde Ashby - começou a dizer ela dirigindo o rosto para ele. - Tenho que pedir outro favor especial.

—Seus desejos são ordens.

Apertou as mãos com força retorcendo-os dedos incessantemente. Seus olhos se viam muito grandes, escuros e ansiosos.

—Sei que você e Will são soldados que lutam em uma guerra espantosa contra um homem perigoso, déspota e demente que quer que os galeses sans-culottes dominem a Inglaterra, mas...

Ashby sorriu com perspicácia.

—Seu irmão é como um irmão para mim, Isabel, eu não tenho mais irmãos. Pode estar tranquila de que protegerei ao Will com minha vida se for necessário, porque se algo acontecesse... Bom, me deixe dizer que preferiria morrer que fracassar. Entretanto - respirou profundamente-e apesar do que estou te dizendo, é o suficientemente amadurecida para entender que tanto na guerra como na paz, nossos destinos não dependem totalmente de nós, possivelmente nem sequer em parte. Deve ser valente. Deve...

Aproximou-se sussurrando:

—Sei que você protegerá o Will. É com você que estou preocupada...

—Will me protege. Temos um acordo.

—Will é baixinho e esquelético - enrugou o impertinente nariz.

Sorriu e sentiu o pulso acelerado.

—Me olhe. Eu sou baixinho e esquelético?

Olhou-o de cima abaixo.

—Não. Você é alto e forte.

Engoliu em seco, desejando haver tomado o último gole de uísque depois de tudo.

—Agradeço sua preocupação, Izzy. Estarei bem. Vai se deitar.

Brilharam lágrimas cristalinas nos olhos.

—Me promete isso?

—Prometo.

—Porque eu morreria se algo mal acontecesse com você - entrelaçou as brancas mãos ao redor do seu pescoço e pressionou os lábios sobre os dele.

Sua mente se turvou, Isabel Aubrey tinha uns lábios muito tentadores, suaves, rosados, carnudos e doces... e por um fugaz momento, seus lábios responderam ao beijo.

Agarrou a nos ombros e a separou dele.

—OH, Deus - sua mente se nublou, o coração pulsou rapidamente. "Maldição". Obrigou-se a olhá-la nos olhos. Os olhos da Isabel refletiam sua mesma consternação.

Quando abriu a boca para se desculpar, ela saiu disparada a toda pressa para a casa.

Essa noite, amaldiçoando-se por ser um canalha, cavalgou diretamente para Ashby Park, com o Héctor dormindo na cesta sobre seu colo, e pediu a Olivia que fosse sua esposa. Ela aceitou.

 

Número 7 da Rua Dover, na atualidade.

Isabel estava exausta quando retornou a sua casa depois do baile que foi realizado na casa de Íris para arrecadar fundos. Apenas tinha proferido algumas palavras durante toda a noite, só se limitou a ajudar a suas amigas para solicitar as doações de caridade, embora não acreditasse que uma participação mais ativa de sua parte tivesse aumentado as possibilidades de obter resultados mais favoráveis.

Para a aristocracia inglesa não importavam as viúvas de guerra nem os meninos famintos; a única coisa com que se preocupavam era com suas frívolas diversões. Entretanto, Isabel estava convencida de que Íris e Sophie exigiriam uma explicação por sua estranha conduta durante essa noite. Mas em nome de Deus, o que podia contar a elas? Que se sentia devastada?

Que o único homem que com que se importou em sua vida a jogara, sem olhar, de sua casa e de seus sentimentos, ordenando a ela que não voltasse jamais?

Nunca falou para elas sobre seu amor infantil pelo conde. Haviam-se feito amigas quando foram apresentadas em sociedade, e nesse então, Ashby era considerado uma lenda entre seus pares, um exímio mulherengo, um reconhecido comandante de cavalaria, treze anos mais velho que ela, e socialmente, dez vezes mais elevado; E... absolutamente inalcançável. Além disso, esteve ausente na Península durante todo esse tempo, situação que economizou a ela a humilhação de enfrentar ao homem que desdenhou seu beijo.

Levou muito tempo em superar essa vergonha... E essa dor. E levou dois anos para reunir a coragem para ir vê-lo após sua volta do continente.

"Vá para sua casa, Isabel, e não retorne jamais por aqui". A ideia de não voltar a vê-lo destroçava sua alma. Inexoravelmente, seus pensamentos fluíam a dias mais felizes nos quais Ashby e Will chegavam a cavalo, trazendo o sol com eles. Eram polos opostos... Will, de personalidade despreocupada; Ashby, o lorde de personalidade intensa; e mesmo assim, complementavam-se à perfeição, criando uma sinergia que era quase invejável.

Recordava, como se fosse ontem, a primeira vez que pôs os olhos nele. Ela estava com doze anos; Ashby, mais que o dobro. Will o havia fez entrar no vestíbulo, onde ela estava jogando com as gêmeas enquanto sua mãe folheava a seção de sociedade. Recordava como se pôs de pé torpemente e o saudou com cortesia, e como Ashby pegou sua mão e fez uma reverência.

—Nunca me disse que tinha uma boneca linda como irmã, Will - havia dito a seu irmão.

E ao levantar o olhar, encontrou-se com esses olhos cor verde mar; os mais bondosos, expressivos e solitários que havia visto em sua vida.

Olhos que a atravessaram e roubaram o seu coração para sempre. Sem Ashby e sem Will, só ficava um sufocante vazio que se resultava insuportável onde antes teve um coração palpitante.

Ashby fechou a porta na sua cara, e não havia volta.

Lucy ficou de pé rapidamente quando Isabel entrou no quarto; tinha os olhos avermelhados pelo sono.

—Isto chegou apenas meia hora depois de que você partiu senhorita - Lucy assinalou uma delicada caixa de mogno que se achava sobre a cama de Isabel. Estava atado com um laço azul que segurava uma margarida. - O velho Norris a queria dar para lady Aubrey, mas eu passei por ali justo quando chegou o mensageiro; ao ver seu libré e escutar dizer que a caixa era para você, a arrebatei das mãos.

Um estranho calafrio percorreu suas costas. - Fez bem, Lucy. O que tinha de especial no libré do mensageiro?

—Era negra e dourada, madame.

O pulso se acelerou. Uma caixa de Ashby? Ela o ofendeu. Por que ele enviaria um presente? Deu a volta dando as costas à donzela.

—Lucy, rápido. Ajude-me a me soltar o vestido, por favor.

Enquanto Lucy desatava os laços das costas, Isabel encontrou os olhos de sua donzela no espelho.

—Espero que... né... tenha esquecido a visita que efetuamos esta manhã.

—Esquecer o que? - com um ardente sorriso Lucy ajudou a tirar o vestido e a roupa interior de seda junto com os passadores do cabelo. - Boa noite, senhorita.

—Obrigado, Lucy, boa noite.

Isabel colocou rapidamente a camisola, sacudiu os abundantes cachos de seu cabelo, e subiu à cama. Como seu coração estava pulsando rapidamente, ficou olhando a caixa.

Todos seus aborrecidos pretendentes, carentes totalmente de imaginação, enviavam ramos de rosas vermelhas; mas uma margarida amarela parecia por si só uma mensagem. Embora não tinha nem ideia de qual poderia ser.

—Você é uma tola sentimental - se repreendeu, embora tremessem as mãos.

Desenredou cuidadosamente os laços azuis que sustentavam à flor em uma graciosa posição inclinada, e os prendeu em seu caule brilhante. Deslizou as pontas dos dedos sobre a tampa de mogno.

Esculpidos na madeira, havia um leão e uma leoa, rodeados por seus pequenos filhotinhos. Uma manada de leões. Abriu a caixa. Dinheiro? E ai percebeu... uma doação. Contou o montante. "Cem, duzentas, trezentas... mil, dois mil... cinco mil libras".

—Santo Deus!

Com a boca aberta, Isabel ofegou diante da pilha de dinheiro esparramado sobre o cobertor da cama. "Cinco mil libras". Poderiam fazer algo com uma soma tão exorbitante como essa.

Poderiam pagar finalmente ao advogado, o senhor Flowers; alugar um escritório para a fundação; contratar policiais para adicionar a lista mais famílias de soldados falecidos em combate. Um grande número de ideias revoavam na cabeça freneticamente. Íris e Sophie ficariam eufóricas! Não podia esperar para contar a elas, mas antes...

Dentro da caixa havia um envelope. Tinha a figura de um leão marcada no lacre. O mesmo leão que tinha o selo gravura de Ashby. Levantou o envelope, por pouco quase cai das mãos já que tremiam como as de uma anciã. Extraiu o pequeno cartão de seu interior. E em letra firme e estranha estava escrito:

 

Por favor, me perdoe. Desejo a você sucesso em suas atividades.

Seu, P. N. L.

 

  1. N. L. Reconheceu com cada fibra de seu ser a "L" do Lancaster, mas as iniciais P. N. eram um mistério. Não sabia qual era o primeiro nome de Ashby, nem tampouco o segundo. Sabia tão pouco sobre ele... recostou-se e apoiou o cartão sobre os lábios fechando os olhos. "Ashby".

Não se daria por vencida. Não agora. Nem nunca. Isabel sorriu. Embora não desejasse vê-la, ela necessitava que fosse parte de sua vida, como fora uma vez parte de sua família; e essa doação a deixava o melhor pretexto para visitá-lo novamente. De algum jeito, conseguiria persuadir à Gárgula de que saísse de seu isolamento para procurar uma carícia.

 

—Sinto muito, senhoras - O senhor Flowers fechou o livro que estava lendo concentradamente e escorregou para outra prateleira de livros. - Não tenho nada para apresentar a vocês. Terão que vir a próxima semana.

—Isso foi o que disse a semana passada - resmungou Isabel. Sentada em um puído sofá junto a Íris e Sophie, Isabel examinou o empoeirado escritório cheio de teias de aranha, enquanto lutava contra o violento impulso de levantar e abrir a janela. Os lugares fechados produziam um incômodo quase físico, e o ar viciado a estava fazendo sentir náuseas, além de enxaqueca.

Apesar da deplorável situação de seu escritório, o senhor Flowers possuía uma mente brilhante, mas devido a uma enfermidade que provocava um acentuado tremor nas mãos, teve que abandonar uma bem-sucedida carreira como defensor público. Se havia alguém capaz de apresentar um projeto de lei com possibilidades de êxito, esse era ele.

—Senhor Flowers - começou Íris. - Passamos a você toda a informação que nos pediu. Não vejo razão que justifique que isto se estenda tanto tempo.

Não tenho o costume de falar sem constrangimento, mas você se está demorando muito com este assunto, e estamos perdendo a paciência.

—Por Deus, me permitam, por favor! - exalou com desdém Sophie. Extraiu algumas notas de sua bolsa e as apoiou bruscamente sobre a mesa do advogado. - Serviriam para acelerar o processo, monsieur?

Isabel deu uma olhada interrogante a Sophie, mas depois reconheceu que sua amiga, que durante sua infância percorreu descalça as ruas de Paris mendigando por um mísero centavo, provavelmente estava com a razão. Pegou em sua própria bolsa e extraiu uma avultada quantidade de notas. Antes que o senhor Flowers se desse conta do rápido intercâmbio, colocou a metade da soma que trazia sobre a mesa e guardou as notas de Sophie na bolsa. Disse em voz baixa:

—Recebemos uma importante doação ontem.

Íris deu a volta bruscamente para ela.

—O que? De quem?

—Sshh! Explicarei isso depois - murmurou Isabel. O senhor Flowers examinou algumas páginas de outro mofado livro.

—Bom - com um amplo sorriso o fechou e agarrou a cadeira que estava atrás de seu escritório. - Obrigado, senhora Fairchild. Todos precisamos comer de vez em quando - estendeu uma mão tremente para o maço de bilhetes.

Mas Isabel os cobriu com a palma da mão.

—Senhor Flowers - sorriu. - Não pude deixar de perceber que você ficou agitado quando lady Chilton se referiu à informação que havíamos provido.

—Mmm - o advogado a olhou penetrantemente. - Você seria uma litigante temível, senhorita Aubrey. Tem bom olho para detectar reações significativas em uma testemunha.

—Obrigado pelo elogio, senhor Flowers. Agora, de que se trata? - não resultava agradável que dissessem que tinha talento natural para uma profissão tão desumana.

—Trata-se de... informação! - levantou um dedo tremente. - Seus fundamentos são humanitários, lógicos e propõem soluções bastante inovadoras, devo reconhecer.

Entretanto, se as submetessem a consideração do Parlamento sem a avaliação do custo aproximado que a nova lei poderia demandar, seriam descartadas de imediato!

As damas se afundaram no sofá com expressão afligida.

—Deveria ter dito isso há semanas - o repreendeu Íris. - Que tipo de informação adicional necessita, senhor Flowers?

—Eu preciso de números, listas.

—Que tipo de listas?

—Folhas de pagamento do pessoal do exército; os nomes, anos de serviço, postos, e salários, é obvio.

—Folhas de pagamento do pessoal do exército? - Isabel podia ver como a esperança de obter seus objetivos se derrubava frente a seus próprios olhos.

—Essas folhas de pagamento são confidenciais. E mais, o acesso a elas está extremamente restringido.

—Como supõe você que poderíamos conseguir essas listas, monsieur Flowers? - demandou de maneira cortante Sophie.

Entrelaçou as mãos trementes sobre o montão de papéis.

—Como se pode.

A Isabel ocorreu só duas maneiras possíveis de obter informação classificada do Exército: irrompendo clandestinamente no assentamento do Guarda Montado e as roubando... ou recorrendo a Ashby.

A segunda possibilidade, embora fosse tentadora, resultava ser intimidante, e reforçava a decisão a que chegara a noite anterior, quanto a visitá-lo novamente.

—Caso consigamos obter as folhas - disse Sophie. - Como podemos calcular um estimativo? Poderia nos mostrar alguns exemplos... ?

—Em casos como este, recomendo recorrer a um contador. Terá um custo adicional, é obvio - advertiu.

—Entendo - Isabel curvou os lábios. - Tudo o que precisamos é obter a informação.

—Precisamente.

—Em sua opinião, quem poderia ter acesso a essas folhas de pagamento, senhor Flowers? - perguntou Íris.

—O Alto Comando, o Ministério de Guerra...

—Em caso de que possamos acessar a essas instâncias hierárquicas para pedir colaboração - murmurou em voz alta Isabel, tendo em mente uma próxima visita ao Ashby.

—Necessitamos algo palpável para despertar seu interesse de bom cidadão.

—Conseguiu esboçar os aspectos fundamentais da proposta, senhor Flowers? Quer dizer, pôs, embora seja algo, por escrito?

—Para falar a verdade, sim fiz - abriu uma das gavetas de sua mesa e extraiu uma pasta de couro. - É o corpo principal da proposta, mas como já disse, sem as cifras...

—É só um conjunto de boas intenções que poderiam ser consideradas um monte de tolices - Isabel ficou de pé arrastando com ela Sophie e Íris. - Obrigado, senhor Flowers. Acredito que obteremos algo em breve.

—Daqui pra frente, depende de vocês. Senhoras, que tenham bom dia.

Quando subiram ao carro de Isabel, Íris lhe perguntou:

—O que é isso de uma importante doação? Não disse nenhuma palavra sobre isso ontem à noite. Em realidade, esteve bastante...

—Pouco efetiva. Sei, e quero me desculpar. Não... não me sentia muito bem - Isabel abriu o guichê e inspirou profundamente. Mas o ar dessa buliçosa parte da cidade estava tão ruim como o do escritório do senhor Flowers; lutou para se recuperar e conteve um sorriso. - Mas depois, recebi uma caixa que continha cinco mil libras e uma nota dizendo que eram para nós.

—Cinco mil libras! Mon Dieu! - exclamou Sophie. - Isso é magnífico!

Íris a olhou igualmente assombrada.

—Cinco mil libras... Você percebe quantas coisas poderemos conseguir com cinco mil libras?

—Subornar o Chefe da Guarda Montada para que nos dê as listas? - perguntou Sophie timidamente.

Íris fez uma careta.

—E como poderíamos explicar a obtenção dessa informação ante o Parlamento? Seria tão amável de me esclarecer isso?

—Realmente, Íris - disse Sophie pondo os olhos em branco. - Às vezes soa tão parecida com a voz de minha consciência...

Íris ignorou o comentário.

—Izzy, quem é nosso benfeitor?

OH, Por Deus. Isabel não preparou uma resposta para essa pergunta.

—Não tenho a menor ideia.

Fez uma careta como de gato a ponto de comer um canário. Jamais mentiu a uma amiga. Ocultou algumas coisinhas de sua mãe quando ficava insuportavelmente chata e intrometida. Tinha pensado em contar a suas amigas sobre Ashby, mas desistiu. Embora Íris e Sophie fossem deliciosamente excêntricas e amigas totalmente confiáveis, também tinham uma atitude muito protetora com ela e respeitavam estritamente o que dispunham as normas convencionais quanto ao decoro e a correção. Se contasse que tencionava visitar a Gárgula, receberia uma palestra sobre como devia se comportar uma dama e diriam que isso poria em risco sua boa reputação. E mais ainda, insistiriam em que fossem juntas vê-lo. A ideia não a agradava nem no mais mínimo. Ele era um eremita. Pelo amor de Deus!

Não tinha direito de impor a presença de suas amigas.

—A nota estava assinada com as iniciais P. N. L. Têm ideia de quem pode ser?

Felizmente, suas amigas estavam desconcertadas; não reconheciam as iniciais.

—Que coisa tão estranha - comentou Íris. - Um benfeitor que deseja permanecer anônimo.

—É a demonstração mais legítima do espírito de caridade - declarou Sophie. - Aquele que pratica a caridade em segredo é maior que Moisés. Nosso generoso benfeitor escolheu realizar sua contribuição anonimamente para não ferir a dignidade dos mais necessitados, o que demonstra que, ela ou ele, fez honestamente, não para ganhar o reconhecimento da aristocracia.

Acredito que essa pessoa é... extraordinária.

"Mais do que elas poderiam imaginar", pensou Isabel. Ashby poderia ter dado a doação pessoalmente, mas não desejou que ela o agradecesse. Bastou saber que ela faria bom uso do dinheiro...

Além disso, considerou o Will um santo. Sorriu para si mesmo. Diga-me com quem anda e te direi quem é. Como poderia deixar de admirá-lo?

—Ainda não encontramos um patrocinador - recordou Íris. - A quem conhecemos que pudesse nos ajudar para conseguir as folhas de pagamentos e nos representar para elevar a proposta diante do Parlamento?

—Poderia falar com o almirante Duckworth na reunião do Almack's, amanhã de noite - sugeriu Sophie. - Quando morreu meu querido George, o almirante me visitou para me oferecer que recorresse a ele se necessitasse de algo. Disse que devia a vida ao George.

—É uma possibilidade - concordou. - Eu poderia falar com o Chilton, mas duvido que ele...

—Seu marido não nos ajudará - disse Isabel. - E se o fizesse, faria para atormentar e obrigar você a fazer o que ele desejasse muito.

—Faz isso de todas as formas - Íris baixou o olhar e não falou mais do assunto.

Isabel apertou carinhosamente a mão.

—Vamos senhoras. Somos mulheres inteligentes, imaginativas. Deveríamos ser capazes de achar um bom plano que nos ajude a obter nossos objetivos. Tenho uma grande ideia. Por que não paramos para almoçar em nosso lugar favorito no Piccadilly e tentamos pensar em algo? Necessito desesperadamente de um pouco de ar fresco, e algo comestível - quando suas amigas aceitaram entusiasmadas, enfiou a cabeça pelo guichê. - Jackson, ao Piccadilly, por favor!

Trinta minutos depois, estavam bebendo limonada e devorando pão-doces de pepino, enquanto observavam o mundinho distinto que passeava a pé ou em elegantes veículos.

—Como anda esse projeto secreto que tem? - perguntou Íris a Isabel.

Quase cai o copo de limonada.

—Projeto secreto?

—O da pobre viúva e seu pequeno filho - esclareceu Íris. - Os que você recolheu em Bishopsgate, essa prima de sua donzela a quem socorreu.

Limpando-as mãos salpicadas de limonada com um guardanapo, Isabel respondeu em voz baixa.

—Muito bem, estou ensinando as primeiras letras a Molly e alguns conhecimentos básicos de aritmética. É uma aluna muito capaz. E o pequeno Joy é um sol.

—O que fará com eles? - perguntou Sophie. - Não pode adotar a todas as esposas e indigentes de Londres. Antes que possa se dar conta, terá um exército sob sua responsabilidade.

—Poderia abrir seu próprio asilo... Santa Isabel de Mayfair - sorriu Íris.

—A ideia é que possam ser independentes. Espero dar a Molly a educação suficiente para que possa valer-se por si mesmo para manter seu filho.

—Encontremos um marido para ela - propôs Sophie. - Organizemos um serviço para arrumar casamentos E...

—Meu deus! - pegou apressadamente seu xale do respaldo da cadeira, ficando tão pálida como se tivesse visto um fantasma. - Devo ir, eu... prometi ao Chilton que retornaria à uma em ponto e... são quase duas.

Isabel ficou de pé e agarrou sua mão.

—Vai com meu carro e envia o de volta para nos buscar.

—Não é necessário, pegarei um carro de aluguel - Íris saiu depressa do café e desapareceu na multidão de pedestres. Sophie amaldiçoou em francês.

—Esse homem odioso! Eu gostaria de retorcer o pescoço e jogá-lo em uma sarjeta! Como se atreve a manter a Íris como um pássaro enjaulado? Ela tem que dar conta detalhada de cada um de seus movimentos e pedir permissão para tudo. Não pode dançar nem conversar com outros cavalheiros. Necessita o consentimento desse ogro até para respirar. Como pode suportar que a trate assim?

—Sabe tão bem como eu que Íris não tem aonde ir - disse tristemente Isabel. - Um marido nem sempre é a resposta mais adequada.

Sua amiga era o melhor exemplo da quantidade de infelizes mulheres que perderam o amparo de um homem na guerra. Era surpreendente como Íris jamais se lamentou de sua situação.

—Santo Deus! A pequena Izzy Aubrey! - escutou-se uma profunda voz masculina e uma risada entre dentes. - Não posso acreditar.

Isabel levantou o olhar e ficou atônita. O alto e arrumado soldado de cabelo castanho que levava o uniforme azul do Regimento 18 do Hussar não era nem Will nem Ashby.

Um sorriso que refletia encontradas emoções, tanto de alívio e prazer, como desilusão, iluminou o rosto.

—Mas se é o capitão Ryan Macalister! De todos os lugares onde poderia encontrá-lo, que alegria achar você aqui. Por que não se senta conosco, capitão?

—Se me permitem - sorriu deslumbrado e fez uma elegante reverência a Sophie. Quando se ergueu, o abundante cabelo tampou casualmente um olho. Sentou-se na cadeira vazia que deixara Íris.

—Devo dizer que também me resulta um verdadeiro prazer vê-la de novo, Izzy... perdão, senhorita Aubrey.

—Me chame Isabel - respondeu docemente. - Capitão, me permita apresentar a minha querida amiga, a senhora Fairchild. O marido de Sophie foi tenente da marinha. Lamentamos muito sua perda.

A expressão de Ryan se tornou sombria.

—Apresento minhas mais sinceras condolências, senhora Fairchild. Perdi um lamentável número de bons amigos na guerra - olhou a Isabel. - Seu irmão foi à perda mais irreparável.

—Você é muito amável - Isabel sorriu com valentia. - Obrigado, capitão - Sophie se ecoou de suas palavras.

—Tenho entendido que você serviu sob o comando do major Aubrey?

—Por certo - Ryan sorriu com orgulho. - O major William Aubrey fez com que nossas vidas fossem mais suportáveis, mesmo que a situação fosse intolerável. Sinto falta de todo coração de seu rápido engenho e seu amistoso sorriso.

Isabel enxugou uma lágrima que caia pela face.

—Pois me conte, o que o traz para Londres? Tinha a impressão de que cumpria uma missão na Índia.

—Assim é. Estou destinado na Índia, com o posto de major agora - assinalou a insígnia de grau. A lembrança foi dolorosa.

—Felicitações, major. E me diga, é a Índia de seu agrado?

—Não muito. O clima é caloroso. Em cada rocha se oculta uma serpente e a comida tão condimentada me destrói o estômago. Além disso, a unidade a qual pertenço deixa muito que desejar...

—Um novo regimento? - Isabel franziu o cenho.

—Sim. Estão dissolvendo o Regimento 18 do Hussar. Não sabia?

—Não, não sabia.

—Sofremos muitas baixas, entre as quais se encontraram nossos melhores oficiais - sustentou o olhar, revelando quão profundamente compartilhava a dor de sua perda. - E agora que Ashby se retirou...

Será difícil que alguém possa igualá-lo. Até meus uniformes estão puídos. Tenho que conseguir uns novos - fez uma careta.

Isabel sentiu que estava a ponto de chorar.

—É essa a razão pela que se encontra aqui?

O arrumado major se inclinou para frente, esboçando um sorriso de cumplicidade.

—Supõe-se que estou consultando um doutor por uma ferida no pé, mas entre você e eu, estou ansioso por encontrar um motivo para ficar aqui para sempre - piscou um olho.

—Um motivo?

Manteve o olhar apoiando o queixo sobre o braço acotovelado sobre a mesa.

—Uma razão válida. Ruborizou-se.

—Bem, major, espero que sua busca resulte bem sucedida.

—Acredito que assim será, Isabel. De fato... - sorriu maliciosamente de soslaio. - Já me sinto animado e com maiores esperanças.

Desviando o olhar, Isabel captou o olhar de cumplicidade que dirigiu Sophie.

—Tenho que dizer - continuou sedutoramente - que devia ter suposto que você se converteria em uma beleza semelhante. É uma lástima que não o haja dito a seu irmão faz alguns anos.

Não está comprometida ainda, não é certo?

—Não, major. Não estou - Isabel mordeu o lábio para evitar sorrir tolamente. Ryan Macalister sempre fora um sedutor, mas o impacto de seu uniforme era quase... irresistível.

—Excelentes notícias. Isso merece um brinde - levantou a mão assinalando ao moço. - O que desejam senhoras?

Sophie assinalou ao grande prato.

—Pode pegar o último pão-doce, se desejar.

—Obrigado - o pegou e levou rapidamente à boca. Um dos moços se aproximou. - Seria tão amável de nos trazer uma garrafa de seu melhor Hock e outro prato de pão-doces?

—E um sorvete - apontou Isabel. - Eu gostaria de um sorvete de cereja.

—Um sorvete de cereja para a dama. Rápido, homem! - Ryan dispensou o apático moço. - A propósito, vi outra dama deixar a mesa. Espero que não seja por minha culpa.

—Lady Chilton precisava retirar-se cedo - respondeu Sophie.

Ryan deu uma olhada na pasta de couro sobre o qual estava acotovelado.

—O que é isto?

—Um projeto de lei para apresentar no Parlamento - explicou Isabel levantando uma sobrancelha.

—Realmente? Fale-me sobre isso.

Sophie e Isabel contaram sobre a fundação de caridade e os objetivos da mesma. Ryan pareceu genuinamente impressionado.

—O problema é que - continuou Isabel-sem as folhas de pagamento, nossa proposta resulta inviável. Por acaso, você não terá acesso à lista de nomes do pessoal do exército?

Negou com a cabeça.

—Mas conheço alguém que tem. E você também.

Isabel implorou para que a expressão de seu rosto não a delatasse.

—Quem?

Encheu o copo de vinho.

—Ashby.

Tremeu a mão quando levou a colher com sorvete de cereja à boca.

—Faz anos que o coronel Ashby não frequenta minha casa.

—Quem é esse tal coronel Ashby? - perguntou Sophie.

Isabel engoliu o sorvete com dificuldade.

—Era o melhor amigo de Will. Ao final da guerra, ele comandava o regimento a quem pertencia meu irmão. Agora é um... eremita.

Sophie baixou a voz.

—É o que chamam "a Gárgula"?

Isabel se encontrou com o olhar escuro do Ryan e se emocionou ao descobrir que ele se aborreceu com o apelido tanto como ela.

—É uma maldita vergonha, isso é o que é - disse. - Ainda não posso acreditar que se retirou totalmente da sociedade.

Isabel se inclinou para frente, fazendo um esforço para não parecer muito intrigada.

—O que aconteceu a ele? Ryan suspirou.

—Uma bala de canhão explodiu no rosto durante uma batalha no Sorauren causando uma ferida que o deixou a bordo da morte. Foi submetido a uma intervenção cirúrgica em um hospital de campanha e permaneceu de cama durante seis meses.

—Teve que usar uma máscara depois? - perguntou suavemente Isabel.

—Uma máscara? Ashby? - Ryan soprou com desdém. - Logo que pôde levantar-se, seguiu comandando cada uma das batalhas. Estava acostumado a brincar a respeito dizendo que só a visão de seu rosto podia matar mais franceses que nós, covardes bons para nada, como nos chamava. Wellington o condecorou com a Medalha de Ouro.

—Se não se importava então, por que se converteu em um recluso ao retornar a Inglaterra?

Ryan baixou o olhar.

—Não disse que ele não se importava. Segundo me lembro, houve comentários sobre um escândalo relacionado com isso... - disse brevemente.

Isabel apertou os lábios. Desejava quase dolorosamente saber tudo sobre Ashby.

—Por que é um eremita?

—Acredito que seu retraimento da sociedade tem algo que ver com a morte de seu irmão - respondeu evasivamente - mas não leve minhas palavras ao pé da letra. Ele era meu oficial superior.

Não me fazia nenhum tipo de confidências.

—Nunca foi nos ver depois da morte do Will.

—Não o recrimine - disse Ryan brandamente. - Ficou devastado com a morte do Will.

Espremeu a garganta.

—Acredito, e não estou ressentida com ele por isso.

—Por que não fazem uma visita a lorde Ashby juntos, você e o major Macalister, Izzy? Pode ser que seja o benfeitor patrocinador que necessitamos.

Isabel ficou tensa.

—Mas... mas... é... é um recluso.

—Visitei-o antes de partir para a Índia - mencionou Ryan - mas o mordomo não me permitiu entrar na residência Lancaster. Só alguém como Wellington poderia ser admitido ali.

—Conhece o Wellington, major? - perguntou Sophie. - Ser apresentadas ao Duque de Ferro seria de grande utilidade para nossa causa.

—Comprimento quando o vejo. Algumas vezes recorda meu nome, mas em outras ocasiões... - sorriu timidamente encolhendo os ombros. - Sinto muito.

—Irá ao Almack's amanhã de noite? - perguntou Isabel. Possivelmente durante uma valsa poderia conseguir que revelasse algo mais sobre o Ashby sem a presença de Sophie escutando cada palavra.

—Ryan a olhou com um olhar ardente ao mesmo tempo em que um travesso sorriso curvava os lábios. - Não estou muito seguro de que me deixem entrar com todas essas debutantes revoando por aí, mas agora que sei que você assistirá, tentarei conseguir por todos os meios uma permissão de entrada. Recompensara-me com uma valsa, Isabel?

—Será um prazer.

—Agradaria-me muito visitar você em alguma ocasião, faça chegar meus respeitos a lady Aubrey.

—Esperarei ansiosamente sua visita. Estou segura de que mamãe e Stilgoe estarão encantados de conversar com um velho amigo do Will.

Olhou-a fixamente.

—Há um excelente lugar no Berkley Square que vende sorvetes. Gostaria de sair a caminhar comigo no sábado pela tarde?

—Estarei encantada, Ryan.

—Excelente - consultou seu relógio de bolso. - E agora, estimadas senhoras, devo me retirar. - ficou de pé fazendo um gesto para chamar o moço. - Quanto devo por tudo?

Isabel segurou seu braço.

—Proíbo que pague o nosso...

—Já o fiz - agarrou a mão e a levou aos lábios. - Nos vemos no sábado. Senhora Fairchild... - fez uma elegante reverencia.

—Major.

Quando ele se afastou caminhando elegantemente, Sophie agarrou sua mão.

—Ele gosta de você, e devo dizer que ele também me agrada.

—Ryan é encantador - concluiu Isabel enquanto seus pensamentos se dirigiam para Ashby. Se fosse certo que sua reclusão auto imposta tivesse algo a ver com o Will, por que jogou de sua casa?

—É uma pena que ele esteja na lona.

A Isabel foi divertido ver o domínio Francês das gírias Inglesas.

—O que te faz pensar que não tem um centavo?

—Quando um homem necessita de uma mulher para deixar o exército... - Sophie estalou os lábios. - Como disse, eu gosto dele e obviamente ele gosta de você, mas em seu lugar, não baixaria a guarda, Izzy.

O homem está à procura de uma herdeira.

—Não deve estar tão mal de dinheiro se pagou o almoço de todos.

—Um depredador sagaz nunca permite que uma dama pague nada até depois do casamento.

—Possivelmente tenha razão - murmurou. - Tem melhor faro para estas questões que eu, mas me atreveria a dizer que se me resultasse inevitável ir ao altar, Ryan seria o candidato menos desagradável.

Os escuros olhos de Sophie fizeram uma piscada maliciosa.

—Nisso estamos de acordo, chérie.

—Para casa, Jackson - disse Isabel ao chofer depois de ter deixado Sophie na casa de lorde e lady Maitland. A diferença do Chilton, que aterrorizava a pobre Íris e esgrimia sempre sua falta de fortuna e de família como uma espada de Dâmocles sobre sua cabeça, os sogros de Sophie eram amáveis e afetuosos com ela e a tratavam como a uma rainha, apesar de seu turbulento passado em Paris.

Estavam felizes de cuidar de seu neto de cinco anos, Jerome, e jamais se misturavam na vida privada de sua nora. Em troca, a mãe da Isabel era uma intrometida recalcitrante que sempre se misturava nas questões privadas de sua filha.

O colorido sol do entardecer aqueceu seu rosto enquanto o carro rodava pelas ruas do Mayfair. Tamborilando ritmicamente a pasta de couro que tinha sobre os joelhos, Isabel se perguntou como e quando visitaria Ashby outra vez.

Em plena temporada social e com todas as atividades de caridade ficava pouco tempo livre, era pouco provável que o fizesse logo. A menos...

—Jackson - Isabel apareceu pela janela do carro quando ele chegou no lotado cruzamento - por favor, me leve a residência Lancaster no Park Lane.

—Sim, senhorita Aubrey.

O chofer se manteve imutável, sem demonstrar perturbação alguma no tom de voz pela abrupta mudança de destino a seis ruas do número 7 da Rua Dover, nem porque ela se dirigisse a lugares desconhecidos sem a companhia de uma donzela. Os empregados de serviço estavam divididos em duas partes: os aliados de sua mãe, fiéis servidores para sua permanente espionagem, como Norris; e os que desprezavam à velha tirana e gostavam de conspirar a suas costas. Já que Jackson pertencia ao segundo grupo, ela podia contar com sua discrição.

Secou as mãos úmidas na saia do vestido de musselina de cor rosa e colocou as luvas depois. Sentiu um delicioso nervosismo revoando no estômago. Que malícia parecia possuir! Visitar um homem solteiro duas vezes na mesma semana, sem convite, sem acompanhante... Mas Ashby sempre despertou essa veia descarada de sua personalidade. Esperava estar apresentável. Não é que tivesse ilusões com o Ashby absolutamente. Não se fixaria nela embora se ficasse nua frente a ele... Mas, como ocorreu a ela um pensamento tão escandaloso? Não devia pensar muito nisso ou perderia a coragem completamente.

Respirou fundo e se concentrou no que devia dizer.

—Residência Lancaster - anunciou Jackson do seu assento. O lacaio, filho do Jackson, abriu a porta e, estendendo a escada dobrável, segurou a mão tremente e a ajudou a descer.

Com as costas rígidas, Isabel se obrigou a caminhar lenta e erguidamente, controlando-se para não correr para a imponente entrada e esmurrar a aldrava de bronze da porta principal. Phipps apareceu na soleira.

—Senhorita Aubrey!

—Seria você tão amável de informar a milord que tem uma visita? - disse com expressão imutável.

Phipps hesitou durante um momento até que uma claridade intensa de decisão iluminou seus olhos. Deu um passo para o lado para deixá-la passar e fechou a porta.

—Por aqui, por favor - a guiou através do magnífico vestíbulo e a conduziu para o interior da casa.

Ela considerou como um sinal prometedor. Ontem, só foi permitido acessar a sala que dava à frente. Definitivamente, estava abrindo caminho no mundo. O homem se deteve frente a uma porta e suplicou que aguardasse. Quando retornou, fechando a porta atrás dele, Isabel quase rompeu em choro, mas em vez de acompanhá-la até a porta, acomodou algo que guardou no bolso superior, algo que não estava ali antes, e reiniciou a marcha.

Chegaram a uma porta de ferro e madeira. Abriu-a revelando um estreito lance de degraus de pedra que conduzia para baixo. Seguiu-o sem dizer uma palavra, mas quando ouviu os rítmicos golpes que se intensificavam a medida que desciam, perguntou:

—Aonde me leva?

—À adega.

Isabel se horrorizou.

—Lorde Ashby passa todo o dia na adega?

—Não tanto como estava acostumado a fazê-lo. Os primeiros seis meses eram impossíveis tirar ele daí. Agora passa a maior parte da noite.

"Pobre Ashby" pensou Isabel; o pobre homem afogava seu desespero em uma garrafa atrás da outra. Graças a Deus, teve o cuidado de voltar, apesar de sua hostil rejeição.

Chegaram ao final das escadas, a uma pequena habitação em penumbras, uma adega parecida com a que havia em sua casa. Não havia sinais de Ashby.

—Senhorita Aubrey, suplico que aguarde aqui. - Phipps desapareceu detrás de uma das estantes de vinhos. Os ruídos ou golpes cessaram.

—O que? - escutou do interior a voz profunda de Ashby cheia de impaciência.

—Milord, tem uma visita.

—Livre-se dela - algo pesado caiu no chão.

—É a senhorita Aubrey, milord.

Escutou o rítmico som da raspagem de uma lixa. Incapaz de controlar a curiosidade ficou nas pontas dos pés na arcada e espiou através da estante de vinhos. Uma sala que parecia uma caverna se estendia frente a ela, iluminada com candelabros localizados em nichos a distintas alturas. Embora o sol não se ocultou ainda, no interior dessa caverna reinava a escuridão.

As garrafas estavam armazenadas contra as paredes em estantes que chegavam até o teto abobadado. Poeira de serragem cobria o chão. Esculturas, móveis e tábuas de madeira ocupavam quase todo o espaço. Esticou o pescoço e, ao longe, viu as pernas robustas embainhadas em calças de montar que depois se afastavam da mesa de trabalho.

Rodeou a mesa e parou em frente a ela.

—Disse por que está aqui?

—Não, milord, não o fez, mas se devo aventurar uma opinião, acredito que tem algo a ver com o pacote que você enviou.

Por Deus. Ashby estava nu da cintura para cima. Pôde ver os fortes braços fibrosos que se estendiam até os ombros poderosos. O peito largo que terminava em uma esbelta e musculosa cintura, o abdômen plano onde os tendões se marcavam nitidamente em perfeita simetria. A lisa pele brilhava coberta de transpiração.

Sentiu-se profundamente desiludida porque o comprido cabelo ocultava os traços, enquanto lixava vigorosamente um bloco de madeira. Imutável, acariciou com o olhar esse formoso corpo, fascinada pelo movimento dos músculos sob a pele suave e brilhante. Ela vira antes a jovens fortes com o torso nu, mas nenhum deles se parecia com isso..., uma obra mestra que parecia esculpida em mármore como expressão magistral - e carnal - da força física.

Que criatura tão estranha e maravilhosa era, pensou Isabel. O rico e poderoso conde, que em vez de refugiar-se em sua casa protegido por seu título enfrentara Napoleão arriscando a vida... era carpinteiro. Assim era como enchia suas horas de solidão, criando coisas belas... como Vulcano, o deus do sofrimento dos artesãos.

—Veio sozinha? - quis saber Ashby.

—Sim, milord, acredito que sim. Tem um carro esperando-a - Phipps extraiu do bolso uma máscara negra de cetim. A estendeu a seu amo.

Transcorreu um breve momento.

—Diga a ela para entrar.

Retrocedeu bruscamente temendo que a descobrissem espiando. Espremeu as mãos enquanto simulava estar examinando o escuro hall. Apareceu Phipps.

—Pode entrar agora, senhorita Aubrey.

Sentindo a tensão em todas as terminações nervosas de seu corpo, exalou a respiração contida e entrou. Deu uma olhada a um vulto de formas difusas coberto com um velho lençol. As ferramentas de carpintaria estavam pulverizadas em toda parte.

—Não toque em nada - ele ordenou.

Viu as costas de Ashby alta inclinada sobre uma cômoda apoiada contra uma parede afastada. Uma cama antiquada de quatro postes com dossel drapeado de cor vermelha se achava em um canto.

Sentiu o ruído da água ao salpicar no lavabo. Ele lavou o rosto e penteou com os dedos a espessa e escura cabeleira alisando para a nuca. Seco o rosto com uma camisa enrugada. Continuando, pegou a máscara negra.

Atou-a ao redor da cabeça e deu a volta para ela em toda sua gloriosa semi nudez.

Fechou a boca bruscamente.

—Lorde Ashby - fez uma reverência freando o impulso de umedecer os lábios. Incomodava que sua fascinação por ele, em vez de diminuir, converteu-se em algo muito mais perturbador e físico.

—Me desculpe por... - cortou a respiração ao ver como esfregava o escultural torso úmido com a camisa enrugada. Nunca imaginou que os homens podiam ser tão... fascinantes.

—Por que está aqui? - sua voz imperiosa a fez levantar o olhar.

Esforçou-se para poder se concentrar.

—Milord, eu... eu vim A...

—Ashby - insistiu ele olhando-a com seus brilhantes olhos verdes que ressaltavam contra sua pele morena. - Escutei tantas vezes "milord" que me dão ânsias - jogou a camisa a um lado e se dirigiu para ela, fazendo ressonar as botas contra o chão de pedra. - Não disse especificamente que não retornasse mais?

Mordeu o lábio.

—Vim para agradecer pessoalmente seu generoso donativo.

—Não há de que, mas poderia ter me enviado uma nota.

—Você poderia ter enviado uma soma menor - olhou a seu redor, assombrada pelas delicadas peças esculpidas que enchiam a sala. Não era um mero carpinteiro, era um artista. - Me agradou ainda mais a caixa - disse com uma voz rouca que inclusive resultou difícil de reconhecer. - Você que a fez?

Deteve-se justo em frente a ela, com toda sua agreste masculinidade, tão atraente como assustadora. Seu perfume adocicado recordou a ela imediatamente o breve beijo no banco.

Recordou subitamente tudo: sua respiração agitada, seus lábios suaves pressionando os seus, e depois sua língua roçando eroticamente a dela, enchendo com um gosto de uísque que guardou para sempre.

Um violento tremor percorreu todo o corpo. Desejava beijá-lo outra vez, tocá-lo; desejava ardentemente, mas não se animava a sofrer outra rejeição.

Os olhos masculinos se obscureceram.

—Por Deus, Isabel! Não irrite ao cervo - grunhiu como se tivesse lido a mente. - Nada bom pode resultar disto. Acredite em mim.

Não queria escutar isso.

—Preciso saber... O que te fez mudar de opinião?

—Não mudei de opinião. Pediu-me colaboração e dei a você o dinheiro.

—Mesmo assim, você se mostrou inflexível na?

—A mensagem em seu cartão foi muito eficaz - espetou a contra gosto. - Seus golpes são muito precisos, Isabel Aubrey. Quando você quer conseguir alguma coisa, bate na fibra mais sensível.

—Desculpe-me. Minha intenção não era...

—Nunca se desculpe comigo. Nunca. Deus sabe que eu tenho muitas mais coisas pelas que me desculpar.

Ruborizou-se dos pés a cabeça. Estava aludindo a esse infernal beijo que ele rejeitara. Maldito seja.

—Eu vim para persuadi-lo a se juntar a nossa causa - a partir desse momento manteve uma atitude totalmente prática. - Sei que me disse que não participou do Parlamento em muito tempo e que se afastou de todas as questões sociais, mas eu agradeceria que me desse sua opinião sobre isto - ofereceu a pasta de couro.

—O que é isto? - ele pegou e rapidamente examinou seu interior.

—Nosso projeto de lei. Falei a você sobre ele. Não tive oportunidade de lê-lo ainda, mas...

—O que te faz pensar que eu sei um pouco de leis? - folheou as páginas.

—Segundo as palavras do Will... você é um homem de múltiplas habilidades - sorriu desafiante.

—Minhas habilidades são muitas e variadas, mas você já tem minha resposta - devolveu o arquivo.

"Maldita seja".

—Há algo mais. Necessitamos das folhas de pagamento do pessoal do exército.

—Suba a minha biblioteca - deu de ombro indiferente. - Tenho as folhas do exército, da marinha...

—Parece que não me entende. Necessitamos as listas das baixas, incluindo os anos de serviço, postos, salários e toda informação pertinente para calcular o custo aproximado que teria a lei.

Você é a única pessoa que conheço que pode ter acesso aos dossiês do pessoal do exército.

—Dossiês pessoais? Essa é informação classificada! Ninguém tem acesso a ela.

Sentiu que pisava em terreno mais firme. Com ele.

—Como demônios se espera que uma pessoa com consciência social possa levar algo adiante neste país?

—Você não é responsável. É a razão pela qual temos valores comuns e um monarca.

Olhou-o irada.

—Não moverá nem um dedo para me ajudar?

—Minha contribuição a sua causa terminou com as cinco mil libras que doei - quando ela guardou silêncio depois da repreensão, ele se dirigiu lentamente para uma mesa lateral. Destampou uma garrafa de vinho que estava pela metade e serviu dois copos de vinho tinto. - Olhe, eu já tive minha cruzada - explicou. - Agora tudo o que quero é aproveitar de minha vida privada, apesar das desvantagens que suporta a solidão - retornou junto a ela e, colocando um copo de vinho na mão, golpeou o cristal ao brindar. - Saúde.

Beberam em silêncio, segurando mutuamente o olhar. Enquanto o delicioso vinho descia pela garganta, perguntou-se se ele consideraria a situação tão íntima e excitante como ela. Tempo atrás, teria vendido a alma ao diabo por compartilhar um momento como esse com ele. "Diga alguma coisa!" - Que classe de vinho é este? Atreveria a dizer que não é um Madeira - delicadamente lambeu uma gota que tinha no lábio.

Seu gesto delicado apanhou o olhar masculino, que pareceu fascinado em seus lábios durante uns instantes.

—O Madeira é para debutantes e dandis   afetados que fazem a manicura.

Intrigada, bebeu outro gole.

—Pode me considerar uma idiota, mas este vinho é...

—Multifacetado? Como uma pessoa - ele assentiu.

Fez girar o que ficava do vinho na taça e aspirou seu aroma. - É um Navarrete. Frutado, provocador, suave, e cheio de significados escondidos... Comprei dúzias de caixas na Espanha e as trouxe para casa de navio.

—Escutando você, sinto-me uma principiante totalmente desinformada - confessou ruborizando-se.

—Não faça isso. Faz-me sentir velho e cansado - jogou a cabeça para trás, esvaziando a taça.

A visão de uma gota vermelha deslizando pela garganta nua a atraiu além do razoável. Sacudiu a cabeça.

—Que tipo de desvantagens suporta a solidão?

—Várias.

Possivelmente essa fosse à chave. Se soubesse do que ele sentia falta, ela poderia oferecer para saciar esse vazio, aproximar-se e mantê-lo presente em sua vida.

—Me diga uma.

—O celibato.

Ela tossiu, afogando-se com o vinho.

Um resplendor travesso brilhou na íris de seus olhos cor verde mar.

—Você perguntou.

Possivelmente não seria tão indiferente como tinha suposto se despisse frente a ele, mas não representaria uma vitória. De acordo com sua entendida amiga Sophie, um homem que deseja às mulheres e um homem que deseja a uma mulher são duas coisas muito diferentes.

—Hoje almocei com um de seus antigos oficiais - mencionou casualmente para voltar para o tema anterior. - Ryan Macalister. Agora é major. Até ele pensou que você seria o melhor patrocinador que poderíamos achar para nossa causa, e não disse nada a ele...

—Esta cortejando você?

Seu tom áspero a surpreendeu.

—E se fosse assim?

—Macalister não te convém Isabel. Fique longe dele. - apoiou o copo que já estava vazio.

—Milord, não aprecio insinuações vagas, nem as ordens arbitrárias.

Olhou-a fixamente.

—Quer uma razão? Bem. Ryan Macalister destroçará o seu coração.

Falava a sério? Não tinha nem a mais vaga noção do que havia feito a seu coração? É obvio que não. Os libertinos encantadores nunca a têm, sobre tudo quando os corações destroçados eram muito jovens para ser importantes. Dissimulou, tentando reprimir seu velho ressentimento.

—Não tinha ideia de que podia prever o futuro, milord. Que hábil de sua parte.

Adiantou um passo para ela.

—Digo sinceramente, Izzy. Mantenha-se longe do Macalister. Não é para você.

Soou como se estivesse ciumento, o que não fazia sentido. Olhou-o nos olhos e perguntou:

—Está-me prevenindo contra ele porque não tem um centavo? - quão único obteve em resposta foi um olhar feroz e indecifrável. Colocou a taça vazia junto à dele. - Lorde Ashby, você a quem uma vez considerei tão querido como um irmão mais velho, por favor, me dê qualquer informação que possa ser de vital importância para minha felicidade futura.

—Maldita seja, Isabel! Eu não sou seu irmão! - grunhiu ferozmente.

Ela estremeceu.

—Não, é obvio que não. Você... você não me deve nada.

Deixou escapar um suspiro entrecortado que fez subir e baixar os magníficos seios.

—Vá para casa. Não seja tola. Jamais poderei ocupar o lugar do Will em sua vida.

—Sei. Nem estou pedindo. Já não sou uma menina, Ashby. Nem tampouco uma tola.

Olhou ela rápida, mas profundamente, de maneira totalmente diferente a quão jovens mantinham longas conversações... com seus seios.

—Sem dúvida, já não é uma menina, o que se faz ainda mais perigoso.

Disparou o coração transbordante de esperança. Procurou seus olhos brilhantes.

—Por que é mais perigoso?

Aproximou-se e deslizou os ásperos nódulos pela face.

—Porque se alguém a visse entrar ou sair de minha casa - respirou continuamente - teria que enfrentar intermináveis falatórios. É uma mulher adorável, Isabel. Seria uma lástima que arruinasse seu futuro.

Suas esperanças se fizeram em pedaços. Nada mudara; não queria ter nada com ela, nem sequer ferido e sozinho, obrigado a usar uma máscara. Desde muito tempo atrás, deveria ter abandonado toda esperança de ganhar seu afeto. E até sabendo disso, desejava sua amizade.

—Preocupa-se com minha reputação. Que bondoso de sua parte. Como um irmão mais velho.

Esta vez não reagiu diante do comentário zombador.

—Adeus, senhorita Aubrey - passou junto a ela e a deixou sozinha na adega sem janelas. Sentiu uma opressão na garganta, e subiu correndo as escadas em busca de ar.

 

Assim que entrou no Almack's, Isabel foi apanhada por seu irmão.

—Hanson, conhece minha irmã, não é certo? - Disse o visconde Stilgoe a um homem que se encontrava do seu lado.

Não pôde vê-lo, nem escutar sua resposta, porque Íris e Sophie estavam conversando animadamente e bloqueavam a visão.

—Tínhamos um acordo, Charlie - disse a seu irmão no ouvido - eu assistiria ao "mercado do matrimônio" uma vez por semana em troca de que você e mamãe deixassem de tramar estratégias casamenteiras.

—Do que te serve se perde toda a noite mexericando com suas amigas? - resmungou em tom quase inaudível. - Agora se cale e mostre-se encantadora.

—Boa noite, lady Chilton, senhora Fairchild - se escutou uma voz cultivada. Suas amigas se afastaram para dar passo a um homem de cabelo loiro cinza que se aproximava com uma jaqueta escura que ressaltava sua fisionomia de um colorido celestial. Isabel ficou boquiaberta. Com tudo o que detestava as ocultas manobras casamenteiras de Stilgoe, lorde John Hanson VI, a quem a alta sociedade chamava "o Anjo Dourado", era simplesmente muito arrumado para ficar indiferente. - Senhorita Aubrey, você esta encantadora esta noite - se inclinou reverente sobre sua mão enluvada.

—Lorde John - fez uma reverência sorrindo muito a seu pesar. - É um prazer voltar a vê-lo.

Seus transparentes olhos azulados a examinaram atentamente.

—O prazer é meu, asseguro a você.

—Hanson lidera vários comitês legislativos que impulsionam projetos de reformas legislativas, igual a vocês, senhoras - disse como introdução Stilgoe, e sussurrou ao ouvido de Isabel.

—Previne de meus desonestos esforços para colaborar com sua causa, verdade?

—Realmente desonestos - respondeu Isabel no mesmo tom de voz. - Recusou nos patrocinar.

—Que supõe que estou fazendo agora? - sussurrou seu irmão, enquanto Íris e Sophie perguntavam a Hanson sobre suas atividades políticas, e adicionou no mesmo tom. - O avô de Hanson é o duque de Haworth, e dizem que o duque tem a intenção de pular uma geração e nomear ao John seu herdeiro, em vez de seu pai. Imagine o bem que poderia dissipar ao mundo com semelhante patrocinador, Izzy.

—É difícil concentrar-se com sinos de casamento repicando nos meus ouvidos - brincou. Charles não era ambicioso nem avaro, pensou; simplesmente era um velho preocupado com uma irmã solteira, teimosamente contraria a se casar. - Agora se cale e vai. Quero participar da conversação.

—Meu principal interesse é reduzir os impostos - respondeu lorde John a uma das perguntas formuladas por Sophie.

—Pois então você apoia aos latifundiários - demarcou Isabel, desejando que seu tom de voz não resultasse tão áspero como temia. Não necessitava a um aristocrata que atuasse em benefício de seus pares.

—Algo que impulsione o emprego do pessoal desmobilizado. Refiro-me aos ex-soldados.

—OH - Isabel encontrou os olhares de Íris e Sophie, e leu seus pensamentos. Hanson podia ser justo o patrocinador que estavam procurando. - Lorde John, parece que temos o mesmo tipo de preocupações - deu um passo para aproximar-se do deus loiro ignorando a risada abafada que reprimiu Stilgoe. - Por favor, nos conte mais sobre isso.

—Estaria encantado de fazê-lo se me concede o prazer de escoltar você à pista de baile para a próxima valsa, senhorita Aubrey.

—Por que... eu... - olhou por cima do ombro a Stilgoe, que deu de ombros; e sorriu abertamente ao John. - Bem, eu agradeço.

Segurou o braço que ele oferecia e permitiu que a conduzisse até a pista de baile, não pôde deixar de perceber a quantidade de cabeças que se voltaram em sua direção. Nunca fora objeto da inveja de tantas mulheres.

Em realidade, o que estava fazendo John com ela? Supunha que era agraciada, mas não trocaram mais que uma amistosa saudação de vez em quando, e lorde John tinha a seus pés um séquito de admiradoras.

Perguntou-se que diabos trazia Stilgoe entre mãos.

—Stilgoe me contou que você e suas amigas fundaram uma sociedade de beneficência para as viúvas de guerra - assinalou John, enquanto giravam na pista guardando uma correta distância entre ambos.

—Procuramos ajudar às mulheres e meninos que ficaram desamparados ao perder na guerra o suporte do homem da casa, e que devem agora recorrer à mendicidade para sobreviver.

—O que a fez decidir ajudar a esse grupo em particular? - disse girando ao som da música, sem perder o passo.

—Meu irmão morreu em Waterloo. O pai de Íris morreu na Espanha prestando serviços como oficial no Regimento 95 de Carabineiros. O marido da Sophie, tenente de marinha, morreu no mar.

Sentimos que era nosso dever ajudar às mulheres que compartilham nossa dor, mas não possuem um bom nível econômico e estabilidade social.

—Quais são seus objetivos? O que obtiveram até o momento?

—Visitamos asilos, hospícios; doamos comida e roupa. Além disso, nos reunimos todas as sextas-feiras pela tarde e convidamos aos familiares dos soldados mortos em combate com o fim de fazer uma lista e nos inteiramos de seus problemas para saber o que é necessário fazer. Também estamos trabalhando para apresentar uma proposta de lei no Parlamento. Acreditamos que o governo deveria dar ajuda econômica a estas mulheres como compensação de sua perda.

—Estou impressionado. Resulta-me admirável que uma mulher tão jovem e encantadora como você empreenda uma obra de tal magnitude... Não acredito que se resulte fácil considerando sua própria perda.

Em que regimento prestou serviços seu irmão?

—No Regimento 18 do Hússar, milord.

Percebeu na palma como se esticava o ombro masculino.

—Me chame John. Insisto.

—Muito bem, John - sorriu. - Você pode me chamar Isabel.

—Isabel. Seu nome tem uma aura muito feminina. Assenta muito bem.

—Obrigado, John - respondeu e viu a Sophie dançando com o amadurecido almirante Duckworth. Os via lutar em um tira e afrouxa de mãos que sua amiga não parecia desfrutar.

—Terei o prazer de vê-la amanhã no baile de mascaras dos Barrington? - perguntou John.

Isabel vacilou. A casa dos Barrington confinava com a residência Lancaster. Desgostava a ideia de que Ashby estivesse sentado sozinho na escuridão enquanto ela dançava, bebia vinho e se mergulhava em conversações alegres, separando-os apenas um jardim de distância; mas considerando que John assistiria, possivelmente deveria fazer em interesse da fundação.

—Sim, é obvio - sorriu.

—Esplêndido. Concederá-me a primeira valsa? E a última? E o do cotillon ?

A que se deu seu súbito interesse nela? Intrigada, olhou diretamente nos olhos cintilantes e decidiu seguir o jogo até descobrir, e para saber mais dele.

—Três danças com o mesmo cavalheiro durante a mesma noite é um convite à desonra, John.

—Ou fundamento para obter uma licença especial de matrimônio - sorriu maliciosamente. - Mas você tem toda a razão, minha linda Isabel. Uma dança é para se conhecer, duas, um evidente sinal de afeto, e três, resulta escandaloso.

Isabel chegou à conclusão de que lorde John estava muito acostumado a mulheres que o lisonjeassem extasiadas, enquanto ele desfrutava dessa adulação desde seu pedestal de glória.

Sem dúvida, devia estar intrigado por ver quanto demoraria ela em cair a seus pés para render-se a seu séquito de adoradoras.

Infelizmente para John, não era provável que ela ficasse com risinhos tolos, e menos ainda, a curto prazo.

Tinha o pressentimento de que se não sucumbisse a seus encantos conseguiria despertar mais seu interesse... algo extremamente conveniente para obter seu apoio político.  

—Concederei a você a primeira valsa da noite e a do cotillon, mas você me deverá um favor.

—Interessante - seus traços angelicais se tornaram reflexivos, e depois sorriu. - Aceito.

—Até manhã à noite - Isabel fez uma elegante reverencia e se retirou da pista de baile.

Quando chegou junto a Íris, o murmúrio que a seguia resultava quase ensurdecedor.

—O que foi tudo isso? - Íris agarrou seu braço e disse em voz baixa. - Não permitiu a ele que te acompanhasse para deixar a pista de baile.

—É uma nova tática que estou provando - Isabel sorriu maliciosamente. Sophie se aproximou soprando e resmungando até ficar frente a ela. - O que aconteceu ao almirante Duckworth? - perguntou Isabel.

—Descarado libidinoso! Acreditou que porque é quase cego e meio surdo permitiria ultrapassar-se comigo. Não sabe que consegui esquivar a muitos seres vis e desagradáveis como ele na Ópera de Paris.

Íris e Isabel intercambiaram um olhar divertido enquanto tentavam sufocar uma gargalhada.

—Significa que devemos retirar o almirante de nossa lista de potenciais patrocinadores? - perguntou Íris.

Sophie aspirou com profundo desgosto.

—Impertinente libertino! Espero que se afogue em sua banheira - olhou a Isabel. - E como foi sua valsa com lorde John?

Íris apresentou um breve relatório terminando com:

—Isabel estava por nos ilustrar com sua nova tática.

—Estou mantendo em brasas o Anjo Dourado - Isabel sorriu amplamente. - Não sei por que convenceu meu irmão na missão de me apresentar nem por que, depois, convidou-me a dançar e se mostrou interessado em nossa obra de beneficente, mas tenho toda a intenção de descobrir amanhã no baile dos Barrington.

—Eu pensei que você havia se desculpado para não comparecer. - disse Íris.

—Mudei de opinião. Lorde John me pediu que reservasse três bailes para dançar com ele. Preciso saber por que.

—Qual é o mistério? - assinalou Sophie em um marcado estilo francês. - Um amigo apresenta a ele uma jovem formosa, que não é uma cabeça oca, e simplesmente quer conhecê-la melhor.

—Perguntou se consideraria patrocinar nossa causa na Câmara dos Lordes, ou se conhece alguém que nos possa conseguir as folhas de pagamento? - perguntou Íris.

—Ainda não. Mas falei sobre todos nossos esforços, e pareceu interessado. Veremos o que acontece.

—Izzy conhece alguém mais que pode nos ajudar a obter as folhas - mencionou Sophie.

—De verdade? - Íris pareceu encantada. - Quem?

—Ninguém - Isabel respondeu esquiva. - Um velho conhecido do meu irmão. Uma pessoa que vive reclusa.

Sophie fez uma careta.

—Segundo nosso bonito major, conhece o recluso muito bem, Izzy. Estou certa de que uma descarada cheia de recursos como você pode encontrar a maneira de aproximar-se dele.

—Qual bonito major? - perguntou Íris cautelosa.

—Eu - respondeu uma voz grave atrás dela.

Íris deu a volta bruscamente, com os olhos arregalados abertos pelo terror, e mortalmente pálida. Íris e Ryan se olharam guardando um eloquente silêncio. Sophie e Isabel trocaram um olhar desconcertado.

Ryan foi o primeiro em recuperar-se.

—Lady Chilton, conforme acredito - segurou a mão, mas Íris a retirou bruscamente, com um olhar assassino em seus olhos celestes. Brandamente, Ryan disse. - Não faça uma cena, Íris.

—Por que não? - disse tensa Íris. - Me surpreende que nossos anfitriões permitam o acesso a pessoas de sua classe.

Ele riu friamente.

—Poderia dizer o mesmo de ti - murmurou - Ao menos eu não... vendo meu corpo para estar aqui.

Jogou nele um fugaz olhar a suas partes baixas e depois levantou a vista para o rosto masculino.

—Você o aluga. A propósito, tenho curiosidade, como conseguiu uma permissão de acesso para esta noite?

Isabel se afogou. Jamais imaginou que a tranquila e gentil Íris podia ter uma veia tão rude.

Ryan nem sequer piscou.

—Conhece-me. Não tenho dona. E a questão é que estou de trem de compras, não de vendas, esta noite. Disseram-me que é o lugar indicado para conseguir debutantes.

—OH, entendo - a resposta de Íris destilava veneno - Está à procura de uma fortuna então?

Macalister apertou a mandíbula.

—Nem tanto uma fortuna, a não ser uma mulher que pertença realmente à nobreza.

—Interessante - inclinou a cabeça. - E por que uma mulher de nobre estirpe iria querer estar contigo?

—Por amor? - levantou uma sobrancelha com expressão provocadora.

Isabel decidiu intervir antes que aqueles dois se matassem.

—Boa noite, major. Que gentil de sua parte ao reunir-se conosco. Seria tão amável de me trazer um copo de limonada? Estou sedenta.

Um sorriso malicioso iluminou o rosto.

—Isabel, você sim que é uma bênção para os olhos. Seu brilho ilumina até a criatura mais insípida do universo - embora não olhasse em direção a Íris, soube que dera no ponto.

Isabel percebeu a dor nos olhos de Íris e decidiu intervir para que deixasse em paz a sua amiga, tampouco desejava que a manejasse como uma arma para atacá-la.

Depois investigaria mais para chegar ao fundo de tudo isso. Agarrou-o pelo braço e disse:

—Tenho uma ideia melhor. Caminhamos juntos até a mesa de refrescos.

—Em realidade, estava com a esperança de tentá-la para que me acompanhasse à pista de baile.

Isabel estava a ponto de declinar o convite, mas ao distinguir o sério olhar de advertência de Sophie, reconsiderou.

A não ser que estivesse disposta a limpar o sangue do chão, qualquer método era válido para afastar Ryan de Íris, ao menos no momento. Dedicou um sorriso encantador a Ryan.

—Como poderia eu recusar?

Entretanto, antes que pudesse levar Ryan até a pista, o homem tramou para pegar o cartão de baile de Íris e reservou a última valsa com ela.

—Ficam coisas por dizer sobre os velhos tempos.

—Não danço esta noite - respondeu brevemente com expressão severa.

—Pois não deveria ter pendurado seu cartão de baile - agarrou a de Sophie e reservou uma dança de casais. - Esta noite, nenhuma mulher poderá liberar-se de mim. Até mais tarde, senhoras

—Fez uma reverência e se afastou com a Isabel.

Na beira da pista de baile, foram apanhados por lady Jersey, uma das sete anfitriãs principais do Almack'S.

—Ryan, querido, que alegria voltar a te ver! - lady Jersey paquerou com ele descaradamente agarrando a manga que estava livre e apoiando-se contra ele.

—Sally - levou a mão de lady Jersey aos lábios. - O que posso dizer... Encantadora!

Sally, encantada, sorriu tolamente.

—Adoro os cumprimentos de homens que vestem uniformes. Soam muito mais... sinceros - disse emanando um forte aroma de brandy, o que resultava estranho tendo em conta que só serviam bebidas leves na festa.

Sem dúvida, Sally devia levar uma pequena cigarreira na bolsa, pensou Isabel enquanto observava o íntimo interlúdio.

Indubitavelmente, isso desentranhava o mistério de como Ryan conseguira a permissão de acesso para dois dias. Tinha sua patrocinadora privada.

Quando Isabel sentiu o olhar de Sally cravada nela, fez uma reverência.

—Lady Jersey.

—Senhorita Aubrey - Sally respondeu a saudação protocolar, mas com evidente antagonismo. - Te vejo depois, querido - sussurrou ao Ryan.

—Possivelmente antes - deu uma piscada, conduziu a Isabel à pista e se incorporaram à fileira de casais do baile.

Qualquer ilusão que poderia ter albergado por ele como potencial pretendente se esfumou essa noite, por mais de uma razão. Ashby esteve certo ao adverti-la sobre o Ryan.

Mas doía saber que o havia feito mais por preocupação que por ciúmes. Preocupação de um irmão mais velho.

Por sorte, a peça musical era muito rápida para manter uma conversação, e Isabel se viu isenta do desagrado de lutar com os inevitáveis comentários sobre a confrontação que ele teve com Íris.

Embora essa noite Ryan fosse o inimigo e se sentia profundamente tentada a cancelar o encontro, sairia no sábado pela tarde com ele, pois era a única pessoa que sabia um pouco do Ashby.

Ashby. Quantas noites permanecera acordada imaginando que deslizava na pista de baile entre seus braços? Quase podia imaginar que o amplo peito que vestia o uniforme do Regimento 18 do Hussar, o dolman azul e o elegante casaco forrado em pele que pendurava no ombro... era do Ashby, não do Ryan.

Entretanto, nesse momento não era uma valsa o que estava dançando, e seguindo a clássica rotina desse tipo de dança, detiveram-se, deram a volta e intercambiaram casais, e Isabel se topou com lorde Hanson com quem trocou uma breve saudação, e depois ambos seguiram com seus respectivos companheiros. Curiosa, virou a cabeça para ver com quem estava John.

—Louisa Talbot? - ambas as amigas se mostraram horrorizadas quando contou mais tarde. - Tem certeza? - Sophie murmurou incrédula. - Essa horrível criatura que desagrada a todos?

Por que demônios iria querer dançar com ela?

Isabel deu uma olhada para o outro extremo do salão de baile onde um círculo de mulheres ria tolamente ao redor da dourada cabeça. Fazia muito tempo, era Ashby quem detinha o título de

"solteiro mais cobiçado da sociedade". Só que no caso de Ashby, devia-se a que era pecadoramente irresistível, e era perseguido pelas mães de jovens debutantes; e não só por essas mães ambiciosas, mas também por todas as mulheres em geral: mães, filhas, irmãs e qualquer maldita fêmea que andasse a vista. Todas tinham ilusões com ele. Algumas inclusive o tiveram... temporariamente.

—Possivelmente perdeu uma aposta - disse Isabel encolhendo os ombros. - Quem sabe?

—Eu sei - assinalou Íris. - Louisa Talbot é tão rica como Creso . Seu pai americano possuía a maior plantação de tabaco do mundo. Ao morrer no ano passado, a mãe da Louisa se casou com um antigo noivo, Lorde Larimore, seu amante de toda a vida, inclusive enquanto esteve casada com seu primeiro marido. Essa é a razão pela qual Louisa recebeu toda a fortuna, e sua mãe não viu um centavo.

—Lorde John é o herdeiro de seu avô, o duque de Haworth - afirmou Isabel. - Por que perseguiria uma mulher feia, insípida e desagradável, só por dinheiro?

—É difícil ignorar todo esse dinheiro - disse maliciosamente Íris. - Se diz que mesmo Prinny há infligido um e outro elogio. Entretanto, ouvi que seu tio, também americano e que despreza a aristocracia inglesa, chega à próxima semana. Vem à cidade para evitar que sua sobrinha seja vítima de algum lorde empobrecido. Alguns dizem que já contratou alguns policiais para tirar os trapos sujos ao sol de seu presumido candidato.

—Louisa tem um candidato? - pestanejou Isabel. - Ela tem problemas até para fazer amizades, algo que já me resulta suspeito por si só.

—Lá vai ela outra vez - Sophie assinalou ao inseto sardento que saltava alegremente na pista de baile diretamente para os braços de... Ryan Macalister, nada menos.

Sophie e Íris tinham razão, reconheceu Isabel. Estava à procura de uma herdeira.

—Importa-se que nos retiremos cedo? - espetou bruscamente Íris. - A não ser que Izzy queira ter outro tête-à-tête com lorde John para convencê-lo de ler nossa proposta...?

Isabel se encontrou com o perspicaz olhar de Sophie. Suas amigas não queriam esperar a última valsa que Ryan as tinham imposto. Os cavalheiros da alta sociedade sabiam que o cartão de Íris era só um adorno e nada mais, graças a Chilton. Ryan provocaria uma cena, e já tiveram muitas essa noite. Não fazia falta ser um gênio para dar-se conta de que Íris e Ryan se conheciam muito bem.

Tão bem que o motivo de sua animosidade ainda seguia sem desvendar. O único bem que havia feito Ryan essa noite, sem querer foi desviar o foco de atenção e evitar as perguntas de Íris e Sophie sobre o Ashby.

—Podemos ir quando quiserem - respondeu Isabel. - Já decidi que falarei com lorde John sobre nosso projeto amanhã de noite no baile dos Barrington.

—É melhor assim - concluiu Sophie. - Deixemos que primeiro o conquiste, e quando estiver perdidamente apaixonado para negar-se, pediremos sua colaboração para nos patrocinar.

Isabel sorriu.

—Sophie, é terrível! Como pode sugerir que engane ao pobre homem?

—Possivelmente enquanto trame suas artimanhas para seduzi-lo, o Anjo Dourado faça outro tanto contigo, e em vez de enganá-lo, teremos um feliz casal com um profundo sentido de consciência social - sorriu Íris.

Isabel entrecerrou os olhos.

—Stilgoe envolveu vocês duas nisto?

—Não! É obvio que não - Sophie estremeceu.

—Jamais colaboraríamos com o inimigo - assegurou a Isabel enquanto se dirigiam para a porta. - Entretanto, não consigo compreender por que é tão contrária ao casamento.

Sei que o meu não é o melhor exemplo, mas Sophie foi muito feliz com seu querido George. Não é assim, Sophie?

—Muito feliz - assentiu Sophie afligida. - George era a fonte de toda minha força. Ele transformou a uma pobre cantora de Ópera de Paris em uma rainha. Deu-me Jerome. E direi algo mais: se alguma vez tiver a sorte de encontrar um homem tão maravilhoso como George, não duvidarei em dizer "sim" outra vez. Eu sinto falta da vida de casada. Tem suas grandes vantagens.

Ele representava a imagem de um banco escuro e certo hussar ladrão de corações. Deixando escapar um suspiro, afastou a imagem de sua mente.

—Não estou contra o matrimônio - disse. - Estou me reservando para... o melhor candidato que apareça.

—Olhe o lado positivo, Izzy - disse Íris. - Se o melhor candidato resulta ser lorde Hanson, terá os bebês mais adoráveis que Londres tenha visto.

Uma ideia maravilhosa ocorreu a Isabel.

—Será que você disse bebês?

 

—Que demônios? - Ashby olhou para cima da pilha de relatórios e demonstrações de contas que seu agente de finanças havia trazido para que os revisasse e olhou fixamente para a porta do escritório.

No vestíbulo reinava o caos. Em outros tempos, teria saído e dominado a crise, mas a experiência ensinou a ele que a visão de seu rosto só pioraria a situação. Apertando os dentes, concentrou-se nos papéis.

—Phipps! - grunhiu surpreendendo ao senhor Brooks.

O agente sorriu amedrontado, colocou os óculos no nariz de novo, e afundou a cabeça nos papéis. Sabia que poucas pessoas podiam olhá-lo aos olhos sem deter-se nas cicatrizes que tinha no rosto, e o senhor Brooks não era um deles.

Phipps entrou, e Ashby ficou com a boca totalmente aberto.

—O que é isso? - perguntou olhando espantado o formoso pacote rosa que o mordomo sustentava nos braços.

Não podia ser o que supunha. Durante seus trinta e cinco anos de vida, um número de mulheres que queriam atribuir à paternidade uma criança, mas suas reclamações foram desvirtuadas graças à intervenção de policiais contratados para tal efeito. Esta vez surpreendeu-se ao perceber que o sentimento que espontaneamente surgia não era de rechaço se a menina fosse dele.

Só que era impossível: não esteve com uma mulher em mais de dois anos, e a pequena que Phipps sustentava nos braços não podia ter mais de doze meses.

—Esta é a senhorita Danielli - anunciou Phipps, sorrindo agradando a bebê que estava pendurada no pescoço. - Veio visitá-lo, milord - o vulto rosado estava muito ocupado examinando seu escritório.

Afastou a cadeira para trás, e ficou de pé. Aproximou-se. Tinha o cabelo dourado e suave preso com um laço rosa que fazia jogo com sua roupa, seus grandes olhos curiosos recordaram o céu limpo da Espanha, seus pequenos lábios rosados se curvavam em um sorriso. OH, Deus. Uma sombria depressão o embargou.

—Quem a trouxe aqui? - perguntou, sabendo de antemão a resposta.

—A... este... - Phipps deu uma olhada às costas do agente curvado sobre o enorme escritório - a mesma pessoa que veio ontem, e anteontem.

Ashby fechou os olhos. Isto era o que os gregos chamariam "castigo divino, vingança justiceira dos deuses". Não era suficiente ter perdido a seus homens, seu melhor amigo entre eles, além de toda esperança de futuro; também deveria perambular entre os seres vivos pagando a culpa de seus pecados até o dia de sua morte.

O senhor Brooks recolheu suas coisas.

—Possivelmente seja melhor que me retire milord, revisaremos as coisas em outro momento. Retornarei a semana que vem para que me dê às instruções que estime pertinentes.

—Muito bem, Brooks. Pode ir - tinha a cabeça em outra coisa de todas as formas. Usualmente, dirigir seus lucrativos investimentos era um passatempo que desfrutava e que mantinha a mente ocupada, mas a visita da Isabel o deslocara completamente. Mal podia dormir e comer; igual a nos primeiros seis meses de sua reclusão auto imposta. Passava as longas noites no porão, tentando convencer-se de que vê-la outra vez não o afetara. Mas a amarga verdade era que jamais havia se sentido mais só que agora. Inclusive até os pesadelos eram diferentes: em vez de reviver

Waterloo e Sorauren e seu vão tento de resgatar ao Will - ou sair ele mesmo ileso - em seu novo sonho recorrente se achava de pé só no meio do campo de batalha, imerso em uma negra neblina e rodeado de milhares de corpos inertes, sem saber para onde estava a Inglaterra.

Também teve um perturbador sonho erótico com a Isabel, mas era algo no que não queria aprofundar. Basta dizer que teve um despertar muito inapropriado. Só saber que ela se encontrava em sua casa e que ia ver ela, fazia voltar para a vida à parte mais rebelde de sua anatomia. Maldita mulher. Mulher... não menina. Era significativo, inclusive em seus sonhos.

—Bom dia, milord - saudou Brooks tensamente com uma inclinação de cabeça e deixou precipitadamente o escritório.

Ashby estendeu os braços e levantou Danielli. Se Isabel acreditou em seu mordomo para que a sustentasse nos braços, supôs que não se importaria que ele também o fizesse. Aspirou seu perfume a baunilha.

O roliço vulto era leve, delicado e suave, e sentiu uma cálida ternura percorrer as suas veias.

—Meu deus - murmurou. - Meu Deus... - isso era algo que jamais conheceria: sustentar nos braços seu próprio filho. Sentiu uma estimulante sensação de humilde ternura. - Onde está Isabel?

—Abaixo, com a senhora Nelson - Phipps brincou com Danielli com o dedo fazendo-a rir, mas a menina rapidamente voltou sua atenção a Ashby. Parecia completamente fascinada por ele.

Ashby franziu o cenho.

—Com a governanta? Que demônios aconteceu?

—Héctor saltou sobre a senhorita Aubrey ela mal atravessou a porta e a cobriu de saliva. Teve que ir se lavar, mencionou algo em relação ao cão, que fora seu mascote porque o encontrara...

—Foi ela quem me deu - ignorando a expressão curiosa do mordomo, Ashby manteve o olhar fixo na alegre menina. Os olhos celestes de Danielli se moviam alvoroçados, levantou as mãos diminutas e apoiou as Palmas nas faces. Ao notar sua expressão de assombro, a bebê lançou uma gargalhada. Não a assustava.

—Acredito que gosta de você, milord.

Surpreendente. Embalou-a sustentando-a com um braço contra o peito. Ashby afastou a pequena mão da face, e ela a apoiou no nariz. Esse gesto o desarmou por completo. Entendeu por que os homens se enterneciam tanto com um menino e ficavam apaixonados por eles imediatamente. Parecia muito com Isabel... sentiu um aperto no coração. Alguém tocou brandamente à porta.

—Phipps, está você aí? Posso entrar? - perguntou Isabel.

Diabos. Não estava preparado para expor seu inferno pessoal a ela. Tampouco ia se esconder sob a mesa.

—Phipps, pega à menina e vai com ela.

O mordomo procurou no interior de sua jaqueta e estendeu a máscara negra.

—Espero um considerável aumento de meu salário, milord.

O velho e bondoso Phipps.

—Parece-te suficiente dez por cento de aumento? - agarrando a máscara, dirigiu-se de novo à cadeira e sentou a Danielli sobre seu colo. Não resultou fácil colocar a máscara dado o interesse da menina em colocar os dedinhos dentro dos orifícios dos olhos. Entretanto, não queria renunciar a esse tesouro ainda. - Entre - disse finalmente, surpreso pela súbita aceleração de suas palpitações.

—Aí está, minha querida - Isabel entrou graciosa e não se deteve até que esteve junto a ele. Seu vestido matinal de musselina era de uma pálida cor lavanda, com gola alta de crepe e um laço púrpura atado sob os seios firmes e generosos, cujo atrativo pôde desfrutar quando ela se inclinou para levantar Danielli. Sua tortura tampouco terminou aí: ela também cheirava a baunilha.

A excitação de Ashby resultou fisicamente notória. Ficou de pé, desejando ser mais baixo, ou que sua mesa fosse mais alta.

—Vá embora, Phipps - ao menos ainda estava vivo, murmurou para si morbidamente levantando a cabeça para aspirar o perfume da Isabel. Seus lábios suaves e roliços estavam apoiados na branca face gordinha de Danielli. A visão retorceu as suas vísceras. Um pensamento o acossou: essas duas formosas criaturas poderiam ter sido dele... somente se tivesse jogado bem as cartas, se tão somente tivesse esperado que ela crescesse, se tivesse falado com o Will, se não tivesse sido um idiota exímio. - Acredito que havia dito que se mantivesse afastada de mim - disse duramente.

—Acreditou que podia me espantar tão facilmente?

Quando girou a cabeça para encontrar seu olhar e um de seus suaves cachos roçou os lábios, sentiu que se fazia água na boca. O amplo sorriso feminino bastou para que sua perdição fosse completa.

Aproximou-se dela, olhando fixamente os lábios vermelhos. De repente, Isabel levantou a Danielli abraçando-a com força, e ele despertou de seu torpor erótico. Por Deus, sentia-se como um cão mulherengo levado pela coleira.

—Eu disse para a Presidente da Fundação sobre seu donativo - sorriu amplamente. - Deveria ter visto a expressão de seus rostos. Cinco mil libras! Estavam ansiosas para agradecer pessoalmente.

Tive que mentir descaradamente e alegar que era um doador anônimo. Sophie sustentou que doar secretamente para não envergonhar ao necessitado era a expressão mais definida da caridade.

Sustentou que nosso benfeitor era extraordinário.

E ali estava... esse adorável brilho em seus olhos. Espremeu o coração. Sua voz rouca soou estranha inclusive a seus próprios ouvidos.

—Mas você sabia que era eu.

—Mesmo assim - apoiou a mão no braço. - Não conheci a ninguém que o supere em generosidade e bondade, Ashby.

Pestanejou. Ela realmente não tinha nem ideia de como era ele ou do que havia feito em sua vida. Seu primeiro impulso foi dizer tudo, mas, do que serviria? A desilusão haveria corroído a alma.

Por que faria algo assim?

—Agradou-me fazê-lo, mas...

—Não - fez um gesto negativo com a cabeça como uma brilhante e doce visão. - Não quis importuná-lo ainda, mas. Respeito sua decisão.

—Sim? - franziu o cenho sob a máscara. - Certo, por que veio então? - a curiosidade o estava matando. E um novo temor o atormentou... E se ela não voltasse nunca mais?

Sorrindo, Isabel levantou a menina e, para seu absoluto assombro, depositou-a em seus braços.

—Contei a Danielli muitas coisas sobre você, e ela queria conhecer melhor o amigo de seu tio.

—Tí... ou! - balbuciou Danielli e deslizou a diminuta mão gordinha pelo cabelo e a orelha. Sua delicada carícia provocou estranhas sensações... quase o fez sentir um ser humano outra vez.

Extraordinário.

Os profundos olhos celestes da Isabel se encheram de amor.

—Não é adorável? Devo dizer que é muito raro que acaricie a alguém que não é da família. Parabéns foi aceito no clube mais prestigioso.

—No da manada de leões dos Aubrey? - um incipiente sorriso curvou a comissura dos lábios. - E... o que contou a ela sobre mim?

—Eu disse que gostava dos filhotes, por exemplo. O resto é coisa de mulheres.

Uma calidez enfraqueceu a sua alma extenuada, enquanto embalava ao suave anjinho contra ele.

—É tão pura, tão indefesa - ao observar esse pequeno rosto que sorria para ele, dominou-o um repentino e inexplicável instinto de amparo. - Como pode uma pequena criatura tão perfeita sobreviver neste mundo horrível?

—Essa é sua arma... é tão pequena e adorável, que obriga a protegê-la.

Sentiu uma opressão na garganta; olhou a Isabel. Produzia o mesmo maldito efeito. Acariciou-lhe brandamente a dourada cabeça de Danielli.

—É encantadora. Quanto tempo tem?

—Treze meses.

Sabia que não tinha direito a estar ciumento, mas não pôde evitar a pergunta:

—Quem é o pai?

Isabel franziu o cenho.

—Interessante pergunta - respondeu o olhando de maneira estranha.

A ideia de que Isabel pertencesse a outro homem, que fizesse o amor todas as noites e visse seu sorriso ao despertar, corroeu as vísceras.

—É sua não é assim? Está casada.

Olhou-o penetrantemente.

—É de Stilgoe. Ele se casou.

Sentiu-se alagado por um embriagador alívio; como se liberasse de invisíveis correntes, e um débil sorriso curvou nos seus lábios.

—Parabéns. Seu irmão é um homem afortunado. E com quem se casou?

—Angela landry. Will esteve nas bodas. Não contou? Aconteceu logo depois da primeira abdicação do Bonaparte. Agora que o penso, acredito que você estava convidado.

—Não me recordo.

Em realidade fora convidado, mas preferira não comparecer. Depois do beijo proibido, decidira manter-se afastado do número 7 da Rua Dover, no princípio porque não confiava em si mesmo estando perto da Isabel; e logo, porque não teve alternativa. Não queria sua compaixão; desejava seu olhar de adoração. Contemplou-a arisco. Tudo nela - seu espírito, sua beleza, seus gestos, sua voz - eram indescritivelmente femininos. Sem dúvida, não era o único homem que apreciava à atormentadora Vênus em que se converteu; também saberiam que receberia cem mil libras o dia que se casasse; os lobos deviam estar espreitando todo o tempo. Cedo ou tarde terminaria casando-se com um deles, e o que seria dele então? O problema era que se sentia paralisado para fazer algo a respeito.

—Quem era o homem que se retirou quando entrei? - perguntou Isabel. Extraiu do bolso um punhado de bolachas envoltas em um guardanapo e as ofereceu a Danielli.

—O senhor Brooks, meu agente. Por quê?

—Permitiu a ele vê-lo sem a máscara.

—Como sabe? - se havia descoberto isso, também deveria haver feito um rápido cálculo e teria percebido de que foi ferido um ano antes que se casasse seu irmão mais velho.

—Fez-me esperar fora. Não acredito que tenha necessitado tempo para colocar calças - deu esse sorriso cativante que o fez ruborizar-se tolamente. - Não o fez a última vez que estive aqui.

Ficou boquiaberto, e fechou a boca bruscamente, apertando com força a mandíbula. Não podia acreditar. A pequena Izzy Aubrey estava flertando com ele! Se conservasse seu antigo espírito, teria replicado com um malicioso comentário sobre a rapidez com que podia tirar se ela desejasse compartilhar algumas atividades recreativas em seu quarto, já que graças a Deus agora era uma mulher adulta; mas com seu atual espírito ferido, optou pela verdade.

—A sensibilidade do senhor Brooks não me preocupa. A sua, sim.

—Acredito que minha sensibilidade poderia te surpreender - afirmou brandamente.

—Não recomendaria - se recostou contra a mesa e olhou à pequena Danielli, que deslizava os pequenos dedinhos pela máscara.

—Prometi a Angie que a levaria ao parque. Por que não vem conosco? Será divertido.

Riu roucamente.

—Então, aí é onde se assume que se encontra, no parque.

Devolveu o sorriso.

—Por que te resulta divertido?

Olhou-a fixamente nos olhos, sorrindo de forma sedutora.

—Sempre é um bom sinal que uma mulher minta a sua família para estar comigo - ela se ruborizou profundamente, o qual era um sinal ainda melhor.

Depois de sua absurda sugestão de que poderia considerá-la sua irmã, agradou provar suas velhas armas outra vez.

Unindo-se na diversão, Danielli colocou sua bolacha a meio mastigada e babada na boca.

—Eu disse que alimentaríamos aos patos do lago - explicou Isabel rindo entre dentes.

Sem escapatória, engoliu o material condensado.

—Entendo, agora sou um pato.

Pestanejou maliciosamente e o olhou dos pés a cabeça.

—Um muito grande, milord.

Esticaram-se os músculos do abdômen. Poderia ter perdido o rosto, mas não estava completamente inválido. Seus instintos masculinos não se afetaram tanto, funcionavam em toda sua capacidade, e explosivamente. Isabel ainda sentia algo por ele. A boa notícia era que ela se converteu em toda uma mulher com as necessidades sexuais de uma pessoa adulta; a má era que ela queria ao homem que ele fora antes.

Apesar disso, não pôde resistir a oferecer a ela:

—Tenho um lago com patos.

—Você tem? - mordeu o lábio dissimulando um fugaz sorriso enquanto Danielli enrugava o nariz gritando através de seus pequenos dentes brancos:

—Peixes! Peixes!

Os olhos da Isabel brilharam maliciosamente.

—Nos mostre o caminho.

—É necessária a custodia? - disse Ashby ao ouvido, fazendo que arrepiasse a pele.

Junto a ele, de pé na beira do exuberante lago de peixes, Isabel observou como Danielli e Lucy jogavam com meia dúzia de bonecos; e se perguntou por que ele, de todos os homens, produzia um efeito tão potente. Era um antigo mistério.

—A custódia? - franziu o cenho. - OH, minha donzela. Bom, por duas razões. A Lucy desgosta de seu mordomo e pensei que era prudente separá-los.

—Asseguro que o sentimento é mútuo. Entretanto - seu tom se voltou mais cortante - não tolero me exibir ante a curiosidade de estranhos. Desfaça-se dela.

Embora pudesse se considerar uma mulher alta, a imponente estatura masculina a forçava a jogar a cabeça para trás para olhá-lo aos olhos. Estava impecavelmente vestido: o colete de seda verde para jogo com seus olhos; o colarinho engomado da camisa emoldurava a mandíbula quadrada; a elegante jaqueta e as calças eram de cor cinza. Com sua máscara negra, seus vividos olhos verdes, e o brilho de sua cabeleira um tanto longa, parecia um lobo disfarçado de nobre. Pelo visto, ele não tinha o hábito de usar a máscara, e percebeu que se incomodava levá-la, mas era muito seletivo na escolha das pessoas em quem confiar.

Desejava tirar ela para poder ver seus arrumados traços outra vez... os que entesourava em um lugar secreto de seu coração. O que escondesse atrás da máscara, não acreditava que mudasse em nada seus sentimentos.

—Está me examinando - murmurou olhando fixamente para frente.

—OH. Perdão. É só que fazia muito tempo que não o via, eu... - sua voz se tornou um murmúrio. - Você tiraria a máscara se ordenar a Lucy que se retire e se dirija para a casa?

—Não.

Reprimindo a desilusão, disse que tudo se daria oportunamente. Fazia progressos excelentes até o momento. Ele finalmente a convidou a prolongar sua visita. Ela era paciente e contava com múltiplos recursos... não conseguira sua pequena sobrinha vencer sua resistência?

—Se te preocuparem os falatórios, fique tranquilo. Lucy jamais leva e traz contos, e eu tampouco.

—Você, acredito. Sua donzela... - o deu uma olhada preocupado à compacta figura feminina que colocava Daniellle em seu Moisés de cor rosa.

Segurando a manga do braço, Isabel ficou nas pontas dos pés e sussurrou.

—A prima de Lucy, Mary, vivia com seu marido no Cheapside; tinham uma alfaiataria. Frank recebeu uma ferida de bala na guerra, e Mary ficou sozinha. Faz duas semanas, venceu o contrato de aluguel do negócio e a jogaram na rua. Terminou em um asilo. Eu a levei a minha casa E...

—Aventurou-se a ir a um asilo? Sozinha? - olhou-a jogando faíscas.

Seu tom de voz a fez sentir uma menina de saias curtas... o que já não era.

—Não sou uma inconsciente atordoada. Jamais me aventuro a ir sozinha a nenhum lado. Fui com a Lucy.

Os lábios masculinos formaram uma escura linha.

—A que asilo?

—Ao Bishopsgate. Retiramos a pobre menina desse horrendo lugar e agora...

—Bishopsgate... no Spitalfields? - grunhiu. - Sabe Stilgoe algo disto?

—Não, não sabe - murmurou brandamente, assinalando as costas de Lucy. - Como eu estava dizendo, retiramos a Mary dali, e no momento, encarrega-se dos acertos das librés do pessoal da casa, mas espero encontrar uma ocupação melhor. Pode ver por que Lucy jamais falaria de mim ou de meus amigos.

Seu olhar se suavizou.

—Isabel, a leoa defensora dos fracos, protetora dos desafortunados - se inclinou e afastou o cacho que caía sobre os lábios. - Qual é a segunda razão?

Cortou a respiração. Disse a si mesma que tudo o que ele poderia sentir por ela era só afeição, mas ser meramente afetuosa com ele estava resultando extremamente difícil.

—Lucy podia encarregar-se de cuidar de Danielli, e eu... queria ter liberdade para falar com você, milord.

Seu olhar se tornou frio.

—Há algo em particular que deseja conversar comigo? Sobre sua fundação de caridade, talvez?

—Não, só conversar - ela riu nervosamente. Ajudaria-o a voltar a ser um ser humano embora custasse a vida, o que não era uma possibilidade muito remota considerando o risco ao que estava expondo sua reputação... e a seu tolo coração. Só que esta vez, era mais velha e mais sábia. Nada de beijos à luz da lua, nem estúpidas confissões de amor. Ofereceria sua amizade e não esperaria nada mais que a sua em retribuição.

—Só conversar? - repetiu, pouco convencido. - Não tem nenhum pedido em especial, nenhum documento para que leia completamente nem alma desventurada que deveria ajudar a salvar?

—Não, nada - disse ela sinceramente.

—Muito bem. Eu Cuidarei de Danielli. Desfaça-se do dragão.

Isabel o observou enquanto ele se dirigia lentamente para a Danielli e se sentava na grama a seu lado. Imediatamente, a menina se equilibrou sobre ele. Héctor correu ao redor deles e Ashby o apresentou à menina. Estavam-se convertendo em uma grande família feliz. Bem. E se preferia estar a sós com ela, sua tarefa seria muito mais singela. Dirigiu-se para a Lucy, que fingia não notar ao anfitrião; cega, surda e muda; sua donzela seria um excelente mordomo.

—Pode ir ao interior da casa agora, Lucy. O sol está muito forte hoje. Ficará com uma dessas terríveis enxaquecas outra vez. Eu cuidarei de Danielli.

A donzela a olhou surpreendida - estavam sentados à sombra de um grande olmo - mas se esfumou silenciosamente.

Ashby tirou a jaqueta e a estendeu sobre a grama para que Isabel se sentasse sobre ela.

—Obrigado - se sentou e acomodou as saias cobrindo os tornozelos. Viu como Héctor farejava a Danielli, que parecia fascinada e temerosa ao mesmo tempo do retriever negro.

Instintivamente, Isabel se inclinou para diante, preocupada com a reação do animal com alguém tão pequeno.

Uma mão a deteve.

—Não corre perigo. Héctor não fará mal a ela.

—Como pode estar certo? - respondeu Isabel, surpreendida de que a freasse.

—Porque o treinei - disse Ashby. - Não é o primeiro bebê que farejou. Atravessamos muitas vilas na Espanha.

Danielli agarrou uma das orelhas do Héctor e Isabel sentiu que o coração se paralisava, mas o cão caiu aos pés da menina e permitiu que fizesse o que quisesse sem alterar-se absolutamente.

Isabel deixou escapar um suspiro.

—Seja boa com o cão, carinho.

—Não confia em mim?

O rosto mascarado se aproximou até ficar apenas a poucas polegadas de distância. Só uma muito pequena cicatriz ficava à vista com a máscara. Apertou os punhos para vencer a tentação de deslizar os dedos por cima.

—Sim, confio em você, mas não sou a mãe e, portanto, devo ser muito mais cuidadosa.

—Porque é sua responsabilidade...

—Correto.

—... ao igual a todos os desamparados da cidade? - foi uma afirmação mais que uma pergunta. Está se burlando de mim.

—Não - se aproximou e agarrou entre os dedos um dos cachos que flutuava sobre a face. - Ainda me desgosta a ideia de que perambule pelos refúgios perigosos de Spitalfields - murmurou.

—A próxima vez, virá a mim primeiro. Enviarei alguém com você.

—Por que não vem você mesmo? Encontrará a experiência fascinante. Asseguro-te.

—Acredita que não vi em minha vida suficiente miséria? Já disse... não quero saber nada mais.

A quem estava tratando de enganar? Ela contemplou seus expressivos olhos.

—Seus vizinhos darão um baile esta noite - mencionou de passagem.

—Sei - respondeu secamente. - Por incrível que pareça, ainda sigo recebendo uma boa quantidade de convites.

—Você é um herói de guerra, Ashby. Todos desejam te estreitar a mão. Deveria comparecer. Causaria um bom revoo. Lady Barrington estaria encantada.

—Não sou Wellington - grunhiu. - Não passeio em uma recepção de gala acompanhado de uma comitiva esperando receber ovações. Nem me importa estreitar as mãos daqueles que não puderam abandonar seus clubes para cumprir com seu dever na guerra.

Ocorreu uma ideia.

—Você dança?

—O que?

—Gosta de dançar?

—Não tenho feito recentemente. O que tem que ver isso com o que estamos falando?

—Bom, realmente eu gostaria muito de dançar com você - mordeu o lábio espantada de sua própria audácia. Não podia imaginar falar assim a nenhum outro homem, mas com o Ashby não tinha nada que perder.

Estavam sozinhos, e já cometera o pior engano possível com ele.

Um brilho de humor se refulgiu nos olhos.

—Estou começando a pensar que você é uma descarada. Sabe Stilgoe que você visita cavalheiros solteiros e os convida a dançar?

E com esse comentário aniquilou seu bom humor. Por que não aprendera a manter a boca fechada?

—Considerarei seu comentário como um "não", milord.

Colocou um dedo no queixo obrigando ela a olhar em seus olhos.

—Não é uma ofensa contra você.

—É obvio que não. Não seja tolo - desviou a mão com um sorriso de compromisso.

—Eu quero dizer... - inalou profundamente. - Meu isolamento da sociedade tem mais de uma desvantagem.

—Qual neste caso? - a fúria com ela mesma superava a mortificação sofrida.

—Não poder dançar com você.

Um amontoado de sentimentos encontrados se agitou em seu interior. Se nesse momento pedisse que dançasse com ele, cantarolaria uma melodia para fazê-lo.

—Qual é seu nome de batismo?

Voltou-se para trás.

—Meu nome expirou.

—Expirado? - observou como recolhia um pequeno ramo do chão e a quebrava em dois.

—Ninguém o utilizou em trinta anos. Por conseguinte, expirou.

—Trinta anos? Como é possível?

—Trinta e um, para ser exatos - deu de ombros desdenhosamente. - Me converti em "milord" ou "lorde Ashby" quando tinha quatro anos, e "Ashby" quando fui a Eton. Os franceses me outorgaram outro tipo de apelido - sorriu maliciosamente. - Suponho que em determinado momento, meu nome cristão perdeu significado.

—Que espantoso.

Olhou-a aos olhos, surpreso.

—Por quê?

—Por que... o nome é parte de alguém. Nos define.

—Por Deus, espero sinceramente que não - a olhou com interesse. - Como a define seu nome, Isabel Jane? - a doce pronúncia de seu primeiro e segundo nome, fez que concentrasse a atenção em seus lábios; os que por sua turgidez naturalmente tentadora, pediam para ser beijados. É obvio, isso mesmo a metera em problemas anos atrás.

—Não sei precisamente, mas o faz. Os nomes significam algo.

—É uma pena - seus tentadores lábios se curvaram sarcástico. - O meu é particularmente pouco favorecido.

Para manter seus olhos e seus pensamentos afastados dos lábios masculinos, agarrou a Danielli, sentou-a sobre seu colo e ofereceu outra bolacha.

—Bem... devo tentar adivinhar?

Seu tom de voz soou crispado.

—Acabo de explicar...

—Peter? Paul? Percival? - olhou-o inquisitivamente. - Pierce? Phillip? Peregrine? Riu ironicamente.

—Quem disse que começa por "P", pequena descarada?

—Você assinou o cartão com as iniciais P. N. L. O nome de sua família é Lancaster, não é assim?

—Mmm. Por que seu irmão e sua cunhada decidiram pôr à menina o nome de Danielli?

Acariciou a touca que cobria a cabeça.

—Seu nome é Daniella Wilhelmina Aubrey. E também a chamamos doçura, boneca, preciosa...

Ignorou o banal comentário que ela fez para distender a tensão.

—William Daniel Aubrey. Colocaram o nome pelo Will - aferrou a bolacha da menina provocando uma contagiosa risada cristalina.

Empanou-lhe o coração com morna emoção ante o espetáculo do grande lobo mau e libertino jogando com uma bebê que apenas engatinhava. Sentiu um irrefreável desejo de jogar com ele também.

—Coronel Ashby, não seja esquivo - o provocou brandamente imitando a espantosa paquera da Sally Pulôver enquanto batia as longas e curvadas pestanas. - Me Diga seu nome.

—Esquivo? - com as pulsações descontroladas, equilibrou-se para ela, que explodiu em uma gargalhada colocando a mão sobre o peito para detê-lo. Esse peito que parecia de aço sob o fino tecido.

—Retire o que disse.

—Não. Por que mais teria que mantê-lo em segredo? É acaso um segredo militar?

—Deveria havê-lo sido. Posso imaginar as brincadeiras que fariam meus homens se tivessem sabido meu primeiro nome.

Com a desculpa de mantê-lo a raia, deixou a mão apoiada sobre o peito e se esforçou em dominar o impulso de acariciar o colete. Era terrível seu incontrolável impulso de tocar a esse homem.

—Alguma vez perguntou Will qual era seu primeiro nome?

Fez um gesto negativo com a cabeça.

—Algumas mulheres que conheci o fizeram.

O fugaz olhar de seus olhos fez que seu coração desse um salto.

—E o disse?

—Não, não o disse.

Umedeceu os lábios inadvertidamente, um gesto que atraiu imediatamente o olhar masculino para sua boca. Sentiu como aceleravam as palpitações na mão que tinha apoiada em seu peito, e se conteve para não agarrá-lo pelo colete e aproximá-lo para ela para beijá-lo. "Detenha", repreendeu uma voz severa em seu interior. Não devia permitir que suas emoções se voltassem irrefreáveis outra vez.

Nada de bom conseguiria com isso. O mesmo o havia dito fazia tão somente um momento, quando mencionou a principal desvantagem de seu isolamento.

Aborrecida de ambos, Danielli engatinhou sobre a grama e golpeou a mão que Isabel tinha apoiada sobre o peito de Ashby, interpondo-se entre ambos.

—É tão doce - disse ele, enquanto observava como a menina tentava alimentar ao Héctor com sua mão. - Tudo é bondade em seu pequeno mundo.

Dissimuladamente, Isabel observou seu perfil coberto pela máscara, notando seu olhar melancólico. Perdera a seus pais muito jovem, e em vez de procurar uma mulher para formar uma verdadeira família, isolou-se do mundo.

—Recorda a seus pais? - perguntou suavemente.

—É difícil dizer com segurança, ao ter crescido com tantos retratos e histórias. Lembro as mãos e os olhos de minha mãe. Tinha uns formosos olhos azuis, cheios de luz - a olhou fixamente. - Como os seus.

Seu olhar provocou um tombo no coração. Em um momento a tratava como a uma menina, e ao seguinte, despertava as mais profundas emoções.

—O que aconteceu a eles?

—Um acidente a cavalo. Morreram juntos instantaneamente.

—É terrível, lamento muito.

Apoiou a mão sobre a sua. Não podia sequer imaginar o que devia ter sido para ele ficar só no mundo à tenra idade de quatro anos. Ela, da mesma forma de Danielli, crescera no seio de uma família protetora que a adorava e onde foi tratada como se fosse o centro do universo.

—Eu também - levou a mão aos lábios, e depositou um beijo suave e ardente nos nódulos.

Sentiu o calor de seus lábios estendendo-se pelas veias.

—Que familiar se fez cargo de você?

—Não tinha família. Minha mãe era filha única. Meu pai era segundo filho, mas sua família morrera nas Colônias. Não pude rastrear o paradeiro de nenhum deles. Meu título morrerá comigo.

—Isso depende totalmente de você, Ashby.

—Não totalmente - a olhou. - Sabe muito bem que se necessitam dois para conseguir o resultado adequado.

Apesar da gentil brisa que agitava as folhas por cima de suas cabeças, estava começando a sentir um incômodo calor com esse vestido de múltiplas saias.

—Quem cuidou de você?

—Um exército de criados, advogados, mordomos... provavelmente recebi mais cuidado e atenção que o que qualquer menino poderia receber em toda sua vida. Tive uma infância perfeitamente miserável.

Agradava que não tivesse perdido seu senso de humor. Demonstrava força de caráter, algo necessário para recuperar seu antigo espírito.

—Pensou em ter uma família própria?

De repente, percebeu a tenebrosa tensão que vibrava nele, e muito tarde, percebeu-se de que havia tocado um ponto muito sensível. Ele se inclinou para diante e agarrou à menina pela cintura.

—Danielli, carinho, não devemos nadar com os peixes - lhe explicou. - Só podemos olhar. - sustentou em alto, assinalando os brilhos dourados que se deslizavam na água.

Isabel por pouco sofreu um ataque quando se deu conta do que poderia ter acontecido. Colocou-se de joelhos e abraçou a Danielli com o coração palpitando rapidamente.

—O Deus obrigado por seu agudo instinto - exalou profundamente recriminando sua distração.

Sentiu seu ardente olhar cravado no rosto e lutou contra o impulso de levantar a vista. Homem, mulher, menina. Encantador. Se Stilgoe os visse, estaria casando-se com o Ashby antes de pronunciar desculpa alguma. Ele não me quer. Mesmo assim, e por uma inexplicável razão, não tinha dúvidas de que Ashby faria o correto para ela. Concentrou a atenção em sua sobrinha.

—Querida, vamos brincar com as bonecas.

—Peixes! Peixes! - protestou Danielli lutando por largar do abraço da Isabel.

Sorrindo, Ashby arregaçou os punhos da camisa, deitou-se de barriga para baixo na borda do lago e afundou a mão na água.

—Vamos fazer cócegas aos peixes.

Danielli riu a gargalhadas. Isabel a colocou perto dele e observou à menina imitando cada movimento do Ashby. Algo dolorosamente doce e nostálgico derreteu o coração. Não era desejo.

Já não estava apaixonada por ele. Só era a emoção de ver o amigo de seu irmão jogando com sua sobrinha... como deveria estar fazendo Will. sentou-se sobre os calcanhares e riu enquanto o homem e a menina salpicavam a água em todas as direções, aterrorizando aos peixes.

Esse era o Ashby que tirou do Héctor o espinho da pata, o mesmo de que esteve perdidamente apaixonada. Percorreu-lhe o corpo com o olhar, desde seus fibrosos braços até suas longas pernas.

O tecido leve das calças cinza marcavam as firmes nádegas, que não mostrava sinais dos dois anos de vida sedentária encerrado na casa. Seu irmão se tornou flácido com a vida sedentária, apesar de suas visitas regulares ao Gentleman's Jackson. Mas Stilgoe não trabalhava incansavelmente com tábuas de madeira em seu porão.

—O que está olhando?

Surpreendida Isabel se encontrou com os olhos divertidos de Ashby, e ruborizou profundamente.

—Estava admirando seus...

—Minhas botas, possivelmente? - sentou-se. - Ou possivelmente o corte de minhas calças...?

—Estava admirando suas habilidades com os meninos - balbuciou bruscamente, desejando poder refrescar o rosto aceso na água do lago. - Parece muito hábil para fazer felizes a meninas pequenas.

—Sou bastante hábil para fazer felizes a meninas maiores também - disse arrastando as palavras com um tom de voz profundamente sensual.

Ficou paralisada, com o coração espectador. Desde sua estreia em sociedade, muitos homens da aristocracia a tinham adulado e flertado com ela, inclusive tinham declarado, podendo compreender suas evidentes intenções... Mas Ashby? O homem a rejeitara quando tentou beijá-lo. É obvio, naqueles tempos, pensou amargamente, não estava vivendo a vida de um monge notívago .

Olhou a sua sobrinha, a qual ficou rapidamente adormecida sobre sua manta rosa sob a sombra de uma árvore; era uma visão de doçura angelical.

—Disse que necessitava de minhas habilidades especiais, não é assim? - a voz do Ashby não foi mais que um quente suspiro no cabelo.

O coração começou a pulsar rapidamente. Não se atreveu a olhá-lo.

—Não tem importância agora.

—Por quê? - sentiu seu quente fôlego na face.

Recorrendo à decisão que adotou a de ser sua amiga e nada mais, deu a volta e o enfrentou.

—Escrevi a mensagem com a esperança de persuadi-lo para que patrocinasse nossa fundação.

—Entendo. Mas, por que eu? Seu irmão está na Câmara dos Lordes.

—Sim, bem está induzindo que procure a outra pessoa com a esperança de resolver outro problema que tem.

—Qual?

Moveu-se incômoda.

—O ardente desejo do Stilgoe, e de mamãe também, é que me case.

Ficou petrificado.

—Stilgoe quer que você se case comigo?

Olharam-se fixamente durante um incômodo momento. Estava muito sério, quase chocado; duvidou se deveria ofender-se.

—Nunca disse que tive a intenção de pedir ajuda a você.

—Entendo - assentiu com expressão séria e com esse simples gesto cortou o magnetismo que exercia sobre ela; como se a tivesse jogado bruscamente contra o chão. - Qual é o problema então? - perguntou ele.

Quando ela se negou a responder, sorriu astutamente. - Aí está o problema. Não quer casar-se.

Piscou involuntariamente.

—Não, no momento não.

—Por que não? Pode me considerar um velho, mas lembro que a maioria das jovens se obcecavam com isso desde que eram apresentadas em sociedade.

—Não considero você um velho.

—Isso é adulador. Mas ainda não respondeu minha pergunta - disse brandamente sem alterar-se.

Agitou-se nervosamente. Odiava essas perguntas, particularmente porque nem sequer ela sabia as respostas.

—Perdi a meu irmão faz dois anos. A questão do casamento não era minha preocupação primitiva.

—E agora?

Esquivou seu olhar.

—Isso depende.

—Do que?

Pelo amor de Deus.

—É persistente como um cão com um osso, não é assim?

—Essa é uma das habilidades que me serviram para ser um comandante de campo competente e para me manter com vida - seu encantador e suficiente sorriso a nublou... efeito para o qual indubitavelmente tinha um talento especial, pensou. - Adora aos meninos. Não quer ser mãe, Isabel?

Apertou os dentes.

—Deveria fazer essa pergunta a você mesmo, Ashby. Você é quem necessita um herdeiro e uma companheira, e mesmo assim, está contra o matrimônio.

—Está equivocada - disse brandamente. - Estive comprometido em uma ocasião.

Sentiu que a terra se abria sob seus pés.

—Esteve comprometido? O que aconteceu? Por que não se casou...?

—É uma longa história, e estávamos falando de você. Certamente a que há um bom número de jovens ansiosos rondando-a?

—Um bando. E o que? - espetou, com expressão impávida.

Inclinou-se para ela, e disse com voz grave, rouca, sedutora:

—Não quer ter um homem que a adore? Um homem que ensine os prazeres da paixão? Certamente, terá curiosidade a respeito.

Diabos. Sentiu-se muito incômoda discutindo isso com ele, sobre tudo porque justamente ele era o único homem com quem esteve próxima às experimentar.

—Suponho que sim. Algo.

—Algo? - uma sombra de sorriso apareceu nos lábios ao tempo que seus olhos se obscureciam. - Lembro a uma menina que estava algo mais que curiosa.

Ficou sem respiração.

—Como se atreve a me esfregar esse assunto? - ficou pálida, desejando se afogar no lago. - Tenho que ir - começou a recolher as bonecas de Danielli.

—Espera - apoiou o macaco no braço para retê-la. - Não se zangue. Nunca tivemos oportunidade para falar sobre isso, mas acredito que é hora de que o façamos, não acredita?

—Não há nada que discutir - não podia olhá-lo; sentia-se muito mortificada.

—Não estou de acordo. Foi muito doce essa noite, e eu fui...

—Não serve de nada revolver o passado - tentou liberar-se, mas ele não o permitiu. Maldito homem. Encheram os olhos de lágrimas. Se ele se desculpasse por havê-la desdenhado, converteria-se em um regador.

—Vim aqui como uma amiga - espetou-e eu gostaria de ir de igual maneira.

—Uma amiga.

—Sim, uma amiga. Durante anos foi parte de minha família, depois deixou de vir. Inclusive quando Will morreu, tampouco veio, e eu... preocupei-me com você. Isolou-se do mundo nessa enorme mansão.

Afastou-se da sociedade. Disse que sua vida tinha terminado...

—E por isso decidiu me salvar - a olhou furioso, como se estivesse considerando estrangulá-la. - Me Escute bem, dona Caridade - respondeu cortante. - Não sou um de seus pobres desafortunados.

Nem sou sua responsabilidade. Não necessito sua ajuda... nem sua maldita lástima! Jamais lamentei não ter uma irmã, e agora me dou conta de por que. Portanto, sugiro-lhe veementemente que retire imediatamente seu encantado traseiro daqui e mantenha-se bem longe de mim!

Quando ele ficou bruscamente de pé, ela se agarrou nas suas mangas permanecendo ainda no chão.

—Não vim por lástima! Vim por que... - Deus, era tão difícil.

—Porque necessitava minha ajuda para sua fundação de caridade.

—Isso também, mas... - quebrou a voz. - Também recorda ao Will, e o estranho tanto.

—Não devemos nos esquecer dessa questão também - começou a ficar de pé.

O segurou com força na manga.

—Tudo o que disse é verdade, mas a razão pela qual... - parecia a mesma menina de olhos enormes de anos atrás... a que tinha desdenhado. Isabel sentiu que o sangue pulsava com força nos ouvidos.

Em voz muito suave disse. - Vim por que... sinto sua falta, Ashby. Senti sua falta todos os dias durante os últimos sete anos. Precisava ver você. Eu... - as lágrimas rodavam pelas faces; a pena que embargava o coração era insuportável. Se a jogasse de sua vida para sempre, não saberia o que fazer.

Os olhos masculinos brilharam como esmeraldas.

—Não deveria vir para mim... - havia fúria contida em sua voz, mas também algo mais, algo próximo ao desespero. Passou uma mão detrás da nuca. - Maldita seja - sussurrou aproximando-a para ele.

—Me faz recordar coisas que jurei esquecer - baixou a cabeça e cobriu a boca dela com a sua.

Um raio percorreu as costas. Seus lábios se resultavam familiares, dolorosamente suaves. Amoldaram-se aos dela, saboreando o contato. Sabendo o que ocorreria depois, separou os lábios e suspirou com prazer quando sentiu o roce de sua língua.

Doce paraíso. Até ali chegaram seis anos atrás, antes que ele afastasse a boca. Entretanto, esta vez, ela não permitiria que o fizesse. Passou os braços pela cintura e devolveu o beijo que desejara durante tantos anos.

—Ashby...

Suspirou inclinando a cabeça e devolvendo o beijo como se colocasse a vida nisso. Seus lábios se apertaram contra os dele, procurando, necessitando, ansiando, e entregando-se sem resistência alguma às urgentes demandas masculinas. Lambeu-lhe a língua e tremeu por essa deliciosa fricção que a enlouqueceu. Seu beijo era glorioso, mais que glorioso... era completamente sublime.

E a alienava. Perguntou-se como fora tão afortunada de estar em seus braços... já mulher.

—Quanto tempo desejara isto - murmurou ele, sem permitir que se interpusesse mais que um suspiro no roce lento e sensual de suas bocas.

—O que? - perguntou ela, gloriosamente enjoada, como se as pestanas pesassem como rochas.

—Isto. Nós - brincou amorosamente com sua boca com a paciência e destreza de um mestre na sedução, alagando-a com um amontoado de sentimentos e sensações.

—A noite que nos beijamos - seguiu modulando em voz baixa e cativante enchendo a boca como se fosse uma taça com elixir.

—Liberou o demônio que morava em mim. Quem poderia haver dito que uma mirrada menina inocente beijaria como Afrodite?

Despertou em mim o desejo de te beijar, não como se beija a uma menina, mas sim como um homem beija a uma mulher - aprofundou sua carícia, empreendendo um quente e sensual duelo com a língua, de cadência enervante.

Jamais nas fantasias infantis que teve com ele imaginou que seria como isso... todas as paixões e desejos do mundo destilados no suave movimento de seus lábios, na audaz exploração de sua língua.

—Me desprezou então - ela o repreendeu brandamente. Aquela noite ela não atuou premeditadamente, desconhecia como beijar um homem. Ele a surpreendera dando uma fugaz lição sobre um beijo masculino e úmido que se introduzia na boca de uma mulher. Sua audácia a havia chocado, excitando-a; mas tudo de maneira fugaz, já que a desdenhou imediatamente como com repulsão.

Se a razão fora que a considerava muito jovem, deveria haver explicado, em vez de deixá-la com um sentimento ruim de calor e desagradável.

—Que se supunha que devia ter feito? Arruinar a vida da irmã pequena de meu melhor amigo? Deus sabe quanto te desejei - apoiou os lábios na orelha e sussurrou.

—Não tem nem ideia do caos que provocou em minha vida quando sua doce boca se abriu à minha...

Seu fôlego quente na orelha tinha um efeito narcótico nela.

—De verdade?

—De verdade - introduziu a língua na orelha e a extasiou por completo. Os calafrios a estremeceram da nuca até o ventre. - Era tão jovem, Isabel - murmurou enquanto deslizava a boca pelo lado do pescoço, inalando sua essência com beijos ardentes. - Minha reação foi... reprovável. Fiquei muito aborrecido comigo mesmo depois disso. Se eu zanguei ou ofendi você, me perdoe.Me Comportei como um colegial.

Seu sorriso não se apagava.

—Graças a Deus, a idade não é uma condição permanente. Agarrou sua cabeça e examinou os traços de perto. - Graças a Deus.

Recapturou sua boca e brandamente, a fez baixar até a grama. Estimulada de paixão, sentiu seu forte torso sobre ela, apertando os seios. Acariciou as largas costas descrevendo grandes círculos, apertando-o contra ela. Era uma sensação de prazer estar sob seu corpo, beijando, abraçando, cheirando ele... e se sentia tão natural como respirar.

Seguiram beijando-se e beijando-se, mais apaixonada e exigentemente. Beijou-a insaciável, absorvendo a mesma essência e infundindo um calor que a excitou. Desejava absorver a metade do corpo masculino, e da mesma maneira fundir o seu no do Ashby, para que ele se sentisse tão unido a ela, como ela se sentia unida a ele. Não era estranho que tivesse rejeitado a todos os homens que tinham demonstrado interesse nela. Nenhum deles era Ashby. Enfeitiçara seu coração de menina com um feitiço tão poderoso que nenhum outro homem tinha podido romper. Tudo pareceu claro como o cristal nesse momento.

Queria ao Ashby. Adorava-o, desejava-o, amava-o, nunca deixara de amá-lo; não importava quanto se esforçou para enganar a si mesma, e tinha todas as intenções de ter ele para sempre.

—Esta boca - suspirou ele, enquanto acariciava seu pescoço lentamente. - Poderia beijar esta boca deliciosa... estes lábios vermelhos... para sempre.

—Então você teria que fazer o mesmo com o resto do meu corpo, são inseparáveis - respondeu sem fôlego.

Sentiu seu sorriso contra os lábios.

—Que pena... - deslizou sua mão poderosa pela coxa. Lentamente, aventurou-se até a cintura, as costelas, detendo-se debaixo dos seios, para recomeçar sua incursão uma e outra vez.

—Se seguirmos com isto por mais tempo, deverá ficar comigo para sempre - murmurou ele com voz espessa pelo desejo, com a respiração cada vez mais agitada e excitada.

Mas não se deteve. Sua boca se movia possessiva, dissoluta sobre a dela. Igual a seu corpo. Subiu em cima dela e se apoiou entre suas coxas em uma postura incrivelmente excitante. Pôde sentir cada polegada de sua ereção contra seu corpo. Pareceu que o calor que irradiava o corpo masculino a queimaria. Perdeu a noção de tudo com esses beijos avassaladores. A cada investida de sua língua, seu corpo respondia com espasmos no ventre e formigamentos no corpo, que se intensificavam irrefreáveis. A lembrança de seu brilhante torso nu pelo suor enquanto cortava a madeira a nublou como se fosse ópio. Impulsivamente, retirou a camisa de cambraia da calça e deslizou as mãos sobre as costas nuas. A pele ardente, aveludada, se esticou marcando os tendões fibrosos.

Acariciou as covinhas da base das costas e subiu as mãos lentamente ao longo da coluna.

Ele emitiu um rouco grunhido e se apoiou com todo o peso do corpo sobre o dela, arrancando um suave gemido. Todo vestígio de decoro desapareceu dominado pela luxúria que brotou do interior, desejava devorá-lo vivo... e ele parecia mais que disposto a respirá-la. Escutou um suave pranto.

—Danielli! - Isabel afastou o Ashby e avançou engatinhando até ela. Com delicada ternura segurou à menina sonolenta entre os braços, murmurando em voz baixa palavras e sons para acalmá-la, e reclinou a cabecinha sobre seu ombro para que continuasse dormindo. - Devo ir - sussurrou Isabel - despertará em seguida e quererá ver sua mãe.

Já de pé, Ashby assentiu com expressão sombria, colocando a camisa dentro da calça. Acompanhou-as até ao vestíbulo em silêncio, mas ela percebeu o calor de seu olhar dissimulado. Era estranho como nenhum dos dois sabia o que dizer quando fazia tão pouco conversaram tão intimamente.

Phipps abriu a porta principal. Dois criados baixaram o carro de passeio de Danielli pela escada.

Ashby agarrou os dedos, segurando-a.

—Isabel... - nos excitados olhos verde esmeralda parecia livrar uma batalha interior; espectador sustentou o olhar com uma evidente expressão de desejo. - Obrigado por essa encantadora visita

—disse asperamente. - Parou o coração. Não pediu para vê-la de novo. - Obrigado.

Maldição. Não podia ficar parada aí todo o dia olhando para ele como uma estúpida, e com a porta aberta aguardando. Ela sorriu e tentou recuperar sua mão.

—Adeus.

Ele foi liberando os dedos, um a um, lentamente.

—Adeus.

Quando a porta se fechou atrás dela, Lucy empurrou o carro de passeio de Danielli em direção ao número 7 da Rua Dover. Isabel cantarolou em seu interior. Se a maneira em que ele segurou sua mão era uma indicação do que sentia por ela, veria ele de novo. Logo.

 

Isabel estava deitada sorridente sob o dossel de renda branco, deslizando distraidamente as pontas dos dedos sobre os lábios. Ashby a beijara. Ainda não podia acreditar, nem sequer depois de ter aspirado seu masculino perfume no colarinho de seu vestido matinal. A possibilidade de que ele sucumbisse à luxúria contida parecia incrível. Beijou-a como se o fim do mundo fosse iminente se não o fizesse.

E devia sentir algo por ela, pois poderia ter recorrido à outra mulher mais experimentada, e menos correta para... descarregar-se. É impossível crescer com dois irmãos varões sem inteirar-se da existência de mulheres sofisticadas, rápidas e a procura de homens ricos que as mantenham. Embora, considerando retrospectivamente, possivelmente ela não era tão correta como considerava a si mesma.

Pois, quem sabe até onde teria chegado com sua conduta rápida se Danielli não despertasse? Resultava totalmente impossível manter a mais mínima correção com esse homem. Espreguiçou-se na cama sorrindo sonhadora. Só ficava uma coisa por fazer... casar-se com o Ashby. Tão somente o pensamento a fez vibrar com excitação e ansiedade. Depois de frustrar todas as tentativas casamenteiras de sua família durante quatro anos, com a desculpa da dor que sentia pela perda de seu irmão, agora, virtualmente, derretia-se diante da ideia de casar-se. Com o Ashby.

Sentiu o ruído da porta de seu quarto ao abrir bruscamente, e suas irmãs gêmeas de quinze anos entraram dando saltos.

—Izzy, veem rápido! - exclamou Freddy. - Jamais poderia imaginar... O que?

Isabel saiu engatinhando da cama com o coração retumbando como um tambor. Acaso estaria ali? Veio depois de tudo? Olhou-se no espelho da penteadeira e desceu depressa as escadas que desciam até o vestíbulo onde se achava Norris, amontoado com os outros criados ao redor da mesa.

—Olhe! - Teddy assinalou ao vaso que continha um grande ramo de rosas rosadas presas com laços. - Isto acaba de chegar para você! E tem um cartão, mas o envelope está fechado, abre de uma vez!

Era um traço típico de suas travessas irmãs tentarem ler sua correspondência privada.

—É tudo, Norris - Isabel ordenou ao enxame de criados curiosos que se retirassem. Respirou profundamente para acalmar-se e pegou o cartão. A letra não era familiar. "Minha encantada Isabel", dizia, "Estou ansioso por dançar com você esta noite. Duas vezes. Afetuosamente, "J. H.". OH, congelou o sorriso.

—Bem? - Freddy colocou o nariz para ler a nota. - De quem é? Quem é J. H.?

—Lorde John Hanson - informou Isabel, deixando escapar um suspiro de desilusão. Suas irmãs, entretanto, começaram a pular e a dançar gritando de alegria. Voltou a ler o bilhete. Afetuosamente.

Que interessante, "afetuosamente" era o termo que utilizava a maioria dos homens. Em troca, Ashby tinha escrito "seu". Antes não quis analisar muito. Mas agora, parecia muito significativo. "Meu".

Fechou os olhos e sorriu.

—Lorde John Handsome - disse Freddy deixando escapar um dramático suspiro, olhando avidamente o buquê de Isabel. - Não é um sonho? Seu cabelo dourado, seus olhos tão azuis como a água. Seu...

—A água é incolor, estúpida - se burlou Teddy da irmã.

Freddy não fez conta.

—Eu gostaria de ser mais velha para dançar uma valsa com lorde John Handsome!

Teddy deu uma olhada petulante a Isabel. - Não é justo que você, que odeia a ideia de casar, pode dançar duas valsas com ele em uma só noite, e nós nem sequer possamos usar saias longas.

—Farão isso, em três anos - respondeu Isabel.

—Mas, será muito tarde! - Teddy golpeou o chão com o pé e escolheu para ela uma das rosas. - Será velho e estará casado para quando nos apresentem em sociedade!

—Que idade supõe que tem L. J.? - perguntou Freddy a Isabel.

—L. J. ? - repetiu Isabel. - Quem é?

—Lorde John - explicou Teddy. - É o apelido que pusemos no "Anjo Dourado".

—Ah, já temos um apelido para ele também? - brincou Isabel. - Bem, acredito que tem vinte e oito anos. Treze anos mais que vocês. Quando tiverem minha idade, ele terá trinta e cinco.

—OH, não! - gritou Teddy. - Será tremendamente velho!

Ruborizando profusamente, Isabel conteve um sorriso.

—Não a parte que importa - disse com ar de mistério. Freddy arqueou uma sobrancelha.

—Possivelmente se eu dissesse... o que sinto, ele... esperaria até que fosse mais velha.

Isabel se afogou na risada. Suas irmãs eram tão terríveis como ela.

—Possivelmente. Quem sabe? Coisas mais estranhas aconteceram - "Certamente", pensou.

—Pensamos em compartilhá-lo -anunciou Teddy.

—O que? - gritou Isabel. Estava equivocada, suas irmãs eram muito piores que ela.

—Jamais poderá saber - explicou Freddy desprezando a questão com um gesto de mão.

—Fará, quando conhecer vocês tão bem como eu - murmurou Isabel. - Como poderiam compartilhar um homem se nem sequer podem compartilhar os laços do cabelo? - a simples ideia de compartilhar ao Ashby com outra mulher a tirava do sério. Era dela, e somente dela. Esperou por ele durante sete anos. Nenhuma mulher ambiciosa faria que renunciasse a ele, ou a alguma parte dele.

—Izzy! - Teddy segurou a sua mão. - Que vestido usará esta noite? Nenhum dos vestidos tão pouco elegantes que esteve usando ultimamente para desanimar qualquer possível candidato, né? —enrugou o nariz com evidente desagrado. - L. J. pensará que todas temos um gosto espantoso para a roupa.Você deve causar muito boa impressão. Isabel franziu o cenho.

—Não pensei no que usarei - mas possivelmente devia fazê-lo. A residência Lancaster confinava com a casa dos Barrington. Se pudesse escapulir da festa E...

—Muito bem. Irei imediatamente a ver madame Bonnier, possivelmente tenha terminado o vestido que eu encomendei para a festa de Devonshire. Vão procurar seus xales.

Suas irmãs gritaram de alegria e subiram correndo as escadas.

—E nós necessitamos laços novos! - gritou Freddy por cima do ombro. - O negócio da senhora Tiddles está virando a esquina do da senhora Bonnier.

Uma hora mais tarde, enquanto suas irmãs tinham conseguido transformar metodicamente a elegante chapelaria da Bond Street em um bazar turco, a mente de Isabel discorria distintas táticas para conseguir escapulir sigilosamente do baile e fazer uma visita noturna ao Ashby. Disparava loucamente o pulso cada vez que fechava os olhos para imaginar como seria o beijo do reencontro.

Seria dolorosamente doce ou grosseiramente ansioso, como os últimos beijos que deram? Certamente, ele dominava uma impressionante variedade de beijos. Perguntou se seria igualmente maravilhoso como amante.

Deus santo. Era uma devassa libertina! E o que importava? Ao Ashby parecia não se importar.

Gostava.

—OH, querida! Onde pus o organdi francês? - a senhora Tiddles, a velha chapeleira, procurou apalpando nas estantes extraindo laços e lenços transparentes de caixas e gavetas para amontoá-los em uma pilha multicolorida. Teddy e Freddy estavam transtornando a pobre mulher.

—Pareço uma cigana? - Freddy se olhou no espelho enquanto posava com um fino xale de cor azul cobalto.

—Parece uma tola - a provocou Teddy. - As ciganas não têm o cabelo loiro e ondeado, nem olhos celestes.

Enquanto olhava abstraída a sua irmã provar o xale como se fosse um véu que ocultava parte do rosto, Isabel pensou na insistência do Ashby em usar uma máscara enquanto estava com ela, inclusive enquanto a beijava. Como se casaria com ela se nem sequer permitia que visse o seu rosto? Possivelmente se tirasse a máscara perceberia que não parecia repulsivo para ela, que o amava sem importar quão desfigurado estivesse? Não tinha dúvida disso, embora se visse tão horrível como uma gárgula. Suas feridas eram as marcas de um herói, marcas de um homem valente que salvou o mundo das garras de Bonaparte, e ela esteve apaixonada por ele durante quase uma década. Sem dúvida, poderia suportar umas poucas cicatrizes, ou não? Começou a corroer um sentimento desagradável, percebeu de que a ideia de perder ele a aterrorizava mais do que ele pudesse estar escondendo.

—Vou ensinar vocês como as ciganas usam lenços - Teddy tirou de Freddy e o envolveu ao redor dos ombros. Freddy tentou recuperá-lo e sobreveio uma briga escandalosa.

Isabel as deteve e confiscou o lenço.

—Deixem de brigar. Estão dando um espetáculo lamentável e estão se comportando como duas grosseiras. Escolham os laços e vamos. Madame Bonnier fecha o negócio cedo, e ainda não procuramos o vestido.

Já deve estar preparado.

Teddy trocou um sardônico olhar com sua irmã gêmea.

—Não parecia interessada no vestido com o qual o "Anjo Dourado" te verá antes de receber as flores.

Isabel se conteve a tempo e não explicou que seguia sem se interessar um ápice. Por que teria que se importar um Adônis cheio de si mesmo quando poderia ter um homem forte, irresistível e generoso como Ashby? Quanto aos homens, teve muito melhor gosto que esses dois monstros quando ela estava com sua idade.

Enquanto suas irmãs terminavam de decidir, Isabel colocou o lenço a modo de véu cigano e se olhou no espelho. Mostrando só os olhos, sua imagem parecia tão misteriosa como a do Ashby com a máscara negra.

Possivelmente deveria levar o véu na próxima visita para que pudessem ter algo que negociar, pensou maliciosamente.

O relógio da senhora Tiddles deu as badaladas e Isabel sentiu que o estômago dava um tombo. A opressão no peito pelos nervos dificultava respirar normalmente. Em umas poucas horas, veria ele de novo.

Como poderia sobreviver à espera? Deveria perder ao menos uma hora dançando algumas valsas, mantendo conversações corriqueiras e suportando flertes tolos antes de poder escapulir da festa sem levantar suspeitas. Certamente Ashby ficaria impressionado pelo vestido que havia feito à senhora Bonnier. Se declararia essa noite? Assim esperava. Não podia suportar a expectativa.

—Posso ver algum desenho em amarelo? - perguntou Freddy à chapeleira.

Isabel suspirou exasperada. - Viu suficiente. Decida de uma vez.

—Está bem - sorriu à senhora Tiddles compreensivamente. - Minhas filhas eram iguais de exuberantes quando tinham quinze anos. Quão único lamento é não ter outro xale azul como este.

Minha assistente guardava tudo em seu lugar, mas a pequena ingrata me abandonou a semana passada sem me advertir uma palavra. Foi com um homem, isso é o que fez apesar de tudo o que havia feito por ela... ensinei a profissão, dei um teto - a mulher suspirou profundamente. - Agora estou sozinha para tudo, outra vez. Minhas filhas vivem no Norte, sabe você?

Isabel se encolheu.

—Senhora Tiddles, se me permitir, eu gostaria de recomendar a alguém, uma jovem viúva que perdeu seu marido na guerra; gentil, calada e que está procurando um trabalho ansiosamente.

—OH! - a senhora Tiddles entrelaçou as mãos. - Quem é a jovem?

—É uma habilidosa costureira que atualmente forma parte do pessoal de serviço de nossa casa. Acredito que será de grande ajuda. Se puder arrumar um alojamento, a enviarei hoje mesmo.

—OH, não! Nem em sonhos me atreveria a tirar uma pessoa que está a seu serviço, senhorita Aubrey.

—Não deve preocupar-se por isso - assegurou Isabel. - É só um emprego temporário. Você verá, dirijo uma fundação que ajuda às mulheres que ficaram desamparadas por ter perdido na guerra ao homem que provia o sustento... - Isabel explicou brevemente sobre a fundação de caridade e entregou um cartão pessoal. - Pelo que pode ver você também prestaria um grande serviço ao país.

Depois de tudo, o marido desta mulher deu a vida para poder nos salvar da invasão francesa.

Os olhos da senhora Tiddles se encheram de lágrimas pela emoção.

—Que bondoso de sua parte, senhorita Aubrey. Estarei encantada de dar emprego a essa jovem viúva. E estarei eternamente agradecida a você - sorriu.

—Se você pudesse prescindir dela esta tarde, teríamos a noite para nos conhecer antes de colocar o negócio em ordem para amanhã pela manhã. Qual é seu nome?

—Mary Higgins. Senhora Mary Higgins - disse Isabel. - É uma pessoa encantadora. Colocará em ordem o negócio rapidamente.

Não podia reprimir o sorriso, estava tão feliz pela pobre Mary... Sem lugar a dúvidas, esse dia tinha sido muito próspero, pensou eufórica. Primeiro Ashby, e agora isso. E se a sorte seguisse assim, estaria comprometida até a meia-noite.

 

Isabel apareceu no quarto de sua mãe.

—Queria me ver?

—Entre, Izzy. Quero falar contigo. - Deitada em sua cama, com um gorro de dormir de renda do qual escapavam alguns cachos grisalhos, lady Aubrey mostrava uma aparência majestosa. Isabel fechou a porta e se aproximou.

—OH, está encantadora, querida! - exclamou sua mãe com supremo prazer. - Me alegro que tenha entrado em razões. Sua tola rebeldia não conduzia a nada.

O que era justamente o motivo de sua rebeldia pensou Isabel; mas não disse nada.

Sua mãe continuou.

—Se escondendo atrás de insípidos vestidos não conseguirá espantar a seus pretendentes. Os homens têm um olho especial para as jovens formosas. Digo isso por experiência - Hyacinth acompanhou o comentário com uma piscada cúmplice. - Em realidade, na sua idade, realmente chamava a atenção... e consegui me casar felizmente com seu pai.

Se fosse em outra ocasião, um comentário como esse teria bastado para que voltasse para seu quarto e se trocasse, só por rebeldia, mas essa noite queria parecer formosa. Seu vestido de festa novo tinha as costas muito decotada e era glamoroso. Confeccionado em seda natural coberta de uma vaporosa gaze dourada, a primeira vista dava a impressão de que estava nua sob o tecido brilhante.

Lucy havia recolhido o cabelo dourado acobreado obtendo um elaborado penteado estilo grego que deixava o pescoço ao descoberto com alguns cachos que caíam sobre as orelhas e a nuca.

As gêmeas festejaram seu traje com gritos de alegria tão somente um momento atrás. Esperava que o vestido tivesse um efeito similar em Ashby. Estava exaltada pelos nervos.

—Mamãe, Stilgoe está me esperando lá em baixo.

—Não vai com suas amigas? - perguntou em tom otimista sua mãe.

—Não. Encontrarei com elas na festa. Angie não irá esta noite e Charlie insistiu em que fosse com ele.

—Bem, ao menos estará bem escoltada. Devo dizer que suas amigas não são a classe de jovens de bom berço a quem deveria frequentar. Lady Íris é passível, suponho, com uma beleza simplória

—sua mãe enrugou o nariz em gesto depreciativo. - Mas todo mundo sabe que se casou com Chilton por seu dinheiro. O homem quase triplica a sua idade. Acredito que seu pai vendia vacas, não é assim?

—Sir Andrew criava exemplares de pura raça, mamãe - respondeu Isabel com os dentes apertados. - Um empreendimento totalmente respeitável. O Regente era um de seus clientes.

—Bom, sim, quando a pessoa comercializa e tem ao Regente como o melhor cliente, não é estranho terminar nas mãos de credores. Se não tivesse aparecido Chilton, sir Andrew...

—Está morto, mamãe. Deu a vida pela Inglaterra, e Íris é uma de minhas melhores amigas. Rogo que não fale mal dela, nem a mim nem a ninguém, em realidade.

Hyacinth enrugou o nariz, desdenhosa.

—Bom, a outra mulher é a que considero inaceitável. A atriz francesa cuja amizade insiste em cultivar. Surpreende-me que a recebam em lares respeitáveis, para começar.

Isabel ficou tensa e lançou uma maldição, totalmente imprópria para uma dama. Tinham mantido esta conversação centenas de vezes, e jamais chegaram a nenhuma parte.

—Sophie não é uma atriz, mamãe. Era uma soprano famosa de Paris antes da guerra, e agora é a respeitável viúva de um oficial do exército com o que teve um filho que agora tem cinco anos.

Inclusive sua família política, que pertence à nobreza, a tem em grande estima. Por que não teríamos que tê-la nós?

Hyacinth dispensou o mais carinhoso dos olhares.

—Meu coração só aninha interesse por seu bem, meu amor. Quero ver você resplandecer adorada por todos. Tão somente uns dias atrás, lady Fanny Hanson se maravilhou pela formosa jovem em que você se converteu tão encantadora e formosa, tão devota para ajudar aos pobres. Rogou a Stilgoe que aceitasse à petição de seu filho para que os apresentassem...

Isabel ficou boquiaberta.

—Lorde John pediu a Stilgoe que nos apresentasse?

—É obvio que sim - sua mãe adotou um tom de voz cúmplice. - Lady Fanny nos confessou que seu filho está procurando esposa, mas com total discrição e de maneira muito seletiva, como deve ser com um homem de sua posição. Deve se esforçar para causar a melhor impressão, Izzy - a instruiu sua mãe. - Se tiver as condições que ele pretender, se converterá na duquesa de Haworth muito em breve.

—Tentarei recordar quando lorde John admirar minhas condições esta noite.

—Isabel Jane Aubrey! - sua mãe se incorporou da montanha de brandas almofadas que estava nas costas. - Não suportarei nenhuma de suas tolices esta noite!

Faça o esforço necessário para que lorde John Hanson se apaixone loucamente por você!

Isabel se enfureceu.

—Não me casarei com um homem só porque você encontra a sua mãe, ou a seu avô, em todo caso, socialmente aceitável. Por que desejas tão desesperadamente se desfazer de mim, mamãe?

—Desesperada por me desfazer de você? Deus do Céu! De onde tirou semelhante ideia? - Hyacinth abanou o rosto. - Quão único desejo é que tenha uma vida feliz, isso é tudo. Sou totalmente consciente de que você se importa mais com suas viúvas de guerra que sua pobre mãe viúva, mas apesar de sua conduta egoísta, quero que saiba que estou muito preocupada com seu futuro.

—Meu futuro não tem por que preocupar você. Tenho tudo sob controle.

—Ora! Durante anos passei por cima de suas travessuras, e te deixei crescer selvagem porque meu querido Will, seu devoto irmão, convenceu-me de que seu temperamento despreocupado se corrigiria com o tempo.

Bom, o futuro está próximo, e seu caráter irresponsável não mudou. Isabel levantou desafiante o queixo.

—Pois então, segundo suas palavras, eu não posso atrair a alguém tão nobre como lorde John Handsome... Hanson.

—Mmm. Veremos - sua mãe riu astutamente.

Isabel entrecerrou os olhos.

—O que está tramando, mamãe?

—Tramando? Ai de mim! Eu nunca tramo nada! Agora veem e me dê um beijo de despedida. E diga ao Stilgoe que leve a chave. O velho Norris odeia quando o fazem levantar durante a noite.

Isabel beijou tensa sua mãe na face e escapou do quarto. Algumas vezes quase preferiria não ter família. As famílias eram tão intrometidas... Cada um dos membros parecia saber precisamente o que acontecia ao outro e considerava seu dever dar sua imprudente opinião. A privacidade era um luxo que poucos desfrutavam naquela casa, ao menos não ela. Não era de estranhar que lhes mentisse e fizesse o que queria. Recolheu a bolsa e se dirigiu escada abaixo.

Stilgoe a esperava impaciente na porta principal.

—Diabos, Izzy! É pior que Angie.

—Mamãe queria falar comigo antes que eu fosse. O que podia fazer? Dito seja de passagem, pediu-me que recordasse você que leve a chave.

Norris esteve reclamando outra vez - atravessou a soleira e aceitou a mão de um criado para ajudá-la subir ao carro que aguardava.

Charlie se deixou cair no assento estofado frente a ela e golpeou a bengala no teto da carruagem.

—Barrington House! - quando o carro avançou pela rua, seu rosto corado se iluminou com um sorriso de satisfação. - Meu Deus, olhe você!

Se tivesse adivinhado que abandonaria seus vestidos tão pouco elegantes pelo Hanson, teria apresentado vocês ha semanas. Duas valsas reservadas, tudo bem?

Mostrou a língua.

—Porque esta tão irritante?

—Por todos os diabos! Só queria dizer que você esta excepcionalmente encantadora esta noite.

—Obrigado - Isabel notou sua expressão magoada. - Não deveria me zangar contigo.

—Um simples "obrigado" de vez em quando não mataria ninguém, sabe? Pode ser que não o acredite, mas realmente me preocupo com você, Izzy. Preocupa-me muito ver que desperdiça sua vida por uma obsessão.

Entrecerrou os olhos.

—Que obsessão?

Stilgoe se moveu incômodo e trocou de lugar contra as almofadas.

—Bom, suponho que sua relutância em despertar a atenção de qualquer admirador deve obedecer a algo.

—Sim, de meu desgosto por eles.

Seu irmão a olhou sério.

—Nem sempre foi tão... contraria... com os cavalheiros. Soaram sinos de alarme na cabeça.

—A que você se refere?

—Me refiro a quando teve a idade das gêmeas.

Apertou os dentes.

—E a atenção de que cavalheiro tentava despertar quando usava saias curtas, pode me dizer isso?

Franziu as sobrancelhas loiras.

—Você está brincando, verdade?

—Só responde à pergunta, por favor.

—Bem, vou dizer de uma vez. Perseguia Ashby como se fosse um presente de Deus para as jovenzinhas.

Fingiu surpreender-se por completo.

—Ashby? O amigo do Will?

—Não, o czar da Rússia. Sim, o amigo do Will. Esse tipo alto, arrumado, de uniforme, que estava acostumada a acossar e perseguir sem descanso... lembra?

Conteve uma maldição. Perguntava-se quem mais estava a par de seus sentimentos secretos.

A contra gosto perguntou:

—Will sabia?

—O que você acha? Não foi muito sutil: "isto Ashby, Aquilo Ashby..." Perfurava-nos o cérebro.

—Ashby sabia? - conteve a respiração. A possibilidade de que ele soubesse que havia estado louca por ele era... mais que embaraçosa, poderia inclusive dar uma aparência distinta ao que acontecera essa manhã, uma aparência muito mais desfavorável.

—Possivelmente... provavelmente... Diria que sim. Como disse, foi muito tenaz. Recorda como endossou o cachorrinho negro? - afogou-se de risada, salpicando o peito.

—Pobre Ashby, não quis te magoar, e em vez de se desfazer dele, conduziu a cesta de piquenique por todo o Continente.

Isabel grunhiu. Ashby sabia. A noite em que o havia beijado, não ocorreu a ela que ele poderia estar a par de seus patéticos sentimentos. Porque foram patéticos... uma adolescente fascinada pelo libertino favorito da sociedade. Bem, já não era uma patética imberbe. Era uma mulher, e o havia feito desejá-la tanto como ela a ele. Esta noite faria que Stilgoe comesse suas palavras.

A obsessão era verdade.

—Charlie, com quem esteve comprometido Ashby?

Seu irmão quase cai do assento.

—Por todos os demônios, Izzy! Como posso sabê-lo? - olhou-a preocupado. - Quem te disse que esteve comprometido?

—Uma amiga.

—Já vejo. Bem, a última vez que se comunicou comigo foi quando morreu Will.

Sentiu uma ardência nas orelhas.

—Que tipo de comunicação?

—Enviou uma nota transmitindo quão profundamente pesaroso estava, etc, etc. O usual.

—Não em termos mais pessoais?

—Não - Charles coçou o queixo. - Agora que penso, resultou bastante estranho. Ele e Will eram unha e carne. Era quase um residente permanente em nossa casa - fez uma pausa.

—Soube que tem o rosto desfigurado, quase irreconhecível?

Assentiu, de maneira séria, sentindo uma pontada de dor no coração.

—Viu-o depois de... ?

—Não, mas as pessoas comentam - entrecerrou os olhos até que se converteram em apenas umas linhas. - Espero que não esteja considerando se apaixonar por ele. Dizem que perdeu a razão e que vive trancado em sua adega.

—Tolices. Não acredito nem por um segundo - respondeu, recordando perfeitamente o que o mordomo de Ashby a informou. - E você tampouco deveria fazê-lo!

—Chegamos - respirou aliviado quando o carro se deteve. - Seja agradável com o Hanson, e pelo amor de Deus, não fale de Ashby.

—Você esta escolhendo favoritos, senhorita Ashby? - o barão de Grei protestou veementemente. Seus cupinchas a perseguiram reservando todas as valsas e ela se negou a anotar a Grei no último lugar que estava livre.

—É obvio que não. Eu somente... né...

Isabel olhou a seu redor, atordoada pela súbita popularidade que teve durante a noite... Desde que o Anjo Dourado a escoltou no Almack's e reservou duas peças para a reunião social dessa noite.

Assim que colocou um pé no atestado salão de baile, um enxame de admiradores a rodeou e a perseguiu toda a noite. Sem dúvida, queriam constatar por si mesmos o que ela teria de especial.

Ela se recusou contra todas as probabilidades de dar a ultima dança com a esperança de que o homem com o que ela sonhava dançar uma valsa atravessasse a porta. Há algum tempo seu irmão desapareceu em um dos salões de jogo. Considerando que não estava sua esposa para recriminar ele ou requerer sua atenção, Isabel sabia que não apareceria por um longo tempo. De todas as formas, não parecia provável que ela pudesse escapulir para visitar o Ashby essa noite. Maldição.

O jovem lorde Ashton agarrou uma taça de vinho Madeira da bandeja e a ofereceu.

—Quem é o maldito afortunado a quem você está reservando a última dança?

Isabel aceitou a taça com um sorriso agradecido. Estava realmente exausta depois de ter estado conversando durante uma hora com uma dúzia de cavalheiros que disputavam sua atenção.

—A Prinny, no caso de que decidisse comparecer esta noite. Uma moça nunca deve desprezar um futuro monarca.

Enquanto os homens riam com dissimulação, pôde ver que Sophie e Íris sorriam para ela da mesa de refrescos, e elevavam as taças brindando por seu êxito. Deu uma olhada significativa para que captassem a mensagem e a resgatassem unindo-se a eles. Os homens que a rodeavam pertenciam às melhores famílias da Inglaterra, e inclusive possuíam títulos de nobreza e ocupavam ancestrais cadeiras na Casa dos Lordes. Breve, muitos deles seriam os que decidiriam o futuro de seu projeto de reforma legislativa. Necessitava da ajuda de Sophie e Íris para tirar o tema a colação, porque cada vez que aludia a ele, algum idiota a interrompia com um flerte banal. Por Deus, suas amigas pareciam dar mais importância à perspectiva de que ela encontrasse um marido que às convenientes conexões políticas que poderiam fazer.

Perguntava-se como reagiriam Sophie e Íris se inteirassem de que perdeu a cabeça pela Gárgula. Seu espírito mundano era um ponto a seu favor para poder contar com elas para escapadas clandestinas; já que sendo Ashby um recluso - um mascarado além disso - ela devia ser quem tomasse a iniciativa e converter-se na perseguidora. Algo para o qual se sentia incômoda e pouco capacitada.

Abruptamente, o enxame de admiradores se separou como o Mar Vermelho ante o Moisés para permitir que uma cabeça dourada se aproximasse dela.

—Minha querida Isabel - lorde John agarrou a sua mão com a altiva expressão de um pavão, e beijou os nódulos enluvados. - Acredito que nosso baile está por começar.

Contendo o impulso de informar que ela não era nada dele, Isabel se segurou no braço que ele oferecia e permitiu conduzir ela para a pista de baile. No caminho pôde divisar a residência

Lancaster através de uma janela grande aberta. A casa estava escondida em penumbras. Perguntou-se o que estaria fazendo Ashby e se estaria pensando nela, já que por sua parte, não podia afastar ele de sua mente. Deveria visitá-lo amanhã? Ou ao dia seguinte? Esperar que a convidasse? Já que quanto mais dava voltas no assunto, mais duvidava de que ele se atrevesse a deixar sua casa para procurá-la.

—Vejo que a rodeia um séquito de admiradores - assinalou John ao entrar na pista.

Estava se vangloriando? A Isabel não se surpreenderia saber de que a todas as mulheres que ele convidou para dançar tivesse acontecido o mesmo; e que essa seria a razão de seu êxito surpreendente, justamente seus cuidados. Nem sequer estava segura de que conviesse. Embora sempre despertou a atenção dos homens, a nova situação colocaria ideias estranhas na cabeça de Stilgoe .

Não desejava a imposição de novos candidatos.

—Estão interessados em mim porque imaginam que você está - comentou impassível.

—Imaginam? Estou interessado em você. Você é a jovem mais extraordinária e encantadora, você brilha como uma Vênus recém-nascida - seu olhar percorreu intensamente o brilhante traje.

—Entretanto, você me atribui muito crédito. A razão pela qual estão zumbindo como um enxame a seu redor esta noite não é porque eu tenha pedido duas danças - sorriu - mas sim você me tenha concedido isso.

Quando foi a última vez que você reservou ao mesmo cavalheiro mais de uma dança na mesma noite?

Tinha razão, refletiu Isabel. Depois de ter rejeitado cinco propostas oficiais de casamento, e outras sete não oficiais, acostumou a desanimar todos os novos pretendentes.

Apenas na semana anterior, o filho do marquês de Ailesbury havia tentado roubar um beijo no Covent Garden. Se Stilgoe os tivesse descoberto antes que ela se liberasse do abraço do atrevido...

No dia seguinte, decidiu, visitaria o Ashby... e agora sabia por que. John se aproximou.

—Estou extremamente lisonjeado de que você me tenha preferido a eles. Você me cativou.

Suas adulações não a faziam sentir nada. Se Ashby tivesse falando assim, teriam que ter recolhido ela do chão. Decidiu atormentar um pouco ao John, comprovar de que madeira era feito.

—Estou segura de que você sussurra as mesmas tolices a todas suas companheiras de baile - comentou despreocupada.

—Dificilmente - seguiu em tom confidente, sedutor. - Não pude pensar em outra coisa desde que dançamos a última vez. Pensou sequer rapidamente em mim?

—As flores que me enviou eram formosas. Estive ansiosa por agradecer a você.

Um brilho de cepticismo brilhou no olhar.

—Você não parece muito convincente.

Bom, diabos, o que esperava, pensou um tanto irada. Mal se conheciam. Ela não se jogaria sobre ele com a mesma rapidez que o resto de seu séquito. Não podia negar que ele era arrumado e cortês, mas não provocava nada nela. Manteve-se em silêncio de propósito enquanto dançavam. Era melhor deixá-lo com a intriga. Seria muito bom a lorde Handsome aprender um pouco de humildade.

—Acredito recordar que devo a você um favor. Pensou o que eu poderia fazer por você?

Sorriu graciosamente.

—Interessaria apoiar nossa causa?

Cegou-a com a brancura de seus dentes.

—Tudo relacionado com você me interessa Isabel.

Rodeou com os braços a esbelta figura masculina ao dançar, suas reluzentes saias rangeram ao compasso da música, e sentiu dúzias de olhos femininos cravados nela desejando que tropeçasse e que rompesse o pescoço. Não era de estranhar que o homem sentisse que o sol saía e se ocultava por ele.

—Posso ter uma missão que te confiar... embora saiba que não é fácil.

—Por que não me permite avaliar o grau de dificuldade?

—Muito bem. Por acaso, não conhece ninguém que tenha acesso às folhas de pagamento do pessoal do exército?

—Serviria o Gabinete de Ministros? - sorriu com ares de superioridade. Apesar de sua presunçosa autossuficiência, não pôde evitar a alegria que produziu sua resposta.

Imediatamente explicou por que necessitava das folhas. - Considere isso feito - disse. - Algo mais que possa fazer por você, minha adorável Vênus?

—Poderia ler nossa proposta e me dar sua opinião - bateu as pestanas elegantemente.

—Eu adoraria. Inclusive poderia tentar convencê-la para que me apresentasse suas interessantes ideias se me conceder outra valsa. Acredito que é a seguinte.

Aplaudiria a si mesma se não soubesse como havia obtido. Possivelmente ele não era tão vão e cheio de si mesmo como tinha pensado.

—Não sei o que quer dizer, John.

—Diga que me permitirá levar você para um passeio no Hyde Park amanhã à tarde.

—Temo que tenha outro compromisso. Acredito que o mencionei na outra noite: todas as sextas-feiras se reúnem o conselho da fundação e convidamos às mulheres a quem dou apoio.

—É obvio - seus lábios se curvaram em um frio sorriso. O querido L. J. não estava acostumado a ser rejeitado, notou Isabel. - Tem algum compromisso para o sábado pela tarde?

Ela sorriu tristemente.

—Infelizmente, assim é - iria tomar um sorvete com o major Ryan no sábado pela tarde, sua intenção era obter mais informação do Ashby.

Um brilho de incredulidade brilhou no olhar.

—Temo perguntar... parece melhor no domingo?

Ela sorriu.

—Parece-me maravilhoso no domingo, John.

Sua expressão se tornou dramaticamente séria.

—Não, Isabel. Você é maravilhosa.

 

Ashby fechou sua luneta militar e se separou da janela do terceiro andar. Apoiou-se contra a parede às escuras e, com os olhos fechados, jogou a cabeça para trás. Duro. Era muito duro suportar esse inferno outra vez, por haver se deixado levar pela urgência autodestrutiva de beijar Isabel uma vez mais.

Só prová-los brevemente para afundar no purgatório da lembrança feiticeira desses lábios luxuriosos apertando os seus em um banco escuro, um efêmero prazer celestial que o deslumbrou então:

Era um idiota, faminto de dor. Não havia futuro possível, só frustração... e arrependimento, décadas de arrependimento. Não era para ela, merecia algo melhor que um homem que não podia suportar sua imagem refletida em um espelho.

Deixou-se cair no chão e agarrou uma garrafa meio vazia de uísque. Possivelmente não devia ter usado a maldita máscara. Se ela o tivesse visto, teria fugido aterrorizada.

Se houvesse controlado seu maldito desejo sexual, não estaria sentado no chão no meio da escuridão lambendo as velhas feridas como um patético selvagem faminto de amor. Devia ter previsto, pois já naquele tempo resultou impossível prever o impacto que nele teria esse beijo fulminante de sete anos atrás. Aos quinze anos, Isabel o deixou quente. Por que maldito inferno tinha suposto que seu beijo de adulta seria como o de qualquer outra mulher?

"Porque permite que o senhor Jones pense por ti, idiota!" Fechou os olhos e lançou uma maldição.

Escutou o ruído de passos conhecidos que entraram na sala às escuras e se pararam junto à janela. Sua velha enfermeira. Phipps enfocou a luneta para o salão de baile dos vizinhos e deu a seu amo um olhar sobressaltado.

—Não diga - o cortou Ashby. - Sei com quem está dançando - Bebeu outro generoso gole de uísque, piscou ao sentir o fogoso líquido abrasando a garganta, à espera que apagasse da mente a imagem de Isabel agitando as longas e arqueadas pestanas para Hanson. Consumido pelo ciúmes ao saber que o mais provável era que terminasse casando-se com esse pescoço engomado; e se não era Hanson, seria com qualquer outro elegante. - Lobos, aves de rapina, todos eles - amaldiçoou com voz pastosa. Se não fosse por seu maldito rosto, estaria ali agora, vencendo sem dificuldade a seus competidores.

—Bastardos.

Durante anos, teve concubinas e amantes ocasionais, algumas mais habilidosas que outras; mas nenhuma delas o afetou tanto como Isabel. OH, não. Isabel, a leoa, devorava as vísceras sem piedade, com seus olhos brilhantes e sua doce voz. Teve uma ereção com apenas recordar como respondeu a seus beijos. Seu fogo, sua ansiedade, seu temperamento espontâneo e apaixonado, combinado com um dom erótico natural; deixou-o dolorosamente excitado, e desejando muito mais. Tomou audazes liberdades com ela, e em vez de esbofetear ele no rosto mascarado, como realmente merecia, introduziu as mãos sob a camisa, despertando o desejo urgente de sentir suas unhas rasgando a pele ao mesmo tempo que a levava ao êxtase.

OH, maldição, combinavam perfeitamente. Não havia dúvida alguma. Essas delicadas curvas femininas arderam sob seu corpo em um abandono sem artifícios, como se tivessem sido moldadas para ele...

Inferno e condenação. Ela sentiu falta dele. Soube antes; e sabia agora. Mesmo assim, o destino cruel conspirou em seu contrário. Não, não o destino: ele mesmo o fez.

Seu excêntrico mordomo se sentou curvado junto a ele, e disse:

—Me disseram que em algumas culturas estrangeiras, a cabeça de um criado jamais tem que ultrapassar a de seu amo.

Ashby passou a ele a garrafa.

—Você tem total liberdade para ir quando quiser, para a cultura de sua escolha, Martin. Pagarei a passagem - em realidade, ele deveria comprar uma passagem ao lugar mais remoto do mundo.

Em Londres, era uma besta enjaulada. Em qualquer outro lugar, seria livre. Exceto não seria seu lar. Passou quase uma década combatendo em terras estranhas. As experiências vividas aniquilaram todo desejo de aventura. A diferença desses palhaços cansados de suas vidas aborrecidas que perambulavam pela cidade em busca de excitações artificiais, ele valorava a paz e a quietude, o não despertar com disparo de canhões rugindo no horizonte, nem cumprindo ordens de executar ataques que terminariam em batalhas sangrentas, nem permanecendo em constante alerta privado do sonho ou afligido de dor física, nem presenciando como jovens que apenas tinham começado a viver, morriam em rios de sangue... Não, muito obrigado, ele preferia permanecer no chão solitário, escondido na escuridão, lamentando sua desgraça.

Depois de dar conta de uma generosa dose de uísque, a voz de Phipps soou rouca ao perguntar:

—Desde quando conhece a senhorita Aubrey, milord?

—Quase dez anos, mas a última vez que a vi, tinha quinze.

—OH - disse o mordomo.

—"OH", o que? - com olhar furioso Ashby arrebatou a garrafa das mãos.

—Um pouco jovem... né... para semelhante apego...

—Fecha o Bico, Phipps! E guarde seus sujos pensamentos...

—Perdão, milord. Referia à jovem dama. Acredito que ela está... muito interessada em você.

Ashby o deu uma olhada sarcástica. Phipps sempre foi um mau julgador. O que o maldito velho resmungão e intrometido queria dizer era que Ashby estava apaixonado na jovem. O que era verdade é obvio.

Nenhum homem na plenitude de sua juventude poderia permanecer imune diante de tal expressão de feminilidade por excelência. E não era só seu corpo o que desejava. Durante sua visita dessa manhã, desfrutara do prazer das lembranças compartilhadas e ficou deslumbrado por seu encanto. Isabel possuía um assombroso talento, fortaleza e, a diferença de Olivia, nenhum pingo de artifício.

Inclusive o havia feito rir.

—Phipps, imagina que está observando um jardim de rosas de variadas tonalidades, algumas de clara brancura, outras de cândidos tons rosados ou de um intenso vermelho carmesim; e entre elas, uma margarida.

Que flor preferiria?

—Mmm. Diria que a margarida, milord.

Igual a ele.

—Por quê?

—As pétalas amarelas se destacariam.

Equivocado. A margarida como um sol nos faria sorrir, em troca as rosas... "Esplêndido". Estava espiando uma jovem e se voltando um poeta brega? O que viria depois? Serenatas sob uma janela do número 7 da Rua Dover? Esta maldita abstinência estava transformando o cérebro em uma gelatina de sêmen. Realmente precisava mandar procurar alguma das suas velhas amantes para que ajudassem com sua já alarmante e crescente frustração.

Maldita Isabel por despertar ânsias de viver outra vez. Estava perfeitamente contente de usufruir de própria dor até que ela apareceu em sua soleira como uma encarnação do sol.

Phipps clareou a garganta.

—Estive pensando, milord. Se seguirmos sentados em nossos traseiros esperando a que certa margarida nos visite outra vez...

—Nos? - murmurou Ashby contra a boca da garrafa de uísque, apoiou os lábios e jogou a cabeça para trás. Ah. Fogo. Muito melhor. Secou a boca com a manga da camisa.

Phipps o olhou fixamente.

—Devo enviar Polly com uma roupa de cama limpa ao porão, milord?

—O que? OH, vai à merda! - grunhiu Ashby. Não estava de humor para ser tratado como um menino. - Não estou reincidindo, se for o que se preocupa - espetou aborrecido. - Agora, desaparece!

Só na escuridão outra vez, Ashby apoiou a cabeça contra a parede e orou por recuperar a serenidade. A orquestra de Barrington House começou a tocar uma valsa. "Eu gostaria muito de dançar uma valsa contigo".

Maldição. Ficou de pé. Se ela podia beijá-lo pela manhã e paquerar com um enxame de vagabundos de noite, ele poderia procurar o alívio que necessitava onde pudesse conseguir, e neste preciso momento, desejava a ela. Encaminhou-se a grandes passos para seu quarto.

—Phipps! Dudley! - grunhiu das escadas tirando a camisa por cima da cabeça. Escutou alguém escorregar no vestíbulo e a outro, tropeçar com uma parede no outro extremo. Estava dirigindo um maldito circo.

—Meu bacinill !... Agora!

—Ele fez? É um excelente progresso, Izzy! - exclamou Íris.

—Disse que conhece todos os membros do Gabinete de Ministros - concluiu Isabel com o relato de sua produtiva conversação com lorde John. - Acredito que teremos as folhas de pagamento muito em breve.

—Conseguiu para a Mary um emprego e obteve o apoio de lorde John... É soberba! - Sophie aplaudiu com as mãos enluvadas. - Deve estar apaixonado por você. Você gosta dele?

—Não sei - Isabel mordeu o lábio. - Suas palavras são sempre encantadoras, e sempre diz a frase adequada... mas tenho a impressão de que... Tolices. Provavelmente é só minha imaginação

—Estava por dizer que os elogios e sussurros de lorde John não pareciam brotar do coração, mas sim do cérebro. Embora isso tampouco fosse totalmente certo, porque em certo momento da conversação que mantiveram durante o baile, seu interesse parecia sincero. Qualquer coisa que ela fez, ou que não fez, pareciam ter dado resultados.

Isabel suspirou. Embora seus esforços resultassem proveitosos para a fundação, faziam fracassar seus planos para visitar Ashby essa noite. O tempo que pensou dedicar para dançar e conversar prolongou-se muito, e já era muito tarde.

—Hoje Sophie e eu estivemos muito ocupadas - disse Íris. - Preparamos tudo para a reunião de amanhã. - Contou sobre os pacotes que distribuiriam entre as mulheres que conheciam aquelas que necessitavam apoio urgentemente. - Também concorremos ao almoço de lady Penrose com a esperança de conseguir novas adesões, mas ninguém se ofereceu.

Isabel refletiu em voz alta.

—Agora que podemos enfrentar economicamente, acredito que deveríamos alugar um escritório...

—Não se mova - disse em voz baixa Sophie. Agarrou o cotovelo de Isabel e se escondeu atrás dela. - Marcus o feto se está dirigindo para cá.

Íris se afogou.

—Quem é Marcus o feto? - perguntou Isabel sorrindo a Íris.

—O pobre sir Marcus está apaixonado por nossa querida soprano - explicou - mas ela não quer saber nada dele.

Jogou um sorridente olhar no rosto corado que se escondia envergonhado atrás das costas de Isabel.

—Tem pelo menos cinco anos menos que eu! - murmurou Sophie indignada.

—Oito, mas, o que importa? - Íris fez uma piscada a Isabel.

—A outra noite você se queixou por ter sido perseguida por um velho vil e repugnante - recapitulou Isabel com um sorriso.

—Deveria pôr um anúncio no White's, especificando a idade que deve ter um pretendente para cumprir com suas exigências.

—Não é uma questão divertida - respondeu Sophie com tom furioso. - Parece que atraio a descarados decrépitos que querem me alternar em seus joelhos com seus netos; ou jovens imberbes que se babam fantasiando com meu passado em Paris. Onde estão todos os homens atraentes, me pergunto?

—Desfrutando da ópera em Paris? - propôs Isabel e conseguiu um beliscão no traseiro.

—Já foi - Íris sorriu à figura encurvada de sua amiga escondida. Sophie suspirou endireitando-se.

—Está pensando seriamente em se casar, Sophie? - perguntou Isabel.

—Sinto-me sozinha - admitiu Sophie. - Os ingleses são tão aborrecidos... E os que podem me interessar, jamais considerariam a alguém com meu passado como a mulher adequada para casar.

—George o fez - recordou afetuosamente Isabel segurando seu braço. - Você é muito especial, Sophie. Seja paciente. Quando você menos esperar encontrará alguém que te queira tal como é e te valorize, alguém que não te desdenhe. Assentindo, Íris pegou o braço que tinha livre. - Alguém que seja adequado para você. Sophie suspirou.

—Devo dizer que me divertia mais como "mulher objeto" que como "ás de espadas".

—O que é um "ás de espadas" ? - perguntou Íris.

—É um termo do jargão para "viúva" - Isabel aplaudiu a mão de Sophie. - Querida, sempre pode retornar à ópera para ser uma respeitável soprano - propôs Isabel. - Prometemos assistir a todas suas apresentações.

—Pode ser que seja isso o que faça - concluiu tristemente Sophie.

Aproximou-se um criado.

—Senhorita Aubrey, disseram-me que entregasse isto. O mensageiro disse que era urgente - estendeu uma missiva lacrada que jazia em uma bandeja brilhantemente lustrada.

—Para mim? Não será para o Stilgoe? - perguntou preocupada. A primeira coisa que passou na mente foi Danielli. A pobre menina esteve tossindo toda à tarde, foi por isso que Angie ficou em casa.

Isabel rogou para que a menina não se contagiasse por ter brincado com a água do lago do Ashby.

—Não, madame. O mensageiro me esclareceu especificamente que estava dirigida a você.

—Obrigado.

Pegou a missiva e deu uma rápida olhada. A dominou uma poderosa excitação. Tinha um leão lacrado. Sem reparar nos olhares preocupados de suas amigas, rompeu o selo. Reconheceu a letra de Ashby imediatamente.

A nota dizia:

"Passou bastante tempo desde que dancei, mas se sua proposta segue em pé, espero você no extremo afastado do jardim. "P.".

Seu pulso acelerou desenfreado, tremiam as mãos, e teve que morder grosseiramente o lábio para ocultar o sorriso. Não somente já assinou com a inicial de seu nome de batismo, mas além disso queria vê-la. Agora.

—Acontece algo mau? - a voz de Íris denotou preocupação. - Parece agitada.

—Estou bem. Não há nada do que preocupar-se - Isabel introduziu a nota dentro de sua bolsa. - Mas necessito sua ajuda - baixou a voz. - Devo me retirar... durante uns poucos minutos.

Se Stilgoe vier a me procurar, por favor, poderiam dizer que eu... ? - atormentou o cérebro procurando uma desculpa apropriada.

Íris entrecerrou os olhos.

—Com quem vai se encontrar em segredo, Izzy? - como Isabel se ruborizou, Íris a olhou completamente lívida. - Se trata desse detestável major, não é assim?

—Não, é obvio que não! - respondeu Isabel rapidamente, Íris parecia algo mais que zangada... estava ciumenta! Bom, bom, deveriam ter essa discussão em outra ocasião e em outro lugar, já que nesse preciso momento, Isabel estava muito agitada e emocionada para dispensar a Íris a devida atenção. Ashby estava esperando...

—Não ajudarei você para que arruíne sua vida! - advertiu Íris. - Com quem tem um encontro?

Sophie apoiou a mão no braço de Íris.

—Não é de nossa incumbência, Íris. Isabel é uma mulher adulta. Sabe perfeitamente o que deve fazer. Não é assim, Isabel? - olhou-a penetrantemente.

—Isso espero - Isabel sorriu suspirando tremula. - Me ajudarão?

Quando sua relutante amiga assentiu por fim, abandonou o salão e desceu depressa as escadas que conduziam à cozinha. O coração pulsava disparado quando saiu correndo da casa e seguiu o atalho de cascalho até o muro exterior do jardim, onde se ocultou detrás das sebes. Seu vestido de festa não bastava para preservá-la do frio da noite, mas era o nervosismo que a dominava o que a arrepiava nos braços e provocava calafrios nas costas. Estava tão... ansiosa de ver o Ashby outra vez, que se negava a considerar as consequências de sua irresponsável conduta.

Uma pracinha branca iluminada pela luz da lua ocupava o canto esquerdo do jardim. Em seu interior, uma silhueta imponente de largas costas e vestida de traje de etiqueta negro passeava sem descanso de um extremo a outro da balaustrada. As luvas brancas e a gravata brilhavam à luz da lua. Levava o escuro cabelo sujeito na nuca, mas algumas mechas escuras lhe caíam sobre os olhos, e embora os alisava repetidamente para trás, voltavam a cair rebeldes sobre a fronte coberta com a máscara. Sorriu, não podia permanecer toda a noite observando-o.

Deteve-se abruptamente e voltou à cabeça em sua direção. Os olhos brilhantes cintilaram depois da máscara. "Meu deus", o coração deu um tombo. Isso era o que tinha enfrentado a cavalaria francesa no campo de batalha. Sua reação foi exatamente a oposta... caminhou para ele.

—Boa noite - a saudou formalmente e fez uma reverência, com o coração batendo rapidamente. - Você esta... radiante.

Seu iridescente vestido se aderia a seu corpo de estátua, de deusa, exibindo deliciosamente seus voluptuosos encantos físicos. Os suaves cachos caíam sobre as faces e o pescoço.

Maldita se sabia o que a havia feito abandonar um salão repleto de aduladores, sem mencionar ao risco a que expor sua reputação... para estar com ele.

Entretanto, sentia-se muito agradecido com o mundo para pressionar sua sorte questionando o bom senso de Isabel.

Estendeu a mão convidando ela a subiu os degraus para segurá-la. Tinha os olhos brilhantes; a pequena mão tremeu na sua. Fez uma graciosa reverência.

—Esta muito elegante também - ela estava tremendo e foi a única coisa que o deteve para não agarrá-la em seus braços.

Chegaram os timbres da última valsa da noite através das janelas profusamente iluminadas do salão de baile.

—Sou muito presunçoso ao supor que possivelmente não tenha concedido a ninguém a última valsa? - perguntou percebendo-se de que não estava tão calmo como queria aparentar.

Não podia recordar que alguma vez tivesse desejado tanto dançar com uma mulher como nesse preciso instante. Ela sorriu nervosamente.

—Não, não o é. Mas... não quer que entremos e dancemos no salão em vez de... - sua voz se foi apagando e se mordeu os lábios cheios, como ele estava tentado de fazer.

Negou com a cabeça, tragando com dificuldade.

—Dancemos aqui, os dois sozinhos. Em privado - colocou uma mão na esbelta cintura e a fez balançar, seguindo os timbres da valsa. A seis polegadas de distância um do outro - a separação apropriada segundo as normas de etiqueta- mas ao girar no reduzido espaço da pracinha, foram se aproximando mais e mais, até que as coxas se roçaram. Ele inclinou a cabeça e cheirou o seu cabelo.

—Baunilha - murmurou. Como uma droga, o perfume foi nublando os sentidos, minando as forças.

—Fico feliz que você tenha se atrevido a vir aqui para me ver - sussurrou ela ao ouvido.

—Não estava seguro de que viesse. Por que o fez? - fechou os olhos embriagado pela calidez do flexível corpo feminino balançando junto ao seu. - Não trará contigo essa proposta de lei, verdade?

À espera de saltar sobre mim quando estou tão fraco para oferecer resistência...

Escutou sua suave risada.

—Em realidade, acredito que consegui um patrocinador. Lorde John Hanson. Conhece-o? Prometeu ler ela e nos conseguir as folhas de pagamento. Agora, a única coisa que preciso é um habilidoso contador para que faça os cálculos.

Ashby apertou os dentes. Sabia que não devia se irritar que ela tivesse tido êxito em conseguir que outro pobre homem acessasse a sua solicitude, mas assim era.

—Por que veio quando tem a alguém da envergadura de lorde John Hanson disposto a mover céu e terra por ti?

Sorrindo, jogou a cabeça para trás para olhá-lo aos olhos.

—Realmente precisa perguntar?

Ao olhá-la nos olhos, encontrou algo que não via fazia muito tempo... a si mesmo. Ao homem que foi quando Will ainda estava vivo, quando ia jantar a sua casa, quando se sentia ainda humano.

E ela não era qualquer mulher que poderia ter desejado no passado. Era Isabel... sua Isabel.

—Não, não é necessário - baixou a cabeça e provou seus lábios, aqueles doces e tentadores lábios. Surpreendentemente, fraquejaram suas pernas e instintivamente rodeou a cintura com os braços e a levantou, apoiando-a contra seu corpo.

Isabel passou os braços ao redor do pescoço, aproximando seu corpo curvilíneo, docemente perfumado.

—Ashby.

—Sim, querida? - mordiscou os seus lábios inchados provocando-a com a língua, percebendo o delicioso sabor de sua boca enquanto acariciava sua cintura, moldando suas suaves curvas contra seu corpo endurecido pela excitação.

—Não posso acreditar que esteja aqui com você...

Embora também ele estivesse maravilhado, queria saber:

—Por que não pode acreditar?

Sentiu como o corpo feminino se esticava levemente. Isabel agitou as pestanas imperceptivelmente como se fossem asas de mariposa, mas manteve o olhar. Sua voz, como canto de sereia, sussurro:

—Eu te amo, Ashby... Sempre te...

Sua confissão o aniquilou.

—Paris - sussurrou contra seus lábios - meu nome é Paris.

Absorveu sua exalação surpreendida em um beijo ardente. Inclinou a boca sobre a dela, introduziu a língua e a beijou com a veemência que impulsionava seu sangue ardente. A boca feminina era tão macia e doce como um pêssego amadurecido. Desejava dar um banquete com sua doçura até que ela ardesse com o mesmo fogoso desejo que consumia a ele. "Ela é inocente, trata-a com cuidado, por amor de Deus", gritou a voz de sua consciência, mas a ignorou. Dançando a conduziu até a parede da pérgula esmagando-a com seu corpo contra ela, e a beijou até perder a consciência. Suspirando, ela se deixou levar pela veemência de seus beijos com igual ardor. A língua feminina enfrentou em erótico duelo com a sua. Baixou as mãos até as firmes nádegas femininas, espremeu-as apertando contra seu corpo.

"Doce Lúcifer". Ela não levava calções, só roupa interior de seda, conforme pôde descobrir com suas carícias, e embora bem soubesse que a tentadora vestimenta obedecia mais ao modelo do vestido que a seu gozo pessoal, o senhor Jones ficou em posição de firme respondendo ao toque de atenção como um ansioso porta-estandarte.

A provocadora descarada apertou as coxas contra ele e acariciou sua nuca, arrancando um profundo gemido do peito.

—Ashby...

—Paris - corrigiu ele. - Descobriu qual era meu nome. Agora tem que pronunciá-lo para que seja real.

—Paris - sussurrou em um eco, esboçando um sorriso. - Você é tão real. Tão real...

—Eu sei, eu sei. É um nome tão idiota - sorriu ironicamente. - Deus sabe o que induziu a meus pais para me colocar o nome do personagem masculino mais patético de Homero.

—Paris não era patético. Estava apaixonado. Mas possivelmente seus pais puseram esse nome pela cidade.

—A cidade do Napoleão? - afogou-se pelo assombro.

—Napoleão não estava no poder quando você nasceu, tolo. Nem agora, graças a você.

—Sim, consegui vencê-lo utilizando uma só mão; e obrigado por me recordar minha avançada idade.

Soltou uma risada baixa. Ficou nas pontas dos pés e o olhou aos olhos...

—Paris... adoro seu nome - sorriu sedutoramente, seus olhos brilhantes refulgiram na escuridão. - É escuro, resplandecente, enigmático... igual a você.

—Você quer dizer a cidade, me pareceu - deu uma olhada às brancas curvas femininas apoiadas em seu peito e lutou contra o irresistível desejo de afundar o rosto nelas.

Levou vinte e nove segundos para chegar ali; e necessitaria muito menos para levá-la a seu quarto. - Se esquece de que me conhece há mais de uma década. Não sou um mistério para você.

Mas ela sim era... essa Afrodite menina que se converteu na criatura mais desejável e feminina do mundo. Explodiria se não a possuísse. Depois, Stilgoe o perseguiria com uma pistola, e ele nem sequer tentaria defender-se. Sempre soube que havia uma bala com seu brasão como alvo; era um milagre - ou uma maldita condenação - que a tivesse evitado até o momento.

Isabel acariciou os lábios dele.

—Sei tão pouco de você. Qual é seu segundo nome?

Nublou a mente de desejo. Teve que piscar para clarear a visão.

—Nicolas.

—Paris Nicolas Lancaster - substituiu os dedos por seus lábios, para acariciar, provocar, dissolver o cérebro. - Você gostou da cidade imperial do Napoleão?

A olhava e desejava seguir o fio de suas perguntas.

—Suponho que sim. Não podia ser muito objetivo... quando parti contra a cidade. Não posso dizer que... tenha podido percorrer suas atrações... com entusiasmo turístico. Isto, entretanto...

—Beijou o pescoço que cheirava a baunilha-... eu adoraria percorrê-lo.

Tinha a pele mais suave que pudesse imaginar. Quando ela gemeu brandamente, desejou tombá-la no ombro e saltar o muro para seu jardim. De qualquer maneira, quem necessitava uma cama?

Nunca esteve tão excitado em toda sua vida, mas não podia, sabia que não podia... ou acaso sim?

Incapaz de deter-se deslizou a mão até agarrar o suave seio. Isabel fechou os olhos e deixou escapar um suave suspiro. Acariciou sua redondeza deleitando-se com a deliciosa turgidez que sua mão entesourava. Ao notar como ela gozava da carícia, a luxúria rugiu por suas veias.

—Ninguém me faz sentir o que você me provoca, Paris.

Sentiu uma opressão no coração. Ela tinha a estranha habilidade de pôr em palavras à emoção exata que o dominava. Sentiu-se como um torpe símio.

—Isabel, você me faz sentir como um colegial perdidamente apaixonado - capturou a boca com um profundo beijo fazendo-a gemer. Ardeu de desejos de despi-la e beijá-la toda, não só na boca...

Embora no momento não podia deixar de fazê-lo. Isabel Aubrey possuía o talento para que um homem ficasse de joelhos por um beijo. E ele desejava ser o único a seus pés para venerá-la como a uma deusa.

—Quem te ensinou a beijar desta maneira?

—Ninguém - sua voz sedutora o percorreu como uma carícia. - Você... você o fez.

—Não beijou a ninguém mais que a mim? - perguntou incrédulo, mas também absurdamente agradado. Quando ela negou com a cabeça, uma ardência de satisfação masculina percorreu todo o corpo.

Murchou com a pontada da culpa que o afligiu de repente. Não a merecia, e mesmo assim não podia evitar desejá-la mais que a nada em sua vida. - OH, é mais formosa que a brisa vespertina, adornada com a beleza de mil estrelas! - murmurou uma voz que soava alarmantemente como a sua.

"Por Deus". Will devia estar rindo, aparecendo a cabeça em uma nuvem ao ver seu velho companheiro recitando poesia a sua pequena irmãzinha, nada menos. "Poderia fugir com ela a Gretna Green".

Essa sim que era uma boa ideia. Uma semana de viagem só com a Isabel em carro para fazê-la sua esposa, sua companheira, sua condessa... E então outra vez, o que faria ele uma vez que ela descobrisse as cicatrizes que desfiguravam seu rosto? Teria uma mulher histérica em seus braços no meio de um nada.

Ela fechou os olhos, com expressão sonhadora e os lábios curvados em um sorriso que afastou seus mórbidos pensamentos.

—Já vejo que você gosta de Kit Marlowe.

—Não exatamente, mas essa passagem do doutor Fausto sempre recorda a você.

—Sempre? - ao bater suas pestanas revelaram a paixão aninhada em seus olhos. - Por quê?

—Por razões que só eu conheço.

Ocupou a boca em beijar os lábios, a face, seu delicado queixo... tudo menos demonstrar que a desejava tão desesperadamente como o Paris do Homero desejara a Helena.

Mas provavelmente Isabel, a pequena sedutora, podia ver através dele.

—Não terá vendido sua alma ao diabo, ou sim? - suspirou provocativamente.

—Não, mas segue golpeando a minha porta - "e em outros lugares também".

—Stilgoe me acompanhou ao baile esta noite - disse com cumplicidade enquanto mordiscava o adorável lóbulo da orelha. O tom esperançado de sua voz causou outra vez uma opressão no peito, mas optou por ignorá-la.

Assaltou-o um pensamento desconcertante.

—Sabe que veio para ver-me?

Inclinou a cabeça convidando-o a que beijasse a zona sensível detrás da orelha.

—Sophie e Íris... mas não sabem de você... ainda. Prometeram procurar uma desculpa para justificar minha ausência.

O alívio que sentiu foi cabal testemunho de sua escura personalidade. Um cavalheiro com escrúpulos a enviaria imediatamente de volta, mas ele ia ignorar suas evidentes e claras insinuações, e seguiria tomando as liberdades que ela permitisse. Entretanto, ela se via tão dolorosamente formosa sob a luz da lua, seus delicados traços expressavam tal encantamento, que não pôde deixá-la ir ainda.

Nem pôde deixar de beijá-la, de tocá-la. Afundou um dedo em seu sutiã e roçou o mamilo. Ficou esperando com a respiração contida, mas ao não receber nenhum brusco bofetão na face seguiu incitando até deixá-lo firme e duro como um possante broto. Um som mescla de gemido e suspiro, escapou de seus lábios entre abertos.

Um fogo devorou as suas vísceras. Puxou o corpete do sutiã deixando descoberto o mamilo, aparecendo o seio nu como se fosse uma fruta amadurecida. Se uma gota de orvalho deslizasse pela curvatura perfeita de seu seio, a ponta do mamilo a deteria para oferecê-la. "Estava moldada para fazer o amor". A devorou com os olhos gravando essa visão na memória, desejando poder persuadi-la para que posasse para ele. Esculpiria sua beleza em tamanho natural, algo menos seria um crime. Imaginá-la nua no porão, deitada sobre o cobertor rubi de sua velha cama do século XV, elevou seu desejo até níveis perigosos. Com um profundo grunhido, levou o seio à boca, chupando, lambendo, mordendo sedutoramente o mamilo endurecido. Ela gemeu cravando as mãos em seus ombros. Se ela estivesse sequer a metade de quão excitado ele estava, encontraria mel entre as coxas.

Ao perceber que seu controle estava no limite, subiu a saia cobrindo o seio e por cima do ombro, apoiou a testa contra a parede fria. Ele era o adulto ali, era seu dever dominar-se para não

investir as coxas contra sua mão. Estava torturando a si mesmo; mesmo assim o prazer era tão delicioso, foi muito fraco para se separar. Ele a olhou com avidez, com o peito agitando-se o em um ritmo crescente, com olhos fogosos; e esteve perigosamente tentado de enfiar a sua mão em sua calça para fechar em torno do pênis ereto. - Por Deus, Isabel - sussurrou quase dobrado pela cintura, estava quase a ponto de gozar.

—Suficiente - se afastou de sua mão aspirando uma baforada profunda de ar, tentando recuperar a respiração. Via pontos brilhantes.

Isabel levantou a mão e deslizou os dedos sobre a máscara.

—Por que deixou de vir a minha casa? Foi por minha causa? - sussurrou ela.

Inalou profundamente, com dificuldade, muito tenso para se mover.

—Em grande parte eu já te disse, você era jovem demais para mim...

—Não mais - se apertou contra ele, beijou-o muito brandamente e passou as pontas dos dedos pela mandíbula. - Por que não veio quando Will morreu? Eu precisei de você. Todos precisavam de você.

Isso era a última coisa que diria em sua vida. Afastou-se bruscamente. Precisava explicar que não havia futuro para eles. Deveria dizer embora não fosse apenas isso.

—Isabel, acredito... sei...

Ela sorriu.

—Tem muitos segredos. Quero te ver - suspirou, antes que seu confuso cérebro pudesse registrar o que ela estava pedindo, segurou sua máscara e começou a levantá-la.

O pânico o cegou.

—Não! - separou a mão bruscamente e deu a volta dando as costas para ajustar a máscara e colocá-la em seu lugar. - Que grande engano! - grunhiu ardendo ainda de fúria.

—Engano? O que... quer dizer! - a suave voz da Isabel penetrou o torvelinho de sua mente. Quando se negou a responder, uma mão suave o tocou no ombro. - Paris...

—Volte para o baile e não venha me ver nunca mais...

Que idiota foi, como permitiu que tudo chegasse tão longe. Com o acontecido de manhã era previsível. Que maldição o fazia comportar-se tão libertinamente? Sabia a resposta.

Isabel, com sua sedutora promessa de risada, bulício, vida... e paixão.

—O que? Por quê? - a dor em sua voz retorceu as vísceras. - Disse que me desejava...

Era a cruz que ele precisava levar.

—Me deixe - rogou. "Por favor". Se ela soubesse como morrera Will, ou se ela pudesse ver o rosto... não queria imaginar o que pensaria dele.

—Não me importa sua aparência - falou atrás dele. - Sei como é em seu interior...

Estava equivocada, em seu interior era mil vezes pior. Deu a volta bruscamente.

—Vá!

Seu grito a surpreendeu, mas permaneceu imóvel no lugar, observando-o com esses imensos olhos íntimos.

—Já não sou uma menina. Posso tolerar. Vi soldados feridos que retornavam da guerra. Vi meninos disformes por causa de uma enfermidade - lágrimas grandes como diamantes alagavam os olhos.

Sua angústia rasgou a consciência. - Não pode me espantar.

Não podia seguir presenciando a compaixão que ela oferecia a lástima. Engoliu com esforço.

—Não me interessa voltar a ver você - articulou com ênfase. - Fui bastante claro?

Tremeu o lábio inferior. As pestanas se agitavam nervosamente enquanto tentava compreender sua conduta alienada.

—Como pode me dizer isso depois de tudo o que aconteceu hoje entre nós?

—Só nos beijamos! Não significou nada. Os homens dizem e prometem todo tipo de estupidez quando estão excitados por uma mulher. Que te sirva de lição em sua vida. —falou carrancudo e insensivelmente diante da imperiosa necessidade de que ela se fosse, e ao mesmo tempo, desejando estreitá-la entre seus braços para apagar a dor que estava causando.

Abriu desmesuradamente os olhos começando a compreender. Sim, a utilizou porque queria tocá-la, embora soubesse de antemão que não havia futuro para eles.

—Não - sacudiu a cabeça, as lágrimas se deslizavam por suas faces. - Não, você não pode fazer isto comigo, não outra vez...

Tinha que fazer. Não tinha alternativa. Fechou os olhos durante um momento, reunindo o pingo de controle que ficava depois deu um prolongado e último olhar.

—Tem toda a vida pela frente para compartilhar com alguém que te ame - abandonou a pracinha a grandes e longos passos, virou para a esquerda, e com um salto se apoiou no alto do muro, e levantou o corpo apoiando uma bota na estreita borda, e depois saltou para o outro lado.

Escutou um soluço dilacerador do outro lado do muro.

—Maldito seja, Ashby! - gritou Isabel. - Como pôde fazer isto comigo outra vez? Odeio você, me ouviu? Odeio você e te desprezo... você... canalha... libertino! Jamais, nunca esquecerei isto. Nunca!

Ashby entrou como um furacão em seu quarto, sentia que as têmporas se rachavam e jogou a máscara nas chamas que crepitavam na chaminé. Estava ardendo por dentro, as veias acesas de desejo, com a consciência partido em pedaços, a alma uivando lamentavelmente pela mulher que já não estava proibida e mesmo assim seguia fora de seu alcance. Não podia respirar, queria ela... desejava... tanto.

Amaldiçoando a si mesmo por ser tão ruim quanto o que ela o acusou, desabou de costas sobre a cama e permaneceu ali, com as emoções que Isabel fazia renascer. Que deveria fazer agora? Se enterrar no porão?

Por quanto tempo... uma década, toda a vida? Um grunhido de angústia rasgou o peito e cobriu o rosto com as mãos, as cravando nas cicatrizes, desejando rasgar outra vez a pele. O abismo do inferno e a solidão eterna o reclamavam, e ele sabia que merecia cada partícula de ambos. E ainda mais.

Suas amigas a encontraram soluçando na pracinha.

—Íris, chama o carro e procura o Stilgoe - disse Sophie. - Diga que Isabel não se sente bem e que a levaremos a sua casa - se sentou passando o braço sobre os ombros trementes de Isabel.

—Tranquila, chérie. Tudo estará bem...

Isabel deu a volta e afundou o rosto úmido no ombro de Sophie.

—Me usou - soluçou enquanto Sophie acariciava as costas. - Ele nunca se importou...

—Quem o fez? - perguntou Sophie com voz suave que não conseguiu esconder sua fúria.

Isabel levantou o rosto banhado pelas lágrimas e assinalou a janela aberta da pracinha.

—Ele!

Tudo o que pôde ver Sophie foi um alto muro de jardim.

 

Alguém golpeou a porta da sala do hotel.

—A porta está aberta - respondeu com um grunhido Ashby, levantando o lençol enrugado para cobrir o quadril nu.

Deitado de costas sobre a cama, com o olhar perdido, reconheceu a maneira de caminhar do Will no vestíbulo. Tinham chegado de Londres um mês atrás. Os homens, em sua maioria, estavam abatidos por ter deixado a suas esposas e filhos pequenos no Ramsgate. Wellington estava com a alma em vivo. Napoleão estava avançando. E Ashby se sentia vazio por dentro. Que interesse podia ter em retornar exceto as obrigações que tinha com o patrimônio ancestral? Sem esposa, nem filhos, poucas probabilidades de os ter alguma vez...

Sangue e Glória.

Estava farto de ambos.

Will entrou assobiando.

 

—Maldita seja! Os companheiros de farra me embebedaram tanto que eu caí do cavalo vindo para... aqui... Olá - se deteve e olhou à mulher coberta apenas com um transparente negligé e que estava escovando os cachos de cor negra azeviche frente à penteadeira. - Você é "A Fúria", não é assim? Te vi atuar na Ópera ontem à noite.

A cantora de ópera deu de ombros, mas não disse nada.

—Fale em francês - sugeriu Ashby. - Por que está aqui? Pensei que tinha um encontro com lady Drusberry.

—Mudança de planos. Venho da festa da duquesa de Richmond. Wellington quer te ver.

Ashby já não comparecia a festas, particularmente às que assistia toda a beau monde da Europa. Inclinou-se para frente e agarrou a taça cheia de brandy que estava no console da cabeceira.

—Diga que não pôde me encontrar. Que eu fui controlar as tropas Ninove.

Sorrindo, Ashby colocou as botas.

—Quão rápido pode ser? - Will se aproximou rindo entre dentes. - Não há taças de conhaque neste luxuoso dormitório de hotel que tem que beber o brandy em seu troféu?

—Olhou por cima do ombro à "Fúria" - Não concorreu às competições de cavalaria? - perguntou em francês - Ganhei a taça de prata.

Ashby soprou diante da descarada mentira. Macalister ganhou a taça de prata.

"A Fúria" dispensou um olhar fugaz.

—Prefiro o ouro à prata.

—Ai! - Will se encolheu sorrindo amplamente. Golpeou o peito. - Tenho ouro em meu interior.

Sem impressionar-se, foi lentamente para a cama e se reclinou sobre Ashby, encostando contra seu braço e deslizando os dedos pelo peito nu. Afastou a mão.

—Ele tem razão. Meu ouro pode acabar, mas o seu nunca. Além disso... - sussurrou ao ouvido. - Tem de aço o que faz falta.

—OH? - disse intrigada. - Você é o major Aubrey?

Will fez uma exagerada reverência.

—A seu serviço, madame.

Deu uma olhada de soslaio ao Ashby.

—Tem melhores maneiras que você.

—Tudo ele tem melhor - reconheceu Ashby com um sorriso turvo. - Alguma notícia?

Afastando o olhar da tentadora figura de "La Fúria", Will se aproximou e sussurrou ao Ashby no ouvido:

—Os postos avançados informaram que Napoleão chegou ao Quatre Bras. A cavalaria recebeu ordens de avançar.

Ashby colocou as calças de montar.

—Me aguarde lá em baixo. Despacharei-a e me reunirei contigo.

Will deu outro olhar ambicioso a cantora de ópera seminua.

—Suponho que não permitirá que eu me despache com ela enquanto você me aguarda embaixo, né? Não acredito que tenha tempo para lady Drusberry.

Sorrindo sombriamente, Ashby colocou as botas.

—Quão rápido pode ser?

—Com esta, a última coisa que quero é ser rápido. Verei você abaixo.

 

Ashby chegou com o Wellington e sua equipe ao Quatre Bras à manhã seguinte, pouco depois da dez da manhã; seus aliados da Prússia já estavam desdobrados ao sul, frente às tropas francesas, e mais efetivos estavam chegando para unir-se às filas inimigas.

 

—Napoleão me enganou! Se os prussianos lutarem nessa posição, serão massacrados!

A tarde chegou com uma chuva muito abundante e combate mais intensos nos bosques e campos dos arredores do Quatre Bras. Empregando a estratégia usual de ataque dos franceses, começaram com tiro de artilharia como Wellington previra fazendo estragos na infantaria prussiana mais exposta. Enquanto isso, a infantaria britânica, exausta e desorganizada como consequência de ordens e contraordens, seguia atracando por sorte, e para o momento em que os couraceiros franceses caíram sobre a luta do Ashby, suas forças em contínuo avanço golpearam com força a retaguarda francesa.

Quando essa noite chegaram à cidade mais próxima, estava cheia de soldados ingleses feridos. Ashby encontrou Will inclinado sobre uma folha de papel, escrevendo à luz da lua.

Agachou e ofereceu ao Will a cigarreira de uísque.

—Me deixe adivinhar... enviando uma carta a Isabel? - o mero som de seu nome proferido por seus lábios fez sentir uma descarga elétrica na coluna.

Will bebeu um gole de uísque, e ofereceu o lápis.

—Quer lhe escrever uma linha? Ficara feliz que o faça.

—Não - respondeu Ashby firmemente.

—Você é terrível.

—Por que sou terrível? - perguntou cauteloso e intrigado. Isabel não devia haver contado a seu irmão do beijo inapropriado, ou Will haveria dito algo... o teria matado.

—Sabe por que - Will voltou a inclinar-se sobre a carta.

Ashby tomou um abundante gole de uísque. O braço direito doía como os mil demônios, e suspeitava que fraturou o osso. É obvio, não era nada comparado com o sofrimento que estavam padecendo alguns de seus homens pelas feridas recebidas. Quando ia pelo terceiro gole, escutou a si mesmo perguntar sem querer.

—Como está ela?

Will levantou a cabeça.

—É a primeira vez que me pergunta por ela em cinco anos, Ash.

—Não é porque não me importo - Ashby olhou com o cenho franzido a cigarreira perguntando-se como se veria já convertida em uma mulher adulta. Nunca descobriria, porque não tinha intenção de que visse como ficou seu rosto. Se as coisas fossem diferentes? Se não tivesse ocorrido o do Sorauren? Sabia exatamente o que escreveria; e o coração se contraiu diante do pensamento: "Espere por mim".

 

À alvorada, Ashby foi convocado pelo Alto Comando junto ao general Vivian. Inteiraram-se da derrota prussiana antes da chegada do Wellington.

—O general Blücher recebeu uma surra! - queixou-se. - Os prussianos retrocederam. Portanto, o mesmo devemos fazer nós. Suponho que na Inglaterra dirão que nos deram uma surra também, mas não posso evitar.

Já que nos aliamos para lutar juntos, iremos com eles.

Era deprimente, mas nem tudo estava terminado. Napoleão e Wellington estiveram em guerra durante anos sem encontrar-se no campo de batalha. Mas Ashby sabia que nenhum dos dois se retiraria sem pôr a prova sua capacidade até as últimas consequências.

Ao retirar os Aliados, os céus se abriram, alagaram-se os campos e se alagaram os caminhos. Estrondosos sons retumbaram com o eco do rugido da artilharia. Em um instante, os franceses atacaram por todos os lados, ao grito de seus cânticos usuais. A cavalaria britânica que cobria a retaguarda entrou em movimento em colunas e se desdobraram amplamente. Ashby, com o braço intumescido, não podia ver uma maldita coisa. Não recordava ter brigado nunca com uma tormenta tão forte como essa. Os disparos de canhões explodiam em suas linhas. Escureceu os franceses não retrocediam para forçar o Wellington a retornar para apoiá-los. Com a última força que ficava Ashby concentrou os seus hussares fez retroceder a esses bastardos. Chegaram partes informando que os prussianos estavam reagrupando. Os Aliados receberam ordens de retrair em uma vila chamada Waterloo. Empapados até os ossos, exaustos e sem mantimentos, o Regimento 18 do Hússar estava rodeando a parte de trás do Mount St. Jean, em uma excelente posição defensiva; por sua parte, uma milha ao sul, Napoleão se refugiou em uma estalagem junto ao caminho chamado A Belle Alliance para passar a noite.

O amanhecer prometia um dia completamente miserável. Choveu toda a noite e as tropas formadas para entrar em combate estavam empapadas, cobertas de barro, famintas, sujas e exaustas por não terem dormido.

Os exércitos de Wellington e Napoleão se achavam um frente a outro no longo de um escarpado vale de terreno muito sulcado. Não era o mais apropriado para operações de cavalaria, notou Ashby amargamente, mas seu exército transformou às colinas de Mount St. Jean em uma formidável posição defensiva, adequadas para as táticas de combate do Wellington.

Ashby recebeu ordens de permanecer no extremo esquerdo, com destacamentos deslocados para o Leste. Mas antes que o terceiro dia de combate sequer começasse, foi convocado pelo Wellington.

—Jogue um olhar - seu comandante passou a luneta. - Veja os movimentos em suas linhas, todos esses oficiais dando voltas ao redor desse ponto em particular, a concentração de elementos de cavalaria...

Essa é a apreciada Guarda Imperial de nosso amigo, a flor e nata de seu exército, os melhores regimentos do mundo...

—Boney em pessoa - disse Ashby, impactado pelo espetacular lençol azul coroado de prata.

—Hoje, você e eu demoliremos sua guarda Ashby.

Ashby olhou de frente a Wellington. Sabia a resposta da pergunta que ia formular, mas queria escutar de sua boca.

—Por que eu?

Wellington assinalou as próprias tropas.

—Cada um desses homens está pensando nos seres queridos que deixou atrás e que esperam seu regresso,são e salvo. Você não tem quem anseia sua volta. Ou sim?

—Sou dispensável - respondeu ironicamente. Preferia essa razão a ser etiquetado de "açougueiro".

—É intrépido e eficaz - corrigiu Wellington. - Sua mente está concentrada no combate, não ofuscada por uma mãe doente ou por uma mulher que o aguarde espectadora. Não é assim?

—Nenhuma mulher me aguarda - sorriu Ashby.

Era a primeira flagrante mentira que dizia a seu mentor.

—Repetindo as palavras de seus leais hussars: " Voa como o raio e golpeia como um trovão!". Ou utilizando as minhas: faça todo o malditamente possível, Ashby. Aguardarei até o último momento que seja possível para efetuar minha jogada surpresa.

—Quando diz isso, tremem os meus joelhos - franziu o cenho para dissimular a vergonha. Que Wellington soubesse como o aclamavam seus hussars era... particularmente adulador.

—Uma última coisa. O general Ponsonby perdeu seu chefe mais antigo e ficam poucos oficiais de alta fila. Necessito que envie seu melhor homem para que comande as cargas.

Waldie e Macalister eram seus melhores homens, mas eram capitães, e embora se desgostasse a ideia de perder de vista o Will e enviá-lo com as forças desdobradas pelo Wellington no centro, sabia que seu amigo se ofenderia se não designasse a ele e enviasse a outro. Era uma missão difícil. Ashby tinha um mau pressentimento. Mas Will poderia ser ferido também sob seu mando e Wellington sabia proteger a sua tropa; além disso, a posição central era famosa por sua infranqueável resistência. Quem era ele para brincar de ser Deus?

—Enviarei ao major Aubrey - disse relutantemente e foi procurar ao Will.

 

Os canhões de Napoleão iniciaram o combate com fogo de artilharia pesada. Simultaneamente, o inimigo lançou o assalto contra o centro esquerdo do Wellington. O combate durou quase seis horas.

Como seus hussars foram maltratados infernalmente caindo em qualquer parte, Ashby se sentiu aliviado de ter enviado Will com o Ponsonby. Os belgas, que brigaram com o Napoleão antes de sua abdicação e agora respondiam a ele, começaram a desertar em massa. Ashby colocou o sabre sobre o ombro do comandante grunhindo:

—Se não voltar, juro Por Deus que o atravessarei pela metade! - produziu o efeito desejado e todos ficaram.

Ajudantes de campo se dirigiam rapidamente em todas direções, levando ordens e anunciando que os prussianos se encaminhavam para lá. Eram as melhores notícias que Ashby escutara em todo o dia.

À tarde, Napoleão lançou o ataque principal com um bombardeio maciço de oito canhões contra o centro da frente britânica. Ashby viu como a linha do Wellington se apagava sob uma bruma de pó e partículas de metal. Os franceses partiram em quatro falanges de oito batalhões cada uma; e a cavalaria britânica carregou colina abaixo como uma avalanche contra o grosso das colunas francesas.

Ponsonby perdeu a vida e sua brigada foi exterminada. Detido no lado esquerdo, Ashby sentiu que paralisava o coração.

—Will! - gritou enquanto carregava cego para o calor da luta guiando inconscientemente a seus hussars para o interior das linhas inimigas,empunhando, descarregando e investindo seu sabre, com os cavalos exaustos afundando-se no chão lamacento. Com a chuva e a fumaça, a visibilidade era quase nula. A Legião Alemã do Rei mal sustentava a posição central; enquanto isso, novas tropas inimigas seguiam atracando em turba. Avançar era impraticável. A luta rugia em todos os lados. Wellington fez avançar à infantaria, utilizando toda a reserva de cavalaria. O açougue era espantoso.

E mesmo assim se mantiveram lutando pelo rei e por seu país, pelos rostos que os esperavam em seu lar.

Estavam cobertos de barro e sangue, com as gargantas em carne viva e os músculos dolorosamente tensos, os olhos desafiando a crescente escuridão, escondidos no fedor da fumaça e do metal calcinado; o aroma de transpiração humana e de cavalo saturava o ar, confrontado na batalha mais dura de toda sua vida, e Ashby se preocupou porque a jogada surpresa do Wellington não se produzia.

Ao ver que os reiterados ataques de suas tropas eram repelidas e que a linha inglesa, embora débil, mantinha-se, Napoleão lançou seu último tento. O prestigioso batalhão da Guarda Imperial partiu listado na coluna redobrando os tambores com o assustador toque de pás de charge. Os maltratados regimentos franceses os saudaram com vitoria e com chapéus nas baionetas. O canhoneio dos britânicos não pôde deter seu avanço. A Guarda capturou duas baterias de artilharia enquanto os canhões seguiam disparando diretamente a suas filas.

Tudo parecia perdido...

Wellington deu a ordem.

—Guarda acima!

Na ladeira oposta da colina, fora do alcance de tiro dos canhões, levantou-se o uníssono uma parede de soldados com jaqueta vermelha que deitaram na terra, e avançaram rapidamente para a linha de combate disparando a queima-roupa contra a indestrutível Guarda Imperial, que caía deixando colunas de corpos sem vida. Ashby contemplou a cena com lágrimas nos olhos.

As tropas de elite de Napoleão, que jamais foram vencidos em ataque, detiveram-se de repente.

Um ensurdecedor zumbido de horror trovejou entre os franceses. "O recuo Garde!", "A Guarda retrocede!". A totalidade do exército francês se desanimou fatalmente nesse preciso instante.

E retumbou o grito de "hurra!" entre as tropas aliadas.

Wellington esporeou seu cavalo para o topo da colina, e à vista de suas tropas agitou seu chapéu no ar assinalando ao sul como ordem de avanço geral. Ashby reuniu a seus hussars e carregou com ímpeto e sem desanimo, como se estivessem em um exercício no Hounslow Heath. Cada homem e arma que restava desceram a colina e qual corrente golpeou ao exército de Napoleão.

Napoleão estava muito adiantado quando divisou o colapso de sua frente. Os franceses começaram a gritar: "Sauve qui peut!", "Salve-se quem puder!", e em massa se dispersaram em retirada; uma massa desorganizada de homens e cavalos fugindo do campo travessa; a cavalaria e infantaria inglesas os perseguiram disparando golpe de sabre e baioneta...

 

Já era passada a meia-noite quando Héctor, seguido por Ellis, o cavalariço do Ashby, encontraram-no entre os corpos que cobriam o campo de batalha.

—Milord! - gritou Ellis correndo a seu lado. - Está vivo! Estávamos tão preocupados com você. Por sorte nos topamos com Curtem que nos assegurou...

—Will! William Aubrey! - grunhiu Ashby com voz rouca por ter gritado durante horas, os olhos avermelhados pela fumaça e a fadiga. Muitos dos homens de seu regimento, chefes e soldados, estavam mortos ou feridos.

Os que estavam em capacidade de mover-se estavam dormindo no acampamento ou a caminho do hospital de Bruxelas. Imundo e dolorido, padecendo pelo braço quebrado e arrastando uma perna, perambulava sem rumo entre os mortos e feridos, ofegando desesperado:

—Will, onde está?

Um silêncio sepulcral se apropriava do campo. Sombras escuras se arrastavam no chão, os animais catadores se equilibravam sobre os corpos inertes e agonizantes.

—Major Aubrey! - gritou Ashby na escuridão. Sentiu a língua úmida do Héctor que lambeu sua mão e instintivamente acariciou a cabeça. - Procura o Will, Héctor - ordenou desanimado. - Encontra-o.

—Milord, deve vir comigo. Todos voltarão com carros com as primeiras luzes da alvorada para recolher aos feridos e enterrar aos mortos - Ellis tentou agarrar o braço de Ashby e colocar-lhe sobre o ombro, mas ele se soltou bruscamente. - Os prussianos se foram depois dos fugitivos franceses. Lorde Wellington diz que partiremos de volta para a França amanhã. Precisa dormir milord. Está exausto.

—Vai você, Ellis. Eu tenho que encontrar ao Will - seguiu para frente coxeando, ignorando o rogo de seu cavalariço.

—Milord - Ellis tocou o ombro. - Busque-o amanhã. Faltam poucas horas.

—Poderia estar morto em poucas horas!

Ashby deu uma olhada assassina a seu cavalariço para impedir que dissesse o impronunciável... que Will poderia já estar morto. Tudo por sua culpa, porque ele enviou seu melhor amigo, a seu irmão, para que fosse assassinado na posição central. Seu cavalo o seguia como uma sombra, topando o ombro com o focinho. Deveria enviar ao animal esfomeado com o Ellis, mas não podia fazê-lo: tinha uma bala na coxa e o braço quebrado; além disso poderia necessitá-lo para carregar ao Will sobre a garupa.

Ao ouvir um latido do Héctor, Ashby voltou à cabeça bruscamente. Foi a tombos tão rápido como foi possível e se desabo no chão. Um homem gemia de dor, Ashby se aproximou.

—Quem é você? - perguntou-lhe.

—Dunkin, Regimento 13 de Dragões de Cavalaria Ligeira. Eu... perdi... a perna - sussurrou o homem.

—Ellis - gritou Ashby a seu cavalariço. - Me Ajude a levantar este homem. Quero que o leve ao campo do regimento e procure a alguém para que o leve ao Hospital de Bruxelas.

—Sim, milord, mas... e você? - Ellis sustentava ao soldado ferido apoiado contra o ombro.

—Estarei bem. Leva-o.

Ter encontrado o soldado com vida deu ao Ashby um pouco de esperança. Seguiu ao Héctor tropeçando com o coração batendo com força. Quando conseguiu alcançá-lo, descobriu o que parecia o corpo inerte de um cavalo. Ao afastar o lado destroçado do animal, um pálido rosto se iluminou com a luz da lua.

—Meu deus, Will - fechou a garganta pela emoção. Colocou gentilmente a mão sob a cabeça de seu amigo e tocou a face. - Will pode me ouvir? Diga-me, irmão. Por favor.

Will gemeu.

Ashby lançou um grito de alívio, dando graças a Deus.

—William, abre os olhos. Olhe-me.

Will levantou as pálpebras, e um débil sorriso curvou os lábios.

—Você esta espantoso, Ash. Acredito que ainda estamos vivos.

Ashby não pôde controlar sua alegria.

—Sim, estamos com vida! Boney está voltando para sua ilha de Elba porque sua campanha no Continente terminou.

—Graças a Deus - sorriu Will. - O fizemos. Somos heróis.

—Certamente que nos darão todas as medalhas do exército por esta vitória. Aniquilamos a Guarda Imperial do Napoleão, o velho Boney fugiu. Os prussianos foram a Paris atrás dele.

—Esplêndidas notícias, Ash. Me ajude a me sentar - Will tentou levantar sem ajuda, mas caiu para trás com um grito de dor. - Não posso mover os braços nem as pernas! E meu estômago... OH, Deus!

—Não se mova - Ashby tirou a jaqueta e extraiu uma cigarreira do bolso interior, depois enrugou a casaca e a colocou sob a cabeça do Will. - Toma, bebe um pouco de uísque.

Reanimará e acalmará a dor - sustentou a cabeça enquanto bebia, e olhou o peito: estava empapado de sangue.

Ashby assobiou para chamar a sua égua.

—Levarei você ao hospital de Bruxelas. Sei que sofre uma dor terrível, mas tão logo cheguemos ao campo, colocarei-te em um carro acolchoado - se apoiou firmemente no joelho e se inclinou para levantar o Will e colocá-lo sobre o ombro.

Will lançou um arrepiante grito de dor.

—Pare! Pare! Tenho o corpo destroçado - Will vomitou sangue e os olhos se arregalaram de dor. Ashby o apoiou novamente no chão, amaldiçoando-se por sua estupidez.

—Não desmaie! Vamos, bebe outro gole de uísque. Só uma gota.

Quando a respiração do Will se regularizou, disse:

—Não tenho salvação. Não conseguirei chegar ao hospital.

—Não nos daremos por vencidos - comunicou Ashby. - Morrer não é uma opção. Retornarei ao campo eu sozinho, e voltarei com um carro e um cirurgião. Ele te dará a atenção mais urgente, e te controlará enquanto vamos a Bruxelas. Tem que fazer um esforço para se manter acordado, por mim, fará isso, Will? Prometa-me que esperará acordado até que retorne.

—Se eu viver amputarão-me os braços e as pernas - gemeu sem fôlego. - Me converterei em um fenômeno da natureza, como esses pobres soldados que vimos em Salamanca...

—Não vai morrer - prometeu Ashby. - E será um fenômeno da natureza que receberá muito amor. Pensa em seu lar, Will. Pensa na Izzy, em... seu lar... no Hyacinth, a dama dragão reclinando-se e agitando seus cachos sobre...

Will fez um som afogado.

—Não me faça rir. Maldito seja! Estou morrendo. Deveria tomar este assunto mais seriamente - cuspiu sangue e Ashby limpou a boca brandamente.

—Maldição, deveria ter tido um rápido interlúdio com sua cantora de ópera.

—Se me deixa trazer um carro e um cirurgião, prometo levar a sua cama uma soprano distinta cada noite.

—Não, não me deixe! - Will abriu desmesuradamente os olhos com terror cravando os dedos na coxa do Ashby. - Por favor... os malditos belgas aproveitarão a escuridão para saquear...

Ashby teve que lutar com seu próprio pânico.

—Por Deus, Will, se não for, você morrerá!

Will gemeu fortemente e um fio de sangue escorreu entre os lábios.

—Estou morrendo, Ash. Estou desesperado.

Ashby agarrou o rosto com ambas as mãos e olhou fixamente os olhos aterrorizados de seu amigo.

—Como pode me pedir que fique sentado vendo como morre? Tem que lutar para poder viver!

—Não sou como você, Ash... Não tenho sua fortaleza... Meu corpo está destroçado...

A súplica nos olhos do Will destroçou o coração.

—Irei procurar ao Ellis e direi que traga o carro e ao cirurgião. Voltarei em uns minutos - ficou de pé e pegou a sua égua. Will estava soluçando e gemendo.

—Fique... fica comigo... suplico isso.

Ashby fechou os olhos. Esta era a decisão mais dura de toda sua vida, se não fosse por ajuda, seu melhor amigo no mundo morreria, mas se voltasse e encontrasse ao Will sem vida, jamais poderia perdoar-se por ter abandonado, apesar de seus rogos para que não o deixasse sozinho nessa escuridão. Tinha sido um estúpido ao enviar Ellis, deveria ter ordenado voltar. Agachou-se junto ao Héctor e apalpou a cabeça.

—Escuta velho amigo, quero que encontre ao Ellis. Procura o Ellis, Héctor. Agora!

Quando o cão se afastou dando saltos, ele retornou junto ao Will e deu um gole de uísque.

—Obrigado - Will se arrumou para esboçar um sorriso, parecia um pequeno menino assustado.

Essa era a diferença que havia entre eles, pensou Ashby. Will tinha bom coração. Não era estranho que todos o quisessem. Ashby, pelo contrário, era uma besta egoísta, que tinha lutado para abrir caminho desde os primeiros anos em Eton, quando era o mais jovem dos que se achavam ali, porque ninguém se importou o suficiente para guiá-lo. E a triste ironia era que Will tinha muitas mais coisas pelas que viver que ele. Por que não lutava então?

—Quer mais uísque?

—Acredita que Deus aprovará que chegue mortalmente bêbado às portas do Céu? - começou a rir e a cuspir sangue. - Mortalmente bêbado, entendeu?

Ashby o ajudou a beber outro gole de uísque.

—É um trapaceiro muito conversador para ser um morto.

Depois disso Will mal pôde falar. Seus contínuos gemidos destroçaram o coração de Ashby.

—Trocaria de lugar contigo se pudesse - murmurou. Levantou-o por debaixo dos braços para aproximar mais contra seu peito. - Tudo estará bem - o acalmou embalando-o entre os braços.

—Encontrarei ao hindu que obteve meu remendo. É um bruxo grande e poderoso que faz milagres. Estudou técnicas ancestrais que ensinaram os homens mais sábios da Índia. Oferecerei meu reino e ele te tirará um pedaço daqui e de lá, e remendará você.

—Quando eu morrer - murmurou Will fracamente. - Quero que procure entre minhas coisas uma caixa pequena que contém as cartas que Izzy me enviou. As leia. Não estou fazendo de casamenteiro, mas se sentirá sozinho E... se sentir a necessidade de uma família... recorre a ela, Ash, Isabel ama você, como eu... como minha família... Não passe a vida sozinho. Não todas as mulheres são umas cadelas insensíveis como Olivia... Uma boa mulher que entenda você... Ela verá mais à frente... - tremeu convulsivamente emitindo um profundo e comovedor gemido. - Tenho frio, seu Ellis não vem.

Ashby estava pensando o mesmo. Fazia uma hora que Héctor se foi. Possivelmente Ellis não conseguiu encontrar ninguém e decidiu levar ele mesmo ao soldado ferido a Bruxelas. Umas lágrimas quentes percorreram as faces. Poderiam passar horas. Afundou em um buraco negro de profundo desespero. Embalou Will para frente e para trás, cantarolando uma suave melodia. Não deveria ter enviado o Ellis com o soldado. Deveria ser mais egoísta, pelo bem do Will. Maldição. Maldição. Maldição.

—É bom morrer pela Inglaterra, Ash, entre meus valentes irmãos...

—Gostaria que me deixasse te levar ao hospital - Ashby fechou os olhos para controlar as lágrimas que nublavam a visão. - Gostaria que não fosse tão teimoso.

—A dor... não posso suportar a dor... - os contínuos gemidos do Will se fizeram mais baixos e lacerantes.

Ash sentiu que rasgavam o coração.

—Está perdendo muito sangue. Se não formos já...

—Não... ao hospital não... Por favor...

Ashby apertou a face contra o cabelo loiro do Will, todo enlameado.

—Quer apodrecer e sangrar até morrer? O que direi a Izzy? O que direi a sua pobre mãe? Prometi levar você de volta. Não posso suportar que te dê por vencido - sussurrou - Você é meu irmão...

—Faz... algo por mim - gemeu Will. - Termina com esta dor...

Um negro calafrio percorreu todo o corpo.

—Não - respondeu com voz áspera. - Nunca.

—Faria por um maldito francês, mas não o... fará... por... seu irmão ?

Se fizesse o que Will pedia, estaria condenado para sempre.

—Amanhecerá em poucas horas. Os homens virão...

—Muito... tempo... Faça... agora... Por favor... Não posso... fazer eu... com... as mãos quebradas.

Ashby seguiu embalando-o, mas era a si mesmo a quem estava acalmando. Seu melhor amigo estava morrendo. O que era pior... disparar uma bala na cabeça ou deixá-lo sofrer durante duas, possivelmente três horas? Como podia deixá-lo sangrar até a última gota de sangue de seu corpo destroçado? Era desumano. E mesmo assim...

—Se a dor for tão terrível, posso te levar ao hospital de todas as formas. Sempre há uma oportunidade... - "Amanhã se desprezará por não ter cortado embora seja um mísero segundo de sofrimento" reprovou a consciência - Está bem - carregou duas balas na pistola... uma para o Will, outra para ele mesmo. Baixou a cabeça e lhe beijou a têmpora, estava gelado. - Obrigado por ser meu melhor amigo.

Quero-te mais que a mim mesmo, meu irmão.

Quase inaudível Will lhe respondeu:

—Eu também te quero irmão.

Chorando como um menino, Ashby colocou a pistola na têmpora que tinha beijado e fechou os olhos.

—Descansa em paz - e apertou o gatilho. O disparo repercutiu no coração.

Sentou-se congelado, morto por dentro. "Em que mundo enlouquecido e sem sentido vivo", pensou olhando os milhares de corpos inertes que cobriam o campo de batalha. Excedia toda capacidade de compreensão que esse imenso açougue se produziu apenas horas atrás. "Agora você".

Ainda sustentando ao Will contra seu corpo, voltou a carregar a pistola e apoiou o canhão na têmpora. "Faça agora", ordenou-se a si mesmo. Mas a besta que ficava em seu interior se negou a disparar.

 

Íris e Sophie estavam muito desgostadas com ela. Isabel podia notar em seus lábios apertados e no brilho acusador de seus olhares.

—Agora sabem tudo - disse ao terminar o relato, e segurou a taça de chá. As lágrimas que não pode dominar durante três dias seguidos deixaram os olhos inchados e o rosto mortalmente pálido.

O estúdio do andar superior de sua casa estava decorado com vários Ramos de flores multicolorido, cortesias de lorde John, do major Macalister, e de vários admiradores, antigos e recentes, todos expressando sua preocupação por sua "enfermidade" e seu desejo de desfrutar de sua companhia tão logo ela se recuperasse. Mas as flores só serviam para reavivar a lembrança do desalmado trato que Ashby dispensara.

—Não acredito que ele... como posso dizer? ... Tenha procurado algo efêmero para divertir a suas custas - expressou com muita delicadeza Íris. - Tenho razões para acreditar que tem um plano mais nefasto em mente.

—Estou de acordo com Íris, penso que ele não estava procurando algo de pouca duração - afirmou Sophie, entre um gole e outro de chá. - Entretanto, não acredito que planeje algo prejudicial.

Em realidade, suspeito...

—O homem é um recluso! - interrompeu Íris. - Alguns dizem que escutam gritos durante a noite trancado em sua adega, pelo amor de Deus! O que supõe que queria? Deu cinco mil libras!

—O dinheiro estava destinado a nossa fundação de caridade - assinalou Isabel. - Estive em seu porão. É uma oficina, não uma masmorra gótica com elementos de tortura. Ashby está cordato.

—Minha querida Izzy - Íris se inclinou para frente para apoiar a taça de chá na mesa. - Um homem cordato, que casualmente, além disso, é rico e possui um título de nobreza, não se tranca no porão e usa uma máscara.

Pode ser que pareça estar em total posse de suas faculdades mentais, mas estou completamente segura de que sofre de alguma profunda... escura...

—Depressão? - propôs Sophie, com um sotaque de irritação para Íris.

—Muito mais razão para que Izzy o evite! - Íris se manteve firme. - Claramente, procura uma vítima feminina para mantê-la a seu lado, que faça companhia e se provenha A... seus desejos

—Íris entrelaçou as mãos sobre o colo.

—Mas não quis me manter a seu lado - resmungou Isabel. Se o houvesse feito não estariam mantendo esta conversação... que estava se tornando um tanto aborrecida. Decidiu mudar de tema.

—O que aconteceu entre você e Macalister, Íris? E não diga que não aconteceu nada, porque é evidente.

Íris a contemplou com as mãos entrelaçadas.

—Bem, direi a vocês a verdade, por duas razões. Em primeiro lugar, porque minha história tem uma moral que será útil a Izzy. E em segundo lugar, porque levei este peso muito tempo, e será um alívio para mim descarregar com as duas pessoas em quem mais confio - sorriu a Isabel e a Sophie. E respirou profundamente. - Conheço o Ryan de toda a vida. Sua família vivia perto da cabana de meu pai.

Crescemos juntos, apaixonamo-nos e o dia do meu aniversário, quando fiz dezoito anos, Ryan me propôs casamento. Por aquela época, lorde Chilton, um dos clientes regulares de meu pai, havia se sentido atraído por mim. Meu pai estava com muitas dívidas, e lorde Chilton se ofereceu para resgatar dos credores e evitar que terminasse na prisão, se eu...

—Seu pai concordou te vender a Chilton-deduziu Sophie.

—Precisamente - assentiu Íris com tristeza, com o corpo totalmente rígido. - Ryan estava em uma má situação econômica. Possivelmente, poderia ter feito um oferecimento similar ao do Chilton.

Recorri a ele... tentei explicar nossa situação desesperada: se nós não fugíssemos, converteria-me na noiva do Chilton. Ryan esteve de acordo em fazê-lo. Esse mesmo dia partimos para a Escócia.

Não podíamos nos dar o luxo de gastar o pouco dinheiro que tínhamos em uma estalagem, por isso passamos a noite na cabana de um guarda-florestal, onde estávamos seguros de que Chilton e meu pai não nos encontrariam.

—Mas o fizeram, não é assim? - perguntou Isabel ansiosamente, com temor de escutar o triste desenlace do relato.

—Não, não o fizeram - a expressão de Íris mudou a um profundo cinismo. - Eu teria preferido, porque então... Mas já não importa. Quando despertei na manhã seguinte, Ryan tinha ido. Fiquei na cabana durante uma semana. Alimentei-me de bagos e roubei pão. Havia água suficiente porque tinha chovido... e quando Ryan não retornou, não tive mais alternativa que voltar junto a meu pai e aceitar a oferta do Chilton. Se não tivesse fugido com o Ryan, possivelmente teria podido convencer meu pai para rejeitar ao Chilton, e com o tempo, teria comprometido com outra pessoa, com alguém mais... amável. Infelizmente, devido a minha imprudência, só consegui lavrar minha própria ruína e provoquei a ira de meu pai. Casaram-me com o barão conseguindo uma licença especial e todo o assunto foi oculto.—olhou fixamente a Isabel. - A moral de minha história, querida amiga, é que nunca ponha sua honra, seu futuro, sua vida, nas mãos de um homem; embora seja a pessoa em quem mais confia, porque pode terminar tendo que pagar um preço muito alto por sua ingenuidade. Minha vida é uma prisão, e meu marido é o carcereiro, um homem profundamente desagradável, a quem poderia ter evitado se tivesse atuado menos... frivolamente ao entregar meu coração. Pelo que nos contaste, a Gárgula tem todo o necessário para te ter, se assim o desejar. Conhece bem ao Stilgoe, faria algo para evitar um escândalo que arruíne sua reputação, embora significasse te casar com um conde eremita... e duvidoso.

Isabel abriu a boca para dizer que ao Ashby não importava arruiná-la publicamente, que não a queria em primeiro lugar, portanto, a teoria de Íris não teria o mais mínimo cabo.

—Não terminei - disse Íris com voz aveludada. - Pode acreditar que o admira e o quer, Izzy, mas... Conhece-o bem? Pode estar totalmente segura de que seus sentimentos não mudarão apesar do que possa saber dele?

Ou possivelmente, até considerando uma possibilidade longínqua, poderia ser que descobrisse coisas dele que te desagradassem quando já fosse muito tarde? - Isabel a deu uma olhada penetrante.

—Nunca se coloque na situação de se converter na mera posse de um homem, a menos que esteja completamente satisfeita de seu caráter, sua honra e suas virtudes. Essa é minha moral.

Isabel sentiu como as lágrimas amontoavam nos olhos e pestanejou para afastá-las. Íris tinha parecido uma adaga. E se descobrisse que não fosse capaz de suportar a visão do rosto desfigurado do Ashby?

E se soubesse de coisas desagradáveis a respeito dele? Ele ocultava muitos segredos. Negava firmemente em dizer por que não tinha ido consolá-los depois da morte do Will. Negava-se a contar com quem esteve comprometido e por que as bodas não se realizaram. Embora Will o queria e admirava, sabia que o passado do Ashby estava pintado de horríveis história de dissipação e libertinagem.

Possivelmente escapara por milagre.

Então, por que doía tanto?

—Acaso a noite da quinta-feira no Almack's foi a primeira vez que o viu depois de seu desaparecimento? - perguntou Sophie a Íris.

—Não, o vi na quarta-feira, na cafeteria depois de nossa reunião com o Flowers. Por isso parti. Não tinha desejo algum de estar com esse homem nunca mais - cuspiu com veemente desgosto.

—Parece estar bastante a par de sua situação atual - sustentou Sophie.

—Depois de me casar com o Chilton, soube que Ryan se alistou na cavalaria e que estava combatendo no Continente.

—Parece-me estranho - murmurou Sophie - que um homem tão apaixonado para te propor matrimônio, tenha preferido arriscar a vida em combate em vez de casar-se com a mulher que amava.

—Suponho que tentou fazer fortuna no exército - disse Íris encolhendo os ombros.

—As comissões são custosas - disse Isabel - particularmente quando se procura subir no posto. E apesar de que a Índia oferece múltiplas oportunidades para fazer dinheiro, Ryan me assinalou explicitamente que desejava ficar na Inglaterra.

—Também me resulta peculiar que se mostre interessado por uma mulher, sabendo que é amiga tua - disse Sophie assinalando a Isabel - o que me faz me perguntar...

—Não o diga! - Íris olhou furiosa a Sophie. - Sabe que o desprezo e que sou uma mulher casada. A única coisa que deseja é causar problemas.

—Também ele pareceu zangado contigo - refletiu Isabel em voz alta. - O que me faz me perguntar se nos contaste toda a história - olhou afetuosamente a Íris.

—Praticamente o chamou de imoral na sua própria cara - Sophie levantou uma sobrancelha com expressão divertida. - Se albergava alguma esperança de que o perdoasse, deixou bem claro.

—No que a mim concerne, Ryan deixou de existir na manhã que me abandonou na cabana. E quanto a Izzy - exalou um suspiro - faria muito bem em se manter afastada da residência Lancaster a partir de agora.

—Não será tão difícil - disse Isabel. - Fomos convidados a passar uma semana no Haworth Castle para festejar o aniversário do avô do John; o duque fará setenta anos. E Stilgoe aceitou.

—Seriamente! - Sophie levantou a sobrancelha escura com expressão surpreendida. - Isso significa...

—John pediu autorização ao Stilgoe para me cortejar, e Stilgoe a deu.

—Não fique tão triste, Izzy. Lorde John é um excelente cavalheiro. É arrumado, inteligente, afável, cortês, além de ter um profundo sentimento de consciência social...

Provém de uma das melhores famílias. Faria muito bem em respirá-lo. É um candidato muito melhor que...

—É por isso pelo que não me opus à decisão do Stilgoe de aceitar o convite.

Isabel deu de ombros, sentindo-se vazia por dentro. Ashby já não era uma opção, repetiu a si mesma. Era tempo de que desistisse de sua mitológica obsessão e pensasse em alguém mais.

Não havia nenhum desejo em terminar como uma solteirona sem filhos. Se continuasse pensando no Ashby, aconteceria exatamente isso. "Os homens dizem e prometem todo tipo de estupidez quando estão excitados por uma mulher".

Como foi capaz de dizer algo tão cruel e humilhante? Quando a única coisa que havia feito ela era admirá-lo, respeitá-lo, preocupar-se por ele... antes de que o pranto a dominasse de novo, disse:

—Devo pedir seu consentimento para fazer algo. É egoísta de minha parte, mas acredito que serviria para que me sentisse melhor...

Depois de que ela terminasse de explicar a suas amigas responderam ao mesmo tempo:

—Não o pense duas vezes.

 

Phipps entrou com passo irresoluto no quarto de seu amo. A luz do dia se esparramava sobre os móveis de mogno e os drapeados azuis, e se refletia nas paredes brancas. Phipps se sentiu agradado ao constatar que a antecâmara se achava em perfeita ordem, igual a seu amo. Corretamente embelezado, inclusive com uma jaqueta e um par de botas do Hesse polidamente lustradas, o conde jazia deitado de costas, olhando fixamente os dosséis da cama. Phipps se orgulhou de ter ensinado ao jovem amo que nada, nem sequer os piores momentos da vida de um homem, absolviam de começar o dia adequadamente vestido.

—Milord, chegou um pacote para você.

—Vá, Martin. Me deixe tranquilo.

Era pior do que Phipps tinha pensado. Inesperadamente, sobressaltou-o a lembrança dessa triste manhã, mais de trinta e um anos atrás, quando Phipps teve que dizer ao novo conde de Ashby, de tão somente quatro anos de idade, que seus pais se foram ao céu. Quando uns inocentes olhos azuis esverdeado, cheios de lágrimas, mas muito altivos para chorar frente a um criado, olharam-no na busca de consolo. Já que a obrigação de cuidar do jovem conde tinha recaído sobre ele, o ajuda de câmara mais jovem nesse momento, seguiu sua intuição e inspirou ao jovem para que dedicasse seu tempo e energia a um hobby. Foi assim que os cavalos passaram a ser sua grande paixão, quase uma devoção; e para o momento em que lorde Ashby teve idade suficiente para ir ao colégio, sabia quase tudo o que teria que saber sobre essas valentes bestas. Por isso, quando seu amo tinha retornado da França dois anos antes, Phipps pensou que se retiraria durante um tempo para descansar no Ashby Park com seus cavalos, mas o conde escolheu enterrar-se no porão onde permaneceu durante seis meses trabalhando na madeira como um escravo, refugiando-se no novo hobby que tinha adquirido durante os anos que permanecera na Espanha. Phipps se consolou pensando que ao menos seu amo continuava sendo produtivo. Esse não era o caso agora, infelizmente.

Tinha passado uma semana desde que lorde Ashby se escapuliu para encontrar-se com a senhorita Aubrey na noite do baile. Não se levantou da cama durante toda a semana, exceto para tomar banho e se vestir; e para que as donzelas limpassem seus aposentos. Parecia que a briga o havia devastado.

—Milord - tentou pela terceira vez - o pacote veio de...

Ashby dirigiu seu olhar ausente para a porta.

—Você jamais se dará por vencido?

Phipps se aproximou.

—No que diz respeito a você? Jamais.

Ashby afastou o olhar de Phipps, e o dirigiu para a janela onde se viam as árvores do Park Lane florescido. Depois de fixar o olhar durante um longo tempo nas brilhantes folhas verdes, a angústia que rasgava, o peito pareceu aliviar-se e a mente, se esclarecer. Até que escutou a conversação de alguns pedestres que passaram sob sua janela e a dor o asfixiou outra vez; quisesse ou não, podia ouvir até a conversação mais baixa.

—O pacote vem do número 7 da Rua Dover. Ashby sentiu o leve ruído da porta ao fechar-se. Deu uma olhada no pacote que estava junto a ele sobre a Cama. Sentou-se, com o coração batendo tão depressa como os tambores franceses redobrando o toque de pás de charge. Agarrou o pacote e o colocou sobre as pernas. Por que Isabel enviaria alguma coisa depois que ele a tivesse machucado tão deliberadamente?

Sabia a resposta. A cálida, carinhosa, tenra Isabel, pode ver além de seu comportamento e entendia por que o fez. Seu perdão, sua generosidade, sua nobreza de espírito, envergonharam-no. Encarregaria-se de que sua proposta fosse aceita na Câmara dos Lordes, compraria todo um edifício para sua fundação de caridade, iria ver ela, com o chapéu na mão, ajoelharia-se diante ela e rogaria que o aceitasse tal como estava, destroçado e exausto, sem mérito algum... e se ela o aceitasse por pena, elevaria ao Senhor orações de agradecimento e aceitaria o que ela queria dar.

Custou manter as mãos firmes para levantar o pacote e fixar-se no que continha. Paralisou o coração. Em seu interior, encontrou a caixa que havia feito para ela, com o laço azul e a margarida murcha, as duas notas que enviara, e as cinco mil libras que doara. Os batimentos nas têmporas nublaram a visão. Não podia respirar.

Viu um papel dobrado. Não queria ler; a nota pareceu queimar os dedos ao pega-la. Mas mesmo assim não se deteve, era um viciado da culpa e o castigo.

 

Lorde Ashby

Junto a esta encontrará certos artigos que já não desejo contar entre minhas posses. Em relação a seu donativo, obtive o consentimento da Junta Diretiva da Sociedade Viúvas, Mães, Irmãs de

Combatentes de Guerra para devolver a milord a totalidade de seu dinheiro; em razão de não julgar oportuno fazer uso do mesmo. Tenha a segurança de que não voltarei a importuná-lo daqui para frente.

Meus respeitos, Isabel Aubrey

 

Uma lágrima rodou até cair sobre a plana folha de papel que tremia entre as mãos. Maldição! A mão desabou inerte e fez cair à caixa no chão. Tornou-se para trás pressionando as Palmas das mãos contra os olhos. Maldito seja! Ela havia devolvido tudo, inclusive o dinheiro que desesperadamente necessitava para ajudar a seus desamparados... isso por si só era tão humilhante que sentiu como se tivesse recebido um golpe no estômago. A escuridão pareceu envolvê-lo mais que nunca. Ele não significava nada para ela... um leproso. Nem sequer seu dinheiro era já o suficientemente bom.

Mas não podia culpá-la. Tudo era culpa dele! Cavou sua própria tumba. E agora precisava ficar estirado nela.

Só que o suicídio não era uma opção a considerar. Não era o suficiente valente como Will; nem o suficiente fraco como seu pai, a única coisa que podia esperar eram horas de escura dor.

Não tinha nada... As cartas do Will que Isabel havia enviado. Esqueceu a promessa que havia feito de ler. Sentou-se.

—Phipps!

Seu mordomo irrompeu apressadamente como se tivesse estado bisbilhotando todo o tempo. Phipps deu uma olhada às coisas esparramadas sobre o chão e se agachou para recolher.

—Deixa-o. Onde guardou o baú do Will? - inquiriu Ashby.

Phipps franziu o cenho pensativo.

—No quarto de cobertura. Eu farei trazer imediatamente.

Ashby colocou as coisas outra vez na caixa e a guardou no vestidor. Vários minutos mais tarde, dois criados trouxeram o baú do Will. Ele agradeceu e ordenou que se retirassem.

Ashby arrastou o baú até a cama e se sentou frente a ele. Querido Will. Algum dia devolveria o baú aos Aubrey, mas ainda não. Abriu-o e olhou em seu interior durante um longo momento. Ele mesmo foi quem guardou tudo ordenadamente. Ele enterrou o Will vestido com o maltratado uniforme que usara em Waterloo... como Will teria querido que fizesse...; e guardou o resto de seus pertences no baú, tudo o que tinha encontrado, inclusive a última carta que havia escrito a Isabel. O que estava procurando? Uma caixa com cartas.

Encontrou-a no fundo do baú. Respirou profundamente e abriu a tampa. Estava repleta de dúzias de cartas, manchadas e enrugadas; Will deveria ter lido dúzias de vezes.

Recostando-se contra as almofadas, começou com a que estava colocada no final de todas, e assim seguiu para frente. A redação de Isabel estava cheia de vida e de afeto, repleta de anedotas graciosas da vida diária em seu lar que refletiam a mesma essência de seu caráter. Encontrou a si mesmo rindo e estremecendo com seu relato sobre o percalço que sofreu o mordomo nas escadas como consequência de um experimento das gêmeas com sapos. Devorou o relato de sua apresentação na corte e desejou ter podido vê-la deslizando-se elegantemente vestida para festa; como uma jovem mulher, finalmente.

Seus olhos ficaram fixos nas linhas seguintes:

 

Essa noite sonhei que estava dançando uma valsa nos braços de um elegante hússar. Não você, Will; não faça caretas! Meu hussar era alto, elegante e seguro de si mesmo; de cabelo escuro e olhos cor azul esverdeados como o mar, mas não tinha rosto. Conhecia-o em meu sonho; embora ele não disse seu nome nem me mostrou o rosto. Um hussar misterioso.

Sua imaginativa e carinhosa irmã.

 

Isabel

 

Depois de cinco horas, e de ter dado conta de uma garrafa, Ashby fechou a pequena caixa e deixou cair à cabeça na almofada que estava nas costas. Will havia obsequiado um presente muito valioso, um repleto de esperança e de vida. Isabel realmente o amava; de maneira subjacente, estava implícito em cada uma das cartas que enviara a seu irmão. Will a manteve bem informada já que nos últimos quatro anos aproximadamente, justo depois do Sorauren, suas perguntas se tornaram mais insistentes. Releu a carta que afastara e deixado junto a ele.

 

Meu queridíssimo Will:

Sylvia Curtis me contou confidencialmente que se dispõe a viajar para a Espanha para cuidar de seu irmão. O regimento 18 participou de uma carga no Sorauren que resultou ser um campo de atrocidades, conforme o informado pela Sylvia, e do qual você não me há dito nenhuma palavra. Devo suplicar para ter notícias do Ashby? Estou muito preocupada e você guarda um estranho mutismo.

Está ferido? Por favor, querido irmão, me escreva, porque não posso controlar a ansiedade. Se precisar de cuidados, devo viajar a Espanha com a Sylvia. Não deveria estar sozinho com seu sofrimento.

Pode necessitar de alguém que sustente sua mão.

 

O que tenha sido a resposta do Will havia feito desistir da viagem. Ó Deus Obrigado.

Não havia voltado a ser o mesmo depois desse episódio... e tampouco o era agora. Não depois de que ela irrompesse em sua vida como um sol abrasador, com a sutileza de uma descarga de canhões, fazendo que desejasse voltar a viver. Como podia renunciar a ela agora, quando já não podia seguir negando o desejo sempre escondido por ela, quando necessitava sua calidez como todos necessitam a luz do sol para subsistir? Precisava fazer algo para recuperá-la. Infelizmente, sua nova resolução não mudava os fatos de que seu rosto estivesse longe de ser bonito, e de que uma bala de sua pistola tivesse terminado com a vida do Will.

Colocou a pequena caixa no baú do Will, e depois passeou de um extremo a outro do espaçoso quarto perguntando-se se um homem precisava afundar até as profundidades mais escuras de sua mente para se dar conta de que já não desejava seguir assim. Se não tivesse a capacidade de sair por si só, era melhor que começasse a viver, porque tampouco havia mais tolerância para a dor. "Não mais dor", repetiu decisivamente, arranhando o tapete ao relembrar seu primeiro encontro com Isabel. "Você é o homem mais amável, mais generoso que conheci. "Não acredito que alguma vez, nem por nenhuma razão, pudesse perder seu sentido de humanidade".

Possivelmente a maneira de se sentir humano outra vez era converter-se no homem que Isabel acreditava que era. "Você é responsável pelas mulheres desses amados defuntos. Não acredita que seus homens poderiam esperar de você que fizesse algo por suas famílias? Tanto você como eu temos muito que dar, e é nosso dever fazer". Isabel estava certa em ambas as coisas. O abuso egoísta de sua fortuna como jovem conde só havia trazido desgraça na vida. Ao doar as cinco mil libras havia sentido profundamente recompensado, por isso se estava se sentido tão ferido com a negativa da Isabel para aceitá-lo.

Deu-se conta de que na verdade desejava ajudar a essas desafortunadas mulheres, se não de forma direta, ao menos por meio da Isabel. Seus soldados o seguiram até mesmo no inferno.

Não era seu dever tirar suas famílias do inferno em que viviam?

Estimulado pela decisão tomada, chamou o mordomo.

—Milord? - Phipps colocou a cabeça pela porta.

—Pode voltar a colocar o baú no quarto de cobertura, e diga ao Cook que quero faisão e maçãs para o almoço - embora fosse quase hora do jantar, seus criados estavam acostumados aos estranhos horários de seu amo. - Pensando melhor, comerei carne e batatas. Estou esfomeado.

—Está? - o tom em que Phipps formulou a pergunta fez levantar a sobrancelha em gesto inquisidor, ao qual, Phipps, parou firme e respondeu. - Sim, milord.

—Há outra coisa. Tenho uma missão para você - mal pôde conter um sorriso sardônico quando seu mordomo ficou disposto em posição de sentido. - Sei que conta com espiões que rondam por todo Mayfair.

Averigua tudo o que possa sobre a senhorita Aubrey. Sabe o que me interessa saber - adicionou cortante.

—Muito bem, milord - seu mordomo sorriu.

Ashby pôs os olhos em branco.

 

Isabel e Lucy estavam empacotando para a próxima festa no Haworth Castle quando Norris apareceu na soleira da porta.

—Senhorita Isabel, tem uma visita.

Isabel tratou de ignorar o brusco salto que deu o seu coração.

—Quem é?

—Lorde John Hanson.

Sustentou a respiração que tinha contido.

—Por favor, conduza-o à sala de estar.

Era a quarta vez que John a visitava desde a festa dos Barrington. Levou ela de passeio no Hyde Park, acompanhou ela a um recital de música, e compareceu a uma de suas reuniões das sextas-feiras.

Além disso, insistiu em dançar com ela em todas as reuniões às que haviam comparecido. Em realidade, precisava admitir que estava se afeiçoando ao Anjo Dourado. Podia não ter o poder de derretê-la com o olhar, ou de fazer que o coração batesse as asas emocionado; mas como dizia Íris, era arrumado, inteligente, afável, cortês, além de possuir um grande sentido de consciência social...

Aceitou gentilmente ler a proposta de lei e declarou que era uma "estupenda demonstração de talento" ... e era inegavelmente arrumado.

—Bom dia, John - entrou graciosamente na sala de estar e estreitou a mão para saudá-lo.

—Você me tira a respiração, minha encantada Isabel - murmurou, tentando beijá-la na face.

Isabel se afastou frustrando sua tentativa.

—Norris, seria tão amável de pedir a minha mãe que nos acompanhe? E nos envie o chá.

—Muito bem, senhorita Aubrey - Norris deixou a porta aberta.

Isabel se sentou na cadeira que estava em frente ao sofá que ele ocupava, frustrando a esperança do John de que se sentasse junto a ele. O cortejo não implicava contato. Em seu interior, sentia-se irritada por ser tão meticulosa com um cavalheiro da reputação do John depois de ter quebrado flagrantemente as regras com o Ashby, mas não podia forçar-se a desejar a proximidade do John, como tampouco tinha podido conter-se com o Ashby. Desejava e tinha a esperança de obter que seus sentimentos mudassem com o tempo. Toda sua família estava encantada com a possibilidade desse compromisso, e ela sabia que Stilgoe não permitiria escapar do laço tão facilmente esta vez. Se John se declarasse, teria que aceitá-lo, não teria escapatória possível. "Pensa nas possibilidades sociais e nos bebês loiros", disse a si mesma e sorriu.

—Tenho menos de uma hora antes que o Parlamento se reúna, mas vim a assegurar que eu...

—John deu uma olhada à porta aberta e baixou a voz para sussurrar - estou me esforçando para conseguir as folhas de pagamento. E... - deslizou a mão brandamente assinalando o lugar junto a ele no sofá.

Isabel percebeu o convite tão óbvio, e como quase estava caindo da cadeira para poder escutar suas palavras, dispôs-se a ficar de pé...

—Senhorita Aubrey - a voz de Norris fez ter um susto. - Tem outra visita.

—Quem é, Norris? - perguntou muito formal, sentando rígida em seu lugar de novo.

—O major Macalister. Insiste em falar um momento com você.

Depois da confissão de Íris, Isabel se negou a recebê-lo três vezes. Se tivesse sido Paris Nicolas Lancaster no sofá em frente a ela, poderia ter considerado a possibilidade de pedir ao major que se juntasse a eles, embora só fosse provocar o ciúme do conde, mas John estava sendo muito claro em seu interesse por ela. Mesmo que tivesse apaixonada pelo John - coisa que não estava, não teria a necessidade de pressioná-lo com a presença de um potencial rival.

—Por favor, informe ao major Macalister...

—Que pode ir ao demônio - uma voz grave terminou a frase, e um instante depois, apareceu a figura do Ryan junto a Norris. Olhou-a nos olhos. - Continue. Diga-me isso na cara.

John ficou de pé bruscamente.

—Verá você, soldado. A senhorita Aubrey claramente há dito...

Desviando do arrependido mordomo, Ryan entrou na sala, imponente com seu uniforme de hussar, e se deteve um passo do L. J, Isabel ficou de pé de um salto e se apressou para interpor-se entre ambos.

—Sem brigas - advertiu - ou eu me retirarei imediatamente.

O olhar frio de Ryan percorreu o magro corpo do John e depois cravou seu olhar nos olhos, que o desafiavam de uma altura mais baixa.

—Jamais brigo com homens que têm a metade de meu tamanho.

Era um exagero, é obvio, mas deu no prego. John se via próximo de sofrer um ataque.

—Major Macalister! - Isabel o fulminou com o olhar. - Insisto em que se retire imediatamente.

Ryan a olhou com seus olhos celestes cheios de arrependimento.

—Cinco minutos de seu tempo. Depois irei pacificamente e jamais voltarei a incomodá-la.

John colocou os punhos na posição de boxe que estava acostumado a praticar com o Stilgoe no Gentleman's Jackson, e disse com a voz carregada de rancor:

—Retire-se agora mesmo!

Isabel apoiou uma mão sobre o punho fechado e com tom apaziguador lhe disse:

—Obrigado por me defender, John, mas a sessão do Parlamento está por começar, e não vejo risco algum em conceder a um herói do Waterloo cinco minutos de tempo.

John apertou os lábios.

—Posso deixar de assistir à sessão...

—Por favor, John - Isabel sorriu. - Por mim.

—Muito bem - John se dispôs a partir. - A terei em exclusividade na próxima semana.

Isabel o acompanhou até a saída agradecendo novamente sua louvável paciência, e esta vez não esquivou o rápido beijo de despedida que ele deu na face. Ryan também a seguiu à planta baixa.

—Daremos um passeio, parece bem para você? - perguntou cordialmente. Isabel pediu a Lucy o xale e o chapéu; e seguiu Ryan à vereda, com a Lucy a poucos passos dela.

—Já não agrado muito você, não é certo? - Ryan sorriu tristemente oferecendo o braço. - Sei o motivo, e essa é justamente a razão pela qual necessito cinco minutos de seu tempo.

Por uma questão de cortesia, Isabel aceitou o braço para caminhar junto a ele pela rua.

—Não acredito que seja para mim a quem você deveria estar importunando, major - respondeu secamente.

Ryan deixou escapar um mortificado suspiro.

—Acredita que eu não tentei? Íris não quer me ver, há-me devolvido todas as cartas sem abrir... Surpreende-me que não as tenha queimado.

Isabel não estava totalmente segura de que a decisão de não recebê-lo ou de devolver as cartas sem abrir tivesse sido de Íris, mas guardou a presunção para si mesmo.

—Você deseja que eu leve a Íris uma mensagem de sua parte.

Ryan se deteve e a olhou de frente.

—Devo vê-la. Necessito - passou a mão pela abundante e ondulada cabeleira castanha. - Preciso me desculpar com Íris. E ela necessita que eu apresente minhas desculpas.

Isabel levantou a sobrancelha com um gesto inquisidor.

—Foi por isso que a insultou no Almack's?

—Ela me aferroa. Sempre o faz - amaldiçoou entre dente. - Sempre o fez.

Isabel o olhou penetrantemente.

—Você a ama ainda, não é assim? - depois de seu prolongado silêncio, ela continuou. - Posso te fazer uma pergunta, Ryan?

—Você pode me perguntar o que deseja Isabel.

Sua resposta a induziu a perguntar por que abandonou Íris na cabana. Mas reconsiderando, decidiu não se intrometer. Era uma pergunta que devia Íris fazer.

—Nosso breve flerte foi um prelúdio para chegar a ter esta conversação? - deu uma olhada desaprovadora.

—Sim e não - um sardônico sorriso iluminou o rosto arrumado. - Sim, porque quando a vi sentada com Íris, tive a esperança de poder me desculpar com ela por mediação sua. E não, porque meu convite para tomar um sorvete obedeceu a que você é extremamente atraente e eu estou decidido a terminar com meu celibato; além da questão que ambos sabemos: Íris é uma mulher casada. Com isso respondo a sua pergunta?

Reataram a caminhada ao longo da rua.

—Serei franca com você, Ryan - disse Isabel.

—Por favor.

—Isto é estritamente entre você e eu.

—Você está esperando que se declare o pugilista loiro.

Ela riu, e depois franziu o cenho.

—A situação é distinta, temo eu. Se John se declara, serei obrigada a aceitar. Minha família já não tolerará uma nova rejeição por minha parte.

—Mas... Você não o ama - deduziu ele acertadamente.

—Não ainda, não.

—Seu coração pertence a outro? - diante de sua falta de resposta, ele fez um gesto negativo com a cabeça desaprovando seu desatino, supôs Isabel. - Isso coloca a ambos na mesma situação.

Ambos temos a esperança de nos apaixonar milagrosamente por... outra pessoa - seguiram caminhando em silencio até chegar à esquina, depois deram a volta e começaram a retroceder o caminho percorrido para retornar à casa. - Suponho que não poderia contar com seu consentimento para cortejá-la um pouco tão somente? Para oferecer alguma concorrência ao presunçoso? - olhou-a com interesse.

Isabel sorriu para ele.

—Está conseguindo que me resulte muito difícil te dizer que não, Ryan, mas devo fazê-lo. Íris é minha melhor amiga e por nenhuma razão quero ferir seus sentimentos. Além disso, acredito que faria falta um milagre para que nos apaixonássemos um pelo outro, sabendo o que sentimos ambos em realidade. Ao menos com alguém distinto, poderíamos nos fabricar ilusões de que não está tendo saudades de outra pessoa.

—Tem razão. Mesmo assim, eu gostaria que seguíssemos sendo amigos.

—Está bem, mas não espere minha lealdade quando estiver em jogo algo relacionado com Íris.

—Parece-me justo - assentiu ele. Chegaram à porta de entrada da casa da Isabel. - Acredito que meus cinco minutos terminaram - sorriu Ryan. - Será tão gentil de fazer chegar minhas desculpas a Íris?

—Não, mas eu entregarei uma carta de sua parte, se você desejar.

—Obrigado, por tudo - enviou um beijo com a mão. Um momento depois montou seu cavalo e se afastou.

Phipps conseguiu obter abundante informação. Ashby não se surpreendeu ao inteirar-se de que Isabel era a consentida da aristocracia, reconhecida e respeitada por seus conhecimentos e opiniões.

Não se sentiu tão agradado ao saber que era perseguida pelos filhos das figuras mais destacadas da sociedade. Por que ela iria querer a alguém maltratado como ele, treze anos mais velho, que não havia feito nada em sua vida salvo causar estragos, nele como em outros, e parecia uma grotesca criatura de pedra esculpida em uma catedral?

Precisava limpar a cabeça e procurar uma estratégia para recuperar Isabel. Calçou um par de botas e abandonou o quarto. Geralmente saía para cavalgar depois de meia-noite, quando Londres estava mais tranquila, mas se ficasse na casa um segundo mais, enlouqueceria. Baixou com passos lentos a escada, pegou ao passar um par de maçãs da cozinha, e se dirigiu aos estábulos. Héctor saltava a seu redor excitado diante da perspectiva de um passeio mais cedo do que o previsto. Ashby aplaudiu a cabeça.

—Tranquilo velho. Não queremos atrair a atenção de curiosos, verdade?

O estábulo estava iluminado por uma só luz. Apolo lançou um bufo impaciente quando entraram em seus domínios.

—Do que te queixa? - deu ao potro uma maçã e ele mordeu a outra. - Logo estará no Ashby Park brincando de correr com belas potrancas. Minha diversão se reduz a um bom rodeio e a uma maçã.

—Apolo sacudiu a cabeça e mostrou os dentes. - Tampouco tem que desfrutar - murmurou Ashby.

Um dos moços de estábulo entrou correndo.

—Milord, enviaram-me para que selasse ao Apolo.

—Eu farei Billy. Pode retornar a seu jantar.

—Bem, obrigado, milord - o moço de estábulo fez uma reverência e desapareceu tão rápido como apareceu.

Ashby acariciou o brilhante pescoço do Apolo.

—Preparado?

O imponente animal mostrou a garupa e não moveu um músculo até que Ashby ajustou a cela. Uma vez terminado, montou de um salto e inclinou a cabeça ao mesmo tempo que os três se dirigiam para o caminho da frente.

Ah, liberdade. Soltou o cabelo e este se colou como uma chicotada no rosto na noite ventosa. Ao incitá-lo com o joelho, Apolo girou para a esquerda e trotou em direção norte, afastando-se dos limites da cidade. Só quando estiveram a céu aberto, Ashby se inclinou para diante, afrouxou as rédeas e galopou a toda velocidade sobre o prado úmido, com o Héctor seguindo-o de perto.

Ashby fechou os olhos tentando rememorar esses dias na Espanha nos que o sol caía implacável sobre o rosto, sem o calor da batalha. Não pôde. Outra imagem aparecia recorrente: o de uma deusa deslumbrante materializando-se em plena noite, com os olhos brilhantes como estrelas, suplicando amor...

Horas mais tarde, coberto de transpiração, Ashby se surpreendeu de se ver frente a uma encantadora casinha que não vira fazia muito tempo. O jardim de rosas florescido ainda estava ali, e o banco.

Se pudesse voltar atrás no tempo, no momento em que Isabel o beijou com seus lábios vermelhos... Beijaria ela de novo, isso jamais o mudaria, mas sim tudo o que veio depois: tomaria outras decisões, faria tudo diferente...

Apareceu um carro e se deteve. Ashby conduziu o Apolo para trás para esconder-se na sombra das árvores. Viu um jovenzinho que agilmente saltou do carro e abriu a porta. Isabel saiu cobrindo o decotado vestido com um xale, não antes que Ashby jogasse um ardente olhar aos turgentes seios iluminados pela luz da lua.

—Que você se divirta no campo! - disseram umas vozes femininas do interior do carro.

—Verei vocês na próxima semana - respondeu Isabel alegremente. Deu uma olhada para a rua, e por um instante, Ashby acreditou que ela havia descoberto sua presença escondido entre as sombras.

Mas enquanto o jovem aguardava para acompanhá-la até a porta de entrada, ela pegou em sua bolsa, cantarolando uma valsa.

Sentou nos arreios e seguiu observando-a encantado. Tinha uma aura de feminina vitalidade que nenhuma outra mulher possuía. Sentiu-se embargado por um intenso sentimento de posse.

Um companheiro de armas confessou a ele uma vez, depois de vários goles, que para ele, sua mulher era como a luz de um farol que o guiava. Para o Ashby, que viveu tanto tempo escondido na escuridão, Isabel era um sol brilhante, abrasador; e ele estava cansado já de tanto frio.

—Maldição. Esqueci a chave - resmungou. - Terei que despertar ao Norris. Podem ir, estarei bem - se despediu do jovem, que voltou para o carro, e suas amigas partiram.

Ashby poderia ter estrangulado suas amigas por deixar ela de pé só em plena noite. Até o Mayfair tinha sua boa quantidade de ladrões e rufiões. Via-se tão doce e vulnerável de pé, à luz da lua, que desejou loucamente se aproximar sigilosamente e proteger ela dos perigos que espreitavam na escuridão.

Sem prévio aviso, levantou a vista e olhou fixa e diretamente para o lugar onde ele se achava. Ficou imóvel sobre os arreios. Embora pudesse ver as figuras dele e do Apolo, duvidava que pudesse identificá-lo. Ou sim?

Se fosse para ele, estaria perdido... veria o rosto, e ele perderia a oportunidade de deslumbrá-la antes de tirar a máscara... e entretanto, quase desejou que se aproximasse.

"Uma boa mulher entenderia... Veria mais à frente...".

Isabel deu as costas e se dirigiu como uma tromba para a porta de entrada. Esboçou um tênue sorriso ao ver que ela extraía a chave e abria a porta. A pequena ardilosa o viu e o reconheceu assim que tinha descido do carro. Estava enviando uma clara mensagem: estava furiosa com ele e não era provável que o perdoasse... a menos que ele elaborasse uma brilhante estratégia. Maliciosamente, sua atitude o agradou. A fúria era conveniente, muito melhor que a indiferença, e estava preparado para aceitar o desafio. Aguardou até ver que se acendia a luz da terceira janela à esquerda do segundo andar; depois se afastou ao trote, sentindo-se otimista.

Como Phipps tinha averiguado de vendedoras de leite, criados e outros informantes do Mayfair, parecia que Isabel finalmente cedera diante de sua família e concedeu que alguém - não ele é obvio - a cortejasse.

Embora não podia culpá-la, caiu como um chute no estômago que fosse John Hanson. O homem era uma ameaça para as jovens de fortuna e boa criação. Não era que Ashby fosse uma comparação de altruísmo e moderação, mas respeitava certas regras no que a mulheres concernia, e uma delas era que não manchava a jovens inocentes. No caso do Hanson, Ashby não estava tão seguro.

O homem estava desesperado. Quem poderia saber a que extremo chegaria se não conseguia o que queria tão rápido como o necessitava? A única coisa que precisava fazer Hanson era arrumar para que fossem descobertos em uma situação comprometedora, e Isabel, sem dar-se conta, estaria casada. Ashby desejava poder adverti-la sem parecer um hipócrita. Sabia muito bem que se alguém os tivesse descoberto na pracinha, ela teria estado obrigada a casar-se com ele e sua reputação teria estado arruinada, mas Ashby não queria uma noiva por obrigação; queria que Isabel fosse a sua cama com os olhos bem abertos.

Por isso mesmo, ele devia converter-se no melhor candidato, em todos os sentidos.

—Como ela esta saindo hoje? Disse que a festa não teria lugar até a próxima semana!

Phipps não tinha desculpa que dar.

—Me pendure, me açoite, declaro-me culpado dos cargos, milord. A informação que tinha obtido era incorreta.

Ashby passeou de um lado a outro de seu escritório, jogando para trás o cabelo e amaldiçoando a si mesmo por ter sido tão negligente. A noite anterior, enquanto Isabel estava se despedindo de suas amigas, esteve olhando o traseiro. Idiota. Agora jamais poderia cumprir com tudo o que se propôs. Wellington não voltaria para a Inglaterra até dentro de três dias. Maldição. Maldição. Maldição.

Teria que fazê-lo pessoalmente e esperar que tivesse suficiente peso no Ministério de Guerra.

—Muito bem, diga ao Halifax e ao Tomkins que venham, e tenha o carro preparado.

—Sim, milord - Phipps chamou a atenção com um sorriso.

Ashby se deteve.

—Limpe essa expressão presunçosa de seu rosto, maldito seja. Me recorda a uma tia velha.

—Você não tem uma tia velha.

Olhou para a porta fechada.

—Martin, você...?

"Maldição". Não podia formular a pergunta, e muito menos em voz alta, embora a incerteza o apressasse implacavelmente, curvando a alma e o espírito com temores e dúvidas. Sua leoa parecia decidida a desmascarar ele de uma vez por todas. Necessitava uma honesta opinião. Já que Will se foi, o único que ficava era Martin Phipps, o mais próximo que teve em toda sua vida de um pai, um tio, ou uma velha tia.

—Me olhe, Martin - ordenou asperamente. - Se fosse uma formosa e deslumbrante mulher, com um enxame de fulanos perseguindo você com propostas de matrimônio, escolheria passar o resto de sua vida com um odioso remendo de rosto como este? Seja honesto. Sei quanto você suaviza a verdade.

Phipps se beliscou o queixo... um bom indício.

—Devo dizer milord, que eu não o encontro defeituoso. Possivelmente me acostumei com o passar destes quatro anos.

—Mas a primeira vez que me viu, causou má impressão, horrorizou, revolveu o estômago?

Phipps franziu o cenho... um mau indício.

—Não foi horror o que senti, mas...

—O que? Qual foi sua primeira impressão?

—Tristeza, milord, pela dor que você sofreu.

Ashby o olhou descrença.

—Tristeza, não repulsão?

—Repulsão? - Phipps se via realmente confundido. E continuou tristemente. - Você era um jovem muito bonito, como lady Ashby, cuja beleza foi sem igual, que Deus a guarde na glória.

Agora, você é um homem arrumado, com as marcas de uma grande coragem.

Deus. Ashby pôs os olhos em branco, apertando os dentes. Necessitava a opinião de uma mulher, e não de mulheres experimentadas e afetas no dinheiro, ou nos presentes que o dinheiro podia comprar, ou a outras coisas com as que Isabel ainda não estava familiarizada.

—Estou preparado para receber ao Halifax e ao Tomkins, Phipps. Diga que se apresentem diante de mim de uniforme. Suponho que suas bagagens estão guardadas em boas condições?

—É obvio. Enviarei-os imediatamente - Phipps deu a volta e partiu da sala.

Ashby se sentou atrás da mesa. Colocou uma folha em branco frente a ele e afundou a pluma no tinteiro. Enquanto escrevia uma nota urgente ao secretário de Wellington, sua mente continuou fiando conjeturas e temores: e se tivesse êxito? Voltariam para o ponto de partida. Isabel seguiria querendo ver o rosto e, cedo ou tarde, inteiraria-se de como morrera Will.

Ashby teria que revelar tudo. Mas quanto mais tarde, melhor.

Halifax e Tomkins se apresentaram impecáveis e engalanados, como dois hussars dispostos para entrar em combate.

—Excelente - secou a nota e a dobrou, logo estampou o anel de selo sobre o lacre. - Levem esta nota ao secretário do duque de Wellington, no Ministério da Guerra. Aguardem até que entreguem algo para mim.

Pode levar um tempo, mas sob nenhuma circunstância voltem com as mãos vazias. Entendido?

Halifax deu um passo para diante para agarrar a nota.

—Sim, milord.

—Façam menção de meu nome em caso de que alguém apresente algum inconveniente. Recordem que vocês estão cumprindo ordens que não estão autorizados a discutir com ninguém, exceto com o secretário do duque—não previa nenhum inconveniente já que Wellington se negou a dar a ele a baixa do serviço com a esperança de que algum dia retomasse o comando; mas estava acostumado a tomar precauções para evitar inconvenientes.

—Peguem o carro. Durante o caminho de volta, não tirem os olhos de cima dos papéis que deverão trazer. Retornem diretamente para aqui. Entenderam tudo?

—Sim, milord.

—Bem. Agora me repitam tudo o que eu disse a vocês - quando ficou satisfeito de que suas ordens foram compreendidas e seriam cumpridas ao pé da letra, chamou um dos criados.

—Hardy, vá procurar ao senhor Brooks. Diga que necessito seus serviços imediatamente. Mas se assegure de mencionar que será bem recompensado por seu tempo. Espera - extraiu algumas moedas do bolso. - Aqui tem.

Tome um carro de aluguel e traga ele contigo. Agora vá.

Logo que Hardy deixou o escritório, Ashby começou a passear de um lado a outro. Esperava que a nota para o secretário do Wellington bastasse e não ter a obrigação de ir pessoalmente ao Ministério de Guerra.

A ideia de apresentar-se a plena luz do dia o inquietava além do razoável. Olhou as mãos trementes. Em que homem patético se converteu... um castigo pelos horrores que cometera.

Fechou os olhos para apagar as sangrentas imagens e gritos de dor que dificilmente se separavam de sua mente. Essas imagens que o perseguiam em seus pesadelos eram em sua maioria da morte de soldados britânicos e franceses. Algumas vezes, imaginava os rostos chorosos das mães francesas, amaldiçoando-o para que penasse em eterna condenação. Era estranho como nunca sonhou com mulheres inglesas acusando-o por guiar a seus homens à morte... e com elas era com quem estava mais em dívida.

Penitência. A palavra retumbou na cabeça incessantemente. Temeu pensar no que teria sido seu futuro se Isabel não tivesse despertado a consciência, entre outras coisas. Terminassem juntos ou não, Will sabia precisamente o que estava fazendo quando pediu ao Ashby que lesse as cartas. Resultava de algum jeito um consolo, saber que tinha à mão um bálsamo para suas torturas. Foi um idiota ao negar a ler sua proposta de lei. Poderia ter permitido compreender melhor o que era necessário para conseguir que fosse passada. Mas se tinha exasperado ao acreditar que ela necessitava dele.

Embora esse não fosse o caso. Apareceu em sua vida porque sentia falta dele, porque acreditava que estava apaixonada por ele. Seguiria sentindo o mesmo se descobrisse à verdadeira Gárgula?

 

—Tive o prazer de conhecer seu falecido irmão em uma ocasião - disse em voz baixa lady Olivia, ao unir-se a Isabel no sofá do salão, onde estavam todos reunidos antes do almoço.

Desde sua chegada ao Haworth Castle três dias atrás, Isabel chegou a formar uma opinião extremamente desfavorável da irmã do John, mas a desagradável alusão a seu "falecido irmão" a tirou do sério.

Olivia poderia ter se referido ao Will como o major Aubrey, como todo o resto o fazia, mas Olivia era incapaz de dizer algo que não tivesse uma intenção injusta. A gélida rainha sem alma era tão formosa como seu irmão, com seu mesmo cabelo dourado e luminosos olhos celestes. Também era presunçosa, aborrecida e cruel. Isabel preferia que o iceberg pusesse rumo a congelar a outro.

Só por estar junto a ela tagarelavam os dentes.

—Um amigo mútuo nos apresentou - o iceberg sorriu. - Outro oficial do regimento.

—Sério? - Isabel deu uma olhada ao relógio do suporte da lareira, perguntando por quanto tempo mais os criados teriam a intenção de matá-los de fome. Freddy e Teddy se viam dispostas a começar a morder os móveis.

Com uma manipulação de suspense digno de um dramaturgo apareceu na soleira Tobias, o mordomo, para anunciar pomposamente:

—Sua Excelência, o almoço está servido.

—Obrigado, Tobias. Teriam a bondade de me acompanhar ao salão? - propôs o grisalho duque de Haworth oferecendo o braço a lady Hyacinth, e todos outros os seguiram formando uma procissão protocolar: os pais de John, lorde e lady Hanson; Stilgoe e Angie; Olivia e seu marido, o visconde de Bradford; John e Isabel; Teddy e Freddy; e por último, mas não por isso menos, Danielli e sua babá.

O duque os guiou até o exterior da casa, onde os criados tinham estendido várias mantas sobre a grama e preparada uma mesa e cadeiras para as pessoas mais velhas.

—Já que a temporada está em seu esplendor - disse o Duque-decidi que minhas hóspedes mais jovens não deveriam ver-se privadas do excelente clima, portanto, pedi a Tobias que nos preparasse uma refeição ao ar livre. Confio em que desfrutem.

—Que excelente ideia! - exclamou a mãe da Isabel. - Uma refeição no campo que pertence a você. Realmente, Oscar, superaste a você mesmo.

—Obrigado, madame. Provindo de você, é um completo encantador.

Logo que todos estiveram sentados, criados de libré estavam em torno deles servindo vinho, limonada, sanduíches de frango acompanhados com carnes, queijos e bolos doces.

—Que extenso é seu campo, Sua Excelência - comentou Stilgoe, aceitando uma taça do Hock.

O parque que os rodeava era verdadeiramente espetacular, pensou Isabel. Tinha chovido durante os três primeiros dias, obrigando-os a permanecer encerrados; mas finalmente, o sol brilhava iluminando a imponente extensão de grama verde, embelezado com trabalhados de pedras de flores cultivadas, carvalhos, sebes podados artisticamente, e um majestoso lago azul e permitindo apreciar realmente a soberba e frondosa extensão. A casa, de algum jeito, a desiludiu.

Embora ampla não era grandiosa, nem estava bem mantida, tanto a fachada como a parte interior; em particular a última estava extremamente deteriorada. John trabalhou em excesso em explicar que seu excêntrico avô desprezava todo tipo de mudança. Mas em sua opinião, poderia evitar o pó e as aranhas das paredes. Entretanto, suas suspeitas sobre a situação econômica da família desapareceram ao ver os esforços realizados no cuidado da parte externa.

Danielli engatinhou até onde estavam Isabel e suas irmãs gêmeas, que afastou os pratos para pular com a pequena. Isabel deu uma olhada ao John, perguntando-se como seria como pai. Ashby seria um pai magnífico... para os meninos de outra mulher. Deixou escapar um suspiro desconsolado. Realmente era necessário que deixasse de pensar no Ashby. Encontrou tão extremamente perturbador como desconcertante o fato de que em menos de duas semanas, todas as lembranças desagradáveis tivessem esfumado e sua mente só se aferrasse aos momentos arrebatadores que compartilharam na pracinha.

Jamais tinha pensado que um homem podia despertar tal amontoado de sensações em uma mulher, ou que ela fosse capaz de aceitar tais intimidades antes que os votos maritais se formalizassem.

Mas em seu coração, em sua mente e em sua alma, Isabel se entregou ao Ashby muito tempo atrás. Por essa razão, quando ele a chamou para encontrar-se na pracinha, e havia dito que a desejava, ela acreditara tolamente... que ele sentia o mesmo.

—Veem conosco de caça depois do almoço - lhe disse Bradford, o marido da Olivia, ao Stilgoe. - É um esporte divertido ao ar livre e podemos praticar em toda a extensão da propriedade.

Quando se encontrava em estado normal, Bradford parecia amigável com o John, mas isso ocorria só durante parte do dia e antes de dar conta de uma garrafa, de várias em realidade...

Já que depois, não estava em condições de aparecer até a entrada da tarde do dia seguinte. Entretanto, a Olivia não parecia se importar. Isabel não os viu prestar atenção mutuamente, muito menos dirigir palavra.

Não era a classe de matrimônio com o que ela sonhava.

Stilgoe deu um olhar afligido.

—Obrigado pelo convite. Entretanto, temo que deva decliná-lo. Izzy me mataria se me atrevesse a apontar com uma arma a uma criatura indefesa.

—Nesse caso, eu também abandonarei esse esporte - declarou John e foi recompensado com um sorriso de aprovação da Isabel. Sentia-se agradecida por seus esforços para agradá-la.

Não a envenenava com extravagantes ninharias como leques, chocolates e demais; mas sim prestava atenção a pequenos detalhes.

—Entretanto, gostaria de percorrer a propriedade - adicionou seu irmão reconsiderando o convite formulado. - Cultivam algodão ou cevada? No Stilgoe Abbey estivemos experimentando com...

—Enquanto Stilgoe se espraiava entusiasmo sobre seus projetos de agricultura, nem o duque nem John contribuíram nada ao monólogo de seu irmão. Como se não se interessasse sua propriedade. Estranho na verdade.

—Caminhar sem rumo não resulta divertido - demarcou Bradford petulantemente agarrando uma garrafa de vinho de um dos criados. - E se não tiver possibilidade de praticar outros esportes. Os cavalos não são...

—Poderíamos jogar boliches! - contribuiu com Freddy contagiando o entusiasmo a sua irmã.

Teddy ficou de pé de um salto, agitando as saias curtas de cor rosa.

—OH, sim! Faremos ali! - assinalou um setor plano do parque, de improviso... a terra começou a tremer.

—Que demônios... - Stilgoe ficou de pé, ao mesmo tempo que sua esposa se precipitou para proteger Danielli.

—OH, Deus! - Hyacinth gritou levando-as mãos ao peito. - Um terremoto! No East Sussex!

—Não é um terremoto... - tentou explicar o duque quando bruscamente apareceu um cavaleiro cruzando a toda velocidade o parque, não longe de onde se achavam. Com o corpo inclinado sobre o pescoço brilhante do puro sangue negro, a camisa branca cheia pelo vento, a cabeleira negra agitando-se tão grosseiramente como a crina do cavalo; cavaleiro e corcel se viam como uma figura indivisível cujos cascos, faziam mais que galopar, parecia roçar o chão. Isabel nunca antes vira uma demonstração de destreza em equitação tão soberba, embora crescesse entre destros oficiais de cavalaria.

—É um conhecido demônio destes lugares... ou estava acostumado a sê-lo - disse Haworth e deu uma olhada fulminante a sua neta. - Tola mulher.

Isabel estava muito deslumbrada pelo extraordinário cavaleiro para se preocupar com a reação tensa do iceberg, que ficou boquiaberta. Havia algo que resultava terrivelmente familiar na figura do homem, mas não podia entender por que se acelerou dessa maneira o pulso.

—Vi antes essa destreza singular - Stilgoe se ecoou de seus pensamentos - mas não posso recordar...

O duque deu a resposta.

—É Ashby, nosso vizinho. Ninguém domina o cavalo como ele. Quando era um menino de apenas dez anos podia cavalgar como o vento. Um homem notável, sem dúvida.

Isabel ficou sem respiração.

—Ashby? - gemeu, procurou os olhares preocupados de sua mãe e de seu irmão. Ignorou, concentrando a atenção no cavaleiro que não usava máscara, mas cujo rosto era impossível de distinguir a tão grande velocidade.

O coração pulsava tão disparado que parecia que ia sair do peito. Ashby estava ali.

—Cresceu selvagem e se converteu em um salafrário e desordeiro depois da morte de seus pais em um acidente - continuou o duque. - Um rebelde gastador que arruinou metade da herança além de ficar nos círculos mais dissipados, maculando o bom nome de seu pai. Ficou uma ou duas vezes em apuros, mas com meu guia e sua inteligência, deixou de esbanjar sua juventude, e com o tempo aprendeu a comportar-se.

Conseguiu uma comissão quando Boney invadiu Portugal e se converteu no mais jovem e mais distinto coronel que tenha comandado o Regimento 18 do Hússars de Sua Majestade - ponderou cheio de orgulho o duque.

—Ganhou a taça de ouro em todas as competições de cavalaria nas que participou do Continente durante os anos que durou a guerra. Algum dia será um bom marido para alguma mulher sensata.

—O que tenta fazer? - chiou lady Hanson, ao mesmo tempo que Olivia ficava de pé tensa e se dirigia rapidamente para a casa. - Como se atreve a mostrar seu assustador rosto aqui depois do que ele fez?

—Tem todo o direito de fazê-lo, madame! - vociferou o duque. - Se sua filha não teve o dom de...

John se aproximou para sussurrar algo no ouvido do duque que fez grunhir a seu avô e foi atrás de sua irmã com passo irado.

—Liv, espera! - chamou ela antes de desaparecer no interior da casa.

—Espero que esteja satisfeito, senhor! - espetou bruscamente lady Fanny e partiu indignada para a casa, arrastando com ela seu inocente marido. Aborrecido da cena, Bradford pegou uma garrafa e se afastou despreocupado.

O velho duque de Haworth ficou tão sobressaltado como um general a quem desertaram suas tropas. A mãe de Izzy segurou no braço dele e insistiu a ficar de pé.

—Veem Oscar querido. Já desfrutamos o suficiente do sol por este dia. Por que não me mostra sua coleção de selos que me falaste até não poder mais?

A doce voz de Angie rompeu o silêncio que sobreveio.

—Levarei a Danielli para casa. Minha menina não tolera os gritos sem sentido. E, além disso, deve dormir sua sesta. Vem, Charles?

—Sim, meu amor - Stilgoe elevou a sua filha nos braços, e depois apoiou a mão nas costas de sua miúda esposa. Juntos, a pequena família de três membros foi para o interior da casa.

Isabel ficou sozinha com as gêmeas. Ficou de pé, segurando elas nas mãos.

—Vamos.

—Mas nós queríamos jogar boliches! - protestou Teddy, arrastando os pés.

—Para já com isso - espetou Isabel, e em voz mais baixa disse: - vamos andar um pouco, e jogaremos às escondidas.

 

Elas pararam em frente ao atalho de quase uma milha de comprimento e ficaram olhando extasiadas a branca mansão.

—Deve ser mil vezes mais rico que o velho desajeitado do Haworth - murmurou Teddy assombrada, repetindo em voz alta o que Isabel estava pensando. A propriedade do Ashby era enorme, sua clássica imponência se estendia em uma sequencia de colunas coríntias e janelas palacianas.

—É muito velho, Izzy? - perguntou Freddy.

—Tem trinta e cinco anos - comunicou Isabel, dominada pela tensão ao estar tão perto.

Teddy encurvou os ombros ao mesmo tempo que proferia um assobio.

—Maldição! É mais velho que Matusalém!

Isabel olhou divertida a uma e outra irmã.

—Não se lembram dele? Estava acostumado a nos visitar bastante frequentemente - adicionou nostálgica. - Ele era amável e divertido...

—E diabolicamente arrumado em seu uniforme azul - adicionou Freddy imitando o tom de voz nostálgico da Isabel. - Fique com ele você. É muito velho para nós e não podemos desperdiçá-lo com nenhuma estranha.

—Ah, então o recordam realmente - sorriu Isabel. Era importante para ela por alguma razão indefinida.

—É obvio - Teddy pôs os olhos em branco com essa expressão típica de Izzy de "não seja ridícula". - Sempre teve o engano de achar que Ashby pertencia somente a você, Izzy.

—Nunca tive esse equivoco - respondeu Isabel mal-humorada, com o rosto avermelhado.

—Não é que culpamos você - meditou Freddy em voz alta. - Ashby era inclusive mais arrumado que L. J., com seu estilo mais moreno, e muito mais divertido. Deve ter sido terrível para ele converter-se em uma gárgula...

—O que? - gritou Isabel. - Como podem saber algo disso?

—Escutamos as fofocas como qualquer outro. Só que não andamos espalhando por aí porque somos inteligentes e discretas - Teddy jogou a cabeça para trás agitando a juba ondeada imitando o gesto de chateio característico de sua mãe.

Isabel suspirou desanimadamente. É obvio que John não podia se comparar com o Ashby. Uma corrente de lembranças a invadiu. Ashby jantando com sua família, Ashby sem camisa em seu porão, lixando as tábuas de madeira, Ashby dançando a valsa com ela à luz da lua, chamando-a de "doçura", beijando os seios...

"OH, Deus". Aí estava outra vez, sonhando acordada com ele novamente. Mas como podia esquecer esse brilho possessivo e faminto de seus olhos que demonstravam que a desejava? Ao demônio, contudo.

Sua obsessão estava começando a cansá-la. Tinha um perfeito cavalheiro esperando por ela. O que poderia esperar realmente ao alimentar essa obsessão insana senão maiores tristezas e converter-se em uma solteirona?

—Iremos andar ou não? - Teddy deu nela uma cotovelada. - Quero ver o rosto dele.

Era o que também queria Isabel, embora o sentido comum dizia a gritos que desistisse dessa idiotice e retornasse a Haworth Castle. Sua maldita curiosidade por vê-lo sem a máscara a impulsionou a seguir adiante.

—Recordem, estamos aqui só para bisbilhotar, portanto ficaremos quietas atrás dos arbustos. Entenderam? - suas irmãs assentiram juntas. - Devem me prometer que farão exatamente o que eu diga e que não causarão nenhum problema.

—Sim, sim, não causaremos nenhum problema, só um pouco de saudável bisbilhotice - prometeu Freddy contendo a respiração.

—Temos que localizar os estábulos - as apressou Isabel para que saíssem do caminho.

Ocultando-se entre os arbustos, espiaram ao redor da casa cuja estrutura tinha uma forma simetricamente quadrada, com quatro entradas idênticas mantendo uma fachada de estilo uniforme; finalmente, divisaram o pátio do estábulo.

Uns momentos mais tarde, apareceu Ashby em seu cavalo ao galope, saltou o cerco e segurou a rédea dirigindo-se para o pátio do estábulo. Estava sem a máscara, mas seu comprido cabelo, úmido de transpiração, se pegava ao rosto ocultando a aparência. Com movimentos ágeis desmontou do cavalo e sacudiu o cabelo, ao mesmo tempo que seu lustroso puro sangue fazia o mesmo com a crina negra.

A fina camisa se pegava às costas transpiradas. "Demônios" pensou Isabel, por que ele precisava dar as costas?

—Gavet! - chamou Ashby, e um moço de estábulo saiu disparado levando uma terrina e um banco. Gavet colocou o banco junto ao potro e ofereceu um punhado de cenouras. Depois agarrou uma escova e começou a escovar a pele brilhante do animal. - Você vai fazer?

—Sim, milord. Encarregarei-me de que Apolo fique bem escovado e que depois tenha uma boa comida. Amanhã estará em excelentes condições para que apresentemos às éguas.

Ashby riu entre dentes e, para o assombro de Isabel, tirou a camisa úmida por cima da cabeça. Teddy e Freddy lançaram um gemido ao uníssono. Isabel cobriu as suas bocas com as mãos.

—Entrarei só um momento, e depois virei a ajudar - disse Ashby em voz alta.

—Me ajudar, milord? Posso assegurar...

—Sim, estou seguro de que pode cuidar do Apolo perfeitamente, mas de todo jeito eu gostaria... de fiscalizá-lo.

Colocando a camisa sobre um ombro, Ashby se encaminhou a grandes passos para a casa.

Seu corpo musculoso era ainda mais deslumbrante à luz do dia: nem um grama de gordura, musculoso e de pele lisa, com ombros largos e um firme e esbelto traseiro. Isabel se excitou ao recordar como se sentia essas costas gloriosamente esculpidas sob suas carícias. O problema era que os sentimentos que despertava amadureceram até converter-se em um profundo desejo.

Phipps saiu da casa, caminhando com rumo definido para o pátio. Não se deteve, caminhou diretamente para onde se achava Isabel escondida com suas irmãs.

—Senhorita Aubrey - a chamou antes que ela pudesse perceber o que acontecia e tentar escapar pelo caminho. - Senhorita Aubrey - rodeou o arbusto e permaneceu de pé frente a ela, resfolegando.

—Milord quer que faça chegar seu amável convite para que você o acompanhe a tomar uma taça de chocolate e bolachas no salão.

Ela ficou pálida, mortificada até o inexprimível por ter sido pega com as mãos na massa, bisbilhotando atrás dos arbustos. Como se atrevia a supor que ela queria sua companhia, amável ou não!

Um nabo! Crispada, disse-lhe:

—Nós...

—Estamos encantadas! - apareceram as gêmeas e se dirigiram a toda pressa para a casa.

—Frederica! Theodora! Voltem imediatamente!-gritou Isabel, em uma mescla de fúria e pânico. Ela não estava disposta a entrar. De maneira nenhuma!

Ashby abriu a porta de seu quarto com tal ímpeto que a açoitou contra a parede. Retirou rapidamente as botas, as calças de montar e a roupa interior, deixando as vestimentas esparramadas no chão como uma esteira no caminho do banho. No instante em que viu os Hanson e os Aubrey aconchegadamente amontoados como moscas no parque dianteiro de Haworth Castle, soube que ela viria. Podia dar o crédito de que tanto o cálculo do tempo, como o planejamento e a execução de sua estratégia, foram perfeitos. Phipps foi um espião eficiente; e realmente merecia outra medalha. Ela inclusive chegou mais cedo do que previu. A gata curiosa era incapaz de resistir a oportunidade para apanhá-lo sem a máscara. Teria preferido que ela aparecesse em sua casa depois de escurecer. Mas isso também podia conseguir.

Se não conseguisse ter Isabel em seus braços esse mesmo dia, explodiria.

Dudley, seu ajudante de câmara, entrou correndo.

—Milord, preparei seu banho, mas... Ashby o olhou por cima do ombro.

—Bem - entrou na tina de cobre e saiu de um salto com os pés avermelhados. - Deus! Tenta me queimar vivo? Traz uns baldes de água fria. Agora mesmo!

Enquanto aguardava que o ajudante de câmara voltasse, arrojou uma pastilha de sabão na água fervendo e começou a esfregar o peito, os braços e as costas, com um sorriso brincando nos lábios. Veria Isabel de novo. Logo.

Dudley retornou com o Jim, um dos criados, trazendo baldes com água fria. Antes que pudessem constatar a evidente e embaraçosa excitação de seu corpo, Ashby agarrou uma das vasilhas e o arrojou por cima da cabeça.

—Maldição!

Tocou castanholas ao sentir o destemperado jorro de água gelada, mas ao menos serviu para afogar os sinais evidentes de luxúria. Passou sabão líquido no cabelo e entrou na água já morna, afundando todo o corpo, inclusive a cabeça, para enxaguar. A excitação que percorria as veias o fazia recordar a típica sensação de expectativa diante da iminência de entrar em combate.

Só que desta vez era imensamente mais agradável... pelo prêmio que presumia no final.

—Dudley, uma muda de roupa limpa! - resmungou entre dentes antes de afundar sob a superfície da água para enxaguar o sabão. Quando emergiu, Jim alcançou uma toalha de linho. Envolveu o corpo molhado nela com a eficiente presteza que tinha aperfeiçoado na Espanha, depois se dirigiu com rapidez a seu quarto, secando o cabelo com a toalha.

Dudley dispôs sobre a cama um casaco verde, um colete de seda marrom, umas amplas calças de montar... e se estava disposto para ajudar seu amo a vestir-se. Ashby se sentia rejuvenescido.

Enquanto colocava a roupa interior e as calças de montar, Dudley abotoava a camisa e o colete. E ao mesmo tempo em que Jim o ajudava com a jaqueta, Dudley atava a gravata com um nó oriental.

—Obrigado, isso é tudo - colocou um par novo de botas Hobys, e passou como um furacão entre ambos em direção ao espelho que pendurava sobre a cômoda. Penteou-se com os dedos e contemplou à criatura refletida no espelho. " Com ou sem?". Essa era a questão. O coração começou a bater rapidamente. "Com". Em uma das gavetas da cômoda encontrou as máscaras que havia trazido de Londres, todas similares a que tinha queimado.

—E você não ria! - disse-lhe à Gárgula do espelho. Escolheu a máscara verde e deixou o quarto. Enquanto percorria o vestíbulo lutou para amarrar os laços da máscara que ondulavam aos lados da cabeça.

Ainda tentando terminar de amarrar deteve-se bruscamente na parte superior da escada.

Um par de belos rostos jovens e idênticos, emoldurados com brilhantes cachos de um dourado acobreado, estavam observando ele do pé da escada com inocente curiosidade em seus olhos azul céu.

Freddy e Teddy. Maldição. Tinham-no visto, estava seguro. Deveria ter preso a máscara em seu quarto. Para seu alívio, não pareciam consternadas, nem angustiadas, nem horrorizadas. Meramente, intrigadas.

Ashby fez um gesto para que guardassem silêncio enquanto descia as escadas.

—Onde está sua irmã mais velha?

As bonecas de quinze anos vestidas de verde e rosa responderam ao uníssono:

—Fora.

Sorriu, recordando quão doce, encantadora e jovem, era Isabel quando se beijaram pela primeira vez no banco. Por Deus, realmente se comportou como um pervertido. Só que Isabel não parecia tão jovem como suas irmãs agora. Naturalmente, nesse tempo então, ele também era muito mais jovem e muito menos curtido, nesse aspecto envelheceu séculos. Inclinou-se para frente apoiando as mãos sobre os joelhos.

—Qual de vocês é Theodora e qual Frederica?

—Eu - responderam ao uníssono, sorrindo diante de suas tolices. Sentindo um tanto ridículo repetiu a pergunta formulada corretamente esta vez, e pôde inteirar-se que a do vestido rosa era Teddy, e a do vestido verde era Freddy.

—Sabem quem sou eu?

—É Ashby - Freddy mordeu o lábio sorrindo timidamente, enquanto enroscava um cacho no dedo.

—Lembramos de você - adicionou Teddy ruborizada. - Foi amigo do Will.

—É verdade. Podem guardar um segredo? - levantou contendo mal a risada quando elas dispensaram novamente um sorriso sardônico. - Proponho a vocês um trato.

Se me prometerem que não contarão a Isabel que me viram sem a máscara, tenho um presente muito especial para cada uma de vocês.

—Que presente? - perguntou Freddy maliciosamente, praticando com ele suas artimanhas de mulher em florações.

—É uma surpresa, mas para saciar sua curiosidade, prometo que é algo que sua mãe jamais te compraria, e indubitavelmente, desaprovaria rotundamente.

—Trato feito - Teddy estendeu a mão para selar. Ele estreitou as pequenas mãos, e saíram juntos da casa dirigindo-se para onde se achava Isabel de pé, com os lábios apertados e agitada.

Ashby sentiu uma punhalada no estômago quando seus olhos se encontraram. Deus, era tão formosa e desejável... e estava totalmente furiosa com ele. Fez uma leve reverência incapaz de afastar os olhos dela.

Fulminou com o olhar a suas irmãs.

—Freddy, Teddy, vamos!

—Nos prometeu algo - recordou Freddy docemente, ao mesmo tempo que se formavam encantadoras covinhas ao sorrir.

—Ou podemos nos voltar muito tagarelas - adicionou Teddy, a pequena chantagista.

—Aos estábulos - indicou um edifício exterior e foi atrás delas, que avançavam dando saltos. No caminho, parou junto à Isabel. A cor da musselina de seu vestido combinava com seus lábios apertados em careta de desgosto.

—Tenho algo para você também - engoliu com dificuldade ao aspirar seu perfume de baunilha. - Uma oferta de paz.

—O que está fazendo aqui? Acreditei que fosse um recluso, e que nunca abandonava seu lar.

—Ashby Park é meu lar - "e será o teu também, se me aceitar".

Negou-se a olhar para ele.

—Que coincidência que esteja em sua propriedade de campo justo quando estou passando uma semana na propriedade ao lado.

—Não é nenhuma coincidência. Segui você, Isabel.

Seu olhar encontrou por um fugaz instante o brilho intenso de seus olhos azuis.

—Não me ordenou em termos condenáveis para me manter longe de você? - espetou. - Me maltratou e me insultou, só porque eu queria ver o seu rosto.

—E mesmo assim aqui estamos. Não posso estar longe de você, e você tampouco - ele sussurrou. - Nos pertencemos um ao outro. Sofri um inferno durante as últimas duas semanas.

—O qual bem merece! - caminhou para suas irmãs.

Ele a agarrou no braço.

—Fui um idiota e reagi muito mal - murmurou. - Eu te peço desculpas por minha conduta, pelas coisas que eu disse. Não quis dizer nenhuma delas. Juro isso - enquanto seus olhos acariciavam o delicado perfil, distraiu-se com um cacho que escapou do penteado e ficou flutuando vulnerável na nuca; teve que esforçar para conter o desejo de beijá-lo.

Isabel levantou a vista e o olhou com o cenho franzido. Conseguiu liberar-se e se foi para onde estavam suas irmãs. Maldição. Se não pudesse controlar seu entusiasmo físico e oferecer uma decorosa desculpa, jamais poderia obter seu perdão. Apartando o devasso olhar de seu bem formado traseiro que se balançava frente a ele, seguiu às damas para o interior do estábulo.

A luz entrava pelas amplas janelas esquentando as baias, onde se achavam os mais finos potros puro sangue da Inglaterra devorando fardos de feno.

—Seu presente está no depósito de elementos da cavalaria que está lá no fundo - disse prevendo os gritos de alvoroço.

Não se viu desiludido. Logo que as três bonecas Aubrey entraram na pequena habitação, proferiram múltiplas expressões de júbilo. Sorrindo, Ashby as seguiu.

—Olá, Buttercup - se inclinou para acariciar a cadela que deitava feliz sobre uma manta rodeada de cinco cachorrinhos inquietos.

Teddy e Freddy caíram de joelhos, cheias de ternura.

—Podemos acariciá-los?

—Façam, por favor, e à mãe também. Teve um parto difícil.

Enquanto Isabel se sentava para acariciar a mãe, cada uma das gêmeas elevou um cachorrinho e o embalou perto do rosto.

—Por que os cachorrinhos são negros se Buttercup é dourada? - perguntou Freddy.

Ashby o deu uma olhada a Isabel.

—Você gostaria de responder essa pergunta?

—Seu pai é negro - explicou, e sem olhá-lo, perguntou. - Onde está Héctor?

—Héctor? - Freddy abriu os olhos de felicidade. - É o cachorrinho que deu ao Ashby anos atrás?

—Sim - respondeu Ashby ficando agachado atrás de Isabel, e percebendo como se esticavam as costas. - Héctor é o cachorrinho que Isabel me deu, quando eu ainda gostava. Está lá fora, em alguma parte, extremamente contrariado.

—Por que está contrariado? - perguntaram as gêmeas juntas.

—Os moços de estábulo deram nele um banho esta manhã. Algo que ele detesta. Virá a qualquer momento, a procura de uma carícia.

Quando Isabel o fulminou com o olhar por cima do ombro, ele sorriu e ficou de pé para abrir a janela. Assobiou e voltou a ficar atrás dela. Sabia o que estava fazendo. Até agora ela esteve levando as rédeas, e não podia evitar certa satisfação por ter tomado o controle da situação, perseguindo ele a ela, embora tivesse que valer-se de ardis pouco convencionais.

Héctor apareceu ladrando no depósito. Seus cachorrinhos saltaram de alegria movendo os rabinhos. Abriu caminho entre os machos e as fêmeas, lambendo-os, cheirando-os, recebendo suas carícias; e divertindo-se terrivelmente.

Finalmente, voltou junto a Buttercup lambendo-a possessivamente.

—Esta vendo? É uma família - Freddy suspirou com prazer.

Incapaz de resistir à tentação, Ashby deslizou um dedo pela sua coluna, enviando uma silenciosa mensagem. Ela se separou dele e recolheu o sexto cachorrinho, de cor dourada que permanecera atrás da mãe até esse momento.

—Este é igual à mãe - esfregando ao anelado cachorrinho retriever com ternura contra o queixo e disse. - Não tenha medo, meu pequeno.

Ashby não pôde evitar imaginar a Isabel mimando seu filho... e dele também. Deslizou o dedo por debaixo do pescoço, o cachorrinho ronronou e ele quase o imita, deu um disfarçado olhar.

—Ela tem seu nome.

—Minha mãe nunca permitirá que fiquemos com eles - disse ela com pesar. - E sabe muito bem.

—Acredito que tenho a solução - prometeu com uma piscada. - Confiem em mim. Sou um homem de muitas habilidades.

Héctor saltou para seus pés e guiou aos seis cachorrinhos ao pátio. Rindo alegremente, as gêmeas correram atrás deles, e Ashby ficou sozinho com a Isabel.

Quando ela tentou ficar de pé, agarrou-a pela cintura, inclinou por cima de seu ombro e a beijou. Ela gemeu, mas não o afastou. Ele se achava outra vez no paraíso, mas queria muito mais dela... toda uma vida de risadas e alegria, uma vida, algo que os Aubrey desfrutavam sempre em abundância.

Ela se virou, permitindo que saboreasse por um instante os luxuriosos segredos de sua boca, e o agarrou nos ombros, mas em vez de aproximá-lo para ela, afastou-o.

—Nunca volte a fazer isso outra vez! - olhou furiosa, com os seios se movendo agitados, e a veia do pescoço pulsando depressa.

Com fôlego pesado e quente, murmurou contra a face:

—Por que não?

—Sabe muito bem por que não! - resmungou irritada. Tentou novamente ficar de pé, mas ele a segurou fortemente. Ela se retorceu tentando liberar-se jogando a cabeça para trás.

—Não se afaste de mim - suspirou. - Sei que me ama. Você mesma me disse isso.

Seus olhos azuis se tornaram gélidos. Maliciosamente, espetou:

—O amor se apaga quando alguma coisa o altera.

—Não pode dizer a sério - engoliu com dificuldade ao mesmo tempo em que uma sensação de pânico o dominou.

—Não posso? - levantou uma fina sobrancelha dourada. - As mulheres dizem e prometem todo tipo de estupidez quando estão dominadas pela paixão. Que te sirva de lição em sua vida.

A pequena sedutora o olhou maliciosamente. Separou-se dela com a mandíbula apertada. Contrariamente ao que ela supunha, aprendera essa lição vários anos atrás, mas Isabel não era Olivia.

—Faz um momento, sua resposta disse algo diferente.

—Só nos beijamos. Não significou nada - deu de ombros com gesto displicente, controlando apenas um sorriso.

Se continuasse jogando no rosto suas próprias palavras, ia beijar ela enlouquecidamente para demonstrar que estava errada.

—Uma frase interessante a que usou: "O amor se apaga quando alguma coisa o altera". Shakespeare deve ter se revirado em sua tumba - ou haver rido maliciosamente dele.

—Posso perguntar que alteração provocou uma mudança tão inusitada em seus sentimentos? - resmungou com os dentes apertados.

—Principalmente, sua conduta, mas também meu novo pretendente.

—O Anjo Dourado VI? - mordeu ao dizê-lo com desdém, consumido pelo ciúme e o desespero.

—E não foi inusitado, nem um fenômeno. Seu comportamento foi desprezível; mas em vez disso, John...

—Passou só duas semanas, Isabel! - um nó de dor o corroeu interiormente impedindo de respirar. Odiou a maneira doce e familiar em que pronunciou o nome daquele bastardo.

—Muitas Coisas podem acontecer em duas semanas, Ashby - utilizou seu título “não seu nome de batismo, que nunca havia dito a mulher ou homem algum” e com toda frieza.

—John se comportou como um cavalheiro encantador. Inclusive se comprometeu a patrocinar nossa causa no Parlamento.

—Foi o que me disse faz duas semanas. Fez algum progresso depois disso?

—Um substancial progresso. Participou de uma de nossas reuniões da fundação. Leu a proposta de lei e a passou. Ele...

—Certamente a folheou tão somente - a interrompeu por despeito e ressentimento. Queria chutar-se por ter permitido que o chantagista albino tivesse adiantado enquanto ele esteve dando voltas.

—Está recorrendo a todas suas vinculações no Gabinete de Ministros para nos conseguir as folhas de pagamento...

Reagiu ante isso.

—Portanto não os conseguiu ainda. Bem, me deixe compartilhar um pequeno segredo com você. Não existe nenhum protocolo particular para obter as folhas de pagamento do pessoal do exército.

A única coisa que se deve fazer é conseguir a alguém que o autorize, alguém os revisa, e os devolve imediatamente. Esse é o procedimento.

Ela franziu o cenho.

—Deve estar fazendo perguntas discretas entre seus pares procurando à pessoa certa para que autorize a gestão sem que se façam muitas perguntas - respondeu tranquila, mas ele pôde detectar que conseguira fraturar a confiança que depositou em lorde Handsom.

Se fosse certo que seus sentimentos se voltaram para o John, ele faria o ridículo confessando como tinha passado dois dias com o Brooks revisando as folhas de pagamento e preparando os valores estimados da proposta de lei,e como cavalgara toda a noite sob a chuva porque não podia aguardar um segundo mais para vê-la, para reconquistar esse brilho de admiração em seu olhar.

Entretanto, não dizer o seria matar a última esperança de compartilhar uma vida completa, real, com ela. Deixou Olivia partir sem mover um dedo; não podia fazer o mesmo com a Isabel.

—O que diria se eu contasse que elaborei para vocês algo dez vezes melhor que as folhas?

Mordeu o lábio inferior, turvada.

—O que elaborou para mim?

—Uma avaliação completa, assinada e aprovada por um contador de confiança, o senhor Brooks.

Seu rosto refletiu surpresa e entusiasmo.

—Realmente fez isso? Por mim?

—Eu faria qualquer coisa por você - disse calmamente. - Acaso já não sabe?

Manteve um ar relaxado.

—Não sei de nada, quando se trata de você.

—O que o seu coração te diz sobre mim? - perguntou brandamente.

Olhou-o com os olhos de uma mulher que provou a paixão, e ardeu nela.

—Me diz que devo renunciar a você, Paris. Que não é confiável.

Agarrou um dos dourados cachos entre os dedos.

—Mas ainda não renunciou a mim - disse em tom quase de pergunta.

Ela se levantou.

—Acredito que seria correto de minha parte informar você que John solicitou ao Stilgoe autorização para me cortejar. Uma velha ferida começou a sangrar em seu interior.

—Esperas que ele se declare?

—Agrada-me John. É gentil e amável, não é vagabundo nem indeciso. Não rompe suas promessas, não me convida a escapar secretamente com ele. Se me declara, provavelmente, seria persuadida para aceitá-lo.

Tantos anos de jogador experiente e mulherengo tinham ensinado a interpretar as nuances que escondiam as palavras, tanto de homens como de mulheres. Se seus instintos não o enganavam, acabava de enviar uma mensagem. "Seria persuadida para aceitá-lo", o que significava que ainda não o fez, e utilizou a voz passiva. Seria Stilgoe a que a persuadiria? Ashby necessitava tempo para estar com ela, para recuperar sua confiança e reconquistar seu coração, para que quando visse seu rosto, não lançasse um grito de horror nem vomitasse de desgosto. Pois se importaria o suficiente para entender, para ver mais à frente...

—Antes de entregar a você os cálculos de valores estimativos, eu gostaria de dar uma olhada na proposta. Você a tem?

—No castelo, mas não chego a compreender por que toma tantos problemas. John a revisou de cabo a rabo, e aprovou cada palavra. Disse que estaria orgulhoso de apresentá-la na Câmara.

Maldição. Agora Hanson era um herói.

—Embora só seja para me fazer o gosto. Odiaria que os cálculos e estimativas estivessem incorretos - esse era um fundamento concreto, legítimo e lógico, que estava seguro de que a convenceria.

—Está bem, mas como faço para fazer isso chegar a você?

—Traga você mesma. Esta noite - a olhou profundamente para ver se a ideia de estar com ele a sós a fazia mudar de opinião. Embora não pudesse possuí-la essa noite, queria abraçá-la pelo menos.

—Está me pedindo que fuja outra vez para reunimos em segredo! - repreendeu receosamente. Ele se sentiu ofendido imediatamente.

—Bem, não venha - adotou um tom distante de ressentimento. - Te enviarei por correio os cálculos quando retornar a Londres. Poderá avaliá-lo tudo por sua conta.

Franziu o cenho, e por um segundo temeu que o chamasse enganador.

—Faz quinze dias me disse que não queria saber mais nada de mim.

—E acreditou em mim? - acariciou a branca face, aproximando-se para beijá-la.

—Pare! - afastou ele dando um empurrão no peito, olhando por cima do ombro. - Pode vir alguém.

—Ninguém virá. Suas irmãs estão divertindo-se muito bem perseguindo os cães. E Phipps tem ordens estritas de manter a raia os curiosos - Ashby não tinha interesse de que os encontrassem em alguma situação comprometedora. Não até que estivesse seguro dos sentimentos dela.

—Eu não sei o que você esta jogando, mas...

—Este não é um jogo - disse sinceramente. - Desejo você. Desesperadamente.

Sua confissão só serviu para enfurecê-la ainda mais.

—Minhas amigas me advertiram sobre você! Disseram que não procurava nada de bom!

Ficou paralisado.

—Falou com suas amigas sobre mim? Levantou uma sobrancelha.

—É um segredo por acaso? - não tinha resposta para isso. - É sabido que se a pessoa tiver que esconder algo dos seres que ama com segurança se trata de uma má influência ou de algo perigoso, por isso melhor seria renunciar a isso, ou revelá-lo. Não sou tola nem fofoqueira, mas você me feriu, Paris.

—Desculpo-me por minha conduta da outra noite. Jamais voltarei a fazer algo que te faça mal - adoecia ter se tornado em algo que considerava uma ameaça. - Não repito meus enganos, Isabel.

Farei tudo o que esteja ao meu alcance para recuperar sua confiança, e seu amor.

Ficou de pé.

—Eu não entendo você. Não sei o que quer de mim, e duvido que possa voltar a confiar em você de novo.

Levantou se colocando a seu lado e a agarrou.

—Me escute - suspirou com a voz rouca, acariciando os cachos de cabelo. - Me caçou e perseguiu durante sete anos, Isabel Jane Aubrey. Não vou permitir que se afaste de minha vida. Portanto, embora tenha perdido duas semanas, vou lutar por você, e que John Hanson vá ao inferno - esmagou a boca com um ardente beijo até que ela deixou de lutar. Rendeu-se com um gemido e devolveu o beijo.

Quando levantou a cabeça para recuperar a respiração, os olhos de Isabel ardiam de paixão, e ele estava preparado para levá-la a seu quarto pela porta traseira e deixar que Phipps lutasse com suas irmãs.

—Está me dizendo que vai me cortejar? - perguntou sem fôlego, olhando fixamente a boca.

Para evitar colocar-se em uma situação que o faria desmascarar-se e arruinar tudo quando era muito cedo, dissimulou.

—Estou dizendo que fui um idiota, que estou profundamente arrependido de ter ferido você, e que tenho toda a intenção de te fazer minha.

—Você... o que, precisamente... amiga O...?

—Ambas as coisas - "e mais".

—Os amigos não podem ser amantes - se esquivou e abandonou o depósito.

Alcançou-a quando ela caminhava entre as baias.

—Está equivocada. Chegar a ser amigos e amantes é o melhor que pode acontecer a um homem ou uma mulher.

Deteve-se em frente ao potro mais jovem e acariciou a cabeça.

—Parece o que me diria minha amiga Sophie. Apresentarei-os. Fariam um esplêndido casal.

Embora o truque de zangá-lo para obrigá-lo a declarar estava sendo eficaz - até certo ponto - ele jogou esse tipo de jogos muito tempo antes que ela aprendesse, e sabia como retrucá-lo.

—O que te faz pensar que seríamos compatíveis Sophie e eu?

Apagou o sorriso. Sob nenhum ponto de vista ela queria que ele tivesse algo com sua amiga... mas os olhos estavam decididos.

—Bom, primeiro, ela é mais velha que eu. - Esse é certamente um ponto a seu favor. Que mais? Pôde inclusive escutar o ruído que fez ao apertar os dentes com força.

—Não revelarei todos os segredos nem atrativos de minha amiga. Simplesmente,os apresentarei e poderá descobrir por você mesmo quão compatíveis poderão ser.

Franziu o cenho.

—Por quê? O que tem ela de mau? - "Maldição". Tinha parecido totalmente inseguro. Rapidamente se corrigiu. - Por que necessita ajuda para conseguir pretendentes? É muito feia?

—Não! É formosa, e não tem nada de mau!

A causa - e apesar da enfática defesa de sua amiga, ele apostaria que Sophie realmente tinha algum tipo de anomalia, se é que ela pensava que formariam um bom casal. Não era tão estúpido como para não dar-se conta de que suas tentativas para ver o rosto estavam motivados por algo mais que simples curiosidade. Ela tinha medo do que poderia chegar a descobrir. Agarrou-a entre seus braços, incapaz de esconder seu sorriso.

—Pois é melhor que não a tenha conhecido, ou poderia me ver tentado de conhecê-la melhor.

—Estarei feliz de apresentar vocês - se via adorável quando estava zangada.

Não podia evitar sorrir. Gentilmente, perguntou:

—Seria capaz de fazer de cupido, justamente quando começamos a explorar algo tão maravilhoso que surgiu entre nós? - apertou-a contra ele. - Acredito que a bela dama necessita então de outro beijo...

—E essa é outra coisa! - soltou-se de seu abraço. - Não deveria estar me beijando absolutamente se quer reconquistar minha confiança, deveria se comportar como um correto cavalheiro!

Seguiu-a até a porta.

—Muito bem, de agora em diante serei um modelo de correção. E a próxima vez que nos beijemos - adicionou brandamente - será você a que me beije. E essa é uma promessa.

—Pois então pode estar seguro de que nossos lábios jamais voltarão a se encontrar - anunciou maliciosamente.

—Lamento te contradizer, exceto que tenho todo o direito, senhorita Isabel, já que você é propensa a surpreender os cavalheiros com seus beijos.

—Você foi mal informado - e levantou o queixo.

Soltou uma gargalhada.

—Você se anima em fazer uma aposta? Sou capaz de pôr um período de tempo determinado... que tal uma semana?

—Tanto tempo? - olhou sedutora. - O que eu ganharia?

—Esta segura de si mesma, né? Acredito que deveríamos discutir sobre o que ganharia eu, além do beijo, naturalmente.

—Se eu ganhar - propôs - você tira a máscara na minha presença.

Cortou a respiração.

—Muito bem - disse lentamente. - E se eu ganhar... passará uma noite comigo.

—Isso nunc... - deteve-se com um brilho desafiante nos olhos. - Aceito o desafio. Mas se romper a promessa e tentar me beijar perde a aposta.

—De acordo - as coisas pareciam ir melhorando. Graças a Deus.

Isabel estava de muito bom humor quando retornou.

—Do que estavam falando tanto?

—Vimos lorde Ashby sem a máscara - respondeu Freddy simplesmente.

—Viram o seu rosto?-exclamou Isabel, detendo-se bruscamente. - Que aspecto tinha?

Teddy apertou os lábios com determinação.

—Nós não rompemos uma promessa.

—Não iremos a nenhum lugar até que não me digam exatamente o que viram - insistiu Isabel.

—Pois então nos ensoparemos, porque está a ponto de chover - assinalou Freddy.

Uma gota caiu sobre o nariz da Isabel.

—Até que não me ofereçam um retrato detalhado dele, não serei mais sua amiga.

Afastou-se a grandes passos, muito irritada. Duas coisas eram indubitáveis: uma era que não queria que visse o rosto; e a outra, que a desejava desesperadamente. Sentiu como seu tolo coração transbordava de felicidade, e um malicioso sorriso deslocava a careta de desgosto. "Propensa a surpreender", podia derrotar ao coronel lorde Ashby em seu próprio jogo estúpido. A aposta outorgava certo grau de controle: para quando a semana terminasse, veria seu rosto, e tinha o pressentimento que sua relação avançaria rapidamente a partir de então.

Algo havia mudado inquestionavelmente a seu favor, se considerasse que ele havia seguido ela até East Sussex. Mas ela não podia confiar completamente nele se ele ocultava o rosto.

Por conseguinte, devia manter os lábios bem separados dos seus se quisesse ganhar a aposta. Tão difícil podia ser?

Olivia observou com crescente antagonismo às três irmãs Aubrey, quem se aproximavam da casa caminhando pelo atalho. Ashby e o irmão defunto tinham sido amigos muito próximos, mas isso não era razão suficiente para justificar que Isabel sentisse a necessidade de ir correndo ver o Ashby tão logo se inteirou de que estava aí. Como se fosse possível que ele olhasse duas vezes a alguém tão inconsequente como essa simplória. Olivia sorriu sarcástica. Possivelmente esse pequeno abutre achou que teria uma oportunidade com a patética Gárgula em que se converteu; mas não seria assim, não se Olivia tivesse algum interesse em dizer... ou fazer... algo para evitar. E em realidade, Olivia o tinha.

 

Ashby soube que havia alguém em seu quarto assim que abriu a porta. Um perfume conhecido enchia o ar. A sala estava às escuras, mas escutou o roce dos lençóis. Sentiu a boca seca.

Pensando que estava delirando, aproximou-se da cama, com a parte de seu corpo mais ansiosa apontando o caminho, sem que sua mente alcançasse em aceitar a ideia de que Isabel estivesse ali esperando por ele...

A luz do abajur junto à cama se acendeu.

—Olá, Ashby.

Deteve-se boquiaberto.

—Olivia.

Ela se sentou deixando que o lençol se deslizasse até sua cintura. Os seios surgiam turgentes entre sua loira e lisa cabeleira.

—Você parece surpreso - sorriu ela.

—O que está fazendo aqui? - exigiu ele.

Uma risada rouca brotou da garganta.

—O que parece que estou fazendo? Estou te esperando para que venha comigo - afastou os lençóis em um claro convite, deixando ao descoberto uma branca coxa.

—Está casada - e tomou consciência de que o perfume era a rosas, não a baunilha.

—O que significa que podemos fazer o que quisermos, e ninguém jamais saberá...

—Por que agora? Depois de tanto tempo? - fui ver você o ano passado na sua casa, mas Phipps não me permitiu entrar. Cumprindo suas ordens.

—Vista-se - disse, embora não pudesse controlar que seu corpo reagisse ante a visão de uma mulher nua em sua cama, muito menos quando Isabel esteve torturando-o tanto ultimamente.

Mas não havia nenhum interesse em satisfazer sua frustração com outra mulher, e muito menos com Olivia.

Ao dar as costas e tirar a jaqueta, escutou outra vez o roce dos lençóis, e depois, sentiu umas mãos que se deslizavam ao longo de suas coxas.

—Não pode deixar o passado para trás, como eu o tenho feito? - disse ela, sedutora. - Nos amamos uma vez, mas nunca chegamos a consumar esse amor.

—Amou meu dinheiro, Olivia. E eu amei um sonho. Procure outro membro para que te satisfaça. Não me interessa.

—Sempre foi muito orgulhoso - murmurou amargamente. Suavizou o tom. - Ainda te desejo, possivelmente mais que antes - deslizou as mãos para a tensa virilha masculina. - Estou tão úmida por você...

Quase saltou para afastar-se de suas mãos. Realmente aprendera alguns truques durante os últimos anos, mas certamente não do Bradford, podia apostar.

—Deseja-me mais que antes... Antes, quando? Antes ou depois de minhas cicatrizes? Tem que ser mais específica.

Não sentia nenhum constrangimento de permanecer completamente nua frente a ele.

—Devo dizer que seu rosto melhorou notavelmente desde a última vez que te vi. - Avançou por volta dele. - Sempre desejei você. Ninguém me fez sentir o que você me provocava, Ashby. E ainda o faz.

Algo que Isabel disse mais cedo ressonou na cabeça, e não pôde evitar sentir-se culpado com a mulher com quem desejava se casar só por estar frente a Olivia nua. Olhou-a friamente.

—É muito tarde. Não desejo você. Acredito que nunca o desejei. Vista-se - cruzou o quarto, pondo a maior distancia possível entre eles.

—Serviria se eu dissesse que tenho sido infeliz desde o momento em que rompi nosso compromisso?

—Esse é seu problema, não o meu.

—Isso diz agora, mas eu sei que se sentiu devastado quando te deixei anos atrás.

—Possivelmente, mas sei o que senti, ou que não senti. E você é incapaz de sentir as emoções que desejo em uma mulher - Isabel despedia mais calor da ponta de um dedo que o que Olivia podia sentir completamente avivada. - Pela última vez, vista-se, antes que eu chame os criados para que te ajudem - esta era sua maneira sutil de fazer ela saber que estava rejeitando-a.

Dando um olhar turvo, sussurrou :

—Por que não tira sua roupa e eu demonstro com que classe de emoções sou capaz de fazer você arder?

Sabendo perfeitamente o que ela estava procurando, sentiu um repentino rechaço por toda a situação.

—É realmente tão desesperada a situação que tem que se prostituir por sua família?

Sua expressão se tornou malévola e dura. Agarrou a camisa da cadeira e a colocou.

—Por que montou esse espetáculo hoje se não queria que procurasse por você?

Levantou uma sobrancelha.

—Estava cavalgando em meu parque.

—É por essa Aubrey! - gritou atônita. - É por ela que você... por essa simplória!

—E se fosse assim? - seu sorriso fugaz durou apenas um segundo. - Se dispersar alguma calúnia que comprometa à senhorita Aubrey comigo, e o visconde Stilgoe fareja algum possível escândalo, fará que se case comigo antes de um abrir e fechar de olhos. Isso iria contra os planos de seu irmão, verdade? - foi a grandes passos para a porta.

—Tem cinco minutos, depois enviarei a alguém para que te acompanhe até a porta, vestida ou não.

—Acorda, John! Temos que conversar - a ordem terminante chegou entre sonhos. Percebeu a luz através das pálpebras. Grunhindo um protesto, John deu a volta e escondeu o rosto sob o travesseiro.

Uma mão sacudiu seu ombro. - Sua gordinha simplória tem um namorico com o Ashby!

—O que? - reconhecendo a voz de sua irmã, voltou a cabeça e entrecerrou os olhos. - Liv, pelo amor de Deus, é de madrugada! Que diabos acontece com você?

Olivia estava pálida.

—Esta noite fui ver o Ashby e a vi sair de sua casa. John se sentou, passando as mãos pelo cabelo desgrenhado.

—Você viu ele? Por quê?

—Isso não importa. Eu te disse que ela não era adequada. Deveria ter ficado com a Talbot. É cinco vezes mais rica que a senhorita Aubrey e muito menos problemática.

—Louisa Talbot - espetou com desgosto - é intragável e desagradável que tem uma grande aranha americana como tio. Sabe muito bem que contratou agentes para que investigassem nossos assuntos.

Se eu tivesse jogado o laço realmente, ele não teria tido nenhum problema em difamar nosso nome publicamente. Além disso, eu gosto de Isabel. É digerível.

—Estou dizendo que ela tem um caso com a Gárgula,oh cabeça de vento!

Examinou-a enigmaticamente.

—Pensei que só de ver ele te causava repulsão.

Não o olhou aos olhos.

—Pensei que poderia fazer que se interessasse em mim outra vez...

—E salvar você de seus apuros econômicos? Liv, já te disse que me ocuparei de tudo.

—Como o fez a última vez - o reprovou. - Lamento o do Bradford - soprou. - Devia ter investigado melhor sua situação financeira em vez de acreditar em suas extravagantes histórias.

Ela ficou de pé e começou a andar pelo quarto.

—Não posso acreditar que tenha sido tão idiota! Esta tão melhor agora, quase como era antes. Eu...

—Não adianta que se recrimine agora pelo que aconteceu no passado. Ao menos o rosto do Bradford resulta passível no jantar.

—Passível? - olhou-o furiosa. - Mamãe disse que estava tão bêbado que ontem à noite quase se afoga no prato de sopa. Até seu cheiro me decompõe.

—Me conte sua visita ao Ashby. Te viu? Falou com você?

—Sim! Desdenhou-me, mas agora sei por que - e imitando maliciosamente a Isabel. - É por essa criatura tão encantadora que está cortejando. De algum jeito, conseguiu a ele também - se levantou da cama.

—John, você deve procurar por outra. Esta é muito estúpida para apreciar sua boa sorte. Um bom número de debutantes se equilibraria sobre você para poder jogar o laço ao Anjo Dourado.

Imogen Blakely, por exemplo. Seu pai venderia a alma ao diabo por um genro com título da nobreza.

Enrugou o rosto em um gesto de aversão.

—Leonard Blakely é um comerciante, Liv.

—E a senhorita Milhares? Seu pai foi visconde. Agarrou um copo vazio de brandy que havia deixado em uma prateleira próxima à cama.

—Não é possível que Isabel prefira à Gárgula em vez de mim. Estou seguro de que o visitou por uma questão totalmente inocente.

—Pois por que saiu sigilosamente e não disse a sua família aonde se dirigia?

Não devia se preocupar, disse a si mesmo. Não era amor o que procurava, só dinheiro. Mesmo assim, a ideia de que qualquer mulher preferisse a um ermitão com o rosto deformado resultava inaceitável.

—Quando o repreendi sobre ela - seguiu dizendo Olivia - advertiu-me que não divulgasse rumores, já que se o irmão se inteirasse, estaria casando com ele em questão de segundos.

Uma onda de ardente ira percorreu todo o corpo.

—Tem razão. Se não tomarmos cuidado, tudo poderia voltar-se contra nós e nos explodir no rosto. E nenhum de nós conseguiremos nada do que queremos, Liv.

—O que acredita que quero? Nada mais que a vida que mereço, isso é o que eu quero - espetou furiosamente.

Ele bocejou.

—Te conhecendo, apostaria até meu último centavo que quer recuperar ao Ashby.

—Equivoca-te! - ficou de pé de um salto e se dirigiu à porta. - Pode apodrecer pelo que a mim concerne!

—Escuta, se me casar com a Isabel, ele ficará livre para escolher... deteve-se ao escutá-lo e o enfrentou.

—Realmente a quer tanto? - perguntou desiludida.

Deslizou-se sob as mantas. Isabel não era nem sequer a metade de deslumbrante que Olivia ou que muitas de suas admiradoras eram, mas tinha algo que o dominava. Ela via além de seu rosto arrumado, de sua popularidade, e o que descobria parecia não impressioná-la absolutamente.

—Me pergunto por que teve o cuidado de te advertir que não relacionasse o nome de Isabel com ele - ponderou em voz alta John. - A única conclusão lógica que me ocorre é que Ashby não tem nenhum desejo de ficar apegado de maneira permanente uma vez que se divertiu com ela. - Incomodava que Ashby pudesse ser o primeiro homem na vida da Isabel, mas se obrigou a pensar friamente, de maneira racional.

Não teria sentido perder a cabeça agora, e menos por uma mulher da qual não tencionava se apaixonar. - Pode ser que isto nos convenha, Liv.

—OH, sim? Como?

—Quando Ashby se cansar dela, a quem recorrerá por consolo? Uma mulher com a reputação arruinada e o coração destroçado é presa fácil para qualquer jogo, e extremamente dócil. Asseguro que nos convém passar por cima de tudo, por agora. Posso inclusive dar um empurrão nessa direção.

—Como poderia fazer isso se para você é suposto não saber nada a respeito?

—Deixe em minhas mãos. Sua tarefa é se manter separada dele. E não me olhe assim, Liv! Conheço você. Deseja-o, e o terá. Asseguro que plantaste a semente em sua cabeça. Agora não faça nada e aguarda.

Quando terminar com seu brinquedo novo, buscara por você.

Um sorriso apareceu na comissura de seus lábios.

—Algumas vezes, Johnny, me esqueço de quão arteiro é. Sem dúvida Stilgoe duplicará o dote quando se inteire de que ela é mercadoria manchada.

—Me alegro de que por fim entenda meu ponto de vista. Boa noite.

—Boa noite - partiu do quarto. John contemplou o dossel puído. A história de Olivia não o abateu realmente. Até certo ponto, serviu para recuperar seu orgulho ferido. A Isabel não importava um ápice, sabia disso fazia dias. Ao menos agora sabia por que. Não era porque tivesse perdido seu charme, mas sim porque alguém havia se adiantado. Tivesse preferido fazer ela pagar por ter feito ele duvidar de si mesmo... e o faria, ao seu devido tempo. Convencer ela de que se casasse com ele já não era suficiente. Precisava sofrer, e teria que amá-lo, porque cometera o pecado capital de fazer que a desejasse... a ela, e a ninguém mais.

 

Paris Nicolas Lancaster era arrogante, enigmático, incompreensível, diabólico e irresistível. Para um homem que repetidamente gritou que não desejava voltar a vê-la; realmente fazia justamente o contrário.

Dominavam-na sentimentos contraditórios. Quando estava a sós com ele, sua determinação se debilitava, o mundo parecia estar bem; e quando a beijava, desejava fundir-se nele.

Devia desprezá-lo, ou ao menos estar zangada com ele por considerar que uns poucos beijos e um oferecimento de paz a fariam esquecer o cruel mau trato que havia dispensado, mas se sentia profundamente comovida pelos esforços que realizou por sua obra de caridade. O que John vantajosamente prometeu sem chegar a conseguir, ele o obteve silenciosa e eficientemente.

Mesmo assim, ele não era o único capaz de elaborar subterfúgios. Isabel enviou a proposta por um dos moços de estábulo dos Aubrey, e durante o resto da semana no East Sussex se conteve e não foi visitá-lo.

Tinha ainda fresca na memória a história de Íris para cometer essa tolice. Nem sequer ela mesma admitiria que possivelmente não pudesse evitar equilibrar-se sobre ele se o visse.

Os últimos três dias em Haworth Castle passaram muito devagar. As mudanças do tempo estiveram terríveis, fora e dentro da casa, entre os membros da família Hanson. A festa se viu contaminada com tudo o que aconteceu. Para o final da semana, todos os membros do clã Aubrey estavam desejosos de voltar para sua casa.

—Não te entendo, Izzy - a atacou sua mãe durante o tardio almoço, uma vez já de volta no lar familiar - John estava disposto a declarar-se esta semana, e você o desalentou!

Isabel estava com a resposta preparada.

—Como você pode encorajar a um homem que passa a maior parte do tempo com sua irmã?

—É obvio que passou a maior parte do tempo com sua irmã. Você quase não prestou atenção nele.

—Basta, mamãe, não insista - implorou Charles - Sabe como fica Izzy depois de ter estado viajando em um carro durante várias horas e de ter tido que permanecer fechada todo o tempo.

—Se transforma em uma velha rabugenta - esclareceu Freddy.

O mau humor de Isabel tinha pouco que ver com a viagem e o mau clima; e muito mais... com o Ashby. Durante três dias ela ignorou sua existência. E ele nem sequer enviou uma nota!

—Só queria assinalar que John é um jovem encantador, e que Izzy não deve pôr tudo em perigo - adicionou mal-humorada.

—Coloco tudo em perigo... por não me dobrar a seu afetado cacarejo e não me converter em uma imbecil? - demandou Isabel provocando um grunhido das gêmeas.

—Vocês me obrigarão a me casar com um homem que não amo nem desejo, além de minhas habilidades para conversar, portanto, qual é o ponto?

—O ponto é que o que você quer já não está disponível, Isabel Jane Aubrey, por isso faria muito bem em aceitá-lo! - respondeu taxativamente sua mãe.

Isabel ficou de pé, ardendo de fúria em seu interior.

—Me desculpem, perdi o apetite - correu escada acima para seu quarto, desejando que Will estivesse ali para distraí-la com uma brincadeira, prometendo que tudo se arrumaria, mas Will se foi.

Jogou-se sobre a cama com os olhos cheios de lágrimas. Só havia um homem que podia fazê-la sentir melhor, e a abandonou.

Alguém tocou à porta.

—Vá embora! - gritou.

—Senhorita Isabel - disse Norris detrás da porta. - Mary Higgins está na cozinha. Quer falar com você. Tentei que partisse, mas a imprudente...

Isabel abriu a porta, e Norris por pouco cai ao chão.

—Está na cozinha?

—Sim, senhorita Isabel.

—A verei ali.

Se Mary se achava ali, devia ter perdido o trabalho com a senhora Tiddles. Isabel desceu depressa e se sentiu aliviada ao encontrar a Lucy e Mary rindo.

—Senhorita Aubrey! - Mary ficou de pé fazendo uma reverência quando viu Isabel na soleira.

—Olá, Mary! - Isabel entrou rapidamente à cozinha. - Deus, esta tão bela e elegante!

Mary sorriu abertamente.

—Obrigado, madame! Sua bondade é o que produziu a mudança.

Um sorriso se desenhou no rosto da Isabel.

—Agrada a você trabalhar com a senhora Tiddles, suponho.

—Certamente. É uma grande senhora, e nos levamos de maravilhas.

—Agrada-me escutar isso. - Isabel desviou o olhar para a Lucy, que parecia igualmente agradada.

—A senhora Tiddles esteve comentando às clientes sobre sua obra de caridade - declarou Mary - e algumas das damas estão perguntando se você conhece outras mulheres que necessitem um emprego.

—Sim, conheço outras mulheres! - gritou Isabel contente. - Por favor, diga à senhora Tiddles de minha parte que irei ver a... O que é isto? - perguntou quando Mary estendeu um papel dobrado.

—A lista das clientes da senhora Tiddles que necessitam viúvas trabalhadoras como eu.

—Há uma lista? - repetiu Isabel surpreendida. Desdobrou a nota e ficou boquiaberta ao ver a extensa lista. - Mary, isto é maravilhoso! Conheço a maioria destas damas. Escreverei para elas imediatamente...

—tudo o que devia fazer era comparar a lista das damas que Mary havia dado, com as que estava na fundação e conseguiria solucionar a vida de várias delas. A guardou no bolso e sorriu a Mary.

—Obrigado por ter vindo, e agradeça de minha parte à senhora Tiddles por sua preocupação.

Isabel se dirigiu ao escritório de Stilgoe para enviar uma nota a Sophie e a Íris, assim como às damas da lista da senhora Tiddles. Encontrou uma carta do Ryan na pilha de convites e correspondência da semana - sem dúvida era a que queria que entregasse a Íris-assim como também várias cartas de cavalheiros dirigidas a ela. Norris apareceu na soleira.

—Sim, Norris?

O mordomo entrou sustentando uma carta na mão.

—Isto acaba de chegar para você, senhorita.

—Obrigado - o coração deu um salto ao ver o leão estampado no lacre. Aguardou que Norris partisse e abriu rapidamente o envelope. Conhecia a letra desigual e saltou à vista: " Onde está?".

Estava assinada com um "P" e a direção a seguir: Park Lane. Um amplo sorriso se desenhou nos lábios. A Gárgula havia retornado, e estava zangada. Jogou um rápido olhar à porta aberta, levantou a carta e a beijou. Se Paris não sabia, ela não perderia a aposta. Ainda.

 

—É uma trapaceira e uma covarde - Ashby bateu a porta do escritório ao fechá-la e agarrou a mão da Isabel. Arrastou-a através do espaçoso escritório e se desabou no sofá, sentando-a sobre o colo.

—A aposta terminou! "Agora me beije, Helena, venham, me tragam minha alma de novo!".

Rindo entre dentes, afundou em seus olhos famintos, e por pouco o beija realmente. Todo seu ser desejava afundar-se em seus braços sem pensar em nada mais, mas toda sua vida se arruinaria, e não poderia ver o seu rosto. Por isso, só passou os braços pelos amplos ombros e deixou que seu sorriso dissesse tudo o que seu coração albergava. Deus santo, quanto sentiu a falta dele!

—A aposta não terminou bruto. Não estabelecemos nenhuma especificação de quanto tempo devíamos passar juntos durante a semana.

Sua máscara azul fazia jogo com a conservadora jaqueta que levava posta, outorgando um tom azul tropical aos olhos que a olhavam com abatimento.

—Você não sentiu minha falta nem um pouco?

Tanto, que doía o coração, mas não daria a ele armas contanto que permanecesse em seu colo era uma resposta por si só.

—Seus olhos mudam de cor. Sabia?

—Sim - murmurou asperamente.

—Às vezes são verdes, outras azuis. É bastante estranho - murmurou ela.

—Isabel, diga que me perdoou meu anjo...

—Perdoei você - sorriu brandamente. Como não fazer depois de que a seguisse até o East Sussex? Confessou que a desejava desesperadamente e se comprometeu com sua obra. Ainda não podia acreditar que a desejasse...

Ashby, o homem ao qual sempre desejou!

Ele deixou escapar um suspiro olhando os lábios.

—Desejaria que não houvéssemos feito a maldita aposta.

—Poderia terminá-la agora mesmo - murmurou ela. - Tudo o que tem que fazer é me beijar, Paris.

—Suas táticas são ruins e não te beijarei - conteve a respiração.

—Confia tão pouco em mim que não me mostre seu rosto?

Seus olhos ficaram sérios.

—Quanto você se importa? Pensei que não importava meu aspecto, que sabia como era por dentro.

Ela percorreu a máscara com a ponta dos dedos.

—Esta coisa se interpõe entre nós como uma barreira. Não percebe?

—Tenho medo de que o que descubra mude o que há entre nós.

—O que há entre nós? - perguntou ela brandamente.

À noz do Ashby se inchou sob a gravata.

—O que seja, não quero perdê-la, Isabel.

—Tampouco eu - suspirando apoiou a cabeça sobre seu ombro. A semana no Haworth Castle demonstrou que não importava quanto tentasse, não queria a outro homem. Queria a Paris.

—Li sua proposta.

Ela levantou a cabeça.

—E?

—Serei honesto contigo; não acredito... - deteve-se, reconsiderando o que ia dizer.

—Diga-me isso. Não me deixe em suspense - rogou Isabel.

—Tenho duas coisas que dizer sobre a proposta, portanto, me escute antes de reagir. Antes de tudo, está muito bem escrita, em termos claros e contundentes. Seu advogado, certamente, sabe o que faz.

Entretanto, o país está em bancarrota. Depois de revisar as cifras com o Brooks, tenho minhas sérias dúvidas de que seja factível sua aprovação.

Estão pedindo ao Parlamento que pague milhões, dos que nem sequer têm no tesouro. Possivelmente em alguns anos, quando o país consiga recuperar-se da guerra...

Sentiu-se próxima às lágrimas.

—Está dizendo que não é realista?

—Neste momento, mas é só minha opinião. Não deve desanimar. Eu...

—Não, confio em seu bom julgamento. Estou segura de que está no certo - encurvou os ombros, desanimada.

—Poderíamos mudar a proposta para diminuir os custos, mas então as compensações seriam tão ínfimas que não conseguiriam ajudar realmente aos beneficiários, apesar de afetar significativamente os recursos públicos.

—Entendo a questão - todo seu trabalho havia sido para nada.

Acariciou a face.

—Querida, estou seguro de que pode ajudar a essas mulheres de outra maneira. É muito decidida e inteligente, e tem o coração mais generoso de toda a Inglaterra.

Suas palavras enfraqueceram as profundidades de sua alma.

—Obrigado por suas palavras.

—É a pura verdade em nome de Deus, minha adorável leoa, e uma das razões pelas quais admiro tanto você.

Brindou ele com um sorriso.

—Admira-me?

—Eu adoro você - suspirou ele.

Sentiu um feroz desejo de beijá-lo, mas o desejo de ver seu rosto foi maior. E se deu conta do verdadeiro significado da aposta: confiança. Mas não do tipo que supôs, ambos procuravam provas dos sentimentos do outro.

Ele queria assegurar-se de que ela o aceitaria apesar de suas cicatrizes, e ela,de estar segura de que podia depositar nele seu amor. Por conseguinte, não importava quanto ela queria devorá-lo a beijos, precisava conter-se e perseverar.

—Possivelmente possa ajudar a essas mulheres depois de tudo - murmurou ficando de pé.

Abraçou-a pela cintura.

—Aonde vai?

—A nenhum lado. A me sentar junto a ti no sofá. Tenho algo incrível para te contar.

Aproximou-a mais a ele.

—Me diga. Eu gosto de te abraçar.

Sentiu o forte peito contra os seios, e a inconfundível dureza masculina debaixo das nádegas. Um agudo espasmo de desejo brotou da mesma essência feminina.

—É um notável vadio e não beijarei você.

—Se eu devo sofrer um estado permanente de excitação, você deverá fazer o mesmo - sorriu maliciosamente. - Me Conte.

—Bem - o amaldiçoou baixo fazendo-o rir entre dentes. - Recorda que te falei sobre a prima de minha donzela, a que recolhi do Spitalfields? Bem, consegui para ela um emprego em uma chapelaria.

A proprietária, uma mulher muito bondosa, ficou tão encantada com sua nova empregada que, comovida por nossa obra de assistência, contou a sua clientela sobre ela; e bem, olhe a lista - a extraiu de seu bolso.

—Estas senhoras desejam contratar a alguém como Mary.

Folheou a lista.

—Deveria abrir uma agência, a "Agência de Empregos para Viúvas, Mães e Irmãs de Combatentes de Guerra". Uma proposta pode ficar parada no Parlamento durante anos, mas esta é uma solução simples, prática e imediata.

Poderia fazer publicidade nos jornais, alugar um escritório...

—É brilhante! - inclinou-se para beijá-lo, e se deteve. - Demônios.

—Penso exatamente o mesmo - acariciou os lábios com o polegar. - Desejo te provar tão desesperadamente. Um desejo vertiginoso a dominou. - Pare.

—Imagina que doce seria: lento e prazeroso como uma droga, mas ainda melhor - as pálpebras estavam pesadas ao escutar suas palavras pronunciadas lenta e sedutoramente, como em um sonho.

Vagamente, sentiu seus longos dedos agarrando o tornozelo esquerdo, subindo pela panturrilha coberta com as meias. - Poderíamos nos beijar durante horas, você e eu. Nem sequer notaríamos que chega o entardecer.

Esqueceríamo-nos do tempo, de tudo, desfrutando um do outro.

Sentiu a mão quente repousando em sua coxa. Moveu-se, segurando seu pulso.

—Quando disse "nada de beijos", esqueci de especificar também "carícias pouco cavalheirescas debaixo de minhas saias".

Ele ofereceu aquele sorriso lento, misterioso, tão dele.

—Carícias pouco cavalheirescas, né? Isso me obriga a me afastar, então. Estou convencido de que não existe um só cavalheiro de trinta e cinco anos que não tenha explorado debaixo das saias de uma mulher em alguma ocasião. A não ser que tenha outro tipo de gostos.

—Paris - ela puxou seu pulso. - Estávamos falando de minha agência.

Olhou-a fixamente, com os olhos azuis esverdeados muito brilhantes.

—Bem - tirou a mão de debaixo das saias e a apoiou sobre o vestido, no mesmo lugar. - Estarei feliz em cuidar da logística, da publicidade nos jornais, de encontrar um lugar adequado e de financiar toda a operação.

—Você o faria? - surpreendida, arregalou os olhos. - Por quê?

—Não foi você a que me disse que oferecer ajuda a outros serve para curar as próprias feridas? Acredito em sua causa, é justa e humanitária. E te ajudarei em cada passo do caminho.

Deslizou os dedos seguindo o contorno do bem barbeado queixo.

—Está me fazendo muito difícil ganhar a aposta.

—Bem.

—Quanto tempo acredita que levará encontrar a propriedade para alugar?

—Uma semana, como muito.

—E enquanto isso, eu poderia trabalhar com a Sophie e Íris na lista. Em algum outro lugar.

Fez uma careta irônica.

—Que mais está tentando obter de mim, mulher?

—Eu quero dirigir a partir de sua casa durante esse tempo. Tem várias salas...

—Rotundamente não - negou com a cabeça.

—Entendo - enredou os dedos no escuro cabelo liso. - Só lamento que não possa ver você, considerando que estarei tão ocupada. Embora possivelmente... sirva para ganhar a aposta.

Fechou os olhos e exalou profundamente.

—Bem. Só por um tempo.

Entrelaçou os braços ao redor do pescoço, sussurrando ao ouvido:

—Eu também te adoro.

 

—Inspecionou pessoalmente a cada uma delas? - perguntou Ashby a seu advogado, enquanto revisava o relatório sobre as propriedades que se encontrava sobre a mesa. Como Isabel se apropriou de seu escritório para dirigir daí à direção da fundação durante dois dias - além de tomar posse de cada quarto localizado no segundo andar da casa - ele teve que refugiar-se no porão, onde simulou estar tranquilo.

Seu vestíbulo se converteu em um atestado galinheiro, e cada entrada estava bloqueada com uma fileira de mulheres vangloriando-se, à espera de ser recebidas por seu anjo salvador, ou alguma de suas assistentes.

Mas o pior de tudo era que o tempo estava terminando. Ao final desse dia, saberia se a mulher que amava seria dele, ou não. Embora tivesse a vida nisso, não podia recordar por que pensou que a aposta seria uma ótima ideia. A única coisa que havia conseguido era colocar uma corda ao redor do pescoço, com um relógio de areia pendurado nela.

—Eu fiz, milord. - Fitzsimmons tirou uma pasta da pilha. - Está localizada em Strand, tem vinte salas e a oferecem por um preço razoável. Diria que é a minha favorita.

Embora o imenso edifício parecesse adequado para os propósitos de Isabel, Ashby preferia uma propriedade mais próxima a sua casa. Queria ter ela por perto, precisava, fosse sua mulher ou não.

Sabia de antemão que embora Isabel o desprezasse de todas as formas quereria estar perto dela, não importava com quem se casasse. Um punho gelado pareceu espremer as suas vísceras diante do pensamento de ter que passar o resto de sua vida observando-a das sombras enquanto outro homem a tinha em seus braços durante as noites, cedo nas manhãs, cada vez que o desejasse... Tic, tac, tic, tac.

Obrigou-se a se concentra.

—E esta no Piccadilly?

—Quinze salas, incluindo um salão de baile que dá a um jardim de rosas, mas...

—O que? - demandou Ashby impaciente.

—Seu preço está sobrevalorizado em trinta e cinco por cento, milord.

Não se importava em pagar uma soma exorbitante, contanto que Isabel estivesse perto dele. Deus estaria encantado de pagar até dez vezes essa soma, se pudesse comprar para ela e terminar com essa tortura.

Por Deus, o irmão da Isabel não era um sheik árabe.

—Feche a transação. Hoje.

—Hoje? Mas, milord... - Fitzsimmons começou a protestar fazendo uma careta de consternação.

—Hoje mesmo. Quero ter a escritura em minhas mãos antes do entardecer - olhou ao Phipps, que se achava discretamente observando tudo de um canto, simulando ser uma simples decoração da parede.

—Por favor, mostre a saída para senhor Fitzsimmons.

Phipps se viu desolado.

—Por ali...?

—Não se queixou sempre de não poder fazer suficiente exercício?

Reprimindo as queixa pela ofensa, Phipps conduziu ao advogado escada acima até a frente da casa, onde nenhum homem deveria ousar ir sem escolta.

—E o que poderia fazer com meus dois meninos, senhora? Não posso levá-los ao trabalho, e são muito pequenos para deixar eles sozinhos - a jovem de rosto macilento que estava sentada do outro lado do escritório da Isabel espremeu nervosamente o tecido de seu casaco, com uma expressão angustiada em seu rosto gasto. - Meu irmão Niles nos enviava seus salários da fronte, e nos arrumávamos graças a ele, mas agora que se foi... - com um soluço quebrado, a mulher secou as lágrimas com a manga do casaco. - Meu marido foi deportado, você veja. Eu...

—É você uma mulher trabalhadora e honesta, Rebecca? - perguntou Isabel brandamente.

Rebecca elevou a vista com expressão desesperada em seus olhos muito abertos.

—Sim, senhora! Nunca roubei um centavo em minha vida! Embora me envergonhe dizer que meu marido foi um rufião que tinha muito mau gênio.

—Bom, bom - a acalmou Isabel jogando um olhar em direção aos dois pequenos, sentados timidamente no sofá. Comoveu-se ao vê-los, estavam tão... magros e tristes.

Danielli devia comer mais que os dois meninos junto. - Não deve se envergonhar pelo passado de seu marido. Agora tem que pensar em si mesma e nos meninos, melhorar suas vidas, começar de novo.

Rebecca sorriu entre lágrimas.

—Eu adoraria, senhora, eu adoraria começar de novo.

—Esplêndido - Isabel fez uma anotação no livro de contabilidade da agência junto ao nome da Rebecca. - Te buscarei um emprego de acordo com suas habilidades e necessidades. Sua obrigação é esforçar-se para fazer o melhor que possa. Nada mais - extraiu um xelim da caixa de mogno e o ofereceu a Rebecca. - Compre aos meninos um sorvete. Enviarei uma nota logo que consiga um emprego. Em cinco dias, no máximo.

Rebecca aceitou a moeda e agarrou a mão da Isabel.

—Obrigado! Você é uma enviada do Senhor.

Ashby era o enviado do Senhor, reconheceu ante si mesma Isabel.

—De nada - sorriu. - Bom dia, e recorde nossa conversa.

Depois de ter pego as mãos dos pequenos entre as suas e acompanhá-los até à porta, desabou na cadeira do Ashby. Dirigir uma organização de assistência social era econômica e emocionalmente entristecedor, mas extremamente gratificante. Nos últimos dois dias conseguiu emprego a trinta mulheres, e por sua parte, Íris, Sophie e Molly - a mãe viúva de Joe, a que Isabel tinha ajudado e que agora trabalhava com elas tinham obtido resultados igualmente bem-sucedidos.

Graças à publicidade nos jornais choviam oferecimentos de emprego e um número crescente de solicitantes se apresentava cada dia. Tudo graças a Paris. Deslizou os dedos sobre a superfície da caixa de mogno esculpida com um leão que havia feito para ela, a mesma que ela havia devolvido umas semanas atrás. A encontrou na manhã do dia anterior sobre a mesa com uma nota que dizia que o dinheiro em seu interior devia gastar conforme achasse conveniente. Notou com um sorriso que o leão tinha o mesmo desenho do brasão de sua família. Devia tomar cuidado de não começar a acreditar que o conde de Ashby a estava cortejando. Realmente se converteu em um aliado em armadura brilhante, fiel defensor de sua causa. A pergunta era: se converteria em seu cavalheiro de brilhante armadura?

Hoje era o último dia da aposta. Essa manhã, quando visitou Paris no porão para contar sobre os avanços obtidos até o momento, a segurou entre seus braços, procurando que ela sucumbisse ao desejo de beijá-lo. Recém barbeado na manhã, com o cabelo úmido e com a pele despedindo um fresco perfume a sabão; desejou devorá-lo. Quando não o fez, seus olhos azuis se tornaram sombrios.

Realmente a queria tanto? Quase era muito fantástico para acreditar.

Surpreendeu-se quando alguém tocou à porta. Supunha que Rebecca era a última pessoa que devia entrevistar nesse dia.

—Entre - autorizou e um momento depois, entrou Stilgoe.

—Izzy! - seu irmão a examinou nesse luxuoso ambiente, e sorriu amplamente. - Diabos! É verdade! Não podia acreditar quando Leitrim me disse durante o almoço no Clube Social que sua esposa havia contratado uma donzela através de sua agência.

Isabel se aproximou, abraçou-o e deu um beijo.

—Contei para você isso duas noites atrás, durante o jantar.

Examinou-a completamente.

—Devo dizer que me surpreendeu um tanto descobrir que...

—Que Ashby estava envolvido? Ofereceu-nos sua ajuda.

—E como aconteceu isso? Manteve contato com ele todos estes anos?

—Não, Charlie. Visitei-o, acompanhada de minha donzela, não se preocupe. Como a Sophie e Íris temos feito em repetidas ocasiões com a esperança de reunir patrocinadores para a causa.

Lorde Ashby nos ofereceu generosamente sua ajuda. Está disposto a contribuir com seu tempo e esforço; não como você...

—E sua casa, a mansão Lancaster - interrompeu Charles cortante. - Que escritório tão elegante, né?

—Só durante um tempo, uma semana no máximo, até que aluguemos um escritório apropriado.

Seu irmão ainda a olhava com expressão cética e preocupada.

—Realmente é muito resolvida e ousada. De todos os homens na Inglaterra, foi a ele - suspirou. - Não posso dizer que me surpreende, mas...

—O que? Obviamente tem algo na cabeça.

—Não desejo ver você ferida, nem desiludida, Izzy. Alguns anos atrás teria estado encantado. Hanson é um bom partido, mas, indubitavelmente, Ashby é melhor.

Entretanto, considerando as feridas que sofreu e seu consequente isolamento da sociedade... - seu irmão franziu o cenho. - Espera um minuto... você o viu? Onde está esse demônio? - sorriu. - Eu gostaria de saudá-lo.

—Deverá consultar a seu mordomo. Phipps dirige a agenda social de Ashby.

—Pois então, posso deduzir que não deixou totalmente seu isolamento.

—Não realmente. Ainda se mantém fechado.

—Mamãe sabe algo disto?

—Não estamos em bons termos no momento - demarcou Isabel. Em realidade, tampouco com suas irmãs.

—Ela só quer o melhor para você - quando Isabel não respondeu nada, ficou de pé. - Irei ver se Phipps me permite falar com seu empregador.

Depois, irei para casa beijar a minha esposa e a minha filhinha - a beijou na face. - Vejo você lá.

Quando Isabel fechou a porta atrás dele, escutou conversas no corredor. Suas amigas seguiam com as entrevistas. No dia anterior, depois de ter terminado com todas, mantiveram uma longa reunião para discutir os potenciais empregadores e empregados e outros temas relativos à sua nova agência. Paris não participara pessoalmente, pois tinha preferido fazê-lo através dela.

Como era previsível, Íris e Sophie tinham sentimentos ambivalentes a respeito dele: estavam felizes pelo novo empreendimento, mas não deixavam de estar preocupadas com ela.

Isabel decidiu tentar convencê-lo para se apresentar a suas amigas.

Andou agitada pela sala. Em poucos minutos baixaria o sol e o tempo limite da aposta expiraria. Pulsava o coração rapidamente, a tensão se agitou no estômago. Havia probabilidades de que ela ganhasse a aposta, e logo veria o rosto dele. Mas essa não era a razão pela qual estava tão excitada.

A aposta tinha acalorado a paixão entre eles e o desejo que se professavam mutuamente. Faltava muito pouco para que as restrições se levantassem, para que caíssem as barreiras ditadas pela aposta.

O que aconteceria quando estivessem juntos outra vez a sós?

—Como foi seu dia?

Isabel deu a volta bruscamente, com o coração na garganta.

—Paris.

Ele fechou a porta, virou e se dirigiu para ela. Os olhos azuis esverdeados brilhavam atrás da máscara.

—Tenho algo para você - ofereceu um pacote.

—O que é isto? - perguntou com voz tremente.

Um débil sorriso se curvou os sensuais lábios.

—Descobre por si mesma.

Aceitou o pacote, com cuidado de não roçar os dedos. Se o tocasse agora, não seria capaz de deter-se. E não poderia ganhar a aposta, não veria seu rosto, e estaria completamente vencida. Seu pulso parou um instante.

—Stilgoe esteve aqui. Queria te saudar. Viu-o?

—Não. Lê a primeira página.

Se obrigou a concentrar nos papéis.

—É algo referente a uma casa.

—Estão limpando, mobiliando e preparando para amanhã como dissemos. Também comuniquei a mudança de endereço aos jornais. Já tem uma agência de caridade oficial, amor.

Piscando, leu a primeira página completa.

—É uma escritura de uma casa em meu nome, Paris! - olhou-o aos olhos com o coração batendo forte. - Você me comprou um edifício inteiro para os escritórios?

—Completo, com quinze salas, um jardim de rosas, e um salão de festas para bailes de caridade e noites de gala e beneficência - sorriu de maneira estranha, analisando sua reação.

Encheram os olhos de lágrimas. E ela que pensou que seu primeiro donativo havia sido extravagante... Esse edifício deveria ter custado dez vezes mais. Ninguém era tão generoso com os desamparados. Salvo ele.

—Se... se souberem que me comprou uma casa, minha reputação se verá arruinada.

—Maldição, Isabel! Comprei-a para sua obra de caridade, não para te instalar aí como minha amante!

Chegou à conclusão de que devia estar louca, e que era tão desavergonhada como suas irmãs; uma falha grave em sua educação certamente; porque tão logo escutou a palavra "amante" apareceram imagens de seus sonhos recentes, deixando em evidência o desejo irrefreável que a havia possuído todas essas noites. Ela morria por esse homem alto, moreno, enigmático, e estava dominada por uma força poderosa da natureza que fazia que só olhando ele doesse o coração. Morria por abraçá-lo e beijá-lo.

—O que sugere que faça com ela, então? - perguntou desalentado, interpretando mal seu silêncio.

Tremendo pela intensidade de seus sentimentos, deixou cair a declaração no chão e colocou os braços ao redor do seu pescoço.

—Coloque a casa em seu nome. É a partir de agora um membro da Presidência - cobriu os lábios com os seus, sentindo uma corrente fervendo que corria por suas veias. Ele grunhiu de prazer e alívio.

E explodiu a eletricidade que cresceu entre eles durante toda uma semana. Suas bocas se fundiram apaixonadamente, desesperada por recuperar o tempo perdido. A língua masculina rodou como veludo sobre a sua, arrancando profundos gemidos com cada carícia. Foi um beijo profundo, selvagem e sensual, desenfreado pelas ânsias contidas, tanto físicas como emocionais.

A boca masculina percorreu o pescoço.

—Passará a noite comigo.

Estonteada, levantou com esforço as pálpebras para olhar pela janela. Estava escuro. Em algum momento, enquanto esperava por ele, o sol se ocultou. Ele havia perdido. Também Paris descobriu o manto impenetrável da noite. Seus olhares se encontraram. Uma súbita apreensão apareceu nos olhos dele ao mesmo tempo que, tardiamente, dava-se conta de que calculou mal a hora.

—Você ganhou - disse assombrado. A ansiedade que percebeu nele a fez duvidar de sua decisão de lhe tirar a máscara. Sentiu como se estivesse apontando a cabeça com uma pistola. Apertando a mandíbula, afastou as mãos.

—Aonde vai? - gritou ela, ao dar-se conta de que não estava contente de ter ganho a aposta como deveria estar. Desejava render-se nua e passar a noite com ele.

Ela ter ganho a aposta roubava a única desculpa para ceder ao clamor de seus sonhos e afundar no intoxicante pecado com ele. Observou como se inclinava sobre a mesa e apagava o abajur deixando a sala às escuras.

—O que está fazendo? - sussurrou ela.

Ouviu sua voz justo frente a ela.

—Estou tirando a máscara em sua presença.

—Está é trapaceando - espetou ela.

—Não especificamos as condições de visibilidade no momento em que eu deveria tirar a máscara.

—Bem pode deixar a máscara porque não vejo uma maldita coisa.

—Sim, pode - a tensão vibrou em sua voz ao mesmo tempo que agarrou a sua mão e a colocou sobre suas faces cobertas de uma incipiente barba. - Pode me ver com suas mãos, meu amor.

Inalou lenta e delicadamente, e como se fosse cega, deslizou os dedos sobre os rasgos masculinos, perfeitamente esculpidos. Tinha maçãs do rosto altas, pestanas largas, e sobrancelhas cheias.

A linha de nascimento do abundante cabelo se curvava na ampla frente em um vértice. Seu nariz era reto, bem proporcionado e ligeiramente arrebitado. Seguiu o contorno de sua mandíbula até o forte queixo, e depois subiu os dedos até os lábios. Sempre a tinham fascinado esses lábios cheios, mas nunca tanto como na escuridão que a rodeava.

Uma fantasia surpreendente a possuiu: estar deitada de costas e sentir eles, deslizando sobre seu corpo nu, cobrindo a de quentes beijos.

Sentiu nas pontas dos dedos a sensual respiração masculina entrecortada.

—Bem? Deixariam-me andar livremente entre as crianças? - tentou soar displicente, mas ela sentiu os músculos de suas faces rígidos sob seus dedos exploradores.

—Está exatamente igual - murmurou com um sorriso. Ele representava a imagem do hussar carismático e assombrosamente bonito que se apaixonou.

—Parece aliviada - seu tom se percebia equânime, mas percebeu uma nota de reprovação nele. - Note novamente - agarrou os dedos e os guiou para as faces e a testa. Esta vez apalpou as cicatrizes.

Umas linhas largas e finas que cruzavam a pele. Finalmente, compreendeu por que ele sentia tal aversão a mostrar-se. Paris Nicolas Lancaster havia nascido formoso, inteligente, rico, e nobre; mas não teve uma mãe carinhosa nenhuma noiva que beijasse as suas feridas para que as sequelas se apagassem da mente em sua volta da guerra. Apesar do que custou a ele defender o seu país de Bonaparte, e por isso mesmo, amava-o ainda mais. E depois de tudo o que havia feito para ajudá-la com sua obra de caridade; o escrutínio de seu rosto parecia mesquinho e indigno de sua parte.

Apoiando-se contra ele, rodeou os ombros com os braços e apoiou os lábios sobre as cicatrizes das faces.

—Paris, eu amo-te...

—Não, não - afastou a cabeça com um movimento brusco. - Não quero sua compaixão, Isabel.

—Acredita que eu tenho pena de você?

Na escuridão, o silêncio que sobreveio entre eles pareceu entristecedor.

—O que eu teria que fazer para te convencer do contrário? - perguntou calmamente.

Agarrou-a pela cintura e a sentou na mesa, colocou-se de pé entre suas coxas levantando as saias e se aproximou dela. Ela sentiu a dura evidência de sua excitação apoiada contra seu corpo, avivando os sentidos. E seu fôlego quente na orelha ao sussurrar:

—Passa a noite comigo, de qualquer maneira. Eu vou fazer você tremer e suspirar de prazer.

Um tremor elétrico percorreu a coluna e arrepiou o pescoço. Estava séria e delirantemente tentada em aceitar, a sentir sua boca na pele, a tocá-lo como havia feito essa noite na pracinha, a deixar-se levar por seu desejo.

—Não posso - disse pesando. - John e sua irmã, Olivia, vão levar minha mãe e a minha cunhada ao Drury Lañe e a mim esta noite para ver...

—Que morra Hanson! Não quero que o veja mais, nem a sua maldita irmã!

Ela deu um pulo.

—Por que considera tão censurável a sua irmã? - inquiriu suspeita.

—Não a considero de maneira nenhuma. Prometa-me que se manterá afastada de Hanson.

—Está ciumento? - beijou a parte suave debaixo da mandíbula e seguiu com o passar do pescoço. Por Deus. Tinha vontades de devorá-lo.

Ele deixou escapar um grunhido grave, a deixando ver que desfrutava ao ser devorado.

—O que você acha? Anda pavoneando-se detrás de ti com a intenção de se casar contigo e levar você a sua cama. Sim, estou ciumento, maldita seja! Não te demonstrei quanto te desejo para mim?

Sentiu um bater de asas no coração.

—Você? poderia vir me visitar-ela propôs sedutora.

Os dedos masculinos deslizaram por suas costas, percorrendo habilmente a coluna.

—Está me sugerindo que suba até seu quarto esta noite? - soou extremamente intrigado pela proposição.

Sentiu que o vestido se afrouxava.

—Refiro-me a uma visita durante as horas do dia.

Abaixou o vestido e a camisa dos ombros e apertou a boca quente contra a pele, fazendo-a suspirar de prazer.

—Dirige uma organização de caridade durante as horas do dia, meu amor.

—Não no fim de semana. Um passeio pelo parque nas primeiras horas da manhã, ou um... piquenique, seria encantador - pensou que ele não necessitava instruções para conquistar a uma mulher, mas parecia necessitar um empurrão para a direção correta... ou para várias direções. Era hora de que a Gárgula saísse de sua cova à luz do sol e se reintegrasse na sociedade. Embora no momento, estar a sós com ele na escuridão se parecia perfeito... e pecadoramente excitante.

—Não passeio em público, meu amor. Sabe disso - sentiu um ar frio nos seios, e depois o roce de suas palmas acariciando em lentos círculos os mamilos, sensibilizando-os até convertê-los em duras pontas.

—Você gosta que nos mantenhamos assim, não é certo? - acusou-o sem fôlego, as urgentes sensações que a agitavam impediam de concentrar-se no que estavam discutindo.

—Escapulindo sigilosamente na escuridão, onde ninguém possa nos ver, ou saber que nós...

—Estamos loucamente apaixonados um pelo outro!

—Temos afeto um pelo outro - nem sequer havia visto seu irmão.

—O resto das pessoas pode ir ao inferno. Quero você para mim - inclinou a cabeça e pegou o seio com a boca, sugou-o com força. Sentiu um intenso desejo que se explorava nesse lugar secreto entre as coxas.

Agarrou-lhe a cabeça, incapaz de permanecer direita, enquanto sua língua envolvia e sugava o mamilo. Aferrou-se possessivamente os seios, dando a forma de suas mãos inquietas que os esfregaram enlouquecedoramente fazendo-a arquear-se contra ele, enquanto sua mente se derretia em uma sensual nuvem de ardor e desejo.

—Seus seios são tão suaves, tão... perfeitos.

Mordeu brandamente as pontas, puxou as extremidades deles, provocando correntes quentes que se deslizaram pela parte de trás das pernas. Sua grande mão se aventurou sob as saias acariciando a coxa.

Quando roçou a abertura de suas meias, a descarga que provocou e o roce dessa mão sobre a pele nua foi deliciosa e pecadoramente prazerosa. Deslizou a mão para o interior, entrando entre as coxas, localizando-se na abertura de sua roupa interior, até acariciar sua pele.

—Por Deus! - gemeu ao sentir um prazer doloroso que sacudiu todo o corpo. Ao mesmo tempo que diminuía, ansiava mais, muito mais dessa elétrica sensação de paraíso e de inferno provocada pela carícia de sua mão.

Apertou-se procurando a magia pecadora de seu toque.

—É apenas uma amostra do que experimentará se vier comigo esta noite - quando ele roçou essa pequena protuberância onde se concentrava seu desejo, deu um salto cambaleando na mesa.

Sustentando-se de seus ombros, entregou a boca em um selvagem, faminto e úmido beijo. Seus dedos a percorreram com experiência, até que ela se sentiu úmida e quente, e ansiosa de senti-lo ainda mais.

Ao mesmo tempo ele seguiu acariciando o seio, enlouquecendo a com um abrasador desejo por todos os lados, enquanto se beijavam profundamente, desinibidos, avivando-se mutuamente.

Gemendo ofegante com a cadência que marcava a carícia de sua mão, rendeu-se aos estragos que ele provocou afetando todos os seus sentidos. Quanto mais incrementava a pressão e a velocidade vertiginosa que exercia contra esse lugar tão sensível que parecia ter já pulso próprio, mais tentada estava de aceitar seu convite. Já não tinha dúvidas de que era o homem que queria; soube virtualmente aos doze anos. Com o L. J. se conteve decorosamente, mas com Paris, a virtude e o decoro eram palavras vazias.

—Eu... eu...

—Deseja-me - grunhiu contra sua boca aberta, afundando um dedo no interior de seu corpo. Penetrou-a mais profundamente e roçou um ponto mais sensível; uma luxúria selvagem percorreu todo o ofegante e ansioso corpo, nublando a mente. Gritou rogando por mais dessa deliciosa tortura.

—Me deseja dentro de você, meu anjo, minha leoa...

—Desejo-te dentro de mim - gritou brandamente, meneando os quadris contra sua mão, emanando ardente lava.

Ele sabia perfeitamente por que ofegava ela. Mas embora saciasse uma necessidade, despertava outra, mais urgente, mais demandante que a primeira. Já não era proprietária de seu corpo.

—Recorda quão excitado estava por você na pracinha? - perguntou ele roucamente. - Não é nada comparado ao quanto te desejo agora.

Quero me enterrar dentro de seu corpo, e te dar tanto prazer que cantaria uma ópera inteira quando terminar.

Em algum lugar recôndito de sua consciência nebulosa se perguntou a que obedeceria sua obstinada e repetida promessa de prazeres divinos para ela. Mal teria o poder para resistir a ele nesse momento.

Entretanto, um grito de ira por sua proclamação começou a vibrar debaixo da pele. Ela havia escutado sobre sua inclinação pelas cantoras de ópera, mas se ele se atrevesse a comparar a ela com prostitutas de duvidosa reputação resultaria imperdoável.

—Para quando eu termine contigo, Paris Lancaster, terá algo em comum com o Héctor.

—O que? - meio afogado, metade grunhindo contra sua face, disse. - A língua pendurada? Que agite a cauda? Acredite meu amor, assim me tem já.

—Se esquece querido - sussurrou ao ouvido, ainda aturdida pelas correntes de desejos que a alagavam em seu interior - que eu sei o que sempre desejaste, qual é seu desejo secreto.

—Como poderia saber qual é meu desejo secreto? - sua voz era profunda e rouca, faminto dela. Seu grunhido rouco soava como se fosse um homem dolorido.

Um sorriso feminino se curvou nos lábios.

—Quer uma carícia.

Ele se afastou. Ela tentou distinguir seus traços na escuridão. Tudo o que pôde ver foram as brilhantes gema... de seus olhos.

—Por que você se afastou? - gemeu alarmada, tratando de aproximá-lo.

—Para encontrar o seu desejo secreto.

Ela não tinha nem ideia do que pretendia fazer. Estava a ponto de morrer pela urgente frustração. Sumida na total escuridão da sala, a única coisa que podia fazer era sentir.

Ele separou os seus joelhos e reclinou as costas na mesa, depois colocou a cabeça entre suas coxas.

—Paris... o que está...? - separou as dobras úmidas com os dedos e a provou.

—Paris! - gritou ao sentir sua suave língua de veludo esfregando a sensível e palpitante protuberância, arrancando espasmos de escuro e erótico prazer. Depois a sugou com os lábios.

Os objetos voaram da mesa do escritório caindo ao tapete enquanto ela se retorcia e saltava resistindo, com gemidos e gemidos de doce agonia, rogando por liberar-se. Sem alterar-se, ele a lambeu, sugou , mordeu, e a arrastou ao limite da resistência. O coração pulsava disparado nos ouvidos, as pernas tremiam descontroladamente, os quadris, incontroláveis, açoitaram-se grosseiramente contra sua boca avassaladora.

—OH, Deus... OH, Deus... Paris! - a dura protuberância explodiu e uma rugiente sensação de satisfação correu pelas veias como um raio, como mel, como potente ópio, alagando o cérebro de puro prazer extremo.

Tinha alcançado o clímax.

Umas mãos fortes sustentaram o corpo lânguido contra o cômodo peito masculino apoiando a cabeça contra o ombro. Abraçou-o pela cintura e escondeu o rosto em seu pescoço, sentindo que uma sensação de êxtase como pó de estrelas enchia a mente de satisfação. Agradeceu a escuridão, mortificada por sua impudicícia. Aos quinze anos se equilibrou sobre ele com um beijo; e agora virtualmente se derreteu em sua boca da forma mais escandalosa e desavergonhada.

—Foi maravilhosamente apaixonado - disse ele - doce como o néctar.

—E outras coisas também - resmungou contra seu pescoço.

—Está envergonhada? - riu entre dentes. - Bom, não deve estar. Eu adoro isso de você.

Levantou o rosto para ele.

—O que você adora em mim?

—Tudo.

Acaso significava que a amava? Perguntou-se.

—Seu coração bate terrivelmente depressa.

—Está me deixando louco, meu amor. Se não tiver piedade de mim, poderia sofrer um ataque de apoplexia ou me converter em um lunático, ainda não o decidi.

Mas apesar das consequências que sofra por sua culpa, espero que me visite frequentemente, ou vou demolir o que tiver perto destroçando os ouvidos de todos.

—Coitadinho - riu entre dentes. Afundou os dedos na espessa e sedosa cabeleira e baixou a cabeça para beijá-lo. - Você é meu desejo secreto, Paris - lhe confessou enquanto seus lábios se roçavam...

—Senhorita Aubrey - a chamou Phipps golpeando a porta. - Lady Chilton e lady Fairchild requerem sua presença na sala verde.

—Não há paz para ter intimidade - murmurou possesso. - Graças ao diabo fechei a porta. Veem, ajudarei você a se arrumar - a pôs de pé e a fez dar a volta.

—Acende a luz - sugeriu ela arrumando o sutiã enquanto ele abotoava nas costas.

—Não.

—Perdeu a aposta, me tocou de todas as maneiras possíveis, e mesmo assim insiste em se esconder de mim?

—Carinho, não comecei sequer a te tocar. A que hora te espero esta noite?

Estava cansada de seguir esse jogo com ele. Entretanto, se insistisse, deixaria de lado a aposta e aceitaria seguir, mas de acordo a novas regras.

—Já te disse isso, não posso vir. Não o faria embora pudesse. Seria minha perdição, e não é o que quero - embora provavelmente tampouco isso bastaria para detê-la... desavergonhada como era.

—Não será sua perdição a menos que alguém te veja, e ninguém o fará. Buscarei você eu mesmo com meu carro depois de meia-noite. A única coisa que tem que fazer é escapulir de sua casa. Aguardarei você em...

—Não me escapulirei contigo nunca mais. E ponto.

—Isabel - a fez girar. - Já não tenho mais paciência.

—É uma pena - respondeu cortante.

Ela tampouco tinha mais paciência. No princípio desse pequeno jogo, o único obstáculo que havia era seu isolamento obrigando-a a tomar a iniciativa para poder vê-lo, tendo que jogar o papel de perseguidora.

Após isso, aprendeu que o outro lado da moeda era sua carta de triunfo. Entretanto, se o seguisse visitando, ele jamais se aventuraria a reinserir-se na sociedade; e em tanto permanecesse encerrado em sua luxuosa cova, não teria nenhum incentivo para mostrar o rosto ou para declarar-se.

—Se deseja me ver, lorde Ashby, pode me visitar esta tarde em minha casa e me acompanhar em um passeio pelo parque. Estarei te esperando as quatro em ponto.

—Isabel - rilhou os dentes.

—Senhorita Aubrey - a chamaram novamente golpeando com urgência a porta.

—Maldição. Encarregarei-me dele - Ashby se dirigiu a grandes e longos passos para a porta e a abriu. - Te importaria...

—O que está acontecendo aí, pelo amor de Deus? - a voz zangada de Íris retumbou peremptória na soleira.

OH, Deus. Isabel acendeu o abajur e tentou arrumar os grampos do cabelo. Não sabia em realidade por que se preocupava tanto. Íris provavelmente adivinhou o que estavam fazendo sozinhos na escuridão.

Mesmo assim, não diria a ninguém, guardaria o segredo da Isabel.

Paris permanecia de pé lhe dando as costas, sem a máscara; sua corpulenta figura bloqueava a soleira para ocultá-la da vista dos que estavam no corredor. Parte dela se suavizou diante do seu gesto de sacrificar a si mesmo para que ela tivesse uns segundos para juntar suas coisas. Mas por outra, estava ressentida porque permitisse a Íris vê-lo, mas se escondesse dela, sobre tudo depois do que tinha passado entre eles.

—Boa noite, lady Chilton, suponho? - disse modulando lentamente as palavras em um tom de voz sereno, educado, levemente áspero, mas com uma nota de chateio que não passou despercebida aos ouvidos conhecedores de Isabel. - Sou Ashby, o novo membro da Presidência de sua feliz iniciativa de caridade. Estou encantado de conhecer vocês.

—Lorde Ashby - Íris fez uma reverência. Sua voz resumia consternação, e um pouco de curiosidade também. - Me Permita te dar a bem-vinda a nosso grupo e agradecer sua gentileza ao nos permitir usar sua esplêndida casa.

—É um prazer, madame - tentou avançar, mas alguém mais apareceu diante dele.

—Me permita apresentar a nossa amiga e colega, a senhora Fairchild - lhe apresentou Íris.

—Senhora Fairchild - saudou encantadoramente baixando o tom de voz. - Não tinha ideia de que as sócias da senhorita Aubrey fossem dama de tal juventude e beleza, ou teria insistido em me apresentar ante vocês com antecedência, - "pobre Ashby", pensou Isabel; suas amigas o tinham encurralado.

—Lorde Ashby - sorriu sugestivamente Sophie, fazendo uma reverência. - É você muito amável.

Estava sorrindo provocadoramente! Isabel percebeu a inconfundível risada de Sophie e recordou seu fingido oferecimento de oficiar as apresentações de ambos frente a suposta existência de uma afinidade entre eles, e não pôde discernir se a gentileza que tinha dispensado Ashby a sua amiga havia sido em vingança por ter se negado a visitá-lo essa noite.

—Reservo minha amabilidade para nossa causa. Nesta ocasião, sou meramente honesto.

—Eu também quereria te agradecer por nos abrir as portas de sua casa - disse Sophie com voz suave. - Estou segura de que deve resultar um grande inconveniente, o que faz que sua ajuda seja mais louvável.

—Agrada-me ser de ajuda. Amanhã mudaremos a agência para sua localização permanente. Comprei um edifício para a fundação a quatro ruas daqui, em Piccadilly.

Proferiram repetidas vezes " OH!" e " Ah!" e outras expressões de encantada surpresa. Isabel queria gritar a elas que ele pertencia a ela, e que ninguém podia permitir-se efusividades com ele, salvo ela.

Em vez disso, adiantou-se para participar da conversação. Ao escutá-la aproximar-se, Paris fugiu.

—Deixo-as para continuarem suas obrigações. Boa noite - antes que Isabel pudesse aproximar-se ele desapareceu pelo corredor.

Isabel ficou pasma. Primeiro suas irmãs e agora suas amigas? Não o toleraria mais! Era a gota que enchia o copo, o jogo terminou. A próxima vez que o visse, dirigiria-se a ele e arrancaria a maldita máscara de seu rosto mentiroso. Escapulir-se com ela na escuridão. Ta!

Já veria. Sobre seu ventre te arrastasse, e pó comerá o resto de sua vida, antes que te permita voltar a me tocar.

Íris e Sophie entraram passando junto à Isabel, que ficara imóvel e mais furiosa que nunca em toda sua vida, e seguiram conversando agitadamente sobre a encantadora Gárgula.

—Olhem! - exclamou Sophie recolhendo a escritura. - Realmente nos comprou um edifício. Mon Dieu, ele é tão generoso...

—E amável, e atraente - murmurou Íris com ênfase, revisando os documentos. - E rico!

—E incrivelmente atraente... - Sophie olhou fixamente a Isabel. - Compreendo por que te agrada tanto, Izzy. Seu Ashby é um homem em todo o sentido da palavra, no bom sentido.

A contra gosto, Isabel tentou discernir a razão pela qual ele não permitia vê-lo. Era certo que ela não era tão amadurecida e mundana como suas amigas, mas suas irmãs eram mais jovens e impressionáveis, e o viram. A única explicação plausível era que temia seu rechaço... o que era um insulto em si mesmo. Ela era muito menos preconceituosa que Sophie e Íris juntas!

Nunca acreditariam se dissesse a elas que a mantinha ainda às cegas. Literalmente. Não era que tivesse a intenção de contar já que se veria como uma parva exímia. Bem, se Paris Lancaster a queria em sua cama, teria que armar-se de paciência, porque ele aguardava uma longa espera!

Não enganou a si mesma pensando que ele poderia aparecer em sua casa às quatro da tarde desse sábado. Mas ele tampouco devia enganar-se pensando que ela o visitaria em breve.

Ganhou a aposta e também podia manter-se em sua postura, com os olhos vendados.

—Parece que para vocês cai bastante também - disse finalmente. - Acredito que a opinião que tinham dele mudou agora que o viram em pessoa - andou frente a elas, muito preocupada para dirigir uma reunião.

Seria melhor que voltasse para sua casa para planejar como desmascará-lo.

—Devo dizer que ele não é como supunha - admitiu Íris. - Indubitavelmente, é um gentil cavalheiro.

—Parece... um asco - demarcou Sophie, rindo entre dentes. - Aconteceu algo interessante entre você e seu misterioso cavalheiro andante enquanto nós mantínhamos inocentes entrevista?

—Discutimos - murmurou Isabel soprando uma mecha que caía sobre o rosto, sem deixar de passear de um lado a outro.

—Uma rixa doméstica? Já? - o sorriso malicioso de Sophie se converteu em franca risada.

—Ele te compra um edifício para a agência e você briga? - perguntou Íris.

—Ele me irritou! - "e me fez tremer e suspirar de prazer".

—Te irritou em cima da mesa do escritório? - Sophie arqueou uma sobrancelha assinalando a desordem das coisas pulverizadas no chão. - Deve ter sido uma briga terrível.

—Se estão preocupadas que ele... tenha me comprometido, pois a resposta é não.

—Se continua te irritando, faça-me saber. Estarei encantada de tirá-lo fora das suas mãos.

Isabel se conteve para não mostrar os dentes. Ainda agradecia sua sorte de não ter que enfrentar a Inquisição Espanhola com sua atual aparência desalinhada. Relutante a revelar sua ignorância sobre a aparência do rosto do Ashby, indagou:

—De qualquer maneira, por que o encontraram estupendamente atraente?

Sophie sorriu amplamente.

—Acredito que por quão mesmo o encontra você, querida.

Isabel o colocava em dúvida. Os atributos de Paris eram meramente um bem agregado. O que mais gostava dele era sua generosidade, sua força e sua compaixão. Ele era desse escasso tipo de pessoas—especialmente no Mayfair - que não fecha as cortinas para ignorar o sofrimento do próximo e fazer de conta que não existem. E o que mais a fazia desejá-lo era a expressão de seus olhos ao olhá-la, como se a considerasse a única pessoa no mundo capaz de salvá-lo.

—Por favor, podemos ir?John e Olivia me recolherão em menos de duas horas - solicitou, pois embora houvesse considerado anular o compromisso, isso aconteceu antes que Paris houvesse posto fim a tudo.

Viria bem ele ficar ciumento! Esperava que ficasse muito amarelo atrás de sua maldita máscara!

Enquanto suas amigas foram procurar seus xales e chapéus, Isabel levantou a máscara de cetim do chão, mas antes de guardá-la em sua bolsa, fechou os olhos e aspirou o perfume de Paris.

De certa maneira, aspirar à máscara que usou parecia algo tão íntimo como se fosse sua camisa, ou algo que tivesse estado em contato com sua pele. Ao diabo, contudo. As coisas estavam indo das mãos se considerava a possibilidade de ir a sua cama apesar de ter ganho a aposta. Comportar-se como uma mulher impudica e desavergonhada não o levaria a propor matrimônio e, com toda segurança, a arruinaria.

Sua imprudência a havia feito pôr em risco sua reputação, o que significaria o fim da vida que tinha e, provavelmente, o de sua agência também. Seu futuro dependia de seu bom nome, igual ao seu presente.

Em consequência, sem importar quanto desejasse ao misterioso cavalheiro, deveria esforçar-se por ser prudente e moderada... e teria que manter-se afastada dele todo o tempo que pudesse—ou até que se extinguisse o fogo que tinha aceso nela.

Uma vez que estiveram comodamente sentadas no carro de Íris, Sophie procurou os olhos da Isabel na escuridão.

—Ainda não te declarou?

—Não - respondeu Isabel de mau humor.

—Está apaixonado por ti.

A pesar do bater de asas no estômago, Isabel o pôs em dúvida. Desejava-a, mas suspeitava que fosse mais por necessidade que por amor. Ao parecer, ela possuía algo que ele verdadeiramente desejava.

Ela esteve brincando quando assegurou a ele conhecer seu oculto desejo. Na verdade, não fazia ideia de qual era. A menos que Íris tivesse tido razão todo o tempo quanto a que ele tinha

intenções ocultas a respeito dela. O autocontrole que exercia Paris se resultava desconcertante. Possivelmente suas manobras estavam urdidas para prendê-la e algemá-la com o decadente dossel da cama medieval que estava no porão, ou um pouco igualmente gótico. Tivesse sido algo... fascinante, se não fosse pela falta de ar dessa antecâmara. Se na verdade Ashby tivesse algum plano infame em mente, deveria falar com suas irmãs, já que elas estariam felizes de proporcionar todo tipo de contos horripilantes sobre como reagia ela ante o fechamento. Não era algo que devesse tentar em sua casa.

—Tenho uma magnífica ideia - anunciou Íris. - Já que o edifício tem um salão de baile, proponho que organizemos uma festa para que todos saibam que esperamos contar com seu apoio e donativos!

Iluminaram-se os olhos.

—Organizemos uma festa de disfarces - sugeriu timidamente. - Com máscaras!

Suas amigas gostaram da ideia. A todos gostavam das festas de disfarces, e quando seus pares vissem o nome do patrocinador no convite, não seriam capazes de resistir a dar uma olhada à Gárgula.

Depois de deixar a Sophie, o carro subiu até a entrada do número 7 da Rua Dover. Isabel extraiu a carta do Ryan da bolsa e a estendeu a Íris.

—Levei isto comigo durante vários dias, não queria te dar na frente de outras pessoas. É do Ryan.

—Queima-a.

—Não quer saber o que diz? - perguntou Isabel calmamente. - Veio me ver antes de deixar o país. Ainda te ama, Íris, e deseja desculpar-se por seu... mau comportamento.

Íris limpou uma lágrima da face.

—Queima-a.

Isabel agarrou a mão de Íris.

—Merece saber a verdade, querida amiga. Não tem nada que perder só lendo-a.

—Sim, tenho - respondeu cortante. - O ódio que sinto pelo Ryan é a única coisa que tenho dele. Mantém-me quente na noite, quando comparo minha vida com o que poderia ter sido - quebrou a voz.

—Me alegro de que seu Ashby não seja o monstro que temi, mas há uma razão pela qual as mulheres impõem regras de conduta com os homens. Pensei que Ryan era meu único amor, meu salvador. Confiei nele tão cegamente que permiti... - fechou os olhos para conter a súbita corrente de lágrimas. - Não cometa o mesmo engano. Se assegure de que ele seja o homem que você deseja, antes de se entregar.

Isabel se inclinou para frente para abraçá-la.

—É a melhor amiga que alguém pode desejar. Obrigado por compartilhar seu segredo comigo, por tentar me proteger. Ryan não te merece, querida - a sustentou entre seus braços até que conseguiu conter as lágrimas, depois estendeu a carta. - Queima-a você mesma, se o desejar. Eu seria muito curiosa para não lê-la, e a curiosidade é o que matou ao gato.

Íris sorriu.

—Ao menos posso me consolar sabendo que a vida de Ryan tampouco é um mar de rosas. Ou não teria tomado tantos incômodos para obter que a carta me chegasse.

—Esse é o espírito que deve ter - Isabel a beijou na face e permitiu que o lacaio a ajudasse a descer. - Te vejo amanhã de manhã - não podia esperar a pôr em prática seu plano.

 

Uma vez mais Isabel se conteve e não o visitou durante... toda uma maldita semana! Afundado em um horrível estado de ânimo, Ashby derrubou sua frustração e desejo lixando a obra que tinha começado na sua volta de Ashby Park. Entregou-se à tarefa como se fosse um trabalho de preso, mas como era uma surpresa para a Isabel, não retrocedeu no esforço. Gostava de fazer coisas para ela.

Constatar o prazer com o que as recebia era emocionante e completamente aditivo. Não podia recordar qual era sua musa antes que Isabel reaparecesse em sua vida umas poucas semanas atrás. Agora mal podia suportar o tempo que estavam separados. Will havia dito uma vez que a pessoa se acostumava rapidamente às coisas boas, não era assim com as más. Isabel Aubrey era o melhor que aconteceu em sua vida... e seria a pior, se não obtinha o que ele queria.

Os primeiros dois dias, Ashby supôs que estava muito ocupada arrumando a formosa casa que ele comprou para sua obra de caridade, adaptando-a para contar com escritórios adequados para a agência.

Quando o sábado chegou, e em consideração a que ele não se apresentou em sua casa para dar o passeio no parque que ela sugerira, calculou dois dias mais para que sua irritação se acalmasse.

O sexto dia, quando ele enviou uma nota convidando-a a almoçar com ele e foi cordialmente rejeitado, soube a verdade: Isabel não sentia falta dele nem sequer a metade do que ele sentia a falta dela.

Sentiu-se como essas mulheres que ele estava acostumado a seduzir. Muitas vezes ele também se viu comprometido, de algum jeito, a estar com mulheres às que não tinha interesse de ver novamente, ou tão frequentemente como elas tivessem desejado. Se assim se haviam sentido, havia-as feito sofrer um inferno. Jamais havia sentido antes nada nem remotamente parecido a urgente necessidade que o dominava, nem essa constante dor sob as costelas. Sem poder vê-la, tocá-la, falar com ela estava se convertendo em um lastimoso despojo humano.

Suspeitava que ela procurasse pressioná-lo. A pequena chantagista pensava que podia dobrar o braço para obrigá-lo a fazer a grande apresentação em público. Possivelmente se conformaria com uma reunião mais privada, sempre e quando não usasse a máscara, mas isso o poria em risco de perder tudo. Fazendo justiça, ele deveria ter mostrado já seu rosto. Mas cada vez que considerou fazê-lo, as mãos ficavam frias, úmidas e pegajosas; e uma sensação parecida com o pânico o dominava. Se as olhadas compassivas de suas amigas podiam servir de pauta, também elas deviam estar preocupadas com a reação da Isabel. Por isso, antes que tirasse a máscara em plena luz, precisava estar seguro de que se importava o suficiente para poder ver mais à frente...

Por mil infernos. Maldita seja, era culpa dela que se sentisse pateticamente inseguro. Toda essa conversa de amor e a possibilidade de ser alterado o estava convertendo na antítese do curtido libertino que outrora fora. Foi comandante na guerra a quantidade de anos suficientes para dar-se conta de que perdera a supremacia do poder. Isso era o pior de tudo. Antes, quando havia feito que uma mulher gritasse seu nome dominada pela paixão, ele passava a ser seu amo e senhor; e bastava estalar os dedos para que fosse correndo para ele. Mas não com a Isabel. OH, não. Isabel, a leoa, tinha convicções, objetivos... e outros pretendentes. A leoa queria que se prostrasse a seus pés. Nada do que ele fazia tinha o poder de persuadi-la, salvo mostrar o rosto. E isso não podia fazer.

Não antes de ter feito o amor, suave, apropriada e meigamente.

Não era que tivesse nem a mais remota ideia de como obter. Apesar de ter mantido uma vida sexual ativa durante mais de duas décadas, jamais havia feito o amor a uma mulher. O sexo tinha sido uma atividade prazerosa que não comprometeu emoção alguma... nem tantos planos, nem autocontrole. Nem a quantia de quarenta mil libras. Mas tampouco queria seduzir a Isabel sobre uma mesa de escritório, nem na pracinha de uma casa estranha, ou em uma luxuosa sala de hotel, nem em nenhuma das instalações que habitualmente utilizou para ter sexo com ex-amantes; queria seduzi-la em sua cama, onde teriam todo o tempo e privacidade do mundo. Tampouco a escolheu para que fosse sua futura esposa por um simples desejo carnal, embora o tivesse; sua voracidade era por essa capacidade única que ela possuía a que procurou durante toda a vida: seu mais secreto desejo.

Desde que tinha quatro anos, sendo um pequeno conde, dono de uma fortuna inesgotável e sem ninguém para quem prestar contas, as pessoas tinham procurado sua companhia por duas razões: poder e dinheiro.

E se por um instante o tivesse esquecido, quando começou a atrair ao belo sexo, as mulheres o fizeram saber em pouco tempo que, apesar dos atrativos que pudesse ter, esperavam além um ou dois presentes.

Assim foi que aprendeu às consentir, enquanto ele conseguisse o que desejava delas, principalmente um curto intercâmbio de prazer físico, sem nenhum tipo de ataduras. Indevidamente, ao crescer se converteu em um vicioso inútil, mimado e mimado, acostumado a conseguir o que desejava e a fazer tudo o que ele desejava muito. Seus supostos amigos e companheiros eram esbanjadores perdidos e inescrupulosos, criaturas dissolutas cujas reputações eram mais negras e vazias que a sua, e que, igual a ele, foram pela vida de excesso em excesso a seu capricho. Sentiu como se ele fosse um maldito clichê.

Encontrar ao Will foi um ponto crucial em sua vida. Realmente agradava ao Will. E o que era mais estranho: a segurança em si mesmo de seu novo amigo provinha de seu interior. Como segundo filho de um membro novo da nobreza, esperava-se que abrisse caminho no mundo simplesmente com o único aval das conexões de sua família. Entretanto, não se limitaram a liberdade de perambular pelo mundo com um alegre sorriso no rosto e a convicção interna de sua unicidade. Will forçou ao Ashby a fazer algumas sessão de profunda introspecção sobre suas motivações, convicções e atitudes, mas não foi até que o levou a sua casa que brotou o desejo de satisfazer um novo capricho. Só que este não era tão fácil de satisfazer, era quase impossível. Portanto; converteu-se em uma obsessão, uma fome tão profunda, tão persistente, que ocupou todos seus pensamentos e sonhos. Desejava que alguém o amasse.

Amor, essa besta irracional e ilusória que todo mundo venerava, pela qual lutavam encantados. Queria senti-lo. Entretanto, sem importar quanto o desejasse, quão afanosamente o buscasse, a besta o evitava.

Até que pôde vislumbrá-la sete anos atrás, em um escuro banco, em uma jovenzinha a que ele dobrava a idade.

Nunca tinha encontrado a alguém mais apaixonado e devoto dos que amava; uma autêntica leoa. Ser objeto de seu amor, embora não fosse mais que por um fugaz momento, tinha-o vigorizado, havia o feito sentir-se especial, invencível, vivo... um leão. O que tivesse visto Izzy nele para merecer seu afeto, fez ele desejar ser outro homem, por ela e por ele mesmo; porque agradou o sentimento.

Havia feito sentir que a vida merecia ser vivida. Se ele tivesse sabido que ela aceitaria suas cicatrizes... suas culpas, e todo o resto... não haveria sequer pensado em colocar a pistola na cabeça em Waterloo.

Teria ido diretamente para ela. Mas Isabel não o viu depois de Sorauren, e ela não sabia que tinha matado a seu irmão.

A possibilidade de que ele pudesse terminar como um dos desafortunados bêbados que babavam detrás dela o aterrorizava. Apostaria tudo o que possuía a que Isabel não tinha consciência da poderosa arma que possuía tão naturalmente. Tinha-o visto com os vagabundos do baile dos Barrington, ela irradiava inocentemente esse quente magnetismo, e parecia inalcançável a todos eles, porque nenhum em realidade a interessava. Sua arma não era sua beleza, nem seu dote - dos quais não precisava embora não na magnitude de outras mulheres de seu círculo-era essa promessa de amor incondicional que, sem querer exalava.

Era isso o que fascinava os famintos de amor da aristocracia. Homens como ele mesmo.

Homens que viviam em uma sociedade cínica, mercenária e hipócrita, integrada por viciados no prazer de ser escavada sua glamorosa superfície, apareceriam como realmente eram meras vítimas do fracassado sistema perambulando como errantes, apesar de serem mulheres e homens adultos, em uma frustrada busca do amor. Porque esse dom era tão incomum, que deviam arrastar-se em detrás de artificiais substitutos. "Semelhante aos fantasmas dos sonhos, em cuja desconcertante história não havia coisa que por ventura não confundissem", escreveu Esquilo.12 Bem, estava farto dessa sociedade e de seus lastimosos fingimentos. Muito tempo atrás decidiu que não se conformaria com nada fingido. A falta de afetação da Isabel, o presente de seu amor, tinha-o deslumbrado e subjugado, como se fosse um mendigo arrastando-se no lodo diante da piscada de aquiescência do soberano.

Era compreensível por que se sentisse despossuído. Depois de ler as cartas do Will, depois de tudo o que havia feito por ela, esperou obter seu afeto. Entretanto, a pesar do infinito amor que em seu coração ela albergava por sua família, seu amigo, e por quanta alma desgraçada havia sobre a terra, não encontrou uma migalha para ele. Não desde sua desprezada fuga da pracinha dos Barrington, desde que ele a feriu. Por estes dias, inclusive por um sentimento de caridade, estava abaixo de um gato de rua. Tudo pela maldita máscara. Isabel não queria uma barreira entre eles. Olhe você, esteve nu com mulheres que jamais chegaram a conhecer algo dele; nem sequer aquelas com as que se deitou durante um tempo conseguiram conhecer uma mínima fração do que confessou abertamente a Isabel sobre si mesmo.

Objetos sexuais e amigas casuais não tinham alcançado a vislumbrar nenhum pingo de sua alma. Para a Isabel era como um livro aberto. Ela sabia qual era seu desejo secreto.

E ela o mantinha longe de seu alcance, intencionalmente.

Essa era a razão pela qual se achava enclausurado em seu oitavo dia de solitária dor e sem fazer nada a respeito. O que poderia fazer exceto entrar como um furacão na agência e repreendê-la com uma tirada de amante desdenhado? Considerando que a única invasão que levasse a cabo seria em privado, reservava-se a opção de incursionar em seu quarto essa noite; mas se ela gritasse pedindo ajuda, Stilgoe dispararia primeiro, e perguntaria depois. Possivelmente deveria raptá-la, fugir com ela a Espanha ou Itália, comprar um pequeno palácio junto ao mar, onde pudesse tê-la só para ele...

Salvo que não estava seguro de como reagiria ela ao ver o seu rosto. Maldição. Maldição. Maldição.

A grosa escapou de sua mão e rasgou a pele do dedo.

—Por mil demônios!

Grunhindo, elevou a caixa que estava esculpindo para ela e a jogou contra a parede. Já não podia suportar mais estar sozinho, nem um maldito minuto mais. Se ela não o amava, estava sentenciado, ficaria completamente louco. Porque ela era a única mulher que desejava.

Amaldiçoando profusamente, foi jogar água fria no dedo que ardia terrivelmente. Phipps apareceu no arco de entrada.

—O que? - ladrou.

—Milord, tem uma visita - moveu nervosamente as sobrancelhas. - Uma certa jovem margarida...

O coração começou a pulsar com ritmo enlouquecido. Agarrou a máscara.

—Faça ela entrar.

Um momento depois, a luz do sol pareceu iluminar o porão ao entrar Isabel com seu gracioso chapéu e sua bolsa balançando em seu braço. Alta, ágil e esbelta, usava um vestido de musselina cor adamascada, de colarinho alto e recatado, da mesma tonalidade que suas faces. Desejava comê-la viva.

Só fazendo reserva de um penoso autodomínio pôde evitar lançar-se sobre ela, aferraria grosseiramente entre seus braços, e a levar à cama antiga que estava no outro extremo da sala.

Ela precisava saber que ele tinha outras coisas em sua vida, além dela. Os pensamentos que tinha de Isabel ocupavam grande parte dela.

—Olá.

Ela deu um passo para diante.

—Está zangado.

Sim, estava zangado consigo mesmo por comportar-se como a mais desprezada de suas conquistas. Se Isabel vendesse assentos para presenciar esta patética cena, o porão não teria capacidade suficiente para albergar a suas ex-concubinas e amantes aplaudindo e aclamando-a. Olivia o acusou de ser orgulhoso. Pode ser que fosse, mas nesse momento em particular se sentia derrotado.

Deveria reiniciar sua obra, salvo que esfolou o dedo indicador e fez migalhas da caixa contra a parede. Desejaria contar coisas como que estava esgotado depois de uma noite de farra, mas como ela sabia perfeitamente que não saía em público, daria-se conta de que a esteve espiando outra vez, observando como ela saía todas as noites com o Hanson e sua irmã, e com suas amigas. Porque ela não tinha tempo para ele.

—Como vai à agência? - perguntou em troca, soprando o dedo dolorido.

—Muito bem, graças a você. Estamos obtendo um êxito assombroso. Recebemos bolsas cheias de pedidos de emprego diariamente. Inclusive chegam a nós solicitantes que não vivem na cidade e ouviram falar de nós.

Contratamos uma governanta, uma mulher doce chamada Rebecca, que se mudou à casa com seus dois filhos pequenos. Contratamos assistentes para que nos ajudem com o trabalho. E contatei às familiares dos que figuravam nas listas que me enviou - sorriu. - Devia ter pensado nisso. Depois de tudo sou uma delas, familiar de uma das baixas do Regimento 18 de Cavalaria do Hussar.

—Apaguei o nome do Will. Não queria que você se amargurasse - moveu o dedo. A maldita coisa doía como os mil demônios.

Ela se aproximou e segurou a mão.

—Coitadinho, machucou o dedo? Deveria lavar com água fria. Acalmara a dor.

Não se sentia muito agradecido com ela para apreciar sua preocupação; sobre tudo porque tinha outras ardências que precisava acalmar.

—Já o fiz. Não serviu de nada.

—Pois tenho um remédio melhor - sorrindo, levantou o dedo, o levou aos lábios, e o beijou brandamente.

O coração deu um salto, deveria estar furioso com seu próprio coração por haver dado tanto poder a ela. Mas ele tampouco podia ajudá-lo, tentou não escutá-lo, mas sempre voltava a obcecá-lo.

Inclinou a cabeça e inalou o perfume de seu cabelo. Deus. Sua essência nublava o cérebro.

—Você me ama?

Olhou-o surpreendida.

—E você me ama? - repetiu sua pergunta. - Ou me necessita?

Sua réplica engenhosa o confundiu. Como diabos deveria responder essa pergunta ardilosa? Não era amor a necessidade que se sente por outra pessoa? Maldição. Ele não estava incapacitado para o amor!

Amava a seus pais, não é certo? Tinha amado ao Will. Desejava desesperadamente perguntar a ela, a perita na matéria, que maldita diferença havia, mas não era tão parvo como para não saber de antemão que ela interpretaria sua pergunta como uma desculpa áspera para justificar-se.

—Necessito muito de você - confessou, sentindo-se pouco engenhoso.

Sua resposta foi errônea ao julgar por sua careta de desagrado.

—Por que eu deveria amar a alguém que me necessita, mas não me ama?

—Eu não disse que não te amo, merda! - afastou a mão bruscamente dela e foi servir se uma saudável dose de uísque. A mulher estava decidida a vê-lo internado em um instituto psiquiátrico.

—Quer um pouco de uísque?

—Não, obrigado. Há uma diferença entre amor e necessidade, Paris. Não sabe?

—Explique-me.

Jogou-lhe um estranho olhar.

—Muito bem. Amor significa que alguém põe as necessidades da pessoa que ama às próprias.

Olhou-a.

—Está brincando, não? Supõe que devo entender uma maldita coisa da explicação tão intrincada que me deu? - amaldiçoando baixinho terminou o resto de sua bebida.

—Não posso te explicar o que é o amor. Sente-o, ou não o sente.

—E você já não o sente por mim. Não mais - se serviu outro copo. Embebedar-se parecia uma excelente ideia, perguntava-se por que não pensou nisso antes.

O bater das asas de suas pestanas foi um traço delator de seu desassossego.

—Não entendo por que estamos discutindo isto. Que problema tem?

—Você - apoiou bruscamente o copo na mesinha auxiliar e se encaminhou para ela. - Você... irrompeu em minha pacífica existência, transtornou tudo, dominou-me com sua voz melosa e seus brilhantes olhos azuis, e seus suaves lábios... - ao chegar junto a ela, pareceu converter-se em um animal depredador. Instintivamente, ela retrocedeu alarmada, mas ele a encurralou contra a parede.

—Basta. Pare. Está me assustando - o advertiu, sentindo um tanto intimidada.

—Eu me sujeitei a você para reparar minha conduta na pracinha, mas nada parece suficiente para você, não é certo? - quando chegou até ela, apoiou ambas as mãos contra a parede emoldurando o rosto, encurralando-a, desafiando-a com o olhar. - Não descansará até me ver a seus pés.

—Você perdeu a razão - respondeu. - Esteve fechado neste porão sem ar muito tempo.

—Queria ad folhas de pagamento, e os consegui isso. Queria minha opinião sobre a proposta de reforma de lei, e eu fiz isso. Precisava encontrar outra maneira para ajudar a suas mulheres necessitadas, e dei isso em bandeja. Dei a você tudo o que queria e não te pedi nada em troca, exceto algo que ambos desejávamos, e o que consegui? Indiferença. Frieza. Absoluto desprezo.

—Nunca fui fria contigo.

—Tampouco muito cálida - observou a mescla de emoções refletidas em seu rosto em forma de coração, na careta de seus lábios, em suas suaves faces macias, no impertinente nariz enrugado, em seus olhos azuis preocupados, no cenho levemente franzido dessas sobrancelhas de um loiro escuro.

Diabos. Não queria uma dissertação de filosofia aristotélica! Tudo o que desejava era um maldito beijo. Para começar...

—Está dizendo que tudo o que fez pela obra de caridade... fez por mim? - perguntou.

—Não foi por mim - embora, surpreendentemente, havia feito sentir-se não só recompensado... havia feito sentir-se bem.

—Pensei que realmente se importasse com nossa causa. Disse que a razão pela qual decidiu se envolver era para recuperar ajudando a outras pessoas - se plantou uma expressão de desilusão em seu rosto.

—Não se importa no mínimo essas pobres mulheres, nem seus filhos famintos! A única coisa que te importa é satisfazer suas próprias necessidades!

—Importa-me muito sua causa. Possivelmente não tenho sua aptidão para ajudar a todos, todo o tempo, mas me indicou o caminho correto, e te ajudei. Mas fracassei ao me dar conta por que é um crime fazer algo bom por alguém a quem quer agradar!

—É igual a todos os outros - lutou por conter as lágrimas. - Só é mais hábil no jogo, porque é mais inteligente e decidido... e tem mais dinheiro.

Exasperado, ele sussurrou.

—Todos ficaram com um cachorrinho porque você não podia suportar que fosse jogado à rua? Todos abandonaram tudo para te ajudar a cumprir os objetivos que impôs? Todos se dedicam por inteiro a ajudar a mulheres carentes?

—Fez tudo isso porque necessitava algo de mim.

—Sim. A você. É tão mau isso? Fazer coisas por você me converte em um vilão?

—Não - reconheceu calmamente, baixando o olhar. - Mas eu pensei...

—Pensou que eu era igual a você - suspirou profundamente. - Desejaria ser. Me acredite. Estou fazendo tudo o que está ao meu alcance para ser o homem que você deseja Izzy, e farei mais, mas preciso que... guie-me - baixou a cabeça e a beijou delicadamente. - Desejo você, você não me deseja? - quando ela levantou o rosto, acariciou os traços do pulso como se estivesse em transe.

—Todos te fazem arder de desejo como eu? - ela desviou o olhar com o rosto arrebatado pelo rubor. Isto o ia consumir, mas não tinha outra opção. Apoiou os lábios na orelha e sussurrou acariciando.

—Ainda sinto seu sabor. E quero te saborear mais.

—Pare com isso.

Graças a Lúcifer ele mexia com ela. Não era muito sutil, mas jamais podia ser com nada que se referisse a ela. Decidiu ser implacável.

—Você Toca a si mesma como eu te toquei, de noite, só em sua cama? Eu o faço às vezes quando me resulta insuportável o desejo, e penso em você. Imagino seus doces lábios, seus seios firmes nas palmas de minhas mãos, seu gracioso corpo nu me recebendo complacente, e assim posso conseguir me liberar. Não como eu gostaria, dentro de você, com seu corpo úmido e acalorado por mim, me cravando as unhas nas costas, minha leoa - beijou o pescoço, o sangue fluía quente pelas veias, cada polegada de seu corpo ardia por ela. Quando ela gemeu, cravando os dedos na cintura, sentiu o desejo de possuí-la aí mesmo, contra a parede.

A voz feminina se escutou como um comprido gemido:

—Faria algo por mim? Só por mim?

Em seu estado, aceitaria algo. Só rogou para que ela não o enviasse ao inferno.

—Você escutou - levantou a cabeça e se encontrou com um envelope. - O que é isto? - se fosse um convite para suas próximas bodas com o Hanson, ela jamais poderia deixar sua casa. Agarrou o envelope e extraiu um cartão adornado com máscaras venezianas de cor negra e dourado.

—Daremos um baile na sexta-feira para celebrar a inauguração de nossa agência. Esperamos reunir recursos e reconhecimento da aristocracia. Vim a te convidar pessoalmente.

Percebeu que seu nome figurava depois da frase: "patrocinado por".

—Eu pensarei.

—É um baile de disfarces. Todos usarão máscaras, não só você - o olhou aos olhos. - Quero que participe, Paris. Por mim. Fará isso, por mim?

Era a primeira vez que pedia algo para ela e não para a obra de caridade, ou para ajudar a alguma outra pobre criatura. Se ele se negasse, duvidava que pedisse que fizesse outra coisa por ela.

Ela deslizou as mãos que tinha apoiadas em seu peito, e as passou ao redor do pescoço.

—Por favor, compareça ao meu baile, querido. É a única pessoa que eu gostaria de ver, e com quem desejaria dançar - o agarrou de surpresa quando ficou nas pontas dos pés e o beijou suave e profundamente, pondo todo seu coração e sua alma nesse beijo. Quando ela fazia algo assim, ele estava disposto a fazer tudo. - Realmente, te desejo - murmurou ela cobrindo o de beijos lentos.

—Inclusive quando me invadem umas terríveis vontades de te estrangular, homem misterioso... maravilhoso - o abraçou... somente o abraçou, e pôde sentir os batimentos de seu coração contra seu peito.

—Isabel.

Abraçou-a com força, e sentiu que o frio que aninhava no mais recôndito de seu coração desaparecia com sua calidez de mulher, fazendo ele evocar lembranças e sentimentos que fazia muito tempo havia esquecido .

Nunca o abraçaram assim desde que tinha quatro anos. E apesar de ser tão miúda e frágil, a força de seu espírito o sobressaltou. Jamais poderia deixá-la ir, embora ela o desdenhasse e burlasse dele e sentisse ânsias ao ver seu rosto, porque jamais poderia sobreviver sem ela.

—Antes que eu esqueça... - separou-se de seu abraço, para sua consternação, e extraiu uma caixa pequena de sua bolsa. Estava belamente envolta como presente, e atada com um laço azul.

—Isto é para você.

—O que é?

—Abre para ver por si mesmo - sorriu lhe estendendo a caixa apoiada na palma da mão.

Tirou o papel, o laço... e lhe cortou a respiração.

—É um relógio de bolso.

—Sei. Sem dúvida deve ter uma grande quantidade deles, mas... eu o vi. Em uma loja no Bond Street E... não pude resistir - deu um tímido sorriso. - Olhe na parte de trás. Tem algo gravado.

Sentiu-se... fraco.

—Você me comprou um presente? Por quê? Deu de ombros, ruborizando. - Por que fez para mim a caixa com o leão? - Isabel, se isto for pelo edifício para a agência... - balbuciou torpemente.

Ruborizou-se mais ainda.

—Eu comprei este presente, bom... porque eu gosto de você, tolo. Tenho que ter uma razão em particular?

Com mãos não muito firmes e o pulso acelerado, olhou reverentemente o brilhante relógio de ouro com corrente, revisando a parte de trás onde encontrou o brasão de sua família, um leão belamente gravado em ouro branco, junto com uma inscrição que dizia: "Para P. N. Lancaster. Coeur de Lion. Com carinho, Isabel". Conteve a respiração.

—Eu não sei o que dizer. É lindo. Guardarei com grande estima. Obrigado.

Mordeu o lábio para esconder o sorriso, e os olhos brilhantes.

—Não te importa o francês?

—Coração de leão. Não, não me importa o francês - engoliu com dificuldade. - É o que você pensa de mim?

Assentiu com os olhos. Precipitadamente, assegurou-lhe.

—Não é um suborno e não tem nada que ver com o convite ao baile...

—Se disser uma só palavra mais começarei a chorar - a silenciou com um beijo, escondendo quão profundamente o emocionou. O último presente que recebeu em sua vida foi de seus pais. Ela estava destruindo-o.

—Agora guarde, porque não terminei a discussão sobre o baile.

Emocionado por seu doce gesto, guardou o relógio na caixa, e a apoiou sobre a mesa de vinhos. Voltou para seu lado com o coração batendo com força.

—Sim, Sua Majestade?

Enlaçou o pescoço e o fez baixar a cabeça para dar um suave e prolongado beijo. A firme calidez de seus lábios, a aveludada carícia de sua língua o deixaram completamente fascinado.

Isso era algo distintivo na Isabel... seus beijos, beijos que absorviam a alma e o convertiam em um exímio idiota.

—Um gesto de boa fé, é a única coisa que te peço - sussurrou. - Pense.

Se apenas soubesse o que estava pedindo... mas o que podia dizer? Como podia dizer que a tortura pelas atrocidades que cometeu o perseguiam a todas as partes? Que ele era um fantasma vivente de todos os milhares que foram mutilados no campo de batalha. Que não servia para reinserir-se na sociedade. Somente o insistiria a fazer com mais força, ansiosa de sanar suas torturas e de fazer dele um homem novo. Talvez realmente quisesse, mas arranjou uma provocação para ele no seu desejo fazê-lo merecedor de sua incondicional, desinibido e inalterável amor, e ele não estava seguro de poder suportá-lo.

 

—Que esplêndida reunião! - disfarçada como uma ave do paraíso com um vestido de festa de seda azul com coloridas plumas e uma máscara combinando, Sophie se estremecia deleitada ao escrutinar o atestado salão ricamente decorado. - Estava preocupada que a chuva fizesse que todos permanecessem em seus lares, mas ao que parece, todos os pares do reino estão presentes esta noite, e os que não o são também.

Nossa festa é um êxito, se me permitirem que diga isso.

—Comentaram-me que Prinny está a caminho - sussurrou Íris com igual entusiasmo, glamorosa em seu disfarce celta de seda verde esmeralda. - OH! E posso ver a duquesa de Devonshire devorando bombons de chocolate junto à mesa de refrescos. Esse é sempre um bom sinal.

—Todos parecem estar passando o de maravilhas - demarcou Isabel.

"Todos exceto ela". Suspirou tristemente, ao mesmo tempo que os casais mascarados giravam a seu redor no compasso de uma dança de casais em fileiras. Como anfitriã, tinha a prerrogativa de declinar convites para dançar sem que ninguém se ofendesse. Portanto, permaneceu de pé junto à pista de baile, desejando estar em outra parte, e com outra pessoa. Infelizmente, já havia usado todos seus azes: manter-se afastada de sua casa, suplicar que fosse a sua festa, permitir que essa semana John e Olivia a acompanhassem a cada uma das noites, sabendo que Paris rondava nas sombras fora de sua casa...

Mesmo assim, nada parecia perturbá-lo. Pelo contrário, parecia mais afiançado que nunca em sua posição, refugiando-se detrás da máscara. O que outra coisa podia fazer ela?

Suas maquinações não a conduziam a nenhum fim proveitoso, havia só duas cartas por jogar: desmascará-lo quando menos esperasse, ou passar a noite com ele. Mas não queria abrir mão de nenhuma delas.

Recorrer a medidas desesperadas bem poderia custar a separação do homem ao que amava, a reputação, a agência e inclusive, a liberdade. Estava perdendo o maldito jogo.

Embora demonstrou que não podia esperar que ela resultasse uma presa fácil, o coronel Lorde Ashby, o brilhante estrategista, estava tomando seu tempo, à espera de que a fruta amadurecida caísse em suas mãos.

Isso estaria muito bem e estaria no correto salvo pelo fato de que a decisão final sobre seu futuro não estava nas mãos dela. John já não tentava conquistar outras mulheres, tinha centrado toda sua atenção nela e, como resultado, sua mãe e seu irmão aguardavam uma iminente proposta de matrimônio.

—Todos colocaram uma máscara e vieram a dar uma olhada a nosso patrocinador - comentou Íris. - Até o Chilton se encontra aqui, em algum lugar.

—Seu marido, igual ao resto dos presentes, se verá penosamente decepcionado esta noite, posto que ele não virá - disse Isabel. Depois de ter examinado a multidão durante duas horas procurando um homem mascarado em particular, estava mais que decepcionada. Sentia-se completamente infeliz.

—Quem não virá? - disse alguém em voz baixa junto a ela.

Isabel se sobressaltou, mas reconheceu a voz de Ryan Macalister até sem ver sua alta figura de cabelo castanho avermelhado. Íris conseguiu a reconhecê-la inclusive antes que ela e se desculpou imediatamente.

Sophie dispensou um olhar que advertiu a Isabel que seria considerada uma traidora por relacionar-se com o inimigo e fugiu atrás de sua amiga. Isabel permaneceu imóvel.

O soldado mascarado a segurou na mão e fez uma reverência.

—Bottom, ao seu serviço, Sua Majestade.

—Como soube? - ela sorriu por trás de sua máscara de cores claras coberta com pó prateado.

—O que? Que você é Titania, a rainha das fadas?

Percebeu como a examinavam seus curiosos olhos celestes através das frestas da máscara que cobria a metade do rosto. Observou-a atentamente: as sapatilhas chapeadas, o vestido de variadas cores de gaze que foram do amarelo brilhante à rosa e ao celeste, detendo-se particularmente nos seios que o espartilho prateado deixava generosamente ao descoberto, mais que o usual.

Seu olhar percorreu lentamente todo o corpo até chegar finalmente a seus brilhantes cachos que caíam como cascata de uma diminuta tiara de prata.

Era uma pena que não fosse o causador da escolha desse disfarce tão sugestivo.

—Era uma aposta segura. Mais segura que sugerir que estava disfarçada de...

—Do que? Rogo que me diga isso - ela insistiu desafiadoramente.

—Com o risco de que me golpeie os nódulos com o leque, minha outra opção teria sido uma cremosa Mille feille , um bolo de folhado de mil capas finas como o papel, com saboroso e doce...

—Que vergonha, major!-deslizou calmamente o leque pelos nódulos sem poder ocultar um sorriso. - Comparar uma dama com um bolo! No que o converte isso a você?

—Não em um francês, espero.

—Os franceses perderam a guerra, major, e você está a ponto de perder a sua.

Ele se aproximou.

—Rejeitou a minha carta?

—Não - lhe respondeu ela em um sussurro - mas você cometeu um grave engano.

—Por quê? A que se refere? - perguntou alarmado.

—Em primeiro lugar, deveria ter se aproximado dela primeiro, não a mim, e aproveitando a multidão mascarada, manter um tête-à-tête em privado, mas, desacertadamente, alertou-a de sua presença.

Agora ela fará o impossível por evitá-lo o resto da noite.

—Você tem razão, sou um idiota - passou a mão pelo cabelo, desordenando. - É só que ela me deixou sem fôlego ao vê-la com esse vestido verde esmeralda. Eu fiquei nervoso - admitiu tristemente.

Por desgraça, Isabel não tinha nenhum conselho para dar a ele. Inclusive embora Íris o perdoasse, nunca estariam juntos, igual a - conforme começou a temer - tampouco estariam Paris e ela.

—Faça o que fizer, por favor, tenha em conta que seu marido está presente. Não cause a ela problemas. Chilton é do tipo ciumento. Se o vir com ela, Íris será a que pague as consequências.

Ryan apertou a mandíbula, a ira e a dor obscureceram os seus olhos.

—Desejaria poder atacar e a resgatar desse ogro, mas não posso fazer. Nem tampouco acredito que ela me permitisse isso, mesmo que eu tentasse.

—Izzy! - o grito de sua mãe quase a deixou surda. Lady Hyacinth assegurou do braço e aproximou os lábios à orelha da Isabel. - John está te procurando, e me inteirei de boa fonte que se declarará esta noite.

OH, querida! Mal posso conter as lágrimas! - aspirou ruidosa e dramaticamente.

—Tampouco eu - Isabel terminou sua taça de champanha e a entregou a um criado que estava perto dela. A boa fonte de sua mãe era indubitavelmente lady Fanny, a mãe de John, o que significava que a proposta era verdadeiramente iminente. Não ansiava enfrentar a conseguinte recriminação em sua casa, quando informasse a sua família que preferia ingressar em um convento antes de casar-se com o John "Handsome", que não despertava emoção alguma. Ryan ainda se achava de pé a seu lado. - Mãe, ele é o major Macalister. Prestou serviço com o Will no Regimento 18 do Hussar. Major, ela é minha mãe viúva, lady Stilgoe.

Sua mãe estendeu a mão para saudar o Ryan, mostrando-se pouco agradada de que se achasse com sua filha estando ela próxima de casar-se. Assim que sua mãe se afastou, Isabel virou para o Ryan para desculpar-se, mas ele tinha a vista fixa em uma máscara de cor rubi que se dirigia para eles. Sally Jersey. A orquestra começou a tocar uma valsa.

—Dance comigo - murmurou suplicante, deslizando a mão enluvada dela ao redor de seu braço. Isabel permitiu ele escoltá-la até a pista de baile, agradecida pela distração. John, perseguindo-a com um anel no bolso, havia despertado um repentino interesse pela dança. Ficou frente ao Ryan na pista de baile - Formamos um bonito casal - ele sorriu tristemente, ao mesmo tempo que agarrava a mão.

—Me pergunto se algum dos dois conseguirá um final feliz. Não permitirão rechaçá-lo, não é verdade?

Obviamente ouviu a mensagem que sua mãe sussurrou sem dissimulação.

—Não, não o farão, mas enfrentarei a ambos com unhas e dentes se for necessário. Não me converterei na esposa de um homem a quem não amo.

Ele curvou a mão ao redor de sua cintura. A curiosidade o cintilava nos olhos.

—A quem ama minha resplandecente Titania?

Uma grande mão enluvada posou sobre o ombro de Ryan.

—Faça-se a um lado, Macalister - indicou uma voz de barítono. - Esta valsa é minha.

Isabel sentiu que o pulso acelerava freneticamente.

—Quem demônios...? - Ryan girou a cabeça e ficou boquiaberto. Adotou a postura de atenção imediatamente. - Coronel Ashby - soltou a Isabel e sorriu ao mesmo tempo que oferecia a mão.

—Só Ashby.

Ao estender a mão ao Ryan, o olhar de cor verde esmeralda de Paris se dirigiu para a Isabel. Estava vestido completamente de negro. Seu escuro cabelo comprido, que já não estava na moda, brilhava à luz dos candelabros. Ela sentiu o calor correr por debaixo da pele. A mensagem nos olhos dele era claro e nítido: "Tão assim eu te desejo".

Ryan observou a um e a outro com olhar curioso e fez uma reverência despedindo-se.

—Quando sentir a necessidade de compartilhar uma taça enquanto escuta velhas histórias de guerra, dê uma volta pelo Old Captains' Clube.

Os brancos dentes de Paris brilharam por trás da máscara negra.

—Obrigado.

Nem bem Ryan se retirou, Paris deu um passo para situar-se frente a ela e rodeou a cintura com a mão. Ela conteve o fôlego. Agarrou a mão que ele oferecia e uniu com um sussurro de saias ao redor da lotada pista de baile.

Com a graça de uma pantera negra, ele a conduziu entre casais coloridamente embelezados; seu resplandecente olhar no dela a dominou com sua intensidade. Ela desejou agradecer por ele ter vindo, mas não pôde proferir palavra. Poderia ter imaginado que se achava flutuando em um sonho se não fosse pelos batimentos do coração que retumbavam nos ouvidos. Ele a enfeitiçou. O disfarce de assaltante de caminhos destacava os esbeltos e largos ombros, fazendo-o ver-se... letalmente desejável.

Paris se ecoou de seu silêncio, interpretando sua debilidade física. Era uma situação da mais estranha. Depois de ter se encontrado às escondidas com ele, em lugares escuros ou ocultos, nesse momento, rodeada por toda essa gente, ela virtualmente se desvanecia de desejo por ele.

Ele se inclinou um pouco mais para ela e mordiscou o lóbulo da orelha com os lábios.

—Eu também.

Ela sentiu que fraquejavam os joelhos.

—A varanda.

—Leva-me.

Com o olhar assinalou as portas que conduziam a varanda, e instantaneamente, ele dirigiu o deslocamento da valsa nessa direção. Chegaram ao final da pista e Ashby abriu as portas as empurrando com o cotovelo.

Arrastou-a com ele e fechou as portas com o pé. No ar flutuava o fresco aroma da chuva recente; as gotas ressonavam no deságue. Abraçou-a com mais força quando ela rodeou o pescoço com os braços.

Com voz profunda lhe perguntou:

—Por que aceitou meu convite?

—Em realidade precisa saber? - deu-lhe um beijo profundo tão embriagador como o brandy. Com um suspiro de prazer, entrelaçou os dedos no cabelo e o atraiu para si, fazendo o beijo mais intenso.

Ele a beijou profundamente com o instinto de um amante, tirando as poucas forças que ficavam fazendo agitar o sangue. As máscaras se roçavam enquanto ele a beijava uma e outra vez, fundindo os corpos.

Ela não podia suportar, unidos em apertado abraço, o desejo, as capas de roupa que separavam os ardentes corpos, as barreiras... Ela tirou a sua máscara e, sem sequer pensar nisso, afastou a dele também.

Paris paralisou por um breve instante... e afastou brutalmente sua boca da dela, retrocedendo torpemente. Chocada pelo que acabava de fazer, Isabel se armou de coragem e depois abriu os olhos e o olhou. Ele estava envolto nas sombras cobrindo o rosto com ambas as mãos. Entre a separação dos dedos, os olhos o cintilavam cheios de fúria por sentir-se profundamente traído.

—Maldita seja - disse com voz áspera. - Não pôde resistir à tentação, não é certo? Tinha que me humilhar em público.

—Não! - gritou ela com o estômago contraído pelo medo. Deus santo. Odiaria ela.

—Observa quanto te agrade, então - grunhiu. Deu outro passo para trás e, com grande relutância deixou cair às mãos aos lados do corpo. A luz da lua o iluminou e ela viu seu rosto.

Uma leve exclamação escapou dos lábios dela. Cobriu a boca e pestanejou. Não foi um engano da escuridão ou do tato em relação à vista, verdadeiramente se via igual! O rosto inesquecível que se achava frente a ela era exatamente como o recordava: traços perfeitos, uma beleza masculina maravilhosa e duas longas e muito finas cicatrize que se estendiam formando uma V da ponte do nariz até as têmporas.

E outras duas cicatrizes igualmente finas que cruzavam as faces do nariz para as orelhas. Um grande cirurgião realizou um espetacular trabalho de reconstrução com simetria e precisão, de maneira tal que só fossem visíveis seis finas linhas em seu rosto. Ela pensou que se via mais como um leão que como uma gárgula, e não havia nada horrendo nele, sem importar o que ele houvesse dito.

Por que demônios se sentia forçado a esconder-se? Não havia sentido.

Não pôde deixar de olhar fixamente, da mesma maneira em que viu às pessoas observar as maravilhas gregas durante horas no museu. Só ali de pé, observando. O conde de Ashby se via igual mas... diferente.

Aos vinte e oito anos era muito belo, quase esplêndido, como John. Aos trinta e cinco, era todo um homem. Tinha o rosto de um espartano: de traços fortes, bem definidos, cheio de caráter e magnetismo.

Mas a mudança significativa estava em seus olhos. Era estranho que ela não o tivesse notado até esse momento. O encanto juvenil e o sotaque desenvolto tinham desaparecido.

Sua expressão sombria ocultava segredos e dor, além do que ela podia alcançar a compreender.

—Satisfeita?

Ela sentiu que seu tom cortante afundava mais a adaga da culpa em sua consciência. Sentiu que fraquejavam as pernas, deu um passo para frente e o segurou nas lapelas do casaco.

—Me perdoe. Foi muito insensato por minha parte te pôr nesta posição. Eu...

Ele a olhou friamente.

—Já te disse isso antes. Nunca se desculpe comigo.

—Por quê? Por que não posso me desculpar? O que fiz foi insensato E...

Ouviu o grunhido de uma voz familiar.

—Deixe ela em paz, Gárgula!

—John - disse Isabel sobressaltada. OH, não, não, não. Que absoluto desastre! Colocou-se frente a John que avançava para Paris. - Se Desculpe com lorde Ashby imediatamente! - se brigavam por ela na varanda sem a presença de nenhuma outra mulher como acompanhante, estaria na ruína, sua agência nunca sobreviveria ao escândalo, e todas essas pobres mulheres não teriam nenhum lugar aonde ir.

—Me desculpar? Com ele? - disse John sarcasticamente com expressão cínica. Sentiu como Paris se esticava atrás dela, mas ele não emitiu uma palavra. - Preferiria me cortar a língua antes de fazer isso.

Não estava segura a respeito da habilidade de Paris para controlar seu temperamento. Ela sabia que o tinha, mas nunca o viu em uma confrontação com outra pessoa que não fosse ela.

—Controla suas palavras, John. Lorde Ashby é o fundador desta agência, nosso benfeitor mais generoso. Acaba de interromper uma conversação muito importante relacionada com nosso trabalho.

—Não o defenda! Vi como te arrastava para cá! - com movimentos surpreendentemente rápidos, John a rodeou e deu um empurrão no peito de Paris com força ofensiva. - Acaso está surdo? - grunhiu John.

—Se afaste besta, antes que te golpeie esse horrendo rosto até convertê-lo em uma massa mais agraciada!

Paris deu um passo atrás desajeitadamente, sem dizer nada; sua expressão era indecifrável e tinha os punhos crispados aos lados do corpo.

—Covarde - espetou John desdenhosamente.

Isabel sentiu que o pânico subia pela garganta.

—É suficiente! - olhou furiosa ao John. - Como você se atreve a insultar tão cruelmente ao nosso patrocinador? Você é a besta! Se desculpe imediatamente!

O Anjo Dourado se via pálido. De pé frente a frente com Paris apenas chegava à altura do nariz. Resultou estranha a completa imobilidade de Paris, seu tenso silencio. Ele era maior e mais forte que John; podia destruir o rosto de um só golpe, se assim o desejasse. Mas não o fez. E graças a Deus que foi assim ou do contrário todos os presentes iriam correndo para a varanda.

—Eu sou a besta? - burlou-se John olhando a seu rival. - Por que não pergunta para ele que classe de homem é ele na realidade? Pergunte por que os franceses o chamavam de Boucher.

O açougueiro? Olhou a Paris com o cenho franzido.

—Do que ele esta falando? - sussurrou ela.

Paris a olhou por um breve instante antes de dar outro passo para trás, mas bastou para perceber a culpa e a vulnerabilidade em seus olhos. Sentiu que se oprimia o coração.

Não, negava-se a acreditar que ele tivesse algo de que envergonhar-se! Era o cavalheiro negro de brilhante armadura!

—Vamos, Ashby - John sorriu maliciosamente. - Não seja um desmancha prazeres. Nos deleite com suas façanhas heroicas.

Conte à senhorita Aubrey, que perdeu a um irmão na guerra, quão corajosamente percorria os campos de batalha em busca de soldados inimigos feridos e os massacrava quando não podiam defender-se dos animais catadores, e muito menos de sua baioneta!

—Como se atreve? - exclamou Isabel. - É a mentira mais repugnante que jamais ouvi!

—É mesmo? - John sustentou o olhar enquanto o observava consternada. - Imagina a seu irmão deitado ferido e ensanguentado depois da batalha e a um asqueroso soldado francês apunhalando-o enquanto pede piedade.

Este é o cavalheiro - cuspiu a palavra como um insulto - ao que aclama como seu benfeitor. E pensou que seu rosto era sua única deformidade. O Boucher - disse mordazmente.

—Ashby? - Isabel procurou o olhar de Paris na escura varanda. Apesar de permanecer orgulhosamente erguido, com mechas de cabelo escuro caindo sobre os olhos, tinha a vista perdida. Por que não se defendia contra aquelas horríveis acusações? Certamente John mentia.

—Adiante! - John fez um gesto condescendente a Paris com a mão. - Vá agora! Saia fora!

—Pare com isso! - Isabel enfrentou ao John, farta dele. - Esta é minha agência, minha festa, e já não é bem-vindo nela! Por favor, vá! - sentiu que alguém virava atrás dela e dava a volta rapidamente.

Paris havia ido. - Ashby! - lançou-se contra o corrimão que dava ao escuro jardim de rosas que banhava a chuva. Não havia sinal dele em nenhuma parte. Tinha desaparecido na noite.

O coração pulsava freneticamente, sentiu o calor nas faces. O que fizera?

—Parabéns! - murmurou John junto a ela seguindo o olhar em direção ao escuro matagal. Ele tocou sua mão. - Minha adorada Isabel, queria falar com você...

—Me deixe - disse apertando os dentes e tremendo furiosa, com ele e com ela mesma; horrorizada, invadida por um pânico extremo, incapaz de compreender a magnitude da catástrofe acontecida.

—Ai está você! - uma salvadora vestida de azul brilhante com coloridas plumas se interpôs entre a Isabel e John. Sophie agarrou Isabel pelo braço e a conduziu para a porta.

—Acabou a última garrafa de champanha, preciso da chave da adega - arrastou a Isabel de volta ao salão, abriu caminho entre a multidão para o corredor, avançou até um dos escritórios e só a soltou quando estavam fora de vista e havia fechado a porta.

—Você enlouqueceu? - exclamou Sophie. - Que demônios fazia a sós com o Hanson na varanda? Se alguém os visse teria que ter casado com ele, tola!

—Não estava sozinha com o Hanson. Estava com... - Isabel se sentou em uma cadeira e cobriu o rosto com as mãos. - OH, Sophie, causei uma confusão terrível. Convidei ao Ashby à festa, e veio. Depois John nos surpreendeu no balcão e insultou cruelmente ao Ashby, e ele agora me detesta, despreza-me, e não posso culpar porque eu mesma me detesto e me desprezo também. Nunca me perdoará. Eu o perdi - soluçou e as lágrimas umedeceram a gaze do vestido. Embargou-a uma sensação desagradável ao recordar as palavras "o Boucher". Não! Tinha que tratar-se de uma mentira. O Ashby que Will amava e admirava tanto nunca recorreria a métodos tão vis e desonrosos, assassinando aos pobres soldados indefesos que estavam feridos no campo de batalha, embora se tratasse de franceses.

O homem que amava extraía espinhos das patas dos cachorrinhos, jogava com sua sobrinha de um ano de idade, era o herói do Will. Tinha doado uma casa à caridade. Era bom, amável e considerado...

Sophie apertou o ombro com a mão.

—Não o perdeu, Izzy. Vá ver ele amanhã pela manhã. Solucionará a confusão facilmente. Foi Hanson quem o insultou não você.

—Hanson não teria a oportunidade de insultá-lo se eu não tivesse insistido para ele vir e não... - terminou a frase em silêncio "o tivesse exposto tão sem piedade".

—O que? - Sophie riu baixinho. - O que fez? Roubou um beijo na varanda? Ah, sim. Posso ver por que ele deveria te detestar e te desprezar, e nunca perdoar você por isso.

Ela nunca esqueceria o olhar em seus olhos depois de haver tirado a máscara. "Não pôde resistir à tentação, não é certo? Precisava me humilhar em público".Amanhã seria muito tarde.

Se não o buscasse nesse momento, ele teria toda a noite para julgá-la, encontraria a culpada e a executaria em seus pensamentos. Ficou de pé.

—Preciso que procure a minha mãe e diga que me senti indisposta e tive que ir para casa.

—OH, não. Não o fará - Sophie meneou a cabeça. - Não irá procurar ele esta noite.

—Mas devo fazer isso! - protestou Isabel. - Acaso não se dá conta? Amanhã será muito tarde! - em alguma parte daquela sala deixara a capa e a bolsa. Achou seus pertences e se encaminhou para a porta.

—Não! Eu te proíbo! - Sophie a segurou no braço. - Íris tinha razão. Uma mulher nunca deve pôr sua honra e sua liberdade nas mãos de um homem, especialmente de um homem atormentado. Espere até amanhã.

Recusando-se a escutá-la, Isabel liberou o braço, abriu a porta e se precipitou ao vestíbulo, ignorando os curiosos olhares de quão convidados ali se achavam. Um criado abriu a porta.

—Wadley, por favor, poderia deter um carro para mim? Sinto-me bastante indisposta.

—Imediatamente, senhorita Aubrey - o homem deu um passo para a rua e levantou a mão.

Chovia novamente. Isabel cobriu a cabeça com o capuz e alguém a empurrou.

—Néscia teimosa. Wadley! - gritou Sophie. - A senhorita Aubrey retornará a casa comigo. Por favor, encontre o meu chofer e peça que nos busque aqui fora. Está esperando ao outro lado da rua.

Enquanto esperavam o carro, Isabel olhou a sua amiga.

—Achou a minha mãe?

—Não. Encontrei a Íris e disse que achasse a sua mãe e dissesse que Jerome estava terrivelmente doente e que acompanharia a casa porque eu estava muito perturbada para ir sozinha.

Apesar da tensão que sentia no estômago, Isabel pôde sorrir diante da astúcia de Sophie.

—Obrigado. Da próxima vez que precise cometer uma maldade pedirei que seja minha cúmplice.

—Uma cúmplice relutante - murmurou Sophie com reprovação, enquanto seu carro se detinha frente a elas. O criado as ajudou a subir e partiram. - A propósito - disse Sophie.

—achei a Íris na varanda com o major. Eu teria gostado muito de poder ser uma mosca na parede da concorrida varanda esta noite. Parece que toda a diversão teve lugar ali fora.

—Iris estava com o Ryan? - Isabel estava totalmente agradada.

—Foi por isso que Macalister se aproximou antes? Tramaram essa reunião juntos?

—Íris precisa saber a verdade sobre por que Ryan a deixou nessa cabana. Carrega com muita dor e amargura para continuar assim para sempre - falar sobre o Ryan e Íris a distraíram da tensão e o nervosismo pelo remorso de consciência que a corroia. Não poderia respirar aliviada até ver Paris, até que a sustentasse em seus braços e dissesse que a perdoava.

—A residência Lancaster! - anunciou o chofer de Sophie do seu assento. Um criado empapado abriu a porta, mas Sophie fez um gesto com a mão e a porta do carro voltou a fechar-se.

Sophie se inclinou para frente e agarrou as mãos da Isabel entre as dela.

—Me escute, pequena menina. Ainda está a tempo de mudar de opinião. Se entrar aí, tudo terá terminado. Não haverá volta atrás.

—Pelo amor de Deus, Sophie! Só quero falar com ele... explicar... Não acontecerá nada! - insistiu Isabel enquanto o coração retumbava no peito e contraía o estômago pela ansiedade. Ela desejava uma proposta de casamento apropriada, uma vida respeitável, com amigos e noites e uma florescente agencia de caridade. Não arriscaria tudo porque desejasse a um homem ao que amou durante dez anos!

Disse enfaticamente que não estava a ponto de cometer tal loucura.

Sophie meneou a cabeça e suspirou.

—É muito imprudente, muito impaciente. Ele te buscará.

—Não, não o fará - não pôde conter uma lágrima. Tendo participado da festa essa noite havia sido seu grande gesto, e ela abusou e o havia dirigido de maneira totalmente incorreta. Devia arrumar as coisas.

—Esperarei você aqui. Não fique ai muito tempo.

Isabel sabia perfeitamente o que fazia sua amiga, convertia-se em seu cinturão de castidade.

—Não é necessário que me espere aqui sob a chuva. Seu filho te espera em casa.

—Ah, chérie - Sophie exalou afligida, apertou as mãos e a olhou penetrantemente, tentando fazê-la reconsiderar. - Acaso pensa que esta velha cantora de ópera desconhece o amor? Se ele está ferido, você o consolará como uma mulher consola ao homem a quem ama, porque não poderá tolerar sua dor. Não vá procurar ele, Izzy. Se for o homem indicado, ele virá a você.

Se não o é - meneou a cabeça com expressão grave no rosto - então não deve entrar aí sob nenhuma circunstância.

Isabel se negou a escutar. Sim, Paris era perigoso, enigmático e singular. Preferia mover montanhas por ela que levá-la a um rodeio pelo parque. Mas essa noite foi à festa porque ela o pediu.

Como podia deixá-lo sofrer em solidão quando ela era a responsável por sua dor? Todo este tempo esteve convencido de que ela não o queria por causa de suas cicatrizes. Precisava esclarecer as coisas.

Ele devia saber que suas feridas não se interpunham entre eles, que suas inseguranças não tinham sustento, que podia sair de sua cova e viver uma vida normal. E se ele a queria tanto como afirmou, ela o aceitaria com os braços abertos.

—Retorna a casa com o Jerome - Isabel abriu a porta e saiu do carro sob a chuva.

—Mandarei o carro de volta. Não fique muito tempo! - gritou Sophie.

Paris. Paris. Isabel subiu rapidamente os degraus da entrada e bateu a aldrava contra a porta.

 

Isabel avançou pela pequena sala de espera na qual Ashby a recebeu a primeira vez que havia chamado a sua porta. Sentia-se duplamente embargada de ansiedade como aquela vez.

—Senhorita Aubrey - disse Phipps ao retornar com sombria expressão pouco aduladora. - Milord solicita que se retire. Rogo que me desculpe.

Retirar-se? Era inaceitável! Não permitiria que a jogasse para encerrar-se nas profundidades de sua solitária cova como o havia feito depois da festa dos Barrington. Ele a havia seguido então; e ela o buscaria agora.

—Encontra-se no porão? - perguntou ela.

O mordomo jogou um rápido olhar para as escadas.

—A quarta porta à direita, no segundo piso - murmurou em tom conspirador.

Sorrindo agradecida, apressou-se a cruzar a porta agarrando a cauda de seda do vestido e subiu rapidamente as escadas. Suas sapatilhas não fizeram ruído sobre o grosso tapete do corredor ao entrar na majestosa e silenciosa ala privada. Contou quatro portas a sua direita e se deteve. Só para falar, prometeu e levantou a mão para bater na porta, depois trocou de ideia e testou o trinco.

A porta não tinha fechadura. Entreabriu-a.

—Paris.

Silêncio.

Respirou profundamente e abriu a porta de par em par, rezando por não se despir ainda. Estaria em sérios problemas se o tivesse feito como já foi, custava bastante controlar-se com ele para adicionar, além disso, a tentação de seu esplêndido corpo.

Sentiu o aroma das lenhas ardendo ao entrar no bastião de masculinidade em penumbras. O espaçoso quarto estava decorado com cortinados de cor azul marinho e móveis de mogno. Paris estava deitado, completamente vestido, com a vista fixa nos dosséis da cama. As luzes e as sombras projetadas pelo fogo dançavam sobre seu perfil elegante. Observou-o por um instante, valorizando avidamente cada detalhe.

Se o conde de Ashby se sentia obrigado a ocultar do mundo sua aparência, " O que deveria fazer o resto?", perguntou-se. " Habitar em cavernas subterrâneas?". Era incrivelmente arrumado.

Fechou a porta, deixou a bolsa e a capa sobre uma cadeira, e avançou lentamente.

—Não deveria ter vindo - disse ele suavemente. - Muita gente perceberá sua ausência da festa.

Ela se sentou na borda da cama.

—Será que voltamos a nos preocupar com a minha reputação?

Ele se negava a olhá-la.

—Paris... - ela se estirou para acariciar a face.

—Não o faça - disse e afastou o rosto.

Não o perderia. Agarrou a mão entre as dela e a aproximou dos lábios.

—Me perdoe.

—Pelo amor de Deus, Isabel! Não se desculpe comigo - afastou a mão, levantou e girou para sentar-se a seu lado. Suspirou, afundou os dedos na abundante cabeleira escura e apoiou os cotovelos sobre os joelhos.

—Tinha todo o direito de querer saber como me via, de descobrir no que estava se envolvendo. Eu... merece saber tudo - ficou olhando com um brilho de vulnerabilidade novamente nos olhos - Hanson disse a verdade. Os franceses me chamavam açougueiro. Depois de cada batalha, massacrávamos aos que fugiam, enrolávamo-los com os cascos dos cavalos e, quando estavam no chão, disparávamos pelas costas... fazíamos o que fosse necessário para nos assegurar de que não voltaríamos a nos enfrentar com as mesmas tropas em outro campo de batalha no dia seguinte.

Estávamos tão fartos da maldita guerra - ficou de pé e caminhou lentamente para uma mesinha onde havia garrafas, copos e pequenas taças. Selecionou uma garrafa e encheu um copo.

Chocada por sua confissão, ela fixou o olhar em suas amplas costas.

—Quando fala em plural...

Ele deu a volta e ela conteve a respiração. Só o fato de poder observar atentamente sua fisionomia em lugar de adivinhar fazia estremecer os sentidos. O olhar de expressões em seus impactantes traços a cativava e a alarmava ao mesmo tempo. Era unicamente formoso e, a diferença do Anjo Dourado, os olhos verde esmeralda de Paris, sua abundante cabeleira, sua figura imponente e sua intensidade inata, conferiam a ele um aspecto bastante feroz.

—Refiro-me a todo o regimento.

O horror se refletiu nos olhos dela.

—Deus santo - murmurou. Também Will.

Ele franziu ainda mais o cenho.

—Sinto muito, Izzy. Não deveria haver dito isso...

—Não consigo entender. Como puderam meu irmão e você se converterem em assassinos?

—Como? - sua expressão se tornou tão escura como a máscara que geralmente usava. - Porque Napoleão Bonaparte era o assassino mais demente que alguma vez existiu. Alguém precisava detê-lo.

—É verdade - o olhou compungida. - Lamento que tenham tido que ser você e Will.

—Anos antes, quando fui percorrer o Continente, observei de um balcão como o general Bonaparte alinhava os canhões e os disparava contra uma multidão de parisienses irritados. Não mandou a alguns esquadrões para replicar aos exaltados manifestantes. Enviou canhões! Nem sequer pestanejou! Levou a oitocentos mil homens a Rússia com ele e retornou com menos de cem mil! Durante anos massacrou ao pobre povo espanhol! Exterminou povos, vilas, granjas, famílias... Para que? Pela glória da França? Para que seu nome ficasse registrado nos livros de história? - respirou profundamente sem deixar de franzir o cenho. - Não tento justificar nem defender meus atos. Não tenho desculpa. Cobrei vidas e devo pagar por isso. Devo recordá-lo e levar essa carga cada dia de minha vida.

Ela o observou em estupefato silêncio. Se homens bons como Will e Ashby tinham tido que converter-se em assassinos para restaurar a paz no mundo, então era verdadeiramente lamentável esse mundo em que viviam.

—Como devem ter sofrido meu pobre irmão e você. Sua natureza bondosa e doce não condizia absolutamente com semelhante brutalidade - secou a umidade das faces. - Ao igual à tua, estou segura - adicionou.

—Está bem, Isabel. Sei que guardas uma opinião elevada de mim, mas acredito que nesta ocasião possivelmente me veja forçado a fazê-la em pedaços. A diferença de Will, meu passado e minha personalidade são um tanto mais... complicados. Veem. Nos sentemos aqui - assinalou as duas cadeiras junto à lareira. - Preciso te contar algo.

Seu tom sério a inquietou. Levantou-se da cama e se aproximou. Tremiam-lhe as mãos; sentiu calafrios.

—Posso beber um pouco do que está tomando?

—É obvio.

Ela se sentou junto ao fogo e o observou servir outro copo com um líquido brilhante de cor âmbar. Entregou o copo e se sentou na outra cadeira ao mesmo tempo que a contemplava por cima da borda do copo.

—Não estou seguro de quanto sabe de mim, a respeito de meus anos de juventude no povoado. Nem sempre fui o personagem afável que seu irmão levou a seu lar.

Havia sido um descarado e um libertino, todos sabiam, mas não ia dizer assim na cara. Ela bebeu um gole e tossiu.

—Uísque? Como pode beber este... líquido vil?

—É igual a qualquer outro veneno, com o tempo começa a gostar dele - bebeu um pouco com expressão séria. - Will me separou do negro coração de Londres no qual me havia afogado. Ele me apresentou a você, sua família - sorriu brevemente-e me deu um propósito: fazer desaparecer ao monstro, liberar o mundo da tirania, fazer da Inglaterra um lugar seguro para nossos meninos. Seu impulso era contagioso.

—Recordo seus discursos patrióticos - disse ela tristemente. - Mamãe estava histérica a respeito de que se alistasse em um regimento em tempos de guerra. Stilgoe ofereceu conseguir um posto administrativo, mas Will fez caso omisso disso. Nada do que diziam conseguia convencê-lo. - o olhou de soslaio. - Frequentemente me perguntei por que escolheram esta carreira.

A tropa é para os pobres, para os filhos menores, e para a pessoa de baixos recursos. Os homens com título e fortuna, e sem herdeiros, não arriscam a vida no campo de batalha.

—Parece a você razoável que os homens melhor educados da Inglaterra permaneçam sentados em seus clubes, brincando com os polegares enquanto os menos privilegiados homens com famílias às que alimentar e sem posses, aqueles aos que a Inglaterra lhes ofereceu tão pouco, derramem seu próprio sangue pelas propriedades dos Dez Mil? Meu título de nobreza não me exime do dever para com meu país. De fato, compromete-me mais. Não tinha parentes a quem manter, nenhuma família que lamentasse minha perda. Era dispensável.

"Céu santo".

—Não era dispensável.

—Pensei que você, especialmente você, compreenderia.

—Então... O que eu quis dizer é... bem, que para mim não é dispensável nem substituível.

Olhou-a com olhos ardentes.

—Você pode mudar de opinião depois de ouvir o que tenho para contar.

Ela se aventurou a beber outro gole de uísque e compreendeu o que ele quis dizer a respeito dos gostos adquiridos quando uma onda de calor derreteu o frio que gelava os ossos.

—Nós estávamos falando sobre assassinos - terminou sua bebida e se serviu outra. - Como você disse, seu excelente irmão era de natureza doce. Era amável, cortês e honorável. Todos amavam ao Will. Eu o admirava. Era tudo o que eu sempre havia querido ser. Até o Sorauren - sua expressão se tornou escura. - Quando me recuperei, comecei a desfrutar das batalhas, da matança. Queria que os franceses sofressem como eu sofri, que pagassem pelo "estigma" que suas armas deixaram em meu rosto. Já que meu ódio estava dirigido para o inimigo, meus superiores não perceberam do problema e continuaram me prodigalizando elogios, postos mais altos e medalhas. Todos queriam que Napoleão fosse derrotado e eu resultava ser útil - observou as chamas crepitando na lareira. Ela se sentiu rasgada pela vacuidade de seu tom de voz, pela desolação em seu rosto. - Assassinei meninos, Isabel. Jovens da idade de suas irmãs, que não tinham sequer os conhecimentos básicos de combate. Tudo o que sabiam era que seguiriam a seu imperador até mesmo no inferno. Napoleão tinha o estranho carisma de convocatória para que partissem para sua própria morte à mesma gente que reprimira com canhões.

Bebeu de seu uísque com expressão meditativa.

—A única pessoa com a que me sentia sensato naquele tempo era com o Will. Em retrospectiva, sei que foi a mescla da amargura que sentia pelo que me havia feito minha ferida e a imagem disforme que me devolvia o espelho, o que me converteu em uma desagradável versão de mim mesmo, nesse monstro no que cheguei a transformar. Will compreendeu pelo que estava passando inclusive melhor que eu, e não me permitiu seguir com o castigo que me estava infligindo. Falávamos durante horas, dias, a respeito de tudo e de nada em particular. Falamos a respeito de ti - ocultou sua expressão.

—Se tivesse uma irmã como você, não me agradaria que terminasse com alguém como eu.

Essa estranha declaração a levou a questionar se Will, sabia precisamente o que e quem era seu melhor amigo, pensava que ela e Ashby formavam um bom casal. Apesar de tudo.

—Teria me contado isto se Hanson não houvesse...?

—Provavelmente não.

—Por que não disse e nem fez nada quando ele te insultou? Seu olhar de cor esmeralda brilhou de fúria. - Porque desejava fazê-lo sangrar, e não podia. Olhou-o interrogativamente.

—Depois de Waterloo, eu... jurei que jamais voltaria a atuar violentamente - seus traços endureceram cobrando uma expressão rígida.

—Sem importar a provocação, não empunho mais arma nem levanto a mão em atitude agressiva. Sou um homem pacífico - se evidenciava claramente quanto sentia o peso de sua promessa.

—Desprezou suas provocações com uma grande fortaleza, não por debilidade - concluiu ela, dispensando um breve e quente sorriso. - Depois de tudo o que acaba de me contar, ainda te admiro.

—Não será assim uma vez que conte a você como morreu seu irmão - sua expressão evidenciou o ódio e a amargura que sentia por si mesmo. - Eu assassinei ao Will. Disparei uma bala na cabeça dele e não tive a coragem de fazer o mesmo comigo.

Um golpe gélido a deixou sem ar.

—O que? - gritou horrorizada. - Por quê?

E o confessou. Contou o que acontecera durante os últimos três dias da vida de seu irmão dois anos atrás, perto de uma vila na Bélgica chamada Waterloo. Enquanto falava, na mente dela se representaram vividas imagens de selvageria, angústia e desespero, como se ela mesma tivesse estado ali. Ele não reparou em sua sensibilidade; expôs a crua verdade e o peso dos desagradáveis segredos que atormentavam a sua alma. Ela estava agradecida por sua honestidade, porque a perda de seu querido irmão era tão pior pelo desconhecimento de como morrera e por não ter podido estar com ele quando a havia necessitado. Mas Paris esteve ali para apoiar ao Will. À medida que a fez voltar no tempo até o lugar da matança, ela pôde finalmente despedir-se de William Daniel Aubrey.

Quando terminou de relatar a história, o rosto dela estava molhado pelas lágrimas e uma dor terrivelmente aguda oprimia o coração, impedindo de falar.

Ele tinha matado ao Will, por piedade, mas mesmo assim, foi ele quem disparou em seu irmão na cabeça. As lágrimas contidas brilharam nos olhos de Paris.

—Fiquei sentado ali com o Will em meus braços - sussurrou - pressionando o cano contra minha cabeça, e não pude fazer. Não tive a coragem para fazer. Um maldito covarde - fechou os olhos e a enorme culpa e a miséria cobriram o rosto.

—Não é um covarde - disse ela brandamente, ao mesmo tempo que soluçava. - Não precisa de valor para suicidar-se. É um ato de desespero. Will sabia que estava morrendo. Meu pobre irmão - cobriu o rosto e chorou.

Durante vários minutos, os únicos sons que rompiam o pesado silêncio eram os das lenhas ao serem consumidas pelo fogo e o de seus suaves soluços. Depois escutou um murmúrio à altura dos joelhos.

—Sinto muito, Isabel. Sinto muito, sinto tanto. Seu irmão era um homem excelente... Sinto tanto - ele estava agachado a seus pés e seus olhos imploravam perdão.

Com um terrível soluço, ela se jogou em seus braços e afundou o rosto em seu pescoço. Ele a abraçou e falou com a voz enrouquecida pela emoção. - Não me odeia?

Ela o olhou com os olhos cheios de lágrimas.

—Te odiar? Suportou o peso da dor de meu irmão. Eu nunca teria tido a coragem de fazer o que você fez. Will morreu nos braços do melhor, do mais valente, do mais honorável... —ela chorou contra seu ombro, atormentada pela nostalgia e pela dor que sentia pelo Will.

—Cometi tantos enganos... Se não tivesse enviado o Will ao acampamento, se tivesse ordenado ao Ellis que fosse procurar um carrinho de mão em vez de enviá-lo com aquele soldado...

—Não - ela levantou a cabeça e se encontrou com seu olhar arrependido. - Já terminou. Deixa de se culpar. Salvou a vida de outro soldado. Will poderia ter morrido de qualquer maneira, só na escuridão, ficando a mercê dos animais catadores e dos elementos, mas não foi assim, porque teve você. Quantos homens supõem que foram procurar a seus amigos agonizantes depois de três dias de sangrentas batalhas e se sentaram junto a eles para acompanhá-los enquanto exalavam seu último fôlego?—ela se surpreendeu ao perceber que ainda podia falar lucidamente enquanto sentia que se quebrava por dentro e que os olhos se enchiam de infinitas lágrimas.

Paris também tinha os olhos repletos de lágrimas. Quem havia dito que os homens não choravam? Os homens de verdade choravam em silêncio e em privado, como fazia Paris, porque seu coração chorava.

—Compreende porque não fui visitar você quando retornei?-ele perguntou em voz baixa.

—O que não compreendo - sussurrou ela - é como pôde sequer pensar em se suicidar.

Ele ficou olhando-a.

—Sem o Will, não havia a ninguém. Só... a escuridão.

Sua solidão rasgou o coração dela. Deu-se conta de que ele era como uma rocha, sólida e forte, mas gelada em sua desgraçada solidão. Acariciou a sua face.

—Você tinha a mim.

Quando seus olhares se encontraram no silêncio, algo estranho e assombroso ocorreu entre eles: ela sentiu sua alma e ele, a dela. Seus espíritos se tocaram. Era uma conexão forjada pelo mútuo amor e a dor por seu irmão, como se Will mesmo se houvesse feito presente por um muito breve instante para uni-los e depois se desvanecesse.

Ele pressionou os lábios contra os dela. Seu beijo foi sublime, desprovido de luxúria, cheio de emoção. Depois, antes de sequer ter começado, chegou a seu fim. Ele o interrompeu.

—Paris.

Ele apertou a mandíbula.

—Me olhe - disse com voz rouca e demandante. - É isto com o que deseja se encontrar cada dia pelo resto de sua vida? Esta Gárgula?

Esta vez não se afastou quando ela examinou cada cicatriz. Ela o olhou nos olhos e enfrentou seu severo olhar com um tênue sorriso que provinha de seu coração.

—Sim, eu gostaria muito.

—Merece algo melhor que eu, Izzy, um homem íntegro, mais jovem, um homem que compartilhe suas paixões, sua vivacidade, seu entusiasmo... e eu já não sou nada em muitos aspectos.

Ela sentiu que as lágrimas ameaçavam nublar sua visão. Sentia verdadeira pena por ele, um homem atormentado pelos horrores da guerra, austero e sozinho, que morava em seu próprio inferno, carente de família e amigos. Ela desejava converter-se em sua família e sanar suas torturas. Mesmo assim, seus motivos não eram altruístas. Ela o desejava, desejava cada feroz polegada de seu corpo.

Reuniu coragem e decidiu arriscar-se a um terceiro e último rechaço.

—Amo você, Paris. Sempre te amei, a você e a nenhum outro. Não me peça que prefira a outro homem. Não poderia suportar.

—O amor se apaga quando algo o altera, recorda? Eu mudei muito, Isabel.

Seu tom de voz resignado fez que ela derramasse uma lágrima adiamantada que percorreu a face.

—"Não é amor o amor que se altera quando alteração enfrenta, ou tende a distanciar do que longe se acha" - recitou brandamente-"OH, não, é um farol incólume que contempla as tempestades e nunca se estremece".

Durante um momento interminável ele só a olhou, sua respiração se tornou mais quente e acelerada. Depois, uma violenta necessidade irreprimível brilhou em seus olhos.

—Quero ser egoísta. Como desejo ser egoísta...

Aprisionou-lhe a boca no mais ardente e ávido dos beijos, desatando um mar de emoções e sensações dentro dela. Seu sabor era de uísque e paixão, cheirava a bosque e a chuva, sentia-se sólido, quente e forte, e ela desejou amassar-se nele para não separar nunca. Ela o beijou com puro abandono, aterrorizada de que se o deixasse afastar agora, perderia-o para sempre. Rodeou o pescoço dele com os braços, beijou infinitas vezes na fronte e nas faces, apagando o estigma de cada cicatriz com amor e fazendo desaparecer a lembrança da dor.

—Você não me acha repulsivo? - murmurou esperançosamente.

—Repulsivo? - ela sorriu surpresa. - Por acaso está cego? Devo segurar um espelho frente a seu rosto? Meu amado, você é o homem mais bonito da Inglaterra!

Ele se afastou e franziu o cenho.

—Talvez você precise de óculos.

—Minha visão não tem nada de errado - disse ela e soltou um sorriso.

Ele a olhou criticamente.

—É um milagre que você ainda não tropeçou com uma lâmpada.

—Está louco...

Ele devorou sua alegria com um beijo mais ousado, mais provocador, cujo papel era a sedução. O corpo feminino respondeu como a lenha ao fogo, o desejo ardeu em suas veias.

Ele retirou a tiara de prata e uma nuvem de brilhantes cachos da cor do entardecer caiu até a cintura em gloriosa desordem.

—Santo Deus, Isabel - maravilhado pela imagem que contemplava, acariciou a cabeleira ondulada de sedosos cachos. - É uma leoa.

Sua evidente admiração fez que ela se ruborizasse.

—As leoas não têm juba.

—A minha sim. É linda - sussurrou ele. - Você deve saber.

Ela se ruborizou ainda mais.

—A beleza está nos olhos de quem a contempla.

—Não em seu caso - agarrou o rosto. - É o sonho de todo homem, Isabel Jane.

Eram as palavras de um homem que poderia possuir a qualquer mulher que desejasse. Ela se perguntou se as outras mulheres se sentiam tão extasiadas por sua adulação ou tão privilegiadas por havê-lo atraído.

Sentiu que o coração estava a ponto de explodir. Não existia nenhum homem como ele, e ela desejou que fosse dele.

—Isabel, não acredito que possa deixar passar desta noite.

—Faz um momento estava a ponto de me expulsar.

—Esse momento passou - ficou de pé e a arrastou com ele. Ela cambaleou e teve que segura-la na cintura. - Não está bêbada, não é assim?

—Não, eu...

—Toque a ponta do nariz. Segure uma perna.

—Por acaso vou me juntar a um circo? - perguntou ironicamente. Aferrou-a contra ele.

—Você se juntara a mim na cama. Está lúcida?

Ela assentiu, seu sedutor anúncio a deixou sem fala e afrouxou os joelhos.

—Desejas estar comigo, que façamos o amor?

—Sim - sussurrou ela seduzida pela promessa que se refletia em seus brilhantes olhos enigmáticos. Tinha esperado sete anos para ser suficientemente amadurecida para ele. E essa era a noite ansiada.

Ele afundou a mão nas profundidades de seu cabelo, envolveu-lhe a nuca e a atraiu para ele para dar um prolongado beijo. Ela fechou os olhos enquanto a beijava suave, doce e lentamente. Deus santo. Esteve a ponto de desabar.

—Preciso de você - murmurou ele. - Eu preciso tanto de você.

—Eu também preciso de você - disse ela tremendo um pouco embora ele a fazia sentir-se tão contida e segura em seus braços que resultava viciador.

Olhou-a aos olhos, despojou-se do casaco e começou a desenredar o plastron .

—Deixa que eu faço - sussurrou ela tomando a iniciativa. Tinha fantasiado com seu corpo desde que o espiou trabalhando no porão com o musculoso torso nu. Embora tremessem as mãos, deleitou-se com cada breve calafrio. - Pensou que era uma louca, não é assim? Que me impressionaria por suas cicatrizes de guerra, que te desprezaria por você ter manchado as mãos com sangue para que o resto de nós pudesse estar seguro em nossas camas e pensou que eu te culparia pela morte de meu irmão. Subestimou-me, Ashby. Deveria se envergonhar.

Ele sorriu sobriamente.

—O que corre pelas veias de vocês, os Aubrey?

—Exatamente o mesmo que a você, que é pelo que meu irmão te admirava tanto. Por isso eu te amo tanto - descobriu o pescoço e pressionou os lábios contra a lisa e cálida pele.

Ele fechou os olhos e ela o beijou sensualmente, lhe devorando o pescoço.

—É uma sensação tão boa.

Tirou o colete e começou a desabotoar a camisa de linho. Debaixo dela, seu peito se sentia como se fosse de aço, e mesmo assim, quente e musculoso. Em seu desespero por deixá-lo ao descoberto, ela arrancou um dos botões, o que fez que ele risse entre dentes.

—Por que não a arranca diretamente? - sugeriu ele com voz rouca.

Sorrindo, abriu a camisa e estendeu os dedos sobre a poderosa superfície de seu peito. Deus santo. Pensou que não cabia dúvida de por que tantas mulheres o desejaram.

Fora magistralmente forjado para ser adorado por ela, era o mais formoso espécime de masculinidade.

Ele a observou por debaixo das extensas pestanas enquanto explorava o peito, acariciando-o e beijando-o. Ele era esplêndido, e ela se sentia penosamente inexperiente para lutar com tal prêmio.

Recordou como ele dera prazer no escritório, incitou-lhe com a ponta da língua o plano e aveludado bico do peito até que se endureceu. Um rugido de satisfação ressonou na garganta masculina.

O conhecimento de que ele já não se movia em sociedade, de que não precisava competir por ele, infundiu-lhe confiança que se converteu em ousadia. Acariciou o tenso abdômen, maravilhando-se ante os músculos perfeitamente simétricos que se marcavam em sua pele. Os trabalhadores que ela vira sem camisa eram só bestas peludas; o torso de Paris era elegantemente esbelto e imberbe.

Desviou o olhar para baixo, à parte inominável de sua anatomia, a parte que ela tinha acariciado descaradamente na pracinha. Parecia estar na mesma condição: enorme e proeminente. Uma vez mais sua repreensível curiosidade a induziu temerariamente. Desabotoou as calças, deixando que se deslizassem pelos quadris, expondo os músculos laterais da cintura. Olhou-o.

—Continua - disse ele hesitante com voz enrouquecida. - Me Toque, Isabel.

Sem afastar os olhos de seu olhar de pálpebras pesadas, com o coração pulsando fortemente, ela introduziu a mão em sua roupa interior. O pênis grosso e erguido se sacudiu frente a sua carícia.

Retirou a mão.

—Moveu-se.

Ele proferiu um som afogado.

—Será melhor que me concentre em você antes que estale de prazer.

—Não, desejo te tocar - sussurrou procurando a aprovação nos olhos masculinos. Pareciam brilhantes lacunas verdes cheias de ânsias, e esse foi todo o incentivo que ela necessitou. Ao mesmo tempo que observava seu tenso rosto, voltou a introduzir a mão em sua roupa interior e agarrou o pênis. Sentia-se quente e suave e se tornava mais imponente e erguido à medida que acariciava sua sedosa extensão.

Paris amaldiçoou baixinho e uma expressão agônica cruzou o rosto, todo seu corpo se esticou. OH, Deus. - Me Diga o que fazer.

—Está fazendo bem só - grunhiu ele respirando agitadamente. - Só... me acaricie.

Ela assim o fez e sua confiança se incrementou a medida que percebia suas reações.

—Como se denomina a este órgão? - inquiriu ela sentindo-se terrivelmente ousada e livre. - Não estava no programa de estudos dos últimos anos de escola.

—Senhor Jones, né... pênis - disse com voz tensa e respiração entrecortada. Permaneceu de pé muito quieto.

—Senhor Jones? - espremeu-o lentamente. - Encantada de conhecê-lo, senhor.

Paris se esticou ainda mais e apertou os dentes.

—Bruxa impudica. Está desfrutando, não é assim?

Ela levantou rapidamente os olhos para olhá-lo.

—Acaso você não?

Ele a olhou ardorosamente.

—Acaso não te dá conta?

Fascinada pelo membro masculino, acariciou com o polegar a ponta arredondada provocando que Paris se estremecesse.

—Devo fazê-lo mais lentamente? Mais rapidamente? Mais extensamente? - deslizou a mão até o suave saco no nascimento do membro.

—Doce Lúcifer - ele jogou a cabeça para trás ao mesmo tempo que inalava ar com dificuldade. Isabel pensou que era a essência do poder, dominar a um homem como Ashby com a permissão de fazer o que lhe agradasse dele.

Ele a agarrou no ombro. - Se o fizer melhor, estalarei de êxtase em sua mão. Estou louco por ti e o senhor Jones esteve sofrendo uma prolongada seca.

—Coitadinho - se burlou asperamente ela. - Não viu a uma cantora de ópera em meses.

Ele abriu os olhos repentinamente.

—Esteve prestando atenção às intrigas banais? Não, não precisa responder. Não posso te culpar se foi assim. Deus sabe que durante anos dei material aos fofoqueiros - tirou a mão dela de dentro de sua roupa interior. - Agora me toca - murmurou enquanto desatava os broches da frente do disfarce de fada. A vestimenta de distintas tonalidades caiu a seus pés, deixando ao descoberto seu apertado espartilho.

—Meu Deus, está envolta como uma deliciosa sobremesa - a fez dar a volta.

—Isso foi o que disse o major Macalister - se desfez das sapatilhas e se agarrou na coluna do dossel para não perder o equilíbrio enquanto desatava os laços.

—O que acontece com vocês os homens que sempre estão comparando às mulheres com a comida?

—Não sei de outros homens, mas você, meu doce anjo, é decididamente apetecível - lhe lambeu a orelha. - Deveria sabê-lo. Provei um pouco.

Ela sentiu que suas forças a abandonavam ao recordar o prazer pecadoramente delicioso que tinha proporcionado sua boca. Não pôde evitar pensar nos prazeres que ainda a aguardavam.

Em alguma parte longínqua de sua mente podia ouvir as vozes cautelosas de Íris e de Sophie repreendendo-a por não ter esperado até estar devidamente casada. Infelizmente, não podia esperar mais.

Durante semanas, ele esteve tentando a seu corpo para que se unisse a ele no pecado e cada nervo dela bulia de desejo.

Uma vez que teve tirado o espartilho, rodeou a cintura com os braços e a atraiu para ele apertando-a contra seu peito, seus glúteos e sua excitada virilha. Com apenas a camisa de seda posta, seu abraço se sentiu extremamente íntimo.

—Macalister se insinua ainda? Recebe com boas vindas seus cuidados?

—Ryan e eu temos um acordo - explicou ela quase sem fôlego.

Fez a um lado a selvagem juba para beijar a curvatura do pescoço enquanto acariciava vigorosamente um seio por cima da regata e esfregava o mamilo com o polegar até provocar uma sensibilidade extrema.

—Que tipo de acordo? Odiaria ter que romper meu voto de não violência para me desfazer dessa horda de competidores.

—Não é nada disso. Tem que ver com minha amiga Íris - ela suspirou deixando cair a cabeça até apoiá-la em seu ombro. O desejo acendeu o corpo, manifestando-se na cálida umidade entre suas coxas, onde mais desejava sua mágica carícia.

—Lady Chilton? É uma mulher casada.

Apesar de que ela não criticaria a Íris por ter um caso com outro homem, quando precisava suportar a constante crueldade do Chilton, o cortante tom de voz de Paris indicou a Isabel que provavelmente consideraria sua opinião sobre o assunto como uma ampla aprovação da infidelidade.

—É uma velha rixa, isso é tudo. Conhecem-se faz anos.

—Compreendo - engancho os dedos nas tiras da regata e as deslizou pelos ombros, deixando o torso ao descoberto. - Isabel - disse roucamente ao ouvido enquanto se enchia as mãos de sua suave pele, moldando e espremendo avidamente os seios nus. - Esperei tanto tempo por isso. Por você.

Ele deslizou a mão para baixo pelo ventre, debaixo das dobras da regata amassada em seus quadris, e acariciou a úmida fenda entre as pernas. Lava ardente emanou dela. Girou o rosto e capturou a boca em um beijo lânguido.

Sua língua com sabor a uísque se entrelaçou com a dela no mais sensual dos beijos; acariciou o seio com a ampla palma de sua mão até fazer sentir um formigamento no mamilo; e continuou a carícia intensificando seu desejo até que seu corpo clamou por ele. Seu corpo se fundiu contra o dele, deixando-se levar pelo hipnótico abraço. Ela gemeu e se cambaleou, rogando por mais; apesar disso, ele estava determinado a prolongar a espera, incitando-a com meticulosa paciência, fazendo sentir que seus ossos fraquejavam até quase não poder manter-se em pé.

—Não se mova - sussurrou liberando-a inesperadamente. Se não fosse pelo poste do dossel, teria se desabado. Ele sentou em uma das cadeiras e tirou energicamente as botas. Ficou de pé e, sem cerimônia alguma, tirou as calças e a roupa interior de um só movimento.

Isabel abriu os olhos de par em par. Era maravilhosamente proporcionado: seu magnífico torso de largos ombros se estreitava até os estreitos quadris e as longas pernas, esbeltas e musculosas, cobertas por uma magra capa de escuros pelos. Mas era a visão do duro senhor Jones, que se erigia de um arbusto de pelo na virilha, o que fez que o coração pulsasse tumultuosamente no peito. "Santo Deus", pensou.

—Te despoje de sua couraça, fada dourada. Deixe-me ver você - seu tom de voz não admitia negativa alguma.

Decidida, despojou-se da regata e permaneceu de pé nua frente a ele.

Ele a percorreu vorazmente com o olhar, acendendo a pele.

—É a mulher mais adorável e desejável que vi em minha vida - disse com voz rouca. Agarrou o copo de uísque do suporte da chaminé e caminhou lentamente para ela, tão viril e irresistível.

O brilho do fogo tingiam a pele de cor bronze.

A potência sexual que exsudava resultava magnética. Ela percebeu o aroma de sua pele, incitando-a a lhe acariciar os aveludados ombros e o musculoso peito. Absorta nas carícias que fazia, quase não notou a gota de uísque que percorreu a pele até o mamilo.

Bem a tempo, ele inclinou a cabeça e lambeu a gota e o mamilo. Ela fechou os olhos, desfrutando da deliciosa agitação que ele provocava. Aquilo era o êxtase, o calor das mãos e da boca dele, as ásperas carícias de sua língua...

Paris liberou o mamilo para beber o último gole de uísque e arrojou o copo vazio sobre uma das cadeiras. Beijou-a e impregnou a boca com o sabor do ardente uísque. O beijo se tornou mais profundo, mais ofegante. Agarrou-a da cintura e a elevou. Ela o envolveu com braços e pernas; seus seios se comprimiram contra o peito masculino, e o pulso se acelerou. Sentia-se extremamente leve em seus braços.

Com passos longos, ele caminhou até a cama e se recostou com ela no centro. Deitaram peito contra seio, pulsar contra pulsar. Olhou-a como se fosse a primeira vez que o fazia; o escuro cabelo caía ao redor do rosto, seu cintilante olhar a dominava por completo. O brilho possessivo de seus olhos refletia mais que luxúria: irradiava uma necessidade de espírito, um desejo tão grande que ela experimentou uma séria de preocupação por não poder satisfazê-lo.

—Por que eu? - suspirou ela. - Por que me permitiu acessar a você?

—Não sabe?

Ela meneou a cabeça.

—Foi pelo Will?

—Não.

—Então por quê? - as mulheres se jogaram em cima dele durante anos. Por que era ela a afortunada? Era porque ele era agora um homem solitário e ela estava disponível, ou era por algo mais significativo?

Sorriu com picardia.

—Sempre fala quando está nervosa? - quando ela começou a protestar, silenciou-a com um beijo. - Estou nervoso. Nunca antes estive com uma mulher que significasse tanto para mim. Quero fazer desta noite a mais maravilhosa de sua vida, já que de fato é a mais maravilhosa da minha.

Ela afastou uma mecha de cabelo escuro da frente, deixando ao descoberto seu rosto extraordinariamente arrumado.

—Ainda não respondeu minha pergunta, Paris. Por que me escolheu e não a qualquer outra?

—Você me escolheu, Isabel - inclinou a boca sobre a dela, seduzindo-a, absorvendo-a até que ela esqueceu a pergunta. Imersa no prazer agradável de estar debaixo dele, beijando-o, percebendo seu aroma, explorou o corpo dele com as mãos e com as pernas e percebeu de que se sentia como se estivesse no paraíso. Quem teria adivinhado que um dia ela se acharia na cama daquele homem, sendo o objeto de sua admiração, a ponto de fazer o amor? Ele a fazia sentir-se delicada, feminina e natural ao tempo que imaginava como se teriam sentido Adão e Eva no jardim do Éden. Até a serpente negra se achava ali, cobrando forma no erótico e sedutor serpenteio de seus corpos.

Afastou a boca da dela para deslizar-se para baixo. Beijou-lhe o pescoço, o aveludado roce de sua língua percorreu a pele para seduzir o escuro mamilo com lentos movimentos. Rodeou os lábios ao redor dele e sugou, enviando uma avivada corrente a seus quadris. Continuou percorrendo-a com a boca, sua escura cabeleira contrastava notoriamente contra a pele branca debaixo dele, torturando e venerando seu tremente corpo. Ao chegar as meias de seda, as tirou beijando cada centímetro de pele que deixava ao descoberto. Separou amplamente os joelhos, beijou o caminho acalorado de suas coxas e a lambeu.

Com um gemido de necessidade, ela se separou da cama formando um arco perfeito ao mesmo tempo que sacudia e girava a cabeça. Aferrou-se no seu grosso cabelo e seus gemidos guturais imploravam por mais, por algo que não podia expressar com palavras embora soubesse que existia. O implacável desejo que fazia ferver o sangue o confirmava.

Esta vez não a conduziu para a luz. Em lugar disso, impulsionou-se para cima e se deslizou sobre ela. Seus olhos da cor do mar refletiam uma necessidade infinita; as gotas de suor percorriam a fronte.

Inundada em uma nuvem de ânsias, sentiu que ele introduzia o escorregadio e excitado membro entre as pernas, ouviu-o gemer seu nome...

—Sim - sussurrou ela com os sentidos embriagadoramente cheios. Envolveu o pescoço com os braços e arqueou o corpo para recebê-lo.

—Sua deliciosa umidade me deixou um pouco louco - confessou ele. - Não posso esperar mais. Necessito-te agora. Se abra para mim - se apoiou nos antebraços e investiu com os quadris, possuindo-a em um só movimento quase selvagem.

A repentina plenitude, a pressão, a união dos corpos a sobressaltou, afogando a fugaz pontada de dor. Ela se sentiu completamente possuída, sujeita a sua vontade e força superior, e adorou a sensação, já que nela recaía seu poder: o complemento que seu suave corpo oferecia e que ele tanto desejava para satisfazer seu desejo. Seus quadris cederam para recebê-lo, permitindo penetrá-la ainda mais, envolvendo-o com deliciosa fogosidade. Um prazer escuro e doce correu pelas veias, despertando o sensual desejo que ardeu com uma avidez incontrolada, fazendo tremer o corpo inteiro.

Agarrou-se a suas costas e pressionou os quadris contra os dele, insistindo-o a penetrá-la mais profundamente.

—Mais, Paris, mais...

O peito dele se balançava ao compasso de sua agitada respiração.

—Não te dói?

Ela gemeu.

—É uma tortura. Sinto como se fosse morrer. Que classe de tortura é esta?

—A melhor de todas, por isso a chamam a "pequena morte".

Afastou e repetiu a investida, penetrando-a ainda mais. Ela o rodeou com os braços e as pernas como uma trepadeira, compassaram o ritmo crescente com sons guturais e roucos. Ele impulsionou fortemente os quadris contra ela, balançando com mais urgência, penetrando-a e separando-se incessantemente, levando-a quase até o ponto da inconsciência. Quanto mais agressivamente a penetrava, ela mais se arqueava para recebê-lo. Sentiu seus gemidos contra a orelha. Os gemidos dela se converteram em gritos de necessidade. O interior de seu corpo se contraía cada vez mais.

Estremeceu repentinamente, com um grito liberou seu prazer e seus sentidos se afundaram no êxtase extremo.

Ele nunca interrompeu o ritmo. Seu ardente olhar a devorou insaciável. Investiu-a como um homem possesso, arremetendo uma e outra vez, levando-a junto a ele para a tempestade.

Quase presa do delírio, o corpo dela se ondulou com o dele, como a maré a ponto de se chocar contra uma costa dourada.

—Não pare... - gemeu ela agarrando nos ombros cheia de desejo, necessidade.

Ele deixou escapar um profundo grunhido.

—Deus. Está me matando - ficou tenso contra ela, ofegando.

Ela ofegou como protesto enquanto recuperava a consciência.

—O que acontece? O que estou fazendo errado?

—Nada. Trata-se de mim. Não posso me conter - ele baixou a cabeça e exalaram. - Se me movo, terá acabado, terá chegado ao final e não desejo que isto termine.

—É por causa da "situação de seca"?

—Não, anjo - proferiu um sorriso. - É porque se sente extremamente bem, é como uma apertada luva quente e doce que me conduz ao êxtase. Sinto como se me consumisse em chamas dentro de você.

—Ah, é um elogio.

—É uma confissão - sussurrou ele. Girou-se de costas colocando-a escarranchada sobre ele. Colocou as grandes mãos nos quadris dela e a insistiu a começar a mover-se. - Me faça o amor, Isabel.

Sentada sobre ele, achou seu ritmo com um instinto que não tinha ideia de que possuía. Experimentou um prazer instantâneo e intenso; a sensação de poder resultou inimaginavelmente excitante. Ele a olhava fixamente.

—Se pudesse ver como gloriosamente formosa te está agora...

Ela estava pensando exatamente o mesmo. Deitado de barriga para cima debaixo dela, parecia um pirata com a densa cabeleira escura sobre o travesseiro, seu corpo feito para o pecado e os verdes olhos acesos de desejo. Ele envolveu a nuca com uma mão e a aproximou para beijá-la. Seus rígidos mamilos roçaram o peito enquanto ele introduzia a língua na boca. Continuou movendo os quadris sobre ele, incrementando a fricção entre os apertados corpos. Com os olhos entrecerrados, ela se incorporou e se concentrou em chegar ao clímax, balançando-se experimentalmente. Sentiu um calor no abdômen.

Gemeu.

—Sim. OH, Deus, sim...

Ele levantou as mãos e acariciou os oscilantes seios.

—Me monte com mais força - sussurrou ao mesmo tempo que impulsionava os quadris para cima uma e outra vez.

Era o mais tempestuoso e emocionante rodeio de sua vida. Ele deslizou as mãos pelas curvas aos lados do corpo e a agarrou nas nádegas. Ele incrementou o ritmo, penetrando-a com fortes investidas e gemeu:

—Sim. Assim, mais rápido.

Ela jogou a cabeça para trás e galopou os cachos açoitavam as suas costas, cada nervo de seu corpo pulsava pela tensão, cada músculo se contraía. Uma tremenda explosão começou a formar-se dentro dela, rodeando-a como um punho, trovejando até alcançar o clímax, lutando por ser liberada... Proferiu um rouco grito de rendição enquanto um prazer extremo lhe percorreu o tremente corpo, enchendo a mente de deliciosa satisfação, com mais força e vigor que antes.

Paris a atraiu para si girou-a e a penetrou profundamente uma última vez. Quando seu poderoso corpo se tencionou sobre ela, seu rugido de rendição foi o nome dela brotando de seus lábios.

Um doce resplendor desceu sobre ela, convencendo ela a dormir. Banhada pelo suor abraçou o esbelto corpo dele e os batimentos do coração de um se ecoaram no do outro. Ela desejava permanecer assim para sempre.

Ele se deitou de barriga para cima e a arrastou consigo como se tivesse medo de que ela pudesse escapar.

—Agora me pertence - disse ele com ardor cobrindo o úmido rosto com beijos suaves como plumas. - É minha Isabel. Minha.

 

" O que estava aquela deusa do amor, da calidez e da luz fazendo com ele?".

Ashby não pôde tirar os olhos de cima da inocente imagem da Isabel enquanto dormia pacificamente em seus braços, iluminada somente pelos brilhos provenientes da lareira, com as pernas entrelaçadas com as dele debaixo do cobertor. Finalmente sabia o que era fazer o amor a uma mulher. Não se tratava do ato em si mesmo, apesar de que chegara ao clímax muito mais intensa e abundantemente que nunca antes; mas sim do que os tinha embargado antes, durante e depois do ato. O companheirismo, a conexão, a experiência compartilhada em unicidade não como dois seres separados, absortos em si mesmos, fechados em seus pequenos mundos.

Com a Isabel, pela primeira vez na vida, ele sentiu a pessoa com quem se achava: percebeu seu aroma, explorou e saboreou com sua própria língua; experimentou o que ela fazia; porque lhe importava, porque desejava conhecer seu doce corpo melhor do que conhecia seu próprio. Porque o fascinava.

Inclusive agora, desejava-a de novo. Ela era como uma droga. Um poderoso narcótico, e ele se converteu em um caçador de dragões. Geralmente, a essas alturas, estava dando desculpas e procurando as botas, se não se foi já. Aquela mulher... encadeava a sua alma. Dominava o pensamento. Intoxicava os sentidos. Fazia ele ser menos orgulhoso. Fazia ele sorrir. Excitava-o até o ponto de querer fazer o amor constante e repetidamente até poder descobrir por que o amava.

Isabel o amava. Ela amava suas horríveis cicatrize e seu escuro passado e não retrocedia diante de nada que ele interpôs em seu caminho. Era incompreensível, quase um milagre. O que poderia amar?

O que poderia admirar? Sua generosidade? Desde sua auto reclusão ele triplicou sua fortuna e dispunha de muito dinheiro. Sua amabilidade? Era amável com aqueles que lhe agradavam.

Sua gentileza? Ela não o vira no campo de batalha empunhando o sabre com o rosto e a jaqueta cobertos de sangue. Seu ato de piedade para com o Will? Seu irmão salvou a vida; e ele falhou com seu melhor amigo no momento mais crucial de sua vida.

Pareceu a ele que Isabel criou uma imagem magnífica dele em sua mente e se apaixonou por sua própria criação. Nenhuma outra coisa explicava a presença dessa beleza que descansava sobre seu ombro.

Ele estava aterrorizado de que, uma vez que tivesse despertado, visse-o como realmente era, que percebesse seu engano e fugisse tão rápido como o permitissem suas pernas. Portanto, a modo de precaução, deixaria ela dormir até a manhã, e quando ela abrisse os olhos a um novo dia e descobrisse que havia passado a noite com ele, não haveria volta atrás. Isabel Jane Aubrey finalmente lhe pertenceria. Irreversivelmente.

O relógio de seu avô que se achava no saguão soou três vezes. Seu anjo deu a volta. Maldição.

—Mmm - ela sorriu sonolenta e agitou as pestanas em uma tentativa por abrir os olhos.

—Ssh - murmurou ele, ao mesmo tempo que beijava as pálpebras e acariciava o cabelo.

Com um suspiro de satisfação, ela se aconchegou mais perto de seu peito e voltou a dormir. Ele exalou cuidadosamente. Estava determinado a permanecer acordado. Não queria perder nem um suspiro que ela emitisse, não queria deixar de perceber a calidez de seu estilizado corpo repousando sobre o dele, suave e tranquilo, refugiado no sonho.

Ele nunca sonhava; era vítima de pesadelos. O que menos desejava fazer acontecer com Isabel era despertar por causa de um grito arrepiante e encontrar um corpo suado que tremia junto a ela com o olhar extraviado e a garganta seca. Uma de suas amantes o acusou uma vez de havê-la despertado bruscamente, com olhar desmedido e sustentando uma adaga contra seu pescoço.

Tinha sido uma das poucas vezes que se permitiu adormecer depois do sexo. Nunca havia tornado a repetir esse engano.

Uma lenha crepitou na lareira. Ela voltou a girar-se ao mesmo tempo que murmurava palavras ininteligíveis. Repentinamente ela se incorporou e ficou com o olhar perdido.

Ele duvidou se devia persuadi-la a voltar a dormir ou deveria deixá-la fazer, por medo a despertá-la por completo. Ela girou a cabeça para as janelas descobertas.

—Parou de chover - disse ao mesmo tempo que inconscientemente estendia os braços sobre a cabeça e deixava cair a manta até o colo. - Que horas são?

Ele se sentou junto a ela, extasiado pela visão do torso nu dela recortando-se contra a luz da lua. Seus enredados cachos brilhavam contra suas esbeltas costas; seus seios perfeitos se sobressaíam por cima de seu ventre plano como peras amadurecidas. Do estado de semi excitação permanente, passou a uma ereção completa.

—São três em ponto - murmurou ele. A tentação o possuiu. Estirou a mão e roçou um seio com a ponta dos dedos, depois percorreu o contorno do escuro mamilo, totalmente absorto.

Ela jogou a cabeça para trás, fechou os olhos languidamente e entreabriu os rosados lábios ao suspirar, e ele tratou de dominar-se para não saltar sobre ela como um animal selvagem.

Dominando sua luxúria, acariciou-a com o dorso da mão a suave pele do pescoço até chegar a seu seio, absorvendo a visão de seu perfil, aqueles polpudos lábios tentadores, o pequeno nariz arrebitado, a lisa fronte; e seus antigos medos voltaram a aflorar. O que aconteceria se o abandonasse? Não contar com a Isabel, nem com a capacidade de afastar-se dela, provocou uma sensação gélida e tremente no fundo de seu ser. Frequentemente se perguntava o que teria sido de sua vida se seu pai não tivesse amado a sua mãe até a loucura. A história que contou a Isabel a respeito da morte de seus pais era a versão oficial, a que Phipps tinha urdido depois que o advogado de seu pai tivesse enchido as mãos dos criados com dinheiro para assegurar seu silêncio. Ele topou com a verdade anos mais tarde com a morte do anterior mordomo. O repugnante velho sodomita deixou o dinheiro do suborno em uma caixa em seu leito de morte, com uma nota dirigida ao jovem conde detalhando a verdadeira e tórrida versão da aventura e declarando que não podia passar desta para a melhor com a consciência tranquila sem haver dito a verdade sobre a tragédia.

Aquele era um dia que não esqueceria. Estava empacotando para ir a Cambridge, já era quase um homem. Não cabia dúvida de por que escolheu o escuro caminho da libertinagem. Aquele dia decidiu não erigir sua vida segundo o exemplo de seu estimável embora desafortunado pai. E mesmo assim, ali estava. Em retrospectiva, possivelmente seu pai estava melhor morto, em lugar de viver como um demente, apanhado em seu inferno secreto, que era o que aguardava o Ashby se sua deusa do amor, da calidez e da luz, abandonava-o a sua sorte.

—É muito tarde. Devo ir.

Envolveu-lhe o pescoço com a mão e a atraiu para ele.

—Fica comigo.

Ela sorriu com os olhos bem abertos e piscando à luz do resplendor do fogo.

—Minha mãe terá um ataque se acordar e descobre que não dormi em minha cama. Enviará a um milhar de policiais para me localizar e, quando eventualmente me encontrarem aqui...

—Quis dizer... que fique comigo para sempre - ele tragou com dificuldade. - Vive comigo, se case comigo, seja minha condessa... - sentiu que o coração pulsava com força, enquanto aguardava ansiosamente sua resposta.

Ela se tornou para trás e agitou as pestanas.

—Está... me propondo matrimônio?

—Acredito que é o que acabo de fazer.

Um enorme sorriso se desenhou no rosto dela.

—Não estou sonhando, ou sim? Odiaria despertar e descobrir que tudo se tratou de um sonho.

Atordoado pela euforia, ele beliscou a face dela brincando.

—Você se casaria comigo, senhorita Aubrey?

O grito de alegria que ela proferiu foi música para seus ouvidos.

—Sim, me casarei com você! - arrojou os braços ao redor do pescoço, tombou-o sobre o travesseiro e o cobriu de beijos.

Possivelmente ele estava sonhando. Afastou os suaves cachos do rosto e sentiu um nó na garganta.

—Obrigado. Salvou-me - a beijou com toda a ofegante necessidade de sua alma. Quando ela levantou a cabeça para tomar ar, ele perguntou. - Está dolorida?

—Dolorida? Não. Por quê?

—Porque ainda não acabei contigo esta noite - a recostou de barriga para cima e se colocou sobre ela. Estava tão excitado que temia gozar entre ambos os corpos apertados.

Separou as suaves coxas com o joelho, e os separou com a mão para penetrá-la.

—Não, não posso - rindo, ela o fez a um lado e lutou por chegar a borda da cama.

—Retorna aqui, ágil gata! - agarrou-a dos quadris justo quando ela começava a levantar-se e puxou ela para trás. Com um grito risonho, ela se desabou de barriga para baixo e protestou.

Ele se colocou sobre ela, respirando na orelha. - Não irá a nenhuma parte. Agora me pertence - ao sentir a separação das nádegas femininas, o senhor Jones cresceu até alcançar proporções descomunais.

—Mamãe ficará histérica - disse ela bruscamente com a voz rouca, ao mesmo tempo que ele a rodeava com a mão até deter-se debaixo dela para acariciar a diminuta protuberância de maneira tal de assegurar-se que ela o reconsideraria.

—Ela não se levantará até a tarde - continuou acariciando a rosada protuberância que era a fonte de seu desejo, sabendo de que se não estivesse a ponto de perder o controle, estaria acariciando o pequeno morango com a língua e fazendo-a palpitar de prazer várias vezes seguidas.

Ela começou a respirar rápida e entrecortadamente. Derreteu-se contra sua mão como um rio de fogo. Ele levantou a pélvis e penetrou o úmido canal por detrás. Ambos gemeram ao uníssono.

—Sim - murmurou ela quando seu ágil corpo se ondulou com o dele em perfeita harmonia. - OH, Paris.

Aquilo era o paraíso, pensou ele ao mover-se dentro dela afligido por seu aroma de baunilha, extasiado ao saber que só pertencia a ele. Fechou os olhos e acelerou o ritmo consumido pelas chamas da paixão.

Os breves gemidos de prazer dela, as ofegantes investidas de suas nádegas contra sua virilha o catapultaram até o limite. Penetrou-a com ferocidade selvagem, perdendo-se completamente em seu apertado calor.

Sentiu o batimento de seu coração lhe retumbar no peito, nos ouvidos, no sangue. Os gemidos dela se converteram em gritos de êxtase. Ela o absorveu, consumiu-o, convulsionou-se ao redor dele, comprimiu-o até o clímax...

O suor escorria no rosto enquanto lutava por conter a urgência de explodir. Grunhiu atormentado, atrasando o orgasmo tudo o que foi possível, e no instante que sentiu que os tremores do clímax dela a sacudiam, afastando a tensão de seu corpo, ele alcançou um orgasmo tão forte que o deixou extasiado e sem ar. Desabou-se sobre ela, depravado e exausto.

Se tivesse tido que mover-se para salvar a vida, não poderia havê-lo feito.

Isabel o agarrou na mão, entrelaçou os dedos com os dele e os pressionou contra seus lábios.

—Estou te esmagando? - perguntou ele lutando por conter o fôlego.

—Não. Fica - sussurrou ela. - Quero memorizar a sensação.

Ele apoiou a face contra a dela.

—Que sensação?

—A da perfeição.

Ele sentiu que o coração dava um salto.

—Isto é a perfeição - e tanto mais do que merecia que o atemorizou até quase perder o sentido. Não podia acreditar em sua boa sorte. Sabia que ela era uma mulher apaixonada, e teria estado satisfeito percebendo que não era do tipo de mulher a quem desgostava o sexo, mas nunca imaginou que poderia ser tão ardente. Nunca conhecera a uma mulher que estivesse mais cômoda nua, ou que gozasse tão naturalmente do ato de fazer o amor. Lotaram a mente visões de prolongadas e suarentas noites. "Ela foi feita para mim", reconheceu sorridente no mais profundo de seu ser, mas outra voz, a que não se calava, atormentou-o com um terrível pressentimento. Repentinamente soube qual era a solução perfeita.

—Não se atreva a mover nem um músculo - saltou da cama e se aproximou da escrivaninha.

—Aonde vai? - perguntou ela, girando a cabeça sobre o travesseiro.

—A nenhuma parte - ele acendeu uma vela de cera de abelha e abriu uma gaveta. Pegou algumas folhas de papel, uma pluma e tinta, e retornou à cama. Colocou a vela na mesinha, deitou-se de barriga para baixo e colocou a folha de papel sobre as costas curvada dela. Inundou a pluma no tinteiro, clareou a garganta e começou a escrever-"Minha querida lady Aubrey"...

—O que esta fazendo? - disse ela com uma risadinha ao mesmo tempo que se estirava para poder ver por cima do ombro. - Me faz cócegas.

—... "apesar de que o que segue a seguir pode resultar uma surpresa, rezo para que você esteja tão contente como eu ao descobrir que no início dessa manhã sua deliciosa", né... riscamos isso...

—Paris! - Isabel riu.

—Calada. E fica quieta - beijou os formosos glúteos nus fazendo-a rebolar e rir. - Bom, bem, onde estava? Ah, sim. "Sua deliciosa filha aceitou amavelmente minha proposta de matrimônio" - pontuou a frase e acidentalmente perfurou o papel deixando uma pequena mancha de tinta nas costas de Isabel, que voltou a rir-"passamos juntos a mais escandalosa das noites de prazer em minha cama e agora nos dirigimos a Gretna Green...".

—O que? - Isabel se girou rapidamente e agarrou a folha de papel. Foi só graças aos agudos instintos masculinos que a tinta não se derramou sobre os lençóis. Colocou os implementos de escritura na mesinha e se recostou junto a ela com as mãos entrelaçadas detrás da cabeça, sorrindo enquanto ela estudava atentamente a carta. - Não escreveu nada desses absurdos escandalosos.

—Absurdos? - puxou ela para que se recostasse em cima dele. - Se essa for sua interpretação do que fizemos esta noite, retificarei imediatamente - roçou com o nariz a graciosa curva do pescoço enquanto acariciava a sedosa pele. Não estava surpreso de desejá-la outra vez. Ela o tinha transformado em um insaciável selvagem luxurioso. Resultava imperativo sentir seu corpo contra o dele todo o tempo.

Ela suspirou e apoiou a cabeça contra o ombro.

—Realmente preciso retornar para casa agora.

—Não, não é assim. Enviarei a carta a sua mãe e iremos a Escócia em meu carro.

Ela levantou a cabeça.

—Esta noite?

—Ou no inicio da manhã. Como preferir.

—Fala a sério, verdade?

—Muito a sério. Escaparemos.

Ela franziu o cenho em sinal de desaprovação.

—Mas não desejo escapar. E não há razão para fazê-lo.

—Talvez sim.

Ela abriu os olhos de par em par, surpreendida.

—Um bebê? OH, não, não, não.

Ele sentiu que lhe contraía o peito.

—Não deseja ter filhos comigo, Isabel? Formar uma família? - um lar, com risadas e alvoroço e cheio de vida, com a Izzy; o que ele sempre tinha desejado, mas não se atreveu a pretender.

—Sim, desejo-o, mas não sabemos... ainda, e me agradaria ter um cortejo apropriado primeiro.

—Um cortejo apropriado leva um ano, ou dois, e não desejo esperar.

—Por que não?

"Porque poderia trocar de opinião".

—Sou muito velho para esperar. No momento de nos casar, já seria um idiota baboso que não pode levar a sua esposa à cama, ou elevar a seus filhos. Serei um pai-avô.

Ela apertou os lábios.

—De maneira que busca refugio na decrepitude?Droga.

Ele segurou o rosto entre as mãos.

—É tão adorável - ela abriu a boca para protestar e ele a beijou. - Quero me casar contigo. Quero te fazer o amor todas as noites, todas as manhãs e as tardes e passar o resto de minha vida contigo.

Por que diabos teríamos que esperar?

Ela franziu o cenho, consternada e se sentou.

—Porque desejo que minha família esteja comigo quando nos casarmos. Quero umas bodas em uma igreja com flores e uma recepção com champanha em companhia de nossos amigos nos desejando felicidade.

Sua simples petição acendeu uma chama de frustração nele.

—Quantas vezes tenho que te dizer que não me apresento em público? - espetou mais asperamente do que foi sua intenção fazê-lo.

Ela ficou olhando-o, petrificada.

—Isso significa que nos esconderemos para sempre?

Ele carecia de uma boa resposta para essa pergunta.

—Quero um cortejo respeitável, Paris. Não quero comprometer minha reputação e arruinar minha vida!

A chama se tornou mais intensa.

—Já está. Comprometi você bastante esta noite.

—Ninguém, salvo nós sabe. Se escaparmos... Ele se sentou.

—Quando retornarmos casados de Gretna Green, os rumores se aquietarão. Será uma dama de linhagem devidamente casada. Ninguém se atreverá a segregar à condessa de Ashby, nem em público nem em privado.

Além disso, poderia vir viver comigo imediatamente. Por que esperar?

—Não escapou a primeira vez que esteve comprometido, ou sim?

Demônios.

—Se o tivesse feito, não estaríamos aqui agora, não é certo? - e a Deus obrigado, já que teria sido o pior engano de sua vida. - Adiar nosso casamento poderia conduzir a todo tipo de problemas.

Confie em mim. Já passei por isso. Não foi uma experiência agradável.

Ela entrecerrou os olhos.

—Quem era ela, sua antiga prometida?

—A mulher equivocada - não podia arriscar-se a contar sobre a Olivia. Ela poderia falar com sua antiga prometida, e se aterrava imaginar as mentiras que a cadela desumana poderia contar a Isabel.

Olivia se aproveitaria da oportunidade para separá-los.

—Sou "a mulher indicada"? - perguntou ela com enganosa doçura.

Ele sustentou o olhar.

—Sim.

—Então, por que não faz isto por mim? - espetou ela. - Por que não podemos ter umas adoráveis bodas normal? Por que devemos nos ocultar do mundo? - ela aguardou sua resposta e, quando ele não proferiu nenhuma, ela continuou rapidamente. - É o conde de Ashby, um herói de guerra, um...

—Não há heróis de guerra com vida. Acaso não sabe? - espetou com ironia.

Um brilho feroz flamejou nos olhos.

—Me escute. Meu irmão está morto. Você está vivo. Deve se perdoar por isso. Deve deixar de se odiar - enunciou ela veementemente. - Não sei por que os homens se assassinam uns aos outros, mas é hora de que deixe a guerra para trás, ou nunca estará em paz. Viver afastado do resto do mundo não voltará o Will à vida, nem tampouco a nenhum dos homens que morreram na guerra, e não é são fazê-lo.

Pelo amor de Deus, olhe o que te há feito a ti!

—Certamente sabe como desmoronar a um homem - mas ela tinha razão e isso o irritava.

O olhar nos azuis olhos dela se suavizou.

—Se isso se trata de seu rosto...

—Não se trata de meu rosto, maldita seja! - sentou-se de um salto e passou a mão pelo cabelo. Tratava-se... não se atrevia a afundar nisso, nem sequer em privado.

Ela se aproximou por detrás e rodeou os ombros com os braços pressionando os seios contra suas costas. Deslizou os mornos e suaves lábios ao longo da curva do pescoço.

—Paris, o que é o que te atormenta, meu amor? Já compartilhou tanto comigo e, entretanto, sinto que há um lugar dentro de você onde nem sequer um raio de luz pode penetrar.

Pode ser que não tenha tanta experiência como você, mas aqui estou para te apoiar.

Ele se despojou de seu abraço e ficou de pé, exasperado com ela, consigo mesmo. Mas, como podia dizer? Como podia explicar?

—Por que não pode respeitar somente isto? Respeito tudo o que te concerne. Bom, não sou muito bom para a sociedade, mas dentro destas paredes, farei tudo por você.

—Tudo? - ela o olhou com certa inquietação. - Me permitirá organizar festas e noitadas, convidar a minha família nas festividades? Irá jantar ao número 7 da Rua Dover?

A mulher irritante sabia precisamente onde aguilhoar.

—Sabia endemoniadamente bem no começo como vivia eu minha vida! - dirigiu-se à mesa para servir-se outra taça.

Ajoelhada, ela se girou para olhá-lo.

—Não te pedi que se convertesse em um ser sociável, diabos! Pedi umas bodas com minha família presente, uma vida familiar normal! Por que me pede que case com você se pode me manter encadeada no porão?

Obteria o mesmo objetivo.

—Pensei que não te agradava meu porão - respondeu irritado. - Mas a ideia não é má.

Ela deixou sair um grito de fúria e o olhou colérica.

—É impossível!

Ele bebeu ao mesmo tempo que a observava com uma mescla de desgosto, luxúria e sobressalto. Balançando nos quadris com os brilhantes olhos azuis e os loiros cachos caindo sobre a parte superior do esbelto corpo, sua enfurecida leoa parecia esquecer-se de sua nudez e se via magnificamente feroz. Não podia recordar nenhuma só vez em que uma mulher tivesse discutido com ele como Deus havia a trazido para o mundo. Desejava possuí-la outra vez. Decidiu aplacar um tanto, ceder um pouco, possivelmente umas bodas privada só com sua família.

—Deseja se casar com alguma licença em especial?

—Isso no que mudaria as coisas? - perguntou ela enfurecida. - Mesmo assim me manteria trancada aqui contigo, como uma espécie de... mascote enjaulado! Sem reuniões familiares, sem amigos.

Que classe de vida é essa, Paris?

Suas insultantes duvidas o rasgavam como uma adaga.

—Eu disse que te manteria prisioneira? Que demônios pensa que sou? Um maldito monstro? Entra e sai como te agrada. Inclusive te darei a chave.

—Mas não me acompanhará a nenhuma parte. Andarei como se não tivesse marido. Deverei apresentar meu itinerário cada dia e rogar sua aprovação? Deverei te relatar cada saída?

Proibirá de dançar com outros cavalheiros nas festas?

Suas perguntas o golpearam como uma bala de canhão.

—Estou te pedindo que seja minha esposa - espetou com fúria. - E se preocupa se estará permitido dançar com outros homens?

—Possivelmente não te importe no começo, mas depois de um tempo, quando Phipps te venha com intrigas sobre o número de cavalheiros com os que conversei enquanto você ficava sentado em casa sozinho, esperando a que retorne, importará. Converterá-se em um tirano ciumento! Conheço-te, Ashby!

A ideia dela dançando e flertando com uma manada de lobos em eventos sociais lhe encolerizou.

—Qualquer um pensaria que uma mulher apaixonada preferiria passar as noites com seu marido!

—Por que devo fazer eu o sacrifício maior? Por que não pode sacrificar seus hábitos por mim?

—Não sabe o que me pede! - grunhiu frustrado.

—Pois minha resposta é não.

Ele não pôde pensar em nada.

—O que?

As lágrimas se amontoaram nos olhos.

—Importo-te um nada. Nunca te importei. Tudo se tratava de suas necessidades, e agora sei quais são. Quer-me como uma égua de reprodução para que te dê um herdeiro e para que compartilhe sua cama pelas noites.

Mas e minhas necessidades? Ou acaso não contam em seu nefasto plano?

Se algo provava essa discussão era que nada na terra podia fazer que pegasse a uma mulher.

—Nefasto plano? Você veio a me buscar! - rugiu.

As lágrimas correram pelas faces da Isabel.

—Deus, fui tão estúpida. Pensei... convenci-me de que se importava.

Embargado pelo arrependimento deixou o copo a um lado e se aproximou da cama.

—Sim me importa. E estou muito feliz de que tenha vindo a me buscar.

A ira cintilou nos úmidos olhos dela.

—Certamente! - ela se levantou da cama e começou a recolher sua roupa. - Não permanecerei nem um minuto presa contigo!

—Está me rechaçando? - perguntou ele incrédulo ao mesmo tempo que sua mente se negava a registrar suas palavras.

—Sim, estou te rechaçando! Encontra outra companheira tola para que te mantenha entretido em sua solidão!

Ele sentiu que o coração pulsava violentamente. Deus estava destruindo-o.

—O que acontecerá se estiver grávida?

—Pois estarei gravemente arruinada, mas ao menos estarei acompanhada de minha família - disse ela entre soluços.

—Nunca disse que não podia estar com sua família, você torceu tudo! E se pensa que te deixarei criar a meu filho, a meu herdeiro, como a um filho ilegítimo, sozinha, sem estar casada, não me conhece nem a metade de bem!

Ela lançou um olhar depreciativo.

—O que fará? Vai me prender?

—Se realmente pensasse que poderia te prender, não brincaria a respeito.

—Não me casarei contigo nestas condições, Paris. Não me converterei em sua mascote privada.

Ele foi possuído por um terror irracional e uma voz que ele não reconheceu como própria disse:

—Se me rechaçar verei-me obrigado a falar com o Stilgoe. Como reagiria seu irmão ao saber que sua delicada irmã me fez uma visita noturna e em consequência, pode chegar a estar grávida?

Ela reagiu como se a tivesse golpeado.

—Está me ameaçando?

—Insisto que você o reconsidere.

—Se falar com o Stilgoe estarei arruinada, minha obra de caridade estará arruinada e te odiarei e desprezarei por toda a eternidade!

—A eternidade é um tempo muito comprido, Isabel.

—Precisamente! - agarrou o peito respirando com evidente dificuldade.

A consternação nos olhos dela o inquietou.

—Como chegamos a este ponto? Faz um momento estávamos fazendo o amor.

—Amor? Nem sequer sabe o que significa!Você arruinou tudo! Tudo!

Ele deu um passo adiante.

—Não pode me deixar. Somos feitos um para o outro!

—Só me observe! - ofegando, sentou-se na borda da cama e colocou as meias.

—No meio da noite? Levarei você em meu carro de manhã - direto para a Escócia. Quanto tempo se aferraria ela a seu ressentimento irracional? Uma vez que se achassem no caminho, passando os dias e as noites em companhia um do outro, ela entraria em razões. Ele faria que entrasse em razões.

Quando ele parou frente a ela, ela ficou de pé e caminhou com dificuldade para a parede com janelas.

—Me deixe em paz! Não posso respirar contigo perto. Necessito ar... - chorava com tanta intensidade que resultava difícil poder respirar.

A ansiedade se apoderou dele. Agarrou-a no ombro.

—Isabel, o que acontece?

—Me solte! - abriu uma das janelas e apareceu, deixando que o frio da noite castigasse seu corpo nu. Ele agarrou a manta e a aproximou para envolver o tremente corpo antes que agarrasse uma pneumonia.

—Não me toque! - disse ofegando e afastando-se dele.

Ela estava sendo presa de algum tipo de ataque, e tudo o que permitia fazer era permanecer de pé, olhando-a. Seus soluços afogados o rasgavam.

—Farei que tragam o carro e te levarei a casa.

Seus soluços se aquietaram. Abraçando-se, separou-se da janela e agarrou a regata.

—O carro de Sophie me espera do outro lado da rua. Agradaria-me poder me vestir. Por favor, aguarda lá fora.

Ele era um vilão. Uma besta sem sentimentos. Merecia apodrecer no inferno.

—Isabel, peço desculpas. Não foi minha intenção te assustar. Podemos discutir com calma. Trarei um copo de água...

Ficou tenso. Que ela o jogasse de seu próprio quarto, como se fosse a senhora da casa, infundiu-lhe uma esperança repentina.

—Bem, aguardarei fora enquanto se veste. Depois falaremos - colocou as calças e saiu descalço ao corredor. Recostou-se contra a parede e ouviu o som da seda e do pranto de Isabel.

A miséria rasgou o que ficava de sua alma.

Ela apareceu envolta na capa, com os olhos quase cobertos pelo capuz, e se apressou a descer.

—Isabel! - seguiu-a velozmente. Alcançou a porta principal antes dela e estendeu a mão para impedir que se fosse. - Por favor, não me deixe - implorou brandamente, desfalecendo por dentro.

—Reconsidere.

Ela levantou a vista para olhá-lo, seus azuis olhos se viam tristes e cansados.

—Tenho uma pergunta que te fazer. Teria me procurado se eu não o houvesse feito em primeiro lugar?

Teria gostado de pensar que assim fosse. Sempre a desejara. Ela nunca havia estado afastada de seus pensamentos, inclusive quando era muito jovem para uma relação romântica. Mas seu rosto... seu passado... sempre havia algo que se interpunha. Ainda seguia sendo assim.

—Assim o pensei. - A dor e o ressentimento se mesclaram fortemente dentro dele. - Desprezaria o que há entre nós por seus assuntos sociais e diz que não tenho noção do que é o amor? Você é a insensível.

—Você é egoísta e desprezível! Ameaçou-me! Não desejo voltar a verte nunca!

Um pânico intenso se apoderou dele.

—Nunca?

—Nunca - ela afastou a mão dele e fechou a porta. - Adeus, Ashby.

 

—Poderia permanecer sentada e quieta dois segundos? Está me enjoando.

Indo de um lado a outro da janela que dava ao jardim no salão diurno de Sophie, Isabel desejou que alguém golpeasse a sua cabeça com um pau, deixasse-a inconsciente e sossegasse a tempestuosa confusão em sua mente. Todos seus pensamentos se centravam nele, seus sentimentos flutuavam entre o desejo extremo e a fúria avivada. A noite anterior, ao deixar a residência Lancaster, tomou a rápida decisão de ir à casa de Sophie. Sua amiga seria um álibi firme em caso de que se suscitasse alguma intriga, ou que Paris cumprisse sua ameaça. Também se economizaria do interrogatório de sua mãe.

No referente aos criados de Sophie, o silencio era seu forte, já que ela pagava por isso mais que por sua eficiência. Dormiu algumas horas e se despertou com uma aguda enxaqueca e o desejo de morrer.

Tomou um banho e se embelezou com um dos vestidos de dia de Sophie. Mas o aroma de seu amante a envolvia em todo momento, um aviso tortuoso de como seus corpos se uniram em um embriagador delírio, achando juntos o êxtase supremo.

Fazer o amor com Ashby tinha sido... selvagem, ardente, formoso.

Se não fosse consciente de como eram as coisas, poderia imaginar que seus sentimentos por ela eram tão profundos e poderosos como os dela por ele. O que lhe tinha permitido sentir, entretanto, era a força de sua necessidade: sua necessidade de um lar, uma família, uma mulher que compartilhasse sua cama e proporcionasse todo o anterior. Ele havia exposto a magnitude de sua solidão.

Ela passou a vida desejando um homem, ao Ashby, desejando que pertencesse por completo. A noite anterior, ver seu rosto, escutar sua voz e depois deitar em seus braços, foi um momento mágico.

Ele compartilhou seus segredos mais profundos com ela e a tinha envolto em um casulo de amor. Ou ao menos assim havia suposto.

"Você me escolheu". Certamente. Enquanto ela se referia ao afeto que se tinham um ao outro, ele falava de luxúria. Enquanto ela desejava gritar sua felicidade ao mundo, ele desejava mantê-la em segredo.

E quando ela quis chegar a um acordo, ele a ameaçou. A verdade a respeito de sua relação estava bem clara: ela era a fêmea que havia tocado a sua porta quando ele já não suportava mais.

—Bebe um pouco de chá e come algumas bolachas - sugeriu Sophie. - Posso escutar os grunhidos de seu estômago daqui - aplaudiu a almofada que se achava junto a ela no sofá e serviu uma taça de chá.

Isabel a aceitou relutantemente. Sentou-se e inundou uma bolacha no chá.

—Enviou minha nota ao número 7 da Rua Dover? - perguntou, ao mesmo tempo que se esforçava por ingerir uma pequena dentada de bolacha.

—Sim. Ninguém se inteirará de sua aventura de ontem à noite.

A ansiedade fez que o estômago se contraísse.

—Não, a menos que Ashby queira me arruinar.

Sophie pôs os olhos em branco.

—Vamos ver, por que teria que fazer?

—Não sei o que fará - respondeu brandamente Isabel. - Ontem à noite me assustou. Por um momento temi que se não saísse dali imediatamente, nunca me permitiria escapar.

Resultava difícil entender sua atitude possessiva para com ela. Não era a única mascote bonita de Londres. Através de intercâmbios discretos, o conde de Ashby podia convencer a, ao menos, quinhentos nobres ingleses para que entregassem suas filhas. Por que teria que ameaçá-la? Apesar de que ela esteve bem disposta na hora de satisfazer suas necessidades, dificilmente era a mais bela das mulheres.

—Você o teme? - perguntou Sophie assombrada, e depois compreendeu. - Ele não é Chilton, Izzy. Não permita que as histórias góticas de Íris destruam sua vida. Íris aborrecia ao Chilton muito antes que se casassem.

E estava apaixonada por outro homem que a deixou. Ashby é diferente.

Ashby era diferente. Era previsivelmente imprevisível.

Terminou de comer a bolacha empapada que caiu como uma parte de argila molhada no estômago.

—Ele é muito... complexo para mim.

—Isso é o que o faz interessante - Sophie sorriu. - Ou preferiria que fosse aborrecido? Se lhe interessassem os aborrecidos, ma cherie, estaria casada com lorde Wiltshire ou com o filho do

Ailsbury, ou com qualquer da dúzia de homens que babam por ti desde sua apresentação na sociedade. Isabel respirou profundamente.

—Rechacei-o, Sophie. Declinei sua proposta de matrimônio.

Os olhos de Sophie refletiram primeiro surpresa e depois, comoção e irritação. Apertou os lábios fortemente.

—Menina tola e impetuosa! Rejeitou se casar com o homem a quem adora para contrair matrimônio com um pavão que não se importa nem um nada? Seu irmão não tolerará mais negativas, Izzy.

Forçará você casar com o Hanson, e passará o resto da vida lamentando-se por seu engano.

Isabel se sentiu como entorpecida.

—Tudo o que ele queria era uma companheira para aliviar sua solidão. Não me surpreenderia que a criada que leva o leite se converta na condessa de Ashby pela Páscoa.

—Mon Dieu, Isabel. Isso é o mais cruel que te ouvi dizer.

Sentiu que os olhos se enchiam de lágrimas e tremeu a voz.

—Fiquei deslumbrada por ele. Me derreti a seus pés... - um profundo soluço a fez quebrar-se e exteriorizou toda a angústia que levava na alma.

Sophie ofereceu um guardanapo para que secasse o rosto.

—Qual foi o motivo pelo que rejeitou sua proposta?

Ainda soluçando, Isabel secou as lágrimas amontoadas em seus olhos com o guardanapo.

—Ele sugeriu que escapássemos. Implorei-lhe por umas bodas tradicional em companhia de família e amigos. Negou-se categoricamente e discutimos. Depois ameaçou me arruinando se o deixasse, o muito fanfarrão, então o deixei. Não me deixou outra alternativa mais que rejeitá-lo. Admitiu que - sua voz se entrecortou em um soluço - se eu não tivesse ido buscá-lo, ele não haveria... tido nenhum tipo de interesse em mim - lutando por recuperar a compostura, olhou a Sophie em busca de compaixão, mas sua amiga franzia o cenho enquanto meditava.

—Isso foi o que disse ao George quando se declarou - disse finalmente sua amiga. - Com superioridade zombadora eu informei que se ele não me tivesse açoitado com o ardor de um adolescente, não me teria fixado nele absolutamente. Pode imaginar o motivo de minha presunçosa e insensível réplica? Estava aterrorizada. A ideia de que o segundo filho de um marquês inglês se apaixonasse por uma ignorante, incasta e pobre cantora francesa de ópera era... ridícula! Um conto de fadas. Imediatamente o ataquei. Busquei defeitos que pudessem explicar seus estranhos sentimentos, mas não achei nenhum.

De fato, não era nem chocante nem elegante, nem possuía um título da nobreza, nem riqueza, como sua Gárgula, mas me amava de verdade. Uma bênção oculta - cintilaram os escuros olhos.

—Possivelmente o fato de que Ashby não seja um modelo da alta sociedade é também uma bênção oculta. Isabel piscou assombrada.

—Pensa que deveria ter dado meu consentimento?

—É obvio que sim. Nada na vida é permanente, exceto a morte. Precisa mudar. O tempo e o amor são as forças curadoras mais poderosas do universo. A confiança perdida pode ser restituída, ao igual à joie de vivre. Possivelmente tenha tido que persegui-lo um pouco para se assegurar de que se interessasse em ti, e possivelmente não tenha suas bodas de sonho, mas isso não importa absolutamente, apertou a mão de Isabel. - Não estava apaixonada pelo George quando me casei com ele, mas sua morte me devastou. Senti que a melhor parte de meu ser tinha sido rasgada e arremessada ao mar.

Devo te explicar o que é o amor amadurecido, querida amiga? É respeito, amizade, consolo, estabilidade e carinho mútuo. Tem isso com o Ashby. Hoje você o ama mais, amanhã ele te amará melhor, e vice-versa.

Isabel ponderou a asseveração de Sophie.

—Como poderia precisamente eu, viver presa, Sophie? Mencionei que tive um desafortunado ataque de falta de ar na presença dele? Senti-me enjaulada, sem ar...

—Pobre Ashby, deve haver-se voltado louco, reprovando-se por te ter assustado até o ponto de que sofresse um ataque de sufocação histérica. Explicou-lhe a respeito de sua afecção?

—Não é de sua incumbência.

—Preocupou-se? - inquiriu Sophie delicadamente.

Isabel baixou a vista.

—Sim, muito.

—Izzy, duvido que sua situação permaneça igual para sempre. Ele, ao seu devido tempo, se reinserirá na sociedade. Se case com ele, abra seu enorme coração e ajuda-o se curar.

—Pode ser que isso leve anos - protestou fracamente Isabel, ao mesmo tempo que começava a compreender o que Sophie dizia.

—Por acaso tudo deve ocorrer segundo seus tempos? Acaso tudo deve ser agora ou alguma vez?

—Sinto-me como uma ovelha tola que se separou do rebanho e se meteu na cova da Gárgula... e terminou sendo seu jantar - só que... Paris não era a Gárgula, só ele pensava que o era.

E quando expressou suas ideias, Ashby desatou o poder de seus demônios contra ela. Portanto, agora dependia dele esclarecer seus dilemas emocionais e morais, e decidir se teria que reinserir-se na sociedade ou não.

—Não seja tola - disse Sophie sorrindo. - Ele te adora. Cobrirá você de riquezas e te seduzirá de mil maneiras recorrendo a qualquer desenfreio de que possa valer-se.

Atrevo-me a dizer que será uma ovelha mais que satisfeita.

A expressão no rosto de Isabel se suavizou ao recordar quanto esteve satisfeita ao seduzi-la a noite anterior.

—Pediu-me que o reconsiderasse - admitiu bastante ambivalente.

—Somente isso deveria inclinar a balança a seu favor, chérie. Recorda ao Moreland e a esse tio, o sobrinho do duque de Salisbury, como partiram furiosos quando lhes disse que não?

—Isabel assentiu sem estar muito segura de aonde conduzia a conversação. - Me Diga, o que leva a um pretendente que se declara a engolir seu orgulho, a ficar pendente à espera de uma resposta, condenando-se à tortura da incerteza?

Isabel se encolheu fracamente os ombros.

—Deseja uma esposa.

—Deseja a ti.

Isabel suspirou profundamente, apoiou o queixo contra os punhos e os cotovelos sobre os joelhos.

—Sophie, por que sempre joga o papel do advogado do diabo? Resulta muito incômodo - sua amiga estava desmoronando metodicamente seus argumentos. Mas ainda ficava um. - Me agradaria ser escolhida entre uma multidão... de formosas e perfeitas damas, não só como a única ovelha conveniente - no baile de caridade ele só teve olhos para ela, e se havia sentido como em um sonho flutuando em seus braços como se tivesse dançado a valsa um milhão de vezes antes. Ela desejou sentir-se novamente dessa maneira, com um desejo tal que encheram os olhos de lágrimas. Que pena Paris não podia afirmar que a amava nem tampouco que não o fazia. Por que deveria ela viver dessa maneira, com uma incerteza perpétua, procurando sinais de afeto, separada de sua família e de seus amigos, enquanto ele não se resignava a nada? Era intolerável.

E mesmo assim... nunca havia experimentado tal felicidade como a que havia sentido quando se achava com ele.

—Izzy, escolhem entre uma multidão de mulheres todos os dias - assegurou Sophie. - O Anjo Dourado da sociedade te adula servilmente, além de uma manada de jovens gansos a quem enfeitiçaste; entretanto, não deseja a nenhum deles. Ashby não é cego. Ele sabe...

—Não tem ideia de quem era ele antes de ser ferido! - arguiu Isabel. - Acredita que Hanson é popular com as mulheres? Não é nada comparado com como adulavam ao Ashby. Cada mãe o desejava para sua filha e secretamente imaginavam em sua própria cama. Will dizia que Ashby era o pior pretendente da história devido a que eram as mulheres quem o cortejava. Tinha mais amantes que Dom Juan.

Agora é um encerrado e um eremita. E acredita que me escolheu?Digo-lhe isso. Eu estava ao-alcance-de-sua-mão! Ele mesmo me disse que já não era o que tinha sido.

Se fosse o mesmo homem de faz quatro, ou sete, ou dez anos atrás, não se teria fixado em mim absolutamente.

—Disse o que sentia por ele? - inquiriu Sophie, e Isabel assentiu. - E depois o deixou? - Isabel voltou a assentir. Sophie ficou olhando-a, incrédula. - É uma desalmada.

A Isabel encheram os olhos de lágrimas.

—Não sou desalmada - sussurrou - disse que o amava, e que nunca amaria a nenhum outro. Você gostaria de saber qual foi sua resposta? Disse:

"Necessito-te" - se abraçou a si mesma, assediada pelos calafrios e as náuseas. "Eu também te necessito", chorou seu coração.

Sophie rodeou os ombros e a embalou.

—Besta desumana.

Isabel assentiu contra os ombros de Sophie, umedecendo a musselina de cor púrpura intensa.

—Todos os homens são uns estúpidos imbecis.

Isabel assentiu, embora suspeitasse que Sophie estivesse burlando-se dela.

—Deveriam perder suas partes privadas na guilhotina e perecer gritando de agonia.

Esta vez Isabel sorriu.

 

O relógio do avô que se achava no vestíbulo deu nove badaladas.

—Maldição - murmurou Ashby. Por que parecia que fosse passada a meia-noite? Rondou pela ampla casa vazia, deslocando-se de quarto em quarto como um leão enjaulado. Ela não retornaria esta vez.

Não mudaria de opinião. Tudo tinha terminado entre eles. Então, por que não podia deixar de obcecar-se por ela?

Seus argumentos para rejeitar a proposta de matrimônio retumbavam na sua consciência. Embora lhe chateasse profundamente seus motivos, compreendia-os. Por que teria que submetê-la a uma vida que até a ele mesmo resultava difícil levar adiante a maior parte do tempo, e nos últimos três dias havia resultado insuportável?

Porque havia suposto, desejado, que sentisse quão mesmo ele. Quando estava na presença dela, já não permanecia nas sombras a não ser à luz do sol e tudo estava bem no mundo. Em seu atual estado lastimoso, teria se contentado sentando-se em frente à lareira com ela, agarrados da mão, como um casal que leva muitos anos de matrimônio. Deus.

Devia haver algo que ele pudesse fazer para afastar ela de sua mente. Estava voltando-se louco, desejando que estivesse ali com ele.

Isabel, Isabel, Isabel. Consumia os pensamentos, noite e dia, sem trégua. Suas ocupações usuais, o que fosse que fizesse para passar o tempo antes que ela irrompesse em sua vida, e em seu quarto, já não conseguiam captar sua atenção salvo por breves momentos. Experimentava um prazer perverso ao cheirar o aroma a baunilha que ainda estava impregnado na manta de lã enquanto dava voltas em sua cama durante a noite, ardendo por tê-la entre seus braços.

Só havia uma explicação plausível para sua deprimente condição: estava possuído.

Não podia recordar como fora sua vida antes que Isabel aparecesse iluminando a porta principal. Tampouco podia recordar como tinha sido ele antes de posar a vista nela pela primeira vez.

Uma pequena de doze anos, pelo amor de Deus! Possivelmente a demência realmente era hereditária. Sempre assumira que seu pai se havia suicidado por amor. Agora sabia. Os Lancaster eram um clã de lunáticos.

Se só não tivesse tentado em forçá-la a casar-se com ele, não teria rogado que a deixasse em paz e não teria partido intempestivamente de sua casa como um animal aterrorizado. As possibilidades de que o aceitasse foram quando muito ínfimas, e uma vez que proferiu a ameaça, nulas. O que o convertia em duplamente idiota, já que em realidade, nunca teve a intenção de falar com seu irmão.

Mas quando ela jogou por terra sua proposta, despertou sem querer à besta que morava em seu interior, a que Olivia tinha marcado de por vida. Só que esta vez era pior.

Quando chegou a notícia de que Olivia se casaria com o Bradford, passou uma semana afogando seu orgulho ferido em um tonel de uísque. Isabel feriu mais que o orgulho; seu rechaço o tinha esmigalhado até o mais profundo de seu ser. Sentia como se sangrasse por dentro. Como podia ela dizer que o amava e depois deixá-lo? Era desumano!

Igualmente a seu pai, que amava a sua esposa mais que a seu próprio filho, Isabel preferia a sua família e a vida social antes que a ele. Uma dor e uma saudade extremas o carcomeram até que não pôde nem comer, nem dormir, nem respirar, nem fazer nenhuma maldita coisa, exceto uivar atormentado.

Achou refúgio na sala de bilhar e se recostou contra a porta fechada.

—Maldita seja - sussurrou respirando tremulo, ao mesmo tempo que fechava os olhos. - O que me tem feito?

" Por que devo fazer eu o sacrifício maior? Por que não pode sacrificar seus hábitos por mim?".

Sentiu a ira pulsar sob a pele. Perguntou-se como reagiria Isabel Dante de sua aparição em uma de suas preciosas noites sociais flertando com as presas fáceis revoando ao redor dele.

Ele tinha causado furor em uma época. Alvanely e Argyll, seus cupinchas daqueles dias, haviam atado um cartão de baile ao pulso durante uma festa e tinham insistido às mulheres ofegantes a que se alinhassem para ter o privilégio de anotar seus nomes reservando uma dança de baile. " Sem correrias nem alvoroços!", repetia Argyll, enquanto Alvanely conduzia ao ansioso rebanho que reclamava os cuidados do Ashby.

Aqueles foram bons tempos, e suspirou ao recordá-los. Ele teria chamado a atenção de Isabel se tivesse tido suficiente idade então? Provavelmente. Embora naquela época, ele não teria pensado mais à frente que em levantar as suas saias, e muito certamente, não teria lamentado seu rechaço ante sua proposta de matrimônio. Teria se felicitado por uma caçada bem-sucedida e um escapamento fácil do altar. Ou possivelmente não.

Isabel Aubrey não era a classe de mulher que alguém deixasse depois de uma noite de pecado. Ele teria contínuo desejando-a até que sua sorte se acabasse e se viu forçado a casar-se com ela.

Mas obcecada como estava com o altruísmo e o decoro, ela não teria movido nem um músculo para olhar a um libertino egoísta com uma reputação tão escura. Os filantropos e os Don Juan não se levavam bem.

Entretanto... certamente havia escutado algum dos rumores que circulavam naquela época a respeito da classe de homem que estava acostumado a ser, e mesmo assim lhe tinha agradado. Pois por que não aceitava a classe de homem que era agora? Era dez vezes melhor que o esbanjador que se embebedava cada noite, que apostava enormes somas de dinheiro em jogos e que considerava uma relação monógama como algo antinatural.

" Por Deus, converteu-se em um cordeiro!". Agitado pelo descontentamento consigo mesmo, separou-se da porta, acomodou as bolas de bilhar e escolheu um taco da prateleira. Não cabia dúvida de por que o tinha rechaçado. As mulheres não valoravam aos bodes inofensivos, derretiam-se pelos libertinos. Aos bem intencionados os levavam dos rosados narizes, mas quando se apresentava um hábil safado rompe corações, virtualmente se deprimiam; o qual, por certo, era uma das razões pelas quais outrora tinha sido um libertino com tanto êxito. Maldito, maldito inferno.

Colocou uma das bolas com um forte golpe do taco e depois ficou observando as demais, esparramadas sobre a mesa de feltro verde. Se não fosse por suas malditas cicatrizes, faria engolir seu rechaço.

De acordo com as fontes de informação do Phipps, Isabel havia recebido doze propostas de matrimônio desde que foi apresentada em sociedade, cinco delas formalmente apresentadas ao Stilgoe, e ela as tinha rechaçado sistematicamente a todas. Bem, a diferença de seus cães mulherengos com manicura nas mãos e intrincadamente vestidos até o pescoço, ele não cuspia propostas de matrimônio cada vez que abria a boca.

Continuou colocando bolas durante o que pareceu uma eternidade, mas que não durou mais de uma hora, enquanto sentia prazer imaginando a si mesmo em situações típicas de seu antigo estilo de vida nas que fazia arder de ciúmes a Isabel. As visões se voltaram tão doces que estava sorrindo quando terminou de jogar. Possivelmente ela tinha razão, depois de tudo. Ele estava necessitado, e quando ela apareceu em sua porta, com o olhar cintilante e desejoso de sua companhia, sua insatisfeita avidez se centrou nela. Isso devia ser. Não era são viver como ele o fazia, privando a sua mente e a seu corpo das necessidades básicas. Inclusive jogar bilhar Á solitaire tinha começado a aborrecê-lo. Necessitava desesperadamente fazer algo para recuperar sua antiga maneira de ser, e devia fazê-lo imediatamente, pois quando um homem chegava ao ponto em que não podia tolerar já nem sua própria companhia, tampouco interessava a nenhuma outra pessoa. Nem sequer a seus criados.

Arrojou o taco sobre a mesa e se dirigiu decididamente para a área privada da casa. Por Deus que a faria arrepender-se de sua decisão, embora significasse morrer na tentativa. Fez soar a corda da campainha para chamar o Phipps e se dirigiu a grandes passos para o guarda-roupa. Agarrou um colete e uma jaqueta, e disposto os colocou com fria resolução, sem permitir um momento para reconsiderar o rápido curso de ação que adotou. Não atravessaria a porta principal se pensasse a respeito do que estava a ponto de fazer.

Como era de esperar, Phipps escorregou até deter-se frente a porta aberta.

—Milord?

—Sairei - procurou uma engomada gravata nova e a atou. Era surpreendente que recordasse como fazê-lo. Vestiu-se com uniforme militar desde que tinha memória, e nos últimos dois anos, tinha sido seu ajudante de câmara quem se encarregou de vesti-lo apropriadamente para uma audiência com algum de seus administradores.

—Farei que selem ao Apolo imediatamente.

—Usarei o carro - Ashby passou caminhando para o corredor frente ao surpreso mordomo e se dirigiu para seu escritório. No momento em que achara sua carteira e colocara nela um maço de dinheiro, Phipps se fez presente frente a ele com uma expressão mescla de preocupação e de alegria.

—O carro estará pronto em um momento, meu lorde. Posso...?

—Não pode - Ashby se serviu um copo de uísque para infundir coragem e o bebeu de um só gole. Sua frágil resolução não sobreviveria a um interrogatório do Phipps. Mas o fiel criado tampouco merecia um trato desconsiderado só pelo risco de que a determinação de seu amo se desvanecesse sem outra razão, salvo sua fraqueza. - Meu chapéu e meu casaco, por favor - não tinha nem ideia de onde estavam guardados os malditos objetos. Não as tinha usado em anos. De fato, provavelmente já não estavam na moda.

Bebeu outro gole e se dirigiu à porta principal. Phipps o esperou com um chapéu que não reconheceu pendurado do dedo planamente enluvado e um casaco que resultava igual de estranho pendurado do antebraço.

O mordomo não emitiu uma palavra, mas Ashby leu claramente o desejo de " Boa sorte!" em seus amáveis olhos.

À solitarie expressão da língua francesa que significa jogar sozinho.

 

Isabel passeou de um lado a outro sobre o tapete de seu quarto com os nervos crispados, o coração pulsava com força, e aguardou a que se abrisse e se fechasse a última porta do corredor.

Duas vezes desceu nas pontas dos pés, mas encontrou iluminada a biblioteca onde Charlie estava fumando um havanês e bebendo uma taça, enquanto lia o jornal antes de ir dormir. Acaso seu estúpido irmão não iria à cama com sua amante esposa? Ela não seria tão permissiva com seu marido. Iria à biblioteca, vestida com uma bata de seda e nada mais, e o seduziria justo ali, em sua poltrona favorita.

Secou a boca, porque o protagonista masculino de seu cenário imaginário iluminado pelo fogo era, como sempre, Paris Nicolas Lancaster.

Durante os três últimos dias se absteve de falar sobre ele com suas amigas e seguiu seu próprio conselho. Elas eram mais amadurecidas, e possivelmente mais sabias, mas Íris estava zangada e amargurada, e Sophie... casou-se procurando segurança mais que amor. Afastou os contraditórios conselhos de suas amigas da mente e procurou em seu interior a verdade absoluta, seu próprio conselho.

A resposta era simples e brotava da essência de seu ser: Amava-o. Nada poderia mudar isso. Nunca.

Por essa razão se desculpou de assistir à noite de caridade que as damas teriam na casa de Sophie, e ficou em casa. Sentia saudades de Paris; desejava estar com ele, queria-o de volta.

Deteve-se frente ao espelho de corpo inteiro e tirou a capa para verificar sua aparência pela décima vez. Levava o cabelo solto em uma cascata de cachos dourados e um vestido decotado de cetim azul safira profundo, que marcava a silhueta e brilhava a tênue luz da vela. O traje tinha sido meticulosamente escolhido para vencer ressentimentos, rancores, animosidades e qualquer tipo de troca de sentimento ou opinião que pudesse ter suscitado nos últimos três dias. Beliscou as faces para dar cor a sua pálida pele que evidenciava a falta de sono e se introduziu uma bala de aroma na boca.

Precisava estar perfeita para convencer ao homem ao que desejava ardentemente - e que havia rejeitado - de que ainda a necessitava. E muito.

Ocorreu uma ideia no último momento. Já que ia submeter se a seus desejos e fobias, possivelmente deveria empacotar uma bolsa com objetos pessoais, uma muda de roupa para o dia e nada para a noite.

Esperou que Paris não tivesse descartado a carta dirigida a sua mãe. Nunca voltaria a separar-se dele.

Ouviu o ruído de uma porta que se fechava brandamente ao final do corredor. Por fim. Abriu a de seu quarto e espiou para fora. Tudo era escuridão e silêncio. Desceu lentamente, com os sentidos bem alerta, mas todos estavam em suas camas, incluindo os criados, e chegou sem inconvenientes à porta de entrada. A chave pendia no trinco atada com um laço. A última extravagância do Norris.

A outra chave se achava em uma gaveta da mesa no escritório do Stilgoe. Pegou-a com certa relutância em deixar a porta principal sem ferrolho jogado, e saiu.

Cinco minutos mais tarde apareceu um carro de aluguel, deteve-o e deu ao condutor a direção desejada. Se lady Hyacinth Aubrey se inteirasse de que sua indecorosa filha pegou um carro de aluguel, só e a meia-noite, emigraria às Colônias e imploraria a um de quão selvagens a decapitasse tanto a ela como a sua vergonha.

Quando o carro avançou por Park Lane, Isabel procurou a mudança correta em sua bolsa ao mesmo tempo que observava ansiosa as altas colunas brancas da mansão Lancaster.

—Pare! - gritou repentinamente ao condutor.

Um carro negro aguardava na entrada. Ashby tinha visitas às onze da noite? Colocou a cabeça pelo guichê e em um sussurro pediu ao condutor que seguisse avançando discretamente nas sombras.

Pôde distinguir sem esforço o escudo na porta do carro. Um leão. Atormentou os miolos pensando onde poderia ir no meio da noite, quando de repente, viu-o cruzar a porta de entrada sem a máscara posta, embelezado de etiqueta com um casaco negro de várias capas e um chapéu. Ia sair.

Nunca saía, exceto as ocasiões em que, montado ao Apolo, tinha-o visto escondido nas sombras dos arbustos frente à casa dela. Pensou rapidamente em uma lista de possíveis destinos aos que podia dirigir um cavalheiro depois de que a noite tivesse caído, desprezou várias possibilidades e chegou à única conclusão possível: dirigia-se a ver uma antiga amante. O muito canalha.

Assim alguma vez se movia em público, não? Bom, certamente o fazia, e bastante, em privado. Maldito seja. Se ela tivesse chegado um instante antes ou depois, ele teria sabido que ela tinha ido tornar se a seus pés novamente. Teria sido humilhada devastadoramente por... Deus sabe que número de vez.

Desolada, observou-o caminhar até seu carro, mais formoso que a última noite. Aguardou até que o carro partiu e depois pediu ao condutor que retornasse ao número 7 da Rua Dover.

Tinha em mente dizer a Sophie o que pensava a respeito de seus fenomenais poderes para decifrar a psique masculina, mas decidiu guardar para si sua mortificação.

O major Ryan Macalister levantou os pensativos olhos do copo de Hock e se afogou com o último gole.

—Deus santo! Devo estar terrivelmente bêbado. Olhem o que trouxe o diabo!

Seu bom amigo, o capitão Oliver Curtem, seguiu o olhar e reagiu de idêntica maneira.

—Por todos os demônios... é o coronel Ashby! Pensei que nunca ia a nenhuma parte por estes dias.

—Evidentemente o faz, Oli - murmurou Ryan. - E acredito conhecer o motivo que há detrás deste ressurgimento milagroso - se separou da mesa e cruzou a sala do clube, não muito luxuosa, mas bem arrumado, para seu antigo comandante. A diferença dos pretensiosos clubes da elite, esse estabelecimento atendia aos oficiais do exército. - Lorde Ashby - sorrindo, saudou-o estendendo a mão.

—Me alegra que tenha aceitado meu convite. Gostaria de se juntar a nós?

Ashby percorreu o lugar com um rápido olhar e saudou os velhos conhecidos com um rígido movimento de cabeça. Muitos dos pressente levavam posto uniforme e, por alguma razão, isso apaziguou seu desconforto.

—Não tem inconveniente! - disse respondendo o apertão de mãos do Macalister enquanto sorria fugazmente. Seguiu ao arrogante major, invejando sua confiança em si mesmo. Quanto tempo fazia que não se havia sentido dessa maneira? Anos.

Curtis ficou rapidamente de pé nem bem se aproximaram da mesa e o saudou com um apertão de mãos.

—Que alegria vê-lo, senhor. Acabamos de abrir uma garrafa de Hock, mas se você ainda prefere vinho espanhol...

—O que estejam bebendo está bem para mim. E como poderão ver - se destacou a roupa de civil - não levo posto uniforme, assim podem me chamar Ashby - tomou assento, enquanto Macalister fazia um gesto para que trouxessem outro copo de vinho. Sentia a gravata um tanto ajustada, mas ignorou o desejo de afrouxar. - Bem, o que estão fazendo vós, desertores, que não se acham na Índia?—perguntou enquanto um dos garçons se aproximava para servir a bebida.

Seus companheiros de mesa riram entre dentes.

—Eu tenho licença por enfermidade - explicou Ryan - e Oli se encontra na cidade por causa das bodas de sua irmã. Querida Silvia, finalmente, encontrou a um homem curto de vista...

—Deixa de fazer esses comentários, Macalister - espetou Curte. - Suas incansáveis brincadeiras a respeito do nariz de minha irmã não hão feito rir a ninguém, assim bem poderia guardar isso em um lugar escuro.

Ashby lutou por manter-se sério. Na verdade, o nariz terrivelmente longo da Silvia Curtem - também conhecida como "a baioneta" - os havia provido de uma inesgotável fonte de brincadeiras ao longo da campanha final.

Seguiu esforçando-se para conter-se até que Ryan, com expressão mentirosa e inocente, disse:

—Tudo o que quis dizer é que a querida Silvia se casará com um bom colecionador de armas - ali perdeu a batalha por manter a compostura e explodiu em risadas com o Ryan, que quase recebe um golpe no nariz por causa de seu comentário.

—Vocês, gênios, poderiam deixar de rir? - murmurou Curte. - Esse último comentário não foi nada gracioso.

—Sim, sim foi - balbuciou Ashby dominado por um incontrolável ataque de risada. - Perdão, amigo. Curtem ficou de pé.

—Irei ver como estão as apostas na mesa de jogos - caminhou dando grandes e longos passos para o salão de jogos fazendo uma careta quando escutou outro ataque de risadas, ao mesmo tempo que se afastava.

—Somos malvados - declarou Ashby enquanto voltava a encher os copos. - Seu nariz não era tão longo.

—Faz tempo que você não a vê. Tenha em conta que o nariz é o único órgão da anatomia humana que nunca deixa de crescer. Temo que fomos caridosos com ela no passado.

Rindo entre dentes, Ashby observou a um dos melhores oficiais que teve a seu serviço.

—E que tipo de enfermidade te mantém afastado da terra do ouro e do marfim? Em minha opinião te vê saudável.

Ryan riu entre dentes.

—Sofro de ferroadas nos bolsos e espasmos no coração. É uma enfermidade endemoniadamente confusa, já que o par de uma doença se contradiz com a da outra.

—Você, apaixonado? - Ashby o olhou de soslaio, divertido. - Quem é a desafortunada jovenzinha?

—Um adorável anjo de olhos azuis. Estaria espreitando ela agora se não se achasse em uma noite de caridade.

Ao Ashby apagou o sorriso.

—E por acaso esta criatura celestial te corresponde o sentimento?

Ryan fixou o olhar no copo de vinho.

—Um cavalheiro não divulga certas coisas.

Ashby se sentiu dominado por ciúmes intensos e cruéis. Isabel havia mentido. Ela sim estava respirando ao Macalister. Apertou os punhos. "Sem violência", recordou-se. "Pensa friamente".

—Sugiro que renuncie a ela, Macalister - disse em um tom de voz baixo e não muito amistoso; o tom que tinha aperfeiçoado durante anos de serviço. - A pessoa da que falamos não está disponível.

—Eu já sei - murmurou Ryan, ao mesmo tempo que apertava os olhos ao olhar seu camarada. - Mas nenhuma mulher deveria desperdiçar a vida com um monstro que não a trata melhor que a uma mascote enjaulada!

Os músculos de Ashby se esticaram diante da ofensa direta. Apertou com força os dentes.

—Quem é você para determinar o que é melhor para ela? Deixa-a em paz, Macalister. Ela não tem nada que ver contigo.

Os olhos do Ryan refletiram surpresa e suspeita.

—Tampouco com você.

—Nisso você se equivoca, e se voltar a se aproximar dela, assegurarei-me de que embarque de retorno à a Índia com a próxima mudança de maré.

Ryan empurrou a cadeira para trás e se levantou.

—Lamento que tenhamos chegado a este ponto, mas já que não tenho intenções de seguir seu "conselho", sugiro que arrumemos as coisas ao amanhecer.

Ashby jogou um rápido olhar a seu redor e murmurou em voz muito fria:

—Não brigarei contigo, mas se não seguir meu conselho, asseguro-te que será exilado.

Mediram-se por um momento que pareceu interminável.

—Pensei que você era um cavalheiro, Ashby. Os homens de honra resolvem suas disputas com pistolas, não nas salas traseiras do Ministério de Guerra.

Ashby conteve os antigos impulsos beligerantes que o dominavam.

—Como já disse, não brigarei contigo, mas mantém afastado de Isabel, ou te farei desejar não haver partido da Índia nunca. - Isabel? - Ryan pestanejou. - Por Deus, homem, não me referia a Isabel Aubrey.

Me... - aproximou-se para não ser ouvido -... referia-me a sua amiga, Íris, lady Chilton.

Ao Ashby levou um momento que o sangue voltasse para a temperatura normal. Estava fora de controle. Se tivesse usado o cérebro, teria se dado conta de que Macalister não estava falando da Isabel, já que ela era uma herdeira que poderia resolver ambos os problemas do Macalister. Tampouco teria deixado em evidência sua relação com ela, em especial a um despreocupado major sem compromissos nem dinheiro nos bolsos, dotado de particular encanto e com as maneiras de um nobre. Clareou a garganta e estendeu a mão.

—Minhas desculpas. Posso contar com sua discrição? Ofereço-te a minha.

Macalister assentiu aliviado e estreitou a mão.

—Obrigado, apreciaria muito que assim fosse.

Voltaram a sentar-se trocando tímidos olhares. Finalmente, tinham esclarecido, refletiu Ashby, sentindo-se um pouco mais que tolo. Nunca imaginara que brigaria a golpes por uma mulher.

Embora tampouco houvesse imaginado que uma Isabel adulta retornaria a sua vida.

Macalister agarrou novamente o copo de vinho, pensativo e, até certo ponto, divertido.

—Não é ela um tanto jovem?

—Mas não está nem remotamente um tanto casada - respondeu Ashby com um sorriso igualmente condescendente.

—Não posso dizer que me surpreenda. Suspeitei desde o momento em que se aproximou no baile de caridade. Embora, deveria te advertir, ela está apaixonada por alguém mais...

Espere um minuto - um sorriso tolo começou a esboçar na comissura dos lábios. - Você é esse "alguém mais". Entretanto, quando eu mencionei seu nome, ela pareceu tão docemente desconcertada - terminou a bebida. - Mulheres.

Ashby sentiu que o coração dava um salto.

—Quando mencionou meu nome?

—Faz umas semanas, quando a vi. Almoçando com... né... lady Chilton e outra amiga. Falou-me a respeito de algumas listas que necessitava para a obra de caridade e sugeri que fosse vê-lo - sorriu maliciosamente.

—Obviamente, o fez.

Ao usar a memória, Ashby esteve convencido de que ela o tinha procurado antes disso, mas guardou as conclusões para si. Ryan levantou o copo de vinho.

—Bela como um girassol. Eu o tentei, mas me despachou sem misericórdia dizendo...

—Despachou-te? - repetiu Ashby, reprimindo o impulso de estalar em risadas.

—Muito firmemente. Entretanto, acredito que deveria saber que sua família está ansiosa de que se case com o neto do duque de Haworth e, embora esteja decidida a lutar com unhas e dentes, será melhor que você se dê pressa antes que ela fique sem unhas. Sua mãe me dá a impressão de ser do tipo persistente, se me compreende - piscou o olho. - Espero que tenha tido o tino de conseguir essas listas.

Ashby fez girar o vinho no copo.

—Mesmo assim me rejeitou.

Ryan estava a ponto de tomar outro gole de vinho, mas se deteve com o copo a meio caminho.

—Está brincando, não é assim? Suspirando, Ashby admitiu:

—Não tem desejos de viver fechada em uma jaula, essa foi sua frase exata que, conforme deduzo agora pertence a sua amiga, e tua também, a infelizmente casada lady Chilton.

A ira e a angústia se refletiram no rosto de Macalister.

—Esse bastardo do Chilton a mantém fechada com chave. Isso pude averiguar da boca de sua donzela, deve apresentar um cronograma diário de atividades para sua aprovação, tem proibido dançar com ninguém que não seja ele, e tenho razões para acreditar que seus abusos não se limitam ao plano mental ou verbal.

—Bate nela? - só a ideia de um homem batendo em uma mulher, sem importar o tipo de relação que tivesse com ela, fez que ao Ashby revolvesse o estômago. Se estivesse no lugar do Macalister, com ou sem voto de não violência, arrancaria do Chilton o coração e o devoraria. Não era de estranhar que Isabel se negou rotundamente a viver a vida que ele oferecia. Ela temia terminar na mesma deprimente situação que sua desventurada amiga. Deus santo - Conheci lady Chilton. É uma formosa e delicada jovem dama. Que tipo de pessoa abusa de uma mulher como ela?

—Um monstro velho, poderoso e endinheirado, mas ela se nega categoricamente a deixá-lo - soprou com desgosto. - Vamos. Diga. O que faz o tolo desventurado? Retorna a Índia, esquece-a e enche seus bolsos vazios de ouro e marfim.

—Dificilmente estou na posição de subir ao púlpito e acusar a ninguém - declarou Ashby. - Meu contato direto com o Todo Poderoso foi interrompido faz anos, para satisfação de ambas as partes.

Ryan sorriu maliciosamente e meneou a cabeça.

—Acaso não somos duas ervilhas de uma mesma vagem? Eu renunciei a meu único e verdadeiro amor, e você não lutará pelo seu - fez gestos para que trouxessem outra garrafa.

—Proponho que nos embebedemos imediatamente.

Ashby o olhou de soslaio, intrigado.

—O que quer dizer com que não lutarei pelo meu?

—Está sentado aqui comigo, não é certo? Já me entregaram minha nota de demissão, mas pode ser que você ainda tenha uma oportunidade. A menos que não seja esse "alguém mais", depois de tudo.

Tenha em conta que não sou o único depredador arrumado e encantado de Londres. Seu girassol é um alvo preferencial.

OH, ele era esse "alguém mais". Ashby o reconheceu com um sorriso triste e secreto. Ela havia ido buscá-lo pura como a neve e com os olhos cheios de amor. Certamente que tinha partido em uma condição muito diferente. Ashby clareou a garganta.

—Hipoteticamente falando. O que faria se estivesse em minha situação? Tenha em conta que não sou exatamente... como o expressou ela? ... "uma criatura sociável".

—Hipoteticamente falando? - Ryan sorriu astutamente. - Faria a única coisa que, se ela fizesse a você, incomodaria mais que nada. Acredito que é um truque que alguma vez me ensinou meu coronel.

—Tudo o que ela faz e que não me inclui, incomoda-me, Macalister. Seja mais específico.

—Persiga a sua melhor amiga, coronel.

Esse tinha sido seu primeiro impulso, mas não importava perseguir nem ser açoitado por ninguém mais que Isabel, embora parecesse a solução perfeita. Até a ideia de equilibrar-se sobre sua amiga deixava um sabor amargo na boca.

—Sua melhor amiga é lady Chilton - disse com sutileza.

—O que tem com a outra? O suflê de chocolate francês de olhos sedutores?

Ashby fez uma careta.

—Se não estava já caminho ao inferno, estou seguro de que isso me servirá para conseguir uma passagem em primeira classe. Além disso, as mulheres têm esse maldito código secreto: não se compartilha entre amigas.

Ryan ficou de pé impetuosamente.

—Me permita que o despoje de uma quantidade mísera de seu patrimônio nas mesas de jogo, e urdirei uma estratégia que envergonhará até mesmo Napoleão Bonaparte.

Ashby sorriu maliciosamente.

—Mostre o caminho. Eu só seguirei o cheiro de enxofre...

 

Alguém chamou brandamente à porta de seu escritório.

—Entre! - disse distraidamente Isabel.

Pensou que era estranho. Faltavam cinquenta libras da caixa de caridade, mas tinha contado o dinheiro essa manhã antes de pagar o salário de Rebecca. Acaso por engano pagou a mais à governanta?

Impossível, pagou com moedas. Perceberia se tivesse entregue cinquenta libras. Sempre guardava a caixa com dinheiro sob chave na gaveta de sua mesa. Estudou a fechadura da gaveta. Não havia sinais de que tivesse sido forçada. Repassou mentalmente os progressos do dia. A única vez que a caixa havia estado aberta sobre a mesa foi quando... Era inconcebível. Devia tratar-se de outra pessoa.

—Está zangada comigo? - perguntou uma voz cadenciosa e um tanto triste.

Isabel levantou a vista.

—Não, certamente que não. O que acontece? Sente-se, Íris.

Íris se sentou na cadeira, do outro lado da mesa.

—Falei com a Sophie antes que partisse hoje. Tenho a impressão de que o meu mau conselho pode ter causado a perda de uma união... muito desejada.

Uma gélida ira se apoderou de Isabel ao recordar Paris deixando a casa Lancaster duas noites atrás. Colocou as moedas, os bilhetes e as contas de gastos na caixa, deu uma volta de chave e a colocou de retorno na gaveta, a que também trancou.

—Sophie não tinha direito a te repreender. Seus conceitos são errados por completo. Pensa que ter casado com o George a converteu em uma perita em harmonia conjugal.

—Ashby se declarou e o rejeitou porque eu te contagiei com o desdém e o ódio que sinto por meu marido - Íris se via magra e pálida, e havia um machucado na face esquerda.

Isabel não podia somar mais coisas ao sentimento de culpa de Íris.

—Não são mais que tolices. Não se culpe querida. Meus problemas com o Ashby são mais complicados do que parecem a primeira vista.

—O que acontece agora? - perguntou Íris.

Isabel deu de ombros. Não tinha uma resposta que dar, nem sequer a si mesmo. Só desejava meter-se em uma fossa e não pensar em nada. Estava mais que deprimida.

—Ele é nosso patrocinador, Izzy, e membro da junta diretiva. Terá que tratar com ele.

—Enviarei a você - Isabel sorriu, embora só levemente.

—Está indignada com ele, embora ele é a parte prejudicada, não é assim? Disse que não.

Ela disse "não" e depois esteve a ponto de dizer "sim", mas já era muito tarde. Portanto, agora era a rejeitada em lugar da que rejeitava, embora tecnicamente isso nunca havia acontecido, e queria que as coisas ficassem assim. Decidiu mudar de tema.

—O que aconteceu com seu queixo? Está inchado e machucado.

Íris desviou o olhar.

—Nada. Um acidente. Eu... né... estava cruzando uma rua lotada de gente E...

—Já usou essa desculpa uma vez, querida - remarcou gentilmente Isabel.

—Vamos para casa, Izzy. É tarde e devemos assistir a uma peça de teatro - Íris começou a ficar de pé.

Isabel se inclinou sobre a mesa e segurou a mão.

—Veem viver conosco. Ao Stilgoe não importará. Se divorcie, e se preocupar o escândalo, farei acertos para que passe o resto da temporada em Stilgoe Abbey. Não retorne com esse monstro, rogo-lhe isso.

O rosto de Íris se transformou em uma máscara de digna resignação.

—Estou bem, Izzy, mas obrigado pelo oferecimento. Cometi um engano, mas não voltará a acontecer.

—Que engano? - Íris era tão forte e ao mesmo tempo tão vulnerável. Isabel sofria por ela.

—Chilton me viu ir para a varanda seguida por Ryan. Não gostou.

—Por favor, me diga o que aconteceu com o Ryan. Sinto-me culpada. Animei a ambos. Íris aplaudiu a mão.

—Possivelmente um pouco, mas algumas tentações são tão fortes que, cedo ou tarde, a gente cai nelas sem remédio. Em poucas palavras, a defesa do Ryan por me haver deixado naquela cabana foi que se deu conta muito tarde de que não podia me manter e todo esse desfecho. O homem nunca teve nem um ápice de imaginação em seu minúsculo e egocêntrico cérebro.

—É uma desculpa patética - concluiu Isabel. - Qualquer um que te conheça sabe perfeitamente que nem a fortuna nem a posição social te importam absolutamente.

A expressão nos olhos azuis de Íris se tornou gélida.

—Quão desinformada está, Izzy. Cinco dias atrás, não me importava nada mais que a fortuna e a posição social.

—Assim que se vingou dele. Disse que estava melhor casada com alguém endinheirado de sua mesma classe que com um soldado pobre. É algo cruel, se é que queremos buscar algum tipo de justificação.

—Mais do que imagina - murmurou vagamente Íris e depois se estremeceu. - Acaso te interrompi em meio de uma tarefa? Parecia distraída quando entrei.

Isabel explicou sobre as cinquenta libras faltantes.

—Estava a ponto de guardar a caixa quando lorde John veio desculpar-se, pelo quinto dia consecutivo, com motivo de seu comportamento no baile de caridade. Deixei-o sozinho durante um momento para te deixar o bilhete a respeito da peça de teatro, e quando retornei, Sophie estava aqui, falando com ele. Possivelmente Sophie agarrou o dinheiro, mas para que o faria?

—Deverá perguntar amanhã. Recebeu uma nota misteriosa e partiu rapidamente a sua casa.

Distraidamente, Isabel acariciou a estatueta do leão beijando à leoa.

—Se Sophie não o pegou, uma de nós deverá falar com nosso patrocinador. Ele saberá como resolver o mistério.

—Uma de nós? Admite-o, Izzy. Desejas vê-lo.

Isabel deu de ombros despreocupadamente.

—O que foi que disse em relação às tentações?

—Que algumas são muito fortes para ser resistidas.

A Sophie Paulette Fairchild resultava terrivelmente irritante que o primeiro conde de olhos verdes, cabelo escuro, alto e de largos ombros que passeava de um lado a outro em sua sala estivesse apaixonado por sua melhor amiga, e que a tola moça o tivesse rejeitado. Possivelmente Izzy sabia o que estava fazendo. O pobre parecia estar sofrendo de um terrível mal de amores.

—Lorde Ashby - disse ela uma vez que ele andava de um lado para o outro durante aproximadamente dez minutos e ainda não tinha aberto a boca mais que para dizer boa tarde ou para amaldiçoar baixinho.

—Tenho uma garrafa de excelente brandy que estive reservando especialmente. Posso te oferecer um pouco?

Ele se deteve frente ao suporte da lareira e seu brilhante olhar se encontrou com o dela.

—Sim, por favor.

Com um sorriso afável, ela se levantou do sofá e serviu um pouco para cada um.

—Aqui tem milord - entregou a pequena taça e voltou a sentar-se. Se fossem necessárias mais de duas taças para fazê-lo falar, estaria em problemas, já que o brandy lhe dava sono.

Ele bebeu a taça e a deixou a um lado.

—Obrigado por me receber. Não pensei que o faria.

—Lorde Ashby, por favor, tome assento e me conte como posso ajudá-lo. Sou toda ouvidos.

Ficou impressionada pela agilidade com que sua sólida estrutura se desabou na macia cadeira frente a ela. Voltou a suspirar, os homens atléticos eram sua debilidade, para cúmulo de maus.

—Quero a Isabel - declarou veementemente.

—Sim, dou-me conta disso - ela sorriu compreensivamente. - E estou disposta a ajudar...

—... E você é a chave - Paris passou a mão pelo comprido cabelo. Sophie deduziu que o usava assim para cobrir as cicatrizes do rosto. Os homens não entendiam nada. Acaso não se dava conta de que as cicatrizes davam um ar de mistério e perigo a seus traços quase muito perfeitos? - Meu plano requer que... você colabore com o inimigo. Ela sorriu.

—Imagino que você se considera o inimigo, lorde Ashby.

—Somente Ashby, por favor - se inclinou para frente. - Senhorita Fairchild, eu...

—Se tiver que ser sua cúmplice - o interrompeu - insisto em que me chame Sophie.

—Muito bem, Sophie, peço que me ajude em um subterfúgio da pior classe.

Ela sorriu com astúcia.

—Devo fingir que sou sua amante?

Ele pestanejou.

—Ia sugerir um cortejo falso, mas agora que o penso, aos olhos da alta sociedade se veria - sorriu abertamente... - me perdoe, mas devo perguntar. Como soube?

—Sou francesa, monsieur . Os subterfúgios românticos correm por minhas veias - ela bebeu um gole de brandy. - Assim deseja deixá-la ciumenta. Não é uma má estratégia. Usei-a várias vezes.

—Em realidade teria dois propósitos - tomou ar, totalmente tenso. - Decidi que é hora de que retome minha... né... vida social. Estive fora de circulação durante anos e estou um tanto fora de forma - sorriu timidamente.

—Te peço que... acompanhe-me em minha estreia.

Ela o olhou de cima abaixo.

—Por acaso minhas tarefas incluirão as de manter afastadas às admiradoras femininas?

—Isso está por ver-se, madame - proferiu uma risada profunda e cálida, e depois ficou sério. - Eu confesso que me assusta um pouco... me reinserir em sociedade. Estou seguro de que pode imaginar por que.

Ela não acreditava que só fosse por relutância em mostrar suas cicatrizes, mas assentiu de todas formas. Não se surpreendeu por completo ao receber sua nota essa tarde. Estava a ponto de enviar uma ela mesma. Mas assim era melhor, economizava o esforço de convencê-lo que necessitava da ajuda de uma aliada feminina, que também estava a par dos detalhes da relação e a quem se interessava que ambas as partes estivessem felizmente unidas.

—Por que eu? - consultou só para ouvir suas razões.

—Você é a escolha perfeita. É uma viúva atraente e sofisticada que conhece o mundo e suas imperfeições, que desfruta de maior liberdade que moças mais jovens, e é menos provável que... sinta-se incômoda em minha presença.

—Enquanto sejamos diretos um com o outro, sentirei-me perfeitamente cômoda em sua presença. Mas certamente, conhece outras damas que se ajustam a essa mesma descrição.

—Não me parece apropriado recorrer a uma antiga conhecida, ou sim? - dispensou um sorriso sardônico que dizia tudo, o patife não tinha cultivado nenhuma relação platônica com uma mulher em toda sua vida.

Era compreensível por que, pensou Sophie. A que mulher se interessaria em tê-lo só como um bom amigo? - O que é mais - continuou dizendo - você é amiga íntima da Isabel. Saberá onde convém estar, evitará dar um discurso, e uma vez que nossa charada chegue a seu fim, poderá convencer a Isabel de minha inocência.

—Oh, que retorcido por sua parte - ela começava a compreender por que Izzy o desejava e temia. O homem pensava em tudo.

—E minha terceira, e última razão - fez girar a pequena taça entre as palmas das mãos, seus olhos se tornaram quase azuis pela intensidade de seu olhar —faz um tempo Isabel tentou me provocar sugerindo que você era uma melhor alternativa que ela para mim. Disse que tínhamos muito em comum e que nos levaríamos muito bem.

—Disse isso? - Sophie sentiu que se ruborizava. Certamente. Ela nunca se ruborizava. - Pequena tola! Também mencionou que eu era uma famosa cantora de ópera em Paris antes da guerra? - perguntou ela.

—Não, não o fez - primeiro a olhou divertido, depois, surpreso e como se tivesse descoberto algo; repentinamente, rompeu em uma gargalhada. - Sou um perfeito idiota!

"Mon Dieu" pensou Sophie. Possivelmente ter que conter-se e só simular que se agradava não resultaria tão fácil depois de tudo. Ela franziu os lábios.

—Posso perguntar o que resulta tão divertido?

—Eu... eu sou lastimosamente gracioso. Verá... eu estava convencido de que ela me encontrava, bom... Defeituoso, e por isso supus que a amiga, com quem ela supunha que combinaria, devia ter algum defeito também, mas não se tratava disso. Acredita que tenho debilidade pelas cantoras de ópera, mas ela...

—Você tem? - perguntou com uma sobrancelha levantada. - Tem debilidade pelas cantoras de ópera?

—Suas ideias se apoiam em falatórios sobre uma aventura que tive muito antes que você subisse a um cenário.

Ela estudou o formoso rosto.

—Você não é tão velho como pretende ser.

—Tenho trinta e cinco anos, madame, e sou certamente muito mais velho que você.

Era só um ano mais velho, mas essa era uma informação que compartilharia só com Deus.

—Se o que disser a respeito de Izzy é correto, ela ficará mais que ciumenta - franziu o cenho, preocupada. - Acreditará que a considerou insuficiente para você.

Sua expressão divertida se esfumou.

—Isabel é perfeita - sussurrou com tal ardor que seus olhos cintilaram tornando-se azuis novamente.

"Perfeita, mas cega", determinou Sophie. Sentiu-se contente pela Isabel, mas triste por si mesmo. Olharia para ela assim algum homem outra vez?

—Bom, sugiro que vá a sua casa para se trocar.

Ele tragou com dificuldade.

—Esta noite?

Ela sorriu diante de sua evidente surpresa.

—A guerra começa a guerra, Coronel. Não aguardava a que as batalhas viessem a você, ou sim? Lorde John e sua irmã levarão a Izzy e a Íris ao Covent Garden. É um cenário perfeito para sua estreia.

Em lugar de enfrentar um lotado salão, sentaremos na escuridão a maior parte da noite. Já que minha família política aluga um camarote, não prevejo nenhuma dificuldade.

—Parece-me bem. O teatro é uma excelente ideia - se esforçou por sorrir. - Eu te agradeço.

—São bem recebidas - ela ficou de pé, sorrindo alegremente. Izzy também a agradeceria, embora para o final da semana sua amiga desejaria que a casa se derrubasse sobre ela e a sepultasse.

Acompanhou-o à porta de entrada, contente com o plano. - O espero em uma hora. Se vista com roupa escura.

—Sim, querida - ele se inclinou elegantemente. - Devo levar uma cardeneta ao teatro, em caso de que tenha que me repartir mais instruções? Não sou um completo idiota, sabe? - soltou uma risada.

—Já o veremos. Assegure-se de ser amável com a Izzy. Comporte-se de maneira natural com ela. Mas não muito natural!

—Ela se zangará com você - ele advertiu. - Inclusive pode chegar a perder sua amizade por isso.

—Não, não será assim. Ao menos não para sempre.

—Pode ser que eu sim - reconheceu brevemente e desceu os degraus da entrada principal.

 

Isabel adorava ir ao teatro. Essa noite, entretanto, sentada imóvel na escuridão escutando os refinados tons de voz interpretando ao Shakespeare, resultava mais uma tortura que uma distração.

Deveria ter insistido em ir à festa, onde podia dançar conversar e acalmar seu desassossego, mas não pensou com clareza ao ceder diante das incessantes súplicas de L. J. Correção: estava ocupada obcecando-se pelo indecifrável conde de Ashby. A quem fora visitar aquela noite? E pensar que ela verdadeiramente se preocupou por ele, tão só nessa casa...! Certo!

Pois então, esteve certa em haver dito que não. Esteve a ponto de casar-se com o caprichoso e matreiro... E mesmo assim, quanto mais pensava, mais improvável se resultava que tivesse saído correndo a visitar uma antiga amante três noites depois de haver feito o amor com ela, especialmente depois de ter admitido um celibato de dois anos. Mas o centro do assunto era este: Paris possuía uma vida secreta que ela desconhecia por completo, uma personalidade secreta que não revelava; e essa era a verdadeira barreira entre eles. Demônios. Suas emoções pareciam estar apanhadas em um círculo vicioso de saudade, irritação e frustração. Em um minuto se imaginava nua a seu lado e ao seguinte, desejava destroçar algo contundente na cabeça.

Uns dedos, que ela não desejava que a tocassem, agarraram-lhe a mão.

—John, por favor - protestou, afastando-a.

—Estamos virtualmente comprometidos - murmurou ao ouvido. - Nos está permitido.

Não havia nada irritante a respeito de seu aroma ou sua presença, salvo que não era Paris.

—Não estamos comprometidos - murmurou, ao mesmo tempo que golpeava a imutável mão com o leque. - Por favor, pare.

Ele proferiu um suave sorriso.

—Estaremos minha querida. Irei amanhã para falar com o Stilgoe.

Estava a ponto de dizer que deveria consultar-se primeiro com ela. Em lugar disso, disse:

—Que estúpida sou. Deixei o programa no carro. Seria tão amável de ir buscá-lo para mim?

—Será um prazer.

Ficou de pé roçando de propósito o joelho com o dela e se retirou do camarote. Isabel se relaxou, aliviada. Stilgoe não daria seu consentimento sem perguntar primeiro a ela, mas ela sabia muito bem que não poderia manter em brasas a nenhum dos dois por muito tempo. Mas necessitava tempo desesperadamente para aceitar que não se casaria com o homem ao que amava, de quem se queixou e ao mesmo tempo, desejado até o ponto de experimentar uma agonia física.

—Inteirei-me que sua obra de caridade é um grande êxito - sussurrou Olivia, trocando de assento para ocupar o do John. - Todos falam disso, e especialmente a respeito de seu ilustre patrocinador.

Como se comunica com ele? Visita a agência, ou vais vê-lo a mansão Lancaster?

—Por correspondência - disse evasiva, já que enviava as faturas e as listas de contribuições dessa maneira.

—Ashby era extremamente arrumado de jovem. Crescemos juntos, sabia? - quando Isabel girou a cabeça, Olivia a olhou de soslaio. - Não te contou isso, equivoco-me? OH, conhecemo-nos muito bem.

Meu avô sentiu pena pelo menino e o incluiu nas celebrações familiares. Pobre Ashby, não tinha a ninguém, era órfão. Nunca foi um de nós, mas igualmente o adotamos. Atrevo-me a dizer que, de não ter sido por nossa generosidade, não teria deixado Eton durante as férias do verão. Detestava jantar sozinho com dez criados como única companhia, o pobrezinho.

A maneira em que Olivia o relatava fez que Isabel sentisse lástima por Paris. Não cabiam dúvidas de por que agradava a família dela; já que nunca o fizeram sentir que não era um deles.

—Naturalmente se apaixonou perdidamente por mim - o iceberg continuou com presunção enjoativa. - Me escreveu um sem-fim de cartas. OH, não era um poeta, mas tinha uma maneira de expressar seus sentimentos... e desejos... do mais eloquente. Que paixão! Dizem que o primeiro amor é inesquecível - Olivia suspirou e Isabel desejou baixar os dentes. A bruxa era tão óbvia como maliciosa.

Mesmo assim, obteve seu encargo: Isabel se retorceu de ciúmes.

Paris tinha amado a Olivia e muito provavelmente esteve comprometido com ela. A desumana rainha do gelo possuía uma caixa repleta de suas cartas de amor!

Pelo olhar de satisfação refletida em seu rosto, Olivia parecia estar preparando-se para dar seu golpe de misericórdia.

—Quando se declarou, não tive coragem para rejeitá-lo e nos comprometemos.

Sabia! Olivia era a misteriosa prometida de Paris. Will e Charlie deveriam ter estado a par desse compromisso e o tinham oculto, por quê? E por que Paris o mantinha em segredo?

Acaso ainda desfalecia de amor por ela? Recuperando a compostura, Isabel perguntou:

—O que aconteceu?

—Estivemos comprometidos durante três anos, e embora ele me visitasse cada vez que estava de licença na Inglaterra, me parecia que a guerra não chegaria nunca a seu fim.

—Assim cancelou o compromisso e você casou com lorde Bradford - concluiu Isabel desgostada. Finalmente compreendeu o interesse de Paris em escapar.

"Adiar nosso casamento poderia conduzir a todo tipo de problemas. Acredite-me. Já passei por isso. Não foi uma experiência agradável".

Enquanto estava lutando contra Napoleão, a mulher a quem amava aceitou a proposta de outro homem. Estúpida, impaciente e cruel Olivia.

Bradford era um pobre substituto do homem que poderia ter tido, o homem que ela mesma poderia ter tido, acaso era ela igualmente culpada por sua estupidez, impaciência e crueldade?

—O pobre Ashby estava devastado - suspirou Olivia. - Seus amigos me contaram que se embriagou durante um mês e nunca voltou a ser o mesmo depois disso. Lamento profundamente havê-lo machucado, mas bem...

Como podia alguém gabar-se de ter quebrado o coração de outra pessoa? Desgostada com a conversa e sentindo-se muito triste, Isabel levantou os binóculos para examinar aos ocupantes dos outros camarotes.

Viu o Ryan Macalister sendo cortejado e manuseado pela Sally Pulôver em seu camarote e esperou que Íris não os tivesse visto do assento que ocupava detrás dela. Isabel duvidou de que tivesse podido suportar ver Paris acompanhando a outra mulher pela cidade. A mera ideia lhe gelou o coração.

Distraidamente, percorreu com os binóculos os camarotes que buliam de atividade. Como de costume, os ocupantes estavam mais interessados em espiar uns aos outros e em gratificar-se com novas intrigas que em observar a representação. Curiosamente, a atenção de todos se centrava em um camarote em particular. Estava localizado a sua direita, um mais caro que o que ela ocupava por estar mais perto do cenário. Enfocou os binóculos nessa direção e ficou boquiaberta, consternada a tal ponto que quase caíram das mãos.

Paris. Elegante e tranquilo, vestido de negro com um broche de esmeralda parecido na branca gravata, seu perfil nobre não delatava traço algum de estar a par da comoção que causava.

E isso não era tudo. A seu lado havia uma dama com um vestido de cor rubi e com profusas joias, cujo rosto não se via. Que demônios fazia ele ali, assistindo a uma obra com uma... rameira?

Uma saída secreta duas noites atrás e agora isto? Supunha-se que era um eremita recalcitrante, pelo amor de Deus!

Enquanto observava estupefata, ele girou a cabeça e seus cintilantes olhos acharam os dela, como se tivesse sabido desde o começo onde se achava. Sentiu que o coração dava um salto. A Gárgula saíra de sua cova e se reinseriu no mundo, mas havia feito com outra mulher. Ela baixou os binóculos com mãos trementes. Por acaso esfregar pela cara alguém deslumbrante era intencional?

Com os olhos enigmaticamente brilhantes, fez um gesto com a cabeça e moveu os lábios dizendo:

—Boa noite - depois se voltou para a mulher de vermelho. Sua companheira apareceu a cabeça e a saudou com a mão.

—Sophie? - Isabel se engasgou, o que estava fazendo ela com ele? Atônita, recostou-se no assento e murmurou por cima do ombro. - Íris. Olhe quem se encontra ali... ala direita...

Íris apertou o ombro da Isabel.

—Parece que nossa intrometida amiga se converteu em uma casamenteira - sussurrou. - Sorri, acene e fique calma. Mais tarde a tiraremos daqui e lhe dispararemos.

Isabel não desejava nem sorrir nem acenar, e certamente, não podia manter-se acalmada.

—A odeio.

—Possivelmente acredita que te está fazendo um favor - raciocinou Íris com voz apagada, mas Isabel discrepou. Se Sophie Fairchild estava fazendo um favor, ela estaria sentada ali com Paris.

—O que eu perdi? - perguntou John em voz baixa do assento que tinha ocupado Olivia. Sorrindo, entregou o programa a Isabel. - Veem sentar comigo na parte de trás. Não se importa, ou sim? - perguntou a Íris.

Isabel não afastava os olhos do casal que monopolizava a atenção da concorrência. Paris voltou a olhá-la e ela poderia ter jurado que seus olhos tinham brilho de triunfo. Acaso se estava desfrutando?

Acaso era este seu castigo por havê-lo rejeitado, reinserir-se na alta sociedade no braço de sua melhor amiga? Resistia a aceitar que Sophie se emprestasse a tal infâmia. Devia estar interpretando mal a situação. Paris não era nem vingativo nem cruel; e Sophie nunca a apunhalaria pelas costas. Nunca. Mas depois aconteceu o impensável. Ele sorriu amplamente diante de algo que Sophie disse ao ouvido, e beijou os nódulos enluvados. Havia beijado a mão de Sophie. Isabel ficou de pé.

—Podemos trocar de lugar, Íris?

—Seremos suas damas da parte dianteira - assegurou Olivia quando Íris titubeou.

Enquanto trocavam assentos, Íris falou no ouvido a Isabel:

—Não me esconderia na parte traseira de um camarote com um homem a quem não quero só para incomodar ao que quero. Todo mundo nos observa.

Era essa alternativa, ou correr para sua casa; anunciando assim a todo mundo que estava apaixonada pelo conde de Ashby. Isabel se sentou tensa no assento de Íris e cravou o olhar no cenário.

"Pensa em outra coisa", disse-se ao mesmo tempo que as lágrimas se amontoavam em seus olhos.

Um dedo tocou o seu queixo e girou a cabeça para um lado. Antes de dar-se conta do que tentava fazer John, ele a beijou brandamente. " O que faz?", ouviu o grito em sua mente.

Afastou-o e ficou de pé com dificuldade. Indignada, atravessou as pesadas cortinas da parte traseira do camarote e avançou rapidamente pelo corredor vazio para a entrada do teatro.

—Isabel! - rugiu uma voz profunda a suas costas, mas ela continuou correndo, ofegando entre soluços.

Um carro se aproximou da escadaria da entrada quando ela saiu do portal.

—Ao número 7 da Rua Dover - disse ao condutor. O carro começou a avançar e ela desabou contra as gastas almofadas. O mundo se tornou louco essa noite, e o único lugar cordato que ficava era seu lar.

Paris se deteve no último degrau e observou afastar o carro no que Isabel havia partido. Amaldiçoou, desejando romper o pescoço do Macalister. Ter observado a Isabel permitir ao Hanson que a beijasse quase o fez saltar do camarote. Sim, desejava que ela sentisse ciúmes; o ciúmes faziam que o coração sentisse mais carinho, mas não pelo rival. Maldição. Tudo se foi ao diabo.

—Volte a entrar antes que se acendam as luzes e o corredor se encha de gente - disse uma voz com acento francês a suas costas. - Já chegamos até aqui, não o arruinemos.

Ele se deu a volta rapidamente, tinha os músculos tensos pela ira quase irreprimível.

—Irei atrás dela! É absurdo! Se seu irmão se inteira desse beijo, estará comprometida amanhã à hora do café da manhã!

Sophie deu uma olhada de preocupação a um criado e sussurrou:

—Acalme-se e, pelo amor de Deus, baixe a voz. Pensa que Stilgoe pode fazer que se case com alguém a quem ela não quer?

—Parecia querer beijar ao Hanson faz um momento, e em frente a todo mundo!

—Não em frente a todo mundo, em frente a você. Todos os outros nos olhavam. De qualquer maneira, ela pôs fim ao beijo quase imediatamente. Recorde, Izzy acaba de receber um golpe inesperado.

A próxima vez nos esperará com as garras afiadas, que é precisamente o que deseja. Seja paciente.

Se ela havia permitido que Hanson a beijasse para desforrar-se com ele por sua aparição em público, temia pensar o que ela permitiria fazer ao tubarão loiro no dia seguinte.

Passou a mão pelo cabelo e sentiu uma pressão sufocante comprimir o peito.

—Supliquei a ela que se casasse comigo, que passasse o resto de sua vida a meu lado, e me acusou de ser um monstro desprezível a quem não importava para nada, e que desejava prendê-la em uma jaula. Em uma jaula!

—sua respiração acelerada formava anéis no frio ar da noite. Aquilo estava destruindo-o, desejava-a até a loucura, mas cada palavra que dizia, ou cada coisa que fazia para atraí-la, parecia afastá-la mais e mais. - Nunca quis a nenhuma outra mulher exceto a ela.

Sophie o agarrou no braço.

—Venha, vamos entra antes que comece o intervalo. Temos um caso que exibir e também deveríamos exercitar suas oxidadas maneiras sociais.

Ele a olhou.

—Que sentido tem, Sophie? - disse, ao mesmo tempo que exalava fatigado. Os acontecimentos dessa noite afetaram seu espírito mais do que desejava admitir. - Ela não me quer, não de verdade.

Fui sua fantasia de infância. Todo meu ser a intimida. Seguirá pondo desculpas...

—Por isso deve demonstrar que é o mesmo homem que conheceu anos atrás, recordar que esse homem ainda existe - golpeou o peito com o dedo - aí dentro.

—Quer que coloque o uniforme e faça uma visita ao número 7 da Rua Dover? - disse com tom sarcástico e triste.

—Por que não? - dispensou um sorriso amável e o arrastou de retorno à sala de torturas.

—O que aconteceu comigo, Sophie? Costumava ser um homem.

—Ainda é um homem magnífico, mas teve uma experiência traumática na guerra, e sua mente ainda não se recuperou por completo. Quanto a Izzy, deve cortejá-la, deslumbrá-la com sua inteligência, encanto e tudo que tenha em seu arsenal... quero dizer, tudo que não a arruíne por completo.

—Pensei que fosse ter que cortejar você. - respondeu, perguntando se Sophie tinha noção de quanto havia já arruinado a sua amiga de dourados cabelos. Provavelmente sim saberia, a muito ardilosa, mas era o suficientemente hábil para não fazer uma alusão direta às transgressões cometidas tanto pela Isabel como por ele mesmo.

—Ah, mon petit ami , ouvi grandes histórias a respeito de suas proezas passadas. De certo não deixará que uma amante falsa se interponha a uma conquista muito mais importante.

—Quer dizer que devo acompanhar a você em público e cortejar a ela em privado?

A ideia tinha seu mérito, isso era certo. Certamente Isabel o acusaria de rondá-la às escondidas novamente, só que esta vez não o faria na escuridão nem detrás dos muros da residência Lancaster.

Podia fazê-lo a plena luz do dia e em público. Entretanto, antes disso, tal como Sophie havia sabiamente expresso, precisava polir suas maneiras sociais. Esteve espantosamente perto de desabar um momento atrás, e simplesmente era muito orgulhoso para apoiar-se na Isabel para reinserir-se na refinada sociedade.

—Amanhã de noite - Sophie interrompeu seus pensamentos. - Stilgoe e sua esposa levarão a Izzy para ver os foguetes no Vauxhall Gardens. Devemos ir também.

—Se devemos fazer, então façamos.

—No dia seguinte, virá à agência e me convidará para almoçar. Também é muito importante que percorra a cidade durante o dia, compreende?

—Sim, meu sargento de cavalaria rude e rigoroso.

—Depois, iremos ao nosso primeiro baile. Até então, terá sido bombardeado com convites.

—Deveria ter trazido a maldita caderneta de notas, depois de tudo.

—Agora deixe de franzir o cenho e sorria.

—Por quê? - grunhiu ao mesmo tempo que percebia vagamente de que já não estavam às escuras.

—O intervalo - respondeu a entretida voz de Macalister, ao mesmo tempo que fazia a um lado os cortinados e deixava passar ao camarote o primeiro grupo de abutres famintos de intrigas.

 

Na manhã seguinte, Isabel irrompeu no escritório de Sophie.

—Se importaria de explicar...?

Sophie fez um gesto para que aguardasse um momento e voltou a cabeça para a mulher a que estava entrevistando.

—Acredito que já temos coberto todos os pontos, senhorita Billingsworth. Assim que se apresente um pedido para uma governanta, contataremos você. Obrigado por vir.

—Obrigado, senhorita Fairchild. Você me deu esperanças - a mulher ficou de pé e saiu depois de olhar receosamente a Isabel.

Isabel fechou a porta com força.

—Que fazia no teatro com o Ashby, Sophie?

—Convidou-me. Não vi nenhuma razão para rejeitar.

Isabel se enfureceu.

—A razão se encontra de pé aqui, justamente em frente a você!

Sophie ficou de pé e se dirigiu a servir um copo de água.

—Seja honesta, Izzy. Não o quer. Não realmente. Dei excelentes conselhos e os desprezou por completo. Esperava que ele ficasse sozinho para sempre?

Ele quer companhia, e como você não o aceitou, por que não deveria fazê-lo eu?

Isabel sentiu que estava a ponto de explodir.

—Por que... - "ele é meu!".

—Disse-me que havia sido você que pensava que ele e eu nos levaríamos bem. Tinha razão.

Isabel pestanejou para separar de seus olhos lágrimas de tristeza.

—Sim, também pensei que fosse minha amiga, Sophie.

—Eu sou.

—Não é absolutamente! É uma cruel, imoral... bruxa traiçoeira. Sabia que eu o amava... e ficou!

—Não tomei nada que não tivesse descartado - respondeu tranquilamente Sophie. - Entretanto, se seus sentimentos para ele não mudaram, sugiro-te que vá buscá-lo e diga que o reconsiderou.

Não me interporei em seu caminho. E não o voltarei a ver se te rejeita. Parece aceitável?

—Reconsiderei... Os dois podem ir ao inferno!

Isabel virou sobre seus calcanhares e saiu intempestivamente da sala. Aceitável. Ta! Ela nunca voltaria para ele arrastando-se. Três vezes confessou seu amor. Tinha-o procurado, entregou sua virtude; convenceu-o de dar fim a seu isolamento... mas já era suficiente! Se Sophie era o que ele desejava, pois então, assim seria.

Amaldiçoando baixo, entrou em seu escritório e se deteve quando lorde John Hanson deu um passo adiante para saudá-la.

—Isabel, querida. Vim me desculpar por ontem à noite.

Ela o olhou inexpressivamente, depois recordou o fugaz beijo.

—OH, isso. Bom, não deveria ter feito. - Começou a dirigir-se para sua cadeira atrás da escrivaninha, mas ele a segurou pelas mãos.

Lentamente ficou de joelhos. "OH, não", afogou um grunhido. "Agora não".

—Minha adorável Isabel, eu...

—Bom dia.

Diante do som da grave voz tão familiar Isabel sentiu que arrepiava a pele dos braços. Levantou o olhar, ao mesmo tempo que sentia o calor percorrer o corpo e se encontrou com os inescrutáveis olhos verdes de Paris. "Que entrada tão oportuna", pensou vingativa e alegremente, digna de uma obra de Shakespeare.

—Bom dia.

Visivelmente incômodo, John ficou de pé.

—Ashby.

—Hanson - disse Paris modulando severamente as palavras, depois deixou de prestar atenção ao homem para centrar-se nela. - Sophie me disse que faltam cinquenta libras da caixa da fundação. Vim para investigar o assunto.

John se agitou.

—Irá ver os foguetes no Vauxhall esta noite? - perguntou ele. Isabel piscou.

—Eu acompanharei meu irmão e sua esposa.

—Esplêndido, deixarei você se ocupar de seus negócios de caridade, então. Que tenha um bom dia, querida - beijou a sua mão e se retirou como se estivesse incendiado a cauda.

Ela pensou que seu comportamento era do mais estranho. Certamente que Ashby não o golpearia pelo insulto que proferiu no baile de caridade.

Paris segurou o trinco.

—Por favor, deixe a porta aberta, lorde Ashby - disse Isabel taxativamente e correu a refugiar-se detrás de sua mesa antes que seus instáveis joelhos fraquejassem e caísse de bruços no chão.

Ainda não estava pronta para ter esta conversa com ele. Seus sentimentos eram muito confusos.

Ele avançou, rodeou a grande escrivaninha até onde se achava ela e se apoiou contra ele cruzando os braços sobre o peito esbelto. Seus olhos verdes a examinaram.

—Como se sente?

—O que? - o coração deu um salto. Não podia estar perguntando a respeito do que ela supunha que estava inquirindo.

—A última vez que estivemos juntos - começou a dizer brandamente - seu rosto ficou azulado e apareceu nua por uma janela aberta. Pergunto a respeito de sua saúde.

Ela se ergueu na cadeira.

—Estou perfeitamente bem, obrigado.

—Apreciaria uma explicação. Preocupei-me.

Quão frio era, refletiu ela. Ou controlado? Possivelmente devia contar.

—Desagradam-me os lugares fechados. Algumas vezes, quando me sinto... presa, me fecham os pulmões, e me sufoco. Não é uma afecção séria. O médico da família insiste em que é emocional.

Esticou um músculo da mandíbula.

—Minhas desculpas. Não era minha intenção te fazer sentir presa.

A ênfase que pôs na palavra a fez sobressaltar-se. Claramente havia interpretado mal.

—Não quis dizer por você - esclareceu impacientemente. - Quis dizer presa mentalmente... por ansiedade, nervosismo.

—Sei o que quis dizer - cintilaram os olhos.

Bem. Como ela ia saber que uma semana depois estaria acompanhando sua ex-amiga pela cidade?

—O que faz aqui? O que faz se mostrando em público?

—Comprei um ingresso - se burlou. - Que demônios acredita que faço?

" Perseguir uma ex-cantora de ópera?".

—Interromper meu atarefado cronograma de atividades - murmurou ela. Como podia ele ir atrás de Sophie depois da noite que tinham passado juntos? Por que não procurava por ela?

Ele voltou a apertar a mandíbula.

—Parece que interrompi outra coisa totalmente distinta.

Zangada, ficou de pé, pois sentia a necessidade de escapar de sua perturbadora proximidade.

—O que fosse que tenha interrompido provavelmente concluirá esta noite - aquilo a incomodou ainda mais. Da maneira em que progrediam as coisas, estaria melhor trancando-se em sua casa, como Paris estava acostumado fazer.

Ele a agarrou firmemente no braço e puxou ela para trás, e ela se encontrou frente a um Paris grandemente menos controlado.

—Eu te vi. Beijando ele ontem à noite. Que desculpa pensa em dar?

Permaneceu em silêncio, emocionada pelo súbito desejo que correu pelo sangue. Ao olhá-lo nos brilhantes olhos da cor do mar ainda podia senti-lo na pele, acariciando-a, beijando-a, movendo-se dentro de seu corpo, fazendo-a tremer de prazer. Era mais do que podia suportar.

—Isabel... - ele se inclinou para frente e apanhou o olhar com o seu. - O que você responde?

A necessidade de atraí-lo e beijá-lo até perder a consciência a enlouqueceu. Mas ele tinha a Sophie agora!

—Não é de sua incumbência! Fez sua escolha. Agora aprende a viver com isso!

Uma escura ira se apoderou de suas feições.

—Eu fiz minha escolha? Você me rejeitou!O que supunha que eu deviria fazer, esperar eternamente?

—Pediu-me que o reconsiderasse e depois... e depois convidou Sophie para o teatro! Eu te detesto!

Enquanto ela saía rapidamente para procurar refúgio no escritório de Íris, escutou-o protestar a suas costas:

—Sim, acredito que deixou isso bem claro em várias ocasiões!

—Izzy? - Surpreendida, Íris levantou a vista do jornal. - O que acontece?

Isabel trancou à porta e começou a caminhar de um lado ao outro do escritório, tremendo como uma folha.

—Ele está aqui.

—Sim, pareceu-me reconhecer sua voz... Está histérica. Aconteceu algo?

Isabel tragou com dificuldade.

—Disse a Sophie a respeito das cinquenta libras faltantes?

—Ontem à noite, no teatro, durante o intervalo. Fui falar com ela em privado.

—O que te disse? - inquiriu Isabel temendo a resposta, embora de fato, já não havia nada que temer. O pior já aconteceu: Paris se reinseriu na sociedade e estava cortejando a outra mulher.

Acaso era a Sophie a quem se dirigia a ver apressadamente aquela noite?

Íris evitou olhá-la nos olhos.

—Estão se vendo, Isabel. Sinto muito.

—Por que o sente? Não é seu punhal o que tenho presa nas costas.

—Se acalme. Olhe isto - Íris mostrou a edição do dia do Time.

Isabel se inclinou para frente para examinar rapidamente o artigo marcado.

—É a respeito de nós!

—A respeito de você - a corrigiu Íris. Ela leu: "A honorável senhorita Aubrey é uma autêntica leoa defensora dos fracos e protetora dos desafortunados; esta magnífica jovem dama é designada como a protetora das viúvas de guerra, das desoladas mães, das irmãs indefesas e como a madrinha dos pequenos meninos e meninas que perderam a seus pais...".

Encheram os olhos de lágrimas. Só um iludido desconheceria a fonte do artigo. Eram as palavras de Paris. Ele entregou a história aos jornais. E embora fosse uma excelente oportunidade para promover a causa, ela suspeitou que suas intenções fossem de índole pessoal.

—Da-me isso.

Apertando o jornal com mãos trementes, Isabel saiu do escritório de Íris e correu para onde se achava Paris. Ele estava a ponto de partir. Ela tragou com dificuldade e assinalou o artigo.

—Você o fez publicar.

—Sim.

—Por quê?

Ele a olhou com os olhos obscurecidos.

—Merece cada palavra.

Ela sentiu que o coração ia sair do peito.

—Obrigado.

—De nada. - Tirou o chapéu e se dirigiu para a escada.

—P... - o nome morreu em seus lábios. Resistindo o enlouquecido impulso de correr atrás dele, observou-o desaparecer escada abaixo, depois se desabou no último degrau e começou a chorar.

 

Para Isabel, a seguinte semana resultou como um pesadelo do qual não podia despertar. Não havia lugar onde olhasse que não estivesse a senhora Fairchild de braço com o conde Ashby. Era repugnante.

O casal ia a cada reunião social a que Isabel ia, passavam horas no escritório de Sophie com a porta aberta - que Deus não permitisse que ninguém passasse por ali sem perceber que estavam agradavelmente imersos em uma conversação e rindo - almoçavam durante um longo tempo e, basicamente, faziam que Isabel perdesse a prudência.

Quinze dias atrás, Paris era seu objetivo encoberto e seu amante secreto. Agora, era o tema de conversa de toda a cidade. As anfitriãs disputavam o privilégio de sua presença em suas festas.

Os cavalheiros o aplaudiam de pé no White's, no clube do Alfred e em qualquer outro clube exclusivo do que ele repentinamente se fez membro. As mulheres o devoravam com os olhos em todas partes.

O antigo Ashby havia retornado.

E para piorar, tinham desaparecido mais recursos da caixa da fundação. O único feito em comum que tiveram ambos os incidentes foi a presença de lorde John no edifício, na hora dos presentes furtos.

Posto que resultasse difícil de acreditar que o herdeiro do ducado Haworth pudesse ser capaz de sujar-se com esses roubos, Isabel supôs que ela devia ter extraviado o dinheiro em efetivo.

Estava muito atordoada ultimamente, por chamar de uma maneira sutil.

Atuava desajeitada. E se sentia imensamente infeliz. Sua amiga a havia traído e o homem a quem amava seguiu adiante com sua vida. Não cabia dúvida de por que se sentia como uma desenquadrada; por um momento, furiosa, e ao seguinte, afligida. Era um milagre que conseguisse arrastar seu penoso ser ao trabalho todos os dias.

O único feixe de luz que iluminou sua desventurada existência foi uma crise menor no Stilgoe Abbey que obrigou a seu irmão a deixar a cidade evitando, por conseguinte, que John contasse com o consentimento de seu irmão para um futuro casamento. Ocupou-se de permanecer afastada de John para assegurar-se de que seu frustrado intento de declarar-se não se repetisse. Não queria John Hanson absolutamente.

O que deixava algo muito claro: converteria-se em uma solteirona, já que a ideia de ter intimidade com outra pessoa que não fosse Paris Nicolas Lancaster resultava repulsiva.

De pé junto à janela que dava ao Piccadilly, perdida em sombrios pensamentos, Isabel se sobressaltou quando escutou uma voz que se dirigia a ela no escritório.

Deu a volta rapidamente e se surpreendeu ao ver um dos criados de sua casa.

—Sim, Smithy, o que acontece?

—Lorde Stilgoe retornou senhorita Aubrey. Enviou o carro e requer de sua presença na casa. Tem visitas.

—Visitas? - devia ter trazido seus primos com ele, pensou Isabel. Apesar de que eram as três da tarde, deu-se conta de que não desejava outra coisa que ir a casa, jogar com sua sobrinha, brigar com suas irmãs e conversar com seus primos. Agarrou o chapéu, o casaco e a bolsa, e saiu. Fora se encontrou com um formoso dia. Os pássaros cantavam e as folhas das árvores sussurravam ao mover-se, mas o dia não lhe pareceu o suficientemente formoso para dissipar sua pena.

Quando o carro se aproximou do número 7 da Rua Dover, Isabel pôde divisar um carro alto descoberto de cor azul reluzente, preso a um par de cavalos, igualmente reluzentes, que se encontrava estacionado junto à calçada. Além disso, havia três casas para cães, de fino desenho e belamente esculpidas alinhadas contra a parede do estábulo. Algo estranho a aguardava em casa e ela tinha uma séria suspeita de quem se tratava.

—Convidados, uma merda - murmurou. Assim que ele agora estava invadindo sua casa também. Bom, não seria por muito tempo.

Entrou com passo firme e, do piso superior, chegou o ruído das risadas, as conversa e os latidos.

—Boa tarde, Norris - entregou ao mordomo o chapéu e a jaqueta. - Quem é nosso convidado?

—Lorde Ashby, senhorita Isabel. Está com a família na sala de estar.

Merda! Ela atribuiu o revoo que sentiu no estômago à satisfação por possuir um estupendo poder de dedução.

—Ficará para jantar? - no passado sempre ficava.

—Acredito que sim, senhorita Isabel. Ah! , também há cães na casa - disse o mordomo ao bordo das lágrimas. - Destruíram o tapete persa da senhora.

—Mamãe não ficou histérica? - contendo a risada, Isabel estudou o apertado rosto do Norris.

Fez uma careta contrita apertando os lábios.

—Lady Aubrey parece agradada com a incorporação canina à casa.

—Não se apresse em apresentar a renúncia, Norris. Podem chegar a te agradar os cães.

—Duvido muito, senhorita Isabel.

Subiu sigilosamente perguntando-se o que estariam planejando agora sua intrigante mãe e seu irmão. E se deu conta: estavam maquinando uma possível união dela com o Ashby, presumindo como a solução adequada. Ele os agradava; gostava; portanto, iminentes sinos de casamento. Era uma pena que se atrasaram duas semanas.

Lucy se adiantou para saudá-la.

—A senhora requer que você coloque o vestido de verão de musselina azul, que solte o cabelo e que se reúna com a família no salão.

Assim que ela devia polir-se para ele?

—Vejo-me bem tal como estou.

Lucy se apressou detrás dela.

—Por favor, senhorita Isabel. Lady Aubrey disse que seria despedida se você se fazia presente com um vestido manchado e o cabelo despenteado.

—De acordo. - pelo bem de Lucy. "Pobre L. J.", refletiu descartado sem olhar algum.

Quinze minutos depois, dirigiu-se ao salão embelezada com um vestido da mesma cor que seus olhos, com o cabelo em perfeitos cachos que caía sobre os ombros e experimentando intensas palpitações.

Percorreu a sala com o olhar. Aos pés de sua mãe se achava o baú aberto do Will. Mais atrás, sentadas no tapete, achavam-se suas irmãs gêmeas, sustentando no colo a uns cachorrinhos negros; e entre elas, Danielli.

Charles e Angie estavam no sofá. E no centro daquela imagem de perfeita harmonia familiar, Paris.

—OH, Izzy! - sua mãe a saudou fazendo um gesto para que se aproximasse, as lágrimas em seus olhos contrastavam com seu amplo sorriso. - Olhe quem veio a nos visitar, sua pessoa favorita em todo mundo, Lorde Ashby!

—Mamãe! - Isabel lhe deu um olhar assassino, amaldiçoando-se por ter se ruborizado.

Ele ficou de pé e fez uma respeitosa reverência.

—Senhorita Isabel. É um prazer vê-la de novo.

Ela se forçou a olhá-lo diretamente nos brilhantes olhos. Ele parecia verdadeiramente impressionante, com umas calças ajustadas, reluzentes botas Hobys e um casaco azul escuro, um item indispensável de qualquer solteiro endinheirado da cidade, que fazia ressaltar seus incríveis olhos azul esverdeado. Entretanto, a mudança mais significativa residia em seu porte. Parecia... mais feliz. Maldição.

—Lorde Ashby - o tratou com um sorriso gélido.

" Que demônios faz aqui?", perguntou-lhe com o olhar.

Tudo o que recebeu por resposta foi um sorriso enigmático.

—Izzy, olhe! Ashby nos trouxe mascotes! - Freddy ficou de pé de um salto e avançou com seu cachorrinho negro. Assim que as jovenzinhas já se haviam feito amigas dele, pensou amargamente Isabel.

—Acaso não é o mais adorável que tenha visto? Chamei-o de Gustavo e Teddy chamou ao dela...

—Amora - disse Teddy, ao mesmo tempo que acariciava o pequeno cão negro sobre seu colo. - Porque é uma pequena amora, não é assim? - levantou o olhar para a Isabel. - Também trouxe um para você.

—E casas para cães! - adicionou Freddy com júbilo. - Ele mesmo as fez.

—Cães na casa, mãe? - disse maliciosamente Isabel. - Como foi que aconteceu este milagre?

—Lorde Ashby me solicitou permissão e o dei.

—Sempre e quando forem vigiados quando estiverem dentro de casa e passem a noite nas casas junto ao estábulo - Teddy especificou os termos. - Já foi discutido.

—Já foi discutido - ecoou Paris.

—Que amável de sua parte, milord - murmurou Isabel, examinando os felizes rostos a seu redor. Todos o adoravam. Apesar de ter se afastado totalmente durante sete anos, e de ter levado dois anos para devolver os pertences do Will, tinham recebido ele com os braços abertos, agradecidos de sua companhia. Irritou-a saber, que ela teria feito da mesma maneira.

Levantou a Danielli nos braços, cobrindo ao doce anjo de beijos, e se aproximou do baú aberto ao mesmo tempo que sentia que pulsava fortemente o coração.

Estava com vontade de explorar o conteúdo com profundo respeito e cuidado, mas o faria mais tarde, a sós.

—Vejo que nos há devolvido os pertences do Will, milord, e tão logo. A casa Lancaster deve ser um grande depósito de coisas antigas emboloradas - disse em voz alta sem afastar o olhar de Paris.

—Arcas perdidas e antiguidades. Por certo, sua consideração não tem limites.

—Izzy, está levando exageradamente para o lado errado! - Charles dispensou um olhar de advertência que ela ignorou friamente.

—As queixa de sua irmã são justificadas - demarcou Paris. - Deveria ter devolvido os pertences do Will faz dois anos. É algo que lamento profundamente - a observou diretamente, com uma mensagem no olhar.

"Mentiroso", respondeu ela com o olhar, "se realmente o lamentasse, teria vindo faz duas semanas ".

—No referente a minha coleção de antiguidades - disse ele arrastando as palavras, ao mesmo tempo que ela se sentava sobre o tapete e colocava Danielli sobre seu colo - acredito recordar que você estava acostumada a possuir uma grande paixão pelas antiguidades.

Era, a guerra. O sorriso dela se tornou sanguinário.

—A educação é muito importante. Você não concorda? E que melhor maneira de ampliar... o conhecimento que aprendendo com os mestres do passado?

Ele a olhou enfurecido e atacou decididamente contra a armadilha que ela tinha estendido.

—Se for assim, insisto em que venha a minha casa e satisfaça suas ânsias acadêmicas. Eu mantenho minhas... antiguidades otimamente lustradas.

"Estou segura de que assim é". O amaldiçoou em silencio sem deixar de sorrir.

—Obrigado, milord, mas o passado só pode ser cativado durante um tempo. Em algum ponto, alguém deve pôr o conhecimento em prática no mundo moderno. Recentemente desenvolvi um gosto pelas coisas douradas, de preferência novas.

—Sério? - ele levantou uma sobrancelha.

—Sim, sério.

—Que coincidência. Trouxe algo para você que responde a suas novas preferências - se agachou, abriu uma cesta de piquenique similar a que ela o tinha dado com o Héctor sete anos atrás, e levantou o cachorrinho de pelagem dourada que ela tinha acariciado em Ashby Park. Ficou agachado em frente a ela. Apesar de não desejá-lo, Isabel se enterneceu. - Aqui esta. Jovem, dourada E... formosa.

Quando seus dedos roçaram os dela, assaltou-a o desejo e, pelo olhar nos olhos dele, havia acontecido o mesmo. Evitando olhá-lo, ensinou a Danielli como acariciar ao cachorrinho.

—É encantadora. Obrigado.

—Que nome você vai por? - perguntou Teddy.

—Não sei - disse Isabel tentando não perceber o embriagador aroma de Paris. Era terrível como a fazia desejá-lo apesar de sua vil conduta, cortejando a sua melhor amiga, entre todas as pessoas deste mundo!

Danielli se dirigiu para os pés dela, balbuciando alegremente e acariciou a face de Paris.

—Tio!

Charles explodiu em risadas.

—Ainda não, pequena.

O rosto de Isabel se acendeu por completo. Mortificada, apertou os dentes e manteve baixo o olhar.

Enquanto ria, Paris agarrou à pequena em seus braços e, ao fazê-lo, inclinou-se por cima do ombro de Isabel e murmurou:

—Da boca de um bebê.

Algo se retorceu em seu interior. Olhou-o, mas, além de seu humor risonho, não pôde decifrar o que havia além daqueles cintilantes olhos verde esmeralda.

Norris se fez presente e anunciou que o jantar estava servido e todos ficaram de pé.

—É agradável que esteja aqui - disse Charlie a Paris, ao mesmo tempo que segurava a sua filha. - Fui o único homem nesta família durante muito tempo - sorriu significativamente a sua esposa, que estava de pé a seu lado. - Mas pode ser que isso mude em pouco tempo.

Isabel já havia escutado, mas quando percebeu o olhar triste nos olhos de Paris, sentiu que parava o coração sem razão aparente.

Durante o jantar, Paris os entreteve contando histórias sobre o Will e, contrariamente ao prognóstico desfavorável da Isabel, a noite resultou ser tão cálida e divertida como nas que havia estado presente seu adorado irmão. Parecia como se os sete anos durante os quais Paris não visitou sua casa não tivessem sido mais que um dia. Ele voltou a ocupar seu antigo lugar sem cerimônia alguma, convertendo-se em uma extensão natural de sua excêntrica família outra vez. Todos falavam de uma vez, prescindindo de qualquer pingo de decência.

Isabel recordou tristemente as razões pelas quais se apaixonou por ele anos atrás... além de seus atributos físicos. Ele era inteligente, genuíno, entretido e não possuía nem um ápice de maldade em seu ser.

Até sua mãe se tornava doce em sua presença, e não só porque fosse um genro em potência. Ele parecia possuir um encanto especial que punha a todos de um humor jovial e que nunca provocava hostilidade alguma. Igual a Will. Era estranho que ela não o tivesse notado antes.

Como podia não amá-lo?

Do extremo da mesa proveio uma gargalhada.

—Cães loucos! - disse Charlie rindo a gargalhadas ao mesmo tempo que golpeava a mesa com ambas as mãos. - Não posso acreditar que Wellington não os enviasse ao calabouço!

Ashby soltou uma risada.

—Ele considerou... mas enfrentar ao Napoleão sem cavalaria era uma decisão pouco sábia, no melhor dos casos.

—De que riem? Queremos ouvir a história! - protestaram juntas as gêmeas seguidas de queixa similares por parte de Angie e Hyacinth.

Todas as olhadas se centraram em Ashby. Seu vivaz olhar percorreu a mesa e se topou brevemente com o de Isabel.

—Sim, Ashby, queremos ouvir a história - disse ela imitando a entonação de suas irmãs.

—Conte - disse Charles. - Já me ganharam por cansaço. E além disso só estamos nós, a família.

—Muito bem - disse Paris. - Dez dias antes da batalha de Quatre Bras, organizamos corridas de cavalos em uma pequena cidade perto de Bruxelas. Estávamos aborrecidos até a indigestão de esperar a que chegassem as tropas; a alta sociedade estava ali, pois tinha ido da Inglaterra para ver a "diversão".

—As corridas de cavalos são aquelas nas que o cavaleiro tem o sabre desembainhado e se toca as rédeas com a mão direita é desqualificado? - perguntou Freddy.

—Sim. Mas também se enfrentavam pôneis e mulas, o qual nos divertia muito.

—É verdade que sempre ganhava a taça de ouro? - Freddy sorriu timidamente.

—Deixaria de interromper e permitiria ao Ashby continuar com o relato? - espetou Teddy a sua gêmea.

Paris dispensou um sorriso amável a Freddy.

—Às vezes ganhei a taça de ouro, mas não nas corridas de mulas.

—Ele sempre ganhava - afirmou Charlie. - E vocês, guardem silêncio. Continua Ash.

—Em meio das corridas se desatou uma forte tormenta. Refugiamo-nos em uma velha casa onde tinham preparado refrescos e comemos um jantar frio que digerimos com muita champanha. Ao cabo de duas horas, todo o grupo estava bêbado. Alguns pertencentes ao Regimento 10 do Hussar saltaram sobre a meta e se dedicaram a romper todos os pratos, as garrafas e os copos. Pouco depois, todos estavam sobre as mesas, tanto as damas como os cavalheiros, cantando e rompendo baixela. Então Will ficou de pé gritando: "Já é suficiente selvageria! Retornemos às corridas!". E se desatou a mais demente das competições, os homens saltaram a suas montarias e largou a corrida, a metade deles caiu no caminho e muitos dos cavalos chegaram aos estábulos sem cavaleiro.

Entre risadas, Isabel percebeu que até sua cautelosa mãe estava muito entretida com o relato.

—Nós montamos a galope na direção da torre do sino...

—Você também? - inquiriu Isabel assombrada. - Sempre me deu a impressão de ser do tipo sensato.

Levantou uma sobrancelha.

—Em outras palavras, pensa que sou aborrecido.

—Não precisamente - ela fingiu franzir o sobrecenho para ocultar a travessura que estava por perpetrar. - Sensato seria o termo mais apropriado. Will era do tipo malicioso, que fazia brincadeiras e loucuras e provocava brigados e brigas - suspirou ao recordá-lo-... Você era sensato.

Charles soltou uma gargalhada.

—Sensato Ashby? Quantas vezes se viu envolto em uma rixa ou o suspenderam em Cambridge por... né, comportamento indiscreto na residência estudantil?

—Não me defenda - disse Paris arrastando as palavras. - Se sua irmã diz que sou aborrecido...

Isabel sorriu docemente.

—Por favor, não tome tão literalmente. Possivelmente nem sempre foi como é hoje. Mas é necessário que nos remontemos à época de Matusalém? Estou segura de que superou os dias amalucados de sua juventude muito antes, milord.

O sorriso de soslaio de Paris se tornou mais pronunciado.

—Naqueles tempos bíblicos, quando uma mulher insultava a um homem sob a aparência da adulação, geralmente significava algo totalmente distinto.

—Izzy, está arruinando a história! - queixou-se Teddy. - Pode flertar com ele mais tarde!

Ao mesmo tempo que se ruborizava, Isabel se engoliu a cotação incisiva disfarçada de comentário amável que ia proferir e olhou a Paris aos olhos.

—Não estava flertando, estava protestando - esclareceu indignada. - Existe uma diferença entre...

—O que fosse que estava fazendo, faz mais tarde - a exortou Freddy.

—Deveremos deixá-lo para mais tarde - afirmou Paris com resignação ao mesmo tempo que um sorriso malicioso se refletia no olhar. - Bem, onde estava? Ah, era de noite e galopávamos a toda velocidade pela terra lamacenta, dando aos nativos do lugar uma demonstração da indocilidade dos hússars ingleses ao grito de: " Longa vida ao Napoleão!".

Teddy e Freddy estalaram em risadas, igual a sua mãe e Angie. Sorrindo, Isabel dispensou a Paris um olhar furtivo. Ele era, pensou honestamente e em segredo, maravilhoso.

—Acidentalmente fizemos derrubar dois carros e provocamos um ataque de nervos às damas que se achavam dentro, ao carregar realmente como se fôssemos cossacos contra seus maridos, ou protetores.

À manhã seguinte descobrimos que um dos desafortunados era o prefeito da cidade. Muito descontente, declarou que nunca desejava voltar a ter algo que ver com essa banda de cossacos ingleses.

Tudo, como eu disse antes, foi ideia do Will.

Todos voltaram a rir e depois sobreveio um silêncio triste. Enxugando as lágrimas com um guardanapo Hyacinth sorriu e sussurrou:

—Obrigado. É um jovem adorável.

—Foi um prazer, madame.

Depois do jantar, Charlie conduziu a Ashby para a biblioteca, onde o monopolizou durante uma hora com uísque e charutos; as damas se retiraram a dormir. Nervosa e incômoda, Isabel se ocultou no escuro corredor, esperando que seu irmão deixasse de vociferar e se retirasse. Não permitiria que Paris partisse sem dizer o que pensava. Espiou dentro da sala. Charlie estava sentado de costas a ela, de modo que apareceu um pouco mais tentando chamar a atenção de Paris. Ele finalmente a viu. Ficou de pé e se dispôs a partir.

—Agradeço-te por tudo, Charles, e felicitações pela próxima incorporação à família - aplaudiu carinhosamente o ombro. - Se resultar ser o próximo visconde de Stilgoe, veem o Ashby Park.

Deixarei você escolher qualquer exemplar que te chame a atenção nos estábulos.

—Isso é muito generoso de sua parte, Ash! - seu irmão ficou de pé. - Retorna logo. Foi um prazer que compartilhasse nosso jantar. Não necessita convite.

Antes que seu irmão acompanhasse a Paris à porta principal, Isabel fez um ruído mal perceptível. Ele não partiria sem que antes ela o pusesse em seu lugar. Paris pareceu compreender.

—Sairei sozinho, Charlie - disse. - Você vê acima com sua bela esposa.

"Finalmente", pensou Isabel. Escondeu-se atrás do vaso de flores que se achava sobre a mesa do corredor e, nem bem divisou a esbelta silhueta que se retirava da sala, sussurrou:

—Aqui.

Paris olhou para trás e se aproximou. Ela o agarrou pela mão e puxou ele dentro da sala contigua. Um abajur, que ela acendeu com antecedência, iluminava brandamente as paredes.

—Estou a sua disposição - murmurou Paris avançando lentamente com olhar sério.

Ela respirou profundamente.

—Não quero que volte a pisar nesta casa - disse firmemente.

—Não?-ele deu outro passo. O sedoso cabelo escuro roçava a branca gravata, e uma mecha caiu sobre a fronte, incrementando o brilho de seus olhos cor esmeralda.

—Por quê?

Na falta de uma resposta melhor, ela espetou:

—Guarde suas histórias para a Sophie e para o Jerome.

Ele a olhou divertido.

—Está ciumenta.

—Nada disso!

—Mas não deveria estar - continuou ele. - Sophie e eu só somos amigos.

—Na verdade espera que acredite? Odeio você! Ele pôs os olhos em branco.

—Não te ocorre outra coisa que me dizer? Usa sua imaginação, Isabel. Diga que dói me ver com outra mulher. Diga que não pode deixar de pensar em mim.

Diga - cortou a distância entre ambos mas não a tocou - que quer que volte contigo.

Ela proferiu uma frágil risada.

—Diria que é vítima de uma imaginação muito fértil.

Ele se aproximou ainda mais e a olhou intensa e ardentemente.

—Por que não deixa de lado os jogos e me diz a verdade?

—Que verdade? - ela se tornou para trás. Não era neste sentido que se supunha que deveria ir a conversa. Era sua casa e ela estabelecia as regras.

—Que o reconsiderou - ele sorriu suavemente. - Você reconsiderou?

—Deixa de ver a Sophie e eu pensarei - o desafiou astutamente.

—Não me moverei conforme jogue a corda como o faz com o resto de suas marionetes masculinas, querida. Se me deseja, terá que dizer - inclinou a cabeça. - Me deseja?

Sim. Gritou seu coração.

Ouviram passos no corredor.

—Norris irmão - disse seu irmão fora do estúdio. - Voltou a deixar o abajur de meu escritório aceso. Acaso desejas incendiar a casa com todos nós dentro?

—Minhas desculpas, milord. Apagarei imediatamente.

—Eu o farei - murmurou Charles baixinho, enquanto se aproximava a porta.

Isabel arrastou a Paris contra a parede junto à entrada e abriu a porta de par em par para ocultar-se atrás. Na escuridão, olhou aos olhos e caiu na conta de quão estúpida havia sido. Acabava de colocar-se em uma situação dez vezes mais perigosa. Que os achassem juntos em uma sala era uma coisa, mas que os encontrassem escondendo-se apertados detrás de uma porta era algo totalmente distinto.

—Passa o dia comigo amanhã - sugeriu Paris em voz extremamente baixa.

"Não", articulou ela sem emitir som.

Ele estirou o pescoço para um lado.

—Né, Char... - Isabel cobriu fortemente a boca com a mão. Ele a agarrou no pulso e a afastou. - Sim ou não? - murmurou. - O dia inteiro.

Seu irmão entrou.

—Sim - sussurrou ela.

Apagou a luz e sua quente boca com aroma de wisky cobriu a dela. Sentiu que a embargava por completo uma ardente paixão. Seus lábios capturaram os dela brandamente enquanto a saboreava lentamente com a língua. OH, Deus. Ela se desfez contra ele, inclinando-se contra seu fornido corpo e deslizando as mãos ao redor de sua cintura por debaixo do casaco. Ela não percebeu quanto ansiava senti-lo, de quanto desejava seus beijos. Sua mente insistia em sustentar que aquilo não era a admissão de nada, que só se tratava de seu licencioso corpo tomando o que havia jurado se privar para sempre.

De qualquer maneira que o racionalizasse, o que sentia por Paris ia tão mais à frente do amor proverbial e do desejo, que roçava o misterioso. Podia detestá-lo, queixar-se dele e mesmo assim amá-lo até morrer, já que ele era parte dela, igual a sua família.

Vagamente, ouviu os passos do Charlie afastando-se pelo corredor e soube que estavam a salvo. Relutante a pôr fim a aquele beijo incrivelmente sensual e inflamável, simulou não ouvir.

Paris afastou a boca da dela e deslizou o polegar pelos lábios inchados da Isabel.

—Fique pronta às onze e leve roupa de montar - murmurou com voz mais rouca que de costume.

Depois partiu.

Com a respiração acelerada e o desejo pulsando nas veias, ela se apoiou contra a parede e se deslizou até o chão. Estava se convertendo em uma delas, essas mulheres arruinadas que ele estava acostumado a dirigir como se puxasse por uma corda. "Tome cuidado", advertiu uma voz em seu interior. Sem confissões de amor nem encontros sexuais. Enquanto ele insistisse em ser amigo de Sophie, entregar-se a ele totalmente a destruiria.

 

—Chegou cedo - exclamou Isabel, ao mesmo tempo que descia rapidamente as escadas segurando o belo chapéu com uma mão e agarrando com a outra as saias de sua vestimenta de montar de cor nata; embora seu traje não resultasse muito prático, tinha um profundo decote em "V" que sentava bem a sua figura, e era fresco e alegre.

—Não corra, temos muito tempo - disse Paris do pé da escada.

Mas Isabel não queria desperdiçar nem um minuto. Havia feito horrores conciliar o sono a noite anterior com o corpo ardente de desejo e a mente feita um caos de pensamentos encontrados, até que finalmente reconheceu que estava terrivelmente entusiasmada diante do projeto de passar um dia inteiro ao ar livre com Paris. Ao levantar-se pela manhã, decidiu não aprofundar muito nas coisas e simplesmente desfrutar do momento. Tampouco permitiria que a sombra de Sophie a desanimasse. Parecia que seu coração não podia deixar de pertencer a Paris, e não acreditava que pudesse voltar a ter outro luxo como esse. Juntos por um dia, era tudo o que se permitiria.

Ele a segurou na mão quando se aproximou.

—Bom dia - murmurou ao mesmo tempo que a estudava com seus olhos da cor do mar e beijava os nódulos. - Você esta... encantadora.

—Pare - murmurou ao mesmo tempo que olhava de soslaio a seu irmão que os observava discretamente da porta.

—Espero uma melhor reação de sua parte quando estivermos a sós - informou brandamente Paris provocando um calafrio. O olhou por cima do ombro. - Devolverei a sua irmã a tempo para o jantar.

—Se insiste - respondeu seu irmão com um olhar zombador em seus olhos azuis, que recebeu um fulminante da Isabel como réplica.

Paris colocou a mão dela ao redor de seu braço e se dirigiu para a porta principal. Ela se deteve repentinamente ao recordar algo.

—Necessitamos de uma dama.

—Trouxe um - disse Paris. - Não tema, transformei-me em um ser extremamente civilizado.

Ficou pensando que outra mulher o estivesse transformando quando até só uma semana atrás pertencia a ela. "Por Deus. Quem estava sendo possessiva agora?".

Norris abriu a porta e ao sair Isabel ao exterior naquele dia ensolarado, notou pela primeira vez que o cabelo de Paris não era negro como acreditava, mas sim de uma intensa cor castanha, exatamente igual ao da jaqueta que levava; que tinha uma covinha na face direita e muita pequenas rugas no ângulo externo dos olhos por causa dos anos que tinha passado sob o intenso sol espanhol; que seu suave e barbeado queixo não mostrava sinais de crescimento de uma barba cheia; que suas cicatrizes eram de um tom mais claro que a pele do rosto; e que era ainda mais bonito sob a luz do sol que iluminado pelas velas.

—Tenho uma dúzia de rugas e quatro cabelos brancos - disse arrastando as palavras e com a vista fixa à frente.

—Só quatro? - respondeu ela contendo a risada.

Ele a olhou; seus olhos brilhantes refletiam uma mescla de bom humor e preocupação, e ela sentiu mariposas batendo as asas no estômago.

—Eu aposto que se triplicarão antes de terminar o dia.

Na entrada, Apolo golpeou os cascos contra o chão e resfolegou provocando que a magnífica égua baio que se achava detrás dele se sacudisse e relinchasse nervosamente.

O cavalariço uniformizado - sua dama - tinha cavalo próprio e segurou as rédeas.

—Não é Lua - comentou Isabel assinalando a formosa e assustada égua baio.

—Tomei a liberdade de enviar a seu encantador cavalo árabe de retorno ao estábulo porque te trazia esta égua - a conduziu até o imponente animal. - É uma égua de caçada ardilosa e valente que possui uma possante energia, mais que Apolo. Acredito que por isso o incomoda. Seu nome - acariciou carinhosamente o pescoço brilhante do animal - é Milagre, e é tua.

Milagre era definitivamente a égua mais linda que Isabel havia visto em sua vida.

—O que quer dizer com que é minha?

—É tua. É um presente. É jovem e deve ser treinada, mas...

—Não posso aceitar um presente assim de sua parte - protestou ela. - Já tivemos esta conversa.

—Se Izzy não a aceitar, eu o farei - disse Stilgoe aproximando-se para admirar ao animal.

Ashby dispensou um olhar divertido.

—Não pode mantê-la, Charlie.

—Vê - murmurou Izzy a seu irmão. Aquele era seu dia, seu cavalo e seu... não soube como completar o pensamento mas, definitivamente ele não tinha nada que ver com o Stilgoe.

—Retiro-me - disse Stilgoe e girou sobre seus calcanhares ao mesmo tempo que movia as mãos no ar. - Divirtam-se!

—Proponho-te algo - Paris a segurou pela cintura e a elevou sem esforço algum até depositá-la sobre os arreios - se ganharem do Apolo e a mim diremos que ganhou justamente em uma aposta.

—Ta, Ta.Você me deixara ganhar. Além disso, quem acreditará que ganhei? - acomodou as saias, ao mesmo tempo que sorria amplamente por seu ridículo desafio. - Alem do mais, está proibido fazer corridas em Hyde Park.

Montou agilmente ao Apolo e a olhou aos olhos.

—E quem disse que te levarei ao Hyde Park?

—Bom, supus...

—Podemos ir ao parque se assim o prefere - concedeu ele, enquanto se separava da calçada seguido do criado. - Embora eu... né, esperava te convencer para ir a outro lugar.

Ela o olhou enfurecida.

—Acredito que essa é uma conversa que já tivemos muitas vezes. Não fugirei contigo, Paris - protestou.

—Por favor, me explique a que se refere com isso de "nos fugirmos". Estamos fora, devidamente acompanhados por um acompanhante, nem sequer tem caído a tarde e há gente a nosso redor - tirou o chapéu ao passar em frente a lady Elington e sua filha, que retribuiu a saudação com encantadores sorrisos. - A situação não poderia ser mais respeitável.

Sentindo-se devidamente repreendida, ela perguntou em um suspiro:

—Aonde deseja me levar?

—A um prado fora da cidade, onde Apolo e eu estamos acostumados a cavalgar depois de meia-noite.

—Todas as noites? - isso explicava que ele rondasse fora de sua casa. - Por que ali?

—Porque é um lugar bonito onde o ar é fresco e podemos fazer corridas - dispensou um sorriso tentador.

—Correr contra um centauro? - fez uma careta. - Já me sinto incômoda montando a seu lado.

Ele se inclinou de lado e tirou uma folha que caiu sobre o ombro.

—Esquece amor, que tive o exclusivo prazer de admirar a excelente maneira em que monta E...

—Não... se atreva-disse cortante ruborizando-se intensamente. Maldito seja por infundir vividas imagens deles fazendo o amor em um prado afastado.

—Não o farei se vier ao prado comigo.

Ela arqueou uma sobrancelha.

—Mais chantagem? Está se convertendo em um hábito desagradável, Ashby - "e deixa de fazê-lo", ameaçou. "Está arruinando o dia". - Te farei uma proposta - disse cedendo.

—Se prometer se comportar como um cavalheiro, o qual exclui chantagens e alusões A... certas coisas, iremos ao prado.

—Trato feito - a olhou agradado. - E competirá comigo para ganhar na égua de caçada? Terá uma grande oportunidade de ganhar em campo aberto, já que Milagre está treinada para resistir as longas marchas de uma caçada e do veloz galope desse esporte. Apolo nunca poderia suportar essas exigências.

Assentindo, Isabel se perguntou se a égua que ele escolheu para ela era mera coincidência. Ela o havia caçado a ele, depois de tudo. Será que considerava também a ela ardilosa, valente e cheia de energia?

Permaneceram em silêncio enquanto atravessavam as ruas de Londres, o criado os seguia a só umas jardas de distância. Estava maravilhada pela profunda mudança operada em Paris em tão curto tempo.

Por muito que pesasse, devia admitir que Sophie fez um milagre ao transformar a um recluso mascarado em um verdadeiro membro da aristocracia. Incomodava ter percebido de antemão quão bem se levariam Sophie e Paris.

Nunca os viu discutir ou comportar-se em público de uma maneira que não fosse agradável e respeitosa, enquanto que a relação com ela, por dizê-lo de algum jeito, era impetuosa.

Inclusive agora, quando se comportavam de maneira supostamente amistosa e civilizada, podia sentir a tensão que vibrava entre ambos.

Procurando aliviar um pouco a tensão, perguntou-lhe:

—Você teve oportunidade de investigar o mistério das cinquenta libras faltantes? Dito seja de passagem, o montante subiu a cento e setenta libras.

—Sim, estou a par disso, e tenho minhas suspeitas, mas eu não gostaria de implicar a ninguém sem ter provas.

—Pode ter sido meu engano. Estive um tanto distraída ultimamente e possivelmente coloquei...

—Sinceramente, duvido. Nos temas referentes a sua obra de caridade, sempre está alerta como um falcão.

—Paris, por favor, não acuse a ninguém sem antes me consultar. Nossa governanta, Rebecca, é uma desventurada mulher pobre. Se ela ou seus meninos necessitavam o dinheiro...

—Confia em mim? - perguntou ele suavemente, olhando-a diretamente nos olhos.

Embora tivesse o poder de destroçar o coração, confiava nele. - Sim.

—Bem - ele sorriu fracamente. - Pois me deixe dirigir isto.

Ao chegar ao limite norte da cidade, aceleraram o passo e trotaram avançando por um caminho bastante transitado. Era um dia maravilhoso, perfeito para cavalgar. Ela não podia pensar em ninguém com quem se agradaria mais em estar que com o homem que se achava a seu lado.

Paris girou para a esquerda abandonando o caminho e os conduziu a campo aberto. Ao reconhecer a área, Apolo soprou vivaz. Isabel sentiu uma vibração similar no cavaleiro.

—Bem - Paris deu um sorriso sedutor. - Está pronta para uma corrida?

Sua resposta foi incitar a Milagre sem aviso prévio; sentiu um grito de " Trapaceira!" nas suas costas. Ignorando, afrouxou as rédeas da égua enquanto ria exuberante. Escutou os cascos do outro cavalo detrás dela e logo foi alcançada por Paris e Apolo, era uma imagem digna de ser recordada.

Durante várias centenas de jardas galoparam ao mesmo tempo, sua esplêndida égua e o imponente animal de pelagem escura. Paris se via tão maravilhoso como seu garanhão, com seus olhos verdes brilhantes sob a luz do sol, seu resplandecente cabelo açoitando os ombros, bem afirmado no arreios com as robustas coxas tensas e a mesma graça de movimentos com a qual dançava uma valsa e que havia feito o amor.

Em um momento ficou atrasada, mas pôde voltar a ultrapassá-lo e sorriu. Não deixaria de lutar. Sacudiu as rédeas e avançou rapidamente, inclinando o corpo para opor menor resistência ao vento.

Milagre era uma corredora inata e muito ambiciosa. Cada vez que seus oponentes se aproximavam, estirava o pescoço esforçando-se para deixá-los atrás. Com o pulso acelerado, igual ao espírito, Isabel olhou para trás. Com uma ardesse olhar, Paris emitiu um grito de guerra e o chão começou a vibrar. Observou-o boquiaberta quando a ultrapassou a toda velocidade em direção ao arvoredo. OH, Deus.

Quando chegou ao bosque um momento depois, Apolo estava pastando e Paris estava convexo de barriga para cima no fofo pasto com os olhos fechados e simulando roncar. Com as faces avermelhadas e o pulso acelerado, ela desmontou e se aproximou para chutar as botas. - Muito engraçado.

Ele agarrou as botas com as dele, fez a perder o equilíbrio e ela caiu rindo em seus braços abertos. Fez ela girar cobrindo-a com seu forte corpo. Engasgada de risada, ela sorriu ao olhá-lo aos olhos cor esmeralda enquanto lutava por recuperar o fôlego.

—Esteve magnífico.

—Você também - afastou as douradas mechas que caíam sobre a fronte e as faces, depois tirou os pentes de marfim do cabelo. - Perdeu o chapéu... e à dama.

—Foi muito rápido, para os três.

Ele tirou a luva e lhe acariciou o rosto com as pontas dos dedos.

—É adorável.

A calidez nos olhos dele a perturbou. Desejava mais que nada no mundo entrelaçar os dedos em seu cabelo e beijá-lo impunemente. Mas sucumbir frente a luxúria só provocaria aflições.

Quando ele se inclinou para beijá-la, ela girou a cabeça.

—Não, Paris. Por favor, permite que me levante. - Isabel - lhe disse ele ao ouvido... já não posso tolerar esta separação.

—Então prove. - sussurrou ela completamente estremecida com a vista fixa em um grilo que subia o pasto alto. Era terrível, desejá-lo quando ele estava envolto com uma mulher que antes era sua amiga, e quando uma multidão de mulheres esperava o momento em que ele se cansasse dessa pessoa.

—Farei... - a cobriu de suaves beijos na face e no pescoço.

O som de cascos aproximando-se deu a força para pôr fim a aquela loucura.

—Aproxima-se nossa dama - o afastou a um lado e se sentou.

Ele ficou de pé e a ajudou a levantar-se. Sem soltar a mão, conduziu-a para a sombra das bétulas e os olmos, vagando sem rumo entre as árvores, fazendo ranger as folhas e os ramos sob suas botas.

Abruptamente, puxou-a de lado e a espremeu contra uma árvore. Inclinou-se e a beijou apaixonada, tentadora e sedutoramente. Em um momento de loucura, entrelaçou os dedos no cabelo e devolveu o beijo com toda a paixão que corria pelas veias. Depois se controlou e se separou. Sem importar o que ele dissesse ou fizesse, ela não aprovaria nenhum tipo de sedução esse dia.

—Não está te comportando como um correto cavalheiro - o exortou.

Os olhos masculinos refletiram um brilho divertido. Inclinou-se para ela.

—Deseja que o faça?

—Acaso não resulta óbvio? - respondeu completamente nervosa e irritada consigo mesma.

—Mais ou menos - ele inclinou a cabeça de um lado a outro, parecia divertido. - Sua voz diz uma coisa, mas seus lábios dizem algo completamente distinto. Ontem à noite...

—Ontem à noite não significou nada. Tem a Sophie.

Olhou-a fixamente, a expressão de seu rosto a recordou a dos pequenos marotos que tinha visto em Spitalfields, cujos expressivos olhos imploravam afeto.

—Renunciara a mim sem lutar?

Ela arqueou uma sobrancelha com expressão inquiridora.

—Acaso me pertence para te deixar livre?

A expressão no rosto dele se tornou séria.

—É uma pergunta enganosa, Isabel.

—Ao igual à tua - Que classe de jogo infernal estava levando ele adiante? Primeiro a fazia sentir que ela era a única mulher a quem desejava e depois voltava a colocar máscara. Demônios. Levava posta uma máscara!

Ele torceu os lábios e em seu olhar se refletiu tanto alegria como desespero.

—Pois então, teremos um impasse.

Ela o olhou com olhos diferentes, mais ardilosos.

—Assim parece.

—Sob nenhum ponto de vista mudei de opinião - ele deu um passo atrás e colocou a mão dela ao redor de seu braço.

—Tampouco eu - ela avançou junto a ele, tramando a queda da máscara invisível.

Quando a conduziu entrando mais no fresco arvoredo, ela percebeu que ele se aproximava.

—Voltarei a te possuir, repetidas vezes - prometeu. - E será selvagem comigo.

—Sim, no mais selvagem de seus sonhos - disse ela sorrindo maliciosamente, embora sentisse um formigamento percorrer o corpo.

—Ou dos seus - quando ela se virou para olhá-lo furiosa, ele riu suavemente. - Caminhemos até o córrego. Ensinarei-te a apanhar peixes com a mão - ele entrelaçou os dedos com os dela irradiando bom humor.

—Uma caçadora, uma pescadora... vejo que está determinado a me converter em uma depredadora.

—Pode ser o peixe, se quiser, mas se assegure de rebolar graciosamente.

—É Sophie sua isca de peixe? - aventurou-se a dizer ela, e pestanejou. Acaso era perspicácia ou só uma expressão de desejo? - Isso está por ver - respondeu ele de maneira esquiva.

Chegaram a um córrego azul que refletiam como mil diamantes sob o sol. Cativada pela paisagem, Isabel quase pisou em uma manta de piquenique sobre a qual estava servido um almoço que parecia intacto.

Paris olhou a seu redor.

—Parece que alguém esqueceu seu almoço, um casal de amantes, que foi a nadar e perderam o apetite... pela comida, quero dizer. Morro de fome. E você, leoa? Proponho a você que demos conta dele antes que retornem.

Ela conteve a respiração quando ele se deixou cair sobre a manta e examinou a garrafa de vinho.

—Por acaso é um menino? - protestou ela. - Fique de pé antes que voltem e nos matem!

—Não seja dissimulada! - ele agarrou um par de taças e desarrolhou a garrafa. - Sente-se.

—Não sou uma dissimulada! Você está louco - o agarrou no pulso e tentou que ficasse de pé, mas não conseguiu que se movesse. Ouviu o rangido de um ramo detrás de uma árvore. - Alguém se aproxima —distendeu a mandíbula contraída. Esse alguém resultou ser Phipps, acompanhado de três criados com libré. Mordeu o lábio ao sorrir envergonhada e baixou o olhar para onde se achava seu acompanhante.

—Preparou isto para mim.

Ele ofereceu um copo de vinho tinto. - Sim, fiz. Toma assento.

Ela o fez, sorrindo como uma tonta, e aceitou o copo de vinho.

—É a surpresa mais bonita que alguém me preparou - confessou e bebeu um gole generoso. - Tudo se vê precioso.

—Eu temo que a velhice me tornou fútil.

—OH, não diga isso - ela sorriu e depois adicionou em tom suave. - É perfeito. Obrigado.

Ele roçou seu copo com o dela em um íntimo brinde olhando-a fixamente nos olhos.

—De nada - seus olhos pareceram querer dizer algo mais, mas se conteve. Repentinamente, ela percebeu que aquilo era precisamente o que uma vez tinha sugerido que fizessem; uma corrida e uma refeição ao ar livre. Tinha todas as características de um cortejo, mas considerando as recentes atividades masculinas, não soube o que pensar da situação, nem dele.

Os criados permaneceram alerta a prudente distancia enquanto Isabel e Paris comiam sanduíches de frango e pepino, além de queijos e uvas ao mesmo tempo que bebiam abundante vinho.

—Tenho uma pergunta para te fazer - disse ele arrastando as palavras. - Mas deve prometer não me cortar a cabeça com uma tocha.

—Não prometo nada.

—Muito bem. Correrei o risco - baixou a voz. - Existe uma razão pela qual devemos nos casar?

—O que? - ela se ruborizou e depois se deu conta do sentido de sua pergunta e se acalorou. - Não - teve seu período sete dias atrás, o que provocou emoções desencontradas.

—Nunca te prenderia em uma jaula, meu pequeno pardal. Nunca.

Aquilo soou como uma estranha desculpa por havê-la ameaçado contar a Stilgoe que passaram a noite juntos. A maneira em que fez referência ao tema de ter filhos a confundiu.

A maioria dos homens, inclusive seu domesticado irmão, tremia diante da ideia de abrir uma creche própria.

—Também tenho uma pergunta para te fazer. Por que não desejava me dizer que era Olivia com quem esteve comprometido?

Os verdes olhos de Paris se tornaram gélidos como rochas cobertas de mofo.

—O que ela te disse?

—Que estiveram comprometidos durante três anos e que se cansou de esperar que você retornasse.

Ele esticou um músculo da mandíbula.

—E isso é tudo o que ela disse?

—Contou que tinham crescido juntos e que compartilhava as festividades com eles.

—Assim o fiz. Às vezes. O velho duque era... amável comigo - pronunciou as palavras de maneira incisiva.

—Nunca se refere a sua infância. Disse-me que foi um período desventurado, mas...

—Falar mais detalhadamente a respeito de meu infortúnio, que amável de sua parte - introduziu a mão em uma cesta e extraiu duas porções de bolo de framboesa que estavam envoltas em guardanapos.

—Acredito que é sua sobremesa preferida.

—Obrigado. Assim é - claramente, não diria outra palavra sobre o tema. Não insistiu, no momento. - Sim foi amável de sua parte ter trazido o baú do Will ontem. Ainda... tem seu aroma.

Paris limpou as mãos e do bolso superior extraiu uma folha de papel dobrado.

—Eu queria dar isso em privado. Will a escreveu dois dias antes de morrer. Levava-a consigo então. Não a li, mas sei que é para você.

Tremeram as mãos ao pegar a nota manchada e enrugada.

—OH, Paris...

—Eu devia ter te dado isso faz semanas... anos, mas eu...

—Desejava te aferrar a seus pertences durante um tempo mais? - adivinhou ela com um sorriso triste.

—Não tenho ideia - a olhou. - Mas possivelmente sim.

Com os olhos cheios de lágrimas, ela desdobrou cuidadosamente a nota e leu:

 

—"Minha queridíssima Izzy...". - Não tem que lê-la em voz alta - sussurrou ele. - Desejo fazer-ela engoliu com dificuldade e continuou lendo em voz alta. - "Minha queridíssima Izzy: eu adorei receber sua carta. Imagino que Stilgoe e nossa mãe ainda se recuperam da convulsão que os provocou ao despachar o jovem Lorde Milner. Aplaudo seu bom julgamento. Esse cabeça de cortiça não é para você, querida.

Lady Drusberry é uma excelente administradora de mensagens, assim, por favor, remete suas cartas a ela. Estou ansioso por descobrir a que pobre diabo romperá o coração próximo.

O clima aqui é horrendo. Desejo retornar a casa e confio em obtê-lo já que, aparentemente, Napoleão deixou algo que pertencia na ilha de Elba. Hoje combatemos. Os prussianos sofreram um reverso, mas estão reagrupando. E me agrada informar que tanto seu objeto de admiração - Ela tossiu-... como eu estamos ilesos. Por favor, perdoa as manchas e as rugas do papel. Meu coronel está revoando, tentando ler nosso segredo, o muito bisbilhoteiro.

 

Acenderam as faces e levantou o olhar para Paris.

—Isso é o que eu estava fazendo - ele sorriu abertamente. Isabel continuou:

 

—"Ofereci meu lápis e espaço no papel. Tomou mais tempo para decidir que uma aprovação da Câmara dos Lordes e optou por desistir, o muito covarde".

 

—Assim agora sou um covarde e um intrometido - observou ironicamente Paris.

 

—"envie saudações a todos de minha parte e diga às preguiçosas gêmeas que escrevam em separado. Amo vocês e sinto saudades; espero ver vocês logo.

Seu devoto irmão, Will".

 

Quando ela terminou de ler, a folha estava coberta de manchas úmidas.

—Obrigado - fechou os olhos e apertou a carta contra o coração.

Os quentes lábios masculinos beijaram as lágrimas que se amontoavam em suas pestanas e em suas faces.

—Não pode imaginar quantas vezes desejei te dar isso nos últimos dois anos - murmurou Paris. - Todos os dias me dizia: "vá vê-la". E todos os dias perdia a coragem. Não queria que me visse assim.

Ela abriu os olhos e lhe acariciou a face.

—Adoro seu rosto. É o único que pensa que é defeituoso - ela sorriu tristemente. - Cada dia rezava para que voltasse para mim.

Ele engoliu com dificuldade.

—Deveria haver... - inclinou a cabeça para beijá-la.

—Não estamos sozinhos - recordou brandamente ela e introduziu a apreciada nota no bolso.

—É verdade - ele se endireitou e observou ao público uniformizado. Cruzou as pernas e a olhou meigamente. - Mudando de tema, quando é seu aniversário, Isabel?

—Em 10 de agosto. O teu?

—Em 13 de novembro. É Leão, obviamente - disse arrastando as palavras.

—Qual era o nome de seus pais?

—O de minha mãe era Eve e o de meu pai, Jonathan. Qual era o nome de seu pai?

—Harry. Harold. Era muito mais divertido que minha mãe, e nada presunçoso.

Ele riu.

—Sua mãe é uma espécie de dragona. Felizmente sempre lhe agradei.

—O agrado por você é uma espécie de afecção endêmica em minha amalucada família - respondeu ela secamente. - Mas assumo que não preciso aprofundar no tema. Não está de acordo?

—Bruxa - agarrou um dos cachos e o enroscou ao redor do dedo indicador. Seu olhar se tornou escuro e profundo; e sua respiração, intensa. - Devo pedir ao esquadrão da decência que parta?

Ela sentiu que se derretia diante do seu intenso olhar. A sós, entrelaçariam os corpos nus movendo-se ondulantemente, detentos de um delírio sexual. Apesar do tentador da ideia, teve que decliná-la.

Como poderia estar com ele agora e depois encontrá-lo no braço de Sophie?

Ele a observava intensamente, esperando uma resposta.

—Desejas jogar um jogo, então?

—Que jogo? - murmurou ela, ao mesmo tempo que vinham imagens tórridas à mente.

—Gamão.

Ela pestanejou.

—Quer jogar gamão?

—Não! - disse ele em um lento suspiro. - Desejo arder dentro de seu corpo, mas já que não me permite, poderíamos jogar gamão, ou terei que pular no frio córrego.

Ela também se sentia ardente de desejo.

—Pensou em tudo - comentou, enquanto ele extraía o tabuleiro de gamão da cesta de piquenique.

—Digamos que não esperava sua completa colaboração, por mais lamentável que seja.

Ele não tinha ideia do infelizmente perto que esteve de colaborar. Ajudou-o a dispor as peças no tabuleiro.

—Tome cuidado. Sou boa jogadora. Ganharei.

Ele a olhou vivida e hipnoticamente.

—Começo a pensar que...

E ela começava a pensar que possivelmente não.

 

Acotovelado com o queixo apoiado no punho e as pernas estiradas para um lado, Ashby grunhiu quando Isabel voltou a derrotá-lo. A jovenzinha certamente dominava o jogo. Ele não era mau jogador, mas, como diabos supunha que poderia concentrar-se no gamão quando esses seios firmes paqueravam com seus olhos do profundo decote em "V" com cada movimento que ela fazia?

Parecia uma fada, sentada no bosque com seu vestido de cor nata, com a gloriosa cascata de cachos caindo sobre os ombros e seus olhos da cor do céu brilhando com uma feminina e travessa expressão.

Sua essência a baunilha o fazia desejá-la, e estava sofrendo tentando ignorar as súplicas do erguido senhor Jones.

Não podia recordar uma ocasião em que uma mulher com a que se deitou - e com quem havia feito o amor apaixonadamente, cabia demarcar - o seguisse fascinando. Ultimamente descobriu que nenhuma mulher o cativava absolutamente. Exceto Isabel. Entretanto, se equilibrasse sobre ela, pensaria que ele planejou esse dia com o só propósito de seduzi-la, e estaria no correto até certo ponto, mas não era tudo o que desejava dela. Enquanto que uma metade de seu cérebro imaginava como persuadi-la para despi-la, a outra metade a contemplava absorta com extasiado desejo. Perguntou-se o que diriam seus pais a respeito da deusa que se via como uma fada se pudesse apresentar e se estariam de acordo com ele em que era a criatura mais adorável da terra. Certamente sua opinião não era imparcial: estava apaixonado por ela.

Endireitou-se. Amava-a. Certamente que a amava. Sempre o havia sabido, da noite em que o beijou no banco. Tudo se resultava muito claro repentinamente: por que se declarou à primeira mulher adulta que ocorreu, por que guardou distância do número 7 da Rua Dover, por que Isabel sempre estava presente em seus pensamentos e por que, quando ela apareceu na porta principal de sua casa sem ser já uma menina com saia curta a não ser uma jovem dama, colocou seu mundo de pernas para o ar.

—Esta ficando tarde. Deveríamos retornar para casa.

Ele se inquietou.

—Perdão?

Ela deu um sorriso pormenorizado.

—Não me olhe dessa maneira. Se deixasse de sonhar acordado, derrotaria-me ao menos uma vez - ela ficou de pé e alisou as rugas do vestido.

Ele olhou seu relógio de bolso, um presente dela e seu mais prezado tesouro, e pestanejou. Passou quatro horas entre o almoço, o bate-papo, o jogo e o sonho arroubado, sem que se dessa conta disso.

—Bom? Planeja passar a noite aqui? - disse ela brincando. - Já confirmei minha presença na noite de lady Conyngham esta noite, portanto, temo que deva te deixar.

Relutantemente, ele ficou de pé e o dominou uma intensa e profunda necessidade de abraçá-la. Não tinha sentido prolongar sua charada. A última semana se resultou uma prova de resistência demoníaca, mas sobreviveu; havia cruzado a linha e se converteu em uma figura pública; inclusive os mais severos, que o tinham pontuado de esbanjador e libertino, agora lhe tinham estima.

Ele a merecia.

Dispensou um olhar ao Phipps que dizia "te largue", depois segurou a Isabel entre seus braços e desfrutou do momento. Com um suave suspiro, ela apoiou a cabeça sobre o ombro, e ele soube sem dúvida alguma que isso, abraçá-la quando já não desconhecia seus sentimentos, era a essência da vida.

"Fique de joelhos, imbecil". Ordenou uma voz interior. Secou a boca. Tremendo internamente, sustentou-a pela mão e desabou de joelhos ao chão. Ela quase se tombou com ele e uma risada alegre encheu a garganta.

Puxou até liberar a mão da dele e deu um passo para trás.

—OH, não. Não o fará!Vai me levar para casa - ela se dirigiu apressada para o lugar onde deixaram os cavalos.

De joelhos, só no meio do bosque, via-se... - e se sentia. - Como um cretino. Se ela não queria que ele se declarasse nem que a seduzisse, só havia um papel que podia representar, e se amaldiçoaria se deixasse que o transformasse em um estúpido de olhar triste que babava por ela! Amaldiçoou, ficou de pé e a seguiu até onde se achavam os cavalos.

—Está terrivelmente calado - observou Isabel depois de que cavalgassem durante quase uma hora absolutamente em silencio. Já estavam na cidade e cortavam caminho através de um escuro e tranquilo parque.

—Não tenho nada que dizer - respondeu ainda fervendo de indignação. A pequena caixa estava perfurando o bolso de sua melhor jaqueta de montar. Já custava bastante controlar-se para não arrojá-la a um dos trabalhadores de pedreira. Em que demônios esteve pensando?

—Hoje eu passei um tempo maravilhoso. Obrigado.

—De nada.

—Irá à festa do 18 Esquadrão do Hússars na casa de lorde Drogheda esta sexta-feira?

—Não uso uniforme.

Ela lançou um breve olhar.

—É necessário usá-lo na festa?

—Sim.

—Não te agradaria se encontrar com seus velhos... ?

—Não.

—OH, pelo amor de Deus, Ashby...

—Coloque as mãos sobre a bolsa, governador - gritou uma voz diante deles com marcada inflexão cockney.

Ashby empurrou ao Apolo para frente para interpor-se entre a Isabel e os dois bandoleiros que bloqueavam o caminho, empunhando as pistolas com muita habilidade.

—Farei se permitirem que a dama se vá.

Isabel se aproximou e sussurrou:

—Não leva uma arma, ou sim?

—Não - sussurrou ele. - Quando te der o sinal, esporeia o cavalo e foge a casa.

—Não te deixarei aqui sozinho. Ele a olhou.

—Não fala a sério, verdade?

Milagre ficou nervosa devido à proximidade do Apolo, e Isabel teve que controlá-la.

—Não me importa quantas batalhas tenha liberado - disse ela baixo ao mesmo tempo que lutava por dominar a sua égua. - É um homem de paz agora, o qual te faz vulnerável. Contando ao criado, somos três.

Ela sim falava a sério. Se ele não estivesse profundamente comovido por sua preocupação, consideraria estrangulá-la por expor-se de tal maneira ao perigo. Mas aquilo era absurdo.

—Estarei bem. Por favor, faz o que te digo.

—Não.

—Sim.

—O que sussurram? - um dos bandoleiros se aproximou para inspecionar a Isabel.

—Permitam que se vá a dama e recompensarei - gritou Ashby. - Do contrário...

—A bela dama se que vá a festa - o homem a olhou de soslaio ao mesmo tempo que empunhava a pistola. - Bem, com ela aqui você não causará problemas, governador.

Ashby franziu o cenho, refletindo.

—Acaso os conheço de alguma parte? São soldados.

Os olhos do homem reluziram ao reconhecê-lo.

—Coronel Ashby - retrocedeu cambaleando e tropeçou com seu cúmplice. Parou firme e fez a continência. - Rob Folk, sargento, terceiro Regimento de Guarda de Infantaria. Você me levou em seu cavalo pra me tirar de uma ponte em chamas no Orthez, senhor, Salvou-me a vida, sim senhor!

—Recordo-o. E você quem é? - perguntou Ashby ao companheiro de Rob.

O segundo homem também ficou firme.

—Ned Milhares, sargento do regimento número 9 do East Norfolk. É uma honra voltar a vê-lo, coronel!

—São heróis de guerra. Que demônios estão fazendo atacando a viajantes inocentes para roubar?

—São tempos difíceis, milord - explicou Neil a modo de desculpa. - Procuramos emprego durante seis meses, mas não somos os únicos tipos famintos que regressarão da maldita guerra.

Né, minhas desculpas a milady - tirou bruscamente agasta boina da cabeça e a saudou cortesmente.

—Escutem moços. Estou procurando bons homens para trabalhar em minha propriedade. Ofereço um emprego bem pago que dará de comer durante anos, não somente uma noite. O que dizem? Aceitam?Serão-me tão fiéis como foram a seu país?

Os bandoleiros trocaram um olhar atônito e assentiram ao uníssono.

—Sim, senhor!

—É muito amável de sua parte, milord - adicionou alegremente Rob.

—Excelente - Ashby indicou o caminho para o Ashby Park e deu uns quantos xelins. - Isso permitirá chegar com o estômago cheio. Falem com o Hamilton, um de meus empregados que leva a cabo as contratações.

Assegure de dizer que eu vos envio e que lutaram comigo no Continente. Contratará vocês. Agora vão depressa e não acossem mais a civis indefesos.

—Sim, milord! Obrigado, milord - o saudaram efusivamente e empreenderam contentes seu caminho.

—Esteve maravilhoso! - exclamou Isabel juntando as mãos enluvadas e sorrindo de orelha a orelha. - Que ardiloso e generoso de sua parte ter oferecido emprego!

Ele inclinou a cabeça.

—Aprendi com a melhor.

Sem prestar atenção a sua inquieta égua, ela se aproximou, colocou a mão detrás da nuca e o beijou. A ardente surpresa de seus suaves lábios o aturdiu. Era sua natureza tomar o mando das coisas, ser o agressor, mas quando sentiu sua língua contra a dele, o sabor da framboesas e a vinho, tirou o chapéu desejoso de permanecer quieto e permitir que fizesse o que desejasse com ele.

Morreria amando-a.

Isabel afastou os olhos, brilhavam na tênue escuridão.

—Senti você... diferente - observou ela em voz baixa e com um sorriso surpreendido desenhada nos lábios.

Escutou um disparo e Milagre começou a relinchar e a encabritar-se freneticamente.

—Estúpido bode! - grunhiu Ned na distância. - Quase me dá no pé!

Isabel tentava acalmar a sua égua quando repentinamente, Milagre parou nas patas traseiras. Ashby observou a cena com impotente terror e viu a Isabel cair do arreio para trás. A ele paralisou o coração.

—Isabel!

Em um abrir e fechar de olhos esteve junto a ela, o pânico turvou a mente. Ela jazia no chão, imóvel, com os olhos fechados. Um grito de angústia rasgou o peito. "Deus santo, ela não! Não igual a minha mãe".

O criado se aproximou a galope.

—Maçom! - grunhiu Ashby. - Vai imediatamente a procurar meu carro e ao médico!

—Sim, milord! - o criado se afastou a toda pressa.

Com o coração pulsando com força, Ashby se inclinou sobre o corpo imóvel de Isabel, temeroso de tocá-la ou movê-la por medo de que se tenha quebrado algo.

—Isabel? Querida, abre os olhos. Fale comigo.

Nada.

Tocou a jugular. Graças a Deus tinha pulso. - Isabel, pode me ouvir? Abre os olhos - disse com um tom de voz mais firme.

E mesmo assim, não houve resposta.

Sentiu que um terror irracional percorria as costas. Nublou a vista; não podia respirar. Se ela fraturou o crânio, ou quebrou as costas... o pensamento mais demente veio à mente: preferia perdê-la à mãos de outro homem e viver sozinho em uma cova durante cem anos que vê-la sofrer. Com mãos trementes e com cuidado de não movê-la, revistou o couro cabeludo para ver se havia rastros de sangue.

Quando afastou os dedos, estavam secos.

Tudo o que podia fazer agora era rezar.

—Isabel, por favor, abre os olhos, meu amor. Por favor...

Isabel espiou a Paris através das pestanas mal abrindo os olhos e se surpreendeu diante de sua expressão tensa. OH, Deus. Não deveria ter simulado um desmaio. O montão de folhas amorteceu sua queda eficientemente. Mas estava com uma extrema curiosidade por saber se o que sentira naquele último beijo era genuíno. Embargada pelo remorso e desprezando a odiosa ideia de seguir atormentando-o, abriu os olhos.

—Paris.

—Graças a Deus! - ele soltou uma gargalhada e seus olhos refletiram um infinito alívio. Com um tenro sorriso afastou os cachos da fronte. - Te dói algo, meu anjo?

—Golpeei-me a cabeça, mas estou bem. Caí sobre um montão de folhas secas - tentou ficar de pé.

Ele a deteve colocando a mão sobre o ombro.

—Pode ser que tenha algum osso estilhaçado. Não se mova querida. Meu médico vem a caminho - continuou acariciando a fronte e o cabelo. - Estou tão contente de que tenha aberto os olhos .

—Estou totalmente grisalho conforme o predisse?

—Ainda não - disse ela entre um sorriso e tentou novamente erguer-se. - Pelo amor de Deus, meu vestido se arruinou! Permita-me que fique de pé.

—Não - a impediu de erguer-se. - Fica quieta.

—Tenho insetos passando por todo o corpo - protestou. Tentou desfazer-se dele, mas se afundou ainda mais no montão de folhas. - Me deixe levantar, pelo amor de Deus! Meus ossos estão perfeitamente bem.

—Sente algum tipo de dor ou de incômodo? - perguntou ele em tom preocupado.

—Não, juro.

Colocou os braços debaixo das costas e dos joelhos e a levantou.

—Posso caminhar - disse ela, mas de todas as formas rodeou o pescoço com os braços. Ele se sentia tão maravilhosamente forte e atento que não pôde evitar desfrutar de sua preocupação por ela.

Era uma pessoa horrível, disso não cabia dúvida alguma.

Ele caminhou para um banco e se sentou, apertando-a brandamente entre seus braços.

—Está segura de que não te dói nada?

Esboçando um sorriso, ela seguiu o contorno de seus lábios com a ponta dos dedos.

—Se preocupou por mim.

—Sim, assim foi. É minha culpa. Não deveria ter feito você montar uma égua tão briosa, a que desconhecia.

—Tolices. Tenho caído de cavalo um milhão de vezes. Você não?

Tirou as folhas secas presas em seus cachos e limpou a terra do vestido.

—Há um mundo de diferença entre cair alguém e ver como cai alguém que te importa...

—Eu importo pra você? - ela o olhou iludida.

Ele inclinou a cabeça, roçou os lábios com os seus e sussurrou:

—Loucamente.

Sentiu que o coração dava um salto. Simular um desmaio era uma mutreta muito suja, mas conseguiu a resposta que esperava. Não imaginava. Ele a queria, fechou os olhos e desfrutou de seu beijo.

Aquele não era seu banco, mas estava agradavelmente afastado e rodeado de folhagem.

—Assustou-me, jovenzinha - murmurou ele - Não quero voltar nunca a experimentar esse sentimento.

—Sinto-o - sussurrou ela trocando de posição sobre ele.

Sentiu sua urgência e experimentou o formigamento familiar entre as coxas. O abraço se tornou mais apaixonado, mais ofegante. Ele deslizou a mão dentro de seu espartilho e acariciou um seio provocando um gemido. Mais cedo, no prado quando ele havia dispensado aos criados e tentado conduzi-la para o chão, não estava preparada para entregar-se. Agora sim.

—Foi muito forte o golpe que te deu na cabeça? Não quero te interpretar mal, mas...

—Não me está interpretando mal - respondeu com a respiração entrecortada, completamente absorta nas sensações que provocava enquanto acariciava o seio nu roçando o mamilo e devorava o pescoço.

Se rebolando, incapaz de permanecer imóvel. - Quanto tempo temos antes que Maçom retorne com o médico?

Ele levantou a cabeça. Olhou-a fixamente durante um longo momento.

—Mentiu.

—De... de que você fala? - gaguejou ela ao mesmo tempo que ele tirava a mão do espartilho.

—Nunca mencionei o nome de Maçom até que disse que fosse procurar ao médico.

Maldição. Ela podia argumentar algo, mas parecia que já não havia defesa possível.

A expressão do rosto dele se tornou iracunda.

—Foi algo muito ruim por sua parte! - levantou do colo e a afastou. Ficou abruptamente de pé e passou as mãos pelo cabelo.

—Como pôde me assustar e me enganar tão cruelmente? Como pôde me fazer acreditar que se machucou ao cair do cavalo?

Ela se sentiu terrivelmente envergonhada.

—Eu não...

—Fez!-rugiu. - Me enganou! Queria saber se me aterrava acreditar que te aconteceu algo terrível! Como pôde ser tão insensível? - caminhou de um lado a outro diante dela, amaldiçoando baixo.

—Nem em um milhão de anos me teria ocorrido que justamente você podia ser tão cruel. Nunca! Maldição, Isabel! Minha mãe rompeu o pescoço em uma queda como essa!

OH, não! Ela o havia esquecido. Sentiu-se consternada pela culpa. Era um ser mais que desprezível. Era... uma desalmada.

—Sinto-o tanto...

—Graças a suas maquinações, agora me dou conta do que aconteceu a mente de meu pai quando viu minha mãe no chão, sem vida... E por que essa mesma noite deu um tiro na cabeça!

Consternada, Isabel ficou de pé de um salto.

—OH, Paris...

—Sente-se! - disse ele furioso. - Perguntou a respeito de minha infância. Bom... Emudeci durante um ano. Os criados de Ashby Park me chamavam "o pequeno conde mudo". Não saía do quarto de minha mãe porque ainda tinha seu perfume. Dissuadiram-me de jogar com o resto dos meninos dos arredores pela questão da nobreza e todo esse lixo. Assim, jogava sozinho, com os cavalos.

—Não tinha medo aos cavalos considerando a maneira em que havia falecido sua mãe?

—Os cavalos não assassinam às pessoas. São criaturas formosas, nobres, fortes e inteligentes. Meu pai disparou ao cavalo de minha mãe e depois se deu um tiro porque foi ele quem a convenceu de saltar.

Desabou-se sobre o banco junto a ela. - Os criados me estimavam, mas mantinham uma distância respeitosa. Não me agradavam, não me tocavam. Nunca esqueciam que seus salários provinham de meu bolso.

As únicas cartas que recebia no Eton eram informes de meus administradores. Constantemente procurava resseguro tentando chamar a atenção de estranhos. O Natal me aterrava.

Nenhuma vez recebi nenhum presente, quem compraria algo ao pequeno mais rico da Inglaterra? Era patético.

—Não o foi. Todos os meninos merecem receber atenção e presentes, embora não seja com motivo de seus aniversários ou de alguma celebração em especial - um tanto insegura, se aconchegou contra ele e acariciou o braço.

Ele apoiou a cabeça contra a dela, extraiu o relógio que ela havia dado e o sustentou no punho.

—Minha mais apreciada posse - passou o polegar pela gravura em um gesto natural. - O duque de Haworth se inteirou por falatórios que resistia a deixar Eton para as Páscoas. Foi me buscar e me levou a sua casa.

Tinha quatorze anos, não era muito afável digamos assim. Odiava me sentir um membro imposto na mesa familiar, mas era preferível que jantar sozinho no Ashby Park. O convite se repetiu durante três anos, até que cumpri dezoito - suspirou profundamente. - Antes de ir a Cambridge, descobri que meu pai não caiu de um cavalo como te havia dito, mas sim se havia suicidado. Estava tão... zangado com ele.

Odiava-o. Depois... deixou de me importar.

—Deixou de te importar - murmurou estremecida... - o que te aconteceu?

Ele deu de ombros displicentemente.

—Só deixou de me importar. Dediquei-me a saciar meus apetites básicos. Deixei de procurar a aprovação alheia. Rebelei-me contra o servilismo que me rodeava e contra os cães de presa de alta linhagem que queriam aproveitar-se de minha inexperiência. Já não esperava que me adorassem e eles não esperavam que os adorasse. Isso foi quando conheci o Will - a olhou. - Alguma vez ele te contou como nos conhecemos?

Ela negou com a cabeça.

—Fiz seu irmão perder quinhentas libras em um jogo de azar.

Ela ficou boquiaberta.

—Não posso acreditar! Will nunca apostava.

—Essa vez o fez e com bastante imprudência, devo dizer. Não contava com o efetivo para saldar sua dívida.

—Como se fizeram amigos?

—Converti ele em meu companheiro de maldades durante um mês. Arrastei-o a bordéis, a antros infames de apostas, ensinei alguns truques. Foi extremamente divertido. - sorriu ao recordar.

—Mas não deveria estar te contando isto.

—Corrompeu o meu irmão, malvado - aplaudiu o braço, brincando.

Ele agarrou a mão e beijou ardentemente a palma.

—E ele me reformou.

—Passaram momentos maravilhosos juntos, não? - ela sorriu alagada por amadas lembranças.

—Os melhores - ele olhou o entardecer. - Will tinha um coração puro.

Ela colocou a mão na face, insistindo a olhá-la. - Você também - sussurrou.

—Não - ele meneou a cabeça. - Depois de que Will morreu, retrocedi ao mesmo ponto onde tinha começado.

—Não retornou a seu antigo estilo de vida. Você se fechou. - enquanto esperava uma resposta, uma explicação, recordou a primeira vez que se viram anos atrás e o que havia recebido ao olhá-lo: bondade. Solidão. Aqueles olhos infantis da cor do mar a tinham preso. - Sei por que te separou da sociedade depois da morte de Will. Voltou a te sentir só entre estranhos.

Ele se sobressaltou.

—Não seja absurda. Conheço-os todos. Aos que não conhecia na escola ou em brigas, conheci-os em casas de jogo ou na Casa de Deus; e a muitos, nos regimentos.

—Quantos deles são amigos verdadeiros, aliados leais? Quantos deles te fazem se sentir... Amado? - embora ele permanecesse em silêncio, ela sabia a resposta: somente a família dela.

O qual explicava por que a escolheu para que se convertesse em sua esposa. Ele queria um lar, e ela já não podia se ressentir por suas necessidades. A pessoa se casava por distintos motivos. E o de querer formar um lar era um legítimo. - O que te fez mudar de decisão em relação a sua reclusão?

—Seus argumentos me afetaram, suponho. A vida pouco sã, e tudo isso.

Olharam-se aos olhos. Embora ela estivesse contente de ter sido uma influência favorável em sua vida, entristecia-a além de quão imaginável fosse Sophie quem enchesse o vazio que tinham deixado seus pais.

Como se lesse sua mente, ele disse:

—Você disse-me que nunca mais queria voltar a me ver, Isabel.

Ela pestanejou para afastar as lágrimas dos olhos e engoliu com dificuldade. Era acaso muito tarde para dizer que mudou de ideia, que era uma idiota? Ele se preocupava com ela, desejava-a, mas se a amasse, se a amasse verdadeiramente, não teria procurado a outra mulher.

Os cavaleiros se aproximaram a toda pressa pelo caminho, eram Maçom, o médico e outro criado da casa Lancaster. Era um aviso incômodo de seu engano. Antes que desmontassem, Isabel agarrou a mão de Paris.

—Por favor, perdoa minha estupidez. Levei-me muito mal - apertou com força a mão e procurou seu escuro olhar. - Por favor, me permita dizer quanto avalio que tenha confiado em mim, que tenha compartilhado suas lembranças comigo. Possivelmente se tivéssemos sido mais diretos um com o outro antes...

Paris jogou uma olhada ao caminho antes de inclinar-se para beijá-la.

—Vamos para casa, jovenzinha.

 

Ashby bebeu um gole de brandy e golpeou ligeiramente o charuto contra o corrimão do balcão. Observou a cinza cair no frondoso jardim de lady Conyngham e recordou as últimas palavras que Isabel disse a ele:

"Possivelmente se tivéssemos sido mais diretos o um com o outro antes".

Ela tinha razão. Ele havia sido de tudo menos direto com ela desde o começo. Ocultou seu rosto, as circunstâncias da morte de seu irmão, o que havia feito na guerra, sua história pessoal, o relato completo de seu compromisso com a Olivia, e ainda continuava escondendo a farsa inventada com a Sophie.

"E o que sente por ela", apontou sua consciência. "Também o ocultou".

Embora não mentiu em relação às razões pelas quais preferia a privacidade de seu lar, havia motivos que se ocultou inclusive a si mesmo. Durante dois anos se sentiu indigno de viver pelos

horrores que havia infligido a outros na guerra e por haver falhado com Will. E embora isso parecesse suficiente para justificar seus sentimentos autodestrutivos, também serviam de fachada para um sentimento de vergonha muito enraizado que se agravou pelas cicatrizes do rosto.

Isabel havia desentranhado tudo corretamente. A criatura a quem ocultava no porão da residência Lancaster era esse menino patético que se escondia em seu interior necessitado de afeto.

E o desdém que sentia por esse menino interior e pela debilidade de seu pai, era a força que impulsionava todas suas escolhas erradas, incluindo seu compromisso com uma cadela insensível.

Sentiu que tocavam brandamente o ombro. Deu a volta e sorriu maliciosamente.

—Boa noite, Olivia.

—Ashby - com um frio sorriso o inspecionou de cima abaixo. - Esta muito arrumado esta noite. Sem fitas de seda, sem ombreiras nem ninharia alguma. Algumas coisas nunca mudam.

—Poderia dizer o mesmo a respeito de você.

A surpresa se refletiu em seus olhos, mas ela a dissimulou com um estudado sorriso majestoso.

—Tendo em conta que faz anos que nos conhecemos, tomarei como um elogio.

—Por favor, faça - apagou o charuto e se dirigiu para a porta. - Me Desculpe.

Ela bloqueou o caminho e apoiou as mãos enluvadas no peito.

—Poderíamos fazer as pazes? Estive te observando ultimamente. Está diferente. Por muito que me agradasse sua versão mais jovem, encontro esta mais amadurecida e certamente... irresistível.

—Olivia, ambos sabemos que a única coisa que encontra irresistível de minha pessoa é a minha riqueza.

Caiu a máscara de sedução do rosto.

—De acordo, admito. Aceitei você em seu momento por razões materiais, mas era jovem e tola. Como ia saber que havia algo mais envolto em um matrimônio que um título ancestral e um acordo generoso?

A primeira noite que Bradford veio a meu quarto pensei em você. Ainda o faço... - ficou nas pontas dos pés, oferecendo os lábios para que a beijasse.

Afastou as mãos dela de seu peito.

—Sinto muito.

O ressentimento se refletiu nos olhos femininos.

—Como pode me desprezar e flertar com essa cantora de ópera?

Ele sorriu.

—Deveria saber. Esteve me injuriando por minhas preferências sexuais durante anos.

—Foi ideia do John! Não tive nada que ver com isso! Sabe quanto te odeia - ela fez uma pausa e um brilho de astúcia cintilou em seus olhos. - E o que tem que nossa adorada senhorita Aubrey?

Ainda esquenta sua cama de vez em quando? Ou também a descartou?

Ele perdeu a calma.

—Tome cuidado, Olivia. Minha paciência tem um limite - deixou que ela medisse o alcance de suas palavras e se despediu com uma Cortez saudação de cabeça. - Que desfrute da noite.

Retornou ao salão de baile, não sem antes ouvi-la protestar.

—Pagará por isso, Ashby!

Separou-a de seus pensamentos, caminhou pelo salão e procurou com o olhar a alguém muito mais cálida e agradável. Mesmo que sua presa ainda não houvesse aparecido, dirigiu-se à sala de jogos.

Não estava acompanhado essa noite por que lady Conyngham pertencia ao mais recalcitrante círculo de damas de sociedade de idade avançada, que preferiria ter que confrontar uma morte lenta antes de permitir que seu impoluto feudo se poluísse com pessoas como Sophie Fairchild. Não teve intenções de participar a essa noite até que Isabel disse que assistiria. Segundo os ditados de seu coração, resultava imperativo vê-la tanto tempo como fosse possível, parecia que não poderia sobreviver se estava sem ela mais de uma hora. Entretanto, não deixou de maravilhar-se por sua capacidade para tolerar a aquelas hienas hipócritas, apesar de estar sozinho. Sentia-se... curado. Ao pensar, curvou os lábios em um leve sorriso. A cura, certamente, era o calor e o amor que sua deusa pródiga infundiu em seu coração.

Isabel sentiu que enchia o coração de alegria nem bem entrou no salão de baile de lady Conyngham ao distinguir as largas costas de Paris perdendo-se entre a multidão em direção ao salão de jogos.

Separaram-se por menos de duas horas, e mesmo assim sentia falta dele com uma intensidade que produzia quase uma dor física.

—É todo teu esta noite - disse uma voz feminina em tom íntimo por cima do ombro. - Sua desavergonhada francesa não foi convidada.

Isabel girou sobre seus pés para confrontar o gélido olhar de Olivia.

—A senhorita Fairchild não é uma desavergonhada.

—Defende-a. Que interessante - sorriu Olivia. - considerando que roubou o seu amante...

Um sinal de alarme soou na cabeça da Isabel.

—Perdão? - respondeu suavemente.

—Ama-o, não se incomode em negar. Fez tudo menos gritar ao mundo inteiro quando a semana passada fugiu do teatro em um ataque de pranto histérico.

Isabel se ergueu.

—Fui porque seu irmão me assediou.

—Tolices. Sei precisamente pelo que estava passando. Ashby me fez exatamente o mesmo faz quatro anos. Podemos nos dirigir à biblioteca? É melhor manter esta conversa em privado.

Com receio, mas apanhada pela curiosidade, Isabel a seguiu a bem sortida biblioteca de lorde Conyngham.

—Deve me haver considerado uma pessoa sem sentimentos por ter quebrado meu compromisso só por falta de paciência - disse a título de introdução Olivia. - Tenho meus defeitos, mas não sou tola.

Nada que não fosse a pior das circunstâncias me teria persuadido a trocar o Ashby pelo Bradford. Cancelei o compromisso depois de apanhar Ashby em flagrante com uma cantora de ópera francesa.

Estou segura de que compreende meu intuito de te proporcionar os detalhes acidentados do desagradável namorico.

Comovida, confundida, cética e consternada, Isabel não soube o que pensar. E deveu evidenciá-lo em sua expressão, por que Olivia não se privou de abundar em detalhes.

—Depois da ratificação do Tratado de Fontainebleau, convenci ao John de que me acompanhasse a Paris para visitar o Ashby. Imagina minha consternação quando o achei com... com aquela prostituta francesa!

John estava horrorizado. Quis repreendê-lo a golpes contra Ashby, mas eu roguei que não o fizesse. Ashby é um perito atirador e um soldado profissional. Não podia suportar perder a um irmão querido nas mãos de um indigno amante infiel. Meu avô usou todo seu poder para sossegar o assunto e me casei com o Bradford ao cabo de três meses.

Isabel estava consternada, seu ressentimento com a Sophie ressurgiu acompanhado de uma violenta sensação de náuseas.

—Uma semana antes de meu casamento com o Bradford, recebi uma carta do Ashby com veementes declarações de amor e enganosas desculpas. Rogou-me que o reconsiderasse e tentou me convencer de que fugíssemos.

Pode ser muito persuasivo quando deseja, mas não conseguiu me enganar - adicionou Olivia.

Isabel precisava se sentar. Em sua mente se formavam redemoinhos, fragmentos de frases muito similares ao descrito pela Olivia.

—O que te induziu a me revelar a verdade? - perguntou quando recuperou a fala. - Sou consciente de que não me tem muita estima.

—É verdade, mas meu irmão sim. Pensei que era melhor que estivesse a par do caráter de seu patrocinador antes de rejeitar ao John. Mas não o lamentarei se o faz.

Não merece ao John - girou sobre seus sapatos de salto altos e se dirigiu ao salão com passo decidido.

Isabel se sentiu febril. Tinha o estômago revolto. Desabou em uma cadeira e cobriu o rosto com ambas as mãos. Os detalhes que Olivia havia provido não deixavam dúvida da veracidade dos fatos, mas o que não expressou foi a conclusão lógica: que se Olivia tivesse fugido com Paris, teria obtido um marido infiel e descarado. Evidentemente, um libertino consumado não podia trocar seus maus hábitos, igual a um leopardo não podia trocar suas manchas.

—Se escondendo de mim?

Isabel levantou abruptamente a cabeça. Paris se achava de pé no vão da porta, recostado contra o marco. Inquietou-se e franziu o cenho.

—Parece chateada. Possivelmente o golpe que te deu na cabeça sim foi grave depois de tudo - fechou brandamente a porta e avançou. Deteve-se em frente a ela e tocou o rosto com ambas as mãos.

—Não - afastou as mãos e ficou de pé. - Não podem nos achar sozinhos aqui.

Ele a agarrou no braço quando se dirigia à porta.

—O que acontece?

Não podia olhá-lo diretamente.

—Nada. Tive um enjoo. Já passou, desejo retornar ao salão de baile.

Rodeou a cintura com o outro braço e a atraiu contra seu peito.

—Não minta para mim - murmurou contra seu cabelo. - Sejamos completamente sinceros um com o outro de agora em diante.

—Não compreende o significado dessa palavra! - respondeu asperamente Isabel.

—Stilgoe te viu abandonar o salão com a Olivia. O que foi que ela disse agora, essa cobra repugnante?

Ela se liberou de seu abraço e o enfrentou.

—A verdade a respeito do cancelamento do compromisso!

—Compreendo - cruzou os braços. - Deleite-me com seu relato, você vai?

—Ela te apanhou em flagrante com uma cantora de ópera em Paris. Mentiu-me! Disse que você e Sophie só foram amigos, mas a está utilizando, não é assim? Igual a mim, utilizou-me!

—Meus pecados, segundo se desprende de sua investigação, são verdadeiramente graves: infidelidade, manipulação, abuso, traição... Acaso esqueci algo?

—Então não nega nada disso? - exclamou ela consternada.

—Esse não é o ponto. O que importa é: o acredita? Poderia te contar uma versão completamente diferente, mas, aceitaria que é verdade? Se for um mentiroso, é razoável pensar que o que diga é falso.

Consequentemente, antes que continuemos, deve decidir se me considera honesto, ou não. Do contrário, estarei perdendo meu tempo.

—Não me engana com truques grandes. Existe uma diferença entre ser honesto e ser direto. Não duvidaria de sua sinceridade se não me tivesse escondido a verdade a respeito de sua prometida.

—Ex prometida. E sim, deveria ter dito a verdade, mas não me sentia cômodo com isso - a observou atentamente. - Segundo Olivia, quando me surpreendeu em flagrante com uma cantora de ópera?

—Faz quatro anos - repentinamente, deu-se conta. - Foi ferido nessa época, não é certo?

—Recentemente mais de quatro anos, uma bala de canhão caiu a umas polegadas diante de mim. A explosão me destroçou o rosto. Operaram-me e estive acamado durante seis meses. Minha querida ex prometida, ao ter recebido notícias contraditórias a respeito de minha saúde, foi a Espanha com seu adorado irmão. Encontrou-me em um hospital de campo e se comportou de maneira muito atenta, até o dia em que o cirurgião me tirou as vendagens. Deixando assim ao descoberto à Gárgula, cortado, costurado e incrivelmente inchado. A natureza frágil da Olivia não pôde suportar a dura experiência e vomitou em minha presença. Seu adorado irmão não demorou nem um segundo em trazer ela de retorno a Inglaterra, onde se converteu em lady Bradford três meses depois.

Quando me inteirei do feliz acontecimento, foi uma dupla surpresa para mim, já que ela nunca se incomodou de me informar sobre a mudança de nossa situação.

Olivia era uma serpente. Isabel teria que ter sabido que não devia acreditar em nada do que ela dissesse, aquele iceberg perverso, especialmente quando Will albergava uma opinião tão elevada do Ashby além de qualquer recriminação.

—Acredito em você. Não deveria ter duvidado de ti. Mas é por sua culpa! Se tivesse sido franco comigo...

—De qualquer maneira, não demorou muito em pensar o pior de mim, inclusive me conhecendo tão bem como me conhece.

—O relato da Olivia continha várias coisas que pareciam certas.

—Como quais?

—Em primeiro lugar, a carta que você escreveu rogando que o reconsiderasse e sugerindo que fugissem. Parecia plausível, e muito próprio de você.

—Por que não teria que parecer próprio de mim? Conhece-me há anos, o suficiente para inventar outras coisas em realidade, não uma carta, já que a única correspondência que mantive em minha vida foi por questões de negócios. Mas não acredite em minha palavra se não quiser. Peça que te mostre a carta incriminadora, ou qualquer carta que eu lhe tenha enviado. Aposto o que queira a que não poderá fazê-lo.

—Há outra coisa - a qual ela me desesperava por saber, mas detestava discutir.

—Falta mais, diga. - Se deixou cair em uma poltrona, estendeu suas longas pernas e as cruzou.

Ela caminhou de um lado a outro, nervosa.

—Por que diria especificamente Olivia que te encontrou com...?

—Com uma cantora de ópera? Pergunte a seu amigo Hanson. Ele foi quem elaborou a sensacional história que difundiu por toda parte. Em realidade, não me importou. Minha reputação já parecia em pedaços.

Um descarado de coração escuro soa melhor que uma Gárgula rejeitada, acredita nisso? Ela deixou de caminhar.

—É tão cínico ao falar desse tema - sussurrou ela. - Mas sei que deve te haver machucado profundamente.Você a amava?

—Não, e é água passada. Que mais? Você escutou.

—Isso é tudo.

—Pois por que a expressão severa em seu rosto? - Por que... por que... - ainda está a questão de Sophie!

—Nada.

—Bem. Veem aqui.

  1. - OH. Ela se voltou para trás, sentindo-se de repente muito apaixonada. Sabia que aquele olhar escuro, aquela maneira de falar arrastando as palavras; conduziriam-na diretamente a ser apanhada em flagrante com ele.

—Como disse hoje de manhã... tem a Sophie - se dirigiu à porta e virou o trinco.

Uma mão com luva branca passou por cima de seu ombro e fechou a porta. Paris inclinou seu esbelto corpo para ela; seu fôlego de brandy roçou a face.

—O de Sophie não existe. Foi uma trama, uma farsa, um cortejo falso. Estava desesperado por te recuperar.

Ela sentiu que o peito se enchia de sorte, de alegria. Virou abruptamente para constatar sua sinceridade. Seus solenes olhos refletiam o brilho do broche de safira presa em sua branca gravata... e culpa. Ela sentiu uma opressão no coração.

—Quão ingênua acredita que sou? Vi você. Beijando-a no Covent Garden. Vejo como a olha, do bem que se levam. São amantes, admite.

—Ela levava luvas postas, pelo amor de Deus! E não, não somos amantes. Foi um subterfúgio. Nada mais. O que viu no teatro foi um gesto deliberado por chamar sua atenção.

—E o fez.

—Isabel, juro-te pela tumba de minha mãe que nunca a toquei de maneira nenhuma que possa ser remotamente considerada íntima ou sexual. Como poderia fazer isso quando ocupa minha mente constantemente? —ao não vê-la ainda convencida, adicionou. - Me considera tão ruim para escolher a sua amiga entre todas as mulheres do mundo? Me dê um pouco de crédito. Não sou completamente insensível - passou a mão pelo cabelo.

—Olhe meu acordo com ela foi muito claro. Passaria a procurar, iríamos onde você estivesse depois a levaria a sua casa e retornaria à minha. Nada pessoal existiu entre nós.

—Você disse que era sua amiga.

—Sua amiga Sophie é uma dama amável e inteligente. Compreendeu minha rejeição a me reinserir na sociedade e soube precisamente como me dar o conselho e apoio sem me fazer sentir como um tonto idiota popular.

Se importa profundamente, a pesar do trato deplorável que você dispensou na última semana. Ela esperava que fosse assim. Estava completamente preparada para suportar seu desdém e sua falta de consideração, sua separação dela, porque acredita igual a mim, que nós devemos estar juntos.

—Você a mostra como a uma verdadeira Santa - murmurou Isabel. - Possivelmente deva estar com ela.

Ele exalou pesaroso.

—Não acredita em mim.

Ela desejava matá-lo.

—Para ser honesta, não estou segura do que é pior: que você embarcasse em uma aventura com minha amiga poucos dias depois da bela noite que passamos juntos, ou que simulasse fazê-lo.

—Devo te recordar como terminou nossa formosa noite juntos? Desprezou-me, disse que me mantivesse afastado de você e fugiu de minha ofensiva presença para não voltar jamais, forçou-me a fazer algo drástico! Não teria voltado para mim se não te tivesse induzido a fazê-lo.

—Fiz-confessou honestamente ela. - Retornei três noites depois e te vi subir a seu belo carro elegantemente vestido... Foi então quando você e Sophie tramaram o plano à luz da lua?

Seus formosos rasgos espartanos se suavizaram em um sorriso.

—Retornou para me buscar?

—Não te entendo. Uma vez que tomou a decisão de pôr fim a sua reclusão, não havia razão pela qual continuar obcecado. E o que foi que fez...? Ver vocês juntos... e me acusou de crueldade!

Fez deliberadamente me ferir e me humilhar, machucar meus sentimentos. Foi diabólico. Nunca te machucaria dessa maneira.

Ele estava arrependido.

—Nunca foi minha intenção te machucar nem te humilhar.

—OH, por favor! Desejava me castigar, fazer que me lamentasse por te haver desprezado e, tal como o disse. Estava saldando uma conta pendente comigo. Nega, se te atrever!

Ele apertou a mandíbula.

—Poderia te dizer o mesmo. Por que continuou incentivando ao Hanson? Acaso não havia deixado bem claro minhas esperanças e desejos por você antes? Estava me beijando de manhã e dançando a valsa com ele de noite.

Qual de nós era, ou ainda é, o substituto?

Abordada por uma repentina desolação, ela disse: - antes que Charlie conhecesse a Angie se apaixonou por uma tal senhorita Lane. Ela era doce e amável. Agradava muito Charlie, mas nunca conseguiram levar-se bem. Ele fazia algo pelo qual ela se ofendia; ela fazia algo que desagradava. O cortejo estava destinado a fracassar mesmo no começo. Mesmo assim, Charlie estava tão impactado com ela que se negava a aceitar, até que Will disse algo que sempre recordei: quando você precisa um de martelo para fixar um parafuso, deve procurar um buraco diferente. Paris sorriu.

—Disse isso em sua presença?

—Eu estava escutando às escondidas. Significa que...

—Sei o que significa. Sabe você? - os olhos cintilaram maliciosamente. Compreendeu finalmente a implicação sexual da frase. Ruborizou por completo. - Não deveria escutar às escondidas as conversas de homens sozinhos, Izzy.

—Não troque de tema. Meu ponto é muito claro. Quando se supõe que algo deve avançar sem dificuldades e isso não acontece, alguém deve desistir.

Roçou-lhe a face com a dele.

—Não somos incompatíveis, doçura, sem importar a ferramenta que devamos usar. Tocou a sua mão.

—Não está sendo orgulhoso? O desejo não pode solucionar tudo. Se uma vez já me machucou intencionalmente, o que te impedirá de voltar a fazê-lo?

—Equivoquei-me ao fazê-lo. Peço desculpas.

Ela o examinou completamente.

—Desejaria que você tirasse a máscara em minha presença.

Ele curvou os lábios em um sensual sorriso.

—Se mal não recordar, já fez isso por mim.

—Referia-me a sua máscara invisível.

—Agora conseguiste me confundir.

—É um intrigante, Paris. Constantemente transita pelo limite entre a verdade e a mentira. Mede as palavras. Cuida sua conduta. Tudo está calculado para ocultar seus verdadeiros pensamentos e sentimentos, ou para apresentar os de maneira confusa. É tão introvertido, tão reservado com o guarda em seu foro interno...

Ele pareceu chocado por sua observação.

—Eu vou contar tudo. Respondo todas suas perguntas.

—Com atraso. Semanas de atraso. Seus olhos cintilam e brilham, algumas vezes são de cor verdes e outras, azul, e não me revelam nada. Mas posso perceber a luta que se desata dentro de você, as coisas que desejas dizer, mas não pode. Acaso só saem à luz em seu porão? É ali onde vive?

Ele contraiu a noz quando engoliu com dificuldade.

—Deseja que me dispa para você.

—É só então quando verdadeiramente vejo o homem que amo - sussurrou ela.

—Ao que ninguém mais amou? - espetou cinicamente.

—Ao que Will amou.

Olharam-se aos olhos, imóveis.

A porta se abriu detrás deles. De um salto, ela rapidamente pôs distância entre ambos.

Stilgoe apareceu no patamar. Passeou o olhar de um ao outro.

—Angie está cansada - disse sem inflexão na voz. - Danielli despertou ao amanhecer.

Isabel assentiu ao mesmo tempo que olhava furtivamente a Paris. Seu irmão manteve a porta aberta para que ela passasse sem deixar de olhar ao Ashby.

—Me espere fora, Izzy. Estarei contigo em um momento.

Ela voltou a olhar a Paris e saiu da sala.

Charles fechou a porta.

—O que está fazendo com ela, Ash? Estiveram pairando um ao redor do outro desde o primeiro dia. Não acredita que é momento de terminar com esse jogo? Isabel já é maior.

—Eu sei. - respondeu Paris suavemente.

—Você a quer?

—Sim.

Com um sorriso inclinado, Charles abriu a porta. - Pois toma a de uma boa vez! Ultimamente esteve muito irritável, esteve nos voltando loucos.

 

Bom dia.

Isabel se sobressaltou frente à porta de seu escritório ao reconhecer a voz de Sophie. Titubeou durante alguns instantes, depois deu a volta.

—Bom dia.

A esperança e a cautela se refletiram nos profundos olhos marrons de Sophie.

—Falou comigo. Acaso somos amigas de novo... ou nos falamos só por uma questão de educação? - disse com um tom conciliador.

—Ainda não tomei uma decisão a respeito - respondeu Isabel com sinceridade. - Ontem à noite Paris me contou...

—Paris? - perguntou Sophie com o cenho franzido pela surpresa.

Isso ao menos era algo, pensou Isabel.

—Quis dizer Ashby. Mencionou uma farsa... ?

Sophie juntou as mãos.

—Graças a Deus! Finalmente ele contou isso!

—Então... é certo - Isabel baixou o tom de voz. - Você não é...

—O que? OH, não, não, não! - respondeu Sophie estremecida. - Absolutamente não! Fiz por você.

Isabel sentiu um forte nó no estômago.

—Prefere manter esta conversa no corredor ou dentro do escritório?

—Entra - Isabel destrancou à porta e entrou. Pendurou o casaco, o chapéu e a bolsa e se dirigiu a abrir as janelas para permitir que entrasse a luz do sol. - Estou te ouvindo.

Sophie fechou a porta.

—Veio para me ver cinco dias depois da festa de disfarces. - Cinco dias, não três?

—O dia em que recebi a nota urgente e fui para casa. Viu-nos logo no teatro.

Isabel recordou ter escutado a Íris mencionar uma nota misteriosa. Mas se não foi ver a Sophie aquela noite que ela havia ido a sua casa, aonde se teria ido?

—Continua.

—Ele queria te recuperar e sabia que teria que mudar sua forma de vida. Pediu que me convertesse em sua acompanhante para aparecer em público na cidade.

—Deveria havê-lo enviado comigo e te haver mantido à margem, Sophie! - a mera imagem de Paris falando com a Sophie e dançando a valsa com ela foi suficiente para deixar nervosa novamente.

—Seja razoável, Izzy. Ashby é um homem orgulhoso. Queria te impressionar, te atrair de novo, não procurar apoio em você. Não foi fácil para ele. Era como um peixe fora da água.

—Você é minha amiga. Deveria me ter contado em segredo o que te pediu que fizesse. Teríamos discutido juntas. Em vez disso, decidiu me chatear. Desfrutou da farsa?

—Certamente que não! Mas se comportava de maneira tão obstinada. Negava-se teimosamente a entrar em razão. Perdoe-me se me equivoquei. Minhas intenções eram as melhores. Desejava lhes ver juntos.

—Foi uma trama suja, um fingimento cruel e maldoso. O que me faz me perguntar... Encontra-o extremamente atraente, não é assim? Possivelmente você...

—Não seja tola! Existem muitíssimos homens e eu só tenho duas amigas queridas a quem não importa meu passado turbulento e me tratam como uma igual.

Nunca renunciaria a isso por um homem, embora se tratasse do rei. Nunca! Nunca!-afirmou Sophie veementemente.

O ressentimento que sentia Isabel se aplacou.

—Bem, porque seria uma verdadeira pena, para ambas.

Um sorriso choroso suavizou a expressão do rosto de Sophie.

—Estou perdoada?

Isabel refletiu.

—Ainda estou zangada contigo, mas sim, está perdoada.

Sophie se precipitou para frente e envolveu a Isabel em um forte abraço.

—Quanto senti falta da minha doce amiga!

—Eu também - respondeu Isabel com voz entrecortada e alegre. Bateram na porta e elas se separaram. "Outra vez não".

—Bom dia, senhoras - ele fez uma reverência.

—Lorde John - disse cortesmente Sophie e se inclinou para sussurrar ao ouvido da Isabel. - Livre-se dele, já basta de jogos - saldou ao John um sorriso contrariado. - Me Perdoe.

Tenho um compromisso - saiu da sala e, rapidamente, deixou a porta entreaberta.

—Isto é para você. - John deu a Isabel uma rosa vermelha.

—Obrigado.

Observou a rosa e depois ao John. Decidiu seguir o conselho de Sophie e fazer algo que até o momento não havia feito. No passado utilizou as evasivas e a frivolidade para desfazer-se de seus pretendentes.

Dessa maneira, mantinha a aparência de uma dama normal, desejosa de contrair matrimônio, quando em realidade estava ganhando tempo, aguardando... esperando? ao Ashby.

Não sabia quando se converteu em um modo de vida: tolerar os cuidados dos homens e depois rejeitá-los no último momento. Era a ferramenta da qual se valia para apaziguar a sua mãe e seu irmão.

Ontem à noite, enquanto dava voltas na cama, percebeu de que esteve fazendo o mesmo com o homem a quem esteve esperando: estava afastando a Paris.

Bom, já não mais. Pôs a rosa a um lado.

—Sinto muito. John. Não posso me casar contigo. Meus sentimentos e meu coração pertencem a outra pessoa. Por favor, me perdoe. Desejo que seja muito feliz.

O sorriso masculino lhe gelou o sangue.

—Nada de adulações modestas, nada de explicações floridas. Agradeço isso, mas nos casaremos, querida. Dediquei-te muito tempo e esforço para deixar ir agora. Além disso, você me cativou e deve pagar por isso.

—Sabe? Estou a par de seu aventurado segredo. Segui-te a noite do baile de disfarces.

Abril as pernas para o Ashby, e o fará para mim, no leito de casamento, ou te destruirei, a você, a sua agência e a sua amiga francesa de um só golpe.

Isabel ficou olhando-o, pasmada.

—Sem objeções? Esplêndido. Diga a seu irmão que me espere às oito em ponto esta noite.

—Nunca me casarei contigo! - gritou uma voz do seu interior. - Tenho amigos.

—Refere-se ao Ashby. Talvez se case contigo, talvez não. Mas quem salvará a ardente francesa? Ele não pode casar-se com ambas. Sua má reputação não sobreviverá uma campanha de difamação.

Nenhuma anfitriã respeitável a receberá em sua casa. Será desprezada em qualquer lugar que vá. Será segregada publicamente e para sempre... sua organização de caridade será conhecida como um pouco diferente.

Duas prostitutas em uma mesma obra de caridade - estalou a língua em som desaprovador.

Ela ficou pálida.

—Quantos lares respeitáveis vão querer contratar empregadas através de sua agência? O que proporcionará o destino a estas pobres mulheres a quem ajudas? Bordéis possivelmente...

Ela o esbofeteou.

—É desprezível! Nunca cederei ante sua chantagem!

Ele a sacudiu, atraindo-a para si.

—Os momentos desesperados requerem medidas desesperadas - aprisionou a boca com a sua luxuriosa e energicamente. Ela empurrou o peito com todas suas forças, lutando por liberar-se, mas ele a agarrou pelo cabelo, aferrando-a ferozmente.

—Será minha, Isabel. Não tem escapatória.

—Pense melhor - a porta do escritório se abriu de par em par, golpeando a parede.

John levantou a cabeça e recebeu um férreo golpe que o tombou no chão. Paris avançou, agarrou-o no pescoço e o empurrou contra a parede, pressionando rudemente a traqueia com o antebraço.

—Se voltar a tocá-la, matarei você - disse com uma voz áspera, profunda e iracunda, que inclusive a Isabel pareceu irreconhecível.

—Não, Ashby, não o faça! - implorou. - Não vale a pena que... rompa sua promessa por ele.

Liberando o John, Paris se voltou para olhá-la.

—Ele não o vale... mas você sim.

John golpeou Paris na mandíbula e o fez cambalear-se.

—Desejei fazer isso durante anos - disse asperamente John, saltando como um pugilista em uma briga pelo campeonato. - Cortesia do Gentleman's Jackson - lançou um segundo e um terceiro golpe, mas Paris os esquivou.

—Briga, covarde!

De pé, tenso e imóvel rígido em cada fibra de seu corpo, Paris fechou os punhos com força... Conseguiu acalmar-se e rejeitou o desafio.

—Não brigarei contigo, vá embora.

—E deixar a Isabel contigo para que confabulem as minhas costas? - espetou maliciosamente John. - É tempo de que te dê a lição que bem merece - lançou um murro à cabeça.

Paris agarrou seu punho.

—Os olhos não. A Isabel gosta de meus olhos - retorceu o braço do John e deu um duro golpe no abdômen. Uma vez, duas vezes. John se dobrou e caiu de joelhos, ofegando sem fôlego. - É suficiente?

Ou deseja me dar alguma outra lição?

Com um rugido selvagem, John se ergueu e se equilibrou sobre Paris. Isabel fez uma careta de dor quando John recebeu uma infernal surra: uma cotovelada no pescoço, um forte golpe ao rim e outro direto ao nariz que rompeu o osso sangrando profusamente. John se tornou para trás, suarento, sem ar e coberto de contusões. Limpou o sangue do nariz com o dorso da mão e disse com olhos cintilantes:

—Pode ser que seja um maldito conde, mas brigas como um sofrível plebeu miserável! Deus sabe por que meu avô te levou a nossa casa, ou o que viu em você para te conceder sua admiração.

Arruinou a vida de minha irmã! Pensa que permitirei que também arruíne a minha?

—Você e sua irmã as engenham para fazê-lo sem ajuda. O que dirá Prinny quando se inteire de que o futuro duque de Haworth é um trombadinha que rouba recursos de caridade? Anulará a designação do legado de Oscar.

—Não tem provas. Será sua palavra contra a minha.

Isabel estava assombrada. Nem sequer se incomodou em negar a acusação. Paris o agarrou da mandíbula.

—Se voltar a se aproximar da senhorita Aubrey te juro que enviarei a todos os credores a lhe cobrar as dívidas da sua família.

—Ambos sabemos que respeitas muito o meu avô para enviá-lo a prisão por dívidas.

—Oscar não viverá para sempre.

—Meu avô tem setenta anos e se vê mais jovem a cada dia - afirmou John. - Meu pai, infelizmente, está morrendo de uma enfermidade no fígado. Assim, caso você convença ao Prinny para que cancele o legado do título Haworth diretamente a mim, de igual maneira herdarei os bens de meu avô.

—Isto não é uma competição, John, nunca foi.

—OH, sim que o é, e a ganhei. Isabel e eu estamos comprometidos. Diga querida.

O rosto de Paris se tornou cinzento.

—Isabel? É verdade? - perguntou muito brandamente.

Ela engoliu com dificuldade.

—Ameaçou nos arruinar a todos... a Sophie, à obra de caridade, a mim. Ele sabe.

Rápido como o vento, Paris avançou para o John e o golpeou com a rapidez de um raio. Quando John caiu ao chão, já estava inconsciente.

—OH, Paris - sussurrou Isabel horrorizada. - O que fez? Matou ele.

—Não o matei - Paris se ajoelhou junto ao corpo imóvel de John e tomou o pulso. - O bastardo ainda respira - o arrastou pela nuca e o jogou em uma cadeira. Limpou o punho ensanguentado na gravata do John e depois se aproximou para abraçá-la. Isabel rodeou a cintura com os braços, apoiou a cabeça sobre o reconfortante ombro, e quase pôde simular que tudo estava bem em seu mundo.

—Lamento ter chegado muito tarde para impedir que te acossasse - murmurou contra seu cabelo. - Entendi bem? Sabe sobre nosso?

A abordou a ansiedade.

—Seguiu-me até sua casa a noite da festa de disfarces. Ameaçou usando isso e calúnias fofoqueiras contra Sophie para... para destruir a agência. Santo Deus! Todas essas pobres mulheres e seus filhos!

Um escândalo de tal magnitude...

—Tranquila. Não se preocupe, doçura. Vou me encarregar de Hanson, pode contar com isso. Depois de que tenha terminado com ele, o tubarão loiro nunca voltará a te incomodar. Prometo.

Ela levantou a vista para olhá-lo. - O que fará? Como soube que havia roubado o dinheiro? - Uma especulação acertada. Toda a família está sem um centavo e perseguida pelas dívidas.

Oscar, apesar do que o aprecio, foi um esbanjador em seus dias de juventude. Igual ao pai do John, até que seu fígado paralisou depois de anos de abusar da bebida e viver vertiginosamente. Tentei ajudá-los.

Todas suas propriedades estavam hipotecadas. Então, comprei as terras adjacentes com o Haworth Castle pelo dobro de seu valor e as anexei ao Ashby Park. O ganho que Oscar obteve da venda lhe serviu para recuperar suas propriedades. Faria mais, mas Olivia... - suspirou. - Ela destruiu minha magnanimidade. De qualquer maneira, John é mais sensato que eles, mas ama vestir bem as mulheres e ganha a vida nas mesas de jogo.

—Visita mulheres? Mas se cada jovem do Mayfair está ansiosa por levá-lo a altar.

—Esses são negócios; em troca, as mulheres que visita são diversão. Está desesperado por resolver os problemas econômicos de sua família casando-se com alguém que possui fortuna.

Não lhe contei isso por respeito ao Oscar. O velho...

—Cobriu ele sob sua asa - a natureza amável, leal e generosa do coração de Ashby a emocionou.

—Além disso, é uma maneira desleal de desacreditar a um rival. Queria ganhar por mérito próprio.

Ele sorriu.

—Às vezes, Ashby, quando não está tentando me despir, é um grande cavalheiro.

A expressão dele se tornou sombria.

—Um cavalheiro que rompe suas promessas não é um cavalheiro.

Ela o beijou.

—Foi imensamente valente em defender minha honra. Estou imensamente agradecida.

—Já não está zangada comigo?

—Tudo já está esquecido. Fiz as pazes com a Sophie. Sem rancores.

A ele encheram os olhos de ternura.

—É pura de coração - a elevou contra ele, capturando a boca em um beijo embriagador que se estendeu até que cada fibra de seu corpo estremeceu de prazer.

Alguém tossiu. Isabel saltou para trás e encontrou a Íris e a Sophie sorrindo amplamente. Paris ficou atrás da Isabel e entrelaçou os dedos com os dela.

—O que aconteceu? - Íris assinalou a loira massa amorfa desabada na cadeira.

No momento em que Isabel terminou de explicar o acontecido, Sophie estava terrivelmente pálida.

—Me desassociarei da agência... e deixarei a Inglaterra por um tempo. Posso levar Jerome a Paris...

—Não fará nada disso. É culpa minha - Isabel deu uma olhada a Paris. - Deveria ter posto fim ao cortejo do Hanson faz muito tempo. Ninguém exceto eu pagará por minha estupidez.

—Com os olhos brilhantes de emoção, Paris beijou-lhe os dedos. - Não permitirei que ele machuque a nenhuma de vocês. Tampouco deixarei que destrua nossa agência. Dou minha palavra.

—Obrigado - disse Sophie aliviada. - Odiaria ter que renunciar a meu trabalho aqui.

—Quero que vá a sua casa e permaneça ali - disse Paris a Isabel. - Pode ser que ele se apresente ali, assim deve fazer saber a todos que tomou seu rechaço de uma maneira muito pouco cavalheiresca e que não deve ser recebido sob nenhuma circunstância. Se assegure de que Stilgoe se dê conta do perigoso e irracional que é Hanson. Diga que estou a cargo de tudo, mas conte o menos possível.

Não queremos que vá matar ao Hanson. Desejamos manter todo o assunto o mais tranquilo possível.

—O que acontecerá se John... começa a difundir as calúnias?

—Não o fará, perderia todo o poder que tem sobre você. Em vez disso, tentará te encurralar outra vez. Por isso deve permanecer em sua casa nos próximos dias, até que eu me faça cargo dele.

Faz uma lista de pessoas em que confia e diga a todos os criados que não permitam o acesso a ninguém que não esteja nela. Hanson está desesperado, tentará algo, inclusive te sequestrar.

Tenha muito cuidado, doçura - implorou brandamente.

—Farei isso. - prometeu ela enquanto o temor a sobressaltava. - O que fará com ele?

—Deixarei ele em sua casa da cidade. Depois considerarei algumas opções - jogou uma olhada às amigas dela. - Poderiam acompanhá-la a sua casa, por favor?

—Cuidaremos bem dela, Lorde Ashby - disse Íris sorrindo. - Não se preocupe com isso.

—Eu agradeço - voltou o olhar para a Isabel. Seus olhos de cor esmeralda a estudaram durante um longo momento, como se queria dizer algo mais. Inquietou-se. - Será melhor que o leve a casa antes que volte a si.

Isabel o segurou pela lapela. Inclusive sua gravata estava tão prolixa e imaculada como o resto de sua vestimenta, a diferença da massa enrugada na cadeira.

—Quando voltarei a te ver?

—Logo.

—Quanto tempo?

Os olhos cintilaram maliciosamente.

—O suficiente.

Ela fez uma careta, atraiu-o para si e o beijou.

—Faz que seja muito em breve.

 

A sensação de uns suaves lábios contra os dela se filtrou em seu sonho. Uma essência escura e sedutora a envolveu por completo, despertando seu corpo com um desejo intenso e profundo.

Perdida na calidez e a escuridão rodeou com os braços a sedosa cabeleira que se inclinava sobre ela e perguntou adormecida:

—É um sonho?

—Deus, espero que não. - murmurou Paris.

Agarrou seu suave corpo em um abraço e a beijou mais intensamente. Ela fechou os olhos, sem pensar com clareza, perdeu-se no sabor de sua boca, no prazer de seu beijo sensual, e na sensação de seus braços em sua volta, mantendo-a a salvo, cobrindo-a fortemente contra seu sólido peito. Acariciou as costas descrevendo círculos sobre sua fina camisola. Explorou a boca acariciando-a com a língua.

O calor que sentia no ventre se estendeu a suas coxas até que todo seu ser desejou ser acariciado.

Ela suspirou, intoxicada por ele.

—Sim, meu amor?

—Como entrou aqui? A casa está virtualmente fortificada.

—Subi pelo carvalho até o quarto de hóspedes.

Esqueceu que ele conhecia sua casa tão bem como ela.

—O que fez com o John?

—Joguei-o em sua casa. Literalmente.

A imagem a fez rir.

—Isso explica por que não veio esta tarde depois de tudo.

—Isabel - sussurrou ele, devorando o pescoço e provocando um formigamento por todo o corpo. - Não vim aqui para falar de seu antigo pretendente. Senti tanto sua falta. Desejo estar contigo.

—Eu também desejo estar contigo - tirou o casaco dos ombros e desatou a gravata. Precisava sentir sua pele contra a dela, satisfazer o desejo que consumia o corpo e as ânsias que enchiam o coração.

Precisava o ter entre seus braços. Sem ele, sentia-se desolada.

—Pois reavivaremos nossa relação - ele tirou o casaco e fez rapidamente o mesmo com a gravata, o colete e a camisa. Sentou na beira da cama e se agachou para tirar as botas.

Ela se ajoelhou e deslizou as mãos pelas largas costas, beijando a aveludada pele. Ficou de pé para desfazer-se das calças e da roupa interior, depois se virou para ela.

—Levanta os braços - quando ela assim o fez, tirou a camisola e a jogou no chão. Ela se achava de costas à janela; ele contemplou com grande ansiedade seu esbelto corpo iluminado pela luz da lua, jogou a juba de cachos atrás dos ombros e segurou o rosto entre as palmas das mãos. - Isabel - sussurrou ao mesmo tempo que se inclinava para beijá-la.

Deslizou os dedos até os seios e contornou a ponta dos mamilos provocando uma sensação eletrizante. Quando endureceram, os apertou suave e possessivamente, fazendo arder o corpo de ânsias.

Ela o agarrou pela musculosa cintura, desejando que não se detivesse.

—Adoro quando me toca - sussurrou. A fazia sentir-se tão formosa, desejada e entesourada.

—Adoro te tocar - respondeu com voz rouca. - É uma fogueira escondida atrás de uma máscara com a imagem de uma obra de arte - inclinou a cabeça e sugou avidamente o seio.

Um suave gemido escapou dos lábios femininos. Os pecaminosos prazeres que ele provocava com a língua, os lábios e os dentes incrementaram a umidade entre suas coxas até que as ânsias que se amontoavam dentro de seu ser resultaram quase intoleráveis.

Ela acariciou-o nas costas e o peito, sentindo os músculos tensos. Sentia quente, esbelto e forte. Deleitou-se com a expectativa de estar sob seu forte corpo, dominada pelas forças de seu desejo, fundindo-se com ele para arder juntos em uma paixão tempestuosa.

Deslizou as mãos pelos estreitos quadris e as coxas, e pegou o membro cheio. Ele deu um salto, os olhos brilharam como gemas preciosas na escuridão.

—Se me acariciar, não poderei me conter - advertiu asperamente enquanto ela apertava o membro e o acariciava. Ousada, voltou a acariciar, ele se estremeceu voluptuosamente. - Deus, Isabel, quer me matar?

—Quero te agradar - deslizou as mãos para cima, pelo musculoso e tenso abdômen. Apoiou-se contra ele esfregando os seios contra o torso, sentindo-se cada vez mais apaixonada.

—Não o compreende? Se desejasse você mais do que te desejo agora, arderia até me converter em cinzas - com um suspiro entrecortado, recostou-a sobre a cama e se colocou sobre ela, apoiando-se intimamente contra suas coxas. Ela o envolveu com as pernas, deleitando-se ao sentir o delicioso peso de seu corpo, a sedutora carícia e o aroma de sua sedosa pele. Amava profundamente a aquele homem.

—Olá - disse ele.

—Olá - sorriu olhando o rosto coberto pelas sombras. - Você me resulta curiosamente familiar, milord.

—E você me resulta deliciosamente inesquecível - voltou a beijar de maneira sensual e decidida, apoiando os quadris entre as coxas dela, deleitando-se com sua ardorosa umidade.

—Hei... trouxe alguém comigo. Está timidamente ansioso de conhecê-la. Espero que te agrade.

—É ele um cavalheiro? - perguntou ela contendo uma risadinha.

—Não realmente. Embora seja um personagem extraordinário. Estou completamente seguro de que se empenhará por agradá-la.

—Pois é bem-vindo - respondeu ela com a voz enrouquecida. Deslizou as mãos para baixo acariciando as costas e agarrou as nádegas. Arqueou os quadris, incitando-o a penetrá-la.

Paris grunhiu.

—Antes de me voltar louco, estive fantasiando voltar a provar um delicioso morango - ele se deslizou para baixo, beijou um mamilo erguido, depois o outro, cobriu o ventre de beijos e a agarrou pelos quadris. Ela fechou os olhos com força e sentiu que se esticava o corpo.

Ele acariciou o clitóris com a língua, mas ela não se afastou, deleitando-se com as ondas de prazer que a levavam ao êxtase. Aferrou-se grosseiramente dos lençóis, perdida em uma plenitude de sensações, ao mesmo tempo que as carícias que proporcionava com a língua a faziam quase perder a razão. Sentiu que a percorria uma onda de urgente desejo. O coração galopava com tanta força como um puro sangue em plena corrida.

Jogou a cabeça para trás e seus gemidos imploraram pela liberação. Ele sugou o sensível clitóris e ela curvou o corpo em um arco perfeito, agitando-se e sacudindo-se, ofegando intensamente, presa de frenéticas convulsões.

Ele se ergueu, devorou seus gritos de prazer com seus beijos e a penetrou profundamente. Sem recuperar por completo a consciência, ela se contorceu obstinada a seus ombros para receber avidamente o corpo masculino que a investia ferozmente, enchendo a de prazer. Fizeram o amor em um transe, perfeitamente entrelaçados, rebolando com ritmo acalorado, arqueando-se e desabando-se como se fossem ondas enfurecidas.

Ela se perdeu no aroma e o calor de sua pele, na força das investidas, na profunda sensação de felicidade que experimentava ao sentir-se cheia pelo corpo masculino, como somente Paris podia fazê-lo.

Começou a tremer ardorosamente, próxima ao clímax.

—OH, mi... OH, Paris.

Ele apertou os dentes, sua pele, coberta de suor, resplandecia à luz da lua.

—Sim... sim - arremeteu com os quadris em ritmo frenético. - Sim... sim! OH, Deus, Isabel. - esticou-se entre seus braços. Quando ele alcançou o clímax, ela perdeu a consciência ao sentir onda atrás de onda em perfeita sincronia e tão intensas como as dele. Sentiu como a enchia com a lava ardente de sua paixão para depois desabar-se sobre ela, úmido e esgotado, ofegando contra seu ouvido.

Isabel se sentiu saciada, relaxada E... extremamente feliz.

Paris levantou a cabeça e as mechas de cabelo caíram sobre a fronte. Com a vista acostumada já à escuridão, viu seu sorriso de satisfação e o adorável olhar em seus olhos. Beijou-a meigamente e afastou os cachos do rosto. - Ainda pensa que não somos compatíveis? Colocou a cabeça em seu ombro, apertando-o contra seu coração, acariciando amorosamente as costas. - Eu não acho mais você me irritou tanto...

—Me perdoe minha leoa que ruge. Nunca voltarei a te machucar. Nem tampouco permitirei que ninguém mais o faça - adicionou em tom áspero e resolvido que conseguiu acalmar os medos e ansiedades femininas.

—Como o detenho, Paris? Essas pobres mulheres... Como as olharei aos olhos e direi que foi minha estupidez que acabou com sua última esperança? Quando penso em seus pequenos meninos famintos...

—Eu o deterei.

Ela entrelaçou os dedos em sua sedosa cabeleira.

—Você não deveria enveredar neste calvário. Acaba de te reinserir entre a sociedade. Meu escândalo te prejudicará.

Ele se esticou entre seus braços.

—Não se livrara de mim esta vez, Isabel.

—Não desejo me livrar de você. Mas não deveria te impor...

—Pois está decidido. Encarregarei-me dele. Embora possa chegar a necessitar de sua ajuda.

—Terá minha ajuda, naturalmente. Mas como evitar que alguém difunda calúnias? Recorda em Tifo Andronicus, de Shakespeare, como Demetrius e Chiron cortaram as mãos a Lavinia, e também a língua, para evitar que os implicasse? Não há solução para a chantagem.

—Cortar as mãos e a língua é uma boa solução - disse ele, arrastando as palavras.

—Esse é o ponto. Não há solução. Terei que me casar com ele - o que mais temia ela, muito mais que a ideia de casar-se com o John, era a que não voltaria a estar com Paris.

—Sobre meu cadáver! - grunhiu ele asperamente. Recostou-se de barriga para cima e ficou olhando o plano dossel, encolerizado. - Sua fé em minha capacidade é impressionante, Isabel.

Tremendo pela perda do calor que ele provocou ao afastar-se, ela cobriu a ambos com uma manta e se aconchegou a seu lado.

—Tenho toda minha fé depositada em você. Mas o que pode fazer? Não há nada que possa fazer.

—Deverei desacreditá-lo de algum jeito, de tal maneira que tudo o que disser seja considerado falso.

—Essa é uma ideia excelente. Como conseguirá? - Não o resolvi ainda, embora esteja trabalhando nisso. Já me ocorrerá. Sempre é assim. Enquanto isso permanece em sua casa. Hanson deduzirá que tem medo e o fará sentir-se mais crédulo em sua iminente vitória. Sabe que não pode te ocultar para sempre.

—Meu irmão percebe que estou ocultando algo. Irá te visitar amanhã.

—Já veio a me visitar - a olhou. - Me intimou a que se você e eu íamos nos casar, Hanson não resultaria um problema.

Nada a agradava mais que a ideia de converter-se em sua esposa. Mesmo assim, nunca pediria que se casasse com ela só para resgatá-la da ruína social.

—Ambos sabemos que isso não resolverá o problema. A reputação de Sophie e a da agência estão em jogo. Simplesmente terei que tramar uma maneira de que me encontre pouco atraente.

—Que você não resulte atraente é um contrassenso - rodeou a cintura com o braço e a atraiu para ele. - Me casaria contigo em um abrir e fechar de olhos, se assim o desejasse - sussurrou.

Ela sentiu que o coração dava um salto. Mesmo assim, sua afirmação não deixava dúvidas de qual deveria ser sua resposta.

—Obrigado pelo oferecimento, mas penso que é algo que ambos devemos desejar, pelas razões corretas. Ele guardou silêncio.

—Aonde foi essa noite que te vi subir a seu carro? - perguntou ela desenhando círculos imaginários no peito.

—Ao clube do Macalister. Não podia suportar permanecer em casa nem um minuto mais. - Ela proferiu uma risada. - O que te resulta tão gracioso?

—Acredito que trocamos nossas fobias de maneira pouco sábia. Você não pode suportar permanecer em sua casa e eu temo sair. É engraçado.

—Deixei três homens para que seguissem ao Hanson as vinte e quatro horas do dia, não deve temer.

—Obrigado, é muito tranquilizador, mas referia-me a outra coisa. Hoje compreendi pela primeira vez a necessidade de esconder do mundo. Que horrível é converter-se em objeto de curiosidade, de rumores e de especulações mal intencionadas. Devo a você uma desculpa. Fui muito dura contigo a respeito, teria que te haver dado compreensão e paciência. Perdoe-me.

—Sou eu quem te deve uma desculpa. Tinha razão, e estou começando a temer que a tenha sempre. Não desejava me aprofundar na verdadeira razão pela qual me escondia. Por isso, descarreguei-me contigo e te atemorizei. A lembrança de quando se inclinou para fora na janela, chorando... sinto muito, doçura.

Ela rodeou o pescoço com a mão e inclinou a cabeça para a dele e o beijou.

—Sem importar o que acontecer, sempre serei sua amiga, e sempre será bem-vindo em nossa casa.

—Só amigos? - perguntou ele suavemente.

De repente ela percebeu a importância de sua previsão. Se Hanson se saía com a sua. Se nem Paris nem ela pensavam em um plano para evitar que destruísse a agência e a vida de Sophie, ela não voltaria a estar com Paris. Nunca voltariam a ter uma noite como essa. Possivelmente nem sequer estaria permitido falar com Paris outra vez. O desespero se apoderou dela. Afundou a cabeça em seu pescoço e se aferrou a seu corpo. "Entesoura este momento na memória", chorou seu coração.

Ele acariciou as costas e falou com tom tranquilizador.

—Não é de todo sua culpa, anjo. Também sou culpado da situação vulnerável em que te encontra. Não deveria te haver comprometido. Deveria ter mantido as mãos bem separadas de você. Deveria...

Ela levantou a cabeça.

—Mas como podia evitar que eu mantivesse as mãos separadas de você? - beijou o pescoço e acariciou o musculoso e suave torso deslizando as mãos até a virilha.

Ele tomou ar, endurecendo incontrolavelmente com a sua carícia.

—Eu seria totalmente impotente diante deste acontecimento - disse com voz rouca.

—Você, impotente? - sorriu na escuridão, enquanto continuava acariciando-o firmemente.

O peito dele se movia acompanhando sua forte respiração.

—É como se me moldasse com sua mão.

Ela riu.

—Espero que não seja assim. - ela se colocou sobre ele para que a penetrasse.

—Espera. Desejo ver você esta vez. Onde há um abajur?

—Na cômoda - ela seguiu com o olhar seu esbelto e magnífico corpo iluminado pela luz da lua enquanto ele cruzava o quarto, maravilhando-se por seus graciosos movimentos, pela perfeição que emanava.

Acendeu o abajur, iluminando fracamente o quarto. A admiração que ela sentia se converteu em puro desejo carnal.

—A última vez que estive neste quarto, havia bonecas sobre a cama e um cão debaixo.

—Recordo-o.

Afastou as mechas de cabelo escuro que cobriam os olhos de cor esmeralda e sorriu intencionadamente.

—Se continua me olhando dessa maneira, verei-me forçado a te raptar.

Parecia uma excelente ideia nesse momento.

—Veem aqui - disse ela aplaudindo a cama.

—A seu serviço.

Aproximou-se dela com porte crédulo, desfrutando de seu olhar excitado sobre ele. Os músculos se marcavam em seu esbelto e viril corpo; o senhor Jones ostentava uma imponente ereção.

Mas era a escura promessa em seus brilhantes olhos o que fez que o pulso dela se acelerasse e que se contraísse o abdômen. Ela se recostou no centro da cama, excitada, inquieta e desejosa.

Ele colocou as mãos a cada lado e se recostou lentamente sobre ela, cobrindo o corpo com o dele.

—Onde estávamos?

—Estava de barriga para cima e eu te moldava com minhas mãos.

—Bom, sim, já chegaremos a essa parte - pressionou os lábios contra o pescoço dela e começou a descer. - Primeiro devo me deleitar com este rosado, doce, atrevido e tentador... - lambeu o mamilo, sensibilizando-o até que se ergueu, acendendo-a com um intenso desejo. Ela colocou uma mão entre eles e o guiou para seu úmido canal. Seu ofegante olhar se encontrou com a dela, enquanto se movia dentro dela, lenta e provocativamente.

Extasiada pela paixão e a necessidade refletidas em seus olhos, ela se deixou levar junto a ele uma vez mais para a felicidade extrema.

—Paris - acariciou o peito com a ponta dos dedos e a cabeça apoiada sobre seu ombro. - Desejo te fazer sentir como você me faz sentir. Conhece cada polegada de meu corpo. E eu quase nem te conheço.

Ele virou a cabeça.

—Conhece-me muito bem, doçura. Mais que ninguém.

—Referia a seu corpo. Quero conhecer seus segredos. Desejo ser ousada e natural contigo... - "Como nunca o serei com ninguém mais", terminou tristemente a frase.

—Sem inibições - a expressão em seu sério rosto era incrivelmente sensual e viril.

—Sim - disse ela suspirando resolutamente, olhando-o aos verdes olhos. - Desejo te agradar.

O sorriso que ela deu tirou a respiração.

—Nunca deixa de me maravilhar. Faz comigo o que te agrade.

Deu um ardente sorriso e se girou de barriga para baixo. Beijou-lhe o liso ombro. Percebeu que ele tinha tomado um banho antes de ir vê-la, já que o aroma do sabão ainda permanecia em sua pele.

Cativada por completo, acariciou e beijou o peito. Sugou o escuro e chato bico do peito, depois o mordiscou brandamente, provocando que seu amante gemesse de prazer. Deslizou para baixo ao mesmo tempo que ele grunhia brandamente outorgando sua aprovação, deslizou sobre seus tensos músculos.

—É magnífico - disse ela beijando os marcados músculos do ventre. - Como as esculturas gregas do museu.

Ele dispensou um sorriso tímido.

—Senti-me pouco atraente nestes últimos anos.

—É molesto - brincou ela docemente. - Mas não fisicamente.

—Bruxa.

Sorrindo amplamente, ela continuou inspecionando-o livremente. Quanto mais descia, mais se tencionava ele. Gemeu quando mordiscou a esbelta cintura, conteve a respiração quando deslizou a língua sobre o umbigo, e jogou a cabeça para trás com um grunhido quando ela beijou a cabeça do membro.

—Shh! - sussurrou ela - Despertará aos vizinhos. Mantém-se em silêncio, pelo amor de Deus!

—Você é a faladora. Eu posso ser tão silencioso como um camundongo - sorriu amplamente, ao mesmo tempo que colocava as mãos detrás da cabeça.

—OH, sério? - sem deixar de olhá-lo, ela umedeceu os lábios e os fechou ao redor de seu membro. Ele levantou os quadris proferindo um rouco gemido investindo-a. Decidida a torturá-lo um pouco, ela se deteve e observou seus tensos rasgos com preocupação. - Silencioso como um camundongo, né? Não o está desfrutando, deveria me deter.

—Não - ele tragou com dificuldade. - Quer dizer... Há o que te agrade. Submeto a ti esta noite.

—Recordarei que disse isso - aferrou o pênis e o explorou acariciando-o lentamente, mas quando o tocou com a ponta da língua, ele a puxou bruscamente para cima.

—Esta não é uma boa ideia - disse Paris. - Se voltar a sentir sua doce boca me rodeando, ouvirão-me até nas Colônias. Deseja me agradar? Sente-se em meu ventre e deixa que te observe.

—Muito bem - desconcertada, sentou-se escarranchado sobre seu ventre e permaneceu imóvel enquanto acariciava com o olhar o rosto, o cabelo, os seios, cada polegada visível de seu corpo; e suas cálidas mãos acariciavam as coxas.

—Adoro te olhar. Adoro o fato de que não tente se esconder de mim. É tão agradável te observar, Isabel. Faria uma escultura de ti tal qual se encontra agora.

—E o que faria eu enquanto isso? Bordar? - sugeriu ela ironicamente.

Flamejaram os olhos.

—Te coloque as mãos nos seios.

—Pensei que desejasse me observar.

—Assim é - um sensual sorriso curvou os lábios. - Pensei que desejava aprender segredos, te converter em uma mulher ousada e desinibida.

Ela sentiu que avermelhavam as faces ao compreender o que dizia. Sem afastar os olhos de seu extasiado olhar, colocou as mãos sobre os seios e os acariciou lentamente.

Seus olhos de cor esmeralda cintilaram, provocando um agudo estremecimento que fez vibrar os quadris. "OH, aquilo era imoral", pensou sem poder permanecer quieta. Trocaram cintilantes olhares de reconhecimento; era eletrizante.

—Está quente e úmida por mim.

—Sim - disse ela em um suspiro, colocando as mãos no peito. - Sua lição é... muito interessante.

—Deseja-me dentro de você ou desejas continuar com a lição?

Ela sentiu uma sutil pulsação de sangue que fluiu para a virilha úmida. Deslizou a mão para baixo, brincando com seu pênis cheio.

—Desejo ambas as coisas. O que é que você deseja?

—Desejo que se sente sobre meu rosto e me deixe te devorar o clitóris.

—Paris! - exclamou ela perplexa por sua linguagem... e mais ainda pela intensa maneira em que reagiu seu corpo com a proposta. Sentiu que suas partes femininas literalmente se derretiam.

—Essa será uma lição mais avançada, portanto, deixaremos para nossa próxima aula - o peito dele se movia pausadamente debaixo dela. Sua voz se tornou mais grave ao conter-se para não penetrá-la.

—Me diga o que sente.

Ela fechou os olhos e se concentrou.

—Sinto um formigamento, sinto-me tensa, terrivelmente excitada... ofegante.

Ele se equilibrou para ela agarrando-a pela cintura.

—A lição chegou a seu fim, posto que o mestre está a ponto de morrer de calor em frente a toda a classe - a elevou em seus braços e a penetrou lentamente.

Gemendo com ele, aferrou-se a seus largos ombros enquanto aproximava os quadris para seu corpo.

Pareciam não poder saciar-se um do outro essa noite. O arrumado rosto dele mostrava a agonia e o êxtase de sua ardente união, refletindo sua própria paixão agitada. A intensa respiração entrecortada dele roçou a face.

—Acaso não é esta a melhor das sensações... estar juntos... fazer o amor?

—Sim... OH, sim... Paris - ela o necessitava tanto que temeu desfalecer se o perdesse. "Meu amor, meu amor", disse com o coração. Apertou-se fortemente a ele, jurando não deixá-lo ir nunca.

Ele capturou a boca em um beijo apaixonado e continuou investindo intensa e pausadamente. Ela perdeu o controle; seus músculos se esticaram espasmodicamente enquanto tremia ao alcançar o clímax.

Teve o mais doce dos orgasmos. Ele a seguiu impetuosamente e, quando a abraçou contra seu palpitante coração, sentiu-se relaxada E... amada.

Isabel ocultou um bocejo. Paris se inquietou. - Deveria ir e a deixar dormir.

—Não... Fica comigo - implorou. - Pode ir ao amanhecer.

Ele observou o rosto adormecido e angélico da Isabel apoiado contra seu braço estendido. Acostumou ao comichão no ventre que provocava só olhá-la. Ainda a desejava apesar das duas horas que esteve com ela, era uma maravilha da ciência. Suas lições tinham progredido rapidamente depois de que ela tivesse superado suas inibições; e ele esperava com impaciência repartir a próxima lição.

Entretanto, deveria levar a cabo em outra data já que sua fada, já saciada, tinha começado a bocejar.

Ao vê-la agora, ninguém poderia suspeitar que dentro dela dormia oculta uma leoa extremamente sensual. Ele ainda estava maravilhado de que tivesse permitido descobri-la, possuí-la, estar com ela.

Nada impediria que a convertesse em sua esposa.

Ela se espreguiçou como uma gata, elevando os perfeitos seios, estendendo os dourados cachos sobre os lençóis.

Experimentou tal tentação de cobri-la contra seu corpo para ficar assim dormidos, que o deixou perplexo. Mas não podia fazer.

—Não acredito que seja uma boa ideia, doçura.

—Por quê? - olhou-o com olhos azuis sonolentos. - É pelos pesadelos?

O coração lhe deu um salto.

—Como está a par disso?

—As cartas do Will - sorriu ela. - A informação vai em ambas as direções, Ashby - ela se aproximou ainda mais. - Me conte a mais recorrente.

—Acaso interpreta os sonhos?

—Cínico,cínico - se burlou ela - Para sua informação, quando comecei a ter esses ataques infernais, também sofria de pesadelos. Will estava acostumado a correr junto a minha cama no meio da noite, abraçava-me, fazia que lhe descrevesse o sonho e depois inventava um bom final. Com o tempo me curei dos pesadelos, os convertendo em sonhos positivos nos quais era resgatada. Depois cessaram por completo.

Sonhamos a respeito do que conhecemos, Paris. Necessita um novo final.

—Então o que está dizendo é que se dormirmos juntos e tenho um pesadelo, me abraçará e me ouvirá balbuciar a respeito e depois emendará o final?

Ela se ruborizou por completo e afundou o rosto nos lençóis.

—Vê. Te odeio.

Ele atraiu ao pequeno porco-espinho contra seu coração, sussurrando:

—Ficarei, mas pode ser que nunca vá.

Ao amanhecer, antes que os criados começasse com suas tarefas, acompanhou-o à entrada de serviço da cozinha. Permaneceram beijando-se na fria tempestade de neve durante um longo momento, odiando ter que separar-se.

—Não retornarei hoje - disse Paris. - Preciso rastrear a alguém que pode chegar a nos ajudar com nossa situação.

—Posso ir contigo? - perguntou ela, esperançada.

—Temo que não. Levarei a cabo a maior parte de minha busca em clubes de homens.

—Poderia vestir roupa de homem. A do Will ficaria bem.

—Esse é um caminho seguro à ruína, Isabel.

Ele se via tão arrumado quando se exasperava com ela que não pôde evitar incomodá-lo um pouco mais.

—Prometo não te beijar em público. Possivelmente uma palmada discreta aqui e lá.

Ele a silenciou com um tórrido beijo, pressionando seu esbelto corpo, coberto somente com a camisola, contra o dele.

—Acaso está determinada a fazer que meu cabelo se torne branco por completo, ou simplesmente desfruta me enfrentando à morte?

Ela suspirou.

—É só que acabo de me dar conta de que em realidade desfruto de nossos encontros clandestinos.

—Recordarei que disse isso - a observou. - Devo ir antes que alguém nos veja.

Havia muitas coisas que ela desejava dizer e percebia que lhe ocorria o mesmo mas como se tratasse de um acordo tácito, decidiram aguardar até que a crise tivesse sido resolvida. "Se é que era resolvida".

—Sentira minha falta e pensara em mim a todo o tempo? - perguntou ela docemente.

—Já se converteu em minha forma de vida - aproximou os lábios ao ouvido. - Não continue com as lições sem mim - a beijou possessivamente uma vez mais e partiu.

Com sono, Isabel retornou lentamente à cama, onde tinham dormido com os corpos entrelaçados até que havia começado a despontar o amanhecer, quando ele a despertou para fazer o amor lento, pausada e meigamente. Não era o pedante que queria pôr em perigo sua reputação. Riu com a imagem dela aproximando-se ao conde de Ashby no White's, disfarçada de homem, para beijá-lo apaixonadamente na boca.

Por Deus. Acabava de resolver seu problema.

 

—Perdi uma aposta ou algo assim? - o major Ryan Macalister estudou os três rostos ansiosos que estavam no interior do carro junto a ele e ficou olhando um deles.

—Caramba! Mal posso as reconhecer com esses trajes. Parecem uns rapazes, muito agraciados, mas rapazes a final de contas.

—Esse é o objetivo - disse Isabel. Tinha os nervos tão super excitados que mal podia falar. Mas a exaltação que corria pelas veias a mantinha atenta e alerta apesar de não ter dormido.

Imediatamente depois de que Paris a tivesse deixado essa manhã, ela havia mandado a procurar a Sophie e a Íris para que a ajudassem a urdir todos os detalhes de seu arriscado plano.

Atribuíram ao Jackson, o discreto e confiável chofer, a missão de reunir informação sobre o Hanson: sua direção, os clubes que frequentava, seus compromissos do dia, e qualquer outro detalhe que pudesse ser de utilidade.

Enviou a procurar à querida Mary para que fizesse as modificações necessárias na roupa de etiqueta do Will para que ela parecesse um homem.

Sophie havia trazido uma peruca marrom e o bigode necessário para dissimular a fisionomia da Isabel.

Íris foi a mais difícil de convencer. Sua precavida amiga não deixou de insistir nos perigos que implicava, e inclusive ameaçou alertar ao Ashby. Mas uma vez que se deu conta de quão desesperada e angustiada estava Isabel, envolveu-se no plano e proveu uma brilhante solução para poder acessar aos clubes.

Isabel estudou ao Ryan. De certa forma, era um mistério. Por um lado, Will o tinha considerado um amigo e uma pessoa confiável, igual a Paris, mas pelo outro, havia traído a Íris. E mesmo assim, foi ela a que expos a necessidade de recorrer a ele, e virtualmente o havia ordenado.

—Importariam em me repetir o plano outra vez? - perguntou a Isabel.

Ela respirou profundamente tratando de ignorar o ritmo frenético de suas pulsações e a tensão que parecia espremer todos os órgãos do corpo.

—Seguimos a todas as partes que vá E...

—Poderia ser uma festa, uma amante, um antro de jogo, um bordel...

—Pude me inteirar que não irá a nenhum ato social esta noite, e que suas finanças dependem do jogo de azar. Se decidisse dar o gosto de estar com uma mulher esta noite, estaríamos com problemas.

Ryan sorriu maliciosamente.

—Esperemos que esteja mais necessitado de dinheiro que de...

—Ryan! - Íris lançou um olhar iracundo. - Não se confunda pela vestimenta e a maneira de falar da Isabel e pense que é um de seus grosseiros camaradas de armas.

Ryan jogou um profundo olhar a Íris.

—Seu irmão foi um desses grosseiros camaradas, e o homem do qual está apaixonada, outro. Qual deles acredita que é um homem vulgar, insolente e insensível?

—Importariam de deixar para outro momento seu flerte ofensivo? - perguntou Sophie.

—Em relação ao plano - continuou Isabel. - Esperamos poder segui-lo a um clube elegante. - Ryan deve se manter a distância já que John sabe que é amigo de Ashby, e pode suspeitar de algo.

Eu me dirigirei a ele para saudá-lo e depois o farei passar vergonha diante de seus amigos fazendo... uma insinuação.

—Tem o estômago para fazê-lo? - perguntou Sophie. - Se tiver algum tipo de reserva...

—Tenho um montão de reservas - respondeu Isabel. - Mas não devo permitir que me detenham. Tudo depende de que esteja alerta, forte e que tenha êxito... Tudo; sua vida, minha vida e a de muitas outras mulheres.

Acredito que posso suportar um beijo fugaz, desagradável como possa chegar a ser. Ryan emitiu um som afogado. - Esse é seu plano? Dar a impressão de que Hanson é...

—Amanhã em toda a cidade se falará de que foi visto beijando a um homem. Estou segura de que em um primeiro momento fará acreditar que foi vítima de uma brincadeira de mau gosto. Mas em poucos dias, ficará desacreditado e será objeto de todo tipo de falatórios. Tudo o que possa urdir contra nós será considerado como inventos para desviar a atenção dele mesmo.

—Espero que saiba o que está fazendo, Isabel - disse Ryan lentamente. - Tome cuidado, se assegure de ser rápida e de sair logo que seja possível, ou um de meus grosseiros amigos me cortará a cabeça por isso.

—Terei.

—Aqui vem - Sophie assinalou a casa localizada ao outro lado da rua. Golpeou o teto do carro e ordenou em voz baixa ao chofer. - Siga a esse homem.

Isabel se sentiu aliviada por um lado, e aterrorizada quando comprovou que o lugar do destino resultou ser a Rua St. James's, onde se encontravam os clubes de homens mais elegantes da cidade.

O carro se deteve e viu o John caminhar para o clube mais antigo de Londres.

—Vamos - urgiu ao Ryan antes de perder a coragem. Tremeram as mãos geladas, e o coração pulsou disparado. "OH, Por Deus. Que não me dê um ataque agora".

Ryan não se moveu.

—Não posso entrar aí. Não sou sócio E... sinto muito.

Isabel captou o olhar fugaz que Ryan e Íris trocaram.

—Possivelmente seja o melhor - disse, sentindo que se distendiam um tanto os nervos que a dominavam. - Ashby me enviou uma nota esta noite me fazendo saber que em caso de emergência, encontraria-o no White'S.

—Ashby está aí neste momento? - repetiu Ryan lentamente. Olhou através do guichê.

—O que fazemos? - perguntou Sophie.

Isabel não ia abortar a missão só porque havia estado a ponto de paralisar um momento atrás.

—Esperemos. Com um pouco de sorte possivelmente resolve ir a algum outro lado depois.

Então esperaram, em brasas, durante duas horas.

—Como explicou sua ausência ao Chilton? - Ryan rompeu o pesado silêncio.

—Meu marido não está. Embora não é nada de sua conta. - replicou irascível.

—Não está em Londres? - insistiu agudo.

—Isto não tem sentido - exclamou Sophie. - Não vai sair, é quase meia-noite...

Sentiu uma opressão no peito. Desistir agora seria dar-se por vencida, a menos que Paris pudesse salvá-la, e o que era mais importante, salvar a sua agência. De repente, uma profunda fúria a assaltou.

Não contra John, a não ser contra si mesmo. Como podia ter posto em perigo sua causa? Como pôde haver se deixado dominar pelo desejo? Ela sabia com antecipação o que podia acontecer se a descobriam, e mesmo assim se precipitou a procurar Paris de maneira totalmente irresponsável, porque a única coisa que importava nesse momento era não perdê-lo.

Ele significava mais para ela que a agência, que sua reputação, que a vida mesmo.

E isso a convertia em uma egoísta.

Estudou os rostos cansados que a rodeavam. Íris e Sophie estiveram com ela todo o dia, e Ryan precisava ocupar-se de seus próprios problemas. Ela não podia pedir melhores amigos.

E era hora de render-se e confrontar as consequências de seu engano.

—Muito bem - concedeu. - Vamos embora.

—Não, espera. Aqui vem - Ryan avisou ao condutor que o homem abandonava o clube. Seguiram-no de perto por toda a cidade. Deteve-se no Clube Alfred, mas só para conversar com alguém que estava fora.

Depois voltaram para a perseguição, perambulando pelas ruas de Londres cobertas de névoa. - Depois disto, vou abandonar minha comissão e me apresentar no Ministério do Exterior - brincou Ryan.

—Acreditam que ainda há boas possibilidades para os espiões?

—A espionagem é para homens perspicazes, capazes e responsáveis. Não para gastadores descarados. O olhar do Ryan enfrentou a de Íris. - Farei de conta que não escutei isso.

—Essa é outra questão - seguiu obstinada com um sotaque de regozijo no tom de voz. - Os espiões prestam atenção a tudo. Não descartam nenhuma informação só porque não agrada escutá-la.

Ele deu uma olhada zombadora. - Quando retornar seu marido à cidade? Íris baixou a vista, um claro indício de que se ruborizou. Isabel deu uma piscada a Sophie.

—Aí está outra vez - anunciou Ryan, quando chegaram ao terceiro lugar do destino. - E esta vez temos sorte. Não sou membro do clube, mas conheço o porteiro. Foi cabo em meu regimento. Deixem-me falar com ele.

Deixará-nos entrar dentro de um momento.

Isabel estava petrificada de medo. Aguardou tensa, enquanto Ryan falava com o homem. Estava demorando muito e os nervos a estavam consumindo, fechou os olhos e fez exercícios de respiração para acalmar-se.

Ele retornou e abriu a porta.

—Já está arrumado. Está preparada, Isabel?

Os sintomas anteriores retornaram de improviso com pavorosa intensidade: pulsações enlouquecidas, tremores, náuseas, mãos frias, rosto fervendo, palpitações na cabeça, respiração entrecortada...

—Um momento - ofegou ao mesmo tempo que cavava as mãos nas faces ardentes. O traje masculino era pesado e terrivelmente caloroso, mas provia um certo grau de amparo... e anonimato.

"Entrar, cumprimentar, beijar e sair". Ela ressonava o curso de ação na mente. Era agora ou nunca.

—Preparada.

O ar frio da noite resultou estimulante, como assim também o entrar em movimento depois de tantas horas de fechada no carro.

Caminhou rígida ao lado do alto e arrogante herói de guerra, contendo a urgência de lhe agarrar a mão. Ryan trocou algumas brincadeiras com o porteiro, e depois entraram.

Cavalheiros de distintas idades estavam entre o pesado mobiliário de mogno, grossos tapetes e a fumaça.

—Tire o chapéu - murmurou Ryan. - Recorda, somos clientes regulares que estamos aqui a nos divertir. Se mostre casual, mas não de maneira muito óbvia. No momento que deseje sair, iremos para a porta.

—Obrigado - sussurrou. Suas pernas pareciam mover-se com vontade própria.

—Não o vejo. Procuremos uma mesa e nos sentemos. Não tem bom aspecto.

—Agradaria-me realmente beber um uísque agora mesmo. Mas não tenho interesse em me sentar.

—É obvio. Me aguarde aqui - a deixou perto de uma mesa, onde três jovens estavam bebendo e se gabando sobre a rapidez de seus engenhos.

O olhar de um deles encontrou a da Isabel durante um momento, mas depois o voltou para um de seus amigos como se não tivesse visto nada anormal.

Ela soltou a respiração. Ao menos, o disfarce resultava efetivo. Depois viu o John, e o coração se deteve.

Com seu bonito rosto machucado, passou a seu lado e nem sequer reparou nela. Ryan retornou com um copo de uísque. Ela o colheu com ambas as mãos e o bebeu de um gole.

—Não tão rápido velho amigo - disse com tom normal. - Cairá redondo antes que termine a noite - agarrou o copo e o entregou a um dos muitos criados que passou junto a eles.

—Eu o vi. - disse ofegante. - Não me reconheceu.

—Bem. Tome um minuto para normalizar a respiração.

—Temo que é impossível - abruptamente, ocorreu que poderia estar tentando entretê-la.

—Pensa em outra coisa. Como foi o último verão em Stilgoe Abbey? Choveu?

Sua estratégia serviu para acalmá-la. Seguiu, respondendo suas perguntas, respirando lenta e profundamente. Depois sentiu a tensão novamente.

—Façamos já. Quero que termine de uma vez. Cruzaram juntos o salão principal para onde havia desaparecido John. Resultou ser a sala de jogo. Ryan se deteve na porta.

—Quem o golpeou? Ashby? - com seu assentimento, ele riu entre dentes. - Acredito que conheço a marca dos punhos. Manterei-me fora de vista agora.

—Mas não muito longe - respondeu ela sem afastar o olhar da cabeça loira que estava frente a eles na mesa.

—Não muito longe - tocou o cotovelo. - Tem a coragem de seu irmão. Boa sorte.

Movendo-se como se estivesse em um sonho, entrou no salão com ar despreocupado, com as mãos entrelaçadas nas costas; o único som que percebia era o palpitar acelerado de seu coração nos ouvidos.

Rodeou a mesa. Três cadeiras mais e chegaria onde se achava ele.

Finalmente, localizou-se atrás de sua cadeira. Fechou os olhos "Um, dois, três". Bateu em seu ombro. Ele levantou a vista a olhou.

—Hanson, maldito - articulou em voz profunda. - Quem demônios...

Inclinou-se e o beijou na boca, depois se ergueu bruscamente e se encaminhou para a porta a passo rápido, quase correndo. Surpreendentemente, uns dedos de aço agarraram com força o braço e a empurraram para trás.

—Matarei você, suja bicha! - gritou-lhe no rosto o Anjo Dourado, tão pálido como nunca o viu. Com o rosto avermelhado; seus olhos azuis brilhavam sinistramente. Os homens se agruparam a seu redor, protestando ruidosamente. "Onde diabos estava Ryan?". Lutou para escapar, mas não pôde.

—Espera um minuto - gritou John. - Não é um homem. . é uma mulher! - equilibrou-se para tirar a peruca.

Algo muito grande e negro se interpôs entre eles. Um casaco caiu sobre a cabeça como uma rede apanhando a um peixe.

—Não... diga... uma palavra! - sentiu que dizia asperamente uma voz baixa, furiosa que pareceu a de Paris. - Recorde minha advertência, Hanson.

Se abrir a boca sobre isto, enterrarei-o tão fundo que levará toda a vida sair do poço! É melhor que mantenha a versão de uma inofensiva brincadeira quando ainda mantém a vantagem.

—Diga a quem corresponde que me espere amanhã depois da sessão no Parlamento - bramou Hanson. - Ou não me faltará companhia feminina no poço. Está entendido?

Aprisionada pelo pesado casaco negro, Isabel foi arrastada por um braço inflexível que a agarrou dos ombros. Soube que estavam no exterior quando pisou no pavimento.

—O agradeço, Macalister - gritou Paris. - Estou em dívida com você.

Levou-a rápido até o carro como se fosse uma valise, o rosto abafado golpeando contra as almofadas. A porta se fechou com um golpe brusco detrás dela, e o carro entrou em movimento.

Balançando-se com o movimento do carro, Isabel conseguiu sentar-se e tirar o casaco da cabeça. Tinha a peruca inclinada, assim a tirou e agitou a cabeleira.

Era muito consciente do homem que estava sentado frente a ela, lutando por não perder o controle.

Com um suspiro de alívio, distendeu desabando-se contra as almofadas e levantou o olhar para o rosto de Paris. Não era a primeira vez que o havia enfurecido, mas nunca o viu tão furioso.

Ele se inclinou para diante e lhe arrancou o bigode. Ela cobriu a boca com a mão escondendo uma risadinha. Sem mover-se, disse com voz profunda e aveludada:

—Dá-te conta do que tem feito?

Aí estava de novo, assumindo o rol de irmão mas velho outra vez. Bem, ele não era seu irmão. E não estavam casados. E não devia uma mísera maldita explicação.

—Como o descobriu? Ryan só simulou seguir o jogo?

—Se assim tivesse sido, estaria encerrada em seu quarto neste momento.

—Avisou-te então. Enviou uma mensagem no White'S.

—Sim.

Acovardou-se com seu tom hostil. Parecia que havia passado um ano desde que se separou essa manhã.

—Anda. - espetou. - Solte logo o sermão. Terminemos de uma vez.

—Para ser completamente honesto, não sei por onde começar - tinha a mandíbula apertada formando apenas uma linha; seus olhos penetrantes a examinavam nas sombras. - Para sempre, e para quem eu era tão somente uma fantasia de adolescente. E aconteceu que alguém de cima teve piedade de mim, e decidiu me salvar de minha própria irresponsabilidade, falta de guelra e estupidez. Enviou-me uma bala de canhão que me liberou da bruxa a quem eu ia converter em mãe de meus desventurados filhos. Tive que pagar um preço por minha salvação. Paguei minhas dívidas secretamente, aguardando, orando, sem me animar a ter esperança... até que um dia o milagre se produziu. Meu formoso anjo, já mulher, veio a me procurar, mais encantada que a luz do sol, mais doce que um sonho, e confessou me amar ainda...

Quebrou a voz e os olhos lhe brilharam intensamente.

—Tendo escutado minha triste história, pode acreditar que deixarei que meu anjo caísse nas mãos de um cruel bastardo, ou nas de qualquer outro homem que não seja eu? Arrancaria o sol do céu antes que deixar que aconteça.

Isabel já não pôde conter o fluxo de suas lágrimas, nem evitar um luminoso sorriso de adoração. "Amava-a".

—Agora me diga como termina minha história - implorou Paris. - Inventa o final de minha história. Consigo conservar o meu anjo, a esta mulher que amei toda a vida, minha adorada deusa do desejo e da beleza, e a faço minha eterna companheira? Ou caio novamente no abismo para penar toda a vida como "os fantasmas dos sonhos, em cuja desconcertante história não havia coisa que por ventura não confundissem"?

Passou as mãos ao redor do pescoço e pressionou os lábios sobre os dele.

—Deve conservá-la.

Paris a espremeu entre seus braços com força suficiente para asfixiá-la. Ela nunca se sentiu melhor, apoiada contra seu coração e com a face junto à dele.

—Retiro tudo o que disse no carro - se desculpou bruscamente. - Sou um miserável. Comportei-me como um idiota. Tudo o que faz, faz de coração. Tudo o que disse é verdade. O caráter tem diversas facetas.

Serei o homem mais feliz da terra se pode dar um lugar em sua vida a um exímio idiota como eu.

Isabel inclinou a cabeça.

—Lamento muito, senhor, mas o lugar disponível me roubou um hussar sobre o qual me equilibrei muito tempo atrás neste mesmo banco.

Franziu o cenho ferozmente.

—Quem foi esse maldito afortunado?

Acariciou-lhe o querido rosto, penteando o cabelo para trás com os dedos. Com voz rouca lhe disse:

—Esse homem foi você, meu amor. Sou selvagem e irresponsável. Fiz um desastre de minha vida para estar contigo. Suplico porque possa ainda me amar depois de havê-lo feito também com a tua.

Prorrompeu em uma gargalhada rica, profunda, jogando a cabeça para trás.

Era a visão mais formosa.

—O que é tão engraçado?

Sua gargalhada se foi apagando até converter-se em uma risada baixa.

—Poderia ser mais desastrosa que a vida que tinha antes que você se intrometesse nela? Boa sorte na tentativa - a colocou em seu colo e a beijou profundamente.

—Tome cuidado, Ashby - murmurou Isabel entre insaciáveis beijos ardentes e arrebatadores, e um sorriso indelével. - A pessoa que passe por aqui poderá ver que está beijando a um homem.

—A impressão que levem pode ser muito pior - soltou o cabelo que como uma resplandecente cascata com as cores do crepúsculo caiu por debaixo dos ombros cobertos com o casaco cinza até acariciar a cintura.

—Me verão beijando a uma fresca que parece uma leoa vestindo roupas de homem.

 

Isabel encontrou o Ashby passeando na sala de sua mãe, onde o havia escondido com a chegada do Hanson. Sua mãe, com uma expressão de curiosidade contida no rosto, estava sentada no sofá; junto a ela, Angie embalava a Danielli. As gêmeas sentadas uma ao lado da outra, sem atrever-se a emitir som, no pequeno divã. Toda a casa parecia estar contendo a respiração do momento em que Paris chegou para manter uma conversa em privado com o Stilgoe e Isabel.

Assim que Paris viu a Isabel, deteve-se bruscamente.

—Foi embora?

—Sim.

Extremada a amplitude da gama de emoções que a sobressaltavam, frustrava toda a tentativa de sua parte para encontrar algum sentido a sua situação atual.

Estava comprometida com o John Hanson, e o homem a quem ela amava e que declarava amá-la também, era quem a tinha convencido para que o aceitasse como pretendente formal.

Se falhasse seja o que for que Ashby estivesse planejando, ou trocasse de opinião em relação a seus sentimentos, ela terminaria no altar com o Hanson.

Paris se dirigiu a grandes passos para ela e agarrou as mãos geladas.

—Não te pediria que fizesse isto se houvesse outra maneira de nos desfazer dele. Confia em mim, carinho - murmurou brandamente. - Não permitirei que ele ganhe.

Stilgoe apareceu na soleira. Percebeu as mãos unidas da Isabel e Paris e se dirigiu aos presentes em geral.

—Acabo de receber a visita de lorde John Hanson. Pediu-me a mão de Izzy em matrimônio, e ela o aceitou. Estão comprometidos.

—Comprometida com lorde John? - exclamou Freddy com horror; a expressão de seus olhos imensamente abertos expressava a decepção de todas as mulheres da família. - Mas... mas - dirigiu o olhar para a Isabel e Paris.

—Isabel, tornaste-te completamente louca? - demandou Teddy, ficando de pé de um salto.

—Não pode se casar com esse homem! - protestou Freddy. - Você ama... - deixou a frase inconclusa.

Todos os olhares convergiram em Paris. Ele olhou a Isabel e disse brandamente:

—E eu a amo, mas esse homem ameaçou difamando a com calúnias e comprometer à agência, se ela o rechaçasse. Portanto, até que possa solucionar as coisas, ela não pode ser minha - apertou a mão.

—Mas ela será.

A sinceridade que refletiam seus olhos e suas palavras deram uma cálida sensação que reconfortou a Isabel.

—Eu te amo.

As gêmeas estavam escandalizadas e armaram um alvoroço, desprezando ao L. J. e defendendo ao Ashby. Sua mãe ficou de pé.

—Venham, meninas. Seu irmão precisa falar com lorde Ashby em privado.

—Hanson nos acompanhará ao baile do Regimento 18 esta noite - informou Stilgoe a sua mãe.

Furiosa, sua mãe soprou desdenhosamente.

—Charles Harold Aubrey, sempre sou educada, inclusive com seres repugnantes, vis e mesquinhos!

Todos menos Paris, Isabel e Stilgoe, dirigiram-se rapidamente para a porta. Angie se deteve junto a Paris.

—Bem-vindo à família, milord. Você foi muito bem recomendado - sorriu à pequena a quem, fascinada, reconheceu a seu companheiro de jogos e tentou agarrar-se a seus braços.

—Obrigado - fez uma suave carícia em Danielli na face, sem que a preocupação apagasse dos olhos.

Stilgoe acompanhou a sua esposa e sua filha até o corredor, depois retornou à sala e fechou a porta.

—Espero que saiba o que está fazendo, Ashby.

Paris deu a volta com atitude prática.

—O que lhe ofereceu?

—O dobro do dote, como me disse. E, além disso, fiz muita insistência em manter as coisas tranquilas.

Paris assentiu tenso, com a mandíbula apertada.

—Espero que isso o acalme e mantenha a boca fechada.

—Parecia bastante contente quando partiu - confirmou Stilgoe. - Inclusive se foi assobiando.

O semblante de Paris expressava exatamente o contrário.

—Lembrou de insistir na soma de dinheiro para gastos menores que devia ser incluída como sua contribuição ao acordo matrimonial e nos recursos que seriam destinados à obra de caridade?

—Eu disse tudo o que me indicou antes do café da manhã. Mencionei as palavras "recursos" e "caridade" ao menos cinquenta vezes em cada oração.

Hanson deve pensar que somos a família mais estranha da cristandade... com um profundo materialismo altruísta. E como predisse, não ofereceu doar nada de sua parte.

Olhando muito sério a Isabel:

—Explicou quanto importa seu trabalho na agência e rogou que te autorizasse a continuá-lo... ?

—Sim, sim - assegurou - disse tudo o que combinamos. - E ele o que disse?

—Não pareceu se importar. Disse que resultaria benéfico para seus interesses e ambições políticas. - Excelente. mordeu o lábio.

—Na realidade... em vista de sua resposta positiva, tomei a liberdade de solicitar seu apoio para a gestão com o Parlamento. Pedi que apresentasse o projeto de lei.

Mostrou-se abatido.

—Eu o estou fazendo. Você disse que estava integrando um comitê.

—Sei, meu amor - roçou o rosto, agradecida pela providencial estupidez da Olivia. - Me pareceu o mais lógico, considerando que vai ser meu marido.

Seu rosto mostrou uma expressão de divertida descrença.

—Te darei uma surra, Isabel.

—Supostamente - retificou docemente, rogando por não equivocar-se.

—Melhor assim - olhou a seu irmão. - Charlie, poderia ter um momento... ?

—Sim, sim... Pode ter todo o tempo que deseje. Estarei em meu escritório, ao lado - enfatizou firmemente Stilgoe e beijou a Isabel na face.

—Ficou com o melhor, desejo que seja muito feliz. A você, também, Ash.

—Obrigado - responderam. Logo que a porta se fechou, jogaram-se nos braços do outro e se beijaram com ansiedade procurando amor, amparo e segurança em um apaixonado abraço. Com o coração palpitante da reunião com o John, e mais frenético ainda ao pensar na noite que se esperava. O número de variáveis que ameaçavam sua felicidade era alarmantemente grande e abismal. Mesmo assim, em meio do caos, Paris brindava a fortaleza de uma rocha e o afeto que necessitava um bálsamo para sua angústia.

—Sinto muito te haver pedido que permita acompanhar a sua família esta noite. Mas é necessário que acredite que pode demonstrar ao mundo que se casará com ele e que foi aceito por toda a família Aubrey.

Seu convite aquietará suas suspeitas. Não pude pensar em outra coisa...

—Estarei bem, e você estará ali, também - sorriu.

—Com seu uniforme.

Ele sorriu abertamente.

—Como pensa em um momento como este em me ver de uniforme?

—Já que te negou a me contar seu plano, dará-me algo no que pensar ansiosamente.

—É absolutamente necessário que pareça genuinamente surpreendida. O que acontecer no baile deve te alterar de maneira evidente, ou Hanson suspeitará que é uma armadilha.

Deve ser muito atenta com ele e me ignorar totalmente.

—Isso me deixa louca - beijou o quente pescoço que cheirava a sabão e subiu até a orelha. - Todas essas noites nas que imaginava que dançávamos uma valsa, sempre estava de uniforme.

—É estranho. Em meus sonhos, você não tinha nada posto - a empurrou contra a porta, beijou-a e a apertou contra ele até que ficaram ofegantes de desejo.

—Pode sentir quanto te desejo? Você tem a arte de me produzir esse efeito desde aquele beijo proibido.

—Você teve a arte de me produzir o mesmo efeito desde que te vi. Sem camisa no porão.

—Essa era a ideia - disse com voz rouca. - Não era questão que só sofresse eu.

Os lábios femininos se curvaram em um sorriso.

—Agora te está burlando de mim, mas agradeço isso porque a distração evita que sofra um ataque de apoplexia - "e do frio terror que espreme minhas vísceras". A beijou de novo selvagem e ardorosamente, até arrancar um gemido. O nó gélido que a espremia se ia derretendo ao mesmo tempo que seu corpo respondia ardorosamente ao seu. - Te desejo - gemeu ela - Desejaria poder fazer o amor aqui, de pé.

—Em realidade, poderíamos fazer, mas não acredito conveniente, já que Stilgoe deve ter a orelha colada à parede.

De todos os modos - roçou brandamente os lábios com a dedicação e fruição de um viciado - como não devemos descuidar de sua educação, prometo que virei esta noite.

—E dormirá comigo até o amanhecer.

 

O iluminado salão de festas do lorde Drogheda parecia um desfile. Oficiais com seu uniforme do Regimento 18 do Hussar azul marinho, prateado e branco caminhavam com ar arrogante em grupos compactos, bebendo, brincando e olhando de esguelha às damas formosas. Em princípio, os quatro membros da família Aubrey Pride se sentiram aflitos. A última vez que assistiram ao baile anual do regimento também estava Will. Trocaram olhares de tristeza entre eles, compartilhando a mesma cansativa dor. Will havia ido para sempre.

O sentimento de perda resultou mais definitivo e real que nunca. Seu irmão de alma se foi. Jamais voltaria a falar com ele, nem a abraçá-lo, nem a escutar sua risada; a única coisa que ficou do Will eram suas coisas, suas lembranças, E... Paris, de algum modo. Ele compartilhava sua mesma dor e lhe enchia o coração com tanto amor que havia começado a sentir como se fossem um só, sem ele se sentia incompleta, como se faltasse a metade... ela, a insolente independente!

—Hanson - propôs Stilgoe cordialmente - vamos buscar um copo de ponche às damas.

—É obvio - John afastou a mão enluvada de Isabel que estava apoiada no braço, e a levou aos lábios. - Não prometa a ninguém a primeira valsa da noite, eu gostaria de dançar com minha futura esposa.

Realmente parecia afetuoso... e provocou mais preocupação que emoção.

—Que homem tão desagradável - comentou sua mãe uma vez que John teve desaparecido com seu irmão.

—Lembra quando o consideravam um modelo de retidão e bom berço, mamãe?

—Nunca! - instou sua mãe veementemente. - Sempre foi meu mais caro desejo que se unisse ao querido Ashby. Que homem tão esplêndido! É tão bom e amável. Preocupa-se muito por você, Izzy, mas um homem dessa classe não suportará sua conduta desavergonhada nem sua língua insolente. Se desejas te converter na condessa de Ashby, deve se comportar corretamente com ele.

—Sim, mamãe - Isabel dissimulou um sorriso. Teria que perguntar a Paris se suas lições para fazer o amor deviam ser classificadas como "conduta desavergonhada" ou "correta".

—Não vejo lorde Ashby por nenhum lado - observou Angie com o cenho franzido.

Isabel sentiu um arrebatamento de ansiedade.

—Ele virá - disse suavemente.

Sophie e Íris surgiram entre a multidão.

—Izzy, esta adorável! - disse Íris observando o vestido decotado de gaze prateada e laços azul escuro. - Uma dama hussar!

—O que estão fazendo aqui? - exclamou Isabel, agradecida por sua companhia. Agarrou-as nas mãos e as separou do grupo. - Não sabia que tinham sido convidadas. Estou tão feliz de ver vocês.

Suas amigas pareciam perplexas.

—Ashby nos enviou um convite - explicou Sophie em voz baixa.

—O convite chegou com uma nota nos rogando que assistíssemos para te atender, em caso de que necessitasse ajuda - disse Íris.

Isabel sentiu um nó na garganta. Sua preocupação em convidar a suas amigas para que dessem apoio a comoveu até o mais profundo.

—Ele me ama - sussurrou com um sorriso deslumbrante que brotava do coração.

—É obvio que te ama, tola! - riu Sophie e apertou a mão.

—Todos estão falando da mulher desavergonhada que ontem à noite se jogou sobre o Anjo Dourado - demarcou Íris, com um olhar mesclado de curiosidade e preocupação. - O que aconteceu no clube?

—Tudo ocorreu de acordo ao plano, até que John me reconheceu - explicou Isabel. - Mas antes que me desmascarasse na frente de todos, Ashby me levantou e me cobriu com seu casaco.

Tirou-me dali e disse coisas horríveis no caminho de casa. Estava preocupado por mim.

—Devia ter visto o rosto dele quando chegou ao clube - disse Íris. - O pobre homem estava tão pálido como um fantasma. Disse-nos que nos partíssemos e entrou como um raio.

—As pessoas estão dizendo que ele defendeu a essa desafortunada mulher porque sentiu pena dela - adicionou Sophie. - Dizem que estava de bigode, por isso todos pensam que se tratou de Louisa Talbot.

—Tolices - replicou Isabel. - Meu bigode era muito mais elegante que o da Louisa.

—Deduzo que tratou de apanhá-lo para que se casasse com ela, já que está loucamente apaixonada por ele. Rogamos para que tenha mais êxito no futuro - Isabel piscou um olho. - Possivelmente deveríamos aconselhá-la.

A angústia de Isabel retornou com maior força.

—No momento, a honra é minha. Estamos comprometidos - notando sua preocupação, contou todo o acontecido desde que entraram no clube até o momento e quão maravilhoso havia sido o apoio que Paris deu.

—Indicou ao Charlie o que devia dizer e me apoiou carinhosamente durante toda a odisseia que devia sofrer, mas não me há dito nada sobre o que planeja fazer. A única coisa que me disse é que a armadilha está feita.

Fica ainda sem revelar se serei o camundongo ou o queijo.

A resposta de Íris ficou apagada por um estrondoso aplauso. Quando a multidão se afastou, o coração deteve a Isabel ao ver que o coronel lorde Ashby, comandante do Regimento 18 do Hussar, entrava elegante no salão de baile, com o duque de Wellington, lorde Castlereagh, vários membros do Parlamento e uma numerosa comitiva de altos oficiais atrás deles. Ela sabia quanto desprezava ele a guerra e a hipocrisia conexa... e mesmo assim, fazia isto por ela. Para salvar a sua obra de caridade e a sua amiga, para liberá-la do Hanson; e para reclamá-la para si mesmo. Sua entrada solene a fez sorrir.

Um poderoso conde e um herói de guerra condecorado havia, por certo, uma habilidade especial para fazer as coisas muito bem.

Acariciou-o com o olhar dos pés a cabeça: seu uniforme azul marinho debruado com terminações prateadas e o poderoso peito coberto de medalhas; usando calças de montar que moldavam as coxas até as brilhantes botas de montar negras e, fazendo jogo, o casaco azul e prateado sujeito ao peito com uma banda também prateada que pendurava displicentemente em um ombro. Seu cabelo castanho escuro estava perfeitamente preso na nuca; seus olhos brilhavam com segurança e orgulho. Estava deslumbrante.

Percorreu com o olhar a multidão que aguardava expectativa e a encontrou. Seus olhares se encontraram. A força de seu amor a liberou de sua angústia e a encheu de coragem e confiança. "É meu", reclamou seu coração. Não estava proibido o deslumbrante hussar que havia roubado o coração tanto tempo atrás. De uma maneira ou outra, conseguiriam vencer à chantagem do John, porque o vínculo que os unia era indestrutível.

Alagada de emoção, as lágrimas inundaram os olhos. O amou durante anos, converteu-se em mulher amando-o, e que ele correspondesse com um amor tão intenso... debilitava-a. "Eu te amo", disse com o movimento dos lábios.

"Eu te amo", respondeu ele, com os olhos azul esverdeados ardentes de desejo.

—Ai vem Hanson e seu irmão - alertou Íris. - Eu sugiro que afaste o olhar de adoração de seu deus em uniforme e se dedique a seu papel de devota futura esposa.

—Aqui esta, querida - John alcançou um copo de ponche. - Senhora.

—A lady Chilton e a senhora Fairchild agradaria nos felicitar pela boa nova de nosso compromisso - Isabel acotovelou a Sophie dissimuladamente. Ao mesmo tempo, suas amigas balbuciaram seus melhores desejos, aos quais John respondeu com a mais convincente demonstração de afabilidade. A Isabel foi muito difícil prestar atenção às frases de rigor, não podia evitar que seu olhar escapasse às escondidas em outra direção.

De repente, John avermelhou profundamente, seus olhos olhavam em distintas direções, começou a mover-se nervosamente. Parecia um homem ansioso por sair correndo ao banheiro.

—John, acontece algo? - indagou Isabel, perguntando-se se Ashby simplesmente havia envenenado ao vil rato.

—Eu... me desculpem - retrocedeu e tropeçou com o Stilgoe, que não se afastou.

—Hanson! - soou uma voz estrondosa atrás dela.

Isabel, Íris e Sophie deram a volta para encontrar ao Wellington de pé a só um passo delas e rodeado por vários camaradas. As mulheres fizeram uma reverência, os homens se inclinaram cortesmente.

—Foi-me dito que é conveniente felicitá-lo - disse cordialmente com voz ressonante, pegando a mão do John e estreitando. O duque deu uma olhada de admiração às mulheres.

—E qual das damas é a afortunada futura esposa?

—Serei eu, Sua Excelência - espetou Isabel reprimindo seu aborrecido assombro. Desejou manter a farsa de seu compromisso em segredo até que a situação terminasse. "Ao demônio, contudo".

—Sua Excelência - o sorriso do John era pouco convincente, e seu rosto demonstrava consternação.

—Estou esperando que me apresente como convém a esta visão de encantadora beleza, seu verme.

John levou a mão ao complicado nó da gravata.

—Isabel, eu apresento o legendário duque de Wellington. Milord apresento a minha noiva, a senhorita Isabel Aubrey.

Um brilho de aprovação refulgiu nos olhos do duque quando a segurou pela mão.

—Senhorita Aubrey, é você quem se converteu em uma lenda por mérito próprio. "Defensora das viúvas de guerra, defensora dos desconsolados, mães, irmãs e pequenos" - citou as palavras publicadas no Time(jornal da época).

—Você faz um grande serviço a seu país.

Isabel se ruborizou.

—Obrigado, milord. Tive um grande apoio de um de seus...

—Ainda não encontrou para minha esposa uma nova cozinheira? - interrompeu-a Wellington. - Não terei paz até que consiga uma - piscou a seu cortejo uniformizado e todos riram sarcasticamente como respondendo a uma indicação expressa. "OH, Deus".

—Sinto muito, Sua Excelência, não recebi nenhuma petição em tal sentido - ela deu a volta. - Íris, Sophie, alguma de vocês...? - ambas fizeram um gesto negativo com a cabeça. Estava mortificada.

De todas as solicitações apresentadas, se extraviou justamente a do duque de Wellington, era um... desastre imperdoável.

—Hanson, velha raposa! - grunhiu Wellington despreocupadamente. - Onde tem a cabeça, meu filho?

—Eu... eu... - gaguejou preso do pânico.

—Senhorita Aubrey, revise os bolsos do jovem. Achará meu donativo de duas mil libras e uma nota de lady Wellington onde particulariza especificamente a solicitude de uma cozinheira.

John estava a bordo de sofrer um ataque do coração. À única pessoa que não podia contradizer era ao duque de Wellington, o herói que tinha derrotado ao Napoleão e feito de cereais ao mundo da ruína.

O ruído se sossegou no salão de festa ficando perdido em um profundo silêncio.

—John? - insistiu Isabel, enquanto em seu interior saltava de alegria! John estava arruinado, a menos que apresentasse duas mil libras, as que obviamente não tinha. Era uma soma muito grande para apresentar em um prazo tão peremptório, sobre tudo quando passava todas as noites nas salas de jogo. Paris conseguiu tirar a corda do pescoço! Da Sophie, à fundação... e a eles mesmos! Poderiam estar juntos!

Que bem conhecia seu inimigo! Que nobre e generoso havia sido para montar esta armadilha tão brilhante!

Buscou-o com o olhar por toda parte, mas não pôde encontrá-lo. Sentiu seu fôlego na nuca; e um toque consolador, familiar, nas costas.

—Hanson - sentiu a voz profunda do Ashby atrás dela. - Acredito que deve à fundação de caridade da senhorita Aubrey a soma exata de duas mil libras.

Encurralado, lorde John Hanson fez a única coisa que podia fazer: fugir.

Por toda parte estenderam duras expressões consternadas tais como: "Roubou o donativo do duque de Wellington! Roubou dinheiro da fundação de caridade! Ladrão miserável!".

Stilgoe explicou a todos que o compromisso foi uma farsa para descobrir o roubo do Hanson. Isabel, Sophie e Íris se estreitaram as mãos com força.

—Como aconteceu tudo isto? - foi a demanda unânime.

—Não se dão conta? Tudo é obra do Ashby - riu Isabel, brindando um olhar de adoração por cima do ombro. - Ele planejou tudo em segredo com o Wellington. Deu o dinheiro e a nota.

—Ontem à noite, no White's - confirmou ele. - No mesmo momento de sua fuga.

—Como podia saber que Hanson não o entregaria a Isabel? - perguntou Sophie ao Ashby.

Exalou o ar bruscamente.

—Apostei nisso.

—Ele é brilhante, isso é tudo - o olhou de frente e ignorando à multidão apoiou as mãos no peito, sorrindo amplamente. - O que fiz para te merecer? - sussurrou-lhe.

Com o rosto emocionado, envolveu-a em seus braços.

—Toda minha vida adoeci por amor, deu-me o teu sem que eu fizesse nada para merecê-lo e nunca me negou isso apesar do que disse ou fiz para perdê-lo. Minha pura de coração, rogo isso agora: me ame sempre, porque seu amor é mais prezado para mim que a minha vida.

—Mon Coeur de Lion... Pensa que eu te escolhi? Ninguém escolhe à pessoa de quem nos apaixonamos. Roubou-me o coração no dia em que Will te trouxe para casa e nunca mais pude recuperá-lo.Amo você, simplesmente porque te amo. Que me corresponda é o que me faz a mulher mais feliz do mundo.

Beijou-a sorridente e com olhos cintilantes. - Will foi quem nos uniu, ele me indicou que lesse suas cartas. Disse-me "se alguma vez se sente sozinho e necessita uma família, vá para a Isabel".

—Bem pelo Will - riu ela. - Deve estar muito agradado com ele neste mesmo momento.

—Roubando a noiva de outro homem, Ashby? - a voz divertida do Wellington os fez dar conta de repente da multidão de deleitados espectadores, sua família e hussar incluídos, que os rodeava.

O cálido olhar a envolveu amorosamente. - Em realidade, ela sempre me pertenceu - extraiu um pequeno objeto do bolso, segurou a mão de Isabel e tirou a luva.

Desconcertada, observou-o deslizar no dedo um diamante com forma de coração, obscenamente enorme.

—Diabos, Ashby - disse Stilgoe. - Necessitará um guarda pessoal para circular pela cidade com esse anel.

—A mulher que possui o maior coração da terra merece o diamante de coração maior que na terra se produziu - beijou a mão. - Duas vezes me disse "não". Esta vez não estou perguntando isso.

—Duas vezes? - piscou confundida. - Eu perdi a segunda vez?

—No piquenique. Fugiu de mim.

—Fugi quando tentou... - "me seduzir". Obviamente interpretei mal sua intenção. Olhou-a com olhos pormenorizados.

—Acredito que corrompi a você também - murmurou brandamente.

Examinou o anel com assombro.

—A boa educação é o que diferencia o homem da besta.

Aproximou os lábios ao ouvido.

—Une à mulher e à besta.

—Agora, basta Ashby, um pouco de decoro! - repreendeu-o Wellington com um brilho cintilante nos olhos.

—Seu ardor por esta beleza é compreensível, mas tenha em conta que tem a responsabilidade de servir de exemplo ao resto do regimento.

—Eu sou? - Paris pestanejou inocentemente. - Bem, nesse caso... - abraçou a Isabel pela cintura, elevou-a, e a girou beijando-a ardorosa e profundamente.

Seus hussar o aclamaram ruidosamente. Ouviu-se um grande clamor. "Voa como o raio e golpeia como um trovão!". Foi a mais sincera e emocionante ovação que algum soldado recebesse.

Paris e Isabel se detiveram e estreitaram a mão de Wellington.

—Obrigado por sua ajuda.

—Estava saldando uma dívida de honra pelo que fez a Guarda Imperial do Napoleão.

—O que ele fez? - perguntou Isabel ao duque, reclinando-se contra o poderoso ombro de Paris.

—Demoliu-os em Waterloo - respondeu afetuosamente o duque olhando ao Ashby.

—Seu grupo estratégico de casacas vermelhas fez minha tarefa muito mais fácil - reconheceu Paris.

—Você ficou com o melhor homem, querida - disse Wellington a Isabel.

—É o que todos me dizem - sorriu a Paris apertando a mão entre as suas - mas soube muito tempo antes de todos.

—Eu desejo que sejam muito felizes - o duque aplaudiu as costas a Paris. - Desde este momento fica isento.

—Obrigado - Paris exalou. Isabel percebeu seu alívio como se sua alma fosse uma extensão da sua própria. - Me deixa partir - explicou com profundo orgulho.

—Posso vender minha comissão e começar a viver minha vida contigo, querida. Juntos conseguiremos deixar atrás todo o passado.

—Podemos começar a vida juntos esta noite - sugeriu ela com voz rouca, com o coração palpitante, e com um formigamento excitante percorrendo todo o corpo com à expectativa.

—Me leve a Gretna Green, lorde Ashby.

Negou com a cabeça, imitando sua careta ofendida.

—Eu não mereço um casamento na igreja com flores, e uma recepção com champanha com minha família e amigos nos desejando que sejamos felizes?

—Proponho algo a você - respondeu imitando-o por sua vez, ao mesmo tempo que deslizava as mãos sobre as bandas chapeadas de seu uniforme azul marinho.

—Enquanto dançamos uma valsa, poderá me convencer para que me consiga suportar meses de tedioso cortejo antes de passar uma noite completa fazendo o amor com o homem que amo...

Um olhar de desejo fervente lhe obscureceu os olhos.

—Se você o expõe dessa maneira...

 

                                                                                Rona Sharon  

 

                      

O melhor da literatura para todos os gostos e idades

 

 

              Biblio"SEBO"