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Series & Trilogias Literarias
Está tudo acabado.
Fecho meus olhos e tento respirar e conter as batidas erráticas do meu coração estraçalhado.
Fora um caminho longo até aquela noite. Mais de oito anos.
Que pareceram séculos. Tempo demais.
Tempo de dor, ressentimento e medo.
Abro meus olhos. O ar frio da noite invernal em Seattle se infiltra pelas janelas abertas e gela meus ossos.
Meu olhar encontra o de Violet do outro lado da sala.
Eu devia ter previsto que esta história ia acabar mal.
Tudo começou com uma vendetta. E está acabando em vendetta.
Capítulo um
Anna
Tudo é uma experiência surreal.
Eu vejo o rosto das pessoas a minha volta como borrões enquanto apresso o passo, apenas querendo ir pra longe. Até que seus murmúrios chocados não me alcancem.
É como se eu estivesse fora do meu corpo, vendo tudo acontecer do alto.
Alguém toca meu braço e eu olho pra cima e Tyler está me encarando gravemente. Por um segundo tenho medo que ele esteja ali para me parar, mas ele apenas me guia para longe da multidão.
– Vem, minha moto não está longe. – ele diz.
O ronco do motor me faz sair um pouco do estupor e eu olho para trás. Os convidados ao longe, toda a decoração suntuosa e a casa dos Beaumont atrás.
Tyler dá partida e sai cantando pneu.
Ninguém tenta nos impedir.
Daniel
É tudo como um pesadelo no qual não se pode acordar.
Eu escuto suas palavras como um eco, enquanto a vejo virando e se afastando de mim.
E na minha mente é como se fosse em câmera lenta.
Meu coração vai batendo em câmera lenta, cada vez mais devagar. Até parar.
– Oh Meu Deus – escuto minha mãe exclamando muito próximo, seguida do burburinho chocados dos convidados. E todos os olhares se cravam em mim.
Eu finalmente começo a me mover, mas uma mão me impede.
– Não, Daniel, foi melhor assim – Violet diz.
Eu a ignoro e solto meu braço.
– Gente, não estou acreditando! – escuto Charlotte em algum lugar, mas continuo andando. Não posso deixar Anna ir assim.
Mas ela se foi. Ao longe eu vejo a moto de Tyler Davis a levando embora.
Como há oito anos.
E do mesmo jeito. Ou talvez pior.
– Filho, se acalme – Caleb toca meu braço e eu percebo que meus irmãos também estão ali.
– Me acalmar? – as palavras saem doloridas de dentro de mim.
Ainda é difícil acreditar que algo assim esteja acontecendo. Que Anna tenha dito não para mim.
No dia do nosso casamento. Eu mal consigo respirar.
– Eu preciso ir atrás dela.
– Não acho que ela deseje isto, irmão – Elton diz num tom sombrio.
– Elton – Caleb chama sua atenção.
– O quê? Ela acabou de largá-lo no altar, pelo amor de Deus! Bem que Violet disse...
– Já chega – a voz de Caleb se ergue e Elton se cala.
Sim, claro.
Eu sei o que Violet tinha dito.
Que não haveria casamento. E dói saber que ela estava terrivelmente certa.
– De certa forma Elton tem razão. – Owen diz calmamente. – Acho que está todo mundo muito chocado ainda. Deixe as coisas acalmarem e depois pense no que fazer.
– Sim, Owen tem razão, filho. Você está nervoso e tenho pra mim que Anna também. Vamos entrar e deixar que Charlotte e sua mãe lidem com os convidados.
Eu me deixo levar para dentro de casa, ignorando os olhares curiosos.
Um chama minha atenção.
Olhos verdes e cabelos loiros muito claros. Ela sorri e acena ao me ver passar.
Que diabos Eloise está fazendo ali?
Anna
Eu só quero me livrar daquele vestido. E assim que entramos no meu apartamento, corro pro quarto e tento sem sucesso abrir a porcaria dos botões nas costas e começo a chorar.
– Inferno!
Sento na cama e escondo o rosto nas mãos. Me sinto miserável.
E temo nunca mais me sentir bem de novo.
A cama se move e Tyler coloca o braço em volta do meu ombro.
– Ei, vai ficar tudo bem.
Eu o encaro através das lágrimas.
Toda esta cena se parece demais com oito anos atrás.
– Daniel nunca vai me perdoar pelo o que eu fiz.
– É isto que deseja? Que ele a perdoe?
Sim, eu quero – penso, com tristeza.
De alguma maneira eu estou arrasada porque sei que magoei Daniel.
E ele deve me odiar agora.
Como as coisas podiam mudar tanto?
Há oito anos fora ele quem me magoara. Agora era o contrário.
Eu podia me sentir vingada.
No entanto eu só me sinto devastada.
– Por que o deixou Anna? – Tyler indaga devagar.
– Você sabe de tudo melhor do que ninguém. Eu não podia me casar com Daniel.
– Eu posso até concordar. Só acho que deveria ter desistido de tudo antes.
– Eu sei. – eu suspiro com pesar. – Eu sei.
– E o que vai acontecer agora?
– Eu vou tirar este maldito vestido. E vou fazer minha mala.
– De volta a Olímpia como há oito anos. – Tyler não parece satisfeito com minha escolha. Mas eu sei que ele me apoiará no que eu decidir.
– Sim, por enquanto.
Daniel
Eu olho através da janela toda a movimentação lá fora.
Aos poucos, os convidados vão se retirando até não restar mais nada. A não ser a decoração agora já não tão perfeita de Charlotte.
Como aquilo tinha acontecido?
Como eu não previra aquela reviravolta?
Minha mente se volta para todas aquelas semanas. E eu absorvo a realidade como um soco no peito. Sim, estava tudo ali na minha frente e eu havia sido idiota demais para não ver. Ou talvez não quisesse ver. Era confortável ficar na minha pequena bolha onde Anna havia me perdoado e aceitado ficar comigo pra sempre.
Ela nunca me perdoara. E talvez nunca tenha me amado também.
Eu apenas insistira. E quebrara sua resistência. Mas agora começo a ver tudo sob outro prisma.
Começo a enxergar tudo pelo prisma de Violet. Em sua certeza de que Anna queria apenas uma vingança.
Uma vendetta.
E ela tinha conseguido, não?
Ela poderia ter desmarcado aquele casamento a qualquer momento naquelas duas semanas. Ou nunca ter concordado.
No entanto, ela escolheu dizer não justamente agora.
– Finalmente conseguimos nos livrar de todos. – Violet entra na sala onde estou sozinho.
Meus pais e irmãos foram espertos o suficiente para entender que não quero falar com ninguém. Obviamente eu não podia esperar o mesmo de Violet.
Ela toca meu ombro.
– Como está se sentindo?
Eu me afasto, passando a mão pelos cabelos.
– Como acha que estou, Violet?
– Eu podia dizer “eu avisei”, mas não direi.
– Você deve estar muito feliz – digo, com amargor.
– Feliz não é o termo certo. Acho que... aliviada. – ela se aproxima até ficar na minha frente. – Daniel, bem lá no fundo você sabia o que esta história não poderia dar certo.
– Poderia ter dado se você não tivesse inventado aquela vendetta.
– Ah, pare de repetir isto! Se eu não tivesse me vingado daquele canalha do Tom e da mulher dele, você nunca nem teria posto os olhos em Anna! Teria continuado com Eloise e talvez agora até estivessem casados!
Eu quero perguntar a ela o que Eloise estava fazendo ali depois de tantos anos, mas não estou a fim de falar sobre ela no momento.
– Pare de me culpar por tudo! Foi você que botou os olhos nela de novo e insistiu nesta sua ideia romântica de perdão e felizes para sempre! A culpa não é minha se tudo saiu errado.
– Você desejou que tudo saísse errado desde o começo!
– Não! Eu previ que não ia dar certo, é diferente.
– Não pode aceitar a Anna porque ela é filha da Stella.
– Pode até ser! Mas eu sempre soube que ela não ia te perdoar! Porque de rancor eu entendo bem – ela afirma amargamente. – E a Anna nunca me pareceu alguém que estava louca por você.
– Você não sabe de nada.
– Quer saber? Eu estive na casa dela em Miami quando ela estava lá.
– O quê?
– Sim, aquela noite em que sumi, eu viajei pra Miami. Eu fui pedir pra ela se afastar de você.
– Você fez o quê?
– Eu não podia deixar isto prosseguir. Sim, eu fui intrometida, eu sei. Mas você me conhece! E sabe o que aconteceu? Ela me disse que você a pediu em casamento e para me irritar, ela pegou o telefone e ligou pra você aceitando. Na minha frente! Ela só aceitou se casar com você pra me afrontar!
Eu estou em choque com as palavras de Violet. Será que é verdade?
É horrível demais para acreditar.
– Se eu tivesse contado pra você quando voltei, certeza que nem teria acreditado. Estava cego. Acreditando naquilo que queria ver. Que estava vivendo uma história romântica com a Anna, quando na verdade era tudo mentira. De novo.
As palavras de Violet são como facadas em meu peito.
Eu não quero acreditar nela. Embora tudo começasse a fazer um terrível sentido. Quão enganado eu podia estar em relação a Anna? Será que eu realmente inventara tudo na minha mente?
De repente eu sei que preciso tirar isto a limpo.
– Ei, aonde vai? – Violet pergunta quando me afasto, mas não respondo.
Eu subo pro quarto e troco de roupa.
Eu vou atrás de Anna.
Anna
Eu finalmente consegui trocar de roupa, quando Fiona chega.
Ela está chocada e parece chorar mais do que eu, quando me abraça e Tyler sai do quarto, indo pra sala com o noivo de Fiona.
– Anna, o que foi aquilo?
– Foi preciso, Fiona.
– Mas... Se não queria casar, era só dizer antes! Tinha que esperar pra dizer não no altar? Nossa, eu quase morri do coração!
– Me desculpa, eu sei que agi errado, deixei as coisas irem longe demais.
– Sim, Anna, tudo mundo ficou em choque.
Eu mordo os lábios, incerta se devo perguntar, mas sabendo que não resistirei.
– E o Daniel?
– O que você acha? Ele ficou petrificado no lugar, sem acreditar, né? Anna, juro que fiquei com pena, mesmo sabendo que ele foi um idiota com você antes. Acho que você pegou pesado demais.
Fecho os olhos e respiro fundo, me inundando um pouco mais de culpa. Mas como eu poderia ter seguido em frente? Eu sei que tomei a decisão correta, mesmo tendo agido errado.
– E aí ele parecia querer ir atrás de você, então a tal Violet segurou o braço dele e disse alguma coisa.
Ah, por que eu não me surpreendo? Violet deveria estar no céu agora.
– Ele foi mesmo assim, e tudo mundo ficou lá, cochichando e esperando o que ia acontecer até que Daniel passou por nós escoltado pelos irmãos e sumiu dentro de casa.
– Ele não me alcançou – digo, sentindo um certo pesar.
E se ele tivesse me alcançado, o que teria acontecido?
– E aí, a mãe dele pediu toda educada que todos fossem embora. E foi isto. Eu vim correndo pra cá, estava morrendo de preocupação.
– Eu estou bem. – sussurro e Fiona rola os olhos, descrente.
– E quer enganar a quem? Você está horrível. O que aconteceu foi horrível.
– Eu sei. Eu sei... Talvez você e nem ninguém entenda, mas eu tinha que fazer. Eu... Não me sinto preparada para conversar sobre isto no momento, um dia eu te explico.
– E o que vai acontecer agora?
– Eu vou pra Olímpia.
– Bom, eu desejo que você fique bem, seja lá com o que for que estiver te perturbando.
– Obrigada. Agora, por favor – eu me levanto. – Me ajuda com este vestido.
Ela me ajuda a tirar o vestido e eu solto o cabelo, preso num delicado coque feito por Charlotte Beaumont. Eu também preciso tirar toda aquela maquiagem, mas deixarei pra depois.
Fiona diz que vai fazer um chá pra mim e eu começo a fazer minha mala.
E enquanto retiro minhas roupas do guarda-roupa e vou guardando tudo, as lágrimas voltam quando me dou conta do meu fracasso.
Eu voltei pra Seattle pra provar a mim mesma que estava tudo superado. Que eu era uma nova pessoa, adulta e bem resolvida. Que Daniel Beaumont e o que ele tinha feito não tinham mais nenhum poder sobre mim.
E havia descoberto que foi justamente o contrário.
Eu tinha feito tudo errado. Mais errado do que podia imaginar.
E estava perdida agora.
– Eu não acho que... – escuto a voz de Fiona na sala e volto à realidade.
– Deixa, Fiona, eles precisam conversar – agora é Tyler que diz e, antes que eu me dê conta do que está acontecendo, vejo Daniel aparecer na minha frente.
Por um momento nos encaramos num silêncio tenso e eu sinto meu coração batendo disparado no peito. O olhar dele está cheio de raiva. E perguntas.
E eu sei que ele não sairá dali sem que sejam respondidas.
Eu estremeço de medo. Simplesmente ainda não estou pronta para encarar Daniel.
Não sei se um dia estarei.
– Daniel. - pronuncio seu nome com um engasgo. Ainda seguro em minha mão a blusa que estava dobrando, e seu olhar segue para a mala sobre minha cama.
E sua carranca piora mais ainda.
Ah, isto não vai ser nada fácil.
– Está fugindo? – indaga friamente.
Eu engulo o nó na minha garganta para responder.
– Não é...
– Uma fuga? E o que é então? - agora ele mal contém a raiva. – Me diz Anna, está lamentando não ter corrido, sabe Deus pra onde, com seu amiguinho de sempre com rapidez suficiente para não ter que me encarar de novo?
Eu não consigo responder, meus dedos amassam o tecido nervosamente.
– Por que Anna? Eu só quero ouvir da sua boca, se não queria casar comigo, por que diabos levou isto até o fim?
– Eu sei que fui horrível...
– Horrível? Tem noção do que eu senti quando disse não, ali, daquele jeito? E depois simplesmente virou as costas e fugiu?
– Eu sinto muito... Não era pra ser assim, eu sei...
Ele dá um passo em minha direção.
– E era pra ser como? Porque eu acho que foi exatamente do jeito que você planejou!
– O quê? Eu não planejei...
– Não era uma vingança? Uma vendetta para humilhar a mim e minha família?
– Não! Da onde tirou isto?
– Violet...
– Ah claro. - eu agora começo a me irritar com suas acusações. – Tinha que ser ela! Pois eu não sou a sua irmã! – grito. – Eu não planejei te deixar no altar!
– Mas aceitou se casar comigo para irritá-la. Ela me contou hoje o que aconteceu em Miami.
Eu fico vermelha e desvio o olhar.
O que eu posso dizer? É melhor dizer a verdade agora.
Eu finalmente largo a blusa e o encaro.
– Sim, ela não mentiu. E eu não me orgulho disto.
Ele recua, e vejo que está chocado por eu ter confirmado. Isto me deixa mais mal ainda.
– Eu... Eu sei que deveria ter sido honesta com você... tudo aconteceu tão rápido e tão fora de controle...
– Você poderia ter dito não, Anna, teve várias oportunidades!
– Tive? Quando você apareceu aqui com um anel dizendo que tinha salvado meu emprego dizendo a Taylor que éramos noivos? Acha que isto é me dar alguma oportunidade? Você me pressionou o tempo inteiro, Daniel.
– Nunca te obriguei a nada! E como pode dizer que não é igual a Violet, sendo que apenas pra irritá-la, resolveu aceitar meu pedido?
Eu sinto um aperto por dentro. Daniel tem razão. E ele ainda nem sabe o quão próximo de Violet eu chegara, afinal.
– Eu fiz tudo errado, eu... Eu queria conversar com você e dizer que... Eu nem sei. Eu estava tão confusa e vulnerável!
– Por que não me disse como se sentia?
– Eu não sei! Eu apenas... me deixei levar! Havia uma parte de mim que queria casar com você. – eu confesso baixinho e de repente alguma coisa muda em seu olhar.
Ainda há raiva. Ainda há ressentimento. Também há anseio. Dúvidas.
– E por que não casou? – ele pergunta sofrido.
Eu luto contra as emoções crescendo dentro de mim. Um nó doloroso embolando tudo.
– Eu não podia...
– Você tem medo – ele diz cheio de amargura. – Desde o começo você tinha medo! Eu deixei claro pra você que eu tinha mudado, que eu não era mais aquela cara de oito anos atrás movido por uma vingança estúpida! Eu disse que queria você – ele abaixa o tom de voz. – Que amava você.
Meu coração se encolhe e eu fecho os olhos, incapaz de continuar olhando pra ele.
– Mas você preferiu continuar me odiando... Mesmo quando estávamos juntos, mesmo quando eu sabia que você sentia algo por baixo de toda aquela frieza e polidez, eu continuava com medo de que nada ia mudar. Que você não ia mudar.
– Então por que quis casar comigo? – eu indago, o encarando com os olhos marejados, já não me importando. – Por que não me deixou em paz? Eu disse que eu era incapaz de perdoar. Eu nunca disse que te perdoaria. Você sempre soube que eu...
– Que o quê? Que você ainda me odiava? Nós dormimos juntos, Anna. Fizemos sexo. Mais de uma vez. Você tem um jeito estranho de odiar!
– O que quer que eu diga? Acha que eu não tentei ficar longe de você? Eu tentei e muito, aparentemente você ainda tem o mesmo maldito poder sobre mim! E mesmo quando eu queria te odiar, eu sempre acabava na sua cama, ou, – e solto um suspiro cansado. – Ou no seu escritório, ou no seu chuveiro!
– Então era apenas sexo? Sempre foi só isto pra você?
Eu mordo os lábios com força. Eu podia mentir. Podia dizer que não sentia nada e talvez Daniel me deixasse em paz pra sempre.
– Não, não era só sexo – respondo enxugando uma lágrima perdida no meu rosto. – Seria tão mais simples se fosse...
– Então por que fugiu? – ele se aproxima ainda mais.
Sua simples presença me sufoca de lembranças de tantas maneiras que estivemos juntos.
E que nunca mais estaremos.
– Eu já disse que não posso! – eu cruzo os braços sobre o peito.
– Não pode por quê? Por causa da vendetta?
– Isto é só... a ponta do iceberg...
– Deus, Anna, você me deixa louco! Eu não consigo te entender!
– Você não sabe quem eu sou, Daniel. Não sabe do que eu sou capaz!
– Do que está falando? – ele me fita confuso.
Então naquele momento, eu decido dizer a verdade. Acho que é a única maneira de ele entender.
Eu descruzo os braços e caminho até a porta fechando-a. Voltando-me para ele, abro minha blusa e Daniel me fita confuso até que vê o curativo na minha barriga.
– Deus, Anna, o que é isto?
– Um ferimento feito à faca – minha voz é inexpressiva e os olhos de Daniel estão chocados.
– O que aconteceu com você? Quem fez isto com você?
– Eu mesma.
Seus olhos se turvam ainda mais.
– O que está dizendo?
– Tem muita coisa que eu não te contei, Daniel. A começar sobre a presença de Tom na vida da minha mãe de novo.
– Tom voltou com a sua mãe? Achei que tinham se divorciado.
– Minha mãe demorou a entender o tipo de canalha que ele era, e por isto nós praticamente deixamos de nos falar.
– Sim, isto eu sei.
– E depois que eu saí da faculdade, ele me procurou em Olímpia. Disse que minha mãe descobriu um caso dele e o chutou. Eu fiquei... aliviada. Então ele veio com um papo de que nós poderíamos nos unir e tirar dinheiro dos Beaumont.
– O quê? – Daniel diz indignado.
– Eu disse não, claro. Eu não ia querer mais nada de vocês.
– Ele sabe que seu pai já tinha aceitado uma indenização do meu pai?
– Você sabe disto?
– Claro que sim.
– Eu não... Eu nunca ia querer nada. Meu pai insistiu, para poder me mandar pra Europa estudar e... ficar longe.
– Você merecia muito mais se pedisse, depois do que fizemos, mas isto agora não importa.
– Não... Enfim, Tom também... ele meio que insinuou que eu sentia algo por ele. Eu fiquei... enojada e o botei pra correr. Foi aí que eu descobri que minha mãe estava doente.
– E como é que este imbecil voltou com sua mãe?
– Por minha culpa. Ela estava sozinha e doente e nosso relacionamento era péssimo. E depois eu vim para Seattle e tinha todos estes problemas... Eu não queria falar com ela e Tom se aproveitou disto e voltou.
– E sua mãe o aceitou?
– Minha mãe é fraca e Tom tem uma espécie de poder sobre ela... Quando eu estive em Miami, ele estava sempre por perto... eles praticamente estavam juntos de novo. Eu não podia permitir.
– E o que aconteceu?
– Ele apareceu aqui há dois dias e me ameaçou. Ficou sabendo do casamento e queria dinheiro. Eu falei que ele estava louco e que podia sumir, ele realmente ficou muito irritado.
– Ele te agrediu? – Daniel indaga com fúria.
– Não como fez com Violet – murmuro.
– Mas você está machucada... disse que isto foi à faca...
– Eu fiquei com medo. Eu estava desesperada e queria me livrar dele, então eu pedi que ele voltasse. Fingi que tinha concordado, que teríamos um acordo – eu mal consigo falar. Agora que estou confessando tudo a Daniel o que fiz me parece tão doentio que sinto nojo de mim mesma. – E eu peguei a faca que ele usou... e me machuquei... – minha voz se alquebra.
Daniel me encara chocado.
– Você o quê?
– Eu cortei minha própria barriga para incriminá-lo – lágrimas grossas molham meu rosto, o olhar de Daniel é de horror.
E ele nem sabe do pior. Ele nem sabe que eu estou grávida.
Isto eu não posso contar. Não ainda.
– Anna... – ele parece em choque.
Eu fungo.
– Tyler chegou. Tom fugiu. E eu fui até uma delegacia e dei queixa. Ele foi preso ontem.
Daniel passa os dedos pelos cabelos, respirando fundo.
– Anna, como pôde fazer algo assim? Não pensou no perigo para você? Poderia ter se ferido gravemente, poderia...
– Eu fiz um corte superficial – digo, com a voz sem vida.
– Você esteve num médico? Ele te examinou de verdade...
– Sim, está tudo bem, eu tive alta.
– E, em algum momento nesta sua ideia doentia você pensou em me chamar? Pensou em contar comigo pra proteger você?
– Não.
Daniel parece atingido por um tapa na cara.
– Então você vê agora como eu não podia seguir em frente? Não posso me casar com você, Daniel. Estava tudo errado antes e agora... Eu nem sei mais quem eu sou. Eu fui capaz de algo horrível. Exatamente como sua irmã Violet. Eu me tornei tão perturbada quanto ela...
– Deus, Anna... – ele se aproxima.
Eu não me mexo.
Seu olhar está cheio de incredulidade, choque e... pena.
E, para minha surpresa seus dedos tocam minha barriga.
Eu poderia contar a ele agora. Eu poderia contar o que eu fiz de pior.
Eu quase machuquei seriamente o bebê que estava ali. Mas me calo.
Ele me encara com pesar.
– Eu sinto muito.
– Não sinta. Eu me enfiei nesta confusão e agora preciso sair dela.
– Indo embora e me deixando – não é uma pergunta.
Eu aceno com a cabeça.
– Eu preciso ir. Eu não estou bem, Daniel. E você agora sabe o quão ruim as coisas estão pra mim. Eu simplesmente preciso me afastar de tudo. Até de você.
Agora seus dedos cingem meu rosto, secam minhas lágrimas.
– Eu não tenho certeza se consigo... Simplesmente, deixar você ir.
– Você já deixou – e, mesmo estando sentindo uma dor terrível por dentro, eu sinto seu toque em mim e sua proximidade preciosa.
É quase como um bálsamo. E será a última vez.
Sem pensar, eu fico na ponta dos pés e beijo seus lábios. Respiro nele. Aspiro ele.
Apenas mais uma vez, mais um beijo e então o fim.
Então ele me segura forte e me beija com vontade. Com quase desespero.
Eu gemo e faço o mesmo.
Meus dedos em seus cabelos, meu corpo oscilando sem força em direção ao dele.
E Daniel me segura. E não me deixa ir.
E então há apenas desejo e saudade.
Faz tempo demais que eu não sinto sua boca na minha, seus dedos traçando a linha das minhas costas, se prendendo em meus quadris. Eu quase tinha esquecido como era quando estávamos juntos assim. Era a perfeição.
Com um suspiro vencido, eu o empurro em direção à cama. Daniel abre os olhos quando me arrasto para seu colo, sua mão retira minha blusa, seus beijos tocam meus ombros, meu pescoço, e eu arqueio para trás, para senti-los em meu seio.
A excitação toma conta de meus sentidos, deixando todos os pensamentos coerentes de fora.
Eu não preciso deles agora. Eu preciso apenas sentir Daniel dentro de mim.
E acho que eu digo isso em seu ouvido, pois ele geme e, me agarrando com força, me deita na cama e começa a retirar minhas roupas e depois as dele.
Eu fico ali, esperando ele se despir. Tão lindo e perfeito como uma estátua grega.
E estremeço quando ele vem, os lábios deslizando por minha pele, me molhando com seus beijos quentes, íntimos, deixando marcas em mim. E eu fecho os olhos e suspiro seu nome, uma dorzinha de pesar se misturando ao prazer quando ele toca minha barriga, seus dedos tocando com cuidado o curativo e eu sinto quase hesitação nele.
E um instante de incerteza em mim.
Com não quero pensar, o puxo para cima, beijo sua boca e toco sua ereção, conduzindo-o para dentro de mim.
E é tão perfeito como sempre, nossos corpos se encaixam como peças perdidas de um único objeto, seus movimentos são precisos e me fazem arquear o corpo, em busca de mais. Mais prazer, mais dele.
– Tudo bem? – ele pergunta contra minha boca, ofegando e gemendo comigo e eu digo que sim, o cingindo com meus braços e pernas e içando os quadris em sua direção, o obrigando a aumentar o ritmo. Ele rosna e goza dentro mim.
E eu me desmancho embaixo dele.
Eu não sei quanto tempo se passa depois. Nenhum de nós parece disposto a quebrar o silêncio.
Eu sei que nosso tempo junto está contado. Acho que sempre esteve.
Então fico ali, ouvindo seu coração voltar a bater normalmente. Sua pele suada voltar à temperatura normal e seus olhos se abrirem e se cravarem em mim cheio de dúvidas e anseios.
Ele está deitado ao meu lado e eu estico meu braço e tiro uma mecha de cabelo de sua testa.
– Você vai mesmo embora, não é?
– Sim.
Por um momento eu temo que tente me convencer do contrário.
Eu temo que realmente me convença.
Mas ele se vira olhando o teto.
– Eu errei ao não ser sincera com você. Eu tinha que ter acabado com esta história de casamento há tempos. Eu... Não posso, Daniel. Eu sinto demais, não tem como dar certo entre nós. E eu acho que lá no fundo você sabe. Tem coisas demais... – eu respiro fundo. – Não posso ficar aqui. Eu achei que podia encarar Seattle, você, sua família... E só piorei tudo. Eu realmente preciso partir.
Daniel fica em silêncio por um tempo e então me puxa para perto. Eu deito a cabeça em seu braço e miro o teto.
– Eu acho que eu entendo – diz por fim. – Eu também errei, Anna. Eu acreditei que podia consertar tudo. Que bastaria eu ainda querer você... agora sei que não podemos apagar o passado. E eu realmente me sinto mal por ser um pouco culpado pela maneira que se sente agora.
– A culpa não é toda sua. Eu fiz da minha vida um inferno. E preciso sair dele.
– Então isto é uma despedida – diz baixinho e eu sinto vontade de chorar.
No fundo, eu sei que estou fazendo o certo. Eu preciso finalmente deixar o passado ir.
Preciso consertar a mim mesma. Já passei tempo demais me lamentando.
– Você precisa me prometer que não vai atrás de mim – peço.
– Anna...
– Por favor. Eu preciso ir. Preciso seguir com a minha vida.
– Tudo bem, eu prometo. Não posso mais forçá-la a nada que vá prejudicá-la ainda mais. Se precisa ir embora pra ficar bem. Que seja. Talvez seja este meu castigo, não é? Pelo o que eu fiz há oito anos...
Eu não falo nada. Não quero mais ficar discutindo o passado.
Agora eu quero olhar pra frente.
Eu sei que preciso contar a Daniel que estou grávida. Também sei que se ele souber, não vai me deixar ir.
Não pretendo esconder dele pra sempre. Ele tem o direito de saber.
Uma hora eu terei que voltar e contar.
Até lá Daniel já terá me esquecido.
E talvez eu a ele.
E poderemos ser apenas duas pessoas que têm um filho juntos.
Eu quero estar bem até meu bebê nascer.
Isto é tudo o que importa agora, percebo.
Fecho os olhos e deixo os braços de Daniel se despedirem de mim.
***************
Quase oito anos depois estou fazendo o mesmo caminho de volta pra casa.
Estou voltando para Olímpia.
E como da outra vez, estou com o coração partido.
– Anna? – a voz de Tyler é um misto de preocupação e pesar.
– O quê?
– A vingança é tão boa como previu?
Eu não respondo. Estou ocupada demais lamentando não ter saído correndo daquele escritório quando reconheci Daniel Beaumont.
Tudo começou ali.
Eu me apaixonei por ele novamente e agora estou indo embora. E grávida.
E não sei o que vai acontecer com minha vida de agora em diante.
Capítulo dois
Daniel
Como um perseguidor obcecado, eu os observo de dentro do carro do outro lado da rua.
Já faz algumas horas que me despedi de Anna e prometi nunca mais ir atrás dela. E eu já sinto dificuldade de deixá-la ir embora, que dirá não ir atrás.
Ouvi-la falando comigo com sinceridade e dor, abriu uma cratera em meu peito. Mas eu finalmente entendi a proporção de todos seus problemas e angústia.
E também os motivos de ela não querer ficar comigo. Como Violet disse, eu passei aqueles dois meses me iludindo, acreditando que minha história com Anna poderia ter um final feliz. Que eu poderia consertar todos os meus erros do passado.
Porém, a vida não é assim tão fácil e isto ficou provado da pior forma possível.
Na ânsia de trazer Anna de volta pra mim, eu apenas piorei tudo em sua vida. E ainda havia usado a possibilidade de gravidez para forçá-la a algo que não estava pronta.
Gravidez esta, que ela deixara claro agora que não existia.
– Anna, eu preciso perguntar – eu disse antes de sair do seu quarto, depois de nos vestirmos em silêncio e ela pedir sem palavras que eu finalmente partisse. – E sobre a gravidez?
Eu sabia que se ela estivesse grávida, nunca poderia deixá-la ir. Seria pedir demais pra mim. Acho que eu já sabia a resposta quando ela desvia o olhar para o chão e suspira pesadamente.
– Eu não estou grávida. Há alguns dias eu... tive a certeza.
Eu senti o vazio em mim se intensificando.
– Talvez tenha sido melhor assim, não é? - foi a única coisa que consegui dizer. Afinal, ela queria ir embora. Se estivesse esperando um bebê, isto seria um problema. Porque eu nunca a deixaria ir se estivesse esperando um filho meu. Então, com certeza para ela fora um alívio.
Para mim nem tanto.
E ela apenas ficara ali, com seus grandes olhos me fitando angustiados antes de abrir a porta pra mim.
– Adeus, Daniel.
Eu ainda hesitara.
– Anna, me prometa que vai entrar em contato comigo, quando se sentir pronta. Por favor. Eu quero saber que está bem.
Ela sacudiu a cabeça afirmativamente e não disse nada quando me aproximei e beijei sua testa e acariciei seus cabelos uma última vez.
E parti.
Não totalmente. Eu ainda estou ali, parado do outro lado da rua. Até que ela aparece. Tyler Davis está atrás e carrega duas grandes malas, que coloca no carro.
Fiona está junto também e abraça Anna, que entra no carro com Tyler Davis e somem à distância.
E isto se parece demais com uma cena de oito anos atrás...
Estou a poucos metros de sua casa e uma chuva fina cai sobre mim, quando saio do carro. Owen havia pedido que eu não fizesse isto, que só iria piorar as coisas, mas eu precisava ver Anna, tentar me explicar. Embora eu soubesse que ela provavelmente nunca iria me perdoar.
Eu penso em como me aproximar sem chamar a atenção dos paparazzi que se aglomeram em frente à casa, deliciados com o escândalo de Tom.
Antes que eu dê um passo, escuto uma moto estacionando e Tyler Davis salta de lá e me esmurra na cara.
Eu caio para trás, surpreso, e abro os olhos pra vê-lo quase em cima de mim, pronto para mais.
– Seu filho da Puta! Como tem coragem de vir aqui?
– Eu só quero conversar com ela...
Tyler ri sem humor.
– Acha que ela quer falar com você? Você a enganou! Acabou com a vida dela e eu devia acabar com sua também!
– Eu sei. – murmuro. – Eu sei que Anna deve me odiar.
– Ela está arrasada. E se eu fosse você, dava o fora daqui e nunca mais a procurava. A situação na casa dela não está nada boa e ninguém quer te ver por lá. Não devia estar sendo legal contigo, só faço isto pela Anna. Não vai fazer bem nenhum para Anna agora.
Eu respiro fundo e vejo um fundo de verdade nas palavras de Tyler Davis.
O que eu poderia fazer para Anna agora? Era tarde demais.
– Sim, tudo bem. Eu vou.
Eu me arrasto até o carro e Tyler prossegue até a casa dela.
Mas eu não vou embora. Eu fico ali, por horas a fio, até que eu vejo um carro sair da garagem e, ao passar por mim, eu a vejo no banco do passageiro.
É apenas uma imagem rápida e desfocada pelo vidro.
Minha última visão de Anna Nicholls indo embora pra sempre com Tyler Davis.
Eu volto à realidade e finalmente dou partida no meu carro e vou embora.
– Filho já estava preocupada. – minha mãe está no meu apartamento quando eu chego.
Ela me abraça.
– E então, conversou com ela?
– Sim. Ela está indo embora.
– E ela deu alguma explicação para tudo?
Eu conto a minha mãe o que aconteceu e ela fica boquiaberta.
– Daniel, meu Deus, esta menina está perturbada, pra fazer o que fez. Até se parece com...
– Violet, não é? – digo, amargo.
– Sim, infelizmente sim.
– E a culpa é minha.
– Não, filho, não fale assim.
– Eu nunca deveria ter concordado com a vingança da Violet. Nunca deveria ter envolvido Anna nisto.
– Não adianta ficar lamentando o que não pode ser mudado – ela toca meu ombro. – Eu sei que está sofrendo agora, mas foi melhor assim. Ela precisa resolver a vida dela e você também precisa seguir com a sua.
Eu tento aceitar as palavras da minha mãe, mas é bem difícil aceitar que nunca mais terei Anna na minha vida.
Depois que minha mãe vai embora, eu encho um copo de whisky e pego meu celular. E lá estão elas, as fotos do Space Needle de oito anos atrás.
Anna sorri pra mim na tela do celular.
E eu bebo até adormecer.
Eu passo alguns dias nesta vida. Não quero ver ninguém e nem falar com ninguém. Meu telefone toca algumas vezes e eu sei que deve ser a minha família, mas ignoro.
Até que um dia eu acordo e, ao chegar na minha cozinha, Violet está ali.
– Boa tarde. – ela sorri irônica, me medindo. – Está um lixo.
– Que diabo faz aqui?
– Vim tirar você desta fase de autocomiseração. Acho que já chega.
– Não quero sua ajuda.
Ela revira os olhos e serve duas xícaras de café.
– Tome. Está bem amargo. Faz bem pra ressaca.
Eu pego a xícara a contragosto, evitando a vontade de tacar na cara dela.
– E aí, quando vai voltar à vida normal? Já faz quase uma semana que está aqui, bebendo e sofrendo por causa de Anna Nicholls...
– Não quero escutar suas criticas.
– Mas eu quero falar. – ela respira fundo e adota um tom mais comedido. – Olha, eu entendo você. – eu lhe lanço um olhar incrédulo. – Sim, eu entendo. Sei que deve estar sofrendo. Você acreditou num conto de fadas e ele desmoronou. E eu nem vou dizer que avisei.
– Está fazendo exatamente isto.
– Não. Eu só quero que pare de sentir pena de si mesmo. Acabou. Anna caiu na real e foi embora. E no fundo você sabe que foi melhor assim. Nunca ia dar certo.
– Você já disse isto tantas vezes, Violet, que está se tornando repetitiva.
– Eu sei. Mas você insiste em não entender! Até quando vai ficar aqui, bebendo e se escondendo? E seu trabalho?
– Eles não me esperam lá por uns dias. Era para eu estar em lua de mel, não é? – digo com uma careta de dor.
– Terá que voltar em algum momento. E seguir sua vida.
Eu sei que Violet tem razão. Eu não posso fica ali pra sempre.
– E se meu apelo não é o bastante. Pense em Lydia e Caleb, eles estão a ponto de mandar te internar, como fizeram comigo há oito anos.
– Você estava surtando e eu...
– Você é só um bêbado que levou um fora. Então acho que já passou da hora de voltar à vida. Anna Nicholls não vale isto...
– Ei, já chega. – eu digo perigosamente baixo. – Você tem a Anna em tão baixa conta, mas devia saber que ela conseguiu botar o Tom na cadeia.
– O quê? O que aquele canalha tem a ver com tudo isto?
– Ele voltou com a mãe de Anna.
– O quê?
– Sim, e estava ameaçando Anna, para que ela lhe desse dinheiro depois que casasse comigo. E ela armou pra cima dele. Ela usou uma faca em si mesma, e ele foi preso acusado de agressão.
Violet está chocada.
– Meu Deus... Anna Nicholls fez isto?
– Sim, ela fez. Este foi um dos motivos de ela ter ido embora. Ela se sente culpada. Se sente como você.
Violet engole seco.
– Eu não esperava algo desse tipo, mas, no fim, eu não estava errada, não é? Anna Nicholls foi capaz de uma vendetta! E ainda se sentia tão superior a mim...
– Ela é superior a você. Ela não usou ninguém para acabar com ele, como você fez.
– Vai jogar isto na minha cara pra sempre, não é?
Eu não respondo nada. Estou cansado daquele assunto.
– Melhor ir embora.
– Sim, eu vou. – ela pega sua bolsa. – E acho bom você ter ouvido meus conselhos e parar de ficar bebendo trancado aqui. Anna Nicholls agiu certo em ir embora e seguir a vida dela longe daqui. E sabe do que mais, estou feliz daquele canalha estar na cadeia. Todo mal do mundo é pouco para aquele homem!
***************
Eu volto a trabalho na manhã seguinte. Hannah me encara com um sorriso solidário na recepção.
– Bom dia, Daniel... Tudo bem? – indaga com cuidado e eu apenas aceno com a cabeça ao passar.
Vai ser difícil aguentar todos os olhares entre curiosos e penalizados, para não dizer os maldosos.
Kate, que pelo que me lembro, não estava no casamento, aparece na minha sala com uma xícara de café e um sorriso simpático.
– Bem-vindo de volta. Espero que esteja tudo depois do... – para incerta se deve continuar. – Bom, a gente se perguntava quando é que ia voltar e dizem que a Anna Nicholls pediu demissão...
– Kate, não quero falar sobre este assunto, entendido? – digo rispidamente.
– Claro, claro, eu só...
– Por favor, vá trabalhar e cuide de sua vida!
Kate se encolhe com a minha ira, mas eu não me importo.
Ela sai da sala rapidamente e eu ligo o computador, irritado.
O próximo da lista é Adam, que aparece na minha sala horas depois.
– Oi Daniel, então voltou ao trabalho.
– Não, estou aqui brincando! – digo ironicamente. – Tem algum assunto de trabalho para falar?
Adam levanta a sobrancelha.
– Nossa, calma. Sou seu amigo.
– Amigo? Deve ter ficado feliz pela Anna ter me chutado, afinal, sempre foi a fim dela.
– Claro que não! Eu fiquei chocado como todo mundo. Eu entendo que esteja furioso e irritado, afinal, não deve ser fácil.
– Não, não é fácil. E muito menos ficar aguentando todo mundo querendo falar sobre esse assunto, sendo que não é da conta de ninguém.
– Certo, está mesmo muito bravo ainda.
– Adam, sinceramente, eu preciso trabalhar. Então se não tem nada de trabalho para falar, melhor sair.
– Ok, eu vou deixar você em paz.
Eu bufo quando ele sai. Será um longo dia.
E se uma coisa está ruim, ela pode ficar ainda pior.
Kate entra na minha sala depois do almoço segurando um envelope.
– Um portador deixou pra você. Acho que é particular – diz receosa e sai da sala rapidamente.
Eu pego o envelope e quando o abro, um anel cai de lá de dentro. O anel de noivado de Anna.
Eu o pego entre meus dedos e sinto meu coração afundando um pouco mais.
Não há nenhum bilhete. Não há nada.
***************
No final daquela semana, Taylor me chama a sua sala.
– Daniel, precisamos ter uma conversa séria.
– Algum problema?
– Sim, muitos na verdade. Eu entendo que esteja passando por um uma fase difícil em sua vida pessoal, mas isto se torna realmente ruim se afeta seu trabalho.
Eu me reviro na cadeira, incomodado.
Aquela semana estava sendo difícil.
– Você tem tratado a todos muito mal e eu até já recebi algumas reclamações. E ontem você perdeu um acordo realmente muito importante para nosso cliente.
– Isto não tem nada a ver com...
– Eu acho que tem, Daniel. Dominic falou que estava distraído e não parecia em nada com o Daniel Beaumont habitual numa audiência.
Eu respiro fundo.
– Eu realmente não tinha intenção...
– Eu sei. Mas não pode continuar deste jeito. Olha, vamos fazer assim. Tire umas férias.
– Não, não é necessário.
– Pois eu digo que é. Não é uma opção. É uma ordem. Precisa de um tempo. Descanse e quando voltar, tudo estará melhor.
– E os meus casos?
– Transfira para Adam e Dominic. Eles não são tão bons quanto você, mas darão conta. Tome o tempo que precisar.
***************
Eu saio do carro e me preparo para meu último almoço de família antes de viajar e o primeiro depois do quase casamento.
Charlotte me recebe com um abraço e um sorriso feliz, como se nada tivesse acontecido e Violet apenas acena de um canto.
– É verdade que vai viajar? – Elton pergunta tirando os olhos do jogo na TV.
– Sim, é verdade – eu havia contado a Owen no nosso jogo de Golfe.
– E para onde você vai? – Charlotte senta ao meu lado, curiosa. – Quem sabe eu não te acompanho? Podemos ir pra Europa. Já sei, Paris!
Eu rio.
– Não inventa, Charlotte. Eu vou fazer uma viagem de carro.
– Vai cair na estrada então? – Elton ri. – Parece bem radical.
– Credo! – Charlotte faz cara de nojo.
– Eu acho muito bom. – Caleb entra na sala e se intromete. - Daniel precisa de um tempo. Uma viagem de carro é sempre interessante.
– Quanto tempo vai ficar fora? – Lydia pergunta.
– Eu ainda não sei.
– Qual seu primeiro destino? - Violet pergunta, falando comigo pela primeira vez.
Eu dou de ombros, sem saber.
Três dias depois, quando eu vejo apenas a estrada à minha frente, estou seguindo as placas em direção a uma cidade pequena não muito longe dali.
Olímpia.
Eu não deveria estar ali. Eu havia prometido a Anna que a deixaria em paz.
Mas, o que eu posso fazer, quando o único caminho que eu queria tomar era aquele?
Eu ainda não sei o que vou fazer quando chegar lá. O que vou dizer ela.
Talvez eu leve um fora de novamente. Só sei que eu preciso tentar.
Não é difícil descobrir onde é a casa de seu pai. E eu estou incrivelmente nervoso quando bato à sua porta naquela tarde fria.
Quem atende não é Anna, e sim um homem mais velho.
– Em que posso ajudar?
– Olá. O senhor deve ser Michael Nicholls.
O homem franze a testa.
– Sou eu sim.
– Eu sou Daniel Beaumont.
Confesso que por um momento eu achei que Michael Nicholls fosse pegar uma arma e disparar na minha cara quando ouviu meu nome, em vez disto, ele me convidou pra entrar e até me ofereceu um café quando me levou para sua cozinha.
– Então você é Daniel Beaumont.
– Sim, senhor. Eu vim ver a Anna.
– Perdeu a viagem. Anna não está aqui.
– Não?
– Não. Ela está cuidando da mãe em Miami. Ela viajou há alguns dias.
Eu deveria ter imaginado.
– E quando ela vai voltar?
– Olha, eu não sei. Mesmo assim, eu vou te pedir uma coisa. Pare de procurar minha filha. Ela me disse que tinha deixado bem claro a você que não o queria mais.
– Sim, ela pediu que não a procurasse.
– Então que diabos está fazendo aqui? Não percebe que só causou mal na vida dela? Eu tive que cuidar dela e vê-la sofrer há oito anos e agora quando voltou, não estava num estado melhor!
– Eu nunca tive a intenção.
– Ah, não me venha com esta! Sabe muito bem o que fez e tentou envolver ela de novo agora!
– Eu queria consertar as coisas.
– Certas coisas que não têm conserto, rapaz! E como se ainda não bastasse sua família de novo na vida de Anna, ainda teve aquele cachorro do marido da mãe dela aprontando das suas.
– O senhor sabe sobre Tom?
– Que ele a machucou com uma faca? Claro que sim. É um canalha filho da mãe e espero que passe muito tempo na cadeia. Stella é uma tonta por acreditar num tipo como aquele. Se eu soubesse que espécie de canalha era quando se casou com ela, teria trazido a Anna pra viver comigo. Ele enganou a todos nós.
Então Anna não contou ao pai que tinha forjado o ferimento, concluo.
Talvez fosse melhor assim. O que Anna fez foi um crime e quanto menos pessoas soubessem, melhor.
– Eu fui contra esta volta dela pra Seattle, devia tê-la impedido... Veja no que deu? Acho melhor voltar para onde veio, garoto. Deixe Anna em paz. Ela precisa cuidar da vida dela. Se pediu que a não procurasse, respeite sua vontade.
– Sim, acho que tem razão – eu me levanto.
– Eu agradeço muito. Minha filha precisa de paz, precisa prosseguir com a vida dela sem lembrar o tempo inteiro do que aconteceu há oito anos e, se ficasse com você, isto seria impossível.
– Sim, foi um erro eu ter vindo. Obrigado pela atenção, senhor.
Eu me despeço de Michael Nicholls e volto para o carro. Uma chuva forte cai agora e eu me sinto perdido.
Anna estava prosseguindo com a vida dela.
Eu precisava prosseguir com a minha.
Se vamos ficar bem, só o tempo dirá.
***************
– Não, Charlotte, eu não estou em Nova York para comprar nada para você, dá um tempo! – saio do hotel onde estou hospedado faz alguns dias e sigo pela rua apinhada de gente naquele começo de noite, enquanto Charlotte esbraveja do outro lado do telefone.
– Você é muito ruim comigo. Eu tenho que aguentar a Violet torrando a minha paciência com os últimos preparativos para o casamento dela e é assim que me trata.
– Eu não vou ficar indo de loja em loja para procurar uma maldita luva de seda...
– Cetim! Luva de cetim. Violet me mata se for de outro jeito, pelo amor de Deus.
– Olha, não me interessa. Eu estou atrasado para um jantar, depois nos falamos.
– Hum, tem um encontro?
– Não. – respondo irritado. – É um jantar na casa de um antigo colega de faculdade.
– E eu já ficando animada...
– Charlotte, vou desligar – eu corto aquele assunto.
– Está bem, só me garante que estará de volta dentro de duas semanas para o casamento da Violet, por favor!
– Sim, eu estarei.
– Espero que sim. Já faz mais de um mês que viajou e ela está ficando histérica!
– Tchau, Charlotte!
Eu desligo e sigo atravessando a rua.
O apartamento de meu amigo George não é longe dali e decido ir andando.
Nós estudamos juntos em Harvard e mantivemos contato desde então, eu decidi ligar para ele quando cheguei a Nova York há alguns dias, depois de passar um tempo viajando sem rumo.
Na verdade, eu ainda me sinto sem rumo.
E o convite para o jantar de George me pareceu uma boa distração.
– Ei Daniel, que bom te ver. – George abre a porta pra mim e eu me assombro ao ouvir uma música e perceber que há mais gente ali do que eu imaginava.
– Não sabia que era uma festa – digo.
– Ah, não é. Apenas juntei algumas pessoas da firma que trabalho e alguns amigos para descontrair. Vem, entra.
Eu o sigo para a sala e ele começa a me apresentar algumas pessoas.
A maioria são advogados e é interessante estar junto de pessoas do meu meio, e nunca ficamos sem assunto. E também é bom estar longe de pessoas que saibam do fiasco que estava minha vida pessoal.
– Fiquei sabendo do seu sucesso em Seattle. – George comenta. - Vou te apresentar um colega que esteve lá há pouco tempo e inclusive está pensando em se mudar para a cidade.
Ele me leva até um rapaz que parece ser um pouco mais velho que nós apenas.
– Daniel, este é Benjamin Van der Woodsen.
– Muito prazer – eu aperto a mão de Benjamin e ele sorri. – Daniel Beaumont.
– Benjamin, eu te falei do Daniel. Ele agora é sócio na Taylor & Associados.
– Sim, eu conheço esta firma. Você foi rápido hein, deve ser mesmo muito bom, se formou há pouco mais de um ano.
– Daniel era a estrela da turma. – George brinca e eu rio, aceitando a cerveja que Benjamin me oferece.
– E você vai aceitar esta oferta em Seattle?
– Ainda não sei. Eu gosto da cidade e posso dizer que... Tenho alguns interesses lá. Mas eu ando pensando em abrir meu próprio escritório.
– Onde estudou?
– Em Yale. Minha família é de Vermont. Depois que me formei, recebi uma oferta aqui em Nova York.
– Nova York é uma boa cidade, pretende abrir seu escritório aqui mesmo?
– Estou pensando ainda. Meu pai tem me pressionado para voltar, ele quer que eu siga a carreira política.
Eu rio ao ver a expressão de desgosto de Benjamin.
– Eu sei bem como é ter uma família pressionando – digo solidário.
– Benjamin. – George retorna - Conte a Daniel sobre aquele caso da multinacional que estamos num impasse, tenho certeza que ele tem algum ótimo conselho...
Eu passo toda aquela noite numa conversa muito interessante com Benjamin e no resto do tempo que passo em Nova York, eu acabo ajudando-o no tal caso da multinacional.
É bom espairecer e deixar tudo de lado. Eu gosto do que faço e me ver de novo envolvido com trabalho, é melhor do que ficar ocioso pensando e lamentando por coisas que estão perdidas pra sempre pra mim.
E, quando volto pra Seattle duas semanas depois para o casamento de Violet, eu sinto que estou finalmente começando a seguir em frente.
No entanto seguir em frente é diferente de esquecer. Eu volto para o escritório de Taylor e continuo trabalhando com afinco, fazendo aquilo que sei fazer.
Os meses passam iguais. Uma infinidade de casos e processos complicados de dia e noites solitárias em meu apartamento na companhia dos trabalhos que trago para fazer em casa ou de uma garrafa de whisky.
E ocasionalmente de algumas fotos no celular.
Se Violet descobrisse que ainda faço isto, com certeza ela daria com o celular na minha cabeça. Não me interessa o que Violet pensa. Nós nem somos mais tão próximos.
Da primeira vez que Anna esteve em nossas vidas há oito anos, nós ficamos meses sem nos falar até que nos aproximarmos de novo. Eu não a perdoava pela armação com Eloise. Nossa briga foi horrível e Violet literalmente surtou, a ponto de meu pai achar por bem interná-la por um curto período para que ela se tratasse.
Ela havia melhorado, mas Annalise Nicholls era assunto proibido. Até que ela retornou a nossas vidas. E agora era assunto proibido de novo, não por causa de Violet e sim por minha causa. Dessa vez não deixamos de nos falar, só não havia mais a mesma ligação de antes.
Às vezes eu sentia falta do que tínhamos, mas, na maioria das vezes, me sentia aliviado por não tê-la por perto se intrometendo em minha vida. E ela também parecia bem ocupada nos últimos meses na decoração de sua nova casa com Elton. O que acabou envolvendo minha família inteira, assim, todos me deixavam em paz e paravam de me criticar por não sair mais, ou não ter uma namorada.
Eu ainda não me sinto preparado para me envolver com ninguém, esta é a verdade.
– Já se passou um ano não é, Daniel? – Owen comenta enquanto jogamos Golfe naquela tarde.
– O que quer dizer? – indago, mesmo sabendo exatamente do que ele está falando.
Ele sorri e desconversa.
– Faz um ano que eu e Charlotte lhe apresentamos Claudia. Confesso que não deu certo, mas...
– Ela não casou há alguns meses?
– Sim, e está bem feliz. Esta você perdeu. Charlotte quer te apresentar uma outra amiga.
Eu sacudo a cabeça negativamente.
– Não preciso que me apresentem ninguém.
– Charlotte está preocupada com você. Disse que você, abre as aspas “precisa fazer sexo para ser mais bem humorado e não um ogro”, fecha aspas.
Eu sorrio.
– Acho que você está fazendo pouco sexo com sua namorada, para ela ter tempo de cuidar da minha vida sexual.
Owen ri divertido.
– Bom, eu poderia fazer sexo com Charlotte vinte quatro horas por dia e ela ainda acharia tempo para se intrometer na vida alheia.
– Nisto eu tenho que concordar com você.
– Eu prometi falar com você. Ela quer que vá jantar em casa hoje à noite.
– Não posso.
– Daniel...
– E nem é uma desculpa. Eu conheci alguém em Nova York...
Owen levanta sobrancelha.
– Um cara – eu completo.
– Hum, devo dizer pra Charlotte que virou gay?
Eu solto uma gargalhada.
– Olha, ele é um cara bonito, mas não, não virei gay. Ele é advogado e acabou de se mudar pra Seattle e marcamos um jantar.
– Ah, Charlotte ficará decepcionada, mas tenho certeza que ela tentará de novo.
– Sim, eu sei. – digo, vencido.
***************
– Ei, Daniel, entre – Benjamin abre a porta de seu apartamento para mim e eu olho ao redor admirado.
– Uau, é um lugar legal aqui – comento. Há varias fotos preto e branco espalhadas pela parede.
– Sim, eu gosto de fotografar.
Eu o encaro, surpreso.
– São suas?
– Sim, é meu hobby. Meu velho morria de medo que eu virasse profissional.
– Até poderia, são fotografias ótimas.
Ele me serve uma bebida.
– Eu tenho várias espalhadas por todo o apartamento, depois te mostro. Mas vamos ao que interessa.
– Achei que fossemos jantar.
– Sim, eu te convidei para vir aqui, porque tenho uma proposta a você.
– George me disse que finalmente está abrindo seu escritório aqui.
– Sim, e eu quero você como meu sócio.
Nos dias que se seguem eu penso na proposta de Benjamin.
Quando ele me fez aquela proposta eu fiquei surpreso. E meu primeiro impulso foi declinar. Eu já tinha uma carreira de sucesso na firma de Taylor. Mas ao mesmo tempo...
Eu não podia negar que desde a passagem de Anna, as coisas não eram as mesmas. Eu ainda fazia meu trabalho e muito bem. Mas já não sentia a firma como um lugar que eu gostava de estar.
Era vergonhoso admitir, porém era como se o fantasma de Anna rondasse por ali. Às vezes, quando ouvia os passos de Kate se aproximando, eu imaginava que quem iria entrar pela porta era ela.
Eu também não tinha mais a menor amizade com Adam. Ele agora namorava firme Hannah, mas as coisas nunca mais foram as mesmas entre nós. Agora éramos apenas colegas de trabalho.
Então, por que não aceitar o convite de Benjamin? Seria um desafio começar do zero. E eu acho que é exatamente disto que eu estou precisando.
Então, depois de alguns dias, e depois de conversar com Taylor, eu aceito a proposta de Benjamin.
– Eu acho que está sendo precipitado. – Violet comenta no almoço de família naquele domingo. – Você tinha uma ótima carreira na Taylor e associados! Por que se arriscar num escritório novo?
– Porque é um desafio. E acho que nos daremos bem.
– Eu acho estimulante. – Charlotte sorri. – E você parece bem animado desde que aceitou esta proposta.
– Sim, está mais animado mesmo – minha mãe diz com um sorriso maternal e eu fico feliz por ela estar satisfeita. Eu sei que ela se preocupa comigo.
– Então, já que sua vida profissional está tão bem, podia aproveitar e turbinar a vida amorosa também, eu tenho uma amiga que ia adorar namorar um advogado.
– Que ótimo! – eu digo. – Me apresente.
– Jura? – ela arregala os olhos.
– Sim, e eu posso apresentá-la a Benjamin. Eles podem se dar bem.
Charlotte rola os olhos.
– Que sem graça! Ela está interessada em você e não nele!
– Pois eu estarei bastante ocupado por um tempo, Charlotte, não vou ter tempo pra outras coisas.
– Bom, uma hora vai ter que ter!
Eu rio e meu olhar se encontra com o de Violet sobre a mesa e ela me encara com um olhar de conhecimento. Ela sabe por que eu não quero conhecer a amiga de Charlotte. E seu olhar diz que não aprova nem um pouco isto.
****************
– É impressão minha ou tem mais fotos aqui do que da última vez – eu falo ao entrar no apartamento de Benjamin naquela noite.
Ele marcara um jantar, para apresentar algumas pessoas que estava pensando em convidar para trabalhar conosco. Queria que eu os conhecesse primeiro e depois debateríamos.
– Não, eu trouxe mais alguns que tinham ficado na casa da minha mãe em Vermont e não havia espaço no meu apartamento em Nova York. Vem, você é o primeiro a chegar, vou te mostrar os outros quadros.
Eu sigo Benjamin pelo apartamento e as fotos são muito bonitas. Todas em preto e branco de pessoas ou de paisagens, e ele me explica cada uma delas.
Então eu paro, em choque, na foto que cobre uma das paredes de seu quarto.
É de uma moça deitada numa cama, com o lençol cobrindo seu corpo que provavelmente está nu por baixo do lençol.
A moça é Annalise Nicholls. Eu mal consigo respirar.
– Ah, linda não é? – Benjamin sorri ao meu lado. – É uma das minhas fotos preferidas.
– Quem é ela? – consigo perguntar.
– Uma antiga namorada de faculdade.
– Namorada – eu mal consigo pronunciar as palavras.
– Sim, infelizmente não deu certo.
– E por que terminaram? – de repente eu quero saber tudo sobre Anna e Benjamin.
Anna e Benjamin. É difícil demais de acreditar que aquele cara na minha frente. Meu amigo. Meu sócio. Foi namorado de Anna Nicholls.
E tem uma foto dela nua em sua casa.
Meu estômago revira.
– Bem... – ele dá de ombros como se este assunto o incomodasse. – Às vezes as coisas não dão certo...
– Sim, eu sei como é isto... E nunca mais se viram? – pergunto, tentando disfarçar minha curiosidade mórbida fora do comum.
– Na verdade... – antes de ele responder, a campainha soa. – Hum, chegou mais gente. Por que não se serve de alguma bebida na cozinha enquanto eu vejo quem é?
Benjamin se afasta e eu fico ali olhando o retrato de Anna.
E me perguntando como o destino me pregou aquela peça. Com tantas pessoas neste mundo, eu havia me aproximado justamente de um homem que também teve Anna.
Minha mente está rodando, quando eu me obrigo a me afastar da foto na parede, antes que a arranque dali e a leve embora, gritando que ninguém tinha o direito de vê-la assim.
Porém Benjamin a viu. E tirou aquela foto.
Eu engulo o nó de ciúme em minha garganta e me afasto pelo corredor. Escuto a voz animada de Benjamin.
– Que bom que chegou. – ele tira o casaco de uma moça vestida de preto na porta, de costas pra mim ostentando um coque elegante no cabelo castanho. - Eu quero te apresentar... – ele para ao me ver. – Aí está você.
Então a moça se vira.
E eu tenho o segundo susto naquele dia.
Annalise Nicholls em carne e osso está na minha frente.
E eu estou tão boquiaberto como quando vi sua foto na parede.
Ela me fita também em choque.
A mesma pele branca. Os mesmos olhos chocolate.
É como um déjà vu de mais de um ano atrás em meu escritório.
– Anna, este é Daniel Beaumont. – Benjamin sorri escoltando Anna com a mão em suas costas até a mim. – Daniel, esta é Annalise Nicholls. Ou Anna, como gosta de ser chamada. Ela também irá trabalhar conosco.
Sim, o destino está realmente brincando comigo.
Capítulo três
Anna
1 ano antes
Incrível como o mundo gira, o tempo passa e, no entanto, continuamos sofrendo pelas mesmas coisas.
Há oito anos eu havia chegado a Olímpia tão destruída que achava que nunca mais iria me reerguer.
Mas eu sobrevivi. E para quê? Para oito anos depois estar no mesmo jeito.
Com o coração partido. E pela mesma pessoa. Daniel Beaumont.
Só que agora algumas coisas são diferentes. Eu não tenho mais 17 anos. Minha mãe está doente e precisando de mim em Miami.
E eu estou grávida.
Me viro na cama, olhando o teto e toco minha barriga ainda plana. Uma pontada de culpa faz meu peito doer. O ferimento da faca ainda não cicatrizou, uma recordação da mudança mais profunda ocorrida em mim.
E a lembrança constante do que eu fui capaz.
Pensar nisto ainda me faz ter calafrios e embrulha meu estômago. Sim, Tom está preso, mas a que custo? Uma mentira inventada por mim, e validada por meu melhor amigo, que foi capaz de mentir para me ajudar.
E agora Daniel sabe.
Daniel.
Fecho os olhos com força, lutando contra a vontade de chorar. Pior que a culpa, a confusão e desolação, é a saudade inesperada que eu sinto dele.
É uma saudade estranha. Uma saudade de algo que nem vivi.
Uma saudade daquilo que eu abri mão: um futuro com Daniel.
Mas, como poderia dar certo? Eu sou mercadoria avariada. Estragada. Muito antes de Tom e da minha vendetta, já estava tudo perdido.
Eu e Daniel nos perdemos na vendetta de Violet. A mentira, a traição e a humilhação que eu sofri naquela época, acabaram por marcar toda minha vida. Definiram todas as minhas escolhas, até aquela de permanecer no mesmo escritório de Daniel, tentando provar, em vão, que eu havia superado tudo. Apenas pra me afundar ainda mais profundamente na minha dor.
E me apaixonar de novo por ele.
Eu nunca deveria ter ficado em Seattle. Nunca. Infelizmente, agora é tarde para lamentar. Como há oito anos, eu estou em pedaços.
E eu tenho que abrir os olhos, respirar fundo, me levantar e seguir em frente.
Tentar consertar nem que seja apenas uma parte da minha vida despedaçada.
– Stella me disse que vai pra Miami – Michael diz naquela manhã.
Eu levanto o olhar da minha xícara de chá intocada.
– Sim, eu vou.
– Eu não vou dizer que não gostaria que ficasse aqui. Mas sua mãe precisa mais de você neste momento. Ainda mais agora que se livrou de vez do safado do marido.
Eu desvio o olhar. Não quero falar sobre Tom com meu pai, porque me sinto culpada pela mentira que inventei.
– Aparentemente ela está se recuperando, não quero ficar longe dela até ter certeza.
– E depois?
Eu me levanto e jogo todo o chá na pia. Olho a chuva fina cair através da janela.
Sim, e depois?
Meu pai ainda não faz ideia da gravidez e nem vai saber até que eu me sinta segura para contar.
– Depois eu vou pensar – respondo por fim.
Michael se levanta, colocando o casaco.
– Vai ficar bem sozinha?
– Eu já estou sozinha há três dias, pai. Está tudo bem.
Eu não havia surtado como da outra vez, embora estivesse triste e calada todo o tempo, porém tenho certeza que Michael morria de medo que eu tivesse uma recaída.
– Quando vai pra Miami?
– Acho que não tenho motivo para eu adiar mais. Vou amanhã.
– Eu posso ir com você.
– Não se preocupe. Tyler vai me levar ao aeroporto.
– Tudo bem. Ele virá hoje?
– Pai, não preciso de babá, já disse que estou bem.
– Você não está comendo. E ontem estava enjoada. Deve ser falta de comida.
Eu reviro os olhos. Claro que eu vivia enjoada. Eu estava grávida!
Michael finalmente parte e eu subo para fazer minhas malas, assim que chego no quarto, escuto alguém bater à porta e franzo a testa, voltando a descer.
Será que é Tyler? Apesar de não termos combinado nada ele sempre passava à tarde para me ver. Eu havia pedido que ele não viesse muito, já que não queria problemas com Ellen.
Ao abrir a porta, não é Tyler que está ali. É Lydia Beaumont.
– Oi, Anna.
– Sra. Beaumont? O que faz aqui, como...? – estou completamente aturdida ao me deparar com a mãe de Daniel na minha porta sorrindo de maneira receosa pra mim.
– Eu sei que está surpresa, eu gostaria de conversar com você. Será que posso entrar?
Eu hesito, me perguntando que diabos Lydia Beaumont pode querer comigo? Será que ela é do time da filha Violet e veio me dar o troco por ter humilhado sua família deixando seu filho no altar?
Ou será que está ali a pedido de Daniel?
– Se está se perguntando se meu filho sabe que estou aqui, a resposta é não – ela lê meus pensamentos. – Ninguém da minha família sabe.
Eu finalmente cedo e a deixo entrar.
– A senhora quer beber alguma coisa? Eu estava tomando um chá.
–Claro. Chá está ótimo.
Lydia se senta à mesa gasta da cozinha do meu pai e eu lhe sirvo chá. Nunca, nunca mesmo eu imaginei algo assim.
– Você deve estar se perguntando o que posso querer com você.
– Sim, estou. Nós nunca... Acho que eu e a senhora nunca trocamos mais de meia dúzia de palavras.
– Sim, tem razão. Mesmo depois que você e Daniel marcaram o casamento...
– Acho que nós duas sabemos por que não nos aproximamos. Aliás, eu não tive praticamente nenhum contato com sua família inteira.
– Sim, é verdade. E sabemos sim por quê. Era de se esperar que, sendo a esposa de Daniel, uma hora teríamos que ter alguma aproximação.
– Não vejo como isto podia ser possível.
– Não? Então como achou que iria ser seu casamento com meu filho? – ela pergunta astutamente. – Ou nunca pretendeu casar com ele?
As implicações nas suas palavras são claras.
– Eu não sei o que pretendia. Eu... passei por muito altos e baixos desde que reencontrei Daniel. Obviamente, eu jamais ia imaginar que terminaríamos juntos.
– Mesmo assim se envolveu com ele de novo.
Eu fico sem saber o que responder. Sei que não deveria estar nem falando com Lydia Beaumont, quanto mais discutindo minha relação com Daniel, porém há algo nela que me deixa com vontade de falar.
– Eu deveria ter ido embora quando o reencontrei naquele escritório.
– E por que não foi?
– Porque eu queria provar a mim mesma que tinha superado.
– Superado Daniel ou a vingança de Violet?
– Os dois.
– E superou?
– Nem de longe – respondo num fio de voz e uma lágrima solitária escapa de meus olhos.
– E por que aceitou se casar com ele? Foi realmente apenas para irritar Violet?
– A senhora sabe disto?
– Daniel me contou.
Eu me pergunto o que mais Daniel contou a ela.
– Na hora sim. – confesso. – E depois... – eu dou de ombros. – Era tudo tão confuso. Havia uma parte de mim que sabia que jamais conseguiria perdoar Daniel. Que jamais iria esquecer, no entanto, havia também uma outra parte que me fazia querer ficar com ele.
– Você teria se casado com ele se não tivesse feito o que fez com Tom?
– A senhora também sabe...
– Sim, Daniel me contou tudo. Saiba que eu não a julgo. Deus sabe que aquele homem não vale nada e está onde merece estar. Pelo o que fez com Violet e sua mãe também. O que não impediu que eu ficasse chocada com o que foi capaz, Anna. Foi algo muito perigoso.
– Eu sei, acha que eu não me lembro disto a toda hora? – revelo, com a voz dolorida. – Eu mal posso me olhar no espelho. Eu me sinto um monstro.
– Você não é um monstro, querida. Está apenas confusa e perturbada. Tudo o que aconteceu com você há oito anos, depois reencontrar Daniel, e eu sei muito bem como meu filho pode ser persuasivo e o quanto ele queria que você o aceitasse de volta. Ele sempre se sentiu culpado e devo imaginar o quanto ele insistiu para que você lhe permitisse consertar tudo. Além disso havia sua mãe doente e este homem horrível te ameaçando. É difícil manter a sanidade diante de tantos problemas ao mesmo tempo. Eu te entendo.
– Então a senhora compreende porque eu precisava ir embora. Porque não podia ficar com Daniel. Seria impossível.
– Sim, eu sei que meu filho saiu magoado, mas você fez o certo. Você precisa consertar sua vida. É por isto que estou aqui. - ela remexe na bolsa e tira um cartão, colocando sobre a mesa. – Depois que, bem, Violet fez o que fez há oito anos, ela ficou bastante perturbada. Tanto que nós finalmente decidimos que ela precisava de ajuda para seguir em frente. Nós a internamos numa clínica. Claro que não acho que seu caso seja tão grave, embora acredite que você iria se beneficiar muito de uma ajuda profissional.
Eu pego o cartão com o nome de uma clínica em Seattle.
– Eu estou indo para Miami.
– Imaginei, para cuidar de sua mãe, não é?
– Sim, ela está com câncer.
– Esta clínica tem filiais em algumas cidades, inclusive Miami. Por favor, Anna, você precisa de ajuda para superar tudo isso e seguir em frente.
Eu a encaro.
– Por que está fazendo isto?
– Porque eu sinto que tenho minha parcela de culpa também. Eu não percebi do que Violet era capaz há oito anos e veja o que aconteceu. Ela envolveu Daniel, e depois você, num jogo de vingança que poderia ter sido evitado se tivéssemos cuidado dela corretamente. Então eu gostaria de ajudá-la a se cuidar e seguir com a sua vida. Mesmo que seja longe de Daniel.
Ela se levanta.
– Bom, eu não posso ficar muito, está um tempo horrível e quero voltar logo para Seattle.
Eu a acompanho até a porta.
– Espero que fique bem, Anna. E se precisar de algo, não hesite em me procurar.
– Obrigada.
Ela sorri e me dá um abraço rápido antes de partir.
***************
– Mãe, tem certeza que está se sentindo bem?
Stella me dá um sorriso fraco do outro lado da mesa.
– Sim, estou ótima, querida.
– A senhora não está comendo.
– Anna, você está aqui há um mês e não faz outra coisa a não ser tentar me engordar.
– Porque a senhora está muito magrinha!
– E você está ficando gordinha.
Eu desvio o olhar, vermelha.
Ainda não contei a Stella sobre a gravidez. Quando cheguei em Miami ela estava arrasada por causa de Tom e nossas conversas eram difíceis. Infelizmente Stella ainda tinha dificuldade de aceitar que Tom não valia nada.
– E como foi sua terapia hoje? E está dando certo? –Pergunta com cuidado.
Eu sorrio para ela.
– Está no caminho...
De repente o telefone toca interrompendo nossa conversa e Stella levanta para atender.
Estou tirando os pratos da mesa quando Stella retorna com o telefone na mão e um sorriso malicioso nos lábios.
– É pra você. Benjamin.
Eu arregalo os olhos, surpresa, ao pegar o telefone das mãos dela.
– Benjamin?
– Ei, Anna, como vai?
Stella ainda está ali prestando atenção com um olhar curioso e eu me afasto em direção à sala.
– Nossa, estou bem... surpresa por você me ligar.
– Oh, me desculpe. Eu insisti que Fiona me desse seu telefone, espero que não fique brava com ela.
– Não, é só que... Estou realmente surpresa.
– Eu queria saber como você está. Quando eu perguntei a Brian, fiquei surpreso quando ele contou que você estava morando em Miami.
– Sim, minha mãe está doente e eu resolvi ficar com ela.
– Entendo, e seu emprego? Achei que tinha dito que foi promovida.
– Sim, eu fui, mas pedi demissão.
– E está trabalhando aí em Miami?
– Ainda não. – eu mordo os lábios. Eu realmente não sabia se deveria procurar emprego estando grávida.
– Espero que arranje algo interessante para você logo.
– É, vamos ver – respondo evasiva.
– Ou pretende voltar a Seattle?
– Não, não pretendo voltar a Seattle. E você, aceitou aquele emprego em Seattle?
– Não, na verdade estou pensando em outros planos.
– Em Nova York?
– Ainda não sei.
– E seu pai perdeu mesmo um político na família? – indago divertida e Benjamin ri.
– Com certeza. Isto não é pra mim. Meu pai terá que se conformar. E você, Anna, como está?
– Estou bem. – de repente eu me pergunto se teria mais por trás daquela pergunta. O que mais Brian e Fiona teriam contado a Benjamin?
No entanto ele encerra a conversa sem nem tocar no assunto. Naquela noite eu ligo pra Fiona e ela confirma, para meu alívio, que não contou nada a Benjamin.
– E eu pedi pra Brian também não comentar nada. Primeiro que foi bem ruim o que aconteceu, com você largando o Daniel no altar e tudo mais. Não é uma história que a gente saia contando a torto e a direito. E também se for pro Benjamin saber, acho que deveria ser você a contar.
– Obrigada, Fiona – exclamo aliviada.
– Está tudo bem aí em Miami?
– Sim, acho que tudo vai ficar bem.
– Por favor, me liga se precisar de algo, tá? E se resolver voltar, seu quarto sempre estará disponível.
– Vou me lembrar.
Minha mãe entra no meu quarto depois que eu desligo.
– Quer dizer que ainda tem contato com seu namorado de faculdade.
– Somos somente amigos.
– Podiam ser algo mais, agora que caiu na real e largou o Daniel Beaumont. Foi realmente um desvario esta ideia de se casar com aquele homem, Anna.
Eu mordo os lábios com força para não dizer que ela se casara com Tom, que era um filho da mãe. Era melhor eu me calar.
– Não, mãe, não vai rolar entre Benjamin e eu.
– Por que não? Ele é advogado como você, não é? E se ainda está te ligando, não deve ter te esquecido...
– Mãe, não vai rolar nada entre nós por que... Eu estou grávida.
– O quê?
– Eu sei que devia ter te contado antes, mas queria que as coisas se acalmassem primeiro.
– Mas... como... quê...?
– Daniel – digo e Stella empalidece.
– Meu Deus, Anna!
– Eu sei. Foi um acidente. Mas vai ficar tudo bem.
– Vai? Daniel Beaumont sabe que está grávida?
– Não.
– Por que não? De quanto tempo está?
– Quase quatro meses agora.
– E quando pretende contar a ele?
– Eu não quis contar quando o deixei, porque fiquei com medo de ele me impedir de partir. E, sinceramente, eu nem sei se ele receberia como boa notícia. Quando eu disse que não era mais uma possibilidade, ele me pareceu aliviado. Disse que foi melhor assim.
– Você mentiu pra ele?
– Eu tive que mentir! Não podia ficar lá!
– Sim, isto eu concordo com você. Quanto mais longe dos Beaumont, melhor... o que pretende fazer agora?
– Por enquanto vou ficar em Miami, vou cuidar de você, fazer minha terapia e depois – eu dou de ombros. – Eu penso no que fazer da minha vida.
– E não vai contar ao Daniel?
– Eu sei que terei que contar a ele em algum momento, eu só não me sinto preparada ainda. Tenho muitos meses pela frente, não é? Eu quero... que tudo se acalme.
– Bom, esta é uma decisão sua.
– Sim, foi o que eu decidi.
***************
O tempo parece voar quando se deseja que ele passe devagar.
Dois meses se passam quase sem eu perceber, entre a convalescença de Stella, minhas sessões de terapia e ocasionais conversas com Benjamin ao telefone.
Eu gostava de conversar com ele. Sempre tínhamos assunto e ele era um cara legal.
E era seguro.
Então numa tarde, eu entro em casa e escuto a voz de minha mãe muito baixa no andar de cima.
Será que alguma de suas amigas estava em casa?
Eu tiro o casaco e pego o telefone para ligar para Benjamin. Queria saber se ele conseguira um acordo no caso que discutira comigo na tarde passada.
Eu sentia falta do meu trabalho como advogada e conversar com Benjamin ajudava a me consolar.
Ao pegar o telefone, eu percebo que Stella está numa ligação e desligo rápido.
Stella aparece em seguida e parece pálida.
– A senhora está bem?
– Sim, claro – ela sorri e estende a mão. – Olha o que eu fiz.
Eu pego um embrulho de sua mão e vejo que é um casaquinho de crochê rosa.
– Eu ainda não tinha feito nada, porque não sabia qual seria o sexo, agora que você já sabe, podemos fazer o enxoval.
Eu sorrio de sua animação.
– Sim, tem razão.
– Claro que tenho! Já está de seis meses, precisa começar a aprontar tudo! Três meses passam muito rápido, filha!
– Eu sei. – murmuro, passando a mão sobre minha barriga dilatada.
– Vou fazer um chá para nós – Stella fala indo pra cozinha.
Eu fico sozinha na sala e seguro o casaco rosa.
É realmente muito fofo e me faz lembrar do ultrassom que fiz na semana passada quando descobri que teria uma menina.
Só três meses agora. E Daniel ainda não fazia ideia.
Mordo os lábios com força, sentindo uma pontada de medo, sabendo que não devia mais adiar esta conversa.
Eu teria que ir a Seattle e contar a Daniel que estou grávida.
Me sinto aliviada quando tomo esta decisão e sorrio comigo mesma.
Talvez eu esteja bem melhor, afinal. Apesar de difíceis as conversas com o terapeuta estão me ajudando muito a aceitar aquilo que não pode ser mudado e a perceber quanto tempo eu perdi na minha vida remoendo o passado.
E agora, finalmente, eu começo a entender que preciso deixar o passado pra trás e seguir em frente. Mesmo que alguns erros não tenham conserto e eu acho que o meu caso com Daniel é um destes erros, eu tenho que fazer o melhor para ser uma boa mãe.
E ser uma boa mãe, significa comunicar ao pai da minha filha que ele vai ser pai, primeiramente.
Eu subo e troco de roupa, desistindo de ligar para Benjamin, e tento conter minha ansiedade mesclada ao frio na espinha com a possibilidade de estar frente a frente com Daniel de novo agora que decidi.
O que será que eu ia sentir? Todos aqueles meses longe ajudaram a adormecer meu sentimentos, embora eu soubesse que eles continuavam ali em algum lugar dentro de mim e temesse a maneira que eles viriam à tona quando encontrasse Daniel novamente.
E como será que ele se sentia? Será que me odiava? Ou havia me esquecido? Talvez até já tivesse alguém. Alguma amiga fútil e bonita de sua irmã Violet, quem sabe.
Eu sacudo a cabeça para tirar aquele pensamento, porque percebo que isto me deixa com certo ciúme, o que é ridículo.
Agora tenho que contar a Stella a decisão que tomei, então sigo para a cozinha para encontrá-la.
– Mãe? – eu chamo na cozinha vazia, onde a água ferve no fogão. – Mãe, esqueceu a água! – eu corro para desligar o fogo e no caminho eu finalmente encontro minha mãe.
Está desmaiada no chão.
– Eu pensei que ela estivesse melhorando! – eu praticamente grito para o médico que me encara com um olhar profissional, alheio ao meu desespero.
– O câncer voltou e está se espalhando.
– O que podemos fazer?
– Vamos ajudar até onde conseguimos, com tratamento e medicação, não acho que ela consiga melhorar desta vez.
Eu engulo o choro, sentindo meu mundo ruir mais uma vez.
Minha mãe ia morrer.
Com a piora do estado de Stella eu não consegui pensar mais em nada. Meu pai viajou para me ajudar e ficou um tempo, apesar de ele insistir em ficar, eu disse que ele precisava voltar ao trabalho. Não havia mais nada que ele pudesse fazer ali.
Agora só restava esperar.
– Mas Anna, você sozinha nesta casa, e grávida!
Eu suspiro pesadamente
Eu havia contado ao meu pai sobre a gravidez na mesma época que contara a minha mãe e, depois do choque inicial, Michael até que estava aceitando bem.
– Eu vou ficar bem, pai. Se eu precisar de ajuda eu aviso, ok?
Michael me abraça e parte naquela noite, me deixando sozinha.
Eu me lembro dos meus planos de ir a Seattle contar a Daniel, mas simplesmente não consigo nem pensar nisto agora.
Os dias passam, se transformando em semanas e Stella vai piorando a olhos vistos e a mim, não resta nada, a não ser esperar.
E estou tão envolvida nesta espera pelo inevitável, que é com certa surpresa que passo mal um dia, no hospital mesmo, e ao ser examinada, me dizem que eu estou entrando em trabalho de parto.
Minha filha nasce algumas horas depois.
– Ela é linda, Anna – Stella diz quando a conhece.
E eu sorrio, feliz por Stella ter podido conhecê-la antes de partir.
– Qual será o nome?
– Isabella – eu digo.
Stella sorri e embala Isabella.
– Ela tem seus cabelos, querida.
– Sim – eu passo os dedos por seu rostinho branco, cercado por fininhos cabelos castanhos. – E os olhos de Daniel.
Pensar em Daniel me deixa triste. Nossa filha havia nascido e ele nem fazia ideia.
Talvez eu tenha esperado demais, afinal, e agora nem sei como é que vou contar isto a ele.
Ou talvez não queira ter que lidar com mais este problema agora.
Porque eu pressinto que não será nada, nada fácil.
E minha vida já está terrível demais no momento.
***************
– Benjamin, o que faz aqui? – arregalo os olhos ao abrir a porta.
– Eu vim dar meus pêsames, Anna. – Benjamin me abraça e eu ainda o encaro, surpresa.
– Como sabia...?
– Eu liguei na sua casa ontem e seu pai atendeu. E me contou que sua mãe faleceu.
– Sim, depois de meses, ela não resistiu mais. Entra.
Eu o acompanho até a sala.
– Bom, senta, quer...um café, alguma coisa para beber?
– Não, fique tranquila. Sei que acabou de voltar do enterro. Eu queria ter chegado a tempo.
– Não tem problema.
– Fiona sabe?
– Sim, eu liguei pra ela, mas ela e Brian estão em viagem de lua de mel.
– Eu sei, estive no casamento há duas semanas. Fiona estava triste por você não poder comparecer.
– Eu também fiquei. Infelizmente seria impossível pra mim.
De repente Benjamin parece hesitante.
– Anna, no casamento, Brian comentou algo... que me deixou intrigado.
– O que foi?
– Ele deu a entender que havia mais algum motivo para você não ter ido, além da doença da sua mãe, quando ele começou a falar, Fiona o beliscou e ele parou, muito vermelho.
Eu respiro fundo.
– Sim, há mais um motivo. Eu tenho uma filha.
– Como é?
– Eu tive uma filha. Ela está com quase quatro meses agora.
– Filha, mas... Como assim? Então estava grávida quando veio pra Miami?
– Estava.
Ele parece estupefato e sei que a pergunta principal ainda não foi feita.
– E antes que pergunte, eu não tenho contato com o pai dela. Nós... não estamos juntos.
– Uau... por essa eu não esperava.
– Me desculpe por não ter te contado é que... quase ninguém sabe.
– Sim, eu entendo.
Eu sabia que ele estava curioso para saber sobre o pai de Isabella, mas, de maneira alguma eu iria falar.
E pensar nisto me deixa ciente de que não posso adiar mais este assunto.
Agora Stella se foi e nada mais me prende a Miami. Michael ficou de cuidar da entrega da casa e eu iria embora com ele.
– O que vai fazer agora? – Benjamin pergunta.
– Por enquanto eu não sei. Ainda estou... sofrendo pela minha mãe. Vou embora com meu pai nos próximos dias, depois... terei que procurar um emprego.
– Eu posso te ajudar com isto.
Eu sorrio.
– Tem alguma vaga em Nova York? – pergunto, incerta.
– Na verdade, eu tenho uma proposta pra você.
***************
– Tem certeza que pode fazer isto? – eu pergunto de novo para Fiona enquanto ela segura Isabella no colo, que choraminga.
– Eu já falei que posso!
– Você acha que é fácil cuidar de um bebê, mas não é mesmo, Fiona!
– Anna, são só algumas horas! Eu acho que você está doidinha pra desistir deste jantar na casa do Benjamin, não vai conseguir. Não depois de colocar este vestido deslumbrante!
Eu rolo os olhos, me olhando no espelho.
Sim, o vestido novo é bonito. É quase esquisito me ver arrumada, maquiada e de salto alto. Quando fui pra Miami, cuidar da minha aparência estava em ultimo plano, e depois vieram a gravidez, a doença de Stella e o nascimento de Isabella.
Já faz quinze dias que estou de volta a Seattle e amanhã eu começo a trabalhar com Benjamin em seu novo escritório.
Quando ele me fez a proposta há pouco mais de um mês, eu hesitei e pedi um tempo pra pensar. Voltei pra Olímpia com Michael e enquanto tentava me acostumar com a perda de minha mãe, eu também pude pensar e cheguei à conclusão que esta era a melhor solução. Pelo menos Benjamin era meu amigo, e sabia que eu tinha uma filha e havia deixado claro que eu teria todo o apoio pra conciliar com o trabalho.
E obviamente, ainda havia Daniel. Desde que pisei em Olímpia eu vinha ensaiando procurá-lo. Então os dias foram passando e eu sempre arranjava alguma desculpa.
Todavia, as desculpas não poderiam durar pra sempre.
Eu precisava tomar coragem e enfrentar Daniel.
– Anna, fica tranquila. Eu vou cuidar da Isabella direitinho. Vá e divirta-se!
– Você está sendo um anjo, Fiona. Nem sei como te agradecer por me deixar ficar aqui até que eu arranje um apartamento pra mim e Isabella.
– Já falei que não é problema algum, seu quarto ainda estava vago.
– Mas agora é diferente. Você casou!
– Bobagem! Brian te adora! E ele adora Isabella também.
– Sei, até ela vomitar em cima dele! – eu rio e pego meu casaco. – Se precisar me liga, ok?
– Pode deixar.
Eu beijo o rostinho de Isabella lamentando ter que me separar dela, nem que seja por tão pouco tempo, o que me faz lembrar que terei que procurar uma babá.
Entro no táxi com a cabeça rodopiando de pensamentos e preocupações. Encontrar um apartamento, uma babá e ainda ajudar Benjamin no escritório, seria bastante trabalho.
Sem contar que eu não sabia ainda como encaixar o problema que teria em breve quando encontrasse Daniel Beaumont, penso, ao ver o Space Needle ao fundo.
O carro para em frente ao prédio de Benjamin e eu desço, ainda reticente sobre estar ali. Há quanto tempo que eu não comparecia a um evento social? Apesar de Benjamin dizer que seria apenas para as pessoas que trabalhariam no escritório, para nos conhecermos melhor, eu ainda me sentia insegura.
Aperto o casaco contra meu corpo e entro no elevador. Benjamin sorri ao abrir a porta.
– Ei, Anna, está linda – ele elogia, enquanto me ajuda a tirar o casaco. – Que bom que chegou. Eu quero te apresentar... – ele para ao ver alguém por cima da minha cabeça. – Aí está você.
Então eu me viro.
E sinto o chão ser tirado dos meus pés.
Daniel Beaumont está ali. Em carne e osso.
Me olhando como se estivesse vendo um fantasma.
Capitulo quatro
Anna
É como um déjà vu de mais de um ano atrás em seu escritório.
– Anna, este é Daniel Beaumont. – Benjamin sorri alheio à tensão, enquanto me escolta até Daniel com a mão nas minhas costas. – Daniel, esta é Annalise Nicholls. Ou Anna, como gosta de ser chamada. Ela também irá trabalhar conosco.
Também? Daniel vai trabalhar com Benjamin?
Como é que isto era possível?
Minha cabeça começa a girar.
Por um momento constrangedor nem eu, muito menos Daniel, respondemos às apresentações de Benjamin que, finalmente, começa a entender que há algo estranho acontecendo, enquanto olha de mim pra Daniel, confuso.
– Anna? – ele aperta minhas costas delicadamente, e eu pisco, retirando meus olhos vidrados de Daniel e olhando pra Benjamin. – Tudo bem? – ele pergunta.
– Ah, claro... é que... – pigarreio, voltando a encarar Daniel. E me obrigando a vestir a minha velha expressão impassível tão usada no ano anterior. Ela me seria muito útil neste momento. – Olá, Daniel.
– Anna. – Daniel agora já não me fita chocado e sim com uma pergunta muda e desconfiada ao olhar de mim pra Benjamin. E eu me pergunto o que aquilo deve parecer a ele.
E, o mais importante de tudo, como é que o mundo tinha dado aquela volta para jogar, Daniel, Benjamin e eu na mesma sala?
E eu achando que escolheria a data e a hora de encará-lo!
Claro que não. O destino trapaceou comigo de novo.
E novamente eu sou forçada a encarar Daniel quando menos estou preparada. E agora é mil vezes pior, se é que isto é possível, eu não posso esquecer que tenho um segredo guardado.
E, quando ele vier à tona, nada mais será como antes.
– Vocês se conhecem? – sou tirada de meus devaneios pela pergunta surpresa de Benjamin.
E o que eu posso responder? Melhor optar pela verdade. Ou parte dela.
– Sim. Trabalhamos juntos na Taylor Associados – respondo casualmente.
– Nossa, é mesmo! – Benjamin bate na própria testa. – Não liguei uma coisa a outra! Sim, você trabalhou na Taylor e Daniel também. Eu realmente não tinha me tocado disto! Você ficou pouco tempo por lá, não é?
– Sim, Anna ficou apenas dois meses – Daniel responde por mim.
Eu o estudo.
Sua postura é tensa, embora esteja com as mãos nos bolsos do caro terno preto.
E o que posso dizer? Ele está lindo de morrer.
Mais lindo do que eu me lembrava. Mais lindo do que em meus sonhos.
Respiro fundo e mordo os lábios com força para não suspirar. Ou dizer algo idiota.
– Se bem me lembro, você foi promovida super rápido! – Benjamin diz. – Uma pena ter saído, podia ter tido uma carreira sólida lá. Azar de Taylor, sorte a minha! Aliás, dupla sorte. Só acho que Taylor deve me odiar por ter ficado com dois dos seus melhores advogados.
Então eu me lembro das palavras de Benjamin quando nos apresentou e meu estômago começa a doer.
– Que dizer que... – eu olho pra Daniel aturdida, desejando muito estar enganada, mas já sabendo a resposta. – Você saiu da Taylor Associados e...
– Sim, eu Daniel somos sócios. – Benjamin responde. – E hoje você vai conhecer outras pessoas que vão trabalhar com a gente. Acho que teremos uma equipe fantástica e...
A campainha toca, o interrompendo.
– Se me dão licença, chegou mais gente. Por que vocês não vão até o bar e se servem de alguma bebida? Fiquem à vontade, já se conhecem mesmo!
Benjamin se afasta e eu tenho vontade de grudar em sua blusa e pedir pra me levar junto, como uma criança medrosa.
E é exatamente o que eu sou naquele momento. Uma criança medrosa.
Eu não posso deixar o medo me dominar. Não hoje, não aqui.
E muito menos posso virar as costas e sair correndo. O tempo de fuga tinha acabado.
Então eu junto a coragem tímida dentro de mim e encaro Daniel.
– Como vai, Daniel? – Consigo ser educada, gentil e distante.
– De todos os lugares que eu imaginava encontrar você, jamais imaginei encontrá-la aqui – ele praticamente rosna cheio de acusações.
– Não sabia que eu ia trabalhar pra Benjamin, quer dizer, vocês? – Sinto minha barriga doendo apenas de imaginar esta situação de novo.
– Não, eu não fazia ideia.
– Eu também não fazia ideia que vocês sequer se conheciam, quanto mais que eram sócios.
– Que surpresa, não é? – Daniel diz com uma voz suave que não me engana, pois seus olhos estão brilhando perigosamente. – Seu ex-namorado e seu ex-noivo juntos.
Eu empalideço.
– Como sabe...?
– Quer saber como sei?
De repente ele segura meu braço e, antes que eu possa imaginar qual sua intenção, me puxa para o corredor.
– Daniel, o quê? – olho pra trás para ver se alguém está reparando nesta cena, mas o grupo que acabou de chegar está envolvido numa conversa animada na porta e nem nos nota.
Então nós paramos e eu acompanho o olhar de Daniel e sinto meus pés perdendo o chão.
Que diabos aquela foto está fazendo ali?
Cubro minha boca com as mãos, horrorizada.
Se fechar os olhos, eu ainda me lembro daquela manhã. É quase como assistir um filme estrelado por outra pessoa.
Infelizmente sou eu naquela foto. Enquadrada numa parede da casa de Benjamin.
E me ver assim, traz de volta lembranças de outras fotos. Do horror que eu senti ao me ver exposta a quem quisesse ver.
Também me faz lembrar do quanto lutei naqueles meses todos longe para entender e esquecer. Para não deixar mais aquele episódio dominar minha vida.
– Por que parece chocada, Anna? – a voz furiosa de Daniel me alcança, – Devo dizer que chocado fiquei eu, vendo-a nua na parede de um cara. Foi ele quem tirou a foto, não é?
Eu o encaro.
– Sim. Como sabe, ele era meu namorado – eu odeio o tom de explicação da minha voz.
– E quantas fotos mais tirou com ele? Será que se eu andar mais um pouco por este apartamento acharei mais fotos suas? Talvez com ele junto... Talvez...
– Não continue. – sibilo bem baixo, mas furiosa. – Eu sei aonde quer chegar e se fizer isto...
Daniel recua como se só então percebesse o que está fazendo.
– Quem você pensa que é pra me cobrar alguma coisa? – eu dou uns passos em sua direção, o encarando firmemente. – Acha que te devo alguma explicação do que fiz da minha vida nos oito anos que não nos vimos?
– Eu passei dois meses ouvindo você dizer que me odiava por aquelas fotos. E descubro que pelo visto seu trauma não foi tão grande assim, se permitiu que namorados tirassem fotos de você nua e expusessem em seu apartamento para exibir aos amigos!
– Benjamin exibiu isto a você? – indago com horror.
– Bom, está na parede da casa dele, não é? Ele me mostrou com orgulho todas as fotos, inclusive a sua. E disse que era sua preferida... de uma “ex-namorada”.
Eu mal consigo respirar, agora minha raiva totalmente direcionada a Benjamin. E ele sabia da minha história, como pôde?
– Eu não fazia ideia que esta foto estava aqui, deste jeito, eu nem sabia que ela ainda existia!
– Mas você permitiu.
– Eu nem deveria estar te explicando nada, mas, já que estamos aqui, deixa eu esclarecer a situação. Sim, eu estava na cama do Benjamin. Sim, nós dormíamos juntos, como qualquer casal de namorados. E ele sempre tirou fotos por hobby. E um belo dia eu acordei e ele estava tirando esta foto. Eu fiquei... furiosa e com medo. E você sabe bem por quê. Ele riu e disse que era algo totalmente inocente e prometeu nunca mais fazer de novo.
– Ele sabia?
– Não naquela época – respondo.
– Mas sabe agora.
É uma afirmação.
– Sim, ele soube... depois.
– E mesmo assim ele te expôs? – Daniel agora parece com raiva de Benjamin também.
– Pois é – eu resmungo, olhando de novo pra foto e estremecendo. – Eu vou matar o Benjamin!
– Isto te perturba, não é? – Daniel solta um palavrão e sem aviso, ergue a mão para tirar a moldura da parede. – Vou dar um fim nisto agora!
– Não! – eu me adianto e seguro sua mão, para impedi-lo.
Daniel para, me encarando. Eu não solto sua mão da moldura.
– Deixe aí. Isto não tem nada a ver com você, Daniel.
– O diabo que não tem!
– Não tem! Não vai remover este quadro. Sim, eu não gostei nada de vê-lo aí e terei que me acertar com Benjamin. Mas esse assunto é entre nós dois.
Daniel parece não gostar nada de ouvir meu argumento, de má vontade provavelmente percebe que eu tenho razão.
E eu percebo que ainda seguro sua mão com força e a solto, dando um passo atrás.
Daniel finalmente larga o quadro, passando os dedos pelos cabelos nervosamente.
– Ei, Anna? Daniel? – escutamos a voz de Benjamin nos chamando no fim do corredor e nos entreolhamos tensamente.
– Melhor irmos – digo, apreciando aquela interrupção.
Porém Daniel segura meu braço.
– Benjamin não faz ideia de nós, não é?
– Não, não faz. E eu quero que continue assim.
– Preocupada com o que ele vai pensar?
Eu puxo meu braço com força e não respondo, apenas sigo em frente.
Há pelo menos umas dez pessoas ali e Benjamin nos apresenta a todas, mas minha mente está longe. Sinto os olhos de Daniel em mim o tempo inteiro, me sondando, perscrutadores. E me pergunto como nos metemos de novo nesta situação.
Trabalhar junto com Daniel seria um problema. Foi antes e agora ainda tinha Benjamin.
E Isabella, estremeço, tentando imaginar como é que Daniel vai lidar com este segredo que escondi dele por tanto tempo.
– Anna? – eu escuto a voz de Benjamin me chamando e levanto o olhar.
Estou sozinha em sua cozinha, só agora percebo. Eu tinha ido pegar mais bebida com uma garota chamada Celine, que fora bastante simpática. Mas ela não está mais ali.
– Tudo bem? Parecia distante quando entrei... Por que está escondida aqui?
– Não estou escondida.
– Você está estranha desde que chegou.
– Eu vi a foto – digo de repente.
Ele parece não entender de pronto, rapidamente sua expressão muda.
– Oh... Aquela foto.
– Sim. Benjamin, por que fez isto? Você sabia como eu ia me sentir. Droga, você sabe pelo o que eu passei...
– Ei, calma. É bem diferente! Eu não espalhei fotos nossas fazendo sexo por aí. Não exagera, Anna.
– Mas eu estou nua naquela foto. Ok, não totalmente nua, mas fica implícito! E você a colocou na sua parede e ainda a exibe pra quem quiser ver!
Ele fica vermelho.
– Não é bem assim.
– E como é então?
– Eu gosto das minhas fotografias. Você sabe. É o que eu mais gosto de fazer. E sua foto sempre foi linda, umas das minhas preferidas. Então, quando fui escolher algumas fotos para decorar minha casa, a sua foi uma das primeiras que escolhi. Entenda, Anna. Nós não tínhamos mais contato. Eu achei que nunca mais iria ver você. E muito menos que um dia você veria esta foto.
– Mas eu vi.
– Nunca quis magoar você. Ou envergonhá-la. Eu não a mostro pra todo mundo, não do jeito que está pensando.
– Ela está na sua parede!
– Eu sei. Na parede do meu quarto. Pouca gente entra lá. E se alguém vê... Pra eles é apenas uma foto. Ninguém sabe que é você, Anna.
– Daniel sabia.
– Ah, agora entendo. Eu te constrangi com ele. Eu realmente não tinha percebido que algo assim poderia acontecer. Eu disse a Daniel que era a foto de uma ex-namorada.
– Por que disse isto a ele?
– Eu não sei. Acho que porque somos amigos. E não me toquei na hora que você seria uma colega de trabalho e que podia ser constrangedor de alguma maneira.
– Sim, acho que esta palavra define uma parte.
– Olha, eu vou tirá-la de lá. E eu te peço desculpas. Eu vou conversar com o Daniel, ele é um cara legal, não se preocupe. Com certeza ela não está pensando mal de você.
Eu fico olhando pra Benjamin e me dou conta de que ele não faz ideia que foi justamente Daniel quem me traiu há oito anos.
E me pergunto se devo contar a ele. Pensando bem, para quê?
– Eu preciso ir embora.
– Já?
– Sim, Isabella está com Fiona, e não quero abusar.
– Terá que arranjar uma babá.
– Eu sei. Vou cuidar disto.
Nós nos encaminhamos para a sala.
– Amanhã nós nos vemos no escritório, então?
– Claro – respondo.
– E terá quem cuide de sua filha?
– Fiona está de férias e irá me ajudar por enquanto – eu paro e seguro o braço de Benjamin, algo me ocorrendo. – Benjamin, preciso te pedir um favor.
– O que é?
– Não comente com ninguém sobre Isabella.
Ele franze a testa, confuso.
– Por que não? Anna, ninguém se importa se tem uma filha.
– Por favor? – eu não posso permitir que ele deixe escapar sobre Isabella com Daniel.
– Tudo bem, se prefere assim.
Nós chegamos na sala e Benjamin comunica que eu vou embora.
Daniel está num canto com um advogado chamado Isaac e seu olhar é frio em minha direção.
Eu desvio meu olhar, enquanto dou um tchau geral e Benjamin me leva até a porta. Só respiro aliviada quando me sinto longe do olhar de Daniel.
Isabella está mamando tranquilamente em meu peito, enquanto eu conto a Fiona o que aconteceu no apartamento de Benjamin.
– Meu Deus, não acredito, de novo o Daniel?
– Eu quase tive um treco quando o vi, você não tem noção.
– Nossa, Anna. É inacreditável... o que vai fazer agora? Vai desistir deste emprego?
Eu mordo meus lábios com força. Pensei bastante enquanto voltava pra casa e cheguei a uma conclusão. Não podia mais fugir do inevitável.
A impressão que eu tinha era que poderia ir para um mosteiro na China e ainda assim eu encontraria Daniel por lá. Era quase um carma.
– Não.
– Ah Meu Deus, já ouvi isto antes... – Fiona geme e eu quase rio de seu desespero.
Mas Fiona sabia o que tinha acontecido da última vez.
– As coisas são diferentes agora – garanto, embora não tenha tanta certeza assim.
– E Isabella? – ela pergunta com cuidado e eu olho pra minha bebê em meu peito, que se enche de um temor profundo.
– Eu vou ter que contar a Daniel.
Daniel
Anna Nicholls estava de volta.
E a vida volta a ser um inferno.
Desde que a vi na minha frente naquela noite, até o momento em que ela sumiu em algum lugar do apartamento acompanhada de seu ex-namorado, que por uma ironia do destino agora é meu sócio, para depois ir embora sem olhar pra trás, eu estava vivendo num pesadelo surreal.
Em todos aqueles meses eu havia tentado esquecer. Ela escolheu ir embora.
Eu sabia o tempo inteiro que seria uma tarefa árdua. Afinal, eu passei oito anos atormentado por ela. Então, depois de um ano de uma existência vazia, havia encontrado algo que realmente me empolgava, um novo trabalho com novas possibilidades e perspectivas. E ela surgia na minha vida novamente. Teremos que trabalhar juntos de novo.
O que eu vou fazer? Dizer a Benjamin que desisto, virar as costas e me afastar de Anna pra sempre, e assim, quem sabe, tentar ter alguma paz?
Isto seria o mais sensato, embora eu saiba que não posso.
Eu e Benjamin estamos juntos neste projeto.
E eu terei que lidar com o fato de ele e Anna terem um passado juntos. Como bem me lembra aquela maldita foto no corredor.
– Ei, e aí, gostou do pessoal? – Benjamin pergunta depois de levar Isaac até a porta, o último convidado a sair.
Eu afrouxo meu colarinho, enquanto Benjamin me serve mais um copo de whisky.
– Sim, são todos bastante promissores.
– Realmente fiquei surpreso ao saber que você e Anna trabalharam juntos – ele diz com uma casualidade forçada. Eu tomo um longo gole de whisky. – Eu deveria ter contado a você que eu a chamei para trabalhar conosco quando lhe mostrei o quadro.
– Não foi nada ético, Benjamin, sabe disto?
– Daniel, eu...
– Não, não foi. Não deveria ter me mostrado a foto dela quase nua se vamos trabalhar juntos.
– Eu realmente não me toquei na hora. Foi um vacilo.
– Ela também não gostou de ver sua foto exposta.
– Eu sei, tivemos uma pequena discussão sobre isto na cozinha antes de ela ir.
Discutiram? Será que Anna ficara brava a ponto de desistir de trabalhar com Benjamin?
E por que a possibilidade de ela desistir me faz ficar preocupado em vez de aliviado?
– E o que aconteceu?
Ele dá de ombros.
– Eu pedi desculpas e prometi tirar a foto de lá. Eu realmente não sei em que diabos estava pensando... enfim, eu falei pra ela não se preocupar com você. Que não iria julgá-la. Estou certo, não é? Afinal, você deve tê-la reconhecido na foto quando viu. Por que não falou nada?
– Eu não tinha certeza que era ela – desconverso. – Também não quis criar uma situação constrangedora.
– Entendi. Bom, espero que ela me perdoe de verdade.
– Ela irá ficar?
– Ela disse que sim.
Agora sim eu sinto alívio. Que inferno, quando eu ia aprender?
– E você, não acha estranho, trabalhar com uma ex? – pergunto.
Eu quero saber o que ainda há entre eles. Quero saber se a história deles está mesmo no passado, ou se aquilo é uma reaproximação para algo mais.
– Ou ela é uma atual? – pergunto friamente, jogando verde.
E nem me toco que mal respiro enquanto espero a resposta.
– Somos apenas amigos. E, antes que apresente alguma objeção, eu preciso deixar claro que não vou abrir mão da Anna. Ela precisa deste emprego.
Então Benjamin ia me peitar pra defendê-la?
– Eu não disse que me oponho. Apenas queria saber o que está acontecendo.
– Sim, eu entendo e, quanto a isto, não precisa se preocupar. Somos profissionais.
– Espero que sim.
– E além do mais, você a conhece, já trabalharam juntos.
– Sim, ela é competente.
– Certo, então está tudo esclarecido.
Eu me despeço de Benjamin e vou pro meu apartamento vazio.
Me encher de whisky e pensamentos em Annalise Nicholls.
Eu devia ter superado. Devia olhar pra ela como apenas um caso amoroso que não deu certo. Se é que eu podia chamar assim.
Mas não. Eu ainda sofria. Ainda havia olhado pra ela hoje à noite, reparando nas pequenas sardas em seu nariz e me lembrando que havia as mesmas sardas em seus ombros.
Ainda sentia seu cheiro único de jasmim intoxicando meus sentidos, me fazendo lembrar de como era senti-lo quando estava com meu nariz em seu pescoço, antes de beijá-la e sentir seu gosto.
Tão único. Tão perfeito. Tão nocivo.
Sim, Annalise Nicholls era tóxica para mim. Como uma droga, que viciava e dava prazer e que também trazia dor e sofrimento depois.
E quanto tempo mais eu ia ficar naquele círculo vicioso? Desejando e sofrendo eternamente?
Eu havia me apaixonado por ela quando não devia há oito anos e fora desastroso. Passei anos me culpando pelo o que tinha feito e pelo o que não tinha. A encontrei de novo me dando conta de que ainda era importante pra mim. Então tentei consertar todos meus erros passados correndo atrás dela até ser abandonado no altar.
Inferno, quão fundo eu ainda podia ir até não conseguir mais sair do buraco que Annalise Nicholls havia me enfiado?
Talvez agora eu devesse ouvir a voz da razão e dar um basta naquilo.
Chega de insistir em algo que nunca teve futuro.
Annalise Nicholls era passado.
Mas pensar e fazer eram coisas totalmente diferentes. Era o que eu aprenderia no decorrer daquele primeiro dia de trabalho.
Começara tranquilo, um tanto tenso, mas determinado a me manter firme na minha postura, profissional e impassível.
Anna Nicholls era só uma funcionária. Okay, tínhamos um passado? E daí? Ela e Benjamin também tinham e pareciam lidar muito bem com isto.
Pensar em Benjamin e Anna me causava um embrulho no estômago, eu ignorei a sensação ruim. Mesmo assim, enquanto me dirigia para a sala de reuniões naquela manhã, me perguntava quantos namorados mais Anna teve no seu passado.
“Não é da sua conta”, digo a mim mesmo firmemente.
Meu celular toca e eu olho o visor, vendo uma ligação perdida de Charlotte. Ela terá que esperar. Com certeza deve ser alguma bobagem.
Entro na sala e estão todos ali, mas passando um olhar rápido pelos presentes, não vejo Anna.
– Ei, Daniel entra, já estamos conversando sobre as diretrizes... – Benjamin diz e eu me sento à mesa.
– Estão todos aqui? – pergunto, tentando soar casual.
– Anna está atrasada, ela teve um imprevisto, deve chegar daqui uma hora. – Isaac diz e eu me pergunto como é que ele sabe.
E quem é aquele cara mesmo? Sei que é advogado e é tão alto quanto um modelo fotográfico. Que interesse ele tinha em Anna?
– Daniel? Daniel? – Benjamim me chama e eu volto à atenção pra reunião.
Anna chega mais de uma hora depois e entra na sala pedindo desculpas e passando um olhar geral por todos. Ela mal olha pra mim.
O que me importa? É até melhor assim. Que ela aja friamente comigo como agia um ano atrás, pois agora seremos dois.
A reunião prossegue por toda manhã e, na hora do almoço, Benjamin sugere que todos nós almocemos juntos. Apenas Anna declina do convite dizendo que tem que resolver algo em sua casa e desaparece num táxi.
Aonde será que ela está morando, ainda com Fiona? E o que será que ela tem para resolver?
Quando voltamos à reunião, eu fico olhando pro relógio o tempo todo, me perguntando que horas ela vai aparecer, está muito atrasada.
– Anna ainda não voltou? – Isaac pergunta.
De novo aquele cara?
– Ela vai chegar daqui a pouco. – Benjamin parece incomodado, como se estivesse mentindo. Ou escondendo algo.
Infelizmente pra Anna, mesmo eu não tendo o menor interesse em seus problemas particulares, não vou tolerar que ela use de sua suposta intimidade com um dos donos da firma para fazer o horário que bem quiser.
A reunião termina e ela ainda não apareceu.
– Assim que Anna Nicholls chegar, peça a ela para ir até minha sala – eu peço à recepcionista, uma garota tímida que em nada lembra a esfuziante Hannah.
– Sim, senhor. – ela responde.
Eu vou pra minha sala e tento fixar minha atenção na ficha de nossos clientes em potencial quando alguém bate à porta e eu me ajeito na cadeira.
Não é Anna quem está ali e sim minha irmã Charlotte.
– Olá! – ela entra na sala batendo seus saltos altos e atrás dela há uma ruiva estonteante. – Vim te fazer uma visitinha, já que não atende seu telefone!
– Charlotte, eu estou trabalhando!
– Eu sei muito bem, aliás, adorei seu escritório! Se bem que posso colocar uma cor aqui, umas cortinas novas...
– Fala logo o que deseja.
– Ah, que cabeça a minha! Esta é minha amiga, Vivian.
– Olá, como vai? – eu a cumprimento, começando a entender as intenções de Charlotte.
– Me desculpe por invadir seu escritório, eu disse para Charlotte que podíamos marcar hora.
– Bobagem -– Charlotte retruca. – Daniel, a Vivian precisa de um advogado por causa de um problema com uns contratos, ela é modelo. – Charlotte pisca. Oh Deus. – E é claro que eu te indiquei.
– Bom, eu posso ajudá-la, mas terá realmente que marcar um horário.
– Eu disse – Vivian sorri. É uma garota bonita. – Sabe como é sua irmã.
– Sim, eu sei – sorrio também.
– Bom, já estão se dando bem! Então, que tal marcarem um jantar hoje à noite?
– Podemos marcar uma reunião aqui no escritório – eu contradigo.
– Não seja chato!
– Ele tem razão – Vivian diz. – Eu posso marcar um horário aqui mesmo.
– Bom, pra começar pode ser– Charlotte se dá por vencida.
– Agora, se me derem licença, eu preciso trabalhar.
As duas se levantam e eu as levo até o elevador.
E quando estou voltando, vejo Anna na porta da minha sala.
– Queria falar comigo?
– Sim, entre.
Ela entra no escritório e eu fecho a porta.
– Sente-se – peço.
– Estou bem de pé – ela responde e eu me encosto na mesa atrás de mim, com Anna a alguns metros de distância.
Vejo que seus cabelos estão soltos, diferentes de como estavam hoje de manhã, presos num coque elegante. E ela usa uma saia preta e uma camisa branca. E, se reparar bem, há uma mancha amarelada em seu seio direito...
Eu pigarreio, voltando a atenção a seu rosto.
– Algum problema? – ela indaga.
– Sim, eu preciso adverti-la sobre o que aconteceu hoje.
– Como é?
– Você sabe do que estou falando. Você chegou atrasada hoje de manhã e sequer apareceu para a reunião da tarde.
– Eu tive um imprevisto.
– Foi o que disse, só preciso deixar claro que não pode ter este tipo de comportamento. Somos um escritório novo e precisamos de todos os funcionários engajados e motivados.
– Aonde quer chegar?
– Que você não pode se aproveitar de ser mais... íntima... de um dos sócios para fazer seus próprios horários ou faltar.
Ela fica vermelha.
– O que está dizendo? Eu não estou fazendo isto!
– Você fez hoje e eu preciso que saiba que será advertida como qualquer funcionário. Seu relacionamento com Benjamin não vai interferir em seu trabalho.
– Que relacionamento? O que está insinuando, Daniel? Que estou me aproveitando do fato de ser ex-namorada de Benjamin para ter privilégios?
– Espero que tenha entendido que isto não será tolerado.
– Você está sendo ridículo! – ela dá alguns passos na minha direção. – Eu disse que tive imprevistos e não estou usando relacionamento com ninguém aqui para ser privilegiada! E não vou admitir que insinue algo assim!
– Não estou insinuando nada, estou advertindo você. Será punida se tiver essa atitude novamente. Não será admitido que, pelo fato de ser, como posso dizer, amiga de Benjamin, tenha tratamento diferenciado e...
– Ah Daniel, cala a boca! Você está sendo um idiota! Nós dois sabemos que estou aqui levando bronca apenas por ser quem eu sou! Se eu fosse outra pessoa, você nem se daria ao trabalho! Então eu aproveito para dizer que não vou permitir que pegue no meu pé! E você não está sendo um cretino comigo por causa do Benjamin, e sim por causa do que aconteceu entre nós. Afinal, você também é meu ex-namorado, não é?
– Sou? Pensei que eu fosse apenas o cara que ferrou com sua vida há oito anos e que você largou no altar um ano atrás!
Anna engole em seco e me encara com os olhos doloridos.
– É você quem está dizendo isto.
– Não é a verdade? – minha voz sai carregada de amargura.
– É assim que nós vamos trabalhar? – ela pergunta cruzando os braços sobre o peito. – É desse jeito que vai agir comigo? Porque se vai ser assim, está longe de dar certo!
– E o que você quer que eu faça? Desculpe-me se não tenho o mesmo discernimento que Benjamin pra lidar com você como se já não tivesse te fodido em cima da minha mesa de trabalho! – assim que as palavras saem em quero pegá-las de volta, é muito tarde.
Um silêncio tenso cai sobre nós e nós nos encaramos com raiva.
Até que ela dá meia volta para sair e, antes que mesmo me dê conta do que estou fazendo, minhas mãos estão voando em sua direção e eu a estou puxando pra mim, cercando-a com meus braços. E ela ofega um segundo antes que minha boca desça sobre a sua.
E enquanto estou ali, beijando Anna Nicholls, constato que era exatamente o que estou desejando desde ontem, quando a vi entrar no apartamento de Benjamin.
Eu queria estar aspirando seu cheiro de jasmim e me intoxicando nela, enquanto engulo seus gemidos dentro da minha boca, que beija a dela com saudade.
Há uma pequena parte do meu cérebro que se mantém alerta, maldizendo minha fraqueza e desejando ser o cara que eu disse que seria hoje. Frio e impassível.
Entretanto, há aquela outra parte, aquela que desejou Annalise Nicholls desde o primeiro dia que a viu com as saias de escola dançando em volta de suas coxas brancas e que a desejou mais ainda quando levantou sua saia preta sobre as mesmas coxas adornadas com meia 7/8.
E esta parte está vencendo... Ou perdendo, dependendo do ponto de vista.
Eu já perdi quando ela geme e puxa meus cabelos, sua língua encontrando a minha com igual vontade, enquanto suas coxas se imiscuem em meio as minhas pernas, nossos quadris se buscando. E eu me perguntando, enquanto abaixo a mão para baixo de sua saia, se ela ainda usa meia 7/8...
E gemo, ao descobrir que sim.
E grudo mais nela, mordendo seu lábio inferior antes de mergulhar de novo minha língua entre seus lábios macios, minhas mãos apertando seus quadris em minha ereção.
Mas de repente eu sinto suas mãos começarem a me empurrar.
– Não, Daniel, não...
Eu paro, atordoado, enquanto ela finalmente dá um passo atrás, ofegante.
– Isto não está certo – ela afirma.
E eu infelizmente tenho que concordar.
Que diabos eu estava fazendo?
Estou sendo o mesmo idiota que prometi não ser.
Bastava Anna colocar aqueles olhos chocolate em mim que eu estava perdido.
– Tem razão – digo, passando a mão pelos cabelos.
– Não, você não entende... Há coisas que... – ela começa a dizer e então para. – ... Eu... preciso ir.
E sai da sala intempestivamente.
Eu não a vejo pelo resto do dia e, quando estou passando pela recepção, escuto a recepcionista dizendo ao tal Isaac que Anna foi embora mais cedo.
Eu me irrito de novo. Então ela não havia escutado nada do que eu tinha dito?
Eu teria que conversar com Benjamin amanhã. Afinal, eu já a tinha advertido e do que adiantou?
“Claro, Daniel, você a advertiu muito bem”, minha consciência me atormenta e eu respiro fundo entrando no carro e dando partida.
Talvez eu deva ligar pra Charlotte e pedir para marcar o tal jantar com Vivian. Sim, era o que eu ia fazer. Eu preciso de alguém para me distrair da droga que era Anna Nicholls.
Eu chego em casa e ligo pra Charlotte.
– Oi, irmãozinho.
– Marque o jantar com sua amiga Vivian.
Charlotte solta um grito.
– Sério? Sabia que tinha gostado dela!
– Sim, ela é bonita.
– E ela ficou interessada em você também! Nossa, vou ligar agora!
Ela desliga toda entusiasmada e eu me pergunto se não é mau sinal minha irmã estar mais animada do que eu.
Rechaço este pensamento negativo e tiro a gravata.
Estou preparando um drink, quando escuto a campainha tocar.
Não estou esperando ninguém e espero que não seja alguém da minha família para me encher.
Porém, ao abrir a porta, me deparo com Anna Nicholls.
E ela está segurando um bebê no colo.
–Anna?
– Oi... Posso entrar?
Ela parece aflita e, mesmo chocado com sua presença ali, segurando um bebê, eu deixo ela entrar e fecho a porta.
– Anna, o que faz aqui e... quem é este bebê?
Ela hesita, mordendo os lábios, e então me encara.
– Esta é Isabella... Minha filha... Nossa filha.
Capítulo cinco
Daniel
O quê? O que Anna está dizendo?
Certamente eu não ouvi direito.
Meus olhos vão de seu rosto com palidez mortal e olhos apreensivos, para o bebê em seu colo.
Algo estala em minha mente.
Entendimento.
Deixo de respirar.
– O que disse? – pergunto, lutando contra a onda de pavor e choque.
– Você ouviu – ela sussurra, agarrada a criança em seu colo.
Eu cravo os olhos no bebê enquanto processo aquela informação inusitada.
É uma criança linda. Tão branca quanto Anna e com cabelos castanhos como os dela.
E olhos verdes. Como os meus.
“Esta é Isabella. Minha Filha. Nossa filha”
Aquele bebê que eu nunca tinha visto antes era filha de Anna.
E minha.
Minha filha.
De repente nossa última conversa antes de ela ir embora há mais ou menos um ano vem a minha mente. A conversa na qual eu perguntei se ainda havia a chance de ela estar grávida.
E ela dissera que não.
Obviamente era mentira. Ela estava grávida.
Anna estava grávida quando foi embora. Me deixando.
E mentiu.
Mentiu o tempo inteiro. Mentiu durante o tempo que estava fora, enquanto esperava um bebê e eu nem fazia ideia.
Mentiu depois que eu a encontrei na casa de Benjamin.
Mentiu enquanto nos beijávamos na minha sala hoje à tarde.
Uma revolta crescente em meu íntimo faz uma raiva fria e intensa se apoderar de mim.
Anna
Eu mal consigo me manter sobre minhas pernas de tanto que tremo enquanto fico ali, parada na sala de Daniel, esperando ele processar o que eu havia acabado de jogar em cima dele.
Seus olhos vão de chocados para raivosos depois de alguns ansiosos segundos e eu aperto Isabella em meu colo, como um escudo.
Uma parte de mim se arrepende de tê-la trazido. Assim que tomei a decisão de contar a verdade a Daniel, eu não pensei em outra alternativa. Eu precisava mostrar Isabella a ele.
Obviamente eu estava com medo de sua reação. Eu havia, deliberadamente, tomado a decisão de mentir sobre a gravidez há um ano porque foi preciso. Não via outra maneira de me afastar de Daniel. Se ele soubesse da gravidez, tudo seria muito mais complicado e temia que ele não me deixasse ir.
E eu precisava ir. Era imprescindível para minha sanidade mental e para que eu deixasse o passado para trás e pudesse ser uma boa mãe para minha filha.
Mas sempre soube que um dia eu teria que contar a verdade a Daniel. A verdade que deveria ter sido revelada antes de Isabella nascer, mas que, com a doença da minha mãe, foi adiada.
E agora eu temia ter ido longe demais.
Quando voltei para Seattle para trabalhar com Benjamin, protelei o inevitável encontro com Daniel enquanto me adaptava novamente à vida na cidade agora com um bebê.
Eu queria estar segura e estável quando o procurasse para contar sobre nossa filha. Tudo virou do avesso quando eu o encontrei no apartamento de Benjamin e fiquei sabendo que iríamos trabalhar juntos de novo. A partir daí era apenas uma questão de tempo até que eu não conseguisse fugir mais.
E então ele me beijou. E foi como antes. Eu fechei os olhos e me deixei levar por aquela força irresistível que me ligara a ele desde que o encontrei pela primeira vez.
Só que desta vez era diferente. Eu não podia pensar apenas em mim e nas coisas deliciosas que Daniel fazia comigo que talvez valesse me perder mais um pouco.
Eu tinha um enorme segredo.
E pensar nele me deu forças para me afastar e, além disso, perceber que não dava mais pra adiar aquela revelação.
Assim, eu fui direto pra casa e depois de amamentar Isabella, entrei num táxi e bati na porta de Daniel.
– Você mentiu – sua voz soa fria como o gelo e eu estremeço.
– Sim – digo. O que mais poderia dizer?
– Por quê?
Eu engulo em seco.
–Eu precisava ir embora.
– Você não deveria ir embora se estava grávida.
– Por isto mesmo. Eu sabia que você tentaria me impedir.
– Então resolveu simplesmente mentir e me virar as costas? Como se não fosse nada?
– Não foi assim...
– E como foi, Anna? Nós sabíamos que havia esta possibilidade. Eu esperei que você me dissesse se estava grávida ou não. Eu ia te apoiar... Inferno, eu te pedi em casamento!
– Foi um erro.
– Erro foi o que você cometeu, não eu.
– Eu sinto muito...
– Sente? Quer que eu acredite realmente que você sente alguma coisa por mim, Anna? Você me deixou no altar. Quando já sabia que estava grávida! Você mentiu deliberadamente quando eu perguntei claramente se estava grávida!
– Eu precisava ir embora! – meu desespero agora é latente para tentar fazê-lo entender. – Eu não estava bem! Eu nunca estive!
– Você podia ter me dito, você tinha que ter me dito! Eu nunca te forçaria a nada.
– Forçaria sim! Foi o que você fez o tempo inteiro e sabe disto!
– Eu não te forcei a nada!
– Forçou sim! Nós nunca deveríamos ter voltado a ficar juntos. Nunca, jamais ia dar certo. Depois de tudo o que aconteceu antes, depois daquela maldita vendetta, tudo o que você tinha que fazer era ficar longe de mim, mas ao contrário, todo o tempo que passei naquela firma você não fez outra coisa a não ser me coagir a ficar com você!
– É tão fácil, não é Anna, se fazer de vítima? Jogar toda a culpa em mim como se eu tivesse te forçado a transar comigo ou algo do tipo! Eu te deixei em paz quando disse que nunca ia me perdoar! Eu estava cansado de tentar provar a você que eu havia mudado. Foi você que pediu para eu te levar embora daquela festa.
– Eu estava bêbada!
– Você tem sempre uma desculpa!
– Nós estamos nos desviando do assunto! Não estou aqui para discutir nossa antiga relação! Eu vim para te falar de Isabella!
Seus olhos vão rapidamente para Isabella e depois se prendem em mim de novo, mais cheios de raiva do que antes.
– Você é inacreditável. Eu ainda não consigo acreditar que foi capaz de fazer algo assim! – ele passa a mão pelos cabelos, como se falando consigo mesmo, andando pela sala como um tigre enjaulado.
– Eu sei que isto é inesperado...
– Inesperado? Isto é tenebroso, Anna! Eu achava que nada poderia ser pior do que o que você fez um ano atrás, deixando para terminar comigo no altar, diante de todo mundo. Mas, não, você fez ainda pior. Você aparece aqui com esta criança, dizendo que é nossa filha, sendo que eu não fazia nem ideia de que estava grávida, como quer que eu me sinta! Inesperado é uma palavra muito leve para o que estou sentindo!
– Eu realmente precisei fazer isto. Por favor, entenda...
– Eu não sou obrigado a entender nada! Eu sinto tanta raiva de você neste momento! – ele me encara com ódio e eu dou um passo atrás, segurando Isabella com força. Daniel parece envolto em trevas. Escuro, negro. Sombrio.
E ter toda aquela raiva direcionada a mim é horrível. Eu temo que isto resvale em Isabella e vejo que foi um grande erro trazê-la comigo.
Eu deveria prever que Daniel iria me odiar.
Mas eu não posso permitir que ele odeie Isabella.
De repente eu sinto um medo terrível de que o que eu fiz tenha estragado tudo de uma maneira irreversível.
Daniel não só vai me odiar como nunca vai aceitar a filha. E a culpa é toda minha. Eu abraço Isabella com mais força contra meu peito.
– Por favor, Daniel. Eu realmente sinto muito. Sei que é difícil de entender os meus motivos, mas eu precisava ir embora, precisava me afastar e manter a gravidez em segredo foi preciso naquele momento, para eu poder resolver toda aquela confusão que me meti...
– Você. Você. Você. É só isto que te preocupa. É só o que você está sentindo, o que você precisa. Algum momento você parou para pensar no que eu sentiria? De como eu me sinto agora, descobrindo que tenho uma filha que nem vi nascer?
Eu fecho os olhos e aspiro com força, lutando contra o nó na minha garganta.
–Eu nunca quis enganar você... – minha voz não passa de um sussurro trêmulo e dolorido.
– Quis sim. Você enganou sim – a voz dele é tão dolorida quanto a minha e isto me destrói um pouco mais, enquanto ele senta, escondendo o rosto entre as mãos.
Eu me dou conta do quão longe eu tinha ido. De como será muito improvável que consiga consertar aquela situação.
Eu engulo as lágrimas, enquanto um silêncio desolador nos cerca até que o telefone começa a tocar em algum lugar, Daniel não atende.
– Chega, Anna. – ele finalmente levanta a cabeça, sem me fitar enquanto se levanta. – Vá embora. Não quero te ver mais.
Eu sinto sua rejeição quase como uma agressão física e até Isabella começa a chorar.
Então é isto.
Daniel não vai entender. E nem perdoar.
E eu terei que aceitar.
Mas ainda tem Isabella. E é por ela que eu ainda tento mais uma vez.
– Daniel, eu...
Antes que eu pudesse continuar, uma voz feminina enche a sala através da secretaria eletrônica.
– Daniel, é Vivian. Queria confirmar que nosso jantar está marcado para amanhã à noite... Me liga, assim combinamos os detalhes. Estou ansiosa para nos conhecermos melhor. Beijos.
Eu sinto a dor se multiplicar por mil. Então Daniel tem um encontro amanhã. Claro, o que eu podia imaginar? Com certeza ele deve ter muitos encontros com mulheres solteiras e bonitas.
E para que ele iria querer uma criança que estava lhe sendo imposta sem ele nem querer? Ainda mais sendo filha da mulher que o abandonara no altar e que o enganara?
– Sim, eu vou. Não quero mais te atrapalhar – digo friamente e sem olhar para trás eu saio do seu apartamento.
Daniel
Eu achava que já estivera no inferno por causa de Annalise Nicholls algumas vezes.
Estava tão enganado.
Nada do que eu tinha sofrido antes por causa dela se comparava ao que estou sofrendo agora.
E eu a deixei ir.
Eu precisava deixá-la ir porque simplesmente a raiva que eu sinto agora é tão grande que eu temi me arrepender dos meus atos depois.
E o que mais podia ser dito? Ela mentiu. Olhando nos meus olhos quando nos despedimos em sua casa e dizendo que não estava grávida.
E foi embora. Um ano se passou e ela nunca mais entrou em contato. E sabe Deus se tinha a intenção de entrar um dia. Talvez, se não fosse o fato de estarmos de novo trabalhando juntos, ela não se visse obrigada a revelar pra mim a existência daquela criança.
E eu nunca saberia que tinha uma filha.
Aquele bebê desconhecido, que chorou quando eu despejei toda minha raiva em cima de Anna. Aquele bebê que não devia ter mais do que cinco meses. Eu mal olhara pra ela.
Eu não conseguia. Era doloroso demais. E eu estava com raiva demais de Anna naquele momento.
E agora estava arrependido. Inferno, ela era minha filha e eu nunca tinha colocado meus olhos nela. Não sabia sua idade exata, que dia tinha nascido. Nada.
Eu não sabia exatamente nada. Porque Anna a escondera de mim.
A raiva ameaçava se apoderar de mim novamente e eu respiro fundo várias vezes.
Do que adianta eu me consumir na ira agora? O que Anna fez não tinha volta.
Mas a criança ainda existia. Ainda era minha filha.
E eu precisava pensar sobre aquilo. Sobre a enormidade daquela realidade.
Eu tenho uma filha. Sinto meu peito se enchendo de algo estranho e novo. Assustador e belo.
Quando eu me dei conta naquela manhã um ano atrás que Anna poderia estar grávida, eu havia sentido algo parecido. Algo como um anseio quase proibido.
Mesmo assim um anseio.
Havia uma parte de mim que queria ter um filho com ela. Que desejara aquele bebê.
E agora ela existia. Minha filha. Isabella.
Com meses de atraso eu era apresentado a ela, aquele pequeno ser no colo de Anna que era um pedaço meu também. Algo real e inexplorado.
E eu a mandara embora junto com Anna.
Uma pontada de arrependimento bate em meu peito. Inferno, como poderia lidar com isto agora que minha relação com Anna estava totalmente estragada?
Porém, a criança não tinha culpa.
De repente eu sinto um anseio quase tangível de vê-la de novo. De me certificar mais de perto de que ela é real.
Eu pego a chave do carro com uma intenção clara quando saio do meu apartamento.
É Fiona quem abre a porta e me encara quase chocada.
– Daniel!
– Oi, Fiona, Anna está aí? – pergunto ansioso.
– É... Não.
– Não? Eu pensei que ela estivesse morando com você – será que eu me enganei?
– Sim, ela está comigo por enquanto... Só não está aqui no momento.
Eu tento conter a frustração. Onde Anna estaria àquela hora e com uma criança? Já fazia mais de uma hora que ela havia saído da minha casa.
– E você sabe onde ela está?
Fiona hesita, incerta.
– Ela foi ao pronto socorro infantil. A filha dela não estava bem. Aí ela ligou pro Benjamin.
– Benjamin?
– Sim, ele a levou até o pronto socorro.
Anna havia ligado pra Benjamin ajudá-la com a filha doente?
A minha filha?
– Você sabe onde fica?
Fiona hesita de novo.
– Eu acho que você entende que eu tenho o direito de saber, não é Fiona?
Ela cede por fim e diz o hospital onde eles estão. Eu agradeço e volto pro carro e, por todo o caminho, eu tento conter a minha ira crescente.
Como Anna podia ligar para Benjamin quando estava com problemas com Isabella? Benjamin não era pai dela!
Ele era ex-namorado de Anna. E ele então sabia que Anna tinha uma filha? Certamente que sim, se ela até liga pra ele quando tem problemas!
Então só eu não sabia? Eu, que era o pai? Aperto o volante com mais força do que o necessário. Mil vezes inferno, quantas mais Anna iria aprontar comigo?
Porém, não posso me deixar levar pela raiva agora. Eu não estou indo àquele hospital para brigar com Anna ou até mesmo Benjamin.
Fiona disse que Isabella estava doente e isto começava a me preocupar, porque eu não fazia ideia do que poderia ser.
Eu chego no hospital sem a mínima ideia de onde procurar e subo para a ala infantil na esperança de encontrar Anna e Isabella, e é justamente quando saio do elevador, que vejo Anna no corredor conversando com uma atendente. Ela levanta a cabeça, me vê e arregala os olhos, estupefata.
Eu vou em sua direção e ela faz o mesmo.
– O que está fazendo aqui? – diz, agressiva.
– Eu fui à casa da Fiona e ela me disse que estava aqui.
– Foi fazer o que lá? Já não foi o bastante o monte de merda que me disse na sua casa? Queria me agredir mais? Ou a Isabella?
– Eu estava nervoso – me defendo. – E fui atrás de você para conversarmos como adultos sobre Isabella e fico sabendo que ela está doente e que você chamou Benjamin!
– O que você queria? Você me escorraçou da sua casa! Você... Nem se importou com Isabella!
– Eu estava chocado! Me desculpe se eu não reagi muito bem ao fato de ter descoberto sobre uma filha que foi deliberadamente escondida de mim por meses!
– Ok, Daniel, pode jogar na minha cara. Eu já devia esperar algo desse tipo. Eu fiz minhas escolhas e tenho que pagar por elas. Isabella não. E, sinceramente, se não quer nada com ela, você diz logo, porque terminamos por aqui!
– Senão o quê? Vai colocar Benjamin no meu lugar?
– Se não quer ser pai dela, não tem nem o direito de me perguntar algo assim. E agora, com licença, eu tenho mais o que fazer do que ficar discutindo com você, eu tenho uma filha pra cuidar! - E sem mais ela se afasta pelo corredor, me deixando ali plantado.
Inferno, o que eu faço?
Vou atrás dela pra continuar a discussão? É obvio que nós dois estamos nervosos e de nada vai adiantar.
Me sinto frustrado e perdido.
Ok, eu não estava ali para brigar com Anna e talvez não fosse o momento certo para a aproximação que eu queria, mas ainda queria me certificar que a menina estava bem.
Caminho pelo corredor por onde Anna desapareceu e não demora para eu ver a sala onde ela entrou.
Ela está com Isabella no colo, que chora aos berros, enquanto uma enfermeira tenta segurar seu braço, com uma agulha na mão. Benjamin acompanha a cena de uma certa distância.
Isabella grita mais alto quando a enfermeira finalmente consegue dar-lhe a injeção. Seu rostinho vermelho está banhado em lágrimas e eu sinto um aperto no peito com sua dor. Uma vontade quase irracional de entrar lá e tirar aquela agulha de seu bracinho minúsculo e dar alguns socos na enfermeira por tê-la feito sentir dor.
– Pronto! – a enfermeira diz por fim e retira a agulha. – A febre vai abaixar bem rápido depois do medicamento.
Anna abraça a menina, murmurando algo muito baixo e seu rosto está pálido e preocupado.
E eu sei o que ela está sentindo, porque eu sinto o mesmo.
– E quando podemos ir embora? – escuto a voz de Benjamin perguntar.
– Dê algum tempo para o remédio fazer efeito, então o médico a libera. Ela ficará bem.
O choro vai diminuindo enquanto Anna a embala no peito e então ela levanta a cabeça e nossos olhares se encontram.
Não há mais raiva entre nós naquele momento. Não há mais nada. Porque não estamos mais concentrados um no outro e sim na criança em seu colo.
E naquele instante eu quero entrar ali e simplesmente ficar do seu lado. Dizer que tudo vai ficar bem.
Que direito eu tenho? Ela foi até minha porta com aquela criança.
E eu praticamente a expulsei.
Anna havia errado ao mentir pra mim. Deixando que eu descobrisse só agora sobre Isabella. E eu também errei ao descarregar toda a minha raiva nela daquele jeito, quando estava com a criança no colo. Que, afinal de contas, não tinha culpa nenhuma.
Talvez até por isto estivesse doente. A culpa corrói meu peito e eu recuo. Anna fica olhando pra mim enquanto dou meia volta e me afasto.
Suas palavras ressoam em minha mente: “se não quer nada com ela, diz logo, porque terminamos por aqui... Se não quer ser pai dela...”.
Se eu quero ser o pai daquela menina, eu preciso provar isto a Anna.
E teremos que passar por cima de anos de desavença e nos entender, de alguma maneira.
Anna
– Ainda bem que chegou, estava tão preocupada. – Fiona diz, quando abre a porta. – E aí, como ela está?
– Está bem, foi apenas uma febre. Ela tomou uma injeção e a febre já baixou – respondo com a voz cansada.
– Oi, Benjamin. – Fiona sorri quando Benjamin entra atrás de mim, mas sinto uma certa tensão e eu não sei o que pode ser.
– Eu vou colocá-la no berço. – digo, indo para o quarto.
Coloco Isabella adormecida no berço e respiro aliviada por ver que está bem.
Depois de toda a tensão daquele dia interminável, ainda ter que lidar com aquilo fora duro.
Eu havia chegado da casa de Daniel com os nervos em frangalhos e Isabella não parava de chorar e não demorou muito para eu perceber que estava febril.
Benjamin ligou, perguntando se eu queria jantar com ele, e eu disse que não poderia ir a lugar nenhum a não ser a um hospital para ver qual o problema de Isabella e ele prontamente se ofereceu para me levar, o que eu aceitei aliviada.
Era inevitável comparar o comportamento de Benjamin com o de Daniel mais cedo. Ainda doía o fato de ele ter rejeitado Isabella. Por outro lado, era fácil pra Benjamin me ajudar. Ele não era o pai de Isabella de verdade, que foi enganado por mim durante meses.
Agora de nada adiantava lamentar por atitudes que não poderiam ser mudadas. Eu havia procurado Daniel e contado sobre Isabella para consertar as coisas, aparentemente era tarde demais.
E então ele aparecera cheio de acusações no hospital. Ainda sentia raiva só de pensar! Ele me escorraçava de sua casa e depois achava ruim eu estar com Benjamin? Pois que fosse pro inferno.
Eu não podia me preocupar com suas atitudes naquele momento, pois toda minha atenção estava em Isabella, que era o que deveria me interessar em primeiro lugar. Por ela eu enfrentara Daniel. Porque no fundo, eu sabia que ela precisava de um pai.
Mas, será que Daniel ia querer ser seu pai? Ele me pareceu diferente quando Isabella tomava injeção. Parecia estar realmente preocupado. Depois recuara, indo embora sem dizer nada.
E o que ia acontecer de agora em diante?
Eu suspiro e deixo Isabella dormindo, indo pra sala.
Fiona e Brian estão com Benjamin.
– Bom, nós vamos dormir – Fiona diz puxando o marido pela mão. – Amanhã a gente acorda cedo. Boa noite pra vocês.
– Vamos marcar aquele jogo de basquete, hein? – Brian diz pra Benjamin. – Você está me devendo desde que se mudou para Seattle.
Benjamin ri.
– Claro, ando atolado de trabalho com o escritório novo, assim que as coisas esfriarem a gente marca.
– Vou cobrar... Ei, Anna. – Brian se vira pra mim, ignorando o chamado de Fiona. – Acho que vi Daniel Beaumont saindo daqui hoje, Fiona me disse que provavelmente eu me enganei, mas acho que era ele.
– Chega Brian, vamos dormir! – Fiona corta, conseguindo puxá-lo de vez e eu encaro Benjamin que me fita com um olhar curioso.
– Daniel? Será que ele conhece alguém no prédio? E eu nem sabia que o Brian conhecia o Daniel.
Eu mordo os lábios, incerta.
– Sim, eles se conhecem vagamente.
– Da época que você trabalhava na Taylor?
– Sim, isto e por que... – eu respiro fundo. Já estava na hora de eu contar a verdade a Benjamin também. – E porque eu quase me casei com Daniel há um ano.
– O quê? Você e Daniel?
Eu aceno positivamente em face de seu choque.
– Está me dizendo que namorou o Daniel, que... foram noivos?
– Sim.
De repente ele entende e eu vejo isto na mudança de sua expressão.
– Uau. Então é isto. Agora... tanta coisa parece fazer um assombroso sentido! – ele ri sem humor. – O dia da foto na parede... O jeito que vocês se olharam no meu apartamento... Anna, por que não me disse nada?
Eu dou de ombros.
– Eu não fazia ideia de que vocês se conheciam... que eram sócios! Droga, eu fiquei chocada quando o vi.
– E ele também não sabia.
– Claro que não.
– E eu preciso fazer esta pergunta, embora ache que já saiba a resposta. Isabella é filha dele, não é?
– Sim, ela é.
– Ele sabe?
– Não sabia até hoje. Ele não sabia que eu tinha uma filha.
– Nossa! Isto sim é... Inesperado!
– Desculpa não ter te contado... tem muitas coisas entre mim e Daniel... Você não faz nem ideia.
– Então por que não me conta?
Eu respiro fundo e conto tudo a Benjamin.
Daniel
Naquela noite eu não bebo. Embora eu tenha vontade de amortecer todo sentimento ruim dentro de mim.
Me sinto mais confuso do que nunca, sem saber que rumo seguir.
Eu passei meses sofrendo depois que Anna foi embora, vivendo uma existência vazia. E, justamente quando achava que estava seguindo em frente, ela aparece de novo. E eu decidi que não ia mais correr atrás dela. Que seria mais forte do que aquele desejo insano e inconsequente que sentia por ela desde a adolescência.
Então tudo mudou novamente, porque descobri que nós temos uma filha.
Uma linda menina chamada Isabella. Da qual eu não sei nada, mas que num momento de raiva, deixei ir juntamente com Anna, que agora provavelmente me odiava mais do que há oito anos, depois da vendetta de Violet.
E eu não sabia como prosseguir.
Penso em ligar para meu pai, mas simplesmente reluto em envolver minha família em tudo o que diz respeito a Anna, embora saiba que uma hora ou outra eles saberão sobre Isabella.
E eu nem quero ver em como vai ser.
Talvez eu deva tentar dormir e deixar que o dia seguinte me traga alguma luz. Justamente quando entrego os pontos, escuto a campainha tocar.
E ao abrir a porta, me deparo com Benjamin
– Benjamin?
– Oi Daniel, posso entrar?
Eu lhe dou espaço para entrar e fecho a porta, curioso sobre sua presença ali àquela hora.
Será que ele estava com Anna até agora? E o que havia entre eles?
Sinto um ciúme duro me corroer por dentro.
– Sei que é tarde, por isso vou direto ao assunto. Eu soube hoje sobre você e Anna.
– O que você soube? – pergunto com cuidado.
– Tudo. Sobre Isabella, sobre o malfadado casamento e sobre a vendetta de sua irmã.
Eu não falo nada. Então Anna havia feito confissões ao ex-namorado.
Será que ele veio para quebrar a minha cara ou algo assim?
– Eu realmente não fazia... ideia. – ele diz. – Eu encontrei com Anna umas duas vezes antes de ela voltar pra cuidar da mãe que morreu...
– Espera... Stella morreu?
– Não sabia? Ela morreu há dois meses.
– Não, eu não sabia – murmuro.
– E nós mantivemos contato por telefone todos estes meses.
– Engraçado ela manter contato com você e nem se dignar em me dizer que estava grávida – digo sombriamente quase que para mim mesmo.
– Eu também não sabia, como disse, nem sabia do relacionamento de vocês. Eu a visitei quando a mãe morreu e ela me contou que ia voltar pra cidade, procurar emprego e me contou que tinha uma filha. Ela não me falou sobre o pai e eu respeitei, imaginei que fosse um caso mal sucedido. E ofereci um emprego a ela.
– Somente isto? – indago, sem disfarçar o ciúme.
– Nós somos amigos. E eu queria ajudá-la.
– Ainda sente algo por ela – é uma afirmação.
E Benjamin não nega.
– Estaria mentindo se dissesse que não tive uma certa esperança.
– Por que não ficaram juntos então, se ainda gosta dela?
– Meu pai era um idiota e a ameaçou com aquelas suas fotos quando eu estava me formando. – eu engulo minha ânsia ao imaginar o quanto aquelas malditas fotos prejudicaram Anna. – E ela terminou comigo. Na época eu não entendi. Depois meu pai me contou. Eu não queria forçá-la a nada. Então seguimos com a vida. E eu visitei Seattle há um ano e Brian me contou que ela estava morando com Fiona e que não tinha ninguém... Eu percebi que podia ser uma segunda chance.
– Ainda acha?
– Não mais. Não agora. Olha Daniel, eu nunca forcei nada. Nenhuma barra, ainda mais sabendo de tudo o que ela sofreu – com você, fica implícito em sua fala. – E depois com uma filha eu jamais a forçaria. Sabia que tinha que ser seu amigo e se fosse pra rolar algo... Seria natural. Eu jamais imaginei que eu colocaria você na vida dela de novo.
– Eu sinto muito – digo e estou sendo sincero.
Eu sei o que é desejar Anna e não poder ter.
– Por que não me disse nada quando a reconheceu naquela foto?
– Achei que não era importante, afinal, nem sabia que ela iria trabalhar conosco.
– Você poderia ter dito depois.
– Como pôde ver, tem história demais aí para contar como algo casual. Até mais do que eu mesmo podia imaginar! – digo amargamente.
– Isabella – Benjamin murmura e me encara incisivamente. – Anna me disse que você virou as costas pra ela.
– Não foi assim. Eu estava... furioso com Anna.
– A menina não tem nada a ver com isto. E ela é sua filha.
– Eu sei.
– Olha, sei que no final das contas não é problema meu, mas, se quer saber, de certa forma eu sinto inveja de você. Eu queria ser o pai da filha de Anna. Queria que Isabella fosse minha filha. Eu jamais viraria as costas pra ela. Ou pra Anna. Ela já sofreu demais nesta vida. E merece ser feliz.
Eu não digo nada.
Porque as palavras de Benjamin calam fundo em mim.
Benjamin se levanta.
– Está tarde. Eu vou embora.
Eu o levo até a porta.
– Olha, se você acha que vai ficar esquisito trabalharmos juntos depois de tudo... – digo, ele me corta rapidamente.
– Não, eu quero continuar trabalhando com você. Só acho que você e Anna têm que resolver os problemas de vocês. Somente isto. Porque eu não vou abrir mão dela.
– Eu não lhe pediria que o fizesse.
E Benjamin vai embora me deixando várias coisas com as quais pensar.
No dia seguinte eu entro numa reunião com um cliente muito cedo quando saio, fico sabendo pela recepcionista que Anna não foi trabalhar.
– Você sabe se é algum problema?
– Desculpa, não faço ideia.
Eu almoço com outro cliente, mas minha mente continua em Anna e na pergunta insistente se tem algum problema com Isabella.
Eu poderia perguntar a Benjamin, então decido que o melhor a fazer é ir a sua casa.
No começo da tarde, eu aviso que não voltarei ao escritório e vou até a casa de Fiona.
E é justamente ela quem abre a porta com uma Isabella chorosa em seu colo.
– Daniel... oi! – Ela parece exausta.
– Oi, Anna está? – indago sem conseguir tirar os olhos da menina em seu colo.
Ela me fita com olhinhos curiosos, o choro cessando em sua inspeção.
– Não! Acho que dá pra perceber, não é? – ela exclama. – Eu estou aqui perdida com Isabella, entra.
Eu entro atrás dela e a sala parece uma bagunça com duas mamadeiras espalhadas na mesa e roupas de bebê jogadas no sofá.
– Algum problema com ela? – indago.
Fiona sacode a criança, que volta a chorar.
– Não, quer dizer, doente ela não está, já medi sua temperatura e estas coisas, e também tentei lhe dar a mamadeira, ela parece não curtir muito, acho que prefere o peito da Anna...
– E onde está Anna?
– Ela saiu para ver uns apartamentos. Eu falei pra ela que não precisava faltar ao trabalho, mas depois do que aconteceu nesta madrugada, ela ficou preocupada...
– O que aconteceu?
– Não foi nada demais, você sabe como são os bebês, eles acordam em horas impróprias, choram... E esta noite Isabella estava bem agitada, nenhum de nós conseguiu dormir, aí o Brian acordou atrasado pro trabalho, a Anna ficou se sentindo culpada e por isto faltou para ir ver apartamentos.
– Entendo – realmente Anna não poderia ficar morando na casa da Fiona pra sempre, com uma bebê e Fiona sendo casada.
– E também acho que ia numa agência de babás... Ai Deus, Isabella, fofinha, para de chorar, a tia Fi está com dor de cabeça já!
– Será que ela não está realmente doente?
– Não, acho que não. Acho que está com fome. Eu vou tentar esquentar de novo a mamadeira, será que pode segurá-la pra mim?
E sem aviso ela passa a neném pro meu colo, indo pra cozinha.
Eu a seguro desajeitadamente, meu coração disparado de medo e preocupação de não saber o que fazer com ela.
– Ei, ei, está tudo bem. – eu murmuro incerto, tentando segurá-la da melhor maneira possível. E quando finalmente parece encaixada em meus braços, ela levanta a cabecinha e crava os olhos lacrimosos em mim.
E eu me apaixono pela segunda vez na minha vida.
Ela é linda. Sua pele branca e seus cabelos castanhos fazem um conjunto harmonioso que a tornam quase angelical.
E ela é minha. Meu peito se enche de um sentimento poderoso e inominável, tão grande que toma todo meu ser e faz tudo mais perder o sentido.
Eu levanto uma mão e enxugo seu rostinho molhado, sacudindo-a levemente como vi Fiona fazer para acalmá-la.
Quando levanto o olhar, Anna está ali na porta nos encarando.
Capítulo seis
Anna
O dia está sendo infernal.
Primeiro Isabella esteve super agitada a noite inteira, não deixando ninguém dormir direito e Brian acabou perdendo a hora para o trabalho, o que me deixou morrendo de vergonha e ciente de que eu já havia abusado demais da hospitalidade de Fiona e precisava de um apartamento urgentemente.
Só não contava com o fato de que, achar uma casa de um dia pro outro não seria nada fácil, como ficou provado naquela manhã infrutífera. E nem deu tempo de ir a uma agência de babás. Como é que eu podia trabalhar com tranquilidade?
Como se já não fosse o suficiente ter que me preocupar com todos estes problemas práticos, eu ainda estava com uma dorzinha constante no peito, amargando a briga com Daniel ontem e sua rejeição a Isabella.
Então o dia está mesmo sendo infernal. Até agora.
Até abrir a porta do apartamento de Fiona e me deparar com uma cena que eu acreditei, depois da noite passada, que jamais veria.
Uma cena que eu nem sabia que almejava ver. Até agora.
Daniel e Isabella.
Ele a segurava totalmente sem jeito, como se tivesse com medo que fosse pular de seu colo a qualquer momento, mesmo assim ela foi parando de chorar e ficou olhando pra ele com seus olhinhos curiosos. E eu podia jurar que ela estava deslumbrada. Daniel tinha este efeito, ninguém melhor do que eu para saber.
O que mais me impressionou e também que derreteu meu coração, foi o jeito que ele olhou pra ela. Com total deslumbramento também.
Então ele levanta a cabeça e me vê. Imediatamente um pouco de tensão enche a sala e Isabella recomeça a chorar ao se ver sem sua atenção.
Eu me adianto, jogando a bolsa no sofá, com o braço estendido.
– Me dá ela aqui – peço e Daniel não faz objeção ao passá-la. – Pronto, pronto, não precisa mais chorar. Qual o seu problema, hein?
– Ela está com fome. – Fiona aparece toda aliviada – ainda bem que chegou, ela dispensou minha mamadeira.
Eu rio e me sento com Isabella no colo, me apressando em abrir a blusa e colocá-la no meu peito. O choro cessa na hora, enquanto ela suga com avidez.
Só então eu me lembro que Daniel está ali e fico vermelha ao fitá-lo e ver que ele está me olhando com uma curiosidade desconcertante.
– Você amamenta – exclama surpreso e eu dou de ombros, desviando o olhar.
– Claro que sim. Ela só tem cinco meses.
Eu cravo minha atenção em Isabella evitando olhar pra Daniel e me pergunto o que ele está fazendo ali.
Será que veio brigar mais um pouco? Ou será que veio me cobrar por ter faltado no trabalho, penso com ironia.
Se bem que ele estava com Isabella no colo, lembro. É um bom sinal, não é?
Encaro Fiona querendo perguntar a ela o que estava acontecendo antes de eu chegar, ela dá de ombros.
– Nossa, Daniel, que educação a minha, eu nem perguntei se quer alguma coisa pra beber, estava tão perdida com o choro da Isabella quando chegou...
– Fique tranquila, eu não quero nada – ele diz e me encara. – Eu vim conversar com você, Anna.
Eu mordo os lábios, desviando o olhar.
Isabella parou de mamar e está quase adormecendo. Eu me levanto.
– Vou colocá-la pra dormir, você pode esperar?
– Claro.
Eu vou pro quarto e a coloco no berço. Não iria entrar numa conversa com Daniel que poderia facilmente terminar em briga com Isabella no colo de novo.
Passo pelo espelho e olho minha imagem, ajeitando o cabelo no processo, e volto pra sala.
Daniel ainda está ali e Fiona sumiu.
– Fiona disse que ia ao mercado – Daniel explica.
Eu cruzo os braços sobre o peito na defensiva.
– O que veio fazer aqui, Daniel?
– Eu vim te pedir desculpas pelo jeito que a tratei ontem, você tinha o direito de estar brava comigo quando a confrontei no hospital.
Oh, eu não esperava por isto.
– Acho que você também tinha o direito de ter ficado bravo comigo depois de eu despejar Isabella em você.
– O problema não foi Isabella, Anna. Foi a mentira – há mágoa em sua voz e me deixa com um nó no peito.
– Eu não pretendia mentir, porém eu precisava ir embora. Você sabe que eu estava perturbada e sabe que não me deixaria ir se soubesse que eu estava grávida.
– Sim, você tem razão. Eu não a deixaria ir. Mas será que não teria sido melhor?
– Eu não poderia ficar com você daquele jeito. No fundo você sabe disto também.
– Não estou falando de nós dois. Estou falando do fato de estar grávida de um filho meu e me privar disto.
Eu respiro fundo para conter a onda de culpa que me assola. Será que Daniel tinha razão? Eu deveria ter me arriscado e contado a verdade sobre a gravidez e permanecido em Seattle?
Não tinha como saber. No entanto hoje, depois daquele afastamento forçado, eu me sinto uma pessoa melhor. Mais centrada no presente e no que eu precisava fazer para ser uma boa mãe pra Isabella. Para seguir em frente com a minha vida, sem ficar presa no passado.
Por outro lado, Daniel era o passado, uma vozinha incômoda sussurra dentro de mim. E eu nunca ia me livrar dele. Não com ele sendo o pai da Isabella.
Nós não poderíamos ficar juntos nunca mais, mas ele sempre seria o pai da minha filha. Era um laço eterno.
– Eu sinto muito. Eu deveria te contado de Isabella antes, eu realmente pretendia te contar, antes de ela nascer. Eu cheguei a me preparar para voltar, assim que me senti segura. Então minha mãe adoeceu de novo...
– Eu fiquei sabendo da morte de sua mãe. Sinto muito, Anna.
Eu sorrio tristemente.
– Foi difícil vê-la definhar, sem poder fazer nada, a não ser esperar. E eu não poderia lidar com mais nada naquele momento. Então o tempo passou, Isabella nasceu e depois minha mãe morreu.
– Você pretendia me contar algum dia sobre Isabella? Mesmo se não estivéssemos trabalhando juntos de novo?
– Sim, eu pretendia. Acredite em mim. Nunca foi minha intenção esconder Isabella pra sempre. Eu sei que ela precisa de um pai e você tinha o direito de saber. Mas entendo se... Se não estiver preparado.
– Ontem eu estava fora de mim, Anna. Mas Isabella é minha filha. E eu quero ser o pai dela.
Eu solto o ar, meu coração se enchendo de alívio.
– Tem certeza? – pergunto.
– Sim. Acho que esta é a única certeza que eu tenho na vida.
Eu não posso deixar de notar uma certa amargura em sua voz e traduzo como a incerteza da situação entre nós dois.
– E... Como vamos fazer? – pergunto, pensando em questões práticas e deixando as subjetivas pra depois.
– Eu quero que ela tenha meu nome, claro. Quero assumir todas as responsabilidades. Financeiras, inclusive.
– Isto não é necessário.
– Este item não está em discussão, Anna – ele diz firmemente. – E falando nisto, Fiona disse que está procurando um apartamento.
Eu solto um suspiro cansado.
– Sim, mas está muito difícil de encontrar.
– Você não vai encontrar um lugar decente de uma hora pra outra.
– Eu sei, também não posso ficar aqui atormentando Fiona e Brian pra sempre.
– Sim, eu concordo. É por isto que eu vou levá-las para minha casa.
–O quê...? Não...! Isto é... Não! – eu rejeito a ideia absurda imediatamente.
Realmente não tinha o menor cabimento eu ir morar com Daniel!
– Por que não? Não pode ficar aqui com Fiona e Brian. Está atrapalhando a vida deles. Fiona me disse que Isabella chorou a noite toda e que Brian chegou atrasado no trabalho.
Eu fico vermelha.
– Foi só hoje, ela estava adoentada. – digo rapidamente, embora bem lá no fundo saiba que Daniel tem razão em dizer que eu e Isabella atrapalhamos Fiona e Brian. – E eles sabem que é provisório, até eu arranjar um apartamento pra mim e Isabella.
– Também será provisório ficar na minha casa, se isto que te preocupa. Não estou te convidando pra morar comigo, Anna – ele diz friamente e eu mordo os lábios com força.
Claro que ele não ia me convidar pra morar com ele, e eu nem era o que estava pensando!
– Eu sei, eu entendi! – rebato. – Mesmo assim, não é necessário. Fiona me convidou pra ficar aqui...
– Fiona é muito boazinha com você e não acho que você deva abusar. É tudo diferente agora, Anna. Ela tem um marido, não é mais sua amiga solteira e você tem uma filha.
– Sim, eu sei, mas... Não acho que esse arranjo vai dar certo. Não posso ir pra sua casa com Isabella.
Ele se levanta.
– Mas vai. Então arrume suas coisas e as de Isabella, eu as levarei embora – diz firmemente num tom que não admitia discussão.
Eu me levanto também.
– Não pode decidir por mim.
– Mas posso decidir por Isabella. Você já decidiu o destino de Isabella sozinha antes e não vai mais fazer isto. Eu decido agora. E você vai levá-la para minha casa e ficará lá até que arranje um apartamento para você.
E sem mais ele pega o celular e começa a digitar quase furiosamente e eu fico paralisada, sem saber o que fazer.
Começar uma discussão homérica para não ir pra casa dele e ficar ali com Isabella até eu arranjar um apartamento, atrapalhando a vida de Fiona ou simplesmente aceitar sua oferta?
Claro, eu tinha um milhão de razões para não ir pra sua casa. Seria provisório, ele mesmo disse, então qual o problema?
Eu não podia mais pensar só em mim e sim no que era melhor para Isabella.
Daniel recoloca o celular no bolso e me encara.
– E então, estamos decididos?
– Estamos? – eu levanto a sobrancelha ironicamente.
– Anna, eu realmente não quero mais discutir com você – ele diz com a voz cansada.
– Eu também não – respondo. – Certo, tem razão. Eu vou aprontar nossas coisas.
– Precisa de ajuda?
– Não, apenas precisarei desmontar o berço para levar pra sua casa, não é?
– Eu vou pedir para alguém fazer isto mais tarde.
– Tudo bem.
Eu me viro para ir para o quarto, mas retorno.
– Ah, Daniel, só uma coisa – eu digo ficando ridiculamente vermelha. – Estou indo pra sua casa por causa de Isabella. Unicamente por isto.
– E eu te convidei por Isabella. E somente por ela. – Ele rebate friamente e eu finalmente me viro e desta vez desapareço no corredor, ignorando o sentimento de decepção totalmente inadequado e sem sentido em meu íntimo.
Fiona aparece quando estou arrumando minhas coisas e as de Isabella, e fica surpresa quando eu digo que estou indo para a casa de Daniel.
– O quê? Como assim? Vocês... fizeram as pazes?
– Não! Claro que não! É apenas um arranjo provisório, até eu encontrar uma casa pra mim e Isabella.
– Não estão voltando e nem nada disto?
– Já disse que não!
– Então não precisa ir. Pode ficar aqui até...
– Não, eu já decidi – ou Daniel decidiu por mim, penso irônica. – Eu não posso ficar aqui te atrapalhando, Fiona.
– Não me atrapalha, se está falando por ontem à noite...
– Isabella é um bebê e pode ter problemas de choro como qualquer criança. Não é justo sobrecarregar vocês com isto.
– Mas, ir para a casa do Daniel? – Fiona diz com cuidado. – Tem certeza que é realmente o que deseja?
– Não é uma questão de querer. Ele pediu e eu aceitei. Ele é o pai dela, afinal, e quer ajudar.
– Nossa, que reviravolta. Você indo pra casa do Daniel, nunca iria imaginar algo nem próximo.
– Nem eu – digo sombriamente.
“E espero não me arrepender”, digo a mim mesma.
Isabella acorda e eu a troco, enquanto Fiona e Daniel colocam nossas coisas no carro.
Eu me despeço de Fiona, que me abraça com força.
– Se cuida e se precisar, pode voltar, viu? – ela diz, alisando o rosto de Isabella. – Vou sentir falta dela.
– Comece a fazer seus próprios bebês!
Ela revira os olhos.
– Por enquanto não, obrigada!
– Anna, pronta para ir? – Daniel indaga ao fechar a porta malas e eu sinto um frio no estômago.
Pronta?
Era difícil dizer.
– Claro.
Ele abre a porta pra mim e eu entro com Isabella, que como toda criança, fica quietinha quando anda de carro.
– Ela está bem? Não parece mais tão chorosa. – Daniel diz e eu sorrio.
– Ela gosta de andar de carro. Fica bem tranquila. E estava chorando antes porque estava com fome.
– Ela não está mais doente?
– Foi apenas uma febre. Está tudo bem agora.
O resto do percurso é feito em silêncio e Daniel pede que eu suba, enquanto ele descarrega nossas coisas.
É esquisito estar no apartamento de Daniel e saber que agora eu vou morar ali também.
Pelo menos provisoriamente. É muito, muito surreal.
– Eu tenho um quarto de hóspedes no fim deste corredor – ele diz, carregando duas de nossas malas quando entra e eu o sigo até um quarto espaçoso e claro.
– É bonito – Assim como o apartamento inteiro, tudo é muito sofisticado e moderno. – Você recebe muitos hóspedes?
– Não. Apenas minhas irmãs às vezes.
A menção de suas irmãs me causa um mal-estar imediato. Até aquele momento eu não havia pensado em como os Beaumont iriam reagir ao fato de eu ter uma filha de Daniel.
E isto me dá medo.
– Sua família já sabe...? – indago.
– Não. Ainda não – ele responde bruscamente e eu sinto até um certo alívio.
Um problema de cada vez então.
– Eu vou deixá-la se instalar. Preciso fazer algumas ligações, se precisar de alguma coisa... Bem, conhece o apartamento.
Ele se afasta, fechando a porta atrás de si e eu me pergunto se seremos assim, tão formais sempre.
O que eu esperava? Seria melhor assim, com certeza.
Só estamos juntos naquele apartamento por causa de Isabella.
Eu a coloco sobre a cama e começo a desfazer as malas, até que escuto uma batida na porta e Daniel entra, seguido de dois rapazes que carregam o berço desmontado de Isabella.
– Eles vieram montar o berço.
– Ah, claro, fiquem à vontade.
Eu pego Isabella no colo e sigo Daniel até a cozinha.
– Onde arranjou estes dois?
– Eles fazem alguns trabalhos para minha mãe.
– Entendo – eu reparo que ele está fazendo alguma coisa no fogão que cheira bem. - Hum, que cheiro gostoso.
– Estou preparando algo para você comer. Fiona comentou que não tinha comido nada hoje ainda.
– Não precisa.
– Precisa sim. Está amamentando, não pode ficar sem se alimentar.
Ele coloca um prato na mesa e serve algo que parece risoto.
– Gosta de risoto milanês?
– Sim, deve estar ótimo, obrigada – eu digo com um sorriso meio sem graça e ele estende os braços.
– Deixa que eu a seguro enquanto você come.
Eu hesito, mas passo Isabella para seu colo.
Ele a segura quase direitinho agora.
– Está ficando melhor nisto – eu ressalto, me sentando.
– Eu ainda tenho medo que ela caia a qualquer momento.
Eu rio.
– Ela fica agitada e vai ficar pior de acordo com seu crescimento, é só segurar firme.
– Eu vou aprender – ele diz com convicção.
Eu começo a comer e está realmente muito bom. Eu não tinha percebido, até aquele momento, o quanto estava faminta.
– Eu liguei para uma agência e eles mandarão uma babá ainda hoje para ser entrevistada – ele diz e eu arregalo os olhos.
– Jura? Nossa, espero que dê certo, porque não sei o que farei com Isabella para ir trabalhar amanhã sem a ajuda de Fiona.
– Espero que dê certo também, senão nós teremos que pensar em algo.
“Nós teremos.”
Eu me pego apreciando bastante aquele nós.
Até hoje eu tomara todas as decisões sobre Isabella sozinha. Agora existia um nós.
Era assustador e bom ao mesmo tempo.
Acabo de comer e insisto em lavar a louça e quando termino, pronta para pegar Isabella de novo, vejo que Daniel está hesitando.
– Pode deixar – ele diz. – Acho que ela tem que se acostumar comigo, não é?
– Claro. – digo, vendo como Isabella já parece bem à vontade com ele.
Nós vamos até o quarto e os empregados da mãe de Daniel estão acabando de montar o berço, Daniel me passa Isabella e os leva até a porta.
Eu a amamento de novo e ela não demora a dormir, e estou colocando-a no berço, quando Daniel diz que a babá enviada pela agência chegou.
É uma senhora irlandesa de quarenta e poucos anos e, para meu alívio, eu simpatizo com ela de imediato. Eu estava esperando uma daquelas garotas novinhas de intercâmbio ou algo assim, o que seria bem difícil de confiar para cuidar da minha filha, mas Nancy tem anos de experiência como babá e parece saber o que está fazendo quando pede para segurar Isabella, que fica quietinha em seu colo.
– A senhora pode começar amanhã? – Daniel pergunta.
– Sim, a agência me informou que precisam de uma babá com urgência.
Ele me encara.
– E então, Anna?
Eu sorrio aliviada por ter resolvido aquele problema.
– Por mim tudo bem.
– Não precisarão de alguém que durma com a bebê?
– Não, eu posso cuidar dela depois que chegar do trabalho – respondo. De maneira alguma eu ia deixar alguém cuidar da minha filha 24 horas por dia. – E a senhora também terá os fins de semanas livres.
A mulher sorri.
– Tudo certo então. Amanhã nos veremos logo cedo.
– Sim, certamente.
A babá entrega Isabella para Daniel.
– Ela é realmente uma criança linda – diz, e eu Daniel sorrimos cheios de um orgulho bobo.
– A senhora pode ficar tranquila, senhora Beaumont, cuidarei muito bem dela.
– Não, não sou senhora Beaumont – respondo rápido corando. – Nós... nós não somos casados – explico, ao ver o olhar de confusão da mulher.
– Ah, sim, me desculpe a confusão. Esqueço que hoje as coisas são bem modernas e os casais preferem morar junto em vez de se casarem. Eu tenho uma filha adulta que também mora com o namorado na faculdade.
Eu sorrio amarelo, ainda corando por ela achar que somos namorados e fico esperando que Daniel desfaça a confusão, ele não fala nada.
Enfim, a babá não tem nada a ver com nosso arranjo mesmo.
Depois que ela vai embora eu encaro Daniel, que ainda segura Isabella.
– Bom, mais um problema resolvido.
– Sim, ela parece ser ótima.
– Acho que poderei ficar tranquila de deixar Isabella com ela para ir trabalhar.
Então de repente algo me ocorre.
Como explicaremos aquele nosso “acordo” para as pessoas no trabalho? Tenho vontade de perguntar a Daniel, mas o celular dele toca e ele o pega no bolso.
– Preciso atender.
Eu pego Isabella do seu colo e ele se afasta.
Eu me pergunto quem será.
Já está anoitecendo lá fora e quando passo pelo corredor, vejo Daniel numa sala que parece ser uma mistura de escritório e biblioteca e ele está mexendo em seu notebook.
– Eu vou dar um banho em Isabella – digo meio sem graça.
– Tudo bem. Eu preciso resolver algumas coisas de trabalho.
– Sobre isto... – eu dou um passo para dentro. – O que vamos dizer no escritório?
– Não precisamos dizer nada. Não é da conta de ninguém, Anna.
– É, eu prefiro que tudo siga discretamente mesmo.
Eu saio da sala e depois de dar banho e trocar Isabella, eu mesma tomo um banho e decido fazer o jantar, já que Daniel fez o almoço pra mim.
Quando estou indo chamá-lo, me surpreendo ao vê-lo saindo do banheiro apenas com uma toalha em volta da cintura.
E o que eu posso dizer? O calor aumenta a uma temperatura quase vulcânica dentro de mim enquanto eu passo meus olhos ávidos por seu peito, me lembrando da sensação de ter minhas mãos e meus lábios sobre ele e...
– Me desculpe – eu balbucio ruborizada, colocando meus pensamentos libidinosos para fora da minha mente. – Eu fiz o jantar.
– Ah, me desculpe não avisar, eu vou sair pra jantar fora.
– Oh – eu engulo minha decepção e minha vontade de perguntar com quem.
Então, eu me lembro do recado na secretária que ouvi ontem.
Da tal Vivian.
Meu estômago embrulha.
– Tem um encontro? – indago.
– Não. É uma cliente – ele responde casualmente.
– Sei... – murmuro ironicamente, com vontade de trancar a porta e jogar a chave fora, para impedi-lo de sair e se encontrar com esta tal Vivian.
Que direito eu tenho?
– Certo, tenha um bom encontro... de “negócios” então!
Eu me viro e me tranco no quarto com Isabella, até ouvir a porta do apartamento se fechar atrás dele.
E eu janto sozinha, me perguntando se não me meti numa grande enrascada indo morar com Daniel.
Afinal, não estava nos meus planos ficar me roendo de ciúmes e imaginando o que ele estaria fazendo em seu encontro com outra mulher.
Será que ele a beijaria? Transaria com ela?
Oh Deus, será que ele pretendia trazê-la ali?
Não, ele não seria capaz, seria?
Eu esperava realmente que não.
Daniel
Eu chego em casa depois das onze da noite e o apartamento está silencioso.
– Anna? – eu chamo, mas ninguém responde.
Uma desconfiança incômoda nubla minha mente, enquanto eu percorro o corredor e abro a porta do seu quarto e respiro aliviado ao vê-la dormindo.
Eu entro e espio Isabella que também dorme tranquilamente.
Quando eu poderia imaginar que minha vida mudaria tanto em 24 horas?
Ontem à tarde eu havia ligado para Charlotte e pedira para ir em frente com Vivian.
Ter um encontro com a bonita amiga ruiva de minha irmã me parecera promissor e interessante, depois de ter beijado Anna e me dar conta que estava prestes a recomeçar a rastejar por ela com o mesmo fervor de um ano atrás.
E há um ano havia terminado muito mal.
Então Anna aparecera na minha porta com Isabella e tudo virou do avesso.
Ainda havia todo um mundo de problemas a minha volta, o maior deles com a garota que virara minha vida de cabeça pra baixo a primeira vez há oitos anos. Mas instantaneamente tudo deixava de ter importância quando eu olhava para aquela criança.
Minha filha.
E agora tudo o que eu conseguia pensar enquanto jantava com Vivian, era em voltar pra casa e conhecer um pouco mais daquela pequena criatura que estava se tornando facilmente o centro do meu mundo.
Eu passo os dedos por seus cabelos tão iguais aos de Anna e ajeito suas cobertas, me afastando, antes de sair, eu deixo meus olhos caírem em Anna.
Eu vinha lutando bravamente contra ela. Contra o que eu sentia por ela, desde que a reencontrara.
Anna era problema e eu sabia disto da pior maneira possível.
Pela obsessão que eu tinha por ela, eu fui convencido a fazer parte de uma vendetta. Por causa dela, eu tinha vivido um inferno há um ano. E, agora eu sabia que o melhor seria me manter afastado. Mesmo assim, na primeira oportunidade, a trouxera pra perto de mim novamente, a beijando em meu escritório. E só havia parado porque ela me afastou.
Senão...
Eu respiro fundo, minha mente infestada de pensamentos nada inocentes todos envolvendo Anna e todas as formas incríveis de prazer que sempre encontrávamos juntos.
Agora mesmo eu deixo meus olhos ávidos percorrerem sua pele branca, mal coberta pelo lençol, admirando suas formas suaves, sua respiração cadenciada que faz subir e descer seus seios, agora mais cheios e ainda mais sedutores. Caberiam perfeitamente nas minhas mãos, bastaria eu me aproximar e...
– Não – digo firmemente a mim mesmo.
Mas que inferno eu estava pensando?
Anna estava ali apenas por causa de Isabella, nada mais.
Ela mesma fez questão de deixar isto bem claro e era melhor manter as coisas desse jeito. Muito mais seguras.
Nós não tínhamos dado certo juntos.
Nunca daríamos.
Foram erros demais, tempo demais, ressentimentos demais.
Pensando nisto, eu me aproximo e puxo o lençol para cobri-la direito e me afasto, fechando a porta atrás de mim.
Penso no convite de Vivian, enquanto tomo um banho frio. Nada havia acontecido naquele jantar. Não por falta de insinuação de Vivian.
Eu poderia estar na cama dela facilmente a esta hora, em vez de estar tomando um banho frio e desejando estar com minhas mãos em Anna.
A verdade era que, qualquer interesse que eu pudesse ter por Vivian, tinha desaparecido feito fumaça.
E agora eu só pensava em numa pessoa. A pessoa que dormia calmamente a alguns metros de distância e que eu teria que suportar em meu espaço por tempo indeterminado.
Com seu cheiro delicioso de jasmim que já estava espalhado pelo ar.
Seriam muitos, muitos banhos frios, eu já poderia prever.
Eu acordo de repente com um choro fraco. Já amanheceu lá fora e eu me levanto rápido, intuindo de onde vem aquele choro e, ao abrir o quarto de Anna, Isabella está chorando mais forte agora. Eu a pego no colo, embalando-a.
– Ei, não precisa mais chorar.
Num rápido olhar para a cama de Anna, reparo que está vazia.
Escuto um chuveiro ligado. Claro, ela deve estar tomando banho para ir trabalhar.
Eu poderia ficar ali e esperar ela voltar. Ela deve estar usando apenas uma toalha e...
A campainha toca e eu imagino que seja a babá e carrego Isabella até a sala. Agora ela não chora mais e eu sorrio para ela, satisfeito que esteja mais calma.
Ao abrir a porta, não é Nancy que encontro.
E sim, toda a minha família.
– Feliz aniversário! – eles gritam e tarde demais eu me lembro que hoje é dia do meu aniversário.
E minha família tinha a mania sem noção de me acordar nestas ocasiões.
Isabella começa a chorar imediatamente, assustada com os gritos, ou talvez com os balões ridículos que Charlotte carrega.
E, no segundo seguinte, todos os olhares estupefatos estão no bebê chorando no meu colo.
– Daniel, o que você está fazendo com um bebê? – Charlotte pergunta horrorizada.
Isabella grita mais alto e eu me afasto para dentro da sala, embalando-a.
– Vocês a assustaram! – reclamo.
Eles me seguem boquiabertos.
– Quem é esta criança chorona, por Deus, Daniel? – Elton indaga.
– Sim, meu filho, quem é esta garotinha? – Lydia insiste com seu olhar curioso para Isabella.
Eu os encaro seriamente.
– Esta é Isabella... Minha filha.
Agora sim eles estão em choque.
Capítulo sete
Daniel
O choque é tanto que até Isabella cessa o choro pelos segundos em que reina o silêncio assombrado da minha família.
Até que todos começam a falar ao mesmo tempo numa cacofonia de perplexidade.
– Filha?
– Como assim?
– Isto é alguma brincadeira?
– De onde surgiu esta criança, Daniel?
Eu respiro fundo.
– Sim, minha filha – eu repito.
– Puta que pariu, Daniel, está de gozação, não é? - a voz grave de Elton se sobressai.
– Não, não estou brincando.
– Está querendo dizer que esta menina no seu colo, que até ontem a gente nunca viu, é sua filha? – Violet questiona.
– Sim, Violet, é exatamente o que estou querendo dizer.
– Mas, mas... – Charlotte balbucia. – Como é possível? Você escondeu da gente que tinha uma filha, como...
– Ei, gente, deixem o Daniel explicar – meu pai pede, segurando a mão de minha mãe, que parece que vai desmaiar a qualquer momento.
– Sim, deixe o Daniel explicar – Owen diz com sua calma peculiar.
– Como se existisse alguma explicação! – Violet revira os olhos. – Com certeza ele está brincando, porque isto é ridículo e impossível!
– Não, Violet, não é brincadeira. Esta menina é minha filha. O nome dela é Isabella. E não, Charlotte, eu não escondi de vocês que eu tinha uma filha, porque não sabia até poucos dias que ela existia também.
– Meu Deus! – Lydia se senta com a mão sobre a boca e Charlotte também parece estranhamente calada agora, o que não é do seu feitio.
– Puta merda! – Elton sussurra. – Então é de verdade?
– Mas se... – Violet respira fundo. – Se esta criança é sua filha... Se você nem sabia da sua existência... Daniel, quem é a mãe dela?
Antes que eu abra a boca pra responder, escuto passos apressados se aproximando pelo corredor e Anna surge usando apenas um roupão de banho.
– O que... Oh meu Deus! – ela para horrorizada.
Não mais horrorizada do que as expressões da minha família.
– Anna Nicholls? – Charlotte é a primeira a se recuperar. – Está dizendo que esta neném aí é da Anna Nicholls?
– Diz que é mentira, Daniel. – Violet sussurra com uma palidez de morte.
– Não é mentira – é Anna quem responde, vindo em minha direção com os braços estendidos. – Ela é minha filha.
Eu lhe dou Isabella sem discutir. Porque a discussão que eu teria com a minha família agora não era para os ouvidos de uma criança.
– Isto é absurdo! – Violet grita.
– Amor, espera. – Elton segura seu braço.
– Violet, por favor, se contenha! – Caleb pede com firmeza. – Todos nós estamos chocados, mas tenho certeza que Daniel vai nos explicar.
Eu olho pra Anna e ela parece apreensiva. Isabella choraminga.
– Vá cuidar dela – peço e Anna desaparece com Isabella pelo corredor.
– Daniel, filho, por favor, nos explique. Como pode ter um filho com Anna Nicholls?
– Nós fomos noivos, mãe, claro que é possível.
– Você não sabia de nada todo este tempo? – ela ainda parece chocada.
– Quer dizer que Anna foi embora grávida e nem te contou nada? – Charlotte recupera sua voz estridente.
– Sim. Eu não a vi por um ano, desde que ela me abandonou no altar.
– E agora ela apareceu de novo com esta criança no colo e disse que é tua filha? – Elton pergunta.
– Na verdade, nós estamos trabalhando juntos de novo.
– O quê? – Violet arregala os olhos.
Eu respiro fundo.
– Calma. Eu vou explicar tudo a vocês.
Eu explico sobre a minha desconfiança de que Anna pudesse estar grávida há um ano e como ela me garantiu que não estava quando foi embora. E de como, por um acaso do destino, eu me associei justo a um ex-namorado dela que a convidou para trabalhar na firma e por isto nos reencontramos.
– E ela nunca ia te contar se não fosse o que aconteceu? – Charlotte pergunta.
– Como eu disse, ela esteve este tempo todo em Miami com a mãe doente, que morreu há pouco mais de um mês, por isto ela voltou a Seattle.
– Então a mãe dela morreu, nossa! – Lydia sussurra olhando pra Violet, que não diz uma palavra.
– Eu fiquei puto com ela quando soube, claro. Mas isto não importa mais. Isabella é minha filha e eu vou cuidar dela como deve ser. Como deveria ter sido sempre.
– Trazendo a Anna pra morar aqui depois de tudo o que ela fez? – Violet questiona friamente e eu a encaro do mesmo jeito.
– Não que isto seja da sua conta, Anna está aqui provisoriamente, até arranjar um apartamento para ela.
– Que conveniente – ela revira os olhos, eu a ignoro solenemente.
Simplesmente não é hora de começar nenhuma discussão com Violet sobre aquele assunto, apesar de saber que esta discussão apenas está sendo adiada.
– Nossa! Que coisa, hein? – Charlotte fala. – Quem podia imaginar? E aí, o que vai acontecer agora? Se a Anna está aqui apenas por enquanto, quer dizer que não vão casar de novo? Porque eu preciso ser avisada com antecedência e...
– Charlotte, cala a boca. – Violet diz entredentes.
– Eu acho melhor irem embora – eu digo.
– Mas... A gente nem vai poder conhecer ... como é mesmo o nome? – Charlotte pergunta, confusa.
– Isabella. – Owen completa.
– Não. Hoje não. Acho que ainda está todo mundo chocado demais. E eu tenho que me arrumar para trabalhar.
Eu abro a porta para todos saírem.
Minha mãe me abraça.
– Tem razão, querido, ainda estou em choque. Mas gostaria de conhecer sua filhinha melhor. Então, quando se sentir preparado...
– Claro, mãe.
– Ainda vai no jantar de hoje à noite? – Charlotte pergunta ansiosa. – Pode levar a Isadora.
– Isabella – corrijo. – E eu não sei se será possível.
– É seu aniversário.
– Veremos, Charlotte.
Violet sai sem dizer nada, mas aposto que meu pai, que segura seu braço, lhe passou algum aviso.
Mesmo assim seu olhar é gélido.
Assim que eles partem, Anna aparece na sala já vestida e segurando Isabella.
– Me desculpe – digo, passando a mão pelos cabelos.
– Eu tive um baita um susto quando os vi.
– Eu não fazia ideia de que iam aparecer, juro. Se bem que uma hora eles teriam que saber sobre Isabella.
– Sim, claro. – Anna parece insegura, como se só agora tivesse se dado conta de que não era só eu que entraria na vida de Isabella, mas minha família também. – E... como eles reagiram?
– Eles estão em choque ainda. Vão se recuperar não se preocupe.
– Não me preocupar com a sua família? – ela diz ironicamente.
– Eu sei que é complicado. Mas Isabella é minha filha. Não vou deixar ninguém tratá-la mal.
– Muito menos eu iria permitir – ela afirma friamente. – Então é bom deixar bem claro que...
A campainha toca nos interrompendo e eu vou abrir para a babá.
– Bom dia, espero não estar atrasada.
–Não, não está. – digo. – Vou deixar a senhora com Anna que vai instruí-la sobre Isabella, preciso me arrumar.
Anna
Eu encaro a babá toda sorridente e tento esquecer minhas preocupações com os Beaumont ao lhe passar todas as instruções sobre Isabella.
E minha preocupação começa a ser outra, quando Daniel volta todo arrumado perguntando se estou pronta pra ir.
Nancy parece perceber minha hesitação.
– Fique despreocupada senhora, vou cuidar muito bem de Isabella.
– Me chame de Anna – digo, lhe entregando Isabella com o coração apertado.
Eu já tinha me separado dela pra trabalhar antes, mas deixei-a com Fiona, que era minha amiga mais antiga. Agora era diferente.
Era tão... definitivo. Eu teria que fazer aquilo todos os dias.
Respiro fundo e pego minha bolsa.
– Por favor, me ligue se precisar de qualquer coisa.
– Pode ficar tranquila.
Daniel abre a porta e eu o acompanho até o carro na garagem como se meus pés pesassem chumbo.
E só percebo que estou chorando silenciosamente, quando Daniel toca minha mão.
– Ei, está chorando?
Eu fungo.
– É difícil deixar minha filha com uma estranha.
– Ela não é uma estranha, Anna. É a babá.
– Eu sei, mesmo assim... Acho que me dei conta que terei que fazer isto todos os dias. Que passarei grande parte dos meus dias longe dela. É horrível.
Daniel aperta minha mão.
– Eu imagino como deve ser difícil pra você. Eu a conheço há pouco tempo e já me sinto meio assim também.
Nossos olhares se cruzam por um momento antes de ele voltar a atenção ao transito e eu sinto algo se agitando dentro de mim.
Afasto minha mão e respiro fundo para tirar aquela sensação de inevitabilidade.
Como se algo estivesse pra acontecer. Algo que faz meu coração pular no peito e meu estômago se agitar de uma forma boa. Muito boa.
– Então hoje é seu aniversário – mudo de assunto, limpando meu rosto e abrindo minha bolsa pra checar no espelho de maquiagem se estou apresentável.
Ele dá de ombros.
– Sim.
– Por isto sua família apareceu em peso? Estraguei alguma comemoração?
– Não, são inconvenientes mesmo, aparecendo de surpresa. Embora eu tenha ficado aliviado por eles terem tocado a campainha em vez de entrarem sem aviso, como às vezes fazem.
– Você dá muito espaço pra sua família – comento e quero morder a língua, infelizmente já saiu.
A família Beaumont sempre seria um motivo de discórdia entre mim e Daniel, e eu me preparo para alguma resposta atravessada dele que não vem.
Nós prosseguimos em silêncio até o prédio da firma e eu começo a sentir um certo desconforto quando entramos juntos no elevador. E esta sensação se intensifica quando a porta do elevador se abre e a primeira pessoa que encontramos no corredor é Benjamin.
Um silêncio tenso e estranho recai sobre nós por um instante.
– Bom dia. – Benjamin diz por fim e eu tenho certeza que meu rosto está queimando só de imaginar o que se passa por sua cabeça ao ver eu e Daniel chegando juntos.
– Bom dia. – Daniel responde. - Tudo bem por aqui?
– Sim, eu te passei alguns e-mails sobre uns clientes que virão hoje de manhã. E Anna. – ele me encara e só então eu percebo que estava evitando seu olhar.
– Sim?
– Também te deixei alguns casos pra estudar. Acho que podemos nos reunir amanhã para falarmos sobre eles, tudo bem.
– Claro.
– Hoje eu estarei fora o dia inteiro em reuniões com clientes, estarei com acesso ao e-mail se precisar. Ou pode falar com Daniel.
– Certo – Daniel responde.
Benjamin me encara.
– E Isabella está bem?
– Sim, ela melhorou.
– Devo presumir que já encontrou a babá?
– Sim, nós encontramos – Daniel diz e Benjamin o encara.
– Ah, entendo. Certo, eu já vou, qualquer coisa me liguem.
Ele parte e eu respiro aliviada.
– Isso foi estranho – murmuro quase que pra mim mesma, enquanto seguimos pelo corredor.
– Acho que até que nem foi tão estranho assim, se levarmos em conta que ele é seu ex-namorado.
Eu paro em frente a minha sala, o fitando friamente.
– Espero que não fique jogando isto na minha cara de cinco em cinco minutos.
– Não estou...
– Está sim e é bom parar. Estamos aqui para trabalhar e não interessa o que aconteceu entre mim e Benjamin.
– Sim, tem razão. Me desculpe. Eu só quis dizer que devemos esperar um certo incômodo...
– Sim, eu entendo. Estou disposta a passar por cima destas coisas. E você precisa fazer o mesmo, se quisermos que isto dê certo.
– Certamente.
– Ei, Daniel. – Isaac aparece no corredor. – A Maggie pediu pra avisar que um cliente ligou e pediu para retornar. Parece que o nome dela é Vivian.
Eu entro na minha sala e fecho a porta na sua cara.
Vivian, é?
Pelo menos agora eu não sou estagiária de Daniel e nem teria que ficar trabalhando com ele direto. Seria um desastre. Como foi da última vez.
Agora é diferente. Eu sou uma pessoa diferente. Não vou ficar perdendo meu tempo com o que Daniel está fazendo ou deixando de fazer só porque moramos juntos. Mesmo esta situação sendo temporária.
Não vou me preocupar se ele sai pra jantar com clientes chamadas Vivian. Não vou mesmo!
Irritada, eu sento na minha mesa, faço uma ligação pra Nancy para me certificar que está tudo bem com Isabella e mergulho no trabalho.
Na hora do almoço, Isaac aparece e pergunta se quero ir almoçar com ele e outros funcionários e eu aceito.
– Daniel não vai com a gente? – alguém pergunta.
– Não, eu o vi saindo com uma ruiva. – Isaac responde e sorri maliciosamente. – A Maggie disse que é uma cliente, Vivian Alexander. Mas vou te dizer... ela é gata. Se o Daniel não estiver pegando...
Eles riem e eu mordo os lábios com força.
Então a tal Vivian era uma “ruiva gostosa”?
– Ei, Anna, tudo bem? – Isaac pergunta e eu forço um sorriso.
– Sim, tudo bem.
– Você estava fazendo uma cara, parecia que ia matar um!
– Nada, só pensando em alguns casos que me parecem complicados.
– Então deixa de pensar em trabalho, agora é hora de comer! – ele brinca e eu rio, mas por dentro estou bufando.
Eu consigo me distrair enquanto almoçamos, porém quando estamos voltando, damos de cara com Daniel na companhia de uma ruiva estonteante na porta do prédio.
Esta deve ser a tal Vivian. Eu a meço de cima a baixo, enquanto ela solta uma gargalhada de algo que Daniel diz.
Ele me vê chegando e eu imediatamente toco o braço de Isaac e começo a rir também, como se ele tivesse contado a maior piada do mundo, embora não entenda do que ele está falando na verdade.
Daniel parece irritado, enquanto volta a atenção pra ruiva, eu passo direto pela porta do prédio, sem nem dizer um oi.
Escuto Isaac e os outros o cumprimentando, mas sigo em frente.
Então Daniel saiu ontem com aquela garota. Uma cliente? Não me parecia somente isto, vendo o quanto ela parecia entretida com ele agora a pouco.
Será que era mais do que uma cliente?
– Ei, Anna, tem um recado pra você na sua mesa – Maggie, a recepcionista, diz sorridente.
– Obrigada– respondo e vou direto pra minha sala, gelando ao ver que é um recado de Nancy.
Disco rápido para a casa de Daniel.
– Ei, é a Anna, o que aconteceu? Isabella está bem?
– Sim, ela está. Apenas ainda não se acostumou direito com o leite. Acho que você poderia retirar o leite e deixar para ela tomar quando não está aqui, será mais fácil.
– É, ela ainda reluta em tomar leite sem ser de peito. Olha, eu vou sair mais cedo e para amanhã eu vou fazer o que me disse.
Eu desligo ao mesmo tempo em que escuto uma batida na porta e Daniel entra.
– Oi, eu queria mesmo falar algo com você...
– Fiquei surpreso ao vê-la com o Isaac. Não sabia que eram amigos – ele me corta muito sério.
– Não somos amigos, ele é meu colega de trabalho. Nosso colega de trabalho. E aonde quer chegar com este papo?
Ele dá de ombros, enfiando as mãos no bolso.
– Nada, apenas... curiosidade.
– Sei... E como foi seu almoço com sua... Cliente?
– Vivian?
– Tem mais alguma ruiva que está saindo?
– Não estamos saindo.
– Ah, não foi com ela que jantou ontem?
– Sim, um jantar profissional. Ela é uma cliente.
– Ah, sei... Ela é bonita.... se bem que não é da minha conta, não é?
– Vivian é apenas minha cliente – ele insiste.
– Se você diz.. .– eu me levanto. – Olha, eu preciso sair mais cedo.
– Por quê?
– Nancy me ligou e disse que está com dificuldade para alimentar Isabella com a mamadeira.
– Ela está bem?
– Sim, mas eu acho melhor eu ir agora e alimentá-la. Eu terei que armazenar leite para que Nancy dê a ela durante o dia.
– E isto é possível? – os olhos de Daniel vão pro meu seio e eu coro ridiculamente.
– Sim – eu pego minha bolsa. – Se precisar falar comigo, é só ligar.
– Me ligue se precisar de algo também.
– Claro. Até mais.
É um alivio chegar em casa e pegar Isabella no colo, me certificar que ela está bem e amamentá-la.
Nancy diz que o dia foi tranquilo e que Isabella se comportou muito bem, tirando o fato de não aceitar a mamadeira.
– Eu vou fazer como a senhora pediu e tirar o leite.
– A Isabella vai se acostumar com a mamadeira, é uma questão de tempo. E, além do mais, com seis meses podemos começar a introduzir outros tipos de alimento.
– Ah é? – eu a fito curiosa. Eu não fazia ideia de quando Isabella podia começar a comer outras coisas.
A mulher sorri.
– Sim, eu vou orientá-la quando for preciso.
– Obrigada. Olha, por que a senhora não sai mais cedo? Eu cuido dela agora.
– Tudo bem. Nos vemos amanhã então.
Assim que a babá parte, o telefone da casa de Daniel toca e eu não atendo, afinal, deve ser para Daniel, então alguns segundos depois a secretária eletrônica atende e eu escuto a voz de Charlotte Beaumont.
– Daniel, tentei falar com você no escritório, não consegui, liguei só pra avisar que mamãe disse que nem adianta eu insistir em nosso jantar de hoje, então está remarcado para sábado, ok? Se tiver algum problema, me avisa, não vou deixar passar seu aniversário em branco!
Isabella acaba de mamar e eu sorrio enquanto limpo sua boca e a coloco pra arrotar. Imagino que os Beaumont estão em choque até agora com a novidade que Daniel tem uma filha e justamente comigo!
Seria até engraçado se não fosse preocupante. Como é que eles vão tratar Isabella? Eu não posso deixar que nada a prejudique e se os Beaumont não a aceitarem, como será?
O pior é que tem uma parte de mim que até deseja que seja assim, que os Beaumont se mantenham longe de mim e da minha filha. Isto nos poupará muitas situações delicadas e constrangedoras, como a hoje de manhã.
Hum, então Daniel ia jantar com a família que foi desmarcado depois do susto que eles levaram hoje?
Ou será que ele teria algum outro jantar com a ruiva? E se tivesse, o que eu tinha a ver com isto?
Isabella se mexe impaciente em meus braços e eu a mudo de posição, sorrindo para ela.
– Acho que seu pai tem uma queda por ruivas bonitas, quer saber? Isto não é problema nosso não é? Sim, eu também acho que ela não é uma cliente como ele quer me fazer acreditar, não estou nem aí! Eu tenho você e não me importo o que ele faz com aquela ruiva.
Ela sorri pra mim, sem fazer ideia do que estou falando, fazendo seus barulhos de bebê.
Naquela tarde, eu aproveito para ligar para Tyler e contar o que tem acontecido comigo ali em Seattle e como previsto, ele fica preocupado quando conto que estou na casa de Daniel.
– Anna, tem certeza da sua decisão?
– O que posso fazer? Ele insistiu, praticamente me obrigou, na verdade.
– Estão juntos de novo então?
– Claro que não! É um arranjo provisório eu estou dormindo no quarto de hóspedes com a Isabella, não tenha ideias!
– Da última vez que esteve perto de Daniel, disse que era só a estagiária dele e ficou grávida de Isabella.
– Eu sei, é tudo diferente agora! E eu nem vou ficar aqui por muito tempo, então por favor, nem conte pro meu pai.
– Mas, Ann...
– Por favor, Tyler, sabe que Michael vai se preocupar e isto será um problema.
– Tudo bem, como quiser.
– Certo, obrigada.
Nós conversamos mais um pouco e eu desligo, indo fazer o jantar, enquanto Isabella está no carrinho do meu lado.
E me pergunto se Daniel vai aparecer. Talvez esteja tomando alguns drinks com a tal Vivian. Ou fazendo outras coisas...
– Anna?
Eu escuto a porta bater e seus passos pela sala.
E me pego sorrindo.
E estou aliviada por ele estar ali e não com ruivas bonitas.
Inferno, estou realmente encrencada, quando olho para a porta e o vejo parado, com seu sorriso lindo dirigido a Isabella, enquanto afrouxa a gravata.
– Ei, Isabella.
Ele se aproxima, tocando seus cabelos e olha pra mim.
Ainda há uma sombra de sorriso em seu rosto, embora seu olhar seja hesitante.
Eu ocupo minhas mãos mexendo a panela e mordo os lábios.
– Oi. – ele diz.
– Oi – respondo do mesmo jeito hesitante.
– Está cheirando bem.
Eu dou de ombros.
– Ah, bem... não fazia ideia se... Se iria jantar aqui, ou se teria... algum encontro.
Ele levanta a sobrancelha.
– Encontro?
– De negócios, como o de ontem à noite – digo.
– Não, não tenho nenhum encontro – ele responde. – E Isabella está bem?
– Sim, esta ótima.
– Eu vou tomar um banho e dar alguns telefonemas.
– Tudo bem, ainda vai demorar um tempo pra ficar tudo pronto – eu sorrio e então ele para e me encara estranhamente.
– Anna, você não precisa... cozinhar pra mim, sabe disto, não é?
– Não estou cozinhando pra você – digo friamente. – Eu tenho que comer também e se não quiser, sinta-se à vontade!
– Não foi isso que eu quis dizer – ele passa os dedos pelos cabelos nervosamente.
– Eu entendi o que quis dizer. Você quer deixar claro que não somos um... – eu faço aspas com os dedos – um casal morando juntos. Acha que eu, em algum momento, vou me confundir?
– Anna...
– Fique tranquilo, Daniel, não vai acontecer – eu me volto para a panela, irritada, esperando que ele desapareça dali, em vez disto, ele se aproxima e segura minha mão. Eu o encaro surpresa.
– Eu só quis dizer que não tem obrigação de fazer nada só porque está morando aqui. Não quero que se sinta obrigada a fazer nada – ele diz devagar e por um momento eu não fico calada, simplesmente apreciando sua proximidade, sua mão na minha... Desejando que ele chegue mais perto e...
Eu retiro minha mão da dele, irritada e assustada comigo mesma, desviando o olhar.
– Não quero que essa situação fique esquisita – digo. – E acho que já está.
Ele dá um passo atrás e posso ouvi-lo respirando fundo.
– Me desculpe.
– Não precisa pedir desculpas, acho que nós dois precisamos nos acostumar... – eu o fito. – Enquanto eu estiver aqui.
– Não quero que fique esquisito também – ele diz. – E nem quero brigar com você, Anna.
– Eu também não.
– Eu vou... Tomar meu banho.
Ele se afasta e eu fico, me perguntando que diabos estava pensando quando concordei em vir morar com Daniel.
Claro, como da outra vez, eu achava que estava tudo sobre controle.
Controle, ah tá.
Eu ainda sinto minha mão formigando onde ele tocou, ainda me lembro de como desejei que ele se aproximasse mais, que me beijasse...
Eu gemo desalentada.
Sim, não tem como negar que eu ainda me sinto da mesma maneira de antes.
De um ano atrás, de oito anos atrás...
E acho que nunca vai passar.
E o que eu podia fazer?
Havia várias opções. E ainda havia vários motivos pra eu lutar contra.
Por que de repente eu sinto como se estes motivos não fossem tão fortes assim?
Por Isabella?
Não, se eu não tivesse engravidado e estivesse ali por outro motivo, imagino que me sentiria do mesmo jeito.
Desejar Daniel era quase como precisar respirar. Fazia parte de mim.
Uma parte de mim que eu passei a rejeitar depois da vendetta de Violet.
E foi o que me fez sofrer mais naqueles oito anos, que me fez meter os pés pelas mãos há um ano.
E é o que me faz desejar que tudo seja diferente agora.
Mas enquanto algumas coisas são diferentes, embora eu esteja diferente, outras coisas ainda são iguais.
Então, o que vai acontecer?
Vou pegar Isabella e fugir?
Ou vou ficar e enfrentar seja lá o que estiver por vir?
Daniel
Quando foi que eu achei que aquilo ia dar certo? É o que eu penso ao entrar no chuveiro.
Ter Anna debaixo do meu teto, tão perto, com todo nosso histórico, com certeza não ia acabar bem.
Ou acabar muito bem, se seguisse meus instintos e começasse a agir como um leão em volta do cordeiro como fiz há um ano.
E não havia acabado bem. Sim, eu a levara pra cama algumas vezes e Isabella estava ali para comprovar, mas o que restara no final?
Abandonado no altar com o coração partido.
E agora eu estou de novo do mesmo jeito que sempre estive quando Annalise Nicholls está por perto.
Obcecado.
Desta vez não iria acabar como há um ano. Porque simplesmente não iria nem começar.
Então era apenas questão de resistir.
Respirando fundo eu mudo a temperatura para o frio.
Ao sair do banho eu vejo que tem várias ligações no meu celular e a maioria é da minha família. Eu ignoro todas. Ainda não estou a fim de lidar com eles.
Em vez disto, eu ligo o notebook e procuro algumas imobiliárias.
Preciso tirar Anna de perto de mim urgentemente.
– Daniel? – eu levanto o olhar e ela está ali, com Isabella no colo. – O jantar está pronto.
– Ah, certo, eu já vou.
Eu fecho o notebook e a sigo, notando que ela veste um jeans que lhe cai muito bem. Bem demais na verdade. Eu aprecio quando ela se inclina para colocar Isabella no carrinho.
– Espero que goste de molho branco – ela diz.
– Sim, eu gosto.
Ela sorri ao se sentar na minha frente e eu tenho vontade de me inclinar e beijá-la.
Mas a única coisa que eu faço é encher minha boca de lasanha ao molho branco e lembrar que eu preciso me controlar.
– Sua irmã ligou – ela diz de repente e eu levanto o olhar. – Charlotte. Eu não atendi, ela deixou um recado dizendo que o jantar do seu aniversário foi transferido para sábado.
– Ah, isto. – resmungo.
– Me desculpe se atrapalhei...
– Não é culpa sua. Foi uma escolha minha.
– Certo. E como foi a tarde no escritório?
– Tudo está correndo bem, alguns clientes estão...
Eu começo a falar dos novos clientes da firma e ela me interrompe com perguntas pertinentes e estamos falando casualmente sobre trabalho.
Que é um assunto perfeitamente seguro e me distrai um pouco da maneira com que ela mexe nos longos cabelos castanhos quando se distrai, o que me faz lembrar de como eles ficam entre meus dedos...
– Terminou? – Percebo que ela está do meu lado, estendendo a mão para meu prato.
– Sim, claro.
Ela pega o prato e se afasta para a cozinha.
Eu me levanto para me afastar dali. Distância seria a melhor alternativa.
– Fique aí – ela diz.
Então me viro pra Isabella. Ela ficou quietinha o jantar inteiro, e eu sorrio, aproveitando para pegá-la no colo. Parecia mais fácil agora.
Eu iria sentir falta dela quando Anna se fosse, penso com um aperto no peito, beijando seus cabelos macios.
– Feliz aniversário!
Escuto Anna exclamar animada e quando levanto o olhar, ela está pousando um bolo sobre a mesa com algumas velas acesas
– Uau, por esta eu não esperava – balbucio perplexo, e ela dá de ombros, sorrindo.
– Oras, é seu aniversário. Vamos, apague as velas.
Eu sorrio e me inclino para soprá-las, com Isabella segura em meus braços.
– Realmente não esperava algo assim – eu digo sorrindo.
Ela dá de ombros.
– Só queria... Bom, você não foi comemorar com a sua família.
– Isabella é minha família agora também, não é?
– É, Isabella é – ela diz desviando o olhar. – E acho que já passou da hora de ela dormir.
Ela se aproxima para tirá-la do meu colo, eu não deixo.
– Não, eu a levo.
Anna levanta a sobrancelha.
– Vai fazê-la dormir?
– Não deve ser difícil. E eu terei que aprender, não concorda?
– Tudo bem. Você pode tentar... Vou lavar a louça então.
Eu demoro mais do que imaginei para colocar Isabella pra dormir. Mas aprecio cada momento com ela. E quando finalmente ela fecha os olhinhos, eu a ponho no berço e apago a luz, saindo do quarto sem fazer barulho.
Anna está na sala e eu sorrio satisfeito.
– Consegui.
– Muito bem, demorou... – ela olha o relógio. – Exatos 53 minutos, mas tudo bem.
– Eu sou principiante e ela dormiu no fim, é o que interessa. E então, não vamos comer o bolo?
Anna rola os olhos e corta o bolo, me passando um pedaço.
– Não fui eu que fiz, caso pergunte, eu pedi num restaurante aqui perto.
– E eu pensando que ia conhecer seus talentos para sobremesa.
– Eu tenho talentos para sobremesas, só que hoje não daria tempo de fazer nada. Ficarei feliz em provar meu talento pra você qualquer dia destes.
– Eu cobrarei – eu rio.
– Pode cobrar. Eu tenho muitos talentos – diz com fingida presunção.
– Eu sei. – murmuro, me inclinando para tirar um pedaço de chocolate de seus lábios e então o clima muda.
Ela para de rir e eu também.
Minha mão está congelada em sua boca ainda e agora já nem me lembro do doce, enquanto passo o dedo por seus lábios entreabertos, sentindo sua respiração ofegante.
Nossos olhares se encontram e se prendem e eu passo a língua em meus próprios lábios, desejando provar os dela.
E chego a me inclinar, para obedecer minha vontade, porém ela segura minha mão, afastando-a de sua boca.
Mas não se afasta de mim.
– Daniel... Eu não sei se devemos... – murmura.
Eu toco seu rosto, sondando seu olhar, e vejo ali o mesmo desejo que há nos meus.
Bastaria eu me aproximar ainda mais, e tudo estaria acabado.
Seria...
Desastre, meu cérebro grita em contraste com outra parte de minha anatomia que está dizendo que seria perfeito.
Felizmente eu sou gato escaldado.
Eu sei como terminam todas as minhas recaídas por Anna.
Então tiro minha mão de cima dela e dou um passo atrás.
– Sim, tem razão – digo friamente. – Seria um erro.
– Daniel, eu... – ela começa a dizer, rapidamente eu me afasto indo direto pro meu quarto.
A noite é mal dormida. E estou com um humor dos infernos de manhã quando acordo.
Nancy está com Isabella no colo quando entro na cozinha, onde Anna come algo que parece cereal, já arrumada.
– Bom dia, senhor Beaumont – Nancy diz animada. – Eu fiz café, caso aprecie.
Eu resmungo algo, indo direto pra cafeteira.
Sim, é disto que eu preciso.
– Se já comeu, precisamos ir – digo para Anna e ela se levanta.
– Noite ruim? – indaga, parando ao meu lado, e eu tenho vontade de arrancar aquele sorrisinho de lado de seu rosto com meus dentes.
Sim, seria interessante...
Inferno! Eu desvio o olhar.
– Eu contatei algumas imobiliárias – digo e ela para de sorrir. – Vou passar para você o que achei interessante por e-mail.
– Não precisava se dar ao trabalho.
– Precisava sim. Vamos?
– Claro, vou pegar minha bolsa.
Ela se afasta com os saltos batendo no chão e eu respiro fundo, irritado, e escuto o balbuciar de Isabella.
E ao fitar seu rostinho rosado, meu humor muda um pouco e eu sorrio, acariciando seus cabelos.
– Ela se parece com o senhor – Nancy diz.
– A senhora acha? Eu acho que se parece com Anna.
– Sim, também. É uma junção perfeita dos dois.
– Sim, acho que é – murmuro.
– Não estava com pressa? – Anna aparece na porta e eu a encaro.
– Sim, vamos.
Nós seguimos em silêncio até o escritório e nos separamos sem dizer nada no corredor.
E meu humor continua oscilando a manhã inteira, e piora consideravelmente quando recebo uma ligação de Violet.
– Vai nos evitar até quando?
– Até quando eu bem entender – resmungo.
– Escuta, Daniel, você não pode fazer isto eternamente. Eu vou até ai para almoçarmos juntos e...
– E nada. Você não vai vir aqui.
– Mas temos que conversar.
– Não temos nada pra conversar.
– Nada? E o fato de estar morando com a Anna Nicholls e ter uma filha com ela?
– Estes são os fatos, Violet, e conversar comigo não vai mudá-los.
– Todos estamos muito preocupados!
– Eu sei resolver meus problemas.
– Então admite que é um problema?
– Ah Violet, chega! Eu estou trabalhando e não posso ficar aqui debatendo com você. Até mais!
Eu desligo sem dar a ela chance de protestar e respiro fundo para acalmar minha irritação.
E se tudo está ruim, pode ficar ainda pior quando vejo Anna indo almoçar na companhia de Isaac.
Os dois conversam animadamente pelo corredor e Isaac sorri ao me ver.
– E aí, Daniel, não foi almoçar? Eu pedi pra Maggie te chamar, mas o Benjamin disse que iam almoçar juntos.
– Sim, nós vamos – eu me lembro tardiamente que Benjamin queria almoçar comigo. – E vocês, vão sozinhos?
– Sim, acho que hoje seremos só nós dois, eu e a doutora Annalise.... – Isaac cutuca Anna na cintura de brincadeira. Eu tenho vontade de quebrar seus dedos, em vez disto eu olho pra Anna.
– Vai sair mais cedo hoje pra amamentar Isabella?
Anna franze a testa.
– Não, não vou – responde devagar.
– Isabella? Amamentar? - Isaac parece confuso.
– Sim, Anna não disse que temos uma filha?
O rapaz arregala os olhos em choque.
– Espera... vocês dois... Nossa, mas eu não fazia ideia, são casados?
– Não! – Anna responde rápido sem esconder a irritação ao me encarar.
– Ele disse que vocês têm uma filha, foi o que entendi?
– Sim, nós temos, só não somos casados – Anna responde entredentes.
– Moramos juntos – corrijo e agora acho que Anna vai arrancar meus olhos, não me importo nem um pouco.
– Ah, entendi. – Isaac diz ressabiado. – É, Anna, se não puder ir almoçar... Se estiver ocupada, sei lá, tudo bem...
– Não, nós vamos almoçar sim. Então, Daniel, se nos der licença! – ela entra no elevador praticamente empurrando um confuso Isaac.
Eu fico ali, vendo a porta se fechar e me achando um idiota.
O que eu tinha feito? Tinha deixado Isaac acreditar que eu e Anna éramos um casal, quando não era verdade.
Tinha feito porque estava morrendo de ciúme.
E que direito eu tinha sobre ela? Nenhum. Anna poderia sair com Isaac, ou qualquer um que desejasse. E eu teria que assistir. Apenas como mais um ex, como Benjamin.
E como é que se fazia isto? Talvez eu devesse perguntar a Benjamin como se superava Anna Nicholls, porque estava muito difícil.
Obviamente eu não faço isto. Nós almoçamos juntos e falamos apenas de trabalho como um acordo tácito, o que é bom, porque ainda não me sinto a vontade para falar de Anna com ele. Afinal, ele também foi seu namorado. Talvez esse tema seja sempre um tabu entre nós.
E ao voltar do almoço, eu passo pela sala de Anna e não a vejo ali. Será que ela tinha desfeito o mal-entendido com Isaac. Será que estava interessada nele?
Estou ainda remoendo meus pensamento quando ela entra na minha sala algumas horas depois.
– Podemos conversar? – ela indaga.
– Tem que ser comigo? Acho que Benjamin está menos ocupado agora – digo.
Ela se aproxima e espalma a mão na minha mesa.
– Não, tem que ser com você mesmo. O que estava pensando ao dizer aquelas coisas ao Isaac?
– Coisas? A verdade, você quer dizer.
– Achei que tínhamos combinado que não era da conta de ninguém.
– Não dá pra guardar segredo que temos uma filha pra sempre, Anna.
– Sim, disto eu sei. Você deu a entender que morávamos juntos!
– E não moramos? – pergunto inocentemente.
– Não do jeito que insinuou.
– Por que está brava? Estraguei seu flerte?
– O quê? Do que está falando?
– Acha que eu não percebi que aquele Isaac está cheio de interesse?
– Sua mente é suja, Daniel! Meu Deus, eu não acredito que acha que estou dando em cima do Isaac! Foi por isto que armou todo aquele teatrinho...? – de repente ela franze a testa e me encara. – Espera... Estava com ciúmes.
Inferno, eu fico vermelho.
Sim, vermelho feito um colegial idiota.
– Não, não estava... – eu levanto, me afastando. – E se não tem nada melhor pra fazer, acho melhor ir trabalhar, Anna.
– Não, não vou a lugar nenhum! Acha que pode sair por aí agindo feito um babaca só porque está com ciúmes de mim?
– Já disse que... – eu paro à sua frente e ela me encara com os olhos chispantes e a mão na cintura. – Não, quer saber, eu estava com ciúme sim.
Ela engole em seco, dando um passo atrás.
– Estava? Com que direito? Com que direito, quando sai por aí tomando drinks e tendo almoços com ruivas oferecidas que diz serem clientes?
– Do que está falando?
– Da tal Vivian, claro!
– Eu já disse que ela é uma cliente.
– Eu duvido! Ela te ligou na sua casa!
– Ela é amiga da minha irmã.
– Ah, da Violet?
– Da Charlotte.
– Entendo... Então é tipo, da família?
– Não inventa, Anna! Se quer saber, nós tivemos um flerte sim, satisfeita? Qual o problema?
Ela pisca, virando o rosto, e eu me arrependo na hora.
– Mas não deu em nada. – completo rápido. – Foi... Antes de você aparecer no meu apartamento com Isabella.
– Entendi – ela murmura. – Então se eu não tivesse aparecido, provavelmente ela seria sua namorada agora.
– Não tenho como saber – dou de ombros e é verdade.
– Você gosta dela?
– Não.
Ela abaixa o olhar, cruzando os braços sobre o peito, enquanto aperta os lábios compulsivamente.
– E devo presumir então que você não está a fim do Isaac?
Ela me encara.
– Não, não estou! O que pensa de mim, Daniel? Que eu transo com todos meus colegas de trabalho em cima da mesa?
– Transou comigo – sussurro.
Ela ofega.
– Aquilo foi diferente. Você me provocou jogando aquela maldita meia na minha mesa pra me irritar e...
– Você ainda usa aquelas meias – digo quase que comigo mesmo e ela se desconcerta.
– E daí? Você não vai vê-las mais – responde, não há mais rispidez em sua voz e sim uma suave provocação que aumenta minha pulsação.
– Eu pude sentir naquele dia aqui – sussurro me aproximando, ela continua indo pra trás. – Gostaria de saber se está usando hoje também.
– Por quê?
– Está? – eu paro muito perto. Atrás dela tem apenas o sofá.
Por um momento nos fitamos ofegantes. Meu coração bate como louco em antecipação e eu quase posso sentir o dela no mesmo ritmo. Estamos no mesmo ritmo agora.
O desejo já tomou conta do meu cérebro há algum tempo e eu só consigo pensar em várias maneiras de estar dentro dela.
É apenas uma questão de tempo.
– Quer mesmo saber? – ela sussurra, seu hálito doce invadindo minha boca.
Eu me inclino e ela não se afasta. Toco com os lábios a pele atrás de sua orelha.
– Deita no sofá, Anna – sussurro em seu ouvido e ela ofega e, como num sonho muito louco, eu a vejo se afastar e fazer exatamente o que eu pedi. Eu sinto meu corpo inteiro pulsar de tesão, enquanto ela se estica no sofá, os olhos presos nos meus. – Levante sua saia... e me mostre.
E ela mostra.
Capítulo oito
Anna
A razão me abandonou completamente. É só o que consigo pensar enquanto desço as mãos para obedecer ao pedido de Daniel como se fosse uma ordem.
Meus dedos tremem ligeiramente quando tocam o tecido macio de minha saia preta, a erguendo devagar, enquanto mantenho meus olhos presos nos dele, até que ele desvia o olhar correndo-o pelo meu corpo com intensa apreciação, passando a língua sobre os lábios como se quisesse me provar.
E aí, danou-se tudo. Mordo meus próprios lábios com força para não gemer alto, ou pior: pedir pra ele realmente se aproximar e provar o que quiser em mim. E quem sabe ele me deixaria prová-lo depois também? Do jeito que ele está me olhando, as possibilidades são infinitas e fazem minha mente girar, numa tontura boa.
Então eu o vejo me rodear, como o predador em volta da presa, e começo a ofegar em antecipação. Sei que meu rosto deve estar vermelho, porque o sinto queimar.
Na verdade, meu corpo inteiro começou a formigar e esquentar assim que nossa discussão se transformou em uma conversa sacana há poucos minutos.
– Satisfeito? – indago num sussurro rouco e sou premiada com aquele risinho de lado perfeito, enquanto ele tira o paletó, largando-o na cadeira.
– Não – responde se aproximando ainda mais.
Eu mal respiro em expectativa, Daniel se abaixa na minha frente e eu estremeço ao sentir sua mão em meus calcanhares.
Fecho os olhos quando as mãos sobem pelas minhas pernas através da seda da meia. E o prazer vai subindo na mesma proporção, chegando à junção entre minhas coxas, quando ele toca a renda do fim da meia.
– Você tem noção de como isto é sexy?
Eu não respondo, ocupada em me lembrar como se respira.
Suas mãos abrem delicadamente minha perna, deslizando pelo interior das minhas coxas. Sobem mais e tocam as laterais da minha calcinha, descendo-a.
Oh. Oh!
– Abra os olhos, Anna.
Eu obedeço.
– Eu vou fazer você gozar. É o que quer?
Eu sacudo a cabeça positivamente, incapaz de falar.
Ele sorri e beija meu joelho. E tudo se parece muito com uma manhã no armário de esportes, quando ele fez exatamente a mesma coisa e naquela época eu nem imaginava que ia acontecer. Mas agora eu sei. E já sinto meu ventre se contrair em ansiedade.
Toda a vida parar a minha volta em expectativa.
Daniel respira em mim. Eu estremeço da cabeça aos pés.
Ele assopra em mim. E arquejo.
Então finalmente sinto seu toque.
Quente, úmido, preciso.
E espasmos de prazer arrepiam até minha alma, eu desço minhas mãos para seus cabelos gloriosos, meus dedos puxando os fios macios, prendendo-o ali, enquanto ele faz sua mágica em mim.
Dentes, língua, lábios. Me acariciando. Me explorando.
Me devorando.
Arqueio as costas e iço os quadris em sua direção, deixando os gemidos de prazer escaparem de minha garganta, meus dedos castigando seus cabelos, enquanto as sensações vão se avolumando no meu interior, como um vulcão prestes a entrar em erupção.
Até que tudo explode, como fogos de artifício sob meus olhos fechados, me fazendo sair de órbita por alguns segundos, onde reina apenas o toque de Daniel. E o prazer delicioso que ele me proporciona. E eu me desmancho inteira.
Eu não sei quanto tempo se passou até que volto a terra. Muito vagamente, sinto minhas roupas voltando ao lugar e, em alguma parte do meu cérebro, eu me rebelo.
Por que ele não está tirando o resto das minhas roupas? Por que não está tirando as dele?
Abro os olhos, confusa, e Daniel não está mais por perto.
Ele está sentado tranquilamente em sua mesa.
Eu me sento, passando a mão por meus cabelos, ainda sentindo meu corpo leve depois do orgasmo, imaginando como devo estar desgrenhada.
E inferno, ainda não acabou, não é?
Então que diabos ele está fazendo longe de mim?
– Daniel? – eu o chamo e ele não levanta o olhar, continua mexendo em seu laptop.
– Acho melhor sair, Anna.
O quê?
Eu me levanto e vou até ele. Rodeando a mesa, encosto meus quadris nela, ao seu lado.
– Por que eu tenho que sair? Nós não acabamos, acabamos? – questiono. Ele respira fundo, se ajeitando melhor na cadeira.
– Sim, acabou.
Eu levanto a sobrancelha ao abaixar mais a cabeça, mirando sua ereção muito óbvia.
– Eu acho que não – sussurro, roçando minha perna na dele.
Ele limpa a garganta.
– Não vamos transar aqui, Anna.
– Não? Eu achei que...
Finalmente ele me encara.
– Da última vez que transamos num escritório, sem medir as consequências, você ficou grávida.
Eu engulo em seco, recuando um pouco. Claro, onde é que eu estava com a cabeça?
Não estou tomando nenhum tipo de anticoncepcional e, sinceramente, duvido que Daniel tenha algum preservativo no escritório.
– Ah, entendo – digo.
– Então, por favor, saia.
– Tem certeza? – Volto a roçar minha perna na dele, que respira fundo de novo. – Eu acho que posso retribuir.
– Não! – sua negativa é tão ríspida que eu me encolho toda. – Acho melhor voltar pra sua sala e esquecer o que aconteceu aqui.
Por um momento eu não consigo falar nada, meu cérebro tentando processar aquela rejeição.
– Qual o problema, Daniel? – indago cruzando os braços sobre o peito. – Não é só uma questão de método contraceptivo, não é?
Ele solta um palavrão baixo, afastando cadeira para trás.
– Anna...
– Não, eu realmente não estou entendendo! Você pediu pra eu deitar naquele sofá, e veio com este papo sexual pra cima de mim e agora está agindo como se nada tivesse acontecido.
– Talvez nada devesse ter acontecido mesmo.
– Ah é? Mas aconteceu. E você quer que aconteça mais. Porém, por algum motivo, está dando o fora em mim!
Ele passa os dedos pelos cabelos, num gesto de frustração.
Eu respiro fundo, engolindo o nó horrível que se forma em minha garganta.
– Você tem raiva de mim. – murmuro de repente. E ele me encara com um tipo de olhar que eu nunca vi nele antes.
– Não é raiva, Anna. É cautela – ele finalmente diz. – Eu já corri atrás de você antes, e não deu em nada. Você fugiu como se nada tivesse acontecido. Eu não sei se aguento passar por isto de novo.
O nó na minha garganta agora aperta meu peito.
– Eu não sou mais a mesma pessoa – afirmo.
Daniel não diz nada e por um momento ficamos ali, num silêncio repleto de uma dor antiga.
E naquele momento eu me dou conta que eu quero muito mais do que dividir um apartamento com Daniel por conveniência.
Eu quero que ele me queira também.
Quero que ele me ame. Como eu ainda acho que o amo.
E o que eu vou fazer agora?
De repente o telefone na mesa dele toca e eu me mexo, piscando para conter as lágrimas traiçoeiras.
– Eu vou pra minha sala – murmuro e saio sem olhar pra trás.
Benjamin me encontra no corredor.
– Ei Anna, tudo bem? – ele indaga. – Parece tensa.
– Nada, não é nada. Apenas... acho que vou embora. Isabella ainda não se adaptou direito à mamadeira e eu fico preocupada.
– Claro. Pode ir.
– Me desculpa, assim que ela estiver mais adaptada, eu não precisarei mais sair no meio do expediente.
– Não se preocupe.
Eu passo na minha sala para pegar minha bolsa e vou pra casa.
Isabella foi apenas uma desculpa pra eu fugir e tentar colocar ordem nos meus sentimentos caóticos, mas seria bom poder ficar com ela, deixar apenas meu lado mãe ligado e esquecer por um tempo o lado mulher que sofria por causa de Daniel.
Ao chegar no apartamento de Daniel, eu sou surpreendida por ver Lydia Beaumont, com Isabella no colo.
– Olha quem chegou! – Nancy sorri para mim, mas percebo que ela está meio apreensiva.
– Oi, Anna – Lydia me cumprimenta com um sorriso hesitante. – Espero que não fique brava com a sua babá. Eu apareci de surpresa, achei que você estaria em casa.
– Não, eu estava trabalhando – murmuro, me aproximando. – Mas estou surpresa sim.
Talvez sentindo a tensão, Isabella choraminga.
– Eu vou levá-la para descansar. – Nancy diz, retirando Isabella do colo de Lydia e se afastando.
– Eu sei que deveria ter consultado você ou Daniel antes de aparecer assim.
– É, deveria.
– Eu queria ver a neném. Naquela manhã fomos todos pegos de surpresa.
– Não achei que podiam ter algum interesse nela, muito pelo contrário.
– Claro que ficamos surpresos, para não dizer chocados. Nunca imaginamos que você iria voltar e muito menos com um bebê de Daniel.
– Daniel também ficou chocado.
– Imagino. Por que foi embora sem contar a ele sobre a gravidez, ou pelo menos avisá-lo antes? Acho que ele tinha o direito.
– Isto é problema meu. – respondo rispidamente.
– Sim, eu sei. Mas Daniel é meu filho. É meu dever zelar pelo bem dele. E se conheço bem o meu filho, ele deve ter ficado arrasado por perder tanto da vida da própria filha.
– Eu precisava me afastar. Eu não estava bem – digo.
– Sim, eu sei. Eu estive com você em Olímpia, não é?
– Sim, e me ajudou muito. Me deu um norte, uma ideia de por onde começar. Eu sempre serei agradecida.
– Então você e Daniel estão morando juntos.
Eu fico vermelha.
– É um arranjo temporário. Estou procurando um apartamento pra mim.
– Então... não vão ficar juntos?
Eu dou de ombros.
Sim, eu e Daniel ainda podíamos ficar juntos? Se tomasse suas palavras amargas de hoje no escritório como um aviso, a resposta seria um sonoro não.
Por outro lado também tinha o que aconteceu antes...
– Nossa prioridade no momento é Isabella – desconverso. – Aliás, se você me der licença, eu preciso amamentá-la.
– Ah, ainda amamenta? – Lydia pergunta com interesse.
– Sim, e ela ainda não se adaptou à mamadeira.
De repente o celular dela toca e ela pede licença pra atender.
Eu aproveito para ir pegar Isabella no quarto.
Nancy me olha com uma expressão de desculpa.
– Ela disse que era mãe do Daniel, Anna. Eu fiquei sem saber o que fazer. Então liguei para o escritório e me disseram que você não estava, pedi para falar com Daniel e ele falou que ela podia entrar.
– Tudo bem. Eu só fiquei surpresa – digo, pegando Isabella.
Penso em ficar com ela ali, no último instante, decido voltar pra sala.
Lydia está desligando o telefone e sorri.
– Me desculpe. Era Charlotte. Eu contei a ela que viria aqui hoje e ela queria vir junto, eu não deixei. Não achei apropriado. Ela está louca para ver Isabella.
– Sério? – eu indago desconfiada.
É esquisito os Beaumont quererem ver minha filha.
– Sim, nós estamos animados, agora que o choque passou.
– Duvido que Violet esteja – digo amarga.
– Você sabe como ela é. Minha filha não é má pessoa, Anna. Ela errou muito naquela vendetta e sofreu muito também.
Eu abro a boca pra falar exatamente o que eu penso, Lydia me impede.
– Não, eu sei que talvez as coisas nunca sejam boas entre vocês. Seria esperar demais, não é? Você tem motivos para detestá-la. Apenas pense que tem uma filha agora. E ela é filha de Daniel também. Sendo assim, é uma Beaumont e sobrinha de Violet.
– Duvido que ela esteja feliz com isto.
– Ela não precisa gostar só terá que aceitar – ela se levanta. – Chega de conversa difícil. Não vim aqui pra isto. Eu realmente achei sua filha linda – ela toca os cabelos de Isabella. – Eu preciso ir. Fale para o Daniel me ligar. Ele anda arredio conosco, nós só queremos apenas o bem dele.
– Sim, eu direi a ele.
Lydia se despede e vai embora.
Eu coloco Isabella para mamar e fico pensando como será que vou conseguir conviver com os Beaumont?
Eu nem consigo imaginar como vai ser. Lydia deu a entender que eles queriam uma convivência com Isabella, e como é que eu poderia impedir?
Deixo Isabella com Nancy para tomar um banho e quando eu saio ela me diz, antes de ir embora, que Daniel ligou avisando que iria chegar tarde.
Onde será que ele está? Me pergunto enquanto janto sozinha e depois coloco Isabella para dormir.
Será que foi se encontrar com Vivian? Ou alguma outra?
Ou só estaria fugindo de mim? Porque eu também me sinto apreensiva agora.
Depois do que aconteceu no escritório à tarde, eu não fazia ideia de como ficaria nosso relacionamento. E nossa convivência, que já andava sob uma linha frágil de cordialidade, podia estar seriamente abalada.
Porque era óbvio que ainda havia a mesma atração. Quanto a isto, nada tinha mudado. Por que me enganar?
Eu era louca por Daniel quanto tinha 17 anos e ele ainda exercia o mesmo poder sobre mim.
E o que eu ia fazer com isto? Há um ano eu estava totalmente despreparada para aquela atração e sofrera demais tentando me manter afastada, tentando me manter fria e impassível, sem sucumbir.
Do que adiantou? Absolutamente nada.
Eu sucumbi mais de uma vez. E saí quase tão ferida quanto há oito anos.
E, justamente por causa do que houve há oito anos, não pude ficar com Daniel. Isto e o fato de Tom ter acabado com o que restava de minha sanidade na época.
No entanto, eu fui sincera com Daniel hoje à tarde. Realmente não me sentia mais a mesma pessoa de um ano atrás. Não sei se pelo fato de eu ter feito terapia, ou por ter passado todo o sofrimento da doença e morte de minha mãe, ou fato de eu ter uma filha, a verdade é que eu quero encarar meus sentimentos de frente. Independentemente do que houve no passado, que não pode ser mudado.
Porém, o que fazer com o medo do futuro?
Violet Beaumont vai me odiar pra sempre e eu mesma não sei bem se um dia poderei gostar dela, ou perdoar de verdade. Não perco meu tempo pensando nela, ou em sua loucura, mas me preocupa o tanto que ela me detesta e como isto pode afetar minha filha.
Só que ela é irmã de Daniel e duvido muito que ele queira cortar relações com ela. E como é que eu poderia exigir isto?
Além disso, existe o fato de Daniel estar tão disposto a se manter bem longe de mim. Ainda dói quando penso em como ele me rejeitou hoje à tarde.
Uma vez, um ano atrás, ele quis ficar comigo. Disse que queria consertar tudo o que fez no passado. Disse que me amava.
E eu estava tão consumida pelo rancor que não fui capaz de aceitar e o deixei.
Será que agora era tarde demais?
Só havia uma maneira de descobrir.
Daniel
– Filho, não adianta ficar bravo com sua mãe – meu pai diz quando chego na casa deles naquela noite.
E sim, eu estou bravo por minha mãe ter praticamente imposto sua presença lá em casa, mas bem no fundo eu sei que o verdadeiro motivo da minha raiva é outro.
E ele se chama Annalise Nicholls.
E o que eu deixei acontecer hoje à tarde no meu escritório, para me dar conta, quase tarde demais, que eu estava caindo na mesma armadilha há um ano, quando ela me deixou sem olhar pra trás.
– Querido, eu queria muito conhecer melhor sua filha. – Lydia explica docemente. – Eu liguei várias vezes, você simplesmente está nos ignorando.
Eu passo os dedos pelo cabelo, frustrado.
– Eu não estava pronto para enfrentar a interferência e as perguntas de vocês.
– Eu sei. Mas nós somos sua família. E na hora ficamos chocados. Agora, só queremos conhecer melhor a sua neném.
– Sim, eu não pretendia manter Isabella pra sempre longe de vocês. Apenas deem um tempo para as coisas se acomodarem.
– Sim, nós daremos o tempo eu for preciso – meu pai afirma.
– Ela é uma menina linda, Daniel. – Lydia sorri. – E quando estava lá, Anna chegou. Ela ficou meio fria no começo, não posso culpá-la, aparentemente acabou aceitando no final.
Eu sorrio, ao ver minha mãe toda emocionada.
– Eu sei que a situação entre a Anna e nossa família é complicada, teremos que nos esforçar para passar por cima de tudo e seguirmos em frente. Afinal, temos uma criança inocente envolvida agora.
– Sua mãe tem razão – Caleb concorda. – E sei que não é da nossa conta, mas Anna disse a Lydia que está na sua casa apenas temporariamente.
– É verdade – digo, incomodado.
– Então, não há chances mesmo de vocês...
– Não quero falar sobre isto pai – corto o assunto e eles se entreolham.
– Tudo bem. É assunto particular de vocês.
– Vai jantar conosco? – Lydia pergunta.
– Seremos apenas nós, ou daqui a pouco meus irmãos chegarão? – indago desconfiado e ela sorri.
– Não, querido, somente nós.
Eu janto com meus pais e depois volto pra casa. Começo a me sentir apreensivo quando vou me aproximando, sem saber o que esperar.
Anna pareceu aborrecida quando saiu da minha sala à tarde. E eu tive vontade de ir atrás dela, porém Benjamin entrou logo em seguida e me contou que ela havia ido embora amamentar Isabella.
E, para complicar, foi difícil sair daquele estado de tesão não satisfeito. Tanto que, em alguns momentos, eu me achei um idiota por não ter transado com ela e que se danassem as consequências.
Todavia, o tempo da inconsequência havia passado. Eu não era mais um cara de 17 anos cheio de hormônios ou o mesmo imbecil que fui há um ano, correndo atrás dela, mendigando seu perdão.
Ela também disse que não era a mesma pessoa. E o que isto significava?
Eu não fazia ideia. A não ser que naquele momento ela estava a fim de transar. E só de me lembrar eu já sinto o tesão voltando com força.
Inferno. Eu preciso manter a mente longe de problemas e longe Anna Nicholls.
Ao chegar em meu apartamento, já sinto aquele cheiro inconfundível de jasmim por todo canto, intoxicando meus sentidos.
Eu percorro o apartamento silencioso, me perguntando se ela já está dormindo e a encontro sentada no sofá da sala com uma xícara nas mãos.
– Oi – ela diz simplesmente.
– Oi. Cadê Isabella?
– Dormindo.
– Nancy te avisou que eu ia chegar mais tarde?
– Avisou.
Eu me aproximo e sento no sofá diante dela.
– Eu fui até a casa dos meus pais.
– Ah, eu conversei com sua mãe hoje à tarde.
– Eu sei. Ela não deveria ter vindo sem avisar antes.
– Está tudo bem. Em algum momento eles terão que se aproximar mais de Isabella, não é?
– E como você se sente sobre isto? – indago com cuidado.
Ela dá de ombros.
– Eu não sei. Me sinto apreensiva. Principalmente por causa de sua irmã Violet.
– Violet jamais faria qualquer mal a Isabella.
Ela dá um riso irônico.
– Me desculpe se eu tenho motivos pra sempre desconfiar das intenções de sua irmã – ela se levanta e eu faço o mesmo.
– Anna...
– Não, vamos esquecer. Não quero falar de sua irmã – ela se afasta em direção a cozinha e então se volta. – Você jantou? Deseja alguma coisa?
E de repente a expressão “deseja alguma coisa” tem outra conotação pra mim.
Eu limpo a garganta ignorando o aperto em meu baixo ventre.
– Não, obrigado. Eu vou ver Isabella.
Eu me afasto rapidamente pelo corredor me xingando mentalmente e entro no quarto de Anna, onde Isabella dorme tranquilamente no berço. Passo os dedos por seus cabelos e a cubro. Ela está em minha vida há tão pouco tempo e já se tornara tão essencial. E eu me pergunto se estarei preparado para me separar dela quando Anna tiver sua própria casa.
E eu não gosto do sentimento de perda que me acomete ao imaginar isto.
Meio irritado, fecho a porta atrás de mim e vou pro meu próprio quarto.
Tiro os sapatos e começo a desabotoar a camisa, quando escuto passos e, ao me virar, vejo Anna na porta.
– Anna? Algum problema?
– Não – ela responde dando um passo para dentro e eu vejo que ela carrega um pequeno aparelho em suas mãos.
– O que é isto? – pergunto apenas para me distrair de sua presença no meu quarto e das milhões de possibilidades, todas sacanas, que invadem minha mente.
Ela passa por mim e coloca o aparelho no criado mudo.
– É uma babá eletrônica. Nancy que me deu.
– Babá eletrônica?
– Sim, é só ligar e eu consigo ouvir o que acontece onde Isabella está – ela para na minha frente. – E será bastante útil hoje.
Eu franzo a testa sem entender.
– Por quê?
Ela sorri e, ficando na ponta dos pés, sussurra em meu ouvido.
– Porque eu vou dormir com você.
Anna
Sinto meu coração disparado no peito quando, sem dar chance de Daniel responder, ou pior, recuar, o empurro para a cama, montando em cima dele, grudando nossos lábios.
Isto. Era assim que tinha que ser. Seu coração batendo no mesmo ritmo louco que o meu, enquanto nossas línguas se encontram numa dança sensual que faz meu ventre se contrair.
Agarro seus cabelos com as duas mãos, o beijando com vontade infinita. Uma vontade guardada por tempo demais. E é como tudo tivesse um novo gosto agora, uma nova intensidade. Mordo de leve seu lábio inferior e ele resmunga algo, embora suas mãos já estejam deslizando por minhas costas e apertando meus quadris com força e eu gemo, parando o beijo e o encarando.
Ele ofega em meu rosto, os olhos me sondando confusos e maravilhados.
– Anna...
– Shiii. – eu o beijo levemente e me sento em seu colo, tirando minha blusa e meu sutiã no processo. – Quero sentir você dentro de mim.
Daniel geme e seus olhos se anuviam de desejo.
Ele me puxa pela nuca, grudando seus lábios nos meus de novo. Derreto inteira quando me vira, tomando as rédeas da situação e me prensando sob o colchão com seu peso.
– Sim... – sussurro cheia de desejo, me apressando em tirar sua camisa para sentir nossas peles se roçando.
E Daniel começa a tirar minhas roupas também, com movimentos impacientes e frenéticos, até que eu esteja nua e tremendo sob seu toque.
– Deus, você é linda demais – ele diz contra meus seios antes que sua língua quente e úmida tome posse do bico rosado, lambendo e mordendo de um jeito delicioso que faz com que um pulsar fremente se instale no meio das minhas pernas.
Então eu agarro sua mão e a levo pra lá, adorando sentir seus dedos me acariciando e abrindo caminho para dentro de mim.
Não é suficiente. Eu quero mais. E levo a minhas mãos ao cós da sua calça, a abrindo, de repente Daniel para.
– Anna, espera... Não podemos.
– Cala boca, Daniel – eu ordeno, usando toda minha força para jogá-lo de volta na cama e, me inclinando sobre o criado mudo, onde pego vários preservativos. – Se está falando sobre isto... – eu rio, começando a tirar sua calça.
Daniel me olha entre surpreso e aliviado.
E não demora para que eu o tenha nu, à minha mercê.
“Todo meu”, eu penso, estremecendo de antecipação ao deslizar a camisinha em sua ereção.
Ele me pega pela cintura e me faz montá-lo e eu gemo alto ao senti-lo dentro de mim. E me movo, bem devagar, perdida no prazer que cresce e toma conta de todos meus sentidos.
Então ele me puxa pela nuca e me beija forte, mudando de posição e me prensando na cama de novo, se movendo mais fundo e mais rápido. Eu estremeço e gozo rápido, e ele me segue, gemendo roucamente em meu cabelo em seu próprio orgasmo.
Longos minutos se passam até que ele se move, se afastando.
– Tudo bem? – pergunta, passando os dedos pelos cabelos. E me parece muito lindo naquele momento, todo suado e com os cabelos molhados.
Eu aceno positivamente com um pequeno sorriso.
– E você, tudo bem... com isto? – pergunto corajosamente, me lembrando de todos seus melindres hoje à tarde.
Ele desvia o olhar e se levanta da cama, indo para o banheiro, e imagino que está se livrando do preservativo. Ou simplesmente fugindo de mim.
Eu me sento me cobrindo com o lençol e espero, até que ele volta momentos depois.
Eu bato no espaço a meu lado.
– Vem aqui, não vou te atacar, Daniel.
Ele sorri de lado.
– Não foi o que acabou de fazer?
Eu mordo os lábios.
– Não ouvi você reclamando.
Ele suspira profundamente, enquanto se aproxima, sentando-se e vejo um lampejo de preocupação em seu olhar.
– E o que isto tudo significa, Anna?
É a minha vez de ficar apreensiva. Porque enquanto estávamos juntos, tudo parecia possível. Mas depois...
Ainda havia toda a realidade nada fácil entre nós.
– Significa o que nós dois sabemos. A gente queria. Sempre quer. Do que adianta fugir? – digo suavemente. – Eu sei que... Existe um mundo de problemas lá fora. Um mundo de problemas entre nós também. Acho que seria pedir demais que tudo fosse resolvido de um dia pro outro. E eu também não sei o que vai acontecer. Quem pode saber? – eu dou de ombros. – Só não quero mais fugir, ou me esconder – eu me inclino e beijo seu ombro. – A começar por isto.
O sinto estremecer e sua postura continua tensa. Eu encaro seus olhos confusos.
– Anna... Nós sempre acabamos na cama, tem razão, não é novidade nenhuma e talvez fosse acontecer uma hora ou outra mesmo. Mas, depois de tudo o que aconteceu...
– Eu sei. Você acha que eu vou fugir de novo – digo amargamente. – Não te culpo por pensar assim. Só quero dizer que é diferente agora. Eu não vou a lugar nenhum, Daniel. Jamais levaria Isabella para longe de você.
– É por Isabella que está aqui?
Eu rolo os olhos.
– Acha mesmo que é?
– Não, não acho – ele responde.
– Então não faz pergunta idiota. Eu estou aqui, porque eu quero – eu me inclino e beijo o canto de seus lábios. – E porque você quer.
Ele toca meu rosto e percebo que há mil coisas passando por sua mente e apenas imagino algumas delas.
Sei que ainda não estamos prontos para tirar todos os esqueletos do armário.
– Ah Anna... Eu deveria estar fugindo de você – ele diz, apesar de estar sorrindo.
– Mas não vai. – Eu me deito, bocejando, sentindo toda a tensão do dia começar a cobrar seu preço e ele se deita atrás de mim, beijando meu ombro e passando o braço a minha volta.
– Pra onde estamos indo, Anna? – ele indaga baixinho.
Eu seguro sua mão que está sobre a minha barriga.
– Eu não sei. Só sei que estamos indo juntos desta vez.
Quando eu acordo na manhã seguinte, estou sozinha na cama e me sento rapidamente, preocupada, afinal, não acordara nenhuma vez à noite para ver Isabella.
Naquele momento Daniel entra no quarto todo vestido e com Isabella no colo.
– Desfaça esta cara preocupada, eu cuidei dela.
– Eu não escutei ela acordar à noite, será que esta porcaria não funciona? – eu pego a babá eletrônica e Daniel ri.
– Funciona sim, eu escutei duas vezes.
– Por que não me acordou?
– Não precisou. Da primeira vez era apenas trocá-la.
– E você conseguiu?
– Claro que sim. Não foi difícil. E da segunda era fome.
– Podia ter me acordado para amamentá-la.
– Ela tomou o leite da mamadeira sem reclamar, acho que está se acostumando.
– Hum, sei... Por acaso eu estou atrasada?
– Ainda não, não precisa se apressar.
Ele sai do quarto e eu tomo um banho, me arrumando depressa, para poder ficar um pouco com Isabella antes de sair.
Nancy está na cozinha quando apareço e eu pego Isabella.
– Oi, Anna, chegaram alguns pacotes pra você, o porteiro veio entregar, eu deixei lá na sala.
– Pacotes?
– Sim, me parecem de uma loja de bebês.
Daniel ri.
– Até imagino da onde veio.
– Imagina?
– Deve ser coisa de Charlotte.
Eu vou pra sala e examino os pacotes, como Daniel previu, eram mesmo coisas de Charlotte. Um monte de roupas de bebê de uma marca muito chique.
– Ela é louca?
– Não, ela é assim mesmo, se você se lembra do inferno do casamento.
– Claro, eu me lembro... – suspiro, admirando as roupinhas. – São bonitinhas.
– Ela quer conhecer Isabella, é o jeito dela de se manifestar.
Eu mordo os lábios, incerta.
– Vamos ver.
Nós entramos no carro para ir trabalhar e um silêncio estranho cai sobre nós.
Afinal eu ainda não sei como ficaremos de agora em diante.
Nós estamos no elevador quando eu decido falar.
– Daniel, sobre ontem à noite...
– Anna, pare. – ele faz um gesto com a mão. – Eu sei que tudo parece... esquisito agora, sinceramente, não acho que aqui seja o lugar para conversarmos sobre esse assunto.
– Tem razão – dou de ombros, quando o elevador chega no nosso andar. – Te vejo por aí.
E sigo para minha sala.
A manhã transcorre sem atropelos e quando chega a hora de almoço, eu pego minha bolsa e estou no corredor, me perguntando se o pessoal do escritório está disponível para sair, quando vejo Isaac se aproximando.
– Oi, está indo almoçar?
– Sim, até ia te chamar, mas o Daniel disse que vão almoçar juntos.
– Ah... sei. – digo surpresa e vou pra sala de Daniel. – Olá – eu entro fechando a porta. – Fiquei sabendo que me chamou para almoçar...
Ele levanta o olhar do computador e sorri daquele jeito de lado.
– Tranca a porta, Anna.
Eu arregalo os olhos, quando ele se levanta e vem até mim.
– Por quê? – indago sem ar.
Antes mesmo de ele passar por mim, trancar a porta e caminhar na minha direção com aquele sorrido de predador, eu já sei a resposta.
– Não quero ser interrompido enquanto transo com você.
Eu poderia ter protestado, mas quem disse que eu tinha algo contra?
Eu só tive tempo de perguntar se tinha preservativo e ele riu, retirando um do bolso.
Então deixo que me beije e me leve para o mesmo sofá que me pediu para deitar ontem e desta vez, não demora para ele estar dentro de mim, suas arremetidas lentas e profundas fazendo meu corpo arquear de prazer.
E eu gemo alto e Daniel ri contra meus lábios.
– Shiii, baby, quer que nos escutem?
– Não devia nem ter começado, se está preocupado com isto – resmungo, envolvendo minhas pernas em seus quadris e me apertando mais contra ele, fazendo-o gemer e aumentar o ritmo, até que estremecemos e gozamos juntos.
Depois nós realmente saímos para almoçar e eu me sinto um tanto culpada.
– Acho que não devemos mais fazer este tipo de coisa no escritório, Daniel – digo, depois que o garçom se afasta pra buscar nossa conta e ele sorri maliciosamente.
– Preocupada que alguém tenha escutado?
– Não tem graça. Já pensou se alguém realmente percebe? É nosso local de trabalho.
– Sim, tem razão. – ele diz, mais sério. – É que desde ontem eu vinha imaginando te foder ali.
Eu me arrepio.
– Ah é? Você pode me contar as coisas que imagina comigo, porém vamos nos limitar a nossa casa.
– Nossa casa?
Eu desvio o olhar, vermelha, pela falha.
– Quer dizer, sua casa...
– Anna, sobre isto... – ele começa a falar seriamente, então alguém chama meu nome e ao levantar a cabeça, eu vejo Adam e Hannah.
– Ei, que legal encontrar vocês. – Hannah nos cumprimenta e Adam faz o mesmo.
– Nossa, quanto tempo, Anna, achei que tivesse saído da cidade.
– Eu saí e voltei.
– E você, Daniel? Fiquei sabendo que tem sua própria firma agora.
– Sim, estamos começando. Tenho um sócio de Nova York.
– Muito bom pra você.
– E me conta, Anna, vocês estão juntos de novo? Depois do casamento, eu achei...
– Hannah, menos... – Adam a belisca e ela fica vermelha.
– Ah, me desculpe.
– Não, tudo bem – eu respondo sem graça também.
– Sim, estamos juntos – Daniel diz, me surpreendendo.
– Ah, que legal. – Hannah fica espantada. – A gente precisa marcar de tomar uns drinks qualquer dia destes pra colocar as novidades em dia... Ah, preciso te contar, lembra da Lucy? Se mudou para Los Angeles. Parece que está saindo com um cara super rico e casado! Bom, isto foi o que ela sempre quis, né?
– Hannah chega, querida, vamos nos atrasar. – Adam corta o assunto.
– Ah, tudo bem. Me liga, Anna! Adorei ver você.
Eles se afastam e o garçom traz nossa conta.
– Fico feliz em saber que eles ainda estão juntos – comento.
– Sim, eles estão juntos há mais de um ano. Acho que em breve ele a pede em casamento. –Daniel diz casualmente e nós saímos.
O prédio do escritório é perto e nós vamos andando, eu me surpreendo quando Daniel segura minha mão então me lembro quando ele disse lá dentro que estávamos juntos.
Quero conversar sobre isto, mas, como disse antes ali não é o lugar.
E nem sei se estou preparada para toda a conversa que precisamos ter. E morro de medo ao me perguntar se sobreviveremos a ela.
A tarde passa rápido com Daniel fora em reunião, e eu vou pra casa um pouco mais cedo para ficar com Isabella e aproveito para dispensar Nancy mais cedo.
– Amanhã é sábado, a senhora não vai precisar de mim?
– Não, fique tranquila. Eu estarei em casa.
A mulher vai embora e eu estou cozinhando quando Daniel chega.
– Oi.
– Eu estava me perguntando se ia aparecer cedo ou se tinha algum compromisso.
Ele sorri, pegando Isabella do carrinho e se aproxima, beijando meu cabelo.
– Eu te diria se tivesse.
Eu sorrio para a panela.
– Dá tempo de eu tomar um banho antes do jantar?
– Não, deixa pra depois – peço, desligando o fogo.
Ele levanta a sobrancelha.
– Serei rápido.
– Eu ainda não tomei banho também – digo maliciosamente, sem encará-lo e sei que ele entendeu, pois pergunta se eu quero alguma ajuda.
– Não, só distraia Isabella.
Nós jantamos e depois Daniel diz que vai colocar Isabella pra dormir e eu vou para o chuveiro.
E não demora muito para ele se juntar a mim.
Eu sorrio, adorando quando ele se aproxima e segura meu rosto, beijando minha testa, meu nariz e por fim minha boca.
– Tenho boas lembranças de banhos com você - ele diz, deslizando o nariz pelo meu pescoço e eu beijo seu ombro molhado, me colando nele.
– Duvido que sejam melhores que as minhas.
Ele ri e me encara. Eu o abraço pelo pescoço.
– Por que eu acho que você está me escondendo algo? – ele pergunta e eu rio.
– Você realmente não se lembra do dia em que eu te trouxe pra casa depois daquela bebedeira?
Ele franze a testa.
– O que quer dizer? Que nós...
– Sim, nós transamos, exatamente aqui.
– Está mentindo, Anna.
– Não! – eu rio ainda mais. – Não tenho culpa se estava tão bêbado que nem se lembra. Na verdade eu deveria ficar até chateada, mas tudo bem. Você estava muito mal mesmo.
– Então você se aproveitou de mim.
– É, colocando nestes termos... – eu mordo sua orelha, roçando meus seios em seu peito. – Sim, eu me aproveitei de você...
– Então Isabella...
– Sim, ela foi feita aqui e não no seu escritório.
De repente ele para, sério.
– Por que não me disse, Anna? No dia seguinte, me deixou pensar...
– Eu não queria que soubesse. Eu estava muito confusa naquela época, você sabe. Eu queria esquecer.
– Inferno, Anna! – ele desliga o chuveiro e já não tem clima nenhum.
Inferno mesmo!
– Está bravo comigo? – indago saindo atrás dele do boxe.
Ele se enxuga quase furiosamente.
– Acha que eu não tenho motivos?
– Sinceramente, nesta altura do campeonato? Não!
E irritada, pego uma toalha e marcho para fora do banheiro, indo parar no meu quarto.
Coloco uma camisola qualquer e, depois de me certificar que Isabella está dormindo tranquila, eu me deito.
Por que eu cismei de contar aquilo pra Daniel? Devia ter ficado quieta, se bem que, estávamos começando a nos abrir, não me pareceu certo deixar este detalhe de fora.
Também não imaginei que ele ficaria bravo.
Não sei quanto tempo se passa até que escuto a porta se abrindo e Daniel aparece, vestindo apenas uma calça de pijama.
– Posso entrar?
– Se for pra brigar comigo, não – respondo e ele entra, fechando a porta atrás de si e senta ao meu lado.
– Me desculpe. Eu fiquei meio chocado por saber que rolou sexo naquela noite e eu nem me lembro. E saber que você ficou grávida... Acho que é pior ainda.
– Ainda está bravo?
– Não. – Ele passa a mão no meu rosto.
– Então vamos dormir – levanto a coberta e ele se aconchega ao meu lado.
Eu deito minha cabeça em seu ombro.
– Preciso me lembrar de nunca ficar bêbado com você. É perigosa.
Eu rio e fecho os olhos.
– Você gostou, eu te garanto.
– Disto eu não duvido.
Quando acordo no dia seguinte, de novo Daniel não está.
Eu me lembro de durante a noite ter acordado para amamentar Isabella apenas uma vez e ele acordara comigo.
Isabella também não está no quarto e eu visto uma roupa, indo procurá-los.
Daniel está na cozinha ao telefone, enquanto mexe algo na panela.
– Eu não disse que não vou, Charlotte... Eu sei, claro que eu sei – levanta a cabeça e me vê. – Charlotte, te ligo depois.
Ele desliga e sorri.
Eu me aproximo pra pegar Isabella que está no bebê conforto em cima da mesa.
– Algum problema?
– Apenas o tal jantar que Charlotte inventou hoje à noite.
– Ah...
– Você irá comigo?
Eu mordo os lábios.
– Não.
– Então também não vou.
– Você vai sim – e, de repente, eu tomo uma decisão. – E Isabella vai com você.
– Não...
– Sim. Está decidido. É a comemoração do seu aniversário. Não pode faltar. E pode levar Isabella para sua família ver.
– Tem certeza? Você deveria ir também.
– Desculpa, Daniel, ainda não me sinto preparada.
– Também não estou certo se devo ir...
– Está tudo bem. De verdade. Eu vou ligar pra Fiona e marcar um jantar com ela. E o que está fazendo ai? – eu me aproximo olhando a panela.
– O almoço.
– O Almoço? Que horas são?
– Pouco mais de meio dia.
– Nossa, eu dormi tanto assim? Por que não me acordou?
– Hoje é sábado, merece uma folga.
– Isabella acorda cedo – digo, colocando-a no bebê conforto de novo, ignorando seus resmungos.
– Sim, eu percebi.
– Bom, ela dorme à tarde e você pode aproveitar para tirar um cochilo... – eu sorrio e ele sorri de volta.
– Ou podemos apenas ir pra cama... sem dormir.
Eu me aproximo por trás, abraçando-o pela cintura e beijando sua nuca.
– Combinado!
****************
Naquela noite eu coloco um dos vestidos que Charlotte Beaumont mandou em Isabella e ela parece uma boneca, Daniel pega o celular e começa a tirar várias fotos dela, enquanto a faz rir.
– Acho que vamos nos atrasar – digo, pegando minha bolsa e uma bolsa com coisas de Isabella.
Daniel leva Isabella e nós vamos pro carro e ele me deixa em frente à casa de Fiona.
– Tem certeza que não quer ir junto?
– Tenho sim. Divirtam-se e qualquer coisa me liga.
Ele toca meu rosto e me beija devagar.
– Esta situação não vai se sustentar por muito tempo – ele diz quase como que pra si mesmo e eu suspiro, um medo gelado tomando meu peito.
– Eu sei, no entanto, é o que temos pra hoje – murmuro, me afastando.
– Eu passo para pegar você. Ok?
– Tudo bem.
– Vê se não deixa a Fiona te embebedar muito!
Eu rio e saio do carro e subo para o apartamento de Fiona, que me recebe com um abraço forte.
Estamos sozinhas, Brian tinha jogo com os amigos.
– E aí, me conta tudo!
Eu rolo os olhos.
– Tudo o quê?
– Ah, não se faça de desentendida! Vou pedir a pizza e abrir um vinho e você vai ter que começar a me contar como estão as coisas lá na casa do Daniel.
Eu rio e horas depois eu já contei tudo a ela.
– Uau, será que agora vai? – ela pergunta incerta.
– Como vou saber? Já houve coisas ruins demais entre nós, coisas boas também. E por que eu não posso me prender às coisas boas?
– Sim, tem razão. E a família dele?
– É um problema, principalmente a irmã que me odeia.
– Será que ela te odeia ainda? Já passou tanto tempo...
–Violet é uma destas pessoas malucas que não esquecem nunca e se eu pudesse escolher, ficaria bem longe dela.
– Pra seu azar ela é irmã do Daniel, né?
– Pois é – dou de ombros. – Por enquanto estamos levando as coisas devagar e veremos até onde vai.
– Eu vou torcer pra que tudo dê certo.
De repente o interfone toca.
– Olha, chegou nossa outra pizza!
Ela corre para pegar a pizza na portaria e já é a segunda que pedimos, e eu pego o celular para ver se tem alguma ligação de Daniel e me surpreendo ao ver que ele me mandou uma mensagem e uma foto de Isabella no colo de Lydia Beaumont.
“Como vê, está tudo bem. E Isabella está sendo muito mimada. E aí, já está bêbada?”
Eu rio e respondo.
“Se eu ficar bêbada quero o mesmo tratamento que eu te dei, ok?”
Eu fico esperando ele responder e então o telefone da casa de Fiona toca.
Eu atendo, por força do hábito.
– Alô?
– Olá, querida enteada... – a voz de Tom chega aos meus ouvidos e eu sinto o chão fugir dos meus pés.
Capítulo nove
Daniel
– Ela é tão fofa! – Charlotte sacode Isabella pela sala e eu as sigo com o olhar, preocupado, porque Charlotte não tem a menor experiência com bebês.
– Cuidado com ela, Charlotte.
– Deixa de ser chato! Ela gosta de mim – ela se aproxima de Owen. – Não é linda, Owen? E este vestido ficou perfeito! Já a imagino com outro verde que vi ontem...
– Ela não precisa mais de roupas, Charlotte – resmungo, me aproximando de minha mãe, que toca meu braço.
– Eu achei que a Anna viria com você – ela diz hesitante.
– Ela achou melhor não vir.
– Na verdade estávamos nos perguntando se você viria, isto sim. – Elton entra na sala seguido por Violet. Desde que jantamos, ela havia desaparecido e Elton a seguiu.
Ela estava quieta e na dela desde que chegamos e foi a única que não quis se aproximar de Isabella. E eu nem sei se isto era ruim ou bom.
– Acho um milagre sua namoradinha ter liberado você.
– Violet, não começa. O que conversamos? – Caleb a repreende e ela revira os olhos.
Charlotte ri e se aproxima de Violet.
– Você precisa carregá-la, Violet, foi a única que ainda não a pegou! – e, sem aviso, coloca Isabella no colo de Violet, que arregala os olhos.
– Charlotte, não faz isto! – diz entredentes, com Isabella utilizando as mãos para emaranhar em seus longos cabelos loiros e Charlotte e Elton riem.
– Olha que graça, ela gostou de você.
– Eu não sei segurar criança – Violet resmunga, embora suas mãos segurem Isabella com firmeza.
– Sabe sim! – Charlotte ri ainda mais. – Eu vou buscar meu celular pra tirar uma foto.
– Como você é idiota, Charlotte! – Violet tenta em vão retirar as mãos de Isabella de seus cabelos e me movo para salvá-la. Lydia segura meu braço.
– Deixe.
– Mas...
– Ela precisa se acostumar com a menina. E ela não vai fazer nada de mau, olha lá. Até segura direitinho.
Eu olho de novo e agora ela sacode Isabella meio chorosa, provavelmente por ter sido privada da brincadeira com os fios de cabelo, enquanto Elton ao lado tenta fazê-la rir. Eu fico olhando aquela interação inédita, até que Isabella começa a sorrir das micagens de Elton e Violet sorri também. Então ela levanta a cabeça e nossos olhares se encontram por um momento, ela volta a ficar séria e desvia o rosto.
– Elton, melhor pegar ela, antes que destrua meus cabelos. Eu fiz escova hoje – diz, passando Isabella pra Elton, que continua a brincar com ela até que Charlotte volta e começa a tirar fotos.
E pela primeira vez eu sinto que tudo pode ficar bem.
Que Isabella ficará bem com a minha família. Mas e Anna?
De repente sinto uma falta terrível dela. Desejo que ela estivesse ali comigo e Isabella, porque nada nunca estará completo sem ela por perto.
– Ei, Daniel, não está ouvindo seu celular tocando não? – Charlotte joga o celular que eu devo ter esquecido em cima do sofá e eu sorrio ao ver o nome de Anna.
– Oi, estava pensando justamente em você...
– Daniel, algo horrível aconteceu – ela grita do outro lado com a voz cheia de medo e eu sinto meu corpo gelar.
– Anna, o que houve?
– É o Tom... Ele acabou de me ligar.
Anna
Eu sinto todo meu corpo tremer de horror enquanto conto a Daniel o que aconteceu.
E ainda parece que estou contando apenas um pesadelo ao reviver meu diálogo com meu padrasto que coloquei na cadeia.
– O que você quer? – perguntei, sentindo meu estômago dar voltas. – Como conseguiu me ligar?
– Os presos por bom comportamento podem fazer ligações, Anna.
– Não tenho nada para falar com você!
– Fiquei sabendo que sua mãe morreu, por que não me avisou?
– É muita cara de pau por me perguntar isto!
– Sua mãe morreu achando que eu te fiz mal e você inventou tudo! Não passa de uma vadiazinha vingativa como Violet Beaumont!
– Eu vou desligar...
– Tudo bem, pode desligar... Eu só liguei para avisar que em breve vou sair daqui. E nós teremos nosso acerto de contas. Afinal, acho que terei minha própria vendetta...
E depois disto eu bati o telefone na cara dele e corri para o banheiro e vomitei todo o conteúdo do meu estômago, e foi assim que Fiona me encontrou minutos depois.
E eu só pensava em ligar para o Daniel.
– Anna, fique calma. Ele não pode te fazer nenhum mal. Está na cadeia. – Daniel diz firmemente.
– Ele conseguiu ligar pra mim! – exclamo descontrolada. – E disse que ia sair de lá! Daniel, estou com medo...
Escuto ele soltar um palavrão.
– Eu vou te buscar, fique aí.
Eu desligo e Fiona me encara aflita.
– Este Tom é muito sem noção ao ficar te ameaçando! O que foi que o Daniel disse?
– Que ele não pode me fazer mal porque está preso.
– Ele vai continuar preso, não é?
– Sim, acho que sim... Não sei. – sinto meu estômago revirando de novo ao imaginar que Tom possa sair da cadeia e vir atrás de mim.
– Olha, tome esta água acalme-se. O Daniel virá te buscar? Quer que eu te leve embora?
– Não, o Daniel vem me buscar – eu pego o copo com minhas mãos trêmulas e espero, me remoendo por dentro. O som da campainha tocando me tira do torpor e Fiona abre a porta para Daniel, que passa por ela direto em minha direção e eu capto seu olhar preocupado e sua postura tensa antes de me jogar em seus braços.
– Está tudo bem, tudo bem – ele murmura em meus cabelos, me apertando forte e parte do meu terror se evapora. – Eu estou aqui, ele não vai te machucar.
Eu me forço a me afastar um pouco para fitá-lo.
– Daniel, ele disse que ia sair de lá e vir atrás de mim! – exclamo.
– Ele queria te aterrorizar.
– E conseguiu! – passo os dedos pelos cabelos, nervosa. – E agora eu estou apavorada!
– Ele está preso, Anna.
– Sim, mas até quando?
– Eu vou verificar a situação da pena dele hoje mesmo, para te deixar mais tranquila, tudo bem?
Sacudo a cabeça positivamente.
– Agora vem, vou te levar pra casa.
– Cadê Isabella? – pergunto preocupada.
– Está com Charlotte.
– Charlotte?
– Sim, eu pedi que ela levasse Isabella pra casa e vim te buscar.
– Devia tê-la trazido – digo, pensando na destrambelhada da irmã de Daniel com a minha filha.
– Está tudo bem, Anna. Não sabia em que estado você estava e não queria ficar me preocupando com as duas. Isabella está bem.
Eu me abstenho de dizer que só ficarei tranquila quando vir minha filha segura comigo e me despeço de Fiona.
– Me liga e me conte as novidades, senão ficarei preocupada – ela pede e eu concordo, antes de seguir Daniel.
O percurso até seu apartamento é feito num silêncio tenso, Daniel não entra com o carro na garagem, apenas destrava minha porta em frente ao prédio.
Eu o encaro interrogativamente.
– Eu vou verificar o caso de Tom.
– Então eu vou também.
– Não. Você tem que ficar aqui com Isabella.
– Sim, tem razão.
Ele toca meu rosto.
– Este cara está preso, Anna, não vai chegar perto de você.
– Ele está preso porque eu o mandei pra lá, com uma história inventada – murmuro com a voz engasgada.
– Ele merece estar lá. Pelas coisas que fez com Violet e até pelo sofrimento de sua mãe. Não se sinta culpada.
Eu tento achar um alento em sua voz, mas só me sinto mais engasgada.
Eu achei que estava livre daquele fantasma e daquela culpa. Agora ela voltava a me atormentar.
Daniel me puxa e beija minha testa.
– Fique tranquila, eu não pretendo demorar.
– Tudo bem.
Subo como se o peso do mundo estivesse sobre minhas costas, com o coração e a alma pesada de culpa e medo. Tudo o que eu quero agora é pegar minha filha e tentar me acalmar.
Quando eu abro a porta, eu paraliso de horror.
Violet Beaumont está no meio da sala, segurando Isabella no colo.
– Tira a mão da minha filha – rosno num instinto quase assassino, enquanto praticamente corro até Violet que me encara com um olhar surpreso.
Retiro Isabella do seu colo, dando um passo atrás.
– Credo! O que achou que eu estava fazendo?
– Não deveria estar aqui e muito menos com a minha filha! – acuso.
– Eu não a machucaria – sua voz é quase ofendida.
– Eu sempre espero coisas ruins vindas de você, não me culpe por isto! Você me odeia e não quero que ponha as mãos na minha filha!
Violet dá um de seus sorrisos irônicos, jogando o cabelo.
– Antes de ficar me acusando de coisas absurdas, deveria me agradecer por eu estar aqui cuidado dela!
– Seu irmão disse que a deixou com Charlotte.
– Charlotte é uma desmiolada! Assim que Isabella começou a chorar, ela me implorou para que viesse junto.
– E onde ela está?
– Foi embora, claro. E depois a egoísta sou eu!
Isabella, sentindo a tensão, começa a chorar.
E ignorando Violet, eu a levo para o quarto.
– Ei, está tudo bem, querida – murmuro, verificando sua fralda que, como eu previ, está suja.
Eu a troco e depois a amamento. Levando um longo tempo para colocá-la para dormir e só então saio do quarto.
Toda esta rotina me acalmou consideravelmente, instantaneamente eu volto a ficar irritada ao ver Violet de novo.
– Ainda aqui – exclamo exasperada.
– É a casa do meu irmão, não sua. – ela dá de ombros, sentada de pernas cruzadas sobre o sofá.
– É, realmente é a casa do seu irmão. E parece que ele dá bastante espaço pra você. Ainda. – Minha voz está cheia de um veneno guardado há anos e talvez por todo o estresse vivido hoje, eu não consigo me conter. – E já que está aqui, o que quer comigo?
Ela se levanta e me fita com um olhar ferino.
– Quero saber o que quer com meu irmão de novo.
– Como é?
– Sim, eu tenho o direito de saber.
– Direito? Está de brincadeira, não é?
– Não. Estou falando muito sério. Eu sabia que você só ia causar sofrimento a ele. Eu te falei lá em Miami, não foi? E o que você fez? Resolveu se casar com ele. Só para deixá-lo plantado no altar! Você arrasou com ele!
– Eu? Você e sua família só aprontaram comigo e agora eu que sou culpada?
– Olha aí! Eu disse ao Daniel que você nunca iria perdoá-lo. Pedi que abrisse os olhos, infelizmente ele sempre foi irracional quando se trata de você.
Eu respiro fundo, começando a me cansar daquela discussão que com certeza não acabaria nada bem.
– Olha, seria lindo você aqui defendendo seu irmão, mas, primeiro que não tem nada a ver com isto! E segundo...
– Você escondeu um bebê dele! – Violet continua como se eu não tivesse falado nada.
– Eu não podia ficar com ele! – grito no mesmo tom.
– Por causa da vendetta – é uma afirmação e não uma pergunta.
– Daniel sabia disto – murmuro. – Sabia que eu não podia e mesmo assim insistiu!
– Então por que não foi embora? Por que continuou aquela historia ridícula de casamento, apenas pra fazê-lo sofrer? Quando vi você largando-o no altar, tive vontade de ir atrás de você e te destruir!
– É só assim que você consegue viver, não é? Pensando em vingança! Como se isto consertasse alguma coisa!
– Consertou no seu caso, não foi? Mandou o canalha do Tom pra cadeia! – ela ri, sem humor. – Olha, acho que senti até inveja de você, por ter esta ideia brilhante! Aquele infeliz teve o que merece! Mas não estamos aqui para falar daquela cafajeste. E sim de você e Daniel e toda merda que causou pra ele!
– Você age como se seu irmão fosse um coitado, completamente inocente!
– Ele é!
– Ele ajudou você a se vingar! Ele me usou!
– Sim, ele seduziu você, mas saiba que eu pedi para o Elton também e ele se colocou no lugar.
– Então é mais horrível ainda!
– Acho que seria horrível de qualquer maneira, não é? Sinceramente? Por que se faz de tão ofendida? Você era louca pelo Daniel, corria atrás dele feito uma gatinha no cio, ele teria fodido você com ou sem vingança...
– Cala a boca! Cala a boca, se não quiser apanhar de novo!
– É verdade! Você fica se fazendo de vítima quando consentiu tudo!
– Eu não sabia as intenções dele! Não sabia que estava me seduzindo apenas pra tirar aquelas fotos nojentas.
– As fotos foram tiradas pela Eloise.
– O quê?
– Sim, ele nunca te contou? Eu achei que nesta altura do campeonato ele já tivesse tentado limpar sua barra! Eloise tirou as fotos porque o Daniel não quis tirar. Sim, ele concordou com tudo antes, depois quis me deixar na mão. Então Eloise me ajudou e fomos nós que as colocamos na Internet. Como vê, Daniel nem é tão vilão assim. Ele só ficou sabendo depois.
Eu mal respiro ouvindo as revelações de Violet. As memórias de oito anos atrás dançando na minha mente, a imagem de Eloise do lado de fora do quarto de Daniel naquela tarde.
Sim, fazia sentido.
Eu percebo de repente que o fato de Daniel não ter colocado aquelas fotos na Internet faz mais sentido do que o fato de ele tê-las colocado.
O pior de tudo, analisando o que sinto com aquela revelação, é que eu não me sinto melhor.
Porque o pior não foram as fotos, embora elas tenham me causado alguns momentos de humilhação e medo nestes anos todos.
– Isto não muda o fato de ele ter mentido pra mim – despejo, cheia de dor. – Ele só se aproximou de mim porque você mandou! Pensando nesta merda de vendetta! Eu sofri porque eu estava apaixonada e ele apenas me usou o tempo inteiro! – Soluço não me importando com minhas lágrimas.
– O que está acontecendo aqui?
Nós duas nos viramos ao ouvir a voz de Daniel parado no meio da sala. Tão entretidas com nossa discussão, nem reparamos em Daniel entrando, e agora ele olha de mim pra Violet com o rosto tenso.
– É isto que pensa? – Violet continua de repente, depois dos segundos de silêncio e anda em direção a Daniel, arrancando o celular que está na sua mão, anda até mim, mexendo nas teclas furiosamente e para na minha frente, praticamente jogando-o em minha mão.
– Ele tem isto aí desde aquela época – dardeja, dando meia volta, pegando a bolsa e indo embora antes que qualquer um de nós esboçasse alguma reação.
Eu escuto a porta bater e olho a tela do celular na minha mão.
É uma foto minha. Foto de oito anos atrás.
No Space Needle.
Eu teclo e outras aparecem. Meus cabelos ao vento e meu sorriso para a câmera. E então Daniel está comigo em algumas fotos. Nós dois sorrimos contra a paisagem cinzenta de Seattle. Depois as fotos acabam. E começam as fotos de Isabella, tiradas naquela mesma noite.
Eu finalmente o encaro com meus olhos vermelhos e meu coração despedaçado.
– O que significa isto? – pergunto.
– Isto é o que venho tentando te dizer desde que nos encontramos naquele escritório um ano atrás. O que eu já te disse e acho que nunca acreditou.
Fecho os olhos, meu coração afundando um pouco mais. E quando volto a abri-los, Daniel está muito perto de mim.
– Eu amo você. Amo há tanto tempo que nem sei como era antes de ter este sentimento.
– Você concordou com a vendetta da sua irmã.
– Talvez eu nunca consiga seu perdão e acho que nem eu consigo me perdoar pelo o que te fiz. Mas eu te amei de verdade, Anna. Desde o dia em que Violet a mostrou pra mim naquela manhã fria, eu te quis. E sabia que não podia deixar ninguém mais tê-la.
– Elton foi quem me levou para aquela sala a primeira vez.
– E eu fui pegá-la pra mim.
Fecho meus olhos novamente, minha mente voltando para aquele tempo perdido. A sedução de Daniel e a maneira como eu me apaixonei completamente, a ponto de fazer tudo o que ele queria sem me importar com mais nada.
E as palavras de Violet me atingem como um soco no estômago.
Sim, eu deixei.
Abro os olhos, encarando o mundo sob uma nova percepção.
– Você nunca disse que estava apaixonado por mim – sussurro. – Você realmente nunca me enganou sobre isto.
Eu o encaro.
– Eu fui uma idiota. Sua irmã tem razão. Eu podia ter evitado. E você nunca teria me obrigado, não é?
– Anna... – ele tenta me tocar, eu me afasto.
– Eu sofri todos estes anos porque você não me amou. Porque eu me senti usada, enganada. Traída. Eu nunca mais pude confiar em ninguém... Eu nunca mais me permiti amar ninguém.
– Você amou Benjamin. – Daniel murmura.
– Não. Eu gostava dele. Mas... Eu não podia amá-lo de verdade e agora eu vejo... eu percebo que eu fugi dele justamente por isto. Porque eu sabia que nunca poderia me apaixonar por ele. E ele queria casar comigo, como eu podia?
– Você também não quis casar comigo – Daniel diz com um toque amargo.
Eu o encaro novamente.
– Eu não me casei com você justamente pelo contrário. – eu me aproximo lentamente até parar na sua frente. – Eu amava você e tinha medo. Medo porque nunca ia conseguir perdoar o que você me fez, nunca ia conseguir superar o fato de ter me enganado por causa de uma vendetta.
– E agora?
– Eu não sei... Eu me sinto... Esgotada.
Eu dou de ombros, fungando e finalmente me dando por vencida.
– Sua irmã me contou coisas que eu nem fazia ideia e você me vem com estas fotos... Tudo parece tão diferente e ao mesmo tempo tão igual... Eu não consigo pensar agora.
– Me desculpe. – ele toca meu rosto com as duas mãos, seus dedos enxugando minhas lágrimas. – Parece que por mais que eu tente, eu só faço você sofrer.
– Não é verdade – seguro suas mãos tirando-a lentamente do meu rosto e escuto um choro fino de Isabella.
– Eu vou ver Isabella – digo, me afastando.
Ainda me sinto tonta e quase fora da realidade.
Tanta coisa em tão pouco tempo tinha me esgotado.
Pego Isabella, a única certeza em toda aquela história e a embalo contra meu peito, até que ela se acalma e eu a coloco no berço novamente.
Olho para a cama. Eu poderia ficar ali. Mas eu queria realmente ficar longe?
Não. Eu não queria.
Esta era mais uma certeza.
Caminho lentamente para o quarto e escuto o chuveiro ligado. Visto uma camiseta e me deito sob as cobertas. Daniel aparece minutos depois e me lança um olhar que parece ao mesmo tempo aliviado e preocupado.
Ele caminha pelo quarto até a cômoda, com apenas a toalha na cintura, água ainda pingando de seu cabelo.
– Daniel? – o chamo e ele se volta. – Não se vista – peço e algo brilha em seu olhar.
Faíscas.
Que atingem diretamente meu coração. E se espalham como brasa por minha pele.
Ele caminha lentamente para a cama e retira a toalha no processo.
Ofego com sua perfeição.
Eu jogo as cobertas para o lado e o puxo para mim, colando nossas bocas num beijo.
E então ele está bem perto de mim, sobre mim. Suas mãos tomando posse.
– Tem certeza? – sussurra contra meus lábios e eu engulo seu hálito doce, me embriagando, enquanto me afasto para que possa tirar minhas roupas e o puxo pra mim de novo.
– Sim, eu preciso de você. Muito... muito...
Ele geme e me beija.
Fecho meus olhos e tudo deixa de existir.
O passado já não importa e muito menos a incerteza do futuro.
Existe apenas aquele momento em que ele desliza para dentro de mim, incitando-me a abraçá-lo inteiro, para que não haja nenhum espaço, nenhuma dúvida de que fomos feitos para estar assim. Juntos.
E ele se move devagar, mas profundamente. Arrancando respostas trêmulas da minha pele, nossos gemidos se misturando e nossos dedos se entrelaçando sobre o lençol.
Nossos olhares se encontrando e se prendendo, e o prazer aumentando com o ritmo de suas investidas, impulsionando e recuando cada vez mais rápido até que um orgasmo me faz fechar os olhos e gritar. E por fim, ele estremece e goza dentro de mim.
Depois há apenas o silêncio e o som de nossa respiração voltando ao normal, enquanto ele me abraça, se encaixando atrás de mim.
E eu choro um pouco mais.
– Anna? – ele me chama na escuridão, beijando meus ombros.
– Sim?
– O que foi? Por que está chorando?
Eu reconheço a insegurança em sua voz e me volto para ele.
– É que de repente eu me dei conta de que as coisas poderiam ser tão diferentes se não fosse a vendetta de sua irmã.
– Nós nunca teríamos nos conhecido.
– Eu acho que sim. Acho que estava escrito que teríamos que nos encontrar.
– Eu sinto muito.
– Acho que está na hora de parar de sentir muito por algo que não pode ser mudado. Não importa mais. Estamos juntos agora. Temos Isabella. E eu quero ficar com você. Pra sempre. Se ainda me quiser – agora a insegura sou eu.
E então Daniel sorri.
Aquele sorriso perfeito de lado que fez eu me apaixonar por ele.
– Eu te amo, Anna. Não tem como eu não querer você.
Eu sorrio de volta.
E ele me beija.
Sei que ainda não estamos totalmente bem ainda.
Mas vamos ficar, tenho certeza.
***************
É apenas na manhã seguinte que eu me lembro de Tom.
– Daniel, e sobre Tom? – pergunto enquanto estou na cama amamentando Isabella naquela manhã.
Daniel a trouxe quando ela chorou.
– Como eu disse, não há a menor chance de ele sair da cadeia. Embora ainda não tenha sido julgado, ele deve pegar pelo menos uns vinte e cinco anos. E o juiz não aceitou nenhum pedido de habeas corpus.
Eu respiro mais aliviada.
– Não precisa se preocupada, amor. – Daniel acaricia meu cabelo. – Tom queria apenas te deixar nervosa. Eu já entrei com um pedido para que ele nunca mais chegue perto de um telefone.
– Obrigada.
– Ela já mamou?
– Sim.
Ele a pega do meu colo.
– Vou trocá-la e... – de repente ele fica hesitante.
– O que foi?
– Hoje é domingo. E eu almoço com a minha família. Quero que vá junto.
Eu hesito, meio assustada. Ainda me recordo da briga com Violet ontem.
Mas sei também que, se quiser ficar com Daniel, terei que me aproximar dos Beaumont.
–Tudo bem. – concordo.
Ele levanta a sobrancelha.
– Só isto? Tudo bem?
Eu rio.
– Não vou dizer que está tudo bem, claro. Mas eu vou com você. Apenas prometa manter Violet longe de mim!
Estou genuinamente nervosa quando chegamos na casa dos Beaumont. Daniel aperta minha mão com força para me acalmar, enquanto segura Isabella com a outra.
Lydia abre a porta e sorri ao me ver.
– Anna, que surpresa.
Eu mordo os lábios, insegura.
– Olá. Espero que não seja problema eu estar aqui.
– Ah querida, claro que não! Muito pelo contrário – ela me leva pelos ombros para a sala. – Você agora é família.
Ah sim. Vai custar muito pra eu ver as coisas desse modo.
No entanto eu precisava começar a tentar.
Os Beaumont estão reunidos ali e eu fico vermelha.
– Oi, Anna. – Charlotte é a primeira a me cumprimentar, com um abraço efusivo, Caleb também me dá um abraço, porém mais formal.
Owen e Elton apenas meneiam a cabeça e Violet fica impassível.
Bom, pelo menos ela não está gritando.
– E cadê a linda Isabella? – Owen pergunta e Daniel entra em seguida segurando-a, Elton se adianta e a pega do colo de Daniel.
– Eu primeiro!
Ele senta ao lado de Violet com a neném e eu fico meio tensa.
Daniel acaricia meus ombros, atrás de mim, me tranquilizando.
– Anna, quer me ajudar na cozinha? – Lydia indaga e eu aceito prontamente, para fugir dali.
– Você está tensa, querida, relaxa – ela sorri.
– É difícil pra mim...
– Eu sei. Espero sinceramente que um dia nos aceite como sua família.
– Será que é possível?
– Nós amamos o Daniel e ele escolheu você. Claro que a aceitamos na família!
– Mas Violet...
– Violet ama o Daniel; é seu irmão preferido. Ela sabe bem lá no fundo que não aceitar você é acabar com o relacionamento dela com o Daniel. Então por ele, acho que ela vai acabar aceitando você.
Eu mordo os lábios, incerta.
– Bom, pode mexer aquela massa pra mim? – ela pede me dando um garfo e estamos conversando sobre assuntos culinários, como se fosse algo corriqueiro.
O almoço transcorre calmamente, embora Violet ainda esteja reticente, o que era de se esperar, todos os outros Beaumont parecem pessoas legais agora que eu não tenho por que hostilizá-los e vice-versa.
Depois do almoço, vamos pra sala e é então que escutamos um carro estacionando em frente a casa.
Charlotte olha pela janela e franze a testa.
– O que Eloise está fazendo aqui?
Eu fico tensa.
Aliás, todos ficam.
Será que até hoje Eloise era amiga da família? Acho que aí já era demais pra mim.
– Violet? – Caleb indaga e Violet o encara irritada.
– Não olhe pra mim, não tenho nada a ver com isto!
– Ela não viria aqui sem convite.
– Eu não a convidei! Não falo com Eloise há tempos.
– Então o que ela veio fazer aqui?
– Deve ter vindo de penetra como veio no casamento! Eu falei que não tive nada a ver com a presença dela naquela época!
Owen está segurando Isabella e eu me aproximo, a pegando instintivamente.
Meu olhar cruza com o de Daniel no exato instante em que batem à porta.
Charlotte a abre.
– Oi, Eloise, que surpresa... – sorri falsamente, Eloise entra na sala feito um furacão.
Está bem vestida como sempre e ainda continua linda.
Ela me vê e arregala os olhos.
– Você está aqui.
– Eloise, o que quer aqui? – Daniel indaga friamente indo para o meu lado e Eloise o encara.
– Eu precisava te avisar.
– Avisar do quê?
– Tom... Ele fugiu da cadeia esta manhã.
Eu sinto minhas pernas vergarem antes mesmo de ela continuar a sentença.
– E eu tenho certeza que ele virá atrás da Anna.
Capítulo dez
Anna
Estou tremendo inteira com as palavras horríveis de Eloise e acho que só não caí porque Daniel está me segurando.
Meu pior pesadelo está em curso.
Tom saiu da cadeia. Como havia prometido na noite passada em seu telefonema.
E virá atrás de mim.
Aperto Isabella com força em meus braços, tentando vencer o pavor.
– Como você sabe? – Daniel pergunta friamente e Eloise hesita por um momento, antes de encará-lo e sussurrar.
– Eu o ajudei.
– Como assim? – Violet indaga. – O que está dizendo?
– Eu disse que eu o ajudei a fugir.
– Eloise o que está falando é muito grave. – Caleb diz. – E acho que precisa explicar direito.
– Eu não tenho que explicar nada! – ela parece apreensiva agora, torcendo a sua pequena bolsa cara entre as mãos. – Eu tenho que ir...
Antes que ela comece a sair, Elton segura seu braço.
– Não vai a lugar algum. Primeiro vai explicar esta história direitinho desde o começo.
– Sim, você não pode entrar aqui e dizer que ajudou aquele canalha e sair impune! – Violet rosna.
Eloise respira fundo, dando-se por vencida.
– Tudo bem. Tom me ligou há pouco mais de um ano. Eu estava passando um tempo aqui em Seattle – ela olha pra Violet. – Você lembra, não é? Nós até almoçamos juntas.
– Isto é verdade? – Elton olha acusadoramente pra esposa. – Pensei que nunca mais tivesse falado com a Eloise depois que o papai te proibiu.
– Ela me ligou e insistiu. E eu não vi problema algum. Nós fomos melhores amigas e já tinha se passado muitos anos desde... a vendetta. – ela encara Eloise com raiva. – Aparentemente você esqueceu de contar este pequeno detalhe sobre o Tom.
– Eu não podia. Ele pediu para não contar.
– Quer dizer que você se encontrou comigo porque ele pediu?
Eloise parece embaraçada.
– Sim, me desculpe. Eu vejo agora o quão idiota eu fui, mas... Você deve saber melhor do que eu o tipo de homem que Tom é.
– Sim, um canalha.
– Um canalha sim. Mas um canalha muito envolvente – ela dá de ombros. – Ele me procurou, disse que tinha se separado e que sempre pensou em mim, que nunca me esqueceu... Eu estava carente naquela época. Tinha vindo pra Seattle porque acabara um relacionamento há pouco tempo e Tom se aproveitou disto, acho. Eu... me deixei envolver por ele.
–Quer dizer que estão juntos desde então? – é Owen quem pergunta.
– Sim... Quer dizer... Mais ou menos. Nós não temos um relacionamento sério, nem nada. Ele me convenceu que vocês tinham errado em prejudicá-lo. E eu até me senti um pouco culpada por minha participação em tudo. E ele... me pedia informação sobre vocês.... Eu não fazia ideia do que ele queria.
– Por isto que ele sabia sobre mim e Daniel – afirmo quase que pra mim mesma.
– Sim, Violet me contou que tinham voltado, que ia casar com Daniel... Bom, eu até resolvi vir ao casamento. Tom me convenceu a vir.
– E você simplesmente concordava com tudo o que ele pedia? – Daniel indaga ironicamente.
– Eu achava que estava apaixonada por ele... E depois ele foi preso... Eu fiquei assustada, e me neguei a vê-lo por um tempo. Então ele me convenceu a ir visitá-lo há algumas semanas. E me contou que a Anna tinha armado pra cima dele, que era inocente, mas ninguém acreditava.
– E como foi que ele resolveu fugir? – Caleb pergunta.
– Ele me contou seu plano. E eu no começo não concordei, achei absurdo. Fiquei com medo. De novo ele foi bem persuasivo... Disse que podíamos ir juntos pro Canadá... Que só queria esquecer tudo e começar de novo. E eu cedi. Ele disse que conhecia um guarda corrupto. Que só precisava do dinheiro para suborná-lo. Eu lhe dei o dinheiro. Ele fugiu nesta madrugada, se passando por um dos guardas.
– E você o viu? Sabe onde ele está? – Daniel pergunta, tenso.
– Não sei... Ele me ligou hoje de manhã. Eu disse que ia esperá-lo no hotel... ele disse que não podia ficar na cidade, que era perigoso. Falou que ia sumir por uns tempos. Então eu perguntei quando poderíamos enfim fugir e ele disse que somente depois que acertasse suas contas com Anna.
– E por que resolveu vir aqui? – pergunto.
– Nunca foi minha intenção fazer mal a ninguém. Eu não sabia que o Tom tinha estas ideias de vingança... Fiquei assustada. E comecei a perceber que talvez tenha cometido um grande erro.
– Não foi somente um erro, Eloise. – Daniel diz friamente. – Foi um crime. E você terá que responder por ele perante a justiça.
– Não! Eu... – ela se levanta, assustada.
Antes que ela dê um passo, ouvimos as sirenes do lado de fora.
– Daniel, o que está acontecendo? – pergunto assustada, quando Isabella começa a chorar.
– Enquanto Eloise falava, Owen chamou a polícia – ele segura meus ombros com firmeza, me olhando nos olhos. – Eles vão querer ouvi-la. Vão querer saber os motivos de Tom para perseguir você. Você não irá dizer, entendeu?
Então eu entendo. Daniel não quer que eu diga que Tom me odeia porque foi preso, pois eu menti sobre sua agressão.
Mas, será que eu posso continuar mentindo?
E como é que eu posso dizer a verdade agora?
Eu consigo escapar para o antigo quarto de Daniel, enquanto a polícia pega o depoimento de Eloise e dos Beaumont, porque Isabella está incontrolável.
Lydia entra no quarto um tempo depois, quando ela já está mais calma.
– Os policias precisam falar com você.
– Mas Isabella...
– Deixa que eu cuido dela.
Eu passo Isabella para o colo de Lydia e saio do quarto.
Daniel me espera no pé da escada e me leva para o escritório de Caleb. O mesmo em que tínhamos nos beijado há tanto tempo.
– Eu estou com medo – murmuro e Daniel aperta minha mão.
– Está tudo bem. Apenas conte o que aconteceu com o casamento de sua mãe e o que ele fez com você antes de ser preso.
– Mas...
– Por favor, Anna. Faça apenas isto – ele sussurra.
Há dois policiais por lá que me enchem de perguntas sobre o relacionamento de Tom e minha mãe e os motivos para ele me esfaquear há um ano.
– Ele queria dinheiro. – minha voz treme. Pelo menos é parte da verdade. – Sabia que eu ia casar com Daniel Beaumont e disse que eu tinha que dar dinheiro a ele.
– E você se negou.
– Sim, ele não valia nada.
– E aí ele te esfaqueou.
– Sim – respondo simplesmente.
– E por que ele voltaria atrás de você agora?
– Eu não sei. Isto é o que a Eloise diz...
– Certo. Por enquanto é só. Se precisarmos que vá até a delegacia, nós comunicaremos – o policial olha pra Daniel. – E nós já providenciamos a escolta como pediu.
– Escolta? – questiono aturdida.
– Sim, Tom te ameaçou. Não pode ficar desprotegida. – Daniel diz, enquanto os policiais saem da sala.
– Daniel, acredita mesmo que ele virá atrás de mim?
– Talvez não. Ele pode ter fugido. É arriscado para ele ficar na cidade.
– Não posso acreditar que isto esteja acontecendo... A culpa é toda minha...
– Não...
– É sim! Se eu não tivesse feito o que fiz... Ele não teria este ódio de mim...
– Tom não vale nada e ele sempre acharia um motivo para te perseguir.
– E agora, o que vai acontecer?
– A polícia está atrás dele. Acho que é só uma questão de tempo para ele ser preso de novo.
– E se não o encontrarem?
– Vão encontrar. Eloise irá colaborar.
– O que vai acontecer com ela?
– Ela tem dinheiro e bons advogados que já acionou e vão ajudá-la. Embora merecesse passar um bom tempo na cadeia por ser cúmplice daquele crápula.
– Ela é mais uma vítima dele. Como Violet e minha mãe.
– Não justifica.
– Pelo menos ela veio até nós.
– Sim, pelo menos isto. Mas Eloise está à sua própria sorte agora – ele segura minha mão e me leva pra sala.
– Quero ir embora.
– Sim, vamos embora.
Lydia está lá com Isabella e eu a pego.
– Meu Deus, que situação terrível – Lydia murmura preocupada.
– A polícia vai achar este homem e prendê-lo. – Caleb fala confiante, com a mão no ombro da esposa.
Owen, Charlotte, Violet e Elton estão em silêncio.
Eu imaginava que Violet teria algo a dizer, mas não, ela está estranhamente quieta e distante.
– Nós vamos embora. – Daniel diz.
Um carro de polícia com dois policiais nos segue, uma lembrança constante de que estou sob ameaça.
Aperto Isabella adormecida no meu peito e rezo para que Daniel e Caleb tenham razão e que Tom seja realmente pego.
Antes que seja tarde.
Naquela noite, eu tenho um pesadelo.
Acordo suando e com o coração disparado. Ainda é madrugada e Daniel dorme com um braço sobre minha cintura.
Eu o afasto e saio da cama. Vou até Isabella, que dorme tranquilamente e depois volto para a sala.
Vejo o dia amanhecer através das grandes janelas de vidro e minha tensão permanece.
Revejo na minha mente todos os meus erros e como eu tinha conseguido ser encurralada daquela maneira.
E sinto que há apenas uma maneira de tentar consertá-los.
Daniel me encontra ali, horas depois.
– Anna, o que faz aqui tão cedo? – ele se aproxima e senta do meu lado. Eu me enrosco em seu colo imediatamente, aninhando minha cabeça em seu pescoço.
– Não conseguia dormir.
Ele me aperta e sinto seus lábios em meus cabelos.
– Não quero que fique preocupada.
Eu rio.
– Impossível.
Ele me faz encará-lo. Seu olhar é ferozmente protetor.
– Nós passamos por todos os problemas possíveis e chegamos até aqui. E agora que eu a tenho comigo, não vou deixar nada nem ninguém mudar isto.
Eu acaricio seu rosto.
– Eu te amo, sabe disto, não é?
Ele sorri. Lindamente.
Eu o beijo e enterro meu rosto em seu peito de novo.
Queria ficar assim pra sempre. Protegida em seus braços.
Mas sei que isto não é possível.
Me afasto com um suspiro.
– Precisamos ir trabalhar.
Ele se levanta.
– Eu preciso. Você fica.
Eu levanto a sobrancelha.
– Por quê? Eu tenho trabalho a fazer, Daniel.
– Eu me sentiria mais seguro se ficasse aqui com Isabella.
– E os policiais?
– Mesmo assim. Acho que deveria ficar em casa por enquanto.
Eu mordo os lábios, indecisa.
Sim, eu me sentiria mais segura com Isabella perto de mim o tempo inteiro, mesmo não querendo deixar meu trabalho.
– Tudo bem. Talvez Benjamin...
– Eu falarei com Benjamin. Ele vai entender.
– Certo.
Ele se afasta para tomar banho e eu vou cuidar de Isabella.
Ligo para Nancy e digo que ela não precisa trabalhar até que eu diga para voltar. Decido não alarmá-la e não conto nada sobre as ameaças, somente informo que estarei em casa nos próximos dias e que não preciso de seus serviços.
Daniel não gosta muito.
– Eu ia ficar mais tranquilo sabendo que tem companhia – ele diz enquanto toma café.
– Não quero que ela fique alarmada com os policiais e fazendo perguntas, o que eu ia dizer? É melhor que ela fique longe até tudo se resolver. Eu ficarei bem com Isabella.
– Quer que eu peça pra minha mãe ou Charlotte?
– Ah não! Nem pense nisto – eu refuto a ideia. Ainda não me sinto tão à vontade assim na presença dos Beaumont.
– Tudo bem. Me ligue se precisar – ele diz.
– E me liga se precisar de algo também! Estou preocupada ainda por faltar...
Ele se aproxima e me beija sem aviso.
– Anna, você dorme com o chefe, está tudo bem.
Eu rio e o empurro.
– Sim, senhor!
– Gostei disto – ele pisca, colocando seu casaco e beija os cabelos de Isabella no carrinho antes de ir embora.
E eu já não estou sorrindo quando pego o telefone.
Ainda hesito um momento, mas não consigo me conter e disco os números.
– Benjamin? É Anna. Preciso conversar algo com você.
Daniel
O dia estava sendo mais tenso do que eu podia imaginar.
E eu acredito que ia continuar assim, até que finalmente a polícia conseguisse botar as mãos em Tom. Eu precisava que Anna estivesse segura e que aquele pesadelo terminado.
Eu havia começado o dia justamente na polícia, pegando todas as informações que eu conseguira juntar sobre Tom e começara uma investigação minuciosa que tomou todo meu dia, ao final, minhas suspeitas começaram a fazer sentido. E agora, voltando ao escritório, eu queria apenas deixar tudo arquivado e ir pra casa encontrar Anna.
Então Benjamin entra na minha sala com o semblante grave.
–Oi Daniel, não o vi o dia inteiro.
– Sim, eu estive numa investigação, aliás, sente-se aqui. Eu quero dividir isto com você.
Ele se senta na minha frente.
– Eu estive investigando Tom Miller. – hoje de manhã eu havia contado a Benjamin que o padrasto de Anna que a machucara há um ano e estava preso, tinha fugido da cadeia e que a estava ameaçando. - Como eu suspeitava, Violet não é a única que ele enganou e prejudicou. Existem outras garotas. Duas aqui de Seattle mesmo.
– Sério?
– Sim, parece que seu hobby predileto era seduzir adolescentes. E estas duas garotas conheceram Tom nos últimos anos, depois que ele foi embora pra Miami com a mãe de Anna, aparentemente ele sempre voltava para a cidade para aprontar. As duas garotas eram ricas e estudantes. Ele tirou dinheiro das duas e as agrediu fisicamente para ficarem quietas. Só que elas prestaram queixa.
– Por que ele nunca foi preso?
– Porque não o encontraram. Agora, como estavam investigando, acabaram descobrindo. E eu desconfio que existam outras por aí.
– Sim, pode ter razão – ele parece hesitante e eu estranho.
– Algum problema? Quer falar alguma coisa comigo?
– Sim, eu pensei muito se deveria te contar ou manter o segredo como Anna pediu...
– Anna? – um alarme soa dentro de mim.
– Sim, ela me chamou em sua casa hoje para conversar.
Eu tento conter a onda de ciúme que me toma.
– Conversar sobre o quê? – pergunto friamente.
– Ela me contou o que aconteceu de verdade na noite em que o Tom a esfaqueou.
– Contou?
– Sim, ela me disse que se machucou para acusá-lo.
– E por que ela te contou isto?
– Porque ela me pediu para ir com ela na delegacia, ela resolveu a contar a verdade.
– O quê? Ela não pode fazer isto!
– Ela está decidida, Daniel.
–E por que ela chamou você? Ela não me disse nada!
– Ela não queria que soubesse.
– O quê?
– Acho que ela sabia que seria contra.
– E por que está me contando?
– Porque se a Anna fosse minha, eu gostaria de saber se ela tomasse uma decisão tão grave quanto essa.
Ele se levanta.
– Eu acho que vocês devem conversar primeiro. E, se depois desta conversa, ela ainda precisar de minha ajuda, eu a ajudarei.
Eu me levanto também.
– Ela não vai precisar.
– Daniel...
Mas eu não estou mais escutando. Eu pego a chave do carro e saio apressadamente.
Meu celular toca algumas vezes no caminho de casa e vejo que são todas ligações de Violet. Eu as ignoro.
Ao chegar, encontro Anna na sala.
Ela está no telefone com alguém e fala muito baixo. Quando levanta a cabeça e me vê, sorri brevemente, seu sorriso se desfaz imediatamente ao ver minha ira.
– Tyler, preciso desligar – ela desliga e se levanta me encarando. – Daniel, algum problema? O que aconteceu?
– Que inferno pensa que está fazendo dizendo a Benjamin que vai à polícia dizer a verdade sobre Tom?
Ela finalmente entende e empalidece.
– Como soube...?
– Não era para eu saber, não é?
– Não, não era. – ela diz simplesmente, o que me dá mais raiva. – Seu ex-namorado parece ter mais consideração do que você...
– Quê? Que conversa é esta de ex? Benjamin te contou?
– Sim, ele me contou ! O que está pensando, Anna? Por que não me contou?
Ela respira fundo.
– Porque sabia que ia agir assim! Que seria contra!
– Sim, eu sou! Não posso deixá-la fazer isto!
– Eu preciso! Eu nunca deveria ter mentido! Foi algo horrível o que fiz e Tom tem razão de me odiar!
– Tom é um porco safado sedutor de menores e agora chego a pensar que teve sorte em ter sido vítima da vendetta de Violet, senão era bem possível que ele tivesse te envolvido também!
– Isto nunca ia acontecer! É nojento pensar que eu daria trela para aquele cara! Eu não sou a sua irmã!
– Talvez não. Hoje eu descobri que ele seduziu outras garotas. E elas o denunciaram, então não adianta você ir até a delegacia contar o que fez, porque ele já está ferrado de qualquer jeito!
– Não estou fazendo isto para salvar o Tom! E sim pra me salvar!
– Você está salva comigo!
– Não, Daniel, não estou. E nunca estarei, se não me sentir limpa em relação a isto.
– Anna, por favor – eu me aproximo, me sentindo desesperado para dissuadi-la daquela ideia. – Não pode fazer. Não precisa. Tom não vale nada. E agora é tarde. Pense em Isabella. Pense em mim. – eu toco seu rosto.
Ela pisca para não chorar e segura minha mão.
– Eu preciso fazer. Justamente por Isabella. E por você. Por nós.
Anna
Eu estou em pedaços.
Desde que decidira que a única maneira de tentar consertar tudo era finalmente contar a verdade e eximir Tom de toda culpa que não cabia a ele, eu estava me sentindo miserável. E sabia com certeza absoluta que estaria com sérios problemas com Daniel.
Ele jamais iria concordar, eu sabia.
Por isto chamei Benjamin. Ele era meu amigo e seria meu advogado, porque com certeza ia precisar de um para me ajudar por ter mentido para a polícia.
Eu estava morrendo de medo do que ia acontecer, apesar de estar me sentindo aliviada.
A verdade, no fim, teria que ser libertadora. E eu tinha que ao menos tentar.
Agora Daniel está furioso e eu me sinto horrível por deixá-lo assim.
– Não posso deixá-la fazer isto, Anna – ele diz e eu dou um passo atrás, largando sua mão.
– Não pode me impedir. – digo seriamente e por um momento nos encaramos medindo forças.
De repente o celular dele toca e com um palavrão ele atende.
– Oi, Violet... Inferno, não posso agora... Ok, tudo bem. Eu indo para aí.
Ele desliga e passa a mão pelos cabelos e respira fundo antes de me encarar novamente.
– Eu preciso ir até a casa de Violet. Ela diz que tem algo muito sério para falar comigo.
– Não precisa ir cada vez que ela chama – digo friamente.
– Eu preciso ir, quero dar um tempo para você pensar e concordar comigo.
– Isto não vai acontecer.
Ele pega a chave do carro.
– Quando eu voltar conversaremos com mais calma.
E sem mais eu o vejo sair, sentindo um vazio no peito.
E eu que achava que os tempos de briga tinham passado, penso soturnamente e vou para o quarto ver Isabella. Ela dorme calmamente, mesmo assim, eu fico ali, velando seu sono e tentando me acalmar. E rezo para que Daniel esteja mais calmo quando voltar também.
E estou me perguntando que horas ele vai voltar e se devo fazer algo para comer, quando o interfone toca.
– Senhora, está aqui embaixo sua cunhada Violet e seu marido Elton Beaumont. – diz o porteiro e eu franzo a testa.
O que Violet e Elton estariam fazendo ali? Daniel não estava na casa deles?
– Senhora, eles podem subir? – o homem insiste e eu penso que seria interessante se os policiais estivessem sempre ali, assim, os parentes de Daniel precisariam avisar antes de subir e não iriam entrando sem mais nem menos.
– Tudo bem, podem subir. – digo e desligo.
Escuto um choramingo e vou para o quarto ver Isabella, escuto a porta abrir e volto para sala, irritada com a falta de noção dos irmãos de Daniel, meu coração para ao ver Violet Beaumont. E não é Elton quem está com ela.
É Tom.
– Olá, Anna, sentiu minha falta? – Tom sorri diabolicamente e eu recuo um passo, horrorizada. – Chocada, querida enteada? Achou que eu não fosse conseguir chegar até você? Mesmo aquela puta da Eloise tendo me traído, eu ainda consegui, não é?
Eu olho pra Violet, que está ao seu lado, impassível, e de repente e uma desconfiança horrível me toma.
–Você o trouxe aqui... Você disse aos policiais lá embaixo que era Elton.
– Sim, eu disse – ela afirma simplesmente.
Eu começo a tremer de terror.
– E eu achando que tudo estava perdido! Parece que ainda há um pedaço da menina má que eu conheci aos 14 anos em você não é, minha querida. – Tom toca o cabelo de Violet e só então eu percebo que não são suas mãos nos cabelos loiros, e sim uma faca. Eu contenho a vontade de correr. Para onde eu iria fugir?
– Por que fez isto Violet? – consigo perguntar.
– Ah, ela é mais esperta do que você e sabe negociar, embora seja uma puta vingativa. Pelo menos sua sede de vingança também atinge você, como bem me lembro! Eu fui atrás dela para acabar com este rostinho lindo e depois ia dar um jeito de vir até você, então ela me disse algo bem interessante. Disse que arrumaria um jeito de conseguir que eu entrasse aqui e de quebra ainda afastou o idiota do irmão dela! Então, está tudo perfeito. E eu tenho vocês duas juntas. E finalmente minha vendetta terá fim.
Então é isto.
Está tudo acabado.
Fecho meus olhos e tento respirar e conter as batidas erráticas do meu coração estraçalhado.
Foi um longo caminho percorrido até aquela noite. Mais de oito anos.
Que pareceram séculos. Tempo demais.
Tempo de dor, ressentimento e medos.
Abro meus olhos. O ar frio da noite invernal em Seattle se infiltra pelas janelas abertas gelando meus ossos.
Meu olhar encontra o de Violet do outro lado da sala.
Eu devia ter previsto que esta história ia acabar mal.
Tudo começou com uma vendetta. E está acabando em vendetta.
De repente escuto um choro e meu horror se torna ainda mais palpável.
Isabella.
– É sua filha chorando? – Tom pergunta. – Será que devo começar por ela? Eu acho que sim.
– Eu vou pegá-la. – Violet diz.
– Não, não faça isto! – eu grito. – Por favor, faça o que quiser comigo, mas não toque na minha filha, ela é apenas um bebê.
Porém Violet já se afasta de Tom, indo em direção ao quarto.
Eu entro em desespero e sem pensar parto pra cima de Tom.
– Eu não vou deixar chegar perto da minha filha! – grito, e com os punhos em riste, eu tento agredi-lo, Tom é mais forte e mais rápido e me joga no chão. Eu caio sobre a linda mesa de vidro do centro que se espatifa com meu peso e eu bato a cabeça, me atordoando e, quando volto a abrir os olhos, Tom paira acima de mim e eu vejo o brilho da faca perigosamente próxima.
– Está com medo? Não foi isto que fez um ano atrás? Pois agora será de verdade.
– Ei, Tom? – eu escuto como de muito longe a voz de Violet e entro em desespero, imaginando que ela está com Isabella.
– Não, não. – eu tento chamar a atenção dele para mim, mas Tom já se levanta para encará-la e eu abro os olhos procurando Violet e minha filha, mas não é Isabella que Violet tem nas mãos e sim uma arma.
– O que é isso, sua vadia...?
– Isto é o que eu devia ter feito há muito tempo – e, antes que Tom possa fazer qualquer coisa, ela dispara, e em choque eu o vejo cair como se fosse em câmera lenta.
Tudo se passa em poucos segundos, mas eu sinto como se fossem horas agonizantes.
A dor em meus ossos, em minha cabeça, se torna quase insuportável, assim como a reviravolta no meu estômago.
E então Violet Beaumont está ao meu lado e ela segura minha cabeça.
– Você está bem?
– Isabella? – consigo perguntar.
– Ela está bem. Eu não a tirei do quarto.
– Tom... O que você fez... ele está...? – eu não consigo pronunciar as palavras.
– Morto? Eu espero que sim... você vai ficar bem... A polícia já deve estar chegando. Não se mexa.
E ela se afasta do meu campo de visão.
Eu tenho chamá-la, mas a escuridão começa a me engolfar.
E em poucos segundos ela me envolve totalmente.
***************
Eu sinto uma dor horrível quando abro os olhos. Uma luz forte quase me cegando. Fecho os olhos com força de novo, gemendo.
Alguém segura minha mão.
– Anna, amor?
Abro os olhos de novo ao ouvir a voz de Daniel.
– Daniel...
Ele parece bem cansado e preocupado quando aperta meus dedos.
– Como se sente?
– Dolorida...
– Vai ficar bem, o médico disse que a dor vai passar... vai ficar tudo bem – ele passa a mão pelos meus cabelos.
– O que aconteceu? Violet... Tom. – todo o horror volta à minha mente. – Oh meu Deus, Isabella...
– Fica calma. Isabella está bem.
– Onde ela está, quero vê-la.
– Ela está em casa. Está com minha mãe. Está segura.
– E Violet? Ela... Ela atirou em Tom...
– Violet está bem também. Ela se machucou menos que você, a faca entrou apenas superficialmente.
– Faca?
– Sim, não sei o que você viu antes de desmaiar, Tom a machucou. Ele a esfaqueou no abdômen, mas foi superficial. Ela ficará bem.
– Eu não me lembro... – murmuro confusa. Em que momento tinha acontecido?
– Não se preocupe, deve ter sido muito traumático mesmo! Eu ainda me sinto cheio de pavor ao me lembrar de chegar na casa de Violet e não encontrá-la e depois Elton chegou, e ele não sabia de nada e então o telefonema da polícia... Eu quase morri preocupado com vocês e Isabella.
– Tom morreu?
– Não. Ele passou por uma cirurgia, mas vai viver. – Daniel diz friamente. – Depois do que fez, voltará para a cadeia. E agora não terá mais como fugir.
Eu fecho os olhos sem saber o que sentir.
Uma parte de mim sente alívio. E outra, pesar.
Se Tom tivesse morrido, estaria livre pra sempre.
Em compensação Violet seria uma assassina.
Eu abro os olhos.
– Violet me salvou.
– Sim, eu sei. – Daniel parece extenuado. – Ela foi muito corajosa e teve sangue frio. Tom apareceu na sua casa e queria machucá-la. Ela o convenceu que ia ajudá-lo a pegar você. Assim ganhou tempo. E quando disse que ia buscar Isabella, ela sabia onde eu guardava minha arma. Pelo menos uma vez eu achei boa a intromissão da minha família por saber tudo sobre mim. Isto a salvou.
– E o que vai acontecer com ela?
– Ela está bastante perturbada, ou é o que o advogado de defesa está alegando. E quem pode dizer o contrário? E além disto, foi legítima defesa. Ela será julgada e responderá em liberdade.
– Acha que ela pode ser condenada? – eu nunca me dei bem com Violet e ela já tinha me prejudicado muito, mas será que eu queria que ela fosse presa? E por tentar matar Tom pra me salvar?
– Ela tem muitas chances de sair disto apenas com um tempo num instituto psiquiátrico. Não deve se preocupar com isso agora. Apenas em ficar boa. Você se machucou bastante ao cair na mesa de vidro e teve uma contusão na cabeça.
– Por isto dói tanto... – gemo e ele beija minha testa.
– Você vai ficar boa e eu vou te levar pra casa.
Eu seguro sua mão.
– Quero ver Isabella.
– Você verá. Agora se estiver bem, seu pai está aí. E Tyler.
Eu sorrio fracamente.
– Tudo bem. Pode deixá-los entrar.
Muitos dias se passam até que eu me restabeleça totalmente e possa voltar pra casa.
Meu pai ficou furioso por eu ter escondido toda a história da volta de Tom dele e também por eu ter ido morar com Daniel sem contar pra ele. Pelo menos eu fui poupada de um sermão mais sério por estar a salvo depois de toda aquela confusão.
Tyler ficou apenas muito preocupado e aliviado que tudo se resolveu. E até Ellen veio com ele para me visitar e, agora que eu estava com Daniel e tinha uma filha, ela parecia até gostar mais de mim.
Os Beaumont também apareceram em peso para me visitar. Lydia toda preocupada e doce, Caleb mais sério, mas muito gentil. Owen veio com Charlotte, que me trouxe vários presentes, como perfumes e bombons e até algumas bolsas, que eu nem sei para que iam servir na minha atual situação. E Elton parecia todo brincalhão como sempre.
E no meu último dia, eu recebo a visita de Violet Beaumont.
– Olá, Anna – ela diz calmamente.
– Oi, Violet. Como você está?
– Estou ótima, gostaria de estar melhor, se aquele infeliz tivesse morrido.
Eu estremeço com sua frieza.
– Devia agradecer por ele estar vivo, senão estaria respondendo por assassinato.
– Seria um preço baixo a pagar por nos livrarmos dele de vez! Eu devia ter feito isto anos atrás, e não uma vendetta.
– Não diga isto.
– Você mais do que ninguém devia concordar comigo. Tudo bem, pelo menos ele vai voltar pra cadeia e espero que apodreça lá.
– Daniel disse que ele te machucou.
Ela levanta a camisa de seda verde que usa e me mostra um curativo.
– Eu não me lembro disto.
Ela sorri, arrumando a blusa.
– Ora, Anna, eu aprendi com você – ela pisca.
–Você... Você fez isto a você mesma?
– Sim. Eu fiz. Eu tinha que garantir que eles entendessem que era legítima defesa.
– Oh...
– Vai me entregar? – ela indaga desafiadoramente.
– Não – eu digo por fim. – Você salvou a mim e a Isabella. Acho que tenho que agradecer, não é?
– Daniel morreria se algo acontecesse a você e a Isabella. E acho que eu te devia uma, não é?
– Não me deve nada. Vamos esquecer o passado e esquecer o Tom.
– Sim, tem razão. Chega de Vendetta. – ela olha o relógio. – Preciso ir. Tenho uma hora com o psiquiatra criminal. Espero que fique boa logo.
***************
Eu voltei pra casa depois de totalmente recuperada, e quase chorei ao ver Isabella.
– Ela parece tão crescida – murmuro, abraçando-a e Lydia sorri.
– Ela sentiu sua falta.
– E tem tomado o leite direito? – indago preocupada.
– Sim, ela se acostumou com o leite.
– Muito obrigada por ter cuidado dela – eu digo para a mãe de Daniel. – Muito obrigada mesmo.
– Não agradeça. Ela é minha neta. Estarei à disposição sempre que precisar.
Ela se despede junto com Caleb e vai embora.
Daniel insiste que eu me deite.
– Eu estou bem – digo, mas ele me leva pro quarto.
– Tem que descansar, ainda está se restabelecendo, Anna.
– Tudo bem, Isabella fica aqui comigo.
Eu aconchego no peito de Daniel com Isabella em meu colo.
– Senti sua falta – ele murmura em meus cabelos.
– Eu também. Vamos ficar juntos pra sempre agora, não é? – sussurro e ele aperta mais os braços a minha volta.
– Isto me parece perfeito.
Capítulo onze
Daniel
Eu senti o cheiro de jasmim antes mesmo de vê-la surgindo no corredor. Ela estava na companhia de Benjamin e sorria de algo que ele dizia. Como sempre eu reconheci aquela ponta de ciúme que sempre sentia quando os via juntos.
Mas agora eu também estava preocupado e um tanto irritado. Fazia apenas duas semanas que ela havia se machucado seriamente depois da confusão com o seu padrasto. Só de pensar no que eu sentira naquele dia, do horror quando a polícia me ligara, eu ainda gelava por dentro.
– Anna, o que está fazendo aqui? – pergunto, indo na direção deles, que se viram ao me ver.
Ela ainda sorri, embora Benjamin esteja hesitando, reparando na minha irritação.
– Oi, estava indo agora na sua sala.
– Você não deveria estar aqui.
– Por que não? Eu trabalho aqui – diz despreocupadamente.
– Você ainda está se restabelecendo, Anna. Devia estar em casa, em repouso.
Ela revira os olhos.
– Eu estou falando há dias que me sinto bem! Já estava mais do que na hora de voltar à rotina normal. – ela se vira para Benjamin. – Fala pra ele, Benjamin.
Benjamin coça o cabelo.
– Bem, eu vou deixar que vocês se resolvam. Tenho uma reunião agora.
E ele se afasta decididamente.
Eu respiro fundo ao encarar Anna.
– Vou te levar pra casa.
– Não vai, não. Não seja ridículo, Daniel! Eu estou bem!
– Eu não acho que esteja bem...
– Oi, desculpe interromper – a recepcionista nos chama, hesitante. – Daniel, a sua cliente das 14h chegou.
– Minha cliente? Não tenho nada marcado para hoje à tarde.
– O nome dela é Vivian.
– Ah, sim. – eu me lembro, lançando um olhar para Anna e vejo que ela já não está com o sorriso despreocupado que tinha antes e sim, morde os lábios nervosamente. – Ela não é mais minha cliente. Benjamin vai atendê-la a partir de agora. Nós já conversamos sobre isto e ele a está esperando – explico, olhando pra Anna enquanto a recepcionista se afasta para a sala de Benjamin. Ela agora franze a testa.
– Por que não vai mais atendê-la?
Eu seguro seu braço e a levo para a minha sala.
– Porque minha namorada é muito ciumenta – respondo sério, e ela rola os olhos, mas percebo sua mudança de expressão.
– Ah é? Sei como é isto. Meu namorado também é ciumento, eu só espero que ele perceba que eu não estou nem aí para qualquer outro cara a não ser ele.
Eu não consigo conter meu sorriso.
– Deve dar um desconto a ele. Você é muito bonita.
– Elogios? Quer dizer que já passamos a fase de fúria por eu ter vindo trabalhar? – ela sorri, tocando minha gravata.
Eu aspiro seu cheiro delicioso.
– Eu não vou conseguir dissuadi-la, não é?
– Não mesmo.
– Então vá trabalhar e pare de ser provocadora – eu seguro sua mão e beijo seu pulso, a afastando.
Ela levanta a sobrancelha.
– Provocadora?
Eu rio, indo para trás da minha mesa e me sentando.
– Você devia ter vergonha de assediar seu chefe, Anna.
– Assédio? – ela se aproxima lentamente e eu engulo o sorriso ao me dar conta que sentira muita falta dela ali no escritório naqueles dias. Mesmo ela sendo uma provocação.
– Sim. Agora vá pra sua sala e para de me distrair.
Ela encosta na mesa atrás dela, suas pernas roçando na minha.
– Então eu te distraio? Se eu te disser que é esta exatamente a intenção?
Eu levanto a sobrancelha interrogativamente.
Inferno, não foi só a minha sobrancelha que levantou!
– Anna, está me provocando?
– Sim, estou. Quer saber por que mais eu resolvi vir trabalhar hoje? – sua voz é como veludo e tudo o que eu quero é senti-la em meu ouvido, enquanto ela continua com um meio sorriso sedutor, suas mãos na barra da saia preta. – Meu namorado está me tratando como se fosse eu fosse quebrar ultimamente.
Eu suspiro pesadamente, me lembrando de repente que realmente não a tinha tocado sexualmente desde que ela voltara do hospital, por motivos óbvios.
– Ele precisa entender que eu não vou quebrar – ela diz num sussurro, me deixando sem ar ao mostrar as indefectíveis meias pretas que terminam em suas coxas brancas.
– Anna, amor... – eu me levanto para me afastar, ainda preocupado com ela.
– Daniel, amor. – ela diz melosamente com um sorriso, me puxando pela gravata, até que sua boca esteja em meu ouvido. – Por favor...
Eu fecho os olhos e gemo.
E estou perdido.
Minhas mãos estão em seus cabelos em questão de segundos e minha boca sobre a dela no mesmo tempo.
E ela está se esfregando em mim descaradamente, enquanto eu desço minhas mãos afoitas para baixo de sua saia, sobre a meia de seda, num deslize mágico até a pele branca e macia de suas coxas e mais acima...
Ela geme alto e morde meu lábio inferior. Respiramos o mesmo ar, ofegando junto, enquanto eu a acaricio lentamente.
– Quer que eu te vire de costas? – indago provocadoramente e ela ri, as mãos deslizando por meu peito até estar trabalhando para abrir minha calça.
– Não. Quero ver você.
– Eu também – sussurro, escorregando sua calcinha do caminho e a penetrando rápido e forte.
Ela geme alto e eu rio.
– Não grita.
Ela morde os lábios com força e eu a beijo, a levando comigo naquele empurra e volta frenético, até que nós dois estivéssemos à beira do abismo.
E caímos juntos, num orgasmo perfeito, nossas bocas engolindo nossos gemidos até o último espasmo de nossos corpos.
E então eu abro os olhos, ainda ofegante, e a encaro preocupado. Ela está sorrindo languidamente. Lindamente.
– Anna, não usamos nada.
Ela joga a cabeça pra trás e ri.
– Acha engraçado? – indago hesitante e ela me encara com os olhos brilhantes.
– É engraçado porque, há quase um mês, nós também transamos sem preservativo e só agora você se preocupa. Na verdade, eu acho que é bem tarde...
– O que quer dizer? – eu pergunto, arregalando os olhos.
Ela não está querendo dizer...
– Eu estou grávida. De novo.
Anna
Eu mordo os lábios com força, esperando sua reação, e começo a me perguntar se não joguei a notícia rápido demais.
A verdade é que eu estou desconfiada há alguns dias, mas somente hoje tomei coragem e fiz o teste. E deu positivo. E eu só pensava em como é que Daniel ia reagir. Isabella tinha apenas meses ainda e nenhum de nós planejou nada.
E agora eu tinha simplesmente rido e contado como se fosse uma piada.
E Daniel parece mortalmente pálido quando se afasta de mim, ajeitando minhas roupas e a dele no processo, sem dizer nada.
– Daniel? – eu o chamo hesitante e ele me encara seriamente.
– Tem certeza?
– Eu comecei a desconfiar há uns dias e hoje eu fiz um teste. Então sim, tenho certeza. Eu sei que é inesperado, mas... – eu dou de ombros. – Eu acho que estou feliz... Você está? – pergunto, hesitante.
Ele respira fundo e então sorri lentamente e toca minha cintura, na altura da minha barriga.
– Como poderia não estar?
– Você parece chocado.
– Sim, estou também – e nós rimos juntos, de repente ele fica sério. – Se você está grávida, ainda falta algo aí – ele segura minhas mãos entre as dele.
Eu levanto minha sobrancelha interrogativamente.
– Falta você casar comigo.
É a minha vez de ficar chocada.
– Casar?
– E espero que desta vez você não fuja – ele ri, tocando meu rosto.
– Isto é um pedido de casamento?
– É.
Eu me aproximo, até que meus braços estejam a sua volta.
– Eu prometo não fugir desta vez.
Nós nos casamos exatamente um mês depois. Como a outra cerimônia, esta também aconteceu na casa dos Beaumont, desta vez apenas com a presença da família e amigos íntimos, embora Charlotte tenha protestado muito.
E ela só se acalmou quando recebeu seu próprio pedido de casamento de Owen e começou a organizar a sua cerimônia, que seria tão grandiosa quanto seus planos mirabolantes.
E desta vez meu pai estava presente e parecia bem orgulhoso segurando Isabella que se contorcia em seu colo, enquanto eu e Daniel dizíamos nossos votos.
E com o canto do olho, eu vi Violet se aproximando com cara de poucos amigos e retirando Isabella do colo de Michael e a acalmando.
Era incrível como ela parecia mais calma depois do que aconteceu com Tom. Nós ainda não éramos as pessoas mais próximas do mundo e talvez nunca fôssemos amigas, pelo menos convivíamos em paz e ela parecia gostar realmente de Isabella.
Depois da cerimônia, nós ficamos para a festa realizada na casa dos Beaumont e recebemos os cumprimentos dos convidados, como Fiona e Brian, e eu fiquei realmente surpreendida ao ver Benjamin acompanhado de Vivian. Será que eles estavam saindo?
Eu esperava que sim. Ela até perecia ser simpática, agora que não estava mais dando em cima de Daniel, penso ironicamente.
– Que surpresa que a noiva não fugiu, hein? – Elton brinca ao me abraçar e eu rolo os olhos, enquanto Daniel lança a ele um olhar de irritação. – Ei, estou só brincando – ele diz, e então fica sério de repente. – Será que podem me acompanhar até o escritório?
– Agora? – Daniel pergunta – Nós já estamos nos preparando para partir.
– Sim, eu ia deixar pra tratar deste assunto quando voltassem, pensei melhor e resolvi contar agora.
Eu troco um olhar preocupado com Daniel, mas o seguimos para o escritório. Elton fecha a porta atrás de nós.
– O que foi? Está me preocupando – digo, apreensiva.
– Hoje de manhã, papai recebeu uma ligação da polícia. – ele diz gravemente. – O Tom morreu.
– O quê? - eu estremeço ao ouvir aquele nome.
Eu sabia que Tom tinha voltado para a cadeia depois de se recuperar do tiro que levara de Violet.
Daniel aperta minha mão.
– O que aconteceu?
– Foi assassinado por um colega de cela.
– Meu Deus – murmuro.
– Isto aconteceu há dois dias, parece que ele se meteu em encrenca com uma gangue ou algo assim, ainda estão investigando.
– Bom, isto põe um ponto final em toda esta história. – Daniel diz sobriamente e me encara preocupado. –Você está bem?
– Sim, eu... só estou meio chocada. Não posso dizer que estou triste claro. Acho que estou... aliviada.
– Eu me sinto assim também – ele concorda.
– Eu não queria dar esta notícia e estragar o dia de vocês.
– Não estragou – eu garanto. – Foi melhor nos contar mesmo.
Escutamos uma batida na porta e Charlotte entra.
– Ei Anna, já está na hora de se trocar, vamos?
E sem esperar, ela me puxa escada acima, entrando num quarto e começando a tirar meu vestido.
– Nossa, esqueci os sapatos no meu quarto – ela sorri para alguém na porta. – Violet, ajuda a Anna a desfazer este penteado!
Charlotte sai quase correndo e Violet entra no quarto, se posicionando atrás de mim no espelho e eu me pergunto se ela sabe sobre Tom.
– Sim, eu sei sobre Tom – ela sussurra levemente, com as mãos nos meus cabelos.
– Elton acabou de nos contar.
– Bom, ele teve o que mereceu. Deve estar no inferno, que é o seu lugar, por todo mal que nos fez.
Eu não falo nada. Não sou como Violet e não consigo desejar o mal para alguém que já está morto. Embora me sinta aliviada. Nunca mais precisarei ficar me preocupando com uma possível ameaça.
De repente ela para, nossos olhares se encontrando pelo espelho.
– Anna, eu quero te pedir desculpas.
Eu a encaro estupefata.
– Eu nunca deveria ter te metido naquela vendetta. Eu tinha... ciúmes da sua mãe. E raiva. Você não tinha nada a ver com isto. Eu sinto muito, de verdade. Acredita em mim?
Eu engulo em seco.
– Sim, tudo bem – murmuro. – Vamos esquecer o passado.
Ela sorri e acaba de arrumar meu cabelo.
– Eu quero que você e o Daniel sejam felizes.
– Nós seremos – eu respondo e Charlotte entra no quarto, falando alto e colocando meus sapatos.
– Vamos, vamos, o carro já está aí e Daniel está impaciente!
Daniel
– Está tudo bem, filho? – Caleb me aborda quando estou descendo as escadas depois de me trocar.
– Sim, estou um pouco passado com esta história do Tom, mas tudo bem.
– Sim, nós todos ficamos.
– E Violet? – eu a vejo se aproximando com Anna e Charlotte pelas escadas.
– Ela ainda não sabe – Caleb diz. – Então não comente nada por enquanto. Elton vai conversar com ela hoje à noite.
– Claro.
Anna desce as escadas sorrindo e todos os pensamentos sobre qualquer coisa que não seja nós dois desaparece da minha mente. Lydia lhe entrega Isabella e eu toco sua cintura.
– Olá, esposa.
– Olá, marido.
– Pronta pra ir?
– Nós estamos – ela diz, apertando Isabella.
De maneira alguma iríamos nos separar dela.
Espero que ela goste de praia, penso.
Seguro a mão de Anna e debaixo de aplausos e gritos, entramos no carro.
Rumo à nossa nova vida.
Juliana Dantas
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