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Series & Trilogias Literarias
Paris, fevereiro de 1862.
Fomos ao longo do Boulevard Sévastopol, Rive Gauche, para fazer enviar uma carta.
Conheci o bairro, há cerca de seis anos, quando era uma rede de ruas estreitas e tortuosas, com casas altas, irregulares, pitorescas, históricas, sujas e insalubres.
Eu costumava ter muita dificuldade para chegar a certos pontos do Quartier Latin do bairro de Faubourg Saint Germain, onde eu estava hospedada.
O Hotel Cluny estava abraçado em um jardim, cujas grades corriam ao lado do Boulevard Sévastopol, um pouco mais adiante. Do mesmo lado, à esquerda, a Igreja da Sorbonne estava bem exposta e a ampla artéria do novo Boulevard corria até os jardins de Luxemburgo, fazendo uma clara passagem de ar e luz, através do quarteirão densamente povoado.
Era um grande ganho em todos os pontos materiais, porém, uma grande perda para a memória e para aquela imaginação que adora repetir os lugares e as pessoas.
A rua em que nossa amiga vivia era velha e estreita, a calçada mal tinha largura suficiente para que uma pessoa pudesse caminhar, e era impossível não ser salpicado pelas carruagens, que jogavam terra nas paredes das casas, até que houvesse uma espécie uma trilha de lama ao longo da rua.
Nas ruas mais grandiosas de antigamente, esta estreiteza não existia. As casas entre a entrada e canteiro, das quais há exemplares em Piccadilly, tinham o alojamento do porteiro, os escritórios e estábulos encostados na rua, a grande entrada intervindo entre o barulho, a azáfama e a casa alta da família que ultrapassava os edifícios baixos na frente.
Mas na rua mais humilde, à qual estávamos presas, havia poucas casas assim, e não pude deixar de me perguntar como as pessoas não se aborreciam em viver no ruído perpétuo, e na forte proximidade da atmosfera barulhenta.
A amiga que íamos ver era a Madame A., que vivia nesta rua, há muitos anos.
Seus quartos eram altos e toleravelmente grandes. A visão sombria das longas janelas estreitas estava escondida pelas cortinas de musselina fechadas, que eram de uma brancura irrepreensível.
Eu conhecia os quartos de outrora. Tivemos que passar pelo sótão para o salão, e, sendo amigas íntimas, entramos em seu quarto.
A sentinela tinha um piso embutido, muito escorregadio e sem tapete, as cadeiras e mesas necessárias, eram os únicos móveis. A pilha de pratos limpos era colocada em cima de um fogão de porcelana, uma fogueira era acesa nele, meia hora antes do jantar, o que aqueceria os pratos, assim como o quarto.
O salão foi agraciado com os belos móveis de trinta ou quarenta anos atrás, mas era uma sala para ser olhada, em vez de usada.
De fato, a família só se sentava nela aos domingos, à noite, quando recebia alguma visita. O piso era de parquete nesta sala, mas aqui e ali, era coberto com pequenos tapetes persas de cores brilhantes diante do sofá, debaixo da mesa central e em frente ao fogo.
Havia os móveis regulares, que eram ao rigor em uma casa francesa de respeitabilidade quando a Madame A. era casada. Os vasos dourados, repletos de flores, cada um sob uma sombra de vidro, o relógio, com a figura de um herói nu, supostamente representando Aquiles, e a face do relógio apoiado em seu escudo, a mesa redonda de mármore, longa, que era o único artigo indispensável em uma sala de desenho francesa.
Todavia, ao todo, o salão da Madame A. não parecia muito habitável, e passamos para o quarto da cama, que tinha pouca luz do dia entrando pelas altas e estreitas janelas, mas brilhante e aconchegante, com uma fogueira cintilante na lareira.
No canto mais distante, estava a cama, um grande poste de quatro colunas, com drapeados que iam e voltavam, de alguma cor quente, que ouso dizer que se mostraria desbotado, se os víssemos de perto, em plena luz do dia do campo, mas que pareciam um fundo pictórico para o resto do quarto.
De cada lado do fogo, havia uma grande cadeira de braços, na frente, um sofá realmente confortável, não elegante, muito duro, e dourado como os sofás da sala de desenho, mas amplo, baixo, limpo, em condições de servir, como ouso dizer para que pudesse dormir nele.
Paralelo a isto, mais longe do fogo, estava uma mesa com a caixa de trabalho da Madame, seus dois vasos de flores, parecendo tão frescos como se as plantas estivessem crescendo em um jardim de campo, os retratos de seus filhos, montados em pequenos cavaletes de madeira, e seus livros de devoção.
Entretanto, a senhora lia mais que livros de devoção. Ela estava no topo da melhor literatura moderna do país.
Ficamos extremamente impressionadas com seus grandes poderes de narração. Ela apreendia os pontos de uma história e os reproduzia na linguagem simples, porém, mais eficaz.
Ela certamente era ajudada nisto por seu rosto nobre e expressivo, ainda trazendo traços de notável beleza no estilo severo e clássico.
Sua gesticulação era diferente, a típica ação francesa, não havia uma ação rápida das mãos e braços graciosos, mas um movimento suave e lento, de tempos em tempos, como se simpatizassem com a expressão variável de seu rosto.
Ela sentou ao lado do fogo, vestida de preto, sua cor constante, que ela vestia como apropriada à sua idade, e não à sua condição, pois, ela não era viúva.
De vez em quando, ela dirigia algumas palavras ternas a um de sua família, mostrando que com todo seu vivo interesse nas histórias que nos contava, seu olho e seu ouvido estavam atentos aos menores sinais de desconforto do outro.
Nossa conversa se desviou para o velho costume francês de receber os convidados ao redor da cama. Era tão correto, que a recém-casada esposa do Duque de São Simão foi para a cama, após o jantar daqueles dias, para receber suas visitas nupciais.
A Duquesa de Maine, da mesma data, costumava ter uma cama no salão de baile em Sceaux, e deitava-se, ou meio-sentada ali, observando os dançarinos.
Perguntei se não havia alguma diferença de vestimenta entre a ocupação diurna e a noturna da cama. Contudo, a Madame A. parecia pensar que havia pouca diferença.
O costume foi posto um fim pela Revolução, mas uma ou duas grandes damas preservaram o hábito até sua morte.
A senhora A. vira frequentemente a Madame de Villette recebendo na cama, ela sempre usava luvas brancas, o que a Madame A. imaginava ser a única diferença entre a roupa do dia e da noite. A Madame de Villette era a filha adotiva de Voltaire e, como tal, todos os inovadores ousados sobre os antigos modos de pensamento e comportamento vieram vê-la, e lhe prestaram seus respeitos. Ela também era viúva do Marquês de Villette e recebeu a homenagem das senhoras e senhores do antigo regime.
Ao todo, suas recepções semanais foram muito divertidas, assim a Madame A contava. A velha Marquesa deitou-se na cama, e ao redor dela, sentou-se a visita, e, como clímax da visita, ela chamava a sua criada para mostrar o presente de Voltaire, que ele lhe legara e que ela preservava em uma pequena caixa dourada.
Então, ela começava e contava anedotas sobre o grande homem, grande para ela, e com alguma justiça. Pois, ele viajara pelo sul da França, e parara para pernoitar na casa de um amigo, onde ficou muito impressionado com a profunda tristeza no rosto de uma menina de dezessete anos, uma das filhas de seu amigo, e, ao investigar a causa, descobriu que, para aumentar as porções das outras, esta jovem mulher deveria ser enviada para um convento, um destino que ela não gostava muito.
Voltaire a salvou, adotando-a, e prometendo um casamento respeitável. Ela vivera com ele por algum tempo em Ferney, antes de se tornar a Marquesa de Villette.
Você se lembrará da conexão existente entre a família de seu marido e Madame de Maintenon, bem como com a segunda esposa de Bolingbroke.
A Madame de Villette foi uma pessoa extremamente inconsciente, pelo julgamento da Madame A.
Suas sentenças geralmente começaram com uma asserção que foi desmentida pelo que se seguiu. Tal como:
— Foi maravilhoso como Voltaire proferiu improvisos espirituosos. Ele se calava em sua biblioteca durante toda a manhã, e, à noite, conduzia graciosamente a conversa ao ponto que desejava, e depois, trazia à tona o verso ou o epigrama que compusera para a ocasião, da maneira fácil e sem premeditação! Ou... Ele era o mais modesto dos homens. Quando um estranho chegava a Ferney, seu primeiro cuidado era levá-lo pela vila e mostrar-lhe todas as melhorias, o bem que ele fizera, e a igreja que construíra. Ele só se acalmava após dar ao recém-chegado a oportunidade de ouvir suas mais recentes composições.
Então, ela mostrava a cadeira de braços, costas altas, forrada por couro, na qual ela dizia que ele escrevia sua Henriade, esquecendo que ele era, naquela época, um homem bastante jovem.
A Madame A. disse que as recepções de Madame de Villette valiam a pena, porque transmitiam uma ideia da sociedade antes da Revolução.
Havia um velho Marquês francês, contemporâneo da Madame de Villette, que vinha regularmente com seu chapéu debaixo do braço, para lhe prestar seu respeito e falar sobre os bons e velhos tempos, quando ambos eram jovens.
Voltaire a chamou de “Belle et Bonne”, pelos epítetos como seu amigo Marquês a saudou ao seu dia de morte.
“Belle et bonne Marquise” mas, ela deixara de ser bela e boa marquesa há muito tempo, até mesmo o outro adjetivo era uma dúvida.
Estamos hospedadas em uma família francesa de classe média, e não pude deixar de notar os modos da vida diária ali, tão diferentes dos da Inglaterra.
Estávamos entre sete, no quarto andar, que era suficientemente amplo para abrigar as duas salas de estar, os quartos, a cozinha e a cômodo para as duas criadas.
Não me desagradava viver em um apartamento, especialmente porque era localizado em Paris.
Vi a mesma modalidade adotada em Edimburgo e Roma, além de outras cidades continentais, mas, como nestas cidades não havia porteiro, eu gostava mais de Paris, porque parecia salvar o trabalho de um criado, pelo menos, e, além disso, havia a vantagem moral de unir senhores e criados em um vínculo familiar mais completo.
Lembro-me de uma jovem, casada, muito charmosa, que fora trazida pelo marido do campo, para dividir sua casa nos prédios Ashley, na Rua Victoria, dizendo que ela teria duas estudiosas dominicais como servas, mas que, se elas tivessem que viver nas profundezas de uma cozinha londrina, ela não as tiraria de suas casas, e, além disso, ela ouviria suas alegrias e tristezas, interessando-se por seus interesses, induzindo-as a cuidar dos seus.
Os franceses pareciam viver nesta agradável familiaridade com seus servos, uma familiaridade que não gerava desprezo, apesar dos provérbios.
O porteiro recebia cartas e encomendas para as diferentes famílias da casa, que ele mesmo geralmente levava até suas portas, ou enviava por um familiar que passasse por ele. Algumas vezes, as cartas e encomendas eram guardadas nos compartimentos apropriados a cada família pelo porteiro, rente as suas portas, e qualquer um dos habitantes que voltasse à casa, olhava para dentro, e raramente perdia a complacência de trazer cartas, cartões, ou pacotes para qualquer família que vivia abaixo de sua face.
O porteiro era pago pelo locador por estes serviços, nos quais estava incluído o transporte para cima ou para baixo de uma quantidade moderada de bagagem. Uma certa parcela de lenha ou carvão, era dado para ele, como pagamento pelo transporte até os respectivos apartamentos, aos quais, eram destinados.
Se ele limpasse os sapatos e facas para qualquer família, eles lhe pagariam separadamente. Ele também esperava um agrado de cada um dos inquilinos, no dia de Ano Novo, geralmente, uma moeda de cada família, e metade dessa soma, de qualquer solteiro que se hospedasse na casa.
Muitas vezes, ele sabia como esperar à mesa, e seus serviços estavam disponíveis para qualquer pessoa que vivesse na casa. Mas ele devia sempre providenciar alguém, em caso de ausência de seu posto. Como os porteiros eram, no entanto, geralmente casados, isso não os pressionavam muito.
Na casa onde estávamos hospedadas, o costume era que cada um que saísse à noite, trancasse seu apartamento, desejando que os criados fossem para a cama na hora habitual, para esconder a chave em algum lugar conhecido e habitual, debaixo do tapete da porta, por exemplo, e para levar uma vela até o porteiro.
Quando voltávamos, tocávamos a campainha, e o porteiro, talvez dormindo em seu posto na entrada, puxava o cordel, e o trinco voava para cima. E, como nos dias da Pequena Cavalgada Vermelha, entrávamos, fechávamos a grande porta, abríamos a outra porta sempre inabalável, acendíamos nossas velas na pequena lamparina fraca, pegávamos nossas cartas, que chegavam pelo último correio, e subíamos silenciosamente as escadas.
Isto parecia inseguro para nossos ouvidos ingleses, pois, parecia que qualquer um entraria, mas acredito haver uma pequena janela de inspeção dos porteiros, que eram usadas em casos de suspeita.
Os franceses, de qualquer forma, as estimavam mais segura que as nossas casas independentes, e dos criados franceses, em uma casa modesta, onde não havia atendentes pessoais, e que ficariam muito indignados se tivessem que se curvar diante de todas as necessidades de seus senhores. Pois, como regra geral, os criados franceses se levantavam mais cedo que os ingleses.
Nesta casa, havia uma sala com lareira, e um piso em parquete, sem carpete, de forma oblonga, com os dois cantos próximos à porta de entrada, cortados para formar armários. As paredes eram revestidas com carvalho. As cortinas das janelas e das portas eram feitas de belas faixas escuras de Algerine.
Até onde podia se ver, os tapetes não eram considerados um artigo de mobiliário necessário na França, mas as portas eram. E, certamente, as ricas dobras desta última e os pisos polidos, dos quais cada migalha ou gota de graxa era limpa imediatamente, me davam muito prazer.
Uma porta, de um lado das janelas, abria-se para o quarto da Madame, e do lado oposto, outra levava para a sala de visitas.
Se fôssemos franceses, deveríamos ter uma xícara de café com e um pedaço de pão, trazidos para nossos quartos, todas as manhãs, mas, em deferência a nós, como estranhos, uma bandeja sem guardanapo, com açúcar, uma panela de cobre contendo o leite fervente que acabara de ser retirado do fogo da cozinha e o jarro branco coberto de café forte e brilhante, era colocado sobre a mesa da sala de jantar. Também, em deferência ao nosso luxo inglês, havia um prato com manteiga. Nossos amigos franceses nunca comiam manteiga, nem pão neste café da manhã cedo. Mas onde estava o pão?
Olhando em volta e finalmente se observava uma cesta, em uma banqueta alta, perto da lareira, que tinha dimensões suficientes para segurar um pão, tão grosso quanto o pulso de um homem. Parecia ser um verdadeiro bastão.
Nenhum de nossos amigos franceses pensava em completar seu aparador para este café da manhã, que de fato, como eu disse, eles levavam isso para seus quartos, se não estivéssemos ali.
Nem era uma reunião de família.
Às vezes, eu avistava as velhas saias pretas de nossa anfitriã, desaparecendo rapidamente em seu quarto, ao som da minha aproximação, e talvez eu encontrasse Nanette, a filha caçula, em uma anágua colorida e uma camisola branca, seu grosso cabelo preto, arrumado sob um gorro que estava no lado de uma touca de dormir.
Ela ficava um pouco vermelha quando ela me deseja Bonjour. Mas, duas horas depois, quem era tão elegante como Nanette em seu vestido limpo, de estilo delicado, seu cabelo preto todo escovado, entrançado e ondulado? Ninguém!
Ela fazia seu trabalho doméstico, ajudando Julie a fazer sua cama, e polvilhando seu quarto, com todos os seus bibelôs e ornamentos.
A Madame ia ao mercado, no centro de Paris, com seu velho vestido preto, para algum armazém que ela conhecia, onde conseguisse comprar um artigo melhor ou mais barato.
Ela pegava o trem, porque, pela manhã, eles não estavam tão lotados, e a Madame voltava para casa, vestida com delicada limpeza, às onze horas, hora do nosso segundo déjeûner, ou o que deveríamos chamar de almoço na Inglaterra.
Este café da manhã consistia geralmente de carne fria, um prato quente de entrada ou vegetais cozidos do dia anterior, uma omelete, pão, vinho e um pote de geleia.
Para nós, nossa amável anfitriã dava chá, mas vi que não era este o costume deles. Era curioso ver como se comia pouca manteiga em uma família francesa. Elas, no entanto, compensavam isso pelo uso muito maior da manteiga na culinária, para misturar aos vegetais, um prato por si só, sempre necessitando de molho, manteiga ou óleo, em seu preparo.
Depois deste segundo dejejum ou para nós, o almoço, nos sentávamos para trabalhar, talvez, Nanette praticasse um pouco, e saímos para um passeio, mas sempre com algum objetivo, de prazer ou negócios, porque uma francesa nunca dava um passeio no sentido constitucional inglês.
Havia livros sobre a sala, mas não tantos como na Inglaterra. Eles não tinham nada equivalente a Mudie em Paris, e os livros de suas bibliotecas em circulação eram de um caráter tão misto, que nenhuma mãe cuidadosa gostava de tê-los deitados sobre a mesa. Na verdade, os romances estavam sob a mesma proibição que na Inglaterra, há setenta ou oitenta anos.
Havia a última Revue des Deux Mondes, e um ou dois panfletos além, deitados no cesto da Madame, e os autores franceses ficavam na estante do armário.
No entanto, de alguma maneira, minhas amigas sabiam o que estava acontecendo no mundo literário de Paris. Os jornais eram adulterados, sendo privados de muito do interesse que normalmente prendem às notícias políticas, contudo, eu geralmente via La Presse mentindo sobre isso.
Uma vez por semana, a Madame recebia tais coisas.
Depois as capas dos livros eram tiradas da mesa para que ninguém pudesse ver, e uma flor nova no vaso, dava o charme.
A Madame e Nanette adiavam o segundo café da manhã, e depois apareciam nos vestidos que usavam nos feriados franceses.
Monsieur estava fora do caminho delas, mas mesmo assim, ficava muito decepcionado se, quando nos encontrávamos no jantar, não acumulássemos um pequeno estoque de notícias e fofocas para entretê-lo.
O dia da recepção da Madame era bem conhecido de todos os seus amigos e populares, que faziam questão de chamá-la duas ou três vezes por temporada. Mas, às vezes, ninguém surgiam às quintas-feiras, e era bastante rotineiro sentar-se de duas até às cinco ou por aí, com seus vestidos, desfrutando de conversa sem nenhuma utilidade. Porém, em outras quintas-feiras, a sala estava cheia e me sentava e admirava o tato da Madame.
Uma nova conhecida chegava até ela, e, sem parecer deslocar ninguém, o último a comer, invariavelmente encontrava uma cadeira vazia pela senhora da casa.
A anfitriã também acompanhava cada hóspede até seu quarto, e eles se separavam com belos discursos de afeto e boa vontade, sinceros o suficiente, não duvido, mas expressivos com aqueles sentimentos que os ingleses normalmente guardavam em segundo plano.
A hora do jantar era às seis horas, pontuais.
Aqui posso avisar, meus amigos ingleses, da necessidade de pontualidade à hora especificada em um convite para um jantar francês.
Na Inglaterra, um quarto de hora além da hora marcada, era considerado como nada, e meia hora de graça era geralmente acedida. Mas não era assim na França, e era considerado muito grosseiro chegar atrasado. Esta observação não se aplica apenas à vida da classe média que tenho descrito, mas aos círculos mais altos.
Na verdade, os franceses tinham a ideia de que a pontualidade era uma virtude desconhecida entre os ingleses, e inúmeras foram as histórias de aborrecimentos sobre a falta de pontualidade inglesa que os oficiais franceses trouxeram da Crimeia para casa.
Entretanto, para voltar aos nossos dias na casa da Madame.
Não nos vestimos para o jantar, como fazíamos na Inglaterra. Eles a consideravam uma cerimônia de fato, um refresco, como chamaríamos, e era reservada para os dias em que entravamos na sociedade.
Tínhamos sempre boa sopa.
Às sextas-feiras era servido peixes, não de qualquer sentimento religioso, mas, porque esse era o dia em que o melhor peixe chegava em Paris, e mesmo assim, não era muito fresco.
Depois tínhamos, duas ou três vezes por semana o caldo para a sopa, um tenro, substancial, pequeno caldo de carne e legumes cozidos com molho grosso e rico, o que os eleva à categoria que ocupavam em um jantar francês, em vez de serem meramente um acessório da carne, como eram na Inglaterra. Seguia-se a salada. A mistura da salada era uma operação muito importante para ser confiada a um criado.
A Madame não gostava de deixar seus visitantes, mas via Gabrielle espreitar por trás das portas, e fazia um sinal para a Mademoiselle, cerca de cinco minutos antes do jantar, e ela entrava na cozinha.
A Madame preferia perder o fio do seu discurso e olhava melancolicamente atrás de sua filha, pois, se Monsieur era exigente sobre qualquer coisa, era sobre suas saladas.
A rigor, me dizia a senhora, os legumes eram recolhidos, lavados e limpos, cortados e vestidos com os acompanhamentos adequados, enquanto o caldo era servido.
A mãe da Madame sempre a misturava à mesa, diz ela, e não tenho dúvida de que a Madame seguia o precedente hereditário, quando não tinha visitantes estrangeiros hospedados com ela.
Depois disto, um creme de chocolate, omelete doce ou um purê de maçãs, virava a sobremesa, e era colocada na mesa com um pouco de queijo Gruyére sob um copo, e os quatro mendicantes ou seja, nozes, amêndoas, passas e figos, chamados assim, após as quatro ordens de frades pedintes, porque estas frutas eram tão baratas, que qualquer mendigo poderia tê-las.
Tínhamos uma pequena xícara de café preto ao redor, quando voltamos a sala, e, se não estivéssemos ali, nossos amigos não comeriam mais nada naquela noite. Havia chá às nove horas, ou seja, água quente com uma colher cheia de chá embebida nela.
Eles viam esta mistura sob a mesma luz que consideramos sal volátil, não como um prazer rotineiro, mas como algo que deveria ser usado medicinalmente e não como uma bebida.
Paris, 10 de março de 1862.
A Madame e eu tivemos uma longa conversa sobre preços, despesas, e muitas outras coisas.
Até onde posso dizer, as provisões eram tão caras quanto em Londres, o aluguel da casa era mais caro, os salários dos empregados, muito parecidos.
Ela pagava para duas criadas, uma cozinheira e a outra empregada, quatrocentos e cinquenta e quatrocentos francos, respectivamente. Mas o trabalho doméstico era organizado de forma diferente que na Inglaterra.
A cozinheira se encarregava de uma determinada porção do apartamento, incluindo os quartos, já a empregada cuidava do resto, esperava na mesa, ajudava uma das filhas da casa a levantar a roupa de cama fina, e prestava os serviços extras necessários.
A cozinheira podia participar do trabalho doméstico, pois, era costume em Paris preparar provisões nos armazéns onde elas eram vendidas.
O leite, que comentei como sendo tão bom, estava, ao que parecia, sujeito à supervisão de inspetores armados com lactómetros, que eram tubos de vidro delicadamente pesados, marcados com graus, que devia afundar até um número particular em leite bom não adulterado, e tudo o que era trazido para Paris era testado desta e de outras maneiras nos vários armazéns.
Era muito difícil, entretanto, obter leite à tarde ou à noite, para o mingau e cremes, sem pedir previamente.
O governo regulamentava o preço do pão, que era mais baixo em Paris que nas cidades vizinhas. A tarifa legal era exposta em todas as padarias, os pesos e medidas falsos eram severamente punidos.
Quanto ao vestuário, pelo que consegui perceber, acho que bons artigos tinham o mesmo preço que na Inglaterra, mas em nossas lojas, era difícil encontrar um artigo inferior mesmo de bom gosto, enquanto na França, aqueles que eram obrigados a considerar suas despesas, podiam encontrar materiais baratos do mais elegante estilo.
Então, as senhoras francesas desistiam dos seus trajes e perdiam muito tempo para se vestir, muito mais que os ingleses, quero dizer, mudavam de vestido repetidamente no decorrer de um dia, se a ocasião o exigisse, tomando cuidado para nunca usar um vestido melhor, quando um inferior servia. E, quando artigos bonitos eram tirados, eles eram colocados com cuidado como se fossem bebês dormindo deitados em um berço.
Papel prateado era colocado entre cada dobra de veludo ou de seda, almofadas eram colocadas de modo a manter o assento certo de qualquer parte, fitas enroladas, manchas sujas eram retiradas imediatamente, e assim, o frescor do vestido que tanto admirávamos nas francesas era preservado, mas, como eu disse, era um custo considerável de tempo e gasto real, no caso de pessoas de meios moderados.
A Madame declarava conhecer muitos jovens franceses que reduziam sua mesa, ao maior grau de magreza, para que suas esposas pudessem estar bem-vestidas. Ela dizia que o vestido era a única despesa pela qual uma francesa se endividava.
Lembro, há alguns anos, de ouvir sobre uma carta do Príncipe de Ligne, lida pelo Senhor E.
Nela, ele falava da recente coroação em Moscou e passou a falar da política do Imperador francês.
Como um de seus combustíveis de influência, o Príncipe nomeou a classe do vestuário francês como um meio político reconhecido.
Naquela época, me perguntava em silêncio, mas desde então, as coisas vieram ao meu conhecimento, o que me fez entender o que significava então.
Seis anos atrás, uma amiga me levou para conhecer a Madame de ...
Era um dia de fevereiro, cru e salpicado pelo frio, e, enquanto andávamos pelas ruas de lama, meio cobertas de neve derretida, minha amiga me disse algo sobre a senhora que íamos ver.
Madame de ... era casada com o filho mais velho de um francês de boa classe, ela também pertencia a uma família antiga e de bom nome. Seu marido era um membro ilustre de uma das Academias, e ocupava um alto cargo entre aqueles que se dedicavam ao seu ramo de conhecimento recôndito.
Madame de ... era uma das leoas de Paris, e como espécime de sua classe, íamos vê-la.
Ela e seu marido, tinham cerca de sete mil por ano, mas por razões econômicas, eles moravam em um apartamento e não em uma casa.
Eles tinham, creio, dois ou três filhos.
Lembro de me sentir desajustada para a ocasião, devido à minha roupa de inverno e botas simples, no momento em que entrei na pequena antessala de seu apartamento.
O chão estava coberto com delicados tapetes indianos, e ao redor das paredes, havia violetas frescas e floridas, plantadas por algum jardineiro parisiense, em caixas de terra e renovadas perpetuamente. Depois, fomos para o a sala da senhora. Ela tinha cerca de trinta anos, de um estilo de beleza muito peculiar, que crescia sobre mim, a cada momento que a olhava.
Ela tinha cabelos pretos encaracolados, extensos cílios negros em seus olhos longos, uma pele macia, igual à azeitona, covinhas e belos dentes. Ela estava de luto por motivos políticos, mas pude ver seus cabelos grossos, presos com grandes alfinetes de pérolas e ametistas, seus brincos, broche e braceletes. Sua bata era de seda preta, forrada com outra camada de seda, mas violeta, suas botas pretas e seu saiote de seda, em um branco sério, com uma coroa bordada, de cor violeta, logo acima da bainha.
Suas maneiras eram suaves e carinhosas até o último grau, e, quando lhe disseram que eu estava ali para visita-la como um espécime de sua classe, ela se esforçou para me mostrar todos os seus arranjos e coquetéis.
Em sua sala não havia um grão de douradura, isso seria de mau gosto, disse ela. Ao redor dos espelhos, emoldurados em madeira branca polida, plantas rastejantes foram ornadas para que as flores tropicais caíssem e refletissem no vidro.
Havia um fogo, alimentado com lascas de madeira de cedro e as cortinas de veludo carmesim, de cada lado da grelha, tinham perfumes atalcados dentro de seus forros de seda branca. As cortinas das janelas eram aparadas com rendas pontiagudas.
Passamos por uma pequena antessala para o quarto da mulher, que era um quarto oblongo, com sua cama preenchendo metade do espaço de um lado, e do outro, todo o guarda-roupa, com seis ou sete portas cobertas com vidro e abrindo para o mesmo número de armários.
Depois de termos admirado a rara louça Palissy, os drapeados de renda do espelho, os ornamentos da mesa do banheiro e as cortinas de seda rosa ao redor da cama, ela riu suave e me disse que agora eu veria como ela se divertia, enquanto se deitava na cama, de uma manhã, puxando algo como uma corda de sino, que pendurada na cabeceira da cama, as portas do armário se abriram, e exibia vestidos pendurados em armações de arame, como você pode ver em qualquer moinho. Eram vestidos para a noite e dia, com os respectivos toucadores, sapatos e luvas, deitados abaixo deles.
— Não tenho muitos vestidos. — disse ela. — Não gosto de ter muitos, pois, depois de um mês de uso, os dou à minha empregada, pois, nunca uso nada que seja antigo.
Fiquei sem palavras. Ela falava sobre a orientação que ela tinha sobre a carta do Príncipe de Ligne, não posso esquecer de dizer que a ela expressou opiniões políticas muito fortes, e todas distintamente anti-bonaparteanas.
Entre outras coisas, ela mencionou que, quando seu marido foi prestar seus respeitos como membro da Academia, ao Imperador nas Tuileries, ela não permitiu que ele usasse sua carruagem, nem estava realmente disposto a fazê-lo, mas foi em uma carruagem alugada, dizendo que os braços de ... nunca seriam vistos nos tribunais de um usurpador.
Dois anos depois, visitei Paris, e perguntei sobre a Madame de ... e seu marido. Para minha surpresa infinita, ouvi dizer que ele se tornara um senador, um daqueles corpos que recebem cerca de mil libras por ano do Governo, e que é admitido a essa dignidade, pela vontade expressa do Imperador.
Como isso aconteceu?
Os braços de ... não eram mais invisíveis nos tribunais de um usurpador?
Qual foi a razão desta mudança?
A extravagância da Madame!
Sua renda não seria suficiente para seu luxo de trocas de roupas a cada piscar de olhos, e o salário do senador era uma adição muito aceitável.
Paris, 24 de abril de 1862.
Fomos convidadas para ir à casa de um vizinho, para desejar boa noite. Assim, caminhamos até lá, por volta das oito horas.
A casa era uma das mais magníficas do bairro, que ficava na recém-construída Boulevard de Sévastopol. Pertencia ao Senhor E, um líder em seu ramo de comércio, que se tornara um milionário francês, tão diferente de um inglês quanto os francos são diferentes das libras.
Quando conheci o Monsieur e a Madame, eles moravam em um apartamento sobre a loja, e este estava situado em uma das estreitas ruas antigas do Quartier Latin.
Fui convidada para jantar lá, e tive que abrir caminho através de fardos de mercadorias, que estavam empilhados como paredes, de cada lado da estreita passagem através da loja.
Passei pelo quarto da Madame, mobiliado com veludo roxo e cetim âmbar, até o quarto onde nos reunimos antes do jantar.
Era um jantar semanal, no qual toda a família vinha, é claro, e qualquer pessoa ligada aos negócios também tinha a certeza de encontrar um lugar no jantar.
A mesa estava espalhada com todo luxo e havia quase uma evidência ostensiva de riqueza que contrastava estranha e simplesmente com os sinais difíceis de negócios e comércio lá embaixo.
Imagino, que seu modo de vida naquela época fosse como o das grandes famílias da cidade velha do século passado. Havia outra semelhança: duas gerações atrás, era costume para os comerciantes londrinos manterem seus filhos casados sob o teto paternal, pelo menos, durante o primeiro ano, e assim foi em sua casa.
Seus filhos viviam na mesma casa que ele, tanto no inverno como no verão, na cidade e no campo.
No entanto, a geração mais jovem era toda casada e tinha famílias.
Todos os netos, pequenos e grandes, eram reunidos nestes jantares semanais, e, se não havia lugar para eles na mesa principal, os criados os atendiam nas mesas laterais.
Quando prosperaram, eles se mudaram para uma boa casa, na qual estivemos esta noite, para nossa saudação.
Seus filhos prosperaram com ele e trabalharam juntos.
Não vimos todos naquela noite, pois, alguns voltaram para o campo e outros ficariam ali por dois ou três dias.
Por respeito a nós, o chá foi trazido, chá em uma guiné a libra, como nos informou a Madame E.
Vi que a família não gostava da bebida para desejar se juntar a nós.
Existia um pouco de telegrafia sobre quem seria a vítima e nos faria companhia, e a jovem senhora escolhida como a bebedora de chá da família, teve o cuidado de colocar tanto açúcar, que duvido que ela conseguisse reconhecer o sabor de qualquer outra coisa na xícara.
As outras se desculparam, dizendo, uma, que ela estava com febre, e a outra, que precisava ficar acordada. O açúcar era considerado pelos franceses como adequado para acalmar os nervos, e induzir o sono.
Estou realmente me convertendo a esta ideia, e posso tomar meu copo de água doce antes de ir para a cama, de fato. Temos uma pequena mesa em nosso quarto de, há um copo boêmio de água, uma taça com uma colher de ouro e uma tigela de açúcar em pó. Mas creio que é uma bebida para a sociedade, não para a solidão.
Inspirado pelo exemplo dos outros, o aprecio.
De alguma forma, de uma hora para outra, começamos a falar sobre o costume de diferentes famílias que viviam juntas. Eu disse que isso não existia na Inglaterra.
Eles me perguntaram, por que não?
Após alguma reflexão, fui obrigada a confessar que gostávamos muito de nossos costumes para estarmos dispostos a desistir deles pela vontade dos outros, e que éramos muito independentes, grandes amantes de nossa privacidade caseira.
Receio que passei a impressão de que nós, ingleses, éramos muito mal-humorados e pouco condescendentes, já que me impus em um veemente ataque às dificuldades que se colocavam no caminho do casamento dos jovens na Inglaterra.
— Mesmo quando há uma casa grande e uma mesa bem distribuída para encher muitas bocas adicionais, eles me dizem que na Inglaterra, os pais continuarão deixando seus filhos e filhas desperdiçarem os melhores anos de suas vidas em longos compromissos. — disse a Madame E. — Isso não me soa nada amigável.
— Não é o costume na França! — completou seu marido. — Vocês ingleses estão aptos a pensar que somos mal-humorados, porque falamos alto e usamos uma boa dose de gesticulação, mas acredito que somos uma das nações mais bem-humoradas, apesar do barulho de nossa fala.
Por um lado, alguém começou a falar de Les Misérables, e o anfitrião, um comerciante próspero como ele era, objetou à tendência socialista do livro.
A partir daí, continuamos falando sério, sobre os acontecimentos que rondavam ultimamente os construtores em Paris.
Eles obtiveram seu ponto de vista, seja qual for, porque era o objetivo supremo do Governo manter tudo em ordem. Tudo na França era regularizado e cuidado.
Ele disse que os carpinteiros estavam prestes a entrar em greve, encorajados pelo sucesso dos construtores, e que ouviu de seu carpinteiro, que o objetivo que eles visavam, era que a trabalho qualificado e não qualificado, seria pago na mesma tarifa, ou seja, cinco francos por dia.
Ele acrescentou que o carpinteiro, seu informante, olhou para isso com desagrado, dizendo que aceitaria, desde que houvesse trabalho suficiente para todos, mas, quando o trabalho se tornasse escasso, nenhum, senão os melhores operários, teriam emprego, pois, ninguém contrataria um artesão inferior, quando ele teria um de primeira categoria pelo mesmo dinheiro.
Paris, 4 de maio de 1862.
Estava ficando intoleravelmente quente em Paris.
Eu quase desejava que os construtores atacassem, de minha parte, pois, as carruagens dificilmente deixariam de divagar pelas minhas janelas abertas antes das duas e às cinco horas, os homens estavam batendo palmas e martelando nos prédios da nova avenida em frente.
Fui nas ruas estreitas das partes mais antigas de Paris, e os cheiros de lá eram insuportáveis. Uma mistura de esgoto e culinária, o que fez com que se abominasse a comida.
No entanto, como estas ruas antigas eram interessantes, e as pessoas que as habitavam eram bem diferentes daquelas dos bairros mais da moda, porque tinham muito mais originalidade de caráter sobre elas, e ainda podia observar os descendentes das Dames de La Halle, que saíram para Versalhes no memorável dia 5 de outubro.
Vi também pequenos costumes curiosos nestas partes mais primitivas da cidade.
Todas as manhãs, um certo número de Irmãs da Caridade se colocavam à disposição da Mairie dos Arrondissements.
Antes, eram apenas doze bairros, mas devido à extensão da cidade de Paris, se tornaram vinte.
Nos primeiros dias, antes da anexação dos subúrbios à cidade em 1859, pela qual o número dos bairros fora aumentado para vinte, era gíria falar de qualquer pessoa desonesta como pertencente ao décimo terceiro distrito, um bairro reconhecido por nenhuma lei.
Cada uma dessas divisões tinha um correio e dois adjuntos, que eram responsáveis pelo bem-fazer e pelo bem-estar do distrito ao seu cargo.
Vi as Irmãs deixando os Mairie em seus recados de misericórdia, todas as manhãs, bem cedo, e, quase na mesma hora, o catador vinha em suas rondas, avidamente arrancando os montes de pó e lixo diante das portas.
Então, após às onze, que era a hora de refeição universal, encontrei uma mulher idosa caminhando em direção aos Jardins de Luxemburgo, rodeada por quinze ou vinte crianças pequenas, com idades entre dois ou três anos, e sete ou oito anos.
Seus pais pagavam à velhinha, cerca de dez centavos por hora, para levar seus filhos para fora, e lhes dar uma caminhada ou um jogo e brincadeira nos jardins.
Era bonito ver seu comboio, seu pequeno regimento sobre a travessia. Isso me fez lembrar a velha fábula da raposa, do ganso e do saco de milho.
As crianças mais velhas eram deixadas no comando de um lado, enquanto, as muito pequenas eram carregadas, depois, uma das mais velhas acenava para o outro lado e dava lições sobre seus cuidados com elas, enquanto a velha carregava o resto.
Notei que a garota era muito mais despótica durante seu curto reinado de poder que a própria velha.
Detidamente, elas superaram todos os perigos e estavam seguras nos jardins, onde podiam fazer sujeira à vontade, enquanto sua acompanhante tirava o tricô dela e sentava em um banco no meio delas.
Digamos que ela tinha quinze filhos e os sustentava fora por duas horas, o que lhe dava uma pequena renda por dia, e muitas mães ocupadas se alegravam que seus filhos brincassem e se exercitassem alegremente, enquanto elas iam às compras ou faziam algum outro trabalho doméstico, o que as impediam de cuidar adequadamente de seus filhos.
Cada distrito tinha uma escola infantil e uma creche, que eram supervisionadas pelas Irmãs, mas poucas mães podiam pagar por este luxo, porque elas eram, na maior parte das vezes, toleravelmente bem de saúde, apenas não era, suficientemente ricas para manter este luxo para as crianças.
Então, os lojistas nestas partes antigas da cidade eram frequentemente bem-dispostos.
Por exemplo, no outro dia, vi uma multidão em uma rua, perto da Rua l'École de Médecine, toda intencionada em cima de um grande pedaço de papel escrito, colocado na vitrine de uma loja, onde quase todos os artigos femininos seriam vendidos. O papel estava encabeçado, em letras enormes:
“MINHA ESPOSA É LOUCA!”
Uma pessoa, da qual perguntei o significado, riu um pouco e disse:
— Oh! É apenas uma armadilha para atrair os compradores. Ele continua a afirmar, abaixo no papel, que sua esposa, estando louca, ofereceu certas peças de bata, à venda ontem a um preço ruinoso, na verdade, são apenas cerca de meio franco abaixo do que você pode conseguir em qualquer outra loja. Se ele as vender pelo preço que sua esposa as ofereceu, ele terá uma boa venda!
Paris, 7 de Maio de 1862.
Vi um apartamento para alugar no Place Royale, o revisamos ontem. Sempre gostei da aparência deste lugar tão imponente e cheio de história também.
Então, novamente, a quietude dele me encantava, era quase como um claustro, pois, nenhuma carruagem podia passar ali perto e os passeios abrigados sob as arcadas eram muito agradáveis para os habitantes em dias de chuva.
As casas eram construídas de tijolos vermelhos, muito bonitas, com fachadas de pedra e todas elas, depois do mesmo plano, projetadas por um arquiteto da época de Henrique IV, sobre o reinado de nossa Rainha Isabel, mas, se a Place Royale estivesse na Inglaterra, dataríamos, a julgar pelo estilo da arquitetura, pelo menos, um século depois, com acréscimos posteriores à Hampton Court.
Havia uma praça agradável no centro, com uma fonte, castanheiros sombrios e canteiros de flores, com uma estátua de Luís XIII no meio.
A tradição dizia, que foi neste pedaço de chão, ou muito perto dele, que o grande incidente aconteceu no antigo Palace des Tournelles, quando, os vestidos pegando fogo, o rei Carlos VI ficou louco em consequência do susto e, foi para acalmar sua loucura, que nossas cartas de jogo foram inventadas.
Quando o lugar foi construído pela primeira vez, todo o mundo da moda se apressou para garantir casas perto dele.
Este era o antigo hotel dos De Rohans, que fora do Cardeal de Richelieu, antes que o Palais Royal fosse concluído e nesta casa nasceu a Madame de Sévigné, e assim por diante.
O térreo, que antes era ocupado pelos escritórios das grandes casas acima, foi transformado em lojas, armazéns e cafés modestos e os andares superiores eram habitados por pessoas respeitáveis e abastadas, que não faziam a menor pretensão à moda.
O apartamento que visitamos, consistia de cinco salas de recepção, bonitas e muito altas e iluminadas por muitas janelas elevadas e estreitas, abrindo-se para uma varanda larga no topo da arcada.
Uma ou duas destas salas eram apaineladas com vidro de aparência antiga, não como nossas placas modernas em tamanho. Possivelmente era veneziana e datada dos tempos dos primeiros proprietários.
A grande altura das salas, em comparação com sua área, me impressionou muito. Apenas duas ou três salas tinham lareiras, e estas eram vastas e cavernosas. Além das portas de comunicação entre as salas, havia em cada uma delas, um corredor, abrindo-se para uma passagem que percorria todo o comprimento do apartamento.
No lado oposto desta passagem, havia portas abrindo para as cozinhas, depósitos, quartos dos criados. Tão pequenas, próximas e insalubres.
Naqueles dias, porém, havia muitos criados e jantares esplêndidos e alguns dos lacaios dormiam no andar superior, ao qual não havia acesso a partir dos apartamentos do primeiro pavimento.
No final da passagem, estava o quarto da falecida proprietária, com um armário aberto. O quarto era espaçoso e grandioso, e o armário, bem, suponho que ela deitaria nele em todo o comprimento, se não fosse alta.
A única provisão para luz e ar, era uma janela abrindo para a passagem.
Perguntamos sobre o aluguel deste apartamento:
Seriam três mil francos, mas, talvez, o dono da propriedade reduzisse para dois mil e quinhentos.
Os quartos da frente eram encantadores em sua antiga imponência, mas, se eu morasse lá, ficaria muito perplexa quanto ao local onde meus criados dormiriam.
Paris, 10 de Maio de 1862.
Cansadas do barulho e do calor de Paris, saímos ontem para Saint Germain. Eu nunca havia estado lá antes.
Ficava a apenas meia hora de Paris por ferrovia. Podíamos ver Malmaison à medida que íamos, passando por lindas vilas com pequenos jardins brilhantes com flores, como só os jardins franceses saber ser.
Todas as plantas pareciam desabrochar na mesma proporção de suas folhas. Acreditava que isso era feito por uma poda de corte habilidoso.
Por exemplo, eles pegavam suas rosas no início de fevereiro e cortavam as ventosas vermelhas grosseiras e o crescimento supérfluo da raiz. As sebes destes pequenos jardins suburbanos eram feitas principalmente de acácias e as árvores da mesma espécie, bordejavam quase todas as estradas perto de Paris.
Ao longe, à esquerda, quase contra o horizonte, vimos o famoso Aqueduto de Marly, anteriormente utilizado para conduzir uma parte da água até Versalhes.
Não sei o que havia na longa fila de aquedutos e viadutos que nos encantava. Era a perspectiva de fuga que parecia levar o olho, e através dele, a mente também, para algum país invisível distante ou era meramente a associação com outros aquedutos, com os arcos quebrados no estilo Claudiano, que se estendia através do Campagna, com Nismes. Não sei.
Através de alguma potência atmosférica habilmente ajustada, os trens foram conduzidos nos últimos anos, até quase o nível de Saint Germain, por um plano inclinado bastante íngreme.
Subimos alguns degraus ao sair da estação e depois estávamos no planalto, o castelo à nossa esquerda, e um lugar na entrada da cidade, à direita.
Nada seria mais desolador que o castelo, os tijolos vermelhos entorpecidos que eram construídos e pintados de cor escura ao redor das muitas camadas de janelas, o vidro em que se quebrava em numerosos lugares, sendo seu lugar aqui e ali, abastecido por barras de ferro.
De alguma forma, o epíteto que subiu aos nossos lábios ao ver pela primeira vez a coloração de todo o lugar, foi “lívido”.
A atual ocupação do velho castelo também não era de sugerir pensamentos alegres. Após ser um palácio, foi degradado para ser um quartel, e a partir daí, desceu para ser uma penitenciária.
Em volta do edifício, havia uma área seca e profunda. Assim, eu disse tudo o que podia contra Saint Germain e registrei uma impressão fiel à primeira vista. Mas, dois minutos depois, veio uma bela inclinação de luz solar, o sol estava atrás de uma fina nuvem trovejante, e surgiu no momento certo, fazendo com que todas as projeções no castelo, lançassem sombras profundas, iluminando as cores em todas as outras partes, chamando as cores vivas nos canteiros de flores, que circundavam a grade do lado do jardim do castelo, e nos atraía com seu brilho quente e verde fresco das folhagens, para buscar o abrigo da floresta, não a duzentos metros da entrada do parque.
Não sabíamos para aonde íamos, apenas sabíamos ser terreno sombreado, enquanto o jardim inglês que passávamos, era todo um brilho de luz solar e gerânios escarlates, com lobélios intensamente azuis e outras flores de aparência quente.
O espaço abaixo dos antigos carvalhos e castanheiros era cascalhado e cedido às creches e crianças, e um velho sentado nas bancadas, aqui e ali.
Mary e Irene estavam inclinadas a desenhar, assim, perambulamos para encontrar o ponto de vista impossível que era combinar todas as excelências desejadas por duas desenhistas ávidas.
Assim, vagamos mais de cem metros na sombra fresca das árvores. De repente, estávamos olhando para baixo, sobre uma planície cheia de sol, que se estendia por vinte milhas ou mais.
Exclamamos com prazer por sua imprevisibilidade, e mesmo assim, ouvimos falar da planície de Saint Germain, e o associamos com Maria d'Este e James II, durante toda a nossa vida.
Era um passeio tão largo como uma rua, na beira do Sena grandiosamente prateado que era delimitado por um muro. A altura certa para se apoiar e olhar a paisagem abaixo. A névoa suave de um lindo dia envolveu os objetos mais distantes, mas voltamos à noite, quando Saint Germain estava alegre e se ouvia a música da banda, com aqueduto de muitos à nossa direita.
Diante de nós, o velho bosque de Vesinet, aquela relíquia de mau presságio da antiga floresta que cobria a Ile de France, e no centro estava o espaço, em forma de estrela, chamado La Table de La Trahison, onde Ganelan de Hauteville planejou trair Roland, o Bravo e os doze pares da França, em Roncevaux, e no próprio local, os traidores foram queimados até a morte, pela ordem de Carlos Magno.
Para além de Vesinet, elevam-se as alturas fortificadas do Monte Valérien e Montmartre, assim, sabíamos que a grande cidade de Paris, com seu perpétuo barulho e agitação, era a causa daquele engrossamento do ar dourado, logo após o solo ascendente, a meia distância.
Avistamos até onde os olhos podiam ver, o pináculo da Catedral de Saint Denis.
Irene seguiu as comparações.
O palácio, disse ela, estava sempre presente, um fato diário para os grandes reis antigos que o habitaram, com a vida fértil e a pompa atarefada, escondia deles o espaço dourado, que era o túmulo inevitável em Saint Denis. Mas os sermões sempre me davam fome, e o de Irene tinha o mesmo efeito sobre ela e nós, ou era o ar que nos conduzia, pois, aquele epíteto de Shakespeare, se encaixava exatamente no ar límpido e vivo de Saint Germain.
Elas sentaram para esboçar e eu, buscar comida.
Não consegui encontrar uma confeitaria, nem, de fato, seria de grande utilidade, pois, os confeiteiros franceses só vendiam doces ou cremosos, extremamente insatisfatórios para as pessoas famintas.
Então, entrei corajosamente em um restaurante, à direita da estação, chamado Café Galle, creio que era assim que era chamado e disse à dona o meu pedido.
Eu estava na esperança que ela permitisse que um dos garçons me acompanhasse com uma cesta de provisões, alguns pratos, facas e garfos, talvez alguns copos e uma garrafa de vinho também. Mas parecia que isto era contra as regras, e tudo o que eu podia fazer era ter o empréstimo de uma cesta, por um curto espaço de tempo.
A senhora dividiu alguns pães ovais, de cheiro delicioso, amanteigou-os e colocou algumas fatias de presunto cru entre os pedaços, e com eles, alguns morangos frescos.
Voltei para as minhas alegres e famintas amigas, que estavam começando a achar que um assento no cascalho duro não era tão agradável quanto sentar-se na grama inglesa, comparativamente, macia. No entanto, os bancos eram muito altos para seu propósito.
Após o almoço, elas recaíram no silêncio e voltaram a desenhar.
Foi um pouco monótono para mim, por isso, divaguei e me familiarizei com um dos jardineiros e com um cocheiro também, que se ofereceu para um passeio de Versalhes pela Marly-le-Roi, a famosa Marly de Luís XIV, da qual só os pequenos vestígios permaneciam nas marcas das antigas parcelas de jardim.
Lembrei do que diz São Simão, como o rei, cansado do barulho e da grandeza, descobriu um pequeno vale estreito a poucos quilômetros de seu magnífico e suntuoso Versalhes.
Havia um vilarejo perto que se chamava Marly, de onde saiu o nome do palácio ou eremitério, que o rei escolheu construir.
Ele pensava em ir para lá para levar uma vida simples e primitiva, longe da lisonja de seus cortesãos. Mas não era tão fácil para um rei evitar a lisonja.
Seu arquiteto construiu um grande pavilhão, que representaria o sol, porque nele habitava Luís XIV.
Havia doze pavilhões menores em torno deste grande, e neles habitavam os planetas, ou seja, os cortesãos favoritos da época.
Todas as manhãs, o rei se propunha a visitar seus satélites, havia seis de um lado e seis do outro, e seus pavilhões se comunicavam entre si, através de corredores próximos com árvores calcárias.
Era etiqueta destes cortesãos saudar o rei, que tomava o sol. Eles colocavam suas mãos direitas para sombrear os olhos do rei da luz solar, daí, dizem algumas pessoas, que nasceu a saudação militar.
Cada cortesão, ao ser visitado, seguia o rei em sua ronda.
No início, o rei vinha a Marly apenas duas ou três vezes por ano, ficando de quarta-feira até sábado, trazendo pouca bagagem, mas com o tempo, ele se cansou de sua simplicidade, e as colinas ao redor foram escavadas para fazer jardins, bosques, e obras hidráulicas, estátuas e assim, os cortesãos lotaram o local.
Como ninguém podia entrar sem o convite expresso do rei, as festas em Marly eram um objeto a ser desejado, pedido e intrigado.
Na verdade, era o maior favor que se podia obter da realeza.
No último momento de terrível suspense quanto a quem entraria no palácio, o criado do rei, Bontemps, dava a volta com os convites e entrega para os que ele selecionava na porta do palácio.
Não havia necessidade de preparação, pois, em cada pavilhão, havia uma loja com todas as coisas necessárias com banheiros masculinos e femininos.
Somente dois podiam habitar um pavilhão, e, se uma senhora casada fosse convidada, seu marido era incluído no convite, embora não na saudação.
Mas, até o final de seu reinado, os dias em Marly eram invariáveis.
Domingo, o Rei passava, como o filho mais velho da Igreja, em sua paróquia de Versalhes, segunda e terça-feira, ele se permitia ser adorado por toda a corte em Versalhes, na quarta-feira ele caminhava em Marly com os poucos escolhidos. As diversões em Marly eram de alto nível, com jogos e uma espécie de bazar, onde as senhoras se vestiam de sírias, japonesas e gregas.
Luís XV e seu infeliz sucessor, foram a Marly ocasionalmente, mas os grandes dias de Marly terminaram quando Luís XIV morreu.
Depois disso, o governador de Saint Germain guardou as chaves de Marly, e ocasionalmente emprestou o uso dos pavilhões aos seus amigos. Mas a Convenção não aprovou esta apropriação de propriedade nacional, e as estátuas antigas, os restos de móveis magníficos, os mármores e os espelhos, foram vendidos para o bem do povo.
Alguns compraram os prédios e os transformaram em um moinho, mas não foi uma especulação lucrativa, e então, o lugar foi derrubado, mas acredito que vocês ainda podem avistar os alicerces do Palácio do Sol.
Então, eu queria ver Marly, um lugar outrora tão famoso e populoso que foi à ruína, agora cobertas pela natureza, com sua suave harmonia de grama e flores.
Quanto custaria e quanto tempo levaria?
Perguntei para o cocheiro.
Daria tempo de ir até Marly e voltar para Versalhes a tempo de pegar o último trem dali para Paris?
Levaria uma hora, sem incluir nenhuma parada em Marly e custaria quinze francos.
Fiquei irritada com o homem por sua imposição. Porque, dois francos por hora, com um passeio decente, estava na tarifa de cada carruagem, então, me afastei em indignação silenciosa, desatenta aos seus gritos de:
— Dois francos, madame! Faço por oito, cinco, quanto a senhora desejar!
Logo depois, fiquei feliz por não ter planejado sair de Saint Germain uma hora antes do necessário, o lugar estava brilhante e alegre, com as pessoas correndo para o Place du Château, para ouvir a banda.
Entrei no restaurante e pedi café para estar pronta ao retorno às seis, e tive um pouco mais de fofoca com a dona do estabelecimento.
Ela me disse que ninguém foi admitido a ver o interior do castelo, embora não fosse mais uma penitenciária. Que o ar em Saint Germain era melhor e mais puro que em qualquer outro lugar em um raio de vinte milhas de Paris, e que eu ia ver a floresta de Saint Germain, na época da Fête des Loges, uma espécie de festival ao ar livre, realizado na floresta no dia 30 de agosto. Os garçons se apresentavam para fazer um coro em louvor aos carrosséis, as charretes, ao vinho, aos fogões cozinhando e as velas... E, ali, peregrinações até o eremitério, construído por um devoto senhor da época de Luís XIII.
Voltei para Mary e Irene, e contei minhas aventuras, e atraídas pela boa música da banda militar, fomos ouvir. Nos debruçamos sobre o muro e observamos a vista que descrevi, olhando para as profundezas verdes da floresta longínqua, e nos perguntamos se não deveríamos ir até lá para passar o dia.
E, assim, ao nosso excelente café e pão, depois voltamos para Paris.
Capítulo 2
Chartres, 10 de maio de 1862.
Estávamos bastante desgastadas com o barulho sempre crescente de Paris, e à medida que o calor se tornava maior, nossa necessidade de janelas abertas de dia e noite, aumentava, e os pedreiros do lado oposto, subiam ao seu trabalho com a luz da madrugada.
Assim, decidimos partir para a Bretanha para nossos poucos dias restantes, tendo uma espécie de feliz mistura das ideias sobre o mar, urzes, rochas, samambaias e Madame de Sévigné, em nossas cabeças.
O único e primeiro ponto destinado em nossos planos era ver a catedral de Chartres.
Saímos de Paris, por volta das três horas e passamos por várias estações, cujos nomes remetiam a época da Madame de Sévigné e Rambouillet, talvez, a mais importante de todas.
A estação ficava a alguma distância da cidade de Chartres, que, como tantas cidades provinciais francesas, consistia em um centro e algumas ruas anexas.
A magnífica catedral ficava um pouco afastada, e a deixamos de um lado, quando caminhamos até nosso hotel, que olhava para o lugar. Mas, infelizmente, para minhas esperanças de uma noite tranquila, o espaço antes da casa estava cheio de cabines, de dança, teatro, espetáculos de animais selvagens e música, cada um fazendo seu próprio ruído, separado e distinto.
O tocador em uma cabine, sentado em frente a ela, soprando uma trombeta com tanta força, quanto qualquer anjo nos quadros antigos. O herói da cabine teatral, andando para frente e para trás na frente de seu palco, e cantando na veia do Rei Cambyses. Os leões e tigres estavam furiosos de fome, para julgar por seus rugidos, e os músicos estavam em plena explosão da abertura para Guillaume Tell.
Mary e Irene saíram para dar uma olhada na catedral antes que anoitecesse, e escolhi nossos dormitórios.
Se o leão soubesse disso, ele facilmente pularia em nossa varanda, mas esperava, que como ele era grande, fosse estúpido o bastante para desistir da ideia.
Toquei o sino, e saí no corredor e chamei alguém, desci as escadas e encontrei a Madame. Apresentei minha queixa diante dela. Ela disse que os criados saíram todos para ver os espetáculos no local, mas suspeitei, pela sua maneira de falar sem fôlego, que ela apenas se precipitou, para ver que eu não estava fugindo da casa.
Eu imaginava ser a única pessoa dentro daquela casa. Ela me assegurava, com verdadeira volubilidade francesa, que enviaria café e pão, e repreenderia Jeanette.
Chartres, 11 de maio de 1862.
Mary e Irene voltaram da catedral ontem à noite, chegaram muito cheias da extraordinária magnificência arquitetônica que viram para se preocuparem com meus problemas semelhantes aos de Marta.
Contudo, eu não vira a catedral e estava com fome se elas não estivessem também. Desci novamente, e desta vez, encontrei a Madame em plena inclinação contra uma mulher infeliz, que parecia ser capturada fora de casa, na alegria ao ar livre e da agradável companhia de amigos do lugar.
Ela nos trouxe nossa refeição, com uma velocidade sombria, dando-me, ocasionalmente, raiva, que fiquei com medo da sensação que eu provocara.
No entanto, ela se recusou a se acalmar com nossas pequenas expressões de admiração e perguntas sobre o que visitar.
Sua única tentativa de pedir desculpas foi uma espécie de solilóquio resmungão, no sentido de que as senhoras sabiam o que não era apropriado, e sair tão tarde na noite em uma jornada de festa e passeios pela cidade, não era apropriado para Mary e Irene.
Após nosso café, fomos para a cama, e não tenho certeza se não fomos, por algumas horas, as únicas ocupantes do hotel.
Mas o leão não aproveitou sua oportunidade, embora obrigadas a deixar as janelas abertas devido ao calor.
Na manhã seguinte, fomos ver a catedral.
Era tão maravilhosamente bela que nenhuma palavra a descreveria.
Eu estava muito feliz por passarmos por Chartres.
Vitré, 12 de maio de 1862.
Chegamos aqui ontem à tarde.
Irene, que era a pessoa mais desperta que conheço, ficou de pé no vagão de trem, olhando pela janela, com olhos ávidos e inteligentes, anotando tudo o que via.
Era um dia de festa, e nos estabelecimentos, com seus jardins à beira do caminho, havia grupos de camponeses em seus trajes de festa, bebendo o que parecia ser sidra, por estar em grandes garrafas e comendo uma espécie de bolo plano de massa folhada, polvilhado com açúcar em pó, que tínhamos familiarizado bem em Paris.
Comer e beber, porém, parecia ser mais uma desculpa para sentar em volta de mesas bem decoradas ao ar livre, que um objetivo em si.
Me afundei de volta no meu assento em um estado de espírito preguiçoso e inobservante, quando Irene gritou:
— Oh! Olhe! Há um camponês vestido com peles de cabra! Estamos mesmo na Bretanha! Olhe! Olhe!
Sentei novamente e fiquei em alerta, o tempo todo pensando o quanto era ruim para o cérebro estar sempre pressionando a atenção de alguém.
Esta é uma teoria muito boa, mas não aguentou muito na prática. Irene estava brilhante como sempre, e quando paramos em Vitré, eu estava cansada.
Talvez o segredo fosse: o que eu fiz de má vontade, ela fez com prazer.
A estação em Vitré eram um pouco fora da cidade que era antiga, pitoresca e deserta.
Havia muros fortificados à sua volta, mas estes estavam quebrados em muitos lugares, e pequenos barracos foram construídos nos destroços onde se olhasse, dando a impressão de uma cidade cheia demais, que explodiu seus limites e foi atropelada.
Havia muitas casas vazias, e grandes habitações fortificadas, com brasões de armas brasonados sobre a porta.
Todo o pequeno mundo da cidade parecia estar na estação de trem, e fomos recebidas com barulho e conselhos.
A pousada de Murray não existia mais, por isso, ficamos contentes em ser informadas sobre o Hotel Sévigné, embora suspeitássemos que fosse um mero truque de nome.
De modo algum!
Estamos verdadeiramente alojadas na mesma casa que ela ocupava, quando deixou Les Rochers para fazer as honras de Vitré, ao Governador da Grã-Bretanha, o Duque de Chaulnes.
Nosso hotel era o “Tour de Sévigné” de suas cartas.
Ao ser informada disto, perguntei sobre a torre. Ela fora derrubada um ou dois anos antes, a fim de tornar a grande mansão mais compacta como um hotel.
Eles mudaram a entrada principal de trás para frente, e para chegar até ela, tivemos que percorrer um grande pedaço de terreno irregular, cujas desigualdades eram causadas pelo entulho da torre.
O lugar pertencia ao Marquês de Néthumières, um descendente dos Sévignés, assim disse o nosso anfitrião. De qualquer forma, ele vivia em Les Rochers e era o proprietário do hotel.
Parece que nosso senhorio não tinha capital suficiente para mobiliar toda a imensa casa, que entrava no meio do prédio com longos corredores à direita e esquerda, tanto no andar de cima como no de baixo. Corredores largos e bem iluminados pelas numerosas janelas que olhavam para trás ou para o lado da cidade.
Havia grandes sacos de milho e caixas desembaladas de possíveis mercearias nestes corredores.
Uma garota sentava-se e cantava, enquanto remendava a roupa da casa, olhando a janela, aparentemente diligente, mas perfeitamente consciente, o tempo todo, de que o quintal abaixo estava tentando atrair sua atenção, e ali, novamente, uma mulher estava de pé, com os ombros debruçados, a uma janela aberta, com uma cesta de groselhas, gritando sua parte de uma conversa com alguém invisível no quintal abaixo.
No entanto, o grande corredor parecia vazio e estranhamente deserto.
De alguma maneira, suponho, que assim que ouvi o nome de “Tour de Sévigné”, eu esperava ver uma senhora bonita, de mangas penduradas e longos cabelos castanhos, caminhando diante de mim, meio virando seu belo perfil sobre seu ombro branco para dizer algo brilhante e brincalhão, e, em vez disso, seguimos nosso senhorio, bastante abeto, até os quartos no final do corredor e pedimos friamente nosso jantar.
Os quartos desta casa não eram grandes, mas tão altos, que suspeito que as paredes divisórias apaineladas eram apenas divisões de madeira de quartos maiores, e assim, ao bater, descobrimos ser o caso.
Minha janela olhava para o campo fora da cidade, a de Irene estava do lado oposto, e ela avistava as telhas profundamente sulcadas, telhados de todos os ângulos e formas possíveis, mas na maioria das vezes, altos, que eram cobertos com líquens dourados e cinza, que tonificavam o antigo vermelho original.
Havia calhas largas na beira de cada uma delas, ou seja, o pátio de gatos normais. Avistei uma velha gata, preta, vindo em volta do canto, com marcha suave e sonolenta, claro, totalmente inconsciente do bando de pombos para o qual ela está avançando com seus passos de veludo.
Eles se pavoneavam, amuavam e se irritavam, virando suavemente a plumagem para o sol, até pegar as tonalidades do arco-íris, e cheiravam, todos eles no meio do ar, e a gata continuou andando na beirada, como se os pombos fossem a última coisa em seus pensamentos.
Apressamos e comemos, saindo antes do sol se pôr.
E a gata? Pombos para o jantar!
Vitré, 13 de maio de 1862.
Tivemos um dia ocupado, mas muito agradável.
Em primeiro lugar, tivemos uma longa conversa com nosso senhorio sobre a possibilidade de ver Les Rochers.
O Marquês foi muito rigoroso em não deixar que fosse mostrado sem sua permissão, e ele e a Madame eram conhecidos por estarem em Rennes, então, pensamos em desistir.
Nosso senhorio se virou em suas opiniões, e disse que, sem dúvida, o Marquês e a Madame lamentariam muito que qualquer estrangeiro chegasse tão longe sem seu consentimento e assim, concordamos com tudo o que ele disse, na esperança de chegar ao fim a discussão. Fizemos uma barganha sobre a carruagem, que seria a mais simples possível, só para nos levar ao Les Rochers, e ficar lá o tempo que quiséssemos.
Não havia ninguém mais feliz que nós naquela manhã brilhante de maio, com cãibras, de tanto sacudir em nossa carruagem. O quarto lugar na carruagem, era ocupado por livros de esboços e materiais de desenho.
Primeiro, caminhamos ao longo das ruas estreitas de Vitré, os primeiros andares das casas eram apoiados sobre vigas pretas de madeira, fazendo uma espécie de colunata rude, sob a qual as pessoas caminhavam, algo como Chester, e depois passamos para fora do velho portão da cidade, na luz plena e agradável da madrugada.
Começamos a subir uma colina, na estrada sinuosa ao redor de Vitré, descemos e vimos os telhados irregulares e as pilhas de chaminés que se amontoavam nas paredes circulares, e lá, estavam os restos do velho castelo, habitado pelo Duque e Duquesa de Chaulnes, nos dias em que a Madame de Sévigné veio para ficar, e mostrar hospitalidade aos seus amigos parisienses, naquela região bárbara.
Estávamos andando ao longo de faixas bem arborizadas, com aqui e ali, um castelo de campo ou casa senhorial, rodeados de pomares.
Em direção a um destes, nosso cocheiro apontou, que era baixo e lendário. Respondi que já avistara uma centena deles na Inglaterra.
— Essa é a velha casa do De La Trémouilles! — disse ele.
Então começamos a pensar em uma filha daquela casa que fora enviada para um casamento na Inglaterra, e era conhecida na história e no romance inglês como Charlotte, a heroica Condessa de Derby.
Fizemos amizade com o cocheiro e admiramos seu cavalo bretão, fazendo-lhe várias perguntas sobre as vacas, ovelhas e outros animais. De repente, ele virou a carruagem para uma estrada à nossa esquerda, e em três minutos, estávamos à plena vista de Les Rochers.
Descemos e olhamos à nossa volta.
Estávamos no lado estreito de uma relva fina e delicada, à nossa direita, celeiros e estábulos, com uma floresta espessa, mostrando escuridão à luz do sol, e no canto à nossa esquerda, estava o castelo, com suas torres e pedaços de teto alto, com pequenas portas irregulares.
Era um edifício grandioso, muito parecido com os castelos da Escócia.
Então, bem à nossa direita estava o muro baixo, os jardins, a ponte sobre o pequeno riacho e os portões de ferro ricamente trabalhados.
Demos a volta.
Estávamos na borda do terreno ascendente que caía abruptamente a partir deste ponto para uma rica planície sorridente, o campo Bocage, na verdade.
A vista do horizonte se perpetuava por milhas e milhas até que tudo derretia na névoa azul da distância.
Nosso cocheiro pegou seu cavalo e foi fazer amizade com os servos da fazenda, que saíram com curiosidade preguiçosa para olhar os estranhos visitantes.
Sentamos no chão, o gramado era fino e delicado e as pequenas flores intercaladas.
Havia cotovias no alto, bem no fundo do céu azul, cantando como se elas rachassem a garganta de alegria, o pátio da fazenda, aberto diante de nós, estava cheio de aves ocupadas e prósperas, galinhas empurrando suas grandes ninhadas de pintinhos, galos convocando triunfantemente suas esposas para a festa, antes da porta do celeiro ser fechada, perus fustigados se sacudiam e bandos de pombos se empoleiravam no telhado que voavam até o chão. Havia cães no fundo invisível, para somar aos vários ruídos.
Nunca vi um lugar tão sugestivo das ideias de paz e abundância.
Havia vacas também, amarradas nas sombras das árvores no pasto, com montes de comida verde cortada diante delas.
Nosso plano era desenhar primeiro e depois tentar ver a casa.
De vez em quando, um criado com uma farda um tanto desajeitada, ou uma empregada no traje de campo da Inglaterra, atravessava o espaço, para ter uma curta conversa com os servos da fazenda e um olhar lateralmente para nós.
Finalmente um velho de blusa azul, saiu do grupo perto da porta do celeiro, lentamente se aproximou e sentou-se em uma colina próxima.
É claro que começamos a conversar, vendo suas intenções sociáveis. Ele nos disse ser um De La Roux, e que tinha familiares em Londres.
Eu imaginava que ele se referiria às De La Rues, mas ele corrigiu minha má ortografia com alguma indignação, e novamente me perguntou se eu não conhecia seus parentes em Londres, os De La Roux.
Ah! Sim! Eles eram nobres! Ele era nobre, seus ancestrais foram tão grandes quanto os ancestrais do Marquês, mas eles tomaram o lado errado na guerra, e ali estava ele, seu neto, obrigado a trabalhar por seu pão de cada dia.
Suspiramos de simpatia com seus suspiros.
Para encerrar esta pequena história de uma só vez, quando estávamos indo embora, demos a entender se poderíamos nos aventurar a oferecer a um De La Roux um par de francos, ou se isso não seria um insulto ao seu nobre sangue.
A sabedoria da idade se ergueu contra o romance da juventude e se justificava em seus olhos ávidos no rosto afiado e abatido, observando o primeiro sinal de um futuro presente com satisfação.
Que agradável foi a longa e tranquila manhã!
Uma sombra de nuvens passando por cima de nós, um cavalo se aproximando com seu estrondoso chamamento do doce pasto, que era a nossa única perturbação, enquanto, diante de nós, o evidente lazer para fofocas e sinais de fartura para comer, encheu a ideia de felicidade campestre.
Então, entramos na casa e observamos os retratos. Passamos para o jardim, como os jardins franceses, grama aparada, fontes de pedra, teixos e ciprestes cortados, e uma profusão de lindas flores, rosas, especialmente.
Lamentamos muito a partida.
No início da noite, Mary e Irene saíram para esboçar, e se plantaram em uma rua já ocupada por cabines pitorescas e lojas de cerâmica ao ar livre, roupas masculinas e os artigos realmente úteis para o uso no campo.
Parecia ser o dia de mercado em Vitré, e era muito bonito observar as jovens esposas com seus melhores trajes, barganhando e hesitando sobre suas compras.
Seus vestidos eram invariavelmente de algodão, de tons brilhantes, com lenços do mesmo material, mas de cores diferentes, cruzados sobre seus peitos à La Marie Antoinette, e grandes aventais, com babetes em uma terceira cor, variando entre rubro, marrom brilhante e azul-escuro, quase cobrindo suas anáguas, confinando e definindo seus bustos.
De fato, as ruas estreitas e escuras, com suas colunatas pretas com as sombras se aproximando, precisavam deste relevo de cor.
Os meninos de Vitré, soltos da escola, se aglomeraram em torno de nossas desenhistas. Foi certamente uma grande tentação para os meninos, mas eles chegaram muito perto e obstruíram completamente a vista, e só riram, a princípio timidamente, depois um pouco rudemente.
Fui até um gendarmaria, descendo lentamente a rua, que encolheu os ombros ao ver as crianças, mas me respondeu:
— O que quer Madame? Não estou aqui para impedir as crianças! Apenas faço a ronda! — ele passou adiante.
Neste exato momento, uma mulher robusta, vendendo roupas masculinas na rua aberta, observou o dilema e veio em socorro.
Ela empunhava um bom par de calças de festa, e repreendia com toda a seriedade e bom humor, lançando sua arma, digo, as calças, sobre as crianças, com considerável destreza, de modo a fazer com que ela respondesse ao propósito de um gato de nove caudas.
E, assim, ela abriu um círculo para nós, e sempre que ela nos via rodeadas pelas crianças, ela vinha novamente, e todos riam.
Ela começou a empacotar seu estoque de roupas, pegando um carrinho que seu marido trouxe, e primeiro, ela derrubou os bastões de sua tenda, depois o toldo, em seguida o balcão improvisado veio em pedaços, e, por fim, os casacos e calças, as blusas e jaquetas, foram empacotados em grandes sacos.
Ela estava no ponto de partida, sendo, como depois ouvimos dizer, uma mulher de estirpe, que fazia o circuito dos mercados do distrito, com suas mercadorias, quando pensei que a única civilidade que lhe podia oferecer, era mostrar-lhe os desenhos que Mary e Irene fizeram, graças à sua oportuna interposição.
Ela fez um bom discurso para impor sua admiração pelos desenhos e chamou seu marido obediente para olhar para eles, mas, ao não reconhecer os objetos desenhados, ela lhe deu um puxão de orelha, pedindo-nos desculpas por sua estupidez. Acho que ele não gostou nem um pouco dessa conduta.
Vitré, 14 de maio de 1862.
Decidimos voltar à Inglaterra para ver a Exposição.
Estamos indo por Fougères, Pont Orson, Mont Saint Michel, Avranches, Caen e Rouen, e até lá, temos um roteiro agradável de uma curta viagem cheia de objetos de interesse.
Paris, 16 de fevereiro de 1863.
Novamente em Paris!
Lembro-me de uma jovem inglesa dizendo com grande deleite:
— Nunca precisamos estar uma noite em casa. Há sempre o que fazer nas noites parisienses!
Mas suas visões sobre isso eram limitadas, porque era muito agradável o ir em certas noites da semana, às casas de diferentes amigos, com a certeza de encontrá-los, prontos para receber qualquer pessoa que surgisse às suas portas.
Assim, às segundas-feiras, Madame de Circourt nos recebia, às terças-feiras, Madame ..., às quartas-feiras, Madame de M ..., às quintas-feiras, Monsieur G ..., e assim por diante.
Não havia preparação para o entretenimento, porém, algumas luzes, um creme, bolo, rum e um pouco mais de chá era fornecido.
Todos eram bem-vindos e ninguém era esperado. Os visitantes podiam chegar vestidos como se estivessem em casa. Eles iam sem qualquer despedida formal, de onde, suponho, nossa expressão “licença francesa”.
É claro que este senso agradável dessas recepções informais dependia de muitas circunstâncias variadas, e duvido que respondessem na Inglaterra.
Era necessário certo talento da anfitriã, e este talento não era bondade de coração, cortesia, sagacidade ou esperteza, mas aquela união maravilhosa destas qualidades, com uma pitada de intuição, que chamamos de tato.
A Madame Récamier tinha-o na perfeição.
Sua sagacidade e esperteza era da ordem passiva ou receptiva. Ela apreciava muito e pouco originava. Porém, ela tinha o sexto sentido que lhe ensinou quando falar e quando ficar em silêncio.
Ela extraía os poderes de outras pessoas em seu interesse criterioso no que dizia, entrava com palavras doces, antes que a sombra de uma discórdia vindoura fosse percebida.
Era uma arte natural.
Como já disse, os convites não eram feitos para estas noites.
A Madame recebia às terças-feiras. Qualquer um podia ir. Mas, por vezes, havia o desejo de convidar tal pessoa, então:
“Espero que o Senhor Guizot esteja conosco na terça-feira, ele acabara de voltar a Paris!”
Com esta fala sutil, a isca era jogada, sem um convite formal. No entanto, apesar de toda a experiência, algumas casas eram invariavelmente monótonas.
As pessoas que eram monótonas em casa, iam para lá para serem monótonas também.
Os espíritos alegres e brilhantes estavam sempre em outro lugar ou talvez entrassem, fizessem seus arcos para a anfitriã, olhassem em volta da sala e voltassem para suas casas silenciosamente.
Não consigo perceber o motivo disso acontecer, mas assim era.
No entanto, uma deliciosa recepção, que nunca mais acontecerá, de uma anfitriã, mais que encantadora, cujas virtudes foram a verdadeira fonte de seus encantos, agora plantadas no jardim de nosso Senhor.
Neste caso, devo ter a permissão de fazer uma crônica de um nome, o de Madame de Circourt, tão conhecido, carinhosamente amado e profundamente respeitado.
De seu marido, ainda entre nós, nada direi, exceto que foi, para todas as aparências, o casamento mais feliz e agradável que já vi.
A Madame de Circourt era russa de nascimento e possuía aquele dom de línguas, que é quase um bem nacional. Este foi o meio imediato para que ela obtivesse o forte respeito e a amizade constante de tantas pessoas ilustres de diferentes países.
Você a encontraria mencionada como uma querida e valiosa amiga em várias memórias dos grandes homens da época.
Ouvi um inglês observador, bem qualificado para falar, dizendo que Madame de Circourt era a mulher mais inteligente que ele já conhecera. Ouvi também uma, que era uma santa por bondade, falando da piedade e benevolência da Madame de Circourt e da terna bondade, como inigualável, entre todas as mulheres que ela já conhecera.
Penso que era Dekker que falava de nosso Salvador como “o primeiro verdadeiro cavalheiro que já viveu”.
Podemos escolher ficar chocados com a liberdade de expressão usada pelo velho dramaturgo, mas não é verdade?
Não é o cristianismo, o núcleo do coração de toda cortesia graciosa?
Tenho certeza que foi assim com Madame de Circourt.
Nunca houve uma casa onde os fracos, enfadonhos e humildes recebessem uma atenção tão gentil ou se sentissem tão felizes.
Nunca ouvi falar de um lugar onde o aprendizado, a genialidade e o valor, fossem mais apreciados, e me senti mais segura em ser compreendida.
Eu disse que não vou falar dos vivos, mas é claro que cada um deve perceber que este estado não existiria sem a realização do velho epitáfio:
“Eles eram tão unidos, que nunca se poderia dizer:
Qual deles governou, e qual deles obedeceu?
Havia entre eles uma disputa não resolvida.
Foi o que a vontade do outro executaria.”
No auge da vida, no meio de seu saudável prazer social e intelectual, a Madame de Circourt teve um terrível acidente, seu vestido pegou fogo, foi temerosamente queimado, permaneceu por muito tempo em uma cama doente, e só surgiu dela com os nervos estilhaçados.
Tal prova seria suficiente, tanto mental quanto fisicamente, para causar aquela forma de egoísmo que muitas vezes toma posse de inválidos crônicos, e que deprime não apenas seus espíritos, quando de todos que se aproximam deles, no entanto, a Madame de Circourt não era dessas pessoas.
Seu doce sorriso era talvez uma sombra menos brilhante, mas estava igualmente em seu rosto. Ela não podia ir ao encontro daqueles que precisavam dela, e incapaz de se mover sem ajuda, ela se sentava em frente à mesa de redação, pensando e trabalhando para os outros, ainda.
Ela não podia mais procurar o tímido, o lento ou o enfermo, mas, com um bonito movimento de aceno de sua mão, ela poderia atraí-los para perto dela e fazê-los felizes com suas palavras gentis e sensatas.
A Madame de Circourt não seria mais vista na sociedade alegre e brilhante, contudo, ela tinha uma simpatia muito ativa com as jovens e as alegres que se misturavam com ela.
Ela falava sobre a moda com elas, se esforçava para obter um suprimento de parceiros agradáveis em um baile, ao qual um jovem estrangeiro sempre surgia.
Dois ou três dias antes de sua morte inesperada, pois, ela sofrera pacientemente por tanto tempo, que ninguém sabia quão perto ela estava do fim, ela se esforçou para ajudar uma jovem de quem ela sabia muito pouco, mas que, confio, nunca a esquecerá.
Não pude deixar de interromper o curso do meu diário para prestar esta homenagem à memória da Madame de Circourt.
No final de fevereiro de 1863, muitos se sobressaltaram com uma súbita pancada de dor.
— Você já ouviu falar?
— A Madame de Circourt está morta!
— Morta? Oh! Não faz uma semana que estávamos em sua casa!
— Recebi um bilhete dela há apenas dois dias, sobre uma pobre mulher!
Então o grito foi:
— Oh! Seu pobre marido!
Estivemos em sua casa, não uma quinzena antes, e conhecemos as pessoas muito alegres, todas vestidas para um baile na embaixada russa. A coisa toda parecia irreal.
Elas se mostraram com seus trajes brilhantes, trocaram um gracejo, depois se atiraram para outro lugar e deixaram a sala para algumas pessoas tranquilas, de meia-idade.
Uma senhora foi apresentada a mim, cujo nome reconheci, embora no momento, eu não pudesse lembrar onde o ouvira antes.
Ela parecia, como era, uma Marquesa francesa. Esqueci o quanto seu vestido estava belo, mas ela tinha o ar de uma pintura da data de Luís XV.
Depois que ela se foi, me lembrei de onde ouvira seu nome. Ela era a atual dama de Les Rochers, cuja antiga casa senhorial, visitamos no ano anterior.
Em vez de uma sala de desenho parisiense, cheia de ar perfumado, brilhante com luz, pela qual a companhia irradiante de foliões recém-saídos acabara de passar, ela tinha uma vista para a rosa Bocage à minha frente, a pequena e doce relva sobre a qual nos deitávamos, perfumados com delicadas flores, a casa senhorial de cor cinza, com um leve salpico de cor amarela nas paredes coloridas de líquens, os pombos rodando no ar acima, os servos no campo, em suas vivendas soltas e o velho de La Roux em sua blusa, cambaleando ao nosso redor com sua história de grandeza ancestral.
Contei para Circourt sobre a nossa visita à Bretanha, e em troca, ele me deu a seguinte curiosa anedota:
Um de seus tios era o General que comandava o distrito ocidental da França, em 1816. O outro, era um Montmorenci e em uma de suas visitas de inspeção. O General e o assessor foram convidados para Les Rochers.
Eles deixariam seus aposentos hospitaleiros no dia seguinte, mas pela manhã, o General disse para Montmorenci que seu anfitrião o pressionara a permanecer lá mais uma noite, o que ele achou, sob investigação, que seria perfeitamente conveniente para seus planos, portanto, ele decidira aceitar o convite.
De Montmorenci, porém, para surpresa do General, implorou ser autorizado para pernoitar em Vitré, e, ao ser perguntado qual seria sua razão para fazer tal pedido, ele disse que não fora devidamente alojado, que o quarto designado a ele não era próprio para um Montmorenci.
— Como assim? — questionou o General. — Eles o colocaram em um sótão? Os solteiros têm muitas vezes que aguentar alojamentos difíceis quando uma casa está cheia de visitantes casados!
— Não, senhor! Eu estava no piso térreo. Meu quarto era espaçoso e bom o suficiente, mas era o que um dia pertenceu à Madame de Sévigné.
De Montmorenci após dizer isto, parecia dar uma explicação completa, mas o General estava mais perplexo que antes.
— Bem! Por que você deveria se opor a dormir no quarto que um dia pertenceu à Madame Sévigné? De todos os relatos, ela era uma mulher muito bonita e charmosa, e certamente escrevia cartas encantadoras.
— Perdoe-me, senhor! Mas me parece que você esquece que Madame de Sévigné era uma Jansenista, e que sou um Montmorenci, da família do primeiro Barão da Cristandade.
O jovem tinha medo da contaminação da heresia que estaria perdurando no ar do quarto.
Haviam quartos antigos em certas casas fechadas, desde os dias da Grande Peste, que não seriam abertos para o mundo. Espero que os quartos de certos companheiros em Balliol possam ser hermeticamente fechados quando seus ocupantes atuais os deixarem, para que uma coisa pior que a peste não possa infectar o lugar.
Paris, 21 de fevereiro de 1863.
Durante toda aquela noite, fiquei escutando lembranças fragmentadas do Reinado do Terror, contadas por duas senhoras de alta distinção.
Uma delas disse que suas lembranças daquela época teriam um valor peculiar, porque ela era apenas uma criança de cinco ou seis anos, e não tentaria, naquela idade, unir seus fragmentos por qualquer teoria, por mais brutal e improvável que fosse.
Ela simplesmente se lembraria o que lhe tocou os sentidos de maneira extraordinária e sem precedentes. Acho que a primeira coisa que ela nomeou foi sua indignação ao ver sua mãe tomar um vestido de criada.
Evidentemente, foi considerado aconselhável que a Madame de ... pusesse de lado todos os sinais exteriores de classe superior ou riqueza, e vestisse as roupas de uma trabalhadora.
A próxima coisa que minha amiga lembrou, foi a ausência temporária de seu pai, que foi preso por suspeita e, estranho dizer, naqueles dias, solto, mas mantido sob rigorosa vigilância.
Durante sua ausência, todos os criados foram demitidos, apenas um ficou. Eles moravam em um apartamento na Place Vendôme e havia grama no centro da Place, o que nós, na Inglaterra, chamaríamos de área verde.
Quando seu pai voltou para casa, dois homens vieram com ele. Eles eram cidadãos mandados para vigiar seus movimentos.
A menina os via como homens rudes e vulgares. Ela era uma verdadeira aristocrata, na verdade, e se perguntava o motivo da civilidade absurda de sua mãe para esses dois companheiros.
Eles se sentavam na sala de visitas, roncavam nas melhores cadeiras de cetim, fumavam seus cachimbos e a delicada mãe nunca os incomodava! Era muito inexplicável.
A senhora preparou o jantar da família, e provavelmente não o fez muito bem, embora fosse uma francesa.
Um dia, um dos dois guardas-cidadãos, encontrando a ociosidade de sua vida na sala de visitas desgastante ou apreendido com um ataque de boa natureza, ofereceu-se para cozinhar.
Acho que ele fora cozinheiro em algum lugar sob o antigo regime. Após oferecer ajuda, seu companheiro de guarda ofereceu-se para tricotar meias para a família e sentar-se na antessala. Mas eles abandonavam qualquer tarefa para acompanhar o Senhor Suspeito, sempre que ele fazia algum sinal de querer sair.
Considerando o cargo que ocupavam, eles não desobedeceram aos presos, depois que o primeiro ciúme de negligência foi acalmado.
Outra circunstância que Madame de ... observara foi o silêncio e a depressão de espírito de sua mãe a uma determinada hora.
Tão certo quanto as onze horas se aproximavam, a pobre senhora deixava de falar e ouvir a sua filhinha. Então, de repente, vinha um terrível e pesado estrondo nas ruas distantes, cada vez mais claro, avançando lentamente, depois virando e morrendo em uma parada repentina.
Este ruído sinistro era reconhecido devido ao silêncio geral das ruas de Paris naquela época. A carruagem do Procurador Geral, Fouquier-Tinville, era a única que andava, qualquer outra foi abatida por medo de ser considerada um sinal de aristocracia. Mas o som pesado diurno, no qual a pobre senhora ficou pálida e rezou, foi a Charrette, com seu conto diário de quarenta ou cinquenta vítimas, indo para a Praça Luís XV.
A Praça Vendôme era uma espécie de faixa entre dois muros mortos que levava aos jardins das Tuileries. Estes muros delimitavam os respectivos jardins dos conventos dos Feuillants e dos Jacobinos, que devam seus nomes aos diferentes partidos políticos que se reuniram nos edifícios desertos.
De fato, o portão de ferro que conduzia aos Jardins das Tuileries em frente ao final da Rua Castiglione, ainda é chamado de Porte des Feuillants.
Ao longo desta sinistra rua, a Madame de ... foi levada para um passeio nos Jardins do Palácio.
Perguntei a ela como foi que seus pais, ao enviarem sua filha para caminhar nestes jardins, não temiam a chance dela ficar chocada com as vistas e os sons que rondavam o palácio de Luís XV.
Ela respondeu que naqueles dias, havia uma fila de edifícios irregulares no final dos jardins, fechando completamente o lugar.
Além disso, acrescentou que era terrível pensar em quão cedo as pessoas se familiarizaram com o horror. Terrível em um sentido... Mas, como as pessoas conservavam seus sentidos naqueles dias?
Ela disse que seu marido, quando um menino de dez ou doze anos, ficava calado com seus pais e toda a sua família na abadia, pela fiel coragem de um velho servo, que levou o pequeno companheiro até seu sótão em Saint Faubourg.
É claro que isto foi feito com o risco da vida para o homem, abrigando um suposto aristocrata sendo quase tão criminoso quanto o próprio aristocrata.
O pequeno rapazinho se apegou ao necessário confinamento de seu refúgio, o ar próximo, a diferença de comida, a ansiedade sobre seu pai e sua mãe, tudo isso contado sobre sua saúde, e o homem, seu protetor, vendo isso, começou a lançar alguma distração sobre o menino.
Assim, uma vez por semana, ele levava o menino, bem disfarçado, para um passeio.
Para onde, você acha?
Para os jardins de Luís XV, para ver a guilhotina em ação nas quarenta ou cinquenta vítimas!
O delicado garotinho encolheu-se e entristeceu ao ver, mas tentou vencer todos os sinais de seu terror e repugnância, em parte, por consideração ao homem que correra tanto risco em salvá-lo, em outra, por uma consciência instintiva que naqueles momentos de excitação e entre aquela raça impulsiva, seu amigo e protetor teria uma súbita irritação contra ele, se visse a repugnância do garoto à temerosa exposição, e poderia lá, denunciá-lo como um pequeno inimigo à segurança pública.
Mais uma vez, para marcar a apatia quanto à vida e a excitação selvagem que as pessoas tomaram ao testemunhar o terror mortal e o sofrimento de outros, a Madame de Saint A. prosseguiu dizendo que a família de seu marido, ao número de seis, estava presa na abadia, e fez parte daquela estranha companhia triste que lá vivia, e se resignou ao seu destino, esquecendo a sociedade que desfrutaram em dias mais felizes, visitando-se uns aos outros, levando diversões e etiqueta com dignidade e compostura, e, esperando o momento em que a lista de vítimas do dia fosse lida pelo carrasco.
Uma manhã, a filha do carrasco, uma menina magra e bem-humorada de catorze ou quinze anos, que era a favorita de toda aquela triste companhia, veio, ao invés de seu pai, para ler a lista daqueles para quem naquele mesmo minuto a guilhotina estava esperando do lado de fora do portão.
Cada um dos seis membros da família Saint A. foram nomeados. Eles estavam esperando pela sentença de morte.
Um após outro se levantaram e deram sua despedida solene e tranquila, depois, seguiram a menina para fora da porta, contudo, ela parou. Ela não tinha a chave da porta. Ela se virou e riu daqueles que a seguiam, com o contentamento de quem tinha feito uma piada:
— Vocês não foram todos bem acolhidos? Não foi um bom truque? Veja! É apenas uma folha de papel em branco. A lista ainda não chegou. Vocês podem voltar!
E seus nomes, por alguma sorte, nunca foram colocados nas listas, e a morte de Robespierre os libertou.
A conversa então se voltou sobre a maravilha que era agora pensar sobre a imunidade que Robespierre parecia usufruir de todas as chances de assassinato.
Não havia nenhuma aparência de precaução, nem em seu rosto, muito menos em seus movimentos. Suas horas de sair e de entrar eram pontualmente regulares, seus hábitos metódicos eram conhecidos por qualquer pessoa que se preocupasse em inquirir.
A certa hora do dia, ele podia ser visto por multidões que saíam de suas casas na Rua Saint Honoré, vestido com a maior simpatia, sem pressa na marcha, nem lançar olhares suspeitos ao seu redor.
Seu secretário, assim disseram meus amigos, estava vivo há não mais de vinte anos, vivendo em um apartamento no Quartier Latin, que ele raramente deixava para qualquer propósito.
Ele conseguira evitar qualquer aviso público no momento da morte de seu mestre, e, muito tempo depois da morte da maioria daqueles que o teriam reconhecido, o velho viveu no isolamento de seu quarto, mantendo os poucos que se preocupavam em visitá-lo. Sua crença de que Robespierre era um homem consciente, se é que estava enganado.
Então, minha amiga Madame de ... retomou a história de suas lembranças infantis, e nos disse que a próxima coisa que ela se lembrava claramente, era seu terror quando um dia, estando à janela, viu uma multidão selvagem enfurecida, gritando, rindo para dentro da Place Vendôme, com as toucas de dormir vermelhas na cabeça, suas mangas de camisa desnudadas acima dos cotovelos, suas mãos e braços descoloridos e vermelhos.
Sua mãe, tremendo, afastou a criança antes que ela visse mais, e as duas se acobardaram juntas, no canto mais distante da sala, até que o barulho infernal morresse ao longe.
No verão seguinte, ou pelo menos assim ela pensou, porque estava quente, alguma ordem foi dada ou uma pista fantástica sussurrada, ela não sabia qual, mas seus pais e todos os habitantes das casas tinham suas mesas espalhadas ao ar livre, e levavam suas refeições para lá, acompanhados por qualquer um dos Carmagnoles que passavam por ali, vestidos como aqueles que acabei de mencionar, que aterrorizaram tanto a menina e sua mãe.
A hospitalidade forçada foi considerada um sinal de boa cidadania, e infeliz daquele que se encolhia de tal companheirismo.
Paris, 1° de março de 1863.
De noite, em casa, a conversa girou em torno dos casamentos entre ingleses e franceses.
Ali, vários franceses que se casaram com esposas inglesas, e um em especial, cuja mãe também era inglesa, e que podia usar ambas as línguas com igual eloquência. A discussão foi baseada em conhecimentos toleravelmente corretos.
A maioria dos presentes se opôs fortemente à maneira inglesa de criar as filhas em casas ricas e sobre os hábitos luxuosos dos lares de seus pais.
Seus cavalos, criadas e abundância de diversão, quando, se a questão do casamento surgisse, vinda de um jovem de igual nascimento e educação, mas que tinha sua maneira de viver diferente, o pai da jovem raramente pagaria qualquer quantia em dinheiro.
Provavelmente, a porção de herança seria dada para seus filhos jovens, que ficavam na propriedade quando seu pai morresse, mas os casados, geralmente precisavam de força de caráter para enfrentarem juntos a pobreza.
Cinco ou dez mil libras seriam inestimáveis uma vez, o que chegava tarde demais para muitos, assim o disseram.
Eles acrescentavam que os hábitos luxuosos das meninas inglesas e a falta de provisão por parte de seus pais, faziam com que tanto os filhos quanto os pais, ficassem ansiosos e mundanos em matéria de matrimônio.
As meninas sabiam que, assim que seus pais morressem, elas abandonariam suas esplêndidas casas e desistiriam de muitos desses hábitos e modos que se tornaram necessários para elas, e seus pais sabiam disso da mesma forma, portanto, a busca por maridos ricos por parte das mães e filhas, era uma exigência na Inglaterra.
Nossos amigos franceses falaram, que devíamos olhar para uma casa, em todos os níveis, que era costume começar a colocar a ideia de casamento para uma menina, assim que ela nascesse. Um pai pensaria negligenciar um dever, se não o fizesse, tanto quanto se ele matasse a criaturinha de fome.
Eles falavam que as meninas eram criadas de forma simples, sem luxo e extravagância porque isso pertencia às mulheres casadas.
Quando sua filha tinha dezoito ou vinte anos, um bom pai começava a olhar para ela e a indagar as personalidades dos diferentes jovens que ela conhecia. Ele os observa, ou sua esposa o fazia, ainda mais eficientemente, e, quando eles entendiam que tal jovem se adequara à filha, eles nomeavam a porção que daria ao pai do jovem ou a algum amigo em comum.
Em resposta, os pais do jovem, se tivessem outros filhos, informava que a educação desses filhos custava muito, e um avô, de uma maneira justa, ajudaria na renda considerável, mas no momento não podia ajudar o rapaz nos preparativos do casamento, a menos que a jovem conseguisse contribuir com sua parte, não apenas com seu dinheiro, mas com uma parte de boa-fé, para as despesas conjuntas da manutenção da casa.
Mas, se ele fosse filho de um homem de propriedade, ele era liberado do embaraço, dando o pagamento de uma quantia imediata de dinheiro, seu pai regularizaria uma certa renda para os jovens, e assim por diante.
Meus amigos disseram que não havia dúvida de que se, após estas questões preliminares de negócios, o jovem ou a moça não gostassem inteiramente um do outro em um relacionamento mais íntimo, o casamento proposto seria anulado na maioria das famílias francesas, e nenhuma influência indevida seria empregada para obrigar qualquer uma das partes a fazer o que eles não gostavam.
Entretanto, em geral, a menina não era autorizada a ter relações pessoais com ninguém, até que a escolha de seus pais se adiantasse e fosse autorizada por eles a corte.
Quanto ao jovem, seria fácil para ele ver o suficiente da jovem para saber se ele podia gostar dela ou não, antes de chegar ao ponto em que era necessário a tomada de qualquer medida individualmente ativa no caso.
Capítulo iii
Paris, 2 de março de 1863.
Permanecendo em uma família francesa, eu tinha vislumbres da vida para a qual não estava preparada por nenhuma leitura anterior de romances franceses, ou mesmo, por visitas anteriores a Paris, na época que permaneci em um hotel frequentado por ingleses, e perto da rua que parecia pertencer quase exclusivamente a eles.
A ideia inglesa predominante da sociedade francesa era brilhante, impensada e dissipada, com a vida familiar e os afetos domésticos quase desconhecidos, e que o sentido da religião se limitava a meras formalidades.
Agora vou lhes dar dois vislumbres que tive:
Um, no lado mais sério do protestante, e o outro, na subcorrente da vida católica romana.
A amiga com quem eu estava hospedada, pertencia a uma Dizaine, ou seja, ela era uma das dez senhoras protestantes, que se agrupavam neste número, a fim de se reunirem em intervalos regulares de tempo, trazendo à consideração, casos de angústia que encontrassem.
Havia números destas Dizaines em Paris.
Um de seus princípios era dar o mínimo possível de dinheiro para o marido em seus recursos.
Assim, as mulheres de renda moderada achavam perfeitamente agradável pertencer à mesma Dizaine que a senhora mais rica de Faubourg Saint Germain. Mas, o que se esperava de todos, era um serviço pessoal e nestes serviços, pessoas de vários graus de saúde e força podiam se juntar.
Os inválidos, que não podiam caminhar longe, ou mesmo, aqueles que estavam confinados ao sofá, pensariam, planejariam e escreveriam cartas.
Os fortes podiam caminhar e usar o esforço corporal. Eles tentavam erguer a condição de uma ou duas famílias de cada vez, até a independência autossustentável.
Por exemplo, o Dizaine que conheço, trazia ao seu conhecimento, o caso de um sapateiro doente, e o encontrou, após investigação, morando em um quarto, no quinto andar de uma dessas casas altas, escuras e impuras, que ficavam atrás da extremidade leste da Rua Jacob.
Após a escadaria barulhenta e imunda, mal iluminada e frequentada pela maioria das pessoas desonestas, estava o quarto esquálido no qual o homem estava deitado.
Ele era grosseiro, como todo pobre inglês, que geralmente fica deprimido e amuado sob fome e negligência, mas os franceses estavam muito aptos a entenderem tal situação.
Sua esposa era uma pobre criatura paciente, cujo espírito e inteligência pareciam pressionados por extrema tristeza, e que não tinha força da mente, nem do corpo, para capacitá-la a fazer um esforço maior além de deixar que um dos Dizaine soubesse do caso.
Havia também crianças doentes de hálito ruim e de vida pobre. Os médicos diziam que as doenças decorrentes desta mancha insidiosa eram muito mais comuns em Paris que em Londres.
Bem, este caso foi uma grave questão de consideração para a Dizaine, e o fim da deliberação foi este:
Uma senhora se comprometeu a ir procurar um alojamento no mesmo bairro em que o sapateiro vivia, mas com melhor ar, luz e uma abordagem mais limpa e doce.
Era um bairro ruim, mas era aquele em que a família havia se enraizado, e seria muito desastroso puxá-los à força e transplantá-los para um solo totalmente diferente.
Outra senhora se comprometeu a procurar entre seus conhecidos, alguém que tivesse a caridade de ajudar com banhos de mar em Dieppe, isso ajudaria o pobre menino, que era a pior vítima da escrófula.
Uma velha disse que, enquanto esperava esta ordem, ela ajudaria com algumas roupas velhas de seu filho próspero, que apenas precisavam ser alteradas e arranjadas, para que o pequeno menino fosse a Dieppe decentemente vestido.
Alguém conhecia um comerciante de couro, e falou em conseguir um pequeno estoque de couro a preços de atacado, enquanto todas essas senhoras declaravam que dariam algum emprego ao sapateiro, e sei que elas, grandes senhoras, trabalharam na ruidosa escadaria, e colocaram seus delicados pés pequenos na cama onde ele se deitava, a fim de dar-lhe novamente o alegre conforto do emprego.
Suponho que isto estava perturbando o curso regular do trabalho dos sapateiros ao redor, mas não imagino que casos assim fossem tão comuns a ponto de afetar os comerciantes mais prósperos.
A última vez que ouvi falar deste sapateiro, ele estava saudável e sua esposa mais alegre. Ele estava um pouco sarcástico ao invés de positivamente feroz, e, embora ainda acamado, conseguia ganhar um sustento tolerável, fazendo sapatos para serem vendidos no mercado americano, um pedaço de emprego permanente, que lhe foi adquirido através da instrumentalidade do Dizaine.
É claro que estas senhoras, sendo humanas, tinham suas fraquezas e defeitos.
Suas reuniões estavam aptas a se tornarem fofocas, e exigiam a manipulação firme de alguma mulher superior para mantê-las a par do assunto e dos negócios em mãos.
Ocasionalmente, brigas ocorriam quanto à melhor maneira de administrar um caso, ou quanto ao caso mais merecedor de assistência imediata, e podiam ser censuradas ou ridicularizadas por aqueles que preferiam ver manchas na execução a sentir a retidão do projeto.
Neste quadro feminino, foram convocados, dois homens, um dele, Monsieur Jules Simon, profundo estudante da condição trabalhadora na França, e aplicou os melhores remédios para os males que a assolavam. Sobre isso, ele julgava sabiamente os vários casos que lhe foram submetidos.
Quanto ao meu vislumbre da sabedoria e bondade católica romana em Paris:
Não faz muito tempo, provavelmente ainda está acontecendo, havia um serviço regular realizado na cripta sob Saint Sulpice, para trabalhadores muito pobres, imediatamente após a grande alta das massas.
Eles não ouviam nenhum sermão regular sobre virtudes abstratas, mas entre eles, estava o padre, com seu crucifixo, falando-lhes em sua própria língua, sobre o amor fraterno e abnegação, como aquele do qual ele segurava o símbolo em suas mãos. Falava das tentações, às quais estavam expostos em seus diversos ofícios e em sua vida diária, usando até mesmo as palavras técnicas, de modo que cada homem se sentia como se sua própria alma estivesse sendo tratada.
Havia uma busca por aqueles ainda mais pobres, ainda mais indefesos e desolados que eles, e muitos deles, claro, não podiam dar nem mesmo o sal ou a peça de cinco centavos.
Mas depois disso, o padre dava voltas, falando baixo e suavemente a cada indivíduo, perguntando a cada um, que esforço, que sacrifício poderiam fazer em nome do Senhor.
Um disse poder sentar com um vizinho doente, que precisava ser zelado durante a noite, outro ofereceu um dia de salário pela guarda da família do homem incapacitado.
O padre sugeriu para um terceiro, que ele e sua esposa levassem uma das criancinhas barulhentas para brincar entre seus filhos durante o dia, outro ofereceu-se para carregar o fardo semanal de uma viúva pobre.
Não se podia ouvir tudo, era melhor que tais palavras fossem ditas em voz baixa, que a mão esquerda não soubesse o que a mão direita fazia.
Estamos falando em sair de Paris e ir sem pressa para Roma.
Avignon, 5 de março de 1863.
Afinal, não pudemos seguir as instruções que de Montalembert me deu, mas vou guardar seu papel, escrito em inglês, pois, os lugares que ele desejava que visitássemos, soavam cheios de interesse, e faria uma semana de excursão muito agradável de Paris em algum momento futuro.
“Vá até o guia de viagem. Entre no trem, na ferrovia de Lyon e vá até Auxerre, uma bela cidade com igrejas esplêndidas. Em Auxerre, pegue a diligência para Avallon, um lugar muito bonito, com belas igrejas também. Em Avallon, alugue uma carruagem para Vezelay, que fica três léguas de distância, porque a mais esplêndida igreja românica da Europa fica lá, depois, siga para Chastellux, um belo e antigo castelo, que pertencente à família daquele nome, da Cruzada de 1147. De volta a Avallon, pegue o trem até Sémur, outro lugar muito bonito, com uma igreja encantadora, sete ou oito léguas de distância. De Sémur, outro trem até Montbard, ou Les Launes, que são estações ferroviárias próximas. Pare em Dijon, uma cidade muito interessante, e não deixe de ver o museu.”
Quando De Montalembert escreveu seu pequeno plano, eu disse algo sobre o nome “Avallon”, e a Ilha de Avallon estar na França, ao invés da Bretanha, mas ele me lembrou do fato de que os fragmentos dos romances arturianos se encontravam evidentemente, em todo o Oeste da Europa, e reivindicou Avallon como o lugar:
“Onde não há granizo ou chuva, nem neve. O vento jamais sopra alto. Prados profundos, felizes, com gramados, pomares e ocos de hangares coroados com mar de verão.”
Ele disse haver também uma floresta, no mesmo distrito.
Falando das Cruzadas, sobre a família de Chastellux, aludida no esboço de uma possível viagem que ele traçara para nós, que caiu na conversa sobre o rápido desaparecimento de velhas famílias francesas nos últimos vinte ou trinta anos, durante os quais o valor das longas estirpes aumentaram muito depois dos cinquenta anos de indiferença comparativa em que eles foram mantidos.
As cinco Salles Des Croisades, em Versailles, foram apropriadas para a comemoração dos eventos dos quais tomavam seu nome, por Louis-Philippe, em 1837.
Antes disso, o direito das cento e noventa e três famílias que afirmavam ser descendentes diretas dos Cruzados, que participaram das três primeiras Cruzadas de 1106 a 1191, foi minuciosamente examinada por arautos, aforradores e advogados familiarizados com a dificuldade de estabelecer descendência, antes que os orgulhosos cento e noventa e três pudessem ter seus braços brasonados na primeira Salles Des Croisades.
Entre eles estavam de Chastellux, de Biron, de Lamballe, de Guérin, ancestral de Eugénie de Guérin, de la Guéche de Rohan, de la Rochefoucauld, de Montalembert, e assim por diante.
Em 1864, não existiam dois terços destas famílias na linha masculina direta!
No entanto, o valor afixado a estes antigos títulos e nomes históricos tornou-se tal, que eles eram reivindicados por relações colaterais, por descendentes na linha feminina, e pelos compradores das terras das quais os antigos Cruzados derivavam as denominações, e tornou-se até mesmo necessário ter um conselho autorizado para julgar os direitos daqueles que assumiam novos títulos e denominações.
Os Montmorencis, de fato, até hoje possuem uma espécie de parlamento próprio, e arrancam a plumagem de qualquer um que ouse assumir seu nome e brasão.
Aparentemente, não há poder de se tornar um “nobre sem ser nobre” de fato à vontade na França.
Eles falavam como se nossa nobreza inglesa fosse uma raça muito moderna em comparação com os franceses, mas atribuíam a palma da antiguidade às grandes famílias belgas antigas, mesmo em preferência aos austríacos, tão vaidosos de seus feitos.
Não conseguimos passar por Avallon e Dijon, por isso viemos direto para cá, e estávamos passando alguns dias nesta encantadora pousada, com o vento uivando e assobiando, sem termos a ideia de que a grande acácia sem folhas perto das janelas de nossa sala fora convulsionada em sua forma retorcida pela agonia em sofrer durante a sua juventude a acuidade cruel deste vento.
Mas, no interior, estávamos em um salão elevado, olhando para o pitoresco pátio da estalagem, abrigadas por uma cortina dobrável, com uma corrente de ar passando pela porta, um fogo amontoado com troncos em chamas, descansando sobre latão e ferros. Peles de feras selvagens tornando o piso macio e quente para nossos pés, velhos acervos militares e vistas de Avignon, como era há duzentos anos, penduradas nas paredes, que eram cobertas com um papel indiano, com Eugénie de Guérin para ler, e não nos importamos com o vento, porque estávamos bem contentes de estar em nossos aposentos por alguns dias.
Avignon, 8 de Março de 1863.
Aconchegamos no conforto de portas por um dia ou dois, mas, depois disso, ansiávamos por sair, apesar do terrível vento.
Certamente encontramos Avignon com vento fastidioso, e começamos a desejar que tivéssemos atrasado nosso progresso parando em Avallon, se esse fosse realmente o lugar onde o vento nunca sopra alto.
Assim, no dia seguinte à nossa chegada, caminhamos para fora do pátio, bem agasalhadas.
Fomos levadas e apreendidas em um vento tirano. Tudo o que podíamos fazer era fechar os olhos, e manter nossos pés firmes no solo, e nos perguntarmos onde estavam nossas saias de estimação, porque elas pareciam voar alto.
Atravessar a ponte era impossível, até mesmo os transeuntes nos advertiram contra a tentativa, mas, após recuperar o fôlego, voltamos e subimos lentamente pelas ruas estreitas, escolhendo aqueles que nos ofereciam mais abrigo, até chegarmos ao amplo espaço em frente ao Palácio dos Papas.
Com perseverança lenta, seguimos nosso caminho de ponta a ponta, e chegamos a um canto nas paredes maciças, onde podíamos descansar e olhar ao nosso redor.
Por cima de nossas cabeças, subiam as enormes paredes, a sombra distante de Roma, pois, os franceses construíram uma estrutura tão poderosa, que parecia um crescimento da própria rocha sólida.
A beleza do jardim ao redor da base do Palácio era única, com seus canteiros arrumados e arbustos baixos. Toda a entrada no Palácio era proibida, porque era uma prisão agora.
Entramos na catedral, e a atmosfera era tranquila e deliciosa, e estávamos inclinadas a ficar lá, até que o vento parasse de explodir, mas, a espera poderia ser por um mês ou seis semanas, pensando bem, acreditamos que seria melhor voltar ao nosso hotel naquele instante.
Ficamos de pé por alguns minutos nos degraus da catedral, olhando a vista magnífica que tínhamos diante de nós, e lamentamos as nuvens de poeira fina, que de tempos em tempos, rodopiavam sobre a paisagem.
Perto de nós, levantavam as paredes colossais do Palácio, diante de nós, no centro do espaço aberto, havia uma estátua de bronze, de um homem vestido com vestes orientais, e perguntamos a quem ela representava.
Que santo? Que mártir?
Era a do persa Jean Althen, o persa que primeiro introduziu a cultura da rúbia no sul da França. Seu pai ocupara o alto cargo sob Thomas Koulikhan, mas estava envolvido na queda de seu mestre, e seu filho fugiu com a proteção do cônsul francês de Esmirna.
Era proibido, sob pena de morte, levar a semente da planta rúbia para fora do distrito, mas Althen conseguiu trazer parte dela para Marselha, e assim, originou o cultivo da rúbia na província de le Comtat, cujos lucros para os habitantes podiam ser imaginados a partir do fato de que a receita desta fonte totaliza anualmente mais de quinze milhões de francos.
Althen e sua filha morreram na pobreza, mas dos últimos anos, a estátua que vimos na Place Rocher des Doms, foi erguida para o descrente persa, bem em frente à catedral e ao Palácio dos Papas, onde uma vez João XXII, aquele crente mais infame, viveu.
Eu vira a rúbia com mais frequência na Inglaterra, na forma de um pó marrom sujo, as raízes moídas, com sabor adocicado, e os operários não deixavam de tomar um pouco em suas mãos, enquanto passavam os grandes fardos, e o colocam em suas bocas.
Eu ouvira um jovem filantropo inglês dizer que, muitas vezes, ele pensava em comprar um pedaço de terra no leste da Itália, e introduzir o cultivo de rúbias lá, para elevar a condição do povo.
Eu nunca ouvira falar de Jean Althen antes, e, por mais tempestuoso que fosse, cheguei até a estátua, para que eu pudesse olhar para o rosto calmo e triste do pobre persa.
Suponho que as tinturas de Aniline recém-descobertas desenraizariam o comércio que ele estabeleceu, em algum período futuro, mas ele fez um bom trabalho em sua época, do qual nenhum homem conhecia o valor enquanto vivia.
Nossa amável anfitriã do Hotel de l'Europe estava na porta do corredor para nos cumprimentar em nosso retorno, e nos advertiu com alguma ansiedade contra sair no vento, porque não estávamos aclimatadas, disse ela. Não éramos como as famílias inglesas residentes em Avignon, que não sofriam, porque estavam lá há tanto tempo.
É claro que fizemos perguntas sobre essas famílias inglesas, e ouvimos que algumas residiam na cidade há duas ou três gerações, todas se dedicavam ao comércio da rúbia, portanto, também elas tinham motivos para abençoar a memória de Jean Althen.
Avignon, 12 de Março de 1863.
Suponho que nossa anfitriã pensou que nos manteria prudentes e pacientes em casa, até recebermos a carta de Marselha, anunciando ser seguro que os barcos para a Civita Vecchia partissem, porque até aquele instante, as viagens estavam atrasadas por este horrível vento.
Enquanto esperávamos, ela nos trouxe um bom número de livros, a maioria deles topográficos, mas um ou dois eram relacionados com as lendas e histórias do distrito.
Estávamos muito contentes por estarmos em sua casa, porque o vento soprava pior que nunca.
Aprendemos a administrar os fogos de lareira, o homem que nos esperava, o criado, nos deu ontem uma pequena lição: Sempre levantar as cinzas vivas para a frente e deitar na madeira fresca atrás, essas eram suas instruções, e essas instruções foram úteis.
Este velho homem era um polonês exilado e se tornou um criado no hotel, há cerca de trinta anos. Ele gostava de falar conosco, mas sua língua era muito difícil de entender, embora conseguíssemos perceber o patoá suave e acetinado do sul da França, o dialeto provençal, no qual nossas perguntas eram respondidas nas ruas.
Mary estava sentada junto ao fogo, tentada pelos troncos de madeira, e para cada golpe do revirar de cinzas, brotavam fontes de lindos brilhos.
Eu, tendo uma mente sóbria, exclamei para ela, pois, pagamos caro por nossa cesta cheia de madeira, mas ela, de forma suplicante e persuasiva, chamava minha atenção para o efeito brilhante de seu trabalho, e não pude deixar de observar as vidinhas brilhantes que de uma a uma desapareciam, até que uma pobre centelha solitária correu em vão para encontrar suas companheiras, e depois morreu sozinha.
Ela me lembra uma história que ouvi, há muito tempo, em Ramsay, na Ilha de Man.
Estávamos questionando a esposa de um pescador em Ramsay sobre o Manthe Doog do Castelo de Peel, no qual ela tinha uma firme convicção, e a partir desta conversa, sobre as fadas.
— Há alguma fada na ilha agora? — perguntei seriamente, é claro, pois, era um assunto sério com ela.
— Nenhum agora! Nenhum agora! — respondeu ela. — Meu irmão viu a última que habitou a ilha. Ele estava fazendo um atalho nas colinas, acima de Kirk Maughold, e desceu em um buraco verde, como há nos topos das colinas, apenas verde por toda parte, e o céu azul acima. Ele ouviu as cotovias cantando lá em cima, contudo, desta vez, ele ouviu um pequeno grito. Então, olhou à sua volta, em todos os lugares, seguindo o som do grito, e, longamente, ele chegou a um mergulho na grama, e lá estava uma fada tão fraca e pequena, chorando tristemente, que quando o viu, a pobre falou que ele não era de seu povo e que ela pensava que ele era um dos seus que voltara para salvá-la. A fada reclamou que eles a deixaram sozinha, que estava fraca e não podia ir com eles. Assim, ela começou a chorar novamente. Então, ele quis ajudar, e pensou em levá-la para casa para ser um brinquedo para seus filhos, porque seria melhor que ficar ali deitada sozinha na grama úmida. Ele tentou pegá-la, mas de alguma forma, ele tinha mãos grandes, e era muito estabanado, e as fadas eram tão sensíveis como as borboletas. Quando ele a pegou e ela ficou muito quieta, ele abriu a mão depois de um tempo, e dizer-lhe que estava fazendo tudo para o bem dela, mas ela estava apenas esmagada até a morte, coitada! Ele disse que não adiantava trazê-la para casa naquele estado, e assim, ele a jogou fora. Este foi o fim da última fada de que ouvi falar na ilha.
As últimas faíscas nos troncos de madeira em Avignon foram minhas últimas fadas.
Entre os livros de nossa anfitriã, estava o relatório autorizado do julgamento pelo assassinato de Madame la Marquise de Gange.
Era tão interessante e tinha um sabor local tão forte, que estávamos decididas a ir até Ville-Neuve no dia seguinte, e ver seu retrato de Mignard na Eglise de l'Hopital em Ville-Neuve.
Ela viveu no século XVII e era filha de Sieur de Rossau, um cavalheiro de Avignon, que casara com uma herdeira, a filha de Joanis Sieur de Nochères.
Seu pai morreu quando ela era muito jovem, e ela e sua mãe foram morar com o Sieur de Nochéres, provavelmente, em uma das grandes e sombrias casas nas estreitas ruas antigas, pelas quais passamos horas atrás, sem janelas no andar inferior, apenas com grades fortemente barradas, que eram quase como habitações fortificadas, o que, de fato, o estado das coisas na época em que foram construídas exigia isso.
A menina prometeu ser uma grande beleza, além de um dote generoso, e não era de se admirar que todos os jovens nascidos na Provença, e alguns que não eram jovens também, viessem cortejar a neta da velha e rica burguesia de Avignon.
Mas onde a força era tão frequentemente empregada como método de cortejo, e na época em que os obstáculos ao sucesso, no caminho de pais ou mães, ou relações obstinadas, eram tão facilmente eliminados por pretendentes determinados, pensou-se melhor arranjar um casamento precoce para a menina, que se chamava Mademoiselle de Châteaublanc. Ela foi desposada em 1649, aos treze anos, pelo Marquês de Castellane, neto do Duque de Villars.
Seu marido era descrito como sendo tão encantador quanto sua noiva. Ele era bonito, mas temperamental, além de ser um herdeiro de uma grande casa francesa.
Ele levou sua adorável noiva para Paris, onde ela era admirada por todos os espectadores na corte do jovem rei Luís XIV.
Sua majestade infantil foi atingida com sua rara beleza, e lhe conferiu a honra de dançar com ela em um baile da corte, e os dóceis cortesãos seguiram seu exemplo, e a batizaram de “La belle Provençale”, nome pelo qual ela ficou mais conhecida do que pelo legítimo título de Marquesa de Castellane.
“Quando ela veio à cidade pela primeira vez, eles a chamaram de Jess MacFarlane. Mas, agora ela veio e foi embora. Eles a chamam de “A Dama Errante!”
Pobre jovem Belle Provençale!
Admirada pelo Rei da França e todos os seus homens. Vivendo uma vida brilhante e feliz de prazer inocente em Paris, com um marido encantador, por quem ela era apaixonadamente amada e cujo afeto ela estimava com carinho.
Rica, adorável e de alto nível, quão pouco ela poderia ter previsto sua rápida descida do auge da boa fortuna?
Seu primeiro pesar profundo foi a perda de seu marido.
Ele morreu afogado na costa da Sicília e ela voltou da vida alegre de Paris para chorá-lo profundamente na casa austera de seu avô, na cidade de Avignon.
A única mudança que ela procurou nestes anos de luto foi entrar em retiro no convento de Ville-Neuve, a vila que vimos do lado oposto do Ródano, no outro dia, quando estávamos nos degraus da catedral.
O relato de seu pesar pela morte de seu jovem marido era evidentemente tão verdadeiro e sincero, que era de se admirar que ela se case novamente, mas suponho que naqueles dias, um avô burguês e uma mãe viúva, eram considerados mais pobres protetores para uma bela jovem mulher de grande riqueza.
De qualquer forma, li que ela selecionara, entre muitos pretendentes, o Sieur de Lanide, Marquês de Gange, Barão do Languedoc, governador de Saint André, para ser seu segundo marido.
Ela casou com ele em 1658, quando ele tinha vinte anos, e ela vinte e dois anos.
Ele era tão bonito quanto ela, mas de caráter violento e feroz.
Durante os primeiros meses após o casamento deles, ele pareceu dedicar-se a ela, mas, de vez em quando, ele se cansou da companhia dela e teve inveja de seus antigos amigos.
Era uma vida bastante solitária para a pobre senhora, fechada no Château de Gange de seu marido, enquanto ele se divertia na sociedade provincial, e ocasionalmente visitava Paris, onde, uma vez, ela fora tão procurada e acarinhada.
As coisas aconteceram desta maneira entre marido e mulher por algum tempo sem nenhuma mudança. Então, dois dos irmãos do Marquês de Gange, o Abade e o Cavaleiro de Gange, vieram viver no Château do Gauge, e pouco tempo depois, seu velho avô, o Sieur do Nochères, morreu, deixando a senhora de Gange como herdeira.
O Marquês, seu marido, estava muito ocupado em cuidar das diversas fazendas às quais sua esposa conseguira êxito sob a vontade de seu avô.
Gauge está a sete léguas de Montpellier, e dezenove de Avignon, em um distrito solitário, o castelo era a casa principal em uma pequena vila, cujos habitantes eram dependentes do Marquês.
Mas, por pouco tempo após a morte do Sieur de Nochères, foi necessário que sua herdeira estivesse em Avignon, e, como se dizia na época, que ela tinha motivos para suspeitar que um creme que seu marido a pressionara muito para comer, estava envenenado com arsênico, porque ela se lembrava do horóscopo desenhado para ela em Paris, que previa que ela morreria violentamente, ou se, como era provável, seus sete ou oito anos de conhecimento do caráter de seu marido a tornaram temerosa e desconfiada, e fora certo que antes de deixar Avignon, ela fez uma vontade singular, que foi atestada com todas as formas legais possíveis, para este fim.
Sua mãe seria sua única herdeira, com poder para deixar todos os bens após sua morte a qualquer um dos filhos que a Senhora de Gauge tivesse com seu segundo marido, o menino tinha seis anos, a menina, cinco anos naquela época, e eles viviam com sua avó em Avignon.
Embora este testamento fora executado em segredo, ela fez uma declaração solene perante os magistrados de Avignon no sentido de que, embora ela fosse obrigada a fazer um testamento subsequente, este era o único válido.
Pobre senhora!
Ela tinha motivos demais para temer o momento em que seria obrigada a voltar ao castelo solitário, longe de seus amigos, em poder de um marido cruel e negligente, que tinha fome após a posse incontrolada e desonesta de sua fortuna, e que a deixaria novamente, como ele fizera antes, exposta às solicitações pródigas e insolentes do Abade, o mais esperto dos três irmãos, que já negociara sobre sua miséria com a negligência e a antipatia mal disfarçada de seu marido, dizendo que, se sua cunhada acedesse a seus desejos, ele a traria de volta ao afeto de seu marido.
O Cavaleiro parecia ser um tolo brutal, sob a influência de seu esperto irmão, o Abade.
No intervalo entre a morte de seu avô e seu retorno ao Château de Gange, estes três irmãos velaram seus desejos sob uma aparência de grande complacência para Madame de Gauge.
Mas toda sua aparente atenção e consideração, palavras e atos de devoção de seu marido, terminaram nesta pergunta:
— Quando ela voltaria ao Château de Gange?
Avignon era insalubre no tempo quente, enquanto o outono, a estação das vindimas, era requintada no castelo.
Desesperada com sua urgência, e temendo as consequências de uma recusa persistente, ela deixou Avignon para La Gange. Mas, primeiro, ela deu a soma considerável para diferentes conventos, pedindo missas pela sua alma, no caso de sua morte repentina sem extrema unção.
Isso dava uma ideia horrível do estado da sociedade naqueles dias, reinado de Carlos II na Inglaterra.
Uma jovem indefesa, que possuída um pavor bem fundamentado, mas sem saber de nenhum poder ao qual pudesse apelar por proteção, e obrigada a deixar a pobre segurança de uma cidade para ir para uma casa solitária, onde aqueles que desejassem seu mal pudessem trabalhar sua vontade.
No Château de Gange, ela encontrou os dois cunhados, que retornaram de Avignon alguns dias antes, e sua sogra, uma mulher boa e gentil, cuja presença se agarrou a jovem marquesa, mas a viúva vivia habitualmente em Montpellier, e voltou para lá, logo após a chegada da Marquesa.
Enquanto a senhora idosa permanecera no castelo, tudo correra bem, mas na sua partida, o Marquês partiu de volta para Avignon, deixando instruções a seus irmãos para persuadir sua esposa a fazer um testamento.
Eles realizaram seu trabalho habilmente, dizendo-lhe que não poderia haver uma reconciliação perfeita com seu marido, até que ela demonstrasse total confiança nele, legando-lhe todos os seus bens em caso de sua morte.
Em nome da paz e lembrando de seu testamento secreto em Avignon, ela concordou com os desejos deles, e um testamento, deixando todos os seus bens incondicionalmente para seu marido, foi feito no Château de Gange.
Era uma visão míope da pobre senhora, se ela valorizava sua vida.
De qualquer forma, eles não a valorizavam, e quanto mais cedo eles se livrassem dela, melhor.
Tanto é dito no relatório do julgamento sobre a autoridade, o que parece ter satisfeito os juízes na época. Para os demais eventos, havia o testemunho direto da Marquesa em seu leito de morte e de outras testemunhas e vislumbres curiosos das maneiras do período, bem como do estado da sociedade.
O dramatis personae foi disposto da seguinte forma:
Em 17 de maio de 1667:
A mãe desses três filhos perversos, o Marquês, o Abade e o Cavaleiro de Gauge, estava em sua casa em Montpellier.
O próprio Marquês estava em Avignon, mas ostensivamente empregado no cuidado das fazendas de sua esposa, e ela estava no castelo da aldeia solitária, mantendo a farsa da cortesia amigável com seus cunhados, a quem ela temia inexpressivamente.
Havia um capelão na casa, que era também um comparsa, como ela bem sabia.
Alguns vizinhos da aldeia vinham vê-la, de vez em quando, as esposas do Intendente e do Ministro Huguenote, mulheres dignas e bondosas, como será provado, embora não da classe da sociedade à qual ela estava acostumada nos dias felizes em Paris.
No dia 17 de maio, ela precisou de alguns remédios e mandou chamar o médico do vilarejo.
Quando o médico chegou, ela pegou o remédio que a entregara e jogou pela janela.
Um porco que lambeu o remédio morreu naquele mesmo dia.
Ela não estava bem, e ficou na cama durante toda a manhã, mas à tarde, ela mandou vir duas ou três das boas mulheres da vila para fazer companhia, e mandou fazer um colóquio para ser servido em seu quarto.
Sua indisposição, seja qual for, não parecia afetar seu apetite, pois, ela depôs que comeu muito.
O Abade e o Cavaleiro, ouvindo falar sobre que a mulher estava deleitando sobre a comida, entraram no quarto sem serem convidados e fingiram ser agradáveis.
As vizinhas foram embora, ainda era cedo, à tarde, o Abade e o Cavaleiro acompanharam as boas damas ao grande salão, e a Madame foi deixada sozinha na cama.
Logo de volta, o Abade, com um rosto terrível, trouxe uma pistola, uma espada e um copo de veneno, uma escolha maior de mortes do que aquela oferecida à bela Rosamond, e assim, a Marquesa devia morrer por fogo, aço ou veneno.
Com rápida presença de espírito, ela optou por beber este último, e após fazê-lo, ela se virou como em agonia contorcida, e cuspiu o conteúdo de sua boca para dentro do travesseiro.
Sua pele ficou escura pelas gotas ardentes que caíram sobre ela, e sua boca ficou horrivelmente queimada, e não é de se admirar, pois, no depoimento diz que a bebida era feita de arsênico e sublimado corrosivo, misturado em aqua-fortis.
Não havia evidentemente nenhuma ideia de fazer as coisas pela metade naqueles dias!
Ela deixou a parte grossa do líquido no fundo do copo, mas o Cavaleiro, que por esta altura voltara para ver se tudo ocorrera bem, agitou o sedimento e a obrigou a bebê-lo.
Então, ela implorou para que um padre fosse chamado, e, como eles se sentiam bastante seguros de que nenhuma ajuda seria válida, foram embora e mandaram o capelão da casa, o padre Perrette, para lhe dar a ajuda espiritual que podia.
Ele vivera na família de Gauge por vinte e cinco anos, e estava pronto para conivência com qualquer maldade que eles pudessem planejar.
Enquanto iam à procura deste capelão, a pobre senhora era deixada sozinha em sua cama e procurava meios de fuga.
Não havia nenhum, exceto saltar da janela para o grande pátio fechado, vinte metros abaixo, mas esse risco era melhor que permanecer onde ela estava.
Então, ela tomou coragem, e estava a ponto de se jogar para fora, quando Perrette, o capelão, entrou no quarto.
Ele correu para a janela e tentou segurá-la, mas a anágua que ele pegou cedeu, e apenas um fragmento dela permaneceu em sua mão.
Ela estava em baixo, empurrando seus longos cabelos pretos pela garganta abaixo, e assim, com maravilhosa presença de coragem, contornou o pátio da corte, tentando todas as portas com tremor, mas todas estavam trancadas, e aquele capelão malvado, no castelo acima, estava se apressando para encontrar os incansáveis cunhados e contar sobre a fuga.
Ela correu em volta e ao redor do recinto, batendo nas portas, e, ao longo do tempo, um homem saiu dos estábulos que estavam em uma extremidade do pátio, e ela implorou que a deixasse sair pela porta do estábulo para a estrada, dizendo que ela engolira algum veneno por engano, e que precisava encontrar um antídoto sem perda de tempo.
Uma vez fora das malditas instalações, ela foi para a casa do Sieur des Prats, que vivia no vilarejo.
Ele estava ausente, mas muitas das boas mulheres do lugar estavam lá reunidas, em visita a sua esposa.
As senhoras reunidas no Sieur des Prats eram mulheres corajosas, como veremos.
Em meio a tranquilidade da reunião, desfrutando de uma tarde de fofoca, rebentou a senhora do Château de Gange, e seu vestido, aquele que ela havia usado na cama, rasgado e desordenado, seu cabelo pendurado sobre ela, seu rosto, com toda a probabilidade, lívido de terror mortal e os efeitos do veneno feroz.
Ela mal tinha tempo para dar qualquer explicação sobre sua aparência, quando o Cavaleiro de Gange entrou em busca de sua vítima semimorta, o Abade permaneceu vigiando a porta da casa.
O Cavaleiro falou que a Madame estava louca, que ela voltaria com ele, e proferindo ameaças de raiva.
Enquanto ele estava de costas, Mademoiselle Brunel, esposa do ministro Huguenote da aldeia, deu a Madame de Gange pequenos pedaços de orvietan, de uma caixa que ela carregava no bolso.
Orvietan, que seja lembrado, era considerado um remédio soberano contra venenos, e o fato da esposa do ministro carregar este antídoto no bolso, onde quer que ela fosse, diz muito sobre a insegurança da vida naquele período.
Madame de Gange conseguiu engolir uma série de pedaços de orvietan, não percebidos pelo Cavaleiro, mas quando uma das senhoras, com pena de sua sede ardente, foi e lhe trouxe um copo de água, ele percebeu a gentileza, e partiu de novo, arrancando o copo da boca da Madame, e fazendo um lance para que todos os presentes deixassem a sala instantaneamente, pois, não gostava de testemunhas da loucura de sua cunhada.
Ele as expulsou, de fato, mas elas só foram até a sala ao lado, onde se amontoaram em afinidade, perguntando-se o que fariam pela pobre dama.
Ela, entretanto, implorou por misericórdia da maneira mais tocante, prometendo que perdoaria tudo, se ele apenas poupasse a vida dela, mas com estas palavras, ele correu com sua espada, segurando-a curta, para que ela pudesse servi-lo como punhal e dar as facadas mais seguras.
Ela correu para a porta e se agarrou a ela, clamando de novo por piedade, misericórdia e socorro.
Ele a esfaqueou cinco vezes antes que sua arma se partisse no ombro dela.
Então, as senhoras entraram em auxílio da Madame, que estava deitada no chão, banhada em sangue.
Algumas correram para ajudar, outras chamaram pela janela os transeuntes para buscar o cirurgião rapidamente.
Ouvindo seu grito pela janela, o abade entrou, encontrando sua cunhada ainda não morta. Ele começou a bater nela com a ponta da pistola, até que a valente Mademoiselle Brunel pegou seu braço e pendurou todo o peso dela sobre ele.
Ele a golpeou uma e outra vez, para fazê-la soltar, mas ela não se soltou dele, e todas as mulheres voaram sobre ele como leoas, e o arrastaram pela força para fora de casa, na rua da vila.
Uma das senhoras, que era hábil na cirurgia, voltou para socorrer a Madame de Gange que estava deitada, e a seu desejo, ela colocou seu joelho contra o ombro ferido da Madame, e puxou o ponto quebrado da espada. Em seguida, ela parou o fluxo de sangue, e amarrou as feridas.
O Cavaleiro estivera em uma paixão demasiado cega, aparentemente, para pensar em esfaquear qualquer parte vital, e, apesar do veneno, e da forte queda no pátio pavimentado e das cinco facadas, parecia haver ainda uma chance para a vida de Madame de Gange.
Aquela longa e terrível tarde de maio estava agora chegando ao fim, o Abade e o Cavaleiro acharam bom aproveitar a escuridão vindoura para cavalgar até Auberas, uma propriedade de seu irmão.
Lá, eles discutiram um com o outro, porque seu trabalho ficara incompleto, e estavam a ponto de brigar, quando acharam melhor voltar.
Os cônsules, como foram chamados os magistrados do distrito, vieram oferecer seus serviços à Madame de Gange, que estava deitada entre a vida e a morte.
Os barões vizinhos lhe deram as condolências, um deles era prático o suficiente para pensar na segurança dos assassinos, mas dois ou três dias haviam passado, o Abade e o Cavaleiro haviam embarcado em Ogde, um pequeno porto no Mediterrâneo.
Seu marido, o Marquês, tomou o caso com muita frieza.
Ele ouviu falar em Avignon em uma manhã, mas ele não mencionou a nenhum amigo o que conheceu na rua, nem partiu para ver sua esposa até a tarde do dia seguinte.
Mas ele tinha o testamento, que sua esposa fora obrigada a fazer em La Gange, seguro com ele em Avignon, e antes de deixar a cidade, ele foi ver o advogado em caso de sua morte.
O homem recusou-se a reconhecê-lo e, em seguida, o informou sobre o testamento pelo qual Madame de Gange deixara seus bens à sua mãe, o que anulou qualquer testamento feito após aquela data.
O Marquês não foi induzido por esta informação a ser mais terno com sua pobre esposa ferida.
Ele a encontrou deitada na casa do Sieur des Prats, no estado mais perigoso.
Ele a exortou a revogar sua declaração sobre a perpétua legalidade da vontade de Avignon, mas sua pertinácia neste momento lhe abriu os olhos, e daí em diante, ela não tinha esperança de tocar seu coração pedregoso.
Sua mãe, a Madame de Ropace, veio vê-la, mas ela estava tão enojada ao ver o carinho fingido do Marquês e a suposição de cuidado com sua esposa, que ela partiu no final de três dias.
Era evidente agora para todos que o fim estava se aproximando, as feridas não tocavam a vida, mas o do veneno fora engolido para destruir qualquer constituição.
A Madame de Gauge implorou para que a extrema unção fosse administrada, mas os monges presentes disseram que, antes que isso pudesse ser feito, ela deveria perdoar a todos os seus inimigos.
Ela era muito gentil para se vingar, mas quando Perrette, o capelão, o cúmplice de seus assassinos, veio em suas vestes sagradas para administrar o último sacramento, custou a ela uma dura luta para receber a hóstia de suas mãos.
Mas ela também o perdoou, tão completamente quanto os outros, e, temendo que seu filhinho pudesse em algum momento futuro pensar que era seu dever vingar sua morte, ela mandou chamá-lo e tentou fazê-lo compreender o dever cristão de perdão.
Enquanto isso, o relatório de seu assassinato havia se espalhado por toda parte, e o Parlamento de Toulouse enviou Monsieur de Catelan a La Gange para levar suas provas como as de uma mulher moribunda.
Quando ele chegou, ela estava em um estado pior, mas no dia seguinte, ela se reuniu e o viu.
Um novo terror tomara conta dela, e ela acreditava que não estava segura em La Gauge, e o implorou para levá-la para Montpellier, mas era tarde demais, então, à tarde ela morreu, dezenove dias após o ataque à sua vida.
O Monsieur de Gange ficou alarmado, e fingiu estar em profunda angústia, e que sua dor só seria aliviada pela descoberta e punição dos assassinos de sua querida esposa.
No entanto, o indiferente Catelan o prendeu e assumiu a acusação e a punição pelo crime, em nome do Parlamento de Toulouse.
Os efeitos do Marquês foram selados e ele seria transportado para a prisão de Montpellier.
Os habitantes pararam para ver o rosto do acusado, enquanto ele subia lentamente a rua.
As senhoras de Avignon e as de Montpellier, fizeram um luto pela assassinada Madame de Gange, como se ela fosse uma parente próxima.
Sua mãe, da qual ouvimos muito pouco até agora, liderou o refrão da indignação feminina.
Ela jurou vingança contra o Marquês, e que o perseguiria através de todas as cortes de justiça do reino, até que sua filha fosse vingada.
Ela publicou um comunicado sobre o caso, ao qual ele respondeu, dizendo que suas declarações eram todas baseadas em presunção. Mas a mão severa da lei estava sobre ele, e dela, ele não podia escapar tão facilmente.
De Catelan interrogou duas vezes o Marquês, a última vez, durante onze horas, a base sobre a qual ele fundou suas perguntas não foram presunções, mas as provas que o advogado havia obtido da moribunda Madame de Gange naquela entrevista quando estavam sozinhos.
Em 21 de agosto de 1667, o julgamento foi dado pela boca do Presidente do Parlamento de Toulouse.
Sempre foi suposto pelo público que as poderosas relações do Marquês usaram meios injustos para mitigar a severidade da sentença. Mas era suficientemente severa, se ao menos fosse levada à execução.
O Abade e o Cavaleiro de Gauge seriam quebrados vivos sobre a roda. O Marquês seria banido por toda a vida, ser degradado de seu posto e ter todos os bens e propriedades confiscadas para o uso do rei.
O capelão Perrette, seria privado de ordens eclesiásticas e se tornaria um escravo para toda a vida.
As senhoras de Avignon e Montpellier ficaram indignadas com o fato que o Marquês de Gange não fosse quebrado na roda, assim como seus irmãos. Mas onde estavam esses três homens culpados?
O Abade e o Cavaleiro escaparam por mar, meses atrás, e agora o Marquês saíra da prisão de Toulouse, as portas da prisão, naqueles dias, tinham uma instalação fatal em abrir antes do posto ou da riqueza.
O Marquês e o Cavaleiro se encontraram em Veneza, criminosos fugitivos como eram. Mas eles prestaram serviço para a República, e, foram combater os turcos pagãos em Candia, onde encontraram uma morte honrosa em 1669.
O Abade, superior em intelecto aos outros, viveu uma vida mais longa e agitada. Ele fugiu para a Holanda, e depois de algumas andanças, se encontrou com um velho conhecido, que era ignorante de seu crime, e que o apresentou ao Conde de la Lippe, príncipe soberano de Viane, cerca de duas léguas de Utrecht.
A ele, o Abade de Gauge foi apresentado como o Sieur de la Martellière, um francês de extraordinário aprendizado e mérito, do Huguenote ou religião protestante, que consequentemente estava sob desvantagens sociais em seu próprio país.
O Conde ficou satisfeito com a aparência e as maneiras do chamado Sieur de la Martellière e o nomeou tutor de seu filho, um menino de nove ou dez anos.
Mas, de repente, a perseguição aos franceses Huguenotes começou e centenas deles estavam deixando a França, alguns dos quais poderiam reconhecer o antigo abade de Gange, no protestante Sieur de la Martellière, por isso ele se opôs ao assentamento de refugiados franceses no bairro de Viane, por razões puramente políticas.
Ele fora tutor do filho do Conde de la Lippe durante vários anos, quando se apaixonou desesperadamente por uma bela jovem, uma parente distante da Condessa, que vivia com ela.
Sua pobreza e posição dependente não eram obstáculos ao seu casamento com a bela donzela sem porção, mas a obscuridade de seu suposto nascimento impossibilitava um casamento entre eles.
Ele presumiu sobre seus serviços ao Conde, e sobre os anos de conduta moral que ele passara sob os próprios olhos do Conde. Ele escreveu uma carta eloquente, na qual confessava ser aquele abade de Gange, afirmando que o reino da França caçava, alegando falso testemunho, perjúrio, paixão, o que quer que fosse, em atenuação do crime de que foi acusado.
Ele falou de seus muitos anos de vida de pura moral, como o próprio Conde de la Lippe poderia testemunhar, de sua conversão à fé, que o soberano príncipe de Viane mantinha, e de seu zelo em seus interesses.
Será que ele não aconselhou os refugiados huguenotes a não permanecerem onde o longo braço da França pudesse alcançá-los, mas a irem mais para o leste?
Sua eloquência foi em vão.
O Conde de la Lippe ficou chocado além das medidas, ao descobrir que no tutor de seu filho pequeno, ele abrigara o terrível e infame Abade de Gange, com cujos crimes toda a Europa civilizada estava familiarizada.
O Sieur de la Martellière foi ordenado a deixar sem demora os domínios do Conde de la Lippe.
Ele foi para Amsterdã, e lá também, sem demora, a jovem, pobre e bonita parente de Madame la Comtesse, o seguiu, e se tornou sua esposa.
Seu aluno, o jovem Conde, crescendo para a masculinidade, embora contada por seu pai o infame criminoso que tinha como tutor, perseverou em enviar ajuda ao Sieur de la Martellière e sua esposa em Amsterdã, até que alguma fortuna inesperada de um dos parentes da Madame os colocasse à vontade, no que diz respeito ao dinheiro.
La Martellière tinha um caráter tão elevado que foi admitido no Consistório dos Protestantes em Amsterdã. Mas, onde quer que fosse, na igreja ou no sínodo, no mercado ou sozinho com sua esposa, em sua mais humilde privacidade secreta, ele era assombrado pela face da Madame de Gange. Isso foi dito na época.
A filha da pobre senhora não lhe deu muito crédito, e nada direi sobre ela. O filho, a quem ela ensinara o perdão em seu leito de morte, tornou-se capitão dos dragões, e, quando em Metz, suprimindo os Huguenotes, talvez não soubesse sobre a Mademoiselle Brunel, e como ela ajudara e defendera sua mãe em seu grande tormento. Ele se apaixonou pela bela esposa de um ourives.
Aparentemente, sua religião lhe era mais cara que sua virtude, pois, ela mandou chamar o capitão, e lhe disse:
— Senhor, você me disse que me ama! Você quer provar isso para mim? Dê-me os meios para deixar o reino, e como recompensa por este serviço, que os vossos amores imaginem o preço.
— Não, Madame! — exclamou o Marquês. — Não vou aproveitar a vossa situação. Eu estaria no auge de meus desejos se você concedesse à minha ternura o que eu poderia obter onde você está, mas me censuraria durante toda a minha vida por abusar de seu estado. Te livrarei disso. Só peço a graça de pensar em mim, às vezes.
Depois disso, ele a enviou secretamente através da fronteira.
Fechei os livros da minha senhoria e me preparei para ir para a cama. Estava sozinha no salão alto, que talvez existisse quando Madame de Gauge residia em Avignon, o fogo se apagou, a lamparina cintilava. O vento, sempre forte, estava rasgando em volta da casa. Mary e Irene estavam dormindo em seus quartos.
O silêncio de todas as coisas mortais da hora me fazia perceber todos os fatos depostos, como se eles acontesessem horas antes.
No dia seguinte, iríamos à Ville-Neuve, e veríamos o retrato da senhora assassinada.
Avignon, 16 de Março de 1863.
Embora o vento só diminuísse um pouco, fomos até Ville-Neuve naquela manhã.
Irene não estava bem o suficiente para ir, então Mary e eu, assistidas por Demétrio, nosso mensageiro, fizemos a expedição.
Demétrio não tinha nenhum desejo para excursões fora da rota comum, e só foi conosco, porque ele se achava obrigado a fazer humor à nossa excentricidade.
A ponte suspensa sobre o Ródano tremia com o vento ao cruzá-la, e nossa luta naquela longa exposição foi tão cansativa, que quando uma vez estávamos na tranquilidade comparativa do outro lado, ficamos paradas e olhamos ao nosso redor por algum tempo, antes de continuarmos.
A cor da paisagem de cada lado do rio apressado era um cinza quente, rochas, solo, tudo igual.
Havia pouca vegetação para ser vista, algumas oliveiras, de um verde luar, que cresciam em lugares abrigados.
Pensamos ser como o aspecto da Palestina, pelo relato de Stanley, e Demétrio, que fora várias vezes na Terra Santa, confirmou esta nossa noção, então, ele estava bastante apto a confirmar todas as nossas noções, desde que elas não lhe causassem problemas extras.
Depois de termos atravessado a ponte, viramos à direita e seguimos por uma estrada íngreme e rochosa, até o cume do morro, acima de Ville-Neuve.
Abaixo de nós, estava a cidade fundada por Philippe le Bel, mas completada pelos Papas residentes em Avignon, e caída em decadência comparativa, desde que a sede papal foi restabelecida em Roma.
Descemos até o centro da cidade velha, os edifícios nela eram da mesma construção maciça que o palácio, umas três milhas de distância, em Avignon.
As casas eram muito altas, e construídas de blocos sólidos de pedra bruta cinza-amarelada. Havia arcadas sob seus andares mais baixos, e pouco espaço entre os dois lados das ruas sinuosas para carruagens ou cavalos.
O caminho pela cidade era tão tortuoso, que não se via a menor distância, e sentíamos como se caíssemos em uma fenda.
Nem uma pessoa estava nas ruas desertas.
Olhamos longamente com o convento no qual havia o retrato da Madame de Gange, pintado por Mignard, seu famoso contemporâneo.
Uma freira presente no hospital, veio nos receber e ficou surpresa ao nosso pedido de ver o retrato.
Não era o famoso quadro de “O Juízo Final”, feito pelo bom Rei Réné, que desejávamos ver?
Os quadros estavam pendurados lado a lado, na capela à nossa direita.
Então entramos e olhamos para o rosto da heroína da história trágica que lemos na noite anterior.
Ela estava vestida, como uma freira, com um vestido conventual em preto e branco, como suponho que ela assumiria quando se retraísse após a morte de seu primeiro marido. Ela segurava rosas-vermelhas e brancas em suas mãos, em seu escapulário, a bela cor era necessária pela pintora, ou talvez La Belle Provençale gostasse das flores.
Seu rosto era de uma beleza requintada e de grande tranquilidade de expressão, redondo em vez de oval, cabelos e sobrancelhas escuras e olhos azuis, havia muito pouca cor, exceto nos lábios.
Você o teria chamado de retrato de uma mulher doce, feliz, jovem e inocente, em sua posse de rara beleza.
Depois de gratificar a freira, olhando para a capela recém-pintada, fizemos o máximo para sentir admiração pelo quadro do rei Réné, e deixamos o convento.
Por um ou dois minutos ficamos pensando na Madame de Gange, depois, lamento dizer, o sentimento carnal de fome tomou posse de nós, após nossa longa caminhada, e enviamos Demétrio em todas as direções para nos comprar um bolo, pão ou qualquer coisa comestível.
Ele voltou para onde estávamos sentadas sob o abrigo de uma rocha. Não havia nenhuma loja de comestíveis, nem mesmo um hotel, ou um restaurante, café, nada.
Então voltamos ao Hotel de l'Europe, Avignon, com apetites de leão.
Avignon, 17 de março de 1863.
Um telegrama de Marselha.
Viajamos para a Civita Vecchia.
Elizabeth Gaskell
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