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Series & Trilogias Literarias
Oito anos depois estou fazendo o mesmo caminho de volta para casa.
Estou voltando para Olímpia.
Como da outra vez, Tyler dirige seu velho carro.
E como da outra vez, estou com o coração partido.
– Ann? – A voz de Tyler é um misto de preocupação e pesar.
– O quê?
– A vingança é tão boa quanto previu?
Eu não respondo. Estou ocupada demais lamentando não ter saído correndo daquele escritório quando encontrei Daniel Beaumont.
Capítulo um
Eu não me sentia totalmente à vontade ao voltar para Seattle.
Embora eu sorrisse despreocupada e dissesse isto a todos que me olhavam com cuidado quando eu dizia que estava voltando para a cidade de onde fugira há oito anos.
Meu pai, principalmente, teve um pequeno surto quando eu contei no fim de semana que estava pleiteando um emprego em Seattle.
– Ann, não vai voltar para aquela cidade!
– Por que não? É uma cidade como outra qualquer – retruco, tirando os pratos da mesa e os levando para a cozinha, na vã tentativa de fugir de seu olhar sagaz.
Ele foi atrás de mim.
– Serei eu a te lembrar do que aconteceu há oito anos quando morava lá?
O copo que ensaboo escapa das minhas mãos para dentro da pia, sem se quebrar.
Esta sou eu. Posso cair. Posso me machucar. Mas não vou quebrar.
Não de novo.
Eu tive oito anos para me remendar, para costurar cada pedacinho estilhaçado de mim mesma e seguir em frente.
Eu estava pronta para seguir em frente, mas para isto precisava ser corajosa e enfrentar meus demônios.
– Não, não precisa me lembrar – respondo com rispidez, voltando a ensaboar a louça. – Eu me lembro muito bem.
– Se lembra, por que quer voltar?
Eu paro e me viro.
– Porque eu preciso. Já faz oito anos. O que ainda pode me amedrontar lá?
As lembranças me perseguem em pesadelos, não faz diferença onde eu esteja.
– Aqueles filhos da puta continuam morando lá.
Meu estômago se revira um pouco à menção deles.
– E daí? – Volto para a pia, abrindo a torneira. – É uma cidade enorme, não é como se fosse Olímpia!
Meu pai suspira pesadamente e sei que está passando os dedos por entre os cabelos com um olhar consternado.
Quero tranquilizá-lo, só não sei como.
Eu só posso fingir que estou muito bem com isto e não com aquele friozinho de medo que ronda minha barriga desde que Fiona me ligou contando que havia enviado meu currículo para uma grande firma de Seattle e que eles estavam interessados.
– Eu tenho medo, filha. Não posso pensar em vê-la de novo daquele jeito.
Eu engulo o nó na minha garganta.
Não quero me recordar daqueles dias negros pós Seattle.
Dos dias que passei chorando sem querer sair do quarto, dos dias dos pesadelos sombrios.
Dos dias em que a lembrança da humilhação era tão recente quanto a dor da perda de um amor que só existiu da minha parte.
Respiro fundo algumas vezes tentando afastar aquela dorzinha no peito que ainda me assombra às vezes, quando menos espero.
Eu sou adulta agora. Tenho quase 26 anos. Sou formada em Direito.
Não sou mais aquela garota ingênua e impressionável que fora vítima de uma nojenta vendetta.
Que acreditara num cara que só estava interessado em usá-la e humilhá-la.
Não. Aquela Anna não existe mais.
A nova Anna não dá a mínima para isto. É passado.
E só.
– Eu não me importo com eles – digo por fim. – Não me interessa se estão na mesma cidade ou do outro lado do mundo. Eu quero apenas seguir minha vida. Não vou desperdiçar uma chance maravilhosa na minha carreira só para fugir deles. Não podem me machucar mais. Sou mais forte agora.
– Ann...
Eu me viro e lanço a ele o olhar mais sereno que consigo.
– Está tudo bem, pai. Eu vou me mudar pra Seattle, já está decidido. Fiona mandou meu currículo para outros escritórios também, ela acha que tenho bastante chance. Se não for este, vai ser outro. E se não der certo lá – eu dou de ombros. – Terei que pensar em outra cidade. Não vou desistir agora. Não sem tentar. Não por causa dos Beaumont – o nome deles ainda amarga um pouco minha língua.
Meu pai me pareceu convencido.
E me ajudou dias depois a fazer minha mudança para Seattle e me instalar na casa de Fiona.
E agora eu estou esperando na elegante recepção de uma das firmas mais conceituadas de Seattle para minha primeira entrevista de emprego.
Tudo bem que é só um estágio, para começar está ótimo.
– Annalise Nicholls? – A moça bonita da recepção chama meu nome e sorri. – Pode me acompanhar?
Eu a sigo pelo corredor sóbrio até uma sala iluminada composta por móveis de madeira escura, onde uma grande mesa domina o ambiente.
Um rapaz que não deve ser muito mais velho do que eu sorri amigavelmente e vem em minha direção estendendo a mão.
– Olá, eu sou Adam Brody. Você deve ser Annalise Nicholls?
– Sim – eu seguro sua mão e ele pede que eu me sente, dispensando a garota da recepção.
Eu estou um pouco nervosa, mas Adam é uma daquelas pessoas que conseguem deixar os outros a vontade em pouco tempo e, no fim da entrevista, eu até estou sorrindo mais quando ele diz que a vaga é minha.
– Jura? – Eu tenho vontade de abraçá-lo tamanha a minha felicidade, obviamente isto não seria nem um pouco profissional.
– Sim, nós a queremos com a gente – ele sorri e se levanta. Eu faço o mesmo. – O Departamento Pessoal entrará em contato com você para combinar tudo, ok?
– Claro que sim. Muito obrigada – nós trocamos um aperto de mão e a recepcionista que se apresenta agora como Hannah, me acompanha até o elevador.
Eu dou pulinhos quando estou sozinha e digito rapidamente uma mensagem pra Fiona no celular antes de sair para a tarde que cai rapidamente na rua cheia de gente.
Paro por um instante absorvendo o ar frio de Seattle que despenteia meu cabelo.
Quando que eu acharia que estaria me sentindo tão bem de volta àquele lugar?
Pela primeira vez eu sinto que tudo vai mesmo dar certo.
Eu estou aqui para exorcizar meus demônios e seguir em frente.
E vou seguir.
Fiona pediu pizza e fez margueritas quando chego em casa. Está sendo realmente ótimo morar com ela.
Ela fora a única pessoa com quem mantive contato depois de fugir de Seattle há oito anos. Nunca fez julgamentos ou cobranças. Apenas foi minha amiga.
E estava sendo novamente.
– E aí, me conta como foi! – Ela pergunta animada, nos servindo mais margueritas.
– Foi bem tranquilo, eu estava um pouco nervosa, claro, mas o Adam...
Ela levanta a sobrancelha.
– Adam?
– Adam Brody, o advogado que me entrevistou, ele foi bem legal e me deixou mais segura.
– Hum, e como é este Adam-muito-legal?
– Você quer saber se ele é bonito? – Eu deduzo, divertida.
– Ele é? Oh meu Deus, ele é gato? É jovem ou um coroa bonitão?
– Sim, ele é jovem e sim ele é gato, mas...
– Sem mas! Você é uma sortuda! Já começa num emprego novo com um cara lindo e legal! E eu tenho que aguentar meu chefe rabugento, gordo e careca! Não é justo!
Eu rio até engasgar.
– Eu sou uma estagiária, Fiona! Não vou dar em cima de um advogado da firma, o que iriam pensar de mim?
– Oh, então já pensou nisto? Pensou nas possibilidades com Adam...
– Para com isto! – Eu fico meio vermelha.
Sim, Adam era bonito e charmoso. E tinha sido mesmo ótimo comigo. Estava contente por trabalhar com ele, daí achar que ia rolar algo entre nós, era um grande caminho.
Eu não estava à procura de um namorado.
– Não, não pensei em nada disso – respondo, e de repente, não me sinto com vontade de rir.
Fiona fica séria e parece muito interessada nos farelos de pizza na mesa.
– Anna... Posso te perguntar uma coisa?
Eu me remexo incomodada.
Não, ela não pode perguntar o que sei que ela quer perguntar.
Mas ela é Fiona, minha amiga mais antiga. Posso até dizer melhor amiga naquela cidade, ou a única, na verdade.
– Sim.
– Você realmente superou tudo, não é? Toda aquela história com o Daniel...
Eu me levanto, como se algo tivesse me picado e me viro para que Fiona não veja a expressão em meu rosto.
– Oh Meu Deus, Anna, me perdoe... eu não deveria ter tocado neste assunto, nossa. Eu sou uma pessoa horrível.
Eu me volto para ela e dou de ombros, tentando fazer meu rosto relaxar, assim como toda a tensão súbita em meu corpo.
– Claro que sim. Não precisa ficar cheia de dedos comigo. Pelos motivos óbvios eu não gosto de falar sobre esse assunto, quem iria? Mas... está tudo bem agora. Já se passaram oito anos, não é?
– Sim, fico feliz em saber – ela concorda estudando meu rosto, como se quisesse ter certeza que eu não estou blefando.
– Bom, a noite está ótima, mas estou exausta! Vou para a cama – digo.
Ela se levanta pegando os copos e pratos na mesa.
– Eu também. Tenho reunião logo cedo. Pelo menos você vai ter esta semana para se adaptar antes de começar a trabalhar.
– Sim, tem razão. Quer ajuda com isto? – Pergunto, ao vê-la equilibrar tudo para levar até a cozinha.
– Não, eu me viro, vai dormir, teve um dia cheio!
– Tudo bem, amanhã eu lavo a louça, ok?
– Combinado.
Eu vou para o quarto e visto um pijama. Meu celular está sobre a mesa de cabeceira e eu vejo as ligações perdidas. Uma de meu pai. Três de Tyler.
Uma de Miami.
Meu estômago embrulha. Eu apago aquele número e digito um recado para o meu pai e depois ligo pra Tyler.
– Achei que já tivesse esquecido dos amigos da cidade pequena – ele brinca e eu rio.
– Você poderia ter vindo comigo.
– Eu pensei seriamente, pode acreditar.
Eu suspiro. Tyler ainda era meu melhor amigo. A pessoa que eu mais confiava no mundo. E eu gostaria mesmo que ele tivesse voltado para Seattle comigo.
Atualmente ele tinha outros interesses em Olímpia. Não posso negar que isto me deixava um tanto enciumada, o que era ridículo. Para não dizer egoísta.
– E como está Ellen, ainda me odeia?
Ele ri com vontade.
– Ellen não te odeia.
– Ah Tyler, odeia sim. Deve ter adorado eu ter saído de Olímpia de vez.
– Ok, ela tem ciúme de você, não posso negar.
– Por que acho que isto te deixa meio satisfeito? Por acaso é alguma coisa de macho alfa sendo disputado por todas as garotas?
– Você está na disputa?
– Claro que não! Embora Ellen ache que sim, por isto vive me hostilizando desde que começaram a namorar.
– Ela tem que aceitar que você é minha melhor amiga.
– Espero que deixe bem claro para ela que sou somente isto mesmo. Não quero ser motivo de discórdia entre vocês.
– Não se preocupe, briga por ciúme sempre acaba em reconciliação com muito sexo.
– Ai meu Deus, não quero ouvir! – Ele ri mais ainda e eu acabo rindo também.
– E me conta como foi seu primeiro dia aí?
– Foi bom, consegui o estágio.
– Uau, meus parabéns. Acho que te farei uma visita em breve.
– Nem pense nisto, Ellen me mataria.
– Eu posso levá-la também.
Eu faço uma careta que obviamente Tyler não pode ver. A verdade é que eu e Ellen não nos damos bem mesmo. Eu tentei uma aproximação, mas, todos os anos que Tyler havia passado apaixonado por mim, o que todo mundo em Olímpia parecia saber, não contribuíram para ela me aceitar bem.
E eu acho que até a entendia.
– Tyler, preciso dormir, foi um dia longo.
– Ok, vá descansar. E Anna...
Seu tom de voz muda e eu sei o que está por vir.
– está tudo bem mesmo por estar aí?
Eu mordo os lábios com força. Sei que posso confessar a Tyler meus medos mais sombrios, também sei que não quero preocupá-lo.
– Sim, eu estou bem. Boa noite, Tyler.
E, antes que ele faça mais alguma pergunta, eu desligo e apago a luz.
O sono chega logo e com eles os pesadelos...
Estou de volta oito anos atrás. Minha cama está gelada como se eu estivesse nua sob a neve, apesar de todas as cobertas com que meu pai me cobrira.
Por mais que meu corpo esteja quente, minha alma está gelada.
E dói.
Eu mal consigo respirar, enquanto as punhaladas no meu coração não findam.
– Estou preocupado com ela... – a voz de Michael atravessa a névoa de dor. – Não sei mais o que fazer... já faz duas semanas e ela não quer sair do quarto, só come se eu obrigar mesmo assim quase nada, apenas chora e não dorme. Quando dorme tem pesadelos e acorda gritando... me mata vê-la desse jeito.
Ninguém responde a sua lamentação e eu desconfio que ele está falando no telefone.
De repente sua voz não está mais queixosa e sim, furiosa
– Quer que eu faça o quê? A culpa é toda sua! E daquele seu marido! Se não fosse o canalha que é, nunca teriam feito mal a Anna!
Eu tampo meus ouvidos para não ouvir mais nada e rezo para adormecer.
Por outro lado, também tenho medo da inconsciência, porque com ela vêm as lembranças...
E o pior não são as recordações ruins. As fotos horríveis, humilhação...
O pior são as boas.
São as lembranças de Daniel...
Daniel...
Eu acordo suando e com calafrios. Respiro por arquejos quando abro os olhos e reconheço meu quarto em Seattle. Estou segura. Estou longe daquela época terrível.
O alívio adormece um pouco minha dor antiga e escuto meu telefone tocar.
Eu o pego e reconheço o telefone da firma. Ainda é muito cedo, mal passa das oito da manhã.
– Alô?
– Anna? É Adam.
– Oi. – Eu me sento, passando a mão pelos cabelos, como se ele estivesse me vendo descabelada depois de um pesadelo!
– Me desculpe acordá-la, ou ligar assim do nada.
– Não, tudo bem.
– Escuta, eu sei que te disse que começaria na próxima semana, mas, será que seria possível começar hoje?
– Hoje? – Eu fico alerta.
– Pode responder não, se for impossível. Nós realmente precisamos de ajuda com um caso, e seria interessante sua presença para ficar a par de tudo.
– É.... tudo bem. Eu vou.
– Tem certeza?
– Sim, eu estarei aí o mais breve possível.
– Não precisa se apressar. A audiência começa no fim da manhã.
– Certo. Eu estarei aí.
Eu desligo o telefone e pulo da cama.
Felizmente eu consegui me arrumar em tempo recorde e são pouco mais de nove, quando sou recebida pela recepcionista Hannah que me leva até a sala de uma moça chamada Lucy.
– Olá, seja bem-vinda – ela me mede com um sorriso estudado que não chega aos olhos e percebo na hora que está se perguntando se sou uma concorrente.
Eu não gosto disto e a cumprimento disfarçando meu descontentamento com um sorriso educado.
– Olá.
– E aí, vai trabalhar com Adam, não é? Ele é um fofo, vai adorá-lo.
– Sim, eu o achei ótimo em nossa entrevista.
– E é lindo – pisca com um sorriso malicioso. Eu não retribuo.
Se ela percebe meu desconforto, não demonstra.
– Vou levá-la a um tour rápido pelo escritório e depois pra Adam.
– Ele me disse que iríamos ao fórum.
– Ah disse? Bom, vou confirmar com ele depois.
Lucy me leva pelo escritório e depois de volta à sua sala.
– Fique à vontade, eu vou ver se Adam já chegou.
Ela se afasta e eu aproveito para ver minhas mensagens no celular. Fiona está fazendo alguma piadinha sobre meu “chefe gato” e eu rindo enquanto digito uma resposta, quando Lucy retorna.
– Vamos lá?
Eu a sigo pelo corredor elegante até a sala de Adam, ele me vê pela parede de vidro, se levantando. Há um homem de terno de costas, sentado diante dele.
– Aí vem ela.
Nós entramos na sala ao mesmo tempo em que o homem de terno se vira.
E meu mundo para de girar quando me vejo frente a frente com Daniel Beaumont.
E, por um momento, eu me pergunto se estou presa em um dos meus mais terríveis pesadelos.
Capítulo dois
– Olá Anna, espero que não tenha sido problema para você começar hoje em vez da próxima semana como tínhamos combinado. – Adam dá um passo em minha direção segurando minha mão, alheio à tensão no ambiente.
As minhas lembranças me alcançaram, afinal. Em forma daquele advogado parado ali na minha frente.
Daniel Beaumont.
Eu mal consigo respirar e temo desmaiar a qualquer momento.
Mas, alguma força nascida do desespero, me mantém de pé e impassível diante daquela realidade perversa.
Eu desvio o olhar dele e encaro Adam. O que me ajuda a voltar à realidade.
Adam. Meu estágio.
– Não, não é... – respondo.
– Bom, deixa eu te apresentar Daniel Beaumont. Ele é o mais novo sócio do escritório. – Adam confirma minhas suspeitas. – Daniel, esta é Annalise Nicholls, ela gosta de ser chamada de Anna, não é?
Eu sou obrigada a fitá-lo de novo. E sou atingida pela enxurrada de sentimentos que borbulha bem no fundo das minhas lembranças.
Aquele é mesmo Daniel Beaumont. O mesmo cara que me enganou há oito anos.
Que junto com a irmã, foi capaz de planejar e executar uma vendetta contra mim.
Vendetta que definira anos da minha vida.
O cara por quem eu fui apaixonada um dia.
Ele é meu novo empregador.
A realidade bate em meu estômago, o afundando no peito.
Nos poucos segundos em que o encaro, e ele me olha como se eu fosse um fantasma surgido de um passado distante para assombrá-lo, mil possibilidades passam pela minha mente.
A mais sedutora delas, a de me virar e fugir correndo daquele escritório sem olhar pra trás.
Porém, outro sentimento também surge dentro de mim.
Raiva.
A força dela me atinge poderosamente também, me dando uma força estranha e bem-vinda.
Oito anos se passaram. Eu sobrevivi.
Não sou mais aquela garota que ele conheceu, seduziu e enganou.
Ele não me conhece mais. Não mesmo.
Então eu posso fingir que não o conheço também.
– Muito prazer, senhor Beaumont – digo o mais profissional possível.
Me sinto quase como uma atriz digna de Oscar quando percebo que ele esperava por tudo, menos isto.
Sinto um pequeno regozijo.
Então, depois de um momento de hesitação, ele segura minha mão.
Eu engulo em seco com o choque de minhas mãos frias contra as suas, mornas e fortes.
Mãos que me tocaram com toda intimidade um dia...
Eu fecho meus punhos com força ao lado do corpo, com uma súbita vontade de lavar com ácido os lugares onde ele havia tocado.
– Me chame de Daniel – ele diz. – E seja bem vinda ao nosso escritório.
Ainda a mesma voz. Linda. Perfeita.
A voz de um mentiroso enganador.
Ele está todo profissional agora.
Dois podiam jogar aquele jogo, afinal.
– Obrigada... Daniel – respondo no mesmo tom, desviando o olhar para Adam. – Lucy me disse que estamos indo a uma audiência.
– Sim, nós vamos agora. Sei que não poderá fazer nada, afinal, nem começou ainda, mas quero que vá com a gente para se familiarizar com tudo.
– Claro.
É a deixa para eu e Lucy sairmos e a sigo para fora da sala.
Mal consigo andar, tamanha a tontura que sinto. Como se toda minha energia tivesse sido drenada lá dentro.
E, de certa forma, foi o que aconteceu. Eu precisei utilizar toda minha energia para me manter forte perto Dele.
Deus do Céu, como eu iria conseguir me manter sobre minhas pernas o restante do dia?
Sigo Lucy para dentro do elevador e Adam e Daniel entram em seguida.
Eu foco os olhos em sua figura alta e esguia.
Ele não mudou nada. Continua aquele mesmo cara perfeito que me deslumbrou há oito anos.
Que me enganou há oito anos.
O elevador chega ao térreo e saltamos para a rua, onde uma limusine nos espera.
Alguém notaria se eu saísse correndo?
Adam senta ao lado de Lucy e a mim não resta opção, a não ser me sentar ao lado de Daniel.
Alguém lá em cima me odiava mesmo. Travo a respiração por um momento ao sentir seu cheiro. A memória olfativa era uma merda mesmo.
Prendo meu olhar no vidro, vendo Seattle passar por nós rapidamente.
De novo eu me pergunto como irei sobreviver.
– Anna, onde se formou? É seu primeiro estágio? – Lucy pergunta.
– Em Yale e este é meu primeiro estágio – respondo educadamente.
– Está bem longe de New Haven, é de lá ou daqui mesmo?
– Anna já morou aqui na cidade – Adam responde por mim.
– Sua família é daqui? – Lucy continua seu interrogatório.
– Não mais.
– Está sozinha na cidade então?
– Eu estou morando com uma amiga.
– Faz tempo que voltou?
– Não. Eu voltei somente porque me chamaram para esta entrevista.
– Nossa, que sorte que conseguiu então. Sabe que é uma das firmas mais conceituadas do país, não é? Muitas morreriam para ter a nossa sorte.
– Sim, eu sei.
E é só por isto que ainda não saltei desta limusine em movimento e estou aguentando este interrogatório curioso.
Sinto os olhos de Daniel presos em mim, mas continuo com a atenção voltada para a janela.
O carro para em frente ao fórum e nós saltamos.
Eu e Lucy seguimos atrás dos dois homens e a moça começa a falar sobre as vantagens do nosso emprego, mas não consigo registrar nada.
Estou passando mal. Realmente mal. Fisicamente.
A tensão guardada dentro de mim está cobrando seu preço.
– Lucy, vou ao banheiro, tudo bem?
– Claro.
Eu me afasto e me tranco dentro do banheiro vazio. Jogo água fria no rosto e miro minha imagem no espelho.
Estou com uma aparência doentia. Eu me sinto doente.
Deus, como posso continuar com essa farsa ridícula?
Eu mal posso respirar o mesmo ar que Daniel Beaumont sem me sentir exatamente como há oito anos.
A mesma humilhação, a sensação esmagadora de ter sido enganada, manipulada, usada!
O ressentimento ameaça me sufocar.
Eu preciso ir embora. Agora.
Segurando minha bolsa com força, forço a porta com o ombro e saio para o corredor.
E Daniel está ali me esperando.
– Anna, preciso falar com você.
Oito anos antes
Dizem que o tempo cura todas as feridas. Mas eu não faço ideia de quanto tempo se passou.
Podem ser dias, semanas, meses. Não faz diferença pra mim.
O tempo não cura nada. Porque todo dia eu acordo para me lembrar. Para sofrer.
E durmo para sonhar. E sofrer de novo.
Às vezes eu preferia estar morta.
– Ann? - a voz do meu pai ultrapassa a barreira do cobertor e chega aos meus ouvidos.
Abro os olhos na escuridão.
Sinto sua mão em minhas costas. Me encolho.
Não quero ser tocada. Não posso ser tocada.
– Filha, está me deixando verdadeiramente assustado. Já se passaram duas semanas e você mal come. Não sai do quarto... Precisa reagir. Por favor.
Eu sinto a dor em sua voz e fecho os olhos com força. É difícil aceitar que meu pai está sofrendo por minha culpa.
E que culpa ele tem em tudo aquilo?
Respiro fundo e abro os olhos, me virando e o encarando.
Ele parece cem anos mais velho.
– Eu sinto muito, pai – murmuro.
– Eu sei, querida. Por favor, ... Tem que reagir.
Eu faço um esforço para me sentar. Tudo parece muito difícil, até me mexer.
– Eu não tenho... vontade de reagir.
– Você devia ter me deixado ir atrás daquele filho da puta! Aquela gente sem escrúpulos!
– Não. – eu digo enfaticamente. Desde que cheguei em Olímpia e Tyler o colocou a par dos acontecimentos, porque eu simplesmente não tinha forças pra contar, meu pai estava revoltado e queria denunciar de alguma maneira os Beaumont para fazê-los pagar pelo que tinham feito.
Eu não queria nada disto.
Eu queria somente me enfiar debaixo das cobertas e esquecer.
– Anna... Aquele canalha seduziu você pra ajudar a irmã numa vingança pela qual você não era responsável e nem tinha nada a ver!
Escutar aquilo do meu pai doía pra caramba e eu sinto um pouco de falta de ar, tamanho é o aperto no meu peito.
– E você quer que eles fiquem impunes? Qualquer juiz ficaria do nosso lado!
– Não, pai - nego cansadamente. – Não quero fazer nada, não posso... me colocar na frente dele... deles... de novo. Não posso...
Ele passa a mão por meus cabelos.
– Tudo bem, tudo bem. Se é o que deseja... pelo menos saia deste quarto. Volte a viver. Não posso mais vê-la assim... Está me matando, Anna.
Concordo com a cabeça.
– Certo... eu vou tentar.
Michael parece satisfeito por hora e quando ele sai do quarto, eu me levanto. Praticamente me arrasto até a janela. Está chovendo. Um dia cinza.
Assim como minha vida.
Entro no chuveiro e tomo um longo banho. Choro mais um pouco.
E quando saio me sinto, se não melhor, um pouco menos morta.
E faço isto apenas pelo meu pai. Ele não merece sofrer porque a filha foi uma idiota se apaixonando por um mentiroso.
Pensar nisto faz tudo doer de novo.
Meus ossos doem. É quase físico. Eu engulo em seco e visto uma roupa, descendo para sala.
Quando estou na escada, escuto uma voz estranha e paro.
– Como eu falei, não estou aqui procurando mais confusão. Vim para pedir desculpas e tentar remediar esta situação.
– Acha que desculpas fazem alguma diferença? – a voz de Michael é colérica. – Nada vai apagar o que seus filhos fizeram, o que aquele crápula do seu filho fez com minha filha...
Eu tapo a boca com a mão para conter um grito.
Seu filho? Aquela voz é do pai do Daniel?
Minhas pernas ficam bambas e eu não consigo me mover nem pra frente nem pra trás.
– Eu sei. - a voz agora parece pesarosa. – Mais do que ninguém eu sei.
– E por que não fez nada? Se achava errado, por que permitiu que chegassem tão longe? Que tipo de pai permite isto?
– Eu não sabia de nada. Nem eu nem minha esposa. Se Soubéssemos... Enfim, eu estava na África a trabalho e voltei há alguns dias quando fiquei sabendo... Eu realmente sinto muito por tudo e se pudesse falar com Anna...
– Não acho que ela vai querer algum contato. Minha filha está acabada! Está sofrendo e humilhada!
–Eu sei. Quanto às fotos, já estamos num processo para retirar todas da internet...
Meu pai faz um barulho de descaso.
– Eu sei que não apaga o que sua filha passou. Eu... Estou tentando resolver os problemas da minha família agora...
– Olha, não me interessa os problemas da sua família! É minha filha que está pagando pelos erros deles!
– Por isto estou aqui. Quero fazer algo para tentar consertar todo o infortúnio...
Infortúnio? Sinto a bile subindo por minha garganta.
Caleb Beaumont chamava o que me fizeram de infortúnio?
– Daniel está... – ele continua, a simples menção de Daniel faz a bile na minha garganta saltar para boca e eu subo correndo as escadas e, entrando no banheiro, vomito o pouco conteúdo do meu estômago.
Depois fico agachada no chão, lutando para respirar, até que escuto o som de um carro se afastando.
Me levanto e vou até a janela. Um carro desconhecido se afasta pela rua.
Me sinto aliviada.
Desço as escadas e encontro meu pai na cozinha tentando fazer algo no fogão. O que, com certeza, não está obtendo sucesso.
Ele me olha rapidamente.
– Finalmente desceu. Estou fazendo um macarrão.
Eu me aproximo e tomo a panela de sua mão.
– Deixa que eu faço – estou feliz de minhas mãos estarem firmes.
Eu mexo a massa na panela e respiro fundo para falar.
– Eu escutei Caleb Beaumont – confesso.
Meu pai solta uma série de impropérios.
– O que você ouviu?
Eu dou de ombros.
– Muito pouco. Não consegui ficar... – decido não contar pra ele que tinha passado mal.
– Ele veio pedir desculpas - meu pai solta uma risada irônica. – Acha que pedir desculpas resolve alguma coisa! Devia tê-lo levado pra delegacia! Que pague no lugar dos filhos pela merda que...
– Pai!
– Ok, parei. Eu o escutei. O que posso fazer? Pelo menos ele teve alguma decência vindo se retratar e disse que estão tirando as fotos do ar.
Mordo os lábios com força.
As fotos...
As malditas fotos voltam à minha mente...
Luto contra a tontura.
Porque me lembro de como aquelas fotos foram tiradas. Do que eu estava sentindo. Na confiança que eu tive naquele momento para fazer o que fiz. Porque eu acreditava que tudo era de verdade.
Nada foi verdade. Nada.
Luto para não correr e me esconder de novo.
– Eu falei que de nada adianta agora. Você já foi humilhada! Eu disse a ele que não queria sair de casa de tanta vergonha.
“Ah, se fosse somente a vergonha, pai.”
– Ele se propôs a pagar uma indenização.
– Não – eu me viro rapidamente.
– Anna, é o mínimo que eles podem fazer! Se os processássemos, com certeza teriam que pagar muito mais...
– Eu não quero dinheiro deles – minha voz sai baixa e rouca.
– Eu sei. Também mandei ele enfiar o dinheiro dele onde o sol não bate, porém... Ele disse que isto podia ajudá-la; que você poderia sair do país. Fazer um intercâmbio, algo assim.
– Não quero sair do país – murmuro, tirando o macarrão do fogo e escorrendo a água na pia.
Sair do país não muda nada. Sair de Seattle não tinha.
– Eu desconfio que sair do planeta não vai ser de nenhuma ajuda. – digo por fim.
– Mas, filha...
– Não, pai. Não insista.
Eu tento comer, mesmo sem apetite algum e depois sento com meu pai na sala.
O telefone toca e fico tensa quando meu pai atende.
– Oi... Ela está aqui... Está melhor... – ele me olha e coloca a mão no fone. – Sua mãe quer falar com você.
Eu me levanto e saio da casa.
– Acho que ela ainda não quer falar com você – escuto Michael dizer antes de fechar a porta atrás de mim.
A tarde está fria e eu cruzo os braços em frente ao corpo, enquanto começo a caminhar.
Não posso falar com minha mãe.
Simplesmente há uma parte minha que a culpa por tudo. Por ter casado com Tom mesmo sabendo o canalha que ele era.
Se ele não estivesse nas nossas vidas, nada disto tinha acontecido.
Nenhuma vendetta.
Eu nunca teria conhecido Daniel.
Paro de repente, respirado com dificuldade por andar tão rápido e pelo frio cortante.
Daniel.
O nome dele invade minha mente, minha alma. Percorre meu sangue como um veneno, matando tudo por onde passa.
Drenando minha vida.
A cada dia que passava, em vez de diminuir o efeito, apenas piorava.
Eu me sentia mais envenenada pela dor, pelo ressentimento.
Tudo mentira.
Ele só me usou.
Fez eu me apaixonar para me usar numa vingança.
Fecho os olhos com força.
Preciso sair dali. Preciso ver gente. Ficar sozinha não está me fazendo bem. Está me fazendo lembrar...
Volto pra casa e meu pai saiu para a loja, deixando-me um bilhete. Pego a chave da velha pick-up de Michael e saio de novo.
Dirigir até a cidade, com o vento batendo no meu rosto, me faz bem.
Saio do carro e entro numa loja qualquer. É uma mercearia e eu pego uma cesta. Comprar algumas coisas para o jantar e fazer uma comida pra Michael, irá me distrair.
Estou escolhendo algumas verduras quando escuto uns sussurros.
– Você viu as fotos? - uma garota diz.
– Sim, eu vi. A filha do Michael, hein? Até que ela é gostosa – um garoto diz rindo maliciosamente.
Eu me sinto enjoada. Paralisada.
– Ai credo, ela é uma vadia isto sim! Deixar tirar aquelas fotos? Pelo amor de Deus, é nojento!
– Estão dizendo que ela voltou pra cidade, será que aceita sair comigo e fazer algumas daquelas coisas... – as vozes se aproximam, mas eu não consigo me mexer.
– Ei, Anna. – uma voz conhecida chega até mim antes que braços reconfortantes me amparassem no mesmo instante que os dois adolescentes me viram e pararam estupefatos.
– Anna Nicholls! – a menina exclama e o garoto me mede.
Deus, eu ia morrer.
Eu queria morrer.
– Vem, Ann. – Tyler está ali. Eu o encaro com olhos assustados.
Ele praticamente me arrasta pra fora da loja e me coloca dentro do carro.
– Você está bem?
Eu sacudo a cabeça negativamente. Não consigo parar de tremer.
Ele solta um palavrão e dá partida.
Uma lágrima solitária rola em meu rosto.
Sim dor. Sinto vergonha.
Sinto desgosto.
E raiva.
Seguimos em silêncio até minha casa e, lá chegando, Tyler entra comigo.
– Como me encontrou? – pergunto.
Ele dá de ombros.
– Foi um acaso. Acho que cheguei bem na hora.
Eu me encolho no sofá, abraçando meu próprio corpo.
– Foi horrível... Eu não deveria ter saído de casa...
Ele senta do meu lado.
– Ann, eu sei que gostaria de se esconder, de nada vai adiantar. Isto é o assunto do momento, com o tempo as pessoas vão esquecer e voltar a cuidar de suas próprias vidas.
– Nesta cidade? Eu tinha esperança que estas malditas fotos não fossem notícia aqui...
– Isto vai ser esquecido...
–Caleb Beaumont disse que pediram pra tirar do tal site.
Tyler franze a testa.
– Caleb Beaumont?
– Ele esteve aqui – conto a Tyler sobre a visita de Caleb e ele parece indignado.
– Pelo menos aquele riquinho maldito não veio junto.
Eu fecho os olhos. Não conseguia nem imaginar como seria ver Daniel de novo.
Seria dor demais. Eu não suportaria.
– Nunca mais eu quero vê-lo – digo abrindo os olhos e pronunciando estas palavras com mais força do que eu julgava capaz.
– Está fazendo o certo. E ele que não apareça aqui, senão...
– Não quero mais falar disto, Tyler – digo cansadamente.
Ele aperta meus ombros com carinho.
– Tudo bem, só acho que seu pai tem razão. Você podia mesmo viajar.
– Com o dinheiro dos Beaumont?
– E daí? Eles te devem muito mais do que isto pelo que fizeram.
Eu reluto, se bem que, depois do vexame na mercearia, ficar em Olímpia, voltar ao colégio na cidade, não me parece uma ideia plausível.
Com certeza todos sabiam. Todos iriam me julgar.
Era humilhante demais.
Por outro lado, usar dinheiro vindo da família Beaumont não me agradava em nada.
– Talvez tenha razão, mas eu não queria nada deles...
– Se tivesse deixado seu pai dar queixa, eles teriam que te indenizar, Anna. Este dinheiro é para seu próprio bem. Se ele não pode apagar o que aconteceu, pelo menos vai te ajudar a esquecer bem longe daqui, até que tudo se acalme e seja esquecido.
Eu o deixo me abraçar e tento me convencer que é melhor assim. Partir pra bem longe.
Longe de Olímpia. Das insistentes tentativas de contato da minha mãe.
Longe dos Beaumont. E das minhas lembranças.
Capítulo três
Por um momento até o ar parece estar estático enquanto ficamos ali, parados.
Ele está a dois metros de distância.
Eu mal respiro pensando no que fazer em seguida.
Dizer que tudo aquilo é um engano, pedir demissão e desaparecer pra sempre, me parece a opção mais atraente no momento.
No entanto há algo em mim que se rebela contra aquela opção.
Eu não fiz nada de errado para ser eu a fugir.
Então, vestindo o olhar mais frio e impassível que consigo, o encaro.
– Sim, em que posso ajudá-lo... Senhor Beaumont?
Vejo na hora que ele não esperava por isto. De novo sinto aquela fagulha de satisfação em mim.
Se penso que venci, mudo de ideia no segundo seguinte.
– Anna.
Infelizmente meu nome em seus lábios acende um fogaréu de lembranças dentro de mim.
Me dá vontade de chorar. Vontade de gritar.
Vontade de agredi-lo e deixá-lo tão dolorido como eu fiquei há oito anos com sua traição.
Mesmo assim, enquanto me desintegro por dentro, me mantenho fria por fora.
E o vejo respirar fundo com um olhar entre confuso e furioso.
Antes que consiga falar qualquer coisa, ouço passos.
– Daniel? - Lucy nos interrompe.
– Sim? – ele olha pra estagiária.
– Adam precisa de você.
– Certo – ele passa a mão pelos cabelos, hesitando.
Eu rezo silenciosamente para que ele se vá e me deixe aqui. Antes que seja tarde demais.
– Claro – responde por fim e me lança um último olhar antes de se afastar.
Eu finalmente relaxo.
– Algum problema? – Lucy me encara desconfiada e eu me sinto incomodada.
– Na verdade tenho um problema sim, eu ia dizer a Daniel que eu não estou passando bem e preciso ir embora.
– Sério? Está tão mal assim?
– Me desculpe, sei que é horrível passar mal no primeiro dia de trabalho, mas eu realmente preciso ir. Pode avisar ao Adam, por favor? – abraço a bolsa com força e passo por Lucy antes que ela faça mais perguntas que me impeçam de sair.
Só me sinto aliviada quando estou dentro de um táxi indo pra casa.
***************
Estou no inferno. Um lugar bem parecido com aquele que estive quando cheguei em Olímpia oito anos atrás.
Como o destino pode ser tão cruel comigo me colocando na mesma empresa em que trabalha Daniel Beaumont? O que eu fiz pra merecer este castigo?
Eu estava em Seattle justamente pra esquecer e provar a mim mesma que tinha superado todo o sofrimento do passado. E encontro justamente o causador de tudo.
Fecho os olhos e me dobro toda na cama em posição fetal.
O passado havia me alcançado me provando que nunca nada ia ficar bem de novo.
Eu não tinha conserto. Eu era como um vaso quebrado, que alguém tinha colado e que nunca mais seria o mesmo. As marcas sempre estariam ali, visíveis para um observador mais atento.
E junto com aquela dor antiga e perpétua, vinha também a raiva.
Não era justo. Eu só queria seguir com a minha a vida, e o universo conspirava contra mim me colocando frente a frente com meu algoz.
E o que eu posso fazer agora? Fugir? Ou enfrentar, sussurra uma vozinha tímida bem no fundo da minha mente.
Abro os olhos e respiro fundo várias vezes, deixando o ar entrar em mim. E junto com ele um sopro de esperança e sanidade.
Sim, por que eu tenho que fugir? Só provaria que continuo sendo aquela garota fraca e boba que ele enganou e traiu há oito anos.
Não, não quero mais ser aquela Anna.
Quero ser a Anna forte, fria e que não se importa nem um pouco com quem Daniel Beaumont é hoje.
Eu quero que ele não seja nada pra mim. Apenas uma lembrança desagradável do passado.
Sim. Era isto.
Eu iria provar a mim mesma que eu sou mais forte do que aquela vendetta.
E eu iria provar a Daniel Beaumont.
Na manhã seguinte vejo Fiona me encarando com um olhar apreensivo quando pego minha bolsa pra sair.
– Anna, tem certeza do que está fazendo?
Reviro os olhos. Eu contara tudo a Fiona ontem, que me escutara bem consternada. O que a deixou mais chocada foi eu dizer que iria continuar trabalhando lá.
Se tenho certeza? Não, eu não tenho.
Mas eu preciso ter forças. Disto depende toda a minha vida.
– Não se preocupe comigo, Fiona. Tenho tudo sob controle.
Percebo pela sua expressão que ela não acredita em mim. Sorrio e saio do apartamento rumando para o escritório.
Estou estranhamente serena quando chego lá e vejo a sala vazia.
Aproveito para ir ao toalete onde encontro Hannah.
– Oi, tudo bem? – ela sorri pra mim pelo espelho enquanto se maquia. – É Anna, não é?
– Sim, Anna – eu sorrio de volta. Hannah parece ser uma garota bem legal.
– Por que não foi com a gente ontem?
– Ontem?
– Ah, esqueci! A Lucy me disse que você saiu mais cedo, o que aconteceu? Estava doente algo assim?
– Uma leve indisposição, nada demais – respondo, passando batom.
– Que bom!
– O que aconteceu ontem?
– Fomos beber! Foi bem divertido. Você vai ver que tem um pessoal aqui bem legal. E tem uns advogados muito gente fina, como Daniel, o Dominic, o Adam.
– Então todos foram, hein? – eu tento não parecer curiosa, é impossível.
– Sim, da próxima vez você irá também. Aposto que vai se divertir... Ou tem namorado?
– Namorado? O que isto tem a ver? Por acaso este encontro de vocês é para...?
– Não! – Hannah ri. – Quer dizer... Nada impede, não é? Eles são interessantes, não posso negar.
– Eu sou estagiária, tenho certeza que não seria nada legal eu me envolver com algum deles.
– Bom, A Lucy não pensa como você.
– Lucy?
Hannah se aproxima, como se fosse contar uma fofoca e até abaixa o tom de voz.
– Ela está louca pra pegar o Daniel.
Eu engulo em seco.
Lucy e Daniel?
Não estou preparada de maneira alguma para aquela pontada dentro de mim.
E muito menos para analisar o que ela significa.
– Sério? – exclamo desinteressada, fechando minha nécessaire.
– Ah, ela mal se contém perto dele!
– E você acha que rola algo entre eles? – indago casualmente, ajeitando o cabelo.
– Bem que ela gostaria, mas acho que ainda não! No que depender dela, não vai demorar...
Nós saímos do banheiro e nos despedimos no corredor e eu sigo para a sala de Lucy.
Então Daniel era dado a ficar com estagiárias?
Lucy está ali e sorri ao me ver, pedindo pra eu sentar do seu lado.
– Estou de ressaca – ela diz, tomando um longo gole de café.
– Hannah me disse que saíram pra beber ontem.
– Sim, e estou um caco hoje, mas, vamos ao trabalho.
– É... Daniel já chegou?
– Ainda não, já já ele chega.
Enquanto ela começa a falar do trabalho, eu fico com vontade de perguntar sobre ela e Daniel, mas obviamente não posso.
Na verdade eu não deveria ter nenhum interesse nisto!
– Bom dia, garotas! – Adam entra na sala sorrindo. – E aí Anna, como está? Melhor hoje?
– Sim, obrigada por perguntar.
– Fiquei realmente preocupado – ele para ao meu lado colocando a mão nas minhas costas.
Por um momento fico em dúvida se é um gesto casual ou algo mais. Antes que consiga definir, ele se afasta
– Anna, por enquanto você fica com a Lucy para que ela lhe deixe a par de toda a rotina de trabalho, ok?
– Claro.
– E que tal almoçarmos juntos? Assim eu posso te contar sobre alguns casos nos quais estou trabalhando.
– Quem sabe? – digo educadamente e ele sorri satisfeito, se afastando.
Por um momento fico bem aliviada por saber que trabalharei diretamente com Adam e não com Daniel.
Isto sim seria um desastre.
Meu alívio dura pouco, quando minutos depois, ele chega no escritório.
– Ei, Daniel – Lucy o cumprimenta e eu percebo seu entusiasmo exagerado.
Sim, definitivamente há interesse ali.
Ela está deslumbrada. E, por um momento aquela Lucy toda sorridente e derretida, me faz lembrar dolorosamente de mim mesma oito anos atrás.
Eu também fui assim por Daniel um dia.
Pobre Lucy!
– Olha quem está entre nós, nova em folha – Lucy brinca, me cutucando com o lápis.
– Bom dia... Anna. – ele diz me encarando diretamente. Eu luto quase mortalmente pra me manter impassível e não desviar o olhar.
– Bom dia, senhor Beaumont.
– Por favor, Daniel – ele diz. – Costumamos nos tratar sem formalidade aqui.
– Se o senhor prefere assim – respondo evasiva.
– Daniel, o Adam pediu que eu familiarizasse a Anna com as questões do escritório, espero que não seja problema, se precisar de mim...
– Não, pode ajudá-la, claro. Se eu precisar de algo, eu a chamo.
Eu volto a atenção aos papéis na minha frente, o ignorando, e apenas escuto seus passos se afastando.
E um suspiro ridículo de Lucy antes de ela voltar a passar o trabalho pra mim.
Eu mal presto atenção. O que será que Daniel está pensando?
Será que esperava que eu não fosse aparecer hoje? Certeza que sim.
Sorrio intimamente. Ele estava muito enganado. Eu não iria fugir com o rabo entre as pernas como uma criminosa.
O criminoso aqui era ele e não eu.
E eu estava ali para ficar.
Eu estava pronta para a guerra.
A manhã transcorre sem tropeços, ainda mais que Daniel está em reunião com Taylor e eu posso ficar menos tensa enquanto aprendo o trabalho com Lucy.
Um pouco antes da hora do almoço, Hannah aparece e diz que Adam pediu pra avisar que não poderá sair pra almoçar comigo, pois terá que ir com Taylor e Daniel.
– Tudo bem, obrigada por avisar.
– Quer almoçar comigo? Conheço um restaurante de massas fantástico aqui perto.
– Claro.
Lucy declina do convite e eu me pergunto se ela tinha planos pra almoçar com Daniel, pois parece decepcionada.
Bom, perder um almoço não é nada perto do que pode te acontecer saindo com Daniel, queridinha, penso ironicamente.
Almoçar com Hannah é bem divertido e eu chego a esquecer por um momento meus problemas, até que, ao chegar no escritório me deparo com Daniel de novo.
Eu e Lucy estamos na sala de café e ela tenta me ensinar sem sucesso a manusear e cafeteira do último modelo. E minha falta de jeito faz nós duas rirmos.
– Não é possível que você não consiga mexer nisto, Anna!
– Eu te disse, sou uma negação para estas coisas.
De repente Lucy se vira.
– Oi, Daniel!
Eu paro de sorrir.
– Algum problema? – ele pergunta seriamente.
– Nenhum, estou tentando ensinar a Anna como lidar com isto! – Lucy ri. - A gente pode te servir um café, você quer?
– Claro, eu espero na minha sala.
Ele se afasta e Lucy termina ela mesma de fazer o café enquanto cantarola.
Eu quase sinto pena.
– Eu vou levar o café do Daniel – ela diz. O telefone toca e eu atendo Adam, que pede pra falar com Lucy.
– Coloca Lucy na linha, é urgente. Tenho uma dúvida...
– Lucy, é Adam, ele diz que é urgente.
Ela rola os olhos, irritada, e pega o telefone.
– Leva o café do Daniel antes que esfrie, então – pede, me passando a xícara.
Eu tenho vontade de dizer que não fiz quatro anos de faculdade mais três de escola de direito para servir café, mas me calo.
Respirando fundo, eu entro na toca do leão.
Ele está distraído ao telefone. Ótimo. Eu posso entrar, colocar a xícara na mesa e sair despercebida.
– Eu achei que já tinha escolhido a igreja – ele diz para a pessoa na linha. - Padres são todos iguais, casamento é tudo igual – continua.
Casamento?
Meu estômago se revira horrivelmente.
Ele ri com vontade de algo que a pessoa diz.
– Querida, se tem tanta urgência em escolher o padre do casamento hoje, vá sozinha... Não, não insista. Não vai me convencer hoje.
Ele está sorrindo ao dizer isto, então olha para cima, notando minha presença.
Seu sorriso se desfaz.
– Certo, nos falamos depois então – termina ligação, colocando o telefone no gancho.
Mas continua olhando pra mim. Que continuo petrificada na porta.
Daniel vai casar? A pessoa na linha era sua noiva?
– Continue Anna, o café vai esfriar. – Lucy surge atrás de mim.
Eu finalmente saio da letargia e caminho em direção à mesa, estou tão atarantada que me vejo tropeçando nos meus próprios pés e, só por um milagre, não caio com a xícara na mão.
– Nossa, você é mesmo descoordenada! - Lucy ri e pega a xícara da minha mão. - Deixa que eu leve antes que caia!
– Você está bem? – Daniel pergunta cravando o olhar no meu rosto vermelho feito pimentão.
– Sim, estou – respondo, juntando o resto da minha dignidade.
Poderia ter sido pior. Eu poderia ter caído na frente dele. Como naquela vez na quadra da escola quando Violet me empurrou e ele me carregou para a enfermaria. E assoprou meu joelho.
Oh, inferno, por que eu estou lembrando destas coisas?
Eu dou meia volta e saio da sala com passos firmes. E não tropeço desta vez.
Lucy retorna alguns minutos depois e senta do meu lado.
– Daniel está noivo? – pergunto, como quem não quer nada e Lucy me encara divertida.
– Não! De onde tirou isto?
Eu sinto um estranho alívio.
Não quero analisar o que significa.
– O escutei falando sobre um casamento no telefone.
– Ah, isto. A irmã dele vai casar. Violet.
Meu estômago se revira ao escutar o nome da irmã de Daniel.
A irmã pela qual ele fora capaz de me usar.
Então Violet ia se casar? Eu tento sentir alguma raiva ou ressentimento por aquela moça que foi a razão de eu ter sido enganada.
Descubro com algum assombro que não sinto nada.
Eu mal me lembro do rosto de Violet Beaumont.
Queria que fosse assim também com Daniel. Mas, bem lá no fundo, eu sei que eu nunca esqueci nada sobre ele.
Muito pelo contrário, apesar de todo o esforço que eu fazia para esquecer, parecia que me recordava cada vez mais.
O universo realmente não era justo comigo. Se todo meu ressentimento se direcionasse pra Violet Beaumont, talvez as coisas fossem mais fáceis.
Mas não foi Violet que se aproximou de mim com falsas promessas. Que me envolveu num joguinho sujo de sedução, enquanto eu acreditava que era amor.
Não foi com Violet que eu vivi os momentos mais intensos da minha vida para logo em seguida descobrir que tudo não havia passado de uma grande e suja mentira.
Eu sinto uma dor quase física no peito mesmo agora. Oito anos depois.
E me pergunto se um dia deixarei de sentir.
Eu preciso parar.
Não posso mais manter aquela faca perfurando meu coração. Oito anos era tempo demais.
E, ficar trabalhando com Daniel, que passa a toda hora por nossa sala, me fazendo lamentar a hora que decidi ficar naquele emprego, seria a solução?
Sinceramente eu não sei.
Só sei que não quero fugir. Porque tenho certeza que passarei o resto da vida fugindo dele, e das lembranças.
Eu preciso enfrentar e me curar.
Para sempre.
– Bom, por hoje é só – Lucy diz quando são quase sete horas. – Amanhã de manhã Daniel quer ter uma reunião com você.
O quê?
– Está marcada para nove horas, não se atrase.
– Certo – afirmo aturdida.
Amedrontada.
Até agora Daniel não tinha dado amostras de que queria conversar sobre o passado.
E eu acho que deixei bem claro que não queria falar sobre esse assunto.
Eu não poderia. Nunca.
Já era demais pra mim.
Mas, aquela reunião...
Eu me levanto, me despedindo de Lucy e pego minha bolsa saindo do escritório ainda remoendo meus medos, quando percebo assim que o frio da tarde me atinge, que deixei meu casaco lá em cima.
Irritada, subo de novo e Lucy não está na sala. Procuro o casaco e também não o encontro.
Onde eu o deixei?
De repente escuto a voz de Lucy na sala de Daniel vou até lá.
E paro na porta com a cena que se desenrola na minha frente.
Lucy está beijando Daniel.
Eu fico ali, paralisada de choque nos poucos segundo que duram a cena, até que Daniel a empurra pelos ombros.
– Não, Lucy, chega. Isto não pode acontecer.
– Mas...
– Eu queria conversar com você justamente para dizer que nada vai acontecer entre nós, não vamos ter um caso Lucy.
– Por que não? Eu sei que você é todo certinho Daniel e, acredite, eu acho isto um tesão, não tem com o que se preocupar, vai ficar tudo entre nós – ela avança novamente e, desta vez, devo ter soltado um suspiro de horror, pois os dois param e olham na minha direção.
Lucy está vermelha.
Daniel está pálido.
E eu só quero fugir dali.
Oito anos antes
Eu ainda não tenho certeza se estou agindo certo, quando fecho minha última mala.
Amanhã estaria me mudando para Londres. Tyler finalmente me convencera que aceitar o dinheiro dos Beaumont era o certo.
Eu ainda não tinha certeza sobre isto, mas precisava desesperadamente fazer alguma coisa.
Só não sei se a mudança de país vai operar algum milagre dentro de mim. Pelo menos estarei deixando meu pai mais tranquilo.
Eu desço para preparar seu jantar antes que ele chegue, e tomo um susto ao me deparar com minha mãe parada no meio da sala.
– Anna, querida – ela se aproxima com o rosto angustiado.
Eu também sinto angústia, não pelos mesmos motivos que ela.
– Mãe, o que faz aqui? – pergunto num fio de voz.
Ver Stella... Me faz lembrar do que aconteceu.
De todo o horror.
– Eu precisava ver você! Estava morrendo de preocupação, seu pai disse que não queria falar comigo... Tem noção do que está fazendo comigo, Anna? – ela começa a chorar e eu me sinto mal.
Respiro fundo contendo minhas próprias lágrimas. Afinal, aquela ainda era minha mãe
– Mãe, não chore, por favor. Eu estou bem... Agora. – É uma grande mentira, mas eu preciso acalmá-la. – Venha se sentar.
Ela se senta e eu sento na sua frente. Ela se acalma e me encara.
– Seu pai disse que ficou muito mal...
– Queria o quê? – digo rispidamente.
– Eu sei, claro. Do jeito que tudo aconteceu... Aquela Violet Beaumont é uma cobra... E aquele irmão dela que te usou.
– Mãe, não – eu a paro. – Por favor, não vamos falar sobre esse assunto.
– Mas precisamos falar! Eles humilharam você! Te usaram! Não tinha nada a ver com o que aconteceu com Violet...
– Mas aconteceu, não é mãe? – digo amargamente. – Tom foi um canalha.
– Não! A culpa foi dela! Ela o seduziu! Ele me disse que...
– Não interessa! Ela tinha 14 anos! E ele namorava a mãe dela, pelo amor de Deus!
– Isto não foi empecilho para ela seduzi-lo.
– Ele bateu nela, mãe! Ele a espancou e ela estava grávida!
– Talvez tenha merecido! Ela queria que ele terminasse comigo!
– A senhora que deveria ter terminado com ele! E não aceitado um cara que transa com a enteada, engravidando-a!
– Eu já disse, a culpa foi dela...
– E a senhora ainda o protegeu! Mentiu pra polícia pra ele sair impune!
– Eu não podia deixá-lo ir pra cadeia por causa daquela fedelha...
– Mãe, a senhora errou! Tom deveria ter pagado por seus crimes! Se tivesse sido punido os Beaumont nunca viriam atrás de mim! E nada disto teria acontecido!
– Está me culpando?
– Não, eu não preciso te culpar para a senhora ser culpada, mãe.
– Está sendo tão injusta, Anna.
– Injusto foi o que fizeram comigo – retruco. – Agora eu só quero esquecer.
– Sinto muito por tudo... Tom e eu também estamos sofrendo, aquela maldita família quer acabar com nosso casamento, mas não vão conseguir.
– O quê? Mãe, o Tom te traiu com aquela Eloise!
– Foi armação pra ele! Eles armaram pro Tom.
Não posso acreditar que minha mãe está dizendo isto.
– E agora o nome dele está na lama! O time já avisou que não vai renovar o contrato que vence no mês que vem... Não sei o que vai acontecer.
– O Tom está pagando por seus erros, mãe. E você devia se afastar dele.
– Como pode dizer isto? Ele é meu marido.
– Ele é um canalha!
– É apenas humano. E está arrependido.
– Mãe, por favor...
– Não, Anna. Eu não posso deixá-lo quando ele mais precisa de mim. Vamos permanecer juntos. Os Beaumont não vão conseguir nos separar.
Eu vejo sua resolução e me encho de pesar.
– É melhor você ir embora, mãe – digo, me levantando.
Stella me encara sentida.
– Anna, querida, não pode achar que estou errada...
– Sim, eu acho. E, se você prefere ficar com o Tom, infelizmente não posso fazer nada. Só não posso aceitar.
– Anna, não faça isto. Olha, pode ficar aqui o tempo que quiser. É até melhor por enquanto, até toda a poeira baixar. Acho que eu e Tom vamos voltar pra Miami depois que o contrato terminar. Você pode ir com a gente.
– Eu estou indo para a Inglaterra amanhã.
– O quê?
– Vou passar um tempo lá.
– Mas...
– Já está decidido, o Michael cuidou de tudo. Vai ser melhor assim.
– Bom, não posso dizer que não será, mas eu vou sentir sua falta.
Ela me abraça.
– Me ligue sempre. Estou rezando para que esqueça tudo, quando voltar tudo vai estar bem, você vai ver. O tempo cura tudo.
Stella me dá mais um abraço e se vai.
Eu vejo o carro dela se afastar e enxugo uma lágrima solitária.
Não, nada vai ficar bem. Não enquanto minha mãe estiver com um canalha feito o Tom.
Isto só poderá acabar muito mal um dia.
Capítulo quatro
– Anna... – Lucy murmura, parecendo envergonhada ao se afastar de Daniel, que se levanta e dá dois passos na minha direção.
– Anna, eu...
– Me desculpem. Voltei só para buscar meu casaco. Já estou de saída – digo e dou meia volta, afastando-me daquela cena.
Esqueço completamente o casaco e desço pelas escadas, como se estivesse fugindo do diabo, voltando a respirar só quando me encontro na rua.
O que foi aquilo? Daniel e Lucy?
Caminho até a estação do metrô remoendo a cena na minha cabeça.
Lucy beijando Daniel.
Abraço meu corpo contra o frio e contra a sensação incômoda dentro de mim.
Uma sensação parecida demais com ciúme. Isto é ridículo! É um absurdo sem tamanho. Para existir ciúme é necessário ter algum sentimento.
E eu não sinto nada por Daniel a não ser raiva, ressentimento e desprezo.
Não me interessa se ele beija Lucy ou se agora estão transando no sofá da sua sala.
Será que estão?
Aperto o passo e me obrigo a parar de pensar naquilo. Além do mais, claro que eles não estão transando. Eu havia interrompido a ceninha de sedução de Lucy!
Além disso, Daniel parecia não estar a fim. Ou pelo menos ele disse que não, que nada ia rolar entre eles e foi ele quem parou o beijo. Então Lucy se dera mal.
Eu engulo a satisfação idiota que aquilo me traz e entro no metrô.
Não vou pensar mais nisto. Não é da minha conta. Nem Lucy e muito menos Daniel me interessam.
No entanto, quando chego em casa, continuo a pensar no que vi e a me perguntar o que teria acontecido depois que eu fui embora.
Fiona está ao telefone e sorri quando me vê.
– Ah, espera, ela acabou de chegar. – ela cobre o telefone com a mão. - É sua mãe.
Meu estômago revira e eu sacudo a cabeça negativamente. Fiona fica confusa.
– Mas Anna...
– Não quero falar com ela – murmuro, enquanto sigo direto para meu quarto.
Era o que faltava para completar meu dia. Minha mãe.
Nosso relacionamento continua difícil e duvido que voltará a ser fácil um dia.
E agora ela está doente. O que só torna tudo mais doloroso.
Quando saio do quarto vestindo um moletom velho, Fiona me vem com sermão.
– Anna, eu sei que sua mãe errou no passado, mas é sua mãe! E ela me pareceu querer muito falar com você.
– Eu falo com ela – me esquivo.
– Uma vez por ano?
– Nós não temos assunto! Nos afastamos demais em todos estes anos!
– Ela está doente.
– Ela está bem e se recuperando. Você sabe que eu estive lá há dois meses...
O que foi absolutamente horrível.
– Mas...
– Olha Fiona, agradeço sua preocupação, mas realmente não estou a fim de falar com minha mãe neste momento e queria que respeitasse minha vontade.
– Tudo bem, me desculpe.
– E então, o que vamos comer?
***************
Na manhã seguinte estou um tanto insegura ao entrar no escritório. Não há sinal de Lucy ou Daniel e eu sigo pra sala de Adam que me recebe com um sorriso.
– Olá, bom dia!
– Bom dia – eu sorrio de volta.
– Venha aqui, quero te mostrar algumas notas...
Eu me aproximo ficando ao lado dele.
– Hum, muito bom este seu perfume – ele brinca segurando meu cabelo e eu mordo os lábios, sem graça, ele percebe e ri ainda mais. – Nossa, você cora! Temos uma moça tímida aqui!
Eu sorrio, ainda sem graça e então Adam olha para a porta.
– Ei, Daniel!
Eu me aprumo imediatamente como se tivesse sido flagrada fazendo algo errado.
O que era absolutamente sem noção.
– Oi, Adam... Anna... – os olhos de Daniel sondam os meus.
– Bom dia – respondo simplesmente voltando a atenção para os papéis na mesa de Adam.
– Por acaso viram a Lucy? – Daniel pergunta.
– Ela está com o Taylor – Adam responde alheio à minha tensão.
– Taylor?
– Sim, eu a vi entrando em sua sala há uma meia hora... Por que, precisa de ajuda? Estou passando algumas instruções pra Anna, posso dispensá-la para ajudá-lo caso precise de algo urgente.
–Não – sua resposta é quase seca.
–Tudo bem, então. – Adam dá de ombros.
Daniel se afasta e eu volto a respirar normalmente.
Adam me explica o que significam os documentos e depois me dispensa.
– Acho melhor ir verificar se o Daniel precisa de algo e depois fique com a Lucy, se ela já tiver voltado para a sala dela.
–Tudo bem.
Estou voltando para a sala quando encontro Hannah.
– Está indo para a sala do Daniel?
– Sim.
– Pode pedir para ele ir à sala do Taylor agora?
– Peço sim.
– Obrigada!
Eu entro na sala de Daniel me perguntando qual assunto que Taylor teria com Daniel estando Lucy lá e sinto um pressentimento ruim.
Daniel me encara surpreso.
– Anna?
– Taylor o chama na sala dele – digo rápido e me viro pra sair.
– Anna, espera.
Eu me viro, ele está de pé.
– Eu quero conversar com você... Sobre ontem à noite.
– Eu acho que o Taylor disse que era urgente – digo simplesmente e continuo me afastando.
E, já estou me considerando segura fora da sala dele, quando sinto uma mão em meu braço.
Por um momento é como se nenhum dos dois acreditasse no que estava acontecendo.
Não posso acreditar no que está acontecendo. Daniel tão perto. Com sua mão em mim.
Paro de respirar e minha mente voa através do tempo e espaço. Para oito anos atrás. E, de repente. eu não sou mais a Anna advogada de vinte cinco anos que odeia este cara.
Eu sou a Anna adolescente e ingênua que está apaixonada por ele.
Que sente todo o sangue subir para o rosto, corando de prazer enquanto o corpo derrete numa sinuosa letargia. Seu toque é tudo o que eu quero. Tudo o que eu preciso.
Tudo o que senti falta desesperadamente nestes oito malditos anos.
Aqueles sentimentos batem em mim como um soco na cara e eu solto o ar dos pulmões juntando toda minha raiva.
Raiva de Daniel. Raiva de mim mesma.
– Senhor?
Ele me encarar sem se mover um centímetro.
– Senhor? – repito com mais firmeza agora reunindo toda minha indignação em meu olhar furioso.
E um sorriso de distende em seus lábios.
Eu me desconcerto. Ele está sorrindo.
E por que diabos ele tem que ser tão lindo sorrindo? Eu tinha me esquecido disto.
Inferno! Mil vezes inferno.
– Daniel? – puxo meu braço com força, alisando minha roupa para ter algo que fazer com as mãos. Porque estava bem disposta a agredi-lo e tirar aquele sorriso presunçoso do seu rosto.
E quando volto a fitá-lo, ele está me medindo com franco interesse.
Eu luto contra a raiva dentro de mim. Luto contra o calor dentro mim.
– Algum problema? Posso ajudá-lo em algo? – indago friamente.
Seu olhar intenso continua em mim por alguns segundos intermináveis até que uma porta bate em algum lugar do corredor e ele pisca, soltando um palavrão baixo e passando os dedos pelos cabelos.
– Eu quero conversar com você – diz por fim.
– Acho que Taylor está te esperando, senhor – respondo e me afasto.
Indignada.
Irritada.
Deslumbrada.
Eu ainda estou tentando me recuperar quando Lucy entra na sala.
E ela está chorando.
– Lucy?
– Ah Anna, está sendo horrível.
– O que aconteceu?
– Eu tive que denunciar o Daniel.
– O quê?
–Por assédio, claro. Não poderia ficar calada.
Como é? Lucy tinha acusado Daniel de assédio? Se tinha alguém sendo assediado ontem, este alguém era Daniel!
– Por que fez isto?
– Acha que deveria deixá-lo sair dessa impune? Ele foi um canalha.
– Lucy, o Daniel não estava te assediando!
– Claro que estava! Você nos viu ontem.
– Eu vi você beijando-o e ele dizendo que não ia rolar nada entre vocês!
– Ele agiu assim porque te viu lá! Você não sabe de nada! Daniel é um idiota e vai ter o que merece!
Eu fico olhando chocada Lucy enxugando o rosto com expressão de ódio, enquanto sai da sala rumo ao banheiro.
Ela está furiosa com Daniel. E o que eu disse? Se envolver com Daniel só pode dar nisto mesmo, penso sombriamente.
Bem lá no fundo eu sabia que este ódio de Lucy é mais por Daniel não ter caído na sua sedução do que qualquer outra coisa.
E será que ela ia conseguir prejudicá-lo?
Será que Taylor acreditou nela e está neste momento demitindo Daniel?
Eu deveria me sentir feliz com isto, não?
Talvez Daniel estivesse pagando tardiamente por ter sido um canalha comigo. Mas seria justo nesta situação? Eu não conseguia me decidir.
De repente Hannah entra na sala.
– Anna, Taylor está te chamando na sala dele.
– Eu?
– Sim, você. E ele parece bem tenso hoje hein, se eu fosse você não enrolava e ia logo!
Eu me levanto e me dirijo rapidamente à sala de Taylor, antes de chegar lá, eu já desconfio do que se trata.
Daniel está saindo com um olhar sombrio. Taylor pede que eu entre e feche a porta.
E como eu desconfiava, ele quer que eu diga exatamente o que eu vi na sala de Daniel ontem.
Por alguns segundo eu hesito. Poderia concordar com a versão de Lucy. E Daniel seria demitido.
Vendetta. A palavra feia passa pela minha cabeça por um momento e sinto uma espécie de satisfação.
Também sinto minha consciência pesando.
Quando eu começo a falar, digo a verdade.
Taylor parece satisfeito quando pede pra chamar Daniel e Lucy na sala.
– Eu tenho que ficar aqui? – pergunto incerta.
– Sim, vamos colocar tudo em pratos limpos.
Sinto-me tensa quando Lucy entra com o rosto vermelho de chorar e parece surpresa por me ver ali. E logo em seguida Daniel entra.
Eu me pergunto muitas vezes na hora que se segue, como é que eu me meti naquilo, enquanto sou obrigada a repetir tudo o que disse a Taylor.
Até que finalmente ele pede que eu saia, ficando apenas com Lucy e Daniel na sala.
Hannah me para no corredor e pergunta o que está acontecendo, eu desconverso, indo pra sala de Adam.
Ele parece não notar nada de estranho enquanto me passa alguns trabalhos.
Está quase na hora do almoço quando Hannah entra na sala. Adam tinha saído para uma reunião com um cliente.
– Já ficou sabendo? Lucy foi demitida!
– Sério? – eu me sinto mal por ela.
De certa forma eu a entendo. Como culpá-la por se deslumbrar por Daniel?
Eu mesma já estive na mesma situação. E tudo acabou terrivelmente mal. Pobre Lucy.
– Você sabe o que aconteceu?
– Olha Hannah, acho que é melhor não ficar comentando sobre isto. Deve ter sido algum problema relacionado ao trabalho. Eu realmente não posso ficar comentando.
Ela parece decepcionada, mas não insiste.
– É, melhor eu ficar na minha antes que sobre pra mim!
– É o melhor que faz mesmo – concordo.
– E aí, vamos almoçar?
– Vamos sim.
Eu pego minha bolsa e sigo Hannah para fora do prédio.
E, para minha surpresa, Lucy está ali me esperando.
– Ei Lucy, fiquei sabendo da sua demissão, que pena... – Hannah começa a dizer, para abruptamente ao ver o olhar frio de Lucy.
– Anna, posso falar com você?
– Eu te espero no restaurante – Hannah diz rapidamente e se afasta.
Eu encaro Lucy.
– Lucy, eu sinto muito...
– Sente? Sente? Acha que eu acredito! É tudo culpa sua!
– Minha?
– Sim! Você me ferrou!
– A culpa não foi minha, eu só disse a verdade.
– Você queria se livrar de mim! Queria o Daniel pra você.
– Claro que não!
– Queria sim! Ou melhor, quer! Acha que não percebi? Você pode enganar os outros, a mim não engana! Já saquei seu jogo! E Daniel está caindo, não é? Fica se fazendo de difícil, de fria, e está deixando ele maluco! Eu vejo como ele olha pra você! Eu teria conseguido ficar com ele se não você não tivesse aparecido!
– Lucy, está dizendo um monte de bobagens...
– Pode negar! Deve estar adorando eu ter sido demitida.
– Você provocou sua demissão!
– Isto não vai ficar assim! Entendeu? Quando menos esperar, vai ouvir falar de mim de novo!
Ela coloca os óculos escuros e se afasta rapidamente. Eu fico ali parada, chocada com seu ataque, até que meu celular vibra com uma mensagem de Hannah perguntando se está tudo bem.
Me encaminho para o restaurante e consigo despistar Hannah e sua curiosidade, dizendo que Lucy queria somente desabafar.
Quando voltamos para o escritório, Adam me espera e diz que eu devo passar a tarde com Daniel, já que Lucy foi demitida.
Ele anda comigo até a sala.
– Nossa, eu fiquei surpreso com esta demissão da Lucy.
– Eu também – digo evasivamente.
– E você foi a salvadora da pátria, não é? Daniel me contou o que aconteceu e como Lucy estava mentindo.
– Eu não fiz nada. Simplesmente contei a verdade.
– Você é uma moça incrível Anna, temos sorte de tê-la – ele diz me fitando intensamente e eu desvio o olhar, vermelha.
Ele parece perceber minha tensão, pois desvia o olhar e sorri jovialmente.
– Hoje vamos todos num bar aqui perto, está convidada, claro.
– Eu não sei...
– Tem que ir, vai ser divertido beber e acabar bem o dia – ele insiste, e é neste momento que Daniel entra na sala.
– Ei, Danny – Adam sorri – estava ajudando a Anna a entender alguns processos...
– Certo, pode deixar comigo agora – é impressão minha ou ele parece um tanto possessivo?
Como é?
– Claro. Eu vou pra minha sala – Adam responde se afastando, antes de sair, ele se vira. – Podemos contar com você, não é Anna?
Eu sorrio para ele.
– Pode sim – Daniel que fosse pro inferno.
– Contar com o quê? – Daniel olha de um pro outro, confuso.
– Não leu o e-mail? Um pessoal do escritório vai fazer um Happy Hour hoje num bar aqui perto. Você vai?
– Claro.
Já começo a me arrepender de ter aceitado o convite, quando Adam acena e se vai, alheio à minha tensão.
– Nos vemos mais tarde!
Então ficamos sozinhos.
Eu, Daniel e a tensão que pode ser cortada com uma faca.
Finjo estar ocupada com os papéis na minha frente.
Sinto Daniel hesitando e mal respiro, até que ele finalmente vai pra sua sala.
Meu alívio dura pouco.
Não demora para o telefone tocar.
– Annalise Nicholls? – atendo. Um sexto sentido me alerta.
– Pode vir a minha sala, por favor?
Eu fecho os olhos e quase gemo em desalento.
Ele desliga não me dando chance de encontrar uma desculpa para fugir do confronto anunciado.
Parece que chegou a hora da verdade.
Enquanto caminho até sua sala, por mais que odeie ter que me confrontar com o passado, eu sei que aquele momento era inevitável.
E não foi por isto que eu decidi ficar? Para enfrentar meus demônios de frente?
Eu paro e o encaro quase hesitante.
– Por favor, feche a porta.
Eu faço o que ele pediu e me aproximo.
– Sim?
– Sente-se, por favor.
– Estou bem de pé.
Ele respira fundo.
– Até quando vamos fingir que não nos conhecemos?
– Como assim?
– Anna, chega de joguinhos. Devo dizer que foi um choque ver que era você a nova estagiária. E acho que foi um choque pra você também.
Eu não digo nada. Não vou dar a ele o gosto de saber que eu fiquei apavorada quando o vi.
– Bom, provavelmente você não sabia que eu trabalhava aqui, senão teria passado bem longe, concorda?
– Eu não te culparia, claro, se resolvesse fugir correndo para bem longe de mim, afinal, foi o que fez há oito anos.
Continuo impassível como um bloco de gelo. Se eu abrir a boca, talvez vomite em cima dele.
Daniel passa a mão pelos cabelos parecendo exasperado. Não me abalo com isto.
Pelo contrário. Há um pequeno regozijo em mim.
– É assim que você quer? Quer agir como se fôssemos estranhos e pronto?
– Não somos estranhos. Trabalhamos no mesmo escritório.
– Nos conhecemos há oito anos. Ou vai negar? E, por favor, responda antes que eu vá até aí e a obrigue a falar!
– Sim, nos conhecemos há oito anos. E não nos vemos há oito anos.
– E sobre o que aconteceu? Está disposta a falar? – ele se inclina pra frente, a voz agora é um sussurro suave.
Eu fecho os olhos, fugindo do seu olhar. Da sua voz.
Das malditas lembranças.
Isto me enche de dor e raiva.
– Anna...
Eu abro os olhos e o vejo fazendo menção de vir até mim.
E quando eu o encaro, desta vez estou transbordando de sentimentos ruins.
– Fique onde está. Não se aproxime de mim. E não ponha suas mãos em mim como fez hoje, não se quiser que eu me arrependa de ter te defendido hoje cedo.
– Vai me acusar de assédio também?
– Está me assediando?
– Não, claro que não. Eu não assedio funcionárias.
– Esqueci que sua preferência são as adolescentes – afirmo ironicamente.
Ele solta um palavrão, irritado.
– Eu sinto muito.
Ele está pedindo desculpas?
Ele acredita que vai adiantar alguma coisa pedir desculpas?
– Acredita realmente que um pedido de desculpas resolve alguma coisa? – pergunto com um nó fechando minha garganta.
Estou começando a desmoronar. A me desintegrar.
Preciso sair dali.
– Anna, eu...
Eu o paro com um gesto de mão.
– Não. – respiro fundo algumas vezes mirando o chão, buscando de novo a força dentro de mim para me manter impassível quando estou morrendo por dentro. – Não quero explicações. Não quero desculpas. Nada vai mudar o que aconteceu. Sim, eu não fazia ideia que você trabalhava aqui. E sim, eu teria fugido para o outro lado do país se fosse preciso para não ter que olhar pra você. Mas eu estou aqui agora. E eu quero este emprego. E decidi que não vou embora. Se eu tenho que conviver com você, que seja. Eu posso fingir que tudo aquilo não aconteceu. Eu passei todo este tempo fingindo. Você não vai atrapalhar minha vida. Não tem o poder de me destruir de novo. Porque agora você não é nada. Nada além do meu empregador.
Um silêncio opressivo recai sobre a sala enquanto as minhas palavras pairam sobre nós.
– Sim, tem razão – ele diz finalmente. – Você é apenas minha estagiária. Eu não vou importuná-la mais com qualquer assunto referente ao que aconteceu, passado é passado. Claro que você também é livre para decidir se quer mesmo continuar trabalhando aqui.
– Eu já disse que pretendo manter este estágio – reafirmo, apesar de uma vozinha apavorada estar gritando dentro de mim pra fugir dali enquanto é tempo.
– Certo. É uma escolha sua – ele remexe nos papéis da mesa. – Pode ir.
Eu quase respiro aliviada quando me viro pra sair, então ele me chama.
– Anna?
– Sim.
– Por que me defendeu em relação a Lucy? Podia ser perfeito para você se vingar de mim.
– Talvez eu não ache que valha a pena perder meu tempo me vingando de você. Ou talvez eu ache que um simples caso de assédio seja pouco para pagar o que fez...
E sem mais, eu saio da sala fechando a porta atrás de mim.
Caminho calmamente até minha mesa e me sento, começando a trabalhar freneticamente.
Minhas mãos sobre o teclado estão trêmulas. Meu corpo inteiro está doendo, assim como minha alma.
No entanto, há uma parte de mim que se sente bem. Se sente forte por estar enfrentando meus maiores pesadelos.
Mas eu sei que venci apenas um round contra eles.
A guerra ainda será longa e árdua.
Eu estou no banheiro, me preparando para ir embora quando Hannah entra toda animada.
– E aí, pronta?
– Pronta?
– Esqueceu? Vamos beber!
– Ah, isto – penso numa desculpa que seria convincente, rapidamente desisto.
Por que eu não deveria ir?
São meus colegas de trabalho e eu tenho tanto direito quanto Daniel, de sair para me divertir com eles.
E, talvez se eu tiver sorte, ele tenha desistido de ir.
– Claro! Estou mesmo precisando beber – digo, começando a me maquiar.
Hannah ri.
– Sim, vamos nos divertir! Quer usar este batom?
Algum tempo depois rumamos para o elevador junto com outras garotas do escritório e encontramos Adam e outros colegas.
Eu ignoro a presença de Daniel entre eles.
Seguimos a pé para o tal bar que fica realmente na esquina e entramos, o grupo de advogados fazendo grande barulho.
“Casualmente”, eu escolho um lugar bem longe de Daniel, rodeada por Hannah e outras garotas. As rodadas de bebidas começam e eu relanceio o olhar para ver que Daniel bebe um copo atrás do outro como se fosse água.
Sempre que percebo que estou olhando demais pra ele, desvio o olhar e tento me divertir, rindo e conversando com todo mundo.
Eu preciso disto. Preciso de álcool pra amortecer minha mente desgastada com toda a tensão que venho acumulando naqueles dias.
Enquanto bebo, rio e converso, sinto o olhar dele sobre mim. Me queimando mais que a bebida que desce por minha garganta.
E já não sei se a leve tontura que sinto é do álcool ou de seu olhar.
Em determinado momento, Daniel atende o celular.
– Violet! Violet – sua voz sai enrolada.
Ele já está completamente bêbado.
E está falando com sua irmã ao telefone.
–Violet, preciso desligar, beijos.
Ele desliga e joga o celular no bolso, virando mais uma dose.
Então ele me flagra o observando e ri, acenando pra mim.
Como se fôssemos velhos amigos numa mesa de bar.
Nós não somos amigos. Não somos nada.
– Ei Anna, vamos dançar! – Hannah me chama e eu a acompanho até onde uma banda toca.
A música é boa e eu já estou alta, então é quase fácil fechar os olhos e seguir o ritmo, esquecendo de tudo.
Alguns rapazes se juntam a nós e não me importo, rio e flerto com eles.
O tempo inteiro eu sei que alguém me observa.
E é justamente por causa desta pessoa que não consigo relaxar quando um dos caras me prende pela cintura, sussurrando que gostaria de me beijar.
Eu me sinto travar na mesma hora e me afasto, murmurando uma desculpa qualquer e volto pra mesa.
Não há qualquer diversão pra mim naquele momento.
Eu me sinto horrível. Velha e cansada.
Amarga e sem vida.
Em que tipo de pessoa eu havia me transformado?
Eu pego um copo de whisky abandonado ali e o tomo, o líquido forte fazendo minha garganta e olhos arderem. Alguém ri e eu disfarço as lágrimas nos meus olhos com a ardência pela bebida.
Ninguém faz ideia de quem eu sou. Do que estou sentindo.
Eu sou uma fraude.
– Cadê o Daniel? – alguém pergunta.
– Foi embora. Ele estava travado – Adam diz rindo e não está muito diferente.
Noto que ele e Hannah estão sentados bem próximos agora e ela sussurra algo em seu ouvido.
– Acho que eu já vou também – ele diz e no fim todo mundo acaba se levantando e indo pagar a conta.
Eu me sinto aliviada por ir embora.
Quero ir pra casa. Me trancar no quarto escuro e chorar.
Todos se despedem na calçada. Adam e Hannah sumiram de vista. Um dos advogados pergunta se quero uma carona.
– Não, eu vou esperar um táxi – digo e ele não insiste.
Eu estou sozinha, na rua fria, quando de repente escuto passos vacilantes e, ao me virar para a porta do bar, vejo Daniel.
– Daniel, o que faz aqui? Não tinha ido embora?
Ele ri, passando a mão pelos cabelos e se encostando na parede.
– Eu devo estar muito bêbado ou no paraíso para ver duas de você.
– O que está dizendo? – eu me aproximo.
Daniel está tão bêbado que mal consegue ficar de pé.
– Tão linda... – ele sussurra de repente e toca meu rosto.
Eu o afasto com um safanão.
– Deus, você está caindo de bêbado!
Ele ri ainda mais.
– Sim, estou...
– Mas que inferno hein? Eu devia te deixar aqui para os cachorros lamberem sua boca! – digo irritada e, mesmo sabendo que vou me arrepender, o coloco dentro de um táxi.
Sete anos antes
Eu caminho pela marina com o vento batendo em meu rosto me sinto em paz.
O tempo inteiro que estive fora, eu sempre imaginava como seria voltar para Olímpia. Nos primeiros meses eu sentia um misto de saudade e alívio, permeados sempre com a dor contínua que era minha companheira.
Eu acordava todos os dias, estudava e seguia com a minha vida. Mas à noite, quando fechava os olhos, eles vinham. Os pesadelos. As recordações.
E eu acordava com aquela sensação de que meu sofrimento nunca teria fim.
– Não acho justo que tenha voltado pra ficar tão pouco tempo – Tyler diz.
Eu me viro pra ele sorrindo.
– Eu estou aqui há quase um mês!
– Depois de ficar um ano fora? Michael está arrasado.
– Michael? – eu levanto a sobrancelha e desta vez nós dois rimos.
– Ok, eu também.
E alguma coisa no jeito que ele diz isto, me olhando intensamente, me deixa incomodada. E agora não é apenas porque aquele é Tyler, meu amigo mais antigo.
É a reação que eu tenho quando qualquer garoto me olha daquele jeito. Querendo algo de mim que eu não sou mais capaz de dar.
Tyler toca meu rosto.
Eu me esquivo.
– Ann, me desculpe - ele diz depois de um momento de silêncio tenso.
– Não, tudo bem, é só...
– É que... Eu amo você, sabe disto, não é?
– Tyler... – eu sinto meu coração afundando.
Se antes eu estava fora do alcance de Tyler, agora eu estou fora do alcance de qualquer um.
Daniel Beaumont tinha me traumatizado.
– Não, escuta – ele insiste. – Eu sempre vou amar você. É minha melhor amiga. Como eu já falei pra você, eu entendo perfeitamente que não se sinta atraída a ter nada além de amizade comigo. E nunca iria te forçar a nada. Você é uma garota incrível e linda. E eu sou apenas um cara que escorrega às vezes. – Ele faz uma cara engraçada de culpado arrancando um sorriso triste do meu rosto.
– Você precisa de uma namorada.
– Eu tive algumas... Até agora nenhuma é igual a você.
– Você me idealizou. Não sou esta pessoa perfeita que pensa. Eu estou quebrada, Tyler.
– Isto não está certo. Por acaso você namorou alguém neste tempo que esteve fora?
Eu sacudo a cabeça negativamente.
Como eu poderia? Eu havia feito algumas amizades superficiais na escola e alguns garotos tentaram se aproximar de mim.
Mas eu estava blindada contra qualquer paixão.
– Sabe que não pode viver assim pra sempre, não é? Mesmo que não seja eu... Uma hora vai ter que abrir seu coração pra alguém, Anna. Pense nisto.
Capítulo cinco
Ele encosta a cabeça no banco, fechando os olhos.
– Daniel, qual seu endereço? – pergunto, lhe dando tapas no rosto.
Ele resmunga algo quase incompreensível e eu digo para o motorista. Em poucos minutos paramos em frente a um prédio residencial muito elegante.
Daniel sai cambaleante enquanto eu pago o motorista, que parece estar se divertindo com a situação. Fecho a cara e saio do carro batendo a porta. Daniel está subindo precariamente as escadas em frente ao seu prédio e, de repente me dou conta tarde demais, que não deveria ter dispensado o táxi. Que diabos eu estava pensando? Em acompanhar Daniel a seu apartamento?
Ele estava entregue, não estava? Eu deveria dar meia volta e desaparecer. Mas contrariando meus instintos, subo os degraus atrás dele e o vejo apertando de qualquer jeito os botões para chamar o elevador.
Então ele se vira e me vê. Um sorriso se distende em seu rosto. Maldito sorriso bonito!
– Eu devo estar mesmo muito bêbado para estar aqui...
– Cala a boca – praticamente o empurro para dentro do elevador, não me importando que ele vá parar do outro lado, encostado na parede.
– Qual seu andar?
– Vigésimo? – ele ri fechando os olhos e apoiando a cabeça nas paredes metálicas, enquanto o elevador sobe rapidamente. Não tão rapidamente como eu gostaria.
E estou bufando quando finalmente chegamos ao andar e o cutuco, mal-humorada.
– Anda logo!
Ele ri mais e sai com seu andar cambaleante.
Eu hesito por alguns instantes observando-o se afastar, enquanto procura as chaves no bolso.
– Droga – praguejo saindo do elevador e o seguindo pelo corredor, onde ele parou em frente a uma porta e agora tenta abri-la sem sucesso.
– Me dê estas malditas chaves – rosno, arrancando as chaves de sua mão e abrindo a porta facilmente.
Daniel entra com seu andar de bêbado e eu me pergunto se já posso ir embora e esquecer sua existência até amanhã, quando ele tropeça numa mesa no meio da sala, caindo sobre o carpete e soltando uma sequência de palavrões.
– Deus do céu, Daniel – rolo os olhos e entro atrás dele, fechando a porta atrás de mim e me aproximando. – Você está bem?
Ele ri, enquanto eu o ajudo a se levantar precariamente.
– Estou bêbado.
– Isto é mais que perceptível – exclamo ao colocá-lo de pé. – Inferno, Daniel! – reclamo praticamente o arrastando para o corredor. – Eu vou te pôr embaixo de um chuveiro gelado e deixar lá até que acorde deste porre! E depois você se vira!
Eu não sei por que eu ainda insisto em ficar ali bancando a babá dele naquela situação, então me vejo entrando num banheiro elegante e espaçoso e tentando me afastar. O que não consigo. Para um bêbado, os braços de Daniel parecem bastante fortes a minha volta e eu olho pra seu rosto, já preparada para pedir que me solte imediatamente. Não quero estar tão próxima dele. Nunca mais.
Seu rosto está subitamente sério agora e ele aspira devagar os meus cabelos com os olhos fechados.
– Você tem o melhor cheiro do mundo.
Eu me desconcerto.
– Me solta, Daniel – peço friamente e ele abre os olhos. Incrivelmente verdes. Tão próximos.
Eu temo desmoronar.
Respiro fundo e o empurro com força, o que desta vez é o suficiente para me ver livre, finalmente.
Meu coração bate rápido no peito. De repulsa. De raiva
De medo.
Ele coça os cabelos, com o olhar desconcertado ainda preso em mim.
Eu ligo o chuveiro em cima dele, não me preocupando com suas roupas caras.
– Estou estragando tudo, não é? – Ele pergunta e eu o encaro.
E eu não sei se ele está falando da noite de bebedeira ou da nossa atual situação.
– Você sempre estraga tudo – eu opto pelo ataque. Que se dane!
Seu rosto parece cheio de angústia por um momento, enquanto seus dedos correm pelos cabelos em desalinho, agora molhados.
Eu sinto que preciso ir embora dali.
– Eu sinto muito – ele sussurra – Eu sinto... tanto...
Suas palavras são quase trêmulas.
São quase verdadeiras. Ou soam assim.
E eu me enfureço.
– Para!
– Eu sinto muito...
Por que ele está fazendo isto? Não sabe que eu desejei mais do que tudo que ele aparecesse na minha frente há oito anos dizendo exatamente essas palavras?
Será que não entende que elas somente me machucam agora?
Ele continua a balbuciá-las com um mantra religioso.
Eu começo a tremer. De dentro pra fora. A raiva, a dor, o ressentimento que venho guardando dentro de mim todo esse tempo explodindo em meus poros.
– Para com isto! – eu o empurro, não me importando de ficar encharcada de água quente. – Para de me pedir desculpas! Acha que resolve alguma coisa? Acha que apaga o que me fez passar? Eu odeio você, odeio!
Agora eu estou esmurrando-o no peito e, como um saco de pancadas ele fica ali, aguentando meus golpes, murmurando as odiosas palavras de desculpas e, quanto mais ele as repete, mais eu me enfureço e nem me dou conta de que estou chorando como uma idiota. Deixando toda a dor fluir através de meus golpes, percebendo que eu desejava aquilo há muito tempo. Agredi-lo daquele jeito. Infligir-lhe dor.
Porém, assim como o ódio, eu também desejei muito mais.
É como se juntamente com os punhos que o agridem, eu também estivesse quebrando todos os muros construídos dentro de mim. Aqueles que eu mantinha escondidos todos os meus desejos mais profundos e inconfessáveis.
Aqueles que eu senti apenas com ele, quando acreditei que sentia o mesmo.
E agora eles estão ali. Enfurecidos e ofegando em mim. Queimando em mim.
E assim como a violência surgiu como uma força incontrolável, ela também se transforma em desejo puro e simples num átimo de tempo.
E meus dedos se prendem em seus cabelos, não com menos violência, porém agora para puxá-los em minha direção. Para que minha boca possa atacar a sua.
E eu estou além de qualquer pensamento coerente no momento em que sinto seu gosto a tempos esquecido, meu corpo inteiro acordando para a vida como se estivesse dormindo num longo e profundo sono.
E eu o beijo ferozmente, meus lábios em sua boca, seu queixo áspero, enquanto meus dedos abrem sua camisa e espalmam em seu peito quente e molhado.
E ele está me beijando de volta. Suas mãos estão tirando minhas roupas também, numa confusão de água, mãos e beijos afoitos. A rendição é doce e me fortalece e enfraquece ao mesmo tempo. Meu corpo inteiro está numa espécie de delírio, numa compulsão febril e intensa.
Perco a noção do tempo e da realidade, me concentrando em tirar tudo o que nos separa do caminho e, quando finalmente não há nada a não ser a água quente nos cobrindo, eu me prendo nele com unhas, dentes e língua. Arranho suas costas e mordo seu ombro, colando nossas peles e gritando quando ele agarra e ergue meus quadris com força e se move facilmente para dentro de mim, nossos corpos úmidos se unindo com facilidade.
Fecho os olhos e deixo o tempo voltar, enquanto tudo de desintegra a minha volta, restando apenas as estocadas fortes de seus quadris contra os meus e o prazer quente sendo construído em meu íntimo, explodindo como fogos de artifício sob minhas pálpebras cerradas.
O orgasmo chega violento e rápido, e eu me agarro em seus cabelos na queda vertiginosa, gemendo em seu pescoço enquanto ele goza dentro de mim.
Não sei quanto tempo se passa depois. Entre o prazer sem fim e a realidade dura e fria.
Eu me afasto dele atordoada, dando passos para trás, o encarando cheia de horror até me encostar na parede esfumaçada atrás de mim.
Que diabos eu tinha feito?
– Anna... – Daniel parece atordoado também quando dá um passo em minha direção, eu levanto a mão.
– Não... – eu mal consigo respirar. Não!
Ele me encara perdido por um momento e eu me lembro que ele ainda é um cara bastante bêbado.
Principalmente quando ele fecha os olhos e respira fundo.
– Não me sinto bem – diz, antes de se virar e sair do box.
Eu o escuto vomitar enquanto me afundo no chão e choro.
Lágrimas silenciosas e tristes desta vez.
Podem ter se passado minutos, ou horas. Enquanto estou ali, me sentindo miserável. Talvez tenha sido o silêncio repentino que tenha me feito acordar da minha letargia. O banheiro está esfumaçado e meus dedos estão enrugados quando me levanto e desligo o chuveiro.
Onde ele estaria?
Eu hesito antes de sair do banheiro, com medo de ter que encarar o que fiz.
Daniel não está mais no banheiro.
Eu alcanço um roupão e o visto, e vejo meu reflexo no espelho. Aquele roupão definitivamente não pertence a Daniel. É pequeno demais.
Então de quem será?
Eu não quero saber. Não me interessa.
Saio do banheiro devagar e encontro Daniel estirado sobre a cama. Vestido.
Sinto uma corrente de alívio. Não estava preparada para mais confronto.
Nem sabia como explicar a mim mesma o fatídico episódio no banheiro, como é que poderia me explicar para Daniel?
Ele tinha a desculpa do porre, e eu?
Sim, eu bebi um pouco mais do que devia, mas não posso dizer que estava bêbada.
Estava cheia de raiva, isto sim.
Claro. Era isto.
Eu tinha guardado tudo dentro de mim por tanto tempo. O esforço de fingir o tempo inteiro que eu estava acima de todos os acontecimentos do passado tinha me esgotado e os muros tinham caído.
Eu os reergueria novamente.
Não sou mais aquela menina ingênua e decepcionada pelo primeiro amor. Eu sou mais forte agora.
E amor definitivamente não fez parte do que aconteceu no banheiro.
Foi apenas um reflexo distorcido do que eu fui um dia. Não quer dizer que eu sinta alguma coisa além de raiva.
Só que agora eu posso acrescentar á raiva por Daniel o ódio por mim mesma.
Eu preciso é dar o fora dali e colocar minha cabeça no lugar.
Dar um jeito de encarar Daniel depois de tudo. Só de pensar nisto eu estremeço de horror.
Volto para o banheiro e pego as roupas úmidas no chão. Definitivamente não tem como eu vesti-las do jeito que estão.
Junto tudo, as minhas e as de Daniel, e saio à procura de uma máquina de lavar. Daniel deve ter uma daquelas, não deve?
Eu circulo pelo apartamento lindo e moderno até encontrar uma lavanderia e a máquina como imaginava, colocando as roupas nela.
E o que eu faço agora? Tenho medo de Daniel acordar, mas descarto esta ideia rapidamente.
Ele está muito bêbado e deve dormir muitas horas até estar inteiro de novo.
Então, sem ter o que fazer, eu rondo pelo apartamento. Não posso esconder a curiosidade feminina enquanto me pergunto quem decorou tudo. Alguma namorada?
Pensar nisto me deixa com um gosto ácido na boca e eu afasto o pensamento para longe. Por que aquilo me interessaria? Daniel podia transar com toda Seattle. E talvez fizesse isto mesmo. Não era da minha conta.
Nunca foi. Nunca seria.
Minha atenção para num aparador cheio de fotos e eu vejo Caleb e Lydia Beaumont sorrindo em uma delas. Um casal jovial e bonito.
Em outra Daniel está rodeado pelos irmãos. Os cabelos loiros de Violet se destacam na imagem e eu me pergunto se ela faz ideia de que trabalho com Daniel.
Provavelmente não, imagino. Senão já teria aparecido no escritório armada com uma metralhadora.
Uma parte bem ruim de mim se diverte ao imaginar Violet me vendo ali, invadindo seu território de novo. Eu gostaria que ela me visse. Que percebesse que, por mais mal que tenha me feito, não conseguiu acabar comigo.
Eu caí. Mas caí de pé. Mesmo que tenha demorado para me levantar.
Algum barulho me desperta e eu me levanto assustada. A luz do dia me cega e eu gemo, irritada. Em algum momento da noite, eu tinha adormecido no sofá de Daniel.
Droga. Droga. Droga.
Me movo rapidamente com a intenção de ir em busca de minhas roupas, obviamente estou indo na direção errada, quando paro no corredor ao me deparar com um Daniel sonolento e estupefato na minha frente.
– Anna?
– Esperava outra pessoa? – consigo responder friamente.
Ele parece bem confuso enquanto passa a mão pelos cabelos desgrenhados.
– Que diabos está fazendo aqui?
Agora quem está confusa sou eu.
– Não se lembra?
– Você me trouxe pra casa.
– Isto é meio óbvio.
– E...?
Respiro fundo, desviando o olhar e mordendo os lábios.
Ele não se lembra.
De nada.
Nada.
Um misto de alívio e decepção toma conta e mim.
Eu ignoro a decepção.
– Certo – ele diz pensativo me encarando intensamente. Provavelmente reparando que estou vestindo um roupão dele. – O que aconteceu nesta noite, Anna?
– O que eu te falei. Você estava bêbado. Tão bêbado que não se lembra que eu te coloquei num táxi e te trouxe pra casa, embora haja uma pequena parte nada misericordiosa de mim que ache que você merecia ter ficado caído na calçada pra algum cachorro lamber sua boca.
– E por que ainda está aqui e usando um roupão?
– Você vomitou em mim – minto tão tranquilamente que fico admirada. – E eu tive que te colocar embaixo do chuveiro de tão chapado que estava.
E você tirou minhas roupas?
– O que está insinuando? Que eu queria tirar sua roupa ou algo assim? Acha que sou algum tipo de pervertida que curte ver caras bêbados e vomitados, pelados? Foi deprimente, Daniel! – Retruco me perguntando se poderia ganhar um Oscar.
– Então foi só isto? Eu fui um idiota e vomitei em você obrigando você a... tomar um banho? – ele me mede para enfatizar suas palavras.
– Sim.
– E você que colocou esta roupa em mim?
– Não. Você pareceu ter melhorado um pouco depois da água fria e foi para seu quarto com seus próprios pés e colocou sua roupa, desabando na cama e desmaiando. – Pelo menos sobre isto eu não precisava mentir.
– E por que ainda está aqui?
– Minha roupa estava suja. Eu a coloquei na sua máquina, espero que não se importe.
– Por isto está com este roupão?
– Queria que eu vestisse o quê?
– Poderia ter colocado qualquer roupa minha, eu não me importaria.
– Não queria usar nada seu.
– Está usando este roupão.
– Que não é seu. Estou usando a roupa de sua namorada?
– Não. Está usando uma roupa de Violet.
Ah sim. Então o roupão não era de alguma namorada e sim da irmãzinha querida e louca dele.
Eu sinto um certo nojo.
– Sua irmã mora com você?
– Claro que não. Às vezes elas ficam aqui sim. Se não se lembra tenho outra irmã. Charlotte. Se procurar, deve achar alguma coisa de Charlotte também.
– Isto não me interessa – dou de ombros, mostrando desinteresse, mas pensando que devia ser bem difícil para as namoradas de Daniel ter que aguentar as loucas de suas irmãs.
– Claro. Mas já amanheceu. E você ainda está aqui.
– São pouco mais de seis da manhã. Deve fazer umas três horas que saímos do bar. Eu estava indo ver se minha roupa secou. E então eu vou embora.
– Certo... Anna, eu... lamento muito tudo isto. Eu fui um bêbado idiota.
– Sim, você foi.
– Obrigado por ter me trazido em casa e não me deixado para os cachorros, ele sorri.
Eu me mantenho impassível.
– Faria isto por qualquer um.
– Claro que sim – ele não sorri mais.
– Eu vou... pegar minhas roupas – dou meia volta e quase corro até a lavanderia.
Demoro mais do que o necessário para me vestir não querendo encarar Daniel de novo. E sei que terei que fazer isto, pois o escuto se movimentando pela cozinha.
Então me censuro por ser infantil e decido acabar logo com aquela situação, indo para a cozinha e parando na porta, observando-o colocar algo parecido com ovos e bacon no prato.
Meu estômago ronca.
– Eu fiz café pra você – diz, me oferecendo uma xícara.
– Não precisava.
– Por favor. É o mínimo que posso fazer em agradecimento.
Ele deixa a xícara ao lado do prato e puxa a cadeira.
Eu hesito entre a fome e necessidade de dar o fora dali.
A fome vence e eu me sento. Eu já estava encrencada mesmo, que diferença ia fazer alguns minutos a mais.
E aquela omelete parecia mesmo muito boa!
– Espero que goste de ovos.
– Sim, eu gosto – digo, tentando não suspirar de satisfação.
Ele se serve de uma xícara de café também e fica me encarando.
– Pare de me encarar.
– Me desculpe. É que... – ele ri e coça os cabelos, se aproximando da mesa. – Muito surreal ter você, na minha casa, desfrutando um prosaico café da manhã.
– Não pedi para fazer café da manhã pra mim – digo na defensiva.
– Calma, Anna. Não estou procurando briga.
Eu desvio o olhar para o prato.
– Pra mim também é surreal.
E ficamos em silêncio. Cada um perdido em seus pensamentos.
Até que Daniel pergunta se eu quero mais café.
– Não, obrigada.
– Eu posso fazer um suco para você? – Ele vai até a geladeira. – Do que gosta? Laranja? Posso acrescentar...
– Não, Daniel, eu não quero mais nada.
– Não será trabalho algum...
– Não seja insistente, parece minha mãe! – resmungo, e ele fecha a geladeira e me encara.
Falar da minha mãe, trouxe de volta as barreiras invisíveis entre nós assim como as recordações do passado.
A trégua para o café já era.
– Anna, eu... Talvez pudéssemos aproveitar e conversarmos sobre...
– Não. Eu já falei que não quero tocar neste assunto. Estou tentando não me lembrar o tipo de pessoa que você é.
– Que eu era – ele afirma enfaticamente, se inclinando sobre a mesa. – A pessoa que eu era.
Por um momento apenas nos fitamos sem ninguém falar nada, a tensão tomando conta do ambiente.
Ele acredita mesmo que algumas poucas palavras de desculpa, um café da manhã e aquele olhar de cachorro triste vai me fazer esquecer?
Eu desvio o olhar e dou de ombros.
– Que importa...
Ele se afasta se servindo de café e eu me pergunto se já posso ir embora.
Era imprescindível que eu fosse embora antes de começar a agredi-lo fisicamente. Como ontem à noite.
E aquilo definitivamente tinha acabado em desastre.
– Como está sua mãe? – Daniel pergunta casualmente, se virando.
– Ela mora em Miami agora – respondo a contragosto.
– Ela não está mais casada, não é?
– Está bem informado, claro. Deve saber que ela se divorciou de... – não, eu não posso continuar com aquele assunto. Respirando fundo, eu me levanto calçando os sapatos. – Chega disto. Eu não deveria estar aqui...
– Anna, espera... Não precisa ir assim... Não precisamos falar de passado, família... Não precisamos falar de nada que você não queira.
– Eu não quero estar aqui, é exatamente o que não quero.
E, antes que me arrependa ainda mais, eu me afasto, pegando minha bolsa na sala e finalmente saio pela porta da frente.
***************
Fiona me encara com olhos arregalados ao me ver entrando.
– Está chegando agora?!
Eu rio tirando os sapatos.
– Nem percebeu que não dormi em casa?
– Nossa, Anna, não tinha percebido mesmo! Eu cheguei tarde e fui direto pro meu quarto, achei que estivesse dormindo... onde estava? – ela me mede e me lança um olhar assombrado – Não me diga que...
– Não, nada disto – eu desconverso.
Não quero contar pra Fiona que passei a noite com Daniel. Não mesmo.
– Então não estava com nenhum cara?
Eu fico vermelha e sei que minha expressão me denuncia. Fiona mal pode conter sua curiosidade.
– Anna, uau! Conte-me tudo! Com quem estava? Eu conheço? Não me diga que era com o gatinho do seu chefe, o Adam!
Eu massageio minha testa.
– Não este chefe.
Fiona agora parece que vai ter uma síncope.
– Então... Oh meu Deus, você estava com o Daniel?!
Sua expressão já não é de curiosidade divertida e sim de horror e preocupação.
– Não foi bem assim...
– Mas, Anna...
– Eu sei, eu sei! Olha, eu preciso tomar um banho e ir trabalhar. À noite juro que conversamos, tá?
– Não pode me deixar o dia inteiro sem saber!
– Sinto muito, eu já estou atrasada.
Eu deixo Fiona e corro pro chuveiro. O tempo inteiro tento não pensar no que aconteceu. Simplesmente não posso pensar.
Foi um erro imperdoável e sem tamanho. Quase tão grande quanto o de oito anos atrás. E há oito anos eu tinha a desculpa de estar sendo enganada.
Agora qual era a minha desculpa, a não ser o fato de ser uma idiota fraca?
E o que eu podia fazer? Fugir? Pedir demissão e sumir pra sempre fingindo que nada aconteceu?
Uma parte de mim, aquela que tinha medo de sucumbir de novo e voltar a ser a mesma tonta do passado, queria fazer exatamente isto.
Eu não sou mais aquela garota. Eu sou uma pessoa forte agora. Que não foge com o rabo entre as pernas como se eu fosse a criminosa!
Não. Eu não vou desistir. A noite passada foi apenas um erro. Que nunca mais vai se repetir.
Para Daniel, nunca aconteceu mesmo. Eu tento ignorar uma pequena pontada no peito, pois, lamentar que ele não se lembre será um grande equívoco.
A amnésia alcoólica dele facilita tudo.
Fingirei que a noite passada não existiu também.
****************
– Está distraída...
Eu dou um sorriso amarelo para Adam que me encara com o cenho franzido.
Estamos almoçando sozinhos num restaurante que ele prometeu me levar durante a semana inteira. Na verdade era para outro advogado estar ali também, Adam disse que ele teve outro compromisso.
Me pergunto que desastre teria sido se Daniel tivesse aceitado o convite de Adam quando o encontramos no elevador.
Até agora eu estava quase satisfeita por tudo estar correndo relativamente normal depois da noite passada. Daniel ainda não se lembrava de nada e quando tentou debater comigo sobre o assunto, eu o havia cortado dizendo que era impróprio para o escritório e que preferia não comentar. Para meu alívio ele concordou e, desde então, vínhamos desempenhando o papel empregador-estagiária sem maiores problemas.
Quase me fazia acreditar que tudo seria superado.
Quase.
– Acho que estou de ressaca – respondo a Adam.
Ele sorri mais relaxado.
– Nos divertimos ontem, não?
– Sim, e a Hannah também – digo e Adam fica vermelho.
– Eu e Hannah não temos nada.
– Não? Não foi o que pareceu ontem.
– Aquilo não foi nada – ele fica subitamente sério quando me encara – foi coisa de uma noite.
– E ela sabe disto? - Eu fico preocupada com Hannah. Ela era uma garota legal e eu não ia gostar de vê-la magoada por Adam.
– Com certeza. Somos adultos e apenas nos divertimos.
– E por que não podem continuar se divertindo?
– Porque não temos interesse em fazê-lo. Eu talvez queira... – ele de repente para e desvia o olhar. – Deixa pra lá.
Eu mordo os lábios, incomodada.
Eu não era idiota e estava claro que Adam estava se interessando por mim.
Será que eu devia cortá-lo desde já? Como eu iria fazer isto se ele nem demonstrara de verdade nenhum interesse? Ele era legal comigo o tempo inteiro, nunca tinha ultrapassado nenhum limite.
Eu deixo o assunto de lado quando voltamos pro escritório. O clima entre nós estava amigável de novo e Adam segura minha bolsa, depois de insistir em me comprar um sorvete.
Sim, ele era realmente um cara incrível.
Só havia dois problemas. Ele era meu chefe e eu ainda nutria um sentimento estranho e inominável por meu outro chefe.
E é justamente este outro chefe que me espera com cara de poucos amigos quando saímos do elevador.
Ele olha de mim para Adam irritado, eu ignoro, pegando a bolsa que Adam me devolve e indo para o banheiro.
Encontro Hannah lá e me sinto meio culpada.
– E aí, te procurei para irmos almoçar – ela diz, retocando a maquiagem.
– Me desculpa, eu fui almoçar com o Adam.
– Ah.
– Hannah, olha... Foi apenas um almoço, ok?
Ela ri.
– Calma, Anna. Por que está se justificando?
– Porque você e Adam ontem...
Ela rola os olhos.
– Ontem foi bem legal, embora eu estivesse super bêbada e nem tenha aproveitado direito.
– Sei como é... – digo, lembrando da minha própria noite.
– Não se preocupe. Eu sei que não significou nada. Foi só uma transa, nada mais do que isto. O Adam nunca demonstrou nenhum interesse em mim.
– Quanto a você? Você queria mais?
Ela fica pensativa.
– Às vezes sim. Ele é um cara incrível. Bonito, gentil, com uma carreira promissora... Mas eu sou uma garota prática. Não vou ficar correndo atrás. E tem muitos outros caras incríveis aqui – ela pisca.
Eu sinto inveja dela naquele momento.
Queria não ter toda aquela minha bagagem de problemas comigo. Queria poder contar a ela minha noite insana com Daniel rindo como se não fosse nada demais.
Porém, eu não era como Hannah. Nunca mais eu seria.
Tudo por causa de Daniel e dos Beaumont.
Respiro fundo quando a dor do ressentimento ameaça me dominar de novo e sorrio para Hannah.
– Tem razão.
À tarde eu dou graças a Deus por termos uma reunião, na qual eu posso me distrair dos pensamentos sobre meus problemas com Daniel e, para meu alívio, me saio muito bem.
Tanto que ao voltarmos para a sala, Daniel me elogia.
– Você se saiu muito bem.
Eu sorrio, me sentindo orgulhosa de mim mesma e Daniel retribui o sorriso.
E, por um momento fugidio, tudo desaparece. Passado, rancor, raiva.
E eu sinto algo parecido com esperança. Como se fôssemos ficar bem, apesar de tudo.
Este momento dura apenas o suficiente para me fazer sentir a tolice deste pensamento.
Eu acredito realmente que algo de bom pode sair de uma relação entre mim e Daniel?
Não, eu não acredito, é a resposta.
O ressentimento está enraizado demais dentro de mim para ir embora.
Pelo menos, naquele escritório, enquanto estagiária dele, eu sinto que posso me sair bem.
E provar a mim mesma que sou capaz de ir além dos meus sentimentos ruins.
Ele também fica sério. De repente conversamos sobre um relatório profissionalmente.
E eu sobrevivo àquele dia.
Como todos os outros que se seguem.
Passo minhas horas no escritório me dividindo entre Adam e Daniel. Com Adam tudo flui amigavelmente e eu me sinto relaxada.
Com Daniel, as coisas não são bem assim. Eu me sinto tensa quase o tempo inteiro, mas consigo me manter firme e profissional. Assim como ele.
E ele é bom. Muito bom no que faz. E me inspira a dar o meu melhor também.
Eu quase lamento não sermos meros conhecidos que trabalham juntos.
Sem passado, sem rancor. Apenas duas pessoas que juntas podem realizar um bom trabalho.
No entanto eu sei bem no fundo que a tranquilidade e cordialidade entre nós é apenas aparente.
E meu temor de que a trégua tem data pra acabar acontece numa manhã fria, quando estou no telefone com Fiona.
Ela está me contando de como foi seu fim de semana romântico com Brian, seu namorado, e eu rio de seus relatos maliciosos, quando levanto o olhar e vejo Daniel me encarando com cara de poucos amigos.
Imediatamente eu coro e, me despedindo de Fiona rapidamente, eu desligo o telefone.
E Deus, ele está fantástico nesta manhã. O terno escuro lhe cai bem sobre o tórax perfeito e eu quase tenho vontade de suspirar.
Talvez o papo sexual com Fiona tenha me deixado acesa, porque desde aquela fatídica noite com Daniel, eu vinha me esforçando para não pensar nele daquele jeito.
– Bom dia, senhor.
– Por que inferno não me chama de Daniel? – ele questiona irritado. – Cansei desta sua palhaçada, Anna. De agora em diante eu sou Daniel. Se me chamar de senhor eu te demito, entendeu?
Não entendo por que ele está bravo comigo, prefiro não discutir.
– Como preferir... Daniel.
– Quem era ao telefone? Seu namorado?
O quê? Daniel achava que eu tinha um namorado?
E se eu tivesse, qual o seu interesse nisto?
– É proibido falar com namorados nesta empresa, senhor, quer dizer, Daniel? – pergunto irônica.
Ele respira fundo.
– Você tem um namorado?
– Não preciso responder esta pergunta. O que faço fora daqui não tem nada a ver com esta firma.
– Tem, se fica fazendo sexo por telefone com ele.
Eu arregalo os olhos, chocada.
Então era isto que ele achava que eu estava fazendo ao telefone?
– Toc-toc – nós dois nos viramos para a porta ao ouvir a voz de Adam. Ele olha de um para o outro. – Algum problema?
– Não – Daniel responde rápido. – Estou passando algumas instruções pra Anna.
– Ah sim, e eu vim roubá-la de você. Temos uma audiência agora cedo e vou precisar da ajuda dela.
– Poderia ter avisado – ele parece ainda contrariado.
– Me desculpe, achei que tivesse te informado. Falando nisto, precisamos realmente arranjar outra estagiária, estamos com muito trabalho e pode ficar pesado para Anna. Vou falar com o departamento pessoal.
– Tudo bem – escuto Daniel concordar enquanto pego minha bolsa.
– Até mais, Daniel – Adam coloca a mão casualmente nas minhas costas enquanto me guia pra fora.
Eu ainda me volto, lançando um olhar para ele por cima do ombro de Adam. Daniel parece furioso.
E eu tenho que lutar contra a vontade de tirar as mãos de Adam de mim, me voltar para Daniel e explicar que eu não estava fazendo sexo com meu namorado ao telefone. Que eu nem tinha namorado e...
Que diabos eu estou pensando?
Não devo satisfação a Daniel. Ele que se exploda com suas conclusões precipitadas.
– Tudo bem? – Adam pergunta.
– Tudo.
– Você parece tensa.
– Nada, apenas muito trabalho.
Ele aperta o botão do elevador.
– Precisa se divertir mais. Quer sair e beber alguma coisa hoje?
– Não... Marquei um jantar com uma amiga – minto. E nem sei por quê.
– Tudo bem. Que tal sairmos no sábado, então?
– Eu não sei...
– Não estou te convidando para um encontro, Anna – ele me tranquiliza com um sorriso. – Podíamos sair para almoçar, curtir uma praia.
Eu mordo os lábios, indecisa.
Sim, por que estou hesitando? Adam é muito legal comigo e está deixando claro que não é um encontro.
– Tudo bem – concordo.
****************
O sábado amanhece quente e ensolarado e Fiona está cheia de sorrisinhos maliciosos pra mim enquanto espero Adam.
– Fiona, pare com isto.
– O quê? Não falei nada.
– Você sabe muito bem! Eu já falei que Adam e eu somos apenas amigos.
– Muitas histórias de amor começam assim, da amizade...
– Não vai começar nenhuma história de amor aqui, não viaja.
– Por que não?
– Porque ele é meu chefe, pra começar.
– E daí? Não vai ser pra sempre. Você mesmo disse que está indo super bem, com certeza logo será efetivada.
– Pode demorar muito ainda.
– Vocês podem namorar escondido, é até mais gostoso!
– Fiona, para de fantasiar. Eu gosto do Adam, ele é ótimo, mas nada vai rolar.
Ela fica séria.
– É por causa do Daniel, não é?
– Claro que não - eu desvio o olhar.
Eu havia contado a Fiona sobre a noite com Daniel e ela concordara comigo de que eu devia esquecer.
– Eu acho que é por ele sim. Talvez aquela noite...
– Aquela noite foi um erro.
– Mas aconteceu. E se aconteceu é porque alguma coisa você sente...
– Foi sexo. Apenas sexo. Não quer dizer nada. Eu ainda odeio o Daniel e ponto final.
– Odeia? Eu achei que agora trabalhando com ele, não estava mais com tanta raiva.
– Eu só o suporto. Não tenho como esquecer o passado, Fiona. Acha que eu já não tentei? Eu queria muito dizer que não o odeio. Queria desprezá-lo, queria não sentir nada. Infelizmente não é assim. Eu passo a maior parte do tempo tentando fingir que ele não é nada. E, às vezes, quase me convenço que consegui. Então a noite, os pesadelos vêm para me lembrar, o quanto ele me enganou, o quanto eu fui idiota por ter me apaixonado e dado tudo de mim a ele. Para nada!
Estou sem fôlego quando termino minha confissão.
Fiona me encara com pesar.
– Eu sinto muito, Anna. Eu achei que... tivesse melhorado.
– Quem dera – eu respiro fundo me levantando e pegando minha bolsa. – Vou descer e esperar lá embaixo.
Eu já não sinto a menor vontade de sair com Adam agora, porém o que posso fazer?
– Tudo bem. Tente se divertir pelo menos, tá?
Eu sorrio para tranquilizá-la e saio.
E eu realmente consigo me divertir, jogando para o fundo da mente meus ressentimentos por Daniel, até que Adam para o carro em frente ao Space Needle.
Eu congelo.
Achei que hoje seria um bom dia para almoçarmos aqui! – ele diz, já saindo do carro.
Eu tento encontrar uma desculpa para não ficar, como não encontro nenhuma, sou obrigada a segui-lo.
– Tudo bem? – ele pergunta quando entramos no restaurante giratório.
Eu estou com vontade de chorar.
As lembranças se amontoando dentro de mim como caixas velhas e sem uso, contendo as memórias mais especiais.
Agora eu sei que não havia nada de especial. Que eram somente mentiras.
Naquele dia com Daniel, eu não sabia.
E dói demais pensar nisto.
– Estou com uma dor de cabeça chata.
-– Nossa, quer ir embora?
– Não, tudo bem. Vamos comer primeiro. Depois prefiro ir pra casa.
Nós almoçamos calmamente e eu tento relaxar e sorrir, sem muito sucesso. Pelo menos eu posso atribuir meu mau humor a tal dor de cabeça, e Adam não contesta quando peço pra ir embora.
Ele me deixa em casa e eu me tranco no quarto, aliviada por Fiona não estar em casa.
Quero ficar sozinha com minha dor.
Até quando o que Daniel tinha feito iria atrapalhar e estragar tudo na minha vida?
cinco anos antes
Estar na faculdade é realmente empolgante.
Devo dizer que estava realmente um pouco apreensiva. Não era uma pessoa muito sociável e depois do acontecido em Seattle, eu ainda sentia certo temor de conviver em grupo novamente.
Aparentemente tudo é diferente ali. As pessoas são mais adultas, afinal.
Pela primeira vez sinto que será possível deixar tudo para trás.
– Ei, posso me sentar aqui?
Eu levanto o olhar e vejo um rapaz de capuz olhando pra mim.
– Claro – digo, retirando minha mochila que eu havia colocado na cadeira, desocupando o lugar.
Ele sorri e se senta.
– Valeu.
Eu volto minha atenção para o professor de filosofia que entra na sala, mas o rapaz o me cutuca com o lápis.
– Ei, qual seu nome?
– Anna – respondo.
– O meu é John. E aí, quer almoçar comigo depois que sairmos daqui?
Eu arregalo os olhos, surpresa com aquele convite inesperado.
– É... Eu... – gaguejo sem saber o que responder.
Ele estava só sendo amigável, ou estava dando em cima de mim?
Ele sorri.
– Nossa, você é realmente uma graça e está vermelha.
Ali está a resposta. Ele está sim dando em cima de mim.
E isto me irrita.
– Não, não quero almoçar com você.
– Quer fazer alguma outra coisa então? Tem um bar super maneiro...
– Olha, eu não estou interessada em sair com você, entendeu? – digo grosseiramente e ele franze a sobrancelha, surpreso com meu ataque.
Sei que estou sendo exagerada, não consigo evitar minha repulsa.
– Nossa, calma. Não precisa me atacar. Era só dizer não.
– Me desculpa, eu... – mordo os lábios com força, me sentindo uma idiota. – Por favor,... me desculpa.
Eu junto minhas coisas e saio da sala.
Me encosto na primeira parede que encontro e fico ali de olhos fechados lutando contra a vontade de chorar.
Por que eu fui tão horrível com aquele cara?
Eu me lembro das palavras de Tyler. De que uma hora eu iria me interessar por alguém. Será que isto realmente vai acontecer um dia? Porque toda vez que um cara se interessa por mim, eu me recordo da traição de Daniel e me retraio totalmente, como agora.
Eu devo ser um caso perdido.
– Ei, Annalise Nicholls?
Eu abro os olhos ao ouvir uma voz conhecida e fico extremamente surpresa ao ver Joshua Nelson na minha frente.
– Joshua!
– Nossa, é você mesma, quanto tempo!
Ele se aproxima e me abraça.
– E aí, o que faz aqui?
– Eu estudo aqui..
– Sério? Que loucura te encontrar aqui, nunca imaginei que ia te ver de novo. Principalmente depois de todo aquele lance das fotos com o Beaumont na Internet, nossa!
Eu engulo em seco, empalidecendo à menção das fotos.
– Foi realmente chocante! Ainda lembro de todo mundo falando e...
– Joshua, não quero falar sobre esse assunto – consigo murmurar, olhando em volta como se as pessoas que passavam por ali pudessem ouvir alguma coisa.
– Ah, desculpa, nossa! Me desculpe, ver você de novo me fez lembrar daquela história chocante, você sumiu depois... Todo mundo tinha mil teorias! E agora você está aqui, na mesma faculdade que eu, é realmente uma loucura!
Eu mal consigo respirar. Por que ele simplesmente não para?
– E onde esteve depois que fugiu da escola? É verdade que os Beaumont te deram uma bolada pra não processá-los? Apesar de que eu ouvi falar que eram os Beaumont que iriam te processar, não acreditei muito, não acho que você ia liberar aquelas fotos....
– Chega Joshua! – Eu o corto e ele finalmente para de falar. – Eu preciso ir...
Eu me afasto quase correndo pelo corredor, as pessoas me encaram com curiosidade e eu me pergunto se além do Joshua, mais alguém sabe daquela história sórdida.
E desejo morrer.
Capítulo seis
A segunda-feira não me encontra de melhor humor.
Fiona havia chegado no sábado me fazendo mil perguntas sobre meu encontro com Adam, eu a cortara sem a menor disposição para dizer o quanto eu ainda era tonta por deixar a lembrança do que Daniel tinha feito estragar minha vida. Então, depois de algumas tentativas infrutíferas de me arrancar confissões, ela desistiu me deixando sossegada no meu canto.
E, enquanto estou ali, sozinha no escritório esperando a chegada do meu chefe, ex-amante e a razão de todo meu infortúnio, eu me pergunto se está realmente valendo a pena.
Porque até agora eu só consegui provar a mim mesma que, apesar de todas as palavras ditas da boca pra fora, Daniel Beaumont ainda tem poder sobre mim.
E o pior: o que ele tinha feito ainda tinha o poder de me deixar arrasada.
Eu nem sei o que era pior: lutar contra as recordações amargas ou meus sentimentos confusos.
Eu respiro fundo quando escuto seus passos inconfundíveis no corredor.
– Bom dia, Daniel – consigo dizer colocando a minha máscara de indiferença.
– Na minha sala. Agora! – Daniel praticamente rosna passando por mim como um furacão e entrando na sua sala.
Eu fico ali abismada por um instante. O que está acontecendo com ele?
Por um momento eu penso em não ir, mas, o que eu posso fazer, ele ainda é meu chefe. Então eu me levanto e entro na sua sala.
Daniel parece furioso.
– Feche a porta.
– Sim? Algum problema? – pergunto friamente.
– Está transando com Adam?
Como é? Meus olhos se arregalam de estupefação ao ouvir aquela pergunta estapafúrdia.
– O quê?
– Eu os vi no Space Needle sábado – ele dá dois passos em minha direção. – Que diabos pensa que está fazendo, Anna? Vamos, me diga!
Eu dou dois passos para atrás levando a mão ao peito sem conseguir respirar direito, chocada com aquele ataque.
Rapidamente o choque se transforma em raiva.
Quem ele pensa que é para me fazer este tipo de questionamento?
– Que diabos pensa que está fazendo, você, Daniel? Está dizendo o que eu estou transando com Adam porque nos viu no Space Needle?
Ele recua, passando os dedos pelo cabelo nervosamente.
– Eu estou perguntando o que está acontecendo entre vocês.
– E por que isto seria da sua conta?
– Porque eu ainda sinto algo por você. Porque eu ainda quero você.
Eu paro de respirar.
Por um momento tento me convencer que não ouvi direito.
Mas eu ouvi sim. O silêncio mortal que se abate sobre a sala depois de suas palavras é a confirmação. Bem como o olhar de Daniel.
É um olhar de culpa. E de alívio.
Como se ele tivesse se libertado com aquela confissão.
Eu a sentia como veneno. Entrava na minha corrente sanguínea e drenava minhas forças, deslizando lentamente até meu coração e o envolvendo como garras de aço, apertando. Me tirando o ar.
E agora?
Eu tinha conseguido chegar até ali. Fingindo. Mentindo. Trapaceando.
Mas conseguira me manter firme e forte.
Agora Daniel tinha destruído o castelo de areia que eu construíra sobre minhas frágeis convicções.
– Anna, está pronta?
A voz de Adam atropela meu pavor e é bem-vinda.
Pois me impedia de agredir Daniel com tapas violentos por ousar jogar aquelas palavras em cima de mim.
Ou do fracasso que eu seria por sair correndo fugindo para nunca mais voltar.
– Sim, estava... avisando ao Daniel que estamos saindo – murmuro.
– Algum problema? Desculpa por não ter avisado antes, trata-se de um chamado fora de hora do Juiz... – Adam olha de mim pra Daniel confuso, com certeza intuindo que algo está errado.
– Não, não tem problema – Daniel responde.
– Eu vou dar uma passada no toalete, nos encontramos no elevador – digo, evitando seu olhar e me afasto quase correndo.
Eu só paro quando estou segura no elevador.
Tenho que me lembrar de respirar. Apenas respirar.
“Porque eu ainda sinto algo por você. Porque eu ainda quero você.”
A voz de Daniel ecoa no meu cérebro e revira meu estômago.
Aperta minha garganta.
Esmaga meu peito.
Por que ele faz isto comigo? Será que ainda é algum tipo de jogo cruel e cínico como no passado?
Há oito anos eu vibrava a cada palavra dele. Bebia suas promessas.
Acreditava em suas mentiras.
Mas agora eu sabia a verdade.
Abro os olhos e finalmente o oxigênio chega aos meus pulmões, começando a desembaralhar meu cérebro confuso.
Não sou mais aquela criatura ingênua e tola que confiava em suas palavras bonitas.
Não faço ideia do que o motiva hoje. Seja o que for, não me interessa.
Daniel não me interessa.
– Anna? – escuto a voz preocupada de Adam do lado de fora e me apresso em sair.
– Demorei?
Ele ainda parece preocupado.
– Está tudo bem?
– Claro – forço um sorriso polido e sigo pelo corredor. – Vamos ao trabalho.
– Anna, Daniel me disse que nos viu sábado.
– É – eu aperto o botão do elevador.
– Eu disse a ele que estávamos trabalhando, porque... Não quero que pareça algo impróprio e que nos compliquemos por causa disto...
Eu me viro irritada.
– Não devemos satisfação ao Daniel! Ele que vá pro inferno com suas conclusões precipitadas.
Assim que derramo minha indignação, eu me arrependo.
Adam me encara entre surpreso e divertido.
– Nossa, calma.
– Desculpa, essas coisas me irritam às vezes.
– Tudo bem, não precisa ficar nervosa. Eu disse ao Daniel que não foi nada demais. Você não vai ser prejudicada.
Eu decido me calar e não colocar mais polêmica no assunto. E finjo não perceber o olhar de Adam. Um olhar que dizia que ele gostaria sim que nosso relacionamento fosse algo a mais.
***************
Eu chego em casa à noite e finjo para Fiona que está tudo bem, porém minha capacidade de sorrir e mentir está bem abalada hoje e, murmurando uma desculpa sobre estar cansada, vou dormir mais cedo.
E sou atormentada por pesadelos.
Pesadelos que me fazem acordar com o estômago embrulhado e vontade de vomitar.
E Fiona me encontra caída no banheiro nas primeiras horas da manhã, me obrigando a ir a um hospital, onde passo a manhã tomando soro e sentindo pena de mim mesma por ser tão idiota.
– Vai me contar o que está acontecendo? – Fiona pergunta quando voltamos pra casa.
– Estou doente.
Ela sorri.
– Há um motivo para estar mal. Escutei você gritar, Anna. Achei que não tivesse mais estes pesadelos...
Eu dou de ombros.
– Eles voltaram junto com Daniel Beaumont.
– Ah. Por que não me surpreendo?
Abraço meu próprio corpo, olhando fixamente para o chão.
– Acho que não vou conseguir, Fiona – murmuro. – Eu pensei que conseguiria, mas... Não está dando.
Fiona senta ao meu lado.
– Então larga este emprego. Você pode conseguir outro.
Eu a encaro.
– Não quero ser fraca. Não quero ser aquela Anna que foge e se esconde.
– Não há vergonha nenhuma em voltar atrás. Esta tensão constante está acabando com você.
– Estou cansada de deixar ele me vencer. – Eu odeio o tremor na minha voz e as lágrimas nos meus olhos.
– Você ainda o odeia tanto assim?
Eu engulo o nó grosso em minha garganta.
– Eu vou dormir – me levanto sem responder.
Como posso dizer a Fiona o que não confesso a mim mesma: que seria bem mais fácil se todos meus problemas com Daniel fossem somente ódio.
Eu acordo no começo da noite e tomo um banho quente. Me sinto um pouco melhor.
Ligo para Tyler e é bom jogar conversa fora com meu melhor amigo. Embora o tempo inteiro eu me segure para não começar a chorar feito uma criança e pedir que ele venha me buscar.
Me salvar dos terríveis Beaumont, como fez da outra vez.
Eu resisto bravamente. Ainda não estou certa de que fugir é a melhor saída.
Tampouco sei se terei forças para ficar.
Escuto a voz de Fiona conversando com alguém na sala quando desligo o telefone e me levanto indo até lá, curiosa.
E estaco ao ver que quem está ali é Daniel Beaumont.
– Oi, Anna.
Eu sinto toda minha frágil tranquilidade desmoronar ao vê-lo ali.
O que Daniel está fazendo na minha casa? Eu olho pra Fiona e ela dá de ombros com um olhar de “também não faço ideia”.
– O que faz aqui? – pergunto na defensiva.
– Ele trouxe o jantar – Fiona diz como se isto explicasse tudo.
O quê?
– Eu queria saber se estava bem. Me disseram que estava doente e sem comer – ele explica.
– Eu estou bem.
– Não parece.
Mordo os lábios, desviando o olhar. Por que diabos ele tem o poder de me desarmar deste jeito? Como eu posso ter ódio quando ele me encara com um olhar que parece conter preocupação verdadeira comigo?
Mais mentiras? Mais enganação?
Com qual intuito?
– É... entre Daniel – Fiona diz por fim e ele entra na nossa sala, olhando em volta.
– Bonito lugar – diz educadamente e Fiona sorri satisfeita.
– Eu também gosto.
Um silêncio embaraçoso recai sobre nós. Avalio as minhas alternativas de fuga.
Ao mesmo tempo em que uma curiosidade mórbida se instala dentro de mim. O que Daniel queria afinal?
– Bom, me dê isto. – Fiona pega a sacola da sua mão. – Será que precisa esquentar?
– Acho que não. Eu acabei de pegar – ele me encara. – Espero que goste de sopa.
– Eu não consigo comer nada.
– Mas precisa tentar. – Fiona diz, pegando um prato e colocando em cima do balcão da cozinha.
Me arrasto até o sofá, revirando os olhos. Sei que estou agindo como uma criança birrenta, não me importo.
– Por que não se senta, Daniel? – Fiona diz educadamente.
E eu tenho vontade de dar uns tapas nela. De que lado ela está, afinal?
– O que aconteceu com você? – Daniel pergunta com um olhar incisivo.
– Eu liguei avisando.
– Sim, Hannah me falou que ia faltar porque não estava se sentindo bem.
– Está aí sua resposta.
– Eu liguei à tarde, Fiona me falou que foi ao médico, o que ele disse?
– Por que quer saber?
– É tão difícil assim acreditar que me preocupo com você?
Ele estava brincando, né?
– Você trabalha pra mim, Anna. Claro que eu me preocupo – ele continua.
– Vai até a casa de todas suas estagiárias levar sopinha quente? Fazia isto com a Lucy também? – eu sei que não deveria estar atacando. Não era uma boa estratégia. Mas não consigo me conter.
– Sabe que não.
– Então talvez seja melhor ir embora.
– Não quero que pense que é alguma coisa imprópria.
– Está preocupado com isto? Agora? – digo, cheia de sarcasmo, e ele sabe que eu não estou me referindo a agora e sim à sua confissão no escritório ontem.
E no mesmo momento eu me arrependo de trazer este assunto à tona.
Daniel recua por um momento, parecendo analisar o que vai dizer em seguida.
– Nós precisamos conversar.
Eu desvio o olhar.
– Anna, venha comer – Fiona aparece me puxando pelas mãos.
Eu me sento a contragosto no balcão que divide a cozinha da sala e começo a comer.
E, para minha grata surpresa, a sopa está deliciosa.
– Acho que ela gostou. – Fiona diz satisfeita.
– Cala boca, Fiona – resmungo baixo.
– Eu experimentei e está ótima, Daniel. – Fiona diz. - Onde comprou?
– Eu pedi para minha mãe fazer.
Eu paro de comer na hora, surpresa.
Eu estava comendo a sopa feita pela mãe de Daniel? O quão bizarro isto poderia ser?
– Ela sempre fazia quando eu estava doente.
– Você disse pra sua mãe que era pra mim? – indago, sem me voltar.
– Disse que era pra minha estagiária.
Ah, então os Beaumont não sabem de mim.
Ainda.
O telefone toca de repente e Fiona atende.
– Alô? Oi.... – ela morde os lábios nervosamente abaixando a voz. – Não, ela está bem agora...
– Fiona, quem é? – pergunto desconfiada.
Fiona tapa o fone e olha pra Daniel e depois pra mim.
– Você sabe... Devia atender.
Claro. Só podia ser uma pessoa.
Minha mãe.
Hoje definitivamente eu não estou nem um pouco a fim de falar com ela.
Na verdade, eu não atendi suas ligações a semana inteira.
– Não.
– Anna, por favor.
– Pode desligar, Fiona.
Irritada, paro de comer e saio da sala, me refugiando na varanda.
Mil vezes inferno!
Como se não bastassem meus problemas com Daniel, ainda tenho que pensar na minha mãe.
Em minha doente e frágil mãe. Enxugo as lágrimas doídas que caem por meu rosto.
Eu sinto falta dela. Uma falta terrível.
Uma falta que já dura quase oito anos. Desde que ela ficou do lado do Tom.
Não é só o que os Beaumont me fizeram que me machuca até hoje. A traição da minha mãe ainda dói do mesmo jeito.
A porta de vidro da varanda se abre e eu sinto a presença de Daniel atrás de mim.
– Devia ir embora.
A cidade fervilha ao nosso redor e, ao longe, eu consigo ver o Space Needle.
Uma dorzinha aperta meu peito.
– Por que não fala com a sua mãe?
– Não é da sua conta. Não vou conversar sobre isso com você.
– Mas, eu quero falar com você.
– Eu não quero.
– Quero me desculpar pelas acusações que te fiz na minha sala ontem.
– Já pediu, agora pode ir.
– Então me perdoa?
Eu o encaro.
– Acha que merece perdão? – minha voz está perigosamente cheia de rancor.
Rancor antigo.
– Não – ele responde por fim.
Ele sabe que não estamos falando apenas do que aconteceu na sua sala ontem.
Assim como eu sei que estou entrando em terreno proibido e mesmo assim, não consigo recuar.
De repente seu celular vibra e ele o pega, irritado.
O nome de Violet aparece no visor e eu desvio o olhar com uma expressão enojada.
Ele desliga sem atender.
– Me diz uma coisa Daniel, sua irmã consegue dormir tranquila depois do que fez? – indago, sem conseguir me conter.
Os anos passaram, e eu ainda não consigo entender como Daniel foi capaz de fazer o que fez comigo só porque sua querida irmã pediu.
Que tipo de poder ela exercia sobre ele a ponto de fazê-lo participar daquela vendetta absurda?
Eu até entendo Violet Beaumont. Entendo seu ódio. O rancor por ter sido enganada e humilhada. Eu mesma não o sentia em toda sua força?
Aquela vontade insidiosa e quase insana de infligir dor àquele que fora nosso algoz?
Só que eu não era a responsável e nem tinha nada a ver com sua dor.
Eu era inocente.
– Violet não tem nada a ver com o fato de eu estar aqui agora.
– E você, dorme tranquilo? A vingança valeu a pena? – as palavras voam pela minha boca sem controle.
Eu quase não consigo respirar tamanha é a dor no meu peito.
– Achei que não quisesse falar disto.
Ah claro. Ele está recuando. Não quer ser confrontado.
Que covarde!
Luto contra o veneno dentro de mim. Que corrói e me enche de sentimentos ruins.
Me sinto quase sufocar.
Se Daniel fosse esperto, ele daria o fora dali. Naquele momento eu entendo perfeitamente as pessoas que comentem crimes passionais.
– Então por que está aqui? Acha que pode entrar na minha vida de novo e que eu serei fácil como antes?
Lá está. Finalmente o assunto que paira entre nós desde que nos reencontramos.
– Você acha que eu sou aquela garota, que abria as pernas só com um olhar seu? Porque se é o que você pensa, se é este o motivo para estar aqui, pode sumir!
– Não é o que eu penso de você...
– Então o que quis dizer na sua sala ontem?
– Eu disse que queria você. Porque é verdade. Eu queria realmente que fosse diferente, mas não consigo mais lutar contra meus sentimentos. Eu não tenho mais forças para ficar longe de você.
Não. Não. Não.
De novo não.
Ele não está dizendo aquilo de novo.
Toda aquela bobagem sobre querer e precisar...
Não é verdade. Ele está mentindo. Como mentiu há oito anos.
E eu quero agredi-lo, pedir que pare, mas não consigo respirar, quanto mais me mover.
Porque eu faço a bobagem de encarar seus olhos. E o que vejo me deixa sem fôlego.
Eu vejo verdade. Eu vejo nós dois oito anos atrás. Eu me vejo há oito anos. Acreditando, ansiando. Desejando.
É como se o tempo tivesse parado e depois voltado.
E cá estamos nós. Tão perto. Sua respiração em mim.
Fecho os olhos, tentando impedir aquela conexão. É muito tarde.
As lembranças já estão agindo sobre meu corpo traiçoeiro. E de novo eu sou aquela garota que anseia por ele como o ar que respira.
Tão perto...
O beijo paira entre nós como uma entidade viva enquanto meu coração dispara no peito. Vivo.
Vivo como há oito anos.
Não, não como há oito anos. E sim como naquela madrugada no chuveiro...
Eu abro os olhos assustada e ele me encara daquele jeito que me lembro bem. Daquele jeito que faz meus joelhos tremerem e meu corpo esquentar e implorar.
Uma excitação dolorida apunhala meu ventre.
Uma rajada mais forte de vento joga seus cabelos em sua direção.
Ele fecha os olhos e aspira.
Me respira.
E, naquela fração de segundo, eu finalmente entendo que é verdade, Daniel Beaumont realmente me deseja, independentemente do passado ou do futuro.
Aquele momento é real.
E eu sinto o mais puro terror. E a mais pura alegria.
“Está errado.”
Minha consciência grita em desespero dentro de mim e eu me retraio horrorizada, eu estava quase cedendo.
De novo.
Me afasto dele, desviando o rosto e respirando rápido. Meus dedos seguram a grade com força.
– Sei que não tenho direito de te pedir nada depois de tudo – ele diz por fim. – Eu só gostaria que soubesse que eu quero você. Muito. Mas o primeiro passo é seu, Anna – eu o encaro, incrédula. – Eu não posso mais ditar as regras. Eu não tenho mais este direito. E você sabe por quê. Se algo voltar a acontecer entre nós, será porque você quer.
E, antes que possa me explicar exatamente o que quis dizer, ele abre a porta de vidro e desaparece.
– Anna, está tudo bem? – Fiona aparece logo em seguida e eu passo por ela entrando na sala.
– Não.
– Ai, Anna... Ele pareceu mesmo preocupado com você, se quer saber...
– Olha, Fiona, não quero mais falar sobre isto. Eu vou dormir.
– Tudo bem. Não vou insistir. Boa noite.
Eu vou para meu quarto e me escondo embaixo das cobertas.
Mas não durmo. Eu revivo várias vezes como as imagens de um flashback, o momento com Daniel e suas últimas palavras.
E finalmente entendo.
Ele está deixando na minha mão o que vai rolar daqui pra frente.
Não vai rolar nada, não é?
Como Daniel pode achar que depois de tudo que fez eu posso cogitar algum futuro pra nós?
Ele me traiu. Me usou. Me humilhou.
Eu ainda sofro e desconfio que vou sofrer pra sempre as consequências dos seus atos. E ele ainda tem a coragem de chegar perto de mim e dizer que me quer. Como se eu ainda o quisesse!
Então a madrugada no seu banheiro volta a minha mente. Oh Deus, a quem eu queria enganar?
Oito anos haviam se passado. Eu o odiava por ter feito o que fez. E também ainda tremia inteira com apenas um olhar.
E agora estava acordada a noite porque ele me acenara com... O quê?
Com possibilidades.
Possibilidades estas, que deixavam minha mente infestada de imagens de nós dois. Imagens reais ou imaginárias. Mas sempre nós dois juntos.
E suas mãos em mim.
E ele dentro de mim.
Fecho os olhos com força tentando tirar aquelas imagens da minha mente.
Como posso querer ficar com Daniel de novo?
Como posso de novo? O cara que estragou toda minha vida amorosa até ali?
Quatro anos antes
– Eu realmente não estava a fim – Fiona aperta mais meus dedos enquanto me guia para dentro do ambiente esfumaçado da festa da fraternidade do seu namorado.
– Relaxa, Anna. Está segura comigo! – ela sorri largando meus dedos quando Brian lhe passa duas cervejas e ela coloca uma nas minhas mãos frias.
Eu suspiro e dou um gole. Não é tão mau.
Olho em volta, enquanto Fiona e Brian começam uma sessão de amassos.
Tinha sido uma feliz coincidência encontrar Fiona em New Haven há alguns meses. Depois do encontro desastroso com Joshua, eu queria nunca mais pôr os olhos em ninguém de Seattle. Então, quando uma voz conhecida me chamou na rua há três meses, tive vontade de correr, ou então dizer com um sorriso amarelo que ela estava me confundindo com outra pessoa.
Fiona se aproximara com seu sorriso fácil e suas palavras surpresas: “Uau, é você mesma, que saudade!”, me abraçou forte.
E aí me disse que estava na cidade para encontrar seu namorado que estudava administração em Yale e me convidou para jantar com ela e colocar as novidades em dia.
Nenhum comentário sobre o escândalo com os Beaumont..
E eu acabei aceitando. E éramos amigas de novo desde então.
Obviamente um dia, depois de algumas semanas de convivência, ela me indagou com um olhar envergonhado e cuidadoso, se eu estava realmente bem com tudo.
E com tudo, ela queria dizer a humilhação de anos atrás.
Eu havia me aberto um pouco com ela. Foi bom poder verbalizar sobre o que aconteceu com alguém meio imparcial. Ela apenas me escutara e apoiara.
E assim eu soube que sempre poderia contar com Fiona.
Ela passava quase todos os fins de semana em New Haven com o namorado e sempre me convidava para sair, embora eu declinasse a maioria das vezes, para não atrapalhá-los.
E hoje, ela tinha me convencido a vir nesta festa.
Eu suspiro, sem saber o que fazer. Fiona tinha passado quase um mês sem aparecer e provavelmente estava matando a saudade de Brian e eu realmente não queria desapontá-la dizendo que ia embora ou mesmo atrapalhar seu momento com o namorado para ficar me pajeando. Eu círculo pela festa, ainda meio acanhada e sem conhecer ninguém, até que alguém cutuca meus ombros e eu me viro.
Um cara está na minha frente. E ele me oferece uma garrafa de cerveja.
Eu deixara a minha já quente em alguém lugar que nem me lembrava.
– É, eu...
– Vamos, pega uma. Não vai ficar de mãos vazias na minha festa – ele sorri.
– Obrigada – eu sorrio de volta, pegando a cerveja de suas mãos.
Ele oferece a dele pra um brinde.
– Você veio com o Brian, não é?
– Sim, sou amiga da namorada dele.
– Deve ser a Anna.
Eu franzo a testa.
– Como sabe?
Ele sorri.
– Fiona me falou de você.
Eu gemo, ficando vermelha.
O cara parece se divertir com meu desconforto.
– Sim, ela disse que ia nos apresentar. Segundo ela, você era linda e nos daríamos muito bem.
– Ai, que vergonha! – exclamo mortificada. Eu ia matar a Fiona.
– E ela não mentiu sobre você ser linda nem ao dizer que era tímida.
– Eu não... Olha... Não sei o que a Fiona te disse, eu realmente não...
– Ei, calma... Está tudo bem. Não queria deixar você sem graça – ele estendeu a mão. – Certo, vamos começar de novo. Meu nome é Benjamin.
Eu seguro sua mão, ainda me sentindo uma idiota.
– E não precisa ficar toda vermelha e com este olhar de quem vai fugir a qualquer momento. Eu não mordo.
Respiro fundo, tentando me acalmar. Sim, eu estava sendo uma idiota. Ele era apenas um cara. Que parecia ser bem legal. E era amigo da Fiona.
– E aí, o que está estudando?
– Vou começar Direito no próximo verão.
– Uau. Muito ambicioso. Pai advogado?
– Não, pai dono de loja de artigos de pesca!.
Ele ri.
– E você, o que estuda?
– Último ano de Direito.
– Ah... E deixa eu adivinhar: pai advogado.
– Me pegou.
De repente uma música agitada começa a tocar.
Benjamin tira a cerveja da minha mão e coloca numa mesa.
– Vem, vamos dançar.
– Não, eu não danço!
Ele me arrasta pro meio da sala e me obriga a dançar.
Fiona se une a nós e me abraça por um momento.
– E aí, ele é gatinho não acha?
– Fiona, eu poderia te matar!
– Relaxa, Anna! Ele é muito legal! E acho que gostou de você!
– Eu não...
– Apenas se divirta e deixe rolar. Te juro que ele não vai forçar nada, mesmo porque sabe que eu o mataria depois! Se no fim quiser que sejam somente amigos, ele vai aceitar.
Então Brian a puxa e eu me vejo nos braços de Benjamin. Ele sorri e me gira pela sala num movimento engraçado e eu me pego rindo.
E realmente me divertindo.
Minha cabeça está leve de cerveja e eu me deixo levar.
E pela primeira vez em muito tempo, me sinto jovem de novo.
Com todas as possibilidades que isto implica. Dançar, beber e rir com meus amigos como qualquer garota.
E durante aquela noite, eu me permito realmente ser como qualquer garota e, quando Benjamin me beija, fecho os olhos e empurro o medo para o fundo da mente.
Aquele cara comigo não é Daniel Beaumont.
Ele é alguém novo e diferente.
E nós temos um mundo de possibilidades a nossa frente.
Capítulo sete
– Você está bem?
Eu levanto o olhar que estava preso na xícara de café e tento um sorriso.
– Sim.
Fiona se aproxima se servindo de café.
– Está arrumada para trabalhar – é uma constatação e eu levanto a sobrancelha.
– É que depois de ontem à noite... Não sei... Fiquei achando que tinha desistido.
Eu me levanto da cadeira, alisando minha saia.
– Acreditaria se eu dissesse que fiquei boa parte da noite pensando sobre isto?
– E chegou à conclusão que vai continuar trabalhando com Daniel.
Eu dou de ombros, levando minha xícara de café frio à pia.
– Eu cheguei muito longe para recuar.
Fiona me lança um olhar que diz algo como: “Acho que nada do que eu te fale vai adiantar, não é?”.
E eu desvio os meus, me ocupando em lavar a xícara suja. Posso parecer bem corajosa agora, mas estou tremendo de medo por dentro.
Sim, eu podia recuar. Pedir demissão e mandar Daniel para o inferno. Chega de testar meus limites. Eles já foram postos à prova muitas vezes nas últimas semanas e eu me saí mal em todas.
Porém algo dentro de mim me impulsiona a não parar. Talvez seja orgulho.
Talvez seja a vontade que eu ainda tenho, apesar de tudo, de superar de vez o que aconteceu. Provar a mim mesma que sou mais forte, afinal.
– Sabe com quem Brian falou estes dias? – Fiona indaga casualmente, enquanto eu enxugo as mãos e vou pegar minha bolsa.
– Quem?
– Benjamin.
Eu paro, surpresa ao ouvir aquele nome.
Já faz tanto tempo...
– Ah é?
– Sim, ele está na cidade. Acho que vamos encontrar com ele qualquer dia destes.
– E está me contanto isto por quê...?
– Porque achei que gostaria de saber. E... Talvez queira vê-lo também?
– Sinceramente eu não sei se ele quer me ver – digo amargamente.
– Eu aposto que sim.
Eu pego minha bolsa.
– Pois eu aposto que não. Bom, eu preciso ir, antes que me atrase. - Saio antes que Fiona continue o assunto.
Eu já tenho problemas demais no momento para acrescentar um fracasso amoroso à minha lista.
Neste momento, estou saturada de pensamentos confusos e conflitantes todos envolvendo Daniel Beaumont.
E quando entro no elevador eu penso que o universo está conspirando contra mim ao vê-lo sozinho lá dentro.
Nos encaramos enquanto o elevador fecha suas portas.
Por que ele tem que ser tão bonito? Os anos passaram e o que era lindo ficou ainda melhor, mais maduro.
Meu coração dispara no peito e eu sei que meu rosto está se tingindo de vermelho.
Nenhum de nós fala nada. E eu sei que a conversa da noite passada está passando por sua mente, assim como está passando pela minha.
– Anna – meu nome em seus lábios faz um arrepio correr minha espinha.
Nada, nada bom. De repente a única coisa que passa pela minha cabeça é beijá-lo.
Eu desvio meu olhar, apertando o botão do elevador quase furiosamente.
O elevador finalmente começa a subir.
E é quando eu ouso olhar em sua direção que eu erro feio. Ele está sorrindo.
E a vontade de beijá-lo deixa de ser fantasia e vira realidade quando me vejo empurrando-o em direção à parede de aço do elevador e o atacando.
Não tem como chamar de outra coisa o que estou fazendo.
É um ataque. Não só a Daniel Beaumont, mas às minhas próprias convicções.
Eu estou sendo atacada por mim mesma. Por aquela parte de mim que lembra perfeitamente como é ter a língua dele acariciando a minha, como é delicioso seu cheiro único e a textura de sua pele contra meus dedos.
E ah, seus braços a minha volta. Me apertando. Me levando para mais perto.
Perto dele. Perto de Daniel.
De repente o elevador para e as portas se abrem e a realidade do que estou fazendo cai sobre mim como um balde de água fria e eu me desvencilho dele com um safanão.
O encaro ofegante e furiosa.
A fúria não é dirigida a Daniel e sim a mim mesma.
E ele fica ali, me olhando como se esperasse algo.
Algo que eu sei muito bem o que é, mas que não estou preparada para dar.
Eu nunca vou estar.
Respirando fundo, eu cato minhas coisas do chão e saio quase correndo do elevador.
– Anna, espera – eu o escuto atrás de mim, mas não paro.
– Oi, Anna! – Hannah surge do nada sorrindo, me obrigando a parar.
– Oi, Daniel – ela sorri olhando de mim para Daniel. – Nossa, que pressa vocês estão! Estão atrasados?
– Não – respondo rápido. – Quer dizer, eu preciso... Ir ao banheiro.
– Eu vou com você. – Hannah responde e escuto seus passos atrás de mim quando entro no banheiro. Estaco horrorizada ao ver minha imagem no espelho.
Meu cabelo está completamente desfeito, assim como meu batom.
Hannah para do meu lado com um sorriso divertido.
– O negócio pegou fogo naquele elevador, hein?
– Não, não é o que está pensando – gaguejo, tentando ajeitar meu cabelo com as mãos trêmulas, o que faz Hannah rir mais ainda.
– Tome, arruma isto – ela me passa um lenço de papel umedecido e eu pego de sua mão, vermelha feito pimentão, me apressando em limpar o batom. Por que eu inventei de passar batom vermelho justo hoje? – Não precisa ficar vermelha – ela completa.
–Eu... Eu... Inferno, não sei onde estava com a cabeça.
– Ah, eu sei. Deve ser bem difícil manter a cabeça no lugar perto de um cara como Daniel Beaumont.
Eu nem sei o que dizer. Estou completamente mortificada.
– Eu não deveria...
– Ah claro, toda esta coisa de ele ser seu chefe, sei como pode ser complicado, se mantiver em segredo, ninguém tem nada a ver com isto.
– Se fosse assim tão fácil... – Hannah não tem ideia do quanto minha história com Daniel é complicada. Muito mais difícil de resolver do que um simples caso de estagiária e empregador.
– Não precisa ser complicado – ela sorri animada, com certeza esperando que eu comece a sessão de confissões, eu só retoco o batom e digo que preciso ir trabalhar.
Ela fica visivelmente frustrada, porém não insiste.
Eu volto pra sala e começo a ligar tudo, um tanto irritada. E preocupada.
Se Hannah praticamente nos flagrara, imagina se mais alguém visse? Eu estava realmente fora de mim.
Escuto os passos de Daniel se aproximando e sei que vem confronto pela frente, finjo que estou digitando algo enquanto tento conter as batidas frenéticas do meu coração.
– Que diabos foi aquilo no elevador? – ele pergunta, se inclinando sobre minha mesa.
– Não vou falar sobre isto.
– O diabo que não vai! – seu punho bate na mesa com força, lançando algumas canetas ao chão e eu quase pulo, assustada. – Me desculpe, eu... droga, Anna! Você me atacou naquele maldito elevador e agora está agindo como se nada tivesse acontecido!
– Por favor, não vou falar sobre esse assunto aqui – respondo e finalmente o encaro e, para meu horror, ele tem a boca toda suja de batom. De meu batom vermelho. – Inferno! Olha sua boca – exclamo, abrindo uma gaveta e tirando alguns lenços de papel de lá.
– O quê?
Sem aviso, eu o puxo e passo o lenço por sua boca.
No instante em que me dou conta do que estou fazendo me afasto, vermelha, jogando os lenços no lixo.
– Estava sujo de batom.
Daniel não fala nada, apenas fica ali, passando os dedos pelo cabelo, como se estivesse arquitetando uma nova maneira de abordar o assunto ‘beijo no elevador’.
E eu sinceramente não estou a fim de falar sobre isto. Nem agora. E nem nunca.
Então eu pego o primeiro bloco de anotação que encontro e me levanto pronta para a fuga.
– Eu tenho uma reunião. Estarei na sala do Adam toda a manhã – explico, caminhando decidida para a porta.
Em poucos segundos estou livre e volto a respirar.
Adam me encara surpreso quando entro em sua sala.
– Já está na hora da reunião?
– Não, eu me adiantei. Pensei em repassarmos os dados do processo.
– Claro – ele concorda com um sorriso.
E eu sorrio de volta, satisfeita. Pelo menos por ora eu estava livre de Daniel.
E da vontade insana e perigosa de beijá-lo.
***************
Eu almoço com Hannah naquele dia e passo a tarde com Adam, evitando assim a companhia de Daniel. Obviamente sei que não estarei livre para sempre, por isto, antes de voltar pra sala, passo na recepção e convido Hannah para ir ao cinema. O que ela prontamente aceita.
– Combinado então, eu vou só pegar uns documentos com o Adam.
– Certo, eu te espero na sua sala.
Eu pego os documentos e volto pra sala vendo Daniel me esperando ali.
Assim como Hannah.
– Oi, Daniel – Hannah sorri. – Estou esperando a Anna.
Eu passo por eles pegando meu casaco e bolsa. Posso sentir a consternação de Daniel.
– Sim, percebo – resmunga irritado. – Se não se importa, preciso dar uma palavra com Anna na minha sala antes de ela ir embora.
– Desculpa, Daniel. Eu e a Hannah vamos ao cinema e a sessão começa em vinte minutos. Pode ser amanhã?
– Claro, sem problemas – ele responde friamente, com certeza percebendo minha manobra, não me importo. – Não quero atrapalhar o cinema de vocês. O que vão assistir?
Hannah fala o nome do filme.
– Parece ser bom, acho que vou querer ver também.
– Sim, por que não vem com a gente? – Hannah diz animada e eu arregalo os olhos, horrorizada. – A gente vai ao cinema que fica na rua de trás, nem precisa pegar o carro.
– Sim, por que não? – Daniel responde com uma animação fingida e eu tenho vontade de bater nele. E em Hannah. – Me esperem no saguão, vou só pegar meu casaco.
Eu encaro Hannah, furiosa.
– O que foi? – ela pergunta com falsa inocência enquanto entramos no elevador.
– Por que o convidou?
– Oras, ele disse que queria ver o filme.
– Você fez de propósito.
– Com certeza. Não vejo problemas de Daniel ir com a gente. Ele é legal e é só um filme, Anna, relaxa.
Eu reviro os olhos, ainda irritada. Hannah não faz ideia de onde está me metendo.
– Prontas? – Daniel aparece todo solicito e dá o braço para Hannah.
Eu hesito quando ele me oferece o outro, uma vontade imensa de dar um safanão e mandá-lo ir pro inferno. Me contenho e acabo segurando seu braço, assim como Hannah.
Se alguém me dissesse que meu dia ia acabar desse jeito, eu teria rido histericamente.
– Você gosta de filmes dramáticos, Daniel? – Hannah questiona.
– Sim, eu gosto.
– Eu prefiro comédias. Porém Anna me convenceu a assistir este, disse que estava louca pra ver e que não poderíamos perder.
– Ah é? Então gosta de drama, Anna? – ele pergunta.
– Quem não gosta – resmungo em resposta.
– Eu prefiro rir do que chorar – Hannah diz. – Hoje vou seguir a indicação de Anna, quem sabe não vira um gênero interessante pra mim.
– Se quer ficar por dentro de filmes bons de drama, deveria ver “Ligações Perigosas”. – Daniel diz com uma casualidade que está longe de ser verdadeira, e eu me afasto dele cheia de horror.
Como ele ousava...?
– Do que trata este filme? – Hannah pergunta, alheia à nossa tensão.
– Esquece... Depois eu te falo – Daniel desconversa.
– Não, fala agora. Fiquei curiosa.
– É sobre dois nobres nojentos que jogam com a vida dos outros por vingança e diversão, não importando quem vai sair magoado no final. – O som da minha voz surpreende a mim mesma.
Agora estamos parados em frente ao cinema e Hannah ri.
– Nossa, você conhece este filme também?
– Infelizmente. Então, vamos logo comprar esta droga de ingresso? – continuo, andando na frente deles até a bilheteria para acabar com aquele assunto.
Hannah me arrasta para o banheiro antes de o filme começar e pergunta se está tudo bem.
– Mais ou menos. – resmungo.
– Desculpa se foi má ideia convidar o Daniel pra vir com a gente. Eu achei que iam gostar de se ver fora do escritório e...
– Olha, eu sei o que está pensando, Hannah. Mas não tem nada acontecendo entre mim e Daniel.
– E aquele beijo no elevador foi o quê?
– Nada. Somente um erro estúpido que nunca mais vai acontecer.
– Se você diz...
Não respondo e nós voltamos para a sala sentando uma de cada lado de Daniel. Infelizmente.
Eu mal consigo respirar ou pensar com ele do meu lado e fixo meus olhos na tela.
Quase dou um pulo de susto quando sinto uma mão pousando sobre minha perna.
Eu me viro e o encaro, indignada e furiosa. Ele está olhando para a tela como se nada demais estivesse acontecendo.
Parece demais com o dia em que ele me tocou por debaixo da carteira há oito anos. E por um momento estou tão perturbada que não faço nada, deixando sua mão sobre minha pele. O que é um erro, pois ele claramente se aproveita e arrasta seus dedos pela minha pele coberta pela meia de seda, subindo e se imiscuindo no interior da minha saia. E o arrepio de prazer que sinto com este toque é tão grande que me faz acordar do estupor e afastar sua mão atrevida com um safanão. Meu rosto queimando.
Meu coração explodindo. Meu corpo derretendo.
Sim, eu já não posso negar a mim mesma que o tesão que Daniel causa em mim ainda é o mesmo de oito anos atrás.
Para meu horror e vergonha.
***************
Eu deveria estar dormindo, no entanto estou pensando no desastre que foi o meu dia.
Começando com meu momento de descontrole ao beijar Daniel no elevador e terminando com a tenebrosa constatação de que eu me sentia atraída por ele.
Muito.
E como é que eu pude acreditar que conseguiria passar por aquela experiência de trabalharmos juntos sem me envolver?
Eu fui uma idiota fraca há oito anos o que facilitou e muito o trabalhinho sujo dele pra irmã vingativa.
Será que eu seria uma idiota fraca agora?
Eu não queria ser. Não queria deixar Daniel me vencer novamente.
Não era disto que se tratava todo meu esforço?
Fecho os olhos com força tentando afugentar meus pensamentos. Por hoje pelo menos, mas sou surpreendida pelo som do telefone.
– Alô?
– Anna? – a voz de Daniel enche meu ouvido.
– O que você quer? – minha voz sai fria como gelo, contrastando com o calor que sinto.
– Por que me beijou e fugiu?
Direto ao ponto.
Eu respiro fundo pensando no que responder.
– Espero que não desligue na minha cara, se desligar irei até aí exigir respostas.
– Não pode exigir nada de mim. – murmuro.
– Eu quero apenas saber o que foi aquilo de manhã.
– Foi um erro.
– Erro foi fugir e não o beijo.
– Eu penso diferente.
– Eu quero te beijar de novo.
Mordo os lábios com força para não gemer.
– E não só te beijar. Sabe disto, não é, Anna? Está me deixando maluco e eu só consigo pensar em...
– Chega, Daniel! – eu o corto antes que vá longe demais.
Como se já não estivéssemos longe o bastante.
– Você começou.
– Eu?!
– Sim, eu disse que a deixaria decidir, que o primeiro passo seria seu e você me beijou. Nós começamos algo, Anna.
– Não começamos nada! Eu disse que foi um erro. E eu quero que esqueça.
– Não posso, sinto muito.
– Problema seu, então.
– É assim que pensa? Está sendo hipócrita, Anna. Você quer o mesmo que eu.
– Eu quero ficar longe de você, somente isto. Portanto, esqueça aquele beijo. E me deixe em paz!
– Eu não tenho paz desde o dia em que pisou naquele escritório!
– Então peça demissão, eu não me importo! Eu já disse que o problema é seu!
Escuto sua respiração profunda e frustrada. O que só faz aumentar ainda mais minha própria frustração.
– Tudo bem, Anna. Se é o que você quer, eu vou deixá-la em paz.
E desliga.
Simples assim.
Eu deveria me sentir aliviada.
No entanto eu só me sinto mais frustrada.
Onde diabos eu estava me metendo?
***************
Não estou de bom humor na manhã seguinte.
Depois da ligação inconveniente, dormir tornou-se quase impossível e, quando consegui, acabei sonhando com Daniel.
E não estou falando de pesadelos.
Chego no escritório irritada e rezando para Adam me chamar para qualquer tarefa em sua sala e para eu poder me livrar de Daniel. E estou justamente pensando em alguma desculpa para ir atrás dele quando o envelope com meu nome em cima da mesa me chama atenção.
E ao abri-lo eu perco o ar de surpresa.
É uma meia. Minha.
A mesma que esqueci na casa de Daniel e nem me lembrava mais.
Como...?
Quando eu entendo minha surpresa vira indignação.
– Que diabos significa isto? – jogo o envelope em cima de sua mesa.
– São suas meias que esqueceu na minha casa – Daniel responde simplesmente. – Estou devolvendo.
– Simplesmente devolvendo? Você está me provocando!
– Estou? – ele se levanta, rodeando a mesa. – Não sou eu que provoco aqui, senhorita Nicholls.
– Ah, você está brincando comigo! Está querendo me irritar porque me recuso a entrar no seu joguinho! – estou gritando, não me importo nem um pouco.
Estou furiosa!
– Bom, já que vamos partir para os gritos, melhor eu trancar a porta – ele calmamente caminha até a porta, a trancando.
Um alerta soa em minha mente.
– Abre esta porta – peço, agora amedrontada.
Eu tinha medo de Daniel?
Não. Eu tinha mesmo de mim mesma.
– Não. Não quero que alguém nos flagre tendo uma discussão. Ou quer que todos saibam como nos conhecemos há oito anos?
– Nunca!
– Foi o que pensei. Então melhor continuarmos nossos assuntos com a porta fechada.
– Não quero ter nenhum assunto com você!
– Eu quero. Você acabou de me acusar de fazer joguinhos, quando sabemos muito bem quem está jogando.
– Você não sabe de nada! – sibilo, tentando passar por ele, sou segurada pelos ombros.
– Então me explica.
Seus olhos nublados se prendem em mim. Mergulham nos meus.
E então sou eu que estou me afogando.
Sinto o ar faltar.
– Me solta agora!
Daniel não me solta. Ele me prende mais.
Mais forte.
Estremeço.
– Não – minha voz é quase um sussurro no momento em que percebo que estou presa naquela tensão eletrizante que criamos.
Meu corpo sente o choque e minha pulsação acelera.
– Não! – repito.
Mas é tarde.
Como se fosse em câmera lenta, o vejo abaixar a cabeça até meu pescoço. Sua respiração quente causa arrepios de prazer pelo caminho que ele faz até minha orelha.
– Eu vou foder você, Annalise Nicholls. Agora. Na minha mesa.
Eu teria caído derretida no chão, se ele não estivesse me segurando firme. Deixo meu corpo finalmente tomar as rédeas das minhas ações e me desmancho.
E então ele está me beijando. Forte e intensamente. As mãos descendo por meus quadris, me apertando contra sua óbvia e bem-vinda ereção.
Neste momento nada importa. Eu já não penso em nada. Eu quero apenas sentir.
Já passei tempo demais resistindo. Tempo demais aguentando aquela tortura, quando tudo o que eu que mais queria era estar assim, com meus gemidos sendo engolidos por seus beijos. Nossos quadris se buscando frenética e desesperadamente.
E estou tão envolvida pelo desejo que só percebo que estou sobre sua mesa, quando ele para de me beijar e me encara ofegante. O tempo parece suspenso no ar enquanto nossas respirações se misturam. Sua mão direita toca meus lábios inchados de beijos e a mão esquerda se infiltra dentro da minha saia, sobre a meia 7/8. A excitação em seu olhar ao percebê-las quase me faz gozar ali mesmo.
Com um gemido rouco ele me beija de novo. Puxa meus cabelos. Morde meu pescoço. Acaricia minha calcinha.
Eu gemo, arquejo e grito em resposta querendo mais. Ansiando por mais.
Daniel para por um momento me fazendo encará-lo.
Ele é tão lindo quando olha pra mim assim, todo excitado, que me deixa sem ar.
E aperta meu peito.
Me faz ter vontade de chorar e implorar que ele entre em mim e não saia nunca mais.
– Última chance de dizer não, Anna – ele diz roucamente.
Eu arfo, me sentindo perdida e perigosamente descontrolada.
Eu posso parar e enlouquecer.
Ou posso continuar e enlouquecer do mesmo jeito.
– Inferno, sim – rujo e ele rosna me beijando de novo, os dedos torcendo meus seios por cima da blusa e erguendo minha saia em seguida. Num súbito lampejo de medo, eu me viro de costas.
– Eu quero assim – sussurro, trêmula. Eu não quero olhar pra ele. Tenho medo de que eu possa sentir mais do que aquele desejo louco.
Tenho medo de perder o controle não só do meu corpo, mas da minha mente e do meu coração.
Então eu fecho os olhos e deixo Daniel tirar minha calcinha e me tomar por trás, a força de suas investidas nos fazendo gemer em uníssono enquanto ele bate dentro de mim. Entrando e saindo em movimentos frenéticos e impulsivos. Rápido e com força. Seus gemidos roucos causam arrepios em minha espinha. Aumentam o prazer que já se avoluma no meu interior, prestes a explodir.
E ele me puxa, os dedos apertando, se imiscuindo dentro de minha blusa para apertar meus seios e eu convulsiono num orgasmo explosivo em volta dele que goza, me apertando com força enquanto geme em meu ouvido.
Não sei quanto tempo passamos ali, até nossas respirações voltarem a sair normalmente de nossos pulmões.
Então a realidade cai em mim como uma rocha.
De novo eu tinha transado com Daniel Beaumont.
Aquele mesmo cara que me usou e enganou há oito anos.
Eu luto contra a vontade de me abaixar e começar a bater a cabeça na mesa.
– Pode me soltar? – peço friamente.
Quase impassivelmente.
Ele me deixa ir, dando um passo pra trás.
Arrumo minha roupa rapidamente, escutando ele fazer o mesmo.
– Anna, eu... Sinto muito.
Eu me viro, as mãos ocupadas em arrumar os cabelos, ainda sem encará-lo.
Se eu pudesse não o olhava nunca mais.
– Sente mesmo?
– Sim. Eu sinto. Eu queria você é verdade, só não queria que fosse assim... Da próxima vez...
– Não haverá próxima vez – eu finalmente o encaro. Friamente.
Não importa que em meu íntimo eu ainda sinta pequenos tremores de prazer.
Daniel parece surpreso.
– O que está querendo dizer, Anna?
– O que você ouviu. Não haverá próxima vez.
Eu caminho até a porta e a destranco.
– Não se preocupe. Não vou processá-lo por assédio – digo para irritá-lo.
Para desviar sua atenção de assuntos muito mais perigosos.
Como o fato de que, por mais sujeira que houvesse entre nós, eu ainda era incapaz de dizer não a ele quando de tratava de sexo.
Quão idiota uma pessoa podia ser?
Eu saio de sua sala quase sufocada pela culpa.
– O que você está fazendo aqui? – e quem me espera do outro lado da porta é ninguém menos que Violet Beaumont.
Quatro anos antes
– Por que está dando um gelo no Benjamin?
Reviro os olhos, fechando o livro e encarando Fiona, que me fita com um olhar indignado.
Eu deveria saber que ela viria com este interrogatório mais dias menos dia.
– Não estou - desconverso.
– Está sim! Depois que ficaram naquela festa ele tem andado atrás de você, que o tempo inteiro foge dele! Achei que tivesse curtido.
– O que aconteceu na festa foi legal, mas... Foi só.
– Ah Anna, você não é este tipo de garota que fica com caras em festas!
– Talvez eu seja.
– O Benjamin está apaixonado por você! Por que não dá uma chance?
Eu respiro fundo, desviando o olhar.
Sim, por que mesmo eu estou fugindo de um cara lindo, gentil e que está claramente apaixonado por mim? A resposta é óbvia e vergonhosa. Mas inevitável.
Eu era produto avariado desde que Daniel Beaumont botara suas mãos sujas de vingança em mim.
E o fato de eu ter conseguido esquecer disto e me divertir como qualquer garota comum por algumas horas não fazia o fato desaparecer.
Muito pelo contrário. O dia seguinte foi duro e nauseante, cheio de incertezas e dúvidas.
Se por um lado havia o alívio e até uma certa alegria de saber que eu podia sim ficar com algum cara e gostar, por outro eu me sentia uma fraude. Porque Benjamim não fazia ideia de quem tinha beijado naquela noite. Não tinha ideia do tipo de cicatriz eu carrego.
E o pior de tudo: eu temia demais que ele descobrisse os meus esqueletos dentro do armário. Só de pensar nisto eu já sentia meu estômago embrulhando.
– Anna, olha pra mim. – Fiona pede com sua voz gentil, porém firme. - Olha, sei que não quer ouvir, mas eu sinto que preciso dizer mesmo assim. O Benjamin não é o Daniel Beaumont. Eles não podiam ser mais diferentes.
– Fiona, não!
– Não, eu tenho que dizer, nós duas sabemos muito bem que o motivo de você estar fugindo do Ben! Já chega, Anna. Não pode ficar mais se escondendo. Você só tem 21 anos, e o tempo está passando! Até quando vai deixar o que aconteceu interferir em sua vida?
As palavras de Fiona batem em mim como um chicote, deixando dor por onde passam e eu pisco para afugentar a vontade de chorar.
– Me desculpe – ela pede com um olhar culpado. – Acho que não deveria ter falado deste jeito com você, mas...
– Tudo bem. Você tem razão. Eu realmente fujo de todo mundo por causa do que aconteceu. Eu não sei... Como lidar com isto.
– Apenas esqueça! Eu sei como foi horrível, mas precisa deixar pra lá e viver sua vida.
– Como eu posso deixar alguém se aproximar de mim de novo, com todo aquele lixo na Internet...
– Ninguém sabe de nada. Você mesmo disse que depois do idiota do Joshua Nelson ter te abordado, ninguém mais tocou no assunto. Já faz muito tempo, Anna. Não pode mais ficar se preocupando com isto.
– Acha que eu devo sair de novo com o Ben? – pergunto, insegura.
– Eu acho que sim. Pare de fugir. Ben é um cara legal e está muito a fim de você.
– Eu realmente não sei se vai dar certo...
– E quem é que sabe se algum relacionamento vai dar certo? Dê uma chance e se não der certo, não deu! Você pelo menos tentou.
As palavras de Fiona martelam na minha mente naquela tarde enquanto caminho para meu dormitório. E eu trafego entre a incerteza e a ansiedade.
E, quando meu telefone toca naquela noite e reconheço a voz de Benjamin me convidando para sair, eu não invento uma desculpa qualquer para dizer não.
Desta vez eu digo sim.
Capítulo oito
Agora eu quase sufoco de surpresa.
Uma desagradável surpresa.
Violet Beaumont, no alto de seus cabelos loiros perfeitos e roupas elegantes me encara com o mesmo ódio do passado.
– Violet – Daniel aparece atrás dela com um olhar alarmado e ela o encara enfurecida.
– O que está acontecendo aqui?
– Violet, não deveria estar aqui.
– Ela que não deveria estar! – Violet esbraveja. – Eu sabia que alguma coisa estranha estava acontecendo com você, mas, de todas as coisas que eu podia ter imaginado, esta com certeza nunca me passou pela cabeça! – e ela me encara de novo fora de si, como se o fato de eu estar ali fosse a coisa mais absurda do universo. E eu concordo com ela neste momento. – Posso saber de onde você saiu?
– Violet, chega – Daniel segura seu braço, porém Violet não parece disposta a parar.
– Não, não pode querer que eu ache isto normal! Annalise Nicholls está no seu escritório!
– Sim, eu estou – eu finalmente recupero minha voz. – Eu sou estagiária neste escritório.
Os olhos de Violet se arregalam.
– O quê?
– Violet, chega – Daniel a arrasta para fora da sala antes que Violet continue seu interrogatório.
E eu fico ali, ainda chocada com aquele encontro. E logo após eu ter transado com Daniel.
Eu solto um gemido desalentado e corro pro banheiro para me recompor e ao me olhar no espelho, me pergunto como Violet não sacou o que estava acontecendo naquele escritório antes de ela chegar. Eu estou uma bagunça!
– Em que encrenca se meteu, Anna? – pergunto para mim mesma enquanto ajeito meus cabelos.
Cabelos bagunçados pelos dedos de Daniel. Enquanto estava dentro de mim.
Fecho os olhos, lutando contra o calor que a simples lembrança traz à minha pele.
Abro os olhos novamente quando algo me ocorre.
Nós tínhamos transado sem preservativo.
Meu sangue gela enquanto eu faço contas na minha cabeça, tentando verificar se havia alguma possibilidade... Então eu lembro com horror que não é a primeira vez que isto ocorre.
No chuveiro da casa dele também...
Eu mal consigo respirar por alguns momentos, cogitando possibilidades que não consigo encarar no momento.
Não era possível. Podia não ser nada. Com certeza não era nada.
Eu estava sofrendo a toa. Por uma simples possibilidade que certamente era ridícula.
Respirando fundo, eu acabo de prender meu cabelo e saio do banheiro.
***************
Para minha sorte não há sinal de Daniel ou de Violet quando retorno, então eu trato de correr ou melhor, fugir, para a sala de Adam.
– Oi, pensei que fosse passar a manhã com o Daniel.
– Ele saiu – digo rápido – com a irmã dele.
– Ah, qual delas?
– Violet. Você a conhece? – indago curiosa.
– Sim, vagamente. Muito bonita, embora seja um pouco fresca.
Eu rio daquela observação.
– Bom, já que está aqui, vamos rever os relatórios da audiência que temos à tarde?
– Claro.
***************
Eu consigo me livrar de Daniel pelo resto dia, pedindo para Hannah ajudá-lo com sua agenda e dizendo a Adam que preciso ir pra casa depois da audiência da tarde, o que ele não questiona.
Porém, se eu pensava que estava livre pra sempre, ou pelo menos até o próximo dia de trabalho, estava completamente enganada.
– Daniel Beaumont está aqui. – eu levanto o olhar do livro que leio e encaro Fiona que torce as mãos na porta do meu quarto.
– Está brincando, não é?
– Não. E ele está segurando umas flores, acho que são pra você.
Eu me sento, respirando fundo. E agora?
Pedir para Fiona dispensá-lo?
Ou enfrentá-lo de vez?
O que Daniel quer comigo? Eu me pergunto que explicação ele deu para a irmã dele.
Na verdade, há uma parte sadomasoquista em mim bem curiosa que quer enfrentar Daniel e ver que diabos ele quer de mim, afinal.
Além do óbvio. E que já conseguira naquela sala no escritório hoje de manhã.
– E aí? O que vai fazer? – Fiona pergunta.
– Não sei – digo sinceramente.
– Eu acho que deveriam conversar.
– Acha que vai adiantar alguma coisa?
– Você precisa se decidir, Anna.
– Decidir o quê?
– Se vai levar esta história adiante. Ou vai mandá-lo pro inferno e prosseguir com sua vida.
Sim, Fiona tem razão.
Eu me levanto da cama.
– Tudo bem. Eu vou conversar com ele.
Eu tento conter as batidas do meu coração enquanto caminho até a sala, me dando conta de que estou com o rosto limpo e os pés descalços.
O que isto importa? Não é como se eu estivesse preocupada com a minha aparência para Daniel.
E lá está ele. Ainda lindo, com seu terno impecável. Os cabelos incrivelmente despenteados estendendo um arranjo de flores para mim.
Por um momento eu acho que entrei em algum universo paralelo.
Daniel Beaumont. Na minha sala. Me oferecendo flores.
– São pra você.
– Para que isto? – pergunto friamente.
– Um pedido de desculpas – ele parece inseguro.
Isto me deixa mais segura.
– Por...? – levanto a sobrancelha ironicamente.
– Por hoje cedo. Não quero que pense que eu lamento, apenas... – respira fundo, passando a mão livre pelos cabelos. – Não deveria ter sido daquele jeito. Me desculpe.
Confesso que por isto eu não esperava. Que ele pedisse desculpas pelo o que aconteceu no escritório.
Eu não quero conversar sobre o que aconteceu. De maneira alguma. Este é um terreno perigoso.
Lembrar é perigoso.
Então, querendo acabar logo com aquilo, eu dou um passo em sua direção e pego as flores de sua mão.
– São jasmins – ele explica, enquanto eu as levo ao nariz – jasmins me lembram você.
Eu sinto um aperto no peito. Algo perigosamente parecido com ternura.
Meu estômago embrulha.
Caminho até a cozinha e jogo as flores no lixo e então o encaro.
– Bom, já pediu desculpas, agora pode ir.
– Não precisava ter jogado as flores fora.
Que inferno, ele está magoado?
– Ah não? Eram minhas, você me deu. Eu podia fazer o que quisesse com elas.
“Pelo amor de Deus Daniel, sai da minha vida. E leve com você todo este coquetel de sentimentos confusos que me faz sentir”.
Ele parece não entender a suplica em meu olhar.
– Anna, eu estou aqui para que possamos conversar.
– Não temos nada pra falar.
– Temos sim. O que aconteceu hoje cedo...
– Um erro.
– Ah, claro. Vamos varrer para debaixo do tapete e continuar como se nada tivesse rolado, é isto?
– É assim que deve ser.
– E acha que vamos continuar trabalhando no mesmo escritório como se nada tivesse acontecido? Sem que aconteça de novo?
– Daniel, sinceramente, achei que sua irmãzinha querida tivesse mandando você ficar longe de mim.
Eu não sei por que estou colocando Violet na nossa conversa.
Só sei que eu gosto disto. Falar de Violet me faz lembrar do que aconteceu e o tanto que tinha ferrado com a minha vida.
E me dava forças para continuar odiando Daniel.
– Violet não manda na minha vida – ele diz e eu rio.
– Você quer dizer não manda mais, não é? Porque há oito anos mandava.
– Ótimo, vamos falar sobre o passado.
Ah inferno, eu não queria falar desse assunto.
– Não.
– Por que não? É tudo sobre o passado, não é?
– Não! – minto.
– Claro que é! – ele se aproxima, parecendo furioso. Ótimo. Eu posso lidar com sua raiva. Eu posso me alimentar dela. Só não tenho certeza se consigo lidar com seu lado gentil que me traz flores e pede desculpas. – Por que foge o tempo inteiro? Você me deixa maluco! Uma hora estou fodendo você na minha mesa e em seguida você está fria como o gelo!
– Para! Eu não aguento! – eu me afasto, tapando os ouvidos com a mão como uma criança teimosa. Como se assim pudesse bloquear suas palavras.
– Não posso parar, Anna! Não vê? Não quer falar sobre o passado e tampouco quer falar sobre o presente! Quem não aguenta isto sou eu!
– Então me demite! – eu me sento, abraçando a mim mesma. - Não foi o que sua irmã pediu? Me demita e eu desapareço, Daniel. Tudo estará acabado!
Sim, ele poderia fazer isto.
E tudo teria terminado?
Como eu poderia suportar?
Aquele pensamento me deixa sem ar. Sem vida.
E ao mesmo tempo me enche de alívio. A quem eu queria enganar? Eu já não estava suportando mais.
Ele senta ao meu lado. Eu não tenho forças para me afastar quando ele encosta o rosto em meu cabelo.
Apenas fecho os olhos, lutando contra a vontade de me virar e me abraçar a ele e mandar tudo pro inferno.
No entanto eu já estou no inferno. Há oito anos.
Exatamente pelo o que Daniel me fez.
Como posso esquecer? Somente a recordação daqueles dias me enche de uma dor profunda enraizada dentro de mim. Ela faz parte de mim.
Não tem volta.
– O que eu preciso fazer para você me perdoar? – sua voz não passa de um murmúrio em meu ouvido. - Pra te provar que posso ser um cara melhor?
Por um momento não há nenhum movimento.
Apenas o som de nossas respirações.
Eu pairo ali. Entre a dor antiga e a dor atual.
Entre meu desejo e meu rancor.
Uma vez eu confiei tudo a este cara. E fui traída de um jeito que nunca pensei ser possível.
Perdão?
Não tem como perdoar. Nunca.
Esta constatação me quebra em mil pedaços. Uma vez mais.
E eu que achei que a dor nunca poderia fica pior.
Mas ela ficava.
Eu respiro fundo e finalmente o encaro.
– Nada. Não há nada que você possa fazer.
Por um momento eu sou atingida pela dor no olhar dele.
E me surpreendo com certo regozijo. E isto me assusta.
Eu me levanto, me afastando.
– Melhor ir embora.
Por um momento eu penso que ele vai insistir. Em vez disto, simplesmente se vai.
Eu me arrasto até minha cama e deito no escuro.
Então era isto. O fim.
Agora sei que foi um erro tremendo acreditar que seria capaz de trabalhar com Daniel.
Eu não havia superado nada. Eu ainda me lembrava. Ainda me ressentia e estava cheia de raiva dentro de mim.
E pior: ainda havia aquele desejo que me tornava fraca e tola como no passado.
Não. Eu não poderia mais ficar ali.
Precisava me afastar de Daniel Beaumont.
Para sempre.
Eu teria que pedir demissão.
***************
Eu chego no escritório no dia seguinte insegura de como devo proceder. Porque mesmo que eu saiba o que tenho que fazer, me sinto muito triste de ter que sair daquele emprego.
Apesar de todos os meus problemas com Daniel, eu realmente gosto do meu trabalho.
Quando chego na sala, Daniel não está e eu ligo meu computador mecanicamente.
Depois de alguns minutos escuto passos e ele entra na sala.
Paro de respirar por alguns momentos. Ele me fita apenas brevemente antes de desviar o olhar e seguir para sua sala, murmurando um “bom dia” impassível.
Isto não deveria doer. Mas doeu.
Eu trabalho normalmente a manhã inteira, tentando ajeitar tudo e pensando em como pedir demissão. Na hora do almoço, eu vou até a sala de Daniel, que não falara comigo a manhã inteira.
– Eu vou almoçar, tudo bem?
– Claro. À tarde tenho alguns compromissos fora, fique com Adam, ele vai precisar de você toda a semana.
– Mas... e você? – eu não posso estar lamentando, posso?
– Não se preocupe. O departamento pessoal está contratando outra estagiária. Ela deve começar amanhã – sua voz é fria e profissional e eu fico um tanto chocada, mas me recomponho.
– Claro – digo e saio da sala.
Eu almoço com Hannah, que está por dentro da nova contratação.
– O nome dela é Kate. É bem bonita, embora não pareça tão boa quanto você, sinceramente. E fico me perguntando se não teremos mais uma Lucy, sabe?
Eu não digo nada.
E quando estamos voltando, nos deparamos com Daniel no corredor acompanhado de uma moça loira e bonita.
– É a tal Kate. – Hannah sussurra e eu desvio o rosto. Infelizmente eu já estou com sentimentos ruins quanto à nova estagiária, o que é ridículo.
É Adam quem me conta que a garota foi contratada.
– Deve ficar feliz, vai poder dividir o trabalho.
– Eu não me importo de trabalhar – respondo rispidamente.
– Claro, você é muito competente. Agora vai poder se dedicar mais a outros trabalhos. Acho que vai gostar.
Eu não pergunto o que ele quer dizer, pois estou mais preocupada em tentar sufocar o sentimento ruim que sinto ao imaginar a nova estagiária o tempo inteiro com Daniel.
Mas, eu não ia pedir demissão? Bom, eu podia primeiro treinar esta tal Kate. Ia me sentir menos culpada por estar indo embora.
Afinal, Adam não tinha nada a ver com meus problemas com Daniel.
***************
Eu sou apresentada a Kate no dia seguinte e começo a treiná-la. Ela parece meio avoada e demora para assimilar algumas coisas. Eu tento ter paciência e digo a mim mesma que não me interessa se ela será péssima funcionária ou não.
Em breve eu não estarei mais ali.
Assim os dias passam. Daniel continua me tratando friamente. O que por um lado é um alívio.
Porém, ainda existe um lado meu que se contorce quando ele me trata assim.
Eu não posso lamentar. Eu tenho que superar.
Na sexta à tarde eu sou chamada à sala de Taylor.
– Olá, Anna, sente-se – ele diz e sou surpreendida quando Daniel entra na sala.
– Entre, Daniel, faltava você. Feche a porta.
Daniel senta do meu lado.
– Algum problema? – pergunto preocupada.
Taylor sorri.
– Você está aqui pois foi indicada por um dos sócios, no caso, o Daniel, para ser contratada.
Eu arregalo os olhos.
– Eu? Só trabalho aqui há um mês.
– Daniel passou de advogado a sócio em menos de um ano. Confiamos em sua avaliação. Este garoto sabe ler as pessoas como ninguém!
Eu o encaro em choque.
Que diabos estava acontecendo? Daniel tinha pedido para eu ser promovida?
Por quê?
– Sim, trabalha conosco há pouco tempo, Anna, como está tendo um ótimo desempenho acreditamos que será muito melhor aproveitada. Tem conhecimento demais para ser apenas uma estagiária – ele diz com voz profissional.
– Daniel tem razão, e Adam também concorda. Então, a partir de segunda-feira, terá sua própria sala e já tenho alguns casos para te passar, tudo bem?
– Certo... Tudo bem – balbucio e Taylor nos dispensa.
Eu encaro Daniel no corredor.
– Por que fez isto?
– Porque merece.
– Parece mais que quer se livrar de mim.
– Podia me livrar de você a demitindo e não a promovendo.
– Ainda acho estranho.
– Não tem nenhum interesse escuso, Anna. Você é competente e merece.
– Ei, olha a nova advogada! – Adam surge no corredor e me abraça, cortando minha discussão com Daniel. – Ei, temos que comemorar!
– Desculpa, Adam, hoje não posso...
– Não, não aceito um não como resposta! Vamos...
– Juro que não posso! Tenho um compromisso já marcado – e é verdade. Eu tinha marcado de jantar com Fiona e o namorado.
–Tudo bem, mas faço questão de te levar pra jantar amanhã. Não aceito recusa.
– Ok, está marcado! – eu sorrio.
Adam faz um sinal de vitória e eu me afasto, sem olhar pra Daniel.
E agora, o que eu vou fazer?
Como eu aceitar a promoção, não ia pedir demissão?
Três anos antes.
Eu abro os olhos e vejo uma câmera disparando um flash em minha direção. Sento na cama assustada, puxando o lençol sobre mim, um grito mudo em meus lábios entreabertos, enquanto a pessoa por trás da câmera ri.
– Bom dia, bela adormecida.
– O que diabos está fazendo, Benjamin? – eu pergunto horrorizada.
– Calma, Anna, é apenas uma câmera.
– Isso eu vi, mas por que diabos está tirando fotos minhas?
– Na verdade eu estava tirando fotos da varanda, então aí vi você dormindo e resolvi eternizar – e ele levanta a câmera e tira mais uma foto.
– Para com isto! – estou quase suando frio agora, sem conseguir respirar.
– Ei, querida, calma. – Benjamim põe sua câmera de lado e senta, tentando tocar meu rosto, eu me afasto. – Ei, me desculpa, era só uma brincadeira, não precisa ficar irritada.
E tento respirar.
Claro, Benjamin não faz ideia do que está me assustando.
Benjamim e eu estamos juntos há quase um ano e neste tempo eu já o vi com sua câmera várias vezes. É seu hobby predileto. Nunca ele tinha apontado sua câmera pra mim. Ainda mais quando estou dormindo no apartamento que divide com o namorado da Fiona.
É impossível não comparar esta situação com outra de anos atrás. Aquela em que eu havia confiado em alguém que queria transar comigo apenas para colocar as fotos na Internet.
– Eu não gosto... Que tire foto minhas – eu explico. – Principalmente quando eu não estou vendo.
– Tudo bem. Me desculpa. Não sabia que ia ficar assim – ele toca meu rosto e desta vez eu não me afasto.
– Tá, acho que eu exagerei. Por favor,... não faça mais isto.
Ele sorri e me beija levemente.
– Acho melhor levantar e ir se arrumar. Meus pais não curtem atraso.
Eu me deito de novo, gemendo com uma careta.
– Tenho mesmo que conhecer seus pais?
Benjamin ri.
– Eles vão adorar você.
– Se você diz...
Algumas horas depois Benjamin estaciona seu carro em frente a uma mansão vitoriana toda branca e imponente e eu sinto um tremor de medo.
Obviamente eu sabia que os pais dele eram ricos. O pai dele, Franklin Van der Woodsen, é um político influente e Benjamin me disse algumas vezes que tinha planos para que ele seguisse a mesma carreira.
– E você quer? – eu perguntara.
– Na verdade eu ainda não sei. Por enquanto estou preparado para seguir meu pai somente na carreira de advogado.
Eu nunca havia me preocupado muito com este assunto de futuro. Porque eu nunca acreditei que aquele relacionamento fosse durar. No entanto já se passara um ano e Benjamin estava se formando. Como ainda estamos juntos ele me trouxe para conhecer seus pais.
E eu começo a me sentir incomodada. E assustada.
– Tudo bem? – Benjamin me fita interrogativamente e eu tento sorrir.
– Sim. Vamos entrar.
O almoço transcorre sem problemas. Há uma infinidade de pessoas as quais sou apresentada, das quais jamais vou me lembrar o nome depois e os pais de Benjamin, apesar de assustadoramente elegantes, me tratam educadamente. E eu fico imaginando o que eles estão pensando de mim.
E esta pergunta é respondida mais cedo do que imagino quando o pai de Benjamin me aborda no corredor.
– Olá Annalise, que bom te encontrar sozinha. Eu gostaria de ter uma conversa com você.
– Comigo? – Balbucio, meio perdida. O que o pai de Benjamin poderia querer conversar comigo?
– Sim, por favor – ele faz um gesto para e entrar numa sala e o obedeço, embora minha vontade seja de sair correndo.
Ainda mais quando ele fecha a porta.
Ele não está mais sorrindo.
Eu sinto um calafrio de medo.
– Meu filho a conheceu na universidade, não é?
– Sim – respondo sem entender, afinal, ele já sabia disto.
– E estão namorando há um ano, correto?
– Sim... Senhor, não sei aonde quer chegar, acho que já sabe de tudo isto – digo corajosamente e em resposta ele caminha até sua mesa e abre uma gaveta trancada a chave, retirando de lá um envelope e me entrega.
Eu pego o envelope com as mãos trêmulas e, antes de ver o eu conteúdo, eu já sei do que se trata.
Engulo a ânsia de vomito quando as fotos da Internet de anos atrás se materializam na minha frente.
Eu não consigo falar. Eu não consigo respirar.
Quanto mais levantar meu olhar e encarar Frankin Van der Woodsen.
– Annalise, meu filho tem uma grande carreira pela frente. E claro que assim que ele me contou que estava sério com uma garota, eu precisava me certificar que era a garota certa para ele.
Eu finalmente o encaro cheia de horror. E vergonha.
– Garota certa? – balbucio.
– Eu realmente não esperava ver estas fotos. Benjamin me disse que é uma garota simples de uma cidade pequena. Foi realmente uma surpresa desagradável.
– Eu... Isto... Isto foi há muito tempo... – eu não sei por que estou me defendendo.
– Sim, eu sei. Gostaria que entendesse. Para um político, ter uma esposa com um passado destes...
– Esposa?
– Meu filho pediu o anel da mãe dele. Ele disse que ia te pedir em casamento.
Agora eu sinto minha mente girando de surpresa.
Casamento? Como assim Benjamin ia me pedir em casamento?
– Eu não fazia ideia, eu...
– Quero que entenda que não posso deixar meu filho cometer um erro destes. Se envolver em escândalos não será nada bom para sua carreira. Portanto, Annalise, eu preciso que se afaste dele.
Eu pisco, tentando assimilar toda aquela situação.
Benjamin ia me pedir em casamento, o que por si só, já era um fato totalmente fora da realidade que eu acreditava que estávamos vivendo.
Por causa disso o pai dele havia me investigado e descoberto aquelas fotos horríveis.
E agora, como numa cena de novela ruim, ele pedia para eu me afastar do seu filho.
Eu não sei o que era pior.
De repente algo realmente ruim me ocorre.
– Benjamin sabe...?
– Não. Eu ainda não contei a ele. Eu espero que você decida se vai contar ou não.
– Quando eu terminar com ele? – digo ironicamente.
– Eu acho que você sabe o que tem que fazer. Acredita que o relacionamento de vocês vai durar? Você está realmente disposta a arriscar tudo o que venho construindo para Benjamin, gosta dele o bastante?
Eu fecho os olhos com força.
Claro que eu gostava de Benjamin. Porém, jamais tinha pensado em casamento. Nunca mesmo. Nós nos dávamos bem, eu estava feliz com ele, mas... a vida inteira?
Isto significaria que eu teria que contar a verdade a ele. Toda a verdade. Será que ia aceitar? Ou ia fazer como seu pai e achar que eu ia estragar sua carreira com meu passado escandaloso?
Antes que eu conseguisse responder, uma batida leve na porta nos interrompe e Benjamin entra.
– Ei, se esconderam aqui por quê?
– Estava conhecendo sua namorada melhor – responde o senhor Van der Woodsen.
Benjamin toca meu ombro, me perguntando com um olhar se está realmente tudo bem e eu consigo dar um sorriso amarelo.
– Mamãe está te procurando, pai, e eu e Anna já vamos.
Eu respiro aliviada, colocando o envelope na mesa do senhor Van der Woodsen e acompanhando Benjamin para fora da sala. Depois das devidas despedidas, nós entramos no carro e eu passo o tempo inteiro da viagem de volta remoendo a conversa tensa e surreal com o pai dele.
E, quando Benjamin para o carro em frente ao meu dormitório, eu o encaro seriamente.
Eu havia tomado uma decisão.
– Benjamin... Nós precisamos conversar.
Capítulo nove
– Você está louca? Não pode pedir demissão! – Fiona diz naquela noite depois que eu conto a ela sobre a promoção.
– Eu já tinha decidido. Não quero mais ficar perto do Daniel.
– Já ficou até agora! Como foi promovida, não é mais a estagiária dele.
– Eu não sei...
– Lembra-se do quanto queria este emprego? Dos seus planos? Eles estão acontecendo!
– Foi antes de descobrir que Daniel também trabalha lá!
– Por isto mesmo. Achei que tivesse dito que não ia permitir que Daniel Beaumont a vencesse. Vai desistir de tudo por causa dele?
Eu respiro fundo, absorvendo as suas palavras. Sim, fazia sentido.
Só que Fiona não faz ideia de tudo que rolou entre nós desde então.
– Por que não tenta? Agora que não vai precisar mais ficar tão próxima dele, pode dar certo. E quem sabe você finalmente supere tudo que aconteceu de uma vez por todas?
Será?
Será que eu consigo?
Ela estaciona o carro em frente ao restaurante que marcamos com Brian e saltamos.
Quando entramos, ela segura minha mão e eu a encaro. Está apreensiva.
– Não me mate.
– O que foi?
– Brian convidou o Benjamin pra este jantar.
Eu me viro e o vejo.
Meu ex-namorado está sentado à mesa com o namorado de Fiona.
– Fiona, não devia...
– Não seja boba. Ele queria muito te ver e eu sabia que você ia arranjar alguma desculpa.
– Isto não vai dar certo...
– Acalme-se. Ele não tem raiva de você, vai por mim.
E ela me arrasta na direção da mesa.
Benjamin me lança um sorriso apreensivo.
– Oi, Anna.
– Oi, Benjamin.
Ele não mudou muito nos três anos que não nos vemos. Os mesmos olhos azuis expressivos e cabelos castanhos bem cortados. E eu me pergunto se ele realmente não tem nenhum ressentimento pelo jeito que eu terminara nosso relacionamento.
Nós sentamos à mesa e um silêncio estranho se instala até que Fiona o quebra.
– Anna foi promovida.
– Sério? – Brian indaga.
– Sim, ela é a mais nova advogada da firma em que trabalha! E só está trabalhando há pouco mais de um mês, não é o máximo?
– Parabéns, Anna! – Brian sorri, apertando minha mão.
– Sim, está de parabéns. Sempre soube que você iria longe. – Benjamin diz e eu fico sem graça.
Aquele reencontro está sendo bem esquisito.
– Temos que comemorar! – Fiona diz empolgada.
– Claro, vamos pedir champanhe. – Brian completa.
– E então, Benjamin, ainda mora em Nova York? – Fiona pergunta.
– Sim, por enquanto.
– Ele recebeu uma proposta aqui na cidade. – Brian diz me lançando um olhar e eu reviro os olhos.
Não é possível que eles achavam que ainda havia alguma chance pra Benjamin e eu.
– Eu estou estudando. Meu pai quer que eu volte pra Vermont.
– Claro, seu velho sempre teve esperança que você seguisse a carreira política – Brian acrescenta.
Benjamin ri.
– Não sei se é pra mim.
– Seu pai tinha certeza que era – eu digo e quase mordo a língua.
– Meu pai nunca mandou nas minhas escolhas – Benjamin diz com ironia.
E eu entendo agora que ele sabe da conversa que seu pai teve comigo.
Será que ele sabe sobre aquelas fotos? Eu ainda sinto meu estômago embrulhar ao pensar nisto.
– Vamos pedir – Fiona quebra o silêncio tenso e Brian começa um assunto neutro.
Assim a noite prossegue sem atropelos. E, por um momento, é como há quatro anos, quando saíamos em encontros duplos pela noite de New Haven.
Eu quase sinto uma nostalgia. E me pergunto como teria sido a minha vida se eu e Benjamin não tivéssemos terminado.
Será que eu seria feliz? Será que eu ainda guardaria todo aquele rancor dentro de mim?
Ou aquele desejo proibido por Daniel Beaumont?
Isto eu nunca saberia.
– Vamos pedir a conta? – Fiona pergunta, depois de comermos a sobremesa. – Amanhã tenho que acordar cedo e a Anna também.
– Claro, vamos embora. – Brian concorda e Fiona pede licença pra ir ao banheiro.
Brian a segue.
Eu me vejo sozinha com Benjamin.
Ele me encara seriamente.
– Como você está, Anna?
Eu dou de ombros.
– Estou bem.
– Não parece bem pra mim.
Eu mordo os lábios, incomodada.
Esta mania de tentar me ler que parecia um cuidado terno quando namorávamos agora me incomodava.
– Apenas cansaço.
– Você é feliz?
– Por que não seria? – retruco rápido.
Ele respira fundo.
– Meu pai me falou sobre as fotos, Anna.
Eu desvio o olhar suando frio.
– Eu sabia que havia algo errado quando terminou comigo sem mais nem menos e desconfiei que era obra do meu pai.
– Eu não terminei com você por causa do seu pai.
– Você tinha medo por causa daquelas fotos.
– Acha pouco? – questiono amarga.
– Eu imagino como se sente em relação a isto.
– Não faz ideia.
– Estava errada em deduzir que eu não ia te querer por causa daquilo.
– Não tem mais importância agora, Benjamin. Então, não quero mais falar sobre isto. Ficou no passado.
– Eu queria conversar com você. Acho que nunca fomos sinceros um com o outro realmente...
– Não, não temos nada pra falar.
– Anna, por favor. Eu vou ficar na cidade por mais um tempo...
– Eu sinto muito Benjamin, mas realmente não quero mais falar sobre esse assunto.
E, para meu alívio, Fiona e Brian aparecem e nós vamos embora.
– E aí? – Fiona pergunta no carro.
– E aí nada.
– Mas...
– Ele quer conversar... Ele sabe sobre as fotos.
– Isto é bom, não é?
– Não é nada! – eu bufo irritada – não tem a menor importância.
– Acho que deviam conversar... quem sabe...
– Quem sabe nada! Não viaja, Fiona. Eu já tenho problemas demais para ter que me preocupar com o Benjamin também.
***************
Adam me liga na tarde seguinte e diz que vai me levar pra jantar.
Eu penso em recusar, depois decido que talvez seja uma boa. Sair e me distrair.
E parar de pensar em Daniel, Benjamin e o passado.
Então eu me arrumo e Adam me pega no sábado à noite, todo animado.
Animado até demais. E eu começo a me arrepender de ter aceitado, afinal, agora eu não sou mais uma estagiária.
E não há nada que o impeça de tentar algo comigo.
Pelo menos enquanto jantamos, ele não tenta nada, mas quando estamos no carro, eu não reconheço o caminho da minha casa.
– Aonde vamos? – pergunto apreensiva.
Ele me lança um sorriso.
– Poxa, esqueci de te avisar, vamos dar uma passada na casa dos Beaumont.
– O quê? – eu arregalo os olhos.
– Hoje é aniversário do Daniel e fui convidado.
– Como? Eu não sabia!
– Não? Pensei que tinham convidado todo mundo.
Claro que os Beaumont não iriam me convidar!
Eu tento achar um jeito de convencer Adam a dar meia volta, quando reconheço o caminho da casa dos Beaumont.
Meu estômago revira.
– Não se preocupe, não vamos demorar. Uma passada rápida por educação, dar os parabéns ao Daniel e depois... – ele sorri e toca meu joelho. – A noite é nossa.
Oh. Oh.
Onde eu tinha me metido?
Meu estômago está ainda mais embrulhado quando Adam segura minha mão me guiando para a porta da casa magnífica dos Beaumont. E é exatamente como eu me lembrava.
Faz quase oito anos que eu não piso ali, mas ainda me sinto a mesma garota inadequada e ansiosa de antes. A diferença é que agora eu sei exatamente onde estou pisando.
A porta se abre e vejo o sorriso congelado no rosto de Charlotte Beaumont.
– Olá! – Adam sorri, aparentemente alheio à toda tensão.
E logo atrás dela, para completar meu horror, estão todos os Beaumont. Igualmente paralisados.
Porém, eu só tenho olhos pra uma pessoa. E ele não parece congelado. Seus olhos estão vagando por mim, como se tivessem raio-x e param em minhas mãos. Que estão entrelaçadas com as de Adam.
– É... Oi. – Charlotte diz, completamente aturdida. – Adam e...
– Anna. – Adam se adianta, entrando me puxando pela mão, antes que eu tenha chance de sair correndo. – Esta é Annalise Nicholls, nossa nova colega de trabalho, ela gosta de ser chamada de Anna...
– Oi... Anna. – Charlotte murmura, hesitando por um instante, antes de se aproximar e dar dois beijos no meu rosto. Charlotte não é boa atriz, embora esteja se esforçando, Adam parece não perceber o silêncio desconfortável dos presentes no hall.
– Cadê o aniversariante? – Adam se vira pra Daniel e solta minha mão para abraçá-lo. – Parabéns, cara! Como sempre a festa parece estar demais, hein! – ele se vira pra mim. – Você precisa ver, Anna, as festas dos Beaumont são as melhores da cidade!
– Isto é verdade! – Charlotte diz sorrindo forçadamente enquanto se agarra ao braço de Owen.
Vejo Violet sussurrando em seu ouvido, enquanto Adam tece mais alguns comentários sobre as festas dos Beaumont, que eu mal consigo ouvir. No momento estou me perguntando quando algum Beaumont vai acabar com toda aquela encenação e chamará os seguranças com rottweilers pra me pôr pra fora.
– Eu disse para a Anna hoje durante nosso jantar que ela precisava vir comigo, que ia se divertir. Ninguém pode perder uma festa destas! – Adam continua todo entusiasmado, passando o braço por meus ombros. – Ela não queria vir! Falou que não tinha sido convidada e estas coisas, eu disse que não havia problema, claro! Com certeza por ela ser nova na empresa, foi deixada de fora do convite para o pessoal do escritório...
– Claro que foi isto – Charlotte diz, ainda com o sorriso de plástico no rosto.
Ah sim, e eu acredito!
– Eu falei pra ela que seria uma ótima maneira de terminar nossa noite, comemorando o aniversário do Daniel!
– Claro, ótima noite – Charlotte concorda e prevejo, por seu olhar curioso, a pergunta que ela vai fazer em seguida. – E vocês... Estão juntos?
– Não – desta vez eu e Adam respondemos ao mesmo tempo, todavia, ele junta a negativa a um aperto em meu ombro, todo sorrisos. E fica claro que ninguém acreditou em nosso não.
Eu tento não me aborrecer, afinal, não devo nenhuma satisfação àquela família. Muito menos ao cara que agora nos fuzila com o olhar.
– Nós fomos jantar para comemorar a promoção da Anna, agora ela é oficialmente uma advogada e não mais uma estagiária. – Adam explica.
– Nossa, tão rápido? – Charlotte comenta e tenho certeza que sua mente está trabalhando rápido, se perguntando como eu consegui.
– Sim, convenientemente rápido. – Violet murmura mordazmente e bem baixo, tanto que, aparentemente, Adam nem escutou. E pela primeira vez eu fixo o olhar em sua figura perfeita.
E eu sinto as vibrações de ódio em minha direção.
– Ei, por que ainda estão na porta? – os pais de Daniel aparecem e eu me pergunto se aquela noite poderia ficar pior?
– Olá Lydia, Caleb – Adam sorri. – Quero que conheçam Anna Nicholls, nossa amiga do escritório.
Lydia então me reconhece e fica mortalmente pálida. Caleb Beaumont parece mais controlado, embora também um pouco chocado.
– Olá, Anna. Bem-vinda a nossa casa.
Violet solta um resmungo irritado, Elton faz um “shi”, tentando contê-la.
Charlotte parece aflita, mas ainda mantém o sorriso forçado.
Eu estaria me divertindo com a tensão deles, que beira o ridículo, se não estivesse mais preocupada em pensar numa desculpa para sair de fininho daquele fiasco.
– Sim, seja bem-vinda. – Lydia se adianta e, para meu assombro, me cumprimenta segurando meus ombros e depositando um beijo no meu rosto, depois se vira para as filhas – Charlotte, Violet, os convidados estão precisando de atenção.
– Claro! – Charlotte parece feliz em se afastar quase correndo, seguida de Owen, enquanto Violet é praticamente arrastada pelo namorado.
Ufa, me livrei de um pedaço da tensão. A maior dela continua ali, em forma de um par de olhos verdes que dardejam animosidade em minha direção. Ou talvez animosidade não seja a palavra correta. Acho que é mais uma frustração furiosa.
E, por um momento insano, eu tenho vontade de me aproximar, tocar seu braço, encará-lo e explicar que Adam e eu somos apenas amigos e...
E o quê? Que loucura era aquela agora? Não devia nenhuma satisfação a Daniel Beaumont!
– E vocês, fiquem à vontade. – Lydia diz para nós toda educada e se afasta também com o marido.
E agora estamos só eu, Adam e Daniel no hall de entrada.
– Bom Anna, vamos circular e deixar o Daniel receber os convidados! - Adam segura minha mão. – A gente se vê por aí, não queremos monopolizá-lo. – E bate nas costas de Daniel, me puxando para dentro da festa.
Para um simples convidado, eu passaria por mais uma convidada me divertindo. Por fora eu sorrio e pego as bebidas que Adam me oferece, enquanto percorremos os ambientes belamente decorados da casa dos Beaumont repletos de gente fina e bonita como eles.
Por dentro eu estou gritando. E louca para fugir das lembranças que me acometem simplesmente por estar ali.
Foi naquela casa que eu beijei Daniel pela primeira vez. E foi onde eu fiz sexo com ele achando que estávamos apaixonados, quando ele queria somente me expor.
Adam toca meu rosto.
– Ei, está tudo bem?
Eu engulo a bile de puro rancor que embola minha garganta e tento sorrir.
– Acho que já bebi demais.
Ele sorri malicioso se encostando mais em mim.
– Não quero que beba demais, senão nossa noite pode não acabar bem.
Eu dou um passo atrás, me desvencilhando dele.
– Acho que preciso ir ao banheiro, tudo bem?
– Claro. Eu te espero aqui. Acho que vi a Hannah e o Dominic, vou cumprimentá-los.
Eu respiro aliviada ao me livrar dele e me apresso a sair do burburinho. Não faço ideia de onde seja o banheiro, então reconheço a porta do escritório. Eu me lembro de ter estado ali com Daniel para fazermos aquele relatório.
O relatório que eu nunca fiz porque estava muito ocupada enfiando minha língua na garganta de Daniel.
Não quero entrar ali, mas pelo menos sei que poderei fugir e respirar sozinha por um instante.
E agora, o que eu faço? Posso pedir a Adam para irmos embora, como sei que ele espera que esta noite acabe com nós dois juntos numa cama ou algo assim, acredito que não seja uma boa ideia. Definitivamente, agora mais do que nunca, eu sei que não estou preparada pra isto.
Pego meu celular e vejo uma mensagem de Tyler. Isto me faz sorrir. Ele pergunta simplesmente se estou bem e eu me vejo desejando que as coisas fossem iguais a antigamente entre nós. Assim, eu poderia dizer a ele a enrascada em que eu estou metida.
– Anna?
Eu ergo o olhar e vejo Daniel diante de mim.
Meu coração para de bater por alguns segundos, voltando a funcionar depois com força total.
Eu me levanto pronta pra fugir, guardando o celular na bolsa.
Porém Daniel está fechando a porta atrás de si.
– O que faz aqui, Anna? – pergunta, em face de meu silêncio.
– Não é uma festa? – dou de ombros.
– Sabe o que quis dizer. Nunca imaginei que viria de livre e espontânea vontade em uma festa na minha casa.
– Oh, acha que estou curtindo estar aqui? – não disfarço o sarcasmo.
– Por que veio então? Para me afrontar? Pra me provocar?
– Não seja idiota! Acha que tudo o que eu faço é para atingir você? Você não é tão importante assim, Daniel!
– E que importância eu tenho pra você então?
– Não sei qual a relevância desta pergunta.
– Eu quero entender o que faz aqui. Num lugar cheio de gente que odeia.
– Que eu odeio? Acho que seria o contrário, não é? Sua família que me odeia. Ainda não sei como não chamaram a polícia para me pôr pra fora!
– Não seja absurda, nós nunca faríamos isto.
– Aposto que a ideia passou pela cabeça de sua querida irmã.
– Se tinha certeza que não a queríamos aqui, por que veio?
– Adam pediu.
– Ah sim, seu namoradinho Adam.
– Ele não é meu “namoradinho” – nego, mais rápido do que deveria.
– Já dormiram juntos?
A pergunta me enfurece e eu me vejo gritando.
– Não é da sua conta!
– Ele sabe que fizemos sexo na minha sala?
Inferno, por que ele tem que lembrar disto, quando tudo o que eu quero é esquecer?
– Disse bem, sexo. Que não significou nada!
– Nada? Talvez ele não pense assim...
– Teria coragem de contar a ele? – não posso acreditar que Daniel está me ameaçando. – Você é muito baixo, aliás, eu deveria esperar este tipo de coisa de você, não é Daniel?
– Não fale assim... Eu...
– Não falar assim? Você é idiota, Daniel. E tem razão, eu não deveria estar aqui, neste lugar, com sua família desprezível...
De repente a porta é aberta e Violet Beaumont nos encara.
– O que está acontecendo?
– Vá embora, Violet – Daniel rosna entredentes.
Violet está olhando pra mim.
– Você é mesmo muito cara de pau não é? Ter a coragem de aparecer aqui na minha casa e...
– E o quê? Manchar sua mansão intocável com a minha presença? – rebato, cheia de ironia. Me dando conta que estou farta de aguentar as garras de Violet Beaumont cravadas em mim como esteve há oito anos.
– O quê? Está colocando as garrinhas de fora? Veio nos provocar? Ou é uma destas garotas masoquistas que gostam de ser maltratadas e veio implorar pro Daniel te comer de novo?
Meu punho fechado está no rosto bonito de Violet antes que eu me dê conta do que estou fazendo.
Eu mal consigo respirar, tamanha é minha raiva, enquanto ela cai pra trás como em câmera lenta.
– Oh! Sua... – Violet está caída no chão com a mão no olho. Estupefata e furiosa.
Eu parto pra cima dela, incapaz de conter minha súbita violência, Daniel segura meus ombros.
– Ei, pare, Anna.
– Me solta! – eu me desprendo de suas mãos.
– Sua... Vadia! – Violet cospe as palavras, passando a mão pelo rosto que com certeza terá uma mancha roxa muito em breve.
– Cala a boca! – grito. – Meu Deus, você é ridícula, é... patética e digna de pena! Você merece isto e muito mais, mas, não vou perder meu tempo com uma pessoa como você!
– Então some da minha casa!
– Com prazer!
Eu passo por eles e saio da sala, pisando firme, apesar da tremedeira pós-ataque de violência.
Deus, eu tinha mesmo batido em Violet Beaumont?
Antes que me desse conta, estou novamente na sala cheia de gente e Adam me cerca, colocando uma taça em minhas mãos.
Eu a pego e viro tudo, pois minha garganta está seca.
– Nossa, isto não é água, Anna – ele ri.
– Não importa. Me consegue outro? – e, sem esperar, eu pego uma taça da bandeja do garçom que passa por mim.
Adam me encara, agora meio preocupado.
– Onde estava?
Eu dou de ombros.
– Eu disse, fui ao banheiro.
– Não, você sumiu e eu pedi que Hannah a procurasse e ela disse que foi em todos os banheiros e não te encontrou.
– Eu estava numa sala vazia... Precisava respirar.
– Você estava com Daniel?
A pergunta assim como a desconfiança da sua voz me pega desprevenida.
– Por que eu estaria com ele?
– É só... Eu ando pensando nisto às vezes. Em como esta animosidade que emana de vocês parece estranha, parece...
– Parece o quê?
– Parece... tensão sexual – ele diz meio vermelho e em seguida dá uma risadinha nervosa. – Me desculpe, estou viajando, não é?
E enquanto ele me encara, esperando uma resposta do tipo “claro que está!”, eu percebo que não quero mais mentir.
Ou ao menos posso contar meia verdade. Adam merece isto.
– Não está viajando – digo, acabando com o restante de champanhe na minha taça.
O sorriso de Adam se desfaz.
– Você está transando com Daniel – é uma constatação e eu sei que minha expressão me denuncia.
– Adam, eu... – tento tocar seu braço e ele se afasta, irritado.
– Há quanto tempo isto está rolando?
– Não é o que está pensando...
– E o que é então?
– É complicado.
– Isto eu sei. Você podia ter me contado que estava mirando peixes maiores.
Falando deste jeito ele me faz parecer suja e eu me encolho.
– Você não sabe de nada – rebato.
– Me desculpe, eu não quis... Droga Anna! Eu estava realmente a fim de você! Se não ia querer nada comigo, se já estava saindo com o Beaumont...
– Não estamos saindo.
– Não estou entendendo...
– Não é... um caso.
– E o que é?
Eu me pergunto como posso explicar.
– Eu conheço o Daniel desde os 17 anos.
– Oh...
– Sim, e... nós temos... uma história – digo, como se fosse apenas um namoro de adolescente. Adam não precisa saber de tudo. – E eu nem sabia que ia trabalhar com ele, fui pega de surpresa...
– E estão se pegando em nome dos velhos tempos?
– Não é bem assim, é... complicado... – eu respiro fundo. – Me desculpa. Eu sei como deve estar se sentindo e eu estou te contando justamente porque você é um cara legal. E eu... toda esta história com o Daniel, já está sendo demais pra eu administrar.
– Então, isto é um fora?
– É – confirmo.
Ele parece triste. E ainda com raiva.
Ao longe eu vejo Hannah nos olhando curiosa. Adam acompanha meu olhar.
– Acho que Hannah quer falar com você. – digo. – Ela é uma garota legal.
Agora ele fica vermelho.
– Olha, não foi nada sério, eu...
– Tudo bem. Não me deve nenhuma explicação. Acho que devia mesmo ir conversar com ela. Acredito que ela gosta de você mais do que admite.
Ele apenas acena e se afasta.
Eu pego mais uma bebida.
Preciso ir embora, mas me sinto tonta e sem rumo.
Oh, inferno, estou bêbada! Que se dane! Eu quero mesmo é beber bastante e, assim como Daniel fez aquela noite em que transamos no seu banheiro, esquecer esta noite arruinada.
Pego mais uma taça de champanhe e depois outra. Até que perco a conta e, trançando os pés, sento na varanda dos Beaumont, me sentindo miserável e perdida.
E muito bêbada.
– Anna?
Levanto o olhar e Daniel está me encarando.
– Inferno, Anna – ele senta ao meu lado e toca meu rosto.
Seu olhar preocupado me dá vontade rir. E é o que eu faço.
– Daniel...
– Anna, você está bêbada.
– A bebida é boa, pelo menos isto nesta festa...
– Cadê o Adam?
– Não sei...
– Como não sabe? Ele te deixou sozinha assim?
– Acho que ele foi embora. Parece que ele ficou bravo comigo.
– Bravo com você?
– Eu contei a ele sobre nós...
– Contou?
– Ele estava começando a ficar desconfiado... quem se importa? Sabia que ele transava com a Hannah? Acho que eles foram embora juntos...
– Por isso bebeu tanto?
– Não. Eu nem sei por que estou bebendo – rio, passando a mão por meus cabelos e olho a taça vazia na minha outra mão. – Pode me arranjar mais?
– Não, já bebeu demais.
– Certo, acho que é melhor eu ir embora... – me levanto, ignorando como meu corpo parece pesado e, quando me desequilibro, as mãos de Daniel estão ali para me sustentar.
Eu respiro fundo e sinto seu cheiro familiar. Me intoxico um pouco mais.
E o beijo. Quero sentir seu gosto em minha língua.
Apenas roço meus lábios nos dele, enfraquecida pelo álcool e pelo o que sua proximidade causa em mim.
Mesmo assim, eu passo a língua sobre meus lábios, sentindo-o ainda ali.
Suas mãos me apertam. Eu não me importo.
– Acho que estou realmente bêbada... Porque eu quero que você me leve pra casa. – murmuro, abaixando minha cabeça para apoiá-la em seu ombro. – Me leva pra casa, Daniel?
Eu oscilo entre a consciência e o sono, enquanto Daniel me carrega pro seu apartamento, pelo menos é onde acho que estamos, quando ele me põe no chão e parece com raiva de alguma coisa.
– Por que está bravo? – indago confusa e ele sorri, colocando uma mecha de meu cabelo atrás da orelha. Seu toque me arrepia, assim como seu sorriso.
Tão lindo...
– Estou bravo comigo mesmo, não com você.
– Ah... – bocejo. – E eu estou com sono.
– Tudo bem, vamos pôr você pra dormir.
No minuto seguinte ele desaparece.
Eu olho para a cama e me parece bem convidativa. Sem pensar muito, eu tiro meu vestido e me livro dos sapatos, me arrastando sob os lençóis frios e fechando os olhos.
Acordo de repente e, por um momento, não sei onde estou.
Abro os olhos e na penumbra vislumbro um quarto estranho. Um lençol me cobre e alguém ressona do meu lado.
Então eu me lembro. Estou com Daniel.
Fragmentos da noite desde a festa dançam desconexos na minha mente e eu suspiro.
Tanta coisa tinha acontecido e, mesmo assim, parecia a anos-luz de distância, enquanto estou ali, vendo Daniel dormir.
E por um momento eu me dou conta de que não gostaria de estar em outro lugar.
É tão assustador quanto libertador.
E quando ele acorda e crava seus olhos verdes em mim cheios de perguntas, eu não falo nada.
Não respondo nada.
Palavras entre nós só servem pra ferir.
Então por que falar?
– Não fala nada – eu sussurro, colocando os dedos em sua boca.
Ele não fala. Em vez disto, segura minha mão e beija meu pulso, que acelera.
Sua outra mão se infiltra em meus cabelos e, no segundo seguinte, sua boca está sobre a minha.
E esqueço o passado sombrio, o presente confuso e o futuro incerto, enquanto sua boca desbrava a minha em mil beijos perfeitos e nossas mãos se buscam, os corpos se enroscando como as duas partes de um todo.
Eu posso culpar a bebida amanhã. Eu certamente farei isto.
E me arrependerei também. Porém nesse momento, estou além de qualquer controle.
***************
Acordo com dor de cabeça e um braço masculino em cima do meu peito.
Antes de abrir os olhos, eu sei a quem pertence.
E por isto mesmo eu reluto em abrir os olhos, voltar para a realidade e encarar o que eu fiz.
De novo.
Sim, como previ ontem, eu posso culpar a bebida. Apesar de saber que é apenas uma desculpa esfarrapada.
Por que diabos eu não tive amnésia como Daniel? Seria tudo tão mais fácil...
Infelizmente eu não tenho tanta sorte assim.
Suspirando, eu abro os olhos e me desvencilho com cuidado dos braços de Daniel que dorme tranquilamente de bruços e não acorda quando eu saio da cama de fininho.
Há uma camisa sua em cima da cadeira e eu a coloco, pois meu vestido da noite anterior não está à vista.
Caminho para fora do quarto e vejo pelas grandes janelas da sala a chuva cair em Seattle.
Sento no sofá e abraço meus joelhos, me sentindo mais confusa do que nunca.
Eu deveria me levantar e sumir dali, antes que Daniel acorde. Aliás, eu deveria mesmo era ter fugido correndo quando o vi naquele escritório.
Eu não fugi. Eu fiquei e encarei. Deveria me sentir orgulhosa de mim mesma, mas ao contrário, eu só me sentia mais fraca do que nunca.
Do que adiantaria eu levantar daquele sofá e fugir correndo se eu sabia que de certa forma era tarde demais? Eu já tinha feito coisas das quais me arrependeria pra sempre.
Eu tinha me envolvido de novo com Daniel Beaumont.
Esta constatação causa um misto de vergonha e revolta dentro de mim. E meu estômago revira perigosamente. Um medo gelado me faz suar frio e me abraçar com mais força.
Como eu ia sair daquela enrascada agora?
– Achei que tivesse partido – escuto a voz de Daniel e levanto o olhar.
Ele está parado no corredor. Veste apenas a calça de pijama e os cabelos estão desgrenhados. Sinto um nó no estômago, mas é diferente agora.
Agora são como borboletas.
– Anna, tudo bem?
– Está chovendo – eu olho para a janela, me obrigando a ficar impassível. Controlável.
Porque seria fácil demais me levantar e me enroscar no seu corpo morno e mandar tudo pro inferno.
Já fiz isto uma vez, não é? Exatamente oito anos atrás. E veja como terminou.
– Você quer ir embora? Está arrependida? Está com raiva de mim por ontem à noite? – ele pergunta, cheio de frustração.
Bem-vindo ao clube!
Eu o encaro e, ver a confusão no seu olhar, me faz ficar mais tranquila. Com se isto nos tornasse companheiros de infortúnio.
E de repente eu quero parar de pensar. Parar de racionalizar em como aquilo vai terminar.
Eu já sei que vai terminar mal.
Então por que sofrer com antecedência?
– Na verdade eu estou com fome – digo, e percebo que é verdade.
Meu estômago está roncando tanto que eu sinto até um pouco de tontura e enjoo.
– Eu vou preparar algo para você comer. – Daniel parece aliviado com minha resposta.
Sem dizer nada, eu o sigo até a cozinha e sento à mesa. Ele prepara ovos, como da outra vez, e eu os devoro.
E agora? Eu me pergunto quando termino.
Ele vai querer conversar? Virá novamente com o mesmo papo na minha casa sobre perdão, esquecer o passado e tudo o mais?
Espero sinceramente que não.
Eu posso até estar um tanto quanto desencanada por ter transado com ele, porém não a ponto de esquecer o que fez.
Não sei se isto faz sentido, também não quero analisar neste momento.
– O que quer fazer agora? – ele sonda com cuidado.
Eu empurro o prato.
– Acho que preciso de um banho.
Sim, coisas triviais. Normais.
– Certo.
Eu saio da cozinha e vou pro seu banheiro. Estar ali me faz lembrar um pouco “daquela noite” e eu fecho os olhos, deixando as lembranças virem livres, enquanto a água quente cai sobre mim.
E quando abro os olhos, Daniel diante de mim.
Lindo e nu. Como nas minhas lembranças.
O desejo me apunhala, me enfraquecendo, me aquecendo, e eu me pergunto sem ar se isto um dia vai passar.
– Posso? – pergunta, com aquele sorriso nos lábios perfeitos que causa estragos em meu íntimo e no minuto seguinte, estes mesmos lábios estão distribuindo beijos molhados por meu rosto, meu pescoço, meus ombros e eu derreto nele, suspirando de prazer. Os dedos castigando seus cabelos molhados, enquanto os dedos dele puxam meu mamilo.
Gemo alto e ele engole meus gemidos com um beijo profundo.
– Isto. – dizemos juntos e ele morde meus lábios, a mão descendo por meu ventre que estremece em expectativa, até que seus dedos se infiltram no meio das minhas pernas, me acariciando longamente. Perversamente. Profundamente.
Mal consigo me manter de pé, meu corpo já registrando pequenos tremores de prazer puro e simples.
– Quero fazer amor com você aqui – murmura, sua voz deliciosamente rouca em meu ouvido, porém eu me afasto a tempo.
Ontem à noite nós transamos com preservativo. E é assim que tem que ser. Não posso mais dar chance ao acaso.
– Não...
Ele me encara confuso.
– Não?
– Não aqui...
– Claro, não sem preservativo. Tem razão. – Ele entende e me beija devagar, antes de desligar o chuveiro e, sem perda de tempo, me leva pra cama, espalhando beijos por meu corpo molhado, os dentes castigando meus mamilos, descendo por meu ventre, contornando meu umbigo, eu me contorço e o puxo pelos cabelos.
– Agora...por favor.
– Sim... - ele pega um preservativo e o coloca rapidamente.
Nossos corpos ainda molhados se encaixam facilmente. Rápido e com força. Várias vezes. Eu grito embaixo dele e me deixo levar, até que um orgasmo alucinante me tira do ar e Daniel geme meu nome em meu ouvido, desabando em cima de mim, ofegante.
– Anna? – ele me chama depois de um momento e eu abro os olhos. – Tudo bem?
– Sim – respondo.
Ele sonda meu rosto e eu me sinto incomodada, apesar de ainda sentir pequenos tremores em meu corpo amolecido.
– Anna, nós não usamos preservativo no meu escritório – ele diz de repente e eu gelo.
– Não – concordo simplesmente.
Seu olhar está preso no meu e eu quase vejo as engrenagens em sua cabeça girando até que ele chega à conclusão óbvia.
Àquela da qual estou fugindo, porque com certeza é apenas uma possibilidade remota.
Tem que ser.
Ele sai de cima de mim e desaparece no banheiro por um momento.
Eu puxo o lençol sobre mim quando Daniel volta ao quarto.
Seus olhos estão cheios de tormenta.
– Existe alguma possibilidade de você poder estar... grávida?
Eu dou de ombros, escondendo meu medo bem fundo.
– Acho que sim, não é? É um risco.
Daniel me encara num silêncio tenso e então caminha até a cama e se senta à minha frente.
– Anna, quer casar comigo?
Alguns meses antes
Estar de volta em Olímpia é animador e desesperador ao mesmo tempo.
Meu tempo de faculdade terminou. Mas ainda não sei o que farei da minha vida.
Michael está adorando me ter em casa novamente. Disse que posso ficar até quando bem entender, obviamente eu não posso ficar ali pra sempre. Tenho que arrumar um emprego e ir cuidar da minha vida.
– Eu encaminhei seu currículo para as melhores firmas de Seattle, Anna. – Fiona me diz ao telefone naquela tarde chuvosa e eu sinto uma pontada na barriga à menção daquela cidade. Ela está realmente feliz em me ajudar e até disse que, se eu conseguir um emprego em Seattle, podemos dividir o apartamento.
Parece promissor e divertido. Adoro Fiona, porém, voltar pra Seattle? Eu sinto calafrios de medo só de me imaginar lá.
E, secretamente, rezo para arranjar um emprego em qualquer cidade do mundo, menos naquele lugar.
Eu e Fiona conversamos mais um pouco e eu desligo depois de me dar conta de que a tarde está findando e eu planejo fazer o jantar de Michael. Ela ri, dizendo que Michael está ficando mal acostumado e que ela ficará feliz de me ter na casa dela fazendo o jantar sempre, pois é péssima cozinheira.
Eu ainda estou sorrindo quando escuto batidas na porta e me pergunto se é Tyler. Nós nos encontramos algumas vezes depois que voltei, há algumas semanas, no entanto, as coisas não são mais as mesmas entre nós, já que ele está namorando Ellen Martinez e desconfio seriamente que ela não vai muito com a minha cara. Então ando evitando-o um pouco para não lhe causar problemas.
Não é Tyler que está na minha porta.
É Tom.
– Oi, Anna – ele sorri. O mesmo sorriso charmoso que me lembro bem da época em que casou com minha mãe.
Agora eu sei o quanto aquele charme esconde um caráter falho, pra dizer o mínimo.
– O que você está fazendo aqui? – Indago chocada com sua presença em Olímpia e, de repente eu me pergunto se minha mãe está com ele e sinto uma pontada de dor no peito. Há muito tempo nós não nos vemos. E não posso negar que, apesar de todo rancor, eu sinto saudade.
– Minha mãe...?
– Não, sua mãe está em Miami. Eu vim sozinho.
– Não entendo o que está fazendo aqui – se eu não queria papo nem com a minha mãe, imagina com o marido dela que era o causador indireto de todos os meus problemas.
– Eu vim conversar com você.
– Não temos nada pra falar.
– Por favor, Anna. É serio. É sobre sua mãe.
Eu me desarmo um pouco. Bom, ele já está ali, então é melhor ouvir o que tem a dizer.
– Certo, entre.
Alguns minutos depois estamos na mesa da cozinha da minha casa e eu fui educada o suficiente para lhe fazer um chá.
– E então, o que está fazendo aqui em Olímpia e sem a minha mãe?
– Sua mãe me chutou.
–O quê?
– Nós estamos nos divorciando. Na verdade, as coisas já estão ruins há algum tempo, desde...
– Desde a vingança de Violet Beaumont – completo com amargor.
– Sim, desde que aquela vaca ferrou minha vida.
– Violet Beaumont pode até ser uma vaca vingativa, mas você mereceu.
– Não mereci nada! Ela é uma louca! Olha só o que fez com você!
Eu respiro fundo, já me arrependendo de ter entrado naquele assunto.
– Não quero falar sobre o passado. E sim de agora. Você e minha mãe estão mesmo se divorciando? – Eu não consigo deixar de sentir alegria com esta notícia.
Será que minha mãe finalmente tinha criado juízo?
– Sim, nós tentamos todo este tempo, mas... Aquela vadia envenenou tudo! A começar pela minha carreira. Eu nunca mais consegui um time de primeira, só times de segunda divisão, sua mãe teve que voltar a trabalhar... Tudo ruiu. E nosso casamento também.
– Eu acho que minha mãe deveria ter se livrado de você há muito tempo.
– E você ia gostar, não é? Acho que é uma vadiazinha tão vingativa quanto a Violet Beaumont.
Eu empalideço.
– Saia da minha casa – digo, tremendo.
– Não, me desculpe – ele fala rápido, passando a mão pelos cabelos. – Não devia ter dito isto, eu ainda fico furioso...
– Olha, Tom, eu não entendo o que está fazendo aqui. Veio só me contar que minha mãe e você estão se separando? Uma hora eu iria ficar sabendo.
E agora eu me perguntava por que minha mãe não tinha me contado.
– Será? Você mal fala com a sua mãe!
– Por sua causa! – rebato. – Ela escolheu você e me deixou!
– Não seja mimada! O mundo não gira em torno de você, eu era o marido de Stella!
– Um marido que a traía com garotinhas mal saídas das fraldas!
De repente ele sorri com uma maldade que me deixa arrepiada.
– O que é, Anna? Por que este rancor todo? Tem ciúmes? É isto?
Meu estômago dá uma volta inteira ao me dar conta do que ele está insinuando e me levanto quase de um pulo.
– Saia daqui! Você é nojento!
Ele também se levanta.
– Ei, era brincadeira...
– Não, não era e nós sabemos! Você é doente e minha mãe fez muito bem em se livrar de você!
– Não! Stella não pode me pôr pra fora da vida dela desse jeito! Droga! Eu tentei convencê-la estes anos todos a processar aqueles malditos Beaumont! Podíamos ganhar uma grana boa e começar de novo.
– O quê?
– Sim. - ele sorri quase esperançoso. – Por isto estou aqui. Você também foi sacaneada por eles. Podemos processá-los e...
– Está louco? Faz oito anos!
– Sim, mas ainda podemos ferrar com eles! Podemos ameaçá-los com um processo, conseguir um acordo, eles têm muito dinheiro.
– Você enlouqueceu se acha que vou concordar com isto!
– Por que não? Você mais do que ninguém deveria querer os Beaumont pagando pelo o que lhe fizeram, aquele Daniel Beaumont te comeu apenas para pôr aquelas fotos na Internet...
Eu não penso duas vezes antes de dar um tapa na cara de Tom, que me encara surpreso e com ódio.
– Não devia ter feito isto! Eu estou aqui para nos unirmos e nos ajudarmos...
Eu caminho até a porta da cozinha e a abro, tremendo.
– Saia daqui, agora!
– Não, você tem que me escutar...
– Se não sair eu vou ligar pro meu pai!
Ele finalmente parece ceder e caminha até a porta, me encarando antes de sair.
– Bom, você está sendo uma vaca egoísta, mas acredito que gostaria de saber que sua mãe está doente.
– O quê?
–Stella foi diagnosticada com câncer há alguns meses.
E sem mais, Tom caminha até seu carro alugado, me deixando estupefata para trás.
Capítulo dez
Meu coração para por um momento inexplicável enquanto o pedido de Daniel reverbera no meu ouvido.
– Você está louco? – é só o que eu consigo dizer, esperando que ele vá rir e dizer que tudo não passa de uma piada de mau gosto.
Ele apenas me encara nos olhos, muito sério.
– Estou falando sério, Anna.
Oh Meu Deus!
Isto não está acontecendo.
Incapaz de continuar olhando pra ele, escondo o rosto entre as mãos, lutando contra a falta de ar.
Como se já não fosse problema suficiente esta fraqueza horrível que eu tenho em relação a ele quando devia odiá-lo até a morte, agora Daniel está diante de mim me pedindo pra casar com ele.
Eu simplesmente não consigo mais lidar com nada disto.
Pulo da cama, disposta a colocar a maior distância possível entre mim e sua proposta absurda.
– Por que está fazendo isto? É... Absurdo! É... sem sentido... Eu e você... casamento!
– Há muito sentido. Se você estiver grávida, nada mais importa, Anna.
– Não disse que estava grávida! – grito.
– Você disse que era uma possibilidade.
– Sim, uma possibilidade! E não uma certeza pra você vir com esta ideia de casamento!
– E se você estiver?
– Não estou!
– Você disse que há possibilidade!
– Pare de falar isto! Eu não estou grávida! Não posso estar! Seria...
Eu nem consigo definir como seria se esta possibilidade se concretizasse.
– Seria uma segunda chance para nós – Daniel diz calmamente.
Eu me viro lentamente pra ele, chocada.
– Segunda chance? Não há segunda chance para nós, Daniel! Nunca houve nenhuma chance!
– Sempre pode haver...
– Não! Acha que simplesmente vamos esquecer o que aconteceu há oito anos nos casar e tudo vai ficar bem?
– Eu acho que sim.
– Você não se lembra do que eu disse dias atrás? Nunca vai rolar nada entre nós!
– E o que está acontecendo? O que aconteceu ontem à noite? O que aconteceu hoje de manhã, ou no meu escritório?
– Para! – tapo os ouvidos com a mão. – Chega! – Eu não preciso que Daniel jogue na minha cara o quão idiota eu sou.
– Você pode até dizer que não há nada entre nós, mas há tudo, Anna. Nós não estamos aqui à toa. E se você estiver grávida, não posso deixá-la ir. Nós já perdemos tempo demais. Oito anos, Anna...
– E de quem é a culpa? – O amargor antigo doura minhas palavras, no entanto Daniel não recua.
– Minha, eu sei. Acha que eu não me atormento todo dia?
– E no meu tormento, você não pensa?
– Sim, eu penso. E eu sinto muito.
– Desculpas nunca vão apagar o que aconteceu.
– Podemos recomeçar. Eu quero recomeçar, Anna. Eu quero você... Eu amo você.
Eu recebo sua declaração como um soco no peito.
– Não.
– Sim, eu amo.
Eu paraliso.
E ficamos ali nos encarando por um momento infinito e, por um instante, eu sinto que Daniel se arrepende do que disse.
Ele devia se arrepender mesmo, porque estas palavras, tão esperadas por mim há oito anos, hoje só me causam uma dor profunda.
Será que ele acha mesmo que eu consigo simplesmente acreditar e aceitar?
Será que ele não entende que há uma parte de mim que teme que seja somente mais uma mentira como aquelas que ele contou há oito anos?
O pior talvez nem seja isto. O pior é aquela outra parte. A parte que quer acreditar, que sente o coração disparando no peito ansioso e feliz.
A parte que ainda ama Daniel também.
Um nó horrível fecha minha garganta e eu engulo tudo. Vou entrar em colapso a qualquer momento. Preciso muito sair dali. O mais rápido possível.
Fecho os olhos e respiro fundo conjurando forças e, quando volto a fitar Daniel, é a Anna impassível e fria que.
– Eu vou embora.
Temo que Daniel tente me impedir, ele apenas assente.
– Sua roupa está no banheiro. Eu vou levá-la pra casa.
– Não, só chame um táxi.
Ele não discute e se afasta. Me deixando sozinha.
Minha máscara quer cair, mas eu sei que preciso mantê-la um pouco mais ali.
Alguns minutos depois eu saio do quarto. Usando o mesmo vestido preto de ontem e com os sapatos nas mãos.
Daniel abre a porta.
– O táxi já está esperando.
Eu passo por ele sem encará-lo. Ele me segue até o elevador.
O tempo parece se arrastar e ao mesmo tempo passa muito rápido. Enquanto estamos esperando o elevador chegar eu temo e anseio que Daniel me pare.
E continue a tentar me convencer. O elevador chega e ele me deixa ir.
Eu o fito finalmente.
– Adeus, Daniel.
– A gente se vê amanhã – ele responde antes de as portas se fecharem.
Eu me pergunto se terei forças para isto amanhã.
Estou um trapo humano quando chego em casa e Fiona está ali para me carregar para a cama, esperar eu chorar e acabar contando tudo o que aconteceu.
– Ele disse que ama você? – Fiona pergunta e o fato de ela ficar interessada justamente nisto, me irrita.
– Como se eu acreditasse! – resmungo, fungando.
– Que motivos ele teria pra mentir pra você agora?
– Eu não sei. Pra me levar pra cama.
– Você já estava na cama dele, Anna. – Fiona diz com cuidado e eu desvio o olhar, envergonhada.
Sim ela tem razão.
Daniel não precisava nem inventar nada pra conseguir isto de mim.
– Olha... – Fiona volta a falar, ainda em tom cuidadoso. – Eu sei bem o que aconteceu. Eu estava lá. E sei também que o Daniel foi um filho da puta e você teve toda razão de odiá-lo. Mas... Ao mesmo tempo... Passaram-se oito anos, Anna. E desde que você começou a trabalhar com ele, Daniel não faz outra coisa a não ser correr atrás de você. Ele não precisava fazer isto se não tivesse muito interesse. Não precisa ser gênio pra deduzir que a irmã dele deve te detestar ainda e vai saber o que a família pensa. Apesar de tudo isso, ele te pediu em casamento!
Eu refuto as palavras de Fiona na minha mente. Bem lá no fundo, eu sei que fazem algum sentido.
O que, em vez de me confortar, me deixa pior.
– Então, o que eu quero dizer. – Fiona continua. – É que talvez devesse pensar bem e... dar uma chance ao Daniel.
– Eu dei uma chance a ele uma vez e passei oito anos me arrependendo – digo amargamente.
– Você tem medo...
– E não é pra ter? Ele me enganou! E por causa da irmã dele! Só de pensar nisto, me deixa cheia de raiva de novo, mesmo depois de tanto tempo! Como posso passar por cima de tudo e simplesmente casar com ele? Acha que há alguma chance de a gente ser feliz? Nunca vai acontecer! Eu quero distância do Daniel e da família dele!
– E o que vai fazer se estiver grávida?
– Eu não estou! – grito e pulo da cama, dando aquela conversa por encerrada ao me trancar no banheiro.
Eu consigo sair de lá meia hora depois e Fiona não insiste mais no assunto.
No dia seguinte e só vou trabalhar porque sou uma profissional e assumi aquele compromisso.
Eu só não sei se o manterei por muito tempo. Com Daniel por perto, será impossível.
E a primeira pessoa que entra na minha nova sala é Adam.
– Bom dia – ele diz, meio ressabiado.
– Oi, entra – eu digo também sem saber como agir depois da nossa conversa na festa do Daniel.
– Oi, eu tenho aquela audiência que estávamos trabalhando na semana passada agora de manhã e queria saber se você pode ir comigo para me ajudar já que conhece o caso. Kate não seria de nenhuma ajuda neste caso.
– Claro – digo.
– Certo, daqui vinte minutos nos encontramos lá embaixo?
– Ok.
Seria assim de agora em diante? Somente conversas formais de trabalho? Eu fico um tanto chateada e ao mesmo tempo aliviada.
O alívio não dura muito. Passamos a manhã trabalhando e ele me convida pra almoçar, e é lá que ele pergunta sobre Daniel e eu, ainda com ressentimento na voz.
– Você e o Daniel estão juntos?
Eu mordo os lábios, incomodada.
O que responder? “Não, não estamos. Eu apenas passei algumas horas na cama dele neste fim de semana e ele me pediu em casamento. Tirando isto, não tem nada rolando”.
– Olha, Adam, me desculpe, não acho que seja da sua conta – respondo ríspida e ele fica vermelho.
– Certo. Tem razão. Me desculpe – ele sorri. – Eu gosto de você, Anna. É uma profissional incrível e eu queria que fôssemos amigos. Pode ser?
Bom, por que não?
Eu sorrio de volta.
– Claro que sim.
***************
Depois deste início embaraçoso o almoço transcorre de forma amigável e é quase como antes, o que me deixa aliviada. Eu já tenho problemas demais para lidar com Daniel, não preciso ter problemas com Adam.
E é justamente Daniel que nós avistamos no corredor quando chegamos. Eu estava indo para a sala de Taylor, pois Hannah me avisara que ele queria falar comigo.
– Ei, Daniel. – Adam o cumprimenta comedidamente.
Meu coração parece que vai sair pela boca.
– Oi, Adam... Anna. – Daniel nos fita impassível. – Senti falta de vocês por aqui hoje. – comenta.
– Anna me ajudou numa audiência. Acho que não poderei contar com a ajuda dela em breve, não é? Taylor já pediu que ela vá até a sala dele, deve ser pra passar seus novos casos.
– Sim, e eu estou indo pra lá agora – digo, louca pra fugir.
– Anna – Daniel me chama, mas eu prossigo.
E ainda estou tentando me acalmar, quando entro na sala de Taylor.
– O senhor queria falar comigo?
– Olá Anna, sente-se. – Taylor parece mais sério do que o habitual ou seria... mais grave?
Sinto um calafrio de medo ao me sentar e então meu medo se torna real quando ele coloca as fotos na minha frente.
E eu sinto que vou morrer.
O passado havia me alcançado de novo.
Eu não sei direito como consegui passar por toda vergonha da conversa com Taylor, que parecia já estar a par de todo o ocorrido, eu saio cambaleando da sala depois que ele me dispensa, após, milagrosamente, não ter me demitido e corro para o banheiro mais próximo, me agachando defronte a um vaso e vomitando todo meu almoço.
Vomitando toda a minha vergonha.
E é assim que Daniel me encontra. Estou tão fraca e transtornada com tudo, que deixo que ele me ajude.
– Eu sinto muito, Anna... Sinto tanto... – ele diz, enquanto limpa meu rosto.
Eu abraço a mim mesma, me sentindo tão mal como há muito não me sentia.
– Acho que eu devia ter previsto, não é? Nunca vai sumir... – soluço, sem me conter.
– Vou levá-la daqui – Daniel segura meu braço firmemente me conduzindo pelos corredores, até o elevador.
Eu poderia impedi-lo, mas, pra quê?
Em vista de tudo o que Taylor descobriu. E o fato de aquela historia sórdida ter chegado ao meu trabalho, meus problemas com Daniel até perdem um pouco de sua importância.
Mais do que nunca eu tenho a impressão horrível de que jamais vou me livrar daquilo.
Jamais.
Estou sentada no meu sofá, toda encolhida, querendo morrer.
Sei que Daniel não deveria estar ali, mas não tenho forças para mandá-lo embora.
– Eu não deveria ter deixado você enfrentar Taylor sozinha... – diz, se aproximando.
– De que iria adiantar sua presença?
– Está tudo bem. Eu conversei com ele, expliquei que a culpa não é sua...
– Acha que isto muda alguma coisa? Sou eu naquelas fotos! – eu o encaro com raiva.
Olhar pra ele me faz lembrar da culpa que lhe cabe no meu infortúnio.
E isto me deixa com tanta raiva... E a raiva me faz bem agora.
– Estou nelas também.
– Isto nunca te afetou! Nem dá pra ver que é você direito! Não te afetou naquela época e duvido que vá te prejudicar agora!
– Você não será prejudicada.
– Taylor me disse.
– O que ele disse?
– Ele me mostrou as malditas fotos. Disse que foi Lucy quem as conseguiu... Eu devia prever que ela queria me ferrar.
– O quê?
– Lucy me procurou há alguns dias, estava meio descontrolada e gritando impropérios. Eu consegui contê-la e disse pra não me procurar mais. Ela está com raiva de mim por ter te defendido naquele caso de assédio.
– Devia ter me contado, poderíamos tê-la parado...
– E daí se a parássemos? Estas porcarias de fotos nunca vão sumir! Agora foi a Lucy, como poderia ser qualquer pessoa...
– Não é tão fácil assim. Lucy teve ajuda profissional. Estas fotos foram retiradas dos sites há tempos.
– Não importa... Elas sempre poderão voltar para me assombrar. E pensar que Taylor viu...
– Eu sei que é horrível. Mas Taylor está sob controle. Ele entende que a culpa não foi sua.
– O que disse a ele? Eu achei que ele ia me demitir. E seria justo.
– Eu disse que se ele demitisse você, teria que me demitir também.
– E ele não quer te demitir, não é?
– Não.
– Ainda não entendo por que me manter lá, eu nem sei se quero ficar depois disto...
Daniel se aproxima e segura minhas mãos.
– Você vai ficar.
– Acha que me sinto à vontade depois do que aconteceu? E depois... Ainda tem você... Eu deveria ter ido embora no exato instante em que te encontrei lá... – desabafo.
– Mas não foi. E estamos juntos agora, Anna.
E lá vem ele de novo. Como se não bastassem todos os problemas das malditas fotos!
Eu tento puxar a mão, mas ele segura com mais força.
–Não estamos – digo, como para afirmar isto a mim mesma.
E em resposta Daniel faz algo totalmente inesperado. Ele tira um anel de noivado do bolso e coloca no meu dedo.
–O que significa isto?
– Eu disse a Taylor que estamos noivos.
– O quê?
– Isto ajudou muito. Torna tudo mais... Aceitável.
Eu olho pro anel no meu dedo em choque e depois pra Daniel.
– Anna, por favor. Fique comigo. Eu sei que errei muito no passado. Sei que muitas coisas aconteceram, mas eu quero consertar. Não quero que você perca seu trabalho por isto. Não posso deixar que toda aquela sujeira de oito anos atrás nos alcance agora te prejudicando de alguma maneira.
– E acha que por isto devemos nos casar?
– Eu amo você, Anna.
Não, Daniel, não faz isto comigo – eu quero gritar, quando finalmente me afasto.
Olho pro anel em meu dedo. Penso nas palavras de Fiona.
Penso nas palavras de Daniel.
E penso naquelas fotos na mesa de Taylor.
E então volto pra Daniel, tirando o anel do meu dedo.
– Não posso.
– Anna, por favor...
– Não podemos ficar juntos, Daniel. Nisto sua irmã Violet tem razão. Não vê o absurdo da situação?
Ele se levanta, segura o anel e pega minha mão, o colocando lá e a fechando sobre ele.
– Eu não vou desistir. Eu sei que isto parece absurdo neste momento. Mas não é. Você e eu temos que ficar juntos, Anna.
– Não temos – eu tento me afastar do poder de sua convicção, Daniel segura meu rosto.
Seus olhos verdes se cravam em mim.
– Diga olhando nos meus olhos que não sente nada. Que nunca sentiu. Que o fim de semana não significou nada. E eu vou embora pra sempre, Anna.
– Eu queria dizer, infelizmente não posso – sussurro vencida e ele me beija.
Eu me afogo nele.
Derreto com aquele contato tão necessário de nossos corpos.
Por um momento perdido no tempo eu deixo de lutar. De algum lugar dentro de mim, vem a certeza de que não adianta nada continuar correndo dele.
Ele sempre me alcança.
Eu tenho vontade de chorar quando ele segura minha mão e recoloca o anel no meu dedo.
– Não diga nada.
– Eu vou esperar. Não responda agora. Eu preciso mostrar pra você que pode dar certo. Eu vou provar pra você.
Eu fico em silêncio olhando o anel. Mil sentimentos se digladiando dentro de mim.
Como aquilo aconteceu? Num minuto eu estava devolvendo o anel a ele, convicta de que nada ia dar certo entre nós e, no instante seguinte, eu o estava beijando como se minha vida dependesse disto e... voilà! O anel voltou ao meu dedo!
Eu suspiro cansadamente.
– Não vou conseguir que vá embora, não é?
Ele sorri e acaricia meus cabelos.
– Não. Nunca.
– Tudo bem. Por enquanto – digo, quase vencida. Não necessariamente convencida.
– Onde está sua amiga Fiona? – Daniel pergunta.
– Ela ia sair com o noivo hoje.
– Você podia fazer o mesmo e sair com o seu noivo.
Eu rolo os olhos, ignorando um certo frio na barriga quando ele diz “seu noivo”.
– Ok, foi uma brincadeira – ele ri. O que intensifica o frio na minha barriga. – Deve estar com fome. Ou ainda não melhorou?
– Sinto-me melhor, só não sei se consigo comer...
– Precisa comer. Eu vou conseguir alguma coisa para alimentar você – ele pega as chaves do carro. – Vai ficar bem sozinha?
– Não precisa voltar. Eu estou bem e me viro – insisto, preocupada com outras coisas caso ele insista em ficar por perto.
Daniel apenas sorri e vai embora.
Enquanto ele está fora, eu me debato entre querer que ele não apareça mais e a vontade de que ele volte.
E ainda estou em meio àquela confusão mental, quando abro os olhos no chuveiro e o vejo na minha frente, nu e lindo.
– Não me expulse – ele pede rápido. – Acho que preciso de um banho também.
Meu olhar desce para sua ereção óbvia. Sinto meu próprio corpo esquentando nos lugares certos.
– Banho?
Ele sorri, meio vermelho, dando de ombros.
– Não acho que transar agora vá ajudar alguma coisa – afirmo, como se pra mim mesma, dando um passo atrás.
– Não precisamos transar.
Eu o encaro com descrença.
– Talvez só mudar a água para o gelado – ele sorri daquele jeito delicioso, se aproximando, e eu acabo me contagiando e sorrindo também, mas o empurro.
– Então saia daqui, não vou tomar banho gelado com você.
Em resposta ele passa os braços a minha volta, me beijando.
– Não, quero apenas ficar com você. Deixa eu cuidar de você.
Eu sei que me perdi naquele momento.
Daniel me serve a sopa depois do banho e eu reconheço a mesma sopa que ele me trouxe da outra vez.
– É a mesma sopa da sua mãe? – indago incomodada.
– Sim, é.
– E ela sabe que é pra mim desta vez?
– Ela sabe que estou numa campanha para te convencer a casar comigo.
Falar sobre o pedido de casamento me faz voltar dolorosamente à realidade. Desde nosso interlúdio sexy no banheiro, eu estava relaxada e quase adorando viver aquele momento de tranquilidade.
A quem eu estou tentando enganar?
– Ela sabe? E o que ela pensa sobre o assunto? – pergunto seriamente.
Ele dá de ombros.
– Minha mãe se preocupa, é óbvio, mas ela apoiará o que eu decidir.
– E Violet? Ela sabe que quer casar comigo? – eu sei que não deveria estar falando sobre esse assunto, porém não resisto.
– Minha família não tem nada a ver com minhas decisões.
– Eles me odeiam.
Daniel passa os dedos pelos cabelos, como se pensando no que responder e eu continuo.
– Já passou por sua cabeça que talvez eu os odeie também?
Daniel se aproxima e segura meu rosto.
– Você me odeia, Anna?
Eu engulo em seco.
Sim, eu o odeio?
Se me perguntassem dois meses atrás, eu diria sem hesitação nenhuma que sim.
E agora como posso responder?
De repente o telefone toca, quebrando nosso silêncio e eu me afasto, pegando o celular e, quando vejo da onde é, eu vou atender na sala.
– Oi, mãe.
– Não é sua mãe – eu reconheço imediatamente a voz de Tom.
Por que diabos Tom está ligando pra mim do telefone da minha mãe?
– O que está acontecendo, cadê minha mãe?
– Ela está no hospital.
– O quê? – eu sinto minhas pernas fracas e me sento.
– Ela piorou e tivemos que interná-la.
– E o que você está fazendo aí?
– Alguém tinha que cuidar dela, devia me agradecer por estar por perto!
Eu respiro fundo.
– Não se preocupe mais com isto. Eu estou indo para Miami. E quando eu chegar aí, quero você bem longe, entendeu?
Eu desligo antes que ele responda.
– Anna, o que foi? – Daniel se aproxima preocupado e eu enxugo o rosto rapidamente.
– Nada...
– Como assim nada? Por que está chorando? Quem era no telefone?
– Ninguém.
Ele tenta me tocar, eu me afasto.
– Acho melhor você ir.
– Não, não vou deixar você assim.
– Eu estou pedindo que vá.
– Quem era no telefone? – insiste.
– Não é da sua conta! Daniel, por favor. Eu quero que vá. Eu agradeço a sopa e tudo mais, mas... Quero ficar sozinha.
Daniel hesita, porém acaba concordando.
– Tudo bem, Anna. Eu vou. – ele se aproxima e beija minha testa.
– Nos vemos amanhã no escritório?
Eu sacudo a cabeça afirmativamente, mesmo sabendo que não é verdade.
Depois que Daniel sai, eu começo a fazer minha mala, ignorando o remorso por ter negligenciado minha mãe e a preocupação alarmante por Tom ter se aproximado novamente.
E a culpa é minha, claro. Eu sei que é.
Estava tão envolvida com meus problemas com Daniel que deixei os problemas com minha mãe pra depois.
Eu realmente achava que a doença estava sob controle. Eu a visitara em Miami depois de Tom ter ido me atormentar em Olímpia. Nossa conversa foi difícil e tensa como sempre e ela confirmou que pedira o divórcio a Tom porque o pegara traindo-a de novo.
Eu não resisti e joguei na cara dela que tudo isto podia ter sido evitado se ela tivesse se livrado de Tom oito anos atrás, ou melhor ainda, quando descobriu o que ele havia feito com Violet.
E no fim, eu saí de lá do mesmo jeito que havia chegado.
E agora ela estava doente de novo. E Tom, sabe Deus como, está com ela.
Eu acabo de arrumar minha mala e procuro meu telefone pra ligar pra Fiona e avisar que estou indo pra Miami, quando a campainha toca. Por um momento eu penso que pode ser Daniel e me surpreendo com a vontade imensa que eu sinto de deixá-lo entrar e contar tudo a ele.
Mas não é Daniel que está na minha porta.
É Benjamin.
– Oi, Anna.
– Benjamin? O que faz aqui?
– Eu sei que deveria ter te avisado antes de vir... – ele dá de ombros. - Eu queria muito conversar com você.
– Eu não posso agora – digo.
– Oh... Estou te atrapalhando? - ele me mede. – Está de saída?
– Sim, na verdade estou indo viajar.
Ele franze a testa.
– Eu estava com a Fiona e Brian e eles não me disseram nada sobre isto.
– Porque eles não sabem. Eu estava ligando pra Fiona para avisar. Eu recebi uma ligação de Miami e...
– Miami? Onde mora sua mãe?
– Sim, ela está hospitalizada.
– Nossa, Anna, sinto muito. Há algo que eu posso fazer pra ajudar?
– Na verdade você pode ir chamando um táxi pra mim, enquanto ligo pra Fiona?
– Não, eu te levo ao aeroporto.
– Tudo bem, obrigada.
Eu ligo rapidamente pra Fiona e explico o que aconteceu.
– Hum, entendi, sinto muito Anna. E olha, eu acho que o Benjamin estava indo pra aí, ele disse que queira conversar com você, desculpa, eu disse que ele podia, mas...
– Tudo bem, ele está aqui, acabou de chegar e na verdade vai me dar uma carona para o aeroporto.
– Certo. Me liga quando chegar lá.
– Pode deixar.
***************
Benjamin pergunta qual o problema da minha mãe quando estamos no carro.
– Se não quiser falar, não precisa - ele diz rapidamente.
– Não, tudo bem. Ela tem câncer.
– Sinto muito, Anna. E está muito mal?
– Na verdade eu não sei. Eu não a vejo há meses e...
– Eu sempre achei que você tinha um relacionamento distante com a sua mãe. Na época eu não entendia, depois...
– Sim, foi por causa do que aconteceu...
– Ela ficou muito brava?
Mordo os lábios com força. Benjamin não faz ideia do que realmente aconteceu naquela época a não ser que eu tive fotos sexuais postadas na Internet. Ele não sabe por que realmente aquelas fotos foram parar lá.
E por um momento eu tenho vontade de contar tudo a ele.
Talvez eu deva isto a ele.
Porém este não é o momento.
Ele para o carro em frente ao aeroporto e salta comigo, apesar de eu dizer que não precisa, fica comigo esperando até que chamem meu voo.
– Olha, Benjamin. Eu acho que tem razão. Vamos conversar. Mas este não é o momento certo.
– Tudo bem, eu espero o tempo que for. Se precisar de alguma coisa...
– Eu te procuro, pode deixar. Muito obrigada – eu o abraço rapidamente e sigo para pegar o avião.
Benjamin é um cara legal.
Talvez eu tivesse sido feliz com ele, afinal.
Mas isto, eu nunca saberia.
**************
O sol está quente quando chego em Miami.
E eu me sinto apreensiva quando vou direto para o hospital e lá chegando, sou levada ao quarto da minha mãe, que felizmente está lúcida e segundo a enfermeira, em processo de melhora.
Stella está pálida e abatida quando me aproximo da cama.
– Filha.
– Oi, Mãe – digo, pegando sua mão.
– Oh, não acredito que está aqui finalmente.
– Eu vim assim que soube. Mãe... Por que foi o Tom que me ligou?
– Ah, Anna, por favor, não comece com implicância numa hora desta!
Eu respiro fundo pra não me irritar. Era típico de Stella minimizar a real gravidade das coisas.
– Tudo bem, não estou aqui pra brigar, só queria entender. A última vez que estive aqui, você estava com raiva dele porque ele te traiu...
– Sim, eu sei.
– Vocês... Voltaram?
– Não, não voltamos. Ele está insistindo e então eu passei mal de novo...
– O que aconteceu? Achei que estivesse em remissão.
– Foi uma recaída. Terei que fazer o tratamento novamente. O médico disse que há grandes chances de eu melhorar logo e voltar pra casa.
– Sim, eu sei que vai dar tudo certo. E você não precisa mais do Tom. Eu vou ficar com você até que esteja bem.
Stella sorri.
– E seu trabalho?
– Eles podem esperar. - eu havia ligado para o escritório e pedido alguns dias de licença por causa da doença de Stella.
No fim da tarde eu volto pra casa, por insistência dela, que diz que preciso descansar da viagem. Eu prometo voltar no dia seguinte e quando chego em casa, depois de tomar um banho, ligo para Michael e conto que estou em Miami. Não conto a ele sobre Tom, isto só iria deixá-lo preocupado.
E no começo da noite, eu recebo um telefonema de Fiona.
– Oi... Sou eu, tudo bem?
– Oi, tudo indo.
– E Stella, como está?
– Ela vai fazer uns tratamentos, mas voltará pra casa em breve.
– Anna, o Daniel está aqui, ele quer falar com você.
– O quê? Não quero falar com ele.
– Eu sei, mas... Anna, eu acho que devia falar do jeito que ele está, é capaz de ir atrás de você.
– Tudo bem. Deixa eu falar com ele.
– Anna?
– Não devia ter ido a minha casa importunar a Fiona.
– Se você atendesse minhas ligações, ou ao menos tivesse avisado que ia viajar para ver sua mãe, eu não precisaria estar aqui!
– Isto não é da sua conta.
– Temos opiniões diferentes sobre esse assunto. Por que não me disse que ia viajar pelo menos?
– Eu avisei o escritório.
– Não é a mesma coisa. Tem ideia de como fiquei preocupado? Inferno, Anna, entendo que não queira me contar os problemas com sua mãe, mas poderia ter me avisado que ia viajar.
– Ontem eu não sabia que ia viajar. Decidi hoje cedo – invento.
– Ainda assim poderia ter avisado.
O tom de preocupação dele me deixa culpada. Sim, não tínhamos nenhum compromisso.
Mas... tínhamos algo, não é?
– Certo, eu sei. Me desculpe.
– Por favor, Anna, não me deixe de fora. Eu realmente estou preocupado com você. Acho que vou para Miami.
– Não!
– Eu quero ajudá-la.
– Não tem nada para fazer aqui.
– Como sua mãe está?
– Está tudo sobre controle, Daniel. Realmente não preciso de ajuda.
– Vai me avisar se precisar? Anna, por favor. Se não me prometer isto, eu irei até aí.
– Tudo bem, eu te aviso.
– E vai atender quando eu te ligar?
– Sim, eu atenderei. Agora eu preciso desligar.
– Certo.
Eu desligo e, ao me levantar do sofá, grito ao ver Tom parado na minha frente.
– Olá, Anna.
– O que está fazendo aqui?
Ele sorri.
– Esta é minha casa.
– Não mais. Você se divorciou da minha mãe.
– Ela disse isto? Ainda não estamos separados legalmente.
– Não interessa. Assim que ela sair daquele hospital, eu mesma cuidarei dos papéis e ela ficará livre de você pra sempre.
– Ela não quer. Nós estamos voltando.
– Mentira! Você está se aproveitando da vulnerabilidade dela!
– Eu a estava ajudando! Fui eu que cuidei dela enquanto esteve fora, se recusando até a atender seus telefonemas.
Eu engulo a onda de remorso dentro de mim.
– A culpa é sua se eu e minha mãe não nos demos bem hoje.
– Minha? Você é uma garotinha rancorosa!
– Saia daqui. Ou vou chamar a polícia.
– Para me expulsar da minha própria casa?
– Você não mora mais aqui.
– Esta casa é minha e da Stella. Não vai me tirar daqui! – e, falando isto, ele se instala no sofá com uma cerveja na mão e liga a TV.
Eu subo para o quarto de hóspedes, pego algumas coisas e vou pro hospital.
Minha mãe fica surpresa ao me ver.
– Mãe, o que o Tom está fazendo na sua casa?
– É a casa dele também, Anna.
– Não! Vocês estão se divorciando.
– Bem, quanto a isto, ainda não demos entrada nos papéis.
– Certo. Eu vou cuidar de tudo e vou tirá-lo da sua casa também, não se preocupe.
– Anna, querida, não seja má com ele. Tom cuidou de mim e...
Eu respiro fundo pra não explodir.
– Eu entendo. Mas se estão se separando, ele não pode ficar lá. Não se preocupe. Eu vou resolver tudo.
Eu passo a dormir no hospital, para evitar Tom e os dias vão passando.
Daniel me liga todas as noites e eu digo que está tudo bem, sem pensar muito em nossa situação. Não estou com cabeça para isto agora.
Quero minha mãe fora do hospital e Tom fora da vida dela e só então poderei pensar no caos que está minha própria vida.
Infelizmente Tom também aparece todos os dias no hospital e de nada adianta eu pedir pra ele sumir se Stella aceita sua presença.
Então eu começo a ficar preocupada. Será que há alguma chance deles voltarem?
Não posso permitir que minha mãe seja enrolada por aquele homem de novo, porém, o que posso fazer?
E, para completar meus problemas, eu estou na casa de Stella numa manhã para buscar algumas coisas pra ela, aproveitando que Tom está no hospital, quando escuto alguém bater à porta.
E quando eu atendo, ninguém menos que Violet Beaumont está na minha frente.
– Violet?
– Este ainda é meu nome! – ela diz, passando por mim sem cerimônia.
– O que está fazendo aqui? – pergunto estupefata.
– Eu vim te pedir, quer dizer, exigir que você se afaste de vez do meu irmão.
– Você está louca?
– Não. Estou bem lúcida.
– Você viajou de Seattle até aqui pra isto? O Daniel sabe?
– Não. Ninguém sabe. Deixei minha família fora.
– Como... Como sabia que eu estava aqui?
– Daniel disse e não foi difícil conseguir este endereço no escritório.
– E você viajou só pra me ameaçar e diz que não é louca? Você é uma pessoa perturbada, Violet!
– Pode pensar o que quiser de mim, não me importo. Eu vim te pedir que, de preferência, nem volte a Seattle. Você pode enganar o Daniel, não a mim!
– E posso saber o que você tem a ver com nosso relacionamento?
– Ele é meu irmão.
– E isto te dá o direito de escolher com quem ele se casa?
– O quê? – Violet empalidece e eu sinto uma onda de satisfação.
Era muito bom vê-la experimentar um pouco do próprio veneno.
– Ah, você não sabia?
– É mentira!
– É verdade – eu mostro o anel no meu dedo. Que nem sei por que continua ali.
Violet parece que vai ter um ataque cardíaco.
– Você aceitou se casar com ele?
– Ainda não.
– Então por que está usando este anel?
– Porque ele insistiu.
– Você não vai aceitar, não é? Não pode estar pensando em aceitar!
– Ah não? Fique e escute.
Eu pego meu telefone e disco o número de Daniel.
– Anna?
– Oi, Daniel.
– Oi... Está tudo bem?
– Eu te liguei pra dizer que... Minha resposta é sim. Eu concordo em casar com você – digo, olhando pra Violet que está pálida feito um fantasma.
– O quê?
– Eu disse que aceito me casar com você.
– Está falando sério?
– Estou.
– Vai mesmo se casar comigo?
– Foi o que eu disse, não é? – respondo impaciente.
– Anna, precisamos conversar...
– Achei que era o que queria.
– Claro que eu quero! Mas...
– Daniel, não posso falar agora. Estou... Ocupada. Podemos deixar essa conversa para quando eu voltar?
– Quando você volta?
– Em breve. Preciso desligar, tchau.
Eu desligo e Violet está me encarando feito um cadáver.
– Entendeu agora? – digo, cheia de satisfação.
– Por que está fazendo isto se não perdoou o Daniel? Está se vingando dele? Vai transformar a vida dele num inferno? Quer que ele sofra tanto quanto você sofreu? Então está no caminho certo! E sabe o que é pior, eu posso correr pro Daniel e contar tudo, porém, ele está tão cego que não vai acreditar. Por causa disso eu não posso fazer nada a não ser esperar para depois dizer “eu não disse?” quando você acabar com ele!
– Eu não sou como você – retruco, na hora em que estas palavras saem da minha boca, eu percebo que o que acabei de fazer foi algo típico de Violet Beaumont.
Eu aceitei o pedido de Daniel somente para irritá-la.
De repente eu me dou conta da enormidade do que tinha feito.
– Não? – Violet diz com um sorriso mordaz e se afasta.
Me deixando sozinha com meus próprios demônios.
E agora? Eu devo ligar pra Daniel e dizer que foi um engano. Talvez contar a verdade, dizer que a irmã dele estava lá e eu agi por impulso.
Nesse momento não posso pensar nisto. Tenho que pegar as coisas de Stella e voltar ao hospital.
E quando eu chego lá, Tom está por perto segurando a mão dela.
Eu sinto uma onda de repulsa quando vejo o sorriso da minha mãe.
É o mesmo sorriso de quando ela se apaixonou por Tom.
Instantaneamente eu entendo. Tom está enrolando minha mãe de novo.
– Oi querida, trouxe minhas coisas? – Stella indaga.
– Sim, eu trouxe – eu encaro Tom friamente. – Será que pode nos deixar a sós, quero conversar com a minha mãe.
– Claro. - ele se inclina e beija o rosto de Stella. – Volto mais tarde, querida.
– O que significa isto, mãe? – pergunto quando ele sai.
– Ora, Anna.
– Mãe, pelo amor de Deus, não pode estar pensando em voltar com este mau caráter!
– Ele é meu marido!
– Ex-marido! Que te traiu! Que te fez mentir por ele naquela delegacia quando ele agrediu Violet Beaumont!
– Pare de defender aquela putinha! Ela mereceu levar a surra! Onde já se viu trair a própria mãe!
– Ah meu Deus, mãe, você não mudou nada! O Tom ainda te enrola direitinho! Como permite? Não enxerga que ele não vale nada?
– Ele pode até não valer, mas foi o único que ficou comigo quando precisei. Enquanto você estava com ódio demais até mesmo pra me visitar quando estava doente!
As palavras me atingem como um tapa na cara.
– Talvez se estivesse aqui, eu teria mais forças pra me livrar de Tom. Porque eu teria você.
Eu mal respiro, quando um nó fecha minha garganta.
E eu saio da sala em busca de ar.
Minha mãe está certa. Eu sou um monstro. Eu a abandonei com aquele marido horrível.
E agora ela estava doente e eu nem sei como fazer pra consertar as coisas.
Capítulo onze
Os dias passam arrastados e Stella começa a melhorar e o médico finalmente lhe dá alta.
As coisas estavam tensas entre nós, mas eu continuava por perto. Evito o quarto quando Tom está e tento não me intrometer. O que posso fazer? É a vida dela, afinal.
E talvez eu tenha perdido o direito de me intrometer na sua vida depois que me afastei.
Daniel ainda me liga sempre e eu simplesmente deixo as coisas como estão. Eu não posso falar com ele por telefone. E falar o quê? Eu nem sei o que dizer.
– Anna, estou indo para Miami amanhã – ele diz um dia.
– Não precisa...
– Não vai me impedir. Preciso ver você, saber como está...
– Eu estou voltando daqui a dois dias. Já está tudo certo – respondo.
Eu não queria deixar Stella ainda, mas precisava ir a Seattle resolver as coisas.
– Sua mãe melhorou?
– Sim, ela está melhor. Em dois dias eu estarei de volta a Seattle.
– Tudo bem, eu vou te esperar então.
Eu levo Stella para casa naquela tarde e a ajudo a se deitar na cama.
Eu contratei uma enfermeira, embora ela diga que está bem.
– Mãe, não discuta, você ainda está fraca.
– Pensei que você fosse ficar – ele diz chateada e eu suspiro.
– Eu queria, mas tenho que voltar ao trabalho.
– Certo, tem razão, estou sendo carente, não é?
– Claro que não. Eu deveria mesmo ficar aqui com você. Deveria ter vindo há muito tempo.
– Não vamos mais falar sobre isto – ela segura minha mão.
– Me desculpa, mãe, por ter deixado você sozinha – eu peço com a voz embargada.
– Oh querida, não fique assim. Eu não queria ter dito aquelas coisas horríveis naquele dia. Estava nervosa. De qualquer maneira você tinha sua vida, sua faculdade... E agora tem seu emprego.
– Mas eu podia ter te visitado mais.
– Já chega. O que passou, passou.
– Ainda não me sinto bem indo embora – eu não quero dizer que estou com medo da presença de Tom, acho que minha mãe percebe.
– Anna, o Tom tem seus defeitos, mas não é este monstro que acredita que ele é. Ele realmente quer que a gente volte. Prometeu nunca mais me trair...
– Ah mãe! Olha, eu sei que tem medo de ficar sozinha, mas não precisa voltar com o Tom. Eu não vou sumir mais. Não precisa do Tom. Ele te traiu, mãe. Você mesmo o botou pra fora! E eu sei que ele está sendo legal agora ficando por perto. É algo realmente louvável, porém, casar com ele de novo? Não cometa os mesmos erros!
– As pessoas erram, Anna. Ninguém é perfeito. E nem tudo é preto no branco. Sim, eu sei dos pecados do Tom. Mas nós vivemos bem antes... – ela respira fundo. – Enfim, você sabe que éramos felizes. Tom sempre nos tratou muito bem. E mesmo depois que nos mudamos pra cá, ele até se esforçou, mas, toda esta questão de não conseguir um bom time, perder todo o dinheiro, acabou com ele.
– Isto não é culpa sua, mãe.
– Não, mas eu sou esposa dele. Eu tinha que ajudá-lo e eu fiquei tão amarga também... Acho que a culpa é minha. Eu não me esforcei para resolver as coisas entre nós. Acho que agora, finalmente, vamos conseguir.
– Mãe, por favor...
– Eu sei que você é contra e por isto estou estamos conversando. Não quero perdê-la de novo.
– Você não vai me perder. Independentemente do Tom – digo e Stella sorri.
– Por favor, dê uma chance a ele. Por mim.
Eu assinto, mesmo querendo morrer por concordar.
Minha mãe está doente. E eu não posso dar as costas a ela de novo.
Tom janta com a gente na noite antes de eu ir embora e é um suplício fingir que está tudo bem.
Como eu posso deixar minha mãe de novo com aquele cara?
– Não precisa se preocupar com sua mãe, Anna, eu cuidarei dela – ele diz, segurando a mão de Stella.
Eu tento sorrir.
– Claro. Não se preocupe, eu voltarei em breve. Só preciso ajeitar as coisas no trabalho. – digo, levando a louça para a cozinha.
Tom me segue
– Eu te ajudo. Stella subiu pra descansar.
Eu mordo os lábios com força quando ele pega o pano de prato.
– E então, Anna, já que voltamos todos as boas, vou te perguntar se você pensou direito sobre o dinheiro dos Beaumont.
Eu bato o copo com força na pia.
– Escuta aqui, eu só te aceitei pela minha mãe, porque ela está doente. Não pense que eu acredito em você, entendeu?
– Ei, calma. Não falei por mal. Este dinheiro ia ajudar sua mãe também.
– Esquece os Beaumont! E espero que você se comporte com a minha mãe, senão eu acabo com você!
Fecho a torneira e me afasto sem olhar pra trás.
***************
Desembarco em Seattle ainda sem saber o que fazer.
Sei que preciso ter uma conversa com Daniel. Sei que preciso dizer a ele que não podemos nos casar, porque eu aceitei só para irritar a ordinária da irmã dele.
E estou nervosa quando caminho pelo desembarque, até que o vejo.
Não estou preparada para as emoções que me dominam quando ele sorri pra mim, em meio ao mar de gente, como se me reconhecesse em qualquer lugar, como se estivéssemos só nós dois ali e não num aeroporto lotado.
E, enquanto caminho em sua direção, sinto meu coração batendo forte no peito e meus pés se movendo mais rápido para alcançá-lo. E então ele está me abraçando.
Enterro meu rosto em seu peito e aspiro seu cheiro único, me dando conta naquele momento, de quanta falta eu senti dele. De estar assim, entre seus braços, com seu corpo colado no meu e seus lábios em meus cabelos.
É... como estar de volta em casa.
– Senti tanto a sua falta – ele murmura, beijando meu rosto.
E uma vozinha bem fininha dentro de mim sussurra que pode ser sempre assim. Pode ser pra sempre.
– Está tudo bem? Sua mãe? – ele indaga preocupado e eu sorrio cansadamente.
– Está melhor dentro do possível – digo desanimada pensando em Tom e sinto vontade de contar tudo a Daniel. Mas, com certeza, não é uma boa ideia.
O percurso até meu apartamento é feito em silêncio e o tempo inteiro eu penso em como começar a falar com ele.
Ele me ajuda a tirar o casaco quando entramos e eu me dou conta do quanto estou cansada não só da viagem, também de toda a tensão que vivi em Miami.
– Não parece bem – Daniel comenta.
– Cansaço de viagem e tudo o mais.
– Sua mãe está bem mesmo? Meu pai conhece alguns médicos e...
– Não, Daniel, não quero nada da sua família – digo rispidamente e então respiro fundo. – Me desculpe, não quis ser grosseira. - É agora. Eu devia dizer o que Violet tinha me levado a fazer.
Então ele toca meu rosto.
– Tudo bem, eu te entendo. Estou preocupado com você. Não quero que guarde seus problemas pra si, Anna. Quero que os compartilhe comigo.
– Eu só quero descansar – desconverso.
– Claro, precisa mesmo descansar...
De repente a campainha toca.
– Está esperando alguém? – pergunta.
– Não... – e quando abro a porta, uma sorridente Charlotte Beaumont entra na sala segurando uma grande caixa e várias sacolas.
– Olá, Anna, bem-vinda de volta!
– Charlotte, que diabos está fazendo aqui? – Daniel pergunta tão surpreso quanto eu.
– Liguei no escritório de vocês e me disseram que a Anna voltava hoje! E decidi não perder tempo.
Ela joga todos seus pacotes em cima do sofá.
– Perder tempo? – repito confusa e Charlotte sorri anda mais.
– Sim, preparativos para o casamento! Violet não deixou eu chegar perto do dela e então eu estou preparando tudo para o seu!
Encaro Daniel com os olhos arregalados. Preparativos? Ah Meu Deus!
– Charlotte, está louca? Como assim está preparando o casamento? – Daniel também parece confuso.
– Ué? Não vão casar? Quem mais ia organizar tudo?- ela segura minha mão. – Não se preocupe, Anna, meu gosto é impecável! Estou escolhendo coisas lindas! E hoje eu trouxe três vestidos fabulosos pra você dar uma olhada! Se não gostar de nenhum destes, podemos ir às lojas e fica mais fácil...
– Charlotte, para com isto! Nós nem marcamos a data ainda!
– E daí? Uma preparação leva tempo e quanto mais cedo, melhor!
– Anna, me desculpe... – Daniel diz, mas Charlotte o ignora, pegando a caixa e me puxando pela mão. – Vamos para seu quarto. Daniel não pode ver o vestido!
Charlotte é mais maluca do que imaginava e fala sem parar enquanto me despe e me obriga a pôr um vestido de noiva.
– Uau! Está fabuloso, o que acha?
Eu olho minha imagem assustadoramente bela no espelho.
Eu de noiva. É inacreditável. E irreal.
Mas...
Aquela vozinha do aeroporto começa a sussurrar de novo dentro de mim. Por que não?
Não é o que eu quero? Ficar com ele pra sempre?
Por que não me casar com Daniel?
De repente todos os motivos para que aquela história fosse um fracasso pulam na minha mente.
Ele participou de uma vendetta contra mim há oito anos. Espalhou fotos pela Internet que me humilham até hoje.
Fez com que eu me apaixonasse e sofresse até hoje com este amor. Mesmo tendo que odiá-lo.
– Acho que tem um telefone tocando na sala – Charlotte diz, me tirando do devaneio.
E sem pensar eu corro para atender, arrancando o telefone das mãos de Daniel.
– Alô?
– Anna, volta aqui! – Charlotte vem logo atrás e encara Daniel. - Que droga! Você não podia ver!
Daniel ri e reponde algo que não escuto, pois estou escutando minha mãe falar do outro lado da linha.
– Querida, está tudo bem? A viagem foi tranquila?
– Sim, e com você?
– Estou ótima! Vou deixar você descansar depois a gente conversa. Beijos!
Eu desligo e me viro pra Charlotte e Daniel.
– Tudo bem? – Daniel pergunta.
– Tudo.
– Será que podemos conversar? – ele segura minha mão.
– Agora? – eu olho para meu traje de noiva e Daniel ri.
– Agora não! – Charlotte se intromete, mas Daniel já me puxa pela mão até o quarto, fechando a porta na cara de Charlotte.
– O que foi?
Ele me senta em uma poltrona e se abaixa na minha frente, segurando minha mão.
– Anna, você já tem alguma ideia se a gravidez é uma possibilidade?
Mordo os lábios nervosamente. Eu vinha tentando não pensar naquilo.
– Eu não sei... ainda é cedo pra saber.
– Entendo... Anna, eu acho que devíamos nos casar logo.
– Como assim logo?
– Breve. Não quero mais esperar. Já esperamos tempo demais... E se estiver grávida...
– Acha que devemos nos casar agora? – indago com um frio na barriga.
– Sim.
Eu olho nossas mãos unidas. Penso naquela vozinha dentro de mim, a que diz que devo me casar com Daniel.
E penso em tudo o que nos separa.
E também me recordo das palavras da minha mãe. Que todos erram. E que nem tudo é preto no branco.
Daniel vinha tentando se desculpar comigo desde que nos reencontramos. Me pedira em casamento apesar de a irmã louca dele ser totalmente contra.
A mesma irmã a quem ele obedecera cegamente há oito anos. Pensar nisto deixa um gosto amargo na minha boca.
Ao mesmo tempo é um tanto libertador concluir que, aparentemente, Daniel não segue mais Violet.
Ele ainda quer casar comigo. Quer casar comigo logo.
Ele disse que me amava
E eu, o que sentia?
Como nos livramos de um medo que nos norteou uma vida inteira?
Como passar por cima do ressentimento e deixar de ter rancor?
Eu ainda sentia coisas ruins dentro de mim. Eu nem sei se ia conseguir confiar de novo.
Também sei que eu passei oito anos sofrendo não só pela humilhação que eu senti.
Eu passei oito anos sofrendo pela perda de um amor.
Este amor que estava me sendo oferecido novamente. Bastava eu esticar a mão...
E pegar.
Respiro fundo e encaro Daniel.
– Tudo bem, você tem razão. Pra que esperar?
Ele sorri e me beija.
Eu me aqueço por dentro.
Medo e ansiedade dançam dentro de mim lado a lado.
Charlotte bate à porta.
– Dá pra vocês pararem de graça?
Daniel abre a porta.
– O que está acontecendo? – Charlotte pergunta.
– Apenas acertando alguns detalhes. Acho que pode seguir com seus preparativos... em quanto tempo consegue organizar tudo?
– Ai meu Deus! De quanto tempo precisam?
Daniel me encara e eu dou de ombros.
– Você decide.
– Duas semanas?
Charlotte dá pulos pelo quarto.
– Duas semanas? Uau! Ainda bem que eu já tenho tudo esquematizado! - ela sorri e se afasta.
– Você pode levá-la embora? Eu realmente preciso descansar – digo a Daniel.
Quero ficar sozinha.
– Claro, eu vou levá-la. Quer que eu fique com você?
– Não é necessário. Eu vou dormir.
Ele se aproxima e beija minha testa.
– Eu te ligo mais tarde então.
Ele se vai com a irmã e eu encaro a porta fechada.
Eu aceitei me casar com Daniel Beaumont.
E agora?
***************
Volto para o escritório e, com a nova definição de status de meu relacionamento com Daniel, pelo menos lá as coisas correm razoavelmente bem. Era cansativo e estafante demais ser fria e distante o tempo inteiro. Não que eu esteja sendo amorosa ou algo assim.
A verdade é que agora a distância é algo quase natural. Eu simplesmente me sinto pairando numa nuvem acima, enquanto os dias correm lá embaixo.
Ainda não sei bem o que está acontecendo. Eu gosto do meu trabalho e estou empenhada em fazê-lo bem feito, o que toma bastante tempo. Às vezes sinto alguns olhares e sei que as pessoas comentam sobre mim e Daniel, isto no fundo não me afeta. Para quem passou o que passei com fotos sexuais na Internet, alguns comentários maldosos sobre um noivado súbito com o chefe não são nada.
Depois tem Charlotte Beaumont e todo o trabalho com as coisas do casamento. Sinto um calafrio de medo e dúvida cada vez que estamos tratando disso. Tudo parece estar correndo como Charlotte previu e eu deixo que ela tome todas as decisões, concordando seja lá com o que ela queira. Afinal, ela realmente parece ter bom gosto.
E Charlotte é a única Beaumont que eu vejo naqueles dias. O que pode ser muito estranho se levarmos em conta que eu estarei casando com um deles em alguns dias. Daniel não toca no assunto e muito menos eu faço questão de tentar ser amiga deles. Está claro que possivelmente eles são contra este casamento. Ainda não sei como Violet Beaumont está suportando. E no fundo nem me interessa.
Tenho questões muitos mais importantes pra me preocupar no momento. A principal delas é a volta de Tom pra vida da minha mãe.
Eu sempre ligo pra ela e, para meu desespero, Tom está por perto todas as vezes. E meu maior medo se concretiza quando numa noite, depois que Daniel e Charlotte vão embora, escuto a campainha tocar e ninguém menos do que Tom está na minha porta.
– Olá, Anna.
– O que está fazendo aqui?
– Eu vim ter uma conversa com você.
– Não acho que temos alguma coisa pra conversar, a não ser que tenha vindo me dizer que vai deixar minha mãe em paz.
– Pois eu acho que temos muito a conversar, a começar por seu casamento com Daniel Beaumont, que por algum motivo está escondendo de todos.
Eu levo um susto.
– Como ficou sabendo?
– Tenho minhas fontes. Vai me deixar entrar ou vamos conversar aqui mesmo?
Eu reluto, mas o deixo entrar e fecho a porta atrás de mim, fitando-o friamente.
– Então é verdade que vai casar com o Beaumont?
Tarde demais eu me dou conta de que o vestido está pendurado ali na sala, onde Charlotte deixou antes de ir. “Para tomar um ar e não amassar”, ela disse.
E agora Tom está tocando a organza fina com um sorriso horrível no rosto.
– É. - concordo sem saber aonde ele que chegar. – E se você já sabe, contou a minha mãe?
– Não. Eu queria ter certeza. Além de querer saber como é que isto pode ser possível? – ele senta no meu sofá, me encarando. – Como você reencontrou Daniel Beaumont e vai casar com ele, depois do que aconteceu há oito anos?
– Isto não é da sua conta.
– Eu acho que é. Afinal, sou seu padrasto.
– Não é mais.
– Sou sim. Eu e sua mãe reatamos.
– Não pode ser. Ela não me falou nada!
– Por isto estou aqui. Ela ficou bastante preocupada com sua reação. E eu disse a ela que viria conversar com você pessoalmente e convencê-la do cara legal que eu sou.
– Não pode acreditar que vou aceitar! Minha mãe pode ser idiota, eu não sou!
– Não é? E como é que aceita se casar justo com o cara que te enganou há oito anos?
– Você não sabe de nada!
– Então me conte.
– Não vou contar nada. E você vai embora daqui agora!
– Não vou não – ele se levanta e vem em minha direção. – Estou de saco cheio deste seu ar de superioridade! Não é melhor do que sua mãe! Abriu as pernas pro Daniel Beaumont e está abrindo agora de novo...
– Cala a boca! – eu tento me afastar, mas Tom segura meu braço. – Me solta.
– Ainda não! Nós temos um assunto para tratar! Já que é tonta o bastante para casar com o Beaumont, eu quero minha parte.
– O quê?
– Eles são ricos. Eu estou numa pior. Acho que você me deve.
– Não te devo nada, está maluco? – eu tento me soltar, Tom segura meu outro braço e me sacode, muito furioso agora. Eu começo a ficar com medo.
– Eu te sustentei por todos aqueles anos! Te dei o melhor e o que você fez? Ajudou aquela vaca da Violet Beaumont a acabar comigo.
– Eu não fiz nada disto! Eu nem sabia o que eles estavam tramando.
– Claro que não! Estava tão interessada em uma foda com o Beaumont e nem conseguia ver o que estava na sua frente!
– Você é louco, me solta!
Ele finalmente me solta e eu massageio meus braços doloridos.
– Não pense que vai se livrar de mim, Anna. Eu quero meu dinheiro e você não vai me passar a perna!
– Acha mesmo que vou casar com Daniel e dar dinheiro a você?
– Não me interessa como vai fazer! Mas vai fazer! Ou eu acabo com este seu casamento bem rápido.
– E como acha que vai conseguir?
– Eu consigo o que eu quero! Estou mesmo louco por uma vendetta contra aqueles Beaumont! Se acham tão superiores e não passam de lixo.
– Lixo é você que tem a coragem de vir até aqui me ameaçar e extorquir! Eu vou contar tudo isto a minha mãe e ela vai finalmente te expulsar de novo, já chega!
Tom ri.
– Não vai não. E se contar, acha que Stella vai acreditar? Ela sempre acredita em mim. Stella vai ficar do meu lado. Para sempre.
– Por que faz isto? Por que ainda quer ficar com a minha mãe?
– Stella sempre acreditou em mim e me apoiou.
– Apoiou suas sujeiras, quer dizer!
– Admito que agora ela não é mais aquela mulher interessante com quem me casei, mas sempre terei outras oportunidades por aí...
– Meu Deus, você é muito canalha! Tem coragem de dizer na minha cara que vai trair a minha mãe de novo?
– Não seja ingênua, Anna. Sua mãe com certeza não é. No fundo ela sabe, sempre soube. E olha só, ela está disposta a me perdoar e me aceitar de volta, como sempre!
– Porque ela gosta de você! Juro que isto não vai durar muito, eu vou conseguir tirar você da vida dela, custe o que custar!
– Não vai não. Já tentou uma vez e você viu que ela preferiu a mim!
– Não vai ser assim agora. Eu simplesmente me omiti e deixei que a usasse, mas não vou mais permitir!
– Vai sim, Anna querida. – ele se aproxima de mim de novo, quase me prensando contra a parede. – E vai não só parar de se intrometer no meu casamento com sua mãe, como vai conseguir o dinheiro do seu noivinho safado e da família maldita dele para que a gente tenha o mesmo nível de vida que tínhamos antes. E seremos uma família feliz novamente – ele toca meu rosto e eu afasto sua mão com um safanão.
– Tira a mão de mim! - eu o empurro. – E se eu contar a minha mãe o que fez lá em Olímpia?
– E o que eu fiz lá em Olímpia?
– Você se insinuou pra mim! Estava claramente dando em cima de mim.
Ele sorri.
– Acho que está imaginando coisas.
– Não estou não! Você disse que eu tinha ciúmes de você!
– Sim, eu disse que possivelmente você nutria alguma paixonite por mim, assim como a Violet...
– Você é nojento! Eu não sinto nada por você!
– Bom, infelizmente eu tenho que concordar que é verdade. – e ele me mede de forma tão lasciva que embrulha meu estômago. – Você não foi como Violet, sempre com aqueles sorrisos me seguindo por toda parte... Ah, foi tão fácil seduzi-la... Eu logo vi que você seria diferente, mas eu pensava que quem sabe um dia...
Eu não penso duas vezes em avançar pra cima dele com a mão pronta pra agredi-lo, Tom prevê meu movimento e segura meu braço.
– Ei, não vai me bater, sua vadia!
– Seu maldito! – eu continuo a tentar agredi-lo, ele me empurra com força para a parede e me prensa lá, me segurando com força.
– Já chega! Ou eu faço com você o mesmo que fiz com a Violet, é o que você quer? Apanhar nesta carinha linda? Acho que estragaria o casamento, não é? E não é o que queremos! Então vamos parar por aqui!
– Me solta – ordeno, com medo.
– Sim, eu vou soltar. Mas vai prometer que será boazinha.
Eu sacudo a cabeça afirmativamente, meus olhos cheios de lágrimas.
Tom me solta finalmente.
– Bom, eu vou embora. Vou deixar você pensar melhor – ele tira um cartão do bolso. – Aqui está o hotel em que estou hospedado. Ficarei alguns dias. Talvez até vá a seu casamento, o que acha?
– Você não faria isto – sussurro.
– É, acho que não seria uma boa...
Ele sorri.
– Então estarei esperando sua ligação para chegarmos a um acordo amigável. Boa noite, Anna.
Quando ele sai, eu estou tremendo toda.
O que foi aquilo?
Tom era pior do que eu pensava. E minha mãe está caindo na dele de novo. Infelizmente ele tem razão ao dizer que Stella nunca acreditaria em nada do que eu possa dizer contra ele. E o que eu vou fazer?
Eu preciso me livrar de Tom. Já chega. Ele está ficando cada vez mais ameaçador e eu tenho medo do que ele possa vir a fazer a minha mãe. E ela está muito doente.
Não. Alguma coisa eu tenho que fazer. E rápido.
De repente uma ideia se delineia em minha mente. Eu a rejeito a princípio. Mas, quanto mais penso nela, mais me parece ser a única solução.
Então, antes que eu desista, caminho até o telefone e disco.
– Oi, Tyler.
– E aí, tudo bem?
– Não, não está tudo bem. Preciso que venha agora.
– O quê? Anna, o que aconteceu?
– Eu te conto quando chegar aqui. Por favor?
– Está me assustando.
– Por favor, Tyler. Eu preciso de você. Só posso contar com você pra me ajudar.
– Tudo bem. Chego em pouco mais de uma hora.
– Ok, será o suficiente.
Eu desligo e ligo para Tom.
–Tom? Sou eu, Anna.
– Uau, que rápido. Espero que tenha mudado de ideia.
– Sim, eu mudei. Pode vir aqui?
Ele concorda prontamente e aparece uns quinze minutos depois com um sorriso presunçoso no rosto.
– Entra. – eu peço e vou pra cozinha.
– Então você finalmente entendeu que podemos nos dar melhor juntos? – ele pergunta, vindo atrás de mim.
Eu sorrio, apesar do meu asco.
– Sim, eu pensei melhor. – eu me viro e pego a faca em cima da pia e olho pra Tom. – Eu estou fazendo o jantar. Será que pode cortar estes vegetais pra mim?
Ele levanta a sobrancelha, divertido.
– Está falando sério?
– Por favor?
Ele dá de ombros e pega a faca.
– E aí, quando vamos falar de negócios?
– Achei que podíamos conversar depois do jantar.
– Tudo bem pra mim. Estou realmente animado agora...
– Sim, eu imagino... Pode me devolver a faca?
– Eu não terminei.
– Não preciso mais que corte.
Ele parece confuso, mas me dá a faca.
Eu olho pra ele um momento.
– Se eu te pedisse de novo pra ir embora de nossas vidas e nunca mais voltar, você realmente não faria não é?
– Anna, que conversa estranha é esta? Me chamou aqui pra me enganar? – ele começa a ficar nervoso. – Eu achei que estávamos nos entendendo! Eu não vou desistir, entendeu?
Eu respiro fundo.
– Sim, eu entendi.
E então eu levanto minha blusa e segurando o ar, passo a faca por minha barriga.
Tom dá pulo pra trás, chocado.
– Ei, o que está fazendo?
Eu o encaro, apesar da dor, e sorrio.
– Não fui eu que fiz. Foi você.
– O quê? Está louca.
Eu largo a faca no chão e seguro minha barriga com força. Droga, dói mais do que eu imaginava.
A campainha toca e eu grito.
– Tyler!
A porta se abre num estrondo e Tyler olha de mim pra Tom e vê o sangue pingando da minha roupa.
– Deus do céu, Anna! – ele corre na minha direção e me segura.
Tom olha para nós em choque.
Tyler o fuzila com o olhar.
– Você fez isto com ela.
– Não! Foi ela mesma que... Meu Deus, ela é louca!
– Eu vou matar você!
Então Tom corre e Tyler faz que vai atrás dele, mas eu gemo de dor.
– Anna, pelo amor de Deus, precisamos levar você a um médico.
– Não, eu estou bem! Vamos a uma delegacia primeiro.
–Mas...
Eu o encaro friamente.
– Eu preciso denunciar o Tom.
A madrugada está fria e uma chuva fina molha meus cabelos quando saio do carro. Solto um pequeno gemido de dor e Tyler segura meu braço. Eu o encaro.
– Você tem certeza do que vai fazer?
– Nunca tive tanta certeza de algo na minha vida – minha voz sai firme apesar de estar tremendo por dentro.
Tyler simplesmente acena e não solta meu braço quando entramos na delegacia movimentada.
Eu encaro a policial com o rosto entediado atrás do balcão e eu respiro fundo antes de falar.
– Estou aqui para denunciar uma agressão.
As horas seguintes passam como um borrão.
Depois de dar meu depoimento, jurando que estou bem apesar da dor, finalmente eles me levam para o hospital. Eu não sou louca, eu sei que o corte é superficial e nem é tão longo. Mas serviu para meus propósitos. Os roxos nos meus braços apenas servem para aperfeiçoar minha história.
Tom está bem encrencado agora.
Quando finalmente os médicos fazem um curativo e me deixam em paz, Tyler entra no quarto e me encara gravemente.
– Anna, por que pediu que eu dissesse que vi Tom a esfaqueando?
Eu engulo em seco. No caminho para a delegacia eu pedi a Tyler que mentisse por mim. Ele pareceu não se importar na hora, agora, mais calmo, era diferente.
Eu encaro seus olhos. E de repente tudo o que eu fiz cai em mim como chuva de concreto e meu coração dispara em pânico no peito. Eu mal consigo respirar.
Até agora eu estava convicta que não tinha outro jeito. Tom era um canalha safado e tinha estragado tudo desde que entrara em nossas vidas.
Se não fosse por ele, os Beaumont nunca teriam botado os olhos em mim. Eu nunca teria sido vítima daquela vendetta.
Nunca teria conhecido e me apaixonado por Daniel.
E passado oito anos sofrendo, não só de decepção amorosa, mas também com toda a vergonha de ver as minhas fotos na Internet. As mesmas fotos que fizeram me separar de Benjamin. Que foram parar na mesa do meu chefe. E que só não foram motivo de demissão, porque Daniel me defendera.
Daniel. Eu sequer tinha pensado nele desde o momento em que decidira armar contra Tom.
O que ele diria quando soubesse o que tinha acontecido? E se ele soubesse que era tudo mentira?
Sinto meu coração afundando no peito. Eu passei oito anos odiando os Beaumont por sua vendetta.
E o que eu tinha feito, não foi uma vendetta? Não foi vingança contra Tom?
– Anna, o que foi? – Tyler toca minha mão.
– Tyler, eu...
Mas, antes que eu possa falar qualquer coisa, um médico entra no quarto com meu prontuário em mãos.
– Olá Annalise Nicholls?
– Sim.
– Como está se sentindo?
– Estou bem, foi apenas um corte superficial. Aliás, quando posso ir embora?
– Sim, tem razão o corte foi superficial e para sua sorte, não afetou em nada o bebê.
– O quê? – eu e Tyler dizemos ao mesmo tempo.
– Sim, sua gravidez segue sem problema algum, teve muita sorte que o corte foi superficial, se tivesse sido um pouco mais fundo...
Eu já não escuto.
Estou lutando para respirar. E entender.
Ele disse gravidez? Bebê?
– Anna, você está grávida? Por que não me disse? – a voz de Tyler parece vir de muito longe.
Eu o encaro, muito pálida.
– Eu não sabia, eu... eu não fazia ideia...
O médico me encara preocupado.
– A senhorita não sabia?
– Não... – eu começo a sentir meu estômago revirando.
– Não há duvida. Pelos exames, a senhorita está grávida, ainda não determinamos de quantas semanas, para isto precisamos fazer uma ultrassonografia. Bom, eu preciso ver outros pacientes. Precisará passar a noite aqui em observação, poderá ter alta amanhã cedo. Suas escoriações vão sumir com o tempo e o corte vai fechar facilmente. Recomendo que procure um médico para cuidar de sua gravidez.
O médico sai do quarto.
– Ah meu Deus – tapo minha boca com as mãos.
O que eu tinha feito?
Eu estava grávida e não fazia ideia.
Eu havia esquecido, com a minha cabeça repleta de problemas, que era uma possibilidade.
Agora é real.
Eu estou mesmo grávida.
E eu tinha esfaqueado a mim mesma para me vingar e me livrar de Tom.
Que tipo de monstro eu era? Eu era mil vezes pior que do que Violet.
Mil vezes pior do que Tom.
– Anna, fale comigo.
Eu o encaro, cheia de horror.
– Tyler, eu menti.
– O quê?
– Não foi o Tom que me esfaqueou. Ele não estava mentindo. Eu mesma fiz isto. Pra incriminá-lo.
Agora é Tyler que me encara horrorizado e eu conto tudo a ele.
Eu choro muito e estou tão descontrolada, que Tyler chama uma enfermeira que me dá um tranquilizante para dormir.
Quando acordo está amanhecendo e Tyler continua comigo.
Eu o encaro.
– Você está bem? – pergunta, vindo até mim.
– Não – murmuro.
– Quer que eu chame o médico?
– Não, não é fisicamente...
Ele segura minha mão.
– Acharam o Tom. Ele foi preso.
Eu não sei o que dizer.
Eu devia estar exultante. Não era o que eu queria?
Mas só me sinto morta por dentro.
– E ele ligou pra Stella, que ao que parece, ligou histérica pra seu pai, que ligou pra sua casa e como ninguém atendeu, já que Fiona estava com o noivo, ele me ligou e eu acabei contando tudo a ele.
– Tudo o quê?
– Que Tom te agrediu e que foi preso.
– Oh Deus.
– Ele está vindo pra cá, Anna.
– Não queria meu pai envolvido nisto tudo...
– Eu sei. Tudo vai ficar bem. Está pronta pra ir embora?
– Sim, for favor.
Quando estamos no carro, Tyler pergunta com cuidado.
– Você não deveria, bem, chamar o Daniel Beaumont?
– Não! – refuto rápido. Eu não poderia lidar com Daniel agora.
Na verdade sinto que não posso lidar com nada agora.
Felizmente eles não me esperam hoje no escritório, já que Charlotte tinha marcado um dia num Spa de noivas.
Eu preciso dar um jeito de me livrar disto.
Ao chegar em casa, eu ligo pra Charlotte Beaumont e antes que eu possa arranjar uma desculpa, ela já diz que não poderá ir comigo, porque teve algum problema com as flores.
– Eu sei que disse que iria com você, será que não pode ir com a Fiona?
– Claro, Fiona irá comigo – minto. Fiona está no trabalho hoje. – Não se preocupe.
Ela desliga depois de falar mais coisas sobre as tais flores, as quais não registro eu encaro Tyler.
– O que vai fazer, Anna?
– Eu não sei. Preciso... Encarar meu pai.
– Seu pai sabe que vai casar?
– Ninguém sabe.
Meu telefone toca e eu vejo que é minha mãe.
– Anna, o que está acontecendo? – grita do outro lado. – Tom me ligou dizendo que está preso e que você o está acusando de coisas absurdas!
– Mãe, se acalma, por favor!
– Como posso me acalmar? Eu vou pra Seattle!
– Não vai, não!
– Meu marido está preso e minha filha que o está acusando, o que acha que posso fazer?
– Seu marido é um canalha que veio aqui me ameaçar! – grito também. – Como pode defendê-lo?
– Ele disse que você o está acusando de tê-lo machucado com uma faca.
Eu fecho os olhos com força.
– Sim, é verdade – minto.
Não posso voltar atrás agora. Seria o único jeito de livrar minha mãe de Tom.
– Oh meu Deus... Não pode ser, ele nunca faria isto – escuto Stella chorar do outro lado da linha.
– O Tom não vale nada mãe. Ele é capaz de tudo.
– Ele me disse que você vai casar com aquele Beaumont, como pode ser isto, Anna?
– Mãe, eu sei que preciso te contar muitas coisas, eu apenas não queria preocupá-la. Eu juro que eu estarei aí em poucos dias e lhe explicarei tudo. Só quero que fique calma e bem. Lembre-se que está se recuperando.
– Mas o Tom...
– O Tom está tendo o que merece! Eu sinto muito, mãe, mas é verdade. Ele é um canalha capaz de coisas que a senhora nem imagina! Sei que a senhora pode até não acreditar em mim, mas Tyler está aqui e ele sabe de tudo.
– Oh Deus... Filha, você está bem?
– Estou sim, foi superficial.
– O que vamos fazer agora?
– A senhora não precisa se preocupar com nada. Eu vou consertar tudo, mãe.
Eu desligo e encaro Tyler.
– Eu me perguntei se iria dizer a verdade a sua mãe – ele diz.
– Não posso. Fui longe demais. Eu fiz isto tudo por ela. Eu deixei o Tom destruí-la sem fazer nada, não posso mais permitir. Mesmo... – respiro fundo. – Mesmo sendo horrível o que fiz...
– Ele mereceu, Ann. Sei que... Foi radical, mas... – ele segura minha mão. – Eu estou com você, entendeu? No que você precisar.
– Obrigada.
Meu pai aparece algumas horas depois e está descontrolado quando fica sabendo de tudo.
– Aquele safado! Por que não me disse nada, Anna?
– Não queria envolvê-lo.
– E esta história de que vai casar com o Beaumont?
Eu mordo os lábios, o que eu podia dizer ao meu pai?
– É verdade.
– Anna, o que está acontecendo com você? Está louca?
– Eu sei que ando agindo errado, mais do que ninguém, eu sei...
– Como pode aceitar se casar com aquele canalha?
– Pai, tanta coisa aconteceu...
– Eu não consigo entender, Anna. Sofre ameaça do Tom e não me diz nada, decide casar com Daniel Beaumont escondido... Você está fora de controle! O que está fazendo com a sua vida?
Eu sinto minha garganta se fechar. Michael não faz ideia do quão errada estou. Ele não faz ideia...
– Pai, está tudo bem agora. Eu estou bem. Tem que voltar a Olímpia.
– Não, se eu for, você vai comigo! Já chega de burradas!
– Não posso, pai.
– Anna, pelo amor de Deus!
– Michael, eu fico com ela. – Tyler tenta acalmá-lo.
– Você só faz o que ela quer. Foi sempre assim!
– Pai, eu sou adulta. Esta é minha casa. Não posso correr pra Olímpia como fiz há oito anos. Eu vou resolver meus próprios problemas agora.
Michael finalmente se dá por vencido.
E ele me abraça antes de ir.
– Filha, eu estou muito preocupado com você. Tem certeza que se casar é a melhor solução? Eu não sinto que você está feliz, você parece... perturbada. Eu quero somente o melhor pra você.
– Eu sei, pai.
Depois que Michael vai embora, Tyler me encara.
– Seu pai tem razão. Eu ainda não entendo como pode estar casando com o Daniel Beaumont.
– Nem eu.
– Eu sei que está grávida... foi por isto que aceitou?
– Sim, ele me pediu por que havia a possibilidade...
– E agora é real.
– Sim.
– E ainda vai casar?
Eu não consigo responder.
– Tyler, preciso descansar.
– Sim, eu vou ficar por aqui.
Eu me deito no meu quarto escuro, mas não durmo. Eu fico olhando para o teto.
E pensando na bagunça que eu fiz na minha vida.
Minha mão vai até minha barriga e eu penso em quão horrível eu sou.
Como eu me tornei essa pessoa?
Eu mal me reconheço.
Como eu posso me casar com Daniel?
Ele não faz ideia de quem eu sou.
Violet tinha razão. Eu me tornei igual a ela.
Quando Daniel liga naquela noite, eu sei o que preciso fazer. Mas por algum motivo, eu ainda não consigo.
– Oi, você está bem? – ele pergunta.
– E estou – minto.
– Eu queria passar aí, mas estou preso numa reunião até tarde.
– Tudo bem.
– Charlotte me disse que ia passar o dia no SPA.
– Sim, eu passei – minto de novo.
– Não parece muito animada.
– Sabe como é... é mais cansativo do que outra coisa.
– Eu imagino. Não deixe Charlotte te cansar demais.
– Escuta, Daniel... – eu quero perguntar se podemos nos ver amanhã. Eu tenho que falar pessoalmente com ele.
– Anna, preciso desligar, estão me chamando.
– Tudo bem, depois nos falamos.
Eu desligo.
Fiona fica histérica quando aparece naquela noite e eu a tranquilizo. Mesmo assim, ela percebe o quanto estou perturbada. Infelizmente não posso contar a verdade a ela.
– E o Daniel sabe? – pergunta.
– Não, não quero preocupá-lo.
– Ah Anna, ele tem que saber.
– Eu vou conversar com ele amanhã.
No dia seguinte, eu me sinto pior ainda. Charlotte aparece e começa a falar que tudo está preparado.
– Você está com uma cara péssima.
– Estou cansada.
– Era pra estar linda depois de ontem! Meu Deus! Está de TPM?
Eu penso na gravidez e meu estômago revira.
– É, deve ser isto – desconverso.
– Bom, eu vou embora porque tenho milhões de coisas pra fazer. E você vê se descansa e melhora esta cara! Amanhã é o grande dia! Ah, e nem tenta ligar pro Daniel, ele está proibido de falar com você hoje!
Ela vai embora e eu pego o celular, realmente disposta a falar com Daniel apesar da proibição de Charlotte. Ele não atende.
Está seguindo as ordens de Charlotte.
E agora o que eu faço?
Passo por cima de tudo e me casar? Como eu posso fazer isto?
Mesmo com o bebê...
Eu ainda sinto meu estômago revirando só de pensar nisto.
O que Daniel vai dizer se souber? E será que me deixará ir?
Não, ele vai me forçar a ficar.
E se eu ficar?
Oh Deus, eu não sei o que fazer!
Naquela noite eu tenho pesadelos.
Sonho com minha própria mão apunhalando minha barriga com força e o sangue jorrando entre minhas pernas.
E no dia do meu casamento eu percebo que estou louca.
Mas me deixo guiar através do lindo jardim. Escuto a música ao fundo e Tyler se materializa a meu lado e segura meu braço.
– Ann?
Eu não consigo falar. Mas tenho certeza que meus olhos gritam.
Charlotte nos apressa.
– Vão, vão! Está na hora!
Tyler me guia por entre as pessoas enquanto eu apenas olho pra frente.
Para Daniel.
Será que tudo o que vivemos nos levou a este momento?
Será que era realmente nosso destino ficarmos juntos?
Tyler entrega minha mão a ele e sussurra algo que não entendo.
Daniel prende minha mão entre a dele e o padre começa a falar.
Eu me lembro do meu pesadelo.
E sei que não posso prosseguir com aquilo.
– Annalise Nicholls, aceita Daniel Beaumont como seu legítimo esposo?
– Não – eu murmuro e sinto alívio misturado com um vazio profundo.
O mundo silencia pra mim naquele momento.
Daniel me encara sem entender.
– Anna?
Eu respiro fundo.
– Sinto muito, Daniel. Não posso me casar com você.
E antes que ele tente me impedir, eu dou meia volta e caminho para longe.
†
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Vendetta
Livro IV
Capítulo um
Anna
Tudo é uma experiência surreal.
Eu vejo o rosto das pessoas a minha volta como borrões enquanto apresso o passo, apenas querendo ir pra longe. Até que seus murmúrios chocados não me alcancem.
É como se eu estivesse fora do meu corpo, vendo tudo acontecer do alto.
Alguém toca meu braço e eu olho pra cima e Tyler está me encarando gravemente. Por um segundo tenho medo que ele esteja ali para me parar, mas ele apenas me guia para longe da multidão.
– Vem, minha moto não está longe. – Ele diz.
O ronco do motor me faz sair um pouco do estupor e eu olho para trás. Os convidados ao longe, toda a decoração suntuosa e a casa dos Beaumont atrás.
Tyler dá partida e sai cantando pneu.
Ninguém tenta nos impedir.
Daniel
É tudo como um pesadelo no qual não se pode acordar.
Eu escuto suas palavras como um eco, enquanto a vejo virando e se afastando de mim.
E na minha mente é como se fosse em câmera lenta.
Meu coração vai batendo em câmera lenta, cada vez mais devagar. Até parar.
– Oh Meu Deus – escuto minha mãe exclamando muito próximo, seguida do burburinho chocados dos convidados. E todos os olhares se cravam em mim.
Eu finalmente começo a me mover, mas uma mão me impede.
– Não, Daniel, foi melhor assim – Violet diz.
Eu a ignoro e solto meu braço.
– Gente, não estou acreditando! – Escuto Charlotte em algum lugar, mas continuo andando. Não posso deixar Anna ir assim.
Mas ela se foi. Ao longe eu vejo a moto de Tyler Davis a levando embora.
Como há oito anos.
E do mesmo jeito. Ou talvez pior.
– Filho, se acalme – Meu pai toca meu braço e eu vejo que meus irmãos também estão ali.
– Me acalmar? – As palavras saem doloridas de dentro de mim.
Ainda é difícil acreditar que algo assim esteja acontecendo. Que Anna tenho dito não para mim.
No dia do nosso casamento. Eu mal consigo respirar.
– Eu preciso ir atrás dela.
– Não acho que ela deseje isto, irmão – Elton diz num tom sombrio.
– Elton – Papai chama sua atenção.
– O quê? Ela acabou de largá-lo no altar, pelo amor de Deus! Bem que Violet disse...
– Já chega – A voz de Caleb se ergue e Elton se cala.
Sim, claro.
Eu sei o que Violet tinha dito.
Que não haveria casamento. E dói saber que ela estava terrivelmente certa.
– De certa forma Elton tem razão. – Owen diz calmamente. – Acho que está todo mundo muito chocado ainda. Deixe as coisas acalmarem e depois pense no que fazer.
– Sim, Owen tem razão, filho. Você está nervoso e tenho pra mim que Anna também. Vamos entrar e deixar que Charlotte e sua mãe lidem com os convidados.
Eu me deixo levar para dentro de casa, ignorando os olhares curiosos.
Um chama minha atenção.
Olhos verdes e cabelos loiros muito claros. Ela sorri e acena ao me ver passar.
Que diabos Eloise está fazendo ali?
Anna
Eu só quero me livrar daquele vestido. E assim que entramos no meu apartamento, eu corro para o quarto e tento sem sucesso abrir a porcaria dos botões nas costas e começo a chorar.
– Inferno!
Sento na cama e escondo o rosto nas mãos. Me sinto miserável.
E temo nunca mais me sentir bem de novo.
A cama se move e Tyler coloca o braço em volta do meu ombro.
– Ei, vai ficar tudo bem.
Eu o encaro através das lágrimas.
Toda esta cena se parece demais com oito anos atrás.
– Daniel nunca vai me perdoar pelo o que eu fiz.
– É isto que deseja? Que ele a perdoe?
Sim, eu quero – penso, com tristeza.
De alguma maneira eu estou arrasada porque sei que magoei Daniel.
E ele deve me odiar agora.
Como as coisas podiam mudar tanto?
Há oito anos fora ele quem me magoara. Agora era o contrário.
Eu podia me sentir vingada.
No entanto eu só me sinto devastada.
– Por que o deixou Anna? – Tyler indaga devagar.
– Você sabe de tudo melhor do que ninguém. Eu não podia me casar com Daniel.
– Eu posso até concordar. Só acho que deveria ter desistido de tudo antes.
– Eu sei. – Suspiro com pesar. – Eu sei.
– E o que vai acontecer agora?
– Eu vou tirar este maldito vestido. E vou fazer minha mala.
– De volta a Olímpia como há oito anos. – Tyler não parece satisfeito com minha escolha. Mas eu sei que ele me apoiará no que eu decidir.
– Sim, por enquanto.
Daniel
Eu olho através da janela toda a movimentação lá fora.
Aos poucos, os convidados vão se retirando até não restar mais nada. A não ser a decoração agora já não tão perfeita de Charlotte.
Como aquilo tinha acontecido?
Como eu não previra aquela reviravolta?
Minha mente se volta para todas aquelas semanas. E eu absorvo a realidade como um soco no peito. Sim, estava tudo ali na minha frente e eu havia sido idiota demais para não ver. Ou talvez eu não quisesse ver. Era confortável ficar na minha pequena bolha onde Anna havia me perdoado e aceitado ficar comigo pra sempre.
Ela nunca me perdoara. E talvez nunca tenha me amado também.
Eu apenas insistira. E quebrara sua resistência. Mas agora começo a ver tudo sob outro prisma.
Começo a enxergar tudo pelo prisma de Violet. Em sua certeza de que Anna queria apenas uma vingança.
Uma vendetta.
E ela tinha conseguido, não?
Ela poderia ter desmarcado aquele casamento a qualquer momento naquelas duas semanas. Ou nunca ter concordado.
No entanto, ela escolheu dizer não justamente agora.
– Finalmente conseguimos nos livrar de todos. – Violet entra na sala onde estou sozinho.
Meus pais e irmãos foram espertos o suficiente para entender que não quero falar com ninguém. Obviamente eu não podia esperar o mesmo de Violet.
Ela toca meu ombro.
– Como você está se sentindo?
Eu me afasto, passando a mão pelos cabelos.
– Como acha que estou, Violet?
– Eu podia dizer “eu avisei”, mas não direi.
– Você deve estar muito feliz – digo, com amargor.
– Feliz não é o termo certo. Acho que... aliviada. – Ela se aproxima até ficar na minha frente. – Daniel, bem lá no fundo você sabia o que esta história não poderia dar certo.
– Poderia ter dado se você não tivesse inventado aquela vendetta.
– Ah, pare de repetir isto! Se eu não tivesse me vingado daquele canalha do Tom e da mulher dele, você nunca nem teria posto os olhos em Anna! Teria continuado com Eloise e talvez agora até estivessem casados!
Eu quero perguntar a ela o que Eloise estava fazendo ali depois de tantos anos, mas não estou a fim de falar sobre ela no momento.
– Pare de me culpar por tudo! Foi você que botou os olhos nela de novo e insistiu nesta sua ideia romântica de perdão e felizes para sempre! A culpa não é minha se tudo saiu errado.
– Você desejou que tudo saísse errado desde o começo!
– Não! Eu previ que não ia dar certo, é diferente.
– Não pode aceitar a Anna porque ela é filha da Stella.
– Pode até ser! Mas eu sempre soube que ela não ia te perdoar! Porque de rancor eu entendo bem – ela afirma amargamente. – E a Anna nunca me pareceu alguém que estava louca por você.
– Você não sabe de nada.
– Quer saber? Eu estive na casa dela em Miami quando ela estava lá.
– O quê?
– Sim, aquela noite em que sumi, eu viajei pra Miami. Eu fui pedir pra ela se afastar de você.
– Você fez o quê?
– Eu não podia deixar isso prosseguir. Sim, eu fui intrometida, eu sei. Mas você me conhece! E sabe o que aconteceu? Ela me disse que você a pediu em casamento e para me irritar, ela pegou o telefone e ligou pra você aceitando. Na minha frente! Ela só aceitou se casar com você pra me afrontar!
Eu estou em choque com as palavras de Violet. Será que é verdade?
É horrível demais para acreditar.
– Se eu tivesse contado pra você quando voltei, certeza que nem teria acreditado. Estava cego. Acreditando naquilo que queria ver. Que estava vivendo uma história romântica com a Anna, quando na verdade era tudo mentira. De novo.
As palavras de Violet são como facadas em meu peito.
Eu não quero acreditar nela. Embora tudo começasse a fazer um terrível sentido. Quão enganado eu podia estar em relação a Anna? Será que eu realmente inventara tudo na minha mente?
De repente eu sei que preciso tirar isto a limpo.
– Ei, aonde vai? – Violet pergunta quando me afasto, mas não respondo.
Eu subo para o quarto e troco de roupa.
Eu vou atrás de Anna.
Juliana Dantas
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