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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


VIVER POR TEU AMOR / Carole Mortimer
VIVER POR TEU AMOR / Carole Mortimer

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

De repente, não havia escolha para Mildred. Ela teve que jogar para o ar uma pro­missora carreira de atriz de novelas em Los Angeles, um namorado fiel, sua casa, os amigos, seu país... Tinha que abandonar tu­do para cumprir o último desejo de sua irmã Glenna e por isso estava até disposta a fazer a maior loucura: casar-se com um homem que ela não amava! Arrogante, frio, impassível, o belo Alex Hammond viera de Londres para tentar tirar-lhe a guarda de seu sobrinho Courtney, a razão de viver que Glenna lhe deixara. Mas isso Mildred não permitiria, nem que tivesse que largar tudo para tornar-se mulher de Alex!

 

 

 

 

— Há semanas você está tendo um caso com o meu marido! Só vim até aqui para lhe dizer que pode ficar com ele! Eu o odeio!

Mildred fitava a mulher com um misto de espanto e cinismo, os lábios curvados em uma expressão de desdém, que logo se transfor­mou em uma gargalhada sonora quando ela percebeu que a outra tirava a aliança e a jogava em sua direção.

— Corte! Está perfeito! Mildred, você está tão convincente no papel de vilã que estou com dúvidas em relação à sua verdadeira personalidade — brincou Jerry, o diretor do estúdio.

A risada de Mildred cessara ao ser dita a palavra “corte”. Era a sexta vez que ela fazia aquela cena e já começava a ficar enojada com o papel que representava na novela.

De início, fora contratada por três meses, mas a personagem de Mary-Beth Barker causara tanto impacto junto ao público que os diretores haviam resolvido mantê-la no elenco por tempo indetermi­nado. O sucesso estava sendo compensador, embora não fosse fácil representar um tipo que ia tão contra sua verdadeira natureza.

— Não se preocupe, Jerry, não vou me deixar envolver por Mary-Beth! — exclamou ela saindo do estúdio, com um ar cansado.

Enquanto caminhava em direção ao resto da equipe, seus cabelos loiros brilhavam sob a luz dos refletores, realçando-lhe os belos olhos verdes, sombreados por longos cílios. O nariz levemente arrebitado, as linhas perfeitas do queixo e a boca sensual estavam mais destaca­dos pela sofisticada maquilagem. O vestido de seda, justo e provo­cante, parte do guarda-roupa de Mary-Beth, não deixava dúvidas quanto à beleza de suas formas.

 

Mildred sentou-se numa cadeira de lona, ao lado do diretor e desabafou, com um suspiro:

— Não sei onde essa mulher vai parar! Até agora, já fez chantagem com o padrasto, aproveitando-se da atração dele por ela, contou tudo para a mãe à sua moda, arruinou o casamento da irmã e está tendo um caso com um homem casado só para se vingar do fato de a esposa dele tê-la tratado com arrogância numa festa. Que figura sem escrúpulos!

Passou os dedos pelos cabelos longos, desmanchando o penteado perfeito e sorriu ao ouvir a resposta maliciosa de Jerry.

— Ela é um pedaço de mau caminho — disse ele, piscando.

— E ruim como uma cobra...

— Sem dúvida — concordou o diretor, com uma risadinha zombeteira.

— Só queria ver se você faria essa cara se fosse uma das vítimas daquela víbora.

Jerry deu de ombros e fez uma expressão de desânimo.

— Poderia até valer a pena. Quando se está casado com a mesma mulher há quinze anos, sente-se falta das garras de uma vampira!

— Vou contar isso a Allison na próxima vez que a encontrar — brincou, sabendo muito bem o quanto os dois eram felizes.

— Não faça isso, ela me mataria! — protestou Jerry, com horror fingido. Não sei por que você não gosta de Mary-Beth. Afinal, é ela quem paga o seu aluguel!

Aquela era realmente uma afirmação sensata, mas nem assim Mildred conseguia suportar a reação do público à sua personagem. O certo é que as novelas, com seu eterno jogo entre o bem e o mal, faziam um enorme sucesso, e só nesse estúdio de Los Angeles havia quatro em andamento. Até participar de uma delas, Mildred nem imaginava que os fãs realmente acreditassem na existência das perso­nagens. Muitos homens admiravam Mary-Beth e se sentiam atraídos pela aura de perigo que a rodeava. Em compensação, a maioria das mulheres a encarava de uma maneira hostil.

Chegavam ao cúmulo de tratar Mildred como uma rival, pronta a tomar-lhes os maridos assim que elas virassem as costas. Mesmo algumas de suas amigas menos chegadas haviam se tornado cautelosas, temendo que ela tivesse se influenciado pela personagem ou, ainda, associando-a diretamente com a terrível e glamourosa Mary-Beth.

Mildred McKay, apesar de ser uma atriz relativamente experiente, ainda se magoava com os comentários insultuosos que recebia na rua e temia pelo que poderia se passar quando fossem exibidos os últimos capítulos nos quais Mary-Beth se revelava ainda pior.

Voltou para o camarim e ligou o rádio num programa de jazz en­quanto trocava o vestido provocante pelo jeans simples e a discreta camisa de seda que realmente combinavam com sua verdadeira per­sonalidade. Escovou os cabelos várias vezes para retirar o excesso de fixador e removeu mais da metade da maquilagem com um chumaço de algodão.

— Você esteve sensacional! — elogiou Sam Wateres, entrando de­pois de dar uma batidinha na porta.

Mildred retribuiu o beijo carinhoso que ele lhe deu no rosto, con­tente por vê-lo. Sam representava o cunhado de Mary-Beth em “A Armadilha do Poder”, e os dois estavam namorando há uns quatro meses. Alto e loiro, com um corpo de atleta, fazia sucesso entre as fãs com seu charme, simpatia e um bom humor constantes.

— Obrigada — disse Mildred, com os braços em torno do pescoço dele. Que tal irmos à sua casa de praia esta noite? Eu gostaria de descansar um pouco.

— Ótima idéia! Podemos fazer um churrasco. Que tal?

— Hum, muito bom!

Mildred afastou-se para pegar a bolsa e parou estática, ao ouvir a voz grave do locutor que interrompia a programação para dar uma notícia em caráter extraordinário:

— ...informações de que Glenna McKay e seu marido, Mark Hammond, estavam no avião que fazia a rota Londres-Los Angeles e explodiu ontem à noite. As autoridades atribuem o acidente a uma possível falha nas turbinas, embora as investigações...

O locutor continuou a falar num tom sensacionalista, mas para Mildred, o mundo parecia ter parado. Glenna e Mark! Não, não podia ser, tinha que haver algum engano.

Glenna dissera que fazia questão de que o bebê nascesse nos Esta­dos Unidos e ela já estava no sétimo mês, portanto, fazia sentido a informação. Deus, o bebê também... Não!

— Calma, meu bem! — confortou-a Sam, fazendo-a sentar-se nu­ma poltrona.

— Sam, você ouviu? Ele disse mesmo que...

— Sim — confirmou ele, com a voz pesada e o rosto muito páli­do. — Eu também ouvi, Mildred.

— Santo Deus!

Ela se calou, chocada demais para chorar e entorpecida pelo horror de tomar conhecimento da possível morte da irmã pelo rádio. Talvez, se... Não! A quem estava tentando enganar, se sabia que quase nunca havia sobreviventes nesse tipo de desastre? Seus pais! Precisava avisá-los...

— Ligaremos para eles daqui a pouco. Procure acalmar-se, antes. aconselhou Sam, ajoelhando-se ao seu lado para confortá-la.

Glenna! Sua irmã mais velha, com os mesmos cabelos loiros, cheia de vida, de determinação... Ela não podia estar morta! Desastres de avião aconteciam sempre com outras pessoas e famílias, nunca com casais jovens como Glenna e Mark, e bebês ainda não nascidos!

Tinha ouvido as primeiras notícias sobre a tragédia naquela manhã, antes de sair para o estúdio, mas nunca imaginara que estaria pes­soalmente envolvida nela. Jamais lhe passaria pela cabeça que a irmã viajava no avião que caíra e se incendiara, na noite passada.

Glenna também fora uma atriz bem-sucedida até conhecer Mark Hammond há dois anos.

Encontrara esse industrial inglês na Flórida e se apaixonara loucamente. O casamento estivera longe de ser um mar de rosas... Estivera? Santo Deus, já estava pensando como se aceitasse o fato de os dois estarem mortos!

Mildred e a irmã haviam nascido nos Estados Unidos e nunca ti­nham deixado o país a não ser para pequenas viagens de férias. Por isso, Glenna não aceitara com facilidade a idéia de abandonar o em­prego e a família para ir morar com o marido na Europa. Detestava a vida com os parentes de Mark Hammond, na luxuosa mansão ao sul da Inglaterra.

A família dele pertencia a um ramo distinto da aristocracia, algo que a sogra sempre lembrava durante as inúmeras discussões que mantinham. Mildred bem sabia como a irmã reagia a tudo aquilo, porque Glenna ligava com freqüência e ficavam conversando durante horas. A irmã sempre afirmava que os Hammond tinham mais do que o suficiente para pagar as imensas contas de telefone e se dava ao luxo de contar-lhe tudo nos mínimos detalhes.

Por isso sabia que Glenna estivera longe de ser feliz e sentia-se frustrada por haver aban­donado a carreira promissora e as amizades que cultivara nos Estados Unidos. Os Hammond tinham imposto restrições em relação ao com­portamento e vida social de Glenna, fato que Mark parecia aceitar com satisfação.

A única exigência que a irmã fizera ao ter a gravidez confirmada fora que o bebê nasceria na América, perto dos seus pais. Embora enfrentando uma terrível oposição por parte da mãe, Rita Hammond, Mark terminara por concordar.

— Tenho que ligar para os meus pais — disse Mildred, entre so­luços. — Se eles souberem da notícia do mesmo modo...

— Já devem estar sabendo.

Oh, Deus, era um pesadelo! Sua mãe, na certa, desmaiaria, o pai, como sempre, tentaria não demonstrar as emoções, pois era um ho­mem contido, apesar de amar profundamente a família. Como pudera acontecer algo tão terrível a todos eles?

— Preciso ir para casa...

— Eu a levarei — se ofereceu Sam, no mesmo instante em que ela se levantou, agitada.

— Para a casa dos meus pais — explicou Mildred. — Eles vão precisar de mim.

— Eu a levarei.

— Mas você ainda tem uma cena para filmar — retrucou Mildred, tentando manter-se racional apesar do desespero. — Jerry queixou-se de que estamos atrasados com a programação.

— E daí? Ele pode ir filmando outras cenas. A diretoria está feliz com os índices de audiência e não vai se importar com a preocupação do público em saber se vou me matar por causa de Mary-Beth. — Ele lhe tocou a mão carinhosamente antes de sair. — Vou avisar Jerry.

Mildred cobriu o rosto com as mãos. As palavras de Sam a fizeram lembrar-se de uma das suas últimas conversas com Glenna quando a série começara a obter grande audiência na Inglaterra. A irmã lhe telefonara, agitada e chorando, maldizendo a sogra.

Aparentemente, Rita Hammond, se deliciava em censurar a participação da irmã da nora em um espetáculo tão popular como uma novela, e aproveitava todas as ocasiões para fazer observações desdenhosas sobre “A Ar­madilha do Poder” e a personagem de Mary-Beth, associando-a a Mildred.

Jerry entrou no camarim com a tristeza estampada no rosto, nor­malmente descontraído e alegre.

— Que coisa, Mildred! Sam acaba de me contar. — Tomou-lhe as mãos e apertou-as, num gesto cheio de compreensão e solidariedade. — Deve ser horrível ficar sabendo de uma coisa dessas pelo rádio.

Mildred ainda estava entorpecida demais para esboçar qualquer reação ou emitir algum som. Permaneceu estática, a cabeça entre as mãos, fitando o vazio, enquanto ele continuava:

— Eu gostava muito de Glenna. Trabalhamos juntos por alguns meses, antes de ela se casar. Vamos sentir muita falta dela.

Mildred engoliu em seco, lutando contra a sensação de náusea que a invadira ao notar que Jerry se referia à sua irmã como se ela já estivesse morta.

— Com licença — murmurou, passando por ele para correr em direção ao banheiro.

— Tudo bem agora? — perguntou Jerry, acariciando-a enquanto ela lavava o rosto com água fria, no momento em que Sam entrava no camarim.

Mildred sabia que precisava se controlar e ser forte para ajudar os pais a atravessarem uma situação tão penosa. Coitados, iam ficar arrasados!

— Preciso pegar algumas coisas no meu apartamento — informou ela a Sam, enquanto iam para o estacionamento.

— Claro! — concordou o rapaz, evitando falar muito, em respeito à dor da amiga.

Ao entrar no apartamento, Mildred chegou a achar estranho encon­trá-lo do mesmo modo que o deixara pela manhã: a decoração des­contraída, as almofadas jogados num canto, a xícara de café ainda sobre a mesa de jantar onde a esquecera ao sair apressada, os muitos vasos com plantas, uma de suas paixões. A outra eram os posters com fotos de bichinhos, que enfeitavam as paredes do quarto. Sabia que o público, principalmente depois do seu papel de Mary-Beth, jamais acreditaria que ela pudesse gostar de coisas desse tipo, mas os cole­cionava com carinho desde que fizera várias visitas ao zoológico em companhia de Glenna, quando ainda eram meninas. Oh, Deus... Glenna!

Tudo aquilo só podia ser um pesadelo terrível, algo em que não acreditaria até ouvir a confirmação por alguém de sua inteira confiança. Sim, devia haver um engano. Talvez Glenna e Mark nem estivessem realmente no avião, talvez alguma coisa os tivesse impedido de embarcar, talvez...

O telefone começou a tocar e ela correu para atendê-lo. Seu cora­ção deu um salto ao ouvir a voz da mãe, estranhamente forte, com uma determinação que não fazia parte da sua natureza.

— Você já soube, filha? — perguntou ela, com firmeza.

— Sim — respondeu Mildred, sentindo a voz presa na garganta. — Ouvi pelo rádio, agora há pouco.

— Acho que esses locutores não têm a mínima noção do quanto isso pode ser cruel — lamentou a mãe, com um suspiro. — Pelo menos nós fomos poupados, pois Alex Hammond nos ligou antes.

Alex Hammond!? A imagem de um homem alto e moreno, com feições duras e orgulhosas, corpo atlético, olhos cinzentos e penetran­tes surgiu na mente de Mildred. Tratava-se do irmão mais velho de Mark.

Arrogante e prepotente, ele parecia viver somente em função de seus próprios interesses. Isso talvez explicasse o fato de que ainda não se casara e, pelo que Glenna lhe contara, tampouco mantinha qual­quer relacionamento sério. Mildred só o vira uma vez, no casamento, e não gostara nada dos modos prepotentes e autoritários dele.

— Eu pretendia ligar para o estúdio para lhe dar a notícia — continuou a mãe, mal disfarçando a tensão. — Mas tive que cuidar do seu pai... Ele... ele passou mal, Mildred. Parecia calmo e con­trolado enquanto falava com o sr. Hammond. Depois... sofreu um ataque cardíaco!

Aquilo tudo era pior do que um pesadelo; seu mundo todo estava virando de pernas para o ar de uma hora para outra.

— Eu... ele está...

— Está no hospital. Mas os médicos me garantiram que vai ficar bom, graças a Deus.

— Vou para aí...

— Não! Mildred, ouça-me. Eu disse ao irmão de Mark que nós iríamos para a sua casa... Isso foi antes de seu pai ter o ataque, claro. Alex Hammond ficou de entrar em contato com você assim que soubesse de mais notícias. Até aquela hora, a única coisa de que se tinha certeza é que Glenna e Mark estavam no avião. — Fez-se si­lêncio por alguns instantes, enquanto a mulher tentava recuperar o autocontrole. — Parece que há sobreviventes. Estou rezando...

— É melhor eu ir para aí, mamãe. O sr. Hammond logo perceberá o que aconteceu quando ninguém atender ao telefone.

— Mas não haverá ninguém em casa, Mildred. Estou falando do hospital. Vou ficar aqui com seu pai.

— Você tem certeza de que ele não corre mais perigo? — pergun­tou, desconfiada que a mãe estivesse ocultando algo.

— Os médicos me deram um diagnóstico tranqüilizador, meu bem. Não se preocupe! Mas, por favor, fique aí em Los Angeles até que o sr. Hammond entre em contato com você. Já pensou se quando ele ligar você estiver na estrada?

— Está bem, mamãe. Telefonarei para você assim que souber de alguma notícia. Dê um beijo em papai por mim.

— Darei, querida. E não se aflija, ainda podemos ter esperanças em relação a Glenna e Mark.

Mildred permaneceu imóvel depois de a mãe desligar. A velha se­nhora estava sendo exageradamente otimista, e as duas sabiam disso. Glenna e Mark deviam estar mortos, o pobre bebê nem tivera chance de viver... E o pai não podia estar tão bem, se precisava ficar internado.

— Ouvi você falando ao telefone...

Ao escutar a voz amiga de Sam, ela se atirou nos braços dele sem conseguir conter por mais tempo as lágrimas que lhe invadiam os olhos e escorriam pelas faces. Buscou conforto naquele peito másculo enquanto ele a conduzia até o sofá.

— Glenna era tão linda, Sam — conseguiu dizer, depois de alguns minutos. — Não posso acreditar que ela esteja morta, não desse jeito. Não é de se admirar que papai tenha ficado tão chocado!

— Eu sei, querida, eu sei.

Sam acariciava os cabelos dela com gestos surpreendentemente de­licados, e Mildred abandonou-se ao contato protetor do namorado, que sempre a tratava de um modo irrepreensível, com carinho e sem atrevimentos.

— Você não chegou a conhecer Glenna, não é?

— Eu a vi nos filmes. Achei-a tão linda como você, querida! — Novamente referiam-se a Glenna no tempo passado, o que levava Mildred a conscientizar-se de que nunca mais veria a irmã. A pouca diferença de idade entre elas as tornara muito íntimas, compartilhando roupas e amigos durante a adolescência.

— Todos a amavam, Sam — continuou, rouca. — Ela era diver­tida, tão... tão cheia de vida!

Sim, todos tinham amado Glenna... menos os Hammond. A irmã e o cunhado ocupavam uma ala particular na mansão da família. Rita Hammond e o filho solteiro ocupavam outra, enquanto a filha casa­da, Janet, morava num bairro vizinho, com o marido e duas filhas. Ela e a mãe haviam deixado claro desde o início que não aprovavam o casamento de Mark com a atriz americana. Apenas Alex Hammond mostrara indiferença.

Mark era bonito, alegre e charmoso, mas completamente submisso à família e resistira a todos os esforços de Glenna de persuadi-lo a se mudarem para os Estados Unidos. Afirmava que os negócios exigiam sua presença e também que achava desnecessário terem uma casa só para eles quando a propriedade dos Hammond era tão espaçosa.

Glenna, no início, estava tão apaixonada por Mark que nem lhe ocorrera fazer objeções aos desejos dele. Seu único grito de teimosia, a decisão de ter o bebê nos Estados Unidos, lhe custara a vida.

Mildred controlou-se com esforço e, afastando-se de Sam, disse num tom firme:

— Agora você deve ir, Sam. Tem uma cena ainda para filmar.

— Jerry me pediu para ficar com você.

— Não preciso de ninguém!

As palavras de Mildred soaram ásperas, nervosas, pois ela sentia necessidade de ficar sozinha para se conformar com a perda. Apesar de agradecida pelo carinho de Sam, sabia que nenhuma conversa amenizaria o tempo que passaria esperando pelo chamado de Alex Hammond.

— Por favor, Sam — insistiu, quando ele fez menção de protes­tar. — Preciso de tempo... para aceitar.

Ele balançou a cabeça assentindo. Também passara pela mesma experiência ao perder a jovem esposa num acidente de automóvel há quatro anos. Levantou-se e pegou o rosto de Mildred entre as mãos, declarando:

— Se precisar de mim, a qualquer hora do dia ou da noite, é só ligar. Certo?

— Obrigada — disse, piscando repetidas vezes para afastar as lá­grimas. Estou de mãos atadas até receber o telefonema de Alex Hammond. Não posso ir para a Inglaterra, onde aconteceu o desastre, nem para Cedar, ver papai...

Sam inclinou-se e beijou-a de leve nos lábios, tranqüilizando-a a seguir:

— Tenho certeza de que ele vai ligar logo.

Porém, a noite chegou, e Alex Hammond não deu sinal de vida. Mildred passou horas e horas andando de um lado para o outro até se decidir a ligar para a casa dos Hammond. Afinal, tinha todo o di­reito de ser informada de tudo o que acontecera e, a essas horas, pro­vavelmente a família de Mark teria mais notícias.

Levou algum tempo convencendo Symonds, o mordomo, de que era mesmo a irmã de Glenna e não uma repórter à cata de notícias.

— A sra. Hammond tomou um sedativo e está no quarto.

O mordomo usava um tom altivo, e Mildred estremeceu por um instante ao tomar consciência de que a sra. Hammond a que ele se referia era Rita, não Glenna.

— A sra. Janet Fairchild voltou para a casa dela — continuou o homem.

— E o sr. Hammond? — interrompeu-o Mildred, ansiosa. Pouco lhe importava saber das duas mulheres, com as quais antipatizara desde o dia do casamento. Mãe e filha eram muito parecidas, pedantes e de mente estreita, acreditando que todas as atrizes não passavam de sereias promíscuas.

— O sr. Hammond não se encontra em casa — disse o velho, lacônico.

— Ele não está aí?

— Não, senhorita — confirmou ele, indignado. — Ele deixou a casa há várias horas.

— E para onde foi? — perguntou Mildred, impaciente.

— Não sei dizer, srta. McKay. — Symonds pareceu ficar choca­do e completou: — O sr. Hammond não tem o hábito de me informar sobre seus movimentos.

— Mas nestas circunstâncias ele não teria feito mais do que a obrigação! retrucou Mildred, batendo o telefone, furiosa demais para fazer mais perguntas.

Maldito homem! Onde teria ido? Era possível que Rita Hammond soubesse do paradeiro dele mas parecia que ela estava deprimida de­mais com a tragédia para manter-se lúcida. Pelo que pudera perceber, Mark era o filho favorito dela, o caçulinha a quem tinham feito todas as vontades. Sem dúvida, ela devia estar arrasada com a morte dele.

Porém, isso não mudava o fato de que Alex Hammond prometera ligar, deixando-a presa em casa, sem poder ir ver o pai. Decidiu entrar em contato com a companhia de aviação e foi informada de que a situação estava muito confusa e que ainda não dispunham de nenhuma notícia exata. Então, só lhe restava confiar na autoridade e no prestí­gio do industrial inglês para obter maiores dados.

 

Sem agüentar mais a inércia, ligou para o hospital certificando-se de que o pai passava bem. Depois, telefonou para o aeroporto, soli­citando uma passagem para a Inglaterra o mais breve possível. Entre­tanto, lhe disseram que só dispunham de lugar no vôo das doze horas do dia seguinte. Mildred resolveu aceitar assim mesmo, consciente de que não adiantava nada ficar ali sentada.

Os primeiros raios de luz a encontraram sentada na mesa da cozi­nha, bebendo o resto do terceiro bule de café, as olheiras denunciando que não dormira a noite inteira, esperando em vão a chamada de Alex Hammond.

Pouco depois das sete, a mãe ligou para tranqüilizá-la sobre o es­tado de saúde do pai e pareceu perplexa diante do silêncio do cunha­do de Glenna.

Depois de fazer as malas e trocar o jeans amassado por um vesti­do mais formal, Mildred desistiu de aguardar o telefonema de Alex e chamou um táxi para levá-la ao aeroporto.

Penteava os cabelos para sair quando a campainha tocou. Imagi­nando que fosse o motorista, abriu a porta para uma multidão de repórteres e flashes espoucando.

— Como se sente em relação à morte de sua irmã, Mildred?

— O enterro será aqui ou na Inglaterra?

— Glenna e o marido serão sepultados juntos?

Mildred empalideceu ao se deparar com aquele mar de rostos, câmeras e microfones no corredor. Passara a noite sem ser perturbada pela imprensa sensacionalista, porque sempre fizera questão de manter seu endereço em segredo. Por isso não compreendia direito o que estava acontecendo.

— Você era muito chegada à sua irmã, Mildred? — perguntou uma mulher bonita, cheia de curiosidade.

— Soubemos que seu pai teve um enfarte quando foi informado do acidente. Pode nos confirmar isso, srta. McKay?

Mildred engoliu em seco, incapaz de compreender esse desrespeito e essas atitudes especulativas diante de uma dor tão particular. Que tipo de pessoas eram aquelas para,lhe fazerem tais perguntas?

— Você...

Nesse instante, uma voz autoritária soou no meio da multidão, surpreendendo a todos:

— Vamos parar com isso!

Um homem abria caminho com dificuldade por entre o bando. Ao vê-lo, o coração de Mildred deu um salto, começando a bater acele­rado no peito.

Alex Hammond! Só podia ser ele. Sim, agora percebia que, apesar de tê-lo visto apenas uma vez, a imagem daquele homem ficara gra­vada em sua mente. Afinal, não havia muitas pessoas com as caracte­rísticas dele no mundo.

Além de muito alto, irradiava uma arrogância e uma determinação que o fariam se sobressair em qualquer ambiente. Os cabelos escuros mostravam alguns fios brancos nas têmporas e os olhos cinzentos pareciam mais duros do que nunca. Usava um terno com colete e uma camisa branca, e ninguém jamais diria que ele havia passado onze horas numa exaustiva viagem de avião.

Assim que se aproximou, ele pegou Mildred pela mão, dizendo:

— Vamos entrar.

Mildred começou a recuar, tentando fechar a porta enquanto ima­ginava por que Alex Hammond achara necessário vir pessoalmente em vez de telefonar. Mas, antes que ela conseguisse entrar, os jorna­listas já haviam se recuperado da surpresa e recomeçado a bombar­deá-la com perguntas:

— Quem é ele?

— De onde veio?

— O senhor é amigo da família McKay? — perguntou a repórter bonita, demonstrando um interesse pessoal por Alex.

Alex Hammond apertou o braço de Mildred com mais força e em­purrou o microfone com um gesto brusco.

— Acho que a privacidade da srta. McKay já foi suficientemente invadida por hoje — replicou rispidamente, fazendo-a entrar de volta no apartamento. — Se nos derem licença... senhora, senhores...

— Ei, o sujeito é inglês! — comentou alguém.

— Seus poderes de dedução são impressionantes — zombou Alex Hammond numa voz seca, sem se importar com o rosto vermelho do repórter, e empurrou Mildred para dentro de casa, batendo a porta.

— São como abutres! — resmungou, enquanto a seguia até a sala de visitas.

Não disse mais nada até se deparar com a mala depositada perto de uma cadeira. Virou-se para Mildred com uma expressão intrigada.

— Você vai a algum lugar?

— Eu... eu tinha desistido de esperar pelo seu telefonema. — Mildred ficou irritada consigo mesma pelo tom defensivo de suas palavras. Afinal, não devia qualquer explicação a esse homem, ora! — Reservei uma passagem num vôo que parte para a Inglaterra dentro de poucas horas.

— É verdade que seu pai sofreu um enfarte? — perguntou ele, interessado.

— É verdade. Não está mais correndo perigo, mas a notícia o atin­giu fundo. Bem mais fundo do que eu imaginava. Ele é muito amo­roso, apesar de parecer insensível, sabe? Ele brincava muito conosco quando éramos crianças. — Mildred se interrompeu constrangida por estar falando coisas tão sem sentido, mas não conseguia se controlar. — Desculpe-me. Você não está interessado nisto.

— Eu não tinha idéia de que seu pai havia sofrido um enfarte. — Mildred evitou enfrentar aquele olhar seguro. Como pudera desa­bafar coisas tão pessoais a alguém quase desconhecido?

— Sem dúvida, foi um choque para todos nós — disse ele. Como aquele homem podia parecer tão impassível? Mildred sabia que estava pálida, abatida, que seus pais e a mãe de Mark estavam arrasados. No entanto, Alex Hammond parecia... alheio a tudo. Sim, não havia outro modo de descrever sua expressão.

— Disseram... na televisão... que há alguns sobreviventes — arriscou ela, com um fio de esperança na voz.

Procurou naquele rosto duro algum sinal de conforto, mas Alex Hammond não mostrou nenhum lampejo de emoção.

Que sujeito mais frio! Estremeceu, chocada com a veemência dos seus sentimentos. Esta­va gostando cada vez menos daquele homem.

— Sim, alguns.

— Mesmo?

— Sim. Parece... Sente-se, por favor — pediu Alex.

— Eu... eu quero...

— Eu disse, sente-se, Mildred. Parece que há meia dúzia de sobre­viventes, todos gravemente feridos.

— Glenna...

— Ela não foi um deles. Nem Mark. — O homem ainda não mos­trava emoções.

Mildred mal conseguiu respirar quando o impacto dessas palavras a atingiu. Com dificuldade, perguntou:

— Eles... eles estão mesmo mortos?

— Sim.

— Oh, Deus!

Até aquele instante não se dera conta do quanto de esperança guar­dara dentro de si, acreditando secretamente que a falta de notícias podia ser um bom sinal. Estava tudo acabado. Não duvidou nem por um segundo da triste confirmação que Alex Hammond lhe trazia.

— Mas o filho deles sobreviveu.

As palavras ditas num tom suave interromperam as lágrimas de Mildred que levantou o rosto molhado, fitando-o incrédula.

— O... o bebê está bem?

— Ótimo! Glenna sobreviveu ao desastre. Foi socorrida e levada ao hospital, em estado desesperador. No entanto, viveu o suficiente para ser submetida a uma operação cesariana. Nasceu um menino. O nome dele... nome que ela mesma escolheu... é Courtney.

— Courtney!? É o nome do meu pai!

— Eu sei! E estou certo de que ele vai ficar muito orgulhoso do neto.

Mildred limpou as lágrimas com as costas da mão.

— Você... você o viu?

— Rapidamente. Ainda está em observação na maternidade.

Aos poucos, Mildred recuperava o controle sobre si mesma, embo­ra mal conseguisse acreditar no que ouvira. Glenna havia tido um filho, um filho que estava vivo!

— E com quem ele se parece? Com Glenna ou Mark? Ele...

— Todos os recém-nascidos são iguais, especialmente os prema­turos. Ele é pequenino, vermelho e chora muito. E é incrivelmente parecido com Glenna acrescentou numa voz enrouquecida, demonstrando que não estava tão indiferente à existência do bebê como aparentava.

— Quero vê-lo.

— E verá. Mas há algo que você deve saber antes de qualquer outra coisa. Glenna também tomou medidas em relação ao futuro do filho. Indicou a mim e a você como tutores legais de Courtney. Em conjunto — acrescentou enfaticamente.

 

Mildred olhou-o boquiaberta. Ficara feliz e emocionada por saber que o sobrinho sobrevivera, porém, não fazia idéia de como Alex Hammond e ela iriam ser seus tutores, vivendo um na Inglaterra e o outro nos Estados Unidos.

Sem dúvida, Alex também estava se perguntando a mesma coisa.

— Naturalmente, é impossível — disse ele abruptamente, deposi­tando uma pasta sobre a mesa. — Trouxe comigo alguns documen­tos, elaborados por meu advogado, isentando-a de qualquer obrigação moral ou legal em relação a Courtney.

Mildred levantou-se vagarosamente, morrendo de raiva. Quem esse homem pensava que era? Aparecera ali para lhe dizer que sua irmã estava morta, mas que o filho que ela esperava sobrevivera. E agora, com a maior sem-cerimônia sugeria que ela abdicasse de todos seus direitos sobre a criança. Devia ser maluco!

— Não — disse ela, sem rodeios.

Alex levantou as sobrancelhas, interrompendo os movimentos de tirar os documentos da pasta.

— Não? Por quê?

— Claro que não! — confirmou ela, desafiante, empertigando o corpo alto bem-feito com altivez. — Courtney é meu sobrinho e, se minha irmã queria que eu fosse tutora, é isso que pretendo ser.

— Ele tem dois tutores — lembrou Alex. — Você e eu!

— Então Glenna cometeu um erro. Ninguém é perfeito!

— Discussões não vão resolver a delicadeza da questão — censu­rou ele, com toda a calma.

— Sua insensibilidade também não! — retrucou, sentindo que uma onda de fraqueza a invadia. — Minha irmã acaba de morrer e você insinua com toda a frieza que devo afastar o filho dela da minha vida... meu único sobrinho, o único neto dos meus pais!

— Ele também é meu sobrinho e o único neto da minha mãe.

— Ela já tem outras netas. Quando você tiver seu próprio filho...

— O mesmo se aplica a você e seus pais.

Mildred deu um suspiro de impaciência. O homem derrubava todos seus argumentos, sem um instante de vacilação.

— Olhe, não acho que desistir da tutela de Court seja...

— Courtney — corrigiu Alex, com firmeza.

— Court é o diminutivo de...

— O nome escolhido para o menino foi Courtney. Vamos deixá-lo assim, certo?

— Tenho certeza de que Glenna queria que fosse usado o dimi­nutivo, como no caso do meu pai — insistiu Mildred, com teimosia.

— Glenna está morta e...

— Seu bruto! Seu patife frio e sem sentimentos! Seu...

Sua voz saiu nervosa e estridente, mas sumiu ao mesmo tempo em que seu corpo deslizava para o chão, a vista envolvida por uma onda de escuridão.

Quando Mildred abriu os olhos, encontrou-se deitada no sofá, com Alex inclinado sobre ela. Constrangida, puxou a mão que estava entre os dedos longos e morenos.

Ele se afastou no mesmo instante e sentou-se, parecendo exausto pelo esforço de carregá-la para o sofá. Podia ser magra, mas estava longe de ser um peso-pena. Ainda assim, aqueles ombros e braços pareciam capazes de suportar grandes esforços.

Levantou-se, meio sem jeito, afastando-se bem dele.

— Desculpe-me.

— Estive esperando por algo assim desde que cheguei e encontrei a imprensa perturbando-a.

— Muito esperto! — respondeu ela, com agressividade.

— Logo vi que você estava a ponto de desmaiar. Duvido que tenha dormido esta noite. E não sabia que ainda por cima a doença do seu pai a preocupava.

Mildred levantou-se do sofá e cambaleou um pouco, embora seu olhar enfrentasse o dele com firmeza. Adversários! Tinha a sensação de que não encontraria definição melhor para o comportamento deles.

— Não pude dormir porque fiquei esperando seu telefonema — acusou ela, antes de acrescentar de um modo áspero: — Você não precisava ter vindo até aqui. Poderia ter me explicado tudo pelo te­lefone e evitado essa viagem. Eu teria recusado sua proposta com a mesma facilidade.

— Quer dizer que você não pretende nem examinar os papéis?

— É exatamente isso!

— Mesmo sabendo que Courtney ficará melhor conosco na In­glaterra?

— E quem é “conosco”? — falou Mildred, com desdém. — Você e sua mãe? Uma viúva amarga e ressentida e um homem sem senti­mentos?

Um olhar gelado a percorreu de alto a baixo com desprezo.

— Ou uma jovem atriz sem moral que só pensa em se divertir?

— Está falando de mim? — perguntou ela, chocada. — De onde tirou essa impressão, sr. Hammond?

— Glenna ficou muito orgulhosa quando a televisão começou a exibir sua noyela. Assim, fomos obrigados a ver o seu desempenho e admirar seu talento como Mary-Beth Barker.

— O senhor usou a palavra certa, talentol Eu estava só represen­tando... Pensei que fosse suficientemente inteligente para compreen­der isso.

— Talvez eu seja. Mas não tenho motivos para acreditar que Courtney ficaria melhor com você do que conosco. Você deve traba­lhar muito e por horas a fio. Duvido que tenha tempo para educar uma criança.

Mildred ignorou a verdade daquelas palavras pois, se Glenna qui­sera que ela tivesse participação na formação de Court, faria o pos­sível para atendê-la.

— Tenho que pegar um avião, sr. Hammond — informou rispidamente. Devo ir para o aeroporto.

— Irei com você — afirmou ele, recolhendo os papéis para dentro da pasta.

— Não será necessário.

— É muito necessário. Tenho um lugar reservado no mesmo avião.

— Vejo que não planejava permanecer aqui por muito tempo. Por acaso, estava tão convencido da minha resposta que imaginou que em poucas horas teria resolvido tudo?

Uma expressão de raiva toldou os belos olhos de Mildred, quando Alex Hammond estreitou a boca numa expressão que confirmava suas palavras. Sem se conter, acusou:

— Glenna não foi feliz com sua família, sr. Hammond. Agora es­tou começando a entender por quê.

— E eu estou percebendo que você é tão difícil como sua irmã. Nós sabíamos da infelicidade dela, porque Glenna nunca fez segredo disso — disse ele, com um leve ar de zombaria ao ver a surpresa de Mildred. — Mas devo lembrá-la de que se Glenna apontou nós dois como tutores ela não cortou os Hammond da vida de Courtney co­mo se nos odiasse.

— Em vez de ficarmos aqui discutindo inutilmente, sugiro que partamos logo para o aeroporto... Não quero perder o avião — acrescentou ela, num tom que não admitia contestações. — Antes, porém, vou até meu quarto ligar para mamãe. Ela deve ter passado uma noite tão difícil quanto eu.

Alex Hammond não respondeu e limitou-se a sentar numa pol­trona e a fechar os olhos com um suspiro cansado.

Mildred sentiu-se envolvida por uma onde de culpa. Por mais in­sensível que ele fosse, acabara de passar por momentos extremamente difíceis. Seu irmão tinha morrido e ele viajara longas horas num avião. Só podia estar exausto.

— Quer um pouco de café? — ofereceu Mildred, de um modo mais suave. Ou alguma coisa para comer?

— Tem chá? — perguntou Alex, com um ar esperançoso. Mildred sorriu e a tensão entre eles diminuiu.

— Sim. Com leite e açúcar, como na Inglaterra?

— Hum, seria ótimo! Obrigado!

Mildred telefonou para a mãe e teve muita dificuldade para confir­mar a morte de Glenna. Todo o controle da sra. McKay desapareceu ao ter certeza de que jamais iria rever a filha mais velha. Mildred, emocionada, não opôs qualquer resistência quando Alex pegou o te­lefone ao perceber que ela estava chocada demais para falar com coerência.

Depois de conversar com a mãe dela por alguns instantes, Alex virou-se para Mildred, informando:

— A sra. McKay ficou encantada ao saber da existência do neto e me disse que ela e seu pai irão à Inglaterra para vê-lo assim que for possível. — Ele examinou seu rosto e completou: — Olhe, acho que você não está em condições de viajar. Talvez fosse melhor...

— Irei com você — afirmou decidida. — Quero ver Court... ney e também preciso estar no... no enterro de Glenna. Alguém da fa­mília tem que estar presente. — Foi para o banheiro e lavou o rosto com água fria. — Imagino que o enterro será na Inglaterra.

— Sim, claro.

— Muito bem, estou pronta para partirmos.

— Tem certeza...

— Absoluta! Não há nada que eu deseje mais.

— E o seu trabalho?

— Terá que esperar.

Mildred falou com convicção, embora não tivesse idéia de como o estúdio iria reagir à sua partida inesperada. Porém, dificilmente iriam objetar que ela faltasse por alguns dias, principalmente nessas circunstâncias.

— Eu vou à Inglaterra... estou decidida, sr. Hammond.

— Então é melhor começar a me chamar de Alex. Não pretendo chamá-la de srta. McKay o tempo todo.

— Meu nome é Mildred.

— Sei disso. Glenna falava muito em você.

Ela gostaria de retribuir, mas Glenna sempre fora muito reticente sobre o cunhado, e quase nunca tocava no nome dele, a não ser quan­do comentavam sobre o trabalho de Mark. Aparentemente, Alex Hammond não era muito ligado à família.

— Está disposta a enfrentar a imprensa de novo? — perguntou ele, no seu habitual tom distante. — Duvido que tenham ido embo­ra, principalmente agora que já dispõem de maiores informações.

Esforçando-se para se manter completamente controlada, Mildred seguiu decidida ao lado de Alex Hammond, enquanto desciam para tomar o táxi que os esperava em frente ao prédio. Ele ignorou todas as perguntas que lhe foram feitas e nem por um segundo soltou-lhe o braço, mantendo-a junto de si ao conduzi-la por entre os repórteres e as câmeras.

Mildred não estava acostumada a ser tratada desse modo, pois fora criada de maneira bastante independente e era capaz de cuidar de si mesma. Além do mais, a maioria dos homens que conhecia a encarava como a uma igual.

Disfarçadamente, estudou-o durante o trajeto até o aeroporto. Não havia dúvidas de que Alex Hammond era atraente, apesar das manei­ras arrogantes. No entanto, Glenna nunca mencionara uma namorada na vida dele. Isso era, sem dúvida, um mistério.

Com certeza, aquele homem másculo, rico e atraente não devia passar despercebido para as mulheres. Talvez ele fosse do tipo que mantém apenas casos dis­cretos, evitando maiores envolvimentos...

Ficou meio sem jeito ao ver que ele surpreendeu seu olhar.

— Hã, Courtney está na sua casa? — perguntou, rápida, tentando disfarçar.

— Ainda não. Ficou no hospital, na incubadora. Felizmente, está em perfeita saúde, Mildred. É bem grande e forte para um prematuro.

— Graças a Deus!

— Sim — respondeu ele, laconicamente, dando o assunto por en­cerrado.

O aeroporto estava um verdadeiro caos, com os repórteres aguardando-os, munidos de microfones, máquinas fotográficas e até câme­ras de TV. Mildred ficou agradecida quando Alex encaminhou-se até a gerência, conseguindo-lhe uma saleta privativa para se acomodar, enquanto ele ia cuidar do embarque.

Ela aproveitou a oportunidade para dar dois telefonemas. O pri­meiro para Sam que se mostrou muito compreensivo e o seguinte para Jerry que a informou de uma alteração no calendário das grava­ções de modo que ela tivesse uma semana de licença. Mildred ficou eufórica. Aquele tempo seria o suficiente para convencer os Hammond de que o bebê de Glenna deveria permanecer sob a guarda dela.

— Mas não demore nem um dia a mais — alertou-a Jerry — ou a ira de Zorbo cairá sobre a sua cabeça!

Mildred deu uma risadinha enquanto desligava. Frank Zorbo, um homem tranqüilo e pequenino, o presidente da emissora, virava uma fera quando alguma coisa atrasava sua programação meticulosamente arranjada.

Voltando do guichê de passagens, Alex foi logo avisando:

— Já cuidei de tudo. Estaremos embarcando dentro de alguns mi­nutos.

Mais uma vez, Mildred sentiu-se agradecida por ter alguém para ajudá-la num momento tão delicado. Afinal, perturbada como estava, dificilmente se sairia daqueles entraves burocráticos com a mesma fa­cilidade com que Alex vinha fazendo.

A surpresa maior veio quando foi conduzida a uma poltrona na primeira classe, ao lado de Alex. Ao fazer a reserva, fora informada de que o único lugar disponível era na segunda, bem no fundo do avião.

— Eu já tinha comprado passagem para você — explicou ele, diante de seu olhar intrigado.

— Como sabia que eu viria?

— Já lhe disse que Glenna me falava muito de você. Assim foi fácil deduzir qual seria sua reação.

— Então por que veio até aqui? — Alex encolheu os ombros.

— Sempre vale a pena tentar.

— Está perdendo seu tempo. Nunca desistirei de Courtney.

— Ê melhor conversarmos sobre o bebê num momento menos emocional disse Alex, com um suspiro.

No mesmo instante, Mildred experimentou um sentimento de culpa. Sabia que Alex estava cansado e precisava repousar durante as longas horas de vôo que teriam pela frente. Resolveu permanecer em silên­cio, embora sua tensão aumentasse com o barulho das turbinas sendo aceleradas para a decolagem. Tudo acontecera tão subitamente, que até esse instante ela não pensara no vôo em si. Glenna e Mark tinham morrido numa aeronave exatamente igual a essa. Esse...

Dedos fortes envolveram os seus, transmitindo-lhe segurança, en­quanto Alex a confortava:

— Não vai acontecer de novo, Mildred.

Ela dificilmente se deixava abalar ou impressionar pelas tragédias, mas naquele momento ficou petrificada e escondeu o rosto no ombro largo de Alex Hammond.

Depois de o avião ter decolado, se sentindo em segurança, afastou-se, embaraçada, desviando o olhar.

— Desculpe-me... Geralmente, eu... Bem, não costumo...

— Esqueça — tranqüilizou-a Alex. — Eu já me esqueci.

Mildred sentiu-se ferida pela indiferença dele ao dizer essas pala­vras. Não era a reação normal de um homem ao tomá-la nos braços e isso a irritou um pouco. Como aquele sujeito podia ser tão imune a uma mulher!

Alex Hammond adormeceu logo depois da decolagem e Mildred acomodou-se na poltrona, sabendo que também precisava de repouso e de tempo para pensar. De repente, se conscientizava de que ela e o homem sentado ao seu lado eram os únicos responsáveis por um bebezinho que nunca conheceria os pais verdadeiros, e nem receberia o amor da mãe. Durante o longo vôo até a Inglaterra, jurou a si mes­ma que seria para Courtney a mãe que Glenna pretendia ser... não importava o que os Hammond fizessem ou dissessem!

Assim que os dois se livraram das formalidades de desembarque e alfândega, Alex conduziu-a até o estacionamento onde deixara o lu­xuoso Mercedes último tipo. Com um gesto gentil abriu a porta para que ela entrasse e acomodou-se do outro lado, dando a partida no car­ro. Quando entraram no tráfego intenso das proximidades do aero­porto, Mildred perguntou:

— Vamos ver Courtney hoje?

— Eu a levarei para vê-lo amanhã. Agora vamos para a minha casa, em Surrey. Acredito que amanhã já possamos trazê-lo conosco.

Mildred não conseguiu esconder a súbita onda de calor que tomou conta de suas faces. Quem os ouvisse conversar sobre trazer um bebê para casa imaginaria algo mais íntimo entre os dois.

— Vamos contratar uma governanta para ele — continuou Alex.

— Não!

— É o melhor modo...

— Pode ser o melhor modo para você, Alex — replicou Mildred, com firmeza, decidida a não ceder em seus propósitos. — Acredito que Courtney precisa de um amor maternal e não das atenções im­pessoais de uma governanta.

— Isso é uma coisa que não podemos dar a ele!

— Eu posso! Pretendo tratá-lo como se fosse meu próprio filho. — Uma expressão de raiva endureceu ainda mais o rosto de Alex que comentou sem disfarçar a rispidez:

— Isso pode ser um pouco difícil.

— Por quê?

— Os dois tutores têm que estar de acordo com qualquer plano que envolva Courtney.

Mildred se enrijeceu e virou-se um pouco no banco para poder olhá-lo de frente. As rugas de cansaço acentuavam ainda mais a linha rígida da boca máscula e havia uma determinação por trás daqueles olhos cinzentos como aço.

— E você não vai concordar que eu adote o menino? — pergun­tou, num tom mais suave.

— Não. É óbvio que não.

— Por quê? Isso não faz o menor sentido e...

— Não acho que seja o melhor para ele.

— Pare de rodeios, Alex Hammond! Vamos, diga logo... você não acredita que uma “jovem atriz sem moral que só quer se diver­tir” possa ser uma mãe adequada para ele, não é?

Alex deu um suspiro pesado.

— Gostaria de nunca ter dito isso. Imagino que essa frase será atirada no meu rosto periodicamente durante todo o tempo em que estivermos juntos.

— Pode ficar tranqüilo, isso não vai demorar muito! Voltarei a Los Angeles assim que for possível.

— Sem Courtney.

Com ele.

— Sinto muito, mas aí você se engana, porque jamais vou dar meu consentimento e... Olhe, ainda é cedo para discutirmos o fu­turo do menino, que tal adiarmos esse assunto?

— Com você, tenho a sensação de que nunca é cedo demais para iniciar uma discussão!

Para surpresa de Mildred, as feições austeras de Alex se abriram num sorriso, fazendo-o parecer jovem e incrivelmente mais bonito. As rugas de preocupação que normalmente haviam no rosto dele da­vam a impressão de que aquele homem nunca ria e ela se perguntou qual seria o motivo de tanta seriedade. Um amor perdido, talvez? Geralmente isso levava um homem inteligente como Alex Hammond a se retrair dentro de si mesmo e a não aceitar jamais uma rejeição. Fosse o que fosse, esse repentino bom humor era totalmente inespe­rado, impedindo-a de ocultar um ar de espanto que não passou des­percebido a Alex.

— Você é a única pessoa que discute comigo — explicou ele.

— Verdade? — espantou-se Mildred, retribuindo o sorriso.

— Verdade. É comum ninguém questionar minhas opiniões.

— Ah, não diga! Então devo lhe parecer um bocado irritante.

— Irritante? Não... Para ser franco, acho-a bastante estimulante.

E esta agora! Por que diabos ela estava corando como uma adoles­cente só em ouvir que Alex Hammond a achava estimulante? Talvez porque ele representasse um desafio, um dos poucos homens que não se mostravam deslumbrados em sua presença, nem se curvavam aos seus mínimos caprichos.

Porém, não estava ali para descobrir que Alex podia ser um desa­fio, mas pegar Courtney e voltar para casa. E era isso que ia fazer!

Mildred precisou reunir toda sua autoconfiança para entrar na casa dos Hammond alguns minutos depois. Não sentia nenhuma vontade de rever Rita Hammond. Já não simpatizara com ela no dia do casa­mento e a sensação fora mútua. Agora, as coisas podiam ser ainda piores, especialmente se a mulher estivesse acreditando que Mary-Beth Barker fosse parte da sua natureza!

Rita Hammond já não mostrava nenhum sinal dos sedativos que lhe tinham sido aplicados no dia anterior. A mulher era quase tão alta como o filho, usava os cabelos grisalhos perfeitamente penteados e uma maquilagem cuidadosa, adequada para os seus sessenta anos. Seu gosto sofisticado se refletia no traje que realçava a figura elegante e bem conservada.

Fitou Mildred sem demonstrar qualquer surpresa com sua presença mas não fazendo menção de lhe dar as boas-vindas.

— Srta. McKay —cumprimentou a mulher, com um ar de supe­rioridade.

— Sra. Hammond — respondeu Mildred, devolvendo-lhe a mesma frieza.

— Seus pais estão bem?

Mildred arregalou os olhos. O que havia de errado com essa fa­mília? O filho e a nora dessa mulher acabavam de morrer tragicamente num acidente e ela estava fazendo perguntas impessoais, como se am­bas estivessem se encontrando num chá de caridade. Isso justificava-o fato de se mostrar tão formal e distante. Afinal, essas pessoas mal sabiam o significado da palavra amor.

— Por favor, posso ir para o meu quarto? — perguntou, com di­ficuldade. Estou me sentindo... cansada depois da viagem.

No mesmo instante Rita Hammond tocou a campainha chamando por Symonds e instruindo-o para levar a srta. McKay ao quarto “li­mão”.

— Conversaremos depois — disse Alex, baixinho, enquanto Mil­dred passava por ele, seguindo o mordomo pelas escadas.

Ela se virou sorrindo para ele, convencida de que Alex era a única chance de estabilidade nessa realidade subitamente instável.

— Você está muito cansado. Por que não vai repousar um pouco também?

Os olhos dele se arregalaram... e depois se estreitaram, como se Alex desconfiasse da sinceridade de sua preocupação por ele.

— Ainda não — respondeu, abrupto. — Tenho muitas coisas a fazer.

— Mas não demore muito. Você parece exausto — insistiu Mildred.

— Talvez — ele falou de um modo distante, antes de concluir: — Agora, acompanhe Symonds.

Mildred se sentiu dispensada como uma criada e lamentou ter sido gentil a ponto de demonstrar preocupação com o bem-estar de Alex Hãmmond. O homem, evidentemente, não precisava da compaixão de ninguém.

Mildred não disse uma única palavra durante todo o trajeto até o hospital onde foram buscar Courtney. Sentia-se tão nervosa que as palmas das suas mãos estavam geladas e molhadas de suor. Era ridí­culo experimentar essa sensação apenas porque ia ver um bebê, mas não podia evitá-la. Afinal, não tinha experiência com crianças, prin­cipalmente com as prematuras como seu sobrinho. Não saberia sequer como segurá-lo... o que, aliás, Rita Hammond fizera questão de apontar.

Não havia dúvidas de que Alex conversara com a mãe antes de Mildred juntar-se a eles para o jantar na noite anterior. Rita Ham­mond, de modo pedante, deixara claro todos os motivos que a levaram a acreditar que ela não tinha capacidade para cuidar de um bebê. Ao ser contestada, calmamente passara a recorrer a insultos. Nem mes­mo as palavras secas do filho a impediram. Só se calou quando Alex sugeriu que ela se retirasse para o quarto. Ele acompanhou a mãe e voltou à sala somente depois de ela ter adormecido a força de cal­mantes.

Mildred dormira bem, vencida pelo cansaço, mas acordara cedo, por causa da diferença de fuso horário. Apesar disso, descobrira que Alex já tomara o café da manhã e estava trabalhando no estúdio. Fi­cara ansiosa, andando de um lado para outro, até chegar a hora de irem ao hospital.

E agora já estavam quase lá. Finalmente ia ver o filho de Glenna!

Ele era lindo! Não tinha outras palavras para descrever aquela coisinha embrulhada num cobertor branco. As lágrimas encheram seus olhos enquanto a enfermeira vinha empurrando o bercinho na direção deles.

— Que encanto! — exclamou baixinho, cheia de admiração. Virou-se para Alex, sorrindo. A expressão dele, costumeiramente dura, se suavizou, enquanto sugeria:

— Por que não põe as roupas nele enquanto vou falar com o mé­dico?

Mildred engoliu em seco. Sempre se achara muito valente, mas esse bebê, tão pequenino, a apavorava.

— Está bem. Vou tentar.

Umedeceu os lábios, nervosa, e abriu a caixa com as roupinhas que havia trazido, parte de uma compra grande que fora entregue na casa dos Hammond logo pela manhã.

A enfermeira levou-a para um anexo ao berçário e ajudou-a a vestir o menino todo de azul. Ele a fazia lembrar tanto de Glenna que Mil­dred sentiu as lágrimas marejarem seus olhos.

— Vá... chore — encorajou-a a enfermeira, com gentileza. — É sempre assim quando uma mãe leva um prematuro para casa.

Mildred olhou para a moça, surpresa.

— Oh, mas...

A enfermeira passou a ponta do dedo pelo queixinho de Courtney.

— Ele é tão parecido com a senhora! E acho que já tem o queixo do seu marido. Vai ser um menininho muito vivo!

Mildred sorriu diante do engano da moça que estava achando que eles eram os pais da criança. Como Alex iria ficar bravo se soubesse! No entanto, sem querer, a enfermeira explicou o motivo do engano.

— Cheguei de férias hoje. Perdi a chegada de Courtney a este mun­do, mas ele está ótimo. Ninguém diria que é um prematuro. Já tem até um cachinho! E é loiro, como a senhora.

Ela deu uma risada, sentindo-se imensamente feliz por estar pre­sente ao início da vida de Courtney e não vendo razão para contestar a impressão da mocinha de que era a mãe dele. Não gostaria de ou­vir as palavras de pena e simpatia que uma explicação dessas iria causar.

Nesse instante, a moça foi para a porta, sorrindo timidamente, e avisou:

— Seu marido está aí.

Mildred virou-se para Alex, segurando o nenê no colo, apreensiva ao imaginar qual seria a reação àquelas palavras. Com a opinião que tinha sobre sua moral, iria contestar ardorosamente qualquer relacio­namento com ela. Mas, para seu espanto, ele sorriu ternamente e per­guntou, muito emocionado:

— Pronta, querida?

Assentiu com a cabeça, surpresa demais para responder com pala­vras, e seguiu-o pelo corredor.

— Boa sorte! — gritou a enfermeira da porta, com um largo gesto de adeus.

Alex despediu-se com um aceno de cabeça. Quando estavam pas­sando pela sala dos médicos, Mildred viu a enfermeira-chefe parada na porta, sorrindo para eles.

— Muito obrigado.. por tudo — murmurou Alex para a mulher. Ao chegarem no estacionamento, Mildred deixou-o ajudá-la a se acomodar no banco de trás do Mercedes, ainda com Courtney firme­mente nos braços. Olhou encantada para a criança adormecida e le­vantou o rosto para Alex, dizendo:

— Por quê...

Ele a interrompeu em voz baixa, fechando a porta suavemente para não despertar o bebê.

— Espere até estarmos longe daqui.

Mildred nunca experimentara nada parecido com aquele amor maternal que fluía dela para Courtney. Era uma sensação emocionante saber que aquela criaturinha era totalmente dependente dela e... de Alex. Sim, ele deixara bem claro que pretendia ter uma participação muito forte na vida do menino e já o conhecia o suficiente para saber que iria manter a palavra.

Alex falou subitamente, interrompendo-lhe os pensamentos.

— Até agora a imprensa não sabe da existência de Courtney e pretendo que a situação continue como está pelo maior tempo possí­vel. Foi essa a causa da mentira no hospital.

— Mentira?

— Courtney foi registrado como nosso filho. — Mildred segurou a respiração, por um instante.

— Nosso?

— Sim.

— Mas é preciso ter muito coragem...

— Psiu, pode acordar o bebê. E tenho certeza de que você não vai saber o que fazer se ele começar a berrar.

Alex olhou-a com um ar malicioso pelo espelho retrovisor e acres­centou, zombeteiro:

— E então, não vai me dar o troco?

Mildred encolheu os ombros e depois deu um sorrisinho de satis­fação.

— Não. Você também não saberia o que fazer.

— Errado.

Ela arregalou os olhos.

— Errado?

— Sim, senhora. Tenho todas as instruções por escrito. Com os cumprimentos da enfermeira-chefe, inclusive.

— Ah, isso é jogo sujo... Assim não vale!

— É simples bom senso — corrigiu Alex. — Já estou até com a mamadeira pronta para o caso de ele sentir fome.

Mildred sorriu, sentindo-se feliz demais para experimentar qualquer sensação de irritação em relação a Alex. Estar com Courtney nos braços era como estar segurando um pequenino pedaço de Glenna.

A irmã teria adorado o menino. Estava encantada com a gravidez e sempre gostara muito de crianças. Mildred, porém, não conseguia uma explicação plausível para o fato de ela tê-la designado como tutora ao lado de Alex.

— Droga, droga! — resmungou ele, assim que entraram na grande alameda que levava até a casa.

Mildred inclinou-se para a frente, preocupada.

— O que foi?

— Espero que já esteja disposta a enfrentar a imprensa de novo. Por que diabos minha mãe não chamou a polícia para pô-los para fora?

Alex continuou resmungando, enquanto parava o carro, que foi imediatamente cercado por repórteres carregando câmeras, microfo­nes e gravadores.

— Agora não poderemos manter a existência de Courtney em se­gredo resmungou.

Depois virou-se para Mildred com um ar irritado e avisou-a:

— Fique perto de mim, Mildred, e não diga uma só palavra!

O que Alex pensava que ela era para tratá-la como uma retardada e não como uma mulher de vinte e seis anos?!

— E acalme-se — acrescentou ele, quando lhe percebeu a raiva. — Você não vai querer que eles pensem que me odeia, não é?

 

Ato contínuo, saltou do carro, deu a volta e veio abrir a porta do lado dela, ignorando as perguntas que lhe eram feitas.

— Esse aí é o seu sobrinho, sr. Hammond?

O empurra-empurra ficou mais intenso quando Mildred desceu do carro com Courtney nos braços.

— É o filho de Glenna McKay e seu irmão Mark? — insistiram, enquanto Alex a conduzia rapidamente para a casa.

— Essa é Mildred McKay, senhor? — perguntou um outro, ten­tando usar a polidez para atingir seus intentos.

— Claro que é. Você não a viu na novela?

— Há boatos de que o senhor e a srta. McKay foram apontados como tutores do bebê. Tem algum comentário a fazer?

Mais uma vez Alex ignorou a pergunta, embora Mildred pudesse ver seus lábios apertados de raiva pelo fato de a informação ter se tornado pública.

— Por acaso isso significa, na melhor tradição dos romances, que vocês dois vão se casar? — perguntou um outro repórter.

Mildred sabia que tinha ficado pálida como cera, e pôde sentir Alex se enrijecer ao seu lado. Ela e Alex casarem-se? Nunca!

 

O braço de Mildred estava dolorido quando Alex largou-a, fechan­do a porta na cara do repórter.

Mildred nunca ficara tão chocada em toda sua vida. De onde essas pessoas tiravam idéias disparatadas como aquela? Alex e ela mal se conheciam e ainda por cima não se davam nada bem. Nunca poderiam pensar em se casar, nem mesmo pelo bem de Courtney.

Alex, com o rosto transfigurado pela raiva, virou-se para a mãe, que vinha saindo da sala de visitas, e perguntou asperamente, atiran­do as chaves do carro sobre uma mesinha:

— Por que não chamou a polícia? — Rita fez um ar intrigado.

— Oh, você está se referindo à imprensa... — disse, com indi­ferença.

— Claro que estou falando da...

Foi interrompido pela mãe que começou a gritar, histericamente:

— Alex, você não tinha o direito de levar essa mulher para ir bus­car o meu neto!

— Foi você quem avisou a imprensa, mãe?

— Não, claro que não!

A mulher deu dois passos decididos, ficando de frente para Mil­dred, com os braços estendidos, e disse:

— Dê-me o bebê.

 

Ela apertou mais a criança contra o corpo, assustada pelo brilho ameaçador que havia nos olhos de Rita. Sabia que a sra. Hammond controlava demais as emoções e agora parecia à beira de um colapso nervoso.

Lançou um olhar de súplica em direção a Alex e ficou aliviada quando ele avançou para assumir o controle da situação.

— Está na hora do seu remédio, mamãe...

— Não quero tomar aquelas drogas que me deixam com sono. Se eu não estivesse dormindo esta manhã, teria ido com você para buscar Courtney. Ela não tem direitos em relação ao meu neto!

— Mamãe...

— Essa mulher é uma leviana, Alex, igualzinha à irmã. Não vou permitir que participe da vida do bebê! Você devia saber que nenhum membro da família dela é capaz de criar uma criança com decência!

— Sra. Hammond... — começou Mildred, muito pálida.

A mulher avançou para Courtney e Mildred deu um passo para trás. De modo algum iria dar a criança a essa bruxa histérica!

— Dê-me o bebê!

— Mamãe...

— Dê-me o bebê! — repetiu Rita, puxando os braços de Mildred. A criança acordou e no mesmo instante começou a chorar. Então, ela se virou para o filho com um ar de triunfo.

— Courtney também não gosta dela! Alex, proíbo que essa mu­lher chegue perto do meu neto!

— Vamos para o quarto, mamãe.

Alex pegou-a pelo braço com firmeza e praticamente a arrastou para fora da sala, sem olhar para o rosto pálido e chocado de Mil­dred.

Como Rita Hammond se atrevera a chamar Glenna de leviana? O que a fizera usar um termo como esse? A mulher podia estar à beira de um colapso, mas o insulto à irmã morta era imperdoável!

— Posso pegar o bebê para alimentá-lo, srta. McKay?

Ela se virou ao ouvir essas palavras, ditas num tom tranqüilo e quase caiu de costas ao se deparar com uma enfermeira de meia-ida­de que estendia os braços em sua direção, explicando:

— Acho que o nenê está com fome, srta. McKay.

A raiva entrou em combate com a praticidade, que acabou levando a melhor. Courtney precisava ser alimentado e Alex não tivera opor­tunidade de lhe explicar o que fazer. Assim, Mildred não teve escolha senão entregar o bebê para a mulher, que sorriu amigavelmente.

— O sr. Hammond a contratou? — perguntou, tentando aparentar naturalidade.

— Sim. Já preparei o quarto do bebê em sua ausência. Se me der licença...

Mildred assentiu rapidamente, assustada com o choro da criança. Porém, a decisão de Alex de contratar uma enfermeira sem consul­tá-la era imperdoável.

Depois de dez minutos, Alex ainda não voltara, e ela resolveu subir para o quarto, a fim de tomar um banho e trocar de roupa para o almoço. Depois, pretendia conversar seriamente com ele. Glenna po­dia ter sido malvista nessa família, como Rita Hammond fizera ques­tão de insinuar, mas Mildred McKay não dependia da velha aristocrata para nada e nunca permitiria que a outra a espezinhasse.

Almoçou sozinha e descobriu, através de Symonds, que Alex con­tatara a polícia, solicitando a expulsão dos repórteres, antes de encer­rar-se no escritório, de onde ainda não saíra.

Decidida, deu duas batidas de leve na porta do estúdio, ouvindo a voz grave de Alex que a mandava entrar. Sem vacilar girou a ma­çaneta e caminhou até a escrivaninha dele, recusando o convite para sentar-se, de uma maneira agressiva. Não aceitaria ficar em desvan­tagem, acomodando-se do outro lado da mesa, como se fosse uma escolar explicando-se com o diretor!

— Você contratou uma governanta...

— Enfermeira — corrigiu Alex, calmamente. — Courtney está com ela agora?

— Sim. Tomou a mamadeira e está dormindo no bercinho. Fui ve­rificar antes do almoço.

— Informaram-me que a sra. Ford é extremamente competente.

— Eu lhe avisei que não queria uma governanta...

— A sra. Ford é uma enfermeira — repetiu Alex, encostando-se na poltrona como que se preparando para a batalha.

— Governanta, enfermeira, é tudo a mesma coisa!

— Courtney é um bebê prematuro, nascido em circunstâncias mui­to incomuns. Os médicos só concordaram que eu o trouxesse para casa quando me comprometi a contratar uma enfermeira qualificada para acompanhar seu progresso durante as primeiras semanas.

Mildred estava com o rosto vermelho de raiva.

— Você podia ter me avisado, droga! Não me disse uma palavra nem na ida nem na volta do hospital.

— Eu tinha mais coisas com que me preocupar.

— Com sua mãe histérica, por exemplo?

— Por favor, vamos deixar mamãe fora disso.

— Ah, não! Ela me insultou, e eu exijo explicações.

Alex levantou-se de um salto e fitou-a com uma expressão de raiva.

— Por que você insiste em coisas que deveriam ficar esquecidas por enquanto?

— E por que você deseja evitá-las?

A voz de Mildred soou agressiva, tão tensa quanto a de Alex. Sua raiva não se devia apenas às palavras de Rita mas também à segu­rança com a qual o repórter levantara a hipótese de um casamento entre ela e Alex.

— Você tem fugido de falar sobre o futuro de Courtney e agora quer me ocultar o motivo pelo qual sua mãe odeia tanto a Glenna — acusou Mildred.

— Não lhe ocorreu ainda que estou tão afetado pela nossa perda como você e minha mãe parecem estar? Já parou para pensar que minha dor pode ser tão grande como a sua? Posso não demonstrar minhas emoções com tanta facilidade como você, mas isso não sig­nifica que eu não as tenha. Mark era meu irmão mais moço e Glenna já estava na nossa família há dois anos. Talvez eu só não tenha de­monstrado meus sentimentos até agora, porque você e minha mãe an­dam exibindo histeria suficiente para todos nós!

Mildred abaixou o olhar, num gesto de arrependimento.

— Desculpe-me — disse, com dificuldade. — Nós... adiaremos a discussão.

— Adiaremos? Então, você pretende voltar a isso depois?

— Sua mãe insultou Glenna...

— Você ainda não percebeu que ela está à beira de um colapso?

— É nessas ocasiões que as pessoas se atrevem a revelar o que realmente sentem.

— Minha mãe sempre diz o que pensa, independente das circuns­tâncias.

— Como você! — provocou Mildred, com desdém.

— E como você também! — replicou ele.

Um sorriso espontâneo suavizou as feições de Mildred que gracejou:

— Somos um bando de gente muito sincera, não?

Alex deu um suspiro aliviado, retribuindo o sorriso e concordando:

— Eu diria que sim. Agora, se importa se eu voltar ao meu tra­balho? Infelizmente, as Indústrias Hammond não pararam por luto e eu preciso administrá-las.

Nos três dias que se seguiram, Alex permaneceu absorto no traba­lho, mal aparecendo na mansão. Felizmente, Mildred não precisou enfrentar Rita Hammond porque Alex a persuadiu a se hospedar na casa da filha por algum tempo. Mildred dedicou-se inteiramente aos cuidados de Courtney e logo dominou as técnicas de trocá-lo, lavá-lo e alimentá-lo. Acreditava mesmo que o bebê a reconhecia, pois mui­tas vezes só parava de chorar quando ela o pegava no colo.

Na terceira noite, Mildred parou na porta do quarto do menino, surpresa, ao ver, pela primeira vez, Alex sentado na cadeira de ba­lanço, dando a mamadeira para Courtney.

Pressentindo sua presença, ele olhou para cima, sorrindo diante de sua expressão de espanto. Refazendo-se do susto, ela entrou no quarto, comentando:

— Você está indo muito bem.

— Pensei que estava... até ele vomitar em mim depois de alguns goles!

Mildred abafou uma risada.

— Já passei por isso. Agora sempre ponho uma fralda no meu ombro.

— Boa idéia. É o que farei daqui em diante.

Depositou a mamadeira vazia em cima da mesinha e levantou o bebê para que ele regurgitasse.

Mildred aproximou-se com um babador e limpou a boca da criança, informando:

— Ele está quase dormindo.

Alex levantou-se cuidadosamente e colocou-o no berço, avisando:

— Mandei a sra. Ford ir jantar e vim ver o que estaria causando esse brilho interior em você.

— Bem, não é por causa das travessuras de Courtney — brincou Mildred, para esconder o embaraço.

Não imaginava que tivesse sofrido qualquer mudança e muito me­nos que Alex a observasse.

Ele afastou do corpo o tecido molhado da camisa e disse:

— Nossa, estou cheirando a leite!

— É melhor você colocá-la para lavar e aproveitar para tomar um bom chuveiro.

— E eu que sempre pensei que bebês cheirassem a talco!

— Pobre Alex!

— Eu a privei do seu prazer de todas as noites, não é? A sra. Ford me disse que você é quem tem cuidado de Courtney a maior parte do tempo.

Ela se limitou a assentir mudamente, enquanto caminhava em di­reção à porta, seguida por Alex. Assim que se viram no corredor, ele disse de um modo suave:

— Os funerais serão amanhã de tarde, Mildred.

Ela ficou pálida ao ouvir a informação. Sabia que os corpos iam ser liberados a qualquer momento, mas Alex não a avisara de nada.

— Já falei com seus pais — continuou ele, impassível e distante. — O sr. McKay ainda não está em condições de viajar e sua mãe não ficaria suficientemente tranqüila para deixá-lo sozinho.

— Claro que não! — respondeu Mildred, irritada.

Tinha telefonado para os Estados Unidos várias vezes desde que chegara para se manter informada do estado de saúde do pai e aquilo não era novidade. O breve instante de intimidade que houvera quan­do os dois estavam no quarto de Courtney desapareceu como por en­canto, sendo substituído por uma onda de revolta.

— Você devia ter me encarregado de avisá-los — reclamou, ma­goada.

— Não era necessário...

— Eles são meus pais, droga!

— Por que você sempre começa a dizer “droga” quando perde a paciência?

— E por que você sempre me faz perder a paciência?

— Não faço a mínima idéia.

— Pois eu sei! Você é o sujeito mais prepotente, arrogante e man­dão que tive a infelicidade de conhecer. Não tinha o direito de falar com os meus pais sobre o enterro... era eu quem devia fazer isso!

— Não quis causar-lhe mais sofrimento...

— Ora, é melhor você reconhecer que estava ocupado demais or­ganizando tudo para pensar nos sentimentos de outras pessoas! Olhe, tenho cuidado da minha vida desde que saí de casa para a universi­dade e não estou acostumada a ser mandada. Agora você aparece com essa mania de ditador, esperando que todos pulem a uma ordem sua. Bem, eu não pulo, sr. Hammond e, para falar francamente, nun­ca vou pular!

Alex ouviu-a em silêncio, chocado por ver sua autoridade questio­nada por alguém que sequer era bem-vindo à sua casa.

— Pretendo voltar para os Estados Unidos depois... depois dos funerais continuou Mildred, num tom mais frio. — Ficarei lá al­gumas semanas antes de voltar para lutar pela custódia de Courtney.

— Não vou deixá-la ficar com a criança.

— Porque acha que não tenho moral para isso? Pois saiba que não vai encontrar nada que me desmereça, mesmo que procure no mais fundo do meu passado. Estive ocupada demais com minha car­reira para querer complicar minha vida com envolvimentos emocio­nais, especialmente depois de ter o casamento de Glenna como exem­plo! Ela amava seu irmão e ainda assim foi muito infeliz. Não quero o mesmo para mim!

— Glenna mencionou um certo Sam... — insinuou Alex, fitando-a no fundo dos olhos.

— Tudo indica que você passava um bom tempo conversando com minha irmã.

— Sim. Ela era uma mulher muito inteligente e Mark nem sempre a compreendia. Naturalmente Glenna me contou sobre seus pais, vo­cê... e Sam.

— Tenho saído com Sam há vários meses mas sem qualquer in­tenção de me casar com ele.

— E ele sabe disso?

— Não é da sua conta, sr. Hammond.

— Não, claro que não — concordou Alex, com um suspiro. — Volte para os Estados Unidos e demore o tempo que quiser. Mas não tenha a ilusão de tirar Courtney de mim. Ele é um Hammond e aqui é o seu lugar.

— Veremos!

— Sem dúvida.

Alex afastou-se com um ar confiante e entrou no quarto para trocar de camisa.

Parecia muito seguro de si e era isso que mais a preocupava. Sabia que a lei para adoção possuía muitos aspectos preconceituosos e talvez a natureza de seu trabalho, o fato de morar sozinha e de o bebê ser cidadão britânico... Porém, desistir sem lutar não fazia parte de sua natureza!

Mildred nunca tivera necessidade de ir a um funeral antes, e aque­les dois caixões depositados na frente do altar faziam com que a si­tuação lhe parecesse ainda mais terrível.

 

Embora estivesse ao seu lado, Alex passara o tempo todo ampa­rando a mãe, que parecia a ponto de desmaiar. Mildred viera com eles, enquanto Charles e Janet tinham vindo num outro carro, dei­xando as duas meninas em casa com as empregadas.

Ela estava odiando a cerimônia naquela igreja fria, odiando os olha­res de curiosidade que recebia da família de Mark, odiando estar ali sem chorar, quando era sua irmã que jazia num dos caixões.

Recusou-se o tempo todo a acreditar que alguma parte de Glenna, aquela mulher linda e risonha, estivesse ali, naquela cerimônia des­provida de emoções verdadeiras. Nenhum dos presentes a havia ama­do, ninguém tentara compreendê-la... E ela, Mildred, não lhes daria a satisfação de chorar, demonstrando o quanto sentia a falta de Glen­na.

Quando voltaram à casa, Rita Hammond recuperou a compostura e agiu como uma anfitriã perfeita para receber a família que chegava do cemitério.

Para Mildred, isso foi mais uma incógnita. Como alguém que afir­mava estar desolado com a morte de duas pessoas jovens e belas se servia de licores e salgadinhos, como se estivesse em uma recepção?

Aquele quadro a enojava e despertava-lhe a vontade de fugir dali. Porém seu orgulho e amor por Glenna a fizeram ficar. A irmã nunca se acomodara diante de nada e ela não podia agir diferente.

— Ela conseguiu o que queria — disse uma voz de mulher às suas costas.

Mildred virou-se e deu de cara com Janet Fairchild. A irmã de Alex parecia tão fria e calculista como a mãe, além de ter os mesmos olhos frios e a mesma pose altiva da outra.

— Como? — perguntou, cautelosa, sabendo que qualquer comen­tário mais brusco seria motivo para uma discussão.

— Glenna sempre quis afastar Mark da família. Conseguiu o que desejava... embora não do modo como esperava.

Mildred quase perdeu a respiração.

— Que coisa mais lamentável para se dizer!

Janet ergueu as sobrancelhas perfeitas e bateu a cinza do cigarro num gesto de descaso. O negro do vestido tornava sua aparência ain­da mais arrogante e teatral.

— Acha mesmo? — perguntou, com desdém. — Pode ser. Mas é a verdade, não?

— Sei que Glenna foi infeliz aqui, mas...

— Você sabia disso?

— Minha irmã nunca fez segredo de que estava... desgostosa com a vida aqui.

— Ela pretendia retomar a carreira. Mark nunca deveria ter se ca­sado com uma atriz. Mulheres desse tipo só se interessam pelo di­nheiro. Depois de agarrarem um marido rico...

Mildred ficou boquiaberta. Janet era muito mais parecida com a mãe do que imaginara. Ambas encontravam prazer em insultar a morta.

— Será que preciso lembrá-la de que Glenna é minha irmã?

— Ora, isso é completamente desnecessário, pois você é muito parecida com ela.

— Ela também achava você maldosa e inconveniente! — rebateu Mildred, friamente.

— Glenna tinha o bom senso de não se mostrar tão abertamente hostil.

— E eu não tenho? Lamento, sra. Fairchild, mas imaginei que esta fosse a hora da verdade.

— E não se enganou. Não gosto mais de você do que de Glenna. Asseguro-lhe que nunca mais cometeremos o erro de deixar outro McKay entrar para nossa família!

— Courtney é meio McKay...

— Estou falando de você, Mildred. — Janet a olhou de alto a baixo acrescentando. — Só quis deixá-la avisada para o caso de estar acreditando no que os jornais têm publicado.

— Que eu poderei me casar com Alex?

— Exatamente.

— E acredita que ele lhe daria satisfações sobre quem escolhesse para se casar?

— Mas é óbvio. A propósito, posso lhe garantir desde agora que ele não pretende se casar com ninguém.

— Então você não tem razão para se preocupar.

— Sim, mas você pode tentar forçar a situação. Alex fará tudo pelo bem de Courtney.

Mildred já estava se cansando daquela conversa com uma mulher tão vingativa e decidiu dar o assunto por encerrado.

— Será que se esqueceu de que acabamos de voltar de um enterro, sra. Fairchild? Este não é o lugar apropriado para as coisas que está dizendo!

— Não posso pensar num melhor. — Janet deu um suspiro irrita­do. Glenna, outra vez, nos trouxe problemas. Sabia muito bem a confusão que essa tutela conjunta iria causar.

— Duvido que ela estivesse em condições de pensar em vingança quando manifestou seu último desejo.

— Não seria de se admirar. Sua irmã só nos trouxe desgostos des­de que entrou para a família!

— Sem dúvida, ela não estava à altura dos seus padrões, não é?

— Não! E nunca conseguiria nem mesmo se aproximar deles. Se não tivesse ficado convenientemente grávida, o casamento não teria durado tanto.

— Convenientemente? — repetiu Mildred, com aspereza. — Você está insinuando que Glenna ficou grávida de propósito?

— Claro! Precisava de um herdeiro para continuar como esposa de um homem rico. Só que eu sei, com toda a certeza, que Mark não queria filhos tão já.

— Acidentes acontecem. Já pensou nisso?

— Não a pessoas como Mark...

Mildred empalideceu e começou a tremer dos pés à cabeça.

— Você está dizendo... está insinuando...

— Que alguém mais esteve envolvido na concepção de Courtney? Que foi outro, e não Mark? Sim, estou afirmando que há uma grande possibilidade.

— Não acredito! Você está falando essas coisas por pura maldade. Glenna nunca teria um caso com outro homem. Ela amava Mark! Amava profundamente!

— E também sabia que seu casamento estava fracassando. Não seria a primeira mulher a ter um filho para manter o marido... mes­mo que fosse um filho de outro homem!

— É mentira — repetiu Mildred, com a máxima frieza. — Glenna jamais faria uma coisa dessas.

— Pois eu acho que sim.

Mildred respirava com dificuldade. Sentia-se tão furiosa que preci­sou se conter para não bater na mulher. Talvez, sua personagem, Mary-Beth, saberia como lidar com uma situação daquelas, agindo com uma confiança que acabaria com a arrogância daquela víbora. Mas, infelizmente, não havia nem um pingo de Mary-Beth nela!

— Você está mesmo falando sério ao afirmar que Courtney pode não ser filho de Mark?

— Muito sério. Mas minha mãe acredita que ele é neto dela e isso é tudo o que importa.

— Um exame de sangue...

— Poderia provar o que eu digo... — intérrompeu-a Janet, com impaciência. — Entretanto, nenhuma de nós gostaria de ver nossas famílias envolvidas num escândalo, não é?

Diante desse argumento, Mildred empalideceu, sem saber o que contestar. Mesmo que Glenna tivesse feito aquilo não permitiria que nada lhe maculasse a memória. Além do mais, seus pais nunca a per­doariam se envolvesse o nome da irmã em uma ação judicial que po­deria ser longa e constrangedora. Mas por que Mildred se dava ao trabalho de ouvir as intrigas daquela mulher, se tinha a plena certeza de que Glenna jamais se ligara a outro homem?

Percebendo-lhe a indecisão, Janet avisou-a, antes de ir se juntar, sorrindo, a um grupo de parentes:

— Volte para a América, Mildred! Você não é bem-vinda aqui.

Mildred virou a cabeça para o lado ao sentir que alguém a obser­vava e deu de encontro com o olhar de Alex, que estava do outro lado da sala, conversando com um senhor de idade. Virou o rosto nova­mente e encaminhou-se até a porta, com a intenção de sair dali, para ficar sozinha, pensando em tudo que Janet Fairchild acabara de in­sinuar.

Percebeu que Alex vinha em sua direção e deu um suspiro aliviado ao ver alguém chamá-lo, fazendo-o parar.

 

No quarto, a sra. Ford estava com Courtney no colo, que chora­mingava, irritado.

— Acho que ele comeu demais — disse a velha, quando Mildred entrou.

— É bem provável! — concordou ela, sorrindo. — Por que você não desce para tomar uma xícara de chá? Eu ficarei com ele.

— Bem, se a senhorita não se importa...

— Claro que não me importo. É um prazer.

Depois das palavras venenosas de Janet, apenas a companhia do bebê poderia lhe proporcionar algum conforto.

Pegou-o carinhosamente nos braços e logo depois a criança se acal­mava, parando de chorar. Courtney engordara muito naquela semana e estava cada vez mais lindo.

A enfermeira sorriu encantada pelo lindo quadro que Mildred fa­zia segurando o bebê no colo, e comentou:

— Ele sabe que a senhorita o ama muito. — Ela sorriu, agradecida. — Não vou me demorar — acrescentou a enfermeira, caminhando para a saída.

— Pode ficar o quanto quiser. Descanse um pouco.

Quando a mulher saiu, Mildred surpreendeu-se procurando qual­quer semelhança com Mark naquele rostinho sonolento. Os cabelos loiros eram os de Glenna e aquele queixinho firme, a que a enfermeira no hospital se referira, podia ser o do seu pai. Não, não havia nada nele que revelasse que Courtney era um Hammond.

— Logo imaginei que a encontraria aqui.

Levantou a cabeça ao ouvir a voz áspera e familiar. Alex, encos­tado no batente da porta, observava-a atentamente. Ela se perguntou há quanto tempo aquele homem estaria ali, pois não lhe percebera a presença até que ele falasse.

Nesse instante, uma dúvida atravessou-lhe o cérebro, fazendo-a corar: será que Alex também acreditava que Glenna tivera um caso e que Courtney não era seu sobrinho?

— Eu não podia suportar mais aquele circo — disse, na defensiva.

— O que desejava? Que ninguém aparecesse para nos dar os pê­sames?

— Aquilo mais parece uma festa!

— Não vi ninguém rindo ou cantando. Pode pôr Courtney no ber­ço que já faz tempo que ele adormeceu.

Mildred olhou para o menino, levantou-se, e foi colocá-lo na cama. Depois cruzou as mãos, sem saber o que fazer com elas agora que estavam vazias. Olhou para Alex, constrangida. As palavras de Janet ainda lhe martelavam o cérebro.

— Por que sempre temos que nos encontrar no quatro do bebê? perguntou ele, baixinho.

— Eu... — Mildred umedeceu os lábios. — Acho que é porque passo a maior parte do tempo aqui.

— Eu não quis censurá-la — esclareceu Alex, suavemente. — Apenas constatei um fato.

— O fato, sr. Hammond, é que esse funeral não está sendo mais do que uma desculpa para sua mãe exibir os dotes de anfitriã. — Mil­dred deu vazão a todo o seu ressentimento. — E mais uma chance de me ver insultada por sua irmã.

Ele franziu a testa, parecendo surpreso.

— Janet?

— Você tem alguma outra? — perguntou, com desdém.

— O que ela disse?

— Parte das opiniões dela são bem parecidas com as que você re­velou em Los Angeles.

— Pensei que já tivéssemos concordado em esquecer isso. Eu lhe disse o quanto lamento aquela observação.

— Você concordou — disse Mildred, com agressividade. — Eu não disse nada.

— Mildred, estou tentando compreender que você está nervosa devido à dor e ao sofrimento dos últimos dias, mas não vá longe de­mais.

— Longe demais? — repetiu, furiosa. — E essa agora! Escuto todo o tipo de insulto da sua família e você vem me dizer para eu não ir longe demais? É bom ficar sabendo o que...

Ela perdeu a respiração enquanto era puxada com força contra o corpo dele. Seus olhos se arregalaram de susto diante da expressão sensual que havia no rosto duro de Alex.

— Oh, Deus, Mildred, como você é linda! — Ele abaixou a ca­beça e seus lábios pousaram sobre os dela.

Era a última coisa que poderia esperar desse homem e sua boca se abriu para soltar uma exclamação de surpresa, o que permitiu a Alex aprofundar ainda mais o beijo.

Depois do primeiro instante de choque, ela estremeceu sob aquele contato, sentindo um prazer crescente à medida que ele continuava a carícia com um vagar embriagador. Amoldou seu corpo ao de Alex, abandonando-se ao toque daquelas mãos que se movimentavam in­quietas, desde seus seios até as coxas.

Aquele beijo poderia ter continuado para sempre, transformando-se em algo mais íntimo a julgar pelo modo como se entregavam a esse momento de paixão. Entretanto, o som de uma exclamação de surpresa vindo da porta fez com que se afastassem um do outro, para se depararem com Rita Hammond, que observava a cena com uma expressão de horror estampada no rosto.

 

Mildred foi a primeira a se recuperar do susto, soltando-se dos braços de Alex que relutou em largá-la. Enfim, quando se separaram, ele olhou friamente para Rita, perguntando:

— Você deseja alguma coisa, mamãe?

Mildred, completamente desconcertada, quedou-se admirada diante da calma controlada dele. O beijo de Alex fora totalmente inesperado e sua reação, surpreendente. De fato, jamais se abandonara daquele modo às carícias de alguém antes. A interrupção não poderia ser me­nos bem-vinda. Mildred sentia que não teria forças para resistir à onda de sensualidade que experimentara nos braços daquele homem.

Nesse momento, a mulher empertigou-se toda e, assumindo uma postura altiva, anunciou:

— Vim lhe avisar que tio Simon está de saída. Não imaginei que fosse interromper... alguma coisa.

Alex ignorou-lhe a indignação, respondendo:

— Muito bem! Vamos descer já, mamãe?

— Alex, se me permite eu gostaria de conversar a sós com Mil­dred...

— Mais tarde, mamãe. Agora vamos às despedidas.

— Mas...

O protesto de Rita foi interrompido pela voz áspera de Alex que, virando-se para Mildred, avisou:

— Falarei com você depois, está bem?

— Eu... sim. Certo — assentiu ela, com dificuldade.

Alex conduziu a mãe para o andar inferior, segurando-a firmemen­te pelo braço. Mildred respirou aliviada ao perceber que eles real­mente se afastavam. A última coisa de que precisava no momento era um confronto com Rita Hammond.

Aquele homem sempre lhe parecera tão distante e remoto, que ain­da custava a acreditar que ele a beijara com tanta paixão. E o modo como correspondera a deixava ainda mais boquiaberta, pois sentia que algo muito novo lhe acontecera quando Alex a tocara, o que não a impedia de achar o quanto seria desproposital sentir-se sexual­mente atraída por ele. Como conseguiria lutar pela guarda de Courtney contra alguém que tinha o poder de afetá-la de maneira tão avas­saladora?

Assustada pela constatação de que era completamente vulnerável às carícias sensuais dele, Mildred resolveu descer, na tentativa de afastar essas idéias. Para sua felicidade, Janet e o resto da família já haviam se retirado.

Rita olhou-a com desgosto e ela disfarçou, sen­tindo-se quase culpada. Era ridículo. Fora Alex quem começara aque­le beijo... ela simplesmente correspondera. E corresponderia de novo se ele desejasse repetir a experiência.

Durante, o jantar, Rita vigiou-os atentamente, como se fossem dois adolescentes incapazes de controlar os próprios impulsos. Mildred teve vontade de rir mas conteve-se ao perceber que Alex estava fu­rioso com o comportamento da mãe.

— Quer vir ao meu escritório por alguns minutos? — perguntou ele, no final da refeição. — Preciso falar com você antes que parta.

— Acho que o que você tem para conversar com Mildred pode ser dito na minha frente, Alex — interveio a mulher, com uma ex­pressão desconfiada.

Ele puxou a cadeira para Mildred levantar-se, enquanto respondia, laconicamente:

— Não acho, mamãe.

— Por que não, meu filho?

— Se eu fosse responder sua pergunta, não precisaria conversar com Mildred sozinho — argumentou ele, com arrogância. — Com li­cença, mamãe.

— Mas, meu filho...

Alex lançou-lhe um olhar severo e conduziu Mildred para fora da sala, segurando-a firmemente pelo cotovelo.

Ela se impressionou com a atitude enérgica e objetiva dele em re­lação à mãe e não pôde conter uma pontinha de admiração por aquele homem elegantemente vestido com um terno escuro de corte impecá­vel e uma camisa alva que lhe realçava a pele bronzeada. Depois de estudá-lo disfarçadamente por alguns instantes, concluiu que era im­possível manter-se imune ao charme dele.

A lareira do estúdio estava acesa porque as noites de outono já começavam a esfriar. Mildred dirigiu-se para a poltrona que ficava próxima à escrivaninha, sem ter qualquer noção de como estava gra­ciosa e provocativa naquele vestido preto de seda que realçava seu corpo perfeito, prendendo-se num só ombro, no estilo grego.

— Venha sentar-se aqui — convidou Alex, numa voz rouca, apon­tando para o sofá na frente da lareira. — É mais confortável.

Ela arqueou levemente as sobrancelhas, com um ar de dúvida, mas aceitou a sugestão, acomodando-se ao lado dele. Estremeceu ao sen­tir que as coxas duras e musculosas tocariam as suas, obrigando-a a tomar consciência daquela figura viril e perturbadora. Tentando apa­rentar naturalidade, perguntou:

— Por acaso, vai me dizer algo tão assustador que precisarei estar confortável para ouvir?

— Espero que não — respondeu Alex secamente. — Quero con­versar sobre Courtney.

Mildred não retrucou de imediato, sentindo-se no fundo meio de­sapontada, pois esperava algo diferente. Disfarçando a decepção, ela disse:

— Tudo bem! Encontrou alguma solução para o problema?

— Sim, mas devo avisá-la de que minha solução é pouco ortodoxa.

— Courtney é pequeno demais para ir para o internato — gracejou Mildred.

Alex não sorriu da brincadeira. Pelo contrário, sua expressão ficou ainda mais severa.

— Não pretendo mandá-lo para um internato... nunca!

Ela arregalou os olhos, surpresa com a veemência das palavras dele.

— Pensei que todos vocês tivessem estudado em colégios internos. Pelo que entendi, é uma tradição da família Hammond.

— É justamente esse o motivo pelo qual nunca mandarei um filho meu para o internato.

— Courtney não é seu filho....

— Ainda não! — Alex interrompeu-a com suavidade. — Mas pretendo que seja e gostaria que você fosse a mãe dele. — O que está querendo dizer? Mildred fitou-o muito intrigada mas Alex apenas encolheu os ombros e desviou o olhar para o fogo. — Está claro que você gosta muito do bebê. Bem, acho que aqueles repórteres encontraram a solução para o nosso problema.. . Penso que devíamos nos casar. Mildred ficou estupefata. Casar com Alex Hammond? Isso não só era pouco convencional como lhe parecia ridículo! — Posso ver que você está surpresa com a idéia — disse ele, num leve tom de desdém. — Mas não vejo outra solução. Nós dois nos recusamos a desistir de Courtney e, a não ser que o condenemos a passar a vida sendo arrastado de um lado para o outro do Atlântico a cada seis meses, não vejo outra saída. .— Mas eu trabalho nos Estados Unidos. — Foi a primeira objeção que lhe ocorreu... mas não a única! — Você gosta muito da sua’carreira? — Eu. .. sim. Claro! — Então arrumaremos um meio para contornar isso. Posso mudar o escritório central da Hammond para os Estados Unidos, de modo que eu e Courtney fiquemos com você. Mildred mal podia acreditar, mas pela seriedade da expressão dele sabia que Alex estava sendo absolutamente sincero no intento de casar-se com ela. — Você faria realmente isso? — perguntou. — Se eu não tiver outra escolha. .. Courtney vem em primeiro lugar. E você? Não pretende se casar com uma mulher que ame? O coração de Mildred bateu descompassado no peito de tanta ansiedade. De repente, a resposta àquela pergunta tinha se tornado muito importante. Entretanto, Alex mostrou-se mais frio e distante, falando, em voz pausada: — O amor é uma emoção destrutiva que deixa as pessoas que realmente amam sem vontade própria, completamente vulneráveis aos caprichos do ser amado. Não quero ser destruído desse modo. O nosso será um casamento de conveniência, e. .. — Isso saiu de moda no século passado! — protestou Mildred, profundamente confusa com aquela visão deturpada do amor. Alex devia ter amado e perdido alguém que se aproveitara dos seus sentimentos com crueldade. — Eu não disse que ele iria ser platônico — ele continuou. — Não tenho vocação para a castidade. Tive vários. . . relacionamentos no passado e, pelo que percebi, você achou agradável meu beijo esta tarde.

Estou certo de que seremos compatíveis na cama. Ela corou violentamente diante dessa observação tão direta e objetiva. Em nenhum momento, esperara que AIex Hammond fosse falar de um modo tão íntimo. — Naturalmente — concordou secamente, sabendo que aquele homem seria bem-sucedido em tudo o que se dispusesse a fazer. .. inclusive amor! — Mas não posso me casar com você. — Por que não? Ele a olhou de modo penetrante, como se pretendesse ler o que havia por trás da confusão.estampada no belo rosto de Mildred. Em seguida, acrescentou: — Você mesma disse que não tem intenção de se casar com esse rapaz, Sam, com quem anda saindo. Portanto, basta que veja em mim um amante para toda a vida. Posso lhe garantir que não pedirei a você mais do que o necessário... Gosto de mulheres mas posso controlar meus impulsos sexuais a um mínimo. — Vamos deixar isso bem claro — disse Mildred, tensa. — Nós nos casamos e vamos viver. . . em qualquer lugar. Courtney arranja pais, e, ocasionalmente, você faz uma viagem do seu quarto para o meu. Correto? — Essa última observação valeria para os dois, à medida que as mulheres também têm seus desejos e necessidades. — Em outras palavras, quando eu quiser um homem basta ir procurá-lo em seu quarto? — O que há de errado nisso? — perguntou Alex, espantado com a raiva que via estampada no rosto dela. — Nada.. se a gente é uma droga de máquina! — exclamou, furiosa. — O que você está me propondo é desumano! — Por quê? Não vejo nada anormal nisso. — £ óbvio que não, Alex. Você não tem a mínima consciência. Ele deu um suspiro desanimado e comentou: — Olhe, se você duvida que posso lhe dar um relacionamento f ísico satisfatório, nunca é tarde para que eu lhe prove o contrário. — Isto não é modo de se fazer amor... — disse, numa vozinha fraca, enquanto ele a empurrava delicadamente contra as almofadas.

— Talvez não façamos amor agora — concordou Alex. — Mas quero convencê-la de que podemos dar prazer um ao outro.

Mildred tentou inutilmente afastar aquele corpo atlético que se in­clinava sobre o seu, protestando:

— Largue-me! Você é um cínico!

— Posso ser bem menos — prometeu, rouco. — Você é muito linda. Deixe-me mostrar-lhe como pode ser bom entre nós.

Não era o caso de “deixá-lo” fazer qualquer coisa... ela simples­mente não possuía forças para impedi-lo! Talvez, se suas emoções não tivessem sido tão abaladas pelo trauma daquele dia, conseguisse fazê-lo parar. Ao primeiro toque dos lábios dele, uma sensação de calor intenso começou a se espalhar pelo seu corpo, deixando-a inca­paz de resistir.

Alex beijou-a com movimentos lentos e embriagadores, apertando-a contra si de modo sensual, até ela não ter outro pensamento senão o de dar e receber prazer.

 

Ficou deliciada quando ele lhe abriu o zíper do vestido, e em se­guida desnudou-a até a cintura, expondo-lhe os seios às suas carícias.

Mildred arrepiou-se ao sentir as mordidas delicadas nos mamilos e arqueou-se contra ele, afundando os dedos nos seus cabelos espessos. E embora lhe percebesse a excitação, enquanto ela própria já estava dominada pela magia daquele contato enlouquecedor, ansiava por vê-lo estremecer sob suas carícias e fazê-lo notar que também poderia lhe proporcionar prazer.

Com uma ligeira alteração de sua posição no sofá, pôde ficar um pouco inclinada sobre ele, de modo a ter maior liberdade de movi­mentos e assumir uma atitude menos passiva. Começou a tirar o pa­letó de Alex, que a ajudou enquanto lhe beijava o pescoço ou lhe mordia a ponta da orelha.

Depois, vagarosamente, vendo-o arrepiar-se sob seus toques, abriu-lhe os botões da camisa, acompanhando com as pontas dos dedos cada músculo que se revelava. Então, beijou e mordiscou cada pedacinho do peito forte, brincando com seus mamilos como Alex fizera com os dela. Ele gemeu de prazer.

— Oh, Mildred... Nenhuma mulher jamais... como você sou­be...

— Intuição — sussurrou ela roucamente.

— E você conhece outras... outras carícias intuitivas como essa? — Seus olhos cinzentos estavam escuros de desejo.

— Vou inventar o que puder — prometeu ela, com um sorriso.

E foi o que fez, abandonando as mãos e os lábios à força intuitiva que emanava de seu ser. Nunca conhecera a intimidade completa do corpo de um homem e estava adorando poder explorar cada centí­metro da pele de Alex à sua vontade. Não protestou quando Alex voltou a tomar a iniciativa, ajoelhando-se ao lado do sofá para tirar-lhe o vestido, deixando-a só com o biquíni de renda preta a cobrir-lhe a nudez.

— Você é perfeita! — gemeu ele, deitando-se sobre seu corpo, enquanto acompanhava com a mão a linha suave dos quadris de Mil­dred.

As carícias dele tornaram-se mais ousadas, explorando-lhe cada detalhe do corpo trêmulo, fazendo-a gemer alto de desejo incontido.

Alguns momentos depois, ele se afastou bruscamente, respirando com dificuldade.

— Temos que parar agora — disse, com firmeza. Mildred deixou escapar um gemido de frustração.

— Não, Alex, por favor! — suplicou, agarrando-se a ele. Ele se livrou dos braços dela, enquanto dizia:

— Pensa por acaso que não a quero também? Claro que a desejo! E muito. Deu um suspiro fundo e continuou: — Mas não aqui, nem desta maneira. E é um equívoco tentarmos encobrir a situação com uma relação física.

— Mas você disse...

Alex levantou-se do sofá e começou a abotoar a camisa.

— Tudo bem! Não precisa repetir. Acabamos de provar que, fisi­camente, somos compatíveis. Não precisamos ir mais longe para saber. Certo?

 

Enquanto Mildred, chocada, lutava para se acalmar, ele lhe deu as costas e ficou olhando para o fogo da lareira. A atitude de Alex fun­cionou como um banho de água fria nas suas emoções, mas, ao colo­car o vestido, ela sentiu a volta de seu autodomínio e pôde responder com naturalidade, embora não conseguisse evitar uma ponta de ironia.

— Certo! Eu também não quero encobrir a situação.

— Mildred...

— Não posso me casar com você, Alex.

— Você nem mesmo pensou no assunto!

— É desnecessário. Não daria certo mesmo! Tudo aquilo que fez Glenna infeliz se aplicaria também a mim se me tornasse sua esposa.

— O que quer dizer com isso?

— Falo de sua mãe, de viver aqui e de morar na Inglaterra, que não é o meu país natal. Sem mencionar que nem mesmo teremos o amor entre nós dois.

— Concordo que existem dificuldades, mas podemos superá-las. Minha mãe, por exemplo, é problema meu, não seu. Quanto à Ingla­terra, não é melhor nem pior do que qualquer outro país civilizado. Além disso, você ainda terá sua carreira.

Ela fez um ar surpreso e depois perguntou:

— Quer dizer que vou poder trabalhar?

— Naturalmente. Você é uma atriz de talento, constatei isso vendo sua novela.

— Mas já pensou que se eu continuar na televisão precisarei pas­sar pelo menos seis meses do ano nos... Ah! — Mildred lançou-lhe um olhar acusador e exclamou: — Já entendi! Se eu me casar com você, Courtney ficará aqui o ano inteiro, mas eu estarei longe a cada seis meses. De modo algum, Alex!

— Já lhe disse que estou disposto a mudar para os Estados Uni­dos. Meu desejo é proporcionar uma vida estável a Courtney, seja lá a que preço for.

A raiva dela foi substituída pela confusão. Pela expressão de Alex, era possível deduzir que ele estava realmente disposto a deixar sua casa e a transferir seus negócios para a América. Ela não podia exigir isso dele, e, mesmo não gostando de Rita Hammond, não queria pre­judicá-la. A mulher já perdera um filho, e ficar sem o outro e sem o neto seria um choque grande demais.

— Você não precisa resolver agora — disse Alex com suavidade ao sentir sua indecisão. — Volte para os Estados Unidos amanhã, como combinado, e pense no assunto enquanto estiver lá. Não há pressa; algumas semanas não vão fazer diferença. E tenho certeza de que você vai ter que pensar muito.

— Você não precisou pensar tanto — disse baixinho.

— Não, não muito. Mas é diferente para mim, pois não tenho na­da a perder me casando com você.

— E sua liberdade?

— Não é tão importante se comparada ao que estaria ganhando uma mulher bonita e um filho saudável.

— É... precisarei pensar bastante — murmurou ela, corando ao ouvir o elogio.

— Tome o tempo que quiser. Não vou apressá-la.

Mildred mal conseguiu dormir naquela noite, examinando a idéia de Alex sob todos os ângulos, e a cada vez obtendo a mesma resposta, bem diferente da que ela realmente queria. Seu lar era nos Estados Unidos, perto dos pais. Já tinha um namorado, Sam, e não precisava de um homem complicado como Alex Hammond em sua vida.

Quase girou nos calcanhares para fugir quando entrou na sala de almoço no dia seguinte e encontrou Rita Hammond sozinha. A velha senhora foi logo dizendo:

— Alex acordou muito cedo e está no escritório cuidando de alguns papéis antes de chegar a hora de levá-la ao aeroporto. Achei ótimo, pois assim teremos oportunidade de conversar a sós.

Mildred ficou tensa e serviu-se de uma xícara de café.

— Sobre o que Alex queria falar-lhe ontem à noite?

O ataque foi frontal... quase como uma bofetada. Entretanto, Mildred contemporizou:

— Ele não lhe contou?

— Eu não estaria perguntando se soubesse. Alex sempre foi... independente. Mas tenho certeza de que me contará, mais cedo ou mais tarde.

— E a senhora não quer esperar?

— Não!

Mildred respirou fundo e tomou um gole de café.

— Também eu não poderia lhe adiantar nada sobre o assunto, sra. Hammond. Acho que terá que esperar até Alex resolver lhe contar.

O rosto da mulher transformou-se numa máscara de ódio.

— Não comece a bancar a espertinha comigo apenas por causa de um beijo, Mildred! — disse, ríspida. — Foi só por desejar confortá-la que passou dos limites. Recuso-me a acreditar que tenha sido mais do que isso!

Mildred encolheu os ombros.

— Pode acreditar no que quiser. Não tenho nada com isso.

— E não tem mesmo! Confio demais em Alex para acreditar que ele se envolveria com uma mulher como você.

— Pare por aí! — censurou Alex, aparecendo na porta. — Não permito que você insulte Mildred, mamãe.

— Mas...

— Está na hora de irmos para o aeroporto — cortou ele, com decisão.

Mildred endereçou-lhe um sorriso agradecido e levantou-se.

— Só falta eu me despedir de Courtney. Quero dizer-lhe adeus.

— Que bobagem! O menino ainda não tem noção desse tipo de coisas resmungou Rita Hammond, ainda pálida de raiva.

— E não será adeus — acrescentou Alex suavemente. A mãe olhou para ele, exigindo uma explicação.

— Como assim?

— Mildred pretende voltar dentro de algumas semanas — infor­mou Alex, friamente.

— Eu não sabia — disse Rita, corando.

— Ah, ela sempre teve intenção de voltar, pois precisa pensar no futuro de Courtney. Não é mesmo? — Virou-se para ela com um ar de desafio.

— Sim — concordou ela, baixinho, sem conseguir afastar os olhos dos dele. — Mas ainda não tenho certeza do que vou fazer.

— Já lhe disse, não há pressa — continuou Alex, num tom muito suave.

Mildred sabia que ele estava só lhe assegurando de que não mudara de idéia desde a noite anterior e sentiu-se grata por isso. Depois que finalmente pegara no sono às quatro da manhã, tinha acordado com a impressão de que tudo aquilo fora um sonho, que Alex Hammond não lhe falara em casamento.

— O que está havendo aqui? — perguntou Rita Hammond, aspe­ramente. Alex, quero saber o que está acontecendo entre vocês dois!

As sobrancelhas dele ergueram-se com arrogância enquanto ele respondia com impaciência:

— Por enquanto, não está “acontecendo” nada. E, mesmo que es­tivesse, não seria da sua conta. Quando eu achar que é hora de in­formar-lhe alguma coisa, eu o farei. Agora está na hora de Mildred e eu sairmos.

Dito isso, conduziu Mildred para fora, segurando-a firmemente pelo cotovelo.

Ela deu um suspiro de alívio quando se viu no corredor.

— Puxa! Eu não sabia que você se atrevia a falar com ela daquele jeito.

— É a única maneira de me fazer entender — explicou Alex, sem mostrar qualquer emoção nas feições duras. — Agora vá despedir-se de Courtney. Não temos muito tempo para chegar ao aeroporto.

Foi muito difícil dizer adeus ao bebê, que começou a gritar, como se percebesse que ela estava a ponto de chorar.

— Não vou demorar — despediu-se ela, beijando-lhe o rostinho com os olhos marejados de lágrimas. — Prometo, queridinho.

— Não faça promessas que você não possa cumprir — alertou-a Alex, entrando no quarto.

— Oh, não! Essa foi para valer — assegurou, acariciando os cabelinhos de Courtney. — Só não sei se vou ficar depois de voltar.

— Já estamos em cima da hora. Não podemos ficar mais.

— Estou pronta.

Ela pôs o bebê no bercinho, respirou fundo e saiu do quarto, co­rajosamente, sem olhar para trás.

Conseguiu manter-se controlada até chegarem ao carro, quando então deixou as lágrimas correrem livres pelas faces.

Como seria di­fícil ficar longe de Courtney!

— Ele também vai sentir muitas saudades suas — consolou Alex, apertando-lhe a mão.

— Será? — gaguejou ela, embargada pela emoção. — Será mesmo?

— Tenho absoluta certeza.

Los Angeles continuava a mesma cidade linda e agitada que apren­dera a amar desde que viera morar ali há dois anos. Era bom estar de volta e ela se atirou nos braços de Sam, que a esperava no aero­porto.

— Foi muito difícil? — perguntou ele, depois de beijá-la entu­siasmado.

— Em parte. Podemos deixar isso para depois, Sam?

— Claro, meu bem.

Ele passou o braço pela cintura dela enquanto iam para o estacio­namento. Assim que se acomodaram no carro, Mildred perguntou:

— Como andam as filmagens?

— Bem, sem muitas novidades, além das fofocas tradicionais. Não estão dando muita força a Mary-Beth porque ainda não sabem se você vai querer renovar seu contrato na próxima temporada. Corre um boato de que você não vai continuar — informou ele, lançando-lhe um olhar rápido.

— Não é boato, Sam — disse Mildred, com um sorriso. — Eu mesma disse a Jerry há uns dois meses que ainda não estava resolvida. Vocês sabem que andei recebendo convites para participar de outras séries.

— Bem... você é quem sabe.

Era característica de Sam não tentar impor pontos de vista e res­peitar os desejos e opiniões de Mildred. Embora isso sempre a tivesse agradado, agora gostaria de contar com maior apoio para tomar a de­cisão mais importante da sua vida. Entretanto, tinha que se conformar, pois não conseguiria a menor ajuda dele, a menos que se dispusesse a relatar-lhe tudo o que acontecera na Inglaterra.

No dia seguinte, foi visitar os familiares na cidadezinha onde vi­viam, e ficou chocada ao ver como o pai ainda parecia doente, depois de ter deixado o hospital há muitos dias. A morte de Glenna o atin­gira duramente.

— Quero ver meu neto — declarou ele, sentado fio terraço, muito pálido e abatido.

— O médico recomendou que você não viajasse de avião antes de dois meses — disse a sra. McKay, sorrindo.

— Ah, médicos... eles não sabem de nada!

Mas eu sei que você ainda não está bem.

— Fale-me mais dele, Mildred — pediu o pai, com um ar ansioso. Ela já descrevera o bebê pelo menos meia dúzia de vezes desde que chegara, mas começou tudo de novo, tentando lembrar-se das mínimas coisas que ele fazia.

— Ele devia ser chamado de Court, não Courtney — comentou o pai, com uma nota de desgosto na voz. — Que tipo de nome é esse para um menino?

— É o seu, papai.

— Mas os pedantes dos Hammond não precisavam levá-lo ao pé da letra!

Mildred riu.

— Talvez não. Mas Alex insistiu.

— Alex Hammond tem sido muito educado nessas vezes que fa­lamos com ele pelo telefone — disse a sra. McKay, olhando atenta­mente para a filha.

— Ser educado não custa nada — protestou Court McKay. — Esses Hammond pensam que são os donos do mundo! Bem, meu neto vai ficar aqui, que é o lugar dele. Você devia tê-lo trazido, Mildred.

— Oh, mas ele ainda é novinho demais para viajar. E não esqueça que também é prematuro.

— Bem, assim que for possível, quero vê-lo aqui. — Ela evitou o olhar do pai e mordeu o lábio.

— Acho que isso será um pouco difícil. Sabe... Alex está deci­dido que Courtney deve ficar com ele.

— E quem é ele para dar ordens sobre a vida do meu neto? Glen­na nunca devia... nunca devia... — Para consternação de Mildred, o sr. McKay começou a chorar.

Foi uma experiência comovedora ver aquele homem tão forte en­tregar-se às lágrimas. Nunca o vira abalado, mesmo nos momentos mais difíceis, e acostumara-se a considerá-lo o esteio da família.

Ficou olhando, também aos prantos, enquanto a mãe o ajudava a levantar-se e ir para o quarto. Ainda estava sentada no terraço quando ela voltou.

— Perder Glenna foi muito difícil para ele — explicou a sra. McKay, num tom carinhoso. — Não sei o que aconteceria se não houvesse Courtney.

Enxugando as lágrimas, Mildred prometeu:

— Vou trazê-lo assim que puder.

— E o que Alex Hammond dirá sobre isso?

Escondeu o rosto entre as mãos, lembrando-se de que Alex só con­cordaria em deixá-la trazer Courtney para os Estados Unidos sob uma condição.

— Ele... acho que vai entender.

A programação das filmagens foi tão intensa na semana seguinte que Mildred mal teve tempo de dormir, muito menos de pensar mais demoradamente na proposta de Alex. Continuou encontrando Sam sempre que tinha alguma folga e jantou na casa de praia dele na vés­pera da sua volta à Inglaterra.

— Desta vez, quanto tempo você pretende demorar lá?

Ela sorriu, deitada na areia quente, aproveitando os últimos raios do sol antes do anoitecer.

— Jerry me deu só três dias de licença... e olhe lá, mocinha! — Imitou o tom do diretor. — Depois, precisarei estar aqui para as duas últimas semanas de filmagens.

— E quando acabar a novela? — Mildred mordeu o lábio.

— Esperava que não me perguntasse isso.

— Por quê?

Sam a observava atentamente, muito bonito e atlético no seu calção de banho.

— Porque... porque acho que não vou mais voltar. — Ele não conseguiu esconder a surpresa.

— Você está dizendo que pretende fixar-se de vez na Inglaterra?

— Talvez... Ainda não tenho plena certeza.

— Há algo que eu possa fazer para persuadi-la a ficar? Você sabe que tenho vivido muito solitário desde que Joanne morreu — disse Sam, com suavidade. Você me ajudou a preencher o vazio que havia na minha vida.

— E estou feliz por isso — declarou Mildred, apertando-lhe a mão. — Você é um homem maravilhoso, Sam, e merece ser feliz.

— Mas não com você?

Ele a encarou bem dentro dos olhos.

— Acho que não — respondeu ela, com um ar tristonho. — Tive horas maravilhosas em sua companhia, mas talvez esse seja o princi­pal problema... O amor não é só alegria. O casamento de Glenna me mostrou isso. Como é mesmo que dizem nos livros: “a agonia e o êxtase”?.

— Foi assim entre mim e Joanne — confessou Sam, comovido.

— E será o mesmo comigo?

Mildred agora sabia que seu relacionamento com Sam nunca pas­sara de uma grande amizade, cheia de um agradável companheirismo. Pelo menos, Alex lhe mostrara o “êxtase”.

— Bem, eu...

— Não daria certo, Sam. Nem para você nem para mim. Nós nos divertimos muito juntos. Vamos deixar as coisas assim.

— Você conheceu o homem aqui ou na Inglaterra? Lá, é claro. — Sam respondeu sua própria pergunta. — Senão não estaria falando em ficar lá.

— Que homem? — perguntou, franzindo a testa.

— O que lhe mostrou a agonia e o êxtase, o homem por quem você está apaixonada.

O sangue tomou conta das faces de Mildred.

— Eu não o amo!

Alex Hammond não era alguém que se pudesse amar. Ele era de­sejável, e muito, mas não capaz de despertar amor.

Sam fez um ar de ceticismo.

— Não?

— De forma alguma! — disse Mildred, com firmeza.

De fato, ela não amava Alex, mas ia se casar com ele. Essa última semana sem Courtney lhe mostrara que o bebê era tão parte dela co­mo se o tivesse trazido ao mundo. E também não podia ignorar a atração física por Alex. Ansiava pelos seus carinhos desde que se afas­tara dele.

Da mesma forma não podia esquecer-se do pai, que não suportaria perder a tutela de Courtney numa ação judicial. O casa­mento era a única resposta a essas questões, desde que houvesse al­gumas mudanças nas condições que Alex sugerira. Será que ele con­cordaria em alterar a proposta inicial?

 

O nervosismo dela aumentou quando o avião tocou a pista de Heathrow, e cresceu ainda mais enquanto se dirigia de táxi à mansão dos Hammond. Alex, sem dúvida, teria mandado um carro ou vindo pessoalmente se o houvesse avisado da sua chegada, porém Mildred preferira di§pensá-lo de qualquer incômodo, ansiosa por preservar ao máximo a própria independência.

O mordomo, pedante como sempre, informou-a que Rita estava na casa da filha e que Alex ainda não viera do escritório. Depois levou-a ao mesmo quarto que ela ocupara antes, avisando-a que o jantar seria servido em uma hora.

O bebê estava mais adorável do que nunca e Mildred ficou impres­sionada em ver como ele ganhara peso em apenas uma semana. Após informar-se de todos os seus progressos com a sra. Ford, desceu para o jantar, imaginando que Alex deveria chegar a qualquer minuto.

— O sr. Hammond ligou há alguns instante, srta. McKay — disse Symonds. — Ele ia passar a noite em Londres, mas, quando eu lhe falei que a senhorita tinha chegado, mudou de planos inesperadamen­te, pedindo-me para avisá-la que voltará para casa assim que termi­nar a reunião.

— Obrigada.

Mildred conseguiu disfarçar seu desapontamento enquanto jantava sozinha. Em seguida ficou esperando na sala de visitas. Às onze ho­ras, tonta de sono, resolveu ir deitar-se. Fizera uma viagem longa e penosa, tendo que enfrentar mau tempo e uma troca de aviões em Chicago que a deixara excepcionalmente cansada.

— Por que você está aqui? — resmungou Rita Hammond, quando se encontraram na manhã seguinte, na hora do café.

— A senhora sabia que eu ia voltar — retrucou Mildred com in­diferença, imaginando onde estaria Alex.

— Oh, sim, só não entendo por quê.

— Alex já acordou? — perguntou, mudando de assunto para evi­tar uma discussão.

— Meu filho não está em casa — informou Rita, com evidente prazer. Passou a noite em Londres.

— A reunião deve ter ido até muito tarde — disse Mildred, pensativa.

— Reunião? Ah... Alex deve ter mandado Symonds lhe dizer isso. — E depois de um sorrisinho de desdém, acrescentou, com um ar superior: — Ele nunca fica em Londres a negócios.

Mildred levantou-se rapidamente.

— Se me der licença... preciso sair. Ainda não desfiz minha mala.

— Por quanto tempo vai nos “honrar” com sua presença desta vez? perguntou Rita, com desprezo.

— Ficarei só até amanhã.

— Espero que seja a última vez que terei que vê-la, ou a qualquer membro da família McKay.

— Não quero discutir sobre isso com a senhora — respondeu com os olhos verdes brilhando de raiva.

Passou a manhã com Courtney, esperando pela volta de Alex. A insinuação de Rita, no sentido de que ele passara a noite com alguma mulher, estava lhe causando pontadas de ciúme. Era ridículo, irracio­nal, mas Mildred não conseguia lutar contra aquele sentimento. Que absurdo! Se não o amava, por que então se desesperava com a idéia de que alguém estava recebendo seus beijos e carícias embriagadores?

Já eram quase três da tarde quando ouviu o ronco do Mercedes na alameda. Encaminhou-se para a janela e viu Alex descer do auto­móvel com um movimento ágil, parecendo mais atraente do que nun­ca num bonito terno azul-marinho. Por um instante, Mildred teve vontade de correr e atirar-se nos seus braços, mas se conteve ao ouvir Rita cumprimentá-lo e, um pouco depois, uma porta ser fechada com violência.

Virou-se rapidamente quando escutou três batidinhas na porta do quarto. Mandou-o entrar e sentiu a respiração presa na garganta en­quanto Alex se aproximava. E se ele tivesse desistido do casamento?

— Eu... Como vai? — balbuciou ela.

De repente, sentiu-se muito tímida, o que era ridículo para uma mulher de vinte e seis anos! Nenhum dos seus amigos em Los Ange­les acreditaria que ela seria capaz de ficar com as pernas trêmulas só ao olhar para Alex Hammond.

— Tudo bem — disse ele fechando a porta, aparentemente sem sentir nenhum constrangimento. — Já viu Courtney?

— Passei a manhã com ele.

— Fugindo da minha mãe?

— Em parte — admitiu Mildred, reparando no olhar dele sobre sua figura elegante, vestida num conjunto em vários tons de bege. — Mas, principalmente porque eu queria mesmo ficar com ele.

— Lamento por não ter voltado ontem à noite. Tive uma reunião muito importante, que só terminou à meia-noite, e quando telefonei para cá Symonds me disse que você já estava dormindo. Então achei melhor deixar para vir hoje. Depois...

— Naturalmente — ela o interrompeu com um sorriso forçado.

— Você foi informada de que eu iria chegar tarde, não foi?

— Como o mordomo lhe disse, me deitei ontem pouco depois das onze. E, esta manhã, sua mãe me falou que você ainda não tinha vol­tado de Londres.

— Então... — Alex parou, dando um suspiro. — Vamos esque­cer.

Você prefere conversar agora ou mais tarde?

A pergunta direta pegou-a tão de surpresa que todos os seus dis­cursos, cuidadosamente preparados, ficaram esquecidos.

— Eu... hã... mais tarde... Acho que agora você quer relaxar um pouco.

Alex esfregou a nuca, num gesto que denotava cansaço.

— E quero mesmo. Tive uma noite muito difícil.

— Imagino — disse ela, tensa.

— Nunca durmo bem em hotéis.

— Hotéis? — Mildred franziu a testa. — Você ficou num hotel ontem à noite?

Era uma surpresa, pois imaginava que ele possuía uma apartamento para encontros amorosos ou que devia ter ficado na casa da mulher. A menos que... Deus, como pudera se deixar enganar por Rita Hammond com tanta facilidade!

— Hum, hum — concordou Alex com uma careta. — E só fui para a cama às três horas da madrugada. Estamos tendo problemas com uma das nossas filiais no norte. O sindicato achou... Bem, você não vai querer saber dessas coisas.

— Quero sim! Por favor... conte-me tudo.

Depois de ter agido como uma tola, Mildred estava mais do que curiosa para saber o real motivo de ele ter ficado em Londres.

— Houve um boato idiota de que eu estava pretendendo fechar a fábrica de lá. Como sempre acontece nesses casos, os sindicatos en­traram em polvorosa, obrigando-me a ir a essa unidade pessoalmente, esta manhã, para pôr um fim nessa história toda. Nunca vi tanta agi­tação!

— E eu pensei... Não faz mal. — Ela se apressou a mudar de assunto ao ver os olhos cinzentos piscarem. — Conversaremos à hora que você quiser.

— Então, vamos deixar para mais tarde. Por enquanto, só gostaria que você me dissesse onde pensou que eu estivesse ontem à noite.

— Em Londres, é claro!

— Mas não sozinho, adivinhei?

Mildred mordeu o lábio e hesitou por um segundo.

— Adivinhou — disse, abaixando a vista.

— Olhe, se eu tivesse passado a noite com uma mulher, não seria capaz de fazer segredo disso. Fique sabendo que não tenho nenhuma amante em Londres. Aliás, não só lá, como em nenhum outro lugar.

— Desculpe-me, Alex, não tive a intenção de ser maldosa. — Mas ele estava mesmo com raiva e insistiu no assunto.

— Você quer uma lista dos meus relacionamentos nos últimos cinco anos?

— Não seja exagerado! O que aconteceu foi que Symonds me disse que você viria para casa ontem e...

— Tive um contratempo, já lhe expliquei — ele a interrompeu, dando mostras de impaciência.

— Não precisa me explicar nada, Alex! Fiz uma suposição errada e também pedi desculpas.

Ela achou preferível não lhe contar nada acerca dos comentários venenosos de Rita. Contentava-se em ter aprendido a lição: a partir de agora, deveria ter mais juízo e ser mais cuidadosa em tudo que se relacionava com a mãe de Alex.

— Tudo bem, Mildred. Vou dar uma olhada em Courtney, tomar um chuveiro e descansar um pouco. Conversaremos depois do jantar, no estúdio.

Ela corou ao lembrar-se do que acontecera na última vez que ti­nham estado no estúdio. E o olhar sugestivo de Alex mostrou-lhe que ele também estava pensando nisso.

Depois que ficou sozinha, começou a censurar-se por ter dado ou­vidos a Rita. Convivendo com pessoa de língua tão ferina, não era de admirar que o casamento de Glenna e Mark estivesse indo mal.

Durante o jantar, Mildred tratou-a com educação, ignorando o lam­pejo de triunfo que havia nos olhos azuis da mulher, como se ela achasse que conseguira uma vitória ao colocar dúvidas em sua mente naquela manhã.

Após a refeição, ao entrarem no estúdio, Alex assumiu uma pos­tura mais distante que da vez anterior. Sentou-se na escrivaninha, examinando atentamente a expressão tranqüila de Mildred.

— E então, chegou a uma decisão enquanto esteve fora?

— Sim, cheguei — respondeu ela, com segurança, fazendo com que um brilho de surpresa passasse pelos olhos dele.

— Compreendo sua recusa, Mildred. Afinal, você mal me conhece e estaria se comprometendo pela vida inteira com um estranho. — Le­vantou-se e começou a andar pela sala. — Uma vida sem amor e...

— Mas eu não vou recusar, Alex — ela o interrompeu, suavemente.

— Não vai?

— Não.

— Por quê? — perguntou, desconfiado.

— Antes quero dizer que você não está sendo muito gentil quan­do acabo de aceitar sua proposta de casamento — gracejou.

Alex passou a mão pelos cabelos espessos.

— É meio inesperado...

— Não quer que eu me case com você?

— Claro que quero! — respondeu ele, vivamente.

— Não se acha um bom partido? — brincou Mildred.

— Nunca pensei nisso!

— Pois devia pensar. Aceito sua proposta, Alex. Estou disposta a me casar com você.

— Quando?

— Assim que eu terminar meu trabalho nos Estados Unidos.

— Muito bem. — Ele se sentou outra vez à escrivaninha. — Vou começar a providenciar os papéis.

 

— Espere um pouco. Deixe-me completar minha idéia. Só aceito sua proposta com algumas mudanças em relação ao que foi combi­nado.

— Como assim? — ele quis saber, demonstrando incerteza. Mildred levantou-se e riu baixinho. Estava muito bonita e elegante num vestido de seda verde, combinando com a cor dos seus olhos, que agora brilhavam desafiadoramente.

— Não fique com esse ar tão preocupado, Alex — brincou. — Não pretendo exigir que passe metade da sua fortuna para mim. A primeira modificação é que não continuarei na novela depois do término da série que está passando.

— Está desistindo da sua carreira? — admirou-se ele.

— Sim. Por enquanto, pelo menos. Courtney precisa de uma mãe em tempo integral. Mas há outras alterações que eu gostaria de fazer.

— Pode dizer. — Alex encostou-se na cadeira com um ar de re­signação.

— Quero eu mesma tomar conta do bebê. Nada de governantas. Sim, Alex insistiu ela, quando notou um início de protesto. — A sra. Ford logo irá embora e já sei como cuidar de Courtney.

— Não tenho dúvidas sobre isso. Mas cuidar de uma criança é uma responsabilidade muito grande, um trabalho de vinte e quatro horas.

— Tenho certeza de que vou adorar. Proponho fazermos um trato. Se depois de um mês eu achar que não sou capaz de agüentar, você contratará uma governanta. Que tal?

— Pela segurança que estou sentindo na sua voz, desconfio que esse trato não vai valer. Muito bem, se é isso que você quer...

— E é mesmo. Agora chegamos à última alteração que pretendo fazer.

— Puxa! Ainda há.mais?

— Sim. Eu... Esta parte pode ser um pouco embaraçosa...

— Compreendo — disse Alex, num tom severo, depois de estu­dá-la por alguns instantes. — Você prefere que não tenhamos rela­cionamento físico... Não acredito que um casamento funcione sem ele mas...

— Alex, você não entendeu nada. Pare de tirar conclusões apres­sadas!

— Desculpe!

— Parece que estou tentando brigar com você de novo, não é?

— Isso mesmo!

— Não é o que eu pretendia. Por favor, me escute. Quero você, Alex. Quero-o muito. Não pensei em nada senão em você enquanto estive fora. Gostaria de ser sua esposa, mas não uma amante em tem­po parcial. Quero compartilhar do mesmo quarto, não precisar me esgueirar por um corredor ou através de uma porta de comunicação. — Ela deu um sorrisinho. — Se eu fizesse isso cada vez que quisesse passar a noite com você, o tapete entre os dois quartos iria ficar gasto em pouco tempo! — concluiu, com um sorriso brincalhão.

Alex pigarreou, obviamente surpreendido com o modo direto como Mildred falara.

— Eu... Você...

— Agora eu o embaracei — disse ela, divertida. — Foi sem que­rer, acredite. Acontece que nunca me senti deste jeito antes: jamais desejei um homem como desejo você. Eu quis apenas ser sincera sobre a atração que sinto, só isso.

— Não estou embaraçado. Um pouco surpreso, talvez, mas não embaraçado. Você viu Sam enquanto estava nos Estados Unidos?

Mildred franziu a testa ao ouvir a pergunta inesperada.

— Sim — respondeu, depois de alguns instantes.

— E isso não mudou seus sentimentos em relação a mim?

— Em absoluto!

Alex virou-se de costas e ficou olhando para a lareira.

— Já que estamos falando com sinceridade, preciso lhe confessar que sinto idêntica atração por você. Tentei afastá-la do meu pensa­mento nesses últimos dias, mas não consegui. O que estou querendo dizer é que compartilho do seu desejo e que gostaria de proteger o tapete a qualquer custo.

A tentativa de diminuir um pouco o clima de ansiedade se instalara no estúdio. A força da paixão que os impelia um para o outro falou mais alto, fazendo-a atirar-se nos braços dele, atendendo a seu apelo mudo. Beijaram-se demoradamente e, quando afinal fizeram uma pausa para respirar, ele sugeriu num tom de súplica:

— Vamos para o meu quarto agora? Gosto tanto de você!

Ela estava louca para ir. Não podia imaginar nada mais maravi­lhoso do que se aconchegar sem reservas nos braços dele. Ao mesmo tempo, preferia adiar até a noite de núpcias o momento em que se entregaria, transformando sua primeira vez num instante especial, para ser recordado pelo resto da vida.

Alex percebeu-lhe a indecisão e afastou-se.

— Será que no fim das contas você é igual a todas as outras mu­lheres? Disse que me queria, obtendo minha própria confissão em troca, e agora resolve se fazer de rogada só porque sabe o poder de atração que exerce sobre mim. Detesto esse tipo de coisa. E esperava nunca mais me defrontar com situação semelhante.

Mildred ouviu tudo em silêncio, a cabeça abaixada. A amargura daquelas palavras revelava bem mais do que talvez tivesse sido sua intenção: esclarecia sobre o motivo do distanciamento de Alex, de sua solidão. Existira uma mulher na vida dele, alguém a quem ele amara, mas que usara os próprios encantos para chantageá-lo de alguma for­ma. Só o tempo lhe mostraria que ela, Mildred, não era assim. Ao contrário, sentia-se tão perturbada por querê-lo, como Alex ficava perturbado por ela...

— Aceito todas as suas condições, Mildred — declarou ele, numa voz áspera e distante. — Amanhã cedo, informarei minha mãe sobre o nosso casamento.

Ela estendeu a mão para tocá-lo, preocupada com aquela frieza.

— Alex...

— Desculpe-me, mas tenho que trabalhar agora.

— Está bem... Viajarei amanhã à noite. A propósito acho que sua mãe ficará decepcionada quando souber que logo estarei de vol­ta... para ficar.

— Não tenho a menor dúvida de que ela terá um ataque histérico.

— E você não fica preocupado?

— E daí? Não preciso pedir opinião a ninguém para escolher uma esposa.

— Mas eu seria a última mulher que ela poderia desejar como nora.

— Na minha idade seria ridículo ter que pedir permissão a ela para fazer qualquer coisa. Mamãe pode dizer o que quiser, mas pre­tendo me casar com você dentro de duas semanas.

— Tão cedo?

— Há algum motivo para esperarmos mais do que isso? — pergun­tou Alex, levantando as sobrancelhas.

— Claro que não. Só fiquei um pouco surpresa. De qualquer mo­do, meu pai ainda não está em condições de viajar.

— Podemos nos casar nos Estados Unidos, se você quiser.

— Você concordaria?

— A decisão é sua.

— E Courtney?

— O bebê não irá conosco na nossa viagem de núpcias. A sra. Ford ficará tomando conta dele até voltarmos.

— Viagem de núpcias? Você não tinha falado sobre isso.

— Acredito que é tradicional, não? Pensei em passarmos duas se­manas em Barbados. Uma outra opção seria nos casarmos aqui e visitarmos seus pais quando estivermos a caminho de lá.

Depois de alguns instantes pensativa, Mildred concluiu que Rita Hammond ficaria furiosa se o filho mais velho se casasse longe da Inglaterra. Como iria enfrentar muitos problemas com ela no futuro, era preferível não acrescentar mais um.

— Acho que assim será melhor — disse, afinal.

— Então está combinado.

A frieza na expressão de Alex não foi muito encorajadora, mas Mildred não se deixou perturbar. Ficou nas pontas dos pés e beijou-o na boca.

— Boa noite, Alex — murmurou roucamente. — Vou fazê-lo feliz.

Em vez de responder, ele deu a volta na escrivaninha, abriu uma pasta e começou a manusear alguns documentos, deixando claro que a conversa havia terminado.

Enquanto subia para o quarto, Mildred pensou na mulher que ma­goara Alex no passado. Se as coisas tivessem acontecido assim, essa ex-namorada devia ser uma figurinha terrível. Criada num ambiente carinhoso e aberto, Mildred sempre fora honesta nos seus relaciona­mentos afetivos, a ponto de não querer visualizar uma mulher, capaz de usar seus atrativos apenas para submeter um homem aos próprios desejos. Adormeceu com essas idéias na cabeça.

Na manhã seguinte, pouco depois das oito, a sra. Hammond inva­diu seu quarto sem se anunciar.

Seu rosto alterado indicava que Alex já lhe contara que iria se casar.

Quase aos berros, ela foi logo dizendo:

— Você é muito mais calculista do que pensei!

Mildred, que estava com uma xícara de café nas mãos, colocou-a sobre a mesinha e levantou-se. A camisola de seda azul deslizou pelo seu corpo, esvoaçando até os tornozelos.

— Parece que a senhora não ficou satisfeita com o casamento.

— Satisfeita!? Está claro que meu filho foi suficientemente estú­pido para ser pressionado... pelo bem de Courtney. Pois eu...

— Nada do que Alex faz é estúpido, sra. Hammond! Não importa qual tenha sido o motivo inicial do meu casamento. O fato é que estou decidida a fazer com que funcione!

— Você não ama meu filho!

— Gosto dele, e isso tem o mesmo valor. Alex é um homem extra­ordinário e terei orgulho de ser sua esposa.

— Só se for sobre o meu cadáver!

— Se for necessário... — Mildred contorceu a boca, em desdém.

— Não quero você como membro da família!

— Também não estou encantada em fazer parte dela. Mas, infe­lizmente, não temos escolha. Agora, se não se importa, eu gostaria de me vestir.

— Claro que me importo. Nunca a aceitarei como minha nora!

— Ao contrário do que possa acreditar, sra. Hammond, sua acei­tação ou não é indiferente para mim. — E, enfrentando com frieza o olhar da mulher, repetiu: —Completamente indiferente!

— Você vai se arrepender! — gritou Rita perdendo a habitual compostura.

— Acho que não.

— Garanto que não será mais feliz aqui do que Glenna foi!

— Tenho certeza de que serei. Já sei o quanto a senhora pode ser destrutiva, não hesitando em mentir para atingir seus objetivos, e por isso estarei prevenida.

— Está falando da noite que Alex passou em Londres? — pergun­tou ela, com desdém.

— Sabe muito bem que estou. Nunca mais acreditarei nas suas insinuações maldosas. Alex estava trabalhando, e a senhora sabia disso!

— Ele lhe disse que estava trabalhando?

— Sim! E acreditei. Ele é digno de confiança, ao contrário da se­nhora!

— Você é uma tola!

— Engana-se, sra. Hammond. Simplesmente confio no homem que vai ser meu marido — disse Mildred, com a maior calma.

— Vocês dois estão loucos! Nenhum casamento daria certo nessas circunstâncias.

— Pois o meu vai dar — Mildred falou cheia de certeza.

— Vou lembrá-la disso quando vier dizer que não agüenta mais e vai embora. — A mulher virou-se nos calcanhares e tomou a dire­ção da porta.

— Isso nunca vai acontecer.

Mildred respirou fundo quando Rita saiu. Na verdade, a cena não fora tão ruim como esperava. Imaginara que iria ouvir comentários ácidos sobre Glenna, mas a mulher conseguira se conter. Sem dúvida, continuaria com suas alfinetadas durante toda sua vida de casada, mas iria ignorá-las, como ignoraria sua futura sogra.

— Por que você não me contou? — perguntou Alex, aparecendo na porta.

Mildred virou-se, surpresa, consciente de que o tecido transparente da camisola escondia muito pouco do seu corpo.

— Contar, o quê? — disse, vestindo o penhoar com gestos tran­qüilos.

— Sobre a mentira da minha mãe.

Ele entrou no quarto e fechou a porta. Estava vestido com terno e colete, pronto para ir para o escritório.

— Não quis causar atritos desnecessários entre vocês.

— Desnecessários! Você não sabe de nada. Mamãe é maldosa e vingativa como ela só. Se acontecer algo parecido de novo, quero, que me avise imediatamente.

— Sim, farei o possível.

— E a partir de hoje não tente mais disfarçar nada comigo — co­mentou com um sorriso brincalhão. — Depois do que disse a minha mãe, eu nunca acreditaria.

— Você ouviu tudo?

— Sim. Estava subindo para pegar um documento no meu quarto quando vi mamãe entrando no seu. Você parece convicta de que nosso casamento vai dar certo, Mildred.

Ela o abraçou pela cintura, dizendo:

— E estou. Só precisaremos ser sinceros um com o outro.

— Então é melhor eu avisá-la logo de que você vai ter que agüen­tar muitas alfinetadas da minha família. Janet é muito parecida com minha mãe e não vai hesitar em pôr mais lenha na fogueira.

— Não me importa. Tudo o que quero é você... e Courtney.

— Nessa ordem? — perguntou Alex, erguendo as sobrancelhas.

— Não fui eu que fiz a escolha. Já penso em Courtney como meu filho e em você como meu marido.

— Sabe, admirei muito sua forma de ir direto ao assunto desde o início... Mas fico um pouco nervoso quando você a usa comigo.

— Você vai se acostumar — murmurou, passando o dedo pelo queixo dele num gesto carinhoso.

— Não sei, não. Bem, agora me dê um beijo de despedida. Preciso ir trabalhar.

Ela não precisou de maiores encorajamentos. Levantando-se nas pontas dos pés, beijou-o com todo o ardor de que foi capaz.

— Ah, Mildred — gemeu Alex, alguns minutos depois, — você não devia ter dito “não” ontem à noite.

— Tem razão.

— Vou voltar à tarde para levá-la ao aeroporto — disse ele, pas­sando a mão pelos cabelos com dedos impacientes.

— Não é preciso.

— Mas eu gostaria de levá-la. — Ela fez uma careta.

— Estou começando a perceber que odeio despedidas.

— Não foi essa a impressão que tive agora há pouco — brincou Alex.

— Despedidas públicas, senhor. Prefiro que venha me buscar no aeroporto quando eu voltar. Se tiver tempo, é claro — acrescentou rapidamente.

— Hum, você vai ser uma esposa muito consciente! — Ele sorriu. Arranjarei o tempo que for preciso. Tem certeza de que não quer que eu a leve hoje à noite?

— Tenho.

Mildred passou a semana filmando e foi visitar os pais no sábado, para lhes comunicar sobre seu casamento com Alex.

— Mas você mal o conhece — disse o sr. McKay, com um ar severo. — Por causa de Courtney? Não quero que você se sacrifique, nem mesmo pelo bem do meu neto.

Ela sabia o quanto custara ao pai dizer-lhe isso. Tinha certeza de que, no fundo, ele queria se agarrar à qualquer oportunidade de ficar com Courtney.

— Parte é por ele — admitiu, com sinceridade. — Não vou negar. Mas é principalmente por mim mesma.

— Você ama Alex Hammond?

— Eu...

— Você o ama, Mildred? — perguntou sua mãe, com suavidade. Se o significado de amor fosse querer ficar com uma única pessoa, sentir-se nos seus braços, desejar fazê-la feliz, a qualquer custo, então a resposta era sim, pois ansiava por realizar tudo isso com Alex. E tinha consciência de que não o desejava só fisicamente.

— Sim — respondeu, cheia de confiança. — Eu o amo.

Mildred amava Alex Hammond e nem percebera isso antes. Entre­tanto, era algo que nunca poderia contar a ele, sabendo que a opinião de Alex sobre o amor confundia-se com a de um sentimento que só poderia causar destruição.

 

Mesmo assim, não lhe escondeu o que sentia quando saiu da alfân­dega, alguns dias depois e o viu à sua espera no aeroporto. Atirando-se nos seus braços, disse:

— Oh, estava com tantas saudades de você!

 

— Eu... Courtney também sentiu muita falta sua — respondeu Alex, num tom distante.

— Que bom! Beije-me, Alex.

Ele lançou um olhar à sua volta, constrangido.

— Aqui?

— Sim, aqui!

Mildred levantou o rosto, suplicante.

Com um gemido abafado, Alex inclinou a cabeça e beijou-a como se não quisesse mais parar.

 

Afinal, Alex afastou-se dela, ofegante.

— Vamos sair daqui — disse, ao perceber que várias pessoas pa­ravam para olhá-los.

Mildred passou o braço pelo seu.

— É bom estar de volta — sorriu.

Alex retribuiu-lhe o sorriso, embora houvesse uma expressão des­confiada em seu olhar.

Ela ficou sentada no automóvel, enquanto a bagagem era colocada no porta-malas.

— Fechei o meu apartamento — explicou, quando Alex veio sen­tar-se ao seu lado. — Por isso trouxe tanta coisa.

— Foi difícil partir?

— Nem um pouco — respondeu, radiante de felicidade, enquanto entravam na avenida.

Como poderia ter sido difícil deixar Los Angeles quando ia ficar com o homem que amava? Sentia-se um pouco nervosa, naturalmente, mas estava encantada com a idéia de tornar-se esposa de Alex.

— Como seus pais reagiram à notícia do nosso casamento?

— Ficaram surpresos, claro, mas também muito satisfeitos quando lhes expliquei que... — Mildred conteve-se com esforço. A alegria de rever Alex estava soltando demais a sua língua.

— Sim?

— Que era o mais prático que poderíamos fazer — improvisou ela, inibida.

— Prático? Sim, acho que é. Acertei o casamento para sexta-feira. Espero que você aprove.

Santo Deus! Só mais três dias e seriam marido e mulher. Parecia incrível! Há um mês não pensava em se casar com ninguém, muito menos com Alex Hammond.

— Sim. Está... está ótimo — concordou ela, um pouco trêmula. De repente, a situação que causara tudo aquilo voltou à sua mente.

Se não fosse pelo desastre, pela morte de Glenna...

— O que foi? — perguntou Alex, preocupado. — Você mudou de idéia?

— Claro que não. Estava pensando em Glenna. Se ela não tivesse morrido...

— Não pense nisso — aconselhou ele, apertando-lhe a mão. — Lamento tê-la interrogado desse jeito. Foi falta de sensibilidade mi­nha. Você deve estar cansada. Conversaremos depois. Eu estava pre­tendendo levá-la para jantar fora, mas...

— Oh, eu adoraria sair hoje com você! Tirarei uma soneca quando chegarmos à sua casa e iremos jantar mais tarde, certo?

— Só se você se sentir disposta.

Mildred estava decidida a ir de qualquer maneira. Era um absurdo estar prestes a casar-se com alguém sem nunca ter saído com ele!

— Minha mãe está passando uns dias na casa de Janet — informou Alex, ao estacionar o carro na alameda.

— Humm, ela sabia que eu iria chegar hoje, não?

— Eu estaria mentindo se dissesse qualquer outra coisa — respon­deu ele, com um sorriso.

Ao entrar na casa, ficou surpresa quando Symonds veio dar-lhe congratulações pelo casamento antes de mandar levar sua bagagem para cima.

— Todos os empregados já foram avisados — disse Alex, baixinho. — Achei melhor assim.

— Naturalmente. Senão haveria muitos mexericos quando eu me mudasse para o seu quarto.

— Mas você não irá para o meu quarto.

— Ora, por quê?

— Falaremos sobre isso no jantar.

— Não, eu...

Alex beijou-a na boca para fazê-la silenciar.

Depois de passar algum tempo com Courtney, Mildred dormiu por umas duas horas, apesar de se sentir perturbada com as palavras de Alex. Tinha deixado tudo acertado entre eles antes de voltar para os Estados Unidos e temia que o futuro marido houvesse mudado de planos durante a sua ausência. Só esperava que ele não viesse propor um casamento formal, sem relacionamento físico.

Naquela noite vestiu-se com especial cuidado e foi recompensada com um brilho de admiração no olhar de Alex. O tafetá azul escuro realçava o dourado dos seus cabelos, enquanto o decote sem alças insinuava a curva dos seios alvos e arredondados.

— Você está linda! — disse ele, adiantando-se para tomar suas mãos. Trouxe-lhe um presente.

— Para mim?!

Alex sorriu diante de sua reação entusiástica e tirou uma caixinha do bolso. Abriu a tampa, revelando um anel de brilhantes com uma esmeralda no centro.

— Seu anel de noivado. Espero que goste...

— Oh, basta saber que foi você quem o escolheu para eu adorá-lo. — Estendeu a mão para Alex colocá-lo no seu dedo. Ficou um pouco largo, mas não a ponto de sair.

— Mandarei diminuí-lo quando estivermos na nossa viagem de núpcias.

— Assim está bem. Não faz mal...

— E se você perdê-lo?

— Não há o menor perigo. Vou ficar com ele até ter a aliança para substituí-lo. Quero uma aliança bem simples, a mais tradicional possível.

Alex sorriu satisfeito enquanto abria a porta do carro para ela.

— Você é bem alegrinha quando não está enfezada — brincou.

— Eu não fico noiva todos os dias da semana, sr. Hammond!

— Acredite ou não, nem eu.

— Você já foi noivo antes, Alex?

— Nunca.

— E casado?

— Muito menos.

— Bem, Glenna nunca tocou no assunto e eu... eu fiquei curiosa.

Respirou aliviada ao saber que ele não tivera qualquer compromisso sério com aquela mulher que o magoara tanto. Era encorajador, pelo menos.

— Vou satisfazer sua curiosidade, Mildred. Nunca estive noivo, não fui casado, nem tive qualquer relacionamento sério por um período muito longo.

— Nem eu — disse ela, num tom alegre.

— Não mesmo? — Havia uma nota de zombaria em sua voz. Ela resolveu ignorar a provocação e respondeu com suavidade:

— Recuso-me a brigar com você esta noite, Alex. Afinal, acabamos de ficar noivos.

— E por que quereria brigar comigo?

— Ora, você acaba de me insultar!

— Eu?

— Não queira se fazer de bobo. Vou lhe mostrar que está muito enganado sobre mim, muito mesmo!

— Não precisa ficar tão irritada. Como você mesma disse, não vamos brigar esta noite. Espero que goste do restaurante que escolhi — completou, mudando de assunto.

— Claro que vou gostar!

— Não adianta continuar brava comigo, Mildred. Lembre-se de que vai ter de lidar com trinta e oito anos de cinismo.

— E você vai precisar agüentar vinte e seis anos de independência e franqueza! — Os olhos verdes dela cintilavam.

Apesar de o restaurante estar cheio, eles foram conduzidos a uma mesa reservada, num canto tranqüilo.

— Que lugar aconchegante — exclamou Mildred, olhando à sua volta, assim que se sentaram.

Alguns minutos depois, quando o garçom trouxe uma garrafa de champanhe, Alex levantou a taça.

— A nós — brindou.

— A nós dois — repetiu ela, com ardor.

— Nem acredito,que as coisas estejam acontecendo com tanta rapi­dez disse Alex, depois de tomar um gole.

— Sou uma pessoa impetuosa... e não só no que se refere ao meu mau gênio — observou ela, com o olhar desafiante.

— Bem, que tal se pedirmos logo a comida?

— Você pretende sempre fechar minha boca com comida?

— Não. Quando estivermos casados, vou usar um método bem mais eficiente... beijos, por exemplo...

Mildred ficou corada, olhando constrangida para o garçom que se aproximava. Depois de fazer o pedido, Alex virou-se para ela com um sorriso.

— Não sei o que está acontecendo comigo, Mildred McKay. Nunca falei coisas desse tipo antes.

— Você nunca esteve noivo para se casar — brincou, sentindo que o amava ainda mais. De repente, porém, mudou o tom e lembrou:

— Mas você disse que não vamos compartilhar do mesmo quarto.

— Não foi bem isso. Eu falei que você não vai se mudar para o meu quarto, e é verdade. Amanhã, quando estiver mais descansada, vamos dar uma olhada numas casas.

— O quê? Quer dizer que vamos ter uma casa só nossa?

— Naturalmente.

— Só para nós três?

— E algumas empregadas. Creio que você não fará objeções a ter alguém para cozinhar e lavar enquanto cuida de Courtney, não é? — Alex fez um ar brincalhão.

— E o que sua mãe acha disso tudo?

— Não gostou da idéia, é claro.

— Então, por que...

— Não estou me casando para agradar mamãe, Mildred. Longe disso!

A aspereza com que falou revelava a pressão que sofrerá naquelas duas semanas. Depois de uma pausa, ele continuou:

— Uma casa só para nós resolverá parte dos problemas que você terá que enfrentar. Pelo menos, não será obrigada a conviver com ma­mãe ou vê-la muito.

Mildred ficou comovida. Que homem maravilhoso! Jurou a si mes­ma fazer tudo para que Alex também viesse a amá-la.

— Conte-me mais sobre as casas — pediu.

— Parece que você gostou da idéia — disse Alex, olhando-a atentamente.

— Adorei! Só não quero morar longe demais da sua mãe para ela poder ver Courtney sempre que quiser.

— Depois de tudo o que aconteceu, é muita generosidade sua.

— Ela é a avó de Courtney e tem todo o direito de vê-lo — expli­cou com simplicidade.

Enquanto jantavam, Alex descreveu-lhe as casas que encontrara, fazendo-a sorrir de felicidade.

Quando voltaram para a mansão, encontraram tudo em silêncio. Os empregados já tinham se retirado para seus quartos.

— Quer um conhaque? — perguntou Alex, levando-a para a sala de visitas, onde o fogo crepitava na lareira.

— Sim, está ótimo. Oh, Alex, adorei nosso jantar!

— Eu também. Precisamos fazer isso mais vezes depois que esti­vermos casados. Imagino que você não irá objetar em deixar Courtney com uma empregada de confiança de vez em quando.

— Claro que não! Afinal, serei sua esposa também, não só mãe de Courtney. — De repente, ficou muito séria. — Ele será como se fosse nosso filho de verdade, não é, Alex?

Alex deu-lhe o copo e sentou-se ao seu lado no sofá.

— Naturalmente.

— Acho que, quando Courtney tiver idade para compreender, de­vemos lhe contar a verdade sobre seus pais, dizendo-lhe sempre o quanto o amamos e quisemos ficar com ele. Assim não terá problemas, principalmente quando entrar em choque com seus irmãos e irmãs.

— Irmãos e irmãs?

— Claro! Eu sempre desejei ter uma família grande. Tanto Glenna como eu... — Mildred sentiu um aperto na garganta e ficou muito pálida.

Percebendo-lhe a emoção, Alex passou o braço pelos seus ombros, enquanto tentava consolá-la: — Eu também sinto a falta deles.

— Desculpe-me, eu não queria estragar nossa noite — sussurrou ela, aninhada contra seu peito.

Alex levantou-lhe o queixo, enxugando as lágrimas que escorriam delicadamente.

— Você é uma mulher amorosa, que tem carinho por todas as pes­soas. Beijou-a levemente nos lábios. — Acho que uma família grande é uma idéia excelente. Afinal, vou ter a melhor parte da his­tória — brincou.

— Acha mesmo?

— Com toda certeza. — Amoldou o corpo contra o dela e disse, baixinho: Estamos sozinhos na casa, Mildred.

Ela se enrijeceu e, de repente, os efeitos do champanhe e do conha­que sumiram por completo.

— Não estamos, não. Symonds e os outros empregados estão aqui.

— Mas já foram para os seus quartos e não voltarão.

— Nosso casamento será daqui a três dias, Alex... além disso, estou muito cansada esta noite.

A boca de Alex contorceu-se num sorriso zombeteiro, enquanto ele se levantava para servir-se de outro conhaque.

— Você já está inventando desculpas antes do casamento. O que virá depois... dor de cabeça?

— Não precisa falar assim...

— Olhe, Mildred, eu já lhe disse que não serei controlado pela atra­ção física que sinto por você.

— Mas eu...

— Vá deitar-se de uma vez! Se diz que está cansada, então vá dormir.

— Alex...

— Boa noite, Mildred!

— O que você vai fazer?

— Terminar a bebida e ir para a minha própria cama — respondeu ele, com desdém.

— Vamos ver as casas amanhã, como combinamos? — perguntou, quando estava perto da porta.

— Se você quiser.

— Eu quero. Alex...

— Sim?

— Por favor... — Ela deu um suspiro. — Você logo vai compre­ender o motivo da minha relutância.

— Já entendi tudo. Quanto mais mantiver um homem esperando, mais terá chances de vê-lo atraído. É a lógica das mulheres!

Mildred percebeu que era inútil conversar com ele, principalmente quando ainda não tinha a intenção de contar-lhe a verdade.

— Eu o verei amanhã cedo.

— Como queira.

Subiu vagarosamente para o quarto, sofrendo por ter dito não a Alex, embora ainda considerasse muito importante para os dois espe­rar até estarem casados.

 

Foi muito fácil escolher a casa no dia seguinte. Alex tinha bom gosto e Mildred ficou feliz ao descobrir que a que mais a encantara era também a preferida dele.

— Vou ensinar Courtney a nadar — disse entusiasmada, ao ver a piscina.

A casa era nos arredores da cidade, e o terreno, sem ser imenso, tinha espaço para uma pequena estrebaria, onde poderiam manter dois ou três cavalos. O jardim bem tratado seria fácil de conservar.

Alex, que se mantivera frio e distante com ela no início da manhã, pouco a pouco fora ficando mais cordato e agora sorria diante do entusiasmo da noiva.

Rita Hammond voltou à casa na manhã do casamento, afirmando que se o filho insistia em continuar com essa idéia ridícula tudo o que podia fazer era dar-lhe seu apoio moral.

Mildred não conteve o riso ao ouvir a observação. Alex não preci­sava do apoio de ninguém, muito menos da mãe!

Janet Fairchild entrou no quarto quando Mildred estava terminando de se vestir.

— Vestido branco? — admirou-se ela.

— Algumas de nós têm direito a essa cor — replicou irritada com o tom de zombaria.

— Sei disso. Eu tive.

— E eu também — disse Mildred dando os toques finais na grinalda.

— Duvido! Devo dizer que estou surpresa com a idiotice de Alex em se casar com você. Sempre achei que ele era ajuizado. E também não entendi por que vocês inventaram essa história de comprar uma casa. Aqui há lugar para dez famílias!

Os olhos verdes de Mildred cintilaram de raiva.

— Alex e eu não pretendemos cometer os mesmos erros de Glenna e Mark. Por que você e seu marido nunca moraram aqui?

— Porque mamãe tornaria a vida de Charles um inferno — respon­deu Janet, sem rodeios.

— Comigo aconteceria a mesma coisa. E não tenho a mínima pa­ciência para ficar ouvindo comentários ácidos o dia inteiro.

— Você e Alex são amantes?

— Você não tem nada com isso! — Janet encolheu os ombros.

— Já percebi o modo como ele a olha. Isso explicaria toda essa loucura.

— Alex não considera nosso casamento uma loucura!

— E você também não, claro. A carreira de atriz dura pouco, prin­cipalmente as de mulheres do seu tipo, que dependem de um corpo e um rosto bonitos. O casamento com um homem rico representa uma segurança para o futuro. Se der certo, você vive no luxo; senão, terá uma pensão mais do que confortável. Você é tão esperta quanto Glenna, Mildred.

A mão de Mildred moveu-se como se tivesse vontade própria.

Des­crevendo um arco, golpeou em cheio a face de Janet, fazendo-a soltar uma exclamação de dor.

— Você vai se arrepender disso, Mildred! — a mulher gritou, seus olhos azuis, faiscantes de raiva.

— Desconfio que não — respondeu Mildred admirada por ter per­dido a paciência até aquele ponto.

Janet abaixou a mão com que cobrira o rosto e a marca vermelha surgiu, bem visível. Pode ter certeza que sim, mocinha! — ameaçou, antes de sair, batendo a porta com força.

Mildred sentou-se na cama, respirando profundamente. Se não amas­se tanto a Alex, fugiria dos ataques odiosos daquela família. Agora teria que enfrentar uma inimiga mais terrível do que Rita Hammond.

No entanto, enquanto se dirigiam para a igreja, não havia evidência do antagonismo de Janet Fairchild. E suas maneiras gentis e agradáveis perturbaram mais do que o ódio declarado que Mildred vira antes.

A casa estava repleta, pois a sra. Hammond considerou seu dever convidar todos os amigos e membros da família para o casamento, mesmo não aprovando a escolha do filho.

— Impressionante, não? — disse Alex no ouvido dela, depois de receberem os cumprimentos do último convidado da fila.

— Para falar a verdade, estou com as pernas cansadas de tanto ficar em pé.

— Sairemos assim que for possível — prometeu ele, baixinho. Iam passar a noite de núpcias num hotel antes de partirem para os Estados Unidos.

Um pouco mais tarde, quando estavam tomando vinho num canto da sala, Alex perguntou:

— O que aconteceu com Janet antes de irmos para a Igreja? Ela saiu do seu quarto como um furacão.

— Dei uma bofetada nela — confessou com simplicidade, olhando para ele com ar de desafio.

— Você não sabe que as esposas têm maridos para defendê-las? — Mildred sorriu aliviada.

— Na hora, você ainda não era meu marido.

— Mas agora sou — reafirmou ele, com voz ligeiramente rouca. — Prometa que, se houver mais insultos, vai deixar-me resolvê-los à minha maneira.

Por volta das oito, quando saíram, Mildred estava com a cabeça latejando. Fora apresentada a tantas caras novas, ouvira dezenas de nomes que nunca iria guardar, trocara alfinetadas com Rita e, acima de tudo, sentira a tensão crescer cada vez que encontrara o olhar de Janet. O adeus a Courtney só serviu para tornar a situação ainda pior. Três semanas longe dele estavam lhe parecendo uma eternidade.

Não se atreveu a mencionar a dor de cabeça a Alex, lembrando-se de imediato do que ele lhe dissera sobre inventar desculpas para fugir da sua cama.

— Cansada? — perguntou ele, ao vê-la encostar-se no banco do carro e dar um suspiro.

— Um pouco.

Mildred sorriu e fechou os olhos por um minuto, tentando lutar contra a dor.

Não tinha idéia de quando pegara no sono, mas acordou com Alex batendo suavemente no seu ombro.

— Chegamos ao hotel — avisou ele. — Está se sentindo melhor? A dor de cabeça passou?

Mildred endireitou-se no banco rapidamente, com os olhos arrega­lados.

— Você sabia?

— Claro que sabia. Você estava muito pálida e percebia-se que seus olhos procuravam fugir da luz forte. Não tenha medo de mim, Mildred.

— Eu não tenho medo! Só não quis ouvir mais acusações como a que você fez aquela noite.

Alex tocou seu rosto com carinho.

— Naquela noite eu estava sofrendo do mal que mais ataca os homens... frustração sexual. Se você está com dor de cabeça, gosta­ria de ir dormir cedo... sozinha?

— Já passou, Alex... passou de verdade — disse ela, emocionada com a sua delicadeza.

— Isso significa que você não quer deitar-se cedo?

— Tanto faz... Só não pretendo ir sozinha — brincou Mildred. Alex riu baixinho e desceu do carro, enquanto o porteiro do hotel abria a porta do lado de Mildred. Em poucos minutos já estavam sendo conduzidos para a suíte.

Quando o funcionário do hotel fechou a porta, Alex virou-se para ela, perguntando:

— E quanto a ir cedo para a cama?

— Eu gostaria de tomar um chuveiro antes.

— Naturalmente. Usarei o outro banheiro.

O tom um pouco abrupto de Alex a fez imaginar se ele, também, não estava um tanto desconcertado com a noite de núpcias. Esse pensamento deu-lhe uma maior autoconfiança para enfrentar aquela situação nova.

Quando terminou o banho, ela perfumou-se com sua essência favo­rita e depois vestiu uma camisola branca, de decote insinuante, que revelava a perfeição das suas curvas.

Alex estava no terraço, olhando para as luzes de Londres, a dez andares abaixo, e ela foi para perto dele.

Ao senti-la aproximar-se, ele se virou, soltando uma exclamação abafada ao ver a figura sensual da mulher que era agora sua esposa. Mildred encarou-o sem o menor traço de medo nos olhos verdes. Alex, vestido apenas com a calça do pijama de seda preta, pareceu-lhe incrivelmente atraente.

— Mildred... — Sua voz saiu quase num gemido.

Ela não se aproximou imediatamente. Umedeceu os lábios com a ponta da língua, sabendo que agora seria a hora de falar.

— Alex... você notou que usei branco hoje? — perguntou, sem rodeios.

— Claro que sim!

— Eu... houve um motivo para isso.

— Um motivo?

Ela começou a falar antes que perdesse a coragem. O ar ligeira­mente cínico de Alex não estava facilitando as coisas.

— Quando Glenna e eu éramos meninas, costumávamos conversar muito sobre como seria o nosso casamento. Naturalmente, imagináva­mos as maiores fantasias com os artistas de cinema da época. Quando ficamos adultas, os sonhos se tornaram mais razoáveis. Mas o que restou de tudo isso foi uma promessa que fizemos uma à outra, e que nós duas mantivemos.

Fez uma pausa e depois completou:

— Alex, eu ainda sou virgem.

— Virgem?! — repetiu ele, como se não acreditasse no que tinha ouvido.

— Sim, sou. E olhe que aos vinte e seis anos não deve ser algo comum hoje em dia!

— Não faça brincadeiras, Mildred! Você está dizendo a verdade?

— Uma atriz sem moral, que só gosta de se divertir? — Mildred repetiu as palavras dele com um leve tom de zombaria. — Sim, Alex, é a mais pura verdade.

Ele respirou fundo e depois olhou para ela como se a estivesse vendo pela primeira vez.

— Foi por isso que você me evitou naquela noite?

— Sim. Vejo que você está chocado, mas sempre considerei meu corpo importante demais para ser só uma marca na cama de qual­quer homem. Decidi me poupar para alguém que significasse muito para mim.

— Mildred Hammond, você é uma mulher incrível! Estou come­çando a imaginar o que vou enfrentar daqui para a frente. Uma virgem... e no entanto você se casou comigo em parte porque me queria fisicamente!

— Terrível, não é? — ironizou Mildred, aliviada agora que disse­ra a verdade. — Você me deixa completamente à vontade, sr. Ham­mond, sem qualquer inibição.

— Ainda bem... não quero que nada diminua seu prazer. — Dizendo isso, tomou-a nos braços e levou-a para a cama.

— Por que isso agora? — brincou ela. — Eu teria vindo a pé com muito prazer. Afinal, já faz um bom tempo que o quero.

— Ah, minha gatinha!

Ela estremeceu de prazer quando os lábios de Alex pousaram sobre os seus demoradamente, na primeira onda da paixão.

Depois os beijos foram se tornando mais suaves, mais sensuais.

— Mildred! — murmurou ele, enquanto acariciava seu corpo, le­vantando pouco a pouco a seda da camisola, expondo-lhe a pele quente e macia.

— Alex... como eu te quero...

— Espere um pouco, querida. Você ainda não está pronta. Não posso me esquecer de que não tem experiência. Ah, você me deixa louco!

— Mostre-me como posso agradá-lo, do que você mais gosta — disse ela, num tom rouco e ansioso.

Alex deitou-se de costas sorrindo docemente. — Você não quer descobrir por si mesma? — perguntou, com um olhar encorajador.

Ele pareceu gostar de tudo... de cada toque, de cada carícia, do modo como Mildred tirou-lhe a calça do seu pijama em movimentos sensuais, acariciando cada pedacinho do corpo.

— Agora chega, Mildred. Não posso suportar mais! — ele gemeu, afastando suas mãos.

Mais uma vez, ele começou a acariciá-la, levando-a a um tal estado de prazer que a dor foi sufocada pela sensação de felicidade absoluta quando seus corpos alcançaram o clímax simultaneamente. Esses mo­mentos, que pareceram irreais, fora do tempo e do espaço, duraram até os dois caírem exaustos um nos braços do outro.

 

Mildred acordou com uma sensação de bem-estar que nunca expe­rimentara antes; um langor que fazia seu corpo parecer flutuar. Sorriu ao lembrar-se da segunda vez em que Alex a possuíra. Ambos haviam acordado ao mesmo tempo, virando-se um para o outro imediata­mente, fazendo amor com mais vagar, sem a louca ansiedade de antes. No entanto, o resultado fora o mesmo prazer, o mesmo êxtase.

— Do que você está rindo? — perguntou Alex preguiçosamente, deitado ao lado dela.

Mildred acomodou-se entre os braços dele, encostando a cabeça no seu ombro.

— Estava pensando em você.

— Gostei da idéia. Pensamentos eróticos?

— Sem dúvida! — Ela deu uma risada, amando ainda mais esse Alex tranqüilo e relaxado.

— Que tal pôr esses pensamentos em ação?

Se o garçom que lhes trouxe o desjejum nesse momento notou os sorrisos abobalhados em seus rostos, fingiu ignorá-los, servindo-os com grande rapidez e eficiência. Mildred precisou abafar uma gargalhada ao ver Alex tentando aparentar a sisudez de sempre ao agradecer ao rapaz.

— Gostaria de não ter escolhido uma maldita suíte nupcial — res­mungou ele, quando fechou a porta. — Deixa implícito que passamos a noite toda fazendo amor.

— E não podíamos estar fazendo isso em qualquer quarto? — brincou Mildred.

— Naturalmente, mas...

— Oh, Alex, não me importa que o mundo inteiro saiba!

Ela se levantou e passou os braços pelos ombros de Alex, encos­tando sua cabeça na dele.

— Sem dúvida que vai saber se você ficar andando por aí com essa cara de boba.

— Se estou com cara de boba, a culpa é sua.

Alex segurou-a pela cintura, levando-a de volta para o quarto.

— Alex, estou com fome...

— Eu também. Podemos comer mais tarde.

No final, nem se importaram com o desjejum. Pediram o almoço bem mais cedo do que o usual. O mesmo garçom veio servi-los e ergueu levemente as sobrancelhas ao ver os pratos intocados da pri­meira refeição. Dessa vez Alex também riu assim que ele saiu.

— Será que todas as luas-de-mel são assim? — perguntou Mildred, espreguiçando-se langorosamente.

— Não dou a mínima importância para as outras luas-de-mel. A nossa está sendo... linda.

— Oh, Alex, estou contente por ter me casado com você!

— E eu também. — Ele riu. — Agora coma logo o almoço, antes que percamos o avião.

Mesmo a longa viagem até Los Angeles não foi suficiente para di­minuir a felicidade de Mildred, que encontrou uma fonte interminável de assuntos para conversar com o marido. Por outro lado, experimen­tava também prazer até nos momentos de silêncio, pois se sentia ligada a Alex por laços invisíveis.

Alugaram um carro ao chegarem no aeroporto e em pouco tempo estavam a caminho da casa dos pais dela.

— Vai sentir saudades daqui? — perguntou Alex, vendo-a olhar pela janela.

— De Los Angeles? Um pouco. Afinal, morei vários anos aqui. Mas sei que vou me acostumar na Inglaterra. — Pôs a mão na perna de Alex. — Tenho coisas bem melhores agora.

— Espero que sim.

— Agora sou toda sua, sr. Hammond, por isso é tarde demais para ter dúvidas. Se quiser, poderemos parar num motel qualquer e eu acabarei com elas.

— Acho que conseguirei esperar até a noite... com muito auto-controle.

— Já é noite na Inglaterra.

— Feiticeira!

— Mas se quiser esperar... — Mildred tirou a mão da perna de Alex.

— Eu não quero esperar, mas não tenho escolha. Minha vingança é saber que a agonia será a mesma para nós dois!

— Ainda bem que meus pais sempre vão dormir cedo.

— O que significa que poderemos ir para a cama no mesmo horário?

— Sim, senhor.

— Se bem que devíamos ter deixado essa visita para o fim da nossa viagem de núpcias. Mal consigo manter minhas mãos longe de você!

Os pais de Mildred a receberam com grande carinho, mas não con­seguiram disfarçar uma certa reserva em relação a Alex. Afinal, só o tinham visto uma única vez antes, no casamento de Glenna. Porém, seus modos gentis e galantes, assim como a felicidade que viram estam­pada no rosto da filha, fizeram a frieza terminar rapidamente.

— Courtney é muito importante para o sr. McKay — comentou Alex no quarto, enquanto tirava a roupa para deitar-se.

Mildred, sentada na beirada da cama, o observava sem qualquer constrangimento. Gostava de ver aquele corpo nu, agora que o conhe­cia tão intimamente.

— Também acho — disse ela.

— Quando Courtney estiver um pouco maior, nós o traremos para visitar os seus pais.

— Mamãe me disse que papai logo poderá viajar de avião.

— Talvez então eles possam ir para o batizado.

A conversa deixou de ter importância quando Alex tirou o resto das roupas e parou em frente a ela, convidando-a a fazer o mesmo.

Mildred logo tirou o vestido e começou a acariciá-lo. Adorava ver o desejo suavizando os traços duros de Alex.

— Já houve muitas mulheres na sua vida? — perguntou mais tar­de, quando a paixão fora saciada e estavam deitados lado a lado, cansados e felizes.

— Onde já se viu fazer uma pergunta dessas em plena lua-de-mel? resmungou Alex, apertando-a entre os braços.

— É uma pergunta franca, que exige uma resposta sincera.

— Não tenho a menor intenção de discutir esse assunto nos próxi­mos quinze dias.

— Por que não? — Mildred levantou-se num cotovelo para vê-lo melhor. Você não pode negar que é um amante formidável.

— Mildred...

— Oh, eu sei. Como todo bom inglês, você gosta de aparentar frieza em relação a esses assuntos. Mas não me importo, você faz amor lindamente.

— Como pode dizer isso se você não tem termos de comparação?

— Pelo menos sei a diferença entre me afogar em prazer e ficar deitada aqui como uma pedra!

— Sapeca! Bem, já tive muitas mulheres, embora ultimamente te­nha me tornado mais exigente.

— Sua família acha que você é um dom-juan.

— Minha família que vá para o inferno!

— Alex...

— Não vim até aqui para falar da minha família. Será que você não pode pensar em nada melhor para fazermos?

— Mas é claro que sim!

Mildred deu uma risada alegre e logo estava se deliciando com as carícias enlouquecedoras do marido.

Na manhã seguinte, ela examinou as marcas no seu corpo com um sorriso de profunda satisfação. O segundo ato de amor daquela noite fora quase cruel mas, ainda assim, melhor do que nunca.

Alex mexeu-se ao lado dela e abriu os olhos vagarosamente. Quan­do a viu acordada, ficou alerta e também reparou nas marcas verme­lhas, mas com uma expressão estranha.

— Eu fiz isso? — perguntou, com incredulidade.

— Hum, hum.

— Oh, Deus, sou um bruto! Deve ter doído.

— Na hora nem senti. E olhe só isto. — Mildred tocou-lhe o om­bro com a ponto do dedo.

Alex olhou para os arranhões que as unhas dela tinham feito na sua pele num momento de êxtase incomum e depois deu um grande sorriso.

— Só espero que saiamos vivos da nossa lua-de-mel!

E vivos saíram! A temporada em Barbados foi uma época de pre­guiça na praia cheia de sol, de encantamento crescente com a presença um do outro, de carícias que pareciam acender fogueiras apagadas a custo.

Alex alugara uma casa com uma praia particular e, além da moça que ia fazer a limpeza todas as manhãs, não viram ninguém. No último dia, Mildred conseguiu convencer o marido a tomarem banho de mar completamente nus.

— Poderemos ser presos por isso — disse ele, ainda um pouco relutante, enquanto entravam na água.

— Isto não é nada comparado com o que vamos fazer na praia depois! brincou Mildred, com um brilho malicioso nos olhos.

Alex deu uma risada rouca. Tinha rido muito nas últimas três se­manas e nada nele lembrava o homem frio e austero que fora a Los Angeles naquela primeira vez. Mildred esperava que continuasse sem­pre assim.

No dia seguinte, porém, à medida que se aproximavam da Inglater­ra, Alex ia ficando mais tenso e distante, apesar das brincadeiras de Mildred. Quando saíram do aeroporto em direção à casa dos Ham­mond, onde iriam apanhar Courtney, tornava-se quase impossível para ela acreditar que aquele homem era o mesmo com quem tinha feito amor na praia e que a perseguira pela areia com nada mais no corpo a não ser sua aliança.

Barbados parecia ter ficado a séculos de distância, e Mildred sentia-se completamente deprimida com a modificação no marido.

— Nós não vamos demorar não é, Alex? — perguntou, ansiosa, ao avistar a mansão dos Hammond, em Londres. Não sentia a menor disposição de trocar as habituais alfinetadas com Rita Hammond. Já bastavam os problemas de tentar aceitar a atitude do marido.

— é quase meio-dia e meia — respondeu ele, num tom sugestivo.

— Mas...

— Não podemos simplesmente agarrar Courtney e sair correndo. Não seja infantil, Mildred — acrescentou, com desdém.

Ela sentiu o sangue subir-lhe ao rosto. Esquecera-se da maneira pela qual ele se auto-protegia, estando mais acostumada com as pala­vras de admiração e carinho que haviam substituído a rispidez dos primeiros dias. A tensão voltou a dominá-la quando viu a sra. Ham­mond abraçar o filho com entusiasmo, antes de lhe fazer um aceno frio.

— Você descansou bastante em Barbados, querido? — perguntou Rita, enquanto se dirigiam para a sala.

— Barbados é sempre... agradável — disse ele acomodando-se numa poltrona.

Mildred estremeceu de nervosismo. Agradável? Sua viagem de núpcias fora só agradável? Percebeu a expressão de triunfo no rosto de Rita e procurou assumir uma atitude controlada.

— Se vocês me dão licença, vou subir para ver Courtney — disse, saindo da sala sem esperar resposta.

A súbita frieza de Alex depois do calor daquelas três semanas doía como uma punhalada. Sentia como se algo houvesse encoberto as emoções dele, deixando de fora só o cinismo que ela conhecera antes.

Respirou fundo, tentando se acalmar. Logo estariam na sua própria casa, acompanhados apenas pelo bebê. Teria uma conversa franca com o marido, procurando um esclarecimento para essas atitudes.

Só não contava com Alex ter outras idéias em vez de irem para casa!

— Deixarei você e Courtney lá e irei para o escritório em seguida. Preciso ver como andam as coisas.

Mildred piscou, surpresa. Ele não fizera qualquer menção sobre ir trabalhar naquele dia.

— Mas você tem que ir mesmo? — perguntou apreensiva, cons­ciente de que Rita acompanhava a conversa com interesse.

— Eu não iria se não precisasse! Faz três semanas que estou fo­ra... As Indústrias Hammond não se administram sozinhas!

Mildred recuou instintivamente ao ouvir o tom áspero do marido, que dava a impressão de achar que aquela viagem de núpcias fora uma perda de tempo. Como podia falar desse jeito com ela em frente da mãe? A sra. Hammond não escondia sua satisfação.

— Parece que a lua-de-mel acabou — comentou ela, com acidez.

— Courtney está pronto, Mildred? — perguntou Alex, virando-se para ela com um olhar frio. — Acho que está na hora de irmos.

— Mas o café...

— Não quero, mamãe. Vamos, Mildred?

— Vou pegar o bebê. A sra. Ford já deixou tudo pronto.

Ela subiu as escadas com passos pesados. Como aquele almoço fora diferente dos que tinham compartilhado em Barbados! Agora, Alex parecia não ver a hora de livrar-se dela.

— Vou sentir saudades dele — disse a sra. Ford, com um arzinho triste, enquanto entregava o bebê.

— Faço questão de que vá visitá-lo sempre que sentir vontade — convidou Mildred, carinhosamente. — Será sempre bem-vinda na nossa casa.

— Obrigada, irei mesmo.

Mildred ficou na sala com Rita enquanto Alex e Symonds guar­davam a bagagem do bebê no carro. O silêncio entre elas estava pesado e tenso. As palavras de Alex ainda martelavam no cérebro de Mildred. A lua-de-mel fora apenas agradável!

— Quer dizer que você não conseguiu manter a atenção do meu filho nem mesmo na sua viagem de núpcias — disse Rita, com des­dém. — Eu já devia ter imaginado. Você é tão fútil e vazia como Glenna.

— Deixe Glenna fora disto!

— Com todo o prazer! Tenho certeza de que Alex logo irá reco­nhecer o erro que cometeu ao casar-se com você. Desconfio que ele já está arrependido por ter agido com impetuosidade!

Mildred não suportou permanecer na sala por nem um minuto mais. Alex e Symonds estavam guardando a última mala no automóvel quando se aproximou deles.

— É melhor você ir agradecer a sua mãe pelo almoço,— disse com ar aborrecido. — Eu me esqueci.

Ele lhe lançou um olhar penetrante antes de entrar na casa, de onde voltou minutos depois acompanhado pela sra. Hammond.

— Posso segurar Courtney por um instante... por favor?

Ela lhe entregou o bebê e viu as feições duras e altivas da mulher se relaxarem num sorriso enquanto olhava para o neto. Sim, Rita o amava! Talvez houvesse alguma esperança para ela.

— Venha vê-lo sempre que quiser — disse, num impulso.

— Era o que eu pretendia fazer. Afinal de contas, ele é meu neto.

— E a casa é de Mildred — acrescentou Alex suavemente, tirando Courtney dos braços da mãe e entregando-o à esposa.

— E do meu filho!

— Mildred vai passar mais tempo lá do que eu. — Quando já estavam na estrada, virou-se para ele.

— Obrigada!

— É a verdade. E como vocês duas não combinam mesmo... — Ela mordeu o lábio e resolveu enfrentar a expressão dura do marido.

— Alex, você acha mesmo que nossa viagem de núpcias foi só... agradável?

— Pelo que me lembro, eu disse que Barbados foi agradável.

Não toquei na nossa viagem de núpcias — declarou num tom ríspido, sem nem mesmo olhar para o lado. — Não podia dizer a minha mãe que mal saímos do quarto!

— Por que não? É o que a maioria das pessoas faz na lua-de-mel!

— Não gosto de ficar alardeando minhas intimidades.

Mildred deu um suspiro desapontado. O amante apaixonado de Barbados desaparecera como por encanto. O homem que o substituíra era ainda mais severo do que o Alex Hammond que conhecera antes.

— Você precisa mesmo ir para o escritório? — perguntou, ansiosa.

— Acabo de passar três semanas sozinho com você, Mildred, não foi o suficiente?

Ela recuou no assento do carro como se tivesse sido atingida fisi­camente. A lua-de-mel tinha mesmo acabado!

Courtney a manteve ocupada pelo resto do dia. Já estava mais ativo, começando a se interessar pelas coisas à sua volta.

— O sr. Hammond ligou há uns dez minutos, madame — disse a empregada, ao vê-la descer as escadas. — Quando o avisei que a se­nhora estava com o bebê, falou para eu não chamá-la.

Mildred ficou nervosa por ter perdido a oportunidade de falar com Alex pessoalmente. Queria muito pôr um fim naquele abismo que estava ameaçando surgir entre eles.

— Ele deixou algum recado?

— Disse que precisava ficar em Londres e que era para a senhora não esperá-lo para o jantar.

— Obrigada, sra. Whitney. Não precisa se preocupar com o jantar. Comerei alguma coisa mais tarde se tiver vontade.

Havia perdido o apetite, chocada com a frieza de Alex, não se conformando com este desejo de ficar longe dela. Podia aceitar uma tarde no escritório... mas uma noite também!

Depois de dar a última mamadeira a Courtney, decidiu que era hora de ir para a cama. Pelo jeito, Alex não voltaria tão cedo!

O quarto era decorado em tons de creme e verde, muito repousantes, mas ela não sentia o menor sono. Como Alex podia estar fazendo uma coisa dessas na sua primeira noite em casa! Aos poucos, a raiva come­çou a substituir a mágoa. De madrugada, ao ouvir o automóvel entran­do na alameda, ela estava furiosa. Não seria tratada desse modo!

Levantou-se e ficou parada no meio do quarto. A camisola preta revelava os contornos do seu corpo perfeito. Se o marido imaginava que ela era daquelas que fugiam de um confronto fingindo dormir, estava muito enganado!

Alex parou na porta ao vê-la de pé ali, com um ar orgulhoso.

— Mildred... — sussurrou, começando a tirar a gravata. — Pen­sei que já estivesse dormindo.

— É mesmo? Estou surpresa em saber que pensou em mim.. pelo menos por um instante.

— O que está acontecendo?

— Alex, se você quer terminar com o relacionamento físico do nosso casamento, é melhor ser franco! Não precisa ficar longe de sua própria casa só para me evitar. Eu... Oh! — Soltou uma exclamação de surpresa ao ser puxada de encontro aos braços fortes.

— Terminar com o relacionamento físico do nosso casamento! — repetiu ele, sacudindo-a. — Como pode falar com tanta frieza da explosão de sentidos que compartilhamos?

— É você quem está sendo frio!

— Eu quero você, quero muito. Oh, Deus... Eu não a estava evi­tando... não voluntariamente. Quis lhe dar a oportunidade de pensar melhor, de pôr um ponto final em nossa lua-de-mel, se quisesse. — Afastou-se para olhar o rosto dela molhado de lágrimas. — Você não quer, não é?

— Nunca!

— Nem eu! — confessou Alex, com doçura, começando a tirar-lhe a roupa com dedos ansiosos.

 

Não houve mais desentendimentos, nem noites passadas no escri­tório, longe de casa. Dois meses de casamento com Alex estavam proporcionando a Mildred uma felicidade que nunca imaginara existir.

Courtney reagia favoravelmente ao ambiente à sua volta. Aos três meses, era um bebê tranqüilo, sempre pronto a sorrir quando os dois vinham brincar com ele.

Estavam vivendo uma vida bem normal, sem se lembrarem das circunstâncias trágicas que tinham dado início àquele relacionamento, e Mildred não teve receio de convidar a sra. Hammond para tomar chá numa tarde. Alex estava levando Courtney para visitar a avó pelo menos uma vez por semana, mas nunca a chamara para ir junto, talvez pressentindo sua relutância em rever a sogra depois daquele último encontro.

Rita Hammond parecia ter ficado chocada com o convite, sem no entanto hesitar em aceitá-lo. A própria Mildred estava um pouco surpresa consigo mesma, mas decidiu que a mulher, afinal, era a mãe do seu marido e que não poderiam continuar afastadas para sempre.

Rita chegou às quatro horas, tão altiva e elegante como sempre. Olhou à sua volta com expressão crítica examinando a decoração da sala toda em tons de branco e ocre.

— Pelo menos você tem uma casa bonita — disse, de má vontade, depois de alguns minutos de tensão. — Sem duvida, contratou os serviços de um especialista.

Mildred sorriu com a tentativa da mulher de desmerecer seus talentos.

— Fui eu que fiz tudo. Sempre me interessei por decoração. Quer que eu vá buscar Courtney?

— Ora, é por isso que estou aqui!

— Pensei que a senhora tivesse vindo para tomar chá.

Mildred escondeu um sorrisinho de desdém enquanto saía da sala. Gostou de encontrar algo de divertido na atitude da sogra. Ia precisar de muito humor durante aquela visita.

Felizmente, Courtney conseguiu diminuir a sensação de mal-estar entre elas. Com expressões cheias de carinho, ambas ficaram obser­vando enquanto ele, deitado no chão sobre uma manta, balançava as mãozinhas e os pezinhos, movimentando-se com desembaraço.

— O exercício faz bem para ele. Foi o que o pediatra me disse quando o levei na semana passada.

— Não tenho dúvidas quanto à saúde de Courtney — disse Rita, num tom orgulhoso. — Só estou imaginando quando você vai se cansar desse seu último papel.

— Que quer dizer com isso?

— Seu papel de esposa e mãe carinhosa. Você pode ser uma atriz de talento, mas quanto tempo vai agüentar a mesma peça?

Mildred respirou fundo para manter a calma.

— Sra. Hammond... eu a convidei para tomar chá e visitar Courtney. Isso não lhe dá o direito de me insultar.

— Eu simplesmente perguntei...

— Foi uma pergunta impertinente e ridícula! — Ela se levantou, agitada. Não estou representando. Eu sou a esposa de Alex e a mãe de Courtney. E imaginei que a esta altura a senhora já tivesse esquecido seu preconceito e me aceitado como tal!

— Olhe, só estou lhe suportando porque meu filho escolheu arrui­nar a própria vida com esse casamento sem sentido e porque sua irmã fez a bobagem de inventar uma tutela em conjunto. De outro modo, eu nem olharia para você! Duas manchas vermelhas cobriam suas faces enquanto ela expressava claramente seu desgosto. — Sei muito bem que você tem usado sua influência para manter meu filho longe de mim e que também tem me impedido de ver meu neto o quanto eu gostaria...

— Alex o leva na sua casa todas as semanas!

— Por meia hora, se muito. Nunca fica o bastante.

— Acho que fica tempo demais — disse uma voz grave, vinda da porta.

As duas mulheres viraram-se na direção de Alex, que acabara de entrar. Rita estendeu as mãos para ele.

— Como tem passado, mamãe?

Alex atravessou a sala e foi sentar-se ao lado de Mildred, passando o braço pelos seus ombros. Puxou-a mais para perto quando percebeu que ela tremia.

— Sua mãe estava de saída — disse ela, num desafio.

— Eu tinha percebido.

— Alex, você não pode estar falando sério! Sou sua mãe! Eu...

— E Mildred é minha esposa. Não vou permitir que você nem ninguém a ofenda... Trate logo de avisar Janet disso.

— Janet?

— Vocês duas são iguais! Desta vez você foi longe demais... ofendeu Mildred na minha frente. Ela tem feito o possível para pro­tegê-las, escondendo de mim o quanto vocês têm sido maldosas... Sim, senhora! Ela tem feito isso — repetiu, ao ouvir a pequena excla­mação irritada de Rita. — Mas, depois de ouvir o que você acaba de dizer, acho que ela errou em não falar comigo. Mildred não tem nada a ver com o fato de eu não ir à sua casa com mais freqüência. A verdade é que eu não quero ir lá.

— Você? — A sra. Hammond arregalou os olhos, surpresa. — Não posso acreditar, Alex!

— Pois já é tempo de começar a mudar de opinião. E acredite nisto também: meu casamento é um sucesso em todos os aspectos. A última coisa que eu poderia querer seria vê-la aqui, estragando tudo, como está fazendo agora. Por isso, endosso o pedido da minha mulher. Queira ir embora, por favor. E não volte mais aqui até que se sinta disposta a pedir desculpas a Mildred pelos insultos que lhe fez tanto hoje como no passado.

— Nunca! — exclamou Rita, corando.

Alex tocou a campainha para chamar a empregada.

— Então não temos mais nada a dizer um ao outro, mamãe. Ah, sra. Whitney... — Sua voz se suavizou quando se dirigia à mulher que estava entrando. — Minha mãe está de saída.

— Alex...

— Até logo, mamãe.

— Você vai se arrepender... — A sra. Hammond parou, inibida diante do olhar curioso da empregada.

— Acho que não — respondeu Alex, confiante, enquanto sua mãe saía da sala com passos furiosos.

— Meu Deus! Por que ela me odeia tanto? — murmurou Mildred, escondendo o rosto com as mãos.

— Ela não suporta ver ninguém feliz.

— E parece achar que nenhuma mulher está à altura dos seus filhos!

— Isso também... — Alex deu uma risadinha e depois ficou sério. — Olhe, não sei por que ela tem raiva de você, mas terá que lhe pedir desculpas.

— Você ouviu o que sua mãe disse. Nunca!

— Bem, se ela não fizer o que eu mandei, vai ser a única a sair perdendo... — Beijou-a de leve nos lábios e depois perguntou, rouco: — Será que você pode deixar Courtney com a sra. Whitney por uma... ou duas horas?

Mildred olhou para ele, intrigada, e depois percebeu o que estava escrito nos olhos cinzentos do marido.

— Alex, a esta hora?! — exclamou, um pouco chocada.

— Você foi sensacional, querida. Quero sentir esse fogo que está ardendo dentro de você.

Mildred pegou o bebê, enquanto dizia:

— Vou levá-lo para o berço.

— Não demore.

— Só um instantinho.

Momentos depois, quando entrou no quarto, já encontrou o marido de roupão.

— Que tal tomarmos um chuveiro juntos?

— Ótima idéia! — respondeu ela, começando a se despir.

— O que você disse à sra. Whitney? — quis saber, enquanto a observava com os olhos cheios de admiração.

— Que tínhamos de conversar sobre algumas coisas e que o bebê poderia atrapalhar.

Alex sorriu, puxando-a para si. Mildred abriu o cinto do roupão e amoldou-se à sua figura musculosa.

— Acho que não vou conseguir esperar pelo chuveiro.

— Não faz mal, podemos deixar para uma outra ocasião.

Mildred levantou-se nas pontas dos pés para beijá-lo apaixonada­mente, entregando-se completamente às suas carícias. Sabia que pouco a pouco Alex estava começando a lhe dar um pouco da sua alma sem nem mesmo perceber.

— Eu não pensei que você fosse voltar tão cedo — comentou ela, deitada com a cabeça no peito do marido algum tempo depois.

— Está se queixando? — murmurou Alex, num tom preguiçoso, afastando uma mecha de cabelos da testa.

— Eu não. E você? — brincou Mildred, apoiando-se num cotovelo.

— Nunca me queixo quando você se torna agressiva. Adoro isso! — Mildred desejou ouvi-lo dizer que a amava. Talvez um dia ele o fizesse.

— Mas, conte-me, por que veio tão cedo? Você nunca chega antes das seis.

— Estava pensando em você e resolvi voltar para casa antes que perdesse a cabeça.

Mildred lançou-lhe um olhar severo ao perceber que o marido estava fugindo da pergunta.

— Quero saber da verdade, Alex.

— Está bem... Tive a sensação de que minha mãe ia bancar a dona do castelo. E não vou permitir que isso aconteça na nossa casa.

Mildred ficou séria ao lembrar-se da cena que acontecera uma hora atrás.

— Juro que pensei que ela fosse agir de modo diferente desta vez suspirou.

— Eu a conheço bem. Mamãe nunca vai mudar.

— Ela nunca me pedirá desculpas. Sua mãe me detesta!

— Como eu disse, minha mãe deixou de ser bem-vinda aqui. E também não tenho a menor intenção de voltar lá.

Alex manteve a palavra e, durante as duas semanas que se segui­ram, não tiveram notícias da sra. Hammond, algo que parecia não preocupá-lo, mas que deixava Mildred apreensiva. Não estava gostan­do de ser a causa de mais atritos na família.

Afinal, Janet Fairchild foi visitá-los um dia. Mildred não se esque­cera da última vez em que tinham se encontrado, quando a esbofeteara. E, embora a cunhada não desse nenhuma indicação de que se recordava do incidente, não se deixou iludir.

Os três estavam sentados diante da lareira, e de repente Janet per­guntou ao irmão:

— Você não acha que já puniu mamãe o suficiente?

— Punir? Não foi essa minha intenção.

— Então, por que insiste em não visitá-la, mantendo Courtney afastado dela?

— Não “insisto” em nada — respondeu Alex, num tom confiante. — Se ela quiser ver o neto, basta vir aqui e pedir desculpas à mãe dele.

— Mildred não é a mãe de Courtney!

— Janet... Eu detestaria ter que pedir para você se retirar da minha casa também.

— Alex, por favor! — Mildred tocou-lhe o peito num gesto de súplica. Estavam sentados lado a lado no sofá, com Courtney dor­mindo entre almofadas na outra ponta.

— Não preciso que você me defenda! — disse Janet, com o rosto pálido e tenso.

— Você tem toda a razão. E sua mãe é bem-vinda aqui sempre que quiser. Ela forçou um sorriso, sentindo que a briga estava indo longe demais.

— Não até ela pedir desculpas — interveio Alex, ríspido.

— Alex...

— Mildred, por favor, deixe isso comigo. Mark pode ter vacilado para defender a esposa, mas eu sou muito diferente dele.

— Mark era fraco demais para impedir muitas outras coisas!

Mildred estremeceu e lançou um olhar ansioso para Alex, temendo que Janet começasse a pôr dúvidas quanto à paternidade de Courtney. Podia jurar que o marido não suspeitava de uma coisa dessas em relação a Glenna, pois sempre falava dela com carinho, sem o pre­conceito que caracterizava sua mãe e sua irmã.

— Mas eu não sou — declarou Alex levantando-se. — Portanto, pode ir dizer a mamãe que suas súplicas não funcionaram. Quero que ela se desculpe com Mildred e não vou aceitar outra saída para o impasse. Faço absoluta questão disso!

 

No dia seguinte, ele não se mostrou surpreso quando sua mãe chegou, mas o coração de Mildred deu um salto no momento em que a empregada a anunciou.

— Faça-a entrar, sra. Whitney.

Dito isso, Alex ficou parado perto da lareira, com um sorriso indulgente nos lábios diante do nervosismo da esposa.

— Tenha calma, querida! Ela não vai magoá-la.

— Mas pode tentar!

A sra. Hammond entrou, sem dar a menor impressão de estar dis­posta a pedir desculpas por qualquer coisa. Seus olhos azuis brilha­vam, como se estivesse pronta para se engajar numa batalha.

— Boa tarde, mamãe.

— Como vai, Alex? Boa tarde, Mildred!

O silêncio ficou pesado depois desses cumprimentos lacônicos. Alex não parecia disposto a facilitar as coisas. Ficou imóvel, espe­rando pelas desculpas da mãe.

Os olhos azuis finalmente viraram-se para Mildred. E as palavras saíram forçadas por entre os lábios de Rita.

— Acredito que lhe devo desculpas, pois você se ofendeu com algo que eu disse...

Eu me ofendi, mamãe — corrigiu Alex.

— Muito bem. — O rosto dela ficou corado de raiva. — Desculpe-me, Mildred, se eu disse algo que lhe pareceu grosseiro.

— Não “pareceu”, mamãe — interveio Alex novamente, num tom implacável. — Foi grosseiro. Eu ouvi tudo, lembra-se?

Por um breve instante, Mildred percebeu um leve tremor nos lábios da sra. Hammond, indicando que ela não estava tão controlada como queria aparentar.

— Está tudo bem — apressou-se a dizer, incapaz de presenciar a humilhação da sogra por mais tempo. Apesar das novas atitudes de Alex nesses últimos meses, ele ainda podia ser muito duro. — A senhora não quer subir para ver Courtney?

— Obrigada — disse com voz embargada.

Mildred esperava que a sogra fosse retirar suas desculpas assim que se vissem sozinhas, e teve uma surpresa agradável ao vê-la entu­siasmar-se com o progresso de Courtney e até puxar conversa de modo bastante amigável.

— Mas como ele cresceu em duas semanas! — exclamou a sra. Hammond, pegando o bebê no colo.

Mildred sentiu uma pontada de culpa, ao se lembrar de que era por sua causa que a mulher ficara sem poder ver o neto.

— Sra. Hammond... eu...

— Chame-me de Rita, por favor. — Riu baixinho ao ver a expres­são surpresa da nora. — Oh, não se preocupe. Não houve nenhuma mágica que me transformasse de Bruxa Malvada em Fada Madrinha.

Apenas sou suficientemente inteligente para saber que Alex fez a escolha que todos têm de fazer um dia... aquela entre a família e um cônjuge. Mark nunca conseguiu isso, talvez por minha culpa, mas Alex é o mais parecido comigo. Decidiu que você e Courtney estão em primeiro lugar e tenho que aceitar essa realidade ou perderei vocês todos.

Era o mais próximo que Mildred conseguiria chegar de uma aceita­ção dentro da família Hammond. Quanto a estar em primeiro lugar na vida de Alex, sabia que isso se devia principalmente ao bebê. Apesar da atração física que havia entre ela e o marido, tinha certeza de que ele não a amava, e que talvez nunca amaria.

Os pais de Mildred vieram para o Natal e ficaram até o batizado de Courtney em janeiro. A proximidade do neto fez com que a recupe­ração da saúde do sr. McKay fosse ainda mais rápida.

Como era a primeira ocasião em que seria anfitriã, Mildred quis que no batizado tudo saísse perfeito, para deixar Alex orgulhoso da esposa. Rita ajudou-a muito na organização da festa. Não tinham se tornado amigas, mas se toleravam e conseguiam conviver sem tro­carem insultos ou insinuações maldosas.

A cerimônia foi curta e bonita. Courtney ficou muito sério enquanto a água era derramada sobre sua cabecinha.

— Ele estava muito parecido com você naquele instante, Alex — comentou a mãe de Mildred quando voltaram para a casa. — Courtney dava a impressão de estar indignado.

— Na certa estava imaginando que diabos era tudo aquilo — disse ele, olhando o bebê que dormia placidamente no carrinho. — E nem sabe que vamos brindá-lo com champanhe.

— Nem eu sabia! — admirou-se Mildred, franzindo as sobran­celhas.

— Um presente do seu pai. Vou buscar as taças. Esta parte será só para nós, adultos!

Alex afastou-se na direção da copa, alto e atraente no seu terno escuro. Mildred observou-o com admiração, tão orgulhosa de ser esposa daquele homem que sentia vontade de cantar de pura felici­dade. Depois, desviou a vista para verificar se os convidados estavam bem servidos. A uma certa altura, viu olhos azuis agressivos... Janet Fairchild, que estava do outro lado da sala, com um sorriso zombeteiro nos lábios.

Na verdade, nunca se sentia a vontade perto da irmã de Alex. Pressentia que ela estava à espera de uma oportunidade: a hora certa para atacar e ferir. Era uma sensação ridícula, pois Janet vinha agin­do de modo agradável e fora até muito gentil no almoço de Natal que oferecera em sua casa. No entanto, aquela inquietação persistia...

Agora, Janet sorria alegremente para ela, sem qualquer demonstra­ção de antipatia no rosto bonito. Mildred ficou imaginando se o ar irônico que vira antes não fora só um produto da sua fantasia.

— Champanhe, querida?

Virou-se para o marido, aceitando a taça, acostumada com os ter­mos carinhosos que ele usava atualmente.

 

Quando Courtney acordou, foi passado de colo em colo para ser admirado. Aproveitando-se da ocasião, Janet veio para o lado de Mil­dred e comentou:

— Sua mãe estava certa. Courtney tem o mesmo ar severo de Alex. E não estou ofendendo ninguém — acrescentou com um sorrisinho. — Não quero ser expulsa desta casa!

Mildred voltou a ficar inquieta.

— Claro que não — retrucou, com suavidade.

Janet foi para perto da janela e, olhando para o céu cinzento, murmurou:

— Estão prevendo neve para hoje. Parece que desta vez a meteo­rologia está certa.

— Parece que sim — concordou Mildred, aproximando-se dela.

— Seus pais vão voltar logo para casa, não é?

— Daqui a dois dias.

— Sem dúvida, você vai sentir saudades deles.

Ela não conseguia ficar tranqüila perto dessa mulher que escondia sua antipatia por ela com dificuldade. Forçando um sorriso, disse:

— É lógico, não?

— Ainda assim, você tem Alex... e minha mãe.

Mildred franziu a testa, intrigada. Era a primeira vez que a cunhada estava procurando uma conversa mais longa desde o dia do casamento.

— Mamãe saiu-se muito bem, não é? Afinal, acho que nunca tinha pedido desculpas a ninguém antes. Mas você tem o neto dela — acrescentou, com um sorriso amargo.

— Janet, acho que aqui...

— Mas é claro que este é o lugar para se falar dessas coisas — Janet terminou por ela. — Você é feliz com meu irmão, Mildred?

O olhar de Mildred' foi instintivamente para o marido e o amor iluminou seu rosto. Alex sorriu antes de Courtney atrair sua atenção com uma risadinha.

— Claro que é! — Janet respondeu à própria pergunta. — E ele e Courtney ficam tão bem juntos, não? Quase como pai e filho.

— Janet...

— Mas é bem possível que sejam exatamente isso — continuou a outra, com suavidade.

Ficou subitamente pálida quando tomou consciência do significado daquelas palavras. Seus olhos se arregalaram em descrédito.

— O que... o que está tentando dizer?

Sentia a boca seca, a língua presa no céu da boca. Tinha certeza de que não ouvira bem. O que a cunhada dissera era uma loucura!

— Quer que eu repita as palavras? — disse Janet, com desdém. — Não será preciso, Mildred... basta olhar os dois juntos.

Veja: os mesmos cabelos crespos, o mesmo formato do rosto, o mesmo queixo voluntarioso. — Fez uma lista das similaridades que agora estavam claras até para o observador mais distraído.

E Mildred estava longe de ser uma observadora distraída! Agora que aquela mulher a fizera ver a verdade, estava tudo muito claro! A não ser pela cor aloirada dos cabelos, Courtney era a imagem viva de Alex. Mas seria filho dele? Não, não podia acreditar nisso, não queria acreditar nisso.

 

— Eu acreditaria, Mildred — disse Janet, adivinhando os pensa­mentos da cunhada. — Porque é a verdade.

— Não! — protestou Mildred, branca como cera.

Alex surgiu a seu lado de repente, fitando-a, enquanto lhe segurava as mãos, antes de perguntar:

— Querida, o que foi?

— Ela não está se sentindo muito bem — Janet respondeu. — Deve ser por causa do calor da lareira acesa e de tanta gente. Vou levá-la ao quarto para que possa descansar um pouco.

— Eu a levarei — declarou Alex, passando o braço pelos ombros da esposa.

— Não! Eu... não... — Mildred afastou-se do marido, encarando-o como se nunca o tivesse visto antes.

— Pode deixar comigo, Alex — ofereceu-se Janet, com suavidade. — Você precisa atender os convidados. Não ficará bem os dois sumi­rem de repente.

Alex parecia indeciso, olhando da irmã para a esposa com ar preocupado.

— Graham e Sheila estão de saída. Vá se despedir deles, Alex — aconselhou Janet.

Ele se virou para o casal que esperava perto da porta.

— Terei que ir até lá. — Virando-se para Mildred, sugeriu: — Suba um pouco. Irei vê-la assim que todos forem embora.

— Eu... eu estou bem. — Tinha que sair logo dali antes de agir como uma idiota e perguntar a ele se o que Janet dissera era verdade. — Só preciso me deitar por alguns instantes.

Saiu da sala quase correndo, e ao chegar ao quarto é que percebeu que Janet a seguira.

— Prefiro ficar sozinha — disse, parada perto da porta, impedindo-lhe a entrada.

— Você não quer saber o resto da história... do caso entre Alex e Glenna?

— Não acredito em você...

— Então, por que fugiu de Alex agora há pouco? — Janet afas­tou-a de perto da porta e entrou. — Eu lhe disse que havia um outro homem. Como não pensou em Alex? Ele estava por perto e Glenna era bonita. Muito conveniente...

 

Mildred deixou-se cair pesadamente na beira da cama e fechou os olhos, tentando em vão acabar com o pesadelo. Com um sorriso cruel, a cunhada continuou:

— Por que você acha que Alex estava tão decidido a manter Courtney perto dele? Por que ele quis se casar com você? Claro, não há dúvidas de que você é atraente. E tem muito de Glenna. No escuro...

— Pare! Pare! — Mildred levantou-se, com os punhos cerrados. — Não quero ouvir mais nada.

— É uma pena, porque pretendo contar-lhe tudo. Como você sabe, Glenna era muito infeliz aqui e Alex sempre foi gentil com ela. Não é de admirar que tenha se voltado para ele quando Mark começou a ficar entediado com o casamento.

— É mentira! Alex nunca faria uma coisa dessas ao próprio irmão!

— Nenhum homem tem escrúpulos quando se trata de sexo, nem mesmo Alex!

Mildred deu-lhe as costas. Não podia acreditar! Janet a odiava, queria magoá-la. Mas, na verdade, Alex fora o único que falara com carinho sobre Glenna, o único que demonstrara gostar dela.

— Pense, Mildred... pense...

Ela não queria pensar, mas não pôde fazer outra coisa depois que Janet saiu. Apesar de tentar se convencer de que tudo aquilo era mentira, uma dúvida cruel persistia. Desde o início, Alex se mantivera irredutível em ficar com Courtney tendo ido até Los Angeles disposto a brigar por ele, sem sequer aceitar discutir qualquer outra possibili­dade. E a proposta de casamento, tão inesperada? Sim, devia ser mais uma fórmula para ficar com o filho sem precisar se envolver em disputa.

Mildred sentiu-se mal com a idéia de que o marido fazia amor com ela imaginando que estava com Glenna! Raramente falavam enquan­to se amavam, cada um se limitando a dar e receber prazer do corpo do outro. Ele poderia imaginar que estivesse com qualquer outra mulher!

Haviam concordado em que devia existir plena sinceridade no casa­mento, mas... esse assunto ela não poderia discutir com ele, por­que tinha medo da resposta! Seria a destruição de tudo, saber que estava apenas servindo de substituta para a irmã.

Ainda se encontrava deitada na cama, pálida e com os olhos muito abertos, quando Alex entrou no quarto uma hora depois. Examinou-o atentamente enquanto ele se sentava a seu lado. Passara a amar tanto esse homem naqueles três meses de casamento que não podia imaginar a vida sem ele. Mas, ainda assim, sabia que Alex nunca tinha lhe revelado seu verdadeiro eu, nem mesmo nos momentos de maior intimidade. Agora precisaria conhecer os sentimentos mais pro­fundos dele para saber se era mesmo a esposa que ele amava, ou ape­nas uma mulher que lhe servia como amante.

— Todos já se foram — disse ele baixinho, afagando-lhe os cabe­los. — Sua cabeça ainda está doendo?

— Doendo? — Era impressionante, mas ainda conseguia falar num tom bastante normal.

— Você está deitada no escuro.

— Eu... não tinha percebido...

— Todos saíram cedo por causa da neve. — Alex inclinou-se e acendeu o abajur de cabeceira. — E, claro, a festa perdeu a graça sem a linda anfitriã.

— Sinto muito — disse ela, virando a cabeça para o lado.

— Estou brincando... Mas todos ficaram preocupados. E eu também.

— Foi... foi apenas uma dor de cabeça repentina. Fiquei muito tensa com os preparativos para a festa. Só isso.

— Só mesmo? Janet não andou fazendo das suas?

— Janet?

— Você parecia estar muito bem antes de ir conversar com ela.

— Dor de cabeça não escolhe hora. E eu já estava meio indisposta antes — apressou-se a explicar.

Alex não pareceu convencido.

— Não quer descer agora? Seus pais estão preocupados.

— Eu... ainda não. Vou tirar um cochilo. Você quer dizer a eles que estou bem?

— Naturalmente. Quer que eu lhe traga Courtney para lhe dar boa noite?

— Ah, preciso ir colocá-lo na cama...

— Sua mãe e eu trataremos disso. Olhe, Mildred, você tem se saído muito bem com ele, mas não acha que está sobrecarregada? Você não tem dormido bem e talvez seja essa a causa da tensão e da dor de cabeça.

— Ora, Alex, eu não sou feita de porcelana!

Ele pareceu surpreso com sua explosão. Fazia semanas que não trocavam palavras ásperas.

— Sei disso, querida — disse suavemente. — Só não quero que você exagere e acabe ficando doente por causa dele.

— Estou com dor de cabeça, Alex, não doente!

— Está bem, Mildred. Trarei Courtney para vê-la e depois você poderá dormir sossegada.

 

Mas ela não conseguiu dormir, pensamentos dolorosos torturavam-lhe a mente. Via-se fazendo amor com Alex e ele fechando os olhos para imaginar que ela era Glenna.

Agora, estando sabendo de toda a verdade, já não duvidava tanto da possibilidade de Glenna ter um caso de amor fora do casamento. Alex era atraente, hábil no amor, um amante sem o menor egoís­mo... uma tentação para qualquer mulher infeliz.

Mais tarde, recusou-se a comer qualquer coisa. Tomou um chuvei­ro e deitou-se, tentando desesperadamente pegar no sono antes de o marido vir para a cama. Não conseguiria suportar seus carinhos naquela noite; já não sentia qualquer alegria ante a perspectiva de fazer amor com ele.

Ainda estava acordada quando ele entrou, procurando fazer o mínimo de barulho. Estremeceu quando sua coxa roçou a dela en­quanto se deitava.

— Mildred? — chamou ele, tocando-lhe o ombro de leve.

Ela fechou os olhos com força, tentando afastar aquela sensação de desejo ao sentir os dedos fortes na pele. Percebeu que Alex estranhou por ela estar de camisola, pois não escondera sua nudez desde a noite do casamento.

— Mildred... você está acordada. Está com frio, querida? — perguntou baixinho, olhando-a com carinho.

Frio? Estava gelada, com as mãos entorpecidas.

— Um pouquinho — respondeu, com a voz embargada. Alex passou o braço por baixo dos seus ombros.

— Deixe-me aquecê-la — murmurou.

— Hoje não, Alex. — Afastou-o, percebendo sua expressão ma­goada. Estou com dor de cabeça e... e...

— Está bem, Mildred. Só quero abraçá-la para lhe dar um pouco de conforto.

Ela não podia suportar nem mesmo isso!

— Alex, por favor, não estou me sentindo bem. Deixe-me dormir sossegada. Devo ter pegado um resfriado.

— É possível... Tem certeza de que não ficou nervosa por alguma coisa?

— Claro que não! Será que não tenho o direito de não querer sexo de vez em quando?

— Olhe, você me disse que não estava se sentindo bem e eu só quis abraçá-la. Agora está me dizendo que não quer sexo. Afinal, você está mesmo doente ou não está com vontade?

— Não estou com vontade!

— Foi o que pensei — disse Alex secamente, e virou-se de costas para ela. Boa noite!

Na manhã seguinte, ela estava sozinha na cama quando acordou. Vestiu-se rapidamente e foi ao quarto do bebê para lhe dar a primeira mamadeira do dia. O berço estava vazio.

Courtney, já alimentado e trocado, estava com Alex na sala de almoço. O casal McKay ainda não tinha descido. Ela ficou corada ao olhar para o marido e perceber que ele estava irritado.

— Como está se sentindo? — perguntou ele, terminando o café.

— Melhor, obrigada.

— Já cuidei de Courtney. Você estava dormindo tão bem que não quis perturbá-la.

— Obrigada — repetiu ela, pegando o bebê no colo. — Vou levá-lo para o jardim de inverno.

— Primeiro tome o seu café.

— Não estou com fome.

— Você não jantou ontem à noite. — Alex olhou para ela com severidade. Assim vai acabar ficando doente de verdade.

Dessa vez Mildred corou de raiva. Afinal, depois de três meses de casamento, não era justo ele estar tão aborrecido por ela ter recusado seus carinhos uma noite. Não haveria mais do que gratificação física naquele relacionamento?

— Já disse que não estou com fome. Com licença.

— Mildred! — A voz de Alex a fez parar quando começava a subir as escadas.

— Sim?

— Vá com calma hoje, certo? — Seu tom foi gentil, mas uma pergunta estava escrita no seu olhar.

— Eu... está bem.

Sua raiva tinha desaparecido tão rapidamente como chegara. Ape­sar do que Janet lhe dissera, ainda amava muito esse homem. Subiu rapidamente para o andar de cima, recusando-se a pensar, decidida a se manter ocupada de modo a não ter tempo para ficar dando asas à imaginação.

Passou a tarde fazendo compras com a mãe. Seus pais iriam partir no dia seguinte, no vôo do meio-dia, e já começava a sentir saudades deles.

Alex voltou do escritório de bom humor. Entrou no quarto enquan­to Mildred estava se vestindo para o jantar. Beijou-a carinhosamente, como que esquecido da frieza e distância que havia entre eles de manhã.

— Será que temos tempo para... — Parou de falar quando Courtney começou a chorar no quarto ao lado. — Não, não temos tempo — disse, com uma careta. — Nosso anjinho está chamando você.

Mildred apressou-se a atender o bebê, dando graças pela oportuni­dade de fugir dos carinhos do marido sem criar atritos. A ferida que Janet abrira no seu coração ainda estava dolorida demais. Não poderia fazer amor com ele sem pensar em Glenna. Procurou ficar no quarto do bebê até seus pais descerem para o jantar.

Durante a refeição, teve a infelicidade de ouvir todas as suas mole­cagens de infância sendo relatadas ao marido, que se divertiu muito com elas. Para todos os efeitos, formavam uma família feliz e ninguém pareceu notar que ela estava com os nervos à flor da pele. Mildred não sabia como iria lidar com suas emoções. Poderia fingir por um dia, até mesmo uma semana, mas como agüentaria a vida toda?

— Vou sentir saudades dos seus pais — murmurou Alex, enquan­to se despia naquela noite. — Gostei muito de tê-los aqui em casa.

Mildred manteve o olhar firme no espelho enquanto escovava os cabelos.

— Tenho certeza de que eles também gostaram muito daqui.

Alex veio ficar atrás dela. Estava só de calça e ela não conseguiu afastar o olhar da figura dele, como que hipnotizada por sua perfei­ção física. Ele colocou as mãos nos ombros da mulher e beijou-a levemente na nuca.

— Como se sente hoje? — perguntou baixinho.

Antes que pudesse responder, um choro de dor veio do quarto do bebê.

— Courtney! — Mildred alarmou-se, levantando-se. — Ele esteve inquieto o dia todo. Vou vê-lo.

Alex seguiu-a até o outro quarto e ficou encostado na porta en­quanto Mildred pegava o bebê e tentava acalmá-lo.

— Por que será que ele está assim? — perguntou, preocupado.

— Ele tomou vacina na sexta-feira. Acho que é a reação. Parece um pouco febril.

— E isso é normal?

— Claro que é! Não há nada de errado com ele. Por que você não vai se deitar? Posso perfeitamente cuidar dele sozinha.

— Mas se ele está doente...

— Ele não está doente! Só um pouco inquieto. A enfermeira me avisou que seria normal.

— Está bem. Como você parece ter tanta certeza de que pode resolver tudo sozinha, vou para a cama!

Alex fechou a porta com violência contida. Mildred sentou-se na cadeira de balanço, agradecida por Courtney tê-la salvo de um outro confronto. Não sabia se ainda conseguiria fazer amor com Alex.

Ficou com o bebê mais do que o necessário, esperando que o mari­do pegasse no sono. Quando não ouviu mais nenhum movimento vin­do do quarto ao lado, pensou em se levantar.

De repente, a porta entre os dois quartos se abriu e ela viu Alex, com o rosto furioso. Venha para a cama, Mildred! — disse, com aspereza. — Eu não vou tocá-la!

— Alex...

— Venha dormir! — Virou-se e voltou para a escuridão do quarto.

Ela se levantou, ajeitou as cobertas do bebê e depois foi vagarosa­mente para o quarto. Alex estava deitado de costas, o mais distante possível.

Mildred não viu mais o marido até a hora de irem levar seus pais ao aeroporto no dia seguinte. Alex levantara-se muito cedo e passara a manhã no escritório. Durante o trajeto, sentada com a mãe no banco de trás, pudera ver os olhares ansiosos dele pelo espelho retrovisor, como se quisesse ler seus pensamentos.

E não era para admirar... sua frieza agora era o oposto completo do modo como o tinha tratado nos últimos três meses. Ela, que sempre mostrara satisfação em vê-lo, em estar ao lado dele, em fazer amor com ele, agora nem mesmo podia suportar a presença do marido. Chegara a evitar as mãos de Alex quando ele tentara ajudá-la a entrar no carro.

O aeroporto de Heathrow, com sua movimentação intensa, não dava oportunidade para despedidas chorosas, mas, ao ver os pais toma­rem o caminho de embarque, Mildred perdeu o controle e se des­manchou em lágrimas, aceitando o conforto do braço de Alex em torno dos seus ombros, incapaz de rejeitá-lo na desolação. De repen­te, sentiu-se muito sozinha, abandonada, como se a partida dos pais a estivesse jogando num vácuo.

— Você não quer deixar Courtney com a sra. Whitney esta noite? perguntou Alex. — Poderemos sair para jantar.

— Não! — Ela engoliu em seco e controlou a veemência. — Não quero deixá-lo com ninguém depois que ele não passou bem esses últimos dois dias — disse, com mais calma.

— Mas ele agora está bem, não é? Pensei que você gostaria de se distrair um pouco para aceitar melhor a partida dos seus pais.

— Sim... ele... ele está bem. Mas quero esperar mais um dia para ter certeza.

— Eu estava só pensando em você.

— Sei disso... e estou agradecida. É só que...

— Que você não quer ficar a sós comigo! O que foi que eu fiz, Mildred? Virou-se para olhá-la com uma expressão confusa no rosto. — Pensei que fosse feliz comigo, que fôssemos felizes juntos.

— E somos. — Ela evitou seu olhar.

— Então, por que... Não faz mal, posso adivinhar!

— Adivinhar, o quê?

— Não tem importância! — Alex terminou a conversa com rispidez.

Mas não era bem assim... Mildred sabia que estava destruindo o relacionamento deles com o seu silêncio, porém a idéia de questio­nar o marido, de ouvir a verdade, a apavorava. Seria o fim de tudo.

Pela primeira vez desde o casamento, Alex passou a noite tra­balhando no estúdio e recusou-se a jantar. Agora ele também a evitava. Não tentou tocá-la quando foram para a cama, virando-se logo de costas para ela. Ficaram deitados lado a lado, em silêncio, mas também sem dormir.

Mildred tentou não chorar sabendo que ele a interpelaria se ouvisse seus soluços, mas as lágrimas foram mais fortes do que a sua vontade e começaram a escorrer pelas suas faces, molhando o travesseiro.

— Isto é simplesmente ridículo! — explodiu Alex de repente, fa­zendo-a levar um susto quando se virou para ela num salto. — Não posso... Mildred, você está chorando! — Seu tom mudou no mesmo instante. — Querida, o que foi? O que há de errado com você? Diga-me... vamos conversar, ver o que podemos fazer.

Ela balançou a cabeça, começando a soluçar e não oferecendo ne­nhuma resistência quando Alex a abraçou.

— Mildred, fale comigo! Diga-me o que eu fiz.

— Nada. Você não fez nada — gemeu ela com dificuldade.

— Então por que você está chorando? Querida, meu bem, não posso ficar sem você... preciso muito de você...

Por alguns instantes Mildred o deixou beijá-la, mas depois não pôde suportar mais. Era a imagem de Glenna que ele estava vendo ao seu lado, no escuro. Empurrou-o para longe, fugindo daquela visão perturbadora.

— Não! — gritou como um animal ferido.

Alex estava ofegante quando olhou para ela atentamente.

— Não?!

 

Mildred balançou a cabeça em silêncio, com novas lágrimas escor­rendo pelo seu rosto.

Ele fechou os olhos por alguns segundos, respirando fundo para se controlar.

— Alex, quero voltar para os Estados Unidos — disse ela, com voz trêmula.

— Está com saudades? — Ele estreitou os olhos, tentando ler seus pensamentos. — A visita dos seus pais lhe trouxe lembranças?

— Eu adoro tudo aqui. Só... só acho que eu deveria ir.

— Por quê?

— Simplesmente... não posso... Acho que não vou conseguir mais...

— Fazer amor comigo — terminou ele, brusco. Saltou da cama e pegou as roupas. — Então é isso, não? Agora que conseguiu o que desejava, não me quer mais ao seu lado, certo?

— Alex, eu...

— Não é?

— Sim — admitiu Mildred, com um soluço.

Alex respirou fundo, ficou imóvel por um instante, e depois come­çou a se vestir com rapidez. Estava com uma expressão dura quando pegou o paletó.

— Foi o que pensei. Tentei dizer a mim mesmo que você era dife­rente, e sua ansiedade em fazer amor comigo parecia provar isso. Você só queria apertar mais o laço, não é? Deus, você é melhor atriz do que eu imaginava... fingiu ser uma amante desejosa com tanta classe que...

— E eu o desejava. — Mildred sentou-se na cama, com uma súpli­ca no olhar.

— Era... tempo passado. Bem, não estou tão preso como você gostaria, Mildred. Quero você e não nego, mas nunca irei implorar e chorar pelo seu corpo!

— Alex! — Ela gritou quando o viu abrir a porta. — Onde é que você vai?

— Sair! Não suporto mais ficar ao seu lado. Você é tudo que ima­ginei que não era. Há muitos nomes para uma mulher como você. Pois bem, vi um homem bom e orgulhoso ser manipulado a vida inteira devido ao desejo que nutria por uma mulher. Não pretendo cair na mesma armadilha!

— Alex!

— Você calculou mal, Mildred, não deu tempo ao tempo. Mais alguns meses e talvez tivesse conseguido me fazer ficar tão cativado a ponto de cair na armadilha. Mas ainda não.

— Alex, não me deixe assim! Vamos conversar. Quero explicar...

— Não estou interessado em explicações. Não preciso delas!

— Mas você não pode sair!

— Por quê? São só onze e meia. A noite mal começa em Lon­dres... Bons sonhos, Mildred!

O barulho do motor do carro afastando-se da casa, apenas confir­mou que ele havia partido.

 

Mildred ficou sentada na beira da cama por algum tempo, olhan­do para a porta com um ar chocado. Como pudera ser tola a ponto de obrigar Alex a dormir fora? Talvez com outra mulher?

Embora seus pensamentos estivessem em tumulto, a idéia de que ele não voltaria lhe parecia irreal demais. Imaginava que a qualquer instante a raiva dele iria passar, trazendo-o de volta, disposto a escla­recer os mal-entendidos. Mas as horas correram sem qualquer sinal. Apenas um silêncio pesado, vazio, invadia a casa, dominando tudo de forma ameaçadora.

Agira de um modo completamente infantil e só se dera conta do ridículo de suas suspeitas quando o marido, furioso, fechara a porta atrás de si. Não, Alex não tivera um caso com Glenna! Os princípios dele nunca o permitiriam, mesmo que julgasse a cunhada atraente.

Devia ter desconfiado da maldade de Janet desde o primeiro ins­tante. Conhecia o marido o suficiente para saber que ele jamais trairia o próprio irmão. Mas, desconfiando, ela lhe dera apenas a sensação de que não o queria mais e que seu prazer não fora nada além de uma fachada para prendê-lo por laços físicos.

Como amanheceu sem que Alex aparecesse, ela vestiu Courtney com roupas quentes e foi à casa da sogra, uma vez que se telefonasse a Rita perguntando pelo marido criaria uma situação embaraçosa. Assim, pelo menos a visita parecia casual.

— Será que você se importa em ficar com Courtney por algumas horas, Rita? — perguntou Mildred, depois de conversar amenidades com a sogra durante alguns minutos. — Preciso fazer algumas com­pras e ele ainda está com um pouquinho de reação da vacina.

— Claro! Você sabe o quanto adoro ficar com ele. Pode deixá-lo comigo o tempo que quiser.

Mildred saiu de lá apressada, dirigindo-se à casa de Janet, mal controlando a raiva que a invadia. Nunca devia ter dado ouvidos àquelas palavras vingativas e caluniadoras.

Janet pareceu surpresa ao ver a cunhada ser introduzida na sala pela empregada. Pôs a revista que estava lendo sobre uma mesinha e levantou-se vagarosamente.

— Veio se despedir? — perguntou, num tom de zombaria.

— Para seu desagrado, não!

— Não? — estranhou a outra, de cenho franzido. — Então você tem ainda menos orgulho do que eu imaginava.

— Menos juízo, é o que você devia dizer — replicou Mildred, com a voz alterada. — Não sei por que você inventou aquilo. O que espe­rava conseguir? Vim até aqui só para chamá-la de mentirosa... Você não passa de uma fofoqueira vil e sem caráter!

— Foi isso que Alex lhe disse? — Janet perguntou, com uma ex­pressão impassível.

— Alex não me disse nada! Nem me dei ao trabalho de falar com ele sobre sua calúnia!

— Pois devia.

— Por quê? Não sou de espalhar insinuações nojentas.

— Por que tem tanta certeza de que eu menti?

— Alex pode ser duro, cínico e às vezes até cruel, mas é honesto. Nunca teria tocado em Glenna.

— Eu não teria tanta convicção!

— Vou lhe dizer algo e exijo que preste atenção, Janet, pois não pretendo repetir. Não se atreva a comentar essa suspeita mesquinha com ninguém ou vai se arrepender!

— Está me ameaçando?

— Parece que seu marido e suas filhas a amam muito — conti­nuou Mildred suavemente, ao ver a mulher empalidecer. — Contarei a eles como você é má e distorcida por dentro!

— Fora! — murmurou Janet. — Fora daqui!

— Não pense que eu pretendo ficar, porém, não faça pouco do meu aviso. Não sei por que você sente necessidade de destruir a vida dos outros, mas sua obsessão por acabar com a felicidade alheia tem que ser controlada, para seu próprio bem. Pense nisso, Janet, e dê valor ao que você tem... um marido e duas lindas filhas.

Depois dessas palavras, ela saiu da sala, deixando a cunhada para­lisada, extremamente pálida.

Antes de voltar à casa da sogra, Mildred parou em algumas lojas para fazer compras. Dissera a Rita que saíra para isso e não podia voltar sem nenhum pacote. Pretendia manter em segredo aquela con­versa com a cunhada e tinha certeza de que ela faria o mesmo. Voltou para casa quase na hora do almoço e Alex ainda não dera notícias. Apesar do imenso vazio no coração, procurou manter a rotina nor­mal, controlando a própria ansiedade.

Depois de pôr Courtney na cama para seu sono da tarde, resolveu deitar-se um pouco. Quando acordou, uma hora depois, viu que não estava sozinha no quarto! Fechara as cortinas antes de dormir, mas mesmo na semi-escuridão podia distinguir claramente uma figura sentada na poltrona: Alex!

— Você voltou — disse, levantando-se com rapidez, mal podendo acreditar que ele estivesse ali.

— Sim. Afinal, esta é a minha casa. Quer que eu peça à sra. Whitney para servir o chá?

— Não, obrigada. Alex, acho que precisamos conversar...

— Concordo inteiramente. E é melhor começarmos já.

— O bebê...

— Já pedi à sra. Whitney para tomar conta dele. — Alex levan­tou-se da poltrona e veio sentar-se na beirada da cama, acendendo o abajur. — Estou com tanta raiva de você que sinto vontade de estrangulá-la.

— Sinto muito. Não sei como lhe pedir desculpas pelo modo como andei me comportando. Eu...

— Desculpas? — repetiu Alex, com severidade. — Desculpas?

Mildred segurou-o pelos braços de modo que o marido não pudesse se levantar e explicou:

— Não posso revelar o porquê da minha atitude. Só... só quero que você saiba que já está tudo esquecido e... e se você me perdoar voltarei a ser sua esposa em todos os sentidos.

Olhou para ele ansiosa, procurando por algum sinal de ternura por ela naquele rosto duro. Mas Alex manteve-se impassível.

— Por que não pode explicar? Não acha que mereço mais consi­deração?

— Oh, Deus, claro! — gemeu Mildred. — Mas não posso dá-la.

— Por quê?

— Simplesmente não posso!

Alex sacudiu-a pelos ombros, fitando-a com dureza.

— Sua boba! Como ainda tenta protegê-la depois do mal que ela nos causou?

— O... o que está dizendo?

— Janet foi me procurar — esclareceu Alex, com um suspiro. — Contou-me o que lhe disse...

— Janet foi procurá-lo? — repetiu, levantando-se da cama, sem entender bem o que acontecia. — Como sua irmã sabia onde você estava?

— Qual é o segredo? — estranhou ele. — Normalmente, numa tarde de quarta-feira, estou no escritório da companhia.

— No escritório... Não pensei em procurá-lo lá.

— E por que você iria me procurar se queria ir embora daqui?

Mildred torceu os dedos, aflita, compreendendo que o marido devia estar furioso por ela ter acreditado nas mentiras de Janet. Olhando para o chão, apressou-se em se justificar:

— Acho que sua irmã está muito doente.

— Sei disso há bastante tempo. E agora, graças a Deus, ela tam­bém reconheceu.

— Reconheceu?

— Sim. Janet não foi me visitar apenas para causar mais proble­mas. Pretendia se desculpar. Alguma coisa que você lhe disse esta manhã a fez enxergar o quanto esteve agindo errado e encorajou-a a procurar um psiquiatra, ou qualquer tipo de ajuda profissional.

— Mas por que ela é assim?

— Acho que a culpa é de todos nós. Oh, não sua... você nem estava aqui quando tudo aconteceu. Janet teve muitos sonhos que nunca se realizaram. Quando era mocinha, desejando tornar-se atriz, tentou entrar para uma escola de arte dramática, mas foi impedida pelo nosso orgulho de família. Creio que esse é o motivo pelo qual antipatizou com Glenna desde o início... e depois com você. Para piorar as coisas, ela sempre quis ter um menino. Perdeu um bebê na época em que Glenna ficou grávida e deve ter sido difícil para ela ver sua irmã tendo uma gravidez feliz enquanto a dela...

— Oh, pobre Janet!

— Agora vamos à mentira que ela lhe contou sobre Glenna e eu.

— Fui uma idiota. Soube disso no instante em que você saiu daqui ontem à noite. Glenna era a mulher do seu irmão.

— Más era infeliz aqui.

— Não tão infeliz!

— Você já deve ter adivinhado que minha mãe e Janet tornaram a vida de Glenna quase insuportável, não?

— Não precisei adivinhar!

— Mark era o bebezinho da minha mãe. Nenhuma mulher teria sido boa demais para ele — disse Alex, com um suspiro. — Nunca levou em conta o quanto os dois se amavam.

— E eles se amavam mesmo? Courtney não foi só um meio de salvar um casamento fracassado?

— Mais uma intriga da minha encantadora família? Não, Courtney foi um filho desejado e amado desde o início. Mas... o que você sen­tiu em relação a ele quando pensou que fosse o meu filho?

— Eu o continuei amando, como sempre.

— E o que sentiu em relação a mim?

Mildred respirou fundo. Tinha que ser absolutamente sincera.

— O pensamento de você e Glenna... foi um choque terrível. E eu o odiei por fazer amor comigo como uma substituta para ela...

— Santo Deus, chegou a pensar isso mesmo?

— Sim — confessou ela, com tristeza. — E fiquei arrasada. Sabia que você não me amava, mas tinha certeza de que o que havia entre nós era só por mim mesma. Eu... eu fui uma tola.

— E o que há entre nós, Mildred? — perguntou Alex, suavemente. — Um bom relacionamento na cama?

— Sem dúvida. E... e meu amor por você. Eu te amo, Alex. Amei você desde o começo e agora o amo muito mais.

Por uns instantes ele evitou seu olhar. Ficou muito pensativo e depois soltou um suspiro. Sua franqueza sempre... me surpreendeu. Não estou acostu­mado com isso. Sinto pena por você ter sido magoado no passado — disse Mildred, com sinceridade. — Mas eu nunca usaria meu corpo para chantagear nosso relacionamento. Essa outra mulher...

— Foi minha mãe. Eu a vi controlar e manipular meu pai desde que comecei a tomar consciência da vida. Que família você e Glenna escolheram para entrar! Mamãe que usou seus encantos para subjugar a personalidade de um homem; minha irmã, cheia de cicatrizes e re­pressões; meu irmão, que nunca amadureceu e, por fim, um imaturo emocional: eu mesmo!

Mildred estava chocada com o que acabara de ouvir. Não fora uma amante que o magoara tão fundo, mas sua própria mãe! E aquele que imaginara um amigo, o próprio pai! Mas, de certo modo, ainda não conseguia ver Rita Hammond agindo como Alex dizia.

— Oh, é verdade, Mildred — disse Alex, como se estivesse lendo seus pensamentos. — Meu pai a adorava, amava até o chão em que ela pisava, submetia-se a todas as humilhações para conseguir seus favores.

— Talvez ela o amasse, Alex. Afinal, faz um bom tempo que está viúva...

— Vinte anos.

— E não se casou de novo. Ela ainda é uma mulher atraente. Devia ser muito bonita na época.

— E era. Não sei se chegou a amá-lo realmente ou se só queria a posição de mulher casada. De qualquer modo, foi um amor destru­tivo, não do tipo que eu gostaria para mim mesmo. Desde que nos casamos, quando você se deu a mim tão completamente, soube que você me amava. Fiquei com muito medo do que esse amor poderia fazer comigo.

— O amor não pode magoar, Alex. Só o ódio e a solidão podem fazer isso.

Ele fechou os olhos e respirou fundo.

— Cheguei a sentir ódio quando percebi que você me amava.

— Alex!

— Você ainda não sabe por que a odiei. O fato de eu adivinhar, saber o que você sentia, obrigou-me a analisar meus próprios senti­mentos. E não gostei do que descobri. Acho que tudo começou naquele dia em que chegamos juntos à Inglaterra. Depois do desastre você demonstrou preocupação com minha aparência exausta. Todos os outros pareciam pensar que eu podia continuar no mesmo ritmo inde­finidamente, como se devesse aceitar as mortes de Mark e Glenna com a mesma praticidade e estoicismo que eu usava na minha vida normal. No entanto, eu estava muito abalado.

— Você escondeu seus sentimentos muito bem, Alex. De início, eu também pensei que você era um homem frio e insensível.

— Desde que a vi, que a trouxe comigo, percebi que não consegui­ria evitar o desejo que sentia por você. Disse a mim mesmo que era só uma atração física e achei que lidaria com essa emoção começando um caso sem compromissos. Mas, em vez disso, eu a pedi em casa­mento. Nem sei por que fiz isso...

— Courtney...

— Ele não teve nada a ver com o caso. Eu poderia ter resolvido facilmente a situação transferindo a sede da empresa para os Estados Unidos... não seria necessário nós nos casarmos. Não, eu queria você como minha esposa, mas não conseguia admitir isso. Apesar do meu medo, vivi feliz com você estes últimos meses e já estava come­çando a acreditar num amor verdadeiro e sincero.

Quando você se virou contra mim depois do batizado, fiquei sem saber o que fazer. Não compreendi o que estava acontecendo e não sabia como pôr fim à situação. Foi por isso que saí de casa.

— A noite passada...

— Dormi no sofá do escritório. Nas duas vezes em que me afastei de você, tanto ontem como no dia que voltamos da nossa viagem de núpcias, passei a noite lá.

— Você poderia ter vindo para casa.

— Não pude. Eu ainda estava com medo do que teria que fazer para que você aceitasse ficar, continuar a ser minha esposa. Maldi­ção, ainda não consigo! Apesar de eu saber que poderei perdê-la se não disser.

Mildred levantou-se e correu para abraçá-lo.

— Você não vai me perder, Alex, e não tem que dizer nada. Não preciso de palavras. — Encarou-o com um sorriso e os olhos mare­jados de lágrimas. — Posso dizer por nós dois. Eu te amo, Alex. Amo demais.

— Mas você merece as palavras. — Alex abraçou-a com força.

— Mas não preciso delas. — Ela o beijou com ternura, sabendo que esse homem era dela, que sempre fora e sempre seria. — Só preciso de você.

— E eu também preciso de você, Mildred. Tanto que eu morreria se não pudesse tê-la ao meu lado!

— Querido...

Enquanto faziam amor, Alex lhe disse as palavras que ela ansiava ouvir, repetindo-as muitas vezes.

— Sinto-me... sinto-me livre — disse ele, depois de algum tempo. Estava sorridente e relaxado. — Pela primeira vez em muitos anos não preciso esconder o que sinto. E devo tudo a você, querida. — Abraçou-a com mais força.

— Alex, preciso lhe dizer uma coisa. — Mildred começou a acari­ciar os pêlos do peito dele.

— Fale.

— Quando Janet me contou... aquilo... eu... bem, acho que foram circunstâncias especiais que me fizeram acreditar nela com tanta facilidade.

— Foi mesmo?

— Hum, hum. Tenho estado um pouco emotiva ultimamente, e...

— Um pouco?

— Bem, há um motivo para isso! — respondeu indignada. — Eu tinha algo que queria compartilhar com você, com todos, depois do batizado... mas Janet estragou tudo.

— Então, diga agora o que é. Mas antes deixe-me falar de novo o quanto a amo.

— Nunca pare de me dizer isso. — Mildred beijou-o de novo, apaixonadamente. — Alex, eu... eu...

— Fale logo, querida — pediu ele, beijando a ponta da sua orelha. Precisamos descontar as três noites que fiquei longe de você.

— Bem, então é melhor aproveitar, cavalheiro, porque dentro de poucos meses você nem vai conseguir me abraçar direito! — Mildred ficou vendo Alex levantar vagarosamente a cabeça, com um ar intri­gado estampado no rosto bonito. Pegou-lhe a mão e colocou-a sobre o ventre. — Sei que ainda não aparece — disse, com um sorriso. — Mas dentro de algum tempo sua filha estará chutando mais do que um jogador de futebol.

— Como você sabe que vai ser uma filha? — perguntou Alex, com um sorriso de alegria, a paixão voltando a brilhar nos olhos.

— Porque foi assim que eu decidi! Seria muita desvantagem ter que lidar com três homens Hammond. Vocês são cabeças-duras e não seria justo para uma única mulher.

— Você daria conta — garantiu Alex, com ternura. — Poderia cuidar de todo um exército de nós... com seu amor e sua coragem.

— Você está contente sobre o bebê?

— Contente? Eu já a amo. Amo você. Amo o mundo inteiro!

— Amar só a mim já é suficiente neste instante. — Mildred puxou-o sobre ela. — Sou uma mulher muito exigente.

— E é mesmo, graças a Deus! Nunca soube que eu tinha um impulso sexual tão forte até conhecê-la.

— Não diga! — brincou Mildred. — Não foi você que me disse que mantinha suas necessidades sexuais a um mínimo?

— Mas não depois de ter você. Eu a amo demais e não quero nada mais nesta vida a não ser cuidar de você e dos nossos filhos. E vão ser muitos, madame. Lembre-se de que me disse que quer ter uma família grande.

— Ainda bem que nós não perdemos tempo! — concordou Mildred, sorrindo, antes de recomeçar a beijá-lo com toda paixão.

 

 

                                                                  Carole Mortimer

 

 

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