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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


VITORIA INVOLUNTÁRIA / Isaac Asimov
VITORIA INVOLUNTÁRIA / Isaac Asimov

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

VITORIA INVOLUNTÁRIA

 

A espaçonave vazava como uma peneira.

Estava destinada a isso. Era exatamente o que se desejava.

Ê claro que durante a viagem de Ganimedes a Júpiter ficou transbordante do mais sólido vácuo espacial. E já que não dispunha também de aquecimento, o vácuo manteve-se à sua temperatura normal, que é uma fração de grau acima do zero absoluto.

Isto estava também de acordo com os planos. Pequeninas coisas como a ausência de ar e calor não afetavam a ninguém naquela espaçonave.

Os primeiros resquícios da atmosfera de Júpiter começaram a penetrar na nave vários milhares de milhas acima da superfície do planeta. Constituía-se quase toda de hidrogênio, embora talvez uma cuidadosa análise revelasse também sinais de hélio. Os indicadores de pressão começaram a subir lentamente.

Esta subida acelerou-se à medida que a nave caía na órbita de Júpiter. Os mostradores, cada qual destinado a indicar pressões mais elevadas, moveram-se até alcançar as imediações de um milhão de atmosferas, onde os números perderam significado. A temperatura, registrada em pares termoelétricos, ergueu-se lenta e vacilante, firmando-se afinal em cerca de setenta graus centígrados abaixo de zero.

A nave movia-se lentamente em direção ao destino, abrindo caminho, pesada, pelo emaranhado de moléculas de gás tão unidas que o próprio hidrogênio era reduzido à densidade de um líquido. Vapor amoníaco, emanando dos vastíssimos oceanos daquele líquido, saturava a horrível atmosfera. O vento, que começara a soprar mil milhas acima, atingira um ponto que mal poderia ser classificado de furacão.

Era evidente, muito antes que a nave pousasse numa ilha bastante extensa do planeta, umas sete vezes o tamanho da Ásia, que Júpiter não era um mundo agradável.

Contudo, os três membros da tripulação acharam que sim. Estavam convictos disso. Mas acontece que não eram exatamente humanos. Nem exatamente habitantes de Júpiter.

Eram simplesmente robôs fabricados na Terra para a viagem a Júpiter.

ZZ Três falou:

- Parece um local desolado.

ZZ Dois, reunindo-se a ele, contemplou muito sério a paisagem varrida pelo vento e disse:

- Há estruturas a distância que parecem artificiais. Sugiro esperarmos que os habitantes nos procurem.

Do outro lado da cabina, ZZ Um ouviu, mas nada disse. Dos três fora o primeiro a ser construído, e era meio experimental. Falava menos, portanto, que seus dois companheiros.

A espera não foi longa. Uma nave aérea de estranho contorno sobrevoou a espaçonave terrestre, seguida de outras. Depois uma fila de veículos terrestres aproximou-se, tomou posição e despejou organismos. Com estes vinham diversos acessórios inanimados, que poderiam ser armas. Algumas eram sustentadas por um só jupiteriano, outras por diversos, e outras ainda moviam-se por si mesmas, contendo talvez tripulantes.

Isso os robôs ignoravam.

ZZ Três falou:

- Eles nos rodearam. O gesto de paz mais lógico seria sair da nave. Concordam?

Concordaram, e ZZ Um abriu a pesada porta, que não era dupla, nem particularmente vedada.

O aparecimento dos três foi sinal de agitação entre os jupiterianos. Movimentaram-se vários dos maiores acessórios inanimados, e ZZ Três sentiu que a temperatura subia no revestimento externo de seu corpo de berilo-irídio-bronze. Relanceando para ZZ Dois perguntou:

- Está sentindo? Creio que estão projetando energia de calor contra nós.

ZZ Dois manifestou surpresa.

- Por quê?

- Trata-se definitivamente de um raio calórico Veja!

Um dos raios desviou-se do alvo, por qualquer motivo incompreensível, e sua linha de radiação atravessou um riacho faiscante de amônia pura, que de imediato começou a ferver.

Três voltou-se para ZZ Um:

- Tome nota disso, ouviu?

- Claro. – A ele cabia o trabalho rotineiro de secretaria, e seu método de tomar notas era fazer uma adição mental ao apurado rolo da memória que existia no seu interior. Já fizera o registro horário de cada instrumento importante de bordo, durante a viagem para Júpiter. E acrescentou tranqüilamente: – Que razão atribuirei à reação? Os mestres humanos gostariam com certeza de saber.

- Nenhuma razão. Ou melhor – corrigindo-se -, nenhuma razão aparente. Registre que a temperatura máxima do raio era cerca de trinta graus centígrados.

Dois interrompeu-o:

- Tentamos nos comunicar?

- Seria perda de tempo – replicou Três. – Não pode haver mais que uns poucos jupiterianos a pai do código de rádio usado entre Júpiter e Ganimedes. Terão de chamar um deles, e quando chegar estabelecerá contato. Entretanto vamos observá-los. Não compreendo sua maneira de agir, digo francamente.

E a compreensão não chegou de imediato. A radiação catódica cessou, e outros instrumentos foram trazidos para a linha de frente e exibidos. Diversas cápsulas caíram aos pés dos robôs em observação, tombando rápida e pesadamente por causa da gravidade de Júpiter. Abrindo-se, derramaram um líquido azul, que formava poças e em seguida diminuía rapidamente, evaporando-se.

O terrível furacão dispersava os vapores, e os jupiterianos afastavam-se do seu caminho. Um deles, demasiado lento, contorceu-se com violência e em seguida ficou imóvel.

ZZ Dois inclinou-se, mergulhou um dedo na poça e observou o líquido gotejar.

- É oxigênio – concluiu.

- É oxigênio, sim – concordou Três. – Isto me parece cada vez mais estranho. Deve ser um sistema perigoso, pois diria que é venenoso para estas criaturas. Uma delas morreu!

Houve uma pausa e em seguida ZZ Um, cuja menor complexidade levava a uma Unha de reflexão mais direta, ponderou:

- É possível que estas estranhas criaturas estejam fazendo tentativas infantis de nos destruírem.

Dois, ao impacto da sugestão, respondeu:

- Creio que tem razão, Um!

Houve uma ligeira trégua nas atividades jupiterianas e então surgiu uma nova estrutura. Ostentava uma fina haste apontando para o céu encoberto pela impenetrável escuridão jupiteriana. Mantinha-se sob o impacto daquele vento incrível numa imobilidade que indicava excepcional vigor estrutural. Da extremidade partiu um estalido, seguido de um raio que iluminou até as profundezas da atmosfera mergulhada num fog cinzento.

Por um instante os robôs ficaram banhados numa pegajosa radiação. Pensativo, Três falou:

- Eletricidade em alta tensão! Uma força bastante respeitável. Um, creio que tem razão. Afinal, nossos chefes humanos disseram que estas criaturas procuram destruir toda a humanidade, e organismos que possuam tão louca malignidade, a ponto de abrigar pensamentos nocivos a um ser humano – sua voz estremeceu à idéia -, não teriam escrúpulos em destruir-nos.

- È uma vergonha possuir mente tão pervertida – disse ZZ Um. – Pobres sujeitos!

- É uma idéia muito triste – admitiu Dois. – Voltemos à nave. Já vimos o bastante por agora.

Foi o que fizeram, decididos a aguardar. Conforme observara ZZ Três, Júpiter era um grande planeta e poderia levar tempo até que um transporte jupiteriano trouxesse um especialista em códigos à nave. Contudo, paciência é o que não falta aos robôs.

Para ser exato, Júpiter rodou três vezes em torno do seu eixo, segundo o cronômetro, antes que o especialista chegasse. O nascer e pôr do sol não alteravam de maneira alguma a profunda escuridão nas profundezas daquelas três mil milhas de denso gás-líquido, de modo que não se podia falar em dia e noite. Mas nem robôs nem jupiterianos enxergavam por meio de radiação visível, de modo que isso não tinha importância.

Naquele intervalo de trinta horas, os nativos persistiram no ataque com uma paciência e constância diante da qual o robô ZZ Um resolveu tomar inúmeras notas mentais. A nave foi atacada por uma força diferente de hora em hora e os robôs observaram atentamente cada uma delas, analisando as armas que reconheciam. Mas isso não acontecia com todas.

Os humanos, porém, haviam construído solidamente. A nave levara quinze anos para ser estruturada, assim como os robôs e suas partes essenciais, e o conjunto podia ser definido em duas palavras: força bruta. O ataque desgastava-se inutilmente, sem afetar a espaçonave ou os robôs.

- Creio que a atmosfera os prejudica – falou Três. – Não podem usar energia atômica, pois abririam um buraco naquela espessa camada e explodiriam.

- Não usaram também explosivos violentos, o que é ótimo – observou Dois. – Não nos afetariam, naturalmente, mas seríamos um tanto sacudidos.

- Explosivos violentos estão fora de cogitação. Não se pode ter um explosivo sem expansão de gases, e isto é impossível nesta atmosfera.

- É uma ótima atmosfera – murmurou Um. – Eu gosto dela.

O que era natural, uma vez que fora para ela construído. Os robôs ZZ eram os primeiros fabricados pela U.S. Robôs e Homens Mecânicos S.A. sem a mais leve aparência humana. Eram baixos e atarracados, com o centro de gravidade a menos de trinta centímetros do solo. Tinham seis pernas, curtas e vigorosas, desenhadas para erguer toneladas em gravidade duas vezes e meia maior que a normal da Terra. Seus reflexos tinham rapidez proporcional, para compensar a gravidade, e compunham-se de uma liga de berilo-irídio-bronze resistente a qualquer agente corrosivo conhecido e a qualquer agente destruidor – à exceção de um disruptor atômico de mil megatons – sob quaisquer condições.

Em outras palavras, eram indestrutíveis e tão vigorosos que passaram a ser os únicos a quem os roboticistas da corporação jamais tiveram a coragem de impor um apelido. Um brilhante técnico havia sugerido Sissy Um, Dois e Três, mas em voz baixa, e a sugestão não encontrara eco.

As últimas horas de espera foram passadas em discussão. Procuravam descrever a aparência dos jupiterianos. ZZ Um anotara que possuíam tentáculos e simetria radial, e nisso haviam ficado. Dois e Três fizeram tentativas, mas não conseguiram ajudá-lo.

- Não é possível descrever muito bem coisa alguma sem um padrão de referência – declarou Três, finalmente. – Estas criaturas não parecem com coisa alguma que eu conheça. Estão inteiramente por fora das trilhas do meu cérebro positrônico. É como tentar descrever um raio gama a um robô não equipado para a recepção de raios gama.

Naquele exato momento, a barragem atacante novamente cessou e os robôs voltaram a atenção para o exterior da nave.

Um grupo de jupiterianos adiantava-se de modo estranhamente desigual, mas nem a mais minuciosa observação poderia determinar seu método exato de locomoção. De que modo usavam os tentáculos era difícil saber. Às vezes deslizavam de maneira surpreendente, depois moviam-se a grande velocidade, talvez com a ajuda do vento, pois adiantavam-se nesse sentido.

Os robôs saíram ao encontro dos jupiterianos, que se detiveram a uns três metros de distância. Ambas as facções permaneceram silenciosas e imóveis.

ZZ Dois falou:

- Devem estar nos observando, mas não sei como. Algum de vocês nota órgãos fotossensíveis?

- Não sei – resmungou Três. – Eles não fazem sentido absolutamente.

Ouviu-se de repente um clique metálico entre o grupo jupiteriano e ZZ Um falou, encantado:

- É o código de rádio. Trouxeram o especialista em comunicações.

Era e tinham trazido mesmo. O complicado sistema de ponto-traço, elaborado penosamente durante vinte e cinco anos pelos jupiterianos e os terrestres de Ganimedes, transformara-se num meio bastante flexível de comunicação e estava afinal sendo posto em ação a curta distância.

Um jupiteriano permaneceu mais à frente, enquanto os outros recuavam. Era ele quem estava falando. Os sinais diziam:

- De onde vêm?

ZZ Três, o de mentalidade mais adiantada, assumiu naturalmente a liderança do grupo.

- Somos do satélite de Júpiter, Ganimedes. O jupiteriano continuou:

- Que querem?

- Informação. Viemos estudar o seu mundo e trazer as nossas descobertas. Se pudéssemos obter a sua cooperação…

Os sinais do jupiteriano interromperam-no:

- Vocês precisam ser destruídos!

ZZ Três fez uma pausa e num aparte aos companheiros disse, pensativo:

- Exatamente a atitude que nossos mestres terrenos previram. São muito estranhos.

Voltando aos sinais perguntou simplesmente:

- Por quê?

O jupiteriano considerava, evidentemente, certas perguntas demasiado tolas para merecerem resposta. Disse apenas:

- Se partirem dentro de um só período de evolução nós os pouparemos, até o dia em que sairmos do nosso mundo para destruir os vermes não-jupiterianos de Ganimedes.

- Gostaria de observar que nós, de Ganimedes e dos planetas interiores…

O jupiteriano interrompeu-o:

- Nossa astronomia conhece o Sol e nossos quatro satélites. Não existem planetas interiores.

Três não insistiu, recomeçando:

- Nós, de Ganimedes, não temos intenções belicosas com relação a Júpiter. Estamos dispostos a oferecer a nossa amizade. Durante vinte e cinco anos seu povo comunicou-se livremente com os seres humanos de Ganimedes. Haverá razão para uma guerra súbita com os humanos?

- Durante vinte e cinco anos supomos que os habitantes de Ganimedes eram jupiterianos – foi a resposta glacial. – Quando descobrimos que não e que vínhamos tratando com animais inferiores ao nosso nível de inteligência, fomos obrigados a tomar medidas para resgatar nossa honra.

E terminou, com lentidão e energia:

- Nós, de Júpiter, não suportaremos a existência de vermes!

O jupiteriano recuou, de certo modo, fazendo um esforço contra o vento, e a entrevista evidentemente ficou encerrada.

Os robôs recolheram-se à nave.

- As coisas estão más, não é? – disse ZZ Dois, que prosseguiu, pensativo: – Foi como disseram os mestres humanos. Eles possuem um complexo de superioridade extraordinariamente desenvolvido, combinado a uma extrema intolerância a qualquer pessoa ou coisa que perturbe esse complexo.

- A intolerância é conseqüência natural do complexo – observou Três. – O problema é que a intolerância deles é agressiva. Têm armas – e sua ciência é bastante avançada.

- Não surpreende que tenhamos sido especificamente instruídos para não atender às ordens jupiterianas – exclamou ZZ Um. – São seres horríveis, intoleráveis, pseudo-superiores! – E acrescentou enfaticamente, com lealdade e fé robóticas: – Mestre humano algum seria assim!

- Isso, embora verdadeiro, não tem relevância – falou Três. – O que importa é que os mestres humanos estão em terrível perigo. Este mundo é gigantesco e os jupiterianos são cem vezes maiores em número e recursos, talvez mais, do que todos os homens do Império Terrestre. Se forem capazes de fabricar um campo de força e usá-lo no casco de uma espaçonave – como os nossos mestres humanos já fizeram – dominarão à vontade todo o sistema. A questão é saber até que ponto avançaram nesse sentido, quais as outras armas que possuem, que preparativos estão fazendo etc. Regressar com esse informe é a nossa função, naturalmente, de modo que é melhor decidirmos qual será nosso próximo passo.

- Isto talvez seja difícil – replicou Dois. – Os jupiterianos não nos ajudarão. – O que, tendo-se em vista as circunstâncias, era dizer muito pouco.

- Parece-me que só temos que esperar. Tentaram destruir-nos durante trinta horas e não conseguiram. Fizeram o possível, com certeza. Um complexo de superioridade envolve sempre a eterna necessidade de salvar as aparências, e o ultimato que nos dirigiram o prova neste caso. Jamais nos permitiriam partir se pudessem destruir-nos. Mas se não partimos fingirão, com certeza, que estão dispostos, por motivos que só eles conhecem, a nos permitir ficar.

E mais uma vez esperaram. Passou-se o dia. A barragem bélica não voltou a funcionar. Os robôs não se retiraram. A ameaça revelara-se inútil. De novo os robôs se defrontaram com o especialista em código de rádio.

Se os modelos ZZ houvessem sido equipados com senso de humor estariam se divertindo imensamente.

Como isso não acontecera, sentiam apenas uma solene satisfação.

O jupiteriano falou:

- Decidimos permitir que permaneçam por um curto período, a fim de verificar pessoalmente o nosso poderio. Regressarão a Ganimedes para informar aos outros vermes seus semelhantes de seu desastroso fim, dentro de uma revolução solar.

ZZ Um anotou mentalmente que uma revolução jupiteriana durava doze anos terrestres. Três respondeu tranqüilamente:

- Obrigado. Podemos acompanhá-los à cidade mais próxima? Há muita coisa que gostaríamos de aprender. – E acrescentou: – Nossa nave não será tocada, naturalmente.

Disse isso em tom de pedido, e não de ameaça, pois nenhum modelo ZZ era belicoso. Toda capacidade mesmo para a mais leve irritação fora cuidadosamente banida de sua construção. Com robôs tremendamente potentes, como os ZZ, um bom humor inalterável era essencial para a segurança nos amos de teste na Terra.

- Não estamos interessados em sua mísera nave – replicou o jupiteriano. – Nenhum de nós se contaminará aproximando-se dela. Podem acompanhar-nos, mas não devem de modo algum chegar a menos de três metros de qualquer jupiteriano. Serão instantaneamente destruídos.

- Convencidos, hem? – observou Dois, num sussurro bem-humorado, enquanto lutavam contra o vento.

A cidade era um porto às margens de um incrível lago de amônia. O vento soprava furioso e ondas espumantes saltavam na superfície líquida em louca velocidade, sublinhada pela gravidade. O porto não era vasto nem imponente e parecia bastante óbvio que a maior parte das construções era subterrânea.

- Qual a população deste local? – perguntou Três.

- É uma pequena cidade de dez milhões de habitantes – replicou o jupiteriano.

- Compreendo. Anote isso, Um.

ZZ Um anotou mecanicamente e voltou-se de novo para o lago, que estivera contemplando, fascinado. Tocando o ombro de Três, perguntou:

- Acha que existem peixes aí?

- Que importa?

- Acho que devemos saber. Os mestres humanos ordenaram que descobríssemos o máximo possível. – Sendo o mais simples dos robôs, aceitava as ordens de maneira mais literal.

Dois interveio:

- Um pode investigar, se quiser. Não há mal em que o garoto se divirta um pouco.

- Está bem. Não há objeção, se não perder tempo. Não viemos procurar peixes, mas… pode ir, Um.

ZZ Um partiu muito animado, descendo rapidamente à praia e mergulhando com espalhafato na amônia. Os jupiterianos observaram-no atentamente. Não haviam compreendido nada da conversa anterior, é claro.

O especialista em código transmitiu:

- É evidente que seu companheiro resolveu abandonar a vida, desesperado com a nossa grandeza.

Três replicou, surpreendido:

- Nada disso. Quer investigar os organismos vivos, se é que existem, na amônia. – E acrescentou como quem pede desculpas: – Nosso amigo é às vezes muito curioso e menos inteligente do que nós, o que é uma pena. Compreendemos isso e procuramos fazer-lhe a vontade sempre que possível.

Houve uma prolongada pausa e o jupiteriano observou:

- Ele se afogará.

Três respondeu tranqüilamente:

- Não há perigo. Nós não nos afogamos. Podemos entrar na cidade assim que ele voltar?

Naquele momento produziu-se no lago um jato de líquido de várias centenas de metros de altura. Projetando-se loucamente para cima, caiu transformado em vapor, que foi soprado pelo vento. Outro jato, mais outro. Depois uma espuma branca formou-se, deixando uma esteira até a margem e desaparecendo gradualmente.

Os dois robôs observaram surpreendidos o fenômeno e a absoluta imobilidade dos jupiterianos indicava que também eles observavam.

Então a cabeça do ZZ Um emergiu e aproximou-se lentamente da margem. Mas algo o seguia! Um ser de dimensões gigantescas, que parecia ser todo constituído de presas, garras e espinhas. Viram então que não o acompanhava por livre e espontânea vontade, mas estava sendo arrastado para a praia. Seu corpo apresentava uma significativa imobilidade.

Aproximando-se timidamente, ZZ Um apossou-se da comunicação, transmitindo uma agitada mensagem ao jupiteriano:

- Lamento muito o que aconteceu, mas esta coisa atacou-me. Eu estava apenas tomando notas. Espero que não seja uma criatura de muito valor.

A resposta não veio de imediato, pois quando o monstro apareceu houve uma louca correria nas fileiras jupiterianas. Quando estas se reconstituíram lentamente e uma cautelosa observação provou que a criatura estava de fato morta, a ordem restabeleceu-se. Alguns mais ousados tocavam o corpo, curiosos.

ZZ Três disse humildemente:

- Espero que perdoe nosso amigo. Às vezes ele se mostra desajeitado. Não temos nenhuma intenção absolutamente de fazer mal a qualquer criatura de Júpiter.

- Ele me atacou – explicou Um. – Mordeu-me sem provocação. Veja! – e exibiu uma presa de sessenta centímetros de comprimento, terminando numa ponta serrilhada. – Quebrou-a no meu ombro e quase deixou um arranhão. Só lhe dei um safanão para afastá-lo… e ele morreu. Sinto muito!

O jupiteriano falou finalmente, e o código parecia um gaguejo.

- É uma criatura selvagem, raramente encontrada tão junto à margem, mas o lago é profundo aqui.

Ansioso, Três falou:

- Se puderem utilizá-lo para alimentação teremos o maior prazer…

- Não. Podemos conseguir comida sem a ajuda de verm… sem a ajuda de outrem. Comam-no vocês mesmos.

ZZ Um ergueu então o ser e atirou-o ao mar com leve movimento de braço. Três falou calmamente:

- Obrigado por sua bondosa oferta, mas não precisamos de alimento. Não comemos, naturalmente.

Escoltados por cerca de duzentos jupiterianos armados, os robôs passaram por uma série de rampas, penetrando na cidade subterrânea. Se na superfície ela parecia pequena e sem importância, sob a terra assumia a aparência de uma vasta megalópole.

Os robôs foram conduzidos a carros acionados por controle remoto – pois nenhum jupiteriano que se respeitasse arriscaria sua superioridade colocando-se no mesmo veículo que os vermes – e transportados a tremenda velocidade para o centro da cidade. Viram o bastante para calcular que ela teria uns cinqüenta quilômetros de extensão e mergulhava pelo menos uns oito quilômetros na crosta de Júpiter.

ZZ Dois não parecia muito feliz ao dizer:

- Se isto é uma amostra do progresso jupiteriano, nosso relatório aos mestres humanos não será muito auspicioso. Afinal, pousamos a esmo na superfície do planeta, com uma chance contra mil de nos encontrarmos nas imediações de uma zona populosa. Segundo o especialista, isto é uma cidadezinha.

- Dez milhões de jupiterianos – disse Três, distraído. – O total da população deve orçar pelos trilhões, o que é bastante, mesmo para Júpiter. Devem ter uma civilização completamente urbana, o que significa que seu desenvolvimento científico será tremendo. Se tiverem campos de força…

Três não possuía pescoço, pois, no interesse do vigor das cabeças, os modelos ZZ giravam firmemente o torso, com os delicados cérebros positrônicos protegidos por três diferentes camadas de liga de irídio, com dois centímetros e meio de espessura. Mas se  tivesse a teria meneado tristemente.

Haviam parado num espaço livre. Ao redor viam-se avenidas e estruturas fervilhantes de jupiterianos, tão curiosos como qualquer terrestre em circunstâncias similares.

O especialista em código aproximou-se.

- Chegou a hora de retirar-me até o próximo período de atividade. Chegamos ao cúmulo de providenciar alojamento para vocês, com grande incômodo para nós, pois a estrutura precisará ser destruída e reconstruída mais tarde. Contudo, poderão dormir por algum tempo.

ZZ Três agitou um braço num gesto deprecatório e transmitiu:

- Agradecemos, mas não precisam se incomodar. Não pretendemos ficar aqui. Se quiserem dormir e descansar, não façam cerimônia. Esperaremos por vocês. – E acrescentou tranqüilamente: – Nós não dormimos.

O jupiteriano não respondeu, embora, caso tivesse rosto, fosse interessante observar-lhe a expressão. Retirou-se e os robôs permaneceram no carro, com uma escolta de jupiterianos bem armados e substituídos com freqüência.

Horas depois, as fileiras dos guardas abriram-se para deixar passar o especialista em código. Vinha acompanhado de outros jupiterianos, a quem apresentou.

- Trago dois oficiais do governo central, que graciosamente consentiram em falar-lhes.

Um dos oficiais evidentemente conhecia o código, pois seu clique interrompeu asperamente o do especialista. Dirigindo-se aos robôs falou:

- Vermes! Saiam do carro para que eu possa vê-los.

Os robôs obedeceram com a maior boa vontade. Enquanto Três e Dois saltavam por sobre a borda, ZZ Um atravessou a esquerda do veículo. A palavra atravessou foi usada corretamente, pois uma vez que não acionou o mecanismo para baixar a parede lateral, por onde se saía, carregou com aquele lado e mais duas rodas e um eixo. O carro desmoronou-se e ZZ Um contemplou as ruínas, num silêncio embaraçado.

Finalmente disse, em voz baixa:

- Lamento muito. Espero que o carro não seja muito valioso.

ZZ Dois acrescentou, pedindo desculpas:

- Nosso companheiro é meio desajeitado às vezes. Desculpem-no, por favor. – E fez uma leve tentativa para reconstituir o carro.

ZZ Um fez outro esforço para desculpar-se.

- O material do carro era pouco resistente, estão vendo? – E ergueu um pedaço de plástico duro como metal, de sete centímetros de espessura. Exercendo pressão com ambas as mãos, facilmente quebrou-o ao meio. – Eu devia ter tido mais cuidado – confessou.

O oficial do governo jupiteriano falou em tom um pouco menos áspero:

- O carro teria que ser mesmo destruído, depois de poluído por sua presença. – E, após um silêncio: – Criaturas! Nós, jupiterianos, não sentimos curiosidade com respeito aos animais inferiores, mas nossos cientistas procuram fatos.

- Concordamos plenamente – replicou Três, bem-humorado. – Pensamos da mesma maneira.

O jupiteriano ignorou-o.

- Vocês aparentemente não dispõem de órgão sensível à massa. Como percebem os objetos distantes?

Três pareceu interessado.

- Quer dizer que vocês são diretamente sensíveis à massa?

- Não estou aqui para responder às suas perguntas – suas impudentes perguntas – a nosso respeito.

- Suponho então que objetos de pequena massa específica seriam transparentes para você, mesmo na ausência de radiação. – E voltando-se para Dois:

- É assim que eles vêem. Sua atmosfera é tão transparente para eles como o espaço.

Os cliques do jupiteriano recomeçaram.

- Responda imediatamente à minha pergunta, senão perderei a paciência e mandarei destruí-lo.

Três respondeu logo:

- Somos sensíveis à energia, jupiteriano. Podemos ajustar-nos à vontade a toda escala eletromagnética. No momento, nossa visão a longa distância é devida à transmissão de ondas de rádio por nós mesmos emitidas, e de perto vemos por meio de… – calou-se, voltando-se para Dois: – Não existe nenhum código para o raio gama, existe?

- Não que eu saiba – respondeu Dois. Três prosseguiu, voltando-se para o jupiteriano:

- De perto vemos por meio de outra radiação, para a qual não temos código.

- De que se compõe seu corpo? – indagou o jupiteriano.

Dois murmurou:

- Ele está perguntando isso provavelmente porque sua sensibilidade à massa não pode penetrar a epiderme. Alta densidade, compreende? Devemos dizer a ele?

Três respondeu, hesitante:

- Nossos mestres humanos não recomendaram particularmente que guardássemos nenhum segredo. – Em código de rádio, disse ao jupiteriano: – Somos constituídos principalmente de irídio. E mais cobre, latão, um pouco de berilo e um punhado de outras substâncias.

Os jupiterianos recuaram e pelo obscuro contorcer de diversas porções de seus corpos indescritíveis davam a impressão de estar imersos em animada conversa, embora não emitissem som algum.

Finalmente o oficial regressou:

- Seres de Ganimedes! Ficou decidido que lhes mostraremos algumas de nossas fábricas, exibindo assim uma fração de nossas grandes realizações. Em seguida permitiremos que regressem, a fim de espalharem o desespero entre os outros verm… os outros seres do mundo exterior.

Três disse para Dois:

- Observe o efeito de sua psicologia. Têm necessidade de insistir em sua superioridade. É também uma questão de salvar as aparências. – E em código: – Agradecemos a oportunidade.

Mas a operação foi eficiente, conforme os robôs logo perceberam. A demonstração transformou-se numa excursão, a excursão numa “Grande Exibição”. Os jupiterianos exibiram tudo, explicaram tudo, responderam animadamente a todas as perguntas e ZZ Um tomou centenas de notas desesperadoras.

O potencial bélico daquela única cidade sem importância era várias vezes maior que o de Ganimedes inteiro. Dez cidades semelhantes produziriam mais do que todo o Império Terrestre. Dez outras não seriam sequer um pequeno fragmento de toda a força de que Júpiter dispunha.

Três sentiu uma forte cotovelada nas costas.

- O que foi? – perguntou, voltando-se. Muito sério, Um respondeu:

- Se tiverem campos de força, os mestres humanos estão perdidos, não estão?

- Temo que sim. Por que pergunta?

- Porque os jupiterianos não nos estão mostrando o lado direito desta fábrica. É possível que os campos de força sejam fabricados ali. Eles guardariam segredo. É melhor descobrirmos. Não há nada mais importante do que isso.

Três olhou sombrio para Um.

- Talvez tenha razão. Não adianta ignorar coisa alguma.

Encontravam-se numa imensa siderúrgica, observando lingotes de trezentos metros de uma liga de silicone-aço, resistente à amônia, sendo fabricados à razão de vinte por segundo. Três perguntou baixinho:

- Que contém aquela ala?

O oficial do governo indagou aos encarregados da fábrica, que explicaram:

- É o departamento de altos fornos. Vários processos exigem tremendas temperaturas, que a vida não pode suportar, e todos devem ser indiretamente controlados.

Conduzindo-os a uma divisão de onde o calor se irradiava, indicou uma área pequena e redonda de material transparente. Fazia parte de uma fileira de outras iguais, através das quais as luzes vermelhas de brilhantes forjas eram vistas na pesada atmosfera.

ZZ Um olhou desconfiado para o jupiteriano e transmitiu:

- Poderíamos entrar e dar uma espiada? Estou muito interessado nisto.

- Você está sendo infantil, Um – falou Três. – Estão dizendo a verdade. Ora, dê uma espiada se quiser, mas não demore. Precisamos seguir adiante.

O jupiteriano avisou:

- Não faz idéia do calor desprendido. Morrerá.

- Oh, não – replicou Um, tranqüilo. – O calor não nos afeta.

Houve uma confabulação entre os jupiterianos e em seguida uma cena de confusão, enquanto a vida da fábrica era ativada para enfrentar aquela emergência. Telas de material isolante foram montadas e então abriu-se uma porta, que jamais fora aberta enquanto os fornos estavam em funcionamento, ZZ Um entrou e a porta fechou-se por trás dele. Os jupiterianos reuniram-se diante dos setores transparentes para observá-lo.

ZZ Um encaminhou-se para o forno mais próximo e deu pancadinhas no seu revestimento. Como era demasiado baixo para vê-lo confortavelmente, inclinou-o de modo que o metal líquido pingasse um pouco da borda. Observando-o, curioso, nele mergulhou a mão, agitando-a durante algum tempo para testar a consistência. Depois sacudiu as gotas de metal incandescente, enxugou o resto numa de suas seis coxas e percorreu lentamente a fileira de fornos. Por sinais transmitiu então o desejo de sair.

Os jupiterianos recuaram respeitável distância quando ele transpôs a porta e fizeram funcionar um jato de amônia que assobiou e ferveu até atingir novamente uma temperatura suportável.

Ignorando o banho de amônia, ZZ Um falou:

- Disseram a verdade. Não há campos de força.

Três começou:

- Sabe… – mas Um interrompeu-o, impaciente:

- Não adianta demorarmos aqui. Os mestres humanos nos orientaram no sentido de descobrirmos tudo e já o fizemos.

Voltando-se para o jupiteriano transmitiu, sem a menor hesitação:

- Ouça, os jupiterianos já conseguiram elaborar campos de força?

Franqueza era, naturalmente, uma das naturais conseqüências dos poderes mentais menos desenvolvidos de ZZ Um. Dois e Três sabiam disso, de modo que se abstiveram de manifestar desaprovação diante da pergunta.

O oficial jupiteriano abandonou um tanto sua atitude rígida, que dava a impressão de estar olhando estupidamente para a mão de Um, aquela que o robô mergulhara no metal líquido, e disse lentamente:

- Campos de força? Então é este o principal objeto de sua curiosidade?

- Sim – respondeu Um, enfático.

O jupiteriano readquiriu, súbito, parte de sua segurança, pois os sinais tornaram-se mais enérgicos. E falou quase gritando:

- Venha comigo, verme! Três disse para Dois:

- Voltamos a ser vermes… parece que há más notícias pela frente.

Dois concordou, sombrio.

Foram conduzidos, então, para o extremo da cidade, ao setor que na Terra seria chamado subúrbio, onde percorreram uma série de estruturas, que corresponderiam vagamente a uma universidade terrestre.

Não houve explicações, e mesmo estas não foram solicitadas. O oficial jupiteriano caminhava rápido e os robôs o acompanhavam com a sombria convicção de que o pior estava a pique de acontecer.

Foi ZZ Um quem parou diante de uma abertura na parede, depois que todos os outros haviam passado.

- Que é isto? – quis saber.

A sala estava equipada com bancos estreitos e baixos, diante dos quais jupiterianos manipulavam uma série de estranhos dispositivos, onde se destacavam fortes eletromagnetos com três centímetros de comprimento.

- Que é isto? – perguntou Um, novamente. O jupiteriano voltou-se, impaciente:

- É um laboratório de biologia para os estudantes. Não há nada aí que possa interessá-lo.

- Mas que estão fazendo?

- Estudando vida microscópica. Nunca viu um microscópio?

Três interveio, explicando:

- Claro que viu, mas não desse tipo. Nossos microscópios são destinados a órgãos sensíveis à energia e funcionam por refração de energia radiante. É evidente que estes funcionam baseados na expansão da massa. Bastante engenhoso.

- Poderia examinar um dos seus espécimes? – perguntou Um.

- Para quê? Não pode usar os nossos microscópios por causa de suas limitações sensoriais e, além disso, nos forçará a inutilizar todos os espécimes de que se aproximar sem uma razão válida.

- Mas não preciso de microscópio – explicou Um, surpreendido. – Posso ajustar-me facilmente à visão microscópica.

Dirigiu-se à mesa mais próxima, enquanto os estudantes agrupavam-se a um canto, para evitar contaminação. Afastando um microscópio, ZZ Um examinou cuidadosamente a lâmina. Recuando, intrigado, estudou outra… e mais outra… e mais outra.

Regressando, perguntou ao jupiteriano:

- Deviam estar vivos, não? Refiro-me àqueles vermezinhos.

- Certamente – replicou o jupiteriano.

- É estranho. Quando olho para eles, morrem! Três emitiu uma exclamação, voltando-se para os companheiros:

- Esquecemos nossa radiação de raios gama. Vamos sair daqui, Um, senão mataremos toda a vida microscópica desta sala.

E voltando-se para o jupiteriano:

- Nossa presença pode ser fatal a formas de vida menos resistentes. É melhor sairmos. Espero que os espécimes possam ser substituídos com facilidade. E já que falamos no assunto, seria conveniente afastarem-se de nós, pois nossa radiação pode ter efeitos desagradáveis. Até o momento sentiu-se bem? Espero.

O jupiteriano saiu da sala em orgulhoso silêncio, mas os robôs notaram que de então em diante duplicou a distância que vinham mantendo.

Ninguém disse mais nada até que os robôs se encontravam numa vasta sala, em cujo centro imensos lingotes de metal jaziam sem apoio no ar, ou antes, sem qualquer apoio visível – enfrentando a gravidade de Júpiter.

O oficial transmitiu:

- Este é um campo de força recentemente aperfeiçoado. Dentro daquela bolha há o vácuo, sustentando todo o peso da nossa atmosfera, mais a quantidade de metal equivalente a duas grandes espaçonaves. Que acham disso?

- Que as viagens espaciais tornaram-se uma possibilidade para vocês – replicou Três.

- Sem dúvida. Nenhum metal ou plástico tem força para sustentar nossa atmosfera contra o vácuo, mas um campo de força é capaz disso. E nossas espaçonaves serão bolhas de campos de força. Dentro de um ano estaremos produzindo centenas de milhares. Em seguida, elas atacarão Ganimedes para destruir as pseudo-inteligências que tentam disputar o nosso domínio universal.

- Os seres humanos de Ganimedes jamais tentaram… – começou Três, numa leve censura.

- Silêncio! – ordenou o jupiteriano. – Regressem agora e contem o que viram. Seus campos de força inferiores, como aquele com que está equipada a sua nave, não resistirão aos nossos, pois as menores naves daqui terão cem vezes o tamanho e a potência das terrestres.

- Então, nada mais temos a fazer e regressaremos com a informação – disse Três. – Se nos conduzirem à nave, nós nos despediremos logo. Por uma questão de registro, gostaria de esclarecer algo que não compreenderam. Os seres humanos de Ganimedes possuem campos de força, naturalmente, mas a nossa nave não é equipada com nenhum. Não precisamos disso.

O robô voltou-lhes as costas e fez sinal aos companheiros que o seguissem. Ficaram calados por algum tempo, depois ZZ Um murmurou, desanimado:

- Não podemos destruir a cidade?

- Não adianta – replicou Três. – Eles nos dominariam. É inútil. Dentro de uma década os mestres humanos serão liquidados. É impossível enfrentar Júpiter. São demasiado poderosos. Enquanto estiverem presos à superfície, os humanos estarão em segurança. Mas agora que já têm campos de força… Só nos resta levar a notícia. Construindo-se esconderijos, alguns sobreviverão por um curto período de tempo.

A cidade ficou para trás. Encontravam-se na planície descampada junto ao lago e a nave era apenas um pontinho escuro no horizonte quando o jupiteriano falou subitamente:

- Criaturas, estão dizendo que não dispõem de campo de força?

Três replicou, desinteressado:

- Não é preciso.

- Então, de que modo a nave resiste ao vácuo espacial sem explodir devido à pressão atmosférica interior? – E moveu um tentáculo, como se a um simples gesto indicasse que a atmosfera de Júpiter pesava sobre eles com a força de vinte milhões de quilos por centímetro quadrado.

- É muito simples – explicou Três. – Nossa nave não é vedada. As pressões se equiparam no interior e no exterior.

- Mesmo no espaço? Vácuo no interior da nave? É mentira!

- Pode examinar à vontade a espaçonave. Não possui campo de força e não é vedada. Mas não há nada de extraordinário nisto. Não respiramos. Obtemos energia diretamente da força atômica. A presença ou ausência de pressão pouco nos afeta e ficamos inteiramente à vontade no vácuo.

- Mas zero absoluto!

- Não tem importância. Regulamos o nosso próprio calor. Não nos interessam as temperaturas exteriores. – E, após uma pausa: – Podemos voltar sozinhos à nave. Adeus. Transmitiremos aos humanos de Ganimedes a sua mensagem – guerra total!

- Esperem! Voltarei – gritou o jupiteriano, dirigindo-se à cidade.

Os robôs fitaram-no espantados e aguardaram em silêncio.

Três horas depois ele regressou, ofegante de tanta pressa. Deteve-se a três metros dos robôs, como sempre, mas depois começou a avançar de estranha maneira, como se rastejasse. Só falou quando sua epiderme cinza e borrachenta quase os tocava. O código de rádio soou manso e respeitoso.

- Honrados senhores, comuniquei-me com o chefe do nosso governo central, que se encontra agora a par de todos os fatos, e asseguro-lhes que Júpiter só deseja a paz.

- Não compreendo – falou Três, atônito. O jupiteriano acrescentou logo:

- Estamos dispostos a voltar a comunicar-nos com Ganimedes, prometendo não nos aventurarmos no espaço. Nosso campo de força será utilizado somente na superfície de Júpiter.

- Mas…

- Nosso governo terá o maior prazer em receber quaisquer representantes de nossos veneráveis irmãos humanos que Ganimedes queira nos enviar. Se condescenderem agora em fazer um juramento de paz…

Um tentáculo escamoso adiantou-se para os robôs, e Três, espantado, apertou-o, imitado por Dois e Um.

Solene, o jupiteriano declarou:

- Reinará paz eterna entre Júpiter e Ganimedes.

A espaçonave, que vazava como uma peneira, encontrava-se novamente no cosmos. A pressão e a temperatura haviam voltado a zero e os robôs observavam o imenso globo que diminuía à distância – Júpiter.

- Eles são decididamente sinceros – falou ZZ Dois – e a total mudança de atitude é muito agradável, mas não a compreendo.

- Creio que os jupiterianos caíram em si ao compreender tudo o que havia de mau na idéia de prejudicar um mestre humano. O que é muito natural.

ZZ Três suspirou, dizendo:

- Ouçam, é uma questão de psicologia. Aqueles jupiterianos têm um tremendo complexo de superioridade e ao verem que não nos podiam destruir quiseram salvar as aparências. Toda aquela exibição e explicações eram uma forma de se gabarem, destinada a nos humilhar diante de sua força e superioridade.

- Compreendo tudo isso, mas… – interpôs ZZ Dois.

Três prosseguiu:

- Mas funcionou às avessas. Só conseguiram provar que éramos mais fortes, que não nos afogávamos, que não nos alimentávamos, nem dormíamos e que metal incandescente não nos afeta. Nossa simples presença é fatal à vida em Júpiter. Sua última cartada era o campo de força. Ao descobrir que não precisávamos absolutamente dele, que podíamos viver no vácuo ao zero absoluto, capitularam. – Calou-se e depois acrescentou filosoficamente: – Quando um complexo de superioridade como aquele se desmorona, desmorona para valer.

Os outros dois ponderaram um instante e Dois falou:

- Mas continuo a não compreender. Que importa a eles o que podemos ou não fazer? Somos apenas robôs. Não somos nós que lutamos.

- Ê isso exatamente, Dois – falou Três. – Só pensei nisso depois que saímos de Júpiter. Sabe que esquecemos involuntariamente de dizer que somos apenas robôs?

- Eles não perguntaram – disse Um.

- Exato. Julgaram que somos seres humanos e que todos os habitantes da Terra são iguais a nós!

E voltou a contemplar Júpiter, pensativo:

- Não é para admirar que tenham desistido!

 

                                                                                   Isaac Asimov

 

Carlos Cunha       Arte & Produção Visual