Brigitte Montfort e Frankie Minello dirigiam-se ao Morning News. Acabavam de atravessar o vestíbulo e estavam em frente ao elevador que os levaria ao andar onde tinha seu escritório.
Como sempre acontecia, todas as pessoas que se achavam no saguão do edifício olhavam pasmadas para Brigitte e Minello, sobretudo para a moça, dona de uma beleza fascinante. Mas, se a jovem chamava atenção pela formosura do rosto e pelo corpo escultural que possuía, Frankie Minello não o fazia por menos dados seu físico atlético e sua virilidade e simpatia.
Frankie apertou o botão do elevador e, quando este chegou e eles já se dispunham a entrar, ouviram passos apressados de alguém que os alcançou e entrou com eles na cabine. Frankie levantou os olhos como se perguntasse que mal havia feito para merecer semelhante castigo. Brigitte compreendeu o gesto do companheiro, riu e beijou o rosto do recém-chegado, que não era outro senão Miky Grogan, diretor do Morning News e chefe dos dois jovens há muito tempo.
— Você ainda tem coragem de beijá-lo, apesar do que apronta contra nós?... — exclamou Minello.
— Do que está falando, idiota? — retrucou Miky, com desprezo. — Será possível que só abra a boca para dizer asneiras?
— Vamos, minha gente... Não comecem a brigar a esta hora. Sim? — pediu Brigitte, rindo divertida. — Estamos aqui para trabalhar. Por isso, cada um ao seu escritório, com bom humor e dispostos a dar o melhor de si pelo jornal.
Mike Grogan soltou um bufado, pois captou perfeitamente a ironia nas palavras de Brigitte Montfort, a jornalista mais famosa do mundo e a espiã mais perigosa e implacável, conhecida pelo apelido de “Baby”.
— Você é um amor, querida — disse Minello, soltando um suspiro. — Agora esse nosso chefe é um osso duro de roer!... Sabe com quem ele devia confraternizar? Com Amenotep e Siskarion, aqueles monstros enlouquecidos que tivemos de enfrentar no palácio do não menos louco faraó do Arizona1... Se bem que não me surpreenderia nada se conseguisse pô-los sob seu comando a golpes de chicote.
— Acho que nem mesmo Miky poderia com Amenotep e Siskarion — comentou Brigitte. — E, quanto a domá-los, isso me faz lembrar algo que aconteceu tempos atrás... Um caso que me contaram... Uma coisa horripilante.
O elevador chegara ao andar onde funcionava a redação do jornal e a jovem abandonou-o seguida dos amigos, que a fitavam expectantes. Minello sugeriu:
— Que tal nos contar essa história, garota? — disse, consultando o relógio.
Depois acrescentou:
— Ainda temos tempo antes do início do expediente.
— De acordo — assentiu a moça. — Venham ao meu escritório e, enquanto tomamos um cafezinho, relembro a visita que Clifford Nash, um detetive que passou a colaborar com a CIA, fez ao zoo.
1 Ver aventura PIRÂMIDE DE OGUZEH, nº 454 desta coleção.
Boa fé e... morte!
Nora Ackerman guiava o carro, tendo a seu lado o homem que ela recolheu em Port Everglades. Ela havia chegado de Miami e o sujeito apareceu junto ao automóvel pouco depois.
— Sou eu, senhora Ackerman — disse ele. — A pessoa que lhe telefonou... — O homem entrou no veículo e sentou-se junto dela. — Não deve preocupar-se por seu marido. Ele pediu que a chamasse. Suponho que não falou com ninguém sobre o nosso encontro. Verdade?
— Não disse nada, acredite... Mas, onde Bob se encontra? O que aconteceu?
— Logo saberá, senhora Ackerman. Seu marido responderá todas as perguntas que desejar.
A viagem continuou e o desconhecido indicava o caminho por onde deveriam seguir. Depois de entrar por uma estrada de terra, uma granja surgiu diante dos olhos assustados da mulher e seu companheiro indicou-a, dizendo:
— Chegamos, senhora Ackerman.
Nora, embora arrependida de ter seguido aquele tipo, divisou luz em uma das janelas da casa e se convenceu, de que não podia voltar atrás. Antes que pudesse desligar o motor, a porta da vivenda se abriu e outro homem apareceu, seguido por dois cães negros e enormes.
— Olá, Ketter! — saudou o indivíduo que saiu da casa. — Como está, senhora Ackerman?
— Meu marido? Onde está Bob? — inquiriu ela, angustiada.
— Ele a espera. Venha — convidou o tipo.
Nora saiu do carro, apressada para acompanhar o sujeito. Ketter também se reuniu a eles e os três entraram na casa.
— Crosk tem tudo preparado para as fotos?
— Sim — assentiu Tamblin. — Já informei sobre a ausência de Bridgett, para que nos enviem uma substituta. Por aqui, senhora Ackerman.
Nora avançou pelo corredor indicado por Tamblin, quando outro homem surgiu, segurando uma máquina fotográfica com flash.
— Seu marido está neste quarto, senhora Ackerman — disse o último tipo a aparecer, apontando uma porta. Abriu-a com a mão livre e se afastou.
A luz estava acesa, o que permitiu a Nora ver o marido assim que entrou no aposento. Ao fixá-lo, porém, ficou com a boca aberta pelo espanto. Seu corpo foi tomado de um tremor incontrolado enquanto, com os olhos arregalados fitava o cadáver do seu marido. Se é que podia chamar aquilo que estava sobre a mesa de Robert Ackerman. Parecia ele em linhas gerais. Usava a mesma roupa com que saíra de casa... Mas seu rosto desaparecera praticamente e o que restava da cabeça pendia como um trapo fora da superfície de madeira onde fora colocado. Seu terno se apresentava rasgado e cheio de sangue...
Era uma visão tão apavorante que Nora ficou paralisada, muda.
Então, brilhou a chama do flash e isto a fez raciocinar. Pestanejou e viu diante de si o tipo da máquina fotográfica, que acabava de tirar seu retrato e sorria, fingindo ser amável.
O queixo da mulher começou a tremer. Voltou a olhar o que restava do esposo e percebeu que não estava só naquela espécie de mesa tão grande... Não. Havia outra pessoa ali... Acercou-se como um autômato, e pôde ver o cadáver da moça junto ao de Bob. Observou seu, rosto e cambaleou, sentindo náuseas, quando viu o buraco em que se convertera um dos seus olhos.
A ponto de desmaiar, virou-se para os homens que a acompanhavam e Crosk bateu outra chapa, de tal modo que os dois corpos ficaram enquadrados atrás de Nora Ackerman.
— Seu marido complicou as coisas — declarou Ketter, calçando umas luvas negras de couro. — Matou Bridgett e os cães o liquidaram quando tentava escapar. Bridgett nos disse que telefonaria dentro de cinco minutos, pois chamavam à porta e nós esperamos. Mas, passado esse tempo, ela não voltou a ligar. Depois de quinze minutos resolvemos chamá-la, mas o telefone estava em comunicação. Assim permaneceu durante muito tempo. Estranhamos o fato e resolvemos ver de perto o que sucedera. Tamblin e eu nos pusemos a caminho até a casa de Bridgett. Foi uma pena, senhora Ackerman, que seu marido tenha complicado tudo. Agora, não podemos deixá-la viva. Compreende? Quando os outros clientes do zoo descobrirem o sumiço de vocês dois, calarão. Não arriscarão nada por vocês. Mas a senhora talvez fizesse estardalhaço demais se seu marido não regressasse... Falaria sobre a viagem, do zoo... E queremos evitar complicações.
Ketter ergueu as mãos e ela fitou-as, aterrorizada. Entendeu tudo num relance e começou a gritar... Um alarido longo, agudo, terrível...
Nesse momento, Crosk bateu outra foto. Em seguida, Ketter agarrou-a pelo pescoço, apertando-o com força. Foi como desligar um rádio: a voz de Nora morreu para sempre em sua garganta.
— Tire mais duas ou três fotografias, enquanto Ketter a estrangula, Crosk — ordenou Tamblin.
O fotógrafo obedeceu.
Clifford Nash fitava seu amigo e ajudante, o jovem, simpático e dinâmico Mike Bowles, com expressão amável, ao vê-lo rir espalhafatosamente e bater com as mãos sobre as coxas, por causa da anedota que o outro acabava de contar.
— Teve mesmo coragem de fazer isso, Cliff? — indagou Bowles, tentando ficar sério.
— Claro — admitiu o chefe e cérebro da agência particular de investigações, a Nash Investigations. — Como sabe, não suporto imbecilidade, Mike. Compreendo que as mulheres são diferentes dos homens... Tolero que sejam bobinhas, coquetes e que se pintem... Tudo isso é suportável no sexo feminino. Tudo, menos a imbecilidade. E essa garota era imbecil, rapaz!
— Acredito! Mas essa de deixá-la despida. É dentro do elevador do hotel!...
— Bem... Não foi exatamente assim. Estávamos no quarto e, de súbito, pareceu-me tão estúpida, que me pus de pé e deixei-a. Então, ela veio atrás de mim e meteu-se no elevador...
Naquele momento, soou o intercomunicador. Clifford Nash abaixou a tecla.
— Sim, Trudy?
— Senhor Nash — falou o ajudante. — Uma chamada na linha três. Trata-se da senhorita Ophelia Prince, secretária de um advogado.
— Obrigado — disse Nash, desligando o aparelho, para apertar o botão número três do telefone. Logo, falava: — Sou Clifford Nash. Em que posso servi-la, senhorita?
Durante alguns segundos, a moça expôs o que desejava e ele assentiu, afirmando:
— Não há inconveniente algum... Vou repetir o endereço. Confira, por favor... Miami Beach, número 212 da 9th Street. Certo?... OK. Estarei aí dentro de vinte minutos. De nada... Até logo, senhorita Prince.
Desligou o telefone, ergueu-se e foi até o armário. Retirou o paletó, vestiu-se e se dirigiu à porta, seguido pelo olhar de Mike, que disse:
— Se dentro de uma hora não me telefonar, é que não teremos nossa partida de tênis.
— Isto mesmo — concordou Nash e saiu do escritório.
Atravessou a sala de espera, sorrindo para Trudy, que ficou suspirando. Pouco depois, achava-se no estacionamento subterrâneo, metia-se no carro e alcançava o exterior. Depois de rodar algum tempo por diversas ruas e avenidas, cruzou a baía em direção a Miami Beach.
Vinte e cinco minutos mais tarde, parava o automóvel diante do número 212 da 9th Sreet. Mais adiante viu um parque de estacionamento. Deixou o carro ali e entrou no edifício de sete andares. Não teve dificuldade em localizar o escritório do advogado, do qual a senhorita Prince era secretária, graças à relação dos nomes dos profissionais que se achava no quadro preso à parede do hall de entrada.
Apertou o botão da campainha da porta e esta se abriu imediatamente. No vão surgiu uma cinquentona, de aspecto eficiente e sério.
— Bom-dia! Sou Clifford Nash. A senhorita Prince, por favor?
— Entre, senhor Nash — convidou a mulher, fechando a porta. — A senhorita está com o senhor Donner... Acompanhe-me...
— Muito obrigado.
À primeira vista, Nash compreendeu que o cliente poderia ser dos bons. O luxo e o gosto apurado existentes ali lhe dava esta certeza.
Nash foi introduzido no gabinete de trabalho do advogado. Deste modo conheceu Ophelia Prince. Ela estava sentada diante da mesa, com as pernas cruzadas. Só pela visão das pernas era possível saber que o restante devia ser da mesma altíssima qualidade. Mas Nash quis assegurar-se.
Não lhe foi difícil. Ophelia continuou sentada, fitando-o com curiosidade, enquanto o olhar do detetive, aparentemente inexpressivo, recreava-se com sua beleza extraordinária.
— Sou Edward Donner — disse o advogado, adiantando-se para Nash, com a mão estendida. — Ela é a senhorita Prince, que marcou esta entrevista com o senhor. Agradeço-lhe por ter vindo até aqui. Por favor, sente-se — convidou-o indicando outra poltrona. — Se não se incomoda, senhor Nash, iremos diretamente ao assunto.
— Creio que é melhor assim — assentiu Nash, sentando.
— Aceita um café? — ofereceu Donner.
— Não, obrigado. Mas aceitaria um dos seus cigarros, pois os meus acabaram quando me dirigia para cá.
Donner estendeu-lhe seu maço. Já fumando, Nash dirigiu um olhar veloz à senhorita Prince, que seguia fitando-o como se ele fosse um bicho Mas, quando Donner começou a falar, entendeu o interesse e a curiosidade com que Ophelia Prince o olhava.
— Senhor Nash, ontem encarreguei a senhorita Prince de buscar o melhor detetive particular de Miami e ela se ocupou da seleção. Ao que parece seu prestígio é indiscutível.
— Sou apenas uma pessoa que gosta de fazer bem o seu trabalho.
— Isso é magnífico e pouco frequente... Bem... Agora, passaremos ao assunto, uma vez que fique bem claro que, para o senhor, o sigilo profissional é tão sério como para mim.
— Assim é — afirmou Nash.
— De acordo. Comecemos pelo princípio. Anteontem, às oito horas, estava convidado para uma festa que os Ackerman ofereciam a alguns amigos. Desse modo, cheguei à sua residência pontualmente a essa hora, no Di Lido Island. Fui informado pela senhora Ackerman que Robert tivera que sair para fazer algo. Não me surpreendi porque Bob tinha muitos negócios...
— Honestos? — cortou Nash, interessado.
— Naturalmente! — retrucou Donner, um tanto incomodado pela pergunta do outro. — Bem... Nora assegurou-me que ele estaria logo volta... Mas isso não aconteceu. Pouco mais tarde, Bob me chamou pelo telefone de sua própria casa e mantivemos uma conversa. Veja esta carta... A senhorita Prince datilografou-a. Está na íntegra, praticamente... Gostaria que a lesse.
Nash recebeu o escrito das mãos da moça e ficou inteirado do conteúdo. Dizia que Bob estava no número 512 da Weste 4th Avenue, em Hialeah e que matara uma moça. Assustado pela revelação, o advogado lhe pedira que não se movesse dali e que não tocasse em nada. Mas Bob lhe afirmara que havia posto a casa de pernas para o ar; declarando, ainda, que o que lhe ocorrera talvez pudesse ter acontecido com Noah ou Albert, já que os outros dois foram em sua companhia ao zoo. Perguntara ao advogado se eles se achavam na festa em sua casa. E, ante a afirmativa de Donner, suplicara-lhe para que não dissesse nada a nenhum deles nem a Nora e terminara por implorar que Donner fosse ao seu encontro o mais rápido possível. Quando acabou de ler a carta que narrava a conversa entre os dois homens, Nash indagou:
— Posso ficar com isto? Gostaria de estudar esta conversação com mais calma.
— Esta cópia é para o senhor — disse Ophelia Prince, sorrindo e falando pela primeira vez.
— Obrigado. O que mais ocorreu, senhor Donner?
— Estive na tal casa, mais Bob não se achava ali. Tampouco havia uma moça morta. Contudo, vi sangue no dormitório e tudo se encontrava revolvido. Imaginei que Bob tinha ido àquela vivenda pata procurar algo... e tendo em conta as circunstâncias da chamada de Bob, fiquei assustado e decidi chamar a polícia. O tenente Cassidy, da Homicídios, chegou em seguida com outros agentes. Disse-lhe que um amigo meu telefonara, pedindo minha presença ali, mas que, ao chegar, não o encontrara nem o seu carro. Perguntaram se eu sabia quem vivia naquele endereço e eu lhes disse que não tinha a menor ideia. Então, o tenente deixou seus homens procurando pistas e fazendo indagações e dirigiu-se comigo à casa dos Ackerman. A festa havia terminado e Nora também não se achava ali. Charles, o mordomo, assegurou que ela recebera uma chamada telefônica, mas que não fora da parte de Bob e que deixara a vivenda em seguida.
— Qual o tipo de carro que o senhor Ackerman utilizava?
— Um Lincoln. Isso aconteceu quinta-feira à noite. Fui para casa pedindo a Charles que, assim que soubesse algo sobre o paradeiro dos Ackerman, me avisasse. Mas, até o momento, não recebi nenhum comunicado. Em troca, recebi ontem a visita do tenente Cassidy. Ele afirmou que encontrara manchas de sangue na parte dos fundos da casa e até um pequeno pedaço de carne...
— De carne?
— Carne humana, senhor Nash — declarou Donner, impressionado. — O tenente descobriu uma clínica onde Robert Ackerman submeteu-se a uma intervenção cirúrgica há alguns meses. Ali não foi difícil saber o seu grupo sanguíneo e outros dados que coincidiam com o sangue encontrado na parte posterior da vivenda e com o pedaço de carne.
— Conseguiram ver a que parte do corpo corresponde esse pedaço de carne?
— Creio que a garganta... Ao pescoço. Imagino que Robert estava aguardando minha chegada à casa da moça quando ocorreu algo que o fez fugir pela janela do dormitório. Mas foi alcançado.
— Por quem?
— Não sei... Mas... não parece próprio de um ser humano arrancar pedaços de carne. Não acha?
Cliff Nash baixou o olhar para o papel e permaneceu alguns segundos pensativo, antes de murmurar, sem erguer a vista:
— Acredita que foi algum animal do zoo que tirou esse pedaço de carne do senhor Ackerman?
— Francamente, não sei o que pensar. A verdade é que meus amigos estão desaparecidos e tampouco foi achado o corpo da moça a quem disse ter assassinado.
— Supondo que não disse nada à polícia sobre a morte dessa moça. Não é assim?
— Acertou, senhor Nash. Não tive coragem para fazê-lo... Compreenda, estou desconcertado e também assustado.
Em nossa conversa telefônica, Bob mencionou nossos amigos comuns Albert Holden e Noah Lamarr, assim como o zoo... Pois bem: ontem estive com Noah Albert e mencionei as próprias palavras de Bob sobre sua ida com eles ao zoo, mas ambos negaram isso.
— Negaram ter ido ao zoológico? Por quê?
— Não sei. Mas os dois empalideceram. Falei com eles em um bar, com discrição. E, antes mesmo de mencionar o sumiço de Bob e de Nora, notei que eles estavam nervosos. Quando citei a visita que fizeram juntos ao zoológico, negaram e desapareceram rapidamente. Estive propenso a contar tudo o que sei ao tenente Cassidy, mas.. Que diabos! Eles são meus amigos! Então, pensei que seria conveniente fazer algumas investigações antes de ir à polícia. Então resolvi contratar um detetive particular.
— Já que o senhor é advogado, creio que não preciso lhe dizer o que deve fazer — manifestou Nash. — Agora, falemos dos carros. O do senhor Ackerman era um Lincoln. E o de sua esposa?
— Um Dodge. Esse também não apareceu até o momento. Quem sabe o senhor poderia encontrá-los?
— Duvido muito, senhor Donner. Não será nada fácil achar esses automóveis. Se o casal Ackerman fugiu depois que o senhor Robert cometeu um homicídio, é evidente que se preocuparão em ocultar bem os veículos, já que sabem que a polícia se dedica a procurá-los. Por outro lado, se os Ackerman foram mortos, as pessoas... ou feras responsáveis pelos assassinatos, terão se apressado a esconder os automóveis.
— Acha que uma fera pode guiar um carro? — inquiriu Ophelia, com certa ironia.
— Não. Mas tampouco creio que uma fera do zoo tenha saído de sua jaula para arrancar um pedaço de carne da garganta de Bob Ackerman — retrucou Nash, sem fitá-la. — A verdade é que, se quisermos saber algo sobre o ocorrido com esse casal, não será por meio dos animais do zoológico, mas conversando com pessoas. Estou me referindo aos senhores Albert Holden e Noah Lamarr.
— Não lhe dirão nada — assegurou Donner.
— É possível — admitiu Nash, rindo. — Uma coisa, senhor Donner é o que seus amigos queiram me dizer, e outra é o que eu consiga averiguar. Poderiam fornecer-me o endereço do senhor Ackerman e dos seus amigos?
Ophelia inclinou-se sobre a mesa, recolheu outro papel e estendeu-o ao rapaz, dizendo:
— Supondo que pediria esses endereços, apressei-me em anotá-los para o senhor. Se precisar de algo, não vacile em ligar para mim, senhor Nash.
— É uma secretária muito eficiente, senhorita Prince — elogiou Nash.
— Sou apenas uma pessoa que gosta de fazer bem seu trabalho — retrucou ela com intenção.
Clifford Nash soltou uma risada. Logo, perguntou:
— Já comunicou ao senhor Donner quais são meus honorários?
— Claro — disse ela, sorrindo. — Quer o cheque de contrato agora?
— Posso esperar — assegurou Nash. — Diga-me, senhorita Pince: se quisesse ver feras por aqui... aonde iria?
— Ao Grandon Park Koo, onde existe maior variedade de animais. Depois, visitaria Parrot Paradise, Monkey Jungle, o Serpentarium... E, claro, não deixaria de ir ao Lion Country Safari, fora de Miami.
— Ao que parece, a senhorita considera uma tolice o ocorrido com os Ackerman e a referência do zoológico. Não?
— É absurdo. Que relação pode ter o zoo com o desaparecimento do senhor e da senhora Ackerman?
— Não sei, mas é evidente que, quando o senhor Ackerman falou pelo telefone com o senhor Donner, relacionou o zoológico com o que pudesse ocorrer-lhe ou a seus amigos. A senhorita mesma datilografou essa conversa, lembra-se? Deveras, não a faz pensar que pode haver uma relação entre esses personagens e o zoo?
— Admito que pode ter acontecido alguma coisa no zoo que esteja relacionado com o caso. Todavia, isso não tem nada a ver com os animais que vivem ali.
— Concordo com seu ponto de vista. Não é fácil aceitar que um leão, um tigre ou um macaco do zoológico ande solto por Miami para arrancar pedaços de carne das pessoas. A verdade, porém, é que o senhor Ackerman mencionou o zoo.
— Você é um bocado teimoso — disse sorrindo Ophelia. — Enfim... Se resolver fazer uma visitinha ao zoológico, avise-me. Faz muito tempo que não vejo animais.
— De acordo. Antes disso, tentarei falar com os amigos do senhor Ackerman. Não é possível que ele estivesse metido em alguma encrenca, senhor Donner? Mulheres, por exemplo... Não sabe se andava de caso com a tal garota que assassinou?
— Não sei de nada, pode acreditar.
— Algum outro problema... Familiar, profissional, econômico?...
— Não, não... Os Ackerman eram milionários. Não creio que tivessem problemas de espécie alguma.
— Pois lhe afirmo que há um problema no ar e, por sinal, sério, senhor advogado. Bem. Começaremos a trabalhar. Senhorita Prince, poderia me facilitar os números das placas dos carros dos Ackerman?
— Agora mesmo — disse ela, começando a fazer as anotações.
Nash pôs-se de pé e esperou que a moça lhe entregasse os números pedidos. Logo, estendeu a mão para ela, dizendo:
— Foi um prazer conhecê-la, senhorita. O mesmo para o senhor, advogado.
— O prazer foi mútuo, senhor Nash — assegurou Donner. — Quando saberemos algo?
— Naturalmente, têm direito a um informe diário sobre minhas investigações, só que não costumo fazê-lo. Acho uma perda de tempo. Este é o meu estilo, senhor Donner. — Fez uma pausa e indagou: — Por que vocês trabalham no sábado? Ou será que hoje não é sábado?
— Claro que hoje é sábado — assentiu Donner. — O senhor também não estava em seu escritório?
— Caramba! — exclamou Nash, pasmado de fato. — Por isso achei que havia pouco tráfego...
— Segundo parece — disse Donner sorrindo. — O senhor e eu somos dois algozes com nossos empregados.
— Verdade mesmo que não se recordava que hoje é sábado? — perguntou Ophelia, surpreendida.
— Esqueci completamente — confessou o rapaz.
— Nós, não — disse Donner. — Na realidade, nós nos reunimos aqui só para recebê-lo.
— Não deviam incomodar-se tanto para falar comigo — protestou Nash.
— Estávamos curiosos por conhecê-lo pessoalmente — declarou Ophelia.
— Pois espero não tê-los decepcionado — disse sorrindo o detetive. — Bom-dia para todos.
— Até a vista, senhor Nash.
Cliff saiu do escritório e sorriu para a senhora Loomis, que se apressou em abrir-lhe a porta. Minutos mais tarde, entrava em um café próximo ao edifício onde Donner tinha seu escritório. Foi diretamente ao telefone e ligou para a secretária.
— Trudy? Nash. Os clientes que estávamos esperando chegaram?
— Sim — soou a voz da moça. — Entenderam-se com Mike.
— Ótimo. Diga a Mike para ir embora. Você também. Talvez segunda tenhamos que mobilizar os rapazes para ver se encontram dois carros que estão desaparecidos. Por agora é só. Bom fim de semana e obrigado por terem ido ao escritório neste sábado tão bonito. Até depois de amanhã, Trudy! Ah! Avise Mike que hoje não jogaremos tênis.
Desligou, dirigiu-se ao balcão e pediu um café. Retirou o papel onde estava anotada a conversa entre Donner e Robert e leu-o com toda atenção, chegando à conclusão de que o que acontecera a Ackerman ou estava acontecendo poderia também ocorrer a Albert Holden e a Noah Lamarr, já que tinham ido juntos ao zoológico.
“Que relação poderia ter uma visita ao zoo com a morte de uma moça?” — perguntou a si mesmo. — “Creio que a chave desse mistério.”
— Olá!
Nash virou a cabeça e viu Ophelia Prince se acomodando no tamborete junto do seu.
— Passei por aqui, e o vi no bar. Pensei que talvez me convidaria a tomar um café — disse ela e sorriu.
— Com todo prazer — disse Nash, fazendo um sinal ao garçom. — Outro café para esta senhorita.
O rapaz apressou-se a servi-la e ela perguntou ao detetive:
— Pensa trabalhar hoje?
— Há algo melhor a fazer? — inquiriu ele, sorvendo um gole da bebida.
— Creio que sim... Por exemplo: passear de lancha... Em certas ocasiões é possível combinar o prazer e o trabalho, senhor Nash. Sabia que Albert Holden vive nas Venetian? É vizinho do senhor Ackerman. Quando a Noah Lamarr, reside em Surfside. Saindo do Embarcadouro que temos no início desta rua, resultaria num bonito passeio de lancha. Se quiser acompanhar-me, terei prazer em levá-lo na minha lancha. O que me diz?
— Convenceu-me, senhorita — disse Nash, sorrindo. — Visitaremos esses dois senhores. Deixarei meu carro aí fora. Vamos.
Primeiros contatos
Em casa dos Holden, Cliff e Ophelia foram informados de que eles haviam viajado para a Europa.
A revelação deixou-os abismados. Mesmo assim, o detetive perguntou:
— Sabe quando regressarão?
— Infelizmente, não — disse a criada. — Creio que, com a pressa, esqueceram-se de mencionar o dia de sua volta.
— Obrigado — murmurou Clifford, saindo com a moça.
Regressaram ao embarcadouro e, uma vez na lancha, o rapaz sentou-se ao lado da jovem, que observou:
— Está pensando que tampouco vamos encontrar os Lamarr. Verdade?
— Exato — admitiu Nash. — Mas, de qualquer forma, vamos a Surfside.
Ela assentiu e a lancha partiu com zumbido forte. Mas, para surpresa de ambos, os Lamarr estavam em casa e Noah os recebeu no seu escritório. Era um homem alto e esbelto, de sobrancelhas espessas, olhos pequenos e vivos, que pareciam fugir ao olhar atento de Cliff.
— Se não me engano, o senhor vem da parte de Ed... Quero dizer do senhor Donner.
— Estou trabalhando para ele — explicou Cliff. E percebendo o olhar de estranheza que o homem dirigia a Ophelia, apressou-se a informar: — Quanto à senhorita Prince ela teve a gentileza de me oferecer uma carona em sua lancha.
Cliff compreendeu que Lamarr estava nervosíssimo e que teria de escolher muito bem suas palavras. Continuou:
— Procuramos o senhor Ackerman. Talvez tenha alguma notícia sobre ele. Não?
— Não — disse Noah Lamarr, empalidecendo mais ainda. — Não, não tenho.
— Receamos que tenha sofrido um acidente de carro. Talvez esteja internado em algum hospital por um motivo ou outro, não foi identificado.
— Sim... Pode ser isso.
— Buscamos também sua esposa. Compreende? Tudo isto resultou um pouco inquietante e o senhor Donner resolveu me contratar para...
— Se tiver alguma notícia de Bob ou de Nora, avisarei Ed imediatamente, senhor Nash. Mais alguma coisa?
— Uma só, senhor Lamarr. O que aconteceu durante a vista que vocês fizeram ao zoológico e quando foi isso?
A pergunta teve o efeito que Nash esperava, pois Lamarr perdeu a cor por completo. Parecia incapaz de raciocinar, mas, por fim, moveu a cabeça em sentido negativo.
— Já disse a Ed que não sei que tolice é essa — murmurou com voz pouco firme. — Faz muito tempo que não vou ao zoo. E que me lembre, não fui com os Ackerman.
— Não obstante, o senhor Ackerman afirmou ao advogado Donner...
— Senhor Nash, tenho muita pressa e receio que não possa ajudá-lo.
— Pensei que, sendo amigo dos Ackerman, não haveria inconveniente em dedicar-me alguns minutos, senhor Lamarr. Bem... Uma última coisa para não perturbá-lo mais. Vou deixar meu cartão. — Cliff colocou o cartão sobre a mesa e continuou: — Se, por acaso, o senhor Ackerman comunicar-se com sua casa, poderia informar-me?
— É que... minha esposa e eu estamos de partida para o Havaí.
— Havaí? — repetiu Nash, compreendendo tudo perfeitamente. — Pois espero que se divirtam bastante! Obrigado por sua atenção, senhor Lamarr. Bom dia e, sobretudo, boa viagem!
Enquanto deixavam a linda vivenda, Nash pensava: Três casais vão ao zoológico. Um deles desaparece e os outros dois se apressam a fazer as malas e ir para bem longe de Miami... É quase certo que temem alguma coisa!
Assim que os jovens saíram, Noah Lamarr deixou-se cair no sofá. Passou as mãos pelo rosto, notando-o frio. Na realidade, Noah sentia um calafrio horrendo por todo o corpo, desde que vira aquelas fotografias...
No dia anterior atendera uma chamada telefônica e a voz de uma mulher jovem se fez ouvir.
— Desculpe se o chamo agora, senhor Lamarr. Sei que o dia da entrevista está marcado para dois de junho, mas houve mudanças em nossos planos. Poderá apresentar-se hoje mesmo. Acontece que o dia dois cai num domingo e amanhã, primeiro de junho, é sábado. Como não será possível retirar o dinheiro do Banco...
— Já tinha previsto isto e retirei o dinheiro ontem, senhorita.
— Bem... De todo modo, seria transtorno se viesse agora mesmo ao lugar de sempre?
— Está certo... Só uma coisa... Sua voz não parece a mesma que...
— Explicarei tudo assim que chegar. Dentro de meia hora... Está bom para o senhor?
— Sim.
Noah Lamarr foi ao Bayfront Park. Não demorou muito e viu uma moça que se acercava. Não era a mesma dos meses anteriores. Mas pela maneira como andava em sua direção, soube imediatamente que se tratava da cobradora e que, é claro, o conhecia. A jovem, ruiva e muito bonita, parou diante dele, sorrindo.
— Foi muito amável, senhor Lamarr. Entregue-me a pasta, por favor.
— Aconteceu algo... especial? — inquiriu o homem, passando a pasta às mãos femininas.
— Com efeito — assentiu a moça. — O senhor Ackerman buscou complicações e fomos obrigados a fazer uns pequenos reajustes. No momento ocupo o lugar de minha companheira Bridgett... O que o senhor Ackerman fez foi tão comprometedor que nos vimos forçados a pedir ao senhor Holden que deixasse Miami... por uma longa temporada. O senhor deveria fazer o mesmo.
— Por que devo sair daqui?
— Para não termos que matá-lo, no caso que faça referências ao zoo. Talvez se sentisse obrigado a fazê-lo se o interrogassem sobre o desaparecimento dos Ackerman. E evidente que mataríamos também sua esposa, senhor Lamarr. Foi o que fizemos com os Ackerman.
— Meu Deus!...
— Por isso, sugiro que vá para bem longe. Quando regressar, cobraremos os meses atrasados... Podemos esperar, pois vocês não são os únicos clientes. Entendido?
— Sim...
— Ótimo! Agora, quero lhe mostrar algo. É só para que se convença de que não estou brincando e que, no caso que o condenássemos à morte, seria executado de maneira violenta. Pense também em sua esposa... Veja estas fotografias, por favor. É a espécie de morte que sofreriam...
Noah Lamarr perdeu a fala à vista das fotos horripilantes que a jovem lhe punha diante dos olhos. Eram tão apavorantes que sentiu as pernas vacilarem. Seu rosto estava lívido quando ergueu-o para a jovem, que lhe sorria docemente.
— Adeus, senhor Lamarr! Boa viagem! Ah! Nós vamos chamá-lo pelo telefone e, se nos inteirarmos de que não saiu de Miami... Bom... Viu as fotos. Verdade?
No momento sentado nó sofá do seu escritório. Noah voltava a sentir aquele mesmo frio e suava de angústia. A visão daquelas fotografias... Jamais poderia esquecer... Jamais!
— O que queriam, Noah?
Lamarr soltou um grito e ergueu-se de um salto, assustando a esposa, que acabava de entrar em seu escritório. Fitaram-se, os olhos desorbitados.
— Era um detetive particular que Ed contratou — disse, procurando se acalmar. — Estão buscando Bob e Nora e andam fazendo perguntas sobre o zoológico...
— Você lhes disse algo?
— Claro que não! — resmungou Lamarr. — Acha que estou louco?
— Não vejo razão para ficar tão alterado, querido...
— Devíamos ter viajado ontem mesmo... Como os Holden. Eles estão cumprindo sua promessa... Já telefonaram duas vezes e nos acharam em casa.
— Se voltarem a ligar, diremos que estamos de partida. Meu Deus... Pobre Nora! E Bob! Oh, tudo isso é horrível, Noah, horrível!
— E tudo por concordar com aquela “nova e grandiosa diversão”. Maldita seja a hora em que fui a esse zoo!
Visitas aos zoos
Clifford Nash resolveu que deveriam ir ao zoo, embora soubesse de antemão que perderiam tempo. Mesmo assim, vinte minutos mais tarde, chegavam a um dos embarcadouros de Key Biscayne, próximo ao Crandon Park Zoo. Pouco depois, achavam-se passeando por suas alamedas, comendo sanduíches.
Durante quase uma hora se distraíram vendo os animais e depois Nash decidiu:
— Seria interessante interrogar o diretor. Vamos.
Era um homem de meia-idade, simpático, cordial, que os recebeu com amabilidade. Mas, ao escutar a pergunta de Nash referente aos Ackerman, negou com a cabeça.
— Será possível que não se recorde nem mesmo do nome dessas pessoas? — inquiriu o detetive, surpreso. — Estiveram visitando o zoo.
— Não duvido, meu caro senhor. O que sucede é que bem poucos visitantes me procuram. De qualquer forma, não faço parte da fauna...
Os jovens sorriram divertidos com o gracejo do diretor e Nash insistiu:
— Seria capaz de recordá-los se lhe mostrássemos suas fotos?
— Talvez — admitiu o homem. — A verdade é que vem muita gente ao zoo. Mas, de qualquer forma, terei prazer em examinar as fotografias que me enviar.
— Far-me-á um grande favor, senhor Miles — assegurou Cliff. — Tratarei de enviá-las o quanto antes. E não apenas os retratos dos Ackerman, mas também dos Holden e dos Lamarr. Quem sabe se, mostrando-as aos seus empregados algum deles possa se lembrar dessas pessoas?
— Tudo é possível — admitiu o diretor. — Mas, diga-me: que importância pode ter que alguns casais visitem o zoológico? Muitos fazem isso...
— É precisamente o que estou tentando saber, senhor Miles Acha que há algo... estranho, extraordinário neste lugar?
— Não o entendo, senhor Nash... O que quer dizer?
— Vou tentar me explicar melhor — disse Cliff, paciente. — Por exemplo, vocês vendem algumas das feras?
— Claro que não! — disse o diretor, quase gritando.
— Não escapou um dos animais nestes últimos dias?
— Não! Dou-lhe minha palavra! — retrucou Miles, irritado.
— Sinto, diretor, não pretendi aborrecê-lo.. Continua disposto a olhar as fotografias?
— Claro. Conte com isso.
— Obrigado. Telefonarei amanhã para avisá-lo sobre a remessa das fotos. Até a vista, senhor Miles.
Saíram do escritório do diretor do zoo e Ophelia indagou:
— Onde pensa arranjar retratos dessas pessoas?
— Você se incumbirá disso. Não se ofereceu para me ajudar no que fosse preciso?
— Está bem — disse ela e sorriu. — Verei o que posso fazer.
Abandonaram o zoo e ainda visitaram o Parrot Paradise, Monkey Jungle e o Serpentarium. Nos três locais haviam perguntado pelos Holden, Lamarr e Ackerman e em todos receberam resposta negativa. Não obstante, seus diretores aceitaram a proposta de Nash de examinar as fotografias dos casais. Aquilo não fazia sentido algum.
Por volta das sete da tarde, a lancha se deteve diante de um embarcadouro pintado de branco e Ophelia indicou:
— Chegamos.
— Ótimo — disse Cliff, erguendo-se. — Foi um dia bastante interessante, senhorita Prince. Agradeço-lhe por me fazer companhia e... — Olhou em volta e comentou: — Espere! Isto não é Miami Beach! Preciso recolher meu carro. Nós o deixamos em...
— Pensei que aceitaria tomar um drinque comigo, senhor Nash. Se não estivesse todo o tempo tão pensativo, teria percebido que não íamos para Miami Beach.
Clifford pestanejou. Logo observou as casinhas que surgiam perto do embarcadouro. Retirou os papéis datilografados e leu o endereço da moça. Ali estava: 16, Aurelia Avenue, Coral Gables. Por fim, seu olhar se deteve no poste que indicava o nome da mesma avenida. Sorriu, dizendo:
— Seu convite me parece uma boa ideia, senhorita Prince.
Saltaram em terra e a jovem amarrou a lancha. Logo apontou para uma das vivendas mais próximas. Na realidade, era um bonito bangalô, rodeado de flores.
— É ali que moro. Gosta?
— Por fora, sim. Por dentro, ainda não sei...
Ophelia sorriu. Tomou-lhe a mão e caminharam até a casinha. Assim que entrou, Cliff ficou encantado. O ambiente era despretensioso, mas alegre, confortável e de muito bom gosto.
— Isto é um paraíso! — exclamou Nash, sinceramente admirado. — Creio que é o lugar indicado para um homem ser convidado a tomar um drinque...
— Está falando a verdade?
— Juro! — assegurou ele, cruzando os dedos, fazendo-a rir divertida.
— Bem... Vou à cozinha buscar gelo. Fique à vontade... Ali está o bar.
Ela saiu e Cliff foi ao local indicado, colocando dois copos sobre o balcão, servindo uísque. Bebeu um gole e achou forte demais. Comparou mentalmente a garota que deixara nua no elevador com Ophelia Prince. Suspirou, aliviado, murmurando com seus botões:
— Esta não me parece imbecil...
Afastou-se do bar, orientando-se até a cozinha.
Achou o recipiente de vidro cheio de cubos de gelo, mas não viu a jovem. Surpreso, regressou, chamando:
— Senhorita?
— Estou no dormitório, senhor Nash...
— Imagino que prefere o uísque com gelo. Trouxe-o comigo...
— Adivinhou, senhor Nash... Entre!
Cliff empurrou a porta e por pouco o vaso com os cubos de gelo não caiu de suas mãos. Seus olhos deram em cheio na moça que, neste momento, trajava um baby-doll transparente, de cor negra e se equilibrava sobre sandálias de salte alto, da mesma cor.
— Gosta?
— Desculpe-me... Mas como disse que eu podia entrar...
— Já que está aqui — prosseguiu ela, sem parecer notar sua perturbação. — Qual destas peças lhe parece mais bonita?
Ao dizer isto, indicou outros dois baby-dolls atirados sobre a cama.
— Para ser sincero, prefiro o azul — confessou. — Embora o negro, lhe assente às mil maravilhas... Quanto ao vermelho, creio que lhe daria um ar de garota de conjunto, ou algo assim. Bom... Talvez não me explique bem, mas acho-o vulgar. Não devia comprá-lo.
— Não o comprei. Deram-me de presente.
— Hum... Talvez algum dos seus anteriores... convidados...
— Está dizendo tolices — disse Ophelia, sorrindo. — E sabe perfeitamente disso, senhor Nash.
— Quer me fazer crer que sou seu primeiro convidado?
— Exatamente.
— Nesse caso... Como conseguiu esse baby-doll?
— Comprei-os em uma liquidação, em Flagler Street. Na compra de dois, presenteavam com outro. Compreende? Pareceu-me um bom negócio. E, como só havia nestas três cores, fui obrigada a trazer o vermelho. Mas tratarei de oferecê-lo a outra pessoa. Pensando melhor, que tal tomarmos champanhe em vez de uísque? Tenho uma garrafa no refrigerador. Iria buscá-la para mim?
Cliff permaneceu alguns segundos fitando Ophelia Prince. Súbito, deu meia-volta e saiu do dormitório. Quando regressou com a champanhe, a jovem estava sentada diante do espelho e conservava o baby-doll negro.
— Não acha que fico com ar de vampi cinematográfica com esta roupa?
— De forma alguma... — retrucou ele.
— Faz tanto calor hoje... — murmurou ela, erguendo-se da banqueta para se acercar dele.
Não estava quente aquela noite. Mas Cliff aceitou a observação da moça, sem se alterar. Colocou as taças sobre a mesinha, encheu-as com a bebida e estendeu uma para Ophelia, que a ergueu, sorrindo um tanto encabulada.
— Sempre imaginei — sussurrou — que sucederia com champanhe...
E tocou sua taça na dele.
Pânico na manhã
Cliff Nash abriu os olhos e ficou observando o teto do quarto. Permaneceu imóvel por alguns segundos, até que a realidade foi penetrando em sua mente: pareceu-lhe ouvir um ruído... Não pedia identificá-lo com precisão, mas havia sido forte o bastante para despertá-lo. Moveu-se, acordando Ophelia, que inquiriu:
— O que houve, Cliff?
— Escutei algo — respondeu ele, deixando o leito para acercar-se da janela. Ela o seguiu rapidamente.
A janela, tipo guilhotina, estava quase fechada, conservando uma garota abertura de uns três centímetros para a circulação de ar, Cliff segurou os ganchos, disposto a suspendê-la. Então, ao mesmo tempo, ambos viram as fauces, uma visão terrificante, surpreendente e tão aterrorizante que os deixou imóveis.
Do lado de fora, ao pé da janela, rimados sobre as patas traseiras de modo que as anteriores alcançavam o peitoril, estavam os dois cães negros, enormes, vigilantes, silenciosos, com as bocarras abertas, mostrando os grandes dentes branquíssimos, com os olhos fosforescentes fixos neles, demonstrando maldade e fúria satânica.
Ophelia se afastou e quis gritar, mas foi contida por Cliff, que lhe tapou a boca com uma mão, enquanto com a outra acabava de fechar a janela.
— Não grite — murmurou. — Tem alguma arma em casa? — A moça negou com a cabeça. — Neste caso, pegue suas roupas e vá para o banheiro e se feche por dentro. E, por Deus, não abra a porta, aconteça o que acontecer. Vá, Ophelia! Depressa!
Empurrou-a e foi ao lugar onde deixara suas próprias roupas, sem deixar de olhar para a janela. A jovem saiu correndo do dormitório e ele vestiu-se apressadamente, seguindo até a cozinha, sem acender a luz. Abriu um dos armários, pois recordava onde todos os utensílios se achavam por ter ajudado a garota a guardá-los, recolhendo a maior faca que ali havia.
Empunhou-a, percebendo que estava suando de medo, pois vira os cães e sabia que eram dobermanns, os mais ferozes representantes da raça canina. Era evidente que não tinha intenção de enfrentá-los com aquela arma. Mas, no caso que isso fosse preciso, pelo menos tentaria se defender. Tudo quanto tinha em mente era chamar a polícia pelo telefone.
Com a faca na mão, retrocedeu e passou pelo banheiro, tocando na porta e chamando num sussurro:
— Ophelia?...
— Estou aqui, Cliff — respondeu ela, assustada.
— Não abra por nada deste mundo. Vou chamar a polícia pelo te...
Naquele instante, ouviu o barulho de vidros quebrados. Ficou sobressaltado e compreendeu que os cães iam entrar na vivenda pela janela do quarto. Viu que não podia alcançar o salão onde estava o telefone. Então, deu meia-volta e começou a correr na direção da cozinha, escutando atrás de si o som de coisas duras arranhando o solo. Quase gritou ao perceber que eram as unhas dos cães. Virou a cabeça e divisou as silhuetas dos animais, avançando velozmente para ele.
Sem perder um segundo, Cliff chegou à cozinha quase sem ar e fechou a porta atrás de si.
Do outro lado soou o choque dos corpos contra a madeira e um grunhido apagado. Suando por todos os poros, Cliff abriu a porta que dava para o jardim e saiu correndo para o exterior, correndo até a avenida. Divisou outro bangalô próximo e então desviou a carreira para lá. Precisava pedir ajuda. Mas, ao virar a cabeça, gritou de pavor ao ver os dois cães atrás dele, velozes e silenciosos...
Enquanto corria, Cliff imaginava que os animais haviam saído pela janela do dormitório e que eram os mesmos que atacaram Robert Ackerman.
Estava a ponto de voltar-se de novo para observar a distância que o separava dos dobermann, quando viu os dois homens junto a um carro estacionado. Não faziam nada. Simplesmente, presenciavam o espetáculo. Cliff Nash entendeu muitas outras coisas ainda e virou a cabeça a tempo de notar que os cães estavam nesse momento a menos de dez metros de distância.
Sua mente estava embotada, pois o pavor tira a capacidade de raciocínio. E, quando tudo indicava que os animais o alcançariam fez um supremo esforço e sua inteligência o salvou. Mudou mais uma vez de direção, perdendo o fôlego, enquanto suas pernas, aliadas à vontade de salvar-se, corriam, levando-o ao canal, até os embarcadouros.
Sem pensar em mais nada, saltou dentro da água, no momento preciso em que as fauces dos dobermanns se abriam atrás dele, a menos de dois metros. Não chegou a ver como um dos cães foi incapaz de deter a corrida e caiu também no canal, enquanto seu companheiro conseguia deter se na borda do embarcadouro. Mas o animal só vacilou um segundo, saltando no encalço do outro. Quando Cliff voltou à superfície, divisou as duas feras nadando em sua direção, sempre em silêncio. Todavia, na água, o homem levava vantagem.
A corrente do Coral Gables Waterway era lenta, fraca, e Cliff não teria a menor dificuldade para nadar até o embarcadouro mais próximo, agarrar-se às tábuas e regressar à terra firme, deixando os cães para trás. Contudo, ao iniciar o movimento no líquido, os dois homens surgiram, empunhando suas pistolas. Tampouco emitiam algum som. Cada um deles sabia perfeitamente o que devia fazer.
Cliff viu-se obrigado a submergir. Por cima dele, duas balas chocaram contra a água, fazendo surgir dois esguichos, mas nem tomou conhecimento disso. Tudo quanto fez foi nadar submerso a favor da corrente até que não aguentou e teve que voltar à superfície.
Ao erguer a cabeça, respirando avidamente, viu o cão diante de si. Afastou-se de um, mas se aproximou do outro. Ao vê-lo, o animal avançou contra ele e Nash não pôde evitar o encontro.
Levantou o braço direito e, com o facão de cozinha que segurava com todas as forças, acertou um golpe contra a cabeça do bicho. Este soltou um uivo, caindo sobre o rapaz, que girou habilmente na água, esquivando-se do ataque e ficou de lado com pavor do inimigo.
Só uma coisa lhe ocorreu naquela situação: rodeou o pescoço do cão com os braços, tomou ar e submergiu, apertando a cabeça do animal contra seu próprio peito, mas de modo que a fera não o mordesse.
Sob a água, Cliff Nash sustentou a pior peleja de sua vida. O dobermann, apesar de poderoso, pareceu enlouquecer quando as águas o cobriram e começou a agitar-se de tal forma, que Cliff chegou a temer que não pudesse mantê-lo submerso, apesar de sua potência muscular. Apertando o pescoço da fera, esqueceu o resto. Enquanto tivesse ar nos pulmões, manteria o cão de costas, sem largar seu pescoço. Súbito, porém, sentiu a cabeça chocar-se contra algo e só então percebeu que girava, girava e girava... A água entrou por seu nariz, ele abriu a boca e engoliu-a em abundância.
Já não podia mais. E, ao se convencer de que todo o esforço fora em vão, percebeu que o dobermann não mais forcejava, que estava imóvel. Só então, soltou-o e ficou quieto até notar em que direção seu corpo tendia a flutuar. Naquele instante, impulsionou os pés e apareceu na superfície rapidamente. Voltou a mergulhar, reapareceu e, dessa vez, nadou até o embarcadouro. Chegou junto a uma lancha, segurou-se na embarcação, e ficou ali, arquejante, tossindo.
Seus olhos fitaram a mão direita que lhe doía e percebeu que ainda segurava o facão. Estava a ponto de soltá-lo, para subir na lancha utilizando ambas as mãos, quando escutou pisada apressadas que se acercavam, ressoando nas tábuas do embarcadouro. Ergueu os olhos e viu um dos homens. Mais atrás, descobriu a mancha clara da roupa do outro. Voltou a atenção, para o primeiro, notando que passava ao largo, na direção da corrente.
E o cão que restava? Onde se achava? — inquiriu mentalmente.
Dispunha-se a subir na lancha quando voltou a escutar as pisadas. Compreendeu o que ocorrera: o homem ia embora, imaginando que ele se afogara. E, desse modo, não era necessário seguir pela borda do canal até o embarcadouro. O sujeito passou junto da lancha amarrada, deu alguns passos e se deteve, virando-se. Divisou Cliff. Então, aproximou-se da borda do embarcadouro e ergueu a pistola... Sempre em silêncio.
Cliff Nash nem chegou a saber o que fazia. Limitou-se a mover o braço direito com força, atirando a grande faca de cozinha.
Os resultados do seu gesto lhe foram favoráveis. Cliff ficou espiando o tipo, de pé, com a faca cravada na garganta. Súbito, caiu de bruços na lancha, que ressoou e se agitou, desprendendo-se dos dedos do detetive. Em seguida, porém, Nash voltou a segurar-se na borda e com ambas as mãos livres içou-se com hábil impulso. Caiu de barriga sobre o chão da embarcação, com o rosto a menos de dois palmos do sujeito morto. Percebeu a pistola caída a seu lado e recolheu-a, depois que acabou de subir na embarcação.
Permaneceu sentado com as pernas cruzadas, ofegante de pistola na mão. Seu olhar abrangeu o canal e distinguiu a silhueta branca do outro indivíduo, que caminhava pela margem, observando a água. De repente, ele levantou a cabeça e Cliff teve a certeza de que o descobrira, porque começou a correr até ali. Certamente pensava que o inimigo estava desarmado.
Quando o tipo se deteve, Cliff gritou:
— Deixe cair a pistola! Tenho a do seu amigo!
Mas o homem levantou o braço e disparou. A bala ricocheteou contra o casco da lancha, dando a certeza ao detetive de que o sujeito não se deteria por nada. Desse modo, não lhe deu tempo de disparar pela segunda vez. Ergueu a arma, apontou e apertou o gatilho.
O tipo soltou um grito, abrindo os braços e deixando cair sua arma. Pareceu que ia ficar naquela postura, mas terminou por despencar de cabeça na água.
Cliff subiu ao embarcadouro e correu até o lugar onde o sujeito caíra, sem conseguir divisá-lo. Viu, em troca, o outro cão, que nadava até a borda do canal. Cliff apontou a pistola na direção de sua cabeça, mas desistiu de fazê-lo ao constatar que o animal não conseguiria subir ao embarcadouro, pelo menos por ali.
Guardando a arma, regressou à lancha para se certificar de que o primeiro homem estava realmente morto. Naquele instante, escutou as unhas do dobermann arranhando o casco da embarcação e estremeceu mais uma vez.
Regressou ao embarcadouro e se dirigiu à vivenda de Ophelia, a toda pressa. Entrou e, depois que se identificou, a moça abriu a porta de quarto de banho e abraçou-se a ele, exclamando:
— Meu Deus! Está encharcado, Cliff!
— Preciso do seu carro, Ophelia! Depressa!
— O que aconteceu?
— Algo horrível... Matei dois homens e um daqueles cães!... Foi espantoso! Creio que poderemos conseguir algo positivo se você me emprestar seu carro.
— Aonde iremos?
— Não, não... Você ficará aqui.
De jeito nenhum, Cliff! Não quero ficar sozinha!
— Está bem. Neste caso, vamos. Não há tempo a perder.
Com Ophelia ao volante, acercaram-se do canal. Cliff indicou que conduzisse pela borda, o mais próximo possível. De vez em quando, saíam do veículo para observar a água até que, em determinado momento, divisaram o dobermann, esgotado, deixando-se levar pela correnteza.
— Ainda não encontrou um lugar por onde possa sair — murmurou o rapaz. — Há algum embarcadouro cujas escadas estejam ao nível da água?
— Sim. Um pouco mais abaixo há vários.
— Vamos esperar o cão junto ao primeiro.
Chegaram em menos de um minuto ao local indicado e Ophelia estacionou o automóvel. Pouco depois, o animal subia os degraus, escorrendo água, visivelmente extenuado. Logo, porém, se orientou, seguindo canal acima.
— Vamos atrás dele — ordenou Nash.
O cão foi diretamente no local onde jazia o homem morto sobre a lancha. Viram-no saltar dali e regressar ao embarcadouro e, logo, voltar à lancha e, mais uma vez, distanciar-se, como se estivesse indeciso.
— O que esperamos, Nash? — inquiriu a jovem, assustada.
— Que o animal volte à sua casa. É uma ideia, mas espero que dê resultado. Está com medo? — perguntou, fitando-a.
— Sim, Cliff. Estou apavorada! — reconheceu ela.
— Eu também — disse ele, tentando sorrir. — Creio que não devemos perder essa pista. Creio que o melhor a fazer é esperarmos que o cão se afaste. Então, você voltará ao bangalô e avisará a polícia. Eu me encarregarei de seguir o dobermann, mesmo sabendo que não será nada fácil.
— E se ele voltasse à minha casa para me pegar?
Nash fitou-a sobressaltado e apressou-se a dizer:
— Será mais seguro não se afastar de mim, garota.
— Sou da mesma opinião, querido — disse ela, sorrindo.
Cliff segurou-a pelo rosto e puxou-a para si. Beijando-a nos lábios e as boas recordações da noite passada amontoaram-se em sua mente. Todavia apenas por um instante, porque se lembrou do cão e afastou-a, para olhar na direção onde o dobermann se encontrava, deixando a moça desiludida.
— Veja! O animal parece que se decidiu agora! Empreende a retirada, por fim!
O regresso do dobermann
Ainda não eram oito horas da manhã quando Crosk viu o cão aparecer pelo caminho. Ergueu-se rapidamente da cadeira que colocara junto à janela, atirando fora o cigarro.
— Margo! — chamou. — Ao mesmo tempo, dirigiu-se a um dos dormitórios, onde a moça ruiva dormia. Sacudiu-a por um ombro, ordenando: — Acorde! Aconteceu algo! A mulher abriu os olhos, viu o homem e sentou na cama, com expressão interrogativa no rosto.
— Tamblin e Ketter não regressaram... Apenas um dos cães!
A ruiva soltou uma exclamação, pulou fora do leito e saiu apressada do quarto, seguida por Crosk. Chegaram à janela da sala de refeições quando o cão se achava a poucos passos da casa. Sua língua estava de tal forma para fora que Crosk compreendeu que o animal se encontrava extenuado. Foi abrir a porta. O dobermann entrou, cheirou o homem e a mulher e moveu o rabo curto, fitando os dois. Em seguida, deixou-se cair de lado e ficou nessa posição, arquejando, sem deixar de encará-los.
— Talvez o cão os tenha perdido de vista e voltou só — observou Margo.
— Não. Deve ter acontecido alguma coisa grave — manifestou Crosk.
— Não precisamos temer nada. Antes de partir para o Havaí, o senhor Lamarr nos disse que esse detetive andava à procura dos Ackerman, mas já deve ter abandonado a busca. Possivelmente, Ketter e Tamblin andaram atrás desse tipo, mas, como não o encontraram em sua casa, continuam no seu encalço. O senhor Lamarr informou que ele estava com a secretária do advogado.
— Creio que devíamos deixar esse sujeito em paz. É perigoso!...
— Como deixá-lo em paz se ele sabe que Ackerman falou sobre o zoo? Acalme-se. Logo. Ketter e Tamblin estarão de volta com o outro cão, trazendo os cadáveres do detetive e da moça para atirá-los ao mar, como se fez com os Ackerman.
— O helicóptero chegará às nove horas para recolher os corpos — lembrou Crosk, consultando o relógio. Ainda dispomos de mais de uma hora.
Todavia, na hora marcada, Ketter e Tamblin não haviam regressado, nem o outro cão. O helicóptero é que foi pontual, como da vez anterior, quando teve de levar os cadáveres dos Ackerman e de Bridgett. Um único indivíduo saltou do aparelho e se dirigiu à granja. Crosk saiu para recebê-lo, informando-o:
— Ketter e Tamblin não voltaram até agora. O recém-chegado fitou-o surpreso, e entrou na casa, acocorando-se junto ao dobermann, que o contemplou vigilante.
— O que está olhando? — perguntou Margo.
— Queria ver se o cão está ferido. O que acham que aconteceu?
— Imagino que lhes sucedeu algo grave — opinou Crosk. — Do contrário, o cão não voltaria sozinho. Para mim, Ketter e Tamblin estão mortos.
O piloto ficou preocupado. Virou-se para a moça, ordenando:
— Margo, pegue seu carro e vá para Miami inteirar-se do sucedido. Se foi um acidente ou algo especial, as notícias sairão na televisão ou pelo rádio e jornais. Assim que souber de alguma coisa, reúna-se conosco em Nova Orleans. Mas não se mova de Miami até que eu a chame. Entendeu?
— Sim, claro, Wilkes.
— Crosk e eu iremos de helicóptero agora mesmo. Antes, porém, teremos que matar o cão.
— Por que isso, Wilkes? — perguntou Margo. — É um bom animal, está bem treinado e...
— Bem treinado por Ketter e Tamblin. Se eles estão mortos, este animal só nos causará problemas. Mate-o, Crosk. É uma ordem!
Crosk virou a cabeça para o dobermann e mordeu os lábios. O cão o fitava confiante, tranquilo. O homem sacou a pistola, apontou rapidamente e disparou. O bicho saltou, emitindo um gemido leve, com uma bala na cabeça.
— Agora já dispõe de um cadáver para atirar ao mar — disse Crosk, irritado. — Espero que isso o faça feliz.
Wilkes olhou-o com desprezo. Virou-se depois para a ruiva, dizendo áspero:
— O que espera, Margo? Vá de uma vez.
A moça saiu da granja e Wilkes foi ao quarto, regressando com um lençol, para envolver o corpo do cão.
Uniu as quatro pontas e fitou o comparsa, que se mantinha sombrio e calado.
— Ajude-me! — resmungou. — Este animal pesa como um cavalo!
Seguraram duas pontas cada um e seguiram até o helicóptero. Margo apareceu naquele momento ao volante do seu carro e se despediu, acenando com a mão.
Um minuto mais tarde, o aparelho alçava voo. De cima, Crosk e Wilkes viram o automóvel de Margo rodando pela estrada. Não notaram, porém outro veículo, metido entre os inúmeros arbustos existentes na região e os dois jovens que ali se achavam.
Às nove da manhã, Margo parou o carro diante do edifício de número 480, de North Bayshore Drive, em Miami Shores. Subiu ao apartamento 4-C e se ocupou em preparar o desjejum, enquanto escutava o rádio. Não ouviu nada que lhe interessasse e passou o resto da manhã deitada em uma cadeira, no terraço do prédio, contemplando o mar azul. As notícias do meio-dia foram muito interessantes.
Um homem morto havia sido encontrado em uma lancha amarrada em um dos embarcadouros de Coral Gables Waterway. Graças à televisão, Margo pôde reconhecer o cadáver, quando a câmara exibiu um close do seu rosto. Tratava-se de Tamblin.
O resto do domingo transcorreu sem maiores novidades. Na segunda-feira, porém, o Miami Herald noticiava que o Coral Gables Waterway, muito perto do mar, fora achado um bonito cão da raça dobermann, afogado. E na terça-feira, ao meio-dia, a última notícia pela televisão: um homem não identificado fora achado no mar, morto com um balaço no peito.
De posse dessas informações, Margo percorreu a lista telefônica, até localizar o sobrenome Nash. Havia muitos no catálogo. Mas a ruiva centralizou sua atenção na Nash Investigations. De posse do número discou e foi atendida por uma voz de mulher. Depois de dizer o que pretendia, foi informada de que o senhor Clifford Nash não tinha comparecido à agência desde o sábado. Agradeceu e buscou o número de Ophelia Prince. Ali, ninguém atendeu ao telefone, e ela desistiu. Por fim, discou para o escritório do advogado Donner, sendo informada de que este se encontrava ausente também desde o sábado. Intrigada, desligou.
Sua ligação seguinte foi para a Eastern Airlines. Margo reservou uma passagem para Nova Orleans, aonde chegou às nove e meia da noite. Rumou diretamente para o apartamento onde Wilkes se achava com Crosk. Ali os colocou a par de tudo quanto apurara. Ao terminar o relato, Wilkes comentou:
— Os rapazes e o cão estão mortos. E quanto ao detetive e sua acompanhante?
— E provável que tenham morrido também — manifestou Margo. — Ninguém sabe deles desde sábado. Nem a respeito do advogado Donner.
— Há uma coisa que não faz sentido — interveio Crosk.
— Se Tamblin e Ketter foram mortos por esse Clifford Nash, quem matou esse detetive e a moça que o acompanhava?
— Talvez tivessem trocado tiros e todos morreram — sugeriu Margo.
— Digamos que foi o que ocorreu — concordou Crosk.
— Mas os cadáveres da secretária do advogado e do próprio Nash não apareceram.
— Logo aparecerão mar adentro. De todos os modos, creio que o melhor é informar nossa central sobre tudo isso. Voltarei mais tarde.
Wilkes saiu do apartamento, para regressar quando já passava da meia-noite.
— Deixaremos as coisas como estão. Miami ficará esquecida por enquanto. Nenhum de nós se aproximará dessa cidade. Mas temos ordens para começar a procurar novos clientes para o zoo, em Nova Orleans. Amanhã mesmo iniciaremos os trabalhos.
— Eu também, Wilkes? — quis saber Margo.
— Não. Você e Crosk descansarão por uma temporada. As outras garotas ficarão encarregadas de recrutar o novo grupo de clientes.
— Esperemos que seja um bom lote — disse Crosk e sorriu.
Proposta aceita
Ao chegar em casa aquela tarde, o senhor Lassiter foi informado de que sua esposa o esperava no salão com uma visita.
Imediatamente, dirigiu-se para lá e, ao vê-lo entrar, o homem que conversava com sua mulher, pôs-se de pé.
— Querido, este é o senhor Clifford Nash, detetive particular.
Silas Lassiter estendeu a mão para o visitante e repetiu, brincalhão:
— Detetive particular? Por acaso, necessitamos de um detetive particular, meu bem?
— O senhor Nash veio até aqui por sua livre iniciativa, querido — retrucou Vivian, com certa ironia, recordando o procedimento um tanto leviano do marido.
— Ah! Bem... — disse este, corando um pouco, ao captar a intenção nas palavras da esposa. — O que deseja, senhor Nash? Espero que seu assunto seja breve, porque minha mulher e eu partiremos amanhã em viagem e temos algumas providências a tomar.
— É justamente sobre essa viagem que desejo lhes falar. Será melhor que não a realizem. Bem... Tratarei de explicar tudo... ou, pelo menos, tudo o que sei. Diga-me, senhor Lassiter: falaram-lhe sobre um zoo?
— Não — respondeu o homem, surpreendido. — Por que o fariam?
— Simplesmente porque eles os levarão a um zoológico... Ouçam-me com toda atenção, por favor — iniciou Nash. — No dia primeiro deste mês, um advogado chamado Donner pediu-me que fosse vê-lo em seu escritório de Miami. Uma vez ali, contou-me que...
À medida que avançava o relato, Nash percebia o grande interesse que despertava nos Lassiter. Interesse que foi se convertendo em incredulidade e espanto quando citou o sucedido no Coral Gables Waterway.
— Conseguimos seguir o cão. — prosseguiu o rapaz. — Escondemos o carro e nos ocupamos em vigiar a casa. Uma hora mais tarde, chegou um helicóptero. O piloto entrou na vivenda e, logo, ele e outro homem saíram carregando algo pesado, envolto em um lençol. Creio que se tratava do dobermann, que mataram. Depois, o aparelho alçou voo e não podemos segui-lo, mas o fizemos sem perder um só movimento da moça ruiva. Durante todo o domingo e segunda-feira não saiu do apartamento. Na terça, porém, pela tarde, estamos seguros de que foi ela quem ligou para minha agência e para o escritório do senhor Donner, perguntando por este e por sua secretária, do mesmo modo que havia indagado por mim. Ao que parece, conseguimos enganá-la. Tanto o senhor Donner, como a senhorita Prince e eu, simplesmente tivemos a ideia de nos ocultarmos, como se tivéssemos morrido, compreende?
Silas assentiu, boquiaberto.
— Na terça-feira pelas seis da tarde, a garota ruiva saiu do edifício, foi até o aeroporto e seguiu num voo para Nova Orleans...
— Como sabe tudo isso? — inquiriu Vivian, tão pasmada como Silas.
— Bem... — disse Cliff, sorrindo. — Minha agência está trabalhando neste assunto em tempo integral. Vários dos meus homens, sob o comando do meu ajudante Mike Bowles, estavam se revezando na vigilância dessa jovem desde que, depois de vê-la entrar no prédio, chamei Mike para que se encarregasse dessa parte.
— Então, o senhor se escondeu... — murmurou Silas.
— Exato. Como a senhorita Prince e o senhor Donner. Porque tentaram assassinar a mim e a secretária, imaginei que podiam fazer o mesmo com o advogado, uma vez que foi ele quem nos falou sobre o zoo. A propósito: conseguimos fotos dos Ackerman, Lamarr e Holden e as fizemos circular pelo Crandon Park Zoo e demais zoológicos, por meio dos meus agentes. Os funcionários desses estabelecimentos não se lembraram de nenhum desses senhores nem de suas esposas. Mas, voltando à moça ruiva... Ela embarcou para Nova Orleans e um dos meus homens adquiriu uma passagem para o mesmo voo. Assim, quando ela chegou a essa cidade pôde ser seguida. Dirigiu-se a um edifício de apartamentos, de onde saiu na manhã seguinte. Aí também, outros dois agentes e Mike Bowles que haviam chegado a Nova Orleans, em avião particular, viram a ruiva tomar um táxi e saltar diante de um motel, registrando-se sob o nome de Margo Tracy. Um vigilante não a perdeu de vista. Enquanto isso Mike e outro dos nossos companheiros regressaram ao edifício de apartamentos, para se juntar ao primeiro dos meus homens e chegar nesta cidade...
— Pelo que vejo, sua agência é importante e muito bem servida, senhor Nash.
— Assim é — admitiu o detetive. — Mas deixe-me continuar, por favor. Dizia que Mike regressara ao edifício de apartamentos onde a ruiva estivera. E, naquela mesma manhã, ele e outro agente viram sair dali dois homens que foram identificados graças à descrição que fiz de ambos: um deles era o tal do helicóptero e o outro, o que estivera na granja com Margo. Esse último dirigiu-se a um hotel e pediu alojamento, usando o nane de Maxwell Crosk. Desde então, como a ruiva, está sendo vigiado ininterruptamente. Quanto ao tipo do helicóptero, Mike descobriu que se chama James Wilkes e...
— Espere um pouco, senhor Nash — pediu Lassiter. — Suponho que o senhor não contou nada sobre este assunto à polícia. Não é assim?
— Senhor Lassiter — reiniciou Nash, com paciência. — Saiba que os dois homens que tive que matar no canal eram assassinos profissionais. Parece razoável pensar que aqueles cães mataram os Ackerman. A polícia está investigando o sumiço de ambos e considero que já tem trabalho suficiente. Por outro lado, a polícia não simpatiza com as agências particulares de investigação, em geral. Talvez, mais adiante, resolva explicar esta parte à polícia. No momento, porém, prefiro continuar sozinho no caso. E sabe por que, senhor Lassiter? Simplesmente porque quero descobrir que zoo é esse e onde fica.
— Há muitos zoológicos na região, senhor Nash, e eu...
— Não, não, não! O senhor não entendeu! Este zoo não é comum. E um lugar do qual os que o visitaram negam ter notícias. Afirmam que jamais estiveram ali. Veja! Se eu fosse contar tudo à polícia, o que acha que esta faria?
— Francamente, não sei... — disse Lassiter.
— Pois eu lhe digo: deteriam todo mundo relacionado com o assunto: a ruiva, Crosk, Wilkes e as outras três garotas que se ocupam em arranjar clientes para essas viagens. O que aconteceria se elas e eles não soubessem tudo quanto quero saber? Ficaríamos na metade do caminho. E não é o que anseio, senhor Lassiter. Preciso chegar ao final do problema. Já que mencionei as moças, tenho que lhe dizer que James Wilkes foi vê-las em um pequeno chalé perto do rio, na manhã em que Margo e Crosk buscaram alojamento individual. Esses dois foram descansar, ao que tudo indica, por uma temporada. As três jovens visitadas por Wilkes eram parecidas com Margo: bonitas, simpáticas, alegres, com certa classe... Uma delas veio a vê-lo, abordando-o com muita simpatia e desenvoltura, no sábado... Não é assim?
— Exato — concordou o ricaço.
— Pois as outras duas fizeram contato com os cavalheiros Cyril Samuels e Baldwin Grooms. O senhor os conhece?
— Claro — assentiu Silas, surpreso. — São bons amigos.
— A mesma técnica adotada em Miami Será que não percebe? Nós vamos deixar que Margo e Crosk descansem em seus respectivos alojamentos. Temos certeza de que não intervirão no assunto por enquanto. Portanto, ficarão quietos até que chegue o momento de detê-los. O caso é o seguinte, senhor Lassiter. Depois de estudar os Samuels, os Grooms e os Lassiter, eu me decidi por vocês. Quero que me diga exatamente o que aquela bela mulher falou durante a visita que lhe fez. Está seguro de que não mencionou um zoo?
— Seguríssimo. Ela me perguntou se podia conduzi-la à cidade e acedi. Durante o trajeto, conversamos e, de súbito, ela abriu o jogo. Afirmou que eu fora escolhido escrupulosamente participar como cliente da nova diversão. Fiquei interessado e curioso. Assegurou-me que sua organização cobrava os serviços depois de comprazer o cliente, o qual poderia negar-se a pagar se não ficasse satisfeito. Pareceu-me razoável. Indaguei o que ela ganhava com tudo isso e soube que recebia uma comissão por cada cliente que arranjava.
— Ela mencionou o roteiro da viagem? — quis saber Nash.
— Não. Disse apenas que era um lugar com diversões inéditas no mundo...
— Eu também gostei da ideia — interveio a senhora Lassiter. — Minha vida é um pouco aborrecida... Silas tem seu trabalho e... outras coisas mais... Foi uma grande delicadeza de sua parte resolver me levar desta vez, em lugar de querer me fazer crer que se trata de uma viagem, de negócios... Estou animada, senhor Nash.
— Sinto decepcioná-la, minha senhora — disse Nash, sorrindo. — Mas quaisquer que sejam os componentes dessa organização que proporciona diversões inéditas, dispõem de assassinos profissionais e de cães treinados para matar. Não devem esquecer isto. Creio que tenho uma solução que talvez seja do seu agrado.
— Que solução?
— Poderei ir no lugar do casal. E, quando regressar, lhes direi se vale a pena ou não essa viagem de diversões.
— Isto é impossível — afirmou Lassiter. — Eles nos esperam, sabem quem somos. Além do mais, tem que ser um casal. Não aceitam cavalheiros solitários.
— Isso não é empecilho — assegurou Cliff. — O senhor poderia escrever uma nota apresentando-me como seu amigo, para que ocupe seu lugar. Alegaria que tem de atender um assunto inesperado em Washington, por exemplo... É claro que, depois disto, o senhor e sua esposa fariam uma viagem o mais longe possível de Washington, acompanhados por Mike Bowles, que os avisará quando deverão regressar à casa.
— Tudo isto me parece tão entranho, senhor Nash...
— Sei disso. Mas, se o senhor não aceitar minha proposta, serei obrigado a comunicar tudo à polícia, o que significa que de todos os modos não poderão viajar. Talvez seja melhor assim.
— Por quê? — inquiriu Lassiter, irritado. — Os casais de Miami voltaram. Não é assim? Não lhes aconteceu absolutamente nada!
— Na viagem, não. Mas agora, tememos que os Ackerman tenham sido assassinados, enquanto os Lamarr e os Holden fugiram de Miami, apavorados. É possível que, mais tarde, queiram matá-los também... Por que correr esse risco, senhor Lassiter?
— O senhor está disposto a correr. Não?
— Esse é meu trabalho.
— Mas não é casado, senhor Nash — lembrou Silas. — Como fará?
— Minha secretária aceitará passar por minha esposa. Terei apenas que ligar para Miami chamando-a até aqui. É uma jovem corajosa, que sabe manejar armas como um homem, além de ser faixa preta de caratê. Vamos, senhor Lassiter... O que mais posso dizer para convencê-lo? Alguma vez foi agredido por um doberman?
— Creio que deveríamos aceitar a proposta do senhor Nash, querido — murmurou Vivian Lassiter, empalidecendo.
Silas terminou por concordar com a mulher. Em seguida, Nash deu algumas instruções ao casal e deixou a residência. Uma vez na rua, tomou um táxi e foi ao encontro de Mike Bowles. Este já o aguardava no local combinado, dentro de outro táxi. Saiu do veículo ao ver o chefe e amigo chegar e acercou-se, perguntando:
— Então? Como se saiu?
— Aceitaram que eu vá no lugar deles. A viagem é uma grande surpresa para os clientes. Assim é que sei apenas que amanhã, às seis da tarde, terei que estar na entrada do City Park, a mando de Robert E Lee Boulevard, com minha esposa... Com Trudy, é claro.
— Entendo — concordou Mike.
— Bom... Você se encarregará de avisar Trudy. Diga-lhe para conseguir qualquer documento dos que temos arquivados por meio do qual, ela e eu possamos passar por casados... Sem fotografias, Mike. Ela poderá tomar o mesmo avião que me trouxe para cá, de modo que chegará amanhã às três e meia. Eu estarei esperando-a.
— De acordo. Quanto a Trudy, tudo está bem. Não creio que a conheçam. Mas, e você? Tentaram assassiná-lo...
— Esses assassinos já não poderão me identificar. Restam Crosk e Margo, mas foram afastados do negócio por algum tempo.
— E sobre os clientes que essa gente contrata... Descobriu algo?
— Bem, pelo que pude averiguar, são todos de meia-idade e milionários... Não me encaixo em nenhum desses requisitos — disse e sorriu Cliff.
— Ora... Tampouco é pobre... Outra coisa: o que sucederá se eles se negarem a levá-los nessa tal viagem?
— Nesse caso, você e os rapazes, que nos seguirão o mais discretamente possível, entrarão em ação para me ajudar a deter quem quer que seja. Então, veremos o que ocorrerá.
— De acordo — admitiu, Mike Bowles.
Mergulho no desconhecido
Às três e meia da tarde do dia seguinte, Clifford Nash achava-se a postos no aeroporto, esperando Trudy. Mas a secretária não chegou. Em seu lugar apareceu Ophelia Prince, elegante, belíssima, carregando uma valise. Ao vê-la, Cliff olhou por trás da moça, na esperança de que Trudy surgisse também.
— Olá! — disse Ophelia, sorrindo e caminhando na direção do rapaz.
— E Trudy? Onde está?
— Ficou tomando conta de sua agência, querido... Ela me ligou e fiquei sabendo que você precisava de uma moça para apresentá-la como sua esposa. Então, ofereci-me para o posto e ela compreendeu...
— Ophelia... — começou Nash, tentando conter a irritação. — Meu pessoal é capacitado para enfrentar diversas situações por mais difíceis que sejam. Mas você... Luta caraté ou, pelo menos sabe manejar uma pistola?
— Qualquer um sabe usar uma arma, Cliff... — disse ela, sorrindo.
— Está bem... Vá sentar ali. Voltarei em seguida.
Vinte minutos depois, regressou para junto da jovem, dizendo:
— Infelizmente, não há nenhum voo que Trudy possa tomar em Miami e estar aqui antes das seis da tarde. Desta forma, você terá mesmo que vir comigo.
— Não terá queixa de mim, Cliff... Ah! Trudy deu-me alguns documentos que provam que somos marido e mulher. A partir de agora, seremos Ruth e Thomas Carawan. Aqui estão — disse, retirando os papéis da bolsa e entregando-os ao rapaz.
O falso senhor Carawan recebeu-os e ficou olhando-a entre preocupado e divertido. Por fim, puxou-a por uma orelha e atraiu-a para si para beijar-lhe os lábios.
Até as cinco e meia passearam no carro alugado pelo rapaz. Depois, ele deixou o automóvel em um estacionamento e tomaram um táxi que os levou ao City Park. Para tranquilidade de Cliff, durante todo o trajeto, divisou o amigo e ajudante Mike Bowles ao volante de outro veículo.
Depois de despacharem o táxi, colocaram as maletas a um lado da estrada. Passava das seis e meia quando um carro se deteve diante deles e um homem desceu, acercando-se rapidamente.
— Suponho que são os amigos dos Lassiter — disse. — Por favor, entrem no automóvel. Eu me ocuparei da bagagem.
Outro sujeito saiu também do veículo para abrir o porta-malas e as valises foram colocadas ali. Cliff e Ophelia ocuparam os assentos de trás e o primeiro homem sentou junto ao motorista.
Assim que o automóvel arrancou, o sujeito virou-se para os jovens, sorridente.
— Peço que nos desculpem o atraso. Acontece que não nos preveniram de que tomariam o lugar dos Lassiter. Somente depois de telefonarmos para a casa deles é que fomos informados de que o casal viajara para Washington e que vocês iriam substituí-lo. São Ruth e Thomas Carawan. Não é assim?
— Exato — retrucou Cliff.
— Ficarão maravilhados com a viagem, posso garantir...
— A propósito: é mesmo verdade que só devemos pagar se apreciarmos o passeio?
— Claro — assegurou o indivíduo, endireitando-se no assento.
Pouco depois, o carro se detinha perto da margem de Lake Pontchartrain e o tipo se voltou de novo para informar:
— Chegamos.
Os quatro saíram do veículo. Os dois sujeitos se ocuparam da bagagem, colocando-a em um barco que já os esperava. Os dois jovens foram convidados a entrar na embarcação. O motorista regressou ao carro e seu companheiro empunhou os remos, começando a manobrar o barco até o centro do lago. Pouco mais tarde, Cliff e Ophelia viram outros dois barcos adiante deles. O jovem fitou o remador interrogativamente e ele explicou:
— São outros convidados. Os senhores Grooms e os senhores Samuels.
Continuaram avançando até que se reuniram aos demais barcos e se detiveram ao mesmo tempo. O remador informou mais tuna vez:
— Logo virão buscá-los.
Minutos mais tarde, surgiu um hidroavião, que foi pousar bem no meio do triângulo formado pelos três barquinhos. A porta foi aberta e uma escada metálica arriada até a água. Nos outros dois barcos, Cliff reconheceu os Grooms e os Samuels, descritos com detalhes pelos Lassiter.
Todos subiram a bordo, onde uma formosa garota os esperava.
— Senhoras e cavalheiros: sejam bem-vindos a bordo. Meu nome é Penny e espero que apreciem minha companhia durante este primeiro trecho da viagem. Perdão — disse, fitando Cliff e Ophelia surpresa. — Vocês foram convidados?
— Penny! — ouviram a voz do remador dos Carawan.
— Oh! Desculpem-me por um instante — disse Penny, descendo pela escada. Reapareceu, quase em seguida, recolheu a escada, fechou a porta e aproximou-se de Cliff e Ophelia, que a fitava preocupados.
— Tudo entendido, senhores Carawan. Decolaremos imediatamente.
Foi até a cabine da tripulação. Quando abriu a porta, Cliff pôde ver o homem que comandava o hidroavião. A porta se fechou e o aparelho começou a deslizar pela água e, logo, se elevou. Parecia que seguia a direção do golfo do México.
Penny reapareceu e se perdeu no interior, voltando com um carrinho, onde se viam champanhe e copos. Serviu a bebida, entre sorrisos e amabilidades.
Momentos mais tarde, Cliff compreendeu que a rota se desviava para o oeste. Nessa direção o aparelho permanecera voando por mais de três horas. Finalmente, Penny surgiu, dessa vez saindo da cabine do piloto.
— Vamos amerissar. — informou. — Preparem-se para desembarcar.
Minutos depois, o hidroavião se detinha e o ruído do motor de uma lancha chegou aos ouvidos de todos. As bagagens foram retiradas e os convidados passaram à lancha. Cliff imaginou que estavam próximos à costa mexicana. Fitou os dois homens da lancha, mas optou por não fazer pergunta alguma. Logo alcançavam a praia e dois sujeitos surgiram carregando uma prancha de madeira, que foi colocada de modo a evitar que os convidados molhassem os pés, ao desembarcarem.
— Por aqui, senhores — indicou um dos guias.
Duzentos metros afastado da praia havia um carro negro, reluzente. Os casais ocuparam os assentos e o automóvel rodou por um caminho de terra, que tomava a jornada um tanto incômoda pelos solavancos do veículo. Apenas cinco minutos mais tarde, os convidados divisaram uma esplanada diante deles e, no centro desta, a forma inconfundível de um avião.
Apesar do cansaço que sentiam, viajando durante tantas horas seguidas e em diversos meios de transporte, os casais viram-se dentro do avião. Ali, compreenderam que não eram os únicos passageiros. Quase todos os assentos estavam ocupados.
Uma jovem de grande beleza apareceu, dizendo: — Bem-vindos! Senhores Grooms, Samuels e Carawan, seus assentos estão na proa. Por favor, sigam-me.
Escutaram o motor do carro se afastando. Logo, a porta do avião foi fechada. Nash lançou um olhar pelas pessoas sentadas e calculou que aquele aparelho tinha trinta lugares. Um avião particular, sem sombra de dúvida.
— Vocês são os últimos — informou a jovem. — Decolaremos agora mesmo. Chamo-me Lucille.
O avião começou a movimentar-se e alçou voo, tomando a direção do mar. A escuridão era completa. Somente mais tarde, as luzes foram acesas. A voz de Lucille voltou a ser ouvida:
— Senhores passageiros, esta é a última etapa da viagem, cuja duração será de quatro horas e meia. Na bolsa de cada assento encontrarão a lista de tudo quanto posso lhes oferecer. Peço a cada um assinalar suas preferências, para dar maior agilidade ao serviço, que esperamos seja do agrado geral. Esperamos aterrissar paleas duas da madrugada. Obrigada.
— Ainda não disseram para onde nos levam — sussurrai Ophelia.
— E não dirão — sentenciou Cliff.
Todavia, depois que Lucille reapareceu, acompanhada por outras duas auxiliares, tão bonitas e amáveis quanto ela, e começaram a servir os passageiros, Cliff chegou a pensar que realmente estavam viajando para algum paraíso e que o sucedido em Miami não tinha nada a ver com tudo aquilo.
Pouco a pouco, a conversa foi diminuindo, a música cessou, as luzes foram amortecidas e os convidados terminaram vencidos pelo sono, inclusive o detetive Clifford Nash...
Ele despertou ao escutar a voz agradável de Lucille:
— Senhoras e senhores, aterrissaremos dentro de cinco minutos. Por favor, coloquem os cintos de segurança. Obrigada.
Antes de atender ao pedido da moça, Cliff olhou pela janela, inclinando-se para Ophelia, que o fitava como se o interrogasse:
— Não vejo nada — murmurou. — Absolutamente nada. Nem uma única luz. Isto aqui não é um aeroporto.
No tempo determinado por Lucille, o avião aterrissou. A escada foi colocada e os passageiros começaram a descer, dentro da mais completa escuridão.
— Onde estamos? — quis saber Cliff.
— Se quer saber a verdade, nem eu mesma sei — disse e sorriu para a moça. — Mas, que importa isto? Qualquer lugar do mundo é bom para ser feliz, senhor Carawan.
— Tem razão. Até a vista.
— Adeus! Adeus, senhores Carawan!
Ophelia segurou a mão de Cliff e desceram.
Quase sem enxergar o que havia em frente, foram conduzidos até um automóvel, com os demais casais. O veículo arrancou e durante alguns minutos viajaram completamente no escuro. Depois, o motorista acendeu os faróis e os condutores dos carros que seguiam na frente fizeram o mesmo.
Passados dez minutos, divisaram as luzes e, logo, puderam distinguir a casa, grande, de paredes escuras. À porta estavam vários homens esperando. Quando os automóveis pararam ocuparam-se das malas.
Os passageiros agruparam-se e, de súbito, apareceu um negro muito alto, atlético, de sorriso franco e cordial, vestido impecavelmente.
— Bem-vindos, senhoras e cavalheiros — disse, em inglês perfeito. — Eu sou Norberto, o chefe do pessoal. Estarei à sua disposição, dia e noite. Por agora, presumo que todos preferirão descansar, de modo que os conduzirei aos seus alojamentos. Sigam-me, por favor. As acomodações estão no andar superior. Em cada porta está indicado o nome de cada casal e suas bagagens estão sendo distribuídas... Uma observação a fazer apenas, quanto aos Carawan... Como não tivemos tempo de trocar o cartaz com o nome dos Lassiter, os senhores ocuparão o quarto destinado a eles. Amanhã mesmo terão seu sobrenome afixado à porta do dormitório que lhes foi reservado.
Entraram na casa e subiram até os aposentos. Cliff empurrou a porta e viu suas malas e as de Ophelia sobre um móvel próprio para isso. A moça, por sua vez, lançou um olhar em torno, dizendo:
— É bonito...
Efetivamente, o dormitório era espaçoso, decorado em azul e tinha banheiro privativo. De um lado, via-se a cama de casal, rodeada de peles que pareciam de jaguar. Haviam ainda um sofá, duas poltronas, armário embutido, uma estante com livros, toca-discos.
Cliff acercou-se da janela que dava para a fachada da casa e olhou para baixo. Os carros já não se achavam ali e as luzes haviam sido apagadas. Ophelia se aproximou, passando um braço por sua cintura.
— Creio que estamos em alguma parte da selva sul-americana — comentou Cliff.
— O que vamos fazer aqui? — perguntou ela, assustada.
— Neste momento, senhora Carawan — retrucou ele, tentando sorrir. — Acho que devíamos dormir... Amanhã será outro dia.
Desconcerto e terror
Em uma coisa Clifford Nash tinha razão: estavam em uma selva. Pelo menos tudo quanto seus olhos abarcavam era mato. Acordara muito cedo e resolvera dar uma espiada pela janela. Soltando um suspiro de resignação quanto ao que pudesse advir, voltou à cama e estendeu-se ao lado da moça, adormecendo novamente.
Acordou com o barulho da água. Ergueu-se e foi ao quarto de banho. Ophelia estava na banheira cheia de água.
— Bom-dia, meu amor — disse ela, sorrindo.
— Viu a selva que nos cerca? — inquiriu ele, fitando-a.
— Claro. Você estava certo. Não quer banhar-se?
O senhor Carawan sorriu de orelha a orelha. Meia hora mais tarde, quando os dois já se achavam vestidos, chegou um criado negro com o desjejum.
— Que programa de diversões temos para hoje? — quis saber Cliff.
— Não sei.
— Bem... Mas alguém virá buscar-nos. Não?
— Não sei.
— Ah!... Você não fala inglês. Não é isto?
Como o negro o fitasse sorridente, como se esperasse alguma ordem, Cliff indicou a porta. O negro se retirou. Ophelia examinava o desjejum naquele momento e parecia satisfeita.
— Hum... Tenho apetite — declarou. — E você, querido?
— Também... Mas creio que não nos trouxeram aqui apenas para comer... Gostaria de saber que tipo de diversões irão nos oferecer...
Às dez horas, o hercúleo Norberto apresentou-se à porta do dormitório dos Carawan, tocando na madeira com os nós dos dedos.
Cliff atendeu em pessoa e o negro perguntou: — Estão preparados?
— Há algum tempo — respondeu Nash. — Quando iniciaremos a jornada?
— Logo. Precisamente vocês são os primeiros. Venham comigo, por favor.
Saíram da casa. Embaixo, um carro os esperava com um motorista negro, junto ao qual Norberto sentou. O veículo rodou pela selva. Havia um caminho aberto, quase cômodo, fácil de percorrer. Viajaram por entre árvores bastante altas que ocultaram a luz do sol durante três minutos apenas. Pouco mais tarde, surgiu outra casa, cor de terra, muito menor do que a primeira, onde os casais se alojaram. Toda ela estava rodeada por um jardim que Ophelia achou encantador.
Súbito, perceberam a paliçada.
— O que há ali? — indicou Cliff.
— O zoo — explicou Norberto, voltando-se e sorrindo com amabilidade. — Suponho que o doutor os informará de tudo.
— Doutor? Que doutor?
— O doutor — afirmou Norberto e virou-se para a frente.
O carro parou diante da vivenda. Norberto desceu e abriu a porta para os Carawan. Em seguida, levou-os até a casa e apontou o interior, dizendo:
— Estão sendo esperados na sala, à esquerda.
Fechou a porta, ficando do lado de fora. Cliff e Ophelia entreolharam-se. Logo se dirigiram à sala indicada. A primeira coisa que viram foram os quatro cães dobermanns, deitados de lado no chão, fitando-os. Cliff notou que a mão de Ophelia que segurava a sua crispava-se com força. Olhou para a moça e percebeu sua extrema palidez. Assim ele devia estar também.
— Entre, entre, senhor Nash, por favor... — ouvi uma voz amável. — E você também, senhorita Prince.
Os dois estavam tão aterrorizados com a visão dos cães, que tardaram alguns segundos para compreender que alguém os tinha chamado por seus verdadeiros nomes. Mas então, tinham visto o casal de anciães. Ambos possuíam o rosto bronzeado e os cabelos muito brancos. Seus olhos eram azuis, grandes e perscrutadores. O homem devia ter sessenta anos e a mulher pouco mais de cinquenta. Não obstante, suas cabeleiras correspondiam a pessoas que tivessem mais de oitenta anos. Os dois eram muito bonitos, especialmente a mulher. Trajavam-se de branco. O conjunto que ofereciam era assombroso e impressionante. Estavam sentados juntos em um sofá e diante deles, em uma mesinha, via-se a bandeja do desjejum.
— Não temam — disse o homem. — Os cães não lhes farão mal... se eu não ordenar. Suponho que já tomaram a primeira refeição...
— Os cães ou nós? — murmurou Cliff, por fim.
Os velhos sorriram, divertidos.
— Gosto das pessoas que têm senso de humor, senhor Nash — declarou ele. — Em troca, não aprecio as que se metem em assuntos que não lhes dizem respeito. Compreende?
— Sabia todo o tempo que eu era Clifford Nash. Não é assim? — indagou Nash.
— É evidente que você não pôde enganar meus empregados dos Estados Unidos durante muito tempo.
Imagino que o tenham reconhecido e acharam melhor trazê-lo até aqui, pois perceberam que lá dispõe de muitos meios de investigação. Fui informado de tudo no que concerne a você e sua bela acompanhante. Não foi lamentável o que sucedeu em Miami, senhor Nash?
— Foi terrível! — afirmou a velha senhora. — Esperemos que não volte a acontecer nada parecido.
— Vejo que estão a par de tudo — disse Cliff. — Posso saber quem são vocês?
— O doutor e a doutora — disse o homem, sorrindo.
— Isto é tudo?
— É suficiente. Sabe por que achamos conveniente trazê-lo aqui, senhor Nash?
— Fale.
— Porque o fato de o senhor ter conseguido ocupar o lugar do casal Lassiter indica claramente que sabe muitas coisas sobre meus empregados dos Estados Unidos. É natural que eu queira saber o que você conhece sobre eles para poder agir de agora em diante. Ao que parece, ver-me-ei obrigado a reestruturar minha organização em seu país. Não acha?
— Isso não é da minha conta.
— Tem razão. Você terá apenas que me dizer o que sabe dos meus empregados, melhor dizendo, de quais empregados sabe algo, a fim de que possa retirá-los do trabalho por uma temporada ou fazer com eles o que mais convier.
— Matá-los, por exemplo?
— Por que não, se sua existência se tornar prejudicial para mim?
— Pensa em nos matar também?
— Ainda não decidi. Segundo me consta, vocês estão interessados no zoo... Gostariam de vê-lo?
— Sim.
O doutor assentiu com a cabeça e fitou Ophelia.
— Você não diz nada, jovenzinha? Parece Ho assustada...
— Não — negou Nash. — É que é uma das poucas mulheres que sabem quando devem ter a boca fechada.
— Uma qualidade bastante elogiável. Por curiosidade, senhor Nash, o que aconteceu com Tamblin e Ketter e os dois cães?
— Fui obrigado a matar dois homens e um cão. O outro nós seguimos até a granja.
— Entendo. Daí conseguiu a pista até os demais... Avisou a polícia, suponho...
— Sim.
— Neste caso, Maxwell Crosk, Margo Tracy, James Wilkes e as três moças de Nova Orleans estão vigiadas.
— Exatamente.
O ancião ficou pensativo, mas a mulher pôs uma mão sobre as suas, dizendo:
— Não se preocupe. Mesmo que sejam presos, não poderão dizer nada. Sabem que o zoo existe e o que fazemos aqui em sua maior parte, mas não poderão nos encontrar. Enquanto não chegarem ao piloto do grande avião, não há o que temer. Mesmo que detenham todos e se inteirem de muitas coisas, estaremos a salvo. Além do mais, poderemos prescindir dos clientes dos Estados Unidos.
— É onde ganhamos mais dinheiro — arriscou o doutor.
— Não importa. Deixaremos esse país fora de nossas cogitações por algum tempo... Se quiser, suspenderemos nossas atividades.
— Deixar o trabalho? — disse sobressaltado o doutor. — Claro que não podemos fazer isso!
— Para que prosseguir? — murmurou ela, abatida, retirando a mão que cobria os dedos do marido. — Na realidade, faz tempo que sabemos de nosso fracasso e nos convertemos em algo muito diferente do que sempre sonhamos.
— Está certo — retrucou ele. — Mas, ao menos, temos dinheiro... E só com muito dinheiro poderei seguir tentando.
— Não queira enganar-se a si mesmo. Ambos sabemos o que ocorreu. Agora, a única coisa que nos interessa é o dinheiro. Mas, por acaso, não foi mais do que o suficiente? O melhor a fazer é acabar com tudo, esquecer o zoo porque sabemos que é inútil. Queríamos ser considerados maravilhosos. Agora, porém, se a polícia nos capturar, seremos condenados à morte.
— A polícia nunca nos prenderá.
— Quer prosseguir, então?
— Sim. É um divertimento para mim. E para você... Não negue.
— No princípio me divertia. Agora, não. Será que você ainda se diverte com este trabalho?
— Claro. É verdade que não consegui o que planejava, mas tenho dinheiro. Quem sabe se um dia terei êxito?
— Não alimente ilusões... Já não somos os mesmos.
— Não devíamos discutir na presença de nossos convidados — disse o doutor, fitando sorrindo a Cliff e Ophelia. — Terei muito prazer em lhes mostrar o zoo, se realmente desejam vê-lo.
— Sim — afirmou Nash. — Tenho muita curiosidade em apreciá-lo e saber por que as pessoas que o visitaram negam tê-lo feito.
— Nós também negaremos que o vimos, Cliff? — indagou Ophelia.
— Vocês são diferentes dos nossos visitantes habituais — adiantou-se o doutor, antes que o rapaz pudesse responder à pergunta da moça. — São mais jovens, mais formosos... Formam um casal magnífico! É bem possível que minha decisão sobre vocês seja diferente.
— Vai nos assassinar? — inquiriu Ophelia. — Não nos deixará regressar aos Estados Unidos como os demais?
— Assassiná-los? Claro que não. O destino de ambos merece algo mais importante que o do resto dos convidados.
O doutor pôs-se de pé e continuou:
— Bem. Vamos ver o zoo.
Os quatro doberman ergueram-se também e a doutora foi a última a fazê-lo. Parecia fatigada.
— Importa-se se eu ficar em casa? — desculpou-se.
— Não. Eu farei as honras a nossos jovens visitantes. Até logo!
Saíram da casa rodeados pelos cães. Norberto estava ali esperando, conversando com o motorista do carro. Clifford observou-os com atenção, procurando em suas roupas a saliência que revelasse a presença de uma pistola; mas chegou à conclusão de que não estavam armados. Quanto ao doutor, protegido pelos quatro dobemann, não precisaria de arma alguma.
— Abra, Norberto — ordenou o doutor. — Vamos entrar. Suponho que todas as jaulas estejam bem fechadas.
— Sim, doutor, naturalmente.
O atlético negro começou a caminhar na direção da paliçada e os demais o seguiram. Enquanto se movimentavam, Cliff notou algo que chamou sua atenção de modo especial: os dobermanns iam se atrasando, até o ponto de obrigar o doutor a se voltar para eles, a fim de ordenar que seguissem em frente. Só assim, os animais reuniram-se ao grupo, embora parecessem ressabiados, amedrontados.
Havia uma porta na paliçada, que foi aberta por Norberto. O negro desapareceu, regressando depois de alguns minutos. Mas nesse intervalo, Cliff e Ophelia escutaram um verdadeiro coro de grunhidos, gemidos, lamentos e rugidos de fúria. Os cães retrocediam tremendo e o doutor precisou de toda autoridade para conseguir que os animais entrassem por aquela porta.
Ophelia se agarrara com as duas mãos a de Cliff, que notava seu tremor, sua tensão. Ele, por suá vez, não estava menos assustado do que a moça. Por um instante, teve vontade de recusar ao convite para ver o zoo, mas Norberto lhes fez um sinal e ambos cruzaram a porta, seguidos pelo doutor.
Ali dentro, o coro de gritos, rugidos e lamentos tomava-se mais forte. A paliçada era circular e presas à parede de troncos estavam as jaulas, de sólidos barrotes. Era dali que brotava aquela espécie de tempestade de sons. Um dos dobermanns conseguiu escapar a toda pressa antes que Norberto tivesse tempo de fechar a porta. Os outros se chocaram contra os troncos e começaram a ladrar, até que o doutor deu um soco na cabeça de um deles. Então, emudeceram, mas continuaram tremendo, sem controle.
Clifford Nash deixou de prestar atenção aos cães ao sentir a dor aguda na mão à qual Ophelia se agarrava. Instintivamente, retirou-a e viu nela as marcas produzidas pelas unhas da jovem a tal ponto que fazia o sangue brotar dos arranhões. Surpreendido, fitou Ophelia e a viu, lívida, com as pupilas fixas em uma das jaulas. Então, olhou também e sentiu como se o chão faltasse sob seus pés.
— Venham. Venham vê-los de perto — convidou o doutor.
Mas nem Cliff nem Ophelia podiam mover-se do lugar. Ambos, brancos como cadáveres, contemplavam o exemplar que ocupava aquela jaula.
— Não temam — pareceu-lhes chegar a voz longínqua do doutor —, as jaulas estão bem fechadas. Venham, venham... Tenho muitos exemplares variados.
Os dois caminharam como autômatos até aquela primeira jaula. Dentro havia um homem, ou algo parecido. Estava completamente despido, sujo e coberto de crostas supurantes por entre as quais crescia pelo. Seus cabelos e barba eram muito compridos e formavam um emaranhado de tal forma, que só permitia ver os olhos negros, ardentes, de córneas avermelhadas... Os lábios sem cor e cheios de gretas entreabriam-se para mostrar os dentes amarelados. Parecia mais uma fera do que um homem.
— Pelo amor de Deus... — gaguejou Cliff, apavorado.
— Não lhe parece um exemplar interessante?
Dispunha-se a fitar o doutor, quando percebeu que Ophelia havia se virado de lado e vomitava. Acercou-se dela e apertou-a contra o peito, abraçando-a pelos ombros. A jovem fechou os olhos, tremendo, e Cliff olhou ao redor, vendo o cartaz no alto da jaula, com os dizeres: Sapavanda (Índia).
— A senhorita Prince não se sente bem?
Nash encarou o doutor, que os contemplava entre amável e surpreso. Atrás dele via a figura gigantesca de Norberto.
— Mas... O que é isto? — gemeu Cliff.
— Meu zoológico. Venha, venha... Quero lhes mostrar mais exemplares.
O doutor caminhou na frente, mas nem Ophelia nem Cliff conseguiram se mover. Norberto empurrou o rapaz e, então eles prosseguiram adiante, a moça abraçada à cintura de Cliff, e andando com os olhos fechados.
Na jaula seguinte, o cartaz indicava: Tao Cheng (China).
— Este é o leproso do zoo — apresentou o doutor.
— O... leproso? — indagou Cliff, quase gritando.
— Sim, claro. Parece que você ainda não entendeu isto, meu caro!
— Por Deus! E claro que não entendi! Jamais poderei entender!
— Não se precipite em suas opiniões. Deixe-me explicar. Já visitou algum zoológico? Estou certo que sim. Muito bem: o que viu ali? Exemplares da fauna mais interessante. Não é verdade? Agora, diga-me, senhor Nash: por acaso, o homem não faz parte da fauna do planeta Terra?
— O senhor... O senhor é um louco!
— Claro que não. Sou apenas um cientista. Até a alguns anos estudei animais irracionais. Um dia consegui um gorila. Interessante. Coloquei-o em uma jaula e comecei a experimentar com ele...
— Que tipo de experiências?
— Boa pergunta... — diste e sorriu o doutor. — Todas as experiências que puderam me ajudar a conhecer a natureza animal, suas possibilidades em todos os aspectos, sua evolução. Dessa forma, são injetados determinados vírus em seus corpos para que adoeçam e, logo, se começa a estudar neles o modo de curá-los em benefício do homem. Não é assim, senhor Nash?
— Bem... Sim, mas...
— Mas — interrompeu-o o cientista. — Em todas as investigações, encontramos sempre a mesma dificuldade: a falta de comunicação do animal utilizado. Sabemos o que lhe injetamos, assim como a enfermidade que o atacará e então começamos a estudar o modo de curá-la. Em todo este trabalho, o animal nos oferece somente seu corpo. Mas não se comunica conosco, privando-nos, dessa maneira, de uma ajuda que resultaria inestimável. Não seria maravilhoso se um porquinho-da-índia nos dissesse o que sente exatamente, onde lhe dói e o que mais concorre para aliviá-lo? É possível adivinharmos algumas dessas reações. Infelizmente, porém, quem nos poderá garantir que estamos certos em nossas deduções? Por isso, quando consegui o macaco, que era animalzinho muito simpático, comecei a afeiçoar-me a ele e lhe disse: Ah! Como seria diferente se pudesse falar, meu amigo! No final das contas, é o animal mais parecido com o homem! Minha ideia inicial foi ensinar-lhe a falar. Todavia compreendi em seguida que isso era impossível. Não se tratava apenas de falar, mas teria de educá-lo, proporcionar-lhe certos conhecimentos e fazer com que pudesse pensar para poder expressar-se convenientemente. Era de todo impossível. Somente o homem tem meios para isso. Está me compreendendo?
Cliff engoliu em seco e suspirou fundo antes de admitir:
— Receio que sim... Concebeu então a ideia de fazer experiências com seres humanos...
— Exatamente! E comecei a pensar, a pensar... Por fim, já decidido, busquei um lugar adequado e me dediquei a conseguir animais racionais para minhas investigações científicas.
— Eles concordaram em ajudá-lo?
— Claro que não. Vieram até aqui enganados. Quando percebiam já estavam em uma jaula. Para manipulá-los, adormeço-os com uma injeção que disparamos de fora da jaula. Então, são transportados à minha casa, trabalho neles, são devolvidos a seu domicílio e passo a aguardar os acontecimentos, estudando e conversando com eles...
— Por que faz tudo isso?
— Não entendeu ainda, senhor Nash? Em benefício da ciência e do homem! Não pode compreender a importância de minha ideia! Os resultados maravilhosos que se poderia obter... Não obstante, fracassei. Sabe por que não obtive sucesso, senhor Nash?
— Por quê?
— No início, pensei que tudo ia bem, que poderia conseguir o que me propunha, que em pouco tempo teria material suficiente para apresentar uma série de estudos sobre o homem e suas reações que assombrariam o mundo. Ah! Isso teria significado o prêmio Nobel! Mas... Esses estúpidos animais racionais reagiram pior do que os irracionais... Tornaram-se agressivos e, finalmente, deixaram de falar... Eu já havia ordenado que me trouxessem exemplares os mais diversos. Queria ter um zoo humano. O senhor sabe que os homens são diferentes uns dos outros, não apenas em questão direta de raça, mas também de mentalidade, de reações, de sistemas de vida... Um pigmeu africano não é igual a um mongol, assim como um hindu não se assemelha a um sueco, nem um japonês a um árabe. Entende?
— Sim... Claro que entendo... Mas isto tudo é uma barbaridade!
— Por quê? — perguntou o doutor surpreendido. — O que fazemos com os animais irracionais? Não os encenamos em jaulas? Observe a fauna humana. Não é também curiosa e digna de estudo? Compare as diferentes raças, costumes, cor da pele, aspecto físico... Formamos um zoo, senhor Nash. Dispomos de uma imensa variedade que eu poderia estudar, conseguindo o maior êxito científico, em benefício da humanidade. Cada um deles foi contagiado por determinada enfermidade que é ou foi uma praga para o homem. Vamos à jaula seguinte.
Nessa última, o cartaz indicava: Kaleolo (Havaí).
— É um polinésio. Observe-o bem: contagiei-o de sífilis. Hoje em dia, essa doença é um problema praticamente superado, mas... sempre restam pequenos cabos soltos. Eu poderia resolver isso se Kaleolo tivesse colaborado. Negou-se a fazê-lo. Veja seu olhar de ódio, sua boca fechada. Acha razoável a atitude de Kaleolo e dos demais?
Cliff Nash passou a língua pelos lábios. Observou o polinésio que estava comido pelas chagas e tinha o olhar negro cravado no doutor. Com efeito, seus lábios se mostravam tão apertados, tão unidos, que talvez terminassem soldados um ao outro.
— Alguma vez o senhor se colocou no lugar destes homens?
— Claro que não. Eu sou um cientista, eles são apenas exemplares do zoo humano.
— O senhor fracassou...
— Por culpa deles. Compreendi, finalmente, que, por muitos exemplares que abrigasse aqui, a reação de todos seria a mesma: o homem não está disposto a sacrificar-se para ajudar seu semelhante.
— O doutor se sacrificaria? — interrogou Cliff, irônico.
— Talvez. E o senhor, detetive?
— Não.
— Puro egoísmo humano. Enfim, já havia organizado meu zoológico quando admiti que fracassara por culpa do elemento humano. O que fazer então? Soltar todos? Matá-los? Curá-los? Porque sei que se os deixasse livres e saudáveis viriam me buscar e me fariam em pedaços. Foi quando já me dispunha a matá-los e esquecer tudo que tive a grande ideia. Eu possuía um zoo surpreendente. Muito bem: por que não explorá-lo? Não é assim que fazem com os animais? E levaria a vantagem de ter um zoo inédito.
— Que sorte.
— Bem. É sua opinião contra a minha. Veja este exemplar, senhor Nash... Não lhe parece formidável?
Cliff observou primeiro o cartaz. Dizia: Ngo Yae Pinh Dei (Sião).
Logo, olhou para dentro da jaula. Eram dois rapazes muito jovens, unidos pelo cotovelo. A visão de dois autênticos irmãos siameses unidos deixou-o atônito por alguns segundos. Logo ficou horrorizado ao perceber que um deles não dispunha de olhos nem orelhas. Virou-se para o doutor, que sorriu e encolheu os ombros.
— Uma simples alteração cirúrgica... Tratava-se de saber se o que ficasse sem ouvidos e sem olhos perceberia os estímulos visuais e auditivos de seu irmão. Mas eu lhe falava de minha ideia. Para que tivesse sucesso iria necessitar de uma classe muito especial de clientes... Precisava ser gente endinheirada e farta de tudo. Por acaso não ofereço algo realmente novo, original, inédito? Visitar meu zoo é uma experiência impressionante, algo que não se pode esquecer. Não apenas pelo que se vê, mas principalmente porque arranjei as coisas de modo que seja assim.
— Explique-se melhor.
— Meus clientes são obrigados a pagar mensalmente uma cota alta. Por exemplo: a quantia do senhor Ackerman, de Miami, era de vinte e cinco mil dólares mensais. Acha que valia a pena morrer por esse dinheiro?
— Suponho que não — murmurou Cliff. — O que aconteceu?
— O senhor Ackerman seguiu Bridgett Rines, a cobradora de Miami, e, com certeza, exigiu-lhe as fotografias e os filmes, a fim de...
— Que fotografias e filmes são esses?
— Espere — disse o doutor, sorrindo. — Terminemos com o caso do senhor Ackerman. Certamente ele exigiu que Bridgett lhe entregasse as fotos e os filmes. Porém ela não os tinha em seu poder. Ele irritou-se e a matou. Logo, se dedicou em procurar os retratos e os filmes...
— Por isso, a casa estava toda revolvida — murmurou Cliff.
— Ele perdeu tanto tempo que Ketter e Tamblin chegaram com os cães. Os doberman alcançaram o senhor Ackerman quando tentava escapar e o mataram.
Clifford Nash ia se acalmando. Via os nomes no alto das janelas, à medida que iam caminhando, mas evitara olhar o interior das mesmas. Era melhor não ver. Junto dele, mais serena, sem soltá-lo, Ophelia andava, com o olhar fixo no solo.
— O que ocorreu com a senhora Ackerman? — inquiriu Nash.
— Enquanto era estrangulada por um dos meus homens, outro batia fotos para convencer os senhores Lamarr e Holden de que o melhor era obedecer.
— Entendo.
A capacidade de assombro e repulsa de Nash chegara a seu limite. Pensava estar sonhando e a qualquer momento poderia acordar e ficar livre daquele pesadelo.
— Nesta parte estão as mulheres — indicou o doutor. — Não querem vê-las?
Ophelia soltou um grito e escondeu o rosto no peito de Cliff, que simplesmente baixou o olhar.
— Que fotografias são essas, doutor?
— Antes de informá-lo, o senhor e a senhorita Prince irão converter-se em exemplares do zoo. Entrem nesta jaula, por favor.
Cliff ergueu a cabeça, aturdido, e viu Norberto muito próximo, junto de uma jaula cuja porta de barrotes estava aberta.
— Não — negou. — Não, não, não!
— Vamos, vamos, não se assuste... Já lhe disse que compreendi meu fracasso quanto às experiências científicas com seres humanos. Não se trata disso, senhor Nash. É simplesmente porque não disponho de um casal de raça branca. Não é curioso? Tenho pigmeus, watusi, esquimós, japoneses, hindus, chineses, polinésios... Enfim, muitos. Mas, até agora, não tinha representantes da raça branca. Serão uma atração a mais.
— Não vamos entrar aí...
— Neste caso, senhor Nash, verá como meus cães destroçam a senhorita Prince. Escolha. Podem ficar contentes de que reste apenas uma única jaula vazia... Assim, terão que ficar juntos. Entram ou não?
Cliff e Ophelia entreolharam-se. Logo, como autômatos, entraram na jaula, que Norberto fechou com uma chave.
O doutor ficou diante deles, sorrindo.
— Agora, posso satisfazer sua curiosidade, senhor Nash. Dentro em pouco, os demais convidados virão aqui e, sob ameaças, serão obrigados a entrar nas jaulas ocupadas. As mulheres o farão nas jaulas onde se acham meus animaizinhos masculinos e os homens onde se encontram as mulheres raivosas que agora os contemplam. Imagine que fotografias e filmes poderemos tirar quando nossos convidados estiverem nas jaulas com seus pares!
— Você é um louco! Um demente! — gritou Cliff.
— Não, não. Fracassei em minhas ambições científicas, mas estou ganhando rios de dinheiro! Dentro de alguns dias, as fotos e filmes serão projetados para nossos convidados. Logo, serão advertidos de que as películas ficarão arquivadas e que, a menos que a cada mês paguem sua cota, cópias de toda classe serão enviadas ao seu país, cidade e ao seu círculo social... Não há marido que não esteja disposto a pagar, senhor Nash. Compreende? Para todos que vêm ao zoo, a experiência é muito amarga. Preferem não falar disso, esquecê-lo... mas cada mês pagam o estipulado. Tenho clientes em toda a América. É lamentável que o que começou por amor à ciência termine por amor ao dinheiro. Verdade? Não se perde o espetáculo. Pense que você e a senhorita Prince foram afortunados...
Reação veloz
Clifford Nash e Ophelia Prince permaneciam sentados dentro da jaula, silenciosos, sem sequer se fitar, cada um deles mergulhado nos próprios pensamentos.
O doutor cumprira sua palavra, mostrando-lhes o zoo. Não fora um sonho, mas uma dolorosa realidade.
Depois, Norberto chegara com os cães, conduzindo os convidados e acontecera tudo aquilo. Pânico geral. As fotografias foram batidas...
Ele e Ophelia já não queriam ver nada... Tinham fechado os olhos e tapado os ouvidos com as mãos para não ouvir os gritos desesperados de todos.
Nesse momento não se ouvia nada. Nada. O silêncio era total.
Só de vez em quando, uma espécie de gemido proferido por algum dos inquilinos daquele zoo espantoso cortava o ar.
De ambos os lados da jaula que ocupavam, haviam outras, todas exibindo pobres mulheres desesperadas, verdadeiros trapos humanos.
Ophelia e Cliff não queriam olhar, nem ouvir, não queriam saber mais nada. Haviam visto o princípio e fora demasiado... Algo apavorante como jamais podiam imaginar.
— Meu Deus!... — suspirou Ophelia, depois de longo silêncio.
Cliff levantou a cabeça e fitou-a.
Já era noite, mas o céu não tinha nuvens e as estrelas e a lua em quarto minguante, cada vez mais fina, podiam ser vistas com facilidade.
— Ophelia...
— Cliff... Estou morta de medo! Creio que vou morrer de medo!... Não sei quanto tempo aguentarei esta situação!
Ele se acercou, abraçando-a.
— Acalme-se... Por favor, querida, acalme-se. Precisamos nos conservar serenos. Compreendo seu medo, seu pavor, mas não deve deixar-se dominar pelo histerismo.
Ophelia se abraçou a ele com força. Estavam ambos sentados e ela começou a chorar mansamente. Cada estremecimento da jovem era como uma chicotada que Cliff Nash recebia. Queria tirá-la dali e voltar a Miami, esquecer tudo. Mas, como conseguir tal coisa? Já tentara abrir a porta da jaula, sem o menor êxito. Era impossível separar os grossos e fortíssimos barrotes de ferro. Achavam-se em uma jaula, no zoo, isto era tudo. E ali ficariam... Por quanto tempo? O que mais estava para acontecer?
Fosse o que fosse, teve início uma hora mais tarde.
Ophelia e Cliff permaneciam sentados, abraçados, em silêncio e a moça parara de chorar.
Nash percebeu que a porta da paliçada se abria. E não teve a menor dificuldade em identificar a pessoa que entrou, fechando-a atrás de si: era impossível confundir Norberto, tão grande, tão atlético. Cliff sacudiu Ophelia suavemente, indicando-lhe o indivíduo. Ambos viram o negro aproximar-se.
Norberto deteve-se diante da jaula, sorridente. Que dentes tão brancos e enormes!...
Clifford Nash teve uma esperança, mas, em seguida, compreendeu que se equivocara, quando o negro disse:
— Vá para o fundo da jaula, senhor Nash e vire-se de costas.
Cliff pôs-se de pé e se agarrou aos barrotes, perguntando:
— O quê?... Aiii!
— Cliff! — exclamou Ophelia, erguendo-se também. — O que houve?
— Nada — arquejou o rapaz. — Nada.
A verdade é que algo ocorrera. Norberto havia estendido a mão armada com um porrete de uns cinquenta centímetros, golpeando os dedos de Cliff. E depois, enquanto Nash colocava a mão machucada sob a axila do outro lado em busca de alívio, Norberto brandiu o pedaço de pau com mais força ainda, sem subterfúgios.
— Faça o que lhe ordeno.
— O que pretende?
— É muito simples: gosto de sua esposa, senhor Carawan...
Soltou uma gargalhada e agitou mais o porrete.
Clifford Nash fitou-o por alguns segundos. Logo, deu meia-volta e caminhou até o fundo da jaula, seguido por Ophelia, que se abraçou a ele, trêmula de pavor, pois compreendera também as intenções do negro.
— Oh, meu Deus, não!... Cliff! Não deixe que ele!... Não, Cliff, não! Quer matá-lo a golpes!...
— Afaste-se! Não é por mim quem deve se preocupar — disse Nash com voz rouca.
Empurrou-a e Ophelia ficou encolhida, fitando Norberto com olhos desorbitados pelo medo. O negro acabava de entrar na jaula e tratava de trancá-la de novo com a chave enorme. Guardou-a e se acercou por trás de Cliff que permanecia de costas, imóvel. Ergueu o porrete. Ophelia conteve um grito e levou as mãos; à boca. Norberto brandiu um golpe tremendo contra a cabeça de Cliff Nash, que percebeu o momento exato da ação do negro, graças ao alarido feito pela jovem.
Sua reação foi tão veloz que Norberto não pôde evitá-la. O pedaço de madeira bateu em um dos barrotes transversais, ressoando com estrépito, sem roçar sequer Cliff, que se virou e atirou a mão direita, rígida, de dedos separados, contra o rosto do guardião do zoo. O alarido deste foi espantoso quando o dedo indicador de Cliff mergulhou em seu olho esquerdo. Sua reação foi instintiva, normal: soltou o porrete e levou ambas as mãos ao rosto, sem deixar de berrar.
Nash aproximou-se, lhe golpeando na altura do estômago. Sabia muito bem que seus socos eram terríveis, capaz de enviar um homem a dois ou três metros com um único golpe.
Todavia, o que ocorreu com Norberto foi tão surpreendente, que deixou o detetive imóvel, pasmado. O negro parou de gritar, afastou as mãos do rosto e atirou-se contra Cliff, que se inclinou, recebeu a avalanche humana sobre os ombros e, ao erguer-se com violência, jogou-o contra os barrotes existentes às suas costas.
Norberto bateu a cabeça na grade de ferro e caiu sentado, ao mesmo tempo em que procurava se livrar da tonteira momentânea que o invadira.
Cliff, porém, não permitiu que se refizesse. Recolheu o porrete do chão e antes que o negro pudesse esboçar outra reação, golpeou-o no alto do crânio.
Os olhos de Norberto se abriram muito, ficaram desorbitados, mostrando as córneas brancas e giraram sem controle. Finalmente, o colosso negro caiu fulminado para trás, golpeando-se de novo contra os barrotes.
Ficou do jeito que tombou, inerte, quieto.
Cliff acocorou-se a seu lado e tomou-lhe o pulso. Estava vivo, mas desmaiado o suficiente para não inteirar-se de nada. Arrancou-lhe a chave e acercou-se de Ophelia, tomando-a pelo braço.
— Vamos sair daqui.
Abriu a porta da janela e viram-se no exterior. Naquele momento, os ocupantes do zoo começaram a berrar, gritar e golpear as barras.
Vozes roucas, esganiçadas, gritavam em inglês, chinês, francês e em outros idiomas, pedindo liberdade. Cliff Nash ficou sem saber o que fazer. Pensou: Liberdade? Que liberdade podiam esperar aqueles pobres seres? Que classe de vida, que futuro teriam?
A gritaria, não obstante, era terrível, furiosa, suplicante. Todas as jaulas se estremeciam sob a pressão daquelas mãos descamadas, daqueles dedos chagados.
Por cima da paliçada Cliff divisou o brilho da luz. Compreendeu que era da casa do doutor e da doutora. Haviam despertado com o barulho infernal que infelizes faziam.
— Esse louco virá com os cães, Cliff — lembrou Ophelia, com voz trêmula.
— Tenho algo muito adequado para os animais — afirmou o jovem.
Após falar, Nash não vacilou mais. Abriu uma jaula, depois outra e outra e outra.
A gritaria nesse momento era indescritível ao seu redor. Os berros pareciam partir seus tímpanos. Alguns dos inquilinos do zoo caíam ao sair das jaulas, sem forças para se manterem sobre as pernas.
Cliff atirou a chave dentro de uma das jaulas ainda fechadas, ordenando:
— Abra você mesmo e continue abrindo as demais!
Ele e Ophelia estavam rodeados de seres livres que caíam ou que corriam de um lado para outro, sem saber o que fazer.
Só gritavam e gritavam... Alguns choravam, certamente, de alegria por se sentirem livres de novo.
Cliff buscou a mão de Ophelia e apontou a porta. Começaram a correr nessa direção. Todavia, naquele instante, a entrada se abria e os quatro cães surgiram a toda velocidade.
Clifford Nash não se surpreendeu em absoluto pelo que aconteceu em seguida.
Os quatro dobermann, por sua vez, resvalaram sobre a poeira em seu intento apressado de frear a corrida e, depois de rolar pelo chão, um deles ficou em pé, soltou um gemido de pavor e se lançou atrás dos companheiros em louca carreira buscando a saída, fugindo dos seres do zoo, que se precipitavam, por fim, até a porta aberta recém-descoberta.
A chave corria de mão em mão e cada vez era maior o número dos libertados, quando Cliff e Ophelia conseguiram chegar à saída, fechada por aquela massa pestilenta, enferma, ulcerosa.
O espetáculo daquela pobre gente era tão horrendo que Ophelia retrocedeu. Cliff entendeu o gesto da companheira e se dispôs a esperar de um lado da porta, aguardando que todos houvessem saído. Sabia que os cães estavam se afastando dali como se estivessem perseguidos por mil demônios.
— Não se mova daqui — recomendou à Ophelia.
Sem perder um minuto, dirigiu-se à jaula onde havia deixado Norberto e entrou. Tinha certeza de que o negro chegara de carro e devia ter também a chave do veículo no bolso. Se fosse assim, poderia...
Deteve se, espantado, de olhos presos naquela coisa que havia no piso da jaula. O que era aquilo? Observou o local onde deixara Norberto estendido e não viu nada. Voltou a fitar a coisa que aparecia diante dos seus pés e retrocedeu ao perceber que se tratava de uma perna humana. Logo, viu os demais restos do corpo despedaçado do negro, espalhados pela jaula.
Sentiu uma aflição tão grande que teve de se agarrar a um dos barrotes e permanecer ali, com os olhos fechados, lutando para não vomitar. Durante alguns segundos, pensou que jamais voltaria a respirar com normalidade. Pouco a pouco, porém, conseguiu se acalmar e foi se recuperando.
— Cliff! Cliff! — escutou a voz assustada de Ophelia. — Não me deixe sozinha aqui!
O grito angustiado da moça trouxe-o de volta à realidade. Abriu os olhos e observou ao redor.
Descobriu os pedaços da roupa manchados de sangue o ocupou-se em examiná-los até encontrar a parte das pernas da calça. Soltou uma exclamação de alegria quando seus dedos apalparam a dureza das chaves do carro. Retirou-as, limpou-as e correu até a porta.
Cruzava a esplanada do zoo quando notou que já não restava ninguém nas janelas.
— Cliff! Por Deus! Onde esteve? — perguntou a jovem, trêmula e assustada.
O rapaz acercou-se rápido e ela abraçou-se a ele. Estavam sozinhos no zoológico. Os exemplares do doutor se afastavam mais e mais de sua prisão horrenda, enchendo o ar com seus gritos e berros estridentes.
— Acha que estão se dirigindo à casa do doutor? — inquiriu Ophelia.
Cliff estremeceu, recordando o que as “feras” do zoo haviam feito com Norberto. Assentiu apenas, enquanto, segurando a mão da moça, começava a correr com ela, saindo da paliçada. Ali, muito próximo desta, viram o automóvel.
— O carro! — exclamou Ophelia. — Se as chaves estiverem...
— Estão comigo, querida — disse ele, exibindo-as diante dos olhos esperançosos da jovem.
Meteram-se no veículo e Cliff tratou de pô-lo em marcha. Fez uma manobra, dirigindo-o até o caminho. A casa do doutor estava totalmente iluminada e essa luz facilitava o movimento do carro pela estrada de terra. Apesar disso, acendeu os faróis e ainda pôde ver as “feras” entrando na vivenda.
Ao passar muito próximo desta, os gritos que escapavam dali eram horripilantes e o fogo já aparecia por uma janela. Alguns daqueles seres correram atrás do carro, mas Cliff tratou de acelerá-lo, deixando-os desconcertados.
— Devem ter matado o cientista e a mulher — afirmou Ophelia.
— Sim. Devem tê-los feito em pedaços — assegurou o jovem.
— Por que diz isso?
— Não sei... Imagino que o tenham feito — mentiu ele, evitando contar o que vira na jaula, onde deixara Norberto desacordado.
— Santo Deus! A casa está pegando fogo por todos os lados!
— Melhor assim. Se o arquivo dessa chantagem estiver aí dentro, não sobrará nem rastro... Cuidado!
Ophelia virou-se para a frente, sobressaltada. Escutou o golpe contra o automóvel, mas não chegou a ver do que se tratava.
— O que foi isso, Cliff? — perguntou.
— Nada... Nada.
Contudo, compreendeu muito rápido o que sucedera quando viu vários homens no caminho levantando os braços e fazendo sinais para que o veículo se detivesse.
— São os criados do doutor!
Cliff buzinou forte, mas um dos empregados desafiou-o, ficando em frente do automóvel. Então, Nash aumentou a velocidade fazendo-o saltar no ar, obrigando os demais a se afastarem para os lados a fim de não serem também atropelados.
— Você os vê ainda? — indagou o rapaz, sem diminuir a marcha.
Ophelia virou o rosto para trás, retrucando:
— Sim, porque as chamas que envolvem a residência ilumina tudo. Estão correndo para lá, Cliff.
— Não sabem o que os espera — disse Nash, apertando os maxilares. — Vão deparar com seus amiguinhos do zoo no meio do caminho. Sinto por eles... Mas para nós será ótimo, porque ficarão distraídos. — fechou a cara e disse: — Vá correndo ao lugar onde estão os automóveis e assegure-se, querida! Depressa! Não se demore!
Haviam chegado diante da outra casa, que servia de alojamento para os convidados. Ophelia abriu a porta e saltou, tratando de obedecer a ordem do rapaz. Ele, por sua vez, buzinou forte por alguns segundos e também saiu do veículo, olhando para as janelas do andar superior, nesse momento cheias de assustados clientes do zoo.
— Deixem tudo e desçam imediatamente! Não temos tempo a perder! — gritou Cliff. — Vamos em busca do avião!
Não teve necessidade de dar mais esclarecimentos. Em escassos minutos, os convidados estavam fora da casa e vários homens correram até o enorme galpão da parte de trás, onde se achavam os automóveis. Eram cinco no total.
Ophelia reapareceu, informando com alegria:
— As chaves estão nos veículos, querido!
— Graças a Deus — murmurou ele. — Entrem, depressa!
Os casais se distribuíram da melhor forma possível e Cliff abriu a marcha na direção que supunha certa para chegar onde imaginava que permanecia o avião.
— Acelerem! Acelerem! — gritava. — Os empregados do zoo podem chegar de um momento para outro!
Em menos de dois minutos, a comitiva se afastava da casa-grande. Sempre à frente, Cliff encontrou a marca dos pneus no chão e tratou de segui-las. Estava convicto de que iriam dar com o avião.
Calculando o tempo gasto na noite anterior da chegada do avião à casa, pensou que a distância a cobrir não podia ser superior a dez quilômetros. Em alguma parte da selva, camuflado, o avião esperava para levar os “convidados” de volta aos Estados Unidos, uma vez que tivessem acertado com o doutor as condições da chantagem, em especial a cota que deveriam pagar por mês.
Levavam seis ou sete minutos seguindo as marcas quando Cliff deteve o carro e desceu rapidamente, virando-se para a caravana motorizada. Quando todos o imitaram, gritou:
— As mulheres devem ficar nos automóveis! Os homens virão comigo. Entendido?
Todos concordaram.
Fim da linha
Lucille e seus companheiros de serviço estavam sentados nos lugares reservados aos passageiros, bebericando.
Durante os dias de espera, para evitar que o avião fosse descoberto, permaneciam ali e o aparelho se convertia em hotel para a tripulação, camuflado com uma rede e ramagens que todos sabiam manejar facilmente. A inatividade resultava um tanto aborrecida, mas haviam descoberto o modo de passar o tempo, ainda que fossem dois homens apenas e três mulheres.
— Gostaria de estar agora em um lindo hotel de Nassau ao invés de estar aqui — comentou Lucille, sorrindo e tomando mais um gole de champanhe. — Eu penso que...
Cortou a frase e ficou atônita, boquiaberta, olhando o exterior, por entre a camuflagem de ramagens sustentadas pela rede.
— O que foi? — perguntou o piloto, erguendo as sobrancelhas.
— Juraria que vi... Ah! Já estão de volta!
— Quem? — indagou outra das moças.
— Quem podia ser? Os clientes, os convidados...
Correram até as janelas e, com efeito, na escuridão da noite, entre as folhagens, puderam distinguir as luzes dos vários carros que se aproximavam.
— Caramba! — exclamou o piloto, surpreso. — Foram rápidos desta vez! Normalmente gastam três ou quatro dias para se... decidirem... Logo, teremos que conduzi-los a um lugar a que possam ir por sua conta, terminar o “agradável” passeio...
— Seja como for, nossa estada na selva será mais curta desta vez — disse rindo outra garota. — Não podemos nos queixar. Verdade?
O copiloto abriu a grossa porta de acesso ao avião e ficou ali esperando. Quando os passageiros chegassem, desceriam a escadinha e, logo, estariam sobrevoando a selva.
— Vamos pôr tudo em ordem, meninas — ordenou Lucille, apressando-se em recolher as garrafas e os vários copos espalhados.
— Para quê? — disse rindo uma das garotas. — Agora já não nos acharão simpáticas, mesmo que limpemos tudo isto aqui.
Riram, divertidos. O piloto foi para a cabine de comando e o copiloto continuou olhando o exterior. Quando colocassem a escadinha começariam a retirar a rede de camuflagem e poderiam decolar sem perda de tempo ou ainda esperar o amanhecer, que não tardaria muito, porque, no trópico, as noites são tão curtas que...
— Ei! O que estão fazendo? — exclamou o homem, sobressaltado. — Vão bater no avião!
Todos correram para observar o que sucedia. Mas os carros que chegavam, iluminando nesse momento a grande massa do aparelho camuflado, não bateram nele; simplesmente o rodearam. Logo, com todas as luzes acesas, uma das buzinas soou.
— Algo aconteceu — murmurou o piloto.
— Vocês do avião! — ecoou uma voz forte. — Sou Carawan ou Nash, como preferirem! Saiam todos daí com as mãos para cima ou vamos incendiar o aparelho com vocês dentro! Têm um minuto para pensar!
Os tripulantes fecharam a porta e entreolharam-se, bastante assustados.
— O que aconteceu? — perguntou o copiloto.
— Seja o que for, estamos numa situação difícil — arriscou uma moça.
— Esse tal Nash é detetive particular — cortou o piloto. — Não podemos tapeá-lo. Não é nenhum tolo... Mandou colocarem os carros para não podermos decolar. Acho conveniente ceder.
— Não concordo — protestou Lucille. — Estamos a salvo aqui dentro. Temos tudo. Em troca, aí fora, eles estão expostos a todos os perigos... Não têm água nem comida...
— Parece que não entendeu bem o que esse tal Nash disse, garota — esclareceu o piloto. — Ele foi claro: se não sairmos com as mãos para cima em um minuto, tocará fogo no avião. Não há o que escolher, Lucille. Ou nos entregamos ou morreremos assados como perus no Natal.
— Não se atreverão e...
— Engana-se! Pense no estado de ânimo dessa gente, garota. Coloque-se no lugar deles. O que faria depois de presenciar tanta hediondez?
Não demorou muito e todos concordaram com o piloto. Momentos depois, saiam do avião como Nash ordenara.
Clifford Nash e seus acompanhantes não tiveram trabalho com os tripulantes do avião. E, quando este aterrissou às dez da manhã do dia seguinte no Miami International Airport, a polícia já o esperava. Um dos policiais era o tenente Cassidy, da Seção de Homicídios.
— E agora, escute o final da história, netinha querida.
— Sim, vovozinho.
— Bem... A polícia se encarregou de todos os criminosos, metendo-os no cárcere. Puseram-se ainda em contato com as autoridades do país onde fica aquela selva e se erguia o zoo e soldados e policiais foram enviados para lá, encontrando os pobres seres vagando por ali. Alguns haviam sucumbido, outros estavam loucos para sempre, mas alguns deles se salvaram, porque foram bem atendidos... Está ouvindo, minha netinha?
— Sim, vovô.
— Ah! Daqueles filmes e fotografias não restou nada, tudo se queimou, inclusive os cadáveres do doutor e da doutora. E aquela gente endinheirada aprendeu a lição, compreendendo que na vida há algo mais importante do que divertir-se a qualquer preço. Agora, certamente, devem estar tranquilos e esperamos que dispostos a pensar melhor nos seus semelhantes... Então, gostou da história?
— Sim, vovô.
— Muito bem. Agora, é hora de dormir, netinha querida.
Ao dizer isto, Clifford Nash apagou a luz da mesinha de cabeceira e acabou de estender-se junto de Ophelia Prince, agora, senhora Nash. Ambos se achavam instalados numa bonita suíte do Hotel Solicelo, na Jamaica, desfrutando a lua de mel para esquecer de uma vez por todas que haviam estado em um zoológico.
Uma mão da linda garota deslizou pelo peito do marido, que estremeceu... mas não de medo, precisamente.
— Conte outra história, vovô — sussurrou ela.
O detetive particular virou-se para sua encantadora esposa. A lua refletia no corpo de Ophelia, que brilhava como se fosse de prata. Ele a fitou embevecido, observando a languidez de seus olhos e os lábios úmidos, frescos, com gosto de mel...
— Outro conto? Não prefere dormir, netinha?
— Não, vovozinho... Não tenho sono... Creio que podíamos levar uma garrafa de champanhe até a praia, nos estendermos na areia e contar as estrelas... O que acha da ideia?
O senhor Nash sorriu de orelha a orelha e quase esmagou os lábios carnudos da esposa, num beijo ardente e apaixonado. Momentos depois, estavam na praia particular do hotel, bebericando champanhe e fazendo amor sob a luz das estrelas...
Os sem jeito
Quando Brigitte terminou a narrativa, Mike Grogan perguntou:
— Não podemos publicar isso, Brigitte?
— Sem o consentimento de Cliff, não. Se você está realmente interessado, posso lhe dar o número do telefone dele. Há algum tempo que trabalha para a CIA. O que não posso é trair a confiança de um amigo. Ele me contou tudo em detalhes, mas não tenho o direito de publicar sem consentimento. Não acha?
— Claro — concordou Grogan. — Você tem amigos bem interessantes, minha querida.
— Isso é verdade — afirmou Minello. — Olhe para mim... Sou grande amigo de Brigitte. Um tipo bonitão, elegante, inteligente, culto...
— Ih! Já está embriagado — caçoou Grogan. — E olhe que só bebeu café! Esse maluco cada dia tem miolos mais fora do lugar!
— É? Você acha? — desafiou Minello. — Pois você é um sujeito que nem mesmo Amenotep e Siskarion se interessariam!
— Outra vez com esses indivíduos... Quem são? Colegas desses ginásios asquerosos que você gerencia?
— Asquerosos? — explicou Minello. — Fique sabendo que esses ginásios são estabelecimentos modelo, de onde têm saído os maiores campeões do mundo! E eu não sou gerente deles. Ouviu bem? Sou patrocinador! Promovo competições esportivas!
— Bem... Não precisa ficar tão furioso, rapaz — resmungou Miky.
— Creio que Frankie tem razão — disse Brigitte. — Ele está dedicando sua vida e seu dinheiro a promover o esporte. Logo, só merece elogios.
— Está bem... Está bem... Eu não sabia de nada...
— Não venha agora botar panos quentes... Vá... para as goelas de Amenotep e Siskarion!
— Maldito seja! Quem diabos são esses dois? — inquiriu Grogan. — Esperem: goelas... Você falou em goelas... Logo, são animais... E têm nomes egípcios! Oh, não! Bendito seja Deus! Não me diga que você e esse desmiolado estiveram na pirâmide do tal faraó do Arizona... e que me trouxeram uma reportagem palpitante que nenhum jornal, exceto o Morning pode publicar!
— Exato — disse e sorriu Brigitte, divertida. — Frankie e eu somos os autores desta reportagem que deixará os leitores do Morning de cabelos arrepiados. Verdade, Minello?
— Sim, claro — concordou sorrindo o jornalista. — Nós nos esforçamos para que o jornal desse sujeitinho noticie grandes acontecimentos... E veja o que recebemos? Insultos! Sabe, Brigitte, querida... Ainda continuo pensando que podíamos jogá-lo para aqueles crocodilinhos educados e amáveis do palácio do faraó do Arizona!
Miky Grogan pegou um peso de papel e fez o gesto de atirá-lo sobre Minello, que se escondeu atrás de Brigitte, que, por sua vez, ria alegremente, murmurando:
— Qual... Vocês dois não tomam jeito...
Lou Carrigan
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