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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


VOLTE PARA MIM / Juliana Dantas
VOLTE PARA MIM / Juliana Dantas

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Acordei como se acordasse de um sonho.
Porém, quando meus olhos se abriram, senti como se meu corpo não fosse mais meu.
Algo estava estranho. Minha voz, a princípio, parecia esquisita, rouca, e difícil, como se eu não falasse há meses.
De repente havia luz.
Havia caos e barulhos e estímulos de pessoas estranhas numa comoção que não entendi.
Lutei para manter a consciência como se isso fosse importante. Quis perguntar onde estava, o que estava acontecendo, mas era tão difícil que desisti e a escuridão me engoliu de novo.
Esse processo de acordar e dormir durou um tempo que pareceu infinito. E em algum momento, senti dedos mornos, tocando minhas mãos.
— Amanda, volte para mim...
Aquela voz?...
Era diferente de todas as outras, era morna, rouca, com um toque impaciente e frustrado.
A voz de um garoto mimado.
Nolan.
E acho que sorri.
Sim, era Nolan.
E sua presença ali foi como sentir que eu estava em casa.

 


E todas as vezes que despertei desde então, ele estava ali. Pouco a pouco, percebi que estava em um hospital e meu coração afundou em confusão e medo, quando as memórias retornaram como se uma pequena mão abrisse as cortinas do meu cérebro, deixando a luz e as lembranças entrarem.

Amarelo nas paredes.

Owen.

Stella e verdades assustadoras.

E Nolan beijando Ashley.

Nolan. Ele estava lá. E eu me lembrava de dor, gritos e fúria.

E um carro indo em direção ao precipício.

Antes que a angústia me dominasse, me fizeram deslizar para o nada de novo.

 

Quando voltei, finalmente consegui enxergar o mundo como ele era. Ou o que eu achava que era.

— Amanda?

Nolan estava se aproximando da cama.

Respirei fundo, buscando minha voz.

Era mais fácil agora.

— Nolan?

— Fique calma. Está em um hospital. Sofremos um acidente. Mas está tudo bem agora... Você voltou. — Sua voz estava cheia de alívio e reparei pela primeira vez em sua aparência.

Ele tinha a barba por fazer e os cabelos pareciam mais compridos.

Não fazia sentido.

— Você está horrível.

Ele riu, mas seu riso parecia um engasgo.

— Se estou aqui... Devo estar horrível também, não é? — consegui dizer. Tudo ainda era meio nebuloso e estranho.

— Você sofreu contusões graves. Estava em coma.

— Oh... Foi feio assim?

— Sim, foi.

— Quanto tempo?

Os olhos de Nolan turvaram de algo que não entendi.

E seus dedos seguraram os meus.

— Amanda, nós sofremos o acidente há seis meses.

O quê?...

Não. Não era possível.

De repente algo terrível me ocorreu.

Levei a mão a meu ventre, me lembrando dele.

Do bebê que deveria estar ali. Mas meu ventre estava vazio.

— Nolan... minha barriga... onde está o bebê?

Você não verá o seu bebê nascer.

Nos segundos intermináveis que esperei Nolan me responder onde estava meu bebê, foram as palavras esquisitas da empregada dos Percy em Barbados que vieram a minha mente fazendo meu coração afundar no peito.

Não.

Por favor, não.

— Não... — sussurrei antes mesmo de ele responder, mas Nolan apertou meus dedos.

— Nossa filha está bem, Amanda. Fique calma.

— Filha? — Minha voz ainda hesitante saiu num murmuro aliviado, surpreso e assustado.

Filha.

Eu tinha uma filha.

Por um momento, os pensamentos na minha mente voltaram a flutuar caóticos buscando algum sentido nas últimas informações que reuni.

Sofremos um acidente.

Eu estava em um hospital.

Meu bebê havia nascido.

E agora eu tinha uma filha.

Minha nossa...

Ainda parecia tão surreal!

Há alguns meses eu descobri que estava grávida e por todo aquele tempo foi difícil me acostumar com a ideia de que havia um ser dentro de mim, que em algum momento estaria naquele mundo, se tornando por fim, algo concreto e não aquela ideia abstrata do que viria ser um filho.

Mesmo com o passar dos meses e a aceitação se solidificando em meu íntimo, enquanto minha barriga ia crescendo, e ele começava a se mexer dentro de mim, como se dizendo “olha, não adianta me ignorar, estou aqui”, ainda assim, não conseguia ter clareza de como seria.

Tantas coisas eram ditas sobre isso, horrores e belezas de se conceber uma criança. Desde as agruras dos noves meses de espera passando pelo parto que sempre parecia algo assustador e doloroso, para então o bebê estar presente no mundo e a pessoa se tornar efetivamente uma mãe.

Às vezes eu me permitia pensar em como seria.

Como eu passaria pelo parto? Seria dolorido? Emocionante?

Como eu seria naquele momento?

E eu podia ir mais além. Como seria aquele bebê? Eu tive poucos contatos com bebês na minha vida. Uma vez, quando morava com minha mãe na Califórnia, fomos visitar uma amiga dela com um bebê recém-nascido. Lembro de pensar que ele era tão pequeno e frágil. Eu não quis segurá-lo, com medo de derrubá-lo ou machucá-lo. Ele bocejava de forma bonitinha. E chorava de forma assustadora, tanto que demos a visita por encerrada antes do tempo, e eu fiquei aliviada de me livrar de todo aquele barulho, sem contar toda a conversa de como era difícil amamentar – algo sobre o bebê esfolar os mamilos da mãe ou algo aterrorizante assim – o tanto que o bebê fazia cocô e as cólicas terríveis que o pobrezinho sentia e não o deixavam dormir, assim como a mãe que parecia saída de um filme de zumbis, porém, ao mesmo tempo, feliz por ter sido quase devorada por eles.

Eu não conseguia entender muito bem aquele misto de felicidade e horror. Cheguei a perguntar a minha mãe como tinha sido comigo e ela riu dizendo que mal se lembrava, mas que teve muita sorte de a mãe dela, que era viva na época, ter ajudado muito e ela não tinha vergonha nenhuma de dizer que terceirizou bastante coisa nos meus cuidados, mas que desconfiava que teria enlouquecido e fugido se tivesse que lidar comigo sozinha.

Bem, era a cara da minha mãe dizer isso. Ela era aquele tipo de mãe avoada, que se esquecia de mandar lanche pra mim, quando eu ia para a escola, que me esqueceu no supermercado uma vez e que não tinha paciência para minhas manhas, deixando que meu pai fosse o disciplinador na maior parte do tempo. Claro, eu amava minha mãe, ela era amorosa e divertida. Fazia as melhores fantasias de Halloween, lia para eu dormir e nunca me deixou saber que ela era um pouco infeliz naquele papel de mãe e esposa de pastor. Eu só descobri suas agruras quando ela contou que iria embora.

Mas que tipo de mãe eu seria?

Como eu lidaria com aquele pequeno ser frágil e quebradiço que sairia de dentro de mim?

Bem, eu não saberia dizer.

E ainda não sabia.

Agora, ela existia.

Mas eu não a conhecia.

“ Nós sofremos o acidente há seis meses. ”, Nolan havia dito.

Essa percepção chegou a meu cérebro sobrecarregado elevando todo o caos a um nível quase insuportável.

Meu Deus.

Seis meses.

Eu perdi seis meses da minha vida.

Da vida da minha filha.

— Não pode ser... — murmurei encarando Nolan e querendo que ele me dissesse que estava mentindo.

Não podia ser verdade.

Era absurdo demais.

Cruel demais.

— Está mentindo, não é? — continuei agora agitada e nervosa. — Por que está mentindo, Nolan? Não podem ter se passado seis meses! É impossível! Eu nunca ouvi falar de algo assim, eu estaria morta, ou vegetando se fossem seis meses! Mas estou aqui, consciente e viva e... Oh, Deus...

— Amanda, se acalme. — Não foi a voz de Nolan que chegou até mim, e sim de um homem mais velho vestido de branco e com óculos de aros escuros que se aproximou, passando por Nolan, que soltou minha mão, dando um passo atrás com um olhar consternado.

— Não quero me acalmar! — gritei, tentando me mover. Mas era tão difícil, meus membros pareciam pesar uma tonelada.

Como se estivessem enferrujados.

Como se eu não os usasse há seis meses.

Comecei a chorar, enquanto o médico sussurrava palavras que ele julgava serem necessárias para acalmar meu nervosismo, mas que não adiantavam nada.

Eu estava afundando em desespero.

Mãos me seguraram no lugar e duas mulheres, enfermeiras, suponho, se juntaram ao médico. Eles vociferavam sobre sinais vitais e outras coisas que eu não entendia enquanto eu tentava me livrar de suas mãos, e me mover.

Eu queria fugir.

Correr e me esconder em algum lugar onde tudo fosse calmaria e normalidade.

Onde o ser que eu tinha tanta dificuldade de conceber como um bebê meu ainda estivesse dentro de mim.

Seguro.

Meu.

Naquela época ele era meu.

Agora eu nem sabia onde estava.

Comecei a chorar, sabendo que poderia fugir, mas nunca conseguiria escapar de mim mesma.

Eu estava em uma nova realidade.

Como uma viagem no tempo bizarra.

— Ela vai ficar bem? — A voz de Nolan parecia aflita e eu queria chamá-lo para perto.

Por que ele não estava segurando minha mão? Por que não me dizia que tudo ia ficar bem?

Comecei a sentir meus membros amortecidos e minha mente apagando. Senti alívio por estar deslizando para o sono e rezei para acordar daquele pesadelo.

Talvez eu acordasse em minha casa em Camden, ainda grávida, ainda com o tempo todo pela frente para me acostumar com a ideia de ser mãe.

Ou eu poderia acordar com minha mãe em São Francisco.

Com minha mente e meu corpo e meu coração não corrompidos por Nolan Percy.

E meu coração não quebrado por uma filha que estava viva em algum lugar.

Mas que não me pertencia há seis meses.

Seis meses em que eu fiquei dormindo. Morta para o mundo.

Um mundo que havia continuado para todos.

Para Nolan, meu pai, minha mãe.

Os Percy.

Minha bebê.

O que diabos aconteceu naqueles seis meses?


Capítulo 2

 

Seis meses antes

 

Nolan

 

Como saber se estamos em um pesadelo ou acordados?

Eu sonhei com aquela cena um dia e, quando aconteceu, por um milésimo de segundo, tive esperança de que não fosse real.

Mas quando acordei em um hospital – pela segunda vez na minha vida – depois de um acidente de carro causado por mim, a esperança de que fosse uma brincadeira do meu subconsciente me pregando peças se esvaiu como fumaça.

— Cara , tem que parar de fazer isso comigo!

Jace se inclinou sobre mim e tentei me mover. Eu precisava me mover.

— Não faz isso. Está inteiro, mas cheio de contusões... — Ele me manteve no lugar.

— O que... aconteceu? — consegui indagar e minha voz parecia estranha a mim mesmo.

Eu parecia estranho a mim mesmo.

— Não se lembra? Você e Amanda estavam no carro e sofreram um acidente...

— Amanda... Ela está bem? E o bebê?

Jace desviou o olhar e então eu notei que havia mais alguém no quarto.

Era meu pai.

Ele estava abatido e furioso, quando se aproximou, e mesmo antes dele começar a falar, eu já sabia que iria dizer que tinha razão.

Eu estraguei tudo mais uma vez.

Mas quão grande foi o estrago agora?

Sentia meu coração batendo de um jeito alucinado no peito. Medo. Dor.

Medo de novo.

Helena se colocou entre nós enquanto Jace afastava meu pai.

— Não fala nada, pai. Se falar qualquer merda para o Nolan agora eu quebro sua cara. Ele não precisa disso neste momento.

Helena se inclinou sobre mim, com um olhar clínico, me analisando.

— Nolan, você teve muita sorte. Só saiu do acidente com algumas escoriações, mas tem que ficar aqui, por precaução e...

— Amanda e o bebê?

Ela sorriu. Não parecia um sorriso totalmente feliz.

Parecia aqueles sorrisos de quem ia dar uma má notícia e queria amenizar.

— Você tem uma linda filhinha. Tivemos que induzir uma cesárea, ela nasceu prematura, mas saudável, dadas às circunstâncias. Porém, teremos que mantê-la na incubadora por enquanto.

Eu pude respirar aliviado por apenas alguns segundos.

Eu tinha uma filha. Ela nasceu, afinal. Estava viva.

— E Amanda?

Helena ficou séria.

— Amanda teve uma contusão grave, Nolan. No momento, ela está em coma, lutando pela vida.

 

***

 

Meu corpo ainda dolorido reclamou quando obriguei minhas pernas a darem um passo atrás do outro e se aproximarem da cama. Senti dor ao respirar quando seu rosto muito pálido contra os lençóis do hospital se colocou na minha visão.

— Amanda? — eu a chamei, como se ela fosse abrir os olhos e sorrir pra mim.

Mas ela continuou em silêncio quando segurei sua mão.

Ela parecia estar dormindo, plácida e segura, se não fosse os tubos e aparelhos que a ajudavam a respirar. Ainda assim, eu me permiti fingir por um momento. Que ela iria acordar a qualquer instante.

E tudo ficaria bem. Eu só queria que ela ficasse bem. Que eu pudesse voltar no tempo e não ter começado aquela briga.

Eu tinha estragado tudo de novo.

Que brincadeira de mau gosto era minha vida? Primeiro Ash. Depois Amanda.

Praticamente do mesmo jeito.

Como aquele pesadelo que tive. Eu devia ter prestado atenção aos sinais? Teria adiantado alguma coisa?

Eu disse pra Amanda que não ia destruí-la e olha onde ela estava agora. Perdida em algum lugar onde eu não consigo alcançá-la e temendo que nunca mais volte para mim.

Não sei quanto tempo fiquei ali segurando sua mão. Até que ouvi a porta abrir. Não desviei o olhar do seu rosto para ver quem era. Não me interessava.

Eu ia do pavor mais real, com a possibilidade de ela não acordar nunca mais, a mais pura raiva por não poder fazer nada para tirá-la daquela situação na qual eu mesmo a coloquei.

— Nolan, precisa ir descansar.

Era a voz de Helena que ouvi em meio a minha angústia e eu levantei o olhar para ver pela janela do quarto que o dia se transformou em noite e eu não fazia ideia de quanto tempo estava ali.

Helena tocou meu ombro.

— Você também sofreu um acidente.

— Estou bem — minha resposta soou ríspida. Eu me sentia enfurecido por estar bem, com somente arranhões superficiais cobrindo minha pele quando Amanda estava em coma. Descansei meu olhar frustrado em seu rosto adormecido —, mas ela não. — Havia ironia e dor na minha voz.

Desde que acordei e me contaram o que aconteceu, não descansei até que me deixassem levantar e vir vê-la.

— Ela está viva, Nolan. — Helena tocou meu ombro.

— Em coma?

— O estado de coma é uma consequência de um dano ao cérebro, mais especificamente na região do sistema ativador reticular, responsável por controlar a consciência. O coma é um estado de perda de consciência profundo, no qual a pessoa não acorda, mas o cérebro continua produzindo sinais elétricos que se espalham pelo corpo e que mantêm os sistemas mais básicos e importantes para a sobrevivência, como a respiração ou a resposta dos olhos à luz, por exemplo.

Helena já tinha tentando explicar pra mim, mas eu não conseguia entender o que estavam me contando. Ainda não conseguia.

Amanda estava viva, mas era como se não estivesse.

Eu queria ouvir sua voz. Mesmo que fosse gritando comigo. Queria ver seus olhos abertos, mesmo que fosse para me olhar com desdém ou fúria.

Queria sentir seus braços, mesmo que fossem para me afastar.

Eu iria embora pra sempre de sua vida, se pelo menos soubesse que estava respirando em algum lugar do mundo. E eu me livrasse daquela culpa que oprimia meu peito por ter tirado tudo isso dela.

— O que vai acontecer? — sussurrei como se para mim mesmo.

— Muitas vezes, o coma é reversível e, por isso, a pessoa pode voltar a acordar, no entanto, o tempo até que o estado de coma passe é muito variável, de acordo com a idade, estado de saúde geral e a causa. Amanda é jovem, ela tem muitas chances de acordar em pouco tempo.

— E ela vai acordar... bem?

— Durante a internação de uma pessoa em coma, ela é monitorada para que o cérebro se mantenha preservado e que o caso não se agrave, permitindo que, ao acordar, consiga voltar a sua vida normal gradativamente.

— Quanto tempo você acha que ela demora pra voltar?

— A duração de um coma costuma ser menos de quatro semanas, com a recuperação acontecendo de forma gradual, mas também há casos em que uma pessoa permanece em um estado de inconsciência por anos ou décadas.

— Porra! — O palavrão saiu sem que eu conseguisse conter. Assim como o medo e a revolta que voltou a dominar minha mente.

— Ela tem que acordar, Helena.

— Na prática, o coma é um estado cheio de perguntas sem respostas exatas. Agora, por favor, precisa deixá-la descansar e você mesmo precisa descansar. Há horas está aqui.

— Estou bem — insisti. Não era verdade.

Mas as dores físicas não eram nada em comparação à vontade que eu tinha de gritar ou de quebrar alguma coisa.

Eu me sentia impotente. Frustrado.

Furioso.

Aterrorizado.

— Eu sei que seus ferimentos foram superficiais, e sim, acho que vai ficar bem, mas não pode ficar aqui. A mãe da Amanda chegou e quer vê-la. Por enquanto somente uma pessoa pode entrar no quarto.

Eu me levantei a contragosto, me arrastando para fora do quarto, não querendo deixá-la ali. Eu tinha medo de que ela acordasse e eu não visse.

Ou pior, que o barulho dos aparelhos que diziam que seu coração estava batendo deixasse de funcionar e ela se fosse.

— Não há nada que possa fazer agora, Nolan. — Helena percebeu minha hesitação. — E você ainda não foi vê-la. — Ela sorriu. — Sua filha.

Merda.

Helena tinha razão.

Eu fiquei aliviado ao saber que a criança nasceu, que estava viva e aparentemente bem, fora de perigo e isso foi o suficiente para que deixasse minha mente e minha preocupação se voltar para Amanda.

Mas agora, eu me dava conta de que a bebê, que eu havia apenas imaginado, era real.

E Amanda nem a viu nascer.

Saí do quarto e na sala de espera estavam Jace e a mãe de Amanda.

Lydia veio até mim e me abraçou, aos prantos.

— Oh querido, que bom que pelo menos você está bem...

Eu não soube o que dizer.

Será que ela sabia que a culpa era minha?

— Lydia, você pode entrar e vê-la agora. — Helena a instruiu e Lydia se apressou a entrar no quarto. — Vou levá-lo até a UTI neonatal. — Helena me guiou pelos corredores.

Jace estava comigo em um segundo e eu me senti um pouco mais seguro de tê-lo ao meu lado.

— Você está bem?

Não respondi. A resposta era óbvia.

Eu tinha a impressão de que nunca mais estaria bem.

Meu silêncio foi o suficiente para Jace apenas apertar meu ombro.

Chegamos até uma sala com uma ampla parede de vidro onde era possível avistar algumas incubadoras.

— Aquela ali é a sua, na segunda incubadora. — Helena apontou para a parede de vidro.

A minha.

Minha.

Enchi meus pulmões de ar e soltei com força.

— Ela tem cara de joelho — Jace disse me fazendo rir, aliviando um pouco o peso que oprimia meu peito naquele momento.

— Vamos entrar. — Helena me guiou para dentro.

De repente não parecia certo eu estar ali. Porque estava sozinho e essa constatação me enchia de pesar com um toque de revolta.

Estava tudo errado.

Estragado.

E de quem é a culpa?

— Ela nasceu com dois quilos e quinhentos, um ótimo peso para uma criança que nasceu antes do tempo. Por isso não deverá ficar muito na incubadora. Em breve, ela poderá ir pra casa.

Eu me aproximei da incubadora.

Ela era tão pequena, com uma penugem castanha na cabecinha. Era o mesmo tom dos cabelos de Amanda.

Ainda parecia tão estranho que aquela criança fosse minha.

— Quer segurá-la? — a enfermeira indagou e eu desviei o olhar para Helena, incerto e inseguro.

— Claro que ele quer. Higienize as mãos e sente aqui.

Eu segui as instruções ainda desorientado e então estava colocando a pequena criança em meu colo, eu a ajeitei com as mãos trêmulas contra meu peito, sentindo meu coração batendo rápido e assustado.

Maravilhado.

Caramba! Ela resmungou e abriu os pequenos lábios, como se estivesse bocejando e me vi sorrindo, arriscando passar meus dedos incertos por seu rostinho ainda avermelhado. Ela me surpreendeu abrindo os olhinhos e os pousando em mim. E me apaixonei.

— Ela já tem um nome? — a enfermeira indagou.

Eu desviei o olhar para Helena e dei de ombros.

— Nós nem conversamos sobre isso — Voltei a sentir tristeza. — Amanda nunca me disse que nome queria...

Era para Amanda estar ali também. Era para ela estar conhecendo aquela bebê e se apaixonando assim como eu.

— Eu acho que deveria escolher um nome, Nolan.

Eu queria dizer que não tinha nenhum direito, mas havia um certo aviso na voz de Helena. Eu não deveria esperar Amanda acordar. Porque ela poderia não acordar.

— Amanda deve escolher. — A afirmação soou brusca, mas não me importei.

Não ia admitir que eles falassem como se Amanda não existisse.

Toquei a mãozinha pequena da minha filha e ela fechou os dedinhos sobre meus dedos.

— Eu prometo a você. Eu vou trazê-la de volta — sussurrei.

Era uma promessa que eu precisava cumprir.

Devolvi a criança a Helena e me afastei. Jace já não estava por ali e fui direto para o quarto de Amanda, mas Lydia ainda estava lá.

— Você parece horrível, rapaz. — O pai de Amanda me abordou. — Fiquei sabendo que já pode ir embora. Deveria ir descansar.

— Não posso ir embora.

— Escute, não há nada que possa fazer por Amanda agora. Vá pra casa.

— Não quero ir pra minha casa.

Pra minha casa vazia.

— Para a casa do seu pai.

Um sorriso amargo se espalhou por meu rosto.

— Meu pai está em casa e se eu topar com ele, vou brigar, porque certamente está salivando para jogar na minha cara que estraguei tudo.

Gavin tocou meu ombro.

— Vem, vamos pra casa. Lydia vai ficar com Amanda.

Percebi que estava fraco demais para impedir que ele me levasse para fora e me colocasse em seu carro.

O dia estava amanhecendo, cinzento e opaco.

O mundo inteiro agora parecia envolto em neblina e incerteza.

Eu mal vi por onde estávamos passando, mas me surpreendi quando o Pastor Thomas parou em frente à igreja.

— Preciso pegar algumas coisas, já volto.

Ele saltou e de repente eu me vi saltando atrás dele.

Entrei na igreja e me sentei em um dos bancos me perguntando se alguém lá em cima escutaria um cara como eu.

— Ei, tudo bem? — Gavin estava sentado ao meu lado e eu nem percebi.

— Acha que há mesmo um cara acima de todos nós que manda em tudo por aqui?

Gavin riu do jeito que eu coloquei as coisas.

— Porque me parece injusto pra cacete que este filho da puta tenha deixado Amanda naquele estado e eu esteja aqui, apenas com uns arranhões.

— Os caminhos de Deus podem ser misteriosos, mas o destino a que eles conduzem farão tudo valer a pena...

— Um monte de merda — resmunguei. — Não é justo. Nada disso é justo. Eu devia ir pra minha casa e deixar meu pai quebrar minha cara. Acho que ele está esperando por isso faz tempo, para que eu fizesse uma merda bem grande como essa... ele tinha razão, eu sempre fui a porra de um amaldiçoado. Minha mãe, Ash, Amanda... Eu deveria ter deixado ela em paz, mas eu a trouxe pra mim porque queria ser melhor com ela. E olha no que deu? Uma tragédia. A porra de um tragédia e... por que você não quebra minha cara? Era eu naquele carro, com a sua filha. Se um infeliz fizer isso com a minha filha... — Eu respirava rápido, a dor oprimia meu peito como se estivesse martelando meu coração. — Por que esse seu Deus deixa um cara fodido como eu destruir alguém como Amanda? O que vou fazer se ela não acordar? Ela nem viu nossa filha... Eu não sei o que fazer...

O nó na minha garganta arrebentou e senti os braços de Gavin a minha volta enquanto soluços dolorosos rasgavam meu peito em dois.

— Por que não me odeia? — consegui perguntar um longo tempo depois quando senti que não havia mais lágrimas para chorar. Eu me sentia vazio, extenuado.

Era incrível que o Pastor Thomas estivesse ali, ao meu lado, quando meu próprio pai só sabia vociferar ofensas.

Acho que eu estava acostumado a ser odiado.

— O acidente foi uma fatalidade, Nolan. E mesmo que fosse sua culpa. Eu acredito no perdão. E na esperança. Assim como você, eu quero que Amanda volte para nós. Que conheça sua filha. Odiar não vai adiantar nada. Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam e a prova das coisas que não se veem. Hebreus 11:1. É o que precisa ter agora, Nolan. É o que me mantém acreditando que não perdi a minha filha.

— Eu queria ter essa sua fé. — “ Mas é difícil. ”, acrescentei mentalmente.

— Então tenha fé no que quer. Que Amanda volte para você.

Fechei meus olhos, o medo me devorando. Assim como a raiva de mim mesmo e de um Deus que deixou que Amanda se machucasse.

Era fácil deixar a raiva me dominar, a fúria rastejar por meu íntimo. Como eu deixei antes, quando minha mãe foi tirada de mim.

Mas o que adiantou?

Eu teria que manter minha fúria sob controle.

E tentar me ater ao que Amanda precisava.

Eu prometi à nossa filha que ia trazer Amanda de volta.

E eu não conseguiria viver com o fato de que fui eu quem a tirei dela.

Eu precisava trazê-la de volta.


Capítulo 3

 

Amanda

 

Quando acordei de novo, havia uma enfermeira com um sorriso amável verificando o soro em minha mão.

Por um momento, me senti confusa, sem saber direito se tinha sonhado ou se era verdade que eu havia sofrido um acidente e ficado em coma por seis meses.

Mas se eu estava em um hospital, então não restavam dúvidas. Aquela era minha nova realidade.

— Como se sente? — a mulher indagou.

Como me sentia?

Havia resposta para aquela pergunta?

Abri a boca e de novo senti certa dificuldade de falar. Como se não tivesse usado minha voz há meses. Claro. Eu não usei minha voz há seis meses.

— Eu me sinto num pesadelo — murmurei e ela riu com condescendência.

— Pobrezinha. Tem muita sorte de ter acordado. A maioria dos pacientes que ficam em coma acordam depois de algumas semanas. Depois disso, vai ficando mais raro. Quase considerado um milagre. E dificilmente não tem sequelas.

— Sequelas? — De repente senti medo.

Que tipo de sequela eu poderia ter?

Eu me agitei e ela segurou meu braço.

— Fique calma. O Dr. Harrison já está vindo conversar com você.

Em seguida, o mesmo médico que estava no quarto quando acordei da outra vez se aproximou. Ele exibia uma expressão amigável quando se colocou ao lado da minha cama.

— A Bela Adormecida acordou.

— Parece mesmo um conto de fadas. — A enfermeira sorriu.

Minha nossa, não tinha nada de engraçado ou de conto de fadas nessa história.

Estava mais para uma história de terror.

— O que aconteceu comigo? — murmurei, aflita. — Como eu posso ter ficado desacordada por tanto tempo? Eu estava... morta?

— A morte cerebral e o coma são duas condições muito diferentes, mas clinicamente importantes, que normalmente podem surgir após um trauma sério no cérebro. Embora o coma possa evoluir para a morte cerebral, geralmente são fases muito diferentes e que afetam de forma distinta a recuperação da pessoa. Na morte cerebral ocorre uma perda definitiva das funções do cérebro e, por isso, a recuperação não é possível. Já o coma é um estado em que o paciente mantém algum nível de atividade cerebral, e há esperança de recuperação.

— A enfermeira disse que foi um milagre...

— Porque geralmente as pessoas acordam em menos de quatro semanas.

— Mas eu fiquei seis meses! Parece tão absurdo!

— É raro, mas não impossível. Agora vamos ver como você está.

Ele começou a se mover em volta de mim e a fazer perguntas sobre coisas que eu me lembrava. Algumas respostas vieram rápidas, outras pareciam meio nebulosas, mas consegui responder. Ele também passou um negócio gelado por minha pele e perguntou se eu sentia.

— Sim, eu sinto. É gelado.

Ele assentiu, parecendo satisfeito.

— A enfermeira falou em... sequelas.

— A área afetada do cérebro e a gravidade vão influenciar no momento em que o paciente pode acordar. Quando o paciente acorda, também não é possível prever quais serão as sequelas. Você está respondendo bem aos estímulos e acredito que vai conseguir voltar a sua vida normal gradativamente. Porém, faremos alguns exames para termos uma visão geral.

Antes que eu pudesse fazer mais perguntas. Dois enfermeiros entraram no quarto e me levaram para fazer os exames. Foram horas entrando e saindo de salas de raio-x, ressonâncias e outros exames que não fazia ideia para que serviam.

Ao final, eu estava tão cansada que só queria dormir.

 

Não sei quanto tempo demorou para que eu acordasse novamente, mas me surpreendi ao ver Helena no quarto.

Ela exibia um corte mais curto nos cabelos. Era esquisito ver as pessoas diferentes, sendo que pra mim, só se passaram algumas horas.

— Minha querida, que maravilhoso vê-la acordada.

— Helena... é bom te ver. — Tentei me mover.

Ela sorriu, tocando minha mão.

— Não faça esforço. O Dr. Harrison já nos deu a maravilhosa notícia de que não há nenhuma sequela aparente, mas sequelas ortopédicas são comuns, por desuso muscular.

— Então, o que quer dizer?

— Você terá alguma dificuldade de locomoção por um tempinho, já que não usa seus músculos há meses, mas amanhã mesmo começará a fazer fisioterapia e vai ficar bem em breve, podendo retomar sua vida. Você teve muita sorte. Sua habilidade motora, aparentemente, não foi afetada.

— Tive? — Eu não conseguia ficar muito feliz. Mas sabia que precisava começar a olhar as coisas sobre outras perspectivas.

Eu estava viva. Não havia nenhuma sequela aparente e eu poderia voltar à minha vida em breve, depois de alguma fisioterapia.

Mas para qual vida eu voltaria?

— Na maioria das vezes, pacientes com traumatismo desenvolvem problemas na memória, mas cada caso é um caso. Tudo depende de como, quando e onde o cérebro foi atingido. Você teve certa dificuldade de responder algumas perguntas, é normal, mas não há perda de memória grave.

Antes que eu pudesse responder, a porta se abriu e meu pai entrou.

Ele parecia mais magro e abatido e com alguns fios de cabelo a menos nas têmporas. Não consegui me conter e comecei a chorar quando ele se aproximou e tocou minha mão com um olhar cheio de alívio.

— Filha, eu nem acredito que está aqui e bem!

— E eu não acredito que faz seis meses que não nos falamos!

Ele riu, havia também algumas lágrimas em seus olhos.

— Me desculpa não ter vindo antes. Ontem Nolan avisou que acordou e eu queria logo vir de Camden, mas ele disse que os médicos queriam que primeiro fizesse alguns exames para verificar...

— Espera... não estou em Camden?

— Não, está em Nova York.

— Oh. Eu achei... O acidente foi em Camden.

— Sim, mas foi transferida para cá um tempo depois, onde havia mais recursos. Os Percy trataram de tudo.

Claro, eu deixei meu olhar vagar ao redor, percebendo que estava em um quarto de hospital, mas o ambiente era bem chique.

E eu me senti um pouco mal pelos Percy estarem gastando dinheiro comigo.

— Isso parece muito caro — murmurei preocupada.

— Não se preocupe com nada disso. Nada é caro demais para te manter bem — Helena rebateu. — Theodore não poupou esforços.

— O Sr. Percy? — Nossa, eu achava que Theodore nem gostava de mim, já que não ia com a cara do próprio filho, não conseguia imaginar ele fazendo algum esforço ou gastando dinheiro com a esposa de Nolan.

Pensar em Nolan me deixou inquieta e ansiosa.

— Onde está Nolan? — indaguei e de repente a ansiedade aumentou quando pensei que não era só Nolan que eu queria ver.

Eu queria ver a minha bebê.

Senti meu coração disparar e uma reviravolta no meu estômago.

Como ela seria?

Seis meses haviam se passado. Seis meses que ela foi tirada de mim.

Minha nossa! De novo fui tomada de apreensão.

— Nolan queria estar aqui quando acordasse, mas quando cheguei o convenci a ir descansar. Desde que você acordou pela primeira vez, há dois dias, ele estava aqui.

— Faz dois dias que acordei?

— Sim, sei que o tempo parece estranho, mas agora tudo vai ficar mais claro. Vai ver.

— E a minha mãe?

Eu me senti muito culpada de repente por toda a preocupação que eu devia ter dado aos meus pais.

Minha mãe devia ter enlouquecido por aqueles seis meses.

— Sua mãe está viajando — papai respondeu.

Franzi o olhar confusa.

— Viajando?

— Ela está com Ross — ele disse com cuidado e de repente parecia que havia mais coisas ali. — Você sabe, Ross é músico, a banda dele está fazendo bastante sucesso por lá, e eles estão em turnê. Agora estão em Budapeste.

Não queria soar como uma criança birrenta, mas me senti magoada por minha mãe estar do outro lado do mundo com seu namorado como se a filha não estivesse em coma entre a vida e a morte.

— Certo, mas... faz dois dias que acordei! Mesmo assim... ela deveria estar aqui, não?

Eu queria muito ver minha mãe. Eu nunca me senti tão insegura na minha vida. Tanto sobre o tempo que passei apagada, quanto pelo que seria do futuro.

Eu me sentiria melhor se tivesse minha mãe perto para segurar minha mão e dizer que tudo ficaria bem.

Mas ela não estava ali. Estava a milhas de distância.

— Eu a avisei que estava acordando, mas pedi que ela não tivesse pressa, porque não sabíamos como ia ser, quando estaria falando e o quanto estaria reconhecendo...

— Ah nossa, o que acharam? Que eu era um vegetal? Que estaria babando ou algo assim, sem reconhecer vocês?

— Amanda, fique calma. — Helena tocou minha mão. — A verdade é que poderia ser exatamente assim. Não tínhamos noção das sequelas.

— E por isso ela podia ficar passeando na Europa Oriental com o namorado e me deixar aqui sozinha?

— Filha, não seja injusta.

Respirei fundo, tentando conter a vontade de chorar.

Talvez estivesse mesmo sendo injusta.

— Lydia está vindo te ver, claro. Só que não podia voltar assim, do nada. Tem voos e acertos a serem feitos, ela trabalha na turnê do Ross...

— Ross e ela nem era sério! Até me admira que ela ainda esteja com ele!

— Bom, eu ia esperar que ela mesmo te contasse, mas eles se casaram.

— O quê?

Não podia ser verdade.

Minha mãe disse que jamais se casaria de novo.

Eu nem sabia que ela gostava de Ross a este ponto.

E ela se casou enquanto eu estava hospitalizada?

Senti como se tivesse levado um soco no estômago.

— Eu não entendo... — balbuciei, me sentindo como se estivesse lendo um livro pulando capítulos.

Só que este livro era a minha própria vida.

— Eu posso entrar?

Eu me surpreendi ao ver Hannah, a mãe de Stella, entrando no quarto. Por um momento, não entendi o que ela poderia estar fazendo ali.

Quando era criança, e até certo ponto da minha adolescência, eu frequentava sua casa, já que era amiga de Stella. Mas depois, Stella parou de falar comigo e eu só via Hannah de relance. Então algo voltou à minha mente quando eu a vi se aproximando e tocando o ombro do meu pai.

Nolan disse que a mãe de Stella havia contado a ela sobre as vezes em que eu encontrava Owen na casa do meu pai e que ela sabia disso porque Hannah estaria saindo com meu pai.

— Minha nossa, era verdade? — sussurrei encarando meu pai em busca de resposta e ele ficou vermelho ao entender o que eu queria saber.

— Estou muito feliz que esteja acordada, Amanda. — Hannah sorriu, mas eu não retribuí.

Meu olhar estava fixo em sua mão no ombro do meu pai.

— Por que nunca me disse? — questionei, magoada.

— Filha, acho que não é o momento de falarmos sobre isso.

Eu soltei uma risada irônica.

— Bom, aparentemente você já estava saindo com a Hannah antes do acidente e mesmo assim escondeu de mim.

— Eu não escondi...

— E fez o quê? E é sério, então? O que vou descobrir, que você também se casou nesses meses? O que mais aconteceu e eu perdi?

Senti meu coração acelerado de medo e confusão, como se estivesse sozinha caminhando em uma sala escura e desconhecida, procurando onde acender a luz.

Nolan entrou no quarto naquele momento e eu o fitei sentindo um misto de alívio e medo.

Eu era casada com aquele cara. Ele disse um dia que gostava de mim, mas e agora?

Muitas coisas aconteciam em meses. Pessoas casavam, descasavam.

Se apaixonavam.

E desapaixonavam.

E se os sentimentos de Nolan tivessem mudado?


Capítulo 4

 

Seis meses antes

 

Nolan

 

Acordei quando ouvi vozes vindas de algum lugar da casa. Por um momento não reconheci o ambiente ao meu redor, mas conforme a confusão do sono foi clareando minha mente, me recordei que estava na casa do Pastor Thomas, mais precisamente no antigo quarto de Amanda.

Ontem, eu estava um trapo humano e não coloquei objeção quando Gavin disse que se eu quisesse poderia ficar ali naquela noite, já que não estava a fim de ir pra minha casa vazia e muito menos dormir no meu antigo quarto na casa do meu pai.

Eu me levantei e abri as cortinas, espiando o mundo lá fora.

Um mundo inóspito para mim que não tinha nada a ver com o dia nublado e cinzento, e sim com o fato de minha vida ter se transformado em um emaranhado de dias ruins.

De repente escutei vozes e reconheci Gavin e Lydia conversando na varanda.

— Não fique assim, Gavin, Amanda é forte e saudável. Ela vai voltar — Lydia dizia.

— Eu quero ter essa mesma fé. Mas é minha filha, e é impossível que eu não tenha medo. Ela é tudo o que eu tenho. O que me restou... — Sua voz se quebrou e entendi que ele estava falando de Lydia ter ido embora.

— Não fale assim. Você ainda tem tanta vida. Fico triste quando pensa que a única chance de amar e ser amado, de ser feliz em um relacionamento era comigo. Não é assim.

— Está dizendo que eu devia entrar em um outro relacionamento? — ele falou com ironia.

— Acreditou tempo demais nessa baboseira romântica de castidade e um amor para sempre. A vida real não é assim. Eu te amei, por isso fiquei com você, mesmo sendo tão diferente de mim. E tentei me adequar a sua vida, porque queria ser feliz com você. E por um tempo eu fui, tivemos uma linda filha, mas eu sempre quis mais. Sempre quis ser mais eu do que você queria que eu fosse com você. E isso minou meu amor. Eu senti culpa por um longo tempo, hesitei em ir embora, porque pensava em você e em nossa filha, que precisava de nós dois. Mas chega uma hora que não dá mais. Eu me coloquei como prioridade.

— Está feliz agora? Sozinha?

— Sabe que não estou sozinha — ela falou com cuidado.

— Sim, Amanda me contou sobre seu namorado músico. Imagino que deve ter bastante aventura como sempre quis.

— Sim, Ross é mais parecido comigo, não posso mentir. Nós combinamos, sabe? E ele.. me pediu em casamento.

— Achei que odiasse o casamento.

— Eu não aceitei... Pedi pra pensar. — Ela soltou um longo suspiro. — Mas eu não odeio o casamento. Não gostei de estar casada com um pastor, Gavin. É essa a diferença.

— Muito obrigada!

— Não estou querendo ofendê-lo! Mas você sabe que é verdade, eu te disse isso um monte de vezes. E no fundo sabe que eu tenho razão. Eu e você não fomos feitos para ficarmos juntos, não temos os mesmos objetivos. Você tem que ficar com alguém que goste de você do jeito que é, que goste da vida que você leva.

— Eu não acho que poderei me casar de novo...

— Não estou falando de casar!

— Eu sou um pastor, Lydia...

— Ah, para com isso! Ninguém tem nada a ver com a sua vida.

— Eu... eu tive alguns encontros com Hannah.

— Hannah? — Lydia assoviou e soltou uma risada. — Nunca imaginaria...

— Não é assim... Somos apenas amigos, gostamos de conversar e passar um tempo juntos. Mas ela deixou claro que podemos ser algo mais.

— Então vá em frente! A vida é uma só, Gavin. Por favor, olhe nossa filha agora. A gente está rezando e torcendo, mas a verdade é que não sabemos se ela terá uma segunda chance. Aproveite agora para ser feliz. Não deixe para depois. Depois pode nem existir. Olhe a sua volta, é um cara bonitão, certeza que deve ter mulheres que adorariam sair com você. Por que tem que ficar sozinho pra sempre? Se ainda houver em seu coração a vontade de viver uma paixão, viva! Eu torço tanto para que Amanda acorde e possa continuar a viver, mas se ela não acordar, pelo menos ela viveu um pouco, se arriscou...

— Ei, não fale assim.

Eu fechei a cortina, não querendo mais ouvir daquela conversa.

Era esquisito estar no quarto de Amanda, onde havia ainda alguns de seus objetos deixados para trás. A estante agora quase vazia ainda tinha alguns exemplares rotos de Jane Austen. Reconheci o exemplar que ela esqueceu no carro na noite em que nos conhecemos e que eu retornei para buscar e subi até sua janela para devolver, apenas como um ardil para estar na presença dela de novo.

O que teria acontecido se eu não tivesse voltado?

E se eu apenas deixasse meu súbito interesse se desvanecer como uma chama que arde rápido e se apaga com o menor sopro do vento? Eu estaria mentindo se não admitisse que deitei meus olhos em algumas garotas bem bonitas ali em Camden. Alguns instantes em que elas sorriram pra mim, ou um decote mais pronunciado que se revelava aos meus olhos, uma voz sexy ou até mesmo um flerte mais aberto e descarado em que a garota deixava claro sua vontade de se dobrar a qualquer vontade que eu tivesse. Elas se mantiveram sob meu foco por alguns instantes fugazes, mas o desejo evaporava numa onda de tédio. Eu sabia que todas elas seriam fáceis demais, mas que poderiam se tornar complicadas num piscar de olhos.

Ashley me deixou arisco e cuidadoso.

Fez uma pequena chave ser virada na parte do meu cérebro responsável por minhas atitudes inconsequentes.

Tudo tinha consequências e pensar que o que aconteceu com Ashley poderia se repetir me deixava nauseado.

Só que no meio do meu caminho tinha um carro velho quebrado, a filha de um pastor e uma aposta.

E daí por diante foi só ladeira abaixo.

Uma paixão inesperada, uma gravidez acidental, um casamento às pressas, e a vontade de transformar o que poderia ser o roteiro de mais uma tragédia em uma chance de redenção.

Estava tudo contra mim. A fúria que nem sempre eu conseguia controlar e que se transformava rapidamente em desastre, Ashley e sua obsessão.

Meu pai.

A garota que eu gostava poderia ainda estar apaixonada por outro cara.

Mesmo assim, eu fui em frente.

Eu me apaixonei.

Quis que ela se apaixonasse por mim.

Quis que meus demônios morressem um a um, dia após dia em que acordava ao seu lado, mesmo quando ela não quis ficar mais ali, ansiando por uma liberdade que eu tentava entender, mas que era difícil quando eu não queria ficar um centímetro longe de sua pele.

Quando ela voltou, ousei acreditar que era um prenúncio de novos ares. Mantive a inesperada e inusitada amizade com Ash escondida porque não queria arriscar o frágil elo que nos conectava. Do mesmo jeito que eu odiava que Amanda sequer respirasse o mesmo ar que o rato do Owen, eu tentava entender que ela se sentia insegura com a garota que foi minha namorada. Não tinha como Amanda saber que eu não sentia nada por Ashley, a não ser um enorme pesar pela maneira que a tratei, pela falta de empatia com seu desajuste mental na época em que tentei terminar com ela e até depois, quando sentiu tristeza pelo aborto quando eu só senti alívio. Quando estivemos no barco naquela madrugada, eu comecei a entendê-la um pouco mais. E quando a reencontrei sem querer nos corredores da universidade e Ash pediu para conversar, entendi que devia isso a ela. Ainda havia um certo receio de que recomeçasse com as mesmas investidas, mas para minha surpresa, ela estava mais calma e contou que iniciou uma terapia que estava ajudando a lidar com seus problemas.

— Não posso dizer que não sinto nada por você, talvez leve um tempo, mas eu já entendi que está em outra. Que no fundo nunca gostou de mim como eu gostei de você. Acho que tem razão em dizer que éramos jovens demais e eu devia ter deixado do jeito que estava, apenas curtição. Você sabe que eu engravidei de propósito e não esperava que ficasse mal por ter perdido. Isso acho que vai ser o mais difícil de lidar, mas tenho esperança de conseguir seguir em frente também.

— Eu nem sei o que dizer, Ash. — E era verdade. Era um alívio perceber que ela finalmente estava tentando seguir em frente. Talvez eu devesse sentir menos culpa e seguir em frente também em relação àquele assunto. — Mas fico feliz pra cacete, de verdade por você estar bem.

Ela havia rido.

— Estou tentando. E como a gente tem amigos em comum e meu primo namora sua irmã, acho que se você concordar, podemos tentar ser amigos.

Eu hesitei um pouco. Ashley parecia mudada, mas até que ponto?

E o que Amanda acharia daquela minha nova nuance de relacionamento com Ash?

Mas Amanda não estava ali, tinha me deixado puto pra caramba quando decidiu ir para Yale e na verdade eu nem sabia em que pé estávamos. Eu não admitia a ideia de perdê-la pra sempre, mas ainda não sabia como trazê-la de volta. Ou como ficaríamos em quatro anos em que ela estaria longe.

Sobreviveríamos a essa distância quando ainda havia tanto buraco na teia que cobria nossa história?

E no fim, Amanda não entendeu. Não podia culpá-la por desconfiar que Ashley ainda não havia superado, mas ela estava em outro relacionamento e parecia feliz. E ainda assim me senti culpado quando Amanda quis voltar pra Camden de novo e porque não dizer, levemente incomodado.

Camden era onde morava Owen Smith.

O ex que às vezes eu achava que havia sido enxotado para sempre da cabeça de Amanda. Mas que sem eu ao menos desconfiar estava se arrastando como o réptil nojento que era pela casa do pai dela e para dentro de sua vida sempre que possível.

A raiva que eu sentia agora de lembrar quando Stella atirou suas palavras cruéis e ressentidas em mim, depois de me confessar que contou a Amanda a verdade sobre Owen, ainda me fazia querer quebrar alguma coisa. De preferência a cara mentirosa de Owen.

Quando corri pra casa eu já intuía com um embrulho no estômago que ele se veria livre para contar a Amanda sobre a madrugada que Ashley me beijou. Eu nunca deveria ter feito aquele acordo ridículo com Owen, deveria ter contado a verdade sobre ele e Stella e desfeito a fábula de bom moço que ele criou para mantê-la cativa. Mas estava com medo de que Amanda não entendesse que aquela noite com a Ashley tinha sido uma despedida. Eu me colocava em seu lugar e pensava que, se alguém me mostrasse um vídeo dela beijando Owen, talvez eu tivesse dificuldade de acreditar que era algo inocente. Eu me deixaria corroer pelo ciúme e pela fúria com certeza, do jeito que me deixei levar quando entrei no quarto e o vi beijando Amanda.

Dali para a agressão foi um pulo. Eu queria matar Owen com minhas próprias mãos, assim como queria matar a memória dele dentro da cabeça de Amanda.

Agora ela sabia quem ele era, será que continuaria tendo algum sentimento por ele?

Afinal, ela escondeu de mim todas as vezes que esteve com ele ali mesmo na casa do seu pai. Porque ela sabia como eu me sentiria.

Eu não acreditava na inocência de Owen Smith. Poderia acreditar na inocência de Amanda?

Ela esteve com ele por um longo tempo, e ainda assim nunca transou com ele. Mas eu escutei a declaração de amor saindo de sua própria boca, naquele dia longínquo na entrada da minha casa quando ele a deixou para trás, depois de descobrir que ela o havia traído e estava grávida.

Eu não sabia o quanto palavras poderiam ferir até aquele momento.

Acho que foi quando percebi o quanto eu queria ouvir Amanda dizer aquelas palavras não para aquele babaca, mas para mim.

E ela nunca disse.

Em nenhum momento.

Em todos aqueles meses que estávamos juntos. Em todas as vezes que eu estive dentro dela, arrancando gemidos dos seus lábios, ela nunca disse o mesmo que disse a Owen.

Talvez por isso eu senti tanta raiva.

Por isso ainda sentia raiva.

Só que agora, também sentia medo.

Um horror frio que contaminava qualquer outro sentimento, bom ou ruim que podia ter dentro de mim. Porque não conseguia nem respirar se pensasse que ela não acordaria nunca mais.

E por minha culpa.

Eu deveria ter me acalmado. Não ter sequer brigado com Owen na frente dela e a assustado a ponto de se sentir mal.

Ou talvez devesse ter chamado outra pessoa para dirigir até o hospital.

Ou não ter alimentado aquela briga horrível que fez nós dois perdermos o controle. Ela estava brava por causa de Ash e eu estava bravo por causa de Owen.

Soltei uma risada irônica agora.

Amanda não precisava se preocupar com Ash.

“ E será que eu também não precisava me preocupar com Owen? ”, uma vozinha hesitante sussurrou dentro de mim.

Eu poderia ter exagerado? Por que, apesar de Amanda estar comigo, era tão difícil acreditar que eu estava dentro dela? De sua mente, de seu coração, de sua alma?

Às vezes eu nem entendia de onde vinha tanto sentimento. Porque eu gostava tanto dela e sentia aquela necessidade de tê-la comigo pra sempre.

Quando eu era criança, vi minha mãe chorando, mais uma vez depois de uma briga com meu pai que havia ido viajar e a deixado sozinha. O que era bem comum.

Eu a abracei e perguntei por que estava triste e ela disse que o amor fazia isso. Deixava as pessoas tristes. Achava que o amor era algo bom. Eu amava minha mãe e Jace, por exemplo. Mamãe riu da minha lógica infantil e rebateu que amor só valia a pena quando era correspondido. Do contrário, era melhor nem amar, porque seria inútil.

E ali, entendi que meu pai não a amava e que tudo o que ela queria era que ele a amasse para ser feliz.

Era bizarro que eu repetisse a mesma história. Eu queria que Amanda gostasse de mim do jeito que eu gostava dela.

Do jeito que eu precisava dela.

Desconfiar que talvez ela gostasse de outra pessoa me deixava doente.

Inseguro.

Furioso.

E agora, do que valeu tudo?

Ela estava perdida para todos nós.

Para o mundo.

E eu só queria que ela voltasse.

Talvez, depois de toda aquela briga, ela nem quisesse ficar comigo. Pensar nisso me deixava aterrorizado, porém, mais medo eu tinha de ela não voltar.

Então, que ela voltasse.

Para mim, ou para o que ela quisesse.

Mas voltasse.

E se fosse assim, eu não precisava desistir. Inferno, eu não me sentia pronto para desistir.

Sempre haveria outro dia. Outra chance.

Contanto que ela estivesse viva.

Eu a alcançaria.


Capítulo 5

 

Amanda

 

Observei Nolan se aproximar querendo que estivéssemos sozinhos para que pudesse lhe cravar de perguntas sobre aqueles seis meses.

Descobrir que minha mãe casou e meu pai estava namorando foi um baque que me deixou incomodada de um jeito que eu não podia prever.

Porém, pensar que eu poderia descobrir coisas que me deixariam perturbada em relação a Nolan era mil vezes pior.

“ Não quero saber. ”, uma voz sussurrou dentro de mim e, por um momento, tive que lutar contra uma vontade inesperada de dormir de novo, de voltar para aquele lugar onde estava nos últimos seis meses, a placidez da inconsciência.

— Ei, finalmente a preguiçosa acordou?

Eu me surpreendi ao perceber que junto com Nolan entrou no quarto Jace com seu sorriso largo.

Um pequeno sorriso se quebrou em meu rosto. Jace parecia o mesmo.

Ele se aproximou, com as mãos nos bolsos.

— Oi, Jace.

Relanceei um olhar para Nolan, e ele estava me observando com uma expressão que não conseguia entender.

O médico, o tal Dr. Harrison, entrou no quarto e indagou como eu estava.

Helena que respondeu por mim quando permaneci em um silêncio confuso.

— Ela parece bem, pelo menos fisicamente. Embora ainda o estado de confusão, normal dadas às circunstâncias, esteja a deixando muito ansiosa.

— Sim, como disse, é natural... — O médico estava falando com Helena e meu pai, mas bloqueei sua voz porque Nolan se aproximou da cama me estudando com um olhar que continha um misto de apreensão e algo mais que não consegui definir.

— Você está brava. — Não era uma pergunta.

Comprimi os lábios, sem saber ainda o que falar quando a minha vontade era de gritar.

E nem sei o que é que eu ia vociferar.

Me deixem em paz? Voltem com suas vidinhas que continuaram seguindo independentemente da minha presença?

Ou pelo amor de Deus, alguém me traz um relatório completo para que eu possa me atualizar dos últimos seis meses?

Talvez ainda, um “Só queria dormir de novo, tudo bem? Acho que não vou fazer falta mesmo.”.

— Amanda? — Nolan insistiu agora com certa impaciência.

— Deixa ela, Nolan. — Jace o empurrou. — Esse cara continua um chato, já te adianto. E aí, como é estar no mundo dos vivos?

— Confuso. E... como você está e... Stella? — eu me vi fazendo perguntas bobas, direcionando a conversa para Jace.

Ele fechou a cara.

— Eu e Stella não estamos mais juntos.

— Oh.

Aquilo era uma surpresa, definitivamente.

Queria indagar o que aconteceu, mas o médico retornou para meu lado neste instante.

— Bem. Como estava explicando para seu pai e Helena, ainda hoje você começa com as sessões de fisioterapia...

De novo bloqueei a voz do médico me escondendo no lugar dentro da minha mente onde eu podia gritar que não queria nada daquilo.

Não queria estar em um hospital sem nem poder me mexer direito. Sem saber o que aconteceu nos seis meses em que eu estive dormindo. Sem ter controle da minha vida.

Fechei os olhos, querendo que todos desaparecessem para que eu pudesse sofrer em silêncio.

As vozes foram se calando e se distanciando e a sonolência dominou meus membros e minha mente. E deslizei para a bem-vinda inconsciência.

Quando acordei, Nolan estava ali. Sozinho, desta vez.

Ele estava sentado em uma poltrona, mexendo em seu celular, parecia compenetrado.

Por um momento, ele não percebeu que eu estava acordada e aproveitei para observá-lo.

Tirando o cabelo um pouco diferente, Nolan parecia o mesmo... Ou não, o estudei melhor. Havia algo diferente em sua postura e eu não sabia atinar o que era.

Ele era a mesma pessoa? O mesmo cara que me deu carona há mais de um ano — me dava conta agora.

Que me cercou com uma sedução descuidada e insistente até que não houvesse escapatória pra mim a não ser deixar que ele ganhasse sua aposta boba.

O cara que me surpreendeu quando insistiu que devíamos nos casar quando meu pai exigiu. Que eu morria de medo de me apaixonar quando já estava tão envolvida sem nem me dar conta. Que mesmo depois de descobrir todos os podres do seu passado, ainda assim lhe dei uma chance.

Nolan era imprevisível, mimado, por vezes agressivo e briguento. Teve atitudes terríveis com Ashley que me fizeram temer pela minha própria integridade emocional, mas ele me disse que queria ser diferente. Que eu o fazia querer ser diferente. Não acreditei muito, embora quisesse acreditar.

Era como se Nolan tivesse um ímã que me atraía para ele, independente da minha razão que gritava “Fuja agora, porque pode te destruir.”.

Acho que esperava certa devastação emocional, mas nunca que estaria aqui agora, destruída fisicamente por causa de um acidente causado por ele.

Nolan causou um acidente bem parecido com Ashley – me recordei, com um arrepio.

Só que a gravidez de Ashley foi interrompida e a minha não.

Levei a mão à barriga, voltando a sentir meu estômago revirando de medo e ansiedade.

Eu tinha meio que jogado essa informação – a mais importante e contundente de todas – para o fundo da minha mente na confusão das últimas horas.

Mas eu não poderia fugir pra sempre da realidade de que eu tinha uma filha.

Uma criança que eu nem conhecia.

Senti vontade de chorar e um nó fechou minha garganta.

Devia ter feito algum barulho porque em um segundo Nolan estava ao meu lado.

— Amanda? Tudo bem? Está se sentindo bem?

Sacudi a cabeça, incapaz de falar, porque temia desabar.

Eu não queria chorar. Não queria que as pessoas continuassem a olhar pra mim com aquele olhar de pena quando achavam que eu não estava percebendo.

A pobre garota em coma.

Que perdeu tudo.

Eu perdi?

De repente minha mente foi inundada por lembranças da última conversa que tive com Nolan.

Conversa não. A briga.

Voltei a sentir a mesma raiva de quando estávamos naquele carro gritando um com o outro. E rememorar os motivos me deixou nauseada como se a briga tivesse acontecido há algumas horas.

E não há meses.

Mas, inferno, pra mim, foi há horas.

O vídeo que Owen me mostrou. Nolan beijando Ashley.

Mesmo agora ainda sentia a raiva voltando a borbulhar como veneno em meu íntimo.

O ciúme.

A decepção.

Assim como o desgosto ao descobrir que Owen engravidou Stella há tanto tempo. Que eles estiveram juntos muitas vezes e eu nem fazia ideia.

Quão idiota eu fui?

Esperei que Nolan me decepcionasse depois de tudo que descobri do que ele era capaz, mas nunca esperei que Owen fizesse algo ruim.

Por isso Stella me odiava. Quase podia entendê-la, embora me sentisse ressentida por ela ter alimentado uma raiva de mim por algo que eu não tinha a menor culpa.

Ela destruiu a nossa amizade por causa de um erro do Owen.

E Owen seguiu como o bonzinho, o cara que eu podia não ser apaixonada, mas que tentei amar do jeito que ele me amava, porque parecia certo.

Até aparecer Nolan e bagunçar tudo.

Ainda assim, continuei alimentando meu amor por Owen, o mantive por perto, escondi essa amizade, que poderia ser inocente, pelo menos da minha parte, de Nolan.

Era inocente mesmo? Eu era tão boba que não percebia que isso alimentava a paixão de Owen?

No fundo, talvez eu soubesse o tempo todo. Talvez o motivo de eu ter mantido Owen por perto era justamente por não confiar cem por cento no meu relacionamento com Nolan.

Em todos aqueles meses depois que nos casamos, deixei meus sentimentos crescerem e se enroscarem em meu coração como uma raiz que podia dar flores e frutos, mas que poderia também ser uma erva daninha envenenando tudo.

Eu me entregava a Nolan uma vez e recuava duas em contrapartida.

Sem nem mesmo perceber.

Eu me apavorei ao saber que Ashley ainda fazia parte da vida dele, morri de medo de que ela ainda o quisesse. E se ela insistisse, Nolan poderia ceder e perceber que a linda e exuberante ex-namorada era muito melhor do que a sem graça provinciana filha do pastor que talvez não tenha passado de um desafio interessante.

Vê-lo a beijando acabou com o resquício de confiança que eu ainda mantinha no meu coração, fruto daqueles meses que passamos inseparáveis. Éramos felizes, não éramos?

Eu era, dava-me conta agora com o nó na minha garganta rompendo.

Eu só queria voltar no tempo.

Nunca ter convidado Owen para entrar na minha casa. Não ter ouvido as verdades de Stella. Não ter visto o vídeo do Nolan beijando Ashley.

Nem deveria ter ido embora de Nova York com o rabinho entre as pernas, intimidada.

Todavia, foi o que eu fiz.

E agora eu já não sabia de nada.

Eu não tinha nada.

— Por favor, não chore, — Nolan tocou meu rosto. Eu estava com os olhos bem fechados. Não queria olhar pra ele.

Não queria ver pena em seu olhar também.

— Vai ficar tudo bem, Amanda.

Havia convicção em sua voz.

Finalmente eu abri os olhos.

— Vai? Como?

— Você acordou! O pior já passou.

Eu revirei os olhos, afastando suas mãos.

— Pior? Pra mim, isso é o pior! Olha pra mim, Nolan... Estou uma bagunça.

— Você acabou de acordar da porra de um coma. — Agora havia impaciência em sua voz. — Claro que está uma bagunça.

— Todo mundo parece aliviado por eu ter acordado, mas não sinto assim! Uma enfermeira até falou em milagre e conto de fadas, mas eu só sinto angústia e medo!

— Não há motivos para se sentir assim...

— Vocês não entendem... Não sabem como é pra mim! Pra mim, o acidente foi ontem! Nós estávamos brigando...

O olhar de Nolan se turvou com uma sombra que não estava ali.

— Não vamos falar sobre isso...

— Não? Mas foi uma briga horrível!

— Foi há seis meses e não tem mais a menor importância...

— Pra você! Pra mim, foi ontem! A verdade é que tem um buraco de seis meses na minha vida! Eu estava grávida e de repente não estou mais. Aí não tenho ideia do que aconteceu em seis meses, tanta coisa pode ter mudado... Meu pai tem uma namorada, minha mãe está longe e casada! Stella e Jace não estão mais juntos! O que mais vou descobrir? Não me diga que não posso sentir medo! Estou apavorada! E todo mundo agindo como se eu devesse estar feliz e grata quando só quero chorar e gritar!

— Você vai se adaptar aos poucos. O importante agora é ficar bem.

— Eu sinto como se nunca mais fosse ficar bem...

— Mas você vai. É angustiante agora, mas está respirando. Está viva.

— Eu perdi seis meses da minha vida — comecei a soluçar, minha voz aumentando alguns decibéis —, não faço ideia do mundo a qual pertenço...

E então algo se interpôs ao meu choro.

Um outro choro.

Eu parei, em choque.

Nolan resmungou um palavrão se afastando e eu percebi algo que não tinha visto até aquele momento. Nolan não estava sozinho no quarto.

Havia um carrinho de bebê ao lado de onde estava sentado, onde agora ele se inclina, falando baixo com o que está ali.

Com quem estava ali.

Meu coração parou por um momento.

Um instante do mais puro pavor dominou meus sentidos e senti dificuldade de respirar, quando então as batidas voltaram a socar meu peito e minhas costelas.

E senti meu coração vindo à boca de ansiedade quando Nolan se virou pra mim e em seu colo estava ela.

Uma neném.

Ela era maior do que eu imaginei. Usava uma roupinha branca com desenhos amarelos no peito, acho que era um ursinho. Os pequenos pés sacudiam em frente ao corpo de Nolan, que a segurava entre as pernas e pela cintura, contra o peito, virada para mim. As mãozinhas também sacudiam e barulhos ininteligíveis saíam de sua boca minúscula, assim como pequenas bolas de cuspe. O rosto estava vermelho de chorar, embora ela agora não chorasse mais. Apenas prendia os olhinhos curiosos em mim enquanto Nolan se aproximava da cama.

— Você disse que não sabe a quem pertence, Amanda. Mas sabe sim.

Ele sorriu. Um sorriso que eu nunca tinha visto antes em seu rosto.

— Essa é Emma. Nossa filha. Dane-se o resto. É a ela que você pertence, Amanda. E a mim. A nós.


Capítulo 6

 

Meses antes

 

Nolan

 

Acho que nunca me lembraria com exatidão dos dias que se seguiram. Era uma sucessão de horas passadas ao lado do quarto de Amanda, esperando que ela acordasse do seu sono profundo.

A cada dia que amanhecia era uma nova chance de que fosse diferente.

E a cada fim de dia em que ela permanecia desacordada era como se a dor que oprimia meu peito ficasse cada vez mais pesada, me impedindo de respirar. Era como sufocar lentamente.

Ansiava por vê-la abrir os olhos e, enfim, poder respirar de novo.

Gavin e Lydia, estavam sempre por perto também, assim como Helena e Jace, e eu observava a esperança ir se apagando em seus olhos conforme o tempo ia passando, sem nenhuma mudança no estado de Amanda.

Porém, eu não podia me deixar contaminar por aquela desesperança.

Eu precisava que ela voltasse, porque não tinha um plano B. Simples assim. A única hora do dia em que eu me permitia sorrir e esquecer pelo menos alguns instantes o medo era quando eu me colocava em frente a UTI neonatal e avistava minha filha.

— Você precisa dar um nome pra ela! — Samantha havia insistido no dia em que chegou de Paris.

— Eu queria que Amanda escolhesse — eu disse a ela o que vinha dizendo a todos.

Eu mesmo escolher o nome era como se estivesse aceitando que Amanda nunca poderia fazer isso.

— Já faz dias que ela nasceu e não podemos chamá-la apenas de bebê! Se Amanda quando acordar quiser mudar, ela muda, oras! Que tal Emma?

Eu sorri a contragosto, observando a enfermeira a retirando e ajeitando na incubadora.

— É um nome bonito.

— Ok, então essa é a linda Emma. Precisa ver o monte de roupinhas lindas que eu comprei pra ela! Claro que Amanda vai pirar, porque odeia um monte de presente, mas...

Não, Amanda não pirou com o monte de roupas que Samantha trouxe e muito menos viu quando Sam teve que voltar para Paris.

Em uma tarde, eu saí do quarto de Amanda, e fiz o caminho para ver Emma, o que havia se tornado uma rotina, e me surpreendi ao ver Jace e Stella em frente à maternidade.

Senti a fúria me dominando quando me aproximei.

Eu me lembrava bem que foi Stella quem começou aquela confusão.

— Que porra está fazendo aqui?

Stella e Jace se viraram.

— Ei, cara , por que está falando assim?

— Estou falando com essa escrota aqui. — Apontei para Stella.

Ela ergueu o queixo.

— Me chamou do quê?

— Irmão, menos... — Jace tentou apaziguar, mas eu não estava a fim de perdoar o que Stella fez.

— Stella te contou que foi ela quem começou toda a merda?

— Do que está falando?

— Eu não comecei nada! — Stella rebateu.

— Você contou a Amanda sobre você e Owen.

— Mas eu achei que era isso que todos vocês queriam, não? Sempre quis que Amanda soubesse o que Owen fez! E quem começou isso foi a sua preciosa Amanda, que estava com o Owen na casa de vocês! Eu vi os dois entrando juntos e por isso fui atrás!

— Para causar confusão!

— Quem começou a confusão foi a Amanda!

— Para de falar da Amanda! Será que até agora você não consegue parar de culpá-la por coisas que ela não fez? Você implorou pra mim, pra não contar sobre você e Owen! E eu nunca entendi por quê! E escolheu ir contar para Amanda quando ela estava grávida de quase nove meses, não passou pela sua cabeça oca que isso podia fazê-la ficar mal?

— Você fez isso, Stella ? — Jace indaga.

— Sim, eu fiz!

— Porra, o que pensou que estava fazendo? — Jace se irritou. — Por que foi atrás do Owen e da Amanda e causou tudo isso?

— Eu? Eu só falei a verdade! Estava de saco cheio de esconder essa história! Amanda tinha que saber o merda que era o seu queridinho Owen! Porque ao que parece ela ainda tinha sentimentos por ele, já que o chamou pra ir pintar o quarto do próprio filho! Agora não venham me culpar pelo que aconteceu!

— Owen mostrou o vídeo para Amanda, não foi? Porra, Stella! Você sabia? Eu te contei sobre o dia em que o podre do Owen e seus amigos fizeram essa barganha! Você sabia que se Amanda descobrisse de você e Owen, ele mostraria o vídeo para ela!

— E o que eu tenho a ver com as besteiras que o Nolan faz? Não tenho culpa se ele beijou a Ashley!

— Mas você sabia e nem pensou duas vezes em contar a Amanda! E agora ela está em coma! Tudo porque escolheu uma péssima hora pra vomitar essa merda de história com o cretino do Owen!

— Ah meu Deus, agora a culpa é minha da Amanda ter sofrido acidente? Vai se foder! Seu irmão Nolan que tem a culpa.

— Cala sua boca! — gritei.

— Era você quem estava dirigindo e pelo que me contaram, discutindo com a Amanda, igualzinho como fez com a Ashley! Não jogue em mim uma culpa que é inteiramente sua!

— Stella, chega! — Jace a interrompeu. — Nolan não precisa ouvir essas merdas...

— E eu também não preciso ouvir essas merdas!

— Não é sobre você isso aqui!

— Claro, nunca é sobre mim! Amanda sofre um acidente horrível e de repente eu que sou a culpada!

— Você sempre odiou a Amanda! Deve estar feliz agora! — acusei.

— Claro que não estou feliz! Acha que eu queria que ela estivesse assim?

— Sim, eu acho! Porque você é uma infeliz, uma pessoa amarga e invejosa que não consegue superar as próprias merdas e fica colocando a culpa em uma pessoa que não tem nada a ver com isso! Agora dá o fora daqui! E de preferência nunca mais apareça na minha frente!

— Vai deixar ele falar assim comigo? — Ela se virou para Jace.

— Sinceramente, Stella, acho que Nolan tem razão. — Jace surpreendeu a nós dois.

— Quê? — Stella deu um passo atrás, empalidecendo como se Jace tivesse batido em seu rosto.

— Olha você aqui. Gritando e virando tudo como se fosse sobre você. Nossa vida está uma merda e nem parece ter a menor consideração.

— Meu Deus, Jace, isso é tão injusto! Acha também que estou feliz com o acidente da Amanda? Acha que sou esse tipo de pessoa? Eu não contei a Amanda achando que ia acabar assim!

— Mas contou sem medir as consequências.

— E por isso a culpa é minha? Vai se foder!

— A culpa pode até não ser sua, mas estou de saco cheio dessa sua atitude. Nolan tem razão, nunca gostou da Amanda. Sempre a culpou pelo que rolou com você e aquele escroto do Owen.

— Mas ela tem culpa — Stella começou a chorar. — Se ela não tivesse ficado com ele, Owen não teria me deixado sozinha e grávida. Foi por gostar dela que ele praticamente me obrigou a abortar e depois me deixou sozinha.

— Amanda nem sabia! E mesmo assim passou todo esse tempo a odiando! A tratava mal o tempo todo quando ela estava com Nolan, e eu te alertei tantas vezes para parar e você nunca parou! Então sinceramente, acha que vou continuar aguentando você aqui desejando o mal para ela quando está em coma?

— O que quer dizer?

— Que pra mim já deu. Nolan tem razão. Vá embora.

— Está me mandando embora do hospital?

— Da minha vida — Jace concluiu friamente.

Uma frieza que surpreendeu até a mim.

Eu nunca gostei de Jace com Stella. Ela sempre foi fresca e fútil. Nunca fazia questão de ser agradável. Eu a suportava porque Samantha, que era uma pessoa que sempre buscava o melhor nos outros, gostava dela. E eu não curti quando Jace se apaixonou por ela, achei que era só uma paixão passageira e que ele veria quem era ela de verdade e a deixaria. Mas isso nunca aconteceu. Eu só assisti a ele se apaixonando ainda mais e deixando de lado o fato de ela ser uma pessoa amarga.

Eu não entendia por que ela era assim.

Stella era linda, o que explicava o fato de ser orgulhosa e vaidosa. Bastava piscar seus olhos para conseguir a maioria das coisas que queria, principalmente dos caras. E Jace nunca foi diferente. Ele estava de quatro por ela, e não havia nada que eu pudesse fazer.

Mas isso não explicava uma garota como Stella ser amargurada.

Quando eu comecei a sair com Amanda, Stella parecia bem satisfeita por Amanda estar sendo alvo de uma aposta. Eu não me importei, afinal não podia censurar Stella quando era eu quem iria foder Amanda por causa da aposta.

Porém, ela nunca perdia tempo em destilar comentários maldosos, alguns deles que não faziam o menor sentido. Amanda era só uma menina ingênua que no final era a vítima da minha malícia. E eu indaguei o que tanto Stella tinha contra Amanda. Claro que ela não contou, mas percebi que tinha mais coisas ali.

No dia em que fomos a praia encontrar Stella e Ashey e Amanda estava lá, para meu desgosto conversando com Owen, eu reparei numa estranha vibração de Stella em relação ao ex namorado de Amanda.

Ali, ficou claro que havia alguma coisa acontecendo e Stella acabou me confessando a história.

Eu mal podia acreditar que o santinho do Owen Smith na verdade era um filho da puta.

— Por que não contou para Amanda? — Foi o que eu quis saber.

— Ela foi embora, e eu estava... envergonhada, essa era a verdade. E o que ia adiantar? Owen é tão escroto que era capaz de virar a história contra mim. E, sinceramente, bem feito para a Amanda!

— Bem feito para a Amanda?

— Sim, ela queria ficar com o Owen? Que ficasse, sem saber o cretino que ele foi comigo!

— Ela era sua amiga!

— Era mesmo? Eu estava de saco cheio da Amanda e o jeito que ela conquistava todo mundo com sua carinha de santa! E sinceramente sempre achei que de santa não tinha nada! Eu tinha a fama de vagabunda, sempre fui tratada como vagabunda e veja só. Quem traiu o namorado? Quem engravidou de um cara que mal conhecia?

— Amanda deveria saber o que Owen fez com você.

— Não vai contar! Eu te proíbo!

— Por que não? É bom Amanda saber quem é o ex dela!

— Claro! Assim, ela ia esquecer ele de vez e ficar com você? Não se garante, Nolan?

— Cala a boca!

— Eu não quero que conte! Não tem o direito de contar nada. É uma história minha. E quero que fique enterrada. Amanda nem está com o Owen, não é? O idiota teve o que merecia levando um chifre bem grande! Se um dia eu quiser que Amanda saiba, eu contarei.

— Jace sabe?

— Sim, eu contei a ele.

Eu não queria guardar aquele segredo da Stella, mas no fundo ela tinha razão.

Não era uma história minha para contar.

Mas a partir daquele momento, eu entendi um pouco Stella. Não inteiramente, não o fato de ela odiar Amanda, o que só tinha a ver com a inveja que sentia e que pra mim não fazia sentido.

Agora eu encarava seu rosto desmoronando ao levar o fora de Jace.

— Está terminando comigo.

— Sim, estou.

— Não, não faz isso, não pode... — Stella começou a soluçar, e Jace segurou seu braço a guiando para longe do hospital.

— Minha nossa, o que foi isso? — Lydia passou por eles, curiosa.

— Jace terminou com a Stella, ao que parece — murmurei ainda meio chocado.

— Nossa, ela não parece bem.

— Problema dela. — Eu me afastei de novo em direção ao quarto de Amanda.

— Nolan, espera... — Ainda ouvi a voz de Lydia atrás de mim, como um alerta que não entendi, mas ao virar o corredor, eu entendi o que Lydia veio me alertar.

Owen estava saindo do quarto de Amanda.

Eu não pensei duas vezes antes de avançar e empurrá-lo contra a parede e lhe dar um murro em seguida.

— Seu filho da puta!

— Eu não vim brigar. — Owen limpou a boca se endireitando. — Eu vim ver a Amanda.

— Acha que tem algum direito?

— Eu tenho sim!

Fui para cima dele de novo, desta vez senti os braços de Jace me segurando.

— Irmão, não vale a pena.

— Esse escroto acha que pode vir aqui ver minha mulher!

— Ela é minha amiga e você não pode me impedir de vê-la! Estive na vida de Amanda mais tempo do que você.

— Se não desaparecer daqui agora eu vou quebrar essa sua cara de pau!

— Eu que deveria quebrar sua cara por ser responsável pelo acidente que deixou ela assim.

— Ei, cara , não fala merda! — Jace avançou. — Melhor ir embora. Já viu a Amanda, agora dê o fora.

— Owen, por favor, chega de confusão — Lydia se intrometeu.

Owen assentiu a contragosto e se afastou.

— Por que essa confusão? — Gavin se aproximou e estava com meu pai ao lado. Obviamente os dois com cara de censura. — Você bateu no Owen, o que é isso, Nolan?

— Claro, defende ele! — Foi Jace quem falou. — Este mentiroso usou a Stella, a fez abortar e nunca contou a ninguém! Se acha que estou mentindo, pergunte à própria Stella. Ela está lá fora, esperando um táxi pra ir embora.

— O quê? — Gavin se afastou atrás de Owen.

— Então, eu chego aqui para você estar armando mais uma confusão. — Meu pai não perdeu a oportunidade de me criticar. — Por que eu não me surpreendo?

— E por que não me surpreendo de você estar aqui me censurando?

— Mas é você quem pede por isso! Pelo amor de Deus, Nolan, não chega de briga e confusão? Até quando vai agir assim, feito um moleque, resolvendo as coisas com os punhos e fazendo merda? Veja o que fez? — Apontou para o quarto de Amanda. — Eu devia saber que ia estragar com tudo!

— E você que estragou tudo para minha mãe? — eu gritei, deixando as velhas feridas se abrirem com as palavras duras de Theodore. — Estou de saco cheio de me criticar quando destruiu a vida da minha mãe!

— Eu não matei sua mãe!

— Não? Acha que ela se matou por quê? Porque você a fazia infeliz!

— Não sabe de nada!

— Ei, parem vocês dois. — Jace se colocou entre nós. — Pai, se afaste agora! Se veio aqui só pra foder a mente do Nolan, melhor ir embora. Nolan não precisa ouvir essas merdas que vão deixá-lo ainda pior.

— Sim, eu concordo. — Helena se colocou ao meu lado.

Era nítido que meu pai não gostou nada, mas recuou.

— Destilar ofensas agora não adianta nada, Theodore.

— Sim, tem razão. — Ele olhou as horas em seu relógio caro. — Eu tenho que viajar ainda hoje.

E com um aceno ele se afastou apressado.

— Meu Deus, ele é incrível! — resmunguei sentindo uma dor pela rejeição do meu pai que não queria sentir.

Ele não era capaz de uma palavra acolhedora a não ser de raiva.

Que fosse para o inferno com sua soberba.

— Agora — Helena se virou para mim — Theodore estava aqui porque estamos tratando da transferência de Amanda para Nova York.

— O quê?

— Sim, em um hospital em Nova York ela terá cuidados mais apurados. Seu pai vai pagar para que ela seja transferida e, claro, assim como tudo o que for preciso.

— Isso é legal, né? — Jace deu de ombros.

Legal?

Eu não queria que Amanda fosse transferida para um hospital grã-fino em Nova York.

Eu queria que ela acordasse.

Mas ela já estava há quase um mês ali. E nada.

Se eu tivesse que concordar com meu pai fazendo a única coisa que ele sabia fazer que era esfregar seu poder e dinheiro na minha cara pra isso, que fosse assim.

— E temos boas notícias. Emma vai poder ir pra casa.

— Ah, que bom. — Lydia tocou meu ombro. — Pelo menos uma boa notícia.

— Sim, é mesmo uma boa notícia. — Helena sorriu.

Boa notícia?

Eu ir pra casa com uma bebê que não tinha mãe?

Como eu poderia cuidar daquela menina sozinho, sem Amanda?


Capítulo 7

 

Amanda

 

— É ela? — sussurrei ainda chocada.

— Não, eu achei na rua — Nolan brincou, possivelmente numa tentativa de desanuviar o momento.

Eu ri e o riso se transformou em um engasgar enquanto eu levava minhas mãos à boca, chocada.

Era um misto de medo e júbilo.

Então lá estava ela.

O ser que eu e Nolan fizemos e que desde que era apenas um pontinho minúsculo na minha barriga, chegou mudando tudo. Todos os meus planos. Toda a minha vida.

Eu passei meses tentando ignorar que o que crescia dentro de mim era uma pessoa.

Uma pessoinha que tinha um coração. Respirava. Chorava.

Que precisaria ser alimentada, cuidada. Amada.

Talvez, no fundo, eu tivesse a exata noção do que era ter um bebê. Pelo menos o que eu via do bebê dos outros.

Haveria o parto e seria dolorido.

Bem, essa parte eu não fazia ideia de como foi, pensei com pesar.

Como ela era quando nasceu? Pequenina? Chorou? Ela tinha esses cabelinhos ou era careca?

Eu nunca saberia. Eu perdi tudo isso.

Assim como perdi todo o resto que era ter um bebê.

Depois do parto, o bebê chorava sempre que queria alguma coisa, ou sentisse dor, afinal era a única maneira de se comunicar. Eu imaginava que deveria ser assustador. E então, ele teria que ser alimentado, era esperado que a mãe alimentasse o bebê em seu peito. Eu nunca parei pra pensar se eu faria isso. Algumas mães não podiam, era o que ouvi dizer. Bom, eu não pude.

Então quem a alimentou?

E quem a trocou quando precisou ser trocada?

Quem escolheu aquela roupinha bonitinha?

Ela era saudável? Alguma vez esteve doente?

Será que já sabia sorrir?

Ela saberia que não teve mãe durante seus primeiros seis meses de vida?

— Amanda, você está bem? — Nolan franziu a testa preocupado ante o meu silêncio chocado.

Retirei minhas mãos trêmulas dos lábios e sacudi a cabeça em negativa.

Um nó se fechava minha garganta.

— Está tudo bem — repetiu como se repetisse para si mesmo e percebi que Nolan estava nervoso.

A bebê em seu colo se mexeu e choramingou, reclamando. Ele a sacudiu automaticamente, fazendo um barulho tranquilizador com a boca.

— Eu não... Não sabia que ela estaria aqui, acho que estou assustada — sussurrei assombrada, não conseguia parar de olhar para ela, sentia meus braços formigando para pegá-la, para senti-la. Saber qual a textura de sua pele, que cheiro teriam seus cabelinhos, para ter certeza que era real. — Ela é perfeita... Será que eu posso pegá-la?

Levantei meus braços enferrujados, com um anseio que vinha do lugar mais profundo do meu ser.

Nolan riu e estendeu a bebê, a colocando perto, entre meus braços.

Meus braços sem serventia por seis meses sentiram a dor imediata do esforço de segurá-la.

Por alguns segundos, nem consegui respirar, tamanha era a sensação de magnitude de ter a bebê que estava dentro de mim por longos meses em meus braços, finalmente.

Ela era quente, macia, cheirava a talco e leite e eu sorri, quando ela se moveu em meu colo, os olhinhos verdes presos nos meus e eu nunca poderia sequer descrever o sentimento que tomou meu coração.

Então, a bebê abriu a boca e começou a chorar alto, os bracinhos no ar, na direção de Nolan e meu coração se despedaçou.

Ela não queria ficar ali, no meu colo.

Porque eu era uma estranha a ela.

— Nolan... — sussurrei assustada e ele se apressou em pegá-la. — Eu a assustei...

— Claro que não.

— Claro que está assustada! Ela nasceu faz seis meses e eu nunca a vi! — Comecei a me alarmar de novo. — Olhe pra ela, queria tê-la visto quando nasceu... e é tão triste que só agora eu a conheço. Não sou a mãe dela, Nolan.

Uma lágrima solitária pulou dos meus olhos.

— Claro que é, Amanda. — Havia frustração e impaciência em sua voz. — Eu sei que é assustador, depois do que passou, mas vamos consertar tudo.

— Não tem como apagar seis meses em que eu nem fiz parte da vida dela...

Nolan continuava a tentar acalmar a menina que chorava cada vez mais alto e a cada decibel acima, eu sentia como se fosse uma punhalada a mais no meu peito.

Coloquei as mãos nos ouvidos, não querendo mais ouvir ela sofrendo daquele jeito, sem poder fazer nada.

Sem saber fazer nada.

— Leva-a daqui, Nolan...

— Amanda...

— Agora! — Comecei a chorar alto também, enfiando o rosto entre minhas mãos para não ver a frustração no rosto de Nolan, que parecia perdido entre tentar fazer Emma parar de chorar ou me consolar.

Não havia nada que ele pudesse dizer para me consolar no momento.

De repente ouvi a porta se abrindo e o choro da criança se distanciou e então senti mãos conhecidas tocarem meus cabelos.

Abri os olhos para ver que minha mãe se inclinava sobre mim.

— Querida...

— Ah, mãe. — Eu a abracei, esquecida da raiva e ressentimento que estava sentindo. Precisando sentir que ainda era querida. Ainda era necessária para alguém.

— Filha, nem acredito que está aqui.

— Você foi embora. — Solucei como uma criança abandonada.

— Eu sinto muito... sinto tanto.

Por um longo momento, ela apenas me embalou, até que minha crise passasse e eu me sentisse mais calma.

Então segurou meu rosto, enxugando minhas lágrimas e sorrindo.

— Sei que é difícil, mas sobreviveu a esse acidente horrível, e voltou de um coma de seis meses!

— Eu me sinto perdida. Pra mim, faz dias que sofri o acidente. Eu estava grávida e brigando com Nolan...

— Nada disso tem importância agora...

— Pra mim tem! E o pior de tudo foi acordar e descobrir que eu tinha uma filha que eu nem vi nascer.

— Pense pelo lado positivo. Vocês sobreviveram. O acidente foi feio...

— Mas se passaram seis meses e eu nem a conheço! Ela chorou quando eu a peguei no colo, ela nem sabe que eu sou a mãe dela.

— Ela é só um bebê. A partir de agora, você vai conhecê-la e ela vai te conhecer. Tudo vai ficar bem, só precisa se restabelecer que vai ter tempo para ficar com sua filha, para seguir sua vida em frente.

Eu a observei mais atentamente. Ela parecia diferente.

— Você parece mais bonita.

— Ah, obrigada, eu era feia antes?

Eu sorri.

— Não, mas... parece feliz.

— Estou. — E o sorriso se quebrou em seu rosto, um tanto envergonhada. Como se ela tivesse vergonha de estar feliz quando eu estava saindo de um coma.

Bem, não foi o que eu pensei? Não foi por isso que eu me ressenti?

Porém, talvez não fosse justo.

Eu ia preferir que minha mãe tivesse chorado e definhado em seis meses que eu passei entre a vida e a morte? Eu poderia nunca ter voltado. Os aparelhos poderiam ser desligados, ou eu poderia ter sucumbido.

E de qualquer forma, ela teria que continuar em frente.

Sim, eu ia querer que minha mãe continuasse em frente e fosse feliz.

De fato, agora até começava a sentir um pouco de alegria por ela estar feliz.

— Fiquei sabendo que se casou com o Ross... que surpresa, hein? Nunca achei que fosse se casar de novo, achei que odiasse o casamento.

— Não odeio o casamento.

— Odiava meu pai, então?

— Claro que não! Eu amava seu pai, por isso nos casamos, mesmo sendo tão diferentes. E eu tentei, você sabe. Por você e pelo que sentia, mas a gente nunca deve se anular pelo outro. Nem que seja pelo sentimento que temos pelo outro. Nunca dá certo.

— Então ama mesmo o Ross?

— Sim, eu amo. Não planejei, mas aconteceu. E nós somos tão parecidos, acho que é por isso que está dando certo.

— Eu fico feliz por você, de verdade.

— Eu queria ter ficado aqui, claro que eu queria... Mas o tempo foi passando e a gente não sabia se você ia acordar... E acho que por isso mesmo eu senti que precisava viver, sabe? Eu olhava pra você, tão jovem, tão cheia de vida e de repente estava presa em um coma, sem saber se um dia ia acordar. E isso me fez ver que a vida é uma só. Que eu precisava viver, você entende?

— Acho que sim.

— Teu pai me contou que estava brava comigo.

— Eu fiquei sim, mas acho que estava sendo infantil.

— Não, não estava. Olha pelo que está passando. É uma situação terrível. Não se sinta culpada pelo que sente.

— Seis meses é tempo demais, parece que tudo está diferente e eu não sei onde me encaixar.

— Vai achar o seu lugar de novo, tenho certeza. Só precisa ficar calma. Fazer a fisioterapia e então ficar nova em folha para continuar. Você teve uma nova chance, filha.

É, talvez minha mãe tivesse razão.

Eu precisava parar de me sentir péssima e ser grata por estar viva. Mesmo não sabendo que tipo de vida me esperava agora.

 

A presença da minha mãe me deixou um pouco mais calma, mas pedi que avisasse a Nolan de que era melhor levar Emma embora.

— Nós achamos que estaria ansiosa para vê-la.

— Eu nem sei como me sinto. Mas acredito que ainda não estou em condições de lidar com ela agora.

— Ah filha, ficou abalada porque ela chorou, mas é só um bebê...

— Sim, por isso mesmo. O que eu posso dar a ela agora se nem sei o que está acontecendo comigo? Acho que tem razão. Eu preciso me restabelecer. Preciso ficar bem, física e emocionalmente e depois... — Senti um calafrio, quando não conseguia imaginar como seria o depois.

A verdade é que eu tinha medo de que tipo de mundo eu teria que me inserir de novo fora das paredes do hospital.

Eu acabei dormindo e quando acordei, avistei Nolan e minha mãe conversando em voz baixa.

— Ela não parece bem... — A voz de Nolan estava cheia de frustração.

— Claro que ela não está bem. Acho que não deveria ter trazido Emma assim, sem avisar. Amanda não estava pronta, ela ficou abalada...

— Ela está estranha... Eu não sei como lidar com ela. Como se fosse... outra pessoa.

— É a mesma pessoa. Só que ela acordou de um coma. Está mal fisicamente. Abalada emocionalmente depois de perder seis meses de vida e ainda tem que lidar com um bebê.

— Mas é filha dela.

— Você teve seis meses para criar um vínculo com Emma. Amanda não teve essa chance. É normal que ela fique assim. Precisa ter paciência.

— Às vezes eu me sinto perdido.

— Você se saiu muito bem nesses meses. Seguiu sua vida, como tinha que ser. Não está perdido. A verdade é que por mais que ansiássemos que Amanda acordasse, no fundo, a cada dia que passava, todos nós perdíamos cada vez mais a esperança. E começamos a nos obrigar a deixá-la ir.

Fechei os olhos com força, meu coração afundando no peito ao ouvir aquelas palavras da boca da minha mãe.

Doía ouvir que eles tinham desistido de mim.

Talvez fosse um enorme incômodo que eu tivesse acordado, afinal.

Todos estavam se acostumando com o fato de que eu tinha ido embora pra sempre.

Meu pai. Minha mãe. Nolan.

— Onde está Emma?

— Com quem acha?

— Ah, ela está sendo ótima com Emma. Nunca imaginei. Foi uma surpresa para mim que você tenha conseguido ajuda justamente dela, depois de tudo...

— Sim, eu também me surpreendi. O que acha que Amanda pensará disso?

— Amanda tem problemas com ela, e não é pra menos...

— Eu quis tanto que Amanda voltasse, mas agora não parece tão simples como imaginei — Nolan continuou.

— Eu sei. Mas não se sinta culpado. Você fez o que tinha que fazer.

Os dois saíram do quarto deixando-me só com minhas conjecturas.

Mamãe dizia que ele seguiu em frente e que se virou muito bem com Emma.

Mas aparentemente não foi sozinho. De quem estavam falando?

De repente, eu tive medo de saber.


Capítulo 8

 

Meses Antes

 

Nolan

 

— Elizabeth estendeu a mão e ele a beijou com galante cordialidade, embora não soubesse que expressão tomar ao entrar na casa. — Terminei de ler o parágrafo e revirei os olhos. — Que lixo é esse, Amanda? Sério que gosta disso aqui? — indaguei rindo, virando a cabeça para observá-la como se fosse me responder.

Mas claro que ela não respondeu.

O silêncio do quarto era apenas interrompido pelo bip-bip das máquinas que asseguravam que ainda estava respirando.

Ela estava ali, mas não estava.

Eu suspirei tentando conter a onda de tristeza.

Já fazia quase dois meses que Amanda estava em coma e nem todos os melhores médicos do mundo em um dos melhores hospitais, e todo o dinheiro Percy que estava sendo esbanjado, fora capaz de mudar este quadro.

Trouxemos Amanda para Nova York esperando que assim, em dias, talvez, ela pudesse enfim acordar. Todavia, não foi assim que aconteceu.

Eu voltei para meu apartamento, que dividia com Jace e Stella, que, embora não estivesse mais em um relacionamento com Jace, ainda continuava por lá, pois alegou que não tinha para onde ir até que sua carreira decolasse, o que não estava acontecendo. Eu achava Jace um idiota por permitir que ela ficasse depois de tudo, mas não me opus. Se ele não se importava, então era problema dele. E eu não estava nem aí para Stella. Na verdade, eu quase não a via.

Eu havia voltado relutantemente para minhas aulas, embora não houvesse nenhuma vontade em mim de continuar seguindo a vida normalmente como se Amanda não estivesse em coma.

— Mas você não pode desperdiçar o ano! — Helena havia insistido. Estávamos conversando no dia em que Amanda chegou em Nova York e eu dirigia para casa, onde Lydia estava com Emma. Eu estava grato demais pela mãe da Amanda ter se disponibilizado a ajudar com a bebê por enquanto, porque eu não fazia a mínima ideia do que fazer. — Não há nada que possa fazer por Amanda agora!

— Não parece certo que eu siga, dia após dia, como se ela não estivesse em coma...

— Eu sei que é difícil. É duro para todos nós, mas tem que entender que já faz um mês. A maioria das pessoas em coma acorda em semanas...

— Pare — eu a interrompi, irritado, quando estacionei o carro na garagem e saltei.

Helena veio atrás.

— Nolan, espera...

— Não fale como se ela não fosse voltar. — Eu a encarei, irritado quando entramos no elevador.

— Todos nós queremos e rezamos para que ela acorde, mas tem que começar a entender que talvez...

— Eu não tenho que entender nada! Ela vai voltar! Não foi pra isso que a trouxemos para cá? Por isso que o Theodore está gastando seu dinheiro?

Chegamos ao nosso andar e entramos no apartamento.

E eu ouvi o choro de criança vindo de algum lugar, apertando meu peito.

— Sim, seu pai está sendo generoso em lhe proporcionar isso. E podemos ter esperança, mas tem que seguir sua vida. — Ela sorriu. — E tem Emma, você tem que pensar nela agora, que precisa de você.

— Eu não faço ideia do que fazer com ela — desabafei. — Ela é uma bebê e se não fosse Lydia, eu não saberia o que fazer...

— Lydia está sendo maravilhosa. Largou a vida dela, o trabalho, o namorado...

— Ela é a mãe da Amanda.

— E você é o pai da Emma.

Eu respirei fundo, amedrontado.

— Mais um motivo para não voltar às aulas.

— Vai voltar sim, cara . — Jace apareceu na sala. — Quer mais um motivo para o papai te detonar?

— Estou pouco fodendo para o que Theodore pensa.

— Seria mais fácil se não ligasse mesmo.

No fim, acabei retornando à faculdade o que foi bom, porque pelo menos eu me distraía uma parte do tempo.

Mas todo dia vinha vê-la. Sentava ao seu lado, segurava sua mão. Ficava desenhando, ou fazendo meus trabalhos de faculdade ao som das pessoas andando pelo corredor do hospital. E às vezes eu lia pra ela, pegava um dos seus livros preferidos e me perguntava se me escutava. Se reconhecia minha voz com alguma pequena parte do seu cérebro que estaria alerta. Eu gostava de pensar que ela estava ali, em algum lugar. Por isso, conversava com ela sobre os livros, ou lhe contava sobre meu dia na faculdade e lhe falava de Emma.

— Ela chora pra cacete, Amanda. Sério, às vezes ela chora por horas e eu pergunto a Lydia se não tem nenhum problema. Ela diz que é normal, que todos os bebês são chorões. Que tem cólica, ou tem fome, ou precisa ser trocada. Confesso pra você que eu não curto muito essa parte, é meio nojento, e eu tentei me safar disso o tanto quanto pude, mas Lydia me obriga às vezes, diz que eu tenho que aprender. Eu também lhe dou mamadeira algumas vezes e Lydia me ensinou como segurá-la para arrotar. E ela já estragou algumas camisas minhas regurgitando em cima. Sua mãe acha tudo muito engraçado. Eu fico puto quando Lydia ri da minha cara, mas, sinceramente, eu nem sei o que farei quando ela for embora.

“Ela diz que não tem pressa, mas eu sei que estou sendo um babaca egoísta. Ela tem a vida dela em outra cidade, sei que sente falta do namorado. Ele a pediu em casamento, acredita? O pobre está muito apaixonado, mas ok, sua mãe é bem gata. Eu falei isso pra ela, que é uma avó gata. Uma vez saímos para passear com Emma no Central Park. E uma pessoa perguntou se éramos um casal. A gente riu pra caramba. Eu me pergunto se você iria rir também.” — Eu toquei sua mão. — Daria qualquer coisa pra te ouvir rir de novo.

Eu me inclinei e beijei seus lábios frios.

Sonhando com a época em que ela suspirava quando eu fazia isso, que enroscava os braços à minha volta e derretia ao meu toque.

Voltei para casa e quando entrei no apartamento, Jace estava assistindo um jogo com um amigo, Zander.

E notei que o carrinho de Emma estava na sala.

Eu me aproximei e ela se agitou, estendendo os bracinhos pra mim.

Eu amava quando ela fazia isso. Era como se eu fosse importante.

Eu a tirei do carrinho.

— Cadê a Lydia?

— Saiu para jantar com o Ross.

— Ross está na cidade?

Ross tinha vindo visitá-la uma vez só.

— Sim, cara .

De repente algo aconteceu no jogo e os dois gritavam e falavam palavrões alto, fazendo Emma se assustar e começar a chorar.

— Ei, cadê o respeito de vocês, seus filhos da puta?

— Foi mal, cara — Zander resmungou.

Levei Emma para a cozinha, porque ela não parava de chorar, espiei as horas, era pouco mais de oito da noite. Ela deveria estar com fome?

Não fazia ideia, quem cuidava dessas coisas era Lydia.

Eu me senti um pouco irritado por ela ter saído e deixado a menina com Jace, afinal, que diabos Jace sabia cuidar de uma criança?

“ E o que você sabe? ”, uma voz sussurrou dentro de mim.

Certo, eu sabia bem mais do que Jace, mas talvez o fato de eu achar que Lydia deveria saber de tudo e deixar toda a responsabilidade em suas mãos não fosse certo.

Coloquei Emma no bebê conforto.

— Ei, tudo bem... vamos ver o que temos aqui. — Abri a geladeira e respirei aliviado ao ver que Lydia deixou uma mamadeira pronta e eu a coloquei no micro-ondas.

Neste momento, Stella entrou na cozinha.

Ela estava arrumada como se fosse a uma festa.

— Oi. — Ela passou por mim, abrindo a geladeira e pegando uma garrafa de água.

— Ainda aqui? — Não escondi minha contrariedade.

Ela pegou o copo e me encarou.

— Algum problema?

— Não acha nenhum problema você viver na casa do seu ex-namorado depois de ter levado um fora?

— Como disse, casa do meu ex-namorado. Se ele permite, não é problema seu.

— Eu moro aqui também.

— Então peça para o Jace me mandar embora, se está incomodado com a minha presença!

Emma voltou a chorar e eu fui até o micro-ondas pegar a mamadeira.

Quando me virei, Stella encarava a menina, segurando o copo com força.

— O que foi? Nunca viu uma criança chorar?

— Sim eu já vi, mas por que não a pega? Por que a deixa chorar?

— Estou esfriando a porra da mamadeira! — expliquei enquanto a lavava na água da torneira, pois estava muito quente.

Stella parecia incomodada com o choro ainda, o que me irritou.

— Por que não vaza daqui? Parece que tem uma festa, não?

— É uma festa de uma agência. E preciso ir, pra ver se consigo algo.

Stella era muito bonita e não entendia como ela não tinha ainda deslanchado na carreira. Mas o que eu entendia do mercado de modelos? De repente ser uma pessoa legal contava e nisso Stella pecava lindamente, pensei com ironia.

— Tem razão, melhor eu ir.

Ela colocou o copo na pia e saiu rápido.

Eu peguei Emma e lhe dei a mamadeira. Ela sugou com avidez me fazendo sorrir.

— Seu pai é um idiota mesmo, Emma. Desculpa te deixar com fome.

Jace e o amigo saíram depois para beber e Jace ainda perguntou se eu queria ir junto e eu o encarei com ironia.

— Que merda ia fazer em um bar com um bebê?

— É mesmo, foi mal.

Eu ri quando ele se despediu, e eu suspirei levando Emma para o carrinho e sentando na minha escrivaninha para fazer um relatório.

Porém, me surpreendi quando a campainha tocou algumas horas depois.

Emma acordou e eu soltei um palavrão, a pegando no colo e indo abrir a porta.

E me deparei com Ashley.

Fazia um tempo que eu não via Ashley, desde o acidente de Amanda. Ela havia enviado uma mensagem dizendo que sentia muito o que havia acontecido e se eu precisasse de algo era só contatá-la.

Nós nos trombamos na faculdade algumas vezes e ela tentou falar comigo, mas eu estava tão preocupado com a situação de Amanda, que acabei a ignorando.

— Ashley, o que faz aqui?

— Oi Nolan... — Ela sorriu e seu olhar recaiu em Emma. — Uau, então essa é sua filha!

— Sim, essa é Emma.

— Será que eu posso entrar?

— Claro.

Ela entrou e eu fechei a porta atrás de mim.

— Não entendi o que veio fazer aqui. Stella não está.

— Eu sei. Não vim falar com Stella, e sim com você.

— Certo... — Eu me sentei, acalentando Emma, que choramingava.

Ashley nos observava com um olhar estranho e eu me perguntei o que se passava em sua cabeça e não consegui evitar de pensar que se Ashley não tivesse abortado, ela poderia ter um bebê agora.

Um bebê meu, assim como Emma o era.

Eu nunca consegui pensar na gravidez de Ashley naqueles termos. Mas agora, Emma sendo tão real, eu me permiti sentir um pouco de pesar.

— Ela é bem bonitinha.

— Eu sei.

— Vendo ela agora, eu fico pensando, como teria sido, sabe? — ela sussurrou.

— Eu pensei nisso também.

Ela sorriu com pesar.

— Mas acho que no fim, talvez tenha acontecido porque... não era pra ser. Você não teria conhecido Amanda e nem teria Emma.

— Sim...

— Enfim, eu queria saber como você está. Foi horrível isso que aconteceu com a Amanda. Ela ainda tem chance de...

— Sim, ela tem — afirmei com uma convicção que estava longe de sentir.

Eu poderia dizer para Ashley que um dos motivos da briga que tive com Amanda naquele carro foi justamente por causa do beijo no barco.

Que Amanda tinha tanto ciúme dela como eu tinha de Owen.

Mas que importância tinha agora?

Eu fui um idiota escondendo o que aconteceu de Amanda. Se tivesse contado e também lhe revelado sobre o escroto que Owen era, tudo isso poderia ter sido evitado.

E Amanda não estaria em coma e eu sozinho com nossa filha sem saber se ela voltaria para nós.

De repente Emma começou a chorar e eu me levantei.

— Acho que está na hora dela mamar.

Ashley me seguiu até a cozinha.

— Quer que eu a segure?

Eu hesitei, mas passei Emma para seu colo, para preparar a fórmula como Lydia havia instruído, rezando para fazer certo.

— Parece estar se saindo bem com Emma — Ashley comentou quando eu já estava com Emma de novo lhe dando mamadeira.

— Não é fácil. Mas a mãe da Amanda está aqui e ajuda.

— Olha, sei que eu também não tenho a menor experiência, mas se precisar de ajuda...Eu estou à disposição. É bem triste que a Emma não tenha uma mãe.

— Ela tem uma mãe — eu a cortei.

— Entendeu o que eu quis dizer. Olha, eu tinha muito ciúme e raiva da Amanda, quando você ficou com ela, assumiu a gravidez dela e fiquei desolada quando percebi que gostava dela de verdade. Mas desde a nossa conversa no barco, eu comecei a entender que tinha que seguir em frente. E quero que saiba que de maneira alguma, eu desejei o mal para a Amanda. Eu sinto muito de verdade. E espero que ela acorde e fique bem.

— Obrigado.

— Bem, eu vou embora. Mas, por favor, se precisar de algo, não hesite em pedir.

Ela sorriu tocando o rostinho de Emma.

— E sua filha é linda. Acho que já estou apaixonada por ela.

— Eu também estou. — Sorri também.

— Espero um dia ter um bebê também.

— Você pode ter o que quiser, Ashley.


Capítulo 9

 

Amanda

 

A conversa entre minha mãe e Nolan não saiu da minha cabeça, e eu me perguntava de quem estavam falando.

Porém, não conseguia me livrar de uma espécie de pressentimento ruim de que eu não teria boas notícias.

Seis meses eram muito tempo.

Nolan era um cara bonito, sexy e estava sozinho.

Ele teria mesmo ficado sozinho todo aquele tempo?

Ele disse que desejou que eu acordasse, mas isso não queria dizer que tenha passado todo aquele tempo velando meu sono.

De certa forma, eu nem poderia culpá-lo se tivesse seguido em frente de verdade. Como poderia saber que eu iria acordar, depois de seis meses.

Inferno, as enfermeiras a minha volta viviam sussurrando que foi um milagre minha recuperação. Provavelmente Nolan deve ter ficado abalado com o acidente, mas depois de um tempo deve ter voltado a viver sua vida.

“ Mas ele está aqui, parece aliviado por sua volta. Disse que você pertence a Emma e a ele. ”

Será mesmo?

Quanto daquilo era um desejo genuíno e quanto podia ser culpa?

Não consegui me livrar da insegurança que esses pensamentos sombrios me causavam.

— Querida, você se saiu muito bem! — minha mãe dizia depois de eu ter voltado de uma sessão de fisioterapia.

Foi difícil pra mim perceber como meus membros estavam atrofiados por falta de uso. O quanto eu me senti fraca para andar, e me mover, mas o fisioterapeuta disse que eu tive sorte pela área do meu cérebro que foi afetada não ter nada a ver com a coordenação motora, pois eu poderia estar bem em pouco tempo, com os exercícios certos para fortalecer a musculatura.

— Estou tão fraca, mãe...

— Ah, querida, é normal. — Ela ajeitou minha cabeça no travesseiro. — Mas vai se esforçar e vai ficar bem. E estou aqui para te ajudar e te apoiar.

— Não tem que voltar para o Ross?

— Ross pode esperar, você é minha filha.

— Mas você tem uma vida. Não quero te atrapalhar.

— Não seja boba.

— Assim como Nolan tem, não é.

Ela franziu o olhar.

— O que quer dizer? Nolan está tão feliz que tenha voltado. Como todos nós.

— As coisas parecem esquisitas entre nós.

— Claro que estariam. Pra você, o acidente foi ontem e estava tendo uma briga. Mas vai ver que isso ficou no passado.

— Nos seis meses que perdi.

— Perdeu, mas vai recuperar. Um dia de cada vez, filha. Está muito angustiada e ansiosa. Mas primeiro tem que ficar boa, forte, e então vamos para o próximo passo.

— Eu devo estar uma chata insuportável, né?

— Não fala assim. A gente entende sua angústia.

— Nolan deve estar de saco cheio de mim também.

— Que bobagem!

Eu queria dizer que ouvi a conversa deles, com Nolan confessando que não estava sendo como achou que seria. Que ele estava perdido. Mas me calei.

Talvez minha mãe tivesse razão. Dar um passo de cada vez.

Precisava ficar forte. Sair daquele hospital e então, voltar ao mundo que estive ausente por seis meses.

Quando Nolan apareceu naquela tarde, ele parecia hesitante comigo.

— Ei, como está se sentindo?

Eu dei de ombros.

— Como se tivesse ficado em coma seis meses.

Ele riu e eu gostei de ouvir o som.

Acho que era a primeira vez que ele ria perto de mim depois que voltei.

— Sua mãe contou que fez a primeira sessão de fisio.

— Sim, eu pareço uma velha.

— Não fala merda, Amanda.

— É verdade. Eu mal consigo ficar em pé.

— Mas vai ficar boa. Vai ficar como antes em pouco tempo.

— Será? — “Que tudo será como antes?”, queria perguntar.

De repente o celular dele tocou e ele franziu a testa e se afastou do quarto para atender.

Quem seria que ele não podia falar na minha frente?

— Desculpe, uma questão urgente apareceu, eu preciso ir.

— Questão urgente?

— Não se preocupe com isso.

Ele se aproximou e beijou minha testa.

— Eu volto mais tarde, ok?

— Não precisa voltar. Quer dizer... Não tem muito o que possa fazer aqui.

— Amanda...

— É sério, Nolan. Vai ficar fazendo o que aqui? Eu tenho que me concentrar nas sessões de fisio e ficar boa, como antes, não é o que você falou?

— Não significa que não quero vir te ver.

— Mas não é preciso,

Ele se virou pra minha mãe.

— Que porra ela está falando?

— Nolan, tenha paciência com ela...

— Ei, acho que eu posso escolher, não? — Aumentei o tom da minha voz. — Você tem suas coisas, Nolan. Tem sua vida, ela estava correndo até agora e não tem porque você ficar vindo me paparicar!

— Isso é absurdo, Amanda...

— Nolan... — Minha mãe tocou seu braço.

Ele respirou fundo, como se estivesse procurando se acalmar e por um momento parecia o Nolan de antes. O Nolan que explodia quando era contrariado.

Talvez ele ainda estivesse ali sob as camadas do Nolan mais maduro que eu tinha encontrado depois que acordei do coma.

Ele e mamãe saíram do quarto e contive a vontade de chorar. Havia uma parte de mim que queria Nolan ali comigo, mas também me sentia perdida. E não queria me apoiar em Nolan como se ele fosse a única coisa que pudesse me manter a salvo.

Porque de alguma forma, sentia que não seria justo.

A situação entre nós não era a mesma de antes. Nolan havia mudado, e eu não sabia ainda o quanto. E nem sabia o que eu sentia com essa mudança.

— Ele está bravo comigo? — indaguei quando mamãe voltou para o quarto.

— Não, claro que não.

Eu não acreditei nela.

— Não me sinto à vontade com ele aqui, e não sei por quê.

— Filha, passou por uma situação singular. É normal que se sinta estranha por um tempo.

— E se eu me sentir estranha... pra sempre?

— Não pense assim. Um dia de cada vez, lembra?

— Acha que fui horrível mandando o Nolan embora?

— Ele tem que entender. O foco é sua recuperação e se você quer passar por essa fase sem ele, é seu direito.

— E... Emma? Acha que sou horrível por não querer que Nolan a traga aqui?

Pensar na minha filha me deixava com o coração partido.

— Só você sabe quando estará apta a dar este passo e se aproximar dela. Não se culpe. Vamos tratar de ficar forte, ok? Vai ver que com o passar dos dias, as coisas vão ficar mais fáceis.

Sacudi a cabeça em afirmativa, querendo acreditar na minha mãe.

 

E os dias foram passando. Eu fazia sessões de fisioterapia e para meu alívio, comecei a me recuperar rapidamente.

Minha mãe permaneceu comigo nas semanas que se seguiram e meu pai e Helena também me visitaram em alguns dias.

E como eu havia pedido, Nolan não voltou.

Conforme eu ia me sentindo mais forte, mais eu mesma, pelo menos fisicamente, tentava ser eu mesma também emocionalmente.

Sentia falta de Nolan e ao mesmo tempo tinha medo do que aconteceria com nosso relacionamento quando eu saísse do hospital. Ele ainda gostava de mim como antes?

Eu havia pedido um espelho, curiosa sobre minha aparência. E embora estivesse pálida e abatida, eu parecia a mesma.

Também comecei a tomar banho com a ajuda da minha mãe e no começo me assustei como estava magra, assim como fiquei surpresa com a pequena cicatriz na minha barriga.

— Foi preciso fazer uma cesárea para o nascimento de Emma — mamãe explicou.

E pensar no nascimento de Emma me deixava triste.

— Eu não a vi nascer — sussurrei com pesar e minha mãe me consolou.

— Mas ainda vai ter muito tempo pela frente com ela, vai ver! Olha como está ficando boa. Está magrinha, mas vai se recuperar.

E assim eu ia me recuperando.

Comecei a me sentir entediada no hospital, e minha mãe me trouxe alguns livros.

— Sabe que Nolan vinha aqui e lia pra você?

— Sério?

— Sim, ele vinha todos os dias e passava algumas horas com você.

— Devia ser entediante...

Não conseguia imaginar Nolan sentado ao meu lado lendo enquanto eu permanecia inalcançável.

— Devia ser triste, na verdade. Mas ele nunca desistiu.

Sentia um misto de esperança e alívio ao ouvir essas coisas, de como Nolan esperou mesmo que eu voltasse, mas ainda assim não era o suficiente para eu me sentir totalmente segura.

Um dia, mamãe me passou uma ligação de vídeo de Samantha.

— Ei, olha a Bela Adormecida. — Ela sorria do outro lado do mundo e Austin estava com ela.

— Como é bom te ver, Sam. E o que Austin está fazendo aí?

— Ei, Amanda, bem-vinda de volta. Estamos todos muito animados e queríamos estar aí. — Ele acenou.

— Estou surpresa de estar em Paris com Sam.

— Não sabe? Austin veio ficar comigo! — Samantha contou animada.

— Sério?

— Sim, ele não vive sem mim.

— Largou a faculdade?

— Por enquanto sim, mas vou tentar algum curso aqui no próximo ano letivo.

— Ou vai ser meu escravo sexual sugar baby pra sempre — Sam brincou o beijando. — Eu estava louca para ir te ver, mas estava cheia de provas aqui, pelo menos as férias de verão estão próximas e vou poder viajar e finalmente te ver de perto.

— Sim, vai ser bom te ver pessoalmente também.

— E como você está?

— Tentando me recuperar.

— Ah, isso é tão bom! Fico tão feliz e Emma, já viu como ela é linda?

Meu sorriso congelou um pouco.

— Sim, Nolan a trouxe aqui um dia, mas eu ainda não tive... como conhecê-la melhor.

Nossa, como era triste falar isso.

Parecia que eu estava falando de uma pessoa qualquer e não da minha própria filha.

— Ah, mas vai ter tempo! Olha, eu criei um Instagram pra ela, já te mostraram?

— Instagram?

— Sim, tem várias fotinhos dela desde que nasceu! Eu fiz pra você. Achei que ia gostar de vê-la como ela foi crescendo, quando acordasse.

— Ah, obrigada Sam. — Eu me emocionei.

— Agora vou desligar e deixar você descansar.

Quando ela desligou, eu aproveitei e entrei no Instagram, curiosa e lá estava

Emma Percy.

Ah, minha nossa. Meus dedos trêmulos clicaram nas imagens que se revelavam a meus olhos marejados, maravilhados e tristes.

Emma pequenina, ainda um bebezinho enrugado e de olhinhos fechados e depois, crescendo a olhos vistos, suas expressões se tornando mais definidas. A maioria das fotos eram apenas dela, mas havia algumas com Nolan a segurando. Uma com a minha mãe quando ela ainda era menor. E havia uma com Jace e Samantha.

E então algumas me chamaram a atenção, pois havia um braço feminino a rodeando. Um braço com unhas bem feitas que a seguravam e às vezes algum chumaço de cabelos loiros compridos.

Quem era?

Continuei passando as fotos até que uma delas fez meu estômago embrulhar. Ashley estava segurando Emma e sorrindo.

Ashley?

Senti dificuldade de respirar.

O que Ashley estava fazendo segurando a minha filha?

Aumentei a foto e percebi que ela estava no apartamento dos Percy ali em Manhattan.

Eu nunca poderia imaginar que Ashley ainda estaria na vida de Nolan e isso fez meu estômago revirar.

Havia um comentário de Ashley abaixo da foto com um coração. Eu cliquei em seu nome e entrei na página dela, curiosa.

Havia muitas fotos dela, como se fosse um book de modelo, concluí com inveja, por sua beleza e vivacidade.

Praticamente não havia fotos dela com outras pessoas. Mas então a última foto me chamou a atenção.

Ela estava de biquíni em frente a uma piscina com a mão na barriga.

A mão em uma barriga de grávida.

Ashley estava grávida?

— Amanda, como está?

A porta do quarto se abriu me interrompendo e levantei o olhar para o médico que se aproximou com a minha mãe.

Eu entreguei o celular para minha mãe, ainda um tanto chocada.

— Estou... bem? — balbuciei.

— Querida, acho que vai gostar das notícias! — Minha mãe parecia animada.

— Sim, Amanda. — O médico continuou. — Você já está de alta. Está pronta para ir pra casa.


Capítulo 10

 

Meses antes

 

Nolan

 

Lydia chegou no fim da noite e eu estava na sala semiescura assistindo a um filme qualquer, com Emma próxima no carrinho.

— Ei, por que não a colocou no berço? — Ela se aproximou e tirou Emma do carrinho.

— Ela estava bem aí, fiquei com medo que acordasse.

— Eu vou colocá-la no berço.

Ela retornou e sentou-se no sofá à minha frente.

— Tudo bem? Jace avisou que fui jantar com Ross?

— Sim, ele avisou, mas deixar Emma com Jace...

— Ah, eu sabia que ia chegar logo, e não pretendia demorar. — Ela corou. — Ross chegou de surpresa e acho que acabamos tendo uma DR...

Ela não parecia feliz e eu senti um aperto de culpa.

— Não queria deixar Emma aqui, mas Ross queria muito conversar, eu devia um tempo a ele. Tadinho, está sendo tão paciente e eu não sei até quando...

— Deveria voltar.

— O quê?

— Voltar para São Francisco. Para sua vida lá.

— Mas e Emma e.. Amanda?

— Amanda está em coma, não podemos fazer nada a não ser esperar e torcer — resmunguei com amargura. — E Emma... eu tenho que me virar, não é?

Ela se aproximou e sentou ao meu lado, segurando minha mão.

— Eu poderia levar Emma comigo.

— Não, nem pensar — refutei a ideia. — É minha filha, ela fica aqui.

— Foi só uma ideia. Eu nunca... Imaginei cuidar de um bebê de novo. Não é fácil pra mim.

— Faz parecer fácil.

Ela sorriu.

— Eu tenho experiência, claro. E Emma precisava de alguém que cuidasse dela. Acho que foi natural que eu ficasse com essa responsabilidade, mas confesso que não achei que Amanda fosse demorar tanto a acordar... — Seus olhos se encheram de lágrimas. — Tenho tanto medo que ela não acorde.

Eu apertei seus dedos.

— Ela vai acordar.

— E cada dia que passa eu só penso em como é injusto. Ela deveria estar aqui com a filha dela. Com você.

— Eu sei.

— E eu quero ajudar, mas também quero viver, entende? Ver Amanda nessa situação me faz ver que a vida é uma só. Eu amo Ross e quero viver com ele o que tiver que viver.

— Está certa... Embora eu me borre de medo de ficar sozinho com Emma. Eu não sei se dou conta, Lydia.

— Vai ter que dar, Nolan. Ela é sua filha, precisa de você.

— Você não acha que Amanda vai acordar?

— Como podemos saber? Já se passou tanto tempo. Mas ainda podemos ter esperança. E continuar a viver. Acho que devemos isso para Amanda.

— Sim, tem razão. Já ajudou demais.

— Ross... Ele está querendo que eu vá ficar com ele no hotel, eu disse que não podia...

— Pelo amor de Deus, vai transar.

— Nolan!

— Alguém vai transar pelo menos nessa casa.

Ela riu.

— Certo. Tem certeza de que consegue ficar com Emma sozinho?

— Ela está dormindo.

Lydia rolou os olhos.

— Ela acorda durante a noite.

Ela pegou um aparelho.

— Isso é uma baba eletrônica. Quando ela chorar, você vai escutar e deve ir vê-la. Checar se está com fome ou precisa ser trocada.

— Claro, eu consigo — garanti, sem saber muito bem do que estava falando.

 

Eu não saberia dizer que horas eram quando ouvi um barulho através da babá eletrônica.

Demorou alguns minutos para que eu acordasse totalmente e identificasse o barulho como o choro de Emma.

— Merda...

Há quanto tempo ela estaria chorando e eu não ouvi? — eu me perguntei, preocupado, pulando da cama e me arrastando até seu quarto.

E quando abri a porta me surpreendi com a cena à minha frente.

Stella, ainda com sua roupa de festa, estava com Emma no colo, a acalentando.

— Que porra pensa que está fazendo? — Avancei em sua direção arrancando Emma do seu colo.

— Ei, eu estava apenas tentando fazê-la parar de chorar!

Eu a encarei com raiva.

— Você?!

Ela levantou o queixo, mas percebi que estava vermelha.

— Sim, eu! Eu tinha acabado de chegar e a ouvi chorando. E como Lydia não veio vê-la como sempre, eu vim! Aliás, cadê a Lydia?

— Lydia está com o namorado.

Emma começou a chorar mais alto.

Stella revirou os olhos.

— Faz alguma coisa pra ela parar de chorar.

— O que quer que eu faça? Crianças choram, porra!

— Você nem faz ideia do que ela precisa, não é?

— Ei, cala sua boca! Ela é minha filha, claro que eu sei.

— Mas você nem ouviu ela chorar.

Foi a minha vez de ruborizar envergonhado.

— Eu ouvi sim, não estou aqui?

— Mas quem sempre escuta a neném chorando e vem cuidar é a Lydia. Você nem está aí.

— O que você sabe?

— Mais do que você, parece. Pelo amor de Deus, veja se ela não está com a fralda suja.

Ai merda. Verdade.

Eu a coloquei no trocador e a fralda estava mesmo molhada.

Pelo menos não era coco, pensei aliviado.

Ao me virar para pegar uma fralda, Stella já estava se aproximando com uma nas mãos.

— Aqui.

Eu a encarei desconfiado.

— Como sabia onde estava?

— Eu já fiz isso antes. — Ela deu de ombros.

— O quê?

— Bem, não é a primeira vez que eu escuto Emma chorar e nem que eu venho ajudar Lydia.

— Que porra eu não sabia disso?

— Por que estava dormindo?

Mas que grande merda! Como assim Stella estava todo este tempo perto de Emma quando eu achava que ela detestava a criança.

— Isso não faz o menor sentido...

— Nolan, seja prático e para de me olhar assim! — Ela me colocou para o lado e trocou Emma com uma destreza que eu nunca achei que ela seria capaz.

— Agora em vez de ficar olhando com cara de babaca, porque não vai esquentar uma mamadeira pra ela?

Ela apenas soluçava agora, mas eu me virei e fui até a cozinha, esquentar a mamadeira e retornei.

Stella arrancou da minha mão e sentou na poltrona, colocando a mamadeira na boca de Emma, que a sugou satisfeita.

Eu observei toda a cena ainda meio em choque.

— Achei que detestasse Emma.

Stella me encarou, irritada.

— Por que eu detestaria um bebê?

— Por que é o que você faz? É detestável com todo mundo.

— Vai se foder, Nolan!

— Não fale palavrão perto da minha filha, caralho.

— Então você também não fala!

— Eu ainda acho bizarro..

Stella suspirou, me entregando a mamadeira e colocando Emma na posição de arrotar.

— Não sou uma pessoa horrível, Nolan.

— Tenho minhas dúvidas.

— Ok, eu sei que fui horrível em alguns momentos...

— Você odiava Amanda. E agora esta cuidando da filha dela.

— Não odiava Amanda.

— Não?

— Quer dizer... É difícil explicar. Nem eu sei bem o que sentia. E sinceramente, não quero explicar pra você. Mas Emma é só um bebê. E precisa de cuidados.

— Não é você que deve cuidar dela.

— Sim, eu sei. É você. Mas deixou nas mãos de Lydia.

— Ei, quem é você para ficar me detonando?

— E não é verdade?

— Lydia vai embora.

— Sério? E você vai ficar sozinho com Emma?

— Fala como se eu fosse um idiota.

— Porque você é.

— Sério, me dá minha filha aqui e cai fora.

Eu tirei Emma do seu colo e a abracei para longe de Stella, que soltou um suspiro pesado dando de ombros.

— E fica longe da minha filha.

— Certo. Se vira então! — Ela saiu do quarto batendo os saltos no chão.

 

Lydia foi embora dias depois e eu me vi sozinho com Emma pela primeira vez.

Era assustador, mas eu estava disposto a fazer dar certo.

Na primeira vez que ela acordou de madrugada, eu demorei para escutar e quando cheguei lá acho que nem me surpreendi ao ver Stella com ela no colo.

— Esperei três minutos para ver se escutava, mas aparentemente você é surdo ou algo assim.

Eu me aproximei e tirei Emma do seu colo.

— Certo, vou pegar a mamadeira e você vê se ela precisa ser trocada.

Eu queria pedir para ela sumir da minha frente, mas deixei que trouxesse a mamadeira e só então pedi que caísse fora.

Faltei à faculdade três dias seguidos, porque Emma precisava de cuidado constante, e Jace me repreendeu.

— Vai perder o ano desse jeito. Precisa de uma babá, cara .

— Sim, eu sei — resmunguei colocando Emma no carrinho e Stella entrou na cozinha.

Jace se levantou e saiu.

Eles viviam assim numa guerra fria.

Stella comprimiu os lábios com força, contrariada, mas deu de ombros.

— Você devia ter algum orgulho e dar o fora — comentei.

— E você devia cuidar da sua vida. Acha que gosto de viver de favor aqui?

— Então vai embora.

— Eu vou assim que tiver grana suficiente. Viver em Nova York é bem caro. E você não vai para a aula?

— E quem cuidaria de Emma?

— Eu posso cuidar hoje.

Levantei a sobrancelha.

— Não me olhe assim, eu não tenho nenhum compromisso hoje cedo.

Eu hesitei.

Não gostava de Stella.

E muito menos gostava que ela cuidasse da minha filha. Mas surpreendentemente ela parecia mesmo se importar com Emma.

— Tudo bem, mas é só por hoje. Eu vou arrumar uma babá.

 

Porém, no dia seguinte e no outro, Stella também se prontificou em ficar com Emma enquanto eu estava na faculdade.

Entrevistei algumas babás, mas, sinceramente, nenhuma delas parecia confiável e conforme os dias foram passando, estabelecemos uma inesperada rotina com Stella cuidando de Emma durante as manhãs. E depois eu voltava pra casa e a levava comigo para o hospital para ver Amanda.

E todos os dias, eu chegava lá, esperando ter boas notícias que nunca vinham.

Jace não ficou muito feliz quando descobriu meu estranho acordo com Stella.

— Acha que Stella sabe cuidar de uma criança?

— Ela tem ajudado a Lydia todo este tempo, descobri um dia desses e sei que parece bizarro, mas ela faz isso muito bem. E se quer ajudar, por que não? Está aqui de graça mesmo, melhor que faça algo útil.

— Achei que odiasse a Stella.

— Não vou com a cara dela mesmo, nunca fui e ainda mais porque ela tratava a Amanda muito mal, mas foi você quem deixou ela ficar aqui. Se ela te incomoda tanto, por que não a manda embora?

— Porque eu sou um idiota e ela me convenceu a deixar ficar aqui dizendo que seriam só uns dias.

— Faz dois meses.

— Pois é.

 

Uma noite, Emma acordou chorando e Stella não podia mais jogar na minha cara que eu não acordava imediatamente, porque ao primeiro barulho eu já estava de pé.

Apanhei Emma no berço e verifiquei a fralda, estava seca, então a levei para a cozinha e lhe dei mamadeira.

Porém, embora não estivesse mais chorando, nada a fazia dormir.

Ela estava agora com três meses e o mundo a sua volta parecia muito interessante. Já não era tão fácil mantê-la quieta. Na maior parte das vezes era incrível. Eu adorava vê-la sorrir, o jeito que parecia reconhecer as vozes a sua volta, minha, de Jace, de Stella. Mas hoje eu bocejei, espiando as horas e percebendo que em pouco tempo iria amanhecer e eu não tinha dormido quase nada. E teria uma prova importante dali a três horas.

Suspirando, cansado, eu me arrastei até a porta do quarto de Stella.

Ela não acordava toda vez que Emma precisava? Pois eu fiz questão de lhe provar que era capaz de cuidar da minha filha sem que ela precisasse ficar me vigiando o tempo todo. Porém, hoje eu teria que pedir ajuda, já que Emma não queria colaborar e ir dormir. E eu precisava dormir.

— Stella?

Ouvi uns barulhos e vozes e franzi a testa, confuso antes de Stella abrir uma fresta da porta.

— O que você quer?

— Tem alguém com você?

Antes que ela respondesse, Jace apareceu só de cueca.

Eu levantei a sobrancelha.

— Wow... O que é isso?

— O que você acha? — ele resmungou e passou por mim.

Eu voltei a encarar Stella que estava de braços cruzados, usando um roupão.

— Não faça perguntas porque não é da sua conta... O que aconteceu?

— Emma se recusa a dormir, e eu tenho prova daqui a pouco.

— Tudo bem, eu fico com ela. — Ela estendeu os braços e pegou Emma.

Eu ainda fiquei ali, a encarando.

— O que foi?

— Há quanto tempo isso vem rolando? Estão voltando ou algo assim?

— Não é da sua conta.

— Só perguntei...

— Se quer saber, não estamos voltando.

— Mas estão transando?

— Às vezes... mas não é nada.

— Ok, tem razão, não é da minha conta.

 

Eu achei que Stella e Jace iam acabar voltando. E surpreendentemente já não me importava tanto com isso.

Porém, numa noite, mais ou menos um mês depois, fui até Emma e ela não parecia bem.

Naquela noite, eu verifiquei a fralda e tentei lhe dar mamadeira, mas Emma continuava a chorar e se debater, o rostinho vermelho e quente.

Que merda estava acontecendo? Será que ela estava doente?

Stella apareceu alertada pelo choro.

— O que ela tem?

Ela pegou a neném do meu colo, a tocando.

— Eu não sei, ela não para de chorar... está me assustando.

— Ela pode estar com febre, acho que tem um termômetro...

Comecei a fuçar em tudo procurando o tal termômetro.

— Pode ser que a gente não tenha — resmunguei, irritado.

— O que está rolando? — Jace apareceu. — Por que ela não para de chorar?

Stella lhe passou Emma.

— Precisamos achar um termômetro. — E começou a me ajudar a procurar até que ela voltou do banheiro brandindo o maldito como um troféu. — Eu achei!

Ela pegou Emma e mediu sua febre.

— Ela está doente? — Jace indagou preocupado.

Jace não era afeito a ajudar com Emma, embora estivesse sempre por perto, brincando com ela e a vigiando quando preciso.

— Ela está com febre — Stella anunciou.

— Vou ligar para Helena. — Fui até meu quarto pegar meu celular e Helena atendeu com a voz sonolenta depois de alguns toques. Eu lhe expliquei o que estava acontecendo.

— Você tem que observá-la, para ver se tem mais algum sintoma e se persiste. Mas como ela já tem quatro meses, podem ser os dentinhos nascendo. Provavelmente é isso.

— Então não preciso levá-la ao hospital?

— Como falei, se persistir, é interessante que a leve, mas é provável que sejam os dentes, sinta a gengiva dela. E lhe dê uma medicação. — Ela passou o nome do remédio.

Eu voltei ao quarto e contei a Stella o que Helena achava que era e peguei Emma, para que Stella fosse buscar o remédio.

— Vá dormir, Jace. — Eu me sentei com Emma e Jace coçou o cabelo, só então reparei que ele usava só uma cueca.

— É difícil dormir com essa barulheira.

Stella voltou e com algum custo medicamos Emma com ela ainda chorando muito.

— O que está olhando? — Stella indagou e eu levantei a cabeça, reparando que Jace observava Stella.

— Nada, só é esquisito ver você assim, toda preocupada com outra pessoa que não seja você.

Não era a primeira vez que Jace jogava alguma indireta para Stella e ela geralmente fazia o mesmo com ele. Mas nunca passava de algumas farpas.

Eu não entendia que merda estava rolando. Acho que eles transavam ocasionalmente e me perguntava se ainda gostavam um do outro ou se era apenas conveniente porque Stella ainda morava ali.

Depois que começou a ajudar com Emma, ela não falou mais em se mudar e nem Jace a pressionou.

Eu sabia que ela ainda estava tentando a carreira, quando não estava com Emma, tinha alguns testes e conseguia algum trabalho, mas sua carreira não parecia estar deslanchando como ela gostaria.

Ou estaria melhor se ela não perdesse tanto tempo cuidando de Emma?

— Jace... — Eu tentei repreendê-lo ao ver que Stella começava a se irritar. — Para, cara .

Antes que Stella pudesse responder, fomos surpreendidos por uma garota usando só calcinha e sutiã aparecendo na porta do quarto.

— Jace, não vai voltar para o quarto?

Porra!

Levei o olhar para Stella, que ainda estava ajoelhada ao lado da poltrona onde eu estava com Emma, e ela empalideceu.

— Kyle, que porra está fazendo aqui? — Jace resmungou e eu o encarei com censura.

Não que eu tivesse alguma coisa a ver com a vida sexual do Jace, mas não consegui evitar de tomar o partido de Stella. E eu nem sabia por quê.

Não era como se Stella merecesse alguma consideração, era?

Mas, embora ela e Jace não estivessem mais namorando, eles ainda ficavam de vez em quando, ou algo assim.

E Stella não parecia nada feliz ao ver que Jace tinha trazido uma garota para casa.

— Jace, cara .... — eu comecei a falar.

— O que foi? — Ele ficou na defensiva. — Eu trago quem eu quiser pra casa!

— Ei, é um prazer conhecer vocês, eu sou a Kyle. Eu e Jace estudamos juntos. — A garota acenou de forma simpática, nem um pouco preocupada de estar usando só calcinha e sutiã, pelo visto. — Que bebê bonitinha! É filha de vocês? Ela apontou pra mim e Stella.

— Puta merda, Kyle, sai daqui — Jace a repreendeu e a garota parou de sorrir.

— Nossa, tudo bem... Eu vou voltar para o quarto.

Ela se foi e Stella encarou Jace com raiva, se levantando.

— Você é um nojento, Jace.

— Eu? Só porque transei com ela?

— Você está fazendo de propósito? Esfregando essa piranha na minha cara?

— Kyle não é uma piranha.

— Me pareceu!

— Bem, parece que eu me atraio pelas piranhas...

Stella ergueu a mão e deu um tapa em Jace.

— Ei, parem com isso! — eu os repreendi.

Emma ainda choramingava no meu colo e eu não queria que eles a assustassem com aquela briga idiota.

— Se querem brigar, sumam daqui!

— Você me bateu? — Jace rosnou.

— Você me chamou de piranha! Certo, eu devo mesmo ser uma piranha por ainda me sujeitar a ficar com você, quando sente tesão e não tem outras de suas amiguinhas pra enfiar seu pau!

— Ei, vou ter que bater em vocês dois para pararem com isso? — Comecei a me irritar.

— Volta lá para sua piranha da noite, Jace, e me deixe em paz! — Stella apontou para a porta.

— Eu vou voltar sim. — Jace foi até a porta, mas se voltou. — Pelo menos ela sabe o lugar dela. Não é como certas pessoas que já levaram o pé na bunda, mas continuam aqui mendigando atenção e que até se fingem de boazinhas com uma bebê pra verem se conseguem alguma coisa...

— Vai se foder! — Stella gritou e Jace saiu rindo.

— Stella, porra! — Eu sacudi Emma, que recomeçou a chorar e dessa vez Stella estava chorando também.

Ela sentou no chão, escondendo o rosto entre as mãos, enquanto soluços sacudiam seu corpo.

Eu não sabia o que fazer ou dizer.

Deixei que ela chorasse.

Emma foi se acalmando e dormiu. Assim, como Stella pareceu mais calma um tempo depois.

— Que merda você e Jace estão fazendo?

— Eu não sei. Ele tem razão, sabe? Eu nem deveria estar aqui. É humilhante isso. Sabe que não é a primeira garota que ele transa depois de mim. E eu não queria sentir nada, mas machuca.

— Então por que ainda fica?

— Ainda não tenho para onde ir. Claro que podia ir dividir apartamento com alguém, ou até mesmo voltar para a casa da minha mãe em Camden... Mas pareceu cômodo ficar aqui e ajudar com Emma...

— Está mesmo fazendo um tipo cuidando de Emma?

Ela se ofendeu.

— Vai se foder você também. Acha mesmo isso?

— Não, eu não acho — afirmei e era verdade.

Stella tinha muitos defeitos, mas ela gostava mesmo de Emma.

— Mas essa situação aqui com Jace está ficando insustentável. E você não precisa transar com ele se querem terminar de vez.

— Talvez eu não queira terminar de vez.

— Você gosta mesmo do Jace?

— Parece idiota, mas sim. Eu gosto do Jace. Acho que eu nem sabia que gostava tanto até ele me dar o fora. Eu comecei a namorar Jace porque ele beijava o chão que eu pisava. E eu gostava que fosse assim e que ele fosse um cara rico, diferente dos caras de Camden. Bem, sim, eu sou ambiciosa. Não é pecado. Acho que no fundo Jace sempre soube.

“Mas a gente se dava bem, ele é um gostoso e a gente tem muita química, sabe, sexual. E Jace nunca me tratou mal, muito pelo contrário, ele teve até muita paciência comigo e não me julgou quando lhe contei sobre a história sórdida de Owen. Agora, ele terminou tudo e eu fiquei aqui, me humilhando por migalhas. É uma merda.”

— A gente paga pelo que a gente faz.

— Acha que fui tão ruim, que mereço estar assim?

— Você que tem que dizer.

— Você me acha uma pessoa horrível.

— Stella, você sabe que foi horrível com Amanda várias vezes, e nunca fazia questão de ser agradável com ninguém. Eu sei que Owen foi um escroto com você. E posso imaginar o quão ruim foi o que passou. Mas isso não te dava o direito de ser filha da puta com as pessoas à sua volta, que não tinham nada a ver com isso.

— Eu acho que me perdi...

— Então se ache. Ainda dá tempo. Agora vá dormir.

— Emma está bem? — Ela tocou o bracinho de Emma. — Não está mais tão quente.

— Ela está bem. Vai descansar. E obrigado por ter ajudado.

— Eu não ajudo com Emma para fazer tipo, como Jace acusou, ok? Eu só... me apeguei a ela e penso que talvez eu nunca nem vou poder ter um bebê. E me sinto triste.

— Você ainda é jovem, tanta coisa pode acontecer...

— Tudo bem, não tem como eu ter certeza do futuro... Mas eu pensei muito sobre o que disse, sobre eu ter culpa no que aconteceu com Amanda.

— Eu sei que te acusei, mas eu estava puto...

— Não, talvez eu tenha mesmo uma parcela de culpa. Eu fui inconsequente e egoísta naquele dia. Amanda estava grávida e eu despejei toda a verdade daquele jeito...

— Já estava na hora de Amanda saber quem Owen era mesmo.

— Mas não daquele jeito. E por isso Owen revidou e vocês brigaram e houve o acidente. Foi tudo uma situação que talvez pudesse ter sido evitada.

— Nós nunca saberemos — murmuro sombriamente.

— E eu tenho pensado muito em Amanda. Penso na nossa amizade, em como ela foi legal comigo na infância quando cheguei em Camden, me acolhendo, quando as outras meninas tiraram sarro de mim, por eu ser pobre... Ela dividiu Owen comigo. — Stella ri com ironia. — Eu tinha inveja da ligação deles. Tinha inveja do jeito que Owen a tratava, sempre como se ela fosse uma princesa. Eu fui crescendo e todo mundo me tratava como princesa. Menos Owen. Porque ele preferia a Amanda, acho que aí que começou o problema.

“Vejo agora como fui boba e ridícula. Inventei uma paixão por Owen, fiquei com ele e achei que ele ia se apaixonar por mim, porque todos se apaixonaram. Obviamente nunca aconteceu e eu culpei Amanda. E eu olho para trás, analiso a raiva que senti, a maneira que agi e não vejo sentido algum. Amanda nunca entendeu nada e eu nunca nem fiz questão de explicar. Agora ela está lá naquele hospital... E pode nunca mais acordar.”

— Ela vai acordar — refutei.

Stella sorriu com pesar.

— Você não sabe, Nolan. E se Amanda nunca mais voltar deste coma... Eu nunca nem tive a oportunidade de pedir desculpas por ter sido horrível com ela. De tentar explicar o que aconteceu de verdade. E quando a gente se depara com isso, com a possibilidade do fim de uma vida, a gente pensa... Do que valeu toda raiva? Todo ódio, toda inveja? Pra nada.

Ela se afastou e fechou a porta atrás de si.

Eu ainda fiquei ali, remoendo suas palavras.

Sim, do que valia tudo quando nem vida havia mais?

Eu me apegava à esperança de que Amanda estava viva. Ela ainda respirava. Havia algum sopro de vida dentro dela que podia trazê-la de volta.

Eu acusei Stella de ter sido horrível, mas eu também tinha minha cota de erros.

Amanda tinha que voltar para que eu pudesse pedir desculpas por tudo o que fiz, pelas merdas que disse naquele carro, por um ciúme que senti de Owen, quando agora não fazia o menor sentido.

Toda a raiva que guardei de tudo. Do meu pai. Do mundo. De mim mesmo.

Nada importava.

Eu só queria que ela voltasse para mim.

Para Emma.

Para a vida que podíamos viver.


Capítulo 11

 

 

Meses antes

 

Nolan

 

— Isso é tão engraçado!

Eu me virei para Samantha e ela estava rindo.

— O que é engraçado?

Ela apontou para o carrinho de bebê que eu empurrava pelo Central Park.

Samantha havia chegado na noite anterior para uma visita rápida de alguns dias, e Austin e Stella estavam organizando uma festa surpresa, pois hoje era seu aniversário. E eu fui designado para tirá-la de casa naquela tarde para que conseguissem organizar tudo. Então eu a convidei para passar a tarde comigo e Emma no Central Park.

— Ainda não entendi — continuei.

— Você e um bebê!

Ela se sentou em um banco e eu fiz o mesmo, virando o carrinho para vigiar Emma. Ela estava com cinco meses agora e segurava um brinquedo barulhento que levava à boca.

— Nunca imaginei que você, Nolan Percy poderia ser um bom pai!

— Não sei se sou um bom pai... Eu faço o que tem que ser feito.

— Acho que está fazendo bem.

— Você nem está aqui pra saber.

— Ah, Stella me conta o que anda rolando por aqui.

— O que Stella te conta? Então ficam fofocando sobre mim?

— Ah, fala sério, ainda tem implicância com a Stella? Achei que eram amigos agora, já que ela te ajuda com a Emma.

— Eu não sei ainda como classificar a situação com a Stella.

— Eu sei como Stella pode ser. Ela é orgulhosa, é ambiciosa e se acha a mais linda do universo, o que pode ser bem irritante. E também sabe ser desagradável quando quer.

— E mesmo assim é sua melhor amiga.

— As pessoas não são só uma coisa, Nolan.

— Você citou aí vários defeitos.

— Ela também é divertida. É uma boa amiga, é leal.

— Aí está exagerando... O que ela fez com a Amanda?

— Amanda não namorava o Owen quando Stella ficou com ele! E ela gostava dele, embora hoje diga o contrário, é óbvio que o que ele fez a magoou pra caramba. Não só o lance do aborto e da falta de apoio depois quando deu errado, mas também por ele ter apenas a usado pra transar e a descartado assim que Amanda resolveu ficar com ele.

— Mas ela não precisava ter tratado a Amanda com raiva depois.

— Eu concordo. E lhe disse isso várias vezes, mas Stella também é teimosa. Ela colocou na cabeça que Amanda tinha culpa pelas coisas que o Owen fez. Enfim, não estou defendendo as atitudes erradas que a Stella teve. Mas dizendo que ela é minha amiga e ser amigo pra mim é isso, a gente gosta da pessoa apesar dos defeitos. E ninguém é perfeito. Você mesmo fez várias merdas e eu ainda gosto de você.

Eu tive que rir.

— Sim, eu fiz muita merda mesmo. — Suspirei pesadamente me lembrando que Amanda estava em coma por eu ter perdido o controle daquele carro no momento da briga.

Toda vez que eu pensava nisso, me sentia horrível.

— E eu acredito que todo mundo pode ter a chance de mudar e ser melhor. Aprender com os erros e essas coisas. E Stella está sendo muito legal te ajudando, tem de convir.

— Eu não pedi nada. — Fiquei na defensiva.

— Por isso mesmo. Ela não precisava ter ajudado, mas está lá, te dando a maior força! Não é possível que não seja grato.

— Isso não quer dizer que a perdoo pelas coisas que fez com a Amanda.

— Amanda não está aqui.

Eu a fuzilei e ela mordeu os lábios, arrependida.

— Não deveria ter dito isso, desculpa. — Segurou minha mão apertando. — Imagino como deve ser pra você essa situação da Amanda.

— Não, acho que ninguém consegue imaginar o inferno que é. Tem dias que eu só sinto raiva. O quão é injusto que ela esteja daquele jeito. Nem morta. Nem viva. E todos os dias que eu chego no hospital, acho que vão dizer que ela acordou e ao mesmo tempo, sei que podem me dar a notícia de que ela se foi. Eu não sei o que vou fazer se ela se for.

— Mas, de certa forma... — Samantha falou com cuidado. — Ela já não foi?

— Não fala assim.

— Eu não quero agir como se a Amanda tivesse morrido, enquanto ela estiver respirando ainda tem chances, mas... sabe tão bem quanto eu que é bem difícil.

— Eu não tenho plano B, Sam. Eu preciso acreditar que ela vai acordar, porque se desistir, não sei o que fazer.

— Você tem Emma.

— Por isso mesmo. Não é justo que ela não tenha uma mãe.

— Eu entendo. Só acho que talvez seja a hora de começar a pensar em um plano B, Nolan.

 

As palavras de Samantha ainda me atormentavam quando voltamos pra casa e nos deparamos com a festa de Stella e Austin.

Samantha chorou emocionada abraçando a todos. Eram amigos que ela deixou na cidade, e nossa família.

Claro que Helena e até meu pai, que eu não via há algum tempo estavam presentes.

Helena às vezes nos visitava e dava desculpas por meu pai, dizendo que ele estava viajando muito a negócios, mas eu sabia que provavelmente ela mesma o mantinha longe de mim para evitar brigas.

E sinceramente, eu preferia assim.

Eu não estava com energia para provocar e brigar com Theodore Percy e ele parecia que não estava a fim de parar com suas críticas ao meu comportamento. Críticas essas que eu não queria ouvir.

Houve uma época que eu vivia para aquelas discussões. Era tóxico pra cacete, e não parava para pensar porque agia daquele jeito. Eu só sabia que estava furioso, que não achava justa a maneira que ele tratou minha mãe, a fazendo infeliz a ponto de ela preferir morrer a continuar vivendo com ele.

Meu pai nunca amou minha mãe e foi essa falta de afeto que a matou. E isso eu nunca poderia perdoar. Foi ele que a tirou de mim e de Jace.

Passei anos me alimentando daquela fúria, numa ânsia de vingança, agindo de uma maneira que eu sabia que o enfurecia. Para que assim ele não tivesse paz.

Agora, eu me perguntava para onde foi aquela fúria.

Ainda ficava bravo quando pensava no jeito que ele tratava minha mãe. Ainda ficava triste quando lembrava dela, de seu sofrimento e como ela se foi tão cedo. Sentia falta dela. Ia sentir pra sempre.

E não podia negar que havia resquícios de ressentimento em mim. E agora, vendo o jeito que Theodore me encarava com maldisfarçada raiva, percebi que havia ressentimento nele também.

Eu não sabia dizer se sempre esteve ali, ou se era fruto da maneira que agi a adolescência inteira, para enfurecê-lo. Eu podia me sentir feliz com isso.

Mas só sentia dor.

— Ei, que linda Emma está. — Helena se aproximou a tirando do carrinho. — Ela está enorme.

— Está sim.

Ela lançou um olhar para meu pai que segurava um copo de Whisky, conversava com Jace.

— Olhe, Theodore, Emma não está linda?

— Sim, é uma criança bonita. — E ele finalmente me encarou com severidade. — Está me surpreendendo, Nolan.

— Por quê? — respondi no mesmo tom seco de seu comentário.

— Me contaram que está se virando bem com a criança. Vamos ver até quando vai se contentar antes de fazer alguma de suas confusões...

— Theodore... — Helena tocou seu braço. — Não começa...

— Não, deixa ele falar. Acho incrível que vai me criticar como pai, sendo que foi um péssimo pai.

— Seu moleque, não comece com suas provocações.

— Eu? Você que está me provocando!

Emma choramingou no colo de Helena e Jace a pegou, se afastando da briga iminente.

— Por favor, não comecem uma briga. É o aniversário da Sam. — Helena pediu.

— Não fui eu quem começou.

— Mas eu lembro de uma época que adorava começar uma briga — meu pai continuou.

— Você me acusa de ser um merda que estraga tudo, mas está aqui me cagando crítica por sua boca imunda e querendo que eu aja de forma horrível apenas pra poder continuar me acusando de ser o que sempre achou que eu era. Pois pode se mandar e me deixar em paz, porque não vou brigar com um cretino como você!

— Claro, me odeie como sempre fez, mas se não tivesse o meu apoio, não poderia encher a boca para dizer que está sendo responsável.

— Apoio? Está de brincadeira? É praticamente a primeira vez que vem aqui ver como estou sim me virando e sem apoio algum de você!

— E o dinheiro? Você pode continuar na sua faculdade, mora na minha casa e ainda sustenta sua filha. Tudo com meu dinheiro.

— Vai se foder! — Eu me irritei me afastando.

Era típico de Theodore Percy jogar seu dinheiro de bosta na minha cara.

— Ei, tudo bem? — Jace me abordou. — Papai precisa entender que você não vai mais fazer merda e parar de te detonar...

— Cadê a Emma? — indaguei preocupado.

Ele apontou para onde estava Samantha, Stella e Ashley.

Ashley estava com Emma no colo, enquanto Samantha tirava fotos.

Eu me aproximei, um tanto contrariado.

— O que estão fazendo?

— Tirando fotos da Emma — Samantha explicou.

— Oi, Nolan — Ashley sorriu. — Emma está tão linda!

— Estou montando um Instagram para a Emma — Samantha comunicou, animada.

— Instagram com fotos da minha filha? Não.

— Para de ser chato — Samantha reclamou.

— Isso não tem o menor cabimento. Ela é um bebê.

— Calma, Nolan. A gente só está se divertindo — Stella reclamou e eu a fuzilei com o olhar, pegando Emma do colo de Ashley.

— Sou eu quem decido.

Eu me afastei, irritado.

Ashley veio atrás e entrou na cozinha quando coloquei Emma no bebê conforto, para esquentar sua mamadeira.

— Você ficou bravo porque eu estava segurando a Emma?

— Não, nada a ver.

— Parece ser um pai meio superprotetor.

— Ela só tem a mim. — E eu só tenho a ela, queria completar. Mas não parecia certo.

Eu tinha Amanda, não tinha?

— Bem, tem a Stella.

— Stella não é nada da Emma — resmunguei colocando mamadeira para esquentar.

— Nossa, é injusto isso.

— O que quer, Ash? — Eu a encarei cruzando os braços.

— Só acho que está sendo meio ingrato, deixando a Stella de fora. Ela está muito apegada a Emma. Sabe disso, não aja como se ela fosse só uma babá que você pode dispensar quando quiser. Não é legal.

— E o que você tem a ver com isso?

— É, nada. Só estou defendendo minha amiga. Enfim, acho que já vou. Eu queria te contar uma coisa... Estou grávida.

— O quê?

— É, de três meses já!

— Isso é uma surpresa.

— Eu também fiquei, não foi de propósito dessa vez.

— Não disse isso.

— Enfim, eu e Brendan ficamos surpresos, mas acho que tinha que acontecer. Eu fiquei muito feliz. Estou feliz.

— Que bom pra você. — Eu peguei a mamadeira e me sentei pegando Emma, que mexia os bracinhos animada porque sabia que ia ser alimentada, me fazendo sorrir, enquanto Ashley continuava a falar.

— Ele até pediu pra gente ir morar junto.

— Parece ótimo.

— Claro que eu esperava um anel e pedido de casamento. — Ela riu. — Mas acho que é legal irmos devagar também.

— Não sabia que gostava dele a este ponto.

— Eu comecei a sair com ele pra te esquecer — confessou —, mas me apaixonei por ele, Nolan. É sério. E é até esquisito estar com alguém que traz paz, sabe? Até então eu só tinha relacionamentos conturbados. E achava que era só assim que um relacionamento podia ser.

— Fico feliz por você. De verdade.

Ela passou a mão na barriga.

— A gente está animado! Eu fico imaginando minha barriga crescendo, o bebê nascendo... Nem consigo imaginar que tipo de mãe eu serei. Consegue imaginar? Diz que a gente nasce com este instinto, né? Acha que é verdade?

— Eu não sei. Não sou mãe.

Ela riu, sentando ao meu lado.

— Mas é pai. E me contaram que está se saindo muito bem sozinho.

— Eu não tive muita escolha.

— Como acha... que Amanda teria sido?

Meu estômago se apertou, a dor golpeando meus sentidos.

Como eu poderia saber como Amanda seria?

O direito de estar ali lhe foi tirado e era triste demais pensar que ela nunca poderia conhecer Emma, alimentá-la como eu fazia agora. A colocar para dormir. Escutar seu choro que sempre apertava nosso peito. Sorrir só porque ela fazia alguma coisa boba de bebê. Se preocupar quando ela ficava doente e parecia sentir dor. Nunca mais dormir uma noite inteira. Sentir o coração derreter quando ela mexia os bracinhos em nossa direção, pedindo atenção.

— Eu acho que Amanda... será incrível — afirmei por fim.

Querendo mais do que nunca manter a fé de que ela voltaria para nós.


Capítulo 12

 

Amanda

 

Eu fiquei animada por poder finalmente sair daquele lugar que fora minha casa por mais de seis meses, mesmo que não tivesse aquela concepção.

Ainda assim, eu estava de saco cheio de ficar presa ao hospital, com meus dias tomados por exames e fisioterapia para colocar meu corpo para funcionar de novo.

E agora saber que poderia ir pra casa me enchia de alívio, mas também me deixava amedrontada, porque eu não sabia o que ia encontrar.

Havia Emma e o desejo esmagador que oprimia meu peito de vê-la de novo. De poder finalmente segurá-la e conhecê-la de verdade. Mas também havia o medo porque eu não fazia ideia de como isso ia funcionar.

Se ia funcionar.

Minha mãe havia ficado feliz e animada junto comigo, me garantindo que estaria ao meu lado naqueles primeiros dias para que eu não ficasse perdida ou angustiada, mas como se o universo não estivesse ao meu lado, ela recebeu uma ligação de Ross. Ele havia caído em um show e quebrado a perna. Ela ficou apavorada e não tive escolha a não ser pedir que viajasse para ficar com o marido.

— Mas filha, estou aqui para te ajudar.

— Eu vou ter alta. Vou pra casa.

— Vejo que está receosa com tudo...

— Vou ficar bem. — Forcei um sorriso para tranquilizá-la. — E tem Nolan, não? — Imprimi um tom confiante, mesmo não sentindo nem um terço daquela confiança.

— Claro, você tem o Nolan. Às vezes esqueço que é uma mulher adulta e casada e não uma garotinha. Só quero que me garanta que vai ficar bem, se estiver precisando de mim, eu dou um jeito...

— Não, por favor. Vá ficar com Ross. Ele precisa mais de você agora.

E assim mamãe agora estava a caminho do aeroporto para voltar a Berlin, onde Ross estava.

Antes ela havia me ajudado a me vestir e ficar pronta para ir embora.

Com o passar das horas, voltei a sentir apreensão que não diminuiu quando Nolan chegou para me buscar.

Fiquei um pouco surpresa de estar sozinho. Sabia que Helena e meu pai estavam em Camden, mas imaginei que talvez Jace estivesse com ele.

— Nem acredito que vou poder te levar pra casa! — Nolan sorriu quando entrou no quarto acompanhado do médico.

Ele estendeu a mão e eu a segurei, me erguendo da poltrona que estava sentada. Nolan me mediu e me senti sem graça, abaixando o olhar.

Embora tenha ganhado peso naquelas semanas, ainda estava um pouco magra e era esquisito estar usando um jeans e um suéter antigo. Era uma roupa de antes de eu estar grande demais na gravidez para colocar.

Eu me lembrava de ficar ansiosa para poder vestir minhas roupas de novo quando estava estourando de grávida. Eu me perguntava se teria o mesmo corpo de antes, ou se mudaria após a gravidez.

Agora eu me sentia debilitada e fraca. E muito insegura.

Eu dei de ombros.

— Eu ainda estou abaixo do peso.

— Vai recuperar o que perdeu — o médico comentou. — Como se sente?

— Eu consigo andar, mas ainda sinto um pouco de fraqueza às vezes e minha cabeça também dói.

— É normal. Eu lhe prescrevi vitaminas e deve continuar fazendo exercícios para aumentar sua força e flexibilidade. Não faça esforços desnecessários e vá devagar, conforme for se sentindo melhor. E se sentir dor de cabeça, procure descansar e tomar analgésico e não se estressar.

— Ela não vai se estressar — Nolan garantiu e eu tive vontade de revirar os olhos.

Afinal, eu já estava estressada e ansiosa.

— Meu pai sabe que tive alta? — indaguei quando Nolan me guiou até o elevador.

— Claro que sim. Todos estão pirando com você indo pra casa. — Ele sorriu animado, seus dedos apertando os meus. Eu queria sorrir de volta, mas desviei o olhar para nossas mãos unidas.

Parecia bom e estranho.

Eu me sentia estranha perto de Nolan, andando com ele pelo estacionamento até o carro.

Essa estranheza me lembrava o começo do nosso relacionamento. Depois que aceitei ficar noiva, quando descobri que estava grávida.

Nós mal nos conhecíamos e eu me sentia perdida e insegura quanto ao nosso futuro.

Engraçado que agora eu me sentia meio que do mesmo jeito.

— Eu achei que meu pai viesse me buscar — comentei. Queria que meu pai estivesse ali, talvez eu me sentisse mais segura.

— Ainda não tínhamos certeza de quando teria alta, e seu pai não poderia vir hoje, ou Helena. Mas eles gostariam. Provavelmente virão te ver nos próximos dias.

Nolan abriu a porta do carro pra mim e eu me acomodei no banco do passageiro. Meus olhos foram imediatamente para a cadeirinha de criança atrás.

Minha nossa, era real não era?

Nolan tinha uma bebê.

Uma bebê que também seria minha agora. Meu estômago deu uma volta e eu respirei fundo quando Nolan deu partida.

Eu me calei, deixando minha atenção vagar para fora do carro.

O mundo parecia exatamente igual, foi o primeiro pensamento que invadiu minha mente à medida que o carro avançava pelas ruas apinhadas de Nova York.

A mesma profusão de carros num trânsito caótico, a poluição sonora que adentrava em minha mente e fazia minha cabeça, desacostumada de todo aquele barulho, doer um pouco.

— Tudo bem?

Virei minha atenção para a voz que indagava preocupada e Nolan retirou os olhos do trânsito por um momento, focalizando-os em mim de forma inquisidora.

— É muito estranho estar de volta ao mundo real. Eu olho para a rua, as pessoas e penso que tudo está igual.

— Mas está igual. Não fale como se fizesse parte de um experimento científico no qual ficou presa por cem anos em alguma caverna.

— É como me sinto.

— Nada mudou, Amanda.

— Talvez eu tenha mudado.

— Você estava congelada, como pode ter mudado?

— Eu não sei. — Suspirei pesadamente. — Só me sinto tão esquisita.

Deixei meu olhar vagar de novo para a rua. As pessoas transitando apressadas. Homens, mulheres, velhos, crianças.

Mulheres com bebês. Uma mulher grávida atravessou na frente do carro e chamou minha atenção e me fez lembrar da foto de Ashley.

— Eu vi a Ashley.

— O quê?

— Samantha me contou que tinha um Instagram com fotos de Emma e eu fiquei curiosa.

— Ah, o tal Instagram. Eu não queria que ela fizesse, mas aí depois ela me convenceu que seria legal para você ver depois.

— E eu fiquei surpresa de ver a foto da Ashley com a Emma.

— Foi no aniversário da Samantha. Teve uma festa surpresa e Ashley foi.

— Então... Você encontra ela sempre?

Pingava acusações da minha voz e Nolan absorveu isso por um momento.

— Não, apenas algumas vezes.

Eu mordi os lábios, querendo indagar se era ela em outras fotos com Emma, mas de repente me recordei que a última vez que estive com Nolan em um carro estávamos justamente discutindo por causa de Ashley.

E por causa de Owen.

Lembrar de Owen e a decepção pelo que fez com Stella e me escondeu enchia meu coração de desgosto ainda.

Porém, mais desgosto eu sentia ao lembrar que Nolan havia trocado um beijo com Ashley depois que nos casamos. Fechei os olhos, as imagens dançando na minha mente.

“ Mas Owen te beijou também, não lembra? ”

Ah, merda.

Os últimos acontecimentos antes do acidente voltaram a minha mente. Stella me contando sobre ter abortado um bebê de Owen. A decepção por descobrir a maneira que ele a tratou. Finalmente entendi a raiva que Stella tinha de mim, o que não fazia sentido, já que eu nem sabia de nada.

E então Owen estava me mostrando o vídeo com Ashley e Nolan no barco e ela o beijando. O beijo durou alguns segundos, mas Nolan não a empurrou ou a rechaçou. E pior, ele nem me contou sobre isso.

Claro que não ia contar que saiu para passear de madrugada com sua ex-namorada que ainda era apaixonada por ele, no dia em que voltamos de lua de mel.

Eu ficaria furiosa com certeza.

Ainda estava furiosa, me dava conta.

Mas agora, junto com a fúria, havia também uma dose de aceitação.

Nolan havia se defendido naquele carro, dizendo que não foi bem do jeito que eu vi.

E o que foi que eu vi?

Realmente não fazia ideia do que de verdade rolou naquele barco. Mas lembrar que Ashley continuou na vida de Nolan, que eles ficaram próximos depois de tudo, quando eu estava em Yale, e por todos os meses depois que fui morar com ele em Nova York, ele escondeu essa relação de mim.

Ashley parecia mais serena e calma quando a reencontrei. Tinha um namorado, disse que queria ser minha amiga e eu não acreditei por nem um momento. Avistei em Ashley um perigo iminente, uma ameaça.

E no fim, algo deu errado mesmo, mas não foi Ashley a causa, quer dizer não diretamente.

— Amanda?

Abri os olhos e percebi que estávamos em frente ao prédio de Nolan, ele estava do lado de fora, estendendo a mão para eu sair do carro.

Eu a segurei, saltando, e Nolan me guiou até o elevador e quando as portas se fecharam, pousou o olhar levemente atormentado em mim.

— Eu sei que estava pensando naquela briga. Em Ash e em Owen. Mas tem que esquecer.

— Esquecer?

— Faz seis meses. Não tem mais a menor importância agora.

Não era importante?

Ele não entendia que pra mim foi há semanas, e não há meses?

Que eu ainda me ressentia ao lembrar que ele beijou Ashley?

Que não entendia por que Ashley havia continuado, mais uma vez, na vida dele e também na vida de Emma, quando eu estava ausente?

Que merda de poder aquela garota tinha?

Então um detalhe voltou à minha mente.

— Ela está grávida.

— Sim, está. Ela e Brendan estão morando juntos, inclusive.

— Ah, Brendan. — Eu me lembrava brevemente do namorado quieto de Ashley.

Então ele era o pai do filho dela?

— O que pensou, Amanda?

Eu não queria confessar a mim mesma que minha mente estava pintando os piores cenários sim. Como Ashley ter voltado para a vida de Nolan e estar ajudando com Emma. Ter me substituído com Emma.

E com Nolan talvez, por que não?

Eles já estiveram juntos antes. Talvez, se não tivesse estragado tudo, os dois ainda estivessem juntos e Emma poderia ser a filha deles.

Talvez Ashley tivesse engravidado de novo...

— Porra, Amanda, você não pode ter pensado esse monte de merda! — Nolan me encarou com descrença e eu fiquei vermelha, pois não tinha externado minhas fantasias sombrias, mas Nolan entendeu o que se passava na minha mente.

— Eu não sei nada do que rolou aqui nesses seis meses, o que quer que eu pense? — Eu me coloquei na defensiva.

— Acha mesmo que eu teria pulado na cama da Ashley?

— Talvez! Eu estava praticamente morta, Nolan!

— Isso é ridículo.

— Está ofendido? Eu vi Ashley com Emma. E havia outras fotos. Muitas fotos na verdade de uma mulher com ela. Uma mulher loira...

— Não era a Ashley.

— Quem era? — indaguei quando chegamos no andar de Nolan e ele me guiou até a porta.

Nolan hesitou, sem responder e senti um arrepio estranho.

Antes que Nolan abrisse a porta, Jace abriu e me encarou com um sorriso largo.

— Olha quem voltou! — Ele me abraçou me tirando do chão.

— Ei, cara , cuidado — Nolan reclamou, mas eu gostei que Jace tivesse me abraçado.

Todo mundo, inclusive Nolan, me tratava como se eu fosse de porcelana, mal me tocando e quando me tocavam tomavam todo o cuidado, como se eu fosse quebrar.

Era bom sentir calor humano, mesmo que fosse no abraço de urso do Jace.

— Desculpa, foi mal. Temos que colocar proteína nesses ossinhos de passarinho. — Jace apertou meus braços e eu rolei os olhos.

— Estou feliz em te rever também, Jace...

Então eu ouvi.

O barulho de gritinhos infantis atrás deles e meu olhar viajou até o som e estaquei, surpresa ao ver Emma no colo de uma moça loira.

Stella.

O que diabos Stella estava fazendo ali com Emma?


Capítulo 13

 

Amanda

 

— Oi Amanda. — A voz de Stella estava tensa e ela não fez menção em se aproximar.

Por um momento, apenas tentei decodificar aquele quadro.

Stella segurando Emma, que parecia bem à vontade em seus braços. Nem Nolan e nem Jace pareciam surpresos com a presença dela ali, diferentemente de mim, afinal, até onde eu sabia, ela e Jace haviam rompido.

Então o que Stella estava fazendo na casa de Nolan e Jace?

E o mais importante, o que ela estava fazendo com Emma?

As fotos no Instagram voltaram a minha mente. A mulher de cabelos loiros que segurava Emma em inúmeros momentos.

E de repente eu entendi.

Não era Ashley.

Era Stella.

O tempo inteiro.

Aquela compreensão bateu em mim como um soco no estômago.

Como era possível?

Stella me odiava. Stella olhava pra mim com nojo quando se referia a minha gravidez.

Como é que agora ela estava ali segurando Emma?

O que significava?

— Stella... O que faz aqui? — Achei minha voz em algum lugar dentro da minha confusão. — Achei que tinham terminado. — Eu olhei dela para Jace e ele coçou o cabelo visivelmente incomodado.

— E terminamos.

— Ah. — Não sabia o que dizer. Ficava mais confuso ainda.

Nolan avançou em direção a Stella e pegou Emma do colo dela.

Eu observei aquela cena. Emma trocando de colo. De Stella para Nolan, muito naturalmente. Stella ainda ajeitou a touca que Emma usava, que se desprendeu quando Nolan a pegou e acho que ouvi até um “cuidado”.

Eu não estava preparada para a onda de desconforto que me tomou.

Eu fiquei curiosa e desconfiada quando vi as fotos de Emma no Instagram, me perguntei quem seria a pessoa sempre com ela, e de alguma maneira, embora não ousasse admitir para mim mesma, deduzi que era Ashley.

Fiquei com ciúme. Fiquei com raiva. Fiquei com medo.

Ashley na vida de Nolan de novo era o meu mais terrível pesadelo se tornando realidade.

E eu devia me sentir aliviada agora por Ashley não estar ali. Nunca esteve, pelo menos não do jeito que eu temi em minhas fantasias.

Mas ver Stella me deixou sem chão.

Eu não sabia o que sentir porque ainda estava chocada.

Nolan se aproximou com Emma no colo e por um momento me esqueci dos questionamentos sobre Stella e me concentrei na bebê em seu colo.

— Olha quem está aqui, a mamãe.

Prendi a respiração quando ele falou “a mamãe”.

Minha nossa.

Era isso. Eu era a mãe daquela menininha desconhecida.

Ela nunca me pareceu tão real e surreal ao mesmo tempo.

— Ei, Emma. — Sorri e levantei meus dedos trêmulos para tocar seu rostinho, como para me certificar de que ela era de verdade. — Ela parece maior do que da última vez que a vi!

— Sim, ela cresce rápido pra caramba. Por que não a pega no colo? Acho que já está na hora dela conhecer você.

Nolan falou com confiança e naturalidade e isso me deu certo alento de que no fim, talvez, estivesse surtando à toa.

Aquela bebê era minha filha. Por uma brincadeira perversa do universo, eu não estive presente nos primeiros meses de sua curta vida.

Mas estava aqui agora.

E por mais que eu não tivesse ideia do que fazer, e estivesse morrendo de medo, do fundo do meu coração eu queria sentir que ela era minha de verdade.

Ainda havia um buraco no meu ventre, como se ela devesse estar ali, porque eu não a vi nascer e não parecia certo que ela estivesse no mundo e não dentro de mim.

E sorri, sentindo meu coração se expandindo e meus braços formigando de ansiedade de tê-la entre eles, finalmente, e os estendi em sua direção.

Porém, Emma virou em direção a Nolan, rejeitando minha aproximação e meu coração despencou quando ela começou a chorar.

— Ei, Emma, por que está chorando? — Nolan a sacudiu, usando aquele tom que usamos para falar com bebês e eu contraí os lábios, para conter o nó que queria romper minha garganta.

A rejeição de Emma – de novo – me deixava arrasada.

E para meu horror, observei Stella se aproximando e sussurrando um “shi, Emma, não chora” baixinho e a criança sacudiu os braços em sua direção. E se eu não estivesse arrasada o suficiente, ver Emma deslizar para o colo de Stella e se aconchegar em seus braços, o choro cedendo para suaves resmungos infantis, foi a gota d’água.

Senti Nolan se colocar na minha frente, bloqueando a visão de Stella e Emma, as mãos alisando meus braços.

— Está tudo bem... Emma só está manhosa, e...

Eu o encarei. Frustrada.

Triste.

Enfurecida.

Sim, eu começava a sentir a revolta crescendo em meu íntimo sem que eu conseguisse conter.

Não era justo.

Não era justo eu ter ficado longe da vida de Emma por todo aquele tempo, a ponto de ela não fazer ideia de quem eu era.

Não era justo que eu estivesse com meu coração em frangalhos porque ela agia como se eu fosse uma estranha – e no fundo, eu era.

E acima de tudo não era justo que fosse Stella – uma pessoa que me detestava – quem estivesse ali no meu lugar com Emma.

O que eu absolutamente não entendia.

Respirei fundo várias vezes tentando manter o controle.

Nolan tinha muita coisa para me explicar.

— Eu não entendo... Não faz sentido...

— Você está tremendo. — Nolan agora parecia preocupado e segurou minha mão. — Vem, não está bem.

E ele me puxou para fora da sala.

Eu olhei através de Nolan e Jace estava falando baixinho com Stella, que estava de costas pra mim, ainda ninando Emma.

Nolan acompanhou meu olhar e acho que naquele momento ele entendeu o meu questionamento.

Mas Stella, Jace e Emma ficaram para trás, quando chegamos ao quarto.

Era o mesmo quarto que dividíamos quando morei ali com ele.

Por um momento me vi tomada de nostalgia, deixando meu olhar vagar em volta. Lembranças que agora pareciam fazer parte de outra vida.

Eu voltei para Nolan.

— O que Stella está fazendo aqui? Ela terminou com Jace.

— Sim, eles terminaram há meses.

— Mas ela... mora aqui ainda? Não faz sentido.

Ele coçou a cabeça, como se escolhesse as palavras para explicar.

— Ela pediu para ficar até que tivesse condições de morar em outro local, sabe que a carreira dela não estava decolando.

— Nesses seis meses a carreira dela não decolou ainda? — Não queria estar sendo irônica, mas não conseguia evitar.

— Sinceramente, eu não converso com a Stella sobre a carreira dela. Tem que perguntar pra ela.

— Ah claro, aparentemente eu tenho que perguntar muitas coisas pra Stella, como, por exemplo, o fato de ela ser próxima da minha filha ou sei lá o que isso significa...

— Se acalma, Amanda. Está nervosa e não tem motivo.

— Como não tenho motivo? Você entendeu o que rolou naquela sala? Eu sou uma estranha para Emma! Para minha própria filha. Ela chora quando me vê. Mas abre os braços pra Stella! E eu não entendo isso! Como aconteceu? Stella me odeia e de repente ela... nem sei como entender.

— O que aconteceu foi que Stella me ajudou a cuidar de Emma.

— Como assim?

— Quando Emma nasceu, ela ficou um tempo no hospital, ela era prematura. Mas quando você foi transferida para Nova York, Emma pode vir pra casa também.

— Eu me perguntava como você tinha se virado...

— A verdade é que sua mãe me ajudou no começo.

— Mas minha mãe se casou e viajou...

— Não nos primeiros dois meses de Emma. Ela ficou aqui, morou comigo e cuidou de Emma.

— Eu não fazia ideia...

— Mas Ross a pediu em casamento.

— E ela abandonou Emma.

— Não foi assim, você no fundo deve saber. Eu era muito grato por sua mãe cuidar de Emma. O que eu sabia sobre um bebê? Além do mais eu tinha a faculdade e tinha você.

— Eu? Eu estava vegetando! — Impossível conter o amargor em minha voz.

— Mas eu ia te ver todos os dias. Ficava lá por horas. Eu conversava pra você, eu lia pra você...

— E Emma? Era sua filha, e você a deixava sozinha... — Não podia negar que me dava um quentinho no coração saber que Nolan não me esqueceu naquele hospital, mesmo não sabendo ao certo se eu ia voltar. Mas isso não anula que ele aparentemente deixou Emma nas mãos de outros. De Stella!

— Não viaja, Amanda, estou falando que sua mãe tomou toda a responsabilidade pra si.

— Não parece justo.

— Foi o que eu me toquei quando percebi que ela estava deixando a vida dela de lado pra ficar aqui com Emma. E eu era o pai, precisava tomar essa responsabilidade para mim, já que você não estava.

— E onde Stella entra nisso tudo?

— Eu precisava ir pra faculdade. E um dia Stella se ofereceu para ficar com a Emma enquanto eu estivesse estudando.

— Só isso? Ela era uma babá? Não foi o que pareceu.

— Stella não era a babá, claro. Mas acabou que o tempo foi passando e ela continuou ajudando com Emma.

— Simples assim? Ela simplesmente se ofereceu? Não faz sentido... — Senti dificuldade de respirar, minha mente começando a rodar e me sentei na cama, colocando a cabeça entre as mãos. — Ela estava em todas aquelas fotos... Emma... parece amar ela...

— Claro, Stella passa bastante tempo com Emma... — Nolan se aproximou. — Amanda, não entendo por que está nervosa.

Eu levantei o olhar, o empurrando.

— Não entende? Você estava lá! Sabe como a Stella me odeia! O jeito que ela me tratava e eu nem sabia por que. — Comecei a chorar. — Até que naquele dia ela me contou toda a história com Owen... E eu não tinha culpa de nada! E mesmo assim ela me odiou, me cortou da vida dela, me tratava feito lixo quando entrei na vida de vocês...

— Eu não vou negar que Stela fez tudo isso...

— Então por que deixou a nossa filha com ela? Ela me olhava com ódio! Olhava pra minha barriga com nojo, e você deixou a minha filha com ela... — gritei, descontrolada.

— Amanda, calma.

Eu não tive forças para empurrá-lo, quando me abraçou dessa vez.

Eu só me sentia caindo cada vez mais, afundando numa onda de revolta, tristeza e pesar.

Sem que eu notasse, me vi deitada sobre a cama e Nolan tirando meus sapatos, quando meu choro foi diminuindo simplesmente porque eu não tinha mais forças para chorar.

— Minha cabeça dói... — murmurei, exausta.

— Você precisa descansar.

Ele se afastou e minutos depois voltou com um comprimido e um copo de água, me obrigando a tomar.

Fechei os olhos, só querendo apagar a imagem de Emma me rejeitando e aceitando os braços de Stella.

E em algum momento deslizei para a escuridão.

 

Quando acordei novamente, olhei o relógio ao lado da cama e eram pouco mais que seis da manhã.

Nossa, eu tinha dormido tudo aquilo?

Nolan não estava na cama e eu me perguntei onde ele estaria.

Eu me sentei, atordoada e saí da cama. Abri a janela e o dia amanhecia lá fora. De certa forma, era bom estar longe do hospital. Saber que eu poderia retomar a minha vida.

Mas as lembranças do que aconteceu quando cheguei ontem nublaram meu ânimo.

Era tão triste ser uma estranha para Emma.

E foi um choque descobrir que Stella quem ajudou Nolan a cuidar dela. Ainda parecia bizarro que a fútil e egoísta Stella tinha se sujeitado a cuidar de um bebê. Ainda mais quando ela odiava a mãe deste bebê.

Não fazia sentido algum pra mim.

E o que eu ia fazer agora? Eu me sentia mais perdida do que nunca.

Eu sabia que não seria fácil retomar a minha vida, de onde eu lembrava. Não tinha como eu ignorar que se passaram seis meses na vida das pessoas a minha volta e principalmente eu não podia ignorar que Emma viveu todo aquele tempo sem mim.

Talvez eu devesse me sentir grata por ter pessoas que cuidaram dela quando eu não podia, mas não conseguia deixar de sentir desgosto por essa pessoa ter sido Stella.

E por Nolan ter permitido.

Eu sentia uma espécie de traição.

“ Bem, e o que você vai fazer? ”, uma voz invadiu minha mente. Sim, o que eu podia fazer?

A situação não era fácil e eu me sentia uma bagunça, mas não dava para ficar chorando e me revoltando para sempre.

Eu ganhei uma segunda chance, afinal.

Eu me senti um pouco melhor quando pensei nisso. Chega de pensar no que rolou nos seis meses em que eu não estava. Eu precisava tomar as rédeas da minha vida agora.

E Emma era minha filha. Não de Stella.

Ela não me reconhecia como tal, mas nada impedia que a partir de agora fosse diferente.

Eu podia fazer diferente.

Com essa nova resolução, saí do quarto e caminhei pelo corredor me perguntando onde será que Emma dormia? Eu lembrava quais eram os quartos dos irmãos de Nolan e fui para aqueles que não eram ocupados. E por fim, ao abrir a porta de um dos quartos, eu me deparei com a decoração infantil em cor pastel

Sorri meio triste ao me lembrar que não tive tempo de terminar o quarto lá em Camden. Será que terminaram? Até onde eu sabia, Emma nunca esteve em Camden depois que nasceu.

Com o coração aos pulos, eu me aproximei do berço. Emma dormia, a boquinha aberta, o peito subindo e descendo com seu pijaminha branco.

Sorri, com vontade de chorar e toquei suas bochechas, seus lábios, seus cabelos. Deixei minha mão deslizar por seu corpinho perfeito.

Eu nunca consegui imaginar como ela seria quando estava dentro de mim, e agora eu sabia como ela era.

— Ei, Emma — sussurrei com meu peito expandindo para dar espaço ao sentimento que aquela garotinha estava reivindicando.

De repente ela acordou, os olhinhos se prenderam a sua volta por um instante de confusão e ela começou a chorar.

Eu me senti assustada por alguns instantes, sem saber se a pegava, e ao mesmo tempo com medo de pegá-la e ela chorar ainda mais.

Então, alguém abriu a porta e eu vi Stella se aproximando.

Ela fez isso automaticamente, quase como se eu não estivesse ali, mas quando deu alguns passos, os olhos presos no berço, ela paralisou.

— Oh... Amanda!

Ela parecia surpresa. Como se nem lembrasse que eu estava de volta afinal.

— Eu... Ela está chorando — falei debilmente, como se o choro não fosse alto o suficiente.

Stella então avançou e pegou Emma, acalentando.

— Shi, não precisa chorar.

Eu dei um passo atrás, sentindo de novo meu coração afundando.

Stella levou Emma até algo que parecia um trocador e se afastou tempo suficiente para pegar uma fralda e alguns lenços.

Eu não conseguia me mover, os olhos fixos nos movimentos ágeis de Stella retirando a roupa de Emma e a fralda suja para trocá-la por outra.

Quantas vezes ela tinha feito isso?

Emma parou de chorar e em poucos minutos estava trocada.

Stella a segurou de novo e me encarou.

— Eu preciso alimentá-la.

Percebi que havia tensão em sua voz.

Óbvio que ela não sabia como agir comigo, assim como eu não sabia como agir com ela.

Eu me vi assentindo sem falar nada e Stella saiu do quarto levando Emma.

Eu caminhei, trêmula, até o quarto e achei Nolan lá.

— Onde estava, Amanda? Está bem? — Nolan veio na minha direção, tocando meus braços.

— Onde você estava?

— Eu não consegui dormir, estava desenhando no escritório.

— Você ainda desenha...

— Claro, acho que é a única coisa que sei fazer. Onde estava? — ele insistiu.

— Eu fui até o quarto de Emma...

— Ah...

— Ela chorou e Stella apareceu e trocou. Acho que agora a está amamentando ou algo assim... — falei como um autómato. Não havia emoção na minha voz.

Eu estava cansada de fazer a louca ciumenta.

Sim, eu entendia o sentimento, não podia negar a mim mesma. Eu estava com ciúme de Stella com Emma.

— Como está se sentindo? — Nolan me estudou. — Está melhor hoje?

— Eu quero tomar um banho.

— Claro...

Eu me afastei e entrei no banheiro.

Quando me virei para fechar a porta Nolan estava parado no mesmo lugar, me encarando com frustração e algo mais que não consegui identificar.

Eu fechei a porta, o deixando de fora.

Tirei a roupa e entrei no chuveiro, deixei que a água morna me acalmasse o suficiente, me perguntando quando aquela sensação estranha iria passar.

A verdade é que tudo parecia estranho.

Fora do lugar.

Eu estava fora do lugar.

Como uma peça de um quebra-cabeça perdida, todo o cenário estava montado e faltava só essa peça. Talvez ela fosse essencial para o todo, mas se nunca fosse posta no lugar, todo mundo entendia a imagem.

Ela poderia ficar perdida para sempre, talvez fizesse alguma falta, mas o quebra-cabeça estava montado apesar dela.

Só que a peça apareceu e queria se encaixar em seu lugar.

Saí do chuveiro e abri os armários, me surpreendendo que havia roupas minhas ali.

Sorri com certo alívio, era bom ver minhas roupas.

Minhas coisas.

Será que estiveram sempre ali? Ou foram encaixotadas e guardadas e trazidas de volta quando voltei dos mortos?

Penteei meus cabelos e saí do quarto, ainda com aquela sensação de irrealidade, mas me sentindo um pouco mais eu mesma.

Ao chegar na cozinha, paralisei na porta, sem que as pessoas me vissem ali por um instante.

Jace estava comendo cereal e espiando alguma coisa no celular.

Nolan estava amassando algo em um prato e eu achei que era uma banana.

E Stela estava segurando Emma enquanto fazia brincadeiras com ela, que ria, feliz. Havia dois dentinhos despontando em sua boca e eu senti meu estômago embrulhando ao pensar que eu não vi aqueles dentinhos nascendo. Não vi Emma pequenina, não a vi crescendo e se desenvolvendo até ser aquele bebê esperto.

Mas Stella viu.

Stella a tomou para si.

— Ei, Amanda. — Jace levantou a cabeça e me viu e os outros dois adultos também se viraram e me viram.

Senti que o sorriso de Stela se desfez um pouco e era impressão minha ou ela parecia tensa na minha presença?

Eu não estava acostumada a ver Stella hesitante, muito menos comigo.

Nolan sorriu pra mim, mas o sorriso não chegava aos olhos.

— Está com fome?

Sacudi a cabeça em afirmativa, me aproximando sem saber bem onde me encaixar.

— Senta aqui. — Jace pareceu sentir minha hesitação.

Eu me sentei na bancada ao seu lado.

— Eu posso fazer ovos — Nolan comunicou. — Eu só vou alimentar Emma, e posso fazer pra você.

— Não, eu faço. — Eu me levantei, querendo me sentir útil.

— Não, eu faço pra você — insistiu.

E Nolan entregou o prato para Stella, para alimentar Emma.

Eu fixei o olhar em Stella que se sentou com Emma e começou a lhe dar a banana.

— Ela é uma comilona, né? — Jace comentou ao meu lado, percebendo que meu olhar estava fixo em Emma.

— Eu nem sabia que ela comia. — Sorri sem disfarçar a tristeza. Bebês não tinham que só mamar ou algo assim?

— Eles começam a ser alimentados a partir dos seis meses — Stella respondeu e tive vontade de soltar um “ninguém perguntou” mas seria ridículo.

Assim como era ridículo eu sentir vontade de agarrar Emma e tirar do colo de Stella e pedir pra ela desaparecer para sempre.

Mas eu não conseguia evitar.

Nolan colocou o prato na minha frente.

— Tudo bem? — ele indagou, estudando meu rosto e eu me perguntei que tipo de expressão eu estava fazendo.

Até Jace parecia tenso agora.

Eu sacudi a cabeça em afirmativa, pegando o garfo e me obrigando a comer, mas não conseguia parar de olhar para Emma e Stella, todo meu corpo se contraindo em rejeição àquela cena.

— Você vai pra aula hoje? — Jace indagou a Nolan.

— Não, vou ficar com Amanda. Na verdade, daqui a uma semana chegam as férias. O que vai ser ótimo — Nolan respondeu enquanto se aproximava e limpava o rosto de Emma no colo de Stella. — Ela comeu tudo?

— Ela comeria até mais — Stella respondeu — Acho que já passou a dor nas gengivas que a deixou sem apetite.

A onda de náusea aumentou.

— Stella, você não tinha uma audição ou algo assim hoje? — Jace indagou.

— Não, de onde tirou isso?

— Achei que você tivesse comentado algo...

— Eu nunca marco nada para de manhã, quem ia cuidar de Emma?

— Bem, acho que Emma não precisa mais de você.

Minha voz cortou o ar e eu mesma fiquei surpresa por essas palavras terem saído da minha boca.

Mas elas viajaram pelo ar e atingiram as três pessoas que elevaram o olhar para mim, surpreendidas.

— Amanda... — Nolan começou, mas eu prendi o olhar em Stella.

— Na verdade, acho que você deveria ir embora, Stella.

Era isso.

Pra mim, bastou.


Capítulo 14

 

Amanda

 

Por alguns segundos, imperou o silêncio chocado com minhas palavras inesperadas.

Eu sentia meu coração batendo contra as costelas e a raiva borbulhando em meu íntimo. Era uma raiva que vinha aumentando desde que avistei Stella com Emma pela primeira vez ontem.

Eu simplesmente não estava suportando.

Emma quebrou o silêncio soltando um gritinho infantil e eu consegui desviar meu olhar de Stella para a criança, e Stella fez o mesmo. Só então percebi que estávamos nos encarando fixamente. Eu, com raiva, e Stella, com assombro.

— Amanda... — A voz de Nolan continha uma dose de tensão misturada com preocupação enquanto ele vinha em minha direção.

Cruzei meu olhar com o dele por um momento e fiquei mais puta ainda porque percebi que ele não estava entendendo o que eu sentia.

Sem pensar, me movi, me levantando da mesa e indo em direção oposta a Nolan, mas dando a volta até que estivesse em frente a Stella e Emma e estendi os braços.

— Me dá a Emma.

— Amanda... — Nolan advertiu de novo.

Pois que fosse para o inferno.

— Agora, Stella.

Stella me irritou ainda mais quando desviou o olhar para Nolan, como se estivesse esperando que ele dissesse alguma coisa.

— Stella — sibilei baixo me segurando para não arrancar a criança do seu colo.

Eu não pensava em nada, a não ser tirá-la de perto de Emma.

Encarei Nolan em desafio. Ele sustentou o meu olhar e vi várias emoções passando por ele em segundos.

Choque. Frustração. Preocupação. E finalmente algum entendimento.

— Deixe-a pegar Emma, Stella — disse por mim.

Stella se levantou e estendeu a bebê em minha direção, o olhar mais tenso do que nunca, quando peguei Emma finalmente sentindo um alívio doloroso percorrer minha pele, por ela estar em minha posse.

E dando meia-volta, saí da cozinha, porque ao mesmo tempo que sabia que eu tinha que fazer isso, todo o meu ser gritava para reagir, também havia uma parte de mim que sabia que tinha sido um tanto imprudente. Afinal, Emma não reagiu bem à minha presença nas duas vezes que tentei pegá-la.

Fui direto para o quarto dela e só então parei e abaixei o olhar para a criança no meu colo.

E ela não estava chorando.

Pelo menos isso.

Ela me encarava com os olhinhos confusos, possivelmente ainda se perguntando quem diabos era aquela mulher que a segurava.

Mas só o fato de ela não abrir o berreiro, já me deixava mais calma para pensar no que tinha feito.

Ah minha nossa, senti todo meu corpo tremendo agora, uma reação tardia ao confronto e abracei Emma mais forte, como se pudesse tirar dela a força que eu precisava.

Ela choramingou e eu me apavorei de novo e a sacudi um pouco me obrigando a sorrir.

— Ei, Emma, está tudo bem, não chore.... por favor, não chore. — Alisei suas costas e o choramingo não se transformou em choro.

O que eu faria agora?

Sentia meus braços ainda fracos reclamando do peso que carregava e soltei uma risada que era mais um soluço.

— Poxa, Emma, você é pesada, hein? Ou eu que sou fraca?

Meus olhos queimaram de vontade de chorar, quando eu me aproximei do berço e a coloquei lá porque fiquei com medo de derrubá-la ou algo assim, porém neste momento ela abriu a boca e começou a chorar, agitando os braços.

— Shi, não chora! — Comecei a chorar também, sem saber o que fazer.

Então Nolan entrou no quarto.

— Amanda, o que foi aquilo?

Eu levantei a cabeça o encarando.

O quê? Ele estava bravo comigo?

— O que foi o quê? — Levantei o queixo em desafio, tentando bloquear o choro de Emma que quebrava meu coração. — Uma mãe pegando a filha? Acho que não foi grande coisa! E não entendo por que está bravo comigo por isso!

Nolan respirou fundo e parecia tentando se controlar.

— Não estou bravo com você! Estou preocupado.

— Não preciso da sua preocupação! Preciso que você entenda!

— Entenda o quê? O que quer que eu faça? — A sua voz estava cheia de frustração e foi abafada pelo choro mais alto de Emma.

— Por favor, faz ela parar... — implorei.

Nolan se aproximou e pegou Emma no colo.

Eu me sentei na poltrona, tremendo inteira, enquanto observava Nolan a acalmar e o choro ir passando.

Ele fazia parecer tão fácil.

Fiquei ali, me sentindo péssima por não saber o que fazer para acalmar minha própria filha.

Por fim, Emma silenciou e Nolan a colocou no berço, adormecida.

— Precisamos conversar.

Eu me levantei e saí do quarto, observando Nolan fechar a porta e o encarei.

— O que está acontecendo?

— Você não está entendendo meu lado.

— Eu estou tentando entender. Sei que nada disso é fácil pra você, mas não tem por que atacar Stella.

— Não estou atacando a Stella. Ela só precisa ir embora.

— Está sendo absurda...

— Estou? Por que quer tanto que a Stella more aqui?

— A Stella ficou porque o Jace permitiu, eu não tive nada a ver com isso.

— Ok, certo!

Eu me virei e avancei até a sala e encontrei Jace lá mexendo no celular. Stella estava perto da janela, parecendo tensa.

— Jace?

Jace levantou o olhar.

— Não acha que a Stella pode ir embora?

Jace desviou o olhar para Stella e depois para mim de novo e deu de ombros.

— Por mim!

— Jace! — Stella finalmente achou sua voz e avançou em nossa direção. — O que está rolando aqui?

— Acho que você sabe o que está rolando! — rebati.

Ela me encarou furiosa.

— Eu moro aqui, você não pode me mandar embora!

— A casa é do Jace. Ele falou que não se importa.

Stella se virou para Nolan.

— Nolan?

Eu esperei pela resposta de Nolan e sinceramente se ele dissesse que Stella podia ficar, eu mesma iria embora.

E Emma iria comigo.

— Stella, Amanda tem todo o direito de te pedir para ir.

Os olhos de Stella se arregalaram em choque e fúria.

E eu me permiti sentir certo alívio.

Era óbvio que Nolan não tinha entendido nada do que eu estava sentindo, mas pelo menos ele não fez o absurdo de dar razão a Stella. Embora estivesse claro que o relacionamento deles, que antes era bem hostil, tenha mudado nos últimos meses. Provavelmente tinha a ver com Emma.

Ao que parecia algo que eu ainda não conseguia entender havia acontecido com Stella e ela se propôs a cuidar de Emma e tomar para si a responsabilidade de ajudar Nolan.

Eu ainda achava bizarro que ela estivesse tomando aquela atitude e não entendia. Primeiro que Stella era um tanto fútil e egoísta e segundo que ela não gostava de mim.

Por que quis ficar perto da minha filha?

Para fazer Jace gostar dela de novo?

Quem deixava a ex-namorada morar na mesma casa por meses? O que estava rolando entre eles? Realmente não estavam mais juntos?

— Então é isso? Estão me mandando embora? — Ela fez a pergunta para Nolan e Jace.

Jace se levantou.

— Você sabe tão bem quanto eu que ficou aqui porque eu sou um trouxa e me permiti cair na conversa de que não tinha pra onde ir.

— Não seja cretino, Jace...

— Eu fui bem legal, na verdade, deixando você ficar aqui numa boa.

— Acha que eu queria ficar aqui vendo você esfregar outras garotas na minha cara? Acha que essa é minha ideia de ficar de boa?

— Então por que não foi embora?

— Sabe muito bem que eu não tinha grana e morar em Nova York é bem caro e vocês têm dinheiro sobrando!

— Por isso aproveitou para cavar sua permanência aqui, tomando conta de Emma?

— Você é muito filho da puta por estar cogitando que eu só cuidei de Emma por dinheiro!

— Ei, parem vocês dois! — Nolan chamou a atenção. — Se querem ter uma DR desapareçam!

— Eu estou fora. — Jace saiu da sala.

— Não quero ter DR nenhuma — Stella sibilou. — Só estou puta por Jace insistir em me humilhar e me destratar! Achando divertido eu ser escorraçada quando tudo o que eu fiz foi ajudar! E aparentemente você também não está nem ai! — acusou Nolan e começou a chorar. — Tudo o que eu fiz, te ajudando com Emma, para isso? Para ser jogada porta afora como uma babá qualquer? Como se eu não tivesse nenhum sentimento?

Certo, pra mim já bastava.

— Nolan, nos deixe conversar a sós, por favor — pedi com mais calma do que achei capaz de expressar.

Nolan hesitou, mas saiu da sala.

Stella me encarou com raiva.

— Está feliz agora? Era isso que queria? Se vingar de mim? Que merda é essa? Ainda é Owen, está com raiva de mim por que eu transei com o Owen? Por que eu escondi de você o aborto e o quanto ele era filho da puta? Não acha que isso é horrível, me tratar assim? Quando tudo o que eu fiz foi me preocupar e cuidar de Emma? Acha que não sofro por estar sendo afastada de Emma? — Ela começou a chorar mais.

— Stella, você é tão egoísta que só está pensando em você! — desabafei. — E no que você está sentindo! Percebe isso?

— Não é verdade!

— Está agindo como se fosse tudo sobre você! Acha que eu me sinto como quando Emma nem me reconhece? Você sabe pelo que estou passando? Parou um segundo para pensar em mim? Para de transformar isso no show da Stella!

— E você consegue pensar no que eu sinto? Eu cuidei da sua filha por todo esse tempo... E está me mandando embora como se eu fosse nada!

— Sinceramente? Em nenhum momento você pensou em mim quando me tratou como lixo, jogando Ashley na minha cara, por exemplo!

— Ash não merecia o que o Nolan fez!

— E eu merecia o que você fez?

— Mas o Owen...

— Owen foi horrível com você, mas não tenho culpa disso. Podia ter me contado...

— Para você me odiar?

— Acha mesmo que eu ia te odiar? Você era minha amiga, eu jamais... Jamais largaria sua mão. Como você fez por causa do Owen. Essa é nossa diferença, então desculpe se eu tenho ressentimento por você!

— Está sendo injusta...

— Não estou e no fundo sabe disso! Não consigo entender por que mesmo me odiando, sem eu ter feito absolutamente nada, mesmo passando meses me tratando mal, não perdendo a oportunidade de me atacar e de me diminuir em nome de um rancor que deveria resolver com o Owen e não comigo, ainda ficou aqui e se ofereceu para cuidar de Emma! Você olhava pra minha barriga com nojo!

— Eu olhava com inveja! — gritou. — Nunca percebeu? Eu tinha inveja de você.

— Inveja?

— Sim, mais uma vez você ia ter o que eu queria!

— O que eu poderia ter que causasse inveja a uma garota como você?

— Todo mundo gostava mais de você. Desde crianças. Até minha mãe esperava você ir embora e dizia “Olha Stella, olha como a filha do Pastor Thomas é boazinha e obediente, porque não é mais parecida com ela?”. E a gente foi crescendo e Owen claramente apaixonado por você e você nem aí!

— Eu não sabia que o Owen gostava de mim...

— Você foi se tornando uma pequena obsessão pra ele. Mas obviamente isso não o impediu de transar comigo muitas vezes. Porque claro, eu era fácil. Eu era a garota sexualmente disponível e você a garota intocável que merecia respeito e tudo o que de bom o mundo podia oferecer! Eu acho que me apaixonei pelo Owen porque eu queria aquele sentimento que ele tinha por você. Queria ser alvo daquele tipo de amor, de devoção. Queria me sentir merecedora e fui atrás dele do jeito que eu sabia. Sendo sedutora e usando minha beleza. E consegui. Mas só até você resolver dar bola para ele, então eu era material descartável. E podia ser jogada fora. E a gravidez, serviu só pra ele me desprezar ainda mais. Me culpou por tudo e eu fui tão idiota me deixando ser calada por ele. No fundo, me sentia do jeito que Owen me acusou de ser. Uma vadia. Uma garota que não merecia amor. Bonita, porém descartável. E abortar aquele bebê, na hora pareceu que era a única solução, foi o maior erro que cometi na minha vida. Parece que arrancou alguma coisa vital de dentro de mim. Como se o pouco de coisas boas que eu pudesse ter e sentir se fossem juntos. E mesmo depois que conheci Jace, mesmo com a devoção dele, eu nunca consegui me sentir completa de novo, e isso me deixava tão brava, tão cheia de amargor... E Nolan sempre me desprezou, você sabe, né? Sempre olhou pra mim com superioridade, como se eu fosse uma vadia descartável. Pelo menos ele não pegou o que eu ofereci antes de conhecer Jace, ao menos me poupou de ser descartada mais uma vez. Acho que por isso me apeguei tanto a Jace, para mostrar que eu podia ser digna de amor mesmo Nolan me achando uma cretina interesseira. E aí, você voltou. A Amanda queridinha, conquistando todos os Percy com sua carinha ingênua, quando no fundo, todo mundo naquela casa só me suportava porque Jace era apaixonado por mim. Talvez só Samantha gostasse de mim, e mesmo ela passou logo a preferir você.

— Eu sinto muito que se sinta assim, mas ainda não podia me tratar mal para compensar a maneira que se sentia! Eu não tive culpa. E mesmo assim, tive que suportar seu comportamento, e no momento mais frágil da minha vida, você só me atacou. Se aliou a Ashley e me fez sentir insegura e com medo.

— Eu e Ashley passamos pela mesma coisa. Por isso eu me compadeci dela. Só que Ashley não era forte o suficiente para aguentar e por isso fez o que fez. E eu nunca achei justo que ninguém lhe desse apoio.

— Por que você não teve apoio?

— Não, eu nunca tive apoio...

— Porque nunca permitiu, não vê? Você escondeu o que o Owen fez.

— Eu estava com vergonha e do que ia adiantar? Acha mesmo que iam me apoiar? Iam tacar pedras que é o que fazem quando uma mulher erra! Eu seria sempre a vadia que transou com o namorado da melhor amiga! Só porque tinha inveja! E quer saber, no fundo, foi isso. Inveja. Eu invejava que você era querida. Continuei te tratando mal por inveja quando ficou com o Nolan. Não inveja do Nolan, e vamos aproveitar para deixar claro, se estiver passando pela cabeça, que isso aqui não tem nada a ver com o Nolan. Eu não tenho o menor interesse nele neste sentido.

— Eu não pensei.

Não?

Talvez eu estivesse mentindo para mim mesma.

Stella era linda e sedutora. Eu mesma já tinha meio que me conformado com o fato de que seria meio extraordinário o Nolan ter ficado sozinho quando eu estava praticamente morta.

Só que eu achei que ele poderia voltar com Ashley e nunca me passou pela cabeça que era Stella quem estava ali ao lado dele.

E quando eu vi Stella com Emma, o meu ciúme foi direcionado ao fato de ela ser a pessoa que minha filha reconhecia como mãe, a mulher para quem ela abria os braços quando queria se sentir protegida.

E também não podia negar que a interação dela com Nolan e Emma, como se eles fossem os pais, me deixou sem chão.

Mas acho que não me passou pela cabeça que houvesse algo sexual ou romântico entre eles. Talvez porque eu nunca esperaria de Nolan fazer isso com Jace.

Eles eram unidos demais, Nolan jamais faria algo assim com o irmão.

— Então é disso que se trata? Sentia inveja de mim e por isso está roubando Emma?

— Não quis te roubar nada! Você nem estava aqui!

— Mas se me detestava não faz sentido que cuidasse dela.

— Eu não sou um monstro sem consideração.

— Não teve nenhuma consideração por mim...

— Ok, eu mereço ouvir isso. Fui mesmo uma bruxa com você e já expliquei por quê.

— Acha que isso desculpa alguma coisa?

— Não, e nem quero seu perdão! — desdenhou com sua arrogância costumeira me lembrando muito a velha Stella. — Eu só expliquei o que eu sinto, o jeito que me sinto. Sei que fiz muita merda, entendo que não tinha culpa de nada e descontei em você. Afinal, não tem culpa de ser perfeitinha.

— Não sou perfeitinha.

— Até o Jace ficou do seu lado agora. — Sua voz embargou de novo como se lembrando do que Jace fez. — Acho que já devia saber que Nolan ia me descartar quando você voltasse, e Emma não precisasse mais de mim. Jace tinha me descartado também. Só me suportaram aqui porque eu fui útil.

— Stella, continua levando tudo pra você!

— Desculpa se transformo tudo sobre mim porque no final nunca é sobre mim. Acho que você não faz ideia de como é isso e nem espero que entenda.

— Desculpa se não posso te abraçar e consolar te perdoando por toda merda que fez quando eu acabei de voltar de um coma de seis meses e tenho que lidar com o fato de que sou uma estranha para minha própria filha! Que meus braços doem quando eu a seguro, que não faço ideia do que ela precisa, do que ela gosta. De como deixar ela protegida e cuidada. Sei que Emma é só um bebê e não faz ideia da realidade à volta dela. E sim, tem um lado meu que agradece por ela ter tido cuidados. Mesmo sendo de você. Mas não dá para continuar te aguentando aqui, me lembrando toda hora que não sou prioridade da minha filha. É isso, né? Por isso tem me encarado distante e tensa. Não recebi uma palavra de boas-vindas. Um acolhimento vindo de você. Sequer ofereceu ajuda para que Emma se adaptasse a mim. Apenas continuou agindo como se eu não estivesse aqui, porque era o que gostaria que acontecesse, que eu não voltasse e assim pudesse continuar brincando de mãe da Emma.

— Nunca agi como a mãe da Emma.

— Mas na prática, é o que você é. E isso dói de um jeito que eu nem sei explicar.

— Eu sei que não sou a mãe dela. E sim, desde que acordou, eu estava com medo. Medo exatamente do que aconteceu aqui. E ver Jace e Nolan nem pestanejando em deixar você me mandar embora é como encarar meu maior pesadelo e eu não posso evitar. Então, sim, eu me apeguei a Emma. Eu a amo como se fosse minha e é difícil pra mim, saber que não tenho direito a isso. Que os meses que fiquei com ela, sendo a prioridade dela, foram meses roubados e que acabou. Por isso eu não me aproximei, tem razão. Eu não queria. Mas eu sei que é a mãe da Emma. Claro que eu sei. Eu sempre soube e por mais que tenha desejado como todo mundo, que você voltasse, havia uma parte de mim que sonhava que não ia voltar e eu poderia ficar aqui. Talvez Nolan permitisse que eu cuidasse dela pra sempre. Talvez Jace até me perdoasse e voltasse a me amar, por que não? — Ela deu de ombros.

— Por que Jace terminou com você?

— Porque ele descobriu que fui eu que meio que começou toda aquela confusão antes do acidente.

— Não vejo assim...

— Bem, Nolan e Jace sim. E eu me senti imensamente culpada quando vi você naquela situação. Me senti muito mal. Eu jamais deveria ter te contado daquele jeito sobre Owen e nem ter ido contar a Nolan que estava com Owen. Eu fui inconsequente e horrível. Mas acho que estou pagando por tudo de ruim que fiz.

— Parece que Nolan te perdoou, então.

— Não sei, nunca conversamos sobre isso depois. E acho que no fim ele apenas se acomodou à minha presença. Só aceitou que eu queria o bem de Emma e estava disposta a ajudar.

— Você não precisava ter ficado.

— No começo, eu só queria fazer Jace voltar pra mim. Aceitei as migalhas que ele me dava quando a gente transava de vez em quando. E tentava suportar dignamente quando ele trazia outras garotas. Ele não estava nem aí para os meus sentimentos. Acho que até fazia meio que de propósito pra me magoar. E mesmo assim, eu fiquei. Eu gostava da Emma. Gostava de cuidar dela, de ser importante pra ela, me iludia achando que tudo ia ficar bem. E no fim, estou indo embora como sempre. Sem nada. — Ela respirou fundo e enxugou as lágrimas. — Mas tem razão. Não posso ficar aqui, não é meu lugar. Vou arrumar minhas malas e partir o quanto antes.

E ela deu meia-volta e saiu da sala.


Capítulo 15

 

Nolan

 

— Acha que elas estão trocando socos?

Eu ri do comentário idiota do Jace. Estávamos no escritório e eu tentava desenhar para não surtar com o que estava acontecendo.

Na verdade, tentar não surtar era só o que eu fazia desde que Amanda voltou pra casa. E eu que achei que todos os meus problemas estariam resolvidos apenas porque finalmente Amanda havia acordado e poderia voltar a minha vida.

Fui muito ingênuo, percebi agora.

Estava tudo uma merda e eu não sabia o que fazer para que fosse diferente.

Não imaginei que o fato de Stella estar ali cuidando de Emma fosse se transformar em um problema tão grande assim para Amanda.

Eu sabia de tudo o que Stella fez. Ora, eu mesmo nunca lhe poupei críticas, cheguei a detoná-la para Jace muitas vezes e torci para que o namoro deles não desse certo. Não gostava do jeito que ela tratava Amanda, e só entendi a implicância quando descobri o que Owen tinha feito e o quanto isso deixou Stella amargurada. Fiquei puto quando ela contou tudo a Amanda daquela maneira no dia do acidente, e sim a culpei por ela ter começado a confusão que culminou com toda a briga que acabou em tragédia.

Não me importei quando Jace terminou com Stella e estava tão focado nos meus próprios problemas que não liguei para o fato de ela ainda estar no nosso apartamento. Porém, mesmo com minhas ressalvas em relação a ela, eu não poderia negar que Stella me surpreendeu muito oferecendo ajuda com Emma. E o arranjo deu tão certo que o tempo passou e a ideia de contratar uma babá ficou em segundo plano. A situação se tornou cômoda pra mim, essa era a verdade, e no fim eu já não sentia a raiva de Stella que sentia antes. Até me peguei torcendo para que Jace a perdoasse e eles voltassem, apesar de ele parecer irredutível.

Quando Amanda acordou eu senti alívio, senti como se estivesse presenciando um milagre. Era como se estivesse acordando de um longo pesadelo. Um pesadelo que em alguns momentos chegava a duvidar que teria fim. Ou temia que o fim fosse outro mais apavorante, com Amanda indo embora de vez.

Sofri por todas aqueles meses e mesmo assim alimentei a esperança de que não era possível que nossa história acabasse assim, depois de tudo.

Era cruel demais.

Eu me apaixonei por Amanda sem querer, fiz de tudo para que ela ficasse comigo e me amasse do mesmo jeito. Eu, um cara que só alimentava o ódio e o rancor, me vi querendo morar no sorriso de uma menina ingênua que pertencia a outro cara.

A gravidez parecia um sinal do universo, avisando que muito mais nos aguardava pela frente. Lutei contra mim mesmo e meus instintos ruins para mantê-la comigo. Acreditei que era minha salvação. Eu me apavorei quando ela descobriu sobre Ashley e o tanto de merda que eu já tinha feito, vi o brilho que começava a irradiar de seu olhar em minha direção se apagar naquele dia em que nos casamos e eu pedi que ela não fosse embora. Que se apaixonasse por mim.

E o nosso caminho continuou cheio de altos e baixos. Despedidas e reencontros. Paixão e brigas.

Houve um momento de calmaria quando finalmente veio morar comigo ali em Nova York, mas também se criou o medo e a insegurança, quando ela descobriu que eu mantinha Ashley por perto e quis ir embora.

Então, a insegurança se alojou como uma bomba relógio em meu peito. Amanda voltou para Camden, escolheu ficar longe de mim de novo.

E perto de Owen. O cara que ela já amou um dia e que deixou claro que na primeira oportunidade queria tê-la de volta.

Talvez aquela briga tenha sido uma tragédia anunciada, afinal.

E quase perder Amanda, ou melhor, perder Amanda por seis meses, ficar sozinho com minha culpa, minha dor e meu medo de perdê-la de vez, tudo isso tendo que descobrir como ser pai de uma criança, foi apavorante.

E a única coisa que me fez manter a sanidade foi Emma.

Ser o pai dela não foi nada como eu tinha imaginado. Na verdade, acho que eu nem conseguia imaginar como seria quando ela nascesse.

Deixava os meses passarem sabendo que um dia teria um bebê entre mim e Amanda, mas preferia pensar em como seria quando nascesse.

E eu nunca poderia prever que estaria sozinho quando esse dia chegasse, que Amanda não veria nossa linda bebê nascer. E muito menos, não veria os primeiros meses de sua vida.

Todos os dias eu visitava Amanda no hospital, lia para ela, fingia que ela estava apenas dormindo quando lhe contava como Emma estava crescendo e me despedia com um beijo em seus lábios frios, torcendo para que acordasse como nos contos de fadas.

No fim, não foi um beijo que a acordou, mas não importava.

Ela voltou e todo meu mundo parecia fazer sentido de novo.

Não parei para pensar em como a volta de Amanda transformaria nossas vidas, como seria na prática. Fiquei grato ao universo por tê-la devolvido e jurei fazer valer a pena este retorno.

Era de cortar o coração a desorientação de Amanda depois de acordar. E eu só podia imaginar como era horrível acordar depois de um acidente e descobrir que perdeu seis meses de sua vida. E pior, perder seis meses da própria filha. Tentei consolá-la e ser otimista, porque, caramba, eu estava otimista. O que podia dar errado? O tempo das coisas darem erradas já tinha passado.

Passamos por mais aquele teste cruel do destino e agora estaríamos juntos de novo e desta vez com Emma.

Fiquei ansioso para levar Emma para ela conhecê-la e fiquei arrasado quando Emma a estranhou. E a angústia de Amanda me deixou furioso. Não com ela, mas com aquela situação triste.

Quando a Lydia chegou, eu lhe confessei que a volta de Amanda não estava sendo como eu achava que seria.

Ela estava insegura, confusa e arredia. E o episódio com Emma a deixou arrasada.

— Tenha paciência, Nolan. Amanda está muito frágil, física e emocionalmente. Você tem que lhe dar tempo para se ajustar à realidade de novo. Não tem como começar de onde pararam, vai ter que haver um tempo de adaptação.

Eu concordei com Lydia e dei o tempo que Amanda queria, me afastei um pouco e a deixei na companhia da mãe enquanto fazia a fisioterapia e mantive Emma longe.

Até o dia em que ela finalmente teve alta e eu voltei a ter esperança.

Porém, Amanda ainda parecia distante. Eu entendia que estava frágil e amedrontada com essa nova realidade que ela não conhecia, mas no fundo, temia que fosse mais que isso.

Quando contei a Stella que estaria buscando Amanda, ela deu de ombros e não falou nada. Na verdade, voltando agora em retrospecto, ela ficou bastante quieta depois que Amanda acordou. Não parei para analisar o que estava rolando em sua mente. Eu e Stella nos dávamos bem na maioria das vezes nos últimos tempos, mas às vezes ela era a mesma Stella desagradável e fresca de antes. Ninguém mudava cem por cento de uma hora para outra, claro. A diferença é que eu já não me importava tanto, apenas a ignorava quando agia assim. Geralmente ela ficava assim na frente do Jace, principalmente quando ele estava saindo com alguém e eu imaginava que fosse de ciúme.

Eu aprendi a me manter longe das tretas de Jace e Stella.

Só me interessava que ela cuidasse bem de Emma quando eu precisasse, o que geralmente era quando estava na faculdade ou no hospital com Amanda.

Agora eu me perguntava se Stella tinha ficado preocupada que acontecesse justamente isso que acabou de acontecer, quando Amanda voltou.

Fiquei surpreso com seu ataque. Óbvio que ela estava chateada desde antes quando Emma a rejeitou. Fiquei preocupado e triste por ela, mas mantive o foco de que era natural que isso acontecesse. Emma não a conhecia, porém, iria conhecer à medida que Amanda se tornasse presente em sua vida, ela passaria a reconhecê-la como alguém importante.

Como Lydia disse, teríamos que ter paciência. E tudo se ajeitaria normalmente.

Ou não?

Era um fato que eu estava ansioso e frustrado não só por Amanda estar visivelmente perturbada, mas também por ela ainda estar distante.

Eu não queria forçar nenhuma barra com ela, nem física e nem emocionalmente. Eu havia conversado com o médico sobre isso, sobre Amanda estar um tanto diferente. E ele disse que era normal, dadas às circunstâncias. Amanda teria que se acostumar ao mundo real e mais, ao novo mundo que ela precisaria viver agora.

Porém, algo se quebrava dentro de mim quando ela se esquivava de um toque sem nem perceber, quando agia com distanciamento, como ontem quando fechou a porta do banheiro para mim, num claro sinal de que não queria que me aproximasse. Ela estava me deixando de fora e isso me deixava apavorado.

Eu dizia a mim mesmo para ter paciência. Não dava pra pensar nos meus sentimentos agora. Amanda era o foco, e a questão com Emma era o mais importante para resolvermos.

Agora Amanda estava brava comigo, me acusando de não entendê-la e queria que Stella fosse embora.

Eu não pensei o que seria de Stella depois que Amanda voltasse, mas imaginei que ela ficaria conosco um tempo, para haver uma adaptação com Emma. Talvez não fosse justo mandá-la embora assim, do nada, depois de tudo o que fez, mas eu não podia ir contra um pedido de Amanda.

— Foi escroto com a Stella — comentei com Jace lembrando o jeito que ele falou com a ex-namorada.

— E você foi um idiota com a Amanda.

Levantei o olhar, confuso.

— O que eu fiz?

— Ela está toda insegura porque a filha dela não a reconhece como mãe e tem que engolir a Stella no lugar que deveria ser dela.

— Stella não tem culpa.

— Mas você percebeu que Stella não se aproximou da Amanda, né? Sacou que ela está como uma mãe com seu filhote com Emma, com medo de que Amanda a tome dela.

— Mas a Amanda é a mãe da Emma. E está de volta. É ridículo Stella agir assim.

Merda. Stella estava mesmo agindo assim?

Stella era protetora com Emma, e não era novidade, mas não percebi como isso podia parecer para Amanda e afetá-la.

— Pois é.

— Eu não... acho que não tinha sacado. Stella continuar com Emma pareceu algo natural, porque foi o que ela sempre fez. E Amanda acabou de voltar, está toda debilitada ainda e confusa. Me parte o coração quando Emma chora e não a reconhece. Não achei que ia ser assim.

— Mas como acha que Amanda se sente?

— Horrível.

— Sim, e ainda tem que aturar a Stella? Para a Amanda, a Stella é uma usurpadora. Ela está mandando a Stella embora pra se sentir um pouco segura. E acho que é ótimo. Stella está apegada a Emma. E Emma não é filha dela. Acho que tem a ver com o lance do bebê que ela perdeu.

— Acha isso? — Eu não tinha parado para pensar sobre este prisma.

— Sim, provavelmente. Ela nunca superou. Sempre teve um lado da Stella que eu nunca consegui acessar.

— Você realmente não sente mais nada por ela?

— Nada seria mentira. Mas acho que fiquei aliviado de não ter mais que aturar o lado ruim dela.

— E continuou a parte boa — critiquei.

— Culpado. — Jace sorriu com seu sarcasmo habitual.

— É um filho da puta. Ela ficou magoada com o que fez lá na sala concordando com a Amanda.

— Eu fiquei com pena da Stella. Acho que nem ela percebe o que fez quando Amanda chegou a deixando de fora. Eu queria arrancar a Emma do colo dela e dar pra Amanda, mas ainda tinha que pensar em Emma. E é Stella quem tem mais condições nesse momento de cuidar dela. Mas isso não anula que Amanda precisa adquirir este conhecimento. Óbvio que no começo vai ser ruim, mas uma hora as coisas entram no jeito.

— Foi o que pensei...

— Mas com Stella por perto vai ser muito difícil. Sei que vai ser horrível para Stella, mas ela tem que se afastar e deixar Amanda tomar o lugar que é dela. Por mais que eu tenha pena de Stella, Amanda que é a mãe da Emma.

— Sim, eu meio que saquei na hora que eu não poderia dizer sim pra Stella ficar. Eu vi nos olhos da Amanda que ela estava decidida.

— Ela está certa. Acho que já percebeu que só vai conseguir se aproximar da Emma quando Stella se afastar.

— Nossa, que merda! — Suspirei e ouvi Stella passando pelo corredor.

Jace se levantou.

— Vou ver como ela está.

— E eu vou ver Amanda.

Encontrei Amanda chorando sentada na cama, com a cabeça entre as mãos.

Eu me aproximei e me sentei ao seu lado e toquei suas costas. Ainda era meio angustiante ver como ela estava mais magra e frágil, eu sentia que podia quebrá-la a qualquer momento.

— Amanda...

Ela levantou o olhar. Parecia magoada e perdida.

— O que aconteceu?

— Stella disse que vai embora.

— Não era o que queria?

— Nós tivemos uma conversa horrível.

— Não fique assim.

— Eu só queria acordar desse pesadelo.

— Mas está acordada, não percebeu?

— Eu acordei do seu pesadelo. O meu só começou, Nolan.

Havia tanta desolação em sua voz que senti como um murro no meu peito.

— Parece ruim agora, mas vamos sair dessa.

— Vamos? Acha que vou conseguir ser a mãe da Emma?

— Você é a mãe da Emma.

— Eu sou uma estranha. — Ela começou a soluçar e abracei seu corpo quebradiço, temendo que por dentro Amanda já estivesse quebrada.

Ela chorou até seu pranto se transformar em suaves soluços e eu a deitei na cama e ela adormeceu.

Eu a cobri e saí do quarto.

Stella estava na sala com suas malas.

Ela parecia séria, porém os olhos inchados revelavam sua desolação.

— Eu sinto muito, Stella.

— Sente mesmo?

— Sim, eu sinto. Sabe que não nos dávamos bem, mas aprendi a gostar de você nesses últimos meses. Lamento que esteja indo embora, mas vai ser melhor.

— Melhor pra quem?

— Agora parece ruim, mas vai ser melhor pra você também. Eu sou muito grato por ter cuidado da Emma, mas...

— Mas a mãe dela voltou.

— É assim que tem que ser. E você é bem-vinda para visitar Emma sempre quiser.

— Eu duvido que Amanda deixe...

— Amanda precisa de tempo. Está sendo muito difícil pra ela.

Ela suspirou.

— Eu sei, claro. Mas é difícil pra mim também.

— Tudo vai ficar bem. Pra todo mundo.

— Vamos? — Jace entrou na sala e pegou as malas de Stella.

— Para onde vai?

— Eu vou ficar com a minha mãe uns dias, depois... Não sei. Preciso reavaliar a minha vida.

— Se precisar de qualquer coisa, não hesite em pedir, ok? Fique bem.

Ela assentiu colocando os óculos escuros e saiu.

Jace me encarou.

— Vou levá-la para Camden. E vou ficar lá uns dias.

— Não tem prova?

— Já acabaram. Acho que vai ser bom pra você e a Amanda ficarem um tempo sem muita interferência.

— Sim, pode ser.

— Boa sorte, cara .

Jace se foi com Stella e eu encarei a sala silenciosa.

Era isso.

Agora era só eu, Amanda e Emma.


Capítulo 16

 

Amanda

 

Passei um longo tempo dormindo e uma parte do meu cérebro percebia que eu estava fugindo da realidade.

Talvez houvesse até uma vontade estranha em mim de que eu estava melhor em coma, assim não teria que lidar com aquela realidade estranha com a qual eu tinha que conviver depois que voltei.

Acordei depois da briga com Stella para ver Nolan sentado na poltrona desenhando. O carrinho de Emma estava ao lado e mordi os lábios, apreensiva. Queria tanto me levantar, ir até ela e segurá-la entre meus braços e ser tudo o que precisava.

Queria que ela fosse tudo o que eu precisava.

Mas ainda me sentia com medo.

— Ei, finalmente acordou, com fome?

Eu olhei para a janela e vi que estava escuro.

— Quanto tempo dormi?

— Bastante tempo, perdeu o almoço e quase te acordei para comer, mas preferi que acordasse por si só.

— Estou mesmo com fome. Mas também sinto como se um caminhão tivesse passado em cima de mim.

— Eu vou lhe preparar um banho de banheira.

Ele saiu do quarto e escutei a torneira sendo ligada e ele voltou e se aproximou sentando na cama.

— Tome um banho e vou fazer o jantar, ok?

Levantei a sobrancelha.

— Você?

— Não sou tão inútil assim.

— Eu lembro que meio que era.

— E eu lembro de você dizendo que eu deveria ser menos inútil e saber cozinhar para mim mesmo. Obviamente não espere um banquete, mas posso me virar, não vai morrer de fome.

Ele sorriu e colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. Estremeci com seu toque, mas era um misto de prazer e choque.

Desviei o olhar, sem saber como agir, e recuei quase imperceptivelmente.

Nolan se levantou e percebi uma sombra em sua expressão.

— Eu vou preparar seu jantar.

Ele empurrou o carrinho de Emma para fora do quarto e eu ainda fiquei ali, sem entender o que diabos tinha acontecido.

Por que eu estava receosa com o toque de Nolan?

Era irônico porque talvez se fosse o contrário fizesse mais sentido.

Nolan foi quem viveu aqueles seis meses aprendendo a ser sozinho, aprendendo a viver sem a minha presença.

Pra mim, fazia bem menos tempo desde a última vez em que Nolan me tocou assim.

Enquanto tomava um longo banho, vasculhei minha mente em busca dessas memórias e me lembrei de estarmos em uma banheira em Camden e Nolan estava bravo porque eu não queria voltar para Nova York. Eu me recordo de como estava com medo, em parte por causa da gravidez que se tornava cada vez mais avançada e em parte por causa das minhas paranoias com Ashley que me dava conta agora, provavelmente não passaram disso: paranoias.

Mas talvez eu não estivesse errada em sentir um pressentimento ruim.

Algo realmente horrível acabou acontecendo comigo, só não teve nada a ver com o que eu imaginava.

Naquela noite, Nolan me abraçou, deslizou os lábios por minha nuca e as mãos por meu ventre, porque era tão natural e bem-vindo. Agora, eu me sentia como nos primeiros tempos, quando ficamos noivos. Eu mal conhecia Nolan, me sentia insegura e sem saber como agir com a atração que eu sentia. Era triste me sentir assim de novo. Será que conseguiríamos romper aquela distância que se criou entre nós? Estávamos próximos, eu sentia a preocupação de Nolan comigo, mas também sentia a frustração e o medo.

E o que eu sentia?

Na maior parte do tempo, medo também. Medo de não conseguir me encaixar naquele novo mundo. Medo de não conseguir acessar a antiga Amanda dentro de mim.

 

Quando cheguei à cozinha, um cheiro de tomate e manjericão rescendia no ar e meu estômago roncou.

— O cheiro está bom.

— Venha comer.

Eu me sentei e Nolan serviu os dois pratos.

Emma brincava no carrinho próximo a nós.

— Ela não vai comer? — indaguei curiosa.

— Ela já comeu. Daqui a pouco é hora do banho e de dormir.

— Entendi... — Que inferno, porque eu sentia meu coração afundando no peito toda vez que me lembrava que não sabia nada sobre Emma?

— Tudo bem? — Nolan devia ter percebido meu desconforto e eu me obriguei a assentir e mudar a expressão.

— Sim, tudo bem.

Não sei se ele acreditou, mas comecei a comer.

— Onde está Jace?

— Ele foi levar Stella a Camden e vai ficar por lá, ele já está de férias.

Falar de Stella me deixou com um gosto amargo na boca.

A conversa que nós tivemos foi tensa demais, apesar de necessária e até mesmo esclarecedora.

— Você quer falar... sobre a conversa que tiveram?

Eu sacudi a cabeça em negativa.

— Não, acho que não.

— Ok, tudo bem.

— Você ficou bravo comigo por ter mandado a Stella embora?

— Não, só não tinha compreendido como o fato da Stella estar aqui, com Emma, podia te afetar.

— Eu sei que parece meio egoísta.

— Não é egoísta. É normal que esteja insegura. E Stella se ressentiu porque sabia que a partir de agora não seria mais a mesma coisa. Eu também compreendo o que ela sentiu e é uma merda. Mas é como as coisas são. Eu sou muito grato a ela por ter ajudado, mesmo não tendo nenhuma obrigação. Eu queria que ela tivesse sido mais receptiva a sua volta, que tivesse colocado os seus sentimentos na frente dos dela e percebesse que você precisava de apoio com Emma.

— Era Stella, talvez fosse demais esperar por isso. — Não contive a ironia e Nolan riu.

— Acho que tem razão. E aí, quer mais?

— Acho que quero.

Ele pareceu satisfeito e encheu de novo meu prato.

Emma começou a chorar e eu me assustei.

Nolan se levantou e a pegou.

— Ela está com sono.

— Fique à vontade... se precisar ir levá-la para dormir. Eu termino aqui e lavo a louça.

— Não precisa fazer nada.

— Mas eu quero.

— Não precisa fazer nada. Não quero que se esforce, ainda está fraca. Termine de comer e venha me ajudar com Emma, ok?

— Eu?

— Sim, mandou a minha babá de luxo embora, agora vai ter que pôr a mão na massa.

Eu terminei de comer e fui até o quarto de Emma.

Nolan estava no banheiro e eu parei na porta espiando ele a colocar na pequena banheira. Emma parecia feliz brincando com a água e seus bichinhos enquanto Nolan a lavava.

Ele levantou o olhar e me viu.

— Vem aqui.

— Não, eu prefiro só ficar olhando por enquanto.

— Amanda, é só um banho.

— Não pode querer que eu comece com Emma com ela na água, né? E se eu não conseguir segurá-la e ela cair e...

— Ok, não pira. Já estou acabando mesmo.

Depois de alguns minutos ele me fitou.

— Pega a toalha pra mim.

Eu me adiantei e peguei a toalha e Nolan ergueu a bebê da água.

— Abre a toalha.

— Eu?

— Tem mais alguém aqui?

— Está bem. — Contive o horror, enquanto Nolan estendia Emma e eu a envolvi com a toalha, mantendo-a entre meus braços.

A menina apenas sacudia as perninhas e os braços, balbuciando sons inteligíveis e meu coração estava aos pulos.

Nolan estava rindo.

— Não vai pegá-la?

— Ela parece bem aí.

— E se ela chorar?

— Não está chorando.

— Nolan, sério, não brinca.

— Vem, traga para o trocador.

Respirei aliviada quando a coloquei sobre o trocador e dei um passo atrás, deixando claro que estava liberando Nolan para continuar.

— Não precisa ter medo, Amanda — Nolan comentou, percebendo meu apavoramento, enquanto enxugava Emma.

— Eu preciso sim.

— Ela é só um bebê e eu estou aqui.

— Importa de eu só observar, por hoje?

— Tudo bem, não vou te forçar a nada, ok? Mas que tal colocar a fralda?

Ele sacudiu a fralda na minha frente.

— Provavelmente vai ser um fiasco.

— Com certeza vai ser um fiasco — Nolan concordou rindo.

— Não é engraçado.

— É sim. Eu tive vários acidentes quando comecei a fazer isso. — Ele desistiu de insistir que eu colocasse e ele mesmo ajeitou a fralda com uma rapidez incrível.

— Isso é tão bizarro.

— O quê?

— Você! Nolan Percy cuidando muito bem de um bebê!

— Você magoa meus sentimentos, Amanda. — Ele fingiu mágoa enquanto colocava o pijama em Emma.

— Sabe o que estou querendo dizer!

— Nem sempre foi assim. Não faz muito tempo, eu era como você, apavorado de ter que segurar um bebê que parecia que ia desmontar em meu colo a qualquer momento. E eu odiava trocar fraldas, se quer saber. Foi um alívio que sua mãe estivesse por perto nos primeiros meses de Emma, segurando essa barra.

— Mas no fim, você se virou.

— Sim, acho que as circunstâncias fazem com que a gente aprenda.

— Acha que eu vou aprender?

— Claro que vai. Senão, eu arranjo outra mãe para Emma.

Ok, foi uma brincadeira e Nolan estava rindo quando saiu do quarto resmungando algo sobre eu segui-lo porque ele iria fazer a mamadeira de Emma. Mas eu sentia como uma alfinetada na minha insegurança sobre nós dois.

Nolan não havia arranjado outra “mãe para Emma” naqueles seis meses, até onde eu sabia. Tirando Stella, mas Stella não era namorada de Nolan.

Ele não tinha ficado com ninguém de verdade naqueles meses?

Eu o segui até a cozinha.

— Certo, pegue a fórmula no armário que vai ter a primeira lição de como preparar uma mamadeira. — Ele se sentou com Emma no colo.

— Ok...

Ele foi dizendo o que eu tinha que fazer e não parecia muito difícil, embora eu não tivesse certeza se as medidas estavam realmente certas.

Então lhe dei a mamadeira e ele colocou na boca de Emma. E a menina não quis tomar, cuspindo.

Nolan despejou um pouco na própria mão e provou.

— Não está legal.

— O quê? O que eu fiz?

— Não faço ideia, mas isso não está bom não.

Emma começou a chorar alto, provavelmente se pudesse falar estaria esbravejando que alguma incompetente estragou o seu leite.

Nolan me estendeu a menina.

— Mas ela está chorando.

— E vai chorar mais se eu não consertar isso.

Eu a peguei, meio apavorada com todo o barulho que ela fazia.

— Ela tem bons pulmões.

— Não viu nada.

Eu a sacudi pela cozinha, ignorando meus braços que ainda doíam de segurá-la, até que Nolan a pegou de volta e se ajeitou para lhe dar a mamadeira.

Então ele levantou a cabeça.

— Quer fazer isso?

— Eu posso só observar por ora.

Eu sentia o nó querendo se romper na minha garganta e por mais que soubesse que era bobo, não conseguia evitar me sentir uma mãe horrível.

— Será que eu posso ir dormir? — perguntei meio aflita.

Nolan me estudou, preocupado.

— Tudo bem?

— Acho que por hoje já foi demais pra mim.

— Certo, vá descansar.

Eu quase corri da cozinha me refugiando no quarto.

Coloquei meu pijama e me deitei e então dei vazão ao choro.

Nolan entrou no quarto um tempo depois e eu me obriguei a ficar em silêncio.

Eu o observei se movendo pelo quarto e indo para o banheiro. Ouvi o chuveiro sendo aberto e depois de alguns minutos fechado.

Ele voltou para o quarto e se aproximou na cama, percebi que ele vestia uma calça de pijama e de repente me perguntei, quando ele se ajeitou do meu lado, se ele estava esperando que a gente fosse transar ou algo assim.

E definitivamente eu não estava preparada para isso.

— Amanda, tudo bem? — Ele tocou meu ombro e eu me virei, mas ajeitei o corpo para longe dele.

O olhar de Nolan nublou e eu me senti culpada.

— Você não espera que a gente... transe hoje, né?

Ele riu.

— Claro que não, Amanda.

Ok, não precisava concordar assim tão rápido, como se pra ele não tivesse a menor importância se íamos transar ou não.

Ou de repente não fosse mesmo importante.

— Eu só... Ainda me sinto esquisita de estar aqui. De estarmos aqui. Não sei explicar.

— Tudo bem, não precisa me explicar nada. Você ainda está se restabelecendo.

— Certo, obrigada.

— Não precisa agradecer. — Ele parecia meio contrariado.

— E sobre Emma, desculpa pelo jeito que agi. Estou meio que apavorada aqui.

— Eu sei. — Agora sua voz estava mais suave. — Não quero te forçar a nada, Amanda. Vamos dar um passo da cada vez. Vamos seguir o seu ritmo com Emma, ok? Só não fique com tanto medo, porque não precisa. Mas siga devagar se preferir. Temos a vida inteira pela frente.

— Sim, acho que é o que preciso.

Eu sabia que ele estava falando de Emma, mas também podia se aplicar a nós dois.

— Boa noite — murmurei me virando e fechando os olhos.

— Boa noite, Amanda.

Ele se aproximou e beijou meus cabelos e eu senti vontade de chorar quando se afastou.

Eu queria que ele me abraçasse, mas ao mesmo tempo não queria.

Eu era um poço de contradição.

 

Em algum momento da noite eu acordei e Nolan não estava na cama.

Eu me levantei e saí à sua procura e o encontrei no quarto de Emma.

Ele estava com ela no colo se movendo pelo quarto e cantando alguma música.

Os dois pareciam uma visão perfeita.

Não pareciam precisar de mim.

Eu voltei para o quarto e me deitei.

Desta vez, eu não chorei.

Apenas tranquei a tristeza em meu peito e me perguntei se ainda conseguiria um lugar entre Nolan e Emma.

Ou seria tarde demais?


Capítulo 17

 

Amanda

 

De manhã, quando acordei, fui surpreendida ao chegar na cozinha e ver uma mulher preparando o café.

— Olá, seja bem-vinda, Amanda! — Ela sorriu pra mim e eu a reconheci.

Era uma das empregadas dos Percy, que na época em que eu morava ali, vinha algumas vezes por semana para fazer a limpeza.

— Oi... Celeste, não é?

— Sim. E como você está se sentindo? Sente-se para comer, tenho ordens severas de te alimentar muito bem para que fique bem forte.

Eu me sentei e ela me serviu um prato com ovos e torradas.

— Obrigada. Eu não sabia que você viria. Você está vindo todos os dias?

— Não, como antes, eu venho algumas vezes por semana, mas Nolan pediu que eu viesse todos os dias por enquanto.

Hum. Nolan estava contratando uma babá pra mim?

Falando em Nolan ele surgiu na cozinha com Emma no colo.

— Bom dia.

— Bom dia — respondi com os olhos fixos em Emma, que Nolan colocou no carrinho.

— Que bom que está comendo. — Ele me observou, mas não fez nenhum movimento para se aproximar de mim.

Será que o fora que eu lhe dei ontem ainda estava repercutindo?

— Celeste me falou que tem ordens para me alimentar — falei com ironia. — Embora eu possa me alimentar sozinha... vai a algum lugar? — Notei que Nolan estava vestido como se fosse sair.

— Sim, na faculdade, tenho provas finais.

— Ah... — Eu me senti um tanto insegura agora por ele me deixar sozinha ali, com Emma, e então entendi porque Celeste foi chamada.

Não era uma babá pra mim. Era pra Emma.

Bem, fiquei um pouco brava com isso, mas também aliviada. Não me sentia segura para ficar completamente sozinha com Emma, ainda.

— Tudo bem? — Nolan percebeu o meu desconforto e eu me obriguei a sorrir.

— Claro. Sem problema algum.

Ele olhou as horas.

— E eu já estou atrasado.

Ele se despediu e saiu.

Emma reclamou um pouco, percebendo que Nolan não estava perto e eu sorri.

— Ela reconhece Nolan, né?

— Sim, ele é ótimo com ela.

— Você... está aqui pra cuidar dela não é?

— Nolan explicou que ainda não se sente segura e que ele precisa fazer as provas. Ele não queria te deixar sozinha e pediu que eu viesse hoje.

— Mas você sempre ajuda com Emma? — Se Nolan podia ter Celeste para ajudar com Emma, porque Stella entrou no processo?

— Eu não sou uma babá, claro. E meu trabalho aqui é cuidar da casa. Obviamente, de vez em quando, eu posso olhar a menina, não custa nada. Porém, quando Nolan não estava em casa, quem cuidava da menina era Stella. E devo dizer que Stella era muito ciumenta com Emma, eu não precisava me preocupar em ter que olhar a menina quando ela estava por perto. Só às vezes quando surgia algum imprevisto e nenhum dos dois, ou até mesmo Jace, estava disponível.

— Você não acha que Nolan podia ter contratado uma babá?

— Essa era a ideia inicial, pelo que me lembro. Mas Stella estava disponível. E imagino que ela deve ter ficado contrariada de ter ido embora.

Eu me senti um pouco culpada.

— Nolan contou que fui eu quem pediu que ela fosse?

— Nolan não entrou em detalhes e não é da minha conta. Mas eu sei que Stella gostava muito da Emma. E crianças têm essa mágica. Dão muito trabalho, mas a gente se apega.

— Stella... Como posso explicar? Ela não parecia querer dar espaço para eu me aproximar de Emma e isso me incomodou muito.

— É bem típico de Stella. É o jeito dela, e acho que você tem o direito de querer cuidar você mesma da sua filha agora. Afinal, perdeu seis meses.

— Sim, eu perdi. Só que eu ainda me sinto tão medrosa, sabe? — confessei meus medos. — Emma chorou quando eu a peguei e, é óbvio, que pra ela eu sou uma estranha. Isso me deixa insegura e me sinto péssima, ainda mais que eu não sei nada sobre ela. Ou sobre o que um bebê precisa.

— Ninguém sabe até quando é colocada à prova. Toda mãe tem essas inseguranças, não acha que estaria insegura do mesmo jeito se estivesse aqui quando Emma tinha poucos dias de vida?

— É, talvez tenha razão.

— Mas tudo vai se ajeitar, vai ver. Por que não leva ela pra sala? Tem um tapetinho lá, cheio de brinquedos, onde Nolan a deixa explorar.

Hesitei um instante, mas me levantei e fui até Emma. Ela brincava com um mordedor e eu respirei fundo e a tirei do carrinho.

Esperei um protesto que não veio e soltei o ar devagar.

Celeste riu.

— Está vendo?

Sorri, aliviada e me permitindo, talvez pela primeira vez, apreciar o fato de estar segurando Emma. A bebê que passou meses dentro de mim.

E de repente não queria soltá-la. Mas ela começou a se debater no meu colo, então a coloquei no tapetinho colorido na sala, com um monte de brinquedinhos. Ela logo estendeu a mão e pegou um.

Era maravilhoso ficar ali, apenas observando ela interagir com o mundo. O jeito que já rolava e arrastava o corpinho em volta dos brinquedos de seu interesse, ensaiando um engatinhar. Não sei quanto tempo estávamos ali, quando ela olhou em volta, e começou a chorar, como se percebendo que não tinha ninguém conhecido por perto. Eu senti o já costumeiro aperto no peito, mas me obriguei a não deixar aquele sentimento de derrota crescer. Era natural que Emma não me conhecesse, mas estávamos juntas a partir de agora e ela iria conhecer. Então eu me aproximei e peguei um dos seus brinquedinhos, tentando distraí-la.

— Ei, Emma, não chora. Olha aqui! — Sacudi o chocalho na sua frente sorrindo e fazendo aquelas expressões que a gente faz para chamar atenção de crianças. E então, o choro diminuiu e parei de sacudir o brinquedo. Ela olhou pra mim, como se estivesse esperando algo e eu sacudi de novo e desta vez ela riu, achando divertido o barulho possivelmente, e eu ri também, sentindo um alívio incrível no peito por conseguir interagir com Emma e fazê-la parar de chorar.

E por um longo tempo, me permiti apenas brincar com ela, a distraindo e adorando cada expressão nova que eu descobria em seu rostinho, ou cada habilidade que ela tinha.

Quando ela chorou de novo, não consegui distraí-la com os brinquedos e a puxei para meu colo, tentando acalmá-la, mas o choro não passava.

Eu me levantei e a sacudi pela sala, andei pelos corredores, conversando com ela coisas sem sentido, até que finalmente os gritos cessaram. E eu respirei aliviada.

Meus braços já estavam reclamando do esforço e eu estava bem cansada na verdade, mas quando a coloquei de volta no chão, Emma abriu o berreiro de novo, desta vez sacudindo os bracinhos na minha direção, para que eu a pegasse.

Quando eu o fiz, o choro cessou.

— Ah, é isso que você quer, não é? Acho que entendi. — Eu sorri voltando a andar com ela pelo apartamento, mesmo com meus braços fracos reclamando de dor.

Não importava. Emma tinha pedido pra vir no meu colo e foi isso que a fez chorar. Eu podia ter que fazer um transplante de braços depois disso, mas não a largaria por nada. Enquanto ela quisesse estar ali.

Em determinado momento, ela deitou a cabeça em meu ombro e eu a ajeitei ali, aspirando o cheiro gostoso de talco que recendia dela, e percebendo que seu corpinho relaxava contra o meu até que ela estivesse dormindo.

Eu a levei para o quarto, mas não quis colocá-la no berço. Queria mantê-la ali pra sempre, escutando-a ressonar contra meu peito. Parecia que tudo era possível, que todo o medo que senti desde que ela fora concebida não tinha o menor sentido. A insegurança que senti desde que acordei do coma e descobri que perdi seus primeiros seis meses de vida se transformando em esperança de que eu ia conseguir superar aqueles meses perdidos.

— Amanda. — Celeste apareceu na porta do quarto — Tudo bem por aqui?

— Ela dormiu — sussurrei.

— Coloque-a no berço e venha comer.

— Não posso deixá-la sozinha.

— Pegue a babá eletrônica. — Ela apontou para o aparelho ao lado do berço.

— Você pode me ajudar? — pedi, porque meus braços ainda doíam e eu fiquei com medo de derrubar Emma ou algo horrível assim.

Celeste se aproximou e tirou Emma do meu colo, a transferindo para o berço.

Como ela instruiu, peguei a babá eletrônica e a segui até a cozinha onde eu me deliciei com a carne assada e legumes que ela me fez comer e repetir.

— Não só vou ganhar meu peso de volta, como ganharei uns a mais se continuar comendo assim. — Bocejei depois de raspar o prato.

— Não se preocupe com isso, a não ser em ter saúde de novo.

— Sim, com certeza.

Eu não queria mais ficar me sentindo fraca, precisava recuperar minha força – física e emocional.

— Será que tudo bem eu ir dormir? — Eu me sentia muito cansada e sonolenta depois da manhã com Emma.

— Claro que sim. Eu fico de olho na Emma se ela acordar, vá descansar, você precisa.

Segui para o quarto e me deitei, dormindo quase imediatamente.

Quando acordei já era noite e lamentei ter dormido tanto.

Eu me levantei e encontrei Nolan na cozinha preparando o que julguei ser o jantar da Emma, e Emma sentada no bebê conforto.

— Oi...

Ele se virou e me viu.

— Eu já ia chamar os bombeiros pra te acordar.

— Desculpa ter dormido tanto.

Eu me aproximei da Emma e sorri.

— Ei, Emma.

Ela não ligou muito pra mim, pois estava ocupada em começar a choramingar e sacudir os braços em direção a Nolan.

— Ela está com fome — ele explicou e se aproximou com um prato que parecia sopa.

— O que ela come? — indaguei curiosa quando ele colocou o babador em Emma.

— O cardápio de hoje é sopa de cenoura.

— Parece bom.

Nolan ia se sentar na frente da filha, mas de repente ele parou.

— Quer fazer isso?

— Sério? — Fiquei animada e amedrontada ao mesmo tempo, mas Nolan me passou o prato.

— Não é difícil.

Eu me sentei e peguei a colher e levei à boca da Emma.

Ela a acolheu com vontade e eu sorri.

— Sim, ela tem fome.

Continuei o movimento, enquanto Emma parecia reclamar a cada vez eu que tirava da sua boca, até que ela tossiu.

Eu me assustei.

— Não dê tão rápido — Nolan instruiu.

— Certo. Vamos devagar ok, Emma?

Continuei a alimentando, e depois de algumas colheradas, ela cuspiu em mim e soltei uma exclamação de choque ao ver minha blusa suja de sopa de cenoura.

Nolan riu.

— Não é engraçado, Nolan.

— É sim.

Emma choramingou reclamando que queria mais e voltei com a colher, dessa vez, ela não cuspiu, mas depois de algumas colheradas, tentou segurar a colher e causou outro acidente, desta vez a sopa voou por meu rosto.

— Acho que ela não quer mais. — Nolan riu pegando um pano e limpou meu rosto e depois o de Emma.

Emma começou a choramingar, querendo colo.

— Por que não a pega enquanto faço nosso jantar?

— Eu poderia fazer o jantar — sugeri.

— Está dizendo que minha comida é ruim?

— Eu amaria pegar Emma, mas meus braços ainda estão doendo depois de ficar com ela longas horas no colo de manhã.

Nolan franziu o olhar preocupado.

— Está com dor? Por que não disse?

— Não é nada. Quer dizer, sabíamos que seria assim, não é? Meu corpo ainda precisa de um tempo para voltar ao normal depois de seis meses sem uso. E eu fico cansada rápido.

— Mas se está cansada não deveria fazer o jantar. Eu cozinho, ou podemos pedir algo — Nolan explicou pegando Emma.

— Não, eu faço algo rápido, preciso me sentir útil de novo.

— Não é inútil. Está se restabelecendo. E não vai ajudar se fizer mais esforço do que deve. Não deveria ter ficado com Emma tanto tempo no colo.

— Ela parecia gostar de estar no meu colo. Não me importei se meus braços iam cair, Nolan. Era Emma no meu colo.

Ele pareceu entender, mas ainda via a preocupação na sua expressão.

Emma começou a chorar mais alto.

— Ela está sonolenta. Vou levá-la para tomar banho.

— Eu vou tomar um banho também.

— Por favor, tome um analgésico e descanse. Eu sei que é difícil e fico feliz pra cacete que esteja com menos medo de ficar com Emma, mas tem que pensar em você. Não quero que seus braços caiam, o que eu faria com uma esposa sem braços?

Eu ri da sua tentativa de fazer piada para amenizar a situação.

— Ok.

— E não se preocupe com o jantar — Nolan insistiu.

Eu fui para o banheiro, tirei a roupa e emergi na água quente, tentando amenizar a dor muscular. De repente, escutei leves batidas na porta e Nolan entrou.

Eu me encolhi automaticamente, levando os joelhos para perto, me encolhendo com um constrangimento que não sabia de onde vinha.

Nolan hesitou e percebi sua confusão com a maneira que me incomodei. Ele segurava um copo de água e um comprimido.

— Você não tomou o analgésico. — Ele avançou por fim me entregando e eu peguei o comprimido e o copo, ainda embaraçada com sua presença.

Havia um lado da minha mente que sabia que eu estava sendo ridícula. Quantas vezes Nolan já me viu nua? Éramos casados, afinal.

Inclusive já dividimos uma banheira – e nem só pra tomar banho – muitas vezes.

Então por que me sentia envergonhada como se Nolan fosse um cara estranho?

— Qual o problema, Amanda? — Nolan indagou com divertimento na voz. Porém notei também uma certa contrariedade.

— Eu não sei, só senti como se você estivesse... sei lá, invadindo meu espaço.

Ele levantou uma sobrancelha.

— Invadindo seu espaço?

Eu me encolhi de novo.

— Acho que estou constrangida.

— Por que eu posso te ver nua? — Ele parecia incrédulo.

— Acho que sim?

— Sabe que não faz sentido, não é?

— Sim, eu sei, mas é como me sinto! — Minha voz saiu mais brusca do que eu queria. Eu não gostava que Nolan questionasse algo que nem eu sabia explicar.

— Qual é o seu receio? Eu te falei ontem que não vamos forçar nenhuma barra aqui. Não é como se eu fosse tirar você da banheira e fodê-la contra a pia.

Ok, agora ele estava bravo.

E eu me sentia mais ridícula ainda.

— Eu sei! — respondi no mesmo tom.

Ótimo, agora estávamos prestes a começar uma briga?

Nolan recuou passando os dedos pelos cabelos e por um momento pareceu muito o Nolan de antes. O que explodia a menor contrariedade.

— Me desculpe. — Ele respirou fundo. — É que às vezes... deixa pra lá.

Ele deu meia-volta e saiu do banheiro.

Eu senti minha garganta fechando e vontade de chorar, mas respirei fundo, me negando a cair de novo na autocomiseração.

Por que diabos eu quase discuti com Nolan?

Não fazia sentido que eu me sentisse tão receosa com sua aproximação. Eu deveria estar ansiosa por seu toque, por seu carinho, depois de ficar tanto tempo longe.

Só que eu não era mais a mesma, percebi ao me levantar e olhar meu corpo no espelho.

Eu estava magra ainda. Diferente. Meus cabelos estavam opacos e sem graça, meu rosto pálido.

Eu não me sentia nem um pouco eu, concluí.

Talvez por isso também estivesse com dificuldade de voltar a ser a Amanda do Nolan. E me perguntava quando é que me sentiria assim de novo.

Eu tinha medo da resposta.

 

Ao me vestir, percebi que a dor foi substituída pela sonolência.

Fui encontrar Nolan no quarto da Emma e fiquei decepcionada ao ver que ele a estava colocando no berço adormecida.

— Ah, ela já dormiu?

— Sim. E você parece que vai dormir também. — Ele me mediu de pijama.

Não parecia estar bravo, mas havia uma certa distância em sua postura.

— Estou caindo de sono, acho que foi o remédio.

— Mas tem que comer antes.

Acabou que encontramos sobras do almoço e eu comi, quase desmaiando em cima do prato e no fim Nolan praticamente me arrastou para a cama.

— Nolan? — eu o chamei no escuro, quando nos deitamos.

— Sim?

— Está bravo comigo?

— Por quê?

— Sabe por quê.

— Não, não estou.

— Eu não acredito em você.

— Olha, sabíamos que não seria fácil, mas vamos nos concentrar em Emma, ok?

Certo, eu podia concordar com ele em focar minha atenção em me aproximar de Emma. Mas tinha receio de que ao focar em Emma, eu me afastasse cada vez mais de Nolan.

Porém, acho que não tinha energia para lidar com tudo agora.

E se tivesse que escolher, eu escolheria minha filha. O tempo inteiro que eu estava grávida, ela nunca foi prioridade. Eu praticamente fingia que não estava grávida boa parte do tempo até quando me foi possível evitar aquela realidade. Ora, eu literalmente fingi na faculdade que não estava grávida.

E depois, deixei o tempo passar, me concentrei em Nolan e em construir nossa relação, apesar da criança que ia nascer. Talvez o fato de eu perder seis meses da vida dela fosse o universo me punindo.

Eu não iria deixar nada entre nós desta vez.

Nem Nolan.

— Tudo bem — concordei por fim.


Capítulo 18

 

Amanda

 

Na manhã seguinte, assim que acordei e me arrumei, fui até o quarto de Emma, pois ainda era bem cedo.

Nolan estava lá retirando uma fralda suja.

— Bom dia, como se sente hoje?

— Melhor, não sinto dor.

— Isso é bom.

Eu me coloquei ao seu lado, observando o que ele fazia.

— Quer tentar hoje? — ele indagou pegando a fralda limpa.

— Ok — concordei mais corajosa.

Emma era meio difícil de vestir, pois ficava mexendo as pernas a todo momento dificultando meu trabalho.

— Emma, colabora...

— Segure as pernas dela antes. — Nolan riu.

— Você fica rindo de mim, não é legal, Nolan.

Provavelmente demorou o triplo de tempo para colocar a bendita fralda e eu estava suando quando consegui e Nolan estendeu a roupinha.

— Não sei se vai dar certo!

— Vai sim. Começou, termina.

E lá se foram mais algumas tentativas frustradas até que conseguisse tornar Emma apresentável.

— Muito bem. — Nolan levantou a mão, esperando um H5 e eu bati minha mão na dele. — Próxima fase: banho.

— Ah, eu acho melhor você continuar dando banho na Emma até ela ter condições de tomar banho sozinha.

— Veremos. Agora a pegue e vamos lhe dar mamadeira.

— Eu?

— Por que não? Ainda está com dor?

— Não, só fico com medo dela chorar.

— Chorar faz bem para os pulmões — Nolan debochou e eu peguei Emma.

E dessa vez ela não chorou.

Celeste estava lá quando chegamos.

— Bom dia.

Ela passou a mamadeira para Nolan, mas ele passou pra mim.

— Vamos, não seja covarde agora.

Eu me sentei e ajeitei Emma, ainda sem saber muito bem o que estava fazendo e levei a mamadeira a seus lábios. Ela sugou com gosto e minha insegurança reduziu por ver que não era tão difícil assim.

Eu encarei Nolan.

— Parece que está dando certo.

— Claro que está, não é grande coisa, Amanda.

— Ei, pra mim é! Tudo pra mim é uma grande coisa! — rebati.

— Certo, está tudo bem aqui. Eu vou para a aula. E hoje eu devo chegar mais tarde, tenho um compromisso depois das provas, tudo bem, Celeste?

Eu queria dizer que Celeste não precisaria ficar, mas me calei. Obviamente eu não ia me sentir segura para ficar com Emma sozinha. Não ainda.

E que compromisso era este que Nolan tinha?

Nolan se aproximou e beijou os cabelos de Emma e não fez o menor movimento para fazer o mesmo comigo e eu vacilei.

Bem, talvez eu merecesse um gelo mesmo depois de tudo.

 

Naquela manhã, assim como no outro dia, fiquei com Emma, mas evitei ficar com ela o tempo todo no colo, para não me cansar à toa.

Eu mesma dei sua papinha do almoço e claro, a sujeira era medonha no fim, mas Celeste disse que eu ia pegar prática.

 

Ela adormeceu à tarde e aproveitei para dormir também, mas consegui acordar antes de anoitecer.

Nolan já estava com ela na sala quando me aproximei e eles pareciam assistir um desenho na TV.

— Ela está concentrada. — Eu me aproximei curiosa.

— Ela fica quietinha assistindo esses desenhos. E como está?

— Bem.. Eu e Emma nos divertimos de manhã.

— Celeste contou.

— Ela já foi?

— Sim, há algum tempo.

— E como foi seu compromisso? — perguntei como quem não quer nada.

— Tudo bem. — Ele foi evasivo.

De propósito? Ou eu estava sendo paranoica.

— E suas provas?

— Amanhã é o último dia. E depois vamos para Camden, tudo bem?

— Acho uma boa ideia.

De repente, senti falta da nossa casa lá. E também do meu pai.

Por um momento ficamos em silêncio, prestando atenção no desenho com Emma.

Até que a noite caiu e Nolan se levantou.

— Hora do jantar da Emma.

Eu os segui para a cozinha e desta vez Nolan pediu que eu esquentasse a sopinha.

— Quem faz?

— Celeste deixa pronto, mas Stella era quem fazia.

Falar de Stella me deixou com um gosto amargo.

— E você não sabe fazer?

— Sim, eu sei, mas Emma não curte muito meus dotes culinários.

Eu ri, lhe passando o prato.

— Quer fazer isso?

— Não, vai em frente. Não quero tomar outro banho hoje.

Nolan alimentou Emma enquanto eu o observava fazer brincadeiras e ela ria muito, se divertindo.

— Eu não me canso de achar bizarro.

— E eu não entendo por que me acha um pai bizarro.

— Você era o cara que colocava fogo em motos!

— Primeiro, não fui eu, foi o banana do Carlton.

— Você e o Jace mandaram! E vocês aprontaram outras coisas piores, ao que eu me lembro.

— Eu era um babaca rebelde.

— Então não é mais?

— Às vezes ainda sou um babaca. Mas um babaca que precisa cuidar de uma criança.

— Está se saindo bem por enquanto.

— Estou?

Ele me fitou e percebi que não estávamos falando de Emma, e sim de nós dois.

Desviei o olhar. Eu queria dizer que não estava indo bem, mas a culpa não era de Nolan.

Depois que Emma comeu, Nolan lhe deu banho e eu coloquei a fralda e a vesti, dessa vez foi um pouco mais fácil.

— Eu nunca poderia imaginar que cuidaria tão bem de um bebê. — Eu resolvi voltar a assuntos mais fáceis enquanto ele colocava Emma no berço, adormecida.

— Eu tive que cuidar.

— Acha que se eu estivesse aqui teria sido assim? Ou eu ficaria com todo o trabalho? — indaguei o seguindo para fora do quarto até a cozinha.

— Eu não sei. — Ele abriu a geladeira e tirou de lá a refeição que Celeste tinha deixado pronta e a colocou para esquentar.

— Acho que nunca vamos saber, não é?

— Não, não vamos.

Ele nos serviu e nos sentamos para comer.

— Então você... Só fez isso nos últimos meses? Foi um pai em tempo integral.

— Eu tinha a faculdade também.

— Fico feliz que tenha conseguido conciliar. Mas você... sei lá, não saía? Se divertia? — Estava jogando verde, e não sabia se Nolan percebeu.

Ele levantou a sobrancelha.

— Se divertia como?

— Não sei. Saía pra curtir, beber. Encontrar amigos.

— Eu não lembro de fazer essas coisas quando morava aqui comigo.

Isso era verdade, quando eu morei com Nolan ali, nós estávamos sempre juntos. E saímos muito pouco e sempre fizemos passeios inofensivos, afinal eu estava com um barrigão de grávida.

— Mas eu não estava aqui.

Ele suspirou.

— Quer chegar aonde, Amanda?

— Em lugar nenhum, só perguntando, por que está na defensiva?

— Não estou na defensiva.

— Então responde.

— Se quer saber, eu saí duas vezes nesse sentido que está falando.

— Ah... então saiu.

Eu não sabia como me sentir sobre isso.

— Sozinho?

— Uma vez, com Jace. Que ia com uns amigos da faculdade em um bar para ver um jogo de futebol e insistiu que eu fosse junto. Emma deveria ter uns três meses na época, acho.

— E foi legal?

— Foi. Não que assistir futebol seja minha praia, mas Jace adora. E um monte de macho gritando e bebendo não é o programa mais legal do mundo, mas foi ok.

— E a segunda vez?

— Acho que faz mais ou menos um mês.

— E?

— Era um pub irlandês. Aniversário de um colega da faculdade. Eu nem estava a fim de ir, mas é um cara legal e eu sempre declinei de qualquer convite para socializar.

— Por quê?

— Não é legal levar um bebê para todos os lugares.

— Achei que tinha Stella como sua babá de luxo!

— Stella não tinha que cuidar de Emma para eu ficar saindo pra beber!

— Duvido que ela se importasse.

— Pior que ela não se importava mesmo.

— Então era legal o pub?

— Era ok. A bebida era boa.

— Você ficou bêbado?

— Claro que não. — Ele riu. — Não ia voltar para casa bêbado, eu ainda tinha que cuidar da Emma.

— Imagino que esse bar não era só com caras cheios de testosterona assistindo futebol.

— Não... Era um pessoal legal. Muita gente que está no ramo de arte, por exemplo.

— Parece legal.

Eu queria perguntar se tinha muitas garotas lá, mas me calei.

— Vamos, pergunte.

— Perguntar o quê?

— Você quer chegar a algum lugar com essa conversa.

— Você conheceu alguma garota nesses seis meses? — Pronto, estava feito.

— Muitas na verdade.

Eu empalideci.

— Sério?

— Conhecer garotas, eu sempre conheço. Agora se a pergunta é se eu levo essas garotas para cama, aí a resposta é não.

— Bem, dá pra foder em outros lugares que não seja a cama.

Ele riu.

— O que foi?

— É engraçado ver você falando palavras sujas. A filha do pastor não vai pro céu desse jeito, Amanda.

— Ah, desculpa. Fazer amor, fica mais bonito?

— Não fodi ou fiz amor com ninguém, satisfeita?

— Nem uns amassos?

— Não.

— Nem flerte?

Antes que ele respondesse, o celular de Nolan que estava na mesa vibrou e eu desviei o olhar para o aparelho assim como Nolan.

E um nome brilhou.

Lauren.

Nolan pegou o celular.

— Eu preciso atender.

Ele se afastou para atender.

Quem diabos era Lauren?

Eu me perguntei se acreditava em Nolan. Mas por que ele mentiria? Eu ia ficar arrasada se ele tivesse ficado com alguém, mas eu não poderia culpá-lo de todo. Eu estava praticamente morta naqueles seis meses.

“ Mas quem diabos é Lauren? ”, me perguntei de novo.

Eu saí da cozinha e Nolan estava no escritório com a porta fechada falando com alguém. Provavelmente a tal Lauren, cogitei com certo receio.

E se essa Lauren fosse um flerte? Seis meses não era tanto tempo assim para alguém ficar sozinho, mas também não era pouco tempo.

Talvez Nolan estivesse começando a sair com alguém quando eu acordei?

Voltei para a sala e me sentei no chão, sem acender a luz. Encostei minha cabeça na parede e avaliei o estrago que o fato de eu cogitar pela primeira vez seriamente o fato de Nolan ter mesmo outra pessoa em sua vida causava nas minhas emoções.

Me deixava triste.

Mas me deixava também com uma estranha calma. Como se alguém me dissesse “É isso. Você e Nolan – que nunca fez muito sentido – não era pra ser.”.

De repente eu me vi questionando toda nossa história até ali.

E se estivéssemos insistindo em algo que sempre esteve fadado ao fracasso? Olhe para nós – a filha do pastor e o cara rebelde.

Eu sempre me senti meio deslocada no seu mundo. Talvez por isso sempre mantive um lado meu inacessível a Nolan, como se estivesse me protegendo.

Eu me apaixonei por ele. Eu me arrependi e me entreguei de novo, numa sucessão de tentativas de dar certo.

E quase morri.

Ou melhor, eu morri para Nolan.

Eu sabia que ele tinha sofrido, mas sobreviveu. Ele foi em frente, sem mim.

E o universo me devolveu ao seu mundo. Agora eu não sabia se era ali mesmo que eu tinha que ficar.

— Amanda? — Nolan ligou o abajur, uma luz difusa me fez notar sua silhueta se aproximando.

Ele parou na minha frente e eu abri os olhos.

— Quem é Lauren?

Nolan pareceu confuso por um instante.

— Lauren?

— Sim, era com ela que estava falando, não é?

— Sim.

— Ela é alguém importante?

Nolan se aproximou e sentou ao meu lado.

— Lembra quando eu te contei que fui ao bar irlandês?

— Sim?

— Eu conheci Lauren lá.

— Oh.

Eu esperava que ele negasse.

— Ela é legal?

— Sim, ela é. Mas não é o que está pensando, Amanda.

— Não sabe o que estou pensando.

— Sim, eu sei. E talvez seja cômodo para você pensar isso.

— O que quer dizer?

— Que está me colocando para escanteio desde que voltou. E se eu tiver te traído com outra pessoa vai ser mais fácil pra você.

— Não seria traição.

— Seria sim.

— E houve traição?

— E você está me jogando pra escanteio?

Eu pensei no que dizer. Em como explicar.

— Eu sei que estou distante. — Comecei devagar. — Não sei explicar o que sinto, é quase como se a gente tivesse terminado por seis meses e agora voltado. Não é mais a mesma coisa. E é meio como quando nos conhecemos. Eu me preocupava quando ficamos juntos que eu nem te conhecia e me sentia atraída e amedrontada ao mesmo tempo. Insegura em me deixar levar pelo que sentia, por que quem diabos era você de verdade.

— Mesmo assim, casou comigo. E ficou comigo depois de descobrir quem eu era.

— Teve uma parte de mim que continuou desconectada disso... de nós dois — confessei.

— Por que está falando isso agora?

— Acho que o universo está nos mandando uma mensagem.

— O universo é um bipolar do caralho então. Porque você ficou grávida e depois ficamos juntos e parece que apesar de todas as merdas sempre acabamos juntos.

— Faz seis meses que não estamos juntos.

— Você estava aqui.

— Onde? — Eu o fitei e ele se virou pra mim.

— Dentro de mim.

Ele falou isso com tanta intensidade que eu me senti quase sufocar em tudo o que implicava.

— A pergunta é, Amanda, eu estava dentro de você?

— Nem eu estava comigo mesma.

— E agora, é este o problema?

Eu entendi o que Nolan me questionava.

Se eu ainda gostava dele.

— Quando você me olha assim, eu me pergunto se um dia eu estive aí.

— O que quer dizer?

— Se um dia gostou de mim.

— Porque acha que eu não gostei de você. Eu fiquei com você!

— Você nunca disse.

— Eu gostava. Muito.

— Gostava. No passado? Acha que não gosta mais?

Ouvir Nolan questionar o que eu sentia me abalou um pouco e eu me afastei.

— Foram seis meses longe, Nolan, não tem como ignorar isso. Você não quer admitir, mas sente isso. Estamos diferentes. Agora, pensando bem, acho que é mais latente pra você do que pra mim.

— O que está dizendo?

— Que passou seis meses sozinho.

— Eu pensei em você todos os dias. Todas as malditas noites que deitava sozinho. Eu rezava, e eu nem acredito em Deus, para que voltasse. E mal podia acreditar quando avisaram que acordou. E agora você está insinuando que eu deixei de gostar de você nesses meses.

— Não seria surpresa, acho que seria até natural.

— Por que seria mais fácil pra você se livrar de mim se eu não gostasse mais de você?

— Por que acha que eu quero me livrar de você?

— Diz em cada maldito gesto! A cada hora que se afasta, como fez agora.

— Eu não quero te afastar, mas não sei mais como ser a Amanda do Nolan. — Eu me virei puxando os joelhos para perto do corpo e descansando minha cabeça ali.

Por um longo tempo, permanecemos assim. Perto e longe ao mesmo tempo.

Então senti Nolan se aproximando atrás de mim, seu queixo pousando em meu ombro.

— Volta.

— Eu voltei.

— Não, não voltou.

— Eu quero voltar. — Eu não queria chorar, mas não conseguia evitar.

Agora eu chorava porque magoava Nolan com minha confusão.

— Quer que eu me afaste?

— Não.

E era verdade.

Eu tinha me esquecido como era ter Nolan por perto.

Era como se uma energia toda diferente surgisse do nosso atrito.

Ele apenas passou os braços à minha volta e me manteve perto e respirei sua presença. Deixe minha pele se acostumar com a sua proximidade de novo.

— Vai ficar tudo bem.

— Vai desistir de mim?

— Não. Eu vou conquistar você de novo. Pode não ser hoje, amanhã ou depois. Mas você é a Amanda do Nolan, e isso não vai mudar. Você vai voltar pra mim.


Capítulo 19

 

Amanda

 

Na manhã seguinte, quando acordei, me surpreendi ao abrir os olhos e ver que Emma estava deitada ao meu lado, dormindo, e ao lado dela, sentado com um notebook, estava Nolan.

Eu me sentei, desorientada.

— Ei, bom dia. — Nolan parecia calmo.

Ou pelo menos não parecia bravo por causa da nossa conversa tensa de ontem.

Eu ainda sentia certo desconforto ao recordá-la agora.

— O que aconteceu?

— Emma estava manhosa desde a madrugada, então o jeito foi trazê-la para cá.

— Porque eu não vi nada disso, aliás, parece meio desnaturado da minha parte não escutar ela chorar à noite? — Eu me senti culpada.

— Você está tomando remédios, normal que fique sonolenta e ainda está fraca, não se culpe.

— Que horas são? Não tem que ir pra faculdade?

— Pouco mais de seis, ainda tem tempo.

Joguei as cobertas para o lado para me levantar e ir ao banheiro e me dei conta de que estava vestindo só uma camiseta de Nolan e na verdade eu nem me lembrava de como cheguei à cama.

— Você adormeceu ainda quando estávamos na sala — Nolan explicou adivinhando minha confusão. — Não quis acordá-la, então só te despi e coloquei uma camiseta.

Eu enrubesci, o que era bem ridículo.

— Não abusei de você, Amanda — ele falou com sarcasmo, claramente não era sério, mas sabia que existia uma crítica em sua fala ao meu constrangimento fora do lugar.

— Só... Estou diferente, me sinto sem graça.

— Diferente como? Só está mais magra, mas antes do acidente estava bem gorda. Então para de ficar enfiando absurdos na sua cabeça. Isso não tem a menor importância.

Eu suspirei.

— Eu sei, estou sendo ridícula.

— Sim, está.

Rolei os olhos e fui ao banheiro. Quando voltei Nolan pediu que eu fosse até o lado da cama que ele estava sentado.

— Pra quê? — eu fui, desconfiada, quando ele me deu espaço para sentar.

— Quero te mostrar uma coisa.

Eu me sentei ao seu lado.

Ele abriu um desses programas de desenho e clicou em um arquivo, e abriu em um desenho.

— O que achou? — indagou.

— Você que fez? — Analisei o desenho que parecia uma cena bem sombria, em tons escuro, azul e vermelho.

— Sim.

— É bonito, mas é bem sombrio.

— É para a capa de um livro. — Clicou em outro arquivo, agora o desenho estava inserido na capa de um livro com o título “Pacto Sombrio” e meu queixo caiu.

— Você fez uma arte para a capa de um livro?

— Sim.

— Isso é muito legal, Nolan. — Eu me inclinei, analisando melhor e meus olhos se arregalaram ao notar o nome do autor — É Matthew King?

— Sim, Matthew King.

— É o marido da Evie, da livraria lá de Camden. O cara de quem seu pai comprou a casa onde a gente mora! Nem sabia que você o conhecia.

— Na verdade, eu não o conhecia, o conheci depois que fiz a capa, e o fato dele ser o mesmo Matthew King de Camden de quem já tinha conhecimento foi uma coincidência.

— Mas como isso aconteceu?

— Eu te contei que conheci Lauren no pub há um mês, lembra?

Eu lutei para não fazer cara de nojo.

— Sim, claro, a Lauren do pub.

— Ela é editora do Matthew.

— Oh...

— Nós conversamos naquela noite, ela é muito legal, e me contou do trabalho dela e quando contei que desenho, ela pediu para enviar alguns, já que estava procurando um ilustrador para fazer o projeto gráfico do livro novo do Matthew King.

— Nossa, que coincidência! Você contou pra ela que meio que o conhece?

— Sim, contei. Acho que morar em Camden talvez tenha contado para o Matthew me escolher para o trabalho.

— Não se subestime, o desenho ficou muito bom!

— Ficou mesmo — ele concordou sem falsa modéstia.

Eu ri, descobrindo que estava muito feliz por Nolan.

— Nossa, Nolan, isso é muito legal! Você pode fazer outros projetos e de repente fazer disso uma profissão.

— Acha mesmo?

— Claro que sim. Matthew King é best-seller, todo mundo vai conhecer seu trabalho quando o livro for lançado!

— Vai ter um evento de lançamento daqui a alguns dias, na livraria do Matthew em Camden.

— Que legal, a gente vai poder ir.

— Eu fico tão feliz que você esteja aqui pra poder ver.

E eu entendi que ele achava que eu não estaria.

— Eu também estou. — Apertei sua mão e Nolan olhou para nossas mãos unidas e virou e entrelaçou os dedos nos meus.

— Amanda, sobre ontem...

— Eu sinto muito sobre aquela conversa...

— Não, me escuta. Não estou te culpando de nada ou te cobrando nada. Não seria justo. Você está passando por algo muito difícil.

— Nós dois estamos.

— Sim, é difícil pra mim também. Não vou dizer que não fico com medo de perder você...

— Não está me perdendo, Nolan! Só estou... — tentei achar as palavras para expressar como me sentia — me reorganizando. Eu preciso me encontrar, entende?

— Estou tentando entender. Existe você, antes de existir nós. E tudo o que a gente pode viver tem que ser de comum acordo.

Assenti um pouco aliviada por Nolan estar compreendendo que eu precisava de meu tempo para me encontrar dentro daquele novo mundo.

— Enfim, essa Lauren é só um contato de trabalho então?

— Amanda, naquela noite do pub, por um momento, eu pude ver como poderia ser minha vida se eu nunca tivesse engravidado você. Eu poderia ser só mais um universitário, bebendo, me divertindo e flertando. E acredite, houve flertes.

— Claro que houve! — Rolei os olhos.

Nolan era bonito, óbvio que ele não passaria batido em nenhum lugar.

— Se você sentiu vontade de ficar com alguma dessas garotas, não vou ficar brava, Nolan. Você estava sozinho.

— Mas preferi acreditar que você ia voltar. Se eu simplesmente desistisse e agisse como se não tivesse nenhum compromisso, o que significaria? Eu era o Nolan da Amanda mesmo quando você não estava aqui.

Eu sorri com tristeza, imaginando Nolan segurando aquela barra sozinho por todos os meses que eu estava inacessível. Sem saber se eu ia voltar um dia. Era cruel demais.

— Sinto muito. — Joguei meus braços a sua volta, enfiando o rosto em seu pescoço.

— Que isso, abraço de pena?

— Abraço de desculpa, serve?

— Eu nem terminei de contar o que aconteceu, talvez fique brava e retire o abraço e a desculpa.

— O que mais aconteceu? — Eu o encarei, receosa.

— Uma delas me beijou.

— Eu sabia que tinha mais coisa nessa história!

— Mas foi só isso. Eu apenas lhe disse que não ia rolar. Pedi desculpas e me afastei pra fumar.

— Você ainda fuma? Não te vi mais fumando.

— Na verdade, eu parei. Mas especificamente naquela noite, tive uma recaída para a nicotina, foi fumando que encontrei Lauren e engatamos uma conversa.

— Então não foi a Lauren que te beijou?

— Não, não foi Lauren. Ela é só uma garota interessante e tivemos uma conexão legal. E no fim, ela me deu uma boa oportunidade de trabalho. Está brava?

— Não, acho que não.

E era verdade. De repente me lembrei de outra situação, outro tempo. O vídeo que Owen me mostrou de Ashley e Nolan.

E se eu fui exagerada. E se foi como Nolan contou?

— Foi isso que aconteceu na noite em que saiu de barco com a Ashley?

— Quer mesmo voltar a este assunto?

— Só estou perguntando! Eu fiquei tão brava e acho que não só por tê-la beijado, mas por simplesmente mentir...

— Eu não menti. Omiti. Porque eu sabia que isso ia te magoar.

— Sim, magoou muito. Era difícil lidar com seu passado com a Ashley e ela não estava disposta a esquecer, era claro.

— Eu sei, foi por isso que eu quis entrar naquele barco com ela naquele dia. Ela estava fora de si, Austin me ligou e pediu ajuda e eu fui. Não esperava que terminasse como terminou, mas ela estava incontrolável, tinha tomado alguma coisa e eu sabia como Ashley era. Então decidi fazer sua vontade, entramos no barco e no fim tivemos uma conversa muito importante. Eu tentei fazê-la entender que não ia mais rolar entre nós, que era passado. E foi a primeira vez que eu senti alguma empatia real por ela, por ter perdido o bebê, isso a afetou muito e eu não fazia ideia. Mas naquele momento que eu estava lidando com a ameaça de você perder o bebê, eu senti o que Ashley sentia. E nos despedimos. Aquele beijo foi uma despedida, Amanda. Nada mais do que isso, e não era para o amigo do Owen ver, gravar e Owen usar como chantagem.

— Não entendo como Owen pôde ter feito isso... — Pensar em Owen tendo aquele tipo de atitude ainda era bizarro. O Owen que eu conhecia era um cara decente. Mas aparentemente havia um lado dele que eu desconhecia.

— Ele te queria de volta. E tinha medo que eu contasse a você sobre a história de Stella.

— Por que não me contou antes? Se queria que eu odiasse o Owen...

— Era uma história da Stella, não minha. E ela pediu que não contasse. Então Owen disse que se eu contasse você iria saber do beijo com Ash.

— Isso foi ridículo. De ambas as partes, sinceramente.

Sacudi a cabeça, querendo esquecer aquela história.

— Então, não houve mais nenhum incidente com garotas? — Voltei a assuntos mais recentes.

— Não. Eu pensava o tempo todo em voltar pra casa também. Em ficar com Emma. Aquela noite foi legal, mas não se pode ter tudo. Acho que estou em outra fase agora. Eu quero ser um bom pai. Um pai diferente do meu pai.

Escutar Nolan tocar no nome do pai me fez ficar curiosa para saber se eles ainda vivem brigando, mas pela expressão do Nolan sim.

E isso me faz lembrar das coisas que Helena contou sobre a mãe de Nolan.

— Seu pai foi sempre... desse jeito com você?

— Quando minha mãe era viva, ele só era ausente.

Eu percebi que isso machucava Nolan e senti muita pena.

— Mas você tinha sua mãe.

— Sim, ela era maravilhosa. Sinto muita falta dela.

— E o casamento dos seus pais?

— Era horrível. Quando meu pai estava presente eles brigavam muito. Ele a maltratava demais, e ela chorava muito depois. E aí ele ia embora e deixava os caquinhos dela pra eu e Jace catarmos.

— Nolan, você já parou pra pensar que talvez sua mãe também tivesse alguma culpa nos problemas dela com seu pai?

Nolan ficou irritado e eu me arrependi na mesma hora de ter aberto minha boca.

— Claro que não! Meu pai era um cretino. — Nolan se desvencilhou e se levantou, furioso. — Frio, insensível e infiel! Que nunca amou minha mãe e tudo o que ela queria era ser amada. Até o dia que tirou a própria vida. Não me venha dizer que ela tem alguma culpa!

— Certo, tudo bem. Eu não deveria ter dito isso.

— Vou tomar banho para ir pra faculdade. — Ele se afastou contrariado e eu suspirei culpada. A gente estava tendo uma conversa legal e eu estraguei tudo citando os pais dele.

De repente eu me perguntei o que podia fazer, o que a antiga Amanda faria. Bem, eu sabia o que a Amanda de antes faria.

A Amanda do Nolan.

Sem pensar muito no que estava fazendo, eu me levantei, tirei a roupa e, dando uma olhadinha para confirmar que Emma estava mesmo adormecida, peguei a babá eletrônica e entrei no banheiro. E antes que perdesse a coragem, deixei o aparelho sobre a pia, abri o boxe e entrei. Nolan estava de costas, sob o jato de água e por um momento eu admirei seu corpo nu, perfeito sob a água. Ele era lindo, como sempre foi.

Ele era o mesmo, só eu que estava diferente.

Física e emocionalmente.

Então dei um passo para frente e passei meus braços a sua volta, encostando minha cabeça em suas costas.

— Amanda? — Nolan fez que ia virar, mas eu o segurei no lugar.

— Não, não vira.

— Que porra está fazendo?

Eu ri.

— Tentando pedir desculpas. Eu só tenho te magoado desde que voltei.

— Não precisa pedir desculpas.

— Mas eu quero. Você ficou bravo agora. Não era minha intenção.

— Tudo bem. — Ele acariciou minha mão. — Não estou bravo com você.

— Tem certeza?

Antes que eu pudesse impedir, ele se soltou do meu braço e virou e eu corei de vergonha, sem conseguir impedir, mas seus olhos não estavam no meu corpo, e sim no meu rosto.

— Bem, a não ser que queira bater uma punheta de desculpas, me deixe tomar banho agora.

Eu corei mais ainda, mesmo sabendo que ele estava sendo sarcástico comigo.

Mas...

Eu poderia mesmo, não?

Certo. Eu ainda não me sentia pronta para transar, mas podia dar um passo para deixar Nolan saber que a antiga Amanda ainda estava ali em algum lugar, escondida sobre as camadas de escombros do acidente.

Abaixei o olhar por seu corpo, de forma atrevida. As tatuagens no seu peito e braço, que o deixavam mais sexy, sua barriga tanquinho e mais abaixo.

— Está malhando, Nolan? — indaguei, subindo o olhar.

— Jace me obriga às vezes.

— Está fazendo efeito.

— Amanda...

Percebi que sua voz carregada de advertência estava ficando rouca e eu conhecia aquele tom. E nem precisei abaixar o olhar para saber que ele estava ficando excitado.

Então me aproximei, mas Nolan segurou minha mão.

— Não precisa fazer isso.

— Mas eu quero fazer.

Seus olhos brilharam perigosamente e então ele mesmo levou minha mão até seu pau.

— Foda-se... — gemeu e eu ri.

— Pode deixar...

Enquanto estava ali, movimentando meus dedos de forma rápida e eficiente, do jeito que ele tinha me ensinado um dia, eu senti que havia um caminho. Eu não era ainda aquela Amanda, mas queria ser. Queria ser para ele. Queria ser a Amanda do Nolan, do mesmo jeito que ele era o Nolan da Amanda, agora se desmanchando em minhas mãos.

Então, ele abriu os olhos, ofegante e meio surpreso.

— Isso rolou mesmo?

Eu sacudi a cabeça em afirmativa, um pouco sem graça, um pouco feliz.

E para minha surpresa, um pouco excitada.

Ainda não era uma vontade louca de transar, mas era uma faísca.

— Parece que não perdi a prática.

— Posso te abraçar?

Sacudi a cabeça em afirmativa e Nolan passou os braços à minha volta, beijando meus cabelos.

— Senti tanto a sua falta.

— Sentiu falta de transar comigo, isso sim.

— Isso é um convite?

Eu me afastei um pouco.

— Não. Ainda.

— Eu espero.


Capítulo 20

 

Amanda

 

Saí do chuveiro uma Amanda levemente diferente.

Uma Amanda com um tiquinho mais de confiança em si mesma e no futuro.

Emma estava acordada, porém quietinha brincando com seus próprios pés.

Nolan a pegou.

— Vou trocá-la, ok?

— Ok.

Ele saiu e eu fucei meu guarda-roupa, de repente com uma vontade incrível de sair um pouco e respirar.

Depois de procurar um pouco achei minha bolsa antiga.

Meus documentos estavam ali, assim como os cartões de crédito que Nolan tinha me dado e até algum dinheiro. Um molho de chaves, minha nécessaire, e meu celular desligado. Obviamente sem bateria.

Achei o carregador e o coloquei para recarregar, saindo do quarto.

Nolan já estava lá com Emma e Celeste.

— Bom dia, Amanda — Celeste me cumprimentou e eu sentei para comer observando Nolan dando mamadeira a Emma.

Quando terminou, ele disse que ia pra faculdade e eu pedi que ele passasse Emma para meu colo. E fiquei feliz quando ela não reclamou da troca. Era um progresso!

Então, ele se abaixou e beijou meus lábios de leve e me toquei que foi a primeira vez que ele me beijou depois que voltei.

— Tudo bem?

— Tudo... Eu estava pensando em dar uma volta hoje.

— Uma volta?

— Sim, só... andar, respirar ar puro, talvez dar um pulo no Central Park.

— Me espera para irmos à tarde.

— Eu queria ir sozinha.

— Amanda...

— Eu conheço a cidade, Nolan. Está tudo bem.

— Tem certeza?

— Sim. Preciso começar a me virar, a ao menos tentar voltar a ser alguém normal.

— Certo. Não se esqueça de levar o celular. Aliás, onde diabos está seu celular?

— Achei minha bolsa e já estou carregando.

— Certo. Você pode ficar com Emma, Celeste?

— Claro que sim.

— Hum, eu tinha pensando em levar Emma.

— Amanda...

— Nolan... — Sustentei seu olhar apreensivo.

— Talvez não seja uma boa ideia.

— Eu só vou andar um pouco, não vou longe. Por favor.

— Ok. — Nolan concordou por fim. — Mas leve-a no carrinho, não no colo. Não vai se cansar.

— Claro.

— E tem certeza que não quer que eu vá com você?

— Não. Eu preciso começar a ter coragem de enfrentar o mundo, Nolan. E com Emma.

— Tudo bem. Não posso te impedir. Mas me liga se precisar de qualquer coisa, ou liga para Celeste.

— Tudo bem.

 

Eu disse que estava segura para sair com Emma, mas a verdade é que, assim que botei os pés para fora do prédio, empurrando seu carrinho, senti meu coração palpitando de apreensão.

Estava apavorada da Emma começar a chorar, por exemplo.

Mas a espiei no carrinho e ela parecia tranquila com seu brinquedinho de morder.

Respirando fundo, empurrei o carrinho pelas ruas de East Upper Side, o bairro chique onde Nolan morava.

Conforme caminhava, o medo foi passando e dando lugar a uma sensação de liberdade. Levantei a cabeça para o céu, onde um sol pálido brilhava e aspirei, adorando sentir o calor no meu rosto. Eu estava precisando de vitamina D.

— Não é bom o sol, Emma? — Sorri para Emma e ela respondeu com seus balbucios.

Então avistei uma livraria e entrei. Apreciando os últimos lançamentos e não resisti comecei a pegar vários títulos. Fiquei imaginando quando o livro que Nolan fez a capa estivesse ali, ia ser muito legal!

Emma começou a reclamar e decidi que estava na hora de ir, antes que ela começasse um escândalo.

Passei no caixa e saí de novo pra rua, mas ainda não queria ir embora.

Do outro lado da rua avistei um salão de beleza, peguei uma mecha do meu cabelo horroroso. Será que Emma aguentaria mais um tempo de passeio?

Eu poderia testar.

Fiquei no salão por duas horas e Emma chorou apenas uma vez, enquanto eu cortava meus cabelos, hidratava, fazia as unhas e até uma depilação e esfoliação.

Eu me sentia imensamente bem quando saí de lá com meu cabelo mais brilhante e minha autoestima um pouco melhor.

Peguei o celular e vi que tinha mensagens de Nolan.

Respondi que estava tudo bem e até tirei uma selfie com Emma e lhe mandei, avisando que íamos comer fora e dar uma volta no Central Park.

Entrei com Emma em um Café e pedi uma salada e aproveitei para lhe dar a mamadeira que Celeste havia deixado pronta.

Eu sorri a observando mamar com avidez me perguntando como teria sido se eu pudesse tê-la amamentado.

Era uma pena que eu nunca saberia.

Pensar nisso me deixou um pouco triste, mas tentei não deixar isso dominar meu ânimo.

Emma dormiu assim que mamou e eu a coloquei no carrinho. Acho que ainda podia dar uma voltinha pelo parque.

O Central Park era exatamente o que eu precisava para terminar aquele passeio que tinha gosto de primeiro da vida. Pelo menos era o primeiro da minha nova vida. Andei por entre as pessoas, empurrando o carrinho da minha filha, senti o sol, observei as pessoas vivendo suas vidas, e percebi como era incrível que eu estivesse ali, entre eles. Viva. E pela primeira vez pensei que eu não era mais a antiga Amanda.

Eu era uma Amanda nova em folha. Revivida. Como uma fênix renascida das cinzas. E essa nova Amanda queria viver. E descobrir o que ela poderia trazer da antiga vida e o que poderia ser novo.

Eu me sentei num banco por um momento, e uma moça se aproximou e se sentou ao meu lado. Ela também empurrava um carrinho.

— Oi, acho que eu te conheço.

Franzi o olhar, porque eu tinha a impressão que já a tinha visto em algum lugar.

— Você não trabalhava no Café em Yale?

— Oh... Sim, trabalhei, mas faz tempo.

— Claro. Pensei mesmo que te conhecia. Muito prazer, eu sou Sarah. E essa é Sky, minha bebê. — Ela espiou para dento do carrinho de Emma. — Acho que nossas filhas têm quase a mesma idade.

— Emma tem seis meses.

— Que linda que ela é.

— Então você estuda em Yale?

— Acabei de me formar. Aliás, eu e Nathan, meu marido.

— Oh meu Deus, eu acho que já atendi seu marido também!

— Provavelmente. Você ainda estuda lá? Acho que nunca mais te vi no café.

— Não, eu desisti e vim para Nova York, o meu... marido, estuda na NYU.

— Que pena que desistiu, mas imagino que foi por causa da bebê.

— Sim, era difícil ficar sozinha.

— Eu e Nathan nos conhecemos na universidade. Então eu tive sorte.

— Sim, teve.

Nathan, pelo que eu me lembrava era lindo, então Sarah era mesmo uma mulher de sorte.

De repente a filha dela começou a chorar e ela a pegou levando até o peito.

Eu a observei com certa inveja.

— O que foi? — ela indagou divertida e eu fiquei sem graça por ser pega espiando.

— Me desculpe. É que eu não... pude amamentar.

— Que pena. Teve algum problema?

— Na verdade... Eu sofri um acidente quando estava grávida, entrei em coma e nem vi a Emma nascer.

— Oh meu Deus, que horrível. Mas agora está bem. Quanto tempo ficou em coma?

— Seis meses.

— Mas... oh minha nossa, há quanto tempo voltou? Há pouco, imagino.

— Há algumas semanas.

— Isso é um milagre!

— Dizem que sim, ao que descobri é difícil acordar depois de tanto tempo.

— E você não ficou com nenhuma sequela?

— Física não. Emocionalmente estou uma bagunça — confessei.

— Eu imagino. Você perdeu muito tempo da vida de sua filha, né?

— Sim, é duro aceitar isso. Ela está começando a não me estranhar agora, para ela eu era uma estranha. Faz poucos dias que voltei pra casa.

— Vai dar tudo certo. Vai ver.

— Será?

— Claro que sim. A vida é feita de infinitas possibilidades. E você teve uma segunda chance, agarre-a com força e não solte. Nem todo mundo tem uma segunda chance. Quer saber de uma história? Nathan tem leucemia.

— Oh... sério?

Não podia acreditar que aquele cara lindo tinha alguma doença.

— Sim, não é a leucemia aguda que é mais agressiva, e sim a crônica. Não tem cura. Ele convive com a doença desde os 17 anos, e a verdade é que não sabemos até quando.

— Nossa... Não sei o que dizer. Deve ser difícil viver assim.

Ela sorriu.

— A gente vive. É isso o que importa. Todos os dias é uma segunda chance para Nathan. Para nós. E estamos aproveitando nossas segundas chances muito bem. — Ela beijou o rostinho da filha e a colocou de volta no carrinho e se levantou.

— Nathan veio me buscar, preciso ir. Espero que fique bem.

— Eu vou ficar.

— Infinitas possibilidades, lembre-se. — Ela piscou e se afastou.

Eu a observei encontrar o cara alto da cafeteria que passou os braços por seus ombros e os três seguiram.

Será que um dia eu e Nolan seríamos assim?

Eu queria que fosse. Desejava do fundo do meu coração.

E eu queria agora.

Minha segunda chance estava passando e eu queria fazer jus a ela.

Sem pensar, eu peguei o celular e digitei uma mensagem para Nolan.

 

“Você não precisa me reconquistar. Eu nunca deixei de amar você. Só deixei de ser eu mesma. Mas a Amanda do Nolan está aqui em algum lugar.”

 

Fiz o caminho de volta pra casa e Nolan não visualizou a mensagem. Mordi os lábios, pensando em apagar enquanto tinha tempo. Talvez fosse melhor deixar para termos uma conversa séria em algum momento. Talvez em Camden. Mas antes de o elevador abrir, acabei digitando mais uma mensagem porque, ora. Dane-se.

 

“Vamos foder.”

 

Quando cheguei em casa, Nolan estava apreensivo quando veio em nossa direção.

E não parecia que ele tinha visto minhas mensagens ainda.

— Eu já estava indo atrás de vocês.

— Que exagero, Nolan. Emma está bem, está dormindo.

Ele a tirou do carinho e me encarou.

— E você está bem?

— Sim, estou. — Sorri.

Ele franziu a testa.

— O que aconteceu?

— Aconteceu que este passeio era algo que eu precisava muito e não sabia.

— Você está bonita.

— Obrigada, fui a um salão de beleza. Estava me sentindo meio um lixo.

— Não estava um lixo.

— Se diz...

— E o que é isso? — Ele observou eu tirar a sacola de livros debaixo do carrinho de Emma.

— Livros. — Sorri animada e Nolan revirou os olhos.

— Mais livros.

— Sim! Estou com saudade da minha estante na nossa casa em Camden. Quando vamos viajar?

— Amanhã.

— Celeste está em casa?

— Ela já foi. Eu vou colocar Emma para dormir.

— Ok.

Nós seguimos juntos pelo corredor, mas eu o chamei, antes de entrar no quarto.

— Nolan?

— Sim?

— Já olhou suas mensagens?

— Não...

Eu apenas sorri e entrei no quarto.

Acho que nem um minuto depois, Nolan apareceu na porta.

Eu estava sentada na cama e sorri.

— Acho que leu minhas mensagens.

— Não estava brincando, né?

Eu ri, sacudindo a cabeça em negativa, e Nolan passou pela porta e avançou até mim, se inclinando e colidindo os lábios com os meus.

Ele me beijou como se não me beijasse há muito tempo.

Como se fosse nosso primeiro beijo.

Ou o último beijo do mundo.

E senti naquele beijo como se a vida fosse devolvida ao meu corpo lentamente, conforme Nolan fazia sua língua dançar com a minha, como velhas amantes, se conhecendo e se reconhecendo.

E quando terminou, ele encostou a testa na minha, a mão apertava minha nuca e sorriu.

— Porra, Amanda. Eu te amo pra cacete.

— Eu também.

— Então diz.

— Eu te amo...

— Repete.

— Eu te amo, Nolan Percy...

Ele me beijou de novo.

E nem sei como, ele estava em cima de mim sobre a cama e eu sentia minha mente girando e minha pele queimando de ansiedade de atritar com a dele.

Ele levantou a cabeça, nossos quadris colidindo e se buscando.

— Estava falando sério sobre foder?

Eu ri.

— Muito sério.

— Caramba! — Ele riu, como se ainda não acreditasse e começou a tirar minhas roupas e as dele enquanto não parávamos de rir.

Porém, quando estávamos nus, eu o fitei, no alto de sua perfeição e fiquei um pouco insegura.

— Quer mesmo fazer isso? — sussurrei e ele se deitou sobre mim, deslizou os lábios por meus seios, minha barriga, beijou o interior da minha coxa e me fitou.

— Passei seis meses querendo fazer isso... Mas se não quiser, eu posso esperar, Amanda. Esperaria uma vida toda.

— Esperaria nada! — Ri e ele riu também.

— Ok, eu passaria a vida toda tentando te convencer.

— Eu quero. Só estou um pouco apreensiva. É quase como se eu fosse virgem de novo.

— Você estava alcoolizada quando transamos pela primeira vez.

— Ajuda a desligar a mente, sem dúvida.

— Não quero que desligue sua mente. Quero que esteja inteira aqui.

E por fim ele deslizou a língua por meu clitóris.

Fechei os olhos, gemendo alto e derretendo contra seu toque.

Caramba, esqueci como Nolan era bom naquilo.

Puxei seus cabelos e ondulei os quadris contra suas carícias sacanas deixando o prazer dominar minhas incertezas a ponto de não me interessar mais nada a não ser que Nolan não parasse nunca mais aquela tortura doce e extasiante.

O orgasmo explodiu e eu gritei liberando toda a energia represada dentro de mim enquanto sentia as sensações se espalhando por minha coxa e abdome, me fazendo tremer inteira e cair, inerte e feliz sobre o colchão.

Abri os olhos para ver Nolan colocando um preservativo e voltando para cima de mim.

E eu o recebi entre minhas pernas, querendo sentir como era tê-lo dentro de mim de novo.

Nolan segurou meu olhar.

Sacudi a cabeça em afirmativa.

— Sim...

E então ele estava tomando posse do meu corpo, como fez tantas vezes um dia e eu o abracei, querendo que ficasse pra sempre, porque ali era sua casa.

E a cada estocada, a cada impulso e recuo dos seus quadris, cada vez que ia mais fundo, mais rápido, sentia uma parte de mim ir embora e se fundir com partes dele, até que estivéssemos nos movendo numa confusão de gemidos, sons e atrito e não sabia mais onde eu começava e onde Nolan terminava. Éramos uma linda bagunça. Éramos perfeição.

Éramos, finalmente, um só.


Capítulo 21

 

Nolan

 

— Você vai ter que fazer isso uma hora, sabe disso, né? — comentei com Amanda enquanto enxaguava o cabelo de Emma.

Amanda estava sentada com as pernas junto ao corpo em uma cadeira no banheiro da nossa casa em Camden.

Havíamos chegado há mais de algumas horas e Amanda estava sonolenta e cansada da viagem de cinco horas desde Nova York, de onde saímos bem cedo. Eu a aconselhei a deitar e dormir, em vez de ir encontrar o pai, que era seu desejo assim que chegamos.

Ela havia acordado enquanto eu dava banho em Emma, mas ainda parecia sonolenta.

— Eu sei que terei, mas você faz isso muito bem.

— Está tudo bem? — Eu a estudei e ela bocejou.

— Sim, foi a viagem que me deixou cansada. Só isso.

Fazia pouco tempo que Amanda estava em casa e sua aparência melhorava a cada dia, conforme ia comendo bem e descansando. Assim como seu lado emocional também sofria grandes mudanças.

Porém, embora ontem demos um passo enorme para voltar à normalidade, ainda temia que não tivéssemos chegado onde deveríamos estar.

Claro, ia levar tempo e, embora a distância e confusão de Amanda me magoassem e me deixassem apavorado, eu tentava manter em mente que em seu tempo ela iria voltar pra mim. Não foi fácil ouvi-la dizer que duvidava de que era para ficarmos juntos na outra noite, quando sua cabeça começou a criar teorias malucas sobre Lauren. Assim como ela me machucava aos poucos quando se esquivava de mim, física e emocionalmente.

Aquela conversa foi difícil, mas pelo menos, foi o começo de algo. A partir dali, algumas barreiras começaram a ser quebradas. E a minha esperança, que estava um tanto derrotada, renasceu.

Se Amanda pensava que eu ia desistir, estava muito enganada.

Eu a tinha conquistado uma vez, quando ela era de outro cara, eu podia fazer isso de novo quantas vezes fosse preciso, mas inesperadamente ontem as coisas mudaram quando Amanda voltou pra casa e numa porra de uma mensagem despejou uma declaração que eu esperava ouvir há tempo.

— Helena ligou e nos convidou para jantar — Amanda soltou de repente.

Eu fiz uma careta, nem um pouco a fim de aceitar este convite. Jantar com meu pai era sinônimo de perder o bom humor.

— Não precisamos ir — respondi enquanto tirava Emma da banheira e a enrolava em uma toalha.

— Mas eu já aceitei o convite.

Amanda levantou da cadeira e se espreguiçou.

— Achei que estivesse cansada.

— Eu dormi a tarde inteira, só preciso de um banho e vou ficar novinha em folha.

— Não acho uma boa ideia.

— Por que não?

— Não estou a fim de brigas hoje.

— Mas não precisa ter briga.

— Está sendo ingênua se acha que não vai ter.

Eu fui para o quarto e coloquei Emma no trocador, começando a vesti-la.

Estava contrariado por Amanda ter aceitado o convite de Helena, mas sabia que não teria como fugir para sempre de confrontos com Theodore.

Eu poderia ser superior hoje, talvez. Ignorar suas malditas críticas. Ou ao menos tentar.

Assim que Emma estava vestida, eu a levei para a cozinha e preparei sua mamadeira. Observei seus dedinhos brincando com minha camisa e sorri.

— Não vou ser igual aquele cretino, Emma. Garanto a você — sussurrei.

Amanda apareceu vestida quando eu já tinha terminado.

— Pronto?

Eu fiz uma careta.

— Sim, vamos.

— Não fique assim. — Amanda encostou a cabeça em meu braço, enquanto caminhávamos para a casa do meu pai. — Não precisa brigar com seu pai pra sempre.

— Tenho minhas dúvidas.

— Você está diferente agora. Não é mais aquele cara raivoso que vivia pra irritar seu pai. Não precisa disso, deixe essa raiva ir embora, Nolan.

— Bem que eu queria...

E acho que era verdade.

Eu tinha rancor demais do meu pai, não dava pra perdoar o pai omisso que ele foi e a maneira que tratou minha mãe.

Mas eu podia deixar as provocações para trás, na verdade, já tinha deixado, e mostrar pra ele, que, apesar do pai de merda que foi, eu podia ser uma pessoa decente.

Um pai e marido decentes.

— Já contou a ele sobre seu trabalho com o livro?

— Não, a gente mal se fala.

— Então devia contar. É algo que deve se orgulhar e é um jeito de mostrar a Theodore que você não é mais aquele adolescente inconsequente e que está fazendo coisas legais!

Chegamos à casa do meu pai e Helena veio até nós sorrindo animada.

— Finalmente estão aqui!

Ela abraçou Amanda enquanto eu empurrava o carrinho de Emma pela sala. Meu pai estava descendo as escadas e seu olhar cheio de frieza me atingiu como um soco no estômago, como sempre.

— Olá, Nolan. — Não havia calor em sua voz.

— Oi pai. — Usei o mesmo tom.

O Nolan de antes estaria já buscando alguma forma de começar uma briga, mas hoje eu não queria brigar.

Amanda tinha razão. Não valia a pena.

— Você parece bem, Amanda. Como está se sentindo?

Havia certo interesse genuíno em sua voz pelo menos quando ele se dirigiu a Amanda.

Helena estava tirando Emma do carrinho e a cobrindo de atenção.

— Estou bem. Embora não seja fácil, cada dia eu me sinto melhor. — Ela sorriu. — Fiquei sabendo que foi o senhor que cobriu as despesas médicas, muito obrigada.

— Não precisa agradecer.

— Realmente não precisa, Amanda, eu pedi para ele descontar do dinheiro que irei receber do fundo da minha mãe — rebati.

Depois da nossa discussão no aniversário da Samantha, onde ele mais uma vez jogou o seu dinheiro na minha cara eu lhe mandei um e-mail pedindo que a partir daquele momento, começasse a descontar tudo o que gastava comigo do meu fundo. Estava de saco cheio de depender de Theodore.

— Mas claro que Theodore não ia fazer isso! — Helena se intrometeu e provavelmente meu pai não lhe contou sobre este e-mail.

— Não, eu não fiz, claro. É uma bobagem.

— Mas deveria! Foi o que eu pedi naquele e-mail que te mandei quando jogou o fato de me sustentar na minha cara!

— Nolan... — Amanda apertou meu braço e eu respirei fundo, recuando.

— Sim, por favor, não vamos brigar. — Helena colocou panos quentes como sempre. — Olhe, Theodore, como Emma está linda. Por que não a segura?

Meu pai hesitou, mas acabou pegando Emma.

Porém, ela começou a chorar, se debatendo, como ela fazia com estranhos e Amanda se adiantou a pegando.

E ela parou de chorar imediatamente.

Amanda sorriu pra mim e eu entendi o que sentiu.

Emma finalmente a reconheceu como alguém próximo.

— Parece que mais alguém nessa família não vai com a minha cara — meu pai comentou contrariado.

— Claro que não, querido! — Helena interveio. — Ah, ela está naquela fase que estranha todo mundo? — ela nos perguntou.

— Sim, está — respondi.

Meu pai se afastou mexendo no celular enquanto fazia uma bebida no bar.

— Onde está Jace? — indaguei a Helena.

— Ele saiu. E sinceramente acho que com Stella.

— Não me diga que estão juntos de novo?

— Não neste sentido, pelo que entendi. E vocês vão ficar o verão inteiro?

Eu olhei para Amanda.

— Se Amanda quiser.

— Acho que seria legal — ela respondeu. — Aqui é tranquilo e é bom estar em casa de novo. Ficar perto do meu pai por um tempo.

— E de nós, não?

Amanda riu.

— Claro, e de vocês. E Sam?

— Sam está voltando para passar algum tempo aqui também, em breve. Com Austin, claro.

— Ainda acho tão maluco que ele tenha largado tudo e ido atrás dela.

— Eu fico feliz que eles tenham achado um jeito de ficarem juntos. Às vezes é assim, temos que abrir mão de certas coisas por outras. Uma escolha, uma renúncia.

— Eu entendo isso — Amanda comentou e eu entendi que ela estava se referindo a quando largou a faculdade para ir morar comigo em Nova York.

Naquela época, achei que era a única opção viável. Agora, pensando bem, talvez não tenha sido muito justo com ela.

E eu me perguntava o que Amanda gostaria de fazer a partir de agora.

Observei Emma em seu colo, toda sonolenta e Amanda parecia estar cansada de segurá-la.

— Emma vai dormir — comentei.

— Pobrezinha, está cansadinha — Helena se adiantou. — Deixa que eu a coloco para dormir. E vocês podiam beber alguma coisa, já, já, o jantar será servido.

Helena se afastou com Emma, subindo as escadas e Amanda me fitou.

— Emma tem onde dormir aqui?

— Helena fez um quarto para ela aqui, claro. Estava louca para que eu a trouxesse para inaugurá-lo.

— Querem beber algo? — meu pai indagou.

— Não obrigado — respondi e Amanda me lançou um olhar que dizia “seja mais simpático”.

— O quê? — resmunguei baixo e ela rolou os olhos.

— Por que não conta ao seu pai sobre o livro?

— Não...

Ela se virou e foi até meu pai.

— Eu quero um refrigerante, tudo bem?

— Claro.

Meu pai lhe deu um copo.

— Nolan já contou do trabalho dele?

Eu bufei, irritado. Mas louco para saber o que meu pai ia dizer.

Era bom ter alguma coisa para contar sobre mim que fosse positiva. Alguma coisa que ele não tinha como criticar.

— Trabalho?

— Sim, conte a ele, Nolan.

Eu respirei fundo enquanto os dois se aproximavam.

— Fui contratado para fazer o projeto gráfico de um livro.

Meu pai ergueu a sobrancelha.

— Como assim?

— Você entendeu.

— Nolan! — Amanda rolou os olhos. — É algo muito legal. Sabe que Nolan desenha muito bem e não é qualquer livro, é um suspense do Matthew King, já leu algo dele?

Meu pai franziu o olhar.

— Não leio ficção a não ser livros de negócios.

— Deveria ler, eu recomendo.

— Amanda, não perca seu tempo... — murmurei irritado.

— O que foi, Nolan? Já vai começar? — meu pai reclamou.

— Começar o quê?

— Vai ficar todo nervosinho e começar a ser agressivo? Estava demorando!

— Não estou sendo agressivo. Estou lhe contando sobre algo legal que eu fiz e você não está nem aí. Não demonstra a menor reação!

— O que quer que eu diga? Quer que eu lhe dê tapinhas nas costas porque fez um desenho?

Eu senti a raiva crescer junto com a frustração.

Quantas vezes eu passei por aquilo na minha vida antes de perceber que não adiantava tentar agradar o grande Theodore Percy?

De repente eu era de novo um menino de seis anos levando um desenho que acabou de fazer para mostrar ao pai que o enxotava do escritório, porque tinha que trabalhar.

— Você não consegue, não é?

— Nolan, não vou cair na sua armadilha...

— Que armadilha? — Eu ri com raiva. — Não percebeu que não estou aqui para brigar com você? Que já faz um tempo, aliás, que eu não tenho a menor vontade de perder meu tempo chamando sua atenção com brigas, porque é só assim que você fala comigo, que você presta atenção em mim?

— Pra mim já chega, está sendo infantil!

Ele começou a se afastar.

— E você está sendo um cretino babaca como sempre!

— Só por que não te elogiei? Acha isso muito adulto? Cresça, Nolan! — Ele se voltou. — Acha que devo ficar orgulhoso por isso? Desculpa se é difícil pra mim acreditar que realmente mudou porque está fazendo uns rabiscos...

— Seu grande filho da puta!

Foi a voz de Amanda que se elevou entre nós.

Nós dois nos viramos pra ela e Amanda estava andando em direção ao meu pai.

— Qual o seu problema?

— Amanda. — Eu quis pará-la, mas ela continuou.

— Por que é tão difícil ficar feliz por seu filho? Por que tem que rebaixá-lo desse jeito só porque ele faz algo de que você não entende nada? O que o Nolan faz é incrível sim! É motivo de orgulho sim! Ele é um artista! Muita gente mataria para ter o talento que ele tem com desenho! E ele pode sim ser um grande profissional com este dom. Ele já é! E é ridículo que lhe custe tanto dar pelo menos os parabéns. Ficar orgulhoso! Por que é assim?

— Escute aqui, mocinha, você acabou de chegar nessa família e não sabe nada...

— Escute aqui você! Acho que eu já vi o suficiente. Eu vi um garoto mimado e rebelde, inconsequente e com um apetite destruidor. E sabe de onde isso veio? De você!

— Não sou obrigado a ouvir isso...

— Eu não terminei!

— Amanda, pare com isso! — Eu me aproximei, mas ela me lançou um olhar raivoso que nunca vi na vida e me fez paralisar.

— Agora seu pai vai ouvir!

Helena estava descendo as escadas neste momento e estacou, chocada com a cena.

— O que está acontecendo?

— O que está acontecendo é que já estou de saco cheio do comportamento deste cara! — Amanda apontou o dedo no peito do meu pai. — E você deveria estar também, Helena! Sabe que Nolan acabou de contar que está fazendo o projeto gráfico do livro de uns dos autores mais famosos da atualidade, mas parece que isso não é motivo para Theodore Percy se orgulhar do filho ou ao menos dar os parabéns. Um voto de confiança, talvez! Ou não quer que Nolan mude, que seja um cara responsável e decente? Ou talvez nem tenha reparado que ele já mudou! Claro que nem percebeu! Desde criança tudo o que Nolan queria era sua atenção e você nunca deu! Se seu casamento era uma merda, não era só culpa da mãe de Nolan! Você foi infiel e isso piorou tudo! E ele não tinha culpa se sua esposa era emocionalmente instável, não podia tratar Nolan mal porque ele não pediu pra nascer! Era seu filho!

— Você não sabe nada sobre Daisy...

“ Espera. Que diabos Amanda estava falando? ”

Helena acabou de descer as escadas.

— Theodore, pare.

— Quem tem que parar é essa menina!

— Quem tem que parar é você! — Amanda revidou.

— O que está falando da minha mãe, Amanda? — Eu me intrometi.

Helena trocou um olhar com Amanda que gelou minha espinha e meu pai recuou.

— O que porra estão falando? — gritei.

— Sua mãe era louca! — meu pai gritou de volta. — Era essa a verdade, Nolan!

— Pare! — Eu respirei fundo, a raiva crescendo. — Não fale assim da minha mãe...

— Não estou dizendo isso como desculpas, estou dizendo a verdade! Daisy era emocionalmente instável. Sempre foi. Apenas piorou quando nosso casamento não deu certo!

— E a culpa foi de quem?

— De nós dois, essa é a verdade.

— Você era frio com ela! Não a amava...

— Não, eu amei. Mas não do jeito que ela queria. Ela queria me consumir. Ela era obsessiva e possessiva! Transformou minha vida num inferno.

— É fácil culpá-la por sua falta de compromisso.

— Eu estava construindo uma carreira. Era para dar o melhor para ela. E para Jace.

— E para mim não? — Porra, aquilo doía.

Helena tocou o braço do meu pai.

— Theodore, não...

— Não, já chega de levar toda a culpa! Talvez seja a hora de Nolan ouvir a verdade agora. Eu nunca quis que Daisy engravidasse de novo. Eu já tinha percebido que nosso casamento não ia dar certo. Ela queria muito mais do que eu podia dar. E ela fazia escândalos, chantagens, mudava de humor muito fácil... Eu decidi me divorciar, depois que Jace nasceu, mas ela engravidou de propósito.

— Então é por isso que me odeia? Por que queria se livrar da minha mãe e por minha causa não pôde fazer isso?

Eu vi a verdade em seu olhar mesmo sem ele dizer.

— Claro que não foi assim — Helena tentou apaziguar.

— E o que você sabe, Helena? Nem estava lá!

— Ela estava — meu pai refutou.

— O quê?

— Eu e Helena namoramos antes de conhecer sua mãe. Não deu certo e terminamos. Depois eu me casei com Daisy.

— Você traiu minha mãe com ela?

— Não, fomos amigos por longos anos, até nos reencontrarmos.

Meu Deus, como eu nunca soube daquilo?

A raiva que eu sentia agora estava me devorando.

— Não culpe Helena. Ela sabe apenas por que eu desabafava com ela. Depois que nasceu, eu tentei. Juro que tentei, Nolan, mas o comportamento de Daisy apenas me afastava mais. Sim, eu era focado no meu trabalho. E sim, eu fui infiel, mas eu quis me separar da sua mãe tantas vezes, você não faz ideia. Ela ameaçava se matar. Inclusive tentou duas vezes antes de finalmente concluir a ameaça.

— Mentira!

— É verdade, eu consegui esconder de vocês, assim como o diagnóstico. Daisy era bipolar e desenvolveu depressão também. Eu quis interná-la, mas ela se negava. Brigava e me ameaçava. Ameaçava tentar se matar de novo se eu a internasse ou a deixasse. Ela sempre dizia que ficaria bem se eu nunca a deixasse. O meu erro foi acreditar nela.

— Seu erro foi não amá-la!

— Eu sinto muito, mas o jeito que Daisy agia matou o que eu sentia.

— Está mentindo...

— Você sabe, Nolan, bem lá no fundo, por mais que eu tentasse manter vocês longe da verdade, você sabe. Você a amava e estava próximo dela quase o tempo todo. Sabe como ela era...

— Não... — Avancei para agredi-lo, meu pai apenas me segurou, evitando meus golpes.

O soluço rompeu em meu peito e perdi as forças.

Sim, eu sabia, me dava conta agora.

Talvez eu tenha escondido em minhas memórias infantis o jeito da minha mãe. Porque ela era a única que me amava e não importava que ela estivesse triste por muito tempo, que não acordasse por dias. Ou que estivesse feliz demais em outros dias, rindo de tudo e por tudo. Animada e me segurando forte dizendo que me amava pra sempre.

Ou que ela tenha tirado a própria vida.

Eu não sabia como aconteceu, mas me vi chorando e os braços do meu pai me amparando.

— Eu sinto muito, Nolan.

— Você não deixou de amar só a ela. Você deixou de me amar também. — Chorei como uma criança, desabafando minha maior dor.

— Eu não sabia como te amar. Você sempre foi mais dela do que meu. Jace ainda tinha algo de mim. Mas você... Você era todo ela. Acho que sempre que olho pra você, eu a vejo. Tem razão, eu fui um pai horrível. Assim como um marido horrível. Daisy era instável, mas eu não soube lidar com ela, preferi me refugiar na minha carreira e em meus casos. Eu deveria... Eu nem sei o que eu poderia fazer. Todo nosso relacionamento foi um equívoco do início ao fim.

Eu não sabia por quanto tempo eu chorei. Até não ter mais lágrimas, até não ter mais nada em mim, a não ser o vazio.

E meu pai ainda estava ali, me segurando.

Pela primeira vez na minha vida.

E eu queria dizer que não importava, que eu o odiava, mas o menino dentro de mim, aquele que só queria ser notado, amado, estava um pouco feliz.


Capítulo 22

 

Amanda

 

Acordei com o choro da Emma através da babá eletrônica. Eu me sentei, ainda atordoada de sono, reparando que lá fora o dia amanhecia. Nolan não se mexeu no seu sono profundo, o que era inédito. Ele ainda era o primeiro a acordar quando Emma chorava.

Hesitei por um momento, me perguntando se deveria acordá-lo, mas decidi deixá-lo dormir. “ Eu posso cuidar de nossa filha perfeitamente. ”, pensei com uma coragem que não existia antes.

Eu não queria acordar Nolan. Ele passou por um momento muito difícil ontem. E eu ainda ficava chocada quando me lembrava que por incrível que pareça fui eu quem começou uma briga com Theodore Percy.

Eu estava de saco cheio do jeito que ele tratava Nolan. Entendia que Nolan agiu de maneira errada a maior parte da adolescência depois que a mãe morreu, mas também entendia que o seu comportamento foi um mecanismo de defesa e uma maneira de chamar a atenção do pai, que nunca o tratou com o menor carinho, ainda mais depois que ele perdeu a mãe daquela forma tão horrível.

E ver Theodore desfazer de Nolan ontem, depois de ele contar sobre o projeto do livro, me fez reagir com revolta. Claro que me arrependi de ter explanado sobre os problemas psicológicos da mãe de Nolan, quando percebi que rumo a briga tomou, mas, no fim, acho que já estava na hora de Nolan entender que apesar de Theodore ter sido um marido distante e um pai omisso, Daisy também tinha seus problemas. Um casamento é feito por duas pessoas, afinal.

E me cortou o coração ver como Nolan ficou arrasado, mas também foi um alívio ver que ele finalmente demonstrou a Theodore o quanto a falta de amor tinha lhe afetado a vida toda. E parecia incrível, mas acho que Theodore percebeu isso pela primeira vez, o quanto suas atitudes foram responsáveis por Nolan ter se tornado aquela pessoa.

Nolan chorou muito e eu queria consolá-lo, mas Helena pediu que eu os deixasse a sós.

Eu fui buscar Emma, que havia acordado e quando desci, Nolan estava sozinho na sala, com os olhos fechados contra o sofá.

Eu me aproximei e toquei sua mão.

— Tudo bem?

— Não.

— Vamos embora?

Ele abriu os olhos. Parecia desolado.

— Você sabia da minha mãe?

Eu me senti um pouco mal por revelar que Helena havia me contado o que sabia pouco antes de eu sofrer o acidente.

— Não achei que cabia a mim te contar. Desculpe.

Ele não falou nada e eu me perguntei se estava bravo.

Ele tirou Emma do meu colo e fomos pra casa em silêncio. Não quis lhe fazer nenhum questionamento, porque parecia que Nolan precisava ainda digerir tudo o que tinha acontecido.

Eu o deixei levar Emma para o quarto e eu mesma me deitei para dormir.

Estava quase adormecendo quando senti o colchão se movendo e Nolan se deitando ao meu lado.

Eu me virei e o abracei.

— Sinto muito ter falado daquele jeito com seu pai.

— Ele merecia ouvir. Estava certa em tudo.

— Quer falar sobre o que aconteceu?

— Você acha que posso ser como ele?

— Claro que não, Nolan! Você é o oposto dele!

— Talvez eu seja como minha mãe, então?

— Sua mãe tinha problemas, mas tenho certeza que ela também era maravilhosa.

— Eu sinto muita falta dela. E agora me pergunto se poderia ter feito alguma coisa para ajudá-la, porque não percebi...

— Você era um menino, como ia perceber? Não teve culpa de nada.

— É estranho olhar para minhas lembranças agora.

— Eu entendo. Mas não deve ficar remoendo o passado. Não podemos mudá-lo. Mas temos o presente. E o futuro.

Agora eu me aproximava do berço de Emma e a pegava no colo, acalmando seu choro e pensava em como Nolan estava errado em ter medo de ser como Theodore.

Nolan amava Emma e era um bom pai.

E também um bom marido pra mim.

Era incrível pensar que éramos tão novos, fomos jogados naquela vida adulta sem aviso prévio, pulando várias etapas e sendo obrigados a amadurecer à força, mas mesmo com alguns percalços, estávamos sobrevivendo.

Ou ao menos tentando.

Emma foi se acalmando e eu a coloquei no trocador, verificando sua fralda. Estava toda suja de cocô.

— Minha nossa, Emma... como tudo isso sai de dentro de você?

Ela riu, nem um pouco preocupada, me fazendo rir também, enquanto tirava a fralda e tentava limpá-la, mas percebi que talvez fosse melhor lhe dar um banho.

— Será que chegou a hora de lhe dar banho?

É, parecia que sim.

Eu a levei para o banheiro e então, tive uma ideia. Abri a torneira da banheira e tirando minha roupa, entrei com Emma na água quente.

Ela soltou gritinhos, animada e eu ri junto, brincando com ela na água até que se cansasse e ajeitando contra meu peito.

Acariciei seu corpinho morno, sentindo as batidas do seu coração junto com o meu, se misturando. Ela era parte de mim e eu dela.

E embora ainda houvesse medo e incerteza, também havia um amor gigante que mal cabia no meu coração e que era todo dela e eu podia sim dar o meu melhor para ser o que ela precisava.

Eu estava pronta para aquele desafio.

 

Nolan apareceu na cozinha quando eu já estava dando a mamadeira para Emma.

— Há quanto tempo ela está acordada?

— Há um tempo.

Ele franziu o olhar.

— Eu não a ouvi acordar.

— Mas eu ouvi. E se quer saber, eu dei banho nela, na verdade nós tomamos banho juntas e nos divertimos, não é, Emma?

— Muito bem! — Nolan bateu a mão na minha. — Preciso de café. Parece que um caminhão passou por cima de mim.

Emma terminou e eu a coloquei no carrinho.

Eu me aproximei de Nolan e abracei suas costas.

— Como você está?

— Triste pra cacete.

Eu o soltei.

— Tem que parar de falar palavrão, Nolan.

Ele se virou me estendendo uma caneca de café.

— Por quê? Não vou para o céu? — Ele riu.

— Porque a Emma em breve vai começar a falar e vai sair repetindo as coisas que a gente fala!

— Oh... Acho que tem razão.

— Acho que vou ver meu pai daqui a pouco. Você vem comigo?

— Vamos à tarde, ok?

— Por que não agora?

Ele desviou o olhar.

— O que foi? — indaguei desconfiada.

— Helena me chamou para almoçar com ela.

— Hum... E você está bravo com ela?

— Não vou negar que estou puto sim, quer dizer, estou bravo — ele corrigiu. — Mas estou de saco cheio de briga e desavença. Se ela quiser conversar, posso ouvir.

— Eu concordo.

 

No fim daquela tarde, Nolan estacionou o carro em frente à casa do meu pai. Ele pegou Emma na cadeirinha e eu olhei com nostalgia para a casa em que cresci. Não fazia tanto tempo assim que eu estive ali pela última vez, mas depois de tudo o que passei, parecia que fazia anos.

— Tudo bem? — Nolan segurou minha mão, me puxando em direção a casa.

— Sim, é esquisito estar aqui de novo.

Então quando paramos na varanda, fiquei surpreendida quando a porta se abriu e ouvi gritos de palmas.

— Mas o que é isso? — exclamei estarrecida enquanto minha mãe surgia e me abraçava.

Atrás dela estava meu pai.

— Uma surpresa de boas-vindas ao mundo dos vivos pra você! — Foi Samantha quem falou e eu me desvencilhei da minha mãe, surpresa em ver Samantha.

Ela também me abraçou e me puxou para a algazarra de pessoas que estavam dentro da casa.

Passei os olhos pelos rostos conhecidos.

— Uau, não fazia ideia!

— Que bom que o linguarudo do Nolan conseguiu manter segredo e não te contar! — Samantha beliscou a barriga de Nolan.

— Eu não sou linguarudo, você que é.

— E não sabia de nada? — Papai me abraçou.

— Não! Nolan guardou mesmo segredo!

— Amanda, que bom te rever! — Ellie se aproximou, junto com Naomi, me abraçando e foi só o começo de uma sucessão de abraços e boas-vindas que me deixaram emocionada.

Helena também estava presente e me abraçou muito feliz.

— Como foi a conversa com Nolan? — indaguei. Quando eu perguntei a Nolan como tinha sido, ele apenas deu de ombros e disse que estava tudo bem. — Nolan foi meio evasivo.

— Melhor do que eu imaginava. Fui bem sincera com ele e lhe contei tudo. Não parece que ele está totalmente bem, mas acho que com o tempo a mágoa vai passar.

— E cadê o Theodore, ele veio?

— Ele tinha uma reunião de negócios.

— Claro... — Não disfarcei a ironia.

— Eu sei que Theodore é um homem difícil, mas ainda tenho esperança de que ele mude, sabe? Ontem ele ficou abalado com aquela conversa com Nolan.

— Eu quero pedir desculpas pelo barraco que causei.

— Não peça. Acho que estava na hora de acontecer mesmo.

— Ei! — Austin se aproximou e eu o abracei.

— Que saudade, Austin!

— Você esta ótima.

— Estou parecendo um espantalho isso sim, mas e você? Está curtindo Paris?

— É uma cidade linda. E Sam está amando, então, fico feliz por ela.

— Isso é muito legal.

Então Nolan se aproximou com Emma.

— Pode ficar com ela? A Samantha pediu que eu vá com ela buscar um bolo ou qualquer merda assim...

— Quer que eu vá? — Austin se ofereceu.

— Não, você já atura aquela chata a maior parte do tempo, deixa que eu vou.

Nolan se afastou, depois de colocar Emma no meu colo.

— Aposto que ele a chama de chata, mas está com saudade, por isso quis ir com ela.

— Sam sente falta dele também.

Ele sacudiu o copo vazio.

— E quer beber alguma coisa?

— Pode ver se tem um suco pra mim?

— Claro. — Ele se afastou e então eu avistei Stella.

Ela estava conversando com Hannah, sua mãe.

Nossa, eu tinha me esquecido que Hannah estava saindo com meu pai. Quando descobri, fiquei bem incomodada, mas agora percebi que fui exagerada na minha reação. Hannah era uma mulher bacana e meu pai merecia ao menos tentar ser feliz de novo.

Todavia, se por acaso meu pai se casasse com Hannah um dia, Stella seria minha meia-irmã? Nossa, eu tinha que levar aquela hipótese em consideração.

Ainda sentia certo rancor de Stella, mas não queria alimentar aquele sentimento ruim. Se eu o fizesse, não estaria agindo do mesmo jeito que Stella agiu comigo?

E agora notei o olhar dela preso em Emma com um lampejo de dor. Isso me comoveu.

Respirando fundo, eu me aproximei.

— Oi, Amanda, estou muito feliz que esteja bem. — Hannah sorriu.

— Sim, estou bem agora. — Eu virei para Stella, que ainda encarava Emma.

— Tudo bem, Stella?

Ela finalmente me encarou.

— Sim, estou. E Emma, está bem?

— Sim, ela está ótima. Você quer pegá-la?

Stella arregalou os olhos, surpresa. Hannah pediu licença e se afastou.

— Tem certeza? — Stella indagou incerta.

— Claro. Emma deve sentir sua falta.

Stella estendeu os braços e a pegou.

— Eu também senti muita falta dela. — Ela me fitou. — Achei que fosse me cortar pra sempre.

— Não sou como você. — Não consegui conter a resposta atravessada.

— Ah, eu mereci ouvir isso. — Stella suspirou, mas sorriu para Emma. Fazendo brincadeiras que faziam sorrisos alegres surgirem na boca da minha filha.

Senti um pouco de ciúme, não podia negar. Mas não era como antes. Antes eu me ressentia por Emma gostar de Stella porque eu estava insegura, tinha medo de Emma nunca sentir por mim o que sentia por Stella. Mas agora eu já não nutria aquela insegurança. Eu era a mãe da Emma, finalmente. E podia entender que outras pessoas a amassem, assim como Emma os amaria também. Ela seria uma criança cercada de amor e isso era o mais importante.

— Estou indo para Paris daqui a algumas semanas — Stella falou de repente.

— A passeio?

— Não, eu vou morar lá. Minha carreira não está deslanchando aqui e Samantha tem alguns contatos e me incentivou a ir e tentar por lá. Estou animada que pode dar certo.

— Eu torço para que dê.

E eu estava sendo sincera. Não saberia dizer se eu e Stella poderíamos um dia voltar a ser amigas como antes, talvez não. Mas não desejava seu mal.

Ela precisava encontrar o caminho dela.

— E Jace? — Eu avistei Jace conversando com Austin no outro canto da sala.

Ela deu de ombros.

— Vai ser bom eu me afastar de Jace também. Ele não me leva a sério e esse vai e vem já está se tornando ridículo.

— Você ainda gosta dele?

— Sim, mas não sei se ele gosta de mim. Então é melhor seguir em frente.

Emma começou a parecer sonolenta.

— Acho que ela quer dormir — comentei fazendo menção de pegá-la.

— Será que eu posso ficar com ela mais um pouquinho? — Stella indagou ansiosa. — Eu prometo que a devolvo, não se preocupe. Mas eu vou embora em breve e acho que vou ficar um longo tempo sem vê-la.

— Claro, tudo bem.

Eu me afastei e fui até Austin e perguntei sobre a minha bebida.

— Eu não quis atrapalhar sua conversa com Stella.

— Está tudo bem? — Jace indagou.

— Sim, a gente consegue ter uma conversa sem acabar em briga na lama, aparentemente.

— Hum, seria sexy, hein?

Eu rolei os olhos.

— Para de ser pervertido! Sabe que ela vai pra Paris?

— Claro, ela já me contou.

— E não se importa?

— Ela tem que fazer o que quiser da vida dela. E não sei mais se a gente daria certo junto.

— E fiquei sabendo que ela vai fazer companhia para você e Sam em Paris. — Eu me virei para Austin. — Boa sorte! — Eu ri com sarcasmo, me afastando.

Encontrei meu pai na cozinha.

— E aí, você parece melhor a cada dia, filha.

— Estou melhorando sim.

— E como vão as coisas com Nolan?

— Estavam esquisitas, não vou negar. Mas agora está entrando nos eixos.

— Nolan me surpreendeu muito. O tanto que este menino te ama, Amanda. O tanto que não desistiu de você. Eu tive dúvidas quando forcei essa situação do casamento, confesso. Não pense que não tive. Mas hoje eu vejo vocês juntos e talvez eu não tenha errado. Mas queria te dizer uma coisa. Se tiver outros planos, é direito seu segui-los. Não fique como sua mãe, deixando para depois.

— Por que acha que eu não quero ficar com o Nolan? — questionei surpresa.

— Você quer?

— Sim!

— Ele tem dúvidas, sabe?

— Como sabe disso?

— Ele é inseguro com você. Sempre foi. Eu posso entender. Você tinha Owen e ficaram juntos porque estava grávida.

— Mas eu gosto do Nolan, sei que o senhor queria que eu me casasse, mas, no fundo, também foi uma escolha minha. Eu não tinha certeza se daria certo, Nolan tinha um passado de estragos deixados pelo caminho e eu tinha medo. Mas eu era apaixonada por ele. Então fique tranquilo, porque estou feliz.

— E eu fico feliz em saber. — Ele me abraçou e beijou meus cabelos.

De repente ouvimos uma batida na porta da cozinha e meu pai me soltou indo abrir e eu me surpreendi ao ver Owen parado ali.

— Ei, Owen... — Meu pai virou pra mim, hesitante.

Owen também estava me encarando.

— Oi Amanda, será que podemos conversar?


Capítulo 23

 

Amanda

 

Foi estranho estar frente a frente com Owen novamente depois de saber do que ele tinha feito com Stella.

Havia um lado meu que não queria falar com ele, que ainda se ressentia por ter acreditado que, de todas as pessoas no mundo, ele era uma das mais confiáveis pra mim, e agora a visão que tinha dele caiu por terra.

Porém, eu precisava sim conversar com Owen, nem que fosse nossa última conversa. Ele era meu amigo mais antigo, crescemos juntos e por mais que eu estivesse decepcionada, não conseguia acreditar que ele era uma pessoa ruim de todo.

— Sim, claro — respondi e então quando estava saindo da casa com Owen, eu vi Nolan saindo do carro. Seu olhar foi de mim para Owen e eu vi sua expressão fechar.

— Espera um minuto, Owen.

Eu caminhei até Nolan.

— O que esse merda está fazendo aqui?

— Ele pediu pra conversar comigo.

— Ele é muito cara de pau. Você ainda vai cair nesse papo dele?

— Não tem nada a ver! Eu só acho que devo uma conversa a Owen, a última vez que nos vimos foi antes do acidente quando eu descobri a verdade sobre a história com Stella.

— E deveria querer ficar longe depois disso.

— Owen foi meu amigo a vida toda, independentemente de termos namorado. E, por favor, é só uma conversa. Você confia em mim?

Eu sabia o quanto Nolan não gostava de Owen e a conversa com meu pai de que Nolan era inseguro em relação a mim voltou a minha mente, mas eu precisava que ele confiasse em mim.

Nolan respirou fundo, passando os dedos pelo cabelo.

— Tudo bem. Ele tem dez minutos.

Ele se afastou e sentou na varanda, cruzando os braços e claramente vigiando a mim e ao Owen.

Eu ainda vi Jace se aproximando, segurando Emma e sentando ao lado de Nolan, que a pegou do seu colo.

Eu fui até Owen.

— É sua filha? — ele indagou olhando através de mim.

— Sim, é Emma.

— Ela é linda.

— Sim ela é. O que quer falar comigo, Owen?

— Eu queria dizer que me sinto horrível pelo que aconteceu naquele dia. Do acidente.

— Foi horrível mesmo...

— Eu não queria que você descobrisse sobre Stella...

— Owen — eu o interrompi. — Eu deveria saber. Não tem desculpas para você ter me escondido isso.

— Você nunca ficaria comigo...

— Não, não ficaria, mas não porque você transou com a Stella. Nós nem éramos namorados, eu não podia te cobrar nada! E muito menos da Stella. Mas ela ficou grávida, era um bebê! E você simplesmente a obrigou a se livrar dele.

— Eu não a obriguei...

— Para! Você sabe bem o que fez. Sim, Stella foi fraca em se deixar levar por sua persuasão, mas você nunca deveria tê-la coagido. E só porque queria ficar comigo. Não era certo.

— Eu não sabia que a Stella ia ter complicações...

— Mesmo que ela não tivesse. Era um assunto sério demais para decisões precipitadas.

— O seu querido Nolan fez o mesmo com a ex-namorada!

— Sim, ele fez, e foi horrível. Eu não defendo Nolan nessa questão. Mesmo Ashley tendo perdido o bebê em um acidente. Só que Nolan se arrependeu. Nolan pediu perdão para Ashley. Você alguma vez sequer cogitou pedir perdão a Stella?

Owen desviou o olhar.

— Está vendo? Você agiu errado e não sente remorso! Não percebe o mal que fez. Está aqui me pedindo desculpas, mas deve desculpas a Stella e não a mim!

— Mas era você quem eu amava...

— Só porque me ama não lhe dá o direito de fazer o mal com outras pessoas por isso. No fundo, eu nem tenho nada a ver com o que rolou com você e Stella. Se tivesse me contado a verdade, percebe que tudo poderia ser diferente? Talvez Stella tivesse um bebê. Talvez ela fosse feliz hoje e não uma pessoa amargurada.

— E nós nunca ficaríamos juntos...

— Talvez não. Mas sinceramente? A gente nunca deveria ter ficado. Eu nunca te amei, Owen. Não do jeito que é preciso para estar com alguém. Eu me deixei levar porque você era meu amigo, mas foi um erro desde o começo. E foi só quando Nolan apareceu que eu percebi que estava errado. Que estar apaixonada não tinha nada a ver com os motivos de eu estar com você. Eu já te pedi desculpas por ter te traído. Eu errei ali. Deveria ter terminado com você assim que percebi que estava atraída pelo Nolan. E também já pedi desculpas por ter te feito sofrer. Você não era o cara que eu pensei que fosse, mas mesmo assim, os seus erros não me dão o direito de errar em cima de você.

— E eu estou aqui pra pedir perdão pelo que te fiz, acho que finalmente saquei que te perdi. Porém, ao ver você naquele hospital, eu pensei que era melhor nunca mais falar com você, mas saber que ficaria bem, viva, mesmo com o Nolan. E agora não suporto saber que me odeia.

— Eu não te odeio. Só fico triste e decepcionada por tudo o que aconteceu, pela maneira que agiu. Mas acredito em segundas chances, acredito que podemos errar e nos arrepender e não cometer os mesmos erros de novo. Nolan também errou muito. E todo dia eu o vejo evoluir, crescer, deixar as atitudes ruins para trás e ser melhor. Você também pode. Mas tem que entender o que fez, tomar para si a responsabilidade dos seus atos. E não vejo isso ainda. — Eu dei de ombros. — Você foi meu melhor amigo. Mas agora, não podemos mais ser amigos. Sinto muito.

— É, eu acho que já esperava por isso. Na verdade, eu vim me despedir também.

— Despedir?

— Molly e Peter estão indo para Mystic, Peter vai abrir uma oficina de motos e me convidou para ir com ele. Eu aceitei. Não tem mais nada pra mim aqui em Camden.

— Certo, boa sorte então. Eu desejo o melhor pra você, apesar de tudo. Adeus, Owen.

Eu lhe dei as costas, com um nó fechando minha garganta, mas ao mesmo tempo, sentindo alívio.

— Tudo bem? — Nolan indagou tenso.

Eu respirei fundo.

— Sim. Podemos ir embora.

— Claro.

— Eu vou entrar e me despedir de todos, ok?

E foi o que eu fiz. Abracei todo mundo, agradeci por terem torcido por mim, me despedi da minha mãe que voltaria no dia seguinte para a Europa e me sentei ao lado de Nolan na varanda. Emma estava no colo de Jace no jardim e ele brincava de jogá-la para cima.

— Vai me contar o que conversaram? — Nolan indagou.

— Ele está indo embora para outra cidade. Com a irmã dele e o marido. Disse que não tem mais nada para ele aqui em Camden.

— Nunca teve — Nolan resmungou.

— E eu lhe disse que não podíamos ser amigos — esclareci. — Ele me pediu desculpas, mas deixei claro que ele devia desculpas para Stella e não pra mim. Foi com ela que ele errou. A mim, ele só decepcionou, por ser capaz desse tipo de atitude e o pior é que ele não parece arrependido, ou ciente que fez algo muito errado.

— Porque ele é um filho da puta! Estou feliz que vai sumir da sua vida.

— Nolan — Eu segurei sua mão. — Mesmo que ele continuasse aqui, e eu tivesse que topar com ele por aí, nada ia mudar. Eu nunca fui a Amanda do Owen, entende? Eu nunca gostei do Owen de verdade, e só quando você apareceu que eu descobri isso. Então, por favor, vamos esquecer esse assunto?

Nolan suspirou e me puxou para um beijo.

— Tudo bem? — indaguei.

— Tudo bem, vamos embora.

 

***

— Nolan, ficou muito lindo! — Eu peguei o exemplar de “Pacto Sombrio”, o admirando.

Estávamos no lançamento do livro, na livraria da Evangeline e a fila para Matthew autografar era enorme. E ele fazia questão de falar pra todo mundo que o ilustrador da capa estava ali e várias pessoas já tinham vindo elogiar Nolan.

— Sim, tenho que concordar que o desenhista é foda.

— E nem um pouco modesto!

De repente eu notei um casal entrando na livraria. Era Theodore e Helena.

Eles passaram pela pilha de livros e Helena pegou um, admirando-o e falando alguma coisa para Theodore que pegou um exemplar e foi para o caixa.

Nolan ficou tenso, mas eu apertei sua mão.

— Comporte-se.

Helena acenou nos avistando e veio em nossa direção.

— Nolan, que sucesso! Eu amei. Theodore já foi comprar para nós.

— Achei que não se importasse... — Nolan resmungou.

— Ah querido, tenha paciência com seu pai. Ele não entende nada de arte, mas pelo menos está disposto a se esforçar.

— Está mesmo?

Neste momento, Theodore se juntou a nós.

— Olá, Amanda, Nolan...

— Olá — eu disse meio tímida depois da discussão.

— O livro está muito bonito, Nolan. Parabéns — Theodore disse, para nosso espanto. Ele estava daquele seu jeito sério, mas parecia genuíno o elogio. — Eu inclusive pedi para entregarem alguns exemplares lá em casa para dar a alguns amigos.

— Aposto que ele vai dizer orgulhoso que foi o filho quem fez a capa! — Helena provocou.

— Achei que era rabisco... — Nolan provocou.

— Desculpa pelo que disse. Sabe que sou um homem de finanças, não entendo nada de arte, mas posso me esforçar. Acho que nunca é tarde para tentarmos mudar um ponto de vista, não?

Eu entendi o que Theodore estava fazendo.

Ele estava tentando, finalmente, dar o primeiro passo em direção ao filho.

Eu esperei com a respiração suspensa a resposta de Nolan, torcendo pra que ele não respondesse com sarcasmo ou provocação.

— Sim, acho que tem razão — Nolan respondeu por fim.

— Vamos para a fila de autógrafo? — Helena o chamou e eles acenaram e se afastaram.

— Isso foi legal — comentei.

Nolan parecia uma mistura de alívio e choque.

E acho que embora não demonstrasse, no fundo, ele estava feliz.

— Será que já podemos ir? — indaguei.

— Vamos.

Fomos até onde estava Samantha, Austin, Jace e Stella conversando.

Stella segurava Emma.

Nós nos despedimos e pegamos Emma e entramos no carro.

— Acha que Jace e Stella voltam um dia? — indaguei quando Nolan terminou de colocar Emma na cadeirinha e deu a volta para sentar ao meu lado, dando partida.

— Quem sabe? Se for o destino...

Eu sorri.

Nolan pegou a estrada e eu reparei que estava se formando uma tempestade.

— Quando a gente se conheceu, estava se formando uma tempestade, você lembra?

Ele sorriu.

— Você parecia com medo.

— E você disse que tanto você quanto a tempestade eram inofensivos. — Rolei os olhos. — Até parece... Eu fui muito ingênua de não perceber que era sinônimo de perigo, Nolan Percy. E olha no que acabou!

— Eu acho que você acabou muito bem...

— Acho que tenho que concordar com você. Mas me diga, você já sabia que ia apostar pra transar comigo naquele momento?

— A aposta veio depois. Mas eu já queria transar com você, com certeza.

— Que babaca!

— Eu era mesmo um babaca antes de você.

— Ainda é um pouquinho.

— O Nolan da Amanda é um cara legal.

— Talvez a Amanda do Nolan não saiba quem seja ainda — murmurei.

— A Amanda do Nolan é filha do Pastor Jack. Mãe da Emma. E vai se formar em Yale.

— O que está dizendo?

— Que você vai voltar para Yale, após o verão.

— Mas... Espera!

— Não quer voltar? Achei que era esse seu desejo.

— Talvez seja, mas não sei se quero que a gente fique separado.

— Não vamos nos separar. Eu tranquei meu curso.

— O quê? Não!

— Eu não preciso daquela merda. Eu sou quase um desenhista famoso agora. — Ele piscou.

— Nossa, Nolan, estou surpresa. Tem certeza disso?

— Sim, eu tenho. Lauren inclusive já me ofereceu mais dois trabalhos.

— Isso é incrível!

— Pelo menos não precisaremos do dinheiro do Theodore por muito tempo. Eu vou dar um jeito de sustentar você.

— Ah é? Talvez eu peça meu emprego de volta na cafeteria, então!

— Com o Carlton, seu stalker ? Ou está de olho nos seus clientes, Joe, ou como era mesmo o nome do outro? Nathan?

— Eu nem sei por qual deles estou mais empolgada! — desdenhei.

— Não se preocupe. Eu vou trepar tanto com você que nem vai lembrar de outros caras de Yale.

— Eu sou uma garota que está se restabelecendo, Nolan — fingi indignação. — Tenha respeito!

— Me deve seis meses de sexo.

— Por essa matemática, você me deve também!

— É justo.

De repente a chuva começou a cair.

E sem pensar, abri a janela e como na noite anterior ao nosso casamento, joguei meu corpo pra fora.

— Amanda!

Eu ri, fechando os olhos, e adorando sentir o vento e a chuva no meu rosto.

Me sentindo livre.

E grata por estar viva.

Por ter feito aquele caminho e chegado até ali. Com Nolan e Emma e toda nossa vida pela frente.

Ouvi a risada de Nolan acima da chuva e me joguei pra dentro de novo.

E eu me inclinei e beijei seu rosto deitando a cabeça em seu ombro.

— Vamos pra casa.

 

 

                                                   Juliana Dantas         

 

 

 

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