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Series & Trilogias Literarias
Foi a sombra de uma garota encolhida dentro do carro na estrada escura que fez o guarda parar a viatura.
Com a lanterna ligada, ele caminha até o veículo e ilumina o interior.
A garota não está desacordada. Através dos longos cabelos e do casaco, seu corpo treme.
Ele bate no vidro, mas a moça não reage. Intrigado, o guarda abre a porta sem dificuldade e a toca.
– Ei, moça, algum problema...? – Estende a mão e a move. E então ele vê.
Há sangue em suas roupas. Hematomas no seu rosto.
Lágrimas amargas em seu rosto abatido.
– Ei, moça... O que aconteceu? Quem a machucou...?
O choro silencioso é sua única resposta.
O guarda fica alerta e volta a viatura, chamando a emergência e um reforço policial.
Quem quer que seja que tenha cometido aquela violência contra a garota pode continuar por perto.
– Provável vítima de espancamento. – Avisa, antes de desligar e voltar à moça.
Ela está ainda mais encolhida e os soluços cortam o ar.
– Está tudo bem – a conforta, mortificado – A emergência já está a caminho. Está segura agora. Se puder me dizer o que aconteceu...
Ela sacode a cabeça negativamente.
– Quem fez isto com você? – Insiste.
Ela levanta os olhos. Inchados. Vermelhos.
Sangue.
Seus lábios tremem.
– Meu namorado.
Capítulo um
O som da chuva batendo na janela me desperta de um sono profundo. E por um momento, antes de abrir os olhos, penso estar ainda em Olímpia, o lugar onde nasci e vivi por tão pouco tempo, para onde volto uma vez por ano para visitar meu pai, Michael Nicholls.
Michael parecia mais triste do que o habitual quando me despedi no fim do verão.
– Agora eu vivo em Seattle, pai. Pode me visitar quantas vezes quiser – eu tinha dito para consolá-lo quando ele me levava para casa há três dias, antes de começar o ano letivo.
Meu último ano na escola.
– Você está em Seattle há quase um ano e veio quantas vezes em Olímpia?
– A escola é muito puxada, pai.
– Esta escola de garotos ricos que seu padrasto inventou. Não gosto disto.
– Não implique com o Tom. Ele quer o melhor para mim. Esta escola é perfeita e me ajudará a entrar numa boa universidade.
Meu pai ficara incomodado, como sempre, e eu mudei de assunto.
Não que ele tenha algum ciúme de Tom por causa da minha mãe, afinal, eles se separaram quando eu ainda era quase um bebê. Tom está casado com mamãe há três anos e, se quando eles se conheceram ele era apenas um jovem jogador de futebol da segunda divisão, agora era um contratado do maior time de Seattle e de uma hora pra outra se tornou um milionário dos esportes. E, consequentemente, nos mudamos para Seattle há um ano e eu passei a frequentar aquele colégio.
Me adaptar foi bem difícil. Eu gostava das coisas simples. Gostava de não ser notada. E agora eu era a enteada de um cara famoso na cidade.
Minha mãe adorava a nova vida, porque ela adorava Tom. E Tom a adorava. E me adorava também.
E eu tentava ser legal com ele, afinal, Tom era muito bom comigo. Me colocando naquele colégio caro e exclusivo. E eu queria mesmo ir para uma boa universidade. Apesar de não ser a mais inteligente das alunas, me saía bem com esforço. Então ia precisar de toda a ajuda possível. Ser boa em literatura não era o suficiente para garantir uma vaga em Yale, por exemplo. Por isto eu respirava fundo e tentava fingir que adorava acompanhar minha mãe aos jogos e até sorria timidamente, quando alguns repórteres tiravam fotos nossas.
Isto deixava Tom feliz. E se Tom estava feliz, minha mãe estava feliz.
E eu podia aguentar um pouco daquilo, afinal, não ia durar para sempre. Eu só queria estudar e ir viver minha própria vida depois.
Com um bocejo preguiçoso, levanto-me da cama, tentando me animar enquanto me arrumo e coloco meu uniforme. Espio minha imagem no espelho, meus olhos castanhos são comuns, assim como meus cabelos escuros contra minha pele excessivamente pálida.
O uniforme antiquado saia xadrez e blusa impecavelmente branca não ajuda muito. Sempre me sinto meio ridícula naquele uniforme, como a escola em que estudo é tradicional e antiga, todos se vestem assim. Eu me pergunto que diferença faz a roupa que usamos quando pego a mochila e desço as escadas.
– Já acordada? – Tom surge do porão e eu sei que estava malhando, pelas suas roupas e suor. Tom tem apenas trinta anos e eu conseguia ver porque Stella se apaixonara loucamente. Ele era bem bonito com seu cabelo castanho claro brilhante e porte atlético.
– Aula. – Resmungo, sentando à mesa do café. – Minha mãe ainda está dormindo, presumo.
– Claro que sim. Quer que eu te leve?
Olho para fora, através das grandes janelas. Parou de chover. E até acho que o sol pode aparecer hoje.
Isso quase melhora meu humor.
– Não precisa. Jena me dará uma carona. – Sirvo-me de cereal.
– Você podia usar um dos carros. Sabe que eu comprei para você e sua mãe.
– E você sabe que eu os acho absurdamente caros para eu sair dirigindo por aí.
– Isto é absurdo.
– Absurdo é o dinheiro que gastou com aquele carro.
– E você odeia presentes.
– Nem vou discutir.
– Não é um presente, Anna. Você é família. Quero o melhor para você e sua mãe.
– Eu sei, e aprecio este fato. Não se preocupe, estou bem deste jeito.
Ele me mede.
– E ainda continuam obrigando vocês a usarem isto?
– Pois é. Pareço saída de um clipe antigo de Britney Spears ou do seriado Gossip Girl. Jeans e camiseta seria mil vezes melhor.
– Tenho certeza que se o uniforme não fosse obrigatório, todos os alunos se vestiriam como se fossem a um desfile de moda, Anna, e não jeans e camiseta.
– Acho que tem razão. Me sinto até melhor usando isto agora.
– Fica bem em você. Aposto que os garotos também reparam.
Enrubesço com seu comentário.
– O que não condiz muito com a realidade...
– Bom, fico feliz por isto – levanto uma sobrancelha e Tom ri. - Eu sei, eu sei. Pareço um pai antiquado, mas ainda acho que você é boa demais para estes garotos sem noção. E pode me falar se alguém bancar o engraçadinho com você, ok?
– Não seja bobo! – É minha vez de rir.
Tom liga a TV e está passando um programa de esportes, onde ele fala com um repórter, seguido de imagens minhas e da minha mãe do seu lado, antes de entrarmos no carro após o último jogo.
Sinto-me incomodada por estar num canal de TV onde todo mundo pode me ver. É realmente constrangedor.
A buzina de um carro interrompe meu devaneio e eu me levanto pegando a mochila.
– Já vou indo. Minha carona chegou.
– Boa aula. – Tom acena e eu saio correndo.
Entro no carro de Jena e faço uma careta para a música alta.
– E aí, animada? – Ela sorri dando partida.
Jena é um poço de animação àquela hora da manhã, sorrindo com seus lábios pintados de vermelho enquanto balança a cabeça cheia de cachos exuberantes ao som da música.
– Não.
– Nossa, você continua chata, pelo visto. Pois eu estou animadíssima. Último ano. Somos veteranas! Vai ser demais!
– Eu só penso que teremos que estudar demais e ainda nos preocupar com a faculdade.
Jena revira os olhos.
– Para de agir como uma velha, Anna! Você tem que pensar em aproveitar seu último ano de adolescência!
– Eu aproveito!
Ela me lança um olhar incrédulo.
– Como? Lendo Harry James?
– É Henry James.
– Que seja! Você é certinha demais!
– Só porque não acho nenhum garoto deste colégio interessante a ponto de sentir vontade de transar com ele no seu carro último tipo, não quer dizer que seja certinha demais!
– Nossa, que discurso! Está pretendendo casar virgem então?
– Não disse isto - meu rosto está vermelho agora. – Só não quero... perder meu tempo com qualquer um. Eu quero...
– Quer se apaixonar? Sei... E como pretende fazer isto se não dá chance a ninguém?
– Você fala como se tivesse um monte de caras atrás de mim.
– Não tem porque eles desistiram, não é? Joshua Nelson era um que beijava o chão que você pisava!
– Está dizendo que devo aceitar sair com o Joshua? Achei que você estivesse interessada nele.
– É só um exemplo. E como eu disse, você perdeu a vez. Se bem que Owen Simpson também está no meu radar, caso o Joshua não dê certo!
– Meu Deus, Jena!
– O ano está começando e você deveria atualizar o seu radar também! Ainda dá tempo de mudar de atitude!
Ela para o carro no estacionamento e saltamos. A chuva parou, mas o tempo continua nublado e está ventando.
Joshua Nelson se aproxima nos cumprimentando com beijinhos no rosto e abraços efusivos.
Ele é um típico rapaz rico de boa aparência com seu cabelo loiro engomado e sorriso fácil de quem sempre recebeu tudo na vida numa bandeja de prata.
– E aí, Anna, como foi o verão?
– Fui visitar meu pai.
– Espero que a gente tenha alguma matéria juntos...
– Quem são aqueles? – A voz estridente de Jena chama nossa atenção e nós nos viramos na direção do seu olhar de boca aberta.
Um chamativo carro vermelho se aproxima com uma garota loira e linda dirigindo.
– Uau! – Jena me cutuca, quando um garoto muito alto e musculoso salta do carro seguindo a garota loira e uma outra de cabelo escuro igualmente linda.
– São os Beaumont. – Joshua explica.
– Eles são lindos. – Jena suspira. – Você os conhece? Tem que nos apresentar, Joshua!
– Eles estudavam aqui até três anos atrás, então saíram da escola. Acho que foram para a Califórnia ou algo assim. Nunca achei que voltariam para a cidade. O pai deles é um médico bastante famoso. A loira é Violet. Ela é nova na família. Foi adotada pouco antes de eles saírem da cidade. O fortão é Elton e a morena é Charlotte.
– A loira e o grandalhão parecem namorados – comento achando esquisito como o rapaz acaricia o traseiro da irmã.
– Sim, eles são namorados.
– Que esquisito – murmuro.
– Que injusto isto sim! – Jena reclama.
– E tem mais. A pequena Charlotte Beaumont está namorando ninguém menos que Owen Simpson.
– O quê? Não pode ser!
– E como você sabe de tudo isto Josh? – Indago.
– Eles estão na cidade há algumas semanas e sabe como as notícias correm.
– Eu ainda estou passada que o Beaumont bonitão namora a própria irmã e a outra irmã já está namorando um dos caras mais gatos desta escola! Isto não é nada justo!
– E ainda tem o Daniel.
– Que Daniel? - Jena pergunta.
– O último irmão.
– E cadê este tal de Daniel que não vi?
– Vai ver ele foi para outro colégio. – Josh dá de ombros.
– Tomara que não...
– Você não está naquele lance de apresentação da escola aos alunos novos, Jena?
– Oh meus Deus! É verdade! Eu tenho muita sorte mesmo, vamos, Anna, se a gente correr, podemos ficar com um dos Beaumont!
– Não faço parte desta comissão, Jena.
– Podia fazer hoje, vem, eu te coloco dentro.
– Não, prefiro ir pra aula.
Ela rola os olhos.
– Nunca vou te entender. Então tchau!
Tarde demais percebo que estou sozinha com Joshua.
– Melhor a gente ir...
Ele sorri e passa o braço por meu ombro. Não tem nada demais, pelo menos é o que eu digo a mim mesma. Embora me pergunte se seria muito mal-educado eu me afastar.
– Então, Anna, estreou um filme que acho que vai gostar.
E lá estava. De novo.
O famigerado convite de Joshua para sair.
– Joshua, eu não...
– Não é um convite para um encontro – ele ri, mais vermelho do que eu. – Claro que não é. É apenas... Caso você e Jena queiram ir, podemos ver juntos, e...
Um vento forte faz voar folhas secas por todo lado e engole o resto das palavras de Josh e os primeiros pingos de chuva caem novamente sem aviso.
Nós corremos para dentro, rindo, enquanto o vento sacode a saia xadrez em volta de minhas pernas.
E ainda estamos rindo, colocando nossas coisas no armário, quando Jena surge na minha frente.
– Vem comigo.
– Ei, o quê...
– Anna, você não me respondeu. – Joshua questiona confuso.
– Boa aula, Joshua! – Jena acena enquanto me puxa pelo corredor.
– Jena, eu preciso mesmo ir pra aula.
– Não mais. Todas as aulas de começo de ano são iguais. Uma das garotas da comissão de boas-vindas faltou e eu coloquei você no lugar...
– Não...
– Não reclama!
Nós entramos no auditório parcialmente cheio onde o diretor faz um discurso de boas-vindas e então uma professora começa a chamar os nomes dos alunos novos e seus respectivos monitores para mostrar a escola.
– Jena Stanford... – Jena aperta minha mão. – Owen Simpson.
Ela dá pulinhos de alegria.
– E Annalise Nicholls... Elton Beaumont.
– Eu sabia! – Jena solta risinhos quase histéricos, enquanto penteia o cabelo com os dedos. – Meu batom ainda está aqui?
– Sim, mas... Jena, você que fez isto, não é?
– Claro que sim! Eu pensei em pegar o Beaumont pra mim, mas acho que é minha última chance com o Owen e...
– Cala a boca. – Eu vejo pelo canto de olho as garotas Beaumont se aproximando com seus namorados.
Por uma fração de segundo sou capaz de jurar que Violet Beaumont está olhando diretamente para mim com um olhar do mais puro ódio.
O que seria ridículo, já que ela nem me conhece. A não ser que esteja sabendo ou desconfiando das armações de Jena. Aí sim ela teria razão de ter raiva de mim, embora eu não tenha nenhuma participação naquilo.
– Qual de vocês é Jena? – Owen pergunta e Jena parece petrificada no lugar agora.
– Ela – eu aponto.
– Então, podemos ir?
– É, claro... eu... - ela gagueja.
Charlotte Beaumont parecia mais simpática que Violet e apenas sorri.
– Eu vou procurar meu monitor. Nos vemos no intervalo?
– Claro. – Eles trocam um beijo no rosto e Jena se afasta com Owen.
Aos poucos os estudantes estão saindo da sala, quase só restando eu, Violet e Elton por ali.
– E você deve ser Annalise Nicholls. – Elton me mede de cima a baixo e eu me sinto incomodada.
– Anna. Quer dizer, prefiro que me chamem de Anna.
Violet e Elton se entreolham e sorriem.
Era quase como se eles estivessem se preparando para ter um jantar suculento.
E este jantar fosse eu.
Eu sacudo a cabeça para espalhar aqueles pensamentos absurdos.
– Eu a conheço de algum lugar. – Violet franze a testa. – Oh, claro, você é filha daquele jogador...
– Ele é meu padrasto – respondo rapidamente. - Bom, acho melhor começarmos, para não nos atrasarmos.
– Claro - ela beija Elton de um jeito bem diferente do jeito que Charlotte beijou Owen e eu desvio o rosto.
Elton me segue pelos corredores, enquanto eu vou mostrando as dependências do colégio.
– Você não parece muito feliz fazendo isto – ele comenta de repente e eu me viro para encará-lo.
– Estou apenas substituindo uma garota que faltou...
– Então, Annalise, o que se faz nesta escola pra se divertir?
– Não acho que minha noção de divertimento seja a mesma que a sua.
Ele ri com vontade.
– Será mesmo? Aposto que se diverte bastante nos jogos do seu pai.
– Padrasto.
– E que lugar é este aqui? - Ele abre uma porta aleatória.
– Acho que só um armário de materiais esportivos...
– Hum... parece um lugar bom para... diversão.
Antes que eu consiga ao menos pensar no que ele está fazendo, me vejo puxada para dentro do armário.
– Acho que não podemos entrar aqui...
– Por que não?
– Porque não temos nada pra fazer aqui! – Eu tento passar, mas Elton é bem alto e se coloca na minha frente, fechando a porta.
E agora eu estou num quarto escuro com este cara que mal conheço.
Sinceramente, não é a minha noção de diversão.
– Hum... assustada?
– Me deixa sair daqui, agora!
– Não está se divertindo?
– Certamente que não!
Ele ri, então, de repente, a porta se abre e eu respiro aliviada, virando para meu “salvador”.
É um garoto alto, de cabelos castanhos bagunçados. E eu nunca o vi antes, possivelmente Elton sim, pois o cumprimenta efusivamente.
– Ei, Daniel, veio se juntar a nós?
O garoto olha de Elton para mim e me sinto muito idiota por estar naquela situação absurda.
– O que diabos está fazendo aqui, Elton?
– Me divertindo com minha nova amiga... – ele aponta para mim. – Conheça Annalise Nicholls.
– Anna – resmungo. – E sinceramente, nós não somos amigos e nem estamos nos divertindo, então, se me derem licença, acho que já deu para mim! – Eu empurro o tal Daniel do caminho e passo por eles, pisando duro.
– Não, Anna, espera... me desculpa. – Escuto a voz de Elton atrás de mim, mas o ignoro.
– Deixa a garota, Elton. – Agora é a voz de Daniel.
Eu viro o corredor e as vozes se perdem.
– E aí, como foi? – Jena me acha antes que eu consiga entrar na aula de literatura.
– Horrível.
– Como assim?
– Este Elton é um idiota.
– Pois o Owen foi muito legal. Infelizmente não deu bola nenhuma para mim, mas pelo menos posso ficar amiga dele e conhecer o Beaumont solteiro, Daniel.
– Eu o conheci - digo, me dando conta que Daniel, na verdade era Daniel Beaumont, o irmão que faltava hoje de manhã.
Jena arregala os olhos.
– Como assim?
Eu conto a ela o que tinha acontecido no armário e ela parece deliciada.
– Uau! Será que Elton queria te pegar?
– Ah pelo amor de Deus, Jena! Ele queria tirar uma com a minha cara! Acha mesmo que ia querer alguma coisa comigo namorando aquela Violet?
– Ah, pode ser... ela é linda mesmo, mas.... Sei lá! Ele pode ser bem safadinho.
– Pois que vá ser safado com outra pessoa, não comigo.
– E Daniel? Como ele é? É bonito como os outros?
Eu penso no meu breve encontro com Daniel Beaumont.
Bonito? Sim. Tanto que chegava a deslumbrar.
Não a mim, claro.
Garotas impressionáveis como Jena com certeza.
– Sim, é bonitinho – respondo casualmente. – Agora eu preciso ir. Não quero me atrasar para a aula de literatura.
– A gente se vê no refeitório?
– Claro – respondo, me afastando e entrando na sala.
Sento numa carteira vaga e respiro aliviada. Chega de Beaumont e diversões distorcidas por hoje.
Olho distraída para a janela, enquanto os alunos vão lotando a sala pouco a pouco. A chuva parou e um sol pálido luta para despontar entre as nuvens.
Me lembro, com um suspiro aborrecido, que tenho aula de Educação física depois da de literatura. Eu odiava qualquer tipo de esporte, porque simplesmente uma pessoa descoordenada não podia se dar bem em nada que exigisse o mínimo de coordenação motora. Era simples assim.
E naquele colégio de classe alta o esporte preferido era o lacrosse. O que pra mim significava rezar para sair sem hematomas se tivesse sorte.
– Senhor Beaumont, sente-se.
Eu levanto a cabeça rápido ao ouvir a voz do Senhor Lewis, o professor de literatura, e lá está Daniel Beaumont, sorrindo para o professor, antes de virar para a sala.
E tenho quase certeza que não só todos os alunos se calaram naquele momento, como o mundo inteiro.
Eu já tinha reparado que Daniel era bonito. Mas agora ele estava sorrindo.
E parecia... incrível.
Não só para garotas impressionáveis como Jena.
Mas para garotas consideradas sensatas como eu.
– Tem alguém sentado aqui?
Ele falou comigo?
Sim, acho que sim, embora num primeiro momento eu apenas tenha visto seus lábios perfeitos se moverem. Ou não sei se estava distraída demais com seus olhos de um verde dourado incrível.
– Tem alguém aqui? – Ele pergunta de novo e eu me aprumo e fecho minha boca que estava aberta até aquele momento.
Deus do céu, eu estava deslumbrada!
– Não, acho que não – desvio o olhar, muito vermelha.
E Daniel Beaumont se senta.
O professor começa a falar e eu não presto atenção. Desvio o olhar para o aluno novo ao meu lado.
Todos os caras parecem idiotas com aquele uniforme. Mas ele parece... perfeito. Embora tenha a vaga ideia de que tudo fica perfeito em Daniel Beaumont.
De repente ele se vira e me flagra o encarando, eu desvio o olhar para meu livro, respirando rápido.
– Olá, acho que não fomos apresentados adequadamente.
Eu levanto o rosto e ele está sorrindo.
Se ao menos ele parasse com isto, eu conseguiria agir como um ser humano normal e não como uma bomba de hormônios prestes a explodir.
Porque só isto explica o súbito calor dentro da sala que me faz ter vontade de abrir todos os botões da minha camisa. E talvez Daniel faça o mesmo com a dele, e...
– Eu sou Daniel Beaumont. - Ele continua e eu volto à realidade. – E você é Annalise Nicholls.
– Sim – respondo e nem reclamo de ele me chamar pelo nome que detesto.
Daniel Beaumont pode me chamar do que quiser. Quantas vezes quiser.
Onde quiser.
– Me desculpe pelo meu irmão.
– Quê?
– Elton. Ele é meio inconsequente às vezes, embora não faça por mal.
– Tudo bem... – dou de ombros.
– Se ele a importunar novamente, fale comigo.
– Tenho certeza que não será preciso.
– Espero sinceramente que não.
– E eu sei me defender sozinha.
Seus lábios se distendem num sorriso de lado, que me parece meio enigmático.
O Senhor Lewis pigarreia para chamar nossa atenção.
– Por favor, atenção aqui que eu não vou repetir.
Eu desvio o olhar de Daniel para o professor, não sem muita dificuldade.
Ele é tão bonito que dá vontade de ficar encarando-o eternamente.
– Nós vamos trabalhar algumas leituras este ano, começando com. - ele para e escreve o nome do livro em francês na lousa. - Les Liaisons Dangereuses.
Daniel ri.
– Algo engraçado, Senhor Beaumont? – O professor Lewis o encara.
– Não, senhor.
– Então sabe de que obra estamos falando?
– As ligações Perigosas – Daniel responde sem pestanejar. Obviamente ele sabe francês.
Eu gosto de literatura. Mas nunca ouvi falar daquele livro.
– Muito bem. – O professor se volta para a sala. - Les Liaisons Dangereuses , ou é como bem nos esclareceu o senhor Beaumont, é um romance epistolar do século XVIII, da autoria de Choderlos de Laclos e publicado em 1782. A obra retrata as relações de um grupo de aristocratas através das cartas trocadas entre eles. Nobres ociosos e sem escrúpulos dedicam-se prazerosamente a destruir a reputação de seus pares. O enredo tem como foco o Visconde de Valmont e da Marquesa de Merteuil, que manipulam e humilham as restantes personagens através de intrigas e jogos de sedução. Este livro já foi adaptado para cinema onze vezes e é bem possível que vocês conheçam alguma versão. Vocês se dividirão em duplas para me entregar um trabalho até o fim do mês sobre uma das adaptações em comparação com a versão literária.
Eu olho em volta, todas as pessoas começam a falar, procurando suas duplas. Eu não conheço ninguém ali.
– Posso fazer com você?
Me viro ao ouvir a voz de Daniel Beaumont.
Minha boca se abre várias vezes sem que eu saiba que resposta dar.
– Acho que só sobramos nós – ele diz, dando de ombros e eu respiro fundo, mordendo os lábios e sacudindo a cabeça afirmativamente.
– Tudo bem.
O professor recolhe o nome das duplas e pede para abrirmos o livro de literatura.
E pela primeira vez eu me vejo com dificuldade em prestar atenção naquela aula.
E a culpa é toda de Daniel Beaumont.
Mesmo eu fazendo um esforço enorme para nem sequer olhar em sua direção.
Quando a aula finalmente termina, eu junto meu material, numa mistura de alívio e pesar e olho de soslaio para a carteira de Daniel.
Ele já havia desaparecido sem deixar vestígio.
Eu praticamente me arrasto até o vestiário, nem um pouco animada para a aula de lacrosse e Jena me encontra lá, já trocando de roupa.
– E aí, como foi sua aula?
– Normal – desconverso, me trocando rapidamente.
– Eu tive aula de física adivinha com quem? Elton Beaumont! Não é máximo?
– Se você diz... – Eu realmente não tinha gostado nada de Elton Beaumont. E muito menos de sua namorada perfeita.
Era uma pena que eles fossem da mesma família que Daniel. Não que isto fizesse alguma diferença pra mim, obviamente.
Eu e Daniel não éramos amigos, nem nada.
– Ele é tão engraçado, Anna!
– Sei... vamos?
Nós saímos e agora o sol está a pino, bem diferente do tempo da manhã. O que era uma pena. Se ainda estivesse chovendo talvez fôssemos dispensados da aula.
Como eu não tenho tanta sorte assim já há um grupo de meninas em volta do campo.
Jena me cutuca e pisca, olhando para o outro lado do campo, onde estão os garotos.
E eu percebo que todas as meninas fazem o mesmo, como abelhas em volta do mel, elas riem e comentam entre si.
– Isto é ridículo – afirmo. – Parece que nunca viram meninos na vida.
– Não como os Beaumont!
Claro. Os Beaumont. Tinha que ser.
Elton Beaumont está por ali, se exibindo, e eu me pergunto onde está sua irmã-namorada ou sei lá como chama isto.
– E olha lá, aquele com a Violet é o Daniel? – Jena pergunta, e eu olho para a saída do vestiário, onde Violet acabou de surgir com Daniel.
Eles estão muito sérios e conversam baixo entre si. Ou estariam discutindo?
De repente Daniel levanta o olhar e encontra diretamente o meu. Eu me viro, envergonhada.
– Sim, é ele – respondo pra Jena que está de queixo caído.
E como culpá-la?
Eu mesma pareço feita de gelatina neste momento, só porque ele olhou pra mim.
– Nossa... Deus, obrigada, obrigada mesmo por ele ser solteiro!
– Ei, meninas, ao jogo! – A professora grita e nós nos juntamos às outras.
Violet também se aproxima e vejo Daniel indo em direção à aula dos garotos.
A professora separa os grupos e começamos o jogo.
Como sempre, tento ficar de fora das jogadas, depois de nem cinco minutos de jogo levo um empurrão. E tudo o que sinto são cabelos loiros no meu rosto, antes de cair. E uma risada.
De Violet Beaumont.
– Nossa, você cai tão fácil – ela estende a mão pra mim e eu a seguro, me pondo de pé.
– Pois é...
– Tome cuidado, então – ela fala enquanto se afasta. – Pode se machucar...
E eu não sei por que, as palavras de Violet ficam marcadas na minha mente, como se ela não tivesse se referindo apenas a um simples jogo de lacrosse.
E não sei se é porque estou distraída ou pelo fato de ser a mais descoordenada das pessoas, mas não demora para eu levar um outro empurrão. Desta vez, muito mais forte e vindo de trás, o que me faz cair de joelhos no chão, antes de me estatelar de vez na grama.
Mais humilhante do que estar ali, caída, comendo grama, é a risada estridente e debochada de Violet Beaumont.
– Eu avisei que podia se machucar...
E agora eu tenho certeza que ela me odeia. Não sei porque e nem como. Mas Violet Beaumont realmente não gosta de mim.
– Ei, você está bem?
Mãos estranhas tocam meus ombros, me virando e me sentando no chão.
E para completar minha total humilhação, dou de cara com Daniel Beaumont.
Me ajudando pela segunda vez naquele dia.
– Anna?
– Oh... sim, estou... – digo mortificada, tentando ficar de pé. – Foi só um tombo...
Mas, ao ficar em pé, ainda com as mãos de Daniel me ajudando, solto um gemido de dor.
– Parece que machucou seu joelho.
Eu olho pra baixo e vejo um dos meus joelhos cobertos de sangue e terra. Ótimo!
– Droga...
– O que está acontecendo? – A professora se aproxima. – Está machucada?
– Não...
– Sim – Daniel responde. - Ela machucou o joelho.
– Vá para enfermaria dar uma olhada nisto, senhorita Nicholls.
– Pode deixar eu a levo. – E, antes que eu reagisse ou dissesse algo, ele me ergueu no colo e me levou dali.
E tenho certeza que meu rosto está tão quente que vai explodir.
– Não precisa fazer isto, eu posso andar... – murmuro, passando os braços em volta do seu pescoço, para me equilibrar.
– Melhor não arriscar – ele sorri.
E parece ainda melhor assim, tão perto. Tão perfeito. E tem um cheiro tão bom... me dá vontade de aproximar meu nariz do seu pescoço e aspirar. Ou quem sabe lamber? Passo a língua sobre os lábios e, por um momento louco, desejo que aquele percurso até a enfermaria dure a eternidade, para poder ficar assim com Daniel para sempre.
– Me diga onde é, não faço ideia. – Ele diz, e eu lhe informo o caminho, me forçando a respirar normalmente e a não suspirar, ou gemer. Ou algo mais constrangedor.
Finalmente adentramos a enfermaria e a enfermeira Senhora Thompson nos lança um olhar curioso.
– Ela caiu. – Daniel esclarece, me colocando sentada sobre uma maca.
– Deixa eu ver – a enfermeira se aproxima colocando os óculos e olhando meu joelho. – Hum, vamos limpar e colocar um curativo, não é nada.
– Eu sei que não é – afirmo, mortificada, enquanto ela se afasta para pegar o antisséptico, e olho pra Daniel. – Obrigada por me trazer, está tudo bem, já pode ir para aula.
– Não, vou esperar você.
– Realmente não precisa...
– Eu posso estar querendo cabular uma aula, Anna. Não seja chata – ele pisca, sentando sobre uma cadeira e cruzando os braços.
Eu desvio o olhar e a enfermeira volta, limpando o machucado.
– Pronto, vou só buscar um curativo e estará nova em folha, meu bem.
Ela se afasta novamente e eu escuto vozes na sala de espera.
Mais um aluno chegou por ali.
– Está doendo? – Daniel pergunta e eu dou de ombros.
– Arde um pouco.
Ele sorri e se ajoelha na minha frente, segurando minha perna, e eu quase dou um pulo de susto.
– Deixa eu ver...
Ele examina o machucado, seus dedos são como plumas em minha pele. Pinicam onde ele toca.
– Quando eu era pequeno e caía, minha mãe assoprava para parar de doer – ele sorri e então abaixa a cabeça e faz exatamente isto.
Ele assopra meu joelho. Uma, duas, várias vezes.
Comichão sobe por minhas pernas.
E se instala inconvenientemente no meio delas.
E subitamente sinto muita dificuldade de respirar, ou pensar. Uma espécie de fraqueza toma conta de mim e fecho os olhos, mordendo os lábios para conter um gemido que não tem nada a ver com dor. Eu apenas sinto Daniel Beaumont soprando meu joelho e desejo muito, muito mesmo, que ele faça isto em outras partes do meu corpo.
– Prontinho.
A voz da enfermeira me faz abrir os olhos e eu olho diretamente para Daniel.
E ele está olhando pra mim.
Meu rosto se tinge de um vermelho rubro, enquanto ele se afasta e a enfermeira coloca um curativo em meu joelho e me ajuda a descer da maca.
– Obrigada.
– Está se sentindo bem para voltar a aula? Eu posso dispensá-la se quiser.
– Não...
– Sim, ela quer. – Daniel responde em meu lugar.
Eu não falo nada. Falar o quê?
Eu nem estou pensando direito.
Então fico ali, enquanto a enfermeira liga para minha mãe e consegue minha dispensa.
Eu seguro o papel da dispensa e saio sem olhar para trás, Daniel Beaumont vem atrás de mim.
– Eu posso levá-la pra casa.
– Não, claro que não.
– Meus pais nos deram autorização para sair quando quisermos.
– Que legal pra vocês, mas realmente não precisa.
– Você veio de carro?
Eu paro, me dando por vencida. Não poderia pedir para Jena sair da aula e me levar em casa agora.
– É só uma carona, Anna.
– Tudo bem, vou pegar minhas coisas.
Eu entro no vestiário e me troco rapidamente. Daniel ainda espera por mim. Só não está sozinho. Violet está com ele.
Eles estão conversando baixo, mas param imediatamente quando me veem.
– Eu vim pedir desculpas. – Violet fala. – Eu realmente não quis machucá-la.
Eu tenho sérias dúvidas, porém me calo.
– Tudo bem, eu sou propensa a acidentes mesmo.
Violet sorri e olha pra Daniel.
– Diz isto ao meu irmão. Ele está bravo comigo porque eu a machuquei.
– Violet é propensa a fazer as coisas sem olhar quem está machucando – ele diz muito sério e Violet joga a cabeça para trás gargalhando.
– Ah Daniel, que senso de humor. Bom, vou voltar para a aula. Até mais, Anna.
Nós nos afastamos em direção ao estacionamento e Daniel abre a porta de um Sedan preto para mim.
– Eu não o vi de manhã chegando com seus irmãos – comento quando ele dá partida.
– Eu cheguei depois.
– O carro de sua irmã é muito bonito.
– Violet gosta de chamar a atenção – ele sorri.
– Ela não gosta de mim.
– Ela não gosta de ninguém a não ser dela mesma.
Eu digo meu endereço e fico em silêncio o resto do percurso.
Ainda sinto meu cérebro meio lento. Talvez seja o sol. Ou o tombo.
Ou simplesmente o efeito Daniel Beaumont.
Ele para o carro em frente os grandes portões da minha casa e respiro fundo.
– Obrigada por me trazer.
– Você está bem mesmo?
– Claro que sim. Foi só um tombo bobo. Um de muitos que tomarei este ano, não se preocupe.
Ele sorri.
– Espero estar por perto para que não se machuque seriamente então.
Eu espero que esteja por perto sempre – penso e desvio o olhar, como se ele pudesse ler meus pensamentos.
– Tchau. - Saio do carro, antes que faça alguma coisa boba, como pedir pra ele me beijar.
Ou algo assim bem constrangedor.
Daniel Beaumont não está interessado em mim, não pode estar.
Um cara como ele nunca ia olhar duas vezes para alguém como eu.
Era melhor eu me acostumar com isto.
Capítulo Dois
– Você está bem? O que aconteceu? A enfermeira disse que caiu... – minha mãe abre o portão pra mim toda preocupada.
– Não foi nada, só caí na aula de lacrosse e machuquei o joelho.
– Só isso? E por que pediu pra sair?
– Estava meio tonta...
– Então pode ter sido sério, sim! E como veio pra casa? Eu podia ter ido buscá-la.
– Um colega me deu carona.
– Será que não é melhor irmos a um médico?
– Não, mãe, sério! Estou bem. Vou só entrar e me deitar um pouco, ok?
– Tudo bem. Me chama se precisar de alguma coisa!
– Pode deixar!
Eu subo pro meu quarto e me atiro na cama, olhando o teto.
E penso em Daniel.
Penso em suas mãos em mim. Eu seus lábios soprando meu joelho.
Fecho os olhos e respiro fundo.
Preciso parar imediatamente com aquilo. Estou delirando já.
Então me levanto e me troco, disposta a parar de pensar em Daniel Beaumont.
Mas, enquanto eu leio o livro para nosso trabalho de literatura, é impossível não pensar nele de novo e em como é que eu vou conseguir me comportar normalmente tendo que fazer um trabalho com ele.
– Ei, Anna.
Levanto o olhar do livro e me deparo com Tyler Davis.
A tarde finda na beira da piscina e eu sorrio, colocando o livro de lado.
– Oi, Tyler.
Tyler Davis é meu amigo de infância, que estava morando em Seattle há alguns meses com sua irmã Maria, que fazia faculdade na cidade.
E eu tinha grande influência sobre isto, afinal, eu o ajudei a conseguir uma bolsa num colégio bem melhor que o que ele estudava em Olímpia. E toda semana ele ia na minha casa para ajudar minha mãe em alguns serviços e ganhar um dinheiro extra, como limpar a piscina, o que ele ia fazer agora.
– Por que está lendo em vez de estar de biquíni aproveitando a piscina?
– Você me conhece bem, não é Tyler? Acha mesmo que eu estaria feliz torrando na beira da piscina?
– E como foi o primeiro dia de aula?
– Bom... – de novo minha mente se volta para Daniel.
Queria poder falar dele pra Tyler, mas me calo.
– E sabe como é, já tenho trabalho – mostro o livro.
– Anna, telefone pra você – escuto minha mãe gritar e me levanto. – Melhor eu ir.
– Sim e eu tenho trabalho a fazer também.
Minha mãe está ocupada fazendo um arranjo de flores sobre a mesa, um de seus hobbies, e aponta o telefone.
– É a sua amiga Jena.
– Oi, Jena.
– Me conta tudo! Verdade que Daniel Beaumont te levou pra casa?
– Sim, mas foi só uma carona, Jena.
– De Daniel Beaumont? E ele nem precisava ter ido! Ele está interessado em você.
– Duvido, isto é ridículo.
– Eu não acho! Ficou todo mundo comentando depois que vocês foram para a enfermaria.
– Ah, que ótimo, era tudo o que eu queria!
– Não seja chata! Devo dizer que vocês são a fofoca da vez!
– Não está rolando nada.
– Ainda!
– Jena, preciso desligar.
– Achei que a gente podia se encontrar hoje e aí você me contava...
– Não tem nada pra contar e eu não posso sair hoje.
– Por que não?
– Tenho um compromisso com minha mãe e Tom...
– Tudo bem, então. Mas amanhã você não escapa.
Minha mãe me encara, confusa quando desligo.
– Achei que não queria ir neste jantar do clube.
– Eu não queria mesmo, mas... – agora eu preciso urgentemente de alguma distração para não ficar com a mente ociosa pensando em uma certa pessoa.
Minha mãe sorri.
– Que ótimo que vai com a gente! Tom ficará feliz.
– Ah, claro – disfarço uma careta enquanto me afasto para o quarto.
Eu realmente havia falado sério sobre aquele jantar maçante. Eu não queria ir.
Haveria muitos fotógrafos chatos loucos para tirar uma foto de Tom Miller, o novo queridinho dos esportes e de quem estivesse por perto.
E eu odiava aquele tipo de atenção.
Agora não tinha alternativa, eu dissera a minha mãe que ia e teria que ir.
Pelo menos estaria ocupada a noite inteira. Nada de Daniel Beaumont na minha mente.
**************
Como imaginara, o jantar estava muito enfadonho e eu só comecei a me sentir aliviada quando Tom subiu ao palco para fazer um discurso. Isto significava que em breve poderíamos ir embora.
– Mãe, vou ao banheiro antes de a gente ir – sussurro no ouvido de Stella e me levanto, quando olho para trás eu vejo alguém conhecido: Violet Beaumont.
Ela estava de pé no fim do salão, lindamente trajada com um vestido preto justo e longo e olhava fixamente para o palco, como as outras pessoas.
Eu realmente não esperava encontrar alguém como Violet ali, embora tivesse muita gente rica e importante naquele jantar e, sinceramente, não tenho a menor vontade de falar com ela e já estou me afastando em direção ao banheiro, quando vejo outra pessoa conhecida se aproximar e colocar a mão em seu ombro: Daniel.
Ele sussurra algo no ouvido de Violet e ela se vira pra ele e sussurra algo em seu ouvido também. Naquele momento Daniel levanta o olhar e me vê.
Meu primeiro impulso é me afastar, mas meus pés se negam a se mexer, como se chumbo os prendesse ao chão. Violet também se vira e me vê.
Finalmente eu consigo me mover e quase corro para o banheiro, ao mesmo tempo em que escuto os aplausos indicando que o discurso de Tom terminou.
O que Daniel e Violet estavam fazendo ali? Era irônico que eu o encontrasse, quando estava ali pra não pensar nele. E ele me vira.
Será que quando eu saísse do banheiro, ele ainda estaria ali? Será que eu devia falar com ele?
Quando eu saio do banheiro e volto ao salão, não há sinal de Daniel ou de Violet em lugar algum. E eu chego a duvidar se eu realmente os vi ou se imaginei.
***************
– Bom dia, mãe – eu sorrio ao descer na manhã seguinte e ver Stella já acordada. – Que milagre é este? Caiu da cama?
– Não seja engraçadinha. Hoje eu tenho yoga.
– Ah, claro. – Eu sirvo café quando o telefone toca e com um bocejo, Stella se levanta para atender.
– Alô? Alô... Alô.
Ela dá de ombros e desliga.
– Que esquisito, ninguém falou nada.
– Vai ver era engano. – Escuto a buzina lá fora e pego meu material, me apressando para encontrar uma Jena quicando de curiosidade.
– E aí?
– E aí o quê?
– Você sabe o que quero saber, sobre Daniel Beaumont.
– Já te falei que não tem nada demais pra contar.
– Mas...
– Sem mas. Ele foi legal me dando uma carona só isto.
Eu sei que Jena quer insistir, então eu ligo o rádio e aumento o volume e apenas vejo-a bufando de contrariedade até chegar à escola.
E quando saímos do carro, eu me apresso a ir pra aula, sem nem mesmo olhar para os lados.
Joshua está na minha aula de biologia e senta ao meu lado, de novo com a mesma conversa sobre irmos ao cinema e eu acabo concordando, apenas para ele me deixar em paz.
E na hora do intervalo, Jena senta na minha frente me perguntando incrédula se eu aceitei mesmo sair com Joshua.
– Não é um encontro, ele não te chamou também?
– Sim, algo do tipo “eu ia te chamar pra ir ao cinema comigo e com a Anna, você não tem que ir se não quiser”. Claro que ele quer ir sozinho com você.
– Mas você vai com a gente, não é?
– Sinceramente? Não! Não vou ficar segurando vela pra você e o Joshua; Seria esquisito.
– Não é um encontro, quantas vezes tenho que dizer e...
Eu paro de falar ao ver os Beaumont entrando no refeitório.
Charlotte com seu namorado Owen, Violet, Elton e, claro, Daniel Beaumont.
Ele parece ainda mais lindo esta manhã, se é que isto é possível e seus olhos dourados varrem o refeitório e param em mim.
Eu desvio meu rosto vermelho e Jena está rindo maliciosamente.
– E o Daniel? – Jena pergunta quando eles saem da nossa vista se sentando numa mesa afastada. – Achei que ia sair com ele.
Eu respiro fundo.
– Nem vou responder.
– Tudo bem então. Saia com o Joshua se é isto que quer...
Eu quero argumentar de novo que não tenho o menor interesse em Joshua, mas deixo pra lá.
Jena começa a falar sobre outra fofoca e esquece o assunto.
E eu me pergunto se Daniel vai voltar a falar comigo. Se podemos nos classificar como amigos agora. Ou nem isto?
Jena dissera que ele estava interessado em mim, obviamente era um delírio dela.
Mas eu não posso negar a mim mesma que estou um pouco decepcionada por ele nem ter me dito um oi pelo menos.
Naquela noite eu saio com Joshua, não sem antes implorar a Jena no telefone que fosse conosco, como ela não concorda mesmo assim, eu me vejo sentada no carro de Joshua no fim da noite, depois de ver um filme bobo de comédia me perguntando que diabos estou fazendo ali.
– E aí, o filme foi legal, não achou? – Ele pergunta, enquanto toca uma música romântica no rádio.
– Sim, eu gostei.
O assunto acaba aí.
Se ele me beijasse? Se eu fosse para o banco de trás com ele, será que seria bom?
Eu sinto um arrepio de asco só de pensar nesta possibilidade e nem sei porque cogito isto. Talvez pelas críticas de Jena de que eu devia estar me divertindo em vez de ser tão careta.
Eu não quero me divertir com Joshua Nelson, quero?
E se fosse com Daniel Beaumont?
E lá estava ele de novo em meus pensamentos.
– Joshua, eu preciso entrar, já está tarde e amanhã temos aula cedo.
– A gente pode sair de novo?
– Claro. Quem sabe a Jena possa ir junto da próxima vez. – Respondo com um sorriso forçado e saio do carro antes que ele tente um beijo de boa noite, ou algo assim.
E estou entrando em casa tentando não fazer barulho, quando escuto o telefone tocando e me apresso a atender.
– Alô? – Ninguém diz nada. – Alô?
Apenas uma respiração.
Eu desligo me perguntando se é a mesma pessoa que ligou de manhã.
Por que não diz nada? Será que a linha está com problema?
Subo para meu quarto rapidamente e me troco para dormir. Ao fechar a janela, vejo um carro parado em frente a casa.
Será que ainda é Joshua? Está escuro e não consigo ver que carro é, seja quem for, dá partida e desaparece na noite escura em seguida.
E, antes de dormir, eu me pergunto se devo dar uma chance a Joshua. Talvez ele seja um cara legal. E pelo menos está a fim de mim, ao contrário de Daniel Beaumont. Suspiro, irritada comigo mesma e fecho os olhos com força.
E quando durmo, sonho com Daniel Beaumont.
E acordo pior que antes. Mas, mais do que nunca, disposta a acabar de vez com aquela obsessão ridícula.
O fato de eu estar obcecada por um cara que não tinha nada a ver comigo só queria dizer que Jena tinha razão. Eu preciso sair mais. Me divertir mais. Fazer coisas que uma garota da minha idade faz.
E deixar sonhos impossíveis pra lá.
***************
– E aí, como foi com Joshua? – Jena pergunta no carro.
– Foi legal. – Eu sorrio.
– Wow... como assim? Você se pegaram?
– Jena! Não seja indiscreta!
– Ah, me conta vai!
– Não! Imagine o que quiser, não é da sua conta!
Ela ri.
– Tudo bem, tudo bem. Eu descubro de um jeito ou de outro.
Obviamente ela vai perguntar a Joshua e ele dirá que nada aconteceu, então eu rio comigo mesma ao ir pra aula e só quando estou na sala é que me lembro que hoje tem aula de literatura.
Com Daniel.
Me dar conta disto basta para me deixar nervosa, enquanto os alunos vão entrando.
Então lá está ele, vindo em minha direção e sentando ao meu lado.
Eu abaixo a cabeça, fingindo estar muito preocupada com meu livro.
– Olá, Anna.
– Oi. – Respondo ainda fingindo ler.
– Nós precisamos combinar sobre o trabalho.
– Ah, claro – eu levanto a cabeça finalmente.
Óbvio que este era o único assunto que tínhamos em comum.
– Eu já estou lendo o livro e você?
– Eu já li este livro.
– Ah...
– Você poderia ir à minha casa hoje para assistirmos o filme.
Eu abro a boca várias vezes sem saber o que responder.
Eu? Na casa dos Beaumont?
O professor entra na sala e nossa conversa termina aí.
No fim da aula, Daniel me acompanha pelo corredor.
– E então? Você vai?
– Eu não sei se é preciso.
– Nós precisamos ver o filme para fazer o trabalho.
– Não precisamos necessariamente ver juntos...
– Se o problema é ir à minha casa, podemos ir à sua.
– Não, claro que isto não é problema...
– Certo, então combinado.
Ele pega minha mão e eu quase dou um pulo de susto, então ele anota algo ali com a caneta.
– Meu endereço. Eu te espero hoje à noite.
E ele se afasta, assim, sem esperar uma resposta.
Olho minha mão. Sua letra bonita sobre minha pele que ainda pinica de maneira exagerada.
E quando olho pra cima, vejo três pares de olhos me observando.
Charlotte, Elton e Violet Beaumont me encaram no fim do corredor. Ou eu estou imaginando coisas, pois no momento seguinte, eles estão conversando entre si, e ninguém está olhando pra mim.
Mas a sensação estranha que eu senti me acompanha ainda por algum tempo, até que as aulas acabem eu volte para casa e me lembro que hoje à noite eu tenho um encontro com Daniel.
Quer dizer, não é um encontro, mesmo assim, a ideia de me encontrar com ele pesa em meu estômago como se fosse.
E as horas se arrastam na tarde sem fim.
Eu pego me Ipod e deito na beira da piscina, tomando cuidado para ficar na sombra e fecho os olhos, deixando a música me acalmar. Em vez disso ela só me faz pensar em Daniel e em seus olhos dourados fixos em mim. E em seu toque na minha pele...
– Oi, Anna.
Abro os olhos e Tyler está sorrindo pra mim.
– Oi, Tyler – eu tiro os fones do ouvido. A música já acabou há tempos e está escurecendo.
– Estava dormindo?
Eu me espreguiço.
– Acho que sim. Está há muito tempo aqui?
– Acabei de chegar.
– Agora?
– Eu vim consertar alguma coisa na sua cozinha.
– Ah, entendi – eu me levanto. – Não deixe minha mãe te escravizar.
– Ela me paga, então não seria um trabalho escravo.
– Mesmo assim, você está aqui para estudar, não deixa nada te atrapalhar.
– Você é muito nerd às vezes, sabia? Não tem problema algum gastar um pouco de energia com outras coisas.
– Ah, você também?
– Por que eu também?
– Minha amiga Jena diz que eu estudo demais e devia me divertir.
– Acho que ela tem razão. A gente se divertia em Olímpia, lembra?
– Éramos crianças. E geralmente eu estava de férias.
– Podemos sair e nos divertir aqui também.
– Ah é? – Eu me levanto meio incomodada com aquelas palavras.
Será que estou ficando paranoica ou Tyler pode estar dando em cima de mim?
Não, com certeza eu estou ficando paranoica.
– Bom, eu vou subir e tomar um banho pra sair.
Ele levanta a sobrancelha, curioso.
– Vou fazer um trabalho da escola com um colega.
– Ah, entendi.
Eu tomo um banho rápido e fico parada em frente ao guarda-roupa pensando no que vestir. Depois de alguns momentos de angústia, opto por um jeans básico mesmo.
Não é um encontro. Eu não preciso ir toda arrumada para chamar a atenção de ninguém.
Calço meus tênis e desço as escadas. Tyler está se despedindo da minha mãe.
– Aonde vai? – Stella pergunta, interessada.
– Vou fazer um trabalho da escola na casa de um colega.
– Vai de carro?
– Hum – eu não tinha pensado nisto.
– Quer uma carona? – Tyler pergunta.
– Sim, se não for te atrapalhar.
– Claro que não. Precisará de uma carona pra voltar.
– Eu pego um táxi.
– Vai voltar tarde, Anna? - minha mãe pergunta.
– Não, não se preocupe.
Eu entro no velho carro de Tyler e por um momento, parece como antigamente. Quando éramos mais novos e Tyler roubava o carro do pai para passearmos por Olímpia.
– Por que está sorrindo?
– Só me lembrando de nós em Olímpia.
Ele sorri também.
– Bons tempos.
– Sim, bons tempos.
Eu passo a ele o endereço de Daniel. Ainda está na minha mão, meio apagado agora e Tyler ri.
– O que é isto? Sua nova agenda?
Eu apenas rio e não respondo nada. Na verdade, estou começando a ficar nervosa, agora que estamos chegando na casa dos Beaumont.
Tyler por fim para em frente à casa dos Beaumont e eu respiro fundo.
É uma casa enorme, com um lindo jardim na frente.
– Obrigada pela carona, Tyler.
– De nada. Se precisar que eu venha te buscar...
– Não, eu pego um táxi.
Eu salto e fico ali por um momento, olhando para a casa e tentando conter o embrulho no meu estômago e uma estranha sensação de que eu não deveria estar ali.
Respirando fundo, eu caminho até a porta e o próprio Daniel Beaumont aparece.
– Olá, eu estava me perguntando se você viria mesmo.
– Eu disse que vinha – murmuro.
– Entra.
Eu o sigo por um corredor elegante até uma sala iluminada.
E eu paro ao ver todos os Beaumont por ali.
– Esta é a Anna. – Daniel fala. – E estes são meus irmãos, alguns você já conhece.
– Claro, eu e Anna somos amigos. – Elton está sentado com o braço em volta de Violet que sorri também.
– E nós fazemos educação física juntas. Aliás, como está o seu joelho?
– Bem melhor... não foi nada.
– E aquela é Charlotte. Seu namorado Owen acho que já conhece. – Daniel aponta para o casal perto da janela.
Eles acenam.
– Oi, Anna, gostei da sua roupa. – Charlotte Beaumont me mede e eu tenho a impressão que ela quer dizer exatamente ao contrário.
– Vem. – Daniel segura meu braço de leve, me guiando para fora da sala.
– Aonde vamos? – pergunto, quando começamos a subir as escadas. - Achei que fôssemos assistir ao filme...
– E vamos. – ele sorri e abre uma porta. – No meu quarto.
Eu estaco no mesmo lugar.
Vamos assistir ao filme no quarto dele? Meu rosto esquenta e meu coração dispara.
Nem sei se é de medo ou de algo muito mais perigoso.
Como ansiedade, ou... excitação.
– Algum problema? – ele estuda meu rosto eu sacudo a cabeça negativamente e entro no quarto.
– É bonito – Há uma estante cheia de livros e CDs numa parede.
E uma cama.
Eu desvio o olhar.
– Senta. - ele pede. – Eu vou colocar o DVD.
– Você já escolheu o filme que vamos assistir? – eu me sento na beirada da cama timidamente.
– Sim. – ele liga a grande TV na parede e liga o DVD. – Vamos ver a versão de 1989. É a melhor, já assistiu?
Eu sacudo a cabeça negativamente e com o coração aos pulos, eu o vejo tirar o sapato e se encostar na cama.
– Tira o tênis e vem aqui. Vai ficar mais confortável.
Mordo os lábios com força, fazendo o que ele pediu e me encosto ao seu lado em seguida.
Os créditos começam na tela. Eu não ouso olhar para o lado. E cruzo meus braços em frente ao corpo.
– Está frio? - sem esperar a resposta, ele se levanta de repente e abre um armário e tira de lá uma coberta e coloca em cima de mim.
Apaga a luz. E volta para meu lado. Para debaixo da coberta comigo.
E eu mal respiro, enquanto o filme começa na TV.
Capítulo três
Prestar atenção ao filme.
Uma tarefa que deveria ser simples e fácil, que está sendo tremendamente impossível para mim naquele momento.
Meus olhos estão fixos na tela diante de mim. Mas todos os meus sentidos estão concentrados no garoto do meu lado.
Daniel Beaumont.
Posso ouvir sua respiração. Posso sentir o calor que emana do corpo tão próximo do meu.
Posso sentir seu cheiro delicioso e único impregnando meu nariz.
E tenho vontade de virar a cabeça e aspirá-lo. Talvez eu aproveite e deixe meus lábios tocá-lo. Sentir sua pele contra minha língua.
E por um momento aquela imagem é tão real na minha mente, que eu mordo os lábios com força para não gemer, meus dedos segurando com força a coberta em cima de mim e me mexo incomodada.
Ele se move quase imperceptivelmente também e eu ouso relancear meus olhos para o lado.
Ele está olhando pra mim. Duas chamas douradas na penumbra do quarto.
– Tudo bem? – Sua voz não passa de um sussurro. É tão íntima. Desejo saber como seria ouvi-la dentro do meu ouvido, mas arrasto meus olhos para a tela de novo e respiro fundo.
– A-ham. – Respondo, fixando a atenção no filme.
Ou tentando.
E por um momento eu consigo acompanhar a história. Na tela o Visconde de Valmont e Marquesa de Merteuil planejam as formas de seduzir e destruir apenas por prazer.
Eu já tinha lido isto no livro, não é novidade, mas é interessante ver em imagens e as sutis modificações adaptando a forma literária para o cinema.
E claro. É uma história de sedução. E a cada cena eu me torno ainda mais consciente de onde estou e com quem. E agradeço a semiescuridão que não denuncia meu rosto acalorado, tingido de vermelho.
O calor se espalha do meu rosto para o resto do meu corpo e tenho vontade de jogar as cobertas para longe.
Talvez me abanar. Talvez tirar minha blusa.
Deus, estou começando a delirar. E isto não é bom. Meu rosto queima agora, envergonhado de meus pensamentos.
Excitado de meus pensamentos.
Se Daniel pudesse ouvir minha mente agora...
Felizmente ele não tem este poder.
“A vergonha é como a dor, só se sente apenas uma vez” Alguém diz no filme.
E como uma força invisível me dominasse, relanceio o olhar da tela em sua direção de novo. Seus olhos estão no filme e por um momento eu me permito observá-lo na meia-luz.
Suspiro quase imperceptivelmente, dominada por um desejo quase irresistível de chegar mais perto. De sentir sua respiração em mim. Seus lábios em mim.
De repente ele vira o rosto para mim. Estamos mais perto agora. E sinto seu doce hálito banhando meu rosto. Quero senti-lo contra minha língua.
Ofego.
Sei que deveria me afastar, prestar atenção ao filme. Também sei que se for pra me mover, vai ser em sua direção e não ao contrário.
O tempo para enquanto eu me deslumbro com sua imagem perfeita. Desejando, esperando, ansiando.
As falas do filme vão se distanciando e escuto apenas nossas respirações no quarto escuro.
E então sinto sua mão vencendo a distância entre nós e espalmando sobre minha coxa. Minha respiração fica presa na garganta e eu arregalo os olhos de susto. De medo.
De antecipação.
Ele para por um momento. Talvez esperando que eu me afaste, ou saia correndo.
Mas o que acontece é que sua mão se move sobre meu jeans, espalhando calor, me levando em sua direção, enquanto ele passa minha perna por seu quadril.
Meu coração bate tão forte que parece que vai saltar do meu peito.
Eu luto desesperadamente para não me pressionar contra ele e acabar com aquele incômodo entre minhas pernas.
– Não deveríamos estar fazendo isto – murmuro.
– Por que não? – Sua voz é quase um sussurro, enquanto aproxima os lábios dos meus.
– Porque... porquê...
Ele ri contra meus lábios. Eu gemo.
Meus olhos se fecham no momento em que sinto a boca de Daniel sobre a minha.
E o mundo todo está perdido pra mim agora.
“Amor e vingança. Seus dois preferidos”, escuto na TV como vindo de muito longe e levanto meus braços para que minhas mãos agarrem os cabelos gloriosos, enquanto deixo tudo para trás e o beijo de volta, não me importando com nada a não ser o que sinto naquele momento.
E eu sinto tudo e mais um pouco. A mão que percorre minha coxa, sobe para meu quadril, desliza para dentro da minha blusa e espalma a pele nua da minha cintura, subindo vertiginosamente até pousar sobre meu sutiã. Apertando. Estremeço com aquele contato e mordo seus lábios, gemendo.
Ele geme em resposta, apartando os lábios dos meus e nos encaramos ofegantes.
As marcas dos meus dentes estão em sua boca.
– Desculpa.
Ele sorri.
E no minuto seguinte me beija de novo, intensa e sensualmente, minha mente gira e eu solto um grito quando sinto seus dentes no meu lábio inferior.
– Você morde, eu também mordo, Anna. – Ele sussurra com riso na voz e eu não consigo formular nenhuma resposta coerente a não ser talvez um “morda o quanto quiser”, mas ele já está me beijando de novo, e de novo eu estou perdida nas sensações. Nossas línguas já se movem como velhas conhecidas, em beijos cada vez mais longos e intoxicantes.
E quando sua mão volta para meu seio, eu estou ansiando por mais agora, e o mais vem com seus dedos se infiltrando dentro do meu sutiã e apertando meu mamilo, torcendo e girando entre o polegar e o indicador, fazendo uma onda de dor e prazer se espalhar por minha pele e se instalar em meu baixo ventre. E, sem pensar, eu me pressiono contra ele, apertando meu corpo febril à procura de algum alívio. E Daniel me aperta mais em resposta, uma mão em meu cabelo, a outra ainda dentro do meu sutiã. A boca deixando a minha para trilhar por meu rosto, até meu pescoço, me marcando com beijos molhados que apenas me deixam ainda mais fraca e com vontade de mais um pouco de qualquer coisa que ele possa fazer comigo.
E não sei quanto tempo estou ali, me amassando com Daniel, quando abro os olhos por um momento e me assusto ao ver a porta do quarto semiaberta e olhando para nós está Violet Beaumont.
Eu solto um grito abafado e empurro Daniel, que me encara confuso por um momento.
– Anna, o quê...? - Então ele acompanha meu olhar e também vê Violet.
– O que faz aqui, Violet? – Ele pergunta friamente.
– Ops, me desculpe – ela sorri, dando de ombros e se afasta.
Daniel me encara, passando a mão pelos cabelos desgrenhados.
– Me desculpe por isto.
– Tudo bem... – respondo, desviando o olhar.
O filme ainda passa na TV e agora me dou conta do que estava fazendo em vez de assistir ao filme e meu rosto ruboriza.
– Eu preciso ir embora – pulo da cama e procuro meu tênis.
– Anna, não precisa ir. – Daniel também se levanta, mas eu estou decidida.
– Está tarde...
– Não terminamos de ver o filme.
Eu o encaro com os braços cruzados.
– Não estávamos vendo o filme – minha voz cheia de acusação.
Um arremedo de sorriso se espalha por seu rosto.
– Eu sei.
Ai meu Deus, o que eu faço com aquela vontade de empurrá-lo de voltar para a cama e continuar de onde paramos?
Eu respiro fundo tentando manter um pouco de coerência nos meus atos.
– Então eu acho realmente que não posso mais ficar aqui...
E antes que Daniel possa fazer qualquer coisa pra me impedir e eu sei que nem seria difícil, abro a porta do quarto e saio pelo corredor. Daniel me segue.
– Você está de carro?
– Não, eu posso pegar um táxi.
– Eu te levo então.
– Não! Não precisa.
– Anna, não seja absurda, você disse que veio de carona, não pode ir embora sozinha a esta hora...
– Eu a levo.
A voz de Charlotte nos interrompe e eu percebo que já estamos no hall de entrada da casa dos Beaumont.
– Não é necessário...
Charlotte sacode as chaves do carro em suas mãos e pisca.
– Não se preocupe, não será sacrifício algum – e ela olha pra Daniel sorrindo. – Eu cuido da Anna, Daniel, pode deixar.
Ele parece querer impedi-la. Mas que opção que eu tenho?
Realmente não confio em mim mesma sozinha num carro com Daniel Beaumont agora.
– Obrigada, Charlotte. Podemos ir?
Eu me sinto meio sem graça por estar sozinha com ela no carro. Nem a conheço direito e na verdade estou achando estranho este oferecimento para me levar pra casa.
– Então, Anna, onde mora?
– Se você quiser, pode me deixar em algum lugar...
– Claro que não.
– Eu só não quero te dar trabalho...
– Trabalho algum – ela relanceia o olhar pra mim. – Eu queria mesmo dar uma palavrinha contigo.
Ela quer conversar comigo? O que Charlotte Beaumont teria para conversar comigo?
Ela permanece em silêncio depois que eu falo meu endereço e só quando paramos em frente a minha casa, é que ela me encara.
Não há nenhum traço em seu rosto que pareça simpático ou despreocupado, como me parecera antes.
– Eu vou ser bem direta. Quero que se afaste do meu irmão.
O quê?
Eu franzo a testa, confusa.
– Sei que este pedido parece absurdo, mas estou falando sério.
– Você não quer que eu fique com seu irmão? – indago, tentando entender aquele pedido estranho.
– Entenda como quiser.
E assim, sem mais nem menos, ela destrava a porta do carro, num claro aviso para eu saltar.
E eu que pensava que tinha que me preocupar com Violet Beaumont!
Pelo visto aquela irmã do Daniel também parece me odiar.
– Por que está me dizendo isto? - ainda pergunto.
Ela abre a boca várias vezes, como se estivesse buscando o que responder, por fim, desvia o olhar e liga o carro, dando de ombros.
– Acho que é óbvio, não é? Você e ele não têm nada a ver... Estou apenas te dando um aviso.... Boa noite, Anna.
Eu salto e vejo o carro se afastar, ainda meio chocada com aquela conversa.
Ao entrar em casa, acho um bilhete de minha mãe dizendo que foi jantar fora com Tom e que tem comida congelada na geladeira.
Subo direto para o quarto, sem vontade alguma de comer. Pego o livro para terminar de ler, mas as palavras dançam na minha mente. Eu só consigo pensar em Daniel e em como fora ficar com ele.
Fecho os olhos e deixo minha imaginação voar, revivendo todos os detalhes, ansiando de alguma maneira que Violet não tivesse nos interrompido e então...
Então, o quê?
Estremeço ao pensar no que poderia ter acontecido. O que eu queria que tivesse acontecido...
Será possível que eu teria mesmo coragem de transar com Daniel?
Eu mal o conhecia!
Mesmo assim, não podia mais negar que estava irremediavelmente atraída por ele. Tinha sido fácil demais deixar que ele me beijasse, me tocasse. E eu sei que teria deixado muito mais se não fosse a aparição de Violet.
O que me faz pensar que diabos ela estava fazendo ali. Nos espionando? Ou apenas passando e parou, curiosa?
E Charlotte? Por que me detestava também?
Se eu fosse sensata, deveria me afastar de Daniel Beaumont e sua família estranha. Eu não o conhecia e nem sabia que interesse ele tinha em mim. Talvez não tivesse nenhum e aquele episódio em seu quarto fora apenas uma coisa de momento.
E quando desisto de ler e apago as luzes para tentar dormir, me pergunto se desejo que ele esqueça o que aconteceu e me ignore totalmente para que eu possa seguir minha vida banal e sem problemas como sempre ou se desejo que ele me leve pra qualquer lugar para continuar o que começamos.
Capítulo quatro
Acordo com um raio de sol entrando através das cortinas e sorrio, pulando da cama entusiasmada.
Encaro meus olhos no espelho. E penso em Daniel Beaumont. Toco meus lábios por um momento, me lembrando de como os deles se encaixaram ali. E me pergunto se eu os sentirei de novo. Apenas a imaginação já deixa meu rosto, naturalmente pálido, corado com o calor.
– Anna, já acordou? – escuto minha mãe batendo a porta e volto à realidade.
– Sim, vou tomar um banho e já desço.
– Não demora, está em cima da hora.
– Pode deixar.
Eu entro correndo no chuveiro e tento, sem muito sucesso, tirar Daniel dos meus pensamentos.
Não posso deixar que ele vire uma obsessão. É ridículo.
Enquanto desço as escadas, já totalmente arrumada, dou uma olhada no meu horário de hoje e estremeço.
Hoje tem literatura.
– Inferno – resmungo pra mim mesma e escuto uma risada.
Tom está passando, subindo as escadas.
– Com problemas?
– Não, nada... Cadê a mamãe?
– Ela não me parece de bom humor hoje.
Eu franzo a testa. Stella de mau humor? Isto era uma novidade.
Eu a encontro na cozinha e realmente ela parece meio tensa.
– O que foi, mãe?
Ela dá de ombros, enquanto coloca um prato de cereal na minha frente.
– Nada, coma rápido, Jena já deve estar passando.
– Não, está acontecendo alguma coisa, você está estranha.
Ela para e respira fundo.
– São estes malditos telefonemas.
– Telefonemas?
– Sim, ficam ligando e não falam nada... Mas sei que tem alguém na linha! Isto é tão irritante.
– Por que não manda colocar um identificador de chamadas? Assim pode ligar de volta e ver quem é que está fazendo isto. Pode ser algum fã sem noção do Tom, vai saber.
– Sim, tem razão – ela sorri, menos tensa agora. – Por que não pensei nisto antes?
– Sabe que quem pensa em coisas práticas aqui sou eu!
Ela ri, concordando, e escuto a buzina de Jena na porta.
– Tchau, mãe!
Para minha sorte, Jena não fazia ideia de que eu tinha ido à casa de Daniel na noite passada, então se limita a tagarelar sobre outros assuntos.
Há uma parte de mim que tem vontade de contar o que aconteceu, de me abrir com alguém. Certamente eu tenho a noção de que se decidir mesmo contar pra alguém, este alguém não pode ser Jena e sua boca grande.
E ao chegar ao colégio estou com as mãos suando de nervoso. Pelo simples fato de que em pouco tempo estarei numa sala de aula com Daniel Beaumont.
Talvez eu deva inventar alguma súbita doença... Pedir para ir embora, ou cabular a aula de literatura quem sabe.
Mas eu sei que não posso fazer nada disto. Não tem como evitar Daniel pra sempre.
E qual o problema, afinal?
Nós tínhamos nos beijado, e daí? Não era o fim do mundo. Ou o começo de algo...
E aí está um dos meus problemas. Eu não faço ideia do que se passa na cabeça de Daniel. Do que a noite passada significou. Se é que significou alguma coisa.
Será que devo pedir para conversarmos sobre o assunto? Ou devo ignorar?
Enquanto caminho para a sala de aula como se estivesse indo para a forca, decido pela segundo opção.
Vou fingir que nada aconteceu.
No final das contas é bem provável que Daniel também faça o mesmo.
Caminho até minha carteira olhando para baixo e, para meu alívio, ele ainda não havia chegado.
Talvez falte. E enquanto os minutos passam e a sala vai enchendo, me vejo ansiando para que ele não apareça. E desejando que apareça.
Eu era um poço de contradições pronto pra explodir. Isto não era nada, nada bom.
– Bom dia, senhor Beaumont, que bom que decidiu se juntar a nós.
Eu levanto o olhar quando escuto a voz do professor e lá está ele.
A razão do meu tormento.
Seus olhos varrem a sala e param em mim, e um sorriso de lado se forma em seus lábios perfeitos.
Lábios que eu beijei.
Que quero beijar de novo. Muito.
Mexo meu corpo ansioso na cadeira e desvio meu rosto vermelho para algum ponto além dele.
Daniel se senta ao meu lado. É incrível como a simples presença dele perto de mim tem poder de me afetar tanto. Eu mal consigo respirar direito.
– Oi, Anna.
Sua voz baixa e rouca chega aos meus ouvidos, me causando arrepios por dentro.
– Oi – sussurro, sem encará-lo.
O professor começa a falar e eu foco a atenção nele.
– Espero que todos estejam preparando seu trabalho, não estão?
Alguns murmúrios de “sim, claro” ressoam pela sala.
– Certo, vou acreditar em vocês. Então hoje eu passarei alguns conceitos na lousa para que façam um trabalho também em dupla e podem usar a mesma dupla do trabalho anterior.
E antes que eu sequer pense no que isto significa, escuto a carteira de Daniel se mover em direção a minha e num segundo estamos tão próximos que seu ombro quase encosta no meu.
Seus olhos risonhos fitam os meus, assustados, enquanto escuto o barulho das cadeiras se movendo pela sala.
À frente o senhor Lewis começa a escrever freneticamente.
Eu desvio os olhos de Daniel e abro meu caderno, começando a copiar, embora não tenha a menor noção do que estou fazendo.
– Está tudo bem? – Daniel pergunta baixinho e eu dou de ombros.
– Claro - relanceio os olhos pra ele e sorrio amarelo, logo voltando a atenção ao meu caderno.
O escuto fazendo o mesmo.
Então é isto. Nada sobre ontem à noite.
Como eu imaginara ia ser esquecido. E pronto.
Agora éramos apenas colegas de classe fazendo um trabalho juntos e...
Dou um pulo de susto na cadeira ao sentir uma mão sobre minha coxa.
As pessoas ao redor me encaram curiosas.
O Senhor Lewis olha pra mim.
– Algum problema, Senhorita Nicholls?
Eu estou com o rosto queimando. Meu coração está disparado.
A mão continua na minha coxa.
E Daniel escreve no seu caderno como se nada tivesse acontecendo.
– S...Sim. – gaguejo e, quando a atenção de todo mundo se desvia de mim, eu olho pra Daniel.
– O que pensa que está fazendo? – consigo perguntar.
Ele sorri, ainda olhando pra suas anotações.
– Shi... Vai atrapalhar a aula de novo.
E sua mão acaricia minha pele.
E por Deus, aquilo estava me excitando. Demais.
Na sala de aula.
Eu respiro rapidamente várias vezes, minha mente dando giros em direções contrárias.
Me afastar e tirar a mão dele de mim era o que eu deveria fazer. Porém meu corpo traidor pensa diferente.
Meu corpo está adorando a mão se imiscuindo por baixo da minha saia xadrez, subindo numa leve carícia e tudo o que eu desejo é que ele não pare.
Então escuto uma risadinha vinda de algum lugar. Sei que não tem nada a ver comigo ou com o que Daniel está fazendo, mas serve para me fazer voltar à realidade e com um safanão, empurro sua mão para longe de mim e me levanto.
– Senhor Lewis, posso ir à enfermaria?
Ele me encara preocupado.
– Não se sente bem?
– Anna – escuto Daniel me chamando e o ignoro.
– Não, por favor.
– Claro – o senhor Lewis responde e eu saio quase correndo da sala.
Não vou para a enfermaria e sim para o banheiro feminino, e sentando sobre um vaso, escondo a cabeça entre as mãos.
Certo. Eu estava fugindo, mas, quem se importa?
Eu estava completamente louca por deixar Daniel me tocar daquele jeito numa sala cheia de gente!
E por que diabos ele tinha feito aquilo?
Isto queria dizer que a noite de ontem não fora um mero acaso?
Eu não saberia dizer.
Me sinto completamente perdida.
Não sei quanto tempo permaneço ali até me acalmar e poder sair.
– Ei, Anna. – Jena me chama no corredor e me entrega meu material. – Você está bem? Porque Daniel Beaumont me trouxe seu material perguntando se eu sabia onde estava, já que deveria estar na enfermaria, onde ele foi te procurar, mas não te encontrou.
– Ah, nada demais. Eu não me senti bem, e realmente pedi para ir à enfermaria, mas fui pro banheiro, lavei o rosto e me senti melhor.
– Sério?
– Sério, agora vamos logo, não quero me atrasar para a próxima aula.
– Está animada para aula de Educação Física, é?
Eu gemo ao me lembrar.
Meu joelho ainda guardava as marcas da famigerada última aula de educação física.
Me lembrar do tombo e do que aconteceu depois, só faz meu rosto ficar vermelho e me pergunto se verei Daniel nesta aula também. Ou qualquer uma de suas irmãs estranhas e que parecem me odiar sem motivo algum.
– Eu acho que Violet e Charlotte Beaumont me odeiam – comento com Jena quando saímos do vestiário.
– Por que pensa isto?
Dou de ombros, não querendo explicar toda a situação com Daniel.
Como eu posso explicar o que nem eu entendo?
– Sei lá... É só uma impressão.
– Espero que seja impressão mesmo, qualquer um nesta escola deseja ser amigo dos Beaumont e não inimigos.
– Inimigos é uma palavra muito forte, Jena - eu rio.
Enquanto nos aquecemos para a aula, juntamente com as Beaumont em questão, eu sinto claramente uma hostilidade latente em minha direção, porém não ouso olhar na direção delas.
Os garotos Beaumont estão do outro lado do campo, entretidos em sua própria aula e eu me esforço para me manter em pé, sem comer grama e passar vergonha de novo.
E naquele dia não há tombos, ou salvamentos seguidos de sopros inconvenientes no joelho.
É um alívio voltar pra casa depois de tanta tensão. Realmente não estava sendo nada fácil fugir da presença de Daniel Beaumont.
Depois da aula de Educação física, eu inventei uma desculpa e fiquei todo o intervalo na biblioteca, lendo. Na saída, eu passara por entre os carros até chegar a Jena sem levantar o olhar do chão.
E eu me pergunto até quando terei que agir assim?
E se eu estivesse sendo exagerada? O fato de Daniel haver me beijado na cama dele, e colocado aquelas suas mãos em mim na aula de literatura não era motivo para pirar, ou era?
Imagino o que Jena diria se soubesse. Provavelmente ela diria para eu ir em frente e deixar Daniel colocar todos seus dedos em mim de novo e muitas vezes.
E eu gostaria disto, não gostaria?
Sim, sim, sim.
Todos meus hormônios subitamente alvoroçados estão gritando tanto que posso quase ouvi-los em minha cabeça confusa.
No entanto há uma pequena parte de mim que hesita.
Aquela pequena parte sensata que acha muito estranho um cara como Daniel Beaumont estar interessado em alguém como eu.
– Tom deixou dois ingressos para um jogo hoje à noite. – Stella me tira dos devaneios ao bater na porta do meu quarto.
Eu levanto o olhar do livro que finjo ler enquanto me debato sobre meus recentes problemas com Daniel Beaumont.
– Não sei se estou a fim. Você vai?
– Não, terei outro compromisso. Pensei que podia convidar o Tyler pra ir com você.
Eu franzo a testa.
– Tyler?
– Sim, por que não? Você costumava sair muito com ele quando ficava lá em Olímpia, não era?
– Sim, verdade... – comento, pensativa. Realmente, eu nunca tinha saído com Tyler depois que ele se mudara para Seattle.
– Ele está aí, por que não vai lá embaixo e vê se ele quer ir?
– Sim, boa ideia.
Pulo da cama e desço as escadas à procura de Tyler. Sair com ele vai me fazer bem. Parar de pensar em uma certa pessoa vai me fazer bem.
Tyler está terminando de limpar a piscina e sorri ao me ver.
– Olha quem apareceu.
– Oi, tudo bem?
Ele se aproxima e me abraça.
– Está a fim de ver um jogo hoje?
Ele levanta a sobrancelha e eu lhe dou um soco de brincadeira no ombro.
– É sério, quer ir? Podemos sair mais cedo, comer e depois ir ao jogo. Diversão, huh?
– Diversão, claro que sim. – ele olha o relógio. - Já está anoitecendo, e eu vim sem carro...
– Não tem problema, posso finalmente dirigir um dos carros do Tom, já que você estará junto.
– Devo ficar com medo?
– Um pouquinho! Vou subir e trocar de roupa e podemos ir, pode ser?
– Ok, eu te espero.
Eu subo correndo e me troco rapidamente e aviso minha mãe, ao passar pela cozinha, que dirigirei hoje.
– Finalmente, hein?
– Só porque estou com Tyler e me sinto mais segura. Realmente morro de medo de estragar um dos carros do Tom.
– O carro é seu, Anna!
Eu rolo os olhos e vou ao encontro de Tyler.
– Uau, este é potente - ele comenta ao entrarmos no carro.
– Quer dirigir?
– Não, você precisa perder este seu medo bobo.
– Se eu estragar este carro Tom não achará nada bobo. – eu dou partida e abro os portões, quando estamos saindo, eu paro, jogando o pé no freio com tudo ao ver um carro parando em frente à minha casa.
Um sedan preto.
Meu coração vai à boca ao reconhecer Daniel Beaumont dentro dele.
– Visitas? – Tyler pergunta.
Eu mordo os lábios com força, sem saber o que fazer.
Daniel sai do carro e vem em nossa direção.
– Só um minuto, Tyler – saio do carro também e o encaro.
– Daniel... o que faz aqui?
Ele olha de mim para dentro do carro.
– Está saindo? – pergunta por fim.
– Sim, eu...
Escuto a porta do carro se abrir e Tyler se aproxima rapidamente, se postando ao meu lado.
Os dois se encaram com estranheza.
– Daniel, este é Tyler Davis... – eu respiro fundo. – Tyler, este é Daniel. Ele estuda comigo.
Por um momento nada acontece, até que Tyler estende a mão e Daniel a segura por um breve momento. Mas seus olhos estão presos em mim.
Olhos cheios de perguntas.
– Então, Daniel, o que faz aqui? Eu e Tyler estamos saindo... Para ver um jogo.
Ele levanta a mão e vejo um DVD.
– Ontem não terminamos de ver o filme, achei que poderíamos terminar hoje... o que começamos ontem.
Meu rosto queima ao pensar nas implicações do que ele propõe.
Ver filme? Duvido muito!
E o pior é que eu sinto todo meu corpo se agitando apenas com as possibilidades...
Não! Definitivamente eu não podia fazer aquilo.
– Sinto muito, Daniel, Tyler e eu já temos um compromisso – digo com a voz mais casual possível.
– Quando então? – seus olhos queimam em mim, inquisidores. Exigentes.
Oh Deus.
Engulo em seco.
Nunca? Mais tarde?
Eu nem sei o que responder.
– Deixe o DVD comigo – acabo dizendo. – Eu posso ver mais tarde. Você já assistiu, não é?
Sim, eu sou uma covarde. Ou não.
Depende do ponto de vista.
O rosto de Daniel está impassível e eu me pergunto o que ele faria se Tyler não estivesse ali.
Por fim, ele me entrega o DVD, sem dizer nada.
Eu sinto um certo desapontamento.
– Obrigada.... – digo, algo se debatendo dentro de mim.
A certeza de que eu estava fazendo o certo acabando com aquele flerte sem sentido... A vontade de voltar atrás...
– Te vejo na escola amanhã – ele diz simplesmente e se afasta, entrando no carro e dando partida.
Eu respiro uma longa golfada de ar.
– Vamos? – entro no carro e Tyler me segue.
– Então, quem é este? – Tyler pergunta depois de alguns minutos de silêncio, enquanto dirijo pela via expressa.
– Eu te disse, um colega de escola ...foi na casa dele que você me levou naquele dia.
– Ah... Por um momento ele pareceu... algo mais.
Eu fico vermelha.
– Impressão sua. Somos apenas parceiros neste trabalho, Nem amigos somos. A família dele é muito estranha na verdade.
Tyler não diz mais nada e eu fico aliviada.
Nós comemos pizza e depois assistimos ao jogo, jogando conversa fora e é como antigamente.
E consigo esquecer por alguns momentos meus recentes problemas com garotos.
Ou um garoto pra ser mais específica.
Eu tinha esquecido como é sair com um garoto apenas por ele ser seu amigo. Apenas porque era divertido e pronto.
– E aí, foi divertido? – Pergunto, jogando meu ombro contra o dele ao sairmos no meio da multidão em direção ao estacionamento.
Tyler ri e segura minha mão.
– Estava com saudade de ficar assim com você, Anna.
Eu o fito com um sorriso.
– Eu também. Temos que fazer isso mais vezes...
E então tudo muda. Na fração de um segundo o mundo vira do avesso quando meu amigo de infância se inclina e me beija.
Por um momento eu não consigo me mover, tamanha é minha surpresa.
E é Tyler quem termina o beijo, me encarando com uma pergunta muda no olhar.
Eu sinto vontade de chorar.
– Tyler... Não. – consigo dizer por fim.
Ele suspira e me solta.
Nós ficamos em silêncio por um instante.
– Me desculpe, eu... eu pensei. – ele solta um palavrão. - Sinto muito, Anna, eu fui um idiota.
– Não, foi apenas...
– Apenas achei que este seu convite pra gente sair significava mais da sua parte.
– Você realmente pensou isto? – pergunto, extremamente surpresa que ele pensasse em mim nestes termos.
– Sim, eu pensei.
Mordo os lábios, tentando organizar meus pensamentos. Tentando um jeito de não magoá-lo.
|Não podia deixá-lo pensar que eu podia sentir algo mais por ele além de amizade.
– Tyler, você é meu amigo.
– Eu sei.
– Me desculpe... Mas... Eu gosto de você apenas assim.
– Tudo bem – ele força um sorriso.
– Está tudo bem de verdade? Eu me sinto horrível agora, eu não queria... magoar você.
– Eu vou superar.
Isso não muda o fato de que eu continuo me sentindo horrível.
Ele ri e passa os braços a minha volta, me levando para o carro.
– Ei, deixa disto, Anna, ainda sou eu, o velho Tyler. Nada vai mudar.
Eu o encaro, querendo saber se ele está dizendo a verdade.
E ele fica sério de repente.
– Você é importante demais pra mim para que eu estrague tudo tentando algo que você não quer.
– Eu sei. – murmuro.
Nós entramos no carro e eu dirijo até a casa dele.
– Podemos marcar de sair mais vezes – ele diz. – Sem beijos roubados, prometo – sorri e eu o acompanho, deixando a tensão de lado.
– Podemos sim.
–Tem certeza que se sente segura pra dirigir sozinha até sua casa?
– Sim, já estou craque!
– Então boa noite!
– Boa noite, Tyler!
Eu dou partida e ligo o rádio, enquanto entro na via expressa em direção a minha casa.
Penso no que aconteceu naquela noite com Tyler e me pergunto se a gente vai continuar sendo amigo como antes. Eu realmente não gostaria de me afastar de Tyler. Mas, se ele estivesse de alguma maneira apaixonado por mim...
Eu esperava que não. Que fosse apenas uma paixonite, uma atração causada por hormônios e nada mais.
Assim como esperava o mesmo da minha atração por Daniel Beaumont.
Óbvio que eu não estava apaixonada por ele. Como poderia?
Eu o conhecia há dois segundos.
E ele tinha me beijado como nenhum garoto antes.
Ou depois.
Porque não havia nem comparação com o beijo de Tyler.
Com Daniel senti... fogos de artifício explodindo sob meus poros.
Suspiro desalentada, ao ver o DVD jogado no banco de trás.
Talvez eu devesse chegar em casa e ligar pra ele. Dizer que poderíamos sim ver o filme.
Terminar o que começamos...
De repente volto à realidade ao quase perder a entrada para a rua da minha casa e viro rápido. E estranho ao ver um carro bem atrás de mim fazer o mesmo.
Olho pelo retrovisor e, enquanto percorro a rua, o carro me segue de perto.
Me seguindo?
Sinto um pouco de apreensão ao parar defronte ao meu portão e fico à espera.
Até que o carro passe por mim seguindo em frente.
Eu devo estar paranoica.
No dia seguinte está chovendo e acordo com meu celular tocando. O número de Jena pisca pra mim e eu atendo bocejando.
– Jena. – resmungo.
– Adoro ter amiga famosa.
– Hum... está falando do quê?
– Ainda não viu? Acabei de ver você numa revista!
Eu abro os olhos totalmente desperta.
– Revista?
– Sim, e nem são estas notinhas que saem sobre seu padrasto e por acaso sai alguma foto sua e da sua mãe, não! É uma matéria sobre você.
– Mentira, Jena! – Jogo as cobertas para o lado e me levanto, horrorizada.
– É sério. Algo sobre filhas de homens poderosos, ou algo parecido.
– Ah não! Que ridículo!
– Não seja boba, está o máximo! Espera, acho que é o Joshua na outra linha!
– Jena, não...
Ela já havia me deixado falando sozinha.
Eu me arrasto até o chuveiro e desço totalmente desanimada.
Minha mãe sorri empolgada com uma revista na mão e eu sei bem o que é.
– Diz que a Jena exagerou.
– Não sei o que a Jena disse, mas estou delirando de orgulho, olha isto.
Eu sento à mesa e vejo a revista.
É um pesadelo.
Uma foto minha que nem lembro quando foi tirada. Eu estou com o uniforme da escola e eles falam várias coisas sobre mim. Onde estudo. O quão boa aluna eu sou. E de como Tom se orgulha de mim: “ela é como uma filha pra mim”. Segundo suas próprias palavras.
– Eu odeio isto – gemo, fechando a revista.
– Ah, não exagera! – minha mãe ri.
– Odeio sim! Não sou famosa e nem quero ser! Por que têm sempre que me colocar no meio disto? Eu acho...
– Anna, pare de reclamar! – minha mãe me repreende subitamente séria. – Sabe que o Tom não faz por mal. Ele adora você, o que ele disse à revista é verdade. Ele a trata como filha.
Eu luto para não revirar os olhos.
Certo. Eu gostava do Tom. E tenho certeza de que ele gostava muito de mim também.
Só acho que tinha mais a ver com sua relação com a minha mãe do que comigo.
Eu tinha um pai, e ele morava em Olímpia. Simples assim.
Tom era apenas o marido da minha mãe.
Então por que sempre ficava parecendo que éramos uma espécie de família perfeita e feliz de comercial de margarina?
Minha mãe suspira, passando a mão nos meus cabelos.
– Isto faz parte da vida do Tom agora, querida. Apenas seja paciente. Nada é pra te prejudicar. Trata-se apenas de um pouco de publicidade. O time quer isto, faz bem pra carreira dele.
– Sei...
Ela para de falar quando Tom entra na cozinha e ele lhe dá um sonoro beijo.
– E aí, Anna, já viu a matéria?
Eu forço um sorriso.
– Sim, acabei de ver.
Ele senta de frente pra mim.
– Eu fiquei muito orgulhoso. E sua mãe também.
Eu luto pra manter o sorriso no rosto, até que ele coloca uma caixa retangular na minha frente.
– Pra você.
– Pra mim? É meu aniversário ou algo assim? – indago incomodada.
Minha mãe me lança um olhar de advertência.
– Apenas para você saber como é importante para sua mãe e eu que esteja aqui.
Eu abro a caixa e vejo um colar de pérolas.
– Sua mãe escolheu.
– Obrigada – murmuro, tentando conter a onda de rejeição.
Eu odeio presentes. Minha mãe sabe muito bem. Então por que fazem isto?
Ignorando meu desconforto, ela fica sorrindo toda feliz quando Tom coloca o colar em mim.
– Ficou lindo, Anna.
– Sua mãe me disse que ontem saiu com o carro. – Tom falou e eu dou de ombros.
– Estava com Tyler.
– Aquele seu amigo de Olímpia, ou devo entender que é mais que seu amigo?
Eu fico vermelha.
– Não, ele é só meu amigo mesmo.
Escuto a buzina de Jena e aproveito para fugir.
Jena arregala os olhos quando entro no carro.
– Uau, que colar é este?
– Eu ganhei do Tom – respondo.
Jena ri, deliciada.
– Isto só melhora a cada instante. E vai ficar ainda melhor, mal posso esperar pra te contar.
– Jena, o que está aprontando?
– Quando chegar na escola eu te conto. Joshua vai querer estar junto.
Eu olho o tempo nublado pela janela, preocupada. O que poderia ficar pior naquele dia?
Quando estacionamos e saímos do carro, vejo que sim, podia piorar.
Daniel Beaumont está ali. Parado ao lado de seu carro.
E sinto seu olhar fixo em mim, enquanto eu passo, segurando meu material fortemente contra o peito até o interior seguro da biblioteca, que é onde Jena me leva.
Joshua está lá junto com Fiona, outra amiga nossa, e eles acenam quando nos aproximamos.
– Então já falou com ela, Jena? – Fiona pergunta e Jena sacode a cabeça negativamente.
– Falar o quê? - indago curiosa.
– Sabe que hoje é o dia em que nos inscreveremos para concorrer à presidência do grêmio, não é? – Joshua fala.
– Hum... lembro de algo assim.
– E sabe também que eu estou tentando há dois anos e nunca consigo ganhar, não é? – Jena continua.
– Acho que me falou algo a respeito... o que isto tem a ver comigo?
– Tem a ver que agora nós temos a candidata perfeita! – Fiona revela animada e eu não entendo por um momento. Os três ficam sorrindo na minha direção até que finalmente cai a minha ficha.
– Não, nem pensar...
– Claro que sim! – Jena insiste. – Está todo mundo comentando de você! É filha de um jogador famoso e...
– Ele é meu padrasto!
– Que seja! Enfim, finalmente nossa chapa tem alguém que pode concorrer e ganhar, e você tem que ajudar a gente!
– Não, Jena, sabe que odeio estas coisas, falar em público e tudo mais... Nem pensar!
– Por favor, Anna. – Fiona segura minha mão. - Sabe que a nossa campanha é a melhor! Queremos realmente tornar a escola um lugar melhor e você pode nos ajudar.
– Não vai dar certo, Fiona.
– Isto vai contar muito no seu currículo escolar! Não quer tanto ir pra Yale? Isto vai ser perfeito pra você, confie em mim.
Sim, eu sabia que este tipo de atividade era muito importante para um currículo, mas... Eu? Annalise Nicholls? Presidente de grêmio estudantil?
– Eu não poderia fazer isto...
– Nós vamos te ajudar, claro. – Joshua falou. – Jena tem tudo preparado.
– Não sei...
– Você vai aceitar e pronto! - Jena foi enfática. – Joshua tem razão, eu até tenho tudo preparado, você só vai ter que sorrir e fazer o que a gente manda! Não se preocupe com nada.
E eu não sei como aconteceu, só sei que saí da biblioteca como uma das candidatas.
E como o mundo não poderia ficar pior, acompanho Jena, Joshua e Fiona até o local da inscrição e me deparo com ninguém menos que Charlotte Beaumont se inscrevendo.
– Charlotte Beaumont é minha concorrente? – sussurro pra Jena, chocada, e ela dá de ombros.
– Ouvi dizer que ela ia se inscrever.
– E você acha que eu tenho alguma chance concorrendo com Charlotte Beaumont?
– Não seja boba! Ela não saiu numa revista! - e ela me puxa quando Charlotte se afasta com seu namorado bonito. – Vem, nossa vez.
Naquele dia nós fomos dispensados das aulas e ficamos na biblioteca debatendo nossos “planos eleitorais”.
E eu fico mais horrorizada ainda ao saber que, depois do intervalo, todos os candidatos serão apresentados aos alunos no auditório.
– Você não me disse que eu teria que fazer um discurso, Jena!
– Já está pronto, não fique apavorada – ela me passa uma folha. – É só ler.
– Eu não deveria ter deixado vocês me meterem nisto...
– Deveria sim! Vai dar tudo certo! Agora vamos comer.
Nós vamos para o refeitório e eu congelo ao ver Daniel Beaumont parado na nossa frente.
– Oi, Anna.
– Oi - respondo, ciente do silêncio curioso de Jena, Joshua e Fiona.
– Será que podemos conversar um minuto? Sobre o trabalho de literatura.
Eu hesito. Mas, de alguma maneira sei que teria que conversar com ele sobre isto uma hora, não é?
– Sim – concordo. - Eu encontro vocês lá dentro, ok? – digo a meus amigos boquiabertos e os vejo entrando no refeitório.
Subitamente, eu e Daniel estamos sozinhos no corredor.
Ou quase. Estudantes continuam passando por nós.
– E então, o que precisa falar? – pergunto com a voz firme.
– Vem comigo. – ele segura minha mão sem aviso, me obrigando a segui-lo pelo corredor.
– Eu não acho que...
– Você acha demais, Anna.
– Eu?
Ele ri e olha pra mim por sobre o ombro.
Lindo.
– Posso saber aonde estamos indo? – pergunto, ainda com um resquício de sanidade na minha cabeça.
– Para um lugar onde eu possa conversar com você sem que fuja.
E assim, pela segunda vez na vida, eu me vejo dentro de um armário de material esportivo com um Beaumont.
Capítulo cinco
Meu coração está quase saltando pela boca, quando escuto a porta se fechando no pequeno espaço e Daniel me encara na semiescuridão.
Parece tão íntimo estar ali com ele. E tão... Perigoso.
E tão... Perfeito.
Mas muito, muito errado.
– Daniel... Não deveríamos estar aqui – fico aflita.
– Calma, Anna.
Sua voz está serena e ele sorri. Se pelo menos ele não fizesse isto...
Cruzo os braços sobre o peito e tento me manter calma.
Não há motivo para pânico. Ou medo.
Ou excitação.
É apenas uma conversa civilizada entre colegas de classe.
– O que de tão importante tem para falar comigo?
– Quem era aquele cara com você ontem?
Eu franzo a testa, confusa com a pergunta.
E também porque Daniel parece subitamente sério. Como se não fosse fazer aquela pergunta e ela tivesse saído da sua boca do nada.
– Meu amigo.
– Estavam saindo pra um encontro.
Eu mordo os lábios, desviando o olhar pensando se minha saída com Tyler caracterizava um encontro.
Eu não estava pensando assim na hora.
Mas ele havia me beijado.
– Somos apenas amigos – respondo por fim. – E eu achei que você queria falar comigo sobre o trabalho de literatura.
– Sim, o trabalho que poderíamos ter dado prosseguimento ontem, se não tivesse saído com seu... amigo.
– Eu não fazia ideia de que era esta sua intenção.
– Se soubesse, teria desmarcado com ele e ficado comigo?
– Ficado com você? – pergunto.
– Para fazer o trabalho? – sua voz agora está baixa. Íntima.
Seus dedos brincam com uma mecha do meu cabelo distraidamente.
Sinto-me deslocada com sua proximidade.
Seu hálito doce varre meu rosto, respiro mais rápido. Nossas respirações se movem juntas no ar.
– Como fizemos na sua casa? – Há um quê de acusação em minha voz, embora esteja tão baixa quanto a dele.
– Quer que eu peça desculpas por ter beijado você?
Me desconcerto. Eu quero desculpas?
Eu quero mais?
– Não vai acontecer de novo – me vejo dizendo, embora uma parte bem louca dentro de mim grite o contrário.
Ainda há muito da Anna sensata no comando. A Anna que intui que precisa colocar um basta naquele jogo de Daniel Beaumont.
Porque algo pode estar muito errado.
– Não posso te beijar de novo? – suas palavras são acompanhadas pela incursão dos dedos mornos de meus cabelos para meu rosto, até meus lábios, que se entreabrem.
Mal posso respirar.
Estou queimando.
– Não faça isto... – imploro.
Sei que estou me perdendo facilmente.
Aquela parte louca dentro de mim está nocauteando a parte sensata.
Ele ri. E sua risada só piora tudo.
Fecho os olhos e mordo os lábios pra não gemer, esquecendo que seu dedo está ali, e acabo mordendo-o.
E é ele que geme.
Abro os olhos.
– Me desculpe – balbucio.
E ele ri novamente.
– Você é tão absurda – ele agora acaricia meu rosto. – E eu amo este seu rubor, é tão... – ele se inclina e beija minha bochecha. – Lindo.
Engulo em seco.
Esfrego minhas coxas uma na outra para conter o calor que irradia dali. É constrangedor... É insano!
Estou toda derretida porque Daniel Beaumont está beijando meu rosto.
Minhas mãos estão torcendo minha saia nervosamente e eu luto num fervor mudo para não erguê-las e tocá-lo.
Porque eu quero muito, muito isto. É quase uma necessidade.
Respiro fundo tentando manter o resto de sanidade.
Ele tem um cheiro tão bom...
– Daniel, por favor – sussurro. - Se não tem nada mais pra me dizer, acho melhor sairmos daqui, eu tenho um discurso e...
Ele se afasta um pouco.
Eu quase fico aliviada. Mas estou mais é decepcionada.
– Como está seu joelho? – ele pergunta do nada e eu o fito, confusa.
– Joelho?
– Sim, está melhor? Esqueci de perguntar...
E então ele está se abaixando, o vejo ajoelhado diante de mim.
As mãos em minha perna. Ele levanta levemente meu joelho.
Perco o ar. Para em seguida começar a ofegar como se tivesse corrido uma maratona.
– Daniel, por favor – gemo, entre o constrangimento, a consternação e a mais pura excitação.
Ele levanta o olhar.
Verdes. Dourados. Famintos.
Oh Deus.
– Por favor, o quê? - sua voz parece veludo e acaricia minha pele como se as próprias mãos estivessem passando em mim.
Enfraqueço.
Minha garganta se fecha e eu não consigo responder.
Só sei que meus olhos imprimem algum tipo de mensagem que vai além do meu consciente.
E estou à beira de um ataque cardíaco quando ele abaixa a cabeça e beija meu joelho.
Eu fico olhando, incapaz de desviar o olhar, hipnotizada.
Meu coração está disparado no peito.
Suas mãos estão uma em cada perna e sobem por minha coxa. Sobem minha saia.
Tocam as laterais da minha calcinha.
Não. Não. Não.
Isto não está acontecendo, está?
Sim, está.
Daniel Beaumont está deslizando minha calcinha para baixo e eu fecho os olhos.
Deixando de pensar de vez quando ele respira em mim.
Bem ali, onde eu estava queimando. Ansiando.
Desejando.
Então ele me beija.
Intimamente. Perversamente.
E as sensações explodem dentro de mim.
Lábios. Língua. Dentes.
Uma vez. Duas.
Paro de contar.
Algo está sendo construído dentro de mim, aumentando.
Assim como o ritmo da minha respiração e do meu coração.
Assim como os gemidos em minha garganta.
Por um momento abro os olhos e vejo os cabelos castanhos entre minhas pernas e a realidade do que está acontecendo bate em mim como um chicote.
Mas é tarde demais. Eu estou além.
Tão perto, tão perto...
Eu fecho os olhos e me deixo ir.
Meu corpo inteiro estremecendo em mil espasmos que começam onde Daniel me toca e se espalham como fogos de artifício em minha pele, explodindo minha mente.
É a sensação mais perfeita do universo e eu desejo por um instante que não termine nunca.
Infelizmente termina.
E eu fico ali, suada e ofegante e abro os olhos. Horrorizada, fascinada vendo Daniel Beaumont ajeitando minha roupa no lugar e se levantando.
Ele sorri.
E acaricia meu rosto.
– Por que fez isto?
– Por que você pediu.
– O quê?
– Seus olhos dizem tanta coisa, Anna, é quase como ler sua mente.
– Eu não, eu...
Mas sei que seria uma mentira.
Eu não podia imaginar o que ele ia fazer, que eu quisesse algo sequer parecido.
Porém... de alguma maneira eu queria alguma coisa.
Isto era fato.
Meu rosto se tinge de vermelho escarlate.
Daniel me beija delicadamente.
E então se afasta.
– Acho que tem um discurso a fazer.
Ele abre a porta e eu saio cambaleante.
– Ei Anna, onde se meteu?
Jena segura minha mão e me puxa.
– Estamos atrasadas!
De repente estamos entrando no auditório. Vários rostos se viram para nós.
Jena me encara pela primeira vez.
– Que diabos aconteceu com você?
– O quê?
– Parece que foi atropelada. – Joshua comenta.
E eu olho vagamente para minha imagem no vidro e arregalo os olhos de horror.
Estou toda descabelada. Minha saia amarrotada.
Meu rosto vermelho.
– Annalise Nicholls, sua vez! – o diretor chama.
– Que seja, não temos tempo pra te arrumar agora. – Jena me empurra. Tropeço ao subir os poucos degraus do palco.
Caminho desejando estar em qualquer lugar menos ali, minha mente ainda girando em pensamentos desconexos quando me coloco em frente ao púlpito e encaro os alunos.
Escuto umas risadinhas na primeira fila e lá estão os Beaumont.
Eles estão rindo de mim?
Por um momento insano acho que eles sabem exatamente o que aconteceu naquele armário, mas rapidamente volto à razão.
Claro que eles não sabem, como poderiam?
Escuto a porta do auditório se abrir e vejo Daniel entrar, mas desvio rapidamente os olhos.
Não posso sequer olhar pra ele, porque eu me lembraria e... Eu não consigo desviar o olhar, enquanto ele vai se aproximando e senta ao lado dos irmãos.
Ele sorri pra mim.
Sim, eu me lembro agora. O auditório se cala com uns “shis” do diretor e todos me encaram à espera.
Olho pra folha na minha frente, as palavras dançam desconexas.
Ainda sinto o toque de Daniel.
A boca de Daniel...
– Anna? – Jena sussurra de algum lugar. – Anda logo!
Eu respiro fundo e me obrigo a ler o discurso.
Se me perguntassem depois o que foi que eu falei, eu não teria a mínima ideia.
Meus pensamentos estavam em outro lugar.
Estavam em Daniel Beaumont.
E eu temia que iam ficar por lá um longo tempo.
***************
– Não foi tão ruim assim.
Joshua me reconforta saindo da escola naquela tarde, enquanto Jena está uma pilha de nervos e não para de anotar em seu caderno tudo o que devemos fazer para tentar “salvar minha candidatura”.
– Está exagerando, Jena. – Fiona diz timidamente.
Jena lhe lança um ameaçador que faz Fiona encolher.
– Você viu o discurso de Charlotte Beaumont? Viu?
– Ela é boa. – Joshua confirma e é o alvo da vez do olhar mortal de Jena.
– Sim, ela é boa. Ela é uma Beaumont.
– Mas, você mesmo disse que tínhamos muita chance...
– Isto foi antes da Anna discursar como se tivesse fumado crack!
Joshua começa a me defender de novo, eu não estou realmente escutando.
Estamos saindo pela porta da frente e o sol quente me surpreende.
– Que tempo louco. – Fiona murmura. – Tchau gente – ela acena e se afasta em direção ao seu namorado Ben que a espera ao lado do carro.
– Quer uma carona, Anna? – Joshua pergunta, enquanto Jena resmunga consigo mesma em suas anotações frenéticas e nem parece perceber minha presença.
Eu deveria estar me sentindo mortificada e envergonhada por ter estragado tudo.
E uma parte de mim realmente está.
Mas há aquela outra parte, a que ainda lembra. E sente. E que não se importa nem um pouco com uma eleição boba de grêmio ou a opinião de alguém chato como Jena.
Aquela pequena parte de mim que está varrendo o estacionamento com os olhos ansiosos e parando no seu alvo.
Daniel Beaumont.
– Acho melhor ir comigo em vez de aguentar a Jena hoje. – Joshua continua, eu não presto atenção.
Daniel está parado ao lado do seu carro. Me esperando.
Eu sei que está.
Não precisa nem uma palavra ou gesto.
– Me desculpa, Joshua, eu já tenho carona – respondo, deslizando pelo estacionamento na direção do sedan preto.
O sol quente queima meu rosto já corado da pura excitação por ver Daniel ali.
E enquanto eu rompo a distância entre nós, sei que também estou rompendo com a minha última parte sensata.
– Posso te levar pra casa? – ele pergunta, com aquele sorriso de lado deslumbrante.
Eu aceno que sim.
Ele abre a porta do carro e eu entro.
Meu coração está naquele estado lastimável de taquicardia.
E eu estou subitamente nervosa quando ele senta no banco do motorista e dá partida, deixando a escola pra trás, assim como meus amigos boquiabertos.
Eu não me importo.
Aliás, não me importo com nada neste momento.
O percurso é feito em silêncio e eu fico me perguntando o que vai acontecer depois. Não consigo tirar os olhos dele. Estou hipnotizada.
Ele é tão lindo, seus dedos no volante são tão elegantes e compridos e eu quero que ele me toque. Muito.
Dou um pulo, assustada, ao ouvir meu celular tocar. Remexo na bolsa a sua procura. É minha mãe na linha.
– Oi, mãe – fico vermelha, como se minha mãe pudesse saber o que estou pensando.
– Oi, querida. Já está indo pra casa?
– Sim, estou.
– Eu estou no shopping. Tenho um almoço com as senhoras daquela instituição de caridade do clube. Então você se vira quando chegar?
– Claro, não se preocupe.
Eu me despeço e desligo.
Minha mãe não está em casa.
É só o que eu penso quando Daniel para o carro em frente ao meu portão.
– Quer entrar? – pergunto antes que perca a coragem. – Podemos... terminar o que... enfim, fazer o trabalho – completo.
– Sim, podemos acabar o que começamos – ele diz. – O trabalho.
Eu estou tremendo quando desço do carro seguida de Daniel e abro os portões de casa.
Minha casa vazia.
Apenas eu e Daniel.
Capítulo seis
– É um lugar bonito – Daniel comenta atrás de mim.
– Acho sua casa muito mais.
– Não temos esta piscina. Aliás, uma das reclamações de Violet e Charlotte.
– Chove tanto aqui que é difícil aproveitar, pra falar a verdade.
– Não está chovendo hoje. - Eu me viro para encará-lo. - Podemos aproveitar.
– Agora?
– Por que não? Está sol.
E ele sorri. Um sorriso que brilha mais que o sol.
E eu me sinto tonta.
– Sim, podemos. – Incrível como eu estou começando a ficar partidária de todas as sugestões de Daniel Beaumont.
Um arrepio se instala na minha espinha.
– Nós temos... um vestiário ali à esquerda. O Tom deixa várias roupas lá. Acho que achará uma.
– Tom? – o maxilar de Daniel trava e eu me pergunto qual o problema.
– Meu padrasto.
– Claro – ele sorri e eu penso que imaginei sua expressão tensa há alguns segundos.
– E eu vou... trocar de roupa - sigo quase correndo sem olhar pra trás e, quando chego ao meu quarto, longe de Daniel, minha cabeça começa a pensar racionalmente de novo.
Eu tinha mesmo concordado em nadar com Daniel?
Eu, Annalise Nicholls, que definitivamente não gostava de usar biquínis e muito menos era adepta de esportes aquáticos.
Sim, eu tinha concordado. E agora eu não podia voltar atrás, podia?
Com as mãos trêmulas eu fuço minha gaveta à procura dos biquínis que Stella comprou pra mim quando viajamos para Miami para ver um jogo de Tom há alguns meses.
Eram brancos e pequenos.
Eu coro ao me vestir e me olhar no espelho.
Talvez eu deva inventar alguma desculpa e pôr a roupa de volta. Afinal, estávamos ali para fazer o trabalho, não é?
Ou melhor, terminar de ver o filme.
Terminar o que começamos em seu quarto.
Mas, encarar a verdadeira intenção por trás destas palavras me deixa mais nervosa ainda. Então entre “terminar” e ir nadar, eu fico com a segunda opção.
Acho que posso lidar com aquilo. Vamos somente aproveitar o sol, é o que eu digo a mim mesma enquanto caminho até a piscina e me detenho ao ver Daniel já lá dentro.
Ele me mede e sinto um calor que nada tem a ver com o sol quente deslizar por minha pele.
–Você não vem? – Pergunta com a voz divertida.
Entro na piscina com cuidado, rezando para não escorregar e cair. A água está morna e eu me aproximo dele devagar. E me permito admirá-lo no processo.
Deus, ele é lindo.
Seus cabelos estão molhados e seus olhos verdes com pontos dourados parecem mais claros à luz do sol. Do que eu posso ver do seu corpo, seu peito largo lembra uma estátua grega e eu me pergunto qual será sua textura.
Por um momento nós não falamos nada.
Por que ele não fala nada? Eu busco na minha mente algum assunto, meu cérebro parece ter virado geleia.
– Encontrou facilmente uma roupa do Tom?
– Não acho que gostaria de vestir a roupa do seu padrasto.
– Então... – olho para baixo confusa e levanto o rosto rapidamente.
Ele não pode... ele não está...
– Você está nu? – Pergunto horrorizada e ele ri.
– Sim. Você está ficando vermelha.
– Claro que estou! – Exclamo mortificada.
– Calma, Anna. O que acha que vou fazer?
– Eu não sei. E acho que é este o problema – confesso. – Você... me confunde totalmente.
– E isto é bom ou ruim?
Sim, era bom ou ruim?
Estar com Daniel, sentir as coisas que ele me fazia sentir, era totalmente novo pra mim. Era assustador e maravilhoso ao mesmo tempo.
– Se eu sair e colocar uma roupa vai se sentir melhor?
– Não! – eu quase grito. Acho que eu não poderia lidar com ele saindo pelado da piscina. Definitivamente.
– Me desculpa se deixei você envergonhada.
– Não, tudo bem – dou de ombros. – Estou sendo boba.
– Você poderia tirar também. Assim ficaríamos iguais.
Arregalo meus olhos, chocada.
– Não!
– Por que não? – ele se aproxima lentamente. Eu deslizo pra trás.
– Daniel... Não faz isto.
Sua mão toca meu rosto.
– Anna, ei. – ele me obriga a fitá-lo – Não quero que fique assustada. Nunca farei nada que você não queira – ele diz subitamente sério. – Quer que eu vá embora?
Eu quero?
Eu devia querer, mas me vejo sacudindo a cabeça negativamente.
– Não, não quero que vá.
– Então qual o problema? É o tal Tyler?
– O que Tyler tem a ver...?
– Você está apaixonada por ele?
– Não! De onde tirou isto?
– Eu só queria ter certeza.
– Ele é apenas meu amigo como... – eu ia dizer “como você”, mas percebo o absurdo da afirmação.
– Somo amigos então? – Seus dedos agora estão em meu pescoço, contornando minha nuca. Perco o ar e fecho os olhos.
– Achei que fosse mais. – as palavras saem da minha boca sem que eu perceba.
Ele está perto, e eu seu sei disso porque sinto sua respiração em meu rosto. Tão bom...
Ele vai me beijar. Eu preciso que ele me beije. Preciso que se aproxime mais de mim. Que ponha suas mãos em mim.
Entreabro meus lábios.
– Você quer que eu seja mais, Anna? – diz contra meus lábios. Respiro suas palavras. Ele está quase encostado em mim agora. E sim, ele está mesmo nu. Começo a arfar. Esperando. Ansiando.
Mas Daniel se afasta. Abro os olhos, confusa, ao vê-lo longe quase do outro lado da piscina. O quê...
Então escuto passos se aproximando.
– Olá. – A voz de Stella chega aos meus ouvidos e eu me viro.
Lá está minha mãe. E mais algumas mulheres do clube nos encarando sorridentes e curiosas.
Eu devo estar roxa de embaraço ao pensar o que elas poderiam ter visto. E fico pior ainda ao me perguntar se elas conseguem ver que Daniel não veste nada.
– Oi mãe... Achei que estivesse no Shopping.
– Sim, estou vendo. – ela olha de mim para Daniel numa pergunta muda. Seu olhar cheio de curiosidade e um pouco de preocupação. – Quem é seu amigo?
– Ah... Este é Daniel Beaumont. Ele é meu colega de escola.
– Oi, Daniel, eu sou a mãe de Anna, Stella.
– Muito prazer, senhora.
– Não me chame de senhora – ela ri. – Pode me chamar de Stella. Bom, vou deixar vocês curtindo o sol então. Nós vamos entrar, resolvemos ter a reunião aqui mesmo, o shopping estava muito lotado.
Elas desaparecem dentro de casa e eu encaro Daniel, mortificada.
– Me desculpe, eu realmente achei que ela ia demorar.
Ele sorri lentamente.
– Eu sei – o que quer dizer “eu sei que você tinha segundas intenções” Mas eu não tinha.
Ou tinha?
– Acho melhor a gente sair. Ainda precisamos fazer o trabalho.
– Sim, tem razão – ele concorda.
Eu saio primeiro e me enrolo numa toalha.
– Eu vou trocar de roupa. Você pode me esperar na sala depois de... trocar de roupa também.
E corro pra dentro, fugindo como boa covarde que sou. Não quero arriscar ter que vê-lo saindo pelado da piscina.
Escuto minha mãe tagarelando com as amigas na cozinha e subo rapidamente, evitando perguntas embaraçosas.
Visto um jeans e um suéter e penteio o cabelo com os dedos. Apenas as pontas estão molhadas e está com um aspecto esquisito, mas deixo assim mesmo. Melhor descer antes que Stella se aposse de Daniel com perguntas inadequadas.
E estou me aproximando da sala quando escuto o som de um piano.
Temos um piano em casa, o que pra mim é uma grande piada, já que nem eu, muito menos Tom ou Stella sabemos tocar alguma coisa.
Escuto os acordes de Por Elise e me pergunto quem estará tocando, alguma amiga de Stella?
Entro na sala e estaco surpresa ao ver as amigas de Stella por ali, não é nenhuma delas que está tocando e sim Daniel Beaumont.
Ele para de tocar ao me ver.
Minha mãe vem em minha direção.
– Seu amigo é um exímio pianista, Anna – ela bate palmas, entusiasmada e cinge meus ombros com o braço, me levando pra dentro da sala, enquanto sussurra no meu ouvido. – Poderia te dar muitas broncas agora, mas gostei dele.
– Mãe... – digo mortificada, mas certamente ninguém ouviu.
Daniel se levanta do piano e eu o encaro.
– Não sabia que tocava piano.
– Não sabe de muitas coisas a meu respeito.
Agora a sala está cheia de vozes femininas falando ao mesmo tempo e ninguém presta atenção em nós.
– E por que estava tocando aqui?
– Eu estava te esperando como pediu e elas apareceram. Eu perguntei se alguém tocava e sua mãe disse que não e perguntou se eu tocava - ele dá de ombros – e pediu que eu tocasse algo.
– Não precisava concordar.
– Não tem problema.
– Anna, querida – minha mãe chama. – Daniel disse que está aqui para assistirem um filme?
– Sim. Nós vamos subir pro meu quarto. Não queremos atrapalhar a reunião de vocês.
– Tudo bem e, Anna... deixe a porta aberta.
Eu rolo os olhos, envergonhada.
Daniel me segue escada acima e eu me sinto estranha por estar entrando em meu quarto com ele.
E deixando a porta aberta como Stella pediu.
Não posso negar que mil situações estavam se passando pela minha mente desde que Daniel sugeriu que assistíssemos o filme aqui. Porém, certamente eu não quero que nada aconteça com minha mãe bem ali embaixo.
E me sinto decepcionada.
– Então é aqui que dorme – Daniel olha em volta, passando por meu mural de fotos e parando na minha estante de livros.
– Gosta de ler.
– Sim, muito.
– Podemos trocar impressões sobre nossos gostos literários qualquer hora destas.
Eu me surpreendo ao gostar demais daquela possibilidade. Até agora eu não sei direito o que sinto por Daniel, o que ele representa pra mim.
Certamente eu estou atraída por ele. Demais. Muito mesmo.
Mas nos conhecemos há dias apenas. E como ele mesmo disse, tem muitas coisas que não sei sobre ele.
Então eu me dou conta de que gostaria de conhecer. Quero saber tudo sobre Daniel Beaumont. E quero que ele saiba sobre mim.
E isto me assusta muito. Porque eu não sei se é o que ele quer.
Tenho vontade de confrontá-lo. De perguntar por que fez aquilo comigo no armário. Só de pensar sinto meu corpo esquentar.
Eu nunca, jamais havia chegado nem perto de algo assim com nenhum garoto. Eu nunca tive um namorado e minha experiência com o sexo oposto era quase zero. Então, estar com Daniel naquela situação, depois de conhecê-lo há poucos dias e ele não ser meu namorado, nem sequer amigo, pra ser sincera, era assustador demais.
Mas eu não consigo lamentar. E sinto que estou num grandessíssimo problema.
Porque eu quero mais.
– Este é seu pai? – ele pergunta diante do meu mural apontando para Michael.
– Sim, ele tem uma loja de artigos de pesca em Olímpia.
– Ele gosta de Tom?
– Que pergunta estranha.
– Me desculpe, estou sendo intrometido?
Eu dou de ombros.
– Não, quer dizer... Meu pai não tem ciúmes da Stella ou algo assim, eles se separaram quando eu era um bebê ainda.
– Tem muitas fotos do Tom aqui – ele comenta.
– Claro, assim como da minha mãe – respondo evasiva. Não quero ficar ali falando de Tom ou do meu pai. – Vamos ver o filme? – Digo pegando o DVD que ele tinha me deixado e o colocando no aparelho.
Quando me viro, Daniel está sobre minha cama.
Mordo os lábios nervosamente ao me aproximar.
Daniel na minha cama. Meu cérebro repete em exultação febril.
É quase patético. Nada vai acontecer. Nada.
Eu sento do seu lado no minuto que minha mãe passa pela porta.
– Tudo bem aqui?
Stella era tão discreta, penso ironicamente. Era tão óbvio que ela estava nos checando!
– Sim, vamos começar a ver o filme agora.
– Querem alguma coisa pra comer?
Eu olho pra Daniel e ele sacode a cabeça negativamente.
– Não, obrigada.
Stella se afasta e o filme começa.
– Quer que eu adiante?
– Podemos ver tudo – ele diz e eu gosto disto.
Quer dizer que passaremos mais tempo juntos.
O filme começa e eu tento prestar atenção. Porém minha cabeça dá voltas.
No fundo sei que não quero ver o filme. Quero conversar com Daniel. Quero perguntar o que ele quer de mim.
Como posso fazer isto? Acho que tenho medo da resposta, é esta a questão.
Fecho os olhos tentando respirar normalmente, enquanto escuto na tela Madame de Tourvel tentando resistir, sem sucesso, aos avanços do Valmont.
– Anna?
Abro os olhos devagar e percebo que em algum momento devo ter adormecido.
– Está acordada? – Daniel pergunta e levanto a cabeça e mortificada, me dando conta de que estou deitada em seu peito.
– Eu dormi?
Ele ri.
– A maior parte do filme – suas mãos acariciam minhas costas.
Eu sei que tenho que me afastar, mas não faço isto.
Os créditos aparecem na tela.
Eu o encaro. Tão perto.
Suas mãos continuam nas minhas costas.
– O que perdi?
– Ele se apaixonou por ela no final – responde suavemente.
– Ele morre no final – eu já terminara o livro.
– Sim, morre. – Daniel parece pensativo. - Acha que foi um castigo por seus atos?
– Talvez...
– Acha que o fato de ele se apaixonar por ela justifica alguma coisa?
– Não sei... E as outras seduções? Estas não têm justificativa.
– E se fosse somente ela?
– Mesmo assim seria errado, não é? Quando ele se apaixonou podia ter rompido com a Marquesa de Merteuil, ele preferiu continuar fiel a ela. E magoou Madame de Tourvel.
– Ela morre também – ele fica pensativo. – Acha possível alguém morrer de amor?
– Ela não morre de amor. Morre de decepção. Ela não consegue conviver com a traição de Valmont.
– Então acha que ela nunca deveria perdoá-lo?
– Ele não pede perdão. Ele vai embora a deixando destruída e arrasada. Ele merecia morrer mesmo. Só que eu no lugar dela não teria morrido.
– E o que você teria feito?
– Eu teria me vingado.
Daniel ri.
E seus dedos tiram uma mecha de cabelo do meu rosto colocando-a atrás da minha orelha. Estremeço.
De repente o clima muda. E me dou conta de que ainda estamos grudados.
Suas mãos em mim.
Sua boca a poucos centímetros da minha.
Então escuto passos na escada e no segundo seguinte, estou do outro lado da cama.
Minha mãe aparece na porta.
– Tudo bem por aqui?
– Sim, o filme acabou – eu me levanto indo desligar o DVD.
Daniel se levanta também.
– Eu vou embora – anuncia.
– Já? Não temos que fazer o relatório? – pergunto rápido.
Não quero que ele vá embora.
– Podemos fazer amanhã. Na minha casa – ele completa e eu quase desmaio
Claro. Na casa dele.
Sem a chata da minha mãe exigindo portas abertas.
Eu mal posso esperar.
– Tudo bem então.
Depois que Daniel vai embora, minha mãe insiste em me preparar um lanche, sei que é uma desculpa para me encher de perguntas.
– E então, quem é este garoto?
– Eu já disse, meu colega de escola.
Ela levanta as sobrancelhas.
– Só isto?
– Sim – fico vermelha ao mentir e espero que ela não perceba. – Nós estamos fazendo juntos este trabalho de literatura e só. Nem fazemos parte do mesmo grupo de amigos.
– Por que não?
– Ele é rico e...
– Também somos, qual o problema?
– O Tom é.
– Nós somos Anna, que coisa!
– Os Beaumont são diferentes.
– Diferentes como?
Como poderia explicar pra minha mãe?
– Olha, mãe, deixa pra lá. Se você queria perguntar sobre o Daniel, o que eu tenho pra dizer é isto.
– O que estavam fazendo na piscina então, se iam só fazer um trabalho?
Eu coro.
– Estava sol e eu o convidei, apenas isto.
– Sei... Acha que eu acredito mesmo que este garoto é só “um colega”.
– Você pode acreditar no que quiser, mãe – eu me levanto querendo encerrar aquele interrogatório. – Vou subir e tomar um banho.
– Não precisa ficar nervosa, sou sua mãe e quero saber se está mesmo saindo com este rapaz, caso esteja, precisa tomar certos cuidados...
– Mãe, pelo amor de Deus! Já tivemos esta conversa anos atrás lembra?
– Naquela época não tinha namorado.
– Daniel não é meu namorado!
– Ainda... – ela pisca e eu rolo os olhos me afastando.
Stella era tão irritante às vezes!
Mas o “ainda” fica na minha cabeça.
Será que havia alguma chance de Daniel vir a ser meu namorado?
E eu gostaria que ele fosse?
Sim. Gostaria muito.
À noite, Jena me liga. Parece ainda chateada com o lance do discurso e é curta e grossa ao perguntar se podemos nos encontrar amanhã à tarde.
– Amanhã é sábado, Jena. – “E amanhã acho que tenho um encontro com Daniel”.
– E daí? Precisamos trabalhar sua postura em público.
Ah Deus, por que eu fui concordar com aquela candidatura mesmo?
– Talvez eu tenha um compromisso...
– O que é mais importante que sua candidatura? Você não está levando isto a sério.
– Amanhã eu não posso de verdade.
– É algum compromisso com seu padrasto?
– É sim – minto.
– Tudo bem. Mas não pense que vou te deixar em paz viu? Você vai ter que levar sua candidatura a sério.
– Claro que sim. Eu me dedicarei mais durante a semana, ok?
– Promete?
– Prometo.
Jena desliga e minha mãe me chama pra jantar.
Ela parece aborrecida. E eu me pergunto qual o problema.
– Cadê o Tom?
– Não virá jantar, tem um jantar do clube.
– Certo... Por isto está com esta cara?
– Não. – ela força um sorriso, embora eu saiba que está chateada.
– Mais algum telefonema estranho?
– Não... Hoje não teve nenhum. Amanhã de manhã virão instalar um identificador de chamada.
– Que ótimo.
Ela fica em silêncio o resto do jantar e eu também.
Stella não é de ficar aborrecida e isto me preocupa. Como ela sempre fala comigo sobre seus problemas, acredito não deve ser nada sério, senão me diria.
– Quer assistir um filme comigo? – pergunto quando acabamos de comer.
– Não, eu vou dormir cedo, estou com dor de cabeça.
– Já tomou remédio?
– Eu vou tomar, não se preocupe.
Eu vou pro meu quarto e coloco meu pijama. Ligo pra Michael e temos uma conversa curta como sempre. Michael não é de muitas palavras.
E quando desligo, me surpreendo ao ouvir o celular tocar. Não reconheço número.
– Alô?
–Anna? É Daniel.
Meu coração dispara.
E eu sinto algo parecido com... a mais pura felicidade.
– Oi...
– Estava dormindo?
– Não, está cedo.
– Estou te atrapalhando?
– Claro que não.
– O que está fazendo?
– Nada... Eu falei com meu pai e agora ia ler um livro, acho. E você? – pergunto toda corajosa.
– Estava pensando em você.
Eu fecho os olhos e mordo os lábios para não suspirar.
– E pensando que não marcamos nosso encontro para amanhã.
– Encontro? – ele falou encontro?
– Para fazer o relatório.
– Ah, claro... Que horas podemos nos encontrar?
– À tarde, assim teremos mais tempo. Eu te busco em casa, pode ser?
– Tudo bem.
– Às 15 horas?
– Certo, combinado...Então, até amanhã.
– Até amanhã, Anna.
Eu desligo e fico olhando para o telefone.
Era impressão minha ou a voz dele parecia um tanto impessoal?
De repente meus pensamentos são interrompidos por vozes alteradas e eu me levanto preocupada, indo para o corredor.
E me surpreendo ao ver Tom e Stella discutindo na sala.
– Você disse que nunca mais... – ela grita.
– Está exagerando Stella...
– Exagerando?
Então ela me vê e para de falar.
– Anna?
– Estão brigando?
– Claro que não – minha mãe sorri, tensa. – Eu nunca vi Tom e Stella discutindo antes e estou meio chocada. – Vá dormir querida, está tudo bem.
– Mãe?
– Por favor, Anna.
Eu acato sua ordem e vou pro quarto.
E não escuto mais nenhum grito.
Naquela noite sonho com Daniel Beaumont. E acordo ansiosa porque hoje vou encontrá-lo de novo.
Eu mal posso esperar.
Capítulo sete
Aparentemente tudo continua na mais perfeita normalidade quando desço para tomar café na manhã seguinte. Tom está por ali, como na maioria dos sábados que não tem treino.
– Bom dia! – Eu lanço um olhar curioso dele pra minha mãe, tentando ver se ainda há algum resquício da discussão de ontem à noite, os dois parecem relaxados e sorriem.
– Bom dia, querida, dormiu bem? – Stella pergunta.
– Sim, dormi – embora não fosse bem verdade. Eu passara a noite sonhando com Daniel, me sentindo ansiosa sobre o dia de hoje.
Ainda agora sinto tremores de expectativa traspassar minha espinha e um frio na barriga só de imaginar o que irá acontecer.
– Está sol, podemos sair e ir ao clube. – Tom diz e Stella sorri animada.
– Sim, acho perfeito!
– Eu não posso – digo rápido.
– Por que não?
– Eu vou sair hoje à tarde. Tenho que fazer um trabalho de escola.
– Podemos ir agora de manhã, depois almoçaríamos juntos e deixamos você onde precisar.
Tento pensar numa desculpa para recusar, não encontro nenhuma.
– Tudo bem – respondo, tentando soar animada.
Pelo menos terei alguma coisa pra me ocupar até a hora de encontrar Daniel. Se ficasse ali, corria o sério risco de passar a manhã me contorcendo de ansiedade e dor de estômago, sonhando acordada com mil possibilidades rondando minha mente.
– Certo, vou subir e trocar de roupa então.
– Coloque algo fresco, hein? Nada de jeans neste calor. – Stella avisa.
Eu troco de roupa mil vezes, pensando o que seria adequado para ir ao clube e depois fazer um trabalho na casa de Daniel. Obviamente eu tenho muitas roupas que nunca foram usadas. Todas compradas por Stella ou presentes de Tom. Eu sempre opto por usar constantemente roupas simples e informais, jeans e camisas bem comuns quando não estou com o uniforme da escola. Eu já disse muitas vezes para minha mãe que todas aquelas roupas são um exagero, ela não costuma me dar ouvidos. Porém, hoje abro o guarda-roupa e procuro algo interessante.
Nada parece ser o certo. Não quero me arrumar demais e fazer Daniel pensar que estou vestida daquele jeito de propósito. O que é bem contraditório, já que minha mente tem sérios propósitos para hoje, embora eu continue tentando manter o foco no trabalho.
Daniel me convidou para ir até sua casa porque somos colegas de turma e precisamos concluir um trabalho de escola. Eu preciso manter isto em mente.
Mas, e se acontecer alguma coisa...
– Para com isto, Anna – repreendo a mim mesma, tirando o décimo vestido e jogando de volta dentro do armário. Então meus olhos passam por uma saia do uniforme jogada por ali e sem pensar muito eu a coloco. E mesclo com uma miniblusa branca.
Talvez isto me faça entrar nos eixos e parar de pensar besteira.
Enquanto me verifico no espelho ao prender meus cabelos, mordo os lábios ao me lembrar das mãos de Daniel subindo minha saia do uniforme naquele armário e me pergunto se teria a mínima chance de algo assim acontecer hoje de novo.
Coro violentamente ao me dar conta dos rumos dos meus pensamentos. Não consigo afastá-los das infinitas possibilidades enquanto passo as horas com Stella e Tom naquela manhã.
Horas se arrastam, sem sentido, meu pensamento longe e minha cabeça nas nuvens.
– Está distraída hoje, querida. – Stella comenta enquanto estamos saindo do restaurante.
Tom está ocupado tirando foto com alguns fãs.
– Estou? – Pergunto evasiva. Agora eu estou ansiosa de novo. Falta pouco para estar com Daniel.
E qualquer coisa pode acontecer.
– Claro que sim! – Stella insiste, me encarando especulativamente.
E antes que eu consiga pensar numa resposta coerente, meu celular vibra e eu olho a mensagem, prendendo a respiração.
“Posso ir te buscar? Daniel”
– Quem é? – Stella indaga, curiosa.
– Um colega da escola – estou corando e sei disto.
– Com quem vai fazer o trabalho hoje?
– É sim.
– E este colega chama Daniel?
– Sim, ele mesmo – respondo, dando de ombros e digitando uma resposta rapidamente, sem encarar Stella.
“Não. Eu estou almoçando com minha mãe e ela me leva na sua casa depois. Devo chegar em meia hora”
– Sei... – Eu sei que ela quer fazer muitas observações, felizmente sou salva pelo retorno de Tom.
– Eu acabei de receber uma ligação. Terei que voltar ao clube para uma entrevista. Vocês podem ir sem mim?
– Agora? – Stella parece contrariada, o que não é do seu feitio e eu me pergunto se tem algo a ver com a briga de ontem.
–Sim, eu sinto muito, foi algo de última hora.
Ela respira fundo, mas sorri.
– Tudo bem.
– Fiquem com o carro, eu pego um táxi – ele passa a chave pra Stella.
Nós nos despedimos e eu entro no carro com Stella.
– Está chateada, mãe? – pergunto delicadamente e ela me lança um olhar surpreso.
– Claro que não.
– Mas ficou quando Tom disse que teria que ir ao clube.
– Oras, Anna. Fiquei um pouco sim. Afinal, hoje é sábado e íamos ficar juntos, enfim, são ossos do ofício. Onde fica a casa do Daniel?
Eu digo a ela como chegar lá, e fico esperando as perguntas e recomendações. Elas nunca vêm. Stella parece ter o pensamento mais longe do que o meu. E se não fosse eu estar tentando conter minha ansiedade, teria insistido para ela me contar qual era o problema.
– Que horas venho te buscar? – Pergunta quando para o carro em frente à casa de Daniel.
– Não precisa, eu pego um táxi.
– Tudo bem. Se precisar me liga. E não volte tarde.
– Pode deixar. – Eu pulo do carro e toco a campainha. Meu coração parece que vai saltar no peito quando a porta se abre e lá está ele.
Tão perfeito como nos meus sonhos.
Perco o ar por alguns instantes.
– Olá, Anna.
– Oi – respondo entre envergonhada, ansiosa e feliz por finalmente estar ali.
Com seus olhos verdes sobre mim, me medindo com uma indolência curiosa, enquanto faz um sinal para eu entrar.
– Seus irmãos estão em casa? – Questiono timidamente, torcendo para que a resposta seja negativa.
– Não. Eles saíram – responde evasivo, fechando a porta atrás de nós e fazendo um sinal para segui-lo.
Eu caminho atrás dele pelos corredores banhados levemente pelo sol da tarde e pergunto se estamos sozinhos na sua casa. Se ele vai me levar pra seu quarto.
Se vai me beijar como estou sonhando desde que ele saiu da minha cama ontem.
Se...
Saio do meu estado fantasioso quando ele abre a porta de um cômodo desconhecido e se afasta pra eu entrar.
Estamos numa espécie de biblioteca. Ou escritório. Há estantes cobertas de livros de cima a baixo e uma mesa de escritório num canto.
Definitivamente não é seu quarto.
Eu sinto um desapontamento instantâneo.
– Podemos fazer o relatório aqui – ele puxa uma cadeira estofada para eu me sentar.
Eu afundo na cadeira junto com minhas esperanças tolas, enquanto Daniel senta do outro lado.
Ele parece sério e distante.
– É muito bonita essa... sala – digo, sem saber o que fazer. Ou o que pensar.
Estou muito confusa.
Nada está saindo como planejado.
– Sim, é bem tranquila. Vamos poder fazer o trabalho sem problemas.
Ah claro. O trabalho.
Quem liga pra esta porcaria de trabalho? Tenho vontade de perguntar, mas me contenho.
Foco. É disto que eu preciso agora.
– Certo. Eu posso escrever e você me diz o que está pensando – falo, com a voz impessoal pegando um bloco de anotação.
Daniel abre um laptop.
– Será mais fácil se fizermos direto no editor de texto.
– Certamente – Fecho o bloco com um safanão, porém, continuo segurando o lápis que bato na mesa impacientemente. – Então, por onde começamos?
Daniel começa a falar, eu não escuto nada. Estou fervendo por dentro. Estou furiosa.
Eu estava sendo ridícula o tempo inteiro.
Obviamente as minhas expectativas não eram as mesmas de Daniel para aquela tarde. Enquanto eu estava enchendo minha mente de fantasias bobas, ele estava pretendendo mesmo fazer um relatório.
Como se aquela cena no armário da escola nunca tivesse existido.
Mas existiu. E eu não posso esquecer.
– Por que fez aquilo lá no armário? – as palavras saltam da minha boca antes que eu consiga contê-las e Daniel me fita surpreso com meu ataque.
Eu deveria estar mortificada, mas, que se dane.
Estou cansada de Daniel Beaumont bagunçando minha cabeça.
– Eu disse – ele responde simplesmente, me lembrando de sua resposta quando fiz a mesma pergunta lá mesmo, no armário.
– Sabe que não é disto que estou falando... – eu bufo. - Você me confunde, Daniel! – Explodo – Uma hora está todo sedutor e outra... age como se não tivesse o menor interesse em mim.
– Minha vida seria muito mais fácil se eu não tivesse nenhum interesse em você – ele responde por fim.
“A minha também, acho que temos algo em comum.”
– Por quê? – pergunto.
– Você não quer saber. – ele fecha o laptop com um toque irritadiço e se levanta, ficando de costas pra mim, olhando para o jardim além da parede de vidro.
Eu me levanto também.
Um silêncio tenso recai sobre nós.
Eu quero parar. Quero fugir. Sumir e esquecer de Daniel Beaumont e seus sinais confusos.
Mas já fui longe demais pra desistir.
– Eu queria saber o que quer de mim.
Ele se volta e me encara.
– E o que você quer de mim?
Sim, o que eu quero? Pergunto a mim mesma, mergulhando no seu olhar atormentado.
E sei que não posso mais fugir.
É tarde demais pra mim.
– Quero me beije – confesso.
Ele não se mexe, mas seus olhos se estreitam com um novo brilho.
– Quero que paremos de fingir que estamos fazendo este trabalho estúpido – vou em sua direção, como se um imã invisível me puxasse para ele. - Quero que ponha as mãos em mim. Quero que faça de novo o que fez naquele armário, quero...
Não termino de falar, sua boca esmaga a minha.
E eu gemo em seus lábios. Derreto em seus braços que me levam pra ele.
Meus próprios braços o cingindo com força, meus dedos indo direto para seu cabelo glorioso, ao mesmo tempo em que sua língua ia direto para a minha.
Nós dois gememos. O contato fazendo uma fogueira se acender entre nossos corpos.
Exulto quando ele me coloca em cima da mesa e escuto tudo indo ao chão.
O beijo se torna voraz, faminto. Assim como nossas mãos, que amassam, procuram, afagam.
Meus dedos puxam seus cabelos.
Seus dedos desfazem meu rabo de cavalo.
Minhas pernas cingem sua cintura.
E eu me excito inteira com o contato estreitado entre nós. Não é suficiente. Nada parece ser suficiente, e eu estou ansiosa e frustrada quando finalmente ele interrompe o beijo, sem me soltar, para que possamos respirar.
Ao contrário, suas mãos descem num toque ansioso por minhas costas até meus quadris, me apertando mais contra ele.
Eu gemo contra a sua boca, que respira quente em mim.
– Deus... Anna, você me deixa louco – ele rosna, mordendo meu lábio inferior e eu me contorço em seus braços. – Você não faz ideia de como eu quero pôr minhas mãos em você...
– Então põe – ofego, perdida. - Ponha suas mãos em mim, Daniel – exijo.
Meu corpo inteiro pulsa numa vibração quente, úmida e eletrizante.
Com um gemido rouco, ele volta a me beijar com força.
Mas como se viesse de muito longe eu escuto uma batida na porta e Daniel interrompe o beijo resmungando um palavrão baixo.
– O quê... – eu abro os olhos, aturdida e só tenho tempo de pular da mesa quando Daniel se afasta e a porta se abre.
Uma mulher muito bonita está nos encarando com um sorriso curioso.
– Não me avisou que estava com visitas, Daniel - sua voz é doce e carinhosa, apesar do tom de recriminação.
Daniel passa a mão pelos cabelos bagunçados e tarde demais eu me pergunto como devem estar os meus próprios cabelos.
E coro de vergonha.
– E devia nos apresentar – a mulher continua me encarando. – Eu sou Lydia Beaumont, mãe de Daniel, embora ele pareça ter perdido toda a educação e não tenha nos apresentado.
– Mãe, esta é Anna – ele diz e parece contrariado.
Será que não queria que eu conhecesse a mãe dele? Ou está só irritado porque fomos interrompidos?
– Olá Anna – Lydia sorri pra mim. – O que estão fazendo?
Eu desvio o olhar, mais vermelha que um pimentão ao me lembrar exatamente o que estávamos fazendo antes de ela entrar.
– Um relatório para a escola – Daniel responde.
E então escutamos vozes próximas.
– Seus irmãos chegaram - Lydia conclui e eu olho pra Daniel. Ele parece ainda mais contrariado.
– E nós já vamos – ele diz.
– Mas... – eu o encaro sem entender.
– Não vamos conseguir fazer nada com eles por aqui – conclui e eu me pergunto se está falando do relatório ou do que estávamos fazendo antes...
– Bom, vocês que sabem. – Lydia me encara antes de sair. – Muito prazer em conhecê-la, Anna.
– Vou te levar para casa. – Daniel se abaixa para pegar algumas coisas que estavam no chão.
– Mas nós não...
Ele não responde, apenas pega minha mão me puxando para fora. Nós não encontramos seus irmãos no caminho, indo direto para a saída e depois até o carro de Daniel.
E estou mais confusa do que nunca.
Eu pensei que estávamos finalmente nos entendendo.
Quer dizer, pelo menos eu estava sendo sincera ao mostrar o que eu queria dele até sua mãe nos interromper.
Agora Daniel parecia tão frio como antes.
– Por que exatamente me trouxe pra casa? – pergunto, quando ele estaciona em frente a minha casa. – Achei que íamos fazer um relatório.
Ele ri.
Eu me arrepio.
– Anna, você mesmo disse que era para pararmos de fingir. Não estávamos fazendo relatório nenhum.
Eu desvio o olhar, corada.
– Eu...
– Diga – ele pede e eu o encaro. – Diga o que quer dizer. Achei extremamente... estimulante sua eloquência no meu escritório.
Eu respiro fundo, sentindo subitamente o ar rarefeito dentro do carro.
E limpo a garganta pra falar.
– Estávamos nos beijando. E sua mãe nos interrompeu. E agora você está agindo como se nada tivesse acontecido.
– E isto te irrita.
– Isto me magoa.
Minha voz sai mais queixosa do que deveria, mas eu não consigo evitar este surto de sinceridade que me acomete.
– Estou magoando você – ele parece surpreso.
Parece aturdido.
– Apenas quando age assim. Me confundindo.
– Talvez eu também esteja confuso.
Daniel Beaumont confuso? É difícil de acreditar.
– E o que vamos fazer?
– O que você quer fazer? – ele devolve a pergunta como fez na casa dele.
– Talvez devêssemos deixar tudo como está – respondo sensatamente, mas, só de pensar em deixar Daniel, sinto uma dor oprimindo meu peito.
– É o que realmente quer?
– Eu já disse o que quero lá na sua casa - falo corajosamente.
E meu pulso acelera quando sinto seu olhar em minha boca e ele levanta a mão e traça meus lábios com o dedo. Derreto lentamente.
“Beije-me Daniel. Beije-me muito e sem parar” é o que eu quero gritar.
– Eu queria ter forças para ficar longe de você... – ele diz se aproximando e sinto seu hálito em minha língua. Seguro sua mão e beijo seus dedos.
– Eu digo o mesmo - murmuro e espero.
O beijo ainda está pairando no ar quando escuto um carro se aproximando.
Eu me viro e reconheço o carro de Tom.
– Droga – me afasto de Daniel que segue meu olhar.
– Quem é? – ele pergunta.
– Deve ser minha mãe... Eu preciso ir.
– Você quer ir? – ele pergunta e eu prendo o fôlego.
– Inferno... Não!
Então sem falar nada, ele dá partida no carro e sai cantando pneus.
E só quando estamos longe da minha rua que eu me permito respirar.
– Tudo bem? – Daniel pergunta quando para num farol vermelho.
E eu solto um riso nervoso.
– Sim, tudo bem – respondo, ele sorri pra mim e só me resta a opção de sorrir de volta.
E de repente estamos rindo sem parar.
E seus dedos se entrelaçam nos meus, quando ele dá partida de novo.
– Aonde vamos? – pergunto.
– Qualquer lugar que queira ir.
Me sinto no paraíso.
Capítulo oito
Olho para seus dedos entrelaçados com os meus e mordo os lábios para não suspirar alto.
Para onde você quiser, ele disse e, por um momento louco, eu quero pedir para ele me levar de volta pra sua casa. Para seu quarto.
Não há nada que eu queira mais do que ficar sozinha com ele. Me beijando. Me tocando. Me amando.
A palavra amor surge na minha mente e me assusta.
O que eu sei sobre amor? Nada.
E Daniel?
Por um momento louco eu quero perguntar o que ele sente por mim. Se sente algo tão louco quanto aquela quase obsessão que eu sinto. A vontade compulsiva de sentir sua boca e mãos em mim. Talvez seja cedo para usar qualquer rótulo. Eu mesma nem sei o que sinto, além daquelas borboletas sobrevoando meu estômago pelo simples fato de ele estar segurando minha mão.
E neste momento eu estou delirando de ansiedade e exultação.
Então o que importa para onde vamos? Eu quero estar com ele.
– Anna? – ele me chama, me tirando dos devaneios e eu sorrio timidamente.
– Não importa – digo por fim.
Ele sorri lentamente. Lindamente.
E me pergunto de novo se há alguma possibilidade de ele me levar pra sua casa novamente.
Será que é isto que eu quero? Encarar de novo os outros Beaumont?
Porém, minutos depois, eu sou surpreendida quando Daniel para o carro em frente a praia de Alki Beach, em West Seattle.
Eu nunca estive naquela praia, embora seja um lugar conhecido na cidade. Turistas caminham pela areia cinza aproveitando a tarde de sol e eu encaro Daniel quando saímos do carro.
– Nunca estive aqui – digo, ele sorri e segura minha mão.
– É um dos meus lugares preferido em Seattle.
E eu posso entender. É realmente bonito, embora esteja bastante cheia àquela hora. Mesmo assim, enquanto caminhamos em direção ao píer, não me importo com nada. Daniel segura minha mão e torna qualquer lugar perfeito.
– Por que nunca veio aqui?
– Não sou a maior fã de praia e geralmente chove o tempo todo. Na verdade eu moro em Seattle há pouco tempo, não tive oportunidade de conhecer quase nada.
– Bom, podemos corrigir isto hoje – ele diz, sorrindo pra mim. E eu sorrio de volta, deslumbrada com sua beleza e perfeição.
E não me oponho quando pegamos um daqueles táxis aquáticos com os turistas, admirando a vista da cidade com Daniel do meu lado falando sobre pontos importantes.
E eu bebo suas palavras, tão embevecida com sua voz perfeita que, em dado momento, nem reparo que estou ajeitando seus cabelos castanhos com meus dedos impacientes, reparando que na verdade eles adquirem um tom quase dourado a luz do sol, até que ele ri e segura minha mão, levando aos lábios e depositando um beijo no meu pulso subitamente acelerado.
Eu estremeço.
– Está com frio? – ele passa sua blusa a minha volta também e eu rio o encarando.
E parece muito normal que eu fique na ponta dos pés e o beije, totalmente alheia às pessoas a nossa volta.
É um beijo diferente daquele trocado na sua casa, cheio de paixão e ansiedade. É quase casto em sua simplicidade, apenas um roçar delicado de lábios. Mesmo assim faz meu corpo aquecer, só que de uma forma diferente.
Me aconchego a ele ao sentir seus braços me rodeando e enterro meu rosto em seu pescoço, aspirando seu cheiro único e delicioso.
Eu poderia ficar assim pra sempre.
Presa no momento em que percebi que estou me apaixonando irrevogavelmente por Daniel Beaumont.
Nós saltamos de volta à praia e seguimos em silêncio até o carro.
– Está com fome? – ele pergunta quando entramos no carro e eu sei que não poderia pensar em algo tão trivial como comida estando com Daniel, mas aceno positivamente, apenas pra poder ficar mais tempo com ele.
Não quero que me leve embora ainda.
– Já esteve no Space Needle?
Eu arregalo os olhos.
– Não.
– Então eu vou te levar.
– Achei que íamos comer – digo confusa.
– Nunca ouviu falar do restaurante giratório?
– E existe?
Ele ri.
– Você é pior que os turistas, Annalise Nicholls!
Não me importo que ele esteja rindo de mim, porque sua risada está se tornando o meu som preferido no mundo.
Algum tempo depois, estamos subindo no elevador fantástico que leva exatos 41 segundos para nos deixar no topo, embora o Space Needle tenha 184 metros.
Daniel me leva ao deck de observação e a vista é espetacular naquele dia claro.
– Uau! É lindo.
– Daqui a pouco vai anoitecer e então poderemos ver a cidade se acendendo. Não há vista mais bonita.
– Eu imagino... Queria poder tirar uma foto, pena que meu celular descarregou!
Daniel pega seu celular e me dá.
– Não seja por isto.
– Não posso usar seu celular!
– Claro que pode. Depois eu mando as fotos pra você.
Eu o pego de sua mão e capto a vista perfeita em várias imagens, então me viro pra ele sorrindo.
– Vem aqui. – eu passo meu braço livre por seu ombro e tiro uma foto nossa. Solto um palavrão ao ver que ficou totalmente fora de foco.
Daniel ri e decide tirar ele mesmo. Obviamente fica perfeita.
E ele acaba me convencendo a tirar várias fotos minhas na paisagem.
Eu devo mesmo estar muito caída por ele pra achar graça nisto, é a conclusão que chego enquanto caminhamos em direção ao tal restaurante giratório.
– Ele roda 360 graus em 1 hora. – Daniel explica quando nos sentamos. – Assim dá pra ver a vista de todos os ângulos.
E embora eu tenha dito que não estava com fome, acabo comendo tudo o que Daniel pede, enquanto a tarde cai, dando lugar ao crepúsculo e a cidade vai lentamente se acendendo.
– É realmente a coisa mais linda que eu já vi – falo deslumbrada, e sou presenteada com um dos seus sorrisos perfeitos.
– Eu tenho vontade de mostrar tudo que é bonito pra você.
Eu desvio o olhar, respirando rápido, e quero perguntar se haverá mais oportunidades como esta.
Mais tempo passado juntos.
É tudo o que eu quero no mundo e o poder deste desejo me assusta e me inebria.
Já anoiteceu quando Daniel estaciona em frente a minha casa. E eu ainda sinto que não quero me separar dele.
Ele continua segurando minha mão.
É estranha esta necessidade de estarmos sempre em contato.
– Quer entrar? – pergunto na esperança de ele aceitar.
– Seus pais estão em casa?
Eu poderia mentir, mas do que adiantaria?
– Na verdade eu não sei, provavelmente sim...
– Eu queria ficar sozinho com você – seus dedos acariciam a palma da minha mão. Minha pulsação acelera.
– Me leve aonde você quiser – digo, sabendo que eu realmente iria a qualquer lugar com Daniel Beaumont. Para fazer qualquer coisa. Na verdade eu estava ansiando por isto.
A tarde que passamos juntos tinha sido emocional demais pra mim. Mas agora eu sinto de novo aquele frêmito de ansiedade em meu íntimo.
As possibilidades... A vontade...
Sua mão aperta a minha.
– Você é perigosa, Annalise Nicholls.
– Eu?
– Você é sedutora demais para seu próprio bem.
– Eu não sou... – refuto, ficando vermelha.
– Eu poderia te convencer disto agora. Não vou pois eu prometi a mim mesmo que não ia mais te seduzir hoje.
Eu o encaro, surpresa.
Como é?
– Não entendi.
– Não queira entender – ele parece contrariado e fico confusa quando solta minha mão e desvia o olhar.
Eu cruzo os braços em frente ao peito, olhando a noite escura pela janela.
Um silêncio tenso se instala entre nós. Por que diabos ele fazia aquilo comigo?
– Anna? – ele me chama e não respondo. – Anna, fale comigo. O que está pensando?
Eu respiro fundo e olho pra ele.
– Você está me confundindo de novo. Por que estamos aqui, Daniel?
Seus dedos apertam com força o volante e ele sussurra um palavrão baixo.
– Você deveria querer que eu ficasse longe de você.
– É isto que você quer? Ficar longe de mim? – dói quase fisicamente pensar que ele me queira longe.
– Não, eu não quero ficar longe. Neste exato momento eu estou lutando para não te colocar no meu colo e beijar você.
Eu ofego, suas palavras causando um rebuliço dentro de mim.
– Não lute – eu falo. - Eu desejo o mesmo. Eu quero que você me beije.
E então, com um gemido rouco, sua mão rodeia minha nuca e ele me puxa para perto, os lábios amassando os meus.
Solto um gemido e derreto nele, a intensidade do beijo me deixando fraca e trêmula.
E não ofereço resistência quando ele me puxa para seu colo.
Suas mãos estão em meus cabelos, torcendo. As minhas estão em seu peito. E sinto seu coração batendo acelerado como o meu, que parece querer saltar do peito, enquanto beijos molhados enchem minha boca, numa mistura frenética de línguas, lábios e saliva. Minha mente gira, como se eu estivesse intoxicada e solto pequenos gemidos, que fazem eco com os dele e isto intensifica ainda mais o que sinto.
E o que eu sinto é uma vontade insana de me fundir com ele, nossos corpos colados não é suficiente, sua boca devorando a minha não é o bastante.
E nem suas mãos que começam a deslizar afoitas pelas minhas costas abranda ou diminui aquela necessidade fremente que eu sinto eu meu íntimo. É a mesma necessidade que eu senti naquele armário com sua boca indecentemente em mim.
O mesmo pulsar incandescente que me faz pressionar os quadris contra os dele. E nós dois gememos quando sinto entre surpresa, confusa e maravilhada, que ele tem uma ereção.
Quase posso ver o meu rosto corando entre constrangida e excitada.
O beijo é interrompido e nos fitamos ofegantes. Nossos quadris se roçando. Nossas respirações se misturando.
E tudo o que eu quero é terminar o que nós inegavelmente começamos.
De repente uma luz se acende e escuto o portão se abrindo.
Eu pulo para o banco do passageiro no exato momento em que vejo minha mãe aparecendo.
– Anna?
– Droga – praguejo e abro a porta, saltando antes que fique pior.
– Oi, mãe.
– O que faz aqui na porta? Por que não entrou? – ela olha além de mim, com a expressão curiosa, e eu percebo que Daniel também saiu do carro. – Ah, olá Daniel.
– Eu já vou entrar - respondo constrangida.
– Certo. Entre logo então, não gosto que fique na rua, é perigoso.
– Eu sei, estávamos apenas terminando um assunto... sobre o trabalho.
– Sei... Podem terminar lá dentro então.
E ela entra, deixando o portão aberto, num claro sinal para eu entrar logo.
Eu encaro Daniel.
– Me desculpe por isto.
– Tudo bem, é melhor eu ir.
– Não – eu me vejo pedindo meio apavorada. – Ouviu minha mãe, você pode entrar.
Ele olha para minha casa e passa a mão pelos cabelos, parece tenso.
– Anna, não devo...
Eu seguro suas mãos.
– Por favor, Daniel... – sei que estou implorando, não me importo nem um pouco.
Estou além de qualquer pensamento coerente.
Eu ainda me sinto pulsar por ele.
Daniel me encara e vejo a luta sendo travada dentro dele, até que ele relaxa.
– Tudo bem. Como posso dizer não pra você, Annalise Nicholls?
Eu respiro aliviada e lanço a ele um sorriso trêmulo de satisfação, enquanto o levo pra dentro.
Como o esperado, minha mãe está na sala e sorri ao nos ver.
– E então, como foi a tarde de vocês? Fizeram o trabalho?
Eu coro ridiculamente ao pensar que não fizemos trabalho algum.
– Estamos quase concluindo – escolho dizer – Na verdade eu e Daniel precisamos rever alguns trechos. Então nós vamos subir, tudo bem?
– Claro, não quero que fique com nota baixa por falta de dedicação.
– Exatamente – eu concordo, já sentindo meu coração disparar com a possibilidade.
– Ei, ai está você.
Eu escuto a voz de Tom e me viro ao vê-lo entrar.
Ele sorri, mas seu olhar recai curioso sobre Daniel.
– Tom, este é um colega da Anna, Daniel. – Stella explica.
Tom estende a mão para Daniel.
E eu sinto uma tensão estranha no ar. Daniel parece muito sério. Quase... furioso. Mas cumprimenta Tom sem dizer nada e eu penso que imaginei aquilo.
Talvez ele esteja apenas nervoso por estar na minha casa e cumprimentando meu padrasto.
– Vai jantar com a gente? - Tom passa os braços em volta de Stella.
– Eles vão subir pra terminar um trabalho. Mas podiam jantar com a gente antes, o que acha, Daniel?
– Não, obrigado senhora. Eu quero apenas terminar... meu trabalho com Anna e depois preciso ir.
– Que pena. – Tom fala sorrindo cordialmente. – Peça para Anna te convidar para jantar conosco qualquer dia. Talvez assistir um jogo, posso conseguir algumas entradas.
– Certo, pode deixar. – eu corto aquele papo. Sei que Tom está apenas sondando que tipo de relacionamento eu tenho com Daniel. E tudo o que eu não quero neste momento é ele posando de pai ciumento. – Nós vamos subir, senão fica tarde.
– Tudo bem. – Stella concorda e, enquanto nos viramos para subir, vejo Tom beijando-a carinhosamente.
Rapidamente minha mente se desliga deles e eu apenas me concentro na doce ansiedade dentro de mim, que aumenta e esquenta ao percorrermos as escadas e depois o corredor, até finalmente entrarmos no meu quarto.
Então, ao encarar Daniel, ele parece com a cabeça a milhas dali, com a expressão grave e pensativa.
– O que foi? – indago, subitamente insegura.
– Não esperava ver seu padrasto.
– Oh... Não ligue pra eles. Estão apenas especulando o que você é.
Daniel solta um riso irônico que eu não entendo, enquanto caminha até a minha janela, olhando a noite lá fora, de costas pra mim.
– O que eu sou...
– Realmente não deve se preocupar – insisto, agora com um medo súbito que ele ache um erro estar ali, com minha mãe e meu padrasto lá embaixo.
– Eles parecem um casal perfeito – comenta de repente e eu não posso ver sua expressão, mas definitivamente não quero mais falar da minha mãe e Tom.
– Eles são. Mas eu não te trouxe aqui para falar sobre eles – digo e Daniel se vira.
Ele me fita e, por um momento, parece outro cara.
Ou melhor, ele se parece com o Daniel que me levou àquele armário, com os olhos brilhando de malícia.
Eu começo a ofegar.
– E o que viemos fazer aqui?
Sem falar nada, caminho até minha porta e a fecho, trancando-a.
E rezo para que minha mãe esteja mesmo ocupada com seu jantar com Tom que não pense em vir nos verificar.
Me viro e caminho até Daniel, seguro sua mão, puxando-o até a frente da minha cama e me sento.
Com minhas mãos trêmulas, tiro minha camiseta.
E meu sutiã.
E com os olhos de Daniel me queimando, eu me deito sobre a cama.
Esperando. Desejando.
Ele solta um palavrão baixo, antes de se inclinar sobre mim.
Mas não faz nada por alguns instantes. E eu espero com meu coração aos pulos e o corpo se contorcendo de ansiedade, enquanto ele paira ali, me fitando com os olhos verdes insondáveis.
– Porra, você sabe o que faz comigo? – suas palavras enrouquecidas vêm junto com sua mão em meu rosto, os dedos passando por meu lábio inferior.
Eu ofego.
– Eu tentei o dia inteiro ficar longe de você e para quê?
– Não quero que fique longe de mim...
– E o que você quer? – Pergunta introduzindo o dedo em minha boca.
E juro por Deus que é a coisa mais erótica que eu já vi até hoje.
Eu gemo quando ele retira e passa o mesmo dedo molhado sobre um mamilo.
Eu perco o ar. O prumo. A voz.
– Me diz Anna, o que você quer? – Insiste contra minha boca, mordendo de leve meu lábio.
– Você... eu quero você.
– Porra... – ele geme e me beija.
E estou perdida para sempre.
O beijo dura pouco e eu choramingo quando Daniel afasta os lábios dos meus cedo demais. Paro imediatamente de pensar quando ele desliza a boca por meu rosto, até meu pescoço, chupando minha pele sensível e me contorço embaixo dele.
Sua outra mão desce para meu seio e os aperta, o bico entre o polegar e o indicador e antes que eu possa pensar o quanto aquilo é bom, ele desce e abocanha um seio, chupando a pele sensível do meu mamilo, fazendo uma dor aguda traspassar meu ventre diretamente para o meio das minhas pernas que eu afasto para dar espaço para ele no meio delas.
– Nossa... – gemo com os dedos torcendo seus cabelos, quando ele muda para o outro seio, causando o mesmo estrago.
Os espasmos de prazer se espalham rapidamente por minha pele e se concentram num pulsar latejante e úmido entre minhas coxas abertas e eu me esfrego nele arquejando em busca de algum alívio para aquela tortura.
– Daniel, por favor... – peço desconexamente e ele desliza uma mão entre nossos corpos e me toca bem ali, onde eu estou necessitando.
E seu toque é como ferro em brasa, me queimando e eu perco o ar, ofegando, enquanto o pulsar em meu íntimo se torna mais exigente e intenso.
– Daniel, eu... Oh Deus... – soluço, meus dedos agora enfiados em seu ombro e ele se ergue de joelhos me fitando com os olhos que dardejam necessidade em minha direção.
É quase tão excitante quanto suas mãos em mim.
– Eu sei, Anna... Eu também quero. – Diz roucamente e tira a camiseta pela cabeça. Arquejo com a visão de seu peito. Meus dedos coçam para tocá-lo.
Ele é tão lindo que chega a doer.
E então suas mãos se imiscuem embaixo da minha saia e começam a retirar minha calcinha.
Seus olhos se prendem em mim, enquanto a peça desliza por minhas pernas até sumir em algum lugar no chão.
– Você é linda. – Murmura, os dedos subindo por minha coxa, enquanto se inclina de novo, me fazendo sentir o doce roçar morno de seu peito em meus seios, o atrito me arrepiando. – Eu quero você demais.
Ele deposita mil beijos em meus lábios entreabertos e eu abro as pernas para senti-lo no meio delas, o atrito do seu jeans me estimulando.
– Por favor... – imploro, enquanto ele roça os quadris em mim e eu quase grito.
– Não hoje, não aqui.
Eu quero arrancar os cabelos de frustração.
Ele não pode estar fazendo isto... Não agora...
– Daniel... Por favor... – meus dedos puxam seus cabelos.
– Em breve, eu prometo – Sussurra em meu ouvido.
Choramingo, me negando a soltá-lo.
– Mas...
– Se encontre comigo amanhã...
Sua voz é como uma droga, todas as partes sensíveis do meu corpo estão gritando em contato com o dele.
– Diz que você virá... – ele me beija devagar. – E não vamos parar...
– Oh Deus, sim. – Concordo com um gemido entrecortado, quando ele pega meu joelho e passa em volta de seu quadril. O pulsar se torna insuportável e eu sinto que estou à beira do abismo. – Sim, Oh, Daniel, sim... – rosno sentindo que não consigo segurar mais. – Acho que eu vou...
– Tudo bem – ele diz contra meus lábios. – Eu quero ver você gozar de novo...
E é o que basta para me fazer explodir em mil espasmos deliciosos, me contorcendo embaixo dele, que me beija com força, a língua invadindo minha boca, engolindo meus gemidos, até que meu corpo finalmente se acalma.
E eu estou tão perdida que nem consigo me mexer quando ele se afasta, arrumando minha saia no processo. Quando abro os olhos, já está vestido e fora da cama. Estende minha camiseta.
Eu a pego, a vestindo, meio constrangida. E agora? Eu não faço ideia de como agir neste momento.
– Eu vou embora.
– Sim... – eu saio da cama e abro a porta.
Nós saímos e eu rezo para não encontrar ninguém no caminho.
E minhas preces são atendidas quando consigo chegar incólume ao carro de Daniel.
Eu o fito, incerta.
– Nos falamos amanhã – ele diz simplesmente e entra no carro.
E eu fico ali, confusa e chocada com sua frieza súbita.
Que diabos está acontecendo?
Capítulo nove
Eu ainda estou em pleno estado de confusão mental enquanto entro em casa minutos depois da partida de Daniel e escuto Stella me chamando.
– Anna, Daniel já foi? – ela praticamente grita da cozinha.
– Sim, acabei de levá-lo até o portão.
Ela aparece no corredor.
– Vem jantar, então.
– Estou sem fome.
– Não vai ficar sem comer, Anna.
– Eu já comi... – eu ia acrescentar que comi no Space Needle, mas me calo já que Stella não faz ideia de que eu não estava fazendo trabalho algum e sim passeando por aí feito turista. – Na casa do Daniel – minto.
– Tudo bem então.
– Eu vou subir...
– Já vai dormir? Está cedo...
– Deixa a garota, Stella – escuto a voz divertida de Tom.
– Está certo, vá descansar.
Assim que me viro, aliviada por conseguir me livrar de minha mãe e seu possível interrogatório, escuto o som da campainha tocando e meu coração dispara no peito.
Será que Daniel voltou?
Praticamente corro para o interfone, mas não é a voz de Daniel que eu escuto, e sim de Tyler.
– Oi, Anna...
– Tyler? O que faz aqui?
– Desculpa vir esta hora, mas eu queria conversar com você.
Eu suspiro, me debatendo entre a vontade de arranjar uma desculpa e mandá-lo embora ou atendê-lo.
A segunda opção vence.
Tyler é meu amigo mais antigo e não tem culpa da confusão que estou metida.
– Tudo bem, entra – eu aperto o controle para o portão abrir e o aguardo no hall.
Ele parece ressabiado quando me vê e eu sorrio para tranquilizá-lo, me aproximando e o abraçando.
– E aí, tudo bem?
– Tudo...
– E o que de tão importante tem pra me dizer num sábado à noite?
Ele coça os cabelos, meio sem graça.
– Eu acho que não deveria ter vindo assim sem avisar, mas...
– Tudo bem, não tem problema. Como vê, estou em casa sem fazer nada – digo um pouco amargurada, Tyler não faz ideia dos meus motivos.
– Então será que a gente pode dar uma volta?
Hesito, pensativa. Da última vez que saí com Tyler, acabou com ele me beijando. E realmente não estou a fim de mais problemas com garotos no momento.
– Tyler...
Ele ri.
– Anna, não vou tentar ficar com você de novo, eu te garanti isto, não? Só estou te convidando pra gente sair e conversar.
– Tudo bem – me pego dizendo. Pelo menos eu não ficaria em casa remoendo as atitudes bizarras de Daniel Beaumont.
Ou o fato de que eu concordei em encontrar com ele amanhã.
“E não vamos parar”.
Sinto um frio na barriga só de me lembrar de suas palavras.
Mas, por que então ele foi embora como se nada tivesse acontecido depois de...
Eu bufo, já me irritando com o caminho tortuoso dos meus pensamentos. Sim, sair com Tyler seria perfeito.
– Eu vou subir e trocar de roupa e a gente já vai, tá?
– Certo. Eu te espero.
Eu troco a saia e blusa por um jeans e camisa e desço rápido. Apenas passo na cozinha e aviso Stella e Tom que vou dar uma volta com Tyler
– Não volta tarde – Stella pede e eu rolo os olhos.
– Pode deixar.
Tyler está de moto e eu sorrio, empolgada, enquanto ele me passa o capacete.
– Como adivinhou que uma volta de moto era tudo o que eu precisava hoje? – digo, montando atrás dele.
– Sabia que ia gostar – ele ri e dá partida. O motor roncando embaixo de nós. – Segura!
Eu agarro sua cintura e saímos a toda velocidade pelas ruas escuras.
É realmente estimulante sentir o vento cortando minha pele, e a velocidade faz a adrenalina disparar em meu sangue. E por muito tempo eu não penso em nada, apenas deixo o vento zunir no meu ouvido.
Acabamos parando num restaurante mexicano para comer tacos e eu encaro Tyler com expressão indagadora depois de fazer nossos pedidos.
– E então, o que de tão importante tem pra me dizer?
– Eu estou voltando para Olímpia.
Arregalo os olhos, confusa.
– Como é?
– Isto mesmo que ouviu.
– Por quê?
– Minha irmã vai casar.
– Maria? Eu nem sabia que ela tinha um namorado!
Ele ri.
– Nem eu! Parece que ela já está há uns bons meses com Paulo.
– Por que eles estavam namorando escondido?
– Ela tinha medo do meu pai. Por causa da fama de encrenqueiro do Paulo.
– E agora eles vão casar? E seu pai?
– Meu pai deu um sermão nos dois, não pelo namoro e sim por manterem escondido. Mas gostou que ele a pediu em casamento.
– E ela vai largar a faculdade?
– Vai sim. E eu vou embora com ela pra Olímpia.
– Vai largar sua escola? Tyler, não precisa fazer isto...
– Anna, não posso ficar morando sozinho aqui na cidade...
– Vem morar com a gente então! Tenho certeza que minha mãe concordaria e Tom também.
– Não, eu não poderia fazer isto de jeito nenhum.
– Mas, Tyler...
– Eu sei que você me incentivou a vir pra cá e me ajudou a conseguir a bolsa e tudo mais, mas não acho que isto seja pra mim.
– Eu pensei que você queria entrar numa faculdade.
– Anna, vamos encarar. Acho que era mais um sonho seu do que meu. Eu acho que acabei concordando por causa da sua insistência.
Sim, eu insistira com ele por muitos meses para se mudar para Seattle. E achara que seria bom pra Tyler, estudar numa escola legal e conseguir entrar numa faculdade. Era meio decepcionante saber que ele só aceitou vir porque eu queria. E me pergunto se tinha a ver com o fato de ele, no fim das contas, ter sentimentos por mim.
– Sim, era por isto também – ele confessa, adivinhando o rumo dos meus pensamentos e eu desvio o olhar, cheia de culpa.
– Eu sinto muito, Tyler...
– Não se sinta culpada. Eu assumi os riscos.
– Se é por isto que deseja ir embora, não acho justo...
– Não é por isto. Eu juro. Eu realmente pensei muito e acho melhor voltar pra casa. Ficar com meus pais e fazer minha vida lá.
– Não vou conseguir fazer você mudar de ideia, não é? – pergunto desanimada e ele sorri.
– Não.
Eu suspiro alto.
– Está certo.
Nós conversamos sobre quando ele vai voltar e sobre o casamento de Maria, até que Tyler me olha estranhamente.
– E você?
– Eu o quê?
– Devo acreditar que o tal Daniel Beaumont é mais que um colega?
Eu fico vermelha feito pimentão e penso em negar, mas acho que a verdade está estampada no meu rosto ruborizado.
– Bem... mais ou menos...
– Como assim?
– As coisas estão meio estranhas... – dou de ombros. – A gente fica junto e... não é nada oficial, ou melhor, eu não sei onde isto tudo vai dar. Se é que vai dar em algum lugar... – eu brinco com as migalhas de pão na mesa, externando meus medos mais profundos.
– Por que pensa assim?
– Eu o conheço há pouco tempo, não sei direito o que está acontecendo.
– Está se apaixonando por ele.
– Tyler...
– Apenas responda, Anna – ele pede subitamente sério.
– Acho que sim – confesso.
– E ele está por você.
Esta é a questão. Como posso saber dos sentimentos de Daniel por mim?
E será que eu tenho o direito de cobrar algum sentimento? A gente se conhece há muito pouco tempo.
O que eu sei é que quando estou com ele é tudo tão intenso e perfeito que não consigo pensar em mais nada a não ser em me entregar completamente àquele sentimento.
Como não quero dizer nada daquilo a Tyler, apenas dou de ombros.
– Não sei. Ele parece gostar de mim também.
– Espero que ele a trate bem.
Eu sorrio.
– Não banque o irmão protetor, por favor.
E nós dois rimos.
– Você merece um cara legal, só isto.
Eu seguro sua mão por cima da mesa.
– Obrigada, Tyler, por ser meu amigo. Eu não mereço você.
Ele aperta meus dedos sorri de volta.
E isto basta.
Eu volto tarde pra casa e todos já estão dormindo, o que é ótimo.
Me deito e adormeço quase imediatamente, relaxada depois do tempo passado com Tyler. E acordo na manhã seguinte com minha mãe batendo na porta.
– Anna, vai se atrasar.
– Já vou... - Resmungo e pulo da cama, me arrumando rapidamente e me arrastando escada abaixo.
Minha mãe está com um homem estranho com o uniforme da companhia de telefone.
– Achei que já tinha ligado isto – digo, tomando um café rapidamente e ela rola os olhos.
– Só puderam vir hoje.
– Ligaram de novo no fim de semana?
– Não. E eu espero que nem liguem mais.
– Bom, se ligar, pelo menos vamos identificar de onde vem a chamada.
A buzina nos interrompe e eu me levanto, pegando minha mochila.
– É a Jena. Tchau, mãe.
Eu corro para o carro de Jena que me olha com cara de poucos amigos.
– Espero que tenha usado todo tempo livre no seu fim de semana para treinar sua postura em público.
– Claro que sim – sorrio falsamente, mas não sou nem um pouco boa nisto.
– Anna, Anna. Vamos ter que dar um jeito em você. Só sei que esta eleição não vamos perder de jeito nenhum.
E ela começa a enumerar todas as nossas atividades daquela semana e eu deixo meus pensamentos fugirem.
Daniel.
Lá está ele, voltando com força total a minha mente agora que falta tão pouco para eu o ver de novo.
Meu estômago dá voltas de ansiedade, medo e excitação. Tudo misturado num coquetel de sentimentos que ameaça explodir a qualquer momento.
E quando Jena estaciona o carro e nós saltamos, meus olhos percorrem o estacionamento e param no chamativo carro amarelo que se aproxima.
Os Beaumont saltam como se estivessem num comercial de algo muito caro e como sempre, todo mundo assiste o espetáculo. Mas não vejo quem eu quero ver.
Daniel não está ali. E eu suspiro desanimada, desviando o olhar dos bonitos parentes de Daniel.
Jena já me puxa para dentro, ainda tagarelando, e eu a deixo me arrastar como uma boneca de pano e estou totalmente despreparada para a trombada que alguém me dá na porta da escola.
– Ei, veja pra onde anda, idiota!
Levanto o olhar ao ouvir a voz estridente e dou de cara com Violet me fitando com um olhar contrariado.
– Me desculpe – balbucio, aturdida.
Violet não fala nada, apenas me lança um olhar de desprezo e segue em frente, seguida de Elton e Charlotte.
– Nossa, que grossa! – Jena resmunga. – Tudo bem, elas devem saber que você vai ganhar esta eleição e isto é puro despeito...
Eu sigo Jena para dentro, meus olhos presos nos Beaumont e me pergunto por que tenho a nítida impressão de que Violet me odeia.
E me recordo das palavras de Charlotte, para me afastar de Daniel. Então as irmãs de Daniel não iam com a minha cara, por quê?
Não faz o menor sentido.
– Ei, está me ouvindo? – Jena chama minha atenção e eu lhe lanço um sorriso amarelo.
– Desculpe, Jena. A gente se fala na hora do intervalo, está bem? Preciso ir pra aula.
– Tudo bem.
Ela segue para sua própria aula e eu entro na sala de literatura. Me lembrando tarde demais que hoje era o dia de entregar o relatório sobre o filme.
Aquele mesmo relatório que eu deveria ter feito na casa de Daniel, em vez de passar a tarde perambulando com ele pelos pontos turísticos da cidade.
– Droga. – murmuro, me sentando no meu lugar habitual. O professor também entra na sala e eu olho para a carteira vazia ao meu lado. Nada de Daniel.
Será mesmo que ele ia faltar e me deixar sozinha com aquela bomba?
O Senhor Lewis entra na sala, fechando a porta atrás de si e encara a classe.
– E então, onde estão os relatórios?
Os alunos caminham até sua mesa, depositando seus respectivos relatórios e eu começo a suar frio.
Mesmo assim, me levanto e vou até a mesa do professor.
– Professor, me desculpe, o meu relatório e do Daniel...
– Ele já me mandou o de vocês por e-mail.
– O quê?
– O senhor Beaumont me explicou que teria que faltar a aula hoje e me enviou o relatório ontem à noite.
– Ah... – eu agora sou um poço de confusão. – E ele disse por que ia faltar? – me vejo perguntando.
– Sim, ele deu uma justificativa, mas é pessoal, senhorita Nicholls. Agora vá para seu lugar, vamos começar a aula.
Eu volto para minha carteira e não consigo prestar atenção na aula. Por que será que Daniel não veio?
A aula seguinte é de Educação Física e eu peço dispensa, alegando que meu joelho ainda está machucado. Me refúgio na biblioteca e lá pego meu celular e ligo para Daniel.
Cai direto na caixa postal.
Passo a aula remoendo o que fazer, num estado de confusão mental quase doentio.
“Se encontre comigo amanhã”.
Foram suas palavras. E eu as tomara como uma promessa.
Será que Daniel as tinha dito no calor do momento?
O sinal toca e é hora do intervalo. Cansada de ficar no escuro, eu pego o celular de novo e digito uma mensagem.
“Quando vamos nos encontrar?
Eu rumo para o refeitório com o coração aos pulos, esperando e ansiando pela resposta.
Jena, Joshua e Fiona estão lá, e como eu imaginara, estão falando da eleição do grêmio.
Eu finjo estar super interessada, mas meus olhos se voltam a toda hora para o celular sobre a mesa.
Até que ele vibra.
E meu corpo inteiro vibra junto em expectativa.
Minhas mãos agarram o aparelho e meus dedos trêmulos buscam a mensagem.
E eu paro de respirar.
“Four Seasons. Às 20h”
Ah, minha nossa!
Eu leio de novo a curta mensagem para ver se li direito. Não, eu não estou imaginando. Ele tinha mesmo escrito Four Seasons. Eu sinto meu coração disparar no peito de forma alarmante.
Daniel está marcando um encontro comigo em um hotel. Hoje a noite.
E isto só significa uma coisa.
Eu começo a hiperventilar.
– Anna, está tudo bem? – Fiona pergunta preocupada, e encaro meus amigos a minha volta. Eles me olham entre preocupados e curiosos. Eu sei que estou vermelha e ofegante.
– Sim, está – respondo, desligando o celular e o jogando na bolsa como se estivesse queimando minhas mãos.
– Você está esquisita – Joshua diz. – Está passando mal? Nem tocou no seu hambúrguer.
Eu olho para a comida intocada no meu prato sabendo que a partir de agora eu não conseguirei comer mais nada.
– Na verdade, acho que estou um pouco enjoada – digo me levantando. – Acho que vou ao banheiro.
– Vai vomitar? – Jena faz cara de nojo.
– Eu vou com você. – Fiona se propõe e eu não tenho como negar, porque ela já segura meu braço, toda preocupada.
Nós seguimos para fora do refeitório, pelo corredor movimentado, e quando estamos nos aproximando do banheiro feminino, escuto uma voz conhecida esbravejando e paramos ao ver Violet e Elton Beaumont num canto meio escuro.
– Ele tinha me prometido! – Violet Beaumont grita.
– Amor, fique calma. - Elton tenta tocá-la, mas leva um safanão.
– Eu não quero ter calma! Não me peça isto! Eu estou furiosa!
– Talvez seja melhor assim...
– Melhor para quem? Eu achei que tínhamos combinado! Que íamos até o fim! E agora ele me diz que vai pra Los Angeles...
– Eloise vai ficar feliz com isto. - Elton solta um risinho.
–Não me interessa! É tudo culpa daquela vadiazinha... Isso não vai ficar assim...
De repente Elton levanta o olhar e nos vê.
Fiona aperta meu braço.
Violet se vira e nos vê também. Seu olhar agora é de puro ódio.
Eu puxo Fiona dali.
– Achei que íamos ao banheiro – ela diz, confusa.
– Vamos em outro.
Ela espera chegarmos ao banheiro para me encarar.
– Nossa, Violet estava furiosa, hein?
Sim, eu tinha percebido.
– E com quem será que ela estava tão brava?
Sim, eu também me fazia a mesma pergunta. Por um momento, Daniel me passou pela mente, mas com certeza não era dele que Violet falava. Afinal, de acordo com aquela mensagem no meu celular, Daniel ia se encontrar comigo hoje.
Meu estômago dá uma volta de novo.
– Você está mal ainda? – Fiona pergunta.
Respiro fundo e rumo para a pia, abrindo a torneira e jogando água fria no rosto.
– Vou ficar bem.
Fiona apenas fica ali comigo, sem fazer perguntas. O que é bom.
Nós voltamos para a aula e eu tento me concentrar, tudo o que consigo fazer é ficar abrindo toda hora a mensagem do celular.
E quando chego na minha casa, mal consigo comer o que minha mãe prepara para o almoço. Ajuda o fato de que ela também está silenciosa e perdida em seus próprios pensamentos.
Em outra circunstância eu perguntaria qual o problema. Hoje, eu tenho meus próprios problemas para me preocupar.
Então, depois do almoço, balbucio uma desculpa qualquer e vou para meu quarto. E estar ali só me faz recordar de como estive com Daniel ali ontem. No que fizemos... de como eu me sentira.
E de como eu queria fazer e sentir de novo.
E eu poderia.
Se tivesse coragem de ir até o fim com ele hoje a noite.
Fora fácil prometer qualquer coisa quando ele estava ali comigo. Eu sentia que podia morrer por qualquer coisa com Daniel.
Agora, sozinha, e encarando a decisão que eu teria que tomar, era diferente.
A verdade era que ainda havia uma parte sensata de mim, que achava que tudo estava indo rápido demais.
Eu me apaixonara rápido demais.
Eu não podia negar a mim mesma, eu estava completa e irrevogavelmente apaixonada por Daniel Beaumont.
Mas seria suficiente para me encontrar com ele hoje? E se eu pedisse um tempo? E se pedisse para ele esperar? E se ele desistisse de mim por causa disto? Ele teria razão de ficar bravo. Eu dera todos os sinais de que estava tão a fim quanto ele. Fui eu quem mandou a mensagem perguntando quando íamos nos encontrar hoje.
E agora eu ia pular fora?
E eu quero mesmo pular fora?
Me levanto e encaro minha imagem no espelho. Meus olhos parecem mais brilhantes contra minha pele clara. Solto meus cabelos, que caem bagunçados pelas minhas costas. Deslizo os dedos por entre os fios. Gosto quando Daniel os puxa quando me beija.
Passo agora os dedos em meus lábios e fecho os olhos, imaginando os beijos de Daniel. Como parece que nossas bocas nasceram para se encaixar.
Será que nossos corpos se encaixarão tão à perfeição também?
Abro os olhos e tiro minhas roupas, encarando o reflexo de meu corpo nu no espelho.
Ninguém nunca me vira nua daquele jeito. Daniel fora o único que vira partes dele.
E eu quero que ele me veja assim agora. Quero que ele me toque inteira. Me beije inteira.
Fecho os olhos, suspirando alto.
Quero saber como é tê-lo dentro de mim.
E quando abro os olhos, a decisão está tomada.
***************
Eu tenho certeza que os anos iriam passar e que eu nunca me lembraria com exatidão o que aconteceu nas horas que antecederam meu encontro com Daniel naquela noite.
Eu sei que passei muito tempo tentando decidir o que vestir. Algo sexy? Sofisticado?
Ou simples e despojado?
Eu não fazia ideia do que vestir para ir transar com um cara.
E quis desesperadamente ter uma amiga com quem eu pudesse me aconselhar sobre o assunto.
Eu poderia ir como eu mesma. Como eu me sentiria mais à vontade.
Ou seja: o bom e velho jeans. Afinal, o intuito era tirar a roupa, não é mesmo?
Mas Daniel Beaumont era extremamente sofisticado. Seus irmãos eram todos ícones de moda e elegância.
E ele marcara um encontro comigo num dos hotéis mais caros de Seattle. Acho que jeans e camisa não combinariam com a ocasião.
Então eu acabei encontrando, em meio à infinidade de roupas que Stella comprava pra mim, um vestido preto, que eu provavelmente já teria usado em algum evento com Tom. Naquele momento não me lembrava onde e, para completar, eu vestia, não sem meu rosto corar de um certo constrangimento, um conjunto de lingerie rosa da Victoria’s Secret, que Stella comprara para me provocar há alguns meses e nunca fora usado. E eu achava mesmo que nunca iria usar. Até aquele dia.
E por fim, eu desço as escadas, sentindo minhas pernas meio trêmulas, rezando para não cair do salto ridículo e torcendo para que minha mãe acredite na história que eu vou inventar.
– Aonde vai? – ela me mede de boca aberta quando me vê.
– Uma festa com a Jena.
– E só agora me diz?
Eu dou de ombros.
– Me desculpe, sabe como é, eu nem ia, mas Jena me ligou há pouco e insistiu...
– Certo... quer que eu te leve?
– Não, eu vou dirigindo.
Ela levanta as sobrancelhas.
– Vai dirigir, é?
– Sim, você mesma diz que eu preciso perder o receio.
– Tudo bem. Não vá chegar muito tarde, hein?
– Pode deixar.
– E leve o celular.
– Ok.
– Divirta-se.
Eu coro com suas palavras, com a ideia insana de que ela sabe o que eu vou fazer, o que é ridículo.
E eu não sei como dirijo até o hotel. Tudo passa como um borrão por mim.
Minha mente se desligando do resto do mundo e deslizando para uma doce e agonizante expectativa.
Quando estaciono em frente ao hotel, começo a sentir um nervoso atordoante, como um princípio de pânico até que meu celular vibra.
E na mensagem está apenas o número do quarto.
Respiro fundo várias vezes e saio do carro. Indo ao encontro de Daniel Beaumont, em algum lugar daquele hotel.
Meus pés afundam no carpete macio enquanto eu caminho no corredor e finalmente paro em frente ao quarto.
Quase posso ouvir o som das batidas frenéticas do meu coração quando a porta se abre e lá está ele.
– Anna. – Ele diz meu nome e eu me deslumbro uma vez mais com sua perfeição, enquanto ele sorri lentamente e estende a mão pra mim.
Eu a seguro sem hesitar, adorando sentir seus dedos se entrelaçarem nos meus.
Até o fim da noite estaremos entrelaçados de todas as maneiras possíveis. E este pensamento faz minha mente girar e meu corpo esquentar.
Entro na suíte e Daniel fecha a porta atrás de nós.
Olho em volta, com olhos curiosos e paro em frente às grandes janelas do teto ao chão e a vista é de tirar o fôlego.
– Lindo – exclamo e olho para Daniel.
Meu pulso acelera ao vê-lo olhando pra mim de uma maneira tão íntima e intensa que me tira do prumo e me faz lembrar porque estou ali.
Meu estômago se revira.
Nervoso e ansiedade se debatendo dentro de mim.
Ele se aproxima e suas mãos enquadram meu rosto.
Sinto seu hálito delicioso em minha língua.
– Eu me perguntei o dia inteiro se você viria.
– Eu disse que viria.
– Não, não disse – ele acaricia meu rosto e eu percebo que ele tem razão. Eu não respondera nada depois da mensagem.
Mas ele sabia, não sabia?
Eu não poderia fugir dele de maneira alguma.
– Eu estou aqui – digo e ele sorri lentamente.
E há algo perverso naquele sorriso lindo.
Perversão que faz meu ventre se contrair e um pulsar ritmado se instalar no meio das minhas pernas.
Ofego.
E quando ele se inclina e sinto meu lábio inferior entre seus lábios, solto um gemido rouco.
E então finalmente ele me beija. A língua se enroscando na minha, enquanto seus dedos se infiltram nos meus cabelos, puxando.
Eu fico na ponta dos pés e colo meu corpo trêmulo ao dele, e seu gemido dentro da minha boca, faz mil agulhas espetarem minha pele febril. Me deixo levar, me apertando contra ele, ansiosa e querendo mais contato do que apenas nossas bocas. E ele para o beijo, mordendo meus lábios quando nossos quadris se roçam, excitados.
Todo meu corpo está gritando “Sim, isto”.
– Eu quero você. – Seu sussurro rouco sai por entre seus lábios que depositam mil beijos em minha boca inchada, as mãos descendo pelas minhas costas, apertando meus quadris contra os dele e eu sinto sua ereção pungente. - É isto que você quer?
Eu gemo, meus dedos puxando seus cabelos.
– Sim... sim... por favor...
Ele geme e me beija com força e eu não sei dizer como, mas, no minuto seguinte, estou sem o vestido e Daniel me fita com um olhar extasiado.
– Você é tão linda! – Seus dedos cingem a renda do meu sutiã, apertando, e eu mordo os lábios. - Eu sonhei em te ver nua desde o dia em que te conheci. - Agora seus dedos entram na renda, apertando meus mamilos e eu arquejo. – Me deixe te ver nua...
– Sim...
Com um gemido, ele me leva pra cama, tão rápido que eu mal vejo ao meu redor. Fico ali, ofegante e trêmula, enquanto Daniel Beaumont paira sobre mim, a boca descendo por meu pescoço, mordiscando até chegar ao meu seio e dar um chupão forte, molhando a renda.
Eu me contorço.
Ele se afasta e tira rapidamente a lingerie de mim, e em segundos estou nua.
Ele me fita passando a língua sobre os lábios e eu mal consigo respirar de ansiedade.
Tudo dentro de mim está em movimento. E está esperando por ele.
E ele começa a se despir, sem parar de olhar para mim. Eu apenas consigo pensar que ele é o cara mais perfeito do mundo, quase sobre-humano em sua perfeição.
E eu estou apaixonada por ele. Tanto que dói.
Tenho vontade de dizer isto, quando o vejo pegar um preservativo e colocar nele mesmo e deitar sobre mim, retirando os cabelos revoltos do meu rosto, enquanto abre caminho em meio a minhas pernas, com um olhar de pura determinação.
E eu grito quando sinto uma dor aguda me rasgar por dentro.
Ele para, ofegante e me encara.
Eu sinto lágrimas quentes inundando meu rosto.
–Eu te machuquei. – ele diz por fim e se afasta.
Eu fecho os olhos, me sentindo vulnerável, dolorida e envergonhada.
Não consigo fazer nada a não ser chorar. E escuto Daniel murmurar um palavrão antes de sentir seus dedos em meu rosto.
– Anna, por favor, não chora.
Eu soluço ainda mais e ele me abraça.
Enterro o rosto em seu pescoço e choro até me controlar. Não sei de onde veio todo aquele choro descontrolado. Talvez da tensão das últimas horas ou da grandiosidade do momento.
– Anna, eu não queria machucar você, Deus... – ele parece realmente horrorizado e eu finalmente consigo me afastar um pouco e enxugo meu rosto.
– Tudo bem, está tudo bem.
– Não, você está chorando - ele me encara muito sério. – Eu te machuquei.
– Sim, mas... É normal, não é? Quer dizer, para uma primeira vez.
– Sim... – ele diz desviando o olhar, e eu não sei o que está pensando.
Só sei que está se afastando. Talvez até esteja arrependido.
E eu não quero isto.
– Daniel, está tudo bem. Me desculpe por ter chorado deste jeito, nem foi tanta dor assim... acho que eu estava tensa, agora está tudo bem...
– Acho que talvez devamos parar por aqui
Eu me assusto. Parar? Como assim a gente nem tinha começado!
– Eu não acho – digo firmemente.
– Anna...
Eu passo meus braços a sua volta e beijo seu queixo, me apertando contra ele.
Daniel geme e fecha os olhos.
Eu o trago pra cima de mim de novo, roçando meus quadris no dele num claro convite.
– Por favor... – eu sussurro em seu ouvido. – Eu quero sentir como é ter você dentro de mim de novo...
E então não há mais resistência, e ele me beija, a língua invadindo minha boca e eu o sinto me penetrando de novo.
Desta vez não há tanta dor, apenas um leve desconforto, que não é nada comparado ao doce prazer que se aloja em forma de um pulsar quente em meu íntimo, enquanto ele se move, num ritmo preciso, que vai aumentando, juntamente com as ondas dentro de mim. E eu abraço seus ombros e fecho os olhos, me movendo junto com ele, até ouvir seus gemidos de gozo em meu ouvido e eu me desmanchar embaixo dele.
– Está tudo bem? – abro os olhos ao ouvir sua voz e sorrio, levantando a mão e ajeitando uma mecha de cabelo suado em sua testa.
– Muito bem – sussurro, mas ele permanece estranhamente sério e eu sinto um tremor de desconforto. – Daniel, está tudo bem mesmo, espero que não esteja encanado com meu choro idiota... estou ótima agora. De verdade... – digo quase atropelando as palavras.
– Nunca quis machucar você – ele diz de repente.
– E não me machucou desta vez... na verdade foi ótimo agora... – digo, corando.
E de repente ele me beija.
E quando volta a me encarar ele sorri. Um sorriso sexy. Deslumbrante.
– Você é absurdamente deliciosa.
E é minha vez de gemer e beijá-lo, mas ele se afasta antes que comece a ficar bom, quando escuto um celular vibrar.
Torço para que não seja o meu. Seria muito constrangedor minha mãe me ligando para me checar agora.
Daniel se afasta e eu o observo pegar seu celular no bolso da calça e olhar a mensagem.
E não parece ter gostado nada do que lê.
– Tudo bem? – pergunto insegura, e ele pega sua roupa no chão.
– Eu vou me trocar, acho que deveria fazer o mesmo. Precisamos ir.
E sem mais ele se fecha no banheiro.
O que será que tinha na mensagem para ele mudar tão de repente?
Ele volta ainda silencioso para o quarto e é minha vez de me trancar no banheiro. Queria tomar um banho, mas no momento não acho que Daniel queria esperar, então só me limpo da maneira que posso e me visto.
Quando saio do banheiro, ele se aproxima e toca meu rosto. Parece que vai falar algo, mas se cala no último momento.
– Vem, vou te levar até seu carro.
Ele segura minha mão e eu o sigo pelo corredor, no elevador até fora do hotel.
E o encaro na porta do carro.
– Nos vemos amanhã? – pergunto.
Ele sorri, me beija rapidamente e abre a porta pra mim.
– Sim, na escola, claro.
Eu entro e ele espera eu dar partida para se afastar de volta ao hotel.
Realmente é uma pena que aquela mensagem tenha nos interrompido. Eu daria tudo para ficar mais tempo com ele.
Estou mais apaixonada do que nunca agora. E sinto que isto é só o começo.
O mundo me pertence, porque Daniel me pertence.
E eu mal posso esperar pelo dia seguinte, quando o verei de novo.
Capítulo dez
Eu ainda estou delirando na minha pequena bolha de felicidade quando estaciono na garagem da minha casa e saio do carro, torcendo para que todos estejam dormindo e eu não tenha que responder nenhuma pergunta sobre a “festa” que eu estava, porque teria que mentir descaradamente.
E sinceramente eu também temia que o que eu tinha feito estivesse escrito na minha testa.
Por isto, retiro o sapato e caminho pé ante pé, tentando não fazer barulho, então escuto um som vindo da cozinha, como um soluço e, esquecendo da minha vontade de passar despercebida, vou até lá e encontro minha mãe sentada à mesa chorando.
– Mãe?
Ela levanta os olhos vermelhos em minha direção.
– Mãe, o que aconteceu? – eu caminho até ela, preocupada, mas ela enxuga os olhos e se levanta.
– Nada, querida...
– Como nada, você está chorando!
Ela vira de costas, começando a lavar algumas louças na pia.
– Disse que não é nada, só bobagem...
– Mãe, eu acho que nunca te vi chorando... O que aconteceu? – insisto, tentando pensar em algo que pudesse deixá-la tão mal. – Cadê o Tom?
– Ele saiu. – ela fala bruscamente e eu desconfio que ali está a razão do problema.
– Vocês brigaram?
– Claro que não...
– Mãe, fala sério.
– Tudo bem, brigamos. Mas não é nada.
– Se não fosse nada, você não estaria mal deste jeito.
– Anna, casais brigam. É normal.
– Nunca você e Tom.
Ela dá um sorriso amarelo.
– Nunca que você tenha visto, querida. Claro que brigamos de vez em quando. Agora vá dormir. Tem aula amanhã cedo.
– Não quero deixar você sozinha...
– Eu estou bem. Juro. Vou terminar esta louça e também já vou subir.
– E o Tom?
Ela desvia o olhar.
– Acho que ele vai demorar.
– Aonde ele foi? - Insisto. Tem alguma coisa estranha ali.
Alguma coisa que minha mãe não quer deixar transparecer e que a está preocupando. Há dias que ela está esquisita.
– Resolver algumas coisas do time. E como foi sua festa? – pergunta, me medindo e eu coro.
– Estava legal... Bom, vou dormir – agora sou eu que quero fugir de conversa.
Minha mãe não faz objeção quando eu me afasto e vou direto para meu quarto. Tomo um banho e me troco para dormir, mas ainda estou preocupada com ela. Será mesmo que é apenas mais uma briga de casal? É esquisito vê-la assim, tão pra baixo. E eu realmente nunca vi nenhuma crise entre eles. Todavia, talvez seja apenas isto mesmo, uma crise. E eu torço pra que passe e tudo fique bem.
Mas os pensamentos com Stella e Tom somem imediatamente da minha cabeça quando escuto o celular vibrar e meu coração dispara ao ver que é uma mensagem de Daniel.
“Só queria saber se você está bem.”
Eu suspiro alto.
“Sim, já estou em casa”
Hesito antes de apertar para enviar. Quero dizer tantas coisas, porém não sei como ou se é o momento.
Mordendo os lábios, envio a mensagem e me deito sob as cobertas.
A verdade é que, apesar de eu ter transado com Daniel, ainda me sinto meio perdida em nosso relacionamento.
Quer dizer, é um relacionamento, não é?
Eu espero que seja, porque não consigo imaginar acordar amanhã e eu não vê-lo mais.
Eu estou completamente obcecada por ele.
***************
Eu estou emaranhada num misto de ansiedade e excitação na manhã seguinte, quando desço para tomar café.
O sol está brilhando lá fora, um dia tão atípico em Seattle, que combina com meu humor.
Hoje é um dia de mil possibilidades. Uma melhor que a outra. Todas elas têm apenas um nome: Daniel Beaumont.
– Está animada hoje. – Stella comenta ao entrar na cozinha e eu sou tirada de meus pensamentos românticos para estudá-la em busca de indícios sobre seu humor.
Ela parece razoavelmente bem, apesar das olheiras.
– Está sol, claro que eu estou animada. Onde está Tom? – pergunto casualmente.
– Está treinando.
– E está tudo bem entre vocês?
Ela sorri.
– Claro que sim... Acho que ouvi uma buzina. Deve ser Jena.
Eu corro para fora e Jena me encara com os olhos franzidos, antes de dar partida.
– Que sorriso bobo no rosto é este?
Oh Droga. Eu tenho que me policiar melhor. Devo estar parecendo alguém que perdeu a virgindade com um cara perfeito.
Ops, eu perdi mesmo a virgindade com cara perfeito.
E eu mal posso esperar para vê-lo de novo.
– E aí? – Jena insiste.
– Nada, estou apenas animada com este dia de sol.
– Sei...
Obviamente ela não acredita no que estou dizendo e sei que vai insistir numa resposta.
– Vamos lá, quem é?
– Quem é o quê?
– O cara que te deixou assim,
– Eu já falei, Jena...
– Anna, não nasci ontem! Então pode ir me contando antes que saia fazendo perguntas por aí e será bem pior, sabe disto.
– Está bem, está bem. Eu te conto, mas não aqui na escola – desconverso, pois estamos no estacionamento do colégio.
– Sabe que vou cobrar, né? Então nem pense em fugir!
Nós saltamos e eu imediatamente inspeciono o estacionamento em busca do carro de Daniel, enquanto Fiona e Joshua se aproximam nos cumprimentando. Para minha decepção, o carro que aparece é o carro chamativo de Violet, e um rápido olhar me deixa ainda mais decepcionada ao perceber que Daniel não está entre os irmãos que saltam do carro. E eu já me preparo para desviar o olhar, quando Violet olha diretamente pra mim. E para minha surpresa, ela não me lança um de seus olhares de ódio ou desprezo.
Ela sorri.
Tudo bem que não chega a ser um sorriso amigável, é mais um sorriso presunçoso. Como se ela soubesse de algo que eu não sei.
Eu desvio o olhar desconcertada, me perguntando se Daniel não virá à escola hoje de novo. E me dou conta de que ontem eu nem perguntei por que ele tinha faltado.
E pensar que ele pode faltar hoje de novo me enche de pavor.
– Ei, terra chamando, Anna – Joshua sacode a mão na minha frente para chamar minha atenção e Fiona ri.
– Nossa, Anna, faz um tempo que ele está te chamando.
Eu fico vermelha.
– Me desculpe, me distraí. O que foi?
– Nada, estava só te chamando para a aula. Biologia, lembra?
Eu dou um sorriso amarelo.
– Sim, vamos.
Eu o acompanho meio a contragosto, pois ainda tenho esperanças de ver o Daniel chegando, mas todos os alunos já estão entrando e a aulas já vão começar.
Então sigo Joshua e tento prestar atenção na aula, é praticamente impossível.
Eu só penso em Daniel e assim que a aula termina, e eu sigo para a aula seguinte, digito uma mensagem perguntando onde ele está.
Mas o celular continua em silêncio por toda a aula seguinte e a próxima. E eu já estou a ponto de ligar para ele, enquanto caminho em direção ao refeitório, quando Jena e Fiona me alcançam. Guardo o celular no bolso, contrariada.
– A gente precisa conversar sobre a campanha. – Jena diz quando entramos. Meus olhos ansiosos varrem o lugar até a mesa dos Beaumont.
– Sim, a gente podia se encontrar na sua casa hoje à tarde, o que acha, Anna? – Fiona diz, mas eu já não estou escutando.
Porque ele está ali.
Daniel está sentado na mesa dos Beaumont, conversando com seus irmãos tranquilamente.
Meu coração dá um salto mortal e minha primeira reação é andar até lá, colocar o mínimo possível de espaço entre nós e...
Eu paro. O que estou fazendo?
Ou melhor, que diabos Daniel está fazendo?
Por que não me respondeu, afinal?
Fiona e Jena ainda falam comigo, e eu as sigo pela fila da comida sem nem ao menos perceber o que estou pegando, meus olhos fixos na mesa dos Beaumont. Até que Daniel levanta o olhar e me vê.
Um turbilhão de sentimentos me domina. Alegria, ansiedade e excitação se debatem em meu íntimo e eu espero.
Ele está sério, quase grave, e eu junto a confusão ao coquetel de sentimentos borbulhando dentro de mim.
Meus olhos se prendem nele com mil perguntas, mas os dele não estão disponíveis pra mim. E com um peso no peito, eu o vejo desviar o olhar.
– Anna, anda logo. – Fiona me apressa atrás de mim e eu sigo Jena em frente com a bandeja até uma mesa.
Joshua está lá esperando por nós e eles conversam.
Eu desvio meus olhos para a mesa dos Beaumont de novo. E pego Violet olhando pra mim, ela desvia o olhar.
Ela e Daniel estão travando uma discussão agora. E eu daria tudo para saber o que estão falando. Seria sobre mim?
Cansada de especular que diabos está acontecendo, pego o celular e digito uma mensagem.
Eu não podia deixar as coisas continuarem desse jeito.
Não faço ideia do que está acontecendo com Daniel e eu preciso descobrir.
– Aonde vai? – Jena pergunta quando me levanto. Minha bandeja intocada.
– Preciso resolver uma coisa... na secretaria. – minto. – Eu já volto.
Ainda lanço um último olhar para a mesa dos Beaumont, antes de me afastar. E Daniel está lendo uma mensagem no celular.
Pois bem. Veremos se ele vai ignorar.
Caminho pelos corredores da escola, olho em volta para ver se ninguém está por perto, antes de entrar no armário de materiais esportivos. E espero.
A possibilidade de ele me ignorar pesa no meu peito e eu fecho os olhos, encostando a cabeça no armário atrás de mim.
Até que escuto a porta abrir e fechar.
E lá está ele na semiescuridão.
Olhos verdes brilhando em minha direção.
Só faz alguns dias que entrei ali com ele pela primeira vez? Parecem anos. Uma eternidade.
Por um momento nenhum de nós diz nada e eu me afundo cada vez mais de medo.
Porque se tem algo errado, eu não faço ideia do que seja.
De repente ele se aproxima, quase tão rápido que eu nem sinto o tempo e então não há mais espaço, dúvida, ou medo, porque ele está me beijando.
Eu derreto nele, meus dedos se apossando dos fios dourados de seus cabelos, enquanto sinto os dele se infiltrando nos meus.
Sim, assim que tem que ser. Nossas bocas coladas, nossos corações batendo no mesmo ritmo. Nossos corpos deslizando em direção ao outro.
Um longo tempo se passa antes que finalmente nossas bocas se separarem para que possamos respirar, mesmo assim, ele não me solta. As mãos deslizando agora por minhas costas, me apertando, me fazendo sentir o quanto ele está excitado. Eu exulto.
E solto um gemido, roçando nele.
– Você me assustou! – reclamo ofegante e puxo seus cabelos para ver seu rosto.
Ele não fala nada, apenas respira ofegante me encarando.
– Por que não respondeu minha mensagem? Por que estava me ignorando? Por quê...
Eu não termino porque ele me beija de novo.
Um beijo que faz minha mente girar e meu corpo tremer.
E quando me fita depois do beijo de novo, está sorrindo.
Aquele sorriso mais lindo do mundo que tira qualquer pensamento coerente da minha cabeça.
– Estou pensando em te beijar assim desde a hora que nos despedimos ontem.
Eu ofego, deliciada.
– E por que sinto que tive que pressionar você para que esteja me beijando agora?
– Queria que eu te beijasse no estacionamento da escola? – indaga, depositando leves beijos por meu rosto corado.
Não . Eu não queria.
Iria morrer de vergonha.
– Se você ao menos estivesse lá para eu decidir... – digo de olhos fechados, saboreando seus beijos.
Ele respira fundo. Seu hálito dança em meu rosto.
– Eu estava ocupado.
Abro os olhos, fitando-o.
– Está me distraindo, mas eu ainda estou confusa.
– Não há nenhuma confusão aqui.
Eu quero acreditar nele. Demais.
Por que perder meu tempo bancando a namorada chata, se ele está ali comigo, afinal?
E aquele meu medo mais secreto, que eu não queria admitir nem para mim mesma, de que ele não quisesse mais nada comigo depois de transarmos, está me abandonando agora, dando lugar às mais doces expectativas.
Fecho os olhos e o beijo. Desta vez é devagar e doce e eu que não quero que termine nunca.
Quero que tenhamos todo o tempo do mundo para ficarmos escondidos, nos beijando, sem se preocupar com mais nada.
E de novo me sinto incomodada com o comportamento de Daniel. Ele diz que não há nenhuma confusão, mas eu quero saber por que ele me ignorou. Eu realmente não quero que todos fiquem sabendo de nós também. Não ainda. Não quando nem eu sei o que é direito.
No entanto, sinto que tem alguma coisa que não se encaixa.
Daniel para de me beijar e acaricia meu rosto. E eu tenho certeza que ele sabe exatamente o que estou pensando.
E é como se pensasse numa resposta para me dar.
– O que vai acontecer agora? – pergunto num fio de voz.
– Temos que voltar pra aula – não é a resposta que eu estava esperando.
Eu seguro sua mão e tiro do meu rosto.
– Sabe que não é disto que estou falando.
Ele desvia o olhar. De novo parece pensar no que responder.
Eu levo minhas mãos até seu rosto e o forço na minha direção.
– Quero ficar com você de novo – digo.
Sei que talvez não seja a coisa certa a dizer. Eu deveria querer respostas dele. Querer saber que diabos está acontecendo entre nós.
Porém, mais do que nunca, eu preciso mesmo é ter certeza de que vai continuar acontecendo.
Ele respira fundo e segura minha mão, beijando a palma.
– Eu sabia que você era confusão, Annalise Nicholls.
– Digo o mesmo de você.
Então ele ri. E eu rio também.
E enquanto estamos ali, rindo juntos, eu sinto como se tudo fosse possível.
E isto me enche de coragem.
Que se danem as precauções.
Eu quero viver aquele sentimento absurdo e confuso com Daniel Beaumont.
– Você pode me dar uma carona hoje à tarde? – pergunto.
– Como dizer não pra você?
Eu me aproximo e, ficando na ponta dos pés, beijo seu queixo e digo em seu ouvido.
– Para sua sorte, eu também não quero dizer não pra você. Então estamos quites.
Sem esperar resposta eu abro a porta e saio do armário.
E ainda estou com um sorriso bobo no rosto quando passo por um corredor e vejo Joshua numa conversa animada com ninguém menos que Violet.
Desde quando eles são amigos? Fico ali parada, a poucos metros dele, aturdida, até que ela se despede e desaparece pelo corredor.
Eu me aproximo de Joshua.
– Desde quando é amigo de Violet?
– Ah, ela é legal – ele parece deslumbrado e eu rolo os olhos.
Deveria estar torcendo para que ele transfira sua paixão juvenil para outra pessoa, mas Violet?
– Ela tem namorado, Josh.
Ele fica vermelho.
– Eu sei. Não é nada disto... quer dizer... acha que ela se interessaria por mim?
– Joshua, não viaja. Se eu fosse você ficaria longe desta garota.
– É, talvez tenha razão. Aquele namorado dela é bem grandão.
Eu rio.
– Sim, isto mesmo.
Nós entramos na aula de Física e o assunto é esquecido.
E como o esperado, minha mente continua presa em Daniel e eu apenas fico olhando o relógio toda hora, até que finalmente o dia de aula chega ao fim.
Eu quase corro para fora da escola, rezando para não encontrar Jena pelo caminho e ter que dar explicações.
E lá está o sedan preto.
E eu corro com o coração aos pulos e me junto a Daniel dentro do carro.
Ele sorri pra mim e dá partida.
E a última coisa que eu vejo pela janela do carro são os Beaumont restantes nos encarando.
– Seus irmãos não gostam de mim – afirmo.
– Por que acha isto? – a expressão de Daniel é indecifrável.
– É óbvio. Sua irmã Violet até me agrediu na educação física, se lembra bem?
– Foi um acidente – afirma, embora eu saiba que nem ele acredita realmente nisto.
– E sua irmã Charlotte me disse claramente para ficar longe de você.
Ele me encara, surpreso.
– Ela disse?
– Disse.
– Quando?
– Quando me deu carona pra casa naquela noite do filme.
Daniel não fala nada, pela sua cara, Charlotte está em apuros.
E eu gosto disto. Quero que ele fique comigo independentemente do que os irmãos estranhos dele pensem.
– Seus pais estão em casa? - pergunto quando entramos na casa silenciosa.
– Não. Meus pais viajaram ontem. Eles ficarão um mês fora. Na África.
– África?
– Sim, meu pai às vezes faz trabalho voluntário em países pobres. E minha mãe foi junto desta vez. Ela o ajuda.
– Uau, que legal da parte dele.
Ele sorri e percebo um certo orgulho.
– Sim, meu pai é muito legal.
E de repente eu quero que ele fale mais dos pais. Quero que ele me conte tudo sobre sua família. Até sobre os irmãos esquisitos.
Quero saber tudo sobre ele. Mas me calo.
– Está com fome? – pergunta e eu sacudo a cabeça negativamente.
E então o ar está cheio de eletricidade entre nós. Eu mordo os lábios com força quando ele vem em minha direção e segurando minha mão, seguimos para seu quarto.
Eu respiro rápido quando ele fecha a porta atrás de nós e toca meu rosto.
– Você é tão bonita.
Eu fecho os olhos. Esperando.
Então ele me solta e eu abro os olhos, confusa, ao vê-lo dando um passo atrás.
– Daniel, o quê..?
Ele passa a mão pelos cabelos, parece confuso.
– Acho que deveria ir embora.
– Ir embora?
– Sim. Foi um erro te trazer aqui, Anna.
Meu coração afunda no peito. Que diabos ele está falando?
– Por que está falando isto?
– Você sabe por que estamos aqui, não é?
– Sim! É claro que eu sei! E eu achei que você também soubesse!
– Sim, eu sei.
– Então por que está me mandando embora?
– Porque você precisa ir.
– Por que me trouxe então?
– Porque de novo eu não estava pensando racionalmente quando estava com você naquele armário. E nunca penso racionalmente quando estou com você. Devia ter me mantido longe de você desde o começo.
Deus, ele estava me matando! Não é possível que pensasse estas coisas absurdas!
– Não entendo o que está falando... Por que precisa se manter longe de mim?
– Porque você não sabe... – e ele respira fundo. - É melhor se manter longe disto tudo, Anna...
– Eu não sou tão inocente! E você sabe bem disto – eu me aproximo dele. – Você ficou comigo ontem. Porque eu quis. E eu estou aqui agora. Porque eu quero.
Ele me encara com os olhos em fogo.
– E o que você quer, Daniel? – pergunto, ficando na ponta dos pés, nossos lábios quase se tocando.
– Eu quero você. Sempre quis você.
– Então isto basta – eu o beijo e ele geme na minha boca.
Eu colo nele. Não posso deixá-lo ir.
E o beijo vira inferno.
–Você quer estar aqui, não é? – ele diz entre beijos.
Minha cabeça está girando sem ar, mas não me importo.
– Sim, claro que sim.
– Então fale. Preciso ouvir você falar.
– Eu quero transar com você de novo – falar é libertador, e uma espécie de febre se apossa de mim.
– Então mostra.
Ah minha nossa, meu coração está disparado no peito e a temperatura do quarto subiu mil graus.
Eu penso em todas as coisas que eu sonhei secretamente em fazer com ele.
Em todas as coisas que nunca fiz.
E que posso fazer agora. Um prazer quente se enrosca dentro de mim, levando ondas de puro frenesi ao meu cérebro.
Sim, eu vou mostrar.
E o empurro em direção à cama. E prendo meus olhos no dele, enquanto retiro minha calcinha e sem mais demora, eu estou em cima dele, o beijando loucamente. Meus dedos abrem a camisa do seu uniforme e eu mordo seu ombro, adorando ouvi-lo gemer.
– Você é lindo – sussurro embevecida, beijando seu peito, e ele puxa meus cabelos e me beija forte. Ofego, perdida. Seus dedos abrem minha camisa. Meus seios doem em ansiedade querendo roçar no dele e eu abro meu sutiã, gemendo contra sua boca quando finalmente nossas peles se tocam, mandando mil pontadas de prazer direto para o meio das minhas pernas, piorando ainda mais quando suas mãos envolvem meus quadris e me apertam contra ele.
Eu simplesmente preciso de mais. E rápido.
Com um gemido rouco eu aparto nossos lábios e levo a mão à suas calças, abrindo-a.
Sua ereção salta livre e eu mordo os lábios o admirando.
E sem pensar, eu abaixo a cabeça e chupo forte.
Se eu tinha dúvida que eu conseguiria fazer aquilo, ou se ele ia gostar, a dúvida se desfaz no ar quando escuto meu nome sussurrado em seus lábios e suas mãos nos meus cabelos.
Ah sim. Eu posso mostrar. Eu quero mostrar.
Eu quero tudo com Daniel Beaumont.
– Anna, Deus... – ele geme e puxa minha cabeça, me obrigando a parar.
Eu o encaro ofegante.
– Eu não terminei.
Ele sorri. Diabolicamente lindo. Meu ventre se contrai de ansiedade.
– Nós vamos terminar. Mas eu quero estar dentro de você – ele pega um preservativo no criado e coloca.
Eu solto um longo gemido quando me faz sentar em cima dele e finalmente está dentro de mim.
Suas mãos em meus quadris ditam o ritmo e eu jogo a cabeça pra trás, os lábios entreabertos, os olhos fechados, deixando todas as sensações se apoderarem de mim mais uma vez.
– Isto... Deixa ir, Anna... – ele geme e eu começo a arquejar, o prazer se enroscando e crescendo dentro de mim e quando explode, ele vem em minha direção, aumentando seu próprio ritmo, me abraçando forte, enquanto eu me desmancho em gozo.
Eu não me lembro o que aconteceu depois. Apenas acordo sem saber onde estou e que horas são.
E ao abrir os olhos, reconheço o quarto de Daniel e me lembro.
Há um lençol sobre meu corpo nu e Daniel está todo vestido olhando a tarde cair pela janela.
Ele se vira quando eu me mexo.
– O que faz aí? – eu me sento, me cobrindo com o lençol.
Ele se aproxima e senta à minha frente. Seus dedos penteiam meus cabelos.
Ele parece estranho. Como se quisesse me dizer alguma coisa.
– O que foi?
– Precisa ir. Está tarde. – ele recolhe as mãos.
– Que horas são?
– Quase seis.
– Já? – eu arregalo os olhos. – Eu não avisei minha mãe que não ia pra casa... ela deve estar pirando. Devia ter me acordado.
– Sim, eu sei. Então é melhor se arrumar.
Ele aponta para uma pilha arrumada de roupas na cadeira e sai do quarto.
Eu me visto rapidamente, sem tempo de pensar que, de novo, ele está esquisito comigo.
A gente definitivamente vai ter que conversar sobre isto.
Por agora, eu preciso ir pra casa. Pego meu celular no bolso e vejo várias ligações de Stella.
Estou realmente encrencada.
Ligo pra ela e deixo um recado que estou bem e indo pra casa.
Daniel ainda não voltou quando acabo de me arrumar e então eu saio do quarto. Estou meio ressabiada. Provavelmente os irmãos de Daniel estão por perto.
Ao fechar a porta atrás de mim, não é nenhum irmão de Daniel que eu vejo, e sim uma moça loira desconhecida.
Ela me encara por um momento. Não parece surpresa.
– Olá, eu sou Eloise Parker.
– Oi – digo, sem saber o que falar.
– Você deve ser Annalise Nicholls.
Ela sabe quem eu sou?
E quem diabos é esta loira?
De repente ouço passos e Daniel aparece. Ele olha de mim pra Eloise parecendo irritado.
– Eloise, o que faz aqui?
– Ora Daniel, que educação. Estava me apresentando pra sua... amiga.
– Então some – ele continua no mesmo tom, ignorando sua resposta.
Ela parece não se importar e sorri.
– Prazer em conhecê-la, Anna – ela se afasta e Daniel continua frio ao segurar minha mão e me puxar escada abaixo.
Só quando entramos no carro que eu consigo falar.
– Quem é esta garota?
– Ninguém.
– Como assim ninguém? Ela estava na sua casa. É uma parente ou algo assim?
– Ela é... Uma amiga da família.
– Ela mora na cidade? – de repente tenho vontade de saber mais sobre a tal loira.
Por que Daniel parece não gostar nem um pouco dela, se é amiga da família?
– Ela mora em Los Angeles.
Um alarme soa na minha cabeça.
“E agora ele me diz que vai pra Los Angeles.”
– Quem vai pro Los Angeles?
– O quê?
– Eu ouvi Violet conversando com Elton na escola, e ela estava brava porque alguém combinou algo com ela e agora ia pra Los Angeles.
Ele não responde até que para o carro em frente à minha casa. Parece tenso.
– O que mais você ouviu?
– Não me lembro direito. Ela estava brava e Elton pedia pra ela se acalmar. Do que Violet estava falando, afinal?
– De nada.
– Não me pareceu nada.
– Nada que seja da sua conta, Anna – ele diz rispidamente e eu me calo, magoada por seu tom de voz.
– Me desculpe – ele parece perceber o que fez e me encara, culpado.
– Tudo bem. Tem razão. Não é da minha conta. Eu só fiquei curiosa.
– Eu não devia ter sido tão ríspido, me desculpa – ele respira fundo.
– Daniel, tem alguma coisa errada? – ele me encara. – Você parece... tenso.
Ele ri, sem o menor humor.
– É melhor nem saber.
Eu quero perguntar do que ele está falando, é óbvio que não quer me falar nada.
– Tudo bem.
Um silêncio pesado invade o carro.
No rádio está tocando uma música triste e de repente eu me encho de tristeza, sem saber por quê.
Eu olho pra Daniel.
No pouco tempo em que eu o conheço minha vida já mudou radicalmente.
E eu me sinto tão consumida por ele que chega a doer.
E não quero que isto passe.
Quero ficar com ele. Estou apaixonada por ele.
– Anna – ele me chama. – Há algo que eu quero que saiba...
Eu espero.
Então escuto uma moto estacionando e, olhando pra fora, reconheço Tyler.
Quando encaro Daniel, ele está diferente.
Ele está distante.
Pela primeira vez eu amaldiçoo a presença de Tyler.
– Eu preciso ir – digo.
– Sim, estou vendo.
– É apenas Tyler – eu tento justificar. - Nós nos falamos?
– Sim – é sua resposta lacônica antes de ligar o carro. Entendo que é minha deixa para sair e o encarando por um momento uma última vez, eu saio.
Ele sai cantando pneus, enquanto eu encaro Tyler que está a minha espera.
– Te causei problemas?
– Não, claro que não – digo, tentando sorrir - Quer entrar?
– Eu vim saber se quer ir comigo pra Olímpia no fim de semana.
– Ir pra Olímpia?
– Sim, eu estarei de mudança. E você podia ir também, rever seu pai.
– Bom, eu preciso ver se é possível – eu penso em Daniel e se estaremos juntos.
– Tudo bem... Eu estarei por aqui esta semana, me liga.
– Não quer mesmo entrar?
– Não, tenho que fazer umas coisas pra Maria.
– Tudo bem.
Ele se vai e eu entro em casa.
Stella me encara nervosa.
– Onde estava, posso saber?
– Desculpa, mãe, estava fazendo um trabalho.
– E não podia avisar?
– Me desculpa mesmo, eu...
– Nunca mais faça isto, me deixou preocupada!
– Eu sinto muito.
Ela parece pálida e tem olheiras.
– A senhora está bem?
– Estou com enxaqueca, apenas isto. – ela diz, e eu me pergunto se tem a ver com os problemas com Tom.
– Posso ajudar, já tomou algum remédio?
– Sim, tomei, só preciso descansar. O que me leva a uma coisa. Hoje Tom tem um evento. Você pode ir com ele?
– Eu?
– Por favor, Anna. Eu não posso ir deste jeito. E ele ficaria feliz se o acompanhasse.
– Tudo bem. Eu vou subir e me arrumar então.
Eu me arrasto até o quarto nem um pouco animada. Tomo um banho e me arrumo.
Tom me espera lá embaixo e sorri ao me ver.
– Então hoje seremos só nós dois?
– Pois é. Mamãe está bem?
– Ela vai ficar.
Nós entramos no carro eu aproveito para tentar tirar dele qual o problema.
– Eu estou preocupada com Stella.
– Por quê?
– Porque ela estava chorando ontem e eu vi vocês brigando.
– Não se preocupe. É apenas briga de casal.
– É o que ela diz, mas eu nunca vi vocês brigando.
– Todo mundo briga, Anna.
– Eu espero mesmo que não seja nada grave.
– Claro que não é. Não esquente sua cabecinha com isto.
Nós chegamos ao evento, um jantar de caridade, e é como todos os outros: chato e interminável. Aproveito quando rodeiam Tom no final para ir ao banheiro e quando volto para procurá-lo, eu o vejo conversando com uma moça loira.
E quando me aproximo e a moça vira, eu estaco chocada, ao reconhecer Eloise Parker.
– Eloise?
– Oi Anna, que surpresa... – ela não me parece nada surpresa.
– Vocês se conhecem? – eu encaro Tom.
– Não, claro que não a conheço – ele responde rapidamente.
– Como não?
– O que ele quis dizer é que eu sou uma fã – ela diz. – Apenas isto. Bom, eu preciso ir.
Ela se afasta sem olhar pra trás e eu encaro Tom.
– Você conhece esta moça da onde, Anna?
– Ela é amiga do Daniel.
– Daniel?
– Aquele garoto que foi em casa comigo estes dias, para fazer um trabalho.
– Ah sim... me lembro.
– Vamos embora?
– Claro.
Tom fica em silêncio o caminho inteiro. Parece pensativo.
Quando chegamos, ele me encara.
– Você disse que aquela garota era amiga do tal Daniel?
– Sim.
– Só amiga?
– Claro que sim. – sinto meu estômago revirar ao imaginar o que Tom está insinuando. – Por que o interesse?
– Nada... Qual o sobrenome deste Daniel?
– Beaumont.
Tom fica pálido.
– Beaumont? Tem certeza?
– Claro.
– Ele tem irmãos?
– Ele tem três irmãos: Elton, Charlotte e Violet.
– Violet? – Tom agora parece que vai ter um AVC.
– Tom, qual o problema? Por que está fazendo este monte de perguntas?
– Nada, nada... Vá dormir.
– Mas... Você ficou esquisito.
– Esquece, Anna. Vai dormir.
Eu ainda quero insistir, mas ele já desaparece dentro do escritório.
Eu desisto e subo pro meu quarto.
Então escuto o telefone tocando. Pego a extensão e atendo.
– Alô?
Nada.
– Alô?
Apenas uma respiração e depois desligam.
Eu coloco o aparelho no gancho e desço pra sala. Vamos ver quem é que estava fazendo aquela brincadeira boba de ligar e não falar nada.
Olho o identificador e disco o número de volta.
Depois de três chamadas, atendem.
– Alô – uma vez masculina.
– Quem fala?
– Elton Beaumont, quer falar com quem?
Eu desligo, chocada.
Era da casa dos Beaumont?
Alguém da casa dos Beaumont estava passando trote pra minha casa?
Daniel? Somente Daniel ia me ligar, por que ele ligaria e ficaria mudo? Não faz sentido.
Ou seria outra pessoa na casa dos Beaumont?
Eu penso em ligar de volta e confrontá-los, o que posso dizer? Melhor deixar pro dia seguinte. Eu iria perguntar a Daniel pessoalmente.
Subo para o meu quarto e me troco. Antes de dormir, eu olho meu celular. Não tem nenhuma mensagem. Nenhuma ligação. Fecho os olhos e penso em Daniel. No dia seguinte, será definitivo. Eu preciso dizer como me sinto.
Que estou completamente apaixonada por ele.
***************
Eu acordo devagar no dia seguinte.
Abro a janela e está um dia cinzento. Mesmo assim, eu tento me animar.
Eu vou pra escola. Eu vou ver Daniel.
Me troco e ao descer, nem Tom nem Stella estão por ali.
Não é segredo que minha mãe curte dormir até tarde, e como ela estava doente ontem, pode estar descansando agora.
E Tom deve estar treinando.
Ainda está cedo para Jena aparecer, então eu passo um recado para ela e informo que vou de carro, que ela não precisa me dar carona.
Dirijo até a escola e como sempre faço, ao sair do carro, eu olho pelo estacionamento. Não vejo o carro de Daniel. E nem de sua irmã Violet.
De novo penso nos telefonemas. Estou ansiosa pra falar com Daniel sobre isto também.
Entro na escola e vou direto para a sala, por causa da chuva fina que cai. Hoje tem aula de literatura. E eu espero que Daniel não falte.
Eu espero em vão. Ele não aparece. Deixo um recado no intervalo da aula seguinte. Também não há resposta.
Não tem aula de Educação Física por causa do tempo. Eu consigo me desvencilhar de Jena e Fiona e tento ligar pra ele o tempo inteiro, trancada num banheiro. E quando me dou conta, já deve ser hora do intervalo, porque algumas garotas enchem o banheiro.
Eu ainda continuo tentando passar mensagens, mas escuto uns cochichos e levanto o olhar.
É impressão minha ou todas elas estão me olhando? Algumas também têm um celular na mão e olham para alguma coisa neles e depois olham pra mim.
Eu saio do banheiro aturdida e o corredor está cheio.
E, de repente, parece que todo mundo resolveu olhar pra mim.
Eu caminho escutando uns cochichos e risadas, sem entender, até que Fiona e Jena se materializam na minha frente.
Fiona está pálida feito um fantasma e Jena vermelha como se fosse explodir.
– O que deu em todo mundo?
– Onde estava? Deus, estávamos loucas atrás de você! – Jena quase grita.
– O que foi?
– Ela ainda não viu. – Fiona diz e então Jena coloca um tablet na minha mão.
E eu arfo horrorizada ao ver uma sucessão de fotos minhas.
E de Daniel.
No quarto dele.
Na tarde anterior.
Fazendo sexo.
Eu nunca me lembrarei com exatidão do que eu fiz depois que vi aquelas fotos e me dei conta de que era o que todos estavam olhando em seus celulares.
Eu não consigo respirar.
Olho em volta, o rosto das pessoas em mim. Uns chocados, outros rindo. Alguns garotos faziam piadas sujas. Faziam propostas.
Algumas garotas me chamavam de vadia. De suja.
E era exatamente assim que eu estava me sentindo.
Suja.
Eu estou suja e cheia de horror.
Como aquelas fotos existiam?
Só eu e Daniel estávamos naquele quarto. Era um momento íntimo.
Ou eu achava que era.
Eu luto para respirar.
– Anna, como isto aconteceu? – Jena perguntava. – Você transou com o Daniel e deixou ele tirar fotos? Estava louca? E agora está tudo na internet! Que horror! Com certeza acabou com sua campanha do grêmio.
– Cala a boca! – Fiona murmura. – Anna, sinto muito...
As vozes ao meu redor vão aumentando. Se misturando.
Eu já não escuto ninguém
Então eu corro. Eu fujo.
Eu empurro as pessoas tirando-as do meu caminho.
E já estou no estacionamento quando vejo Violet Beaumont.
E atrás dela estão os outros Beaumont.
– Onde está o Daniel? – pergunto.
– Está longe daqui – ela reponde simplesmente.
– Estas fotos... – eu mal consigo falar. – Ele sabe destas fotos?
– Se ele sabe? Foi ele quem armou tudo, não percebeu ainda?
Eu sinto que vou desmaiar.
– Está mentindo!
– Não estou.
– É mentira... Ele não faria isto... Por que ele faria isto...
– Porque eu pedi.
– O quê?
– Anna, filha! – escuto a voz da minha mãe e a vejo saindo do carro e vindo na minha direção. Pela cara dela, ela sabe.
Eu quero morrer naquele momento.
Então ela olha pra Violet e fica ainda mais pálida.
– Você?
– Olá, Stella, e nos encontramos de novo.
– Vocês... Vocês se conhecem? – pergunto assustada.
Violet sorri maldosamente.
– Conte a ela, Stella, conte como nos conhecemos.
– Foi você que fez isto com a minha filha! – Stella grita. – Como pôde?
– Como eu pude? Eu não fiz nada. Você viu bem, ela estava bem feliz de se deixar seduzir por meu irmão.
– Então ele é mesmo seu irmão?
– Sim, depois que minha mãe se matou por sua causa, os Beaumont me adotaram.
– Do que está falando? – eu pergunto atordoada.
– Pelo jeito sua mãe não te contou nada, não é?
– Contou o quê?
– Anna, vamos embora. – Stella tenta me puxar, mas eu me nego a ir.
– Contou o quê? – insisto.
– Que o seu querido marido Tom me seduziu há três anos. Quando eu tinha apenas quatorze anos. Que ele também se envolveu com a sua preciosa mãezinha e a pediu em casamento. Que quando eu contei que estava grávida, ele me espancou, até que eu perdesse meu bebê e ficasse estéril pro resto da vida.
Eu escuto aquilo horrorizada.
Meu mundo inteiro está desabando.
– E sabe o que é pior? Ele era namorado da minha mãe. Ele a tinha pedido em casamento e depois me seduziu! Minha mãe descobriu tudo quando me encontrou no hospital. Eu era a queridinha dele assim como você. Só que ele não tinha a sorte de ser tão rico como é agora!
– Isto é verdade? – pergunto sem acreditar.
– Sim, a mais pura verdade.
– Mas minha mãe não tem nada a ver com isto...
– Não tem? Sua mãe sabia de tudo. A polícia foi atrás dele. Ela o defendeu. Disse que ele estava com ela. Ela lhe deu um álibi. E ele saiu impune. E eu saí como mentirosa!
– Não pode ser... Mãe... – eu encaro Stella. A verdade está em seu rosto.
– Vamos embora, Anna.
Mas eu precisava ouvir até o fim.
– E o que o Daniel fez tem a ver com isto?
– Eu não podia deixar sua mãe e Tom impunes depois de tudo. Posando por aí de casal perfeito... Enquanto eu ainda tenho pesadelos e marcas no meu corpo! Ele podia estar apodrecendo na cadeia se não fosse ela. Agora ela sabe como é ter a filha seduzida e humilhada. Sabe o que minha mãe passou, se sentindo tão culpada por ter colocado aquele canalha nas nossas vidas que se matou semanas depois. – Ela encara Stella. – Agora você sabe. O que eu fiz com sua filha foi pouco em vista do que fizeram comigo, agradeça por isto!
– Vamos embora. – Elton puxa o braço de Violet por fim.
Charlotte me encara com um olhar grave.
– Eu disse pra ficar longe do meu irmão. Eu avisei você.
– Onde ele está? – pergunto.
Eu não consigo nem dizer seu nome.
– Ele foi para Los Angeles, com a Eloise
– Eloise Parker?
– Sim. Ela também é mais uma marionete da Violet nesta história.
– Já chega! – Stella finalmente consegue me puxar e me põe no carro.
Eu estou adormecida.
Minhas emoções estão petrificadas, enquanto Stella dirige pela chuva.
– Eu sinto muito, Anna, meu Deus, como eu sinto... – ela murmura entre soluços. – Aquela garota é louca... Eu deveria ter desconfiado... Estava tudo muito esquisito nestas semanas... Mas eu não podia imaginar...
– É verdade a história que ela contou?
– Não foi bem assim.
– Pelo amor de Deus, mãe. Me conte a verdade.
– Foi ela quem seduziu o Tom. Você a viu! Ela é capaz de tudo! Provavelmente a mãe dela se matou de desgosto...
– Ela tinha 14 anos! O Tom era noivo da mãe dela!
– Por isto mesmo, uma coisa horrível!
– Ele a espancou. Ela estava grávida.
– Ela o provocou. Ela o estava ameaçando. Não queria deixá-lo ficar comigo. Ele já tinha terminado com a mãe dela, que não tinha causado nenhum problema. Ele queria ir embora comigo!
– E a senhora acha que isto justifica o fato de ele espancá-la até ela perder o bebê?
– Ela exagera...
– Não acho que seja exagero se ela guardou tanto rancor por quase quatro anos a ponto de pedir para o irmão...
Eu não consigo terminar. Eu não quero pensar nisto.
Não quero pensar na traição de Daniel.
Simplesmente não consigo lidar com isto ainda.
– Por que o defendeu?
– Eu o amava. Como podia deixá-lo ir pra cadeia, por causa de uma garota daquelas?
Eu fecho os olhos com força.
O mundo inteiro está do avesso agora.
Tudo o que eu conheci como certo. Tudo desmoronou.
Tom. Minha mãe.
Daniel.
Nós chegamos em casa e o inferno está instalado.
Há paparazzi por todos os lados enfiando câmeras em nossas caras.
– Anna, como se sente com suas fotos íntimas na internet?
– Você sabia que seu padrasto estava tendo um caso com uma adolescente?
Encaro minha mãe e ela não diz nada, enquanto finalmente consegue colocar o carro dentro de casa.
Corro para dentro, não para fugir da chuva, para fugir de tudo.
Quero ficar sozinha e remoer minha dor.
Mas Tom está lá.
Ele grita ao telefone e resmunga algumas palavras, para ao me ver e desliga.
– Como pôde aprontar algo assim, Anna?
– Eu?
– Sim! Se deixar flagrar naquele tipo de foto...
– Eles armaram pra mim! E por sua culpa! Por isto ficou daquele jeito ontem... Quando eu falei de Daniel e de Violet, você os reconheceu.
– Eu lembrava vagamente que ela tinha sido adotada por uma família Beaumont...
– Não vamos mais falar deste assunto. – Stella entra. – O que estes abutres estão fazendo aí fora?
– Eles estão querendo minha carcaça! – Tom grita. – Eu já liguei para os advogados! Isto não vai ficar assim.
– A culpa é sua! Como se não bastasse aquela louca envolvendo minha filha nisto, você ainda teve outro casinho!
– O quê? – digo aturdida.
– Anna, sobe pro seu quarto – Stella pede.
– Não! Já chega de me manter de fora! Como assim um caso? Você está tendo um caso?
– Isto não é da sua conta – ele resmunga.
Então eu entendo.
Eloise estava com Tom ontem.
Ele perguntando se ela era algo mais de Daniel.
Charlotte dizendo que Eloise era mais uma marionete de Violet. Tudo se encaixa.
– Você percebeu isto ontem, não é? Violet armou pra você. Eu era a vingança contra minha mãe. E Eloise era a sua.
–Você foi um idiota. – Stella grita. – Eu te defendi uma vez! Acha que vou te defender novamente? Você prometeu que nunca mais ia aprontar! Nós éramos felizes! Eu te dei tudo! Confiei em você!
– A culpa não foi minha! Você ouviu! Violet armou tudo com a amiga dela! Os Beaumont armaram pra mim! Para acabar com a minha carreira!
– Quem se importa com carreira? Eu me importo com nosso casamento!
– Minha carreira é o que nos sustenta! Eu sou um jogador! Trabalhei duro pela minha reputação! Não vou deixar aquela vadiazinha destruir tudo!
– Ela já destruiu – eu falo e me arrasto para meu quarto.
Sim, Violet acabou com tudo.
Exatamente como planejara.
O ódio que ela sentia por mim desde o início fazia sentido.
O interesse de Daniel Beaumont em mim fazia sentido agora.
Eu me sento, sem forças, e luto contra a dor no meu peito. É como uma faca sendo torcida.
Tudo o que Daniel fez.
Era tudo uma mentira.
Eu era apenas um instrumento de vingança. Alguém que ele usou. Para colocar aquelas fotos horríveis na internet.
Fotos que estariam pra sempre por aí. Seria uma humilhação eterna.
Nunca seria esquecido.
E isso não foi o pior.
Ele fizera eu me apaixonar por ele.
Para nada. Ele não sentira nada.
Escuto a porta abrir e quero gritar para seja quem for ir embora.
– Anna?
Abro os olhos e vejo Tyler.
Ele se aproxima e me abraça.
E então, eu finalmente choro.
Por todas as mentiras que me foram contadas.
Por todos os erros cometidos por Tom. Por minha mãe.
Pelos seus erros que eu tive que pagar.
Pela minha inocência perdida.
Por um amor que nunca foi real.
– Vai ficar tudo bem, Anna... – ele murmura.
– Tyler... Me leva pra casa... me leva pra Olímpia.
†
Uma espiada na irresistível sequência da história de Annalise e Daniel
Vendetta
Livro II
Capítulo um
“Você está terrivelmente atrasado, Daniel.”
Suspiro pesadamente, apertando o celular com uma mão enquanto afrouxo a gravata com a outra, e olho a paisagem cinzenta de Seattle contra o vidro no vigésimo andar.
Estou terrivelmente cansado, é o que devo responder, mas sei que ela não aceitará esta resposta.
Em vez disto, digito rapidamente algo mais adequado, embora duvide que isto a deixará mais satisfeita.
“Estou ocupado. Acho que sabe perfeitamente.”
Envio a resposta e sento na minha mesa, abrindo o laptop. Já são quase sete horas e deveria estar saindo do escritório agora se quisesse manter o compromisso que tinha para aquela tarde, mas eu sou novo ali.
Sei que muitos consideram um feito ter me tornado sócio em menos de um ano no escritório de advocacia mais conceituado de Seattle, mas eu considero apenas trabalho duro e incansável.
E eu não poderia falhar agora.
Não que exista algum motivo para eu mudar. Não há nada mais importante para mim do que meu trabalho, mesmo algumas pessoas pensando que eu devia agir diferente, penso, soltando um palavrão baixo quando o celular vibra novamente.
“Nós combinamos e você está me dando um fora.”
– Inferno – resmungo pra mim mesmo digitando uma resposta.
“Você pode muito bem escolher as malditas flores sozinha.”
Como eu deveria imaginar, a resposta chega quase imediatamente.
“Vou fingir que não usou a expressão: “malditas flores” se referindo às flores do meu casamento. E te perdoarei por hora, senhor advogado sócio! Te vejo hoje à noite no jantar?”
Ah certo. O maldito jantar de comemoração à minha promoção. Se não fosse por minha mãe, eu certamente arranjaria uma desculpa qualquer e continuaria trabalhando noite adentro.
Mas eu não posso decepcionar minha mãe.
“Claro. Nos vemos hoje à noite”, antes de colocar o celular sobre a mesa e chamar Lucy a minha sala.
Lucy. A estagiária linda e loira que me fora designada. Mais um adendo do meu novo status.
Eu deveria estar satisfeito. Faz três dias que estamos trabalhando juntos e ela parece bem eficiente. No entanto, eu tenho sérias dúvidas se isto dará mesmo certo, se for levar em consideração que sua saia parece mais curta do que habitual cada vez que ela entra na minha sala e seu perfume enjoativo também parece exagerado. Assim como seu sorriso sexy. Ou que ela pretende que seja sexy.
E eu não espero que minha secretária seja sexy.
Eu não quero trabalhar com nenhuma mulher me perturbando quando preciso de concentração e profissionalismo. Como explicar isto à exuberante Lucy?
Talvez eu deva pedir para trocá-la.
– Oi, Daniel – ela se aproxima da minha mesa com seus saltos batendo no chão de madeira e joga o cabelo, me fitando com um sorriso. – Precisa de mim?
– Preciso do relatório do caso que fechamos ontem para arquivar.
– Ah, claro, eu vou buscar...
– Você terminou, não é?
– Bem, ainda falta dar uma revisada... eu posso ficar até mais tarde hoje e terminar.
– Você não precisa fazer isto, Lucy.
– Você sempre fica, não é? Eu posso te fazer companhia – ela sorri.
Oh Deus, preciso urgentemente dar um jeito nisto.
– Hoje não – eu me levanto. – Tenho um jantar com a minha família.
– Ah... Sei... Deve ser interessante... Vão comemorar?
– Pois é – eu desligo o laptop e pego meu casaco.
– Sua família parece ser tão interessante... Eu...
Por um momento bizarro tenho a impressão que Lucy vai se convidar para ir junto, então meu celular vibra na mesa, nos salvando do momento constrangedor.
– Me desculpe, Lucy, preciso ir.
– Claro. Até amanhã, chefe!
Eu saio pelas portas de vidro e caminho pelo corredor, distraído com a foto que me foi enviada.
Flores.
Eu sorrio.
“Eu gostei destas, o que acha?”
Não faz diferença nenhuma para mim, seria a resposta sincera.
– E aí, Beaumont, saindo cedo hoje?
Eu levanto a cabeça ao entrar no elevador e ver Adam Brody, o advogado que concorrera comigo o ano inteiro por aquela posição e que perdera, obviamente.
E eu ainda não sei o quanto ele está ressentido com isto.
– Sim, tenho um jantar com a minha família.
Ele sorri entrando comigo no elevador que começa a descer.
– Eu tenho um encontro.
Eu dou um sorriso forçado.
– Boa sorte.
– Embora agora mesmo eu pense em mudar de planos e convidar a nova estagiária pra sair. – ele assovia maliciosamente.
– Nova estagiária?
– Ela veio hoje fazer a entrevista. Eu a aprovei. Ela começa na próxima semana.
– Cuidado, Adam. Interesse e assédio podem muito bem ser confundidos hoje – eu o alerto, incomodado com aquela postura.
– Claro que eu sei! Estou brincando! Eu nunca iria assediar uma funcionária, Taylor me mataria – ele se refere ao sócio mais antigo da firma, Jason Taylor. – Só que não sou cego e ela é uma moça bonita. Obviamente está fora de cogitação se formos trabalhar juntos.
Hum... Se haveria uma nova estagiária, talvez eu pudesse trocá-la com Lucy.
– Aposto que você não tem nenhum interesse, não é? Com a Lucy trabalhando contigo...
– Espero que esteja falando profissionalmente, Adam.
– Claro que sim, meu chapa! – Ele me dá um soco no ombro, piscando, quando o elevador chega no térreo e nós saltamos para o saguão e depois para a calçada movimentada.
– Bom jantar. – Ele se afasta para o outro lado e eu sigo na direção contrária, para o restaurante onde minha mãe marcou o jantar que era perto do escritório, para me intimidar, obviamente. Eu teria menos chance de dizer não.
Sorrindo comigo mesmo de sua astúcia materna, estou caminhando por entre as pessoas para atravessar a rua, quando de repente a vejo.
Annalise Nicholls está parada a dois metros de distância de mim.
Oito anos depois de nosso último encontro.
Eu paro de respirar, enquanto o próprio tempo congela, para em seguida retroceder oito anos.
Os mesmos cabelos castanhos bagunçados pelo vento. A mesma pele branca perfeita.
A mesma perfeição atordoante daquela manhã cinza e chuvosa em que ela correra ao lado de Joshua Nelson fugindo da chuva, os cabelos chocolate voando ao vento, a saia do uniforme dançando em volta de suas coxas brancas.
Foi naquele momento que eu soube que estava perdido para sempre.
Que Annalise Nicholls deixou de ser o instrumento de vingança para se tornar a razão do meu desejo.
Juliana Dantas
O melhor da literatura para todos os gostos e idades