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A jovem Lindie Endlich, filha de um poderoso general do exército alemão, vê de perto os horrores da Segunda Guerra Mundial praticados pelos líderes nazistas do Terceiro Reich.
Decepcionada com as atitudes de seus governantes secretamente ela declara guerra contra as ideias racistas difundidas pelo seu presidente Adolf Hitler, propagando através de folhetins anônimos textos antifascistas.
Lindie namora o jovem soldado Joseph Kaiser, posteriormente termina esse romance e passa a namorar seu professor de História da Filosofia Grega, na Universidade de Berlim, Steve Heinrich, com quem planeja sua campanha antirracista.
Diante de todos aquela jovem corajosa, membro da juventude hitlerista, declara sua crença e fidelidade aos ideais do nazismo, mas ocultamente cultiva toda a sua aversão e repugnância a um dos regimes mais cruéis e absurdos de toda a história da humanidade.
Aquela Noite Em Auschwitz foi a pior e a mais linda noite de todas para Lindie, noite na qual ela conhece o amor de verdade, noite na qual ela se torna uma mulher ao mesmo tempo em que busca livrar do campo de concentração sua melhor amiga judia Anne Marie.
No fim de tudo fica a certeza de que em toda guerra nunca há vencedores, todos perdem: a vida, a honra, a paz, o futuro.
CAPÍTULO 1
Lindie Endlich tinha um namorado, o nome dele era Joseph Kaiser, um jovem soldado alemão, lindo, loiro, alto, olhos azuis e cheio de vida, admirador incondicional de Adolf Hitler. Joseph a amava muito, apesar de partilharem ideias contrárias. Ela por sua vez procurava, pelo menos até aquele momento, não conversar sobre política, afinal o que deveria mesmo importar naquele relacionamento era apenas a paixão que sentiam um pelo outro.
Joseph costumava ficar no quarto de sua amada, ora trocando carícias, ora falando de amor, nunca sobre guerra ou racismo, tudo estava em paz, ao menos aparentemente.
- É melhor você ir pra casa, se meu pai chegar e desconfiar que você está aqui pode brigar com a gente, sabe muito bem que ele não gosta que fiquemos no quarto sozinhos, não é nada correto para uma moça decente como eu. Além do que, já passamos tempo demais juntos hoje, eu preciso estudar. – ela pediu contrariando sua própria vontade
- Estudar? Estando eu aqui você deveria pensar em outra coisa, em algo mais agradável para fazer. – ele sugeriu
- Em que, por exemplo?
- Até parece que você não sabe. Chega de conversa e venha me beijar.
- Joseph!
Ele pegou-a pela cintura e começou a beijá-la. Lindie nunca resistia, era muito apaixonada por aquele rapaz. Como toda garota linda ela tinha muitos pretendentes, mas nenhum deles a encantava tanto quanto seu amado Joseph.
Ao caírem juntos na cama ela deitou por cima do livro do qual iniciara a leitura há um dia, “Minha Luta”!
- Já basta! Ai, minhas costas! Aqui está! Minha Luta! – ela interrompeu erguendo-se da cama e pegando o livro
- Ahh,não, Lindie! Agora que tudo estava indo tão bem você tinha que interromper! – Joseph reclamou
- Só você mesmo pra acreditar que algo mais aconteceria nesse quarto. Não seja tolo! Eu sou uma moça de respeito! - advertiu com razão
- Meu amor, não fique assim, eu sei muito bem quem você é, a minha princesa. Está lendo “Minha Luta”!
- Sim, ainda estou no início, não gosto de guerra muito menos de violência, apesar de vivermos uma situação de conflito constante nesse país. Decidi ler por pura curiosidade, falam tanto desse livro, é praticamente de leitura obrigatória para nós da juventude hitlerista, a lei me obriga a fazer parte, tudo bem, aqui estou. Você sabe que eu sou neutra, não gosto de discutir política. Apenas sirvo meu país da melhor maneira possível sendo uma boa aluna na escola e uma boa militante. – Lindie esclareceu sua posição ideológica
- Eu já li. Tenho certeza que você vai adorar a obra do nosso querido Führer. – Joseph garantiu
- Acho que não tão querido a ponto de eu ter que abandonar meu cientista preferido de ideias revolucionárias. – afirmou convicta
- Fala de Albert Einstein? – indagou certo a respeito de quem se tratava
- Sim. Estudo bastante sobre suas teorias de física, principalmente a Teoria da Relatividade Geral. Consegui uma cópia com uma amiga inglesa que passou férias aqui. Eu sei que é um livro proibido na Alemanha, queimado em praça pública há cinco anos. Eu era apenas uma criança, mas me lembro muito bem de quando mais de 20 mil livros da biblioteca da Universidade de Berlim, considerados escritos por judeus degenerados, foram destruídos, sem falar das fogueiras nas ruas e esquinas, meus colegas jogaram livros de americanos naquelas chamas. Mas nessa vida tudo passa. Ano que vem pretendo entrar pra universidade, estou em dúvida entre Física e Filosofia, duas áreas aparentemente opostas, mas totalmente interligadas. Gostaria que o professor Albert Einstein ainda estivesse lecionando por lá, ele ganhou o Nobel em Física em 1921, seria uma honra conhecê-lo de perto e tê-lo como mestre. – contou entusiasmada
- Vejo que você é extremamente inteligente, não só porque me ama, mas também porque se interessa pela ciência. – disse sorrindo para sua amada
- Uma vez, quando eu voltava da escola, passei em frente à Universidade de Berlim e vi de longe Einstein passando por lá. Um aluno chamou por ele que virou- se e os dois começaram a conversar. Foi um momento muito especial tê-lo visto naquele minuto.
- Einstein deixou a Alemanha já há cinco anos, ele é judeu e contra o nosso governo. Se estabeleceu nos Estados Unidos. Conforme-se. – ele enfatizou a realidade
- Sabe, Joseph, ainda penso que seria melhor eu estudar em uma universidade americana, principalmente se for na área da ciência. Mas meu pai jamais aceitaria que eu fosse embora daqui pra prestigiar a cultura dos inimigos. O jeito é continuar em Berlim e admirar o Doutor Einstein à distância. – resignou-se
- E você seria capaz de me abandonar aqui por causa de Albert Einstein?
- Não foi isso que eu disse.
- Não se preocupe, Lindie. Einstein só não pode ser mais importante do que eu em sua vida. – Joseph declarou dando mais um beijo em sua jovem amada.
CAPÍTULO 2
Foi no dia 2 de agosto de 1934 que Adolf Hitler tornou-se o presidente da Alemanha, porém não pelo voto do povo, não pela vontade da maioria, e sim por um golpe do destino, por meio de ardis políticos que levaram aquele homem, um simples ex- cabo do exército alemão, um ex- aspirante a pintor de quadros, ao poder.
Realmente, Adolf era muito persuasivo, por anos já liderava o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, ou simplesmente, Partido Nazista. Anos antes ainda como chanceler do país Hitler já começara a levar a frente seu plano de segregação racial, baseado em ideologias eugênicas, ele prometera ao povo um país sem pessoas doentes, loucas, imperfeitas, negras e judias. Ele prometeu ao povo um país de pessoas perfeitas, semelhantes aos antigos deuses nórdicos. E para dar a todos os seus cidadãos esse mundo maravilhoso, campos de concentração, ou em outras palavras, presídios de assassinatos em massa, foram construídos em larga escala, lá judeus, negros, homossexuais, evangélicos e todos considerados uma ameaça à purificação e soberania da raça ariana eram presos, escravizados e mortos das maneiras mais cruéis possíveis.
Junto a toda essa política de extermínio e segregação racial, havia ainda o plano de esterilização em massa de todos os homens e mulheres com deficiência mental ou qualquer outra deficiência considerada pelos nazistas como uma ameaça à perfeição da espécie, essas pessoas não deveriam se reproduzir para que o mundo não fosse ainda mais contaminado pela imperfeição.
Era 1º setembro de 1939 quando Lindie Endlich, aquela jovem alemã de 16 anos de idade, aspirante a estudante de Física, admiradora de Einstein, estava trancada em seu quarto rasgando o livro “Mein Kampf”, após encerrar a leitura do mesmo.
Lindie ficara indignada com as palavras que acabara de ler, leu-0 por uma semana, naquele mesmo instante ouvia no rádio a notícia de que o exército alemão invadira a Polônia naquela madrugada. Com repúdio escutava tediosamente o discurso daquele louco ditador que disse: “Os poloneses nasceram especialmente para o trabalho pesado. Não é preciso pensar em melhorias para eles. Cumpre manter, na Polônia, um padrão de vida baixo, não se permitindo que progridam. Os poloneses são preguiçosos e é necessário usar a força para obrigá-los a trabalhar. Devemos utilizar-nos do governo geral (da Polônia) simplesmente como fonte de mão de obra não especializada. Poder-se-ia conseguir ali, todos os anos, os trabalhadores de que o Reich possa necessitar. Quanto aos líderes religiosos poloneses, eles pregarão o que mandarmos. Se qualquer líder religioso agir diferentemente, daremos cabo dele. Sua tarefa é manter os poloneses tranquilos, broncos e fracos de espírito. Indispensável ter em mente que a pequena nobreza polonesa não deve mais existir; por mais cruel que isso possa ser, ela deve ser exterminada onde quer que se encontre. Deve haver apenas um senhor para os poloneses: o alemão. Dois senhores, lado a lado, não podem e não devem existir. Todos os representantes da classe culta polonesa, portanto, têm de ser exterminados. Isso parece crueldade, mas é a lei da vida”.
Ermelinde Endlich, mulher elegante, trinta e dois anos de idade, mãe de Lindie, casara muito cedo, aos dezesseis, adentrou o quarto da filha, e ao vê-la naquela situação de revolta abordou-a seriamente:
- Lindie, minha filha, mas o que aconteceu? Por que está rasgando o livro? Acalme-se!
- Mãe, o presidente desse país é um louco, um maníaco, um lunático! E esse livro aqui que ele escreveu estou rasgando sim. Se você ao menos lesse as palavras desse tal Adolf Hitler entenderia o que eu estou sentindo agora. Esse homem simplesmente perdeu a razão!
- Lindie, não diga essas coisas, se o seu pai escuta eu nem sei o que pode acontecer. Você faz parte da juventude nazista e não pode ser contra o nosso presidente, esqueceu-se disso? Você sempre foi tão condescendente com o sistema, sempre foi uma militante exemplar do Partido Nacional Socialista, sem reclamar, por que essa revolta agora? O que está se passando nessa sua cabeça?
- Mãe, eu não sou contra o nosso país, muito pelo contrário, eu apoiaria tudo que o governo fizesse e que fosse bom para o povo, mas não posso concordar e achar boas as atitudes insanas de um maníaco no poder. Antes eu ficava quieta e era totalmente neutra e alheia a tudo, mas agora, diante dos novos acontecimentos e possíveis consequências, diga- se de passagem terríveis, é impossível eu não me manifestar contra a todo esse absurdo. Eu faço parte de algo que me dá nojo, e só por obrigação. Sabe o que o exército do excelentíssimo senhor presidente fez nessa madrugada?
- O quê?
- Ordenou a invasão da Polônia. Mãe, você sabe o que isso significa?
- A nossa vitória?
- Nada de vitória! Isso significa que estamos iniciando uma guerra terrível contra os americanos e os europeus. Nosso país será destruído.
- Não se preocupe, somos uma nação poderosa, a mais forte do mundo. – Ermelinde tentou tranquilizá-la
- Não, não somos, nem a maior nem a mais forte. Não acredite nos discursos falaciosos desse ditador maldito! Estamos arruinados, arruinados! – Lindie contradisse sua mãe
- Lindie, pare de dizer essas coisas agora mesmo! - sua mãe advertiu-a
- Se você, meu pai e o senhor Hitler não queriam que eu pensasse então não deveriam ter me colocado na escola, nem me alfabetizado, e muito pior, me dado livros pra ler, porque até hoje não fiz outra coisa na minha vida a não ser estudar. Como a senhora pode concordar com o assassinato de tantos judeus e de deficientes físicos? Por que temos então uma Bíblia em casa? Me responda, mãe, você acredita na Bíblia? – desafiou-a
- Sim, minha filha, eu acredito.
- Então saiba que as práticas desse governo nazista vão contra a tudo que nós cristãos católicos acreditamos! É impossível concordar com o senhor Adolf e com Deus ao mesmo tempo. Eu lembro muito bem de quando as sinagogas foram incendiadas. Eu ainda era uma criança, mas nunca me esqueço daquele dia cruel.
- Tudo bem, Lindie, pense o que você quiser, mas guarde suas ideias pra você. O Joseph está te esperando na sala, pediu permissão pra te levar ao cinema.
- Joseph! Esse é outro hipnotizado pelas ideias e falsas promessas do Führer. Fala pra ele que eu não tenho vontade de sair hoje.
- Vá pelo menos falar com ele, o Joseph está tão lindo hoje, dessa vez ele veio sem uniforme.
- Eu já disse que eu não quero ir, mãe! Diga a ele que estou com muita dor de cabeça, cólica, sei lá, invente alguma coisa.
- Tudo bem, mas não vá se arrepender depois. – advertiu-a
Na sala Ermelinde comunicou a decisão da filha ao namorado:
- Joseph, a sua namorada não quer saber de cinema hoje.
- Como não? Estou aqui especialmente pra levá-la pra sair, até peguei emprestado o carro do meu pai.
- A Lindie anda revoltada e indignada com o nosso presidente, terminou de ler “Minha Luta” e em seguida rasgou o livro.
- Posso ir ao quarto dela pra vê se a convenço a mudar de ideia?
- Claro que pode, mas se comporte, hein.
- Sim, senhora, prometo que me comportarei como sempre. – ele deu um sorriso
Joseph subiu as escadas e se dirigiu ao quarto de Lindie, abriu à porta, ela estava deitada na cama pensando em tudo e ao mesmo tempo querendo pensar em nada.
- Lindie, meu amor.
- Joseph! Você aqui!
- Sim, estou aqui todo arrumado, peguei o carro do meu pai emprestado pra te levar ao cinema e você nem desce pra falar comigo. O que eu sou pra você?
- Meu amor, me desculpe. Eu sei que eu não estou sendo a namorada que você merece, eu peço perdão por perceber que o nosso o país será arruinado e destruído nessa Guerra que se inicia. Infelizmente eu tenho a capacidade de entender que o pior está por vir. Eu te amo, é verdade, você é tão lindo, tão forte, tenho muita sorte de ter você comigo, mas isso não impede que eu me sinta triste com o mundo.
Ele sentou-se a beira da cama, começou acariciar os cabelos de sua amada.
- Tudo bem, eu te entendo, mas pelo menos tente se distrair, vamos ao cinema, assistindo a um filme você vai se divertir e se sentirá melhor. Aceite que você não pode mudar o mundo e nem as coisas como elas são. – ele insistiu
- Joseph, você está tão lindo hoje, eu quase não te vejo sem uniforme, seus olhos azuis sempre tão brilhantes, me abraça, meu amor, eu vou sair com você agora porque talvez não exista um amanhã para vivermos esse amor. – ela concordou
O tempo passava todo dia cada vez mais veloz, mas ainda parecia que aquela guerra não terminaria nunca.
Apesar dos pesares Lindie completava naquele verão de 1940 seus dezoito anos de idade, seu pai mais conhecido como General Endlich, um poderoso e imponente militar membro do Partido Nazista, organizou uma grande festa no salão do Grande Hotel de Berlim. Foram convidados os principais oficiais do exército, suas esposas, filhos, e os mais importantes publicitários do governo. Entre eles estava Steve Heinrich, um jovem jornalista de vinte e cinco anos, também professor de História na Universidade de Berlim. Steve era lindo, olhos verdes, cabelos pretos, alto, pele branca.
Lindie estava linda, aquela era a sua noite de princesa. Todos os rapazes queriam dançar com ela. A primeira valsa, obviamente, ela dançou com seu pai. Depois, é claro que dançou com seu namorado.
- Meu amor, você está linda, uma verdadeira princesa. – Joseph se declarou enquanto dançavam
- Você também está muito lindo, meu príncipe. – Lindie retribuiu sorrindo ao grande amor de sua vida
Durante o baile ela também dançou com outros rapazes, os filhos jovens dos oficiais.
Steve passou o tempo todo observando a beleza da aniversariante, ele tirou para a dança outras garotas que estavam na festa, mas queria mesmo era valsar com Lindie, a rainha daquela noite. Ela por sua vez também observou Steve do outro lado do salão, de vez em quando lançavam olhares e sorrisos um para o outro.
- É muito linda a sua filha, general. – Steve comentou com o senhor Endlich
- Isso é o que todos os rapazes dizem, mas minha filha só tem olhos para o namorado Joseph, ele faz parte das minhas tropas de comando, o rapaz é um verdadeiro guerreiro. Não sei se minha filha se interessaria por você que é mais intelectual. Todavia não custa você tentar ao menos tirá-la pra dançar. Ela dançou com vários rapazes. Tenha coragem, senhor Steve.
- O senhor pode até ter razão. Mas até onde eu sei o Joseph é apenas uma paixão de juventude. Eu sim sou um homem de verdade. – afirmou seguindo em direção à Lindie que estava sentada a mesa com suas amigas, ele convidou-a para dançar:
- A senhorita me daria a honra de ter uma dança? – pediu sorrindo
Joseph obervava desconfortável aquela situação na qual sua namorada era assediada o tempo todo por todos aqueles rapazes igualmente belos.
- Mas é claro que sim, senhor...
- Senhor não! Meu nome é Steve Heinrich. Sou publicitário do Partido Nazista.
- Meu pai fala muito bem de você. Então vamos à valsa. – ela sorriu mais uma vez, ele pegou-a pela mão e foram para o centro do salão.
A música que tocava naquele instante era a “Valsa das Flores” de Tchaikovsky.
Lindie e Steve deslizavam seus pés pelo salão, ele a girava ao som daquela valsa encantadora, foi o melhor desempenho da noite, eles se empolgaram, foi uma coreografia única e completamente sintonizada, dançaram olhando profundamente nos olhos um do outro e sorrindo o tempo todo. Joseph observava já com muito ciúme.
Os cinco minutos de valsa de Steve e Lindie deixaram todos impressionados a ponto de formarem um círculo ao redor do salão e pararem para apreciar aquele casal que estava ao centro dançando leve e suavemente feito dois pássaros no céu.
O general percebeu o que já estava para acontecer.
- Meu amor, nossa filha está maravilhosa nessa valsa. Foi mais emocionante que você e o Joseph. – Ermelinde disse ao marido ao fim da apresentação da filha.
No final da valsa todos aplaudiram Lindie e Steve que cumprimentaram- se gentilmente depois que a dança terminou. Aquele foi um momento memorável e inesquecível.
CAPÍTULO 3
Desde os dez anos de idade Lindie fazia parte da juventude hitleriana, uma instituição obrigatória para jovens da Alemanha nazista, que visava treinar crianças e adolescentes alemães de 6 a 18 anos de ambos os sexos para os interesses nazistas. Os jovens se organizavam em grupos e milícias paramilitares. Esses grupos de indivíduos, doutrinados pelo Estado, existiu entre 1922 e 1945. No entanto Lindie, filha de um general do exército nazista, começou a odiar fazer parte desse sistema de opressão e assassinatos em massa.
Quando Hindenburg morreu Hitler apoderou-se do seu lugar, unindo as funções de Presidente e de Chanceler, passando a se autointitular de Líder Führer, que significa guia, líder da Alemanha, e requerendo um juramento de lealdade a cada membro das forças armadas.
A crise econômica mundial que havia se iniciado em 1929 havia atingido o país em cheio e milhões de pessoas estavam desempregadas. Na memória de muitos ainda estava fresca a humilhante derrota alemã frente à França, quinze anos atrás, na Primeira Guerra Mundial, e os alemães não confiavam em seu governo, fraco, conhecido como República de Weimar. Aquelas condições propiciaram o surgimento do novo líder, Adolf Hitler e seu Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, ou apenas Partido Nazista.
Lindie ouviu mais uma vez pelo rádio as palavras estúpidas do presidente Adolf para justificar sua invasão aos países europeus e seus objetivos escusos.
- Esse homem é um louco e ninguém percebe! –Lindie comentou consigo mesma.
Era 1941 quando Lindie tinha acabado de chegar a Universidade de Berlim, para mais um dia de aula, onde já há alguns meses cursava a faculdade de Filosofia. Naquela manhã sua primeira aula era História da Filosofia Grega, seu professor era o respeitado jornalista e mestre em História Antiga Steve Heinrich. Lindie encantou-se em saber que aquele homem que dançou com ela a valsa mais especial de sua vida seria seu professor a partir daquele momento.
Dois meses depois Steve já considerava Lindie a melhor aluna em sua disciplina, nutria ainda mais certa simpatia por aquela jovem mulher. Ela costumava sentar-se nas carteiras do meio. O professor lançava-lhe olhares e sorrisos no decorrer da aula, e ela é claro que correspondia com doçura sincera. Na verdade Steve exercia sobre ela uma atração indisfarçável. Mas até então eram apenas bons amigos, amizade entre a melhor aluna e o melhor professor.
- Professor Steve, hoje sua aula foi maravilhosa! Eu me sinto tão emocionada por estar aqui andando pelos mesmos corredores que o Doutor Albert Einstein caminhou por tantos anos e aprendendo mais sobre um assunto tão intrigante quanto fascinante, a Filosofia! E é claro, com um professor tão inteligente quanto o senhor. – Lindie elogiou-o enquanto caminhavam lado a lado em direção a saída da universidade
- Por favor, Lindie, não me chame de senhor, tenho apenas vinte e seis anos de idade. Sou apenas um jovem jornalista e mestre em História Antiga. Saiba que há cinco anos eu via o doutor Albert Einstein passar por esses corredores todos os dias. Realmente era algo fascinante. Mas então veio o nazismo e tudo mudou. Ele se foi.
- Você teve sorte. Eu o vi de longe, apenas uma vez, quando eu era criança e voltava mais cedo da escola. É uma lembrança emocionante. O gênio da Física Moderna estava ali diante de mim. Mas não podemos falar dele assim abertamente, e que ninguém nos escute. Eu fiz parte da Juventude Hitlerista e você faz as campanhas para o Partido Nazista aqui em Berlim, não podemos admirar um cientista “judeu degenerado”.
- Você tem toda razão, vamos mudar de assunto. Que tal almoçarmos juntos hoje?
- Eu adoraria. Vou telefonar pra minha mãe e avisar que vou almoçar aqui mesmo na universidade. Já fico pra estudar na biblioteca. – ela aceitou prontamente o convite
- Então, Lindie, me esclareça uma coisa. Se você ama tanto a ciência por que está estudando Filosofia? – Steve questionou-a na mesa do refeitório enquanto almoçavam
- Professor, a Filosofia é o princípio de tudo. A própria ciência surgiu da Filosofia Natural. Primeiro eu quero ter a base dos questionamentos essenciais para ser uma boa cientista no futuro. E para ter essa base nada mais prudente do que estudar Filosofia antes de estudar ciências. – ela explicou
- Sua resposta é brilhante, Lindie. Não é a toa que você é a minha melhor aluna.
- Não exagere, professor.
- Eu falo sério.
Eles sorriram um para o outro.
- E qual é o seu filósofo preferido?
- Arthur Schopenhauer.
- E por quê?
- Porque ele diz exatamente o que nós seres humanos somos: escravos do apego aos sonhos, aos bens materiais, às falsas necessidades inventadas por nossa mente.
Eles sorriram mais uma vez.
CAPÍTULO 4
Mesmo estando a Alemanha em total clima de guerra não era raro Lindie e Joseph irem ao cinema com frequência aos finais de semana. De segunda a sexta-feira ele estava ausente nas batalhas, era cabo do exército alemão e auxiliava o General Endlich, pai de Lindie, na organização das tropas que protegiam a cidade de Berlim e arredores.
Certo sábado dentro da sala do cinema, tudo escuro, o clima era de romance, Joseph pediu um beijo à Lindie, ali mesmo enquanto o filme era exibido. Ela por sua vez sorriu e concordou como sempre.
- Aqui?
- Por que não? Ninguém está vendo mesmo.
- Você é louco!
- Sou louco de amor por você, a mulher da minha vida. – ele disse sussurrando ao pé do ouvido dela
Depois de chegarem juntos na casa de Lindie, o galante Joseph teve com ela uma conversa não muito amigável para um casal de namorados.
- Obrigada pelo passeio, Joseph. É muito bom estar com você. O que eu acho enfadonho é a exibição exaustiva da propaganda nazista antes e durante os intervalos do filme. – Lindie reconheceu dando um lindo sorriso e um beijo na boca dele
- Você me deixa tão feliz quando sorri pra mim, quando me beija. Estou feliz também por nossas tropas estarem invadindo os países europeus e conquistando nosso reinado. Já sou considerado pelo seu pai um grande herói. - ele disse comemorando
- Eu só quero que você seja meu bom namorado. Perdoe-me por dizer, no entanto o segundo motivo da sua felicidade é vão. – ela disse sentando-se no sofá
- Vão? Por quê? – perguntou desconhecendo a causa da reprovação de Lindie
- Você realmente acredita que o exército alemão será capaz de exterminar todos os negros, judeus e deficientes do mundo? Pensa mesmo que Adolf Hitler é capaz de tamanho feito? E que o governo americano permitiria isso sem manifestar o poder de seus exércitos? Sinto muito em lhe dizer, mas o nosso amado Führer é um maníaco lunático. – afirmou sem pensar nas consequências
- Que absurdo é esse que está me dizendo? – questionou-a quase gritando
- Não percebe que a Alemanha será destruída pelos exércitos europeus e americanos que são muitos? Não continue iludido por ideais impossíveis. Quando os americanos chegarem nós seremos arruinados completamente.
- Acha mesmo que é justo deixarmos os judeus dominarem nossa economia, nossas riquezas e nossa cultura? Eles são maus, eles são a escória! – Joseph declarou impetuosamente
- Minha melhor amiga é judia, nos tornamos amigas na escola, quando ela ainda podia frequentá-la. A pobre coitada teve os bens da família confiscados pelo governo e agora ela não sabe como deixará a Alemanha. Saiba que minha amiga Anne Marie não é má e nem escória, ela é uma das garotas mais incríveis que eu conheci, e eu irei ajudá-la a se livrar da morte. Pessoas gananciosas e malvadas que ambicionam o poder existem em todas as religiões, não somente entre os judeus. – justificou a causa judia
- Sinceramente, eu não sei como você pode ficar do lado dessa gente!
- E eu não sei como você pode ser tão cego, Joseph!
Lindie mantinha consigo, em segredo, um exemplar da obra de Albert Einstein sobre a Teoria da Relatividade, seu pai repudiaria tal atitude se soubesse.
- Eu? Cego? Você é que deveria ter a consciência de que não pode lutar sozinha contra o governo alemão. Você não tem o poder de mudar a decisão das pessoas, muito menos das pessoas que governam esse país.
- Sabe que ainda hoje eu me lembrei de quando eu era criança e voltava do último dia de aula no colégio, passava pela avenida principal quando me deparei com um grupo grande de estudantes queimando uma pilha de livros considerados proibidos por terem sido escritos por judeus, ou mesmo por terem ideias antirracistas. Aquela cena impactou tanto meu coração que desejei jamais ter nascido na Alemanha, desejei que tudo aquilo acabasse de uma vez, que todos pudessem ter paz.
- Ainda guarda com você o livro de Einstein?
- Sim, guardo com carinho. Como um gênio que ganhou o Nobel e fez tantas descobertas importantes para a ciência pode ser um degenerado só porque é judeu? Você tem ideia do que Einstein descobriu?
- Faço uma vaga ideia do que se tratam suas teorias.
- Einstein diz em sua Teoria da Relatividade que o tempo é relativo, o tempo não passa igual para todos nós nem aqui na Terra nem no espaço. Ele disse que a velocidade da luz de trezentos mil quilômetros por hora é a velocidade máxima que algo pode alcançar, ele disse que se uma nave espacial pudesse atravessar o espaço nessa velocidade o tempo não passaria para o viajante, ele seria quase que eternamente jovem. Einstein disse que a massa dos planetas e estrelas deforma o espaço originado curvas e deformações que atraem os planetas para suas órbitas, isso é a gravidade.
- E o que tudo isso interfere em minha vida?
- Como assim? Pensa como um ignorante!
- Meu amor, entenda. Eu te admiro muito por você ser essa moça tão inteligente. Mas pensando melhor eu gostaria mesmo que você fosse também minha esposa e não só a minha namorada inteligente.
- Nós já conversamos sobre isso, eu ainda não estou preparada pra me casar.
- Eu sei, mas é que nós já namoramos há mais dois anos e...
- E o que? Quer saber de uma coisa? Se você não está satisfeito em apenas namorar comigo vamos acabar tudo agora mesmo. Estávamos falando sobre Einstein e não sobre casamento! Com licença, eu vou pro meu quarto descansar. – Lindie declarou furiosa subindo as escadas
CAPÍTULO 5
Hitler era um orador eloquente e ardiloso que atraía um grande número de seguidores desesperados por mudanças. Ele prometia uma vida melhor aos desiludidos e uma nova e gloriosa Alemanha. Os nazistas atraíam principalmente os desempregados, jovens e membros da classe média baixa, tais como donos de pequenos negócios, funcionários administrativos, artesãos e fazendeiros.
A subida do Partido ao poder foi rápida. Antes da depressão econômica, os nazistas eram praticamente desconhecidos, recebendo apenas 3% dos votos ao Reichstag (Parlamento Alemão) nas eleições de 1924. Em 1932, no entanto, os nazistas tiveram 33% dos votos, mais do que qualquer outro partido. Em janeiro de 1933, Hitler foi nomeado chanceler, o líder do governo alemão, e os alemães acreditaram que haviam encontrado o salvador de sua pátria. Mas tudo não passava de uma propaganda demagógica, que explorava habilmente essas frustrações e o sentimento antissemita generalizado da sociedade alemã da época, apresentando os judeus como bode expiatório dos problemas sociais, isso permitiu aos nazistas implantarem-se na classe média e entre os operários, ao mesmo tempo em que o abandono do programa social inicial lhes trazia o apoio da classe dirigente e dos meios industriais.
A perseguição contra os judeus se intensificava cada vez mais naquele segundo ano de guerra. Joseph era um dos responsáveis em prender os judeus listados e levá-los até os campos de concentração. Lindie foi encontrar sua melhor amiga Anne Marie para tentar convencê-la a se esconder em sua casa.
- Amiga, por que insiste em continuar aqui? Venha comigo, vou esconder você no porão do meu quarto! – insistiu tentando convencê-la
- Eu não posso ir, não quero prejudicar você. Além do mais meu pai antes de ser levado para o campo pagou muito caro por um documento falso pra mim. Não posso estar nas listas de prisioneiros porque meu novo documento diz que eu não sou judia. – Anne Marie resistiu
- Se eu fosse você não confiaria nisso, já levaram seu pai e sua mãe. Amiga, me escute, saia deste casebre, soldados podem invadir aqui e te levar. A situação está cada vez mais tensa em Berlim.
- Lindie, por que Adolf odeia tanto os judeus?
- Mas não é só judeus, ele odeia os negros, evangélicos, deficientes. Ele diz que os banqueiros judeus estavam dominando o nosso país, e ele diz que os judeus querem dominar o mundo, e antes que isso aconteça ele quer dominar o mundo primeiro. – explicou-lhe
- E se os judeus ricos e banqueiros realmente estivessem dominando a Alemanha e o mundo nós inocentes temos que morrer por causa disso? Eu sou judia e não intenciono dominar o mundo, por que querem me matar? E as crianças inocentes? – Anne Marie indagou indignada
- Amiga, isso tudo é tão cruel.
- Ele diz que a Alemanha será vitoriosa.
- Em uma guerra não existem vencedores, todos perdem. O único resultado óbvio para a guerra é a destruição total. Venha comigo, Anne Marie.
- Lindie, eu não posso permitir que você corra o risco de ser surpreendida pelo seu pai que é um general!
- O presidente do nosso país e seus aliados são todos loucos. Incluindo Mussolini, Stalin e todos os outros. São todos assassinos e governantes sanguinários. Meu pai quer que eu seja soldado e que eu sirva nas alas femininas nos campos de concentração.
- E você vai?
- Não sei ainda. Eu disse que tinha que me preparar mais. Filmes falsos sobre os campos de concentração estão sendo vinculados para o povo alemão acreditar que os prisioneiros lá estão sendo bem tratados, mas eu sei que na verdade estão sendo todos mortos. Eu escuto meu pai contar tudo pra minha mãe. E mais do que isso, eu vi o vídeo dos corpos empilhados nos campos. Os vídeos estão em minha casa, meu pai os trouxe.
- Que horror!
- Por que os inocentes tem que pagar por brigas políticas?
- Os governantes deveriam fazer guerras apenas entre eles, como os antigos duelos. Deveriam se matar entre si. – Anne Marie ressaltou com razão
- Eu concordo.
- Como esse homem pode ter chegado ao poder sem uma eleição?
- Sim, amiga. É inacreditável.
- Existirá uma história pior do que essa a qual estamos vivendo?
- Eu não sei, Anne Marie. Querem que sejamos burros, mas eu não sou. Sei de tudo que está acontecendo. Amiga, estão usando os prisioneiros como cobaias em experiências científicas dolorosas. Meu pai comanda tudo isso. Estão desenvolvendo tecnologias secretas de guerra também, discos que voam no céu, entre outras coisas estranhas.
- Isso tudo me dá muito medo. Quando essa loucura vai terminar?
- Eu gostaria que fosse logo.
Alice Schneider era uma jovem estudante de Filosofia que assim como Lindie era completamente apaixonada pelo professor Steve. Ela sabia muito bem que Lindie estava envolvida afetivamente com o professor. Certa tarde na biblioteca da universidade abordou sua rival:
- Lindie.
- Oi, Alice, como vai? Estou aqui tentando interpretar Aristóteles.
- E eu estou há tempos tentando interpretar o seu jogo duplo.
- Jogo duplo?
- Lindie, não se faça de boba, sei muito bem que você namora o soldadinho nazista e ao mesmo tempo flerta com o professor Steve. Nem tente mentir pra mim, eu já vi você almoçando com o professor várias vezes.
- Alice, você está entendendo tudo errado, eu e o professor Steve somos apenas bons amigos. E como você mesmo disse eu já tenho namorado, o soldadinho nazista se chama Joseph.
- Você é muito hipócrita, Lindie! Escuta o que eu te digo, alguma hora você vai acabar perdendo os dois e vai ficar sozinha. – Alice advertiu-a
No fim de mais uma manhã de aulas na Universidade de Berlim o professor Steve convidou Lindie para almoçar, dessa vez no apartamento dele.
- Professor Steve, não será um inconveniente eu ir até sua casa?
- Mas é claro que não, há tanta coisa que quero te mostrar. Além do mais você tem sido uma companhia tão agradável. Minha empregada, uma senhora muito talentosa na cozinha já está preparando o nosso almoço.
- Então vamos. Estou curiosa pra conhecer sua casa.
Ao chegarem ao apartamento a mesa do almoço já estava preparada, dona Bella trabalhava para o professor Steve já alguns anos. Ela era uma senhora de 60 anos de idade, madura e experiente.
- Dona Bella, essa é minha amiga e minha melhor aluna Lindie Endlich. – Steve apresentou-a
- Muito prazer, Lindie. O professor Steve fala muito de você. Até demais.
- O prazer é meu. Eu soube que a senhora cozinha maravilhosamente bem.
- Hoje você vai descobrir, senhorita. Agora vou deixar vocês a sós. Tenho que visitar meus netos. Mais tarde eu volto. – dona Bella despediu-se saindo em seguida.
- Muito simpática sua empregada.
- Ela é praticamente uma mãe pra mim.
- Professor, é lindo o seu apartamento. E sua televisão então, muito legal, tela grande.
- Mais lindo ainda é você estar aqui comigo, Lindie. - ele afirmou com os olhos fixos na face de Lindie que sorriu delicadamente
Aos poucos as faces de Lindie e Steve foram se encontrando, seus lábios se tocaram e assim o primeiro beijo deles aconteceu.
- Professor, me desculpe! – exclamou desconsertada
- Desculpar? Por quê? Foi maravilhoso esse beijo. Nós estamos inegavelmente apaixonados um pelo outro, e eu não vejo problema, você já é adulta e eu também.
- Steve, vamos almoçar e conversamos sobre isso depois.
- Está certo.
Sentaram-se a mesa.
Aquela foi uma tarde maravilhosa para Lindie e Steve. Eles saíram pra tomar sorvete, voltaram ao apartamento, namoraram um pouco mais no sofá.
Já eram vinte e duas horas quando Lindie pegou no sono lá mesmo no sofá da sala do professor Steve, estava assistindo TV, linda dormindo ali, e Steve por sua vez não pôde se conter e levou-a até seu quarto, colocou-a na cama, tirou os sapatos dela, o tailleur, para que ela ficasse mais relaxada.
Aquele professor apaixonado acabou dormindo ali mesmo ao lado dela.
Na manhã seguinte Dona Bella adentrou o quarto de Steve e se deparou com ele dormindo ao lado de Lindie. Ela deu um sorriso e voltou para a cozinha.
Quando Lindie acordou ficou desesperada.
- Meu Deus! Que horas são? Onde eu estou?
Ela olhou para o lado, viu Steve ali.
- Nossa, peguei no sono. Steve, Steve!
- Lindie. Que horas são?
- Hora de ir embora daqui. Minha mãe deve estar furiosa. Ainda bem que meu pai se encontra em batalha. Eu tenho que ir pra casa agora mesmo!
- Sim, eu te levo até lá, te deixo na esquina. Perdi a hora, meu despertador não tocou. Hoje a manhã já é perdida, vou telefonar para a universidade e dizer que só poderei ir de tarde.
- Como queira. Vamos logo. Onde estão meus sapatos?
- Estão ali no canto. Tenha calma. Não aconteceu nada, apenas dormimos lado a lado. Você pegou no sono no sofá e eu te trouxe até aqui.
- Eu sei, e jamais teria acontecido alguma coisa que fosse contra os meus bons costumes. Vamos, Steve!
Eles correram para o estacionamento:
- Lindie, só mais uma coisa.
- O que?
- Eu te amo.
- Eu também! - ela retribuiu
Quando Lindie entrou em casa de manhã Joseph estava esperando-a sentado no sofá ao lado de Ermelinde.
- Lindie, minha filha, onde você estava? Fiquei preocupada. Onde passou a noite?
- Mãe, me desculpe, fiquei até tarde estudando na casa de uma amiga da faculdade, assistimos TV e peguei no sono. Nem liguei pra avisar.
- Lindie, eu estou aqui. Acabo de voltar de Auschwitz , vim direito aqui só pra te ver.
- Bom dia, Joseph. Mãe, pode me deixar a sós com ele.
- Sim, com licença. – se retirou
- O que aconteceu? – Joseph perguntou a Lindie
- Vou ser direta com você. É melhor terminarmos o nosso namoro. Eu não quero casar agora. Não o manterei preso a esse relacionamento sem futuro. Continuaremos bons amigos. Desejo-lhe sorte em suas batalhas bélicas. Até logo, vou até o quarto organizar minhas coisas.
- É só isso que tem a me dizer?
- Sim. É apenas isso.
- Já faz um tempo que você vem me desprezando. Quem é seu novo amor? Algum colega da faculdade?
- Não, eu apenas decidi que não quero mais você, Joseph!Você já é adulto o suficiente para entender quando uma mulher não te ama mais.
- Tudo bem, a partir de agora você terá o meu desprezo. Até logo. – ele se despediu decepcionado
Na universidade Alice reparou e adivinhou exatamente o que havia acontecido, ela raciocinou consigo “O professor não veio hoje e Lindie também não, estão juntos! ”
CAPÍTULO 6
Na biblioteca da universidade, Steve discretamente se aproximou de Lindie. Ele lhe trouxera uma rosa vermelha. Naquela tarde a biblioteca estava quase vazia.
- Para o amor da minha vida! - ele entregou-lhe a rosa
- Steve, que bom que está aqui. Tenho novidades. Meu pai dará uma festa na semana que vem para os oficiais do exército e alguns soldados. Quero que venha a essa festa. Vamos nos divertir observando a falsa alegria daqueles loucos. – convidou-o animada
- Já que me convidou eu irei. Os folhetins antifascistas já estão prontos, coloquei exatamente o que você escreveu e o que eu escrevi. Ficaram ótimos.
- Enfim vamos começar nossa campanha contra o Terceiro Reich! Meu pai perguntou por telefone por que eu terminei meu namoro com o Joseph.
- E o que respondeu a ele?
- Eu disse que quando ele voltar em casa por ocasião da festa eu explicarei melhor.
- O que pensa em dizer?
- Direi que decidi que eu te amo.
- É uma boa justificativa. Mas será que ele vai aceitar?
- Meu pai parece um oficial durão, mas aceita minhas escolhas amorosas, ninguém pode reclamar, afinal você é o publicitário oficial da propaganda nazista em Berlim. Além de ser um professor respeitado.
- O mundo precisa de mulheres e homens corajosos como você, Lindie. Só uma pergunta, Joseph estará na festa?
- Provavelmente sim, ele faz parte do batalhão comandado por meu pai. Mas não se preocupe com isso, é uma festa para oficiais e com meu pai lá ele não poderá fazer nada para te prejudicar.
- Não quero confusão. Seu pai nem sabe por que você terminou o namoro com ele.
- Meu pai disse a minha mãe “é só uma briga boba de jovens apaixonados, logo estarão bem de novo”.
- E será que ele não tem razão?
- Não! Ele não tem razão! Eu não amo o Joseph como eu pensava.
- Que bom. – ele sorriu pra ela com mais amor do que antes.
A casa de Lindie estava repleta de oficiais do exército alemão. Ela se arrumou para a festa, colocou seu melhor vestido. Ao descer as escadas observou que Joseph já estava sentado no sofá esperando-a, ele estava louco para vê-la, jurou desprezo a ela, mas realmente sentia que a amava muito e pretendia reconquistá-la. Para não ser mal-educada Lindie foi até ele e cumprimentou-o:
- Boa noite, Joseph. Você fica muito bem vestido nesse terno, há muito tempo sempre te vejo vestindo apenas aquele uniforme.
- Obrigado. Você também está muito linda, eu ainda vou ter você de volta.
- Se me terá ainda não sei. É cedo para esse tipo de afirmação.
- Está esperando alguém?
- Sim, estou esperando meu amigo Steve. Ele é jornalista, você sabe, ele faz as melhores propagandas em favor da Alemanha Nazista e além de tudo é meu professor na Universidade.
- Ele é um nazista como você é?
- Por quê? Acha que eu não sou nazista o suficiente para convencer meu pai?
- Tenho minhas dúvidas.
- Com licença, Joseph, fique a vontade. Agora tenho que falar com meu pai. Ele me espera na biblioteca, desde que chegou da Polônia ainda não conversamos, quer saber se eu estou disposta a servir em Auschwitz. – Lindie disse beijando o rosto de Joseph e saindo em seguida
Na biblioteca da casa o general Endlich esperava a filha para tomar explicações:
- Pai, que bom que está aqui. A festa está linda. Será um jantar maravilhoso. Vejo que seus amigos oficiais estão todos felizes por estarem aqui. – disse após beijar o rosto do pai
- Filha, eu quero saber por que terminou seu compromisso com Joseph. Acha que seu relacionamento com ele era apenas uma brincadeira? Ele é um soldado exemplar, tem trabalhado comigo e avançando em suas patentes. Teria um futuro brilhante ao lado dele. Não fica bem a filha do general trocar de namorado o tempo todo.
- Pai, por favor, não me critique. Eu não estava mais me sentindo bem com o Joseph, me entenda, eu não tenho vocação para suportar um homem possessivo. Ele me tinha como posse dele.
- Entendo, mas sendo assim é melhor então que fique sozinha por um tempo.
- Tudo bem, pai. Ah, eu convidei o Steve para o jantar.
- O nosso publicitário?
- Sim, ele mesmo.
- Ótimo, acho que estou começando a entender o motivo do término de seu namoro com Joseph. – o general exclamou seguindo para a festa
A maioria dos oficiais na festa estava fardada, era conveniente circularem em seus trajes militares.
Steve chegou à festa, Lindie correu em direção a ele e abraçou-o, Joseph viu a cena e não gostou nada. Ele sabia muito bem que Steve era apaixonado por Lindie.
- Steve, que bom que chegou. Vamos dançar? O jantar será servido mais tarde. – ela cochichou baixinho no ouvido dele: Os oficiais estão bebendo, fumando e dançando feito loucos. Venha ver.
- É engraçado como tudo está prestes a desmoronar e eles ainda fazem festa. - Steve exclamou
- São todos um bando de loucos. – Lindie afirmou rindo
- Minha filha, venha até aqui, vamos brindar a futura vitória da Alemanha! – Ermelinde chamou-a
Lindie e Steve se aproximaram do grande grupo de convidados, pegaram uma taça de champanhe e ela muito irônica e sarcástica propôs o brinde:
- Eu proponho um brinde à vitória do Terceiro Reich! A nossa Alemanha será livre das impurezas e imperfeições das raças inferiores, mesmo que para isso vidas do povo alemão sejam sacrificadas, a vida da minoria pelo bem da maioria! Viva ao Terceiro Reich!
- Viva! - todos gritaram comemorando
- Venha Steve, vamos fugir daqui. – Lindie pegou Steve pelo braço levando-o para o jardim
- Por que me trouxe aqui no jardim?
- Quero ficar um pouco sozinha com você.
- E o que foi aquilo que disse “a vida da minoria pelo bem da maioria”?
- Sei lá, eu inventei na hora. Nunca imaginei que eu iria brindar o Terceiro Reich.
- Você fingiu muito bem.
- Steve, isso mostra que eles podem controlar tudo menos os meus pensamentos e os meus sentimentos. Com a minha boca brindei esse governo de maníacos, mas com a minha mente eu amaldiçoei-o sem ninguém desconfiar. O ser humano é tão mínimo e ainda acha que podem dominar e controlar tudo.
- Você tem toda razão no que diz, aquilo que está aqui em sua mente e em seu coração só pertence a você, e ninguém pode te tirar isso.
- Steve, eu te amo muito e quando essa guerra acabar quero ficar com você em paz.
- E eu quero te amar agora. – Steve declarou romântico beijando-a na boca em seguida
Aquele beijo foi longo e exatamente naquele instante em que o jovem professor e jornalista Steve beijava sua amada com a mais doce ternura Joseph apareceu no jardim, ele ficou furioso ao ver a cena, pois não poderia suportar saber que sua amada estava nos braços de outro homem.
- Lindie! – ele gritou
- Joseph! – ela exclamou surpresa
- O que está acontecendo aqui? Então você me deixou pra ficar com esse homem. Eu não posso acreditar nisso!
- Joseph, pare de gritar! Quer chamar a atenção de todos? – Lindie exclamou nervosa
O general Endlich, a senhora Ermelinde e os convidados foram ao jardim ver o que acontecia.
- Mas o que está acontecendo aqui? – o general perguntou furioso
- Então é com ele que você se diverte enquanto estou na guerra. General Endlich, sua filha estava aos beijos aqui no jardim com esse jornalista. Sem o menor respeito pelos convidados. – Joseph acusou-os
- Joseph, cale a boca, você não é mais meu namorado e por isso eu não lhe devo explicações. – Lindie repreendeu-o
- Lindie, eu te dei todo o meu amor, mas pelo que eu vejo não foi suficiente. – Joseph rebateu com o orgulho ferido
- Acalme-se, Joseph, vamos ter uma conversa de homem pra homem longe daqui. – Steve pediu
- Eu não tenho nada pra falar com você! Essa moça é uma ingrata. Vai se arrepender de ter me trocado por esse aí!
- Dois homens brigando por uma mulher! Que lindo! – comentou uma convidada
- Quem você pensa que é, Joseph, para desrespeitar minha família e fazer escândalo diante de meus convidados? Saia já daqui! – o general disse gritando
- Joseph, é melhor você ir embora, eu o acompanho até a porta, venha. – Ermelinde chamou-o
- Eu saio sim, não fico aqui nem mais um minuto. - concordou
- Lindie, vá para o seu quarto. Depois conversamos. – o general ordenou
Ermelinde acompanhou Joseph até a saída e o aconselhou:
- Joseph, a Lindie não é mais sua namorada. Ela está flertando com outro homem, conforme-se e controle-se. Vá para casa refletir. É melhor você procurar outra garota pra namorar. Escute o que eu te digo, a Lindie não sabe o que quer.
- Eu vou embora, mas digo a senhora que sou eu quem sua filha ama.
- Veremos! – dona Ermelinde afirmou com sorriso sem graça
Ainda no jardim as conversas continuavam:
- Steve, venha comigo, me deve explicações. E vocês, voltem festa. O jantar será servido. – o general deu a ordem
- Não se preocupe, meu amigo general, são apenas dois jovens apaixonados disputando o coração da mesma donzela. Algo muito natural na idade deles. Mas enfim, vamos jantar porque a festa continua – comentou um oficial presente
No quarto, Ermmelinde tomou satisfações da filha:
- Lindie, pode me explicar o que aconteceu lá fora?
- Mãe, o Joseph fez escândalo por nada, ele me viu com o Steve e sentiu ciúmes.
- Lindie, não fica bem o que está fazendo, acabou de terminar o namoro com o Joseph e já está aos beijos com Steve.
- Que é o melhor publicitário que o partido nazista já teve.
- O governo tem vários publicitários.
- Em minha opinião Steve é o melhor.
- Eu não deveria ter dado a você tanta liberdade pra namorar.
- Mas já deu, mãe. Agora eu já sou adulta, posso muito bem escolher meus namorados. Por acaso sou obrigada a continuar namorando aquele insuportável do Joseph?
- Não, não é! E nem por isso tem que sair por aí beijando outro homem pelos cantos da casa. Por que não deixou pra namorar em outra ocasião?
- É tudo culpa do Joseph, foi ele quem fez escândalo. Eu não quero mais esse rapaz aqui! Eu sou capaz de cuspir na cara dele.
- Lindie, aprenda, um homem que se sente traído e rejeitado se torna uma fera indomável.
- Eu juro que se ele se aproximar de mim novamente eu mando meu pai trancá-lo em uma câmara de gás em Auschwitz e jogar a chave fora.
- Não é você contra a violência nazista?
- Sim, mas nesse caso o Joseph tem que provar do próprio veneno. – Lindie concluiu com feições agressivas
Na biblioteca da casa Steve conversava com o general Endlich:
- Desculpe-me, general, eu não quis estragar a sua festa. No entanto Joseph é quem fez escândalo apenas porque me viu junto com sua filha. Ele está morrendo de ciúmes porque ela prefere ficar comigo. – justificou-se
- Intrigas de amor! Já vivi várias quando eu era um jovem rapaz. Mas não te chamei aqui por causa disso.
- Não, general?
- Não! Quero falar sobre as campanhas do partido aqui em Berlim.
- Não estão satisfeitos com meu trabalho?
- Sim, estou, mas ocorre que temos um traidor, ou traidores, alguém está fazendo campanha contra o nazismo. Estão espalhando folhetins antifascistas por toda a região. Você poderia participar das investigações, como um jornalista investigativo? Coloque nos jornais que os traidores serão presos e executados. Ninguém pode se atrever a desafiar o Terceiro Reich. Aqui tem uma carta pessoal escrita pelo nosso querido salvador Adolf Hitler. Ele ordenou que você a publique.
- Sim, senhor. Garanto que a carta será publicada ainda na edição de amanhã. Trabalharei a noite inteira para que logo cedo a carta circule no jornal.
- Que ótimo!
- Eu faço questão de trazer um exemplar do jornal aqui para que o senhor seja o primeiro a lê-lo.
- Obrigado, Steve. E a propósito, tome cuidado com Joseph. Um homem rejeitado por uma mulher não é de confiança. Minha filha ainda é imatura e não sabe o que quer.
- Joseph é um homem muito agressivo. Lindie não pode mesmo ficar com ele.
Steve saiu dali apreensivo, afinal ele era o traidor do Terceiro Reich, porém não só ele como também a própria filha do general era a mentora dos planos de traição.
Nos dias seguintes Joseph telefonava para Lindie, mas ela não atendia, simplesmente ignorava. Em dado momento já cansada pela insistência decidiu falar com ele:
- Joseph, quantas vezes eu vou ter que te pedir pra parar de telefonar pra minha casa? Eu não tenho nada pra falar com você.
- Lindie, me dê só uma chance de conversar com você. É só o que eu te peço. Voltarei ao campo de batalha no meio dos ataques aéreos e bombardeios, preciso te dizer muitas coisas.
- Tudo bem, venha hoje a minha casa, agora mesmo se quiser, conversaremos na sala.
- Sim, chego aí em poucos minutos. – ele exclamou saindo em seguida para a casa de sua amada
Lindie o esperava na sala, sentada no sofá.
- Joseph.
- Lindie, meu amor. Ainda bem que aceitou falar comigo. Não sabe o quanto estou arrependido por ter feito o que fiz. – disse agachando-se diante dela no sofá
- Não exagere, eu não sou mais o seu amor. Desde a tomada do poder o seu amor agora é o Terceiro Reich.
- Todas as lembranças suas eu joguei fora, cartas, fotos, bilhetes. Tentei me iludir achando que eu podia esquecer você facilmente. Mas eu estava enganado. Eu descobri que eu te amo cada vez mais. Você tem toda razão, essa guerra é uma insanidade de líderes políticos malucos e ambiciosos. – ele reconheceu
- Fale baixo. Os soldados lá fora podem ouvir. Eu sinto muito que você me ame, porém já tenho outro amor. Eu e Steve somos namorados já faz um tempo. Ele sempre me amou.
- Olha nos meus olhos e jure que você me esqueceu. – Joseph pediu
- Eu não tenho que jurar nada. Mas eu gosto de você, eu não te odeio. Joseph, prometa que você vai voltar. Não permita que essa guerra tire a sua vida. Promete que volta? – ela pediu aproximando seu rosto do rosto dele com um olhar de amor contido
- Eu prometo que volto.
- Eu não aceito que você esteja arriscando a sua vida por um ideal perdido. Se ao menos fosse possível você deixar o exército.
- Não quero ser considerado um traidor ou um fraco.
- Estarei te esperando aqui ou abrigada em algum bunker. Os bombardeios sobre Berlim não tardarão a começar, eu sinto isso.
- Gostaria que nada disso fosse verdade.
- Vá em paz e volte logo. – ela pediu mais uma vez
- Eu voltarei.
Lindie despediu-se de Joseph dando-lhe um beijo no rosto e um abraço.
CAPÍTULO 7
De repente tanques de guerra e carros do exército invadiram a rua, Anne Marie que ficou assustada com o barulho correu para a janela, observou tudo com medo.
- Lindie tinha razão, eles estão vindo pra cá! – Anne Marie reconheceu
Lindie se aproximava para visitar a amiga quando parou por um instante e observou o caminhão de prisioneiros pararem em frente à casa de Anne Marie.
- Droga! Eles vão prender minha amiga! Devem ter descoberto alguma linhagem judaica em seu nome falso. Esses documentos falsos não são confiáveis.
Lindie chegou diante dos soldados que já tinham presa Anne Marie. Ela se aproximou dos ouvidos da amiga e disse:
- Fique tranquila, pra onde quer que eles te levem eu irei até lá e te salvarei.
- Tudo bem, amiga, obrigada. Eu deveria ter ido com você antes. Mas agora já é tarde, eu irei em paz.
Os soldados já estavam pegando sua amiga pelo braço e colocando-a no caminhão.
- Esperem! – Lindie disse quase gritando
Os soldados a olharam.
- Meu pai é general e responsável pelas operações nessa área da cidade, podem me dizer qual é o nome dessa moça? Deixe-me ver a lista, não pode haver erros nem enganos. Temos que estar certos de que os cidadãos alemães sejam preservados e não confundidos com judeus nojentos.
- Sim, senhorita, aqui está a lista!
Lindie pegou a lista e ali estava o nome falso de sua melhor amiga.
- Pois bem, vou informar a meu pai que estiveram aqui realizando as prisões como ele ordenou e enviarei a ele meus elogios a vocês. Levem a prisioneira e que ela já saiba que deve permanecer obediente e trabalhar no que for designada sem manifestar nenhuma resistência. Estão precisando de cozinheiras no campo, mantenham-na preservada para que ela possa chegar bem em Auschwitz para servir aos soldados. Podem ir, vou falar com meu pai. Ele já deve estar indo pra Polônia agora.
- Quer uma carona, senhorita?
- Não, muito obrigada, eu irei a pé, moro perto daqui.
Lindie seguiu caminho direito para sua casa, ela sentiu-se tonta, sem fôlego, toda aquela loucura da guerra fazia com que ela perdesse o sentido da vida. Ela já não via mais razão nas atitudes humanas, e faria de tudo para livrar sua amiga daquele martírio iminente.
Ao chegar a sua casa Joseph a esperava na sala.
- Joseph, você por aqui! Achei que estivesse na Polônia, servindo nos campos.
- Cheguei ontem pra visitar minha mãe, mas amanhã voltarei.
- Ótimo. Eu também vou pra Polônia. Decidi ser soldado no campo de Auschwitz.
- Decidiu?
- Sim. Por que o espanto? Meu pai insistiu tanto que me convenceu. Podemos ir juntos amanhã.
- Será muito bom.
- Joseph, venha comigo. Quero que me diga se fico bonita vestida em meu novo uniforme nazista.
- Estou louco pra ver. – ele disse animado.
Em seu quarto Lindie vestiu o uniforme de soldado, em seguida abriu a porta e pediu que Joseph entrasse:
- Pode entrar, Joseph!
Ele entrou e ao vê-la vestida como uma legítima soldada alemã exclamou:
- Você está ótima.
- Obrigada. Meu pai ainda não sabe que eu decidi ir. Hoje ele vai pra Polônia, mas antes passa aqui e eu digo que irei com você amanhã.
- Então agora você aceita o nazismo como a salvação da Alemanha?
- Nunca.
- Então por que está se tornando um soldado?
- Eu vou para Auschwitz salvar minha amiga da morte e você vai me ajudar.
- Você ficou louca?
- Não, quem está completamente louco é o seu querido Hitler. Esse homem está destruindo a Alemanha e ninguém faz nada. São todos loucos! Hoje minha melhor amiga foi levada para o campo na Polônia. Eu quis escondê-la aqui no porão do meu quarto, mas ela recusou por acreditar que um documento falso a protegeria, no entanto nem mesmo com nome falso ela escapou. Agora irei até Auschwitz para tirá-la de lá. E você será nosso motorista, sim. Trará- nos na volta de carro até a estação de trem.
- Você está completamente louca, Lindie. Foi depois que você começou com essas suas ideias nosso namoro desmoronou. E o seu namorado Steve aceita essa sua decisão?
- Ele nem sabe de anda ainda. Olha ao seu redor, realmente acha que eu tenho ânimo e vontade pra namorar no meio de toda essa confusão? Eu odeio tudo isso.
- Você não sabe o que fala, se continuar com essas ideias malucas vai acabar perdendo o seu namorado. Existem várias mulheres querendo ele na universidade.
- Se ele quiser que fique com elas. Mas o Steve não é tão radical como você. Garanto que ele vai apoiar minha ida à Auschwitz. Joseph, você não me engana, tenho certeza que você já frequentou tranquilamente os cabarés dos campos de concentração e da cidade. Ficou com todas as mulheres que quis, um homem covarde como você não merece o meu amor. Saia daqui! Saia antes que eu quebre todos os vasos da casa na sua cabeça. Eu irei à Auschwitz ainda hoje de noite com meu pai. – Lindie declarou arrogante
Ainda naquela tarde Lindie encontrou-se com Steve no apartamento dele. Pediu ajuda e o apoio de seu namorado para realizar sua missão em Auschwitz.
- Lindie, que bom que veio. Alguma novidade, meu amor?
- Sim, tenho novidades, preciso de sua ajuda e apoio.
- Quando foi que eu deixei de atender a um pedido seu?
- Nunca. Eu escrevi mais algumas coisas para nossos folhetins pensei em colocar nos banheiros públicos, no caminho daqui à Auschwitz.
- Boa ideia. Mas teremos que ter cuidado. Você disse Auschwitz?
- Sim. Minha amiga judia foi levada para lá hoje. Eu ainda nesta noite irei para lá resgatá-la. Penso em ficar apenas uma semana.
- Vou sentir sua falta. Mas se é pra ajudar sua amiga eu apoio você. Mas tenha cuidado. A guerra é um ambiente hostil.
- No fundo ainda acho que Hitler não tem culpa de nada, ele é apenas um doente mental, um maníaco. A culpa é de todas as pessoas que estão seguindo e obedecendo ao que esse lunático diz.
- Nunca imaginei ouvir essas palavras de uma jovem nazista.
- Acontece que eu sou uma jovem nazista hipócrita. Não deveriam ter me deixado ler Nicolau Maquiavel. Segundo ele não precisamos ser de verdade, precisamos apenas aparentar que somos para enganar o inimigo. Eu aparento ser nazista para enganar meu inimigo, no entanto eu odeio o nazismo. Amanhã mesmo me tornarei um soldado e servirei no campo de concentração da Polônia, e tudo isso para tirar minha amiga judia que está presa lá.
- Senti-se preparada?
- Claro que sim, há dias meu pai insiste pra que eu me torne soldado. Eu não queria, mas como minha amiga foi presa decidi aceitar para poder resgatá-la em Auschwitz, só por isso.
- Nunca vi tamanha coragem.
- Será que você conseguiria imprimir os folhetins agora de tarde para eu levá-los comigo? No caminho para Polônia irei espalhá-los.
- Consigo sim, realmente não haverá vitória para a Alemanha, nem pra ninguém.
- Sempre quis ter um namorado como você, amável, gentil, inteligente e principalmente antifascista como você! O Joseph é nazista demais pra mim.
- Sério?
- Sério, Steven, eu te amo. Como eu não percebi antes que você é um homem maravilhoso?
- Estou surpreso em ouvir suas palavras. Eu amo muito você também.
- Prometo que ficarei só o tempo de tirar minha amiga de lá. Em uma semana estarei de volta. Começo a ficar tonta só de pensar que estarei naquele lugar horrível. Apenas vendo as imagens eu passei mal, imagine estando lá. Aqueles cadáveres empilhados, pessoas morrendo de fome e doentes. Mas terei que ir para salvar minha amiga.
- Você tem muita coragem. Como pretende tirá-la de lá?
- Levarei mais um uniforme comigo e ela vai se fantasiar de soldado e sairemos juntas sem que ninguém desconfie de nada, mas antes de sairmos terei que maltratá-la e xingá-la. Vou até fingir matá-la a tiros. Inclusive é melhor eu treinar agora o olhar sanguinário e assassino dos soldados nazistas. Tive uma ideia mostrarei a você como atuarei a partir de amanhã. Preciso aparentar maldade, impiedade e ódio.
- Lindie, vou te ajudar a ensaiar. Posso lhe dizer se convencerá a todos em Auschwitz.
Lindie começou a atuação diante de Steve.
- Steve, agora você é o judeu e eu a soldado nazista.
- Sim.
- Judeu imundo, pestilento! – ela cuspiu nele – Ajoelhe-se e confesse que Hitler é o salvador da Alemanha. Já sei do que você precisa, precisa de umas chicotadas pra aprender que vocês judeus não são seres humanos! São capitalistas sanguinários que pretendiam dominar o mundo. Mas o nosso querido Führer não vai deixar isso acontecer, vocês são a escória e toda a imperfeição será eliminada. Sinta a dor do chicote pra aprender o seu lugar miserável nesse mundo. – Lindie lançou mão do chicote e bateu em Steve, sem força é claro.
- Então, Steve, eu convenço como um legítimo soldado nazista?
- Totalmente, eu jamais desconfiaria que você fosse capaz de resgatar uma judia no campo de concentração. – ele disse aproximando-se de Lindie
Aos poucos suas faces foram se encontrando, seus lábios foram se tocando e então se beijaram de maneira doce e amável.
- Lindie.
- Steve.
- Não sabe como estou feliz agora.
- Eu não quero perder o foco. Hoje à noite irei pra Auschwitz, não posso ficar sentimental. Mas é claro que eu também gostei de nosso beijo. Obrigada. – ela sorriu abraçando-0
Naquela mesma noite Lindie partiu com seu pai para Auschwitz, levou mais de dois uniformes de soldado em sua mala. O general a recrutou como soldado e estava feliz pela decisão da filha que levou consigo centenas de folhetins contra o nazismo para distribuí-los pelo caminho.
CAPÍTULO 8
O complexo dos campos de concentração de Auschwitz foi o maior de todos aqueles criados pelo regime nazista. Nele havia três campos principais, de onde os prisioneiros eram distribuídos para trabalhos forçados e, por um longo período, um deles também funcionou como campo de execuções. Os campos estavam localizados a aproximadamente 60 quilômetros a oeste da cidade polonesa denominada Cracóvia, na Alta Silésia, próximos à antiga fronteira entre a Alemanha e a Polônia no período que antecedeu a Segunda Guerra, mas que em 1939, após a invasão e a conquista da Polônia, foi anexada à Alemanha nazista. As autoridades das SS estabeleceram os três campos principais perto da cidade polonesa de Oswiecim: Auschwitz I, em maio de 1940; Auschwitz II (também conhecido como Auschwitz-Birkenau), no início de 1942; e Auschwitz III (também chamado de Auschwitz-Monowitz), em outubro de 1942.
Auschwitz I foi construído com três finalidades: prender os inimigos reais e imaginários do regime nazista, e das autoridades de ocupação alemãs na Polônia, por um período indeterminado; ter à disposição uma grande oferta de trabalhadores forçados para alocar aos empreendimentos das SS e relacionados à construção (e, mais tarde, produção de armamento e artigos de guerra); e servir como local para o extermínio de grupos pequenos, de determinadas populações, conforme determinado pelas SS e autoridades policiais para manter a segurança da Alemanha nazista.
Como vários campos de concentração, Auschwitz I possuía câmara de gás e crematório. Inicialmente, os engenheiros das SS construíram uma câmara de gás improvisada no porão do bloco de celas, o Bloco 11. Mais tarde, uma câmara maior e permanente foi construída como parte do crematório original, em outro prédio fora do complexo de celas.
Em Auschwitz I, os médicos das SS realizavam experiências “médicas” no hospital localizado no Bloco 10. Eram pesquisas pseudocientíficas em bebês, gêmeos e anões, além de fazerem esterilizações forçadas e experiências de hipotermia em adultos. O médico mais conhecido dentre eles era o infame Capitão das SS, Dr. Josef Mengele.
Entre o crematório e o quartel de experiências médicas ficava a "Parede Negra", frente à qual os guardas das SS executavam milhares de prisioneiros.
Os recém-chegados a Auschwitz passavam por uma triagem, na qual a equipe das SS decidia quem era capaz ou incapaz de realizar trabalhos forçados, a maioria era enviada diretamente para câmaras de gás, que pareciam banheiros com chuveiros para enganar as vítimas, para que o processo fosse mais rápido. Os pertences dos que iam para as câmaras eram confiscados e enviados para o depósito "Kanada" (Canadá), para posteriormente serem enviados à Alemanha. Para os prisioneiros, a palavra Canadá significava riqueza.
Em Auschwitz I, aqueles que eram escolhidos para o trabalho forçado eram registrados e tatuados no braço esquerdo com o número de identificação, após o que eram enviados para o campo principal ou para outros lugares no complexo, inclusive para os subcampos.
Anne Marie teve sua cabeça raspada, em seguida seu braço direito foi tatuado com um número. Ela estava profundamente arrependida de não ter se refugiado na casa da amiga, mas ao mesmo tempo sentiu medo, medo de colocar em risco a vida de Lindie, bem como a reputação de seu pai.
Tudo lá era terrível e aquele início de noite estava cinza, tudo era triste e tenebroso naquele ambiente de escravidão e tortura. Lindie desceu do carro, logo que chegou ao campo ela pôde ver corpos empilhados, passou pelo crematório, viu alguns pavilhões por dentro e constatou que aquilo tudo era uma grande loucura de extermínio em massa.
Lindie vestiu seu uniforme de soldado, se apresentou a seu pai e logo recebeu instruções, ela colocou em prática seu olhar sanguinário. No caminho para a ala feminina ela encontrou Joseph por acaso, ele logo abordou- a:
- Lindie, você veio!
- Joseph.
- Que bom te ver de novo, sinto a sua falta e lamento que tenhamos brigado e terminado tudo.
- Agora não é hora e aqui não é lugar de falarmos sobre isso. Estou aqui para executar meu plano de salvar minha amiga. Se estiver disposto a me ajudar serei eternamente grata. Preciso que você nos leve para a estação de trem civil. Prefiro embarcar de volta a Alemanha em um trem popular para que ninguém desconfie de Anne Marie. Quero que nossa fuga aconteça em uma semana.
- Eu vou te ajudar. Eu posso levá-las a estação de trem.
- Desde já odeio este lugar. Sinto pena das pessoas que pagam com suas vidas pelas intrigas políticas que elas não criaram.
- Você tem toda razão. Vou te ajudar, quando estiverem prontas pra partirem me avisem.
- Obrigada. Agora tenho que encontrar minha amiga.
Lindie encontrou Anne Marie no pavilhão 12. Vestida de soldado com seu olhar sanguinário muito bem ensaiado Lindie entrou naquele alojamento onde as mulheres dormiam amontoadas e gritou:
- Atenção. Estou aqui para buscar três mulheres que passarão a trabalhar na cozinha. Quero que se apresente agora a prisioneira Lucy Springstron. – chamou pelo nome falso da amiga – E também Alisa Weiss e Adele Krurtz. Me acompanhem, em silêncio, judias imundas, caso contrário sentirão a força do meu chicote. – pronunciou impiedosa
Anne Marie ficou emocionada e ao mesmo tempo triste, emocionada por ver que sua melhor amiga cumpriu o que prometera e fingiu de maneira única ser uma legítima nazista, e triste por toda aquela situação que viviam ali no campo.
Lindie ordenou que as outras duas mulheres entrassem na cozinha, colocou sua amiga no canto da parede e disse:
- Para o nosso bem e para que tudo dê certo nada de sorrisos nem expressões de alívio, mantenha seu semblante amargurado e eu manterei meu olhar sanguinário e cheio de ódio pelos judeus.
- Sim, perfeitamente.
- Agora vamos para cozinha, hoje será preparado o primeiro jantar da semana para meu pai e seu grupo de oficiais. – Lindie explicou-lhes
CAPÍTULO 9
A rotina em Auschwitz era sempre a mesma. Os prisioneiros eram despertados a gritos às quatro da manhã. Em seguida, tinham que responder à chamada e era servido café. Deixavam-nos ir ao banheiro e às 05h30 deveriam ir trabalhar nas fábricas, como por exemplo, a da Siemens, onde pagavam pelos prisioneiros: o dinheiro era entregue à SS que era a força paramilitar nazista.
Trabalhavam por 12 horas e depois voltavam ao campo. Por volta das 20h davam-nas um prato de sopa e dormiam. A rotina era recheada de casos de crueldade dos quais pouco se falava. Tragédias que, ao serem contadas por sobreviventes, fizeram com que muitos chorassem, como a descrição de uma francesa sobre como deixavam que os bebês morressem de fome.
Algumas mulheres eram deixadas quase nuas na neve até morrerem de frio e outras tinham germes de sífilis injetados na medula espinhal. Tudo não poderia ser mais cruel. Lindie continuava cumprindo seu papel. Ela dirigiu-se ao telefone do escritório de seu pai, o general Endlich. Telefonou para falar com Steve, pediu a ele que a esperasse uma semana depois na estação ferroviária de Berlim:
- Alô. Steve, sou eu, Lindie!
- Meu amor, como vai? Estou surpreso com seu telefonema. Como estão as coisas em Auschwitz?
- Aqui está tudo bem. Estou telefonando para avisar você sobre meu retorno a Berlim. Quero que me espere na estação ferroviária na segunda-feira no início da tarde.
- Sim, meu amor. Será um prazer. Estarei lá te esperando. Volta logo, é muito ruim ficar longe de você.
- A recomendação geral é ir para Berlim em um trem civil por conta da superlotação dos trens do campo.
- Ótimo, irei buscá-la, então.
- Obrigada, meu amor, eu te amo.
- Eu também, até logo.
Steve mal podia esperar para ter Lindie de volta em seus braços. Ele a amava já há muito tempo, entretanto só não imaginava que seria naquelas circunstâncias de guerra que seu amor se manifestaria. Em todo caso, Steve queria mais era fazer todas as vontades de sua amada e ajudá-la em todos os seus planos.
CAPÍTULO 10
- Não se sente bem? Não gostou de suas instalações aqui em Auschwitz? – Joseph perguntou à Lindie logo após adentrar o quarto dela no campo de concentração, em seguida ele trancou a porta.
- Não é isso, esse quarto que meu pai conseguiu pra mim é muito apropriado e confortável. O que ocorre é que: como posso me sentir bem aqui? De que maneira? Nunca vi tantas coisas cruéis e assombrosas como vi nesse lugar. Estão matando gratuitamente milhares de pessoas sem dizer nada ao mundo. Essa tem sido a minha pior noite aqui em Auschwitz, vi corpos empilhados sendo incinerados e crianças sendo levadas para as câmaras de gás. Tive que me conter para não chorar e para não ter que xingar todos esses nazistas cruéis. Como conseguem ser tão maus?
- Fique calma, é por isso que eu estou aqui, Lindie. – Joseph esclareceu
- Por quê? Pra que? – ela questionou querendo muito saber a resposta
- Pra te fazer relaxar e esquecer essas coisas ruins que te atormentam, pelo menos por um momento, pelo menos por essa noite.
- E quem você pensa que é pra me fazer esquecer todo esse sofrimento, um deus? – desafiou-o já sentindo- se seduzida pela beleza daquele lindo soldado loiro, alto de olhos azuis cristalinos
- Um deus não, mas talvez seu anjo. – Joseph respondeu com voz sedutora acariciando o rosto de sua amada
Joseph pegou um disco de música clássica, colocou na vitrola, ao iniciar a melodia pegou Lindie pela cintura e começaram a dançar suavemente.
- Joseph, você é muito pretensioso.
- Eu sou o homem que você ama.
- Você é o homem que me iludi, que me prende, que me hipnotiza. Não confunda isso com amor.
- Então você admite ao menos que é apaixonada por mim? Que não resiste aos meus encantos?
- Sim, admito.
- Então esqueça todos os horrores desse lugar, e aproveite esse momento. Eu estou aqui pra te fazer feliz mesmo nessa situação tão ruim pra você.
E foi naquela noite em Auschwitz que ao som da música “Moonlight” “Sonata de Beethoven”, delicadamente Joseph e Lindie deitaram na cama, ele beijou-a com tanto afeto que foi impossível que ela resistisse àquela noite de amor em que conheceu a verdadeira razão de existir, ela descobriu o que era ser uma mulher amada. Depois de descobrir o prazer ela já não era mais a donzela inocente de antes.
Lindie acordou de madrugada, olhou para o lado e viu que Joseph estava ali dormindo depois dos momentos de amor que viveram, e ao se dar conta do que havia acontecido entrou em desespero, o arrependimento sobreveio à sua alma de jovem mulher, pois mal podia acreditar que acabara de trair seu namorado que a esperava em Berlim.
Ao olhar para o rosto de Joseph, ali ao seu lado na cama, Lindie sentiu nojo, raiva e indignação por ele não tê-la respeitado, e mais ainda, ela sentiu raiva de si mesma por não ter resistido aos encantos de seu ex-namorado.
Lindie levantou-se da cama e vestiu sua camisola, sua vergonha era extrema, ela acordou Joseph:
- Joseph, Joseph! Acorde.
- Lindie, meu amor, o que aconteceu? Já amanheceu?
- Não, ainda não amanheceu. Por isso mesmo levante-se e vá para o seu alojamento! Ninguém pode saber o que aconteceu aqui. Se isso chegar aos ouvidos do meu pai ele pode mandar te matar ou então me obrigar a casar com você, o que eu não quero!
- Por que você está se comportando assim? Tivemos uma noite maravilhosa de amor. Deveria estar feliz, agora você se tornou uma mulher, e o que é melhor, com o homem que te ama.
- Não seja hipócrita, se você me amasse teria me respeitado. Como acha que estou me sentindo agora que acabei de trair meu namorado? Agora vista- se e saia logo daqui. – Lindie declarou sem olhar pra cara dele
- É assim que você trata o homem que te ama? Por que você não volta logo pra Berlim e diz pra aquele jornalista idiota que eu sou o homem e o amor da sua vida? Tudo bem, você pode até fugir desse sentimento, mas não há problemas, eu serei sempre vencedor. Prova disso foi essa noite que tivemos. Até mais tarde. – Joseph disse enquanto vestia- se saindo do quarto em seguida.
Lindie passou o resto daquela noite chorando deitada naquela cama que já lhe dava repúdio.
Enfim chegara o dia da encenação no campo de Auschwitz, Lindie sentia-se preparada para fingir que mataria sua melhor amiga.
Na cozinha Lindie gritou chamando pelo nome falso de sua amiga:
- Venha comigo, judia imunda! – Lindie pegou Anne Marie pelos cabelos e simulou arrastá-la até o lado de fora daquele pavilhão dos oficiais do exército, ela sussurrou nos ouvidos da amiga: Vou fingir chicotear você, depois vamos para o meu quarto, vou atirar pra cima para fingir que te matei.
- Sim. – Anne Marie mexeu a cabeça concordando para disfarçar
Lindie jogou sua amiga no chão, cuspiu em cima dela e começou a chicoteá-la. Em seguida levou Anne Marie para o quarto, atirou para cima, por várias vezes, todos que ouviram acreditaram que ela havia matado a judia prisioneira.
- Amiga, agora vista o uniforme de soldado e essa peruca, vamos embora daqui em seguida.
- Muito obrigada, amiga.
- Acham que eu te matei, vou dizer a todos que o Joseph jogou seu corpo em uma das valas. Ele irá nos levar até a estação civil ferroviária.
Anne Marie vestiu a peruca e o uniforme que sua amiga lhe trouxe, Joseph ficou ao redor vigiando tudo.
- Agora, como estou? Pareço um soldado nazista?
- Perfeitamente, e a peruca ficou ótima, vamos embora desse lugar imediatamente. Joseph, o carro já está preparado?
- Sim, me acompanhem, vou levá-las a estação ferroviária. – ele respondeu
- Ótimo. Depois diga a meu pai que decidi ir embora. Vou telefonar pra ele mais tarde.
- Não se preocupe com seu pai, ele saiu do campo e foi fazer uma operação em um gueto. Mais judeus serão trazidos pra cá.
- Vamos então.
Lindie e sua amiga entraram no carro, vestidas em seus uniformes de soldado ninguém desconfiou de nada. Anne Marie parecia ser uma legítima nazista recrutada para matar os judeus.
Joseph levou-as a estação de trem. Durante a viagem não houve nenhuma conversa significativa entre elas, não podiam deixar as pessoas ao redor suspeitassem, seus semblantes deveriam estar sombrios e precisam manter os olhares sanguinários entre os civis.
Quando chegaram a Berlim lá estava Steve esperando-as na estação ferroviária, o clima era de tensão, houve um abraço forte em sua amada.
- Que bom que você voltou, meu amor.
Ele levou-as de carro para a casa de Lindie. Na porta Lindie pronunciou:
- Vamos entrar logo, a rua tem carros de guerra passando o tempo todo, não quero que nos vejam entrar. Há soldados vigiando as casas. Venha.
Eles entraram. A mãe de Lindie não estava na residência.
- Anne Marie, vamos até meu quarto, vou escondê-la no porão.
- Obrigada, amiga. Eu quase não acredito que conseguimos escapar daquela situação horrível. Você correu o risco de ser descoberta.
- Nem me lembre, aqueles soldados são tão nojentos, esnobes, maldosos. Os olhares deles eram tão sedentos pela morte dos outros. – Lindie ressaltou
- Foram dias horríveis. Aquelas soldados também eram muito maldosas. Lindie, sua atuação no campo foi perfeita, mas seu olhar não era tão mal quanto o das outras. – Anne Marie ressaltou
- Steve, me espere aqui na sala, vou esconder a Anne Marie e já volto para conversarmos. Foi um milagre os soldados terem saído daqui justamente agora que chegamos. Meu pai já tinha avisado que colocou cabos do exército alemão para vigiar a nossa casa. Mas eles voltam daqui a pouco, devem ter ido buscar bebidas, eu conheço esse tipo de soldado.
- Sim, Lindie. Vá logo acomodar sua amiga, eu te espero aqui.
Elas entraram no quarto de Lindie.
- Amiga, é maravilhoso estar aqui de novo!
- Graças a você que arriscou a sua vida pela minha teimosia. Estou com essa tatuagem que marcará para sempre a minha pele, me deram um número. Tudo foi tão horrível. – Anne Marie disse enquanto mostrava a marca em seu braço direito
- Já tranquei a porta do meu quarto. Agora vamos descer ao porão, lá tem um guarda-roupa chaveado. Se você ouvir qualquer barulho no porão esconda-se dentro desse guarda- roupas, somente você terá chave. Quando eu entrar lá no porão direi a frase: “Hitler, nosso salvador!” e assim você saberá que sou eu. Se ninguém disser nada se esconda. Somente eu entro nesse porão, no entanto não podemos arriscar.
- Lindie, vamos descer ao porão, mas antes me conte logo, o que aconteceu em Auschwitz que te deixou assim estranha com o Steve?
- É uma longa história, depois te conto tudo em detalhes.
- Eu sempre soube que tanto Steve quanto Joseph são muito apaixonados por você.
- Vamos ver o que acontece. Agora temos que descer ao porão, é naquela porta.
Elas desceram até o porão onde Anne Marie ficou escondida.
- Amiga, de noite eu desço aqui pra gente conversar. Agora vou até a sala falar com Steve.
- Vá, pode ir. Eu vou ficar bem aqui.
Lindie desceu as escadas e chegou a sala, os empregados da casa eram adeptos do nazismo com exceção da cozinheira, a senhora Ottila, que era bondosa e contra todas as loucuras daquele governo regido pelo partido nazista.
- Steve. Obrigada por tudo! – ela disse abraçando-o bem forte
- Lindie. Senti sua falta e fiquei preocupado.
- Estou aqui e é isso que importa agora. Vamos até a biblioteca para conversar, aqui não é seguro, podem nos ouvir.
- Vamos.
- E sua mãe?
- Vamos.
.Entraram na biblioteca, Lindie trancou a porta.
- Steve, deixa eu te abraçar de novo pra te agradecer por estar comigo.
- Também quero te abraçar e te dizer o quanto eu te amo, me preocupei com você durante esses dias em que esteve em Auschwitz. – Steve afirmou abraçando-a ainda mais forte
- Eu espalhei folhetins contra o nazismo durante toda a viagem. Ouvi dizer que policiais da GESTAPO procuravam por traidores. Se não há judeus soltos por aí, só podem ser alemães ou poloneses revoltados com o regime a espalharem ideias antifascistas. – ela esclareceu
- Aviões ingleses já começaram a espalhar panfletos contando a verdade sobre o que está acontecendo, os bombardeios contra a Alemanha já começaram. – Steve alertou-a
- Steve, esse clima de guerra me apavora. Eu sei que logo Berlim será terrivelmente bombardeada e destruída. Teremos que fugir daqui para abrigos subterrâneos. Continuar a distribuir esses folhetins é uma loucura. Tentar abrir a mente das pessoas é uma causa perdida.
- Lindie, nosso grupo secreto de militantes contra o nazismo continuam distribuindo os folhetins que você e eu escrevemos. Eles não querem parar.
- Se formos descobertos? Poderemos morrer. Espero que seus amigos militantes não sejam traidores.
- São meus melhores amigos.
- Assim espero.
- Não consigo esquecer aquela noite em que cheguei a Auschwitz pela primeira vez. Foi horrível, aquele lugar, aquele ambiente de sofrimento. Os olhares sanguinários e maldosos daqueles soldados maltratando as pessoas e eu tendo que fazer parte de tudo aquilo, eu mal pude dormir. Na verdade, todo esse clima de guerra me assusta. A qualquer momento uma bomba pode explodir sobre nossas cabeças, apesar das falsas promessas do governo de que Berlim não será bombardeada eu não acredito nelas.
- Eu também penso que é tudo uma grande loucura e que nosso espaço aéreo não está protegido. Vários países estão contra nós, aliás, contra a insanidade do nazismo. Dormir no porão é mais seguro.
- Sim, eu também acho. Vou passar agora a dormir no porão com a Anne Marie. Meus pais nunca estão em casa e minha mãe tem outro porão no quarto dela.
- Piores são aqueles que obedecem ao nosso querido presidente Adolf Hitler.
- Acho que estão todos loucos, parecem estar cegos ao fracasso iminente.
- Estão hipnotizados por uma falsa ideologia e por falsas promessas.
- Lindie, apesar de tudo estou feliz por estar aqui com você.
- Eu também. Um dia nos lembraremos disso com orgulho e talvez tristeza, orgulho por não termos nos calado diante de toda essa situação cruel que vivemos.
Por uns instantes eles apenas se olharam, aos poucos suas faces foram se encontrando e seus lábios se tocaram, mais uma vez se beijaram e essa vez foi melhor que a primeira. Lindie descobriu-se ainda mais apaixonada por Steve, de maneira ainda não muito bem compreendida por seu coração.
- Steve, é melhor você ir agora, eu tenho que organizar minhas coisas no porão. Qualquer novidade me avise.
- Então, nos vemos de novo amanhã de manhã na universidade?
- Sim, nos veremos, amanhã cedo, estou ansiosa para voltar às aulas.
- Então, até amanhã.
- Até. Estou sempre com o rádio ligado para saber notícias. Qualquer coisa me telefone.
- Farei isso, com licença. – Steve retirou-se
CAPÍTULO 11
- Lindie, o que aconteceu? Você está estranha desde que chegamos de Auschwitz. Está preocupada com os bombardeios? – Anne Marie questionou a amiga no porão
- No momento eu estou mais preocupada com a bomba que vai explodir sobre a minha cabeça se meu pai descobrir o que eu fiz em Auschwitz.
- Fala de ter me ajudado?
- Não, falo de algo muito pior que isso, amiga, eu estou sofrendo tanto.
- Por quê? O que aconteceu lá em Auschwitz que te deixou assim? Tem a ver com o Joseph, não é mesmo?
- Sim.
- O que aconteceu?
- Uma noite antes de voltarmos pra cá eu e Joseph...
- Não! Não me diga que vocês passaram a noite juntos!
-Sim, infelizmente passamos a noite juntos, tivemos nossa primeira noite de amor. Foi uma atitude errada.
- Amiga, e foi bom?
- Sei lá!
- Como não sabe?
- Amiga, eu estou me sentindo péssima. Eu traí meu namorado! Esqueceu que eu namoro o Steve? Ele sim me ama de verdade e me respeita. O Joseph sempre foi um abusado que nunca me respeitou, ele vivia me assediando aqui no meu quarto. Eu sinto tanta vergonha de não ter resistido. Mas ...
- Ele é lindo demais pra você resistir, não é mesmo?
- Sim.
- Lindie, quem você ama?
- Eu amo o Joseph e o Steven.
- Você pode até amar os dois, mas terá escolher apenas um deles.
- Não, eu não tenho escolha, já perdi o Steve.
- Você pretende contar pra ele o que aconteceu?
- Mas é claro que sim. Não posso enganá-lo, amanhã mesmo na universidade vou contar a ele o que aconteceu.
- Então, sua única opção será voltar com o Joseph.
- Nunca. Depois do que ele fez comigo eu não quero mais vê-lo diante de mim.
- Amiga, me diz uma coisa, como você conseguiu ter essa noite de amor naquela ambiente tão horroroso, naquele ambiente de guerra e homicídios cruéis?
- Anne Marie, eu estava dentro de um quarto que era até bonito pra ocasião. Tinha uma vitrola, e ele colocou uma música, fiquei hipnotizada.
- Ficou hipnotizada pela beleza dele não é mesmo? Steve tem cabelos pretos e lindos olhos verdes, mas você prefere os loiros, não há como negar!
Na manhã seguinte, logo que Lindie chegara à universidade, sentiu de imediato um nó na garganta, estava prestes a confessar sua traição ao homem que a amava. Ela adentrou a sala de aula e sentou-se em seu lugar de costume. Seu semblante era de tristeza e frieza para com Steve, tudo bem que eles sempre mantiveram certa discrição no ambiente universitário, mas nunca com aquela apatia que Lindie demonstrou naquele dia.
No fim da aula Lindie se aproximou de Steve:
- Professor, eu preciso ter uma conversa séria com você.
- Tudo bem, me acompanhe até o estacionamento, estou indo pra casa agora, quem sabe almoçamos juntos.
Alice percebeu tudo e seguiu-os até o estacionamento, ela pretendia ouvir toda a conversa, o que fez prontamente.
- Lindie, meu amor, que bom que está aqui. Quase não estivemos juntos depois que você voltou de Auschwitz.
- Professor Steve, eu tenho algo muito grave pra te dizer.
- Que rosto sério é esse? Já estamos sozinhos aqui, por que continua a me chamar de professor? O que aconteceu?
- Porque a partir de agora é só o que você será para mim, apenas meu professor. O que eu tenho pra te dizer é imperdoável.
- Então diga logo. Estou te ouvindo. – Steve afirmou com semblante sério
- Enquanto estive no campo de concentração... Você sabe, eu encontrei o Joseph lá, e tive a ajuda dele pra livrar minha amiga.
- Tudo bem, até aí nenhuma novidade, era previsto que você teria que falar com ele por lá. Espere... Não me diga que durante esse tempo você decidiu me deixar e voltar a namorá-lo.
- Não, eu não quero voltar a namorá-lo. É algo muito pior que isso.
- Sem mais delongas, me conte logo o que aconteceu entre você e aquele vagabundo.
- Uma noite antes de voltarmos pra cá o Joseph foi até o meu quarto em Auschwitz e me seduziu.
- Ele te beijou?
- Steve, eu e o Joseph passamos a noite juntos. Eu me entreguei a ele em Auschwitz. Não sou mais sua donzela. Eu não sou mais virgem.
- O que? Você fez amor com aquele homem no campo de concentração? É isso mesmo? Eu entendi direito?
- Sim, é isso mesmo! Você entendeu perfeitamente. E eu lamento muito pelo que fiz, estou arrependida.
- E você me diz isso assim tão tranquilamente?
- Foi um erro grave. Eu sei.
- Um erro o qual você não conseguiu evitar, não é mesmo? Você me traiu!Como pôde fazer isso comigo? Logo comigo que sempre te amei! – exclamou indignado
- O Joseph nunca me respeitou, ele vivia me assediando até na minha casa. Ele se aproveitou que estávamos sozinhos no meu alojamento lá em Auschwitz!
- Sim, e você cedeu! Como você foi capaz de se entregar a um homem que nunca te respeitou? Com certeza ele já dormiu com outras garotas, ou você acha que você foi a primeira?
- Steve, eu amo você! Eu juro que eu te amo!
- Me ama, mas é apaixonado por outro homem! Como pode ser isso? Não, você não me ama. - Steve gritou com ainda mais raiva
-Acredite em mim. Se eu não te amasse não estaria aqui confessando tudo. –ela tentou argumentar em vão
- Você está aqui me confessando tudo porque quer que eu te deixe livre de uma vez pra ficar com aquele rapaz, não é mesmo, senhorita, Lindie?
- Não diga isso! Eu só quero que você me perdoe.
- Lindie, está tudo acabado entre nós! Agora pode voltar pra sua casa que eu vou voltar pra minha. Está tudo bem, continuarei sendo seu professor. – Steve declarou furioso entrando em seu carro e indo embora
Lindie saiu chorando dali, logo foi abordada por Alice que desferiu- lhe as palavras:
- Que feio hein, Lindie. Traiu seu namorado em um campo de concentração. Eu sempre soube que você não é moça que se preze. Desde que descobri que você namorava o professor percebi que você não tem caráter, apaixonada pelo soldadinho nazista e ao mesmo tempo pelo professor.
- Alice, pode ficar com o professor pra você! - Lindie declarou chorando
Ao chegar a sua casa Lindie foi direito para o quarto, onde se jogou em sua cama e não parou mais de chorar.
Os dias seguintes na universidade foram terríveis para Lindie. Ela passou a sentar-se no fundo da classe, para evitar olhares com o professor Steve. Ele por sua vez andava muito mais sério e triste do que de costume. Certa vez quando Lindie saía da sala de aula ele abordou-a:
- Lindie.
- Sim, professor Steve.
- Eu quero te devolver seu livro. Pegue, vai precisar para os próximos trabalhos acadêmicos.
- Obrigada, professor. – ela disse se retirando
Os olhos de Steve lacrimejaram.
Steve começou a torturar Lindie, ignorando-a quase que completamente e usando Alice para lhe fazer ciúmes. Sabendo que Lindie costumava ir embora de carro com o motorista ele passou a estacionar seu carro ao lado do carro dela. Certo dia após a aula levou consigo Alice para almoçar com ele em sua casa. Ao perceber que Lindie se aproximava imediatamente, antes de entrar no carro, segurou Alice pela cintura e beijou-a. Sua intenção era magoar Lindie de todas as maneiras.
Naquele dia ela chegou em casa e trancou-se no quarto onde chorou por muito tempo. Ermelinde foi até a filha para saber o que estava acontecendo, elas só não imaginavam que o general Endlich estava ali escutando toda conversa atrás da porta que estava entreaberta, ele pretendia também conversar com sua filha depois de saber tudo que se passava.
- Lindie, minha filha, o que aconteceu? Por que está chorando? – Ermelinde sentou-se ao lado da filha na cama
- Mãe, eu cometi um erro.
- Reparei que você não tem sido a mesma desde que chegou de Auschwitz. Está assim por que terminou o namoro com o Steve? Você o ama tanto assim?
- Eu preciso te contar uma coisa muito séria. Algo que aconteceu em Auschwitz uma noite antes da minha volta pra casa. – Lindie adiantou
- O que foi? Me diga logo, filha.
- Em Auschwitz eu e o Joseph passamos a noite juntos no meu quarto. Ele me seduziu. Mãe, ele nunca me respeitou. – ela confessou chorando
- Você fez amor com o Joseph? Não é mais pura?
- Eu lamento muito, mãe. Não sou mais pura, agora eu sou mulher. Eu me entreguei a ele sem pensar nas consequências. – confessou seu erro
- E por acaso você está grávida? – perguntou assustada
- Não, mãe. Eu não estou grávida. As minhas regras já vieram duas vezes desde aquela noite em Auschwitz.
- Graças a Deus. Se você estivesse grávida o Joseph seria obrigado a se casar com você.
- Eu não quero mais saber dele.
- Então foi por isso que o Steve terminou com você.
- Sim, foi por isso. Eu o traí e agora ele está se vingando de mim na universidade.
- Se vingando como?
- Ele me ignora e está namorando outra aluna. E tudo isso só pra me torturar.
- Lindie, ele tem toda razão em sentir raiva de você, foi traído de uma maneira dolorosa e imperdoável. Esqueça esse homem e deixe prá lá essa faculdade. Você ainda é tão jovem, terá outros amores. – sua mãe aconselhou abraçando-a
Ao ouvir a confissão de sua filha o general Endlich ficou furioso, mas conteve-se consolado pelo fato de sua filha não estar grávida. Ele esperaria o momento certo para intervir na questão.
O ideal alemão preconizava que um soldado não deveria ser fraco. Assim quando um soldado alemão lutava com braveza dando tudo de si, no entanto não sendo o bastante, ele poderia se render. Já os italianos, que acreditavam que seus líderes eram corruptos, pensavam: "Por que nós deveríamos morrer por isso? Vamos desistir enquanto podemos". No Japão, a sociedade esperava que seus soldados lutassem para vencer ou morrer, então ser preso não era uma alternativa. Por isso, quando os soldados japoneses eram capturados, sentiam-se profundamente envergonhados.
Essa mudança de perspectiva, que transforma o ser humano em uma máquina de matar, pode ser bem rápida, como mostra um trecho do livro em que um soldado alemão descreve um de seus ataques à Polônia. "Eu tive que soltar bombas em uma estação de trem em Poznan no segundo dia de guerra na Polônia. Oito das 16 bombas caíram na cidade, bem no meio das casas. Eu não gostei disso. No terceiro dia eu não me importava, e no quarto dia eu tinha prazer em fazer isso."
Os soldados nazistas, em particular, possuíam uma impressionante facilidade em descrever as atrocidades cometidas pelas tropas alemãs. Quando um soldado era morto, não havia necessidade de qualquer superior lhes dizer o que fazer. Eles pegavam as pistolas e atiravam em tudo que estava à vista, mulheres, crianças, tudo.
Além de serem indiferentes à vida humana, alguns soldados viviam a guerra mais como uma grande aventura do que como um pesadelo. Para os pilotos, atirar em inimigos era divertido, mas não tanto por matar pessoas e sim por derrubar o inimigo.
Um dos assuntos constantemente abordados nas conversas entre os soldados era o de qualquer outro grupo de homens no mundo: mulheres. Entretanto nos relatórios, há diálogos perversos, em que eles se gabam de terem abusado de moças de nações invadidas, tentando demonstrar sua "superioridade" aos companheiros de cela.
Os soldados apenas contaram o que viram. Para eles, é apenas uma guerra normal, onde crimes acontecem. Mas, não pensam sobre o caráter da guerra ou sobre o que isto significa. Eles estão mais interessados em armas, mulheres, promoções e em sobreviver.
CAPÍTULO 12
Lindie foi até a sala de estudos na biblioteca da universidade onde costumava passar um tempo depois da aula. Lá comumente fazia suas leituras e reflexões a respeito dos temas apresentados na classe. Ela só não imaginava que justamente no fim daquela manhã também se encontravam juntos e abraçados seu professor Steve com Alice
- Me desculpe, professor, eu não sabia que vocês estariam aqui.
- O que é isso, Lindie, pode ficar aqui, eu já estava de saída, apenas fiquei mais um tempo porque o professor fez a gentileza de me explicar algumas coisas que eu não sabia sobre história antiga. Mas eu já vou pra casa, tenho mesmo que ir. Até logo, professor, até logo, Lindie. – Alice disse se retirando em seguida
Lindie virou-se par sair da salinha, mas o professor Steve a interpelou:
- Espere, Lindie.
- Pode ficar aqui, professor, eu vou pra outra sala.
- Percebo que te incomoda me ver com a Alice.
- Pois está enganado. Pouco me importa com quem você anda ou se relaciona, eu não tenho nada a ver com a sua vida. Embora eu saiba que você não gosta da Alice me impressiona a sua vontade de me torturar.
- E acha justo o que fez comigo?
- Sabe de uma coisa, professor, essa universidade está ficando pequena demais pra nós dois. Se não foi capaz de me perdoar ao menos deveria ser capaz de me esquecer.
- Quer que eu vá embora? Quer que eu desapareça? Fui apenas o seu brinquedo, não é mesmo?
- Pense o que quiser. Não vou perder nem mais um minuto da minha vida com você! E pode ficar tranquilo, eu vou embora! – ela exclamou se retirando dali
Nos jardins da universidade Alice teve uma conversa séria com Steve:
- Steve, não precisa mentir pra mim, seja sincero, você está apenas me usando pra fazer ciúmes para a Lindie. Não é mesmo?
- Não diga isso, Alice! Não é minha intenção.
- Pode não ser sua intenção, mas é exatamente isso que está fazendo comigo, apenas me usando pra se vingar da sua ex-namorada traidora. Sinceramente, professor, eu não sei como você ainda consegue amar essa mulher. Passe bem!
O general Endlich caminhava para o andar de cima de sua casa, acabara de sair da biblioteca, pegou uns livros pra ler, em tempos de guerra eram raros os dias que tinha para descansar em casa. Ao subir o último degrau escorregou e caiu, não se machucou, mas os livros também caíram, de dentro de um deles saiu uma folha, era um dos textos que Lindie escrevia para os folhetins antifascistas. Realmente foi um momento de azar para aquela jovem alemã, seu pai, o general, acabou descobrindo que ela era a autora da campanha contra o nazismo. Ela era a traidora da pátria. O texto não estava assinado, mas ele conhecia muito bem a letra de sua filha.
Sem pensar duas vezes o general adentrou o quarto de Lindie aos gritos:
- Lindie!
- Pai! O que aconteceu? Por que entrou gritando no meu quarto?
- Lindie, você pode me explicar o que é isso?
- Uma folha de papel?
- Engraçadinha! Eu me refiro ao que está escrito neste papel!
- O senhor quer saber mesmo, pai? Eu sou a autora dos folhetins antifascistas! Fui eu mesmo que escrevi esse texto contra o nazismo, contra as loucuras e insanidades de Adolf Hitler. E você sabe muito bem que a Alemanha está perdendo a guerra, sabe muito bem que logo seremos gravemente bombardeados e invadidos pelos exércitos inimigos.
- Lindie, cale a sua boca! Isso não te diz respeito, você não tem poder nenhum de salvar a Alemanha. Não teme pela sua vida? Acha que folhetins vão fazer com que a guerra acabe? Você é só uma garota imatura que não sabe o que faz. Só quer viver de aventuras sem pensar nas consequências! Sorte a sua que eu, seu próprio pai, foi quem descobriu sua traição. Seu castigo seria a pena de morte por trair seu país e sua nação. Mas eu não vou passar vergonha por sua causa nem vou ter meu sobrenome manchado. – ele gritou
O general Endlich deu um tapa na cara de sua filha.
- Pai, você me bateu!
- Isso não é tudo. Saiba que eu ouvi toda a sua conversa com sua mãe.
- Que conversa? – ela perguntou chorando com as mãos no rosto
- Eu ouvi quando você confessou que se deitou com o Joseph em Auschwitz. Não sente vergonha de se comportar como uma meretriz? Eu não deveria ter te dado tanta liberdade pra namorar quem você bem quisesse! Até agora você só envergonhou seu pai e sua mãe com suas atitudes libertinas e inconsequentes. – ele gritou mais uma vez tirando o cinto das calças.
- Pai, o que vai fazer comigo? – Lindie perguntou chorando
- Eu vou fazer o que sua mãe já deveria ter feito há muito tempo, mas nunca fez. Vou te dar uma bela surra que é exatamente o que você merece. Deite-se de bruços na cama! -ordenou gritando
- Mas, pai.
- Deite-se logo!
Lindie deitou-se de bruços, o general Endlich com o cinto deu a surra em Lindie dizendo enquanto a surrava:
- Isso é pra você aprender a não ser traidora e pra parar de se comportar como se fosse uma prostituta! Você acha certo ter traído seu namorado se entregando a outro homem? Você acha certo desonrar seus pais dessa maneira? Isso é pra você aprender a não brincar com os sentimentos dos outros! – gritou ainda mais alto enquanto batia nela
Depois da surra Lindie chorou como nunca e seu pai continuou:
- Lindie, prepare suas coisas, você irá embora da Alemanha. Irá com sua mãe para o Canadá. Viverá na fazenda de seus avós bem longe daqui. Não posso arriscar ter minha vida destruída por sua culpa.
- Canadá?
- Sim. E fique feliz por eu não ter te prendido. Aliás, você está proibida de sair desse quarto até a sua partida para o Canadá. Será melhor assim. – declarou se retirando do quarto dela
Anne Marie ouviu tudo que aconteceu e foi logo ao quarto para consolar a amiga. As costas e as nádegas de Lindie estavam doendo muito.
- Amiga, você ouviu tudo?
- Ouvi sim, Lindie, e de certa maneira seu pai tem razão. Não foi certo o que você vinha fazendo com o Joseph e com Steve.
- Eu sei que mereci a surra. Só não esperava que ela viesse do meu pai. – Lindie admitiu chorando
No fim daquele dia Ermelinde foi ao quarto da filha ter uma conversa séria:
- Eu estivesse conversando com seu pai sobre a surra que ele te deu, e eu concordo que seria melhor mesmo deixarmos a Alemanha por um longo tempo. Ele quer que eu e você partamos para América. O que você fez foi muito grave. Você traiu o nosso governo e se desonrou em Auschwitz. Foi infiel ao seu namorado, se comportou como uma mulher qualquer.
- Mãe, eu sei que mereci a surra. E acho justo e até oportuno que partamos para América. Tudo que eu quero agora é ir embora daqui.
- Sim, Lindie, minha mãe já está bastante idosa e seu avô sente saudades de você e de mim. Seria bom irmos pra lá e escaparmos dos bombardeios que estão por vir sobre a Alemanha. Seu pai também acredita que será melhor irmos embora para nos livrarmos dessa guerra.
- Sinto saudades da fazenda do vovô no Canadá. Há tempos não vamos à América.
- E além de tudo o Canadá fica tão perto dos Estados Unidos, você quer tanto estudar em Princeton. Einstein está lá, essa é a sua chance de estudar onde sempre sonhou.
- Então, as ameaças de bombardeios são reais.
- Várias cidades alemãs já foram bombardeadas. Para Berlim ser destruída é só uma questão de tempo. Seus avós já nos esperam em Toronto.
- Será melhor mesmo partimos. Assim eu me afasto de uma vez por todas desses amores doentios que eu tenho vivido. – ela chorou mais um pouco
- As passagens já estão compradas e nossa documentação já está acertada. Embarcaremos no navio cruzeiro na próxima semana. Minha filha, me abrace! – consolou-a
- Mãe, o papai me proibiu de sair desse quarto até a nossa partida. Mas eu preciso ir só mais uma vez a universidade me despedir das minhas colegas.
- Tudo bem, eu peço para o motorista te levar só mais uma vez amanhã de manhã.
- E a Anne Marie poderá ir embora conosco?
- Sim, eu contei tudo sobre ela ao seu pai. Ele disse que já que a situação é essa Anne Marie poderá ir embora conosco. Só a mantenha escondida no porão até o dia de irmos embora. Ninguém pode saber que seu pai consentiu e admitiu tantos absurdos praticados por você, minha filha.
O professor continuou seu caminho até o carro e teve a infelicidade de encontrar ali Lindie.
- Lindie!
- Professor!
- Eu gostaria de conversar com você.
- E o que teríamos pra conversar? Deixe-me ver se adivinho. Ah! Você vai continuar me torturando, usando as alunas pra tentar me causar ciúmes.
- Se você não me conhece até agora você nunca vai me conhecer. Será que não percebe que eu te amo, mas não consigo te perdoar? E o que é isso em seu rosto? Você se machucou?
- E por acaso eu estou pedindo o seu perdão? Eu não quero mais saber de você, professor. E a propósito, essa marca no meu rosto é o resultado da surra que meu pai me deu ontem.
- Surra?
- Sim, meu pai descobriu o que eu fiz em Auschwitz, ele descobriu que me entreguei a Joseph e então me bateu, me deu uma surra de cinto. Esse foi meu último dia nessa universidade, estou indo embora para o Canadá com minha mãe na próxima semana.
- Canadá?
- Sim, como você sabe, meus avós maternos moram lá, e eu e minha mãe iremos morar com eles na fazenda. Enfim vou para a América! Meu pai decidiu que assim deve ser. Não que eu lhe deva satisfações da minha vida, mas é só pra você saber que a partir de agora não precisa mais fingir nem encenar falsos amores pra tentar me machucar porque você nunca mais vai me ver. Adeus! – ela se despediu entrando no carro
- Lindie, espere. – pediu em vão
Na manhã do dia seguinte Joseph entrou desesperado no quarto de Lindie, ela estava deitada, acabara de arrumar suas roupas nas malas, faltavam poucos dias para sua partida rumo à América. A marca da surra que levara de seu pai ainda estava em seu rosto.
- Joseph! O que faz aqui?
- Lindie, meu amor, estou aqui para fazer o que é certo!
- Do que está falando?
- Case-se comigo! Estou aqui pra te pedir em casamento. Essa é uma forma que eu encontrei pra me redimir daquela noite em Auschwitz.
- Francamente, Joseph, como você é antiquado. Acha mesmo que eu me casaria com você só por causa daquela noite? Poupe-me de suas sandices. Além do mais eu não poderia me casar com você porque estou indo embora da Alemanha. A derrota do Terceiro Reich é inevitável, meu pai sabe de tudo, só não avisam as pessoas pra não alarmar a população. Joseph, logo Berlim será bombardeada até não sobrar mais nada de pé. Meu pai decidiu que é melhor que eu e minha mãe deixemos a Alemanha. Vamos para o Canadá, meus avós maternos moram lá. Adoro a fazenda do meu avô. Faz tempo que não vou à América e depois será muito mais fácil para eu estudar em Princeton nos Estados Unidos.
- Canadá? Que marca é essa em seu rosto?
- Sim, vamos para o Canadá. Você sabe muito bem que minha mãe e minha avó são canadenses. Quando eu e você namorávamos eu passei férias lá, lembra? E essa marca no meu rosto é o resultado daquela noite em Auschwitz. Meu pai descobriu que eu não sou mais virgem e me deu uma surra.
- Eu lamento muito, a culpa é toda minha. Eu não esperava sua partida, apenas estou surpreso. E o Steve?
- Não sou mais namorada do Steve, esqueceu que eu o traí com você? Ele me odeia profundamente agora.
- Eu vou ficar na Alemanha até a guerra acabar. Estou pesaroso por você ter apanhado.
- E o que eu tenho a ver com isso? Não me interessa saber nada sobre a sua vida. Minha única preocupação agora é ir embora daqui. E como conseguiu entrar? Meu pai proibiu visitas inconvenientes.
- Eu insisti com sua mãe.
- Como percebeu, eu não quero me casar com você.
- Então já que é assim só me resta dizer boa viagem, meu amor. – ele se despediu
- Adeus! – ela virou a cara para não olhá-lo
Profundamente decepcionado com o desprezo de sua amada Joseph se retirou do quarto e voltou para a Polônia.
Nenhum alemão desejava ser bombardeado, mas era impossível acreditar que isso não aconteceria diante dos fatos ocorridos. Era quase meia noite quando Lindie estava no porão conversando com sua amiga Anne Marie:
- Lindie, você por aqui a essa hora!
- Amiga, não consigo dormir.
- Preocupada com a guerra e as bombas?
- Sim, com a guerra do amor e com a bomba que explodiu sobre a minha cabeça depois que meu pai descobriu o que eu fiz.
- Ah, agora virou poeta sofredora!
- Amiga, agora estou sozinha, perdi o Steve e o Joseph. Antes de partir para o campo de batalha na Polônia o Joseph esteve aqui, ele me pediu em casamento, mas eu recusei, afinal vou embora para o Canadá.
- Você ainda o ama? Quem você realmente ama? O Joseph ou o Steve?
- O pior é que eu amo os dois.
- Ninguém pode amar duas pessoas ao mesmo tempo. Você até pode sentir atração por um deles e amar o outro. Mas amar os dois eu acho difícil.
- Os dois me dão carinho, os dois me amam. Me sentia torturada em ter que escolher apenas um deles.
- Mas deveria ter escolhido, não pode ficar com os dois homens ao mesmo tempo.
- Quem sabe um dia eu seja capaz de escolher depois que a guerra acabar.
- Depois que a guerra acabar já será tarde demais. E a propósito, eu vou embora com você para o Canadá?
- Sim, aqui está a sua falsa identidade e a passagem de embarque, chegando lá você pedirá asilo político ao governo canadense. O importante é irmos embora daqui o quanto antes. Os bombardeios contra a Alemanha já começaram.
As amigas se abraçaram.
Ao fim daquele abraço a sirene de alerta indicando bombardeio tocou às 00: 20, mas a mais violenta resposta da artilharia antiaérea aos bombardeiros ocorreu por volta das 02: 15, altura em que vários aviões britânicos voaram diretamente sobre o centro da cidade, alegadamente mesmo por cima da chancelaria do Reich.
Lindie correu desesperada até o quarto de sua mãe:
- Anne Marie, fique aqui no porão. Eu irei até o quarto de minha mãe saber se ela já está protegida, ficarei lá com ela.
- Sim amiga, se as coisas piorarem eu saio pra fora.
Ela correu até o outro quarto ver como estava sua mãe, as duas permaneceram agachadas, até o cessar fogo.
Ao fim da tarde de 25 de Agosto de 1942, teve inicio uma operação por parte da Royal Air Force britânica em que 95 bombardeiros de três tipos decolaram de bases no sul de Inglaterra dirigindo-se para leste a coberto da noite em direção à Alemanha. A operação parecia temerária, mas teve consequências negativas a nível psicológico tanto na Grã Bretanha como na Alemanha.
A artilharia antiaérea alemã era muito poderosa, disparou muito para o ar, mas nem um único avião foi abatido. As luzes de pesquisa antiaérea não conseguiram detectar um único avião.
O sinal sonoro assinalou o fim dos bombardeios por volta das 03: 20 da madrugada. Lindie e sua mãe se mantiveram encolhidas dentro do porão chorando, o barulho das bombas explodindo foi assustador.
Os alemães ficaram espantados, pois a rádio tinha avisado que mesmo que os britânicos conseguissem bombardear áreas nos arrabaldes de Berlim, o centro da cidade nunca seria atingido. No entanto não foi o que ocorreu, foram falsas as garantias aos berlinenses de que não precisavam proteger-se quando soassem as sirenes de aviso e que só quando ouvissem a artilharia antiaérea teriam que se proteger.
Hitler e Goering garantiram que a capital do Reich nunca seria atingida por aviões inimigos, e muito embora os danos físicos desse primeiro bombardeio tivessem sido muito reduzidos trouxeram o medo e a desconfiança aos habitantes de Berlim.
O bombardeamento transformou-se em conversa de café, e os alemães, que tinham saudado semanas antes a chegada de Hitler a Berlim, após a assinatura da paz com a França, julgando que a guerra tinha acabado, tiveram dúvidas, pela primeira vez.
O objetivo dos bombardeiros era o aeroporto de Berlim e a zona industrial de Siemens Stadt. Um total de 95 bombardeiros foram lançados contra a capital alemã, embora apenas 81 deles tenham efetivamente conseguido bombardear Berlim.
A RAF contava para esta operação essencialmente com os bombardeiros Vickers Wellington de dois motores e capacidade para transportar 2.000kg de bombas. A aeronave tinha autonomia para 3.540km, e em termos de distância percorrida dava-lhe uma capacidade para quase no limite atingir Berlim e voltar. Além do Wellington, foram utilizados bombardeiros Hampden fabricados pela Handley-Page e que podiam transportar um pouco mais de 1,000kg de bombas e bombardeiros noturnos Whithley fabricados pela Armstrong-Withworth e que tinham capacidade para transportar mais de 1500kg de bombas desde Inglaterra até Berlim.
A qualidade dos sistemas de navegação da altura não era boa e o resultado foi que várias bombas acabaram por atingir alvos civis, tendo morrido dez alemães durante o bombardeio.
Naquela noite de bombardeio Steve foi correndo até a casa de Lindie para constatar se tudo ainda estava de pé por lá. Ele entrou desesperado na casa para ver de perto se sua amada estava bem. E por sorte estava. Algumas casas haviam sidas destruídas, o medo tomou conta de todos.
- Lindie, meu amor!
- Steve! – ela exclamou ainda agachada no chão do porão.
- Graças a Deus você está bem! Eu precisava vir. A universidade foi bombardeada!
- Berlim não é mais segura. O barulho daquela sirene é perturbador! Estou apavorada. Minha mãe está telefonando pro meu pai. Ela acha melhor irmos logo para um abrigo subterrâneo até embarcarmos para o Canadá, faltam só três dias para o embarque. Há um bunker enorme construído para os oficiais do exército e suas famílias. Eu tinha certeza que isso aconteceria! A Alemanha inteira será bombardeada e destruída. Eu tenho tanto medo.
- Acalme-se, meu amor. Vai ficar tudo bem. Me abrace. – ele pediu abraçando-a
- Filha, seu pai me disse que podemos ir para um abrigo subterrâneo até as coisas se acalmarem. Mas ressaltou que não haverá novos bombardeios.
- Mãe, eu não acredito em nada disso. Estou com muito medo.
- Lindie, apenas líderes importantes estão ocupando os abrigos, suas famílias não estão lá ainda.
- Mãe, eu não consigo dormir. Por favor, vamos para um abrigo. Eu só saio de lá quando a guerra acabar.
- Dez pessoas morreram nessa noite. – disse Steve
- Poderia ter sido nós a morrermos. Por que as pessoas pagam pela insanidade de seus líderes políticos e religiosos? Eu não entendo isso e nunca entenderei. –Lindie manifestou-se chorando
- Steve, você pode nos acompanhar até o abrigo e fazer companhia para Lindie?Ela precisa se acalmar.
- Claro que sim. Durante o dia ficarei no jornal e de noite estarei com vocês no abrigo, pelo menos até embarcarem para o Canadá.
- Steve, uma vaga no abrigo já é sua. Então, vamos arrumar nossas coisas, Lindie. É realmente mais seguro tomarmos nossos lugares no bunker. – Ermmelinde concluiu.
- Steve, venha até meu quarto, eu preciso te dizer uma coisa.
- Sim, vamos.
Eles subiram saíram do quarto da mãe dela e seguiram pelo corredor.
- Então, aqui estamos.
- Estou surpresa que você tenha vindo até aqui para ver se eu estou bem. Enfim conseguiu me perdoar?
- Sinceramente eu ainda não sei, eu só sei que depois dos bombardeios você me veio à mente e eu não me contive em vir até aqui pra saber se você está bem. Não vou negar que ainda dói a lembrança da sua traição, mas doeria muito mais se alguma coisa ruim tivesse acontecido com você.
- Você não precisa se preocupar comigo, logo irei embora para o Canadá, estarei bem lá, longe daqui, longe de tudo. Eu tenho certeza que você vai encontrar outra garota que você possa amar de verdade. Uma garota pura e sem máculas. Se você não consegue me perdoar então é melhor sair logo daqui e me esquecer de vez. Há dois abrigos em Berlim, peço, por favor, que não fique no mesmo abrigo que eu, pelo menos até eu partir em três dias.
- Tudo bem, assim farei, mas não sem antes te dar um último beijo. – Steve assumiu pegando Lindie pela cintura e dando-lhe o beijo na boca mais amável e carinhoso que ela já recebera em toda a sua vida.
- Adeus, Lindie. – ele se retirou
Lindie começou a chorar, em seguida foi até o porão falar com a amiga:
- Anne Marie, pegue suas coisas, vamos para um abrigo antiaéreo agora mesmo. Aqui não é mais seguro.
-Tudo bem amiga, minhas coisas já estão prontas. Mas por que você está chorando?
- O Steve esteve aqui no meu quarto.
- Eu ouvi tudo, amiga, aliás, espiei pela fresta da porta, não resisti de curiosidade. Ouvi tudo que ele disse e lamento que o Steve ainda não consiga te perdoar, ele te beijou com tanto amor e carinho, mas agora isso não importa mais, estamos indo embora da Alemanha. Esqueça esses homens, você vai começar uma vida nova em outro país. Terá novos amores, só não continue se apaixonando por dois homens ao mesmo tempo.
- Você tem razão, amiga. Minhas malas já estão prontas, vamos embora daqui. Minha mãe nos espera.
Hitler ficou profundamente irritado com o ocorrido e culpou Herman Goering, que tinha afirmado que Berlim jamais seria bombardeada por qualquer avião inimigo. Essa afirmação de que a Alemanha nunca seria atacada, impulsionou o desenvolvimento de caças interceptores, que só muito mais tarde começaram a ser desenvolvidos pelos alemães.
Os pilotos foram classificados de criminosos de guerra e Goering deu ordens para que se iniciassem de imediato ataques de retaliação contra Londres.
Hitler ficou ainda mais irritado quando após o primeiro ataque, outros ataques se seguiram contra a capital alemã durante a semana.
O bombardeio sobre Berlim foi interpretado inicialmente como uma retaliação, mas várias análises posteriores afirmam que foi provavelmente uma provocação deliberada, destinada a atrair os bombardeiros alemães contra as cidades inglesas, para assim dar algum fôlego à RAF, que durante a semana e meia que decorreu entre 13 de Agosto e 25 de Agosto tinha sido fortemente atingida.
Na verdade, fosse qual fosse a razão, a partir do dia seguinte, iniciaram-se os bombardeios noturnos contra a cidade de Londres, numa operação que os britânicos apelidaram de Blitz.
Uma questão pouco analisada e estudada é a das consequências dos bombardeamentos britânicos sobre a Alemanha e especialmente sobre Berlim.
Um dos mais curiosos episódios ligados a este assunto, e à continuação dos ataques britânicos diz respeito às relações entre a União Soviética e a Alemanha.
No final de 1940, a Alemanha tentava garantir a neutralidade da União Soviética na guerra, tendo já como objetivo o possível conflito que se aproximava. Numa viagem a Berlim do ministro soviético Molotov, este foi assediado pelos alemães com pedidos para que a URSS se juntasse à Alemanha, afirmando sempre que a questão do Reino Unido estava já decidida e que a Grã Bretanha estava derrotada.
Os alemães propuseram mesmo dividir o império britânico oferecendo a Índia aos soviéticos como área de expansão.
Quando decorrem as negociações, um alerta aéreo leva a que alemães e russos se retirem para o abrigo antiaéreo, para continuarem a discutir a questão. Perante a continuação da insistência alemã em afirmar que a Grã Bretanha estava condenada, o ministro russo questionou ao seu interlocutor alemão, Von Ribentrop por que razão se encontra no abrigo antiaéreo.
A Alemanha, com a sua capital bombardeada, mesmo que a percentagem de acertos fosse mínima não conseguia afirmar mais a sua superioridade. Outro interlocutor que os alemães pretendiam convencer a juntar-se à Alemanha era o ditador espanhol Francisco Franco, cuja facção política tinha recebido um fortíssimo e determinante apoio dos nazistas alemães, que lhe permitiu ganhar a guerra.
A possibilidade de Franco se aliar a Hitler era enorme e vista como provável entre Junho e Agosto. Quando a Itália declarou guerra à França e quando a França caiu, esperava-se a entrada do ditador espanhol na guerra.
No entanto, a partir do final de Agosto de 1940, enquanto decorriam as negociações para a entrada da Espanha na guerra e para a tomada de Gibraltar, os alemães notaram uma aparentemente modificação da posição da Espanha. O acolhimento às ideias hitlerianas passou a ser mais frio e não tão seguro. O apoio de Franco ao seu mentor Hitler, perdeu muita da sua inicial determinação e a vontade de combater ao lado dos alemães contra os britânicos, sofreu um rude golpe.
O bombardeio sobre Berlim demonstrou a capacidade britânica para bombardear a própria capital alemã. Este foi um argumento devastador quando se tratou de pressionar Franco e os seus generais a não hostilizar a Grã Bretanha durante o resto do conflito.
CAPÍTULO 13
Lindie e sua mãe ficaram por três dias no abrigo antiaéreo construído especialmente para os oficiais do exército e suas famílias. Anne Marie, melhor amiga de Lindie também foi para o abrigo, Ermmelinde assumiu Anne Marie como sendo sua sobrinha e ninguém desconfiou de nada. Steve passou a dormir em um dos abrigos que ficava do outro lado da cidade.
Joseph ainda não voltara da Polônia e as coisas ficavam casa vez mais difíceis.
Mas enfim chegou a hora de ir embora. Ermelinde, Lindie e Anne Marie chegaram ao porto de Butjadingen para embarcarem no navio rumo à América.
Mãe e filha se despediram do general Endlich:
-Pai, sentirei sua falta, eu peço perdão por tudo que e eu fiz de errado. Não demore a nos encontrar no Canadá. Eu te amo. – Lindie declarou pedindo a remissão de seus delitos e abraçando seu pai
- Eu também te amo muito, minha filha, logo estarei lá com vocês. E é claro que te perdoo, você é minha filha. Tudo que fiz foi para seu próprio bem. Farei uma visita quando as coisas se acalmarem por aqui.
- Meu amor, eu te amo. Vou morrer de saudade. – Ermelinde afirmou abraçando o marido
- Ermelinde, cuide de nossa filha, e não esqueça que eu também te amo. – afirmou beijando a esposa
- General, muito obrigada por me ajudar. – Anne Marie agradece-lhe
- Aproveite essa chance, Anne Marie. Faça companhia a minha filha e dê a ela bons conselhos. – despediu-se dela com um aperto de mão
- Farei isso, senhor general. – Anne Marie prometeu
Depois da despedida o general se retirou do cais e elas seguiram direito para o embarque. Quando estavam quase entrando no navio ouviram alguém gritar o nome de Lindie, era ele mesmo, Joseph viera se despedir de sua amada.
- Joseph! – Lindie exclamou
Ermelinde e Anne Marie estavam ao lado de Lindie naquele momento.
- Eu vim me despedir de vocês. Principalmente de você, Lindie.
- Obrigada, Joseph. Espero que você tenha sorte em suas batalhas. E escreva cartas pra mim, você tem o endereço.
- Eu irei escrever com certeza. Senhora Endlich, desejo-lhe uma boa viagem à América.
- Muito obrigada, Joseph, você realmente é um cavalheiro, um pouco ousado, mas ainda assim um bom rapaz.
- Obrigado, senhora. Anne Marie, espero que você seja feliz nesse novo recomeço, e vê se cuida da Lindie pra mim, (sussurrou não pé do ouvido dela) não deixe que ele fique com nenhum outro rapaz. – Joseph disse sorrindo à amiga
- Pode deixar comigo, Joseph, eu vou tentar, acho meio difícil controlar a Lindie, sabe como é, né? Ela é livre demais. Muito obrigada por ter me ajudado a sair de Auschwitz, você é o nazista mais legal que eu conheci. – Anne Marie agradeceu abraçando Joseph em seguida
- Lindie, nunca esqueça que eu te amo. Tenho certeza que quando toda essa guerra acabar você estará de volta e seremos felizes em paz. – ele declarou à sua amada
- Eu espero que esse dia chegue em breve. Adeus, Joseph. – ela se despediu abraçando-o fortemente
Elas embarcaram no navio. Ao subir as escadas Lindie olhou para trás e pôde avistar ao longe Steve que a observava. Ela olhou pra ele e não sorriu, apenas se despediram com um olhar de adeus.
- Lindie, minha amiga, você é que tem sorte, tem dois namorados, dois homens lindos que te amam e eu não tenho ninguém. – Anne Marie ressaltou à amiga logo após entrarem no navio
- Ilusão sua, Anne Marie, de que adianta ter dois homens que me amam se eu não posso ficar com nenhum deles?
- Não ficou porque não quis!
- Claro que eu quis. Mas acontece que se eu não sou capaz de escolher entre um deles eu prefiro ficar sozinha sem ninguém.
- Sabe de uma coisa, acho que você precisa de um terceiro amor pra desempatar.
- Você ficou louca? Se já é difícil escolher entre dois, imagine três!
Elas riram.
CAPÍTULO 14
O mundo no Canadá parecia muito diferente do mundo na Alemanha. A sensação na América canadense era de que não existia nenhuma guerra acontecendo, nenhum massacre ao redor do mundo, nenhum horror nazista.
A fazenda dos avós de Lindie era um lugar maravilhoso, com rios, cachoeiras, lagoas, animais, natureza bela e infinita, diante de toda a beleza daquela natureza linda, livre de ameaças de bombas, o coração de Lindie pôde enfim sentir um pouco de paz e alívio.
O sol brilhava intensamente no céu do Canadá naquela manhã de verão. Lindie estava sentada a beira do lago, acabara de ler mais uma carta que recebera de Joseph, todo mês chegava uma, ela respondia, mas sentia que estava perdendo-o. Se avô se aproximou e iniciou com ela uma conversa:
- Lindie, você me parece preocupada. Está tão quieta, com o pensamento longe. Por acaso deixou para trás algo muito importante, ou um amor na Alemanha?
- Um não, dois!
- Você tem dois amores? Conte-me com mais detalhes como é isso.
- Como o senhor já sabe eu namorei por um tempo o Joseph, aquele lindo soldado alemão. Depois que eu entrei para a Universidade de Berlim eu conheci o Steve que era meu professor de Filosofia, na verdade já tinha dançado com ele em minha festa de dezoito anos, e então me apaixonei por ele também. Assim eu comecei a ficar tão confusa que praticamente namorei os dois ao mesmo tempo. Mas agora estou sozinha. Já faz um ano que estou aqui e não tive mais notícias de Steve.
- Eu entendo você, essa confusão é comum em sua idade, mas tende a passar conforme você amadurece. Está triste porque não foi capaz de escolher entre um deles, não é mesmo?
- Sim, vovô, e principalmente porque eu não pude ser sincera e nem fiel a nenhum deles.
- Escute seu avô, Lindie. É certo que você não amava os dois ao mesmo. Talvez não amasse nenhum dos dois. O que você sente é atração, paixão e afeto por eles. Mas esses sentimentos não podem ser confundidos com amor. Porque quando se ama uma pessoa com intensidade não há espaço nem tempo para amar outra da mesma maneira.
- Seja o que for, vovô, eu não fui capaz de escolher. Aquela noite em Auschwitz foi a pior e a melhor de toda a minha vida.
- O que aconteceu em Auschwitz?
- Eu fui lá resgatar minha amiga judia. Servi como soldado por uma semana. Foi só um pretexto pra tirar minha amiga de lá.
- Disso eu sei. Mas aconteceu algo mais?
- Aconteceu sim. Joseph servia lá no campo. Nos encontramos e na minha última noite naquele lugar horrível eu e Joseph tivemos uma noite de amor. Eu me entreguei a ele e traí Steve com quem eu namorava.
- E depois, Joseph voltou a te procurar?
- Sim, ele foi até a minha casa e me pediu em casamento, mas eu não aceitei.
- Então Steve se sentiu humilhado e traído e te deixou.
- Sim, foi o que aconteceu. Eu tenho tanta vergonha do que fiz. Mas infelizmente eu não posso voltar no tempo e mudar o que aconteceu.
- Eu aconselho você a esquecê-los. Esquecê-los não significa que você não se lembrará de que eles existem, significa que você não ficará pensando neles nem nos erros que você cometeu. Eu passei por muita coisa em minha vida que me ensinaram como eu devo ser. A vida está se encarregando de colocar cada coisa em seu lugar.
CAPÍTULO 15
Era dezembro de 1944 quando Lindie recebeu uma triste notícia após descer as escadas e se deparar com sua mãe chorando na sala enquanto seus avós consolavam-na. Anne Marie estava ao lado dela, sua amiga também morava na fazenda onde ajudava nos serviços domésticos da casa.
- Mãe, o que aconteceu? Por que está chorando?
- Lindie, seu pai morreu!
- O que? Como assim morreu?
- Lindie, o acampamento do seu pai sofreu um ataque de soldados russos. Ele foi atingido por tiros e morreu. – sua avó deu-lhe a notícia
- Isso não pode ser verdade. – ela se indignou
- Infelizmente é, minha querida. Mas eu sou seu avô e estou aqui pra cuidar de você e ser seu pai a partir de agora.
- Sabe, eu tento não chorar quando lembro- me do dia em que cheguei em casa e meus pais não estavam mais lá. Eles foram levados como prisioneiros e devem estar mortos agora. A dor é tanta que eu não tenho forças pra chorar. Eles me deixaram um bilhete pedindo que eu nunca chorasse e dizendo que me amavam. – Anne Marie afirmou com os olhos lacrimejando
- Tudo é tão insano. Ver todas aquelas mortes e pessoas sendo torturadas, morrendo de fome em Auschwitz foi horrível. Eu odeio Adolf Hitler, eu odeio os seus seguidores. Não me arrependo nem um pouco de ter feito aquela campanha com os folhetins antifascistas. Muitos podem ter mudado o pensamento pelo que eu e Steve escrevemos. Nunca desconfiaram de mim. Eu odeio o Terceiro Reich. - Lindie declarou abraçando em seguida seus avós, depois seguida abraçou sua mãe e chorou com ela.
Em março de 1945 os bombardeios contra a Alemanha foram os mais intensos de todos os tempos. Steve e Alice estavam abrigados em um bunker, inclusive estavam no mesmo bunker que Joseph estava. De vez em quando andavam um pouco do lado de fora no cessar fogo e vislumbravam uma Berlim completamente destruída.
- Steve, em uma guerra como essa eu quase não tive tempo de pensar no amor, entretanto tive tempo suficiente para entender que você nunca vai ser meu. – Alice se manifestou decepcionada com a realidade
- Nossa cidade está destruída.
- Olhando pra você percebo que não é só Berlim que está destruída, não é mesmo?
- Do que está falando?
- Eu falo daquela noite em Auschwitz na qual você foi traído pela mulher que ama.
- Eu não tenho notícias da Lindie já há três anos.
- Ela está no Canadá e você sabe o endereço. Por que não foi atrás dela? – Alice questionou-o
- Ela deve estar namorando outra pessoa.
- O Joseph se corresponde com ela por carta, ou pelo se correspondia há um bom tempo e pelo que sei ela não está namorando ninguém por lá. Eu não quero fazer fofocas, mas o Joseph já está noivo de outra garota que é amiga minha, e pelo que ela me conta ele não tem planos de ir para o Canadá atrás da Lindie. Talvez seja essa a sua chance de tê-la de volta.
- Não tenho certeza disso.
- Steve, o seu problema é que mesmo depois de todo esse tempo você não conseguiu perdoar a Lindie, não é mesmo? Você a ama, mas ao mesmo sente raiva porque ela esteve nos braços de outro homem. Seu orgulho está ferido. Ainda assim te darei um conselho, logo que essa guerra terminar vá para o Canadá e lute pela mulher que ama. Eu lutei por você porque te amei, no entanto agora reconheço que perdi a luta. Ver você assim tão triste porque ama aquela moça é a prova de que eu nunca terei você pra mim. Quando essa guerra acabar vou embora da Alemanha. Vou morar com meus tios na Suíça. Decidi continuar meus estudos por lá.
- Alice, eu sinto muito. Lamento por não ter conseguido te amar. Seria tudo tão mais fácil, eu te amaria e seríamos felizes aqui em Berlim.
- Mas não é essa a realidade e estou disposta a enfrentá-la, e você, Steve, está?
- Não sei, ainda não sei o que farei, mas lembrarei de seus conselhos.
CAPÍTULO 16
Era 2 de maio de 1945 quando o exército russo conhecido como exército vermelho invadiu a cidade de Berlim que já estava completamente destruída pelos bombardeios ingleses, americanos e russos. A guerra estava perdida e a Alemanha derrotada.
Joseph entrou correndo no abrigo antiaéreo frio e triste, Steve estava lá com Alice. Joseph disse quase gritando:
- Amigos, a guerra acabou! Perdemos. O exército russo acaba de invadir a cidade. Os bombardeios cessaram. Eles estão invadindo os abrigos à procura de líderes nazistas para matarem.
- Vamos sair daqui. Vamos pra fora. Somos civis e nada pode nos acontecer. Joseph, você tem que tirar esse uniforme de soldado e vestir roupas de civil comum. – Alice exclamou ansiosa
- Alice tem razão, Joseph, você tem que tirar o seu uniforme de soldado, é mais seguro. – Steve concordou
- Eu não tenho medo desses russos, vou enfrentá-los.
- Isso é loucura. Nós perdemos o que nunca tivemos e nunca teremos.
- Pra falar a verdade eu sempre odiei o nazismo e o racismo. Eu menti esse tempo todo, eu fui falso e hipócrita quando jurei fidelidade ao Terceiro Reich. Eu sempre vi que tudo era uma grande loucura e que Adolf Hitler é lunático, um maníaco e todos os seus seguidores são como ele. Eu odeio essa guerra insana e sem motivo. De que adiantou tudo isso? De que adiantou toda ideologia nazista se agora a Alemanha está destruída? E o nosso querido presidente pede que os seus seguidores se matem para não se entregarem ao inimigo, para não assumirem a vergonha de seus falsos ideais. Nazistas são todos uns covardes, não sabem morrer com honra. – Joseph confessou sentindo ódio de tudo aquilo
- Você tem toda razão, Joseph! – Alice declarou
- Você é quem decide! – Steve afirmou
- Vamos sair daqui, Steve. – Alice pediu
- Então vamos. E você, Joseph? Vem conosco?
- Podem ir, eu vou ficar um pouco mais aqui até minha noiva decidir o que quer fazer.
- Joseph, a sua noiva Sophia é uma moça maravilhosa, meus parabéns. – Steve reconheceu
- Obrigado, amigo.
- Vamos, Alice.
Steve e Alice saíram do abrigo e o que se via do lado de fora era apenas destruição. Em seguida Joseph e Sophia foram atrás deles, ele decidiu tirar o uniforme de soldado, estava aparentando um civil comum.
- Amigos, estou armado, vou proteger vocês, vamos percorrer a cidade.
- Joseph, devemos caminhar mais próximos para que não desconfiem que entre nós haja um soldado. – Steve aconselhou-o
- Tudo bem, agora aqui ninguém é mais nada! – Sophia concluiu de braços dados com seu noivo
O papel da União Soviética na derrota da Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial, há 70 anos, é visto como uma das grandes glórias da história recente da Rússia e de seu passado comunista.
Mas existe um lado sombrio e pouco conhecido nessa história: os estupros em massa cometidos no final da guerra por soldados soviéticos contra mulheres alemãs. Não seria prudente que as mulheres tivessem desacompanhadas de homens armados, além do mais as Forças Armadas alemãs estavam longe da imagem de força disciplinada "ariana" que não se interessaria em ter relações sexuais com povos inferiores. Tanto soldados soviéticos quantos os próprios soldados alemães cometeram estupros e abusos se aproveitando da situação de caos originado pela guerra que se instalara na Europa.
Uma garota havia sido morta no estupro ou após o estupro. A saia estava puxada para cima e as mãos na frente do rosto. Isto é guerra, isto é violência sexual. Enquanto o Exército Vermelho avançava, cartazes estimulavam os soldados soviéticos a mostrarem sua raiva: "Soldado: Você agora está em solo alemão. A hora da vingança chegou!".
Algumas mulheres se adaptaram a estas circunstâncias horríveis para tentar sobreviver.
Enquanto aguardavam a chegada do Exército Vermelho, muitas mulheres faziam piada dizendo "melhor um russo em cima de nós do que um ianque sobre nossas cabeças". Estupro era considerado melhor do que ser pulverizada por bombas.
CAPÍTULO 17
Chorando Lindie subiu as escadas e trancou-se em seu quarto após ler a última carta que Joseph lhe enviara, aquela foi a carta da despedida, nela Joseph deixou claro que amou muito Lindie: “...Nunca esqueça que eu te amei de verdade...”, mas que enfim tomou a decisão de se casar com Sophia, uma garota linda e companheira.
Anne Marie entrou no quarto da amiga para saber o que acontecera.
- Lindie, minha amiga, o que aconteceu?
- Anne Marie, acabou!
- O que?
- O Joseph se casou. Eu acabo de ler a última carta que ele me enviou. Foi uma carta de adeus.
- É melhor assim, amiga. Já que você não foi capaz de fazer sua escolha ele escolheu por você. Deixe-me ler a carta. – Anne Marie estendeu mão
- Aqui está. Ele se casou em Frankfurt. – Lindie entregou a carta à amiga
- Sim, li tudo que está escrito aqui. Enfim acabou o cansativo jogo de indecisão, tudo passa, Lindie, e esse seu joguinho de paixão não poderia durar para sempre. As pessoas amadurecem e finalmente fazem suas escolhas. Ao menos aquela noite em Auschwitz será a sua lembrança boa. Foi a noite da sua vida! Aconteça o que acontecer nada mudará o fato de que o Joseph foi primeiro seu e depois dela. Sinta-se vitoriosa, esse é seu prêmio e é de você que ele sempre vai lembrar. – Anne Marie consolou-a
- Só você mesmo pra achar que eu tenho que me sentir vitoriosa por ter sido a primeira a fazer amor com ele.
- Garanto que ele também se sente vitorioso, porque por mais que no futuro você fique com outro homem será do Joseph que você se lembrará porque ele foi seu primeiro homem.
- Amiga, você até está certa, afinal tudo que eu tinha pra perder eu já perdi.
- Então enxugue essas lágrimas e vamos tomar um banho de cachoeira. O dia está lindo lá fora!
Lindie não estava animada para acompanhar sua amiga naquele banho de cachoeira. Ela passou o resto dia deitada na cama lembrando-se dos momentos que vivera com Joseph. Um deles aconteceu no verão de 1939 quando Joseph e Lindie passaram férias nas praias do mar Báltico junto com seus pais. Eles entravam nas águas do mar juntos, namoraram na areia.
- Com você eu fui feliz, Joseph. Estou tão arrependida de não ter aceitado o seu pedido de casamento. Agora já é tarde demais. Você já se casou com outra mulher, com certeza mais digna do seu amor do que eu. – Lindie afirmou enquanto olhava nostalgicamente para uma foto dela com Joseph nas areias de uma praia alemã.
CAPÍTULO 18
A senhora Ermelinde estava sentada no sofá da sala lendo uma revista de moda quando a campainha tocou, ela pensou em levantar-se, mas a empregada abriu a porta antes que ela o tivesse feito.
- Senhora, um homem está aqui pedindo para ver a Lindie. – a empregada anunciou
- Um homem?
- Sim, o nome dele é Steve, ele disse que veio da Alemanha.
- Ah, sim. Diga a ele que entre.
Steve adentrou a sala, estava ansioso para ver sua amada.
- Senhora.
- Steve.
- Estou aqui para ver a Lindie. Preciso dizer a ela o quanto a amo.
- Saiba que a Lindie adoraria ouvir o que você tem a dizer, mas acontece que ela não está mais aqui no Canadá.
- Não?
- Não! Já faz uma semana que a Lindie foi para os Estados Unidos. Ela foi aceita na universidade de Princeton para estudar Física.
- Então eu cheguei tarde.
- Tarde? Por quê? Os Estados Unidos é logo aqui! Não seja tolo e vá logo atrás dela. Você não atravessou o oceano por nada, não é mesmo?
- A senhora tem razão. Irei aos Estados Unidos reencontrá-la! – garantiu encorajado
- Aqui está o endereço do apartamento onde ela está morando com sua amiga Anne Marie.
- Obrigado, senhora! Pretendo reconquistar sua filha.
- Não será preciso, ela já te ama. E em diga uma coisa, é verdade que Joseph já se casou na Alemanha?
- Sim, ele se casou com uma linda jovem chamada Sophia e inclusive já tem um filho recém-nascido. Eu o encontrei com a esposa antes da minha viagem pra cá.
- Então o que está esperando? Vá logo até Lindie antes que ela se apaixone por outro professor.
- Sim, até logo, senhora.
- Até logo, rapaz.
O coração de Steve estava cheio de esperanças, ele mal podia esperar para ter mais uma vez em seus braços sua mulher amada.
- Anne Marie, eu estou pronta para ir a Princeton e começar a estudar o que eu realmente amo. – Lindie disse sorridente enquanto se arrumava em frente ao espelho
- Amiga, você está linda, não vai demorar muito para um jovem físico se interessar por você. – Anne Marie sorriu animada
- Não quero saber de paixão tão cedo.
- Até parece que eu acredito em você, a garota mais desinibida que eu conheço, se é que você me entende.
- Nem precisa me dizer o porquê de você pensar assim. Sei que tem a ver com a noite de Auschwitz.
A campainha tocou.
- Anne Marie, você pode abrir a porta e ver quem é? Vou terminar de arrumar meu cabelo. Deve ser a funcionária da modista com a qual encomendei um vestido novo.
- Claro, amiga. Vou lá agora mesmo.
Ao abrir a porta Anne Marie teve uma surpresa. Era Steve que estava ali.
- Steve, é você mesmo?
- Sim, sou eu mesmo, Anne Marie! Estou aqui para reconquistar o coração da Lindie. – ele cumprimentou-a com um aperto de mão
- Eu jurava que essa história já tinha terminado! Bom, pelo menos o Joseph já está fora do jogo. Você fez bem em ter vindo logo. As aulas da Lindie começam hoje, e se ela se apaixona por outro professor? Você correu sérios riscos.
- A mãe dela me deu esse mesmo conselho. – ele sorriu já dentro da sala
Lindie entrou na sala, seus olhos ficaram surpresos com a presença de Steve.
- Lindie, minha amiga, olha quem está aqui! O amor da sua vida! Steve. – Anne Marie anunciou
- Lindie! – ele chamou-a pelo nome
- Steve.
- Com licença. Eu vou deixar vocês a sós. Tenho que sair agora. Até logo. – Anne Marie se despediu
- Lindie, atravessei o oceano por você.
- Por três anos não tive notícias suas. Confesso que estou surpresa em vê-lo aqui. Como sabia onde me encontrar?
- Eu estive no Canadá e conversei com sua mãe, ela me deu o endereço. Fico feliz que você tenha realizado seu sonho de ser aceita na Universidade de Princeton.
- Eu estou muito feliz também. Inclusive estou pra lá agora. Mas imagino que você não tenha vindo aqui apenas pra me fazer uma visita, não é mesmo?
- Sim, você tem razão. Eu não atravessei o oceano apenas pra lhe fazer uma visita. Estou aqui pra dizer que eu te amo e eu quero me casar com você. Não parei de pensar em você em nenhum momento durante esses anos.
- E você sabe se eu também quero? Você sabe se eu ainda te amo?
- Eu não sei, então me diga. Você ainda me ama?
Lindie se aproximou devagar de Steve, ela chegou seu rosto perto da boca dele e declarou:
- Isso responde a sua pergunta? – ela perguntou beijando-o em seguida
- Perfeitamente. – Steve respondeu dando nela mais um beijo apaixonado
Nos corredores da Universidade de Princeton Lindie caminhava ansiosa, até aquele momento ela ainda não havia encontrado com o professor Albert Einstein. Até que de repente ao entrar no pátio principal, lá estava ele, o grande gênio, a caminho de sua sala naquele templo do saber. Lindie se aproximou.
- Professor, Einstein. – ela chamou-o ansiosamente, com os olhos brilhando e o coração acelerado
Einstein virou-se na direção dela e olhou surpreso o semblante admirado daquela jovem.
- Meu nome é Lindie Endlich, sou a nova aluna do curso de Física aqui em Princeton. É um prazer conhecê-lo. Eu admiro muito o seu trabalho. – Lindie apresentou-se sorrindo
- Bem-vinda a Princeton, senhorita Endlich. – Einstein disse sorrindo cumprimentando-a com a mão
Mais uma vez ela sorriu muito feliz por ter realizado seu grande sonho.
Jamila Mafra
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