Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Voluntários Para Frago / Kurt Brand
Voluntários Para Frago / Kurt Brand

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Voluntários Para Frago

 

O grande Mehek quer protegê-los.

Não sabe que são os terranos.

O Império Arcônida não morreu com a destruição do regente robotizado; pelo contrário, foi revitalizado pelo espírito jovem dos terranos. É claro que esta metamorfose política — a passagem do Grande Império multimilenar para protetorado da Terra — não se efetuaria sem pequenos pontos de atritos. Mas estas dificuldades todas, enfrentadas calmamente por Perry Rhodan e seus auxiliares, desapareciam perante os perigos que iam surgindo de repente das profundezas do espaço intercósmico, entre as galáxias.

Aí estão os invisíveis, com quem os terranos já tiveram encontros bélicos e aí estão as naves gigantescas, monstros disformes mas quase invulneráveis, “Os Assassinos do Hiperespaço”.

Já se passaram sete semanas desde a destruição atômica do planeta Mecânica, e os especialistas terranos que se apoderaram dos destroços de uma das naves fragmentárias, não perderam tempo. Descobriram que os robôs destas estranhas naves não eram meros autômatos mecânicos.

Sim, um jovem especialista em robôs, chamado Van Moders, diz mesmo que os “pos-bis” possuem uma “engrenagem hipertóictica”. Para provar sua teoria, Van Moders se apresentou como voluntário para Frago.

 

                                               

 

Ole Hannussen, chefe do Departamento de Biologia Estrutural de Terrânia, já perdera o costume de se surpreender com as visitas do rato-castor Gucky. Mesmo a maneira estranha de Gucky se locomover de um lugar para o outro, não lhe parecia mais novidade. Por isso, mal olhou agora, quando o ar cintilou na sua frente.

— Então, meu caro, de novo por aqui?

Ole Hannussen não esperava resposta à sua pergunta. De novo debruçado sobre suas tiras perfuradas, lia os sinais codificados e relatava as últimas interpretações dos computadores de sua divisão.

Gucky perguntou com seu jeito brincalhão:

— Alguma novidade sobre estes nojentos robôs, Ole?

— Gucky, você sabe ler os pensamentos, não é verdade? Por que me está perguntando, então?

Com uma franqueza quase chocante, a resposta de Gucky foi:

— Porque gosto muito de você e finalmente sei me comportar como um ser educado.

Disse estas palavras, com sua voz chiada, e tão naturalmente que Ole teve que rir cordialmente.

— Lembro-me, porém, de ter ouvido dizer que Mr. Bell ainda ontem chamou o Tenente Gucky de “bisbilhoteiro de pensamentos alheios” e de “anão de jardim”.

O dente de roedor já estava à vista e Gucky chilreou:

— Muito bem! No tocante ao “bisbilhoteiro de pensamentos”, não quero contradizer o gorducho, mas pelo fato de me chamar de “anão de jardim”, ainda vamos acertar as contas.

Ole Hannussen não levou a sério a ameaça de Gucky, pois todo mundo sabia que estas aparentes hostilidades eram mera brincadeira e que os dois eram sinceros amigos de longa data.

O biólogo Bannussen empurrou para o lado as fichas do computador e virou a sua poltrona giratória totalmente para o rato-castor, a fim de responder sua primeira pergunta.

— Os robôs que você chama de nojentos são milagres positrônico-biológicos, meu caro...

— Mesmo assim, não os suporto, Ole. É inútil você querer ressaltar seu valor. Nem Perry Rhodan conseguiu até hoje modificar minha opinião a respeito. E quando você classifica estas máquinas de verdadeiro milagre positrônico-biológico, então devemos estar preparados para qualquer aborrecimento.

— Não vou dizer que não teremos aborrecimentos, meu caro. O chefe me chamou há poucos instantes...

Gucky o interrompeu.

— Sei disso, estou vindo de onde ele está, e gostaria de obter umas informações de você. O que é propriamente setor de sentimento, Ole? Os robôs podem ter sentimento?

O cientista fez que sim. E Gucky ficou admirado e em seguida se refestelou na poltrona, dando a entender com isto que pretendia ficar ali por mais algum tempo. Mas esta visita de Gucky não molestava de maneira alguma o cientista, pois percebia que Gucky o procurara somente com o intuito de ficar bem a par dos acontecimentos com os robôs aprisionados no planeta Mecânica.

Atento, Gucky ouvia as explicações do biólogo, e este concluiu assim:

— Trata-se aqui de robôs controlados positrônica e biologicamente, e estes dois setores não estão ligados entre si, mas dispõem de um sistema até hoje completamente desconhecido para nós. Sistema este que trabalha na base de hiperimpulsos. Você compreende o que significa isto, Gucky?

E o rato-castor respondeu sério:

— Sim, calculam muito mais depressa do que a polícia permite. E a polícia somos nós. Com tudo isso, estes robôs se tornam ainda mais antipáticos. Este tecido nervoso vive mesmo ou recebe apenas uma pseudo-vida através de impulsos eletropositrônicos? Qual é sua opinião, Ole?

— Vive, Gucky. É uma unidade autárquica, com capacidade de vida própria. Mas para nós cientistas causa perplexidade o fato de que este complexo de tecidos nervosos, que encontramos em cada robô, não contém nenhum componente elementar dos nervos. Com a interpretação insofismável de nossas instalações positrônicas, que confirmam nosso raciocínio, estamos diante do fato de que estas formações de tecido são um desconhecido plasma variável.

— Quer dizer então um “homo mechanicus”? — perguntou Gucky. — Homens mecânicos com inteligência?

— Não, mas com sentimento. A inteligência é de natureza eletrônica. No entanto, esta é liberada pelos sentimentos com que está intimamente ligada. Falando mais precisamente, é através dos impulsos do plasma que a eletrônica recebe o comando que a coloca apta para agir de acordo com sua programação.

“Gucky, esta positrônica tem consciência própria, no sentido humano, e nós temos que aceitar esta realidade, por mais incrível que pareça. Através deste impulso constante, ela compreende a si mesma, sabe que existe. E desta autoconsciência nasce algo semelhante a um instinto de conservação. Este, por sua vez, faz com que ela construa novos robôs e com a produção de novos robôs vem a intenção de melhorar o que já existe e de unir cada vez mais estreitamente, por meio da Eletrônica, o mecânico com o biológico, portanto, com o plasma celular.”

— Ole — interrompeu Gucky a profunda explanação do cientista — você está afirmando então, com toda honestidade, que os robôs são os inventores ou descobridores deste tecido nervoso?

— Seria ruim, Gucky — respondeu o cientista com toda objetividade — se tivéssemos pelo menos uma suspeita de que assim fosse. Não, este plasma nervoso que possibilita o sentimento é possivelmente um produto da criação de seres racionais. Agora, como os próprios robôs mais tarde conseguiram reproduzi-lo e talvez mesmo aperfeiçoá-lo, ainda não conseguimos descobrir...

— Mas, se esta invenção do diabo é uma coisa viva, Ole, por que razão leva estes nojentos robôs a atacar todos os seres vivos? Devia ser o contrário, todos os seres orgânicos deviam ser como um ímã, no sentido positivo, para estes semi-seres orgânicos.

Com este argumento, Gucky provava que, no tocante à argúcia e quociente intelectual, não ficava devendo nada a ninguém e que raciocinava dentro das normas humanas.

— Sua objeção tem fundamento, Gucky; infelizmente, porém, ainda não estamos em condições de responder. Não se pode admitir uma falta de lógica num robô, mas neste caso, parece existir um procedimento ilógico por parte dos robôs. Com a ajuda de nossos mutantes, pôde ser constatado cientificamente, portanto sem a menor sombra de dúvida, que o plasma do pensamento emite fortes impulsos de sentimentos e que tais impulsos fazem com que a positrônica dos robôs ataque toda vida real. E assim chegaríamos de novo à pergunta do por que isto.

Depois de alguns momentos de reflexão, Gucky voltou ao assunto:

— Acho que nos é necessário fazer o maior esforço para que possamos responder, o mais depressa possível, a esta pergunta, pois, no momento, está tudo pendendo de fios de seda. Mas, muito obrigado, Ole, por suas explicações. Tenho que desaparecer agora, para ouvir algo diferente. Ainda vou chegar a tempo de assistir às lendas infantis na televisão.

Ole Hannussen, sem o querer, consultou o relógio. Era exatamente a hora do noticiário nas televisões da Terra. Por isso, perguntou espantado:

— Lendas infantis, Gucky? Não, nesta hora entram os...

A visão do dente-roedor do rato-castor o obrigou a calar. Ole Hannussen imaginava coisas ruins.

— Neste horário começam as lendas, que outros chamam de noticiários. Ainda hoje de manhã ouvi que as relações diplomáticas com o Império Arcônida nunca estiveram tão boas como agora e que o Imperador Gonozal VIII goza cada vez mais de popularidade no Grande Império.

Na realidade, porém, o pobre rapaz tem que dar graças a Deus por não ter sido ainda assassinado por sua própria gente. A situação nunca esteve tão efervescente como no presente.

Nem mesmo nosso chefe, Rhodan, anda sossegado. E exatamente numa situação desesperada assim é que surgem estes pos-bis, os desgraçados robôs semivivos. Não, no momento não quero pensar neles.

Vou me despedir para a hora das lendas infantis. Até logo, Ole!

Gucky sumiu de sua poltrona, onde sentara com todo conforto, deixando para trás um biólogo pensativo. Ole Hannussen estava muito longe de menosprezar as palavras de Gucky sobre a situação política do cosmo. O fenomenal animalzinho pertencia à intimidade de Rhodan e de outros grandes líderes terranos e, se um elemento do Exército de Mutantes chamava o noticiário oficial de “lendas infantis”, então a situação na Nebulosa M-13 devia estar mesmo bem preta.

Sem contar, naturalmente, com a novidade dos pos-bis.

 

Abanando a cabeça com certo pessimismo, Reginald Bell olhava a tela de projeção estereoscópica, de tamanho reduzido, que apresentava com grande fidelidade a Nebulosa M-13.

Por onde quer que olhasse, via sistemas siderais envoltos em cúpulas luminosas. Cada cúpula de luz representava um setor dentro do Império Arcônida onde existiam movimentos de revolta ou mesmo guerra civil declarada contra Árcon.

Ontem, três novos círculos vermelhos foram assinalados no mapa.

— Até quando vai continuar esta situação, meu velho amigo Atlan? — perguntou Bell, num longo suspiro.

Quase cem mil belonaves de todos os tipos estavam engajadas em ações contínuas, para evitar, pelo uso das armas, o desmoronamento total do Grande Império. Mas mesmo esta frota imensa não bastava para manter o poder e a determinação em todos os pontos de comoção política.

Muitos milhões de terranos emigraram para o Grande Império para lá ocuparem altos cargos na política e na administração. E a partir do momento em que o cérebro robotizado de Árcon foi destruído, caiu-lhes nas mãos, de uma hora para outra, uma missão quase impossível. Mas com o fantástico senso de improvisação que distingue os terranos de todas as raças humanóides da Galáxia, logo se adaptaram às novas contingências, a fim de evitar o caos na M-13. Foi-lhes, no entanto, inviável dominar as aspirações de autonomia de muitos povos que formavam o mosaico arcônida e fazer calar os gritos de: “Fora com os arcônidas!”

A projeção em terceira dimensão na sala da diretoria do quartel-general da Defesa Solar deu a Reginald Bell um quadro fiel da situação cosmopolítica na Constelação de Hércules. A trinta e seis mil anos-luz da Terra, este reino gigantesco parecia não representar nenhum perigo para o Império Solar. Mas, no entanto, a existência dos terranos dependia em muito da continuação da ciclópica formação estatal de Árcon. Na realidade, Árcon não era mais do que a continuação do Império Solar, que, de acordo com o pensamento de Rhodan e de Atlan, somente teria viabilidade de continuar existindo, colocando-se totalmente sob a hegemonia dos terranos.

— É uma coisa de se ficar louco... — dizia o gorducho de olhos arregalados, muito alarmado diante de uma nova luz vermelha. Olhava para o lado direito. Ali surgia um novo setor de oposição ao regime de Árcon, incluindo o sistema de Biljok, distante 395 anos-luz de Árcon.

O planeta Tantak, o terceiro do sol Biljok, sublevava-se agora contra o governo central e o Imperador Gonozal VIII.

Dentro de duas, no máximo três horas, haveriam de surgir sobre Tantak os couraçados, espaçonaves fortemente armadas, com os símbolos do imperador. Certamente nem chegariam a dez unidades.

Bell sentiu que tinha nos lábios um sorriso amargo. Lamentava pelos comandantes espaciais terranos que dirigiam estes comandos, sabendo de antemão que não podiam fazer nada.

O Império Arcônida não passava de uma formação oca, sem vida.

Bell se lembrou do que, há uma semana, dissera a Rhodan: “Temos que nos conformar com a idéia de, mais cedo ou mais tarde, perdermos todas as ligações para com Árcon e seu imenso império. Acho que Atlan aguarda nossa decisão a cada momento.”

Perry Rhodan olhara pensativo para seu amigo, esboçando um leve sorriso, dizendo algum tempo depois: “Não, Bell! Se perdermos Árcon e seus mundos todos, estaremos também perdidos. Não lutamos por Atlan e seus arcônidas decadentes e contra suas colônias, atualmente rebeladas, mas sim pela existência dos homens que confiam cegamente em nós.”

Bell estava pensando nestas palavras de Rhodan, quando o intercomunicador o chamou. Ele se apresentou.

— Senhor, o chefe deseja sua presença numa reunião na base da Frota 4-11.

— Isto é Lunaport, não é? — perguntou Bell.

— Perfeitamente, senhor! A base da Frota 4-11 é na Lua. A reunião está marcada para dezesseis horas e vinte minutos, tempo padrão.

Enquanto agradecia a comunicação, Bell olhou para o relógio. Até o início da conferência, restavam-lhe seis minutos.

Tinha mesmo que rir, quando, em pensamentos, voltava a cento e cinqüenta anos atrás. Naquele tempo, o salto para a Lua era o grande acontecimento que os homens aguardavam. Agora não era mais necessário nem um segundo para se ir da Terra á Lua. Bastava se utilizar de um transmissor fictício, com portão em arco, construído de acordo com um velho modelo acônida. Era entrar no portão e chegar à Lua no mesmo instante.

Um minuto antes da hora marcada, Bell penetrou no salão da base da Frota 4-11, onde Perry Rhodan falava com alguns homens. Perry olhou rapidamente para Bell.

— Tema: planeta Mecânica. Estes senhores e seus colaboradores, Bell, se empenharam em examinar todos os componentes da nave fragmentária abatida e encontraram o comandante do estranho aparelho, naturalmente um robô, mas com um aparelhamento complicadíssimo de suma importância. E o que considero muito relevante: equipado com uma quantidade tal de plasma nervoso que excede duas ou três vezes tudo que descobrimos nos pos-bis até hoje. Os dados resumidos que pude ouvir, não nos são nada auspiciosos. Além do mais, o que causa muita preocupação aos nossos colaboradores são os tais circuitos que operam à base dos assim chamados hiperimpulsos. Aqui está o nosso doutor Mantec...

— Já nos conhecemos — interveio Bell, notório por sua grande memória para gravar fisionomias e nomes.

— Doutor Mantec constatou que estes hiperimpulsos, que se ativam constantemente através dos fluxos de sensações do tecido nervoso, são a razão para o pensar e agir produtivos dos pos-bis.

Bell se acomodou numa poltrona e passeou os olhos dos quatro especialistas até Rhodan e dirigiu-se a todos:

— Uma pergunta... Estes pos-bis podem representar perigo de vida para nós?

O técnico em robôs hesitou em tomar posição a respeito, o que Rhodan notou logo.

— Pelo menos enquanto não soubermos qual é a pátria de origem desses robôs e qual é seu número, constituirão séria ameaça não somente para o Império Solar, mas também para Árcon. Coloco-os no mesmo plano que os invisíveis, ou laurins, como perigo iminente. Não devemos esquecer como são estas naves fragmentárias, estes monstros, cuja capacidade bélica não podemos menosprezar, como já nos foi sobejamente provado.

“O que eleva estes pos-bis muito acima dos inúmeros tipos de robôs que encontramos até hoje é o fato de que dispõem também de um componente orgânico. Se não quebrarmos a cabeça agora sobre a questão de como este plasma nervoso é produzido artificialmente por homens-máquina, ou robôs, e ao invés disso ficarmos limitados em saber as conseqüências resultantes deste plasma, então até mesmo um leigo no assunto deve caçoar de nós.

“Até hoje, nunca houve robôs com sentimentos, ou falando mais exatamente, nunca os encontramos, pelo menos. Uma união mais intima entre a positrônica e substâncias orgânicas poderia produzir nos pos-bis determinadas propriedades que nos trariam graves perigos. Se os sentimentos deste tipo, produzidos artificialmente pelo plasma, são de efeito desinibidores ou ativantes sobre a positrônica, é uma coisa que tem que ser observada ainda. Qualquer que seja o resultado, acho que no momento os pos-bis são muito mais perigosos que os laurins.”

— Com os diabos! — exclamou Bell, indignado. — Será que os laurins e os pos-bis não podiam vir um de cada vez? Exatamente agora que o Império Arcônida nos dá tanto trabalho!

— Provavelmente — disse Rhodan com uma ponta de ironia — os acontecimentos às vezes se precipitam e se acumulam, meu caro Bell, para que nós não enferrugemos nem engordemos demais. Aliás, o doutor Mantec e o nosso biólogo Hannussen iniciaram em trabalho conjunto uma série muito interessante de testes e na tricentésima nona experiência obtiveram sucesso.

“Nesta tentativa trezentos e nove é que se apóiam nossos especialistas em radiotelegrafia. Garantiram-me, há pouco menos de uma hora, que até amanhã ao meio-dia terão construído um aparelho transmissor e receptor para entendimento, por meio de símbolos, com os pos-bis.”

— Que é isto, Perry? Será que cada pos-bi é também uma estação de rádio? — perguntou Bell, desapontado.

— Não uma estação de rádio no sentido comum. Quer dizer, nós homens invertemos totalmente o conceito rádio e fizemos desta invenção técnica uma coisa normal, sendo, porém, que cada um de nós é uma estação transmissora e receptora, somente que na maioria dos homens os dons telepáticos se atrofiaram. Resumindo, Bell: captaremos nos impulsos positrônicos também os impulsos dos sentimentos provenientes do plasma nervoso. Vamos decifrá-los por intermédio de um tradutor-simultâneo e pela mesma via transmitiremos os nossos impulsos, naturalmente vertidos nos símbolos deles.

Os olhos de Bell tinham um brilho eufórico.

— Quando começará isto?

Para ele, estava mais do que certo que Perry Rhodan queria descobrir a todo custo de onde é que os pos-bis saíam com suas naves fragmentárias.

— A ação contra os pos-bis poderá começar assim que estiverem terminados os preparativos técnicos e contarmos, naturalmente, com um comando de voluntários. Meus senhores — voltou-se mais para os cientistas — têm ainda alguma comunicação a fazer?

Os especialistas interpretaram a pergunta de Rhodan como uma espécie de despedida, porém, antes de deixarem o recinto, Rhodan lhes agradeceu de coração pelos trabalhos realizados.

Assim que a porta se fechou atrás deles, a impetuosidade de Bell se manifestou:

— Perry, velho e astuto caçador de almas! Agora pare um momento, meu caro, não quero que você desconverse nem venha com sofismas velhacos de que tudo não passou de um golpe psicológico. Você, de novo, lavrou um tento, uma obra-prima, na arte de conduzir os homens.

Perry olhou sorrindo para o velho amigo.

— Você acha que é isto? E por que você não segue nunca meu exemplo? Só o fato de chamar Gucky de “anão de jardim” é um tremendo erro psicológico.

— Ah! Este rato-castor já fez intriga de novo a meu respeito? Ele que espere, vai ter uma grande alegria.

— A mesma coisa ele disse a seu respeito, meu gorducho, não vá se expor a outra escaramuça.

Neste momento, a porta se abriu e entrou o chefe da Defesa Solar, Allan D. Mercant. Pediu desculpas pelo seu atraso.

— Tive de fazer com que o quartel-general aprontasse um grupo de combate bem aguerrido para o planeta Mytox, no setor dos ekhônidas Aar-Tua. Vai chegar ainda bem a tempo de fazer malograr o planejado ataque dos ekhônidas contra a colônia terrana. Os transmissores de rádio da Defesa Solar em Mytox estão mudos há já quatro horas, tempo normal.

— Mytox? — repetiu Rhodan pensativo. — Mercant, não é este o planeta do sistema de Árcon que está sob suspeita de abrigar uma estação clandestina dos antis?

— Perfeitamente. Esta estação deve ter sido explodida ontem. Como comunicou o serviço de vigilância em Mytox, julgavam haver detido todos os antis, mas provavelmente meus colaboradores foram vítimas de um grande engano, pois o fato é que no momento a vida de vinte mil terranos está em perigo.

— Mantenha-me sempre a par dos acontecimentos em Mytox, Mercant.

Neste momento, Rhodan sentiu como no seu ativador celular embutido no peito jorrou um fluxo de força regeneradora por todo o corpo.

Sempre que este pequeno aparelho prolongador da vida, que não era maior do que um ovo, começava a trabalhar mais sensivelmente, Rhodan se lembrava do misterioso Ser coletivo do planeta Peregrino, um mundo artificial. Esta recordação lhe trazia à mente a primeira vez que se encontrara com o estranho ente que dera a ele e a mais outros terranos o grande dom da imortalidade relativa.

Automaticamente levou a mão ao peito e os dedos tentavam alcançar o ativador através da roupa — um movimento reflexo de Perry Rhodan, já muito familiar a Reginald Bell e a Allan D. Mercant. Estes dois, como os demais que possuíam o ativador, tinham que, a cada sessenta e dois anos, visitar de novo o planeta Peregrino para a ducha celular, prolongadora da vida. Atlan e Rhodan eram os únicos que não estavam sujeitos a esta renovação periódica, por disporem do incrível aparelho.

Com um olhar quase de inveja, Bell e Mercant observaram o movimento reflexo de Rhodan.

Rhodan, o Administrador do Império Solar, não podia realmente abafar um sentimento mais do que humano de orgulho indescritível de ser o único portador de um ativador celular. Um raio de luz inundou seus olhos castanhos e seus traços fisionômicos se descontraíram num sorriso.

Foi até a janela e, pensativo, contemplou a paisagem.

Lá fora se estendia a perder de vista a grande base da Frota 4-11, que era uma das vinte e quatro destas fantásticas instalações terranas na Lua. Somente nesta base 4-11 podiam aterrissar quinhentos supercouraçados com o respectivo aparelhamento de defesa.

A base 4-11 oferecia um quadro imponente dentro dos duzentos quilômetros de diâmetro daquela planície cercada por um paredão circular de montanha, cujos picos mais altos penetravam dois mil metros no céu frio e cintilante. Apenas pequena parte das instalações da base lunar estava a céu aberto, ou seja, na superfície. Ainda por um quilômetro no subsolo, se espalhavam, em compartimentos subterrâneos de uma amplidão descomunal, vários depósitos de peças de reposição, usinas elétricas e os super-resistentes abrigos anti-aéreos, previstos como abrigo contra um destruidor ataque do espaço.

Somas incalculáveis de dinheiro foram investidas na Lua, o estaleiro da Frota Solar Terrana.

Mas a imensa obra estava longe de estar completa nas infindáveis instalações fabris de armas e supernaves. Era apenas o começo.

A situação na Galáxia exigia todo este esforço e principalmente depois do aparecimento dos laurins nos confins da Via Láctea, mais do que nunca. Esta situação se agravou ainda mais com os pos-bis e suas naves fragmentárias, sem falar, naturalmente, da terrível ameaça do Sistema Azul que pairava como a espada de Dâmocles sobre os terranos e arcônidas.

Guerra — Guerra — Guerra.

Era o pensamento de Rhodan no momento. Mas, com muito orgulho, podia afirmar que a palavra guerra tomara com ele um outro sentido. As ações militares dos terranos nunca tiveram, em lugar nenhum, como conseqüência um banho de sangue, nunca deixaram para trás milhões de pessoas na miséria e no desespero.

Conseguira impor sua mentalidade, às vezes, contra a oposição dos militares.

— Queira ou não queira, tenho que enviar um comando para esta região — disse Rhodan de repente em voz alta, sem se dar conta de onde estava.

— Quem é que você vai mandar para esta missão, Perry? — perguntou Bell, meio assustado. — De que comando você está falando?

Perry Rhodan, que já como jovem oficial da Força Aérea dos Estados Unidos era conhecido por suas resoluções rápidas, nem se assustou com a pergunta de Bell. Virou-se calmamente para o baixote e gorducho:

— Estou falando da operação iminente nos confins da Via Láctea, lá fora, no espaço sem estrelas, uma equação feita quase exclusivamente de incógnitas... Quando penso que uma vida humana não tem preço, fica-me terrivelmente difícil dar ordem para uma missão assim.

— Perry, nós dois não podemos mais fazer tudo sozinhos. Este tempo já ficou bem para trás. Já não provamos em milhares de ações que sempre enfrentamos o perigo sem olhar para nós mesmos? A dedicação de toda a nossa vida nos dá hoje o direito de ordenar aos outros que enfrentem o perigo. Este direito nos impõe o dever de fazer todo o possível para que os comandos retornem sãos e salvos. Diga-me uma coisa, será que Atlan pegou a doença em você? Foi dele que ouvi, há pouco tempo, algo semelhante.

E Bell ficou olhando desconfiado para Rhodan, enquanto Mercant se mantinha calado, mas observando tudo com atenção. Compreendera melhor Rhodan, e muito mais rapidamente, do que Bell. No íntimo, estava dando graças a Deus pelo fato de os destinos dos homens estarem em mãos de um homem de tamanho senso de responsabilidade.

— Não, Bell, Atlan não me contagiou. Também não sei nada das intenções que talvez lhe tenha comunicado. Mas isto quer dizer apenas que somos talhados da mesma madeira. Mas vamos agora ao assunto. Esta meia hora de conversa particular não estava na minha agenda, e daqui a vinte minutos tenho que receber a delegação dos Uclé-lés.

— Uclé-lés? Santo Deus! Que é isto? Nunca ouvi este nome.

Em lugar de Rhodan, quem respondeu foi Allan D. Mercant:

— Os Uclé-lés são um ramo derivado dos antis, que até hoje nós incluíamos entre os comerciantes galácticos, porque de fato são difíceis de serem distinguidos, até que os próprios saltadores nos chamaram a atenção a respeito. Passamos então a observá-los melhor. Conforme tudo indica, estamos diante de uma raça que pode muito bem cooperar honestamente com o Império Solar se dermos a esta gente uma certa autonomia que nunca teve entre os saltadores.

— Puxa...! — exclamou Bell, olhando um tanto agastado para Mercant. — Posso solicitar ao chefe da Defesa Solar que deixe chegar até mim também notícias deste tipo.

A resposta de Allan D. Mercant veio serena e em voz normal:

— Se não me falha a memória, encontra-se ainda no meu arquivo a mensagem sobre a descoberta dos Uclé-lés e posso afirmar que contém seu jamegão.

— Sim, mas... — Gaguejou Bell excitado, para perguntar logo depois: — Santa Via Láctea! O que é mesmo um jamegão, Mercant?

— Jamegão é um termo popular que significa rubrica ou assinatura em traços rápidos de caligrafia.

No olhar do ministro da defesa se lia um ar de gozação.

— Eu então andei cochilando, e você agora, Mercant, me envergonha assim na frente de Perry...!

— Você acha mesmo? — interrompeu-o Rhodan, sorrindo. — Pensa que este é o primeiro caso deste tipo? Por que você assina processos que não lê? Mas agora, faça o favor de mandar chamar o Capitão Brazo.

Para Bell, tal pedido foi um bom motivo para se safar daquela situação desagradável. Dirigiu-se ao intercomunicador e disse que o Capitão Brazo estava sendo esperado pelo administrador.

Não foi preciso fazer nenhum comentário, pois, embora Brazo Alkher fosse simples terceiro-oficial de vigilância, pertencia à nave Teodorico, a capitânia de Perry Rhodan.

 

Há dez anos, Brazo Alkher era o mais jovem oficial da nave Fantasy, aquela esfera de duzentos metros de diâmetro com a primeira propulsão linear.

Hoje, dez anos depois, Brazo Alkher continuava o mesmo jovem esbelto de antes, não tendo perdido durante este tempo sua modéstia e discrição. Externamente era exatamente o contrário de um herói ou de um homem de grande valentia. Nem mesmo o mais atento observador jamais veria nele o calculador frio e meticuloso ou o homem intrépido e inabalável que, na hora certa, agia com a precisão de um computador. Em toda a Frota Espacial Solar não havia melhor oficial no comando da artilharia.

Provara suas qualidades por um sem-número de vezes e nunca procurou tirar vantagens de seu comportamento fora de série.

Tomara lugar em frente de Rhodan, de Reginald Bell e de Allan D. Mercant, o Ministro da Defesa.

— Você fuma, Alkher? — perguntou-lhe Rhodan, estendendo-lhe cigarro e isqueiro.

O capitão de aparência jovem agradeceu.

— Alkher, pedi para você vir aqui para me informar se está disposto a se oferecer voluntariamente para uma missão. Faço questão de frisar a palavra voluntariamente.

Brazo levantou a cabeça e olhou firme para seu chefe. Antes que pudesse responder alguma coisa, Rhodan continuou:

— Trata-se de um comando com “passagem para a eternidade” quase garantida, de enorme periculosidade, meu caro.

Rápido e firme como um disparo de arma automática, disse o capitão:

— Não resta mais nada para ponderar, já dei meu compromisso de aceitar a missão.

— Mesmo assim, Alkher, não o tomei em consideração — disse Rhodan. — Você nem sabe para onde esta missão o levará. É um comando composto por dez homens, bem planejado. O aparelho será uma nave reconstruída: um cruzador leve, da frota arcônida. Destino: o espaço intercósmico nas proximidades do sol Outside. Objetivo: entrar em contato com os pos-bis, isto é, fazer uma tentativa de se deixar arrastar para dentro de uma nave fragmentária.

Quando Perry terminou estes últimos dados, Brazo Alkher estava pálido como defunto, respirando aos borbotões. Ficou como grudado na poltrona, entorpecido, até que depois de uns segundos conseguiu falar:

— Senhor...

Mas um gesto de Rhodan o obrigou a parar.

— Brazo — disse o administrador, com voz quase paternal — saiba que ninguém o acusará de covardia, se você agora retirar sua palavra anterior. Sabe perfeitamente que com os pos-bis o negócio não é brincadeira. Os robôs semi-orgânicos são muito mais traiçoeiros do que o indivíduo mais perigoso.

E sabe também que o pos-bi vê em cada ser humano um inimigo que tem de destruir. A menor falha neste empreendimento pode levar a uma catástrofe, mesmo que a Teodorico esteja de prontidão no espaço intergaláctico, pois nem mesmo a nave capitânia pode fazer milagre. Então, tire agora um cigarro e fume tranqüilo e pense no que vai decidir. Eu ainda terei grande admiração por você, Brazo, se me disser neste instante que retira sua oferta anterior.

Alkher caminhou até a janela e lá de cima olhou para a imensa base lunar 4-11.

Um pouco afastada das demais naves, lá estava à esquerda a Teodorico, sustentada pelo circulo duplo de seus suportes telescópicos, a mais moderna nave do Império Solar, com seus mil e quinhentos metros de diâmetro penetrando no céu frio da Lua.

Brazo Alkher se sentia observado, sentia também que crescia nele a excitação. Pareciam não sair de seus ouvidos as palavras daquela frase: “...fazer uma tentativa de se deixar arrastar para dentro de uma nave fragmentária.”

Isto queria dizer: Uma vez lá dentro da nave fragmentária dos pos-bis... desaparecer para sempre no espaço intergaláctico!

Isto queria dizer: A nave capitânia Teodorico, em permanente prontidão, não estaria em condições de seguir o caminho da nave fragmentária, pois os aparelhos dos pos-bis, ao entrarem no hiperespaço, não produziam abalos estruturais.

Isto queria dizer: Missão sem retorno; caminhada voluntária para a morte!

Num movimento brusco, Brazo Alkher se virou para os três homens, sentados à mesa.

— Então? — ouviu o chefe perguntar.

Brazo Alkher respirou fundo. Tentou falar, mas parecia ter alguma coisa entalada na garganta.

Pigarreou nervoso, encheu de novo os pulmões, para dizer:

— Senhor, apresento-me voluntariamente... Senhor, por favor, note que estou acentuando a palavra voluntariamente.

As feições do jovem capitão estavam sérias demais, para alguém poder achar graça no seu modo de falar.

Rhodan foi ao seu encontro, colocou-lhe a mão no ombro e retorquiu:

— Brazo, não cabe aqui nenhuma palavra de agradecimento.

Sentia a forte pressão da mão de Rhodan em seu ombro. Depois voltaram os dois juntos para os homens sentados à mesa. Rhodan olhou para o relógio:

— Posso transferir para amanhã cedo meu próximo compromisso e com isso terei ainda três quartos de hora para conversar. Pergunte tudo que você quiser, Brazo, e exija o que achar necessário. Não se esqueça de que com você irão mais nove homens e reflita um pouco quem é mais indicado para isto, supondo que se apresente espontaneamente. Acompanhe os serviços de adaptação que estão sendo feitos na espaçonave arcônida e se alguma coisa não lhe agrada, comunique-se comigo e nós discutiremos em conjunto. Esqueça sua modéstia e pense muito mais no provérbio que diz que a vida humana, não há dinheiro que pague. De acordo com este pensamento, devem ser feitos os preparativos, pois você vai ser o chefe de todo o comando. Depois de mim, você é que arca com mais responsabilidade em todo o empreendimento. Você nos compreendeu, Brazo?”

Os olhos do jovem oficial se encheram de brilho, quando, olhando de frente para seu chefe, e em posição de sentido, disse:

— Senhor, nós nos entendemos perfeitamente.

 

Foi trazido para os estaleiros espaciais da Lua um cruzador leve das espaçonaves robotizadas de Árcon, para ser totalmente reformado de acordo com planos especiais.

A nave já estava com nome novo e no catálogo da frota constava com a denominação de Alta-663.

Externamente não se alterou nada no aparelho, mas em compensação, foram muitas as transformações no interior. Um exército de operários robotizados, sob a direção de técnicos e engenheiros, começou a montar a ligação da central de comando com duas estações de controle. Paredes e tetos foram desmontados e recintos contíguos foram muito modificados em suas dimensões, para servirem aos novos objetivos.

Brazo Alkher, que instalou o seu quartel-general na Alta-663, estava dia e noite acompanhando as obras. Observava no momento como se montavam as duas cúpulas arredondadas da sala de comando, cúpulas estas que serviriam para abrigar cinco homens. No interior da concha, em espaço menor, instalou-se uma nova estação de controle, bem diferente das arcônidas que foram desmontadas.

O comando totalmente automático, que reagia somente aos impulsos positrônicos, foi deixado como estava, mas podia agora ser desligado parcialmente e estava em condições de ser manipulado pela tripulação. A Alta-663 podia, pois, voar plenamente robotizada ou com controle manual.

O aparelho mais importante, porém, era o tradutor-simultâneo, um conjunto que operava nos dois sentidos, isto é, criava os sinais simbólicos dos pos-bis e, ao mesmo tempo, os decifrava. Caso este aparelho falhasse durante a operação, Brazo Alkher e seus homens não teriam mais esperança de voltar ao sistema solar. O capitão confiava cegamente nos cientistas e técnicos que construíram e submeteram a rígidas provas de longa duração o novo tradutor-simultâneo, mas apesar de tudo não ficava livre de um sentimento desagradável que sempre lhe invadia o coração, quando, ali de pé, fazia seus testes de utilização.

Umas tantas vezes se surpreendeu, em vôos de fantasia, comparando os pos-bis com os laurins, sendo que os últimos sempre se destacavam melhor do que esses monstruosos robôs positrônico-biológicos.

Pensativo, olhava na central para os portões em arco dos transmissores fictícios: saída de emergência, como dissera ontem num assomo de humor macabro. Mas durou pouco seu vôo de fantasia.

Ouviu surpreso o comentário jocoso do engenheiro-chefe:

— Que é isto? Então o chefe escolheu alguém que está tremendo de medo dos pos-bis?

O engenheiro não conhecia Brazo Alkher. O jovem capitão não tinha medo de sua missão, simplesmente não era um louco para fechar os olhos diante dos perigos de um empreendimento de tal monta, dizendo a si mesmo que tudo estava perfeito.

Entrou novamente no posto de comando. Oito robôs ali estavam ocupados em instalar três absorvedores mentais de grande capacidade, cujo objetivo era impedir que as vibrações individuais da tripulação de dez pessoas transpusessem as paredes de aço das cúpulas e fossem rastreadas pelos pos-bis. O terceiro absorvedor de vibrações mentais protegia o corredor de ligação que unia secretamente as duas cúpulas.

Para se obter este corredor, foi necessário abrir outro sob o piso da própria central de comando, o que obrigou a grandes mudanças nos aposentos do convés inferior.

Gastaram-se muitos milhões para a transformação e nova instalação da Alta-663, mas não se mudou nada no velho sistema de propulsão por saltos de transição.

Brazo Alkher, abstraído em seus pensamentos, levou um susto quando o ar cintilou à sua frente e dele surgiu Gucky.

O pequeno animal, numa linguagem muito sibilante, lhe disse:

— Brazo, se você agora não me colocar num desvio morto, ficaremos inimigos.

Os traços fisionômicos do jovem oficial estampavam a surpresa e a confusão. Não estava entendendo nada.

— Gucky, não estou entendendo nada. Quem deve colocar quem e onde?

O pequeno animal, de aparência cômica, metido num uniforme de tenente da Frota Solar, ergueu a cabeça de rato e botando as mãos na cintura explicou:

— Venho de Perry, que me tocou para fora. Agora você tem que me ajudar, Brazo. Ou também você não quer?

O espanto de Alkher aumentava cada vez mais.

“Que aconteceu com Gucky”, pensava ele, sem achar explicação. “É o melhor leitor de pensamentos entre todos os telepatas que temos. Por que não penetra nos meus pensamentos? Veria, então, que tudo que diz não passa de asneira e, depois, que não tenho a menor idéia do que ele quer. De que maneira posso ajudá-lo? E por que o chefe o tocou para fora?”

E com voz bem mais forte, Brazo falou:

— Gucky, você não quer fazer um esforço para se exprimir com mais clareza? Com mais nexo?

— Ah!... — chilreou admirado — então Perry ainda não falou com você? A mim, pelo menos, ele disse que o faria imediatamente.

Brazo teve uma idéia.

— Você veio da Terra para a Lua num salto de teleportação?

— Será que você acha que eu faria este trecho todo a pé? Portanto, preste atenção, meu caro.

Expliquei agora ao chefe que ele tem que aceitar minha apresentação para esta missão. É isso, você não precisa olhar para mim assim, como se eu fosse a oitava maravilha do mundo, o máximo que você pode fazer é me dar os parabéns. Pelo menos, aqui com você não haverá pancada na nuca.

— Epa! Pare um pouco, Gucky — disse Brazo já um pouco impaciente. — Se você não falar mais claramente, não vou decifrá-lo. O que eu vou entender com sua “pancada na nuca”, Santo Deus!

O rato-castor virou os olhos.

— Pancada na nuca é a Iltu. Ah!... Meu Deus... como ela se tornou para mim um pesadelo...

Gucky aqui e Gucky acolá. Iltu comigo de manhã, de tarde comigo, de noite comigo. Onde eu vou ela vai atrás. Brazo, não estou agüentando mais. Eu... por amor de Deus, Brazo, lá está ela sentada no absorvedor lá em cima.

E, numa expressão de verdadeiro desespero, apontou para cima, de olhos arregalados, onde Iltu estava bem empoleirada.

— Pelo menos quero ficar uns dias livre de você — continuou Gucky, virando-se de novo para Brazo. — Não demos importância para ela. E agora estou chegando de Perry Rhodan. Ele não aceitou minha apresentação como voluntário...

— Eu estive antes de você com o chefe — falou Iltu, maliciosa. — Disse-lhe que você se tornou um malandro nos últimos dias, Gucky.

Depois que regressou de Marte, você não é mais o mesmo. Diga de uma vez qual foi a criaturinha, a fêmea, que o fez virar a cabeça!? Mas a mim, você não permite nada, meu querido, meu grande amor Gucky...

Não conseguiu dizer mais nada. Brazo Alkher e os outros cinco homens, que agora estavam na central de comando, desataram a rir. As lágrimas lhes corriam dos olhos. Somente um deles ouviu o xingatório de Gucky e viu quando desapareceu de repente. E quando todos olharam para Iltu, ela também “se evaporara”.

Infelizmente, Brazo Alkher não teve tempo de se preocupar mais com este espetáculo cômico.

Rhodan o chamava no videofone. Alkher correu para a tela luminosa. Apareceu logo o rosto sorridente do administrador.

— Gucky esteve com você, Alkher? — perguntou Rhodan, ainda sorrindo.

— Esteve, Iltu também. Ainda estou chorando de tanto rir. O senhor não aceitou a apresentação dele?

— Não! — o rosto de Rhodan voltou à sua seriedade serena e sempre objetiva. — E este não terá que continuar. Mandei examinar os dados fornecidos por Iltu. Nosso amigo Gucky realmente deu uma escapada galante lá por Marte. Alkher, não ria não!

O aviso de Rhodan parecia mais rigoroso do que realmente era.

— Senhor — explicou Brazo — acho que neste caso não precisamos fazer nada, pois se existe alguém que faz Gucky abaixar as orelhas é exatamente Iltu.

— Esperamos que sim — respondeu Rhodan, que estava falando da Terra. — Jamais me teria metido num assunto deste, se Gucky não tivesse enredado o nome de Bell e o meu em suas histórias mentirosas, que naturalmente tentara impingir a Iltu. É claro que ela desconfiou. Agora encerramos o assunto. Gucky não vai participar da Missão Outside. Passe pelas centrais da 4-11 e procure anotar os nomes dos voluntários. Vinte e quatro homens já se apresentaram para a missão. Procure, entre eles, os nove de que você mais vai precisar.

 

Os dez voluntários se submeteram a um aprendizado hipnótico. Tudo que foi obtido a respeito dos pos-bis pelos especialistas lhes foi transmitido pelo processo de hipnose arcônida.

A Alta-663 estava no espaçoporto de Terrânia, pronta para partir, à sombra da nave capitânia da Frota Solar, a Teodorico.

Rhodan recebera mais uma vez o comando dos dez voluntários. Dois mutantes se encontravam ao lado deles: Wuriu Sengu, o vidente, e Tama Yokida, o telecineta. Brazo Alkher acreditara poder dispensar a presença de um telepata ou sugestionador.

Tentativas de sugestão com a massa do plasma nervoso não deram o menor resultado até então. Os cientistas explicaram este insucesso, primeiro, apontando para a produção provavelmente artificial do tecido nervoso e, segundo, chamando de novo a atenção para o fato de que falta a este plasma, que é o responsável pelas sensações, aqueles quatro componentes essenciais que são de fato a condição básica para a formação dos nervos.

Por que razão, porém, esta substância, apesar de faltarem estes plasmas orgânicos, ainda era tecido nervoso e ainda por cima ativo, não podiam explicar.

Rhodan fez questão de chamar a atenção do comando para estas coisas não muito claras, depois passou a explanar outro ponto que não fora nem mencionado no rápido aprendizado por hipnose.

— Nossos computadores não conseguiram dar nenhuma informação a respeito. Para a gigantesca instalação do cérebro positrônico da Lua, a frase “Vocês são vivos de verdade?” é tão misteriosa como para nós. E não há mais necessidade de discutir que, nesta pergunta dos pos-bis, está a chave do enigma. Mecânica ou o planeta da mecanização não passa hoje de uma nuvem atômica transitória, não tendo nenhuma importância para nós, mesmo que o planeta continue existindo. Vital para nós é o fato de que, após o surgimento dos laurins em Mecânica, apareceram também as naves fragmentarias dos pos-bis.

“Partindo daí, não é difícil chegarmos à conclusão de que existe uma ligação entre os pos-bis e Mecânica, O ataque destruidor das naves dos laurins no planeta foi respondido com a entrada em ação das espaçonaves fragmentárias. Este fato comprova que o planeta foi observado pelos pos-bis. Não sabemos, porém, se esta observação se deu por via radiotelegráfica ou através do setor energético ou, quem sabe, de outra forma qualquer.

“Robôs controlados pelo computador têm apenas um único modo de agir. E os pos-bis são também robôs com cérebro positrônico, não obstante seu plasma nervoso. Dispõem, no seu setor de armazenamento, do conhecimento de que o planeta Mecânica existe ou existiu. Temos que partir destas ponderações.

“A missão de vocês é penetrar no espaço intercósmico, no setor do sol Outside e lá, se assim me posso exprimir, transmitir ondas de sinais simbólicos. Temos à disposição um grande número de fitas gravadas com os sinais de chamada das “Naves da Colheita”. Com o auxílio da positrônica de Vênus e do tradutor-simultâneo, conseguimos confeccionar sinais de rádio para uma chamada que vai transformar a Alta-663 numa Nave Semeadora que está regressando de sua viagem e que chama o planeta da mecanização, comunicando-lhe pesados danos no mecanismo de propulsão. Danos estes que não devem ser especificados. Prestem atenção a este detalhe e não se exponham ao perigo de fornecer dados errados, pois logo serão desmascarados pelos pos-bis. Agora, não lhes posso dar qualquer tipo de conselho ou sugestão de como responder a uma possível pergunta. Só me resta lhes desejar muita sorte e felicidade.”

Perry Rhodan terminara sua exposição.

Brazo Alkher se levantou e, em nome de seus colegas, usou da palavra.

— Senhor, não estaremos sozinhos. Sabemos que a Teodorico estará de sobreaviso. Todos nós lhe agradecemos pela confiança que nos depositou. Tentaremos fazer o melhor possível. Senhor, podemos nos despedir?

O ronco esfuziante dos descomunais motores de propulsão, que vinha do espaçoporto, penetrava até pelo isolamento de som com que estava equipado o edifício da administração. Um grupo de combate de cruzadores pesados, reforçado por cinco supercouraçados, partiu para mais uma missão no Império Arcônida, abalado por dezenas de revoltas simultâneas. Com exceção das reservas de emergência, o ciclópico espaçoporto de Terrânia estava quase vazio, vendo-se ainda a Teodorico e a Alta-663, no preaquecimento das turbinas.

Por dez vezes Perry Rhodan apertou comovido as mãos que lhe eram estendidas. Dez homens notaram como Perry Rhodan sentia ter de se afastar deles.

Saíram sem dizer uma palavra.

Mesmo depois que a porta se fechou atrás deles, Perry permaneceu de pé, olhando naquela direção.

 

Árcon III já estava atrás deles. Uma esquadrilha de modernos destróieres terranos lhes deu cobertura até o momento da primeira transição. O adeus foi dado pelo telecomunicador.

Corria o tempo X para a transição. Há mais de meia hora que Brazo Alkher passara do comando manual para o piloto automático. A positrônica de bordo tinha todos os dados galácticos para levá-los automaticamente na direção do sol Outside. O abismo entre a Nebulosa M-13 e o sol de Outside era a brincadeira de 51.000 anos-luz.

O som metálico do computador da Alta-663 anunciava:

— X menos trinta.

Faltava ainda meia hora para a transição, a primeira de muitas outras. Brazo Alkher virou-se para trás. Três homens estavam com ele na cabina de comando, os outros dirigiram-se para suas cabinas. Ninguém podia se queixar de falta de espaço na Alta-663.

Os pensamentos de Brazo voltaram para Árcon. Haviam ficado lá dois dias. Uma grande equipe de especialistas e cientistas terranos veio trazer o desassossego para a nave e Brazo Alkher e seus homens tiveram que sair de bordo. Num trabalho ininterrupto, todos os instrumentos recém-instalados na Alta-663 foram revisados e experimentados meticulosamente.

Cientistas, técnicos e engenheiros sabiam o que tinham de fazer, mas não imaginavam que missão específica cabia à nave arcônida recondicionada.

Suas perguntas ficavam sem resposta. Ninguém do grupo de voluntários abria a boca. Até que um técnico em impulsos individuais notou os pequenos absorvedores mentais e já no primeiro olhar percebeu seu significado. Chegou até Alkher e perguntou diretamente:

— Capitão, diga-me de uma vez por todas: Que significa tudo isto? Três absorvedores mentais, de uma capacidade inaudita, e agora... estas coisas aqui, certamente uma construção dos agricultores de Marte!?...

— Se o senhor sabe, por que pergunta, Mr. Lawrence? — foi o que respondeu Brazo Alkher, fazendo meia-volta e fechando a porta da cabina atrás de si.

Durou dois dias e duas longas noites de Árcon aquele controle extra. Apesar de muitos instrumentos terem sido experimentados com carga cem por cento superior ao limite máximo permitido, não se registrou uma só pane. Com verdadeiro orgulho, sentido no olhar de todos os técnicos da prova de fogo, sobre o trabalho perfeito de seus colegas na base lunar, a comissão aferidora liberou a Alta-663.

— X menos dois — disse a voz do computador.

Deu-se a primeira transição.

Às suas costas, o Capitão Alkher ouviu as lamúrias de Van Moders:

— Esta desgraçada dor da transição! Como dói na nuca!

A Alta-663 estava de novo no espaço normal, como se não o houvesse abandonado. Mas o conjunto de estrelas na tela luminosa se alterara totalmente naquele segundo. As novas constelações, que então surgiram, era o sinal mais evidente de que o salto por transição fora bem-sucedido.

O cruzador disparava na direção dos confins da Galáxia a uma velocidade de oito décimos da velocidade da luz. Até o próximo salto, a tripulação tinha ainda um quarto de hora. A maioria deles não estava mais acostumada aos saltos de transição, produzidos pelas turbinas de propulsão. O moderno vôo linear não conhecia mais este choque que acometia os viajantes no momento da desmaterialização e da rematerialização com fortes dores, a ponto de levar, às vezes, ao estado de inconsciência.

Van Moders, vinte e dois anos, o caçula do comando, endireitou-se em sua poltrona, soltou a fivela do cinturão e levantou-se.

Era corpulento, com cara de pugilista, sendo que seu nariz superachatado sugeria logo este pensamento. Recusava sistematicamente toda sugestão que lhe faziam para melhorar sua aparência com uma pequena operação plástica no nariz. E geralmente respondia bem-humorado com uma contra-pergunta:

— Por que terei eu a obrigação de ter um nariz estandartizado, igual ao de todo mundo? É de qualquer maneira uma variação na monotonia desta vida e quem não gostar deste nariz, não precisa olhar para ele.

Van Moders chegou até Alkher:

— Quantos saltos vamos fazer ainda, capitão?

— Dezoito, Moders.

— Por que dezoito e não apenas dez? Será que esta velha arca de Noé não agüenta mais?

O coitado do jovem Moders, até então, somente voara em naves de tração linear. Para ele e para os rapazes de sua época, espaçonaves com tração de turbinas era coisa fora de moda.

— Agüenta sim, Moders, mas não posso deixar de lado o horário estabelecido. Sem a escolta e a cobertura da Teodorico, não seria prudente nos aproximarmos do sol Outside. Da Terra até o setor do sol de destino são, afinal de contas, alguns anos-luz.

Van Moders era um especialista e fora aceito como o mais versado em assuntos a respeito de robôs. Era realmente um fato estranho que alguém com apenas vinte e dois anos merecesse título tão importante. Entretanto, com dezesseis anos e quatro meses, matriculara-se como estudante de Robologia na Universidade de Springfield. Foi o estudante mais jovem nesta faculdade e três anos e seis meses mais tarde estava colando grau maxima curti laucle, ou seja, com toda distinção. Nesta época, não tinha ainda vinte anos.

O jovem não teve dificuldade de emprego. No dia de sua formatura, já havia sido convidado pela Administração Solar para ingressar no serviço da divisão científica da Frota.

Há dois anos pertencia a este serviço e agora estava na Operação Outside. Apresentara-se como voluntário, como os outros também, e não tinha muita esperança de seu pedido ser aceito.

Até que, nos últimos dias, foi arrancado de seus estudos e convocado pelo administrador...

— É pena — disse ao Capitão Alkher, comentando um fato acontecido. — Gostaria de saber isto, se o acoplamento hipertóictico foi tangencial médio ou radial. É uma questão interessantíssima a que eu mesmo gostaria de responder. Mas... o que o senhor tem?

— Moders, você está falando alguma língua da Terra ou de outra galáxia? — perguntou Alkher, meio zombeteiro.

O jovem cientista riu também e pediu desculpas, meio sem jeito.

— Desculpe, não estou querendo bancar o sabido, capitão. Mas, a Robologia se desenvolveu muito mais rapidamente do que a nossa língua. Sempre se descobre coisa nova, mas não se tem sempre os termos necessários. Preste atenção no que vou dizer: um gama positrônico 4826 está para U-109 como 1,008 Sigma-Kapa elevado a dois, dividido por quatro tronic. Neste teorema foram expressos cinco conceitos em grupos de grandeza. E por quê? Porque ainda não existem palavras para isto. Quando se está por dentro da matéria, nem se nota que realmente se está usando uma linguagem enigmática, absurda. No entanto, esta verborréia toda que o assusta é uma coisa que muito lhe interessaria. Trata-se dos pos-bis.

Alkher olhou para o relógio de bordo.

Restavam-lhes ainda cinco minutos até o próximo salto. Fez um sinal afirmativo, mas logo interrompeu Moders nas primeiras frases.

— Desta maneira não, Moders, não estou entendendo nenhuma palavra. Acho que assim sua explicação não vai dar resultado nenhum.

— Mas é importante que você saiba disso, capitão, e os outros também. Acho mesmo necessário.

— O senhor não disse agora pouco que deixou uma questão sem resposta em sua mesa de trabalho? — indagou Brazo, tentando esquivar-se.

— Exato! O senhor não está vendo como é importante apenas uma única pergunta? Deixe-me refletir um pouco em calma. Deve haver um meio de lhe explicar na linguagem comum o complicado problema dos robôs. Acho que...

— Adie isto para daqui a uns minutos, pois estamos quase entrando em transição, aliás a segunda, Moders. Não se esqueça de botar o cinturão.

O próprio capitão pegou as duas extremidades do cinturão de fecho magnético automático. Veio o salto de transição e vieram as dores subseqüentes. E o cientista Moders não achou um modo de explicar a fórmula de Robologia em termos acessíveis...

Teve que desistir. Depois, havia muita coisa a fazer na Alta-663. O hipercomunicador captou as primeiras mensagens das estações de relé, posicionadas nos confins da Galáxia.

A espaçonave Regent, ex-arcônida, respondeu automaticamente. Apesar disso, o mutante Wuriu Sengu, o espia, continuou diante das instalações do hiper-rádio, enquanto outros estavam de serviço nas dependências do conjunto de tração e nas usinas de energia elétrica.

Haviam decorrido dezoito horas de bordo, quando a Alta-663 saiu da sexta transição e se rematerializou. Tama Yokida, o telecineta, e Osborne, professor na escola de treinamento militar e estratégia bélica do Império Solar no planeta Plutão, assumiram o posto de vigilância na central de comando. A pequena nave esférica voava com setenta e cinco por cento da velocidade da luz, rumo fixo para fora da Via Láctea. Os oito homens restantes foram para suas cabinas. Dormiriam algumas horas.

Oito horas mais tarde, quase que no minuto exato, falou de novo a instalação de hiper-rádio da Alta-663. Captara um sinal de posicionamento do supercouraçado Teodorico. Era o sinal convencionado, pelo qual eram informados de que a nave capitânia deixara naquele instante o espaçoporto de Terrânia e já estava em vias de penetrar no semi-espaço.

A instalação de hiper-rádio transmitira automaticamente o sinal de posicionamento à positrônica de bordo e esta começou a trabalhar no mesmo instante, eliminando o erro diminuto de um centésimo de segundo de diferença. Deu, logo depois, um novo cronograma, incluindo o horário exato dos próximos saltos de transição. Quatro minutos e oito segundos após a entrada do sinal de posicionamento da Teodorico, a positrônica de bordo comunicou automaticamente à nave capitânia que a sincronização dos processos estava restabelecida.

Na positrônica de bordo, acendeu rapidamente uma luz verde de controle. Era um sinal de que a primeira parte do arriscado empreendimento iria começar logo. Brazo teria de redobrar a atenção.

 

Os dez homens na central de comando gemiam e se contorciam de dor. Estavam saindo da transição.

Olharam para a tela panorâmica — a única “janela” da Alta-663 como diziam. Procuraram na tela luminosa pelo familiar cintilar frio e longínquo de sóis distantes. Tiveram que se virar para ver o último trechinho de uma gigantesca nebulosa, isto é, a parte final da Via Láctea que estavam agora abandonando.

A escuridão que se abria para eles, ali na tela panorâmica de bordo, era o espaço intercósmico, o abismo sem margens, infinito, Entre as Galáxias.

Abismo sem estrelas, sem sóis, sem planetas, sem cometas, sem satélites. Simplesmente, o abismo.

A Alta-663 voava com 0,87% da velocidade da luz e os motores de propulsão zurravam desabridamente, já se preparando para o próximo salto de transição.

Dez homens aguardavam tensos o sinal da Teodorico. Dez pares de olhos observando o grande cronômetro de bordo. Quando este indicou treze horas e cinqüenta e cinco, jorrou dos alto-falantes um som claro — sinal convencionado da Teodorico.

Acendeu-se uma lâmpada verde, que indicava não se poder mais alterar os valores constantes.

Lá embaixo, no convés inferior, os transformadores começaram a roncar e os grandes acumuladores, verdadeiros bancos de energia, crepitavam, já que eram forçados de repente a fornecer uma carga elevadíssima de corrente. A carcaça da Alta-663 emitia uma vibração que soava como um sino de baixo timbre.

Geradores, conversores, acumuladores e transformadores — milhares de aparelhos da Alta-663 — não faziam outra coisa no momento do que manter a energia necessária no nível certo para o próximo salto.

Mais uma vez, chegou a hora H.

Deu-se o grande salto.

Transidos de dor, os dez homens escolhidos a dedo, se contorciam.

Na tela panorâmica, viam agora sua Via Láctea fugindo... para trás. Parecia uma espiral imóvel, flutuando num abismo negro.

Os homens de Rhodan tinham que se afastar com violência deste quadro da espiral flutuante.

Depois de olhar com muita atenção, Wuriu Sengu, que estava sentado diante do quadro de controles, anunciou:

— A Teodorico também está aqui.

A positrônica de bordo, totalmente automatizada, fizera, de acordo com sua programação, com que a instalação do hiper-rádio irradiasse, numa fração de segundo, o som convencionado.

Wuriu Sengu viu em sua forma natural, no oscilógrafo, as amplitudes do hiper-rádio captado.

Sentiu que estava sendo observado por Brazo Alkher e levantou a cabeça. Os olhares dos dois terranos se encontraram. O fato de saberem que a Teodorico estava de prontidão, na retaguarda, a uma distância de duzentos anos-luz, trazia-lhes um pouco mais de sossego. Mas, mais importante ainda, era a circunstância de que o próprio Administrador do Império Solar a comandava.

De repente, Alkher reparou no silêncio incômodo que reinava na central de comando. Não se ouvia uma palavra daqueles homens. Os diques dos relés, de ordinário quase imperceptíveis, pareciam agora encher a cabina.

De sua poltrona de piloto, virou-se para os instrumentos de rastreamento.

— Distância até Outside! Controle das constantes! Começar o aquecimento do aparelhamento de contato com os pos-bis! Anunciar a execução!

Com isso se quebrou o mutismo e o silêncico, na central de comando, surgindo então vida nova.

Brazo ouviu os dados solicitados, mas dava a impressão de que seus pensamentos estivessem longe. Estava diante da primeira grande decisão que poderia acarretar a desgraça para todo o empreendimento.

Ninguém lhes pudera dizer se os pos-bis estavam em condições de calcular os abalos estruturais.

Suas naves fragmentárias, estes cubos disformes de dois mil metros de extensão, não causavam o menor abalo estrutural ao penetrar no espaço normal continuo.

— Não! — disse de repente, e isto não era o resultado de suas longas reflexões. — Vamos voar para Outside e atingi-lo com uma velocidade inferior à da luz. Com 0,91% da velocidade da luz, Alec, quanto tempo precisaremos?

Sigurd Alec, antes primeiro-oficial de uma nave comercial de nome Argentum transmitiu a pergunta ao computador de bordo. Mal lançou os dados, veio o resultado:

— Tempo normal: 47h64m.

— Obrigado! Voaremos então com 0,91% da velocidade da luz até Outside, meus senhores.

Sengu, transmita um radiograma bem truncado ao chefe... Que é que você tem, Sengu?

O espia não descolou o olhar do recém-instalado e potentíssimo aparelho de hiper-rádio.

— Não é possível, meu Deus! Nunca vi uma coisa desta! Nossa aparelhagem de rádio está escangalhada!

Dez minutos depois, não restava nenhum motivo mais para duvidar da afirmação de Sengu. Van Moders retirou as chapas de proteção do aparelho e com um bom número de instrumentos de teste e de medição ficou sentado à frente do hiper-rádio, dizendo já pela terceira vez:

— Desgraçado, isto aqui é obra do diabo!

Osborne lembrou-se de que tinham aparelhos de emergência com alcance de até cinco mil anos-luz, a bordo.

— E daí?

Pela primeira vez, Brazo Alkher provou que era também dono de uma voz de comando mais violenta, mas logo se lembrou de que Osborne não era membro ativo da Frota Solar, mas apenas instrutor na escola de treinamento de combate em Plutão. Moderando o tom de voz, acrescentou:

— Osborne, não podemos saber a que distância estamos da nave capitania Teodorico. Por esta razão, o radiograma tem que ser mais forte... Moders, você pode me dizer ao menos o que está estragado no hiper-rádio?

— Isso, eu posso fazer, mas não consertar o defeito, Alkher. O transformador de freqüência do terceiro circuito do hiper-rádio queimou na fase final e, com isso, todo o aparelho está mudo. Não dá para consertar, temos que trocar todo o transformador por outro novo.

— Então, faça isto! — ordenou Brazo.

Van Moders se ergueu da posição de cócoras e olhou para Alkher, sacudindo a cabeça.

— Se estou dando a esta peça o nome de transformador, é porque me falta outro melhor, mas não se trata de um transformador no sentido vulgar, com enrolamento, núcleo, isolantes e etc...

— Mas troque-o de qualquer maneira — disse o capitão interrompendo o especialista em Robologia.

— Se eu pudesse... — respondeu Moders meio desanimado. — O transformador de freqüência é uma peça que nunca queima e por isso não há sobressalente no depósito.

Mas, melhor do que ninguém a bordo, Brazo Alkher sabia quanto custara o longo e dispendiosíssimo trabalho para preparar este empreendimento. E nunca lhe saía do ouvido as palavras repetidas por Perry Rhodan de que “a vida humana, não há dinheiro que pague”. Ligou o setor de dados do computador e perguntou em que lugar do depósito de rádio havia uma peça equivalente ao transformador de freqüência.

C-3, prateleira 17, duas peças.

Estava bem visível em três sinais codificados na ficha perfurada que a positrônica devolveu no mesmo instante.

Meia hora depois, o grande hipercomunicador da Alta-663 estava funcionando de novo e Wuriu Sengu transmitiu o radiograma meio velado para a Teodorico. Num resumo muito lacônico, Perry Rhodan foi cientificado de que a Alta-663 estava voando para o sol Outside, com a velocidade de 0,91% da velocidade da luz e que, dentro de 47 horas, estariam atingindo o primeiro objetivo.

Poucos minutos depois, veio a resposta da nave capitânia:

 

Pleno e livre poder de decisão, manter contato de rádio, seguir exatamente instruções. Muitas felicidades. Rhodan.

 

— Destas últimas é que precisamos mesmo bastante — disse Alkher e não precisava ser profeta para isto.

 

O sol Outside era um olho gigantesco, de um vermelho-escuro e de cintilação fraca no meio do nada, entre as galáxias. Um sol moribundo, com dois planetas sem nenhum tipo de vida. O que seria o terceiro deles, na seqüência de aproximação o segundo, o chamado planeta da mecanização ou Mecânica, existia apenas sob a forma de uma nuvem de gás de pouco brilho, cujas emanações perderam consideravelmente em energia.

A Alta-663 estava em regime de alerta, com tudo já preparado para, em poucos segundos, estarem todos ao abrigo da cúpula meio ensombreada da central.

Os três fortes coletores de absorção já estavam em preaquecimento e esperavam para serem logo ligados. Uma meia dúzia de vezes, Alkher e os homens do comando examinaram detidamente tudo. Sabiam que, do seu lado, não podia acontecer nenhum enguiço.

A pequena nave esférica estava em queda livre, oito minutos-luz do sol Outside. Seu brilho fosco inundava a tela panorâmica na central. Via-se também o planeta número um, um deserto sem ar, com seus reflexos relativamente fortes. Mas o planeta externo era procurado em vão pela tripulação!

Já há mais de meia hora que o transmissor da Alta-663, controlado pela positrônica de bordo, irradiava sinais em símbolos confeccionados pelos mais competentes especialistas em radiotelegrafia da Terra, naturalmente com o auxílio da multimilenar e comprovada experiência arcônida. Não acharam tal tarefa demasiadamente difícil, pois tinham apoio concreto em transmissões gravadas das naves de semeadura e de colheita, todas elas totalmente robotizadas.

Brazo Alkher irradiava uma calma admirável, tomando suas decisões rapidamente. E enquanto outros ainda ficariam preocupados com os problemas, o capitão transmitia com segurança suas ordens.

Todos haviam mudado de uniforme e portavam agora os trajes pesadões, aparentemente de mau gosto, do superado modelo SHK.

Os capacetes com viseira muito ampla estavam ainda virados para trás, sendo que a regulagem do ar e da calefação ainda não estava ligada. Cada um dos tripulantes carregava nas costas dois aparelhos adicionais.

O primeiro era um aparelho de absorção individual construído pelos swoons, que habitavam em Marte. A finalidade destes aparelhos seria impedir que os impulsos mentais fossem transmitidos, para não acarretarem perigo para os terranos. O outro era um minúsculo aparelho de rádio, por meio do qual cada um podia emitir impulsos positrônicos controlados e assim dar a impressão de ser um robô.

Mais uma vez, Brazo Alkher examinou a ligação secreta para a plena automatização. Para este fim, tinha que procurar a parede da cúpula. E agora estava sentado diante do quadro de comando, para mais uma vez fazer os testes de controle, isto é, experimentar ao máximo. O sentido desta ligação secreta estava no fato de que, apesar de ligada diretamente para plena automatização, não estava entretanto submetida totalmente ao piloto automático, mas podia ser manejada por Brazo Alkher.

A respeito deste dispositivo, houve, antes de sua instalação, cerrada e apaixonada discussão entre os especialistas terranos. Um grupo deles era de opinião de que os pos-bis não estavam aptos para distinguir uma nave dirigida por robôs e outra comandada por mãos humanas. É claro que a outra facção afirmava exatamente o oposto e insistia no seu ponto de vista.

Somente a palavra autorizada de Perry Rhodan pôde pôr um fim a esta discussão infrutífera.

Contente, Alkher deixou tudo no ponto zero, retirou-se da cúpula e voltou para a central. As horas passavam e a mensagem de uma Nave Semeadora era irradiada periodicamente de bordo da Alta-663. Mecânica, o planeta que não existia mais, continuava sendo chamado e a notícia de que a nave tivera um defeito mecânico continuava indo para o espaço.

Depois de mais de quatro horas, a positrônica de bordo mudou de mensagem. Embora os sinais-símbolos não permitissem maior variação no texto, a nova irradiação transmitia apenas um agudo pedido de socorro. Para que ele fosse autêntico e pudesse ser lido sem suspeita dos impulsos emitidos, os homens deviam ter maiores conhecimentos da lógica positrônica de um robô. E isto acontecia, entre os dez homens, somente com Van Moders, o perito em Robologia.

— Se os pos-bis não derem com a nossa mensagem — explicava ele — não sei então outra possibilidade para tirá-los de seus esconderijos. O que estamos irradiando agora é um grito de socorro urgente, o último esforço que um cérebro positrônico pode fazer.

Um novo pensamento eletrizou sua mente. Virou-se para Alkher, dizendo:

— Você se lembra do que lhe falei sobre “acoplamento hipertóictico”?

Brazo Alkher fez que sim com a cabeça.

— Posso lhe explicar agora, Brazo, e acho que você vai me compreender com toda certeza. Não necessito voltar ao meu local de trabalho... Santa Via Láctea!.. O acoplamento não tangencia nem radial, nem centralmente. Não diga nada, Alkher, eu lhe explico.

“Um acoplamento hipertóictico é a ligação entre o plasma nervoso e a eletrônica. Se atinge ou não os pos-bis, não interessa, mas para nós tem muita importância o fato de que estes magníficos robôs aprendem muito com cada encontro conosco. Quanto mais nos encontrarmos com eles, tanto melhor nos examinam e se tornam cada vez mais perigosos. Quando penso como ficavam furiosos com os laurins, só isto já seria uma prova do que afirmo.”

Capitão Alkher ouvia cada vez mais interessado, mas não conseguia abafar uma boa dose de ceticismo.

— Mas, Moders, você não exige de nós que aceitemos sua suspeita como realidade? Pelo que sei, a Positrônica é uma das ciências mais complicadas e você quer agora responder uma pergunta tão importante assim sem mais nem menos?

Van Moders olhou para Alkher pensativo.

— Você tem razão com seu contra argumento e principalmente porque você não me conhece. Vejo agora o acoplamento hipertóictico com seus milhares e milhares de fios de ligação diante de mim. O importante e o não-importante estão misturados. Reconhecer imediatamente o importante é tarefa do técnico, de cada técnico, independente da profissão que exerça... Alkher, você compreendeu a importância de minha afirmação? — havia em sua voz uma vibração diferente, muito próxima do medo.

— Naturalmente que sim, mas não posso crer nessas monstruosidades. Você deve estar enganado, Moders. As fantasias que criou são uma coisa impossível.

— Quisera Deus que eu estivesse errado — retrucou Moders.

Na central de comando, ninguém se atrevia ao menor movimento, pois ninguém queria perder uma palavra da discussão.

— Agora é que eu sei a razão por que me apresentei como voluntário para esta missão, capitão — continuou o robólogo. — Devo ter reconhecido, inconscientemente, em minhas pesquisas com um biorrobô, a verdadeira significação do acoplamento hipertóictico. Se nós homens não prestarmos muita atenção e não descobrirmos a tempo a sua periculosidade, seremos com o correr do tempo dominados pelos pos-bis. Serão, então, iguais a nós, com a vantagem da inteligência positrônica. E o que isto significa, não preciso dizer.

— Maluco! — disse Sigurd Alec pelas costas de Moders, mas parece que não foi com muita convicção.

— É possível que eu esteja louco, talvez até minha apresentação como voluntário foi uma loucura. Mas, se tivesse de decidir novamente, apresentar-me-ia de novo. Eu quero saber agora se os pos-bis são de fato tão perigosos. Quero estudá-los in loco, isto é, no seu habitat. Tomara que eles se apresentem logo...

— E tomara que você não tenha pintado o diabo na parede — disse Tama Yokida que, até então, se mantivera calado num canto.

— A quem que o senhor diz isto? — perguntou Moders abatido. — O senhor acha que eu me alegro com a minha descoberta?

 

No espaço intercósmico circulavam as mensagens de hiper-rádio das estações de observação e de relés terranas. Eram postos avançados, situados nos confins da Galáxia, que, de tempo em tempo, tinham de transmitir o resultado de sua observação.

GIG-IV acabara de anunciar:

— Comunicado do posto 15.763. Atividade dos saltadores no setor espacial Z-576. Comunicado confirmado por controle. Esquadrilha de vinte e duas naves cilíndricas tentou capturar quatro espaçonaves do regente de Árcon. Base da Frota Solar

Thule-33 em estado de alarma. Quatro cruzadores pesados partiram para o local. Não há mais informes. Fim.

Era uma das muitas mensagens. As irradiações do telecomunicador continuavam varrendo o espaço entre as galáxias, que para as naves terranas era o “incógnito”, ou seja, o espaço desconhecido, que devia ser deserto de qualquer corpo celeste.

No espaço desconhecido, ao lado da Alta-663 estava também a Teodorico, de mil e quinhentos metros de diâmetro, a mais moderna unidade de tração linear da Frota Solar.

Duzentos anos-luz separavam-na da leve espaçonave robotizada remodelada, uma esfera de apenas cem metros de diâmetro confeccionada com aço arcônida.

Duzentos anos-luz afastada e, apesar disso, a Teodorico mantinha a pequena nave constantemente em suas telas de rastreamento. A nave capitânia estava preparada para, a qualquer instante, passar para a maior velocidade possível, a fim de socorrer a Alta-663. Apenas meia dúzia de homens no gigante terrano sabia que estava também prevista uma ação de outro tipo.

Nos alto-falantes da gigantesca central de comando, ecoava um permanente chamado de uma nave robotizada, que estava nas proximidades do sol Outside, pedindo para Mecânica responder a seu sinal de socorro.

Robôs não conheciam a palavra impaciência. Havia já muitas horas que a pequena Nave Semeadora irradiava seu S.O.S.

Mas Perry Rhodan não falava nada a respeito. Parecia que ele também não conhecia a palavra impaciência. Atento, estava sentado bem atrás do epsalense Jefe Claudrin, comodoro do supercouraçado. Jefe olhava de vez em quando para o chefe, mas Rhodan não reagia. Ele não estava sozinho, a seu lado tomara lugar Reginald Bell e à sua direita, comodamente refestelado numa poltrona, estava o Tenente Gucky, com as mãos cruzadas na cabeça de rato.

Gucky estava refletindo, protegendo, porém, seus pensamentos para que ninguém desvendasse seu interior. Principalmente Perry Rhodan não podia saber, de maneira alguma, o que Gucky estava tramando. Também o chefe dos mutantes, John Marshall, que, no momento, se entretinha com alguns oficiais lá mais no fundo, não devia perceber nada.

— Perry! — chilreou Gucky, no silêncio da cabina de comando, saindo do seu aconchego.

— Recusado, Gucky — disse Rhodan impassível.

Como que picado por aranha venenosa, o animalzinho se enfureceu, depois olhou decepcionado para Rhodan. Os poucos fios de sua “barba” estavam eriçados e a cabeça pontuda de rato parecia mais longa ainda. Tenente Gucky estava resfolegante.

Rhodan nem se dignou olhar para ele. Com a mesma atenção de sempre, observava o tamanho das ondas no oscilógrafo. Reproduziam o sinal-símbolo da Alta-663, e dariam também as curvas, caso uma nave fragmentária dos pos-bis respondesse ao pedido de socorro.

— Chefe — era Gucky de novo, com voz mais brusca — como é que você pode recusar uma coisa que você não sabe o que é?

— Será que não sei mesmo, Gucky?

Rhodan se virou e olhou demoradamente para Gucky.

O rato-castor na mesma hora se encolheu todo e mais do que depressa tratou de controlar e de resguardar seus impulsos mentais. Interiormente mais aliviado, reparou que sua mente estava bem protegida e assim Perry não podia saber o que ele lhe queria dizer.

Os olhos de Gucky ficaram mais brilhantes. Refestelou-se na parte mais larga do sofá, e estendeu as pernas.

— Perry, você não pode saber, mas tive há pouco uma idéia, sobre a qual gostaria de falar com você.

— Pois não, então fale!

Perry continuava com os olhos fixos nas amplitudes do oscilógrafo. Para Gucky, o chefe estava ficando muito esquisito. Alguma coisa não estava dando certo aqui.

Foi então que Gucky resolveu e começou:

— Perry, fiz uma experiência em Marte, a que dei pouca importância no começo. Agora ela me veio à cabeça. Concordo que nos últimos dias não fui muito legal com Iltu, mas a culpa não é somente minha. Ela quase não progride na teleportação, nunca pula pontualmente. Posso lhe ensinar cem vezes e cem vezes ela erra. Mas não é sobre isto que lhe queria falar, também não quero menosprezar o valor de Iltu, mas encontrei em Marte uma iltuzinha que se teleporta muito melhor do que eu e que possui as melhores qualidades telepáticas e telecinéticas.

Quando Rhodan meteu a mão direita no bolso, Gucky supôs logo uma desgraça. Parou como uma criança presa em flagrante.

— Por que parou de falar, Gucky? — perguntou Rhodan, olhando de novo para ele, com um leve sorriso. — Leia esta folha. Você conhece a bela história que começa no outro lado?

— Que história nenhuma, Perry. Tenho que lhe contar uma coisa muito importante. A história e a folha podem esperar.

Do lado veio a voz de Bell:

— Parece que você esqueceu quem é o chefe aqui. Se Perry lhe diz que você tem de ler a folha, então você tem que fazer isto, seu micro-rato.

Gucky engoliu calado a ofensa, mas sua expressão dizia que reservava algo não muito agradável para Bell, pois olhou demorado para ele. Pegou distraído na folha das mãos de Rhodan, desdobrou-a e começou a ler:

Perry, fiz em Marte uma grande descoberta, dei-lhe, porém, pouca importância. Agora, veio-me novamente à cabeça. Concordo, chefe, ter tratado Iltu nos últimos dias não muito adequadamente, no entanto...

Gucky parecia caído das nuvens de surpresa.

Ali naquele papel estava, mais ou menos, tudo que dissera a Rhodan há poucos instantes.

Como era possível uma coisa desta?

Seus pêlos avermelhados começaram a eriçar e os olhos quase se lhe rebentavam nas órbitas.

Seu olhar se volveu de novo para o papel, até as últimas frases e lá acabou lendo exatamente os pensamentos que ainda pretendia dizer a Rhodan.

E ainda havia mais uma coisa!

Nervoso e apressado leu ainda as últimas duas linhas e naquele instante reboou um grito agudo na central de comando e... não havia mais Gucky por ali!

Teleportara-se. A folha de papel que Rhodan lhe dera para ler voara para o chão, quase aos pés de Bell.

— Que aconteceu com o “anão de jardim”? — perguntou Bell, agachando-se para apanhar a folha.

Tomou então conhecimento da história e começou a sorrir, depois riu tanto que as lágrimas lhe correram pelo rosto. E quando chegou às últimas duas linhas: “Querido Gucky, de todo coração, lembre-se de sua Iltu que ainda vai lhe tirar a mania de namorar outras...”

Jefe Claudrin, curioso pelo gargalhar de Bell, virou-se do assento de piloto e exclamou:

— Pode-se saber o que o terrível Gucky aprontou agora, Mr. Bell?

Neste instante, Perry Rhodan apanhou a folha de papel. Foi ele quem respondeu à pergunta de Claudrin:

— O que nenhum sugestionador humanóide consegue com estes animais formidáveis, eles o fazem com a maior naturalidade entre si. Isto é, estão em condições de se hipnotizarem mutuamente.

Iltu não apenas sugestionou Gucky com a história que ele relatou em parte, como também a exarou em papel e me deu a folha na hora da saída. Comunicou-me também a hora exata em que Gucky começaria a querer contar tudo. Foi por este motivo que lhe fiz resistência e não lhe dei o consentimento.

— Mas, por que então o pequeno desapareceu gritando?

— Porque no fim da história escrita ainda constava que Iltu haveria de lhe tirar o mau hábito de namorar outras pequenas de sua raça.

Neste mesmo instante, todos estremeceram de susto na central de comando, pois a garganta poderosa de Jefe Claudrin explodiu numa gargalhada homérica.

Depois, exclamou satisfeito:

— Nosso rato-castor transformado em Don Juan... Quem diria isto?

Bell estava para dizer alguma coisa, quando Jefe Claudrin anunciou:

— Chefe, os pos-bis estão aí!

 

— São eles! — exclamou Mike Tillurn excitado, enquanto sua mão, num movimento reflexo pegava na cintura a pistola energética.

A estação de hiper-rádio da Alta-663 continuava irradiando até então o pedido de socorro para Mecânica, comunicando danos nas máquinas. Na central da nave arcônida reconstruída, ouvia-se somente o funcionamento dos relés, zumbidos e roncos.

Dez homens presenciaram como do nada surgiu de repente um objeto fragmentário de conformação cúbica, com uma extensão de dois mil metros. Surgiu e logo parou a questão de quinhentos quilômetros. Outside, com sua luminosidade já bem fraca, não seria suficiente para deixar bem visível nem mesmo uma nave de grandes proporções de superfícies polidas. Mas, neste monstro de espaçonave, com suas saliências, rebordos, faces côncavas, curvas esquisitas e torres bizarras, a luz do fraco sol refletia razoavelmente. A ampliação automática da ótica da tela luminosa estava ligada ao máximo, puxando assim para bem perto a nave fragmentária, como se estivesse ao lado da Alta-663.

Seu jovem comandante, Brazo Alkher, não se intimidou com o aparecimento do tão falado monstro dos pos-bis. Ele, que como o melhor oficial artilheiro da Frota Solar, sentara tantas vezes atrás do quadro geral de controle das armas, e deste lugar rechaçara ataques mortais do maior vulto, mostrava agora um misto de sangue-frio e de determinação.

Apertou o botão extra do transmissor e no mesmo instante o impulso chegava à Teodorico.

Alkher expôs a Rhodan que uma nave fragmentária surgira nas proximidades da Alta-663.

A pequena espaçonave reformada aparentemente não tomou conhecimento da presença do monstro cúbico. Brazo Alkher corria este risco propositalmente, embora sendo isto contra o procedimento normal de um robô e de toda automática robotizada.

A irradiação do pedido de socorro ao planeta Mecânica continuava.

Mike Tillurn, homem de trinta anos, em cujas veias corria sangue de Índio, já se recuperara do grande susto e olhava desconfiado para o rastreador estrutural que tinha à frente.

Apesar de a nave fragmentária ter vindo com toda certeza do hiperespaço, sua entrada no conjunto normal de espaço-tempo não provocou nenhum abalo estrutural. Tillurn sabia, através do aprendizado por hipnose, que isto era um fenômeno característico das naves dos pos-bis.

— Ligar os aparelhos de absorção mental — soou a voz firme de Alkher. Dez pequenos aparelhos afixados nas costas de cada um, como uma leve mochila, foram ativados. — Sengu, tome a direção.

Esta ordem era para o espia, que estava no assento de co-piloto. O mutante confirmou a ordem com um movimento da cabeça, enquanto o Capitão Alkher deixava seu lugar, desaparecendo na cúpula do lado direito.

Ao voltar, a situação ainda era a mesma. Sem se mover, a quinhentos quilômetros de distância continuava a disforme construção cúbica.

— Nada de novo, capitão.

Com estas palavras, Wuriu Sengu entregou de novo o comando da nave a seu chefe.

— Os três coletores de absorção já estão ligados, meus senhores.

O silêncio completo na sala de comando era um sinal evidente do clima de tensão e nervosismo.

Somente Brazo é que não sentia nada. Estava acompanhando o medidor de segundos, colocado na parte mais alta do quadro de instrumentos. O mostrador começara a funcionar no momento em que a nave dos pos-bis apareceu e já estava com a cifra de duzentos e dezessete segundos.

— A torre de disparos energéticos já está pronta?

Tama Yokida, o telecineta, nem sequer levantou a cabeça do seu pequeno quadro de comando de fogo, ao responder:

— Tudo pronto, capitão.

E não deixou de sentir uma estranha sensação ao pensar em que tinha de atirar.

Dois minutos e meio.

O transmissor automático prosseguia enviando sua mensagem de pedido de socorro à Mecânica.

Brazo Alkher sorria, achando graça de como os pos-bis haveriam de considerar estes “robôs em nave avariada” com uma programação ultrapassada.

Ao ouvir este comentário de Brazo Alkher, Moders teve vontade de falar, expondo sua teoria de que os pos-bis, em virtude do plasma nervoso que provocava os sentimentos, estavam em condições de se aperfeiçoarem constantemente, teoria alias de difícil comprovação.

— Esperemos que estes produtos positrônico-biológicos não tenham tido muito contato com os robôs de Mecânica, pois, do contrário, podemos fazer desde agora o nosso testamento.

Osborne, que jamais se interessara pelos assuntos de Eletrônica, retorquiu categórico:

— Não atribua a estes homens-máquina mais do que eles realmente possuem, Moders. Se os pos-bis tivessem mesmo estas faculdades todas... por que então já não teriam saído, antes, de sua obscuridade, ao invés de permanecerem aqui neste vazio horrendo?

O curto diálogo trouxe a calma, diminuindo sensivelmente a tensão reinante. Quando Alkher exigiu mais tranqüilidade e menos barulho, seus homens viram passar com toda naturalidade o terceiro minuto. Não lhes poderia acontecer mais muita coisa. Os envoltórios de proteção magnética da Alta-663 eram suficientemente fortes para suportarem a primeira prova de fogo, exceto, naturalmente, se todos os disparos energéticos se concentrassem num só ponto.

— Atenção, está chegando a hora! Apertar os cinturões!

Era a voz nítida de Alkher. O mostrador de segundos caminhava para o quarto minuto.

O conversor de compensação kalupiano, a peça mais importante da tração linear, atirava a Teodorico cada vez com maior aceleração de velocidade superior à da luz, através da zona de libração do semi-espaço instável, entre a quarta e a quinta dimensão.

O sair do contínuo normal ou o penetrar nele não obrigava a tripulação aos terríveis choques de transição. No sistema solar, estes fenômenos colaterais desagradáveis eram uma história do passado. Existiam, agora, somente supernaves de tração linear, em oposição ao Império Arcônida, onde se conservavam os velhos tipos de tração arcaica, também pelo motivo de que as dificuldades políticas e financeiras não lhes permitiam reciclar a indústria de robôs para novas técnicas cosmonáuticas.

A Teodorico estava de prontidão. Circulavam os mais assustadores boatos. Falava-se dos invisíveis, mas também dos pos-bis. Fora umas dez ou doze pessoas, porém, ninguém sabia qual a razão da tremenda velocidade com que o supercouraçado devorava o espaço, muito acima da velocidade da luz. Sabia-se naturalmente que voavam na terra de ninguém, entre as galáxias.

Do mesmo modo como na Alta-663, aqui também funcionava um contador de segundos no imenso painel de instrumentos, bem na frente de Jefe Claudrin. Estava terminando o terceiro minuto.

— Posto de comando da artilharia? — trovejou a voz possante do epsalense no microfone do intercomunicador.

— Pronto para disparar, chefe!

— Ótimo! Atire no objeto, assim que a ótica da mira o torne visível. Mas, com toda perfeição, hein!... tão exato como se fosse o próprio Brazo Alkher que estivesse sentado no controle das armas.

— Senhor, fique tranqüilo e pode confiar em nós.

— Então mãos à obra! Fim.

O marcador de tempo indicava que faltavam oito segundos para o terceiro minuto. Desligou-se então o conversor kalupiano e no mesmo momento a Teodorico saiu do semi-espaço para o espaço normal. De sua fantástica velocidade, não havia mais nada. O gigantesco supercouraçado perseguia seu destino na direção do sol Outside com a velocidade normal, um pouco inferior à da luz. O sol moribundo cintilava fraco na tela panorâmica da central.

Mais dois segundos e aquele terceiro minuto acabou.

Aí então começou o ribombar dos canhões da Teodorico. E raios multicores iluminaram a negridão do espaço, atingindo ao longe o seu alvo, num corredor estreito de destruição.

Brazo e seus homens não viram a fatalidade chegar.

Veio depressa demais. Nenhum olho humano teria tempo de seguir o seu processo.

De repente, a escuridão em torno da Alta-663 se fendeu ao meio. Feixes de raios energéticos de uma violência mortífera destruíram o envoltório de proteção magnética da pequena nave de apenas cem metros de diâmetro e passaram a poucos quilômetros dela, envolvendo-a numa nuvem assustadora de incandescência confusa e turbilhonante.

E a Alta-663 estremeceu num bramido de desespero: fora atingida por um disparo certeiro.

Alarme automático a bordo. A pequena nave esférica entrou em movimento de rotação e em algum lugar alguma coisa se desprendera.

Um segundo projétil fez ranger toda sua estrutura.

— Calma, nenhuma palavra!

Capitão Alkher conseguira impor sua voz ao barulho infernal.

A tela panorâmica mostrava aos homens o caos dantesco em que se encontravam.

A Teodorico abrira fogo contra a Alta-663. A nave capitânia tentava destruir uma de suas próprias naves.

— Santo Deus! — suspirou Wuriu Sengu, perplexo.

O oficial de artilharia da Teodorico fizera um bom trabalho.

No setor dos geradores 2 da Alta-663, dois conversores explodiram e a compressão de ar foi tão violenta que mais uma vez a nave se “contorceu” em sua estrutura, quando o surto energético procurou o caminho de saída. Por felicidade, arrebentou apenas um trecho da carcaça, não causando maiores danos no seu interior.

Por mero interesse intelectual, Brazo Alkher observava o quadro dos instrumentos. Constatando, pelas luzes vermelhas, as conseqüências do disparo certeiro na usina de força 2, apertou o botão da transmissão automática.

E sua Alta-663 começou a irradiar seu S.O.S. Pedido de socorro em sinais simbólicos.

— Yokida, pode disparar.

O telecineta olhava através da ótica de pontaria e viu a Teodorico, começando logo a atirar. Os três disparos simultâneos eram uma resposta ao gigantesco ataque.

Tama Yokida obedecia às ordens recebidas e seu semblante dava a impressão de uma máscara rígida, enquanto observava que os três disparos se chocaram na super resistente cúpula de proteção da nave capitânia, como se fossem jatos de água. Os campos magnéticos de proteção da Teodorico mal sentiam estas pequenas agulhadas e os instrumentos na cabina de comando de Jefe Claudrin quase não as acusavam.

— Interromper, por enquanto, o fogo — gritou Alkher. — A nave fragmentária está atacando.

O monstro cúbico dos pos-bis saíra de repente de sua imobilidade e passara em grande velocidade ao lado da Alta-663, a menos de cem quilômetros, em direção à Teodorico que já era o alvo de seus terríveis disparos.

Por alguns instantes, surgiu na escuridão deste espaço sem estrelas um pequeno sol — a Teodorico.

Os campos magnéticos de seu envoltório de proteção deviam estar suportando a carga máxima de um ataque maciço. Mas toda esta avalancha energética parecia infrutífera, diluía-se em vibrações elétricas, fazendo aumentar o calor pelos subseqüentes raios térmicos.

Mas a Teodorico não era uma nave qualquer.

Seus canhões se desviaram da Alta-663 e tomaram como alvo a nave fragmentária e tudo que o gigante terrano possuía em armas entrou agora em ação.

— Que coisa formidável! — gritou Sigurd Alec, querendo pular da poltrona, mas o cinturão o impediu.

Os tiros certeiros da Teodorico provocaram na nave fragmentária apenas um enorme fogo de artifício com grandes rajadas de raios multicores. Os terranos pareciam estar perdendo a parada. Era o fracasso, a derrota do mais potente e mais moderno couraçado da Frota Solar. O próprio Brazo Alkher, homem ponderado, ficou de respiração presa e fez a si mesmo a pergunta: “Será que o chefe não está indo longe demais?”

Lembrou-se então de que Perry Rhodan somente em caso extremo jogaria sua última cartada.

Subitamente, os raios destruidores do monstro disforme atingiam o vazio. A Teodorico desaparecera no semi-espaço, entre as duas dimensões. O supercouraçado simulara uma fuga e esta mudança rápida veio tão de surpresa para a nave fragmentária que ainda por uns três segundos continuaram os jatos de fogo na direção onde estivera a nave capitânia.

Voltou novamente a escuridão ao espaço, num abrir e fechar de olhos. Via-se apenas o bruxuleante e quase apagado sol Outside e, bem para trás, o reflexo longínquo da espiral da Via Láctea.

— Moders, nossa antena especial ainda funciona? Controle, por favor!

O jovem robólogo, ainda sob o impacto da luta dos gigantes, levou um susto com a pergunta e começou os controles.

A antena especial era vital para eles, pois através dela podia-se entrar em contato com a nave capitânia, mesmo a grande distância. E mais, era quase que impossível que tal comunicação fosse detectada. Enquanto isto, continuava o transmissor da Alta a irradiar com a teimosia mecânica dos robôs seu pedido de socorro. Durante o aprendizado hipnótico, Brazo Alkher, em companhia de Wuriu Sengu e Yokida, fora alertado sobre a natureza do modo de pensar positrônico e do comportamento dos robôs entre si. Mas lhe foi também sempre ensinado que não se sabia nada sobre encontros de robôs diferentes.

Este ponto obscuro poderia atuar para eles benéfica ou maleficamente, talvez mesmo com maior desvantagem, se é que os pos-bis conheciam bem os robôs de Mecânica.

— Antena especial em ordem — comunicou Moders a Brazo Alkher. — Mas, se tudo que estou percebendo aqui pelos instrumentos, for realidade, a Alta-663 não passa mais de um montão de ferro velho. A quinta parte da nave ou explodiu ou derreteu com os raios energéticos. Com estes frangalhos não conseguiremos viajar por muito tempo.

Estas palavras foram quase que uma senha para Alkher pensar em examinar a saída de emergência, o portão em arco do transmissor fictício. Com mais um homem, Wuriu Sengu tomou o comando da nave avariada. Foi então que soou uma voz totalmente estranha, vinda do tradutor-simultâneo:

— Vocês são vivos de verdade?

Dez homens estavam de olhos fitos nos alto-falantes. Dez homens ficaram de respiração presa.

Todos sabiam que começara, então, a segunda parte da missão.

 

“Vocês são vivos de verdade?”, era a pergunta que se ouvia agora pela décima segunda vez dos alto-falantes do tradutor-simultâneo que gravara os impulsos simbólicos captados, os interpretara e os transpusera para palavras humanas.

A pergunta, que se repetia em intervalos iguais, indicava claramente que sua origem só podia ser procurada num robô.

Lentamente, a mão de Alkher se moveu e seus dedos empurraram uma alavanca para baixo.

Seu rádio operava agora na mesma faixa de onda que o transmissor dos pos-bis.

— Somos vivos de verdade! — disse ele rente do microfone.

Não tinha a menor importância se sua entonação estava certa ou errada. Podia também ter cantado as palavras, pois o tradutor faria de tudo um grupo de símbolos, antes de entregá-las ao transmissor.

Alkher esticou o braço para a esquerda e reduziu o volume do grande transmissor até zero, fazendo silenciar temporariamente o pedido de socorro da Alta. Funcionava agora somente o outro aparelho de interpretação.

Que iria acontecer agora?

Os homens se entreolhavam, todos com a mesma pergunta muda.

— A verdadeira vida se declara partidária da forma. Renunciai à vossa para que vos possamos ajudar.

Uma resposta confusa assim é que o Capitão Alkher estava esperando. Sentia sua própria fraqueza e não sabia o que responder a tal intimação. Que entenderia o pos-bi com o termo forma? Ou será que o tradutor-simultâneo cometera um erro, interpretara mal um símbolo?

Através de seu uniforme espacial, Alkher sentiu a pressão de alguém no seu ombro. Ao se virar para trás, deparou-se com o robólogo Moders, que mantinha o dedo indicador da mão esquerda esticado, em sinal de atenção. Alkher olhou para ele vacilante. E fazendo com as duas mãos um movimento de abranger tudo, Moders disse, mais pela conformação labial do que com a voz, a expressão “uma coisa só”.

Neste momento, ouviu-se a repetição da frase misteriosa:

— ...renunciai à vossa, para que vos possamos ajudar.

A insistência de Van Moders levou Brazo a se decidir a responder, embora não se sentisse seguro em sua pele.

— Eu sou a nave e a nave está em mim.

Alkher se admirou de sua própria voz, que lhe parecia estranha.

— Vamos fazer uma hipercaminhada. Tomai todas as providências para isto.

Santo Deus! Que seria mesmo “uma hipercaminhada”? Que haveria o robô de entender com isto?

Mais que depressa, Tama Yokida deixou seu lugar e ficou de pé junto de Alkher.

Desligou o microfone e disse excitado:

— Supercaminhada, Brazo, deve ser um erro de tradução do tradutor-simultâneo. Hiper em grego quer dizer sobre, acima de, e a palavra caminhada é o movimento de ir. Portanto, o sentido seria mais ou menos: vamos fazer uma grande transição, embora possa estar enganado.

Um pouco mais aliviado, Alkher disse:

— Daremos graças a Deus se não encontrarmos mais dificuldades.

E agora devia responder de acordo com a terminologia do tradutor-simultãneo.

Ligou-se de novo o microfone.

— Vós ides me achar aberta, mas a hipercaminhada é inútil, se não fordes vivos de verdade.

— Somos vivos de verdade. Proteção para a vida verdadeira, que é a única que merece proteção.

Apesar da voz mecânica do tradutor não ser adequada para isto, parece que havia sentimento em tudo aquilo. E realmente, esta formulação esquisita, principalmente da segunda frase, não encerrava uma inegável cordialidade?

— “Proteção para a vida verdadeira, que é a única que merece proteção!”

Brazo Alkher repetiu simplesmente a grande frase. Não sabia e desejava mesmo intimamente que a transmissão de rádio fosse desligada na nave fragmentária.

Mas o pos-bi pensava diferente dele.

— Proteção para ti e força para tua vida, sob a proteção de Mehek. Por que não te encontramos mais abertamente? Os teus danos são de tal monta que não podes mais prosseguir, Número Um?

A Alta-663 fora agora batizada com um nome novo pelos pos-bis. Mas o jovem capitão não perdeu tempo com este detalhe. Estava tentando abrir a escotilha de sua nave esférica.

As luzes vermelhas no quadro de ligações eram um fato que não se podia deixar de ver. Elas diziam tudo: a Teodorico acertara em cheio a Alta. Não era mais possível abrir a escotilha.

O microfone já estava desligado e Brazo, olhando em volta, disse:

— Voltar para a cúpula de proteção.

Foi o único que ficou ali sentado, pois tinha que se comunicar com a nave fragmentária para lhe dizer que a escotilha não abria.

Atrás dele, Moders e Yokida acenderam em aparelhos e instrumentos de menos importância as assim chamadas cápsulas de combustão, pequenos conjuntos de grande energia que produziam efeito em espaços menores.

Ao ouvir o primeiro ruído, o capitão falou no microfone do tradutor-simultâneo:

— Aqui fala o Número Um. Não consigo mais me abrir.

A resposta veio na mesma hora:

— Para o Número Um. Nós já o constatamos. Vamos abrir por fora.

— Sois mesmo vivos de verdade?

Brazo esperava que o tradutor-simultâneo fosse de novo colocar as palavras em símbolos.

Com uma cordialidade inverossímil, que se evidenciava da própria formulação, soou a resposta:

— Número Um, com a vida verdadeira vem também para ti a proteção de Mehek e nada é mais poderoso do que Mehek... — o tradutor-simultâneo expressou até a pausa. Era realmente um invento maravilhoso de especialistas terranos. — Estamos sentindo impulsos fortes demais. Chegaremos logo, Número Um. Fim.

Brazo desligou logo o microfone. Não podia ficar mais muito tempo neste lugar, pois os pos-bis já haviam medido a energia desprendida das cápsulas de combustão.

“Se os dados do ser positrônico-biológico, de nome Mehek, estiverem certos, então os robôs de sua raça estão se esforçando com redobrado entusiasmo para chegarem até a Alta-663”, refletiu.

O tradutor-simultâneo havia sido confeccionado também visando a esta ação específica.

Depois de usá-lo, o Capitão Alkher o desligou, naturalmente. Na realidade, porém, apenas o retirou do circuito normal, para ligá-lo a um pequeno aparelho, que, camuflado de relé de bloqueio, estava embutido na complicada ligação.

Quando os pos-bis já estivessem dentro de sua nave, na central de comando, então haveriam de precisar mais do que nunca deste tradutor para, com seus micro-rádios, se comunicarem com o robô positrônico-biológico.

Um olhar mais atento por dentro da central lhe mostrou a série de instrumentos destruídos propositalmente pelo enorme calor de quase dez mil graus Celsius das cápsulas de combustão. Não tinham tanta importância para a segurança da tarefa específica. Por esta destruição sistemática, o grupo de comando de ação teria oportunidade de estudar o procedimento “generoso” dos pos-bis, no conserto das partes danificadas, através de um circuito de televisão instalado clandestinamente.

Por último, o Capitão Brazo penetrou na cúpula da direita. Aquela proteção metálica de conformação hemisférica parecia ter a finalidade de impedir que grandes emissões penetrassem na central. Vários instrumentos de medição instalados no lado de fora da parte abobadada ainda reforçavam mais esta impressão. Alkher observou com muita atenção o fechamento da entrada.

De acordo com toda previsão humana, o abrigo da cúpula estava totalmente seguro com relação aos pos-bis. Virou-se para o espia Wuriu Sengu, cujas faculdades mentais lhe permitiam ver através de qualquer tipo de matéria.

— Eles já estão na nave, Brazo .— confirmou Sengu. — Estou vendo quinze, dezesseis, não, dezoito robôs. Cada um é diferente do outro. Parece que cada um deles tem uma missão diferente e a maior parte corre para o setor fechado. Três estão subindo pelo elevador antigravitacional, logo estarão na central.

Os cinco tripulantes, escondidos na cúpula da esquerda, participaram desta conversa.

Alkher ligou toda a instalação de observação disfarçada, ativando três telas de controle. Uma delas mostrava de que maneira os pos-bis iriam abrir a comporta central. Os três robôs, que Sengu vira subindo no poço antigravitacional, acabavam de entrar na central de comando. Não eram em nada semelhantes aos robôs da Terra ou de Árcon.

Van Moders estava junto de Alkher.

— Olhe só para aquilo ali — disse espantado, apontando para a tela do meio.

Um pos-bi estava ajoelhado diante de um retificador destruído. Suas mãos se tornaram instrumento cortante, mas não distinguiam bem o material derretido do material intacto.

Procurava agora por pontos de solda, fazendo ali uma separação com mais cuidado.

Estava agora com uma peça derretida na mão, e o movimento com que a depositou no chão, tinha alguma coisa de sensibilidade.

Ao lado de Moders, sentia-se a respiração nervosa de Alkher e de Wuriu Sengu. O espia o cutucou de leve, mas Brazo estava abstraído demais com outra coisa. Ouviu apenas quando Wuriu lhe disse em voz quase alta:

— Estou vendo os outros quinze trabalhando na casa de máquinas. Acho que se eles pudessem, haveriam de chorar sobre a destruição que estão vendo.

O maior dos três pos-bis estava diante do quadro de controle, o maior da central de comando.

Parece que não se interessava em saber o que seus dois colegas faziam. Com seu sistema de lentes, aliás muito esquisito, experimentava as diversas ligações. De vez em quando, suas mãos metálicas,  que agora eram de três dedos, passavam por cima da chapa, como que acariciando os aparelhos de medição, os interruptores e botões de regulagem.

Através da instalação interna, veio da cúpula esquerda uma expressão de estupefação:

— Inacreditável...!

Era mesmo fascinante o que o pos-bi estava fazendo. Fez a ligação, e Brazo Alkher, que acompanhava todo movimento do robô, teve um calafrio no momento.

O pos-bi ligou entre si todos os controles da Alta-663. Estava examinando o que ainda funcionava e o que devia ser consertado em virtude dos disparos energéticos.

— Se este desgraçado começar a mexer demais no nosso transformador de sinais, digo, de símbolos, vai acabar descobrindo nosso truque, de que nossos cientistas tanto se ufanam. E com isso estamos com a corda no pescoço!

Brazo Alkher não estava sozinho neste ponto de vista.

Desolado, fez um gesto para o robólogo que estava para comunicar sua opinião. Porém o mutante tinha algo mais importante para dizer:

— A nave fragmentária está chegando aí e já está a menos de cem metros, aproximando-se muito cautelosamente. Santa Via Láctea! A superfície plana superior tem a extensão de um espaçoporto de emergência!

Por intermédio de seus dons parapsicológicos, Wuriu via a estranha nave através das paredes, dos conveses e das cúpulas de sua nave, O lado vertical do monstro intergaláctico tinha uma reentrância acentuada, penetrando, talvez, por mais de trezentos metros do bojo. Nesta grande concavidade havia construções pontiagudas, do tamanho de uma casa, cuja finalidade Sengu não conseguia descobrir. Seus olhos miraculosos foram penetrando em mais detalhes. O fundo desta reentrância chamou muito a atenção de Sengu. Era liso como um espelho, de aspecto totalmente estranho, mas era suficientemente grande para abrigar oito ou dez naves do tipo da Alta-663.

E o monstro fragmentário veio deslizando lentamente com sua misteriosa reentrância na direção da nave terrana.

— Vamos ser engavetados, Alkher — disse Sengu com uma voz sem expressão, vendo o que estava acontecendo.

Uma leve estremeção percorreu toda a nave, pois não havia mais o envoltório de proteção.

Depois do bombardeio pela Teodorico, Alkher não se preocupara mais em reconstruí-lo.

Tencionava com isto mostrar aos pos-bis toda sua fragilidade.

A Alta-663 rolou de um lado para o outro como uma bola de borracha. Seus apoios telescópicos não tinham sido ainda projetados para fora. De repente, Brazo Alkher se lembrou de que já estava na hora de comunicar a Rhodan o que os pos-bis estavam fazendo a bordo. Teve a impressão de que já era tarde para isto.

— Moders, fique aqui controlando os acontecimentos pelas telas do vídeo e você, Sengu, já sabe o que deve fazer.

Sentou-se na frente do painel de controles, puxou para fora a mesinha embutida e ligou o aparelho de transmissão.

Sob as duas cúpulas, os homens podiam se mover normalmente e os três potentíssimos aparelhos de absorção impediam que seus pensamentos chegassem até a central de comando e assim pudessem ser captados pelos pos-bis como irradiações orgânicas. Falando mais exatamente, seu esconderijo era uma segunda central de comando.

Brazo Alkher operou manualmente o codificador de mensagens. Contava em reduzir tudo em vinte frases, mas chegaram a cinqüenta. Havia detalhes importantes que Perry Rhodan devia saber logo. A curiosa conversa com os pos-bis, o diálogo, Alkher reproduziu ao pé da letra.

— Muito bem! — disse para si mesmo, enquanto por alguns minutos não ouvira nem vira o que estava se passando na Alta-663.

Fez umas tantas ligações e o aparelho de codificação deu o texto pronto para ser transmitido. Do codificador, o texto, que já estava concentrado, numa fração de milésimo de segundo foi transmitido como impulsos em treze partes diferentes, através da antena especial que Alkher tivera o cuidado de mandar inspecionar depois do simulado ataque da Teodorico.

— Tomara que os pos-bis não entendam nada no setor de códigos secretos — desejava Alkher, desligando então toda a aparelhagem.

— Provavelmente, não — disse Moders ao lado dele. — Estes três robôs consertam tudo com uma presteza e segurança como se a nave tivesse sido construída por eles. Não compreendo ainda de onde os pos-bis tiram as peças de reposição... assim do nada!? Sengu, o senhor consegue ver alguma coisa?

— Claro que sim — respondeu o espia.

— Os pos-bis não são feiticeiros. Fazem as peças do próprio metal derretido, modificando-as também. Não entendo muito deste assunto, mesmo assim, sou de opinião de que os circuitos de comando... eles simplificam tudo.

Wuriu Sengu, entrementes, passara a observar a grande reentrância da gigantesca nave dos pos-bis, em cujo fundo a Alta-663 já se encontrava. Alguns dos muitos ressaltos pontudos, tão grandes como uma boa casa terrana, embutidos nas paredes da reentrância, pareciam agora de outra cor. No momento em que os observara pela primeira vez, ouvira Brazo dizer:

— Que é isto? Nossa nave foi envolvida por um envoltório magnético, contra o qual o mais possante raio trator de nada vale. Olhem lá o magnetômetro, está já estragado.

Em poucas palavras, o espia contou o que vira e estava vendo ainda.

— Puxa! — disse Brazo. — Agora tenho uma idéia do que representam estas horrendas naves fragmentárias: servem para todas as finalidades. Mas não é um fato intranqüilizador que não fazem mais nenhuma tentativa de falar conosco?

Ninguém estava em condições de responder. Os aparelhos de absorção da Alta-663 começaram a roncar e dez homens temiam já a explosão dos pequenos aparelhos, quando, de repente, o grande ruído cessou e tudo voltou ao silêncio de antes.

Ninguém podia saber o que acontecera, a não ser o mutante Sengu:

— Não consigo mais ver a nossa Via Láctea que desapareceu tão repentinamente, como se tivéssemos dado um salto enorme para dentro do hiperespaço.

 

Jefe Claudrin chamou o Tenente Etzel.

— Meu amigo — disse o epsalense, esticando para o perplexo oficial os braços tão grossos, que mais pareciam coxas.

O coitado recuou assustado.

— Fique onde está — continuou Claudrin — e me consiga localizar de novo a Alta-663 dentro de um minuto, ou eu o obrigo a fazer ginástica de campo comigo. Vamos para os instrumentos, tenente. Procure-me a nave de Brazo Alkher, entendeu?

Gucky, que surgiu de repente, pousou no braço de Claudrin.

O gigante epsalense não notou peso nenhum no seu braço esquerdo, mas teve que baixar a mão direita por pressão telecinética do rato-castor.

O rosto avermelhado de Claudrin se voltou irritado contra Gucky. Dobrou o braço esquerdo e apertou o pequeno animal.

— Não faça isto, Jefe — disse-lhe Gucky sorrindo com seu único dente de roedor. — Já conheço demais todos os seus truques. Se eu não quiser, você nem consegue tocar no meu pêlo. Fora disso, trago-lhe saudações do chefe. Futuramente, quando você gritar assim nesse tom de pátio de quartel, é bom desligar o intercomunicador. Perry quase caiu da cama e Bell disse um palavrão que não gostaria de repetir, pois, apesar de tudo, sou um sujeito decente.

— Será que você é mesmo um sujeito decente? Bem, de qualquer maneira, folgo em sabê-lo, mas você não vai deixar meu braço sem movimento, não é?

— Não! Pode movê-lo à vontade! A única condição que lhe imponho é que você me prometa não fazer nenhuma ginástica de campo com o Tenente Etzel. O pobre coitado não tem culpa nenhuma de a Alta-663 ter desaparecido.

Gucky olhava agora mais sério para o comodoro Claudrin. E o homem que dirigia a espaçonave maior e mais importante do Império Solar, sem pestanejar, aceitou o tom de conversa de Gucky.

— E por que que este rapazola tem que ser inocente, Gucky?

— Primeiro ele não é um rapazola, mas um tenente. Em segundo lugar, você realmente nunca executa todas as ameaças que faz. Quando você está irado, ninguém quase o leva a sério. Aliás, Jefe, você quer saber o que o pessoal pensa quando você dá seus gritos malucos? Permita que eu o diga, Jefe. Eles dizem que quando você zurra como um...

O intercomunicador ensurdeceu todo mundo com alguém gritando. Era Perry Rhodan, num tom de voz exaltado, o que muito raramente acontecia. Em palavras secas ordenava a Gucky que moderasse seu procedimento e medisse as palavras que estava usando para com Jefe Claudrin, impedindo-o de cumprir suas obrigações como comandante da Teodorico. Além disso não dera nenhuma autorização ao senhor Gucky, aliás, “senhor Tenente Guck”, para observar em seu nome o comandante.

Os olhos de Gucky se arregalaram e seus pêlos se eriçaram. O chefe escutara toda sua conversa através do intercomunicador, que ficara ligado.

— Agora tenho que me preparar para uma boa descompostura — disse Gucky, suspirando de tal maneira que o pouco sensível epsalense ficou com dó dele. — Agora, sei que, realmente, o Tenente Etzel não tem nada a ver com o desaparecimento da Alta-663. Para mim também a pequena nave terrana escapuliu pelas mangas do colete.

— Mangas do colete?! — perguntou Jefe Claudrin, muito cauteloso.

— É uma expressão da gíria militar. Eu que tinha tão bem o Capitão Brazo Alkher sob meu controle telepático, do mesmo modo como o Tenente Etzel detectava a Alta-663 na tela do rastreador! Puxa! E de repente desapareceu tudo, Jefe. Sim, e por causa disso vou agora lá para o chefe, para sentar em cima de urtiga.

A voz do chefe reboou de novo nos alto-falantes do intercomunicador de bordo.

— Tenente Gucky, não procure agora tirar o corpo fora. Acho que você é um homem muito “honrado”.

Gucky, indignado, respondeu:

— Você acha que eu sou um homem? Muito obrigado, chefe, prefiro continuar como um ilt, um rato-castor. Por favor, Perry, não me mude de espécie. Mas, quanto ao outro assunto, a Alta-663 desapareceu sem deixar rastro. Os impulsos mentais que provinham dela...

Com uma severidade fora do comum, Rhodan interrompeu o rato-castor:

— Não fale tanta bobagem assim, Tenente Gucky! Os impulsos mentais dos dez tripulantes da Alta são amortecidos cem por cento pelos aparelhos de absorção. Não estou gostando de seu modo pouco inteligente de falar, tenente.

Era muito difícil fazer o terrível Gucky ficar calado. Chegou até os ouvidos de Claudrin e lhe sussurrou de tal maneira que nada podia ser captado pelos microfones do intercomunicador:

— Tudo que faço nestes últimos dias me sai errado, estou mesmo azarado. Mas neste ponto, tenho razão.

Antes que o comandante o pudesse impedir, gritou com toda força, na direção dos microfones:

— E apesar disso, senhor Administrador do Império Solar, eu ainda captei impulsos da Alta-663!

— Tenente Guck — era a resposta imediata pelo intercomunicador — venha direto para junto de mim.

Ele tinha que ficar com a última palavra:

— Tenente Gucky está a caminho do Administrador do Império Solar.

Dizendo isto, foi caminhando sossegado rumo à central de comando, ele, o preguiçoso que ao invés de dar três passos, sempre se teleportava. Mesmo quando abriu a porta para a cabina de Rhodan, continuava com seus passos lentos. O chefe o perscrutou com longo olhar que o rato-castor agüentou firme, parando bem perto da porta.

— Você não sabe mais cumprimentar, Tenente Guck?

Os olhos castanhos de Rhodan cintilavam de ira.

Gucky soltou um longo gemido.

— Deixe de bobagem, Perry! Vocês todos já fizeram graça nas minhas costas, piadas e brincadeiras que muitas vezes me magoavam.

Rhodan tentava em vão ler os pensamentos de Gucky, que bloqueara seus impulsos mentais. A expressão bobagem ainda estava entalada na garganta de Rhodan, por outro lado, porém, dava muita atenção quando o singular mutante lhe fazia qualquer reclamação.

A palavra medo não existia no vocabulário do rato-castor e de fato não temia ninguém, nem mesmo o administrador.

— Está certo, não me comportei bem a respeito de Iltu, não o nego. Mas desde quando você passou a interferir na vida amorosa dos outros? Somente por que eu me chamo Gucky, você tem o direito de me envergonhar na frente de todo mundo? Você nunca cometeu um erro, Perry? Confesso que banco de vez em quando o palhaço, gosto muito de brincar, mas...

— Agora chega, tenente! — Rhodan bateu com a mão na mesa e ia se levantar, mas não o conseguiu. Com suas forças telecinéticas, Gucky o manteve preso na poltrona.

— Que quer dizer isto, Tenente Gucky? — gritou o administrador com firmeza, vendo seu autocontrole exposto a uma grande prova.

— Nada. Você pode se levantar, Perry — disse com toda calma, quase apático, libertando-o de suas forças telecinéticas. — Você pode também me tocar para fora, mas este procedimento, acho que nem Bell teria. Vamos deixar minha pessoa de lado, trata-se da vida de dez homens. Não sei se o que captei há pouco eram impulsos deles ou dos pos-bis, não sei não...

— Esta bobagem, já ouvi uma vez de você...

Gucky não o deixou terminar a frase:

— Está certo. Então, só me resta agora dizer que a bobagem que eu localizei no hiperespaço desapareceu e eu também vou desaparecer agora.

Rhodan ficou sozinho em sua cabina, pegando na mesma hora no microfone do intercomunicador. Ia ordenar a Gucky, pelo intercomunicador que se estendia pelos dois quilômetros da Teodorico, que voltasse imediatamente à sua presença, mas não teve tempo, não chegou a fazer a ligação, pois Bell se anunciou. Meneando a cabeça, disse apenas:

— Entre.

Bell, entrando, logo reparou na fisionomia desconcertada do amigo. Sentou-se ao lado dele.

Rhodan não dizia nada, parecia mentalmente ausente. Pegando-lhe o braço, disse:

— Perry, Gucky pediu demissão e lhe mandou entregar isto aqui.

Sobre a mesa estavam as duas estrelas de primeiro-tenente e o emblema do Império Solar.

— Como ele não é um terrano, pode se demitir sem aviso prévio. Foi para a cabina dele e se considera hóspede de qualquer planeta até a aterrissagem da Teodorico.

Rhodan não disse nada. Bell também desistiu de ficar olhando para ele. Soou como um monólogo de exame de consciência, quando Rhodan começou a falar:

— Desde que recebi de meu pai a última surra, nunca apanhei tantos tapas e palmadas morais, como há poucos minutos atrás e, desde então, me conscientizei de como nós somos bobos e arrogantes.

— Perry, você parece não levar a sério a resolução de Gucky de nos abandonar. Ele me avisou que, com toda a raça dos ilts, vai deixar Marte. Viveu na própria carne como é difícil e perigoso para sua raça manter contato com os terranos.

— Como? Perigoso manter contato conosco?

Rhodan ouvia agora com mais atenção.

— Namoros e paqueras não são coisas normais entre nós? Quem é que se preocupa com isto? Ninguém. Levado por este mau exemplo, Gucky julgou também poder fazer o mesmo, não contando, porém, com a nossa deslavada hipocrisia. Não procuramos bancar com ele os guardiães da virtude, enquanto por outro lado fechamos os olhos e não queremos ver coisas mais importantes?

— Ele disse tudo isto para você, gorducho?

— Apenas distribuiu tapas morais. Parecia-me três vezes maior e mais forte do que Jefe Claudrin e nunca o vi tão sério e tão triste. Quando me lembro ainda do que falou sobre amizade, então tenho vergonha de mim mesmo. E finalizando, me incumbiu de avisá-lo que a Alta-663 passou para o hiperespaço.

— Puxa!...

Bell não estava satisfeito apenas com esta interjeição.

— Você, que costuma ser tão rápido em suas resoluções, meu caro, agora...

De repente, Rhodan se levantou e fitou pensativo o rosto do amigo.

— Não consigo me lembrar de que você tenha se mostrado muito propenso a pedir desculpas por um erro cometido. O fato é que nós temos feito do grande mutante, talvez devido às suas brincadeiras mais ou menos bem-sucedidas, uma espécie de palhaço, apesar de todas as suas qualidades. Perdemos realmente o nível de respeito. Entramos como verdadeiros fofoqueiros em sua vida Íntima, ridicularizando-o estupidamente. E agora ele, com toda razão, pede demissão, atirando tudo isto aos nossos pés.

— Será que você é capaz de dizer o que devemos fazer agora?

— É só o que nos faltava...

O intercomunicador os interrompeu. E o vozeirão de Jefe Claudrin encheu a cabina de Rhodan:

— Senhor, mensagem da estação de relé DUD-XI: captados impulsos, mas incompletos. Sinais de identificação apagados. Conforme exame da energia de entrada pelo computador de bordo 50:50, distância entre os pontos A e X cerca de vinte mil a trinta mil anos-luz. Fim da mensagem, senhor.

O assunto Gucky não existia mais no momento. Rhodan se concentrou. A constatação da quantidade de energia com que entram os hiperimpulsos já era uma coisa em si incerta, contendo geralmente muitos fatores que davam razão a muita dúvida. Podia, porém, compreender que a tripulação da DUD-XI chegara a este resultado porque os Impulsos não foram captados inteiramente.

— Qual é a potência do transmissor com que Brazo Alkher opera? — queria saber Bell, que se julgava profundo conhecedor de hiper-rádio.

Rhodan deu-lhe a informação pedida.

— A, é portanto, o lugar onde bombardeamos a Alta-663 e x é o ponto onde se encontra agora o grupo. Perry, você não entende assim a mensagem?

Rhodan assentiu apenas com um movimento da cabeça.

— Perry, acho que a gente devia...

O resto não foi mais dito, pois o comandante estava de novo no intercomunicador:

— Mensagem da estação de relé ONO 456 Tempo 18:99; sinais característicos da Alta-663, mas ângulo de incidência não está bem determinado. Resultado da positrônica de bordo com trinta e cinco por cento de possibilidade de erro: Distância do transmissor em relação ao ponto A: mais ou menos de quinze a vinte e cinco mil anos-luz.

Direção situada entre amarelo quatro e nove. Fim da mensagem.

— Entre o amarelo 4 até 9, pode-se colocar três vezes toda a Via Láctea e ainda sobra muito espaço — disse Bell. — Mas parece que você está satisfeito com estas duas mensagens, Perry!

— Estou sim... — mas soava com pouca convicção. — Começo agora a me interessar pelo tipo de impulsos que Gucky deve ter captado. Sua afirmação aparentemente incrível de que a Alta-663 havia partido para o hiperespaço, já se positivou neste meio tempo. Se tirarmos a média bruta dos dois dados dos anos-luz, teremos a distância de vinte mil anos-luz. A Alta-663 saiu há quase uma hora de nossos rastreadores. Puxa!... vinte mil anos-luz em uma hora, é uma velocidade fantástica. E o amarelo quatro até nove diz respeito apenas ao espaço intercósmico.

É o primeiro indício de que devemos procurar o habitat dos pos-bis no abismo entre as galáxias, como há pouco tempo descobrimos o planeta-pátrio das naves de semeadura e de colheita.

— E aí também deve estar o mundo dos barcônidas, Perry.

— Provavelmente também o reino dos laurins. Gostaria de poder ter certeza disso, você não acha, gorducho?

— Não sei onde você quer parar.

— Os cientistas não apresentaram o abismo entre as galáxias como um espaço quase sem matéria, sem qualquer tipo de vida?

Bell atalhou logo:

— Você não vai incluir os pos-bis entre as criaturas orgânicas, não é? O que existia em Mecânica, pudemos ainda ver alguns minutos antes do fim. Agora, se os invisíveis são de natureza orgânica e não este produto artificial endiabrado, como os pos-bis, ainda não temos certeza. Seres vivos podem parecer com robôs, mas no espaço vazio, sem luz, não pode haver vida. Os barcônidas, com seu sono profundo, no espaço sem luz, não são o melhor exemplo para esta tese?

— A questão é somente se esta suposição está certa, Bell. Quanto a mim, estou preparado para qualquer surpresa. Mas, no momento o que mais me preocupa é Alkher e seus nove homens.

— E a preocupação com Gucky, meu caro?

No olhar de Rhodan havia preocupação e tristeza.

 

Não era a primeira vez que Brazo Alkher passava a mão na testa para tirar o suor. Acreditava ter sido um sonho mau, mas as imagens que vira, não conseguia tirar da cabeça.

— A gente acaba ficando maluco aqui — disse Mike Tillurn, cerrando os olhos.

— Mas isto é uma coisa grandiosa! — disse excitado o robólogo Van Moders.

— É assim que vocês pensam, hein? — perguntou Alkher, sarcástico. — Julgava que o que eles viam não era nem para ficar louco nem para se chamar de grandioso, era simplesmente horrível.

Quando a nave fragmentária, com eles dentro dela, saiu do hiperespaço e entrou no universo normal, Brazo Alkher se atreveu a botar em funcionamento os instrumentos especiais do circuito de televisão. No momento em que ligou, foi também emitido o primeiro impulso de rastreamento. Ele e seus colegas colocavam toda a esperança nas inúmeras estações de relé que existiam nos confins das galáxias para aumentar a segurança do sistema solar.

Todas as estações receberam do alto-comando da Frota Solar a ordem estrita de manterem sempre um receptor de hiper-rádio e uma antena especial constantemente na freqüência do telecomunicador da Alta-663. Ao receberem os impulsos, deviam calcular o local em que se encontrava o comando de ação chefiado por Brazo Alkher.

Eles mesmos não sabiam que seu primeiro impulso tinha chegado apenas a duas estações e, em ambos os casos, muito imperfeitamente. Estavam também no momento com outros problemas.

 

Devido ao bombardeio que sofreram da Teodorico, toda a instalação especial de observação dentro da cúpula de sua pequena nave parecia ter entrado em pane.

Tama Yokida começou a ficar desesperado porque as telas não acendiam e não mostravam nem uma nesgazinha da Via Láctea. Somente ao recorrer aos dons parapsicológicos do espia Sengu, foi que descobriu por que motivo a instalação estava falhando. A reentrância da nave dos pos-bis, onde a Alta-663 penetrara, achava-se agora no lado oposto às galáxias.

Entrementes, os dezoito pos-bis haviam deixado a Alta-663, talvez chamados pelo comando central da nave fragmentária.

Neste caso, os homens tinham que esperar e ficar ali olhando para as telas luminosas e quanto mais olhavam, mais aumentava a suspeita de que, não obstante toda sua vigilância, alguma coisa lhes passara despercebida. Deviam ter cometido algum erro.

Brazo Alkher começou a mexer na regulagem e Van Moders o acompanhava com grande interesse.

— Você quer experimentar tudo, hein, Alkher? Ultravioleta de dez elevado a menos seis contra a luz normal até dez elevado a menos dois?

O robólogo fizera a pergunta num tom de voz que deixava supor que não esperava resposta para sua complicada fórmula.

Brazo apenas fez um movimento de cabeça e continuou concentrado na regulagem. Este aparelho especial lhe permitia poder ver mesmo nos setores onde não havia luz. Poderia até misturar os diversos tamanhos de ondas da luz invisível.

Com 8.10, portanto no setor médio do infravermelho, os quatro pequenos vídeos apagados se modificaram.

— Um planeta? — sussurrou alguém.

Era um planeta mesmo, que se podia ver nas telas quando a automática do sistema Ótico melhor o focalizou.

Um corpo sideral na escuridão do espaço intercósmico!

Um planeta que desde toda eternidade se desprendera de sua estrela-mãe e vagava agora perdido pelo abismo do tempo e do espaço. Só se tornava visível na faixa do infravermelho, como uma grande esfera. Mas eles se aproximavam cada vez mais, a uma velocidade incrível, desta esfera invisível. Portanto, o destino da nave fragmentária já estava diante deles.

— Senhor, devo fazer as medições do planeta? — perguntou Sigurd Alec ao Capitão Alkher.

— Faça, Alec, acho que agora não corremos nenhum risco. Mas depressa, estamos nos precipitando na direção certa do planeta.

Este planeta desconhecido devia ser visto como um corpo sideral de um cinza não muito escuro, envolvido por todos os lados pela escuridão.

Enquanto Sigurd Alec estava ocupado em conseguir dados sobre o estranho corpo celeste, o robólogo quebrava a cabeça para descobrir o porquê do fenômeno, isto é, qual a explicação para o fato de que este corpo sideral só podia ser visto nas faixas do infravermelho. Sugeriu a Alkher para ligar de novo na faixa de luz normal.

— Isto seria inútil, Moders — respondeu o capitão, apontando para três instrumentos.

Um desses instrumentos apresentava escala de logaritmos, escala esta que dava não apenas o comprimento das ondas em centímetros, mas também a sua freqüência em hertz e a energia em volts. Em torno de dez volts, a faixa brilhava num verde radioso.

— Neste setor do espaço intercósmico, domina o infravermelho. Se nossos órgãos de visão fossem adequados, pela própria natureza, para esta gama de cores, então haveríamos de julgar estarmos agora inundados por uma forte luminosidade, O senhor está vendo? Seus contornos se tornam mais visíveis. Não tem a impressão de uma gigantesca cadeia de montanhas? — completou Brazo.

Sigurd Alec já terminara suas medições provisórias.

Interrompeu Brazo Alkher:

— Diâmetro do planeta, cerca de quinze mil quilômetros! Gravidade apenas 1,210.

A velocidade de rotação não foi possível constatar. Provavelmente uma volta a cada duzentos anos. Mas, não se assustem, meus senhores, este planeta tem atmosfera. Não, não em forma glacial, mas em estado gasoso. Como isto é possível, como explicar tudo isto, deixo com muito prazer a outros mais competentes que eu.

Brazo Alkher não iria duvidar das medições de Alec.

— Qual é a temperatura média em terra, Alec? Conseguiu algum dado a respeito?

— Tenho, sim senhor! Parece estar entre vinte e um e vinte e três graus Celsius, portanto, temos lá embaixo clima de estufa para plantas, bem razoável para nós, sendo que apenas a porcentagem de argônio, 2,2, é um pouco mais elevada.

— Argônio? — perguntou Van Moders admirado, como se não tivesse entendido tudo. — Santo Deus! O argônio é um semiativador nuclear! Não sabiam disso?

— Moders, não somos físicos e muito menos especialistas em robôs — disse Brazo bem-humorado.

Mas o jovem especialista continuou com sua “sabedoria”:

— O argoncida era um elemento mais ou menos lendário na ciência arcônida, até que, de repente, nós os terranos descobrimos um meio de produzir o mencionado gás. Já sabíamos pelos arcônidas que devia ter propriedades semi-ativadoras e logo se iniciaram as experiências com os computadores. O resultado foi espetacular. A positrônica começou a produzir uma energia que não estava ligada em nada com a programação, energia esta, porém, sempre de pequena duração. Não houve realmente vantagens econômicas nem científicas nestas experiências. Por que razão o argoncida atua ativamente na positrônica ainda não sabemos até hoje.

— Mas argônio não é a mesma coisa que argoncida, Moders? — indagou Alkher.

— É verdade, mas depois disso, o Império Solar descobriu três planetas, que, entre outras coisas, apresentam na sua atmosfera mais de dois por cento de argônio. Em todos os três planetas, junto com o argônio, encontramos também o argoncida, depois de muitas experiências. Com isto estava provado que o argoncida é também um produto da natureza. E não me causaria nenhum espanto se o encontrarmos também na camada de ar deste confuso planeta.

— O senhor se lembra deste Mehek de quem falou o pos-bi? A alusão ao poder de Mehek não insinua diretamente que estamos no rumo certo de nos deparar com seres inteligentes?

Brazo Alkher olhava para ele indeciso.

Afastando-se, o robólogo se postou de novo na frente das quatro telas do vídeo, dizendo para si mesmo:

— Esperar!

E eles esperaram.

E com isto deram uma volta em torno do planeta desconhecido, com a nave fragmentária. Da outra cúpula, Mike Tillurn veio para o lado de cá, onde a metade do grupo de ação se postou diante das telas, acompanhando horrorizada os quadros que iam surgindo.

— É realmente uma coisa de a gente ficar maluco — disse Mike.

Através da faixa do infravermelho, os dez homens assistiam ao desenrolar de quadros bizarros e horripilantes, sendo que os detalhes se tornavam cada vez mais nítidos. Eram formações cúbicas de mais de cem metros em cada face; torres pontiagudas como espinho de laranjeira, havendo também algumas truncadas a uma certa altura. Vieram depois construções mais baixas, sem estarem, porém, num chão plano, mas em aclive, como se alguém as tivesse arremessado simplesmente contra o solo. Havia também edificações contínuas, parecendo de cima uma serpente quilométrica, nunca com menos de cinqüenta metros de diâmetro, que se estendiam pelo terreno a fora, mergulhando muitas vezes no solo, para surgirem quilômetros depois.

De permeio a tudo isto, viam-se estradas, retas como uma régua, sem que houvesse cruzamentos ou saídas para qualquer lado.

A nave-mãe, com a Alta-663 no ventre, descia sempre mais. Singular era o fato de que, em sua elevada velocidade, a nave não se mexia no espaço. Por mais que os homens na Alta-663 observassem, não puderam constatar o menor balanço ou qualquer movimento do gigante disforme.

— E em lugar nenhum, um raio de luz! — disse Sengu, meio oprimido. — Um planeta escuro, onde somos praticamente cegos. Mas os pos-bis podem ver nesta escuridão toda.

— Onde é que você está vendo robôs, Wuriu?

— Por toda parte, abaixo de nós. Em cada galeria, em cada torre, em cada coisa, mesmo que pareça absurdo. Já desisti de calcular seu número.

— Estamos aterrissando!

O aviso veio da outra cúpula, através do intercomunicador interno.

A frenagem da nave fragmentária foi assustadoramente rápida. O gigantesco caixão voador parecia uma pedra caindo num abismo, mas a menos de cem metros do solo, a queda foi interrompida e, como um balão que vai pousar, o enorme cubo flutuava de encontro ao solo.

O contato com a terra não produziu o menor abalo. A nave fragmentária trouxera os dez homens para uma das extremidades do descomunal espaçoporto. De três lados, se abria sobre eles ameaçadoramente o manto da escuridão, que os terranos tornaram um pouco mais brando pelo infravermelho. O quarto lado era um paredão metálico. De repente, um abalo percorreu a pequena nave esférica.

As quatro telas de observação lhes indicavam que a nave fragmentária os retirava de sua reentrância, para pousá-los no chão do planeta.

Brazo Alkher julgou oportuno o momento para irradiar sua posição. Os cinco homens se entreolhavam indecisos.

— O que há com vocês? — perguntou Mike Tillurn, pelo intercomunicador do outro lado da cúpula.

Ele não atinava com a razão do silêncio no meio dos colegas.

— Foi irradiado nosso posicionamento. Afinal de contas, o chefe tem que saber onde estamos, o mais depressa possível, a que planeta maluco os pos-bis nos trouxeram. Esperamos que os terríveis pos-bis não nos tenham arrastado meio milhão de anos-luz para os fundos deste espaço vazio. Será que o hiper-rádio vai atingir esta distância toda?

A pergunta de Mike Tillurn tinha muito sentido.

Não muito contente com o pessimismo do colega, veio logo a resposta incisiva do comandante:

— Tillurn, não gostaria mais de ouvir perguntas deste jaez. Acho que nós estamos de acordo, não é?

Quase no mesmo instante em que a Alta-663 tocou o solo e mais uma vez sem fazer uso dos suportes telescópicos, o alto-falante se manifestou de cada aparelho individual. O transformador de símbolos já ia dando diretamente as palavras traduzidas:

— Mehek saúda o Número Um. Mehek é agora seu senhor, Número Um. Mehek o saúda em Frago.

Enquanto soava aquela voz impessoal, Brazo transmitiu mais uma vez seu posicionamento. Este planeta, que se chamava Frago, e onde um ser de nome Mehek se intitulava o guardião da verdadeira vida, adquiria cada vez mais aspectos intoleráveis, provocando nele, no Capitão Brazo, o desejo ardente de abandonar logo que pudesse este mundo estrambótico.

Já haviam não apenas tomado contato com os pos-bis, mas chegaram a aterrissar neste planeta, jogado neste espaço negro. Através das muitas transmissões de posicionamento e contando com um verdadeiro exército de estações de observação nos vastos confins das galáxias, em pouco tempo devia ser possível a Rhodan determinar a localização de Frago.

Feito isto, não podia demorar muito para que começassem a funcionar em sua central de comando os portões em arco do transmissor fictício, de invenção acônida, e desta forma todos os seus homens escapariam deste mundo doido.

Não se ouviu mais a voz do intérprete. Mehek, o misterioso protetor da vida verdadeira, aparentemente não queria acrescentar mais nada às curtas e tão poucas frases.

Começou de novo a espera cansativa. Não era nada agradável para os homens ficarem ali metidos no pesado uniforme arcônida de vôo. Através do estreito corredor clandestino que unia as duas cúpulas, revezavam-se constantemente. Tinham que ficar muito vigilantes nas pequenas telas do vídeo que lhes mostravam o ambiente lá fora.

Dagbert Ellis, astrofísico de renome, que desde o começo da ação não se manifestara, chegou e tomou lugar ao lado de Brazo Alkher. A temperatura de estufa de plantas que reinava em Frago era um problema que muito o preocupava.

— Este planeta, Alkher, é bastante anormal e, embora meu colega Van Moders seja de outra opinião, mantenho meu ponto de vista de que os pos-bis não devem ser incluídos entre os robôs normais. Conversei muito com Wuriu Sengu nos últimos quarenta minutos. Através de seus dons parapsíquicos esteve investigando até cerca de mil quilômetros em volta e constatou uma indústria muito avançada em toda parte. Tudo completamente automatizado, controlado pelos pos-bis, mas não conseguiu encontrar nenhum vestígio de inteligência orgânica.

“Alkher, sei que estes fatos lhe são conhecidos, mas faço questão de frisá-los novamente, para destacar claramente a anormalidade de Frago. Este poderoso planeta industrial com seu exército de milhões de robôs parcialmente biológicos, deve ter uma motivação artificial. Em seu conjunto, representa um acúmulo de tal força, que embora pareça sem sentido, não deixa de ser uma grande ameaça à nossa Galáxia.”

Alkher, um homem prático que não gostava de exposições muito longas, interrompeu Ellis:

— Nós todos vimos uma parte de Frago, todos nós suspeitamos que poder isto representa, mas não posso aceitar sua opinião de que Frago é especialmente perigosa para o Império Solar, pois não custaria muito aos terranos acabar com esta civilização de robôs.

Ellis sacudiu a cabeça.

— Quando pedi, há pouco, a Wuriu Sengu que fizesse controles esporádicos, cristalizou-se um fato assustador: A produção de robôs, construí dos por outros robôs ou automaticamente, atingiu o máximo. Os pos-bis estão em crise: não há local para estocagem. É a maior dificuldade deles no momento.

— Espere um pouco — interrompeu-o Brazo. Também o robólogo Van Moders mostrava grande interesse nas palavras de Ellis. — O que o senhor entende por “crise de estocagem?”

Com muita calma, o astrofísico explicou:

— Os pos-bis não sabem mais onde armazenar sua fantástica produção de robôs ainda não ativados. Wuriu Sengu descobriu galerias de vinte quilômetros de comprimento. Todas elas estão repletas de pos-bis empilhados.

Alkher estava inquieto, mas dominou-se e botou no rosto um sorriso artificial.

— De que adiantam aos pos-bis estas reservas de milhões, se não dispõem simultaneamente de uma frota espacial correspondente?

— Sengu não está bem claro, porque as naves fragmentárias são de uma construção que colide com nossas concepções de cosmonaves. Não obstante este fator de incerteza, que não se pode subestimar, Wuriu receia que a maior parte da imensa indústria de Frago está engajada na construção de naves fragmentárias.

— Mas onde estão então estes caixões monstruosos que chamamos pomposamente de naves fragmentárias? — perguntou Brazo, incisivo.

— Momentos atrás, Sengu viu decolar deste espaçoporto, que está aqui em nossa proximidade, uma frota de mais de cinqüenta naves fragmentárias. Disse-me que, da pista de decolagem, eram atiradas diretamente para o espaço.

— Onde está Sengu agora?

— Na outra cúpula, concentrado em suas observações, capitão. Aconselho-o a não perturbá-lo agora.

Alkher se dirigiu ao robólogo:

— O que você acha disso, Moders?

— O que acho da exposição de Ellis? Frago em si já não é uma prova cabal de que aqui temos que lidar com o monstruoso, o incrível?

— Não vejo grande diferença, Moders, entre o antigo mundo robotizado de Árcon III, com sua gigantesca positrônica, e esta monstruosidade que se chama Frago.

— Mas eu vejo, e grande — rebateu o robólogo. — A diferença está nos robôs. Não nos esqueçamos de que cada um deles se tornou parcialmente um ser humano, através do plasma nervoso orgânico... embora produzido artificialmente. Cada pos-bi é uma unidade independente. Não têm ligação com um cérebro gigante e robotizado tal qual tinham as frotas robotizadas de Árcon...

— E este tal Mehek é o pai de todos os pos-bis, Moders? Você não crê que ele seja uma inteligência orgânica? Uma inteligência orgânica contra a qual não se levanta o instinto de destruição dos pos-bis?

— Não dou muito valor à sua suposição de colocar como chefe de todos os robôs um ser orgânico. E o que está fazendo agora aí, capitão?

O movimento de Alkher na direção do quadro de ligações, o desviou do assunto.

— Mais uma transmissão de nossos dados — explicou Brazo. — Você com seu colega Ellis estão me encurralando, hein? Não posso duvidar das observações de Sengu. Só desejo que nossas transmissões consigam chegar ao seu destino. Como estão as comunicações de rádio neste planeta maluco?

O ex-primeiro-oficial do cargueiro Argentum levou um susto. Miller estava sentado o tempo todo diante do setor do painel de instrumentos onde se encontravam os aparelhos de rádio.

— Como, por favor? Comunicações de rádio, capitão? — pigarreou bastante. — Há uma inundação de impulsos de rádio, mas não posso dizer se são ordens de controle contínuo ou mensagens entre as estações. Acho que seria bom submeter este fluxo de impulsos ao tradutor-simultâneo...

Brazo fez um gesto negativo.

— Acho que não. E como está a situação com as mensagens de hiper-rádio, Osborne? Não notou nenhuma ainda?

— A este respeito, não lhe posso dar resposta completa, porque os tipos de onda nestas transmissões... Olha aí, está chegando uma delas! Suas amplitudes são misteriosas. O senhor conseguiu observar?

Ao invés de responder, Brazo Alkher acionou novamente o interruptor com que transmitia suas mensagens codificadas.

Moders e Ellis se entreolharam preocupados. Sabiam já da fama que tinha na Frota Solar este jovem e impetuoso capitão. Se Alkher, sem consideração com a possibilidade de ser descoberto, transmitia as mensagens tão repetidamente, era um evidente sinal de que a situação não estava cor-de-rosa, apesar de, até o momento, não haver acontecido nada.

A Alta-663 continuava ainda no mesmo local do espaçoporto e dava a impressão de que nenhum robô se preocupava com ela.

— Epa! — exclamou Osborne, observando tenso o pequeno marcador de amplitudes. — Há agora um acúmulo de ondas como se centenas de estações irradiassem ao mesmo tempo.

— São mensagens de rádio, Osborne? Há pouco, você não me pôde dar resposta...

Os alto-falantes de seus diminutos aparelhos de rádio da mochila falavam agora, mas ao invés de palavras, ouvia-se apenas uma seqüência de sons chiados e ininteligíveis que logo desapareceu.

— Santa Galáxia! — exclamou Van Moders, apontando para a escala de logaritmos que abrangia todo o espectro das ondas eletromagnéticas.

Na faixa do ultravioleta, surgiu de repente um ponto bem nítido de coloração esverdeada. Estava exatamente no valor de 10 eVolts, isto é, quase no âmbito dos raios rõentgen.

A voz controlada de Brazo Alkher não deixava perceber nada da excitação que tomara conta dele de repente.

Estava compreendendo tudo. Os pos-bis haviam constatado suas irradiações e respondido a suas mensagens com um ataque de raios ultravioletas contra a Alta-663.

Brazo Alkher tinha nos lábios um sorriso de disfarce.

— Ou é um aviso para nós, para não transmitirmos mais em hiper-rádio ou já é o começo de um ataque.

— Que acha o senhor, capitão?

Despertara novamente em Van Moders o cientista. Os homens em volta olhavam atentos para ele. Se havia alguém que pudesse prever o modo de agir dos pos-bis, seria ele. Mas Van Moders se lembrou igualmente de que os pos-bis eram parcialmente homens-máquina biológicos. Não se podia, pois, tomar como norma o procedimento habitual dos robôs comuns. Então disse, quase a contragosto:

— Se não estivéssemos aqui tratando com os pos-bis, diria que não temos mais nada a temer. Assim, não posso arriscar um prognóstico.

E não arriscou mesmo, isto é, não precisou arriscar. No mesmo instante a Alta-663 sofreu uma forte estremeção. Um raio tractoral de proporções ciclópicas parecia tê-la atingido, atirando a pequena nave esférica para o alto.

— Brazo — era a voz do espia Sengu que falava pelo intercomunicador — estamos disparando para um lago.

— Para onde? — perguntou Brazo, desconcertado.

— Para um lago. Não consegue ver nas telas de controle? Não consigo saber de que espécie de líquido é ele, mas até um cruzador pesado caberia nele.

Capitão Alkher não perdia de vista a escala de logaritmos, O ponto nítido de coloração esverdeada, em torno de 10 eVolts, desapareceu tão depressa como surgiu.

O ataque do ultravioleta, quanto à sua potência, tivera mais o caráter de uma ducha luminosa.

Os cuidados de Alkher diminuíram um pouco, mas ao olhar de novo para o painel de controles, seus olhos quase saltaram das órbitas.

A Alta-663 flutuava sobre um lago em que borbulhava um líquido cintilante.

A pouco menos de cem metros de altura, a pequena espaçonave danificada quedava imóvel, sustentada pelo raio tractoral. A ameaça não vinha só do imenso reservatório do líquido desconhecido, mas também de um paredão bizarro que o circundava parcialmente, isolando-o completamente do espaçoporto.

Num ponto deste paredão, via-se uma abertura arredondada de onde saíram três monstros indescritíveis: tratores gigantescos de lagarta, equipados com antenas sensoras apresentavam várias saliências em sua superfície de um cinza-escuro. O diâmetro variava de cinco a oito metros e a construção metálica tinha um comprimento de quase sessenta metros. As três lagartas disparavam em grande velocidade exatamente na direção do lago.

“Destinam-se a nós,” pensava Brazo inquieto, olhando para Van Moders como a querer perguntar alguma coisa. Porém o robólogo também achava-se perplexo.

A Alta-663, ainda a cem metros, imóvel sobre o líquido borbulhante, era o objetivo de uma das três lagartas metálicas. Levantou-se do chão e veio de encontro à nave. Um ruído metálico percorreu todo o bojo da Alta quando a incrível construção se encaixou em sua carcaça.

— Wuriu...

De lá da cúpula esquerda, o espia logo se apresentou. Estava vendo o que se passava dentro da lagarta metálica.

— Brazo, isto... é uma coisa inaudita! Esta espécie de trator é um verdadeiro arsenal de peças de reposição para espaçonaves e bases espaciais, controlado por uma dúzia de pos-bis. Entraram a bordo da Alta-663, pelo lado das máquinas danificadas. Meu Deus! Quantos tipos, então, de robôs existem em Frago?

Brazo sorriu apenas. Julgava saber o verdadeiro motivo pelo qual os pos-bis estavam chegando de repente e em tão grande número a bordo da nave reformada. Talvez receberam a missão de fazer com que a Número Um não pudesse mais transmitir seus hiper-rádios. Os robôs, no momento, lhe causavam menos preocupação do que aquele líquido borbulhante lá embaixo. Não podia imaginar para que servia aquilo.

— Você está ficando louco? — irrompeu Moders, sem se conter.

Brazo, que entrementes havia ligado a alavanca para irradiação de seu posicionamento, respondeu com toda calma:

— Ainda sou o chefe desta missão, Mr. Van Moders.

Apesar da admoestação dos raios ultravioleta, Alkher aproveitara aquele segundo para transmitir mais uma vez sua mensagem.

Preocupado com o fato de não saber a que profundidade do espaço os pos-bis os haviam levado, temia que as muitas centenas de estações de relé nos confins da Galáxia não pudessem ouvi-lo.

Nenhum arcônida e nenhum terrano estaria em condições de dizer como se comportavam as hiperondas em distâncias superiores a cem mil anos-luz.

Desde sua chegada ao planeta dos pos-bis que a tripulação não fizera nenhuma tentativa de determinar a posição do estranho corpo celeste. Seria mesmo impossível, pois não tinham nenhum ponto de apoio em relação à Galáxia. Nem mesmo o maior centro de computação não podia efetuar cálculo nenhum com simples incógnitas.

Comprimindo-se no estreito corredor clandestino, Wuriu Sengu chegou à cúpula da direita.

Desse lado não havia mais espaço, e Alkher teve que dar um jeito. Sigurd Alec, Ellis e Mike Tillurn tiveram que procurar o outro esconderijo. O mutante, que via através de toda matéria, não trazia boas notícias.

— Os pos-bis estão abrindo todas as comportas na Alta-663, Brazo, e só Deus sabe o que isto significa.

O painel de comando já deixava ver alguma coisa da ação dos robôs. Foi se acendendo uma luz vermelha atrás da outra, o que também aconteceu na central de comando, onde se viam os mesmos sinais de aviso.

Os pos-bis isolaram a central da usina de força da nave, mas a instalação de hiper-rádio ainda estava com energia. Enquanto as luzes vermelhas piscavam diante de Alkher, ele ainda teve tempo de transmitir três vezes sua curta mensagem de desespero. Depois, toda a instalação silenciou.

— Se até agora nenhuma estação de relé nos ouviu, estamos então num mato sem cachorro — disse Alkher.

— Você não acha que devemos ligar nossos conversores de emergência? — indagou Van Moders.

O capitão o fulminou de tal modo com o olhar, que o robólogo se sentiu afundar no chão.

— Você acha que devemos botar na frente do nariz dos pos-bis nossa estação de reserva? Dar-lhes oportunidade para acabar de destruir a Alta-663?

Ouviu-se o ruído de uma alavanca de contato. Até a instalação especial de observação, com suas muitas objetivas lá embaixo na cúpula, estava sem energia. Brazo não podia mais se arriscar muito. Se os pos-bis fossem mesmo tão inteligentes como o robólogo afirmara, e aprendiam as coisas através do plasma nervoso que lhes provocava quase sentimentos, então deviam estar preocupados com as repetidas transmissões do hiper-rádio. E a emissão destas mensagens não estava em flagrante contraste com a afirmação do Número Um, de ser vivo de verdade?

Havia apenas uma única “estação” da Alta-663 que ainda funcionava: era o espia Wuriu Sengu.

Viu que os pos-bis estavam deixando a nave terrana, viu quando a lagarta metálica se desprendeu da carcaça da Alta-663, dirigindo-se para as outras duas que estavam paradas à margem do lago. Viu também como sua nave estava caindo lentamente para mergulhar no líquido borbulhante e desconhecido do estranho lago.

Morreriam afogados?

 

Na nave capitânia Teodorico reinava um estado de alarma muito singular.

Chegavam, sem parar, as mensagens das estações de relé, cada uma delas com muitos dados.

A dificuldade, porém, era que estes dados todos não combinavam entre si. Os técnicos em Astronáutica estavam quase desesperados e o centro de computação de bordo dava sempre o mesmo resultado:

Programação incompleta, nenhum resultado.

Jefe Claudrin até nem xingava mais e os palavrões de Reginald Bell já estavam gastos e sem força.

— Mensagem da estação de relé JOJ-20: Hora, 23, 54. Tipo de impulso: sinais característicos da Alta-663. Angulo de incidência com desvio de verde 0,03 e de vermelho 0,0071 CCHFRFHPRWKJWNAFG; fim.

— Será que o “homem” ficou maluco?! — exclamou Bell perturbado com os valores tão singulares.

Ia passar um sermão no pobre comandante da JOJ-20, mas a mão de Rhodan, que segurou firme o braço do amigo, o convenceu a calar-se.

— Levem os dados para o computador — ordenou Rhodan, no seu estilo de poucas palavras.

— Já foram lançados, senhor — foi a informação que veio da positrônica de bordo do supercouraçado.

Novo tempo de espera, como sempre, depois de cada mensagem. A positrônica estava de novo consultando todos os dados de até então, para confrontá-los com os últimos da JOJ-20.

Mais de vinte homens estavam de olho atento na grande calculadora.

Ainda nada de vermelho. Um minuto já passara e agora ia terminando o segundo e nada da frase estereotipada:

Programação incompleta.

Ouviu-se um dique no setor de saída. O computador estava entregando uma tira perfurada com sinais em código. Estava ainda quente quando chegou às mãos do chefe e a atenção de todos se concentrava agora nele.

O semblante de Rhodan parecia impassível. Somente Bell é que não conseguia disfarçar sua emoção. Tirou-lhe das mãos a tira perfurada, leu-a afoito e exclamou dando voz ao seu contentamento:

— Até que enfim

— Você acha, é? — disse Rhodan, seco.

— Temos um resultado, limitado com uma margem de erro de 3,2 por cento. Enquanto perdurar esta quota de incerteza, não tem sentido ligarmos para a estação de rádio da Alta-663. E você pode muito bem calcular o que pode fazer 3,2 por cento numa distância de mais de trinta mil anos-luz.

Bell não disse nada, pois Rhodan tinha razão. Foi para o computador e o programou. Que dados ele lançou, não foi possível saber.

Devia ser um problema mais complicado ainda, pois levou três vezes mais tempo até vir a resposta. Bell estava de pé, impaciente no local da saída do resultado. Pegou a tira com sofreguidão.

— Até que enfim! — usou as mesmas palavras que antes, só que agora com ar de triunfo. — Era o que eu pensava. Este comandante da JOJ-20 é um bobalhão e deve urgentemente fazer um curso de reciclagem na Academia Espacial Solar. Os desvios por ele apresentados no verde e no vermelho não combinam.

Perry Rhodan não se deixou impressionar pela euforia de seu amigo.

— E qual é a razão por que não combinam, meu caro? — perguntou num tom quase de indiferença.

— Porque cheguei a um resultado que...

Entrou neste instante uma mensagem de SIS-V. Captaram novos impulsos da Alta-663. Depois se manifestou de novo a JOJ-20 e em poucos instantes o serviço de rádio da Teodorico não tinha mãos a medir, estava sobrecarregado. Fez-se uma transmissão geral para que esperassem e, assim então, as estações foram dando seus dados conforme a ordem cronológica.

De uma faixa de vinte e cinco mil anos-luz além dos confins da Via Láctea, vieram as últimas mensagens sobre a Alta-663.

— Brazo Alkher se encontra em grandes dificuldades — afirmou Bell, vendo que as mensagens não paravam de chegar. — Se o rapaz irradia uma mensagem atrás da outra, o negócio não é brincadeira.

Em atenção ao olhar aborrecido de Rhodan, calou-se e virou-se para a positrônica. Do alto-falante do hipercomunicador jorrava uma catadupa de mensagens, enquanto os dados eram imediatamente lançados no computador.

De repente, acendeu-se lá uma lâmpada verde-clara, dando a instalação de computação com isto por encerrada sua faina. A tarefa que lhe impuseram estava plenamente solucionada e não necessitavam de mais dados.

Estava saindo da fenda de entrega uma tira de quase meio metro de comprimento. O oficial a apanhou com certo desvelo, parecendo se tratar de uma obra de arte, e levou-a diretamente ao administrador.

— Para que tanta pompa, meu amigo? — disse Rhodan, sorrindo.

As palavras de Bell lhe estavam ainda ecoando na cabeça. Realmente, as três mensagens sucessivas de Brazo Alkher podiam ser mesmo interpretadas como um verdadeiro S.O.S.

Olhou para os sinais codificados, que, há muito tempo atrás, eram para ele e seus colaboradores quase um enigma, hoje no entanto, a maioria dos oficiais podia lê-los corretamente.

As coordenadas!

Um ponto no nada...

Seus olhos se arregalaram. Lembrava-se ainda de valores que já lera há horas atrás, não podendo porém utilizá-los por falta de exatidão.

— Riebsam, por favor, venha aqui, tenho algo para você.

Carlos Riebsam, um matemático de gabarito, veio lá dos fundos da sala de comando.

— As ordens, chefe!

Cortou ao meio a longa tira do computador, dando um lado dela ao matemático.

— Peça ao setor de armazenamento da positrônica todos os dados de orientação e posicionamento que entraram até agora e tente com eles reconstituir um trecho da órbita deste planeta dos pos-bis. Não olhe assim tão espantado para mim. Preciso urgentemente destes dados, mesmo que não possam ser muito exatos, O que o senhor acha que possa acontecer, se não estabelecermos nos próximos dez minutos nenhum contato de rádio com a Alta-663? Onde poderemos procurar este maldito planeta no espaço intercósmico, se não tivermos a direção aproximada de para onde vai ele? Portanto, quanto tempo precisa para este cálculo?

Carlos Riebsam levantou os olhos para Perry.

— É uma tarefa interessante para um matemático, senhor. Se puder usar o computador de bordo para uma parte dos cálculos, posso lhe dar em cinco minutos as respectivas coordenadas da rota orbital. Naturalmente só lhe posso constatar parte da órbita a partir da primeira até a última transmissão da Alta-663, que estiver assinalada.

— Acho que isto é suficiente, pois penso que este planeta desgarrado não se encontra muito nas profundezas do espaço intergaláctico. Estou também curioso para saber se ele se afasta ou se aproxima da nossa Galáxia. Por favor, Riebsam, o tempo urge.

Jefe Claudrin agira dentro de sua jurisdição como comodoro da Teodorico. Quando o conversor kalupiano de compensação da tração linear produzia, em torno do supercouraçado, o envoltório magnético esférico de seis campos superpostos de indução, a grande espaçonave foi atirada para o setor do semi-espaço e se fundiu com o setor de libração numa só e natural unidade. Os princípios de Einstein foram aqui anulados e não havia mais uma relação direta com o contínuo normal.

A velocidade da Teodorico já havia atingido o valor de mil vezes a velocidade da luz e aumentava ainda mais. Através dos rastreadores de relevo, a nossa Galáxia se tornou visível na grande tela panorâmica de bordo. Este fato se concretizou por meio de uma compensação dos campos paraestáveis do envoltório de proteção.

Com uma velocidade bastante superior à da luz, a nave capitânia ia penetrando cada vez mais no espaço intergaláctico. Entre o ponto A, no qual a Alta-663 foi bombardeada pela Teodorico e o ponto de onde começaram a surgir as irradiações da nave arcônida reconstruída, havia um espaço de 31.000 anos-luz.

Num vôo linear direto, Rhodan tentava atingir este planeta desgarrado que também parecia ser a pátria dos robôs semibiológicos.

Carlos Riebsam se aproximou de Rhodan. O trecho orbital do estranho planeta estava assinalado numa distância de cerca de duas horas — tempo padrão — com uma margem de erro de 21,45 por cento.

— Senhor, este corpo celeste avança na direção de nossa Via Láctea.

— Deixe-me vê-lo, Riebsam — pegou das mãos do matemático as folhas do cálculo. — O tal planeta se movimenta com uma velocidade violenta em nossa direção. Será que é a atração de toda a Via Láctea que lhe confere esta velocidade?

Rhodan não esperava resposta a esta pergunta. Seu olhar passou para o grande transmissor fictício de Ácon. O aparelho já estava na posição de transmitir, embora não estivesse ainda ligado, mas simplesmente preparado para qualquer eventualidade.

— Massou, procure entrar em contato com o transmissor fictício da Alta-663. Aqui estão os dados.

Da poltrona de piloto construída especialmente para seu físico avantajado, o epsalense se virou para o chefe:

— Senhor, devo então desembarcar?

“Desembarcar” era uma expressão nova da Frota Solar, significando não sair de uma espaçonave, mas sim passar do setor do semi-espaço para o espaço normal.

O simples olhar de Rhodan para Jefe Claudrin o deixou sem jeito.

Desapareceu o ruído típico do funcionamento do conversor kalupiano e o rastreador de relevo cessou sua atividade. E a Teodorico voltou do setor de libração para o espaço normal.

Todo o mecanismo do gigantesco transmissor fictício começou a esfuziar e a roncar. A possante instalação de transporte

— um aperfeiçoamento do invento primitivo dos acônidas — parecia que estava para explodir, quando o Tenente Massou iniciou a emissão dos raios transportadores, a fim de localizar a estação na outra extremidade, isto é, em Alta-663, e assim estabelecer uma espécie de ponte para trazer de lá os dez homens da Missão Frago.

Ouviram-se três estalos secos nos alto-falantes da enorme central:

— Senhor, não se consegue obter nenhum contato com a Alta-663. A estação do transportador fictício lá do outro lado está desligada.

A voz de Massou parecia muito excitada.

A expressão de Rhodan se petrificou, ordenando no mesmo instante a Jefe Claudrin:

— Ligue novamente o conversor kalupiano e imprima à Teodorico toda a velocidade possível.

Acho que dez homens aguardam desesperadamente por socorro.

 

A Alta-663 imergia cada vez mais no estranho líquido do lago. Sengu sentia que aquela pasta mole e cintilante iria inundar as partes mais baixas de sua nave. Já há mais tempo, compreendera a razão por que os pos-bis escancararam todas as comportas da Alta. O líquido devia encher todos os compartimentos.

Mantinha Brazo Alkher sempre a par do que estava vendo com seus dons parapsicológicos.

Estava aumentando a velocidade com que a nave entrava no líquido. Dentro de um minuto estariam também inundados os aposentos do convés central.

— Abandonar a nave pela saída de emergência!

Brazo Alkher foi obrigado a dar esta ordem.

Ouviam-se pelos pequenos alto-falantes do capacete os gemidos da tripulação e Alkher também não se sentia à vontade ao pensar na terrível escuridão lá de fora. Embora os campos magnéticos de proteção em torno de seus trajes espaciais arcônidas os mantivessem livres dos ácidos ou de coisas semelhantes, e embora o pequeno conversor de seu uniforme continuasse funcionando com segurança durante meses a fio, a reserva de ar não era ilimitada.

Lá fora, no entanto, teriam atmosfera suficiente para respirar, podendo assim poupar a preciosa reserva de oxigênio.

Mas, a que preço tudo isto?

— Tripulação da cúpula B abandonar a nave em intervalos de três segundos — foi a ordem do capitão através do rádio do capacete.

Cinco homens se puseram em movimento, formando uma fila, O primeiro abriu uma saída arredondada, tipo porta de cofre-forte, com tranca de disco giratório. Ninguém reparou que os pinos da fechadura — fortes cilindros de aço de polegada e meia de diâmetro — não encaixavam plenamente na abertura redonda. Um dos pinos estava a mais de um palmo para fora.

O quarto homem se arrastou pela abertura penetrando nos tubos que iam dar no terceiro convés, o mais alto da nave, fechados por um tampão cônico.

O quarto homem, Mike Tillurn, não reparou que o aparelho de sua mochila, isto é, o dispositivo de absorção individual, foi rebentado pelo pino cilíndrico da porta redonda. Milce se atirara com muita força para dentro do tubo e não notara a resistência no seu traje de combate.

— Continuem — ordenou Alkher, disparando pelo corredor secreto e bem protegido na direção da outra cúpula e mandou que Van Moders encabeçasse a nova fila para a saída de emergência.

— Ainda três metros — anunciou Wuriu Sengu.

Três metros apenas os separavam da superfície líquida dos ácidos.

Tama Yokida, o telecineta, meteu-se tubo a dentro. Brazo e Sengu ficaram olhando para ele. De repente o olhar de Sengu foi para baixo da porta redonda. E, vendo alguma coisa neste momento, tentou se agachar para reconhecer o que é que brilhava ou refletia a luz lá fora.

Porém Alkher exclamou pelo rádio do capacete:

— O ácido está entrando.

Quando Alkher, o último a abandonar o recinto, se arrastava pelo tubo, na direção da saída de emergência, já estava mergulhado até a cintura no tal líquido, que com a iluminação da cúpula era completamente incolor e não tinha mais nenhum brilho.

Foi uma verdadeira corrida pelo tubo a fora, Brazo alcançando logo o espia Sengu, que, se sentindo atingido, aumentou seu tempo. Chegaram então, na saída lá em cima. O único que conseguia ver nessa escuridão toda era Wuriu. Para os demais, as trevas eram impenetráveis. O fraquíssimo reflexo da longínqua Via Láctea não dava para se reconhecer nada.

— De mãos dadas! De maneira alguma interromper a corrente. Campo antigravitacional preparado para funcionar?

Ouviram-se nove confirmações e o capitão deu a graduação em que o campo antigravitacional devia ser ligado.

— Durante o vôo, suspender o contato manual. Formar ligação de grupo e manter as armas engatilhadas. Sengu vai nos dirigir. Pronto? Mãos à obra!

O espia exigia mais rapidez.

— Depressa, ou tomaremos um banho total.

Muitas mãos tateavam no escuro, cada uma tentando tocar o vizinho.

Chegaram os comunicados de missão cumprida.

— Parar!

Ao comando de Brazo Alkher, dez mãos ligaram o aparelho antigravitacional de seus uniformes de combate. Dez homens se ergueram, subindo na escuridão, deixando-se guiar por Wuriu Sengu, que, de olhos fechados, abria caminho através de sua visão parapsíquica.

Voava com eles na direção do paredão assimétrico, passando por cima das três lagartas metálicas na beira do lago e já estava para dar instruções de pousar suavemente, quando, em todos os alto-falantes dos capacetes foi ouvido o ruído de uma ligação. Uma voz mecânica lhes falou:

— Vós não sois vivos de verdade!

Além do aparelho individual de absorção, cada um portava um minúsculo rádio acoplado com um tradutor-simultâneo. Naturalmente, em comparação com a enorme aparelhagem de bordo, este transmissor de bolso não passava de um aparelho liliputiano, para casos de emergência. Sua missão não podia ser a comunicação com os complicados robôs.

A frase, porém, que se repetia agora pela quarta vez, não tinha nenhuma complicação gramatical nem semântica e podia facilmente ser transposta para símbolos pelo diminuto aparelho.

— Vós não sois vivos de verdade!

Passou pela cabeça de Alkher que algum daqueles dez pequenos aparelhos individuais de absorção não estivesse funcionando.

— Os pos-bis nos localizaram — disse para seus colegas. — Vejam qual é o aparelho individual de absorção que não funciona.

Logo depois destas palavras do capitão, ouviu-se a voz de Sengu:

— Aterrissar logo. Regulagem no ponto sete. Santa Via Láctea, este paredão de metal tem aberturas por toda parte!

— Meu aparelho individual não funciona mais — anunciou, horrorizado, Mike Tillurn.

Com uma calma impressionante, Brazo Alkher perguntou ao espia:

— Wuriu, onde nos podemos esconder?

Mike Tillurn decidiu-se valentemente:

— Não posso acompanhá-los, vou atrair os pos-bis!

— Feche a boca, por favor — continuou Alkher com energia. — Sengu, onde...?

— Atenção, estamos pousando — avisou o mutante, na última hora.

Somente ele podia saber quão rapidamente se aproximavam daquele solo liso.

De repente, a escuridão de Frago foi rasgada pelos raios de um refletor. Alkher ligara o refletor de seu uniforme espacial, que possibilitaria um melhor reconhecimento do local. Com bom jogo, de pernas, ninguém caiu ou se machucou.

— Liguem os refletores! — foi a ordem do capitão. — Campo de deflexão com toda a potência.

Tornaram-se invisíveis, o que lhes trazia uma única desvantagem, isto é: agora um já não podia ver o outro.

— Pequena nave fragmentária está voando para cá.

Wuriu Sengu passou a dar apenas as más notícias.

Seria supérfluo perguntar: de que região?

O desintegrador manual de Van Moders atirava sobre três pos-bis que ele percebera de repente à luz do seu refletor. Como robólogo sabia muito bem que um robô não enxergava apenas num setor de infravermelho, mas também na luz normal. Os terranos dispunham de um mecanismo que lhes facultava ver normalmente mesmo com muito pouca luminosidade. Os três robôs especializados deviam ter perecido, e desapareceram.

— Temos que sair daqui imediatamente — ordenou Alkher.

O paredão de aço recebia agora os cones de luz, confirmando os dados de Wuriu Sengu de que ali havia aberturas por toda parte.

— Atenção, pequenas naves fragmentárias estão sobre nós!

O alarma de Sengu desencadeou nova ordem de Alkher:

— Sigam-me, destruir todos os robôs que se nos opuserem no caminho!

Dirigiam-se agora para o paredão metálico.

“O que está se passando comigo?”, pensava agora o jovem robólogo que não sentia mais as pernas. Uma paralisia tomava conta dele.

— Não agüento mais — gritava um dos homens pelo rádio do capacete.

— Apenas mais dez metros! — foi a ríspida resposta de Alkher. — Agüente, morda os...

Não houve mais tempo para terminar a frase. Uma abertura maior no paredão vomitou uma dúzia de pos-bis.

Três desintegradores e quatro armas de impulsos energéticos deram conta dos doze homens-máquina. Mas Mike Tillurn caiu desmaiado e Sengu quase tropeçou nele. Os pensamentos do mutante não estavam mais protegidos, e por isso ele foi atingido por uma superdose de raios paralisantes.

Ao se erguer, o espia notou que Alkher entrara na abertura. Sengu pegou instintivamente Mike Tillurn, botou-o nas costas e foi cambaleando em frente. Deu três passos e, quase perdendo os sentidos, caiu.

Sabia de onde vinha o ataque com raios paralisantes. A apenas mil metros acima deles estava a primeira nave fragmentária, que agora vinha na direção deles. De repente foi envolvido por uma luz amarela. Pensou que já era o fim, mas viu então que Tama Yokida, com suas forças telecinéticas, tocara os dois para dentro da abertura.

— Continue, Sengu. Traga Tillurn!

Quem estava gritando agora era o homem calmo e quase sempre calado, o telecineta Yokida.

— Como num passe de mágica, sumiu no mesmo instante a paralisia do espia, que viu Yokida correndo uns trinta metros para frente através de depósitos de máquinas de aspecto muito estranho. Não teve tempo de olhar para trás. Ainda com Tillurn nas costas, procurava alcançar o telecineta.

Brazo Alkher julgava estar vivendo um pesadelo. Já estava habituado com as monstruosas construções mecânicas nos gigantescos estaleiros da Lua, mas o que estava agora na frente de seus olhos parecia loucura.

Nem mesmo o chão era plano. Pela terceira vez, teve de desviar-se porque diante dele surgiu um abismo e, de dentro deste, emergia uma construção horrenda, redonda e recurvada, equipada com torres retorcidas.

Viu tubos que iam dar neste gigante de ferro. Mas, dos pos-bis, nem sinal.

O capitão passou rente o íngreme abismo, depois de ter regulado o refletor para faixa mais larga.

— Para a esquerda, Alkher, venha mais depressa.

Era a voz de Van Moders pelo micro-rádio. O robólogo parecia empolgado.

Brazo Alkher virou-se no mesmo instante, porém resmungando, pois estava de novo diante de um aparelho enorme, deu a volta em torno deste e viu depois o especialista em Robologia com a luz do refletor.

Van Moders estava parado diante de uma esteira transportadora muito longa e pulava de contentamento.

— O que há com você? Que aconteceu, Moders?

O robólogo estava radiante, e apontava para um material gelatinoso. Uma máquina depositava tal material num grande reservatório e dali era levado numa fita transportadora, não sabia para onde. O reservatório era aberto em cima.

— Plasma nervoso, Alkher! É a substância biológica dos pos-bis! Onde está o azarado Tillurn?

Todos estavam ouvindo suas palavras através do micro-rádio do capacete. Uma voz ofegante se manifestou, era Sengu.

— Vou para aí, Tillurn está paralisado.

Veio cambaleando sob o peso do colega. Osborne e Sigurd Alec vieram-lhe ao encontro e lhe tiraram dos ombros o inconsciente Tillurn. Brazo Alkher retirou o capacete, compreendendo toda a euforia de Van Moders diante do plasma nervoso.

O rosto de Mike Tillurn estava ainda contraído pelo choque paralisante.

— Logo, logo, ele vai se mover — profetizou o robólogo, pegando com as duas mãos na massa gelatinosa. — Vamos, os outros também, peguem a massa e passem no uniforme de Tillurn, com as duas mãos.

Wuriu Sengu ficou de vigilância. Ouviu quando o telecineta disse:

— Deixem disso, isso é trabalho para mim.

Com seus poderosos dons de telecinese pegou uma braçada de plasma do reservatório e foi cobrindo o uniforme de combate de Tillurn.

— Temos que fazer com que ele volte a si, Brazo — disse o robólogo ao Capitão Alkher — do contrário, nosso trabalho ficará pela metade. Até seu capacete deve ser enchido com este material e ele terá que respirar pelo bocal de emergência. Essa parte, porém, só poderá ser feita quando ele voltar a si.

Mais uma má notícia de Wuriu Sengu:

— Atenção, uma das pequenas máquinas está penetrando na galeria. Deve nos ter descoberto, pois vem direto em nossa direção.

O telecineta também compreendeu por que Tillurn tinha que ser envolvido pelo plasma nervoso de fabricação artificial.

O tecido artificial, que tinha seus impulsos próprios, embora não fossem completos, devia deformar os impulsos mentais de Tillurn, misturando-os com os do plasma artificial, e assim apresentar um quebra-cabeça para o senso, terrivelmente sensível, de orientação dos pos-bis.

Este sentido agudo de orientação dos robôs semi-orgânicos não podia saber, em hipótese alguma, que estavam lidando com seres plenamente orgânicos.

E agora, azaradamente, chegava a pequena nave fragmentária, para queimar a última chance da tripulação da Alta-663.

A idéia de Tama Yokida era simples, mas eficiente.

— Ligar o aparelho de respiração artificial em Tillurn. Rápido! Depois fechem o capacete. Eu o colocarei dentro da massa nervosa e o mantenho bem seguro, para não nos escapulir.

— Está certo, Tama — disse Brazo Alkher. — Liguem o aparelho de oxigênio ao uniforme de Tillurn.

Com um dique seco, o capacete se encaixou hermético na gola do uniforme. Com suas forças telecinéticas, o mutante Yokida levantou o corpo do homem inconsciente e o deixou cair, no grande reservatório, de uma altura de um metro.

— Apagar todas as luzes para não nos verem — disse a voz tranqüila de Sengu, no micro-rádio.

E a escuridão voltou a reinar, restabelecendo o estado normal de Frago: trevas absolutas.

Vez por outra, ouviam-se os avisos de Sengu.

De repente, veio uma boa noticia do telecineta:

— Tillurn está voltando a si. Mesmo quando ainda se encontrava sem sentidos, tentou sair da gigantesca banheira.

Ato contínuo, Wuriu Sengu também avisou que o pequeno aparelho dos pos-bis já tinha ido embora.

Dez minutos mais tarde, Tillurn, já plenamente restabelecido, recebia pelo rádio instruções sobre o que devia fazer. Ainda completamente imerso no plasma, com o tudo de respiração artificial bem preso entre os lábios, abriu totalmente o capacete e Tama Yokida bombeou telecineticamente mais plasma para encher todo o espaço vazio entre as paredes internas do capacete. Somente quando as bolhas de ar deixaram de subir por dentro do plasma, foi que Mike Tillurn pôde sair do banho.

Envolvido totalmente, da cabeça aos pés, por aquele material biológico, não podia mais ser localizado pelos pos-bis, não obstante ter estragado o aparelho individual de absorção.

Já se passara mais de uma hora desde a fuga da Alta-663. E só agora foi que Brazo Alkher achou tempo para perguntar a Wuriu Sengu se a nave reformada ainda estava dentro do lago de ácidos.

O espia se concentrou.

— Capitão, os pos-bis estão consertando os estragos. Não, não está mais dentro do lago. Agora compreendo também por que a Alta-663 tinha que entrar naquele ácido. O líquido é um regenerador de metais...

Estes detalhes eram de grande importância, e muito interessavam a Alkher.

— Como é que está a central de comando? Abriram ou arrombaram as duas cúpulas? Estão mexendo no transmissor fictício acônida?

Levou uns segundos até que viesse a resposta de Sengu:

— Quatro pos-bis estão na central, parece que estes robôs se apaixonaram pelos instrumentos que destruímos a fogo. É estranho a gente observar com que cuidado eles tentam montar as partes que estão faltando.

— Sengu, não se perca em detalhes. Fiz três perguntas e estou esperando por resposta.

As duas cúpulas estão intactas, capitão. Não notaram ainda o conjunto de transporte fictício acônida. Como disse, só se preocupam com as partes danificadas. Na casa de máquinas, parcialmente destruída, estão em atividade cerca de cem robôs. As três largartas metálicas estão dando voltas em torno da nave.

— E onde está a nossa Alta-663?

— Bem rente ao lago.

— Muito bem, então nos guie para lá, já está na hora de sairmos daqui. A frase de Van Moders sobre a ânsia dos pos-bis em querer aprender tudo, não me deixa sossegado. É como se fosse um pesadelo. A entrada de emergência ainda está aberta?

— Está sim.

— Então vamos tentar...

 

A doze mil anos-luz de Frago, a Teodorico voltou ao contínuo de quatro dimensões. A 80.000 anos-luz, estava o Império Arcônida. Quem já estivesse no interior da central de comando do supercouraçado, não mais iria querer sair. A noticia da tentativa malograda de se entrar em contato com a Alta-663, através do superpotente transmissor fictício de Ácon, já se espalhara por toda a nave capitânia e prendia a atenção de todos.

O único hóspede a bordo da Teodorico, o rato-castor Gucky, também estava lá dentro, mas ninguém vira quando o animalzinho teleportou-se para trás de dois aparelhos, num canto escuro, de onde, porém, podia observar o transportador fictício sem ter que esticar o pescoço.

O Tenente Massou ligou de novo a aparelhagem. E de novo, parecia querer explodir. Não havia meio de se estabelecer uma ligação com a Alta-663.

Bell coçava a cabeça, enquanto o comodoro Jefe Claudrin cerrava os punhos nervosamente. A exceção era Perry Rhodan: mantinha-se impassível diante do grande invento acônida. Seu olhar calmo examinava todo o aparelho.

De repente, Massou percebeu que estava sendo observado pelo próprio chefe.

— Tente novamente daqui a quinze minutos, tenente.

— Perfeitamente, senhor!

Olhava para Rhodan, sem compreender como o chefe podia ter ainda um sorriso no rosto. A explicação era esta: o Tenente Massou não dispunha de dons telepáticos, mas Rhodan, sim. E ele havia sentido a presença de Gucky na central de comando. Exatamente neste momento, se dirigiu ao esconderijo do amigo que pensara em desertar do Império Solar.

— Venha para fora, rapaz — disse-lhe Rhodan, sem dar atenção aos olhares admirados.

Gucky não se mexeu. Perry Rhodan ficou de cócoras e os olhares se cruzaram, sendo que os  olhos de Gucky estavam sem brilho e do seu dente-roedor não se via sinal.

— Você se nega a falar comigo, Gucky?

Nenhuma resposta.

— Você não fala mais comigo, nem se eu lhe pedir desculpa com toda sinceridade?

O silêncio era total na sala de comando e todos os oficiais achavam-se atentos e perplexos. O chefe pedindo desculpas, e isto abertamente e exatamente para com Gucky?

— Gucky, nós homens cometemos muitos erros. Não somos semideuses. Chegamos até a cometer injustiça para com nossos melhores amigos, mas não de má vontade. E então sentimos um bem imenso quando o amigo nos perdoa. A arte de perdoar deve ser aprendida, como também a de pedir desculpa. E eu lhe peço desculpa, meu amigo.

De repente se ouviu um chilreado lá dos fundos dos instrumentos.

— Por que você fala tanto assim, Perry? Eu também mereci a descompostura que você me passou e agora me deixa sem jeito com a sua desculpa, quando eu é que devia me desculpar. Não tenho mais nem coragem de olhar para a cara de Bell.

Bell avançou pela central a dentro:

— Saia, seu “anão de jardim” e nos dê o prazer de vê-lo de novo. Um rato-castor chorando... é só o que nos faltava hoje, no meio de tanta atribulação.

Ninguém deu risada e todos viram quando Gucky saiu de seu esconderijo e lentamente se dirigiu ao chefe, dando-lhe a mão.

— Perry — disse ele — jamais lhe repetirei tanta estupidez assim, mas se Iltu não fosse uma criatura inteligente e experimentada, tudo então...

Rhodan o interrompeu com certo rigor na voz:

— Tenente Guck, onde estão suas insígnias hierárquicas e o emblema do Império Solar? Posso lhe pedir para futuramente se apresentar para o serviço com o uniforme completo? — Depois, em tom bem mais baixo e com um leve sorriso, acrescentou: — Seu malandro...!

Com um ruído agudo, Gucky desapareceu da central para ir até a cabina de Rhodan e apanhar as insígnias e o emblema que estavam em cima da escrivaninha.

Seu dente-roedor estava totalmente á vista, quando, com os olhos brilhantes, contemplava o símbolo da soberania terrana.

 

A cúpula da direita, na central de comando da Alta-663, abriu sem o menor ruído. Pela fenda que se ampliava, aponta o cano de uma arma energética. Os raios abriram caminho e atingiram um robô, destruindo-o. Os raios não pararam e outro robô também pereceu. Os dois outros, mais afastados, perceberam o perigo e se viraram exatamente na direção dos raios que saíam em jato contínuo da arma de Alkher. É claro que com isto uma parte dos instrumentos estava danificada.

Isto, porém, não tinha importância.

Com a mão esquerda livre, Brazo fez um sinal. E, no mesmo instante, Van Moders e Wuriu Sengu começaram a fazer as ligações no quadro geral, no convés abaixo das cúpulas.

O conversor de emergência, lá do local onde estava bem camuflado, começou a funcionar com toda potência. A pequena positrônica forneceu a hiperenergia necessária para os projetores do transmissor fictício. Van Moders puxou para baixo a alavanca do sincronizador e a luz verde se acendeu na frente de Sengu.

Estava quase restabelecida a ligação do transmissor da Alta-663 para a central da Teodorico.

Brazo Alkher estava parado na frente do conjunto de transmissão. Tinha de esperar até terminar o pré-aquecimento. Com isto, se esquecera totalmente dos muitos pos-bis na parte inferior da nave danificada.

Mas Sengu estava de sobreaviso, controlando tudo. Deu um cutucão em Moders:

— Nossa manobra foi descoberta. Que diabo! Como é que os pos-bis lá embaixo sabiam que falta alguma coisa para efetuarmos nosso transporte?

— Estão chegando para cá? — perguntou Van Moders.

— De três lados ao mesmo tempo. Tenho que avisar Alkher. Dê o alarma, Moders!

Alkher não perdeu o sangue-frio.

— Você acha que eles vêm mesmo, Sengu?

O africano confirmou com a cabeça.

— Fogo com todas as armas! Temos que manter os pos-bis afastados até que a Teodorico entre em contato conosco — disse Alkher.

Nenhum dos dez homens suspeitava que haviam de esperar longos treze minutos. Lutaram com a coragem do desespero. Não fosse Brazo Alkher, que, em todo este tempo, controlava tudo e não perdeu a calma, os robôs certamente os teriam dominado. Apesar de seus poderes telecinéticos, Yokida não podia fazer milagres.

— Naves fragmentárias entram agora no ataque — gritou Wuriu Sengu, tentando se fazer ouvir no meio do barulho infernal de robôs que explodiam e se espatifavam no chão. — Oito monstros gigantescos, destes caixões horrorosos, vão nos atacar.

“É o fim”, pensava Alkher, vendo ao seu lado Osborne caído com ferimentos. Virou seu desintegrador para a direita e atingiu em cheio um robô duas vezes maior que os outros.

— Osborne...! — gritou Alkher para o homem caído aos seu pés.

— Um tiro de raspão, mas não é nada, senhor, vou agüentando. Não se preocupe comigo — disse o ferido.

Atrás de Alkher gritava Sigurd Alec:

— Contato! A Teodorico está aqui.

A nave capitânia não estava exatamente ali, mas o transmissor fictício já estava funcionando. Abriu-se o portão para a liberdade, a saída de emergência estava funcionando e o que era mais importante:

Perry Rhodan conhecia agora a posição do planeta Frago.

Osborne, que estava ferido, foi o primeiro a desaparecer no ponto escuro, cercado de duas pistas energéticas que se uniam em arco no âmago da escuridão total. O último a entrar no transmissor fictício foi Brazo Alkher. Três disparos energéticos, que não o atingiram, ele os aceitou como saudação de despedida de Frago. O próximo passo o fez penetrar na central de comando da Teodorico. E com ele, o transmissor fictício encerrou seu trabalho.

O salto de doze mil anos-luz se fez por dois transmissores simultâneos, num só passo.

O rosto de Brazo Alkher, bem marcado pelas horas intranqüilas e perigosas, mudou de feição ao se deparar com o chefe:

— Senhor, o comando de ação do planeta do nada está de volta!

— Eu agradeço a vocês todos — respondeu Rhodan, com simplicidade.

O Administrador do Império Solar fez posição de sentido diante dos intrépidos terranos e os cumprimentou marcialmente. Atrás dele, juntavam-se Reginald Bell e Jefe Claudrin e mais um: o Tenente Gucky.

Este último, naturalmente, não podia passar sem dizer alguma coisa e o fez com muito entusiasmo:

— É uma grande alegria vê-los de volta.

 

                                                                                            Kurt Brand  

 

                      

O melhor da literatura para todos os gostos e idades