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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


VEU DA MEIA NOITE / Lara Adrian
VEU DA MEIA NOITE / Lara Adrian

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

MIDNIGHT BREED 05

VEU DA MEIA NOITE

 

Unidos pelo sangue, viciados no perigo, eles entraram no mais sombrio – e no mais erótico — lugar de todos.

Uma guerreira treinada com balas e lâminas, Renata não pode ser superada por nenhum homem, seja vampiro ou mortal. Mas sua arma mais poderosa é sua extraordinária capacidade psíquica — um presente tão inaudito como mortal. Agora, um desconhecido ameaça sua independência duramente ganha, um vampiro com cabelos dourados que a atrai a um reino de escuridão… e de prazer além de sua imaginação.

Um viciado na adrenalina que gosta do combate, Nikolai executa sua própria justiça aos inimigos da Raça — e seu último objetivo é um assassino desumano. Uma mulher se interpõe em seu caminho: a sedutora, fria como o gelo guarda-costas, Renata. Mas os poderes de Renata são postos a prova quando um ser querido, uma criança, é ameaçada e ela é obrigada a recorrer a Niko em busca de ajuda. Quando os dois unem suas forças, o desejo abana sobre as chamas formando uma fome mais profunda. A vida de Renata se encontra sitiada por um homem que oferece o prazer mais delicioso dado por um vinculo de sangue – e uma paixão que poderia salvar ou acabar com o destino de ambos para sempre…

 

 

No cenário do cavernoso clube de jazz sob o nível da rua de Montreal, uma cantora de lábios vermelhos arrastava as palavras no microfone sobre a crueldade do amor. Embora sua sedutora voz era o suficiente encantada, as letras falando sangue, dor e prazer claramente eram sinceras, mas Nikolai não estava escutando. Perguntava-se se ela sabia que alguma das dúzias de humanos agrupados no íntimo clube desconfiavam que estavam compartilhando o espaço com vampiros.

As duas jovens que tomavam martinis rose na esquina escura dos tamboretes com toda segurança não sabiam.

Estavam cercadas por quatro indivíduos, um grupo de homens alcoolizados vestidos de motoqueiros com quem estava conversando – sem muito êxito— e tentando atuar como se seus olhos sedentos de sangue não tivessem estado permanentemente fixados sobre as jugulares das mulheres durante os últimos quinze minutos. Mesmo estando claro que os vampiros estavam negociando forte para que as humanas saíssem do clube com eles, eles não estavam obtendo muito progresso com seus respectivos anfitriões de sangue.

Nikolai riu baixo.

Aficionados.

Pagou a cerveja que tinha deixado intacta no bar e se dirigiu facilmente para a mesa do canto. Enquanto se aproximava, olhou às duas humanas escapulindo-se do balcão com pernas trementes. Rindo, foram para o banheiro juntas, desaparecendo por um tênue corredor abarrotado de gente que chegava à sala principal.

Nikolai se se sentou à mesa de forma negligente.

—Boa tarde, senhoras.

Os quatro vampiros o olharam fixamente em silêncio, instantaneamente reconhecendo os de sua própria espécie. Niko elevou uma das taças de Martini com uma mancha de batom até seu nariz e farejou os sedimentos com sabor de fruta. Estremeceu-se, empurrando a asquerosa bebida de lado.

—Humanos—, disse em voz baixa. —Como podem beber essa porcaria?

Um cauteloso silêncio caiu sobre a mesa enquanto o olhar de Nikolai viajava entre os obviamente jovens, civis da Raça. O maior dos quatro esclareceu sua garganta enquanto olhava Niko, seus instintos não duvidaram ao captar que Niko não era dali, e era um longínquo lamento do civilizado.

A juventude adotava algo que eles provavelmente pensavam que era um olhar perseguido e moviam seu queixo para o corredor onde estavam os banheiros.

—Nós as vimos primeiro— murmurou ele. —As mulheres. Nós as vimos primeiro.

Ele esclareceu sua garganta de novo, enquanto esperava que seu trio de homens retrocedesse. Nenhum o fez.

—Nós chegamos aqui primeiro. Quando as mulheres voltem para a mesa, vão embora conosco.

Nikolai riu ante a tremente tentativa do jovem por reclamar seu território.

—De verdade acredita que haveria algum concurso se eu estivesse aqui para caçar seu jogo? Relaxe. Não me interessa isso. Estou procurando informação.

Ele havia passado por um dramalhão similar duas vezes já esta noite em outros clubes, procurando os lugares onde os membros da Raça tendiam a reunir-se e caçar sangue, procurando alguém que pudesse lhe assinalar um vampiro mais velho chamado Sergei Yakut.

Não era fácil encontrar alguém que não queria ser encontrado, especialmente um homem reservado e nômade como Yakut. Estava em Montreal, disso estava muito seguro Nikolai. Tinha falado com o vampiro recluso por telefone algumas semanas antes, quando o tinha rastreado para informar de uma ameaça que parecia dirigida a um dos membros mais raros e mais poderosos da Raça – os vinte indivíduos ainda em existência tinham nascido da primeira geração.

Alguém se estava centrando na extinção dos Gen Um. Vários haviam sido dados como mortos durante o mês passado, e para Niko e seus irmãos voltar para Boston – um pequeno quadro de guerreiros altamente preparados e altamente letais conhecidos como a Ordem — o assunto de erradicar e enclausurar os assassinos dos Gen Um era uma missão crítica. Por isso, a Ordem tinha decidido contatar todos os Gen Um conhecidos que ficavam entre a população da Raça e conseguir sua cooperação.

Sergei Yakut tinha sido menos entusiasta com o fato de estar comprometido. Não temia ninguém e tinha seu próprio clã para lhe proteger. Tinha declinado o convite da Ordem para vir a Boston e conversar, assim Nikolai tinha sido enviado a Montreal para lhe persuadir. Uma vez que Yakut fora consciente do alcance da atual ameaça – a estupefata verdade de que a Ordem e toda a Raça estavam em contra — Nikolai estava seguro de que o Gen Um estaria disposto a ajudá-los.

Primeiro tinha que encontrar ao cauteloso filho da puta.

Até o momento as averiguações ao redor da cidade não tinham dado em nada. A paciência não era exatamente seu forte, mas tinha toda a noite e seguiria investigando. Mais cedo ou mais tarde, alguém poderia lhe dar a resposta que estava procurando. E se ele seguisse atuando de forma seca, talvez se fizesse suficientes pergunta, Sergei Yakut viria lhe procurar.

—Preciso encontrar alguém—, disse Nikolai aos quatro jovens da raça. —Um vampiro de fora da Rússia. Da Sibéria, para ser exato.

—De onde é?— perguntou o líder do grupo. Ele havia evidentemente captado o ligeiro timbre de um acento que Nikolai não tinha perdido durante os longos anos que tinha estado vivendo nos Estados Unidos com a Ordem.

Niko deixou que seus olhos cor azul glacial falassem de suas próprias origens.

—Conhece esse homem?

—Não. Não o conheço.

Duas cabeças mais se agitaram em imediata negativa, mas o último dos quatro, o anti—social que estava com os ombros caídos no balcão, disparou um ansioso olhar a Nikolai do outro lado da mesa.

Niko captou esse olhar falador e o manteve.

—E você? Alguma idéia do que estou falando?

A princípio, não pensava que o vampiro fosse responder. Os olhos de serpente sustentavam os seus em silêncio, depois, finalmente, o menino ascendeu um ombro encolhido nos braços e exalou uma maldição.

—Sergei Yakut,— murmurou.

O nome foi apenas audível, mas Nikolai o ouviu. E da periferia de sua visão, percebeu uma mulher de cabelo cor mogno sentada no bar perto deles também. Podia ver tudo sobre ela, desde a súbita rigidez de sua espinha dorsal até debaixo de seu top negro de mangas longas e da maneira em que sua cabeça se partia brevemente a um lado enquanto chegavam empurrados ali pelo poder desse simples nome.

—Conhece-o?— perguntou Nikolai ao varão da Raça, enquanto mantinha os olhos na morena do bar.

—Conheço, isso é tudo. Ele não vive nos Darkhaven—, disse o jovem, referindo-se às comunidades com segurança que albergavam à maioria das populações civilizadas da Raça por todo Norte da América e Europa. —O cara é desagradável pelo que ouvi.

Sim era, Nikolai admitiu para si.

—Alguma idéia de onde poderia lhe encontrar?

—Não.

—Está certo disso?— perguntou Niko, olhando enquanto a mulher do bar se deslizava de seu tamborete e se preparava para partir. Ela ainda tinha mais de meio coquetel em sua taça, mas com a mera menção do nome de Yakut, parecia ter pressa subitamente por sair do lugar.

O jovem da Raça agitou sua cabeça.

—Não sei onde encontrar o cara. Não sabemos por que ninguém estaria disposto a procurá-lo, a menos que tenha vontade de morrer.

Nikolai olhou por cima de seu ombro enquanto a alta morena começava a dirigir-se através da multidão reunida perto do bar. Por impulso, ela se voltou para olhá-lo então, seus olhos de cor verde jade apareceram sob a franja de seu cabelo negro e o brilho de seu magro e agitado queixo. Havia uma nota de medo em seus olhos enquanto lhe devolvia o olhar fixamente, um medo nu que ela nem sequer tentava ocultar.

—Estarei condenado— murmurou Niko.

Ela sabia algo de Sergei Yakut.

Algo mais que só um conhecimento passageiro, ele estava supondo. Esse olhar assustado e cheio de pânico enquanto ela girava e procurava uma saída dizia tudo.

Nikolai foi atrás dela. Ele abriu caminho através da confusão de humanos que enchiam o clube, seus olhos seguiam o sedoso e negro cabelo de sua presa. A mulher era rápida como uma frota e ágil como uma gazela, suas roupas e cabelo escuros lhe permitiam virtualmente desaparecer pelos arredores.

Mas Niko era da Raça, e não existia humano que pudesse deixar para trás um de sua Estirpe. Ela evitou a porta do clube e fez um giro rápido para a rua exterior. Nikolai a seguiu. Ela deve ter lhe sentido logo atrás porque olhou ao redor para avaliar sua perseguição e esses pálidos olhos verdes se fecharam sobre os seus como lasers.

Ela corria mais rápido agora, dobrando a esquina no final da rua. Dois segundos mais tarde, Niko estava ali também. Sorriu enquanto a avistava alguns metros diante dele. O beco em que ela entrou entre dois altos edifícios de tijolos era estreito e escuro — um fim letal se fechou por um contêiner de metal pontudo e uma cerca de uns três metros de altura.

A mulher girou-se sobre os saltos de suas botas negras, ofegando forte, seus olhos curtidos sobre ele, olhando cada um de seus movimentos.

Nikolai deu poucos passos para o mal iluminado beco, depois parou, suas mãos se sustentaram benevolamente a seu lado.

—Está bem—, disse-lhe. —Não precisa correr. Só quero falar contigo.

Ela o olhou em silêncio.

—Quero te perguntar sobre Sergei Yakut.

Ela engoliu em seco visivelmente, seu doce estômago flexionando-se.

—Conhece-o, não?

O extremo de sua boca se arqueou somente uma fração, mas suficiente para lhe dizer que tinha razão —ela estava familiarizada com o recruta Gen Um. Agora se poderia guiar Niko até ele era outro assunto. Justo agora, ela era sua melhor, possivelmente sua única, esperança.

—Me conte onde está. Preciso lhe encontrar.

Tinha as mãos apoiadas nos quadris, como punhos. Seus pés estavam abraçados ligeiramente como se ela estivesse preparada para sair correndo. Niko viu seu olhar sutilmente para uma maltratada porta a sua esquerda.

Ela gritou.

Niko vaiou uma maldição e voou atrás dela com toda a velocidade que tinha. No momento que ela abriu a porta sobre os rangidos das dobradiças, Nikolai estava em frente a ela na soleira, bloqueando seu passo para a escuridão do outro lado. Ele riu com facilidade.

—Disse que não há necessidade de correr— falou ele, dando de ombros ligeiramente enquanto ela retrocedia um passo atrás se afastando. Deixou que a porta se fechasse detrás dele enquanto seguia seu lento retrocesso para o beco.

Jesus, ela estava impressionante. Ele só tinha conseguido vislumbrá-la no clube, mas agora, estando a alguns metros dela, deu-se conta que ela era absolutamente sensacional. Alta e magra, esbelta sob sua roupa negra, com uma irrepreensível pele branca como o leite e luminosos olhos com forma de amêndoa. Sua cara com forma de coração era uma combinação cativante de fortaleza e suavidade, sua beleza igualava partes claras e obscuras. Nikolai sabia que estava ofegando, mas maldita seja se podia evitá-lo.

—Me fale— disse ele. —Me diga seu nome.

Ele estendeu o braço para ela, um movimento fácil e nada ameaçador de sua mão. Sentiu uma sacudida de adrenalina que se disparou em sua corrente sanguínea — pôde cheirar o penetrante aroma azedo no ar, de fato— mas não viu a patada circular vindo até que tomou o afiado salto de sua bota de cheio em seu peito.

Maldita seja.

Ele caiu para trás, mais surpreso que desacordado.

Era todo o tempo que ela necessitava. A mulher saltou pela porta de novo, esta vez conseguindo desaparecer no escuro edifício antes que Niko pudesse dar a volta e pará-la. Ele a perseguiu, amaldiçoando detrás dela.

O lugar estava vazio, muito concreto vazio sob seus pés, tijolos nus e vigas expostas ao redor. Um pouco de sentido fugaz de premonição lhe ardeu na nuca enquanto corria entrando mais na escuridão, mas toda sua atenção estava centrada na mulher que permanecia no centro do espaço vazio. Ela o olhou em expectativa enquanto ele se aproximava, cada músculo de seu magro corpo parecia tenso, preparado para atacar.

Nikolai sustentava esse afiado olhar enquanto se colocava em frente dela.

—Não vou te fazer mal.

—Eu sei. Ela sorriu, marcando uma ligeira curva em seus lábios. —Não terá essa oportunidade.

Sua voz era brandamente aveludada, mas o brilho de seus olhos era de um matiz frio.

Sem avisar, Niko sentiu uma súbita tensão que fez pedacinhos sua cabeça. Um som de alta freqüência explodiu em seus ouvidos, mais alto do que podia suportar. Depois mais alto até. Sentiu como suas pernas cediam. Caiu de joelhos, sua visão nadando enquanto sua cabeça se sentia a ponto de explodir.

A distância, registrou o som de botas chegando — vários pares, pertencentes a homens, todos vampiros. Vozes apagadas zumbiam sobre ele enquanto sofria um repentino e extenuante ataque em sua mente.

Era uma armadilha.

A puta o tinha guiado ali deliberadamente, sabendo que ele a seguiria.

—Suficiente, Renata— disse um dos vampiros da raça que tinha entrado no lugar. —Pode liberá-lo agora.

Algo da dor de cabeça de Nikolai parou à ordem. Ele elevou os olhos a tempo de ver o bonito rosto de seu atacante lhe olhando onde ele permanecia perto de seus pés.

—Lhe tirem as armas— disse ela a seus companheiros. —Precisamos tirá-lo daqui antes que recupere as forças.

Nikolai cuspiu umas quantas maldições, mas sua voz se afogou em sua garganta, e ela já estava caminhando longe, as magras pontas de seus saltos clicando no chão do frio concreto debaixo dele.

 

Renata não podia sair da adega o suficientemente rápido. Seu estômago se revolveu. Um frio suor apareceu ao longo de sua testa e na parte posterior de seu pescoço. Ela ansiava o ar fresco da noite, como seu último fôlego, mas ela manteve um passo longo constante e forte. Os punhos apertados sustentados rigidamente ao seu lado eram os únicos indícios de que ela não estava nada tranqüila.

Sempre era assim para ela, uma das conseqüências de usar o poder paralisante de sua mente.

Fora agora, a sós no beco, ela tragou rapidamente bastante ar. A pureza do oxigênio refrescou sua garganta ardente, mas isso era tudo o que ela podia fazer para não dobrar-se com o aumento da dor que percorria como um rio de fogo através de seus membros e no centro de seu ser.

—Maldita seja!—, murmurou na escuridão, balançando-se um pouco sobre a altura de seus saltos. Tomando mais algumas respirações profundas, ela cravou os olhos no pavimento negro que estava sob seus pés e se concentrou simplesmente para manter-se em pé.

Detrás dela chegaram passos rápidos, pesados, de pés calçados que já se encontravam fora do armazém. O som atraiu sua cabeça bruscamente. Forçando um olhar de apatia tranqüila sobre a tensão ardente de sua cara.

—Tomem cuidado com ele—, disse ela, dando uma olhada ao amplo vulto frouxo, do macho inconsciente que ela tinha deixado incapacitado, e que estava sendo transportado agora como um simples brinquedo pelos quatro guardas que trabalhavam com ela. —Onde estão suas armas?

—Seguras—. Uma mala de couro preta veio voando para ela com apenas um prévio aviso, lançada por Alexei, o líder designado para esta noite. Ela não perdeu o sorriso satisfeito em seu rosto magro quando a lona repleta de metal se estrelou contra seu peito. O impacto foi como milhares de pregos em sua sensível pele e músculos, mas ela agarrou a bolsa e abriu o zíper para cima ao longo de seu ombro sem pronunciar sequer um grunhido de moléstia.

Mas Lex sabia. Sabia de sua debilidade, e ele nunca a deixava esquecê-la. A diferença dela, Alexei e seus outros companheiros eram vampiros da Raça, todos eles. Assim como o era seu cativo, Renata não tinha nenhuma dúvida. Ela tinha suspeitado primeiro quando o tinha visto no clube, uma suspeita confirmada pelo simples fato de que ela pôde incapacitá-lo com sua mente. Sua capacidade psíquica era formidável, mas não sem suas limitações. Esta só influía nos da raça; o humano mas simples com as células do cérebro que eles tinham não se viam afetados pela explosão de alta freqüência que ela era capaz de projetar mentalmente com a concentração de um momento.

Ela era um ser humano, nascida ligeiramente diferente às ações básicas do Homo sapiens.

Mas para o Lex e sua espécie, ela era conhecida como uma companheira de raça, uma de um pequeno número de mulheres humanas que nasciam com habilidades únicas extra-sensoriais e a capacidade ainda mais rara de reproduzir-se com êxito com aqueles dos da raça. Para as mulheres como Renata, a ingestão de sangue da raça sempre proporcionava uma força maior. E a longevidade também. Uma companheira de raça podia viver durante alguns longos séculos enquanto se alimentasse regularmente das veias de um vampiro.

Até dois anos, Renata não tinha idéia de por que era diferente dos outros, ou aonde ela poderia pertencer. Cruzar o caminho de Sergei Yakut a tinha levado rapidamente ao conhecimento. Ele era a razão para que ela, Lex e todos os outros estivessem de guarda esta noite, rondando a cidade e procurando o indivíduo que tinha estado perguntando nos arredores pelo solitário Yakut.

O macho da Raça encontrado pela Renata no clube de jazz tinha sido tão descuidado com suas perguntas em toda a noite, que ela tinha que perguntar-se se estava tratando de provocar o Sergei Yakut para que chegasse a ele. Se fosse assim, o cara era um idiota ou suicida, ou alguma combinação de ambos. Teria a resposta a sua pergunta muito em breve.

Renata pegou seu telefone celular do bolso, abriu-o, e marcou com velocidade o primeiro número que estava armazenado na agenda.

—Sujeito recuperado—, ela anunciou quando a chamada conectou. Ela deu sua localização, logo desligou a comunicação do telefone fechando-o e o jogou longe. Deu uma olhada para onde estava Alexei e os outros guardas que se detiveram com seu cativo inconsciente e disse:

—O carro está a caminho. Deveria estar aqui em aproximadamente dois minutos.

—Deixem cair este saco de merda—, ordenou Lex a seus homens. Todos eles soltaram o macho da Raça, e seu corpo golpeou o asfalto com um ruído tremendo. Com as mãos nos quadris, e com os punhos que emolduravam por um lado sua pistola embainhada e pela outra uma faca grande de caça que se encontravam embainhados em seu cinturão, Lex olhou atentamente para baixo à cara do vampiro inconsciente a seus pés. Ele soltou um fôlego agudo, de desaprovação, e logo cuspiu, esbarrando por pouco sobre a manga da lâmina afiada que tinha por baixo. O branco espumoso de sua saliva aterrissou com um molhado som no pavimento, não a mais de uma polegada de distância da cabeça loira do homem.

Quando Alexei os olhou de novo, havia um brilho duro em seus olhos escuros.

—Talvez deveríamos matá-lo.

Um dos guardas riu entre dentes, mas Renata sabia que Lex não estava brincando.

—Sergio disse que o levássemos.

Alexei se mofou.

—E dar a seus inimigos outra oportunidade para tomar sua cabeça?

—Não sabemos se este homem teve algo a ver com o ataque.

—Podemos estar seguros que ele não o fez?— Alexei voltou a olhar fixamente sem pestanejar a Renata.

—De agora em diante, não confio em ninguém. Eu pensei que você não daria nenhuma possibilidade de arriscar sua segurança como eu.

—Eu sigo suas ordens—, respondeu ela. —Sergio disse que encontrássemos quem estava na cidade pedindo informações a respeito dele e o levássemos para interrogá-lo. Isso é o que me proponho a fazer.

Os olhos de Lex se estreitaram como lâminas debaixo de suas sobrancelhas de cor marrom intensa.

—Bem—, ele disse, com voz muito tranqüila, muito calma. —Você tem razão, Renata. Temos nossas ordens.—Vamos levá-lo, como você diz. Mas, o que vamos fazer enquanto esperamos que chegue o transporte?

Renata o observou, perguntando-se aonde se dirigia agora. Lex passeava ao redor do macho da Raça que estava inconsciente e lhe deu um chute com a bota nas costelas que estavam desprotegidas. Não houve reação alguma. Só a dilatação suave e a queda do peito do macho quando este respirava.

Alexei desnudou os lábios para trás e sorriu abertamente, movendo seu queixo para os outros homens.

—Minhas botas estão sujas. Talvez esta bagagem inútil os limpe enquanto nós esperamos, hã?

No calor das gargalhadas de seus companheiros, Lex levantou um de seus pés e o deixou voar sobre a cara inerte de seu cativo.

—Lex— Renata começou, sabendo que não a ouviria se ela tratava de persuadi-lo e convencê-lo para que se detivera. Mas foi nesse preciso momento que ela notou algo estranho no macho loiro, que se encontrava caído no chão. Sua respiração era estável e pouco profunda, seus membros se encontravam imóveis, mas seu rosto… ele o sustentava muito bem, inclusive se realmente estava inconsciente. Mas ele não o estava.

Em uma fração de segundo de claridade, Renata se deu conta, sem a menor duvida de que ele se encontrava muito acordado e consciente. Muito consciente de tudo o que estava acontecendo.

Oh, Cristo!

Alexei pôs-se a rir entre dentes agora, enquanto baixava a perna e começava a transladar a sola grossa da bota para baixo sobre a cara do macho.

—Lex, espera! Ele não está…

Nada do que ela pôde haver dito teria trocado a explosão que resultou de todo esse caos.

Lex ainda estava em movimento quando o macho levantou as mãos e o agarrou pelo tornozelo. O segurou com força, enviando Lex voando e gritando em agonia para o chão que estava próximo. Não passou um segundo antes que o homem estivesse em pé, fluido e forte, como nada que Renata tivesse visto alguma vez antes em algum guerreiro.

E merda Santa— ele tinha a pistola de Lex.

Renata deixou cair a mala incomodamente e tentou buscar sua própria arma, uma 45 mm que estava oculta em uma capa em suas costas. Seus dedos se encontravam ainda endurecidos por seu esforço mental antes empregado, e um dos outros guardas respondeu antes que ela pudesse liberar sua arma. Ele disparou uma rajada precipitada, perdendo seu objetivo que se encontrava a menos de um metro.

E mais rápido que qualquer deles pudessem supor, o que antes era seu cativo lhes devolveu o fogo, pondo uma bala diretamente na frente do crânio do guarda. Um dos guarda-costas se encolheu sobre suas mãos, um dos que mais tempo tinham servido ao Sergei Yakut caiu sobre o pavimento em um monte sem vida.

OH, Jesus, pensou Renata com uma preocupação que aumentava, vendo que a situação se dirigia rapidamente ao descontrole. Poderia Alexei ter razão? Tinha sido este macho da Raça o mesmo assassino que tentou atacar aqui antes?

—Quem é o próximo?— perguntou ele, com um pé plantado no centro da coluna vertebral de Lex enquanto balançava com tranqüilidade as pistolas dos outros dois guardas de Renata. —O qu0? Não há nenhum interessado agora?

—Matem este filho da puta!— rugiu Lex, retorcendo-se como um inseto apanhado sob a sola da bota pesada que o aprisionava dominando-o. Com sua bochecha esmagada contra o chão, suas presas emergindo pela raiva, Lex lançou um olhar brilhante para Renata e seus homens. —Façam voar a cabeça dele longe, maldita seja!

Antes que a ordem estivesse totalmente fora da boca de Alexis, puxaram ele até deixá-lo em pé. Gritou quando seu peso caiu sobre o tornozelo lesado, mas foi a presença repentina de sua própria pistola que o acariciava detrás da orelha o que realmente fez seus olhos cor âmbar tornarem-se loucos com pânico. Seu captor, pelo contrário, estava tão tranqüilo e acalmado, como podia ser.

—Oh, mãe de Deus!

Simplesmente com quem demônios estavam tratando eles?

—Vocês o escutaram,— disse o captor de Lex. Sua voz era baixa e tranqüila, sem pressa, e com o olhar fixo que penetrava até na escuridão. Ele cravou fixamente seus olhos em Renata. —Venham aqui, se algum de vocês é o suficientemente homem. Por outro lado, se vocês não preferem ver seu cérebro salpicar toda a parede do edifício, então lhes sugiro que deixem cair suas armas. No chão, de forma tranqüila e fácil.

Ao lado junto a ela no beco, Renata registrou os grunhidos baixos e ofegos dos machos de Raça transformados. Individualmente, nenhum dos vampiros era fisicamente muito mais forte que ela; como uma equipe, eles poderiam ser mais fortes que o atacante de Lex, embora nenhum deles parecesse disposto a averiguá-lo. Um suave estalo de metal semelhante ao de uma arma foi colocado com cuidado sobre o pavimento. Isto deixava então, só um guarda de segurança com ela. Um segundo mais tarde, ele entregou sua arma também. Ambos os vampiros se retiraram alguns passos lentamente, rendendo-se no silêncio cauteloso.

E agora, Renata ficava sozinha frente a esta ameaça inesperada.

Ele lhe dedicou um meio sorriso por reconhecimento, mostrando os dentes e as pontas de suas presas emergentes. Se encontrava furioso; essas largas presas eram prova suficiente disso. Como era a luz ambarina que começava a preencher seus olhos, eles começavam a transformar-se com seus característicos traços da raça. Seu sorriso se alargou, fazendo aparecer covinhas duplas debaixo de suas maçãs do rosto afiadas como uma navalha.

—Parece que depende de ti e de mim, querida. Eu não vou pedir mais cortesmente por muito que me faça esperar. Ponha sua maldita arma no chão ou terá restos dele.

Renata rapidamente considerou suas opções — as poucas que ela tinha nesse momento. Seu corpo ainda seguia estando tão cru como um nervo exposto, as réplicas de seu esforço mental ainda a estavam maltratando, golpeando-a para baixo. Ela poderia tentar outro assalto a sua mente, mas sabia que estava operando e atuando sobre as fumaças. Inclusive se ela o golpeasse com tudo o que tinha, não seria capaz de incapacitá-lo outra vez, e uma vez que ela estivesse esgotada por essa tentativa, não séria de alguma utilidade para ninguém.

Sua outra única opção era um risco de igual magnitude. Normalmente ela era uma águia disparando, com reflexos rápidos e precisos de um franco-atirador, mas não podia contar com nenhuma de suas habilidades quando necessitava a maior parte de sua atenção só para mover seus membros e comandar seus dedos para trabalhar. Não importava o que ela fizesse, agora mesmo considerava as probabilidades escassas para que Alexei pudesse sair disto em uma só peça. Demônios, as possibilidades dela ou de alguém mais que não se afastasse desta situação eram de ver-se nulas.

Este macho da raça sustentava todas as cartas, e olhar em seus olhos quando ele a observava, esperava por ela para decidir seu futuro, parecendo dizer que ele estava muito cômodo em sua posição de poder. Ele tinha Renata, Lex, e o resto deles justo onde ele os queria.

Mas ela estaria condenada se se rendesse sem lutar.

Renata respirou fundo para reunir sua determinação, então puxou sua arma e apontou para o peito dele. Seus braços gritaram pelo esforço que levou para fazê-lo e ficar estável, mas ela absorveu a dor, e a empurrou de lado.

Ela puxou o seguro da arma.

—Solta-o. Agora.

O canhão da arma de Lex se manteve no lugar, apertado detrás da orelha dele.

—Você não acredita de verdade que estamos negociando aqui, não é? Joga-a-sua-arma.

Renata tinha um tiro limpo, mas ele também. E ele tinha a vantagem acrescentada da velocidade sobre-humana. Ele podia ser capaz de esquivar seu disparo já que facilmente o veria aproximar-se. Havia uma fração de segundo de atraso entre as rodadas do carregador, inclusive em seu melhor momento. Isto significava uma grande oportunidade para ele para abrir fogo, assim, se ele decidia dar um tiro em Lex antes ou depois de que ela atirasse. Em outro segundo, todos eles podiam estar comendo bala. Este homem era da Raça, com seu acelerado metabolismo e seu poder de cura, ele mantinha uma oportunidade decente de sobreviver mesmo com os disparos, mas e ela? Ela ficava observando e certamente iria morrer. —Você tem um problema comigo em concreto, ou é ele que realmente quer me ver morto esta noite? Talvez só odeia algo que tenha um membro. É isso?

Embora ele manteve seu objetivo focado, seu tom era leve, como se ele estivesse jogando só com ela. Não a estava tomando a sério absolutamente. Seu tom era arrogante. Não lhe respondeu, simplesmente puxou o gatilho da pistola para trás e apoiou seu dedo indicador ligeiramente no gatilho.

—Deixa-o ir. Não queremos nenhum problema contigo.

—Muito tarde para isso, não te parece? Tudo o que você observa é um problema agora.

Renata não se alterou. Ela nem sequer se atreveu a piscar por medo que este homem pudesse tomar como uma debilidade e decidisse atuar.

 

Lex tremia agora, o suor corria por seu rosto.

—Renata—, disse ele com voz entrecortada, mas se ele queria dizer que se retirasse ou que fizesse seu melhor movimento, ela não estava segura. —Pelo amor de Deus Renata… diabos…

Ela tinha um objetivo estável no captor de Alexei, seus cotovelos completamente fechados, ambas as mãos agarrando sua arma. Uma brisa ligeira de verão começou a levantar-se, e a rajada suave de ar passou por sua pele hipersensível, como fragmentos irregulares de cristal. Na distância ela podia escutar a música pop e a explosão de foguetes do final do festival que havia esse fim de semana, as silenciosas explosões que vibravam como trovões em seus ossos doloridos. O barulho do tráfego e as freadas na rua fora do beco, os motores dos veículos que lançavam uma repugnante mistura de gases do escapamento, de borracha quente, e a queima de óleo.

—Quanto tempo deseja alargar isto, querida? Porque tenho que dizer, a paciência não é uma de minhas virtudes. —Seu tom era casual, mas a ameaça não podia ter sido mas evidente. Ele atraiu o gatilho da pistola de novo, preparado para levar a noite a seu final sangrento. —Me dê uma boa razão para que não encha este cérebro de idiota com chumbo.

—Porque ele é meu filho.— A voz masculina mais baixa veio de trás do beco. As palavras careciam de emoção, mas inquietavam e eram sinistras em sua cadência e densamente acentuadas com a áspera lima da fria pátria siberiana de Sergei Yakut.

 

Nikolai agitou sua cabeça e olhou Sergei Yakut aproximar-se do estreito beco. O vampiro Gen Um passava pela frente de seus dois ansiosos guarda-costas, seu direto e imutável olhar se moveu casualmente desde Niko até o macho da Raça que ainda sustentava com uma pistola. Com um assentimento de reconhecimento, Niko pôs o seguro da pistola de novo e lentamente baixou a arma. Logo que afrouxou o braço, o filho de Yakut lançou uma maldição e se afastou de seu alcance.

—Insolente bastardo— grunhiu ele, todo veneno e fúria agora que permanecia a uma distância segura. —Eu disse a Renata que este cão era uma ameaça, mas ela não me escuta. Me deixe matá-lo, pai. Me deixe machucá-lo.

Yakut ignorou o pedido de seu filho e sua presença, em vez de tomar-lhe em silêncio onde Nikolai permanecia esperando de pé.

—Sergei Yakut— disse Niko, girando a descarregada pistola e oferecendo-lhe com um gesto pacífico. —Muitas maneiras de bem vinda tem aqui. Minhas desculpas por tomar um de seus homens. Não me deu escolha.

Yakut meramente grunhiu enquanto tomava a pistola e estendia ao guarda mais próximo a ele. Vestido com uma camisa de algodão e desgastadas calças de couro, que pareciam couro cru, seu cabelo castanho claro e a barba selvagem e enorme, Sergei Yakut tinha o aspecto de um ardiloso guerreiro feudal, séculos fora de seu tempo.

Então, de novo, apesar de sua cara sem rugas e lista e musculosa compleição, nada mostrava que estava próximo dos quarenta ao menos, só os grossos dermaglifos de macho da Raça marcando seus nus braços lhe deram uma indicação de que Yakut era um membro velho da Raça. Como Gen Um, podia ter mil anos ou mais.

—Guerreiro,— disse Yakut com maus olhos, seu olhar inquebrável, lasers gêmeos se fechando no objetivo. —Te disse que não viesse. Você e o resto da Ordem estão perdendo tempo.

Em sua visão periférica, Niko captou a troca de olhares de surpresa que viajaram entre o filho de Yakut e o resto de seus guardas. A mulher especialmente — Renata, chamava-se — parecia completamente surpreendida de ouvir que era um guerreiro, um da Ordem. Tão rapidamente como a surpresa fez aparição em seu Olhar, desvaneceu-se, sumiu como se tivesse imaginado a emoção em seu rosto. Ela estava placidamente calma agora, enquanto estava de pé a poucos metros trás de Sergei Yakut e o olhava, sua arma ainda na mão, sua postura precavida e preparada para qualquer ordem.

—Necessitamos sua ajuda— disse Nikolai a Yakut. —E nos apoiando em que vai estar perto de nós entre Boston e algum lugar com população da Raça, vais necessitar nossa ajuda também. O perigo é muito real. Muito letal. Sua vida está em perigo, inclusive agora.

—O que sabe sobre isso?— grunhiu o filho de Yakut ao Niko. —Como demônios pode saber algo sobre isso? Não dissemos nada a ninguém sobre o ataque da semana passada…

—Alexei.

O som de seu nome nos lábios de Yakut, seu senhor, sossegaram o jovem como se uma mão tivesse abafado sua boca.

—Não fale por mim, menino. Seja útil—, disse ele, gesticulando para o vampiro que Nikolai tinha tido que matar com um disparo. —Leva o Urien para o terraço e deixe-o ali para que tome sol. Depois limpa este beco de toda evidência.

Alexei olhou durante um segundo, como se a tarefa estivesse por baixo dele, mas não teve coragem de dizê-lo.

—Já ouviram meu pai—, grunhiu aos outros guardas parados de pé ao redor dele. —O que estão esperando? Desfaçam desse inútil montão de lixo.

Quando começaram a mover-se com a ordem de Alexei, Yakut olhou para a mulher.

—Agora você, Renata. Pode me levar de volta para casa. Terminei aqui.

A mensagem para Niko era clara: Ele não era convidado, bem vindo a ficar nos domínios de Yakut. E, no momento, despedido.

Provavelmente a coisa mais inteligente que fazer seria contatar com Lucan e o resto da Ordem, lhes dizer que tinha dado sua melhor aposta com o Sergei Yakut, mas que tinha sido em vão, depois deixar Montreal antes que Yakut decidisse arrancar suas partes. O mau gênio do Gen Um tinha sido pior com outros por pecados menores.

Sim, recolher e partir eram definitivamente a ação mais sábia neste ponto. Exceto pelo fato de que Nikolai não estava acostumado a não ter uma resposta, e a situação enfrentada pela Ordem como à Raça, humanos incluídos, não acabava sem dúvida logo. Estava fazendo-se mais volátil, mais catastrófica com cada segundo que passava.

E então ali estava essa atitude despreocupada do Alexei sobre um recente ataque…

—O que ocorreu aqui a semana passada?— perguntou Nikolai, uma vez que estiveram sozinhos no beco Yakut, Renata e ele. Sabia a resposta, mas formulou a pergunta de todos os modos. —Alguém tentou te assassinar… como avisei que ocorreria, não foi?

O macho ancião da Raça olhou com o cenho franzido para Niko, seus ardilosos olhos brilhando. Niko sustentou esse olhar desafiante, vendo um idiota arrogante de longa vida que se acreditava fora do alcance da morte, mesmo quando essa chamou a sua porta há poucos dias.

—Houve uma tentativa, sim. Os lábios de Yakut se curvaram em uma ligeira careta, enquanto dava de ombros. —Mas sobrevivi — tão certo como eu o faria. Vá para casa, guerreiro. Luta as batalhas da Ordem em Boston. Deixa que eu me ocupe de minhas coisas aqui.

Ele coçou seu queixo olhando para Renata, e a silenciosa ordem a pôs em movimento. Enquanto suas longas pernas a levavam fora do alcance do ouvido do beco, Yakut arrastou as palavras:

—Meu agradecimento pelo aviso. Se este assassino for o suficientemente idiota para atacar de novo, estarei preparado para ele.

—Ele atacará de novo— respondeu Niko com total certeza. —Isto é pior do que suspeitamos no princípio. Mais dois Gen Um foram assassinados desde que falamos pela última vez. Isso eleva a conta a cinco agora — menos de vinte de sua geração ainda existem. Cinco dos mais antigos e poderosos membros da nação da Raça, morreram no espaço de um mês. Cada um aparentemente localizado e eliminado por meios peritos. Alguém os quer todos mortos, e já tem um plano em marcha para que isso ocorra.

Yakut pareceu considerar, mas só por um momento. Sem outra palavra, girou e começou a afastar-se.

—Há mais— acrescentou severamente Niko. —Algo que não fui capaz de te dizer quando falamos por telefone há algumas semanas. Algo que a Ordem tem descoberto oculto em uma caverna montanhosa na República Tcheca.

Enquanto o ancião vampiro continuava lhe ignorando, Niko exalou em voz baixa uma maldição.

—Achamos uma câmara de hibernação, uma muito antiga. Uma cripta onde um dos mais poderosos de nossa espécie tinha estado guardado em segredo durante séculos. A câmara tinha sido feita para proteger um Antigo.

Finalmente Niko teve sua atenção.

Os passos de Yakut diminuíram, depois pararam.

—Os Antigos foram assassinados na grande guerra contra a Estirpe— disse ele, recitando a história que até muito recentemente tinha sido aceita por toda a Raça como fato irrefutável.

Nikolai conhecia a história da revolução tão bem como qualquer de sua espécie. Dos selvagens de outro mundo que haviam fecundado a primeira geração da Raça vampira na Terra, ninguém sobreviveu à batalha com o pequeno grupo de guerreiros Gen Um que tinham declarado a guerra contra seus próprios pais para a proteção tanto da Raça como dos humanos. Estes poucos e valorosos guerreiros tinham sido guiados por Lucan, que esse dia reteve seu papel como líder do que ia chegar a ser a Ordem.

Yakut lentamente se virou para dar de cara com Nikolai.

—Todos os Antigos foram assassinados faz setecentos anos. Cravaram uma espada em meu próprio senhor – e justamente. Se ele e seus irmãos aliens tivessem sido deixados sem restrições, teriam destruído toda a vida neste planeta em sua insaciável sede de sangue.

Niko assentiu com gravidade.

—Mas havia alguém mais que estava em desacordo com o decreto de que os Antigos deveriam ser destruídos: Dragos. A Ordem descobriu provas que demonstram que em vez de eliminar à criatura que o originou, Dragos lhe ajudou a ocultar-se. Ele fez um santuário para a criatura em uma zona remota das Montanhas Boêmias.

—E a Ordem sabe se isto é verdade?

—Encontramos a câmara e vimos a cripta. Infelizmente, estava vazia quando chegamos lá.

Yakut grunhiu, considerando aquilo.

—E o que há sobre Dragos?

—Ele foi assassinado na Velha Guerra— mas seus descendentes vivem. Assim como sua traição. Acreditam que foi o filho de Dragos que localizou a câmara antes que nós e liberou o Antigo de seu sonho. Também suspeitamos que o filho de Dragos seja o único que está por trás dos recentes assassinatos entre os Gen Um da nação.

—E o que ganha com isso?— perguntou Yakut, com os braços cruzados sobre seu peito.

—Isso é o que queremos descobrir. Temos unidades de inteligência sobre ele, mas não é suficiente. Desapareceu do nada e vai ser muito difícil lhe fazer sair. Mas conseguiremos. Enquanto isso não pode permitir que ele avance com o plano que tenha em mente. Isso é pelo que a Ordem está estendendo a mão a você e ao resto dos Gen Um. Qualquer coisa que pudesse ouvir, qualquer coisa que tenha visto…

—Há uma testemunha— disse Yakut, interrompendo Niko com a abrupta entrada. —Uma garota jovem, um membro de meu serviço. Ela estava ali. Ela viu o indivíduo que me atacou a semana passada. De fato, ela assustou o bastardo o suficiente para que eu pudesse escapar.

A cabeça de Nikolai estava dando voltas com as inesperadas notícias. Duvidava muito que uma menina pudesse assustar um hábil e experiente assassino, mas estava suficientemente interessado para escutar mais.

—Preciso falar com essa garota.

Yakut assentiu vagamente, os lábios apertados enquanto elevava os olhos ao escuro céu que havia sobre sua cabeça.

—Amanhecerá em poucas horas. Pode esperar a que passe a luz do dia em minha casa. Fazer suas perguntas, fazer seu trabalho para a Ordem. Então, amanhã de noite, irá embora.

Na medida em que a cooperação continuasse, não era muito. Mas era mais do que tinha obtido inclusive por uns poucos minutos do galo de briga vampiro Gen Um.

—Está bem— respondeu Niko, enquanto se aproximava de Sergei Yakut e caminhava com ele para o sedan negro que lhes esperava parado no meio—fio.

 

Renata não tinha nem idéia do que o desconhecido loiro podia ter dito para persuadir Sergei Yakut a convidá-lo a seu refúgio que se encontrava no recinto privado ao norte da cidade.

Nos anos desde que Renata se introduziu na vida como membro da guarda pessoal de Yakut, ninguém fora desse pequeno circulo de funcionários vampiros e do detalhe de sua guarda privado tinha sido permitido alguma vez nas terras do bosque isolado que estava rodeado por grades.

Suspeito por natureza e solitário, cruel até o ponto da tirania, o mundo de Sergei Yakut era um de controle e desconfiança. Que Deus os ajudasse se alguém o cruzasse de qualquer forma, já que quando o punho de sua raiva golpeava, este caía lançando-se como uma bigorna . Sergei Yakut tinha poucos amigos e inclusive menos inimigos, nenhum parecia sobreviver muito ao fio de sua sombra.

Renata tinha chegado a conhecer o macho que ela protegia muito bem, para saber que ele não era exatamente suscetível à idéia de companhia não convidada, mas o fato de que não tivesse assassinado esse intruso — esse guerreiro — como se tinha referido a ele lá atrás no beco, faria com que merecesse ao menos um pequeno grau de respeito. Se não era pelo guerreiro em si mesmo, então era pelo grupo ao que pertencia, a Ordem.

Quando ela moveu o Mercedes blindado que conduzia até a entrada da áspera casa principal construída em madeira que estava no final da longa passagem, Renata não resistiu a dar uma olhada pelo espelho retrovisor nos dois vampiros que se encontravam sentados em silencio nos bancos traseiros.

Os olhos azuis claro se encontraram com o olhar fixo que estava no espelho. Ele não piscou, nem sequer quando seu olhar se estendeu além da curiosidade daquele simples desafio. Ele estava longe de estar zangado, seu ego sem dúvida ainda golpeado pelo fato de que ela o tivesse enganado no beco e conduzido a uma armadilha. Renata fingiu ignorá-lo cortesmente quando ela quebrou a pesada conexão de seu fixo olhar e conduziu o carro até deter-se diante das portas.

Um dos machos da Raça que estava de guarda na entrada sob as amplas escadas veio abrir a porta traseira do carro de quatro portas. Atrás dele, a alguns passos, estava outro guarda, que tinha dois galgos russos que soltou. Seus dentes imediatamente apareceram, grunhindo, os cães guardiães emitiam grandes latidos e rosnavam como selvagens até o momento em que Sergei Yakut saiu do carro. Os animais estavam tão bem treinados assim como o resto do pessoal do vampiro: um olhar de seu mestre e eles se calaram automaticamente, um silêncio submisso, com suas grandes cabeças sustentando-se para baixo quando ele e o guerreiro entravam na casa.

O guarda que estava de pé perto do carro fechou a porta traseira que tinha ficado aberta e disparou um olhar interrogativo a Renata através do cristal escuro da janela.

Quem diabos é esse? Era a pergunta evidente que seu rosto expressava mas antes que ele pudesse pedir que ela baixasse a janela para interrogá-la, ela pôs em marcha o carro de quatro portas, deixando atrás só um simples rastro de fumaça.

A medida que afastava o carro do caminho de cascalho e o levava ao redor da garagem que estava na parte posterior da porta de entrada, a dor e a tensão que tinha estado sentindo antes começou novamente a correr através de seu corpo. Ela estava cansada da confrontação desta noite, seus membros e mente igualmente torpes e doloridos. Tudo o que desejava era sua cama e um longo e quente banho de imersão. E não se importava qual ocorresse primeiro.

Renata tinha seu próprio quarto na casa, um luxo que Yakut não dava a nenhum dos machos que lhe serviam. Inclusive Alexei dormia com os outros guardas em quartos comuns, dormindo sobre colchões de palha estendidos no chão, como se fossem uma guarnição vinda diretamente da idade Média. O quarto de Renata era ligeiramente melhor que isso: um estreito espaço o suficientemente grande só para a cama, a mesinha de noite e o baú que continha sua pobre roupa. Um banheiro acondicionado com uma banheira com pés se encontrava no corredor e o compartilhava com a única outra mulher que trabalhava para Sergei Yakut.

As comodidades eram rústicas, no melhor dos casos, como era o resto dos antigos e escassos móveis no recinto. Para não mencionar um pouco revoltante.

Apesar de que Yakut, uma vez lhe comentou que ele e sua família só estavam vivendo ali há uma década, o antigo pavilhão de caça estava cheio do que parecia ser meio século de peles de animais, e para completar o jogo, cabeças empalhadas. Ela tinha pensado que a decoração de —empalhamento—, tinha pertencido ao proprietário anterior, mas Yakut não parecia se importar em compartilhar sua casa com toda essa coisa doentia. De fato, parecia que ele desfrutava do caráter primitivo do lugar. Renata sabia que o vampiro siberiano era mais velho do que aparentava ser, muito, muito mais velho, como aqueles de sua Estirpe com freqüência eram. Mas não precisava ser um gênio para imaginá-lo envolto em peles e mais peles, e armaduras de aço e ferro, causando sangrentos estragos em indefesas aldeias das regiões remotas do norte da Rússia. O tempo não tinha suavizado nenhum de seus talentos, e Renata podia atestar de primeira mão a natureza letal de Yakut.

Que ela tivesse que servir alguém como ele, fazia seu estomago retorcer-se com pesar. Mas ela se comprometeu a protegê-lo, a lhe ser leal, tanto em pensamento como na prática, e isso a fazia sentir-se como uma estranha em sua própria pele. Tinha suas razões para permanecer ali, sobretudo agora – que havia muito que desejava poder mudar.

Tanto pelo que ainda podia lamentar…

Ela apartou esses pensamentos, era muito perigoso deixá-los sair mesmo que somente fora de sua mente. Se Sergei Yakut pudesse sentir a mínima debilidade em sua lealdade para ele, haveria repercussões rápidas, com graves conseqüências.

Renata fechou a porta depois que entrou no quarto. Tirou os coldres de suas armas e colocou as pistolas e as adagas cuidadosamente em cima do antigo baú que se encontrava ao pé da cama. Tinha dores pelo corpo, seus músculos e ossos estavam gritando pelo uso anterior de sua mente. Seu pescoço estava tenso, cheio de nós que lhe fizeram fazer uma careta de dor quando ela tentou uma massagem para desfazê-los.

Deus, ela necessitava um pouco de paz dessa dor.

Um suave ruído de arranhões se escutou do outro lado da parede. Este chiado em seus ouvidos pareciam como se fossem unhas em um quadro—negro, fazendo que sua cabeça se sentisse tão sensível como um sino de cristal.

—Rennie?. A voz de menina de Mira era suave, apenas um pequeno sussurro manso chegando através dos ocos da madeira. —Rennie… é você?

—Sim, ratinho—, respondeu Renata. Ela foi até a cabeceira e apoiou a bochecha contra a madeira lisa da parede. —Sou eu. O que está fazendo ainda acordada?

—Não sei. Não podia dormir.

—Mais pesadelos?

—Uh-huh. Sigo… vendo-o. Aquele homem malvado.

Renata suspirou, ao ouvir a vacilação nessa admissão débil. Ela pensava no banho quente que estava a só uns poucos minutos fora de seu alcance. Dando a bem vinda a solidão que ela necessitava mais que nada em momentos como esse, onde as conseqüências de sua capacidade psíquica, — a mesma coisa que lhe tinha salvado a vida há dois anos neste remoto lugar, de terras florestadas, parecia decidida a lhe dar uma patada no traseiro.

—Rennie? Escutou novamente a voz tranqüila de Mira. —Está aí?

—Estou aqui.

Ela imaginou a cara inocente através das uniões de madeira. Ela não tinha que ver a menina para saber que Mira provavelmente tinha estado sentada ali na escuridão todo este tempo, esperando para ouvir quando Renata voltasse, e assim não se sentisse tão sozinha. Ela tinha sido bastante sacudida os últimos dias – o que era compreensível, levando em conta o que tinha testemunhado.

OH, esqueça o maldito banho, pensou Renata severamente. Engolindo a dor que passou por cima de sua pele, quando ficou de pé, se aproximou e tirou um livro do Harry Potter da gaveta de sua mesa de noite.

—Ei, ratinho? Eu também não estou conseguindo dormir. E se vou aí te visitar e leio para você por um momento?

O grito alegre de Mira soou apagado, como se ela teve que cobrir a boca com o travesseiro para não alarmar à família inteira com seu estouro.

Apesar de sua dor e fadiga, Renata sorriu.

—Vou tomar isso como um sim.

 

Sergei Yakut levou Nikolai a uma sala grande e aberta que poderia ter sido uma sala para banquetes quando o antigo pavilhão de caça se encontrava em seu apogeu. Agora não havia registros de mesas ou bancos, só algumas poltronas de couro colocadas em frente a uma chaminé de pedra imponente no outro extremo da área e uma escrivaninha de madeira maciça colocada perto. As peles dos ursos, os lobos e outros depredadores mais exóticos se estendiam como tapetes no piso de tábuas de madeira. Montado sobre a pedra em cima da chaminé estava a cabeça de um alce com um enorme cabide de galhada branca como o osso, seus escuros olhos de cristal fixos em um ponto longínquo na vasta expansão da sala. Sua desejada liberdade se foi? Pensou Niko com ironia enquanto seguia Yakut às poltronas de couro junto a lareira e se sentava com o Gen Um quando este lhe fez um gesto de convite.

Nikolai ociosamente deu uma olhada a seu redor, adivinhando que o albergue ao menos tinha um século de antigüidade, e foi construído para moradores humanos a princípio, embora as escassas janelas estavam atualmente equipadas com venezianas cruciais para bloquear os raios ultravioletas. Não era o tipo de lugar que alguém pudesse esperar para quem um vampiro estabelecesse como sua casa. A Raça tendia a preferir lugares mais modernos, luxuosos, vivendo em grupos familiares ou comunidades do Darkhavens chamados assim na maioria dos casos, muitos desses lugares equipados com perímetros de alarmes e cercas de segurança. Como os domicílios da raça civil estavam, do acampamento rústico de Yakut o suficientemente distantes para a boa quantidade de privacidade dos seres humanos curiosos, isso era algo menos típico. Então novamente, ele não era Sergei Yakut.

—Quanto tempo estiveste em Montreal?— perguntou Nikolai.

—Não muito tempo.— Yakut deu de ombros, os cotovelos apoiados nos braços da poltrona em que estava sentado com os ombros caídos. Sua postura podia ter parecido relaxada, mas seus olhos não tinham deixado de estudar Niko — fazendo uma avaliação dele, do momento em que eles se sentaram. —Pareceu—me vantajoso manter-se em movimento e não me pôr muito cômodo em qualquer lugar. Os problemas têm uma maneira de nos encontrar quando você fica mais tempo que o adequado.—

Nikolai considerou o comentário, perguntando-se se Yakut falava de uma experiência pessoal ou se isso era uma espécie de advertência a seu convidado inesperado.

—Conte—me sobre o ataque contra você—, disse ele, imperturbável, seja pelo olhar fixo ou pela evidente natureza suspeita do Gen um. —E terei que falar com essa testemunha também.

—É obvio.—Yakut fez gestos a um de seus guardas da Raça. —Busquem a menina—. O macho alto assentiu com a cabeça em reconhecimento, logo se dirigiu à esquerda para cumprir a ordem. Yakut se inclinou para frente.—O ataque ocorreu aqui nesta sala. Eu estava sentado nesta mesma cadeira, revisando algumas de minhas contas no momento em que o guarda da frente que vigiava escutou um ruído fora do alojamento. Ele foi investigar, e voltou me dizendo que eram somente guaxinins que se esconderam em um dos abrigos dos fundos.— Yakut deu de ombros. —Isso não era incomum, por isso o enviei tirar os animais para fora. Quando passaram vários minutos e ele não voltou, soube que havia problemas. Mas então, sem dúvida, o guarda já estava morto.

Nikolai assentiu com a cabeça.

—E o intruso já estava dentro da casa.

—Sim, já estava.

—Quanto à menina, a testemunha?

—Ela tinha terminado seu jantar e estava descansando aqui comigo. Estava dormindo no chão perto do fogo, mas despertou bem a tempo para ver que meu atacante de pé bem atrás de mim. Eu nem sequer pude ouvir o bastardo mover-se, ele foi tão sigiloso e rápido.

—Ele era da Raça,— sugeriu Niko.

Yakut assentiu com a cabeça em acordo.

—Sem dúvida nenhuma, ele era da raça. Vestido como um ladrão, todo de preto, a cabeça e o rosto coberto com uma máscara de nylon, que deixava só seus olhos visíveis, mas sem dúvida nenhuma em minha mente que era de nossa Raça. Se eu tivesse que adivinhar, diria que ele inclusive poderia ter sido até um Gen Um apoiado em sua força e velocidade. Se não fosse pela menina que abriu seus olhos e gritou uma advertência, eu teria perdido a cabeça nesse instante. Ele tinha um arame enrolado diante de mim e estava detrás da cadeira. O grito de Mira chamou sua atenção durante o momento crucial, e eu fui capaz de subir minha mão e bloquear o arame antes de me cortar a garganta. Enrolei—me e antes que eu pudesse saltar sobre ele ou chamar meus guardas, escapou.

—Assim tão simples, ele deu meia volta e saiu correndo?— perguntou Nikolai.

—Assim, simples,— respondeu Yakut, com um lento sorriso zombador na esquina de sua boca. —Um olhar a Mira, e o covarde fugiu.

Niko jurou em voz baixa.

—Você é um maldito com muita sorte—, disse ele, encontrando difícil conciliar que um mero olhar de uma menina pudesse causar tal distração a um assassino altamente adestrado, perito. Simplesmente não tinha sentido.

Antes que ele pudesse assinalar esse ponto a Yakut, escutaram o ruído de passos que se aproximavam do outro extremo da sala. Os que entraram em frente ao guarda que Yakut tinha enviado foram Renata e uma delicada menina desamparada. Renata havia retirado suas armas em algum lugar, mas ela andava junto à menina protetoramente, seu frio olhar fixo e cauteloso quando ela levou Mira para dentro da sala.

Nikolai não podia deixar de contemplar o estranho traje da menina. O pijama de cor rosa e as pantufas de coelhinho eram inesperados, mas era o véu negro curto que cobria a parte superior de seu rosto o que lhe pareceu mais discordante.

—Renata me estava lendo uma história,— falou Mira, sua voz suave com um tom de inocência brilhando que parecia tão fora de lugar no domínio cru de Yakut.

—E a história é boa?— O Gen Um perguntou, uma resposta lenta que parecia dirigida mais a Renata que à menina. —Aproxime-se, Mira. Há alguém que quer te conhecer.

O guarda deu um passo atrás uma vez que Mira esteve de pé ante Yakut, mas as botas de Renata se mantiveram ao lado da moça. Em primeira instância Niko se perguntou se a menina seria cega, mas ela se movia sem titubear, caminhando os poucos passos restantes para onde Yakut e Nikolai estavam agora parados.

A pequena cabeça se voltou para o Nikolai sem engano. Ela definitivamente estava observando-o.

—Olá—, disse ela, e deu uma educada pequena inclinação de cabeça.

—Olá—, respondeu Nikolai. —Ouvi o que ocorreu a outra noite. Você deve ser muito valente.— Ela deu de ombros, mas era impossível ler sua expressão quando simplesmente uma parte pequena de seu nariz e sua boca eram visíveis debaixo da dobra do revestimento dianteiro. Nikolai observou na jovem garota travessa, uma menina desamparada de —um metro de altura— que de algum jeito tinha conduzido para fora um vampiro da Raça em uma missão de matar um dos membros mais formidáveis da Estirpe. Tinha que ser uma brincadeira. Estava Yakut burlando-se dele de algum jeito? O que essa menina poderia ter feito para frustrar o ataque?

Nikolai contemplou Yakut, preparado para enfrentá-lo pelo que tinha que ser uma linha de pura estupidez. Não havia nenhuma forma em que o infernal ataque pudesse ter tomado, o caminho que ele havia descrito.

—Tire o véu—, instruiu Yakut à garota, como se ele conhecesse a linha de pensamentos de Niko.

Suas pequenas mãos chegaram até o inicio da pequena tira negra de gaze. Ela apartou o véu arrastando-o fora de seu rosto, mas parecia cuidadosa de manter seus olhos para baixo. Renata ficou muito quieta ao lado da menina, sua expressão agradável, inclusive enquanto seus dedos se apertavam em punhos do seu lado. Ela parecia estar sustentando a respiração, esperando com um ar de antecipação cautelosa.

—Levanta seus olhos, Mira—, ordenou Yakut a menina, sua boca curvada em um sorriso. —Olhe a nosso convidado, e lhe mostre o que ele deseja saber.

Pouco a pouco a franja de pestanas de cor marrom escuro se elevou. A menina levantou seu queixo, e inclinou a cabeça para cima e se encontrou com o olhar fixo de Niko.

—Jesus Cristo—, ele disse entre dentes, apenas consciente de que falava em voz alta, quando teve seu primeiro vislumbre dos olhos de Mira.

Eles eram extraordinários. As íris eram tão brancas, eles estavam tão claros, como se fossem líquidos e indecifráveis, como uma piscina de água incolor. Ou melhor, como um espelho, ele se corrigiu, olhando mais profundo neles porque não podia evitar, aproximando-se, muito mais perto por sua alarmante beleza, insólita de seu olhar fixo.

Ele não sabia quanto tempo ficou olhando fixamente — não podia ter sido mais que alguns segundos, mas agora suas pupilas estavam ficando menores, encolhendo-se debaixo dos pequenos furos negros dentro do circulo infinito de cor branca prateada. A cor brilhava, ondeando como se uma brisa tivesse patinado através da superfície tranqüila.

Incrível. Ele nunca tinha visto nada igual. Ele olhou atentamente mais profundo, incapaz de resistir o jogo estranho da luz em seus olhos.

Quando estes se limparam, Nikolai se viu refletido ali.

Ele se viu si mesmo e a alguém mais… uma mulher. Eles estavam nus, seus corpos pressionados juntos, banhados em suor. Ele a estava beijando calorosamente, enterrando suas mãos nos fios lustrosos de seu escuro cabelo. Empurrando-a debaixo dele enquanto ele se afundava profundamente em seu interior. Ele se viu expondo suas presas, baixando a cabeça e colocando sua boca na curva sensível de seu pescoço.

Saboreando a doçura de seu sangue quando perfurou sua pele e sua veia e começou a beber…

—Santo inferno—, ele saiu do transe, arrancando seu olhar fixo de surpresa alarmante, toda – aparição — muito real. Sua voz estava áspera, sua língua grossa detrás da repentina aparição de suas presas. Seu coração pulsava a grande velocidade, e mais abaixo, seu pênis se havia posto duro como uma pedra. Que justamente tinha acontecido?

Todo mundo estava olhando para ele com exceção de Renata, que parecia mais interessada em ajudar Mira a colocar o véu. Ela sussurrou algo no ouvido da menina, palavras de consolo, pelo tom suave delas. Um riso baixinho, que retumbou de Sergei Yakut, foi secundada ecoando pelas alegres risadas de satisfação dos outros homens.

—O que ela acaba de fazer em mim?— exigiu Niko, no mais mínimo entretido. —Que demônios foi isso?

Yakut se recostou na poltrona e sorriu abertamente como um czar que faz uma brincadeira publica a um de seus opositores.

—Diga—me o que viu.

—A mim mesmo—, disse Nikolai, ainda tratando de encontrar algum sentido. A visão era tão real. Como se tudo isso houvesse realmente ocorrido nesse momento, não a miragem que tinha que ser. Deus sabia que seu corpo estava convencido de que era real.

—Que mais viu você?— perguntou Yakut alegremente. —Diga—me diga, por favor.

Que merda. Niko silenciosamente negou com a cabeça. Ele estaria condenado se fosse comentar a experiência completamente luxuriosa a cada um dos que estavam na sala.

—Vi a mim mesmo… uma visão de mim mesmo, refletida nos olhos da menina.

—O que você viu foi um vislumbre de seu futuro—, informou-lhe Yakut. Ele fez uns gestos para que a garota fosse para seu lado, onde ele envolveu o braço ao redor de seus ombros magros e a atraiu para si, como um bem muito prezado. —Um olhar aos olhos de Mira e você vê uma visão dos acontecimentos em sua vida que estão destinados a vir.

Não demorou e nem necessitou muito para evocar a imagem de novo em sua cabeça. OH, diabos, não, não muito absolutamente. Essa imagem era tão boa para ficar permanentemente gravada em sua memória e em todos seus sentidos. Nikolai tratou de controlar seu pulso para tranqüilizá-lo. Chamando sua firme força – sobre seus pés.

—O que mostrou Mira a seu atacante na semana passada?— ele perguntou, desesperado por trocar a atenção de si mesmo agora.

Yakut deu de ombros.

—Só ele pode saber. A menina não tem nenhum conhecimento do que seus olhos refletem.

Graças a Deus por isso. Niko odiava pensar na educação que ela poderia ter obtido de outra maneira.

—Algo que o filho de puta tenha visto—, adicionou Yakut, —foi suficiente para fazê-lo vacilar e me dar uma oportunidade para escapar da morte que ele veio entregar.— O Gen Um sorriu com satisfação.—O futuro pode ser alarmante, especialmente quando não o espera, não é?

—Sim—, murmurou Nikolai. —Suponho que pode ser.

Ele acabava de conseguir uma dose decente daquele conhecimento de primeira mão. Sobretudo quando a mulher que tinha estado envolvida ao redor dele, nua e retorcendo-se de maneira tão apaixonada entre seus braços, não era outra a não ser a fria e formosa Renata.

 

Essas imagens carnais, todas muito reais, perseguiram Nikolai durante as seguintes horas de luz enquanto ele rondava pelas zonas com árvores do recinto, procurando qualquer evidência que pudesse ficar do ataque frustrado ao Sergei Yakut. Ele comprovou o perímetro da casa principal, mas não encontrou nada. Nem sequer uma pegada no chão argiloso e de barro.

A pista, se o intruso tinha deixado uma, estava fria agora. Ainda assim, não era difícil supor como o assaltante poderia haver-se aproximado de seu objetivo. Esta profundidade nos bosques, sem cercas de segurança, câmaras, ou detectores de movimento para alertar à casa de intrusos na propriedade, o atacante de Yakut poderia ter se escondido no bosque circundante a maior parte da noite, esperando a melhor oportunidade de atacar. Ou poderia ter eleito uma localização mais destacada, pensou Nikolai, seu olhar posto em um pequeno celeiro situado a poucos metros da parte traseira do recinto.

Ele passeou até ali, pensando que a fachada seria uma aquisição recente à propriedade. O bosque estava escuro, não das inclemências naturais do tempo como o resto do lugar, mas sim de uma tintura que o fazia combinar com seus arredores. Não havia janelas em nenhum lado, e a ampla porta de painéis da frente estava reforçada com uma Z de dois por quatro e perfilava uma grande fechadura de aço.

Através do fedido azeite do envernizado bosque, Nikolai podia ter jurado captar um vago cheiro acobreado.

Sangue Humano?

Ele arrastou outra respiração, peneirando o sabor disso através de seus dentes, sobre as sensíveis glândulas de sua língua. Era definitivamente sangue, e definitivamente humano. Não muito tinha sido derramado no outro lado da porta, e pelo débil comichão em suas fossas nasais, julgou estar muito seco e envelhecendo provavelmente vários meses ou mais. Não podia estar seguro a menos que desse uma olhada dentro.

Curioso agora, colocou a mão na grande fechadura e estava a ponto de girá-la quando o rangido de uma folha detrás dele captou sua atenção. Enquanto se virava para encontrar o ruído, estendeu o braço até uma de suas pistolas e amaldiçoou ao recordar que Yakut estava de posse de todas suas armas.

Elevou a vista para encontrar Alexei lhe olhando de onde permanecia em pé na esquina do celeiro. A julgar pelo desprezo brilhante em seus olhos, parecia que seu orgulho ferido não se recuperou ainda de sua confrontação na cidade. Não é que Niko se preocupasse. Tinha pouco uso para idiotas civis pavoneando-se, especialmente aqueles com questões de direito e egos delicados.

—Conseguiu uma chave para esta fechadura?— perguntou ele, sua mão ainda curvada ao redor do vulto do aço reforçado. Se queria, como macho da Raça, podia rasgar a coisa com um giro de seu pulso. Melhor ainda, podia flexionar sua mente e abrir a fechadura com uma ordem mental. Mas era mais interessante chatear o Alexei no momento:

—Importa-se em abrir a porta, ou possivelmente precise pedir permissão ao seu pai primeiro?

Alexei grunhiu na esquina, os braços dobrados sobre o peito.

—Por que deveria abri-la para você? Não há nada de interessante aí dentro. É somente um celeiro. Além disso, está vazio.

—É mesmo? — Niko deixou que a fechadura caísse de sua mão, o metal golpeou pesadamente contra os painéis de madeira. —Cheira como se tivesse estado armazenando humanos aqui dentro. Ensangüentados. O fedor da hemoglobina me golpeou quanto mais me aproximava.— Um exagero, mas queria ver a reação de Alexei.

O jovem vampiro franziu o cenho e lançou um cauteloso olhar à porta impedida. Lentamente agitou sua cabeça.

—Não sabe do que está falando. Os únicos humanos que puseram o pé neste celeiro eram carpinteiros locais que o construíram faz uns poucos anos.

—Então não te importará se eu der uma olhada. — apontou Nikolai.

Alexei pôs-se a rir baixinho.

—O que está fazendo aqui, guerreiro?

—Tratando de descobrir quem tentou matar seu pai. Quero saber como o intruso pôde ter se aproximado o suficiente para atacar e onde poderia ter ido depois.

—Perdoa minha surpresa — disse Alexei, sem desculpa em seu tom, — mas encontro difícil acreditar que um ataque falido — mesmo que a um ancião da raça como meu pai — seja suficiente para trazer um membro da Ordem para uma visita pessoal.

—Seu pai teve sorte. Houve outros Cinco Gen Um da população que não foram tão afortunados.

O olhar de suficiência de Alexei se apagou, substituído por uma sombria gravidade.

—Teve outros ataques? Outros assassinatos?

Nikolai fez um assentimento sério.

— Dois na Europa, os outros nos Estados Unidos. Muitos para ser ao azar, e demasiado peritos para ser nada exceto o trabalho de um profissional. E não parece ser um único esforço. Durante as últimas semanas, uma vez que soubemos dos primeiros assassinatos, a Ordem esteve contatando com todos os Gen Um conhecidos para lhes avisar do que tinha ocorrido. Precisam entender o perigo potencial para poder tomar medidas apropriadas de segurança. Seu pai não lhe disse isso?

O cenho franzido de Alexei sulcou sua escura sobrancelha.

—Ele não disse nada disto. Maldito seja, lhe teria protegido pessoalmente.

Sergei Yakut não tinha informado seu filho do contato recente de Niko, ou da atual erupção da caça de Gen Um, pelo que estava dizendo. Não importa como Alexei tentasse apoiar-se no braço direito de seu pai, Yakut evidentemente o manteria a distância quando chegou a confiar. Sem surpreender-se, dada a natureza suspeita de Yakut. Evidentemente essa suspeita se estendeu a sua própria família de sangue também.

Alexei amaldiçoou.

—Deveria ter me dito isso. Teria me assegurado que tivesse proteção própria no lugar em todo momento. Em vez disso, o bastardo que lhe atacou está ainda livre. Como podemos estar seguros de que não voltará a tentar novamente?

— Não podemos estar seguros disso. De fato, será melhor que continuemos com a hipótese de que haverá outro ataque. Meu convidado chegará mais cedo que tarde.

—Precisa me manter informado — disse Alexei, seu tom tomando essa ponta irritante novamente. — Espero ser alertado imediatamente de algo que encontre, e tudo o que você ou a Ordem pudessem saber sobre esses ataques. Tudo. Entendeu?

Nikolai deixou que um sorrisinho de resposta se estendesse lentamente sobre sua cara.

—Tratarei de recordar.

—Meu pai acredita que é intocável, já vê. Tem a seu guarda—costas à mão, todos eles treinados por ele, leais a ele. E ele tem o conselho de seu oráculo privado também. — Niko deu um assentimento de reconhecimento. — A menina, Mira.

—Viu-a? — o Olhar de Alexei se estreitou, não sabia se com desconfiança ou curiosidade básica. — Assim, — o filho de Yakut disse, — ele lhe permitiu conhecê-la, então. Te deixou olhar seus olhos de bruxa.

—Fez-o.

Quando a mandíbula de Niko permaneceu firme, provavelmente rígida, Alexei sorriu. Sua voz arrastava sarcasmo.

— Agradável vista a que ela te deu de seu destino, não, guerreiro?

Uma repetição instantânea da visão calorosa se moveu através de sua mente como uma maleza lhe queimando do interior. Deu de ombros com um calafrio que não sentiu.

—Vi coisas piores.

Alexei riu. —Bem, não me preocuparia se fosse você. O talento da pequena arpía está longe de ser perfeito. Ela não pode te mostrar todo seu futuro, só imagens breves do que pode vir, apoiado no agora. E ela não pode te ajudar a pôr tudo o que vê dentro de um contexto. Pessoalmente, não encontro à pirralha tão divertida como a meu pai parece. Ele grunhiu, subindo um ombro junto com a esquina de sua zombadora boca. —O mesmo poderia ser dito da outra mulher que ele insiste em manter protegida apesar de minhas dúvidas.

Não havia dúvida de quem ele falava.

—Não é fã da Renata, não?

—Fã dela— murmurou Alexei, cruzando seus braços sobre o peito. —Ela é arrogante. Pensa nela mesma sobre todos outros porque conseguiu impressionar meu pai uma vez ou duas com sua destreza mental. A noite que ela chegou aqui, foi muito audaz para seu próprio bem. Estaria em apuros para encontrar um macho entre todos estes que trabalham para meu pai que não gostariam de vê-la aumentar de intensidade. Pondo à fria e presunçosa arpía em seu lugar, né? Possivelmente se sinta da mesma maneira, depois do que te fez esta noite na cidade?

Nikolai deu de ombros. Ele estaria morto se dizia quão irritante foi ter estado no receptor final de seu ataque mental. Nikolai não podia rechaçar qualquer quantidade de sobressalto. Obviamente ela era uma da Raça, posto que a natureza era contraria a esbanjar poderosos presentes extra-sensoriais sobre o stock básico de Homo Sapiens.

—Nunca vi ninguém como ela— admitiu a Alexei. —Nunca ouvi sobre uma companheira de Raça com esse nível de habilidade. Posso ver por que seu pai dormiria melhor sabendo que ela está perto.

Alexei franziu o cenho.

—Não esteja muito impressionado com ela, guerreiro. A destreza da Renata tem seus méritos, outorgarei-te. Mas ela é muito fraca para controlá-lo.

—Por quê?

—Ela pode enviar a onda mental fora, mas o poder volta para ela, como um eco. Uma vez que a reverberação a golpeia, ela é completamente inútil até que passe.

Nikolai recordou a debilitada rajada de energia mental que Renata lhe tinha dado rédea solta dentro do armazém. Ele era um macho da Raça — seus gens aliens lhe davam a fortaleza e resistência de facilmente dez homens humanos — e tinha sido incapaz de confrontar a dor desse incrível assalto sensorial. Para que Renata atravessava essa mesma angústia cada vez que ela usava sua destreza?

—Cristo— disse Niko. —Deve ser pura tortura para ela.

—Sim—, esteve de acordo Alexei, sem preocupar-se de dissimular seu tom leviano. —Estou bastante seguro disso.

Nikolai não deixou de ver o sorriso no fraco rosto do mais jovem dos Yakut.

—Desfruta em vê-la sofrer?

Alexei grunhiu.

—Não poderia me preocupar menos. Renata é inadequada para o papel em que meu pai a colocou. Ela é ineficaz como sua guarda—costas – um risco que temo poderia lhe levar a ser assassinado um dia. Se estivesse em seu lugar, não duvidaria em jogá-la sobre seu arrogante traseiro.

—Mas você não está no lugar de seu pai— Niko lhe recordou, só porque Alexei parecia muito entusiasta imaginando-o.

O vampiro olhou Niko em silencio durante um longo e incômodo momento. Então esclareceu sua garganta e cuspiu no chão.

—Termina sua investigação, guerreiro. Se encontrar algo interessante, me informe em seguida.

Nikolai meramente olhou o filho de Yakut, sem palavras que apoiassem o civil a contar com sua promessa. Alexei não o pressionou, só girou lentamente sobre seus calcanhares e partiu em direção ao recinto.

 

Renata silenciosamente abriu a porta do quarto de Mira e olhou com atenção dentro a adormecida menina que descansava pacificamente sobre a cama. Simplesmente uma menina normal com um pijama cor rosa, sua suave bochecha apoiada contra o travesseiro magro, soprando o fôlego ritmicamente da boca em forma de querubim delicada. Sobre a mesinha rústica próxima à cama estava o curto véu negro que cobria os olhos notáveis de Mira em todo momento quando ela esta acordada.

—Doces sonhos, anjo—, sussurrou Renata em voz baixa, palavras esperançadoras. Ela se preocupava com Mira mais e mais ultimamente. Não eram só pelos pesadelos que se estabeleceram depois do ataque que tinha presenciado, a não ser a saúde geral de Mira pelo que Renata se preocupava à maioria do tempo. Apesar de que a garota era forte, sua mente rápida e aguda, ela não estava de todo bem.

Mira rapidamente estava perdendo a visão.

Cada vez que ela era obrigada a exercitar seu dom da reflexão pré-cognitiva, algo de sua própria vista se deteriorava. Isto tinha estado ocorrendo constantemente durante meses antes que Mira tivesse crédulo na Renata sobre o que estava acontecendo com ela. Ela tinha medo, como qualquer criança teria. Possivelmente mais então, porque Mira era sábia além de seus oito anos de idade. Ela tinha entendido que o interesse de Sergei Yakut se evaporaria no momento em que o vampiro a considerasse sem nenhuma utilidade para ele. Ele a expulsaria, possivelmente inclusive a mataria se isso lhe agradava.

Assim nessa noite, Renata e Mira haviam feito um pacto: Manteria a condição de Mira em segredo entre elas, levando-lhe à tumba, se fosse necessário. Renata tinha levado a promessa mais adiante, jurando a Mira que a protegeria com sua própria vida. Jurou que nenhum dano ia acontecer a ela, causado nem pelo Yakut ou qualquer outra pessoa, seja da raça ou humano. Mira estaria a salvo da dor e a escuridão da vida de uma maneira que Renata jamais tinha conhecido.

Que a menina tivesse sido exibida para entreter o hóspede não convidado de Sergei Yakut esta noite só adicionou mais irritação ao estado atual de Renata. O pior de sua repercussão psíquica tinha passado, mas ainda persistia uma dor de cabeça nos extremos de seus sentidos. Seu estômago ainda não tinha deixado de revolver-se. As pequenas ondas de náuseas formavam ondas nela como uma maré que retrocede pouco a pouco.

Renata fechou a porta de Mira, tremendo e estremecendo-se um pouco com o balanço de outro pequeno tremor sobre seu corpo. O longo banho que acabava de tomar tinha ajudado a aliviar alguns de seus mal-estares, embora até por debaixo de suas calças folgadas de cor grafite e seu pulôver suave de algodão branco, sua pele ainda seguia zumbindo, em carne viva com o chiado da eletricidade que nadava debaixo.

Renata esfregou as palmas das mãos sobre as mangas de sua camisa, tratando de afugentar algo da sensação ainda acesa como fogo que viajava pelos seus braços. Muito acordada para dormir, ela se deteve em seu próprio quarto só o tempo necessário para recuperar um pequeno contrabando de adagas de seu baú de armas. O treinamento sempre tinha demonstrado ser um ponto de bem vinda para sua inquietação. Ela desfrutava das horas do castigo físico ao qual infligia a si mesmo, feliz pelo treinamento rigoroso de exercícios que levava a cabo, com o intuito de levantar-se.

Da terrível noite em que ela se encontrou inundada no mundo perigoso de Sergei Yakut, Renata tinha aperfeiçoado cada músculo de seu corpo a sua condição máxima, trabalhava servilmente para assegurar-se de que era tão aguda e letal como as armas que levava cobertas no envoltório de seda e veludo que agora sustentava na mão.

Sobreviver. Esse simples pensamento de guia tinha sido seu farol do momento em que era uma menina inclusive mais jovem que Mira. E tão somente… Uma órfã abandonada na capela de um convento de Montreal, Renata não tinha nenhum passado, nenhuma família, nenhum futuro. Ela somente existia, só isso.

E para a Renata, isso tinha sido suficiente. Era suficiente, inclusive agora. Sobretudo agora, que navegava pelo mundo subterrâneo do reino traiçoeiro de Sergei Yakut. Havia inimigos por todos os lados, ao redor dela neste lugar, tanto escondidos como visíveis. Inumeráveis formas de que ela desse um passo em falso, para equivocar-se. Infinidade de oportunidades para ela de desgostar ao desumano vampiro que segurava sua vida nas mãos e terminar morta, sangrando. Mas nunca sem uma briga.

Seu mantra dos dias tempranos da infância serviu a ela de maneira acertada aqui: Sobreviver outro dia. Depois outro e outro.

Não havia nenhum espaço para a brandura nesta equação. Nenhum direito de emissão para a piedade ou a vergonha ou o amor. Especialmente, não para o amor, de nenhuma espécie. Renata sabia que seu afeto por Mira — que alimentava o impulso que lhe dava forças para nivelar o caminho da menina, para protegê-la como a alguém de sua própria família — provavelmente ia custar lhe muito caro no final.

Sergei Yakut tinha perdido pouco tempo explorando essa debilidade nela, Renata tinha as cicatrizes para demonstrar.

Mas ela era forte. Não tinha encontrado nada nesta vida que não pudesse suportar, fisicamente ou de outra maneira. Tinha sobrevivido a tudo isso. Afiada e forte, letal quando tinha que ser.

Renata saiu alojamento do albergue e caminhou a grandes passos através da escuridão para um dos edifícios periféricos anexos que estavam atrás. O caçador que originalmente tinha construído o bosque composto evidentemente tinha adorado seus cães. Um velho canil de madeira estava de pé atrás da residência principal, disposto como um estábulo, com um amplo espaço que se reduzia ao centro e quatro baias de acesso controladas alinhadas em ambos os lados. O teto de viga aberto alcançava seu ponto máximo a uns quatro metros e meio de altura.

Embora pequeno, era um espaço aberto, bem ventilado. Havia um celeiro maior, mais novo na propriedade que permitia uma circulação mais fluída, mas Renata tendia a evitar o outro edifício.

Uma vez dentro desse lugar escuro, insalubre e úmido era suficiente. Se ela pudesse fazer o que queria, já teria queimado a maldita coisa até as cinzas.

Renata acendeu o interruptor dentro da porta do canil e se estremeceu quando a lâmpada nua no alto derramou uma luz amarela áspera pelo espaço. Ela entrou, caminhando pelo chão liso e apertado de terra, para frente, além dos extremos pendurados de duas correias largas, trançadas de couro que se colocavam ao redor da viga que estavam no centro da estrutura. No extremo mais afastado do canil interior se encontrava um poste de madeira alto que estava acostumado a ser equipado com pequenos ganchos de ferro e laços para o armazenamento de correias e demais artes. Renata tinha bisbilhotado e havia se desfeito dos arranjos faz uns meses, e agora o poste funcionava como um alvo, a madeira escura marcada com cortes profundos e rupturas. Renata colocou suas lâminas envoltas em um fardo de palha próximo e se agachou. Tirou os sapatos e caminhou descalça até o centro do canil. Moveu-se até alcançar o par de correias de couro compridas que havia, uma em cada mão. Ela enrolou o couro ao redor de seus pulsos algumas vezes, provando a folga destas. Quando o sentiu cômodo, se estendeu flexionando os braços e se levantou do chão tão brandamente como se tivesse asas. Suspensa, com essa sensação de falta de gravidade, temporalmente transportada, Renata começou seu aquecimento com as correias. O couro rangia brandamente quando deu a volta e girou seu corpo a vários metros do chão. Esta era a paz para ela, a sensação de seus membros ardendo, ficando mas fortes e mais ágil com cada movimento controlado.

Renata se deixou deslizar-se em uma meditação ligeira, seus olhos fechados, todos seus sentidos treinados para o interior, concentrando-se em seu ritmo cardíaco e sua respiração, no fluido concerto de seus músculos quando ela se soltou de um de um agarre longo, para manter a imposição a outro. Não foi até que ela tinha girado sobre seu eixo para ficar em uma postura com a cabeça para baixo, e seus tornozelos agora afiançando bem as correias para sustentá-la no alto, que ela sentiu uma leve agitação no ar a seu redor. Foi repentino e sutil, mas inconfundível.

Tão inconfundível como o calor de um fôlego que exalava agora esquentando sua bochecha.

Seus olhos se abriram de repente. Lutado para enfocar nos arredores invertidos e o intruso que estava de pé debaixo dela. Era o guerreiro da Raça —Nikolai.

—Merda!— ela disse entre dentes, sua falta de atenção fazendo oscilar um pouco o domínio das correias. —Que diabos acredita que está fazendo?

—Tranqüila—, disse Nikolai. Ele levantou as mãos como se fora estabilizá-la. —Não estava tentando te assustar.

—Você não o fez—. Respondeu ela com palavras planas, pronunciadas com frieza. Com uma líquida flexão de seu corpo, moveu-se fora de seu alcance. –Se importa? Está interrompendo meu treinamento.

—Ah—. Suas sobrancelhas loiras se arquearam para cima enquanto seu olhar seguia a linha de seu corpo aonde ainda pendurava dos tornozelos. —O que é exatamente o que está treinando ali em cima, para o Cirque du Soleil?

Ela não lhe o prazer de uma resposta. Não é que ele esperasse uma. Ele girou longe dela e se dirigiu para o poste que estava no outro extremo do canil. Ele estendeu a mão e seus dedos rastrearam as mais profundas das muitas cicatrizes que havia na madeira. Então ele encontrou suas adagas e levantou o tecido que as continha. O metal tilintou ao chocar brandamente dentro do quadrado dobrado de seda atado com a cinta de veludo.

—Não toque nisso—, disse Renata, liberando-se das correias e balançando-se ao redor para colocar seus pés no chão. Ela caminhou para frente com passos majestosos. —Eu disse, que não os tocasse. São meus.

Ele não resistiu quando ela lhe arrebatou a apreciada posse -as únicas coisas de valor que ela podia reclamar como suas – estavam em suas mãos. O aumento em suas emoções lhe fez girar a cabeça um pouco, os efeitos secundários até persistentes da repercussão psíquica que ela esperava tivessem passado. Ela deu um passo para trás. Teve que trabalhar para manter estável sua respiração.

—Está bem?

Não gostou do olhar de preocupação refletido em seus olhos azuis, como se ele pudesse sentir sua debilidade. Como se soubesse que ela não era tão forte como queria, necessitava aparentar.

—Estou bem.

Renata colocou as adagas em uma das baias do canil e as desembrulhou. Uma por uma, ela cuidadosamente colocou cada uma das quatro esculpidas adagas feitas a mão sob a divisória de madeira diante dela. Forçando um tom ligeiramente presumido em sua voz.

—Parece que quem deveria estar te fazendo essa pergunta deveria ser eu, não parece? Te deixei cair bastante duro lá atrás na cidade.

Ela escutou seu grunhido baixo em algum lugar detrás dela, quase como se fora uma brincadeira.

—Nunca se pode ser muito cauteloso quando se trata de estrangeiros,— disse ela. —Sobretudo agora. Estou segura de que você entende.

Quando ela finalmente o percorreu com um olhar, o encontrou olhando-a fixamente. —Querida, a única razão pela que você teve a possibilidade de poder me derrubar foi porque você jogou sujo. Assegurou-te de que eu te notasse, fingindo que tinha algo que ocultar e sabendo que ia seguir-te fora daquele clube. Diretamente para sua pequena armadilha.

Renata levantou seus ombros, sem arrependimento.

—Tudo vale no amor e na guerra—. Deu um suave sorriso acompanhado por um par de covinhas em suas bochechas magras. —É isto, a guerra?

—É seguro como o inferno que não é o amor.

—Não—, ele disse, tornando-se todo sério agora. —Isso nunca.

Bem, ao menos eles estavam de acordo em algo.

—Quanto tempo esteve trabalhando para Yakut?

Renata sacudiu a cabeça como se fosse incapaz de recordar isso particularmente, apesar de que a noite estava gravada em sua mente como se tivesse sido queimado ali. Alagada pelo sangue. Imponente. O começo de um fim.

—Não sei—, disse ela ligeiro. —Alguns anos, suponho. Por quê?

—Simplesmente me perguntava como uma fêmea, sem importar que seja uma Companheira de Raça com sua habilidade psíquica poderosa — terminou nesta linha de trabalho, especialmente para um Gen Um como ele. É estranho, isso é tudo. Demônios, é inaudito. Tão somente, me diga. Como é que você está conectada com Sergei Yakut?

Renata ficou contemplando fixamente este guerreiro, este forasteiro, perigoso e ardiloso, que de repente estava intrometendo-se em seu mundo. Ela não estava segura de como responder. Certamente ela não estava a ponto de lhe dizer a verdade.

—Se você tiver perguntas, talvez devesse perguntar a ele.

—Sim—, disse ele, estudando-a mas estreitamente agora. —Talvez o faça. E o que passa com a menina — Mira? Ela está aqui tanto tempo como você?

—Não tem muito tempo, não. Logo que faz seis meses. Renata tratou de parecer indiferente, mas um feroz instinto de proteção se levantou nela com a simples menção do nome de Mira sobre os lábios deste macho da Raça. —Ela passou por muito em tão pouco tempo. Coisas que nenhuma criança deveria testemunhar.

—Como o ataque contra Yakut semana passada?

E outras, mais sombrias, coisas, Renata reconheceu interiormente.

—Mira tem pesadelos quase todas as noites. Ela quase não dorme mais que algumas horas faz um tempo.

Ele assentiu com a cabeça em reconhecimento sóbrio.

—Este não é um bom lugar para uma menina. Alguns poderiam dizer que não é lugar para uma fêmea tampouco.

—É isso o que você diria, guerreiro?

Seu sorrisinho afogado de resposta nem confirmou nem negou isso.

Renata o observou, enquanto surgiam nela pergunta borbulhando em sua mente. Uma em particular.

—O que viu nos olhos de Mira mais cedo esta noite?

Ele grunhiu algo baixo em seu fôlego.

—Confia em mim, você não deseja sabê-lo.

—Estou te perguntando, não? O que lhe mostrou ela?

—Esquece—. Sustentando seu olhar, passou uma mão pelos fios de cor ouro de seu cabelo e logo exalou uma maldição forte e desviou o olhar dela. —De qualquer maneira, isso não é possível. A garota definitivamente se equivocou.

—Mira não se equivoca nunca. Ela não se equivocou nenhuma vez, não em todo o tempo que a conheci.

—É isso assim?— Seu penetrante olhar azul voltou fixamente para ela, ambos o calor e frio viajaram ao longo de seu corpo com seu lento e avaliador olhar. —Alexis me disse que sua habilidade é imperfeita.

—Lex—. Renata burlou-se. —Faça um favor e não ponha sua fé em nada do que Lex diga. Ele não diz e não faz nada sem um motivo oculto.

—Obrigado pelo conselho—. Ele se recostou atrás contra o poste marcado com cicatrizes pelas adagas. —Então, se é assim, não é certo, o que ele disse — que os olhos de Mira só refletem os acontecimentos que poderiam ocorrer no futuro, apoiado no agora?

—Lex pode ter suas próprias razões pessoais para desejar que não seja assim, mas Mira nunca se equivoca. Tudo o que ela mostrou esta noite, esta destinado a acontecer.

—Destinado—, disse ele, parecendo divertido com isso. —Pois bem, merda. Então acredito que estamos condenados.

Ele a olhou fixamente quando pronuncio essas palavras, tudo a desafiava para que perguntasse se ele deliberadamente a tinha incluído em sua observação. Dado que a idéia parecia terrivelmente divertida, ela não estava a ponto de lhe dar a satisfação de perguntar o por que. Renata agarrou uma de suas adagas e provou o peso dela em sua palma aberta. O frio do aço se sentia bem contra sua pele, sólido e familiar. Seus dedos morriam de vontade de trabalhar. Seus músculos agora estavam flexíveis pelo aquecimento, preparados para ser empurrados por uma ou duas horas de duro treinamento. Ela girou ao redor com a lâmina na mão e dirigiu um sinal para o poste onde Nikolai se encontrava apoiado.

—Se importa? Eu não quero julgar mal minha marca e golpear acidentalmente em seu lugar.

Ele percorreu com o olhar o poste e deu de ombros.

—Mas não seria mais interessante o combate de treinamento com um oponente real que pode te devolver o golpe? Ou talvez para ti funcione melhor com as probabilidades empilhadas de forma desigual em seu favor.

Ela sabia que ele estava pondo uma isca, mas o brilho de seus olhos era de brincalhão, brincalhão. Estava ele realmente paquerando com ela? Sua natureza prática lhe fez arrepiar os pelos da nuca com cautela. Ela passou o polegar pelo bordo da lâmina enquanto o olhava, insegura do que fazer com ele agora.

—Prefiro trabalhar sozinha.

—Muito bem. — Ele inclinou sua cabeça, mas só fez um pequeno deslocamento do caminho. Desafiando-a com seu olhar. —Faz o que queira.

Renata franziu o cenho.

—Se você não se mover, como pode estar seguro que não vou ter acertar?

Ele sorriu abertamente, completamente cheio de arrogância divertida, seus grossos braços cruzados sobre seu peito.

—Aponta a tudo o que você queira. Nunca me golpearia.

Ela deixou à lâmina voar sem a mas mínima advertência.

O aço afiado lhe deu uma dentada à madeira fazendo uma fenda profunda, golpeando no lugar exatamente onde ela o tinha enviado. Mas Nikolai se foi. De qualquer jeito, desaparecendo de sua linha de visão por completo. Merda. Ele era da Estirpe, muito mais rápido que qualquer ser humano, e tão ágil como um depredador da selva. Ela não era nenhuma rival para ele com as armas ou a força física, sabia isto inclusive antes de enviar a adaga voando pelo ar. Entretanto, ela havia esperado ao menos diminuir o arrogante, presunçoso filho da puta por provocá-la.

Seus próprios reflexos afiados pela precisão, Renata estirou seu braço e alcançou outra de suas adagas na espera. Mas quando seus dedos se fecharam ao redor do punho lavrado, ela sentiu o ar revolver-se detrás dela, sentindo o calor através da longitude dos fios de cabelo que estavam sobre seu queixo.

O metal afiado de um facão, subiu por debaixo de sua mandíbula. Uma dura parede muscular lhe apertava a coluna vertebral.

—Não me acertou!. Sentiu minha falta?.

Ela tragou saliva cuidadosamente ao redor da prensa da lâmina que estava sob seu queixo. Tão brandamente como ela poderia fazer, relaxou seus braços para os lados. Então nesse momento atraiu com a mão a adaga sobre seu eixo desde detrás dela para descansá-la significativamente entre suas coxas separadas.

—Parece que te encontrei.

Simplesmente porque ela podia, Renata o golpeou com uma pequena sacudida do poder de sua mente.

—Merda—, grunhiu ele, e no instante em que seu agarre sobre ela relaxou, ela saiu de seu alcance e se voltou para enfrentá-lo. Ela esperava a cólera dele, temia-a um pouco, mas ele só levantou sua cabeça e dirigiu a ela um pequeno encolhimento de ombros. —Não se preocupe, querida. Só vou ter que jogar contigo até que as repercussões se ativem e lhe derrubem.

Enquanto ela o contemplava, confusa e aflita pensando que ele pudesse saber sobre a imperfeição que tinha sua habilidade, ele disse:

—Lex me pôs a par de algumas coisas sobre você também. Ele me contou o que acontece cada vez que disparas um daqueles mísseis psíquicos. Componente muito poderoso. Mas eu em seu lugar, não o gastaria só porque se sente na necessidade de demonstrar um ponto.

—A merda com o Lex—, murmurou Renata. —E a merda você também. Não necessito seus conselhos, e seguro como o inferno não necessito nenhum de vocês dois falando merda a respeito de mim pelas minhas costas. Esta conversa terminou.— Zangada como estava agora, ela impulsivamente flexionou para trás seu braço e lançou a adaga em sua direção, sabendo que ele facilmente podia sair de seu caminho justo como antes. Só que dessa vez ele não se moveu. Com um estalo rápido como um relâmpago de sua mão livre, ele estendeu a mão e capturou a lâmina que navegava sobre o ar. Com um sorriso totalmente satisfeito conseguiu que ela —perdesse as estribeiras.

Renata arrancou a última adaga de seu lugar de descanso no suporte do canil e a enviou voando para ele. Mas igual a outra antes desta, também foi pega no ar e agora estavam apanhadas nas mãos hábeis do guerreiro da Raça.

Ele a olhou, sem piscar, com um calor masculino que deveria deixá-la gelada, mas que não o fez.

—E agora o que vamos fazer para nos divertir, Renata?

Ela o fulminou com o olhar.

—Se entretenha você mesmo. Eu vou embora daqui.

Se deu a volta, pronta para sair com passo majestoso do canil. Apenas tinha dado dois passos quando escutou um som agudo em ambos os lados de sua cabeça tão perto que alguns fios errantes de seu cabelo voaram para frente de sua cara.

Então, por diante dela, observou sobrevoar uma mancha imprecisa de aço, que estalou para o outro extremo da parede.

Golpe seco – golpe seco.

As duas adagas que tinham navegado por diante de sua cabeça com um objeto errático – estavam agora sepultadas na velha madeira a metade de caminho de seus punhos. Renata se deu a volta, furiosa.

—Seu filho da puta…

Ele se lanço justo em cima dela, seu enorme corpo obrigando-a a ir para trás, seus olhos azuis brilhando intermitentemente com algo mais profundo que a simples diversão ou a básica arrogância masculina. Renata retrocedeu um passo, só o suficiente para que ela pudesse equilibrar seu peso sobre os calcanhares. Ela foi para trás e girou sobre seu corpo, elevando sua outra perna em um chute giratório.

Dedos tão inflexíveis como barras de ferro se fecharam ao redor de seu tornozelo, retorcendo-o.

Renata caiu no chão do canil, asperamente sobre suas costas. Ele a seguiu até ali, estendendo-se assim mesmo sobre ela e encurralando-a por debaixo dele enquanto ela lutava agitando violentamente seus punhos e ondulando as pernas. Só lhe requereu um minuto para dobrá-la.

Renata ofegava pelo esforço excessivo, seu peito elevava-se pela velocidade de seu pulso.

—Agora, quem é o que deseja demonstrar algo, guerreiro? Você ganhou. Está feliz agora?

Ele ficou com o olhar fixo nela em um estranho silêncio, nem demonstrando regozijo ou aborrecimento.

Seu olhar fixo se mantinha estável e tranqüilo, muito íntimo. Ela podia sentir seu coração martelando contra o peito. Suas coxas posadas escancaradas sobre ela, enquanto tinha suas duas mãos presas por cima de sua cabeça. Ele a sustentava com firmeza, seus dedos segurando-se ao redor de seus punhos em um suave apertão, incrivelmente carinhoso. O olhar fixo dele se desviou até onde a segurava por suas mãos, com um brilho de fogo que crepitava sobre sua íris quando se encontrou com a pequena marca de nascimento cor carmesim de uma lagrima que caía montada sobre uma meia lua que havia dentro de seu pulso direito. Com seu polegar acariciou aquele preciso lugar, uma carícia fascinante e hipnótica que enviou um calor correndo por suas veias.

—Ainda quer saber o que vi nos olhos de Mira?

Renata ignorou a pergunta, segura de que isso era a ultima coisa que ela precisava saber nesse momento. Ela lutou com força debaixo da molesta laje muscular de seu corpo pesado, mas ele a dominava com maldito pouco esforço. Bastardo.

—Saia de cima de mim!

—Me pergunte outra vez, Renata. O que foi que vi?

—Eu te disse para sair de cima de mim—, grunhiu ela, sentindo o aumento do pânico dentro de seu peito. Tomou uma respiração para acalmar-se, sabendo que tinha que manter a calma. Tinha que manter a situação sob controle, e rapidamente. A última coisa que precisava era que Sergei Yakut saísse para procurá-la e a encontrasse cravada e impotente debaixo deste outro macho. —Me deixe sair agora.

—Do que tem medo?

—De nada, maldito seja!

Ela cometeu o engano de levantar seu olhar fixo para ele. Um calor âmbar infiltrou-se dentro do interior do azul de seus olhos, fogo devorando o gelo. Suas pupilas começaram a estreitar rapidamente, e detrás da limpa careta de seus lábios, ela observou as pontas agudas de suas emergentes presas.

Se ele estava zangado agora, essa era só uma parte da causa física de sua transformação; já que onde sua pélvis se posava ameaçadoramente sobre ela, ela sentia a crista dura em sua virilha, a dilatação muito evidente de seu membro pressionando-se deliberadamente entre suas pernas.

Ela se moveu, tentando escapar desse calor, da erótica posição de seus corpos, mas isso só o deixou mais encaixado sobre ela. O pulso acelerado de Renata se elevou até mais em um ritmo urgente, e um calor não desejado começou a florescer em seu núcleo.

OH, Deus!. Não é bom. Isto não é nada bom.

—Por favor—, ela gemeu, odiando a si mesmo pelo débil tremor que soou no momento de pronunciar a palavra. Odiando a ele também.

Queria fechar os olhos, recusando-se a ver o ardente e fixo olhar faminto ou sua boca que estava tão perto da sua. Queria negar-se a sentir todo o ilícito que ele movia nela — o perigo deste inesperado, desejo mortal. Mas seus olhos ficaram arraigados nos seus, incapaz de apartar o olhar, a resposta de seu corpo para ele era mais forte que o mesmo ferro, inclusive que sua vontade.

—Me pergunte o que a menina me mostrou esta noite em seus olhos—, exigiu ele, com voz, tão baixa como um ronrono. Seus lábios estavam tão perto dos seus, a pele suave roçou sua boca quando lhe falou. —Pergunte-me isso Renata. Ou talvez prefira ver por ti mesmo a verdade.

O beijo passou através de seu sangue como fogo.

Os lábios se pressionaram juntos com paixão, o quente fôlego apressando-se, mesclando-se. Sua língua explorou as comissuras de sua boca, inundando-se em seu interior afogando seu grito mudo de prazer. Ela sentiu seus dedos acariciando suas bochechas, deslizando-se sobre o cabelo de sua têmpora, e depois, ao redor de sua nuca sensível. Ele a elevou para ele, inundando-a mais profundamente no beijo que a estava derretendo, rompendo toda sua resistência.

Não. OH, Deus! Não, não, não.

Não posso fazer isto. Não posso sentir isto.

Renata se separou da erótica tortura de sua boca, voltando a cabeça para um lado. Ela estava tremendo, suas emoções estavam subindo a um nível perigoso. Ela arriscava muito aqui, com ele agora. Muito.

Maria Mãe, mas ela tinha que apagar esta chama que ele tinha aceso dentro de seu interior. Estava derretendo-se, mortalmente. Tinha que apagá-la rapidamente. Seus dedos quentes tocaram seu queixo, dirigindo seu olhar novamente à fonte de sua angústia.

—Está bem?

Ela extraiu suas mãos de seu afeto, do punho por cima de sua cabeça e o separou de um empurrão, incapaz de falar.

Ele se afastou imediatamente. Tomou a mão dela e a ajudou a ficar de pé, ela não queria nenhuma ajuda, mas estava muito afetada para rechaçá-lo. Ficou ali de pé, incapaz de olhá-lo, tratando de reagrupar-se.

Rezando como o inferno para que não tivesse acabado de assinar sua própria sentença de morte.

—Renata?

Quando finalmente encontrou sua voz, filtrou-se através dela, tranqüila e fria, com desespero.

—Te aproxime de mim outra vez—, disse ela, —E juro que vou te matar.

 

Alexei estava esperando há mais de dez minutos fora do quarto privado de seu pai, sua chamada para uma audiência não tinha mais consideração que a de qualquer um dos outros guardas de segurança de Yakut. A falta de respeito – a flagrante indiferença — doeu durante muito tempo. Tinha mudado esse passado amargo e inútil de anos a favor de coisas mais produtivas.

Oh, na cavidade mais profunda do estômago de Lex ainda doía saber que seu pai — seu único parente vivo — podia pensar embora só um pouco nele, mas o calor do constante e patente rechaço tinha chegado de alguma forma a ser menos doloroso. Era assim simplesmente como eram as coisas. E Lex era mais forte por isso, de fato. Era igual a seu pai de maneiras que nem o velho bastardo nunca poderia imaginar, caminhando curvado e só para admiti-lo.

Mas Lex conhecia suas próprias capacidades. Sabia suas próprias fortalezas. Sabia sem dúvida nenhuma que podia ser muito mais do que era agora, e desejava a oportunidade de demonstrá-lo. A ele mesmo e, sim, ao filho da puta que o engendrou também.

O entalhe de metal ondulou quando a porta finalmente aberta fez que os pés de Lex se detivessem.

—Bem a tempo— grunhiu ele ao guarda que ficou ao seu lado para deixá-lo entrar.

O lugar estava às escuras, iluminado só pelo brilho das lenhas que ardiam na enorme chaminé de pedra na parede oposta. A casa estava conectada com eletricidade, mas era raramente utilizada – não havia necessidade real para luzes quando Sergei Yakut e o resto da Raça tinha extraordinária visão, especialmente na escuridão.

Os outros sentidos da Raça eram também bastante agudos, mas Lex suspeitava que inclusive um humano estaria em apuros ao sentir os aromas misturados de sangue e sexo que se fundiam com o aroma azedo da fumaça da chaminé.

—Perdoe por interromper— murmurou Lex, enquanto seu pai saía de um quarto anexo.

Yakut estava nu, seu pênis ainda parcialmente ereto, sua corada longitude inclinando-se obscenamente com cada movimento. Enojado pela vista, Lex piscou, e desviou o olhar. Rapidamente pensou melhor nisso, rejeitando dar um débil impulso que estava seguro seria usado contra ele. Em vez disso olhou seu pai entrar no quarto, os olhos do velho vampiro brilhavam como carvões âmbar colocados no fundo de seu crânio, com suas pupilas reduzidas a estreitas e verticais frestas em seu centro. Suas presas eram enormes em sua boca, completamente estendidas e afiadas como lâminas. Uma camada de suor cobria o corpo de Yakut, cada polegada da lívida cor latente de seus dermaglifos, as únicas marcas de sua pele da Raça que se estendiam da garganta aos tornozelos dos Gen Um. Sangue fresco — inequivocamente humano, entretanto fraco – mas com suficiente aroma para indicar a origem de um Subordinado — manchava todo seu torso e flancos. Lex não estava surpreso pela evidência da recente atividade de seu pai, nem pelo fato que o trio de vozes fracas no outro quarto fossem as de seu atual grupo de escravas humanas. Criar e manter subordinados, algo que só as estirpes mais puras e poderosas da raça eram capazes de fazer, tinha sido durante longo tempo uma prática ilegal entre a educada sociedade da Raça. Entretanto, assim era feito pelo menos entre os segmentos de Sergei Yakut. Fazia suas próprias regras, dispensava sua própria justiça, e aqui, neste lugar remoto, deixava claro a todos que era o rei. Inclusive Alex podia apreciar esse tipo de liberdade e poder. Demônios, podia virtualmente saboreá-lo.

Yakut lhe dirigiu um olhar desdenhoso do outro lado do quarto.

—Você olhou e viu a morte diante de mim.

Lex franziu o cenho.

—Senhor?

—Se não fosse pelas restrições do guerreiro e minha intervenção nesta noite, estaria acompanhando Urien nesse depósito da cidade, ambos os corpos esperando o amanhecer.

O desprezo alagava cada sílaba. Yakut recolheu uma ferramenta de ferro do lado da chaminé e moveu as lenhas no lugar.

—Salvei sua vida esta noite, Alexei. O que mais espera que te dê esta tarde?

Lex se zangou ao recordar sua recente humilhação, mas sabia que o ódio não o ajudaria, particularmente não quando estava enfrentando seu pai. Fez um movimento diferente com sua cabeça, encontrando uma maldita dura resistência para manter o tom de sua voz.

—Sou seu fiel servente, pai. Não me deve nada. E não peço nada exceto a honra de sua contínua confiança em mim.

Yakut grunhiu.

—Fala mais como um político que como um soldado. Não necessito políticos em minhas filas, Alexei.

—Sou um soldado— respondeu rapidamente Lex, elevando sua cabeça e olhando enquanto seu pai continuava movendo o pau de ferro no fogo. As lenhas se rompiam, faíscas saltavam para cima, golpeando o comprido e letal silêncio que caía sobre o ambiente. —Sou um soldado— afirmou de novo Lex. —Quero te servir o melhor que possa, Pai.

Uma brincadeira agora, mas Yakut girou sua descabelada cabeça para olhar Lex por cima do ombro.

—Dá-me palavras, menino. Eu não tenho nenhuma obrigação de confiar em suas palavras. Ultimamente não posso ver que me tenha devotado nada mais.

—Como espera que eu seja eficiente se não me mantêm melhor informado?

Quando esses olhos matizados de âmbar com suas estilhaçadas pupilas se estreitaram afiadamente sobre ele, Lex se deu pressa em acrescentar:

—Corri até o guerreiro nos campos. Ele me disse sobre os recentes assassinatos dos Gen Um. Disse que a Ordem tinha contatado com você pessoalmente para te avisar do perigo potencial. Deveria haver me participado isso, pai. Como capitão de sua guarda, mereço ser informado.

—Merece o que?— a pergunta saiu dos lábios de Yakut. —Por favor, Alexei… me diga só o que sente que merece.

Lex permaneceu em silêncio.

—Nada a acrescentar, filho?— Yakut moveu sua cabeça em um ângulo exagerado, sua boca mostrou um sorriso sarcástico. —Uma acusação semelhante me foi lançada há anos pelos lábios de uma estúpida mulher que pensava poder apelar a meu sentido de obrigação. A minha misericórdia, possivelmente. Riu entre dentes, voltando sua atenção de novo ao fogo, para removê-lo de novo nas brasas. —Sem dúvida recorda o que aconteceu.

—Recordo— respondeu com cuidado Lex, surpreso pela seca situação de sua garganta enquanto falava.

As lembranças formaram redemoinhos junto com as ondulantes chamas da chaminé.

Ao norte da Rússia, no fim do inverno. Lex era um menino, mal tinha dez anos, mas era o homem de seu precário lar tanto como podia recordar. Sua mãe era tudo o que tinha. A única que sabia como era realmente, e o queria apesar de tudo.

Tinha se preocupado na noite que havia dito que ia levá-lo para conhecer seu pai pela primeira vez. Ela disse a Lex que tinha sido um segredo que tinha mantido — seu pequeno tesouro. Mas o inverno tinha sido duro, e eram pobres. Necessitavam refúgio, alguém que os protegesse. O campo estava em confusão, inseguro para uma mulher cuidando de um menino como Lex sozinha. Ela rogou ao pai de Lex que os ajudasse. Prometeu que ele abriria seus braços em boas vindas uma vez que tivesse conhecido seu filho.

Sergei Yakut lhes tinha dado boas vindas com uma fria ira e um terrível e impensável ultimato.

Lex recordava as preces de sua mãe a Yakut para que os acolhesse...completamente ignoradas. Recordava à orgulhosa e bela mulher ajoelhando-se diante de Yakut, rogando que se não se preocupava com ambos que cuidasse somente de Alexei.

Essas palavras se cravavam nos ouvidos de Lex, inclusive agora: “É seu filho! Não significa nada para você? Não merece algo mais?”

Tão rápido a cena tinha perdido o controle.

Tão fácil foi para Sergei Yakut tirar sua espada e deslizar essa lâmina limpamente através do pescoço da mãe indefesa de Lex.

O brutal de suas palavras, que só tinha lugar para soldados em seu reino, e que Lex tinha uma escolha a fazer nesse momento: servir ao assassino de sua mãe ou morrer junto com ela.

Tão débil a resposta de Lex tinha sido, dita entre soluços. Servirei-te, havia dito, e sentiu que uma parte de sua alma o abandonava enquanto olhava com horror o corpo sangrento e destroçado de sua mãe. Servirei-te, pai.

Tão frio foi o silêncio que continuou.

Tão frio como uma tumba.

—Sou seu servente— disse alto agora Lex, baixando a cabeça mais pelo peso das velhas lembranças que por respeito ao tirano que o governava. —Minha lealdade sempre foi tua, pai. Só sirvo ao seu prazer.

Um repentino calor, tão intenso que pareciam chamas ardentes apertou sob o queixo de Lex. Sobressaltado, levantou sua cabeça, estremecendo de dor com um grito afogado. Viu a fumaça sair diante de seus olhos, sentiu o cheiro adocicado de carne queimando.

Yakut Sergei estava diante dele segurando o atiçador de ferro longo em sua mão. A ponta brilhante da haste de metal queimando vermelha, exceto pelo resíduo de pele branca pendurada, que havia sido arrancada do rosto de Lex.

Yakut sorriu, mostrando as pontas de seus dentes.

—Sim, Alexei, serve apenas para o meu prazer. Lembre-se disso. Só porque meu sangue corre em suas veias, não significa que eu me recuso a te matar.

—Claro que não,— Lex murmurou, seus dentes cerrados pela devastadora agonia de sua queimadura. O ódio fervilhava nele pelo insulto que tinha que engolir e sua própria impotência, quando viu o homem da raça que desafiou-o com a testa franzida para fazer um movimento contra ele de novo. Yakut desistiu no final. Ele arrastou uma túnica de linho marrom de uma cadeira e deu de ombros para ele. Seus olhos ainda estavam brilhantes, com fome e sede de sangue. Ele deixou sua língua deslizar em seus dentes e presas.

—Como você está tão ansioso para me agradar, traga Renata. Necessito-a agora.

Lex apertou seus dentes tão forte que deveriam ter-se feito pedacinhos em sua boca.

Sem palavras saiu do quarto com sua mandíbula rígida, seus próprios olhos cintilavam com a luz âmbar de sua indignação. Não perdeu de vista o olhar confuso do guarda postado na porta, o rumo inquieto dos olhos dos outros vampiros enquanto disfarçava o aroma de carne queimada e o provável calor da turvada ira de Lex.

Sua queimadura cicatrizaria, de fato, já o estava fazendo, seu acelerado metabolismo da raça reparava a pele queimada enquanto os pés de Lex o levavam a zona principal do refúgio. Renata vinha de fora. Ela viu Lex e se deteve, girando ao redor como se quisesse o evitar. Não era fodidamente provável.

—Ele te quer— gritou Lex através da estadia, sem preocupar-se quantos outros guardas o ouvissem. Todos sabiam que ela era a puta de Yakut, assim não havia razão para fingir outra coisa. —Me disse que te chamasse. Está esperando para que o sirva.

Os frios olhos verde jade o demoliram.

—Estive treinando. Preciso lavar a sujeira e o suor.

—Disse agora, Renata.

Uma ordem curta, uma que sabia seria obedecida. Havia mais que uma pequena satisfação nesse pequeno e raro triunfo.

—Muito bem.

Ela deu de ombros, apoiada sobre seus pés descalços.

Sua insossa expressão enquanto se aproximava dizia que não a preocupava o que ninguém pensasse dela, e muito menos Lex, e essa falta de adequada humilhação só o fazia querer degradá-la mais. Farejou em sua direção, mais por efeito que por nada mais.

—Não importará sua imundície. Todos sabemos que as melhores putas são as sujas.

Renata não fez mais que piscar com o vulgar comentário. Ela podia reduzi-lo com uma rajada de seu poder mental se o decidisse — de fato, Lex quase esperava que o fizesse, só para demonstrar que a tinha ferido. Mas o rápido giro de seu olhar disse que ela não sentia que merecesse a pena o esforço.

Ela passou junto dele com uma dignidade que Lex não podia inclusive começar a entender. Ele a olhou – todos os guardas na zona imediata a olharam — enquanto caminhava para o quarto de Sergei Yakut tão calma como uma rainha da nobreza em seu caminho à forca.

Não precisou muito para Lex imaginar o dia quando ele poderia ser o único a controlar tudo, que mandaria sobre este lugar, incluindo à altiva Renata. É obvio, a puta não seria tão altiva se sua mente, vontade e corpo pertencessem completamente a ele. Uma subordinada para servir cada um de seus caprichos… e os dos outros homens a seu comando.

Sim, Lex refletiu com muito maus olhos, seria condenadamente bom ser rei.

 

Nikolai pegou uma das adagas de Renata que caiu do grosso poste onde ela as tinha jogado. Tinha que lhe dar crédito, se tivesse acertado o objetivo estaria morto. Se fosse simplesmente um humano, não da Raça, condenado com os reflexos lentos dos seres humanos, o treinamento de Renata o teria convertido certamente em espetinhos para assar.

Ele riu entre dentes ao colocar a lâmina em seu envoltório elegante com as outras três do conjunto. As armas eram formosas, elegantes e perfeitamente equilibradas, obviamente, feitas à mão. Niko deixou que seu olhar vagasse sobre o lavrado esculpido nos punhos de prata esterlina. O padrão parecia ser um jardim de videiras e flores, mas quando as olhou mais de perto, deu-se conta que cada uma das quatro lâminas também continham uma só palavra gravada com amor dentro de seu desenho ornamentado: Fé. Coragem. Honra. Sacrifício.

A oração de um guerreiro?, ele se perguntou. Ou eram esses os princípios da disciplina pessoal de Renata?

Nikolai pensou no beijo que tinham compartilhado. Bom, dizer que eles o tinham compartilhado era um tanto presunçoso, tendo em conta como ele tinha descido sobre sua boca com toda a delicadeza de um trem de carga. Ele não tinha tido a intenção de beijá-la. Sim, e a quem estava tentando enganar? Ele não poderia ter parado mesmo que tivesse tentado. Não que fosse uma desculpa. E não é que Renata tivesse dado qualquer possibilidade para xeretar ou pensar em alguma desculpa ou perdão.

Niko ainda podia ver o horror em seus olhos, a inesperada mas óbvia repulsão pelo que ele tinha feito. Ainda podia sentir a sinceridade da ameaça que pronunciou justo antes que ela tempestuosamente saísse do edifício.

A parte destruida de seu ego tentava acalmá-lo com a possibilidade que talvez ela realmente desprezasse todos os machos em geral. Ou que talvez ela fosse tão fria como Lex parecia pensar, um soldado assexuado, frígida apesar de ter a cara de um anjo e um corpo que conduzia sua mente a todo tipo de pecado. Muitos pecados, cada um mais tentador e atraente que o anterior.

Nikolai tinha um encanto fácil quando se tratava de mulheres, não era simples alarde, mas uma conclusão a que ele tinha chegado apoiado nos anos de experiência. Quando se tratava de mulheres, desfrutava tranqüilamente das conquistas sem complicações, quanto mais temporárias melhor. A perseguição e as lutas eram divertidas, mas o melhor reservava para o combate verdadeiro, em batalhas sangrentas, com vampiros Renegados e outros inimigos da Ordem. Esses eram os desafios que ele desfrutava mais.

Então, por que estava lutando contra este impulso perverso de ir atrás de Renata agora e ver se não podia descongelar parte do gelo que a cobria?

Porque ele era um idiota, por isso. Um idiota com uma fúria perigosa – e — um aparente desejo mortal.

Hora de voltar os olhos sobre a maldita bola. Não importava o que seu corpo estivesse dizendo — não mais do que importava o que ele viu no olhar de Mira. Ele tinha um trabalho a fazer, uma missão da Ordem, e isso era a única razão pela qual estava aqui.

Niko cuidadosamente envolveu as adagas de Renata em seu estojo de seda e veludo e colocou o pequeno embrulho no fardo de palha para esperar que voltasse buscá-los juntamente com seus sapatos desprezados.

Ele abandonou o edifício do canil e se dirigiu à escuridão para acumular informação sobre as terras da mansão. Uma meia lua pendurava no alto do céu noturno, velada por um punhado de nuvens cinza como o carvão. A brisa de meia-noite era cálida, abatendo-se brandamente através dos pinheiros altos e carvalhos espinhosos dos bosques circundantes. Os aromas se mesclavam no ar úmido do verão: o sabor forte da resina de pinheiro, a marca mofada do chão protegido do sol e musgo, a nitidez de tantos minerais que rodavam pela água doce, na corrente que evidentemente atravessava a propriedade não longe de onde estava Niko.

Nada inesperado. Nada fora do lugar.

Até que...

Nikolai levantou seu queixo e inclinou a cabeça ligeiramente para o oeste. Algo muito inesperado entrou a deriva através de seus sentidos. Algo que não podia, não deveria, encontrar aqui.

Era a morte o que cheirava agora.

Sutil, velha… mas certa.

Ele correu na direção que seu nariz conduzia. Mais profundo no bosque. Uns cem metros de distância da mansão, a espessura surgiu bruscamente. Niko reduziu sua marcha quando chegou ao lugar onde suas fossas nasais começavam a arder com o fedor envelhecido da decomposição. A seus pés, o chão estava esparso com folhas, enredado por videiras que caíam longe pela ravina escarpada.

Nikolai olhou para baixo pela fenda, adoecendo, inclusive antes que seus olhos pousassem no açougue.

—Santo Inferno—, murmurou ele, sob seu fôlego.

Uma fossa de morte se encontrava no fundo da ravina. Esqueletos de restos humanos. Dúzias de corpos, sem enterrar, esquecidos, simplesmente jogados um em cima do outro, como se fossem lixo. Tantos, que levaria muito tempo para contar todos eles. Adultos. Crianças pequenas. Um massacre que não mostrava nenhuma discriminação ou misericórdia a suas vítimas. Um massacre que poderia ter levado anos para ser feito.

A pilha de ossos brancos brilhava sob a escassa luz da lua, as pernas e braços empilhados juntos onde quer que o mortos tivessem caído, crânios olhando para ele, com as bocas abertas em macabros gritos silenciosos. Nikolai havia visto o suficiente. Ele recuou da beira da ravina enquanto assobiava outra maldição na escuridão.

—Que porra esteve acontecendo aqui?

Em suas vísceras, ele sabia.

Jesus Cristo, não havia muita margem para dúvida.

Um Clube de sangue.

A fúria e a repugnância passaram através dele em uma onda negra. Ele teve por instantes, o desejo entristecedor de rasgar os membros de cada vampiro comprometido em violar a lei, assassinatos em grande quantidade destas pessoas. Não é que ele tivesse esse direito, inclusive como um membro guerreiro da Ordem. Ele e seus irmãos não tinham muitos amigos entre os ramos governantes da raça, e muito menos na Agência de Controle, que atuavam tanto como policiais como políticos responsáveis pelas populações de vampiros em geral. Eles pensavam que a Ordem e todos os guerreiros que a serviam estavam acima da sociedade civilizada. Vigilantes e militantes. Cães selvagens que só desejavam uma desculpa para fazê-la cair.

Nikolai sabia que estava fora dos limites nisto, mas isso não fez que o desejo de prescindir sua própria marca de justiça se fizesse menos tentadora.

Embora se revolvesse com o ultraje e a indignação, Niko precisava mesmo assim acalmar-se. Sua fúria não ajudaria nenhuma das vidas que estavam esparramadas lá embaixo. Muito tarde para eles. Não podia fazer nada, exceto mostrar um pouco de respeito, algo que lhes tinha sido negado inclusive depois da morte.

Solenemente agora, embora fosse só por uns momentos necessários, Nikolai se ajoelhou na borda afiada da profunda ravina. Ele estendeu amplamente seus braços longos, invocando o poder luminoso que estava dentro dele, um talento da raça que se encontrava unicamente nele, e que em sua linha de trabalho em particular, era de pouca utilidade. Sentiu o poder arder em seu interior quando o invocou. O poder se voltou em energia e luz, propagando-se através de seus ombros e para baixo em seus braços, logo em suas mãos, esferas gêmeas que brilhavam sob a pele no centro das palmas de suas mãos.

Nikolai tocou com seus dedos a terra dos seus lados.

As videiras e arbustos se agitavam ao seu redor em resposta, gavinhas verdes e pequenas flores silvestres do bosque despertaram acima fazendo movimentos. Tudo isso aumentando cada vez mais em acelerada velocidade. Niko enviou os brotos que estavam crescendo de novo para a ravina, logo ficou de pé para ver como os mortos estavam sendo cobertos por um manto de suaves folhas novas e flores.

Como um rito funerário, não era muito, mas era tudo o que ele tinha a oferecer às almas que foram deixadas ali para apodrecer na intempérie.

—Descansem em paz—, murmurou ele.

Quando o último osso esteve coberto, ele se dirigiu para a mansão. O celeiro de armazenamento em que ele tinha farejado o sangue antes agora captou sua atenção.

Só para confirmar suas suspeitas, Niko inspecionou por cima e moveu o ferrolho solto. Ele abriu a porta, e olhou dentro. O celeiro estava vazio, tal como Lex havia dito. Mas novamente, as jaulas de aço construídas no interior não tinham sido feitas para nenhum tipo de armazenamento permanente. Eram altas gruas, celas da prisão com ferrolhos desenhadas para os prisioneiros humanos com caráter de contenção temporária.

Brinquedos vivos para serem postos em liberdade para o esporte ilegal aqui no remoto bosque que Sergei Yakut dominava.

Com um grunhido, Nikolai saiu do celeiro e partiu para a casa principal.

—Onde está ele? — perguntou ao guarda armado que o percebeu assim que atravessou a porta. —Onde demônios está ele? Diga agora!

Ele não esperou por uma resposta. Não quando os outros dois guardas, ambos do lado de fora de uma porta fechada no grande corredor, tomaram uma postura de batalha repentina. Atrás deles, estavam os aposentos privados de Yakut, obviamente.

Nikolai irrompeu e empurrou um dos cabeças dura de seu caminho. O outro tinha um rifle e começou a apontar para ele. Niko rompeu a arma na cara do guarda, e então lançou o vampiro tonto à parede mais próxima.

Deu um chute na porta, estilhaçando a madeira velha e rompendo as dobradiças de ferro arrancando-as limpamente. Nikolai caminhou a grandes passos através dos escombros, ignorando os gritos dos homens de Yakut. Ele encontrou o Gen Um no centro do quarto, diante de um sofá de couro, inclinado possessivamente sobre a garganta nua de uma fêmea de cabelos escuros que estava enjaulada dentro dos braços do vampiro.

Com a interrupção, Yakut levantou a cabeça de sua alimentação e elevou a vista. Também o fez sua anfitriã de sangue…

Renata. De maneira nenhuma, merda.

Ela estava unida com o laço de sangue? Poderia ser ela possivelmente a companheira de Raça deste monstro?

Todas as acusações que Nikolai tinha preparado para lançar a Sergei Yakut tiveram uma morte repentina em sua garganta. Ele ficou olhando fixamente, com seus sentidos da Raça turvados e trincados, mais acordados ao ver o sangue da fêmea que gotejava dos lábios e enormes presas de Yakut. O aroma dela atravessou o quarto, fechando com força no cérebro de Niko. Ele não esperava um contraste tão estranho ao de sua conduta fria, mas o aroma de seu sangue era uma mescla quente, embriagadora e intoxicante de sândalo e fresca chuva de primavera. Suave, feminino. Excitante.

A fome se apertou no estômago de Nikolai, uma reação visceral que teve que lutar duramente para conter. Ele disse a si mesmo que era simplesmente sua natureza da Raça sobressaindo. Havia poucos entre os de sua estirpe que podiam resistir à chamada de sereia de uma veia aberta, mas quando seus olhos travaram no olhar fixo sem pestanejar de Renata através da distância, um novo calor explodiu dentro dele. Inclusive mais forte que a primitiva sede de alimentar-se.

Ele a desejava.

Inclusive enquanto estava deitada debaixo de outro macho, permitindo ao macho beber dela, Nikolai tinha fome dela com uma ferocidade que o sobressaltou. Unida pelo sangue a outro ou não, Niko queimava por ter Renata.

Que, até com seu próprio flexível código de honra, sentiu deslizar algo próximo ao desprezo pelo Yakut.

Niko teve que sacudir-se mentalmente para desprender-se dessa visão perturbadora, voltando bruscamente sua atenção aos problemas que tinha à mão.

—Você tem um sério problema —, disse ele ao vampiro Gen Um, apenas capaz de conter seu desprezo. —Na realidade, suponho que você tem aproximadamente três dúzias deles, apodrecendo aí em seu bosque.

Yakut não disse nada, só o resplendor de sua transformação, do olhar escuro a um âmbar de desafio. Um grunhido se ondulou por ele antes que voltasse a cabeça para sua comida interrompida. A língua de Yakut deslizou do meio de seus lábios para lamber as espetadas que tinha deixado no pescoço de Renata, selando as feridas e as fechando.

Só então, quando a língua de Yakut percorreu sua pele, ela afastou o olhar de Niko. Ele acreditou ver alguma tranqüilidade, um pouco de resignação, passar através de seu rosto nos segundos antes que Yakut se levantasse e a liberasse. Uma vez livre, Renata se moveu ao canto do quarto, puxando sua camisa de volta a uma certa aparência de ordem.

Ela ainda estava vestida com sua roupa de antes, ainda descalça, como tinha estado fora.

Ela devia ter vindo diretamente aqui depois do que tinha se passado entre Niko e ela.

Tinha procurado Yakut por proteção? Ou por simples comodidade?

Jesus. Niko se sentiu igual a um asno quando lembrou beijá-la da forma em que o fez. Se ela estava unida por sangue a Sergei Yakut, essa união era sagrada, íntima… exclusiva. Não admirava que ela tivesse reagido como tinha feito. Os beijos de Nikolai teriam sido um insulto e degradação para ambos. Mas ele não estava ali para pedir desculpas agora – não a Renata ou seu aparente companheiro.

Nikolai dirigiu um olhar duro para o vampiro.

—Quanto tempo você esteve caçando seres humanos, Yakut?

O Gen Um grunhiu, sorrindo.

—Encontrei os currais de detenção no celeiro. Encontrei os corpos. Homens, mulheres… crianças.

Nikolai assobiou uma maldição, incapaz de conter sua repugnância e indignação.

—Você esteve dirigindo um Clube de sangue nocivo aqui. Pelo aspecto deles, eu diria que você esteve nisto durante anos.

—E o que tem isso?— Yakut perguntou despreocupadamente. Sem nem sequer fazer uma tentativa de mostrar uma respeitável negação.

E no canto do quarto, Renata permaneceu em silêncio, com os olhos fixos em Niko mas não mostrando nenhuma surpresa absolutamente. Ah, Cristo! Então, ela sabia também

—Maldito doente,— ele disse, olhando de novo Yakut agora. —Todos vocês estão doentes. Não será permitido continuar com isto. Pare aqui mesmo, agora. Há leis…

O Gen Um riu, com a voz deformada pela transformação de seu lado mais selvagem.

—Eu sou a lei aqui, moço. Ninguém, nem os Darkhavens e sua tão elogiada Agência de Imposição, nem sequer a Ordem — tem algo a dizer em meus assuntos. Convido qualquer um a vir aqui e tentar me dizer o contrário.

A ameaça era clara. Apesar do fato que todo o honorável e justo gritava a Nikolai para que lançasse membros voando do presumido filho da puta, determinado a matá-lo, embora este não fosse um vampiro comum. Sergei Yakut era um Gen Um. Não só dotado de força e poderes imensamente maiores que os de Niko ou qualquer outro posterior geração da Raça, exceto pelos membros da rara Estirpe de indivíduos. Desses, só havia uns poucos Gen Uns, menos ainda agora, como resultado da erupção dos recentes assassinatos.

Tão repugnante como a prática ilegal dos clubes de Sangue entre a sociedade da Raça, estava a tentativa de matar um vampiro de primeira geração a qual era uma ofensa ainda maior.

Nikolai não podia levantar a mão contra o filho da puta, não importa o quanto ele o desejava.

E Yakut sabia disso. Ele limpou a boca com a beira de sua túnica escura, esfregando ligeiramente a fragrância doce do sangue de Renata.

—A caçada está em nossa natureza, moço.

A voz de Yakut tinha uma serenidade mortal, completamente cheia de confiança, enquanto avançava para Nikolai. —Você é jovem, nascido da Estirpe mais fraca de alguns de nós. Talvez seu sangue esteja tão diluído com a da humanidade, que simplesmente não pode compreender a necessidade, em sua forma mais pura. Pode ser que se tivesse o gosto da caçada, fosse menos hipócrita e santarrão com aqueles de nós que preferimos viver como têm que ser.

Niko lhe dirigiu uma sacudida lenta com sua cabeça.

—Os clubes de sangue não são caçada. Eles são simplesmente uma matança. Você pode tirar e dizer suas estupidezes não importando quanto você o deseje, mas no final, segue sendo uma merda. É um animal. O que você realmente precisa é uma focinheira e uma coleira. Alguém tem que te parar.

—E pensa que você ou a Ordem farão essa tarefa?

—Pensa que nós não o faremos?— o desafiou Niko, uma parte temerária dele esperando que o Gen Um lhe desse uma razão para tirar suas armas. Ele não se imaginava fugindo da confrontação com o antigo vampiro, mas seguro como o inferno que não iria sem uma maldita viciosa briga. Em troca, Yakut recuou para trás, com seus olhos de cor âmbar brilhante, suas elípticas pupilas diminutas estilhaçadas de negro. Ele ergueu o queixo barbudo, a cabeça se ergueu completamente para um lado. Seus lábios se separaram com um selvagem sorriso que expôs suas presas. Desta maneira, não era difícil para todos observar a parte alienígena dele— a parte que fazia a ele e a todo o resto da Raça o que eram: predadores que bebem sangue e não pertencem totalmente a este mundo mortal mas que nasceram neste mundo.

—Te disse uma vez que não era bem vindo em meus domínios, guerreiro. Não tenho nenhuma utilidade para você, ou para sua proposta de aliança com a Ordem. Minha paciência está chegando ao seu limite, e também sua estadia aqui.

—Sim,— Niko esteve de acordo. —Eu me fodo por ir embora deste lugar, e com muito prazer. Mas não pense que esta é a última vez que você vai ter notícias minhas.

Ele não podia deixar de passar o olhar em Renata quando o disse. Embora desafiante quando se encontrou com Yakut, ele não podia sentir o mesmo tipo de fúria por ela. Ele esperava que dissesse que não sabia sobre os crimes que aconteciam neste pedaço de terra empapada de sangue. Ele desejava que dissesse algo para convencê-lo que não era em realidade parte do jogo que e das práticas doentes de Yakut.

Ela simplesmente recuou seu olhar, com os braços cruzados sobre o peito. Uma mão se elevou ociosamente para tocar a ferida que estava curando-se em seu pescoço, mas ela permaneceu em silêncio.

Vigiando-o quando Nikolai saiu pela porta aberta diante do aturdido guarda de Yakut.

 

—Devolvam os itens pessoais ao Guerreiro e cuidem para que deixe a propriedade sem incidentes—, Yakut encarregou um par de homens armados que se encontravam fora de seu quarto.

Quando os dois saíram para atender a ordem, Renata começou a segui-los. Alguma desenquadrada parte dela desejava poder ser capaz de pegar Nikolai em privado e…

E o que?

Explicar a verdade de como eram as coisas para ela aqui? Tentar justificar as ações que ela tinha sido forçada a fazer?

Com que fim?

Nikolai partiria. Ele nunca teria que voltar para este lugar, enquanto ela estaria aqui até seu último fôlego. Que bem poderia fazer em explicar algo disto a ele, um desconhecido que provavelmente não a entenderia, e muito menos a protegeria?

E, entretanto, os pés de Renata continuaram movendo-se.

Ela nem sequer chegou até a porta. A mão de Yakut fechou fortemente sobre seu pulso, segurando-o a suas costas.

—Você não, Renata. Você fica.

Ela o percorreu com o olhar com uma expressão que esperava estar desprovida da ansiedade e náuseas que estava tentado tão duramente empurrar para baixo.

—Pensei que tínhamos terminado aqui. Que talvez deveria ir junto com os outros, só para assegurar que o guerreiro não decida fazer nada estúpido em seu caminho fora da propriedade . —Você ficará. O sorriso de Yakut a gelou até os ossos. —Ande com cuidado, Renata. Eu não gostaria que você fizesse nada estúpido tampouco.

Ela tragou o repentino nó frio de ansiedade de sua garganta.

—Perdão?

—Você pode encontrar-se — respondeu ele, apertando hermeticamente seu braço. —Suas emoções a traem, formosura. Posso sentir o aumento de sua freqüência cardíaca, o muro de adrenalina que atravessa correndo por suas veias agora mesmo. Senti a mudança em você no momento que o guerreiro entrou no quarto. Senti antes também. Com cuidado me diga onde esteve esta noite?

—Treinando—, respondeu ela, rapidamente, mas com firmeza. Para não dar nenhuma razão para duvidar dela, já que era essencialmente a verdade. —Antes que você enviasse Lex procurando por mim, eu estava fora, executando meus exercícios de treinamento no antigo canil. Foi excesso de treinamento. Se você sentiu algo em mim, isso é tudo o que foi.

Um silêncio longo se estendeu, e ainda com o aperto rígido em seu pulso.

—Você sabe o muito que valoro a lealdade, não é, Renata?— Ela fez uma breve inclinação de cabeça.—Valoro-a tanto quanto você valora a vida daquela menina que dorme no outro quarto—, disse ele friamente. Penso que esta dúvida poderia fazer com que ela terminasse no cemitério.

O sangue de Renata se congelou nas veias com a ameaça. Ela olhou fixamente para cima aos malignos olhos de um monstro, um que sorria abertamente a ela agora com um prazer doentio.

—Como disse, querida Renata. Ande com muito cuidado.

 

A cidade de Montreal, chamada assim pelo grande monte que permitia ver o rio Saint Lawrence e o vale abaixo, brilhava como uma tigela de pedras preciosas sob a crescente forma da lua. Elegantes arranha-céus. Pedaços de igrejas góticas. Avenidas ajardinadas e, na distância, uma brilhante linha de água que aconchegava à cidade em seu protetor abraço. Era verdadeiramente uma vista espetacular.

Não havia dúvida de por que o líder do Darkhaven de Montreal havia escolhido estabelecer sua comunidade perto do topo de Monte Real.

Estar de pé no balcão do segundo andar da mansão em estilo barroco fazia que a velha cabana de caçadores fora da cidade parecesse estar a mil quilômetros de distância. Mil anos longe desta educada e civilizada maneira de viver. A qual, é obvio, era.

A espera para reunir-se com Edgar Fabien, o homem da raça que fiscalizava a população vampírica de Montreal, parecia durar uma eternidade. Fabien era bem conhecido na cidade e havia rumores que tinha bons contatos, tanto no Darkhavens como no grupo de patrulha conhecido como a Agência da Lei e Ordem. Era a escolha natural para uma situação delicada como esta. Ainda assim, era uma aposta se o líder do Darkhaven estaria disposto a cooperar. Esta visita tardia e sem anunciar tinha sido algo espontâneo, e muito arriscado.

Só vindo aqui, estava declarando-se inimigo de Sergei Yakut.

Mas havia visto o suficiente.

Tinha suportado o suficiente.

O príncipe estava doente e cansado de lamber as botas de seu pai. Era hora que o rei tirano caísse.

Lex girou com o som de pegadas aproximando-se do interior da recepção. Fabien era um homem magro, alto e meticulosamente vestido, como se tivesse nascido em seu traje sob medida e brilhantes mocassins de pele. Seu cabelo loiro cinza estava penteado para trás com algum tipo de azeite perfumado, e quando sorriu a Lex como saudação, seus magros lábios e estreitos traços faciais chegaram a ser inclusive mais severos.

—Alexei Yakut,— disse, saindo para o balcão e oferecendo a Lex sua mão. Não menos de três anéis cintilavam sobre seus longos dedos, ouro e diamantes que rivalizavam com o brilho da cidade lá fora. —Lamento que tenha esperado tanto. Temo que não estamos acostumados a receber convidados inesperados em minha residência pessoal.

Lex deu um tenso assentimento e afastou sua mão da de Fabien. A casa privada do líder Darkhaven não estava exatamente nos guias de viagem de Montreal, mas umas poucas perguntas feitas às pessoas corretas tinham guiado Lex ali sem muitos problemas.

—Vêem, por favor,— disse o homem da Raça, gesticulando para Lex e o guiando ao interior da casa. Fabien sentou sobre um luxuoso sofá, deixando espaço para Lex do outro lado.

—Devo admitir, que fiquei surpreso quando minha secretária disse quem tinha vindo para me ver. Uma vergonha que não tivéssemos a oportunidade de nos conhecer até agora.

Lex tomou assento junto ao homem Darkhaven, incapaz de evitar que seus olhos viajassem pelo interminável luxo de seus arredores.

—Mas sabe quem sou?— perguntou com cuidado a Fabien. —Sabe também sobre o Gen Um, meu pai, Sergei Yakut?

Fabien deu um doce assentimento.

—Só pelo nome, desgraçadamente. Sou negligente ao não ter feito as apresentações formais logo que chegaram a minha cidade. Entretanto, os guarda-costas de seu pai deixaram claro quando meu emissário pediu uma reunião que seu pai era uma espécie de eremita. Entendo que desfrute de uma vida tranqüila e rural fora da cidade, em contato com a natureza ou similar.

Sobre os nódulos de seus dedos, o sorriso de Fabien não alcançou seus olhos.

—Suponho que diz algo viver com esse tipo de… simplicidade.

Lex grunhiu.

—Meu pai escolheu tal vida porque acredita em si mesmo acima da lei.

—Perdão?

—Isso é porque estou aqui— disse Lex. —Tenho informação. Informação crítica que precisa ser interpretada rapidamente. Secretamente.

Edgar Fabien se inclinou para trás contra as almofadas do sofá.

—Ocorreu algo…fora da casa?

—Esteve ocorrendo durante longo tempo—, Lex admitiu, sentindo um raro sentido de liberdade enquanto as palavras saíam de sua boca.

Contou tudo a Fabien sobre as atividades ilegais de seu pai, do clube de sangue e o cemitério cheio dos restos de suas vítimas, até o assassinato freqüente e em consonância de seus subordinados humanos. Lex explicou, não totalmente sincero, como tinha estado sendo corroído por este segredo durante longo tempo e como era seu próprio sentido de moralidade— seu sentido de honra e respeito para a lei da Raça— que o obrigava a procurar a ajuda de Fabien para deter o reino privado de terror de Sergei Yakut.

Era o entusiasmo— emoção no fundo de sua valentia— que fazia tremer a voz de Lex, mas se Fabien tomava como lamento, muito melhor.

Fabien escutou, sua expressão cuidadosamente séria, sóbria.

—Entenda, estou certo, que isto não é um assunto pequeno. O que você descreveu é…problemático. Tão perturbador. Mas haverá certos fatos que virão à tona neste tipo de investigação. Seu pai é um Gen Um. Haverá perguntas que ele terá que responder, protocolos que precisarão ser observados.

—Investigação? Protocolo?— disse indignado Lex. Saltou em seus pés, alagado de medo e ira. —Isso tomará dias ou inclusive semanas. Um fodido mês!

Fabien assentiu desculpando-se.

—Poderia ser sim.

—Não há tempo para isso agora! Não entende? Estou oferecendo meu pai de bandeja. Todas as provas que necessitará para uma detenção imediata estão ali em sua propriedade. Pelo amor de Deus, estou arriscando minha maldita vida só por estar aqui!

—Sinto. - O líder Darkhaven sustentava suas mãos. —Se a situação não for segura para você, estaremos mais que dispostos a oferecer proteção. A Agência poderia te afastar quando a investigação começar, te levar a algum lugar seguro.

A afiada risada de Lex o cortou.

—Enviar-me ao exílio? Estarei morto muito antes. Além disso, não estou interessado em fugir e me ocultar como um cão espancado. Quero o que mereço. Quero o que me deve, depois de todos estes anos de espera por esmolas desse bastardo. Era impossível mascarar seus verdadeiros sentimentos agora. A ira de Lex tinha enchido o copo por completo. —Quer saber o que realmente quero de Sergei Yakut? Sua morte.

O Olhar de Fabien se estreitou astutamente.

—Essa é uma conversa muito perigosa.

—Não sou o único que pensa assim— respondeu Lex. —De fato, alguém teve suficiente coragem para tentar isso semana passada.

Mais e mais estreitos ficaram esses ardilosos e pequenos olhos.

—O que quer dizer?

—Foi atacado. Um assaltante entrou na casa e tentou cortar sua cabeça com um cabo, mas no final falhou. Maldita sorte— Lex acrescentou baixinho. —A Ordem pensa que é trabalho de um profissional.

—A Ordem—, repetiu Fabien sem ar. —Como estão envolvidos nisso que está descrevendo?

—Enviaram um guerreiro ontem à noite para reunir-se com meu pai. Aparentemente estão tentando avisar os Gen Um sobre as recentes caçadas entre a população.

A boca de Fabien trabalhou um segundo sem formar palavras, como se não estivesse seguro sobre o que perguntar primeiro. Esclareceu sua garganta. —Há um guerreiro aqui em Montreal? E o que é isso de caçadas recentes? Do que está falando?

—Cinco Gen Um mortos, entre a America do Norte e Europa— disse Lex, recordando o que Nikolai havia dito. —Alguém parece querer eliminar a primeira geração, um a um.

—Meu Deus. A cara de Fabien era o vivo retrato da surpresa, mas algo nele preocupou Lex.—Não sabia nada sobre os assassinatos?

Fabien se levantou lentamente, agitou sua cabeça.

—Estou aturdido, asseguro isso. Não tinha nem idéia. Que horrível.

—Possivelmente. Possivelmente não—, particularizou Lex.

Enquanto olhava ao líder Darkhaven, Lex se deu conta que uma súbita tranqüilidade se abatia sobre o vampiro— ainda assim tinha que perguntar-se se Fabien respirava. Havia um tênue mas elevado pânico em seus olhos ambiciosos. Edgar Fabien sustentava seu corpo com rígida precisão, mas seu olhar mutante o olhava como se quisesse sair disparado da sala.

Que intrigante.

—Sabe, teria esperado que estivesse melhor informado, Fabien. Sua reputação na cidade te precede como o jogador. Com todos seus amigos policiais, tenta me dizer que nenhum deles te disse isso? Possivelmente não confiam em você, né? Possivelmente têm uma boa razão.

Agora Fabien se encontrou com o olhar de Lex. Cintilações âmbar iluminaram sua íris, um sinal revelador de um nervo comprimido.

—Que tipo de jogo está tentando comigo?

—O teu— disse Lex, sentindo uma oportunidade e saltando sobre ela.

—Sobre as caçadas de Gen Um. A questão é, por que mente sobre isso?

—Não discuto publicamente assuntos policiais— Fabien cuspiu sua resposta, inflando seu magro peito com indignação. —O que sei ou não sei é meu assunto.

—Sabia sobre o ataque de meu pai antes que o mencionasse, não é? Foi você o único que pediu sua morte? O que há sobre os outros que foram assassinados?

—Céus, está louco.

—Queria estar—, disse Lex. —Qualquer complô em que esteja, Fabien, eu também quero estar.

O líder Darkhaven expulsou sua respiração bruscamente, depois deu as costas a Lex enquanto caminhava para uma das altas estantes edificadas na parede cor prata. Acariciou com sua mão a madeira polida, rindo preguiçosamente.

—Como nossa conversa foi iluminadora e entretida, Alexei, possivelmente deveria terminar aqui. Acredito que é melhor que se vá e se acalme antes de dizer alguma tolice mais.

Lex avançou, decidido a convencer Fabien que merecia a pena.

—Se o quiser morto, estou disposto a te ajudar a conseguir.

—Insensato— veio a resposta vaiada. —Posso estalar meus dedos e te ter sob suspeita de tentativa de assassinato. Posso, mas ainda assim vá agora mesmo e nenhum de nós dirá outra palavra desta conversa.

A porta da recepção se abriu e quatro homens entraram. Ao assentimento de Fabien, o grupo rodeou Lex. Sem escolha, saiu.

—Estarei em contato— disse a Edgar Fabien mostrando seus dentes. —Pode contar com isso.

Fabien não disse nada, mas seu ardiloso olhar permaneceu fixo sobre Lex com severo entendimento enquanto caminhava para as portas de recepção e as fechava tenso.

Uma vez que Lex saiu para a rua e sozinho, sua mente começou a baralhar suas opções. Fabien era corrupto. Que surpreendente e seguro seria alguma informação útil. Com um pouco de sorte, não passaria muito tempo antes que as conexões de Fabien fossem as suas também. Não se preocupou particularmente sobre como as conseguiria.

Elevou a vista para a bonita mansão Darkhaven e todo seu imaculado luxo. Isto era o que queria. Este tipo de vida acima da imundície e degradação que havia conhecido sob o salto da bota de seu pai. Isto era o que verdadeiramente merecia.

Mas primeiro precisaria sujar as mãos, mesmo que por uma última vez.

Lex caminhou ao longo da serpenteante estrada com arvoredos aos lados e se dirigiu para a cidade com objetivos renovados.

 

Nikolai despertou na escuridão total, com sua cabeça descansando contra o caixão de um homem de Montreal aparentemente rico, que estava morto há sessenta e sete anos. O chão de mármore do mausoléu privado era um pouco duro para as horas de descanso, mas para Niko tinha servido muito bem. A noite estava perigosamente perto da alvorada quando ele deixou o território de Yakut, e ele com certeza já havia dormido em lugares piores durante a luz do dia, do que o cemitério que tinha encontrado no extremo norte da cidade.

Com um gemido, se sentou e abriu seu telefone celular para comprovar na tela a hora. Merda, era só 1 hora da tarde, ainda tinha aproximadamente umas sete ou oito horas para esperar aqui antes do anoitecer, quando seria seguro para ele sair. Sete ou oito horas mais, e ele já estava sentindo coceira pela inatividade que teria por um longo tempo.

Sem dúvida nenhuma Boston estaria se perguntando sobre ele agora. Niko teclou a marcação rápida do escritório central da Ordem. No meio do segundo toque, Gideon respondeu.

—Niko, pelo amor de Deus. Era hora que você desse um relatório. - O inglês vago do guerreiro com seu sotaque soou um pouco áspero. Nada surpreendente, considerando que Niko estava ligando no meio do dia. —Me fale. Está bem?

—Sim, estou bem. Meu objetivo aqui em Montreal se fodeu de dez maneiras diferentes desde domingo, mas além disso, tudo está bem.

—Não teve sorte para encontrar Sergei Yakut, então?

Niko rio.

—Oh, encontrei o bastardo facilmente. O Gen Um está vivinho e abanando o rabo e vive ao norte da cidade com uma espécie de regresso a Gengis Khan .

Deu ao Gideon um rápido resumo de tudo o que tinha acontecido desde sua chegada a Montreal — do chute na bunda de boas vindas que tinha recebido por parte de Renata e dos outros guardas, até as poucas e estranhas horas que tinha passado no refúgio de Yakut, que culminou com seu descobrimento dos humanos mortos e desprezados na parte de trás e sua subseqüente expulsão da propriedade.

Ele descreveu a recente tentativa fracassada contra a vida do Gen Um e o incrível papel que Mira desempenhou para frustrar esse ataque. Niko deixou de fora a parte sobre o que ele tinha visto pessoalmente nos olhos de Mira. Não viu nenhuma razão para compartilhar os detalhes da visão, que, apesar da insistência de Renata em que Mira nunca se enganava, tinha aproximadamente zero chance… não, havia exatamente zero chance de acontecer agora.

Deveria ter sido um alívio para ele saber. A última coisa que ele precisava era se meter com uma mulher, especialmente uma peça desse jogo como Renata. A companheira unida pelo laço de sangue a Yakut. A idéia ainda seguia corroendo-o, muito mais que deveria. E ele não se sentia particularmente bem sobre o fato que inclusive a mais leve lembrança daquele beijo com ela era suficiente para fazê-lo ficar duro como a tumba de granito que o rodeava.

Ele a desejava, e por uma fração de segundo, quando deixou o refúgio pensou que ela podia segui-lo depois. Não tinha nenhum motivo para pensar isso, mas tinha sido um golpe no estômago, uma sensação que talvez Renata poderia correr atrás dele e pedir que a tirasse dali.

E se o tivesse feito? Cristo, ele tinha que ser muito idiota só para considerá-lo.

—Então,— disse a Gideon, retornando mentalmente para a realidade. —O ponto disso é que não podemos contar com nenhum tipo de cooperação de Sergei Yakut. Ele basicamente me disse isso antes de me empurrar para fora, e isso foi antes que eu o chamasse de fodido doente que precisava de focinheira e coleira.

—Jesus, Niko,— suspirou Gideon, provavelmente, no outro extremo da linha, passando a mão pelo cabelo loiro pela frustração. —De verdade disse isso a ele, um Gen Um? Teve sorte que ele não te tivesse arrancado a língua antes de te tirar do caminho.

Provavelmente era verdade, Nikolai reconheceu para si mesmo. E talvez tivesse perdido mais que só sua língua se Yakut soubesse o tipo de desejos que tinha pela Renata.

—Sabe que sou alérgico a puxa-saquismo, mesmo se o saco em questão for de um Gen Um. Se isto era uma missão de relações públicas, vocês escolheram o cara errado.

—Não me digas.

Gideon riu entredentes ao soltar outra baixa maldição. —Você vai voltar para Boston, então?

—Não vejo nenhuma razão para ficar. A menos que você ache que Lucan olharia para o outro lado se eu voltar e colocar fogo na casa de horrores de Yakut. Tirando-o do negócio, pelo menos por um tempo.

Estava brincando... em sua maior parte. Mas o silêncio de resposta de Gideon disse que seu companheiro guerreiro sabia o que estava dando voltas na cabeça de Niko.

—Sabe que não pode fazer nada disso, meu homem. Nada fora dos limites.

—E não serve para merda nenhuma,— murmurou Nikolai.

—Sim, é isso. Mas essas coisas pertencem à Agência de Imposição, não a nós.

—Estou te dizendo que Yakut não é diferente dos renegados que tiramos das ruas, Gid. Diabos, pelo que vi, é pior. Ao menos os Renegados podem culpar sua selvageria à Sede de sangue. Yakut nem sequer pode agarrar-se ao vício de sangue como desculpa para caçar esses humanos aí fora. Ele é um predador, um assassino.

—Ele está protegido,— disse Gideon, firmemente agora. —Mesmo que não fosse um Gen Um, continuaria sendo um civil, ainda um membro da Raça. Nós não podemos tocá-lo, Niko. Não sem um monte de merda golpeando gravemente ao partido. Portanto, o que esteja pensando, não faça.

Nikolai exalou bruscamente.

—Esqueça o que disse. A que horas deveria planejar minha viagem de volta a Boston esta noite?

—Terei que fazer algumas chamadas para obter um plano de vôo apresentado em pouco tempo, mas o jato particular ainda está esperando por você no aeroporto. Posso mandar uma mensagem de texto com a hora assim que tiver confirmado.

—Tudo bem. Vou descansar e esperar para sair.

—E onde você está afinal?

Nikolai olhou para o caixão atrás dele, o outro em frente, e à urna de bronze que estava acumulando pó em um pedestal contra a parede traseira do escuro mausoléu.

—Encontrei um lugarzinho tranqüilo para descansar no extremo norte da cidade. Dormindo com um morto, de fato. Ou com eles, em todo caso.

—Falando de mortos,— disse Gideon, -temos um relatório de outro assassinato de Gen Um no estrangeiro.

—Cristo. Escolheram abatê-los como moscas, não é verdade?

—Ou estão tentando fazê-lo, parece. Segundo a explicação de Reichen no relatório de Berlim. Recebemos um e-mail dele onde informa que hoje mais tarde terá uma atualização.

—É bom saber que temos olhos e ouvidos em que podemos confiar por ali—, disse Niko. —Merda, Gideon. Nunca teria imaginado que pudesse dar algum uso a um Darkhaven civil, mas Andreas Reichen está demonstrando ser um aliado muito bom. Talvez Lucan devesse recrutá-lo oficialmente na Ordem?

Gideon riu.

—Não creia que ele não considerou. Infelizmente somos somente um passa-tempo de meio período para a jornada de Reichen. Ele pode ter a alma de um guerreiro, mas seu coração pertence a seu Darkhaven de Berlim.

E a uma certa fêmea humana, pelo que Nikolai entendia. Segundo Tegan e Rio, os dois guerreiros que tinham passado muito tempo com Andreas Reichen no Escritório Central de Berlim, o líder Alemão Darkhaven estava romanticamente envolvido com a proprietária de um bordel chamada Helene.

Era incomum que um varão da Raça pudesse ter mais de um encontro ocasional, ou uma breve relação com uma mulher mortal, mas Niko não estava a ponto de questioná-lo porque certamente Helene também estava sendo uma útil fonte de informação para a Ordem no estrangeiro.

—Então, me escute,— disse Gideon. —Espera tranqüilamente onde está, e eu te aviso uma vez que tenha a informação de sua partida para esta noite. Está bem?

—Sim. Você sabe como me encontrar.

O murmúrio de uma voz feminina aveludada, suave pelo sono, foi levada vagamente através do receptor.

—Ah, infernos, Gid. Não me diga que está na cama com Savannah!

—Eu estava—, respondeu ele, acentuando com força o tempo passado. —Agora que ela está acordada, diz que vai tomar uma ducha quente e uma xícara de café forte.

Nikolai gemeu.

—Merda. Diga que sinto pela interrupção.

—Ouça, bebe,— Gideon chamou sua amada companheira, unidos pelo laço de sangue por volta de aproximadamente uns trinta e tantos anos. —Niko diz que sente por ser um bastardo tão grosseiro e por nos despertar a esta hora tão inoportuna.

—Obrigado—, murmurou Niko.

—De nada.

—Ligarei de novo do avião que me leva para casa.

—Tudo bem,— disse Gideon. Nesse momento, com Savannah sentada a um lado: —Ouve, Amor?: Niko quer que diga que esta para desligar. Ele diz que você deve retornar à cama e me permitir violá-la lentamente desde sua inteligente e formosa cabeça até seus deliciosos pequenos dedos dos pés.

Nikolai riu entredentes.

—Soa divertido. Ponham no alto-falante para eu poder escutar pelo menos.

Gideon soprou.

—Nem pense. Ela é toda minha.

—Bastardo egoísta—, Niko arrastou as palavras sarcasticamente. —Te verei mais tarde.

—Bem, até mais tarde. E Niko sobre a situação de Yakut? Sério. Nem pense em ser um vaqueiro, OK? Temos questões mais importantes com que lutar que tentar encurralar um Gen Um solto. Não é nossa área, sobretudo não agora.

Quando Niko não concordou imediatamente, Gideon esclareceu garganta.

—Seu silêncio não me dá exatamente uma cálida tranqüilidade, meu homem. Preciso saber que você está escutando isto.

—Sim—, disse Nikolai. —Estou escutando. Te verei em Boston mais tarde esta noite.

Niko fechou seu telefone celular e o colocou de volta em seu bolso.

Por muito que o irritasse pensar em fazer vista grossa para Yakut e suas doentes atividades, ele sabia que Gideon tinha razão. E mais, ele sabia que o líder da Ordem, Lucan, assim como o resto dos guerreiros no complexo de Boston iam dizer a mesma coisa.

Esqueça Sergei Yakut, pelo menos por enquanto. Isso era o mais sábio, a coisa mais inteligente que podia fazer.

E enquanto isso, seria prudente esquecer completamente de Renata também. Ela fez sua cama, depois de tudo. O fato de que ela tinha, evidentemente, a feito com um sádico inseto como Sergei Yakut não era problema de Nikolai absolutamente. A formosa donzela de gelo Renata não era seu assunto, estava bem afastado dela.

Bem separado do ninho de víboras que tinha descoberto nos domínios de Yakut.

Apenas algumas horas mais para matar antes do anoitecer, e então poderia deixar tudo isto para trás.

 

Ela nunca havia se acostumado a dormir com a luz do dia, não nos dois anos em que ela tinha vivido em serviço para um vampiro.

Renata estava em sua cama, inquieta, incapaz de relaxar e fechar os olhos até mesmo por uns poucos minutos. Ela se revolveu e deu a volta colocando-se de costas e deixando escapar um suspiro, com seu olhar fixo nas vigas de madeira do teto.

Pensando no guerreiro… Nikolai.

Ele tinha partido há várias horas, quase meio-dia inteiro, mas ainda sentia o peso de seu desprezo pressionando sobre ela. Odiava que tivesse visto Yakut alimentando-se dela. Tinha sido difícil fingir que não estava envergonhada quando sustentou seu olhar do outro lado do quarto. Ela tinha tentado não parecer afetada, desafiante. Embora por dentro estava tremendo, seu pulso martelando quase fora de controle.

Ela não queria que Nikolai a visse assim. Ainda pior que ele tivesse enumerado os brutais crimes de Yakut e claramente seus pensamentos foram que ela era parte deles também. Ela não conseguia extinguir o acusatório olhar que tinha lhe dirigido.

Isso era ridículo.

Nikolai era da Raça, como Yakut. Ele era um vampiro, igual a Yakut. Como Yakut, Nikolai tinha que alimentar-se de humanos para sobreviver. Inclusive com seu limitado conhecimento da Raça, Renata sabia que beber de seres humanos era a única forma que a Raça podia obter seu alimento. Os amigáveis vampiros não usavam os bancos de sangue onde poderiam recolher um litro de O-negativo pelo caminho. Nem os animais predadores eram um substituto para a coisa real.

Sergei Yakut e todo o resto da Raça compartilhavam o mesmo impulso de sede: a necessidade dos glóbulos vermelhos dos Homo Sapiens, tomados diretamente de uma veia aberta.

Eles eram selvagens e letais, mesmo parecendo humanos na maioria das vezes, mas em seu coração – ou em sua alma, se é que neles ainda existia um – faltava toda a humanidade. Por que ela deveria pensar que Nikolai era diferente?

Mas ele tinha parecido diferente, mesmo que um pouco.

Quando tinha discutido com ele no canil—, quando a tinha beijado. Por Deus — ele na realidade tinha parecido muito diferente dos outros de sua Estirpe que ela conhecia. Não como Yakut. Nem tampouco como Lex.

O que provavelmente só demonstrava que ela era uma tola.

E que era fraca também. Que outra coisa podia explicar o dilacerador desejo que ela sentia pela volta de Nikolai. Ele poderia tê-la tirado deste lugar quando partiu hoje?

Ela freqüentemente não se permitia esperanças vãs, ou perder tempo imaginando coisas que nunca aconteceriam. Mas houve um momento… um breve e egoísta momento, quando imaginou a si mesmo arrancada dos braços inquebráveis de Sergei Yakut.

Por um instante sem restrições, ela se perguntou o que poderia ter vontade de fazer quando estivesse livre dele, livre de tudo que a mantinha ali… e isso havia sido glorioso.

Envergonhada por seus pensamentos, Renata balançou suas pernas para um lado da cama para sentar. Ela não podia ficar ali durante um minuto mais, não enquanto sua mente estivesse girando com pensamentos que não lhe fariam nenhum bem absolutamente.

A verdade é que esta era sua vida. O mundo de Yakut era seu mundo, o recinto e seus muitos segredos grotescos eram sua realidade inflexível. Ela não sentia pena de si mesma, nunca teve. Não no orfanato do convento por todos aqueles anos quando era uma menina, nem no dia em que foi expulsa de sua casa com as Irmãs da Benevolente Misericórdia com quatorze anos e obrigada a partir para sempre.

Nem mesmo na noite, há dois verões atrás, quando foi arrancada das ruas em Montreal, e presa com um grupo de outras pessoas assustadas nos currais de espera fechados com chave no celeiro dentro da propriedade de Sergei Yakut.

Ela não tinha derramado uma só lagrima de auto-piedade em todo este tempo. E com certeza não iria começar agora.

Renata levantou e saiu de seu modesto quarto. A casa principal estava em silêncio a esta hora, as poucas janelas do lugar estavam fechadas completamente para afastar os letais raios de sol. Renata tirou a barra de ferro grossa da porta exterior e saiu andando na gloriosa tarde de verão, cálida e brilhante.

Ela se dirigiu diretamente ao canil. Entre todo o drama da última noite, não só com Nikolai e também depois, ela tinha esquecido completamente que suas adagas estavam lá fora. Ser negligente e descuidada a incomodava. Nunca deixava os punhais fora de seu alcance. Eles formavam parte dela agora, como tinham sido no dia em que as tinha tomado.

—Estúpida, estúpida—, sussurrava a si mesma enquanto entrava no antigo canil e olhou para o poste onde esperava encontrar a lâmina incrustada que tinha arrojado em Nikolai.

Não estava ali.

Um grito deslizou por seus lábios, de incredulidade e angústia.

O guerreiro levou suas lâminas? Será que o fodido as tinha roubado?

—Maldita seja. Não.

Renata invadiu o corredor central do edifício… e então parou abruptamente quando chegou à parte posterior do lugar e seus olhos pousaram no fardo de feno perto do poste de madeira com marcas.

Cuidadosamente dobrado em cima dele e colocado perfeitamente ao lado do par de sapatos que tinha deixado para trás ontem à noite estava também a capa de seda e veludo que continha suas adagas entesouradas. Ela as pegou, só para tranqüilizar a si mesma que a capa de tecido não estava vazia. Quando sentiu o peso familiar em sua palma — não pôde conter um sorriso. Nikolai. Ele tinha guardado as adagas para ela. As recolheu, envolveu e deixou aqui, como se soubesse o muito que significavam para ela.

Por que faria isto? O que esperava que sua bondade comprasse? Pensava na verdade que sua confiança poderia ser ganha tão facilmente, ou justamente esperava outra oportunidade para impor-se do mesmo modo que havia feito com aquele beijo?

Ela realmente não queria pensar nos beijos de Nikolai. Se pensava em sua boca sobre a dela, então teria que admitir para si mesma que tão inesperado e sem convite tinha sido o beijo à força apenas ele era culpado que isto tivesse ocorrido.

Mas a verdade era que ela tinha desfrutado.

Santa Maria, mas só de pensar nele agora, acendeu um calor lento, líquido em seu coração.

Ela queria mais dele, apesar de que cada instinto de sobrevivência em seu corpo tinha gritado para que se afastasse dele, e escapasse rapidamente. Ela tinha fome dele nesse momento e agora. Queimando por ele, num lugar que ela tinha pensado estar completamente congelado e morto. E que o pequeno comentário a respeito de Mira — a implicação de tudo — que ele tinha visto nos olhos da menina de alguma forma poderia envolver Renata e ele intimamente juntos, era ainda mais inquietante. Graças a Deus ele se foi.

Graças a Deus provavelmente nunca voltaria depois do que tinha descoberto aqui.

Tinha passado muito tempo desde que Renata se pôs de joelhos a rezar. Ela não se ajoelhava diante de ninguém mais, nem sequer Yakut em seu pior momento, mas ela inclinou sua cabeça agora e pediu aos céus que mantivesse Nikolai longe deste lugar.

Longe dela.

Já não estava com ânimo para treinar, sobretudo quando as lembranças do que tinha passado aqui ontem à noite ainda estavam recentes e nadando em sua cabeça. Renata pegou seus sapatos e caminhou de volta à casa. Ela entrou, movendo a barra da porta, e se dirigiu ao corredor que levava a seu quarto e o que esperava era ter ao menos algumas horas de sono.

Ela se deu conta que havia algo errado, inclusive antes que notasse que a porta de Mira não estava fechada.

Nenhuma luz estava acesa no quarto da menina, mas ela estava acordada. Renata escutou sua suave voz na escuridão, queixando-se que tinha sono e não queria levantar. Mais pesadelos? Renata se perguntou, sentindo uma pontada de compaixão pela menina. Mas então, outra voz vaiou entredentes acima dos protestos aturdidos de Mira, esta fria e áspera, impaciente.

—Deixa de choramingar e abre seus olhos, pequena cadela.

Renata pressionou sua mão contra a porta e a empurrou amplamente.

—Que diabos pensa que está fazendo, Lex?

Ele estava inclinado sobre a cama de Mira, apertando dolorosamente com suas mãos os ombros da meninas. Sua cabeça girou quando Renata entrou no quarto, mas ele não soltou Mira.

—Preciso do oráculo de meu pai. E não vou responder suas perguntas, então, seja amável e saia daqui, porra.

—Rennie, ele está machucando meus braços.

A voz de Mira era baixa, sacudida pela dor.

—Abre os olhos—, Lex grunhiu. —Então talvez deixe de te machucar.

—Tire suas mãos dela, Lex.

Renata parou ao pé da cama, com as lâminas embainhadas com seu peso tentador ao seu alcance.

—Faça-o. Agora.

Lex zombou.

—Não até que eu tenha terminado com ela.

Quando deu a Mira uma sacudida forte, Renata soltou uma rajada de fúria mental. Era só um fio de energia, só uma fração do que podia dar, mas Lex uivou, seu corpo se sacudiu como se tivesse sido golpeado por milhares de volts de eletricidade. Cambaleou para trás, deixando Mira cair e afastando-se da cama, plantado seu traseiro no chão.

—Cadela!— Seus olhos soltavam fogo âmbar, suas pupilas fragmentadas fortemente em seu centro. —Eu devia te matar por isso. Devia matar à pequena pirralha e você— ambas!

Renata o golpeou de novo, outra pequena amostra de agonia. Ele se deixou cair, agarrando a cabeça e gemendo com a segunda rajada debilitante. Ela esperou, olhando como se esforçava para levantar em uma postura desajeitada do chão. Não representava nenhuma ameaça para ela como estava agora, mas em algumas horas estaria recuperado e ela ia estar vulnerável. Aí então ela teria uma pequena pena a pagar.

Mas no momento, Mira já não era do interesse de Lex, e isso era tudo que importava. Lex a fulminou com o olhar quando se arrastou até seus pés.

—Fora do meu… caminho… maldita… puta!

As palavras estavam sufocadas, balbuciadas entre seus ofegos enquanto ele torpemente se dirigia para a porta aberta. Quando saiu de sua vista, com seus passos ecoando no corredor externo, Renata foi para o lado da cama de Mira e a fez calar brandamente.

—Está tudo bem, garota?

Mira assentiu.

—Eu não gosto dele, Rennie. Ele me assusta.

—Eu sei, querida.

Renata pressionou um beijo na testa da menina.

—Eu não vou deixar que te faça mal. Está a salvo comigo. Essa é uma promessa, entendido?— Outro gesto de assentimento, mais fraco desta vez enquanto Mira voltava a cabeça ao travesseiro e exalava um suspiro sonolento. —Rennie?— perguntou em voz baixa.

—Sim, ratinho?

—Nunca me abandonará, né?

Renata ficou olhando fixamente à pequena cara inocente na escuridão, sentindo seu coração apertar fortemente no peito. —Não vou te abandonar, Mira. Jamais… justamente como prometemos.

 

A lua se elevava alta, projetando manchas de luz sobre o lago Wannsee em uma zona exclusiva dos subúrbios de Berlin. Andreas Reichen recostou-se na cadeira almofadada no gramado traseiro de sua propriedade privada no Darkhaven, tentando absorver um pouco de paz e tranqüilidade da noite. Apesar da brisa agradável e a calma da água escura, seus pensamentos eram mais taciturnos e turbulentos.

As notícias do último Gen Um assassinado, desta vez na França, deu-lhe um duro golpe. Parecia que o mundo estava voltando-se cada vez mais louco em torno dele. Não só o mundo da Raça – seu mundo — mas a humanidade também. Tanta morte e destruição. Tanta angústia por todos os lados.

Tinha a terrível sensação, no fundo de seu estômago, que isto era só o começo. Dias mais sombrios estavam por vir. Possivelmente tivessem vindo há muito tempo e ele foi muito ignorante – estava muito entretido em seus prazeres pessoais— para dar-se conta.

Um desses prazeres se aproximava por trás dele agora, seus elegantes e inconfundíveis passos enquanto ela caminhava pelos jardins bem cuidados da propriedade e se sentava sobre a grama.

Os pequenos braços de Helene rodearam seus ombros.

—Olá, querido.

Reichen se aproximou para acariciar sua cálida pele enquanto ela se inclinava sobre ele e o beijava. Sua boca era suave, persistente, os longos cabelos escuros perfumados com o mais leve vestígio de óleo de rosas.

—Seu sobrinho me disse quando cheguei que esteve aqui fora durante as últimas horas— murmurou ela, erguendo sua cabeça para olhar o lago. —Posso ver por quê. É uma vista encantadora.

—É algo mais que encantadora—, disse Reichen, enquanto inclinava seu queixo para cima e a olhava.

Ela sorriu sem acanhamento, já acostumada a sua adulação.

—Alguma coisa está te incomodando, Andreas. Você não é daqueles que se senta para se queixar do quanto é injusta a vida.

Como ela o conhece tão bem? Tinham sido amantes durante o ano passado, uma brincadeira amorosa casual que de alguma forma se transformou em algo mais profundo senão completamente exclusivo. Reichen sabia que Helene tinha outros homens em sua vida— homens humanos — assim como ele ocasionalmente tomava prazer com outras mulheres. Não era uma relação infestada de ciúmes ou posse. Mas isso não significava que não sentissem carinho. Compartilhavam uma preocupação mútua pelo outro, e um vínculo de confiança que se estendia além das barreiras que geralmente faziam as relações humano e vampiro—raça impossíveis.

Helene tinha se convertido em uma amiga e, ultimamente, em uma companheira indispensável no importante trabalho remoto de Reichen com os guerreiros de Boston.

Helene puxou a cadeira e se sentou sobre o amplo braço.

—Transmitiu as notícias à Ordem sobre o recente assassinato em Paris?

Reichen assentiu.

—Fiz, sim. E eles me disseram que houve também uma tentativa de assassinato em Montreal algumas noites atrás. Pelo menos esse falhou, um milagre do destino. Mas haverá outros. Temo que haverá muitas outras mortes antes que a fumaça finalmente se aclare. A Ordem está convencida que deterão a loucura, mas há vezes que me pergunto se a maldade no trabalho aqui não é maior que qualquer quantidade de bondade.

—Esta deixando que isto te consuma— disse Helene enquanto preguiçosamente afastava seu cabelo da testa. —Já sabe, se procura algo a fazer com seu tempo, poderia ter vindo a mim em vez da Ordem. Poderia ter te posto para trabalhar no clube como meu assistente pessoal. Não é muito tarde para mudar de idéia. E asseguro, só os incentivos valeriam a pena.

Reichen riu entredentes.

—Tentador, de fato.

Helene se inclinou e mordiscou sua orelha, sua respiração fazendo cócegas quentes sobre sua pele.

—Seria só um posto temporário, é obvio. Vinte ou trinta anos –uma piscada de tempo para você. Eu estarei enrugada e grisalha, e você estará entusiasmado por um novo brinquedo mais atraente que possa manter o ritmo de suas selvagens exigências.

Reichen estava surpreso ao ouvir a pontada de nostalgia na voz de Helene. Ela nunca tinha falado sobre o futuro com ele, nem ele com ela. Era mais ou menos compreensível que não poderia haver um futuro, tendo em conta que ela era mortal com uma esperança de vida finita e ele – a menos que prolongasse sua exposição aos raios UVA ou sofresse um dano maciço corporalmente — continuaria vivendo durante algo perto da eternidade.

—O que está fazendo esbanjando seu tempo comigo quando poderia ter a qualquer outro homem?— perguntou, movendo seus dedos ao longo da suave linha de seu ombro. —Poderia estar casada com alguém que te adore, criando uma ninhada de bonitos e inteligentes meninos.

Helen arqueou uma impecável e cuidada sobrancelha.

—Suponho que nunca fui das que tomaria a escolha convencional.

Nem ele, de fato. Reichen admitia que seria muito fácil ignorar tudo que ela e a Ordem tinham descoberto há uns meses. Podia esquecer a maldade que tinham açoitado até a cova montanhosa nas colinas Boêmias. Podia fingir que nada disso existiu, descumprir sua oferta de ajudar aos guerreiros em seu papel como líder de um Darkhaven e voltar para seus libertinos e descuidados hábitos.

Mas a única verdade era que tinha cansado dessa vida faz tempo. Alguém anos atrás o tinha acusado de ser um perpétuo menino egoísta e irresponsável. Ela tinha tido razão, inclusive então. Especialmente então, quando tinha sido o suficientemente tolo para deixar escapar essa mulher e o amor que tinha lhe dado. Depois de muitas décadas de auto—piedade, sentia-se bem em fazer uma diferença. Ou tentar fazê-la, como fosse.

—Não esperava que viesse esta noite só para me distrair com beijos e atraentes ofertas de emprego— disse, sentindo que a seriedade se abatia sobre Helene.

—Não, não o fiz, infelizmente. Pensei que deveria saber que uma das minhas garotas do clube pode estar desaparecida. Recorda que mencionei Gina, uma de minhas garotas mais recentes, que apareceu com marcas de mordida em seu pescoço na semana passada?

Reichen assentiu.

—A que tinha estado falando sobre um novo namorado rico com quem estava saindo.

—Essa. Bem, não é a primeira vez que ela faltou ao trabalho, mas sua companheira de apartamento disse esta tarde que Gina não passou em casa ou chamou por mais de três dias. Poderia não ser nada, mas pensei que gostaria de saber.

—Sim— disse. —Tem alguma informação sobre o homem com quem se encontrava? Uma descrição, um nome, algo?

—Não. A companheira de apartamento nunca o conheceu, naturalmente, ela não pode me dizer nada.

Reichen considerou as numerosas coisas que podiam ocorrer a uma jovem que se encontrava sem dar-se conta com um de sua estirpe. Embora a maioria da Raça eram membros que respeitavam a lei da nação vampírica, havia outros que revelavam seu lado selvagem.

—Necessito que discretamente pergunte no clube esta noite, veja se alguma das outras garotas ouviu Gina mencionar este namorado. Estou procurando nomes, lugares que pudesse ter ido com ele, inclusive o menor detalhe poderia ser importante.

Helene assentiu, mas havia uma nota de interesse em seus olhos.

—Prefiro este lado sério teu, Andreas. É incrivelmente sexy.

Sua mão deslizou por baixo da abertura de sua camisa de seda, suas longas e pintadas unhas jogando sobre as cristas de seu musculoso abdômen. Embora seus pensamentos eram nefastos, seu corpo respondeu ao seu toque perito. Seus dermaglifos começaram a encher-se de cor, e sua visão se afiou com uma rajada de cor âmbar que estava rapidamente enchendo sua íris. Mais abaixo ainda, seu pênis ficou ereto, crescendo onde agora descansava sua palma.

—Não deveria ficar —murmurou ela, sua voz rouca e zombadora. —Não quero chegar tarde ao trabalho.

Quando ela começou a levantar-se, Reichen a reteve.

—Não se preocupe com isso. Conheço a mulher que dirige o lugar. Pedirei desculpas por você. Sei de fonte segura que gosta muito de mim.

—Você gosta dela?

Reichen grunhiu, deixando visível as pontas de suas presas com seu amplo sorriso.

—A pobre está louca por mim.

—Louca por uma coisa arrogante como você?— zombou Helene. —Querido, não se adule. Ela poderia te querer só por seu decadente corpo.

—É o suficiente— respondeu ele, —mas não ouvirá queixas minhas de maneira nenhuma.

Helene sorriu, sem resistir no final enquanto a empurrava sobre seu colo durante um profundo e faminto beijo.

 

           * * * * Tiamat – World * * * *

 

Ao anoitecer, Lex estava completamente recuperado da angústia com que o havia tratado Renata. Sua ira— seu ódio por ela— permanecia.

A amaldiçoou uma e outra vez em sua mente enquanto se inclinava sobre uma putrefata parede de uma casa infestada de ratos no pior subúrbio de Montreal, olhando como um jovem humano apertava seu braço com um cinto de couro velho. A ponta solta presa entre os dentes quebrados, cariados, o drogado cravou a agulha de uma imunda seringa em um lugar cheio de crostas e hematomas que percorriam seu esquálido braço. Gemeu enquanto a heroína entrava em sua corrente sangüínea.

—Ah, merda, cara,— soltou um tremente suspiro enquanto liberava seu torniquete e caía para trás contra um podre colchão no chão. Ele correu as mãos tatuadas sobre seu rosto pálido e cheio de espinhas e seu cabelo castanho gorduroso. —Ah, Cristo... essa é uma excelente merda, baby.

—Sim,— Lex disse, sua voz sem fôlego na fria e úmida escuridão.

Não tinha economizado em drogas; o dinheiro era de pouco interesse para ele. Sem dúvida na vida que o favelado e drogado tinha escolhido vendendo seu corpo na rua, nunca tinha obtido tanto dinheiro. Lex estava disposto a apostar que os serviços pessoais do jovem nunca haviam alcançado uma soma tão rica. Tinha tudo mas saltou ao interior do carro quando Lex parou e lhe mostrou cem dólares e uma bolsa de heroína em frente de sua cara.

Lex moveu sua cabeça e olhou como o humano saboreava sua dose. Eles estavam sozinhos no miserável quarto do abandonado edifício de apartamentos. O lugar tinha sido invadido por vagabundos e viciados quando chegaram, mas só levou uns minutos a Lex –e uma irresistível ordem mental, cortesia de sua linhagem de segunda geração da Raça— conduzir os humanos para fora e poder exercer sua atividade em privado.

Ainda deitado no chão, o drogado tirou sua camisa sem mangas, então começou a desabotoar seus folgados e imundos jeans azuis. Ele grosseiramente se acariciou enquanto trabalhava na braguilha aberta, os olhos turvos rolando em seu crânio, buscando distraidamente através da escuridão.

—Então, quer que te chupe o pau ou o que, homem?

—Não,— Lex disse, enojado só com a idéia.

Ele se afastou de sua posição cruzando o quarto e caminhou lentamente para o drogado. Por onde começar com ele? Perguntou-se preguiçosamente. Tinha que esgotar esta coisa com cuidado ou voltaria para a rua, procurando alguém mais. Esbanjando tempo precioso.

—Prefere minha bunda, então, baby?— comentou o homem puto. —Se quer foder-me, tem que pagar o dobro. Essa é minha regra.

A risada de Lex foi baixa, genuinamente divertida.

—Não estou interessado em foder com você. Já é suficientemente mau que tenha que te olhar, que tenha que cheirar seu repugnante aroma. O sexo não é a razão pela qual está aqui.

—Bem, que do que diabos então?— Uma nota de pânico afiou o ar viciado, um súbito golpe de adrenalina humana que os sentidos de Lex facilmente detectaram. —Estou seguro que não me trouxe aqui para uma pequena conversa educada.

—Não,— Lex esteve de acordo com agrado.

—Está bem. Está bem, que merda pareço para você, idiota?

Lex sorriu.

—A isca.

Com movimentos tão rápidos que nem sequer o olho humano mais acordado podia seguir, estendeu a mão e derrubou de repente o drogado no chão. Lex tinha uma faca em sua mão. A cravou no macilento abdômen do humano e rasgou um corte através de sua pele.

O sangue surgiu da ferida, quente — úmido e perfumado.

—OH, Jesus!— gritou o humano. —OH, Meu Deus! Apunhalou-me!

Lex recuou e deixou que o homem caísse sobre o chão. Era tudo que podia fazer para impedir de investir em uma sede cega.

A transformação física de Lex foi rápida, trazida pela súbita presença de sangue fresco fluindo. Sua visão se aguçou com a estreiteza de suas pupilas, um brilho âmbar lavando o quarto enquanto seus olhos mudavam para os de um predador. Suas presas se alargaram atrás de seus lábios, a saliva tragando em sua boca enquanto a urgência de alimentar-se crescia.

O drogado estava soluçando agora, emitindo sons pateticamente enquanto apertava a enorme ferida em seu estômago.

—Está louco, seu imbecil do caralho? Poderia me ter matado!

—Ainda não— respondeu Lex de maneira densa ao redor de suas presas.

—Tenho que sair daqui— murmurou o homem. —Tenho que conseguir ajuda…

—Fique— ordenou Lex, sorrindo enquanto a mente do febril homem murchava sob sua ordem.

Teve que obrigar-se a manter distância. Deixar que a situação jogasse enquanto pudesse. Uma ferida no estômago sangrava rápido, mas a morte viria lentamente. Lex o necessitava vivo durante um tempo longo o suficiente para que sua essência viajasse pela rua e entrasse nos becos dos arredores.

O humano que tinha comprado esta noite era meramente um ajudante para ser jogado dentro da água. Lex procurava atrair um peixe maior.

Sabia tão bem como qualquer outro membro da Raça que nada percebia um vampiro mais rápido, ou mais certamente, que o prospecto de uma presa humana sangrando. Isto feito no ponto débil da cidade, onde inclusive a escória da sociedade humana se apurava dentro de um estado de terror secreto, Lex estava contando com a presença de Renegados.

Não ficou decepcionado.

Os dois primeiros vieram farejando ao redor da casa de abandonada em minutos. Os Renegados eram viciados sem esperança, tanto como o drogado que agora se aconchegava em posição fetal, chorando em silencio no chão, enquanto sua vida se apagava lentamente.

Embora poucos da Raça se perdiam na luxúria de sangue –a permanente e insaciável sede de sangue— os que raramente o faziam, nunca voltavam disso. Viviam nas sombras, selvagens monstros sem raízes cujo único objetivo era viver alimentando sua fome.

Lex se deslizou para trás no canto do quarto enquanto os dois predadores se arrastavam dentro. Eles imediatamente caíram sobre o humano, rasgando com presas que nunca se desvaneciam, os olhos ardendo com a cor e calor do fogo.

Outro Renegado encontrou o quarto. Este era maior que os outros, mais brutal enquanto se jogava para a matança e começava a alimentar-se. Uma briga explodiu entre os selvagens vampiros. Os três se pegaram como cães raivosos. Batendo os punhos, os dedos rasgando, as presas estripando a carne e os ossos, cada macho poderoso lutava viciosamente para ganhar sua presa.

Lex olhava paralisado. Aturdido pela violência, e bêbado da essência de tanto sangue derramado, humano e da Raça.

Olhou e esperou.

Os Renegados lutaram um contra o outro até a morte, como animais selvagens que eram. Só um deles demonstraria ser o mais forte no final.

E esse era o que Lex necessitava.

 

Após um dia inteiro de espera até o anoitecer, agora tinha outras duas horas para matar antes de poder tomar seu vôo de volta a Boston.

Nikolai considerou seriamente não ir ao aeroporto e viajar a pé, mas inclusive com sua resistência da Raça e sua hipervelocidade, mal passaria o estado de Vermont antes que o amanhecer o obrigasse a ocultar-se de novo. E francamente, a idéia de dormir em um celeiro com um grupo de animais agitados não o fazia exatamente morrer por colocar um Nike e pegar a estrada. Então esperaria.

Maldita seja.

Ele e a paciência nunca tinham sido amigos muito íntimos. Tinha estado cheio de aborrecimento desde o momento que o sol se pôs e foi capaz de sair do refúgio.

Supôs que era o mesmo aborrecimento que o guiava dentro da úmida favela de Montreal, onde esperava encontrar algo divertido para fazer enquanto passava o mau humor. Não se preocupava como usava o tempo, mas havia deliberadamente procurado a única zona da cidade onde a probabilidade de encontrar uma razão para usar seus punhos ou suas armas eram melhores.

Neste particular bloco de becos infestados de ratos e bairros de baixa renda, suas escolhas imediatas eram limitadas aos chefes do crack ou os traficantes - de drogas ou de pele — e prostitutas de ambos os gêneros sem discriminação. Mais de um idiota afastou o olhar enquanto andava pela rua sem direção aparente. Alguém foi inclusive suficientemente estúpido para mostrar a ponta de uma faca enquanto passava, mas Niko só se deteve e deu ao bastardo desdentado um sorriso de orelha a orelha mostrando os fios de suas presas a modo de convite e a ameaça desapareceu rapidamente.

Embora não resistia a nenhum tipo de confrontação, a luta entre humanos estava abaixo dele. Preferia mais um desafio. O que realmente o animava a encontrar justo agora era um Renegado. No verão passado, Boston tinha estado afundado até o joelho com vampiros viciados em sangue. A luta tinha sido dura e pesada— com pelo menos uma perda trágica no lado da Ordem— mas Nikolai e o resto dos guerreiros tinham completado sua missão para manter a cidade limpa.

Outras zonas metropolitanas ainda perdiam civis ocasionais pela luxúria de sangue, e Niko teria apostado seu ovo esquerdo que Montreal não era diferente. Mas além dos cafetões, traficantes e prostitutas, esta extensão de tijolo e asfalto estava tão morta como a cripta onde tinha sido forçado a passar o dia.

—Ei, baby. - A mulher sorriu para ele a partir de uma porta coberta de sombras enquanto ele passava ao lado.—Busca algo específico ou só olha vitrines?

Nikolai grunhiu, mas se deteve.

—Sou um cara diferente.

—Bem, possivelmente tenho o que necessita. Sorriu e se moveu de sua pose sobre o degrau de concreto. —De fato, tenho exatamente o que necessita, querido.

Ela não era uma beleza, com seu quebradiço, provocador e descarado cabelo, olhos apagados e pele pálida, mas Nikolai não esperava gastar muito tempo olhando sua cara. Ela cheirava bem, se desodorante e spray de cabelo podiam ser considerados fragrâncias de aroma limpo. Para os sentidos afiados de Niko, a mulher cheirava a cosméticos e perfumes, com um fundo de uso recente de drogas que se filtrava por seus poros.

—O que quer dizer?— perguntou ela, aproximando-se furtivamente agora. —Quer ir a algum lugar por um momento? Se tiver vinte dólares, terá meia hora.

Nikolai olhou o pulso no pescoço da mulher. Tinham passado vários dias desde que comeu pela última vez. E tinha duas horas pela frente sem fazer nada…

—Sim— disse assentindo. —Vamos.

Ela pegou sua mão e o guiou virando a esquina no edifício e rua abaixo para um beco vazio.

Nikolai não perdeu tempo. Mal se separaram de potenciais olheiros, tomou sua cabeça em suas mãos e despiu seu pescoço para mordê-la. Seu grito assustado foi esmagado imediatamente ao afundar suas presas em sua carótida e começar a beber.

O sangue da mulher era medíocre – o habitual cobre pesado das células vermelhas humanas, mas enlaçadas com uma acidez doce e amarga das pedras de heroína e cocaína que ela tinha usado antes passeando durante seu trabalho à noite. Nikolai tragou vários goles, sentindo o fluxo de energia do sangue através de seu corpo em uma baixa vibração. Não era raro para um vampiro da Raça excitar-se pelo ato de comer. A resposta era puramente física, um despertar de células e músculos.

Que seu pênis estivesse completamente ereto agora e apertando para aliviar-se não o surpreendeu. Era o fato que sua cabeça estava nadando com pensamentos de uma mulher com cabeça de corvo — uma mulher que não tinha intenção de ver de novo— que fazia que Niko ficasse em estado de alarme.

—Mmm, não pare,— sua companheira humana se queixou, puxando sua boca de volta à ferida em seu pescoço. Ela também estava sentindo os efeitos da alimentação, cativada como todos os humanos ficavam quando estavam sob a mordida da Raça. —Não pare, baby.

A visão de Nikolai estava alagada de fogo âmbar enquanto abraçava de novo sua garganta. Sabia que não era Renata, mas enquanto suas mãos passavam roçando as nuas pernas da mulher e por baixo da curta saia que ela usava, se imaginou acariciando as belas e longas coxas de Renata. Imaginou que era o sangue de Renata que o alimentava. O corpo de Renata que respondia tão apaixonado ao seu contato.

Eram os febris ofegos de Renata que o guiavam enquanto destroçava a tanga barata com uma mão e trabalhava para liberar-se com a outra.

Precisava estar dentro dela.

Necessitava…

Santo Céu.

Uma ligeira brisa formou redemoinhos através do beco, levando com ela a fetidez de vampiros Renegados. E havia muito sangue derramado também. Sangue humano. Uma condenada quantidade, mesclada com o vil fedor de Renegados sangrando.

—Jesus Cristo.

Que porra estava acontecendo?

Puxou a saia da mulher para baixo e lambeu a ferida do pescoço da mulher, selando sua mordida.

—Disse que não parasse…

Niko não lhe deu tempo de terminar seu pensamento. Pondo sua palma sobre sua testa, apagou de sua mente tudo.

—Sai daqui— disse.

Estava já correndo pelo beco quando ela saiu de seu atordoamento e começou a mover-se. Seguiu seu nariz até um dilapidado edifício não longe de onde estava. A fetidez emanava do interior, alguns apartamentos acima da rua.

Nikolai subiu a escada de incêndios até o segundo andar. Seus olhos estavam virtualmente marejados pelo entristecedor aroma de morte que saia por baixo desse andar. Com a mão sobre a pistola embainhada em seu quadril, Niko se aproximou. Não havia sons do outro lado da maltratada porta cheia de grafites. Só morte, humana e vampírica. Niko girou o trinco e se preparou para o que encontraria.

Tinha sido um massacre.

Um aparente drogado permanecia em posição fetal entre refugos de seringas e outros lixos que cobriam o chão cheio de sangue e um repugnante colchão. O corpo estava tão arruinado que era apenas reconhecível como humano, só deixava um sexo distinguível. Os outros dois corpos foram atacados ferozmente também, mas definitivamente eram da Raça, ambos Renegados a julgar pelo tamanho e aroma deles.

Nikolai pôde imaginar o que ocorreu aqui: uma resistência letal sobre a presa. Esta luta era recente, possivelmente só uns minutos atrás. E os dois chupa-sangue mortos não teriam sido capazes de se destruir antes que um ou outro caíssem.

Houve pelo menos um Renegado mais envolvido nesta briga.

Se Niko tivesse sorte, o ganhador poderia estar ainda na zona, lambendo suas feridas. Esperava que sim, porque adoraria dar ao bastardo doente uma prova de sua pistola 9 mm. Nada dizia “Tenha um bom dia” como a veia sangüínea corrompida de um Renegado encontrando uma fusão alérgica de uma dose de titânio venenosa.

Nikolai foi para a janela fechada e puxou os painéis atarraxados cruamente. Se estava procurando ação, a tinha encontrado aos montes. Abaixo, na rua, havia um Renegado enorme. Estava ensangüentado e maltratado, parecendo o inferno.

Mas maldito seja…não estava sozinho.

Alexei Yakut estava com ele.

Incrivelmente, Lex e o Renegado caminhavam para um sedan que os esperava e entraram.

—Que demônios acontece?— Niko murmurou baixo enquanto o carro arrancava e deslizava pela rua.

Esteve a ponto de saltar pela janela aberta e seguir a pé quando um grito estridente soou atrás dele. Uma mulher tinha vagado até a zona de matança e agora gritava de terror, um dedo acusador apontava em sua direção. Ela gritou de novo suficientemente alto para despertar a cada drogado e traficante da vizinhança.

Nikolai olhou à testemunha e a sangrenta evidência de uma resistência que parecia tudo exceto humana.

—Maldita seja,— grunhiu, olhando por cima de seu homem a tempo de ver o carro de Lex desaparecer virando a esquina.

—Está bem— disse à banshee gritona enquanto deixava a janela e se aproximava dela. —Você não viu nada.

Apagou sua memória e a tirou do quarto. Então pegou uma faca de titânio e a cravou nos restos de um dos Renegados mortos.

Enquanto o corpo começava a chiar e dissolver, Niko se preparou para limpar o resto da desordem que Lex e seu insólito sócio tinham deixado para trás.

 

Renata estava no balcão da cozinha, com uma faca na mão.

—Que tipo de geléia quer esta noite, uva ou morango?

—Uva— respondeu Mira. —Não espera. Quero morango desta vez.

Ela estava sentada na beira da bancada de madeira ao lado de Renata, suas pernas pendurando com os braços cruzados. Vestida com uma camiseta púrpura, calças azul desgastadas, e um velho tênis, Mira poderia parecer como qualquer outra menina esperando o jantar. Mas as meninas normais não eram obrigadas a comer o mesmo, virtualmente dia a dia. As pequenas meninas normais tinham famílias que as amavam e cuidavam. Viviam em casas bonitas, com ruas bonitas com árvores, com cozinhas brilhantes e despensas cheias, e as mães sabiam cozinhar comidas infinitas e maravilhosas.

Pelo menos, isso é o que Renata imaginava quando pensava na representação ideal de uma família normal. Ela não sabia por nenhum tipo de experiência pessoal. Como menina de rua antes que Yakut a encontrasse e levasse a sua guarida, Mira não sabia tampouco o que era normal. Mas era desse tipo saudável, o tipo de vida normal que Renata desejava para a menina, embora parecia um desejo insignificante, de pé na suja cozinha de Sergei Yakut, junto a um desmantelado campo de tiro, que provavelmente não funcionaria, embora tivesse uma linha de gás correndo nele.

Como Renata e Mira eram as únicas na cabana que se alimentavam de comida, Yakut tinha deixado em suas mãos que ela e a menina se alimentassem regularmente. Renata não prestava realmente atenção em sua alimentação e odiava não ser capaz de tentar Mira com algo agradável de vez em quando.

—Um dia sairemos e teremos um jantar de verdade, um com cinco pratos diferentes. Além disso sobremesa,— acrescentou, passando a geléia de morango em uma fatia de pão branco. —Talvez tenhamos duas sobremesas cada uma.

Mira sorriu sob o curto véu negro que caía sobre a pequena ponta de seu nariz.

—Acredita que a sobremesa será de chocolate?

—Definitivamente de chocolate. Aqui tem,— disse, entregando o prato.—PB&J , com muito J, e sem cascas.

Renata se apoiou no balcão, enquanto Mira cortava uma pequena parte do sanduíche e comia, como se fosse tão delicioso como qualquer menu de cinco pratos que pudesse imaginar.

—Não esqueça de tomar seu suco de maçã.

—Está bem.

Renata cravou o canudo na caixa de suco e o pôs ao lado de Mira. Então tirou as coisas, limpando o balcão. Cada músculo tenso quando ouviu a voz de Lex na cozinha.

Ele havia saído ao anoitecer. Renata realmente não sentiu sua falta, mas não se perguntou o que tinha estado fazendo desde que saiu. A resposta para aquela pergunta veio na forma de uma gargalhada bêbada— várias mulheres bêbadas, pelo som do riso e os chiados passando a área principal da cabana.

Lex trazia freqüentemente mulheres humanas para casa para servir seu exército de sangue e entretenimento geral. Às vezes as mantinha por vários dias. Ocasionalmente compartilhava suas presas com os outros guardas, todos as usavam e apagavam o ataque de suas mentes antes de as devolver as suas vidas. Estar sob o mesmo teto que Lex quando estava de humor festeiro a adoecia, mas não mais do que a enfurecia já que Mira teve era exposta — inclusive na periferia – a seus jogos também.

—O que está acontecendo ali fora, Rennie?— perguntou.

—Termina seu sanduiche,— Renata disse a Mira quando parou de comer para escutar o alvoroço na outra sala. —Fique aqui. Volto em seguida.

Renata saiu da cozinha e atravessou o corredor para o alvoroço.

—Bebam, senhoritas!— gritou Lex, deixando cair uma caixa de garrafas de licor no sofá de couro.

Ele não consumiria álcool, nem usava os favores da festa que conseguia. Tirou algumas sacolas plásticas brancas, enroladas, cada uma tão cheia, com o que provavelmente era cocaína, e as jogou sobre a mesa. O sistema de som ligou, um baixo crepitando fortemente por baixo da letra da canção de hip—hop.

Lex agarrou a morena curvilínea com risada frívola e a colocou sob seu braço.

—Você disse que teríamos diversão! Vêem aqui e me mostre uma gratidão adequada.

Certamente estava em um raro estado de ânimo, de bom humor. E não era um milagre. Retornou com um bom saque: cinco mulheres vestidas com saltos altos, pequenos tops, e micro saias. A princípio, Renata achou que eram prostitutas, mas vendo mais de perto, estavam muito limpas, muito frescas sob toda a maquiagem pesada para serem parte da vida das ruas. Provavelmente eram só ingênuas garotas do clube, sem dar-se conta que o persuasivo e atraente homem que as recolheu era na realidade alguém saído de um pesadelo.

—Venham e conheçam meus amigos,— Lex disse ao grupo de mulheres enquanto se movia para os outros machos da Raça para mostrar a captura da noite. Houve um momento de apreensão evidente enquanto os quatro guardas fortemente armados olhavam lascivamente seus aperitivos humanos. Lex empurrou às três mulheres para os ansiosos vampiros.

—Não sejam tímidas, garotas. Esta é uma festa, afinal. Vão e digam olá.

Renata se deu conta que estava retendo as duas garotas mais bonitas. Típico de Lex, obviamente tinha reservado o melhor para ele. Renata estava a ponto de girar e voltar com Mira à cozinha – e tentar ignorar a orgia sangrenta que estava a ponto de começar— mas antes que pudesse dar dois passos, Sergei Yakut apareceu trovejando de seus aposentos privados.

—Alexei. A fúria vibrava do vampiro mais velho em ondas de calor. Olhou Lex, com olhos brilhantes cor âmbar. —Esteve fora durante horas. Onde esteve?

—Estive na cidade, pai. Tentou um sorriso generoso, como dizendo que seu tempo fora de suas obrigações não fosse inteiramente para servir suas próprias necessidades. —Olhe o que trouxe.

Lex afastou uma das mulheres de seu abraço para que Yakut a inspecionasse. Yakut nem sequer deu um olhar ao prêmio que Lex oferecia. Só olhou às duas mulheres que Lex guardava para ele mesmo.

O Gen Um grunhiu.

—Cava a merda de seus saltos e dirá que é ouro?

—Nunca,— respondeu Lex. —Pai, eu nunca o consideraria.

—Bem. Estas duas serão minhas,— disse, indicando às mulheres de Lex.

Furioso como deveria estar, humilhado com a espetada em seu orgulho. Lex não disse nenhuma palavra. Deixou cair seu olhar e esperou em silêncio que Yakut recolhesse suas duas companheiras e se dirigisse com elas a seus aposentos privados.

—Não queremos ser incomodados,— Yakut ordenou sombriamente. —Por nenhuma razão.

Lex deu um assentimento de reverência contida.

—Sim pai. É obvio. Tudo que deseje.

 

Nikolai ouviu música e vozes inclusive antes que estivesse a quinhentos metros da cabana. Aproximou-se, movendo-se através do bosque como um fantasma, o carro de Lex estava estacionado na parte de trás, o capô ainda quente pela viagem à cidade.

Niko não estava seguro do que ia encontrar. Não esperava uma maldita festa, mas isso era o que parecia que havia dentro da casa principal. O lugar estava iluminado como uma árvore de natal, as luzes saíam das janelas da sala onde alguém estava entretido com um número de fêmeas. Rap pesado vibrava por todo o caminho de terra por baixo das botas de Nikolai enquanto ele se aproximava por um lado do edifício e lançava uma olhada dentro.

Lex estava aí, muito bem. Ele e o resto dos guarda—costas de Yakut, reunidos todos em uma sala rústica. Três mulheres jovens dançavam nos tapetes de pele somente com as roupas íntimas, todos claramente embriagados, apoiado na quantidade de bebidas alcoólicas e drogas sobre a mesa mais próxima. Os quatro guardas da Raça uivavam e as animavam, os vampiros provavelmente estavam a segundos de jogar-se sobre as fêmeas ingênuas.

Lex, enquanto isso, estava sentado curvado em um sofá de pele, os olhos escuros fixos nas mulheres apesar que seus pensamentos pareciam estar a quilômetros de distância. Não havia nenhum sinal do malicioso Lex que esteve paquerando na cidade. Sem sinais de Sergei Yakut tampouco, e o fato que a segurança inteira estava entretida com este pequeno espetáculo fez que os instintos de Niko mudassem a alerta vermelho.

—Que demônios está fazendo?— Niko pronunciou baixo.

Mas sabia a resposta inclusive antes que começasse a mover-se pela parte posterior da cabana, onde Yakut tinha seus aposentos privados. Quando um sutil, mas persistente aroma confirmou as suspeitas de Niko de seu pior temor.

Maldito seja.

O renegado estava aqui.

Nikolai cheirou sangue fresco derramado também, proveniente de humano, o aroma era quase entristecedor quanto mais se aproximava do quarto de Yakut. Sangue e sexo, para ser exato, como se o Gen Um tivesse tendo um banquete.

Um grito repentino irrompeu na noite.

De mulher. Um som de terror total, procedente de dentro do quarto de Yakut.

Depois, disparos amortecidos.

Pop, pop, pop!

Nikolai voou através da porta traseira do refúgio, sem surpreender-se em encontrá-la destrancada e parcialmente aberta. Irrompeu no quarto de Yakut, sua pistola semi-automática na mão pronta para lançar a carga completa de balas de titânio reforçado.

A cena que o saudou era um açougue total.

Na cama estava Sergei Yakut, tendido nu sobre uma mulher presa sob seu corpo sem vida, com a garganta rasgada onde o vampiro esteve se alimentado dela apenas uns segundos antes. Ela não se movia, e não havia cor na pele da mulher ou no cabelo, porque a maior parte dela estava coberta pelo sangue de Yakut e o seu próprio. Faltava a metade da cara do Gen Um. A cabeça de Sergei Yakut era pouco mais que pedaços de osso, tecido e sangue do trio de balas que tinham sido disparadas a queima—roupa na parte posterior de seu crânio. Estava morto e o renegado que o matou estava também preso no anseio de sangue para dar-se conta da presença de Nikolai. O filho da puta tinha deixado a pistola que tinha utilizado para matar Yakut e agora estava ocupado com a outra mulher nua que tinha sido apanhada no canto do quarto. Seus olhos estavam voltados para trás e não se movia. Merda, não estava respirando bem, embora o renegado seguia bebendo dela, seu pescoço destroçado pelas presas enormes.

Niko se moveu por trás do filho da puta e pôs o canhão da Beretta contra sua cabeça desgrenhada. Apertou o gatilho — dois mortos— com explosões de titânio no cérebro do canalha. O renegado caiu no chão, retorcendo-se e com espasmos por causa do golpe. O titânio fez efeito rápido e o vampiro moribundo lançou um grito tão forte e do outro mundo que sacudiu as velhas vigas de madeira da cabana como um trovão.

 

Renata saiu voando da cozinha com sua pistola pronta. Seus sentidos de batalha estavam esticados como corda de piano, o crepitar de disparos distantes e o uivo desumano que o seguiram, procedentes do outro lado do refúgio. A música seguia soando na grande sala. As visitantes de Lex já não estavam vestidas e seguiam estridentes com o contínuo fluxo de drogas e álcool. As mulheres estavam sobre os guardas e estes também, e pelo olhar faminto dos machos da Raça não notariam se uma bomba explodisse no quarto ao lado.

—Idiotas,— Renata os acusou baixo. —Nenhum de vocês escutou isso?

Lex levantou a vista, a preocupação obscureceu sua expressão, mas ela realmente não estava esperando uma reação por parte dele. Ela correu para o corredor do quarto de Yakut. O corredor estava escuro, o ar parado. Tudo muito silencioso. Muito ainda.

A morte pendurava como um véu, quase asfixiante enquanto ela se aproximava da porta aberta do alojamento do vampiro.

Sergei Yakut já não estava vivo; Renata sentiu a verdade em seus ossos. A pólvora, sangue, e um entristecedor aroma adocicado de podridão a advertiu que ela caminhava para algo terrível.

Embora nada poderia tê-la preparado realmente para o que viu quando empurrou a porta, a arma levantada e a sustentou com ambas as mãos. Pronta para matar quem estivesse em seu caminho. A vista de tanta morte, sangue e Gore a tomou de surpresa. Estava por toda parte: na cama, chão, paredes.

E também o assassino aparente de Sergei Yakut.

Nikolai estava no centro do açougue, seu rosto e camisa escura salpicada de cor escarlate. Em sua mão tinha uma grande pistola semi-automática, a ponta do cano ainda fumegante por sua recente utilização.

—Você?— A palavra deslizou de seus lábios, a comoção e incredulidade como uma bola de gelo em seu intestino. Olhou o corpo de Yakut –seus restos eliminados— tendidos sobre a cama na parte superior da mulher sem vida.

—Meu Deus,— ela sussurrou, surpreendida ao vê-lo aqui no pavilhão de novo, mas até mais surpreendida pelo resto que estava vendo. —Você… você o matou.

—Não. O guerreiro moveu a cabeça sombriamente. —Eu não, Renata. Havia um renegado aqui com Yakut. Indicou a grande massa de fumegantes cinzas no chão, a fonte do aroma ofensivo. —Eu matei o renegado, mas era muito tarde para salvar Yakut. Sinto muito.

—Baixe sua arma,— disse, sem interessar as desculpas. Ela não as necessitava. Renata sentiu pena pelo final violento de Yakut, um sentimento de incredulidade a surpreendeu por estar realmente morto. Mas não havia dor. Nada que absolvesse Nikolai de sua aparente culpa. Apontou firmemente a seu objetivo e entrou um pouco mais no quarto. —Baixa sua arma. Agora.

Manteve o controle firme de sua pistola 9 mm.

—Não posso fazer isso Renata. Não o farei, não enquanto Lex siga respirando.

Ela franziu o cenho confundida.

—O que tem Lex?

—Este assassinato foi obra dele, não meu. Trouxe o renegado aqui. Trouxe as mulheres para distrair Yakut e os guardas, para que o renegado pudesse se aproximar o suficiente para matá-lo.

Renata escutou, mas manteve seu objetivo na mira. Lex era uma víbora, certo, mas um assassino? Realmente tomaria medidas para matar seu próprio pai?

Só então, Lex e os outros guardas se aproximaram pelo corredor.

—O que aconteceu? Ocorre algo mau aí dentro.

Lex se calou quando chegou à porta aberta da câmara de seu pai. Em sua visão periférica Renata o viu olhar o corpo de Yakut na cama e depois Nikolai. Cambaleou-se para trás – um passo, não muito mais que uma pausa. Então explodiu, muita raiva.

—Filho da puta! Maldito assassino filho da puta.

Lex se lançou, mas foi uma tentativa pela metade, que abandonou completamente quando a pistola de Nikolai girou em sua direção. O guerreiro não fraquejou, nem seu olhar nem um só músculo. Estava completamente calmo enquanto olhava Lex pelo canhão de sua arma, inclusive quando a arma de Renata e a dos guardas apontavam para ele.

—Te vi na cidade esta noite, Lex. Eu estava lá. The Crakhouse. A isca que utilizou para atrair os vampiros renegados. O filho da puta que trouxe esta noite… vi tudo.

Lex zombou.

—Vá a merda você e suas mentiras! Não viu tal coisa.

—O que prometeu ao renegado em troca da cabeça de seu pai? Dinheiro não importa aos viciados de sangue, a vida de quem ofereceu como prêmio— a de Renata? Talvez essa pequena menina problema em seu lugar?

O peito de Renata se apertou com o pensamento. Atreveu-se a dar uma rápida olhada em Lex e o encontrou friamente zombador diante do guerreiro, dando uma lenta sacudida de cabeça.

—Dirá algo neste momento para salvar seu pescoço. Não funcionará. Não quando você mesmo ameaçou a vida de meu pai não faz nem vinte horas. Lex girou para ver Renata.

—Você também o escutou dizê-lo, não foi?

Ela assentiu a contra gosto, recordando como Nikolai deu a Sergei Yakut uma advertência muito pública que alguém precisava detê-lo.

Agora Nikolai tinha retornado e Yakut estava morto.

Mãe do Céu, ela pensou, olhando uma vez mais o corpo sem vida do vampiro que a manteve virtualmente prisioneira pelos últimos dois anos. Estava morto.

—Meu pai não estava em nenhum tipo de perigo até que a Ordem entrou no jogo. Lex estava dizendo. —Uma tentativa fracassada, e agora isto, um banho de sangue. Você esperou para fazer seu movimento. Você e o renegado que trouxe com você esta noite, esperando uma oportunidade para atacar. Só posso deduzir que veio matar meu pai desde o começo.

—Não,— disse Nikolai, um brilho de luz âmbar em seus olhos azuis invernais. —Quem estava esperando para matá-lo era você, Lex.

Em uma fração de segundo, só enquanto ela via os tendões em sua arma flexionar-se enquanto seu dedo começava a pressionar o gatilho da arma, Renata disparou em Nikolai uma explosão mental forte. Restava um pouco de carinho por Alexei, e não podia deixá-lo esta noite. Nikolai rugiu, a coluna vertebral arqueada, a cara retorcendo de dor.

Mais efetiva que as balas, a explosão o derrubou de joelhos em um instante. Os quatro guardas irromperam no quarto e tomaram sua pistola e o resto de suas armas. Os canhões de quatro revolveres foram colocados na cabeça do guerreiro, a espera de ordens de matar. Um dos guardas inclinou o gatilho, ávido pelo derramamento de sangue, embora o quarto estivesse repleto.

—Baixem,— disse. Olhou Lex, cuja cara estava repleta de ira, seus olhos azuis e brilhantes, suas presas afiadas visíveis entre os lábios entreabertos. —Diga que se retirem, Lex. Matá-lo não nos fará nada mais que assassinos a sangue frio também.

Incrivelmente, Nikolai começou a rir. Levantou a cabeça, com um esforço evidente, enquanto a explosão ainda o segurava.

—Ele tem que me matar, Renata, porque não pode arriscar-se com uma testemunha. Não é certo, Lex? Ninguém pode caminhar por aí sabendo seu sujo segredo.

Lex tirou agora sua própria pistola e se dirigiu diretamente a Nikolai e pôs o canhão da pistola contra a testa do guerreiro. Grunhiu, seu braço tremendo pela ferocidade de sua raiva. Renata estava imóvel, horrorizada realmente que apertasse o gatilho. Ela estava perdida, uma parte dela queria acreditar no que Nikolai disse – que ele era inocente— e temerosa de acreditar. O que havia dito de Lex simplesmente não podia ser verdade.

—Lex,— ela disse, o único som no quarto. —Lex… não faça isto.

Ela estava a menos de uma pausa de golpeá-lo como fez a Nikolai quando a arma lentamente baixou.

Lex rosnou, finalmente deixando-o tranqüilo.

—Eu gostaria de uma morte mais lenta para este bastardo do que a que sou capaz de lhe dar. Levem-no a sala principal e prendam-no. Disse aos guardas. —Depois alguém se encarregue de cuidar do corpo de meu pai. As fêmeas que estão no outro quarto as tirem da propriedade. Quero todo este caos sangrento limpo imediatamente.

Lex se voltou com um olhar sombrio para Renata quando os guardas começaram a arrastar Nikolai fora do quarto.

—Se tentar algo, dê tudo o que tem ao filho da puta.

 

—Pardonnez-moi, Monsieur Fabien. Há uma chamada telefônica para você, senhor. De um Monsieur chamado Alexei Yakut.

Edgar Fabien fez um gesto depreciativo ao macho da Raça que o servia como secretário pessoal e continuou admirando o corte nítido de suas calças leves feitos sob medida no espelho do armário. Ele estava experimentando um traje novo, e, neste momento, nada que Alexei Yakut tivesse a dizer era o suficientemente importante para justificar uma interrupção.

—Diga que estou em uma reunião e não posso ser incomodado.

—Desculpe-me você, senhor, mas já o informei que você se acha indisponível. Ele diz que é um assunto urgente. Que requer sua imediata atenção pessoal.

Com uma reflexão Fabien olhou para trás furiosamente por baixo de suas pálidas sobrancelhas arrumadas. Ele não tentou ocultar os sinais externos de sua irritação crescente, que se mostraram pelo brilho cor âmbar de seus olhos e na repentina agitação das cores de seus dermaglifos que formavam redemoinhos e um arco sobre seu peito nu e ombros.

—Basta—, ele lançou um golpe ao alfaiate enviado dos armazéns da Givenchy do centro da cidade. O humano recuou imediatamente, recolhendo seus alfinetes e a fita métrica e obedientemente afastou-se às ordens de seu mestre. Ele pertencia a Fabien – um dos muitos subordinados que o vampiro da Raça de segunda geração empregava pela cidade. —Fora daqui, vocês dois.

Fabien desceu do soalho do armário, e se aproximou de seu telefone que estava na mesa. Ele esperou até que ambos os serventes tinham abandonado o quarto e a porta estava fechada atrás deles.

Com um grunhido, tomou o fone e apertou o botão que piscava para conectar-se à chamada de Alexei Yakut.

—Sim—, sussurrou ele com frieza. —Qual é o assunto urgente que simplesmente não pode esperar?

—Meu pai está morto.

Fabien balançou sobre seus calcanhares, realmente pego com a guarda baixa pela notícia. Ele exalou um suspiro com a intenção de soar aborrecido.

—Que tão conveniente para você, Alexei. Terei que oferecer minhas felicitações, junto com minhas condolências?

O herdeiro aparente de Sergei Yakut ignorou a espetada.

—Havia um intruso na mansão esta noite. De algum jeito ele conseguiu penetrar sigilosamente no lugar. Ele matou meu pai em sua cama, a sangue frio. Ouvi a perturbação e tentei intervir, mas… bom. Por desgraça, era muito tarde para salvá-lo. Estou desconsolado, certamente.

Fabien grunhiu.

—É obvio.

—Mas supus que você deveria ser notificado do crime. E também suspeitei que você e a Agência de Imposição viriam aqui imediatamente para deter o atacante de meu pai.

Cada célula no corpo de Fabien se deteve.

—O que está dizendo — que tem alguém em custódia? Quem?

Um riso baixo se escutou no outro lado da linha.

—Vejo que finalmente tenho sua atenção, Fabien. O que diria se dissesse que tenho um membro da Ordem submetido e esperando por você aqui no albergue? Estou seguro que há algumas pessoas que terão em mente que um guerreiro a menos para lutar, seria excelente.

—Você não está realmente tentando me convencer que este guerreiro é responsável pela morte de Sergei Yakut, verdade?

—Eu só estou dizendo que meu pai está morto e estou no comando de seus domínios agora. Digo que tenho um membro da Ordem em minhas mãos, e estou disposto a entregá-lo a você. Um presente, se quiser.

Edgar Fabien guardou silêncio durante um longo momento, considerando o imenso prêmio que Alexei Yakut lhe oferecia. A Ordem e seus membros ativos tinham poucos aliados dentro da Agência de Imposição. Menos ainda dentro do círculo privado ao qual Fabien pertencia.

—E o que espera em troca deste… presente?

—Já disse quando nos conhecemos. Quero entrar. Quero uma parte em qualquer ação que você esta tentando fazer. Uma parte grande, entende?— Riu entredentes, tão cheio de si mesmo. —Você me necessita ao seu lado, Fabien. Penso que isso é óbvio para você agora.

A última coisa que Edgar Fabien ou qualquer de seus sócios necessitavam ao seu lado era um ambicioso de merda como Alexei Yakut. Ele era um cabo solto, um que teria que ser tratado com cuidado. Se Fabien tivesse que escolher, optaria por uma exterminação rápida, mas teria que ser alguém mais em última instância que faria aquela escolha.

Quanto ao membro cativo da Ordem? Agora, isso era intrigante. Era uma bênção digna a considerar, e as muitas atraentes possibilidades que isto representava fazia o coração de quase quatrocentos anos de idade de Fabien pulsar um pouco mais rápido.

—Terei que fazer uns quantos… acertos—, disse ele. —Isto pode levar uma hora ou menos para alinhar os recursos e fazer a viagem até o recinto para recuperar o prisioneiro.

—Uma hora—, Alexei Yakut aceitou ansiosamente. —Não me faça esperar mais que isso.

Fabien engoliu sua resposta ácida e terminou a chamada com um conciso —Te vejo então.

Ele sentou na borda de sua mesa e olhou para a linha do horizonte noturno que brilhava intermitentemente na distância além de seu imóvel Darkhaven. Então se dirigiu para sua caixa forte e virou a fechadura da combinação, pegando a manivela para abrir a assegurada caixa de armazenamento. Dentro havia um telefone celular reservado só para chamadas de emergência. Ele teclou um número programado e esperou que o sinal cifrado conectasse. Quando a voz asfixiante do outro respondeu, Fabien disse:

—Temos um incômodo.

 

As correntes pesadas rodeavam seu torso nu, atando-o a uma cadeira de madeira esculpida. Nikolai sentia restrições similares em suas mãos, que estavam presas atrás dele, e em seus pés, que estavam atados pelos tornozelos e sustentados com força contra as pernas da cadeira.

Ele tinha recebido um inferno de surra, e não só pela rajada mental debilitante que tinha ganhado por cortesia de Renata. Graças a esse golpe demolidor, tinha estado dentro e fora da consciência durante algum tempo, lutando só para levantar suas pálpebras, inclusive agora. É obvio, parte do problema ali era que seu rosto estava golpeado e arruinado, com os olhos inchados, seus lábios arrebentados e amargos com o sabor de seu próprio sangue. Ele estava muito fraco para uma verdadeira luta quando Lex e seus guardas tinham trabalhado com ele como um saco de boxe enquanto tiravam até sua roupa íntima e o levavam arrastado para o grande quarto da residência para esperar por seu destino.

Nikolai não sabia há quanto tempo estava sentado ali. Tempo suficiente para que suas mãos se sentissem intumescidas pela falta de circulação. Tempo suficiente para ter notado quando Renata passou pelo quarto há um tempo, protetoramente conduzindo Mira longe da repugnante cena. Tinha observado uma mecha de seu cabelo empapado em suor, vendo a dor e a tensão em seu rosto quando tinha lançado um olhar sinistro em sua direção.

Sua reverberação provavelmente a golpeava muito duro agora, ele adivinhava. Niko disse a si mesmo que a pontada que sentiu era só outro músculo gritando pelo abuso; ele provavelmente não podia ser tão estúpido para sentir nenhum tipo de simpatia pelo sofrimento da fêmea. Ele provavelmente não podia ser tão estúpido para preocupar-se com o que ela pensasse dele— isso se ela em realidade acreditou que ele fez o que Lex o acusou—, mas maldita seja, realmente importava. Sua frustração por não poder falar com Renata só ampliava sua dor física e sua fúria.

Do outro lado da sala, os quatro guardas examinavam suas armas e as rodas de titânio feitas a mão com as pontas ocas que eram uma das criações pessoais de Nikolai. Eles tinham todos seus dispositivos sobre uma mesa de cavalete, fora de seu alcance. O telefone móvel de Niko—, seu vínculo e enlace com a Ordem— estava em pedaços no chão. Lex tinha tido o grande prazer de esmagá-lo sob sua bota antes que partisse deixando Nikolai sob supervisão de seus guardas.

Um dos machos fornidos da Raça disse algo que fez os outros três rirem antes que girasse a seu redor com a semi-automática de Niko e apontasse em sua direção. Nikolai não estremeceu. De fato, ele mal respirava, olhando pela fenda torcida de seu olho esquerdo, todos seus músculos desabados como se ainda estivesse inconsciente e ignorante de seu entorno.

—Que tal se o acordamos?— brincou o guarda com a arma na mão. Ele a rebolou para Niko, tentadoramente dentro do alcance de sua mão, quando os braços de Niko não estivessem fortemente amarrados atrás dele. A boca da 9 mm baixou lentamente, além de seu peito, logo adiante de seu abdômen também. —Eu digo que castremos este pedaço de merda assassino. Tiramos suas bolas e deixamos que a Agência de Imposição o leve em pedaços.

—Kiril, deixa de ser um asno—, um dos outros advertiu. —Lex disse que não podíamos tocá-lo.

—Lex é um merda. O polido aço negro chiou com o frio entalhe quando Kiril martelou uma ronda. —Em dois segundos, este guerreiro vai ser somente um merda também.

Nikolai se manteve muito quieto quando a arma pressionou comodamente em sua virilha. Parte de sua paciência nasceu do verdadeiro temor, já que ele era bastante aficionado a suas partes viris e não tinha nenhum desejo das perder. Mas era inclusive mais primitivo que ele entendesse que as oportunidades de reverter a situação a seu favor eram poucas e breves. Ele tinha superado a maioria dos efeitos internos do talento de Renata, mas não podia estar seguro de sua força física a menos que tentasse.

E se tentava agora e falhava… bom, ele não queria contemplar as possibilidades de afastar-se sem sua virilidade intacta se tentava escapar de suas ataduras e conseguisse só um disparo impulsivo de Kiril.

Uma dura palma golpeou um lado de seu crânio.

—Está aí, guerreiro? Tenho algo para você. Hora de despertar.

Com os olhos fechados para ocultar sua mudança de cor azul ao âmbar, Nikolai deixou que sua cabeça caísse mole com o golpe. Mas dentro dele, a fúria começava a acender-se em seu ventre. Ele tinha que mantê-la a raia. Não podia deixar que Kiril ou os outros vissem a mudança de seus dermaglifos e arriscar-se a mostrar que estava completamente acordado e consciente e totalmente de saco cheio.

—Desperta —,grunhiu Kiril.

Ele começou a levantar o queixo de Niko, mas então um ruído fora do recinto chamou sua atenção. Cascalho salpicando e rangendo debaixo de pneus de veículos que se aproximavam. Uma frota deles, pelo som.

—A Agência está aqui—, um dos outros guardas anunciou.

Kiril se separou de Nikolai, mas tomou seu tempo para desarmar a pistola. Fora, os veículos reduziam a velocidade, até parar. Portas se abriram. Botas golpeando o caminho de cascalho quando os Agentes da polícia Darkhavens se aproximaram. Nikolai contou mais de meia dúzia de pares de pés movendo-se para a casa.

Merda.

Se saía deste desastre bastante rápido, ia despertar nas mãos da Agência de Imposição. E um membro da Ordem, desse mesmo grupo da Agência, tinha desejado há muito tempo extingui-los, a detenção por eles faria que Lex e o tratamento de seus guardas parecesse uma viagem a um SPA. Se caía nas mãos da Agência agora, especialmente quando o acusavam de assassinar um Gen Um— Niko sabia sem sombra de dúvida que também ia acabar morto.

Lex saudou os recém chegados como se ele fosse a corte dos dignitários visitantes.

—Por este caminho,— indicou de algum lugar fora do recinto. —Tenho o filho da puta contido e esperando na residência.

—Ele tem ao bastardo contido—, murmurou Kiril acidamente. —Duvido que Lex pudesse conter seu próprio traseiro embora usasse ambas as mãos.

Os outros guardas riram entredentes cautelosamente.

—Venha—, disse Kiril. —Vamos pôr o guerreiro de pé para que a Agência possa levá-lo daqui.

A esperança surgiu no peito de Niko. Se o liberassem das algemas, poderia ter uma pequena possibilidade de escapar. Muito pequena, tendo em conta os golpes próximos das botas e a capacidade armamentista que se dirigia em sua direção do exterior da casa, mas pequena era um inferno muitíssimo melhor que nenhuma.

Ele manteve seu corpo sem vida na cadeira, inclusive enquanto Kiril se abaixava diante dele e tirava as correntes que estavam ao redor de seus tornozelos. A impaciência o corroia. Cada impulso de Nikolai dizia que levantasse seu joelho e golpeasse o guarda por baixo da mandíbula.

Ele teve que reprimir-se com os dentes mordendo a língua para manter a si mesmo imóvel, com a respiração mais superficial que pudesse, esperando a melhor oportunidade enquanto o guarda dava a volta atrás dele e recolhia os cadeados que fechavam as correntes em seu torso e pulsos. Um giro da chave. Um estalo rangente do carboneto de aço quando a fechadura abriu.

Nikolai flexionou seus dedos, tomou uma respiração profunda, sem restrições.

Ele abriu os olhos. Sorriu abertamente aos companheiros de Kiril um instante antes que ele levasse seus braços ao seu redor e agarrasse a cabeça grande de Kiril com ambas as mãos.

Dentro do movimento fluido, deu um giro violento e saltou para cima fora da cadeira. As correntes caíram e Nikolai estava de pé com o forte estalo do rompimento do pescoço de Kiril.

—Santo Cristo!— gritou um dos guardas restantes.

Alguém lançou um disparo frenético. Os outros dois procuraram por suas armas.

Niko puxou bruscamente a pistola de Kiril fora de sua cartucheira e devolveu o fogo, derrubando um guarda com uma bala na cabeça.

A comoção trouxe gritos de alarme do corredor. As botas começaram a golpear. Um pequeno exército de Agentes de Imposição arremeteria para tomar o controle da situação.

Maldito seja.

Não tinha muito tempo para fugir antes que ele estivesse contemplando os canos de não menos de meia dúzia de canhões, em poucos segundos.

Nikolai arrastou o corpo morto de Kiril diante dele e o manteve ali como um escudo. O cadáver tomou um par de golpes rápidos, quando Niko começou a mover-se para trás, para a janela do outro lado do extenso quarto.

Na porta aberta agora, havia um grupo de Agentes vestidos de negro da equipe SWAT, todos munidos com algumas armas de fogo semi-automática que o observavam bastante sérios.

—Fica quieto, safado!

Niko lançou um olhar por cima de seu ombro para a janela que estava uns metros atrás dele. Essa era sua melhor, sua única opção. Render-se agora e sair pacificamente com seus executores da Agência era uma alternativa que ele se negava a considerar.

Com um rugido, Niko agarrou o peso morto de Kiril e balançou o corpo para a janela de cristal. Ele o manteve perto quando a janela quebrou ao redor dele, usando como escudo o cadáver do vampiro para conseguir sair do alcance e assim conseguir atravessar o improvisado buraco.

Ele escutou uma ordem exclamada atrás dele – uma ordem de um dos Agentes para que abrissem fogo.

Ele sentia o ar fresco da noite sobre o rosto, em seu cabelo úmido pelo suor. Mas, antes que ele pudesse registrar o menor sabor da liberdade.

Pow! Pow! Pow!

Suas costas nuas arderam como se estivessem em chamas. Seus ossos e músculos se sentiram flexíveis, dissolvendo-se dentro dele quando uma onda de bílis e ácido chamuscou a parte posterior de sua garganta. A visão de Nikolai nadou para uma escuridão repentina, que o devorou. Ele sentiu a terra surgir rapidamente debaixo dele, quando ele e o cadáver de Kiril caíram na terra que estava abaixo da janela.

Então já não sentiu nada mais.

 

Lex permaneceu com Edgar Fabien sob os beirais da casa principal, olhando como os Agentes da Lei deslizavam o corpo do guerreiro para a parte traseira de uma caminhonete negra sem matricula.

—Quanto tempo farão efeito os sedativos?— Perguntou Lex, decepcionado ao saber que a arma com que Fabien tinha ordenado abrir fogo sobre Nikolai continha dardos tranqüilizantes em lugar de balas.—Não espero que o prisioneiro desperte até que esteja na prisão de contenção de Terrabonne.

Lex olhou o líder do Darkhaven.

—Uma prisão de contenção? Pensei que esses lugares eram usados para processar e reabilitar viciados de sangue— alguns agentes da lei têm depósitos para vampiros Renegados.

O sorriso de Fabien era tenso.

—Não há necessidade de te envolver com os detalhes, Alexei. Fez o certo me avisando sobre o guerreiro. Obviamente, um indivíduo tão perigoso como ele precisa ser detido com considerações especiais. Eu pessoalmente verei que seja tratado da devida maneira. Estou seguro que tem suficiente em sua mente durante estes momentos de inimaginável e trágica perda.

Lex grunhiu.

—Ainda está o assunto de nosso…acordo.

—Sim—, respondeu Fabien, deixando que a palavra saísse lentamente entre seus magros lábios. —Surpreendeu—me, Alexei, devo admitir. Há algumas apresentações que eu gostaria de fazer em seu nome. Apresentações muito importantes. Naturalmente isto requererá a mais completa discrição.

—Sim, é obvio. - Lex mal podia conter seu entusiasmo, sua cobiça por saber mais— por saber tudo o que tinha que saber— justo aqui e agora. —A quem preciso conhecer? Posso estar em sua casa na primeira hora amanhã de noite…

A risada condescendente de Fabien foi irritante.

—Não, não. Estou falando sobre algo tão publico como isto. Isto requererá uma reunião especial. Uma reunião secreta, com uns poucos de meus sócios. Nossos sócios— corrigiu com um olhar conspiratório.

Uma audiência privada com Edgar Fabien e seus coetâneos. Lex estava virtualmente salivando só com a idéia.

—Onde? E quando?

—Dentro de três noites. Enviarei meu carro para te recolher e o levarei para o lugar como meu convidado pessoal.

—Estou desejando-o com antecipação— disse Lex.

Ele ofereceu sua mão ao macho Darkhaven – seu poderoso e novo aliado— mas o olhar de Fabien se desviou do ombro de Lex à janela quebrada da grande sala do edifício. Esses ardilosos olhos se estreitaram, e a cabeça de Fabien se moveu aos lados.

—Tem uma menina aí?— perguntou, com algo sombrio brilhando em seu olhar avaro.

Lex girou, bem a tempo de ver Mira tentando colocar-se fora de sua vista, seu curto véu negro agitando-se com o rápido movimento.

—A pirralha serve meu pai ou isso gostava de pensar— disse desdenhosamente. —Ignora-a. Não é ninguém.

As pálidas sobrancelhas de Fabien se elevaram ligeiramente.

—É ela uma companheira de Raça?

—Sim—, disse Lex. —Uma órfã que meu pai recolheu há alguns meses.

Fabien fez um ruído no fundo de sua garganta, em algum lugar entre um grunhido e um pigarro.

—Qual é o talento da garota?

Agora era Fabien quem parecia incapaz de ocultar seu ávido interesse. Estava ainda olhando a janela aberta, estirando seu pescoço e procurando como se Mira fosse aparecer ali de novo.

Lex considerou esse entusiasta olhar por um momento, então disse:

—Você gostaria de ver o que ela pode fazer?

O olhar brilhante de Fabien foi suficiente resposta. Lex liderou o caminho de volta à casa principal e encontrou Mira arrastando-se pelo corredor até seu dormitório. Subiu e a agarrou pelo braço, empurrando-a para que ficasse com o rosto diante do líder Darkhaven. Ela choramingou um pouco por seu áspero tratamento, mas Lex ignorou as queixas da pirralha. Tirou seu véu e a empurrou em frente a Edgar Fabien.

—Abre seus olhos,— ordenou ele. Quando ela não obedeceu imediatamente, Lex a persuadiu com um golpe de seus nódulos contra sua pequena nuca loira. —Abre, Mira.

Soube que ela o fez porque no seguinte momento, a expressão de Edgar Fabien passou de uma curiosidade moderada a uma de maravilha e surpresa. Ficou paralisado, com a mandíbula frouxa.

Então sorriu. Um amplo e atemorizante sorriso.

—Meu Deus—, respirou ele, incapaz de afastar seu olhar dos olhos enfeitiçados de Mira.—O que vê?— perguntou Lex.

Fabien levou um tempo antes de responder.

—É isto… pode ser possível que esteja vendo meu futuro? Meu destino?

Lex afastou Mira longe dele agora, sem perder o reflexivo agarre de Fabien na garota, como se não estivesse preparado para soltá-la ainda.

—Os olhos de Mira de fato refletem feitos futuros— disse, colocando o curto véu de novo sobre sua cabeça.

—Ela é uma menina notável.

—Faz um minuto disse que ela não era ninguém— recordou Fabien. Os olhos estreitos e calculadores viajaram sobre a garota. —O que estaria disposto a aceitar por ela?

Lex viu a cabeça de Mira girar em sua direção, mas sua atenção estava fixa solidamente na transação rapidamente oferecida.

—Dois milhões— disse, soltando a cifra de forma casual, como se fosse uma cifra corriqueira. —Dois milhões de dólares e ela é tua.

—Feito,— disse Fabien. —Chama minha secretária com um número de conta bancária e a soma será depositada em uma hora.

Mira se esticou e agarrou o braço de Lex.

—Mas não quero ir a nenhum lugar com ele. Não quero deixar Rennie.

—Se acalme, se acalme, agora, coração,— arrulhou Fabien. Passou sua palma pela parte alta de sua cabeça. —Vá dormir, menina. Sem ruído. Durma agora.

Mira caiu para trás, presa no transe do vampiro. Fabien a pegou entre seus braços e a embalou como um bebê. —Um prazer fazer negócios com você, Alexei.

Lex assentiu.

—O mesmo digo,— respondeu, seguindo o líder Darkhaven fora da casa e esperando enquanto ele e a garota desapareciam em um sedam escuro que estava parado no caminho.

Enquanto a frota de carros virava, Lex considerou o giro surpreendente dos fatos da tarde. Seu pai estava morto. Lex era livre de culpa e preparado para tomar o controle de tudo que tinha merecido durante tanto tempo. Logo estaria acompanhado pelo círculo de elite de poder de Edgar Fabien, e era repentinamente dois milhões de dólares mais rico.

Não estava mal para uma noite de trabalho.

 

Renata girou sua cabeça de lado no travesseiro e abriu um olho, uma pequena prova para ver se a repercussão tinha passado finalmente. Seu crânio se sentia como se tivesse sido esvaziado e recheado de algodão úmido, mas era uma melhora sobre a agonia martelante que tinha sido sua companheira durante as últimas horas.

Uma pequena espetada de luz diurna brilhou através de um pequeno buraco na portinha de pinheiro. Era de manhã. Fora de seu quarto, a casa estava tranqüila. Tão tranqüila que durante um segundo se perguntou se acabava de despertar de um horrível sonho.

Mas em seu coração, sabia que tudo era real. Sergei Yakut estava morto, assassinado em um assalto sangrento em sua própria cama. Todas as grotescas imagens empapadas de sangue atuando através de sua mente tinham ocorrido. E o mais inquietante de tudo, era Nikolai quem permanecia acusado e detido pelo assassinato.

O arrependimento corroia a consciência de Renata. Com o benefício de uma cabeça clara e estando algumas horas longe do sangue e do caos do momento, ela tinha que perguntar-se se poderia ter sido muito precipitada ao duvidar dele. Possivelmente todos tinham sido muito precipitados em condená-lo. Lex em particular. A suspeita que Lex poderia ter tido algo a ver na morte de seu pai— como Nikolai tinha insistido— pôs um nó de mal-estar em seu estômago.

E então estava a pobre Mira, muito jovem para ser exposta a tanta violência e perigo. Uma parte mercenária dela se perguntava se ambas estariam melhores agora. A morte de Yakut tinha liberado Renata de seu controle sobre ela. Mira era livre também. Possivelmente esta era a oportunidade que ambas necessitavam— uma oportunidade de ir a algum lugar fora do recinto e seus muitos horrores. Oh, Deus. Atrevia-se a desejá-lo?

Renata se sentou, pendurando suas pernas sobre o lado da cama. A esperança a mantinha flutuando, aumentando em seu peito.

Elas podiam ir. Sem Yakut para que as seguisse, sem ele vivo e capaz de usar sua conexão de sangue, ela era finalmente livre. Ela podia pegar Mira e deixar este lugar de uma vez por todas.

—Maria Mãe de Deus— suspirou ela, juntando suas mãos em uma oração desesperada. —Por favor, nos dê esta oportunidade. Me deixe ter esta oportunidade— pelo destino dessa menina inocente.

Renata se inclinou perto da parede que dividia com o dormitório de Mira. Ela golpeou seus nódulos ligeiramente sobre os painéis de madeira, esperando ouvir o golpe de resposta da garota.

Só silêncio.

Ela golpeou de novo.

—Mira, está acordada, menina?

Não houve resposta. Só um longo silêncio como um repique mortal.

Renata ainda usava as roupas da noite anterior, uma camiseta negra de manga larga amassada pelo sono e uns jeans escuros. Ela calçou um par de botas de cano longo e se lançou para o corredor. A porta de Mira estava só a alguns passos… e permanecia entreaberta.

—Mira?— ela chamou, entrando e lançando um rápido olhar ao redor.

A cama estava desfeita e enrugada onde a menina tinha estado em um ponto durante a noite, mas não havia sinal dela. Renata girou e correu ao banheiro que compartilhavam no outro lado do corredor.

—Mira? Está aí dentro, ratinha?— Ela abriu a porta e encontrou o pequeno aposento vazio. Aonde poderia ter ido? Renata girou ao redor e se dirigiu de novo ao corredor de painéis para a zona vital do edifício, um terrível pânico começando a apoderar-se de sua garganta. —Mira!—

Lex e um par de guardas estavam sentados ao redor da mesa na grande sala enquanto Renata corria pelo corredor. Lhe dirigiu o mais breve olhar então continuou falando com os outros homens.

—Onde esta ela?— exigiu Renata. —O que fez com Mira? Juro Por Deus, Lex, que se a machucou…

Ele lançou um olhar mordaz.

—Onde esta seu respeito, fêmea? Acabo de voltar de liberar o corpo de meu pai ao sol. Este é um dia de luto. Não ouvirei suas palavras até que esteja malditamente bem e preparado.

—Ao inferno com você e seu falso luto— explodiu Renata, se virando contra ele. Era quase impossível evitar que o golpeasse com uma rajada do poder de sua mente, mas os dois guardas que se levantaram de cada lado de Lex, dirigindo suas armas contra ela, ajudaram a controlar sua ira.

—Me diga o que fez, Lex. Onde está ela?

—Vendi-a. A resposta foi tão casual, que poderia ter estado falando de velhos sapatos.

—Você… fez o que?— Os pulmões de Renata se retorceram, perdendo tanto ar que mal pôde tomar outra respiração. —Não pode estar falando sério! Vendeu-a a quem — a esses homens que vieram buscar Nikolai?

Lex sorriu, deu-lhe um vago encolhimento de ombros de admissão.

—Bastardo! Porco asqueroso!— A total e feia realidade de tudo que Lex fazia a golpeou. Não só o que havia feito a Mira, mas a seu próprio pai, e, enquanto ela via com atroz claridade agora, o que havia feito também a Nikolai.

—Meu Deus. Tudo o que disse sobre você, era verdade, não? Foi o único responsável pela morte de Sergei, não Nikolai. Foi você quem trouxe o Renegado. Planejou tudo.

—Tome cuidado com suas acusações, fêmea— a voz de Lex era um grunhido quebradiço. —Sou o único no comando agora. Não cometa enganos, sua vida me pertence. Foda-me e posso eliminar sua existência tão rápido como enviei esse guerreiro a sua morte.

OH, Deus...não. O choque percorreu todo seu peito em uma dor aguda.

—Está morto?

—Estará logo,— disse Lex. —Ou desejando que estivesse, uma vez que os bons médicos no Terrabonne tenha sua diversão com ele.

—De que está falando? Que doutores? Pensei que o tinha detido.

Lex riu entre dentes.

—O guerreiro está a caminho de um cárcere de contenção dirigido pela Agência de Imposição. Estou seguro ao dizer que ninguém ouvirá falar dele de novo.

O desprezo fervia dentro de Renata por tudo que estava ouvindo, e por seu próprio papel ao ver Nikolai erroneamente acusado. Agora ambos ele e Mira se foram, e Lex permanecia ali sorrindo com petulante vaidade pelo engano que tinha orquestrado.

—Dá-me asco. É um fodido monstro, Lex. É um asqueroso covarde.

Ela deu um passo para ele e Lex indicou os guardas com um movimento de queixo. Bloquearam-na, dois enormes vampiros olhando-a. Obrigando-a a fazer um movimento de recuo.

Renata os olhou, observando em seus duros olhares os anos de animosidade que este grupo de vampiros da raça sentiam por ela – animosidade que via mais intensamente no Lex. Odiavam-na. Odiavam sua força, e estava claro que qualquer um deles daria boas vindas à oportunidade de pôr uma bala em sua cabeça.

—Tirem-na fora de minha vista,— ordenou Lex. —Levem a puta a seu quarto e a tranquem durante o resto do dia. Ela pode nos proporcionar entretenimento durante a noite.

Renata não deixou que os guardas pusessem um dedo sobre ela. Enquanto se moviam para agarrá-la, ela os empurrou com um agudo golpe mental. Eles gritaram e saltaram longe, retrocedendo de dor.

Mas antes que caíssem, Lex surgiu sobre ela, completamente transformado e cuspindo fúria. Duros dedos se curvaram sobre seus ombros. Seu pesado corpo a jogou para trás, caindo. Estava furioso, empurrando-a como se não fosse nada exceto plumas. Sua força e velocidade a propulsaram através do chão e para a janela na parede oposta.

Madeira sólida e imóvel golpeou contra sua espinha dorsal e coxas. A cabeça de Renata se estrelou contra as grossas portinhas com o impacto. Sua respiração a deixou com um ofego quebrado. Quando abriu seus olhos, a cara de Lex surgiu justo contra a sua, suas magras pupilas girando atrocidades do centro de sua ferozes íris âmbar. Levantou uma mão e agarrou sua mandíbula em um ruidoso alcance. Forçou sua cabeça para um lado. Suas presas eram enormes, afiadas como adagas e nuas perigosamente perto de sua garganta.

—Isso foi uma coisa muito estúpida para fazer— grunhiu, deixando esses dentes pontudos roçar sua pele enquanto falava. Deveria te sangrar por isso. De fato, penso que o farei…

Renata reuniu cada pingo de poder que tinha e o converteu para soltá-lo sobre ele, voando à mente de Lex em uma longa e implacável onda de angústia.

—Aaagh!— Seu uivo se escutou como o grito de um banshee .

E mesmo assim Renata seguiu atacando-no. Vertendo dor em sua cabeça até que a soltou e desmoronou no chão estendido por completo. —Agarrem-na!— disse aos guardas, que estavam se recuperando agora dos golpes menores que Renata havia descarregado.

Um deles ergueu sua pistola contra ela. Ela o bombardeou, então deu ao segundo guarda outra dose também.

Maldita seja, tinha que sair dali. Não podia arriscar-se a usar mais seu poder quando pagaria por cada golpe. E ela não teria tempo diante da atroz onda que rugia sobre ela.

Renata girou ao redor, vidros quebrados estalando sob suas botas do caos da noite anterior. Ela sentiu uma pequena brisa através das portinhas fechadas. Deu-se conta que amanhecia: não havia janela atrás dela, só liberdade. Ela puxou o suporte dos painéis de madeira e deu um forte empurrão. As dobradiças gemeram mas não cederam o bastante.

—Matem, fodidos imbecis!— ofegou Lex atrás dela. —Disparem na puta!

Não, Renata pensou, desesperada enquanto puxava o reboco da madeira.

Ela não podia deixar que a detivessem. Tinha que sair dali. Que encontrar Mira e levá-la a algum lugar seguro. Afinal tinha prometido. Ela havia feito uma promessa a essa menina e Deus a ajudasse, não falharia. Com um grito, Renata pôs todos seus músculos e peso para desmontar as portinhas.

Finalmente cederam. A adrenalina acelerava através dela, arrancou completamente as portinhas e as colocou de lado.

A luz do sol vertia sobre ela. Cegadora, brilhante, enchendo a grande sala do edifício. Lex e os outros vampiros chiaram, vaiando enquanto tentavam ocultar seus sensíveis olhos e movendo-se fora do caminho da luz.

Renata pulou para fora e golpeou o chão correndo. O carro de Lex estava no caminho de cascalho, estacionado com as chaves no contato. Ela saltou dentro, ligou o motor e conduziu até a clara— mas temporária— segurança da luz diurna.

 

A ronda mais recente de tortura tinha terminado há algumas horas, mas o corpo de Nikolai enrijeceu em reflexo quando escutou o suave estalo da fechadura eletrônica na porta de sua cela. Não tinha que adivinhar onde estava— as paredes brancas clínicas e o conjunto de aparelhos médicos ao lado de sua cama com rodas era pista suficiente para dizer que o tinham levado a uma das instalações de contenção da Agência de Controle.

As algemas de aço de grau industrial fechadas firmemente em seus pulsos, peito e tornozelos lhe disseram que suas atuais comodidades pessoais eram cortesia de ser tratado como renegado e instalado na casa de reabilitação.

Que, caso houvesse qualquer pergunta antes, significava que era como se estivesse morto. Que era igual ao equivalente da Raça de um Roach Motel , uma vez que atravessa estas portas nunca retorna.

Não é que seus captores tivessem a intenção de deixá-lo desfrutar de sua estadia por qualquer período de tempo. Nikolai tinha a clara impressão que sua paciência com ele estava perto do fim. Tinham-no golpeado quase até a inconsciência depois que passou o efeito dos tranqüilizantes, trabalhando sobre ele para obter sua confissão de ter matado Sergei Yakut. Quando com isso não o levaram onde queriam, começaram com as Taser e outros eletrônicos criativos, o tempo todo mantendo-o suficientemente drogado, para que ele pudesse sentir as sacudidas e golpes mas estivesse muito sedado para lutar.

O pior de seus torturadores era o macho da Raça que agora entrava na cela. Niko tinha escutado um dos Agentes de Execução chamá-lo de Fabien, falando com bastante respeito indicando que o vampiro estava classificado bastante alto na cadeia de comando. Alto e magro, com pequenas e estreitas características, seus olhos agudos sob seu cabelo penteado para trás, Fabien tinha uma veia sádica desagradável mal escondida sob a aparência de seu elegante traje e o comportamento de civil agradável. O fato que tinha chegado sozinho desta vez não podia ser um bom sinal.

—Como foi seu descanso?— perguntou a Niko com um sorriso amável. —Talvez esteja preparado para conversar comigo agora. Só nós dois, o que diz?

—Que se foda— Nikolai grunhiu através de suas presas estendidas. —Eu não matei Yakut. Disse o que aconteceu. Você prendeu o homem errado, descarado.

Fabien sorriu enquanto caminhava para o lado da cama e olhava para baixo.

—Não houve nenhum engano, guerreiro. E pessoalmente não me importa se foi ou não você o que fez voar os miolos desse Gen Um por toda a parede. Tenho outras coisas mais importantes para te perguntar. Perguntas que responderá, se sua vida significa algo para você.

Este varão evidentemente sabia que era um membro da Ordem, dando uma nova perspectiva perigosa ao encarceramento de Nikolai. Igual ao brilho do mal nesses olhos ardilosos como de ave de rapina.

—O que sabe exatamente a Ordem sobre os assassinatos dos Gen Um?

Nikolai lhe dirigiu um olhar, em silêncio apertando sua mandíbula.

—De verdade acredita que podem fazer algo para detê-los? Acredita que a Ordem é tão poderosa que pode impedir que a roda gire quando já está em marcha em segredo durante anos?— Os lábios do macho da Raça se abriram na caricatura de um sorriso. —Vamos exterminar um por um, como estamos fazendo com os últimos membros da primeira geração. Tudo está em seu lugar, e esteve durante muito tempo. A revolução, como vê, já começou.

A raiva se enrolou no estômago de Nikolai quando se deu conta do que tinha ouvido.

—Filho da puta. Está com Dragos.

—Ah... agora começa a entender— disse Fabien agradavelmente.

—É um puto traidor da sua própria raça, isso é o que entendo.

A fachada da conduta civil caiu como uma máscara.

—Quero que me fale das missões atuais da Ordem. Quem são seus aliados? O que sabe sobre os assassinatos? Quais são os planos da Ordem no que se refere a Dragos?

Nikolai zombou.

—Me chupe e diga a seu chefe que pode me chupar também.

Os olhos cruéis de Fabien se reduziram.

—Você pôs minha paciência a prova tempo suficiente.

Levantou-se e caminhou para a porta. Uma onda cortante de sua mão trouxe o oficial de guarda ao interior.

—Sim, senhor?

—Está na hora.

—Sim, senhor.

O guarda assentiu e desapareceu, para voltar um momento depois. Ele e um assistente da instalação trouxeram sobre rodas uma mulher atada a uma cama estreita. Ela tinha sido sedada também, e só levava uma fina bata de hospital sem mangas. Deitado junto a ela estava um torniquete, um pacote de agulhas grossas, e um tubo IV em espiral.

Que demônios era isso?

Mas ele sabia. Sabia que logo que o assistente levantasse o braço brando do ser humano e fixasse o torniquete ao redor da zona da artéria braquial. A agulha e o tubo do sifão seriam os seguintes.

Nikolai tratou de ignorar o processo clínico que tinha lugar junto a ele, mas inclusive o mais sutil aroma de sangue acendia seus sentidos como luzes em dias festivos. A saliva aumentou em sua boca. Suas presas se estenderam mais em antecipação da alimentação. Não queria ter fome, não como esta, não quando estava seguro que a intenção de Fabien era utilizá-la contra ele. Tratou de ignorar sua sede, mas já aumentava, respondendo à necessidade visceral de alimento.

Fabien e os outros dois vampiros na cela não eram imunes tampouco. O empregado trabalhou oportunamente, o guarda manteve distância perto da porta, enquanto Fabien via a anfitriã de sangue que era aprontada para a alimentação. Uma vez que tudo estava em seu lugar, Fabien despediu o assistente e enviou de volta o guarda ao seu posto fora.

—Tem fome, verdade? — Perguntou a Niko quando os outros se foram. Sustentou o tubo de alimentação em uma mão, os dedos de sua outra mão pousados sobre a válvula que começaria o fluxo de sangue do braço da mulher. —Você sabe, esta é a única maneira de alimentar um vampiro renegado em contenção. A ingestão de sangue deve ser estreitamente monitorada, controlada por pessoal capacitado. Muito pouco e morre de fome; muito e seu vício se faz mais forte. A Sede de Sangue é uma coisa terrível, não parece?

Niko grunhiu, querendo saltar da cama e estrangular Fabien. Lutou para fazer exatamente isso, mas foi um esforço inútil. A combinação de sedativos e as algemas de aço o seguravam.

—Vou te matar— murmurou, sem fôlego pelo esforço. —Prometo, que vou te foder.

—Não— disse Fabien. —É você quem vai morrer. A menos que comece a falar agora, vou pôr este tubo em sua garganta e abrir a válvula. Não vou fechar até que me indique que está preparado para cooperar.

Jesus Cristo. Ele o estava ameaçando com uma overdose. Os vampiros da Raça não podem dirigir muito sangue de uma vez. Isto significaria Sede de Sangue quase certo. O que o voltaria um Renegado, um bilhete de ida à miséria, a loucura e a morte.

—Você gostaria de falar agora, ou começamos?

Ele não era idiota para pensar que Fabien ou seus cupinchas o liberariam, inclusive se cuspia detalhes a respeito das táticas da Ordem e as missões em curso. Inferno, poderia ter uma garantia sólida de ficar livre, mas que o condenassem se traía seus irmãos só para salvar seu próprio pescoço. Assim era então. Freqüentemente tinha se perguntado como seria.

Tinha imaginado que se iria em um resplendor de glória, uma chuva de balas e metralhadoras, tinha esperado ter uma dúzia de mamadas. Ele nunca imaginou que seria algo tão lamentável como isto. A única honra era o fato que morreria mantendo os segredos da Ordem.

—Está preparado para me dizer o que quero saber?— Fabien perguntou.

—Vá a merda— Niko soltou, mais zangado que nunca. —Tanto você como Dragos podem ir diretamente ao inferno.

O olhar de Fabien faiscou de raiva. Obrigou Nikolai a abrir a boca e colocou o tubo de alimentação na profundidade de sua garganta. Seu esôfago se contraiu, mas inclusive seu reflexo nauseabundo era fraco devido aos sedativos que corriam através de seu corpo.

Houve um suave clique quando a válvula no braço da humana se abriu. O sangue se derramou na parte posterior da boca de Nikolai. Engasgou-se com ele, tentou fechar a garganta e rejeitá-lo, mas havia muito — um fluxo interminável que bombeava rapidamente da artéria da anfitriã de sangue.

Niko não tinha mais remédio que engolir.

Engoliu o primeiro. Logo outro.

E ainda mais.

 

Andreas Reichen estava em seu escritório do Darkhaven examinando as contas e os e-mails recebidos na manhã quando notou a mensagem que esperava de Helene em sua caixa de entrada. O tema era um simples punhado de palavras que fizeram seu pulso tamborilar com interesse: encontrei um nome para você.

Fez clique ao abrir o correio eletrônico e leu a breve nota.

Depois de determinados trabalhos de investigação, Helene tinha conseguido o nome do vampiro que sua desaparecida garota do clube tinha estado vendo recentemente.

Wilhelm Roth.

Reichen o leu duas vezes, cada molécula em sua corrente sangüínea cada vez mais fria enquanto o nome afundava em seu cérebro. O e-mail de Helene indicava que ainda estava cavando em busca de mais informação e que o informaria logo que tivesse mais.

Jesus.

Ela não podia saber a verdadeira natureza da víbora que tinha descoberto, mas Reichen sabia muito.

Wilhelm Roth, o líder do Darkhaven do Hamburgo e um dos indivíduos de maior poder na sociedade da Raça. Wilhelm Roth, um gângster de primeiro grau, e alguém a quem Reichen conhecia muito bem, ou o havia feito em um tempo.

Wilhelm Roth, que estava emparelhado com uma ex-amante de Reichen — a mulher que tinha levado um pedaço do coração de Reichen quando o deixou para ficar com o rico macho de segunda geração da Raça que podia lhe dar todas as coisas que Reichen não podia.

Se a empregada desaparecida de Helene tinha estado associada com Roth, era certo que a moça estava morta. E Helene… bom Cristo. Estava já muito perto do canalha só por ter aprendido seu nome. Se continuava a busca de mais informação sobre ele...?

Reichen pegou o telefone e marcou seu celular. Não houve resposta. Ele tentou seu apartamento na cidade, amaldiçoando quando a chamada foi para a caixa postal. Era muito cedo para que ela estivesse no clube, mas chamou de todos os modos, amaldiçoando a luz do dia que o mantinha preso em seu Darkhaven e incapaz de dirigir para falar com ela em pessoa. Quando todas as opções fracassaram, Reichen devolveu uma resposta por correio eletrônico.

Não faça nada mais referente a Roth. Ele é muito perigoso. Me contate logo que receba esta mensagem. Helene, por favor... tome cuidado.

 

Um caminhão de equipamento médico parou na porta de entrada de um modesto edifício de dois andares de tijolo a uns quarenta e cinco minutos do centro de Montreal. O condutor apareceu na janela e digitou uma breve seqüencia em um teclado eletrônico situado no quiosque de segurança exterior. Depois de um momento ou dois, a porta se abriu e o caminhão entrou.

Devia ser dia de entrega, já que era o segundo veículo de provisão que Renata tinha observado entrando ou saindo da posição especial que tinha desde que chegou recentemente. Ela havia passado a maior parte do dia na cidade, escondida no carro de Lex enquanto se recuperava da sua pior reverberação da manhã. Agora era final da tarde. Ela não tinha muito tempo — somente algumas horas antes que caísse a tarde e crescesse a espessura da noite com seus predadores. Não muito antes de transformar-se na presa.

Ela tinha que fazer a maior parte desta vez, por isso se encontrava vigiando o caminho isolado, a porta com câmara monitorada de um edifício peculiar na cidade de Terrabonne. Não tinha janelas, nem sinalização na frente. Embora não estivesse certa, seu instinto dizia que a laje quadrada de concreto e tijolo no final do caminho de acesso privado era o lugar que Lex tinha mencionado como as instalações de contenção, onde Nikolai estava detido.

Ela rogou que fosse, porque neste momento, o guerreiro era o único próximo a um aliado que tinha, e se queria encontrar Mira, se tinha alguma possibilidade de recuperar a menina do vampiro que a tinha neste momento, ela sabia que não podia fazê-lo sozinha. Mas isso significava encontrar Nikolai em primeiro lugar, e rezar por encontrá-lo vivo.

E se estava morto? Ou se estava vivo, mas se negava a ajudá-la? Ou se decidia matá-la por seu papel em sua detenção ilícita?

Bom, Renata não queria considerar onde a deixaria qualquer dessas probabilidades. Pior ainda, onde deixaria uma menina inocente que dependia de Renata para mantê-la a salvo.

Assim, ela esperou e viu, imaginando uma maneira de atravessar a porta de segurança. Outro caminhão de abastecimento entrou na entrada. Chegou a uma parada e Renata aproveitou a oportunidade.

Saltou do carro de Lex e caiu no chão, correndo ao longo da parte traseira do veículo. Enquanto o condutor teclava seu código de acesso, saltou no pára-choque traseiro. As portas do reboque estavam fechadas, mas ela passou seus dedos ao redor das asas e se manteve enquanto a porta se abria e ruidosamente o caminhão cambaleava através dela. O condutor deu a volta na parte traseira do edifício, depois de um lance de asfalto que levava a um par de embarques e compartimento de recepção. Renata subiu no teto da caravana e segurou-se com força enquanto o caminhão tornava a dar a volta e começava a retroceder. Ao aproximar-se ao edifício, um sensor de movimento fez clique e a porta de recepção levantou. Não havia ninguém esperando na luz do dia que enchia a abertura do hangar, mas se o lugar estava em poder da Raça, qualquer pessoa nesta área estaria assando depois de alguns minutos no trabalho.

Uma vez que o caminhão esteve no interior por completo, a grande porta começou a descer. Houve um segundo de escuridão entre o fechamento do compartimento e a revoada eletrônica das luzes fluorescentes vindas de cima.

Renata baixou e saltou do pára-choque traseiro enquanto o condutor descia do caminhão. E agora, saindo de uma porta de aço no outro lado do espaço, estava um homem musculoso em um uniforme escuro de uso militar. O mesmo tipo de uniforme como os usados pelos Agentes de Execução que Lex tinha chamado para deter Nikolai ontem à noite. Completado com uma pistola semi-automática embainhada em seu quadril.

—Ei, como vai?— O condutor disse em voz alta ao guarda.

Renata deslizou pelo lado do caminhão antes que o vampiro ou o humano pudessem detectá-la. Esperou, escutando o tinido da fechadura que era liberada. Quando o guarda se aproximou, enviou um pouco de seu olá próprio, uma sacudida mental que o fez balançar-se sobre seus calcanhares. Outra pequena explosão o tinha afligido. Apertou as têmporas com suas mãos e ofegou uma maldição viva.

O condutor humano voltou a ocupar-se dele.

—Ei. Está bem aí, amigo?

A breve falta de atenção era a oportunidade que Renata necessitava. Ela se precipitou em silêncio através do amplo compartimento e deslizou dentro da porta de acesso que o guarda tinha deixado sem garantia. Agachou-se diante de uma mesa vazia com uma estação de trabalho com monitores que podiam visualizar a porta de entrada. Além disso, um estreito corredor oferecia duas possibilidades: uma curva que parecia conduzir para a frente da construção ou, mais abaixo no corredor, uma escada ao segundo andar.

Renata optou pela escada. Ela correu para ela, além da ramificação de um lado. Outro guarda estava nesse lance do corredor.

Maldita seja.

Ele a viu correr. Suas botas retumbaram perto.

—Alto!— Gritou, vindo do canto do corredor. —Esta é uma zona restrita.

Renata se voltou e empurrou uma dura explosão mental. Enquanto ele se retorcia no chão, ela se lançou à escada e correu a trajetória com destino ao andar superior.

Por que não era a primeira vez, ela se repreendeu por ter deixado a casa de campo sem armas. Ela não podia deixar consumir sua energia antes que sequer soubesse se Nikolai estava aqui. Tinha que operar só com menos da metade de sua resistência para recuperar-se plenamente da descarga em Lex desta manhã, provavelmente seria necessário descansar o resto do dia.

Infelizmente, não era uma opção.

Ela olhou através do vidro reforçado da porta da escada, através da concepção clínica do local. Um punhado de machos da Raça em batas brancas passeavam em seu caminho a uma das muitas salas que se ramificavam do corredor principal. Muitos para que ela os detivesse, inclusive se estivesse em plenas condições.

E também tinha o pequeno assunto do Agente de Execução armado no outro extremo do corredor. Renata se apoiou contra a parede interior da escada, encostou sua cabeça e em silêncio e exalou uma maldição. Ela tinha chegado longe, mas que demônios a fazia pensar que podia penetrar em uma instalação segura como esta e sobreviver?

O desespero era a resposta a essa pergunta. A determinação que se negava a aceitar que isto poderia ser até onde poderia chegar. Ela não tinha mais opção que seguir. No fogo, se fosse necessário.

Fogo, pensou, seu olhar se voltou para o corredor fora da escada. Montado na parede em frente a ela havia um alarme de emergência vermelha.

Talvez houvesse uma oportunidade, afinal...

Renata deslizou da escada e puxou a alavanca para baixo. Uma campainha pulsante dividiu o ar, enviou o lugar a um caos instantâneo. Deslizou no quarto do paciente mais próximo e viu como os assistentes e os médicos navegavam ao redor da confusão. Quando parecia que todos estavam ocupados com a situação de emergência falsa, Renata saiu ao corredor vazio para começar a busca do quarto de Nikolai. Não era difícil decidir onde poderia estar. Só havia um quarto com um Agente de Execução armado atribuído a ela. Esse guardião estava ainda ali, ocupando seu posto apesar do alarme que tinha enviado o resto dos assistentes a dispersar-se pelo andar.

Renata olhou a arma montada no quadril do guarda e esperou que não estivesse cometendo um enorme engano.

—Ouça— disse, aproximando-se dele em um passo fácil. Ela sorriu brilhantemente apesar que nesse mesmo instante ele estava com o cenho franzido e alcançando sua arma. —Não ouviu o alarme? Tempo para que descanse.

O golpeou com uma explosão súbita, de tamanho considerável. Quando o grande macho desmoronou no chão, ela correu o olhar dentro do quarto atrás dele.

Um vampiro loiro estava preso numa cama, nu, convulsionando e lutando contra as algemas de metal que o seguravam. As marcas de pele da Raça formavam redemoinhos — formando arcos sobre seu peito e em seus avultados bíceps e nas coxas lívidas com cor vibrante, parecia quase viva a maneira que as saturações se transformavam de tons carmesim e púrpura escuro a negro mais escuro. Seu rosto era apenas humano, completamente transformado pela presença de suas presas e das brasas de seus olhos.

Poderia ser Nikolai? A princípio, Renata não estava certa. Mas logo levantou sua cabeça e seus olhos ambarinos selvagens se fixaram nela. Ela viu um brilho de reconhecimento neles, e uma miséria que era evidente, inclusive a distância. Seu coração retorceu, e ardeu com pesar.

Bom Senhor, o que tinham feito?

Renata carregou a maior parte do guarda inconsciente e o arrastou com ela no quarto. Nikolai se sacudia sobre a cama, grunhindo incompreensivelmente, palavras que soavam perto da loucura.

—Nikolai— disse, indo a seu lado. —Pode me ouvir? Sou eu, Renata. Vou te tirar daqui.

Se a entendeu, não podia estar certa. Ele grunhiu e lutou com suas algemas, flexionando os dedos e empunhando-os, cada músculo tenso.

Renata se inclinou para baixo para tirar um jogo de chaves do cinturão do guarda. Ela tomou sua pistola também, e xingou quando se deu conta que era simplesmente uma pistola de tranqüilizante carregada com menos da metade de uma dúzia de rondas.

—Acredito que os mendigos não podem ser seletivos— murmurou, pondo a arma na cintura de seu jeans.

Voltou para Nikolai e começou a tirar suas algemas. Quando liberou sua mão, surpreendeu-se ao senti-la apertando ao redor da sua.

—Vá— rugiu ferozmente.

—Sim, isso é no que estamos trabalhando aqui— Renata replicou. —Me solte para que possa abrir o resto destas malditas coisas.

Ele tomou fôlego, um assobio baixo que fez os cabelos em sua nuca ferroar em atenção.

—Você... vá... não eu.

—O que?— Franzindo o cenho, tirou sua mão livre e se inclinou sobre ele para afrouxar a outra algema. —Não tente falar. Não temos muito tempo.

Ele agarrou tão forte seu pulso que pensou que o romperia.

—Deixa. A mim. Aqui.

—Não posso fazer isso. Necessito sua ajuda.

Esses olhos ambarinos selvagens pareciam olhar através dela, quentes e mortais. Mas seu aperto que castigava diminuiu. Deixou-se cair sobre a cama quando outra convulsão o afligiu.

—Quase feito— Renata assegurou, trabalhando rapidamente para abrir a última de suas ataduras. —Vamos. Vou te ajudar.

Ela teve que colocá-lo de pé, e ainda assim não parecia o suficiente estável para permanecer assim, e muito menos para a difícil corrida que sua fuga requeria. Renata lhe deu seu ombro.

—Se apóie, Nikolai— ordenou. —Vou fazer a maior parte do trabalho. Agora vamos a merda daqui.

Ele grunhiu algo indecifrável quando ela mesma se colocou sob sua corpulência e começou a caminhar. Renata se precipitou à escada. Os degraus eram difíceis para Nikolai, mas se arrumaram para descer por todos eles com apenas uns poucos tropeções.

—Fique aqui— disse ao chegar à parte inferior. Sentou-o no último degrau e saiu correndo para limpar seu caminho para o embarque e compartimento de recepção. A mesa no extremo da sala estava vazia. Além da porta de acesso, entretanto, o condutor seguia falando com o guarda em turno, ambos ansiosos devido ao barulho do alarme de incêndio soando ao seu redor.

Renata saiu com a pistola tranqüilizante na mão. O vampiro a viu vir. Antes que ela pudesse reagir, ele tinha tirado sua pistola e disparou um tiro. Renata o golpeou com uma explosão mental, mas não antes que ela sentisse um golpe de calor que rasgou em seu ombro esquerdo. Ela olhou o sangue, sentiu o jorro quente que escapava por seu braço.

Maldita seja! Tinham lhe disparado.

Bem, agora estava realmente de saco cheio. Renata bombardeou o vampiro de novo e ele cambaleou em um joelho, deixando cair sua arma. O condutor humano gritou e se lançou atrás do caminhão para cobrir-se enquanto Renata se adiantava e disparava ao vampiro duas rondas de tranquilizantes. Ele caiu com apenas um gemido. Renata caminhou ao redor para encontrar o condutor encolhido na roda.

—OH, Jesus!— Ele gritou quando ela parou diante dele. Pôs suas mãos no alto, sua cara rodeada de medo. —OH, Jesus! Por favor não me mate!

—Não o farei— respondeu Renata, e logo disparou na coxa com o tranquilizante.

Com ambos os homens em terra, voltou correndo para chegar a Nikolai. Ignorando a dor estridente em seu ombro, ela se apressou no compartimento de recepção e o empurrou para a parte traseira do caminhão de abastecimento, onde estaria a salvo da luz do dia.

—Encontre algo para se proteger— disse. —As coisas vão ficar agitadas agora.

Não deu a oportunidade para dizer nada. Trabalhando rapidamente, fechou a porta e puxou o ferrolho, selando-o dentro. Logo, saltou à cabine desocupada e pôs o veículo em movimento.

Enquanto ela levava o caminhão através da porta do compartimento de recepção e acelerava para a fuga, teve que perguntar-se se só tinha salvado a vida de Nikolai ou condenado a de ambos.

 

Sua cabeça estava pulsando como um tambor. O constante ritmo palpitando enchia seus ouvidos, tão ensurdecedor que o arrastava do que parecia um sonho sem fim, incerto. Seu corpo doía. Estava deitado no chão em algum lugar? Sentia o metal frio debaixo de seu corpo nu, as pesadas caixas cravadas em sua coluna e nos ombros. Uma fina capa de plástico o cobria como um manto provisório.

Tentou erguer sua cabeça, mas mal tinha forças. Sua pele estava dolorida, pulsando da cabeça aos pés. Cada centímetro dele se sentia desvanecendo, estendido firmemente, quente de febre. Sua boca estava seca, sua garganta ressecada e crua.

Tinha sede.

Aquela necessidade era tudo em que poderia enfocar-se, o único pensamento coerente nadando através de seu golpeado crânio.

Sangue.

Cristo, morria de fome por isso.

Ele podia saborear a fome – sombria, consumindo sua loucura – em cada fôlego sob seus dentes. Suas presas encheram sua boca. As gengivas pulsavam onde os enormes caninos descendiam, como se suas presas tivessem estado ali durante horas. Em algum lugar distante, a parte sóbria de sua lógica notou o engano nesse cálculo, as presas de um vampiro de Raça normalmente saíam só em momentos de maior resposta física, seja reagindo pela presa, ou a paixão ou a pura raiva animal.

O tambor que seguia golpeando distante em sua cabeça só fazia que o batimento de suas presas se fizesse mais profundo. Foi a palpitação que o despertou. A palpitação que não o deixava dormir agora. Algo estava errado com ele, pensou, inclusive enquanto abria seus ardentes olhos e capturava detalhes muito vivos, um âmbar banhava suas bordas.

Um pequeno e limitado espaço. Escuro. Uma caixa cheia de mais caixas.

E uma mulher.

Todo o resto desvaneceu uma vez que seu olhar encontrou o dela. Vestida numa camisa negra de manga comprida e jeans escuros, ela estava em posição fetal (as pernas encolhidas sobre o peito e a cabeça entre as mãos) na frente dele, os braços e pernas dobradas na curva de seu torso. A maior parte de seu queixo estava coberto pelo longo cabelo escuro.

A conhecia… ou sentia que deveria.

Uma parte menos consciente dele sabia que ela era cálida, saudável e indefesa. O ar estava tingido com o rastro de sândalo e chuva. O aroma de seu sangue, algum instinto débil despertou para lhe dizer. Sabia instantaneamente quem era ela – com uma certeza que parecia gravada em sua própria medula. Sua boca seca estava repentinamente úmida pela antecipação de alimentar-se. A necessidade junto com a oportunidade lhe deu a força que não tinha há um momento. Silenciosamente levantou do chão e agachado moveu-se até ela.

Sentado sobre seus calcanhares, inclinou sua cabeça, olhando dormir à fêmea. Arrastou-se mais perto, um lento avançar predador que o levou em cima dela. O brilho âmbar de sua íris a banhava em uma luz dourada enquanto deixava vagar seu olhar faminto sobre seu corpo.

E esse tamborilar incessante era mais forte aqui, uma vibração tão clara que podia senti-la na planta de seus pés descalços. Golpeando em sua cabeça, comandando toda sua atenção. Levando-o mais perto, e logo mais perto ainda.

Era seu pulso, olhando-a aí embaixo, podia ver o suave tic-tac de seu palpitar tremendo ao lado de seu pescoço. Estável, forte.

O mesmo ponto que ele queria prender entre suas presas.

Um estrondo – de um grunhido emanando de sua própria garganta – se expandiu através da quietude do lugar.

A mulher se moveu debaixo dele.

Suas pálpebras se abriram de repente, sobressaltada, logo mais amplas.

—Nikolai.

A princípio mal registrou o nome. A névoa em sua mente era tão espessa, sua sede tão completa, ele não sentia mais nada, exceto o desejo de alimentar-se. Era mais que um impulso – era uma obrigação insaciável. Certamente uma condenação.

Sede de sangue.

A palavra viajou por sua mente inundada em fome como um fantasma. Ele ouviu, soube instintivamente que devia temê-lo. Mas antes que pudesse compreender completamente o que a palavra significava, estava vendo dobrado, e retornando às sombras.

—Nikolai,— disse a mulher de novo. —Quanto tempo faz que está acordado?

Sua voz era familiar de algum modo, um peculiar alívio para ele, mas não podia enfocá-la realmente. Nada parecia ter sentido para ele. Tudo que tinha sentido era aquela tentativa batida de sua artéria e a completa fome que o obrigou a estender o braço e tomar o que necessitava.

—Está a salvo aqui,— disse ela. —Estamos na parte detrás do caminhão de fornecimento que tirei da instalação de contenção. Tive que parar e descansar por um tempo, mas estou bem para continuar agora. Vai escurecer logo. Devemos seguir avançando antes que sejamos descobertos.

Enquanto falava, imagens passaram por sua memória. A instalação de contenção. A dor. A tortura. As perguntas. Um macho de Raça chamado Fabien. Um macho que ele queria matar. E esta valente mulher… estava ali também. Incrivelmente, ela o havia ajudado a escapar.

Renata.

Sim. Sabia seu nome afinal. Mas não sabia por que havia vindo por ele, ou porque ela tentaria salvá-lo. Tampouco importava.

Ela havia chegado muito tarde.

—Eles me forçaram,— rugiu, sua voz soava distante de seu corpo. Áspera como o cascalho. —Muito sangue. Me forçaram a beber…

Ela o olhou fixamente.

—O que você quer dizer com lhe obrigaram?

—Tentaram…me empurrar a uma overdose. Ao vício.

—Vício de sangue?

Fez um vago assentimento e tossiu, a dor atormentando seu peito.

—Muito sangue…. me levando a uma sede de sangue. Fizeram-me perguntas… queriam que traísse a Ordem. Neguei-me, assim… eles me castigaram.

—Lex disse que eles matariam você,— murmurou ela. —Nikolai, sinto muito.

Ela levantou sua mão como se fosse tocá-lo.

—Não,— grunhiu, agarrando-a pelo pulso. Ela ofegou, tentando soltar-se. Ele não a deixou ir. Sua cálida pele queimava a ponta de seus dedos e as palmas de suas mãos, onde fosse que ele a tocava. Podia sentir o movimento de seus ossos e músculos, o passar de seu sangue enquanto corria pelas veias de seus braços.

Seria tão fácil levar esse pulso sensível até sua boca.

Muito tentado a prendê-la debaixo dele e beber diretamente da sua veia.

Soube o momento preciso em que ela foi da surpresa à apreensão. Seu pulso se acelerou. Sua pele esticou em seu aperto.

—Me solte, Nikolai.

Ele esperou, a besta se perguntando se começava em seu pulso ou em seu pescoço. Sua boca salivando, suas presas ansiando perfurar sua delicada carne. E teve fome dela de outra forma também. Não havia oculto sua forte necessidade. Sabia que era a sede de sangue o que o dirigia, mas isso não o fazia menos perigoso.

—Me solte,— disse ela de novo, e quando finalmente a soltou, ela recuou, pondo distância entre eles. Não havia muita distância onde ela pudesse ir. As caixas empilhadas a limitavam por trás, além da parede do interior do caminhão. A maneira que ela se moveu, detendo-se e sendo cuidadosa, fez que o predador notasse que estava débil.

Estava ela com algum tipo de dor? Se era assim, seus olhos não o refletiram. Sua cor pálida parecia profunda enquanto ela o olhava fixamente. Desafiante.

Olhou para baixo e seus selvagens olhos pousaram no brilhante canhão da pistola.

—Faça. Murmurou ele.

Ela sacudiu sua cabeça.

—Não quero te machucar. Preciso de sua ajuda, Nikolai.

Muito tarde para isso, pensou ele. Ela o havia tirado do purgatório e das mãos de seu captor, mas já havia provado o sabor do inferno. A única saída do vício era passar fome, negar-se a tomar um sustento completo. Não sabia se era suficientemente forte para lutar contra sua sede.

Ele não queria que Renata estivesse perto dele.

—Faça… por favor. Não sei quanto mais posso resistir…

—Niko.

A besta nele explodiu. Com um rugido, liberou suas presas e se lançou sobre ela.

O disparo soou um instante depois, um estrondo atordoante que finalmente, e por fim, silenciou sua miséria.

 

Renata sentou em seus calcanhares, a arma tranquilizante ainda empunhada em suas mãos. Seu coração palpitando a toda velocidade, parte de seu estomago ainda em sua garganta depois que Nikolai havia saltado sobre ela com suas enormes presas descobertas. Agora jazia no chão, imóvel exceto por sua baixa e dificultosa respiração. Além das marcas superficiais na pele, com seus olhos fechados e suas presas ocultas atrás de sua boca fechada, não havia maneira de dizer que ele era a mesma criatura violenta que poderia ter rasgado sua jugular.

Merda.

Que diabo ela estava fazendo aqui? Que demônios estava pensando, aliando-se com um vampiro, imaginando que realmente poderia ser capaz de confiar em um de sua classe? Ela sabia de primeira mão como eram traiçoeiros – como poderiam voltar-se letais num instante. Poderia ter morrido agora.

Houve um momento em que ela realmente pensou que o faria.

Mas Nikolai havia tentado avisá-la. Não queria machucá-la; ela havia visto aquela tortura em seus olhos, ouviu isto em sua voz rasgada um momento antes que ele tivesse saltado sobre ela. Era diferente dos outros como ele. Tinha honra, algo que ela havia assumido faltar na Raça inteira. Dado que seus exemplos estavam limitados a Sergei Yakut, Lex, e aqueles que os serviram.

Nikolai não sabia que sua arma não tinha balas, e mesmo assim a havia obrigado a disparar. Pedindo isso. Ela havia passado por algumas coisas bastante difíceis em sua vida, mas Renata não conhecia aquele tipo de tortura e sofrimento. Estava bastante segura de que esperava nunca conhecer.

A ferida em seu ombro queimava como o inferno. Estava sangrando de novo, pior ainda, depois desta confrontação física dura. Ao menos a bala havia atravessado limpamente. O horrível buraco que deixou atrás ia requerer assistência médica, embora não via um hospital em seu futuro próximo. Também pensou que não era sábio ficar perto de Nikolai agora, especialmente enquanto estivesse sangrando e a única coisa que o mantinha afastado de sua artéria era aquela dose de sedativos.

A arma tranquilizante estava vazia.

A noite estava caindo, ela estava com uma ferida de bala sangrando e a vantagem adicional de seu reverberar persistente. E ficando no caminhão roubado era como esconder-se com um grande alvo sobre suas costas.

Precisava se desfazer do veículo. Logo precisava encontrar algum lugar seguro onde pudesse se remendar bem o suficiente para poder seguir adiante. Nikolai era um problema a mais. Não estava disposta a deixá-lo, mas era inútil para ela em sua condição atual. Se pudesse superar as terríveis conseqüências de sua tortura, então possivelmente. E se não…?

Se não, ela acabava de perder um tempo mais precioso do que se importou considerar.

Movendo-se cautelosamente, Renata saiu pela parte traseira do caminhão e verificou as portas atrás. O sol havia se posto, e o entardecer se aproximava rapidamente. Na distância, as luzes de Montreal brilharam.

Mira estava em algum lugar daquela cidade.

Desamparada, só… assustada.

Renata subiu no caminhão e ligou o motor. Conduziu de volta a cidade, sem saber para onde ir até que finalmente se encontrou em terreno familiar. Nunca pensou que estaria de volta.

Certamente nunca assim.

O bairro da velha cidade não havia mudado muito nos anos que passaram. As residências grudadas umas nas outras, modestas casas pós–segunda guerra mundial alinhadas na escura rua. Alguns dos jovens saindo das lojas 24hs deram uma olhada ao caminhão de fornecimentos médicos enquanto Renata passava conduzindo.

Não reconheceu nenhum deles, nem nenhum dos despercebidos olhos adultos que vagaram de suas casas de concreto. Mas Renata não estava procurando rostos familiares aqui fora. Só havia uma pessoa que ela rogava estivesse ainda ao redor. Uma pessoa que poderia ser de confiança para ajudá-la, com poucas perguntas.

Enquanto ela passava por uma pequena casa amarela com sua grade de rosas florescendo na frente, uma estranha tensão se enrolou em seu peito. Jack estava aqui, as amada rosas da Anna, bem cuidadas e florescendo, era evidência bastante disso. E também estava o pequeno sinal da ferradura que Jack havia feito para pendurar ao lado da porta principal, proclamando o alegre lugar da casa da Anna.

Renata reduziu a marcha do caminhão para parar na calçada e desligou o motor, olhando a conservada casa que ela havia estado tantas vezes mas em realidade nunca havia entrado. As luzes estavam acesas no interior, um acolhedor brilho dourado.

Deveria estar perto da hora de jantar porque através do grande marco da janela da frente podia ver dois adolescentes – clientes de Jack, embora ele preferia chamá-los seus “pequenos” - que estavam pondo a mesa para o jantar.

—Maldita seja,— murmurou ela sob sua respiração, fechando seus olhos e pousando sua testa no volante.

Isto não era bom. Não deveria estar aqui. Não agora, depois de todo este tempo. Não com os problemas que estava enfrentando. E definitivamente não com o problema que estava levando atualmente na parte traseira do caminhão.

Não, tinha que lutar com isto por sua própria conta. Ligar o motor, girar o volante do caminhão, e buscar suas possibilidades na rua. Demônios, ela não era uma estranha nisso. Mas Nikolai estava em mal estado, e ela não estava exatamente no auge de sua forma tampouco. Não sabia quanto tempo mais poderia conduzir.

—Noite,— o amistoso e inconfundível acento do Texas chegou diretamente ao lado dela, da janela do lado do condutor aberta. Ela não o viu aproximar-se, mas agora não havia forma de evitá-lo. —Posso ajudar… com… algo?

A voz de Jack se apagou enquanto Renata levantava sua cabeça e girava para enfrentá-lo. Estava um pouco mais grisalho que recordava, seu quase rapado corte estilo militar o faziam parecer mais magro, suas bochechas e queixo um pouco mais redondos que a última vez que o havia visto. Mas ainda parecia um urso jovial, com mais de 1,80 m de altura e constituído como um tanque apesar do fato que estava chegando facilmente aos setenta.

Renata esperava que seu sorriso parecesse melhor que uma careta de dor.

—Olá, Jack.

A olhou fixamente – boquiaberto, em realidade.

—Bom, malditamente surpreso,— disse, lentamente sacudindo sua cabeça. —Passou muito tempo, Renata. Esperava que tivesse encontrado uma boa vida em alguma parte…. Quando deixou de vir faz alguns anos, preocupava-me que talvez— deteve-se de completar o pensamento, dando em troca um grande e velho sorriso. —Bom, demônios, não importa pelo que me preocupava porque está aqui.

—Não posso ficar,— espetou, seus dedos agarrando a chave na ignição, disposta a dar a volta. —Não deveria ter vindo.

Jack franziu o cenho.

—Dois anos depois da última vez que te vi, aparece como caída do céu só para me dizer que não pode ficar?

—Sinto muito,— murmurou ela. —Tenho que ir.

Pôs as mãos na janela aberta do caminhão, como se quisesse fisicamente retê-la ali. Ela olhou o bronzeado degradado nas mãos que tinham ajudado a sair tantos jovens de problemas nas ruas de Montreal – as mesmas mãos que tinham servido seu país de origem na guerra faz quatro décadas passadas, e que agora cuidavam e protegiam aquele gradeado de rosas vermelhas como se fossem mais valiosas que ouro.

—Que está acontecendo, Renata? Sabe que pode falar comigo, que pode confiar em mim. Está bem?

—Sim,— Disse. —Sim, estou bem, sério. Só passava.

O olhar em seus olhos disse que não acreditava nem por um segundo.

—Alguém mais está em problemas?

Ela sacudiu a cabeça.

—Por que pensa isso?

—Porque essa é a única maneira que viria aqui antes. Nunca por você, sem importar que pessoalmente tivesse precisado de uma mão.

—Isto é diferente. Não é algo que deveria estar envolvido. Ela ligou o motor. —Por favor, Jack…. Só esqueça que inclusive me viu esta noite, de acordo? Sinto muito. Tenho que ir.

Apenas pegou a alavanca de mudanças para pôr o caminhão em marcha quando a forte mão de Jack descansou sobre seu ombro. Não foi um apertão forte, mas inclusive a pequena pressão sobre sua ferida a fez virtualmente saltar de sua pele. Conteve o fôlego enquanto a dor a atravessava.

—Está ferida,— disse ele, aquelas sobrancelhas grisalhas e grossas se uniram em uma.

—Não é nada.

—Nada, meu traseiro. Abriu a porta e subiu adiante para ter uma melhor vista dela. Quando viu o sangue, murmurou uma forte maldição. —Que aconteceu? Te apunhalaram? Alguns bandidos tentaram roubar seu caminhão ou sua carga? Jesus, isto parece uma ferida de bala, e esteve sangrando por algum tempo.

—Estou bem,— insistiu ela. —Não é meu caminhão, e nada disto é o que acredita.

—Então poderia me dizer tudo isto enquanto te levo ao hospital. Entrou mais na cabine, gesticulando para que lhe desse lugar. —Se mova, eu dirijo.

—Jack,— pôs seu braço sobre seu grosso antebraço. —Não posso ir ao hospital, ou à polícia. Não estou sozinha aqui. Há alguém na parte detrás do caminhão e também está em más condições. Não posso deixá-lo.

A olhou fixamente, incerto.

—Fez algo contra a lei, Renata?

Soltou uma risada débil, cheia de coisas que não podia dizer. Coisas que ele não poderia saber e segura como o inferno que não acreditaria se contasse.

—Desejaria que fosse só a lei com que tivesse que lutar. Estou em perigo, Jack. Não posso te dizer mais que isso. Não quero que se envolva.

—Necessita ajuda. Essa é toda a informação que preciso. Seu rosto estava sério agora. E além das rugas, de sua cara magra, e do cabelo grisalho, viu um brilho do Mariner inquebrável que havia sido todos aqueles anos. —Vêm para dentro e conseguirei que você e seu amigo descansem em algum lugar por um momento. Conseguirei algo para seu ombro também. Vamos, adiante, há muito espaço na casa. Me deixe te ajudar – por uma vez, Renata, deixe que alguém te ajude.

Ela queria isso tão malditamente, em lugar de enterrar no profundo de seu interior essa dor. Mas levar Nikolai a um lugar público era um risco muito grande, para ele e para qualquer um que pudesse vê-lo.

—Tem algum outro lugar em vez da casa? Um lugar tranqüilo, com menos pessoas dentro e fora. Não precisa ser muito grande.

—Há um pequeno apartamento na garagem detrás. Estive usando-o para guardar coisas desde que Anna se foi, mas é bem vinda.

Jack saiu do caminhão e ofereceu sua mão para ajudá-la a descer.

—Vamos levar você e seu amigo dentro para assim poder olhar a ferida.

Renata desceu do assento ao pavimento. E quanto a mover Nikolai? Estava segura de que ainda estava dormindo sob os efeitos do tranquilizante, que ajudava a ocultar o que realmente era, mas não havia maneira que pudesse esperar que Jack não o achasse no mínimo incomum por estar nu, ensangüentado, golpeado e inconsciente.

—Meu, hum, amigo está realmente muito doente. Está em má forma, e não acredito que seja capaz de caminhar por sua própria conta.

—Carreguei mais de um homem na selva em minhas costas,— disse Jack. —Meus ombros podem ser um pouco fracos agora, mas são bastante largos. Tomarei conta dele.

Enquanto caminhavam juntos à parte detrás, Renata adicionou:

—Há uma coisa mais, Jack. O caminhão precisa desaparecer. Não importa onde, mas quanto antes melhor.

Deu uma breve inclinação de cabeça.

—Considera-o feito.

 

Quando Nikolai despertou, perguntou-se por que não tinha morrido. Sentia-se como o inferno, lento para abrir os olhos na escuridão, seus músculos lentos enquanto fazia um inventário de seu estado atual. Ele recordou o sangue e a agonia, a detenção e a tortura nas mãos de um bastardo chamado Fabien. Ele lembrou de correr ou, melhor, outra pessoa correndo enquanto ele tropeçou e lutava para ficar em pé.

Recordou a escuridão ao seu redor, o frio metal debaixo dele, a bateria golpeando sem descanso em sua cabeça. E recordava claramente uma pistola que apontava em sua direção. Uma pistola que atirou por sua própria ordem.

Renata.

Ela era a que sustentava a arma de fogo. Apontando para ele para evitar que um monstro a atacasse. Mas por que não o matou, como ele quis? Falando isso, por que tinha vindo ela para buscá-lo na instalação de contenção? Não se deu conta que poderia tê-la matado sem interrupção estando a sós com ele?

Ele queria parecer furioso, ela tinha sido muito imprudente, mas uma parte mais razoável dele, agradecia justamente só por estar condenado a respirar. Inclusive se a respiração era tudo que era capaz de fazer neste momento.

Gemeu e deu a volta, esperando sentir o duro chão da caminhonete sob seu corpo. Em seu lugar sentiu um colchão brando, um travesseiro macio embalando sua cabeça. Uma manta leve de algodão cobria sua nudez.

Que diabos? Onde estava agora?

Saltou até ficar sentado e foi recompensado com uma violenta sacudida de suas vísceras.

—Ah, Caralho—, murmurou, doente e enjoado.

—Está bem?— Renata estava ali com ele. Ele não a viu a princípio, mas agora ela se levantava da cadeira esfarrapada onde estava sentada a um momento atrás. —Como se sente?

—Como a merda—, disse, com sua língua grossa, e sua boca seca como o deserto. Se estremeceu ao ver que ela fez clique com um abajur a sua cabeceira.

—Parece melhor. Muito melhor, em realidade. Seus olhos voltaram para a normalidade e suas presas retrocederam.

—Onde estamos?

—Em um lugar seguro.

Olhou ao redor a mistura eclética da sala: móveis revoltos, estantes de armazenamento contra uma das paredes, uma pequena coleção de tecidos em diversas etapas de finalização apoiados entre dois arquivos, um pequeno armário de banheiro com toalhas de adornos florais e uma banheira de pés pitorescos. As persianas das janelas estavam direcionadas para a cama e mostravam a profundidade da noite no outro lado do vidro nesse momento, mas pela manhã alagariam a sala com a luz dos raios UV.

—Esta é uma residência humana. Ele não quis soar com acusação, sobretudo quando era sua própria maldita culpa estar nesta situação. —Onde diabos estamos, Renata? O que está acontecendo aqui?

—Você não estava bem. Não era seguro para nós seguir viajando no caminhão de fornecimento quando a Agência de Controle e, possivelmente, Lex, estariam buscando-o logo que baixasse o sol.

—Onde estamos?— exigiu.

—Em um refúgio para meninos de rua e se chama Praça da Anna. Conheço o homem que o administra. Ou eu o conhecia, quer dizer... antes. —Alguns rasgos de emoção invadiram seu rosto. —Jack é um bom homem, digno de confiança. Estamos a salvo aqui.

—É humano.

—Sim.

Justamente um fodido humano.

— E sabe o que sou? Viu-me ele... como eu estava?

—Não. Te mantive coberto o melhor que pude com a lona plástica do caminhão. Jack me ajudou a te trazer aqui, mas você ainda dormia pelo tranquilizante que te dei com o tiro. Disse que você estava desmaiado porque estava doente.

—Obrigado.

Bom, ao menos isto respondia a pergunta de por que ele não estava morto.

—Ele não viu suas presas ou seus olhos, e quando me perguntou a respeito de seus glifos, disse que eram tatuagens. Ela fez um gesto assinalando uma camisa e calças pretas dobradas sobre a mesinha de noite. —Ele trouxe um pouco de roupa. Depois que volte de sumir com o caminhão para nós, vai procurar um par de sapatos que caibam em você. Há um kit de limpeza no banheiro de boas vindas para recém chegados à casa. Que só tem uma escova de dentes de sobra, assim espero que não se importe em compartilhar.

—Jesus,— Niko assobiou. Isto só estava piorando.—Tenho que sair daqui.

Ele empurrou a manta e pegou a roupa da mesinha. Não estava muito seguro sobre seus pés quando tentava entrar nas calças de nylon. Ele caiu para trás, seu traseiro nu plantado na cama. A cabeça dava voltas.

—Maldita seja. Tenho que informar à Ordem. Acredita que seu bom amigo Jack tem um computador ou um telefone celular que poderia pedir emprestado?

—São duas da manhã—, assinalou Renata.—Todos na casa estão dormindo. Além disso, nem sequer estou segura que está o suficientemente bem para descer as escadas da garagem. Precisa descansar um pouco mais.

—Ao caralho. O que preciso é voltar para Boston quanto antes. Ainda sentado na cama, deslizou na calça e conseguiu subi-la por cima de seus quadris, puxando o cordão na cintura extra-grande. —Perdi muito tempo já. Necessito que alguém venha e leve meu traseiro até lá.

A mão de Renata caiu sobre ele, surpreendeu-o o contato.

—Nikolai. Algo aconteceu a Mira.

Sua voz soava tão sóbria como nunca a tinha ouvido. Ela estava tão preocupada como um osso na profundidade, e pela primeira vez, deu-se conta da pequena fissura em sua forma de ser inquebrável, disfarçada por uma fachada de gelo que a todos apresentava.

—Mira está em perigo—, disse ela. —A levaram com eles quando vieram prender você no recinto. Lex a entregou a um vampiro chamado Fabien. Ele... ele a vendeu a ele.

—Fabien. Niko fechou os olhos, exalando uma maldição. —Então provavelmente já está morta.

Ele não esperava um grito afogado de Renata. O som cru de seu grito o fez sentir como um imbecil insensível ao falar em voz alta seus pensamentos sombrios. Para a força e independência resistente de Renata ela tinha um ponto sensível reservado, notável por essa menina inocente.

—Ela não pode estar morta. Sua voz adquiriu um tom duro, mas seus olhos estavam selvagens, desesperados. —Prometi a ela, entende? Disse que seria sua protetora. Nunca deixaria que ninguém lhe fizesse mal. Me referia a isso. Mataria para mantê-la segura, Nikolai. Morreria por ela.

Escutou, e, Deus o ajude, que conhecia melhor essa dor mais do que ela nunca podia adivinhar. Quando era menino, havia feito um pacto similar com seu irmão menor — Cristo, fazia muito tempo—e isto quase o tinha destruído por ter falhado.

—É por isso que me seguiu nas instalações de contenção—, disse, compreendendo agora. —Você correu o risco de quebrar o pescoço ao me tirar dali, porque acredita que posso ajudar a encontrá-la?

Ela não disse nada, mas terminou sustentando seu olhar fixo em um silêncio que parecia prolongar-se para sempre.

—Tenho que recuperá-la, Nikolai. E não acredito que... estou, simplesmente não estou segura que posso fazê-lo por minha conta.

Uma parte dele queria dizer que o destino de uma menina perdida não era seu problema. Não depois que o bastardo do Fabien o tivesse posto nas instalações de contenção. E não quando a Ordem tinha suas mãos cheias com outras missões mais críticas. Vida e morte em escala maciça, com a verdadeira morte, salve a espécie mundial da merda.

Mas quando abriu a boca para responder descobriu que não tinha coração para dizer em voz alta a Renata agora.

—Como está seu ombro?— perguntou, indicando a ferida que tinha sangrado horas no caminhão e ao volante levando seu já débil controle quase até o limite. Na superfície, parecia melhor, enfaixada em gaze branca e limpa e com um aroma ligeiro de anticético.

—Jack me enfaixou—, disse ela. —Ele era médico da Infantaria Mariner, quando serviu no Vietnã.

Niko viu a ternura de sua expressão quando falou do humano, e se perguntou por que deveria sentir a pontada de ciúmes, em particular quando o serviço militar daquele macho humano o punha tão velho quanto os anos do Protocolo de Resolução de Direções AppleTalk.. —Assim, ele é um Mariner, né? Como pôde terminar em um refúgio para jovens aqui em Montreal?

Renata sorriu com um pouco de tristeza.

—Jack se apaixonou por uma moça local chamada Anna. Casaram-se, logo compraram esta casa juntos e viveram aqui por mais de quarenta anos... até que Anna morreu. Ela foi assassinada em um roubo. O menino sem lar que a apunhalou por sua carteira o fez enquanto estava drogado com heroína. Estava procurando dinheiro para sua dose seguinte, mas só encontrou cinco dólares na carteira.

—Jesus,— Niko exalou. —Espero que o pedaço de merda não tenha se dado bem.

Renata sacudiu a cabeça.

—Foi detido e acusado, mas se enforcou no cárcere a espera de julgamento. Jack se inteirou das notícias, então decidiu fazer algo para ajudar a prevenir outro ato como a morte de Anna, ou que outro menino se perdesse nas ruas. Abriu sua casa— o Refugio da Anna— a qualquer pessoa que necessitasse moradia, e deu aos meninos comida quente e um lugar a que pertencer.

—Soa Jack como um homem generoso,— Niko disse. —Um inferno de perdão além do que devia.

Tinha a forte necessidade de tocá-la, deixar que seus dedos se detivessem em sua pele. Queria saber mais a respeito dela, mais de sua vida antes que ela se misturasse com Sergei Yakut. Tinha a sensação que as coisas não foram fáceis para ela. Se Jack tinha contribuído para suavizar seu caminho, Nikolai não tinha nada mais que respeito pelo homem. E agora, se ela podia confiar no humano, também o faria. Ele esperava como o inferno que Jack fosse tudo que Renata acreditava que era. Isto seria um inferno se ele dispusesse as coisas de outra maneira.

—Me deixe dar uma olhada em seu ombro,— disse ele, feliz de mudar de assunto.

Quando ele se aproximou dela, Renata vacilou.

—Está seguro que você pode dirigir isto? Porque está recém-saído do efeito tranquilizante, e não parece esportivo explodir a mente de um vampiro em sua condição débil.

—Está brincando? -Riu, surpreso por seu senso de humor, especialmente quando as coisas se viam mais que um pouco tristes para ambos. —Vêm aqui e me deixe ver a obra de Jack.

Ela se inclinou adiante para lhe dar melhor acesso ao seu ombro. Niko moveu de um lado a manta de algodão suave em que estava envolta, deixando a borda do tecido deslizar para baixo de seu braço. Com o mesmo cuidado levantou a vendagem e inspecionou a limpeza da sutura sob a mesma, ele ainda sentia Renata estremecer com desconforto.

Ela se comportava perfeitamente tranqüila enquanto cuidadosamente controlava ambos os lados de seu ombro. A hemorragia se reduziu ao mínimo, mas inclusive esse pequeno riacho escarlate o golpeava com força. Estava fora dos bosques pelo que agora ansiava sangue, mas ainda era da Raça, e o doce aroma de madeira de sândalo e chuva do sangue de Renata o intoxicava—sobretudo ao estar tão perto.

—No geral, parece decente—, murmurou, obrigando-se a recuar. Ele trocou as ataduras e sentou na borda da cama. —A saída da bala ainda está muito pálida.

—Jack diz que tenho sorte que a bala atravessou e não afetou meus ossos.

Niko grunhiu. Teve a sorte de ter sangue unido a um Gen Um macho. Sergei Yakut podia ser um vicioso, um filho da puta bom para nada, mas a presença de seu sangue de pura raça em seu sistema deve ter acelerado a cura como nada. De fato, surpreendeu-se ao vê-la tão cansada. Então outra vez, se deu conta de como tinha sido uma noite tão longa até agora sob qualquer aspecto.

Apoiado nos círculos escuros sob seus olhos manchados, não tinha dormido nada. Ela não tinha comido bem. Uma bandeja de comida estava intacta na bandeja de metal na mesa próxima.

Ele se perguntou se era a dor pela morte de Yakut acrescentada a sua fadiga. Era evidente que se tratava de Mira, mas por todos os direitos, e tão duro como aceitar a idéia, ela também era uma mulher que recentemente tinha perdido seu companheiro. E ali estava ela, cuidando de uma ferida de bala em seu ombro, só por ter ido em sua ajuda.

—Por que não descansa um momento—, sugeriu Nikolai. —Fique com a cama. Tenta dormir um pouco. É minha vez de vigiar.

Ela não discutiu, para sua grande surpresa. Levantou a manta para que ela subisse e lutou enquanto acomodava a manta sob seu ombro ferido.

—A janela—, murmurou, assinalando. —Eu ia cobrir para você.

—Eu me encarrego disso.

Ela dormiu em menos de um minuto. Niko observou durante um momento, e depois, quando esteve seguro que ela não ia sentir, teve a necessidade de tocá-la. Só uma breve carícia em sua bochecha, seus dedos deslizando na seda negra de seu cabelo.

Era um engano desejá-la, e ele sabia.

Em sua condição, que era mais ou menos a pior das circunstâncias possíveis, era provavelmente estúpido como o inferno para ele ansiar Renata da maneira e da forma que fazia quase a partir do primeiro instante em que pôs seus olhos nela.

Mas no momento em que ela abriu suas pálpebras e o encontrou ali ao lado dela, nada o teria impedido de puxá-la para seus braços.

 

Alguns raios de halogênio perfuraram a manta de névoa que se derramava abaixo no caminho de Vermont Green Mountains. No assento traseiro, o passageiro do veículo com chofer olhava com impaciência a paisagem escura, seus olhos da Raça lançavam reflexos âmbar no vidro opaco. Estava zangado, e depois de falar com Edgar Fabien, seu contato em Montreal, tinha motivos para sentir-se molesto. O único raio de promessa tinha sido o fato que em meio de todas as circunstâncias recentes e os desastres pouco isolados, de algum jeito Sergei Yakut estava morto e, no processo, Fabien tinha obtido um membro da Ordem.

Infelizmente, essa pequena vitória tinha sido de curta duração. Só umas poucas horas para Fabien timidamente informar que o guerreiro da raça escapou das instalações de contenção e na atualidade jazia com uma mulher que aparentemente lhe ajudou. Se Fabien esta noite não resolvesse o assunto importante que lhe tinha sido atribuído, o líder do Darkhaven de Montreal poderia estar recebendo uma inesperada visita esta noite também. Trataria com Fabien mais tarde.

Aborrecido por este desvio obrigatório através dos caminhos das vacas, o que mais o tinha enfurecido era o mau funcionamento de seu melhor e mais eficaz instrumento.

Simplesmente o fracasso não podia ser tolerado. Um engano era muito e, como um organismo de controle que de repente se converte em proprietário, só havia uma solução viável para o problema que o esperava neste determinado lance do caminho rural de travessia: a exterminação.

O veículo reduziu a marcha lentamente ao fazer contato com o asfalto, em uma terra cheia de buracos na área rural. Um colonial labirinto de pedra próximo, com meia dúzia de altos carvalhos e bordas alinhadas na unidade que conduzia a uma casa de campo branca, com um largo pórtico, circulante. O carro se deteve diante de um celeiro vermelho grande na parte traseira da casa. O condutor— um servo, saiu, e caminhou ao redor da porta do passageiro, e a abriu para seu Senhor Vampiro.

—Senhor,— disse o escravo de mente humana com uma respeitosa reverência de sua cabeça.

O macho da Raça no interior do carro saiu, cheirando maliciosamente a corrupção de gado no ar supostamente fresco da noite. Seus sentidos não se viram menos ofendidos quando girou sua cabeça para a casa e viu a luz variável de um abajur de mesa acesa em um dos quartos, a choramingação néscia de um programa de competição na televisão iam à deriva pelas janelas abertas.

—Espera aqui,— disse dando instruções ao seu condutor.—Isto não levará muito tempo.

As pedras rangiam em seus sapatos de couro macio, aproximando-se do cascalho dos degraus do alpendre coberto que conduzia à porta traseira da casa. Estava fechada com chave, mas nada importou. Ele fez que o ferrolho abrisse e se dirigiu para dentro da cozinha azul e branca com adornos de algodão. À medida que entrou, a porta chiou fechando atrás dele, e um homem de meia idade humano com uma escopeta entrou pelo corredor.

—Mestre—, disse com voz entrecortada, pondo o rifle na bancada. —Me perdoe. Eu não era consciente de que era você, ah… que vinha…— O subordinado gaguejou, ansioso, e evidentemente o suficientemente conhecedor que esta não era uma visita social. —E no que posso servir?

—Onde está o caçador?

—No porão, senhor.

—Me leve a ele.

—É obvio. O ajudante se voltou e abriu a porta detrás, abrindo-a de par em par. Quando seu amo tinha saído, lançou-se para levá-lo pelo caminho à entrada parecida com um ataúde no porão, ao longo da casa. —Eu não sei o que pôde ter saído mal com ele, mestre. Nunca falhou na realização de nenhuma missão antes.

O certo é que só fato do fracasso atual de tão perfeita amostra era até mais indesculpável.

—Não estou interessado no passado.

—Não, não. É obvio que não, Senhor. Minhas desculpas.

Houve uma luta torpe com a chave e a fechadura, esta última se instalou a fim de manter longe os mortais dos ocupantes da adega em seu interior, mas mais como uma medida. As Fechaduras eram desnecessárias quando havia outros, métodos mais eficazes para assegurar que não estivessem tentados de desviar do rumo.

—Por aqui,— disse o subordinado, abrindo as portas de aço para revelar uma fossa sem luz que se abria na terra debaixo da velha casa.

Um lance de escadas de madeira descia na escuridão úmida e mofada. O velho ajudante avançou, puxando uma corda atada a uma lâmpada de luz para ajudar a ver o caminho. O vampiro atrás dele via bastante bem sem ela, igual ao que albergava aqui o espaço vazio, sem janelas. O porão não continha móveis. Não havia distrações. Não se observavam bens pessoais. Por deliberado que fosse o desenho, não continha comodidade de nenhum tipo. Estava cheio de precisamente nada, o aviso a seu inquilino que ele também não era nada mais do que foi convocado para fazer aqui. Sua mesma existência devia ser simplesmente servir, seguir ordens.

Atuar sem piedade ou erro.

Para não revelar fontes, nem esperar nenhuma mudança.

Enquanto caminhavam para o centro do porão, o macho da Raça enorme sentado tranqüilamente no chão de terra nua levantou a vista. Estava nu, com seus cotovelos apoiados sobre os joelhos, a cabeça raspada. Não tinha nome, nem identidade alguma, exceto a que foi dada quando ele nasceu: Hunter. Estava provido de um colar eletrônico negro ao redor de seu pescoço que esteve com ele durante toda a sua vida.

Na verdade, era sua vida, se acaso alguma vez resistia a instruções, ou manipulava o dispositivo de vigilância de algum modo, um sensor digital disparava e a Arma UV contida no pescoço detonava.

O grande macho ficou de pé com seu controlador quando o ajudante fez um gesto para que levantasse. Ele era impressionante, um Gen um de 1,98m, todo músculos e com uma força formidável. Seu corpo estava coberto por uma rede de dermaglifos do pescoço aos tornozelos, as marcas da pele herdadas através do sangue, passando de pai para filho na Raça.

Que ele e este vampiro tivessem em comum padrões similares era de esperar-se; afinal eles tinham nascidos da mesma antiga linha paternal. Ambos tinham o sangue do mesmo guerreiro alienígena que nadava em suas veias, um dos pais originais da raça de vampiros sobre a terra. Eles eram parentes, embora só um deles soubesse. Que tinha esperado pacientemente pelo tempo que vivia atrás de inumeráveis máscaras e enganos, enquanto com cuidado a organização tecia as peças sobre um tabuleiro enorme e complexo. O momento de manipular a sorte era adequado para que finalmente, com justiça tomasse seu lugar de poder sobre a raça e a humanidade por igual.

Esse tempo se esgotava.

Estava próximo, podia sentir em seus ossos.

E não cometeria erros na subida a seu trono.

Olhos dourados como um falcão sustentaram seu olhar fixo na luz variável do porão. Ele não apreciava o orgulho que viu ali — o rastro de desafio em quem tinha sido feito para servir.

—Me explique por que você falhou em seu objetivo, — exigiu ele.—Você foi enviado a Montreal com uma missão clara. Por que você foi incapaz de executá-la?

—Havia uma testemunha. — Essa foi a resposta fria.

—Isso nunca te deteve antes. Por que agora?

Aqueles olhos de ouro não mostraram nenhuma emoção absolutamente, mas ali estavam o desafio no levantamento sutil da mandíbula quadrada do Caçador.

—Era uma menina, e uma fêmea jovem.

—Uma menina, diz. - Deu de ombros, indiferente. —Inclusive mais fácil de eliminar, não acha?

O caçador não disse nada, só olhou como se esperasse o julgamento. Como se esperasse ser condenado e não importasse nada.

—Você não foi treinado para questionar suas ordens ou afastar-se dos obstáculos. Você foi criado para uma coisa— como o foram os outros como você.

Seu rígido queixo se elevou outra polegada, lhe interrogando. Com desconfiança.

—Que outros?

Ele riu entredentes sob seu fôlego.

—Você na realidade não pensou que era o único, verdade? Nem muito menos. Sim, há outros. Um exército de outros soldados, assassinos... objetos dispensáveis que criei por várias décadas, todos nascidos e feitos para me servir. Outros, como você, que vivem só porque desejo. —Ele jogou uma olhada de forma significativa ao anel que rodeava o pescoço do vampiro. — Você, como outros, vive só enquanto que o deseje.

—Mestre—, interrompeu vacilante o ajudante. —Estou seguro que este foi um pequeno erro. Quando o enviar na próxima vez, não haverá problemas, eu asseguro.

—Ouvi o suficiente—, explodiu inclinando o olhar para o humano que por associação também tinha falhado. —Não haverá próxima vez. E você já não é de nenhuma utilidade.

Em um momento de rapidez, girou sobre o servo, e afundou suas presas de um lado da garganta do homem. Não bebeu, só perfurou a artéria carótida liberando-a, observando com total indiferença, como desabava sobre o chão de terra do porão, sangrando profusamente. A presença de tanto sangue derramando era quase insuportável. Era difícil esperar que ficassem resíduos, mas estava mais interessado em provar seu ponto.

Olhou o vampiro Gen um —sorria a seu lado quando seus glifos tomaram pulso com as cores profundas de fome do macho, com os olhos de ouro, agora totalmente de cor âmbar. Suas presas encheram sua boca, e era óbvio que todo o instinto dentro dele estava gritando para que se lançasse sobre a fonte do sangue do humano que tinha morrido.

Mas não se moveu. Ficou ali, desafiante ainda, negando-se a ceder inclusive a seu instinto natural, o lado selvagem de si mesmo.

Matá-lo seria bastante fácil, simplesmente marcando o código em seu telefone celular e o rígido orgulho intitulado seria feito em pedaços. Mas seria muito mais agradável dobrá-lo primeiro. Tão melhor se de última hora pudesse servir como exemplo a Fabien e qualquer outra pessoa que pudesse ser suficientemente estúpida para enganá-lo.

—Fora—, ele ordenou ao assassino em serviço. —Não terminei com você ainda.

 

Renata se situou na pia de pedestal no banheiro, cuspiu o último da pasta de dente pelo deságüe, logo enxaguou com vários punhados de água fria. Ela tinha despertado muito mais tarde do que pretendia. Nikolai disse que parecia necessitar de descanso, assim a tinha deixado dormir até quase às dez da manhã. Ela poderia ter dormido outros dez dias mais e provavelmente ainda estaria cansada.

Ela se sentia acabada. Dolorida por toda parte, com suas extremidades débeis. Instável em seus pés. Seu corpo com seu termostato interno parecia não poder decidir entre o frio glacial e o calor entristecedor, deixando-a em uma atormentada alternância de calafrios e ondas de suor na testa e na parte de trás de seu pescoço.

Com sua mão direita apoiada na pia, ela levou sua outra mão sob a corrente da torneira, com a intenção de segurar como um anel seus dedos frios e molhados ao redor do forno que ardia sobre sua nuca. Um pequeno movimento de seu braço esquerdo e ela protestou de dor.

Seu ombro estava ardendo.

Ela fez uma careta quando com cuidado desabotoou a parte superior da ampla camisa tipo Oxford que pegou emprestada de Jack. Lentamente encolheu o ombro para tirar a manga esquerda para assim poder tirar a faixa e examinar sua ferida. A cinta aguilhôo quando a arrancou de sua sensível e adoecida pele. Sangue coagulado e o ungüento anti-séptico cobriam a gaze, mas a ferida que se encontrava abaixo ainda estava aberta e vazando.

Ela não necessitava um doutor para dizer que isto não eram boas notícias. Sangue e grosso fluido amarelo se drenava do inflamado círculo vermelho que rodeava o ponto aberto por onde a bala tinha entrado. Não era bom absolutamente. Tampouco necessitava um termômetro para confirmar que estaria provavelmente com uma febre muito alta devido à aparição da infecção.

—Merda—, sussurrou ela em seu rosto marcado, pálido no espelho. —Eu não tenho tempo para isto, maldita seja.

Um golpe abrupto na porta do banheiro a fez saltar.

—Ouça. Nikolai chamou de novo, dois golpes rápidos. —Tudo bem aí dentro?

—Sim. Sim, está tudo bem. Sua voz raspou como lixa em sua garganta, pouco melhor que um tom áspero de som. —Só estou escovando os dentes.

—Segura que está bem?

—Estou bem. Renata levantou a enrugada e suja vendagem e a jogou no recipiente de lixo que estava ao lado da pia. —Sairei em poucos minutos.

A demora na resposta não deu a impressão que ele fosse a nenhuma parte. Ela fez rodar a torneira da água para um maior volume e esperou, imóvel, com seus olhos na porta fechada.

—Renata… sua ferida—, disse Nikolai através do painel de madeira. Havia uma gravidade em seu tom. —Não está curada ainda? Ela deveria ter deixado de sangrar já…

Embora não tivesse querido que ele soubesse o que estava passando, não havia nenhum motivo para negar agora. Todos os de sua Estirpe tinham sentidos absurdamente agudos, especialmente quando estes apareciam ao descobrir sangue derramado. Renata esclareceu a garganta.

—Não é nada, não é grande coisa. Só necessito uma nova gaze e uma vendagem limpa.

—Vou entrar—, ele disse, e deu um giro no trinco da porta. Esta se manteve fechada pelo botão que se encontrava apertado. —Renata. Me deixe entrar.

—Já disse, estou bem. Estarei fora em só uns…

Ela não teve chance de terminar a frase. Usando o que só poderia ser o poder mental da Raça, Nikolai acionou a fechadura e abriu a porta amplamente. Renata poderia ter amaldiçoado por ter entrado como se fosse o dono do lugar, mas estava muito ocupada tentando dar um puxão na manga solta da camisa para cobrir-se. Não importava tanto se ele visse o estado de inflamação da ferida pela arma de fogo, eram as outras marcas que ela desejava fazer desaparecer.

As permanentes que tinham sido queimadas na pele de suas costas.

Ela conseguiu erguer o suave tecido de algodão ao redor dela, mas todos os movimentos e o puxão a fez gritar e seu estômago revolver quando a dor causou uma onda de fortes náuseas.

Ofegando agora, alagada em um suor frio, ela mesma se deixou cair na fechada tampa do vaso e tentou atuar como não estivesse a ponto de derramar seu estômago por toda parte sobre os diminutos azulejos negros e brancos que se encontravam sob seus pés.

—Por crissake . Nikolai, com seu torso nu e a calça caindo de seus quadris estreitos deu uma olhada e se deixou cair de cócoras diante dela. —Você está muito longe de estar bem. Ela se sobressaltou quando ele tentou alcançar o frouxo colarinho aberto da camisa.

—Não o faça.

—Somente vou ver sua ferida. Algo não está bem. Deveria estar curada a esta hora. Ele afastou o tecido de seu ombro e franziu o cenho. —Merda. Isto não está bem absolutamente. Como está o ponto de saída?

Ele se levantou e se inclinou sobre ela, com seus dedos cuidadosos enquanto deslizava mais da camisa de seu caminho. Apesar que estava ardendo, ela podia sentir o calor de seu corpo, enquanto estava tão perto dela neste pequeno espaço. —Ah, merda ... deste lado está pior que na frente. Vou tirar esta camisa para que possa ver exatamente com o que estamos tratando.

Renata congelou, seu sistema completo se endureceu.

—Não, eu não posso.

—Claro que pode. Eu te ajudarei. Quando ela não se moveu, sentada ali segurando a parte dianteira da grande camisa em um punho apertado, Nikolai sorriu abertamente. —Se pensa que tem que ser reservada comigo, não o faça. Infernos, já me viu nu portanto é justo, certo?

Ela não riu. Não poderia. Era difícil manter seu fixo olhar, difícil acreditar na preocupação que estava começando a obscurecer seus invernais olhos azuis, enquanto ele esperava por sua resposta. Ela não queria ver repulsão ali, nem, muito menos, compaixão.

—Seu livre-arbítrio justamente… te deixou agora? Por favor? Me permita me encarregar de cuidar disto eu mesma.

—A ferida está infectada. Está com febre devido a ela.

—Sei.

A cara de Nikolai se voltou sóbria com uma emoção que ela não podia distinguir.

—Quando foi a última vez que se alimentou?

Ela deu de ombros.

—Jack me trouxe um pouco de comida ontem à noite, mas eu não tinha fome.

—Não comida, Renata. Estou falando de sangue. Quando foi a última vez que você se alimentou de Yakut?

—Seu refere a beber seu sangue?— Ela não pôde ocultar sua repulsão. —Nunca. Por que esta perguntando isso? Por que pensa isso?

—Ele bebeu de ti. Vi-o alimentando-se de sua veia em seu quarto no recinto. Supus que era um acordo mútuo.

Renata odiava pensar nisso, e muito menos recordar que Nikolai tinha sido testemunha de sua degradação.

—Sergei me utilizava por sangue cada vez que sentia necessidade. Ou cada vez que desejava fazer uma demonstração.

—Mas ele nunca te deu seu sangue em troca?

Renata negou com a cabeça.

—Não admira que não esteja curando rapidamente—, murmurou Nikolai. Deu uma ligeira sacudida na cabeça. —Quando o vi beber de você… pensei que estava emparelhada com ele. Supus que vocês estavam unidos com o laço de sangue entre si. Pensei que talvez sentia carinho por ele.

—Pensou que eu o amava,— disse Renata, dando-se conta para onde se dirigia. —Não era isso. Nem sequer se aproximava.

Ela soltou um fôlego agudo que ressoou em sua garganta. Nikolai não a estava pressionando para procurar respostas, e talvez precisamente devido a isso, ela queria que entendesse que o que ela sentia pelo vampiro que tinha servido era algo menos afeiçoado.

—Faz dois anos, Sergei Yakut me recolheu nos subúrbios de uma rua do centro da cidade e me levaram a seu refúgio junto com vários outros meninos que tinha pego essa noite. Nós não sabíamos quem era, ou para onde íamos, ou por que. Não sabíamos nada, porque ele nos tinha posto a todos em uma espécie de transe que não cessou até que nos encontramos trancados dentro de uma grande jaula escura.

—O interior do celeiro de sua propriedade—, disse Nikolai, com seu rosto sombrio. —Jesus Cristo. Ele te trouxe para seu jogo vivo de seu clube de sangue?

—Eu não acredito que qualquer de nos soubéssemos que os monstros realmente existiam até que Yakut, Lex, e alguns outros vieram abrir a jaula. Eles nos mostraram o bosque, disseram-nos que corrêssemos. - Ela engoliu a circulante amargura que se levantou em sua garganta. —A matança começou tão logo o primeiro de nós correu para o bosque.

Em sua mente, Renata voltou a reviver o horror com detalhes. Ela ainda podia ouvir os gritos das vítimas quando fugiam, e os uivos terríveis dos predadores que os caçavam com selvagem frenesi. Ela ainda podia cheirar a essência forte de verão, pinheiro e musgo, mas os aromas da natureza foram sufocados em breve pelo sangue e morte. Ela ainda podia ver a imensa escuridão que rodeava o terreno desconhecido, com ramos escondidos que golpeavam as bochechas e rasgavam sua roupa enquanto ela tentava sua fuga.

—Nenhum de vocês tinha uma chance—, murmurou Nikolai. —Eles disseram a vocês que corressem somente para jogar com vocês. Para dar a ilusão que os clubes de sangue têm algo a ver com esporte.

—Eu sei disso agora. - Renata ainda podia saborear a inutilidade de toda aquela correria. O terror tinha adquirido o aspecto nessa funesta noite na forma de olhos âmbar brilhantes e presas expostas e ensangüentadas como nada que ela houvesse alguma vez visto em seus piores pesadelos. —Um deles me alcançou. Saiu de um nada e começou a me rodear, preparando-se para o ataque. Eu nunca tive mais medo. Estava assustada e zangada e algo dentro de mim somente… se rompeu. Senti um poder correr através de mim, um pouco mais forte que a adrenalina que alagava meu corpo.

Nikolai assentiu com a cabeça.

—Não sabia a respeito da habilidade que possuía.

—Eu não sabia a respeito de um monte de coisas até essa noite. Tudo virou de cabeça para baixo. Eu só queria sobreviver — a única coisa que eu sabia fazer. Assim quando eu senti que a energia fluía através de mim, algum instinto visceral me indicou que o girasse e o deixasse livre sobre meu atacante. Empurrei para fora com minha mente e o vampiro cambaleou para trás como se o tivesse golpeado fisicamente. Lancei mais nele, e ainda mais, até que ele caiu no chão gritando e seus olhos estivessem sangrando e todo seu corpo convulsionando-se de dor.

Renata se deteve, perguntando se o guerreiro da Raça a contemplava em silêncio julgando-a por sua total falta de remorso pelo que tinha feito. Ela não estava disposta a pedir desculpas ou dar desculpas.

—Eu queria que ele sofresse, Nikolai. Queria matá-lo, e o fiz.

—Que outra opção tinha você?—, disse ele, estendendo a mão e com muita ternura deslizou as pontas de seus dedos ao longo da linha de sua bochecha. —E Yakut? Onde estava ele durante tudo isto?

—Não muito longe. Eu tinha começado a correr novamente quando se cruzou em meu caminho e se dirigiu a mim. Eu tratei de derrubá-lo também, mas ele resistiu. Enviei tudo o que tinha para ele, até o ponto de esgotamento, mas não foi o suficiente. Ele era muito forte.

—Porque ele era um Gen Um.

Renata fez uma inclinação de assentimento com a cabeça.

—Ele me explicou isso mais tarde, depois daquele combate inicial as repercussões me deixaram inconsciente por três dias completos e despertei para me encontrar obrigada a trabalhar como guarda-costas pessoal de um vampiro.

—Alguma vez tentou partir?

—No princípio, tentei. Mais de uma vez. Nunca levou muito tempo para me localizar. Ela golpeou ligeiramente seu dedo indicador contra a veia situada ao lado de seu pescoço. —Difícil chegar muito longe quando seu próprio sangue é melhor que um GPS para seu perseguidor. Ele utilizava meu sangue para assegurar-se de minha lealdade. Era um grilhão que não podia romper. Nunca pude ficar livre dele.

—Agora é livre, Renata.

—Sim, suponho que estou—, disse ela, a resposta soando tão oca como a sentia. —Mas e a respeito de Mira?

Nikolai a contemplou durante um longo momento sem dizer nada. Ela não queria ver a dúvida em seus olhos, não mais do que queria alguma vã garantia que ali havia algo que qualquer dos dois poderia fazer por Mira agora que ela estava em mãos do inimigo. Muito pior agora que estava debilitada pela ferida.

Nikolai girou para a banheira antiga com pés em forma de garras brancas e abriu as torneiras. Quando a água caiu na banheira, ele se voltou para onde ela estava sentada.

—Um refrescante banho deveria baixar sua temperatura. Vamos, eu te ajudo a se lavar.

—Não, eu posso tomar meu próprio…

Disse a ela que não ao levantar em resposta uma de suas sobrancelhas.

—A camisa, Renata. Me deixe te ajudar com ela assim posso ter uma melhor visão do que está acontecendo com essa ferida.

Obviamente, ele não estava disposto a deixá-la. Renata ficou muito quieta mesmo quando Nikolai desabotoou os últimos poucos botões da gigantesca camisa e gentilmente com cuidado a removeu. O algodão caiu em uma aglomeração suave sobre seu colo e ao redor de seus quadris. Apesar que ela levava um sutiã, a modéstia arraigada nela desde seus primeiros anos no orfanato da igreja a fez levantar suas mãos para resguardar os seios de seus olhos.

Mas ele não estava olhando de uma maneira sexual nesse momento. Toda sua atenção estava centrada sobre seu ombro agora mesmo. Era terno e cuidadoso, seus dedos exploravam ligeiramente ao redor da zona. Ele seguiu a curva de seu ombro por cima e ao redor de onde a bala tinha abandonado sua carne.

—Dói quando toco aqui?

Mesmo que seu toque era apenas um contato que a passava roçando, a dor irradiava através dela. Ela fez uma careta, sugando para dentro seu fôlego.

—Sinto muito. Há muito enrijecimento e inchaço ao redor da ferida de saída—, disse ele, com sua profunda voz que vibrou por seus ossos enquanto seu toque se movia ligeiramente sobre ela. —Isto não se vê muito bem, mas acredito que se o lavarmos com água por fora e…

À medida que sua voz se apagava, ela sabia o que ele estava vendo agora. Não o aberto disparo de canhão da ferida, mas as outras duas marcas feitas de forma diferente na suave pele de suas costas. Ela sentia as marcas arder tão acesas como na noite em que tinham sido postas ali.

—Inferno Santo. O fôlego de Nikolai saiu em um suspiro lento. —O que aconteceu? São marcas de queimaduras? Jesus… são marcas?

Renata fechou seus olhos. Parte dela queria só encolher-se ali e desvanecer-se nos azulejos, mas ela se obrigou a permanecer quieta, sua coluna vertebral rigidamente erguida.

—Elas não são nada.

—Mentira. Ele ficou de pé diante dela e levantou seu queixo com a borda de sua mão. Ela deixou que seu olhar subisse até encontrar-se com o dele e fundir-se em seus agudos e pálidos olhos cheios de intensidade. Não havia nenhum rastro de compaixão nesses olhos, só uma fria indignação que a desconcertou. —Me conte. Quem fez isto, foi Yakut?

Ela deu de ombros.

—Só era uma de suas formas mais criativas de me recordar que não era uma boa idéia o incomodar.

—Esse filho da puta—, disse Nikolai furioso. —Ele merecia sua iminente morte. Só por isso — por tudo que fez a você—, o bastardo maldito bem que mereceu. Renata piscou, surpreendida por ouvir tal fúria, tão feroz sentido protetor procedente dele. Particularmente quando Nikolai era um dos da Raça e ela era, como explicado bastante freqüentemente nos dois últimos anos, simplesmente uma humana. Vivendo somente porque era útil.

—Você não se parece com ele absolutamente—, ela murmurou. —Pensei que seria, mas não se parece com ele, ou Lex ou os outros. Você é… eu não sei… diferente.

—Diferente?— Embora a intensidade não tinha abandonado seus olhos, a boca de Nikolai se arqueou no canto. —É uma revelação ou simplesmente a febre falando?

Ela sorriu apesar de seu estado de miséria geral.

—Ambos, acredito eu.

—Bem posso dirigir a ambos. Vamos te refrescar antes que comece a me lançar palavras com A.

—Palavras com A?— perguntou ela, observando-o enquanto pegava com a mão a garrafa de sabonete líquido da pia e jorrava um pouco dentro da grande banheira.

—Agradável—, disse ele, e lançou um olhar irônico sobre seu denso ombro.

—Não se conformaria com agradável?

—Essa nunca foi uma de minhas especialidades.

Seu sorriso se torceu e mais de uma pequena e encantadora covinha se formou onde aquelas bochechas se curvavam sobre ambos os lados. Olhando-o assim, não era difícil imaginar que era um macho de muitas especialidades, nem todas da variedade balas—e— adagas. Ela sabia de primeira mão que tinha uma boca muito agradável, muito boa. Por muito que quisesse negar, uma parte dela ainda ardia pelo beijo que se deram atrás da mansão, e o calor que ela sentia nada tinha a ver com sua febre.

—Se dispa—, disse Nikolai, e por um podre segundo ela se perguntou se tinha sido capaz de ler seus pensamentos. Ele passou sua mão de trás para a frente sobre a água espumosa da banheira, e logo a sacudiu. —Está quase perfeita. Vamos, entre.

Renata o observou pôr a garrafa de sabonete na parte traseira da pia, logo começou a procurar na gaveta abaixo da pia, do qual tirou uma esponja e uma grande toalha. Enquanto ele estava de costas para ela e distraído procurando os artigos de higiene como sabonete e xampu, Renata rapidamente tirou o sutiã e as calcinhas e entrou na banheira.

A água fria era um deleite. Ela afundou com um suspiro, seu fatigado corpo instantaneamente se tranqüilizou. Enquanto ela cuidadosamente se acomodava dentro e se inundava até os peitos na espumosa banheira, Nikolai molhava a esponja sob a água fria da pia.

Ele a dobrou e a pressionou brandamente contra sua testa.

—Isto está bom?

Ela assentiu com a cabeça, fechando os olhos enquanto ele sustentava a compressa em sua testa. O impulso de apoiar-se atrás na banheira era tentador, mas quando ela tentou a pressão em seu ombro a fez recuar, protestando de dor.

—Por aqui—, disse Nicolai, pondo a palma de sua mão livre no centro de suas costas. —Só relaxe. Eu te sustentarei.

Renata lentamente deixou que seu peso descansasse sobre sua mão forte. Ela não podia recordar a última vez que alguém tinha cuidado dela. Nenhuma como esta. Deus, houve alguma vez em todo este tempo? Seus olhos foram à deriva fechando em sinal de gratidão silenciosa. Com as mãos fortes de Nikolai em seu corpo cansado, uma desconhecida, completamente estranha sensação de segurança se estendeu sobre ela, tão reconfortante como uma manta.

—Melhor?—ele perguntou.

—Mm—hmm. É agradável—, disse ela, então abriu simplesmente uma fresta em um de seus olhos e ergueu o olhar para ele. —A palavra com A. Sinto.

Ele grunhiu quando tirou a compressa fria de sua testa. Ele a olhava com uma seriedade que fez seu coração dar pequenos golpes em seu peito.

—Quer me contar a respeito destas marcas em suas costas?

—Não. A respiração de Renata se deteve com a idéia de expor mais dela do que já tinha feito. Ela não estava pronta para isso. Não com ele, nada semelhante disso. Era uma humilhação que ela mal podia suportar recordar, e muito menos pôr em palavras.

Ele não disse nada para romper o silêncio que se estendeu sobre eles. Molhou a esponja dentro da água e atraiu um pouco da espuma para seu ombro bom. A frescura fluiu sobre ela, arrepios circulavam através das curvas de seus seios e por seu braço. Nikolai lavou seu pescoço e seu ombro, continuando, cuidadosamente fez caminho para a ferida que se encontrava em seu lado esquerdo.

—Está tudo bem?—— perguntou ele, com um pequeno tremor na voz.

Renata assentiu com a cabeça, incapaz de falar quando seu toque era tão terno e bem vindo. Ela o deixou lavá-la, enquanto seu olhar foi à deriva sobre o formoso padrão de cores que havia em seu peito nu e braços. Seus dermaglifos não eram tão numerosos ou tão densamente complicados como tinham sido os de Yakut. As marcas da Raça do Nikolai eram uns engenhosos entrelaçar de redemoinhos e floreados e formas reluzentes que dançavam através de sua lisa pele cor de ouro.

Curioso, e antes que ela se desse conta do que estava fazendo, Renata percorreu externamente um dos desenhos de arcos que se realçavam debaixo de seu volumoso bíceps. Ela escutou o leve inalar de sua respiração, a interrupção repentina de seus pulmões quando seus dedos brincaram ligeiramente por cima de sua pele, assim como o profundo estrondo de seu grunhido.

Quando ele a olhou, suas pequenas sobrancelhas estavam elevadas sobre seus olhos. Suas pupilas reduzidas bruscamente, e a cor azul de sua íris começava a titilar com faíscas de cor âmbar. Renata retirou sua mão, com uma desculpa na ponta da língua. Ela não teve a oportunidade de dizer uma palavra.

Movendo-se mais rápido do que poderia rastreá-lo, e com a graça suave de um predador, Nikolai fechou os poucos escassos centímetros que os separavam. No instante seguinte, sua boca se esfregava brandamente contra a sua. Seus lábios eram tão suaves, tão quentes e persuasivos. Tudo o que precisou foi um tentador deslizar de sua língua ao longo dos cantos de sua boca e Renata ansiosamente, com avidez, deixou-o entrar.

Ela sentiu que um novo calor brotava à vida dentro dela, um pouco mais forte que a dor de sua ferida, que se converteu em uma insignificância sob o prazer do beijo de Nikolai. Ele elevou sua mão fora da água atrás dela e a embalou em um abraço cuidadoso, enquanto sua boca nunca abandonou a sua.

Renata se fundiu com ele, muito cansada para considerar todas as razões pelas quais seria um engano permitir que isto fosse mais longe. Ela queria que isto seguisse – desejava tanto que estava tremendo. Ela não podia sentir nada, salvo as mãos fortes de Nikolai que a acariciavam, só escutava o martelar de seus próprios corações, os batimentos pesados emparelhando-se em um mesmo ritmo. Ela somente tinha provado o sabor de sua sedutora boca reclamando-a… e só sabia que desejava mais.

Um golpe soou no exterior do apartamento da garagem.

Nikolai grunhiu contra sua boca e se afastou.

—Há alguém na porta.

—Deve ser Jack—, disse Renata, sem fôlego, seu pulso ainda palpitante. —Verei o que ele quer.

Ela tentou mudar de posição na banheira para sair e sentiu que seu ombro ardia de dor.

—Ao inferno que vai—, disse Nikolai, já ficando em pé. —Vai permanecer aqui. Eu me encarregarei de Jack.

Nikolai era um macho grande para os padrões, mas se via enorme agora, seus claros olhos azuis chispavam com toques de brilhante âmbar e as marcas de seus dermaglifos em seus musculosos braços e torso estavam reanimados com cor. Pelo visto era grande também em outros lugares, um fato que apenas podia ocultar pelas pertinentes folgadas calças de nylon.

Quando o golpe soou outra vez, ele amaldiçoou, com as pontas de suas presas brilhando.

—Alguém, além de Jack sabe que estamos aqui?

Renata negou com a cabeça.

—Pedi que não dissesse nada a ninguém. Podemos confiar nele.

—Suponho que é um bom momento para averiguar isso, né?

—Nikolai—, ela disse enquanto ele pegava a camisa que ela tinha usado e encolhia os ombros dentro das mangas largas.

—A propósito... Jack… ele é um bom homem. Um homem decente. Eu não quero que aconteça nada a ele.

Ele sorriu com satisfação.

—Não se preocupe. Vou tentar ser agradável.

—Agradável—, exalou Niko através de uma tensa careta. Se sentia tudo menos agradável enquanto fechava a porta do banheiro e caminhava para o quarto principal do apartamento.

Estando a sós com Renata enquanto ela se sentava nua na banheira, tocando-a, beijando-a, pelo amor de Deus— tinha colocado todo seu sistema em sobrecarga. Mas estava tão torcido que sua feroz ereção era a menor de suas preocupações enquanto se aproximava da porta onde Jack estava golpeando de novo. Uma coisa era pretender que não havia um pau de barraca ereto em suas calças, outra era esperar que alguém não notasse que seus olhos estavam ardendo tão brilhantes como carvões queimando e que seus estendidos caninos poderiam envergonhar um rotweiller.

Ao menos a folgada camiseta cobria seus glifos. Niko não tinha que ver seu corpo para saber que as marcas de sua pele estavam vivas e pulsando com as profundas cores da excitação. Terrivelmente duro seria tentar as fazer passar por tatuagens agora.

Nikolai olhou à porta e se forçou a relaxar, se acalmar. Tinha que eliminar o fogo de sua íris, e a significativa luxúria que o roce de Renata tinha despertado nele. Se centrou em ralentizar seu pulso, uma luta atroz quando seu pênis ordenava a rega de seu sangue.

—Olá?— disse arrastando a saudação para fora. Jack golpeou de novo, a sombra escura de sua cabeça movendo-se ao outro lado da cortina na janela da porta. Parecia consciente em manter sua voz a um nível discreto. —Renata, é você, céu? Está acordada?

Merda. Não havia escolha exceto deixá-lo entrar. Nikolai grunhiu em voz baixa enquanto estirava o braço para puxar o ferrolho. Tinha assegurado a Renata que seria agradável com o homem, mas as coisas podiam mudar logo que abrisse a maldita porta. E se o humano emitia uma ligeira suspeita, ia encontrar-se na curta lista para uma lavagem de cérebro.

Niko tirou a fechadura e girou o trinco da porta. Recuou do fio de luz que se vertia no interior pela abertura e se posicionou atrás da porta enquanto abria.

—Renata? Posso entrar um minuto?— Umas botas de cowboy marrons avançaram sobre a soleira. —Pensei em te visitar esta manhã antes de estar ocupado na casa com os meninos.

Quando o humano entrou vestindo Levi’s desgastados e uma camiseta de algodão branco, Nikolai abriu sua mão sobre a porta e a relaxou para selar o sol da manhã. Avaliou o homem mais velho com uma olhada, olhando a escarpada cara, os ardilosos olhos, e o estilo militar de sua roupa. Era um homem grande, um pouco suave na metade do corpo, um pouco arqueado ao redor dos joelhos, mas seus braços tatuados estavam bronzeados e ainda firmes com suficiente músculo para indicar que mesmo velho não temia o trabalho duro.

—Deve ser Jack— disse Nikolai, cuidadoso ao falar de maneira que mantivesse suas presas ocultas atrás de seus lábios.

—Correto. Um pequeno assentimento enquanto Niko era objeto de uma avaliação similar. —E você é o amigo da Renata… Ela, ah, não me disse seu nome ontem à noite.

Aparentemente o brilho âmbar se foi das íris azuis de Niko, posto que duvidava que Jack fosse apertar sua mão nesse momento se o homem olhasse um par de olhos de outro mundo que arrojavam centelhas como um forno.

—Sou Nick,— disse, aproximando-se o suficiente à verdade por agora. Apertou a mão brevemente do antigo soldado. —Obrigado por nos ajudar. Jack assentiu.

—Tem melhor aspecto esta manhã, Nick. Me alegro de te ver levantado e em movimento. —Como está Renata?

—Bem. Está no banheiro lavando-se.

Não viu nenhuma razão para expor a infecção. Não tinha sentido preocupar o bem intencionado Jack a ponto de começar a falar sobre médicos ou viagem ao hospital. Embora apoiando-se no que Nikolai tinha visto da ferida de Renata, se seu processo de cura não conseguisse um sério impulso – e logo — não haveria alternativa exceto uma visita ao centro de urgências mais próximo.

—Não quero perguntar como ela terminou com uma bala em seu ombro,— disse Jack, olhando de perto Nikolai. —Da forma em que estavam ambos ontem à noite, e o fato que tivesse que me desfazer de um caminhão roubado de provisões médicas, atreveria-me a dizer que seja qual for o problema está relacionado com drogas. Mas sei que Renata é mais inteligente que isso. Não acredito nem por um momento que ela se mesclasse em algo como drogas. Ela não quis me dizer nada, e prometi não pressioná-la. Sou um homem de palavra.

Niko sustentou o olhar do ancião.

—Estou seguro que ela aprecia isso. Ambos o fazemos.

—Sim— disse Jack arrastando as palavras, seus duros olhos estreitando-se. —Mas tenho curiosidade sobre algo. Ela sumiu durante os últimos anos…teve algo a ver com isso?

Não foi pronunciado como uma acusação aberta, mas era óbvio que o ancião tinha estado preocupado por Renata e também tinha sentido que sua longa ausência não tinha sido necessariamente boa para ela. Homem, se só soubesse o que tinha passado. A ferida de bala que tinha agora era só a cobertura do que tinha sido um bolo muito desagradável.

Nikolai agitou sua cabeça.

—Só conheço Renata há uns poucos dias, mas posso te dizer que tem razão quanto a que é muito inteligente para cair em problemas com drogas. Esse não é agora o tema, Jack. Mas ela está em perigo. A única razão pela que estou aqui é que ela arriscou seu pescoço para me tirar de um monte de problemas ontem.

—Isso soa a Renata,— disse Jack, sua expressão perdida entre o orgulho e a preocupação.—Infelizmente, porque ela entrou para me ajudar, agora há um alvo em nossas costas.

Jack grunhiu enquanto escutava, as enxutas sobrancelhas juntando-se.

—Ela disse como nos conhecemos?

—Alguma coisa— disse Niko. —Sei que confia em você e te respeita. Assumo que esteve aqui para ajudá-la uma ou duas vezes antes de agora.

—Tentei, melhor dizendo. Renata nunca quis ajuda de mim ou de ninguém mais. Não para si mesma. Mas havia muitos outros meninos que ela trouxe para minha casa por ajuda. Ela não podia seguir vendo um menino sofrendo. Demônios, ela não era muito mais que uma menina na primeira vez que veio. Sempre guardava para si mesmo a maior parte, uma verdadeira solitária. Ela não tem família, já sabe.

Nikolai agitou sua cabeça.

—Não, não sabia disso.

—As irmãs da Misericórdia Benevolente a criaram nos primeiros doze anos de sua vida. Sua mãe a abandonou no orfanato da igreja quando Renata era só um bebê. Ela nunca soube de seus pais. Quando Renata fez 15 anos, estava já sozinha, tendo deixado às monjas para viver nas ruas.

Jack caminhou para um arquivo metálico que permanecia com algumas das outras coisas armazenadas no apartamento. Pegou um jogo de chaves do bolso de seu jeans e pôs uma delas na fechadura.

—Sim senhor, Renata era uma áspera cliente, inclusive desde o começo. Magra, cautelosa, ela parecia alguém que apenas podia manter-se de pé numa forte brisa, mas essa garota tinha uma medula de aço. Não leva merda de ninguém.

—Não mudou muito,— disse Nikolai, olhando o ancião abrir a gaveta do fundo. —Nunca conheci uma mulher como Renata.

Jack olhou por cima dele e sorriu.

—Ela é especial, correto. Teimosa também. Uns poucos meses antes da última vez que a vi, ela mostrava a cara cheia de hematomas. Aparentemente algum bêbado com quem cruzou na saída de um bar teve a idéia que queria um pouco de companhia durante a noite. Viu Renata e tentou levá-la para um passeio em seu carro. Ela lutou com ele, mas ganhou uns poucos socos antes que fosse capaz de afastar-se.

Nikolai amaldiçoou em voz baixa.

—Filho da puta deveria ter sido estripado por colocar uma mão sobre uma mulher indefesa.

—Isso foi o que pensei— disse Jack, mortalmente sério, o soldado protetor uma vez mais.

Se relaxou agachado e retirou uma caixa de madeira polida do arquivo.

—Ensinei uns passos básicos de autodefesa. Ofereci enviá-la a algumas aulas em minha bicicleta, mas é óbvio ela rechaçou. Umas poucas semanas se passaram e ela voltou de novo, ajudando outro menino sem lar. Disse que tinha algo para ela – um presente especial que eu havia feito para ela. Juro por Deus, se tivesse visto sua cara, pensaria que ela preferia disparar pelo caminho que ter que aceitar alguma amabilidade de alguém.

Nikolai não tinha que se esforçar para imaginar esse olhar. O tinha visto uma vez ou duas desde que tinha conhecido Renata.

—Qual foi seu presente para ela?

O velho deu de ombros.

—Não muito, realmente. Tinha um velho jogo de facas que recolhi no Nam. Levei-as ao artesão que trabalhava com metais e pedi para customizar as lâminas. Cada uma das quatro com parte da força que vi em Renata. Disse que eram as qualidades que a faziam única e resolveriam qualquer situação.

—Fé, coragem, honra e sacrifício,— disse Nikolai, recordando as palavras que tinha visto nas facas que Renata parecia entesourar tanto.—Ela contou sobre as facas?

Niko deu de ombros.

—Eu a vi as usando. Significam muito para ela, Jack.

—Não sabia,— respondeu. —Fiquei surpreso que ela as aceitasse de primeira, mas não pensei que seguisse as guardando depois de todo este tempo. Piscou rapidamente, depois se entreteve com a caixa que tinha tirado do arquivo. Abriu a tampa e Niko captou o brilho do escuro metal descansando dentro do estojo. Jack esclareceu sua garganta.

—Escuta, como disse antes, não vou pressionar para que me dê detalhes de que estão envolvidos. Está suficientemente claro que está em um grande apuro. Pode ficar aqui tanto tempo como necessita, e quando estiver preparado para ir, sabe que não tem que ir daqui com as mãos vazias.

Pôs a caixa aberta no chão na sua frente e deu um pequeno empurrão em direção a Nikolai. Dentro havia duas imaculadas pistolas semi automáticas e uma caixa de balas.

—São tuas se quiser, não farei perguntas.

Niko agarrou umas das duas 45 e a inspecionou com olho crítico. Era um bonito e bem cuidado Colt M1911. Provavelmente armas de uso militar de sua época de soldado no Vietnam.

—Obrigado, Jack.

O velho guerreiro humano deu um ligeiro assentimento.

—Tome conta dela. Mantenha-a a salvo.

Nikolai sustentou esse firme olhar.

—Farei.

—Está bem,— Jack murmurou. —Está bem, então.

Enquanto começava a levantar-se, alguém gritou seu nome do caminho de entrada. Um segundo mais tarde, ouviam-se pisadas nas escadas de madeira ao apartamento da garagem.

Niko lançou ao Jack um afiado olhar.

—Alguém sabe que estamos aqui?

—Não. De todo modo, é só Curtis, um de meus meninos recentes. Está arrumando meu velho computador. Os malditos vírus atacaram de novo. Jack se dirigiu para a porta. —Acredita que estou procurando um disco rígido aqui dentro. Desfarei-me dele. Enquanto isso, se pensar em algo mais que possam precisar, só pede.

—Tem um telefone?— perguntou Niko, colocando a pistola junto a sua companheira. Jack colocou a mão em seu bolso dianteiro e tirou um telefone móvel. Jogou para Nikolai.

—Deve ter algumas horas de bateria. É seu.

—Obrigado. —Virei mais tarde. Jack pegou o trinco da porta e Nikolai voltou para as sombras fora do reflexo da luz diurna enquanto fazia um esforço para ficar fora de vista do indesejado visitante que tinha chegado no alto das escadas. —Bem, estava enganado, Curtis. Olhei todos os lugares e não há nenhum disco em nenhuma das caixas daqui de cima.

Niko viu a cabeça do outro humano tentando olhar pelo fio da porta enquanto Jack a fechava firmemente atrás dele. Houve uma multidão de passos enquanto Jack escoltava o outro humano longe.

Uma vez que esteve seguro que se foram, Nikolai marcou um número de acesso remoto que era mantido pelos quartéis centrais da Ordem em Boston. Teclou no móvel do Jack um número e um código que o identificaria para Gideon, então esperaria que devolvesse a chamada.

 

O meio-dia em uma comunidade que albergava um grupo de vampiros era geralmente uma zona morta de inatividade, mas nenhum dos sete guerreiros reunidos na sala de armas dos quartéis centrais da Ordem pareceu notar o tempo, nem sequer os suficientemente bentos para ter suas encantadoras companheiras de Raça esquentando suas camas. Posto que se reagrupavam na comunidade antes do amanhecer, os guerreiros se mantiveram ocupados revisando as situações de missões atuais e marcando objetivos para a noite que se aproximava. Investigando os assuntos da Ordem durante horas e ao final não havia nada novo, mas desta vez não tinha havido nada das habituais conversas de bom humor ou brincadeiras sobre quem estava pegando as melhores missões.

Agora, a uns quantos metros de distância, na zona usada para prática de tiro, um quinteto de pistolas estavam sendo disparadas uma atrás da outra, os olhos do outro lado trituravam minúsculos confetes. A sala de tiro da comunidade era usada mais por entretenimento que por necessidade, posto que todos os guerreiros matavam seus objetivos. Inclusive assim, nunca nenhum deles parava de provar aos outros e chutar traseiros só para manter as coisas vívidas.

Não havia nada disso hoje. Só o firme corredor de todo esse ensurdecedor ruído. O ruído era estranhamente cômodo, só porque ajudava a mascarar o silêncio, e o fato que a comunidade completa estava vibrando com um atual mal-estar. Durante as passadas trinta e seis horas, o comportamento tinha sido mais sóbrio, envolto no coletivo, se não talvez inexpressivo, terror.

Um dos seus tinha desaparecido.

Nikolai sempre tinha tendido a ser algo inconformista, mas não significava que o homem fosse de pouca confiança. Se dizia que ia fazer algo — ou estar em algum lugar — podia contar com ele para seguir adiante. Em qualquer momento, sem exceções.

E agora, quando deveria ter voltado para Montreal fazia um dia e meio como tinha planejado, Niko estava apagado e fora de contato.

Nada bom, pensou Lucan, sentindo que não estava sozinho nessa sensação enquanto olhava os outros guerreiros que também esperavam notícias de Nikolai e os aterrava o que pudesse ter acontecido.

Como Gen um da Raça e fundador da Ordem na Idade Média, Lucan era o líder deste quadro de cavalheiros vampiros da era moderna. Sua palavra era lei nesta comunidade. Em tempos de crise – para melhor ou pior— era sua resposta que estabelecia a voz para os outros guerreiros. Estava bem condicionado a não mostrar preocupação ou dúvida, uma destreza que vinha naturalmente dessa parte que era virtualmente imortal, um poderoso predador que tinha caminhado por esta Terra durante novecentos anos.

Mas a parte que era humana, a parte que tinha chegado a apreciar a vida mais por ter conhecido sua companheira de raça, Gabrielle há um verão—não podia pretender que a perda potencial de um soldado mais nesta guerra privada dentro da nação vampírica seria algo a não ser catastrófico. Sem falar do fato que os guerreiros da Ordem, os que tinham estado com ele desde o começo e os membros mais recentes que se uniram à luta no ultimo ano, tinham chegado a ser uma família para ele. Tanto tinha mudado nesse tempo. Agora havia várias mulheres vivendo na comunidade também, e para um dos guerreiros e sua companheira— Dante e Tess— um bebê à caminho.

As apostas eram mais altas que qualquer outra da Ordem agora, um demônio derrotado só para ver outro, inclusive mais poderoso, elevar-se em seu lugar. Em só um ano, a principal missão dos guerreiros tinha sido caçar um Rogue num esforço para manter a paz, perseguir um perigoso inimigo que tinha estado ocultando-se a plena vista por muitas longas décadas. Um inimigo que tinha estado pacientemente construindo sua estratégia enquanto ocultava um segredo mortal e esperava a oportunidade de levá-lo a cabo. Se tivesse êxito, não estariam só as populações da raça em perigo, mas toda a humanidade também.

Não custou muito a Lucan recordar a selvageria dos Velhos Tempos, quando a noite estava dominada por um monte de criaturas sedentas de outro mundo, criaturas que tratavam em ampla escala de terror e morte. Alimentavam-se como bestas e causavam destruição como os malfeitores mais letais. Lucan havia feito de sua vida a missão de erradicar as bestas, inclusive significasse caçar ao antigo que era seu próprio pai.

A Ordem tinha declarado a guerra, havia brandido espadas e batalhado para exterminar a todos…ou isso acreditavam. A idéia que alguém tivesse sobrevivido pôs um profundo frio nos imortais ossos de Lucan.

Olhou os guerreiros que serviam junto a ele e não pôde evitar sentir algo de sua idade. Não pôde evitar sentir que tinham tido uma prova no ano passado— possivelmente sua primeira e verdadeira prova da formação da Ordem— e o pior estava por vir.

Perdido em escuros pensamentos enquanto perambulava pela parte traseira da sala de armas, Lucan não se deu conta que as portas da zona de treinamento estavam abrindo-se até que Gideon as atravessou a toda pressa. O Chucks do vampiro loiro deslizou sobre o mármore branco até parar em frente a Lucan.

—As costas de Nick estão cobertas — anunciou, visivelmente aliviado. —Seu cartão de identidade veio de um telefone móvel com um intercâmbio de Montreal.

—Já era a tempo— disse Lucan, a má resposta não enganava ninguém de sua preocupação. —Tem-no na linha?

Gideon assentiu.

—Está oculto no laboratório tecnológico. Pensei que queria falar com ele pessoalmente.

—Fez o correto.

O disparo na linha veio com uma abrupta detenção enquanto um dos outros guerreiros, o outro único membro Gen Um da Ordem, Tegan, corria de volta e entregava as notícias do contato de Niko aos cinco homens que disparavam em seus objetivos. Os guerreiros na linha — Dante e Rio, membros há muito tempo; Chase, que tinha deixado a agência da lei para unir-se à Ordem naquele verão; e os dois recrutas mais recentes, Kade e Brock, ambos trazidos pelo Niko — puseram abaixo suas armas e avançaram atrás de Tegan, todos num nó de músculos e severo objetivo.

Rio, um dos guerreiros que era mais desagradável com Nikolai, foi o primeiro a falar. Sua cara cicatrizada estava cheia de preocupação.

—O que aconteceu?

—Só me deu a versão do Reader’s Digest — disse Gideon. —Mas é algo fodido, começando com o assassinato de Sergei Yakut há duas noites.

—Maldito seja— murmurou Brock, arrastando seus escuros dedos por seu estilizado cabelo negro.

—Esta onda de assassinatos de Gen Um nos está saindo das mãos.

—Bom,-acrescentou Gideon, —Isso não é exatamente o pior. Niko foi detido pelo assassinato e levado às Instalações da agência de Imposição.

—Ah, merda— respondeu Kade, seus pálidos olhos chapeados estreitando-se. —Não supõe que ele…

—De maneira nenhuma— disse Dante sem duvidar um segundo. —Duvido que derramasse uma só lágrima por uma escória como Yakut, mas Nikolai não tomaria parte em sua morte.

Gideon agitou sua cabeça.

—Não. E não foi trabalho de um assassino, tampouco. Niko diz que o próprio filho de Yakut trouxe um Renegado para matar seu pai. Infelizmente para Nikolai, o filho de Yakut tem algum tipo de aliança com a agência da lei. Eles arrastaram Niko e o jogaram dentro de uma sala de contenção.

—Que porra?— Desta vez era Sterling Chase quem falava. Sendo um antigo agente ele mesmo, era tão ciente quanto qualquer dos guerreiros na sala de quão desagradável uma visita a essa Agência com Renegados metidos em tanques podia ser.

—Posto que estava o suficientemente consciente para telefonar, assumo que não está mais sendo retido ali.

—Escapou de algum jeito,— disse Gideon, —mas não tenho todos os detalhes ainda. Posso dizer que há uma mulher implicada, uma companheira de raça que era membro da casa de Yakut. Ela está com Niko agora.

Lucan não comentou essa problemática informação de última hora, embora sua sombria expressão provavelmente dizia tudo.

—Onde estão?

—Em alguma parte da cidade— respondeu Gideon. —Niko não está seguro da localização exata, mas diz que estão seguros por agora. Estão preparados para a verdadeira patada?

Lucan arqueou uma sobrancelha.

—Pelo amor de Deu. Há mais?

—Temo que sim. O tipo que lançou o traseiro de Niko na sala de contenção e pessoalmente fiscalizou sua tortura? Aparentemente durante um de seus momentos mais faladores, o filho da puta admitiu uma conexão com Dragos.

 

Nikolai estava no meio de uma conversa no celular quando Renata saiu do banheiro de seu longo e muito necessitado banho. Ela evidentemente dormiu na banheira em algum ponto porque a última coisa que recordava era escutar a voz de Jack na garagem do apartamento depois que Nikolai tinha saído para conhecê-lo, e não havia nenhum sinal dele agora. Deteve-se dentro do quarto, com o cabelo úmido nas pontas e grudando em seu pescoço, seu corpo envolto em uma toalha que Nikolai tinha dado.

Estava aturdida e dolorida, ainda muito quente, mas o banho com água fria tinha sido o que necessitava. O beijo de Nikolai tampouco tinha estado nada mal.

Falando baixo, em um tom confidencial, olhou-a de onde estava sentado a cavalo em uma cadeira dobradiça, perto de uma mesa de jogo no centro da sala, seus olhos azul claro fazendo uma rápida, mas completa exploração da cabeça aos pés de seu corpo. Havia um calor inconfundível nesse breve olhar, mas ele era todo negócios ao telefone com o que só podia assumir que era a Ordem em Boston. Renata escutava como oferecia uma recontagem eficiente da circunstância do assassinato de Yakut, e a clara aliança de Lex com Fabien, o desaparecimento de Mira, e a contida facilidade de escapamento que tinham levado Nikolai e Renata ao refúgio de Jack temporiaramente.

Pelo som deste, o macho do outro lado da linha— Lucan, ela escutou Nikolai chamá-lo assim— estava preocupado por sua segurança e alegre que ambos estivessem inteiros, também não tão contente que estivessem completamente a mercê de um humano. Nem dizer que Lucan estivesse entusiasmado pelo fato que Nikolai estava falando em ajudar Renata a localizar Mira. Ela podia escutar a voz profunda ao final da outra linha grunhindo sobre —problemas de companheiras de raça— e objetivos da missão atual— como se fossem mutuamente exclusivos.

A maldição como resposta quando Nikolai acrescentou que Renata estava se curando de uma ferida de bala era audível através de todo o quarto.

—Ela é forte,— disse, olhando para ela agora, — mas levou um forte golpe em seu ombro e não se vê muito bem. Seria boa idéia que alguém nos recolhesse, e tomasse Renata sob o amparo da Ordem até que tudo se acalme aqui.

Renata olhava com desaprovação e deu uma sacudida de sua cabeça. Grande engano. Inclusive esse pequeno gesto fez que sua visão nadasse, e foi só o que pode fazer antes de cair sobre a cama quando suas pernas faltaram debaixo dela. Deixou-se cair sobre o colchão, lutando contra um círculo vicioso de ondas de calor e frio.

Tentou ocultar sua miséria de Nikolai, mas o olhar que lhe deu disse que não pretendia que continuasse em mal estado.

—Gideon ainda não tem nada de Fabien?— perguntou, levantando-se para passear pelo quarto. Escutou por um minuto, depois exalou um suspiro. —Merda. Não posso dizer que me surpreende. Emprestava a político. Assim tive a sensação que o bode estava bem conectado. Que mais temos?

Renata conteve a respiração no silêncio que se estendeu. Podia ver que as notícias do outro da linha não eram boas.

Nikolai deixou escapar um profundo suspiro e passou a mão pelo cabelo.

—Quanto tempo acredita que Gideon demorará para indagar nos arquivos protegidos e obter seu endereço? Merda, Lucan, não estou seguro que deveríamos esperar tanto tempo, tendo em conta... Sim, ouço. Talvez, enquanto Gideon hackeia isso farei uma visita a Alexei Yakut. Poderia apostar meu ovo esquerdo que Lex sabe onde encontrar Fabien. Diabos, não me cabe dúvida que Lex esteve aí uma vez ou duas. Estaria encantado de tirar a informação, depois enfrentarei Fabien pessoalmente.

Nikolai escutou por um momento antes de grunhir uma maldição em voz baixa.

—Sim, claro, eu sei… por muito que queira fazer pagar a esse filho da puta, tem razão. Não podemos nos arriscar a assustar Fabien antes de ter uma sólida vantagem sobre seus vínculos com Dragos.

Renata olhou a tempo para perceber o olhar sombrio de Nikolai. Ela esperou que acrescentasse que nada era mais importante que garantir a segurança de Mira e rastrear o vampiro que a retinha. Ela esperou, mas essas palavras nunca deixaram seus lábios.

—Sim!,— murmurou. —Me chame quando souber de algo. Vou sair esta noite e fazer um pouco de reconstrução deste lado também. Verei se consigo algo útil. Estarei em contato.

Terminou a chamada e deixou o celular na mesa de cartas. Renata o olhou enquanto se aproximava da cama e se agachava na frente dela.

—Como se sente?

Estendeu sua mão como se fosse checar seu ombro, talvez simplesmente acariciá-la, mas Renata se separou dele. Não podia sentar-se ali e atuar como se estivesse só um pouco confundida e molesta neste momento. Traída, inclusive, ridícula ao ter pensado que pudesse contar com ele em primeiro lugar.

—Ajudou a água fria a baixar à febre?— perguntou, com o cenho franzido. —Ainda está pálida e tremente. Aqui, me deixe dar uma olhada.

—Não necessito sua preocupação,— deixou sair. —E não necessito sua ajuda tampouco. Se esqueça que a pedi. Só… esquece tudo. Eu não gostaria que meus problemas interferissem com nenhum dos objetivos de sua atual missão.

Seu cenho franzido se aprofundou.

—Do que está falando?

—Tenho minhas prioridades, e você claramente tem as suas. Soou como se seu companheiro Lucan tivesse a última palavra.

—Lucan é um de meus irmãos de armas. Além disso é o líder da Ordem, assim sim, ganhou o direito de ter a última palavra quando se trata de assuntos da Ordem. Nikolai ficou de pé, cruzando os braços sobre seu peito. —Algo grande está por vir, Renata. O assassinato de Yakut foi somente uma pequena parte disso, e não foi o primeiro. Houve vários assassinatos de Gen Um que tiveram lugar nos Estados Unidos e no estrangeiro. Alguém esteve matando os mais velhos em silêncio, os membros mais poderosos da Raça.

—Para que?— Olhou-o, curiosa contra sua vontade.

—Não estamos seguros. Entretanto, acreditam que tudo se relaciona a um só indivíduo, a um muito perigoso segunda-geração macho da raça chamado Dragos. A Ordem o tirou de seu esconderijo faz umas semanas, mas conseguiu fugir de nós. Agora está escondido outra vez. O filho da puta esteve mentindo sob nossos narizes. Algo que descubramos e que nos aproxime dele é importante. Tem que ser detido.

—Sergei Yakut matou dúzias de seres humanos só por esporte,— Renata assinalou. —Por que você ou o resto da Ordem não o pararam?

—Até recentemente, nós não sabíamos onde encontrá-lo, muito menos sabíamos de suas atividades extracurriculares. Inclusive se tivéssemos sabido, era um Gen Um, e por muito que o odiemos, a Ordem não teria sido capaz de detê-lo por um monte de merda burocrática em nosso caminho.

Os pensamentos de Renata se obscureceram, voltando para o tempo que tinha vivido sob o controle de Yakut.

—Havia vezes em que Yakut bebia de mim... quando me usava por meu sangue, via algo monstruoso nele. Quero dizer, o que era— o que são todos os de sua espécie. Mas de vez em quando, via em seus olhos e juro que não havia humanidade nele. Tudo o que podia ver em seu olhar era algo verdadeiramente malvado.

—Era Gen Um,— Nikolai disse como se isso explicasse. —Só metade de seus gens são humanos. A outra metade são algo… mais.

—Vampiro,— murmurou ela.

—De outro mundo,— disse Nikolai corrigindo.

Olhou-a enquanto o dizia e Renata teve o brusco impulso de rir. Mas ela não podia, não quando sua expressão era tão grave.

—Lex gosta de gabar-se que ele é filho de um rei conquistador de outro mundo. Sempre supus que era merda. Está-me dizendo que o que disse é realmente certo?

Nikolai zombou.

—Um conquistador, sim, mas um rei, não. Os oito anciões que chegaram faz milhares de anos e pais de filhos com mulheres humanas eram selvagens sedentos de sangue, violadores… criaturas mortais que dizimavam cidades inteiras. A maioria deles foram eliminados pela Ordem na Idade Média. Lucan conduziu a missão contra eles depois que sua mãe foi assassinada pela criatura que o engendrou.

Renata só escutava agora, muito surpreendida para fazer todas as perguntas que formavam redemoinhos em sua cabeça.

—Como resultado,— Nikolai acrescentou, —um dos anciões sobreviveu à guerra da Ordem contra eles. Foi escondido por um de seus filhos— um vampiro Gen Um chamado Dragos. Temos boas razões para acreditar que o Ancião segue vivo hoje e que o último filho sobrevivente de Dragos, seu xará e o bastardo que tentamos deter, só esta esperando uma oportunidade para liberá-lo no mundo.

—Faz dois anos estava segura que os vampiros não existiam realmente. Sergei Yakut me fez mudar de opinião. Me demonstrou que não só existem vampiros, mas sim são mais temíveis e perigosos que qualquer coisa que eu tivesse visto em livros ou filmes. Agora está me dizendo que há ainda algo pior que ele ali fora?

—Não estou tentando te assustar, Renata. Só acredito que deveria saber dos fatos. Todos eles, estou confiando em você com isso.

—Por que?

—Porque quero que entenda,— disse as palavras muito gentil.

Como se estivesse se desculpando com ela de alguma forma.

Renata levantou o queixo, uma frieza parecia ter-se estabelecido em seu peito. —Quer que entenda… o que? Que a vida de uma menina desaparecida não significa nada em comparação a isto?

Amaldiçoou entredentes.

—Não, Renata.

—Está bem. Agora entendo, Nikolai. Não podia manter a amargura de sua voz, nem sequer quando estava lutando por absorver todas as coisas surpreendentes que acabava de ouvir. —Ei, não é grande coisa. Depois de tudo, nunca esteve de acordo comigo em nada e estou acostumada a ser defraudada. A vida fede, verdade? É bom saber onde estamos ambos antes de deixar as coisas irem mais longe.

—O que está acontecendo aqui, Renata?— Olhou para ela, com um olhar muito penetrante, como se pudesse ver através dela. —É realmente sobre Mira? Ou está incomodada pelo que aconteceu entre nós?

Nós. A palavra cravada em seu cérebro como um objeto estranho. Sentia-se tão desconhecido, tão perigoso. Muito íntimo. Nunca tinha havido um —nós— para Renata. Sempre tinha dependido somente dela, sem pedir nada a ninguém. Era mais seguro dessa forma. Mais seguro agora também.

Tinha quebrado sua própria regra quando foi atrás de Nikolai para pedir ajuda e procurar Mira. Olhe ao que a tinha levado: uma ferida de bala infectada, tempo crucial perdido, e nem um passo perto de encontrar Mira. De fato, agora com sua cumplicidade na fuga de Nikolai da custódia de Fabien, ela ficou com muito poucas esperanças de aproximar-se dos vampiros que a tinham. Se Mira estava em perigo antes, Renata talvez houvesse feito as coisas piores para a menina.

—Tenho que sair daqui,— disse inexpressiva. —Já perdi muito tempo. Não poderia suportar se algo acontecesse com essa menina por minha culpa.

Preocupação e frustração a fizeram levantar-se da cama. Ficou de pé— muito rápido.

Antes que pudesse se afastar dois passos de Nikolai, seus joelhos dobraram. Sua visão se obscureceu por um segundo e de repente estava caindo para a frente. Sentiu uns braços fortes a sustentando, a voz tranqüila de Nikolai junto ao seu ouvido enquanto a agarrava e a levantava sobre a cama.

—Deixa de lutar, Renata,— disse ele, enquanto saía de sua debilidade e piscava. Posicionado sobre ela, percorreu com a ponta de seus dedos o lado de seu rosto. Tão terno, relaxado. —Não precisa correr. Não precisa brigar… não comigo. Está a salvo comigo, Renata.

Queria fechar seus olhos e guardar suas gentis palavras. Estava tão assustada para acreditar, para confiar. E se sentia tão culpada por aceitar sua comodidade sabendo que uma menina poderia estar sofrendo, provavelmente chorando por ela na escuridão e perguntando-se por que Renata tinha quebrado sua promessa.

—Mira é tudo que me importa,— sussurrou. —Preciso saber que está a salvo, e que sempre estará.

Nikolai deu um assentimento solene.

—Sei o muito que ela significa para você. E sei o quanto é difícil para você pedir ajuda a alguém. Jesus Cristo, Renata... conscientemente arriscou sua vida para me tirar da instalação de encarceramento. Nunca serei capaz de pagar o que fez.

Voltou a cabeça sobre o travesseiro, incapaz de suportar seu penetrante olhar.

—Não se preocupe, não está obrigado a nada comigo. Não me deve nada, Nikolai.

Dedos quentes deslizaram ao longo de sua mandíbula. Tomou seu queixo na palma de sua mão e gentilmente guiou seu rosto de novo para ele.

—Devo minha vida. De onde venho, isso não é uma coisa pequena.

A respiração de Renata se deteve enquanto o olhava nos olhos. Odiava-se pela esperança que acendia seu coração, a esperança que ela não estava realmente só neste momento. Esperança que este guerreiro lhe asseguraria que tudo sairia bem, e que não importava que monstro tivesse Mira, encontrariam-na, e que ela estaria bem.

—Não deixarei que aconteça nada a Mira,— disse, forçando-a a sustentar seu olhar. —Tem minha palavra nisso. Não vou deixar que nada aconteça com você tampouco, pelo que vou buscar ajuda médica assim que escureça.

—O que?— Ela tentou levantar e fez uma careta pela pontada de dor. —Ficarei bem. Não necessito um médico.

—Não está bem, Renata. Fica pior a cada hora. Sua expressão era grave enquanto via a ferida aguda em seu ombro e voltava a seus olhos. —Não pode continuar assim.

—Sobreviverei,— insistiu. —Não me darei por vencida agora, quando a vida de Mira está em jogo.

—Sua vida também está em jogo. Entende?— Sacudiu sua cabeça e murmurou algo escuro e desagradável baixo. —Poderia morrer se essa ferida não for tratada. Não deixarei que isso aconteça, isso significa que tem um encontro com a sala de emergência mais próxima esta noite.

—O que tem o sangue?— Ela viu como cada músculo no corpo de Nikolai se esticava no momento em que as palavras deixaram seus lábios.

—Que tem isso?— perguntou, sua voz neutra, ilegível.

—Perguntou-me se alguma vez tinha tomado o sangue de Sergei. Estaria sanada agora se o tivesse feito.

Levantou os ombros num gesto vago, mas a tensão em seu grande corpo permanecia. Quando levantou seu olhar para ela, havia brilhos de fogo âmbar no azul invernal de sua íris. Suas pupilas se estreitaram quando ele a olhou.

—Estaria curada agora se tivesse me dado seu sangue, Nikolai?

—Está pedindo isso?

—Se estivesse, me daria?

Ele exalou entrecortadamente, e quando seus lábios se separaram para tomar outro fôlego, Renata viu as pontas afiadas de suas presas.

—Não é uma pergunta simples como talvez pense,— replicou, um tom áspero em sua voz. —Estaria ligada a mim. Da mesma maneira que Yakut estava ligado a você através de seu sangue, estará ligada a mim. Me sentirá em seu sangue. Será consciente de mim sempre, e não pode ser desfeito, Renata – mesmo se beber da veia de outro macho da Raça. Nossos laços estarão acima de qualquer outro. Não pode ser destruído, não até que um dos dois esteja morto.

Isto não era uma coisa pequena; ela entendia isso. Diabos, ela dificilmente acreditava que pudesse estar considerando tudo isso. Mas muito dentro, louca como pudesse estar, confiava em Nikolai. E realmente não importava o custo para ela.

—Se fizermos isto, serei capaz de sair caminhado esta noite e procurar Mira?

Sua mandíbula se apertou o suficiente para que um músculo de sua bochecha ficasse tirante. A olhou, seus rasgos mais selvagens no momento. Pouco a pouco, o azul de seus olhos foi envolto pelo resplendor do fogo.

Quando parecia que não ia responder, Renata estendeu sua mão e a pôs firmemente sobre seu braço.

—Seu sangue me curaria, Nikolai?

—Sim,— disse ele , a palavra saiu presa em sua garganta.

—Então quero fazê-lo.

Enquanto sustentava seu olhar em um silêncio intenso, pensou em todas as vezes que Sergei Yakut se alimentou de suas veias, tão degradada e usada se sentia… se revolvia pela idéia que tinha alimentado alguém tão cruel, um ser monstruoso. Nunca tinha considerado tomar alguma parte para dentro dela, nem sequer quando se tratou de sua própria sobrevivência. Isso teria matado uma parte de sua alma ao pôr por sua vontade sua boca no corpo de Yakut. Para beber dele? Nem sequer estava segura que seu amor por Mira pudesse superar algo tão vil como isso.

Mas Nikolai não era um monstro. Era honorável e justo. Era terno e protetor, um homem que se sentia mais e mais um companheiro para ela nesta viagem incerta. Era seu melhor aliado agora mesmo. Sua maior esperança para recuperar Mira.

E mais profundamente ainda, em um lugar como toda mulher com necessidades e desejos que ela não se atrevia a examinar muito de perto, desejava saborear Nikolai. Desejava-o mais do que tinha direito.

—Está segura, Renata?

—Se me der seu sangue, então sim,— disse. —Quero tomá-lo.

Um longo silêncio se seguiu, então Nikolai voltou-se para ela na cama. Ela viu como desabotoava a grande camisa, esperando por ela com incerteza— sua apreensão piorando. Isso não passou. Enquanto Nikolai tirava a camisa e se sentava diante dela— com o torso nu, seus dermoglifos pulsando, cada arco e curva saturados com variedade de sombras em cores vermelha escura, não se sentia preocupada. Quando se arrastou para ela e levou seu braço direito a sua boca, mostrando as enormes presas, então os afundou em seu pulso, não sentia nem sequer um pouco de temor.

E quando, nesse momento, pôs seus pontos sangrentos junto aos seus lábios e disse que bebesse, não tinha nenhuma inclinação por rechaçá-lo.

A primeira prova do sangue de Nikolai em sua língua foi um choque.

Ela esperava ser arrastada pelo amargo sabor cobre, mas em seu lugar provou especiarias e um poder que se pulverizou através dela como eletricidade líquida. Podia sentir seu sangue descendo por sua garganta, por cada fibra de seu corpo. Luz se filtrava em seus membros por dentro, e a dor de seu ombro ferido se reduziu enquanto obtinha mais de Nikolai sanando suas forças por dentro.

—Isso,— ele murmurou, seus dedos acariciando seu cabelo úmido tirando-o de sua bochecha. —Ah, Cristo, isso, Renata… bebe até que sinta que é suficiente.

Sugou forte e comprido de sua veia, com um instinto que nunca soube que tinha. Sentia-se bem ao beber de Nikolai assim. Sentia-se mais que bem… se sentia incrível. Quanto mais tirava dele, mais viva se sentia. Cada terminação nervosa piscou como se um interruptor tivesse sido posto em seu centro.

E enquanto continuava acariciando-a, alimentando-a e sanando-a, Renata começou a sentir uma nova sensação de calor crescendo rapidamente em seu interior. Gemeu, arrastada por uma onda de lava fundida que atravessava sobre ela. Retorcia-se, e sabia sem nenhum engano que isto era… desejo. Um desejo que tinha tentado negar desde que conheceu Nikolai, e que agora aumentava querendo consumi-la.

Não podia resistir para sugar mais forte.

Necessitava mais dele.

Necessitava tudo dele, e necessitava agora.

 

Nikolai se apoiou sobre a beira da cama, pondo sua mão livre sobre a coberta e mantendo-a ali como uma linha atada enquanto Renata continuava alimentando-se.

Ela bebeu dele como todo o resto: com intrépida força e feroz convenção. Sem nenhuma ansiedade próxima em seus olhos verdes-claros, nem incerteza em seu firme aperto em seu braço. E cada puxão de sua boca em sua veia aberta, cada sugada de sua língua através de sua pele, forçando-o a algo mais que alguma vez tenha sentido antes.

De todas as coisas que pôs em sua mente, Renata era uma força a ter em conta. Ela era diferente de qualquer mulher que Niko tivesse conhecido — em muitos sentidos uma guerreira como qualquer macho de Raça que tinham servido junto a ele na Ordem. Ela tinha o coração de um guerreiro e a honra de um guerreiro, e uma determinação inquebrável que exigia seu total respeito. Renata havia salvo sua vida, e por isso lhe devia. Mas inferno santo… o que estava passando entre eles aqui não tinha nada a ver com o dever ou obrigação.

Estava começando a preocupar-se por ela – mais do que queria admitir, inclusive a si mesmo.

A queria também. Cristo, era totalmente certo, sua necessidade se fez até pior pela erótica sucção de sua boca enquanto permanecia em sua veia, seu esbelto corpo ondulando-se em reação ardente ao seu sangue de outro mundo, alimentando suas células inexperientes.

Renata gemeu, um ronrono profundo de excitação enquanto se movia mais perto dele no colchão, cada movimento de roce de seu corpo afrouxava a toalha que a cobria. Ela não parecia notá-lo, ou preocupar-se absolutamente por que o olhar âmbar de Nikolai estava viajando detalhadamente pela quase nudez dela. Sua ferida no ombro se via muito melhor já. O inchaço e o enrijecimento se desvaneciam, e a cor muito mais pálida que o resto de sua pele parecia mais saudável por minuto. Renata estava cada vez mais forte, mais vibrante e exigente, uma febre sendo substituída por outra.

Provavelmente deveria haver dito que além de sua nutrição e propriedades curativas, o sangue de Raça era também um potente afrodisíaco. Supôs que poderia dirigir algo que pudesse passar, mas maldição… nada poderia havê-lo preparado para a resposta ardente de Renata.

Avançando lentamente contra ele agora, ainda sugando, se aproximou com uma mão e liberou seu punho apertado na enredada coberta. Dirigiu seus dedos por baixo das dobras da toalha de banho para seus seios. Não podia resistir a passar a ponta de seus dedos sobre um dos firmes mamilos, e logo o outro. Sua respiração se acelerou enquanto acariciava sua calorosa e tenra pele, a forte vibração do batimento de seu coração contra sua mão enquanto impacientemente ela o dirigia a baixar… sobre o suave plano de seu abdômen à sedosa junta de suas coxas.

Ela estava encharcada e quente, a fenda de seu sexo como cetim, e molhado enquanto deslizava um dedo dentro de seu centro. Ela apertou suas pernas ao seu redor, mantendo-o ali como se ele tivesse algum pensamento de sair. Tomou outra sucção de seu pulso, o puxão tão profundo que ele sentiu todo o caminho até seu saco. Apertando seus olhos até fechá-los, deixou cair sua cabeça para trás e soltou um lento e mudo gemido, os tendões em seu pescoço se esticaram como cabos. Seu membro estava como uma rocha e pedindo atenção entre suas pernas. Outro minuto desta tortura e ia gozar ali mesmo em suas calças esportivas emprestadas.

—Ah, Caralho!— grunhiu ele, afastando sua mão da doce tentação de seu excitado corpo. Lentamente subiu seu queixo para olhá-la. Quando suas pálpebras se levantaram, o calor de sua íris transformadas banhava Renata em um ardente resplendor brilhante. Estava gloriosamente nua, sentada diante dele como uma escura deusa, seus lábios sujeitos a seu pulso, seus olhos claros obscurecendo-se enquanto ela o olhava fixamente, sem vergonha.—Não mais,— murmurou ele, sua voz rouca, as palavras espessas pela presença de suas presas. Faltava-lhe a respiração, cada terminação nervosa eletrizada. —Temos que parar… Jesus Cristo.. Será melhor que paremos agora.

Ela gemeu em sinal de protesto, mas muito brandamente, Nikolai retirou seu pulso do aperto e do sustento de Renata e levou suas duas espetadas a seus lábios. Uma passada de sua língua pelas feridas e as selou.

Com os olhos extasiados e famintos, ela o viu lamber o lugar onde sua boca tinha estado, sua própria língua saiu precipitadamente para lamber seus lábios.

—Que está acontecendo?— perguntou ela, passando as mãos sobre seus peitos, sua coluna vertebral estirando-se e arqueando-se com graça felina. —Que me…. Fez? Deus meu… estou queimando.

—É o vinculo de sangue,— disse ele, apenas capaz de formar uma oração completa pela maneira que seus sentidos estavam palpitando pela consciência – e necessidade – desta mulher.

—Deveria ter te advertido… sinto.

Começou a afastar-se mas ela agarrou sua mão e a sustentou. Dando uma sacudida quase imperceptível a sua cabeça. Seu peito subiu e baixou com cada bombeamento de seus pulmões, e as pesadas pálpebras que ela fixou não pareciam ofendidas. Sabendo que não deveria tomar vantagem da situação, Nikolai se aproximou e acariciou o rosado rubor que enchia sua bochecha.

Renata gemeu enquanto seu toque se prolongava, girando sua cabeça na palma de sua mão.

—É….É sempre assim quando deixa uma mulher beber de você?—

Sacudiu a cabeça.

—Não sei. É a primeira.

Ela o olhou fixamente, com o pequeno cenho franzido na testa. Podia ver o registro de surpresa atrás da luxúria induzida pelo sangue que encheu seu olhar. Um silencioso lamento deslizou de seus lábios e logo ela estava movendo-se para ele sem nenhuma vacilação, suas mãos chegaram para emoldurar seu rosto.

Beijou-o, longo, forte e profundamente.

—Me toque, Nikolai,— murmurou contra sua boca.

Era tanto uma exigência como uma urgente pressão de seus lábios contra os seus, sua língua passou pressionando seus dentes. Niko passou suas mãos por sua pele nua, encontrando seu beijo empurrão com empurrão, seu corpo tão faminto como o dela estava, e não poderia culpar sua feroz necessidade em resposta natural da união de sangue. Sua fome por Renata era algo mais, embora extremamente consumidora.

Gananciosamente chegou de novo ao refúgio de seu sexo. Desta vez não podia limitar-se a tocá-la, não quando seu aroma estava embriagando-o tanto como a febril seda de seu centro estava voltando-o louco. Acariciou-lhe suas molhadas dobras, penetrando-as com seus dedos e separando sua abertura para ele como uma flor. Ela se arqueou ao encontrá-lo enquanto a penetrava com um dedo primeiro, logo outro. Enchendo-a, deleitando-se na firme pressão de seu corpo, os sutis movimentos ondeantes de seus músculos internos enquanto ele a acariciava e a levava ao clímax.

Estava tão absorto em seu prazer que mal notou que suas mãos estava movendo-se até que sentiu que ela puxava o cordão de suas calças. Vaiou quando ela a deslizou abaixo da cintura e encontrou seu rígido membro. Acariciou a cabeça dele, percorrendo seus dedos com a gota úmida de fluido, e logo torturando-o com um movimento lento e constante de sua mão ao longo de seu eixo.

—Deseja-me também,— disse ela, não era exatamente uma pergunta quando a resposta estava transbordando em sua mão.

—OH, sim,— Niko respondeu de todo modo. —Ao demônio que sim… te desejo, Renata.

Ela sorriu faminta e o empurrou de costas sobre a cama. Tirou lentamente suas calças deslizando-as de seus quadris, mas só a fizeram até chegar seus joelhos. Com sua grossa ereção sobressaindo como um orgulhoso soldado, Nikolai olhou cativado como Renata subiu e o montou. Sabia muito bem que não esperava qualquer momento de acanhamento ou vacilação. Era intrépida e incansável, e ele nunca havia sido mais feliz em sua vida. Seus olhos pousaram fixamente sobre os seus, Renata desceu por seu membro em um longo e lento deslize.

Bom Cristo, ela era incrível sobre ele. Tão quente e apertada, tão malditamente molhada.

Disse a si mesmo que era só a reação do vinculo de sangue que a fazia tão pouco resistente sexualmente, que teria reagido da mesma maneira com qualquer macho de Raça que a alimentasse. Que era só uma reação física, como o fogo ardendo se mantém muito perto a uma chama. Sua consciência dele neste momento estava provavelmente em seu subconsciente — ela tinha uma coceira e ele era o arranhão que ela necessitava, simples e sinceramente. Bem por ele, não precisava converter-se em algo mais complicado, e não era o bastante idiota para querer que o fosse. O sexo entre eles neste momento não era algo pessoal, e Niko disse a si mesmo que estava bem assim.

Disse-se um monte de coisas de merda enquanto punha sua cabeça para trás com um gemido e deixava que Renata tomasse tudo que necessitava dele.

 

Renata jamais havia se sentido mais viva. O sangue de Nikolai era fogo em seus sentidos, cada matiz do momento a sacudia com a vivida consciência. A ferida em seu ombro não doía agora, sua necessidade pelo Nikolai era tudo que sabia.

Ele sustentava seus quadris enquanto ela se fundia em seu sexo, sua mente perdida de tudo, mas o calor dele enchendo-a, a beleza masculina de seu grande corpo movendo-se em igual ritmo debaixo dela. Através da inundada névoa de seu desejo, admirou os músculos entrelaçados de seus braços e peito, uma sinfonia de força, flexionando-se e contraindo-se, o poder até mais surpreendente das artísticas cores e os modelos de seus dermoglifos mutantes.

Inclusive suas presas, que por certo deveria tê-la aterrorizado, tomava uma letal beleza agora. As afiadas pontas brilhavam com cada fôlego entrecortado que se arrastava através de seus dentes. O sangue que havia tirado dele deve tê-la posto um pouco louca, porque alguma remota parte dela queria que suas letais presas pousassem e penetrassem seu pescoço. Perfurando sua carne enquanto ela o montava.

Ainda podia saborear seu sangue em sua língua, doce, selvagem e sombrio, um zumbido elétrico se estendeu através dela e a acendeu desde seu centro. Ansiava mais desse poder, mais dele…

Tudo dele.

Afundou seus dedos em seus grossos bíceps e foi mais profundo, mais forte, seguindo essa perigosa necessidade que seu sangue havia desatado nela. Ele tomou cada impulso desesperado de seus quadris, sustentando-a firme enquanto o estalo do orgasmo se fechou de repente nela. Gritou enquanto o prazer se apoderava dela, um grito de liberação que não poderia ter contido inclusive se sua vida dependesse disso. A intensidade era muita para suportar. Tremia, impressionada pela força de sua paixão – uma paixão que havia estado atemorizada em sentir por muito tempo.

Não sentia medo de Nikolai.

Ela o desejava.

Confiava nele.

—Está bem?— perguntou a ela, um pouco mais que um grunhido enquanto seguia balançando-se com ela. —Sente alguma dor agora?

Ela negou com sua cabeça, incapaz de falar quando cada terminação nervosa em seu corpo estava tensa de necessidade e vibrando pela sensação.

—Bom,— murmurou ele, e escorregou sua mão ao redor da parte posterior de seu pescoço para a puxar para um beijo. Sua boca estava quente sobre a sua, suas presas roçando seus lábios e língua. Se sentia tão bem…. Tinha um gosto tão bom.

O fogo que havia diminuído um pouco com sua liberação se acendeu de novo a uma furiosa vida. Gemeu enquanto a necessidade se iniciou de novo, movendo seus quadris ao mesmo tempo que a fome pulsava em seu centro. Nikolai não a deixou esperar muito tempo, balançou-se junto dela, incrementando seu ritmo até que gozou de novo, flutuando à deriva depois de uma onda de prazer. Logo ele se fez cargo por completo, enchendo-a e retirando-se, cada movimento aparentemente tocando mais profundo algum lugar dentro dela, e mais profundo. Chegou ao clímax com um grito rouco, sua coluna arqueando-se debaixo dela, sua pélvis enchendo-a com a força de sua liberação. O clímax de Renata se uniu um momento depois, uma prolongada desintegração que a deixou tremendo e suando em seus braços.

E ainda queria mais.

Ela queria mais, inclusive depois do seguinte orgasmo e do seguinte. Inclusive depois que ela e Nikolai, os dois estavam suando e esgotados, ela ansiava ainda mais.

 

Edgar Fabien sentia seis pares de ardilosos olhos sobre ele enquanto seu secretário sussurrava uma urgente mensagem em seu ouvido. Uma interrupção a esta hora – em meio de tal importante companhia como aqueles especiais dignitários convidados de Raça que tinham chegado a Montreal dos Estados Unidos e do estrangeiro – virtualmente gritando más noticias. E eram, embora Fabien não permitia tal indicação no exterior.

Os machos congregados em privado tinham estado avaliando um ao outro quando tinham chegado um por um esta noite, todos convocados à residência do Refúgio Escuro de Fabien à espera do transporte para uma reunião exclusiva em outro lugar. Para conservar seu anonimato, o grupo havia sido instruído para ficar com capuzes negros todo o tempo. Tinha sido proibido fazer perguntas pessoais uns aos outros, ou discutir seus problemas pessoais com o macho de Raça que havia organizado esta reunião e estabelecido os termos de sua assistência encoberta. Dragos havia deixado claro que sempre estaria procurando alguma debilidade, ou a mínima razão para julgar Fabien ou seus outros latifundiários parados nesta indigna habitação do glorioso futuro que ele estava planejando revelar nesta reunião formal.

Enquanto o secretário sussurrava o resto de sua mensagem, Fabien se alegrava por que aquele capuz escuro ocultava sua reação dos outros. Manteve sua postura relaxada, cada músculo solto e a vontade, enquanto informava que um de seus capangas da cidade estava esperando lá fora com inesperadas, mas criticas notícias que não podiam ser atrasadas. Notícias a respeito de um macho de Raça e uma mulher ferida em sua companhia, que, pela descrição poderia ser nada mais que o casal que havia escapado das instalações de contenção.

—Desculpem-me?— disse Fabien, seu sorriso firme sob sua fachada. —Mas tenho um pequeno problema a atender lá fora. Retornarei em um momento.

Umas poucas cabeças se inclinaram enquanto Fabien girava para sair da sala. Uma vez que a porta da sala de recepção esteve fechada e ele e seu secretário tinham caminhado vários metros pelo comprido corredor, Fabien tirou seu capuz.

—Onde está?

—Esperando no vestíbulo principal, senhor.

Fabien se dirigiu naquela direção, retorcendo o capuz negro em suas mãos. Quando chegou à porta, seu secretário se apressou adiante para mantê-la aberta para ele. O capanga estava apoiado contra a parede, absorto em mordiscar suas unhas rapidamente, seu desalinhado cabelo muito comprido caindo sobre seus olhos. Quando elevou a vista e viu seu Amo entrar, o repugnante e preguiçoso humano foi substituído por um sabujo impaciente por agradar.

—Trouxe algumas notícias para você, Amo.

Fabien grunhiu.

—Isso ouvi. Fala, Curtis. Me diga o que viu.

O Minion explicou que mais cedo no dia havia ido fazer algumas perguntas a seu empregador humano – um operador de abrigos de ruas que contratou Curtis para trabalhar em seus computadores – e inesperadamente descobriu que o vampiro guerreiro estava escondido no apartamento em cima de uma garagem. Curtis não havia sido capaz de aproximar-se para olhar, mas havia chegado o bastante perto para dizer que o enorme macho era de Raça. Não foi até recentemente que havia confirmado suas suspeitas. Aparentemente o guerreio e a mulher que estava com ele, tinham chegado a estar bastante amistosos. O casal estava muito ocupado na cama para notar quando Curtis saiu furtivamente pela parte detrás da garagem e os espiou juntos através da janela.

O capanga havia conseguido uma olhada, e foi capaz de proporcionar uma muito detalhada descrição física dos dois, o guerreiro Nikolai e a Companheira de Raça Renata.

—Está seguro que nenhum deles é consciente que estava ali?— Perguntou Fabien.

O Minion riu entredentes.

—Não, Amo. Confie em mim, não estavam prestando atenção em nada que não fossem eles.

Fabien assentiu e olhou seu relógio. Estaria entardecendo dentro de uma hora. Já havia atribuído uma equipe de Agentes de Execução encabeçados a dirigir outra tarefa de limpeza esta noite. Talvez devesse enviar uma segunda unidade para a cidade com Curtis. Bastante mau era que o guerreiro tivesse conseguido escapar dele nas instalações de contenção. A notícia não havia caído bem quando Fabien informou Dragos do problema, mas a mancada seria amortecida se pudesse assegurar que o guerreiro fosse capturado – rápido e permanentemente.

Sim, pensou Fabien, enquanto colocava a mão no bolso de sua jaqueta para pegar o celular e marcou à Agência de Execução os informando. Esta noite limparia o quadro-negro de alguns recentes erros, e quando se apresentasse a Dragos na reunião, faria-o levando boas notícias e um pequeno e encantador presente que seu novo comandante por certo desfrutaria.

 

--Você acredita que ele a machucará?— a voz de Renata era tranqüila, rompendo o silêncio prolongado no úmido apartamento. Ela estava sentada de frente a Nikolai na mesa de jogo, usava uma extra-camiseta cinza e suas próprias calças jeans, que lavou e secou mais cedo, por cortesia de Jack. Sua ferida no ombro estava muito melhor, e cada vez que Niko perguntava, ela insistia que não sentia muita dor. Deu-se conta que seu sangue a manteria umas poucas horas no mínimo. Tinham estado fora da cama durante um tempo, ambos se banharam e vestiram, evitando cuidadosamente tudo que tinha ocorrido entre eles hoje.

Em troca Nikolai se manteve ocupado na limpeza de sua metralhadora de 45s, enquanto ele e Renata faziam planos para seu breve retorno ao alojamento de Yakut, embora Niko duvidasse que Lex contasse algo sobre sua aliança com Edgar Fabien, mas tinha o pressentimento que algumas técnicas estratégicas afrouxariam a língua do bastardo.

Assim esperava, já que sem uma sólida vantagem sobre a localização do líder do DarkHaven, as probabilidades de achar Mira ilesa das retorcidas propensões de Fabien diminuíam a cada segundo.

--Pensa que vai lhe fazer algo?

Niko virou e viu o pânico nos olhos de Renata.

--Fabien não é um bom homem... francamente não sei quais são suas intenções com ela.

Ela dirigiu seu olhar para baixo, suas magras sobrancelhas estavam unidas franzindo o cenho.

—Não me disse tudo que seus amigos de Boston descobriram sobre ele.

Merda. Ele deveria saber que Renata perguntaria sobre isto. Ele deliberadamente tinha passado por alto sobre o pior que Gideon havia dito sobre ele, os detalhes sórdidos que não os ajudariam a localizar Mira e só fariam que Renata se preocupasse mais. Mas ele a respeitava muito para mentir.

—Não, eu não disse tudo—, admitiu. —Realmente quer saber tudo sobre ele?

—Acredito que preciso saber—. Ela o olhou fixo de novo, seus pálidos olhos verdes sóbrios, tão firmes quanto um guerreiro pronto para a batalha.

—O que averiguou a Ordem sobre ele?

—É a segunda geração da raça, facilmente tem várias centenas de anos,— disse, Niko, começando com o menor dos delitos de Fabien.

—É o líder do Darkhaven de Montreal pelo último século e meio, e também agora deseja chegar aos laços das zonas altas da Agência de Execução, o que significa que está politicamente conectado também—. Renata zombou em voz baixa. —Isso é um currículum vitae, Nikolai. Sabe o que estou perguntando. Fale diretamente.

— Muito bem.—Ele assentiu com a cabeça, sem ocultar a admiração. De sua preocupação. —Apesar que tem um monte de amigos em lugares altos, Edgar Fabien não é o que poderíamos chamar um cidadão modelo, ao que parece tem um monte de perversões, que o fazem um doente, causando problemas ao longo dos anos.

— Perversões, - disse Renata, quase cuspindo a palavra.

—Seus gostos tendem a correr pelo lado sádico, e ele... bom, ele é conhecido por desfrutar da companhia de crianças de vez em quando. Especialmente garotas, em particular jovens.

—Jesus Cristo, — Renata exclamou com o fôlego apertado. Ela fechou seus olhos e desviou seu rosto, tudo nela quieto. Quando finalmente olhou para Niko, havia um brilho assassino em seus olhos verdes jade o observando sem piscar. —Vou matá-lo. Juro isso, Nikolai. Matarei-o se fez algo a ela.

—Vamos por ele—, lhe assegurou. —Vamos encontrá-lo, e recuperar Mira.

—Não posso decepcioná-la, Nikolai.

— Não!, — ele disse, cobrindo com sua mão a dela, --Não vamos falhar! Entendido? Estou com você nisto. Não vamos lhe dar as costas.— A olhou em silêncio durante um longo momento. Então, muito lentamente, girou sua mão sobre seus dedos vinculados nele.

—Ela vai estar segura... verdade? — havia um traço de incerteza, era uma das primeiras vezes que o tinha ouvido em sua voz. Ele queria apagar essas dúvidas para ela, e a preocupação, mas tudo que podia oferecer era sua promessa.

—Vamos trazê-la de volta, Renata. Tem minha palavra nisso.

—Muito bem—, disse. Logo, mais resolutamente: —Bom, Nikolai. Obrigado.

—Você realmente deve saber algo, sabe o que?— Ela começou a sacudir a cabeça em negação, mas Niko lhe deu à mão um aperto agradável, mantendo seu centro. —Você é forte, Renata. Mais forte que acredita. Mira tem sorte de te ter ao seu lado. Demônios, e eu também.

Sua risada como resposta estava débil e ligeiramente triste.

—Espero que tenha razão.

—Eu nunca erro,— disse ele, sorrindo abertamente para ela e mal resistindo ao impulso de inclinar-se através da pequena mesa e beijá-la. Mas isto só conduziria a uma coisa - algo que sua libido já imaginava em detalhes explícitos.

—Assim, quanto tempo ainda vai acariciar suas armas antes de eu poder dar uma olhada? Niko se recostou na cadeira dobrável de metal e riu.

—Escolha a sua. Está segura que sabe como usar—Não teve a oportunidade de terminar o pensamento. Quando Renata estendeu a mão à pistola mais próxima e a um carregador cheio de balas. Tinha a arma carregada, fechada, e pronta para ação em menos de três segundos. Niko nunca tinha visto algo mais sexy em toda sua vida.

—Impressionante—. Pôs a pistola sobre a mesa e arqueou uma de suas finas sobrancelhas.

—Quer ajudar com a sua também?— pôs-se a rir, mas engoliu o som antes que saísse de sua boca. Não estavam sozinhos. Renata seguiu seu olhar para cima, onde Nikolai poderia jurar que escutou um ruído surdo. Voltou-se, então um pequeno rangido no teto da garagem.

—Temos companhia—, sussurrou para ela. Renata lhe deu uma inclinação de cabeça, levantando-se de sua cadeira. Deslizou a 45s para ele através da mesa e se moveu em silêncio rápida e eficazmente para carregar outra. Apenas Nikolai pegou a arma quando a porta do apartamento da garagem explodiu para dentro, partindo suas dobradiças. Um vampiro enorme num SWAT negro da Agência de Controle precipitou-se no interior, a mira do laser de seu fuzil automático silencioso apontado para Renata. —Filho da puta!— Niko gritou. —Renata, dispare!— Por um segundo horrível, ela não se moveu. Nikolai pensou que se congelou em estado de choque, mas logo o agente deixou escapar um grito de dor deixando cair sua arma para aferrar-se às têmporas. Caiu de joelhos, mas tinha mais dois homens armados bem atrás dele. Saltaram por cima do obstáculo gritando e abrindo fogo no pequeno espaço.

Renata se jogou atrás de um dos arquivos metálicos, disparando contra o agente na cabeça. Niko dirigiu seu tiro ao segundo recém-chegado mas seu tiro foi selvagem contra a pequena janela acima da cama e outro Agente de Execução entrou na luta, armado até os dentes.

—Nikolai, atrás de você!— Renata chamou.

Ela golpeou o último chegado com uma rajada debilitante do poder de sua mente, e o bastardo caiu no chão, retorcendo e convulsionando antes que Niko acertasse uns golpes na cabeça dele. Renata mutilou um dos outros com um tiro no joelho, logo o tirou completamente com uma bala entre os olhos. Nikolai matou o outro, e compreendeu tarde que tinha perdido completamente de vista o primeiro macho que tinha atravessado a porta.

O filho da cadela choramingava quando Renata o tinha deixado cair. O horror de Niko, foi enorme quando viu que o vampiro tinha Renata em suas mãos, levantando-a da terra e lançando-a na parede mais próxima. A força do macho de Raça era imensa, como todos os de sua raça. Renata se estrelou contra a superfície sólida, logo caiu com força no chão. Deixando-a imóvel, obviamente muito aturdida para tomar represálias. O rugido de Nikolai de fúria agitou a mesa débil e as cadeiras. Sua visão foi nuclear com a inundação repentina de âmbar em seus olhos, e suas presas perfuraram com força suas gengivas, as estirando longas e agudas em sua cólera.

Ele saltou sobre o outro vampiro por trás, agarrando sua cabeça em suas mãos e torcendo-a ferozmente. O terrível rangido de osso e tendões desfibrados não foram suficientes para ele. Quando o Agente sem vida caiu, Niko deu chutes em seu corpo afastando-o de Renata e estalou seu crânio com chumbo.

—Renata—, disse, agachando-se diante dela e tirando suas armas. —Pode me ouvir? Está bem?

Ela gemeu, mas acenou com a cabeça tremula. Seus olhos abertos, logo se ampliaram quando olhou fixamente por cima dele a entrada arruinada. Niko balançou sua cabeça ao redor e fixou o olhar num macho humano que tinha visto uma vez antes - o humano que tinha tentado conseguir um olhar em Nikolai quando Jack tinha passado no apartamento essa manhã. Jack o tinha chamado Curtis, disse que o menino fazia algum trabalho para ele na casa. Quando Niko examinou aquela cara impassível que não mostrava nenhuma reação aos olhos acesos de Niko e suas presas à mostra, ele sabia o que via agora...

—Minion,— grunhiu. Ele liberou Renata com cuidado colocando-a em pé.—Fique aqui. Eu me encarregarei dele.

O Minion sabia que tinha cometido um grave engano mostrando sua cara depois do tumulto que provavelmente tinha instigado. Ele girou e começou a baixar a escada de dois em dois degraus. Nikolai grunhiu, vermelho de ira saiu disparado da casa na caça.. Ele saltou sobre o corrimão da escada do segundo andar, caindo justo quando os pés do Minion conseguiam tocar o pavimento. Nikolai aterrissou diretamente em cima dele, derrubando-o no asfalto do caminho de entrada.

— Quem o fez? —ele exigiu, golpeando a cara do humano contra o pavimento áspero.—Quem é seu Mestre, maldito seja! É Fabien?—O servo não respondeu, mas Niko sabia a verdade de qualquer modo. Passou sobre ele e golpeou sua coluna com força. —Onde está? Me diga onde encontrar Fabien. Fala, filho da puta, ou te fulmino aqui e agora—. De longe, Nikolai ouviu o golpe de uma porta. Passos através da grama.

Então a voz de Renata ressoou de cima destroçando a porta no chão da garagem.

—Jack, não! Volta para dentro!— Nikolai olhou por cima do ombro, bem a tempo de ver o velho com uma expressão espantosa. Os olhos de Jack, mostravam sua incredulidade, sua mandíbula cinza aberta.

—Jesus Cristo—, murmurou, com os pés desacelerando até deter-se. —O que ... o inferno ... —E logo, abaixo dele, Niko sentiu retorcer-se o subalterno. Registrou o brilho breve de uma lâmina só meio segundo antes que o escravo de mente humano esfaqueasse sua própria garganta.

 

Renata desceu as escadas de madeira em estado de pânico e afligida.

—Jack, por favor! Dê a volta para casa agora!— Mas ele simplesmente estava ali, congelado no lugar como se não pudesse ouvi-la, não pudesse vê-la. Não podia processar tudo que estava se passando ao redor dele nestes últimos minutos de caos total e absoluto. Jack estava mudo, uma estátua imóvel na calçada. E Nikolai... Meu Deus, Nikolai parecia o pior pesadelo de qualquer pessoa. Empapado de sangue, imenso, seu rosto uma máscara aterradora de presas letais e ferozes, olhos brilhantes. Quando levantou o corpo do ajudante morto deu meia volta à cara de Jack, que não podia parecer mais predadora e desumana, sua respiração através de seus cerrados dentes, seu enorme peito e ombros tremiam da luta.

—Doce Maria, Mãe de Deus,— murmurou Jack, fazendo o sinal da cruz enquanto Nikolai dava alguns passos para longe do cadáver do Minion. Tardiamente jogou uma olhada e viu que Renata corria para ele através do caminho de entrada.

—Renata, sai daqui!

Renata correu para ficar entre os dois homens – Nikolai a suas costas, e Jack olhando-a boquiaberto como se acabasse de entrar no meio de um campo de mina ativado.

—OH, Jesus… Renata, querida… que está fazendo?

—Está bem, Jack,— disse ela, tranqüilamente sustentando suas mãos na sua frente. —Tudo está bem, prometo isso. Nikolai não te fará mal. Não fará mal a nenhum de nós.

A cara do ancião se enrugou pela confusão. Mas logo olhou além dela a Nikolai e uma tênue faísca de reconhecimento piscou por seus rasgos. Sua palidez era de um branco fantasmal contra a noite ao seu redor, e suas pernas pareciam que iam ceder debaixo dele. —É você..mas como? Simplesmente que demônios é?

—Não é seguro para você saber isso,— interveio Renata. —Seria muito perigoso, também para nós.

—Muito tarde.— A voz de Nikolai era um baixo grunhido atrás dela. —Já viu muito aqui. Temos que controlar esta situação, e não temos muito tempo antes que mais humanos se voltem curiosos e façam coisas piores.

Renata assentiu.

—Sei.

A mão de Nikolai pousou brandamente sobre seu ombro bom.

—Isso inclui Jack também. Não posso deixá-lo afastar-se com sua memória neste estado. Tudo tem que ser lavado – começando com nossa chegada na noite anterior. Não pode recordar que você e eu estivemos aqui alguma vez.

Ela estremeceu, mas não podia discutir.

—Tenho um minuto para dizer adeus?

—Um minuto,— disse Nikolai. —Mas isso é tudo que podemos arriscar.

—Que demônios está acontecendo aqui?— murmurou Jack, desaparecendo algo de sua neurose e o guerreiro aposentado chegando em linha. —Renata… em que tipo de maldito problema se colocou, moça?

Lhe ofereceu um débil sorriso enquanto se movia para frente e o puxou para um abraço.

—Jack, quero te agradecer por nos ajudar na noite anterior, até mais, por simplesmente ser como é,— separou-se dele para olhar seus velhos e amáveis olhos. —Não poderia compreender isto, mas foi minha âncora muitas vezes. Sempre que perdia a fé na humanidade, sua bondade o compensou. Foi um verdadeiro amigo, e te quero por isso. Sempre o farei.

—Renata, necessito que me diga o que está passando. Este homem com quem está… esta criatura. Por Deus, estou perdendo minha mente, ou o é um tipo de...

—É meu amigo,— disse ela tão sinceramente que inclusive se desconcertou por sua convicção. —Nikolai é meu amigo. Isso é tudo o que precisa saber.

—Temos que ir agora, Renata.

A voz de Nikolai estava calma, toda seriedade. Ela assentiu, e quando olhou para ele, viu que agora estava de novo em seu estado normal. Jack crepitou de confusão, mas Nikolai só alcançou a mão do humano.

—Obrigado por tudo que fez, Jack. É um bom homem.— Nikolai não esperou por uma resposta. Com sua mão livre, levantou a palma de sua mão sobre a testa de Jack e a pressionou por um longo momento. —Volta para a casa e vá para a cama. Quando despertar amanhã, esquecerá que estivemos aqui por completo. Descobrirá que houve um roubo – no apartamento de cima – e que Curtis se relacionava com algumas más pessoas, o ataque saiu das suas mãos, e foi assassinado.

Jack não disse nada, mas assentiu em acordo.

—Não nos verá quando abrir seus olhos, — disse Nikolai. —Não verá nada de sangue no vidro. Vai virar, entrar de novo na casa, e subir à cama onde ficará pelo resto da noite.

Uma vez mais Jack assentiu com sua cabeça em complacência. Nikolai retirou sua mão da testa do ancião. Os olhos de Jack piscaram abrindo-se, tranqüilos e sem incomodar-se. Olhou Renata, mas foi um olhar vazio que atravessou direto através dela. Ela ficou ali parada, olhando com tristeza como seu velho e querido amigo girava no silêncio e começava o lento caminhar de retorno à casa.

—Está bem?— perguntou Nikolai, pondo seu braço ao redor de sua cintura, enquanto esperavam na entrada que Jack desaparecesse.

—Sim, estou bem,— disse em voz baixa, permitindo-se conforto em seu forte abraço. —Vamos limpar este desastre e sair daqui.

 

—Já era hora que ele chegasse aqui—, Alexei Yakut se queixou a si mesmo quando viu um par de faróis saindo das árvores fora da casa principal. Irritado por ter sido obrigado a esperar pela última meia hora, Lex se afastou da janela do quarto de seu pai, ex-quarto que agora pertencia a ele, como todo o resto que o defunto tinha deixado.

O veículo preto rodando pelo caminho era enorme, obviamente um SUV. Lex virou seus olhos com desgosto. Tinha esperado que um macho do status de Edgar Fabien fosse viajar em algo mais elegante que uma emprestada Humvee tomada diretamente da frota da Agência de Execução. As próprias normas de Lex exigiam muito mais que um utilitário como meio de transporte, especialmente para um evento tão importante como o que ele assistiria com Fabien. Pelo amor de Deus, não poderiam chegar à reunião em uma caminhonete que declarava a todos que os que estavam nesse veículo careciam de elegância.

Se estivesse no comando das coisas - estava no comando, Lex mentalmente emendou - não chegaria em nenhuma parte sem uma apropriada caravana de veículos formando sua fila de elite.

Ele saiu a passos longos de seu quarto numa raiva impaciente, ajustando a linha de seu casaco ao nível de seus polidos mocassins de pele de crocodilo que brandamente repicavam através das largas tábuas do chão. Sabia que tinha bom aspecto - esse era o ponto - mas estava muito mais acostumado a seu antigo uniforme de serviço com botas e couro. Ele era um sujeito flexível, não pensava que requeresse muito esforço para acostumar-se a sua nova identidade.

Nos subúrbios da grande sala, os dois guardas restantes da casa estavam sentados numa mesa jogando cartas. Um deles deu uma olhada quando Lex entrou, a sutil elevação de sua mão não o bastante rápida para ocultar seu sorriso divertido.

—Essa gravata parece estar cortando seu ar, Lex —, brincou o outro guarda, rindo de sua própria brincadeira. —É melhor afrouxar essa merda antes que desmaie.— Lex o fulminou com o olhar enquanto passava o dedo pela beira do colarinho muito ajustado de sua camisa de quinhentos dólares.

—Faça voar seu traseiro, cretino. E abra a maldita porta. Meu transporte está aqui.

Quando o guarda se moveu pesadamente para cumprir a ordem, Lex se perguntou quanto tempo deveria manter esses dois cabeças ocas ao seu redor. Certo, eles tinham servido ao seu lado no trabalho para seu pai todos os dias durante a maior parte de uma década, mas um macho como Lex merecia respeito. Talvez ensinasse a ambos uma lição quando retornasse novamente em algumas noites da reunião deste fim de semana.

Lex forçou um sorriso de boas vindas para Fabien quando o guarda abriu a porta… exceto que não estava ali Edgar Fabien para saudá-lo. Era um agente de Execução uniformizado, com três mais atrás dele.

—Onde está Fabien?— exigiu Lex.

O enorme Agente que se encontrava na frente dirigiu a Lex uma pequena inclinação de cabeça.

—Vamos encontrar-nos com o Sr. Fabien num lugar diferente, Sr. Yakut. Necessita ajuda com alguma coisa antes que o escoltemos até o veículo?

Lex grunhiu, seu ego tranqüilizando-se um pouco pelo tom respeitoso do Agente.

—Tenho algumas malas no quarto—, disse ele com um gesto desdenhoso na direção de seu quarto. —Um de seus homens podem trazê-las para mim.

Outra inclinação em reverência do que estava na frente.

—Me ocuparei de suas coisas pessoalmente. Depois de você, senhor.

—Por aqui,— disse Lex, permitindo a destacada escolta entrar na casa enquanto guiava o líder para seu quarto pelo corredor. Uma vez dentro, se deteve perto da cama para mostrar as coisas que desejava levar. —Pegue a mala de roupa e a mochila de couro que se encontra ali no chão.

Quando o agente não se moveu para recolher as coisas, simplesmente ficou ali junto dele, Lex se voltou com um olhar indignado.

—Bom, que diabos está esperando, idiota?

O olhar de resposta que recebeu foi cortante como uma adaga e igualmente frio. E então Lex compreendeu a frieza, porque no instante seguinte ouviu o estalar de vários disparos abafados no outro quarto e seu sangue correu gelado em suas veias.

O agente de Execução que estava de pé ao seu lado deu um sorriso agradável.

—O Sr. Fabien me pediu que entregasse pessoalmente uma mensagem dele, Sr. Yakut.

 

Renata parecia cansada quando Nikolai se aproximou dela no terreno onde tinham jogado os cadáveres dos agentes de Execução. Em poucas horas, o amanhecer apagaria todos os rastros dos vampiros, não que alguém além da fauna local notaria isso tão longe da estrada mais próxima e tão fora da cidade.

—Jogue seus uniformes e acessórios na parte traseira do veículo—, Renata disse quando se aproximou. —As armas adicionais estão atrás dos assentos dianteiros. As chaves estão na ignição.— Niko assentiu com a cabeça. Depois de limpar todas as provas do ataque da Raça na garagem do apartamento, ele e Renata se apropriaram do SUV da Agência, que seus atacantes tinham sido bastante atentos para deixar estacionado ao longo da rua lateral perto do Refúgio de Jack.

—Ficou cansada?—, perguntou, ao ver a fadiga em seus olhos. —Podemos esperar aqui e descansar um momento se necessitar.

Ela sacudiu a cabeça.

—Quero seguir me movendo. Estamos só a uns quilômetros do chalé.

—Sim,— Niko disse. —E não estou esperando que Lex desenrole um tapete vermelho para nós quando chegarmos ali. As coisas poderiam ficar feias muito rápido. Passaram algumas horas desde que você bombardeou as malditas mentes desses agentes. Quanto tempo antes que sua reverberação comece?

—Provavelmente não muito tempo—, admitiu ela, olhando para baixo à erva iluminada pela lua que havia em seus pés.

Niko levantou seu queixo e não pôde evitar acariciar a delicada linha de sua bochecha.

—Uma razão a mais para ficar aqui por um tempo.

Ela se separou dele, obstinada e com determinação.

—Razão a mais para continuar antes que cheguem os golpes da reverberação. Descanso depois que recuperemos Mira.— Ela deu a volta e começou a caminhar para o veículo. —Quem conduz, você ou eu?

—Ouça—, disse ele, agarrando sua mão antes que pudesse chegar muito longe. Aproximou-se dela e envolveu seus braços ao redor de suas pequenas costas, contendo-a em seu abraço.

Deus, era tão formosa. Qualquer idiota podia apreciar a frágil, feminina perfeição de seu rosto: os olhos claros, em forma de amêndoa que brilhavam intensamente como pedras da lua sob a franja colorida de seus cílios, seu nariz travesso e sua exuberante e sexy boca, a pele leitosa que parecia um perfeito veludo em contraste com o brilho de ébano de seu cabelo. A beleza física de Renata era atordoante, impressionante, mas era sua coragem - sua honra inquebrantável -, que realmente liquidou Niko.

De algum modo, no pouco tempo que se viram obrigados a ficar juntos, Renata tinha se convertido em uma verdadeira companheira para ele. Ele a valorava, confiava nela, tanto quanto em qualquer um de seus irmãos na Ordem.

—Ouça—, repetiu ele, agora mais tranqüilo, olhando fixamente seu valente e belo rosto, assombrando-se de novo por esta extraordinária mulher que estava demonstrando ser uma vital aliada para ele. —Formamos uma equipe bastante boa lá atrás, não foi?.

—Estava assustada como o inferno, Nikolai—, confessou ela em voz baixa. —Eles caíram sobre nós tão rápido. Deveria ter reagido mais rápido. Deveria ter…

—Você foi incrível—. Ele alisou uma mecha de seu cabelo que caía sobre seu rosto e a colocou atrás da orelha. —Você é incrível, Renata, e estou condenadamente alegre de saber que te tenho às minhas costas.

Ela deu a ele um pequeno, quase tímido sorriso.

—O mesmo digo eu.

Talvez não fosse o momento ideal para que ele desejasse beijá-la, estando de pé num lugar esquecido por Deus nos subúrbios da auto-estrada, com um rastro de sangue e morte atrás deles e mais dos mesmo certamente vindo no futuro antes que isto tivesse terminado. Mas tudo o que Nikolai desejava fazer agora mesmo - o que ele necessitava, aqui e agora, neste preciso momento - era sentir os lábios de Renata pressionando-se contra os seus.

Deixando-se levar pela tentação, inclinou-se e tomou sua boca em um sensível, lento beijo. Seus braços o rodearam, timidamente a princípio, mas suas mãos estavam quentes e o demonstraram quando acariciou suas costas e o apertou contra ela, inclusive depois que o beijo terminou e colocou sua bochecha contra seu peito.

Quando ela falou, sua voz era apenas um sussurro.

—Vamos encontrá-la, Nikolai?

Ele pressionou seus lábios sobre a parte superior de sua cabeça.

—Sim, vamos.

—Acredita que está bem?— Sua vacilação foi breve, mas suficientemente longa para que Renata saísse de seus braços. Ela franziu o cenho, seus olhos obscurecendo-se com a dor. —OH, Meu Deus… você não acredita que ela esteja! Posso sentir sua dúvida, Nikolai. Acredita que algo aconteceu a Mira.

—É o vínculo de sangue o que sente—, disse ele, nem sequer perto de uma negação do que Renata tinha lido com tanta precisão nele.

Ela estava recuando agora, seus pés arrastando-se na escura erva enquanto se movia para o SUV. Seu rosto tinha um olhar afligido.

—Temos que ir agora. Temos que encontrar Lex e obrigá-lo a nos dizer onde está ela!

—Renata, ainda penso que deveria esperar aqui um momento e descansar. Se a nova reverberação te golpear…

—A merda a reverberação!— gritou ela, sacudindo a cabeça em pânico crescente. —Vou ao chalé de Yakut. Você pode viajar comigo ou ficar, mas eu estou indo agora, inferno.

Ele poderia tê-la detido.

Se quisesse podia estar em cima dela mais rápido do que ela podia rastrear, fisicamente a impedindo de avançar outro passo para o veículo. Ele poderia pô-la em transe com uma passada simples de sua mão pelo rosto e assim obrigá-la a esperar pela dor que provavelmente chegaria não muito tempo depois que chegassem ao chalé.

Ele poderia ter retido seu traseiro de alguma diferente maneira, mas em vez disso deu a volta pelo lado do condutor do Humvee negro antes que ela chegasse e bloqueou a entrada com seu corpo.

—Vou dirigir—, disse ele, sem dar a oportunidade de discutir. —Você está acabada.

Renata o olhou por um segundo, então deu a volta e subiu no assento de passageiro.

Eles encontraram seu caminho de volta à estrada e conduziram a pequena distância para a propriedade arborizada de Yakut em silêncio. Niko apagou as luzes enquanto se aproximavam num ritmo lento. Ele estava a ponto de sugerir que deveriam sair e se mover para a casa a pé quando se deu conta que algo estava errado.

—É sempre assim tranquilo?

—Nunca—, disse Renata, disparando um olhar sério. Ela alcançou atrás dos assentos para pegar algumas das armas da Agência. Passou a correia de um fuzil automático por sua cabeça e logo entregou outro a Nikolai. — Lex só tinha ficado com dois guardas, mas não parece que alguém esteja por aqui absolutamente.

E embora desta distância, Niko detectou o aroma de sangue derramado. Sangue de Raça, procedentes de mais de uma fonte.

—Espera aqui enquanto vou dar uma olhada às coisas.

Ela deu a ele uma zombaria insubordinada que ele poderia ter previsto vir.

Ambos saíram do veículo e foram juntos para a escura casa principal. A porta da frente estava totalmente aberta. Rastros de pneus frescos estavam presentes no caminho de cascalho, longos, profundos rastros como um tipo de SUV de grande tamanho deixaria atrás.

Niko tinha a sensação que a Agência de Execução tinha estado aqui também. A casa estava completamente em silêncio, fedendo com as recentes mortes de vampiros. Ele não tinha necessidade de acender as luzes para ver o açougue. Sua aguda visão localizou os dois machos mortos no interior, ambos com tiros a queima-roupa na cabeça.

Ele guiou Renata ao redor dos cadáveres, seguindo seu nariz pela parte posterior do lugar, aos aposentos privados de Yakut. Ele sabia o que ia encontrar ali dentro. Ainda assim, entrou no quarto e soltou uma maldição furiosa.

Lex estava morto.

E com ele, sua melhor esperança de localizar Edgar Fabien esta noite.

 

A respiração de Renata paralisou com o som da maldição murmurada por Nikolai. Ela estendeu a mão até o interruptor da luz perto da porta aberta do dormitório de Yakut. Lentamente a acendeu.

Ela não pôde falar enquanto olhava o corpo sem vida de Lex, seus olhos vazios e nublados pela morte, três grandes buracos de bala em sua cabeça. Ela queria gritar. Santo céu, ela queria cair de joelhos, passar suas mãos por seu cabelo, e arranhar as vigas - não com dor ou estupefação, mas com completa e conscienciosa ira.

Mas seus pulmões estavam fechados em seu peito.

Seus membros estavam flácidos, braços e pernas muito pesados para mover.

A esperança que tinha estado guardando – mesmo tão pequena - que poderiam vir aqui e conseguir uma sólida pista sobre a localização de Mira escorreu fora dela, tão certa como o sangue de Lex que escorria entre os ladrilhos do chão do quarto de seu pai.

—Renata, encontraremos outra maneira,— disse Nikolai de algum lugar perto dela. Ele se inclinou sobre o corpo e tirou um telefone móvel do bolso do casaco de Lex, abriu-o e apertou algumas teclas. Contatarei com Gideon e direi que os persigam. Temos que fazer algo com Fabien muito em breve. O apanharemos, Renata.

Ela não pôde responder; não tinha palavras. Girando lentamente, caminhou fora do quarto, apenas consciente que seus pés se moviam. Ela perambulou através do escuro edifício, deixando de lado os corpos jogados na grande sala e no vestíbulo… insegura de onde dirigir-se, ainda anestesiada quando pegou o chapéu no centro do minúsculo quarto onde Mira tinha dormido.

A pequena cama estava exatamente como ela a tinha deixado, como se esperasse que sua ocupante voltasse. Sobre a baixa mesinha de noite, havia uma flor silvestre que Mira tinha recolhido no começo da semana, em uma das poucas vezes que Sergei Yakut tinha permitido que a menina se aventurasse fora. A flor de Mira estava murcha agora, as frágeis pétalas brancas caíam sem vida, o caule verde tão murcho como um fio.

—OH, meu doce ratinho,— Renata sussurrou no escuro e vazio quarto. —Sinto ... Lamento não ter estado aqui a tempo...

—Renata.— Nikolai permanecia de pé fora do quarto. —Renata, não faça isto a você mesma. Não tem culpa. E isto não acabou, ainda não.

Sua profunda voz era tranqüilizadora, cômoda só de ouvir, e saber que estava ali com ela. Ela necessitava essa tranqüilidade, mas porque não a merecia, Renata se recusou a correr para seus braços como tão desesperadamente queria fazer. Ela permaneceu onde estava, rígida e sem mover-se. Desejando poder dar marcha ré a todas as suas falhas.

Ela não podia permanecer no edifício outro minuto. Havia muitas lembranças sombrias aqui.

Muita morte ao redor dela.

Renata deixou que a flor morta caísse de seus dedos sobre a cama. Ela deu a volta para a porta.

—Tenho que sair deste lugar— murmurou, culpabilidade e angústia retorcendo-se em seu peito. —Não posso...Estou asfixiando aqui…não posso…respirar.

Ela não esperou que respondesse - não podia esperar ali, nem um minuto mais. Empurrando-o, correu do quarto de Mira. Ela não deixou de correr até que seus pés a tinham levado para a parte traseira do edifício principal e dentro do bosque próximo. E ainda assim seus pulmões se retorciam como se tivessem sido esmagados por um torno.

Atrás de seu crânio, ela pôde sentir uma dor de cabeça florescendo. Sua pele não doía ainda, mas estava cansada até os ossos e sabia que não levaria muito tempo antes que o cansaço a nocauteasse. Ao menos seu ombro estava decente. A ferida do disparo ainda estava ali, ainda um profundo batimento em seus músculos, mas o sangue de Nikolai fazia algum tipo de magia na infecção.

Renata se sentiu o suficientemente forte quando deu uma olhada e viu o celeiro fechado – o edifício anexo onde ela e tantos outros tinham sido presos como isca para o esporte de sangue doente de Yakut – ela não pensou duas vezes em saltar e pegar o rifle preso em suas costas. Ela disparou no pesado ferrolho até que se rompeu e caiu no chão. Então ela abriu a porta e soltou mais tiros dentro do grande refúgio pontilhando as paredes e vigas - tudo com uma saraivada de balas destrutiva.

Ela não soltou o gatilho até que o carregador ficou vazio e sua garganta seca por seus gritos. Seus ombros pesavam, o peito cortado por um bramido.

—Deveria ter estado aqui— disse ela, ouvindo Nikolai aproximar-se dela por trás. —Quando Lex a jogou sobre Fabien, deveria o ter detido. Deveria ter estado ali por Mira. Em vez disso estava na cama, muito fraca e… inútil.

Ele fez um pequeno ruído, um rechaço sem palavras a sua culpabilidade.

—Não podia saber que estava em perigo. Não podia evitar nada do que ocorreu, Renata.

—Nunca deveria ter abandonado o edifício!— gritou ela, o próprio desprezo queimando-a azedo. —Fugi, quando deveria ter ficado aqui todo o tempo e conseguir que Lex me dissesse onde ela estava.

—Não fugiu. Foi pedir ajuda. Se não o tivesse feito, estaria morto.— Suas pegadas se moviam mais próximas, vindo com cuidado atrás dela. —Se tivesse ficado aqui todo este tempo, Renata, então teria morrido esta noite junto com Lex e os outros guardas. O que ocorreu aqui foi um plano executado a sangue frio, e tem escrito o nome de Fabien.

Ele tinha razão. Ela sabia que tinha razão, em tudo. Mas isso não fez que doesse menos.

Renata olhava fixamente, sem ver, para o abismo cheio de pólvora da granja.

—Temos que voltar para a cidade e começar a procurá-la. Porta a porta, se for necessário.

—Sei o que sente— disse Nikolai. Ele tocou sua nuca e ela se obrigou a afastar-se de sua ternura. —Maldita seja, Renata, não acredita que se achasse que chutar todas as portas daqui a Porto Velho nos aproximaria mais de Fabien, não estaria contigo? Mas isso não nos ajuda. Especialmente não com o amanhecer só a umas horas e subindo justo sobre nossos calcanhares.

Ela agitou sua cabeça.

—Não preciso me preocupar com a luz do dia. Posso voltar para a cidade por mim mesma.

—Pelos demônios que o fará.— Suas mãos estavam brutas quando a fez girar para ver seu rosto.

Seus olhos tinham brilhos âmbar, e uma emoção que parecia notavelmente ao medo, inclusive na escuridão.

—Não vai a nenhum lugar perto de Fabien sem mim.— Ele acariciou sua sobrancelha, seus ferozes olhos queimando dentro dos dela. —Estamos juntos nisto, Renata. Sabe disso, não? Sabe que pode confiar em mim?

Ela olhou fixamente o rosto de Nikolai e sentiu uma emoção que começava a crescer dentro dela, sentindo como se elevava como uma enorme onda que não podia fazer recuar mesmo se tentasse. As lágrimas correram por seus olhos, então a alagaram. Antes que pudesse parar a inundação, ela estava esfregando os olhos enquanto um dique tinha estalado dentro dela e todas as muitas feridas que havia sentido- toda a dor e vazio de sua completa existência- saiu veloz dela em grandes e pesados soluços.

Nikolai a rodeou com seus braços e a sustentou. Ele não tentou fazer que suas lágrimas parassem. Não a alimentou com suaves mentiras para fazê-la sentir-se melhor, ou falsas promessas para acomodar seu desespero.

Ele só a sustentou.

Sustentou-a e a deixou sentir que a entendia. Que não estava sozinha e que possivelmente, de alguma pequena maneira, merecia a pena ser amada.

Ele a agarrou, levantando-a em seus braços, e começou a se afastar da granja.

—Vamos procurar um lugar para que descanse um pouco—, disse ele, sua relaxante voz vibrando em seu peito, vibrando contra ela enquanto se aferrava nele.

—Não posso voltar para a casa, Nikolai. Não ficarei ali.

—Sei— murmurou ele, entrando mais nos bosques. —Tenho outra idéia.

Ele a deixou sobre um leito de folhas secas entre dois altos pinheiros. Renata não sabia o que esperar, mas nunca teria imaginado do que seria testemunha nos seguintes momentos.

Nikolai se ajoelhou junto dela e relaxou seus braços, seu queixo baixo, seu imenso e musculoso corpo num estado de tranquila concentração. Renata sentiu a energia ao redor deles ranger. Ela cheirava a rica e fértil terra, como o bosque depois de uma tormenta. Uma brisa cálida fazia cócegas em sua nuca enquanto Nikolai pousava suas gemas sobre o chão de cada lado dele.

Havia um tranquilo sussurro de movimento na grama próxima - um sussurro de vida. Renata viu algo serpentear sob as mãos de Nikolai e não pôde evitar ofegar assombrada quando se deu conta do que estava vendo.

Pequenas parras, disparando através do chão, correndo para os pinheiros gêmeos a cada lado dela.

—OH, Meu Deus—, murmurou ela, encantada. —Nikolai…o que está acontecendo aqui?

—Está bem— disse ele, olhando as parras- as comandando, por mais difícil que fosse acreditar.

Os talos faziam espirais ao redor dos troncos das árvores e escalavam mais alto, enchendo-os com folhas que multiplicavam exponencialmente enquanto ela olhava. Por cima de sua cabeça a uns dois metros e meio de altura, as parras saltavam o espaço entre os pinheiros. Retorciam-se juntas, então enviavam disparos largos de vegetação, criando um vívido dossel que se estendia por todo o caminho até o chão onde Renata e Nikolai estavam sentados.

—Está fazendo isto?— perguntou ela, incrédula.

Ele assentiu mas manteve sua concentração nisso, mais e mais folhas desdobrando-se sobre as parras. Grossas paredes de fragrante aroma formavam um refúgio ao redor deles, a exuberante folhagem intercalava com diminutas flores brancas que Renata tinha encontrado no quarto de Mira.

—Está bem... como está fazendo isto?

O rangido de plantas crescendo parou e Nikolai lançou um olhar despreocupado sobre ela.

—Presente de minha mãe, herdado por seus dois filhos.

—Quem é sua mãe, a Mãe Natureza?— disse Renata, rindo, surpreendida apesar de saber que as belas flores e parras eram só um véu temporário. Fora, toda a fealdade e violência permaneciam.

Nikolai sorriu e agitou sua cabeça.

—Minha mãe era uma companheira de raça, como você. Seu talento era o poder de sua mente. Este era seu talento.

—É incrível.— Renata passou sua mão sobre as frescas folhas e delicadas pétalas.

—Deus, Nikolai, sua habilidade é... Dizer que é surpreendente nem sequer chega perto.

Deu de ombros.

—Nunca a usei muito. Me dê um fragmento cheio de buracos ou uns blocos de C-4 qualquer dia. Então mostrarei algo surpreendente.

Ele estava se gabando, mas ela sentia que sua lábia ocultava algo mais sombrio.

—E seu irmão?

—O que tem ele?

—Você disse que também pode fazer isto?

—Ele podia, sim,— disse Nikolai, as palavras soaram algo ocas. —Dimitri era mais jovem que eu. Está morto. Aconteceu faz muito tempo, na Rússia.

Renata estremeceu.

—Sinto muito.

Ele assentiu, arrancou uma folha da massa de vegetação e a fez em pedaços.

—Ele era um menino, um menino muito bom. Era algumas décadas mais jovem que eu. Estava acostumado a me seguir como um maldito cachorrinho, querendo fazer tudo o que eu fazia. Não tinha muito tempo para ele. Eu gostava de viver no limite, suponho que ainda gosto. De todo modo, Dimitri meteu na cabeça que precisava me impressionar.— Ele exalou uma maldição afogada. —Estúpido menino. Ele faria qualquer coisa para que eu notasse sua presença, sabe? Para me ouvir dizer que o via, que estava orgulhoso dele.

Renata o olhou na escuridão, vendo a mesma culpabilidade que ela sentia quando pensava em Mira. Ela viu o mesmo terror, a mesma condenação interior por uma menina em grave perigo- que poderia inclusive estar já morta - tudo porque alguém em quem eles confiavam tinha falhado.

Nikolai conhecia essa tortura. Ele mesmo a tinha vivido.

—Que ocorreu ao Dimitri?— Renata perguntou com cuidado. Ela não queria abrir velhas feridas, mas precisava saber. E ela podia ver o peso por Nikolai levar essa dor durante tanto tempo. —Pode me contar Nikolai. Que ocorreu a seu irmão?

—Ele não era como eu,— disse, as palavras contemplativas, como se afundasse em sua história. —Dimitri era inteligente, um estudante modelo. Amava seus livros e a filosofia, adorava desmontar coisas, descobrir como funcionava tudo ao redor dele para juntá-las de novo. Era brilhante, verdadeiramente superdotado, mas queria ser como eu.

—E como era você então?

—Selvagem,— disse, dizendo isto mais como um epíteto que uma ostentação. —Sou o primeiro a admitir. Fui sempre um pouco temerário, sem me preocupar onde terminaria amanhã enquanto estivesse passando um bom momento hoje. Dimitri gostava da contemplação, eu gostava da adrenalina. Ele desfrutava unindo coisas; eu em quebrá-las.

—Foi por isso que se uniu à Ordem, pela adrenalina da luta?

—Esse é parcialmente o por que, sim.— Ele pousou seus cotovelos sobre seus joelhos e olhou o chão. —Depois do assassinato de Dimitri, tinha que me afastar. Culpei-me pelo que ocorreu. Deixei o país e vim aos EUA. Me associei com Lucan e os outros em Boston não muito tempo depois disso.

Ela não deixou de lado o fato que ele havia dito que seu irmão foi assassinado, não meramente morto.

—O que ocorreu, Nikolai?

Ele exalou um longo suspiro.

—Tinha uma conversa mútua de ódio com um idiota Darkhaven fora da Ucrânia. Chegávamos a sérios mão à mão de vez em quando, só por aborrecimento principalmente. Exceto uma noite que Dimitri ouviu este chupa-sangue num botequim falando estupidezes sobre mim e decidiu chamar sua atenção. Dimitri tirou uma espada e cortou o tipo diante de seus amigos. Foi um golpe de sorte – ele não era bom com armas. De todo modo, encheu o saco do bastardo e dois minutos depois, meu irmão estava morto numa piscina com seu próprio sangue, sua cabeça separada de seu pescoço.

—OH, Deus meu— Renata disse com a respiração entrecortada, sentindo-se doente em seu coração. —Sinto muito, Nikolai.

—Eu também.— Deu de ombros. —Depois, saí e persegui o assassino de Dimitri. Tomei sua cabeça e a trouxe para meus pais como desculpas. Deixaram-me de lado, disseram que deveria ter sido eu a estar morto, não D. Não os podia culpar por isso. Demônios, tinham razão, depois de tudo. Assim fugi e nunca olhei atrás.

—Sinto muito, Nikolai.

Ela não sabia mais o que dizer. Ela tinha pouca experiência oferecendo consolo, e inclusive se a tivesse, não estava segura que quisesse ou necessitasse. Como um ombro repentinamente incômodo em sua própria pele, Nikolai ficou calado durante um longo momento.

Ele pigarreou, então passou uma mão pelo cabelo e ficou em pé.

—Deveria sair e dar outra olhada na casa. Estará bem durante uns minutos?

—Sim. Estou bem.

A olhou fixamente, procurando seu rosto. Ela não sabia o que queria que dissesse, mas o olhar em seus olhos parecia indecifrável.

—E a cabeça? Nenhum sinal ainda?

Renata deu de ombros.

—Um pouco, mas não muito mau.

—E seu ombro?

—Bom,— disse ela, flexionando seu braço esquerdo para mostrar que já não tinha dor. —Está muito melhor agora.

Um silêncio mais longo e covarde se estendeu entre eles, como se nenhum soubesse como superá-lo ou fazer a coisa mais fácil e deixá-lo durar. Não foi até que Nikolai começou a separar algumas das grossas parras para sair que Renata estendeu a mão para o tocar.

—Nikolai... eu, um...queria te agradecer,— disse ela, consciente do fato que embora ele tenha parado, ela seguia com a mão em seu braço. —Preciso agradecer… por me dar seu sangue hoje.

Ele girou para ela, deu um leve movimento de cabeça.

—A gratidão é agradável, mas não a necessito. Se nossas situações estivessem invertidas, sei que teria feito o mesmo por mim.

Ela o teria feito; Renata podia dizer sem a menor dúvida. Este homem que era um estranho há menos de uma semana - um guerreiro que também era um vampiro - era agora seu mais confiável e íntimo amigo. Se fosse honesta consigo mesma, teria que admitir que Nikolai ia além disso, e tinha sido inclusive antes que compartilhasse seu sangue com ela. Inclusive antes do sexo que ainda fazia pés se retorcerem só de lembrar.

—Não estou segura de como fazer isto…—Renata elevou a vista para ele, lutando com as palavras mas precisando dizer. —Não estou acostumada a contar com ninguém. Não sei como estar com alguém. Não é algo que tenha feito antes, e só… sinto como se tudo que pensei que sabia, todas as coisas que uma vez me ajudaram a sobreviver, fugissem de mim. Estou à deriva… estou aterrada—. Nikolai acariciou sua bochecha, então a rodeou com um abraço.

—Está a salvo,— disse meigamente atrás de sua orelha. —Te tenho, e vou te proteger.

Ela não se deu conta do quanto precisava ouvir essas palavras até que Nikolai as disse. Ela não sabia quanto morria por ter seus braços ao redor dela ou quanto ansiava seu beijo até que Nikolai a aproximou mais e pôs sua boca sobre a dela. Renata o beijou com despreocupação, deixando-se levar pelo momento porque Nikolai estava com ela, sustentando-a, dando segurança. Seu beijo cresceu mais apaixonado, ele a inclinou sobre a terra almofadada de seu refúgio. Renata sentiu seu peso sobre ela, suas cálidas e seguras mãos acariciando-a. Sob sua solta camiseta, passando seus dedos por seu estômago e por cima de seus seios.

Ele deu a seu lábio um pequeno e zombador toque de suas presas enquanto o separava para beijá-la. Seus olhos brilhavam como brasas sob suas pálpebras. Ela não precisava ver sua cara transformada para saber que ele a queria. A dura evidência disso apertava insistentemente contra seu quadril. Ela moveu suas mãos por cima de sua medula e ele gemeu, sua pélvis golpeando com um reflexivo empurrão.

Seu nome era um gemido gutural enquanto ele movia a boca sob seu queixo e por seu pescoço. Subiu sua camiseta e Renata arqueou as costas para receber seus lábios enquanto ele descia sobre seus peitos nus e a suave planície de seu estômago. Ela estava perdida no prazer de seu beijo. Sentindo a dor de sua pele contra a sua.

Com hábeis dedos, desabotoou seu jeans e os deslizou por suas coxas. Sua boca seguiu seu progresso, queimando-a do quadril até o tornozelo enquanto separava suas pernas e empurrava suas roupas para um lado. Ela gritou quando ele então se inclinou entre suas coxas e a chupou, sua língua e presas levando-a a uma velocidade de deliciosa tormenta.

—OH, Deus,— ofegou ela, seus quadris elevando do chão enquanto ele enterrava sua boca em seu sexo.

Ela não soube como conseguiu, mas um momento mais tarde ele estava nu também. Deitou sobre ela, mais que humano, mais que simplesmente um homem, e qualquer mulher na situação da Renata tremeria de desejo. Ela abriu suas pernas para ele, ansiosa por senti-lo dentro, enchendo o vazio com sua força e calor.

—Por favor,— ela gemeu, ofegando de necessidade.

Não a fez pedir duas vezes.

Movendo-se para cobri-la, Nikolai pôs seus joelhos entre suas pernas e a dobrou debaixo dele. A cabeça de seu pênis golpeou a fenda lisa de seu corpo, em seguida, mergulhou, longo, lento e profundo.

Seu grunhido enquanto se afundava dentro dela era feroz, um eco de trovões em seus ossos e sangue. Começou a empurrar lentamente, tomando seu tempo no princípio, embora fosse claro que a paciência era uma tortura. Renata podia sentir a intensidade de sua fome por ela, a profundidade de seu prazer enquanto o corpo dele a cobria da cabeça ao testículo.

—Você é tão boa,— ele murmurou entredentes enquanto se retirava para começar de novo, mais profundo que antes. Empurrou forte, estremecendo com o esforço. —Jesus, Renata... sinto-te tão fodidamente bem.

Ela uniu seus tornozelos ao redor de suas costas enquanto ele tomava um ritmo mais frenético.

—Mais forte— sussurrou ela, querendo sentir que amassava seus medos, um martelo esmagando toda sua culpa, dor e solidão. —OH, Deus, Nikolai... foda-me mais forte.

Seu grunhido de resposta soou tão entusiasta quanto selvagem. Deslizando seu braço por baixo dela, a inclinou para encontrar suas carícias, conduzindo-a com toda a ira que ela tão desesperadamente necessitava. Varreu sua boca com um beijo febril, pegando seu grito enquanto seu clímax rugia sobre ela como uma tormenta. Renata tremeu e estremeceu, o agarrando enquanto ele continuava empurrando, cada músculo de suas costas e ombros ficando tão duros como granito.

—Ah, Cristo,— disse entre seus dentes e presas, seus quadris movendo-se de forma estrepitosa contra ela num rápido e temerário ritmo, que era tão bom. Tão cheio de vida e alegria.

Seu vulgar grito de liberação ecoou na voz de Renata enquanto ela voltava de novo, aferrando-se a ele enquanto se perdia neste delicioso novo sentido de despreocupação.

Ela verdadeiramente estava à deriva, mas neste momento não sentia medo. Estava a salvo com este homem selvagem e temerário - ela verdadeiramente acreditava isso. Ela confiava em Nikolai com seu corpo e sua vida. Enquanto permanecia ali com ele em uma postura intima, não era tão difícil imaginar que podia confiar nele com seu coração também.

O que poderia, de fato, era estar se apaixonando por ele.

 

A batida foi insistente - um frenético bater na sólida porta de carvalho do Darkhaven de Andreas Reichen em Berlin.

—Andreas, por favor! Está aí? É Helene. Tenho que te ver!

Eram mais de 4 horas da manhã, só um breve momento antes que o sol aparecesse sobre o horizonte, só uns poucos atrasados na casa permaneciam acordados. O resto dos familiares de Reichen - cerca de uma dúzia deles, jovens homens da raça e casais com crianças pequenas, alguns deles recém-nascidos - já tinham começado a ir para a cama.

—Andreas? Alguém?— Outra série de golpes cheios de pânico, seguidos por um grito apavorado. —Olá! Alguém, por favor... me deixem entrar!

Dentro da mansão, um homem da raça saiu da cozinha onde estava esquentando um copo de leite para sua companheira de raça que o esperava no andar de cima na enfermaria, onde estava atendendo seu exigente bebê. Conhecia a mulher humana que estava na porta. A maioria do Darkhaven a conhecia, e Andreas tinha deixado claro que Helene era sempre bem-vinda em sua casa. Que tivesse chegado sem avisar a essa hora tardia, e enquanto Andreas estava longe em negócios privados durante duas noites, era estranho. Inclusive mais estranho era o fato que a típica executiva sob controle estivesse tão obviamente assustada.

Cheio de preocupação pelo que podia ter ocorrido à companheira humana de Andreas, o homem do Darkhaven deixou a xícara de leite e correu pelo chão de mármore do vestíbulo, sua roupa de banho voando atrás dele como uma vela.

—Já vou,— gritou, elevando sua voz para ser ouvido pelo golpe incessante e as súplicas chorosas de Helene por ajuda do outro lado da porta. Seus dedos voaram sobre o teclado do sistema de segurança da mansão. —Um momento! Estou aqui, Helene. Vai ficar tudo bem.

Quando a luz eletrônica piscou para indicar que os sensores estavam desabilitados, tirou os ferrolhos e abriu a porta.

—OH, graças a Deus!— Helene correu para ele, sua maquiagem borrada, manchas negras cobrindo suas bochechas. Estava pálida e tremente, seus habituais olhos ardilosos pareciam de algum modo vazios enquanto ela fazia uma rápida busca visual do vestíbulo.

—Andreas...onde está ele?

—Foi a Hamburgo a negócios até amanhã de noite. Mas você é bem vinda aqui.— Recuou para dar espaço e deixar que entrasse na mansão. —Entra, Helene. Andreas não gostaria que a rejeitássemos.

—Não,— disse ela de algum jeito débil. —Sei que ele nunca me rejeitaria.

Entrou no vestíbulo e pareceu instantaneamente mais calma.

—Eles sabiam que ele nunca me rejeitaria...

Foi nesse momento que o jovem Darkhaven se deu conta que Helene não estava sozinha. Atrás dela, apressando-se agora antes que pudesse fazer algo mais que gritar em alarme, havia uma equipe de agentes da lei pesadamente armados vestidos da cabeça aos pés de preto.

Ele virou sua cabeça para olhar Helene incrédulo. Com completo horror.

—Por que?— perguntou, mas a resposta estava em seus olhos vazios.

Alguém tinha conseguido controlá-la. Alguém muito poderoso.

Alguém que tinha convertido Helene em uma Minion.

O pensamento se registrou antes que o primeiro disparo o golpeasse. Ele ouviu carregadores sendo disparados, ouviu os gritos de sua família enquanto o Darkhaven despertava com terror.

Mas então outra bala golpeou seu crânio, e seu mundo e tudo nele se voltou silencioso e negro.

 

Nikolai se sentou dentro do refúgio de videiras e observou como um único raio de luz atravessava as folhas e iluminava o cabelo escuro de Renata enquanto dormia. A luz ultravioleta era tóxica para os de sua espécie após meia hora de exposição contínua, mas não resistiu ao desejo de deixar aquele pequeno buraco na vegetação, e deixar entrar o teimoso raio.

Em troca, nos últimos minutos, tinha ficado sentado junto de Renata observando, admirando, muito intrigado, como a luz cobria seu cabelo de ébano, a infusão de fios de seda com uma dúzia de tons diferentes, cobre, bronze e vermelho.

Que diabos acontecia?

Estava sentado, olhando seu cabelo, pelo amor de Deus. Não só olhando, mas olhando com total fascinação. Para Niko isso indicava uma de duas coisas preocupantes: ou devia considerar muito seriamente tomar aulas com o Vidal Sassoon , ou estava completamente perdido por esta mulher.

Tanto quanto no passado, eternamente, arruinado por ninguém menos que ele.

Em algum lugar, de algum jeito, deixou-se apaixonar por ela.

O que explicava por que não podia manter suas mãos e outras partes longe dela. Também explicava por que tinha passado toda a noite – com exceção de sua viagem rápida ao refúgio antes do amanhecer – deitado junto de Renata, sustentando-a em seus braços. E se necessitava uma explicação do por que seu peito havia se sentido tão apertado e pesado quando começou a chorar ontem de noite, ou por que havia se sentido obrigado a compartilhar com ela seu sentimento de culpa pela perda de Dimitri há tantos anos, supunha-se que o estar apaixonado por ela explicava.

Por muito que tentasse se convencer que estava a salvo com ele, Nikolai se sentia a salvo com ela também. Confiava nela plenamente. Mataria para protegê-la, morreria por ela, sem duvidar nem um segundo se chegasse a isso. Talvez ela não fizesse parte de sua vida há muito tempo, mas não se imaginava sem ela.

Oh! Merda. Realmente tinha se apaixonado por Renata.

— Fodidamente brilhante,— murmurou, fazendo uma careta quando ela se agitou pelo som de sua voz.

Ela abriu os olhos e sorriu quando o viu sentado.

—Olá!

—Bom dia,— disse, casualmente alcançando um ramo de videira para fechá-la e deixar fora o último raio de sol.

Encontrou seu espreguiçar felino mais fascinante que seu cabelo. Estava usando a mesma camisa de algodão Oxford da noite anterior, a metade dos botões pulverizados pelo chão do refúgio. A grande camisa estava aberta da metade para baixo mal cobrindo sua nudez. Nenhuma queixa por ele.

—Como se sente?

Ela pareceu considerar por um segundo, depois olhou para ele com o cenho franzido.

—Sinto-me realmente bem. Quero dizer, ontem à noite estava…— Ruborizou, uma doce cor rosa encheu suas bochechas. — Ontem à noite foi incrível, mas pensei que ficaria fora de combate depois do ataque. Não entendo… nunca aconteceu nada assim. Quero dizer, tive um pouquinho de dor, mas pelo ataque na casa de Jack, devia estar agonizando a noite toda.

—Isso nunca aconteceu antes?

Ela sacudiu sua cabeça.

— Nunca. Cada vez que usava minha habilidade, o efeito retornava.

—Mas ontem à noite não.

—Não, ontem à noite não,— ela disse. — Nunca me senti melhor.

Niko talvez houvesse feito uma brincadeira sobre os efeitos milagrosos de suas proezas sexuais, mas sabia o tipo de magia que havia feito Renata suportar o efeito rebote de seu poder.

— Bebeu de meu sangue ontem. Isso é o que o faz diferente.

—Acredita que seu sangue ajudou a sanar meu ombro, mas também ajudou nisto? É possível?

—É definitivamente uma possibilidade. A companheira de raça que bebe regularmente o sangue de vampiro se volta muito mais forte do que seria sem ele. O envelhecimento se desacelera a um passo de tartaruga. As células do corpo, músculos e todo o metabolismo chega a um estado físico visivelmente saudável. E sim, muitas vezes o sangue de um companheiro impacta sua habilidade psíquica também.

—Isso é por que Sergei nunca me deixou beber dele,— Renata disse, sua mente veloz para chegar na mesma conclusão que tinha chegado Niko. —Não fez segredo que gostava que meu poder fosse limitado a pequenas rajadas. As vezes que tentei golpeá-lo, nunca podia manter o tempo suficiente para derrubá-lo, e no final o esforço sempre me custava caro depois que ricocheteasse de volta.

—Sergei Yakut era Gen Um,— Niko recordou. — Seu sangue em seu sistema poderia te fazer virtualmente incansável.

Renata zombou em voz baixa.

— Só um grilhão a mais para mim. Devia saber que o mataria se tivesse a menor esperança de êxito. — Guardou silêncio durante um minuto, com os braços cruzados arrancou uma fibra de erva do chão do refúgio improvisado. — Tentei matá-lo… no dia que Mira e eu fugimos juntas da guarida. Nesse dia pôs o ferro quente nas minhas costas. Fez outras coisas também nesse dia.

Nikolai não tinha que perguntar mais sobre o que tinha sofrido. As cicatrizes das queimaduras em suas costas eram atrozes, mas pensar no castigo de Yakut era pior… O sangue de Niko fervia de indignação. Pôs sua mão sobre a dela.

— Deus, Renata. Sinto muito.

Olhou-o, um firme olhar que não procurava simpatia.

— Sua misericórdia era que não forçou Mira a ver o que me fazia. Mas Sergei me disse que se ela ou eu tentássemos escapar outra vez Mira pagaria da mesma forma que eu o tinha feito. Prometeu que seria pior para ela, e sabia que dizia a sério… assim fiquei, e o obedecia, e cada hora de cada dia rezava por um milagre que eliminasse Sergei Yakut de minha vida.

Deteve-se, acariciando seu rosto.

— Então você chegou e tudo mudou. Suponho que em muitos sentidos, é meu milagre.

Nikolai capturou sua mão e plantou um beijo no centro de sua palma.

—Os dois somos afortunados.

—Alegra-me que Sergei esteja morto,— confessou ela brandamente.

—Devia sofrer mais,— Niko disse, sem tentar ocultar o tom escuro de sua voz. — Mas já foi.

Renata assentiu.

— E agora Lex está morto também. Os guardas de Yakut. Todos eles.

—A esta hora da manhã, ele e os outros na guarida não são mais que cinza,— Niko disse ao esticar-se para por um de seus cabelos negros brilhantes atrás da orelha. — Depois que dormiu ontem à noite retornei e abri todas as persianas para que entrasse a luz do sol. Também chamei Boston para dar os números no celular de Lex. Gideon nos chamará quando houver feito o rastreamento para nos dar os detalhes.

Outro assentimento, sua voz suave esperançada.

—Está bem.

—Enquanto estava lá, trouxe algo que pensei que poderia precisar.

Inclinou-se para o monte de armas e outros instrumentos que havia recolhido e pegou o pacote de seda e veludo que pertencia a Renata.

—Minhas adagas,— disse ela, seu rosto se iluminou de alegria quando pegou o pacote em suas mãos. Desatou as cintas que as prendiam e desenrolou todo o veludo que cobria as quatro adagas com gravuras personalizadas. Jack me deu isso…

—Sei, me disse que as havia feito para você, um presente. Disse que não estava certo que as tivesse conservado.

—São muito caras para mim. - Murmurou, seguindo o lavrado do punho à ponta com o dedo.

—Eu disse que ainda as tinha. Alegrou-se ao escutar o muito que significam para você.

Seu olhar cheio de gratidão o banhou.

—Nikolai… obrigado. Por fazer isso pelo Jack, e por me devolver isso. Obrigado.

Ela se aproximou dele e o beijou. A suave pressão de seus lábios foi algo profundo. Nikolai pegou seu rosto entre suas mãos, acariciando sua mandíbula com os polegares, o delicado ângulo de suas maçãs do rosto. Ela separou seus lábios enquanto sua língua percorria a abertura de seus lábios, soltou um doce gemido quando entrou em seu interior.

Suas presas se estenderam pontudas pela luxúria que corria através dele como fogo. Entre suas pernas, seu sexo era uma coluna de granito, passando rapidamente à idéia de ter Renata debaixo dele. Quando sua mão se arrastou para baixo além da cintura da calça para o tocar, seu membro ávido saltou, aumentando mais sob o calor da palma de sua mão enquanto ela o acariciava.

—Que horas são? murmurou ela contra sua boca febril.

Ele grunhiu, muito absorto em suas tormentosas carícias para processar imediatamente sua pergunta. Através de sua respiração entrecortada conseguiu responder.

—É cedo. Provavelmente ao redor das nove.

—Bom, diabos, suponho que é muito cedo. Ela murmurou, movendo longe a boca e deixando um rastro de beijos ao longo de sua garganta, jogando sobre o montículo do pomo de Adão. —Não pode sair a luz do sol, verdade?

—Não.

—Hmm. Seus lábios úmidos desceram sobre seu peito nu. Recostou-se sobre seus cotovelos enquanto ela seguia o contorno de seus dermoglifos com a ponta rosada de sua língua, riscando os arcos e redemoinhos ao redor de seu mamilo e através do plano de seu estômago. Quando falou, sua voz vibrava em todos seus ossos. —Assim, suponho que isso significa que estamos presos aqui por um tempo, né?

—Sim. A palavra saiu como um ofego. Seu beijo viajou devagar para baixo, além de seu umbigo, seguindo as linhas de seus dermoglifos. Suava pelo esforço, palpitava pela necessidade de sentir seus lábios úmidos e quentes apertar-se ao seu redor.

—Suponho que estamos presos aqui até de noite.

—Hum-hum. Ela prendeu o cordão de suas calças entre seus dentes e deu um forte puxão. O nó caiu solto, e então baixou suas calças o suficiente para que a cabeça de seu membro nu saísse ansiosa. Ela o lambeu, observando seu rosto enquanto formava redemoinhos com sua língua diabólica ao redor de sua carne, sugando uma gota do líquido salgado.

—Ah, Cristo…

—Assim,— ela murmurou, seu fôlego flutuando através de sua pele úmida, atormentando-o ainda mais. —O que vamos fazer aqui o dia todo enquanto esperamos a noite chegar?

Niko riu entredentes.

—Querida, posso pensar em centenas de coisas que gostaria de fazer contigo.

Ela sorriu desafiante.

—Só cem?

Antes que pudesse dar uma réplica inteligente, ela envolveu seus lábios ao redor de seu pênis e o tomou profundamente dentro de sua boca. O corpo de Niko teve uma explosão nuclear de prazer, encontrava-se rezando para que o tempo e os dias a sós com esta incrível mulher – sua mulher – pudessem estender-se para sempre.

 

Renata caminhou para a porta traseira do alojamento e se deteve na soleira. Havia deixado Nikolai no refúgio, decidindo que sua maior prioridade era um banho, uma ducha quente, e uma muda de roupa que realmente seria melhor que sua resistência em permanecer inclusive de novo sob o domínio de Sergei Yakut.

Agora duvidava. No início da tarde o sol em suas costas era alentadoramente complacente, mas dentro do alojamento era escuro e frio. Sombras caíam sobre a mobília derrubada estendendo-se através das ordinárias tábuas do chão. Avançou e caminhou para o lugar onde Lex havia caído.

Seu corpo se havia ido, o sangue também. Nada mais que um pequeno rastro de cinza deixado para trás – como Nikolai prometeu. As persianas sobre a janela da sala estavam totalmente abertas, mas o sol já havia passado. Uma fresca brisa soprou o aroma de resina de pinheiro e ar fresco do bosque na calma úmida do lugar. Renata respirou profundamente em seus pulmões, deixando a fragrância de um novo dia impregnar suas lembranças de morte, sangue e violência que tinham coberto o albergue ontem à noite.

Hoje, nesta nova luz, parecia tão diferente para ela.

Ela mesma parecia diferente, e sabia a razão.

Estava apaixonada.

Pela primeira vez em muito tempo, talvez em toda sua vida, sabia o verdadeiro sentido da esperança. Acomodando-se em seu coração – acreditando que seu futuro mantinha algo mais que a mera sobrevivência, que poderia em algum momento medir a felicidade de anos, não em raros e fugidos momentos. Estar com Nikolai, sendo em seus braços ou parada ao seu lado, faziam-na acreditar que muitas coisas fossem possíveis.

Renata caminhou na grande sala, apoiando-se no fato que esta seria a última vez que precisaria ver o lugar.

Isto era um adeus.

Quando ela e Nikolai saíssem daqui para continuar sua busca por Mira, este albergue, o terrível celeiro e o canil que se encontrava na parte detrás, incluindo Sergei Yakut, Lex, e todos os outros que marcaram os últimos dois anos de sua vida seriam história. Deixaria tudo aqui, a fealdade e a dor desterradas de alguma parte de seu futuro.

Esta parte de sua vida havia terminado.

Andou pelo pequeno banheiro que havia compartilhado com Mira, em paz com ela mesma e seu entorno enquanto ligava a água quente na ducha. Quando o vapor úmido começou a rodar fora da cortina, desabotoou uns poucos botões da camisa emprestada de Jack e ficou ali parada por um momento, nua, contemplando seu futuro com novos olhos. Não sabia o que a esperava uma vez que a noite caísse e a nova jornada começasse, mas estava disposta a enfrentá-lo.

Com Nikolai ao seu lado – com a esperança e o ardente amor tão resplandecente como uma chama em seu coração – estava preparada para enfrentar tudo.

Como um cavalheiro destinado a uma batalha - procurando harmonia e bênção, Renata deu um passo sob a água quente da ducha. Fechou seus olhos numa solene oração enquanto a reconfortante água caía sobre ela.

 

Nikolai ficou na sombra, refugiando-se enquanto os passos de Renata se aproximavam.

—Toc, toc,— ela o chamou através das folhas. —Vêem, assim poderá olhar a luz do dia. Não vai querer enferrujar-se por mim.

Separou algumas folhas verdes e avançou, pronunciando uma rápida desculpa quando notou que ele tinha o telefone celular de Lex no ouvido. Niko havia chamado à Ordem pouco depois que ela saiu do resguardo para limpar-se. As notícias de Boston eram uma mistura entre boas e más, junto com uma ajuda extra de sérios e fodidos problemas.

A boa? Um dos números no telefone de Lex era, de fato, de Edgar Fabien. Sem muito esforço, Gideon havia sido capaz de piratear nos registros da base de dados de identificação internacional de Fabien. Agora, a Ordem tinha os endereços da residência do líder do Darkhaven de Montreal, sua casa rural, assim como os dados de todas suas outras propriedades privadas, tanto de negócios como pessoais. Gideon tinha acesso aos números de telefone celular de Fabien, carteira de motorista, arquivos do computador, inclusive do filho da puta da equipe de vigilância eletrônica do Darkhaven.

E aí é onde o mal havia chegado.

Edgar Fabien não estava em casa. Gideon pirateando havia conectado um canal de vídeo mais cedo nesta noite, mostrando um grupo de sete machos da Raça – um deles provavelmente Fabien – deixando o Darkhaven em companhia de uma escolta armada da Agência de Execução. Havia sido difícil dizer quem eram os visitantes de Fabien, quando todos seus luxuosos trajes pareciam iguais e suas caras tinham sido completamente ocultas por capuzes escuros.

Quanto à maldita seriedade do episódio, o grupo de vampiros havia saído com uma menina nas costas. Uma jovem que evidentemente não havia tido nada de paz. A descrição do Gideon da fêmea pequena loira não deixava nenhuma dúvida de que era Mira.

—Ainda está comigo? - Gideon perguntou no outro extremo da linha.

—Sim, continuo aqui.

—Lucan quer que Fabien seja trazido a Boston para um interrogatório. Isso significa que o necessitamos vivo, meu homem.

Niko soltou uma maldição.

—Primeiro temos que encontrar esse bastardo.

—Sim, bom, estou nisso. Rastreei o GPS do telefone celular de Fabien. Consegui um sinal de um lugar há aproximadamente uma hora ao norte de Yakut – uma das propriedades de Edgar Fabien. Tem que ser lá.

—Está seguro?

—Bastante seguro, já enviamos reforços a caminho. Tegan, Rio, Brock, e Kade se dirigem ao norte para encontrar-se com você enquanto falamos.

—Reforços a caminho? - perguntou Niko, olhando uma parte de luz UV que aparecia através das folhas do refúgio. A Ordem tinha trajes de amparo solar para situações de emergência, mas inclusive uma geração antiga de vampiros vestidos dos pés a cabeça com trajes UV seria incapaz de resistir à luz solar que golpearia no assento do condutor numa viagem de quase sete horas. —Jesus, não pode estar falando a sério. Quem derramou a última gota que transbordou o copo dessa missão?

Gideon riu.

—Fêmeas teimosas, meu homem. Em caso que não tenha se dado conta, fomos invadidos por elas nos últimos tempos.

—Sim, notei.

Niko não podia menos que jogar uma olhada a Renata, que estava verificando algumas das armas que tinham recolhido de Lex e dos outros.

—Qual é a situação, então?

—Dylan está conduzindo os meninos a bordo da Rover com Elise montando guarda. Sua hora estimada de chegada em sua área será perto das nove em ponto, justo depois do pôr-do-sol. Como Fabien tem vários sócios desconhecidos com ele, vamos precisar entrar e sair dali garbosamente, sem vitimas desnecessárias. - Gideon fez uma pausa. —Escuta, sei que está preocupado com a menina. Sua segurança é importante, sem dúvida, mas isto é grande, Niko. Se Fabien pode nos levar a algum lugar perto de Dragos, temos que nos assegurar de capturá-lo esta noite. Essa é a missão número um, diretamente de Lucan.

—Sim,— disse Nikolai. Sabia a missão. Também sabia que não podia decepcionar Renata, ou Mira de fato. —Merda… de acordo. Gideon, você escutou.

—Chamarei se Fabien se mover entre agora e o pôr-do-sol. Enquanto isso, estou trabalhando num ponto de encontro para que se reúna com os meninos esta noite e ponha em marcha um plano de infiltração. Deverei ter algo em uma hora ou duas. Te chamo então.

—Correto. Até depois.

Nikolai fechou o telefone e o colocou junto dele.

—Gideon conseguiu algo daqueles números telefônicos? - perguntou Renata, olhando-o cuidadosamente. —Temos alguma pista do Darkhaven de Fabien?

Niko assentiu.

—Temos seu endereço.

—Graças a Deus,— ela respirou. O alívio cedeu passo rapidamente à determinação. Tão feroz como nunca havia visto nela. —Onde está ele? Em seu Darkhaven privado na cidade, ou em alguma parte nos subúrbios? Posso fazer uma coberta ali agora mesmo para ter uma vista do terreno. Inferno, sinto-me de uma maneira – sem dor, meu ombro deve estar melhorando – talvez deveria caminhar diretamente até a frente de sua porta e golpeá-lo com uma explosão de...

—Renata. Niko pôs sua mão sobre a dela e sacudiu a cabeça. —Fabien está em movimento. Não está mais na cidade.

—Então onde?

Poderia contar sobre o sinal do GPS que Gideon estava rastreando. Poderia dizer que Fabien tinha Mira em sua custódia e que a menina estava provavelmente a só uma hora ao norte de onde estavam sentados agora. Mas também sabia que se dissesse isso a Renata – se desse o mínimo de certeza sobre o paradeiro da menina que tanto significava para ela não a poderia deter de sair por sua própria conta agora mesmo para encontrá-la.

A promessa de Niko à ordem era seu dever – sua vida – sua honra jurada – mas e Renata? Esta mulher era seu coração. Não podia pôr em perigo a missão de seus irmãos mais que permitir à mulher que amava partir precipitadamente ao perigo sem ele ali para vê-la. O pensamento era de macho pré-histórico, possivelmente por ter em conta que Renata era uma mulher que sabia como dirigir ela mesma quase qualquer situação. Estava bem treinada e capaz, definitivamente valente, mas maldita fosse, significava muito para que corresse esse tipo de risco. Acima de tudo, não era uma opção.

—Estamos esperando uma localização sólida do Intel sobre onde está Fabien,— disse ele, a mentira amarga sobre sua língua, independentemente de suas boas intenções. —Enquanto isso, a Ordem está enviando reforços. Reuniremo-nos com eles esta noite.

Renata escutou, claramente confiando nele e em sua palavra.

—A Ordem tem alguma idéia se Mira está com Fabien em qualquer lugar que esteja agora?

—Estamos trabalhando nisso. Nikolai encontrou difícil sustentar seu olhar verde claro sem pestanejar. —Quando encontrarmos Fabien, encontraremos Mira. Ela vai estar bem. Prometi isso, recorda?

Quando pensou que ela só assentiria com a cabeça e afastaria o olhar, Renata em troca estendeu sua mão para apanhar seu rosto na palma de sua mão.

—Obrigado… por estar aí para me apoiar em tudo isto. Não sei como serei capaz de pagar, Nikolai.

Ele pegou sua mão e pôs um tenro beijo em sua palma. Ia dizer algo singelo, uma das brincadeiras sem sentido habituais que tão freqüentemente usava quando as emoções ao seu redor eram muitos reais e emotivas ou muitas cruas de honestidade. Tinha seus métodos sob a manga: desviar com humor. Desarmar com indiferença. Atacar e correr como o inferno à primeira indicação de sua própria vulnerabilidade. Mas todas aquelas velhas e confiáveis armas que havia aperfeiçoado falhavam agora.

Acariciou com seu dedo polegar o dorso da mão de Renata e se deixou perder no refúgio verde de seus olhos.

—Não sou muito bom nisto,— murmurou ele. —Quero dizer algo… merda. Vou te encher o saco provavelmente, mas quero que saiba que me preocupo com você. Preocupo-me… endemoniadamente muito, Renata.

Ela o olhou fixamente, indo tão lento e silencioso que nem sequer estava seguro que ela estivesse respirando.

—Preocupo-me,— soltou, frustrado consigo mesmo pela estupidez das palavras que queria que fossem perfeitas para ela. —Não sei como aconteceu, ou inclusive o que significará para você – se algo – mas preciso dizer afinal porque isto é real. É real, e nunca me senti desta maneira antes. Não com ninguém.

Sua boca se suavizou num pequeno sorriso enquanto divagava com estupidez, tentando encontrar uma maneira de dizer a profundidade do que estava em seu coração. Tentar e falhar miseravelmente.

—O que tento dizer é…— sacudiu sua cabeça, sentindo-se um merda, mas o suave toque de Renata em seu rosto o tranqüilizou. Seu claro olhar o trouxe de volta, direto e centrado, conectando-o com a terra. —O que tento dizer é, que estou apaixonado por você… realmente apaixonado. Não estava procurando que isto acontecesse. Não pensei que alguma vez realmente o quisesse, mas…. ah, Cristo, Renata, quando olhei seus olhos, a palavra saltou em minha mente: PARA SEMPRE.

Ela exalou devagar e seu pequeno sorriso se estendeu em radiante alegria.

Niko passou suas mãos sobre sua suave pele, e seu cabelo úmido.

—Estou apaixonado por você, Renata. Sei que não sou um poeta – merda, nem sequer chegou perto. Não tenho todas aquelas finas palavras que desejaria poder dizer… mas quero que saiba que o que sinto por você é real. Te amo.

Ela riu brandamente.

—O que te faz pensar que quero poesia ou palavras finas? Acaba de dizer exatamente o que queria ouvir, Nikolai. Ela deslizou sua mão pela parte detrás de seu pescoço e o puxou para um longo e apaixonado beijo. —Também te amo,— sussurrou contra sua boca. —Assusta-me como o inferno admitir isso, mas é certo. Te amo, Nikolai.

Passou seus lábios sobre os dela e a abraçou, desejando nunca ter que afastar-se. Mas o entardecer chegaria antes de tempo, e ainda havia uma coisa que precisava fazer.

—Tem que fazer algo por mim.

Renata se acomodou contra ele.

—Tudo.

—Não sei o que vai acontecer esta noite, mas preciso saber que vai nisto tão forte como possa. Quero que tome mais de meu sangue.

Ela se soltou de seu abraço e zombateiramente arqueou uma sobrancelha para ele.

—Está certo que não está somente tentando entrar em minhas calças de novo?

Niko riu entredentes, uma sacudida de calor formando redemoinhos diretamente em sua virilha como uma boa idéia.

—Eu não rejeitaria o convite. Mas digo a sério…. Quero que beba de mim de novo agora. Faria isso por mim?

—Sim, é obvio.

Afastou uma mecha escura de sua testa.

—Há uma coisa mais, Renata. Quando nos movermos sobre Fabien esta noite, mataria-me se algo… bom, simplesmente não posso me arriscar a estar separado de você, vou precisar saber que está bem todo o tempo, ou minha concentração vai para a merda. Preciso ter um enlace de você. Sei como se sentia com Yakut, usando seu sangue como uma trava para você, e prometo que isso não é o que...

—Sim, Nikolai. Disse ela, interrompendo-o com um movimento suave de seus dedos sobre sua boca. —Sim… pode beber de mim.

Sua maldição como resposta foi baixa de alívio.

—É para sempre,— recordou firmemente. —Precisa entender isso. Igual ao vínculo de sangue que tem comigo agora, se beber de você, não poderemos desfazê-lo nunca.

—Entendo,— disse ela, sem vacilação. Se aproximou e o beijou, longo e profundo. —Entendo que o vinculo é para sempre… e sigo dizendo que sim.

Niko gemeu. O fogo iluminando suas veias. Suas presas se alongaram, e seu sexo se elevou por atenção imediata, tudo nele ansioso por reclamar Reata como sua. Ele a beijou, seu coração golpeando fortemente contra sua caixa torácica quando ela passou sua língua por seus lábios para brincar com as pontas afiadas de suas presas.

—Te quero nua para isto. Disse ele, incapaz de conter o tom autoritário que se filtrava em sua voz. Ele era parte humano, mas havia outra parte dele – uma parte mais selvagem – que era menos paciente do que gostaria.

Niko olhou com olhos chamejantes de âmbar como Renata o obedecia rapidamente, despojando-se de sua roupa e estendendo-se sobre o chão de grama sombreado do refúgio, suas coxas deixando-se abrir, apresentando-se a ele sem um pingo de inibição.

—OH, sim,— Niko grunhiu. —Isso é muito melhor.

Ele estava desenfreado pela necessidade dela. Arrancando sua própria roupa e deixando-a de lado, subiu sobre seus quadris e a montou. Seu membro empurrou, esperneando enquanto ela o acariciava, torturando-o, uma fresta de luz filtrava-se, ele sustentou seu ardente olhar enquanto levava seu pulso até sua boca e mordia sua própria carne.

—Me deixe te provar de novo,— disse ela. Subindo até encontrar sua veia enquanto ele levava suas perfurações a sua boca. Gotas carmesim salpicaram até cair sobre seus seios, tão vividas contra sua cremosa pele. Ela gemeu, fechando seus olhos enquanto sugava, saboreando-o.

Niko a olhava beber, olhando seu corpo começar a retorcer-se pela excitação. Com sua mão livre, ele a acariciou, incapaz de resistir a passar seus dedos pelo sangue que havia derramado sobre ela. A perspectiva de seu sangue marcando sua pele era tão erótica como nada antes. Seu toque atrevido foi mais abaixo, ao centro fundido dela que estava tão preparado para ele. Seus braços seguraram seu pulso, sustentando-o contra ela enquanto o primeiro orgasmo disparou através dela.

Niko grunhiu de pura adoração masculina enquanto alimentava sua fêmea de seu corpo e a sentia clamar por ele. Ele a deixou beber durante vários minutos, até seu corpo arder de novo sob ele.

Ele também estava ardendo.

Suavemente tirou o pulso de sua boca e fechou as perfurações com uma passada em sua boca. Renata ainda estava arqueando e retorcendo-se, ainda gemendo por ele, enquanto ele se ajeitava sobre ela e se inundava em casa, suas unhas sobre seus ombros numa dor deliciosa.

Nikolai fez amor tão devagar como pôde – tão devagar como a febre de seu corpo permitia. Ela gozou de novo, retorcendo-se e extraindo dele uma furiosa liberação também. Duramente reduziu a investida. Ainda estava duro dentro dela, ainda faminto por esta mulher… sua mulher.

Com mão tremente, Nikolai acariciou os pontos escuros já fechados de um lado da formosa garganta de Renata.

—Está segura? perguntou, sua voz apenas reconhecível para ele mesmo, estava tão seco e desesperado. —Renata…. Quero que esteja segura.

—Sim,— ela arqueou confirmando com um empurrão, seu constante olhar suplicante. —Sim.

Com um grunhido selvagem enroscando-se em sua garganta, Nikolai despiu suas presas e desceu sobre ela.

O doce sabor do sangue de Renata emergiu em sua boca caindo como um pontapé no estômago. Ah, Cristo, agora sabia. Quantas vezes havia especulado com os outros guerreiros a respeito de estar emparelhados e encontrar uma fêmea que os impressionaria? Facilmente centenas de vezes. Milhares, provavelmente.

Que merda de desorientado havia estado.

Agora sabia. Renata o tinha, inclusive antes mesmo que ele a mordesse. Estava de joelhos diante desta mulher, e com gosto ficaria ali pelo resto de sua vida.

Niko bebeu mais, afogando-se no prazer do vínculo que havia forjado através da união de sangue e do ritmo exagerado de seus corpos unidos. Seus dentes ainda a mantinham sob ele enquanto tomava seu último gole dela, e Nikolai gozou de novo, desta vez mais forte, uma descarga assombrosa que o golpeou como um trem de carga. Aferrou-se a ela, estremecendo com intensa satisfação. Embora pudesse beber de sua veia durante toda a noite, Nikolai se obrigou a afastar-se, selando suas feridas com uma tenra lambida de sua língua.

Ele ficou olhando-a, seu olhar iluminando sua pele.

—Te amo,— ofegou necessitando que o escutasse e acreditasse nisso. Queria que ela lembrasse depois desta noite, depois que conseguissem localizar Fabien no norte e Nikolai explicasse por que havia precisado mentir hoje. Beijou seu queixo, sua bochecha, sua testa. —Te amo. Renata.

Sorriu sonolenta.

—Mmmm… eu gosto realmente de como isso soa.

—Então terei que me assegurar que o ouça muito.

—De acordo. Murmurou ela, seus dedos brincando com seu cabelo empapado de suor sobre sua nuca. —Isso foi incrível, por certo. Sempre vai ser assim bom?

Ele gemeu.

—Tenho a sensação de que pode melhorar.

Ela riu, e a vibração fez despertar de novo seu sexo.

—Se continuar assim, vou ter que voltar e tomar outra ducha.

Ele fez um movimento sexy e poderoso com sua pélvis, encaminhando sua ereção até mais fundo.

—OH, posso continuar. Não se preocupe, isso nunca vai ser um problema estando perto.

—Melhor tomar cuidado, ou eu poderia te obrigar a isso.

Niko riu entredentes apesar de seu pesado humor.

—Coração, pode me obrigar a tudo que queira.

A beijou de novo, e grunhiu de prazer quando ela envolveu suas pernas ao redor dele e o fez girar de costas para começar uma lenta, e tortuosa investida.

 

Houve uma época para Andreas Reichen, com quase trezentos anos andando nesta Terra, que a morte choveu sobre ele como um dilúvio. Noutro tempo, quando uma desatinada onda brutal de massacre tinha visitado seu pacífico domínio.

Naquele tempo, no verão úmido de 1809, tinha sido uma manada de vampiros Renegados que tinham forçado sua entrada neste mesmo Darkhaven, violando e matando vários de seus familiares. O ataque tinha sido uma coisa ao azar, a mansão e seus residentes só tiveram a má sorte de estar no caminho de uma turma de Renegados viciados em sangue. Tinham forçado sua entrada além das portas desprotegidas e janelas, alimentando-se e matando muitos inocentes... apesar de tudo houve sobreviventes. Os Renegados tinham dado rédea solta ao seu horror e passado como a peste que eram, mas finalmente foram caçados e destruídos por um membro da Ordem que tinha vindo ajudar Reichen.

A matança então tinha sido insuportável, mas não havia sido completa.

O que enfrentou Reichen na sua volta para casa esta noite tinha sido um ataque calculado. Não uma entrada pela força bruta, mas traição. Um inimigo bem vindo como um amigo. E o massacre ocorrido - provavelmente nas primeiras horas da manhã, justo antes da saída do sol -tinha sido uma aniquilação total.

Ninguém se salvou.

Nem sequer a alma mais jovem na residência.

Com um terrível silêncio que impregnava o ar como uma enfermidade, Reichen caminhou através do sangue e da destruição como um dos próprios mortos. Seus passos seguiram a pista de manchas pegajosas escarlates no mármore do vestíbulo e da sala, além de seu jovem sobrinho, que tinha estado tão contente ao convidar Reichen para padrinho de seu filho recém-nascido. O novo pai ruivo estendido na porta tinha sido o primeiro a morrer, Reichen adivinhou, incapaz de olhar o rosto sem vida que olhava sem ver a escada cheia de balas que conduzia aos dormitórios dos Darkhaven nos andares superiores.

Mais morte esperava no corredor fora da biblioteca, onde outros machos tinham sido cortados ao meio. Ainda mais vidas extintas perto da escada da adega, um dos primos de Reichen e sua Companheira de Raça, ambos mortos enquanto tentavam escapar dos disparos.

Não viu o corpo da criança até que quase tropeçou nele - um menino vampiro de cabelo revolto que evidentemente tinha tentado esconder-se num dos gabinetes da sala de jantar. Seus assaltantes o tiraram e o mataram como um cão no antigo tapete persa.

—Bom Cristo— Reichen sufocado, caiu de joelhos e levou a mão branda do menino a sua boca para sossegar seu gutural grito. —Pelo amor de Deus... por que? Por que eles e não eu!

—Ele disse que saberia por que.

Reichen fechou os olhos diante do som rígido da voz de Helene. Ela falava muito devagar, as sílabas muito planas... carente de matizes.

Desumana.

Ele não precisava se virar para saber que seus olhos estariam estranhamente mortos para ele agora. Mortos por que toda sua calidez - toda sua humanidade - tinha sido recentemente purgada fora dela.

Já não era sua amante, nem sua amiga. Ela era uma Minion.

—Quem te converteu? - ele perguntou, deixando cair a mão do menino morto. A quem pertence agora?

—Você deve saber, Andreas. Você me enviou a ele, afinal.

Filho da puta.

Reichen apertou sua mandíbula, os molares quase quebrando pela pressão. Wilhelm Roth. Ele te enviou aqui para fazer isto. Ele te usou para me destruir.

Que Helene não dissesse nada só fez a compreensão do golpe mais profunda. Tão dilacerador como seria olhar os olhos de sua ex-amante e ver uma aparência sem alma da mulher que tinha cuidado, Reichen tinha que ver por si mesmo.

Levantou-se e virou lentamente.

—OH, Cristo. Helene...

Sangue seco salpicado em seu rosto e roupa - quase cada polegada quadrada dela coberta de sangue de seus mais apreciados amigos e familiares. Ela devia estar ali no centro de todo o massacre, uma insensível testemunha não afetada por tudo isto.

Ela não disse nada quando o olhou fixamente, com a cabeça inclinada um pouco para o lado. Seus olhos uma vez brilhantes e ardilosos agora estavam vazios e frios como um tubarão. Abaixo ao seu lado, ela sustentava uma grande faca de cozinha em sua mão. A folha larga brilhava à luz do abajur de cristal da sala de jantar.

—Sinto muito— ele murmurou, seu coração retorcido. —Eu não sabia... quando enviou o e-mail e me deixou a mensagem com o nome de Roth, tentei te advertir. Tentei chegar a você...

Ele deixou que as palavras se desvanecessem, sabendo que as explicações não importavam. Não agora.

—Helene, só sei que sinto. Tragou a bílis que subiu no fundo de sua garganta. —Só sei que realmente me importava. Te amav...

Com um grito de banshee, a Minion se lançou sobre ele.

Reichen sentiu o fio da folha cortando através de seu peito e braço, um profundo corte castigador. Ignorando a dor, fazendo caso omisso da inalação repentina do aroma de seu próprio sangue, agarrou o violentamente agitado braço escravo da mente de Roth e o torceu atrás dela. Ela gritou, opondo-se e lutando enquanto ele puxava seu braço esquerdo para baixo e bloqueava ambos os membros ajustados aos lados de seu corpo. Ela amaldiçoou e gritou, o chamando com nomes vis, cuspindo em fúria.

—Shh— Reichen sussurrou ao lado de seu ouvido. —Shh agora... Se cale.

Como um animal selvagem, Helene se manteve retorcendo-se, permaneceu gritando para que ele a deixasse livre.

Não, corrigiu-se. Não Helene. Esta já não era a mulher que ele conhecia. Foi-se, morta para ele no momento em que trouxe o esquadrão da morte de Wilhelm Roth para dentro deste Darkhaven. Em realidade, por muitas razões, ela nunca foi sua para reclamar. Mas Deus tenha piedade dela, não merecia esse fim. Nenhum dos caídos aqui merecia tal horror.

—Tudo está bem agora— ele murmurou, sua mão direita acariciando as bochechas manchadas de sangue. —Está tudo bem agora, querida.

Um grito saiu disparado de sua garganta enquanto ela puxava bruscamente seu rosto fora de seu alcance.

—Bastardo! Deixe-me ir!

—Sim— ele disse. Arrebatou-lhe a faca. —Terminou agora. Vou te deixar ir.

Com a dor estrangulando-o, Reichen girou a faca em torno de seus dedos e levou a ponta ao seu peito.

—Me perdoe, Helene...

Sustentando-a apertada contra ele, afundou a folha profundamente em seu peito. Ela não fez nenhum som enquanto morria, só deixou escapar um suspiro longo e lento enquanto desinflava em seus braços e desabava ali, frouxa como uma boneca de pano. Tão brandamente como pôde, Reichen deitou seu corpo no chão. A faca caiu de sua mão ao lado dela, revestida com o carmesim brilhante de seus sangues mesclados.

Reichen deu um longo e inquebrável olhar aos restos do que tinha sido seu lar. Agora que tudo tinha terminado, queria memorizar cada mancha de sangue, cada vida que se interrompeu por causa de sua falta de atenção. Seu engano. Ele precisava recordar, porque em pouco tempo nada disto existiria.

Não podia permitir que nada permanecesse, não assim.

Tampouco ia deixar que estas mortes fossem insatisfeitas.

Reichen deu meia volta e se afastou da matança. Suas botas ecoaram no chão de madeira na sala, seus passos o único som na horripilante tumba maciça. No momento em que chegou ao jardim na frente da propriedade, seu peito não estava mais apertado, mas frio.

Tão frio como uma pedra.

Tão frio como a vingança que tinha a intenção de visitar Wilhelm Roth e todos os associados com ele.

Reichen se deteve brevemente na grama iluminada pela lua. Ele se virou para a mansão e, por um momento, simplesmente a viu em sua perfeita e estranha quietude. Então sussurrou uma oração, palavras antigas que se sentiam oxidadas em sua língua por seu abandono.

Não é que a oração lhe fizesse nenhum bem agora. Estava abandonado, agora mais que nunca. Realmente sozinho.

Reichen baixou sua cabeça até seu peito, invocando seu terrível talento. Encheu-se em seu interior, um calor que rapidamente se intensificou, formando um fundido e revolto círculo em suas vísceras.

Ele o deixou crescer. Deixou-o girar e ganhar força até que seu interior se sentiu abrasado por sua fúria.

E ainda o conteve.

Manteve-o em seu interior até que a bola de fogo golpeou contra sua caixa torácica, fumaça e cinza flutuando até queimar o fundo de sua garganta. Até que a bola de fogo o consumiu, iluminando todo seu corpo com um resplendor muito quente. Cambaleou sobre seus calcanhares, lutando por mantê-lo até que soubesse que desataria a total destruição instantânea.

Por último, com um rugido cheio de dor, Reichen soltou o poder de dentro dele.

Um disparo de calor saiu de seu corpo, derramando e girando enquanto avançava para a frente, uma esfera de pura energia explosiva. Como um míssil lançado num objetivo por um laser, o círculo disparou dentro da porta aberta da mansão Darkhaven. Um segundo depois, detonou, uma coisa de impressionante beleza infernal.

Reichen foi golpeado de volta com o estalo sônico da explosão.

Deitou-se na grama, observando com satisfação desinteressada como as chamas e as faíscas e fumaça devoravam inclusive os menores pedaços do que tinha sido sua vida.

 

Estamos carregados e preparados para partir, Renata. Precisa de mais tempo antes de sairmos?

Em pé no caminho de cascalho diante da casa principal, Renata girou quando Nikolai se aproximou por trás.

—Não, não necessito mais tempo aqui. Estou pronta para deixar este lugar.

Ele abraçou-a, envolvendo-a em sua força.

—Acabo de falar com Gideon. Tegan, Rio, e os outros estão fazendo bons progressos. Eles devem estar em nosso ponto de encontro em uma hora.

—Está bem. Certo.

Renata se inclinou em seu abraço, feliz pela calidez de seu refúgio... e seu amor. Nikolai a tinha mantido perto dele no refúgio de videira até que o sol se pôs, acalmando seus temores com seu corpo, transportando-a longe da feia realidade que originalmente os tinha unido - e do que poderia acontecer esta noite, quando eles finalmente teriam a oportunidade de enfrentar Edgar Fabien.

A verdade era, que ela estava preocupada com o que poderiam encontrar. Uma preocupação profunda até os ossos, e embora Nikolai não havia dito nada que sugerisse que tinha dúvidas também, ela podia dizer que sua mente estava carregada de pensamentos que parecia decidido a esconder dela.

—Pode me dizer, você sabe. Ela saiu de seus braços e o enfrentou. —Se tiver um mau pressentimento a respeito desta noite... pode me dizer.

Algo cruzou sua expressão, mas ele não disse nada. Ele sacudiu sua cabeça. Colocando um casto beijo na sua testa.

—Não sei o que podemos encontrar com Fabien. Mas posso te dizer que aconteça o que acontecer, vou estar ali com você, certo? Vamos sair disto.

—E uma vez que tenhamos Fabien, vamos procurar Mira,— disse ela, procurando seus olhos. —Certo?

—Sim—, disse ele, com seu inquebrável e acerado olhar que sustentou estável. —Sim, eu prometi. Dei minha palavra a respeito. Não vou te faltar.

Ele a atraiu para ele uma vez mais, capturando-a num afeto que parecia pouco disposto a deixá-la ir. Renata o sustentou também, escutando o forte, rítmico palpitar de seu coração sob sua orelha... e perguntando-se por que seu próprio pulso parecia estar soando uma advertência em suas veias como uma sentença de morte.

 

                 * * * * Tiamat – World * * * *

 

Em uma remota fazenda abandonada de cem hectares a algumas horas ao norte de Montreal, o bosque da noite estremeceu com o gemido de um motor de combustão interna e o excesso de velocidade de um bote que passava através do lago geralmente desabitado. A terra e o lago, bem como o transporte proporcionado a Dragos para chegar neste lugar pertenciam a Edgar Fabien.

Embora Fabien tivesse sido uma decepção recentemente, Dragos supôs que o Líder Darkhaven merecia algum crédito pela aproximação de duas vertentes para esta reunião importante. Enquanto o resto dos assistentes chegaram ontem à noite de automóvel, esta noite, um bote rápido tinha sido enviado para levar Dragos do pequeno atracador, depois que um hidroavião o havia trazido da cidade por outro caminho interno de água sobre a característica propriedade de Fabien. Depois do reverso sofrido há poucas semanas, durante a reunião de Dragos com a Ordem, ele tinha ficado muito mais cauteloso sobre como viajava ao ar livre, entre outras coisas. Ele tinha chegado muito longe agora para correr riscos. Tinha arriscado muito para perder tudo por um descuido ou incompetência de outros.

Lançou um olhar depreciativo para o outro passageiro sentado no bote com ele. O rosto do Caçador permanecia impassível no resplendor leitoso da Lua sobre suas cabeças, seu enorme corpo perfeitamente imóvel mesmo quando o condutor girou o leme e o bico da proa do bote conectou diretamente com a água para desviar-se para o cais solitário que se encontrava mais adiante na costa.

O Caçador provavelmente sabia que se dirigia para sua própria morte. Tinha fracassado em sua missão de matar o Gen Um em Montreal, o que pedia um incrível castigo. Ele seria cuidado esta noite, e se Dragos pudesse usar este castigo como uma demonstração adicional de seu poder diante dos tenentes que estavam reunidos para dar as boas vindas agora, melhor.

O motor do bote mudou para uma marcha inferior, quando chegaram ao cais não iluminado e modesto onde Edgar Fabien esperava para saudá-lo. Os vapores do gás formaram redemoinhos fora da água, asquerosamente doces. A reverência profunda de Fabien e a boa vinda aduladora tinha um efeito similar.

—Meu Senhor, é a honra de toda uma vida dar a boa vinda em meus domínios.

—De verdade,— Dragos arrastou as palavras enquanto dava um passo fora do bote sobre as tábuas de madeira escura do cais. Ele fez um gesto para que o caçador o seguisse, e não perdeu a reação de Fabien quando divisou o tamanho e a imensidão do Gen Um que prestava serviços à ordem de Dragos. —Está todo mundo reunido no interior?

—Sim, Senhor. Fabien saiu de sua reverência e se precipitou a caminhar ao lado de Dragos. —Tenho boas notícias. O guerreiro que escapou da contenção foi eliminado. Tanto ele como a mulher que o ajudou. Um de meus ajudantes agarrou a dupla, e ontem à noite enviei uma equipe com meus melhores agentes para limpar o problema.

—Está seguro que o guerreiro está morto?

O sorriso de suficiência de Fabien ressoou.

—Aposto minha própria vida nisso. Enviei capacitados profissionais para a tarefa. Confio em sua habilidade de forma implícita.

Dragos grunhiu, sem deixar-se impressionar.

—Que grande comodidade deve ter esse tipo de confiança em seus subordinados.

A confiança de Fabien vacilou com a espetada, e esclareceu a garganta com estupidez.

—Meu Senhor... noutro momento, se quiser.

Dragos dispensou o Caçador de sua presença com um gesto cortante.

—Aproxime-se da casa e me espere. Não fale com ninguém.

Quando o assassino Gen Um caminhou a passos longos para a frente, Dragos fez uma pausa para girar um olhar impaciente para Fabien.

—Meu senhor, eu esperava, quer dizer, pensei que um presente poderia ir bem—, gaguejou ele. —Para celebrar este importante evento.

—Um presente? - Antes que pudesse perguntar a Fabien o que pensava que Dragos poderia necessitar dele, Fabien estalou os dedos e um agente de execução surgiu das sombras das árvores circundantes, empurrando uma menina diante dele. A menina parecia perdida na escuridão, seu cabelo loiro brilhando como cabelo de milho, seu pequeno rosto perdido debaixo dele. —Qual é o sentido disto?

—Uma jovem Companheira de Raça, Meu Senhor. Meu presente para você.

Dragos contemplou à menina desamparada, impressionado. As companheiras de raça eram um acontecimento bastante raro entre as populações humanas, isso era certo, mas ele preferia as férteis, em idade de procriar. Esta garota não estaria pronta por vários anos, o que sem dúvida mostrava que Fabien tinha algo mais a respeito dela.

—Pode mantê-la—, disse Dragos, reatando sua viagem para a reunião. —Tenha seu homem conduzindo o bote através do lago enquanto nos encontramos. Chamarei pelo rádio quando o necessitar.

—Vá—, Fabien ordenou em resposta, então voltou novamente ao lado de Dragos, tão ansioso como um cão mendigando pelas sobras. —Meu Senhor, sobre a menina... em realidade, você deve ver por si mesmo. Ela está dotada de um talento extraordinário que estou seguro saberá apreciar. Ela é um oráculo, meu Senhor. Fui testemunha por mim mesmo.

Contra sua vontade, a curiosidade prendeu sua atenção. Seu passos desaceleraram, continuando, deteve-se.

—Traga-a.

Quando ele girou ao redor, o sorriso impaciente de Fabien ficou ainda mais amplo.

—Sim, Senhor.

A menina foi conduzida a ele uma vez mais, resistindo em seus passos, seus obstinados calcanhares cravando-se nas velhas agulhas de pinheiro e na areia que enchiam o pequeno cais. Ela tentou lutar contra o guarda vampiro que a sustentava, mas era um esforço inútil. Ele simplesmente a empurrou para frente até que ela ficou de pé diretamente na frente de Dragos. Ela manteve seu queixo para baixo, com seu olhar posto no chão aos seus pés.

—Levanta a cabeça,— Fabien ordenou, mal esperando que obedecesse, antes de pegar sua cabeça com ambas as mãos e a obrigar a olhar para cima. —Agora, abre seus olhos. Faça!

Dragos não sabia muito bem o que esperar. Ele não estava absolutamente preparado para a palidez surpreendente de seu olhar. A íris da menina era tão clara como espelhos de cristal e tão impecável que imediatamente o fascinaram e hipnotizaram. Ele era vagamente consciente que Fabien vaiou de emoção, mas toda a atenção de Dragos estava arraigada na menina e no brilho tênue incrível de seus olhos.

E então ele viu... um brilho de movimento na meditação pacifica. Viu uma forma movendo-se através das espessas sombras - um corpo que acreditou reconhecer como o seu próprio. A imagem ficava mais clara quanto mais olhava fixamente, absorto e impaciente por ver mais do presente que Fabien havia descrito. Era ele.

Era seu refúgio também. Inclusive envolto na névoa escura, as imagens que se mostravam eram intimamente familiares. Viu o laboratório subterrâneo, as celas de contenção… a jaula de luz UV que continha sua maior arma na guerra que estava preparando por todos estes séculos. Tudo estava ali, revelando-se a ele através dos olhos desta menina Companheira de Raça.

Mas então, um momento de alarme surpreendente.

Seu laboratório antigo, tão rigidamente assegurado e ordenado, estava em ruínas. As celas de contenção tinham sido deixadas abertas. E a jaula de luz UV... estava vazia.

—Impossível—, murmurou ele, golpeado por um temor sombrio, furioso.

Ele piscou com força, várias vezes, querendo limpar a visão de sua cabeça. Quando abriu os olhos outra vez, viu algo novo nos olhos malditos da menina... algo ainda mais incompreensível.

Viu a si mesmo, pedindo por sua vida. Chorando, abatido.

Lamentável. Derrotado.

—É isto algum tipo de puta brincadeira? Sua voz tremia tanto com a raiva como com outra coisa muito fraca para admitir. Arrancou seu olhar da moça e o fixou em Fabien.

—Que diabos significa isto?

—Seu futuro, Senhor. A cara de Fabien se pôs completamente pálida. Sua boca se moveu durante um momento sem expressar som algum, então, finalmente balbuciou, —A menina... viu você, ela é um Oráculo. Ela me mostrou em pé aqui, nesta grande reunião, apresentando uma visão de seu futuro que o agradava enormemente. Quando o vi, soube que tinha que salvá-la para você, meu senhor. Tinha que oferecê-la a você, não importava o custo.

O sangue de Dragos era como lava ardendo por suas veias. Ele deveria matar este idiota aqui e agora, só por este insulto.

—É óbvio que interpretou mal o que viu.

—Não!— Fabien exclamou, agarrando a menina e girando ao redor dela. Deu a ela uma sacudida forte. —Me mostre outra vez! Demonstre que não me engano, maldita!

Dragos observou tão imóvel como uma pedra, enquanto Fabien olhava atentamente seus olhos. O grito horrorizado do líder Darkhaven disse tudo o que ele tinha que saber. Ele cambaleou para trás, tão branco como uma folha. Golpeado como se tivesse testemunhado sua própria morte.

—Não entendo—, murmurou Fabien. —Tudo mudou. Você tem que acreditar, senhor! Não sei como ela mudou a visão, mas a pequena bruxa está mentindo agora. Ela tem que estar!

—Tire-a da minha frente,— Dragos grunhiu ao guarda da Agência de Execução que a sustentava. —A levarei comigo quando for, mas até então, não quero ver nem um fio de cabelo dela.

O guarda assentiu com a cabeça e afastou a menina, virtualmente arrastando-a até a casa.

—Senhor, rogo isso—, suplicou Fabien. —Me perdoe por este... lamentável engano.

—Tratarei contigo mais tarde—, disse Dragos, sem preocupar-se em externar a ameaça reflexiva no fundo de suas palavras.

Ele reatou sua marcha para a reunião, mais decidido que nunca a fazer que sua autoridade, - incomparável poder - fosse compreendido por todos.

 

Estava completamente escuro quando Niko e Renata chegaram às coordenadas que Gideon tinha enviado do imóvel de Edgar Fabien ao norte. O líder Darkhaven evidentemente possuía um pedaço considerável de mata, o suficientemente longe de Montreal para que a zona ao redor permanecesse amplamente sem explorar: Acre após acre de enormes coníferas e zonas verdes, sem uma alma viva à vista exceto por um ocasional veado ou alce americano que se erguia com o primeiro aroma do vampiro armado que se arrastava através de seu santuário natural.

Nikolai tinha corrido sozinho para reconhecer a zona durante os últimos poucos minutos. Uma casa de dois andares feita de troncos e pedra estava metida num grosso canto do bosque. Um estreito caminho sem pavimentar, apenas o suficientemente largo para um veículo, cortava através das árvores na parte dianteira da casa. Niko saltou esse passeio para a proteção dos bosques, tomando nota dos dois agentes da lei vestidos como SWAT, plantados no meio do caminho e os três grandes Humvees estacionados em fila única justo para fora da porta principal da zona. Três guardas vampiros mais, rifles M16 a ponto, cobriam a entrada. Leste e oeste estavam também sob vigilância com um sentinela armado.

Embora não figurava que eles deixariam a parte traseira do lugar vulnerável a infiltrações, Niko se moveu ao redor desse caminho para fazer uma idéia da extensão do terreno. Ouviu a suave capa de água inclusive antes de ver o tranqüilo lago e o cais vazio na borda uns trezentos metros atrás da casa. Na parte traseira do lugar outra dupla de agentes da lei permanecia de guarda.

Maldição.

Entrar no lugar para pegar Fabien não ia ser fácil. A menos que ele e a Ordem voassem, se queriam tirar o sócio de Dragos dali iam ter que ferir uns quantos guardas da agência no processo. E isso sem considerar o grupo desconhecido de vampiros da raça que tinham acompanhado o líder do Darkhaven de Montreal aqui ontem à noite. Levar Fabien esta noite sem muitas baixas civis podia raiar o impossível. Dobre esse cálculo quando o problema de resgatar Mira for acrescentado à combinação. Assim, basicamente a rede de seu reconhecimento era que a merda provável era conseguir muita confusão aqui por uns dois dias.

E então estava a situação com Renata.

Uma das coisas mais duras que Nikolai já fizera foi passar o dia inteiro com ela, sabendo que a tinha enganado. Ele queria dizer- depois que fizeram amor, depois que o honrou com o presente de seu sangue e o vínculo completo que agora os unia eternamente. Tinha querido dizer-lhe uma dúzia de vezes, numa dúzia de momentos diferentes, mas egoistamente, mantinha a verdade oculta por sua própria proteção. Ele ainda mantinha a esperança que ela entenderia sua cautela - que inclusive poderia estar agradecida que a fizesse esperar para saber a localização de Mira até que ele e os outros guerreiros tivessem uma oportunidade montar uma sólida estratégia de evacuação.

Sim, seguia dizendo-se isso, porque não queria considerar outras alternativas.

Afastando o arrependimento que perseguia seus passos e o medo que seguia arrastando-se por trás de seu pescoço, Nikolai se moveu a uma melhor posição de acesso aos bosques. Ele olhou através dos ramos de pinheiro, vários dos ocupantes da casa enquanto passavam por uma janela no andar térreo. Fez uma rápida recontagem dos vampiros da raça encapuzados enquanto andavam a passos longos como um grupo para outra zona do lugar. Cinco, seis, sete… e então outro, este sem o capuz negro lhe cobrindo.

Oh, Cristo.

Nikolai o conhecia. Tinha visto o filho da puta de perto e pessoalmente só umas poucas semanas antes, quando uma missão para a Ordem tinha enviado Niko a encontrar-se com um dos oficiais da mais alta fila na agência da lei. Nesse momento, o homem usava um apelido de larga permanência - um dos dois falsos nomes que a Ordem tinha descoberto não fazia muito. Agora eles conheciam o bastardo por seu verdadeiro nome, o único cujo traidor pai Gen Um antes o tinha levado também.

Dragos. Maldita… seja.

Durante semanas a Ordem tinha investigado exaustivamente procurando nas mínimas coisas para encontrar Dragos, tudo sem êxito. Agora ele estava aqui, na frente deles como um peixe num barril. O bastardo estava aqui. E maldito seja, ia cair esta noite.

Niko se tranqüilizou na volta pelo matagal, então arrastou o traseiro na direção sul, onde tinha deixado Renata com seu carro esportivo roubado da agência. Não podia esperar para chamar Tegan e Rio e lhes dar estas boas notícias.

 

A confusão e angústia de Edgar Fabien sobre seu presente arruinado para Dragos lhe sentou como um espectro enquanto ele e os outros seguiam seu recém chegado líder à sala de conferências do refúgio norte. Sabia que era perigoso, geralmente mortal, desagradar Dragos, algo que tinha evitado muito bem até agora. Mas ele também sabia- enquanto assumia que o resto dos vampiros da raça se reuniam aqui para este encontro –que Dragos tinha comprado todos por um objetivo específico. Esta ia ser uma noite histórica. Seriam recompensados, Dragos tinha prometido, por seus anos de sociedade encoberta e lealdade para um objetivo comum.

Depois de tanto tempo e esforço passados congraçando-se com Dragos durante as décadas passadas, Fabien só rezava que não tivesse jogado tudo fora naquele instante perto do cais.

—Sentem-se,— Dragos ordenou enquanto se apresentava e tomava seu lugar na frente da sala de reuniões.

Ele vigiava enquanto Fabien e os outros seis, todos ocultos atrás de seus capuzes negros, ocupavam as cadeiras que estavam reunidas ao redor do bloco de granito polido que servia como mesa de conferências.

—Todos nos reunimos aqui nesta sala porque compartilhamos um interesse comum- que é o de ser o atual e futuro estado de nossa raça. — Fabien assentiu de acordo sob seu capuz, igual fizeram o resto da mesa. —Compartilhamos um rancor comum pela corrupção de nossas linhas de descendência pela mancha de humanidade e pela maneira ambiciosa em que os que estão no poder dentro da raça escolheram para nos governar com respeito à inferioridade humana. Desde que as primeiras sementes da raça foram semeadas neste planeta, o vampirismo degenerou em uma grande e triste vergonha. Com cada nova geração nascida, nossa descendência cresce mais e mais mesclada com a humanidade. Nossos líderes preferem que nos ocultemos do mundo dos Homo sapiens, todos com medo de serem descobertos, e mascarando essa covardia com leis e políticas supostamente feitas para proteger o segredo de nossa existência. Estivemos debilitados pelo medo e o segredo. Já é hora que mude, e necessitamos um Novo e poderoso líder.

Agora os assentimentos chegaram mais vigorosos, os acordos murmurados mais ferventes.

Dragos começou sem pressa na frente da sala, suas mãos juntas sem apertar à costas.

—Nem todos compartilham nosso desejo de mudar radicalmente as falhas passadas e restaurar a raça a uma posição de poder. Nem todos vêem o futuro que nós vemos. Alguns diriam que o preço é muito alto, os riscos muito grandes. Mil desculpas para explicar por que a raça deveria manter seu status quo e não tomar os passos valentes requeridos para aproveitar o futuro ao que temos direito.

—Ouça, ouça,— Fabien interferiu, ansioso por esse futuro o lambendo como uma chama.

—Estou encantado de que todos vocês nesta sala entendam o fato que devem dar um passo valente— disse Dragos. —Cada um de vocês, individualmente, teve um papel no avanço de nossa visão ao seguinte nível. E o fizeram sem perguntas, sem conhecer o outro… até agora. Nosso próprio momento de segredo acabou. Por favor— disse ele, —tirem seus capuzes, e nos deixem começar a fase mais nova de nossa aliança.

Fabien estendeu a mão para o pano negro que cobria sua cabeça, a insegurança fazendo seus dedos duvidarem. Se deteve até que alguns dos outros assistentes tiraram seus capuzes antes de encontrar coragem para tirar o seu.

Por um momento, nenhum dos vampiros da raça disse uma palavra. Olhadas passaram ao redor da mesa, alguns presunçosos com reconhecimento de olhares conhecidos, outros cautelosos pelos estranhos agora, que com esta confissão de mal-intencionada traição, seriam seus mais profundos aliados. Fabien conhecia várias das caras que devolveram seu olhar- todos Darkhaven de alta fila ou oficiais da agência da lei, alguns do EUA e outros de fora.

—Somos um conselho de oito— anunciou Dragos. —Como os antigos que chegaram aqui há tanto tempo. Somos, todos nós, a segunda geração de filhos desses poderosos ultramundos. Logo, uma vez que o último vampiro Gen Um seja eliminado, estaremos entre os mais velhos e poderosos de nossa raça. Cada um de vocês ajudou nesse esforço, ou proporcionando as localizações dos membros que restavam de nossa primeira geração ou apoiando a causa com companheiras de raça para levar as sementes de nossa revolução.

—E sobre a Ordem? - perguntou um dos assistentes europeus, seu acento alemão era afiado como uma lâmina de barbear. —Esses dois guerreiros Gen Um com quem ainda temos que lutar.

 

—E o faremos— disse Dragos sem problemas. —Estarei planejando o ataque direto na Ordem muito em breve. Depois de seu recente golpe contra mim, será um prazer pessoal enterrar sua operação e ver os guerreiros – e suas companheiras - encontrarem a morte.

Um diretor da agência da lei da Costa Oeste do EUA se inclinou para trás em sua cadeira e arqueou suas sobrancelhas castanhas.

—Lucan e seus guerreiros sobreviveram a outros ataques antes. A Ordem existe desde a Idade Média. Não cairão sem luta - uma muito dura e sangrenta.

Dragos riu entredentes.

—OH, eles sangrarão. E se tudo sair como espero, pedirão misericórdia e não receberão nenhuma. Não do poderoso exército que terei às minhas ordens.

—Quando começaremos a criar esse exército? - alguém mais no grupo perguntou.

O sorriso de Dragos se encheu de malícia.

—Começamos faz cinqüenta anos. Na verdade, esta revolução começou inclusive faz muito mais tempo que isso. Muito mais.

Todos os olhos estavam cravados nele enquanto passeava a passos largos até um computador portátil que tinha mandado Fabien preparar na sala. Enquanto digitava uma ordem no teclado, o grande monitor plano da sala de conferências se elevou do chão. Dragos deu mais instruções e logo esse escuro monitor piscou, mostrando o que parecia ser um laboratório de investigação.

—Um satélite conecta com uma de minhas fortalezas,— explicou, usando o controle manual para controlar a câmara do outro lado da conexão. —É aqui onde estive colocando as peças—. O olho da câmara vagava para um muro de cilindros criogênicos codificados, depois passou por uma frota de microscópios, computadores e copos contêineres de DNA alinhados em filas nas mesas. Em meio a todo este equipamento estavam vários subordinados cientistas vestidos com máscaras e jalecos brancos.

—Parece um laboratório de genética,— disse o alemão.

—E é,— respondeu Dragos.

—Que tipo de experimentos está dirigindo?

—De todo tipo. Dragos voltou para o teclado e teclou outra seqüência de comandos. A câmara do laboratório se voltou escura, só para ser substituída com outra vista, esta era um ângulo panorâmico de um longo corredor alinhado com celas da prisão. Embora da posição da câmara fosse difícil distinguir algo exceto as mais rudimentares formas, era óbvio que as celas continham mulheres, algumas delas com crianças.

—Companheiras de raça,— tomou fôlego Fabien. —Devia haver vinte ou mais ali. —Nem sempre sobrevivem aos procedimentos e provas, assim que o número tende a flutuar,— disse Dragos em tom de conversa. —Mas tivemos nossos êxitos com o processo de reprodução. Essas mulheres e as que estiveram antes delas estão dando a luz ao maior exército que este mundo jamais viu. Uma armada de assassinos Gen Um que estarão sob minhas ordens.

Um silêncio tão grande como uma capa de inverno caiu sobre a reunião.

—Gen Um? perguntou o diretor da Costa Oeste. —Isso não pode ser possível. Necessitaria um dos Antigos para produzir uma primeira geração de vampiros da raça. Todos foram exterminados pela Ordem faz uns setecentos anos. O próprio Lucan declarou Guerra a todos os Antigos e viu que nenhum sobreviveu.

—Viu? - sorriu Dragos, mostrando as pontas de suas presas. —Acredito que… não.

 

Com uns poucos golpes mais de teclado, mostrou a vista de outra câmara na conexão do satélite. Desta vez o foco se localizava numa grande sala cheia de segurança, que tinha em seu centro uma cela cilíndrica construída com fachos de luz. Os raios ultravioleta emitidos da jaula de barras verticais estavam piscando, inclusive na tela.

E continha dentro dessa jaula de raios ultravioleta uma criatura nua e sem cabelo que de pé mediria dois metros. Seu corpo nu era imenso, cada polegada dele coberto de dermaglifos. Ele elevou a vista enquanto as lentes da câmara zumbiam sobre ele de algum lugar da câmara. Pupilas e olhos âmbar, mas devoradas pelo fogo que ardia fora de suas órbitas, reduzido com letal consciência. A criatura saiu de sua posição de cócoras e se preparou para atacar, só para receber de novo o calor das barras ultravioleta que o deixavam prisioneiro. Abriu sua boca e deixou sair um furioso rugido que não precisou ser ouvido para ser entendido.

—Meu Deus— mais de um dos assistentes ofegou.

Dragos lançou um olhar mortalmente sóbrio sobre o grupo.

—Contemplem… nossa revolução.

 

O telefone móvel de Lex vibrou no centro do console do carro esportivo. Renata o pegou e olhou a tela digital: Chamada desconhecida.

Merda.

Ela não podia estar segura se a chamada era para Lex ou para Nikolai, posto que estava usando o telefone para chamar e receber chamadas da Ordem. Ela não sabia quanto tempo estaria fora em reconhecimento, e estava a ponto de perder a cabeça esperando por ele. Ela precisava fazer algo. Ao menos sentir que estariam fazendo algum progresso para encontrar Mira logo…

O telefone móvel seguiu vibrando em sua mão. Ela pressionou o botão de responder mas não disse nada. Só abriu a linha e deixou que quem chamava se revelasse primeiro.

—Olá? Niko, está aí, amigo? A profunda voz denotava um acento espanhol, tão quente e suave como caramelo. —Sou Rio, meu hom...

—Ele não está aqui— disse Renata. —Estamos em posição no lado norte da cidade, esperando que vocês cheguem. Nikolai está fora em reconhecimento. Não deve demorar muito.

—Bem— disse o guerreiro. —Já estamos quase chegando, em aproximadamente 45 minutos. Deve ser Renata.

—Sim.

—Quero te agradecer por salvar o traseiro de nosso menino ai. O que fez foi… bem, ele é afortunado de te ter trabalhando ao seu lado. Todos somos. - Ela podia ouvir a genuína preocupação e gratidão na voz do vampiro, e se encontrou muito curiosa por conhecer os outros guerreiros que Nikolai chamava de amigos. —Está tudo bem aí? Você está bem? Se mantendo alerta?

—Estou bem. Só ansiosa para que tudo isto acabe esta noite.

—Entendo— respondeu Rio. —Niko nos disse sobre a menina, Mira. Lamento pelo que passou, sabendo que um doente como Fabien está retendo-a. Sei que não deve ter sido fácil esperar o dia todo para se encontrar conosco.

 

—Não, não foi. Sinto-me tão inútil— confessou ela. —Odeio esse sentimento.

—Lamento tudo isso. Não vamos deixar que nada ocorra esta noite quando entrarmos ali, Renata. Estou seguro que Nikolai te explicou que pôr nossas mãos sobre Edgar Fabien é crítico para a Ordem, mas vamos dar o melhor de nós para que a menina saia de toda esta situação bem.

Um súbito frio impregnou seu peito enquanto as palavras de Rio se afundavam.

—O que disse?

—Ela vai ficar bem.

—Não… isso que não deixariam que nada ocorresse esta noite… ali dentro…

Do outro lado da linha, um longo silêncio se marcou.

—Ah, Cristo. Niko não te disse nada sobre o vídeo que temos do Darkhaven de Fabien ontem à noite?

O calafrio nela se voltou mais frio agora, o gelo estendendo-se de seu peito a seus membros.

—Um vídeo…de ontem à noite— respondeu ela paralisada. —O que havia nele? Viu Mira? OH, Deus. Fabien fez algo? Me diga.

—Mãe de Deus,— disse com uma larga exalação. —Se Niko não te disse isso… não estou certo que seja eu a te contar agora.

—Me diga, maldito seja.

Ela ouviu um estrondo de conversa rápida ao fundo antes que Rio finalmente cedesse.

—A menina está com Fabien e outros que ainda não identificamos. Recolhemos a informação de uma câmara de segurança no Darkhaven de Fabien. Foram-se ontem à noite e os seguimos até a propriedade onde está agora.

—Ontem à noite— murmurou Renata. —Fabien esteve retendo Mira aqui… desde ontem à noite. E sobre Nikolai… vai me dizer o que ele sabia? Quando ouviu tudo isto? Quando?

—Tenho que pedir que agüente aí um momento mais— disse Rio. —Tudo vai ficar bem…

Renata sabia que o guerreiro estava ainda falando, ainda dando consolo, mas sua voz se apagou lentamente de sua consciência como osso –uma profunda ira e medo- uma dor tão profunda que acreditava que poderia destruí-la em pedaços, sepultá-la. Ela fechou o telefone, cortando a chamada e deixando o artefato cair no chão a seus pés.

Mira estava aqui desde ontem à noite, com Fabien.

Todo este tempo.

E Nikolai sabia.

Ele sabia, e o ocultou. Ela poderia estar aqui há horas –nas horas de sol- fazendo algo, algo, para ver Mira a salvo. Em vez disso, Nikolai tinha oculto deliberadamente a verdade e, como resultado, ela não fez nada.

Não totalmente nada, ela admitiu, golpeada com culpabilidade pelo prazer que tinha desfrutado enquanto Mira estava sozinha a uma hora de seu alcance.

—OH, Deus!— sussurrou ela, sentindo-se doente com o pensamento.

Ela era vagamente consciente dos passos aproximando-se do veículo, seus sentidos elevando-se antes que sua mente pudesse processar o som. O vínculo de sangue que agora compartilhava com Nikolai lhe disse que era ele antes que sua escura forma aparecesse no guichê. Ele abriu a porta do carro esportivo e entrou como se pisassem em seus calcanhares.

—É Dragos,— disse ele, procurando no console, procurando no assento pelo telefone móvel. —Maldito seja, não posso acreditar nisso, mas era ele. Só vi o filho da puta dentro da casa com Fabien e os outros. Dragos está aqui- justo em nossas mãos. Onde demônios está esse telefone?

Renata o olhou fixamente, olhando como uma estranha enquanto ele se inclinava para a frente e estendia a mão para o telefone móvel que permanecia aos pés dela no chão do veículo. Ela mal ouvia o que estava dizendo. Apenas se preocupava agora.

—Mentiu.

Ele se voltou para trás, o telefone de Lex em sua mão. O rangido de adrenalina que tinha iluminado seus olhos se reduziu um pouco quando encontrou seu olhar.

—O que?

—Confiava em você. Disse que podia confiar em você, que podia contar com você, e o fiz. Acreditei em você, e me traiu. - Ela tragou saliva passando o terrível nó de sua garganta e forçando a si mesma a tirar as palavras. —Mira está aqui. Esteve aqui com Fabien desde ontem à noite. Sabia disso… e não me disse.

Ele estava tranqüilo, mas nem sequer tentava negar o que ela dizia. Ele olhou o telefone em sua mão como se acabasse de dar-se conta de como tinha descoberto seu engano.

—Podia ter estado aqui, Nikolai. Há horas, podia ter estado aqui, fazendo algo para tirar Mira das mãos desse monstro!

—Pelo que exatamente não te disse— disse amavelmente.

Ela se sentia uma boba, com o coração quebrado.

—Traiu-me.

—Fiz para te proteger. Porque te amo.

—Não— disse ela, agitando sua cabeça para evitar ser tomada por idiota de novo. —Não. Não diga isso. Como pode dizer isso quando usou todas essas palavras para me manter distraída, para me fazer acreditar que realmente se preocupava por mim enquanto você e seus amigos da Ordem faziam planos ao meu redor?

—Não é assim. Nada do que ocorreu entre nós hoje - nada do que disse tem a ver com a Ordem. Hoje era sobre você e sobre mim… era sobre nós.

—Merda!— Ele estendeu a mão para ela e ela recuou, fora de seu alcance. Ela abriu a porta e saiu do carro esportivo. Ele estava fora do veículo e ao seu lado, bloqueando-a com seu corpo, tudo tão rápido que ela inclusive não pôde dar um passo.

—Se afaste de mim, Nikolai.

—Aonde vai? - perguntou ele amavelmente.

—Não posso me sentar aqui por mais tempo e não fazer nada—. Ela deu um passo ao redor dele mas continuava plantado ali de novo. A sutileza desapareceu rápido, substituída por uma firmeza que dizia que ele a manteria ali com grilhões se pensasse que o necessitava.

—Não posso deixar que faça isso, Renata.

—Essa não é sua escolha— ela lançou, tremendo com medo e indignação. —Maldito seja, nunca foi sua escolha me foder!

Ele grunhiu uma maldição e a agarrou.

Renata mal sabia o que fez até que ele ficou paralisado a meio caminho, segurando sua cabeça entre suas mãos. Ele vaiou, seus olhos arrojando brilhos âmbar enquanto lhe dirigia um olhar horrorizado e furioso.

—Renata. Não o faça.

O atacou de novo, todo seu medo por Mira e sua dor por sua traição verteram dela numa corrente castigadora de dor mental. Nikolai caiu de joelhos, rugindo e retorcendo-se pela dor que ela tinha desencadeado nele.

Renata se afastou dele, no bosque, antes que permitisse a si mesma ser dissuadida pelo arrependimento que já estava crescendo nela.

 

A casa estava sob forte armamento, guardada por todos os lados. Era impossível entrar sem ser notado, pelo menos por um dos agentes de execução vestidos com o equivalente vampiro a equipe da SWAT antiterrorista. Cada um deles estampava um atire-primeiro-pergunte-depois, desde sua escura viseira no capacete preto e equipamentos de combate, até os rifles automáticos pendurados.

Graças aos agentes que tinham invadido a casa de Jack na outra noite, Renata e Nikolai tinham conseguido transporte, uniforme e armas. Ela não se iludia que teria a sorte de chegar ao edifício, mas à primeira vista, vestida como eles, os agentes de plantão podiam pensar que era um dos seus.

Ela vestiu o capacete que tinha trazido com ela do SUV e fechou o visor colorido. Adotando a postura de um soldado o melhor que podia, Renata saiu da mata e se aproximou do vampiro que guardava o lado oeste da casa.

O agente a viu imediatamente.

—Henri? Que porra estava fazendo lá fora?

Renata deu de ombros, ergueu o braço bom num gesto de vá para o inferno. Ela não correria o risco de falar com ele, não mais que correria o risco de usar sua arma para derrubar esse obstáculo do caminho. Se o derrubasse, teria toda a segurança na bunda dela. Não, tinha que manter a calma e apenas continuar caminhando na direção dele com a esperança que não abriria fogo se suspeitasse de algo.

—Qual o problema com você, idiota?

Renata deu de ombros novamente. Chegando mais perto.

Seus dedos coçavam para fazê-lo voar - ele era um alvo fácil como um tronco, mas o mais leve cheiro de sangue derramado chamaria a atenção de todos os vampiros ao redor. Renata sabia que tinha que aproximar-se o suficiente para chegar nele com sua mente. Sua única opção era atingi-lo com uma explosão rápida e sólida.

—Ingrato de merda, Henri, volte ao seu posto—, disse o agente grunhindo. Ele estendeu a mão para um pequeno dispositivo de comunicação em seu cinto. —Estou chamando Fabien para denunciá-lo. Se quiser mijar fora, vá em frente, mas eu não quero fazer parte disso.

Usando todo seu poder, Renata lançou uma descarga selvagem de energia a partir de sua mente e enviou ao vampiro estrelar-se contra uma árvore. Suas palavras sufocaram com um grunhido e ele caiu como uma pedra. Manteve a descarga até que ele ficou em silêncio. Quando ficou certa que estava morto, inclinou-se e tirou tanto a arma dele quanto seu dispositivo.

Renata abriu a porta de entrada lateral e deu uma rápida olhada na área interna. Estava limpa. Ela deslizou para dentro, o coração martelando no peito, a respiração ofegante contra a viseira fechada de seu capacete.

Depois da fúria por Nikolai não dizer a ela que Mira estava aqui com Fabien, agora só tinha gratidão com a Ordem pela prova visual da localização da criança. Era tarde demais para saber como tinham ficado as coisas com Nikolai. Tarde demais para se preocupar se deveria ter esperado por ele e seus irmãos de armas para apoiá-la. Parte dela sabia que tinha sido injusta, mas tinha ido muito longe para voltar.

Ela tomou uma decisão impulsiva e emocional baseada em sentimentos feridos. Foi uma decisão que poderia custar a amizade que tinha com Nikolai, talvez até mesmo seu amor, mas mesmo já lamentando, não podia ser desfeito. Nikolai poderia nunca perdoá-la por colocar em risco sua missão, ela entenderia se ele não pudesse.

Agora, ela só podia rezar para que Mira não pagasse o preço.

 

Niko despertou com o zumbido irritante de um celular ao lado de sua cabeça. Ele estava no chão ao lado do veículo. Não fazia idéia de quanto tempo estava lá. O celular vibrou novamente, mexendo na grama e folhas velhas, que se espalhavam pelo chão da floresta. Levou quase toda a sua força mover a mão para pegar a maldita coisa. Desajeitadamente, abriu o aparelho. Tentou dizer algo, mas só conseguiu um seco grasnido.

—Sim—, disse ele mais uma vez, forçando seus membros a arrastarem-se para cima e encostar-se contra a roda dianteira do SUV.

—Niko? A voz de Rio veio através do receptor, pesada com a preocupação. —Você parece uma merda, amigo. Fale comigo. O que está acontecendo?

—Renata—, disse ele, segurando sua cabeça em suas mãos. —Se enfureceu...

Rio amaldiçoou.

—Sim, deduzi isso. Minha culpa, homem. Não sabia que não estava a par sobre a menina ter sido levada na noite passada.

—Ela se foi—, Niko disse. Notou que todos os seus sentidos começaram a ficar on-line como um interruptor num gerador de reserva jogado dentro dele. —Ah, merda, Rio ... eu a enfureci e agora ela foi em busca de Mira por conta própria.

—Madre de Dios.

Na outra ponta da linha, ouviu Rio dar a Tegan e aos outros um rápido esboço da situação. —Isso não é o pior, meu homem—, acrescentou Nikolai, ignorando a dor do tiro em sua cabeça enquanto se levantava do chão e dava uma corrida impressionante para a parte traseira do SUV. —Esta reunião de Fabien é maior do que pensávamos... Dragos está aqui também.

—Você tem certeza disso?

—Eu vi o desgraçado com meus próprios olhos. Ele está aqui. Nikolai foi pegar as armas automáticas na parte traseira tão rápido quanto seus braços lentos poderiam se mover. Ele cobriu o corpo com fuzis, enfiou uma pistola na parte traseira de seu uniforme roubado do agente de Execução e outra num coldre no tornozelo. —A casa está cercada por guardas, assim quando você chegar aqui, entre a pé e se dividam.

—Niko, o que você está fazendo?

Ele não respondeu; sabia que seu velho amigo não ia gostar da resposta. Em vez disso, puxou revistas extras e clipes do veículo, carregando com munição tudo o que podia carregar.

—Tem dois homens no meio do estacionamento e três na frente do lugar. Retire-os primeiro e terão o caminho limpo.

—Nikolai. A voz de Rio era baixa com a advertência. —Amigo, você não está pensando direito agora... não.

—Ela está lá dentro, Rio. Junto com Dragos e Fabien, e Deus sabe quem mais... e ela está sozinha. Eu vou atrás dela.

Rio soltou algo desagradável em espanhol.

—Fique atento. Estamos a dez minutos de distância e estamos acelerando, cara.

Niko fechou a parte de trás do SUV.

—Estou indo pelo perímetro.

—Porra, Nikolai, se esta mulher quer se matar, não é seu problema. Nós vamos ajudá-la no que pudermos, mas...

—Ela é minha companheira, Rio. - Nikolai soprou uma maldição. —Estamos ligados pelo sangue... e eu a amo. Eu a amo mais que minha própria vida.

O suspiro do guerreiro soou pesado com compreensão e derrota.

—Suponho que não há nenhum ponto que diga que você está desafiando as ordens diretas de Lucan, se for lá agora. Se Dragos está no lugar faz esta merda ainda mais crítica e você sabe disso. Precisamos de você parado e esperando para voltar.

—Não posso fazer isso—, respondeu Nikolai.

Ele fechou o telefone e lançou-o pela janela do motorista aberta. Então saiu para ir encontrar sua mulher.

 

Dragos se permitiu deleitar-se com o temor de seus subordinados quando ficaram assombrados com o Antigo apanhado em sua cela UV da prisão na tela. Do assombro de suas caras – a absorta incredibilidade – qualquer um pensaria que ele conseguiu prender a luz numa garrafa. Na verdade, o que tinha conseguido nestas últimas décadas era algo ainda maior do que isso.

Os sete machos da raça que se reuniram com ele no quarto já o olhavam como um deus, e justamente por isso. Ele era o arquiteto de uma revolução que iria transformar o planeta inteiro. Hoje à noite eles testemunhariam a história, e o começo de um futuro que tinha projetado pessoalmente.

—Como pode ser isso? Alguém murmurou. —Se realmente é um dos antigos que foi pai de nossa raça, como sobreviveu à guerra com a Ordem?

Dragos sorriu enquanto andava mais perto da tela.

—Meu pai era um membro original da Ordem... mas foi, em primeiro lugar, o filho desta criatura. Durante o banho de sangue perpetrado pela Ordem, quando Lucan declarou guerra aos antigos, meu pai e seu pai alienígena fizeram um pacto. Em troca do poder compartilhado no futuro, meu pai iria escondê-lo até a histeria passar. Infelizmente, depois de fazer sua promessa, meu pai não sobreviveu à guerra. Mas o antigo sim, como podem ver.

—Então, pretende cumprir o acordo de seu pai com essa... coisa? - Fabien perguntou, sua expressão como a de um cãozinho que acaba de perder seu osso para um lobo selvagem.

—O Antigo está totalmente sob meu controle. Ele é uma ferramenta que utilizo quando e como se adapta a mim e à nossa causa.

—Como assim?- Perguntou outro do grupo.

—Permita-me mostrar.

Dragos caminhou até a porta da sala de conferências. Ele estalou os dedos para Hunter que esperava lá fora, então virou de volta para seus associados como o grande Gen Um obedientemente em seus calcanhares.

—Tire sua camisa—, ele ordenou a Hunter.

O enorme macho obedeceu em silêncio, desnudando os ombros enormes e o peito sem pêlos coberto por uma densa rede emaranhada de glifos. Mais de uma cabeça se voltou para o monitor para comparar as marcas da pele hereditárias da criatura contido dentro da célula UV.

—Eles tem dermaglifos semelhantes—, Fabien engasgou. —Este macho é da família do Antigo?

—Um Gen Um filho, criado com o único propósito de servir a causa—, disse Dragos. —Todos os caçadores em meu exército pessoal são os mais fortes, as armas mais letais do mundo. Eles foram especialmente criados e treinados sob minha direção. São assassinos sem falhas, e são infalivelmente leais a mim.

—Como pode estar certo disso? - Perguntou o líder darkhaven de Hamburgo, um homem sagaz que, sem dúvida apreciaria a demonstração em tempo real que Dragos tinha em mente.

—Você percebe que Hunter usa um colar. É um dispositivo de monitoramento GPS, mas também está equipado com um laser ultravioleta. Cada caçador usa um, a partir do momento que pode andar. Eu posso acompanhar todos os seus movimentos, localizá-lo num instante. E se me desagrada, de qualquer maneira —, disse Dragos, lançando um olhar significativo a Hunter rigidamente em pé ao lado dele, tudo que preciso é um simples controle remoto e o laser ativa, emitindo uma luz UV fina como uma navalha no pescoço do caçador, cortando sua cabeça.

Um ou dois homens na mesa trocaram olhares desconfortáveis.

Foi o alemão quem falou primeiro, os olhos brilhantes.

—O que acontece se o colar for adulterado, ou removido?

Dragos sorriu, não para o alemão, mas para o próprio Hunter.

—Vamos ver?

 

Apesar de seu instinto gritar com toda sua fluência como um ladrão à espreita, Renata caminhou pelo corredor oeste do covil de seus inimigos como se tivesse todo o direito de estar lá. Ela ouviu o baixo ruído de conversa masculina vindo de uma das grandes salas nos fundos. Noutra parte da casa, não havia nada, mas calma, até que...

Soluços suaves de uma criança chegavam a partir de uma escada que conduzia ao segundo andar.

Mira.

Renata voou pelos degraus e seguiu os gritos até o final do corredor. A porta do quarto estava trancada por fora. Ela passou a mão na parte superior do batente, mas não encontrou nenhuma chave.

—Maldição—, sussurrou tirando uma de suas lâminas da lateral de sua calça.

Ela encravou no ponto entre a porta e o batente apenas acima da fechadura e fez uma alavanca dura. A madeira rachou, afrouxando um pouco. Mais duas vezes e, finalmente, tinha espaço suficiente para abrir. Com agitação e mãos ansiosas, Renata abriu a porta.

Mira estava lá, graças a Deus.

Estava sem véu, e assim que olhou para cima e viu a figura vestida de preto entrando na sala se encolheu no canto com terror absoluto.

—Mira, sou eu—, disse Renata, abrindo a viseira escura. —Está tudo bem agora, garota. Eu estou aqui para te levar para casa.

—Rennie!

Ajoelhando, Renata estendeu os braços. Com um pequeno grito, Mira voou em seu abraço.

—Oh, ratinha,— Renata sussurrou, dando beijos aliviados no topo da cabeça loira. —Eu fiquei tão preocupada com você. Me desculpe, eu não vim mais cedo. Está tudo bem, querida?

Mira assentiu com a cabeça, os braços pequenos em volta do pescoço de Renata.

—Eu estava preocupada com você também, Rennie. Eu estava com medo de nunca ver você de novo.

—Eu também, criança. Eu também. Renata odiava soltá-la, mas ainda tinha que sair de lá antes que Fabien e seus companheiros chegassem. Ficou de pé, levantando Mira nos braços. —Temos que correr agora. Se abrace em mim, certo?

Renata ainda não tinha descido dois degraus com a criança quando as explosões rápidas de tiros irromperam de todas as direções em algum lugar fora da casa.

 

Dragos estava ansioso para demonstrar a beleza tecnológica do colarinho UV do Caçador quando o inferno desabou fora da reunião. Ele disparou um olhar mortal a Edgar Fabien quando o grupo pulou de seus assentos em alarme atordoado.

—O que está acontecendo lá fora? - Ele exigiu do seu anfitrião. —Essa é outra de suas incompetências?

O rosto estreito de Fabien tinha uma sombra pálida.

—Eu não sei, senhor. Seja o que for, tenho certeza que meus agentes resolverão.

—Foda-se seus agentes!— Dragos rugiu. Ele tateou para o rádio e emitiu uma ordem para o motorista levar o barco, então olhou para o rosto do caçador. —Fora, agora. Lide com isso. Mate todos em seu caminho.

O caçador, o altamente treinado soldado obediente e impecável apenas ficou ali, imóvel como um pilar de pedra.

—Fora. Eu te ordeno!

—Não.

—O que? - Dragos não podia acreditar em seus ouvidos. Ele sentiu os olhares de seus subordinados fixos nele. Ele podia sentir sua descrença, sua dúvida. Um silêncio floresceu, maduro, com expectativa. —Eu lhe dei uma ordem direta, Hunter. Faça-o, ou vou terminar com você aqui e agora.

Com tiros chegando nos muros da casa, o caçador teve a audácia de olhar Dragos nos olhos e balançar a cabeça.

—De qualquer forma, estou morto. Se me quer lutando para que possa viver, desative o meu colar.

—Como ousa sequer sugerir...

—Está perdendo tempo—, disse ele, aparentemente imperturbável pelo caos crescente à sua volta. —Liberte-me deste colar, seu filho da puta arrogante.

Apenas então, um dos fracos vigias de Fabien veio correndo para a porta aberta.

—Senhor, estamos recebendo tiros provenientes de todo o perímetro. Não podemos ter certeza ainda, mas deve haver um exército sobre nós a partir da floresta.

—Oh, Jesus—, Fabien engasgou. —Oh, doce Cristo! Vamos todos morrer!

Dragos rosnou em fúria, sem a menor confiança que os guardas de Fabien pudessem encontrar suas próprias bundas, muito menos proporcionar uma cobertura adequada para o grupo de altos machos da raça que estavam olhando atualmente para Dragos como seu líder para ajudá-los a fugir. Esperando que ele decidisse se os salvava ou derrubaria sua prometida revolução de uma só vez.

—Terminamos aqui—, ele rosnou. —Todo mundo para fora pela porta traseira, para o barco. Sigam-me.

Quando o grupo começou a sair em torno dele, Dragos lançou um olhar ameaçador por cima do ombro ao Hunter. Nenhum homem disse uma palavra – o ódio mútuo era suficiente para ler em seus olhares, quando Dragos pôs a mão no bolso e recuperou o dispositivo que controlava o colar de Hunter e digitou o código que o desativava.

No instante que o colar clicou em ponto morto, o Caçador estendeu a mão e arrancou-o do pescoço. Então, com um olhar de descrença, de fria determinação, ele caminhou para fora da porta em direção ao centro da perturbação.

Nikolai sorriu para si mesmo quando sua tática de distração criou confusão repentina e maciça em todo o lugar. Os agentes em guarda corriam precipitadamente ao redor em pânico total, mais de um recebeu um golpe da explosão de disparos que vinham de todas as direções do bosque. Niko convocou a uma videira do enredo de ramos sobre sua cabeça no bosque e fez com que o ramo enrolasse ao redor do gatilho de sua última M16 escondida.

Quando a videira fez como as anteriores, segurando o fuzil no alto e aplicando uma pressão cada vez maior no gatilho, o corredor verde cresceu mais grosso e mais forte, então Niko correu para a entrada lateral da casa.

Não foi difícil encontrar Renata. Seu vínculo de sangue era um farol para ele, levando-o através da parte traseira do lugar para um vôo por cima das escadas. Renata estava descendo, Mira apertada em seus braços. Ela viu seu olhar e, por um instante infinito, nenhum dos dois disse uma palavra. Nikolai queria dizer como estava arrependido. Como estava aliviado que ela encontrasse a criança ilesa.

Ele tinha mil coisas que queria dizer a Renata naquele momento, principalmente que a amava e que sempre a amaria.

—Rápido—, ouviu-se murmurar. —Precisamos sair daqui agora.

—O tiroteio está por toda parte—, disse Renata, a preocupação marcando suas feições.—O que está acontecendo?

—Apenas diversão. Tive que criar uma oportunidade para conseguir que você saísse daqui.

Ela parecia aliviada, mas só por um segundo.

—Fabien e os outros ... Eu os ouvi saindo pelo caminho detrás há alguns minutos atrás.

—Estou nisso—, Niko disse. —Agora vá. Não pare por nada. Leve Mira de volta para o veículo. A ordem deve chegar a qualquer minuto.

—Nikolai.— Fez uma pausa olhando Renata firmemente, esperando ouvir o perdão, senão uma afirmação que ela ainda podia amá-lo depois de tudo que tinha acontecido. Ela prendeu seu olhar, formando um vinco entre as sobrancelhas. —... seja cuidadoso.

Ele deu-lhe um aceno triste, não sentindo suas habituais altas de adrenalina na espera do combate. Aqueles dias pareciam séculos atrás, quando nada mais importava para ele, exceto a glória da batalha e o triunfo da vitória, por mais sem sentido que fosse.

Agora tudo importava, sobretudo quando Renata estava preocupada. Sua segurança e felicidade eram tudo que importava, mesmo que isso significasse que ele não poderia estar na foto.

—Leve Mira de volta para o veículo—, disse novamente. —Mantenha sua cabeça baixa e fique segura. Nós vamos tirar você daqui.

Ele esperou até que Renata saiu correndo, então foi para a porta dos fundos da casa por onde seus inimigos tinham fugido.

 

A lancha estava parada na doca quando Dragos e os outros correram ladeira abaixo para pegá-la. Ao redor da floresta e até perto da casa, os agentes de Fabien mexiam-se como formigas que tinham acabado de perder sua casa. Tiros iluminavam a noite, de modo casual, era impossível dizer qual rajada vinha dos aliados e quais dos aparentes intrusos.

Tudo que Dragos sabia era que não ficaria para enfrentar a Ordem ou esperar que alguém o derrubasse.

Quando ele e seu grupo começaram a subir no barco, Dragos colocou-se no caminho de Edgar Fabien.

—Não há espaço a bordo para você—, disse para o líder darkhaven de Montreal. —Você nos prejudicou bastante com sua idiotice. Você fica aqui.

—Mas... senhor, eu, por favor, posso garantir que não vou decepcioná-lo novamente.

Dragos sorriu, mostrando as pontas de seus dentes.

—Não, você não vai.

Com isso, levantou uma pistola 9 mm e disparou um tiro mortal direto entre os olhos redondos de Fabien.

—Vamos!—, Ordenou ao condutor do barco, Edgar Fabien apagado de sua mente completamente quando o motor rugiu e a embarcação os levou até o hidroavião que esperava na outra extremidade do lago.

 

Ele chegou fodidamente tarde.

Niko encontrou alguns agentes em seu caminho até o lago, mas quando chegou lá, da rápida lancha se via pouco mais que uma agitação na água. Nikolai disparou alguns tiros atrás deles, mas estava apenas perdendo balas. O cadáver de Edgar Fabien jazia na doca de madeira. Dragos e os outros já estavam do outro lado do lago, agora.

—Maldição.

Com a fúria e determinação o alimentando, Nikolai começou a correr ao longo da costa, chamando a velocidade sobrenatural que todos os da sua espécie possuíam quando precisavam. O barco era rápido, mas a água estava cercada de terra. Em algum ponto Dragos e seus companheiros teriam que desembarcar e pegar outro meio de fuga. Com alguma sorte, poderia alcançá-los antes que fugissem.

Ele não sabia o quão longe estava - uma milha provavelmente - quando de repente seu peito gelou de medo.

Renata.

Algo estava errado. Terrivelmente errado. Ele podia sentir suas emoção nele como se fossem suas. Ela, corajosa, imperturbável Renata, estava agora morrendo de medo.

Ah, Cristo.

Se alguma coisa acontecesse com ela...

Não. Ele não podia sequer pensar nisso.

Com todos os pensamentos sobre Dragos deixados de lado, Nikolai virou e continuou em alta velocidade, rezando como o inferno para chegar a tempo.

 

Ela não tinha visto o vampiro enorme vindo por ela.

Num minuto estava cortando o mato escuro com Mira firme em seus braços, e no seguinte se viu olhando para o rosto implacável e impiedosos olhos dourados de um macho da raça, cujo imenso torso nu, ombros e braços estavam cobertos por um espesso padrão de dermaglifos.

Era um Gen Um; Renata soube instintivamente. Seus instintos também diziam que este macho era mais letal que a maioria, frio como pedra.

Um assassino.

O terror a cobriu como uma maré negra. Ela sabia que se o atacasse era melhor ter certeza que poderia matá-lo rapidamente, ou então ela e Mira seriam mortas no mesmo instante. Ela não se atreveu a tentar quando Mira podia sofrer, se ela falhasse.

Mãe do céu, tinha chegado tão longe, finalmente tinha Mira abrigada em seus braços, a poucos passos da liberdade...

—Por favor—, Renata murmurou, desesperada por atrair a mais leve misericórdia. —A criança não. Deixe-a ir... por favor.

Seu silêncio era irritante. Mira tentou levantar a cabeça do ombro de Renata, mas Renata gentilmente a empurrou de volta para baixo, não querendo que ela se assustasse com o mensageiro da morte que sem dúvida tinha sido enviado pelo Edgar Fabien ou pelo próprio Dragos.

—Vou colocá-la no chão—, Renata disse a ele, sem ter certeza que a compreendia, e muito menos se cumpriria. —Assim... deixe-a ir. Eu sou a que você quer, não ela. Só eu.

Os olhos de falcão dourado seguiam cada movimento de Renata enquanto cuidadosamente tirava Mira de suas mãos e, lentamente colocava os pés da menina no chão. Renata colocou-se entre o assassino e a criança, rezando que a morte dela fosse suficiente para satisfazê-lo e seu mestre do mal.

—Rennie, o que está acontecendo? - Mira perguntou por trás de suas pernas, as mãos pequenas segurando as calças de Renata enquanto olhava ao seu redor. —Quem é esse homem?

O vampiro deixou seu olhar de pedra viajar até a origem daquela voz minúscula. Ele olhou. Sua cabeça raspada virou lentamente para o lado. Então, ele fez uma careta.

—Você—, disse ele, com uma voz tão profunda que tremeu todo o caminho até à medula Renata. Algo sombrio passou em seu rosto. —Deixe-me vê-la.

—Não—, declarou Renata, segurando Mira atrás dela e bloqueando-a como um escudo. —Ela é apenas uma criança. Não fez nada contra você ou qualquer outra pessoa. Ela é inocente.

Ele lançou a Renata um olhar tão feroz que quase a derrubou.

—Me-deixe-ver-seus-olhos.

Antes que pudesse recusar mais uma vez, antes que pudesse pensar em alguma forma de pegar Mira e fugir o mais rápido possível, Renata sentiu Mira dar um passo para sair detrás dela.

—Mira, não.

Tarde demais para interromper o que ia ocorrer, Renata só pode olhar com terror quando Mira caminhou direto para fora e olhou para cima, subindo, para o duro olhar do mortal vampiro Gen Um.

—Você—, disse ele novamente, olhando duro para o doce rosto de Mira.

Renata poderia dizer o momento em que começou a testemunhar o presente de Mira. Seus olhos dourados ficaram tempestuosos, e ele olhava, absorto, quando a criança mostrou certos eventos a acontecer. Ele chegou mais perto, muito perto, quando os braços maciços poderiam atacar e quebrar Mira sem uma pitada de advertência.

—Não,— ela deixou escapar, mas ele já estava chegando em Mira.

—Está tudo bem, Rennie,— Mira sussurrou, em pé diante dele tão inocente como uma criancinha que vagava na cova dos leões.

E foi então que Renata percebeu que algo de extraordinário estava para acontecer.

—Você me salvou—, ele sussurrou, com as mãos enormes nos pequenos ombros de Mira. O vampiro se ajoelhou, ficando em seu nível. Quando ele falou, a voz mortal estava tranquila, com espanto e confusão. —Você salvou minha vida. Eu vi, agora em seus olhos. Eu vi naquela noite também...

 

O coração de Nikolai gelou no peito, um crescente pânico, medo, cheio de gelo. Com o tiroteio ainda em erupção na área, ele tinha dado uma volta pela floresta até o lugar onde seu sangue tinha mostrado que encontraria sua companheira apavorada.

Renata estava lá. Na escuridão da floresta enluarada, imóvel como uma estátua e olhando um imenso vampiro Gen Um agachado diante de Mira, segurando a criança com suas enormes mãos.

Jesus Cristo.

Niko moveu seus pés sem som, rastejando para se aproximar e tentar encontrar uma posição em que poderia atirar sem colocar Renata ou a menina no fogo cruzado.

Derrube-o, Renata.

Faça-o cair e corra como se o inferno estivesse aí.

Ela não lançou seu poder mental sobre ele. Ela não tentou contrair um dedo na direção de qualquer uma de suas armas, psíquica ou de outra forma. Não, para seu horror, ela nem sequer se moveu. Só ficou ali, no centro do que rapidamente se transformaria numa tempestade infernal de sangue e violência.

O próprio medo de Niko nesse momento era insondável. Tudo o que sentia era o terror rasgando-o por dentro, seus ossos gelados, um desespero tão selvagem dentro do seu coração que batia como um tambor no peito.

Ele tirou as pistolas 9 mm de seus coldre laterais e avançou. Embora estivesse se movendo a um ritmo que apenas um da raça poderia controlar, Renata olhou para cima. Ela sentiu-o ali, mexendo o ar ao seu redor, mesmo que os olhos não conseguissem registrar sua velocidade. O sangue dele lhe disse que estava perto, assim como o seu sempre a encontraria.

Ele estava muito consumido pela raiva para notar que ela olhava para ele com alarme e não para o inimigo vampiro que enfrentava.

Nikolai avançou como um flash de movimento, totalmente preparado para matar. Ele parou logo atrás do grande Gen Um, as duas pistolas apertadas contra os glifos que seguiam até a parte traseira do crânio raspado do vampiro.

Tudo aconteceu num piscar de olhos, mas parecia em câmara lenta na consciência de Nikolai.

Ele engatilhou as armas, os dedos nos gatilhos.

Os olhos de Renata se abriram. Ela balançou a cabeça.

—Niko espere... não!

O Gen Um soltou Mira, deixando as grandes mãos caírem ao seu lado. Ele nem sequer reagiu às armas apontadas em sua cabeça. Seu peito expandiu quando puxou uma respiração longa, então deixou-a sair em um suspiro resignado.

Ele não estava lutando contra sua morte.

Ele não se importava se morresse.

E então Mira gritou, a voz da criança alta com o medo.

—Não! Não o machuque!

Nikolai assistiu incrédulo e com espanto total quando Mira arremeteu e jogou seus braços em torno dos ombros largos do Gen Um.

—Por favor, não o machuque!— Ela chorou, olhando para Niko suplicando enquanto tentava proteger o vampiro desajeitado com seu corpo minúsculo.

 

—Nikolai. - Renata prendeu seu olhar quando ele a olhou, incrédulo, as duas pistolas de grande porte ainda armadas e prontas, niveladas na cabeça do Gen Um. —Nikolai... por favor, está tudo bem. Basta esperar um segundo.

Ele franziu a testa, mas sua atitude guerreira relaxou um pouco.

—Levante-se—, ordenou o vampiro. —Levante, e fique longe da criança.

O Gen Um obedeceu sem qualquer comentário, lentamente, soltando os braços de Mira do seu pescoço e empurrando-a para longe enquanto levantava.

Niko se moveu para enfrentá-lo, as armas ainda sobre ele, quando orientou tanto Renata quanto Mira a ficar atrás dele.

—Quem diabos é você?

Os olhos sóbrios, inexpressivos fitaram a terra.

—Eu sou chamado Hunter.

—Você não é um agente executor—, disse Nikolai cautelosamente.

—Não. Eu sou um caçador.

Renata trouxe Mira para perto, segurando-a enquanto o caos na floresta e na casa morria lentamente em torno deles.

—Seus olhos, Nikolai—, disse ela, entendendo agora. —Ele é o Olhos-Dourados, o assassino que tentou matar Sergei Yakut naquela noite. Ele é o que Mira viu no alojamento.

A expressão de Nikolai escureceu.

—É verdade? Você é um assassino de aluguel?

—Eu era. - O Hunter deu um aceno triste e, finalmente, levantou o olhar. —A criança me salvou. ... Algo mudou em mim depois que eu vi a visão nos olhos dela naquela noite. Eu a vi salvar minha vida, exatamente como aconteceu há pouco.

No instante seguinte, a floresta ganhou vida com homens armados se deslocando sobre eles de todas as direções. Nikolai tinha suas armas na mão, mas não fez nenhum movimento para disparar sobre as ameaças recém-chegadas. Renata entrou em pânico.

—Ah, merda. Niko.

—Está tudo bem. - Ele a acalmou com um olhar tranquilizador e algumas palavras gentis. —Estes são os rapazes bons, meus amigos da Ordem.

Ela observou quando quatro dos guerreiros amigos de Nikolai entraram na área. Todos eram formidáveis no tamanho e atitude, um grupo de músculos e força que parecia sugar todo o ar da floresta pela sua simples presença.

—Como vai, amigo? Tudo bem aqui? —, Perguntou a voz suave de caramelo que agora Renata reconhecia como pertencente a Rio.

Nikolai assentiu com a cabeça, os olhos e armas ainda no Gen Um.

—Tenho tudo sob controle, mas a situação na casa está toda fodida. Edgar Fabien está morto, e Dragos e os outros fugiram pela costa. Foram de barco para o outro lado do lago. Tentei segui-los, mas... Olhou para Renata. —Tinha que me assegurar que tudo estava bem aqui primeiro.

—Nós ouvimos um motor de avião pequeno zumbindo quando chegamos—, disse Rio.

—Merda—, Nikolai sussurrou. —Eram eles, sem dúvida. Se foram. Raios, Dragos estava aqui e nós perdemos o filho da puta.

—Deixe-me ajudar a encontrá-lo.

Todos os olhos se voltaram para o vampiro ainda detido na mira de Nikolai.

—Por que confiaríamos em você? Nikolai perguntou, estreitando seu olhar. —Por que estaria disposto a nos ajudar a chegar em Dragos?

—Porque ele é a pessoa que me criou. - Não havia calor no tom dourado dos olhos do Gen Um assassino quando respondeu à pergunta, só ódio frio. —Ele me fez o que sou. Eu, e todos os outros caçadores para matar criados por ele.

—Oh, meu Deus,— Renata respirou. —Você quer dizer que há mais como você?

A cabeça raspada acenou sobriamente.

—Eu não sei quantos e onde estão localizados, mas Dragos me disse que não sou o único da minha espécie. Há outros.

—Por que devemos acreditar em você? - Perguntou outro dos guerreiros, este quase tão sombrio quanto a noite ao seu redor, seus dentes e presas brilhando como pérolas contra sua pele marrom.

Outro guerreiro interveio, então, de olhos rápidos e sagazes, astuto como um lobo sob os pontos de ébano de seus cabelos cortados.

—Vamos Tegan diga-nos se podemos confiar nele.

Renata assistiu com espanto, e um pouco de medo quando o maior do grupo, um guerreiro que parecia um fantasma perseguindo as sombras, deu alguns passos a frente. Imenso, com cabelos alourados sob o capuz preto de malha que usava, ele era uma grande placa de músculos e energia sombria. Facilmente tão grande quanto o Gen Um diante dele, esperando seu julgamento.

Sem dizer nada, o guerreiro chamado Tegan estendeu a grande mão. O caçador a pegou, seus olhos tão constantes quanto seu aperto.

Após um longo momento, Tegan deu um aceno vago.

—Ele vem com a gente. Vamos garantir este lugar e dar o fora daqui.

Renata sentiu o enorme peso da tensão do momento ser removido, dando lugar a um novo propósito. O grupo se dividiu, a maioria dos guerreiros indo cuidar das coisas na casa de Fabien enquanto Rio e Nikolai andavam com Renata, Mira, e seu companheiro inesperado de volta ao veículo à espera da Ordem.

Já perto, Nikolai pegou a mão de Renata na dele.

—Encontramos você lá, Rio.

O guerreiro assentiu. A medida que avançavam, Renata olhou maravilhada e atemorizada quando Mira deslizou sua mão muito pequena na palma maior do Caçador.

—Meu Deus—, disse ela a Nikolai. —O que está acontecendo?

Ele balançou a cabeça, claramente surpreso como ela.

—Vou levar algum tempo para descobrir isso, acho. Mas primeiro quero esclarecer as coisas entre nós.

—Nikolai, desculpe.

Ele silenciou-a com um beijo longo, doce, puxando-a em seus braços quentes.

—Eu estraguei tudo, Renata. Eu estava com tanto medo de perder você que a empurrei longe de mim com uma mentira, estúpido imprudente. Eu nunca teria me perdoado, se alguma coisa acontecesse com você ou Mira. Você é meu coração, Renata. Minha vida.

Ele acariciou seu rosto, seu olhar a engolindo, bebendo.

—Eu te amo tanto... eu não quero viver um só momento sem você ao meu lado.

Ela fechou os olhos, dominada pela emoção.

—Eu nunca quis nada mais—, ela sussurrou, sua garganta fechada com alegria. —Eu te amo também, Nikolai. Mas tem que entender que tenho um pacote agora. Mira não é minha filha de sangue, mas é de coração. Eu a amo como se fosse minha.

—Eu sei—, disse sobriamente. —Você já provou isso.

Renata olhou para ele, incapaz de conter a esperança que espremia seu peito.

—Você acha que pode encontrar espaço em sua vida e em seu coração para nós duas?

—O que a faz pensar que não tenha feito isso já? Ele beijou-a novamente, desta vez com ternura. Quando olhou nos seus olhos, seu olhar era tão cheio de amor que varreu seu fôlego. —Vamos sair daqui agora. Eu quero levar minhas meninas para casa.

 

                               Boston. Três noites depois.

O complexo da Ordem pareceu muito diferente a Nikolai quando andou pelo corredor que conduzia do laboratório de tecnologia onde tinha se reunido com os outros guerreiros. A missão de frustrar Dragos tinha levado um golpe significante há algumas noites, mas também tinham ganhado uma vantagem muito inesperada na sua busca e encerramento da operação.

Infelizmente, enquanto o Caçador tomava a forma de um valioso aliado, a Ordem também tinha perdido um aliado crucial e confiável amigo: Andreas Reichen tinha sumido completamente, e a notícia de Berlim era a pior possível. Ninguém sabia se o líder do Darkhaven alemão tinha sobrevivido ao ataque na sua residência. Baseado na matança informada de toda sua família e o fogo que consumiu a propriedade inteira, a Ordem tinha pouca esperança por seu amigo.

Pessoalmente, Nikolai pensou que seria uma pequena misericórdia se Reichen morresse no ataque. Ele sabia que uma perda tão profunda jamais poderia ser superada. Certamente, nenhum homem, raça ou de outra forma, seria forte o suficiente para sair ileso de um golpe tão brutal na alma. Como um guerreiro, Nikolai entendia baixas em combate. Todo guerreiro entrava na batalha sabendo que ele ou seus irmãos podiam não retornar para a base.

Mas perder uma família...

Ele não queria nem mesmo considerar o que isso faria com um homem. Em vez disso, Nikolai se centrou sobre as bênçãos que tinha, uma das quais podia ser ouvida falando baixinho quando se aproximou da porta aberta de seus aposentos particulares.

Renata estava lá dentro, sentada no sofá da sala lendo para Mira.

Por um momento, quando Niko chegou na entrada, ele encostou-se na soleira da porta, simplesmente ouvindo e deleitando seus olhos sobre a bela mulher que agora era sua companheira. Ele adorava ver como Renata ficava tão confortável enrolada com um livro como quando estava segurando uma arma. Ela tinha uma suavidade que ele admirava, uma inteligência que o desafiava continuamente, e uma força interior que o fazia procurar ser um homem digno de sua devoção.

Não prejudicava também que fosse mais quente que o inferno, sobretudo quando ela o fazia desviar o olhar de suas 9 mm com as suas lâminas queridas no treinamento. Kade e Brock tinham estado quase permanentemente na sala de armas nos últimos dias, só pela possibilidade de treinar com Renata ou olhá-la em ação. Nikolai podia culpá-los apenas. Mas quando sentiu o beliscão leve do ciúme, bastou um olhar malicioso de sua mulher para colocá-lo à vontade. Ela o amava, e Nikolai era o condenado mais sortudo do sexo masculino no planeta.

—Oi—, disse agora, olhando enquanto virava a última página de um capítulo e parava para cumprimentá-lo.

—Olá, Niko,— Mira sussurrou sob o véu curto. —Você acabou de perder uma parte muito boa da história.

—Eu o fiz? Talvez possa falar com Renata para ler mais tarde —, disse ele, enviando um olhar aquecido a sua companheira quando entrou na sala. Ele caminhou até o sofá e se encolheu na frente de Mira. —Eu tenho algo para você.

—Sério? - Seu rosto se iluminou com um pequeno sorriso. —O que é isso?

—Uma coisa que pedi a Gideon para você. Tire seu véu e vou mostrar.

Ele não perdeu o olhar protetor de Renata quando Mira afastou o tecido preto longe do seu rosto.

—O que é isto?

—Tudo bem—, disse ele, tirando uma pequena caixa de plástico do bolso da calça jeans. —Você pode confiar em mim. Ambas podem confiar em mim.

Renata relaxou, e olhou quando Nikolai retirou a tampa de um recipiente de lentes de contato.

—Estas são as lentes especiais que Gideon acha que vão ajudar com seus olhos. Você gostaria de nunca mais usar véu de novo?

Mira concordou com entusiasmo.

—Deixe-me vê-las, Niko!

—Que tipo de lentes são estas? - Renata perguntou, cautelosamente otimista.

—Íris opacas para proteger o efeito de espelhamento dos olhos de Mira. Ela será capaz de ver através delas, mas ninguém olhando para ela vai notar nada de incomum sobre os olhos. Suas íris serão cobertas, da mesma forma que o véu cobre. Eu pensei que seriam melhores.

Renata acenou, sorrindo calorosamente para ele.

—Muito melhor. Obrigada.

—Posso experimentá-las? - Mira perguntou, ansiosamente olhando a pequena caixa nas mãos de Niko. —Olha, Rennie, são roxas!

—Essa é sua cor favorita—, disse ela, jogando um olhar interrogativo sobre Nikolai.

Ele tinha mudado muito nos últimos dias, empreendendo um papel que nunca se imaginou, sem falar no fato dele se ajustar tão confortavelmente nele. Ele era um macho com laço de sangue com uma Companheira de Raça que o amava e uma criança para criar como sua. E ele apreciou a idéia de ambos.

Ele, um dissidente e imprudente, tinha uma família própria agora. Era incompreensível para ele, para não mencionar ao resto do complexo. Era a última coisa que sonhou que queria ou precisava, e agora, apenas alguns dias, não poderia ver sua vida de outra maneira.

Seu coração nunca se sentiu tão completo.

—Deixe-me ajudá-lo com isto—, disse Renata, tirando as lentes dele com cuidado e colocando-as em Mira. Quando estavam no lugar há alguns segundos e a criança não se mexeu, Renata pegou um riso pequeno na mão. —Oh, meu Deus. Funcionou, Nikolai. Basta olhar para ela. As lentes trabalham lindamente.

Ele olhou para as piscinas violeta nos olhos alterados de Mira e viu... nada. Apenas o feliz, despreocupado olhar de uma criança.

Renata jogou os braços em volta dele e o beijou. Mira estava bem atrás dela, e Niko pegou as duas num sincero abraço.

—Há mais—, disse, esperando para aproveitar o resto da sua surpresa. Ele se levantou e pegou cada uma delas na mão. —Venham comigo.

Ele as levou pelo corredor até o elevador que subia da sede subterrânea para a enorme mansão acima. Ele podia sentir a apreensão de Renata em seu aperto e no pico de adrenalina em sua corrente sanguínea.

—Não se preocupe, - ele sussurrou contra sua orelha. —Você vai gostar, eu prometo.

Pelo menos, esperava que sim. Ele estava trabalhando nisso durante um dia e meio, tentando fazer tudo certo. Ele guiou Renata e Mira ao coração da propriedade, em direção à luz de velas e o calor da sala de jantar formal. Os aromas de pão e carne assada os receberam. Niko não tinha apreço por comida humana, mas as companheiras de raça que viviam no composto certamente tinham, e a julgar pela aparência das duas mulheres caminhando ao seu lado, elas também.

O espanto brilhou nos olhos de Renata.

—Você fez o jantar?

—Claro que não. Acredite em mim, sou a última pessoa que você quer encarregada por suas refeições. Pedi alguns favores a Savannah, Gabrielle, e as outras mulheres. Seu estômago está em muito boas mãos.

—Mas eu estive com todas elas mais cedo hoje e ninguém disse nada sobre isso.

—Eu queria fazer uma surpresa. Elas queriam surpreendê-la, também.

Ela não disse mais nada, mas ele não pôde deixar de notar que os passos de Renata diminuíam ao chegar mais perto da sala de jantar. Mira, no entanto, pulava com entusiasmo. Assim que chegaram à porta de entrada em arco, ela soltou-se de Niko e correu a mil por hora como se tivesse vivido lá toda sua vida.

Mas não Renata.

Ela ficou em silêncio e imóvel. Ela deu uma olhada para a mesa cheia de pratos de porcelana e enfeites finos e puxou uma respiração superficial. Ela não disse nada quando olhou para o rosto dos guerreiros e suas Companheiras de raça erguidos em boas vindas quando ela e Nikolai pararam na porta.

—Oh, Deus—, ela finalmente sussurrou, sua voz quebrada e ferida.

Niko a seguiu quando ela recuou, voltando pelo corredor.

Maldição. Ele estava tão certo que ela iria desfrutar de um agradável jantar com todos, mas é óbvio que estava errado.

Quando falou com ele, sua voz estava embargada pela emoção.

—Todo mundo está esperando lá dentro... por nós?

—Não se preocupe com isso—, disse ele, puxando-a em seus braços. —Eu queria fazer algo especial para você, e estraguei tudo. Sinto muito. Você não tem que fazer isso.

—Nikolai. - Ela olhou para ele, os olhos brilhantes de lágrimas. —Eu nunca vi nada mais bonito que aquela mesa, com todos ao redor dela.

Ele franziu a testa, confuso agora.

—Então o que está errado?

Ela balançou a cabeça, engolindo um riso estrangulado.

—Nada há de errado. Apenas isso. Nada de errado em tudo. Estou tão feliz. Você me faz tão completamente feliz. Eu tenho medo deste sentimento. Eu nunca soube o que era, e eu estou morrendo de medo que seja apenas um sonho.

—Não é um sonho—, disse ele suavemente, acariciando uma perdida lágrima de seu rosto. —E você pode se segurar em mim se sentir medo. Eu vou estar aqui ao seu lado enquanto quiser.

—Para sempre—, disse ela, sorrindo para ele.

Nikolai assentiu.

—Sim, amor. Para sempre.

O riso exaltado de Renata borbulhou fora dela. Ela o beijou duramente, em seguida, aninhada contra seu lado caminhou com ele sob o abrigo do seu braço, voltando a se juntar aos outros. Voltando para se juntar ao resto da sua família.

 

                                                                                Lara Adrian  

 

                      

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