Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
VIDAS EM SEGREDO
Sarah Scott não pretendia se apaixonar por um famoso playboy, mas acabou se rendendo à habilidosa sedução de Raoul. Porém, mesmo depois de sair de sua vida, o legado dele permaneceu, pois Sarah engravidou! Cinco anos mais tarde, ela é uma mãe solteira que luta para sustentar seu filho trabalhando como faxineira de escritório. E é quando Sarah está de joelhos, esfregando o chão, que seus olhos encontram com os de seu novo chefe, o homem que ela jamais conseguiu esquecer... Raoul
Raoul se virou na cama com cuidado, apoiou-se no cotovelo e observou a moça que dormia ao seu lado. O ar opressivo da noite africana entrava pela janela e, ainda que o ventilador ronronasse em cima da cômoda, mal formava uma brisa úmida e quente. O mosquiteiro não conseguia protegê-los; ele afastou um mosquito que acabara de pousar no seu braço e sentou-se.
Sarah espreguiçou-se, abriu os olhos e sorriu.
Ele era bonito. Ela nunca imaginara que um homem pudesse ser tão bonito como Raoul Sinclair. Desde o momento em que pousara os olhos sobre ele, perdera a fala, e Raoul ainda lhe causava o mesmo efeito. Ele se destacava por ser bem mais alto que os outros jovens que, como eles, desfrutavam de um período sabático, mas ela se prendera basicamente ao encanto da sua beleza exótica: à sua pele dourada, ao brilho dos seus olhos negros e do cabelo sedoso que agora chegava a atingir a altura dos ombros, à energia do seu corpo musculoso e esguio. Embora ele fosse apenas um pouco mais velho que o restante do grupo, era um homem no meio de meninos.
Ela estendeu o braço e passou a mão nas suas costas.
— Mosquitos... — Raoul sorriu, observando a pele dourada dos ombros e dos seios de Sarah. Apesar de terem feito amor há algumas horas, ele sentiu o corpo enrijecer. — O mosquiteiro de nada adianta, mas, já que estamos acordados...
Sarah suspirou de prazer, abraçou-o pelo pescoço, puxou-o e beijou-o. Quando o conhecera era virgem, e ele a libertara, revelando-lhe novas e deliciosas sensações a cada vez que a tocava.
Ele puxou lentamente o leve lençol que os cobria. O corpo dela estava quente e úmido de suor. Sarah tinha os seios mais belos que ele já vira, e ele se entristeceu ao pensar que sentiria falta do seu corpo. Não, seria mais que isso. Sentiria falta dela...
Quando ele resolvera trabalhar durante três meses como voluntário em Moçambique, não previra aquela situação. Na hora, parecera-lhe um interlúdio adequado entre a conclusão da faculdade — ele se graduara em economia e em matemática — e o que ele pretendia que fosse o início do resto da sua vida. Antes de enterrar seus demônios pessoais e de se lançar na conquista do mundo, ele se dedicaria a ajudar pessoas mais pobres do que ele fora, embora sua pobreza tivesse sido de outro tipo. Conhecer uma mulher e levá-la para a cama não estava nos seus planos. A sua libido, como tudo mais em sua vida, era algo que ele aprendera a controlar implacavelmente e conseguiria controlá-la durante aquele período.
Sarah Scott, com seu cabelo louro e seu rosto inocente, certamente não era o tipo de mulher por quem ele se sentiria atraído. Geralmente, ele procurava mulheres mais fortes, mais experientes, mulheres cuja atração era mais óbvia e que, como ele, só procuravam um relacionamento breve e intenso. Mulheres que eram como navios que cruzavam o porto sem lançar âncora e, mais importante, que nada esperavam dele.
Bastara olhar para Sarah para perceber que ela era do tipo que lançava âncora, mas isso não fora suficiente para mantê-lo distante. Durante duas semanas em que haviam enfrentado circunstâncias tão diferentes da realidade cotidiana, em que tinham vivido como se estivessem dentro de uma bolha, ele a observara pelo canto dos olhos e percebera que ela o observava também. No fim da terceira semana, acontecera o inevitável.
E agora faziam amor silenciosamente. A casa que dividiam com outros seis ocupantes tinha as paredes finas como papel, e o som se espalhava com imensa facilidade.
— Até onde posso ir antes de você precisar abafar um gemido? — sussurrou Raoul.
— Não faça isso — respondeu Sarah com uma risada. — Você sabe como é difícil...
— Sei. E é disso que eu gosto em você. Basta um toque, e você se derrete toda. — Ele tocou-a entre os seios e lhe acariciou os mamilos, até que ela se contorcesse, ficasse corada, perdesse o fôlego e o agarrasse pelo cabelo. Enquanto ele lhe lambia os seios, cobriu-lhe a boca gentilmente e sorriu ao ouvi-la gemer contra a palma da sua mão. Algumas vezes, eles haviam entrado no jipe decrépito do Centro Social e fugido para uma praia onde teriam privacidade e poderiam fazer amor sem restrições. Entre as horas de trabalho e de descanso entre as tarefas, os dois precisavam fazer amor com um cuidado que se assemelhava a uma coreografia.
Sarah abriu os olhos simplesmente porque precisava olhar para Raoul, para a sua pele cor de bronze, para os seus músculos pecaminosos que se contraíam, enquanto ele se erguia sobre ela. Apesar de já passar da meia-noite, a lua cheia lançava seus raios prateados através da janela, formando sombras nas paredes e permitindo que ela visse os ângulos do rosto dele, enquanto ele trilhava, com a língua, um longo caminho que ia do seu estômago até o meio de suas coxas.
Para ser sincera, em momentos como aquele Sarah tinha a sensação de ter morrido e ido para o paraíso, e nunca deixava de se admirar por seus sentimentos por aquele homem terem se tornado tão profundos em apenas três meses... Menos! Era como se ela tivesse se guardado, à espera que ele aparecesse e se apossasse do seu coração.
Mas, assim que os corpos dos dois começaram a se agitar mais freneticamente e ele entrou no seu corpo, os pensamentos inquietantes que haviam lhe passado pela cabeça nos últimos dias desapareceram. Os dois se movimentaram em um ritmo cada vez mais rápido e mais forte, até que ela se sentiu mergulhar em um orgasmo que uniu os dois no momento do clímax. Embora ela sentisse vontade de gritar de prazer, o único ruído que se ouvia era o das respirações ofegantes dos dois.
Quando ela voltou a si, o luar iluminava as malas de Raoul, enfileiradas ao lado do velho guarda- roupa. E os pensamentos inquietantes voltaram
Raoul soltou o corpo sobre o dela, exausto, e a abraçou. Por um instante, ficaram calados. O lençol ficara embolado ao pé da cama, e ele pensou quanto tempo levaria para que os mosquitos descobrissem a nova entrada que se abrira no mosquiteiro.
— Podemos... Conversar? — perguntou Sarah.
Raoul ficou tenso. A experiência lhe ensinara que, quando alguém queria conversar, provavelmente iria dizer coisas que ele não queria ouvir.
— Pela sua reação, percebo que você não está disposto a conversar, mas eu acho que deveríamos. Quer dizer... As suas malas estão prontas, Raoul. Daqui a dois dias, você vai embora, e eu... Eu não sei o que vai acontecer conosco.
Ele se ergueu e deitou na cama. Ficou calado por algum tempo, olhando para o teto. Sabia o que aconteceria, mas resolvera ignorar, porque ela o enfeitiçara. Toda vez que pensara em declamar o seu discurso, dizendo que ela nada deveria esperar dele, fitara os seus olhos verdes luminosos e perdera a fala.
Ele a encarou e afastou o cabelo do seu rosto.
— Eu sei que precisamos conversar — disse ele em tom entristecido.
— Mas, ainda assim, você não quer...
— Eu não sei aonde isso iria nos levar.
Foi como se ele tivesse lhe jogado água fria, mas Sarah insistiu bravamente porque não conseguia conceber que o que existia entre os dois fosse acabar quando ele partisse. Haviam feito muita coisa juntos: mais do que algumas pessoas fariam a vida inteira. Ela se recusava a acreditar que tudo se reduziria a nada.
— Eu nunca pretendi vir para cá e começar algum tipo de relacionamento — disse Raoul sem entonação, porque não estava acostumado a falar com ninguém sobre suas emoções. Mas ela olhava para ele com aqueles grandes olhos... Cheios de expectativa.
— Nem eu. Eu só queria obter um pouco de experiência e viver um pouco antes de começar a faculdade. Você sabe. Quantas vezes eu lhe disse que... — Ela se calou instintivamente. Estivera prestes a lhe dizer que se apaixonara por ele. Mas ele nunca lhe dissera o que sentia por ela. Ela apenas deduzira, pela maneira como ele olhava para ela, pelo modo como a tocava pelo jeito como ele ria quando ela o provocava. —... Que encontrar alguém também não fazia parte dos meus planos? O inesperado acontece.
Realmente? Não com ele. Ele passara uma infância repleta de acontecimentos inesperados, todos desagradáveis. O seu maior objetivo era evitar o inesperado, mas ela tinha razão. O que florescera entre eles o pegara de surpresa.
Ele a apertou nos braços e procurou palavras adequadas para explicar por que cada um enfrentaria sozinho o futuro que os esperava.
— Eu não deveria ter cedido, Sarah.
— Ter cedido a que?
— Você sabe. A você.
— Por favor, não diga isso — falou ela, desanimada. — Está dizendo que o que fizemos foi um erro? Nós nos divertimos tanto! Você não precisa ser sério o tempo todo.
Raoul beijou os dedos dela, um a um, até conseguir que ela sorrisse.
— Foi divertido — falou ele com a sensação desagradável de quem sabia que daria um golpe mortal em uma vítima inocente. — Mas isso não é real, Sarah. Como você disse isso é um interlúdio. A realidade nos espera. No seu caso, três anos na faculdade. No meu... — O mundo, nada menos. — Trabalho. Eu não esperava ter esta conversa. Esperava que você percebesse o que para mim é evidente. Foi incrível, mas... Foi um romance de férias.
— Um romance de férias? — repetiu Sarah baixinho. Raoul suspirou e passou a mão no cabelo que deixara crescer e que cortaria assim que voltasse à civilização.
— Não me faça parecer um monstro, Sarah. Eu não estou dizendo que não tenha sido incrível. Na verdade, foram os três meses mais incríveis da minha vida. — Ele hesitou. Não gostava de falar do seu passado, muito menos com uma mulher, mas o impulso de se abrir com ela foi mais forte. — Você fez com que eu me sentisse de um jeito que nunca me senti antes... Mas acho que você sabe disso...
— Como saberia? Você nunca me disse. — A declaração seria algo no qual ela poderia se agarrar.
— Eu não sou bom nesse tipo de drama. Na minha vida já houve muito drama...
— O que você quer dizer? — Ela pouco sabia a respeito dele, embora ele soubesse tudo a seu respeito. Ela falara com entusiasmo sobre a sua infância comum e feliz, como filha única de um casal que não esperava mais ter filhos, quando sua mãe engravidara aos 41 anos. Ele contornara o assunto, dizendo que não tivera pais e enfatizando que preferia se concentrar no futuro. Na hora, ela achara isso conveniente, mas, com o tempo, percebera que ele nunca a incluía nesse futuro. E ela bem que gostaria de estar ao lado dele enquanto Raoul abria caminho na vida.
— Eu cresci em um orfanato, Sarah. Eu era uma daquelas crianças sobre quem você lê nos jornais, que são tiradas de casa pela Assistência Social porque os pais não podem educá-las. — Ele sorriu com relutância ao vê-la sentar na cama, boquiaberta, com olhos marejados de lágrimas.
— Os seus pais não podiam cuidar de você?
— Pais não. Só havia minha mãe. — Ele não costumava fazer confidências e escolhia as palavras com cuidado, tentando não lhes atribuir importância. Aprendera a falar com indiferença há muito tempo. — Infelizmente, ela tinha um problema com drogas que acabou matando-a quando eu tinha cinco anos. Quanto ao meu pai... Quem sabe? Podia ser qualquer um.
— Pobrezinho!
— Prefiro ver o meu passado como algo que construiu o meu caráter. E quanto às instituições de adoção, a minha não era das piores. O que eu quero dizer é que... — Ele precisou se lembrar de onde queria chegar. — Eu não estou procurando um relacionamento. Não agora e, provavelmente, jamais. Eu nunca pretendi enganá-la, Sarah, mas... Você me enfeitiçou... Tudo isso não colaborou para que eu mantivesse o bom senso.
— Tudo isso?
— Este lugar. No meio do nada. Juntos, no calor...
— Então nada teria acontecido entre nós se não estivéssemos aqui? — Ela precisou modular a voz que se elevava. Não queria acordar ninguém, apesar de no local só haver mais uma pessoa que falasse inglês.
— Esta é uma questão puramente hipotética.
— Você poderia tentar respondê-la!
— Eu não sei. — Ele percebia que ela estava magoada, mas o que podia fazer? Como poderia amenizar as coisas, fazendo promessas que não iria cumprir? Raoul sentiu uma onda de raiva e de frustração. Droga! Ao olhar para ela, deveria ter sabido que Sarah não estava à procura de diversão sem compromisso! Onde se escondera o seu valioso controle quando ele mais precisara? Desaparecera! Ele a conhecera, e todo o seu bom senso o abandonara. E quando ele descobrira que ela era virgem? Isto o detivera? Muito pelo contrário. Ele se sentira orgulhoso por ser o seu primeiro homem e se jogara de cabeça em uma espécie de frenesi romântico do qual sempre zombara. Não havia lhe dado chocolates e joias, não porque não pudesse comprá-los, mas haviam tido longas conversas, haviam rido muito... Ele chegara a cozinhar para ela uma vez, quando o restante do grupo fora acampar na praia durante um fim de semana, deixando-os responsáveis pelo Centro.
— Você não sabe? Porque eu realmente não sou o seu tipo?
Ele hesitou o suficiente para que ela amargamente entendesse o óbvio.
— Eu não sou não é? — Ela esticou as pernas, chutou a ponta do mosquiteiro e saiu da cama.
— Aonde você vai?
— Eu não quero mais ter esta conversa. — Ela procurou as roupas no escuro, vestiu o short e a camiseta velha, calçou as sandálias. — Estou saindo. Preciso de ar puro.
Raoul avaliou a sensatez de segui-la, mas também pulou da cama e vestiu um jeans, não se incomodando em vestir a camisa, enquanto ela saía do quarto, voando como um morcego.
O quarto era pequeno, mobiliado com o básico e atulhado com os pertences de seus dois ocupantes. Ele tropeçou nos próprios sapatos e soltou uma praga. Não deveria ir atrás dela. Dissera tudo o que havia para dizer. Prolongar a conversa seria provocar um debate sem solução, mas vê-la desaparecer o levava a agir instantaneamente.
A construção era um retângulo de concreto e a porta de entrada ficava a uma altura suficiente para protegê-la contra inundações na estação chuvosa. Raoul alcançou Sarah quando ela chegava ao degrau inferior da escada.
— Então quais são os seus tipos? — Ela se virou para encará-lo, colocando as mãos na cintura.
— Tipos? Do que você está falando?
— Dessas mulheres que você procura.
— Isso é irrelevante.
— Não para mim! — Sarah tremia violentamente, sem saber por que se agarrava àquele detalhe. Ele tinha razão. Era irrelevante. Que diferença fazia se ele preferia morenas altas e ela era loura e baixinha? O que importava é que ele estava lhe dando o fora. Descartando-se dela como se ela fosse um objeto usado, algo insignificante que não faria falta. E ele era tudo para ela. Ela se encolhia ao pensar que, dentro de três dias, acordaria em uma cama vazia, sabendo que nunca mais iria vê-lo. Como iria sobreviver?
— Acalme-se. — Raoul sacudiu a cabeça e afastou o cabelo da testa. Estava muito quente, e ele começava a suar.
— Eu estou perfeitamente calma! — declarou Sarah asperamente. — Só quero saber se você se divertiu, me usando durante os últimos três meses! — Ela se voltou e caminhou para o meio do pátio cercado por cabanas de palha com telhados pontudos, que eram utilizadas como salas de aula para as crianças do local. Raoul não dava aulas. Ele e mais dois outros rapazes faziam trabalho braçal, ajudando em construções nas comunidades vizinhas, plantando e colhendo. E ele fornecia orientação a respeito da rotatividade de culturas e das épocas de semeadura. Parecia saber tudo. — Você estava apenas tentando extrair o melhor de uma situação ruim? Dormindo comigo porque não havia ninguém do seu gosto por perto?
— Não seja tola! — Ele a segurou e a fez parar, forçando-a a olhar para ele.
— Eu sei que não sou a pessoa mais sofisticada do mundo. Sei que provavelmente você está acostumado a ter as mulheres mais lindas. — Ela mordeu o lábio e olhou para longe, sentindo-se humilhada. — Eu sabia que era estranho que você tivesse me olhado, mas suponho que, como eu era a única outra pessoa que falava inglês aqui, você se resignou.
— Não faça isso, Sarah — disse ele secamente, contendo o impulso de abraçá-la e acabar a conversa beijando-lhe os lábios. — Se você quer saber o tipo de mulher que eu sempre procurei, eu lhe digo. Sempre procurei aquelas que nada queriam de mim Não estou dizendo que isto seja louvável, mas é a verdade. Sim, elas sempre eram bonitas, mas não do mesmo jeito que você...
— E que jeito seria esse? — perguntou Sarah com sarcasmo, embora estivesse disposta a se agarrar a qualquer comentário positivo que ele lhe jogasse. Subitamente, ela percebeu desgostosa, que estava disposta a implorar. Apesar de ir contra o seu orgulho, imploraria que ele, pelo menos, mantivesse algum contato com ela.
— Jovial, inocente, alegre... — Ele acariciou o braço dela. — Eu deveria ter fugido no momento em que você olhou para mim com esses enormes olhos verdes — murmurou ele entristecido. — Mas eu não consegui. Você reunia tudo o que eu não queria, mas, ainda assim, eu não consegui resistir.
— Mas você não precisa resistir!
Antes que ele pudesse derrubar o seu último argumento, Sarah se voltou bruscamente e caminhou na direção de um tronco caído, que servia de banco, e sentou. Sentia o coração bater como um tambor e mal conseguia respirar. Ela não olhou para ele quando Raoul se sentou ao seu lado. A noite vibrava com o ruído dos insetos e dos sapos, mas ali o ambiente estava mais fresco do que estivera no quarto. Por fim, ela se voltou para ele.
— Eu não quero que você se assente e se case comigo — falou ela calmamente, mas... A quem queria enganar? Era exatamente o que ela queria. — Você não precisa ir embora sem olhar para trás. Quer dizer, podemos manter contato. — Ela deu um sorriso desesperado. — É para isso que existem celulares, e-mails e redes sociais.
— Quantas vezes nós discutimos a vantagem de expor a nossa vida pessoal para satisfação do público?
— Você é um verdadeiro dinossauro, Raoul. — Ela sorriu. Haviam discutido tantas coisas! Debates bem humorados, durante os quais riam muito. Quando cismava uma coisa, Raoul se tornava teimoso, inabalável, e ela gostava de provocá-lo a respeito da sua rigidez. Nunca conhecera alguém semelhante.
— Você ficaria satisfeita em fazer isso? — Se ela fosse o tipo de garota que se satisfazia com um contato intermitente e distante, não estariam ali, sentados, tendo aquela conversa, porque ela também seria o tipo de garota que não se importaria em ter um caso de três meses e ir embora, sem se preocupar com um futuro que não iria existir.
Por um breve instante, ele pensou em como seria levá-la com ele, mas logo descartou a ideia. Ele era honesto o bastante para reconhecer que era o produto do seu passado. Privado de estabilidade desde muito jovem, ele aprendera a tomar conta de si próprio. Não conseguia se lembrar de quando resolvera que o mundo jamais decidiria o seu destino e que ele podia controlá-lo. E ele faria isso usando a cabeça. O orfanato alimentara a sua ambição determinada e lhe ensinara uma lição importante: a não contar com ninguém. Enquanto as outras crianças brincavam ou reclamavam dos pais que não apareciam, ele enfiara a cabeça nos livros e aprendera a estudar em meio ao caos. Abençoado com uma inteligência excepcional, ele passara em todos os exames e, assim que se vira livre das restrições do orfanato, trabalhara arduamente para fazer o curso médio e, depois, a faculdade. Partindo do nada, ele precisara ser mais que apenas inteligente. Um diploma nada valia quando se competia com alguém cuja família tinha contatos. Portanto, ele fizera duas faculdades de grande importância e pretendia usar seus diplomas para chegar onde desejava.
Onde Sarah se encaixaria no seu grande esquema? Ele nunca cuidara de ninguém, nem queria. Não era do seu feitio. Sarah era o tipo de pessoa delicada, gentil, que sempre precisaria de alguém que tomasse conta dela. Droga! Ela nem conseguia responder à sua pergunta! Quando ela falava em manter contato, estava se referindo a manter o relacionamento. Qual seria a sua responsabilidade se ele dissesse o que ela queria ouvir?
Subitamente, Raoul levantou, colocando distância entre os dois. Sentar ao lado dela estava lhe causando estranhos efeitos no corpo e na cabeça.
— Então? — perguntou ele mais friamente do que pretendia. Ela se encolheu e abaixou a cabeça. Ele precisou recorrer a toda a sua força de vontade para não abraçá-la e cerrou os punhos, sentindo vontade de socar alguma coisa. — Você não respondeu à minha pergunta. Você se manteria em contato comigo através de e-mail? Sabendo que deveria me esquecer seguir em frente e registrar o que aconteceu como uma experiência?
— Como pode ser tão insensível? — murmurou Sarah. Ela praticamente implorara e não fora suficiente. Ele não a amava, e jamais iria amá-la. Por que ela perderia tempo se lamentando? Raoul tinha razão. E-mails e mensagens de texto só prolongariam o seu sofrimento. Ela precisava cortá-lo da sua vida, sem deixar restos que voltassem a brotar.
— Eu não estou sendo insensível, Sarah. Estou lhe poupando a dor de ter falsas esperanças. Você é jovem, otimista...
— Você não é tão velho, Raoul!
— Em termos de experiência, eu sou cem anos mais velho que você e não sou o homem que você procura. Eu não sirvo para você...
— Esta é a desculpa dos covardes — resmungou ela, citando algo que lera em algum lugar.
— Neste caso, é verdade. Você precisa de alguém que cuide de você, e eu nunca serei esse homem
— Raoul olhou para ela atentamente e imaginou se algum dia voltaria a estar na situação de ter que se justificar diante de alguém. Ele aprendera a andar sozinho, de maneira a não se ver apanhado em uma situação como aquela. — Eu não desejo as mesmas coisas que você — continuou ele gentilmente. Sarah gostaria de negar que desejava as coisas a que ele se referia, mas sabia que seria mentira. Ela queria o conto de fadas completo, e ele sabia. Raoul parecia conhecê-la melhor que qualquer outra pessoa. De ombros caídos, ela tentava encontrar algo de positivo na situação. Sempre havia algum. — Eu não fui talhado para constituir uma família feliz, Sarah...
Depois de um tempo, ela levantou os olhos e fitou-o friamente.
— Tem razão. Eu quero tudo o que você disse e é melhor que você tenha me desiludido, para que eu possa tentar encontrar alguém que não tenha medo de compromissos. — Quando ela se levantou, suas pernas estavam bambas. — Seria terrível pensar que eu perderia o meu tempo amando você, quando você não acredita em nada disso!
Raoul trincou os dentes, mas não tinha nada a dizer.
— E, a propósito... — Ela fez um gesto por sobre o ombro. — Vou deixar suas roupas do lado de fora da porta, porque vou dormir sozinha esta noite! Você quer tanto a sua valiosa liberdade? Bem... Você conseguiu. Parabéns!
Com a cabeça erguida, ela percorreu o que lhe pareciam ser quilômetros de volta a casa. As lembranças do intenso relacionamento surgiam em sua cabeça, em câmera lenta. Pensar nele arrepiava-a, e Sarah cruzou os braços enquanto subia a escada. Ao entrar no quarto, ela recolheu as roupas de Raoul e nelas mergulhou o rosto, sentindo o seu perfume. Depois as colocou do lado de fora, junto com a bagagem, trancou a porta e, no quarto vazio, contemplou uma vida sem ele e tentou impedir que o seu mundo desmoronasse.
Apanhada esfregando o chão, tentando tirar uma mancha renitente do imaculado carpete creme da sala da diretoria do elegante banco onde trabalhava há três semanas, Sarah parou ao ouvir o som de vozes que vinha de uma das salas vizinhas. Vozes baixas, calmas, uma de homem, outra, de uma mulher.
Era a primeira vez que ela via sinal de vida naquele local. Costumava chegar um pouco depois das 21h, fazia a faxina e ia embora, como ela gostava. Não queria esbarrar com ninguém, ainda que não existisse a menor possibilidade de que alguém falasse com ela. Ela trabalhava como faxineira e, como tal, parecia ser totalmente invisível para as outras pessoas. Até o porteiro que a deixava entrar, desde que ela começara a trabalhar no banco, mal olhava para ela. Sarah mal se lembrava do tempo em que conseguia atrair alguns olhares de admiração. O peso da responsabilidade somado à falta de dinheiro apagara o brilho jovem do seu rosto e agora, quando se olhava no espelho, ela via uma mulher de 20 e tantos anos, com olheiras sob os olhos e a aparência emaciada de alguém que passava por diversas dificuldades.
Sarah pensou no que deveria fazer. Existiria alguma regra de etiqueta que dissesse o que uma faxineira deveria fazer ao encontrar com um dos diretores? Ela se agachou ainda mais. Com o seu uniforme xadrez azul e o cabelo escondido sob um lenço do mesmo padrão, ela bem poderia passar por um monte de roupas velhas jogadas no chão, não fosse pelo carrinho cheio de material de limpeza ao seu lado.
À medida que as vozes se aproximavam pelo corredor, Sarah se pôs a esfregar vigorosamente a mancha do tapete, mas de repente percebeu que as vozes haviam silenciado e que os passos haviam parado bem à sua frente. De fato, olhando pelo canto do olho, ela viu um par bem engraxado de sapatos italianos sob as barras de calças cor de grafite, e um par de saltos muito altos e de meias de seda muito finas.
— Não sei se você já limpou a sala de conferências, mas, se limpou, não o fez devidamente. A mesa está cheia de marcas de copos e duas taças de champanhe foram deixadas na estante! — A voz da mulher era áspera e autoritária.
Com relutância, Sarah ergueu os olhos ao longo do corpo muito esbelto e alto de uma mulher de cerca de 30 anos. Atrás dela, se ouvia o homem apertar o botão do elevador.
— Eu ainda não limpei a sala de conferências — balbuciou Sarah, rezando para que a mulher não fizesse uma reclamação, porque ela precisava do emprego. O horário lhe convinha e o salário era bom, incluindo o pagamento do táxi de ida e volta para casa. Quantos empregos de faxineira incluiriam esta vantagem?
— Fico aliviada ao saber disso!
— Pelo amor de Deus, Louisa. Deixe a mulher trabalhar. São quase 22 horas, e eu não quero passar o restante da noite aqui!
Sarah ouviu a voz que a assombrara durante os últimos cinco anos, e sua cabeça teve um branco, então recomeçou a funcionar com um tranco, descartando a similaridade do tom de voz. O homem que estava atrás da moça não podia ser Raoul Sinclair. Raoul Sinclair não passava de um terrível erro da sua juventude, que ficara no passado. Mas, ainda assim.
Obedecendo ao instinto que lhe dizia para dar um rosto à voz, Sarah se virou e, instantaneamente, ficou imobilizada sob o mesmo olhar cor de chocolate amargo que ocupara a sua cabeça há cinco anos e que se recusava a abandoná-la. Ela tentou levantar e cambaleou. A última coisa que ouviu, antes de desmaiar, foi à mulher exclamar em tom agudo:
— Pelo amor de Deus! Só nos faltava essa!
Ela voltou a si lentamente. Enquanto abria os olhos, sabia, ainda que confusamente, que não queria recuperar a consciência. Preferia ficar na paz do desmaio.
Ela fora levada para um das salas e estava deitada em um sofá que sabia ser do escritório do Sr. Verrier. Sarah tentou se levantar, e Raoul surgiu no seu campo de visão, mais alto do que ela se recordava, mas bonito como sempre. Ela nunca o vira vestir outra coisa além de jeans e camiseta, e tentou conciliar a imagem do Raoul que conhecera com o homem que se inclinava sobre ela e que era o retrato do milionário que jurara se tornar.
— Aqui. Beba isso.
— Eu não quero beber nada. O que faz aqui? Eu estou vendo coisas? Não pode ser você.
— Engraçado. Eu estava pensando o mesmo. — Ele começava a recuperar o equilíbrio. No instante em que seus olhos haviam fitado os dela, ele voltara ao passado. Carregá-la para a outra sala lhe despertara uma onda de sentimentos que ele acreditara ter exorcizado. Ele se lembrara do seu cheiro, do seu corpo, como se a tivesse visto no dia anterior. Seria possível? Muita coisa acontecera durante aqueles anos.
Sarah tentava levantar. Não acreditava em seus olhos. Era tão estranho que ela precisava conter uma gargalhada nervosa.
— O que está fazendo aqui, Sarah? Você mudou...
— Eu sei. — Subitamente, ela se tornou consciente da sua aparência esquálida, do rosto encovado, do uniforme. — Eu mudei muito, não foi? — Ela arrumou o uniforme com a mão trêmula. — As coisas não funcionaram como eu planejei. — Ela tentou levantar novamente, mas não conseguiu.
Raoul estava apavorado com o que via. Onde estava a garota risonha, de olhos brilhantes, que ele conhecera?
— Eu preciso ir... Preciso terminar a faxina, Raoul. Eu...
— Você não vai terminar nada. Não agora. Quando foi a última vez que você comeu alguma coisa? Parece que vai sair flutuando com qualquer sopro de vento. Faxina? Você está fazendo faxina para se sustentar? — Ele começou a caminhar pela sala. Não acreditava que ela estivesse no sofá do seu escritório.
Acostumado a eliminar qualquer emoção considerada supérflua na sua vida perfeitamente controlada, ele percebeu que não conseguiria conter o bombardeio de perguntas que lhe ocorriam, nem dominar o fluxo de lembranças inconvenientes que lhe invadiam a cabeça. Sarah fora a única mulher com quem ele tivera um relacionamento espontâneo. Ela representava a imagem dele mesmo como um homem livre, com um pé na escada, mas sem ter subido um degrau. Talvez por isso o fato de vê-la tivesse lhe causado tanto impacto.
— Eu nunca pensei que acabaria assim — sussurrou Sarah, enquanto começava a sentir o verdadeiro impacto do encontro inesperado.
— Mas acabou. Como? O que aconteceu com você? Você resolveu que preferia fazer faxinas a ensinar?
— Claro que não! — protestou ela secamente, sentando-se no sofá e encarando os horríveis sapatos de trabalho e as meias de lã preta.
— Você chegou a ir para a faculdade? — perguntou Raoul, sem conseguir evitar olhar para os seus seios sob o horroroso uniforme.
— Eu deixei o Centro Social duas semanas depois que você foi embora.
Os olhos verdes cansados faziam com que ela parecesse vulnerável e extremamente jovem, e Raoul se sentiu culpado. Em cinco anos, ele cumprira todas as promessas que fizera para si mesmo quando menino. Munido de suas impressionantes qualificações, ele arrumara o primeiro emprego como operador na bolsa de valores, no qual o seu dom para ganhar dinheiro rapidamente o levara para o topo. Enquanto seus colegas trabalhavam em grupos, ele operava sozinho e, na arena do mercado financeiro, não demorara muito para que se tornasse conhecido como um matador que aterrorizava investidores muito mais experientes. Mas ele nem reparava, porque, para ele, o dinheiro significava liberdade. Ele não confiava em ninguém
Dentro de três anos, ele acumulara o suficiente para entrar no mercado de aquisições, e cada aquisição que fizera tinha sido maior e mais impressionante que a anterior. A culpa não fazia parte da sua carreira meteórica e nunca o incomodara.
Entretanto, agora a culpa o consumia.
Ele passou a mão na cabeça, enquanto Sarah observava o seu gesto tão característico.
— Você cortou o cabelo — disse ela, corando com o absurdo da observação. Raoul sorriu.
— Descobri que cabelo longo não combinava com a minha imagem. Claro que agora eu poderia deixar que ele crescesse até a cintura e ninguém diria nada, mas os meus dias de cabelo comprido acabaram.
Assim como ela, pensou Sarah. Ela fazia parte daqueles dias que tinham acabado... Mas, na verdade, eles não haviam terminado. Ela sabia que existiam coisas que precisavam ser ditas, mas aquela era uma conversa que ela nunca esperara ter e desejava adiá-la o quanto fosse possível.
— Você deve estar satisfeito. — Sarah olhou para o chão e fitou os seus sapatos horrorosos, mas percebeu que ele se aproximava e sentava ao seu lado. Apesar da situação assustadora, da dor e das dificuldades, ainda sentia o corpo reagir à sua proximidade. — Você sempre foi tão determinado... — prosseguiu ela.
— Essa é a única maneira de obter sucesso. Você estava me contando o que aconteceu com a sua estada na faculdade...
— Estava? — Ela umedeceu os lábios nervosamente. Não deixara de pensar nele durante dois anos. Com o tempo, as lembranças começaram a se apagar e ela aprendera a afastá-las quando ameaçavam reaparecer. Mas houvera momentos em que ela brincara com a ideia de reencontrá-lo e imaginara diálogos em que se mostrava forte, confiante e no domínio da situação. Nada que se assemelhasse àquele momento. — Eu não cheguei a ir para a faculdade. Como lhe disse as coisas não funcionaram como eu esperava.
— Por minha causa. — Raoul odiava deixar que sua emoção aflorasse. Também não deveria se sentar tão perto dela. Frustrado por não conseguir manter o controle, ele puxou uma cadeira e se sentou de frente para o sofá. — Você só deveria ter deixado o Centro depois de mais três meses. Na verdade, eu me lembro de você dizer que talvez ficasse lá por mais tempo.
— Nem todos conseguem fazer o que planejaram — disse ela em tom ressentido.
— E você me culpa pelo fato de ter acabado onde acabou? Eu fui honesto com você. Pelo que você me disse no fim da nossa discussão, achei que ficara agradecida por poder sair à procura do cara perfeito. Se você está tentando me atribuir à culpa pelo que aconteceu na sua vida, não vai adiantar. O nosso rompimento foi muito claro, como deveria ser. Se o cara perfeito que você encontrou é o tipo de homem que fica sentado enquanto a mulher trabalha para ganhar dinheiro, é uma pena, mas a culpa não é minha.
— Isso é loucura... Eu não o estou culpando por nada. E não existe cara perfeito. Droga, Raoul... Eu não acredito nisso. Parece que estou vivendo um pesadelo... Não foi isso que eu quis dizer. Eu quis dizer que você... Está tão diferente...
Raoul ignorou as palavras que ela escolhera. Ela estava em estado de choque. Ele também
— Tudo bem Talvez você não tenha encontrado o homem dos seus sonhos, mas deve ter havido alguém... Por que outro motivo você desistiria de uma profissão que tanto adorava? Você costumava dizer que nascera para ser professora.
Sarah levantou os olhos cor de musgo, e Raoul se recordou de como ela olhava para ele com adoração e, ao mesmo tempo, com um ar brincalhão, de um jeito que ele adorava. Agora ele duvidava que qualquer mulher tivesse coragem de importuná-lo. O dinheiro e o poder o haviam colocado em um lugar diferente. Em uma posição em que as mulheres pestanejavam e o elogiavam, mas, brincar com ele...? Não. Ele não admitiria. Em cinco anos, nem uma vez ele sentira vontade de enfiar os pés nas águas turvas de um compromisso.
— Você se envolveu com algum tipo de fracassado? — perguntou ele, irritado. Ela ficara abalada e fragilizada, de coração partido. Talvez alguém tivesse se aproveitado do seu estado de espírito?
— Do que você está falando?
— Você deve ter ficado arrasada, para ter voltado da África antes do planejado. Compreendo que você me culpe por isso, mas, se você tivesse ficado, teria me esquecido em poucas semanas.
— Foi isso que aconteceu com você, Raoul?
Ele ficou chocado com a pergunta direta e preferiu não responder.
— Você foi enganada pelas promessas de alguém que a deixou quando se cansou? Foi isso que aconteceu? O diploma seria o seu passaporte, Sarah. Quantas vezes conversamos a esse respeito? O que ele fez para convencê-la a abandonar as suas aspirações?
Ela parecia não saber se ficava sentada ou se levantava. Aparentemente, sentia-se desconfortável dentro da própria pele, e os olhos verdes arregalados que o fitavam em nada melhoravam as coisas.
— E por que fazer faxina? Por que não um emprego em algum escritório?
Raoul olhou para o relógio e viu que já era quase meia-noite, mas relutava em encerrar a conversa, embora questionasse onde ela iria dar. Sarah fazia parte da sua história, era uma peça do quebra- cabeça que já fora montado. Por que prolongar o jogo? Ainda mais quando aqueles olhos imensos e acusadores o lembravam de um passado que ele desprezava. Se ele a conduzisse educadamente até a porta, não duvidava que ela iria embora sem olhar para trás. Isso seria bom
— Você não pode confiar em ninguém — advertiu ele bruscamente. — Talvez agora você entenda o meu ponto de vista, quando eu disse que só deve confiar em si mesma.
— Acho que provavelmente perdi o emprego — falou Sarah distraidamente. Ela o vira olhar para o relógio e sabia o que isso queria dizer. O seu tempo estava acabando. Ele fora em frente e chegara a um lugar onde tempo é dinheiro. Para Raoul, as lembranças deveriam ser de pouco interesse. Ele se concentrava no futuro. Mas, embora a ideia fosse apavorante, ela deveria insistir e tentar fazer o que precisava.
— De qualquer maneira, eu não poderia permitir que você trabalhasse aqui. — Ele se apressou a dizer.
— O que você tem a ver com esse lugar?
— A partir das 18h de hoje, tudo. Eu sou o dono.
Sarah ficou boquiaberta.
— Este lugar lhe pertence?
— Faz parte do meu portfólio.
Sarah percebeu que os dois nada mais tinham em comum. Estavam em camadas diferentes. Ele era dono do chão que ela limpara há duas horas. Vestido no terno de executivo, usando uma gravata de seda e calçando sapatos feitos à mão, Raoul era a sua antítese. Ela vestia o uniforme da empresa de limpeza e calçava sapatos gastos.
Em um gesto de desafio, Sarah arrancou o lenço da cabeça, tentando amenizar a aparência de completo servilismo. Seu cabelo claro e macio se soltou com rebeldia. Ele cortara o cabelo. Ela deixara que o seu crescesse e chegasse à altura da cintura. Por alguns segundos, Raoul ficou atordoado ao vê-lo.
Ela retorceu o lenço, e ele voltou à realidade. Ela dissera algo a respeito do emprego de faxineira que se arriscava a perder, a não ser que continuasse a fazer a limpeza depois do seu horário.
Ele abriu a boca para continuar a conversa e ficou irritado quando ela o interrompeu indelicadamente, falando em um tom tão baixo, que ele mal a escutava.
— Eu tentei encontrá-lo, sabia?
— O quê?
Ela pigarreou e repetiu.
— Eu tentei entrar em contato com você... Mas não consegui.
Raoul endureceu o corpo. Ficar rico fora uma aprendizagem Ter dinheiro era um ímã. Pessoas que ele conhecera e preferiria esquecer vinham procurá-lo depois de terem visto a sua fotografia na seção financeira dos jornais. Seria divertido, se não fosse patético. Ele tentou entender o que Sarah estava dizendo naquele momento. Ela também seria uma daquelas pessoas? Vira-o no jornal e, como estava com dificuldades, tentara encontrá-lo?
— Como assim, não conseguiu? — perguntou ele em tom frio.
— Eu não sabia como localizá-lo. — Ela sentia o coração bater tão forte que lhe provocava enjoo. — Quer dizer, você desapareceu sem deixar rastros. Procurei informações com a moça que mantinha os registros do trabalho voluntário, e ela me forneceu um endereço, mas você havia se mudado...
— Quando você empreendeu essa busca frenética?
— Quando voltei para a Inglaterra. Eu sei que você me deu o fora, Raoul, mas... Mas eu precisava falar com você.
Então, apesar de toda a sua bravura quando tinham rompido o relacionamento, ela tentara ir atrás dele. Era um indício da sua inexperiência, reforçado pelo fato de que ela acabara de confessar abertamente que o procurara.
— Eu vim para Londres e aluguei um quarto em uma casa. Você não conseguiria me encontrar.
— Cheguei a procurá-lo na internet, mas não o encontrei. Lembrei-me de que você disse que nunca faria parte de uma rede social...
— Quanto trabalho. E tudo isso para quê? Para uma conversa informal?
— Não exatamente. — Sarah pensou que se tivesse continuado mais um pouco a sua busca, por um ano ou dois, talvez o tivesse encontrado na internet porque, a essa altura, ele já fizera fortuna. Mas ela logo desistira e nunca imaginara que ele tivesse subido tanto, tão depressa, embora, pensando bem, ele sempre tivesse sido teimoso, implacável e concentrado. E destemido. Destemido fisicamente e no que se referia aos planos para o futuro. — Gostaria de ter conseguido encontrá-lo. Você não manteve contato com o seu último lar adotivo. Tentei encontrá-lo através deles, mas eles não sabiam mais nada sobre você.
Raoul ficou tenso. Esquecera o quanto ela sabia sobre ele, inclusive sobre a sua infância e adolescência infelizes.
— Você não conseguiu entrar em contato comigo — falou ele friamente. — Podemos discutir as várias maneiras que você usou para me procurar e que não deram certo ou podemos ir em frente. Por que queria me encontrar?
— Você está insinuando que eu deveria ter tido mais orgulho e não tentado procurá-lo?
— Algumas mulheres teriam — respondeu Raoul secamente. Ela se virou para ele, e a luz iluminou seu cabelo, dando-lhe tons dourados. — Mas suponho que você fosse muito jovem. Apenas 19 anos...
— E muito estúpida para agir sensatamente?
— Apenas muito jovem — Ele desviou o olhar do cabelo dourado e franziu a testa. Percebera a tensão na voz dela, embora ela parecesse calma e controlada.
— Você não pode me culpar por eu não tê-lo encontrado...
Raoul ficou confuso. Do que ela estava falando?
— Está ficando tarde, Sarah. Eu trabalhei a noite passada, acertando os detalhes da aquisição com os advogados. Não tenho tempo nem energia para decifrar o que você está dizendo. Por que eu a culparia por não ter me encontrado?
— Eu vou direto ao ponto, Raoul. Eu não queria procurá-lo. Que tipo de perdedora você acha que eu sou? Acha que eu me arrastaria até você, implorando outra chance?
— Seria possível, se você tivesse sido maltratada por outro homem!
— Não houve outro homem! E por que eu iria procurá-lo, depois de você ter me dito que não queria mais nada comigo?
— Então por que você me procurou? — Ele estava estranhamente feliz por ela não ter tido outro homem, mas atribuiu isto ao fato de que não teria gostado se ela tivesse sido usada e deixada de lado por alguém que se aproveitara do seu momento de desespero.
— Porque eu estava grávida!
Fez-se um silêncio tão pesado que Sarah começou a se sentir tonta. Raoul não conseguia acreditar no que acabara de ouvir. Podia ter sido um truque da sua imaginação ou uma piada de mau gosto. Talvez fosse uma maneira de ela chamar a atenção para prolongar a conversa. Mas bastou olhar para Sarah, para ver que ela não brincava.
— Isso é a coisa mais absurda que eu já ouvi. Você deve estar louca se acha que eu vou cair nessa. Quando se trata de dinheiro, eu já ouvi de tudo! — Ele começou a caminhar como uma fera enjaulada.
— Nós nos reencontramos por acaso. Você não teve sorte, por algum motivo, e percebeu que eu fiz fortuna. Por que não foi sincera e pediu ajuda? Achou que eu iria recusar? Se você precisa de dinheiro, posso fazer um cheque agora mesmo.
— Pare com isso, Raoul. Eu não sou uma mercenária! Por favor, me escute. Tentei encontrá-lo porque descobri que teria um filho seu. Sabia que você ficaria chocado e pensei muito antes de resolver fazer isso, mas achei que seria justo que você soubesse. Como pode achar que eu inventaria algo assim para lhe arrancar dinheiro? Você sabe que eu nunca fui materialista. Por que está sendo tão insultante?
— Eu não posso tê-la engravidado. Não é possível. Eu sempre tive cuidado.
— Nem sempre — murmurou Sarah.
— Tudo bem, mas talvez você tenha engravidado de outro homem...
— Não houve outro homem! Quando deixei o Centro, eu não sabia que estava grávida. Eu vim embora por que... Porque não aguentei mais ficar lá. Eu pretendia entrar na faculdade e esquecê-lo. Só descobri que estava grávida depois de cinco meses. A minha menstruação sempre tinha sido irregular e, de repente, parou, mas eu estava tão... Quase não reparei. — Ela estivera tão deprimida que poderia ter ocorrido uma guerra e ela não notaria. As lembranças ocupavam o tempo em que ela ficava acordada, a ponto de ela rezar para ter amnésia. Seus pais haviam ficado muito preocupados. Sua mãe fora a primeira a suspeitar de algo quando ela, apesar de não comer nada, começara a ficar com a barriga arredondada.
— Eu não estou escutando isso!
— Você não quer escutar! Os meus pais foram muito compreensivos. Nunca disseram uma palavra de reprovação e, desde que Oliver nasceu eu sempre pude contar com eles.
A menção de um nome fez com que Raoul ficasse muito pálido. Era difícil considerar o que ela havia dito como uma tentativa de lhe tirar algum dinheiro a qualquer custo. Um nome parecia transformar a ficção em realidade, mas ele ainda se recusava a admitir que a história tivesse algo a ver com ele. Por mais que ele nunca se furtasse à verdade, mesmo a mais brutal, sua cabeça parecia não estar funcionando...
Sarah esperava que ele dissesse alguma coisa. Ele estaria achando que ela inventara tudo? O quanto ele teria se tornado mais desconfiado ao longo dos anos? O jovem por quem ela se apaixonara sempre fora autossuficiente... Mas a que ponto? De que valia a sua fortuna se ele não conseguia confiar em ninguém?
— Depois que Oliver nasceu eu fiquei morando com eles em Devon — disse ela, rompendo o silêncio. — Não era o ideal, mas eu precisava de ajuda. E então, há cerca de um ano, resolvi me mudar para Londres. Oliver estava chegando à idade de ir para escola, e eu pensei que poderia deixá-lo meio período em uma creche. Não havia oferta de emprego na nossa cidade, e eu não queria deixá-lo permanentemente com meus pais. O meu pai se aposentou há alguns anos, e eles sempre tiveram vontade de viajar. Pensei que eu acharia algum emprego aqui e que talvez pudesse tentar voltar a estudar...
— Voltar a estudar? Claro. Nunca é tarde demais. — Ele preferia lidar com o aspecto prático da conversa, mas, por dentro, o seu temor aumentava. Ele não fora cuidadoso em mais de uma ocasião. De alguma maneira, pareciam estar em outro mundo... Um mundo que não girava em torno das normas habituais.
— Foi muito mais difícil do que eu pensava — balbuciou Sarah, constrangida. Ele pensava que ela mentira para lhe arrancar dinheiro. Isto era sinal de que não sentia nenhum afeto por ela. — Eu aluguei uma casa. Fica a um quarteirão de distância da casa de uma velha amiga de escola, Emily. Ela toma conta de Oliver quando eu arranjo trabalhos como este...
— Está dizendo que não fez nada além de esfregar o chão e limpar banheiros desde que se mudou para cá?
— Eu trabalho para me sustentar! — respondeu Sarah irritada. — As vagas para trabalhar em escritório são muito disputadas e difíceis de obter quando você não tem qualificação nem experiência. Eu já trabalhei como garçonete e balconista de bar. E, dentro de um mês, devo começar a trabalhar como assistente de professora, em uma escola local. Você não vai perguntar nada a respeito do seu filho? Eu tenho uma fotografia... Na minha bolsa, lá embaixo.
Raoul lentamente começava a admitir o inimaginável, mas estava resolvido a mostrar que não era tolo, nem mesmo com ela, a mulher que tinha a capacidade de invadir sua cabeça quando ele menos esperava.
— Admito que você possa ter tido um filho — disse ele severamente. — Já se passaram cinco anos. Tudo pode ter acontecido durante esse tempo. Mas, se você insistir nessa história, devo lhe dizer que vou exigir provas de que o filho é meu. — A cada vez que ele pronunciava a palavra “filho”, a realidade parecia tomar mais forma. Depois do seu passado infeliz e instável, só lhe restara uma certeza: não queria filhos. Ele vira, em primeira mão, quantas vidas podiam ser destruídas por pais negligentes. Fora vítima de uma mulher que o concebera apenas para descobrir que ele era um peso sem o qual ela viveria melhor. A paternidade jamais lhe serviria. E agora a possibilidade de ter que enfrentá-la se comparava a ser atropelado por um trem. — Creio que você concorda que, de acordo com as circunstâncias, isso é justo — disse ele, observando que ela ficara chocada.
— Basta você olhar para ele... Eu lhe digo quando ele nasceu... Você pode fazer as contas.
— Não aceito nada menos que um teste de DNA.
Sarah engoliu em seco, tentando ver as coisas pelo ponto de vista de Raoul. Um encontro acidental com uma mulher que ele achara ter deixado para trás, e pronto, ele descobria que era pai! Ele deveria estar confuso com o choque. Claro que iria querer ter certeza de que o filho era seu antes de assumir alguma coisa! Ele agora era o protagonista do seu próprio pesadelo. Exigia provas! Mas, ainda que ela quisesse ser razoável, sentia raiva, revolta e mágoa. Ele deveria estar rezando para acordar e descobrir que o encontro não passara de um sonho. Não a conhecia? Não sabia que ela não era do tipo que mentiria para lhe arrancar dinheiro?
Infelizmente, ela era forçada a admitir que o tempo mudara os dois. Enquanto os sonhos dela haviam se desfeito e ela se transformara em mãe solteira que lutava para se sustentar e progredir em futuro próximo, ele a esquecera e fora em frente. Realizara suas ambições e atingira uma situação em que a olhava de cima, como um deus grego contemplando uma simples mortal. Sarah estremeceu ao pensar no que teria acontecido se o tivesse encontrado anos atrás.
— Claro — concordou ela, levantando-se. Sentia a cabeça começar a doer. De manhã, Oliver estaria no jardim de infância, e ela tentaria dormir. Não deixara de notar que Raoul nada perguntara sobre o filho. — Preciso ir. — Pelo canto do olho, ela via o carrinho de limpeza que a lembrava de como a sua vida mudara abruptamente e se tornara mais complicada. Sarah pensou que, qualquer que fosse a situação entre os dois, era melhor que Raoul soubesse da existência de Oliver. Ela olhou para ele e percebeu que ele a observava com um olhar inescrutável. — Sinto muito por tudo isso, Raoul. — Ela hesitou, sem jeito e envergonhada por causa do uniforme. — Eu sei que a última coisa que você desejava era esbarrar comigo e ficar sabendo que tinha um filho. Creia, eu não espero nada de você. Pode esquecer o fato. Ele só iria atrapalhar a sua vida.
Raoul soltou uma risada desdenhosa.
— Em que mundo você vive, Sarah? Se... Se realmente eu sou o pai, você acha que eu vou fugir da minha responsabilidade? Vou ajudá-la de todas as maneiras que puder. Eu não tenho outra escolha.
Feita no final, a afirmação sem entonação dizia tudo. Ele cumpriria o seu dever. Nada desejando na vida além de liberdade, ele se encontrava amarrado a uma situação da qual não se permitiria fugir. Sarah imaginou se ele saberia como ela se sentia com isso e tentou engolir as lágrimas que ameaçavam sufocá-la. Ele lhe entregou um lenço, enquanto ela fitava o chão e tentava se controlar.
— Quando o conheci você não tinha lenços — disse ela com a voz trêmula, tentando disfarçar suas emoções. Raoul deu um sorriso contrafeito.
— Eu não sei por que os tenho. Nunca uso.
— E quando você está resfriado e precisa assuar o nariz?
— Eu não tenho resfriados. Sou forte como um cavalo.
A conversa era tola, mas Sarah se sentia melhor ao guardar o lenço no bolso do uniforme e prometer que o devolveria limpo.
— Preciso ter um jeito de encontrá-la. Qual é o número do seu celular? Eu vou lhe dar o meu. Você pode me telefonar a qualquer momento — disse ele.
Sarah não pôde deixar de pensar em como ele a deixara, sem lhe dar um endereço ou um telefone para contato. Ele quisera se livrar dela totalmente, sem deixar laços que pudessem atrapalhar seu caminho.
— Entro em contato com você ainda esta semana — acrescentou ele.
Sarah assentiu silenciosamente e saiu da sala. Ele a viu arrancar o avental e enfiá-lo no carrinho, junto com o lenço que usara na cabeça, e deixar tudo ali, em um pequeno gesto de rebelião que o levou a sorrir.
Sozinho no escritório, Raoul considerou a bomba que acabara de explodir em sua vida.
Ele tinha um filho.
Apesar de ter declarado querer evidências, sabia que o filho era seu. Sarah nunca se importara com dinheiro e não era uma mulher manipuladora. Ele acreditava que ela tivesse tentado encontrá-lo e ficava abalado ao pensar em tudo o que ela passara para criar uma criança sozinha, quando ela também ainda não passava de uma criança.
O fato é que ele causara aquela confusão e teria que pagar o preço. Um preço muito alto.
Sarah lavava a louça quando a campainha tocou. A casa onde ela morava não ficava na melhor região de Londres, mas o aluguel era razoável, a vizinhança era boa, e ela tinha fácil acesso ao transporte público. Não se pode ter tudo.
Ela enxugou as mãos e correu para abrir a porta, antes que a campainha soasse de novo e acordasse Oliver, que acabara de dormir, depois de uma maratona de pedidos para que ela comprasse mais livros para ler para ele. Ainda não eram 19h30, mas ela já estava vestindo uma calça de moletom desbotada e uma camiseta larga, sua vestimenta habitual de fim de semana, porque não podia se dar o luxo de sair. Duas vezes por mês, ela tentava reunir seus amigos e fazia algo para o jantar, mas o fato de precisar contar os centavos tirava um pouco da graça de recebê-los.
Ao saber que ela saíra sem terminar o trabalho, a empresa de limpeza a despedira sumariamente, e ela passara os dois últimos dias procurando emprego. Uma busca que fizera distraidamente. Estivera muito ocupada, pensando em Raoul e relembrando exaustivamente o encontro que haviam tido. Passara horas analisando o que ele dissera e convencendo a si mesma de que assim fora melhor. Ela observara Oliver e vira o cabelo negro de Raoul, os seus olhos cor de chocolate, a sua pele acobreada. O menino era o retrato do pai. Quando Raoul o visse, não teria dúvidas, mas ele ainda não a procurara, e a cada hora que passava, ela ficava mais desapontada. Além disso. Ela ainda não resolvera o que dizer a seus pais. Deveria contar a eles que Raoul era o pai de Oliver e que voltara à cena? Talvez ficassem preocupados: ela contara a eles que o seu coração fora partido, e seus pais nunca tinham acreditado que seu coração tivesse se recuperado. Como reagiriam ao saber que o homem que partira o seu coração voltara à sua vida? Ela era filha única, e seus pais eram superprotetores. Já imaginava que eles iriam correr para Londres, fazendo acusações e exigindo reparação.
Sarah abriu a porta, ainda revolvendo velhas feridas, e recuou surpresa ao ver Raoul.
— Posso entrar Sarah?
— Eu... Eu não estava esperando. Pensei que você tinha dito que iria telefonar... — Ela estava sem maquiagem e sem o uniforme que fora feito para esconder qualquer sinal de feminilidade. Raoul franziu os olhos, observando a sua pele sedosa, os grandes olhos verdes brilhando no seu rosto em forma de coração e as conhecidas curvas do seu corpo por baixo da camiseta e da calça de moletom
Ele reconheceu a camiseta, apesar de ela já estar muito desbotada e do símbolo de um conjunto de rock já estar quase apagado. Só de olhar para ela, ele parecia voltar ao pequeno quarto na África e à cama com o mosquiteiro que eles tentavam prender debaixo do colchão, onde ele observava ansioso, esperando que ela despisse a camiseta e revelasse seus seios fartos e arredondados.
Ele planejara telefonar. Passara dois dias pensando e concluíra que a melhor maneira de abordar a situação seria tratá-la como qualquer outro problema que exigisse solução: com a cabeça fria.
Primeiro, conseguir provas de que o filho era seu, porque o seu instinto poderia estar enganado; depois, ter uma conversa séria com Sarah, para resolverem o que seria feito a seguir.
Infelizmente, ele não conseguira esperar. Não conseguira se concentrar no trabalho e tentara descarregar a tensão na academia, mas duas horas de exercício pesado não haviam diminuído a sua necessidade de fazer alguma coisa.
Sarah percebeu tudo isso no seu silêncio e o fez entrar.
— Eu não sabia se deveria esperar que alguém telefonasse... Para falar a respeito do exame que você pediu...
— Por enquanto, ele foi adiado.
— Sério? — Ela sorriu, e os seus olhos brilharam — Então você acredita em mim?
— Estou apenas lhe dando o benefício da dúvida.
— Você não vai se arrepender, Raoul, Oliver é o seu retrato. Sinto que ele esteja dormindo. Eu poderia acordá-lo...
Raoul nada sabia a respeito de crianças. Elas não faziam parte da sua vida e, como não tivera família, nunca aprendera a conviver com primos e primas. Estava extremamente desconcertado com a ideia de conhecer o filho que nunca vira. O que fazia exatamente um menino de quatro anos? Seria capaz de manter uma conversa nesta idade? Muito nervoso, ele pigarreou e descartou a sugestão.
— Acho que seria melhor nós conversarmos antes.
— Gostaria de beber alguma coisa? Chá? Café? Acho que tenho uma garrafa aberta de vinho na geladeira. Eu não costumo ter muitas bebidas em casa. Não posso comprá-las.
Raoul olhou em volta, observando o ambiente que o lembrou do quanto ele progredira. No momento, ele morava em um enorme duplex de cobertura na melhor região de Londres, equipado com o que havia de melhor. Apesar de ser o máximo que o dinheiro poderia pagar, ele mal olhava em volta e raramente usava a cozinha superequipada e as outras maravilhas tecnológicas que o apartamento oferecia. Aquela minúscula casa não poderia ser mais diferente da sua. O carpete cor de lama obviamente nunca fora trocado; as paredes, apesar de pintadas em um tom agradável de verde, apresentavam rachaduras.
Parado no hall de entrada, ele percebeu que mal havia espaço para os dois se mexerem E, quando entraram na cozinha, acontecia o mesmo. Uma mesa de pinho fora encostada na parede para dar lugar a alguns móveis avulsos: um armário, um gaveteiro, algumas prateleiras com vidros de temperos. Ele conseguira subir o suficiente para fugir daquele tipo de ambiente que ainda lhe causava arrepios. Não fosse pela combinação da sua esperteza, de sorte e de trabalho árduo, ele ainda poderia estar morando em um lugar semelhante. Raoul disse a si mesmo que fora por isso que ele se recusara a se prender, que só se dedicando cem por cento à sua carreira ele conseguiria alcançar suas ambições. As mulheres certamente eram uma agradável distração, mas ele nunca se vira tentado a abandonar seus planos por alguma delas. Quanto mais rico ficara, mais se tornara cínico. Podia ter as mulheres mais lindas do mundo, e ele tivera algumas, mas elas sempre tinham tido importância secundária na sua vida.
As lembranças da sua vida em um quarto miserável, em companhia da mãe que bebia até ficar desacordada, tinham preservado o seu impulso de progredir. A casa de Sarah estava a um passo da miséria, e ele imaginava que o proprietário fosse alguém de integridade duvidosa, que tirava dinheiro de inquilinos desesperados, mas não estava disposto a fazer nenhuma melhoria no imóvel. A noção de paternidade se enraizava em sua cabeça, e Raoul se revoltava com as condições deploráveis em que seu filho vivia.
— Eu sei — se desculpou Sarah ao ver o seu olhar crítico. — Não é maravilhoso, mas tudo funciona. E é muito melhor que outros lugares que eu vi. Eu não sei onde você mora...
Raoul, que observava um enorme rasgo no papel de parede, voltou-se e olhou para ela. Não sabia se era a familiaridade que fazia com que estivesse muito consciente da presença de Sarah e da própria frustração ou se até agora simplesmente dera um jeito de fingir que esquecera o quanto ela o atraía.
— Chelsea — falou ele com ironia, sentando-se em uma cadeira tão frágil que ameaçava quebrar sob o seu peso.
— E... Como é? — Ela corou porque a presença dele parecia dominar o espaço da cozinha e envolvê-la, acelerando o seu pulso. Ela lhe ofereceu uma xícara de café e sentou-se na outra cadeira.
— É um apartamento. — Ele deu de ombros. — Eu não passo muito tempo lá, mas para mim está bom. É funcional.
— Como assim funcional?
— Nada além do necessário. Eu não gosto de nada em excesso.
— E... Há uma mulher nesse apartamento? — Ela ficou muito vermelha ao fazer a pergunta que só lhe ocorrera depois de ir embora, na noite em que se encontraram Haveria uma mulher na vida dele? Ele não dava a impressão de ser casado, e talvez nunca fosse se casar.
— Qual é a relevância dessa pergunta? — Ele bebeu um gole de café e olhou para ela por cima da xícara.
— É relevante para a situação — insistiu ela. — Oliver é seu filho e precisará se acostumar com a ideia de ter um pai por perto. Eu sou a única figura parental que ele conhece.
— A culpa não é exatamente minha.
— Eu sei que não é! Só estou esclarecendo um ponto. Vai levar algum tempo para ele se acostumar com você. Eu preferiria que ele não precisasse se acostumar também com a presença de uma mulher. Suponho que, se você é casado...
Não estando acostumado a ser questionado, Raoul se recusava a dar explicações sobre a sua vida pessoal, embora reconhecesse que a pergunta era pertinente.
— Não. Não existe uma esposa mantendo o fogo da casa aceso. Quanto às mulheres... Naturalmente farei um esforço para não piorar uma situação que já será difícil.
— Então existe alguém. — Ela tentou desesperadamente se controlar, porque não era de surpreender. Ele era bonito e muito rico. Deveria atrair todas as mulheres solteiras e também algumas comprometidas ou casadas.
— Não vejo por que continuarmos com um assunto que não tem muito a ver com a situação. Precisamos discutir o que vamos fazer a seguir.
— Suba e vá vê-lo. Eu não posso ter essa conversa com você enquanto você não conhece a criança de quem estamos falando. Não estamos tratando de um negócio que precisa ser resolvido. — Ela levantou bruscamente, e Raoul se viu forçado a imitá-la.
— Ele está dormindo. Você não vai querer acordá-lo. — Ele estava mais nervoso que nunca. Mais nervoso do que ficara ao fechar o seu primeiro grande negócio ou ao dar de cara com as paredes escuras do orfanato quando ainda era menino.
— Tudo bem. Eu não vou acordá-lo, mas você precisa vê-lo ou, para você, ele não passará de um problema que precisa ser solucionado.
— Quando você se tornou tão mandona? — disse Raoul em voz baixa. Sarah se voltou para encará-lo. De pé, no primeiro degrau da escada, ela podia olhá-lo nos olhos.
— Desde que me tornei responsável por outro ser humano. Eu sei que você não tem culpa de não saber da situação... — Mas tinha, porque, se ele tivesse lhe dado um telefone, ela o teria encontrado. — Eu fiquei apavorada quando descobri que estava grávida. Eu não parava de pensar em como seria bom se você estivesse por perto para me apoiar, mas depois eu me lembrei de que você havia me dado o fora por causa dos seus planos, que eles não me incluíam e que, para você, a minha gravidez seria um pesadelo.
— Os meus planos não incluíam ninguém, Sarah. Eu lhe fiz um favor.
— Não seja tão arrogante! Se você se importasse comigo, teria mantido contato. — Ela respirava com dificuldade ao reviver todo o sofrimento e a amargura, mas, ao fitar os olhos dele, algo mais lhe acontecia, fazendo o seu corpo todo vibrar, como se ela tivesse tomado um choque.
Ainda que sem se dar conta, Raoul registrou a reação. A atmosfera se tornou tensa com algo que nada tinha a ver com assunto, como se alguma espécie de comunicação não verbal tivesse acelerado o seu metabolismo.
— Eu não sei por que estou lhe dizendo isso. — Ela fez um gesto de desdém, e ele segurou-lhe o pulso. O calor do contato fez com que Sarah contivesse a respiração e descobrisse que estava com vontade de se encostar nele. O reconhecimento da sua fraqueza levou-a a puxar o braço, mas ela continuou a encará-lo, sem nada dizer.
— Deve ter sido muito difícil para você...
— Dizer que foi difícil é pouco! Eu me senti completamente sozinha e perdida.
— Você tinha seus pais para ajudá-la.
— Não é a mesma coisa! Além disso, eu tinha tirado o ano de férias, pensando que começaria a viver minha própria vida! Sabe o que senti ao voltar para casa? Sim, os meus pais me ajudaram, e eu não teria conseguido fazer nada sem eles, mas a sensação era de que eu dera um passo para trás. Jamais pensei em fazer um aborto e fiquei extasiada quando Oliver nasceu, mas precisei dar adeus a todos os meus sonhos. Adeus à faculdade, ao diploma, ao magistério. Você deve ter gargalhado a me ver limpando o chão do banco.
— Não seja tola.
— Não? Então o que passou pela sua cabeça quando me viu segurando um pano sujo e uma garrafa de desinfetante e vestindo um avental?
— Tem razão. Eu fiquei surpreso, mas comecei a me lembrar de como você era sexy e ainda é... Não notei o lenço na cabeça nem o avental... — As palavras permaneceram no ar, esperando por uma fagulha que as fizesse explodir.
Para seu horror, Sarah percebeu que queria que ele repetisse o que havia dito, para que ela pudesse saborear as palavras e repassá-las continuamente na sua cabeça. Como pudera esquecer a maneira como ele a tratara? Ele tinha dito que lhe fizera um favor ao ir embora, mas isto não passava de uma maneira de lhe dizer que não gostava dela da mesma forma como ela gostava dele e que não deixaria que um romance de férias estragasse os seus grandiosos planos.
— Eu descobri que o sexo é supervalorizado — disse ela em tom sarcástico. Raoul sorriu.
— É mesmo?
— Eu não quero falar sobre esse assunto. — Ela percebeu que sua voz tremia e ficou frustrada. — Não tem nada a ver com o que está acontecendo agora... Se você vier comigo, eu o levo até o quarto de Oliver.
Raoul se calou. Estava tão perplexo quanto ela, por ter confessado espontaneamente o que pensara, e também estava tentando entender como uma mulher que não via há anos e que participara da sua vida por um curto espaço de tempo ainda exercia tamanha atração sobre ele. Era como se os anos que haviam ficado separados não tivessem passado. E, na verdade, não tinham. A prova estava dormindo no quarto, a poucos metros de onde estavam.
O andar superior parecia menor que o de baixo, com dois quartos e um banheiro minúsculo. Sarah abriu a porta do único ambiente que ela parecia ter decorado. À luz fraca de uma pequena lâmpada, ele viu um papel de parede com tema infantil, uma pequena cama, cortinas leves, um tapete redondo, uma cômoda branca com gavetas. A mobília era simples, mas funcional.
Raoul deu dois passos na direção da cama. Oliver chutara a coberta e estava abraçado a um bichinho de pelúcia, deixando ver seu cabelo negro encaracolado e seus braços gordinhos. Mesmo no escuro, dava para se notar o tom acobreado da sua pele, mais escura que a de Sarah. Tomado de curiosidade, Raoul se aproximou para observar a criança adormecida, mas, naquele instante, Oliver se mexeu, e ele recuou.
— Vamos sair... Não queremos acordá-lo — sussurrou Sarah, saindo do quarto na ponta dos pés. Raoul a seguiu, suando frio.
Ela dissera a verdade. Ele tinha um filho. Não havia como negar os pequenos sinais de semelhança recebidos como herança. Como pudera imaginar que resolveria o problema com a objetividade de um matemático que resolve uma equação? Ele tinha um filho... E as condições decrépitas da casa em que ele morava agora lhe pareciam absolutamente intoleráveis. Precisava fazer algo a esse respeito. Precisava fazer algo a respeito de muita coisa. A sua vida iria mudar completamente. Em um momento estava na crista de uma onda, imaginando tolamente que tinha o mundo a seus pés e, no momento seguinte, a onda se desmanchava, e tudo escapava ao seu controle. Era uma ideia aterradora para alguém cujo único objetivo fora conquistar o mundo para remediar a impotência que sentira quando criança. Um pequeno ser humano com menos de 1m de altura colocara fim a tudo.
— Você está muito calado — disse Sarah assim que saíram do quarto.
— Preciso de uma bebida, de algo mais forte que café.
Ela lhe serviu o restante de vinho que havia na geladeira enquanto tentava esquecer o absurdo desejo que sentira por ele na escada e avaliar o que ele estaria pensando.
— Você tinha razão — falou ele severamente, depois de tomar o vinho quase todo, de um só gole. — Nós somos parecidos.
— Eu sabia que você perceberia. E vai notar mais ainda quando o vir na claridade. Ele tem os seus olhos. Na verdade, ele não tem muita coisa de mim. Foi à primeira coisa que a minha mãe disse quando ele nasceu... Você gostaria de ver alguns desenhos que ele fez? Ele frequenta o jardim de infância duas manhãs por semana. Eu consegui ajuda para colocá-lo na escola.
— Ajuda? Que tipo de ajuda? — perguntou Raoul, atento.
— Do governo, claro — respondeu ela, surpresa. De que outra maneira ela poderia pagar o jardim de infância, com o seu salário de faxineira? Nas manhãs em que Oliver ia para a creche, ela ajudava na escola onde iria começar a trabalhar, mas ainda não recebia nada por este trabalho. Raoul controlou a sua irritação com dificuldade.
— Do governo? — repetiu ele friamente. — Sabe qual foi o meu único objetivo na vida? Escapar das garras da assistência social e ser dono do meu futuro. E agora você me diz que depende da ajuda do governo para sobreviver.
— Você fala como se isso fosse um crime, Raoul.
— Para mim, é uma vergonha!
A ênfase da declaração atingiu-a violentamente, mas Sarah endireitou os ombros e olhou para ele com um ar de desafio. Se deixasse que ele assumisse o controle, logo estaria dançando de acordo com a sua música, fazendo o que ele quisesse como sempre fizera no passado. E onde isso a levara?
— Eu compreendo — disse Sarah. — Entendo perfeitamente. Mas o seu passado não tem nada a ver com a minha situação atual. Eu não podia colocar Oliver em uma escola particular. Você ficaria surpreso ao saber como eu ganho pouco. Os meus pais me ajudam, mas cada dia é uma batalha. Para você, é fácil ficar aí sentado, me dando um sermão a respeito de orgulho e ambição, mas orgulho e ambição não contam muito quando mal se tem dinheiro para colocar comida na mesa. Portanto, se eu posso conseguir ajuda para pagar a escola, aceito. — Ela desejou ter um pouco de vinho para beber, pois precisava de algo que lhe desse um pouco de coragem. — Você não costumava ser tão esnobe, Raoul. Vejo que você mudou em vários sentidos.
— Esnobe? Você vai descobrir que isto é a última coisa que eu sou! — Ele se indignava que ela pudesse acusá-lo de ser esnobe, conhecendo o seu passado.
— Você se esqueceu das dificuldades que passava quando nos conhecemos! Aposto que você esqueceu que precisava cerzir o seu short rasgado, porque não podia comprar outro!
— Era você quem cerzia — falou ele com ar sombrio, lembrando-se de vê-la cerzir o short, tentando espantar os mosquitos e mariposas, enquanto se ouvia as trovoadas que anunciavam um temporal. Ela parecia uma moça em um quadro, com o cabelo caído em volta do rosto contraído pela atenção.
Sarah conteve a vontade de dizer que fora uma idiota que adorava o chão que ele pisava, pronta a fazer qualquer coisa que ele quisesse.
— E eu não esqueci o meu passado — declarou ele secamente. — Ele está sempre no fundo da minha mente. Eu posso não ter planejado isso, mas quero que você saiba que agora as coisas vão mudar. Este lugar não é adequado para se morar! — Ele percebeu que ela lhe lançava um olhar perigoso e deu um sorriso retorcido. — Tudo bem É um pouco de exagero, mas você entendeu onde eu quero chegar. Quer você me considere esnobe ou não, eu tenho condições de tirá-la daqui, e esta será a minha maior prioridade.
— A sua maior prioridade é conhecer Oliver.
— Prefiro conhecê-lo num ambiente que não me deixe chocado toda vez que eu passar pela porta.
Sarah suspirou. A sua vida certamente seria melhor se não precisasse se preocupar tanto com dinheiro.
— Muito bem. Retiro uma parte do que disse. Você não mudou totalmente. Ainda acha que pode fazer tudo do seu jeito.
— Eu sei. Isso compensa a sua indecisão. Você pode argumentar, querendo manter sua independência e tentando me convencer de que aqui tudo funciona perfeitamente, com a cozinha velha e as paredes rachadas, mas nós dois sabemos que eu tenho razão. Posso tirá-la daqui e considero que este seja o meu dever.
A palavra dever soou na cabeça de Sarah como uma lixa. Ela esfregou as mãos ansiosamente. Não havia nada que magoasse mais que a verdade.
— O que você sugere? — perguntou ela.
— Eu posso dizer alguma coisa ou você vai me ignorar porque tem muito dinheiro e eu não tenho nada?
— Vou ignorá-la porque tenho dinheiro e você não tem nenhum.
— Isso não tem graça — murmurou Sarah, lembrando-se do talento de Raoul para contornar as coisas com o seu humor. Há alguns anos, quando estavam no Centro Social, em determinadas circunstâncias os ânimos se alteravam e o seu talento se mostrara inestimável. Ela se perguntava se ele estaria fazendo isso de novo e se fazia diferença. A perspectiva de não ter que enfrentar uma luta todos os dias fazia com que a oferta lhe parecesse um presente do céu.
— Eu pretendo levar a minha responsabilidade a sério, Sarah. Você deveria saber disso. Levaria muito tempo para eu vir até aqui toda vez que quisesse ver Oliver. Morar em um lugar mais perto da minha casa seria uma solução.
Agora que conversavam sobre detalhes mais práticos, Sarah conseguia se concentrar no que estava sendo dito, em vez de ficar tentando manter um equilíbrio que dava sinais de estar na iminência de se desmanchar.
— De repente, parece que eu estou em uma montanha-russa.
— E eu então? Ponha-se no meu lugar. Seja qual for à altura da sua montanha-russa, a minha é mais alta e mais rápida, e eu estou menos preparado para ela que você.
E, no entanto, ele aceitava o desafio. Não importava que estivessem tendo aquela conversa apenas porque ela se transformara em uma responsabilidade à qual ele não poderia fugir. Do seu jeito autoritário, ele estava assumindo tudo. Ela teria de lidar com o fato de que ele o fazia sem nenhuma emoção, mas não deixaria que isso atrapalhasse a ligação que ele precisava estabelecer com o filho.
— Então nós nos mudamos para outro lugar... Ainda existem muitas coisas para resolver. Eu preciso explicar a Oliver que ele tem um pai. Ele ainda é muito pequeno, e devo lhe avisar que talvez não seja fácil.
— Ele tem quatro anos. — Raoul assinalou com perfeita lógica. — Ainda não teve tempo de formar uma opinião contra mim ou a meu favor.
— É, mas...
— Não vamos antecipar problemas, Sarah. — Agora que dominara o nervosismo que sentira no quarto, Raoul estava certo de que conquistaria Oliver. Depois de uma vida de extrema pobreza, repleta de roupas, livros, brinquedos e até afetos de segunda mão, ele esperava dar ao filho tudo o que lhe faltara na infância. — Vamos resolver cada coisa de uma vez. Primeiro, a casa. Segundo, você explica a Oliver quem eu sou. Ele... Ele já perguntou algo sobre o pai?
— Apenas de passagem. Uma vez, durante uma festa de aniversário em que as outras crianças estavam com os pais, e outra quando eu estava lendo uma história para ele.
Raoul apertou os lábios, mas não fez nenhum comentário.
— Você terá que contar aos seus pais que está se mudando e por quê. Vai dizer a eles que eu apareci? Qual será o meu papel?
— Podemos deixar isso para mais tarde — sugeriu Sarah vagamente.
— Eu não costumo me esconder.
— Não creio que eles fiquem muito eufóricos por você ter aparecido. — Sarah corou, sentindo-se culpada. Lembrava-se do desgosto dos pais quando lhes contara que se apaixonara por alguém que lhe dera um fora. Cheia de hormônios que a deixavam sensível e fragilizada, ela não poupara nem uma queixa durante o triste relato do seu romance. Sinceramente, ela achava que Raoul não seria bem recebido se aparecesse de repente. Precisaria conversar com seus pais. Sua mãe telefonava três vezes por semana e sempre falava com Oliver. Não queria que ela soubesse pelo neto que o homem detestável e sem coração estava por perto.
— Já vislumbrei o quadro — disse Raoul.
— Eles ficarão satisfeitos — disse Sarah, cruzando os dedos para dar sorte. — Eles são muito convencionais e ficarão encantados por Oliver ter a presença do pai em sua vida.
Raoul levantou.
— Eu ligo para você amanhã. Não... Esqueça isso. Eu virei amanhã à tarde, para ser apresentado ao meu filho.
A formalidade da declaração fez com que Sarah corasse, porque assinalava a falta de entusiasmo com o lugar que ele agora ocupava.
— Devo comprar algo especial para que ele vista? — perguntou ela com azedume. — Não quero que você fique chocado com a aparência dele.
— Esse comentário não ajuda.
— Nem a maneira como você se refere a Oliver! — Os olhos dela se encheram de lágrimas. — Como pode ser tão... Tão... Sem emoção? Nunca pensei que a minha vida acabaria assim. Sempre achei que iria me apaixonar casar, e que, quando eu tivesse um filho, ele seria motivo de alegria e de celebração. Nunca imaginei que teria um filho com um homem que não tem satisfação em ser pai!
Raoul ficou muito vermelho. O que ela esperava dele? Ele estava ali, não estava? Disposto a assumir uma tarefa que lhe fora imposta. Além disso, ela teria um novo lugar para morar, em vez de ficar naquela casa lastimável, e estaria na posição invejável de nunca mais precisar se preocupar com dinheiro. Isso era motivo para lhe fazer acusações absurdas? Absolutamente não! Ele tinha vontade de fazer uma lista de todas as coisas pelas quais ela deveria estar agradecida, mas se limitou a dizer em voz fria:
— Descobri que a vida tem um jeito estranho de não ser justa.
— Isto é tudo o que você tem a dizer? — gritou Sarah, frustrada. — Sinceramente, Raoul, algumas vezes eu sinto vontade de... Bater em você! — Os olhos dela chispavam, seu cabelo caía em uma cascata dourada. Ele sentiu a adrenalina se espalhar pelo corpo.
— Fico lisonjeado por ainda provocá-la — murmurou ele em tom divertido, enfiando os dedos no cabelo de Sarah. A reação foi imediata. Ele pareceu ter sido atingido por um raio e cedeu à excitação sexual que despertara o seu corpo. Aquilo era algo que a cabeça fria e a lógica não conseguiam controlar.
Sarah entreabriu os lábios e semicerrou os olhos enevoados. Beijá-la acabaria com a torrente de acusações sem sentido, e ele a desejava... Ansiava por recordar o sabor dos seus lábios.
— Não faça isso, Raoul...
Satisfeito ao notar um convite silencioso nos olhos de Sarah, ele a puxou e beijou-a. O primeiro contato foi estimulante. Ela gemeu e colocou as mãos no seu peito. Ele sempre conseguira fazer com que ela esquecesse tudo com uma carícia, e ela esqueceu. Arqueou o corpo sensualmente contra o dele, derretendo-se ao sentir o volume da sua ereção contida pelo zíper das calças.
Sarah sentiu os seios intumescerem e apertou-os contra o peito de Raoul, sentindo que quase desmaiava de prazer.
Ele foi o primeiro a se afastar.
— Eu não deveria ter feito isso.
Sarah precisou de alguns segundos para voltar a raciocinar. Afastou-se bruscamente, percebendo que, depois de tudo o que tinha passado e logo depois da vontade que sentira de esbofeteá-lo, ela se entregara, sem resistência, como uma viciada que não conseguia se controlar diante da droga. Ele a beijara, e ela esquecera toda a raiva, a decepção, a mágoa. Tornara-se uma marionete e esquecera cinco anos em um piscar de olhos...
— Nós dois não deveríamos...
— Talvez fosse inevitável — disse Raoul.
— O que você quer dizer? Do que está falando?
— Você sabe do que eu estou falando. O que existe entre nós...
— Não há nada entre nós! — protestou Sarah, recuando e cruzando os braços em um gesto defensivo.
— Você esta tentando convencer a mim ou a você?
— Tudo bem Talvez nós apenas tenhamos cedido a algo que existiu no passado. — Ela suspirou. — Agora que resolvemos isso, podemos ir à frente e...
— Fingir que nada aconteceu?
— Exato! — Ela recuou mais um passo, mas sabia que, por mais que se afastasse, ou mesmo que fugisse do país, o efeito devastador do beijo persistiria. — Não se trata de nós dois, mas de Oliver e do seu papel na vida dele, portanto...
Raoul olhou para ela com uma intensidade que a fez tremer. Ela não tinha ideia do que ele estava pensando. Quando lhe convinha, ele sabia muito bem esconder seus pensamentos. Sarah tentou reavivar a raiva, lembrando-se de como ele lhe escondera que os dois não teriam futuro, deixando que ela se apaixonasse perdidamente por ele. Nunca mais o deixaria controlá-la daquele jeito.
— Volte amanhã para conhecer Oliver, e montaremos um esquema de visitas. Depois... Nós dois poderemos ir em frente com as nossas vidas.
Quando a campainha tocou na tarde seguinte, Sarah esperava ter se recuperado da fraqueza do dia anterior e atingido um nível maior de equilíbrio, ou seja, determinado suas prioridades. A primeira era Oliver. Ela dizia a si mesma que era bom que ele agora tivesse um pai para apoiá-lo, um pai disposto a assumir o seu papel, seja lá qual fosse. Ela já resolvera ter uma conversa franca com Raoul a esse respeito. A segunda, mais pessoal, seria manter a cabeça fria e não se perder em lembranças e antigos sentimentos.
Ela abriu a porta e viu que Raoul se vestira de maneira mais informal.
— Oliver está na sala, vendo desenhos animados — informou ela, mostrando-se muito direta.
Raoul observou-a atentamente e notou que ela evitava encará-lo e que segurava a maçaneta, como se talvez pudesse mudar de ideia e pretendesse fechar a porta na sua cara. De fato, ela não abrira totalmente a porta. Ele precisou esticar a cabeça para ver o hall de entrada.
— Você vai me deixar entrar ou terei que abrir caminho?
— Eu só queria dizer que precisamos conversar... Sobre os detalhes práticos de toda esta situação. Eu estive pensando, Raoul...
— Que perigo! — falou ele gentilmente. Ela vestia um jeans e uma camiseta que o faziam recordar da misteriosa atração física que ainda lhe causava. Ele passara a noite tentando inutilmente apagar a sua imagem da cabeça e esquecê-la.
— Acho que nós dois deveríamos manter o menor contato possível. Não quero que aconteça nada entre nós. Já aconteceu e acabou. O importante é que você se relacione com Oliver. Esta será a extensão do nosso relacionamento.
— Você disse a ele quem eu sou?
Sarah ficou surpresa e decepcionada com a rapidez com que ele acabara com uma conversa que ela levara horas ensaiando. Talvez tivesse esperado que ele tentasse argumentar e abalar suas defesas? Ela levantara o sinal de “Pare”, esperando que ele o ultrapassasse?
— Ainda não. Pensei que seria melhor vocês se conhecerem antes.
— Tudo bem. Há algumas coisas que eu preciso pegar no carro.
— Coisas? Que coisas?
Ele indicou o carro estacionado a poucos metros de distância.
— Por que não entra? Eu volto dentro de alguns minutos.
— Você não lhe trouxe presentes, trouxe? — perguntou ela, desconfiada, tentado sair para ver o carro, mas ele educadamente a deteve.
— Como eu iria saber que você não iria gostar?
— Não é apropriado chegar carregado de presentes na primeira vez que vai encontrá-lo!
— Estou compensando o tempo perdido.
Sarah desistiu. Ela sabia que o afeto não se compra com presentes, mas talvez um pequeno brinquedo ajudasse a quebrar o gelo. A presença masculina no mundo de Oliver se limitava ao avô, que ele adorava. Ela estivera muito ocupada, ganhando a vida, para se aventurar a manter encontros e, de qualquer maneira, não tivera interesse em substituir Raoul. Na verdade, acabara por desenvolver um cinismo saudável em relação ao sexo oposto. Portanto, a maior parte da convivência de Oliver com adultos se limitava a ela.
Quando Raoul entrou e parou na porta da sala carregando uma caixa e uma sacola, Oliver construía uma torre com tijolinhos e, ao mesmo tempo, acompanhava as aventuras do seu personagem favorito de desenho animado. Ainda havia mais coisas na mala do carro, mas ele não conseguira trazer tudo de uma vez. Agora ficava feliz por não ter conseguido. Oliver parecia confuso, e Sarah... Sarah abrira boca, horrorizada. Ela não podia dizer alguma coisa?
Sentindo-se tolo, Raoul ficou parado, esperando que o seu sorriso parecesse caloroso.
— Oliver! Este é... O meu amigo, Raoul! Você não vai cumprimentá-lo?
Oliver correu e sentou no colo de Sarah. Raoul tentou agradá-lo, mostrando-lhe um monte de presentes caros: um enorme carrinho de controle remoto, vários jogos, livros e bichinhos de pelúcia, que ele explicou a uma Sarah cada vez mais alarmada, que tinham sido recomendados pelos vendedores da loja. Raoul se abaixou até ficar na altura de Oliver e lhe perguntou se não queria brincar com o carrinho. Oliver balançou a cabeça enfaticamente, parecendo estar com medo da máquina perigosa que ocupava grande parte da sala. Os jogos, os livros e os bichinhos causaram a mesma reação, e o silêncio foi à resposta às perguntas frustradas de Raoul a respeito do jardim de infância, do seu esporte favorito e dos desenhos animados preferidos.
Ao fim de torturantes 45 minutos, Oliver perguntou a Sarah se podia brincar com os tijolinhos, deixando os brinquedos que Raoul trouxera intocados.
— Foi um sucesso estrondoso — murmurou Raoul em tom venenoso, assim que ele e Sarah foram para a cozinha.
— Vai levar algum tempo.
— O que você disse ao meu respeito?
— Nada. Só que você era um velho amigo.
— Foi por isso que ele me recebeu amigavelmente?
O filho o rejeitara. Ao longo dos anos, na sua marcha inexorável a caminho do topo, Raoul se acostumara a encarar as dificuldades como uma oportunidade de aprendizagem Precisava falar francês para fechar um negócio? Aprendia. Precisava conhecer o mercado de jogos eletrônicos para adquirir uma empresa de computadores falida? Aprendia e contratava dois especialistas para fazer o resto.
Ele construíra um império com a firme convicção de que era capaz de fazer qualquer coisa, mas bastara passar meia hora com uma criança de quatro anos para se sentir impotente. Oliver não se interessara por nenhum brinquedo que Raoul trouxera nem por ele, que não tinha nenhuma experiência que pudesse ajudá-lo a ultrapassar a falta de entusiasmo do filho.
— A maioria das crianças ficaria louca com aquele carro — falou ele em um tom de acusação. — Pelo menos, foi o que o vendedor me disse. Foi o brinquedo mais vendido nos últimos quatro anos. O maldito carro faz de tudo, a não ser transportar passageiros na estrada. Então diga, qual foi o problema? — Ele olhou para ela. Sarah calmamente tirou dois copos do armário e serviu o vinho. — O garoto mal olhou para mim.
— Acho que não foi uma boa ideia trazer tantos presentes.
— Como eu iria saber disso? Quando criança, eu teria ficado maluco se alguém tivesse me dado um brinquedo novo! Como se explica que um monte de brinquedos novos e caros não tenha causado nenhuma reação?
Sentindo uma compaixão que não deveria, Sarah percebeu que ele não tinha a menor noção. Baseara-se nas próprias experiências infantis para resolver qual seria a melhor maneira de conquistar o afeto do filho, sem perceber que era preciso muito mais que um monte de presentes para ganhar o amor e a confiança de uma criança.
— Sabia que todos os meus brinquedos eram de segunda mão e precisavam ser divididos com os outros? Um carro de controle remoto como aquele que está jogado na sua sala teria provocado uma guerra.
— Que horror! — exclamou Sarah.
— Agora você vai tentar me dar uma aula de Psicologia. Poupe-me! Você deveria ter me dito que ele gosta de montar coisas. Eu teria trazido blocos.
— Você não entendeu. Você precisa envolvê-lo, interessá-lo. Como eu lhe disse, ele está acostumado a ficar só comigo e desconfia de qualquer outro adulto. O que acontecia nos aniversários e no Natal?
— Do que você está falando?
— Com você. Você ganhava presentes de aniversário? E quanto a Papai Noel?
Raoul olhou para ela com um sorriso retorcido que a atingiu no fundo do coração.
— Não vejo o que isso tenha a ver, mas, se você quer saber, Papai Noel foi um fracasso. Acho que nunca acreditei no gordinho de barba. Quando eu tinha três anos, a minha mãe me disse que ele não existia. Pensando bem, acho que ela não queria gastar o seu precioso dinheiro alimentando um mito, quando ele podia ser mais bem aproveitado na compra de uma garrafa de gim. No orfanato não havia espaço para se agarrar em histórias. Papai Noel mal era mencionado. — Ele deu uma risada sem ressentimento. — Então você vai me dar uma lição a respeito de como formar laços. Se Oliver não se interessou pelo que eu comprei, o que devemos fazer?
— Está pedindo a minha ajuda?
— Estou pedindo a sua opinião. Se eu me lembro bem, nunca lhe faltou alguma...
— Por que não vai até lá e constrói alguma coisa com ele? — sugeriu Sarah. — Não. Vou dizer a ele que traga os tijolinhos, e vocês montam alguma coisa na mesa da cozinha, enquanto eu preparo o jantar.
— Esqueça a cozinha. Vou levá-los para jantar. Escolha um restaurante, e tenho certeza de que o chefe ficará feliz em preparar alguma coisa para Oliver.
— Não — respondeu Sarah com firmeza. — A vida cotidiana é muito importante na vida de uma criança, Raoul. Espaguete a bolonhesa, brinquedos conhecidos, desenhos na televisão, ler para ele antes de dormir. — De repente, ela percebeu que acabara de descrever a rotina doméstica ideal de duas pessoas que se amavam, em um casamento feliz. Certamente não era a situação dos dois. Como ela dissera a ele e pretendia sustentar, os dois não tinham nenhum relacionamento além daquele imposto artificialmente pelas circunstâncias. — Eu vou chamar o Oliver. Você começa a picar as cebolas. Elas estão na gaveta da geladeira. Corte-as bem pequenas.
— Você quer que eu cozinhe?
— Quero que, pelo menos, você ajude um pouco. E não me venha dizer que se esqueceu de como se cozinha. Você costumava cozinhar no Centro.
— Lugar diferente, país diferente.
— Você come fora o tempo todo? — perguntou Sarah distraidamente.
— Poupa tempo.
— E quanto às suas namoradas? Vocês não preferem ficar em casa, de vez em quando? Levar uma vida normal? — perguntou ela, sem conseguir conter a curiosidade que sentia desde que o reencontrara. Pensando bem, era uma pergunta que a perturbava há anos: ele conhecera outra? Outra mulher fora capaz de manter o seu interesse o suficiente, a ponto de levá-lo a assumir o compromisso que lhe negara? Raoul não a amara, mas teria se apaixonado por outra? Por uma mulher mais bonita, mais inteligente, mais sofisticada? — Não que seja da minha conta — acrescentou ela, rindo alegremente.
— Agora passou a ser. Não foi isso o que você disse? Nada de mulheres na presença de Oliver... Fique certa de que, neste momento, a única mulher na minha vida é você.
— Não foi isso o que eu perguntei, e você sabe Raoul!
— Não. Você só está curiosa para saber o que eu fiz nos últimos anos. Nada há de errado em ser curiosa. A curiosidade é saudável.
— Eu não me importo com o que você andou fazendo! — Era mentira. Ela se importava. Quem seriam as mulheres com quem ele saía? O que ele sentia por elas? Ele gostara mais dessas mulheres do que dela? Esta pergunta, principalmente, a incomodava.
— Eu não fiz nada de interessante — falou Raoul secamente. — Sim houve algumas mulheres, mas eu as desencorajei a fazer algo que envolvesse panelas, avental, luz de velas e comida caseira.
— Você é um encanto, Raoul. — Mas, no fundo, ela se sentia aliviada. — Eu vou chamar o Oliver.
— E quanto a você? Eu não posso saber a verdade a respeito da sua vida? No momento, nenhum homem, mas alguma tentação? Você faz espaguete à bolonhesa para alguém além de Oliver? — A sua voz soava despreocupada, alegre, mas ele se sentia tenso ao pensar que ela poderia estar com outro homem Afinal, ele não ficara com ela e, quando se tratava de casamento e de aliança no dedo, jamais iria se candidatar. Ele agora era pai, e isto já era suficientemente chocante, mas, no que lhe dizia respeito, aquele seria o único desvio que faria na sua vida cuidadosamente planejada.
— Talvez...
— Talvez? O que isso quer dizer? Eu estou competindo com alguém que você mantém escondido dentro de um armário?
— Não — resmungou Sarah, irritada. — Estive ocupada demais sendo mãe solteira, para pensar em complicar a minha vida com um homem. — Ela pressentiu mais que viu o brilho de satisfação nos olhos de Raoul. — Mas, como você disse, a minha vida vai se tornar mais fácil. Com você por perto, fazendo parte da vida de Oliver, a coisa será bem diferente. Eu não precisarei mais fazer tudo sozinha. Vai ser ótimo não precisar mais pensar na falta de dinheiro o tempo todo. E será maravilhoso ter um pouco de tempo só para mim... Tempo para fazer o que eu quiser.
— Isso não significa que você terá carta branca para fazer o que quiser. — Ele não gostava da direção que a conversa estava tomando.
— Você fala como se eu fosse o tipo de mulher que mal pode esperar para ficar com alguém! — Que direito ele tinha de estabelecer alguma regra na sua vida particular? Raoul Sinclair não desejava que a sua vida fosse tolhida por compromissos. Claro, ele acabara de descobrir que não podia evitar alguns embaraços, mas, assim como ele nunca pensara em se comprometer com ela, ela também nunca pensara em se comprometer com ninguém. Aquilo pouco lhe servia de consolo. Ele pensava ser aceitável levar uma vida que giraria exclusivamente em torno dele e do filho, mas era injusto presumir que ela iria querer o mesmo. Ele podia querer descartar as mulheres depois de usá-las, mas ela desejava mais que isso. Para Raoul, a vida de solteiro significava liberdade, para ela, seria uma prisão. — Eu não vou sair por aí procurando solteiros. — Ela riu nervosamente. — Mas vou poder sair um pouco mais, e isso será ótimo.
— Sair um pouco mais?
— Sim, quando você ficar com Oliver.
— Acho que é cedo para pensarmos nisso — falou Raoul, desanimado. — Oliver ainda nem chegou a falar comigo. É um tanto prematuro planejar uma vida social agitada, achando que seremos amigos. Acho que devemos dar um passo de cada vez, concorda?
— Claro. Eu não pretendia começar a me divertir na semana que vem!
O que ela queria dizer com isso? Referia-se a outros homens? A dormir com eles? Enquanto ele passava o fim de semana com Oliver? Raoul imaginou-a vestindo pouco mais que nada, rodopiando em alguma pista de dança. Claro, ele costumava sair com mulheres que quase não vestiam nada, mas, por algum motivo, imaginar Sarah de minissaia, de costas nuas e saltos altos fazia com que ele rangesse os dentes.
— Ótimo. Porque não vai acontecer.
— Como disse?
— Pense bem, Sarah. Oliver não sabe que sou pai dele. Não acha que ele ficará confuso se o seu amigo que apareceu de repente e misteriosamente do nada começar a levá-lo para passear sem você? Você disse que é a constante na vida dele. Para que eu tenha uma chance de ser aceito, nós dois precisamos nos unir. É preciso chegarmos a um ponto em que ele confie em mim o suficiente para ficar sem você uma vez ou outra.
— O que está tentando dizer, Raoul?
— Que você precisa esquecer a ideia maluca de que não temos nada a ver um com o outro. Você está no mundo da lua se acha que isso vai dar resultado. Aquela coisa de contar histórias antes de dormir e de espaguete a bolonhesa precisa envolver nós dois. Claro que será mais fácil assim que você se mudar daqui para um lugar mais conveniente e espaçoso. Aliás, já mandei meus funcionários cuidarem deste assunto...
Havia tantos pontos controversos no que ele acabara de dizer com indiferença, que Sarah ficou atônita.
— Quando você diz que deve envolver nós dois...
Raoul fitou-a com um olhar fulminante.
— Eu não tenho a menor ideia de como um pai deve se comportar. Você acabou de testemunhar o meu fracasso.
— Você só precisa dar o melhor de si — argumentou ela sensatamente. A ideia de formar um trio com Raoul e Oliver a deixava em pânico. Já estava difícil separar o passado do presente. A quem ela enganava, quando dizia a si mesma que deixara de sentir atração por ele? Raoul estava em uma posição diferente. Poderia fazê-la subir a bordo, de acordo com a sua necessidade temporária, e facilmente fazê-la desembarcar depois que conseguisse o que queria: estabelecer um laço com seu filho. Ela estava apavorada com a perspectiva de tê-lo em sua vida. Como poderia manter uma postura controlada, indiferente, tropeçando nele na cozinha?
Talvez ele tivesse exagerado, pensou Sarah, tentando acalmar o seu coração e a sua cabeça. Ele ainda estava digerindo a acolhida nada calorosa de Oliver. Naquele exato momento, aquele fora o único plano em que ele conseguira pensar, e Raoul era ótimo em elaborar planos. A única coisa que ele não considerara é que, quando se trata de crianças, não adianta fazer planos. Em um dia ou dois, ele mudaria de ideia, porque ela realmente duvidava que ele fosse querer passar tanto tempo com ela.
— Quanto ao problema da casa... Você mandou providenciar?
— Essa foi uma das coisas que eu descobri a respeito de ter dinheiro. Quando aparecer um problema, misture-o com bastante dinheiro que ele desaparece. Agora mesmo, estão fazendo uma lista de imóveis adequados. Eu lhes dei até o fim de semana, então... — Quando ela não disse nada, ele insistiu. — Estamos sintonizados, Sarah?
— Eu não vou me mudar para uma casa que você escolheu. Você não se importa com a vizinhança, mas eu me importo.
— Você não acredita que eu vá achar um lugar que você goste? — Ele se divertia com as ideias sonhadoras e imprevisíveis de Sarah. Do seu ponto de vista, os sonhos só faziam sentido quando se podia transformá-los em realidade, e ele nunca cometera o erro de confundir os sonhos com a realidade, com objetivos concretos. De que adiantaria desejar ter uma ilha no meio do oceano Pacífico se a chance de ter uma fosse zero? O sonho que ela alimentava, de ter um chalé com roseiras, macieiras e com uma lareira o fazia sorrir. — Reconheço que será difícil achar um chalé com roseiras e macieiras em Londres...
Sarah corou desconcertada pelo fato de ele ter se lembrado da sua noção juvenil de uma casa perfeita, que ela descrevera com detalhes.
— Mas eles estão avaliando as cozinhas, os jardins com vista para a água e as lareiras...
— Não acredito que você se lembre daquela conversa!
— Ah, eu me lembro de muita coisa, Sarah. Você ficaria surpresa. — Ele notou o seu olhar de curiosidade. Ela podia ter afirmado que não queria ter nada a ver com ele e tentado esquecer o beijo que tinham trocado dentro da despensa do centro, mas, toda vez que estavam juntos, ele sentia uma vibração latente, que chiava cada vez mais forte.
— Quanto a mim, eu não me lembro de muita coisa — falou ela despreocupadamente.
— Não sei por que, mas não acredito em você...
— Eu não tenho a menor ideia. Agora comece a cortar as cebolas. Eu vou buscar o Oliver. — Ela desapareceu antes que ele retomasse a conversa. Quando Raoul olhava para ela daquele jeito, ela podia jurar que ele via até o fundo da sua alma. A sensação era desagradável, e ela se sentia exposta e vulnerável. Uma vez já se abrira para ele e lhe contara tudo a respeito da sua vida. Aceitara o que ele lhe oferecera e se apaixonara por ele, fechando os olhos para o fato de que ele nunca aceitava falar sobre o futuro. Ele se aproveitara do que ela lhe oferecera e lhe dera um fora educado ao deixar o Centro Social na África. Raoul não costumava dar, só se apossar.
Quando ele olhava para ela com aquele olhar pensativo, parecia interessado. Algumas das suas frases continham um laivo de provocação. Para sua agonia, Sarah pensou que ele já a possuíra uma vez. Pensaria que iria possuí-la de novo?
Ela voltou à cozinha, trazendo Oliver, e encontrou-o picando as cebolas. Oliver trouxera seus blocos, ela o sentou em uma cadeira e chamou Raoul em um tom amistoso, apesar de ficar com os nervos à flor da pele quando ele se aproximou, com um pano de prato jogado sobre o ombro.
— Blocos... A minha brincadeira preferida — disse Raoul.
Sarah sentou-se ao lado de Oliver. Raoul inclinou-se sobre ela e colocou as mãos na mesa, aprisionando-a entre seus braços.
— Você ouviu Oliver? Raoul adora construir coisas. Vocês poderiam construir juntos. Que tal um arranha-céu? Lembra da altura daquele que você fez e que caiu?
— Doze andares — falou Oliver muito sério, sem olhar para Raoul. — Eu sei contar até 50.
— Muito bem! — Raoul se inclinou mais um pouco e sentiu o perfume do cabelo de Sarah. Ela tentou se mexer, mas não conseguiu. Olhava fixamente para o antebraço de Raoul e para os pelos ralos em volta do relógio caro.
— Por que não se senta Raoul? — a sugeriu. — Ajude Oliver a construir a torre.
— Eu não preciso de ajuda, mãe.
— Realmente, ele não precisa. Acho que ele é mais do que capaz de construir um enorme arranha- céu sozinho.
Oliver deu uma olhada para Raoul e começou a empilhar os blocos. Sarah percebeu que Raoul continha a respiração e se afastava bruscamente. Quando ela se virou para olhá-lo, ele voltara para junto da pia, com uma expressão de frustração.
— Dê-lhe tempo — falou ela à meia-voz, aproximando-se.
— Quanto? Eu não sou um homem paciente.
— Acho que vai precisar aprender a ser. A propósito, você fez um bom trabalho com as cebolas.
Durante o restante da tarde, Sarah notou que a impaciência de Raoul aumentava gradualmente.
Oliver não se mostrava hostil, mas estava desconfiado. Respondia às perguntas de Raoul sem olhar para ele. Quando acabaram de jantar, ele concordou em sair para experimentar o carrinho de controle remoto.
Sarah os observou através da janela da cozinha e ficou penalizada com a dificuldade com que os dois se comunicavam. Planejava conversar com Oliver e explicar que Raoul era seu pai, assim que os dois estabelecessem um elo de confiança. Sobrecarregar o menino com muita informação agora poderia aturdi-lo. Mas, apesar de Raoul estar se esforçando, ela se perguntava quanto tempo isso iria levar.
Ela viu que Oliver conduzia o enorme carro para baixo dos arbustos, perdia o interesse e se afastava, enquanto Raoul explicava o funcionamento do controle remoto. De repente, ela percebeu as consequências de ele ter estado ausente, não por sua culpa, e ter perdido quatro anos preciosos da vida do filho. Um homem que tivesse crescido no meio de uma família saberia lidar melhor com aquela situação, mas ele não tivera aquela experiência e estava com dificuldades para encontrar um meio de compensá-la.
Sarah desistiu de pedir que ele lesse uma história para Oliver, antes que o filho fosse dormir. Em vez disso, pediu a Raoul que a esperasse na cozinha, enquanto ela colocava o menino na cama.
— Pode se servir do que encontrar na geladeira. O jantar não foi exatamente o que você costuma ter...
— Porque eu sou um esnobe?
Sarah suspirou profundamente
— Eu só tenho consciência de que... Temos vidas bem diferentes. Quando estávamos trabalhando na África, não havia um abismo tão grande entre nós...
— Você precisa esquecer o passado.
— Você não esqueceu o seu!
— Eu não estou entendendo...
— Você pensou que poderia comprar Oliver com um monte de presentes, porque foi assim que você foi condicionado a pensar! Depois ficou impaciente ao descobrir que isso não dava o resultado que você esperava.
— E você não esqueceu o fato de que... Está bem, eu reconheço: eu lhe dei o fora! Você está procurando um motivo para brigar. Você se isolou num mundinho onde só cabem você e Oliver e não aguenta o fato de que eu tenha aparecido! O jantar foi uma decepção porque foi estressante! Eu não sabia como lidar com ele... — Oliver brincara com a comida, espalhara-a sobre a mesa e recebera apenas uma repreensão indulgente de Sarah. As lembranças que ele tinha da infância eram de refeições silenciosas em que qualquer comportamento inconveniente à mesa era imediatamente punido. — Eu não sei como lidar com ele... — repetiu Raoul.
Sarah ficou atordoada com a confissão e se arrependeu de ter explodido. Raoul era tão inteligente, tão sabe-tudo, que ela não imaginara que ele estivesse tão perdido.
— Sinto muito, Raoul. Eu não deveria ter falado no seu passado — balbuciou ela.
— Olhe, nós dois nos metemos nesta situação, e brigar constantemente não vai nos levar a nada.
Sarah admitiu que fosse verdade.
— Eu vou subir com Oliver e lhe dar um banho. Você tem razão. É difícil para nós dois... — Ela deu um sorriso. — Creio que nós dois precisamos nos adaptar...
Quarenta e cinco minutos depois, ela voltou fresca como uma margarida. Raoul se sentia como se tivesse enfrentado dez rounds em um ringue de boxe.
— Acho que Oliver está começando a gostar de você — disse Sarah alegremente. Ele fez uma cara de quem duvidava.
— Como chegou a esta conclusão? — Ele passou a mão na cabeça e deu uma risada seca. — Não precisa fazer teatro, Sarah. Posso não saber muito sobre crianças, mas eu precisaria ser um idiota para não perceber que o meu filho não se interessa por mim. Você tinha razão. Todos aqueles brinquedos foram uma perda de tempo e de dinheiro.
— Você não está acostumado com crianças. Não sabe como elas pensam. Algumas vezes, é difícil acreditar que você tenha sido uma! Como a maioria das crianças, Oliver gosta de testar os limites, Raoul. Ele brinca com a comida até fazer com que eu seja firme, e sempre pede mais cinco minutos, outra história, ou mais uma bola de sorvete.
— O que aconteceu com a disciplina? — protestou Raoul ao vê-la tão condescendente.
— Ah, ela existe. É uma questão de resolver quando ela realmente deve ser imposta. — Ela olhou para ele pensativamente. O homem que movia montanhas descobrira o seu calcanhar de Aquiles, mas nunca pediria a sua ajuda. Ele era teimoso e orgulhoso demais. Pedir ajuda seria admitir que tivesse uma fraqueza, e para ele, isso seria difícil. Sarah resolveu que a solução seria ajudá-lo. Além disso, ajudá-lo também lhe traria vantagem — Bem, agora ele está todo animado com o carro. Vou embrulhar o restante dos brinquedos que você trouxe e dar a ele aos poucos. — Ela cruzou os braços e se preparou para assumir o controle com um homem que estava tão acostumado a segurar as rédeas que provavelmente não sabia que era possível soltá-las.
Raoul se apoiou no encosto da cadeira e cruzou as mãos atrás da cabeça. Por um instante, quando a reencontrara, pensara que ela não havia mudado, mas estivera errado. Ela não era mais a garota que o adorava cegamente e que se submetia a ele com excessiva generosidade. Havia um brilho de aço nos seus olhos, que ele vira antes, mas que não reconhecera. Apesar de ela não querer admitir, a atração que havia entre os dois ainda existia, mas havia algo mais que o deixava fascinado, e ele se deixou levar pela curiosidade.
— Você vai me dar um sermão? — perguntou ele, observando-a de cima a baixo, de uma maneira que tornava difícil que ela não corasse.
— Não — falou ela docemente. — Mas vou lhe dizer o que você precisa fazer, e você vai me escutar. — Ela sorriu ao vê-lo franzir a testa. — Você gosta de achar que sabe tudo, mas não sabe.
— Ah, agora você vai ser minha professora?
— Não importa que você goste ou não!
Ele deu um sorriso macio e deslumbrante.
— Então tudo bem — falou ele gentilmente, virando o jogo. — Faz tempo que alguém não me ensina alguma coisa. Você vai descobrir que eu gosto mais de aprender do que você pensa...
Sarah se olhou no espelho e ergueu as sobrancelhas. Estava corada, seus olhos brilhavam. Estava excitada. Ela se sentiu culpada, porque era justamente o que não queria: ficar ansiosa com a próxima chegada de Raoul.
Nas últimas quatro semanas, ela fora impessoal e distante. Fingira não ver os olhares compridos que ele lhe lançava ao pousar pensativamente os maravilhosos olhos escuros sobre o seu rosto. E tomara muito cuidado para se vestir com discrição. Qualquer pessoa acharia que o seu guarda-roupa se resumia à jeans desbotados, camisetas, suéteres largos e moletons. Agora que o clima começava a esquentar e a primavera se despedia para dar lugar ao verão, os suéteres haviam sido deixados de lado, mas os jeans, as camisetas e os moletons ainda estavam em uso. Ela estava resolvida a garantir que o seu relacionamento com Raoul se mantivesse distante e impessoal. Sarah sabia que não podia esquecer o que acontecera no passado. Ela se dedicara à tarefa de ajudar Raoul a superar as dificuldades iniciais que enfrentara para se relacionar com o filho e precisava reconhecer que não era mais uma luta. Oliver aos poucos começava a se soltar e a aceitá-lo, e Raoul gradualmente aprendia como se comportar com uma criança. Como se fosse uma professora que lidasse com alunos problemáticos e, por fim, visse uma luz no fim do túnel, Sarah se permitia admitir que o seu papel de mediadora fora um sucesso. Isto também contribuía para o brilho nos seus olhos.
Oliver também estava à espera da chegada de Raoul. Quando a campainha tocou, Sarah desceu e sorriu ao ver o filho pronto para sair, ajoelhado sobre uma cadeira, olhando pela janela. Oliver passeara várias vezes no carro esporte de Raoul e dissera, em tom de seriedade, que, assim que economizasse bastante dinheiro, iria comprar um carro igual para ela. Ele já tinha duas libras e considerava isso como um começo.
— Estou vestido corretamente para passar o dia em um parque temático, minha senhora? — Ele riu ao ver que a irritara.
— Odeio quando você me chama assim.
— Não acredito! Faz com que você se sinta especial. Além disso, gosto de vê-la corar quando a chamo desse jeito.
Sarah ficou imediatamente muito vermelha.
— Você não deveria falar essas coisas.
— Por que não?
— Por que... Porque não é apropriado...
E porque a ameaçava. Durante as últimas semanas, ela andara sobre ovos, enquanto ele a provocava, minando suas defesas, usando o charme, o bom humor, a boa vontade com que encarava uma situação que lhe revirara a vida. Ela queria recuperar a imagem unidimensional que fizera dele, porque seria muito mais fácil encará-lo como o homem que arruinara a sua vida.
— Você realmente está começando a falar como uma professora — observou Raoul gentilmente. — Devo esperar algum castigo?
— Pare com isso!
Ele ergueu as mãos em um gesto de paz, fitou-a intensamente e soltou uma gargalhada.
Aquilo não podia continuar, pensou Sarah. Estava exausta. Raoul não sabia o que estava fazendo com ela. Teria uma conversa com ele e organizariam um esquema de visitas. Agora que Oliver passara a confiar nele, os dois poderiam sair sozinhos. Em outras palavras, estava na hora de reconhecer que a sua utilidade passageira acabara e que Raoul estivera certo. Fora essencial que os dois tivessem se juntado diante de Oliver, para que este criasse um laço de confiança com Raoul. Seria um choque para o menino descobrir que ele era seu pai? Certamente, ele aceitaria mais facilmente que há um mês, quando Raoul não passava de um estranho que surgira de repente, carregado de presentes.
Os presentes haviam sido guardados, e Raoul não repetira o erro, mas a avisara de que faria algo especial no quintal da casa que compraria para ela e para Oliver. Quando Sarah pensava na rapidez com que a sua vida estava mudando, ficava atordoada. Raoul reaparecera. Oliver começava a aceitá-lo. Raoul imediatamente comprara uma casa que ela e Oliver haviam visto há apenas duas semanas, oferecendo uma quantia exorbitante em dinheiro que garantira a velocidade com que o negócio fora fechado.
— Você gosta. Por que regatear? — dissera ele, quando ela se admirara com o preço.
Fora naquele momento que ela concluíra que a coisa mais importante para ele era o dinheiro e instintivamente se encolhera ao perceber o que aquilo dizia sobre o seu caráter. No entanto, logo ela descobrira que, para Raoul, a fortuna simplesmente representava liberdade. O dinheiro lhe dava a chance de fazer o que queria, sem depender de ninguém, exatamente o contrário do que acontecera quando ele era criança. Ela acabara por descobrir que ele doava grandes somas a obras beneficentes, inclusive aquela em que haviam trabalhado e se conhecido. Ela estivera no apartamento de Raoul, esperando que ele acabasse uma teleconferência para saírem com Oliver. O menino perambulara pela sala e pela cozinha, onde ela, por acidente, vira uma carta de agradecimento pelas enormes doações que ele fizera ao projeto, ao longo dos anos.
Sarah nada dissera a respeito do que havia visto, mas acrescentara este detalhe às outras coisas que descobria a respeito de Raoul e concluíra que ele era o homem mais complicado que ela já conhecera. Ele era motivado, ambicioso, determinado, mas a maneira como se dedicara a conhecer o filho mostrava bondade, paciência e capacidade de se adaptar. Não havia dúvida de que ele usava as mulheres, mas não era manipulador. Cinco anos haviam se passado, e embora ela relutasse em reconhecer, Raul Sinclair ainda a fascinava, e ela estava se acostumando com as suas constantes visitas.
Era como se ela o estivesse vendo com um olhar maduro, em vez de vê-lo com a visão romântica do passado, e ela se perguntava como seria a vida depois que a relação dos dois se normalizasse, quando ele viesse buscar Oliver para sair ou para passar o fim de semana com ele, e ela tivesse tempo livre para fazer o que quisesse. Sarah disse a si mesma que seria ótimo. Finalmente não lhe faltaria tempo nem dinheiro. Raoul insistira em abrir uma conta no banco para ela, e quando ela protestara, ele derrubara seus argumentos, dizendo que não passava de uma compensação por ela ter criado o filho sozinha, enquanto ele fazia fortuna.
Sarah suspirou e tentou parar de pensar. Além da confusão dos seus próprios sentimentos, ela precisava lidar com a realidade de que logo iriam se mudar e que ela teria que contar a Oliver que Raoul era seu pai.
Naquele dia, eles iriam a um parque temático. Depois de muito questioná-lo a respeito de algo que sempre quisera fazer quando criança, mas não conseguira, ela ficara sabendo que, assim como Oliver, Raoul nunca fora a um parque semelhante. Com o tom surpreso de quem acabara de se lembrar, ele confessara que, aos nove anos, perdera o grande passeio das crianças da sua idade ao parque, porque ficara doente. Ela resolvera, naquele momento, que uma visita ao parque seria indispensável.
A caminho do carro, andando atrás de Raoul e Oliver, Sarah observou o par que eles formavam Raoul, muito alto, e Oliver correndo para acompanhar os seus passos, carregando orgulhosamente a nova mochila e usando o novo jeans. Os dois tinham o mesmo tipo de cabelo e o mesmo tom de pele. Sem medo de que ele a visse, ela se deleitou observando-o. Ele lhe tirava o fôlego com as pernas musculosas vestidas no jeans desbotado, com a camisa branca de mangas enroladas. Por mais que ela se fizesse de indiferente quando estava com ele, estava longe de estar segura...
Raoul abriu a mala do carro e Sarah ficou surpresa.
— O que é isso?
— O que lhe parece? — perguntou ele com um sorriso.
— Você preparou um piquenique?
— Eu não. Um bufê. Eles garantiram que o cardápio seria variado.
Nas últimas semanas, Raoul aprendera muito. Adaptara-se a todo tipo de situações que lhe eram estranhas. Fizera horas extras trabalhando no computador ou no escritório, para compensar as horas que levava tentando arrancar respostas monossilábicas do filho. Acostumado a ser ouvido e obedecido, precisara aprender a ter paciência com a distração e a rebeldia naturais das crianças. Ele, que sempre recusara ajuda, necessitara recorrer aos conselhos de Sarah para facilitar a convivência com Oliver, abrindo mão da tendência de comandar. Porém o resultado fora produtivo. Oliver por fim o aceitara, e ele tivera oportunidade de conhecer um novo lado de Sarah. Ela deixara de ser uma garota impressionável e adquirira uma força que o intrigava.
— Estou impressionada — murmurou Sarah, olhando a cesta, a manta e a caixa de gelo. Quando Raoul resolvia fazer algo, fazia com perfeição. Dedicara-se com toda a energia a conquistar o filho, e o piquenique era mais uma prova. As crianças costumam gostar de piqueniques. Ela também gostava... De repente, Sarah se deu conta de que, na tentativa de cativar Oliver, Raoul estava fazendo a mesma coisa com ela. — Teria me impressionado mais se você tivesse preparado tudo pessoalmente...
— Você nunca se satisfaz... — falou ele sorrindo carinhosamente. — É uma verdadeira tirana.
— Você não precisava de um bufê. Eu sei que é perfeitamente capaz de cozinhar.
— Vou me lembrar disso na próxima vez.
— Próxima vez? Não haverá próxima vez — falou ela depressa. — Não se esqueça que tudo isso... Você sabe... Faz parte do seu aprendizado.
— Parque temático, piquenique, comer comida caseira na cozinha: riscados. Quando você se tornou tão autoritária?
— Eu não sou autoritária, sou prática. Não está na hora de sairmos? Oliver já está dentro do carro. Eu já lhe disse como ele está empolgado? Mal dormiu na noite passada.
— Eu também tive dificuldades para dormir. — Ele estendeu os braços e encurralou-a contra o capô do carro. Sarah arregalou os olhos.
— O que está fazendo?
— Cansei de tentar fingir que não desejo você, Sarah.
— Você não me deseja. Eu não o desejo. Estamos juntos por causa de Oliver, por que... Não me olhe desse jeito! — Mas o seu corpo a desmentia. — Isso não fazia parte do plano. Você esqueceu que é fanático por planos?
— Isso mostra como eu mudei.
— Mas eu não mudei Raoul. — Ela tentou empurrá-lo pelo peito, mas só de tocá-lo, enfraqueceu. — Eu já lhe disse. Já fizemos isso e não nos demos bem. Devemos ser apenas amigos.
— Tudo bem — Ele recuou, mas havia um brilho nos seus olhos que a perturbava. — Se você tem certeza...
Ele deslizou a mão pelo ombro de Sarah, e ela sentiu o coração lhe subir à garganta. Quando ela entrou no carro e verificou se Oliver estava com o cinto de segurança, respirava com dificuldade e seu coração batia como louco. Ao longo dos anos, as lembranças que guardara de Raoul haviam se cristalizado. Conviver novamente com o Raoul de verdade, carismático, vigoroso, sexy, que a fazia rir e trincar os dentes de frustração minara as suas defesas. E ele percebera. Talvez por isso a tivesse assediado com a segurança de um predador, sabendo que seria apenas uma questão de tempo?
Quando eles chegaram, o parque já estava cheio. A ansiedade de Oliver, que cozinhara em fogo lento, ferveu quando ele viu a multidão e ouviu o barulho dos motores dos brinquedos.
— Correspondeu às suas expectativas? — perguntou ela a Raoul quando ele e Oliver desceram de um dos brinquedos, resolvida a não se deixar abalar.
— Está perguntando se eu descobri o meu lado infantil? Não. Eu não sou do tipo que se deixa envolver com essas coisas. — Mas ele estava fazendo coisas que nada tinham a ver com ele. Um piquenique? Desde quando se interessava por piqueniques? O pior é que ele o fazia por ela.
— Mas deveria. — Sarah viu uma oportunidade de ouro para defender a sua independência e lembrá-lo de que ela tinha uma vida que ia além das visitas que ele fazia. Só não sabia muito bem que vida era essa. Como iria se mudar precisara desistir da vaga de professora assistente e não sabia quando deveria começar a procurar outro emprego. Não tendo nada em perspectiva, fora fácil se dedicar a acompanhar Raoul e Oliver. Aquilo não era saudável. — Quer dizer, eu não estou falando de entrar em contato com a sua criança interior, e sim de você ser capaz de relaxar e se divertir. Você tem passado muito tempo conosco, mas isso não vai durar para sempre, e quando você voltar à sua rotina de trabalho... Será estressante. Você precisa se divertir um pouco antes de retomar a sua vida normal...
— Por que está tentando provocar uma discussão?
— Eu só estou dizendo que não há nada de errado em se divertir. Na verdade, acho que saber se divertir é uma grande qualidade. Eu poderia dizer que o tipo de homem por quem eu me interessaria seria aquele que sabe relaxar e se divertir... — Mas quando ela tentava imaginar um homem, só via a imagem de Raoul.
Raoul franziu a testa, aborrecido. Achara que ela esquecera a ideia de levar uma vida de solteira, ao perceber o óbvio: que, enquanto tentavam resolver a situação com Oliver, ela não teria uma vida independente. E era desconcertante que ela pensasse em sair e namorar, estando atraída por ele.
— Oliver parece cansado. Acho que deveríamos comer agora — ele disse, dirigindo-se ao estacionamento.
— Realmente. — Sarah pensou que seria um bom momento para discutir o que fariam a seguir. — Precisamos ter uma conversa mais tarde.
Eles se afastaram da multidão. Raoul, que carregava Oliver, colocou-o no chão. O menino protestou, dizendo que queria ir a outro brinquedo, mas se contentou com a promessa do bolo de chocolate que estava na cesta de piquenique.
— Agora que a casa foi comprada, temos muito a discutir. Precisamos nos organizar. Quero deixar a minha vida em ordem e realmente começar a vivê-la — declarou Sarah.
— Começar realmente a vivê-la? — falou ele friamente e em voz baixa porque, embora Oliver tivesse tirado da mochila o ursinho que ganhara em um dos brinquedos e falasse com ele, Raoul sabia que o menino podia ouvi-los.
— Bem, você precisa admitir que, durante as últimas semanas, nós dois vivemos no limbo. Suponho que isto tenha levado você a pensar que... As últimas semanas foram peculiares... — Sarah respirou fundo. — Aposto que, desde que começou a trabalhar você nunca tirou tanta folga! Está na hora de nós dois voltarmos à realidade. — Ela deu uma risada.
Eles haviam chegado ao carro. Raoul tirou as coisas da mala, e eles procuraram uma área afastada, à sombra das árvores, para fazer o piquenique. Ele ficara de mau humor, mas tentava disfarçar, para que Oliver não percebesse.
Havia comida para alimentar um pequeno exército. Raoul colocou a garrafa de vinho dentro de um balde de gelo. Oliver comia com apetite e comentava o passeio, alheio ao peso do ambiente. Então Sarah queria voltar ao mundo dos vivos? Por que não? Ainda era jovem e recuperara a sua aparência, depois de se livrar do peso sobre seus ombros. Quando ele a reencontrara, ela limpava o chão, e a sua aparência refletia o seu estresse. Agora o seu corpo voltava à antiga forma e o seu rosto perdera o ar emaciado que o assustara. Por que ela não iria querer se divertir, sair à noite, levar a vida das pessoas da sua idade, uma vida da qual tivera que abrir mão para assumir a responsabilidade de cuidar do filho?
Para ele, deveria ser a situação ideal. Ele a deixara uma vez, com a melhor das intenções, e nunca se desviara do caminho que o afastava das águas turvas do casamento. Apesar de não ter tido família e de ter passado por uma infância cheia de decepções, nunca pensara em compensar estes fatos acreditando em finais felizes. Valorizava a sua liberdade e, embora agora tivesse alguém mais de quem cuidar não se arriscaria a fazer algo de que pudesse se arrepender. Quando se vive uma vida independente, não se corre o risco de sofrer uma decepção.
Com certeza, ele ainda se sentia atraído por Sarah e, ainda que não admitisse, ela também sentia atração por ele. Mas aquilo não justificava a sua ira ao pensar que ela queria se divertir. Acima de tudo, ele era prático, e levar a atração sexual adiante seria aumentar a complicação de uma situação que já era difícil. De fato, ele deveria incentivá-la a viver um pouco, concordar em estabelecer um limite e respeitá-lo.
Dentro de alguns dias, os dois estariam contando a Oliver que ele era seu pai, e a bolha que haviam criado em torno dos três perderia o seu propósito. Sarah tinha razão. Aos poucos, Oliver aceitaria o sistema de custódia dividida. Não seria o ideal, mas, o que existe na vida que seja ideal?
O problema é que ele estava tendo problemas para aceitar aquilo tudo, pensou Raoul.
Quando o piquenique acabou, o ambiente era tenso. Durante o caminho de volta, Oliver caiu no sono. Para evitar que Sarah voltasse a dizer o que pretendia fazer com o seu tempo livre, Raoul ligou o rádio, e os dois ficaram em silêncio.
A 20 minutos de casa, tentando romper o silêncio que se tornara intolerável, Sarah começou a falar nervosamente. Por sua culpa, o dia, que começara tão promissor, acabara amargamente. Mas a consciência de que ela ameaçava escorregar de volta para um lugar perigoso, onde estivera há cinco anos, levara-a a reconstruir as barreiras que ele parecia ultrapassar sem dificuldade. De alguma maneira, ele sempre tivera a capacidade de entrar no seu coração e na sua alma e de tomar posse dos dois.
Havia algumas coisas que ela queria fazer na casa, assim que assinassem o contrato, e ela se viu falando longamente a respeito de tintas e de papéis de parede, enquanto Oliver dormia e Raoul olhava fixamente a estrada, respondendo-lhe apenas quando a educação exigia.
— Tudo bem — falou ela, por fim, cansada de ouvir a própria voz. — Sinto muito se você acha que eu estraguei o dia.
— Eu disse isso?
— Não. Mas ficou calado e me deixou falando sozinha.
— Você estava falando de tintas e papéis de parede. Eu não consigo fingir que isso me interessa. Já lhe disse que alguém vai cuidar de tudo: pintura, papel de parede, mobília. Já mandei até alguém comprar os quadros para pendurar nas paredes!
— Então não será um lar! Você já olhou realmente para o seu apartamento, Raoul?
— O que você quer dizer?
— Você tem o melhor que o dinheiro pode comprar, mas aquilo não é uma casa. Parece algo que você copiou de uma revista! A cozinha parece nunca ter sido usada, ninguém parece ter sentado nos sofás. Os tapetes não têm uma mancha. Aposto que você não escolheu nem um daqueles quadros! — A revolta a levava a um território familiar. O fato de ele não se abalar aumentava a sua raiva. Por que não conseguia atingi-lo, quando ele a perturbava com tamanha facilidade? Não era justo! — Eu não gosto de arte abstrata. Odeio. Gosto de quadros clássicos, com coisas que possa reconhecer: flores, paisagens. Não há nada pior que alguém comprar quadros para você só pelo seu valor. Além disso, também não gosto de sofás de couro. São frios no inverno e quentes no verão. Gosto de estofados coloridos, macios, nos quais se possa afundar e ler um livro.
— Já entendi o quadro — disse Raoul. — Você não quer palpites na decoração e odeia o meu apartamento.
Sarah se envergonhou por ter sido grosseira. Normalmente, não teria ousado criticar a decoração da casa de alguém. Cada um tinha um gosto diferente. Mas estar ao lado de Raoul, gostar de sua companhia, imaginar o que poderia ter sido se ele gostasse dela, deixara-a descontrolada. A despeito de todas as suas faltas, do seu humor instável, da sua arrogância e teimosia, ele era um bom homem. E, desta vez, pelo fato de conhecê-lo mais profundamente, ela percebera que o risco de amá-lo era maior.
— Ainda precisamos conversar — disse ela, voltando-se para a janela. Mas, se esperava por uma resposta, estava enganada, pensou Sarah. Ele não se importava com o que ela pensava a seu respeito ou a respeito do seu apartamento e da sua vida.
— Sim, precisamos.
Em um gesto inusitado, Raoul mudara de ideia. Pensar em Sarah com outro homem o desanimara, assim como o fato de que não conseguira controlar seus pensamentos. A sua lógica fria fora abalada por um desconforto irritante que ele não conseguira dominar. No entanto, a pequena explosão de raiva e a crítica petulante de Sarah haviam clareado sua cabeça.
Sarah não era como as outras mulheres. Ele sempre conseguira se descartar daquelas que entravam e saíam da sua vida com facilidade. Todas tinham um papel claramente definido. Sarah voltara a entrar na sua vida, carregando uma granada em forma de criança, mas só agora ele começava a aceitar que o papel que ela desempenhava tinha limites confusos, e ele não sabia por quê. Talvez porque ela representasse a fase em que ele ainda não fizera fortuna e não podia fazer o que queria. Ou talvez porque ela fosse tão sincera e vibrante que exigia que ele se comprometesse mais do que pretendia. Ela não andava sobre ovos quando estava ao lado dele e tentava agradá-lo. As mulheres que ele conhecia se impressionavam ao ver onde ele morava. Sarah seria capaz de escrever um livro enumerando tudo o que odiava no seu apartamento e lhe dar de presente.
A situação entre os dois exigia um nível de dedicação que ia muito além do tipo de interação que ele tivera com outras mulheres. Piqueniques? Refeições em casa? Jogos de tabuleiro?
Ele parou o carro diante da casa de Sarah. Oliver se espreguiçou, esfregou os olhos e se aninhou no colo da mãe. Raoul pegou a chave, abriu a porta e hesitou, antes de dar um beijo na testa do filho.
— Ele está exausto — murmurou Sarah. — Toda a agitação e o piquenique... Ele não está acostumado a comer tão tarde. Vou lhe dar um banho rápido e colocá-lo na cama. — Ela suspirou e controlou a tentação de se desculpar por tê-lo provocado, arruinado o clima entre os dois e causado uma desarmonia que a deixava entristecida. — Por que não se serve de uma bebida? Quando eu descer, podemos conversar sobre... O que precisamos fazer.
Ela estava toda desarrumada. Os dois haviam andado nos brinquedos com Oliver, mas ela também resolvera ir sozinha nos mais perigosos, e ele se oferecera para ficar esperando com Oliver, na esperança de que isso fosse uma desculpa aceitável para se livrar do que honestamente achava que iria ser uma terrível experiência. Raoul reparou que ela estava com o cabelo embaraçado, que seu rosto estava muito corado e que os dois botões superiores de sua blusa estavam abertos.
— Ótima ideia — disse ele calmamente, com uma expressão que a deixou curiosa. Ele a viu apertar o filho no colo e corar ainda mais. Com certeza, alguma coisa precisava ser feita, pensou ele. Talvez não fosse o que ela esperava. Sarah queria discutir formalidades, mas Raoul tinha outro objetivo.
Por fim, ele deixara de sentir o desconforto na boca do estômago. Gostava de ter uma explicação para tudo, e agora tinha uma. Sarah não lhe saía da cabeça porque representava um caso inacabado. Havia pontas soltas no relacionamento dos dois. Ele pretendia amarrá-las e seguir em frente.
Raoul sorriu para ela de uma maneira que a deixou com o corpo formigando.
— Vou servir uma bebida para você também E então, como você disse, resolveremos o que fazer a seguir...
Sarah demorou mais do que pretendia. Oliver despertou e pediu seus brinquedos e... Raoul. Querendo um tempo para esfriar a cabeça e resolver o que iria dizer, ela cedeu e, para compensar a ausência de Raoul, concordou em participar da brincadeira, empurrando carrinhos pelo chão, o que lhe tomou 40 minutos.
Sem se apressar, ela tomou um banho, sentindo que tinha necessidade de raciocinar. Conversaria com Raoul de maneira adulta e civilizada a respeito da urgência de falarem com Oliver. Depois anunciaria a sua decisão de contar tudo a seus pais. Diria a Raoul que não precisaria encontrá-los. Em seguida, esclareceria que, embora pelo bem de Oliver devessem ser amigos, os dois não tinham mais um relacionamento. Eram apenas duas pessoas com um elo em comum, que negociavam o direito de visitas sem recorrer a advogados.
Quando ela desceu, Raoul estava sentado no sofá da sala, tomando uma taça de vinho. Desde que ele aparecera, sua geladeira estava abastecida de vinhos da melhor qualidade, e as taças baratas haviam sido trocadas por outras, mais finas, que ela nunca teria coragem de comprar.
Ele bateu no assento, indicando que ela deveria se sentar ao seu lado. Não seria o ideal, mas ela concordou, sentou e pegou a taça que ele lhe ofereceu, evitando estragar a imagem de maturidade que desejava transmitir.
— Foi um dia agradável — disse ele, voltando-se para ela. — Apesar das críticas que você fez ao meu apartamento.
— Sinto muito. — Ela bebeu um gole de vinho. Ele deu de ombros e continuou a fitá-la com um brilho enigmático nos olhos.
— Por quê?
— Acho que fui grosseira. Suponho que não haja muita gente que o critique...
— Eu não sabia que você estava me criticando. Pensei que estava criticando a decoração da minha casa.
— Era exatamente isto.
— Você precisa admitir que segui seus conselhos e fiz de tudo para estabelecer uma ligação com Oliver.
— Você tem sido ótimo — admitiu Sarah. — Você ficou satisfeito? Quer dizer, tudo isso deve ter virado a sua vida de cabeça para baixo. — Não era o que ela pretendia dizer, mas nunca tinham discutido devidamente o assunto. Ela sempre soubera que a última coisa que ele queria era se casar e ter filhos. — Você tem a vida toda planejada. Você era só um pouco mais velho que o restante de nós, mas sempre soube o que queria fazer e onde queria chegar.
— Estou percebendo uma crítica por trás dessa declaração? — o retrucou ao lembrar-se da lista de qualidades que ela procurava em um homem. Uma amizade colorida não se encaixava na imagem que Sarah fazia dele.
— De jeito nenhum!
— Ótimo. — Ele percebeu que aquela conversa não levaria a nada e mudou de assunto. — Voltando à sua primeira pergunta, a existência de Oliver me abriu os olhos. Eu nunca precisei acomodar a minha vida à existência de alguém. — Se ele gostara? Pensando bem, sim Ele gostara da estranha imprevisibilidade, das pequenas reações positivas, do primeiro sorriso de aceitação, que fizera o seu esforço valer à pena. — Se fosse outra criança, teria sido uma rotina insana, mas com Oliver... — Ele deixou que o silêncio completasse a frase. — Sim, a minha vida mudou de uma maneira radical, mas nem sempre as coisas acontecem de acordo com o planejado.
— Sério? Pensei que isso só acontecesse com os outros. — Sarah pensou em todos os planos que ele fizera há cinco anos. Nenhum deles incluíra-a. — Houve outras vezes em que as coisas não funcionaram de acordo com o planejado na sua vida adulta? Parece que isso só acontece quando você permite que outras pessoas entrem na sua vida, e você nunca permitiu. — Ela estava se desviando totalmente do que queria dizer, mas o ressentimento por estar se deixando absorver novamente por ele parecia dominá-la. Era como se sua boca tivesse vontade própria e falasse coisas que ela não queria dizer. — Veja só o seu apartamento!
— Então voltamos ao fato de que você não gosta de cromados, de couro e de mármore...
— É mais que isso! — exclamou Sarah, frustrada. — A sua casa não tem nada de pessoal...
— Você não viu o apartamento todo — disse Raoul amavelmente. — A não ser que você tenha entrado no meu quarto, sem que eu soubesse.
— Claro que não! — Só de pensar, ela corou e precisou beber mais um gole de vinho.
— Então você não deve generalizar. Eu esperava mais de você.
— Muito engraçado, Raoul. Eu estou falando sério.
— Eu também Eu gostei de passar o meu tempo com Oliver. Ele é meu filho. Tudo o que ele faz me fascina — Ele ficou surpreso por ter disso isto.
— Você é especialista em dizer as coisas certas — murmurou Sarah. Onde estava a sua explosão de revolta? Ele se recusava a escutá-la, e ela se limitava a franzir a testa? — Fico feliz por você estar se saindo bem com Oliver e gostaria de lhe dizer uma ou duas coisas. Oliver passou a gostar de você e a confiar em você. Quando vocês se conheceram, achei que conquistá-lo seria difícil. Ele não tinha experiência com um homem adulto, e você não tinha experiência com crianças.
— Você não está dizendo nada de novo...
Sarah apertou os lábios. Já desviara da conversa uma vez...
— Foi bom que você não tenha visto tudo como uma rotina insana.
— Se você está tentando despertar a minha boa vontade, aviso que está tomando o caminho errado. Criticar o meu apartamento, insinuar que eu sou muito rígido para ser pai... Existe mais alguma coisa que você queira acrescentar antes de continuar?
Ela pensou ter detectado um tom divertido no que ele dissera e se arrepiou.
— Acho que precisamos explicar a situação a Oliver. Não sei se ele vai entender totalmente, mas ele é muito inteligente e espero que aceite bem a notícia. Ele já fica à espera das suas visitas. — Ela fez uma pausa. — Ou eu posso falar com ele sozinha.
— Não. Gosto da ideia de falarmos com ele juntos.
— Ótimo. Talvez seja melhor marcar uma data?
— Marcar uma data? — Raoul deu uma risada. — Precisamos ser tão formais?
— Você sabe o que eu quero dizer — falou ela, irritada. — Você é um homem ocupado. Só quero marcar uma data.
— Amanhã.
— Ótimo. Depois que falarmos com Oliver, conversarei com meus pais. Eu não lhes disse nada, mas Oliver mencionou você algumas vezes, ao falar com a minha mãe. — Ela se sentia culpada por arranjar desculpas para não ir a Devon a cada duas semanas, como costumava fazer, mas temia que sua mãe lhe arrancasse a verdade e lhe passasse um sermão. — Mas este problema não é seu. Você não precisa encontrá-los. Eu vou explicar a situação, a maneira como nos encontramos. Eles ficarão felizes, porque sempre se preocuparam com o fato de que você não soubesse que tinha um filho e...
— E eu não vou encontrá-los por que...?
— Por que deveria? Você vai fazer parte da vida de Oliver, não da minha. É sobre isso que eu quero lhe falar: direito de visitas e tudo mais. Acho que não precisamos de advogados para chegar a um acordo. As últimas semanas funcionaram Claro, eu sei que para você não foi um período normal, mas podemos partir daí e acertar alguma coisa. Você sabe que eu sou flexível...
Embora a proposta lhe conviesse, Raoul não gostou. Sim, ele tinha deixado de trabalhar até tarde da noite e limitara o uso do computador. A boa vontade de Sarah deveria ser um alívio, mas, já que Oliver começava a contar com ele, a facilidade com que ela achava que ele iria se contentar com uma noite por semana ou com um fim de semana ocasional era revoltante.
— Direito de visitas... — falou ele como se não gostasse da expressão.
— Sim! Você sabe... Talvez uma noite por semana, quando lhe convier. Seria bom que você marcasse um dia, embora eu saiba que, com o seu estilo de vida, será difícil. — Ela imaginou quando ele retomaria o seu estilo de vida. Deveria repetir que não queria que Oliver tivesse que lidar com mulheres desconhecidas? Ou Raoul seria sensível o suficiente para entender isso, sem que ela precisasse dizer novamente? Era bom poder estabelecer as regras em um tom calmo e controlado, mas nada conseguia disfarçar as batidas enlouquecidas do seu coração quando Sarah pensava no futuro, nos dias em que teria que dizer adeus a Oliver e ver Raoul levá-lo para lugares e experiências novas que ela não iria compartilhar. Ela se acostumara a andar em trio... — Você não vai dizer nada?
— Deixe ver se eu entendi — disse Raoul, sem entonação. — Marcamos um dia para que eu pegue Oliver e o traga de volta algumas horas depois, e, além disso, o nosso relacionamento será cortado...
— Eu preferiria que você não chamasse de relacionamento. — Ela pensou na maneira como ele a perturbava. Usar a palavra relacionamento só piorava as coisas.
— Como você quer que eu chame?
— Prefiro pensar que somos amigos. Nunca pensei que iria me referir a você desse jeito, mas fico feliz por poder fazê-lo.
— Amigos... — murmurou Raoul.
— Sim, nós fizemos um bom trabalho juntos durante esse... Processo. — Ela ficou nervosa e abaixou os olhos. Percebeu que, sem reparar, acabara com o vinho da sua taça. Sentia a proximidade de
Raoul como uma força letal e beber fora a única coisa que pudera fazer para não se encolher.
— É isso que você quer Sarah?
Atordoada e confusa, ela levantou os olhos verdes e imediatamente sentiu a cabeça leve. O sofá era pequeno. Os joelhos dos dois quase se tocavam. Os últimos raios de sol haviam desaparecido, e ela mal enxergava o rosto dele à luz do crepúsculo.
— Claro — balbuciou ela.
— Amigos que se falam educadamente, de vez em quando...
— Acho que é assim que funciona.
— Isso não é o que eu quero, e você sabe.
Uma série de imagens desconcertantes passou pela cabeça de Sarah, em uma velocidade absurda. As coisas simples que tinham feito nas semanas anteriores... Coisas que haviam abalado a confiança na sua capacidade de se manter longe dele. E ali estava ele, dizendo exatamente o que ela não queria ouvir.
— Raoul... — falou ela em voz trêmula.
Ele notou a hesitação na voz dela e se sentiu triunfante. Ficara impressionado com o quanto ainda a desejava, até formular a teoria do negócio inacabado. Agora sabia por que não conseguia se concentrar no trabalho.
— Adoro quando você diz o meu nome. — Naquele momento, ele parecia ter perdido o foco. A sua voz demonstrava insegurança. Raoul estendeu o braço sobre as costas do sofá e tocou-lhe a nuca.
Sarah tentou desesperadamente se lembrar que Raoul Sinclair era um homem programado para obter o que queria, mas não sabia por que ele iria querê-la. Ela sentiu o corpo amolecer, enquanto tentava raciocinar a respeito da situação.
— Eu gostaria de beijá-la agora — falou ele com uma voz que parecia tão insegura quanto a de Sarah.
— Não. Não faça isso. Você não pode, não deve...
— Você não está me convencendo...
Sarah sabia que ele pretendia beijá-la e que ela deveria empurrá-lo, mas não conseguia se mexer. Seu corpo endurecera como uma estátua, embora, por dentro, uma torrente de sensações ameaçasse derrubar suas frágeis defesas.
Ele a beijou, e a sensação foi estonteante. Ela levantou a cabeça, enfraquecida pelo desejo. O instinto sexual infalível de Raoul fez com que ele se aproximasse mais. Ou talvez tivesse sido ela, sem perceber, incendiada por um desejo que fermentara por semanas. Sarah gemeu docemente e depois mais alto, ao sentir que ele enfiava a mão sob a sua blusa, provocando arrepios por todo o seu corpo. A mão que ela apoiara no peito dele, para empurrá-lo, crispou-se e abriu-se novamente, para puxá-lo pela camisa. Ela estava fervendo, seus seios haviam inchado e seus mamilos, endurecido.
Ela tentou conter um gemido vergonhoso de prazer quando ele subiu a mão e abriu o fecho do seu sutiã.
O sofá não era dos mais confortáveis, mas Raoul não acreditava que conseguiria esperar até levá-la para o quarto. Ele lhe tirou a blusa e o sutiã e olhou para ela, meio nua, com os olhos semifechados, a boca entreaberta em um sorriso, enquanto seus seios subiam e desciam ao ritmo da respiração ofegante. Ele não a creditava no quanto a desejava. A excitação intensa afastara qualquer pensamento coerente da sua cabeça, e ele duvidava que pudesse perceber um terremoto.
O efeito que ela lhe provocava era imediato. Ele se livrou das roupas, maravilhando-se com a sua memória. Era como se não tivesse enterrado as lembranças do passado e elas tivesse permanecido à flor da pele. Isso provava que ela era a única mulher que ele jamais esquecera porque o que acontecera entre os dois acabara prematuramente. Ele não tivera tempo de se cansar de Sarah...
Sarah olhou as roupas que ele jogava no chão. Ele ainda tinha o corpo firme, tonificado e musculoso de um atleta. Ombros largos, cintura estreita e... Os seus olhos foram atraídos pela evidência impressionante do estado de excitação de Raoul.
— Você ainda gosta de me olhar — disse ele, sorrindo. — E eu ainda gosto que você me olhe. — Ele estremeceu e agarrou-a pelo cabelo, ao sentir que ela delicadamente lhe tocava a ereção. No fundo, Sarah sabia que deveria afastá-lo, mas sempre tivera um fraco por ele, e nada mudara. Ela não conseguia mais raciocinar. Tudo se resumira ao presente, àquele momento. O seu corpo, que passara cinco anos na geladeira, voltara à vida ferozmente, e ela nada podia fazer.
Enquanto ela despia rapidamente o restante das roupas, Raoul fechava a porta da sala e jogava a manta do sofá no chão, resmungando algo sobre ele não ser adequado para fazerem amor.
— Assim está melhor — resmungou ele, deitando-se sobre ela e beijando-a. Ao mesmo tempo, ele passava a mão sob os quadris de Sarah, fazendo com que ela arqueasse o corpo. — Esse sofá é muito pequeno para o meu tamanho.
— Há cinco anos, você não era tão exigente — falou Sarah, ofegante. Sentira tanta falta dele!
— Você precisa me dizer se eu perdi o espírito de aventura — murmurou ele, sentindo que ela se contorcia debaixo dele. Estava satisfeito por saber exatamente o que ela queria e começou a acariciar-lhe os seios, observando o seu rosto corado, enquanto os massageava e rodeava seus mamilos e ela continuava a massagear sua ereção. Eram carícias que provocavam satisfação em duas pessoas que se conheciam bem, como um par de dançarinos.
Raoul beijou levemente a nuca de Sarah, provocando-lhe gemidos e depois se aproveitando dos seios que ela lhe oferecia, explorou-os com a boca, levando-a a loucura.
Era incrível imaginar que o corpo que ele tocava carregara seu filho. E isso o entristecia. Ainda que em circunstâncias inesperadas e que ele nunca tivesse planejado ter um filho, teria assumido o desafio e ficado ao lado dela desde o início. Não teria perdido os primeiros quatro anos da vida do filho. Não teria sido obrigado a levar semanas tentando aprender a ser pai. Mas a tristeza não era um sentimento com o qual Raoul estivesse acostumado a lidar. Ele bloqueou a possibilidade de ter havido um caminho diferente, deslizou a boca pela barriga de Sarah e tocou o ponto mais íntimo do seu corpo, dedicando-lhe toda a atenção. Levou-a várias vezes ao limite, e ela precisou recorrer a toda a sua força de vontade para se controlar. Queria senti-lo dentro dela. Estava desesperada para chegar o momento em que ele perderia o controle dentro do seu corpo.
— Você está protegida?
Sarah levou alguns segundos para entender o que ele perguntara.
— Eu não trouxe preservativo — falou ele em tom frustrado. — E, pelo que vejo pela sua expressão, você não está tomando anticoncepcional.
— Não. Não estou.
Ainda que atordoado pela paixão, ele não se permitiria cometer outro erro. Um escorregão já lhe custara muito!
— Existem outras maneiras de obter prazer.
— Não, eu não posso... Sinto muito... Não sei o que aconteceu... — Ela rolou o corpo, sentindo-se exposta, sentou e procurou suas roupas. Catou-as rapidamente e se vestiu. Raoul observava-a em silêncio, apoiado sobre o cotovelo.
— Não me diga que teve um ataque de escrúpulos.
— Isso foi um erro! — Ela se refugiou no sofá, abraçando as pernas para disfarçar os tremores, e desviou o olhar do corpo despido de Raoul. Queria poder dizer a si mesma que cedera a um poderoso impulso momentâneo. Mas a questão era muito mais complicada. O quanto caminhara nos últimos anos? Esquecera a facilidade com que ele a dispensara? A maneira como ele a cortara como supérflua no grande plano da sua vida?
Até algumas semanas atrás, Raoul Sinclair tinha sido o maior erro da sua vida. Revê-lo fora um choque, mas ela superara e tentara ver o seu reaparecimento como um bem para Oliver. Sim, ele ainda a perturbava, mas ela construíra defesas para protegê-la. No entanto, ele a acossara de uma maneira que ela não esperava. Conseguira vencê-la com a mesma facilidade com que aceitara o que deveria ter sido o maior golpe da sua vida. Controlara o próprio ego e orgulho e ouvira o que ela dizia, empenhara-se com entusiasmo e humildade em conhecer o filho. E ela, contra a razão e a vontade, sucumbira à sua determinação, disponibilidade e paciência com Oliver. Quantos homens determinados a não terem família reagiriam com a mesma boa vontade que ele demonstrara? Sarah desconfiava que muitos fugiriam ou contribuiriam apenas com dinheiro. Raoul a recordara dos motivos pelos quais ela se apaixonara por ele e lhe dera outros mais. Não era de admirar que ela tivesse cedido quando ele resolvera possuí-la.
Sarah se desesperava porque sabia que ele não mudara. Raoul podia desejar o seu corpo, mas desprezava os sonhos, as esperanças e as ideias românticas que faziam parte dela.
— Claro que não foi um erro! — Ele passou a mão na cabeça e começou a se vestir. Enroscada no sofá, Sarah parecia muito jovem E, na verdade, era. Ele vira coisas demais? Claro que não. Ela lhe enviara sinais evidentes. Dera-lhe permissão, e ele não entendia por que ela resolvera voltar atrás. Não apenas Sarah ainda exercia a mesma atração sobre ele e o fazia suar, mas os dois haviam se ligado de uma maneira mais básica, e ele sabia que ela sentia o mesmo. Ele não era bobo quando se tratava de ler sinais. Antes de resolver recuar, ela estava tão excitada quanto ele! — Foi à coisa mais natural do mundo.
— Por que seria?
— Porque você é mãe do meu filho. Eu acho ótimo ainda nos sentirmos atraídos um pelo outro. — Ele sentou-se ao lado dela e olhou-a de lado.
— Eu não acho bom. Acho que só complica tudo. Eu não quero ter um relacionamento com você. Droga! Esqueci que você não gosta da palavra relacionamento, que a acha perigosa.
Raoul percebeu que ela tentava construir uma barreira entre os dois e ficou aborrecido por ela perder tempo discutindo uma simples palavra.
— Quero que você admita o óbvio — disse ele, virando-se para encará-la. — Você não pode negar a atração que existe entre nós. Na verdade, ela até parece mais forte do que era há cinco anos.
Sarah ficou apavorada por ele sentir a mesma coisa. Não fora efeito da sua imaginação. Na África, eles haviam se juntado como dois jovens que davam os primeiros passos em um mundo desconhecido e perigoso. Viviam dentro de uma bolha, isolados da realidade cotidiana. Aqui não havia bolha, e isso tornava a atração que sentia por ele ainda mais assustadora.
— Não... — protestou ela debilmente.
— Está dizendo que, se eu não tivesse parado você subitamente teria resolvido me rejeitar?
Sarah ficou muito vermelha e não disse nada.
— Foi o que eu pensei — falou ele amavelmente. — Você quer me afastar, mas não consegue.
— Não me diga o que eu posso ou não posso fazer!
— Deixe-me lhe dizer uma coisa. As últimas semanas foram uma revelação. Quem diria que eu gostaria de passar tanto tempo na cozinha? Ainda mais, numa cozinha antiquada? Ou que eu assistiria programas infantis na TV? Nunca esperei vê-la de novo, mas, assim que a vi, percebi que o que eu sentia por você não se apagara como eu pensava. Eu não tenho vergonha de admitir que ainda a desejo.
— Desejar não é suficiente... — argumentou ela sem convicção.
— Admitir é muito mais saudável que negar. Os mártires podem se sentir virtuosos, mas a virtude é questionável quando vem de braços dados com a infelicidade.
— Você é tão egoísta! — falou Sarah, zangada. — Está dizendo que eu vou ser infeliz se não aproveitar a oportunidade de dormir com você?
— Você vai ficar infeliz ao desprezar a oportunidade de levar o que sentimos para a cama. Você está tentando se enganar. Você esfria e esquenta porque quer se convencer de que vai manter o controle.
Sarah não podia desmenti-lo. Ela balançava entre querer que ele a tocasse, e adorar quando ele o fazia, e odiar a própria fraqueza.
— Eu não gosto da ideia de você frequentar casas noturnas e encontrar outros homens — admitiu-o asperamente.
— Por quê? Você sentiria ciúmes?
— Como posso ter ciúmes de algo que não existe? Ciúme não é do meu feitio. — Ele abaixou os olhos, agitado. — Você ainda exerce poder sobre mim Eu ainda desejo você...
— Na vida, existe mais que atração física — murmurou Sarah.
— Vamos concordar em discordar quanto a esse ponto. E isso não muda o fato de que, mais cedo ou mais tarde, nós vamos acabar na cama. Proponho que seja mais cedo. Temos negócios inacabados, Sarah...
— O que quer dizer?
Raoul pegou na mão dela e olhou-a fixamente.
— No passado, eu fiz o que era mais certo para nós dois. Mas o que havia entre nós teria acabado se eu não tivesse que deixar o país?
— Sim, teria Raoul. Porque você não está interessado em relações duradouras. Ah, teríamos levado por alguns meses, e mais cedo ou mais tarde, você teria se cansado de mim.
— Mais cedo ou mais tarde, você teria descoberto que estava grávida... — disse ele com uma calma irritante.
— E isso teria mudado algo? Claro que não! Você teria ficado preso ao bebê por causa do seu senso de responsabilidade, mas, por que não admite que nunca teríamos ficado juntos?
— Como vou saber o que poderia ter acontecido? Eu tenho uma bola de cristal?
— Você não precisa de bola de cristal, Raoul. Só precisa ser honesto. Se tivéssemos continuado o nosso... Seja lá como você o chame... Ele teria nos levado ao casamento? A algum tipo de compromisso? Ou continuaríamos a dormir juntos até que tudo entre nós acabasse? Ou seja, até você estar pronto para ir em frente? Eu sei que quando estou com você, algumas vezes eu me sinto fraca. Você é um homem atraente e é o pai do meu filho. Mas isso não significa que seria bom fazermos sexo até você me tirar da cabeça.
— Por que acha que não seria o contrário?
— Seria egoísmo nos tornarmos amantes por não aguentarmos um pouco de frustração! Eu não quero que Oliver se acostume tanto com a sua presença, que tenha problemas quando você resolver dar o fora! Desculpe se lhe mandei sinais equivocados, mas será melhor se formos apenas amigos...
Sarah pensava em como se deixara dominar pelas emoções, a ponto de quase acabar na cama com Raoul. A expressão “negócios inacabados” voltava à sua cabeça e lhe trazia a imagem de algo descartável.
Raoul imaginara que ela se jogaria em seus braços, tentando continuar de onde haviam parado? Achara que ela iria receber a declaração de que ele ainda a desejava como um elogio, como algo maravilhoso? Ele não queria que ela saísse com mais ninguém, não porque quisesse manter um relacionamento com ela, mas porque queria levá-la para a cama, até conseguir eliminá-la do seu organismo, como se faz com um vírus. Ele era arrogante, egoísta, e ela fora tola ao pensar o contrário!
Ela teve dois dias de descanso, porque ele viajara. Atendera seus telefonemas, mas logo passara a ligação para Oliver.
— Acho que vamos contar a ele no fim de semana — informara ela secamente a Raoul, acrescentando educadamente que ele não precisava vir a casa dela correndo assim que chegasse, porque Oliver já estaria dormindo.
Do outro lado do Atlântico, Raoul bateu o telefone. Não deveria ter deixado que ela pensasse sobre o que ele havia dito. Deveria ter eliminado as suas dúvidas com beijos e feito amor com ela, até que Sarah emudecesse. Mas, claro, ela teria se atrelado à moral. O que era muito simples para ele se tornara um dilema para ela.
Raoul disse a si mesmo que havia outros peixes no mar, mas, assim que abriu a sua agenda de endereços e começou a olhar os nomes de belas mulheres que dariam gritinhos de alegria ao ouvir a sua voz, ele percebeu que o seu entusiasmo por aquela terapia de reposição rapidamente se apagava.
Se ele antes se sentia à vontade para aparecer na casa de Sarah sem avisar, ele hoje tinha um horário marcado, e, portanto chegava exatamente às 17h30, encontrando Oliver vestido com jeans e moletom, e Sarah com uma roupa velha e o cabelo úmido preso em um rabo de cavalo.
— Achei que podíamos lhe explicar a situação — disse ela como cumprimento. — Depois você poderia levá-lo para comer alguma coisa. Nada complicado, mas seria bom ele ficar sozinho com você. Eu também falei com meus pais. Eles ficaram contentes por você estar presente.
Raoul imediatamente percebeu o que ela fazia. Sarah deixava perfeitamente claro que conversariam estritamente o necessário. Os seus olhos verdes tinham um brilho alerta e distante, que só se amenizou quando sentaram Oliver entre os dois, para falar com ele.
Por fim, a paternidade lhe foi totalmente atribuída. Raoul não se sentia mais de fora. Ele era o pai e, como Sarah previra, a reação de Oliver foi natural. O menino tivera tempo de se ajustar e aceitou a novidade com solenidade, como se nada tivesse mudado. Raoul lhe trouxera uma bela caixa de tijolinhos e uma enorme caixa de tintas, que ele adorou.
— Tire algumas fotos quando ele começar a pintar a sua sala — falou Sarah com sarcasmo. — Eu adoraria ver como vai ficar a sua mobília de couro.
— Ah, é assim que vai ser? — perguntou Raoul friamente, enquanto Oliver enchia a mochila de coisas inúteis, preparando-se para sair.
Sarah corou. Não queria ser implicante. Ele estaria presente e precisariam conviver civilizadamente se não quisessem se rebaixar a brigar. Mas ela receava chegar ao ponto que já haviam chegado em que haviam ficado tão amigos que os sentimentos que ela achara ter deixado para trás haviam florescido e saído de controle. Ela deixara que ele a afetasse, até que ela só pensara nele e, quando ele a tocara, ela se derretera.
— Não, não é. Desculpe o comentário — disse ela, abaixando-se para ajustar a mochila de Oliver e retirar alguns dos itens desnecessários. — Seja um bom menino com o seu pai, Oliver. — Ela levantou e voltou-se para Raoul. — A que horas você vai trazê-lo de volta? Eu vou sair, mas ficarei pouco tempo fora.
— Você vai sair? Aonde você vai? — Ele olhou para ela e percebeu que ela estava à espera que eles saíssem para se arrumar.
— Isso não é da sua conta.
— E se você não tiver chegado quando eu voltar?
— Você tem o meu celular. Pode me telefonar.
— Com quem você vai? — Ele sabia que a pergunta era abusiva e lembrou que pensara em sair com outra, mas que a ideia durara muito pouco... Então com quem ela pretendia sair na primeira noite que ele sairia com Oliver? Com um homem? Que homem? Sarah afirmara não ter tido outro homem na sua vida, alegara ter estado ocupada demais ganhando a vida e não deveria ter tido tempo de cultivar uma vida pessoal, mas isso não significava que os homens não a tivessem rodeado, à espera que ela tivesse tempo. Quanto mais Raoul pensava, mais se convencia de que ela iria encontrar um homem Um daqueles homens sensatos e dispostos a se divertir, como ela gostava.
Ele não era um homem imaginativo, mas não conseguia deixar de chegar às conclusões mais loucas, e estava resolvido a não sair dali, até que ela lhe respondesse.
Sarah riu não acreditando no que ouvira.
— Não acredito que você tenha perguntado Raoul. Não é da sua conta. Oliver começa a ficar impaciente. — Ela olhou para o menino que o puxava pela mão e batia o pé no chão. — Vejo vocês em algumas horas. Se precisar, sabe como me encontrar.
Sarah pensou que aquele fora um indício de como o relacionamento dos dois rapidamente voltara a um terreno perigoso. Raoul achava que tinha o direito de saber aonde ela iria. Quase tinham chegado a se tornar amantes. Inconscientemente, ela estivera lhe enviando algum sinal? Preferiria morrer a lhe contar que iria comer uma pizza com uma amiga. Ficaria fora no máximo uma hora e meia e, embora não devesse se importar que ele soubesse que a chance de arranjar outra companhia seria mínima, ela se importava.
Ela vestiu uma minissaia e calçou sapatos de saltos altos. Não sabia o que queria provar e se sentiu deslocada na pizzaria, onde todos se vestiam mais discretamente. Mas valeu a pena se dar tanto trabalho, quando abriu a porta para Raoul, duas horas mais tarde.
Oliver estava bem menos limpo do que quando saíra. Pelas manchas em sua roupa, ela podia dizer o que ele comera.
— E então, como foi?
Raoul tentou manter o foco no que ela perguntava, porque, vê-la naquela saia justa e de saltos altos era uma armadilha para a sua cabeça.
— Muito bem... — Ele fez alguns comentários, enquanto passava a mão no cabelo de Oliver e tentava incluí-lo na conversa a respeito dos desenhos que este fizera no restaurante. Desenhos de uma família feliz. Qualquer psicólogo teria algo a dizer a respeito do retrato da criança entre os pais, e...
— Certo... Bem...
Quando ela começou a fechar a porta, Raoul entrou no pequeno saguão.
— Precisamos discutir os detalhes deste arranjo e da mudança. O contrato já foi assinado. Preciso saber o que vai ser levado daqui.
— Tão depressa?
— O tempo voa, não é? — Ele se encaminhou para a sala.
— Vou colocar Oliver para dormir e desço em um minuto. — Ela pensou em trocar a roupa ridícula, mas desistiu. A conversa não deveria ser demorada, embora ela estivesse surpresa com a velocidade com que a casa se tornara habitável. A última vez que a vira, ela estava vazia, e ela dissera a Raoul do que gostaria em termos de móveis. Isso fora há algumas semanas, ela presumira que o processo levaria meses e resolvera se preocupar quando a mudança se aproximasse.
— Não acredito que a casa esteja pronta. Tem certeza? — disse ela assim que voltou. — Pensei que essas coisas levavam meses...
— É incrível como o dinheiro consegue apressar as coisas.
— Mas eu ainda não resolvi como decorá-la. Quer dizer, nada do que está aqui é meu...
— O que é uma bênção, a julgar pela qualidade dos móveis — observou ele, enquanto ela sentava na cadeira à sua frente, tentando puxar a saia que lhe subia pelas coxas. A blusa não era muito melhor: um pedacinho de pano que realçava os seios generosos, infalíveis em provocar o seu interesse.
— Vai ser estranho sair daqui — falou ela pensativa.
— Oliver está animado. — Para quem ela vestira a saia curta e a blusa apertada? — Ele está entusiasmado com o amplo jardim e com o balanço que lhe prometi. Você se divertiu?
Sarah, que ainda contemplava a ideia de mudar antes do esperado, ficou confusa.
— Você está vestida como uma garota de programa — falou Raoul friamente. — Eu não gosto disso.
Sarah agarrou os braços da cadeira, sentindo que a raiva se espalhava dentro dela.
— Como ousa achar que pode me dizer como eu devo me vestir?
— Você nunca usou essas roupas quando estava comigo. Na primeira vez que tem um pouco de tempo longe de Oliver, você caprichou. Acho que resolveu checar as oportunidades para uma garota solteira...
— Eu não vou me dar o trabalho de lhe responder! — Ela olhou para ele com um brilho teimoso nos olhos, mostrando que ele não conseguiria lhe extrair uma explicação sobre onde fora. Logo depois de rejeitá-lo e de proclamar que dormir com ele estava fora de questão, à atitude furiosa de Sarah o lembrava de que ela queria um compromisso.
Raoul, por fim, reconheceu o que estava na sua cara. Quando se tratava de Sarah, ele era possessivo e queria exclusividade. Não queria que ela mergulhasse no mundo dos encontros. Ao vê-la com aquela roupa, percebera que não queria que ela se vestisse de maneira a atrair outro homem. Se ela quisesse vestir quase nada, que fosse com ele. Raoul nunca fora possessivo. Seria porque, para ele, ela era mais que apenas uma mulher? Porque ela era mãe de seu filho? Ele teria um traço de dinossauro do qual nunca soubera? Só sabia que, ao pensar em Sarah entrando de bar em bar, o seu sangue congelava.
E daí se ele nunca pensara em se assentar com alguém? A vida não é estática. Normas e regras estabelecidas se tornam nulas quando a situação muda. A flexibilidade é um sinal de criatividade.
Ele fora ingênuo ao acreditar que a sua proposta de aproveitarem o que tinham seria aceita com entusiasmo, mas Sarah não se contentaria com menos do que um relacionamento estável. E poderia não ser com ele. Raoul pensou, aborrecido. Apesar da intensa atração física que sentiam aquilo não era o mais importante para ela.
— Vamos falar de coisas práticas — disse Sarah. — Se você me der uma data definitiva para mudarmos daqui... Eu não avisei ao proprietário — lembrou-a de repente. — Preciso dar um aviso- prévio de três meses...
— Eu cuido disso.
— Também precisamos acertar os seus horários de visita a Oliver. Ou devemos esperar até estarmos na casa nova? Você precisa verificar se será fácil ir até lá. O transporte público nem sempre é confiável. Ah, desculpe... Esqueci que você não usa transporte público.
Raoul imaginou acidamente se ela estaria se programando com antecedência para saber quando poderia se dedicar à sua excitante vida de solteira. Diabos, ele estava com ciúmes!
Ele se levantou, e Sarah também, surpresa com o fato de ele estar indo embora tão de repente. Ele fizera com que ela se sentisse uma mulher barata e, apesar de ele não ter o direito de fazer julgamentos a respeito do que ela vestia ou de onde ia, ela sentia vontade de lhe dizer a verdade.
— A casa estará pronta no meio da semana que vem.
— E quanto às minhas coisas?
— Vou providenciar para que sejam levadas. Se a mobília não é sua, imagino que não será muita coisa.
— Acho que não — disse ela, sentindo-se agitada, agora que ele ia embora. Raoul hesitou.
— Vai ser bom — disse ele secamente. — A casa estará no seu nome. Você não terá medo de ficar sem teto, e será apenas uma mudança.
— Será ótimo. — Ela deu um enorme sorriso. — Os meus pais estão realmente satisfeitos. Eles não gostavam desta casa, numa rua movimentada e sem quintal onde Oliver pudesse se espalhar.
— O que me leva a algo que eu queria lhe dizer a respeito dos seus pais. Eu quero conhecê-los.
— Por quê? — perguntou ela, desanimada. Desconfiava que os pais não tivessem acreditado que Raoul voltara à cena. Mas não se importava, porque não sentia mais nada por ele.
— Porque Oliver é meu filho, e eu quero conhecer os avôs dele. Eles virão visitá-lo, em Londres, e nós iremos visitá-los.
— Sim, mas...
— Eu não quero passar o resto da minha vida com os seus pais fazendo mau juízo de mim
— Eles não fazem — admitiu Sarah de má vontade. — Eu contei a eles quanto tempo você tem passado com Oliver e lhes falei sobre a casa.
— Ainda quero conhecê-los. Arranje um encontro e me avise com alguns dias de antecedência.
— Talvez, quando eles estiverem perto de Londres...
— Não. Talvez dentro de duas semanas.
Com a mudança se aproximando e com uma data para visitarem seus pais em Devon, Sarah se sentia pendurada em uma montanha-russa. Depois de embalar seus pertences, que couberam em algumas caixas, não podia dizer sinceramente que sentiria saudade daquela casa em que passara tantas necessidades. Quando o motorista foi buscá-los na quarta-feira de manhã, ela partiu sem olhar para trás.
Oliver mal continha a excitação. O carro estava lotado com seus brinquedos. O motorista certamente sabia quem eles eram, mas parecia estar curioso e divertido com a animação de Oliver. Talvez ele estivesse tentando conciliar a imagem do patrão, com a do homem que não se importava de uma criança tratar o seu carro luxuoso com tamanho desrespeito.
Sarah ficou encantada com a rua arborizada, que levava a casa no fim do quarteirão. Era como se estivessem fora de Londres, bem longe da casa alugada, na rua movimentada. Ela não podia negar que Raoul os salvara de dificuldades financeiras e do desconforto, e isto a fazia pensar, com um nó na garganta, na ideia de serem amigos. Ficara muito ofendida com a sugestão de que fossem amantes e com a constatação de que ele só queria levá-la para a cama para exorcizar antigos fantasmas... Ela fizera o que era certo ao lhe dizer o que poderia fazer com a sua proposta, mas... Reagira depressa demais?
Ela recolheu os brinquedos de Oliver quando o carro diminuiu a velocidade e parou na entrada da garagem da casa. Raoul os esperava.
— Eu poderia tê-los trazido — disse ele, pegando Oliver no colo. O menino pediu que ele o recolocasse no chão. — Mas vim direto do escritório.
— Tudo bem. Sarah entrou e ficou boquiaberta, porque a casa não se parecia com a que ela vira. Os azulejos no chão do saguão aqueciam e coloriam o ambiente. A madeira acrescentava um toque acolhedor. Ela caminhou pela casa e reparou que a decoração era exatamente o que queria, desde as cortinas de veludo da sala até os azulejos restaurados da lareira. Raoul fez questão de lhe mostrar o fogão que ocupava o lugar de honra na cozinha e o armário de estilo antigo, que ela lhe mostrara em uma revista.
Oliver parou na porta francesa que dava para uma estufa que ligava a cozinha ao jardim e arregalou os olhos ao ver o conjunto de balanços.
— Muito bem, vamos dar uma olhada lá fora. — Sarah riu e pegou o filho pela mão. — Eu não me lembro que o jardim fosse tão bem cuidado — falou ela, olhando em torno. Havia uma mesa rústica com cadeiras, no pátio, por detrás de uma treliça que prometia ficar colorida na primavera.
— Eu mandei fazer paisagismo. Sinta-se à vontade para mudar o que quiser. Por que não damos uma olhada lá em cima? Vou pedir ao motorista que cuide de Oliver. Acho que provocaremos uma briga se quisermos tirá-lo do balanço.
Raoul se dedicara à decoração. Contratara a mesma decoradora que montara o seu apartamento, mas, em vez de lhe dar um cheque e carta branca, ele fora bastante específico quanto ao que desejava. Sabia que Sarah odiava tudo o que fosse moderno e minimalista. Evitara couro e cromados. Desistira de comprar alguns quadros que seriam um bom investimento e escolhera uma série de telas coloridas, garantindo que fossem clássicas.
— Não acredito que vamos morar aqui — murmurou Sarah, passando a mão na lareira do que seria o seu quarto, onde havia uma cama com dossel. As janelas davam para o jardim, e ela podia ver Oliver no balanço. — Você escolheu tudo pessoalmente?
Raoul corou. O quanto seria descolado escolher os móveis para uma casa? Não muito. Ainda mais quando ele tinha um milhão de coisas para fazer no trabalho. Mas ele fora abalado pela rejeição de Sarah e percebera que, a despeito do que ele via como um passo à frente para eles, não podia encarar nada como garantido.
— Acho que sei do que você gosta — disse ele evasivamente, recebendo um sorriso como resposta.
Sarah controlou a vontade de abraçá-lo. Ele fazia coisas como aquelas. Seria de admirar que a sua força de vontade estivesse se desmanchando? Ela esperara ver uma casa que estivesse funcionando de maneira básica, mas não havia nada que não estivesse cem por cento perfeito. O quarto de Oliver era o sonho de qualquer menino de quatro anos, com uma cama em formato de carro de corrida e papel de paredes decorado com seus personagens favoritos de desenhos animados.
Ela precisou se lembrar de que fizera o que era certo ao recusar o que ele lhe oferecera. Embora fosse encantador e generoso, Raoul era um homem que caminhava sozinho. Para ele, um compromisso era uma sentença de prisão. Sarah era obrigada a reconhecer que a sugestão de que ela se tornasse sua amante soara como uma ameaça mortal para qualquer relacionamento amigável, porque seria ela que iria sofrer no final. Se chegasse muito perto dele, sabia que não conseguiria se conter. No entanto, ela se comovia com o esforço que ele fizera para que ela se deparasse com uma casa perfeita.
— Precisamos conversar a respeito do esquema de visitas. — Ela tentou manter um tom casual.
Raoul olhou para ela, aborrecido. Depois de tanto esforço, esperara uma reação mais positiva, mas desde quando a reciprocidade fazia parte das relações humanas? Aquele fora o legado do seu passado? Sarah insistia em afastá-lo.
— Eu não quero visitas semanais — disse ele, cruzando os braços.
— Não... Você pode vir quando quiser. Só preciso saber exatamente quando, para que Oliver não fique decepcionado... Eu sei que o seu trabalho é imprevisível...
— Alguma vez eu me mostrei imprevisível?
— Não, mas...
— Eu vim toda vez que disse que viria. Creia, eu compreendo a importância de ser confiável quando se trata de uma criança. Não se esqueça de que eu sei o que é ficar com a mochila pronta, olhando pela janela, à espera de pais que nunca aparecem.
— Claro...
— Eu sei como isso é doloroso.
— Então o que você sugere? Ele começará na escola em setembro... Talvez os fins de semana sejam uma boa ideia, até que ele se acostume com a nova rotina. As crianças ficam estressadas quando começam a ir à escola.
— Eu não sou a favor de ser pai em meio expediente. Como saberei se isso não irá se estender indefinidamente?
— Eu não entendi.
— Quanto tempo vai levar para você encontrar um homem? — Ele imaginou-a vestida para ir à caça. Sarah estava atônita, até começar a entender e dar uma risada.
— Eu sei aonde você quer chegar. Você acha que eu fui a algum lugar excitante naquele dia em que saiu com Oliver. Acha que eu me preparei e resolvi... Sei lá... Sair e me divertir a valer... — Ela o viu corar. — Você realmente acha que eu sou do tipo que fica quieta, cuidando de uma criança, e que, assim que tem algumas horas, sai percorrendo casas noturnas?
— Não é difícil de acreditar. Foi você quem fez questão de salientar que queria liberdade para procurar o seu príncipe encantado! Se é que existe algum!
— Ah, pare com isso! — Ela se aproximou furiosa. Ele seria o único que poderia assumir aquele lugar, mas não merecia a honra porque não estava interessado. — Eu não fui a lugar algum no sábado. Quer dizer, em nenhum lugar agitado. Eu e uma amiga fomos a uma pizzaria. Está satisfeito?
— Que amiga?
— Uma amiga de Devon. Ela se mudou para Londres há alguns meses, e saímos juntas sempre que eu posso. E, cuidando de uma criança, isso é raro. Aproveitei para jantar com ela.
— Por que não me disse naquela hora?
— Porque não é da sua conta, Raoul!
— Você ficou satisfeita ao me provocar ciúmes?
Era a primeira vez que ele expressava uma emoção como aquela. Sarah corou e sentiu o coração acelerar. Arregalou os olhos, e a sua respiração se tornou mais rápida e superficial. Ela tentava entender o que isso significava. Raoul sentiria mais por ela do que queria revelar? Ou ela estaria imaginando coisas, agarrando-se a qualquer coisa porque o amava?
— Está me dizendo que sentiu ciúmes?
Recusando-se a entrar em uma conversa delicada sobre uma fraqueza passageira, ele se mostrou orgulhoso.
— Estou dizendo que não achei apropriada a sua maneira de vestir. — Ele percebeu que estava parecendo antiquado. — Você é mãe...
— E por isso não devo usar minissaias?
Não pense que pode me dizer o que eu devo vestir ou aonde eu posso ir! E eu não vou sair desesperadamente pela noite. Tenho muitas coisas a fazer para pensar em procurar um homem.
— E eu não me sinto preparado para isso. Não quero ficar limitado a duas noites por semana. Isso não tem nada a ver com você. Estamos falando de Oliver, e você deve reconhecer que conviver com os dois pais é melhor para uma criança.
Sarah olhou para ele, sem compreender.
— E daí...?
— Daí que, se você não aceita menos que compromisso total, acaba de conseguir. Pelo bem de Oliver, estou disposto a me casar com você...
Por um instante, Sarah pensou ter ouvido errado. E levou mais algum tempo para entender a proposta de Raoul. Ele acabara de dizer às palavras que ela quisera ouvir a cinco anos, quando esperara que ele selasse um compromisso verdadeiro e ele lhe dera um chute.
— Você acaba de me pedir para casar com você — falou ela sem entonação.
— Faz sentido.
— Por que agora? Por que agora faz sentido? Acho que o único motivo é você não querer perder o lugar se outra pessoa aparecer.
— Oliver é meu filho. Naturalmente, não gosto da ideia de outro homem entrar na sua vida e assumir o meu papel.
Ele a teria pedido em casamento se não a tivesse visto com uma roupa que alardeava seus atributos e chegado a conclusões erradas? Ele não a pedira em casamento quando ela dissera que queria encontrar alguém com quem tivesse um relacionamento significativo e que a vida era mais que sexo... Sarah concluiu que ele acreditara ainda ter total domínio sobre ela, que imaginara que ela ainda fosse a mesma garota sempre disposta a fazer qualquer coisa que ele pedisse, mas que de repente percebera que ela poderia fazer exatamente o que dissera. Tudo parecia se encaixar. Raoul gostava de manter o controle, de segurar as rédeas. Durante o tempo que haviam passado no Centro Social, todos se voltavam para ele quando havia algum problema a resolver. A perspectiva de que ela fugisse ao seu controle o levara a lhe propor casamento?
— Eu pensei que você não quisesse se casar — argumentou ela. Raoul deu de ombros e se voltou para a janela, de onde podia ver Oliver se divertindo no balanço.
— Eu também nunca pensei em ter filhos — retrucou-o. — Mas aí estão vocês. Nem sempre os planos saem conforme o planejado, e coisa e tal...
— Sinto muito se Oliver estragou a sua vida — falou ela com uma voz estrangulada. Ele se virou imediatamente.
— Nunca mais diga isso! — disse ele em tom ríspido, e Sarah se arrependeu por ter sido injusta. — Posso não ter planejado ter filhos, mas agora tenho um e não desejaria que fosse diferente.
— Sinto muito. Eu não deveria ter dito isso, mas... Olhe, se nós nos casássemos seria um desastre.
— Eu não vejo problema algum. Haveria muito mais que apenas nós dois envolvido nisso.
— O que mudou desde que você soube da existência de Oliver?
— Eu não entendi. Você está se fazendo de difícil porque acha que eu deveria tê-la pedido em casamento assim que soube da existência de Oliver?
— Claro que não! Eu não estou me fazendo de difícil. Não se trata de um jogo. Você não quer se casar comigo, Raoul. Você só quer ter certeza de que eu não me envolva com alguém e prejudique o seu relacionamento com Oliver e acha que a única maneira de fazer isso seria colocando um anel no meu dedo! — Ela deu meia volta e se dirigiu à porta, mas ele a pegou pelo braço e fez com que ela o encarasse.
— Você não vai fugir desta conversa!
— Eu não quero discutir este assunto. Está me aborrecendo.
— Não acredito no que estou ouvindo! Eu lhe peço para casar comigo, e você reage como se eu a tivesse insultado!
— Você quer que eu fique grata, Raoul. Mas eu não estou. Quando eu sonhava em me casar, nunca imaginei que receberia uma proposta ressentida de um homem que tem um objetivo e não tem saída.
— Isso é ridículo! Você está exagerando tudo. Oliver precisa ter uma família, e nós nos damos bem. — Ele admitia que a idéia de vê-la com outro homem provocara e decisão apressada. Mas isso fazia dele um maníaco controlador? Não!
— Ou seja, considerando tudo, por que não? É assim que funciona para você? — Ela não conseguia encará-lo. A mão dele no seu braço parecia uma corrente de aço, ainda que ele não a segurasse com força.
O silêncio se prolongou. Sarah começou a suar frio. Por que era tão difícil fazer o que ela achava certo? Não aprendera nada? Não merecia mais que ser uma esposa conveniente, ainda que estivesse apaixonada por ele? Que tipo de futuro teriam duas pessoas que ficassem juntas pelos motivos errados?
— Olhe, eu sei que a situação ideal é que uma criança more com os dois pais, mas seria errado sacrificarmos as nossas vidas pelo bem de Oliver.
— Por que precisa usar uma linguagem tão melodramática? — Ele a soltou. — Eu não vejo isso como um sacrifício.
— E como você vê?
— Nós não nos demos bem nas últimas semanas?
— Claro que sim... — Tão bem, que fora fácil se apaixonar por ele novamente, tolice pela qual ela agora pagava o preço. Um casamento de conveniência seria mais aceitável se não envolvesse sentimentos. Ela poderia vê-lo como uma transação comercial que beneficiasse as partes interessadas.
— Eu sei que você não gosta de ouvir a verdade, mas nós nos damos bem em outras coisas também...
— Por que, para você, tudo acaba em sexo? — murmurou Sarah, cruzando os braços. — Você acha que essa é a minha fraqueza?
— E não é? — Ele se aproximou, e ela sentiu o seu perfume. Sem conseguir olhar para ele, Sarah fitou-lhe o peito. Os dois botões superiores da sua camisa estavam abertos, e ela via a sombra dos pelos do seu tórax. — Não há nada de errado nisso — murmurou ele com uma voz de veludo que fez com que ela se arrepiasse. — Eu até gosto. Então nós nos casamos, Oliver terá um lar estável e nós aproveitamos a companhia um do outro. Você não precisará mais se perguntar se devemos ou não devemos nem fazer longos sermões a respeito de nos mantermos afastados enquanto me olha desse jeito...
Ele não lhe encostara um dedo, mas para Sarah parecia o contrário, porque ela pegava fogo ao ouvir o tom sedutor das palavras que ele dizia.
— Eu não olho para você desse jeito...
— Você sabe que olha. E é mútuo. Toda vez que eu vejo você, volto para casa e tomo um banho frio. Vamos tornar isso legítimo, Sarah. — A voz de Oliver, que os chamava, tirou Sarah do seu transe, e ela se afastou bruscamente. — Não posso arrastá-la até o altar — disse ele gentilmente. — Pense no que eu disse e nas consequências de você não aceitar.
— Você está me ameaçando, Raoul?
— Nunca ameacei alguém. Jamais precisei. Em vez de pensar em você, pense no quadro geral.
— Está dizendo que eu sou egoísta?
— Se a carapuça serviu...
— Eu só não sou tão cínica quanto você. Isso não me torna egoísta.
Raoul ficou frustrado porque não compreendia a lógica feminina.
— O que há de cínico em querer o melhor para o nosso filho? Pense na minha proposta, Sarah, Oliver está ficando impaciente. Se eu não me importar por você arranjar outro homem, pense no que vai sentir quando eu arranjar uma mulher para ocupar o seu lugar...
Para Sarah, aquilo soou como uma ameaça. Durante o restante do dia, Raoul tratou-a com formalidade, talvez para lhe mostrar como seria a vida se ficassem separados. Sarah se ressentia por ele tê-la pressionado. Oliver precisava dos dois, eles se davam bem, mas sentiam uma intensa atração sexual. Solução? Casar. Porque ela se recusara a ser sua amante. Para Raoul, casar impediria a presença de outro homem e satisfaria suas necessidades físicas. Se ela recusasse, seria classificada como egoísta.
Ridículo!
Nos dias que se seguiram, ele demonstrou o que queria dizer. Chegou na hora marcada para buscar Oliver, riu quando ela disse que ele não levasse o menino a nenhum restaurante que tivesse toalhas de linho e garçons mau humorados, sempre com uma polidez que a enervava. Ou seria sua imaginação? Talvez a proposta de casamento a tivesse deixado mais atenta a detalhes. Ela tocou no assunto duas vezes, tentando se livrar da sensação de que causara problemas, mas ele lhe disse que pensasse seriamente.
— Vamos ver como isso funciona antes de você tomar uma decisão da qual possa se arrepender.
Resumindo, ele a chamara de irresponsável, impulsiva, como se ela fosse incapaz de fazer a escolha certa. E ela ficara cozinhando na própria aflição. No fundo, ela temia que ele arranjasse outra só para provar que estava disposto a ter um relacionamento sério. Raoul sempre fora avesso ao casamento, mas Oliver causara uma rachadura na sua barreira de preservação, e ele a pedira em casamento pelos motivos errados! No entanto, ainda que ele visse a solução como uma questão de lógica, fora um grande passo. E se ele resolvesse realmente arranjar outra mulher? E se ele se apaixonasse? Quando Sarah pensava nisso, entrava em pânico. E se ele resolvesse se casar com outra? Poderia acontecer facilmente. Ainda que Raoul não reconhecesse, ter um filho o mudara, e ela se perguntava se fora o bastante para que ele considerasse as vantagens de ter uma mulher na sua vida, alguém que desempenhasse o papel de mãe substituta. Ela se sentia doente ao pensar que Oliver poderia ter uma madrasta, mas, com o tempo, seria natural que Raoul se casasse.
Ele acharia difícil continuar evitando que Oliver se encontrasse com alguma mulher com quem ele saísse. Não iria querer viver o resto da vida daquele jeito. E quando Oliver crescesse e ficasse mais atento ao que estivesse acontecendo? Raoul iria admitir ser julgado pelo próprio filho? Claro que não. Ela percebera que ele era capaz dos maiores sacrifícios pelo filho e que nunca deixaria que este o visse como um mulherengo.
Tudo isso passava pela cabeça de Sarah enquanto eles se instalavam na casa, que começava a se transformar em um lar. Não havia muito que fazer, mas ela deu um toque acolhedor ao ambiente, colocando algumas fotografias da família sobre a lareira. A geladeira se tornou o mostruário de arte de Oliver, que pendurava seus desenhos na porta, com ímãs coloridos. As mantas de lã que ela ganhara da mãe deixaram o sofá mais acolhedor quando ela e Oliver se sentavam para ver televisão. E eles faziam passeios ao centro do bairro para comprar o essencial.
Aparentemente, tudo estava bem Mas seus pensamentos confusos a mantinham acordada à noite e faziam com que ela se distraísse ao desempenhar suas tarefas diárias. Raoul continuava a se comportar como um cavalheiro, e quando ele não aparecia, Sarah se perguntava onde estaria. Uma vez, tentou sondá-lo, mas ele ergueu as sobrancelhas e disse que não era da sua conta.
Dois dias antes de irem a Devon para ver os pais dela, Raoul levou Oliver ao cinema e, quando voltaram, disse a Sarah que precisavam ter uma conversa.
— Vou esperá-la na cozinha. — Ele lhe dera duas semanas para pensar. Era tempo suficiente. Ele não costumava esperar que alguém tomasse uma decisão, principalmente sobre um assunto que não exigia muita reflexão. Mas ele recuara. Sabia que ela não se recusara a ser sua amante por querer um prêmio maior. A verdade é que Sarah não era mais a sua fã número um Ele a magoara profundamente há cinco anos, ela enfrentara sérias dificuldades como mãe solteira e se tornara mais dura, e ele não podia forçá-la a se casar com ele. A espera quase o fizera enlouquecer, principalmente quando se lembrava da naturalidade com que as coisas aconteciam entre os dois anteriormente.
Sarah entrou na cozinha, 40 minutos depois. Vestira um jeans desbotado e largo, com o cós abaixo da cintura, e uma camiseta curta, que expôs sua barriga quando ela se esticou para pegar as canecas de café na prateleira.
— Então... — disse ela, assim que os dois se sentaram em lados opostos da mesa da cozinha, com suas xícaras de café. — Você queria falar comigo? Eu sei que já lhe disse um milhão de vezes: a casa é perfeita. Nem sei lhe dizer o quanto gostei, e há muito a se fazer por aqui. Eu já encontrei uma pracinha onde podemos ir! É sossegada e arborizada.
Raoul esperou que ela falasse longamente, até fazer uma pausa.
— Eu lhe fiz uma pergunta há duas semanas. — Quando ela olhou para ele sem expressão, depois de ter pensado na questão durante duas semanas, ele estalou a língua. — Eu não vou esperar para sempre que você responda Sarah. Esperei até que você se instalasse na casa. Você se instalou. Então, qual é a resposta?
— Eu... Não sei...
— Isto não é o bastante — disse ele, contendo a raiva.
— Poderia me dar mais alguns dias? — Ela umedeceu os lábios. — O casamento é um grande passo.
— Ter um filho também é.
— Sim, mas...
— Você vai retomar o argumento do autossacrifício?
— Não! — exclamou Sarah, ofendida com o tom aborrecido com que ele falara.
— Então qual será a sua resposta? — Há cinco anos, ela teria explodido de alegria com o seu pedido, mas agora estava assustada, como se ele a estivesse condenando à prisão perpétua. — Se você disser não, eu vou embora, Sarah.
— Vai embora? Está dizendo que, se eu não me casar com você, você abandonará Oliver?
— Ah, pelo amor de Deus! Quando você vai deixar de me ver como um monstro? Eu nunca abandonaria o meu próprio filho!
— Desculpe! Eu sei que não. — Ela ficou envergonhada por ter entrado em pânico e dizer a primeira tolice que lhe viera à cabeça. — Então o que você quis dizer?
— Que vou procurar outra pessoa. E então teremos que lidar com advogados e documentos que irão estabelecer um acordo sobre o direito de visitas. Você só me verá quando for imprescindível e quando se tratar de Oliver. Evidentemente, não poderei controlar com quem você sai ou namora, e o mesmo se aplica a mim. Estou sendo claro?
Sarah empalideceu. Confrontada com uma série sucinta de causa e efeito, seus pensamentos cristalizaram em uma só verdade: ela o perderia para sempre. Raoul encontraria outra mulher e a questão de amor não seria discutida. Ele controlaria a própria vida amorosa e ela seria deixada de lado... Olhando.
Ela não deixara de amá-lo só porque ele a abandonara. Raoul não a amava, mas seria um pai incrível, e ela se pouparia da dor de ficar longe dele. Quem disse que se pode ter tudo? Sarah estava dolorosamente consciente de que se contentaria com migalhas. Teve vontade de perguntar o que aconteceria quando ele se cansasse dela. Levaria uma vida paralela, discretamente? Mas ela não queria ouvir a resposta.
Ela sempre achara que um casamento sem amor estava destinado ao fracasso. Nunca se imaginara entrando na igreja com um homem que estaria ao seu lado apenas por que não tivera escolha. Para ela, o dever e a responsabilidade eram maravilhosos, mas não suficientes. Raoul, por outro lado, rapidamente caminhava para o inevitável, e ela precisava acompanhá-lo porque a alternativa era ainda mais insuportável. Sarah se odiava pela própria fraqueza.
— Eu vou me casar com você. — Ela criou coragem e olhou para ele.
Raoul sorriu e percebeu que entrara em pânico ao pensar que ela poderia recusar. Ele nunca entrava em pânico! Quando soubera que tinha um filho e que sua vida mudaria radicalmente, não entrara em pânico. Mas ao vê-la de olhos fechados, pensando, sentira-se sufocar, como se tivesse pulado em um precipício e esperasse que algo impedisse sua queda.
Ele pensou em dizer o indispensável e ir embora, antes que ela mudasse de ideia. Sarah, às vezes, era imprevisível.
— Prefiro que seja logo. Assim que arranjarmos tudo. Amanhã começarei a tomar providências. Algo simples... — Ele olhou para ela, muito corada, com o cabelo caindo sobre os ombros, e sentiu vontade de abraçá-la. — Mas como foi você quem sempre sonhou com um casamento... Acho que deve resolver que tipo de cerimônia você quer. Se você quiser, pode convidar quase mil pessoas e escolher a catedral de St. Paul...
Sarah abriu a boca para dizer que não importava, porque não seria um casamento de verdade. Sim, eles se conheciam, tinham sido amantes, e ela fora louca o suficiente para achar que ele a amava. Mas ele nunca pretendera se casar com ela. Não a amava antes e não a amava agora. Para Raoul, o casamento era uma maneira de participar integralmente da vida do filho. Encarando o casamento como um negócio, ele pensara que viverem juntos seria melhor. Depois de algum tempo, se o que havia entre os dois azedasse, ele estaria em uma posição mais confortável para lutar pela custódia de Oliver.
Angustiada, Sarah sabia que seria inútil começar uma discussão a respeito do valor daquela união. O que conseguiria? Não ouviria o que queria.
— Prefiro algo simples — falou ela desanimada.
— E tradicional — concordou Raoul. — Exatamente como você e seus pais gostariam. Eu me lembro de você ter mencionado um bracelete que a sua mãe ganhou da sua avó e que ela guardou para lhe dar no dia do seu casamento. Você disse que não era caro, mas que tinha um significado importante para vocês.
— Você nunca se esquece de nada? — perguntou ela, irritada, lembrando-se de todos os seus sonhos. — Acho que minha mãe perdeu o bracelete.
— Perdeu?
— Ela o tirou ao fazer jardinagem, e ele deve ter ido fora junto com as folhas e a terra... — Sarah deu de ombros. — Não existe mais bracelete para ela me dar.
— Que pena.
— Pois é... Então nós nos casamos e moramos aqui... O que você vai fazer com o seu apartamento?
Raoul deu de ombros. O apartamento deixara de agradá-lo. A decoração moderna e impessoal, os quadros que comprara como investimento, a cozinha cara que nunca usara tudo parecia pertencer a alguém com quem ele não se identificava mais.
— Não preciso vendê-lo ou alugá-lo. Vou mantê-lo.
— Para quê?
— Que diferença faz?
— Eu só estava curiosa. — O casamento dos dois não seria romântico. Sarah sabia que a sua natureza desconfiada eliminaria qualquer esperança de dar certo. Seria uma vantagem ter um apartamento quando ele decidisse ir embora. — Suponho que você esteja sentimentalmente ligado a ele?
— Não estou. Eu o comprei assim que fiz o meu primeiro milhão, mas ultimamente ele não me agrada. Acho que me acostumei com um pouco mais de desordem — Ele sorriu, sentindo-se relaxado, agora que tudo dera certo.
Subitamente a ideia de Raoul vivendo com eles deixou Sarah apreensiva. Em um casamento normal não haveria necessidade de estabelecerem regras, mas, no caso... Haveria algumas coisas que deveriam deixar claras antes de assinar o contrato?
— Eu... Gostaria de saber... — Ela colocou a mão no braço dele. — O que você espera?
— Quer que eu faça uma lista? — Raoul ergueu as sobrancelhas.
— Não precisa escrever, mas a situação não é simples...
— Ser simples ou difícil só depende de nós, Sarah.
— Eu não acho Raoul. Estou tentando ser sensata e prática. Por exemplo, creio que você vai querer fazer um acordo pré-nupcial. — Aquilo lhe ocorrera de repente. Pensando de uma maneira menos emocional, talvez conseguisse se proteger psicologicamente. Pelo menos, na aparência.
— É isso o que você quer? — perguntou ele em um tom inexpressivo. Sarah imediatamente se sentiu péssima por ter abordado o assunto e ficou zangada. Por que ele deveria ser o único a encarar o casamento com imparcialidade? Ela não podia fazer a mesma coisa? Ele não gostava dela, então que diferença fazia?
— Acho que seria bom. — falou ela no tom de quem só queria ser justa. — Não queremos discutir por dinheiro no futuro. E acho... Que seria bom tentarmos manter uma amizade sólida... — Ela se entristeceu, mas sabia que deveria enterrar qualquer indício de amor. Se ele soubesse o que ela sentia, o equilíbrio do relacionamento seria prejudicado. Pior, ele sentiria pena dela. Ou talvez fosse lembrá-la de que nunca a levara a acreditar que o desejo se confundia com outra coisa e chegasse a lhe oferecer um lenço para enxugar as lágrimas. Ela não iria se submeter àquela humilhação. Não se tornaria um peso que ele se acharia condenado a carregar pelo resto da vida. Mostrando-se prática, evitaria o desastre potencial que a espreitava.
— Se você acha que vamos ter um casamento sem sexo... — resmungou Raoul, furioso com o que ela dizia e com a sua praticidade.
Sarah levantou a mão, interrompendo-o. Aquele seria o seu trunfo, se é que ela podia chamá-lo assim
— Não foi o que eu quis dizer... — Aliviada do peso de não saber o que faria com a atração que sentia por ele, Sarah ficou mais leve. — Não vamos evitar o que há de mais forte entre nós... — Ela encostou a mão no peito de Raoul e se aproximou contente por não precisar mais combater a atração que existia entre os dois.
— Então me diga, por que não concordou em ser minha amante? Agora dá no mesmo, não é?
— Mas talvez eu não quisesse ser sua amante até que passasse a minha data de validade no mercado — disse ela com sinceridade. — Acho que só percebi isso agora. — Ela hesitou. — Você quer reconsidera a sua proposta?
— Ah, não... — Raoul sorriu. — É isso mesmo o que eu quero.
Uma semana depois, apesar de não saber dizer por que, Raoul duvidava ter conseguido o que queria.
Sarah não fazia mais melodramas. Não vacilava mais entre desejá-lo e rejeitá-lo. Deixara de questionar o que havia de certo ou errado em dormirem juntos. Aparentemente, tudo ia bem, de acordo com o planejado. Ele se mudara uma semana antes. Durante um dia inteiro, a casa ficara cheia de gente instalando o que havia de melhor em matéria de tecnologia, transformando a pequena biblioteca em um escritório completo, com escrivaninha, computadores, impressoras e telas de televisão, que lhe permitiriam monitorar os mercados de ações, e duas linhas telefônicas independentes. Pela janela, ele via o jardim perfeito, com macieiras ao fundo. Ele descobrira que era uma vista muito mais agradável do que a que ele tinha do apartamento, e gostara.
O casamento seria dentro de um mês.
— A data não faz diferença — afirmara Sarah, dando de ombros. — Mas a minha mãe desejaria algo além de um casamento no cartório, e eu não quero decepcioná-la.
Pensando bem, aquela atitude correspondia à mudança sutil que ele notara nela, desde que aceitara a sua proposta. De acordo com o que haviam combinado os dois agora eram amantes. Quando ele a tocava, ela regia instantaneamente e sem inibição e se derretia eroticamente. Com a luz apagada, à claridade do luar que entrava pelas janelas, eles faziam amor com uma paixão tão intensa que, só de pensar, ele ficava excitado e fechava os olhos. Porém, fora do quarto, ela se limitava a ser amigável e educada. Quando ele chegava do trabalho às 19h, o que era um sacrifício para um homem como ele, acostumado a trabalhar, pelo menos, até as 20h30, Sarah perguntava como fora o seu dia, preparava algo para o jantar, sorria e observava, enquanto ele e Oliver iam até o balanço ou brincavam até a hora em que o menino deveria ir dormir. Mas era como se ela tivesse se isolado por detrás de uma tela invisível.
— Certo. Você pegou tudo? — perguntou Sarah.
Eles iriam fazer a visita que fora adiada, aos pais de Sarah, em Devon. A bagagem para duas noites era maior do que a que ele teria levado para três semanas de viagem. Incluía sacolas com os brinquedos favoritos de Oliver, o enorme carrinho de controle remoto, primeiro presente que Raoul dera ao menino e que fora desprezado, mas que, com o tempo, merecera todo o seu interesse, uma geladeira portátil com refrescos porque, como Sarah explicara crianças de quatro anos não têm senso de oportunidade em viagens longas, vários CDs com histórias e canções infantis, que ele fora informado de que inevitavelmente teria de ouvir. Ela fizera uma lista, que ia riscando.
— É sempre essa produção quando você visita seus pais? — perguntou ele, quando finalmente entraram no carro e saíram
— Isso não é nada. Quando eu fazia essa viagem de trem, você não imagina o que era carregar toda essa bagagem e uma criança no colo. — Ela se certificou de que Oliver estava confortável e serenamente sentado na cadeirinha, e se voltou para a janela. Sentia-se pior quando estavam presos dentro do carro, talvez por não ter como fugir da própria fraqueza. Sua única salvação é que se esforçava e conseguia estabelecer limites sem causar problemas. Comportava-se com gentileza, ainda que sob a aparente calma, seu coração se apertasse por ela manter a distância necessária. Ela sabia que, caso se entregasse de corpo e alma, logo começaria a acreditar que aquele casamento era verdadeiro. Quando Raoul se cansasse e resolvesse ir embora, ela estaria desprotegida. Ele não a amava, e não haveria nada para amenizar o seu tédio quando a paixão no quarto diminuísse. Era importante que estabelecessem uma amizade sólida que talvez pudesse servir de cola para mantê-los juntos. No fundo, ela esperava que Raoul passasse a depender de uma relação enraizada no solo das circunstâncias. Talvez ele passasse a respeitá-la, se ela, como ele, encarasse calmamente o casamento como uma solução sensata e prática, mas, para isso, ela precisava controlar suas emoções.
Ela só se sentia livre quando faziam amor. Quando se sentia à vontade para olhar para ele com amor, sem que ele visse. Uma vez, ela acordara mais cedo e ficara observando, enquanto Raoul dormia. O que vira naquele momento não fora o homem capaz de magoá-la, mas apenas seu marido, o pai de seu filho, e quase conseguira acreditar que tudo era perfeito...
Quando eles saíram de Londres e pegaram a estrada pitoresca que ia para Devon, Oliver se animou gradualmente ao ver as pastagens, as vacas e as ovelhas, e pediu que ela brincasse com ele, contando os carros que passavam de acordo com as cores. Depois de uma hora e meia de intensa energia, ele se cansou e dormiu, ainda segurando o livro para colorir, que ela comprara para distraí-lo durante a viagem
— Acho que você deve estar nervoso por finalmente conhecer meus pais... — Ela preferia começar uma conversa, a suportar o silêncio com o qual Raoul parecia se contentar. Ele trincou os dentes ao ouvir a voz sem expressão que ela usava quando conversavam
— Por que deveria?
— Se eu fosse você, estaria. — Ela observou as linhas perfeitas do rosto dele e teve dificuldades para desviar o olhar.
— Isso por que...?
— Eu não sei o que eles esperam Eu não lhe fiz muitos elogios no passado — disse ela francamente.
— Quando descobri que estava grávida... Vamos dizer apenas que, seja lá onde você estivesse, suas orelhas deveriam estar ardendo.
— Tenho certeza de que tudo será esquecido, agora que eu reapareci e estou assumindo minha parte da responsabilidade.
— Mas eles ainda se lembrarão de tudo o que eu disse a seu respeito, Raoul. Eu podia não ter dito nada, mas descobrir que estava grávida foi à última gota. Eu estava confusa, sensível e cheia de hormônios. Aliviei o meu coração, e duvido que minha mãe tenha se esquecido de tudo o que eu disse.
— Então eu vou precisar me arriscar. Mas obrigado por se preocupar comigo. Estou comovido. — Ele sorriu com sarcasmo. — Eu não pensei que você se importava.
— Não precisa ser sarcástico — retrucou Sarah, aborrecida.
— Não? Eu não pretendia ter esta conversa, mas, já que você está disposta a ser honesta... Eu vou para a cama com uma loura excitante, carinhosa e generosa, e acordo, todo dia, ao lado de uma estranha. Perdoe por eu achar que você jamais iria se preocupar com o que os seus pais pensam de mim.
Loura excitante, carinhosa, generosa... Se ele soubesse que isso se aplicava a ela na cama e fora dela, dia e noite...
— Dificilmente você pode me chamar de estranha — protestou Sarah, dando uma risada. — Estranhos não... Não...
— Não fazem amor durante horas? Não se tocam intimamente? Não fazem coisas que deixariam os outros ruborizados? Não se preocupe Sarah. Estamos falando baixo, e Oliver está dormindo. Posso vê-lo pelo retrovisor.
Sarah corou por causa da linguagem evocativa que ele deliberadamente usara e desejou gritar: o que você quer Raoul? Ele queria que ela fosse uma esposa amorosa e subserviente, à sua disposição, para que pudesse se aproveitar da sua adoração, sabendo que ela estava irremediavelmente presa? Quando, por sua vez, ele realmente não a amava?
— Bem, você não está contente por ter razão? — resmungou ela. — Não posso negar que o acho muito atraente. Sempre achei...
— Pode ser que eu esteja louco, mas sinto que vou ouvir um “mas”...
— Não há “mas” — disse Sarah, na defensiva. — Eu não sei o que você quer dizer quando me acusa de ser uma estranha. Desde que passamos a morar juntos, nós não compartilhamos todas as refeições?
— Sim, e a sua performance na cozinha continua a me surpreender. Mas eu sou menos entusiasta a respeito da sua postura estilo mulheres perfeitas. Você diz as coisas certas, sorri quando deve e me pergunta como foi o meu dia... O que houve com a mulher espontânea e emotiva de duas semanas atrás?
— Como você disse, estamos fazendo o que é correto e sensato. Eu concordei em me casar com você e não vejo sentido em continuarmos a discutir...
— Eu acredito piamente que, às vezes, é mais saudável brigar.
— Eu estou cansada de brigar. Isso não leva ninguém a nada. Além disso, não há nada a discutir.
Você não nos decepcionou nem uma vez. Fico surpresa por não mandarem prendê-lo numa camisa de força, achando que você enlouqueceu... Saindo do escritório mais cedo à noite e, de manhã, chegando mais tarde para trabalhar todos os dias.
— Eu diria que ajustei o meu relógio biológico ao horário do resto dos trabalhadores.
— Quanto tempo isso vai durar? — perguntou ela, desanimada, mas ele não reagiu. Depois de algum tempo, ele falou calmamente:
— Se eu tivesse uma bola de cristal, poderia lhe dizer.
Sarah engoliu as lágrimas que lhe subiam aos olhos. Para ser honesta, tinha muito a perguntar, mas desde quando a honestidade era a melhor política?
— Talvez eu esteja saindo mais cedo do trabalho porque tenho para quem voltar... Oliver. A paternidade fizera o que nenhuma mulher conseguira. Sarah diplomaticamente calou o comentário porque sabia que ele levaria a uma das discussões que ela queria evitar. Com relutância, manteve um silêncio estratégico por alguns minutos.
— É verdade — falou ela, por fim, casualmente. — Mas, antes de você conhecer meus pais, devo lhe dizer que eles provavelmente irão adivinhar os motivos pelos quais nós resolvemos nos casar de repente...
— O que você disse a eles? — perguntou Raoul secamente.
— Nada.
— O que esse nada realmente quer dizer, Sarah?
— Eu posso ter comentado que nós dois estamos lidando com a situação como adultos e que concluímos que o casamento seria a melhor solução, para o bem de Oliver. Expliquei como era importante que você mantivesse seus diretos de pai e que você não gostava da ideia de que alguém pudesse aparecer e assumir o seu lugar...
— Seus pais devem ter ficado deslumbrados — falou Raoul com sarcasmo. — A filha única dos dois entrando na igreja para satisfazer o meu desejo egoísta de conviver com meu filho. Se a sua mãe não perdeu o bracelete herdado que esperava passar para você, deve ter cavado um buraco no jardim para enterrá-lo e livrá-lo da hipocrisia de um casamento sem sentido.
— Não é um casamento sem sentido. — Sarah sabia que ultrapassara o limite da autoafirmação. Uma coisa era ser amigável, mas distante. Outra era dizer a ele que estava espalhando que o casamento era uma farsa. Não que ela tivesse feito isso. Não tivera coragem de contar alguma coisa a seus pais. Pelo que ela sabia, eles acreditavam que o seu amor verdadeiro voltara, e o anel que ela logo teria no dedo seria prova suficiente de que os contos de fada existiam Seus pais haviam esquecido convenientemente o chute que ela levara. Raoul ficara calado. O silêncio se estendeu, até que ela não aguentou mais. — Eu diria que o nosso casamento faz mais sentido que a maioria. — Ela esperou, mas Raoul não disse nada. — Eu só estou dizendo que você não precisa fingir, quando conhecer os meus pais.
— Eu não estou entendendo — falou ele asperamente. Sarah se arrependeu amargamente por ter estragado tudo, mas não precisou responder, porque, naquele momento, Oliver despertou e disse que precisava ir ao banheiro.
A conversa foi substituída pela pressa de encontrarem um lugar onde pudessem parar usar o banheiro e, em troca, comprar um refrigerante. Reanimado pelo descanso, Oliver estava pronto para recomeçar de onde parara, acrescentando o pedido para ouvir um CD barulhento, acompanhando o ritmo com batidas do pé e reagindo energicamente à sugestão de que colocassem uma música mais calma. Enquanto isso, Sarah relembrava a conversa que ela e Raoul tinham tido e se perguntava se deveria ter dito a verdade a seus pais.
Ela não sabia por que se sentira tão revigorada enquanto discutia com Raoul. Rebelava-se contra a ideia de admitir que se comportar como uma amiga equivalia a beber veneno todos os dias. Perguntava-se se teria acertado ao aceitar a proposta de casamento e se censurava por saber que aceitara apenas por não suportar a ideia de ver Raoul com outra mulher. Mas e se ele se cansasse de manter estritamente a conduta apropriada? Se, apesar da presença de Oliver, ele achasse o casamento muito restritivo? Ela já pensara nessa possibilidade e, apesar de achar que seria civilizada a ponto de enfrentá-la, não conseguia suportá-la. Deveria acrescentar mais algumas regras a algo que já estava tão complicado?
— Acho que estou ficando com dor de cabeça — resmungou ela, passando a mão sobre os olhos. Raoul olhou para ela.
— É compreensível. Acho que “As rodas do ônibus” têm esse efeito, principalmente quando tocado repetidamente a todo volume.
Sarah relaxou um pouco. A atmosfera voltara ao normal. Era engraçado, mesmo querendo mantê-lo a distância, no momento em que ele se afastara, ela entrara em pânico.
Vinte minutos mais tarde, entravam em uma área conhecida. Oliver apontava lugares de seu interesse, como uma loja de balas; Sarah indicava cidades que conhecera quando adolescente. Raoul respondia monossilabicamente. Não se interessava muito por vilarejos rurais porque eles lhe lembravam o quanto às pessoas ficavam isoladas no campo. Lugares como aqueles, semelhantes à cidade onde crescera em um orfanato, faziam com que ele se sentisse como alguém sentenciado à prisão sem julgamento. Além disso, ele tentava recuperar a calma que perdera, depois de saber o que Sarah tinha dito a seus pais.
Ele já se controlara, quando parou o carro diante de uma casa simpática, nos arredores de uma cidade pitoresca que Sarah deveria ter achado muito sem graça, à medida que ficara mais velha.
— Não espere algo sofisticado — avisou-a.
— Depois do quadro que você deve ter pintado para os seus pais, eu não estou esperando nada.
— Eu lhe fiz um favor — murmurou Sarah, na defensiva, sem saber como escapar da mentira. — Você não precisará fingir.
— Algumas vezes eu gostaria de saber o que faz você se abalar, Sarah. — Ele saiu do carro, desembarcou a bagagem e bateu a porta com força. Oliver se livrou do cinto de segurança, saiu correndo e se jogou nos braços do casal de meia-idade que os esperava na entrada. Sarah foi atrás dele, abrindo os braços para os pais. Enquanto se aproximava, Raoul observava a cena. O pai de Sarah era corpulento e tinha pouco cabelo. A mãe era uma versão mais velha da filha, com o mesmo tipo de cabelo rebelde preso em um coque frouxo e o mesmo sorriso aberto, caloroso, acolhedor. Então aquelas eram as pessoas a quem ela prevenira contra ele. Pais amorosos, que provavelmente tinham passado a vida esperando o casamento da adorada filha... Para descobrir que o seu casamento não seria como haviam planejado.
Quando Raoul chegou perto deles, o seu sorriso nada dizia.
— Que bom conhecê-los... — Ele passou o braço pelo ombro de Sarah e puxou-a, percebendo que ela ficara tensa como uma corda de violino. Em um gesto deliberado, ele lhe acariciou a nuca. — Sarah me falou muito sobre vocês... — Ele pressionou o pescoço dela e fez com que ela olhasse para ele. — Não é querida...?
O que ele estaria pretendendo? Fosse o que fosse, estava causando um estrago na sua serenidade. Os gestos de afeto não haviam acabado na porta de entrada. Claro que houvera momentos de descanso, como quando ele se ocupara com Oliver ou ela fora para a cozinha para ajudar a mãe a fazer o jantar, mas o restante do tempo...
No sofá, Raoul sentara ao seu lado, apoiara o braço no encosto e acariciara o seu pescoço, enquanto desempenhava o papel de futuro genro perfeito, conversando com seus pais sobre assuntos que lhes interessavam.
Sarah se dera conta do quanto lhe contara a seu respeito, porque de vez em quando surgia alguma informação que lhe dera. Raoul fizera perguntas sobre a sua infância, brincara com coisas que ela lhe dissera, recordara que ela lhe dissera que seu pai gostaria de criar abelhas. Durante grande parte do jantar, tinham discutido os prós e contras de montar um apiário, algo sobre o qual Raoul parecera estar muito bem informado.
Depois disso, seus pais não teriam acreditado, ainda que ela tivesse lhes dito a verdade. Raoul os deixara encantados, e quando ela ficara para trás, ele fizera questão de envolvê-la na conversa, começando uma observação com um “Você se lembra, querida...?”
Cada lembrança mencionada minara o seu sossego. Ele contara tudo a respeito do Centro Social na África e revelara o que ela já sabia: que fazia contribuições generosas para mantê-lo. Relatara todas as melhorias que tinham sido feitas naqueles anos e confidenciara que havia contratado uma pessoa para gerenciar o fundo que destinava à instituição.
— Aqueles foram os meses mais despreocupados da minha vida — admitira-o, e ela sabia que ele estava dizendo a verdade. O homem complexo, tridimensional e maravilhoso por quem ela se apaixonara saíra da caixa em que ela tentara mantê-lo trancado. Tentar esconder o efeito que ele lhe causava era como tentar escorar uma represa com uma escova de dente.
O quarto que lhes fora destinado, seu antigo quarto, redecorado, mas com todas as suas lembranças da infância ainda evidentes, não contribuiu para acalmar os nervos de Sarah. Ela estava agitada como uma gata em teto de zinco quente quando eles subiram para dormir.
— Nem pensem em levantar para cuidar de Oliver — disse a mãe de Sarah. — Eu e o seu pai queremos passar algum tempo com ele. Vocês devem estar cansados da viagem Aproveitem para dormir! Temos muita coisa para fazer durante o fim de semana.
Quando Sarah entrou no quarto, Raoul já tomara um banho e se espalhara na cama, vestindo nada além da cueca. Ela sentiu o corpo reagir imediatamente, derretendo-se, antecipando as carícias que receberia. Mas sua cabeça estava muito confusa, e ela resolveu tomar um banho.
— Vou esperar por você. — Raoul seguiu-a com os olhos quando ela se dirigiu para o banheiro, pequeno, mas confortável.
Ela voltou 20 minutos depois. Enquanto se aproximava, totalmente nua, Raoul puxou rapidamente o lençol e se cobriu. Qualquer homem perderia a cabeça ao ver aquele corpo glorioso, com suas curvas e seios empinados. Ele precisava manter a cabeça fria naquele momento...
Sarah entrou sob o lençol, virou-se para ele, colocou a perna sobre a sua e a mão no seu peito. O banho a deixara mais calma, mas ainda se sentia desesperada ao levantar o corpo sobre o dele e sentir a força da sua ereção pressioná-la quando o montou, movendo-se sinuosamente na ânsia de que ele a possuísse. Ela precisou conter um gemido ao senti-lo roçar a parte mais sensível do seu corpo.
Raoul estremeceu e dominou o impulso quase irresistível de deitá-la de costas e aliviar a frustração mergulhando no seu corpo.
— Não — falou ele sem entonação.
Sarah contorceu o corpo em cima dele.
— Não foi isso que você quis dizer — sussurrou ela, apavorada com a simples negação. Inclinou-se e beijou-o. Ele gemeu, beijou-a com avidez e a fez rolar sobre a cama. Sarah arqueou o corpo e empinou os seios intumescidos, desejando que ele lhe lambesse os mamilos e a levasse à loucura. Ela desejava que ele a lambesse toda e a levasse cada vez mais às alturas antes de entrar no seu corpo. Queria restabelecer o frágil equilíbrio que ela impusera ao relacionamento dos dois, porque se sentia perdida e à deriva em águas tempestuosas.
— Não, Sarah! Pare! — Ele se afastou de repente, levantou bruscamente da cama e caminhou até a janela. Ficou olhando para fora até que seu corpo o obedecesse. — Cubra-se — disse ele asperamente, porque a visão da nudez de Sarah o fazia perder a cabeça.
Sarah se encolheu e se arrastou na cama, sentou-se e abraçou os joelhos, puxando o lençol até o queixo, enquanto ele continuava a fitá-la na obscuridade, como se fosse um deus vingador. Ela se sentia suja e barata. De repente percebera, com um choque, a maneira como lidara com suas emoções descontroladas. Como pudera achar que conseguiria se dividir? Isolar as emoções e deixar intacto o desejo intenso do seu corpo, que pedia para ser satisfeito sob a proteção da escuridão? Ela não era desse jeito.
Sarah se sentiu profundamente envergonhada.
— Isso não está dando certo — disse Raoul secamente.
— Eu não sei a que você se refere.
— Você sabe muito bem do que eu estou falando, Sarah! — Ele passou a mão na cabeça, desejando socar alguma coisa para se aliviar.
— Não, eu não sei! Achei que as coisas tinham ido bem! Quer dizer, os meus pais gostaram de você...
— Contra todas as probabilidades? — Ele sorriu cinicamente.
— Eu realmente não contei a eles tudo o que lhe disse — confessou ela baixinho. — Eu não contei a eles a respeito da situação do nosso relacionamento. Claro que eles sabem como tudo acabou entre nós há cinco anos, mas eu não disse que agora só estávamos juntos por causa de Oliver. Não tive coragem de contar a verdade... Pelo menos, por enquanto...
— Por que só está me contanto isso agora?
— Que diferença faz se eles sabiam ou não? Um encontro casual... — falou ela amargamente. — E a nossa vida mudou para sempre. O que costumam dizer a respeito do efeito borboleta? Mais meia hora, eu teria acabado a faxina, e você teria ido embora sem saber que eu estivera a metros de distância, em outra sala do edifício...
— Eu prefiro não avaliar os “e se” inúteis.
Sarah olhou para as os dedos que cruzara. O reaparecimento de Raoul na sua vida podia ter virado o seu mundo de cabeça para baixo, mas para Oliver as consequências tinham sido ótimas. Ela sentia o coração bater tão forte que mal conseguia respirar.
— O bracelete... — disse Raoul.
A presença imponente de Raoul dominava o quarto. Ela voltou a olhar para ele.
— O que tem ele?
— Uma trança de ouro? Com uma espécie de inscrição do lado de fora? A sua mãe estava usando. Parece que o incidente no jardim não foi tão definitivo como você pensava...
— Eu... Talvez eu tenha me enganado...
— Não — disse Raoul friamente. — Talvez eu tenha me enganado. Como um tolo, eu pensei que você iria dar uma chance a esse casamento, mas você não quer tentar.
A calma com que ele falava era apavorante.
— Eu estou tentando...
— É mesmo? Porque está dormindo comigo?
Sarah sentiu a raiva começar a crescer lentamente por entre o medo e a confusão. De repente, ele minimizava o fato de dormirem juntos? Que homem nobre! Qualquer um teria pensado que fazerem amor era o seu maior objetivo, já que fora a única coisa que ele fizera questão! Aliás, questão absoluta. Como Raoul tinha coragem de ficar parado ali, como um mestre diante de uma aluna rebelde e mal comportada, dizendo que não estava satisfeito?
— Não foi você que fez tanto alarde a respeito da nossa atração? Da nossa química sexual? — a retrucou. — Você não disse que tínhamos negócios inacabados e que a única maneira de resolvê-los seria indo para a cama? A sua memória é muito conveniente quando se trata de coisas que você não quer lembrar, Raoul!
— Eu vou ser eternamente punido por ter sido honesto quando nos reencontramos, Sarah?
— E eu vou ser punida por ter sido honesta agora? — respondeu ela imediatamente. — Você deixou claro o que esse casamento seria não deixou? — Sarah odiava o resto de esperança que exigia que ela lhe desse uma chance para dizer alguma coisa... Para dizer que ela estava enganada. Que não se tratava apenas do fato de terem um filho... Mas o silêncio dele deixou-a arrasada. — Eu estou seguindo as regras, Raoul, e acho que elas me servem muito bem! Aliás, acho que você sempre esteve certo! Fazer sexo, muito sexo, está dando resultado para tirá-lo da minha cabeça! — Ela percebeu que ele ficara gelado e se arrependeu do que dissera. Mas agora já tinha falado, e não sabia o que fazer com o silêncio que se seguiu. Sarah tentou reviver um pouco da sua raiva, mas ela desaparecera rapidamente, deixando um rastro de desânimo e de arrependimento.
— Então devo entender que o sexo é tudo o que lhe importa?
— Sim, claro... — gaguejou ela, atordoada com a observação. — Do mesmo jeito que para você. E também a responsabilidade, claro... Estamos fazendo isso por Oliver, porque é melhor que uma criança viva com os dois pais. Estamos sendo sensatos... Práticos...
— O que vai dizer à sua mãe quando ela tentar lhe passar o bracelete?
— O quê?
— Eu concordo cem por cento com você. Os legados só devem ser passados para uma noiva que realmente queira se casar.
— Você não está sendo justo, Raoul.
— Estou sendo perfeitamente justo. Eu realmente pensei que havia algo a mais entre nós, além da atração física, mas vejo que estava enganado. — Ele se dirigiu à porta. Sarah tentava freneticamente entender o que ele dissera. Enquanto isso, ele completou em tom frio e calmo. — Entendi a sua mensagem em tom alto e claro, Sarah. É sempre bom que as regras sejam explicadas muito bem...
Sarah ficou paralisada por alguns minutos. Agora que queria se lembrar de tudo o que ele havia dito, para repassar as palavras e lhes dar algum sentido, descobria que seus pensamentos estavam todos embaralhados. Sentia o coração bater tão furiosamente que mal conseguia respirar, e começara a suar frio. A sua nudez era a lembrança cruel de como ela tentara afogar o desespero fazendo amor.
Podia ter se convencido de que Raoul a usava, mas agora, ainda que tentasse se justificar, dizendo que não seria o caso porque tudo o que ele quisera desde o início fora sexo, ela precisava reconhecer que era culpada por também usá-lo.
Para onde ele fora?
O autocontrole que ele demonstrava era uma parte tão importante da sua personalidade que ela ficara extremamente abalada quando o vira descontrolado. Ou ela se enganara e ele estava apenas zangado com ela?
Com um gritinho de pânico, Sarah se livrou da coberta, correu até o armário e pegou uma calça e um blusão... Lembranças da sua adolescência, quando jogava no time de hóquei. Quando ela saiu para o corredor, a casa estava silenciosa e escura. Seus pais não desperdiçavam energia, então deveriam estar dormindo profundamente no quarto mais distante do corredor. A porta do quarto de Oliver estava meio aberta, e ela deu espiada, para ver que ele chutara as cobertas e dormia tranquilamente. Ainda assim, ela evitou acender a luz e desceu a escada tropeçando, até que seus olhos se habituaram ao escuro e ela pôde andar mais depressa, procurando Raoul primeiro na cozinha e depois na sala.
A casa não era grande e não havia muito onde procurar, mas a ansiedade de Sarah crescia a cada cômodo vazio. Depois de vários minutos, ela concluiu que ele saíra e resolveu ir atrás dele.
A temperatura caíra, e ela tentou se defender do frio, cruzando os braços. Pelo menos, o carro dele ainda estava ali, mas mesmo assim ela correu até o portão e olhou para os dois lados da estrada. Quando voltava, ela ouviu um leve ruído que a fez correr para os fundos da casa. O jardim não era muito grande, mas acabava no campo, dando a ilusão de que se estendia indefinidamente. De um lado, havia a horta de sua mãe e mais adiante havia um arco coberto por uma trepadeira, que dava acesso a um caramanchão. No fim do jardim, ficava a estufa de seu pai. Árvores e arbustos formavam uma cerca viva ao redor de tudo.
Sarah passou pelo arco e imediatamente viu Raoul no caramanchão. Ele estava sentado, com a cabeça apoiada nas mãos. Ela parou e depois recomeçou a andar na sua direção. Embora ele não levantasse os olhos, ela percebeu que ele ficava mais tenso à medida que ela se aproximava.
— Eu sinto muito — disse ela, desanimada. Ele ficou calado. Quando ela já achava que ele não iria responder, Raoul deu de ombros e olhou para ela.
— Por quê? Você só estava sendo sincera.
— Eu estava tentando me mostrar madura em relação a tudo isso...
Raoul levantou a cabeça e olhou a distância. Na expressão decidida, orgulhosa e teimosa do seu rosto, ela podia ver o garoto que crescera em um orfanato e que, desde cedo, aprendera a esconder seus sentimentos e a construir uma barreira em torno de suas emoções. Sarah apoiou a mão no seu braço e percebeu que ele se encolhia, mas que também não lhe afastava a mão. Por algum motivo, isto parecia ser um bom sinal.
— Eu lhe dei o que você queria — disse ele, sem olhar para ela. — Pelo menos, eu lhe dei o que achava que você queria. Você não gostou da casa?
— Adorei. Você sabe que gostei. Foi o que eu lhe disse mais de mil vezes.
— Eu nunca tinha feito isso, você sabe. Nunca me envolvi pessoalmente ao escolher coisas para outra pessoa, mas dessa vez fui pessoal.
— Eu sei. Você queria que Oliver só tivesse o melhor.
— Duvido que Oliver se importe com que haja ou não um fogão a gás na cozinha.
— O que está tentando dizer? — perguntou ela, com o coração falhando.
— Tentando? Pensei ter sido óbvio o tempo todo. — Ele olhou para ela, e Sarah conteve a respiração na garganta. — Eu queria que você se casasse comigo. Talvez no começo eu tivesse achado que não era necessário. Talvez no início eu ainda me agarrasse à ideia de que era livre, de que era um homem independente que descobrira ter um filho. Levou algum tempo para que eu percebesse que a liberdade pela qual lutei durante toda a vida não era o tipo de liberdade que eu queria.
— Eu não quero aprisioná-lo — falou Sarah calmamente. — Eu já quis, quando estávamos na África. Pensei que você fosse a coisa mais maravilhosa que acontecera na minha vida. Construí castelos no ar. E quando você me chutou, o meu mundo desmoronou.
— Eu fiz o que achava certo naquele momento.
— Agora eu entendo isso.
— Entende? Realmente? Eu vejo a maneira como você se comporta com a sua família, Sarah, e percebo o quanto você deve ter sofrido com o nosso rompimento. Você cresceu em segurança, sabendo qual era o seu lugar no mundo. Eu cresci sem as duas coisas. Nunca me permiti ser muito próximo de alguém e, mesmo depois que nos reencontramos e eu fiquei sabendo que me tornara pai, eu me agarrei a isso. Com Oliver era diferente, pois ele é a minha carne e o meu sangue. Mas continuei a me agarrar à crença de que não podia deixar mais ninguém se aproximar.
— Eu sei. Por que acha que tem sido tão difícil para mim, Raoul? Você não tem idéia do que é ficar de lado, imaginando se chegará à hora em que eu poderei atravessar a parede que você passou a vida construindo à sua volta. — Ela suspirou e olhou para além dele. A lua estava quase cheia, e a noite estava clara. — Você não é o único que tem medo de se magoar. — Raoul abriu a boca para protestar, para dizer que não tinha medo de nada, mas fechou-a. — Eu sei que você odeia pensar em deixar que alguém seja capaz de magoá-lo.
— Deus! A maneira como você me conhece chega a ser absurda.
Ele falara em um tom divertido, bem humorado, acolhedor. Sarah ficou animada e continuou:
— Eu passei tantos anos pensando em você como o homem que partiu o meu coração, que, quando nos reencontramos, não admitia pensar em você de outro jeito. Sim, havia Oliver, e eu nunca questionei o fato de que deveria lhe contar que ele existia e enfrentar as consequências. Mas era importante que eu o mantivesse a distância. E quando você olhava para mim, eu me lembrava do quanto ainda o desejava.
— Mas nunca teve coragem de dizer diretamente — insistiu Raoul, aborrecido. — Você estava me deixando louco. Eu queria dormir com você e sabia que você queria dormir comigo, mas você continuava a relutar. Toda vez que eu olhava para você, parecia que nunca tínhamos ficado separados durante cinco anos. Eu não percebi na hora, mas deixei que você entrasse na minha vida há cinco anos, Sarah. E você fechou a porta e nunca mais saiu como eu achava. — Ele pegou na mão dela e entrecruzou os dedos com os dela. — Pedi-la em casamento foi um passo muito grande para mim.
— Você disse que tínhamos negócios inacabados...
— Se isso fosse tudo o que você era para mim, eu nunca teria pedido que se casasse comigo, porque não me importaria que você encontrasse outro homem
— Você tinha receio de perder Oliver.
— Acho que, no fundo, eu sabia que isso não aconteceria. Você teria me dado todo o acesso que eu quisesse... E, vamos ser sinceros, filhos de pais separados não esquecem o pai que está ausente. Não. Eu pedi que você se casasse comigo porque a queria na minha vida e porque não conseguia me imaginar sem você.
— Ah, Raoul. — As lágrimas inundaram os olhos de Sarah, e ela sorriu para ele com alegria.
— Eu a amo, Sarah. Foi por isso que a pedi em casamento. Fui um tolo ao só admitir para mim mesmo agora. Eu a amava há cinco anos, e nunca deixei de amá-la. Eu a amo e preciso de você. E quando você se encolhia dentro da sua concha e só saía à noite, quando fazíamos amor, era como se o meu mundo desmoronasse.
Sarah abraçou-o e enfiou o rosto no seu pescoço, quase derrubando os dois de cima do banco estreito.
— Está querendo dizer que me ama também? — perguntou Raoul.
Pela voz trêmula com que ele falara, ela percebeu que, sob a aparente segurança, ele ainda duvidava, ainda não superara a insegurança que fora o legado da sua infância.
— Claro que amo você, Raoul. — Ela lhe beijou o rosto, os olhos, acariciou-lhe o belo rosto e só parou quando ele lhe pegou a mão e beijou-lhe os dedos. — Eu tinha medo de ser magoada outra vez — falou Sarah em voz contida. — Pensei que seria capaz de lidar com o nosso relacionamento, com nós dois, sem me envolver. Foi um choque vê-lo novamente, mas eu disse a mim mesma que amadurecera e que aprendera uma lição com o que tinha acontecido entre nós, que eu estava livre de qualquer poder que você tivesse sobre mim. — Ela relembrou as semanas durante as quais ele se infiltrara na sua vida e lhe mostrara o quanto as suas ideias tinham sido insensatas desde o começo. Sarah se apoiou em Raoul e olhou as estrelas. — Quando você conheceu Oliver, e vocês dois não se... Bem...
— Não nos entrosamos? — Parecia ter sido há muito tempo.
— Sim. Eu percebi que vocês dois precisavam aprender a interagir e que a única maneira de conseguir isso seria com a minha intervenção. Eu não avaliei o quanto seria devastador ter você de volta à minha vida praticamente o tempo todo. Nós dois estávamos mais velhos. Era como se eu estivesse começando a ver o seu eu verdadeiro. E eu me apaixonei por você novamente.
— Foi por isso que você me afastou e partiu o meu coração?
— Pare com isso. Eu não parti realmente o seu coração...
— Partiu. Em milhares de pedaços. Eu estava disposto a lhe dar tudo e não iria suportar que você fosse minha mulher durante a noite e uma pessoa que eu não reconhecia durante o dia.
— Você pensou que eu o estava rejeitando...
— Sim Me querer só pelo meu corpo não iria dar certo. — Raoul caiu na gargalhada. — Não acredito que eu tenha dito isso!
— Claro... — falou Sarah com uma voz sedutora. — Querer você pelo seu corpo seria terrível... Ainda mais agora, quando você sabe que eu quero você por outros motivos...
Eles se casaram um mês depois, na igreja do vilarejo. Foi uma cerimônia simples, que reuniu e integrou facilmente os amigos e a família. Sarah nunca se sentiu tão feliz como quando Raoul colocou a aliança no seu dedo e lhe disse que a amava.
Os pais dela ficaram com Oliver durante dez dias, enquanto eles passavam a lua de mel no Quênia. Nos últimos três dias, eles voltaram ao Centro Social de Moçambique, onde haviam se conhecido e onde puderam constatar as mudanças que o lugar havia sofrido ao longo de cinco anos. Graças às contribuições generosas de Raoul, o lugar melhorara muito, mas a casa com a escada, que eles dividiam com outros estudantes, ainda estava lá, e era um testemunho de onde tudo tinha começado.
Até mesmo o tronco de árvore ainda existia, o mesmo em que ela sentara, sentindo-se desesperada e magoada. Ele sobrevivera à inclemência do tempo, e Sarah imaginou quem mais teria se sentado nele e pensado em alguém que amava. O novo grupo de estudantes que trabalhava lá parecia tão jovem que quase a fazia rir.
Quando eles voltaram para Londres, a primeira coisa que Raoul disse ao entrarem em casa foi que precisavam ter uma casa no campo.
— Nunca pensei que sairia de Londres outra vez — confessou ele, deitado na cama, na noite em que voltaram — Mas estou começando a achar que há alguma atração em espaços abertos... — Ele afastou delicadamente o cabelo do rosto de Sarah. Ela sorriu para ele com tanta ternura e amor que ele sentiu, mais uma vez, uma sensação de segurança e de completude. — Podíamos ir para lá nos fins de semana. Talvez algum lugar perto de Devon... Não é muito longe...
— Concordo — falou Sarah com seriedade. — Não seria uma má ideia. Quer dizer, seria ótimo ver os meus pais mais vezes, principalmente agora que você convenceu o meu pai a montar o apiário. Você poderia ajudá-lo, e as crianças iriam adorar...
— Você já está pensando em aumentar a família? — Raoul sorriu e escorregou a mão por baixo do sutiã de renda que ela usava. Eles haviam feito amor há menos de uma hora, mas o mamilo de Sarah endureceu imediatamente entre seus dedos, e isto foi suficiente para deixá-lo excitado. Raoul puxou o sutiã para cima e lambeu o espaço entre seus seios. A sua pele estava salgada e úmida de suor.
— Pensei que estivéssemos conversando — disse Sarah, rindo.
— Pode falar. Eu estou ouvindo.
— Eu não... Posso falar... — Ela desistiu e arqueou o corpo, oferecendo os seios, que ele sugou e depois desceu a boca pelo seu corpo. Quando ele tocou o centro do seu corpo com a língua, Sarah esqueceu qualquer conversa e levou muito tempo para conseguir murmurar, atordoada. — Não apenas pensando em aumentar a família, mas pensando que há uma possibilidade de que ela vá aumentar nos próximos meses...
Raoul levantou e olhou para ela, surpreso.
— Você está grávida?
— Eu ia lhe contar assim que fizesse o teste... Mas, sim, acho que estou. Estou reconhecendo os sintomas...
E ela estava grávida.
Sarah quase deixara de acreditar em contos de fadas, mas tivera que rever a sua opinião. Quem tinha dito que contos de fadas não existiam?
Cathy Williams
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