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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


WEB OF LIES / Jennifer Estep
WEB OF LIES / Jennifer Estep

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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— Gin.
— Detetive.
Ficamos ali, olhando um para o outro. Uma corrente elétrica invisível zumbia entre nós, disparando faíscas de desejo em todas as direções. Eu inspirei. O cheiro limpo de sabão do detetive encheu o meu nariz, subjugando o cominho, a pimenta vermelha e as outras especiarias no ar. Donovan desviou o olhar e limpou a garganta.
— Você quer me dizer o que aconteceu? — Ele perguntou em voz baixa.
— Você quer me dizer por que está aqui? — Eu rebati.
Donovan me encarou. — Tudo bem. Pedi à expedição para me informar se houvesse quaisquer incidentes no Pork Pit.
— Por quê? Medo que eu pudesse começar a matar pessoas em meu próprio local de negócios? Você não deve ter conseguido o memorando, mas eu já me aposentei, detetive.
Suas sobrancelhas negras se juntaram pela surpresa. — Aposentou?
Eu assenti. — Aposentei.
Alguma emoção queimou em seus olhos âmbares. Poderia ter sido alívio ou até mesmo esperança, mas fosse o que fosse tinha desaparecido antes que eu pudesse decifrar.
— Bem, bom para você, eu acho.

 


 


Capítulo 1

— Parem! Ninguém se mexe! Isto é um assalto!

Wow. Três clichês consecutivos. Alguém estava seriamente em falta no
departamento da imaginação.

Mas as ameaças gritadas assustaram alguém, que soltou um pequeno
grito. Eu suspirei. Gritos eram sempre ruins para os negócios. O que significava
que eu não podia ignorar o problema que tinha acabado de entrar no meu
restaurante - ou lidar com ele da forma rápida e violenta que eu teria preferido.
Uma faca silverstone através do coração era o suficiente para parar a maioria dos
problemas em seu caminho. Permanentemente.

Então eu levantei meus olhos cinza da cópia do livro de bolso A Odisseia
que eu estava lendo para ver sobre o que era toda aquela confusão.

Dois homens de vinte e poucos anos estavam no meio do Pork Pit,
parecendo deslocados entre as cabines de vinil azul e rosa do restaurante. A
dupla dinâmica exibia sobretudos pretos que cobriam suas finas T-shirts e
batiam contra seus jeans rasgados de estrelas de rock. Nenhum deles usava
chapéu ou luvas e o frio do outono havia pintado suas orelhas e dedos de um
vermelho cereja brilhante. Me perguntei quanto tempo eles estiveram lá fora,
reunindo coragem para entrar e gritar suas demandas banais.

Água escorria de suas botas e se espalhava pelas desbotadas trilhas de
porco azul e rosa que cobriam o chão do restaurante. Olhei para os calçados dos
homens. Caro couro preto espesso o suficiente para proteger do frio de Novembro.

Sem furos, sem fendas, sem cadarços faltando. Estes dois não eram os típicos
drogados desesperados à procura de dinheiro fácil.

Não, eles tinham seu próprio dinheiro - muito dele, pela aparência de seus
sapatos caros, T-shirts vintage e jeans de marca.

Estes dois punks ricos estavam roubando a minha churrascaria só pela
emoção disso.

Pior maldita decisão que eles já tinham tomado.

— Parem! — O primeiro cara repetiu, como se todos nós não tivéssemos
ouvido antes.

Ele era um homem musculoso com espetados cabelos loiros sustentados
por algum tipo de produto para cabelos brilhantes. Ele provavelmente tinha um
pouco de sangue de gigante em sua árvore genealógica, a julgar pela sua
estrutura de um metro e noventa e as mãos grandes. Apesar de seus vinte e
poucos anos, gordura de criança ainda inchava o seu rosto como um quente
marshmallow gotejando. Os olhos castanhos do cara viajaram por todo o
restaurante, observando tudo desde o feijão borbulhando no fogão atrás de mim à
fritadeira 1 sibilando e à maltratada cópia de Where the Red Fern Grows
pendurada na parede ao lado da caixa registradora.

Em seguida o Bolo de Carne 2 voltou sua atenção às pessoas dentro do Pork
Pit para se certificar de que estávamos todos seguindo as suas exigências. Não
havia muitas pessoas para olhar. Segunda-feira era geralmente um dia parado,
ainda mais pela violência do vento frio e a chuva que caía lá fora. As únicas
pessoas no restaurante além de mim e os aspirantes a assaltantes eram minha
cozinheira anã, Sophia Deveraux, e um par de clientes - duas mulheres em idade
universitária vestindo jeans justos e T-shirts apertadas não muito diferentes
daquelas que os assaltantes usavam.

As mulheres sentaram chocadas e congeladas, olhos arregalados,
sanduíches de carne de churrasco a meio caminho de seus lábios. Sophia estava
ao lado do fogão, seus olhos pretos planos e desinteressados enquanto observava
os feijões borbulharem. Ela grunhiu uma vez e agitou uma colher de metal para
eles. Pouca coisa incomodava Sophia.

1 http://images.publicradio.org/content/2008/04/16/20080416_frenchfries_33.jpg

2 Beefcake no original - também gíria para homem atraente e musculoso, mas eu acho que ela se referiu a ele

como Bolo de Carne devido ao seu tamanho e ao rosto inchado.

O primeiro cara levantou a mão. Uma pequena faca brilhou em seus dedos
vermelhos e rachados. Um pequeno sorriso duro curvou meus lábios. Eu gostava
de facas.

— Relaxe, Jake, — o segundo cara murmurou. — Não precisa gritar.

Olhei para ele. Onde seu amigo era loiro e musculoso, o assaltante número
dois era baixo e ossudo. Seus ralos cabelos estavam presos devido a um topete
incontrolável em vez de uma superabundância de produto. Os cachos eram de
um vermelho brilhante, o que provavelmente tinha lhe dado o apelido de Cenoura
em algum ponto. O Cenoura colocou as mãos nos bolsos furados, mudou o peso
de um pé para o outro e olhou o chão, claramente desejando estar em qualquer
outro lugar. Um ajudante relutante na melhor das hipóteses. Provavelmente
tentou dissuadir seu companheiro. Ele deveria ter tentado mais.

— Sem nomes, Lance. Lembra? — Jake rosnou e encarou o seu amigo.

O corpo ossudo de Lance sacudiu ao ouvir seu próprio nome, como se
alguém o tivesse eletrocutado com um aguilhão de gado.

Sua boca abriu, mas ele não disse nada.

Usei um dos recibos de cartão de crédito daquele dia para marcar o ponto
em que estava n’ A Odisseia. Então fechei o meu livro, endireitei-me, deslizei para
fora do meu banco e contornei o longo balcão que se estendia pela parede traseira
do Pork Pit. Hora de remover o lixo.

O primeiro cara, Jake, observou-me mover com o canto do olho. Mas em
vez de investir em mim como eu esperava, o meio gigante se moveu para a
esquerda e puxou uma das garotas para fora de sua cabine - uma garota
hispânica com um corte de cabelo de fada.

Ela soltou outro grito estridente. Seu grosso sanduíche de carne voou de
sua mão e respingou contra uma das vitrines. O molho de churrasco parecia
sangue escorrendo pelo suave vidro brilhante.

— Deixe-a em paz, seu bastardo! — A outra mulher gritou.

Ela saltou para seus pés e investiu em Jake, que bateu nela com as costas
da mão. Ele poderia ser apenas um meio gigante, mas ainda havia força
suficiente em seu golpe para erguer a mulher de seus pés e mandá-la
cambaleando contra uma mesa.

Ela capotou por cima, bateu forte no chão e deu um gemido baixo.

Neste ponto, Sophia Deveraux tinha se tornado um pouco mais interessada
pelas coisas. A anã se moveu para ficar ao meu lado. As caveiras prata
penduradas no colar de couro preto em volta do seu pescoço tilintaram juntas
como sinos de vento.

As caveiras combinavam com as de sua T-shirt preta.

— Você vai pela direita, — murmurei. — Eu vou pela esquerda.

Sophia grunhiu e se moveu para a outra extremidade do balcão, onde a
segunda mulher havia sido jogada.

— Lance! — Jake balançou a cabeça em direção à mulher ferida e à Sophia.
— Observe aquelas cadelas!

Lance umedeceu os lábios. Miséria pura encheu seu rosto pálido, mas ele
deu um passo em torno de seu amigo e trotou até à mulher ferida, que tinha se
erguido para suas mãos e joelhos. Ela tirou um emaranhado de cabelo preto
azulado de seu rosto. Seus olhos azuis queimaram com ódio. Uma guerreira.

Mas Lance não viu o seu olhar venenoso. Ele estava muito ocupado
olhando para Sophia. A maioria das pessoas olhava. A anã havia se tornado
gótica antes do gótico ser popular - cem anos atrás ou algo assim. Além de seu
colar de caveiras combinar com a T-shirt, Sophia Deveraux usava jeans pretos e
botas. Batom rosa cobria seus lábios, contrastando com a sombra preta brilhosa
em suas pálpebras e a palidez natural de seu rosto.

Hoje, o tema da cor se estendia até o cabelo dela. Pálidas listras rosas
brilhavam entre suas curtas mechas pretas.

Mas Jake não estava tão perplexo. Ele puxou a primeira mulher ainda mais
perto, a virou, segurou-a na frente dele, e levantou a faca para sua garganta.
Agora ele tinha um escudo humano. Fantástico.

Mas essa não era a pior parte. Um pouco de vermelho brilhou nas
profundezas de seus olhos castanhos, como um fósforo que vinha à vida. Magia
surgiu em forma de um vento quente de verão através do restaurante, picando a
minha pele com poder e fazendo as cicatrizes nas minhas palmas coçarem.
Chamas saíram de entre os dedos cerrados do Jake, viajando para cima e se

detendo sobre a faca. A lâmina brilhava vermelho-alaranjado pela súbita explosão
de calor.

Bem, bem, bem, Jake o assaltante era cheio de surpresas.

Porque além de ser um ladrãozinho, o meio gigante Jake era também um
elemental - alguém que podia controlar um dos quatro elementos. Fogo, no seu
caso.

O meu sorriso cresceu um pouco mais. Jake não era a única pessoa aqui
que era um elemental - ou que era extremamente perigoso. Ergui minha cabeça,
alcançando a minha magia de Pedra. Ao meu redor, os tijolos maltratados do
Pork Pit murmuraram com desconforto, sentindo o abalo emocional que já tinha
tomado lugar e minhas intenções escuras.

— Eu disse ninguém se mexe, porra.

O grito anterior de Jake caiu para um sussurro rouco. Seus olhos estavam
completamente vermelhos agora, como se alguém tivesse ajustado dois rubis
cintilantes em seu rosto gordo de criança. Um riacho de suor escorria de sua
têmpora e sua cabeça balançava ao ritmo de uma música que só ele podia ouvir.
Jake estava alto de alguma coisa - álcool, drogas, sangue, sua própria magia,
talvez tudo ao mesmo tempo. Não importava muito. Ele estaria morto em um
minuto. Dois, no máximo.

O brilho vermelho nos olhos de Jake se iluminou quando ele alcançou sua
magia novamente. As chamas piscando sobre a lâmina de prata queimaram mais
e mais quentes, até que alcançaram o pescoço da menina, ameaçando queimá-la.
Lágrimas escorriam pelo seu rosto em forma de coração e sua respiração vinha
em sufocados soluços curtos, mas ela não se moveu. Garota esperta.

Meus olhos se estreitaram. Uma coisa era tentar roubar o Pork Pit, minha
churrascaria, meu boteco. Elementais sem-sorte, vampiras prostitutas, e outros
vagabundos viciados em sua própria magia e ansiando por mais poderiam ser
desculpados por essa estupidez. Mas ninguém - ninguém - ameaçava meus
clientes pagantes. Eu iria desfrutar cuidar deste canalha. Tão logo o tivesse longe
da garota.

Então eu levantei minhas mãos em um gesto apaziguador e mantive a
calma violência fria fora dos meus olhos cinza o melhor que pude.

— Sou a proprietária. Gin Blanco. Não quero nenhum problema. Deixem a
garota ir e abrirei a caixa registradora para vocês. Nem chamarei a polícia depois
que vocês saírem.

Sobretudo porque não me faria nenhum bem. Os policiais na metrópole do
sul de Ashland eram tão tortos 3 como ziguezagues de relâmpago. Os membros
estimados da po-po 4 mal se preocupavam em responder a roubos, especialmente
nessa fronteira do bairro Southtown, muito menos fazer algo útil, como apanhar
os criminosos após o fato.

Jake bufou. — Vá em frente. A polícia não pode me tocar, puta. Você sabe
quem é o meu pai?

Além de ser um elemental de Fogo, Jake era também uma diva 5 famosa 6.
Era um milagre ele ter sobrevivido tanto tempo.

— Não lhes diga isso! — Lance assobiou.

Jake bufou e voltou seus olhos vermelhos para seu amigo. — Direi a elas o
que eu quiser. Então cale essa sua boca chorosa.

— Apenas deixe a garota ir, e abrirei a caixa registradora, — repeti com voz
firme, esperando que minhas palavras penetrassem a elevada magia de Jake e
afundassem em seu crânio maciço.

Seus olhos vermelhos se estreitaram para fendas. — Você abrirá a caixa
registradora, ou a menina morre - e você junto com ela.

Ele puxou a garota de volta para ele e as chamas queimaram na faca ainda
mais brilhantes, assumindo um tom amarelo-alaranjado. As cicatrizes silverstone
em minhas palmas - aquelas em forma de runas de aranha - coçavam com o
afluxo de magia. Fiquei tensa, com medo do que ele ia fazer à garota aqui, agora.
Poderia matá-lo - facilmente - mas provavelmente não antes de ele machucar a

3 No sentido de desonesto.

4 Origem: Califórnia — policiais que patrulham algumas praias em bicicletas e usam um colete escrito PO (Police

Officer) no peito; eles costumam andar em pares. Por isso po-po.

5 Prima Donna em inglês— é frequentemente usado para descrever alguém arrogante, vaidoso, ou apenas

maldoso. Diva e prima donna tornaram-se sinônimos de exibicionista ou vadia.

6 Name-Dropping em inglês — ato de inserir o nome de qualquer pessoa popular ou famosa em uma

conversa num esforço de acelerar a construção de um relacionamento com alguém, ou fazer a si mesmo parecer
mais importante.

garota com a sua magia. Não queria que isso acontecesse. Não iria acontecer. Não
no meu restaurante. Não agora, não de novo.

— Jake, acalme-se, — Lance pediu a seu amigo. — Ninguém está causando
nenhum problema. Está indo exatamente como você planejou. Rápido e fácil.
Vamos apenas pegar o dinheiro e ir embora.

Jake me encarou, as chamas dançando em seus olhos vermelhos
combinavam com o movimento daquelas na lâmina da faca.

Pura alegria maliciosa encheu seus olhos carmins. Mesmo se eu não fosse
boa lendo as pessoas, essa emoção por si só já me diria que Jake gostava de usar
a sua magia, amava o poder que lhe dava, a sensação de ser invencível.

E ele não ia ficar satisfeito apenas roubando meu dinheiro. Não, Jake iria
usar o seu poder de fogo para matar todo mundo no restaurante só porque ele
podia, porque ele queria mostrar a sua magia e provar que ele era realmente foda.
A não ser que eu fizesse algo para detê-lo.

— Jake? O dinheiro? — Lance perguntou novamente.

Depois de um momento, o fogo esmaeceu nos olhos de Jake. Ele baixou a
lâmina brilhante alguns centímetros, dando à garota um pouco de ar realmente
necessário. — Dinheiro. Agora.

Abri a registradora, agarrei todas as notas enrugadas que estavam lá
dentro e as estendi. Tudo o que Jake tinha que fazer era soltar a garota tempo
suficiente para avançar e pegar o dinheiro e eu o teria. Vamos lá, seu bastardo.
Venha brincar com a Gin.

Mas algum senso de auto-preservação deve ter operado, porque o meio
gigante musculoso sacudiu a cabeça. Lance deixou seu posto perto da mulher
ferida, foi cuidadosamente para a frente, pegou o dinheiro da minha mão e
recuou. Não me preocupei em agarrá-lo e usá-lo como refém. Caras como Jake
eram capazes de deixar seus amigos girando ao vento 7 - ou presos na borda da
minha lâmina.

Jake lambeu os lábios grossos e rachados. — Quanto? Quanto está aí?

Lance vasculhou as notas verdes. — Um pouco mais de 200.

7 Numa situação extremamente ruim.

— Só isso? Você está escondendo o dinheiro de mim, puta, — rosnou Jake.

Dei de ombros. — Segunda-feira é um dia parado. E muitas pessoas não
gostam de sair neste tipo de clima frio, nem mesmo por churrasco.

O elemental de Fogo olhou para mim, debatendo as minhas palavras e o
que poderia fazer com elas. Eu sorri de volta. Ele não sabia no que havia se
metido - ou com quem estava mexendo.

— Vamos embora, Jake, — Lance pediu. — Alguns policiais poderiam
aparecer a qualquer momento.

Jake apertou o agarre sobre a sua faca de fogo. — Não. Não até que essa
puta me diga o que ela fez com o resto do dinheiro. Este é o restaurante mais
popular do bairro. Tinha que haver mais de 200 dólares nessa caixa registradora.
Então, onde você o escondeu, vadia? Você está usando um cinto de dinheiro 8
debaixo desse gorduroso avental azul?

Dei de ombros. — Por que você não vem e descobre, seu merda patético?

Seus olhos ficaram mais escuros, mais vermelhos, mais irritados, até que
eu pensei que as faíscas de fogo piscando lá poderiam realmente disparar para
fora de suas mágicas íris coloridas. Jake soltou um grunhido furioso.

Ele empurrou a garota para longe e investiu em mim, a faca mantida
diretamente para fora.

Meu sorriso se alargou. Finalmente. Hora de jogar.

Esperei até que ele estivesse ao alcance, então avancei e virei meu corpo no
seu. Bati meu cotovelo em seu plexo solar e varri seus pés de sob ele.

Jake tossiu, tropeçou e mergulhou de cabeça no chão.

Sua têmpora raspou no lado de uma das mesas enquanto ele caía,
resultando em um pouco de sangue salpicando nos meus jeans. A pancada foi o
suficiente para fazer Jake perder o agarre sobre a sua magia de Fogo. O
formigamento de poder saindo dele desapareceu e as chamas se extinguiram na
faca em sua mão. O metal quente assobiou e soltou fumaça quando entrou em
contato com o chão frio.

8 http://moneybelt.co.cc/wp-content/uploads/2010/04/waist_money_belt.jpg

Olhei à minha direita. A mulher que Jake tinha jogado através da sala se
esforçava para ficar de pé e se preparava para lançar-se em Lance. Mas Sophia
agarrou a cintura da garota e a puxou de volta. A mulher começou a lutar, mas a
anã gótica balançou a cabeça e deu um passo adiante, colocando-se na frente da
cliente. Lance engoliu uma vez e deu um passo para trás, pronto para virar e
correr.

Mas Sophia era mais rápida. A anã socou-o uma vez no estômago. Lance
caiu como se uma bigorna tivesse lhe caído em cima. Ele desabou no chão e não
se mexeu.

Um caído, um por cair.

Voltei minha atenção de volta para Jake, que tinha rolado para o lado.
Sangue escorria do lado da cabeça onde ele tinha se cortado no canto da mesa. O
meio gigante me viu em pé sobre ele, se curvou até à metade e atacou-me com
sua faca que arrefecia. Idiota. Ele nem sequer tinha chegado perto de me
entalhar. Após Jake fazer outro movimento falho com a lâmina, eu me abaixei e
agarrei seu pulso, dobrando-o para trás para que ele não pudesse movê-lo. Olhei
a arma na mão fechada.

— Porra, — eu disse. — Pegue uma faca de verdade. Você não poderia nem
descascar batatas com essa coisa.

Então eu arranquei a lâmina de seus dedos rachados e estalei seu pulso
grosso.

Jake uivou de dor, mas o barulho não me incomodou.

Não tinha feito em anos. Empurrei-o para baixo em suas costas, em
seguida sentei escarranchada nele, um joelho de cada lado do peito musculoso,
apertando e pressionando suas costelas. Gigantes, mesmo meio gigantes como
Jake, odiavam quando eles tinham dificuldade para respirar. A maioria das
pessoas odiava.

Ajustei e reforcei meu aperto sobre a faca, pronta para conduzi-la em seu
coração. Uma arma frágil, mas que faria o trabalho. Praticamente qualquer coisa
faria, se você tivesse suficiente força e determinação para colocar por trás disso.
Eu tinha bastante de ambos.

Um pequeno soluço sufocado soou, tirando minha atenção de Jake e seus
estridentes lamentos.

Meus olhos cinza sacudiram para cima. Uma das garotas estava encolhida
debaixo de uma mesa a poucos metros de distância, seus joelhos encolhidos
junto ao peito, seus olhos arregalados em seu rosto, lágrimas deslizando pelo seu
rosto corado.

Uma posição em que eu tinha estado, uma vez.

Um par de meses atrás, a garota e suas lágrimas não teriam me
incomodado. Eu teria matado Jake e seu amigo, lavado o sangue das minhas
mãos e pedido a Sophia para se livrar dos corpos antes que eu fechasse o Pork Pit
para a noite.

Isso era o que os assassinos faziam.

E eu era a Aranha, uma dos melhores.

Mas eu tinha tido uma espécie de epifania há dois meses quando o meu
mentor tinha sido brutalmente torturado e assassinado dentro do Pork Pit - no
mesmo local que Jake e eu estávamos no momento. O velho, Fletcher Lane,
queria que eu me aposentasse, tomasse um caminho diferente na vida, vivesse
um pouco à luz do dia, como ele tanto gostava de dizer. Segui o conselho de
Fletcher e encerrei o negócio de assassina depois de ter matado Alexis James, a
elemental do Ar que o tinha assassinado.

— Hmph.

Atrás de mim, Sophia grunhiu. Olhei por cima do meu ombro para a anã,
que ainda estava segurando a outra mulher. A garota estava tentando, sem
sucesso, arrancar os grossos dedos da anã de sua cintura. Boa sorte com isso.
Sophia tinha um aperto como a morte. Uma vez que ela tinha você, ela não a
deixava ir - nunca. Meus olhos cinza travaram com os pretos de Sophia. Pesar
brilhou em seu olhar escuro e ela balançou a cabeça só um pouquinho. Não, ela
estava dizendo. Não na frente de duas testemunhas.

Sophia estava certa. Testemunhas eram ruins. Não poderia destripar Jake
com as duas garotas assistindo e me livrar do corpo depois. Não no meu próprio
restaurante. Não sem estragar meu disfarce como Gin Blanco e se quisesse deixar
tudo para trás. E eu não ia fazer isso. Não por um pedaço de lixo como o
elemental de Fogo. Mas isso não queria dizer que eu não podia deixar Jake saber
exatamente com quem ele estava lidando.

Esperei até que houve uma calmaria nos gritos de Jake, então inclinei a
sua cabeça para cima com a ponta da faca e olhei em seus olhos. Eles tinham

perdido todo o toque de sua ardente magia vermelha. Agora, suas íris castanhas
estavam largas e brilhantes com pânico, medo, dor.

— Se você alguma vez voltar ao meu restaurante e foder comigo ou com
meus clientes, eu vou te entalhar como um peru de Ação de Graças.

Golpeei a faca para baixo, rompendo a pele do seu pescoço musculoso.
Jake gritou devido à picada e agarrou o ferimento leve com seus dedos da
grossura de salsichas. Dei um tapa na mão e cortei-o de novo. O cheiro de sangue
quente e acobreado encheu o meu nariz. Outra coisa que não me incomodava em
um longo, longo tempo.

— Toda vez que você se mover, vou cortá-lo de novo. Mais e mais
profundamente. Acene com a cabeça se você entendeu.

Ódio queimou em seu olhar, atenuando a dor e o pânico, mas ele acenou.

— Bom.

Bati em sua têmpora com o cabo da faca. A cabeça de Jake estalou para
um lado e caiu no chão. Inconsciente.

Assim como seu amigo Lance.

Levantei-me, limpei minhas impressões digitais da faca e deixei cair a arma
no chão. O meio gigante não se mexeu. Então eu fiquei de pé e fui para a garota,
ainda agachada debaixo da mesa.

Ela encolheu-se contra as pernas de uma cadeira quando me aproximei,
como se quisesse se fundir com o metal. Seu pulso vibrava como uma borboleta
louca em sua têmpora. Coloquei o meu mais amigável, mais confiável e
encantador sorriso do Sul no meu rosto e me abaixei até que estava ao mesmo
nível que ela.

— Vamos lá, querida, — eu disse, estendendo a minha mão. — Acabou.
Aqueles homens já não vão te machucar.

Seus olhos chocolate dispararam para Jake que estava deitado no chão.

Seu olhar se moveu de volta para mim e ela mordeu o lábio, dentes brancos
contra a pele cor caramelo.

— Também não vou te machucar, — disse com uma voz suave. — Vamos
lá. Tenho certeza que sua amiga quer ver como você está.

— Cassidy! — A outra mulher gritou pois Sophia ainda não a estava
deixando ir. — Você está bem?

A voz da amiga penetrou o torpor temeroso de Cassidy.

Ela suspirou e acenou com a cabeça. A garota estendeu o braço e eu
agarrei a mão trêmula. Os dedos de Cassidy pareciam finos, frágeis pingentes
contra a cicatriz grossa embutida na minha palma. Puxei a garota para seus pés.
Ela me olhou com cautela compreensível, então eu mantive meus movimentos
lentos e simples, não querendo assustá-la.

— Estou bem, Eva, — disse Cassidy em voz baixa. — Só um pouco abalada,
é tudo.

Sophia soltou a outra mulher e eu recuei.

Eva correu para a frente e pegou sua amiga em um abraço apertado.

Cassidy abraçou a outra mulher e as duas se balançaram para a frente e
para trás no meio do restaurante.

Caminhei até Sophia, que estava observando as duas mulheres com uma
expressão plana em seu pálido rosto.

— Amizade. Não é uma coisa linda? — Brinquei.

— Hmph. — Sophia grunhiu novamente.

Mas nos cantos dos lábios da anã gótica surgiu um sorriso minúsculo.

As duas garotas se abraçaram por mais um minuto antes que Eva puxasse
o celular de seu jeans.

— Você liga para a polícia, — Eva disse à amiga. — Preciso deixar Owen
saber que eu estou bem. Você sabe como ele é. Ele vai surtar quando descobrir
sobre isso.

Cassidy assentiu com a cabeça de forma solidaria e puxou seu próprio
telefone dos jeans. As duas mulheres começaram a discar números, em vez de
pedirem a mim, à dona do restaurante, para fazer isso por elas. Não era de

estranhar. Se você queria policiais, você mesmo os chamava. Certamente não
dependeria da bondade de estranhos para fazer isso. Não em Ashland.

Eu fiz uma careta. Policiais. Exatamente o que eu precisava. Alguns dos
melhores de Ashland obtendo uma vista completa de mim, a ex-assassina, da anã
gótica que gostava de eliminar corpos mortos em seu tempo livre e dos dois caras
que tínhamos despachado tão facilmente.

Não era o tipo de atenção que eu queria chamar para mim, mesmo que eu
estivesse aposentada. No entanto, já não havia nada que eu pudesse fazer a
respeito.

Sophia voltou ao fogão para verificar o seu feijão. Eva falou em voz baixa
com alguém em seu telefone.

Cassidy terminou sua chamada para o 911 e se deixou cair na cadeira mais
próxima.

A garota encarou Jake que estava no chão, em seguida, seus olhos
castanhos se voltaram para a faca ensanguentada. Seu lábio inferior estremeceu,
os olhos ficaram brilhantes e suas mãos tremeram. Ela tentava segurar as
lágrimas. Outra coisa que eu tive que fazer, uma vez.

Andei até o balcão e peguei um prato de vidro cheio de biscoitos floresta
negra que eu tinha cozido naquela manhã.

— Aqui. — Tirei a parte superior e segurei o prato para ela. — Pegue um
biscoito. Eles têm muito açúcar, manteiga e chocolate neles. Vão ajudar com a
tremedeira.

Cassidy deu-me um sorriso fraco, pegou um doce de chocolate e mordeu a
mistura. O chocolate amargo derreteu na sua boca e seus olhos brilharam com
prazer em vez de preocupação.

Eva terminou sua ligação e se sentou ao lado da amiga.

Suas mãos não tremiam quando ela fechou o telefone e ela olhou para Jake
com uma expressão pensativa. O único sinal de que alguma coisa havia
acontecido com Eva era um vergão vermelho na sua bochecha, onde seu rosto
tinha se chocado contra o chão.

A garota tinha uma cabeça fria em seus ombros e um aperto firme sobre
suas emoções. Mas isso não significava que ela não poderia se deixar levar mais
tarde.

Segurei o prato para ela. — Você também.

Eva pegou um biscoito, partiu-o em dois, e enfiou metade em sua boca. Não
era tímida, também.

Também peguei um dos doces de chocolate da pilha.

Não porque eu tinha nervos trêmulos, mas porque eles eram biscoitos
malditamente bons. Eu mesma os tinha feito, e eu era tão boa em cozinheira
como tinha sido em assassina.

Olhei para os dois homens inconscientes no chão.

Lance estava de braços abertos ao lado de uma das cabines onde Sophia o
tinha deixado cair. Sangue continuava a escorrer dos cortes na garganta e na
têmpora de Jake, manchando o chão de um marrom enferrujado.

Peguei outro biscoito do prato e os observei sangrar.

Capítulo 2

Um par de oficiais de patrulha uniformizados apareceu vinte minutos
depois. Atrasados, como de costume. Se tivéssemos realmente precisado deles,
nossos corpos teriam ficado frios e pegajosos no chão. Os policiais passaram
rapidamente pela porta da frente e pararam, surpresos com a cena calma.

Eva e Cassidy sentavam-se em sua cabine inicial. Cassidy mastigava seu
quarto biscoito e tomava um gole do leite que eu lhe tinha dado. Eva tinha um
cotovelo inclinado sobre a mesa, segurando a cabeça com uma de suas mãos.
Com a mão livre, ela metodicamente partiu um biscoito e comeu-o lentamente,
pedaço por pedaço. Parecia que o choque tinha finalmente a alcançado.

No fogão, Sophia enchia de feijão cozido uns frascos de vidro Mason 9 para
levar à sua irmã mais velha, Jo-Jo. Eu estava empoleirada em meu banco usual
atrás da caixa registradora, comendo meu terceiro biscoito e lendo sobre Ulisses
cegando um ciclope.

O primeiro policial era quase da minha altura, um metro e setenta ou
assim, um cara hispânico resistente com pele cor de noz e um topete combinando
com os cachos que escaparam do gorro em que ele os tinha enfiado. Sardas
escuras pontilhavam suas bochechas como se fossem nozes.

Ele tinha tirado a sua arma e esta estava pressionada contra a sua perna.

9 http://www.bridepop.com/wp-content/uploads/2011/01/mason-jar.png

Em contraste, o outro policial tinha cerca de dois metros de altura, a
cabeça raspada como um melão e punhos do tamanho de um presunto. Sua pele
era tão negra que brilhava, como azeviche polido. Assim eram os seus olhos. Seu
nome era Xavier. Eu tinha-o visto trabalhando como porteiro na Agressão do
Norte, um clube noturno que tive a oportunidade de visitar recentemente.

Não tinha percebido que ele também era um membro da força policial.

Xavier reconheceu-me também e inclinou a cabeça em minha direção. Eu
retribuí o gesto.

Xavier não tinha a sua arma. Não precisava. Gigantes poderiam levar um
par de balas no peito antes de caírem e um soco bem colocado de seus punhos
quebraria o pescoço de quase qualquer um. Estranho ele estar trabalhando como
policial, no entanto. A maioria dos gigantes em Ashland alugava os seus serviços
como seguranças privados. Pagava melhor, mesmo que fosse igualmente perigoso.

— Recebemos uma ligação sobre um roubo, — o primeiro policial falou.

Sua voz era alta e chorosa, como uma serra elétrica.

— Yeah. Esses dois caras entraram e tentaram me roubar. Esse, — eu
apontei para Jake, — entrou na loja e disse a todos para pararem o que estavam
a fazer. Quando comecei a abrir a caixa registradora, ele pegou uma das meninas
e colocou uma faca em sua garganta. Ele é um elemental do Fogo. Colocou
chamas em sua faca e quase queimou a garota com ela. Mas, felizmente, minha
cozinheira e eu fomos capazes de subjugar os dois.

Os policiais olharam para os dois homens, depois para mim, então para
Sophia e finalmente para as garotas.

— Foi assim que aconteceu? — O policial baixo perguntou.

Eva e Cassidy acenaram com a cabeça. Sophia grunhiu seu acordo.

— Foi exatamente assim que aconteceu, — eu disse.

O pequeno policial se focou em Lance. — E o outro cara lá?

— Seu amigo. Tentou acalmá-lo. Não funcionou.

O policial olhou para os dois homens por mais um momento, então olhou
de volta para mim. — E você fez isso com eles? Com o quê? Um taco de beisebol?

— Não, — respondi. — Apenas segurei o primeiro cara, o grande. Minha
cozinheira cuidou do outro homem. Nenhuma de nós tinha uma arma.

Com sua grande força, Sophia não necessitava de uma arma mais do que
um gigante precisava. E eu não achava que era necessário mencionar as cinco
facas silverstone atualmente escondidas em meu corpo. Ou as outras colocadas
em locais estratégicos por todo o restaurante. Ou o fato de que eu poderia apenas
ter formado um pingente de gelo denteado com minha magia de Gelo e cortado a
garganta do Jake com ele. Ou até mesmo usado o meu outro poder elemental de
Pedra para desabar todo o restaurante em cima de sua cabeça.

O pequeno policial soltou um assobio baixo. — Escolheram o lugar errado
para roubar, não é?

Eu não respondi. Ele podia ver exatamente o quão errados eles tinham
estado pelos respingos de sangue no chão.

Os dois homens estavam começando a voltar a si. Lance se balançava para
frente e para trás no chão, segurando o estômago, como se isso fosse diminuir a
dor que ele sentia onde Sophia o tinha socado. Jake estava deitado de costas e ele
piscou para o teto como se não estivesse realmente vendo-o.

O policial gigante, Xavier, se inclinou, pegou Lance pela nuca com uma
mão e colocou-lhe um conjunto de algemas silverstone. — Você. Fique quieto.

Lance estava muito ocupado tentando não vomitar para fazer algo estúpido,
como correr. Xavier ficou sobre um dos joelhos e começou a repetir o processo de
algemar em Jake. Ele olhou para seu rosto. Xavier fez uma careta, então olhou-
me com seus olhos negros.

— Você sabe quem é este? — Ele resmungou.

— Não. Deveria?

O gigante acenou com a cabeça. — Yeah, Jake McAllister.

Meus olhos cinzentos se estreitaram. — McAllister? Como em Jonah
McAllister? O advogado?

— Esse mesmo, — retumbou Xavier. — Jake aqui é seu filho. Terceira vez
que ele está em apuros desde o Halloween.

O início de uma dor de cabeça latejava atrás dos meus olhos. Jonah
McAllister era o mais caro advogado de Ashland e o mais bem sucedido. Um
empreendedor carismático que poderia fazer o criminoso mais violento,
irredimível e sociopata parecer uma colegial inocente — e fazer o júri chorar de
compaixão enquanto fazia isso. McAllister não se importava se as pessoas eram
culpadas ou não, contanto que pudessem pagar os seus astronômicos
honorários.

Mas ainda mais problemático era o fato de que Jonah McAllister era
também o conselheiro pessoal de Mab Monroe. Ashland poderia ter toda a pompa
municipal de qualquer outra cidade. A polícia e os bombeiros, um conselho
municipal e um prefeito.

Mas Mab Monroe era quem realmente dominava a cidade, além do seu
próprio lucrativo império mafioso. Para a maioria das pessoas, Mab era a mais
rica empresária da cidade, que generosamente, de forma desinteressada, usava
sua riqueza para ajudar os menos afortunados. Mas aqueles de nós que se
moviam pelo lado sombrio da vida sabiam que Mab fazia tudo, desde encomendar
sequestros a subornar funcionários do governo e assassinar qualquer um que
ficasse em seu caminho.

Mab tinha dinheiro, mas seu verdadeiro poder vinha do fato de que ela era
uma elemental do Fogo, assim como Jake McAllister.

Sendo uma elemental significava que Mab poderia criar, controlar e
manipular o fogo de praticamente qualquer jeito que ela quisesse. Mas Mab
Monroe tinha muito mais poder do que Jake McAllister alguma vez havia
sonhado. Dizia-se que Mab tinha mais magia, mais poder cru, do que qualquer
elemental nascido nos últimos quinhentos anos. Dada a sua opressão na cidade e
posição de rainha no submundo de Ashland, não era tanto um rumor como um
fato conhecido.

Qualquer um que se levantava contra Mab Monroe era morto rapidamente.

Jonah McAllister era mais do que apenas o advogado de Mab — ele era um
de seus principais tenentes, junto com Elliot Slater, o gigante que lidava com a
segurança de Mab e que aplicava brutalmente a sua vontade. O trabalho de
McAllister era lidar com alguém que desafiasse Mab através dos meios legais.
Enterrá-los em papelada e burocracia suficiente para afogar um elefante de modo
que eles ou desistiam de imediato ou eram forçados a isso quando fossem à
falência tentando pagar seus próprios advogados.

Não, Jonah McAllister não ficaria satisfeito ao saber que eu tinha
derrubando o seu filho. Ele, e por extensão Mab Monroe, poderiam me trazer
problemas — problemas que não eram tão facilmente solucionáveis agora que eu
era apenas Gin Blanco e não estava mais trabalhando clandestinamente como a
Aranha.

— Você tem certeza que deseja prestar queixa? — Xavier perguntou. — A
maioria das pessoas não o faz, depois de saberem quem é seu pai.

Olhei para Jake, que continuava piscando para o teto.

O meu olhar caiu sobre Cassidy, que estava ocupada olhando os seus
sapatos. Ela tinha ouvido a pergunta de Xavier e sabia o que significava o nome
McAllister tão bem quanto eu. Cassidy pensava que eu ia desistir e não queria
ver-me dizer aos policiais para deixarem Jake ir.

A imagem das chamas vermelhas-alaranjadas lambendo a garganta esbelta
de Cassidy passou diante de meus olhos, juntamente com seu rosto coberto de
lágrimas. Lembrando-me de um outro lugar, de um outro tempo, uma outra
garota desesperada para que eu a salvasse, a convencesse de que tudo ia ficar
bem, mesmo sabendo que não iria. Mesmo sabendo que nunca ficaria bem
novamente.

As memórias da minha irmã mais nova, Bria, e a noite horrível que nossa
mãe e irmã mais velha, Annabella, tinham sido assassinadas, nadaram na parte
de trás da minha mente, um tubarão negro subindo à superfície. A memória
afundou seus dentes afiados e frios em meu coração. Fogo, tortura, destruição,
morte. Tudo isso e muito mais tinha acontecido nessa noite fatídica há dezessete
anos atrás. Minhas mãos se enrolaram em punhos frouxos, escondendo as
cicatrizes de runa de aranha que haviam sido queimadas nas minhas palmas —
cicatrizes que eram um lembrete constante da minha família perdida.

Após alguns segundos, desenrolei minhas palmas e flexionei os dedos,
tirando a tensão deles.

Focalizei em Jake McAllister novamente, lembrando a forma afiada e
maliciosa que ele me olhou. Duzentos dólares ou não, ele estava preparado para
matar a mim e a todo o mundo que estava no restaurante por nada mais do que
uma sensação de euforia. Estaria condenada se eu o deixasse se safar disso.

— Foda-se quem o pai dele é, — eu disse. — Ele quase cortou a garganta
daquela garota. Vou prestar queixa.

Xavier deu de ombros. — Sua escolha. Só não espere muito disso.

Ele tilintou as algemas silverstone em torno dos pulsos de Jake e puxou o
elemental de Fogo até seus pés. O movimento abrupto tirou Jake de seu transe
de piscar e ele olhou por cima do ombro para o policial, depois de volta para mim.
Demorou alguns segundos para a realidade da situação penetrar em seu crânio
maciço.

— Você chamou a polícia? Você vai pagar por isso, puta! — Jake gritou.

Ele avançou, tentando se livrar de Xavier e chegar até mim. Porém Xavier
facilmente o deteve com uma mão.

Difícil se livrar do aperto de um gigante.

Mas em vez de ficar onde estava, eu contornei o balcão e fui até Jake. Desta
vez, eu o deixaria ver quão frios, planos e duros meus olhos cinza realmente
eram. — Você é quem vai pagar quando papai descobrir que está derrubando
restaurantes — ou tentando. Péssimo trabalho de merda que você fez.

— Puta, — ele gritou de novo. — Você vai morrer por isso! Você está me
ouvindo? Você está morta!

Jake pulou para a frente novamente, mas o policial gigante puxou-o pela
nuca — não muito gentilmente.

Xavier piscou para mim e eu sorri. Estava começando a gostar de Xavier.
Teria que lhe dar uma ou duas notas extras de cem na próxima vez que o visse
trabalhando na porta do Agressão do Norte.

— Vamos lá, Jake, — Xavier retumbou. — Vamos levá-lo à viatura para que
você possa chamar o seu velho para vir salvá-lo.

Xavier empurrou Jake McAllister e seu amigo Lance pela porta da frente e
colocou-os na traseira de uma viatura que aguardava. O policial, o cara baixo,
tomou os depoimentos de Cassidy e Eva. Ele tinha acabado de falar com as
meninas quando a porta da frente do Pork Pit abriu e outro policial entrou. Um
homem hispânico alto com cabelo preto curto, pele bronzeada e olhos da cor de
uísque esfumaçado.

Detetive Donovan Caine.

A maioria dos policiais em Ashland podiam ser conhecidos por sua apatia e
avareza, mas Donovan Caine era uma rara exceção à regra. Ele lutava contra a
corrupção, subornos e retribuições que a maior parte da força policial recebia
para olhar para o outro lado e realmente tentava pegar os criminosos. E o detetive
realmente acreditava em todas aquelas coisas piegas de proteger e servir.

O meu caminho tinha atravessado pela primeira vez com o do Caine vários
meses atrás, quando eu tinha assassinado Cliff Ingles, seu parceiro corrupto.
Além de receber dinheiro e favores sexuais de prostitutas vampiras enquanto ele
estava em serviço, Ingles tinha cruelmente estuprado e espancado uma das filhas
adolescentes das prostitutas.

Mesmo entre a escória em Ashland, Cliff Ingles tinha sido um verdadeiro
príncipe e eu tinha tratado dele como um pro bono 10. Meu próprio tipo de serviço
público.

Donovan Caine não sabia o quão sujo seu parceiro era e tornou-se
obcecado com a captura do assassino de Cliff Ingles — eu. É claro, a trilha tinha
esfriado, sendo que eu não era nada senão profissional, mas isso não tinha
impedido Caine de manter o caso aberto e cavar para obter informações a cada
poucas semanas.

Então nossos caminhos se cruzaram novamente — e em pessoa — dois
meses atrás quando eu tinha sido enquadrada pelo assassinato de um delator
corporativo chamado Gordon Giles.

Algumas pessoas desagradáveis pensaram que o detetive tinha informações
que poderiam implicá-los no esquema e eles tentavam obter informações dele
quando eu apareci e os derrubei. Depois disso, Donovan Caine tinha
relutantemente unido forças comigo para encontrar o verdadeiro assassino.

Durante o curso da nossa investigação, tivemos um caso quente de-uma-
noite — bem, mais como um caso quente de-uma-hora — alguns meses atrás,
mas nada desde então. A mentalidade do detetive Escoteiro era um ponto de
atrito entre nós. Eu achava sua moral admirável, um pouco impraticável em uma
cidade tão suja, violenta e corrupta como Ashland. Ele achava a minha falta da
mencionada moral e a falta de remorso por todas as coisas sangrentas que eu
tinha feito na minha antiga profissão perturbadora, para dizer o mínimo.

Ainda assim, a atração entre nós tinha sido intensa e o sexo apressado que
tivemos num armário de abastecimentos tinha sido fantástico.

10 Latim – “para o bem do povo”

Só tinha visto o detetive uma vez desde então, no funeral do meu mentor,
Fletcher Lane. Caine tinha vindo para oferecer suas condolências e me checar.
Beijei-o ali mesmo no cemitério. Depois disso, ele tinha saltado para longe de
mim como um coelho assustado.

Não tinha visto ou falado com o detetive desde então. Pensava muito nele,
no entanto. Mais do que eu desejava.

E agora ali estava ele no meu boteco, no meu cantinho da cidade.

Donovan Caine percebeu meu olhar e levantou a cabeça.

Nossos olhos se trancaram, ouro com cinza. Meu peito apertou e o calor
familiar inundou minhas veias, reunindo-se no meu estômago antes de se dirigir
mais para baixo. Olhei para o casaco da marinha que o detetive usava.

O tecido de lã pendurava sobre seus ombros e mostrava o contorno do seu
corpo magro e duro. Lembrei-me da sensação daquele corpo duro. Sua boca
pressionada contra a minha, nossas línguas batendo juntas. Mãos agarrando as
roupas do outro.

O cheiro fresco e limpo dele enchendo meu nariz. A forma como ele
murmurava meu nome uma e outra vez como uma maldição — ou a resposta a
uma oração — quando ele tinha empurrado em mim, rápido, duro e profundo.
Mmm.

O pequeno policial me viu olhando para o detetive. Ele se aproximou,
murmurou algo para Caine e sacudiu a cabeça em minha direção. Provavelmente
apontando-me como a proprietária e principal testemunha. A maioria das
mulheres, a maioria das amantes deixadas para trás, teria avançado
ameaçadoramente e exigido saber o que Donovan Caine fazia ali.

Por que ele não tinha sequer ligado. Em vez disso, inclinei um cotovelo
contra o balcão e permaneci indiferente, embora o meu estômago se apertasse
com a visão dele.

Paciência era uma das minhas virtudes. Sempre tinha sido. O detetive viria
a mim em breve.

Menos de um minuto depois, Caine terminou sua conversa tranquila com o
outro policial e caminhou na minha direção.

Ele parou a cerca de um pé de distância, seus olhos dourados assimilando
meu avental azul manchado de gordura, jeans desgastado e T-shirt de manga
comprida. Dois tomates escarlates decoravam o topo do algodão preto.

— Gin.

— Detetive.

Ficamos ali, olhando um para o outro. Uma corrente elétrica invisível
zumbia entre nós, disparando faíscas de desejo em todas as direções. Eu inspirei.
O cheiro limpo de sabão do detetive encheu o meu nariz, subjugando o cominho,
a pimenta vermelha e as outras especiarias no ar. Donovan desviou o olhar e
limpou a garganta.

Ele sacudiu a cabeça e eu o segui até o outro lado do restaurante, fora do
alcance dos ouvidos de qualquer outra pessoa

— Você quer me dizer o que aconteceu? — Ele perguntou em voz baixa.

— Você quer me dizer por que está aqui? — Eu rebati. — Detetives não
costumam verificar assaltos em Southtown, especialmente aqueles que foram
impedidos.

Donovan me encarou. — Tudo bem. Pedi à expedição para me informar se
houvesse quaisquer incidentes no Pork Pit.

— Por quê? Medo que eu pudesse começar a matar pessoas em meu
próprio local de negócios? Você não deve ter conseguido o memorando, mas eu já
me aposentei, detetive.

Suas sobrancelhas negras se juntaram pela surpresa. — Aposentou?

Eu assenti. — Aposentei. Agora passo os meus dias aqui no Pork Pit
servindo o melhor churrasco, salada de repolho e chá gelado de amora em
Ashland.

Alguma emoção queimou em seus olhos âmbares. Poderia ter sido alívio ou
até mesmo esperança, mas fosse o que fosse tinha desaparecido antes que eu
pudesse decifrar. — Bem, bom para você, eu acho.

Dei de ombros. Desistir do meu negócio de assassina não era bom ou ruim.
Fletcher Lane tinha andado atrás de mim para eu me aposentar por meses antes
do seu assassinato. Após sua morte, decidi honrar o último desejo do velho. Nada

mais, nada menos. Mas à medida que os meus olhos deslizaram pelo corpo de
Donovan Caine, não pude deixar de imaginar se a minha revelação seria o
suficiente para conseguir que o detetive voltasse para a minha cama. Certamente
não poderia machucar.

Donovan tirou uma caneta e um bloco de notas do seu bolso.

— Então me conte o que aconteceu.

Recapitulei os acontecimentos da última hora. Depois que eu terminei,
Caine ficou em silêncio, sua caneta congelada no seu bloco de notas, revirando
algo em sua mente. Então ele levantou seus olhos de ouro para mim.

— Por que você não os matou? — Ele perguntou numa voz suave. — Ambos
sabemos que você poderia.

— Facilmente, — eu concordei. — Mas uma das meninas estava no chão ao
meu lado.

— E você não queria que ela visse você fazer isso?

Dei de ombros. — Testemunhas são ruins, detetive. Já lhe havia dito isso
antes.

Ele bufou. — E eu aqui pensando que você estava desenvolvendo um
coração.

Decepção tingiu suas palavras. Ignorei a ânsia que o som provocou em
mim.

— Oh, eu sempre tive um coração detetive, — respondi em tom jovial. — Só
não o deixo me impedir de fazer o que precisa ser feito. Isso seria fraco e eu não
sou fraca. Não tenho sido em muito tempo.

— Não, fraca é uma coisa que você definitivamente não é. — Donovan me
fitou. — Você pode estar aposentada, mas realmente não mudou nada, não é,
Gin?

— Isso depende da sua definição de mudança. Eu deveria me transformar
em uma mãe devota ou num coração sangrando 11 que deixa as pessoas pisarem

11 Coração mole, pessoa que é excessivamente simpática com aqueles que se dizem desprivilegiados ou

explorados

em cima? Não me parece que isso vai acontecer. Mas reavaliei a minha vida,
minhas prioridades e decidi fazer uma pequena mudança. Dito isto, se alguém
me empurrar, vier para cima de mim como aqueles dois palhaços, eu vou
empurrar de volta — três vezes mais forte. Ser uma assassina foi a minha forma
de vida desde que eu tinha treze anos, detetive. Não vou esquecer o que fiz
durante os últimos dezessete anos só porque não estou mais fazendo isso.

— Eu vejo.

Desta vez, a decepção era tão afiada como uma das facas silverstone
escondidas nas mangas da minha camisa. Donovan Caine ainda me queria, mas
ele queria que sua consciência estivesse segura sobre isso também. Eu não era a
única que precisava mudar.

Caine limpou a garganta. — Você sabe quem o garoto loiro é?

— Jake McAllister. Filho querido de Jonah McAllister. O policial gigante me
disse - em seguida, perguntou se eu ainda queria prestar queixa.

Donovan olhou para o policial, que poderia ser visto de pé na calçada
através das vitrines.

— Xavier? Ele é um bom cara. Provavelmente pensou que estava lhe
fazendo um favor, deixando você saber sobre o garoto e suas conexões. Porque
Jonah McAllister não vai gostar disto. Ele pode causar um monte de problemas
para você.

— Se ele causar, vou lidar com isso da maneira que eu sempre faço.
Rapidamente. Eficientemente. Permanentemente.

— Da maneira que você sempre faz? Pensei que você estava tentando
mudar.

— Eu estou, — respondi. — Mas lixo branco ainda é lixo branco, detetive.
Ninguém vem ao meu restaurante, tenta roubar o lugar e ameaça os meus
clientes. Não me importo com quem é seu pai.

Ficamos olhando um para o outro. Não pela primeira vez, eu ansiava atrair
o detetive para perto, puxar seus lábios de encontro aos meus e ver se o sexo
seria tão quente, duro e bom como havia sido antes. Nós certamente teríamos
mais margem de manobra em uma das mesas do que tivemos no armário de
abastecimentos. Mmm.

Mas eu não ia fazer o primeiro movimento. Eu tinha feito isso antes. Se o
detetive me quisesse, ele teria que me deixar saber.

Mas ele não o fez.

Em vez disso, Donovan Caine me encarou, seus olhos traçando minhas
feições, como se ele estivesse a memorizá-las. Como se ele estivesse planejando
nunca mais me ver. Talvez isso acontecesse.

A ideia fez meu estômago revirar, mas eu mantive meu rosto suave e
inexpressivo. Não tinha sobrevivido todo este tempo usando o meu coração na
minha manga 12. Não planejava começar a fazer isso agora. Nem mesmo por ele.

Finalmente, Donovan estendeu a mão. Eu peguei-a. Seus dedos pareciam
duros, fortes, capazes contra os meus e o calor que ele emanava aqueceu meu
corpo inteiro. Donovan soltou minha mão como se ela queimasse. Talvez
queimasse, me querer tanto, a mulher que tinha matado seu parceiro.

Tinha ouvido o detetive dizer uma vez que você não fodia o assassino do
seu parceiro. Mas ele tinha feito isso — duas vezes — e tinha gostado. E ele ainda
se odiava por isso.

— Tome cuidado, Gin.

— Você também, detetive. Você também.

Donovan Caine assentiu com a cabeça uma última vez. Em seguida, o
detetive se virou e saiu pela porta, deixando meu boteco e meu coração um pouco
mais vazios e mais frios do que tinham estado antes.

12 by wearing my heart on my sleeve — mostrar seus sentimentos claramente e abertamente por seu

comportamento.

Capítulo 3

Quase um minuto se passou antes que a porta da frente se abrisse uma
vez mais, fazendo o sino tocar. Olhei para cima, querendo saber se o detetive
havia mudado de ideia sobre, bem, qualquer coisa.

Tudo.

Mas o homem que entrou no Pork Pit não era Donovan Caine ou qualquer
outro policial. Seu terno era muito caro para isso. O tecido preto caía sobre seus
ombros, destacando um corpo que era compacto, robusto, forte. Dada a sua
estrutura corporal, eu teria pensado que ele era um anão.

Mas com o seu metro e oitenta e cinco, ele era demasiado alto para isso. Ele
tinha uma cabeça grossa com cabelo que era de um brilhante preto azulado,
enquanto seus olhos eram de um violeta claro. Uma fina cicatriz branca cortava
na diagonal o seu queixo. Isso compensava a inclinação torta do seu nariz.

Essas eram as duas únicas falhas em suas esculpidas feições, que de
alguma forma acrescentavam ainda mais qualidade a seu rosto, ao invés de
diminuir sua boa aparência.

Ele era uma figura impressionante. Marcante, confiante, agressiva, forte.
Alguém que exigia atenção.

Alguém que valia a pena observar. Especialmente porque ele me parecia
vagamente familiar.

Eu meio que esperava ver um par de guardas gigantes acompanhando o
homem ao Pork Pit. A maioria das pessoas ricas em Ashland empregava pelo
menos um par deles e esse cara era definitivamente rico, a julgar por seu terno
ostentoso e comportamento confiante.

Mas o homem entrou sozinho. Seus olhos claros varreram o interior do
restaurante, fazendo uma pausa ao ver os respingos de sangue no chão. Depois
de um momento, seu olhar seguiu em frente e se estabeleceu nas duas meninas,
que estavam arrumando seus livros para saírem.

— Eva, — disse ele com uma voz que rugiu como um trovão. — Você está
bem?

Eva fechou o zíper de sua mochila. — Estou bem, Owen.

O homem se moveu para ficar ao lado dela. Ele caminhava rigidamente mas
com um propósito, como um trator arando através de dentes de leão.

— Diga-me o que aconteceu.

— Disse que estava bem, — repetiu ela com uma voz irritada, como se
tivesse tido essa discussão muitas vezes antes. — Também disse que não havia
necessidade de vir para cá. Você nunca me escuta.

— Sou seu irmão mais velho, — disse ele. — Tenho que prestar atenção em
você.

Irmão mais velho? Sim, eu podia ver isso. Eva tinha a mesma coloração que
o homem de trinta e poucos anos. Cabelo preto azulado, olhos claros, pele leitosa.
Isso a fazia bonita. Ele também, de uma maneira fria.

— Agora, me diga o que aconteceu, — o homem exigiu novamente.

Eva revirou os olhos e lançou-se em uma recontagem da tentativa de
assalto. Enquanto ela falava, o homem cruzou os braços sobre o peito. Seu bíceps
inchou com o movimento e ele começou a bater um dedo no cotovelo oposto.

Apesar dos movimentos, ele estava totalmente focado em sua irmã, como se
ela fosse a coisa mais importante do mundo para ele. Talvez fosse. Ele olhou
fixamente para o vergão vermelho na sua bochecha e suas mãos se enrolaram em
punhos. Tive a nítida sensação de que ele gostaria de ter algum tempo sozinho
com Jake McAllister.

Quando Eva terminou sua história, seu irmão mais velho voltou sua
atenção para mim. Pela primeira vez, senti toda a força de seu olhar. Afiado,
astuto e calculista. Era como se eu estivesse a olhar para os meus próprios olhos.
Ele caminhou para a frente e estendeu a mão.

— Owen Grayson.

Bem, as surpresas simplesmente não acabavam. Primeiro, Jake McAllister
decidiu honrar meu restaurante com a sua presença e agora Owen Grayson havia
chegado para recolher sua irmã.

Eu tinha ouvido falar dele, é claro. Grayson era um dos empresários mais
ricos da cidade. Produção de madeira, minério e metal.

Ele tinha os dedos em um monte de setores que faziam dinheiro. Com seu
terno suave e características esculpidas, Grayson não tinha o brilho desafiante,
ostentoso e mortal de Mab Monroe, que gostava de exibir seu status como menina
de ouro da cidade. Ainda assim, eu conhecia poder quando o via - elemental ou
não. E Owen Grayson tinha bastante poder.

Definitivamente alguém que valia a pena observar.

— Gin Blanco.

— Gin? — Ele perguntou.

— Como o licor, — eu brinquei.

Os olhos de Owen Grayson brilharam quando ele ouviu o meu tom irônico,
mas eu ainda coloquei minha mão na sua. Os dedos de Grayson se enrolaram em
torno da minha pele como cordas grossas de kudzu 13. Duros, resistentes e quase
inquebráveis. Ele podia não ser um anão, mas tinha que haver um pouco do
sangue deles em suas veias. Era a única maneira de explicar esse tipo de aperto.
Grayson olhou para as nossas mãos entrelaçadas e franziu a testa, como se eu
tivesse dado um choque estático nele ou algo assim. Talvez eu tivesse, porque
senti uma picada breve na minha palma.

A sensação desapareceu e eu apertei mais forte, só para lhe mostrar que
não era facilmente intimidada. Um pequeno sorriso apareceu nos lábios de
Grayson, como se ele achasse a minha demonstração de força divertida. Dei-lhe

13 Trepadeira.

um olhar frio. A hostilidade deve ter cintilado nos meus olhos cinzentos porque
Owen Grayson soltou primeiro.

Eva Grayson assistiu a troca de olhares com interesse. Assim como fez a
sua amiga Cassidy. Sophia Deveraux já havia recuado aos fundos do Pork Pit
para começar a fechar o restaurante para a noite.

Owen Grayson olhou-me um momento mais antes de se voltar para a irmã.
— Esta noite provou meu ponto sobre Southtown. A partir de agora, alguém
estará com você durante o horário escolar.

Eva revirou os olhos novamente. Parecia algo que ela fazia muito quando
seu irmão mais velho estava por perto. — Não. Nenhum guarda-costas. Tenho 19
anos de idade, Owen. Estou na faculdade. Posso cuidar de mim mesma.

— Como você fez hoje? — Replicou ele.

— Hoje foi um evento estranho e você sabe disso, — ela retrucou. — Não
vou deixar você usar isso como uma desculpa. Além disso, eu estava
perfeitamente segura o tempo todo.

— Esse hematoma em sua bochecha diz-me o contrário.

Owen olhou para sua irmã de modo ameaçador, mas o olhar hostil deslizou
por ela como água. Parecia algo que ela ignorava bastante. Em vez disso, Eva
deu-lhe um calmo olhar calculista.

— Você quer que eu tenha um guarda-costas? Então contrate-a. — A
menina apontou o dedo para mim. — Porque ela pegou um elemental de Fogo
como se nada fosse. E ela cozinha.

Os olhos pálidos de Owen varreram o meu corpo. Provavelmente
perguntando-se como eu tive força, bolas ou sorte para fazer isso.

Tinha aceito fazer um monte de trabalhos sujos no meu tempo, mas ser
guarda-costas para uma garota sabe-tudo da faculdade? Poderia ter me
aposentado de ser uma assassina, mas não tinha ficado insana. — Desculpe.
Meu cartão de dança já está cheio.

Owen acenou. — Ainda assim ofereço o emprego, você salvou a vida da
minha irmã. Eu te devo. Diga o seu preço.

Foi a minha vez de revirar os olhos. — Não quero o seu dinheiro, e eu não
preciso dele.

Seu olhar violeta balançou em torno do restaurante, assimilando as
desbotadas trilhas do porco no chão e as cabines, cadeiras e mesas que estavam
bem gastas. Descrença encheu suas feições, mas ele era o suficiente cavalheiro
para não me chamar de mentirosa na minha cara. Mal sabia ele que eu estava
dizendo a verdade. Eu tinha recebido um monte de dinheiro - um monte de
dinheiro - dos meus trabalhos de assassina ao longo dos anos, e Fletcher me
tinha deixado um legado extremamente sadio em seu testamento. Poderia sangrar
notas de cem por anos, décadas até, e não me machucaria nem um pouco.

Mas em vez de me oferecer dinheiro de novo, Owen colocou a mão em seu
terno e tirou um pequeno cartão branco. Eu o aceitei. Juntamente com o seu
nome e número de telefone celular, um martelo estava gravado no cartão em
folha de prata. A runa Grayson. Um martelo grande e pesado simbolizando a
força, o poder, o trabalho árduo.

— Se você precisar de alguma coisa, por favor, não hesite em ligar. Dia ou
noite, — disse ele.

Meu dedo traçou a runa de martelo e eu memorizei o número. Podia não
ser uma coisa ruim ter alguém como Owen Grayson me devendo um favor. Além
disso, Finnegan Lane, meu irmão de criação e sócio no crime, me mataria se eu o
recusasse. — Tudo bem.

Nós travamos olhares. Eram frios, calculistas e astutos, em ambos os
lados. Grayson inclinou a cabeça para mim. Eu fiz o mesmo. Nós tínhamos um
acordo.

Owen virou-se para as duas mulheres. — Vamos lá, meninas. Hora de ir.

Ele segurou-lhes a porta aberta, e elas se dirigiram para fora.

Owen Grayson parou, olhando por cima do ombro.

O empresário olhou para mim um momento mais antes de sair para a noite
escura.

***

Eu tranquei a porta da frente depois que eles saíram e inverti o sinal para
Fechado. Passava apenas alguns minutos das sete, mas nós não teríamos mais
clientes esta noite.

Tão perto de Southtown, as pessoas conseguiam farejar violência melhor do
que cães de caça. Além disso, eu não tinha vontade de esfregar o sangue de Jake
McAllister.

Fui até à parte traseira do restaurante e desejei boa-noite a Sophia.

A anã gótica grunhiu, recolheu seus frascos de vidro Mason cheios de feijão
cozido e saiu pela porta de trás para voltar a casa para sua irmã, Jo-Jo. Depois
de me certificar que os fogões, a fritadeira e as luzes estavam desligados, segui-a
para o beco que ficava atrás do restaurante.

Fiquei nas sombras ao lado de uma das lixeiras, olhando, ouvindo,
procurando. Mas nada se moveu na noite fria e calma, nem mesmo os ratos e
gatos de rua à procura de lixo. Ainda assim, coloquei meus dedos contra o rígido
tijolo do restaurante, usando a minha magia elemental para ouvir a pedra.

O murmúrio lento do tijolo era um de silenciado contentamento obstruído -
do jeito que os estômagos e as artérias dos clientes do Pork Pit se sentiam depois
de comerem um quente, grosso e suculento sanduíche de churrasco. Com o
tempo, as emoções, os sentimentos e as ações afundam na terra e especialmente
na pedra, onde podiam permanecer indefinidamente até que outra coisa, outra
ação, chegasse para se juntar, alterar ou dominar. Minha magia elemental de
Pedra me deixava sentir essas vibrações, analisá-las, interpretá-las e até mesmo
tocá-las se eu quisesse. Porém o breve pedaço de violência que tinha acontecido
mais cedo esta noite não tinha durado o tempo suficiente ou não tinha sido
brutal o suficiente para o tijolo apanhar permanentemente suas vibrações. Bom.

Ainda assim, eu olhei e ouvi um momento mais, buscando a forma
reveladora de um meio gigante ou algum tipo de fogo piscando nas sombras. Mas
Jake McAllister não estava esperando por mim. O papai provavelmente ainda
estava tirando-o da cadeia. No entanto, McAllister estaria aqui mais cedo ou mais
tarde. Eu tinha conseguido uma vantagem e ele sabia disso. Ele não ficaria
satisfeito até ter devolvido o favor. Esperava que ele tentasse. Podia aliviar um
pouco o tédio que se estabeleceu em cima de mim nestes últimos dois meses,
durante a minha aposentadoria.

Por alguns minutos, de qualquer maneira. Caras como Jake McAllister
sempre pensavam que eram mais resistentes do que realmente eram.

Satisfeita que o elemental de Fogo não viria atirando por mim esta noite,
deixei cair a minha mão do tijolo frio e fui embora. Andei três quarteirões na
chuva miudinha, atravessei alguns becos duas vezes e voltei cinco vezes antes de
estar certa que ninguém estava me seguindo. Claro, eu era uma assassina
aposentada, mas isso não significava que não havia pessoas lá fora que me
queriam morta.

Como a Aranha, eu tinha matado minha parcela de mulheres e homens
poderosos ao longo dos anos, e não queria correr nenhum risco com a minha
segurança - aposentada ou não.

Vinte minutos depois, peguei meu carro - um robusto Benz prata que eu
tinha comprado recentemente - de um dos parques de estacionamento perto do
restaurante e fui para a casa do Fletcher.

O tráfego era leve nas ruas do centro que cercavam o Pork Pit. Os
banqueiros, empresários e outros tubarões corporativos há muito haviam fugido
dos arranha-céus esguios da cidade para o conforto de suas casas chiques em
Northtown.

Seus secretários e equipes júnior viviam nos subúrbios agrupados em torno
do coração da cidade, enquanto faxineiros, empregadas domésticas e outros
trabalhadores subalternos faziam suas casas nas ruas violentas de Southtown.

A cidade de Ashland se espalhava por três estados - Tennessee, Virgínia e
Carolina do Norte. As fronteiras oficiais poderiam demonstrar que esta é uma
cidade coesa, mas a área estava realmente dividida em duas seções distintas -
Northtown e Southtown. Um resquício da época da Guerra Civil que
simplesmente nunca desapareceu. Os extensos limites circulares do centro da
cidade juntavam as duas metades da cidade, mas estas tinham poucas
semelhanças entre si. Os pobres trabalhadores e o pessoal de colarinho azul
povoavam Southtown, juntamente com prostitutas vampiras, gangues, viciados e
todas as outras espécies de caipiras 14 e lixo branco. A maioria deles vivia em
casas geminadas degradadas e moradias públicas semelhantes a abrigos. O Pork
Pit estava perto da fronteira Southtown.

14 Rednecks no original — termo utilizado nos EUA para nomear o estereótipo de um homem branco que mora

no interior e tem uma baixa renda. Sua origem deve-se ao fato de que pelo trabalho constante dos trabalhadores rurais
em exposição ao sol acabam ficando com seus pescoços avermelhados (red neck = pescoço vermelho). Esse termo
costuma ser considerado uma ofensa, rotulando de maneira pejorativa aquele que está sendo chamado por ele.

Enquanto Southtown lembrava os sedimentos no fundo de uma xícara de
café, Northtown era o merengue batido no topo de uma torta de chocolate. Você
precisava ter dinheiro para viver em Northtown. Montes dele, para poder pagar
uma das mansões estilo fazenda. Conexões e uma linhagem de sangue que
remontava umas centenas de anos não machucariam tampouco. Mas mesmo com
todo o seu requinte, o pessoal em Northtown não era melhor do que aqueles em
Southtown. Eram todos perigosos. A única diferença é que o povo em Northtown
servirá chá e sanduíches de pepino antes de ferrarem você.

Os encapuzados de Southtown são muito mais eficientes. Eles cortam a
sua garganta, tomam a sua carteira e estão prontos para fazer isso novamente
com outra pessoa antes mesmo de você cair no chão.

Levei cerca de vinte minutos a fazer o caminho do centro para os
subúrbios, que ficava a noroeste da cidade. Eu passei por alguns condomínios
fechados com nomes bonitinhos como Davis Square e Peachtree Acres e
finalmente virei em uma estrada esburacada de cascalho que acabava em um dos
cumes que cortava pela cidade.

Dirigi ao longo dos altos e baixos da estrada, já acostumada à sensação de
dentes batendo. Fletcher Lane gostava da sua privacidade, razão pela qual sua
casa ficava ao lado de um penhasco tão íngreme que uma cabra montanhesa não
poderia escalá-lo.

Eu guiei o carro através dos trocos caídos das árvores que ladeavam o que
passava por estrada. Trinta segundos depois, o Benz deixou os emaranhados
ramos nus para trás. Alcancei o cume de uma colina e a casa surgiu.

Além de me deixar o Pork Pit em seu testamento, Fletcher Lane tinha
também me deixado a sua casa - uma estrutura de três andares que tinha sido
construída antes da Guerra Civil. Várias melhorias e adições foram feitas na casa
ao longo dos anos, nenhuma das quais combinava. Pedra cinza, argila vermelha,
tijolos marrons. Tudo isso e muito mais podia ser visto na casa, junto com um
telhado de zinco, persianas pretas e calhas azuis. A coisa toda me lembrava uma
almofada de alfinetes em que alguém tinha furado aleatoriamente uma variedade
de implementos, sem pensar se eles realmente deveriam estar juntos ou não.

Estacionei o Benz e passei meus olhos sobre o que eu podia ver do quintal.
Ele se estendia cem metros na frente da casa antes de desaparecer em uma série
de falésias recortadas. Além do declive, as Montanhas Apalaches circundantes
eram manchas de carvão em um céu noturno coberto com uma manta de estrelas
de diamantes e a coroa brilhante de uma meia-lua. Um inferno de visão,
especialmente à noite.

Saí do carro e me abaixei atrás do Benz, mantendo-o entre mim e a extensa
casa.

Para um observador casual, provavelmente parecia que eu estava
amarrando meu sapato. Você teria que olhar atentamente para ver o brilho de
magia em meus olhos cinza ou perceber que eu tinha minhas mãos pressionadas
contra o molhado cascalho frio da entrada de carros.

Os sons das árvores, do vento e dos pequenos animais correndo percorriam
as pedras. Suaves murmúrios reconfortantes tão familiares para mim como uma
canção de ninar. Nenhum visitante hoje. Eu não esperava nenhum, mas nunca
fazia mal verificar novamente. Vivi todo esse tempo, apesar das incríveis
probabilidades e riscos do trabalho da minha antiga profissão. Não ia ser morta
agora porque tinha cometido um erro de iniciante, como não verificar o cascalho
antes de pisar na casa de Fletcher.

Depois de me assegurar que tudo estava como deveria, peguei minha bolsa
e fui para a casa. Mas antes de deslizar minha chave na fechadura da porta, eu
passei meus dedos pela pedra que a emoldurava e compunha.

O profundo e rico granito preto era tão duro e sólido que até mesmo um
gigante teria dificuldade se tentasse martelar por ele. Veias finas de silverstone
brilhavam no granito, acrescentando a sua beleza escura. Mas o metal mágico
servia a outro propósito além da mera decoração. Silverstone podia absorver
qualquer tipo de magia elemental que viesse até ele - Pedra, Ar, Fogo, ou Gelo -
assim como ramificações dos elementos. Em vez de serem verdadeiros elementais
e poderem alcançar um dos quatro grandes, como eram chamados, algumas
pessoas eram dotadas em outras áreas, como metal, água, eletricidade, ou até
mesmo ácido.

Independentemente disso, o silverstone na porta iria absorver um pouco de
poder se alguém decidisse usar a magia para forçar a sua entrada. Eu gastei uma
fortuna para ter granito instalado aqui e em outros lugares estratégicos por toda
a casa, mas valeu a pena. Assim eu podia me certificar de que era seguro.

Me ajudava a dormir melhor.

O cantarolar do granito era baixo e mudo, assim como o do cascalho na
entrada da garagem. Ninguém tinha estado perto da porta o dia todo. Bom. Já
tinha tido emoções suficientes.

Abri a porta e entrei. Dada a sua construção fora do comum, o interior da
casa parecia um viveiro para coelhos. Cômodos pequenos, corredores curtos,
espaços estranhos aqui e ali que dobravam de volta e se abriam para áreas
completamente novas. Quando eu morava aqui em criança, tive que desenhar um
mapa só para ir do meu quarto, que ficava no andar de cima, para a porta da
frente. Joguei as minhas chaves numa taça junto à porta principal, arranquei
minhas botas e fui em direção à parte de trás da casa, onde ficava a cozinha.

Fletcher Lane tinha vivido nesta casa por 77 anos. Nascera aqui e
provavelmente teria morrido aqui, se ele não tivesse sido assassinado por uma
elemental do Ar.

O velho tinha reunido um monte de coisas quando era vivo. Móveis, pratos,
ferramentas, estranhos pedaços de metal, madeira, vidro. Não tive coração para
limpar nada disso ainda. O ar calmo cheirava levemente a ele - como especiarias,
açúcar e vinagre girando juntos.

Mas a cozinha, a cozinha era minha. Sempre tinha sido, desde o momento
em que me mudei quando era uma adolescente sem-teto até quando ocupei
novamente a residência várias semanas atrás após o funeral de Fletcher. Entrei e
acendi a luz.

A cozinha era um dos maiores cômodos da casa, e uma ilha comprida e
estreita a separava de uma pequena toca que continha uma televisão, pilhas de
livros, um sofá e um par de poltronas reclináveis. Potes e panelas de cobre
estavam pendurados num suporte de metal sobre a ilha. Um fogão novo de alta
qualidade, uma geladeira e um freezer ladeavam metade da parede do fundo,
enquanto uma série de janelas panorâmicas tomavam o outro lado. Vários blocos
de açougueiro cheios de facas silverstone também preenchiam a cozinha. Na ilha.
No balcão. Na prateleira de temperos. Atrás do microondas. Você nunca teria
demasiadas facas se gostasse de cozinhar como eu - ou se fosse uma ex-
assassina.

Me servi de um copo de limonada, então envolvi minha mão em torno do
recipiente e me concentrei, alcançando o poder frio profundamente dentro de
mim. Além de ser uma elemental de Pedra, também tinha o raro talento de ser
capaz de manipular um outro elemento - Gelo. Minha magia de Gelo era muito
mais fraca, no entanto. Tudo o que eu podia realmente fazer era formas
pequenas, como cubos ou lascas. O ocasional grampo para abrir fechaduras.
Uma faca, quando surgia a necessidade. Mas muitas vezes eram as pequenas
coisas que te salvavam. Uma lição que eu aprendi quando lutei com Alexis
James, há algumas semanas. A elemental do Ar teria me matado, teria me

esfolado viva com a sua magia se eu não tivesse formado um pingente de gelo
irregular com meu poder e cortado sua garganta com ele.

Alcancei minha fria magia do Gelo, e um momento depois, pequenos
cristais de Gelo em forma de flocos de neve se espalharam da minha palma e
pontas dos dedos. Eles congelaram o lado do vidro, arquearam sobre a borda e
correram para dentro da limonada. Então segurei minha palma da mão para cima
e alcancei minha magia novamente.

Uma luz fria e prateada cintilava ali, centrada na cicatriz de runa de
aranha embutida na minha palma. Depois de um momento, a luz se uniu para
formar um par de cubos de Gelo, que eu deixei cair na bebida azeda.

Levei a minha limonada para a toca, sentei-me em uma das poltronas e
coloquei meus pés em cima da marcada mesa de café. Como sempre, meus olhos
foram para uma série de desenhos emoldurados que estavam sobre a lareira. Três
desenhos a lápis que eu tinha feito para uma das minhas aulas da faculdade
comunitária e um outro que tinha feito mais recentemente.

Os três primeiros desenhos mostravam uma série de runas - os símbolos
da minha família morta. Um floco de neve, a runa da família Snow e o símbolo da
minha mãe, Eira, representando a calma gelada. Uma hera 15 volúvel para a
minha irmã mais velha, Annabella, representando a elegância. Uma delicada
prímula 16 intrincada, para a minha irmã mais nova, Bria, simbolizando a beleza.

A quarta runa tinha a forma de um porco segurando um prato de comida.
Uma cópia exata do letreiro de néon multicolorido que pairava sobre a entrada do
Pork Pit. Não era uma runa, não realmente, mas eu a tinha desenhado em
homenagem a Fletcher Lane. O Pork Pit tinha sido a minha casa durante os
últimos 17 anos, desde o assassinato de minha mãe e irmã mais velha. O Pork Pit
e o Fletcher eram um só.

Levantei minha limonada em um brinde silencioso para as runas, para a
família que eu tinha perdido há muito tempo e para Fletcher, cuja morte ainda
era uma dolorosa ferida crua em meu peito.

Mas os desenhos sobre a lareira não eram as únicas runas que podiam ser
encontradas na casa. Eu também tinha uma runa. Duas, na verdade - embutidas
na minha carne.

15 http://comps.canstockphoto.com/can-stock-photo_csp6174600.jpg

16 http://weblogs.dailypress.com/features/gardening/diggin-in/primrose_cc_preview.jpg

Abaixei a minha limonada, desenrolei as minhas palmas e olhei para as
cicatrizes silverstone que decoravam a minha pele. Um pequeno círculo rodeado
por oito raios finos, um em cada mão.

A minha runa, representada por uma aranha, o símbolo da paciência.

A runa havia sido um medalhão, um inocente amuleto amarrado em uma
corrente silverstone - até a elemental de Fogo que tinha assassinado a minha
família ter-me torturado ao prender a runa com fita adesiva entre minhas mãos e
me fazer segurar o metal enquanto ela o superaquecia. O silverstone tinha
finalmente derretido em minhas mãos, marcando-me para sempre com a runa.
Para sempre me marcando como a Aranha em mais do que apenas uma maneira.

E eu não era a única que não poderia esquecer o passado.

Inclinei-me para a frente, peguei uma pasta grossa da mesa de café e tirei
uma imagem do arquivo. Uma mulher olhava para mim. Uma criatura linda, com
cabelos loiros, olhos azuis e pele rosada. Mas seus olhos eram frios e duros, a
boca uma barra apertada em seu rosto que depreciava suas feições delicadas.
Uma runa estava pendurada numa corrente ao redor do pescoço da mulher. Uma
prímula. O símbolo da beleza.

Bria. Minha irmã mais nova.

Por dezessete anos, pensei que Bria tinha morrido naquela noite, junto com
nossa mãe e irmã mais velha. Pensei que ela tinha sido esmagada até a morte
pela queda das pedras da nossa casa em chamas. Que eu havia causado a sua
morte usando minha magia de Pedra para desabar a casa a fim de tentar escapar
dos meus torturadores e salvá-la.

Mas Fletcher Lane tinha me enviado um último presente do além - a foto de
Bria. Prova de que ela ainda estava viva em algum lugar. A imagem era a única
coisa boa na pasta. O resto tratava do assassinato da minha família. Relatórios
policiais, fotos da autópsia e toda a especulação que havia seguido o brutal e
inesperado assassinato da família Snow.

— Por que você fez isso, Fletcher? — Murmurei. — Por que deixar-me a
informação sobre a minha família? Sobre seu assassinato? Por que o retrato de
Bria? Onde ela está? Como você a encontrou? Quando você ia me contar sobre
ela?

Silêncio.

Fletcher tinha ido para um lugar onde eu não poderia questioná-lo e ele
nunca voltaria. Tudo o que eu tinha era essa pasta com informações horríveis e
um único retrato de Bria - nenhum dos quais tinha me ajudado a localizar minha
irmã mais nova.

Mas a foto de Bria não tinha sido a única surpresa na pasta. Também
havia um pedaço de papel com um nome nele. Mab Monroe, escrito e sublinhado
duas vezes com a caligrafia controlada e firme de Fletcher. Isso era tudo que
estava escrito no papel. Ainda não sabia por que Fletcher tinha escrito o nome
dela e colocado com o resto da informação. Mab Monroe era a elemental do Fogo
que tinha matado a minha mãe e irmã mais velha? Em caso afirmativo, por quê?
Por que ela tinha feito isso?

Mab Monroe poderia ser poderosa, mas ela havia feito um monte de
inimigos ao longo dos anos. Quando eu ainda trabalhava como a assassina
Aranha, Fletcher tinha conseguido vários pedidos de pessoas querendo que ela
fosse eliminada.

Nós dois concordamos que era um trabalho impossível, que Mab tinha
muitas pessoas ao seu redor, que ela era muito forte em sua magia para ser
derrubada calmamente por uma única pessoa. Mas isso não impediu Fletcher de
compilar todas as informações que podia sobre a elemental de Fogo, seus lacaios
e sua organização. Sempre me pareceu que Fletcher Lane tinha algum interesse
secreto em querer Mab Monroe morta. Um desejo que eu nunca tinha sido capaz
de descobrir - a menos que tivesse algo a ver comigo e com o assassinato da
minha família.

Tudo era um círculo enorme de especulações. Eu simplesmente não sabia
as respostas e estava ficando louca ao tentar descobri-las. Frustrada e desgostosa
novamente, joguei a pasta e a imagem de Bria em cima da mesa de café e me
levantei.

Meus movimentos bruscos sacudiram os desenhos emoldurados sobre a
lareira. O desenho de Fletcher - o do letreiro de porco sobre o Pork Pit - deslizou
para baixo. Olhei para ele um momento.

Então suspirei.

O velho tinha compilado as informações sobre o assassinato da minha
família por uma razão. Ele simplesmente não tinha me dito qual era antes de ser
assassinado. Não era sua culpa que eu não fosse inteligente o suficiente para
descobrir isso - ou encontrar Bria. Algo que não tinha nem certeza de que queria

fazer. Levou-me anos para deixar o assassinato da minha família para trás. Nem
sabia se eu queria desenterrar o passado de novo - ou como Bria reagiria quando
me visse e soubesse o que eu estava fazendo todos estes anos.

Mas nada iria ser resolvido hoje à noite. Não esta noite, talvez nunca. Me
preocupar com isso não iria ajudar a desvendar os mistérios que Fletcher Lane
tinha deixado para trás.

Suspirando, examinei e corri os dedos sobre cada um dos quatro desenhos,
colocando o quadro torto de Fletcher na posição correta. Então eu me virei e fui
até ao banheiro para poder lavar a gordura, a sujeira e o sangue do dia.

Capítulo 4

— Vou matar essa pessoa, — eu disse numa voz fria. — Lentamente.
Dolorosamente. Realmente farei isso doer. Farei com que ele sinta isso.

Coloquei a edição da manhã do Ashland Trumpet no espaço vazio ao lado
da caixa registradora.

Lá estava, no topo da seção B. A história detalhando a tentativa de assalto
no Pork Pit na noite passada, junto com uma foto do lado de fora do restaurante.
O título dizia “Proprietária impede 17 roubo de restaurante" e o assunto se
estendia através da maldita página em texto de ponto.

Eu respirei fundo, mas a gordura e as especiarias que aromatizavam o ar
não me acalmaram da maneira que costumavam fazer. Encarei o jornal
novamente, me perguntando como eu tinha sido tão desleixada a ponto de ter o
Pork Pit estampado na frente dele.

Publicidade era uma coisa que eu não precisava. Era a última coisa que eu
precisava. Não anunciava os meus serviços quando trabalhava como assassina e
certamente não queria transmitir o meu paradeiro agora que estava aposentada.
Não que alguém tivesse alguma razão para suspeitar que Gin Blanco, proprietária
do restaurante e estudante universitária de meio expediente, era na verdade a
renomada assassina Aranha. Mas eu ainda me preocupava.

17 Cook thwart no original — cook é cozinhar, mas também frustrar, impedir algo (thwart), aí é um trocadilho por

causa do restaurante.

Paranoia era bom. Tinha me mantido viva todo esse tempo. Nenhuma razão
para abandoná-la agora.

— Vamos, Gin. Não é assim tão mau, — uma voz profunda e masculina
interrompeu a minha meditação. — Pelo menos fez você ser a heroína ao invés da
vilã. Quantas vezes isso acontece?

Olhei para Finnegan Lane, que estava sentado em um banquinho na minha
frente bebendo uma xícara de café de chicória. Finnegan parecia exatamente com
o banqueiro de investimento de fala mansa e caloteiro que ele era. Um terno cinza
justo caía sobre sua estrutura sólida, junto com um casaco de lã que combinava.
Sua engomada camisa sálvia que era feita sob medida iluminava seus olhos, que
eram o verde liso de uma garrafa de refrigerante. Seu cabelo cor de noz se
enrolava sobre o colarinho de seu casaco. Seus cabelos grossos tinham um visual
amarrotado, elegante e sexy que tinha tomado de Finn pelo menos dez minutos,
dois espelhos e vários esguichos de produto.

Além de ser o meu homem do dinheiro, Finnegan Lane era também o filho
do meu mentor, Fletcher. Finn era como um irmão para mim e uma das poucas
pessoas em quem eu confiava desde o assassinato do velho. Finn também era o
meu apoio agora, por falta de uma palavra melhor. Ele não tinha gostado da
minha decisão de me aposentar, já que isso tirou-lhe a sua taxa de manutenção
lucrativa de quinze por cento, mas ele entendeu por que o tinha feito. Ele
entendeu que eu estava honrando os desejos de Fletcher. Além disso, Finn tinha
muitos outros esquemas menos-que-legais para mantê-lo ocupado - quando ele
não estava fodendo qualquer coisa que usasse minissaia ou assistindo a alguma
função da alta sociedade e socializando com seus clientes que eram ainda mais
desonestos, desleais e perigosos do que ele.

— Além disso, — Finn continuou numa voz prosaica. — Você não pode
matar o repórter. Ninguém quer vê-lo morto, ergo 18, não há ninguém para pagar a
sua taxa bastante significativa. Lembre-se do que o Pai disse - nunca trabalhe de
graça.

Finn tomou outro gole do seu café. Eu respirei fundo, deixando os vapores
ricos da cafeína preencherem meus pulmões. Fletcher bebia o mesmo café de
chicória quando ele era vivo, e o familiar cheiro torrado me confortou melhor do
que um abraço caloroso. Finn tinha razão. Eu não poderia matar o repórter por
fazer o seu trabalho. Independentemente de quantos problemas ele tinha acabado
de me causar com a sua história.

18 Latim — palavra que serva para concluir um argumento; logo, consequentemente, portanto.

— Tudo bem, então não vou matá-lo, — eu disse. — Que tal você arruinar o
crédito dele em vez disso? Sacar sua hipoteca ou algo assim?

— Hipotecas, — Finn zombou. — Não têm valor nesta cidade, penny ante 19.
Não valem o problema.

Ele bebeu o resto do seu café e olhou para mim.

— E quanto à criança, o aspirante a ladrão? Você sabia que ele era filho de
Jonah McAllister quando quebrou o seu pulso e o ameaçou?

— Aquilo não foi uma ameaça, foi uma promessa. — Dei de ombros. — E
não. Não me importou quem seu pai era então, e não me importa agora.

Finn girou o seu banco e olhou para o resto do restaurante. Pouco antes do
meio-dia de uma terça-feira. Apesar das nuvens cinzentas, do frio e do tempo
chuvoso lá fora, eu deveria ter tido pelo menos vinte clientes por agora, com mais
chegando a cada minuto, todos ansiosos para conseguir o seu churrasco. O
telefone deveria estar tocando com pedidos de entrega. Em vez disso, uma mulher
solitária estava encolhida numa das cabines que ficavam no fundo do
restaurante, fora da vista das vitrines. Uma jovem que parecia ter dezoito,
dezenove anos no máximo.

Ninguém estava sentado no balcão ou nas outras cabines.

Não havia nenhuma pessoa do lado de fora olhando pelas janelas e
ninguém havia ligado para entregas. Nem mesmo meus clientes regulares de
terça-feira. Inferno, ninguém além da menina tinha entrado no restaurante toda a
manhã, nem mesmo o carteiro. Ele tinha apenas deslizado as contas do dia pela
abertura do correio e corrido para a próxima parada como se esta fosse uma casa
de leprosos.

— E você quer saber por que não tem quaisquer clientes, — Finn
murmurou. — Jonah McAllister espalhou a notícia de que você é uma persona
non grata 20. E tenho certeza que a história no jornal não ajudou em nada.
Ninguém quer comer em um lugar que pode muito bem ainda estar
ensanguentado.

19 Penny ante — um jogo de poker em que a maior aposta é limitada a uma moeda de um centavo ou outra

pequena quantia.

20 Latim — o significado literal é "pessoa não bem-vinda"; pessoa indesejável.

— O que McAllister pensa que vai fazer? — Eu perguntei. — Ele não pode
manter as pessoas afastadas para sempre. A comida é muito boa. E mesmo que
ele consiga, isso não me fará passar fome.

— Graças aos meus anos de sábia consultoria monetária e estelares
habilidades de investimento, — Finn afirmou não tão humildemente.

Revirei os olhos. — Sim, graças as suas habilidades. Se Jonah McAllister
pensa que um par de dias ruins no negócio vai me intimidar e me fará retirar as
acusações contra seu filho perdedor, então ele precisa pensar um pouco mais.

— Jonah McAllister não sabe com quem está lidando, — respondeu Finn.
— Se ele soubesse que você é a assassina Aranha, ele provavelmente iria apenas
pegar emprestado um par de gigantes da Mab Monroe para tentar te matar antes
que você possa testemunhar contra o filho.

— A ex-assassina, — eu corrigi. — E deixe Jonah McAllister enviar alguns
dos capangas de Mab atrás de mim. Nós dois sabemos exatamente como isso
acabaria.

Finn bufou. — Sim, com o sangue deles no chão do restaurante.

Sorri. — Vamos lá. Você tem que admitir que eu faço um bom trabalho.

— Um trabalho fatal, talvez. Você sabe como me sinto sobre a palavra bom.
— Ele estremeceu.

Como eu, Finnegan Lane era firmemente entrincheirado ao lado sombrio da
vida, com uma moral que dobrava mais fácil do que grama molhada.
Regulamentação bancária, mulheres casadas, leis de atentado ao pudor. Finn
fodia por aí com quem ele pudesse e esperava não ser pego. Mesmo quando era
pego, ele sempre encontrava uma maneira de se esquivar de qualquer triângulo
amoroso bagunçado em que ele se encontrava.

Finn era mais escorregadio do que gordura em uma frigideira quente. Ele
preferia enfrentar os problemas de uma forma indireta, o que normalmente
envolvia puxar as calças para cima enquanto fugia de qualquer marido armado
que estivesse atrás dele.

Eu? Eu enfrentava os meus problemas de frente. Outra razão pela qual
Fletcher Lane tinha me treinado a mim para ser a assassina e não a seu filho,
mesmo Finn sendo dois anos mais velho que eu.

Finn ergueu a xicara vazia e soltou um assobio baixo por entre os dentes.
Um momento depois, Sophia atravessava as portas duplas que levavam à parte
de trás do restaurante.

A anã segurava uma cafeteira de prata espancada entre seus dedos
grossos. A que ela sempre mantinha quente para Finn.

Para Fletcher também, quando ele era vivo. Mais uma vez, Sophia usava o
seu habitual traje gótico - calças jeans pretas, uma camiseta preta e botas pretas.
Hoje, delicados corações silverstone pendiam em seu colar de couro preto. Eles
retiniam e colidiam como pratos quando ela caminhava.

— Sophia? Por favor? — Finn sorriu e estendeu seu copo vazio.

A anã gótica grunhiu, mas os cantos dos seus lábios, hoje carmesins, se
contraíram para cima num sorriso minúsculo.

Finnegan Lane poderia encantar qualquer mulher que ele colocasse na
cabeça, e ele gostava de praticar suas habilidades em cada fêmea dentro de um
raio de seis metros. Jovens, velhas, bonitas, desdentadas.

Não importava muito para Finn. Ele gostava de fazer o papel do charmoso e
antiquado cavalheiro Sulino para qualquer audiência que estivesse à mão. Até
mesmo a áspera e dura Sophia Deveraux não era imune ao seu sorriso
galanteador.

Então novamente, ele tivera trinta e dois anos para desgastá-la.

Finn bateu seus olhos verdes para Sophia enquanto bebia sua xícara de
café fresco. Sophia deu-lhe outro sorriso minúsculo, então se moveu para a pia
dupla, onde ela estava drenando um escorredor de macarrão elbow 21 para fazer
alguma salada. Normalmente, durante a hora do rush do almoço, não haveria
espaço para se mover ou se virar aqui atrás.

Garçonetes estariam empilhadas atrás do balcão, esperando Sophia e eu
cozinharmos o seu último pedido. Mas eramos apenas nós duas hoje. Tinha
mandado o resto do pessoal para casa com o pagamento depois de ter se tornado
aparente que eu não iria precisar deles para comandar o Pork Pit.

— E quanto a Owen Grayson? — Finn perguntou entre goles de café
fumegante. — Como você vai lucrar com esse favor?

21 http://www.thefoodguys.com/images/macaroni.jpg

A visita de Grayson não tinha vindo no artigo do jornal, mas eu tinha
mencionado isso para Finn quando lhe liguei a noite passada para contar sobre a
tentativa de assalto no Pork Pit. Ele ficou mais animado ao saber que Owen
Grayson me estava devendo um favor que o fato de Sophia e eu termos frustrado
os aspirantes a ladrões.

— Eu não vou, — eu disse. — Teria feito exatamente a mesma coisa a Jake
McAllister e a seu amigo se um par de caras sem-teto estivesse comendo aqui em
vez de Eva Grayson. Salvá-la de ser morta não muda nada para mim.

Finn balançou a cabeça. — Gin, Gin, Gin. Você realmente precisa aprender
a tirar proveito dessas oportunidades de ouro quando elas se apresentam para
você.

— E que oportunidade de ouro seria essa?

Ele me deu um olhar calculista. — Já negociei com Owen Grayson antes.
Ele é profundamente dedicado à sua irmã. Seus pais morreram jovens e ele
mesmo a criou. Um verdadeiro homem de família. Imagino que você poderia
pedir-lhe a lua agora, e ele encontraria uma maneira de entregá-la.

— Ainda bem que eu não quero a lua então.

— Mas… — Finn começou.

— Esqueça isso, — eu disse. — Não vou pedir nada a Owen Grayson. Tudo
que eu quero fazer é cozinhar o molho de churrasco de Fletcher, conduzir o
restaurante, manter minha cabeça baixa e me certificar que Jake McAllister terá
o que ele merece.

— Mesmo com o seu testemunho e com o testemunho das garotas, ele
nunca irá a julgamento, — apontou Finn. — Jonah McAllister irá certificar-se que
seu filho não passará um dia na cadeia, não importa o que ele tenha de fazer
para realizar esta façanha.

— E se eu tirar vantagem desse favor que Owen Grayson me deve? —
Perguntei. — Você sabe, aproveitar essa oportunidade de ouro que eu tenho?
Pedir-lhe para me ajudar a fazer as acusações?

Finn bufou. — Então você estaria desperdiçando o seu favor, e você sabe
disso. Mesmo que você tenha Owen Grayson te cobrindo, Jake McAllister ainda
não verá o interior de uma cela de prisão. Porque Jonah trabalha para Mab

Monroe. Mesmo alguém como Grayson pensaria duas vezes antes de desafiar
Mab, especialmente porque ele tem uma irmã em que pensar. Imagino que Owen
gostaria de estar por perto para ajudá-la a terminar de crescer e não morrer de
uma morte preenchida de tortura nas mãos de Mab ou nas mãos de um de seus
lacaios gigantes.

— Eu sei. Mas ainda assim é um belo pensamento. A ideia de Jake
McAllister sendo a puta de alguém na prisão me dá sensações calorosas.

Finn bufou. — Você é profundamente perturbada.

Eu sorri. — E é por isso que você me ama.

Finn bufou de novo, então bateu seus olhos para Sophia e ela foi pegar
outra recarga de seu café de chicória. Após a anã servi-lo, Finn enfiou o nariz na
seção financeira do Ashland Trumpet. Coloquei os meus cotovelos sobre o balcão,
fitei a foto do Pork Pit que estava no jornal, e meditei sobre a minha publicidade
indesejada. Talvez o repórter pudesse ter um pequeno acidente. Algo doloroso,
mas não totalmente letal…

Uma sombra caiu sobre mim, bloqueando minha luz. — Ahem. — Um
pequeno som educado.

Olhei para cima. Minha única cliente do dia, a garota, estava parada diante
de mim. Meus olhos foram imediatamente para os pratos sobre mesa, do jeito que
sempre faziam. Gostava de saber se os meus clientes apreciavam suas refeições, e
não havia melhor prova disso do que um prato vazio.

Mas a comida ainda cobria os pratos da garota. Ela mal tinha tocado o seu
sanduíche de queijo grelhado, batatas fritas e milkshake de chocolate triplo. Uma
pena, realmente. Porque com o pão fermentado de Sophia, eu fazia o melhor
queijo grelhado em Ashland. E o milkshake? Paraíso para as suas papilas
gustativas.

A garota limpou sua garganta novamente e estendeu o bilhete em que eu
havia escrito o seu pedido.

— Havia algo de errado com a comida? — Eu perguntei. — Porque parece
que você não comeu muito.

— Oh, ela estava boa. — Ela mudou o seu peso de um pé para o outro. —
Acho que apenas não estava tão faminta como pensei que estava.

Eu fiz uma careta. Todo mundo ficava com fome no Pork Pit. Nenhum
verdadeiro sulista poderia resistir à combinação de especiarias, gordura e óleo
que pairava no ar. Mas a menina não poderia ser um Yankee. Não com aquele
sotaque suave que fazia sua voz soar como conservas quentes. Mais
provavelmente, ela achava que havia algo estranho com a comida, considerando
que ninguém tinha sido corajoso o suficiente para entrar e prova-la hoje. Nunca
conheci Jonah McAllister, mas eu já não gostava do homem.

Calculei o seu total. — Isso será 7,97$.

A menina cavou através de sua carteira e entregou-me um cartão de
crédito. Eu levantei uma sobrancelha.

— Desculpe, — ela murmurou. — Não tenho nenhum dinheiro comigo.

Olhei o nome no cartão. Violet Fox. Passei o cartão na máquina e dei o
papel do recibo para a garota assinar. Sua cursiva era um curvado redemoinho
feminino.

Coloquei o recibo sob o canto da maltratada caixa registadora e deu-lhe o
meu padrão sorriso vocês-todos-por-favor-voltem-sempre. — Tenha um bom dia.

Então eu voltei para o jornal.

Mas a menina não se moveu. Ela só ficou lá na frente da registradora, como
se quisesse algo mais mas não soubesse como pedir. Decidi deixá-la contorcer-se
por ignorar o meu sanduíche de queijo grelhado. Dez... vinte...

Eu contei os segundos na minha cabeça. Trinta... quarenta…

— Um, isso pode soar estranho, mas há um velho trabalhando aqui? —
Perguntou ela. — Talvez na parte de trás ou algo assim?

Fletcher. Ela estava perguntando por Fletcher. Não era incomum.

O velho e o Pork Pit tinham sido uma instituição no centro de Ashland há
mais de 50 anos. Fletcher Lane tinha falecido há já dois meses, e as pessoas
ainda entravam e perguntavam sobre ele. Onde ele estava. Como ele estava indo.

Quando ele voltaria. Olhei para a cópia de Where the Red Fern Grows que
adornava a parede ao lado da caixa registradora. Fletcher estava lendo o livro
quando morreu, e o sangue do velho tinha tornado as páginas do livro de bolso
um marrom enferrujado.

— Não, — eu disse em voz baixa. — O velho não está mais aqui.

— Você tem certeza? — Ela insistiu. — Ele pode... ele pode chamar a si
mesmo algo. Homem de Lata, eu acho.

Homem de Lata. Isso chamou a minha atenção. O suficiente para me fazer
espalmar uma das facas silverstone enfiadas na minha manga.

Todo assassino tem um apelido, um nome discreto que eles passam para
oferecer os seus serviços e talvez dar aos clientes em potencial uma dica de como
eles operam ou apagam suas vítimas. Homem de Lata havia sido o nome de
Fletcher porque ele nunca deixou seu coração, suas emoções, ficarem no
caminho de um trabalho. Mas uma vez que ele me tomou sob sua asa e começou
a treinar-me para ser uma assassina, o velho havia reduzido seus próprios
trabalhos e, eventualmente, aposentou-se do negócio por completo. Ninguém
tinha perguntado pelo Homem de Lata em um longo, longo tempo.

Exceto essa garota.

Pela primeira vez, eu realmente olhei para ela. Garota provavelmente não
era o termo certo para ela. De seios fartos e quadris largos, ela era uma mulher
adulta. Ainda jovem, no entanto. Dezoito anos, talvez dezenove. Ela
provavelmente pensava que tinha uns nove quilos a mais, mas o peso extra
arredondava seu rosto e enchia seu peito.

Os óculos quadrados pretos davam-lhe um ar ligeiramente inteligente. Seu
cabelo loiro areia era cortado curto, e a chuva lá fora tinha o tornado frisado.
Seus olhos castanho escuros e pele cor de noz-pecã demonstravam que ela tinha
alguma herança hispânica ou talvez até mesmo nativo americana. Os Cherokee
ainda habitavam as montanhas ao redor de Ashland, e mais pessoas hispânicas
chegavam à cidade a cada verão para pegar morangos, tomates, e outros cultivos.
Uma vez que a estação da colheita acabava, muitos dos imigrantes ficavam e
criavam raízes.

Continuei meu exame. Ela usava jeans desbotados - pelo uso, não design -
e um pesado suéter preto de gola alta que fazia seus olhos parecem mais escuros
do que eram.

Tênis gastos, uma jaqueta pesada e umas argolas de prata em suas
orelhas. Nada nela custava mais de cinquenta dólares. O que não inspirava
confiança sobre ela mesma ser capaz de pagar um assassino como o Homem de
Lata.

As palavras Homem de Lata tinham também captado a atenção dos outros.

Finn examinou a menina por cima da seção financeira. Sophia levantou os
olhos do aipo que esteve cortando para sua salada de macarrão.

— Homem de Lata? — Perguntei. — É um nome engraçado.

A garota, Violet, forçou um sorriso que murchou sob o meu frio olhar
cinzento. — Sim, isso foi o que eu pensei também.

— Não há ninguém aqui com esse nome. Nenhum velho, também.

Não mais.

Longe da vista por baixo do balcão, meu polegar traçou o cabo da faca
silverstone que eu espalmei. Violet Fox podia parecer tão perigosa quanto um
gatinho molhado, mas isso não significava que ela não estava trabalhando para
outra pessoa. Talvez alguém que queria contratar o misterioso Homem de Lata.

Alguém procurando vingança. Ou talvez até mesmo a polícia.

Não importava muito quem. Se a menina respirasse errado, ela morreria
onde estava.

Violet mordeu o lábio inferior. Por um momento pensei que ela iria me
perguntar sobre Fletcher novamente. Mas depois de um momento, seus ombros
caíram em derrota.

— Não importa, — disse ela numa voz cansada. — Ele não poderia ter me
ajudado de qualquer maneira. Desculpe incomodá-la.

Ela se virou para ir embora. Olhei para Finn, que encolheu os ombros. Ele
não sabia o que fazer tampouco. Sophia grunhiu e voltou ao seu aipo.

— Ele não poderia tê-la ajudado com o quê? — Eu chamei.

Curiosidade. Algo que o velho tinha instigado em mim ao longo dos anos.
Fletcher Lane sempre quisera saber tudo sobre todos, e ele me ensinou a ser da
mesma maneira. Agora era a única emoção que sempre parecia ter o melhor de
mim, não importava quão duro eu tentava esmagá-la.

A menina, Violet, se virou para me olhar. — Oh, hum, bem, é uma espécie
de assunto pessoal…

Isso foi tudo que ela conseguiu dizer antes de alguém começar a disparar
contra nós.

Capítulo 5

Uma bala bateu numa das vitrines.

A repentina e afiada explosão de som chamou a atenção da garota.

Sua cabeça virou em direção à frente do restaurante.

— O que foi esse…

Isso foi tudo o que Violet pôs para fora antes de eu correr ao redor do
balcão e me jogar em cima dela, forçando-a ao chão.

— Oof!

Nós atingimos o chão duro. Eu tirei o fôlego da garota, mas não me
importei. Até que eu descobrisse o que ela queria com o Homem de Lata, Violet
Fox precisava continuar respirando.

Eu não precisei me preocupar com Finn. Como eu, ele sabia exatamente o
que era esse som em particular e ouvira-o muitas vezes antes para ignorá-lo
agora. De alguma forma, ele já tinha rastejado para debaixo de uma das mesas,
com várias cadeiras lhe servindo de escudo. Finnegan Lane tinha um excelente
senso de autopreservação.

Sophia ficou junto à parte de trás do balcão e continuava cortando aipo.
Ela nem sequer levantou a vista com o som dos disparos.

Balas não a preocupavam. Anões eram ainda mais resistentes que gigantes,
e Sophia poderia levar um par de balas nas costas. Elas bateriam nos músculos
duros em vez de acertar alguma coisa vital. Magia Elemental era praticamente a
única coisa que poderia penetrar rapidamente a pele grossa de um anão. E a
maior parte das vezes, isso só a deixaria com raiva em vez de fazer algum dano
real.

Smack!

Smack! Smack!

Mais três balas atingiram a frente do restaurante.

Olhei para cima, tentando decidir de onde os tiros estavam vindo, mas o
ângulo do assoalho estava todo errado.

Eu podia ver as vitrines, mas não quem ou o que estava além delas.

Meus olhos foram para os projéteis. Um grande calibre, provavelmente
cinquenta, pela aparência deles. E quem estava atirando sabia o que estava
fazendo. Apesar de seu tamanho, as balas formavam um pequeno grupo circular
aproximadamente do tamanho do meu punho. Tiros para matar, todos eles.

Os quatro mísseis de metal tinham rachado o vidro da vitrine e ficado lá
presos, o que impediu-os de perfurar o Pork Pit em si. Ainda assim, os fortes e
repentinos impactos haviam arruinado as janelas. Padrões macabros corriam das
balas de prata, como se um bando de aranhas estivesse amarrando suas teias
delicadas através do vidro espesso.

Balancei uma de minhas mangas e uma faca escorregou para a minha
outra mão, o punho apoiado sobre a cicatriz da minha mão. Esperava que o
bastardo se cansasse de disparar através das janelas e decidisse entrar para
terminar o trabalho. Ele encontraria uma surpresa desagradável. Uma da qual ele
não se recuperaria.

Com cada respiração, eu esperava mais balas baterem nas janelas. Ou a
porta ser escancarada e alguém entrar tempestuosamente. Jake McAllister,
provavelmente, tentando cumprir sua ameaça de voltar para me matar.

Em vez disso - silêncio.

Contei os segundos na minha cabeça. Dez... vinte... trinta... quarenta e
cinco...

A menina se mexeu, tentando sair de debaixo de mim. Ou pelo menos
levantar o rosto do chão. Rolei de cima dela para que ela pudesse recuperar o
fôlego, mas mantive uma mão nas suas costas, segurando-a no lugar.

— Fique quieta, — eu retruquei. — Ele pode estar esperando nós ficarmos
de pé para disparar mais uma vez.

Violet assentiu e se deitou no chão, respirando profundamente através de
sua boca aberta.

Depois que noventa segundos haviam passado sem outro tiro, coloquei-me
de joelhos e olhei para fora. O vidro rachado distorcia minha visão, mas eu não vi
ninguém parado na frente do restaurante com uma arma na mão. Sem carros
estacionados no meio-fio. Ninguém correndo pela calçada.

Eu me levantei e examinei as balas. Calibre cinquenta por toda a parte,
provavelmente disparadas de um rifle. Não era o que eu esperava de alguém como
Jake McAllister. Ele me parecia mais o tipo de cara que usaria uma Uzi 22. Algo
vistoso, algo chamativo, algo que provaria o quão fodão ele era.

Eu também notei que as balas não tinham atingido o vidro num ângulo
perfeito.

Elas atingiram a janela num ângulo para baixo, o que significava que
haviam sido disparadas de algum lugar mais alto. Hmm. Eu me movi para uma
seção de vidro que não tinha sido rachada pelas balas e olhei para fora.

Ali. Do outro lado da rua, cortinas batiam contra uma janela aberta no
segundo andar de um prédio de apartamentos.

Não era uma visão incomum - no verão. Mas era novembro. Estavam dez
graus lá fora, com uma garoa constante de chuva fria. Ninguém no seu perfeito
juízo teria a sua janela aberta em um dia como este, a menos que tivesse uma
boa razão. Como tentar me matar.

Fazia sentido. Eu não tinha ouvido um carro arrancar do meio-fio após os
tiros serem disparados, e não vi quaisquer marcas novas de pneus do lado de fora

22 Pistolas-metralhadoras compactas

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do restaurante, o que significava que não tinha sido um drive-by 23. Jake
McAllister estava parado quando colocou quatro balas na frente do meu
restaurante.

Meus olhos se focaram na cortina que balançava. Hora de ver se o cuco
deixou seu ninho ou não.

— Fique aqui, — disse a Finn.

— Onde você vai? — Finn perguntou de debaixo da mesa.

Segurei minhas facas um pouco mais forte. — Encontrar o bastardo que
acabou de arruinar a minha vitrine.

Normalmente, eu não teria saído pela porta da frente do Pork Pit. Não
depois de alguém ter acabado de atirar nas minhas janelas.

Isso era pedir por problemas, pedir para o atirador colocar uma bala em
meu peito quando eu saísse para investigar.

Mas eu estava com raiva, e tinha minha magia elemental.

Então eu alcancei o meu poder de Pedra, puxando-o para minhas veias,
deixando a magia fria se espalhar sobre a minha pele. Levou menos de um
segundo para a magia endurecer meus dedos, torso, pés, e tudo mais, para
transformar meu corpo em um escudo de rocha dura. Enquanto eu segurasse
minha magia, me mantivesse concentrada nela, até meu cabelo pararia uma bala.

Então eu escancarei a porta e saí.

Fiquei junto à porta da frente por alguns segundos, meus olhos verificando
o bloco novamente. Nada. Sem corredores, sem carros estacionados, sem flash de
luz de um rifle na janela do outro lado da rua.

Após outros trinta segundos, quando mais nenhuma bala zuniu através do
ar, as pessoas que estavam na rua quando o tiroteio começou levantaram
lentamente suas cabeças.

Um por um, eles saíram de trás dos carros estacionados e caixas de correio
de metal, ficaram de pé e se apressaram para fazer o que tinham que fazer.

23 Tiroteio realizado por um membro de gangue quando ele atira pela janela de um carro em marcha lenta, e

depois foge.

Uma vez que o atirador não aproveitou a oportunidade de tiro fácil que lhe
ofereci, eu atravessei a rua para o prédio, uma antiga estrutura com pequenas
janelas sujas e fachadas lascadas que não tinham sido consertadas ou renovadas
desde que o prédio havia sido construído há quarenta anos atrás. Pressionei
minha mão contra a pedra que emoldurava a entrada, ouvindo o murmúrio do
tijolo frio e molhado embaixo dos meus dedos. Uma mistura de emoções me
cumprimentou. Gritos infantis de crianças. Resmungos de pessoas mais velhas.
Murmúrios afiados e preocupados. Uma tagarelice de Inglês e Espanhol. Tudo
isso eram barulhos típicos de um prédio normal. Nada de anormal até agora.

Os edifícios mais antigos não dispunham de bons recursos de segurança, e
este não era diferente. Não havia sequer um bloqueio na porta de vidro para
manter fora os sem-teto. A porta levava a um pequeno corredor com escadas
ramificando-se de ambos os lados, e um elevador situado no final. Fui subindo as
escadas da esquerda, ficando nas sombras. O prédio tinha cheiro de água
sanitária misturada com alho e urina.

Cheguei ao patamar do segundo andar e encontrei outro corredor vazio.
Atravessar a rua e subir as escadas tinha esfriado a minha raiva. Minha pele
poderia ser tão dura como pedra, mas bastava um momento, um vacilo. Se eu
deixasse minha mágica deslizar nem que fosse por apenas um segundo, eu
estaria morta. Fletcher Lane tinha perfurado isso em mim. Jake McAllister podia
ser um arruaceiro, mas isso não significava que ele não poderia ter sorte e me
matar. Eu não lhe daria essa chance, então parei para ouvir e avaliar.

Tudo calmo. A maioria dos inquilinos do edifício estavam trabalhando a
esta hora do dia, tentando ganhar dinheiro suficiente para o aluguel do próximo
mês. Meus dedos apertaram as facas em minhas mãos, e eu avancei. Como ele
não tinha atirado em mim quando eu atravessava a rua, havia uma chance muito
pequena que Jake McAllister ainda estivesse no apartamento. Mas eu continuei a
me mover com cautela, silenciosamente.

Três apartamentos neste andar davam para a rua. Andei na ponta dos pés
quando passei as duas primeiras portas e fui em direção à terceira - a que eu
queria.

Parei na frente da porta pintada de bege, esperando e ouvindo. Mais
silêncio. Coloquei minha mão sobre a pedra que emoldurava a porta, mas o seu
murmúrio era baixo e mudo.

Ninguém morava aqui, a julgar pela falta de emoções e vibrações, que era
provavelmente a razão pela qual Jake McAllister tinha escolhido este
apartamento.

Fechei minha mão ao redor da maçaneta. O metal frio fez cócegas na
cicatriz de runa de aranha que eu tinha na minha palma. A maçaneta girou e a
porta se abriu.

Empurrei a porta para dentro com minha bota, tomando o cuidado de ficar
em um dos lados da porta. Nem sequer rangeu quando ela se abria. Fiquei no
corredor e esperei, contando os segundos na minha cabeça. Dez... vinte... trinta...
Os ruídos dos outros apartamentos mais distantes vieram até mim. A televisão
passando algum desenho animado. Outra sintonizada numa telenovela. Um casal
discutindo sobre Ralph beber demais e ser demitido de seu último trabalho.

Eu fiquei no lado de fora por três minutos. Vazio. O apartamento estava
vazio. Se Jake McAllister estivesse dentro e pudesse ver ou ouvir a porta abrir, ele
já teria saído para investigar. A maioria das pessoas não era boa em esperar. Elas
se moviam cedo demais, depressa demais, e então morriam.

Um minuto era suficiente para enervar a maioria das pessoas. Três, o
suficiente para deixar praticamente o mais perfeito assassino profissional louco
com adrenalina. Mesmo eu não gostava de esperar três minutos para alguma
coisa acontecer. Mas havia uma razão para Fletcher ter me apelidado a Aranha -
porque eu poderia ser infinitamente paciente. Porque eu tinha essa restrição
interna. Porque eu podia esperar esses longos três minutos, se isso significasse
chegar ao meu alvo - ou não me tornar um.

Deslizei para dentro do apartamento e fechei a porta atrás de mim.

Era um espaço pequeno, dividido em salas ainda menores que me
lembravam um labirinto de ratos. Com as facas nas mãos, eu escorreguei de um
quarto para o outro, verificando todos eles com extrema cautela e cuidado.

Vazio. O lugar estava totalmente vazio.

Sem móveis, sem aparelhos, nem mesmo um par de embalagens de fastfood
amassadas e descartadas no chão de linóleo. Nem cheirava a qualquer coisa
exceto as rajadas de chuva fria entrando pela janela aberta. Nem a água sanitária
e nem a comida, nada. Fiz uma careta. Não era o que eu esperava. Jake
McAllister não me parecia uma pessoa paciente - muito menos o tipo de recolher
o lixo. Se o elemental de Fogo tivesse estado aqui por qualquer período de tempo,
deveria haver alguma evidência disso. Latas de cerveja, cigarros, uma garrafa de

soda vazia, algumas embalagens de chocolates. Em vez disso, não havia nada.
Nem sequer vi quaisquer armadilhas de baratas escondidas nos cantos.

Larguei a minha magia de Pedra e deixei minha pele voltar à sua textura
normal. Então, me movi para o fundo do apartamento e para a janela aberta,
onde o atirador tinha estado quando disparou contra o Pork Pit.

Mais uma vez, não havia nada. Nenhum copo, nenhuma embalagem,
nenhuma evidência de que alguém esteve dentro do apartamento hoje ou mesmo
recentemente. Olhei embaixo da janela.

Ele tinha até mesmo apanhado as cápsulas das balas que ele disparou.
Novamente, não era algo que eu esperaria de um elemental de Fogo imprudente,
inquieto e cabeça quente como Jake McAllister.

Tijolos expostos encardidos delineavam a janela, e eu pressionei minha
mão contra eles. A pedra irregular mordeu minha palma, e eu fechei os olhos e
alcancei minha magia novamente, deixando o poder frio fluir através de mim,
sintonizando-me com as mais pequenas vibrações embutidas no tijolo.

Nada. Apenas calma. Me concentrei, indo cada vez mais fundo na pedra,
até que a senti como uma parte de mim. Uma extensão natural de mim que eu
poderia examinar e analisar do jeito que eu fazia com as minhas próprias unhas.
Senti-me mais calma e… com a sensação de esperar alguém. Não particularmente
aborrecida, mas também não animada. Apenas esperando... o momento certo
surgir. Uma emoção, uma ação, que eu conhecia muito bem.

Minha careta se aprofundou. Abri os olhos, deixei cair minha mão, e me
afastei do tijolo. Olhei para o quarto novamente com um olhar mais crítico,
colocando todos os fatos juntos.

Não havia nada no apartamento, nenhum lixo, nenhuma cápsula,
nenhuma emoção, porque Jake McAllister não tinha estado aqui. Ele não era
inteligente o suficiente, não era calmo o suficiente para este tipo de ação. Este -
este era o trabalho de um profissional.

Um assassino, assim como eu.

Meus olhos cinzentos se estreitaram. Então Jake, ou mais provavelmente
Jonah McAllister, havia contratado um garotão para limpar a bagunça de seu
filho.

Agora eu estava realmente irritada.

Mas ainda assim... não consegui afastar a sensação de que estava faltando
alguma coisa. Algo importante. Vital. Óbvio.

Minha leitura, minha sensação, das vibrações da pedra estava correta. Eu
sabia que estava. Mesmo na tenra idade, tinha sido capaz de ouvir a pedra
murmurando para mim, e meu poder de compreende-la e interpretá-la tinha
apenas aguçado e fortalecido com o passar do tempo. E continuaria a fazê-lo até
eu morrer, esperançosamente com a idade madura de cento e cinquenta ou algo
assim.

Das vibrações que eu peguei, o atirador estava esperando à quase uma
hora. Talvez mais.

Sophia entrava cedo, geralmente às nove, para começar a assar o pão do
dia. Eu geralmente aparecia por volta das dez, e o restaurante oficialmente abria
para negócios às onze. Mas os tiros não foram disparados até quase ao meio-dia.

Por quê? Por que o assassino esperou tanto tempo? Estive me movendo ao
redor do restaurante durante toda a manhã. Cozinhando, limpando, esfregando
as mesas e cabines, invertendo o sinal da porta para Aberto. Ele poderia ter
atirado em mim a qualquer momento durante a manhã. Então, por que ele não
tinha dado um tiro antes do almoço? Por que naquela hora?

Repassei o tiroteio em minha mente. Eu estava em pé atrás do balcão
quando os tiros foram disparados. Um tiro difícil de realizar, mesmo para um
assassino profissional, não importa quão bom com uma arma ele era. Talvez ele
quisesse uma audiência quando me matasse. Talvez esse fosse o porquê dele
esperar. Finn tinha estado no restaurante, sentado à minha esquerda. A garota
tinha estado lá também, mais ou menos na minha frente…

E eu percebi o que estava faltando. O atirador, o assassino, não estava
atirando em mim.

Ele estava mirando a garota.

Capítulo 6

A garota, Violet. Ela havia sido o objetivo do atirador, não eu.

Essa era a única coisa que fazia sentido. O assassino poderia ter atirado
em mim toda vez que eu me aproximei das janelas. Mas ele não o tinha feito. Em
vez disso, ele sentou-se neste apartamento por quase uma hora, esperando por
ela. Ela estava sentada em uma cabine na parte de trás do restaurante, longe das
janelas, então ele teve que esperar que ela terminasse seu almoço. Quando ela
pagou e se aproximou da porta da frente, foi quando ele tentou a sua sorte.

Minha mente processou a informação e avançou para a próxima pergunta.
Por que atirar quando ela estava dentro do restaurante?

Por que não esperar que ela estivesse na rua? Por que simplesmente não a
matar em algum beco?

A resposta veio a mim. O roubo. O assassino deve ter visto a história no
jornal sobre o assalto mal sucedido no Pork Pit.

Talvez o assassino tenha percebido que se ele pegasse a menina no
restaurante, havia uma boa chance de sua morte ser ligada a Jake McAllister e ao
quase roubo da noite passada. Sem dúvida, os policiais teriam tido o mesmo
pensamento que eu - que Jake ou quem quer que ele tivesse contratado - tinha
tido a mim como objetivo, não à garota. Que eu havia sido o alvo. Que Jake me
queria calar e fazer todas as acusações contra si mesmo simplesmente
desaparecerem. Por tudo isto, a polícia não estaria inclinada a olhar demasiado

em outras direções, a considerar outras teorias. Como o fato da menina ter sido a
vítima o tempo todo.

E se colocar a culpa em Jake McAllister não funcionasse, bem, havia outra
opção. O Pork Pit não estava oficialmente localizado em Southtown, mas estava
apenas a um par de ruas de distância, o que significava que toda a área tinha a
sua cota de crimes. Tráfico de drogas, tiroteios, disputas domésticas. Um ou mais
desses aconteciam todos os dias.

Dado o bairro violento, hoje a morte da menina podia ter sido considerada
apenas como violência aleatória na área, se os policiais estivessem se sentindo
particularmente preguiçosos. Algum tipo de tiroteio de gangues em que ela tinha
tido o azar de ficar no meio. Um garoto de dez anos e sua irmã mais nova tinham
ficado apanhados em um desses na semana passada, a menos de um quilômetro
do restaurante.

De qualquer maneira, ninguém pensaria que tinha sido um golpe
planejado. Os melhores assassinatos eram sempre os que pareciam outra coisa.
Um plano organizado, bom e fácil.

Talvez o assassino estivesse seguindo a menina, procurando apenas uma
oportunidade como essa. Talvez ele soubesse que ela viria ao Pork Pit hoje para
almoçar e perguntar sobre alguém chamado Homem de Lata. De qualquer
maneira, quando ela entrou no restaurante, ele decidiu se certificar que ela
nunca mais sairia de novo. Teria sido fácil para ele entrar no prédio sem ser visto,
encontrar um apartamento vazio, e destrancar a porta. Tudo o que ele teria de
fazer depois disso era esperar o momento certo, o ângulo certo, e então puxar o
gatilho.

Eu olhei para a vitrine quebrada do Pork Pit. Ele teria atingido a menina -
quatro tiros mortais no peito.

Se o restaurante não tivesse janelas à prova de balas, a garota estaria
morta

Não, isso não tinha nada a ver comigo e com Jake McAllister. A garota - isto
era tudo sobre a garota. Alguém queria que ela morresse.

Enquanto eu estava ali pensando, a porta da frente do restaurante abriu.
Violet veio para a rua e saiu correndo.

— Porra, — eu rosnei e saí correndo do apartamento.

***

O assassino já estava longe, então nem me incomodei em usar a minha
magia de pedra para endurecer minha pele novamente. Além disso, ele não estava
atrás de mim de qualquer maneira. Em vez disso, desci as escadas e saí do
prédio. Virei à esquerda e corri na direção em que a garota tinha ido.

Ela devia estar a andar depressa porque já tinha um bloco inteiro de
avanço. Ela ergueu o braço, e um táxi deslizou até parar na calçada em frente a
ela.

— Ei, você! — Eu gritei. — Pare!

A menina não prestou atenção em mim. Eu estava muito longe para a
minha voz ser ouvida por sobre o tráfego na rua. Mesmo se ela tivesse ouvido o
meu grito, provavelmente não teria pensado que era dirigido a ela. ‘Ei, você’ não
era a mais pessoal das saudações. Então aumentei o meu ritmo, passando a
correr. Se a rua estivesse vazia, eu poderia a ter alcançado. Mas a cada cinco
passos, eu tinha que me desviar para a direita ou esquerda para evitar bater em
alguém que estava a falar em seu telefone celular.

Cheguei ao fim do bloco. Na esquina em frente a mim, a menina tinha
entrado no táxi. Saí do passeio, meus olhos fixos no amarelo brilhante do
veículo…

Beep! Beep!

E de repente dei um passo atrás quando uma buzina de carro soou muito
alto. Um segundo depois, uma minivan passou por mim, avançando apesar do
semáforo vermelho.

A motorista me lançou um olhar sujo.

— Vermelho é para parar, idiota! — Eu gritei.

Ela não me viu lhe mostrando o dedo. Muito ocupada falando em seu
telefone celular para fazer algo seguro, como prestar atenção a pedestres e sinais
de trânsito. E ela me custou qualquer chance que eu tinha de pegar a garota. À
frente, o táxi já havia entrado no tráfego. Cinco segundos depois, ele virou à
direita, desaparecendo de vista.

A menina tinha ido embora.

E eu não tinha ideia para onde ela foi ou mais importante, por que alguém
tentou matá-la.

Fiquei ali um momento, amaldiçoando minha própria estupidez. Deveria ter
sabido no segundo em que a menina perguntou sobre o Homem de Lata que algo
estava seriamente errado. Que não era apenas um acaso, um acidente ou pura
sorte. Que o problema tinha acabado de entrar no Pork Pit.

Problema esse que tinha-se afastado de mim.

— Porra, — eu rosnei novamente antes de virar e voltar para o restaurante.

***

Coloquei minhas facas dentro das mangas da camisola e lentamente,
calmamente, tranquilamente caminhei o quarteirão e meio de volta para o Pork
Pit.

Não havia necessidade de chamar mais atenção para mim hoje. Se eu
continuasse com isso, alguém podia chamar a polícia e denunciar uma mulher
louca. Não fazia muito tempo, eu passei vários dias no Asilo de Ashland em um
dos meus trabalhos. Não tinha qualquer desejo de fazer uma segunda visita.

Um par de minutos mais tarde, entrei no Pork Pit.

Sophia estava adicionando um pouco de pimenta vermelha e páprica a sua
salada de macarrão. Finn estava sentado no seu banco habitual, bebendo o seu
café de chicória e lendo o resto da secção financeira.

— Problemas? — Ele brincou.

Eu dei-lhe um olhar torto.

— Só pergunto porque: a) você não está sorrindo e não está coberta com
sangue de outra pessoa, e b) eu vi você correr do prédio do outro lado da rua
como se houvesse um bando de vampiros famintos atrás de você, — Finn disse.
— Suponho que Jake McAllister conseguiu aludir você?

Eu balancei minha cabeça. — Não foi o McAllister. O atirador não estava
apontando para mim. Ele estava apontando para a garota.

Informei Finn e Sophia da minha teoria sobre o atirador ser um profissional
e minha conclusão de que seu alvo havia sido a garota, não eu.

Finn deixou escapar um assobio baixo. — Alguém contratou um assassino
para matar a menina? Ela deve ter chateado muito alguém.

— Mmm-hmm. — Atrás do balcão, Sophia grunhiu seu acordo.

— Não estou preocupada com quem ela chateou, — eu disse. — Só preciso
encontrá-la antes que o assassino decida fazer outra tentativa.

— Por quê? — Finn perguntou. — É problema dela, não seu.

Eu olhei para ele. — Porque ela vem aqui perguntar sobre o Homem de
Lata, perguntar sobre Fletcher, e um minuto depois, alguém dispara nela. Quero
saber porquê. Por que ela veio aqui, qual é a sua conexão com Fletcher, tudo.

Principalmente, eu queria ter certeza de que não havia maneira de seu
quase ou futuro assassino vir bater na minha porta, na de Finn ou na das irmãs
Deveraux. Desviar a atenção de nós tinha sido uma das primeiras coisas que
Fletcher Lane havia me ensinado.

— Agora, o que aconteceu depois que eu saí? Ela disse alguma coisa, fez
alguma coisa?

Finn balançou a cabeça. — Não. Ela ficou sentada por um minuto
recuperando o fôlego; então se levantou e saiu.

Meus olhos cinzentos se estreitaram. — E você não tentou impedi-la?

Finn encolheu os ombros. — Eu deduzi que como ela não estava gritando
nem chamando a polícia, estava tudo bem. Nós dois achávamos que era Jake
McAllister atirando em você, não alguém apontando para ela.

Eu engoli uma maldição. Finn tinha razão. Não era culpa dele. Não era
culpa de ninguém. Ainda assim, eu precisava de algumas respostas e a menina
era a única pessoa que poderia dar-mas. Mas ela já estava a quilômetros de
distância. Então como eu poderia localizá-la? Eu pensei por um segundo, então
fui até ao balcão.

— Uh-oh, — Finn murmurou. — Eu conheço esse olhar.

— Que olhar? — Eu perguntei, levantando a caixa registadora.

— Esse olhar. O que faz você se parecer com um urso em hibernação que
acabou de ser cutucado por alguém com uma vara afiada. O olhar que diz que
você não vai deixar isso para lá, mesmo que não seja o seu problema.

Eu coloquei uma mão sobre meu coração e bati meus cílios para ele. —
Você me conhece demasiado bem.

— Mas como é que você vai encontrá-la? — Finn perguntou. — Ela não lhe
deixou exatamente um dossiê pessoal.

Meus dedos sondaram o espaço escuro sob a caixa registradora.

Lá estava ele. Peguei um pedaço de papel debaixo da caixa. O recibo de
pagamento do almoço da garota com cartão de crédito. Aquele com o nome dela.
Violet Fox. Não tão bom como um dossiê, mas era algo para começar.

— Oh, eu não vou encontrá-la, — eu disse com uma voz doce.

— Não diga isso, — ele pediu. — Por favor, não diga.

Segurei o pedaço de papel para ele. — Eu não vou encontrá-la porque você
vai fazer isso por mim.

Finn apenas suspirou e tomou outro gole de seu café.

Capítulo 7

— Nada ainda?

Finn olhou para mim por cima dos ombros. — Só passaram duas horas,
Gin. Se acalme.

Olhei de volta e mostrei minha língua para ele.

Ele sorriu ironicamente. — Não coloca para fora se não pretende usá-la.

Eu bufei. — Bem que você queria.

— Sempre.

Depois que eu disse a Finn para rastrear a menina da faculdade usando o
recibo do seu cartão de crédito, ele tinha ido ao seu escritório pegar o notebook e
alguns outros materiais e dizer ao homem do dinheiro que ele iria tirar o resto do
dia de folga. Enquanto ele fazia isso, eu marcava uma hora com um vidraceiro
para ele substituir as vitrines quebradas de manhã. Depois mandei Sophia para
casa, fechei o restaurante, e dirigi para a casa de Fletcher. Isso tinha tomado
uma hora.

Finn tinha chegado há trinta minutos. Agora ele relaxava no debotado sofá
xadrez que estava na toca, enquanto eu ficava à toa na cozinha. Dada toda a
emoção, não tinha tido a chance de almoçar no restaurante, e eu sentia que essa
ia ser uma noite longa. Foi por isso que eu fiz sanduiches de salada de frango
com um espesso pão de mel de trigo, assim como uma salada de frutas fresca.

Coloquei a comida numa bandeja, juntamente com pratos, talheres,
guardanapos e uma jarra de limonada de framboesa. Então eu alcancei a minha
magia de Gelo. A fria luz prata cintilou na palma da minha mão, centrada sobre a
cicatriz de runa de aranha, e deixei cair vários cubos de gelo dentro dos dois
copos que estavam na bandeja.

Levei tudo para a toca e coloquei sobre a mesa de café.

Sentei-me de pernas cruzadas em uma das poltronas e mastiguei um
sanduíche. Aipo, maçãs, passas, raspas de limão e maionese azeda realçando o
sabor da salada de frango.

Finn também se serviu de um sanduíche e algumas frutas, e nós comemos
em silêncio. O notebook de Finn zunia suavemente enquanto pesquisava através
de milhões de arquivos de dados, procurando informações sobre uma Violet Fox.

Depois de ter devorado o seu primeiro sanduíche, Finn pegou outro. Ele
olhou para o lado mais distante de mesa de café, onde ele tinha colocado a pasta
que Fletcher Lane tinha deixado para mim - a que continha informações sobre a
minha família assassinada e Bria, minha irmã mais nova, que ainda estava viva.
Finn tinha desviado a pasta para que ele pudesse colocar seu notebook na mesa
velha.

— Alguma sorte com isso? — Finn perguntou.

— Não.

Logo após o funeral de Fletcher, eu tinha contado a Finn sobre o arquivo e
os segredos que ele continha, inclusive meu verdadeiro nome - Genevieve Snow.
Tinha-o deixado classificar a informação e tirar suas próprias conclusões sobre
tudo. Inclusive o que tinha acontecido na noite que minha mãe, Eira, e minha
irmã mais velha, Annabella, tinham sido assassinadas por um elemental de Fogo.
Por um momento, chamas laranja preencheram minha visão.

A imagem de duas cascas de corpos queimados passou ante meus olhos, e
o ar cheirava a carne queimada. Empurrei a lembrança para longe.

— Você deveria me deixar ajudar com isso, — Finn disse. — Tenho contatos
que você não tem.

Balancei minha cabeça. — Não. Ainda não. Sigo sem saber como me sinto
em relação a isso.

— Em relação a quê?

— Em relação ao velho saber quem eu realmente era todos esses anos e
não me ter dito nada sobre isso. Dele ter coletado toda essa informação sobre
minha família.

As cicatrizes de runa de aranha nas palmas das minhas mãos começaram a
coçar, do jeito que elas sempre faziam quando eu pensava na minha família
morta. Um pequeno círculo com oito pequenas linhas irradiando para fora. O
símbolo da paciência. Primeiro esfreguei uma cicatriz com meus dedos, depois a
outra, tentando diminuir a sensação de queimação.

Não ajudou. Nunca ajudava.

— Fletcher amava investigar os segredos das pessoas. Compilar
informação, fazer dossiês sobre elas. Isso fazia dele um bom assassino e um
manipulador ainda melhor, — eu disse. — Só nunca pensei que ele faria isso
comigo.

— Você está com raiva dele.

— Infernos sim, eu estou com raiva, — vociferei. Meus pés fizeram pressão
no chão e a cadeira balançou para trás. — Fletcher passou anos juntando essa
pasta e depois deixa-a com Jo-Jo Deveraux ao invés de ma dar. Por quê? Qual é o
objetivo?

Eu estava com raiva, claro, mas mais que isso, eu me sentia traída.

Era como se para Fletcher Lane eu não fosse nada mais que um alvo. Como
se eu não tivesse sido a filha que ele alegava que eu era. Como se ele nunca
tivesse realmente me amado como eu o amei. Ou pelo menos confiado em mim o
suficiente para me dizer o que estava acontecendo.

E eu estava com raiva de mim também, por não ter nenhuma ideia do que o
velho estava fazendo, por não saber que ele estivera obtendo informações minhas
e da minha família assassinada.

Eu nunca teria sequer imaginado que Fletcher faria uma coisa dessas -
ainda mais comigo. Ou talvez eu apenas não quis considerar essa possibilidade.
De qualquer forma, tudo que me restava agora eram perguntas e mais perguntas.

— Talvez ele pretendesse dá-la a você, — Finn disse. — Antes de morrer.

Outra imagem passou diante dos meus olhos. Fletcher Lane, deitado numa
poça do seu próprio sangue no Pork Pit, a pele esfolada e arrancada do seu corpo.
Seu rosto, seu peito, seus braços e suas mãos em uma bagunça arruinada de
carne viva e ossos.

Balancei a minha cabeça, tentando banir a lembrança. Não funcionou.
Nunca funcionava.

— Eu só não entendo o que ele esperava que eu fizesse com essa
informação. Ter minha vingança contra a elemental de Fogo? Já faz anos, e eu
ainda não sei quem ela era ou por que ela matou minha família. Nem sequer vi a
elemental antes que um de seus capangas me prendesse e me vendasse. Só a
ouvi rir enquanto ela me torturava. Até onde sei, a vadia pode já estar morta.

— Ela era forte o suficiente para matar sua mãe e sua irmã, duas
Elementais de Gelo poderosas por direito próprio, e derreter a runa silverstone de
aranha nas palmas das suas mãos. Duvido que ela esteja morta. Pessoas assim
não vão calmamente, — Finn disse. — Além disso, tudo aconteceu há apenas
dezessete anos atrás. A maioria dos elementais vive bem mais que cem anos.

Um sorriso frio curvou meus lábios. — Não se pode culpar uma moça por
sonhar, pode?

Olhei para a pasta e meu sorriso se transformou numa carranca. — Apenas
não entendo porque Fletcher fez isso. Eu estava lá. Eu vivi isso. Nada naquela
pasta me diz algo que eu já não saiba.

— Exceto que sua irmã ainda está viva, — Finn disse numa voz suave.

Bria. Cabelo loiro. Olhos grandes e azuis. O rosto de uma criança afável,
doce e inocente. A runa delicada em forma de prímula pendurada no colar envolto
em seu pescoço. Ela tinha oito anos a última vez que eu a vira, a noite que eu
encontrei seu sangue no esconderijo onde a tinha deixado. A noite que eu pensei
que ela tinha morrido.

— Me faz muito bem saber que ela está viva quando não posso encontra-la.
Aquela foto pode ter sido tirada em qualquer lugar, e Fletcher não foi doce o
suficiente para rabiscar a localização atrás dela. — A emoção apertou minha
garganta, e eu tive que forçar a saída das minhas próximas palavras. — Eu não…
Eu nem mesmo sei se quero encontrá-la.

— Por que não? — Finn perguntou. — Ela é sua irmã.

— Ela era minha irmã, — respondi numa voz rouca. — Não tenho ideia de
como ela é agora. Se ela se lembra de mim, se ela ao menos quer me ver.
Infernos, ela provavelmente acha que eu estou morta, assim como eu pensava
que ela estava. Então tem o pequeno fato do que eu ando fazendo com a minha
vida. Me chame de louca, mas eu duvido que qualquer pessoa queira uma
assassina como irmã mais velha.

Finn ficou em silêncio por um tempo. Então ele ergueu a cabeça e olhou
para mim com seus brilhantes olhos verdes - olhos que eram tão parecidos aos de
Fletcher que fez meu coração quebrar. — Você poderia não ser filha biológica
dele, mas papai te amava tanto quanto a mim. Você mesma disse. Ele amava
saber os segredos das outras pessoas. Ele provavelmente começou a escavar
apenas para ver quem você realmente era e se ele podia ou não confiar em você.

— E daí?

Finn suspirou. — E daí que você se tornou filha dele, sua protegida, e ele
amava você. Talvez papai quisesse encontrar a Elemental de Fogo para você.
Talvez ele tenha percebido que Bria não havia morrido aquela noite. Talvez ele
quisesse compensar tudo que tinha sido feito para você e sua família.

Eu tinha me perguntado aquelas mesmas coisas. Porque esse era
exatamente o tipo de homem que Fletcher Lane tinha sido. Viva e deixe viver,
tinha sido seu lema. Afinal de contas, assassinos não tinham lá grande moral
para atirar pedras e caluniar os outros. Mas se você ferrasse com alguém que
Fletcher Lane se importava, você podia muito bem arrancar seu próprio coração
com uma colher enferrujada - antes que ele fizesse isso por você. O velho tinha
me ensinado a ser do mesmo jeito. Lealdade, amor, o que que você quisesse
chamar isso, era a única coisa tão importante quanto a sobrevivência - e a única
coisa pelo que realmente valia a pena morrer. Por isso que eu tinha caçado Alexis
James, a vadia Elemental de Ar que tinha matava Fletcher e tinha torturado
Finn, mesmo que eu quase tenha morrido no processo.

Eu passei a minha mão na testa. O metal Silverstone na minha pele parecia
tão firme e frio quanto meu coração. — Não sei o que Fletcher queria que eu
fizesse. Agora eu nunca vou saber.

— Você vai descobrir, — Finn disse. — E eu vou te ajudar.

Palavras de um verdadeiro irmão, de sangue ou não. Sorri para ele. — Eu
sei que você vai…

Click-click. Click-click.

O notebook de Finn reproduziu um diferente tipo de som, como se o disco
rígido tivesse encontrado alguma coisa. Eu ergui minhas sobrancelhas. Finn se
inclinou e pressionou um botão.

Números surgiram no monitor, junto com o que parecia a foto de uma
carteira de motorista. Cabelos loiros crespos. Olhos escuros. Pele morena. Óculos
pretos.

— Encontrei-a, — Finn disse. — Violet Elizabeth Fox. Faturas do cartão de
crédito, contas bancárias, histórico escolar. Leia tudo sobre ela.

Juntei-me a ele no sofá e li a informação que aparecia na tela. Violet
Elizabeth Fox, dezenove anos, pais falecidos. Uma estudante nota A com bolsa
integral, recebendo seu diploma de negócios da Faculdade Pública de Ashland.

Uns duzentos dólares no cartão de crédito, uns dois mil na sua conta
poupança. Um pequeno cheque depositado a cada duas semanas na sua conta
corrente de algum negócio chamado Country Daze. Provavelmente um trabalho
de tempo parcial de algum tipo. Nada fora do normal e nada que indicasse por
que ela tinha vindo ao Pork Pit procurar pelo Homem de Lata.

— Violet Fox dirige para a escola, — eu disse.

— Como você sabe disse? — Finn perguntou.

Bati levemente na tela com minha unha. — Por que ela adquiriu uma
permissão AAC 24 de estacionamento e deslocação atribuída. E olhe para o seu
endereço de casa.

— Ridgeline Hollow Road? — Finn perguntou. — É no alto das montanhas.

— Na região carbonífera, — eu acrescentei.

Pessoas tinham extraído carvão das Montanhas Apalaches por décadas.
Extração de carvão era perigoso, sujo, um trabalho árduo que não era para
claustrofóbicos ou fracos de coração. Mas pagava bem o bastante para gerações
de homens e mulheres ariscarem a vida e integridade física para tirar o
combustível fóssil da terra. Para alguns, mineração era o único trabalho que os
membros da família conheciam. Para outros, as minas eram o lugar de descanso

24 Autorização para Conduzir Ciclomotor.

final de seus pais, mães, irmãos, irmãs. Túmulos escuros e silenciosos que
nenhuma luz jamais seria capaz de penetrar novamente.

Click-click. Click-click. O computador tocou mais uma vez, e uma nova
janela foi aberta, mostrando a informação que nós estávamos procurando.

— O que é isso? — Eu perguntei.

Finn sorriu largamente. — Marquei o cartão de Violet Fox. Ela acabou de o
usar para fazer uma compra numa livraria do campus.

— O que ela comprou?

Finn olhou para o monitor. — Dois chás gelados, duas barras de chocolate,
e uma cópia de The Hero with a Thousand Faces de Joseph Campbell.

— Duas bebidas? Parece que ela tem um encontro de estudo com alguém.
— Eu me levantei do sofá. — Vamos lá.

— Para a faculdade? — Finn perguntou. — E se ela for embora antes de
chegarmos lá?

Apontei para o relógio na parede. — Não é nem quatro e meia ainda. A
livraria fica dentro de um centro estudantil, e o prédio não fecha até às seis.
Violet provavelmente vai ficar lá até fechar.

— Você é a perita quando se trata da universidade, — Finn disse. — Vendo
como você gasta tanto do seu tempo livro lá lendo livros escritos por caras
brancos que já morreram e ficando ocupada com os jovens estudantes nas suas
aulas.

— É isso mesmo, — eu disse. — E seu ciúme é impróprio. Agora, tire esse
seu traseiro preguiçoso do sofá. Está na hora de você me mostrar o quão rápido
aquele seu Aston Martin pode ser.

***

— Isso é inútil, — Finn disse. — Ela não voltará aqui esta noite.

Nós tínhamos chegado à universidade logo após as cinco e havíamos
andado através do centro estudantil, procurando por Violet Fox. Conhecia bem o

centro, assim como o resto do campus, já que eu frequentara aulas na Faculdade
Pública de Ashland por anos. Decoração de bolos, yoga, desenho a carvão,
pintura em aquarela. Tinha frequentado todas essas e algumas mais como parte
do meu disfarce como uma eterna estudante universitária, cozinheira e garçonete
no Pork Pit.

Esse semestre, me inscrevi num curso de literatura clássica, daí o fato de
eu estar atualmente lendo A Odisseia.

Sempre gostei de aprender coisas novas e não via razão para parar de ter
aulas só por que eu não estava mais matando pessoas. Além disso, nunca se
sabe quando uma nova habilidade pode vir a calhar. Especialmente tendo em
conta o meu passado.

E eu estava pensando em ter várias aulas no próximo semestre, por que,
verdade seja dita, minha aposentadoria estava se tornando extremamente chata.
Durante o dia, eu trabalhava no Pork Pit, claro, assim como sempre tinha feito.
Mas à noite, eu não sabia bem o que fazer comigo mesma desde que eu não
estava revendo arquivos, seguindo marcas, e traçando a melhor maneira de
matar alguém. Eu podia apenas assistir o Food Network por várias horas. Na
maior parte das vezes, acabava olhando fixamente para a televisão, me
perguntando se oito horas era muito cedo para ir dormir. Pelo lado positivo, eu
sempre estava extremamente bem descansada.

Nós não tínhamos encontrado Violet Fox durante nossa busca pelo centro
estudantil. Tinha demasiados cubículos para os estudantes se esconderem e
estudarem. Ou então Violet e com quem quer que ela estivesse tinham decidido
estudar na livraria ou num laboratório de informática ou até no dormitório de
alguém. Tantas possibilidades e nenhuma forma de as reduzir. Então nós fomos
para o único lugar em que Violet Fox teria que aparecer mais cedo ou mais tarde
- o estacionamento.

— Acredite em mim, — eu disse. — Ela vai voltar e pegar o carro. Ninguém
em seu perfeito juízo deixaria o carro aqui durante a noite.

— Eu não consigo imaginar por que, — Finn murmurou e se moveu um
pouco no seu assento.

Olhei pela janela. A Faculdade Comunitária de Ashland estava localizada
no centro do distrito, um pequeno círculo de conhecimento escondido entre os
edifícios de corporativas com vidros cromados que passavam por arranha-céus na
cidade.

Embora a faculdade tomasse um par de blocos da cidade, as várias salas e
prédios eram mais ou menos agrupados juntos e conectados por uma série de
gramado. Mas o espaço era um prêmio no centro da cidade, e os lotes que
cercavam a faculdade tinham sido desenvolvidos há muito tempo. Isso significava
que não havia um estacionamento para os estudantes no campus. Como
alternativa, aqueles que viajam diariamente tinham que deixar seus veículos
numa variedade de lotes e garagens da periferia do centro da cidade, e depois
caminhar ou ir de bicicleta para o campus.

O estacionamento em que nós estávamos era o mais distante do campus e
estava localizado logo ao lado da fronteira Southtown. Uma única luz cintilava no
alto, pintando os carros abaixo de um prateado fantasmagórico. Barras de
concreto de um metro e trinta de altura cercava a maior parte da área, alertando
os motoristas a ficaram longe de vários buracos no asfalto rachado. Runas de
pichações de símbolos de gangues, incluindo punhos cerrados e delineações
brutas de armas e facas, sujavam as superfícies das pedras.

Embalagens amassadas de refeições rápidas, pontas de cigarros esmagadas
e preservativos usados cobriam o chão.

De acordo com as informações que Finn tinha conseguido, Violet Fox dirigia
um velho Honda Accord preto. O carro que estava no meio do estacionamento,
ofuscado de um lado por uma caminhonete monstruoso com rodas cobertas de
tinta verde-exército. Uma bandeira confederada cobria parte da janela traseira da
caminhonete, assim como uma cabine de armas. Estávamos a diversas fileiras de
distância, estacionados perto de um Volkswagen Bug com um capô vermelho que
não combinava com o resto branco.

— Mais alguma compra no cartão de crédito dela? — Eu perguntei.

Finn se virou para o banco traseiro e pressionou um botão do seu laptop.
— Não desde a última vez que você perguntou, cinco minutos atrás. Quanto
tempo você vai esperar? São quase seis e meia.

— Todos os prédios do campus, exceto a biblioteca, fecham às 6h, — eu
disse. — Se ela não estiver no congestionamento da biblioteca, Violet Fox deve
estar a caminho agora mesmo. Nós lhe daremos mais alguns minutos. Esse
estacionamento fica a quase um quilómetro e meio de distância do campus. Leva
uns bons vinte minutos para chegar aqui se você vier do centro estudantil, e isso
se estiver andando depressa.

Finn assentiu e se acomodou um pouco melhor em seu assento. Abaixei a
janela. Ainda estava chuviscando, e o brilho úmido da chuva fez a noite parecer

mais fria e mais sombria do que realmente era. Mesmo dentro do luxuoso Aston
Martin, eu podia ouvir as vibrações das barras de concreto e do asfalto quebrado
do estacionamento. Murmúrios fortes e preocupados que falavam de violência,
sangue, medo. Esse era um lugar onde as pessoas eram espancadas, roubadas, e
atacadas com uma frequência alarmante, mesmo para Ashland…

Uma figura passou através de uma lacuna nas barras de concreto.

Uma pequena mulher curvilínea com um tufo de cabelos loiros que tinha
encaracolado para fora do GCT — Grande Cabelo Tennessee — em proporções
graças à garoa. Violet Fox. Ela usava uma jaqueta pesada que não fazia o
suficiente para protege-la da chuva.

Sua bolsa estava pendurada sobre seus ombros e peito. Ela deu um passo
para baixo do feixe de luz, e um pequeno recipiente metálico brilhou em sua mão.
Spray de pimenta, a não ser que eu tenha falhado meu palpite. Precações
espertas e sensatas. Essa era uma garota que estava acostumada a andar por
aqui à noite.

Mas ela não estava sozinha. Outra garota estava com ela. Cabelo preto,
olhos claros, corpo esguio, jeans de grife. Eu também a reconheci.

— Aquela é Eva Grayson, — eu disse.

Os olhos verdes de Finn trancaram em Eva. Ele sorriu e endireitou-se em
seu assento. — Sério? Owen Grayson nunca me disse quão gata a irmã dele é.

— Então ele te conhece bem o bastante para não o fazer, — eu respondi.

Enquanto eu observava, um homem por volta da minha idade seguiu as
garotas dentro do estacionamento. Sua cabeça virava de um lado para outro, e ele
ficou tão perto de Eva quanto sua própria sombra. Seu blusão volumoso tinha
sido erguido, revelando uma pequena Glock 25 enfiada em suas costas. Parecia
que Owen Grayson tinha conseguido um guarda-costas para sua irmã depois de
tudo.

Violet e Eva pararam no meio do estacionamento e trocaram algumas
palavras. Violet disse algo que fez Eva rir. Depois Violet acenou com a mão e
começou a andar em direção ao seu Honda velho. Eva acenou de volta. O homem
pegou seu cotovelo para escolta-la para fora do estacionamento, mas Eva deu-lhe

25 http://images2.fanpop.com/image/photos/14500000/glock-17-guns-14515216-2560-1702.jpg

um olhar desagradável e livrou-se de sua mão. Os dois viraram, andaram de volta
para a lacuna na barra de concreto, e desapareceram de vista.

Uma vez que nós já tínhamos desligado os faróis do carro, eu abri a porta
do Aston Martin e coloquei minhas pernas para fora.

— Bem, ela está sozinha agora. — Finn alcançou sua própria porta, mas eu
agarrei seu braço.

— Espere, — eu disse numa voz baixa. — Vamos ver quem mais está por
perto.

— Você acha que o atirador está aqui? — Ele perguntou. — Nós já o
teríamos visto.

Dei de ombros. — Talvez. Depende de quão bom ele é. Ele poderia ter
deslizado pelo outro lado do estacionamento. O ponto é que ele a perdeu no Pork
Pit e provavelmente não podia pegá-la no campus hoje. Muitas testemunhas,
muitos seguranças. Essa é sua última oportunidade antes que ela vá para casa
essa noite.

— E você acha que ele vai aproveitar essa oportunidade, — Finn disse.

— Eu aproveitaria.

Então nós observamos. Violet Fox não era tola. Ela se aproximou do carro
cuidadosamente. Ela olhou para a direita e depois para a esquerda, para frente e
para trás. Ela também andou pelo meio do estacionamento, longe dos carros que
estavam estacionados nos lados. Certificando-se de que ninguém estava
aprontando com ela ou esperando embaixo de um dos veículos para pegar seu
tornozelo e derrubá-la. Garota esperta.

Mas ela não era esperta o bastante. Violet Fox agarrou sua bolsa, e seus
passos diminuíram enquanto ela tateava à procura das chaves. Ela não as
encontrou imediatamente por que ela parou, abaixou a cabeça, e vasculhou
dentro da bolsa.

E foi quando eu vi uma sombra escorregar da caminhonete monstruosa e ir
na direção dela.

— Lá está ele, — Finn disse, lutando para abrir sua porta. — Ele estava
escondido na caminhonete o tempo todo.

Eu não respondi. Já estava fora do carro, correndo em direção à garota.

Capítulo 8

Mesmo quando comecei a correr, eu vi a figura sombria se arrastar
para mais perto de Violet e assumir a forma de um homem baixo e atarracado.
Um anão. Eu estava a sessenta metros de distância. Não chegaria a tempo. Eu
estaria muito atrasada.

De novo.

Abri minha boca para gritar, quando algo fez barulho ao deslizar pelo
pavimento. O anão deve ter pisado em uma lata de refrigerante. Violet congelou
ao ouvir o ruído, uma de suas mãos ainda em sua bolsa. Então ela saiu correndo.

Não olhou para trás, não verificou o que o barulho era.

Ela apenas correu.

Ela conseguiu dar uns vinte passos antes do homem agarrá-la pelos
frisados cabelos loiros. Violet gritou de dor e virou-se para arranhá-lo, suas mãos
arqueadas em garras. Ele deixou-a bater nele. Esse tipo de golpes não
significariam nada para um anão. Magia e armas eram as únicas coisas que
chamavam a sua atenção. Violet fez uma pausa de meio segundo para tomar
outro fôlego para gritar. Foi quando o homem a socou no rosto - forte. Ouvi a
trituração de ossos a trinta metros de distância.

Violet gemeu, e o homem bateu-lhe novamente. Sua cabeça estalou para
um lado, e ela caiu de joelhos, nauseada.

O anão chutou-a no estômago, e a força levantou Violet do pavimento e
jogou-a a três metros. Ela atingiu o capô de uma pickup enferrujada e deslizou
para o chão. Ela não se moveu.

O anão estalou os dedos e avançou para ela novamente. Ele a pegou e
colocou-a sobre o capô da pickup. O movimento tirou Violet de seu torpor, e ela
gemeu de dor antes de olhar para o seu agressor. Uma das mãos do anão desceu
para suas calças. Ele não estava usando uma arma desta vez. O anão ia bater em
Violet até a morte - depois que ele a estuprasse.

Eu estava a quinze metros de distância e me aproximando rapidamente.
Não tentava ser silenciosa, não mais, mas o anão estava demasiado decidido a
abrir a braguilha para ouvir o chicotear dos meus tênis na calçada molhada.

Mas o ronco profundo e gutural de um veículo rugindo a vida em algum
lugar atrás de mim o fez se virar. O anão me viu correndo para ele, fechou o zíper
da calça, e recuou. Esperando. Apenas esperando. Violet estava no capô, com as
mãos debaixo dela, tentando encontrar a força para empurrar-se para cima, para
fugir. Sangue cobria a maior parte do que eu podia ver do seu rosto, e a parte
inferior do rosto dela não estava mais alinhada com a parte superior. Seus óculos
mal se agarravam a seu rosto.

Uma vez que o anão estava focado em mim, eu diminuí meus passos para
uma caminhada. Quando estava a três metros de distância, eu parei para agarrar
a faca escondida na manga esquerda, e estudei o homem diante de mim.

Sendo um anão, ele tinha menos de um metro e meio de altura, mas seus
ombros eram mais largos que uma cadeira. Seus bíceps pareciam ter sido
esculpidos em aço e anexados ao seu peito que parecia um barril. Ele usava calça
jeans e uma camiseta preta. Uma tatuagem grande aparecia em seu bíceps
esquerdo - um bastão de dinamite aceso. Uma runa. Uma que eu tinha visto em
algum lugar antes, embora no momento não me pudesse recordar onde. Não
importava muito. Poderia estudá-la mais detalhadamente quando ele estivesse
morto.

— Esta não é a sua luta, senhora, — ele cuspiu. — Isso é entre a moça e
eu. Vá embora antes que eu mate você também.

— Oh, mas é a minha luta, — eu respondi com uma voz fria. Movi a faca na
minha mão esquerda, colocando-a na posição correta.

— Por quê?

— Porque você atirou no meu restaurante hoje.

Os olhos azuis do anão se estreitaram. — Então e se eu fiz? O que você vai
fazer sobre isso?

— Para começar? Isso.

Eu joguei minha faca nele. O anão não vacilou quando a lâmina o pegou no
peito e afundou em seu peitoral direito. Droga. Tinha perdido seu coração por
pelo menos uma polegada. Provavelmente duas. Não me tinha aposentado há
muito tempo, mas não estive exatamente treinando todos os dias também.

Parecia que alguma ferrugem já estava se reunindo. Usar ou perder 26, Gin.
Como eu não queria perder nada, pois sabia que não podia me dar ao luxo, fiz
uma nota mental para entrar em alguma prática de arremesso depois disso
acabar.

O anão olhou para a faca em seu peito. Então ele sorriu, puxou a arma, e a
deixou retinir no chão. Ele rolou os ombros e estalou os dedos novamente. O som
ricocheteou como um tiro fora das barreiras de concreto ao nosso redor. — Vou
apreciar fazer você pagar por isso, vadia.

— Sim, sim, — eu disse, espalmando a faca escondida na manga direita. —
Vamos dançar.

O anão investiu em mim. Eu esperei até o último momento possível, então
dei um passo para um lado. Meu pé esquerdo levantou, e eu dei uma rasteira
nele. Mas ele estava esperando por isso. O anão se dobrou em uma bola, bateu
no chão, e rolou de volta para cima. O bastardo era rápido. Articulado também.

— Legal.

Ele sorriu. — Eu faço yoga.

Eu sorri de volta. — Eu também.

Ele veio para mim novamente. E então fomos ao que interessa.

O anão girou seus punhos duros para mim. Me esquivei de seus golpes,
não por covardia, mas por praticidade. De jeito nenhum eu ia deixar suas mãos
de martelo se conectarem com o meu rosto. Já tive meu nariz e várias outras

26 Use it or lose it — nesse caso, usar ou perder a prática.

partes do meu corpo quebrados muitas vezes. Não tinha vontade de repetir esta
dor em particular essa noite.

O anão girou novamente, mas seu pé escorregou num pedaço de asfalto
quebrado e ele estendeu demais o seu braço. Quebrei a sua defesa e o esfaqueei
no peito com a minha faca silverstone. O cheiro de sangue acobreado encheu o ar
da noite, se sobrepondo à chuva. Mas ele se moveu antes que eu pudesse enfiar a
arma em seu coração. A lâmina deslizou através de suas costelas e pegou uma
delas.

Eu grunhi, mas era como tentar cortar através de carne congelada. Os
músculos do peito eram espessos e densos demais para eu fazer dano suficiente
para derrubá-lo rápido.

O anão acertou a minha mão que agarrava a faca com a ponta de seu
punho. Eu soltei a arma. Um golpe certeiro como esse iria quebrar meu pulso em
pedaços tão pequenos como palitos. Ele girou para mim novamente. Me esquivei
para trás e arranquei uma terceira faca da parte baixa das minhas costas.

— Facas? Isso é tudo que você tem, senhora? — Ele falou lentamente. —
Você pode cortar-me a noite toda, e eu ficarei aqui mesmo sem nem sentir dor.
Tudo que eu preciso é um bom soco e você é minha, vadia.

Ele estava certo. Nós mal começamos, e meu coração já estava martelando.
Meus pulmões não tinham começado a queimar ainda, mas era apenas uma
questão de tempo. Eu simplesmente não tinha a energia dele. Nunca teria. O
anão não estava nem suando, e as feridas que infligi sobre ele eram nada mais do
que cortes superficiais. Eu tinha que encontrar uma maneira de acabar com isso.
Agora.

Com o canto do meu olho, eu vi uma forma grande e escura avançando pelo
estacionamento. A forma parou. Esperando.

Eu golpeei o anão com minha faca, forçando-o na direção de um sedan a
alguns metros de distância. Ele riu, recuou, e curvou seu dedo indicador para
mim.

— Vamos lá, vadia, — disse ele. — Estou apenas me aquecendo.

Sorri para ele. — Eu também.

Apoiei minhas mãos no capô do carro e empurrei.

Ele não estava esperando eu mudar de tática, e isso fê-lo vacilar por um
segundo. Era tudo que eu precisava. Meus pés atingiram o anão no peito com
força suficiente para fazê-lo tropeçar para trás. Seu sapato ficou preso numa
ruptura da calçada, e ele caiu de bunda no chão.

E foi quando Finn o atropelou com a caminhonete.

Enquanto eu estava lutando contra o anão, Finn fez-se útil. Ele arrombou e
fez ligação direta na caminhonete monstruosa que tinha estado estacionada
próxima ao Honda de Violet Fox. Então ele moveu o veículo para perto, esperando
que eu notasse.

O anão ficou sob as sólidas rodas da caminhonete. Mas Finn não tinha
terminado. Ele colocou a caminhonete em sentido inverso e voltou a passar sobre
o anão. Ele fez a mesma coisa mais três vezes antes que eu levantasse minha
mão, sinalizando para ele parar. Finn puxou a caminhonete para a frente.

Ele ficou no interior da cabine, esperando para ver se eu precisaria dele
novamente. Peguei minhas facas caídas e atravessei a calçada até o anão.

As rodas tinham achatado o corpo forte, grosso e compacto do homem e
agora ele parecia uma carnuda e sangrenta panqueca que havia sido pressionada
no asfalto. Marcas de graxa preta cobriam seu tronco, e seus braços e pernas
jaziam ao seu lado, esmagados e inúteis. Mas Finn não tinha atingido a cabeça, e
o anão ainda estava vivo. Seus olhos azuis queimaram com dor e ódio enquanto
me observava chegar mais perto.

— Quer me dizer para quem você está trabalhando antes de eu te matar? —
Eu disse.

O anão cuspiu sangue na minha calça jeans.

— Vou tomar isso como um não.

Eu me inclinei e cortei sua garganta. Seus olhos se arregalaram, e ele
gorgolejou uma, duas, três vezes antes de sua cabeça pender para o lado e a luz
abandonar os seus olhos. Eu dei-lhe um minuto para sangrar, então coloquei
meus dedos contra seu pescoço dilacerado para ter certeza. Sem pulso. Tão morto
quanto um morto pode estar. Limpei a minha mão sangrenta no meu jeans e
gesticulei para Finn.

Finn desligou o motor, saiu da caminhonete, e caminhou na minha direção.
Seus olhos verdes foram para o corpo do anão. — Você ainda teve que cortar sua
garganta? Sujeitinho resistente, não era?

— Ele é um anão, — respondi. — Eles geralmente são. Agora, me dê seu
celular.

Finn colocou a mão no bolso da jaqueta e entregou-me um telefone fino
prateado. Usei-o para tirar uma foto do rosto congelado do anão, juntamente com
a tatuagem em seu bíceps, a que parecia um bastão de dinamite aceso. Tinha
sido achatada pelos pneus da caminhonete, mas ainda havia carne suficiente lá
para se ter uma ideia da forma original da runa. Entreguei o telefone a Finn,
depois coloquei minha mão nos bolsos da frente do anão. Sem carteira, sem
dinheiro, sem identificação. Provavelmente no bolso de trás, mas eu não ia
levantá-lo do pavimento para verificar. Mais bagunça do que eu queria hoje à
noite.

— Pegue o carro, — eu disse a Finn. — Precisamos levar a garota para Jo-
Jo.

Finn assentiu e correu para ir buscar o seu Aston Martin.

Eu caminhei até Violet.

Em algum momento durante a minha luta com o anão, Violet Fox tinha
escorregado do capô da pickup. Ela sentou-se encostada no pneu. Seus dedos
estavam enfiados em sua bolsa, como se ela estivesse tentando pegar seu telefone
celular para chamar a polícia. Abaixei-me até que estava ao nível dos olhos dela.

— Você está segura agora, — eu disse com uma voz suave. — Ele não vai
mais te machucar.

O rosto de Violet Fox estava uma bagunça. Seu nariz tinha sido empurrado
para dentro do seu rosto, enquanto sua mandíbula se estendia na outra direção.
Sua pele parecia massa que havia sido esticada até o ponto de ruptura ao longo
das suas feições distorcidas.

Sangue cobria a metade inferior do seu rosto arruinado, e gotas grossas
dele deslizaram abaixo de seu pescoço, manchando o casaco. Seus óculos
estavam partidos ao meio. Os óculos ainda estavam presos ao redor de suas
orelhas, mas as duas metades pendiam como brincos contra as suas bochechas
ensanguentadas.

Dor enchia seus olhos castanhos, e por um momento, eu achei que ela não
tinha me ouvido. Mas Violet virou a cabeça e olhou-me. Ela estreitou os olhos e o
reconhecimento piscou em seu olhar opaco.

— Você... — Ela murmurou.

— Não tente falar, querida, — eu disse. — Nós vamos consertar você, e
então você pode nos dizer tudo sobre o porquê de alguém querer você morta e
como você sabe sobre o Homem de Lata. Ok?

Violet Fox não me respondeu. Ela já tinha desmaiado.

***

Finn trouxe o carro, e nós colocamos Violet Fox no banco de trás. Tirei os
óculos quebrados do seu rosto e dei-os a Finn para guardá-los. Então usei uma
das minhas facas para cortar uma tira da parte inferior da minha T-shirt de
manga comprida. Eu enrolei o algodão à volta do rosto da menina para absorver o
sangue que escorria do seu nariz quebrado. Ela não se mexeu.

— Ela vai sangrar por todo o banco traseiro, — Finn murmurou. — Você
sabe quanto eu paguei por este carro?

— Demasiado, — eu disse. — E não se preocupe com os seus preciosos
bancos de couro. Tenho certeza que Sophia pode remover o sangue.

— Você vai chamá-la para se livrar do corpo do anão? — Finn perguntou.

— É claro. Não quero assustar as alunas deixando o Panqueca onde está, e
também não quero ninguém dirigindo sobre ele de manhã.

Eu peguei o telefone celular de Finn novamente e apertei a tecla sete. Três
toques mais tarde, ela atendeu.

— Hmph? — Sophia Deveraux soltou seu grunhido habitual de saudação. A
anã não gostava de forçar suas cordas vocais com coisas como conversa.

— É Gin. Há algo que você pode achar interessante em um dos
estacionamentos perto da Universidade Comunitária Ashland.

— Hmm. — Seu grunhido de interesse.

Esperei um momento para ver se ela diria alguma coisa.

— Número? — Sophia perguntou, referindo-se ao número de corpos que eu
queria que ela viesse eliminar.

A voz da anã gótica saiu num som áspero, como se ela tivesse passado os
últimos cinquenta anos fumando um cigarro atrás de outro e bebendo jarros de
aguardente. Eu não sabia porque a voz de Sophia era do jeito que era,
especialmente porque nunca tinha visto a anã acender ou beber qualquer coisa
mais forte que chá gelado. Outro mistério que não tinha certeza se queria
resolver. Porque eu tinha a sensação de que havia algo muito ruim no passado de
Sophia. Algum tipo horrível de acidente, trauma, ou mesmo tortura. Essas eram
as únicas coisas que eu poderia pensar que iriam arruinar tão completamente
suas cordas vocais.

Também me perguntava por que Jo-Jo nunca tinha curado sua irmã.

Talvez ela quisesse e Sophia não deixou.

Talvez fosse demasiado tarde quando Jo-Jo a tinha alcançado. O que quer
que fosse, o que quer que aconteceu com a anã gótica, eu sabia que não podia ser
bom.

— Apenas um, mas você pode ter alguma dificuldade para raspá-lo do
chão, — respondi. — Havia uma caminhonete muito grande envolvida. Acha que
pode lidar com isso?

— Hmph. — O grunhido de Sophia era mais gutural dessa vez.

Eu a ofendi.

— Bem, tenho fé em você, — eu respondi em tom alegre. — Você está com
Jo-Jo?

— Um-mmm. — Isso era um sim.

— Diga-lhe para ficar pronta. Finn e eu estamos levando alguém que
precisa de sua ajuda. Muito. Estaremos aí em poucos minutos.

Sophia desligou sem dizer mais nada. Eu fiz o mesmo.

Finn acelerou para sair do estacionamento. Ele teve o cuidado de dirigir seu
carro ao redor do corpo esmagado do anão.

— Você poderia apenas passar sobre ele, — eu disse. — Ele já está morto, e
não é como se você não tivesse feito isso antes.

— Yeah, mas eu não quero pedaços sangrentos de anão presos em minhas
rodas pelas próximas duas semanas. — Finn fungou. — Este é um Aston Martin,
Gin. Você não passa sobre cadáveres com um Aston Martin.

— Diga isso ao James Bond.

Finn me lançou um olhar sujo enquanto saía para a rua.

***

Finn demorou cerca de vinte minutos para chegar à casa de Jo-Jo. Jolene
"Jo-Jo" Deveraux era a irmã mais velha de Sophia - uma anã de duzentos e
cinquenta e sete anos de idade e Elemental do Ar com bastante poder, riqueza,
status e relações sociais significativas.

Por tudo isto, Jo-Jo construiu a sua casa em uma subdivisão luxuosa com
o nome de Tara Heights. Dentro de algumas milhas, deixamos o cascalho e a
sujeira pra trás e entramos numa área elegante de árvores cuidadosamente
ajardinadas e casas espaçosas com calçadas de paralelepípedos e pátios grandes
o suficiente para profissionais jogarem futebol.

Finn eventualmente guiou o carro para uma rua chamada Magnolia Lane, e
alguns segundos depois, a casa de Jo-Jo apareceu - uma casa de três andares,
estilo fazenda que parecia saída diretamente de E O Vento Levou. A extensa
estrutura branca se situava no topo de uma colina gramada e apresentava uma
série de altas colunas redondas que apoiavam o resto do edifício da maneira que
uma cadeira de espaldar alta podia sustentar uma velha senhora.

Finn estacionou o carro e me ajudou a tirar a garota inconsciente do banco
traseiro. Nós a carregamos pelos três degraus e ao longo da varanda, que ficava à
volta da casa espaçosa. Espessas gavinhas pegajosas de hera e kudzu 27 cobriam
uma grade anexada ao alpendre, junto com os espinhos nus de diversas roseiras.

27 http://nationalffa.files.wordpress.com/2011/07/kudzu.jpg

Havia uma única lâmpada na varanda. No jardim inclinado, a garoa fria
aumentou, fazendo o ar cheirar como metal, folhas mortas, e terra molhada.

Deixei Finn tomar todo o peso de Violet para que eu pudesse abrir a porta
de tela que dava para uma mais pesada de madeira. Então eu peguei na aldraba
e bati na porta de dentro.

A aldraba tinha a forma de uma nuvem espessa e fofa - a runa pessoal de
elemental do Ar de Jo-Jo.

Eu mal coloquei a runa de nuvem de volta no sítio quando a porta se abriu,
e uma mulher enfiou a cabeça para fora. Jo-Jo Deveraux parecia que tinha
planejado ficar em casa esta noite. Um roupão rosa listrado de manga curta
cobria sua figura musculosa e atarracada, enquanto o seu descolorido cabelo
loiro platinado estava enrolado em bobs 28 rosas. Algum tipo de máscara de lama
azul cobria seu rosto, e uma almofada de pedicure segurava seus dedos dos pés
bem abertos. Ela devia ter acabado de pintar as unhas dos pés, porque o verniz
rosa claro brilhava como se ainda estivesse molhado.

— Já era tempo de vocês aparecerem, — a anã de meia-idade disse. —
Estive andando de um lado para o outro diante da porta por pelo menos cinco
minutos.

— Por quê? Não havia nenhuma festa ou jantar no circuito da sociedade
hoje à noite? — Eu perguntei, olhando o roupão e os bobs.

— Oh, havia uma festa ou duas, — Jo-Jo falou lentamente com uma voz
que era mais doce que mel de trevo 29. — Mas esses velhos ossos não são tão
jovens quanto costumavam ser. Chuva fá-los doerem. Além disso, até eu preciso
de uma noite de folga do circuito de besteira de vez em quando.

— Ahem.

Finn limpou a garganta, sua maneira de me dizer para ir direto ao assunto
e que ele estava cansado de sustentar Violet Fox. O olhar pálido de Jo-Jo foi para
a menina. Exceto pelos pontinhos negros no centro, os olhos da anã eram quase
incolores, como dois pedaços nublados de quartzo.

28 http://4.bp.blogspot.com/_qd7FPDWAZJk/THaPAYDuN1I/AAAAAAAAB7E/aVd7E57c7QY/s400/bob1.jpg

29 clover honey — o mel produzido por abelhas que se alimentam principalmente de néctar das plantas de trevo

— Sinos do inferno e trilhas de pantera, — Jo-Jo disse em um tom suave.
— O que aconteceu com ela?

— Ela ficou na extremidade errada do punho de um anão - duas vezes, —
eu disse, assumindo parte do peso de Violet novamente. — Acha que pode
consertá-la?

Jo-Jo estudou a menina por mais um momento, depois assentiu.

— Querida, eu posso consertar qualquer coisa aquém da morte. Mas isso
não vai ser bonito.

Capítulo 9

Jo-Jo se afastou para que Finn e eu conseguíssemos arrastar a
inconsciente Violet Fox para dentro de casa. O cheiro doce do perfume Chantilly
de Jo-Jo invadiu meu nariz enquanto caminhávamos por um corredor estreito.
Trinta metros depois, o corredor estreito se abriu em um enorme salão que
ocupava metade da parte traseira da casa.

Cadeiras acolchoadas. Secadores de cabelo. Balcões repletos de lacas,
esmaltes de unha, maquiagem, tesouras, rolos, ferros. Um espelho longo que
descia por uma parede. Pilhas enormes de revistas de beleza. Fotos de penteados
diferentes espalhadas por toda a parte. Tudo isso e muito mais podia ser
encontrado no salão de beleza de Jo-Jo, o lugar onde a Elemental do Ar usava
sua magia como uma autoproclamada drama mama — alguém que servia a
vaidade infinita das mulheres do sul.

Debutantes, participantes de desfiles, esposas-troféu entediadas.

Jo-Jo servia todas elas de diversas maneiras. Permanentes, cortes, pintura
de cabelos, depilação, manicure, pedicure. Se tivesse alguma coisa a ver com
beleza ou com fazer o cabelo de uma mulher duas vezes o seu tamanho, Jo-Jo o
fazia em seu salão.

E mais ainda. Magia elementar do Ar também era ótima para fixar linhas
de expressão indesejadas ou colocar os peitos de alguém da maneira que estavam
há dez anos atrás — pelo menos temporariamente.

Claro, melhorar a velhice não era a única coisa que Jo-Jo fazia com a sua
magia do Ar. A anã era também um dos melhores curandeiros em Ashland.
Inferno, de toda a zona Sul. Poucas pessoas sabiam sobre seus talentos nessa
área em particular, mas Fletcher Lane tinha sido um dos mais antigos amigos de
Jo-Jo, e eu herdei-a, junto com Sophia, quando tomei o seu negócio de assassino.
Uma irmã para me curar, a outra para se livrar dos corpos que deixei para trás.
Um arranjo agradável.

Apesar dos honorários elevados das irmãs.

— Coloque-a em uma das cadeiras, — Jo-Jo ordenou antes de ir até a pia
para lavar as mãos.

Finn e eu transportámos Violet Fox para uma das cadeiras giratórias
vermelho-cereja do salão. Depois Finn pegou uma garrafa de cola para unhas do
balcão, tirou os óculos quebrados de Violet do bolso do seu paletó, e utilizou a
cola para colocar os dois pedaços juntos novamente. Eu tirei a bolsa de Violet do
seu pescoço, empoleirei-me num banco a uma pequena distância, e comecei a
vasculhá-la. Carteira, chaves, balas para o hálito, moedas, gotas para os olhos,
um espelho. Nada incomum ou excitante.

Um lamento suave soou no canto. Ergui o olhar para ver Rosco, o basset
hound gordo e preguiçoso de Jo-Jo enrolado em sua cesta de vime ao lado da
porta. O velho cão olhou para a bolsa em minhas mãos. Sua cauda bateu uma
vez com esperança.

— Desculpe, cachorro, — eu disse. — Nada aqui para você.

Rosco bufou de indignação, em seguida, baixou sua cabeça marrom e preta
em cima do seu estômago gorducho e voltou a dormir. Seu passatempo favorito,
além de comer.

Jo-Jo puxou uma cadeira para perto de Violet, ligou uma luz, e
delicadamente desenrolou as tiras da minha T-shirt de seu rosto. O dano parecia
pior sob o brilho fluorescente. O inchaço já havia aparecido e o rosto de Violet
estava até duas vezes maior que o normal. Estrias pretas, verdes e roxas
escorriam do nariz distorcido e se espalhavam pelas suas bochechas — o que não
estava coberto de sangue seco.

— Sinos do inferno, — a anã resmungou novamente. — Você disse que ele
só lhe bateu duas vezes?

— Sim, — Finn disse, segurando os óculos quebrados até que a cola
secasse. — Mas ele fez as duas vezes contarem.

Jo-Jo balançou a cabeça. — Bem, vamos esperar que a pobre menina
permaneça inconsciente durante mais um pouco. Porque colocar o rosto dela
como devia vai ser tão doloroso como o que ele lhe fez em primeiro lugar. Não há
necessidade de a traumatizar mais do que ela já está.

Jo-Jo examinou o rosto de Violet um outro minuto antes de começar a
trabalhar. Ela respirou fundo e colocou sua mão na frente das características
arruinadas da menina. Sua palma ficou mesmo acima da pele de Violet. Um
segundo depois, os olhos da anã começaram a brilhar num branco opaco, como
se nuvens espessas passassem através de seu olhar brilhante. Um brilho de uma
cor semelhante à manteiga revestiu a palma da sua mão aberta. Jo-Jo chamou
ainda mais do seu poder, até que eu podia sentir estalos através do salão de
beleza. Era como se fosse eletricidade estática, pronta para me dar um choque.
Coloquei o meu banco longe da anã.

Dos quatro elementos, dois eram opostos e dois eram complementares.
Fogo e Gelo não andam juntos, mas Fogo e Ar sim, assim como Pedra era a
companheira natural do Gelo. Cada elemento também tinha várias ramificações,
como o metal para Pedra, água para Gelo e eletricidade para o Ar, com os quais
algumas pessoas podiam conectar-se. Jo-Jo Deveraux era uma elemental do Ar, o
que significava que a sua magia era exatamente o oposto do meu poder de Pedra
e Gelo. Estar na presença de alguém que usava tanto de um elemento oposto
sempre me deixava desconfortável e instável. O poder de Jo-Jo parecia errado
para mim, tal como qualquer magia elemental de Ar ou Fogo.

Assim como o meu poder de Pedra e Gelo parecia estranho para eles.

Mas a pior parte era as cicatrizes de runa de aranha em minhas palmas. À
medida que Jo-Jo chamou mais do seu poder, o metal silverstone embutido na
minha pele começou a coçar e a queimar. Silverstone era um metal muito raro,
com a propriedade invulgar de ser capaz de absorver e armazenar todos os tipos
de magias. Muitos elementais tinham runas feitas de silverstone e as usavam
para armazenar pedaços de poder que eles poderiam usar quando necessário.
Mais ou menos como uma bateria mágica. Minha mãe, Eira, tinha usado a sua
runa de floco de neve dessa forma, embora isso não a tivesse salvado no final.

Mas silverstone não absorvia apenas a magia — ele ansiava por ela, como
se o metal estivesse faminto e ansioso, de forma dolorosa, por poder elemental
para preenchê-lo e torná-lo completo. Eu podia sentir o desejo do Silverstone por
mais magia, por mais poder, mesmo que a pele em minhas mãos há muito

houvesse crescido em volta do metal que havia sido derretido em minhas mãos.
Eu enrolei meus dedos em torno da bolsa de Violet, esperando que a imitação de
couro protegesse as minhas mãos o suficiente para bloquear as sensações de
queimação nas minhas palmas. Não funcionou. Nunca fazia. Então eu sentei e
assisti Jo-Jo.

A anã passou lentamente a palma da mão sobre o rosto de Violet Fox.
Elementais do Ar eram grandes curandeiros por causa de sua capacidade de
explorar e utilizar todos os gases naturais no ar — inclusive oxigênio. Agora
mesmo, Jo-Jo estava usando sua magia para forçar oxigênio no corpo de Violet,
fazendo-o circular sob a pele do seu rosto, usando as moléculas de ar para curar
o que tinha sido tão cruelmente quebrado.

Uma e outra vez, Jo-Jo passou a mão sobre o rosto de Violet. Toda a vez
que ela fazia isso, o nariz da menina ficava um pouco mais reto, o queixo um
pouco mais quadrado. O inchaço diminuiu, e as estrias de cores desagradáveis
desbotaram do rosto de Violet.

Observar Jo-Jo trabalhar sempre me fazia lembrar de um livro que eu tinha
quando criança. Um que mostrava um personagem de desenho animado. Se você
olhasse para as páginas, uma de cada vez, o personagem não se mexia. Mas se
passasse as folhas suficientemente rápido, ele andaria de um lado do papel para
o outro.

Dez minutos depois, Jo-Jo baixou a mão. Seus olhos esmaeceram e
perderam seu brilho leitoso e mágico. O mesmo aconteceu com a palma da mão.
— Aí está, — a anã disse em voz baixa. — Está feito.

— Ele também a chutou uma vez, — eu disse. — No estômago.

Jo-Jo assentiu. — Ele machucou muito seus rins, mas eu também reparei
isso.

A anã se levantou, molhou um pano na pia, e o usou para limpar o sangue
do rosto de Violet. A moça não se mexeu. Ela não tinha emitido um som o tempo
todo que Jo-Jo esteve trabalhando nela. Não é de estranhar. O corpo dela passou
por um trauma grave. Ela provavelmente dormiria por pelo menos uma hora,
talvez mais. Ser curado por magia sempre exigia muito de uma pessoa, enquanto
o corpo tentava se ajustar a passar de ferido para estar bem de novo
subitamente. E usando tanta magia como Jo-Jo tinha acabado de usar,
desgastaria qualquer pessoa exceto os mais fortes elementais.

Essa era uma razão porque eu tentava não contar muito com a minha
magia, tentava não usá-la para coisas grandes. Eu não gostava de ficar fraca e
impotente depois, mesmo que eu tivesse me aposentado do negócio de assassina.

Jo-Jo terminou de limpar Violet e jogou o pano ensanguentado na lata de
lixo. Finn colocou os óculos recém-colados no rosto de Violet. Então se inclinou
para trás e deu-lhe um olhar apreciativo.

— Ela ficou bem, não é? — Ele disse em um tom de admiração.

— Ela está inconsciente, Finn. Pelo menos tenha a decência de babar
quando ela estiver acordada, — eu disse.

Finn enlaçou as mãos atrás da cabeça e sorriu. — Vou fazer exatamente
isso.

Jo-Jo lavou as mãos novamente na pia. Pegou um outro pano para secá-las
e então se virou para mim. — Agora, — a anã disse. — Você quer me dizer quem é
essa garota, e por que alguém estava batendo nela?

Informei Jo-Jo de tudo o que tinha acontecido nas últimas vinte e quatro
horas, começando com Sophia e eu frustrando a tentativa de assalto de Jake
McAllister no Pork Pit, a Violet Fox entrando e perguntando pelo Homem de Lata,
o tiroteio, Finn e eu rastreando-a e a salvando do assassino anão.

— Então foi para aí que Sophia foi com tanta pressa, — Jo-Jo murmurou.
— Achei estranho que ela quisesse sair antes do final.

Eu levantei uma sobrancelha.

— Nós estávamos assistindo um filme de faroeste. Três Homens em Conflito
com Clint Eastwood. Sophia dificilmente sai antes do grande confronto no final,
— Jo-Jo explicou. — Sua parte favorita é quando Lee Van Cleef morre.

Sophia Deveraux, a garota anã gótica, também era bastante viciada em
filmes. Faroeste, filmes de ação, filmes da máfia. Ela amava todos. Quanto mais
violento, melhor.

— De qualquer forma, — eu disse, terminando a minha história. —
Deixámos o corpo do anão para Sophia eliminar e trouxemos a menina aqui.
Quando ela acordar, estou pensando em fazer-lhe algumas perguntas sérias
sobre Fletcher e onde ela ouviu o nome Homem de Lata.

Jo-Jo olhou para a menina. A carranca fez a máscara de lama azul em seu
rosto rachar. Ela ainda não a tinha limpado. — Ela parece... familiar. Qual você
disse que era o nome dela?

— Violet Elizabeth Fox. — Eu tirei a carteira de motorista da menina de sua
mala e passei-a para Jo-Jo.

A anã leu o cartão plastificado. Sua carranca se aprofundou, e pedaços de
lama azul caíram das suas bochechas e se estabeleceram em seu roupão rosa. —
Ela vive em Ridgeline Hollow Road.

— Você a conhece? — Finn perguntou.

Jo-Jo balançou a cabeça. — Não, mas eu tenho certeza que conheço o velho
bastardo e excêntrico que é seu avô.

Capítulo 10

Finn e eu nos entreolhamos. — Avô? — Perguntamos ao mesmo tempo.

Jo-Jo assentiu. — Warren T. Fox, da Ridgeline Hollow Foxes. A garota é um
pouco parecida com ele. Agora que o sangue se foi, posso ver isso.

— E quem é esse Warren T. Fox? — Perguntei.

— Ele costumava ser um amigo de Fletcher, — a anã disse. — Mas eles
tiveram uma briga há uns anos atrás. Não se falaram desde então, pelo que sei.

Jo-Jo olhou para Violet, que ainda estava inconsciente na cadeira. Uma
emoção relampejou nos olhos claros da anã. Arrependimento.

Perguntei-me por quê. Jo-Jo balançou sua cabeça. Mais máscara de lama
caiu do seu rosto.

— Vamos lá, — a anã disse. — Vamos deixar a pobre garota confortável, e
eu vos contarei o que sei.

***

Uma vez que Jo-Jo era mais forte que Finn e eu, ela pegou Violet, carregou
a garota para a toca no andar de baixo, e a acomodou no seu sofá fofo. Eu tirei a
jaqueta e os sapatos ensanguentados de Violet; depois Jo-Jo cobriu-a com um

lençol macio e quente. A anã foi até ao banheiro para lavar a lama azul do seu
rosto. Caminhei em direção à porta que dava para a cozinha.

A maioria das pessoas ia direto para o salão de Jo-Jo quando elas
visitavam a casa, mas minha divisão favorita sempre tinha sido a cozinha. Uma
sala pequena com uma mesa retangular de açougueiro estava situada no meio e
esta era rodeada por vários banquinhos.

Eletrodomésticos em vários tons pastel cercavam três paredes, enquanto a
quarta dava para a toca onde Violet Fox tirava uma soneca. Nuvens semelhantes
à runa de Jo-Jo podiam ser encontradas em todo o lado, nos individuais sobre a
mesa, nos panos de louça ao lado da pia, e até no afresco que cobria o teto.
Quando eu era mais nova, costumava deitar no chão da cozinha por horas e ficar
olhando a pintura do teto, fingindo que as nuvens estavam realmente se
movendo. Um dos poucos caprichos infantis que eu tinha me permitido depois da
perda da minha mãe e da minha irmã mais velha.

Finn já estava na cozinha, se servindo de uma xícara de café de chicória.
Jo-Jo sempre manteve um pote no caso de Fletcher aparecer. Agora que o velho
tinha morrido, Finn bebia a sua parte. Eu respirei fundo, apreciando a fumaça
quente e confortante que sempre me lembrava de Fletcher Lane. Depois fui à
geladeira, abri a porta, e olhei o que tinha dentro.

— O que você está pensando? Sanduíches? — Finn perguntou numa voz
esperançosa.

— Não. Estou a fim de algo doce.

Tirei a manteiga da geladeira, em seguida, vasculhei os armários. Farinha,
aveia, damascos secos, passas, açúcar mascavo, baunilha. Tirei-os, juntamente
com algumas taças de mistura, uma assadeira, uma espátula e uma tigela. Finn
se sentou na mesa da cozinha e bebeu seu café enquanto eu trabalhava. Quando
Jo-Jo voltou à cozinha, eu estava colocando a massa no forno.

— O que você está preparando? — A anã perguntou, se servindo de uma
xícara de café.

— Barras de damasco, — respondi, limpando as minhas mãos num pano
de louça coberto com nuvens. — Que eu vou transformar numa torta. Elas
estarão prontas em alguns minutos, o que lhe dará tempo suficiente para nos
contar sobre Fletcher e Warren T. Fox.

Jo-Jo assentiu. Ela pegou seu café da mesa e sentou-se perto de Finn. Eu
encostei-me na geladeira para manter um olho no forno. Não queria que as
barras de damasco dourassem demasiado.

— Fletcher e Warren cresceram juntos em Ridgeline Hollow, — Jo-Jo disse.
— Eles eram melhores amigos. Mais como irmãos. Sempre juntos, do amanhecer
ao anoitecer. Sophia e eu conhecíamos os pais deles. Os avós também.

Finn balançou a cabeça. — Papai nunca mencionou ninguém chamado
Warren Fox. Nunca. Especialmente alguém que foi seu melhor amigo de infância.
O que aconteceu entre eles?

— Uma garota, — Jo-Jo disse. — Ambos se apaixonaram pela mesma
garota. Stella. Ela era uma coisinha bonita que vivia no vale. Stella sabia que
Fletcher e Warren estavam ambos apaixonados por ela. Ela saia de cortejo
primeiro com um, depois com outro. Ela gostava de coloca-los um contra o outro.
Rapidamente, eles estavam lutando por ela.

— Então quem ela escolheu no final? — Eu perguntei.

Um sorriso torto curvou os lábios de Jo-Jo. — Nenhum. Ela fugiu com um
garoto da cidade. Mas aí já era muito tarde para Fletcher e Warren reatarem a
amizade. Fletcher se mudou para a cidade para abrir o Pork Pit. Warren
permaneceu nas montanhas e assumiu a loja da sua família.

Eu olhei para Finn. Com seu cabelo cor noz, olhos verdes, e um sorriso
suave, Finn era a cópia de Fletcher na sua idade — e ele era bonito até demais.
Eu me perguntei como Warren T. Fox parecia na sua juventude, para ser
competição para Fletcher Lane.

— A loja de Warren se chama Country Daze? — Finn tomou outro gole do
seu café de chicória. — Por que é de lá que Violet Fox recebe seu salário a cada
duas semanas.

Jo-Jo assentiu. — Tem estado na família há quatro gerações agora,
contando com a garota ali.

Meus olhos cinza voaram para Violet Fox, que continuava a dormir no sofá.
— Se Warren e Fletcher tiveram um desentendimento todos esses anos atrás, por
que a neta de Warren viria procurar por Fletcher agora?

Jo-Jo deu de ombros. — Eu não sei. Mas se a garota ou Warren estão em
perigo como você pensa que eles estão, pedir ajuda a Fletcher Lane seria a última

coisa que o Warren T. Fox que eu conheço faria. O orgulho é uma das coisas mais
importantes para ele. Razão pela qual ele nunca se reconciliou com Fletcher.
Stella humilhou os dois, e Fletcher fazia com que Warren lembrasse disso.

Peguei uma luva de forno com estampa de nuvens, abri a porta do forno, e
tirei as barras de damasco. O cheiro da fruta quente, do açúcar, e da manteiga
derretida preencheu a cozinha, junto com uma explosão de calor. Uma
combinação que nunca me cansava, especialmente numa noite fria e cinzenta
como essa. Eu peguei outra luva de forno, coloquei sobre a mesa, e pus a bandeja
em cima. Os dedos de Finn rastejaram em direção à borda do recipiente, mas eu
bati na mão dele.

— Eu ainda não acabei com elas, — Eu disse.

— Vamos lá, Gin, — ele choramingou. — Eu só quero provar.

— E você terá simplesmente que esperar, como o resto de nós.

Jo-Jo riu, divertindo-se com nossa briga. Eu fui até os armários e tirei
quatro taças, algumas colheres, a um par de facas. Também peguei um balde de
gelado de grão e baunilha do freezer. Depois que as barras de damasco tinham
esfriado o bastante para não se quebrarem imediatamente, eu cortei grandes
pedaços das barras, joguei-os em tigelas, e cobri todos eles com duas conchas de
sorvete. Minha própria versão de uma rápida torta de frutas caseira.

Jo-Jo engoliu um bocado da confecção e suspirou. — Paraíso, puro e doce
paraíso.

Finn não concordou com ela. Ele estava muito ocupado enchendo a cara
para falar alguma coisa.

Eu dei uma mordida. O sorvete era um creme frio e suave que contrastava
com a riqueza das pesadas barras de damasco quentes, e ambos derretiam juntos
em minha boca numa sinfonia de sabores. Jo-Jo estava certa. Eu me superei
novamente.

Estávamos raspando os restos da nossa sobremesa quando a porta da
frente se abriu. Passos pesados e familiares ecoaram, e um momento depois,
Sophia Deveraux entrou na cozinha. Suas roupas góticas pretas pareciam
deslocadas entre os aparelhos em tom pastel, como se uma nuvem tivesse
passando na frente do sol.

— Quer um pouco de sobremesa? — Eu perguntei, arranjando outra tigela
de barras de damasco e sorvete para ela.

— Um-mmm. — Sophia grunhiu um sim e se sentou perto de Jo-Jo.

Finn esperou até que Sophia estivesse na metade do seu sorvete para lhe
perguntar o inevitável. — Algum problema com o corpo?

Os olhos monótonos e pretos de Sophia encontraram os verdes dele. —
Nuh-uh.

Era o não da anã gótica.

Eu olhei para as roupas de Sophia, mas não consegui ver nenhuma
mancha de sangue na sua camiseta, jeans ou botas. Mesmo que o tecido fosse
preto, eu era boa em perceber esse tipo de coisa.

Mas as roupas de Sophia estavam impecáveis como sempre. A verdade era
que eu não sabia exatamente como Sophia Deveraux se livrava dos corpos que eu
lhe deixava. Não sabia se ela os enterrava, queimava, espatifava, ou colocava-os
num congelador. Infernos, eu nem mesmo sabia para onde ela levava os restos
em primeiro lugar.

Mas anã gótica e rabugenta podia se livrar de evidência como se elas nunca
tivessem existido. DNA, cabelos, fibras, sangue.

Nada restava depois que ela limpava a cena de um crime. Eu me
perguntava frequentemente se Sophia tinha a mesma magia elemental do Ar que
Jo-Jo, se ela a usava para ajudá-la a se livrar das evidências. Além de suavizar
rugas, a magia do Ar também era boa para desintegrar coisas como carne ou
sangue do chão. Mas eu nunca tinha visto Sophia usar nenhum tipo de magia, Ar
ou qualquer outra, nunca senti nenhum tipo de poder crepitar dela. Outro
mistério que eu nunca tinha sido capaz de desvendar, assim como por que a voz
de Sophia era tão quebrada e rouca. Ela tinha apenas cento e treze anos,
demasiado jovem para seu corpo já estar falhando. Anões podiam facilmente viver
quinhentos anos ou mais. Sophia Deveraux não dava nenhuma resposta, mas eu
ainda assim me perguntava.

Sophia terminou sua torta de frutas, colocou a tigela na mesa, e olhou para
Jo-Jo. — Filme?

— Eu pausei, — Jo-Jo disse. — Ainda na TV da toca, se você quiser
terminar.

Sophia assentiu, se levantou, e entrou na sala ao lado. Peguei sua tigela
para lavá-la. Estendi a mão para abrir a torneira…

E alguém gritou.

Eu girei, uma das minhas facas Silverstone já deslizando para a minha mão
direita. Outro grito ressoou, seguido por alguns sussurros frenéticos. Sophia
suspirou e saiu da toca. Um momento depois, Violet Fox apareceu.

A única sugestão de que algo violento tinha sequer acontecido com ela era o
sangue endurecido que cobria o seu suéter. E o fato de que seus óculos pretos
estavam um pouquinho fora do centro do nariz. Finn não os tinha consertado
direito. Ou talvez Jo-Jo tivesse endireitado o nariz da garota mais do que devia.
Ocasionalmente, a anã fazia uma pequena rinoplastia enquanto trabalhava com
sua magia de Ar.

Um bónus adicional, se você me perguntar.

Violet Fox olhou para nós quatro, surpresa e ainda mais assustada com a
nossa presença. Os olhos da garota caíram sobre a faca que estava na mesa da
cozinha. Ela avançou, pegou-a e deu a volta, apontando-a para nós. — Quem são
vocês?

Capítulo 11

Eu coloquei minha faca Silverstone de volta na minha manga e
enxaguei a tigela suja antes de me virar para encarar a garota da faculdade.

— Querida, — eu disse numa voz calma. — Isso é uma faca de manteiga.
Você não conseguiria nem lixar suas unhas com ela. Pouse-a antes que eu a tome
de você.

— Quem são essas pessoas? — Violet Foz perguntou com uma voz trêmula,
ainda segurando a arma deplorável. Ela recuou até que seu corpo se pressionou
contra a geladeira. Se a porta estivesse aberta, ela provavelmente teria se enfiado
lá dentro, como uma Tartaruga de Caixa 30 recuando em sua concha. — Onde eu
estou? O que você quer comigo?

Eu suspirei e olhei para Finn. Ele era muito melhor a se fazer de bonzinho.
Ele deu um passo na direção da garota, suas mãos levantadas. Um sorriso
encantador mostrava seus perfeitos dentes brancos.

— Você está num lugar seguro, — Finn disse em um tom que poderia ter
acalmado um urso furioso. — Nós não vamos te machucar. Nós te salvamos
daquele anão no estacionamento da comunidade universitária, lembra?

Sombras fizeram os olhos de Violet se tornarem ainda mais escuros, e ela
torceu o seu nariz, tentando ver se ele ainda estava intacto.

30 Espécie de tartaruga comum na América do Norte (Estados Unidos e México).

Ela lembrava, isso era bom. O conhecimento machucava suas feições tanto
como os punhos do anão tinham feito. Jo-Jo poderia ter curado todos os danos
físicos do ataque, mas Violet Fox não ia esquecer o trauma emocional tão cedo.
Isso se ela algum dia esquecesse. Outra coisa com que eu estava muito
familiarizada.

Violet Foz não se parecia em nada comigo, claro, mas por um momento,
olhar para ela era como ver-me aos treze anos novamente, logo após a Elemental
de Fogo ter assassinado a minha família. Eu tinha a mesma expressão assustada
e ferida que a outra garota mostrava agora mesmo. Afugentei as memórias.

Finn avançou um pouco mais e mostrou a potência do seu sorriso. — Nós
não queremos te magoar. Apenas queremos fazer algumas perguntas sobre seu
avô. Seu nome é Warren, certo? Warren T. Fox?

A dúvida relampejou em seus assustados olhos escuros. — Por que você
quer saber sobre o meu avô?

— Por que seu avô costumava ser um velho amigo do meu pai, — Finn
manteve seu tom calmo. — Seu nome era Fletcher Lane. Você veio ao Pork Pit
hoje perguntar por ele, perguntar pelo Homem de Lata, lembra?

Um pouco do medo de Violet diminuiu, e ela estudou Finn com muito mais
interesse.

— Vamos lá, — Finn disse. — Se nós quiséssemos machucar você, já o
teríamos feito. Só queremos conversar. Prometo.

Era a mesma voz suave que ele tinha usado para convencer muitas
mulheres a tirarem suas calcinhas. Inclusive eu em meus anos mais novos e
tolos. Você vai ficar muito mais confortável se tirar essas roupas ensopadas. Deixe-
me te ajudar a abrir o zíper do seu vestido. Ops, acabei de derramar café em seus
jeans? Acho que você terá que tirá-los.

E funcionava. Violet Fox nunca teria chance contra o absoluto charme
avassalador e levemente bajulador de Finnegan Lane. Ela baixou a faca e nos
estudou novamente, atentamente dessa vez, sem medo obscurecendo o seu olhar.
Ela olhou um pouco mais para Finn.

— Você parece exatamente com o seu pai, — ela disse. — Ou pelo menos
com a velha foto que meu avô tem dele. Mesmos olhos, mesmo cabelo, mesmo
sorriso simpático.

Finn sorriu um pouco mais. Não havia nada que ele gostasse mais do que
dizerem o quão gato ele era.

Violet acenou para Jo-Jo. — E eu te vi uma ou duas vezes na loja, não foi?

— Com certeza você viu, querida. Seu avô tem o melhor mel caseiro da
cidade. Sempre paro e pego um pouco quando estou por perto, — Jo-Jo disse. —
Agora, por que você não pousa essa faca e se serve de um pouco de sobremesa
enquanto conversamos?

Depois de um momento, Violet assentiu, deu um passo em frente, e colocou
a faca de volta na mesa. Finn gentilmente pegou seu braço, deu-lhe um outro
sorriso, e sentou-a em um dos bancos. Eu preparei uma tigela de barras de
damasco e sorvete para ela e lhe passei uma colher. Violet olhou para mim.

— E você, — ela murmurou. — Eu falei com você no restaurante hoje. E no
estacionamento, depois, depois…

— Depois que eu matei o homem que te atacou, — eu disse.

Violet engoliu um bocado de ar. Jo-Jo estendeu o braço, deu um tapinha
na mão da menina, e me fuzilou com o olhar. Suspirei. Eu era uma antiga
assassina, não uma babá.

Não era meu trabalho suavizar o que tinha acontecido esta noite — ou ser
vaga sobre o problema que a garota tinha. Mas eu era paciente o suficiente para
deixar Violet Fox comer sua torta de frutas antes que começar a fazer perguntas.

Além disso, tinha bastantes barras de damasco. Uma pena, realmente,
deixá-las irem para o lixo.

— Por que você veio ao Pork Pit hoje procurar pelo Homem Lata? —
Perguntei. — Quem te falou esse nome?

Violet brincou com sua colher, depois pousou-a e colocou sua tigela vazia
de lado. Ela respirou fundo. A garota sabia que era hora de falar. — Você vai
pensar que é idiota. Infantil.

— Oh, eu duvido disso. — Falei pausadamente.

As sobrancelhas de Violet se juntaram em confusão ao ouvir o meu tom
sarcástico. Jo-Jo deu mais um tapinha na sua mão, encorajando-a a continuar
sua história. Violet balançou a cabeça e continuou.

— Quando eu era criança, meu avô costumava me contar histórias sobre o
Homem de Lata. Ele dizia que o Homem de Lata ajudava pessoas que não podiam
se ajudar. Que ele era dono de uma churrascaria chamada Pork Pit e que tudo o
que você tinha que fazer era ir até lá chamar por ele, e ele faria todos os seus
problemas desaparecerem. Eu achava que era uma história linda, um tipo de
conto de fadas sulista.

Warren Fox pode ter-se afastado de Fletcher, mas ele ainda pensara no seu
amigo de infância, o suficiente para contar à sua neta sobre o velho e o que ele
fazia, de forma indireta. Embora eu não chamaria assassinar pessoas de
verdadeira ajuda…

— Ah, sim. Fletcher ajudou muitas pessoas ao longo dos anos — Jo-Jo
disse, interrompendo minhas reflexões. — Ele era um homem incrível.

Olhei para a anã, e depois para Sophia, a qual grunhiu seu acordo. Até
Finn assentiu de um jeito conhecedor. Ao longo dos anos, eu fiz alguns trabalhos
pro bono assim como Fletcher. Mas ajudar pessoas às escondidas? Como uma
ação regular? Quando o velho fizera isso? E o mais importante, porquê?

— Então ele é real? — Violet perguntou. — O Homem de Lata?

— Claro que sim, querida, — Jo-Jo disse. — Seu nome era Fletcher Lane.
Ele era o pai de Finn.

A expressão de Violet caiu. — Era?

Finn assentiu. — Ele morreu há alguns meses. Mas não se preocupe com
isso agora. Conte-nos o resto da história.

Violet respirou fundo novamente. — De qualquer forma, eu não tinha
realmente pensado sobre o Homem de Lata em anos – até essa manhã.

— O que aconteceu essa manhã? — Finn deu a Violet outro sorriso
encorajador.

Violet abaixou a cabeça e sorriu de volta, como se ela não estivesse
acostumada a receber tanta atenção masculina. Provavelmente não. Garota com
óculos, e tudo isso.

— Eu sou Business Major 31 na Universidade Comunitária de Ashland. Eva
Grayson é minha melhor amiga. Ela esteve no Pork Pit a noite passada. Tudo o
que ela falava hoje era sobre o roubo e como a mulher atrás da caixa registradora
tinha-o impedido.

Sophia bufou.

— Bem, eu tive um pouco de ajuda, — eu disse para acalmar a anã
selvagem. — Então você falou com Eva e lembrou dessa história que seu avô lhe
contou sobre o Homem de Lata. Ok, vou acreditar nisso. Mas por que você
precisa da ajuda do Homem de Lata em primeiro lugar?

Violet roeu uma de suas unhas. — É uma longa história.

— Ainda bem que não temos nada para fazer agora.

Não mencionei que a garota não ia a lugar nenhum até que eu
determinasse que ela não era uma ameaça para mim, para Finn, para as irmãs
Deveraux, ou para o restaurante. Jake McAllister já me daria trabalho o
suficiente. Não precisava de mais.

Violet assentiu. — Certo. Meu avô, Warren Fox, possui uma loja na Estrada
Ridgeline Hollow chamada Country Daze. É uma loja antiga com garrafas de
refrigerante de vidro, barris cheios de doces de um centavo, produtos locais; esse
tipo de coisa. Está localizada logo depois de uma das maiores minas de carvão —
Dawson Number Three. Começou como uma mina subterrânea com uma grande
junta de carvão. Mas o carvão acabou há alguns anos, então a parte subterrânea
está parada desde então. Agora é só uma mina inativa. O dono da mina, Tobias
Dawson, anda atrás do meu avô para negociar a loja, o terreno, e os direitos
minerais dele há anos. Com isso ele podia expandir a mina e procurar por mais
carvão. Mas a loja e o terreno têm sido da nossa família há gerações. Vovô sempre
recusou, dizendo que ele preferia morrer a ver qualquer outra montanha
destruída.

Tobias Dawson. Eu conhecia esse nome. Dawson era um dos maiores
operadores de minas de Ashland, um anão que tinha sido um mineiro antes de

31 Cargo em que o aluno se comunica com desenvoltura e está apto para enfrentar situações difíceis

envolvendo resolução de conflitos e tomada de decisão. Os contextos profissionais a serem trabalhados
incluem: lidar diplomaticamente com conflitos de pessoas dentro da empresa, reclamações de clientes e
reuniões de negociações.

ganhar dinheiro para abrir sua própria companhia. Ele não teve nada a não ser
sucesso desde então. Um verdadeiro mineiro que estava sempre à procura da
próxima grande junção de carvão nas montanhas. Se Tobias Dawson queria algo,
ele geralmente conseguia — não importava quem morresse no processo. Dawson
também era frequentador da cama de Mab Monroe. Lembrei-me de ver seu nome
no arquivo que Fletcher havia compilado sobre a rainha Elemental de Fogo.

Ouvir o nome de Dawson também me fez lembrar onde eu tinha visto o
símbolo que estava tatuado no braço do atacante de Violet Fox. A menos que eu
estivesse errada, um bastão de dinamites aceso era o símbolo da companhia
mineira de Tobias Dawson.

Violet continuou sua história. — Antes, Dawson se contentou em apenas
esperar. Ele é um anão, afinal de contas, tem apenas um pouco mais de duzentos
anos. Ele certamente viverá mais que meu avô, e mais que eu também. Mas ele
não está mais recebendo um não como resposta. Ele tem mandado alguns dos
seus homens para nos intimidar. Eles têm quebrado as janelas da loja, ameaçado
os clientes, interferido nas nossas entregas. Escolham algo e eu vos direi que eles
fizeram isso e muito mais nos últimos dois meses. Vovô tem sido capaz de lidar
com os homens de Dawson até agora, mas estou preocupada com ele. Dawson
praticamente disse a vovô que ele mataria nós dois se vovô não vendesse tudo
para ele. Vovô disse não, lógico.

Eu não me incomodei em perguntar a Violet Fox se eles foram à polícia
prestar queixa contra Tobias Dawson. O dono da mina dos anões tinha dinheiro
suficiente para pagar aos tiras para olharem para o outro lado, e ele podia sempre
usar sua conexão com Mab Monroe para conseguir que os policiais o deixassem
seguir com as suas intimidações de negócios. A única pessoa que poderia ouvir os
Fox era Donovan Caine. Mesmo assim, o detetive não poderia enfrentar alguém
como Tobias Dawson sozinho.

Não se ele quisesse viver para contar isso.

— Então foi por isso que aquele anão te atacou esta noite, — eu murmurei.
— Seu avô não estava cedendo, então Dawson decidiu lhe dar um incentivo para
vender – seu cadáver.

Violet balançou sua cabeça. — Aquilo também não teria funcionado.
Qualquer coisa, vovô teria pegado sua espingarda e ido à mina para acabar com
Dawson.

— Onde Dawson podia tê-lo matado em legítima defesa na frente de
qualquer número de testemunhas, — Finn assinalou. — De qualquer forma,
Dawson teria conseguido o que ele queria – você e seu avô fora do caminho.

Violet tremeu e cruzou os braços em seu peito.

Ninguém disse nada por quase um minuto.

Então Jo-Jo olhou para mim com seus pálidos olhos incolores.

— Gin?

Gin. Meu nome adotivo. Uma palavra tão curta e simples.

Mas aquela sílaba estava impregnada com um mundo de significados.

Eu sabia o que Jo-Jo estava perguntando. Se eu ia ajudar Violet e seu avô,
Warren T. Fox. Por que sem alguém como eu no outro lado, alguém simplesmente
tão frio, implacável, e perigoso como Tobias Dawson, os Fox não durariam. Se eu
não tivesse ficado curiosa e intervindo esta noite, Violet já estaria estuprada,
morta, e fria naquele estacionamento.

Eu esfreguei minha cabeça. Não precisava disso agora. Eu devia estar
aposentada, não enfiando meu nariz nos problemas dos outros. Especialmente
não de graça. Então havia Jake McAllister e seu pai bem aparentado e advogado,
Jonah. Eu não tinha dúvidas de que o jovem McAllister faria jus à sua promessa
de se esforçar para me matar. E finalmente, tinha a pasta de informação que
Fletcher Lane tinha me deixado — aquela sobre o assassinato da minha mãe e da
minha irmã mais velha.

A foto de Bria que provava que ela estava viva, ainda em algum lugar lá
fora.

Eu precisava descobrir o que fazer a respeito disso tudo. Como cuidar de
Jake McAllister sem apontar o dedo para mim mesma novamente. O que fazer a
respeito do pai dele. Como encontrar minha irmãzinha, Bria. Decidir se eu
realmente queria fazer isso ou não. Fletcher tinha deixado todas essas perguntas
para eu encontrar as respostas. Eu não precisava vagabundar nas Montanhas
Apalache para ajudar um velhote e sua neta a enfrentar alguém tão perigoso e
potencialmente letal quanto Tobias Dawson.

Mas minha decisão já tinha sido tomada. Eu tinha me decidido no
momento que eu ficara curiosa o bastante para rastrear Violet Fox e ver em que

tipo de problema ela estava, ver por que ela queria falar com o Homem de Lata.
Curiosidade. Definitivamente me levaria à morte um dia desses. Provavelmente
muito, muito em breve.

— Sophia, — eu disse. — Vou precisar que você assuma o Pork Pit por
alguns dias. Talvez me ajudar com algumas outras coisas também, se a
necessidade surgir.

A anã gótica assentiu. Um sorriso minúsculo suavizou seu pálido rosto
duro. Não tinha nada que Sophia gostasse mais do que lidar com as outras coisas
que eu pedia.

— Finn, preciso de qualquer coisa que você possa conseguir sobre Tobias
Dawson, sua operação mineira, e por que ele quer tanto o terreno dos Fox.

Finn assentiu.

— Jo-Jo, provavelmente precisarei de alguns suprimentos de cura.

A anã mais velha também assentiu.

Violet olhou entre nós quatro.

— Não entendo. Pensei que o pai de Finn, o Homem de Lata, estava morto.
Como isso vai ajudar a mim e ao meu avô?

— Por que, querida, — eu disse. — Posso não ser o Homem de Lata, e eu
definitivamente não sou uma heroína de conto de fadas, mas sou a coisa mais
próxima disso que você vai encontrar.

Capítulo 12

Uma vez que a minha ajuda profissional estava assegurada, Violet Fox
queria voltar imediatamente a casa para se certificar que seu avô estava bem.

— Esqueça, — eu disse. — Você não vai para casa esta noite. Você precisa
ficar aqui e descansar. Você passou por um trauma sério. Apesar de ter sido
magicamente curado, seu corpo ainda precisa de um tempo para se recuperar
totalmente.

Agora mesmo, círculos roxos rodeavam seus olhos escuros, e ela se movia
lentamente, como se cada movimento requeresse um esforço enorme.

Violet Fox estava prestes a desmaiar de exaustão.

Eu não mencionei que queria Violet aqui para que Jo-Jo e Sophia Deveraux
tomassem conta dela. As anãs se certificariam de que Violet não fizesse nada
estúpido, como contar ao seu avô sobre o ataque e fazer com que ele fosse atrás
de Tobias Dawson para acertar contas.

— Mas e se Dawson mandar alguns homens atrás de vovô? — Violet
perguntou.

— Ele não vai, — eu respondi. — Você mesma disse. Seu avô e sua
espingarda podem lidar com os homens de Dawson. Foi por isso que o anão veio
atrás de você ao invés de ir atrás dele. Ele não estava chegando a lugar nenhum
ameaçando seu avô.

— Mas como você sabe? — Ela insistiu.

Eu dei-lhe um olhar plano. — Porque tive muita experiência com esse tipo
de coisa. Dawson está provavelmente esperando um telefonema do assassino, um
telefonema que indicará que você está morta. Quando ele perceber que algo deu
errado, Dawson ficará muito ocupado a tentar encontrar o próprio homem e
descobrir o que diabos lhe aconteceu para se preocupar com o seu avô. Pelo
menos por uma noite. Acredite em mim. Temos tempo suficiente para você ter um
pouco de sono de beleza.

Violet abriu a boca para argumentar comigo um pouco mais, mas eu
interrompi-a.

— Você pode ligar para o seu avô e conferir. Ver como ele está, e dizer-lhe
que você o verá amanhã. Mas se você quiser minha ajuda, vai ficar aqui esta
noite. Capisce 32?

Violet Fox podia ser uma estudante de gestão decidida, mas sua resistência
murchou diante do meu olhar frio.

— Tudo bem, — ela murmurou. — Vou ligar para o meu avô.

— Bom, — eu respondi e coloquei mais uma tigela à sua frente. — Agora,
coma mais um pouco de torta de frutas.

***

Violet Fox comia mais algumas barras de damasco com sorvete de baunilha
enquanto o resto de nós conspirava. Jo-Jo e Sophia concordaram em manter um
olho nela até que Finn e eu aparecêssemos mais tarde. Nós dois levaríamos Violet
para casa, nos encontraríamos com Warren T. Fox, e discutiríamos o que fazer
para conseguir que Tobias Dawson reconsiderasse.

Jo-Jo foi colocar Violet em um dos quartos do andar de cima, enquanto
Finn tentava convencer Sophia a entrar na chuva para ver o que ela podia fazer
com o sangue que Violet tinha espalhado por todo o assento traseiro do seu
precioso Aston Martin. Depois que Jo-Jo terminou com Violet, a anã me levou
para o salão, onde me deu um tubo de plástico. A runa em forma de nuvem da

32 Expressão em italiano. Tradução: Entendeu?

anã decorava o topo do recipiente. Eu passei minha unha pela pálida pintura
azul.

Além de cura com as mãos, Elementais de Ar como Jo-Jo também podiam
infundir sua magia em vários produtos, como a pomada que ela acabara de me
dar. A pomada não funcionaria tão bem como se fosse Jo-Jo me curando, mas me
impediria de morrer até que pudesse chegar a ela. Jo-Jo também me deu dois
outros recipientes mais pequenos, inclusive um que parecia maquiagem
compacta e outro que se assemelhava a batom.

— Obrigada, — eu disse. — Tenho o pressentimento de que precisarei disso
se pretendo me misturar com Tobias Dawson.

Os olhos brancos de Jo-Jo ficaram nebulosos. — Talvez. Embora eu não
ache que vai ser de muita ajuda. Não dessa vez.

Sua voz era suave e distante, como se ela estivesse em algum lugar distante
ao invés de na minha frente. Além dos seus poderes de cura, Jo-Jo também tinha
um pouco de premonição. A maioria dos Elementais do Ar tinham. Eles podiam
ler as vibrações e os sentimentos no vento assim como eu podia fazer com
qualquer pedra próxima a mim.

Mas onde o meu elemento sussurrava para mim sobre o passado, o deles
insinuava o futuro. Outra forma dos dois elementos serem opostos um ao outro.

Depois de um momento, os olhos de Jo-Jo clarearam, e ela olhou para
mim. — Então, vamos falar sobre isso?

— Falar sobre o quê? — Perguntei, deslizando a maquiagem compacta e o
batom dentro do bolso do meu jeans.

— Sobre aquela pasta que eu te dei. Aquela em que Fletcher passou tanto
tempo trabalhando.

Eu fiz uma careta. Jo-Jo tinha sido aquela que tinha me dado a pasta sobre
minha família assassinada, dois meses atrás, logo após o funeral de Fletcher. A
anã havia me dito para vir conversar com ela quando estivesse pronta.

Outra coisa que eu ainda não tinha feito.

— O que há para falar? — Encolhi os ombros. — Por alguma razão,
Fletcher Lane sabia quem eu realmente era o tempo todo, e ele nunca me disse
uma palavra sobre isso. Ao invés disso, ele gastou seu tempo livre compilando

toda a informação que podia sobre minha família morta, como se eu fosse mais
um de seus alvos. Algum golpe que estava tentando descobrir como dar. O velho
deu a pasta a você, então foi assassinado antes que pudesse me contar sobre ela
— ou o que diabos ele queria que eu fizesse com a informação. Não vejo o que nós
temos para discutir.

Jo-Jo olhou para mim. — Sua irmã, para começar.

Eu bufei. — Ah, sim, minha irmãzinha, Bria, que eu descobri que está viva
depois de pensar que ela morreu há dezessete anos.

— Posso entender por que você se sente magoada, por que você sente que
Fletcher te traiu. Mas a família é tudo, Gin, — A anã disse numa voz suave. —
Seja aquela na qual você nasceu ou aquela que você criou por si mesma. Bria é
seu sangue, sua irmã, e ela está viva. Você não pode simplesmente ignorar isso.

— Fletcher deixou-me uma foto dela, mas ele não me disse como encontrá-
la. Um pouco descuidado da parte dele omitir essa informação, não acha? — Eu
rebati.

— Fletcher Lane nunca fez algo que ele não pretendia, — Jo-Jo disse. — Ele
te deixou aquela foto por um motivo. Você entenderá o porquê um dia.

O tom de sua voz fez as rodas do meu cérebro rangerem juntas – assim
como meus dentes estavam fazendo. Meus olhos cinza se fixaram nos olhos
claros dela. — Você sabe, não é? Você sabe por que ele compilou aquela
informação.

Jo-Jo inclinou sua cabeça. — Tenho algumas ideias.

— Se importa de compartilhar? — Perguntei num tom sarcástico.

A anã balançou a cabeça. — Não é meu assunto. Isso é entre você e
Fletcher.

— Ele está morto.

— Não significa que ele não possa falar com você, — Jo-Jo disse. — Tudo
que precisa fazer é querer ouvir.

Abri minha boca para lhe dizer para parar com a conversa enigmática, que
era um pouco difícil ter uma conversa com alguém que estava enterrado sete

palmos abaixo da terra. Mas Finn escolheu esse momento para entrar no salão.
Ele brincava com as chaves do seu carro.

— Pronta? — Finn perguntou.

Olhei para ele. — Sophia já limpou o sangue do banco traseiro do Aston?
Como raio ela fez isso?

— Sabão, água, e um pouco de gordura do cotovelo dos anões, — Finn
responder. — Aquela mulher é um gênio. O carro está exatamente como no dia
em que o comprei.

Havia muitas coisas que você podia fazer com água e sabão. Eu não
imaginei que tirar sangue de couro fosse uma delas. Olhei para Jo-Jo, que me
deu um sorriso inocente — um que eu não achei que fosse tão inocente. Eu
amava as duas irmãs anãs, mas quanto mais eu ficava ao redor de Jo-Jo e
Sophia Deveraux, mais eu percebia que não sabia nada sobre elas. Não
realmente. Não aquilo que parecia importar, como a verdade. Assim como eu não
parecia saber a verdade sobre Fletcher Lane, também.

— Você está pronta? — Finn perguntou novamente.

Eu olhei para Jo-Jo um pouco mais, e então me virei para ele.

— Sim. Vamos sair daqui.

***

Finn me deixou na casa de Fletcher, disse que me encontraria amanhã no
Pork Pit, e então voltou para o seu apartamento na cidade. Eu verifiquei o
cascalho da calçada e o granito ao redor da porta da entrada, usando minha
magia de Pedra para escutar distúrbios. Mas todas as pedras exalavam as
silenciosas vibrações usuais. Nenhum visitante hoje.

Porém eu sempre verificava. Mesmo estando aposentada, eu não podia me
dar o luxo de baixar a guarda, especialmente agora que tinha arranjado essa
bagunça com Jake McAllister. Por que Jake tinha ficado realmente puto quando
os policiais o carregaram para longe na outra noite. Não tinha dúvidas que ele
estava a pensar no que poderia fazer para me machucar, para me fazer retirar as
acusações. Afinal, ele tinha estado pronto para me fritar com sua mágica
elementar de Fogo apenas pelo que estava na caixa registradora. Tortura e

assassinato não era um grande salto por aqui. Se Jake realmente viria atrás de
mim ou não ainda estava no ar. Mas eu estaria preparada de qualquer forma.

Não era tão tarde, mas tive um dia infernal. Então eu tomei banho, coloquei
uns pijamas, e fui para a cama. Adormeci quase imediatamente, e algum tempo
depois, o sonho começou...

Eu estava no Pork Pit, cortando cebolas para acrescentar ao feijão cozido de
amanhã. Apesar do aroma desagradável e ardente, meus olhos não lacrimejavam.
Não mais. Não desde que minha família tinha sido assassinada. Mas isso não
queria dizer que eu não conseguia me importar. Meus olhos foram para o relógio na
parede: 10:05. Um minuto a mais desde a última vez que eu tinha olhado. O medo
apertou meu estômago até que ele parecia tão duro quando o tijolo do restaurante
ao meu redor.

— Ele está atrasado, — eu disse numa voz suave.

— Não seja uma desmancha-prazeres, Gin, — uma voz jovem zombou atrás
de mim. — Ele sempre volta.

Eu parei o que estava fazendo e virei-me para olhar Finnegan Lane. Aos
quinze anos, Finn era dois anos mais velho que eu, com um tufo de cabelos escuros
e olhos que me lembravam grama molhada. Ele era alto, com um peito forte que já
estava se preenchendo. Nada semelhante aos meus longos, desengonçados e finos
braços e pernas.

Finn estava empoleirado sobre um banco na frente da caixa registradora e
ele sugava os últimos vestígios do milk-shake de chocolate triplo que eu tinha
preparado para ele. Finn não gostava muito de mim, me vendo como uma
competição pelo tempo, atenção e afeição do seu pai viúvo.

Eu tinha esperado que um pequeno suborno fosse pelo menos fazê-lo
tolerável enquanto nós esperávamos por Fletcher. Tinha funcionado. Finn tinha
ficado muito ocupado engolindo a mistura rica e doce para zombar de mim.

Para variar.

Fazia três meses que Fletcher Lane tinha me adotado, e minha vida tinha se
tornado tão normal quanto jamais foi. Durante o dia, eu frequentava a escola com o
nome de Gin Blanco, recuperando a matéria que tinha perdido quando estive
morando nas ruas e me escondendo da Elemental de Fogo que tinha assassinado a
minha família. Depois da escola, eu vinha ao Pork Pit para ajudar Fletcher a
cozinhar e a limpar. Era assim que eu ganhava o meu sustento. Ele podia estar

colocando um teto sobre minha cabeça, mas eu estava determinada a trabalhar por
isso tanto quanto conseguisse. Não era uma vida glamorosa, e não se parecia em
nada com o conforto suave e quente que eu tinha antes, mas me dava uma
pequena ilusão de segurança. Algo que eu apreciava agora mais do que nunca.

Apenas uma coisa me chateava — os passeios noturnos de Fletcher. Uma
vez por mês, ele desaparecia. Algumas vezes por horas, outras vezes por dias. Ele
nunca disse onde ia ou o que fazia, e eu não perguntava. Mas eu sabia o que era
sangue quando o via, e Fletcher estava frequentemente coberto com ele. Sangue
fresco, viscoso e úmido. Espalhado por todas as suas roupas, como se ele tivesse
acabado de matar alguém. Outra coisa que eu sabia, mesmo aos treze anos.

Meus olhos voltaram outra vez ao relógio: 10:07. Fletcher desaparecera
assim que eu cheguei nessa tarde, dizendo que estaria de volta às sete, mais de
três horas atrás. Ele nunca tinha se atrasado tanto. O que eu faria se ele não
voltasse?

Para onde eu iria? Voltar às ruas era mais que provável, implorando por
comida, roupas, e abrigo outra vez. Meu estômago se apertou um pouco mais…

A porta do restaurante abriu, fazendo o sino tocar. Meu coração se elevou.
Um momento depois, uns grandes braços lançaram Fletcher Lane para dentro. Ele
voou pelo ar, bateu numa mesa, deslizou sobre ela e caiu no chão. Fletcher grunhiu
e tossiu. Seu sangue salpicou o chão impecável que eu tinha passado a tarde
esfregando.

Outro homem entrou no Pork Pit, fechou a porta atrás dele, e deu a volta.
Mesmo com um zumbido em meu ouvido, eu pude ouvir o clique da fechadura. Ele
havia nos trancado lá dentro.

— Papai! — Finn gritou.

Finn começou a ir na direção do seu pai machucado, mas o homem ficou na
frente do Fletcher e bateu em Finn. O adolescente voou através do restaurante. Ele
também bateu na mesa, deslizou para o chão, e ficou imóvel. Eu permaneci atrás
do balcão, olhos arregalados, sem acreditar no que estava realmente acontecendo.

Agora não. De novo não. Por favor, por favor, de novo não.

— Você devia ter aceitado o trabalho, Lane, — o homem estranho rosnou.

Ele era um gigante, quase sessenta centímetros mais alto que eu. Ele tinha
um peito tão largo e forte que me lembrava um banco de ferro virado de lado. Seu

cabelo preto rodeava seu couro cabeludo como uma tigela invertida, enquanto um
cavanhaque cobria seu queixo quadrado.

— Eu te disse... Douglas, — Fletcher respondeu asperamente. — Jamais...
matarei... crianças.

— Você deveria ter feito uma exceção. Por que agora é você quem vai morrer.

Douglas pontapeou Fletcher.

Fletcher grunhiu e tossiu mais sangue. Eu arfei. Os olhos cor de avelã do
gigante voaram para mim, estabelecendo-se no meu peito inexistente.

— Bem, bem. — Ele estalou seus lábios. — Olá, belezinha. Iremos nos
divertir um pouco quando eu terminar aqui.

— Deixe-a em paz, — Fletcher disse. — Ela é só uma criança.

Fletcher tentou se levantar, mas Douglas se inclinou e socou-o no rosto. Eu
ouvi sua mandíbula quebrar do outro lado do restaurante, e ele caiu de volta no
chão com um grunhido agudo de dor.

Finn ainda estava onde havia caído. Eu apertei uma mão contra minha boca
para me impedir de gritar.

— Sabe, — Douglas disse, arregaçando as mangas da camisa. — Eu vou
gostar de te bater até a morte, Lane. Faz um tempo desde que tive minhas mãos
ensanguentadas.

Meu estômago revirou, e por um momento, eu achei que iria vomitar. Minha
mãe, minha irmã mais velha, Annabella, minha irmã mais nova, Bria. Nos últimos
meses, eu tinha perdido todas as pessoas que eram importantes para mim. Eu não
podia perder Fletcher também. Simplesmente não podia. Ele tinha sido a única
pessoa que tinha me mostrado um pouco de bondade, um pouco de compaixão.

Ele era o único que restou que se importava se eu estava viva ou morta.

Mas o que eu podia fazer? Douglas não pararia até que Fletcher estivesse
morto — ou ele estivesse. Ele tinha dito isso, e Fletcher não estava em condições
para lutar. Não agora.

Naquele momento, eu soube o que tinha de fazer se quisesse salvar Fletcher,
se quisesse salvar a mim e à pequena bolha frágil de vida, de normalidade, de
segurança, que eu tinha construído no Pork Pit.

Meus olhos cinza foram para a faca que eu ainda segurava, aquela com que
eu estive cortando as cebolas. Uma calma estranha pairou sobre mim, e meus
dedos se apertaram em torno do punho até que o aço inoxidável ficou firmemente
sobre a cicatriz em forma de aranha que estava embutida na minha palma.

— Deixe-o em paz, — eu disse e virei a faca embaixo do balcão, fora do
campo de visão do gigante.

Douglas parou de arregaçar as mangas da sua camisa para me olhar. — O
que você disse, menininha?

Respirei fundo. — Eu disse para deixa-lo em paz, seu bastardo gordo, feio e
cara de vaca.

Os olhos de Douglas se estreitaram. — Bem, você é uma das briguentas?
Uma pena que vá morrer tão jovem - e tão dolorosamente.

O gigante passou por cima Fletcher e começou a vir na minha direção.

Fletcher ergueu as mãos, tentando pará-lo, mas ele estava muito fraco e
machucado para impedir o homem maior e mais forte. Permaneci atrás do balcão e
movi meu braço direito para detrás da minha perna, escondendo a faca. Douglas
rodeou o balcão e me alcançou.

Sua mão esquerda agarrou o meu ombro, me empurrando em direção a ele.
Alguma coisa colidiu com o meu braço, e dor explodiu pelo meu corpo. Seu punho
direito já estava recuando para me bater.

De alguma forma, eu empurrei a dor para longe, tomei fôlego, avancei, e bati
a faca no peito dele o mais forte e fundo que eu consegui.

Minha pontaria devia ser melhor do que pensei, por que os olhos cor de avelã
de Douglas se arregalaram em surpresa e dor. Mas ele não caiu. Ele cambaleou
para trás. Eu mantive o meu aperto sobre a faca, e ela deslizou do peito dele.
Sangue cobria meus dedos, era como se fosse gordura quente queimando minha
mão. Eu queria derrubar minha arma. Oh, como eu queria derrubá-la. Eu teria, se
Douglas não tivesse começado a rir.

— Vadia estúpida, — ele disse. — Você acha que uma pequena facada vai
me parar? Vou gostar de te fazer pagar por isso.

Ele veio para mim novamente, mas eu não hesitei.

Antes que ele pudesse me bater, eu guinei para frente e apunhalei-o de novo.
Senti a lâmina bater em algo em seu peito.

Uma costela, talvez, ou algum outro osso. A sensação me fez querer vomitar.

Douglas gritou novamente, mais alto dessa vez, e sua mão musculosa
agarrou meu cabelo castanho, puxando minha cabeça para trás. Pensei que meu
pescoço iria se quebrar. Com o canto do meu olho, eu vi o brilho de presas
amareladas em sua boca. Um vampiro.

Ele era um gigante, e também um vampiro. Um que queria beber meu sangue
para substituir aquele que ele perdeu.

O pânico me preencheu. Antes que ele pudesse afundar seus dentes em meu
pescoço, eu tirei a faca do seu peito massivo e enfiei em seu corpo novamente.

E novamente.

E novamente.

Eu o esfaqueei uma e outra vez. Sangue, lágrimas e muco cobriam-me como
uma segunda pele. Alguém estava gritando. Eu.

Douglas soltou meu cabelo e deslizou para o chão, mas eu não parei meu
ataque. Ele chutou, pegando minha perna. Meu joelho se curvou, e eu tropecei para
trás, agarrando a borda da caixa registradora para me apoiar. Meu ombro
queimava, assim como as palmas das minhas mãos tinham feito quando a
elemental de Fogo que havia assassinado minha família tinha me torturado ao
fazer-me agarrar meu próprio medalhão de runa em forma de aranha. O vampiro
gigante caiu sobre seu estômago e se arrastou ao redor do balcão. Uma pequena
parte de mim percebeu que ele não ia mais lutar comigo, que ele estava na verdade
tentando ficar longe de mim.

Mas eu ainda fui atrás dele.

Eu me atirei em suas costas e enfiei a faca entre as suas omoplatas. Com
meu peso sobre ele, a arma afundou-se até ao cabo em sua carne. Dessa vez,

Douglas não gritou. Algo parecia ceder em seu corpo, e ele se acalmou. Eu ergui
minha faca e apunhalei-o novamente…

Mãos ásperas se instalaram nos meus ombros. Eu me debati, mas elas eram
mais fortes, prendendo meus braços nos meus lados.

Ele me colocou perto do seu peito, e o cheiro de chicória me lavou, penetrando
o fedor de cobre de sangue fresco.

— Acabou, Gin, — Fletcher disse no meu ouvido. — Acabou. Ele está morto.
Você pode parar de esfaqueá-lo.

Fletcher murmurou palavras doces em meu ouvido, ainda me embalando nos
seus braços. A faca escorregou das minhas mãos trêmul as e tiniu no chão…

O som deveria ter sido apenas em meu sonho, mas o seu eco afiado me
acordou. Então rapidamente, eu estava no meio do meu quarto com a cabeça na
porta antes de perceber que era apenas um sonho, outra de minhas memórias
desagradáveis se manifestando. Por um momento, eu senti uma raiva histérica
queimando em mim, aquela necessidade profunda e primitiva de sobrevivência,
não importando o preço ou as consequências.

O instinto que tinha ditado tanto da minha vida.

Eu suspirei e esfreguei as remelas dos cantos dos meus olhos. Meu
professor de Psicologia da comunidade universitária teria dito que os sonhos, os
vislumbres do passado, eram minhas formas psicológicas de lidar com o trauma.
De me curar.

Charlatão. Para mim, os sonhos, as lembranças, eram ensaios cansativos,
como o fantasma de Marley 33 chocalhando suas correntes pesadas para
Scrooge 34. Eu já tinha passado pelos acontecimentos uma vez. Não precisava da
repetição cinematográfica à noite.

E eu certamente não precisava pensar neles agora.

Então me arrastei até à cama, me aconcheguei de novo no lugar aquecido
entre os lençóis de flanela, e me forcei a relaxar. Deixar meu corpo afundar no
colchão. Destravei a minha mandíbula, desenrolei meus punhos, e esqueci sobre

33 Jacob Marley é um personagem fítico que aparece no conto de Charles Dichens A Christmas Carol.

34 Ebenezer Scrooge era o parceiro de negócios de Marley.

a noite em que eu assassinei um homem tão brutalmente dentro do Pork Pit. Um
de muitos.

Mas apesar dos meus esforços, ainda levou muito, muito tempo para que
eu caísse no sono mais uma vez.

Capítulo 13

— Isso está começando a se tornar irritante, — eu disse.

Pouco antes do meio-dia no dia seguinte, eu estava na frente do Pork Pit.
Mais uma vez, o restaurante estava tão vazio quanto uma igreja na noite de
sábado, com exceção de Sophia Deveraux, que estava na parte de trás do balcão
misturando vinagre branco, açúcar, maionese e pimenta preta. Ela estava
preparando o tempero para um lote de salada de repolho. Hoje a anã gótica havia
iluminado seu guarda-roupa um pouco. Em vez de sua habitual camiseta preta,
ela usava uma que era vermelho sangue — e decorada com recortes rendados de
caixões brancos. O colar em seu pescoço parecia uma grossa cobra com pedaços
de pedrinhas brilhantes.

Meus olhos pousaram nas cabines vazias, nas mesas abandonadas, nos
bancos desertos. Normalmente, quarta-feira era um dia agitado, com pessoas
chegando para pedir seu churrasco reparador do meio da semana. Mas não hoje.
Eu sabia que Jonah McAllister era o guru número dois de Mab Monroe, que ele
era um escorregadio, poderoso e corrupto advogado por direito próprio, mas ele
devia ter mais influência do que eu imaginava, uma vez que conseguiu convencer
as pessoas a ficarem longe do Pork Pit dois dias seguidos. Fiquei imaginando
quanto tempo o advogado poderia manter a pressão — e o que eu poderia fazer
sobre isso. Além de matar o bastardo. O que só me causaria mais problemas.

— Você já mandou todos para casa com o pagamento? — Perguntei. — É
por isso que não há ninguém aqui exceto você?

— Um-mmm. — O grunhido de Sophia para sim.

A anã gótica começou a colocar o tempero num monte de repolho verde,
repolho roxo e cenoura, mesmo não estando ninguém por perto para comer. Uma
pena, realmente.

Finn não devia aparecer por mais alguns minutos, então decidi me servir de
um prato de comida enquanto esperava. Ninguém mais iria estar clamando por
churrasco hoje.

Um sanduíche de churrasco de carne bovina, feijoada, chá gelado de amora
preta, e um pouco da salada de repolho da tina de metal da anã. Peguei na minha
comida e sentei numa das mesas no meio do restaurante, assim eu poderia ver
Finn descer a rua e ainda falar com Sophia.

Estava na metade da minha refeição quando o sino sobre a porta da frente
soou. Olhei para cima, esperando ver Finn.

O homem vestia um terno impecável e sapatos sociais polidos, mas era aí
que sua semelhança com Finnegan Lane terminava.

Seu cabelo cinza metálico se dividia no lado, com um grosso doo-wop 35 que
enrolava para cima, para baixo, e ao redor da sua testa como uma colher de
servir casquinha de baunilha. Tendo em conta o cabelo grisalho, eu teria colocado
a sua idade em torno de sessenta. Mas ele tinha o rosto de um homem muito
mais jovem — suave, bem barbeado, e curiosamente livre de rugas, mesmo nos
cantos de seus olhos castanhos. Meu palpite? Os melhores tratamentos faciais
que um elemental do Ar poderia oferecer.

Debutantes e esposas-troféu não eram as únicas pessoas fúteis em
Ashland. Ele havia deixado seu cabelo ao natural, no entanto. Provavelmente
pensando que a cor prata o fazia parecer mais distinto.

Ainda assim, por todo o seu vigor juvenil, o homem irradiava charme auto-
consciente da maneira que um vendedor de óleo de cobra 36 fazia. Aperte-lhe a
mão e você estará limpando a gordura dela pelos próximos dez minutos. E se
perguntando onde sua carteira foi. Reconheci-o de suas muitas fotos no jornal e
no arquivo grosso de Fletcher sobre Mab Monroe e seus lacaios.

35 http://www.thecoachellavalleyartscene.com/wp-content/uploads/2010/08/for_past.jpg

36 Vendedores de óleo de cobra falsamente afirmavam que as poções poderiam curar qualquer doença. Hoje

em dia, refere-se a produtos falsificados.

Jonah McAllister, o mais esperto advogado de Ashland e conselheiro
pessoal da própria Mab, tinha acabado de entrar no meu restaurante.

E ele não estava sozinho.

Jake McAllister desfilava atrás de seu velho. Jeans de estrela do rock, T-
shirt vintage, botas pesadas, um casaco de couro preto que quase tocava o chão.
Outro traje punk.

Dois guarda-costas gigantes também entraram no restaurante, ocupando
todo o espaço disponível perto da porta da frente.

Os capangas eram provavelmente emprestados pela Mab Monroe, através
de seu outro homem número dois, Elliot Slater, que também era um gigante. Se
eu tivesse um cliente hoje, ele não teria sido capaz de entrar com os dois gigantes
que bloqueavam a entrada.

Olhei para os gigantes, com seus grandes olhos de besouro e ternos pretos
que provavelmente tinham necessitado todo um campo de algodão para serem
faturados. Nenhuma saliência reveladora podia ser vista sob os seus braços. Pelo
menos eu não teria que me preocupar com eles atirando em mim se as coisas
corressem mal por aqui. Eles desfrutariam mais se me batessem até à morte, de
qualquer maneira. Os gigantes que trabalhavam para Elliot Slater eram
conhecidos por isso.

Mas em vez de olhar para mim ou até mesmo para Sophia, o olhar de
McAllister deslizou sobre as cabines azuis e rosa, as trilhas de porco desbotadas
no chão, as mesas limpas, a antiga caixa registradora. Seus olhos eram
semelhantes ao do filho — planos, castanhos, duros — mas sem o brilho ardente
da magia. Jake deve ter herdado o seu poder de Fogo de sua mãe. Ela morreu há
vários anos, lembro-me de ter lido isso no arquivo de Fletcher.

Jonah McAllister não disse nada. Eu poderia muito bem não estar sequer
no mesmo ambiente com o homem por toda a atenção que ele me deu. Sua
arrogância me irritou.

Se esse era o jogo que ele queria jogar, eu estava mais do que feliz em
participar. Eu polvilhei um pouco mais de pimenta preta em cima da minha
salada de repolho, cavei meu garfo no monte colorido, e dei outra mordida. Doce e
azedo. Sim, essa era a maneira como as coisas estavam indo hoje.

Finalmente, após dois minutos de leitura intensa, Jonah McAllister olhou
para mim. Recebi o mesmo tratamento que ele tinha dado ao resto do

restaurante. Um olhar lento e pensativo que pesava, media e calculava o meu
valor até o último centavo enferrujado.

— Suponho que você seja Gin Blanco, a proprietária deste belo
estabelecimento, — disse McAllister, em uma rica, profunda e sonora voz de
barítono, que explodiria como um trovão nos recintos fechados de um tribunal.

Eu mastiguei a salada de repolho e inclinei a cabeça.

— Sou. Não se preocupe em apresentar-se. Já sei quem você é, Sr.
McAllister.

Jonah acenou para mim e apontou para a cadeira do lado oposto da mesa.
— Posso ter a gentileza de tirar vantagem de sua hospitalidade?

Os meus lábios se contraíram. Oh meu, ele já estava abusando do seu
charme, como manteiga suave em um biscoito quente. — Claro.

McAllister desabotoou o paletó e sentou-se.

Jake fez um movimento para se juntar a nós, mas seu pai virou um par de
olhos frios na direção de seu filho. — Na cabine, Jake. Agora.

Jake se sacudiu como um cão que tinha sido chicoteado tantas vezes que
tudo o que precisava para fazê-lo se esconder era o menor sussurro da voz do seu
dono. Mas ele fez o que seu pai pediu e deslizou numa cabine perto da janela da
frente — a mesma que Eva Grayson e sua amiga Cassidy tinham usado há duas
noites atrás.

Os dois guardas gigantes permaneceram junto à porta principal. Mãos nos
lados, peito estufado para fora, espinhas tão retas quanto os mastros das
bandeiras no Quatro de Julho 37. Eles poderiam ter sido estátuas por toda a
emoção ou interesse que demonstraram, embora os seus pálidos olhos
esbugalhados nunca me deixaram, nem mesmo por um instante. Ainda assim,
era um desleixe da parte deles ficarem tão longe. Eu poderia facilmente agarrar
uma das minhas facas silverstone e cortar a garganta de Jonah McAllister antes
que os guardas pudessem dar dois passos.

Jonah McAllister voltou sua total atenção para mim. Um leve sorriso
levantou seus lábios, embora seu rosto tinha sido tão tratado pela magia
elemental do Ar que nenhuma linha apareceu em qualquer lugar. O pequeno

37 Feriado em que se comemora o dia da Independência nos Estados Unidos da América.

sorriso fez pouco para disfarçar o frio brilho calculista em seus olhos. Ainda
assim, ele tinha uma presença própria, uma espécie de comando no ar que
provavelmente fazia as pessoas prometerem-lhe seu primogênito, se ele lhes
desse um momento de seu tempo. O olhar duro deu-me vontade de rir. McAllister
não era nada comparado com algumas das pessoas que eu enfrentei como a
Aranha.

— Agora, Srta. Blanco, — disse ele numa voz suave. — Vamos conversar.

— Claro, — respondi. — Vamos papear.

— "Agora, eu sei sobre suas dificuldades com o meu filho na outra noite,
mas você tem que perceber que ele não estava se sentindo como ele mesmo.
Estava, Jake?

Jake McAllister olhou para o chão. — Não, — ele murmurou e chutou a
parte inferior da cabine à sua frente.

Jonah balançou a cabeça com a resposta esperada, não importando quão
mal-humorada, falsa, e relutante esta tenha sido. — Como você pode ver, meu
filho se sente terrível sobre sua participação no incidente da noite de segunda-
feira. Vim aqui hoje na esperança de podermos resolver esta situação sem
qualquer outra interferência, da polícia ou do sistema judicial. O que você diz?

Por um momento, eu só olhei para ele. O homem tinha um conjunto de
bolas de silverstone, eu lhe daria isso. Jonah McAllister tinha coragem de sobra.
Ele tinha vinho ao meu local de trabalho e estava tentando fazer com que seu
filho psicopata escapasse de uma longa pena na prisão. Ponderei jogar com ele,
fingir ser a caipira fraca que ele tão obviamente pensava que eu era. Deixá-lo
tentar me manipular da mesma maneira que ele fez com todos os júris, todos
aqueles que tentaram enfrentar Mab Monroe. Seria um inferno de um show, se
nada mais. Mas eu tinha outras coisas para fazer hoje, e outros problemas para
cuidar, tal como descobrir por que Tobias Dawson queria Violet Fox morta. Eu
não tinha tempo, ou mais importante ainda, a inclinação para joguinhos. Além
disso, eu nunca tinha sido boa a interpretar a vítima.

— Sejamos claros, — repliquei. — Você está me pedindo para retirar as
acusações contra seu filho, certo? Retratar o meu depoimento à polícia, me
recusar a depor, et cetera, et cetera, et cetera. Isso é o que todo o contato visual,
palavras oleosas, e charme falso querem dizer, sim?

Jonah McAllister franziu o cenho, surpreso pelo meu tom brusco. Seus
olhos se estreitaram, e eu encontrei o seu olhar. Algo em meus olhos cinza deve

ter mexido com ele, porque o sorriso em seu rosto diminuiu. Hora de mudar de
tática.

— Tudo bem, — disse Jonah McAllister. — Você quer ser compensada pelo
seu problema. Eu certamente posso entender isso.

Ele enfiou a mão no terno e tirou um fino talão de cheques preto e uma
caneta-tinteiro Mont Blanc que combinava.

— Quanto você quer?

Eu ri.

Os risos retumbaram da minha garganta como gases de escape da
motocicleta. Baixo, espesso, preto. Mais uma vez, os lábios de McAllister se
apertaram numa linha fina e dura, mesmo que o resto do seu rosto não
conseguisse seguir o exemplo. O advogado não gostou de ser ridicularizado. Pena.
Porque ele tinha acabado de fazer cócegas no meu osso engraçado com sua
tentativa descarada de suborno, quer ele pretendesse ou não.

— Desculpe, — murmurei. — Na verdade, eu não estava à espera que você
trouxesse seu talão de cheques, muito menos que o tirasse do bolso. Você
certamente tem um estilo próprio, Sr. McAllister, tentando me subornar no meu
próprio restaurante.

— Estou apenas tentando cuidar desta confusão, Srta Blanco, — McAllister
respondeu num tom suave. — Não é a primeira vez que eu conserto as asneiras
do meu filho, e tenho certeza que não será a última, não importa quantos
reformatórios eu o tenha enviado ao longo dos anos. Então, por que você
simplesmente não responde à minha pergunta para podermos acabar com essa
pequena encenação.

Eu levantei uma sobrancelha. — E que encenação seria essa?

McAllister deu uma breve risada. Baixa, espessa, preta, como a minha
tinha sido. — A ideia ridícula de que você vai testemunhar contra o meu filho em
qualquer tribunal de justiça em Ashland ou em qualquer outro lugar. A noção
absurda que eu alguma vez permitiria tal coisa acontecer.

— Não é uma encenação, Sr. McAllister, — eu disse. — Tenho a intenção de
testemunhar contra o seu filho — e não há nada que você possa me oferecer para
fazer-me mudar de ideia. Certamente não dinheiro.

Jonah McAllister se inclinou para frente. Seus olhos castanhos queimavam
agora, embora não com magia elemental de Fogo. Em vez disso, o advogado pôs
toda a força do seu charme em seu olhar. — Vamos lá, Srta. Blanco. Não há
necessidade de brincar ao cidadão honrado comigo. Eu fiz uma pesquisa. Você é
uma órfã, alguém sem objetivos, uma errante que teve sorte de conduzir este
restaurante depois que o proprietário, um primo distante que a assumiu, foi
assassinado há alguns meses. Inferno, você nem consegue decidir sobre um
curso para que possa se formar na faculdade comunitária onde você tem tantas
aulas.

Bom saber que a identidade falsa de Gin Blanco que eu tinha trabalhado
tão arduamente para construir ao longo dos anos havia passado na inspeção
minuciosa de alguém como Jonah McAllister.

Mas isso não parou a lâmina de dor que me cortou. Porque suas palavras
eram mais verdadeiras do que ele percebeu. Eu tinha sido uma espécie de
errante, alguém sem objetivos, até o assassinato de Fletcher.

Aquele evento brutal e suas consequências me fizeram olhar atentamente
para a minha vida — e me fizeram começar a mudar.

Eu era ainda um trabalho em progresso, mas estaria condenada se Jonah
McAllister fosse ameaçar tudo o que era meu.

McAllister deve ter achado que meu silêncio significava que eu estava
considerando a sua proposta e decidiu aumentar as apostas. — Além disso, estou
certo que há algo que eu tenha que você achará de valor ou interesse.

Eu balancei minha cabeça. — Você não tem nada que eu queira, McAllister.
Absolutamente nada. Agora por que você não acaba com a encenação de pai
preocupado que só está tentando fazer o melhor para pelo seu filho? Nós dois
sabemos que o pequeno Jakie é uma completa vergonha. Ele lhe disse que ia
matar duas garotas apenas por diversão?

— Cala a boca, vadia, — Jake rosnou de sua cabine. — Ou fritarei o seu
traseiro.

Olhei para ele. — Você não me assusta, Jakie. Pensei que o nosso encontro
na outra noite lhe tinha provado isso, mesmo você estando drogado com sua
própria magia elemental de Fogo na altura.

Mais faíscas de ódio acenderam nos olhos de Jake, e a mágica ira ardente
lentamente preencheu seu olhar. Jake abriu a boca, mas seu pai levantou uma
mão bem cuidada. Assim como o rosto, a mão também era livre de rugas.

— Se você sabe quem eu sou, Srta. Blanco, então você sabe para quem
trabalho, — Jonah disse com uma voz suave. Mudando sua tática novamente.
Mostrando as armas grandes.

— Mab Monroe, — respondi. — Todo mundo sabe disso.

— Então você sabe as conexões que tenho, o poder, a influência. Posso
fazer as coisas muito difíceis para você, se assim o desejar. Você verá que se
levantar e fazer a suposta coisa certa é algo muito desgastante.

Meus olhos se estreitaram, mas eu não respondi.

— Você já se perguntou por que não teve quaisquer clientes nos últimos
dois dias? — Jonah disse numa voz doce.

— Não, — respondi. — Percebi que era você, dizendo às pessoas para
ficarem longe do Pork Pit. Quanto tempo acha que pode fazer isso?

— O tempo necessário para você perceber que não pode ganhar, —
respondeu ele. — Manterei as pessoas afastadas até você sair do negócio, se for
preciso. Tenho o dinheiro, o tempo, os recursos e a motivação para seguir com
isso. Talvez você devesse pensar sobre isso antes de tão arrogantemente jogar
fora a minha oferta generosa. Estou tentando ser civilizado sobre as coisas.
Confie em mim quando lhe digo que você não gostaria da alternativa.

O bastardo estava mesmo tentando me intimidar. Tentando me esmagar do
jeito que tinha feito com tantas outras pessoas ao longo dos anos. Isso poderia ter
funcionado se eu ainda tivesse treze anos, morasse nas ruas, e lamentasse a
perda de minha família.

Isso poderia ter funcionado se eu ainda fosse Genevieve Snow.

Mas não importa o quanto eu mudei, não importa o quanto eu tentei ser
diferente e deixar a minha antiga profissão para trás, parte de mim sempre seria
a Aranha, a assassina tão afiada como as facas silverstone que ela carregava. Eu
não havia sido pequena, fraca, ou assustada por um longo tempo. E certamente
não seria agora.

— Continue pelo tempo que gostar, — eu disse. — Faça o que quiser para
manter as pessoas longe do Pork Pit. Ainda estarei aqui todos os dias, com as
portas abertas, comida quente e pronta. Prefiro dar a minha comida para os ratos
nas ruas do que fechar por uma fodida hora devido a alguém tão desprezível
quanto você. Foi claro o suficiente?

O charme deixou os olhos de Jonah McAllister, como xarope derramando
sobre uma panqueca. — Claro como cristal. Muito ruim, Srta. Blanco. Muito ruim
para você.

— Eu disse que nós deveríamos simplesmente matar a vadia, — Jake
estalou. — Vamos lá, Pai. Deixe-me matá-la, aqui, agora. Aquela vadia anã atrás
do balcão também.

Ira fria se espalhou pelo meu corpo quando ouvi as suas palavras. Uma
coisa era entrar no meu restaurante, no restaurante de Fletcher, e me ameaçar.
Eu não esperava nada menos da dupla pai-e-filho. Sabia no que me estava a
meter quando fiz Jake McAllister ser preso. Mas eu estaria condenada se deixasse
o punk elemental de Fogo falar mal da minha família — ou ameaçá-los de
qualquer maneira. E Sophia Deveraux era família. Assim como Jo-Jo e Finn.

Fletcher Lane havia sido assassinado a cinco metros de onde estávamos
sentados. Ele tinha sido brutalmente torturado por uma sádica elemental do Ar.
Nada disso jamais aconteceria com a minha família novamente. Não enquanto eu
ainda respirasse. Especialmente não aqui.

Era hora de deixar Jake McAllister saber que eu não tinha medo dele e de
suas ameaças insignificantes — e exatamente do que eu era capaz se a situação
ficasse crítica.

— Você não foi homem o suficiente para cuidar de mim por si mesmo,
Jakie, — eu disse. — E então? Agora você vai pedir ao Papai e a seus guardas
para ajudá-lo? Patético.

Evidentemente, Jake McAllister não conseguia lidar com uma pequena
crítica porque ele colocou-se de pé. Fogo brilhou em seus olhos, e chamas
vermelho-alaranjadas jorraram de seus punhos cerrados. Ele investiu em mim.

Por um segundo, eu me sentei lá e considerei as minhas opções, algo que
provavelmente deveria ter feito antes de abrir a minha boca e começar a
antagonizar os McAllisters.

Mas alguém precisava tirar aquela expressão de desdém do rosto de Jake
McAllister, e eu queria ser a pessoa a fazer isso. Eu tinha conseguido, porque
agora, raiva enchia os olhos de Jake. Se o deixasse colocar as mãos em mim, eu
ia levar uma dolorosa surra. Uma que não iria parar até que eu estivesse morta,
especialmente com os guarda-costas gigantes de Jonah no restaurante. Só havia
uma coisa a fazer agora. Reagir e fazer Jake pensar duas vezes antes de mexer
comigo novamente. De qualquer maneira, essa era a única coisa que eu sabia
fazer.

Um pouco antes de Jake me bater, eu levantei, peguei meu prato da mesa,
dei um passo em frente, e bati a coisa toda em seu rosto o mais forte que
consegui.

Comida respingou nos olhos de Jake, e o cominho, a pimenta vermelha e as
outras especiarias no molho de churrasco o fizeram gritar. Ele tropeçou para trás,
virou uma cadeira, e caiu de bunda no chão — duro. Jake amaldiçoou e tentou
tirar a sujeita do seu rosto. Ele estava muito ocupado fazendo isso para segurar a
sua magia, e as chamas que dançavam entre as suas mãos se apagaram.

Eu me virei para encarar Jonah McAllister e os dois guardas gigantes. E
esperei.

Com o canto do meu olho, eu vi Sophia sair de trás do balcão. A anã
segurava uma colher de metal em sua mão. Com sua força, isso poderia
facilmente se transformar num taco de beisebol. Sophia me apoiaria da maneira
que tinha feito na outra noite. Era isso que a família fazia.

Jonah McAllister a viu também e percebeu que as chances tinham caído de
quatro para dois. Ele olhou através das janelas da frente. Pessoas se moviam de
um lado para o outro na rua, algumas saindo para almoçar e outras voltando
para o trabalho. Mais de uma olhou para o interior do Pork Pit enquanto passava.
Algumas pessoas até desaceleraram o suficiente para conseguir uma boa visão do
que estava a acontecer.

Eu podia ver as engrenagens girando na mente do advogado. Ele
considerava os benefícios de ordenar que seus guarda-costas gigantes nos
matassem agora contra a possibilidade do povo assistir a isso e lhe causar mais
problemas. Sua chefe, Mab Monroe, podia dominar Ashland, mas com certeza ela
gostava que seus lacaios cuidassem de seus próprios negócios.

Jake se livrou de um pedaço de salada de repolho e se pôs de pé. Mas antes
que o elemental de Fogo pudesse investir em mim novamente, Jonah McAllister
abanou a cabeça. Um dos gigantes avançou e colocou a mão no ombro de Jake,

segurando-o no lugar. Seu pescoço quase estalou pela parada abrupta. A pele ao
redor dos olhos estava vermelha e irritada devido à comida picante, mas isso não
se comparava às faíscas de magia quente que piscaram em seu olhar cheio de
ódio.

— Vamos, Pai, — disse Jake, olhando por sobre o braço do gigante e
suplicando a seu pai. — Vamos matar a vadia. Ela não vai colaborar com a gente.

Jonah McAllister olhou para o filho, depois para mim. Ele se pôs de pé e
abotoou o seu paletó. — O que eu lhe disse sobre arruinar pessoas, Jake?

— É mais divertido fazê-lo lentamente, — Jake murmurou.

Jonah assentiu. — Isso mesmo. Vamos ver como a Srta. Blanco se sente
daqui a alguns dias, depois dela ver que não conseguirá nenhum cliente, e tiver
contas para pagar. Até então, Srta. Blanco.

Então Jonah McAllister tinha decidido se ater à sua especialidade —
esmagar as pessoas por meios mais ou menos legais.

— Até então, Sr. McAllister. — Meus olhos foram para Jake. — Só porque
você envolveu seu papai não exclui a minha ameaça. Você chega perto de mim ou
do meu restaurante de novo, e quebrarei mais do que apenas o seu pulso. Você
me entende?

Jake lutou contra o gigante. — Você está morta, vadia! Morta! Você está me
ouvindo? Você está me ouvindo? Morta!

Jonah deu a seu filho um olhar desgostoso e se dirigiu para o exterior do
Pork Pit. Os gigantes flanquearam Jake, pegaram-no pelos braços e o arrastaram
para fora.

Seus gritos roucos reverberaram através da rua — assim como as suas
ameaças. Na outra noite, eu tinha apenas insultado Jake por ter saído vitoriosa.
Agora, eu o humilhei na frente de seu pai. O elemental de Fogo não podia
permitir esse deslize. Não se quisesse que o velho ao menos fingisse respeitá-lo.

Com ordens do papai ou não, Jake McAllister viria por mim, mais cedo ou
mais tarde, com toda a sua raiva elemental de Fogo abastecida.

E quando ele viesse, eu ia destripar o bastardo — de uma vez por todas.
Não importando quantos problemas isso poderia me causar.

Capítulo 14

Uma vez que os gritos de Jake McAllister desapareceram, eu lancei um
olhar por sobre meus ombros para Sophia. — Foi bom pra você também?

— Hmph. — A anã me deu seu grunhido habitual e se dirigiu ao esfregão e
ao balde no canto mais distante.

— Deixe a comida onde está, — eu disse. — É a minha bagunça. Limparei
depois. Além disso, não vamos ter mais clientes hoje. Vá para casa, Sophia.
Descanse um pouco. Você merece.

Os olhos pretos de Sophia encontraram os meus. Ela grunhiu novamente e
pegou o esfregão mesmo assim. Eu suspirei. Um tijolo era mais tagarela e
sensível que a anã gótica. Então eu me ajoelhei para pegar a louça quebrada e
alguns pedaços esmagados de comida. Eu tinha acabado de jogar tudo fora e
lavar minhas mãos na torneira quando o sino sobre a porta da frente badalou
novamente. Eu me virei, uma faca Silverstone já deslizando em minha mão.

Mas dessa vez era apenas Finn.

Seus olhos verdes foram para Sophia e a bagunça que ela estava limpando.
— Eu perdi alguma coisa?

— Sim, — eu respondi. — Jake McAllister acabou de passar por aqui — e o
pai estava com ele.

Finn piscou. — Jonah McAllister veio ao restaurante? O que ele queria? O
que ele disse?

Eu dei de ombros. — Que eu retirasse as acusações contra seu filho. Foi a
descer a partir daí. Tentativa de suborno, ameaças de violência, a promessa do
meu próprio assassinato. O especial de Ashland.

Finn suspirou. — E deixe-me adivinhar; você disse aos McAllister
exatamente o que eles podiam fazer com suas ameaças.

Eu sorri. — Você me conhece.

Finn balançou sua cabeça. — Gin você realmente quer começar uma briga
com a família McAllister? Achava que você quisesse curtir sua aposentadoria,
viver uma vida legal, limpa e simples.

— Não, eu não quero dar início a uma guerra com os McAllister.

Finn arqueou suas sobrancelhas em desconfiança. — Vamos lá, Gin. Só
admita. Você gosta de mexer o nariz para caras maus e mostrar a todo mundo
exatamente quão forte e capaz você é. Você sempre gostou. Foi por isso que você
pressionou tanto os McAllister hoje.

— Tudo bem, tudo bem, — eu murmurei. — Talvez a minha aposentadoria
tenha sido um pouco mais entediante do que eu pensava que seria. Talvez tenha
sido legal bater a porta no nariz de Jake quando ele cometeu o erro estúpido de
tentar me roubar. Talvez tenha sido ainda melhor fazer o mesmo com o velho
dele. Mas se eu tivesse deixado Jake ir naquela noite, eu teria uma dúzia de Jake
McAllister aqui hoje, todos pensando que poderiam passar por cima de mim por
um rápido chumaço de dinheiro. Você sabe disso. Ashland é toda sobre a
sobrevivência dos mais fortes. Sempre foi. A notícia de que você é um alvo fraco
ou fácil se espalha, e você está acabado, não importa em qual negócio esteja.

Finn deu de ombros para mostrar seu acordo.

— Além disso, se eu desistir dos McAllister agora, eles vão pensar que
ganharam, vão pensar que realmente me assustaram hoje. Jake começaria a vir
aqui o tempo todo, só para dar uma de senhor para cima de mim. Ele pensaria
que o restaurante era seu próprio pequeno feudo pessoal, pegaria meu dinheiro, e
aterrorizaria meus clientes. E eu simplesmente não suportaria isso. Não no
restaurante de Fletcher. Não quando ele trabalhou duro por tanto tempo para
não pagar dinheiro de proteção para ninguém. — Eu suspirei. — Por outro lado, é
muito tarde para tudo isso agora, de qualquer forma. Deixei Jake McAllister puto

mais uma vez, o envergonhei na frente do pai. Ele não vai esquecer isso. Ele vai
me matar – ou ao menos tentar. Ele tem que me matar, ou ele nunca terá o
respeito do seu pai novamente. O pouco dele que havia.

— E então o que você vai fazer? — Finn perguntou. — Você mata Jake, e
Jonah cairá sobre você como uma tonelada de tijolos. Infernos, ele pode até
conseguir o apoio de Mab Monroe se isso acontecer.

Algumas semanas atrás, alguém tinha armado para eu ser morta como
parte de um jogo de poder contra Mab Monroe, para tentar lhe roubar o controle
de Ashland. Eu tinha sido pega no meio, o que significava que eu já estava mais
envolvida com a Elemental de Fogo do que jamais quisera estar.

Eu pensei naquele pedaço de papel no arquivo que Fletcher tinha
compilado sobre o assassinato da minha família, aquele com o nome de Mab nele.
Talvez eu estivera sempre envolvida com a Elemental de Fogo – simplesmente não
sabia disso. — Lidarei com Jake McAllister quando ele fizer seu movimento.

Finn abriu sua boca novamente, mas eu ergui minha mão para interrompê-
lo.

— Chega de conversa, — eu disse. — Nós temos outra pessoa com quem
lidar hoje, lembra? Warren T. Fox. Então vamos pegar Violet e ver o que o vovô
tem a dizer em sua defesa.

Finn e eu deixamos Sophia limpar o resto da bagunça e fomos para casa de
Jo-Jo pegar Violet Fox. Finn tinha ligado para dizer que estávamos a caminho, e
as duas esperavam na varanda da frente por nós. Ambas estavam sentadas em
cadeiras de balanço que rangiam com cada vai e vem. Jo-Jo tinha arrastado a
cesta de Rosco para fora, e o basset hound gordo e preguiçoso estava sentado nos
pés da anã, cochilando num fragmento de luz do sol que entrava pelas ripas da
varanda.

Sophia devia ter emprestado algumas de suas roupas para Violet, por que a
garota estava vestida com um par de calças pretas e uma camiseta
correspondente com um enorme conjunto de lábios vermelhos nela. Apesar da
figura cheia de Violet, as roupas pendiam da sua estrutura. Sophia Deveraux
tinha um pouco mais de músculo do que Violet.

Jo-Jo vestia um de seus muitos vestidos rosa floridos e um cordão com
pérolas tão grandes quando os dentes de um gigante.

Seu cabelo loiro platinado estava preso num coque cacheado, e uma
maquiagem perfeita cobria seu rosto.

Como de costume, a anã estava descalça, apesar do ar frio de Novembro.
Jo-Jo odiava usar meias. Dizia que elas faziam seus pés doerem.

Finn e eu andamos até à varanda. Violet se levantou, mas Jo-Jo
permaneceu na sua cadeira de balanço.

— Dormiu bem? — Eu perguntei.

— Tão bem quanto seria de esperar, suponho. Mas Jo-Jo realmente me fez
sentir em casa. — Violet deu a sua hospedeira um sorriso envergonhado.

— Jo-Jo é boa nisso. Nós deveríamos ir andando.

— Diga oi a Warren por mim, — Jo-Jo disse a Violet. — Diga-lhe que logo
irei lá buscar mais um pouco de mel.

Violet assentiu. — Obrigada. Por tudo.

Jo-Jo sorriu para ela. — De nada. Volte e nós trabalharemos em seu
cabelo, querida.

Violet franziu a testa, e sua mão subiu para seus cachos loiros
encaracolados. — O que há de errado com o meu cabelo?

Jo-Jo lançou-lhe um olhar duro. — Nada que um tratamento de óleo
quente e uma hidratação profunda não possa resolver.

A carranca confusa de Violet se aprofundou, mas eu peguei seu braço e a
puxei para as escadas antes que ela pudesse pensar muito sobre suas pontas
duplas. Finn nos seguiu, e nós caminhamos até ao carro. Uma vez que íamos
para as montanhas, Finn decidiu que iria dirigir seu oh-tão-resistente Cadillac
Escalade ao invés do seu Austin Martin.

Violet parou na frente do SUV e olhou para nós.

— E o meu carro? Vocês o levaram para algum lugar ontem a noite?

Finn e eu trocamos um olhar. Levar o carro de Violet Fox para um local
mais seguro tinha sido a última coisa em minha mente.

— Tivemos que deixá-lo no estacionamento, — eu disse. — Nós estávamos
mais preocupados com você do que com o seu carro.

O rosto de Violet empalideceu. — Você quer dizer – você quer dizer que o
deixou lá no estacionamento de Southtown? A noite toda?

A preocupação dela era mais que justificável. Deixar um carro naquela
vizinhança era simplesmente implorar por problemas. A essa altura, o veículo
tinha provavelmente sido despojado de tudo menos o isqueiro. Infernos, alguém
provavelmente tinha-o roubado também.

— Ele deve estar bem, — Finn responder num tom esperançoso. — É
apenas um Honda. Muitos anos de idade. Não é como se eu deixasse meu Aston
Martin lá.

Ele deu de ombros com o pensamento. Violet mordeu o lábio inferior.

— Você tem seguro, não tem? — Eu perguntei.

Violet assentiu.

— Então você pode se preocupar com seu carro depois. Agora nós
precisamos ver seu avô. Você ainda quer que ajudemos vocês dois, certo?

Violet assentiu novamente. — Claro. Como eu disse, o Homem Lata era
minha única esperança. Agora vocês são minha única esperança.

Única esperança? Quão Star Wars. Eu fiz uma careta. Mas não disse a
Violet Fox quão deslocada sua esperança em mim era, quão desencaminhada,
quão ridícula até. Que eu só trazia morte às pessoas, não esperança. Que eu
estava fazendo essa boa ação rara e pro bono devido à minha maldita curiosidade
insaciável.

— Venha, — eu disse, abrindo a porta do SUV. — Vamos embora.

***

Finn saiu da subdivisão de Jo-Jo e avançou em direção ao norte. Seguindo
as instruções de Violet Fox, nós deixamos os subúrbios para trás e atravessamos
o coração de Northtown, onde os ricos, os milionários, e os multimilionários
viviam. As pessoas não tinham mansões em Northtown — elas tinham

propriedades. Se não fosse pelas rodovias, portões de ferro, e paredes de tijolos
elegantes que podiam ser vistas das ruas, você pensaria que a área era deserta.

Por que ninguém com riqueza, magia, ou verdadeiro poder era deselegante
o bastante para deixar suas casas serem vistas da estrada.

Nós seguimos em frente, ainda em direção ao norte. O terreno se tornou
rochoso e mais acidentado, quando as colinas das planícies foram substituídas
por cumes com protuberâncias e montanhas cobertas de pinheiros.

Casas começaram a aparecer no canto da estrada, embora fossem bem
menos grandiosas do que as McMansões escondidas que ocupavam as
propriedades de Northtown. A estrada diminuiu de quatro para duas pistas e
torceu numa série de ziguezagues que daria náusea à maioria das pessoas.

Ao invés de sedans lustrosos e SUVs com vidro fumados, nós começamos a
passar por depósitos de lixo — e caminhões de carvão na estrada.

Após cerca de trinta minutos dirigindo, Violet levantou o braço e apontou
para algo. — É ali, logo depois do cruzamento.

Finn diminuiu a velocidade e estacionou. Olhei para a estrutura que estava
ante nós. A construção em tábuas de dois andares devia ter sido uma casa ou
talvez uma cabana de caça. Embora estivesse claramente velha, o edifício
ostentava uma nova camada de tinta branca, com as persianas aparadas num
verde pálido.

Havia um anexo menor ao lado, que se conectava à estrutura principal por
uma pequena passagem coberta.

Escadas de madeira levavam a uma varanda que era ainda maior que a de
Jo-Jo. A varanda se prolongava ao longo de três edifícios. Umas cadeiras de
balanço podiam ser vistas ao lado da porta da frente, assim como barris cobertos
com tabuleiros de damas. A placa de zinco que estava acima da entrada principal
brilhava feito uma moeda nova no sol. Country Daze, estava lá escrito com tinta
verde que combinava com as persianas. Os telhados dos três prédios também
eram de zinco, do tipo que fazia uma chuva fina e regular soar como uma sonata
clássica.

O estacionamento — se você quisesse chamá-lo assim e não apenas de
cascalho solto, rodeava a loja como uma lua crescente. Um sinal de pare estava
posicionado à direita, e a estrava se transformava num T, forçando-o a ir para a
direita ou para a esquerda. Um dos sinais de trânsito indicava o caminho que

levava à interestadual. Outro sinal mostrava uma seta e as palavras Dawson Nº
3. Menos de um quilómetro e sessenta de distância. Interessante. Talvez eu
tivesse que ir verificar a mina de carvão, depois de conhecer o ilustre Warren T.
Fox.

Nós saímos do carro. Em baixo das minhas botas, o cascalho do
estacionamento vibrava com o som do tráfego e dos pneus rolando
continuamente através dele. Um resmungo baixo que me dizia que as pedras
tinham visto muitas pessoas e muitos carros. Nada sinistro, apenas atividades da
vida cotidiana.

Um sorriso iluminou o rosto de Violet e suavizou seus olhos, afastando
algumas das sombras remanescentes da noite passada.

— Você realmente gosta desse lugar, não é? — Eu perguntei.

Ela assentiu. — Meus pais morreram quanto eu tinha dez anos. Meu avô
acolheu-me e criou-me. Tenho o ajudado com a loja desde então. É como minha
segunda casa, sabe?

Violet Fox e eu éramos mais parecidas do que ela se dava conta, por que eu
realmente sabia. Me sentia da mesma forma em relação ao Pork Pit. Foi por isso
que reagi tão mal, tão defensivamente, quando Jonah McAllister tinha vindo me
ver hoje — por que ele não estava apenas ameaçando meu negócio, meu sustento,
ele também estava ameaçando meu lar. Um pedaço do meu coração. O último
pedaço de Fletcher Lane que eu tinha, uma vez que o velho estava morto e
enterrado e tinha me deixado nada mais que enigmas para resolver.

Violet começou a caminhar em direção à loja, mas eu agarrei seu braço.

— Fique atrás me mim.

— Por que? — Ela perguntou.

— Apenas faça isso, está bem?

Finn me olhou por sobre o capô do SUV. — Você acha que vai ter
problemas lá dentro, Gin?

Eu dei de ombros. — Não sei. Mas se esse lugar é tão popular, por que não
há mais carros aqui? É hora do almoço. As pessoas deveriam estar aqui, pegando
um sanduíche ou uma bebida gelada.

Os olhos verdes de Finn pincelaram o estacionamento de cascalho. Apenas
outro carro estava estacionado nele, um sedan da marinha anônimo. Seus olhos
foram para a estrada. Um fluxo constante de tráfego passava no cruzamento, mas
nenhum dos motoristas olhava para a loja, muito menos se dirigia ao
estacionamento. O rosto de Finn se contraiu.

— Tem estado quieto desde que Dawson começou a mandar seus homens
para nos assediar, — Violet explicou. — As pessoas não gostam de parar num
lugar que possa estar com problema. Algumas vezes, temos sorte de
conseguirmos cinco clientes em oito horas. Provavelmente é só um dia fraco.

— Vamos lá, — eu disse. — Vamos descobrir.

Eu fui à frente, com Finn atrás de mim e Violet na retaguarda. Enquanto
nós atravessávamos o estacionamento, eu agarrei uma das minhas facas
silverstone. Se tivesse algum problema lá dentro, eu seria a primeira a ver — e
queria estar preparada para lidar com isso.

Os degraus não rangeram com o meu peso. Eles eram demasiado suaves e
gastos para fazerem isso. Eu subi-os, abri a porta da frente, e entrei.

Country Daze era exatamente o que eu esperava. Pisos de madeira velhos e
com marcas. Exibição de camisas de turistas, chaveiros, e outras bugigangas.
Uma variedade ímpar de ferramentas e equipamentos de ar livre. Barris cheios de
balas, caramelos, e pralinas açucaradas envolvidas em celofane. Um par de
refrigeradores cheios com garrafas antigas de vidro.

Mais alguns com sanduíches e outros lanches. Mesas cheias de mel,
conservas de morango, e manteiga de maçã. Uma prateleira rotativa com óculos
de sol baratos. Disposições agradáveis de colchas, cestas, e outros itens
artesanais mais caros.

Um grande balcão cheio de joias de prata formava um quadrado sólido no
meio da loja. Um homem velho estava atrás dele, uma mão descansando num
revólver grande com um cabo de madeira marcado.

O pouco que restava do seu fino cabelo branco estava arrepiado, como se
tivesse levado um choque com a minha aparição. Seus olhos eram escuros e
brilhantes, como se dois caramelos de chocolate tivessem sido entupidos em seu
rosto. Ele tinha mais ou menos a minha altura, agora que estava um pouco
curvado pela idade. Sua pele era de um marrom escuro e reluzente, o que queria
dizer que ele possivelmente era descendente dos Americanos Nativos, muito
provavelmente dos Cherokee pelo lugar onde morava. Linhas profundas estavam

entalhadas em seu rosto ao redor de sua boca apertada, como se ele franzisse
muito a testa.

Mas talvez o mais preocupante fosse o fato de que ele usava uma camisa de
trabalho azul que poderia ter saído diretamente do guarda-roupa de Fletcher.
Seus olhos escuros mantinham a mesma determinação feroz que os de Fletcher
sempre tinham tido, e eu podia dizer por sua postura orgulhosa que essa loja era
sua vida, seu reino, e significava tanto para ele quanto o Pork Pit tinha
significado para Fletcher. O homem diante de mim não parecia nada com meu
mentor assassinado, mas em algumas formas, ele era a cópia de Fletcher. Isso me
inquietou — e me fez sentir uma maciez que ele nada tinha feito para merecê-la.

Eu não precisava que Violet me dissesse que esse era seu avô, Warren T.
Fox. Um excêntrico velho tolo que tinha provavelmente um maldizer tão logo
olhasse para você. Eu conhecia o tipo. Eu tinha sido criada por alguém assim.

Mas Warren T. Fox não estava sozinho.

Havia outro homem com ele, alguém que também não precisava de
apresentação. Alguém que eu já conhecia muito bem.

Detetive Donovan Caine.

Capítulo 15

Agora eu sabia a quem o sedan lá fora pertencia. Tinha carro policial
escrito por todo ele. Eu só não sabia que pertencia ao meu policial.

Os dois homens se viraram ao ouvirem os meus passos no chão
desgastado. Warren T. Fox franziu o cenho. Surpresa preencheu os olhos
dourados de Donovan Caine.

— Gin? — Perguntou o detetive. — O que você está fazendo aqui?

— Você a conhece? — Warren Fox perguntou. Sua voz era alta, fina,
esganiçada, como alguém assobiando através de uma flauta quebrada.

— Sim, — Caine disse em voz baixa. — Você pode dizer que eu a conheço.

Bem o suficiente para dormir comigo. Bem o suficiente para querer fazer o
mesmo novamente. Apesar de eu ter matado o seu ex-parceiro.

Abri minha boca para responder quando Finn e Violet entraram na loja. A
menina andou ao meu redor, foi direto para seu avô, se inclinou por sobre o
balcão de madeira, e deu-lhe um abraço apertado.

O rosto do velho suavizou-se por um momento, e um brilho de umidade
cobriu seus olhos. Então ele franziu a testa e se afastou da mulher mais jovem.

— Onde você esteve? — Ele estalou. — Estive preocupado com você.

Violet suspirou. — Eu liguei para você ontem à noite, vovô, lembra? Disse
que estava com Eva.

Os olhos castanhos do velho se estreitaram. — Sim, ligou, e você soou
peculiar. Mas eu não fiquei realmente preocupado até que Eva telefonou para cá
esta manhã. Ela disse que vocês duas deveriam tomar café da manhã, e você não
apareceu.

O rosto de Violet se contraiu em um olhar de oh-merda-eu-acabei-de-ser-
pega.

— Eu tentei telefonar para o seu celular para esclarecer o assunto, —
Warren continuou. — Sem resposta.

— A bateria morreu, — disse Violet, numa voz suave e desesperada.

Eu não sabia por que ela ainda estava tentando manter a sua história. A
verdade ia surgir no minuto seguinte, dois no máximo. Eu supunha que Violet só
queria poupar seu avô dos detalhes feios sobre o que lhe tinha sido feito na
última noite. A maioria das pessoas tendia a bloquear coisas assim. Às vezes eu
desejava poder fazer o mesmo, em vez de reviver o passado do jeito que eu sempre
fazia.

— Eu liguei para o colégio, para Eva outra vez, e para todos os seus amigos
que eu pude lembrar. Ninguém te viu desde a noite passada, — Warren
respondeu num tom seco. — Você sabe o quão preocupado eu estava com você?
Com tudo o que vem acontecendo? Então liguei a Donovan para informar seu
desaparecimento.

Olhei para Caine. Então era isso que o detetive estava fazendo aqui. E para
Warren usar o seu primeiro nome, era porque os dois se conheciam. O detetive
me viu olhando e encolheu os ombros.

Violet se encolheu novamente, e Warren abriu a boca para atacar sua neta
com mais algumas palavras.

Mas eu o cortei.

— Chega. Violet não voltou para casa na noite passada porque alguém
tentou matá-la.

Isso o calou. A boca de Warren se abriu, e ele apenas olhou para mim.
Assim como Donovan Caine. Violet mudou o seu peso de pé. Finn encostou-se
num dos refrigeradores.

Diversão encheu seus brilhantes olhos verdes.

— Agora que eu tenho sua atenção, — eu disse. — Deixe-me contar
exatamente o que aconteceu na noite passada.

***

Nós cinco acabamos na ampla varanda que ficava na frente da loja. Sentei-
me no parapeito da varanda e me encostei numa das colunas que sustentava o
inclinado telhado de zinco. Finn estava em uma posição semelhante à minha
frente. Donovan Caine estava largado nos degraus entre nós, enquanto Warren T.
Fox e Violet balançavam para trás e para frente em duas das cadeiras
antiquadas.

— E aí está, — eu disse, encerrando o meu conto.

— Por isso Violet não voltou para casa ontem à noite. Porque ela estava um
pouco ocupada tendo seu rosto remontado por uma elemental do Ar. O nome dela
é Jo-Jo Deveraux. Você pode conhecê-la.

Warren me encarou, seus olhos escuros estreitados e pensativos. Seu olhar
foi para Finn, em seguida, voltou para mim. Pensando em algo — ou melhor, em
alguém. Fletcher Lane.

— Deixe-me ver se entendi, Gin, — disse Donovan Caine. — Violet foi ao
seu restaurante à procura de um cara que se chamava o Homem de Lata. Aí
alguém disparou no Pork Pit, mas você foi atrás do atirador e percebeu que ele
estava mirando Violet. Então você usou seu recibo do cartão de crédito para
invadir a sua informação pessoal e encontrá-la na Faculdade Comunitária de
Ashland.

— Na verdade, eu fiz isso, detetive, — disse Finn. — A única coisa que Gin
sabe invadir 38 são corpos quentes.

38 Hack, no original – “invadir”, mas também pode significar “cortar”, “golpear”.

Atirei-lhe um olhar sujo. Eu não tinha dito a Warren e Violet o que
costumava fazer, mas eu tinha certeza que o velho ranzinza havia adivinhado.
Afinal, ele tinha conhecido Fletcher.

Donovan sacudiu a cabeça, ignorando o comentário de Finn. — Vocês
foram para a faculdade e viram um anão atacar Violet. Gin interfere, e os dois a
carregam para um curandeiro que vocês conhecem. Eu entendi direito?

— Mais ou menos, — respondeu Finn. — Embora você tenha deixado de
fora a parte onde eu ajudei Gin a subjugar o assaltante.

— Você e uma caminhonete monstro, — ataquei. — Eu fiz todo o trabalho
duro e sujo, se você lembra.

Finn sorriu para mim.

Ao ver isso, Warren Fox emitiu um som profundo da garganta, quase como
uma tosse sufocada. Ele olhou para Finn.

— Você é a cara de seu pai quando sorri desse jeito.

Um pouco da alegria abandonou os olhos verdes de Finn.

— Isso é o que as pessoas me dizem. Ele está morto, você sabia? Há mais
de dois meses.

Warren balançou-se para trás na cadeira e acenou com a cabeça. — Eu sei.
Vi o óbito no jornal. — O velho olhou para Finn por mais um momento, então
virou-se para mim. — E você é a menina de Fletcher, não é? A que ele tirou das
ruas há muitos anos atrás?

Eu franzi a testa. — Sim, eu sou. Como você sabe sobre isso?

Warren encolheu os ombros curvados. — Fletcher e eu podemos ter tido
uma briga, mas eu o observava.

Ninguém disse nada. Mas Donovan Caine olhou para mim, perguntas em
seus olhos dourados. Apesar de termos dormido juntos, o detetive não sabia
sobre o meu tempo vivendo nas ruas — ou que minha família havia sido
brutalmente assassinada por uma elemental de Fogo quando eu tinha treze anos.
Que eu tinha sido torturada pela vadia sádica e escapado por pouco com vida.

Eu não estava certa de que queria que ele soubesse. Pena era a última
coisa que eu queria do detetive — ou de qualquer outra pessoa.

Violet se aproximou, colocou a mão jovem e lisa em cima da marrom e
cheia de manchas de Warren e parou seu balanço. — Gin veio para nos ajudar,
avô.

— Ela veio? — Warren murmurou.

Donovan franziu a testa. — Ajudá-lo com o que, Warren?

O velho retomou seu balanço. — Não é nada. Apenas o bastardo Tobias
Dawson.

O cenho franzido do detetive se aprofundou. — Tobias Dawson? O anão
proprietário da mina?

— Ele quer a terra onde a loja está, — explicou Violet em voz baixa. —
Sempre quis, mas ele se tornou mais insistente nos últimos dois meses.

— Não é nada, — Warren murmurou novamente. — Apenas suas ameaças
usuais e tumultos. Ele sabe que nunca vai conseguir a loja ou a terra até que eu
esteja girando na minha sepultura.

— Ou até que o estupro e morte prematura de sua neta o coloquem lá, —
apontou Finn. — O que quer que Tobias Dawson fez no passado, ele decidiu jogar
para valer agora — começando com Violet.

Os dedos da colegial foram para seu rosto, e seu nariz se torceu, como se
ela estivesse revivendo a dor que sofreu na noite passada. Ela estremeceu.

Donovan observou a reação de Violet. Um olhar triste e doente encheu seus
olhos. Como um detetive, Donovan tinha visto a sua quota de vítimas. Ele sabia o
quanto Violet tinha sido ferida, como um pedaço de sua inocência tinha sido
arrancada e jamais seria recuperada. Raiva e impotência apertaram as feições
ásperas de Donovan. Porque ele também sabia o quão difícil poderia ser obter
justiça para as vítimas como Violet.

Especialmente em Ashland.

Warren notou o estremecimento de Violet também. Sua face enrugada se
apertou, e raiva brilhou como um relâmpago negro em seus olhos.

Ele esticou o braço e acariciou a mão da neta.

— Não pense sobre isso, querida, — disse Warren. — Nunca mais pense no
que aconteceu ontem à noite. Porque Tobias Dawson e seus homens nunca mais
colocarão outra mão em você. Eu prometo. Não importa o que eu tenha que fazer
para detê-los. — Ele murmurou as últimas palavras.

— Você deveria ter me dito, — Donovan Caine o cortou. — Eu poderia
ajudá-lo com Dawson. Fazê-lo recuar.

Finn bufou de descrença. O detetive olhou-o fixamente.

— Por favor, — Finn zombou. — A maioria dos policiais de Ashland não
conseguem fazer um filhote de cachorro desistir de um brinquedo de mastigar,
muito menos controlar alguém como Tobias Dawson. Você sabe que ele é amigo
de Mab Monroe, certo? Você dando a Dawson o olhar duro de policial não lhe vai
causar indigestão, muito menos fazê-lo recuar.

— Então o que você sugere? — O detetive estalou.

— Bem, — eu falei lentamente. — Houve uma razão para eu dirigir até aqui
hoje.

Donovan voltou seus olhos dourados para mim. Decepção brilhava no seu
olhar. — Oferecer seus serviços para Warren, certo? Cuidar de Tobias Dawson em
sua própria maneira especial?

— Algo assim.

Desgosto encheu o rosto áspero do detetive. — Uma vez um assassino,
sempre um assassino.

Violet deixou escapar um suspiro suave.

Warren olhou para mim. — Então você faz o que Fletcher Lane, o que o
Homem de Lata fazia.

— Eu costumava. Estou aposentada agora.

Warren me avaliou com seus brilhantes olhos castanhos. — E como ele te
chamava?

Eu encontrei o seu olhar. — A Aranha. — As cicatrizes de runa na minha
mão coçaram ao som do meu apelido antigo de assassina. Minha boca se torceu.
— Talvez você já tenha ouvido falar de mim.

Warren deu um breve aceno de cabeça. — Sim, ouvi algumas coisas.

Ninguém disse nada. Um pouco de vento soprou do alto da montanha e
levantou um pouco de poeira no estacionamento de cascalho. A brisa passou, e
os redemoinhos minúsculos morreram.

— Eu quero te agradecer por salvar a vida da minha neta, — disse Warren.
— Mas por que você realmente veio aqui? Por que você quer arriscar seu pescoço
por duas pessoas que nem mesmo conhece? Por que você quer confusão com
alguém como Tobias Dawson? Como seu amigo disse, ele não é alguém que você
queira entrar no lado oposto.

— Sim, — Donovan interrompeu. — Pensei que você tinha se aposentado.

Olhei para o detetive. Nossos olhos se encontraram e prenderam, e o calor
familiar aqueceu a boca do meu estômago. Como resposta, calor acendeu nos
olhos de Donovan, embora ele tentou sufocá-lo com indiferença fria.

Eu segurei o olhar do detetive por mais um momento, então voltei minha
atenção para Warren T. Fox, que tinha parado seu balanço. Sua face enrugada
estava vazia e sem emoção, como se ele não se importasse nem um pouco com a
minha resposta, mas seus dedos se cavaram nos braços da cadeira. Warren
precisava de mim, e ele sabia disso — mesmo que Donovan Caine não soubesse.

— Você está certo, — eu disse em voz baixa. — Não conheço você e sua
neta, não me importo com vocês. Por que estou aqui? Porque você há algum
tempo atrás contou à sua neta uma história sobre o Homem de Lata, sobre como
ele ajudava pessoas com problemas. Você e Fletcher Lane podem não ter-se
falado por décadas, mas você ainda se importava o suficiente, pensava o
suficiente nele para contar essa história a Violet. Então, eu estou aqui por causa
de Fletcher. Porque vocês dois eram como irmãos no passado. Porque se Fletcher
ainda estivesse vivo, ele estaria sentado bem aqui, quer você quisesse ou não.

Havia mais do que isso, é claro. Muito mais.

Como o fato de que eu senti esse parentesco peculiar com os Fox. Que de
uma maneira estranha, ver Violet e Warren juntos era como olhar para uma doce
e inocente versão de Fletcher Lane e eu mesma. O que poderia ter sido, se as
circunstâncias tivessem sido diferentes. Talvez fosse louco, mas eu queria que os

Fox permanecessem do jeito que estavam. Continuando a amar e a lutar.
Mantendo o que restava de sua inocência, especialmente Violet.

Minha boca torceu novamente. — Além disso, minha aposentadoria tem
sido muito entediante. A última noite foi a mais excitante que eu tive em eras. E
eu me encontro interessada no porquê alguém como Tobias Dawson quer tanto
colocar as mãos em sua terra que estaria disposto a matar por isso. Eu não me
importo muito com valentões assim.

— Uma curiosa, huh? — Warren perguntou.

Eu sorri. — É um traço que recebi de Fletcher. Então o que você diz? Devo
fuçar e ver o que posso descobrir? Ou Finn e eu deveríamos entrar no carro e
voltar para o Pork Pit? A escolha é sua, Warren.

O velho olhou para mim, aquele olhar pensativo em seus olhos novamente.
Como se soubesse alguma coisa sobre mim que nem mesmo eu sabia. Mas
Warren não teve a chance de responder.

Na estrada, um SUV preto desacelerou. Em vez de passar direto como todos
os outros carros e caminhões, ele entrou no estacionamento de cascalho. Por um
momento, pensei que os Fox iam conseguir o seu primeiro cliente do dia. Então
eu vi o banner branco na porta do carro. Aquele onde se lia Companhia de
Mineração Dawson. O “i” em Mineração tinha sido alterado para se assemelhar a
uma runa — um bastão de dinamites aceso. A mesma runa que o anão que havia
atacado Violet tinha tatuado em seu bícep.

Finn notou a escrita e a runa também e olhou para mim. — Problemas, —
disse ele em voz baixa.

— Você acha? — Eu perguntei, já alcançando uma das minhas facas.

Capítulo 16

O SUV parou, as portas se abriram e vários homens saíram de lá. Um
após o outro, eles continuaram vindo. Era como se fossem palhaços amontoados
num carro de circo e essa fosse a única chance deles escaparem. Cinco homens
no total: dois gigantes, dois homens musculosos mais baixos, e um anão. Os
gigantes e os homens musculosos vestiam roupas de trabalho — macacões sujos,
botas robustas, luvas grossas. O anão usava algo melhor — jeans limpos, botas,
uma camiseta escura, e um blazer preto apertado que faria o Hulk rasgar as
mangas se ele respirasse demasiado forte.

O anão caminhou para a varanda e o resto dos homens o seguiram. Finn e
eu trocamos um olhar rápido, e ele fez um movimento com a sua mão. Eu assenti
e deslizei para a esquerda, me ocultando numa sombra que se agrupava na
varanda. Finn se moveu para a direita. Donovan Caine permaneceu nos degraus
da varanda, porém o detetive levantou-se. Warren e Violet Fox permaneceram
sentados em suas cadeiras de balanço. O rosto de Violet empalideceu e ela
colocou os braços sobre seu estômago, como se estivesse tentando não vomitar.
Uma carranca aprofundou as linhas ao redor da boca de Warren.

O anão parou na base das escadas que levavam à varanda de madeira. Ele
engatou seus polegares nas presilhas das calças jeans e colocou um pé num dos
degraus.

Botas pretas de pele de cobra cobriam seus pés. Chamas vermelho-
alaranjadas se espalhavam ao longo do topo, enquanto um pequeno pedaço de
Silverstone pendia das extremidades pontiagudas. Um chapéu escuro descansava
na cabeça do anão, fazendo-o parecer mais alto que seu metro e meio de altura, e

o laço da gravata ao redor de seu pescoço apresentava uma peça turquesa quase
tão grande quanto meu punho.

Alguém gostava de brincar de cowboy.

O cabelo do anão era crespo, uma juba loira arenosa que caía por seus
ombros. Seu nariz era um pedaço de carne bulbosa que se sobressaia de seu
rosto como um furúnculo, e um bigode largo e selvagem pendia de sobre os seus
lábios. Seus olhos eram de um pálido azul penetrante, e seu rosto bronzeado.

— Warren, — o anão resmungou.

— Tobias, — rebateu o homem velho.

Os dois homens se encararam da maneira que velhos inimigos fazem. Com
olhos semicerrados, olhando fixamente, nenhum disposto a recuar, olhar para
longe, ou mesmo piscar primeiro.

Enquanto Tobias Dawson e Warren T. Fox encaravam-se, meu olhar voou
para os homens que estavam atrás do anão. Os dois homens menores eram
humanos, embora provavelmente tinham um pouco de sangue de gigante neles,
dada a aparência dos seus músculos e punhos poderosos. Seria fácil derrubá-los
com as minhas facas. Os gigantes atrás deles seriam ou pouco mais desafiadores
— especialmente considerando o fato de que cada um dos seus punhos era
apenas um pouco menor do que a minha cabeça. Eu teria que rolar e balançar
com eles, tal como tinha feito com o assassino anão na noite passada. Ainda
assim, nada que eu não pudesse lidar.

Meus olhos cinzas pousaram mais uma vez em Tobias Dawson. Ele seria o
verdadeiro problema, o verdadeiro teste. Principalmente porque eu senti um
pouco de poder escorrendo dele, como um pedaço de lixa roçando contra a minha
pele. Mágica. O anão loiro bigodudo tinha algum tipo de mágica Elemental.

Sendo eu mesma uma Elemental, eu podia sentir quando outros usavam
suas magias. Mas existiam algumas pessoas como Dawson que, bem, vazavam
magia, por falta de uma palavra melhor. Mesmo quando esses elementais não
estão usando seus poderes, magia ainda escorre deles, como água pingando de
uma torneira. Ping, ping, ping. O escoamento mágico é fácil de se sentir. Porém
existem pessoas como eu, cuja mágica é completamente autossuficiente. Sem
vazamentos, sem pings, sem escoamentos. Minha magia não pode ser sentida a
menos que eu a use de uma maneira evidente ou por alguém que tenha um
talento especial para farejar o poder Elemental.

A magia de Dawson era semelhante à minha, apesar de eu não poder dizer
se o anão era Pedra ou Gelo. Se eu tivesse que adivinhar, eu diria Pedra. A
sensação ondulante que emanava dele seria mais suave, mais fresca se ele fosse
um Elemental de Gelo.

De qualquer maneira, eu sentia-o. Se as coisas corressem mal, eu atacaria
o anão primeiro, e depois os seus capangas. Com sua magia, força e resistência
inerente dos anões, Tobias Dawson era definitivamente a maior ameaça.

Meu polegar passou pelo cabo da faca Silverstone que eu tinha agarrado.
Apesar de eu não ter praticado muito com as minhas facas ultimamente, a arma
parecia fria e confortável em minha mão, como sempre tinha sido. Era como se
fosse uma velha conhecida.

Donovan Caine clareou a garganta. Tobias tirou os seus olhos de Warren e
encarou o detetive. O anão deu a Donovan uma olhada básica, catalogando-o
como sem importância, e voltou sua atenção para Warren.

— Você já pensou um pouco mais sobre a minha última oferta? — Tobias
Dawson perguntou numa voz que era puro fanhoso do interior.

Os olhos de Warren se estreitaram.

— Direi o mesmo que disse nos últimos dois meses. Não estou interessado
em lhe vender um refrigerante, muito menos a minha loja. Você vindo aqui
perguntar o mesmo todos os dias não me fará mudar de ideia. Não importa
quanto dinheiro você me ofereça.

Tobias se inclinou para frente e cuspiu. Saliva suja de marrom feio devido
ao tabaco manchou a tábua de madeira aos pés de Warren.

— Isso é uma pena, especialmente considerando a recente oferta mais-do-
que-generosa que eu fiz. Porque você não faz a coisa certa e vende, velho?

— Porque essa loja, essa terra, tem estado na minha família por mais de
trezentos anos. — Warren replicou numa voz irritada. — E não deixarei que
alguém como você venha e a destrua como tem feito ao resto da montanha.

Tobias suspirou. Um longo suspiro que soou tão falso quanto o de Jonah
McAllister tinha soado quando ele esteve no Pork Pit.

— Agora, você sabe que não é destruir, Warren. É chamado remoção do
topo da montanha, e não há nada de ilegal nisso. Nós estamos apenas tirando o
carvão da terra da maneira mais rápida que conhecemos.

— E deixando todo mundo com sua bagunça. — Warren estalou. — Como
eu disse, não estou interessado em deixar você fazer isso à minha terra. Todo o
meu quintal já se transformou num maldito ralo por causa da sua mineração.

O rosto de Tobias endureceu, e seu bigode eriçou pela raiva mal contida.

— Estou cansado de esperar, velho. Você pode vender agora, e conseguir
um bom preço pela sua terra. Ou…

— Ou o quê? — Warren atirou, cortando a ameaça do anão. — Você vai
mandar alguns dos seus garotos virem até aqui para me fazerem ver a razão?
Você já tentou isso e não funcionou. Alguns tiros de espingarda em seus
traseiros, e seus garotos voltaram correndo para as montanhas.

Tobias olhou por sobre os ombros, e seus homens olharam para o chão.

Eu olhei para Warren com um pouco mais de respeito. Violet tinha me dito
que Warren lutou sozinho contra os capangas de Dawson, mas eu não tinha
percebido que o velho pateta tinha colocado chumbo grosso em seus couros.
Corajoso, porém estúpido da parte dele. Porque os tiros de Warren e sua imensa
teimosia devem ter sido parte da razão pela qual o anão tinha decidido ir atrás de
Violet.

Tobias se virou para nos encarar e cuspiu novamente na varanda.

— Tudo o que estou dizendo é que seria uma pena se alguma coisa
acontecesse com você – ou com sua doce neta.

O anão sorriu para Violet, olhando para seus seios como se quisesse
enterrar a cabeça entre eles. Atrás dele, os gigantes e os outros homens fizeram o
mesmo. O rosto de Violet empalideceu ainda mais, mas ela cruzou os braços
sobre o peito e levantou a cabeça. Ela, tal como o avô, não estava recuando.

— A propósito, Senhorita Violet. — Tobias falou lentamente com sua voz
fanhosa. — Você não viu o meu irmão Trace por aí em algum lugar, viu? Cara
baixo, parece-se um pouco comigo, tem um bastão de dinamite tatuado em seu
braço. Dirige um grande caminhão velho.

Meus olhos cinzentos estreitaram. Dawson tinha um irmão chamado
Trace? Com uma tatuagem de dinamite em seu braço? Esse devia ser o anão que
Finn espalmou no estacionamento na noite passada. Aquele cujo corpo Sophia
havia eliminado.

— Ele ia cuidar de alguns assuntos para mim em Southtown, bem perto da
faculdade comunitária, — Tobias disse. — Mas ele não voltou para casa na noite
passada. Pensei que você pudesse tê-lo visto, uma vez que tira todas aquelas
aulas na faculdade.

Os olhos de Violet se arregalaram. Ela acabara de perceber que Trace era o
anão que a tinha atacado, e não sabia como responder às insinuações, sugestões,
e ameaças veladas de Tobias Dawson. Mas Finnegan Lane, como cavalheiro do
Sul que ele era, deu um passo à frente e interveio.

— Southtown é uma vizinha perigosa. — Finn disse num tom suave. —
Quem sabe o que pode ter-lhe acontecido em um lugar como aquele?
Praticamente tudo, eu imagino. Multidão bruta, a que fica nessa parte de
Ashland. Drogados, vampiras prostitutas, cafetões. Não é seguro um homem
caminhar naquelas ruas sozinho.

Tobias se fixou em Finn com um olhar duro. — Eu não estava falando com
você, filho. E o que você saberia sobre isso afinal?

Finn sorriu. — Eu cresci lá.

O anão olhou para Finn com hostilidade e suspeita. Os dois gigantes e os
dois outros homens sentiram o desprazer de seu chefe. Eles deram alguns passos
em frente. Tobias ficou tenso, pronto para dar a ordem. Eu peguei outra faca.

Isso não iria terminar bem.

Mas antes que o anão pudesse dizer a seus homens para cuidarem de
Warren T. Fox de uma vez por todas, Donovan Caine desceu os degraus da
varanda e abriu o seu casaco. O sol do meio-dia fez o crachá dourado no seu
cinto brilhar ao lado da sombra escura de sua arma.

Tobias olhou para o distintivo e arma. Os olhos azuis pálidos do anão
voaram para o sedan parado na frente da loja. Tal como eu, ele também
reconhecia um carro policial quando o via.

— Quem é você?

— Detetive Donovan Caine. Sou um velho amigo da família Fox.

Finn deu outro sorriso e apontou seu dedo para o detetive. — Talvez você
tenha ouvido falar dele. Foi ele quem matou Alexis James, aquela Elemental de
Ar maluca que estava roubando das Indústrias Halo, sua própria companhia.
Aconteceu à cerca de dois meses atrás. Apareceu em todos os noticiários. O
prefeito até lhe deu uma medalha por seu brilhante trabalho de investigação.

Donovan fez uma careta pelo manhoso e zombeteiro elogio. O detetive sabia
o que realmente acontecera. Que eu tinha sido aquela que matou Alexis James e
seus lacaios no Penhasco de Ashland. Ele havia aceitado o crédito e as honras
por algo que ele nem sequer fez.

Seus olhos brilharam com conhecimento. Tobias Dawson sabia quem o
detetive era. Ótimo.

O estatuto de Caine como membro da força policial de Ashland fez o anão
reconsiderar suas opções. Ashland podia ser uma cidade perigosa, e os policiais
podiam ser tão tortos 39 quanto as estradas ao redor da montanha, mas as
pessoas ainda paravam para pensar antes de enfrentarem um membro da polícia.
Havia pagamentos a considerar, subornos, cadeias de comando. Sem mencionar
o fato de que Donovan Caine era uma espécie de herói popular na cidade — um
policial honesto no meio de um mar de policiais corruptos. A morte de Caine
levantaria um monte de perguntas, mesmo para alguém tão bem conectado
quanto Tobias Dawson.

Os olhos do anão foram para Donovan, então para Finn, e finalmente para
Warren. Ele não olhou para mim ou para Violet. Evidentemente, nós simples
mulheres, não eramos uma grande ameaça. Bastardo sexista.

Ainda assim, Tobias sabia contar tão bem quanto qualquer pessoa.

Cinco de nós, cinco deles. Uma probabilidade não muito grande, mesmo
nós estando sobrecarregados com um homem velho e duas mulheres.

Mas o crachá de Donovan Caine era o algo que pesava — por agora.

Tobias olhou para Warren de novo. — Você tem três dias para pensar sobre
minha última oferta. E é minha última oferta. Sugiro que pense realmente bem
sobre tudo. Antes que eu tenha que voltar e pedir para você reconsiderar.

39 Desonestos

O anão cuspiu mais uma vez, girou sobre seus calcanhares, e voltou para o
SUV. Ele fez um gesto circular com suas mãos.

Um por um, seus quatro capangas se viraram e andaram atrás dele.

Donovan Caine ficou onde estava, seu rosto duro, os olhos castanhos frios
e planos, até que o veículo saiu do estacionamento. O motorista virou à direita no
cruzamento e saiu de vista. Depois que eles se foram, o detetive suspirou e
passou as mãos pelos cabelos negros.

— Bem, isso certamente foi divertido. — Finn disse com uma voz alegre.

***

Nós cinco ficamos na varanda por mais alguns minutos, mas Dawson e
seus homens não voltaram. Quando eu estava certa de que eles tinham ido,
coloquei minhas facas Silverstone de volta em minhas mangas. Em seguida desci
da varanda e andei até o local onde Tobias Dawson tinha estado para eu poder
ter uma noção melhor de qual era a sua magia.

O cascalho debaixo dos meus pés cantarolava com tanta força que a minha
pele começou a formigar e as cicatrizes de runa de aranha em minhas palmas
coçaram. Então o anão era um Elemental de Pedra.

Alguém que poderia controlar e manipular o elemento.

Poderoso em sua magia, assim como eu.

Eu me perguntei se o anão tinha alguma outra mágica ou talento especial
que eu precisasse saber — antes de matá-lo. De qualquer forma, Tobias Dawson
tinha acabado de ir de uma morte desafiadora para uma excecionalmente difícil.
Teria que matá-lo de forma rápida, antes que ele sequer percebesse o que estava
acontecendo. Caso contrário, eu seria aquela que terminaria a sete palmos
debaixo da terra.

— O que você está fazendo? — Donovan Caine perguntou, observando-me
andar num círculo por cima do ponto onde o anão tinha estado.

— Nada.

O detetive sabia que eu tinha magia, que eu era uma Elemental do Gelo,
mas eu nunca lhe tinha contado sobre o meu poder principal, Pedra. Minha
magia não era algo que eu anunciava, e eu ainda não sabia com certeza que tipo
de relacionamento eu tinha com Donovan Caine — ou o que eu teria.

Violet Fox abraçou-se com os braços. A cara valente que ela tinha colocado
por causa de Tobias Dawson havia desaparecido, deixando seu rosto redondo
pálido e suado, apesar do frio de outono. — Você não fez nada, Gin. Porque você
não fez nada? Porque você não disse para o Dawson se afastar e nos deixar em
paz?

— Porque não queria que ele me notasse. — Eu disse. — Não aqui, não
agora. Isso faria com que me aproximar dele depois fosse mais difícil. O anão mal
olhou na minha direção. Ele não se lembrará de mim depois, quando eu me
aproximar dele novamente.

— Você quer dizer quando matá-lo. — Donovan Caine disse em uma voz
fria e plana.

— Sim, — eu disse. — Quando matá-lo.

Donovan olhou para mim. Seus olhos brilhavam como ouro líquido em seu
rosto forte. Depois de alguns segundos de análise, ele balançou a cabeça. — Você
sabe que eu não posso deixá-la fazer isso. Não posso deixar você ir atrás de
Tobias Dawson.

Eu suspirei. Apesar do fato de que o detetive e eu tínhamos trabalhado
juntos antes, nós estávamos mais uma vez onde começamos. Com ele agarrado a
seus oh-tão-altos ideais moralistas e ficando no meu caminho, impedindo-me de
fazer o que é necessário.

— Não vejo como você pode impedir, detetive. — Finn cortou. — Porque
Tobias Dawson não vai parar de assediar os Fox até que ele consiga essa terra. O
que significa que ele não vai parar até que os dois estejam mortos. O bastardo
enviou seu irmão para estuprar e assassinar Violet na noite passada. Uma garota
de dezenove anos que provavelmente nunca fez mal a ninguém em toda a sua
vida. E aqui está você tentando protegê-lo, quando deveria estar preocupado com
uma jovem mulher e seu avô. O que há de errado nesse retrato?

Donovan olhou para Finn, que olhou de volta para o detetive. Ambos os
homens tinham suas mãos fechadas. Eu suspirei novamente. Finn estava do meu
lado, claro, assim como qualquer irmão estaria, e suas palavras e lógica eram
precisas. Mas só havia uma maneira do detetive concordar com o assassinato de

Tobias Dawson — um pequeno passo de cada vez. O que significava que eu teria
que ser aquela a se esforçar para levar Donovan Caine na direção que eu queria
que ele fosse.

— Finn? — Eu pedi.

— Sim?

— Você trouxe o seu laptop?

Ele fungou. — Por acaso eu saio de casa sem ele?

Que pergunta idiota. Às vezes eu me perguntava como Finn se afastava do
computador tempo suficiente para perseguir rabos de saia.

— Então pegue-o. Quero que você descubra tudo o que puder sobre Tobias
Dawson. Hábitos, hobbies, interesses comerciais, qualquer coisa que possa ser
útil.

Finn assentiu e se dirigiu ao SUV.

— E o que você vai fazer? — Donovan Caine perguntou numa voz baixa.

Eu dei-lhe um sorriso brilhante. — Não eu, detetive. Nós. Nós iremos
verificar a mina de carvão do anão, e ver se podemos descobrir porque Tobias
Dawson de repente tem tanto interesse pela terra de Warren. O que você diz,
detetive? A fim de um arrombamento e invasão hoje a noite?

Donovan fez uma careta e olhou para longe.

— Isso quer dizer que você vai nos ajudar? — Violet perguntou.

Eu olhei para ela. — Já estou ajudando-vos há algum tempo, Violet. Mas
sim, vou cuidar do Dawson para vocês.

— Porquê? — Warren Fox perguntou. — Sei quanto Fletcher Lane cobrava
por seus serviços – e isso foi há anos atrás. Não posso pagar nada parecido a esse
valor.

— Não se preocupe com o dinheiro. — Eu disse. — Apenas me dê alguns
jarros de mel para levar para Jo-Jo, e estaremos quites.

— Você não vai cobrar? — Donovan Caine perguntou com suspeita. —
Porquê? Assim você pode pegar na terra deles para si mesma?

Eu levantei uma sobrancelha. — E o que eu faria com uma loja no país do
carvão? Já tenho uma churrascaria para gerir. Isso é suficiente para mim. Então
não, eu não quero a terra deles. Acredite ou não, detective, eu ocasionalmente
presto meus serviços gratuitamente. Pró-fodido-bono, quando a situação pede.

— Mas porquê? — Caine persistiu. — Porque você quer tanto matar Tobias
Dawson?

Meu olhar voou para Violet. A imagem de seu rosto arruinado passou
diante dos meus olhos, e os sons de seus soluços sufocados tocaram os meus
ouvidos. Apesar de Jo-Jo Deveraux a ter curado, Violet tinha perdido uma parte
da sua inocência na noite passada. Uma parte que ela nunca recuperaria. Assim
como tinha acontecido comigo na noite em que a minha família tinha sido
assassinada, quando tudo e todos que eu amava foram queimados até as cinzas.

Talvez eu quisesse ter certeza que Violet não terminaria como eu — dura,
fria, distante de todos, exceto alguns poucos. Talvez eu quisesse obter vingança
por ela, uma vez que eu estava tendo tantos problemas com a minha. Talvez eu
só quisesse que ela fosse capaz de dormir um pouco melhor à noite, sabendo que
Tobias Dawson estava alimentando vermes.

Eu não consegui decidir qual era a razão, e não poderia contar ao detetive
todas elas. Não queria revelar aquela parte de mim. Além disso, ele não teria
acreditado em mim de qualquer forma. Então decidi falar minha usual resposta
inversa.

— Porque Tobias Dawson não é nada mais do que um valentão rico e
mimado que quer ser um cowboy. — Eu disse — Porque eu estou entediada. Mas
principalmente, porque irei gostar muito de tirar aquele jumento pomposo
daquele chapéu ridículo e botas feias antes de cortar a sua garganta.

Capítulo 17

Não havia mais nenhuma questão à cerca dos meus serviços ou
intenções sombrias, então começamos a trabalhar.

Finn pegou seu laptop do SUV e colocou-o num dos balcões do Country
Daze. Violet procurou ao redor e encontrou uma extensão para que ele pudesse
poupar sua bateria. Finn deu-lhe um piscar de olhos atrevido e um largo sorriso
charmoso, trabalhando em sua mágica. Violet sorriu, abaixou a cabeça, e se
inclinou para pegar outra coisa para ele.

Atrás de Violet, Warren T. Fox estreitou seus olhos escuros, cruzou seus
braços, e lançou um olhar significativo para o revólver em cima do balcão. Finn
limpou a garganta e voltou sua atenção para o laptop.

Ele podia ser capaz de encantar as mulheres, mas Finn sempre tinha muito
menos sorte com seus familiares do sexo masculino. Especialmente aqueles tão
protetores e desconfiados quanto Warren.

Donovan Caine andava de um lado para o outro nos corredores da loja,
celular preso em sua orelha. O detetive relutantemente tinha se oferecido para
ajudar Finn a conseguir informações sobre Tobias Dawson, embora tivesse
deixado claro que não concordava com o plano de assassinar o anão.

Mesmo assim, era um pequeno passo na direção certa. Por que eu mataria
o anão, Donovan Caine gostasse ou não.

Enquanto os outros trabalhavam, eu olhava pela janela da loja e mantinha
um olho no cruzamento lá fora. Tobias Dawson podia ter dito que não voltaria por
um par de dias, mas eu não ficaria surpresa se ele aparecesse mais cedo — com
mais homens. Razão pela qual eu agarrei o meu celular e liguei para Sophia
Deveraux no Pork Pit. O telefone só tocou duas vezes antes que ela atendesse.
Apesar das minhas instruções adversas, a anã gótica ainda estava na
churrascaria.

— Hmph? — Sophia atendeu com seu habitual grunhido monótono.

— É a Gin. Isso vai ser um pouco mais difícil do que eu primeiramente
imaginei. Preciso que você feche o restaurante e venha até aqui. E enquanto você
está aí, coloque uma placa na porta dizendo que estaremos fechados pelo resto da
semana.

— Problemas? — Sophia perguntou asperamente.

Eu olhei para Violet, que estava dando uma garrafa gelada de Dr. Enuf 40
para Finn e Warren, que ainda estava de olho nele. — Não tanto um problema,
mais uma preocupação. Preciso fazer trabalho de reconhecimento em Tobias
Dawson, e não quero deixar Violet e seu avô sozinhos na loja enquanto isso. Não
quero que Dawson e seus homens apareçam aí enquanto estou fora e façam algo
estúpido, como queimar a loja com os Fox dentro. Então você ficaria de guarda-
costas, junto com Finn. Acha que pode lidar com isso?

— Números?

— Ele trouxe dois gigantes com ele e dois outros caras que pareciam meios
gigantes. Não sei exatamente quantos homens Dawson tem à sua disposição, mas
imagino que ele possa ameaçar todos os seus empregados se assim o desejar.

Sophia ponderou por alguns segundos.

— Então, você vem? — Eu perguntei, embora já soubesse qual seria a
resposta. Sophia gostava de um desafio tanto quanto eu.

— Um-mmm. — Sim, em não-tantas-palavras.

— Ótimo, — eu disse. — Estaremos esperando.

40 Refrigerante

Nós deligamos, e eu coloquei o telefone de volta em meu bolso. O assoalho
de madeira rangeu, e Warren T. Fox veio ficar ao meu lado. Ele também olhou
pela janela da frente da loja. Dois carros passaram, apenas diminuindo o
suficiente para poderem fazer a curva à esquerda antes de seguirem adiante na
interestadual.

Nós não falamos. O silêncio era uma coisa que nunca tinha me
incomodado. Não parecia incomodar Warren também.

Mas nós precisávamos fazer algumas coisas. Por que os Fox não podiam se
esconder aqui na loja para sempre, e eu queria ter certeza de que eles estavam
em algum lugar seguro quando eu fosse bisbilhotar a mina.

— Onde é a sua casa? — Eu perguntei. — Violet ainda mora com você?

Warren assentiu. — Ela mora. A casa fica na extremidade traseira do lote,
atrás de um grupo de árvores, próxima a um pequeno riacho. Você não pode vê-lo
da estrada.

Então Tobias Dawson não queria só a terra onde a loja de Warren estava,
ele também queria a casa do velho.

No Sul, tomar a casa de alguém é ainda pior do que simplesmente querer a
sua terra. Mais um motivo para eu matar o anão.

— Vou precisar ver a casa. Ter certeza que ela é realmente segura.

Não era um pouco de madeira, pregos, e uma porta que manteria um
gigante fora, mas tudo ajudava. Mesmo alguns segundos de atraso poderiam
fazer diferença. Poderia ser o que decidiria se os Fox escapavam ou não,
sobreviviam ou morriam.

Warren assentiu, e ficamos em silêncio novamente.

— Acredito que deva te agradecer, — Warren finalmente disse numa voz
áspera. — Por querer me ajudar.

— Você não precisa me agradecer. Só faça o que eu digo, e tudo ficará bem.

Warren olhou para mim. — Você é muito parecida com ele. Com Fletcher.

Eu não respondi. No passado, eu teria gostado da comparação. Agora, não
tinha tanta certeza se queria ser como Fletcher Lane, com seus segredos e

agendas secretas. Eu ainda não conseguia acreditar que ele tinha sabido quem
eu realmente era todos esses anos, que tinha compilado aquela pasta sobre o
assassinato da minha família, que havia sabido que Bria estava viva e onde ela
estava — e que não tinha me dito nada.

Por que Fletcher havia escondido isso de mim? Qual tinha sido o motivo
para ele esconder isso de mim? Eu pensava que conhecia Fletcher melhor que
qualquer outra pessoa. Eu era sua aprendiza, afinal de contas. Aquela para a
qual ele havia ensinado todos os seus segredos. Agora eu me perguntava se tinha
realmente sabido alguma coisa a respeito dele — além daquilo que ele queria que
eu soubesse.

— Você é dura como ele era, — Warren continuou. — Capaz de colocar seus
sentimentos de lado e fazer o que precisa ser feito, não importa o que. Sempre
admirei isso nele. Fletcher sempre foi mais forte que eu. Mesmo quando Stella
nos deixou, eu nunca o vi ir abaixo. Ele nunca vacilou, nem uma vez, nem
mesmo por um segundo. Você nunca sabia dizer quando algo estava errado com
ele.

Stella, a mulher que ambos amaram. Aquela que tinha arruinado a relação
deles, e então fugido com outro homem.

Warren ficou em silêncio novamente, e seus olhos brilhantes se
entorpeceram com velhas lembranças. Depois de um minuto, ele balançou sua
cabeça e voltou a si. — De qualquer forma, sei que não mereço isso, mas eu
aprecio a sua ajuda, especialmente por causa de Violet. Ela teria morrido na noite
passada se não fosse por você.

Eu dei de ombros. — Eu teria feito o mesmo por qualquer outra pessoa.

Warren balançou a cabeça. — Não, eu acho que você não teria. Você sabe
que há algumas pessoas que simplesmente merecem morrer. Uma coisa que
Donovan ainda não percebeu. Uma coisa que ele jamais será capaz de admitir
para si mesmo. Seu pai era do mesmo jeito. Ele tentou me ajudar com Dawson há
alguns anos atrás, mas não conseguiu ir adiante.

— Então é por isso que você conhece Donovan. Você conhecia seu pai.

Warren assentiu. — Daniel Caine, um bom homem. Donovan também é.
Mas ele não é o cara certo para você.

Ele era mais observador do que eu tinha imaginado. Ergui uma
sobrancelha. — O que você quer dizer?

Warren olhou por sobre seu ombro, mas Donovan Caine ainda estava
falando no seu celular, então ele se voltou para mim. — Eu quero dizer que você e
Donovan Caine estão em lados opostos. Sempre estiveram, sempre estarão. Ele
não vai mudar, e ele nunca aceitará o que você é, o que você fez. Não está na sua
natureza, não importa o quanto ele deseje aceitar.

— E você está me dizendo isso por que...

— Por que Donovan é um bom homem, e você também é boa, à sua
maneira. Pelo menos você deveria ser se Fletcher te criou direito. — Warren disse.
— No mínimo, você é boa no que faz.

— A melhor. Eu era a melhor no que fazia, — Eu corrigi-o. — Mas estou
aposentada agora.

Warren bufou. — Certo. Apenas recorde o que eu disse. Não se apegue
muito a Donovan Caine. Por que isso não vai terminar do jeito que você quer.

Seus olhos não brilharam com poder, e eu não sentia qualquer magia
gotejando dele, o que significava que Warren T. Fox não tinha o sentido da
premonição de um elemental de Ar.

Quer Warren tivesse mágica ou não, ele ainda era observador o bastante
para reconhecer que algo estava acontecendo entre mim e Donovan Caine.

Finn murmurou algo, o que fez Violet dar uma risadinha.

A cabeça de Warren girou com o som. Ele se arrastou para olhar
ameaçadoramente para Finn e colocar um fim ao flerte do rapaz mais jovem com
sua neta. Nesse momento, eu podia ter-lhe oferecido o conselho de não se
incomodar. Além de atirar em Finn com a espingarda, não havia nada que
Warren pudesse fazer. Flertar com o sexo oposto era tão natural e necessário
para Finn quando respirar.

Eu olhei para onde Donovan Caine estava. O detetive me viu olhando para
ele, franziu a testa e virou as costas. Ignorando-me mais uma vez.

Eu suspirei. Warren T. Fox era definitivamente mais esperto do que eu
pensava. Ainda pior, eu tinha uma profunda suspeita que ele estava certo sobre
mim e Donovan. O detetive não ia se esforçar para fazer as coisas funcionarem
entre nós, não importando quão quente o sexo tinha sido, não importando quão

clara a atração ainda queimava. Meus olhos cinza passaram por sobre o corpo
elegante do detetive.

Uma pena, realmente.

***

No momento que segui Warren até sua casa, tornei tudo tão seguro quanto
pude, e voltei para a loja. Já tinham passado algumas horas desde que eu tinha
chegado. Meu estômago roncou, me lembrando que a metade do sanduíche de
churrasco que eu tinha comido no almoço já tinha ido há muito. Então examinei
os refrigeradores que ficavam na parte da frente da loja. Eu peguei um sanduíche
de mortadela e queijo suíço enrolado em papel celofane de um dos refrigeradores,
junto com uma garrafa de limonada. Algumas batatas fritas e uma barra de
chocolate dos expositores perto do balcão completaram minha refeição gourmet.
Eu levei meus itens para a caixa registadora.

— Você não precisa pagar por isso, — Violet Fox protestou.

Eu coloquei uma nota de dez no balcão. — Claro que preciso. Fique com o
troco.

Eu levei meu jantar para a varanda e me acomodei num banco de pedra.
Havia um barril ao lado que era perfeito para servir de mesa. A limonada estava
demasiado fraca e diluída para o meu gosto, e o pão estava ficando duro e
bolorento, mas barrá-lo com maionese o tornou comestível. Não era a melhor
refeição da minha vida, mas serviria. Odiaria ter o trabalho de invadir o escritório
de Tobias Dawson apenas para que meu estômago roncasse e me entregasse a
qualquer um dos guardas que poderiam estar por perto.

Eu tinha acabado de desembrulhar a minha barra de chocolate quando
Donovan Caine veio para a varanda. O detetive hesitou, e então caminhou até
mim.

— Posso me juntar a você? — Ele perguntou numa voz baixa.

— Claro. — Eu afundei meus dentes na barra de chocolate. Amêndoas
crocantes e ligeiramente amargas revestidas de chocolate preto. Definitivamente a
melhor parte da refeição.

O detetive olhou para o cruzamento. Um caminhão de carvão vazio
retumbou, parou, e deu a volta para prosseguir até a mina.

— Eu consegui algumas informações sobre Tobias Dawson, — Donovan
disse. — E não são boas. Ele é um verdadeiro problema. Ele controla quase toda
a área de mineração, assim ele paga aos seus funcionários um salário abaixo do
normal. Alguns deles tentaram formar uma união alguns meses atrás. Todos
sofreram acidentes na mina logo depois. Colapsos de telhados, falhas nos
equipamentos, até um desmoronamento.

— Você esperava outra coisa? Você viu Dawson ameaçando os Fox. Ele não
é um cara legal.

Donovan passou a mão pelo seu cabelo preto. — Mas isso não significa que
é certo você matá-lo.

— Também não é certo Dawson intimidar as pessoas para conseguir o que
quer só porque tem dinheiro, — eu apontei. — Então o que é pior – eu matar
Dawson por ameaçar os Fox ou ele mandar o irmão estuprar e matar Violet
apenas para mandar uma mensagem para o avô dela?

Caine respirou fundo. — Eu não sei. Simplesmente não sei. Mas dois meses
atrás, eu teria te prendido por planejar matar alguém. Colocaria minhas algemas
em você e te levaria para a delegacia, sem perguntas.

— E agora?

Donovan olhou para a estrada, embora eu tivesse a impressão que ele não
estava realmente olhando para ela.

— Agora, estou pensando em ajudar você a pegá-lo.

— Não soe tão despedaçado por isso, detetive. Livrar-se de Dawson é a
coisa certa a fazer.

Ele balançou a cabeça. — Não, isso é que você quer fazer. Eu só estou indo
junto.

— Por quê? — Eu perguntei. — Por que ir junto se isso aborrece tanto a
sua consciência?

Donovan olhou para mim. Emoções cintilaram como chamas de velas em
seus olhos. Culpa. Desejo. Necessidade. Cansaço. Resignação.

— Eu também não sei a resposta para essa pergunta.

Pneus rangeram ruidosamente no cascalho, e um conversível clássico
entrou no estacionamento. O veículo era tão preto quanto o preto podia ser.
Apesar de ser primitivo, de beleza reluzente, o conversível sempre me lembrava
um carro fúnebre. O topo era alto, mas eu não precisava ver dentro para saber
quem estava dirigindo. Sophia Deveraux tinha chegado. Eu levantei-me.

Donovan ficou tenso. — Problemas?

— Relaxe, detetive. Eu chamei uma amiga para vir ajudar a vigiar os Fox,
enquanto você e eu damos uma olhada na mina de Dawson.

Sophia abriu a porta do motorista e saiu.

O detetive franziu o cenho. — Essa não é sua cozinheira do Pork Pit?
Aquela que estava trabalhando quando Jake McAllister tentou te roubar?

— É, — eu respondi. — Ela tem outro emprego, assim como eu.

Mas Sophia não estava sozinha. A porta do lado do passageiro abriu, e
cachos loiros platinados apareceram, cobertos parcialmente com um lenço rosa.

Sophia tinha trazido sua irmã mais velha, Jo-Jo, com ela.

Jo-Jo disse alguma coisa a Sophia que eu não pude ouvir, e a anã Gótica
grunhiu de volta em resposta. Depois as duas mulheres fecharam as portas do
carro e vieram na nossa direção.

Elas pararam na base da escada. Sophia deu uma olhada plana e
desinteressada no Donovan, mas os olhos de Jo-Jo se iluminaram quando ela
observou o detetive. Além de ser uma borboleta social, a anã também era terrível
no flerte, assim como Finn.

— Bem, — Jo-Jo disse, seus olhos claros pousando em Donovan. — Quem
é esse?

Eu permaneci de pé e fiz as apresentações. — Jo-Jo Deveraux, esse é o
detetive Donovan Caine do Departamento de Polícia de Ashland. E vice-versa. A
garota gótica é Sophia, irmã de Jo-Jo.

Jo-Jo estendeu a mão, como se quisesse que Donovan a beijasse.
Desapontamento brilhou através do rosto da anã quando ele meramente a
balançou, ao invés disso.

— Eu pedi a Sophia para olhar por Warren e Violet enquanto verificamos a
mina de Dawson, — expliquei ao detetive.

— E eu estou aqui para apoio moral, — Jo-Jo interrompeu.

Donovan Caine olhou o vestido florido, as pérolas, as sandálias de salto
alto, e as unhas da anã. Sem dúvida ele pensava que ela não seria muito boa
numa briga. Mas Jo-Jo era quase tão forte quanto Sophia — e ela tinha sua
magia elemental de Ar para complementar sua força natural.

Nem eu sabia se podia derrotar Jo-Jo numa briga.

— Vamos lá, — eu disse. — Vamos entrar.

Capítulo 18

Finn ainda estava procurando informações sobre Tobias Dawson, então
eu deixei-o a ele e aos Fox nas mãos capazes de Sophia e Jo-Jo.

Violet estava feliz por ver a velha anã novamente e começou a bombardeá-la
com perguntas sobre tratamentos de cabelos com óleos quentes.

Para minha surpresa, Warren também estava a falar alegremente com a
anã. Jo-Jo devia conhecê-lo melhor do que ela alegou porque o homem velho
puxou duas cadeiras de balanço, e ele e Jo-Jo começaram a fofocar sobre as
pessoas que conheciam aqui em Ridgeline Hollow. Então novamente, Jo-Jo
Deveraux tinha mais do que duzentos e cinquenta anos de idade. Eu não podia
imaginar quantas pessoas ela conheceu em sua vida. Difícil se lembrar de todos,
mas de alguma forma ela conseguia. Ela parecia especialmente faladora com
Warren.

Isso deixou Sophia com a tarefa de guarda. Eu mostrei-lhe os vários pontos
de acesso que davam para a loja e para a casa.

Assim que terminamos, a anã Gótica colocou uns fones nos ouvidos e se
dirigiu à varanda para manter um olho em Tobias Dawson e seus homens.

Andei rapidamente através da loja e peguei alguns itens que pensei que
poderiam ser úteis. Lanternas, cordas, luvas, binóculos. Deixei cem dólares no
balcão para cobrir tudo. Então Donovan Caine e eu deixamos os outros na loja e
entramos em seu sedan.

O detetive se afundou no banco do motorista, enquanto eu me sentava no
assento do passageiro. Ao contrário da maioria dos carros de tiras em que eu
estive, este era limpo. Sem embalagens de comidas, sem copos de refrigerantes
vazios, sem lixo ou restos espalhados pelo chão e bancos. O carro ainda cheirava
como Caine — limpo e levemente a sabão. Ou talvez fosse apenas o perfumador
pendurado no espelho retrovisor. De qualquer maneira, eu respirei fundo,
apreciando o aroma fresco. Mmmm.

Donovan ligou o carro e olhou para mim. — Para onde?

Olhei para as folhas que Finn havia me dado.

Finn não tinha encontrado muito sobre Tobias Dawson, mas ele tinha sido
capaz de achar vários mapas da mina do anão — incluindo um do prédio onde
ficava o seu escritório.

— Dirija até ao sinal e vire à esquerda, — eu disse. — Há uma estrada de
acesso antiga que passa ao longo do topo da colina e esta tem vista para a mina.
Podemos parar lá e ver o que está acontecendo antes de agirmos.

Donovan assentiu e saiu do estacionamento. Ele dirigiu até ao sinal, em
seguida fez uma curva apropriada. Não conversamos enquanto o veículo subia a
estrada sinuosa e torcida.

Como o sinal turístico no cruzamento indicava, esta era uma estrada
pitoresca, com matas densas de ambos os lados. A queda das folhagens ali devia
ser incrível. Mas a altitude era ligeiramente maior aqui do que no resto de
Ashland, o que significava que os bordos 41, os carvalhos e os álamos 42 já tinham
lançado a maioria de suas folhas coloridas. Ainda assim, achei os galhos das
árvores encantadores à sua maneira, tiras de madeira enroladas juntas que
criavam formas engenhosas.

Através das extremidades nuas, eu localizei o riacho que Warren Fox havia
mencionado, aquele que passava ao redor de sua casa e perto do Country Daze.
Eu não sabia se chamaria de pequeno riacho, no entanto. A água corrente atingia
aproximadamente dez metros de largura em alguns lugares, encontrando
incomuns formações de rochas. Acostamentos de cascalho em cada lado da
estrada marcavam a pesca popular e alguns pontos rasos.

41 http://4.bp.blogspot.com/_Y3XOioupao8/SO644OjnbCI/AAAAAAAABMA/2IsqbzHXotg/s400/IMG_0159.JPG

42 http://cultura.culturamix.com/blog/wp-content/gallery/alamo/alamo-11.jpg

Olhei para o mapa novamente. — Pegue a próxima à direita.

Donovan assentiu e fez o que eu disse.

O concreto suave se transformou num pavimento quebrado quando o carro
entrou mais na montanha. Cascalho substituiu o pavimento. O cascalho
desapareceu e eles se viram dirigindo através de trilhos difíceis e cheios de
sujeira. Apesar do terreno, Donovan seguiu em frente. Seguimos por mais dois
quilómetros e terminamos em uma pequena clareira arborizada.

O detetive parou o carro e saímos.

O ar era ainda mais frio aqui do que fora no Country Daze, e tinha
começado a chuviscar novamente. Subi a gola da minha jaqueta preta de lã,
levantando o rolo de corda sobre meu ombro, e me certificando que tinha todos os
meus outros suprimentos. Donovan foi até ao banco de trás e agarrou uma capa
de chuva azul marinha gravada com as palavras Departamento de Polícia de
Ashland nas costas. Ele ofereceu-ma, mas balancei a cabeça.

— Fique com ela, — eu disse. — Você quem trouxe, não eu.

O detetive deu de ombros. Coloquei os mapas que Finn me deu no bolso
dos meus jeans para que não ficassem muito úmidos.

— Por aqui, — eu disse ao detetive.

Sai da clareira. A chuva miudinha já tinha molhado várias ervas e folhas
caídas no chão, então caminhei com cuidado e devagar. Eu não precisava de um
tornozelo torcido ou quebrado essa noite. Atrás de mim, Donovan fazia o mesmo.

Um sinal no final da clareira dizia não invada — Companhia de Mineração
Dawson, mas ignorei-o. Invadir seria o menor dos meus crimes desta noite.
Andamos em silêncio através de árvores úmidas por alguns minutos antes de
chegarmos à borda da colina. Eu me agachei atrás de um pinheiro alto, Donovan
se agachou ao meu lado. Apesar da chuva, o cheiro do detetive tomou conta de
mim. Mmmm. Aquele cheiro me fez querer voltar para ele, pressionar meus lábios
nos dele, e fazê-lo deitar no chão. Claro, as folhas e a terra estariam um pouco
molhadas, mas eu não tinha dúvidas de que Donovan e eu podíamos nos aquecer
depressa.

Infelizmente, eu não estava aqui para uma rapidinha com o detetive, não
importa o quão prazeroso seria. Então, peguei nos binóculos que eu trouxe. A
colina se inclinava para baixo e em seguida se nivelava, formando um grande U.

Parte da montanha tinha sido removida para formar a área aberta do U. Rampas
de terra se torciam por ambas as pernas do U, oferecendo acesso às partes mais
altas.

Eu podia ver várias máquinas na base. Retroescavadoras, tratores, e outras
máquinas destinadas a mover terra — muita terra. Outras eram apenas grandes
e pesadas. Bestas complexas de metal com muitas gruas. Algumas dessas
máquinas eram maiores que casas pequenas, mas eu não tinha ideia quais eram
seus nomes ou até mesmo o que faziam. Havia também caminhões de lixo, com
alicerces e rodas ainda maiores do que as que Finn tinha usado para atropelar
Trace Dawson.

Do outro lado ficava a outra parte da operação — a mina subterrânea. Um
buraco quadrado preto na montanha, mantido aberto por vigas de apoio de
concreto. Também havia algumas faixas de metal lá.

Supus que antes as faixas de metal eram usadas para ajudar na locomoção
dos homens e equipamentos. Agora elas pareciam fracas e enferrujadas pela falta
de uso. Eu podia ver lugares onde o metal tinha sido arrancado e não
substituído. Lembrei-me que Violet Fox tinha dito que o carvão daquela mina
subterrânea tinha acabado e ela estava fechada há já algum tempo. Era de se
dizer que o foco tinha mudado para outra parte da montanha, arrancando uma
parte de cada vez. Era por isso que todo o equipamento estava aqui — para
transportar terra e sujidade, não para tirar carvão. Não mais.

Mais faixas de metal se curvavam ao redor da bacia e desapareciam de
vista. De acordo com o mapa de Finn, elas levavam a uma área onde o carvão era
armazenado e processado, entre outras coisas. Eu tinha muito conhecimento
sobre muitos assuntos, graças a todas as aulas que eu frequentei na
Universidade Comunitária de Ashland, mas mineração de carvão não estava entre
eles.

Mas mesmo estando um bocado afastada, eu podia ouvir a pedra da
montanha. Grunhindo, rosnando, xingando, resmungando. A pedra estava
extremamente irritada com o dano cruel que lhe tinha sido infligido. Antes, este
lugar devia ser encantador, com declives acentuados, árvores, e afloramentos
rochosos até onde a vista alcançava. Mas agora não havia nada além de terra,
pedra e maquinaria. As vibrações da terra me fizeram querer chamar a minha
magia para fazer com que toda a mina, todo o resto da montanha, desmoronasse
em cima dos homens e máquinas que tinham sido tão cruéis com ela. Mas eu não
tinha esse tipo de poder, e isso não ajudaria Warren e Violet. Então, cerrei meus
dentes e forcei o sentimento de lado.

Passava um pouco das seis e já estava escurecendo. Passei os binóculos
para Donovan Caine, assim o detetive podia observar os trabalhadores descendo
de suas máquinas e saindo da bacia. Continuei examinando a área, tentado
memorizar tudo. Seria fácil perder seu senso de direção entre as máquinas
enormes, especialmente com o crepúsculo chuvoso dando lugar à noite.

— Não vejo muita coisa. Apenas máquinas, — Donovan Caine disse.

— Olhe para baixo, à esquerda da borda da bacia. Lá em baixo. — Apontei
para uma pequena construção branca que brilhava como uma lua opaca. — Ali é
onde alguns dos escritórios ficam, inclusive o de Dawson, de acordo com a
informação que Finn me deu.

— O que você espera encontrar lá? — Caine perguntou, olhando para a
estrutura através dos binóculos. — Duvido que Tobias Dawson deixe provas
incriminatórias espalhadas por aí.

Dei de ombros e levantei. Levei um momento para tirar as folhas mortas e
úmidas dos meus jeans.

— Talvez, talvez não. Dawson é o grande chefão aqui, lembra? Esta é a sua
montanha. Ele pode ser desleixado o suficiente para deixar coisas por aí.

— E se não for?

Dei de ombros novamente e amarrei uma extremidade da corda ao redor da
base de um pinheiro. Depois de ter certeza que estava firmemente atada, joguei a
outra extremidade para baixo. — Ao menos faremos nosso exercício da noite.

Enfiei a mão no bolso de trás do meu jeans e estendi um par de luvas para
ele. Elas eram luvas de jardinagem, brancas com revestimentos marrons, mas
serviriam para impedir a corda de queimar nossas mãos, ou deixarmos
impressões digitais no escritório de Tobias Dawson.

— Agora, você vem ou não?

Donovan Caine soltou uma maldição. Porém o detetive pegou nas luvas e
começou a colocá-las.

***

Por alguma razão, os mineiros ainda não tinham escavado este lado da
montanha, o que significava que o cume ainda estava coberto com pedras e
vegetação. Era uma ladeira íngreme e escorregadia, ainda mais pela garoa, e nós
movimentamo-nos com cuidado, usando a corda para nos ajudar a descer até a
base. Movemo-nos tão rápido quanto pudemos, mas ainda nos levou quase vinte
minutos para chegar ao fundo.

Nos agachamos atrás de um afloramento de pedras e olhamos a área plana
que se estendia diante de nós. O sentimento vazio da montanha lembrou-me da
pedreira de Ashland não muito longe daqui. O lugar onde Alexis James tinha
encontrado sua morte há dois meses atrás.

Donovan olhou novamente pelos binóculos. — Parece que todos já foram
para casa, — ele murmurou. — Penso que não há guardas ao redor.

— Por que haveria? — Eu perguntei. — Ninguém seria burro o suficiente
para roubar Tobias Dawson. Especialmente quando ele é tão amigo de Mab
Monroe. Além disso, se alguém lhe roubasse algo, pareceria um pouco culpado
dirigindo uma retroescavadora, não?

Caine bufou com a imagem, mas não discutiu com minha lógica.

— Vamos, — eu disse. — Vamos acabar logo com isso.

Saímos detrás das pedras e caminhamos em frente.

O equipamento de metal lançava todo o tipo de sombras escuras e
retorcidas, que pareciam mais sombrias devido à garoa e às nuvens espessas.
Algumas luzes que pareciam de estacionamento brilhavam como pequenas
lanternas amarelas próximo à entrada da mina. As luzes ajudaram-nos a
caminhar através do labirinto de equipamentos. A chuva não conseguia abafar o
cheiro dos gases que pairava no ar como fumaça.

Os murmúrios das pedras ficaram mais altos quando eu entrei na bacia,
até que as vibrações tocaram em meus ouvidos como um grito de morte
interminável. Cerrei os dentes e bloqueei os barulhos. Não havia nada que eu
pudesse fazer para ajudar a pedra. Simplesmente não tinha esse tipo de poder.

Só o tempo podia fazer isso — se a montanha pudesse realmente se
recuperar de ser tão cruelmente brutalizada.

Levou-nos cerca de dez minutos de caminhada para podermos ver o
escritório da mina, uma pequena construção feita de chapa de metal e fibras de

vidro, coberta com tábuas de madeira pintadas de branco. Algumas luzes de
segurança brilhavam sobre a porta da frente. Olhei para a escuridão, mas não vi
nenhum guarda patrulhando.

Se Tobias Dawson tivesse algum segurança noturno, ele provavelmente
estaria patrulhando a parte frontal da mina. Não aqui atrás onde o acesso já era
mais restrito.

Mesmo assim, agarrei uma das minhas facas Silverstone, apenas por
precaução.

Agachamo-nos atrás de uma escavadora que estava próxima ao escritório
de mineração. Nada se movia na noite escura. A garoa tinha aumentando e virado
chuva constante. Alguns cachos úmidos tinham se libertado do meu rabo-de-
cavalo. A chuva havia feito meus cabelos chocolates virarem marrom escuro, e
usei a umidade fria para escorregá-los de volta no lugar.

— Vamos, — sussurrei para o detetive. — Vamos fazer isso.

Arrastei-me para frente. Depois de um momento ouvi as botas de Donovan
esmagar uma poça atrás de mim. Eu sorri. Assim como nos velhos tempos. Se é
que eu podia considerar dois meses atrás como velhos tempos.

Eu caminhei até à porta da frente do escritório de mineração. Havia uma
placa com as palavras Companhia de Mineração Dawson. O i em Mineração tinha
sido transformado na runa de Tobias Dawson — um bastão de dinamite aceso.

Eu usava o mesmo tipo de luvas de jardinagem que Donovan, então não
tive nenhum tipo de receio ao alcançar a maçaneta. Trancada. Sem problemas.
Tirei uma das luvas e alcancei minha magia de Gelo.

A luz prateada fria tremulou sobre minha palma, e alguns segundos depois,
eu tinha duas longas e esbeltas agulhas de Gelo. Donovan me observou trabalhar
com uma mistura de curiosidade e resignação.

Menos de um minuto depois, a tranca deslizou, e a porta abriu.

Joguei as agulhas na poça de água mais próxima para que eles
derretessem, coloquei minha luva de volta, e entramos no prédio.

Donovan me seguiu e fechou a porta atrás dele. Fiquei parada por um
momento, deixando meus olhos se ajustarem à falta de luz. Com a escuridão e as

nuvens lá fora, o interior da construção estava quase que totalmente escuro,
como se já fosse meia-noite ao invés de sete horas.

Uma vez que tive certeza que nenhum guarda viria nos interromper, puxei
uma pequena lanterna do bolso da minha jaqueta e liguei-a. Ao meu lado,
Donovan fez o mesmo.

Estávamos em uma sala de espera. Algumas cadeiras, uma mesa, revistas
fora do prazo. A mesa provavelmente pertencia à secretária. Atrás dela, um
corredor levava à parte traseira do prédio. Foi por onde eu segui, com o detetive
atrás de mim.

O corredor terminava numa porta fechada com uma placa de bronze que
dizia Tobias Dawson. Justo o que eu estava procurando. Tentei a maçaneta.
Fechada, então tive que formar mais duas agulhas de gelo para abri-la. Depois
que consegui destrancá-la, girei a maçaneta e prendi a respiração, esperando.
Mas nenhum alarme soou. Evidentemente, Dawson apenas trancou seu escritório
como precaução — ou para impedir sua equipe de bisbilhotar enquanto estava
fora. Entrei na sala. O detetive me seguiu.

Parei por alguns segundos, observando. O escritório de Tobias Dawson
tinha tanta personalidade quanto o próprio anão, porque tudo tinha tema
Ocidental.

A mesa era composta por vários barris de madeira antigos com uma folha
de vidro estendido por cima deles.

A arte nas paredes eram cavalos e desenhos de Nativos Americanos, talvez
Navajos 43, considerando suas aparências. Um dos abajures de Dawson estava
moldado como uma miniatura de uma bota de cowboy. Outro parecia um laço
enrolado. Olhei para cima. O anão tinha um boi de chifres compridos pendurado
sobre a porta do escritório — cabeça e os chifres, pelo menos.

— Alguém realmente precisa se mudar para o Texas, — eu murmurei.

— Esqueça isso, — Donovan disse. — O que estamos procurando?

— Qualquer coisa que possa nos dizer por que Tobias Dawson quer tanto a
terra dos Fox. — Movi-me para a direita. — Então veja o que você pode encontrar
na mesa e armários.

43 Os navajos são uma tribo indígena da América do Norte.

Donovan fez o que eu pedi. Mas antes de começar a puxar gavetas, o
detetive olhou para mim. — E o que você vai fazer?

— Ver se ele tem algum cofre escondido por aqui.

Donovan sacudiu sua cabeça, mas sentou-se na enorme cadeira de Dawson
e começou a trabalhar, abrindo metodicamente, olhando, e fechando todos os
arquivos na mesa de vidro.

Andei pela sala e verifiquei atrás de todas as fotografias emolduradas,
procurando um cofre na parede. Nada. Corri minhas mãos enluvadas sobre os
painéis de madeira baratos, tocando vários lugares. Novamente, nada.

Enrolei e desenrolei minhas mãos, pensando.

Uma vez que Tobias Dawson era amigo e parceiro de negócios de Mab
Monroe, imaginei que havia um bom número de documentos — legais e não
legais — que ele não iria querer que seus subordinados vissem. Trancar seu
escritório não seria seguro o suficiente. Ele precisava de um lugar para escondê-
los. Tinha que haver algum tipo de cofre aqui. Um cubículo secreto, inferno, até
mesmo um piso frouxo. E eu precisava encontrá-lo — rápido.

Já havia se passado um minuto. Eu queria ir embora antes que passassem
cinco. Dawson podia não ter nenhum tipo de segurança evidente, mas era melhor
não correr quaisquer riscos desnecessários, especialmente porque eu voltaria
depois para matá-lo.

Sendo que eu já tinha procurado nas paredes, caí de joelhos e vasculhei o
chão, procurando por linhas de corte nos tapetes espessos. Nada. Nem uma
única fibra fora do lugar.

— Isso é estranho, — Donovan murmurou, apontando sua lanterna para
várias folhas de papel.

— O quê? — Eu perguntei, ainda engatinhando pelo chão.

— Parece que Dawson contratou vários gemologistas 44 nas últimas
semanas, — o detetive respondeu. — Há recibos aqui feitos para Jeweltones,
Gems, Inc., Empresas Grayson, entre outros.

44 Pessoa que se dedica ao estudo das gemas (pedras preciosas).

Franzi o cenho. — Para que Dawson precisa de um gemologista? Ele é da
área do carvão, não de pedras preciosas.

— Eu não sei. — Donovan pegou no seu celular e fotografou os recibos para
examinar depois.

A esta altura, eu já tinha engatinhado por todo o escritório, e ainda não
havia encontrado nada de útil. Além da obsessão de Dawson pelo Velho Oeste, a
única outra coisa interessante ou notável, pelo menos para mim, era a coleção de
pedras do anão. Tais coleções não eram incomuns entre os elementais de Pedra.
Até eu tinha uma quando criança, antes de minha família ser assassinada.

Uma grande e alta vitrine numa das paredes do escritório abrigava a
coleção. Três prateleiras cheias de pedras empoleiradas sobre um grande bloco de
granito preto cravejado com Silverstone. Algumas dessas pedras não tinham
qualquer valor. Quartzo polido que você podia encontrar em qualquer lugar.
Pedaços estranhos de ouro falso. Outras eram realmente valiosas. Uma safira
quase tão grande quanto um ovo. Um rubi em forma de lágrima. Uma
encantadora esmeralda de corte quadrado. Eu podia ouvir as pedras, é claro.

O murmúrio muito suave do quartzo. O sussurro dissimulado do ouro
falso. A elegância chamativa das joias.

Meus olhos caíram para a prateleira de baixo, e me concentrei na laje de
granito. Não era nada em comparação com as pedras preciosas, mas ainda assim,
me perguntava por que Dawson sequer o teria em sua coleção para começar. As
outras pedras variavam em valor, mas todas eram exclusivamente moldadas ou
interessantes de alguma forma. O granito era apenas uma laje de granito. Preto e
em formato de caixa. Ajoelhei-me e olhei para a pedra mais atentamente. Huum.

Havia uma tranca na vitrine, mas cuidei disso com uma agulha de gelo bem
trabalhada. Atrás de mim, Donovan continuava a folhear papeis. Abri a porta da
vitrine. Os murmúrios de várias pedras tomaram conta de mim, mas forcei as
melodias de lado e me concentrei no granito. A vibração era baixa e suave em
comparação às outras pedras, mas eu suspeitava que esse era o objetivo. Ainda
assim, só levou um segundo para me sintonizar com a pedra. E percebi que suas
vibrações soavam... ocas. Como se a pedra fosse apenas uma fina camada
cobrindo algo mais — como um cofre secreto.

— Acho que encontrei o cofre de Dawson, por assim dizer. — Murmurei
para Caine.

Ele tirou os olhos dos papéis. — Você pode abrir isso?

Abrir a fechadura da porta era uma coisa. Eu tinha dificuldades para
entrar em um cofre de metal tradicional sem a ajuda de Finn — ou de alguns
explosivos. Mas Tobias Dawson não tinha um cofre tradicional. Ele era feito de
pedra — meu elemento, minha especialidade. Já estávamos ali há mais de três
minutos. Sem tempo para ser sutil.

Então tirei minha luva, coloquei minha mão no granito, e escutei suas
vibrações. Lento, firme, sólido, assim como a própria pedra. Havia também o
sentimento de que estava guardando algo, protegendo algo importante, valioso.

Os segredos de Tobias Dawson, sejam eles quais forem.

Respirei fundo e foquei minha mágica no granito.

Olhando a pedra, na pedra. E percebi que a pedra tinha apenas alguns
centímetros de profundidade. Nada mais espesso que isso, e Dawson não teria
sido capaz de colocar muita coisa dentro. Além disso, o Silverstone que eu notara
antes, formava um círculo amplo no meio do granito, marcando
aproximadamente o tamanho do espaço oco no interior.

O anão provavelmente tinha o metal acionado para sua magia, de modo que
ninguém poderia abri-lo senão ele. Mas sendo que Silverstone podia absorver
mágica, qualquer um que tentasse forçar seu caminho provavelmente
enfraqueceria por um bom tempo.

Mas eu era uma Elemental da Pedra como o anão. Eu não tinha que passar
pelo Silverstone — apenas rodeá-lo. Segurei meu dedo indicador em frente ao
granito e alcancei minha magia. Uma luz prateada faiscou na ponta do meu dedo
como se fosse um pequeno maçarico. Inclinei-me para a frente e pressionei meu
dedo contra o granito, forçando minha magia na pedra, mais e mais fundo até
que quebrei a casca da pedra que rodeava o espaço oco. Uma fez que fiz a rotura
inicial, tudo o que tinha que fazer era arrastar meu dedo ao redor do perímetro da
pedra, formando um quadrado muito maior que o círculo de Silverstone no
coração do granito.

Menos de um minuto mais tarde, fiz o último corte na pedra. A pedra
estalou, e usei minha magia para formar uma pequena ranhura do lado para que
eu pudesse colocar meu dedo dentro e puxá-lo para fora. O granito era mais
pesado do que eu esperava, e levou um momento para puxá-lo para fora da
vitrine e colocá-lo no chão.

Donovan olhou para cima ao ouvir os meus grunhidos. — Como diabos
você fez isso?

Joguei-lhe um sorriso. — Tenho muitos talentos, detetive.

Virei de costas para ele e olhei dentro do cofre. Era um espaço ainda menor
do que eu esperava, e estava curiosamente vazio, exceto por algumas folhas de
papel.

— Aqui. — Tirei os papeis e dei-os a Donovan. — Fotografe-os.

O detetive espalhou os documentos sobre a mesa e usou seu celular para
tirar mais algumas fotos. Alcancei novamente o cofre, me perguntando que outros
segredos escondiam.

Meus dedos se fecharam ao redor de um pequeno frasco de plástico, que eu
retirei. Joguei minha lanterna sobre o recipiente. Espuma preta enchia o interior
do frasco, embalando um diamante.

A pedra preciosa era pequena, não muito maior do que uma das minhas
unhas, e áspero ao redor das bordas, mas ainda faiscava com um fogo interior
carmesim. Definitivamente uma pedra de alta qualidade. Uma que iria lapidar
muito bem.

Mas seu som — oh, seu som. Isso foi o que prendeu minha atenção.

O diamante praticamente cantou com sua própria pureza.

A vibração inerente da pedra preciosa era linda, deslumbrante,
encantadora até. Como uma composição de Bach 45 tocada pelo próprio mestre.
Eu poderia sentar ouvindo a música pura e clara do diamante por horas.

Pena que um alarme gritante cortou sua melodia alegre.

45 Johann Sebastian Bach foi um compositor, cantor, maestro, professor, organista, cravista, violista e

violinista da Alemanha.

Capítulo 19

Por um momento eu congelei, agachada ali no chão, o frasco com o
diamante na minha mão. O alarme continuou a soar como uma sirene de polícia
gritando na minha cabeça. Donovan Caine continuava folheando os papéis, como
se não pudesse ouvir os intermináveis gritos violentos. Ele teria que ser surdo
para não ouvir.

Fiz uma careta e olhei para o cofre de granito. O murmúrio baixo da pedra
tinha se transformado em um alarme gritante. Uma runa brilhou na parte da
frente do cofre, sobre a laje que eu cortara do resto do bloco. Uma espiral
apertada queimava em um tom de cinza frio no meio do granito preto, como um
olho que tudo vê. Uma espiral — a runa para proteção.

Tobias Dawson usou sua magia de Pedra para proteger seu cofre com uma
runa de proteção que iria avisá-lo se alguém mexesse no granito. Eu havia feito o
mesmo em mais de uma ocasião. Até tinha usado a mesma runa que o anão.

Donovan Caine não era um elemental, não era Pedra, por isso ele não podia
ouvir o alarme, não podia ver a runa. Mas eu podia, e eu sabia o que significava
— problemas vindo na nossa direção.

— Porra, — Amaldiçoei alto desta vez. — Dê-me os papéis. Agora.

— O quê? Por quê? — Donovan perguntou num tom distraído. — Há
algumas coisas interessantes aqui...

— Porque eu ativei algum tipo de alarme silencioso, — eu o interrompi. —
Então me dê os papéis agora.

Para seu crédito, o detetive não fez nenhuma pergunta.

Em vez disso, ele deu-me os documentos. Coloquei-os de volta no espaço
oco dentro do granito, limpei as minhas impressões digitais do lado de fora do
frasco de diamante, em seguida, coloquei-o lá também. Embora quisesse, não
peguei na pedra. Talvez o anão cowboy não nos perseguisse tanto se ainda tivesse
o diamante. Um grande, grande talvez, mas era a única esperança que eu tinha.

Eu rapidamente limpei a laje de granito e o cofre com a manga da minha
jaqueta, então ergui a laje de pedra que eu cortara e coloquei-a em seu lugar
original. Não havia tempo para ser sutil, por isso eu selei a rocha no local com
minha magia, fechando-a mais uma vez. Com sua magia de pedra, Dawson seria
capaz de sentir o que eu tinha feito de imediato, mas ele não devia ser capaz de
rastreá-lo de volta a mim ou, mais importante, os Fox.

Donovan estendeu a mão e ajudou-me a levantar.

— Temos de sair daqui, — eu disse. — Agora.

Corremos pelo corredor e pela parte frontal do edifício. Desliguei a lanterna
e espiei pelas frestas finas das cortinas. Duas lanternas vinham na nossa direção.
Gigantes, considerando que as luzes estavam à altura da minha cabeça. Ao meu
lado, Donovan desligou a sua lanterna e sacou a arma.

— Guarde isso, — eu disse. — Abra a porta e vá direto para o fundo da
bacia, onde descemos. Correr é a nossa melhor chance. Não nos envolvemos em
um tiroteio.

— O que você vai fazer?

— Certificar-me que eles não nos seguem.

Donovan sacudiu a cabeça. — Não, Gin. Deixe-me ficar e ajudá-la…

— Isso não é uma maldita discussão, — eu disse. — Não vai importar muito
se eles me capturarem, mas você? Vai arruiná-lo, detetive. Então vá. Agora. Sou
uma menina grande. Posso cuidar de mim mesma. Faço isso há anos.

Donovan olhou para mim. Eu podia ver o brilho dourado de seus olhos
mesmo na escuridão e as emoções brilhando em suas profundezas. Ansiedade.

Preocupação. Resignação. Após alguns segundos, o detetive relutantemente
guardou sua arma no coldre. Foi para a porta e abriu-a.

No momento em que eu fui para fora atrás dele, Donovan já estava
correndo pelo caminho por onde tínhamos vindo. Vinte passos depois, a chuva, a
noite e as sombras engoliram-no, do jeito que eu sabia que fariam.

Agarrei minhas facas de Silverstone. Mas ao invés de correr atrás do
detetive, eu deslizei ao redor do prédio e segui todo o caminho até a parte de trás,
onde ficava o escritório de Tobias Dawson. Dez... Vinte... Trinta... Eu contei os
segundos na minha cabeça.

Não tive que esperar muito tempo. Apesar da chuva e lama, seus passos
reverberaram por toda a pedra sob meus pés. Sólidos, pesados. Gritos
atravessaram a chuva.

— Você vê alguma coisa?

— Não. Você?

— Hey! A porta da frente está totalmente aberta!

Olhei ao redor da lateral do prédio a tempo de ver dois gigantes irem para o
escritório frontal. Alguns segundos depois, as luzes se acenderam na sala da
frente, depois se espalharam pelo corredor como um incêndio, antes de irromper
no escritório de Tobias Dawson. Eu estava em um dos lados da janela e assisti.
Eram os mesmos dois homens que Dawson havia levado para a loja Country Daze
mais cedo esta tarde.

Os dois gigantes ainda usavam as roupas sujas de trabalho que
ostentavam antes, e ambos carregavam lanternas longas e pesadas que poderiam
facilmente ser usadas para quebrar ossos ou esmagar o crânio de alguém. Eles
tinham de ser os dois principais executores do anão.

Vi-os varrer o escritório de Dawson. Eles não se preocuparam com nada em
cima da mesa, foram diretos para a caixa de vidro que abrigava a coleção de
rochas do anão.

— Alguém mexeu no bloqueio, — um dos gigantes retumbou, abrindo o
cofre. — Mas parece que nada foi levado.

O segundo gigante foi ficar ao lado dele. — Nada óbvio de qualquer
maneira. Mas alguém esteve mexendo no cofre, no diamante. Foi por isso que o
alarme disparou dentro da guarita. Porque alguém que não Dawson abriu o cofre.

Bem, isso confirmou minha suspeita de que o anão tinha usado sua magia
de Pedra para criar o alarme no seu cofre. Eu poderia fazer a mesma coisa,
embora eu estivesse mais interessada em manter as pessoas fora de qualquer
prédio em que eu estivesse dormindo em vez de prendê-los lá dentro. Isso é o que
teria acontecido aqui. Se eu não fosse uma elemental de pedra, nem sequer teria
ouvido o alarme. Donovan Caine e eu ainda estaríamos sentados no escritório de
Dawson, quando os gigantes aparecessem. Muita dor, talvez até a morte, teria se
seguido.

Anão matreiro, usando um alarme elementar assim.

Algo para eu manter em mente na próxima vez, quando fosse matá-lo.

— Mas não parece que o cofre foi aberto, — o primeiro gigante roncou. —
Talvez seja apenas um falso alarme.

— De jeito nenhum, — o segundo cara respondeu. — A caixa foi aberta.
Alguém tocou nesse cofre.

— Talvez. Mas você sabe o quão sensível é a runa de alarme que Dawson
criou. Eu tive que vir aqui duas vezes na semana passada porque a equipe de
limpeza a ativou enquanto limpava pó. Lembra-se?

— Lembro-me, — o segundo homem disse. — Mas você sabe como Dawson
é obcecado com esse diamante e os outros que ele achou. É melhor chamá-lo,
apenas para cobrir nossas bundas. E trazer Stan e Donny aqui também. Eles
podem ajudar-nos a olhar ao redor.

O primeiro gigante suspirou e pegou o telefone da mesa do anão.

Eu permaneci lá fora, ainda processando o que tinha acabado de aprender.

Outros? Havia mais diamantes como o do cofre? Comecei a ter um mau
pressentimento, um péssimo pressentimento as razões de Tobias Dawson querer
tanto a terra de Warren T. Fox. Se minha suspeita estivesse correta, Dawson não
pararia de assediar os Fox até que ele estivesse morto. O que significava que o
pensamento de matar o anão acabava de passar de uma ideia agradável para
uma necessidade. Quanto mais cedo melhor.

O primeiro gigante terminou seu telefonema e se voltou para seu amigo. —
Estão a caminho. Mas eu ainda não vejo como alguém além de Dawson poderia
abrir o cofre. Todo o silverstone nele está ligado à magia dele.

— Por uma pedra como aquela? Alguém acharia uma maneira, — o
segundo cara respondeu.

Enquanto eles estavam ali conversando, eu me afastei da janela e corri pela
noite escura e chuvosa.

***

Corri de volta para a extremidade da bacia. Não corri o máximo que podia,
mas não me demorei muito. Mantive meu ritmo rápido o suficiente apenas para
que eu ainda fosse capaz de ouvir os gigantes atrás de mim quando seus amigos
chegassem e eles decidissem investigar a área fora do escritório. Mas eu não me
preocupei com eles encontrando nada. A chuva miudinha lavaria qualquer
evidência do rastro que o detetive ou eu poderíamos ter deixado para trás,
incluindo nossas pegadas.

Cheguei à bacia onde tínhamos descido, dei a volta ao afloramento de
rochas e encontrei-me de cara com a ponta da arma de Donovan Caine.

— É bom ver você também, — eu disse.

Donovan soltou um suspiro e baixou a arma.

— Desculpe. Ouvi passos.

— Não se preocupe. Essa não é a primeira arma que eu tenho apontada
para mim. — Provavelmente não será a última também, mas eu não mencionei
isso para o detetive.

Donovan guardou sua arma. Então ele saiu de trás da rocha e olhou para
os escritórios da mina. Agora, mais luzes brilhavam lá, como vagalumes que
haviam sido aterrados pela chuva. Gritos fracos voavam através do ar da noite.

— Você matou os guardas? — Donovan Caine perguntou em voz baixa.

— Não.

Surpresa e alívio passou por seus olhos dourados. — Por que não?

Dei de ombros. — Porque um possível assalto é uma coisa. Guardas mortos
são outra. Eu não quero que Tobias Dawson perceba que estou atrás dele. Não
até que seja tarde demais.

O alívio de Donovan se transformou em consternação teimosa, e eu meio
que esperava que ele começasse a lecionar-me sobre a santidade da vida. Que me
dissesse que era simplesmente errado planejar o assassinato de alguém, mesmo
que fosse salvar duas pessoas inocentes no final. Donovan olhou para mim como
se quisesse fazer isso mesmo, dar-me uma boa palestra. Em seguida, outra
emoção penetrou em seu olhar dourado.

O detetive parecia quase... triste.

Por que ele estava triste? Não era como se eu fosse matá-lo ou até mesmo
um de seus amigos. Eu não entendia a variação de humor repentina de Donovan,
e eu não ia ficar aqui no escuro para tentar decifrá-la.

Não com os homens de Tobias Dawson à espreita.

— Vamos, — eu disse. — Vamos sair daqui antes que os guardas venham
nesta direção.

Capítulo 20

Mesmo usando nossa corda e luvas, foi necessário o dobro do tempo
para Donovan e eu escalarmos até ao topo. A garoa tornara tudo escorregadio,
viscoso, desleixado. Quando alcançamos o cume, estávamos molhados até aos
ossos e cobertos com lama, carrapichos, roseiras bravas, folhas mortas, entre
outras coisas. Demoramos algum tempo para chegar ao sedan de Donovan, que
foi o suficiente para o calor gerado pelo esforço da escalada se desgastar. A chuva
tinha aumentado. Apesar da magia de Gelo em minhas veias, eu ainda tremia de
frio. Além dos squish-squish de nossos passos, o único outro som era o plop-plop-
plop da chuva caindo.

Donovan entrou no sedan e acendeu as luzes interiores para que
pudéssemos ver o que estávamos fazendo. Em seguida, apertou outro botão, que
abriu a mala. — Tenho algumas toalhas e roupas de reserva na parte de trás.

Eu assenti. Enquanto o detetive procurava no porta-malas, peguei meu
celular e liguei para Finn. Ele atendeu no terceiro toque.

— Sim?

— Já saímos do escritório de Dawson, — eu disse.

Ouvi um som de sucção. Finn bebendo outra xícara de café. Às vezes eu me
perguntava como seu cérebro não explodia com toda a cafeína. — Encontrou
alguma coisa interessante?

— Acho que sim, — eu disse. — Falaremos sobre isso quando voltarmos.
Pode demorar algum tempo, por causa da chuva. A estrada em que estamos não é
exatamente a melhor do mundo.

— Estamos indo para a casa. Estaremos esperando por vocês lá, — disse
Finn.

Nós desligamos.

Donovan fechou o porta-malas e caminhou na minha direção. Ele abriu a
porta do lado do passageiro e jogou as roupas secas no interior para que elas não
se molhassem enquanto nos trocávamos. Então ele me entregou uma toalha
grossa. Levantei-a até meu rosto e inspirei. Cheirava como o detetive — limpo e a
sabão. Mmm.

O detetive agarrou outra toalha da pilha de roupas. Ele usou-a para limpar
o rosto e absorver parte da água de seu cabelo. Fiz o mesmo com a minha toalha,
então abri a porta traseira do carro e atirei a toalha sobre o banco. Havia lama
nas minhas botas. Em alguns lugares a lama chegava a ter três centímetros de
espessura, então tirei as botas e coloquei-as no assoalho, junto com minhas
meias arruinadas. Lama fria se espremeu por entre meus dedos, mas eu os
limparia com a toalha depois. Em seguida, tirei meu casaco de lã e coloquei em
cima das minhas botas. Minha camiseta de manga comprida veio a seguir.
Suspirei enquanto olhava para o algodão. Tinha comprado a camiseta rosa
coberta de limões verdes brilhantes quando fui a Key West após o funeral de
Fletcher. Era uma das minhas preferidas. Tirei algumas folhas da parte inferior,
dobrei-a, e coloquei-a em cima do meu casaco.

Eu estava prestes a desenganchar o sutiã quando percebi que o detetive
estava me encarando. Os olhos de Donovan Caine ardiam como ouro líquido.

— O que… O que você está fazendo? — Ele perguntou com a voz rouca.

— Pensei que seria legal da minha parte se não colocasse meus sapatos
enlameados e roupas molhadas em seu carro, — respondi. — Algum problema?

Donovan não me respondeu. Ele estava demasiado ocupado me devorando
com os olhos. Pequenas gotas brilhantes desciam pelo meu peito, que estava
praticamente nu. Eu tinha tirado a minha camisa a apenas alguns segundos
atrás, mas a chuva já havia encharcado meu sutiã de renda cor-de-rosa pálido. O
ar frio da noite há muito endurecera meus mamilos. Mas, em vez de cobrir-me,
meus olhos traçaram a forma de Donovan. O detetive tinha tirado o paletó e a
camisa engomada. Tudo o que ele usava da cintura para cima era uma camiseta

branca sem mangas. A chuva também a deixara transparente, e eu podia ver os
músculos de seu peito através do tecido fino. Mmm.

Apesar da chuva forte chicoteando contra a minha pele, um calor constante
se espalhou pelo meu estômago. Isto era o mais próximo que havia estado de
Donovan Caine em dois meses, portanto decidi tirar proveito da situação.

— Vê algo que gosta, detetive? — Disse com uma voz suave. — Porque eu
com certeza vejo.

O detetive levantou o olhar para meu rosto. Emoções piscavam em seus
olhos dourados, como relâmpagos dançando pelo céu durante uma tempestade.
Culpa. Calor. Desejo. Mas ele não caminhou na minha direção. Então decidi
aumentar a aposta, por assim dizer.

Olhei para ele enquanto lentamente desabotoava minha calça jeans
enlameada. Levei alguns segundos para deslizar o tecido pesado, duro, molhado
pelas minhas pernas e pés. Não era o striptease mais gracioso, mas as faíscas de
ouro nos olhos de Donovan me diziam que ele estava apreciando. Quando eu
joguei meu jeans molhados no banco da frente, a chuva tornou minha calcinha
rosa — também decorada com limões — tão transparente quanto o meu sutiã.

O olhar de Donovan estava ainda mais quente agora, e aquelas três
emoções continuavam piscando em seus olhos, uma após a outra, mais e mais
rápido, como se seu cérebro estivesse sobrecarregado pelos sentimentos. Culpa.
Calor. Desejo. Culpa. Calor. Desejo.

Ficamos ali, a poucos metros de distância, congelados no momento,
enquanto a chuva fria cascateava sobre nós...

Donovan soltou um rosnado baixo, moveu-se para frente, e puxou-me para
ele. Seus lábios esmagaram os meus, ao mesmo tempo em que sua língua se
dirigia para dentro da minha boca. Mmm. Exatamente o que eu queria.
Emaranhei meus dedos em seu cabelo e o puxei para mais perto.

Rapidamente, o beijo se transformou em uma fúria de calor e necessidade
crua. Nossos lábios, nossas línguas, lutavam entre si por castigo e prazer. Lama
cobriu meus pés e rochas cavaram em meus calcanhares, mas não me importei.
Calor, paixão, luxúria, desejo. Tudo me encheu até que não havia mais nada — e
nada me impediria de saciar a minha necessidade. Tudo desapareceu, superado
pelo fogo que rugia através do meu corpo. Um fogo que eu queria abraçar de novo
e de novo e de novo.

A mão de Donovan foi para o fecho do meu sutiã. Quando este se abriu, ele
recuou o suficiente para puxá-lo pelos meus braços e atirá-lo na lama. Ele me
empurrou para trás, e algo frio bateu contra o meu quadril. O capô do sedan.

Isso serviria por enquanto. Eu me inclinei contra o metal e puxei o detetive
para mim. O capô do carro parecia gelo nas minhas costas, mas eu não me
importei porque estava queimando por dentro. Queimando por Donovan.

Nossas línguas colidiram novamente. As mãos de Donovan se fecharam
sobre meus seios nus. Ele apertou os dois montes e então cavou seus polegares
nos meus mamilos.

Eu gemi em sua boca. Pressão cresceu entre minhas coxas. Minhas
calcinhas estavam encharcadas — e não tinha nada a ver com a chuva.

Donovan colocou a boca sobre um mamilo, depois sobre o outro.
Lambendo-os, chupando-os, beliscando-os com os dentes até que estavam tão
duros que doíam. O detetive recuou um pouco para recuperar o fôlego. Puxei sua
camiseta por cima da sua cabeça e atirei-a para longe. Meus dedos se
espalmaram no seu peito, e fiquei maravilhada com a força do seu corpo. Corri
minhas unhas por seu peito, e minhas mãos foram até a virilha, esfregando sua
ereção através do tecido escorregadio de suas calças. Donovan gemeu, então
passou seus dentes no lóbulo da minha orelha. Ele se inclinou para a frente e
chupou meu pescoço como um vampiro, enquanto seus dedos continuavam
trabalhando nos meus seios. Eu mordi a ponta de sua mandíbula, mais do que
pronta para ele.

Eu inspirei. Apesar da lama, ele ainda cheirava bem, como sabão e roupa
limpa. Mmm. — Você cheira tão bem, — murmurei contra sua mandíbula.

— Não tão bem quanto você se sente sob mim, — ele rosnou de volta.

Nós nos beijamos novamente — longo e forte o suficiente para me fazer
arfar por ar. Meus dedos encontraram seu cinto de couro, que eu afrouxei. Abri o
zíper de suas calças um segundo depois.

— Tire-as, — eu murmurei. — Seus sapatos também. Quero sentir você.
Tudo de você.

Donovan deu um passo atrás. Era a minha vez de assistir como ele tirava
os sapatos, as meias e as calças. Ele usava um par de boxers pretas que faziam
sua pele brilhar como bronze.

— Boxers também, — eu disse com uma voz rouca. — Tire-as.

Donovan deu um passo em frente. — Em um minuto.

Ele me colocou de volta contra o capô do carro e provocou meus mamilos
com sua boca e mãos novamente antes de seus dedos mergulharem dentro da
minha calcinha. Ele moveu os dedos para trás e para frente, antes de deslizar
dois para dentro, esfregando-os mais rápido, mais forte, fazendo minha
necessidade crescer. Minha vez de gemer.

Meus dedos deslizaram pela abertura de suas boxers. Tomei-o na minha
mão, e Donovan se mexeu contra mim. Eu corri minhas unhas de leve em seu
comprimento e por toda a ponta arredondada de seu pau duro. Ele estava tão
pronto para mim quanto eu estava para ele. Donovan rosnou novamente, tirou os
dedos de dentro de mim, e me puxou para cima.

— No banco de trás. Agora.

Fiquei mais do que feliz em obedecer. Ele me empurrou para a esquerda e
depois para trás. Abaixei a minha cabeça e sentei no banco.

Donovan aproveitou a oportunidade para se livrar de suas boxers. Eu fiz o
mesmo com a minha calcinha. Deslizei para dentro do carro. Esperando. Doendo.
Um momento depois, Donovan entrou, um pacote de alumínio na mão, que ele
colocou no piso. Eu tomava minhas pequenas pílulas brancas para estar
prevenida e evitar quaisquer consequências indesejadas, mas ainda assim
apreciei sua consideração.

Ele se inclinou e beijou-me outra vez antes de se mover pelo meu corpo
úmido. Donovan baixou os lábios para os cachos entre minhas coxas. Separei
minhas pernas, e ele deslizou sua língua dentro de mim, fazendo movimentos
rápidos, depois círculos lentos e preguiçosos. Me provocando. Eu gemi e enterrei
meus dedos em seu couro cabeludo, estimulando-o.

A língua Donovan passeou sobre mim novamente, e ele colocou um dedo
profundamente.

— Tão doce, — ele sussurrou contra minha coxa. — Como mel quente.

Donovan continuou suas ministrações por mais alguns momentos.

Isso era tudo o que eu podia suportar. Eu o queria dentro de mim.

Agora.

Agarrei os ombros de Donovan, puxando-o para cima ao mesmo tempo em
que me balançava de debaixo dele e o virava. Agora ele estava deitado no banco.
Não havia muito espaço no carro, mas eu estava bastante determinada. Era a
minha vez de provocar.

Desci minha língua pelo seu peito e coloquei minha boca nele, chupando e
lambendo o seu eixo até que ele pulsava e tremia a cada toque da minha língua
quente. Ele gemeu, e suas mãos se fecharam em meus braços, puxando-me para
cima. Nossos lábios se encontraram novamente, sugando o ar e a vida de nós
dois. De alguma forma, Donovan nos manobrou mais uma vez até que ele estava
novamente por cima. Ele colocou o preservativo. Então eu abri minhas pernas, as
tranquei em torno de sua cintura e ele me penetrou.

Eu vi seus lindos olhos dilatarem quando ele se afundou em mim, indo
cada vez mais fundo. Um êxtase de ouro — para nós dois. Donovan recuou. Cavei
meus dedos em suas costas e o puxei com força, para que toda a sua extensão
me enchesse.

Retirar, avançar, retirar, avançar. Nós estalamos juntos como dois ímãs
enlouquecendo pelas vibrações que o outro emitia. Mais e mais, Donovan
bombeava em mim, até que nossos gritos roucos de prazer ressoaram no ritmo do
balanço suave do sedan e o tamborilar da chuva no telhado de metal.

Capítulo 21

Depois que terminamos, Donovan e eu descansamos na parte de trás
do sedan em um emaranhado solto de braços e pernas. A imitação de couro
parecia pegajosa e dura contra a minha pele. As janelas estavam cobertas de
vapor, e o cheiro de sexo impregnava o carro. Ao meu lado, sobre mim, perto de
mim, as respirações do detetive vinham em sopros afiados e roucos. Os sons de
um homem que tinha se esforçado a seu máximo e glorioso potencial. Mas
Donovan não fez nenhum movimento para se afastar de mim ou colocar algumas
roupas.

— Bem, isso não foi o que eu imaginei que ia acontecer, mas não me
importo. — Eu brinquei. — Mesmo que doa como o inferno quando me levantar
desse banco.

Donovan não disse nada, mas os cantos de sua boca levantaram em um
meio sorriso. — Você não é a única. Tenho certeza que minhas costas estarão
gritando comigo amanhã. Sem mencionar as queimaduras que tenho em meus
joelhos.

— Valeu a pena?

Ele levantou uma sobrancelha preta. — Você tem mesmo que perguntar?

Não, eu não tinha. Porque havia gemido tão alto quanto ele.

Depois que recuperamos o fôlego, Donovan colocou-se em uma posição
sentada. Eu fiz o mesmo. Ele esticou a mão até o banco da frente e me entregou

algumas roupas limpas — um par de calças cáqui que me ficavam largas e uma
camiseta que ia até quase aos meus joelhos. O detetive era um pouco mais alto
que eu. Donovan colocou um conjunto de roupas que combinava. Quando
estávamos vestidos, nós nos viramos e nos encaramos.

— Então, aqui estamos nós de novo, — eu disse.

— Sim, — Donovan replicou. — Aqui estamos nós de novo.

Ele não parecia feliz com o pensamento. O detetive deixou escapar um
longo suspiro e passou as mãos por seu cabelo negro — mãos tonificadas e fortes
que tinham acabado de fazer coisas maravilhosas a meu corpo. Eu hesitei, então
estiquei o braço, coloquei a minha mão em cima da sua, e dei um aperto suave
com meus dedos. Eu não sabia ao certo o que motivou essa reação, com exceção
do calor no peito que eu sentia pelo detetive. Talvez simplesmente não quisesse
que as coisas terminassem como tinha acontecido da última vez que dormimos
juntos.

Que tinha sido completamente mal.

Donovan se encolheu ao sentir o meu toque e tirou a mão de debaixo da
minha. — Nós devemos voltar.

Eu olhei para suas feições robustas. Cabelo negro, pele bronzeada, olhos
dourados. Mas o calor e o desejo já não brilhavam em seu olhar. Ao invés, o
detetive parecia cansado, deprimido, exausto.

Como se todo o prazer que ele tinha acabado de experimentar viesse com
um peso que era demasiado para suportar, mesmo para ele.

— Tudo bem, — eu disse com uma voz calma, sem querer pressiona-lo
mais esta noite.

***

Passava um pouco das dez quando retornamos ao Country Daze. O tráfico
do dia há muito tinha cessado, e o sinal de stop que estava no cruzamento
parecia um maçante fantasma vermelho na chuva miudinha. Donovan não tinha
um par de sapatos extra no porta-malas, então tive que colocar meus pés de volta
em minhas botas enlameadas. Primeiro, porém, limpei o máximo de sujeira que
pude com uma toalha.

Durante o tempo que estivemos fora, o conversível preto de Sophia tinha
sido puxado para um dos lados da loja, então o carro clássico descansava na
grama. Assim como o Cadillac de Finn.

A loja estava escura, as portas da frente fechadas e trancadas.

— Vamos lá, — eu disse. — Finn disse que eles estavam indo para a casa.

O detetive e eu andamos pelo espaço entre o conversível de Sophia e a loja.
A casa de Warren T. Fox ficava a cerca de cento e cinquenta metros atrás da loja,
na parte traseira de um pequeno bosque de árvores bordo e carvalhos. Um riacho
ladeava um lado da casa. A chuva o tinha deixado mais cheio, como uma cobra
que havia engolido mais do que poderia segurar confortavelmente. A torrente de
água abafava o som da chuva batendo contra o telhado de zinco.

Havia estado ali mais cedo para verificar a estrutura, mas eu estava mais
uma vez impressionada com o quanto a construção de tábuas se parecida com a
casa de Fletcher Lane.

Ambas apresentavam as mesmas tábuas brancas, o mesmo tipo de
persianas, o mesmo telhado de zinco inclinado. E não era apenas a casa que me
lembrava Fletcher — era tudo a respeito de Warren T. Fox. As roupas azuis de
trabalho que ele usava, sua natureza mal-humorada, a loja antiquada que ele
geria. Era quase como se Fletcher e Warren fossem gêmeos idênticos separados à
nascença. O tipo do qual você lê que cresceram separados, mas com vidas muito
parecidas. Mais uma vez, eu senti algo mexer dentro de mim. Porque tudo sobre
Warren me fazia lembrar de Fletcher e do amor que eu tinha por ele.

Luzes brilhavam em várias das janelas do primeiro andar. Eu fui até a
varanda e bati na porta da frente.

— Hmph? — Sophia grunhiu através da madeira pesada.

— É a Gin.

Uma tranca soou, e a anã gótica abriu a porta.

Sophia segurava um taco de beisebol de alumínio em uma das mãos.

Seus olhos negros voaram para as minhas roupas enormes, e ela se
desviou um pouco para nos deixar entrar. Sophia gesticulou, e nós a seguimos.
Por um momento, eu senti que estava voltando a casa para Fletcher depois de um

longo dia no Pork Pit. Porque o interior da casa de Warren T. Fox era quase uma
réplica exata da de Fletcher Lane. Mesmo tipo de móveis estofados bem-gastos,
mesma confusão de bugigangas, mesmo pilha de miudezas que faziam de uma
casa um lar. Eu pisquei, e a ilusão desapareceu.

Os outros estavam em uma sala grande. Violet encolhida no sofá, um livro
pesado em seu colo, um caderno e uma caneta a seu lado. Estudando. Jo-Jo
estava empoleirada na outra extremidade do sofá e folheava uma revista de
beleza. Várias outras estavam empilhadas aos pés descalços dela. A anã tinha
vindo preparada.

Warren balançava para frente e para trás em uma cadeira de tamanho
grande que o fazia parecer mais velho e mais frágil do que ele realmente era. A
televisão estava sintonizada com o Canal do Tempo.

Os olhos castanhos de Warren estavam focados atentamente nos gráficos
de tempestade que apareciam na tela. Finn relaxava em uma cadeira similar, a
qual ele tinha reclinado quase que totalmente. Seu laptop descansava em seu
colo. Finn estava fazendo o mesmo. Roncos suaves derivavam de sua boca aberta.

Eu fui até lá, coloquei minha mão no ombro largo de Finn, e o sacudi.

— O quê? O quê? — Ele murmurou em uma voz sonolenta. — Eu não
toquei nela, juro.

— Relaxa Casanova, — eu disse.

Finn piscou algumas vezes antes que seus olhos verdes focassem em mim.
— Oh, Gin, é você. — Ele franziu a testa. — Porque você está usando uma
camiseta que diz Departamento de Policia de Ashland?

Eu suspirei. — É uma longa história.

Uma vez que Finn estava mais ou menos acordado, eu contei aos outros o
que Donovan Caine e eu tínhamos descoberto no escritório de Tobias Dawson. O
detetive enviou para Finn um email com as fotos que ele tinha tirado. Finn
baixou-as e começou a passar por elas.

— Aconteceu alguma coisa? — Perguntei a Sophia.

— Não, — ela disse asperamente.

— Algumas pessoas entraram à procura de refrigerantes e cigarros, mas só
isso. — Jo-Jo concordou.

— Clientes habituais, — Warren cortou. — Mesmo Dawson não pode
assustar as pessoas quando eles precisam de tabaco.

— Aqueles papéis que você encontrou dentro do cofre, — Jo-Jo disse. — O
que eles diziam? Alguma coisa interessante?

Dei de ombros. — Pergunte a Donovan. Estava escuro. Eu realmente não os
vi.

Todos os olhos se voltaram para o detetive, que também deu de ombros.

— Como a Gin disse, estava escuro. Nós só usamos lanternas. Eles em sua
maioria pareciam esquemas para mim. Teremos que esperar e ver o que Finn diz.

— Vocês vão ter que me dar alguns minutos, — Finn disse, digitando em
seu laptop. — Tenho que classificá-los e ler alguns. Não faz muito sentido para
mim tampouco. Sem mencionar que a qualidade da foto não é a melhor que já vi.

— Desculpe, — Donovan alfinetou. — Eu estava um pouco mais
preocupado sobre ser pego do que tirar fotos perfeitas para você.

Nós ficamos em silêncio enquanto esperávamos que Finn lesse e decifrasse
os documentos. Mas eu tinha uma boa ideia do que eles diziam. Então, me
encostei na parede e comecei a pensar sobre o que viria a seguir — chegar perto o
suficiente de Tobias Dawson para matá-lo. Porque essa seria a única maneira
dessa coisa terminar, se minhas suspeitas estivessem corretas.

Sophia estava ao meu lado e ela girava o taco de beisebol em sua mão como
se fosse um cassetete de metal.

Depois de cerca de dez minutos de leitura e cliques, Finn franziu o cenho.
— Isso é estranho. — Ele olhou para Warren. — Você sabia que Tobias Dawson
recentemente começou a construção de um novo veio na mina que ele está
trabalhando?

Warren assentiu. — Esse é o rumor que os mineiros estão jorrando.
Também tem havido mais atividades na mina recentemente.

— Que tipo de atividade? — Donovan perguntou.

Warren deu de ombros. — Mais detonações, mais perfurações. Às vezes,
podemos sentir os tremores aqui embaixo. Uma vez eles foram tão fortes, que
derrubaram alguns refrigerantes na loja. Fez uma grande bagunça.

— Eles parecem mais ou menos como pequenos terremotos, — Violet
adicionou. — Eles já vêm acontecendo há uns tempos.

— Bem, de acordo com isso, Dawson está investindo mais do seu dinheiro e
mão de obra no novo veio da mina esses dias, — Finn disse.

— Porque ele faria isso? — Violet perguntou.

Finn leu um pouco mais. Sua carranca se aprofundou. — Isso não pode
estar certo, — ele murmurou. — Não é possível.

— O quê? — Jo-Jo perguntou. — O que não é possível?

— O que Dawson está perfurando, — Finn disse. — De acordo com isso,
parece que o novo veio não será para extrair carvão da montanha. Será para
extrair…

— Diamantes, — eu disse em uma voz suave. — Ele encontrou diamantes
na montanha.

Silêncio. Por um momento, todo mundo me olhou. Então todos eles
começaram a falar ao mesmo tempo.

— Diamantes? — Sophia raspou de surpresa.

— Isso não é possível, — Violet Fox disse.

— Querida, qualquer coisa é possível, — Jo-Jo replicou.

— Então é por isso que Dawson quer tanto a terra. — Donovan balançou a
cabeça.

— Eu me pergunto quão grande eles são, — Finn disse em um tom
especulativo.

Warren T. Fox foi o único que não disse nada.

Ao invés, o velho me olhou, seus olhos escuros mostrando preocupação.
Ele, tal como eu, sabia o que a descoberta dos diamantes significava. Desastre.

Para ele e para a montanha.

Se o diamante que eu tinha encontrado no cofre era qualquer indicação do
tamanho e qualidade dos outros que Tobias Dawson tinha descoberto, o anão
rasgaria toda a montanha ao meio para conseguir extrair cada pedra preciosa do
chão.

E não terminaria aí. A notícia sobre a descoberta dos diamantes
eventualmente vazaria, e então, bem, seria pior do que a Corrida do Ouro na
Califórnia. Todo mundo demoliria e destruiria a área, esperando encontrar
diamantes em suas próprias terras.

Eles destruiriam toda montanha em sua apressada ganância — e a casa e a
loja de Warren T. Fox estavam no epicentro. Ele iria primeiro. O conhecimento
passou por seus olhos, firme, determinado.

A menos que eu fizesse algo para parar isso.

Eu nunca me considerei uma ambientalista, mas essas montanhas eram
tão parte de mim como eram de Warren Fox. Eu, tal como ele, tinha orgulho em
sua beleza. Se a mina atual de Tobias Dawson era qualquer indicação do que
estava por vir, seria um serviço público parar isso agora. E havia somente uma
maneira de fazê-lo — matando Tobias Dawson.

Oh, eu não tinha nenhuma dúvida de que o anão tinha dito a alguns de
seus homens de maior confiança o que ele tinha descoberto, como aqueles dois
gigantes que tinham vindo ao escritório para investigar o roubo. Mas sem Dawson
por perto, sem a sua experiência e conhecimento em mineração, seria muito mais
difícil para os seus lacaios fazer qualquer coisa sobre os diamantes.

Mesmo que eles fizessem algo mais tarde, eu sempre poderia tirá-los do
jogo também. Não, matar Dawson era a chave. Elimine o anão e o resto do
monstro provavelmente morrerá com ele.

Além disso, a loja, a terra, a casa. Eram tudo o que Warren e Violet
conheciam. Eles eram simplesmente o seu lar. Eu sabia que Fletcher Lane teria
feito o que pudesse para ajudar seu amigo. O velho não estava aqui, mas eu
estava. E eu ia proteger os Fox — não importava o quê.

Warren levantou seus olhos escuros para mim, fazendo uma pergunta
silenciosa. Eu assenti. Pergunta feita e respondida. Jo-Jo Deveraux viu a troca.

Uma emoção cintilou em seu olhar pálido. Parecia como alívio — misturado com
uma centelha de antecipação.

Com o quê, eu não poderia imaginar. Mas estava lá.

Depois de três minutos, o murmúrio de vozes cessou.

— Eu só não vejo como é possível, — Donovan Caine disse. — Diamantes?
Aqui?

Eu assenti. — Eles os têm em Arkansas, porque não aqui em Ashland?
Tobias Dawson encontrou muito carvão na montanha. É tudo o que um diamante
realmente é — carvão colocado sob pressão longo e duro o suficiente para se
transformar em outra coisa.

— Como você sabe disso? — O detetive perguntou.

— Sei um pouquinho sobre pedras, especialmente as preciosas. — Eu não
mencionei o fato de que eu podia ouvir suas vibrações, tocá-las e conseguir que
fizessem qualquer coisa que eu quisesse. Eu nunca ostentei minha magia, e não
iria fazê-lo agora.

— Mas se Dawson já começou a escavar esse outro veio para conseguir os
diamantes, porque ainda está nos ameaçando? — Violet perguntou, confusão
piscando em seus olhos. — Porque sequer se incomodar? Porque não apenas
extrair os diamantes às escondidas?

— Porque o anão não detém os direitos minerários para a terra, — Warren
rugiu. — Eu tenho. Então legalmente, eles não são seus diamantes. Eles são
nossos.

— E as pessoas podem perceber isso, se ele começar a extraí-los. — Jo-Jo
terminou. — A palavra se espalharia. Sempre acontece. E então Warren poderia
causar problemas para ele. Problemas legais.

Warren assentiu. — Ou tentar, pelo menos.

Nós todos caímos em silêncio. Dei aos outros alguns minutos para pensar,
mas a minha decisão já tinha sido tomada.

— Finn? — Eu perguntei em voz baixa.

— Sim?

— O que mais você descobriu sobre Dawson hoje?

Ele olhou para mim com seus olhos verdes. — Toda a informação de
costume. Finanças, interesses comerciais, passatempos, casas, conexões sociais.

— Alguma coisa que possamos usar?

Finn me olhou. Seu olhar foi para Warren. Ele viu a resolução no rosto do
outro homem e percebeu que combinava com a minha. — Sim, há alguns
ângulos. Nada muito fácil, claro, mas tenho certeza que podemos encontrar
alguma coisa. Sempre há uma maneira.

Isso era o que Fletcher Lane costumava me dizer. Eu sorri.

O detetive me olhou, seus olhos dourados estavam escuros. — Certamente
há outra maneira além de matar Dawson.

— E qual maneira seria essa, detetive? Entregar Tobias Dawson para os
policias? Pelo quê, ameaças? Não resultaria em nada, e você sabe disso. Além do
mais, a polícia geralmente exige incômodas coisinhas chamadas provas. E eu
aposto que não há nenhuma. Dawson é muito esperto para isso. Estou certa? —
Eu olhei para Warren.

Warren balançou a cabeça. — É simplesmente a minha palavra contra a
dele. São os homens de Dawson quem têm assediado meus clientes, não ele. Seus
homens nunca falariam contra ele. Ele os paga demasiado bem para isso.

— Mas você é o dono da terra, Warren, dos direitos minerários, — Donovan
disse. — Dawson não pode fazer o que ele quer com a sua propriedade. Você
poderia levá-lo a tribunal, fazê-lo parar. Nós temos os arquivos de seu escritório.
Podemos provar o que ele está fazendo.

Finn bufou. — Sim, arquivos que você e Gin conseguiram ao invadir o
escritório de Dawson. Nenhum juiz vai permiti-los em tribunal. E eu não acho
que Dawson estaria ansioso para desembolsar qualquer informação. Além disso,
olhe para isso do ponto de vista financeiro. Um processo judicial se arrastaria por
anos, e os bolsos de Dawson são muito mais profundos do que os do Warren.

— Mesmo assim, — eu disse, — Dawson poderia provavelmente comprar o
veredito que quisesse. E enquanto tudo estivesse sendo resolvido de forma errada
no tribunal, Dawson poderia continuar seu reinado de terror. Tentar chegar a
Violet outra vez. Encare isso, detetive, o anão não vai se afastar de uma

montanha cheia de diamantes. Ninguém o faria. Há apenas uma forma de fazê-lo
parar. Meu jeito.

Nossos olhos se encontraram e eu segurei, dourado em cinza. Depois de um
momento, Donovan Caine olhou para longe, mas não antes de eu pegar a
cansada resignação em seus olhos, o afundamento em seus ombros, as linhas
profundas de derrota em seu rosto. Ele sabia que o que eu disse era verdade. Ele
não gostava disso, mas o detetive ia deixar-me fazê-lo. Ele sabia que eu ia atrás
de Tobias Dawson, e ele não ia tentar me parar. Não mais. Eu não esperava que o
detetive cedesse tão facilmente.

Eu me perguntei o que causou a rápida reviravolta. Sua amizade com
Warren Fox? Eu? Outra coisa?

Mas não tive vontade de celebrar a minha vitória fazendo o detetive
concordar com meu plano. Alguma coisa estava incomodando Donovan. Eu,
muito provavelmente, e o que tinha acontecido entre nós no banco de trás do seu
sedan. Mas a raiva do detetive quanto ao assassinato de Cliff Ingles, seu parceiro
corrupto, parecia ter desaparecido, por algum motivo.

Donovan não tinha mencionado isso durante todo o dia. Então, o que eu
tinha feito de tão terrível para além de lhe dar alguns orgasmos? Eu não poderia
deixar de perguntar.

Mas agora não era hora de me focar em Donovan Caine e esse estranho
calor que eu sentia por ele. As coisas precisavam ser feitas hoje a noite antes que
eu fizesse qualquer tipo de movimento contra Tobias Dawson. Então empurrei os
pensamentos sobre o detetive para longe e olhei para os outros.

— Aqui está o que vamos fazer, — eu disse.

Capítulo 22

— Em primeiro lugar, vocês dois, — apontei minha cabeça para os Fox,
— precisam desaparecer pelos próximos dias. Tirem férias.

Warren balançou a cabeça. — Não. Eu não vou correr de Tobias Dawson.
Nunca o fiz, e nunca farei.

— E quanto a Violet? — Eu perguntei. — Ela quase foi estuprada e morta
na noite passada porque Dawson queria lhe enviar uma mensagem. Se ele sequer
pensar que o arrombamento ao escritório de mineração está ligado a você, ele virá
até aqui para matar vocês dois, e queimar tudo até o chão. É isso o que você
quer?

— Claro que não, — Warren estalou. — Mas eu sou um Fox, dos Ridgeline
Hollow Fox. Meus ancestrais viveram nessas montanhas por mais de trezentos
anos. Os colonos não conseguiram expulsar o meu povo, e eu serei amaldiçoado
se um anão ganancioso me fizer ir a qualquer lugar. Eu nunca corri de uma luta.
Não começarei agora.

Um olhar obstinado se espalhou pelo rosto enrugado, e eu sabia que ele
não ia ceder. Não nesse ponto. Warren poderia morrer, mas ele faria isso em sua
própria loja — assim como tinha acontecido com Fletcher. Meu coração torceu, e
o rosto arruinado do velho apareceu ante meus olhos. Eu empurrei a imagem
para longe. Warren T. Fox não ia acabar como Fletcher Lane — não se eu
pudesse evitar.

— Ótimo. Você pode ficar aqui em casa.

Warren sorriu.

— Com Sophia e Jo-Jo como proteção, — eu adicionei. — E você vai fechar
a loja pelo resto da semana. Isso não é um pedido.

Seu sorriso desvaneceu. — Porquê?

— Porque Tobias Dawson estará observando. Se ele vir que a loja está
fechada, ele pode pensar que você finalmente está amolecendo. Isso deve nos dar
um pouco mais de tempo.

— E eu? — Violet perguntou. — Não posso exatamente partir tampouco.
Tenho aulas e exames chegando.

Eu me virei para ela. — Você tem uma amiga com quem possa ficar pelos
próximos dias?

Ela assentiu — Eu posso ficar com Eva Grayson.

Lembrei aquela noite no Pork Pit, quando Owen Grayson dissera à sua irmã
mais nova que ela seria escoltada por um guarda-costas quisesse ou não. O cara
que eu tinha visto com Eva na faculdade comunitária parecia capaz o suficiente.
Assim como Owen. Ficar com os Grayson era provavelmente o melhor lugar para
Violet até que essa coisa estivesse acabada. — Tudo bem. Ligue para Eva.

Violet piscou. — Agora?

Eu assenti. — Agora. Quero que tudo fique encaminhado essa noite. Dessa
forma, posso me concentrar em pegar o Dawson.

Olhei para as duas anãs. — Você duas acham que podem ficar de guarda
por alguns dias?

— Claro. — Jo-Jo disse. — Qualquer coisa que você precise, Gin. Você sabe
disso.

— Um-mmm. — Sophia grunhiu seu acordo.

— E eu? — Finn perguntou.

Eu sorri para ele. — Fletcher se foi, assim você será meu informante. Quero
tudo o que você conseguir sobre Tobias Dawson. Você sabe o que fazer com isso.

Finn assentiu.

E então havia algo. Eu olhei para o detetive, que ainda tinha um olhar aflito
em seu rosto. — O que você vai fazer, Donovan?

Ele olhou para o carpete debaixo de seus sapatos enlameados.

O detetive sabia o que eu estava perguntando — se ele iria tentar me parar
ou pior, avisar Tobias Dawson que eu estava indo por ele.

— Nada. Eu não vou fazer nada. Nem uma maldita coisa. —Donovan
passou as mãos pelo seu cabelo preto e deixou escapar uma risada amarga. O
detetive havia acabado de ficar ao lado de uma assassina, da Aranha. Ele tinha
acabado de condenar outro homem à morte, e sabia disso.

— Bom, — eu disse. — Então vamos começar a trabalhar.

***

Uma hora depois estava tudo pronto. Enquanto Finn deslizava o laptop em
sua maleta de couro, Violet dava a seu avô um abraço longo e apertado. Eva
Grayson havia ficado entusiasmada por sua melhor amiga querer ficar em sua
casa pelos próximos dias, e Violet já tinha feito a mala. Agora nós estávamos no
hall de entrada da casa, nos despedindo.

— Você poderia vir comigo, — Violet disse a seu avô.

Warren colocou uma mão manchada na bochecha dela e balançou a
cabeça. — Você sabe que não posso. Isso não sou eu. A única forma de eu deixar
essa terra é quando me carregarem para fora em um caixão. Além do mais, Gin
pode precisar de mim para alguma coisa. Quero estar por perto se ela precisar.

Violet assentiu e tentou sorrir. Lágrimas encheram seus olhos negros.

— Nós precisamos levar você para a casa de Eva, — eu disse em uma voz
baixa.

Violet deu a seu avô um outro abraço e agarrou a sua mala. Finn segurou a
porta para ela, e os dois saíram.

Eu fui até Sophia e Jo-Jo. — Se qualquer coisa acontecer, se Tobias
Dawson ou seus homens voltarem, vocês matam primeiro e perguntam depois,
entenderam?

A anã gótica grunhiu para mim. Jo-Jo assentiu.

— Nós sabemos, Gin, — Jo-Jo disse. — Essa não é a primeira vez que
Sophia e eu fazemos esse tipo de coisa.

Eu fiz uma careta. — Não é?

A anã sorriu. — Não. Nós cuidamos de algumas pessoas para o Fletcher
também.

De novo, havia a menção de Fletcher Lane ajudando outras pessoas. Aquela
parte secreta dele que eu não tinha conhecido. Eu não sei porque o pensamento
me perturbou, mas o fez. Ou talvez fosse só porque eu estava um pouco fora da
minha área. Eu tinha passado dezessete anos da minha vida matando pessoas, e
aqui estava eu tentando salvar um homem velho e sua neta de um minerador
ganancioso — de graça. Eu não tinha certeza do que fazer com isso. Só tinha
certeza de uma coisa. Era muitíssimo mais divertido que minha aposentadoria
tinha sido até agora.

Deixei as anãs cuidando de Warren e saí. Violet esperava com Finn na
varanda. Donovan Caine se apoiava no parapeito, ainda remoendo.

— Leve Violet direto para a casa de Eva Grayson, — eu disse a Finn. — Sem
paradas.

Finn fez um beicinho. — Eu faria algo assim?

— Sim.

Ele esticou os lábios um pouco mais. Violet riu da sua expressão. Os olhos
verdes de Finn passaram pelo corpo dela. Ele sorriu.

— Espingarda, Finn, — eu murmurei para ele. — Lembre de vovô Fox e sua
espingarda.

Aquilo entorpeceu o sorriso de Finn, mas não o apagou completamente.
Poucas coisas poderiam fazer isso. Finn tinha puxado seu Cadillac para a casa.
Ele abriu a porta do passageiro para Violet, que lhe deu um outro sorriso tímido,
então escorregou para dentro.

Depois de um momento, Finn desviou seu olhar para longe dela por tempo
suficiente para olhar para mim. — Espero que você não se importe de sentar
atrás, — ele disse em um tom muito sem remorso.

— Eu não me importo nem um pouco porque Donovan está me levando
para casa, — eu anunciei.

Finn piscou. — Ele esta?

— Eu estou? — Donovan fez coro.

— Sim, — eu disse. — Você está.

O rosto de Donovan apertou um pouco mais na escuridão.

***

Finn e Violet voltaram para Ashland, e Donovan e eu fizemos o mesmo em
seu sedan. Nós não nos falamos, exceto quando eu lhe dei as direções para a
casa de Fletcher Lane.

Nós paramos cerca de trinta minutos depois. Donovan Caine olhou através
do para-brisa para a estrutura desconexa e incompatível.

— Então é aqui que você vive agora? — Ele perguntou.

— Sim. Na verdade, a casa era de Fletcher, o velho que dirigia o Pork Pit.

— O pai de Finn, seu primeiro treinador. Aquele que foi torturado e
assassinado por Alexis James.

Eu assenti. Donovan não disse nada.

Eu olhei para o detetive, meus olhos traçando pelas linhas ásperas de seu
rosto. — Você poderia entrar. — Eu sugeri. — Passar a noite. Comigo.

Donovan virou seu olhar para o meu. Calor. Desejo. Culpa.

Tudo isso e mais brilhou em seus olhos, mas depois de um momento, ele
balançou a cabeça. — Eu não acho que seria uma boa ideia, Gin.

— Porque não? Uma cama seria certamente mais confortável do que o
banco de trás do seu sedan. — Eu olhei para a lama que tínhamos deixado por
todo o lugar em nossa loucura. — Mais limpo, também.

Ele balançou a cabeça de novo. — Eu não vou entrar, Gin.

— Porque não? É por causa do que eu pretendo fazer a Tobias Dawson?

Donovan correu suas mãos por seu cabelo preto. — Em parte. Eu ainda
não acredito que concordei com isso.

— E a outra parte?

Ele soltou um suspiro. — Você se lembra daquela noite no seu
apartamento, antes de irmos para a pedreira resgatar Finn e Roslyn Phillips?
Você se lembra do que eu disse a você sobre o meu parceiro, Cliff Ingles?

— Eu lembro. Você queria me matar por assassiná-lo.

Ele assentiu. — Principalmente, porém, eu queria saber porque você o
matou. E uma vez que você não me contou, eu fiz algumas buscas por conta
própria.

Eu fiquei tensa. Droga e droga ao quadrado pelo detetive e sua tenacidade.

— Muito mais pessoas estavam dispostas a fazer-me favores depois do
incidente com Alexis James, — Donovan continuou. Ele olhou através do para-
brisa ao invés de olhar para mim. — Um cara que trabalhava nas ruas foi
particularmente útil. Ele me disse que eu deveria conversar com uma prostituta,
uma das garotas de Roslyn Phillips, curiosamente.

Roslyn Phillips era a madame vampira que dirigia o Agressão do Norte, um
luxuoso clube da moda que atendia as pessoas ricas de Ashland e servia a todas
as suas necessidades e desejos distorcidos. Ela era também uma das amigas com
benefícios de Finn. Eu tinha matado o cunhado abusivo de Roslyn vários meses
atrás, depois de ele ter quase batido na irmã e sobrinha pequena dela até a
morte. Roslyn, por sua vez, tinha dito a uma de suas garotas sobre os meus
serviços. Línguas soltas conseguem pessoas mortas, e os sussurros furtivos de
Roslyn tinham eventualmente levado ao assassinato de Fletcher Lane. Algo que
eu não ia deixar a vampira esquecer — nunca.

Mas se Caine tinha conversado com a prostituta que eu tinha em mente,
ele sabia exatamente porque eu tinha matado seu parceiro — e o que o bastado
tinha feito para a filha de treze anos da mulher.

— Eu sei que Cliff estuprou e bateu naquela garota, — Donovan disse,
confirmando minhas suspeitas. — Sei que foi por isso que você o matou, para que
ele não voltasse a fazer o mesmo a outra garota.

Não adiantava negar agora. — Sim. Foi por isso que eu o matei. Por causa
da garota. Quando você descobriu?

— Duas semanas atrás.

Dor aprofundou as rugas no rosto de Donovan. O detetive me fez lembrar
de um personagem mitológico de um dos meus livros de literatura, de Atlas,
carregando o fardo pesado das ações perversas e maldosas dos outros sobre seus
ombros magros.

— Todo aquele tempo você me deixou culpar você pela morte de Cliff, —
Donovan disse. — Todo aquele tempo você me deixou pensar que você era um
monstro. E não era.

Dei de ombros. — Isso é discutível. Eu ainda o matei. E cortar as bolas de
um cara não é exatamente coisa de uma pessoa normal.

Donovan soltou uma risada. — Você sabe o que é mais engraçado? Se eu
soubesse sobre Cliff, sobre as prostitutas em que ele batia, sobre aquela garota
que ele estuprou, eu mesmo o teria matado. Mas você chegou primeiro. — Sua
voz caiu para um sussurro. — E de alguma forma eu me sinto em dívida com
você, Gin. Agradecido, até. Porque você o matou, e eu não tive que o fazer.

— Então é disso que se trata. Eu matando Cliff Ingles. É por isso que você
não quer entrar. É por isso que você não quer estar comigo. — Eu poderia ter
matado o policial corrupto de novo e empurrar Donovan para longe de mim.

Donovan balançou a cabeça. — Não totalmente. É principalmente sobre
mim. Descobrir sobre Cliff, isso me fez pensar. Sobre muitas coisas. E agora, essa
bagunça com Warren e Violet... eu ajudarei Sophia e Jo-Jo a cuidar deles da
melhor forma possível.

— Mas...

— Mas não vou ajudar você com Tobias Dawson. Não como fiz com Alexis
James. Eu não posso, Gin. Simplesmente não posso. Não posso ser parte de algo
como aquilo de novo. Eu mal posso viver com o fato de que eu sei o que você vai
fazer para Dawson e o conhecimento de que não irei fazer nada para impedir você
de matá-lo. — Sua voz caiu novamente. E eu não posso ficar com você. Não hoje a
noite.

— Você não estava tão preocupado com Tobias Dawson e o que eu iria fazer
com ele quando estava me fodendo no banco de trás algumas horas atrás. —
Minha voz estava mais fria do que eu gostaria. — Ou você já se esqueceu disso?

Donovan se encolheu. — Não, eu não esqueci sobre isso, nada disso.

— Mas você não vai fazer isso de novo. Não vai dormir comigo de novo.

Suas mãos apertaram o volante até que o couro rangeu. — Não, eu não
vou.

Ouvi a dura resolução em sua voz. Donovan Caine tinha feito uma
promessa a si mesmo, e ele não ia quebrá-la. Oh, eu imaginei que poderia
conseguir que ele esquecesse sobre sua moral, suas regras, seus votos. Tudo o
que eu tinha que fazer era subir nele e começar a dar-lhe a dança erótica de sua
vida. Uma variação do striptease que eu tinha realizado mais cedo essa noite.

Mas eu tinha feito o primeiro movimento duas vezes agora. Eu queria que o
detetive me quisesse, Gin Blanco, a boa, a ruim, e a sangrenta. Não apenas
sucumbir aos meus encantos no calor do momento, e então sentir-se culpado
sobre isso depois.

— Parece que estamos em um impasse então, — eu disse em voz baixa.

— Eu acho que sim.

Donovan não olhou para mim. Ele não é o certo para você, a voz esganiçada
de Warren T. Fox murmurou em minha cabeça. Eu não queria que suas palavras
fossem verdade, mas parecia que eram — pelo menos por hoje a noite. Além do
mais, eu tinha que cuidar de Tobias Dawson. Fletcher Lane tinha me treinado
para colocar o trabalho em primeiro lugar, à frente de meus próprios desejos.
Assassinos distraídos eram desleixados, e então eles eram mortos. Eu precisava
me concentrar realmente dessa vez, já que tinha um par de pessoas inocentes
para proteger. Um problema de cada vez. Eu lidaria com Donovan e seus
sentimentos conflituosos mais tarde.

— Tudo bem, — eu disse. — Você cuida de Warren e Violet. Terei Finn para
me ajudar com Tobias Dawson.

Donovan assentiu. — Acho que isso é o melhor.

Não havia mais nada para dizer. Não hoje à noite. Então eu saí do carro. O
detetive não olhou para mim quando ele jogou o veículo no sentido inverso, se
virou, e foi embora. Eu fiquei lá olhando para a neblina e a escuridão que o
engoliu.

Por alguma razão, meu coração parecia tão gelado quanto a chuva fina ao
meu redor.

Capítulo 23

Eu tinha acabado de tirar uma torta de amora-preta do forno por volta
do meio-dia do dia seguinte, quando ouvi o som de pneus esmagando o cascalho
do lado de fora. Andei de fininho até à sala da frente e espiei por uma fenda das
cortinas. Um Ashton Martin prata parou na entrada.

Destranquei a porta da frente, depois voltei para a cozinha.

Um minuto depois, Finn enfiou a cabeça dentro do cômodo.

Como de costume, ele usava um terno impecável, desta vez em um escuro
cinza carvão. Suas bochechas estavam coradas devido à garoa sempre presente, e
gotas de água brilhavam em seus cabelos cor de noz. Ele carregava seu laptop em
um estojo de couro preto à prova d'água.

— Já não era sem tempo. — Eu despejei uma bandeja de estanho cheia de
bolinhos de airela 46 e laranja em um prato branco. — O café já está pronto.

Finn se serviu de uma caneca da quente bebida de chicória. Ele tomou
alguns goles, então desviou um cesto de pãezinhos de massa fermentada para
que ele pudesse colocar seu laptop na mesa da cozinha. — Parece que alguém
não conseguiu nada noite passada.

Eu o encarei.

46 Também conhecido como Mirtilo-Vermelho e Oxicoco.

Finn gesticulou para a cozinha. — Vamos lá. Vejo uma torta, bolinhos,
pãezinhos e um bolo de chocolate, e o que eu suponho que sejam conservas de
morango. Você sempre cozinha demais quando está chateada.

Ele havia me descoberto. A situação com Donovan Caine não tinha ficado
resolvida como eu queria, e isso havia me afetado mais do que eu tinha
percebido. Por que o detetive não poderia apenas me aceitar como eu era?
Moralidades. Elas sempre estragavam tudo.

Eu me levantei cedo com nada além de tempo para matar até que Finn
aparecesse. Então comecei a cozinhar. Mas misturar, mexer, e assar não tinha
me relaxado o suficiente.

Talvez se eu fizesse outro bolo ou dois…

— Suponho que as coisas não acabaram com o bom detetive em sua cama
na noite passada? — Finn perguntou em tom astuto.

Além de tratar-me como uma irmã, Finnegan Lane também tinha uma
tendência irritante de analisar a minha vida sexual — juntamente com a de todos
os outros.

— Não, — eu respondi. — O detetive não passou a noite, apesar de eu tê-lo
convidado.

Finn balançou a cabeça. — Idiota. O homem é um idiota. Mas não se sinta
mal. Eu também não tive sorte ontem à noite.

Levantei uma sobrancelha. — Você quer dizer que a noite não terminou
com você num trio com Violet Fox e Eva Grayson?

— Touché.

Finn tomou outro gole de seu café. Ele examinou as várias iguarias que eu
assei e pegou dois bolinhos de airela e laranja para começar.

— Espero que você tenha feito alguma coisa ontem à noite além de dar em
cima dessas duas garotas, — eu disse, servindo uma generosa porção de torta de
amora em uma tigela grande.

— Se você considerar peneirar resmas de informações sobre Tobias
Dawson, então sim, eu fiz alguma coisa útil a noite passada, embora tenha sido

uma experiência completamente de deixar os olhos vidrados 47. O homem não tem
de perto vícios suficientes para fazer coisas interessantes. Tudo o que ele faz é
minerar carvão e comprar equipamentos para minerar carvão e procurar mais
lugares para minerar carvão. Mencionei que ele minera carvão?

— Uma ou duas vezes. — Meus lábios se contraíram. Não importava o quão
mal eu me sentia, Finn conseguia sempre me fazer sorrir. Eu o amava por isso.

Eu usei minha magia de Gelo para congelar uma caneca e criar alguns
cubos de Gelo pequenos, então me servi de um copo de leite e cavei a torta. Não
me incomodei com sorvete desta vez. Eu só queria açúcar quente, um monte dele.

— Mas você estava certa sobre os diamantes, — disse Finn. — De acordo
com as fotos de celular que o detetive tirou no escritório de Dawson, o anão está
planejando uma grande expansão de sua atual operação mineira. E adivinhe para
onde o novo veio principal leva?

Eu nem sequer tive que me esforçar. — A loja de Warren T. Fox.

Finn assentiu. — Na verdade, o nosso bom amigo Tobias Dawson já
começou a escorar a mina, e ele até mesmo atravessou a terra de Warren.

— Explica todos os estrondos e mini terremotos que eles ouviram e
sentiram. — Eu comi outro pedaço de torta. A cobertura de aveia proporcionava
um contraste crocante à doçura melosa do recheio de amora. Mmm. Perfeito.

— Mas espere, há mais, — disse Finn. — Dawson pode estar minerando
seus miolos, mas ele não está mais ganhando um monte de dinheiro fazendo isso.

— Por que não?

Finn encolheu os ombros. — As razões habituais. O equipamento está mais
caro, o carvão está mais difícil de conseguir, e há cada vez menos dele, o que
significa mais horas de trabalho e mais dinheiro investido para extraí-lo. Dawson
também foi processado no ano passado. Houve um desmoronamento em uma de
suas outras minas, na Virgínia. Matou quase uma dúzia de homens, feriu muitos
mais. Apesar das tentativas do anão de manter isso quieto, o acidente conseguiu
um monte de imprensa. Dawson tinha seguro, mas ainda teve que desembolsar
quase trinta milhões para as famílias.

47 No sentido de muito entediante.

Eu assobiei. — Isso faz danos na carteira de qualquer um.

Finn terminou de comer seus bolinhos e estendeu a mão para o cesto de
pãezinhos. Passei-lhe um pouco de manteiga. — Causou mais danos na carteira
de Dawson que na da maioria. Isso limpou a maior parte de sua fortuna pessoal.
Ele mal tem dinheiro para o básico nestes dias e está hipotecado até o topo de
seu chapéu de cowboy.

— Então, ele não só quer os diamantes, ele precisa deles.

— Como um bêbado precisa de vinho, — Finn concordou. — Mas espere, há
mais. Adivinha quem é um de seus credores principais?

Outra adivinhação fácil. — Mab Monroe.

Finn fez beicinho. — Você estraga toda a minha diversão. Como você sabia?

Dei de ombros. — Lembro-me de ver o nome de Dawson no arquivo que
Fletcher compilou sobre Mab. Mesmo se eu não tivesse, não seria muito difícil
imaginar. A mulher tem as mãos em tudo nesta cidade. Incluindo nos bolsos de
Dawson, eu imagino.

— E de que maneira, — disse Finn. — Mab esteve lhe dando dinheiro no
últimos meses. Ela está dando isso como um risco de negócio especulativo.

Olhei para ele. — Risco especulativo? Assim que ela sabe sobre os
diamantes então.

— Provavelmente, — disse Finn. — Dawson deve ter lhe contado sobre eles,
talvez até mesmo lhe dado um par de amostras como gesto de boa fé.

— Então tudo que Dawson tem de fazer é se livrar dos Fox, e ele pode
rasgar toda a montanha minerando diamantes.

— Saldar seus credores, tornar-se solvente de novo, e fazer para ele e Mab
Monroe uma pilha de dinheiro, — acrescentou Finn. — Você estava certa, Gin.
Tobias Dawson não vai parar até que a terra de Warren Fox seja sua. Ele não
pode se dar a esse luxo. Não com Mab Monroe respirando em seu pescoço para
surgir com algo de valor.

— Saber os segredos sujos do anão é bom, mas nós sabíamos que eu ia ter
que matá-lo o tempo todo, — eu disse. — O que quero saber agora é como posso
conseguir isso — e sair limpa depois.

Finn passou manteiga em outro pãozinho. — Estive trabalhando nisso
também. Como disse antes, Dawson é todo sobre seu negócio. A mineração é a
sua vida.

— Então eu o elimino em sua casa ou no escritório da mina. Não é grande
coisa.

Finn balançou a cabeça. — Eu investiguei um pouco mais a noite passada.
Não sugiro nenhuma dessas opções. Dawson tem uma forte configuração de
segurança em casa. Muitos guardas gigantes, e a casa dele fica em uma área
plana e remota. Eles veriam você chegando. E após o seu arrombamento da noite
passada, imagino que ele tenha duplicado os guardas em seu escritório e mina.
Entrar seria complicado, sair seria um problema sério. Especialmente se ele lutar
antes de você o matar.

Eu confiava no julgamento de Finn tanto quanto confiei no de Fletcher. Se
ele dizia que a casa e o escritório estavam fora, eles estavam fora. — Que tal a
caminho do trabalho?

— Dawson tem um motorista que está com ele há anos. Leva o anão em
todos os lugares. Ele dirige esse grande SUV que vimos no Country Daze. Vidro à
prova de balas, airbags, estrutura reforçada, todos os usuais recursos de
segurança.

— O que significa que atacá-lo através do vidro não iria funcionar, e o anão
é provavelmente resistente o suficiente para sobreviver a um acidente de carro ou
até a uma bomba sob o capô, — eu terminei.

— É isso aí.

— Então o que você sugere? — Perguntei. — Porque o relógio está correndo.
Violet não pode ficar para sempre com Eva Grayson, e Sophia e Jo-Jo só podem
cuidar de Warren por um tempo. Tobias Dawson voltará à loja para ameaçar os
Fox novamente mais cedo e não mais tarde. O anão precisa ser morto, Finn.
Depressa.

Finn sorriu. — Os seus desejos são ordens. Dawson não sai muito, mas
está agendado para comparecer a uma festa — hoje à noite, aliás.

Curto espaço de tempo, mas eu poderia fazer com que resultasse. Tive
prazos menores para realizar outros trabalhos. — Mas...

— Mas há apenas um problema. Não, isso não é verdade, — disse Finn. —
Existem vários problemas. Mas o maior é esse. A festa? Adivinha onde vai ser?

— Eu não sei. O clube privado Five Oaks, talvez?

É onde um monte de tipos da camada superior realiza as suas reuniões.

— Nuh-uh, — Finn balançou a cabeça. — Esse baile vai ser realizado na
casa de Mab Monroe — sua propriedade pessoal.

— Porra, — eu disse.

— Porra, de fato, — Finn concordou.

***

Eu sentei lá e comi minha torta de amora por vários minutos. A casa de
Mab Monroe era o último lugar em que eu gostaria de realizar um golpe. A
elemental de Fogo não ficaria feliz se eu matasse alguém dentro dos limites de
sua própria casa. Sem mencionar o fato de que isso poderia prejudicar
gravemente a sua própria segurança e posição no submundo de Ashland. Matar
alguém na mansão de Mab era o tipo de coisa que as pessoas falariam durante
anos. Mab faria tudo em seu poder para descobrir quem matou o anão em seu
próprio território. Quem teve a audácia de ridicularizar 48 a elemental de Fogo
assim.

Mas, se era aí que Tobias Dawson estaria, então era aí que teria de realizar
o trabalho — quer eu gostasse ou não. Eu só esperava estar à altura.

— Diga-me o resto, — eu disse.

Finn cortou para ele um pedaço de bolo de chocolate. — Oficialmente, a
festa é um misturador de negócios. Mab convidou todos os seus associados de
negócios, e todos os outros com quem ela quer fazer negócios em Ashland e além.
Muitos chefões devem comparecer. A segurança para entrar será muito, muito
forte.

48 ‘Thumb nose at’ - literalmente seria colocar o polegar no nariz - expressar escárnio por alguém,

ridicularizar, como se colocando o polegar no nariz e balançar os dedos.

— Então? — Eu perguntei. — Entramos de penetra em muitas festas antes.
Certamente Jo-Jo pode nos colocar lá dentro.

Finn balançou a cabeça. — Já lhe liguei a perguntar. Você sabe que ela não
suporta Mab. Jo-Jo recusou o convite duas semanas atrás. Você não pode usar o
seu convite para matar Tobias Dawson.

— Porque vai parecer muito suspeito e colocará Mab na direção de Jo-Jo,
— eu terminei o seu pensamento. — Ok, então como faremos isso? Tem que
haver alguma maneira de entrar na mansão de Mab para que eu possa chegar
perto de Dawson.

Finn hesitou. — Bem, há uma maneira, mas você provavelmente não vai
gostar.

— Desembucha.

Ele me encarou. — Primeiro de tudo, você tem que perceber que não é o
suficiente apenas entrar na festa. Você não pode ir na mansão de Mab Monroe
como você, Gin Blanco. Jonah McAllister está na lista de convidados. Ele iria te
reconhecer em um minuto.

— Então, usarei um disfarce. Não é como se eu não tivesse feito isso antes.

Finn terminou de comer seu bolo e cortou outra fatia. — Verdade, e eu
tenho uma ideia sobre isso. Como parte das festividades da noite, Mab
providenciou uma variedade de... entretenimento para seus convidados.

Meus olhos cinzentos estreitaram. — Que tipo de entretenimento?

Finn limpou a garganta. — Prostitutas. Homens e mulheres. Humanos,
gigantes, vampiros, anões. Seus convidados escolhem quem eles gostam, fazem o
que eles querem, e ela paga pela coisa toda.

— Então você está dizendo que a melhor forma, a única forma, de entrar
nesta festa é fingir ser uma prostituta, chamar a atenção de Tobias Dawson,
conseguir que fiquemos sozinhos, e fazê-lo antes que ele me faça. Por assim dizer.

Finn se encolheu. — Mais ou menos. Desculpe, Gin. Sei que não é ideal
apostar se ou não você pode atrair Dawson. Mas acho que esta é a nossa melhor
chance contra ele.

Eu me servi de mais um pouco de torta de amora e pensei sobre as coisas.
Como uma assassina, como a Aranha, eu interpretei uma variedade de papéis ao
longo dos anos. Garçonetes, criadas de hotel, musicistas, até mesmo uma policial
de vez em quanto. Vestida com perucas, maquiagem, roupas provocadoras, e
muito mais, tudo em nome do trabalho. Então, não estava preocupada se ou não
eu conseguiria ser uma prostituta. O que me preocupava era o fato de que
deveria fazer isso, ninar Tobias Dawson, e sair mais tarde — tudo na casa de Mab
Monroe. Ainda assim, Finn estava certo. Esta era provavelmente a minha melhor
chance com Dawson, e o anão precisava morrer — o mais rapidamente possível.

— Tudo bem, — eu disse. — Então entrarei como uma prostituta.

Finn assentiu. — Isso é realmente onde fica um pouco mais fácil.

— Por quê?

Ele sorriu. — Porque acontece que eu sou muito bom amigo da pessoa que
entregará o entretenimento da noite — Roslyn Phillips.

Primeiro, Donovan mencionara o nome dela na noite passada, e agora Finn.
Eu não tinha pensado sobre a vampira nas últimas semanas, mas aqui estava
ela, surgindo em todo o lugar, mesmo que ela não percebesse isso. Mesmo que eu
não gostasse do fato de quão próximas tínhamos que estar.

Não só Roslyn Phillips conduzia a Agressão do Norte, a casa noturna mais
decadente de Ashland, a vampira costumava ser ela mesma uma prostituta. Ela
havia trabalhado nas ruas de Southtown durante vários anos antes de guardar
dinheiro suficiente para crescer financeiramente e abrir o seu próprio bar. Todos
os vampiros precisavam de sangue para sobreviver, é claro, mas muitos deles
também ganhavam poder através do sexo, razão pelo que muitos deles
trabalhavam como prostitutos. Além disso, os vampiros podiam viver muito
tempo, e a prostituição, bem, era uma habilidade que nunca saía de moda ou
demanda. Vampiros precisam de dinheiro tal como o resto de nós.

Roslyn Phillips era a melhor dos melhores. Ela podia fazer coisas com
homens e mulheres que eu nunca tinha sequer sonhado, e ela ensinava a seus
funcionários a maioria de seus truques. Mas mais importante do que isso, a
vampira me devia por matar seu abusivo cunhado e por não contar a Finn como
sua língua solta tinha inadvertidamente levado à morte de Fletcher. Então,
Roslyn ia ter que lidar comigo de novo, quer gostasse ou não.

Comi o último pedaço da minha torta, em seguida, afastei a minha tigela.
— Bem, então acho que é hora de fazer a Roslyn uma visita amigável.

Finn sorriu. Ele e Roslyn tinham sido amigos especiais durante anos. Ou
seja, eles muitas vezes se encontravam para jantar, beber, e ter uma noite de
sexo quente e suado quando não estavam vendo outras pessoas. Às vezes, mesmo
quando estavam.

— Oh, que delícia, — Finn falou lentamente. — Uma viagem de campo.

Capítulo 24

Passava um pouco da uma quando entramos no estacionamento da
Agressão do Norte, que estava localizada em Northtown, como convinha a seu
nome. Por volta das oito da noite, carros topos de gama de todas as marcas e
modelos encheriam o lote, e uma longa fila de mulheres e homens ávidos estaria
esperando para entrar e satisfazer seus desejos desesperados.

Mas nesta tarde fria de Novembro, a casa noturna parecia um armazém
anônimo. Uma grande caixa de metal cinza que podia ser encontrada em
qualquer um dos parques industriais de Ashland — exceto pela runa enorme
sobre a porta. Uma luz néon em forma de coração com uma flecha o atravessando
estava empoleirada em cima da entrada, marcando o sítio como algo fora do
comum. O coração trespassado era a runa pessoal de Roslyn Phillips e o símbolo
de seu clube. De visitas anteriores, eu sabia que o símbolo piscaria em vermelho,
depois amarelo e depois laranja, quando ligado. Mas neste momento, era apenas
um pedaço de metal e vidro pairando acima da porta.

— O lugar parece deserto. Você tem certeza que Roslyn está aqui? —
Perguntei. — Pensava que ela ficasse em casa durante o dia e cuidasse da sua
sobrinha, Catherine.

Finn encolheu os ombros. — Não hoje. Ela disse que estaria aqui
examinando os livros já que o mês está terminando. Ela está nos esperando.

— Maravilhoso, — murmurei.

Saímos do carro e nos dirigimos à entrada.

A porta da frente estava trancada, então Finn bateu nela. Os nós dos dedos
fizeram um som oco e vibrante na porta de aço reforçado. Alguns segundos
depois, algo retiniu, como uma barra de segurança sendo jogada para trás, e a
porta foi aberta. Xavier, o porteiro chefe da casa noturna, colocou a cabeça para
fora. O gigante parecia ainda maior, mais largo e mais forte no fraco sol da tarde
do que tinha parecido no Pork Pit, quando detivera Jake McAllister algumas
noites atrás.

Seus olhos escuros foram para Finn, então para mim, em seguida, de volta
para Finn.

Finn sabia exatamente o que era esperado. Ele sorriu e estendeu a mão.
Xavier apertou-a e espalmou a oferecida nota de cem com graça surpreendente
para alguém com mãos tão grandes quanto um melão.

O gigante sorriu. — Sempre um prazer vê-lo, Finn. Entre.

Finn e eu entramos, e Xavier fechou e trancou a porta atrás de nós.

— Já tinha visto você guardando a porta aqui, — eu disse. — Mas não
sabia que também trabalhava para o departamento de polícia até você aparecer
no Pork Pit para limpar aquela pequena bagunça na outra noite. Você não deveria
estar lá fora prendendo infratores?

O sorriso de Xavier se alargou. — Ah, a coisa de policial é apenas uma
atuação de meio período. Além disso, por que ir lá para fora, quando todos eles
simplesmente aparecerão aqui mais tarde esta noite?

— Bom ponto.

Xavier agarrou um par de caixas de madeira que tinham sido deixadas
junto à porta principal, e o tink-tink de vidro dentro chamou minha atenção.
Parecia uma entrega de bebidas de algum tipo. O gigante ergueu o seu fardo e
dirigiu-se mais profundamente no clube. Finn e eu o seguimos.

O exterior da Agressão do Norte podia ser uma concha sem rosto, mas o
interior tinha uma personalidade própria, mesmo durante o meio do dia. As
poucas luzes do teto que estavam ligadas destacavam as pesadas e amassadas
cortinas de veludo vermelho que cobriam as paredes. O chão era de um
maravilhoso bambu flexível que amortecia nossos pés, mas os nossos passos
ainda ecoavam no vazio prédio oco.

Atravessamos a pista de dança, e Xavier se dirigiu para a direita, em
direção a um longo bar feito inteiramente de gelo elementar.

A estrutura tinha quase trinta metros de comprimento e parecia mais uma
escultura elaborada do que uma peça de mobiliário. Runas tinham sido
esculpidas na superfície lisa, principalmente sóis e estrelas, os símbolos da vida e
da alegria.

Os quais poderiam ser encontrados em abundância aqui tarde da noite,
contando que você tivesse dinheiro suficiente para pagar pelos privilégios. O bar,
é claro, tinha sido criado pelo elemental de Gelo que trabalhava como bartender
no clube, e ele tinha usado magia suficiente para se certificar de que sua criação
não derreteria antes de seu turno começar hoje à noite. Eu podia sentir a carícia
fresca do poder no outro lado do clube. Minha própria magia de Gelo, fraca e
lenta como era, agitou-se em resposta.

Xavier colocou suas caixas de bebidas no bar e gesticulou para Finn e eu
seguirmos sem ele. — Tenho que descarregar estas. Roslyn está esperando por
vocês em seu escritório. Você sabe o caminho, Finn.

Finn ajeitou a gravata. — De fato sei.

Ele se dirigiu para a parte de trás da casa noturna e abriu uma porta
discretamente instalada no veludo amassado que cobria a parede. Esta abriu-se
para um corredor que ia em qualquer direção antes de se ramificar nas
extremidades. Finn virou à esquerda, e ziguezagueamos por uma série de
corredores antes de ele parar em uma porta fechada. Finn bateu nela.

— Entre, — disse uma voz abafada.

Finn abriu a porta, e entramos num escritório.

Roslyn Phillips estava sentada atrás de uma mesa enorme que teria feito
até mesmo Xavier parecer esbelto em comparação.

Uma variedade de papéis rosa e branco estavam espalhados sobre a
superfície à sua frente, junto com o que parecia ser um livro de contabilidade
antiquado. Um computador descansava ao seu lado, enquanto uma luz vermelha
piscava em seu telefone. Este tinha forma de coração, e o fone parecia uma
flecha. O telefone combinava com o relógio em forma de runa que estava
pendurado na parede de trás.

Finn estendeu suas mãos amplamente. Um sorriso encantador se espalhou
pelo seu rosto. — Roslyn, querida, tão simpático da sua parte me receber em tão
pouco tempo.

Um sorriso de resposta curvou os lábios de Roslyn, mostrando suas
perfeitas presas brancas como pérolas. — Que nada, Finn.

A vampira levantou-se. Dizer que Roslyn Phillips era uma mulher atraente
seria como dizer que Sherman 49 apenas causou alguns incêndios em Atlanta —
um eufemismo completo. Seus olhos e pele perfeita eram de um caramelo rico, e
seu cabelo preto cortado em camadas destacava a borda de sua forte e quadrada
mandíbula. Óculos de prata se empoleiravam na ponta do seu nariz e faziam seus
olhos parecerem ainda maiores e mais expressivos. A vampira tinha o tipo de
rosto que fazia você olhar uma segunda vez para descobrir se tal perfeição
simétrica era possível. Nela, sim.

Uma vez que a casa noturna ainda não estava aberta para negócios, Roslyn
usava um par de jeans skinny e uma camisa branca de botões. Mas a roupa
simples ainda exibia todo o potencial do seu corpo. Seios amplos, quadris
exuberantes, barriga lisa, coxas tonificadas, a quantidade certa de curva em seu
traseiro. Roslyn era como uma versão feminina do David 50 — só que muito mais
acessível pra foder. A vampira era um dos que usava o sexo para conseguir poder,
juntamente com sangue, e ela passou anos, décadas até, aprendendo a trabalhar
o que lhe tinha sido dado como vantagem.

Roslyn rodeou a mesa, e Finn deu um beijo casto na sua bochecha, mais
uma vez fazendo o papel do cavalheiro sulino. A vampira recuou, seus olhos
escuros pousando em mim.

— Você trouxe Gin com você, — disse ela num tom neutro.

— Olá, Roslyn, — eu respondi. — Adorável te ver também.

O sorriso de Roslyn se transformou em uma careta. Ela não tinha
esquecido o nosso encontro no funeral de Fletcher Lane.

Aquele em que eu disse à vampira que sabia que ela tinha falado sobre
Fletcher, Finn, e eu, sobre o que fazíamos. Que os seus bem-intencionados
sussurros conduziram Alexis James a Fletcher e ao Pork Pit e que tinham sido a
razão da morte do velho.

49 Homem que mandou incendiar Atlanta em 1864

50 David ou Davi é uma das esculturas mais famosas do artista renascentista Michelangelo.

— O que você precisa? — Ela perguntou em um tom tranquilo, ainda
olhando para mim.

Precisa, não quer. Roslyn Phillips parecia estar levando a nossa conversa a
sério. Concordei em não matar a vampira ou contar a Finn o que ela tinha feito —
e disse-lhe sem rodeios que ela teria que dar a mim e a Finn qualquer coisa que
precisássemos por tanto tempo quanto eu bem entendesse. Como eu não sou
uma pessoa indulgente, isso seria um longo tempo. Começando agora mesmo.

— Ah, Roslyn, você me fere, — disse Finn. — O que faz você pensar que
precisamos de alguma coisa? Talvez eu só quisesse passar e relaxar em sua
beleza.

A vampira bufou. — Corta a besteira, Finn. Se você tivesse vindo sozinho,
eu poderia ter fingido acreditar nisso. Mas você trouxe Gin. Duvido que ela esteja
interessada em minha beleza.

— Desculpe, Roslyn, — eu disse. — Não balanço para esse lado.

A vampira deu de ombros e voltou seus olhos escuros para Finn. — Então
farei a pergunta novamente — o que você precisa?

Finn abriu a boca, provavelmente para falar docemente com Roslyn um
pouco mais, mas eu interrompi. Não podíamos perder tempo. Precisávamos
conseguir que Roslyn nos ajudasse.

— Preciso entrar na festa de Mab Monroe esta noite, — disse.

Os olhos de Roslyn arregalaram-se por meio segundo antes de ela mascarar
sua surpresa. — Você quer entrar na festa de Mab? Por quê?

Eu encarei a vampira, debatendo o que deveria lhe dizer. Quanto menos
Roslyn soubesse, melhor. Mas depois de nossa última conversa, não tinha
dúvidas que a vampira manteria a boca fechada dessa vez. Ela sabia o que eu lhe
faria se ela não o fizesse.

— Preciso chegar perto de alguém.

Roslyn franziu a testa com compreensão. — Quem?

— Tobias Dawson.

A vampira empalideceu com desgosto, mas ela não perguntou por que eu
estava interessada no anão. Prostituir-se em Southtown por algumas décadas era
uma ótima maneira de diminuir a curiosidade. Nas sórdidas ruas de Southtown,
você fazia as coisas sem perguntar os motivos ou pensar demais sobre eles. Além
disso, Roslyn sabia que o porquê realmente não importava, já que a única razão
que eu alguma vez chegaria perto de alguém como Dawson era para matá-lo.

Roslyn cruzou os braços sobre o peito. Seu pé virou para o lado e bateu no
tapete espesso. Depois de alguns momentos de introspeção calma, compreensão
cintilou em seus olhos escuros. — Você quer entrar como uma das minhas
garotas. É por isso que você está aqui.

Eu assenti.

Roslyn me encarou, e deixei a frieza aparecer em meus olhos cinza. Eu
respeitava a vampira pelo que ela tinha conseguido, por ser inteligente e
habilidosa o suficiente para ir de uma prostituta de rua para uma empresária
rica.

E eu admirava especialmente a devoção feroz de Roslyn a sua irmã e jovem
sobrinha, sua determinação em proporcionar uma vida melhor para elas. Mas
isso não queria dizer que ia deixar a vampira renegar o nosso acordo. Fletcher
Lane foi morto, em parte por causa dela. Ela me devia até que eu dissesse o
contrário.

— Tudo bem, — disse Roslyn em voz baixa. — Eu vou te ajudar, Gin.

— Obrigado. — Eu poderia estar torcendo o braço de Roslyn ao ponto de
ruptura, mas não havia necessidade de ser ingrata sobre isso.

A vampira acenou com a cabeça. — Sigam-me.

***

Roslyn nos levou para fora de seu escritório. O labirinto de corredores
serpenteava por todo o caminho ao redor do perímetro interior da Agressão do
Norte, formando uma série de passagens, olhos mágicos e portas discretas que
deixaram Roslyn, suas prostitutas, e os seguranças gigantes que cuidavam delas
terem acesso à boate inteira sem terem que passar através da multidão que
bebia, fumava, cheirava, e fodia na área principal.

Após uma série de torções e giros, Roslyn abriu uma porta onde se lia
Suprimentos e entrou. Finn e eu a seguimos.

Finn parou subitamente, e um largo sorriso se espalhou pelo seu rosto. —
Acho que morri e fui para o céu.

Eu bufei. — Sim, o céu prostituto.

A sala não estava cheia com o que eu consideraria suprimentos, mas então
novamente, eu não estava no ramo da prostituição.

Prateleiras e prateleiras de roupa ocupavam uma boa parte da sala,
juntamente com um par de fileiras de armários de metal e várias penteadeiras
repletas de maquiagem, spray de cabelo, e dezenas de caixas de preservativos,
lubrificantes femininos e óleos corporais de todos os tipos.

Roslyn removeu uma prancheta e uma caneta da parede ao lado de uma
prateleira. Ela empoleirou seu quadril em uma das mesas de maquiagem e
apunhalou a caneta para mim. — Tire a roupa, — ela ordenou.

— Por quê?

Roslyn perfurou-me com um olhar duro. — Porque se você vai se disfarçar
como uma das minhas garotas, então irá com certeza parecer com uma. Não
envio mercadoria de má qualidade, especialmente não a uma das festas de Mab
Monroe.

Eu tinha que aplaudir a dedicação de Roslyn. Tirei as minhas botas e
meias, tirei minha calça jeans, e o meu casaco de lã.

Tomei um pouco mais de cuidado com minha T-shirt de manga comprida,
me certificando que Roslyn não visse as duas facas que eu tinha enfiadas em
minhas mangas ou a que eu tinha escondido contra a parte baixa de minhas
costas. Um minuto depois, eu estava lá apenas de calcinha e sutiã. O piso de
concreto parecia gelo contra os meus pés descalços.

— Roupa íntima também, — Roslyn latiu. — Preciso ver tudo.

Olhei para Finn e fiz um círculo com o dedo, sugerindo que ele se virasse.

— Vamos lá, Gin. Não é como se eu não tivesse visto isso tudo antes, —
protestou Finn.

Roslyn começou. — Não me diga que vocês dois…

— Sim, fizemos, — disse. — Quando éramos crianças. Antes que eu
soubesse melhor. Agora vire-se, Finn.

Finn revirou os olhos, mas ele virou as costas e andou até às prateleiras de
roupas, a maioria das quais eram ou mechas transparentes de renda e cetim ou
peças de couro apertadas.

Roslyn pegou uma fita métrica de uma das mesas e a envolveu em torno de
várias partes do meu corpo. Eu permaneci lá e deixei-a trabalhar. A vampira me
considerou com todo o interesse que um açougueiro teria por uma vaca. Estar lá
nua não era a coisa mais confortável que eu já tinha feito, mas sabia que Roslyn
tinha visto corpos melhores que o meu em seu tempo. Inferno, ela mesma tinha
um. Então decidi focar em assuntos mais importantes.

— De acordo com a informação que Finn encontrou, algumas de suas
garotas tiveram negociações com Tobias Dawson antes, — disse. — Do que ele
gosta?

— Por que você pergunta?

Dei de ombros. — Preciso atrair sua atenção hoje à noite. Não pode magoar
se eu fizer com que as coisas estejam a meu favor.

Roslyn escreveu outra medida em sua prancheta.

— Você já viu Tobias Dawson?

— Uma vez.

— Então sabe sobre o seu fetiche cowboy, — disse Roslyn.

— Você quer dizer essas botas de pele de cobra bregas e o chapéu que é
quase tão alto quanto ele?

A vampira assentiu. — Dawson não apenas se veste como um cowboy, mas
ele age como um também — especialmente na cama. Ele gosta de rainhas da
beleza do Texas. Cabelo louro grande, olhos azuis grandes, seios grandes, bundas
firmes, muita maquiagem. Das quais a única coisa que você tem atualmente é a
bunda firme.

— Obrigada, — eu disse em um tom irônico.

Roslyn ergueu as sobrancelhas. — Só apontando os fatos. Você veio aqui
pela minha opinião profissional, depois de tudo.

Assenti. — Eu vim.

— Dawson gosta de assumir a liderança. De acordo com a persona cowboy,
ele prefere uma mulher que chame sua atenção, e então faz seu melhor para
amarrá-la 51.

— Literal ou figurativamente?

Roslyn olhou para mim. — Ambos. Uma das minhas garotas teve
queimaduras de corda por uma semana depois de fazer-lhe uma visita.

Eu arquivei a informação. — O que mais?

— Ele também gosta de usar calças 52, chapéu de cowboy e suas botas
quando fode.

— Soa como um bastardo bizarro para mim, — disse Finn.

A vampira se aproximou de uma prateleira de roupas diferentes das que
Finn esteve vasculhando. — Infelizmente, não tão bizarro quanto alguns que eu
tenho visto e feito.

Roslyn mexeu em algumas roupas por um momento antes de se voltar para
mim. — Suponho que você vai querer algo um pouco maior. Algo onde você possa
esconder certos... suprimentos?

Armas, em outras palavras. — Sim. Quanto maior a cobertura, melhor.
Gosto de estar preparada.

Roslyn assentiu. — Alguma cor em particular?

— Preto.

— Chocante, — ela murmurou.

51 hog-tie – literalmente é amarrar juntas as quatro patas de um animal; figurativamente é impedir ou

atrapalhar um movimento ou ação
52 chaps - http://www.moonrakerqh.com/tack/gfx/chaps-65-3275.jpg

Depois de alguns minutos, Roslyn tirou um sutiã preto push up e uma
calcinha transparente que combinava da prateleira. Ela os entregou para mim. —
Vista.

Eu fiz o que ela pediu. As roupas se encaixaram perfeitamente, e o sutiã
empurrou meus seios pequenos até novas alturas. Finn soltou um assobio de
apreciação. Eu passei o dedo na minha garganta, mostrando-lhe exatamente o
que aconteceria se ele não calasse a boca. Finn apenas sorriu para mim.

Roslyn também tirou um vestido de cocktail preto da massa de roupas e o
entregou para mim. Eu escorreguei no tecido. O vestido era de mangas compridas
com um decote de coração e a parte de cima tipo corpete. Graças ao sutiã, meu
decote inchou em ambos os lados do tecido. A saia era uma massa de crinolina
preta com lantejoulas minúsculas costuradas nela. A roupa parava um pouco
acima dos meus joelhos.

— Como parece? — Roslyn perguntou.

Eu me olhei no espelho que ficava sobre uma das penteadeiras. As mangas
eram soltas o suficiente para eu carregar minhas facas, e eu poderia prender
mais umas em minhas coxas, debaixo da saia esvoaçante. — Perfeito.

Roslyn assentiu, como se ela não tivesse esperado nada menos, e desfilou
até uma das penteadeiras. Ela me entregou uma caixa que dizia Lentes de
Contato - Azul Celeste, e uma longa e encaracolada peruca loira com franja. —
Com a peruca, lentes de contato e maquiagem suficiente, você vai ser a garota
dos sonhos de Dawson. Suponho que você pode fazer sua própria maquiagem.

— Acho que posso gerenciar.

Roslyn ignorou meu sarcasmo. Ela abriu uma gaveta, tirou um envelope e
entregou-o para mim. Uma explosão solar feita em folha de ouro brilhava no
papel de carta creme. A runa para o fogo — símbolo pessoal de Mab Monroe.

— Esse é um dos convites para esta noite, — disse Roslyn. — Você vai
precisar disso também.

Ela foi outra vez até à gaveta e tirou uma gargantilha de veludo preto. Uma
runa pendia do meio da faixa larga — um coração de prata com uma seta através
dele. O símbolo da Agressão do Norte. A runa que me marcaria como uma das
garotas de Roslyn Phillips e parte do entretenimento da noite.

Eu tomei a gargantilha dela e passei o polegar sobre a runa. O metal
parecia frio sob meus dedos. — Obrigado, Roslyn, por sua ajuda.

Ela me encarou. — Nenhum obrigado é necessário, lembra? Eu te devo.
Mas quando as outras garotas entrarem para se prepararem para esta noite,
vamos relatar esse convite, colar, roupa e peruca como roubados. Xavier vai fazer
o relato. Claro, ele vai estar ocupado trabalhando hoje à noite na porta, então não
vai ligar para me dizer sobre isso ou até mesmo avisar os policiais por algumas
horas. Isso deve lhe dar tempo de sobra para fazer o que quer que você esteja
planejando fazer.

Eu assenti. Não poderia culpar a vampira por cobrir-se. Se as coisas
dessem errado, e elas poderiam, Tobias Dawson e Mab Monroe provavelmente
viriam bater à porta de Roslyn, exigindo saber por que eu estava usando um dos
colares de runa da vampira e como eu tinha roubado um dos convites de
prostitutas para a festa. Desta forma, Roslyn tinha uma saída.

— E me faça outro favor, — disse a vampira, seus olhos escuros sérios por
trás dos óculos prata.

— O quê?

— O que quer que você vá fazer para Dawson esta noite, não seja pega, —
disse Roslyn. — Eu não quero ter de lidar com o bastardo honky-tonk 53 mais do
que eu já tenho.

Eu dei-lhe um sorriso frio. — Não se preocupe. Se eu for pega, Tobias
Dawson estará se divertindo demasiado comigo para sequer pensar em incomodá-
la.

53 Honky-tonk é um tipo de bar que oferece entretenimento musical (geralmente música country) aos seus

clientes. Bares deste tipo são comuns no sul e sudoeste dos Estados Unidos.
O termo "honky-tonk" também tem sido aplicado a vários estilos musicais americanos do século XX.

Capítulo 25

Às oito horas da noite, meu táxi parou na longa e sinuosa calçada que
levava à mansão de Mab Monroe.

Devido ao seu status como mais rica e mais mortal cidadã da cidade, Mab
Monroe vivia na maior e mais impressionante casa de Ashland. A estrutura de
pedra elevava-se quinze andares no ar, tornando-a mais alta do que alguns
arranha-céus que ficavam no centro. A mansão de três alas de tamanhos iguais
tinha a ampla forma de W invertido. Altas e finas janelas podiam ser vistas em
todos os andares, juntamente com sacadas com ameias. Um muro de pedra de
mais de quatro metros de altura cercava a mansão, que ficava a mais de dois
quilômetros da estrada principal. Pela pesquisa que Fletcher Lane tinha feito ao
longo dos anos, eu sabia que os expansivos e bem cuidados terrenos
apresentavam vários jardins, três estufas, um aviário, um campo de golfe,
bosques, e um pequeno lago. Junto com patrulhas de gigantes, cães de guarda,
variados arames mágicos esticados ao nível do chão, e algumas outras surpresas
desagradáveis.

Uma luz iluminava uma bandeira vermelha estendida sobre uma das
varandas na ala central da mansão. O pedaço enorme de tecido pesado
apresentava uma runa feita em ouro cintilante — um círculo redondo cercado por
uma dúzia de curvados e ondulantes raios. Uma explosão solar. O símbolo para o
fogo. A runa pessoal de Mab Monroe. A mesma que estava gravada no convite que
eu tinha na bolsa.

O motorista caiu no fluxo de tráfego que atravessava os abertos portões de
ferro forjado que marcavam a entrada da propriedade Mab Monroe. O táxi
amarelo parecia deslocado entre todas as limusines que rastejavam pela estrada

curva como gordos besouros negros. Levou vinte minutos para o motorista chegar
à entrada.

Meus olhos cinzentos foram para os seguranças. Cinco guardas gigantes
perambulavam através da linha de limousines, abrindo portas, ajudando pessoas
a sair de seus veículos, orientando o trânsito, e garantindo que os motoristas que
aguardavam não estavam bebendo ou fumando às escondidas. Mais dois guardas
gigantes estavam junto às portas duplas dianteiras que levavam para a mansão,
ladeando um humano menor que segurava uma prancheta grande.

— São vinte dólares, — resmungou o motorista.

— Vinte dólares? Você só conduziu uns poucos quilómetros.

No início desta noite, eu tinha tomado a precaução de estacionar um carro
na beira da estrada um pouco além da propriedade de Mab Monroe. Um velho
veículo espancado com registro falso e placas falsas. Eu tinha colocado um saco
de lixo branco na janela, deixado o capô levantado, e algumas ferramentas
espalhadas na beira da estrada. Tudo projetado para fazer parecer que o carro
tinha quebrado e alguém logo voltaria por ele. O carro era a minha apólice de
seguro, no caso de precisar fazer uma fuga mais rápida do que a que eu tinha em
mente. Depois de ter colocado o carro onde eu queria, caminhei até a loja de café
mais próxima e chamei o táxi para me trazer aqui.

— Vinte dólares, — disse o motorista novamente.

Como não queria que ele se lembrasse de mim, eu parei de argumentar,
paguei, saí e caminhei em direção à escada que levava até a entrada principal da
mansão. Eu podia ouvi-la, é claro. Com quinze andares de pedra sólida
empilhada ameaçadoramente acima de mim, eu teria que ser surda para não o
fazer. A pedra sussurrava coisas de poder e dinheiro, do jeito que eu sempre
pensei que iria. Mas havia outras vibrações também.

Fogo, calor, morte, destruição. Mas talvez o mais preocupante fosse o toque
de loucura que vibrava como um grito de curiango 54 através da rocha sólida,
como se a própria pedra, de alguma forma tivesse sido torturada até quebrar. Os
murmúrios ficaram mais altos, mais severos, quanto mais me aproximava da
mansão, até que tudo que eu conseguia ouvir eram os gritos de lamentação das
pedras.

54 http://2.bp.blogspot.com/-GNkcZN4wSFg/UGLk44RKiTI/AAAAAAAANiA/edLaNG6-

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Eu cerrei os dentes e bloqueei o ruído de dor sem fim das pedras. Minha
única preocupação era Tobias Dawson, me aproximar o suficiente para matá-lo, e
fugir depois.

Não a insanidade que permeava a fundação da mansão de Mab Monroe —
ou por que isso me fazia querer seriamente ferir a elemental de Fogo.

Subi as escadas e parei na frente das portas duplas.

— Convite? — O homem com a prancheta perguntou.

Apontei para a gargantilha de veludo preto ao redor de meu pescoço —
aquela com a runa de coração-e-flecha sobre ela. — Acredito que isso é todo o
convite que eu preciso, doce. Mas aqui está a cópia impressa também. — Dei-lhe
um sorriso encantador e entreguei o convite que Roslyn Phillips tinha me dado.

O homem olhou para a runa de coração-e-flecha por um momento, então
seus olhos passaram pelo meu corpo. Atrás dele, os dois gigantes também
olhavam de esguelha para mim. Parecia que Tobias Dawson não era o único aqui
hoje à noite com uma coisa por loiras peitudas.

O homem com a prancheta tirou os olhos dos meus seios e verificou o nome
no convite.

— Suponho que você sabe as regras para esta noite, Candy?

Assenti. — Sim, doce, sei como me comportar. Eu sou uma profissional.

Antes de Finn e eu termos deixado a boate, Roslyn tinha me dado uma lista
de regras que Mab Monroe lhe enviara para os caras e garotas da festa.
Basicamente, as prostitutas de Roslyn deveriam se tornar disponíveis para
qualquer um a qualquer momento durante o decorrer da noite e fazer qualquer
coisa — qualquer coisa — que os convidados de Mab quisessem. Esses caras e
garotas que fossem para casa com um dos convidados de Mab pela noite seriam
generosamente compensados após o fato. Todas as contas pendentes,
hospitalares e outras, seriam pagas integralmente por Mab.

O homem com a prancheta apontou o polegar por cima do ombro. — Vá em
frente.

Um dos gigantes beliscou minha bunda enquanto eu passava.

Embora eu não quisesse nada mais do que agarrar uma das minhas facas
silverstone e cortar sua garganta por colocar a mão em mim, eu aumentei meu
sorriso.

— Ora, ora. — Eu balancei meu dedo para ele. — Estou aqui para os
convidados, doce. Não para a ajuda contratada.

Seu rosto ficou vermelho devido ao meu insulto. O gigante avançou, mas o
outro colocou uma mão em seu ombro.

— Ela está certa, — o segundo homem retumbou. — Mab ficará puta se
você a tocar. Lembra o que ela fez para Stevenson da última vez? Você quer que
seja você?

O gigante empalideceu. Evidentemente, o que quer que fosse que Mab
Monroe tinha feito a Stevenson deixou uma impressão sobre o resto de seus
guardas. O gigante me lançou um olhar azedo, mas recuou. Eu pisquei para ele e
me dirigi para o interior da mansão.

O grito insano das pedras tomou conta de mim de novo, tão alto que as
cicatrizes de runa de aranha em minhas mãos coçavam pelo som. Mas eu cerrei
os dentes e empurrei o ruído para longe, enterrei-o tão profundamente que se
tornou nada mais que um murmúrio em minha cabeça. Eu precisava me
concentrar na minha missão, não saber o que Mab Monroe tinha feito em sua
própria casa para fazê-la soar assim.

Um corredor que tinha pelo menos trinta metros de largura atravessava o
centro da enorme mansão. Apesar de ser relativamente cedo, a festa estava a todo
o vapor. O trinado das risadas e o murmúrio das conversas ressoavam pela casa,
baixos e suaves, como cigarras escondidas arrulhando na grama alta no verão.
Isso ajudou a abafar os gritos insanos das pedras.

Durante meus anos como uma assassina, eu tinha chegado perto de um
monte de pessoas ricas, poderosas, influentes. Regra geral, quanto mais rica uma
pessoa, mais avarenta era com o seu dinheiro.

Finnegan Lane concordava com minha observação. Ele sempre me deliciava
com contos sobre seus clientes bilionários vampiros que compravam caixas de
creme dental de marca inferior da mais próxima a Venda-Tudo para que
pudessem salvar uns míseros cinco centavos.

Mas não Mab Monroe.

A elemental de Fogo não tinha economizado nada em sua mansão. Nem
uma coisa. Mármore branco revestia os pisos como verniz brilhante, enquanto
folhas de ouro e bronze brilhavam sobre os tetos de catedral ornamentados, trinta
metros acima da minha cabeça.

Lâmpadas Tiffany genuínas se alinhavam no corredor como soldados, os
bolbos ocultos emitiam raios de cores através de seus vitrais matizados. Algumas
luzes brilhavam nas várias salas que se ramificavam do corredor, iluminando o
delicado mobiliário antigo de diversas eras.

Tudo na casa era de bom gosto e caro, sussurrando com elegância casual
que parecia sem esforço, apesar de ter custado um monte de dinheiro para
adquirir. Eu poderia ter ficado momentaneamente deslumbrada, se os gritos da
pedra da mansão não tivessem me dito exatamente como Mab tinha conseguido o
dinheiro para pagar por todos esses adornos — e todas as coisas desagradáveis
que ela tinha feito aqui desde então.

Eu fui em frente, passando por dezenas de pessoas. Seda, cetim, veludo
esmagado. Todo mundo usava o seu melhor vestido de domingo à noite ou
smoking. Nada menos serviria para uma das festas de Mab Monroe. Além da
pedra da mansão, eu poderia também ouvir os sussurros das gemas preciosas
que os homens e mulheres usavam em seus pescoços, pulsos, dedos e até mesmo
pés. Beleza, elegância, fogo. Mas mesmo a vibração do maior diamante
empalidecia em comparação à clareza cantante daquele que eu tinha visto no
cofre de Tobias de Dawson.

Oh sim, o anão poderia ganhar uma fortuna minerando e vendendo os
diamantes da terra de Warren Fox a esta multidão pomposa.

Reconheci mais do que alguns dos rostos presentes.

Eu tinha trabalhado para alguns. Para outros, eu tinha assassinado pais,
irmãos, irmãs, ou parceiros de negócios por qualquer motivo. Alguns eram
bajuladores de Mab, seus súditos leais.

Outros estariam felizes de cuspir sobre o cadáver dela, dançar a jiga em seu
túmulo, e então começar a tentar tomar o lugar da elemental de Fogo como
abelha rainha de Ashland.

Eu não falei com ninguém, mas homens e mulheres me encararam
enquanto eu passava. Seus olhos travaram na runa prata em torno de minha
garganta, então deslizaram pelo meu corpo, como se achando que eu era um
pedaço de carne que queriam comprar do açougueiro. De acordo com Finn, eu

parecia um verdadeira boneca Barbie que estava acessível para foder. Tudo
graças às roupas de Roslyn e peruca loira longa. Eu mal me reconheci quando
olhei no espelho antes.

Mas não encontrei o olhar de ninguém e caminhei como se não tivesse
percebido que havia qualquer outra pessoa na mansão. Eu não estava aqui para
atrair a atenção deles. Tobias Dawson era o meu alvo, e eu não tinha intenção de
ser desviada ou abordada por ninguém mais.

O corredor principal conduzia a um grande salão de baile. Embora grande
realmente não fosse a palavra certa para o enorme espaço que servia de junção
para as três alas da mansão. Ele apresentava um piso de madeira dourada,
ladrilhado aqui e ali com mármore, granito e chapas de bronze martelado.
Lustres pendiam do teto.

Alguns brilhavam com rubis e diamantes. Outros queimavam com topázios.
Uma escadaria que tinha várias centenas de metros de largura ficava no extremo
oposto do salão, o seu imaculado tapete escarlate se estendendo até o segundo
andar e além.

Mais de trezentos dos mais próximos associados de negócios de Mab
Monroe conversavam, riam e bebiam no piso de salão de baile, seus grupos e
panelinhas nem mesmo chegando perto de encher o espaço enorme. Eles me
lembravam de bonecos que poderiam povoar uma casa de brinquedo de criança.

Bonitos e polidos sorrisos falsos que se estendiam em seus pintados rostos
de plástico até ao ponto de ruptura. Mas eu via além do verniz elegante das
pessoas e dos móveis.

Apesar da rica sofisticação em exibição, notei outras coisas, coisas que não
eram tão agradáveis como pareciam à primeira vista.

Como os gigantes circulando por todo o salão de baile.

Dadas as bandejas de caviar, champanhe e ovos de codorna que eles
apoiavam em suas enormes mãos, você poderia pensar que não eram nada mais
do que garçons. Mas eu sabia para que eles realmente estavam aqui — controle
da multidão, no caso das pessoas ficarem estúpidas e bêbadas o suficiente para
começarem a se virar umas contra as outras. Imaginei que Mab Monroe não iria
concordar com um par de elementais tontos que decidissem encenar um duelo
mágico em seu salão de bailes.

Que era como elementais geralmente lutavam, arremessando sua magia até
que um sucumbia ao poder do outro. Quando dois elementais entravam em
confronto, o inevitável perdedor poderia sofrer de tudo, desde pegar Fogo, ser
envolto em Gelo, ter seu coração transformado em Pedra, ou até mesmo ser
esfolado vivo pelo próprio Ar que respirava. Dependendo, é claro, do tipo de
elemental que estava combatendo. Não incluindo todas as outras pessoas que
tinham talento para coisas como metal, água, e eletricidade.

No geral, duelos de elementais eram uma maneira rápida, desagradável e
dolorosa de morrer, razão pela qual eu nunca tinha me envolvido em um. Matar a
outra pessoa primeiro era o que importava para mim. Não conceitos antiquados,
desatualizados e desnecessários como honra e duelos. Códigos de conduta eram
para tolos excessivamente confiantes.

Cinco, dez, vinte... eu contei quase trinta gigantes ao todo, mais do que
suficiente para controlar até mesmo a multidão mais desordenada.

Nenhum deles carregava armas, mas, novamente, eles não precisavam. Um
bom golpe de punho de um gigante quebraria quase tudo — especialmente
mandíbulas e egos encharcados de álcool.

Eu entrei no meio da multidão rodopiante, deixando o mar de smokings e
vestidos cintilantes me varrer de uma panelinha para a próxima. Um conjunto de
portas de vidro do lado esquerdo do salão dava para um terraço. Uma orquestra
maciça tinha sido erigida à direita, na frente de outro conjunto de portas de vidro.
Eu estampei um sorriso em meu rosto e dei uma volta pelo salão de baile, voando
de um nó de pessoas para o outro, até chegar a um silencioso espaço junto da
parte inferior da escada ao lado de uma árvore bonsai de galhos retorcidos.

Tirei o celular da minha bolsa e liguei para Finn. Ele atendeu no terceiro
toque.

— Estou aqui, — eu disse. — Onde você está?

— Estou vendo você, Gin. Você parece sensacional, mesmo para uma
prostituta falsa.

— Finn, — eu rosnei.

— Para responder à sua pergunta, estou no segundo andar, debruçado
sobre o parapeito e inspecionando a grandiosidade disposta a minha frente.

Meus olhos se moveram para cima. Certo o suficiente, Finn estava
exatamente onde ele disse que estava. Encostado no corrimão de mármore,
uísque escocês em uma mão, telefone celular na outra. Roslyn Phillips estava ao
lado dele, usando um vestido de noite branco sem alças, que a fazia parecer uma
deusa grega. Mab Monroe tinha convidado a prostituta para a festa, assim Roslyn
poderia manter um olho em seus rapazes e garotas e se certificar de que eles
estavam atendendo devidamente os convidados mais importantes. E, como parte
do nosso plano, Roslyn trouxe Finn junto como seu encontro. Nada incomum
sobre isso, desde que os dois eram frequentemente vistos juntos fora na cidade.

A grande escadaria marchava até o segundo andar, formando uma entrada
larga antes de se dividir e serpentear em ambos os lados para os andares
superiores da mansão.

Finn tinha escolhido bem. Sua posição lhe dava uma visão do salão inteiro.

— Vamos começar, — eu disse. — Antes que alguém decida me fazer uma
abordagem. Onde está Dawson?

— Ele está no centro do salão, cerca de sessenta metros atrás de você à
direita. Embora eu não sugiro que você se aproxime dele agora, dada a sua
companhia atual.

— Companhia atual? O que significa isso?

— Você verá. Apenas continue olhando nessa direção. Dawson é fácil de
encontrar. Ele é o único usando um chapéu de cowboy esta noite.

Examinei a multidão. Levei alguns segundos para detetar Dawson, e Finn
estava certo. Ele era o único cowboy presente. Além do chapéu gigante na cabeça,
o anão também usava botas de pele de cobra e outra gravata de laço com a parte
superior turquesa. Tudo isso parecia ridículo com seu smoking. Mas o senso de
moda de Tobias Dawson não foi o que me fez franzir a testa, e então amaldiçoar.
Era a companhia em que ele estava.

Mab Monroe, Jonah McAllister, e Elliot Slater.

Capítulo 26

— Porra! — eu disse.

— Porra está certo, — ele respondeu. — Porque nenhuma prostituta em seu
perfeito juízo iria tentar entrar no meio desse sanduíche.

Meus olhos passaram por Dawson e estudaram as três pessoas que
estavam em pé com ele. É claro, eu conheci Jonah McAllister em pessoa ontem,
quando ele veio ao Pork Pit para me ameaçar para tirar as acusações contra seu
filho, Jake. O advogado de discurso esperto parecia distinto e bonito em seu
smoking, e sua juba espessa de cabelo parecia prata que tinha de alguma forma
sido enrolado ao redor de sua cabeça.

Eu não tinha tido qualquer contato com Elliot Slater, o mandante gigante
que fazia funcionar os detalhes da segurança de Mab e que cuidava de qualquer
problema que a Elemental do Fogo não se sentia a vontade para lidar. Slater era
um dos maiores gigantes no lugar, se não o maior. Sua figura de dois metros
pairava sobre a multidão. Ele não era tão largo quanto alto, mas sua estrutura
era todo músculo sólido e compacto. Um corte com uma das minhas facas teria
sido como uma picada de abelha para ele.

O aspecto de Slater era pálido, quase albino, e seus cabelos loiros duros
despenteados desapareciam em seu largo crânio. Seus olhos eram castanhos
claros, e a única cor verdadeira em seu rosto calcário. Um grande anel de
diamante brilhava em seu dedo mindinho. Outro centímetro ou dois, e eu poderia
ter usado isso como pulseira.

E então havia a própria Mab Monroe. A Elemental do Fogo era alguns
centímetros mais baixa que eu, mas ela irradiava poder cru, até mais que Elliot
Slater. Seu cabelo era tão vermelho quanto cobre polido e enrolado suavemente
em seus ombros. Em contraste, seus olhos eram de um profundo e líquido preto.
Tinta pareceria fraca e diluída ao lado de seu olhar.

Fogo e enxofre. Isso era o que Mab Monroe sempre me lembrava.

A Elemental do Fogo usava um vestido de noite até o chão feito de um verde
esmeralda que fazia seu cabelo parecer ainda mais vermelho do que realmente
era. Ela não usava joias exceto o colar de ouro plano que cercava sua garganta.
Meus olhos focaram para o ponto central do design. Um rubi laranja circular um
pouco menor que meu punho cercado por várias dezenas de raios ondulados. O
complexo diamante sobre o ouro capturava a luz e fazia parecer que os raios
estavam realmente cintilando. Um raio de sol. O símbolo para o fogo.

A runa pessoal de Mab, usada somente por ela. Por um momento, senti as
vibrações do rubi. A pedra preciosa sussurrava um poder cru e ardente. O som
encaixava perfeitamente com o grito agudo da pedra da mansão. Ambos faziam
meu estômago apertar.

Enquanto olhava para Mab, eu não pude deixar de pensar sobre o arquivo
que Fletcher Lane tinha me deixado sobre o assassinato de minha família – e o
pedaço de papel que ele tinha enfiado dentro com o nome de Mab Monroe sobre
ele. Novamente, eu me perguntei por que Fletcher tinha escrito o nome da
Elemental do Fogo.

Fletcher tinha concluído que ela havia assassinado minha família?

Ele tinha simplesmente suspeitado? Ou ele tinha colocado o nome lá por
outros motivos totalmente...

— Terra para Gin, — Finn murmurou em meu ouvido.

Concentrei-me no aqui e agora mais uma vez. — Quanto tempo eles têm
estado lá conversando?

— Não muito, — Finn disse. — Eu diria que você tem mais cinco ou dez
minutos antes que Mab e os outros divaguem.

— Tudo bem. Mantenha um olho neles.

— O que você vai fazer?

Olhei para a massa brilhante de pessoas. — Encontrar algum lugar calmo
para cuidar de Tobias Dawson, uma vez que eu consiga a atenção dele.

***

Finn prometeu continuar observando Tobias Dawson, e ambos desligamos.
Coloquei o celular de volta na bolsa que Roslyn tinha me dado. Era uma coisa
pequena, mas eu consegui enfiar uma das minhas facas Silverstone dentro, junto
com o tubo compacto de cura que Jo-Jo tinha fornecido alguns dias atrás. Eu
não achava que Dawson cairia facilmente, e queria ter alguns suprimentos de
cura na mão no caso do anão conseguir alguns golpes em mim antes de morrer.
Eu não podia exatamente fugir da festa de Mab Monroe despercebida se estivesse
machucada e sangrando da cabeça aos pés.

Peguei uma taça de champanhe de um dos enormes garçons e segui em
direção a parte de trás do salão. A escadaria formava um T, e dois corredores
corriam por debaixo de cada lado dela e conectava o salão a outras alas da
mansão. Segui pelo corredor esquerdo, olhando as salas enquanto passava. Eu
não poderia simplesmente matar Tobias Dawson no chão do banheiro, então eu
precisava encontrar um local mais isolado que eu pudesse atrair o anão antes de
esfaqueá-lo para a morte.

Mas o corredor não estava tão deserto quanto eu esperava. Passei vários
casais que estavam em pé contra a parede ou dentro das salas, apenas fora da
vista do salão. Alguns falavam em voz baixa. Outros olhavam uns para os outros
e tragavam champanhe. Alguns acariciavam o pescoço. Mas pelo menos uma
pessoa em cada casal usava uma runa de flecha e um coração que marcavam ele
ou ela como uma prostituta da Agressão do Norte.

Um homem usando uma runa em um colar fez uma careta enquanto seu
amante vampiro afundou suas presas profundamente em sua garganta exposta.
Seus ansiosos sons de sucção me lembravam de um gainho miando. Outro
homem, um anão, ficou em pé, sua cabeça enfiada embaixo do vestido e seu rosto
enterrado na virilha de uma mulher enorme usando a runa como colar.

Eu não tinha que adivinhar o que ele estava fazendo com a língua.

A mulher tinha decididamente um olhar entediante em seu rosto. Ela
balbuciou um falso incentivo para o anão, mesmo enquanto ela examinava as
unhas como se debatendo se precisava ou não de uma manicure fresca. A gigante

me viu olhando. Seus olhos castanhos pousaram no colar de runa ao redor da
minha garganta, e ela deu de ombros como se dizendo, o que você pode fazer?
Devolvi o encolher de ombros e segui em frente.

Uma coisa que eu não tinha visto aqui eram os enormes guardas.

Mab Monroe provavelmente não queria que seus amorosos convidados se
sentissem como se estivessem sendo observados. Tendo um gigante em cima de
você proveria apenas a ansiedade do desempenho de alguém.

Eu vim para um corredor transversal e pausei. À minha esquerda, outro
conjunto de portas levava para um terraço. Outro corredor se estendia a minha
frente, enquanto outro virava para a direita, serpenteando escada abaixo. Virei a
direita e andei mais profundamente na mansão. Os foliões não tinha ainda
começado muito a sério suas ginásticas sexuais ainda, então esta área estava
deserta. Passei por um par de quartos, nenhum escondido o suficiente para meu
gosto. Não seria nada bom para mim matar Tobias Dawson e que alguém
encontrasse seu corpo minutos depois. Eu precisaria mais do que isso para
escapar da mansão depois de ter feito o trabalho.

Então, passei pelos quartos, tomando meu champanhe, e fingindo admirar
o mobiliário de bom gosto de Mab Monroe enquanto procurava um lugar para o
cadáver de Dawson.

Um coisa realmente pegou meu interesse – uma série de pinturas de runas,
não muito diferente dos desenhos que eu tinha sustentado na cornija da cova de
Fletcher Lane.

Meus olhos se agitaram sobre as runas opacas sobre a parede oposta na
parte de trás da escadaria. Um raio de sol. Um fósforo aceso. Uma chama em
forma de lágrima lambendo o papel que estava. Todas as peças emolduradas
tinham a ver com fogo ou calor de alguma forma, e todas estavam feitas em cores
marrom quentes, laranjas sangrentos e amarelo fogo. Parecia que Mab e eu
compartilhávamos o mesmo gosto em algumas coisas além de matar pessoas.
Estranho. E preocupante.

Enquanto eu olhava para as pinturas, um arrepio inquieto fez cócegas na
minha espinha como um dedo frio. Algo sobre a obra de arte ressoou em um nível
primitivo comigo. Aqui, algo velho e inteligente sussurrou no fundo da minha
mente. Aqui está seu inimigo.

Não um pensamento incomum para uma Elemental da Pedra ter enquanto
se estava na casa de uma do Fogo, ou vice versa. Elementos opostos
simplesmente não se misturavam – e nenhum de seus possuidores humanos

também. Ar contra Gelo, Fogo contra Pedra. Uma história velha e previsível. Eu
ouvi aquela voz, senti essa inquietação antes em outros lugares com outros
elementais. Mas nunca tão intenso.

Novamente, me perguntei sobre o nome de Mab Monroe estar na pasta de
Fletcher. Eu tinha estado com os olhos vendados para que eu não visse o rosto da
cadela naquela época, então apenas ouvia seu riso cacarejando enquanto me
torturava. Mas poderia ter sido Mab. Boatos colocavam sua idade atual em cerca
de 45 anos. Ela teria tido poder suficiente, mesmo dezessete anos atrás, para
fazer todas as coisas horríveis que aconteceram naquela noite. Mas por quê?

Por que ela tinha assassinado minha mãe, Eira, e minha irmã mais velha,
Annabella? Por que ela queria me matar? Por que ela exigiu saber onde minha
irmãzinha Bria estava com tanta urgência? Eu só não entendia por que...

Passos sussurraram no tapete à minha direita, e uma mão grande e
musculosa abraçou minha bunda e apertou – forte.

— Olá doçura, — uma voz masculina disse. — Se a sua frente for tão
apertada quanto sua bunda, estou dentro para muita diversão hoje a noite.

Ele colocou sua outra mão em meu ombro oposto e me virou. Eu o deixei e
coloquei um sorriso em meu rosto, meus lábios prontos para formar uma
desculpa para me livrar do olhar de cobiça do bastardo.

Encontrei-me olhando para Jake McAllister. O Elemental de Fogo tinha
trocado seu jeans de rock-star e camiseta vintage por um smoking. Isso não
melhorou sua aparência. Seu corpo ainda era demasiado musculoso, seu rosto
ainda ofegante como o de um bebê gordo.

Ele parecia como uma criança desproporcional vestindo a roupa de seu pai.
Mas a coisa mais importante era que ele estava aqui e me encarando.

De todas as pessoas que eu poderia ter encontrado aqui esta noite, a
possibilidade de um deles ser Jake McAllister nunca passou por minha cabeça.
Tantas coisas estavam acontecendo nos últimos dias que eu tinha deixado Jake e
sua ameaça de me matar em banho-maria. Mas a sorte, aquela cadela
caprichosa, tinha decidido me foder mais uma vez.

Jake franziu a testa, como se ele me conhecesse de algum lugar, mas
simplesmente não podia me encaixar. Então, o reconhecimento floresceu em seu
rosto robusto.

— Você, — ele gritou.

***

Jake McAllister me encarou. Um sorriso cruel se espalhou por seu rosto,
fazendo suas bochechas inflarem mais. — Você não devia ter vindo aqui esta
noite, cadela. Porque estamos do meu lado da cidade agora, e vou matar você. —
Seus olhos castanhos pousaram sobre a runa de coração e flecha em meu
pescoço. — Depois que eu foder você um par de vezes.

Eu levantei uma sobrancelha. — Você me quer? Venha e me pegue, seu
desgraçado.

Bati meu punho em sua traqueia. O rosto de Jake ficou vermelho
beterraba, e ele lutou para respirar. Enquanto ele estava ofegante por respirar,
dirigi meu outro punho em seu estômago.

Primeiro um, depois outro. Espancar-espancar. Como amassar uma massa
de pão. Ele se inclinou, e corri para longe, movendo-me mais profundamente na
mansão.

Meu desejo de encontrar uma área calma para matar alguém tinha acabado
de se transformar em necessidade. Eu tinha que terminar com Jake McAllister
agora. Ele estava certo. Esse era seu território, ou pelo menos o território de Mab
Monroe, e eu não tinha dúvida que a Elemental do Fogo deixaria Jake fazer o que
quisesse comigo – se eu não desse conta dele antes que ele soasse o alarme. Meus
olhos varreram para trás e para frente sobre as portas abertas e salas que passei.
Lá. Serviria.

Olhei sobre meu ombro. Jake McAllister tinha se esforçado para seus pés.
Soprei-lhe um beijo. Seu rosto ficou vermelho, e ele se moveu devagar pelo
corredor em minha direção. Entrei na sala, encontrei o lugar que eu queria, rocei
uma das minhas facas Silverstone, e esperei. Dez...vinte...trinta... contei os
segundos em minha cabeça.

Jake McAllister foi mais rápido do que eu tinha dado crédito – ou apenas
estava mais chateado. Apenas quarenta e cinco segundos se passaram antes de
ele invadir a sala.

— Onde você está, sua puta? — ele rosnou. — Eu vi você entrando aqui.

Eu não respondi. Deixei McAllister descobrir por si mesmo.

— Escondendo-se de mim, puta? — ele riu. — Eu sabia que você correria
de medo de mim mais cedo ou mais tarde.

Rolei meus olhos para sua tola suposição, mas ainda assim esperei. Passos
pesados soaram no chão de azulejos. A sombra de McAllister se rastejou para
mais perto e mais perto do meu esconderijo.

Fiquei tensa, reunindo minha força. Se ele fugisse de mim, se ele gritasse,
estava acabado. Eu tinha que matá-lo com o primeiro golpe.

Jake McAllister arremessou a cortina do chuveiro que me estava cobrindo
para trás. O Elemental do Fogo tinha alcançado sua magia durante sua descida
pelo corredor. O poder avermelhou seus olhos, e faíscas estalaram e sibilaram ao
redor de seus dedos gordos. Seu olhar encontrou o meu, e ele sorriu.

— Aí está você, puta.

As últimas palavras que ele disse.

Com uma mão, agarrei o smoking de McAllister e o puxei para frente, de
modo que seu tronco estivesse diretamente acima da banheira e eu estivesse
dentro. Com minha outra mão, enfiei minha faca Silverstone até o cabo em seu
peito.

A lâmina rasgou suas costelas antes de mergulhar em seu coração.

Não o melhor golpe que eu já tinha feito, mas suficientemente eficaz.

A magia de Jake McAllister apagou como uma vela em um furacão. As
faíscas apagaram, e o brilho vermelho desapareceu de seus olhos. Seus braços
caíram e se agitaram contra mim, conectando com meu peito. Eu grunhi para os
golpes sólidos e pesados, mas não ousei alcançar minha magia de Pedra para
endurecer minha própria pele. Qualquer Elemental nas proximidades sentiria o
poder surgir. Pedra era o mais raro dos elementos, e qualquer usuário que
sentisse esse tipo de poder ficaria curioso sobre quem estava usando e o porquê.

Jake abriu sua boca para gritar. Deixei a faca onde estava em seu coração,
apertando minha mão sobre seus lábios gordos, e o puxei para frente de modo
que o sangue jorrando de seu peito caísse na banheira e não respingasse no chão
de azulejos. E assim ficamos ali, balançando para frente e para trás na banheira,
Jake McAllister tentando se afastar, e me puxando para mais perto, minhas mãos
cavando em seu rosto.

Após cerca de trinta segundos, as pernas de Jake oscilaram e cederam.
Seus olhos vidraram, e sua boca afrouxou debaixo da minha mão. Tirei meus
dedos de seus lábios.

Jake tossiu duas vezes. Sangue cuspiu de seus lábios e salpicou a frente do
meu vestido. Nada que eu pudesse fazer sobre isso agora. Então coloquei as duas
mãos sobre seu paletó e o puxei para frente. Ele era pesado, e tomou algum
músculo para virar suas pernas para cima e para o lado da banheira e em
seguida abaixar todo o seu corpo para o fundo sem deixar ele baquear. Quando
terminei, Jake McAllister estava morto, e eu estava uma bagunça suada e
ensanguentada.

As primeiras coisas primeiro. Fechei a porta do banheiro. Então, voltei para
Jake McAllister. A banheira era de um tipo de mármore decorativo mais como
uma pequena piscina do que uma banheira e ficava elevada sobre uns degraus.
Um par de degraus levava para a beira, e vários mais a descer levavam para a
piscina quadrada.

Desci até o fundo com Jake. A primeira coisa que fiz foi recuperar minha
faca de seu peito e a coloquei na beira da banheira. Então eu o manobrei para
que suas costas estivessem voltadas para o resto do quarto. Enrolei suas mãos
sobre sua cabeça e estiquei suas pernas para fazer como se ele tivesse bebido
demais e se arrastado para dentro da banheira para dormir. Pelo menos a
primeira vista. Se alguém virasse Jake, veriam o sangue em sua camisa e no
fundo da banheira. Mas esperançosamente, eu estaria muito longe no momento
em que isso acontecesse.

Uma vez que estava feito, eu subi e avaliei os danos. A banheira também
contava com vários chuveiros que estavam fixados nas paredes em vários
ângulos, o que justificava a cortina que bloqueava a área do resto do banheiro.

A cortina do chuveiro era de um rico vinho salpicado com ouro – e agora
com sangue. Mas, a menos que você olhasse atentamente para ela, você não
perceberia que os respingos não faziam parte do padrão pretendido.

Algum sangue de Jake também tinha respingado sobre o azulejo de
mármore em frente a banheira. Peguei uma toalha de rosto cor-vinho, molhei, e
usei para esfregar todas as manchas perdidas e os pontinhos. Também limpei
minha faca e a enfiei de volta na manga do meu vestido. O cheiro de cobre quente
encheu meu nariz, mas eu bloqueei – junto com o murmúrio do mármore sob
meus pés. Ao invés do tom escuro que eu esperava, a pedra praticamente cantou
com distração – como se ter sangue fresco derramado sobre ela a fizesse feliz.

O barulho fez meu estômago torcer.

Trabalhei rapidamente, quietamente. Levou-me menos de dois minutos
para matar Jake McAllister. Ninguém deve ter sentido falta dele ainda, mas eu
não tomaria qualquer chance me movendo lentamente. Uma vez que eu tinha o
sangue limpo do chão em frente a banheira, fechei a cortina escondendo o corpo
de McAllister de vista.

Além da banheira, o banheiro destacava dois vasos sanitários feitos do que
parecia ouro real. Eles ficavam opostos a duas pias feitas em mármore vinho com
listras brancas ao redor. Um espelho de borda dourada flanqueava a parede
acima do balcão. Olhei para mim mesma no vidro, avaliando os danos que Jake
McAllister tinha feito em mim com seus golpes enquanto morria. A tosse do
bastardo tinha respingado sangue por todo o meu peito. Usei a toalha de rosto
molhada para enxugar sangue sobre minha pele exposta, então torci, molhei-a
novamente, e esfreguei o sangue restante em minha peruca. Foi difícil tirar os
cuspes de sangue fora das tranças loiras falsas, mas consegui o suficiente.

Uma vez feito isso, trabalhei em meu vestido. Usei um pouco de sabão
líquido de uma garrafa sobre o balcão e esfreguei nas manchas maiores de
sangue. Uma vez que o tecido era negro, você não poderia dizer que mancha era,
só que eu tinha derramado algo em mim. mas eu consegui tirar a maior parte de
sangue.

Meus olhos varreram o banheiro novamente, mas não havia nenhum sinal
visível fora do normal do que tinha acontecido aqui esta noite. Eu
cuidadosamente dobrei a toalha de rosto vinho e a coloquei de volta em seu lugar
original ao lado da banheira.

Enquanto eu esperava pelas manchas úmidas em meu vestido secarem,
remexi em minha bolsa e tirei um pó compacto que eu trouxe junto com um
pouco de batom. Eu tinha ficado suada durante minha luta com Jake McAllister,
e retoquei minha maquiagem até voltar a sua máscara pesada mais uma vez.

Tinha acabado de abrir o batom para terminar o conserto em meu rosto
quando a porta do banheiro abriu – e Mab Monroe entrou.

Capítulo 27

Por um momento, nós apenas olhamos uma para a outra, seus olhos
negros nos meus falsos azuis. Minha mente correu enquanto eu tentava descobrir
o que a Elemental de Fogo poderia estar fazendo aqui - e como eu poderia ficar
longe dela.

Mas desde que Mab Monroe não gritou imediatamente por seus guardas
gigantes ou pior, alcançou sua magia elemental de Fogo, eu presumi que ela não
tivesse me ouvido matar Jake McAllister - ou limpar a bagunça. Apenas uma
maneira de descobrir.

De alguma forma, eu esbocei um sorriso no meu rosto. — Oh, olá aí, — eu
disse em um tom alegre. — Como você está?

Mab franziu o cenho. — Este é um dos meus banheiros privativos. Você não
deveria estar aqui.

A voz da elemental de Fogo era suave, sussurrada, com apenas uma
sugestão de uma voz rouca, como seda se esfregando. Mas havia muito mais
poder e ameaça em seu tom leve do que na voz de qualquer outra pessoa que eu
já ouvi. Ao som, eu senti surgir essa sensação estranha, primitiva através de mim
novamente. Inimigo, aquela vozinha murmurou na parte de trás da minha
cabeça. Inimigo, inimigo, inimigo.

Mas eu desliguei a voz, ampliei meus olhos, e coloquei o meu melhor rosto
oh-não-eu-acabei-de-foder-tudo. E então eu engasguei. — Oh, me desculpe, doce.

Eu não sabia. Ninguém me disse, você vê, e esta é minha primeira vez aqui em
uma de suas festas.

Mab me encarou, seus olhos escuros e pensativos. Seu olhar foi para o
batom fúcsia na minha mão, então se mudou para baixo do meu corpo. Seus
olhos permaneceram sobre as manchas úmidas na frente do meu vestido. — O
que você está fazendo aqui?

— Oh, apenas me refrescando um pouco. Muita concorrência lá fora esta
noite. Uma garota tem que estar o seu melhor em uma dessas coisas.

A elemental de Fogo pisou mais para dentro do banheiro.

Dei-lhe outro sorriso, me inclinei para a frente, e reapliquei meu batom.
Mab apenas ficou ali, me olhando no espelho. Ela podia ser capaz de intimidar
todos os outros em Ashland, com seu olhar duro, mas não a mim. Mas isso não
significava que eu ia fazer algo estúpido, como insultar a elemental de Fogo
diretamente no seu próprio banheiro - com o corpo de Jake McAllister esfriando a
uns 3 metros à minha direita.

Antagonizar Jonah McAllister no meu próprio restaurante era uma coisa.
Tal como matar seu filho depois que ele ameaçou me estuprar e assassinar. Mas
Mab - Mab era diferente. Se apenas pelo simples fato de que eu não sabia qual de
nós iria sair por cima em uma luta. Mas uma de nós iria morrer, e eu não queria
que fosse eu. Eu tinha promessas a cumprir para os Foxes, promessas que não
seria capaz de cumprir se eu estivesse em uma batalha com Mab.

Então, eu mantive meus olhos em meu próprio rosto e não no dela. Mas, na
minha visão periférica, eu podia ver a magia brilhando em seus olhos. Ao
contrário de Jake McAllister, os olhos de Mab não ficavam vermelhos quando ela
alcançava a magia de Fogo. Se qualquer coisa, eles ficavam mais escuros, mais
negros, até que pareciam sugar para a luz do quarto. Mab era também um dos
elementais que vazavam poder. Bem, mais como irradiavam em seu caso. Eu
podia sentir a sua magia de Fogo derramando dela. Ela picava a minha pele como
mil agulhas quentes, minúsculas.

— O que é isso no seu vestido? — Mab perguntou. — Essas manchas?

Eu tampei meu batom e o deslizei de volta para minha bolsa.

Meus dedos escovaram o punho de minha faca silverstone, mas eu não a
peguei. Matar um punk como Jake McAllister era uma coisa. Ele era imprudente,
estúpido, desleixado. Mas Mab Monroe era a mulher mais perigosa em Ashland.

Eu não tinha dúvida de que ela podia me fritar viva com a sua magia antes
mesmo de eu ter a arma fora da minha bolsa.

Então eu fechei a bolsinha, virei para encará-la, e ampliei meu sorriso. —
Bem, você vê, é por isso que eu vim aqui em primeiro lugar. O cavalheiro com
quem eu estava ficou um pouco... excitado demais com as coisas. Um verdadeiro
madrugador 55, se você sabe o que quero dizer.

Deixei escapar uma risada. Mab não se juntou.

— De qualquer forma, eu vim aqui para limpar parte do dano, antes de
fazer a ronda para ver se quaisquer outros cavalheiros estavam interessados em
meus serviços esta noite.

Os olhos negros de Mab nunca deixaram os meus. — E quem seria este
cavalheiro? Este... madrugador?

Eu forcei outra risada. — Oh, doce, eu não perguntei o nome dele. Isso
estava no topo de sua lista de regras.

Ela ficou em silêncio por alguns segundos, pensando na minha resposta. —
E o que seria o seu nome?

— Candy, é claro, porque eu sou superdoce.

Desgosto brilhou no rosto de Mab. Evidentemente, ela não gostava de
prostitutas com nomes bregas. Mas a reação dela me deu uma ideia de como eu
poderia escapar desta inquisição.

Lambi meus lábios e dei um passo à frente. Por um momento, eu brinquei
com a runa coração-e-flecha na minha gargantilha de veludo, chamando a
atenção de Mab a ela. Seus olhos sacudiram para a runa, então de volta para os
meus. Eu dei um passo à frente e peguei um pedaço de seu cabelo que tinha
caído para a frente por cima do ombro.

Eu imediatamente lamentei o movimento, porque segurar o cabelo de Mab
parecia como esfregar um fósforo aceso entre os dedos. Eu meio que esperava que
a minha pele começasse a formar bolhas pela sensação.

Ainda assim, eu não dei nenhum sinal que podia sentir a sua magia
elemental.

55 Early bird – pessoa da manhã, pessoa que acorda cedo, com um duplo sentido aí.

Em vez disso, esfreguei sua mecha de cabelo, enrolando-a ao redor do meu
dedo, e empurrei por cima do ombro. Eu deixei meus dedos demorarem em seu
ombro um momento mais do que seria considerado educado, então puxei meu
braço de volta. Meus dedos, minha mão inteira, sentiram como se estivessem em
chamas. De alguma forma, eu consegui não olhar para eles.

— Você sabe, eu estou aqui esta noite para servir os clientes da forma que
eles gostarem, — eu disse em um tom sussurrante. — E desde que esta é a sua
festa, eu ficaria mais que feliz em me tornar disponível para você, Miz Monroe.
Por quanto tempo gostar. De qualquer forma que gostar.

Pela primeira vez, algo como diversão acendeu nos olhos de Mab. — Você é
muito ousada, não é?

Dei a ela um encolher de ombros delicado e um sorriso lascivo,
certificando-me de molhar meus lábios com a minha língua de novo. — Você tem
que ser, neste ramo de trabalho.

O olhar negro de Mab moveu-se para baixo do meu corpo novamente, desta
vez com mais interesse lascivo. Ela deu uma sacudida arrependida de sua
cabeça. — Por mais tentadora que sua oferta seja, Candy, eu temo não me
satisfazer assim em minhas próprias funções. Eu sempre mantenho meus
negócios e prazer à parte.

Coloquei meu lábio inferior para fora e fiz beicinho. — Muito ruim. Bem, se
você mudar de ideia, eu vou estar ao redor. Toda a noite.

Eu bati meus olhos para ela. Mab levantou uma sobrancelha, mas os
cantos de seus lábios apareceram no que eu assumi que era um sorriso. Eu não
poderia dizer se eu a divertia ou se ela estava apenas zombando de mim, mas não
me importei de ficar por perto e descobrir.

— Bem, se você me der licença, eu realmente preciso voltar ao trabalho, —
eu disse. — Misturar e conviver e tudo isso.

— É claro, — murmurou Mab.

Eu fiz um movimento para pisar ao seu redor. Mas Mab Monroe se
deslocou levemente, de modo que meu corpo roçou contra o dela no meu caminho
para a porta. Mais uma vez, a sua magia tomou conta de mim, tão quente que
parecia que meu vestido tinha explodido em chamas. Mas evidentemente Mab
gostou do que sentiu, porque seu sorriso se alargou. Dei a ela outra piscadela
lasciva e segui em frente, apesar de meu estômago ter se fechado ao sentir sua

magia picando minha pele, ainda mais duro e mais quente neste momento, como
se eu a tivesse estimulado.

Eu tinha apenas alcançado a porta quando Mab me chamou novamente.

— Já nos encontramos antes, Candy? — Perguntou ela. — Por alguma
razão, você parece familiar.

Eu me virei e balancei a cabeça. — Eu não penso assim, e eu certamente
teria lembrado de conhecê-la, Miz Monroe. Você é uma lenda na cidade.

Dei a ela outro sorriso antes de escapar para o corredor.

***

De alguma forma, eu me forcei a passear de volta do jeito eu tinha vindo ao
invés de correr como realmente queria. Eu não sabia o que me incomodou mais.
O fato que Mab Monroe havia considerado me apanhar na minha falsa oferta
para fodê-la ou o fato de que eu tinha deixado a elemental de Fogo em seu
próprio banheiro com um corpo morto na banheira. De qualquer maneira, as
coisas estavam começando a sair de controle. Eu precisava ter Tobias Dawson
sozinho - agora - ou sair. Salvar minha própria pele esta noite - e de Finn e de
Roslyn – vinha primeiro. Mesmo antes do trabalho que eu havia prometido fazer
para Warren Fox.

Eu tinha acabado de dobrar a esquina que levava de volta ao corredor
principal quando alguém se moveu nas sombras à minha esquerda. Eu empalmei
uma das minhas facas.

— Foi uma boa performance a que você teve lá no banheiro, — murmurou
uma voz masculina. — Muito interessante.

Owen Grayson saiu das sombras. Como qualquer outro homem no local,
ele usava um smoking. Mais uma vez, fiquei impressionada por quão compacta,
robusta, e forte sua estrutura era. Quase anão, exceto pela sua altura de 1 metro
e 85.

Seus olhos violeta brilhavam à luz fraca, mesmo quando seu cabelo preto
azulado desaparecia nas sombras. O corte branco de uma cicatriz sob seus lábios

compensava o seu nariz torto, acrescentando muito mais personalidade às suas
feições esculpidas.

Primeiro Jake McAllister, então Mab Monroe, e agora Owen Grayson.
Fantástico.

— Eu não sei o que você quer dizer. — Apertei mais forte a minha faca.

Ao invés de me responder, os olhos de Owen Grayson trilharam para baixo
em meu corpo, uma lenta polegada de cada vez. Seios, barriga, coxas, pernas. Ele
absorveu tudo. Um sorriso se espalhou em seu rosto.

— Você sabe, Srta. Blanco, — disse ele, propositalmente usando o meu
nome. — O vestido é lindo, mas acho que eu gosto mais do avental e jeans.
Parece mais o seu verdadeiro eu.

Porra. Apesar da peruca loira, Owen Grayson tinha me reconhecido. Pior
ainda, de alguma forma ele ouviu minha proposta a Mab Monroe no banheiro. Eu
me perguntei se ele tinha me visto com Jake McAllister, também - e percebido
que o outro homem nunca tinha saído da sala.

— E o que você sabe sobre o meu verdadeiro eu? — Eu perguntei em um
tom suave.

O sorriso de Owen se aprofundou. — Eu sei que você tem uma faca
silverstone em sua mão direita agora.

Não havia jeito que ele poderia ter me visto espalmar a faca. Então, como
ele sabia que eu até tinha uma? Olhei para ele mais de perto e percebi que a
razão pela qual seus olhos violetas eram tão luminosos era porque eles estavam
brilhando - com magia. Um traço leve, quase imperceptível, mas o senti. Uma
carícia fria, não muito diferente da minha magia própria de Pedra. Isso só podia
significar uma coisa.

— Você tem um talento elementar para metal.

— Culpado das acusações, eu temo, — disse Owen. — É uma pequena
habilidade.

Meus olhos se estreitaram. Porque com cada palavra que ele dizia, eu
estava pensando mais e mais sobre esfaquear Owen Grayson e ter a chance que
eu pudesse sair da mansão antes que alguém encontrasse seu corpo. Mas decidi
jogar com calma - por enquanto.

— O que você quer?

— Eu só quero conversar. — Owen estendeu o braço para mim. —
Podemos?

Eu olhei para o braço, pensando em como seria fácil afastá-lo e enterrar a
faca em seu coração. Ele sabia o que eu estava pensando. O conhecimento
passou por seus olhos violeta, mas seu braço nunca vacilou, nunca baixou. Seu
olhar nunca deixou o meu. Por qualquer motivo, Owen Grayson não tinha medo
de mim. O que despertou minha curiosidade. Pelo menos o suficiente para eu
deslizar a faca de volta na manga do meu vestido.

Fodida curiosidade. Vai me matar uma noite.

Talvez até hoje à noite.

Eu tomei o seu braço. — Então, fale.

Owen me aninhou perto dele, e o calor do seu corpo tomou conta de mim.
Ele cheirava rico e de terra, quase como... metal, se metal tivesse algum cheiro
real. Seu braço parecia aço, mesmo através do tecido do seu casaco do smoking.
Pela primeira vez, eu estava ciente dele como um homem, como alguém do sexo
oposto. Owen Grayson era decididamente atraente, com seu corpo forte e
características cinzeladas. Mas o que realmente o diferenciava era o fato de que
ele irradiava confiança da forma que Mab Monroe irradiava magia. Essa sugestão
de poder, essa confiança, fazia Grayson interessante. E alguém que
definitivamente valia a pena assistir.

Especialmente desde que eu ainda estava considerando matá-lo.

Caminhamos pelo corredor de volta para o salão de baile.

No início, eu pensei que iríamos direto para lá, mas Owen Grayson parou e
abriu uma das portas que conduziam para fora. Nós saímos para o terraço de
pedra que ladeava este lado da mansão, e Grayson fechou a porta atrás de nós.

O ar da noite estava frio, especialmente porque o meu vestido ainda estava
úmido de onde eu tinha lavado o sangue de Jake McAllister. Lâmpadas de ferro
de rua que pareciam antigas alinhavam o terraço, proporcionando iluminação
suave e nebulosa, enquanto degraus de pedra largos levavam até um jardim
além. Baixos gemidos e sons de sucção subiam até nós, e várias formas escuras
se contorciam juntas em vários gazebos no jardim. Outros casais se apoiavam
contra árvores ou usavam algumas das estátuas de pedra como alavancas. A

festa deve ter animado um pouco, se o povo já tinha vindo para fora para foder
em cima das rosas premiadas de Mab Monroe.

Owen Grayson serpenteou para baixo do terraço, comigo ao seu lado.

— Eu tenho que confessar que fiquei bastante surpreso quando você
caminhou no salão essa noite, — Grayson começou. — Eu não esperava te ver
aqui, especialmente não usando essa peruca loira barata.

— Não se importa com loiras, não é? — Eu atirei.

— Morenas audaciosas são mais meu estilo. — Ele sorriu.

Eu não respondi.

— Na verdade, eu tenho uma pequena confissão a fazer. Estive pensando
muito sobre você nos últimos dias, Srta. Blanco. Tanto que eu tinha um amigo
coletando algumas informações sobre você.

Então Owen Grayson tinha alguém cavando o meu passado. Sem
preocupações. Minha ID falsa como Gin Blanco era rocha sólida. Tinha resistido
ao exame minucioso de Jonah McAllister, e eu não tinha dúvida de que tinha
passado na inspeção de Grayson também. Mas eu não entendi sua curiosidade.
Claro, eu tinha salvo sua irmã, Eva, de ser queimada até a morte por Jake
McAllister naquela noite no Pork Pit. Mas a maioria dos homens da riqueza,
atitude e posição de Grayson teria esquecido tudo sobre mim agora.

— Você me verificou? Por quê?

— Você salvou a minha irmã, você salvou Eva, — disse Owen. — Ela é a
coisa mais importante do mundo para mim. Eu gosto de liquidar minhas dívidas.
Eu queria encontrar uma forma de recompensá-la. Eu queria encontrar algo que
você gostasse, algo que você quisesse ou precisasse, e dar a você. Sem amarras.

— Eu te disse que não queria seu dinheiro.

Owen acenou com a mão. — Sim, você disse. Mas depois cheguei perto de
você, apertei sua mão aquela noite no Pork Pit. E eu me perguntei por que
alguém que administra uma churrascaria, mesmo uma à beira de Southtown,
carregaria cinco facas silverstone em sua pessoa. Parecia um exagero para mim.

Se ele apenas soubesse. Eu tive que me esforçar muito para não alcançar a
minha faca novamente. Então não só Owen Grayson poderia sentir uma arma de
metal em minha mão, ele também poderia dizer exatamente quantas eu tinha em

mim. As cinco usuais, no momento. Duas acima de minhas mangas, mais duas
amarradas as minhas coxas, e uma na minha bolsa.

— Você sabe sobre o meu interesse em metal, — continuou Grayson. — Eu
tenho um em armas também. Tornando-as uma espécie de hobby meu. Então
você pode entender a minha curiosidade sobre umas tão finamente trabalhadas
como as suas. Silverstone não é fácil de moldar ou adquirir.

— O Pork Pit está em um bairro violento, — Eu disse inexpressivamente. —
As facas me fazem sentir segura.

Owen riu. Uma sugestão de sarcasmo coloriu sua voz gutural. — Vou
apostar que fazem. Mas havia mais uma coisa que me intrigou sobre você, Srta.
Blanco.

— E o que seria isso?

Owen parou e desprendeu minha mão de seu braço.

Antes que eu percebesse o que ele estava fazendo, ele virou a minha mão e
segurou a minha palma para cima. — Isso.

Ficamos embaixo de um dos postes de luz antigos. O brilho dourado
nebuloso cobria a palma da minha mão - e fazia a cicatriz de runa de aranha
embutida na minha carne brilhar em um prata fraco.

— Um pequeno círculo rodeado por oito raios finos, — Owen Grayson
murmurou. — Uma runa de aranha. O símbolo de paciência. Fiquei imaginando o
que o símbolo era.

Por um momento, eu estava atordoada. Simplesmente atordoada. Não só
porque Grayson sabia sobre as minhas cicatrizes, ou pelo menos esta, mas
também porque eu nunca mostrei as marcas para qualquer um. Só Finn e as
irmãs Deveraux sabiam o que elas realmente pareciam além de mim, e eu mesma
não era louca de as ficar encarando, por razões óbvias.

Oh, às vezes alguém no restaurante iria dar uma olhada rápida e acidental
para elas enquanto eu estava trabalhando. Mas as cicatrizes tinham desaparecido
ao longo do tempo, e era difícil dizer que elas eram realmente runas sem estudá-
las de perto – ou que eu tinha uma em cada palma. Mesmo assim, eu apenas as
fazia passar como queimaduras que eu tinha ganhado trabalhando no Pork Pit
ao longo dos anos.

Ainda assim, apesar da minha surpresa, eu joguei com calma, como se
Grayson ver a cicatriz não importasse para mim. Dei de ombros. — Então, eu
tenho uma cicatriz. Muitas pessoas têm. Dificilmente vale a pena mencionar.

Ele balançou a cabeça. — Não apenas qualquer cicatriz. É silverstone. O
metal está na sua pele. Quando apertei sua mão, naquela noite, eu o senti. E
agora, — Grayson inclinou a cabeça para um lado. — Eu posso ouvi-lo.

Eu o encarei. Ele devia ter mais do que um pequeno talento para metal, se
ele poderia fazer tudo isso. Mais uma vez, o pensamento me ocorreu que Owen
Grayson era alguém que valia a pena assistir, alguém para ser muito cuidadosa
ao redor. Talvez até mesmo alguém para se livrar. Mas minha curiosidade não iria
desaparecer o suficiente para eu dar esse passo final. Ainda não. Não até que eu
soubesse exatamente o que ele queria.

— E como o metal em minhas mãos soa?

Ele me deu um pequeno sorriso. — Soa triste. Doloroso. Solitário.

Eu mantive meu rosto em branco, mesmo enquanto as emoções e as
memórias se enfureciam dentro de mim. A sensação do medalhão de runa de
aranha queimando em minha pele, o cheiro da minha própria carne derretendo
enchendo meu nariz, meus gritos roucos ecoando em meus ouvidos, a gargalhada
da elemental de Fogo abafando todo o resto. De alguma forma, eu empurrei as
memórias para trás e foquei no rosto de Owen Grayson, em seus olhos violeta,
que ainda estavam brilhando muito levemente.

Naquele momento, eu considerei seriamente ferir Owen Grayson. Mesmo
matá-lo. Porque de algum modo, Grayson tinha arrancado parte de minhas
defesas, parte de meu anonimato.

Ele sabia muito sobre mim, sabia tantas coisas que era tão cuidadosa em
esconder. Ele poderia ser uma ameaça. Para mim, para Finn, para as irmãs
Deveraux. Eu não gostava de ameaças.

Então eu decidi ir direto ao assunto.

— Minha cicatriz soa triste, dolorosa, solitária? Isso soa como um manco
venha-para-mim, — Eu zombei. — Certamente, você pode fazer melhor do que
isso, Sr. Grayson.

Owen riu - um riso alto e sincero. Eu o diverti. Ele estava rindo na cara de
sua própria possível morte. Apesar da estupidez de sua ação, eu tinha de admirar

a sua bravata. Isso, e essa pequena centelha de interesse, de curiosidade que eu
tinha sobre ele, era tudo o que estava mantendo Grayson vivo.

— Então o que você realmente quer? — Eu perguntei uma vez que a risada
de Grayson tinha diminuído.

— De você? Eu não decidi totalmente. Mas as possibilidades são
interessantes. — Seus olhos vagaram pelo meu corpo novamente de um jeito
franco, avaliador que me disse que ele gostou do que viu. Seu olhar se
estabeleceu na runa coração-e-flecha que pendia da minha gargantilha de veludo
preto. — Apesar de eu nunca tê-la tomado como uma das meninas de Roslyn
Phillips.

Um sorriso duro curvou meus lábios. — Eu sou uma mulher de muitas
habilidades.

— Eu aposto que você é, — ele murmurou.

— Vamos direto ao assunto, — eu disse. — Porque eu tenho outras coisas
para fazer esta noite além de ficar aqui no escuro com você.

Como matar Tobias Dawson. Cinco minutos tinham se passado desde que
eu tinha deixado Mab Monroe em seu próprio banheiro com Jake McAllister.
Desde que eu não tinha ouvido quaisquer gritos ou correrias de atividade, ela não
tinha encontrado o seu corpo na banheira. O que significava que eu ainda tinha
uma pequena janela de tempo para encontrar, atrair e matar Dawson.

Owen Grayson assentiu. — Muito bem. Como eu estava dizendo, eu estava
muito surpreso de ver você aqui esta noite. Mas uma vez que te vi, eu decidi me
aproximar de você.

— Por quê?

Ele encolheu os ombros. — Eu pensei que você gostaria de dançar.

O encarei. Ele parecia sincero. Owen Grayson atraído por mim? Meus olhos
se estreitaram. Ou talvez ele tivesse acabado de ver a runa no meu pescoço e
percebeu o que significava - que eu deveria supostamente foder com qualquer um
aqui esta noite de graça. De qualquer forma, eu supus que coisas mais estranhas
já tinham acontecido.

— Mas eu não fui rápido o suficiente para pegá-la antes que você deixasse
o salão de baile, — continuou Grayson. — E então eu ouvi você falando com Mab
no banheiro. O que me interessou muito mais Gin. Posso chamá-la de Gin?

— Claro. Não precisa ficar em cerimônia neste momento. Quanto ao que
você ouviu no banheiro, não posso imaginar por que duas meninas falando sobre
sexo seria de interesse para um cara como você. — Sarcasmo pingava da minha
voz como molho quente fora de um biscoito 56.

Seus olhos violeta brilharam na penumbra, e ele sorriu. — Claro que não.

— Assim você quer me foder, então, — eu disse em tom brusco. — É sobre
isso que toda esta pequena conversa é. O falar sobre minhas facas, o passeio no
terraço, o dar as mãos e venha-pra-mim sobre como minha cicatriz soa. Técnica
interessante. Diga-me, qual era a sua próxima jogada? Me manobrar contra a
parede aqui? Ou eu cair acidentalmente no seu pau?

Grayson riu de novo. — Claro que eu quero te foder, Gin.

Ele olhou para mim. Eu vi o desejo em seu olhar violeta, mas não era tão
devasso ou lascivo como os outros olhares que eu estava recebendo esta noite.
Oh, Owen Grayson parecia ser tão sexual e amante da forma feminina como
qualquer homem.

Mas interesse genuíno também brilhava nos olhos do empresário, como se
estivesse apreciando nossa conversa-disputa tanto quanto ele iria apreciar
levantar minha saia.

— Mas vamos devagar, podemos? — Grayson disse. — Como eu disse
antes, eu sempre tive uma coisa por morenas audaciosas. Decidi que gosto de
você, Gin. Você me interessa. E ninguém fez isso em um tempo muito longo.

— Então o que você está propondo - exatamente? Que nós dois vamos para
algum lugar tranquilo para conversar antes de você fazer a sua jogada? — Eu
zombei.

— Dificilmente. — Owen ridicularizou. — Ao contrário de alguns outros
convidados de Mab, eu não preciso depender da generosidade dela para minha
satisfação. Eu pensei que você gostaria de sair um dia. Jantar, talvez um filme,
dança. O que você quiser.

Minhas sobrancelhas levantaram. — Você quer sair comigo? Mesmo que eu
esteja usando isso? — Eu apontei para o colar de runa coração-e-flecha. —

56 http://blogs.greenville.edu/students/files/2010/07/gravy-biscuit.12674209.jpg

Mesmo que eu seja uma prostituta? Mesmo que você poderia me ter de graça esta
noite?

Ele encolheu os ombros novamente. — Me chame de louco, mas eu pensei
que poderia ser divertido.

Divertido? Eu não sabia sobre isso. Mas havia certamente mais para Owen
Grayson que os olhos viam. Ele pensava que eu estava trabalhando a noite como
uma das meninas de Roslyn Phillips, e ele ainda estava me pedindo para sair com
ele.

Ser vista em público com ele. O que significava que ele estava ou
genuinamente interessado em mim ou trabalhando em algum ângulo que eu não
conseguia decifrar. De qualquer maneira, eu não tinha tempo para isso hoje à
noite.

Mas havia algo em que Owen Grayson poderia me ajudar. E eu estava
pronta para usar esse favor que ele me devia.

— Digamos que eu acredito que você realmente quer me conhecer e não
apenas os meus seios, — eu disse. — Faça-me um favor, e eu vou considerar a
sua proposta.

Grayson assentiu. — Tudo bem. Que tipo de favor?

— Leve-me para dentro e me apresente a Tobias Dawson. Tenho certeza
que você o conhece, desde que vocês dois estão tão pesadamente envolvidos no
negócio de mineração em Ashland.

Seus olhos se estreitaram. — Eu o conheço. Mas por que você quer
conhecer Dawson? Ele não me parece o seu tipo.

Eu dei-lhe um sorriso duro. — Porque eu estou aqui esta noite para servir
aos clientes de Mab, e ouvi que ele dá gorjetas realmente grandes. E isso é
definitivamente o meu tipo.

Owen me estudou na luz nebulosa. Decepção acendeu em seus olhos. Sua
conquista grátis e fácil estava se afastando.

— Você mesmo disse. Me deve por salvar Eva, por salvar a sua irmã, — eu
lembrei a ele em um tom suave. — Bem, é assim que eu quero cobrar. Agora, você
vai me apresentar? Ou vou ter que cuidar disso sozinha?

Fingir ser uma prostituta. Fazer propostas a Mab Monroe em seu próprio
banheiro. Insinuar que eu estava indo foder outro homem pela simples promessa
de dinheiro. Owen Grayson tinha me visto e ouvido fazer todas essas coisas no
espaço de cinco minutos. Me resignei ao escárnio desgostoso que estava vindo na
minha direção e as palavras duras que certamente se seguiriam. Nenhum homem
gostava de ser traído.

Mas para minha surpresa, Owen Grayson apenas sorriu. Uma emoção
familiar brilhou em seus olhos, uma que tinha me metido em apuros em mais de
uma ocasião. Curiosidade.

Ela queimou ainda mais brilhante do que o seu desejo tinha um momento
atrás.

— Oh, eu vou apresentá-la a Dawson, só para ver o que você está
tramando. — Diversão coloriu a voz de Grayson, e ele estendeu seu braço para
mim pela segunda vez. — Podemos, Gin?

A curiosidade de Owen Grayson podia me causar problemas mais tarde,
mas esta era uma oportunidade boa demais para deixar passar.

Então, eu coloquei minha mão em seu braço. — Vamos.

Capítulo 28

Owen Grayson me levou de volta para o salão. Ficámos na porta do
terraço, procurando Dawson. Finalmente, vi o anão cowboy, de pé perto do bar
muito lotado. Tobias Dawson bebeu uma dose do que parecia ser uísque, seguida
de uma caneca de cerveja, arrotou e limpou a boca com as costas da mão. Que
classe.

— Tem certeza que deseja fazer isso? — Grayson murmurou.

Fiz uma pausa. Grayson provavelmente pensava que eu estava
reconsiderando me aproximar de Dawson, dado o óbvio desrespeito do anão por
guardanapos. Mas na verdade, eu estava me lembrando de Violet Fox e de como
Trace Dawson tinha batido em seu rosto.

De como Tobias Dawson tinha cuspido nas tábuas do assoalho da loja
country. De como o diamante em seu cofre do escritório tinha praticamente
cantado. De como os ombros de Warren Fox tinham caído quando eu lhe disse o
que Dawson realmente queria da sua terra.

— Sim, eu tenho certeza.

Owen me acompanhou no meio da multidão. Passámos Mab Monroe, que
agora estava falando com um vampiro idoso asiático. A elemental do fogo me viu
no braço de Grayson e levantou a taça de champanhe num brinde silencioso.
Devo a ter impressionado mais do que percebi.

Não era bom, mas eu sorri e inclinei a cabeça para reconhecê-la. Mais
importante, o brinde de Mab também me disse que ela não havia encontrado o
corpo de Jake McAllister na banheira.

O que significava que eu ainda tinha tempo suficiente para matar Dawson.

Também passámos por Finn e Roslyn. Os brilhantes olhos verdes de Finn
voaram de Grayson para mim, e ele levantou a sobrancelha em uma pergunta
silenciosa. Eu balancei a cabeça um pouquinho, dizendo-lhe que estava bem.
Ainda assim, os olhos de Finn ficaram em nós dois, ao mesmo tempo que ele e
Roslyn conversavam com uma gigante hispânica com pernas que pareciam
continuar para sempre.

Demorou cerca de dois minutos para manobrarmos o nosso caminho até o
bar. Owen arranjou as coisas para que eu estivesse entre ele e Tobias Dawson,
que estava de costas para mim. Grayson ordenou um uísque.

— E para a senhora? — O barman perguntou.

— Gin, — eu disse. — Com um toque de limão.

A boca de Owen se contraiu com diversão, mas ele não disse nada sobre a
minha escolha de bebida. O garçom entregou-nos os nossos pedidos. Eu tomei
um gole de gin. O líquido frio queimou minha garganta, antes de espalhar um
calor agradável através do meu estômago. Depois de provarmos nossas bebidas,
Grayson se esticou sobre mim para tocar em Tobias no ombro. O anão se virou.
Assegurei-me que a primeira coisa que viu foram os meus peitos, levantados a
novas alturas graças ao poderoso sutiã de Roslyn.

Dawson piscou.

— Olá, Tobias, — disse Grayson. — Como você está esta noite?

O anão olhou em volta de mim para o outro homem. — Oh, olá, Owen. Eu
estou bem. E você?

— Maravilhoso, — Owen respondeu em um tom superficial. — Permita-me
apresentar minha companhia. Esta é...

— Candy, — eu disse em um tom sedutor. — Porque eu sou tão doce.

Os olhos do anão agarraram-se a meus seios, em seguida, foram para o
meu cabelo loiro, maquiagem espessa e lentes azuis.

Ele deve ter gostado do que viu, porque sorriu. Seus dentes amarelos
combinavam com a cor de areia suja de seu cabelo e bigode. O anão tirou o
enorme chapéu de cowboy para mim. — O prazer é meu, minha senhora.

Dado o que Roslyn Phillips tinha me falado sobre o fetiche de cowboy de
Tobias Dawson, eu decidi fazer o papel de uma prostituta com um coração de
ouro. — Ah, você não é apenas o perfeito cavalheiro. — Baixei e pisquei minhas
pestanas. — Bonito também.

O sorriso de Dawson cresceu um pouco mais, mas seus olhos azuis claros
assumiram um forte olhar predatório. Eu interessei o anão. Tempo para atraí-lo
para outro lugar ou pelo menos deixá-lo fingir era ele o único a atrair-me.

Eu me virei para Owen e coloquei um grande sorriso falso em meus lábios.

— Então quando é que vamos dançar? Você me prometeu uma dança.

Novamente, os lábios de Grayson se contraíram com diversão.

— Desculpe... Candy, mas eu não sou muito bom dançarino.

— Talvez eu poderia dançar com a senhora, — Tobias Dawson ofereceu. —
Se você não tiver quaisquer objecções, Owen.

Grayson acenou com a mão. — Claro que não. Eu já tive meu divertimento
com Candy esta noite. Ela é toda sua, Tobias.

Os olhos violetas de Owen encontraram os meus cinzentos estreitados.
Mais diversão dançou em seu olhar luminoso. Ele estava gostando dessa pequena
charada.

O anão cowboy ofereceu seu braço, curto e grosso para mim. — Vamos lá,
Candy?

Funguei para Owen, virei de costas para ele, e sorri para o anão. —
Obrigado, Sr. Dawson. Pelo menos alguém aqui ainda sabe como tratar uma
mulher.

O padrão clichê me fez querer amordaçar, mas eu disse pior para chegar
perto de alvos antes. Eu poderia me humilhar mais um pouco se isso significasse
eliminar Tobias Dawson.

Meus dedos deslizaram para baixo do braço do anão antes de pousarem em
sua mão, nua e marrom. Por alguma razão, Dawson franziu a testa para o
contato. Algo cintilou em seus olhos, mas se foi antes que eu pudesse interpretar

o que era. Mas de repente ele olhou para mim com muito mais interesse. Talvez
eu lhe tenha dado um choque de eletricidade estática ou algo assim, mas se
tivesse, eu deveria ter sentido isso também.

Mas eu afastei a minha inquietação e deixei o anão me levar para a pista de
dança. Dawson tinha cerca de um metro e meio de altura, o que significava que
seus olhos estavam ao nível dos meus seios. Mas seu chapéu de cowboy enorme
chegava até à minha peruca.

A orquestra começou uma valsa clássica, e Tobias Dawson me puxou para
perto. A única coisa que o impedia de enterrar a cabeça entre meus seios era a
crinolina na minha saia. Era muito duro e grosso para ele manobrar da forma
que queria. Eu tinha que me lembrar de agradecer a Roslyn Phillips por esse
pequeno favor.

Nós dançamos em silêncio por alguns momentos. Eu mantive o meu sorriso
constante à medida que girava ao redor. A mão de Dawson apertou a minha. Sua
palma estava curiosamente quente contra a minha, algo que eu esperaria de um
elemental do fogo, mas não de um de pedra, como o anão.

— Você sabe Candy, você é uma mulher muito atraente, — Tobias Dawson
disse. — Então, novamente, eu sempre fui parcial a loiras.

Deixei escapar uma risadinha. — Você não é a coisa mais doce? Você é um
verdadeiro encantador, deixe-me dizer, Sr. Dawson. Vou ter que avisar as outras
meninas aqui esta noite para terem cuidado com você.

O anão sorriu, mas seus olhos eram frios e distantes em seu rosto. Mais
uma vez, fiquei com a sensação que eu tinha feito algo errado, mas eu não podia
imaginar o que poderia ser. Não havia nenhuma maneira de Dawson saber quem
eu era, que eu costumava ser uma assassina chamada Aranha, que eu estava
trabalhando para os Fox, que eu viria aqui esta noite para matá-lo. Não havia
como ele saber tudo isso, pois não? O anão tinha sido inteligente o suficiente
para encontrar uma montanha cheia de diamantes e usar uma laje de granito
como cofre. Não havia como dizer o quão inteligente ele era.

Nós ficámos em silêncio novamente. O anão olhou para mim.

Então seus olhos foram para o colar da runa em torno de minha garganta.
A dança acabou, e nós dois aplaudimos educadamente.

A orquestra começou uma outra canção, algo com um pouco mais de jazz.

Eu segurei minha mão para Dawson. — Eu poderia interessá-lo em outra
dança?

— Talvez você gostaria de ir para algum lugar mais privado, — Dawson
sugeriu. — Eu ouvi dizer que os jardins da Mab são adoráveis ao luar.

Pensei nos gazebos isolados, copas de árvores e moitas de roseiras que eu
tinha visto lá fora. Eu poderia facilmente deixar o corpo de Dawson no jardim.
Com alguma sorte, ninguém iria tropeçar nele até de manhã. Era a minha melhor
opção neste momento, a menos que eu pudesse de alguma forma levar o anão de
volta para o banheiro, onde eu tinha matado Jake McAllister. Dada a forma como
Dawson estava olhando para meus seios, eu duvidava que ele ia esperar tanto
tempo antes que ele abusasse de mim.

Eu sorri para ele novamente. — Eu adoraria ir para os jardins.

***

Coloquei minha mão no braço de Tobias Dawson, e deixámos a pista de
dança. Do outro lado da sala, vi Finnegan Lane olhando para mim. Ele ainda
estava ao lado de Roslyn, mas eu vi o alívio em seu olhar verde. Finn sabia que
quanto mais tempo eu ficasse, maior era o risco de alguém me fazer uma
proposta verdadeira - e mais pequenas minhas chances eram de cuidar de
Dawson.

Finn não era o único a olhar para mim. Também havia Owen Grayson. Ele
acenou com a cabeça para mim quando passámos. Eu sorri para ele em troca.

Tobias Dawson abriu uma das portas duplas para mim, e saímos. O ar da
noite havia ficado ainda mais frio desde que eu tinha estado aqui com Owen
Grayson, e eu estremeci.

— Com frio? — O anão perguntou, fechando a porta atrás de nós.

— Um pouco.

Ele sorriu para mim. — Não se preocupe. O que eu tenho em mente irá
aquecê-la rapidamente.

Dawson estava dizendo todas as coisas certas, mas, novamente, seu sorriso
não alcançou os olhos pálidos. Mas eu afastei o meu desconforto.

Tudo o que eu tinha que fazer era levá-lo para longe das portas, e o
trabalho seria feito. Dawson me ofereceu seu braço novamente, e eu peguei. Com
a mão livre, eu peguei com a palma da mão uma das minhas facas de Silverstone.

Descemos os degraus do terraço e seguimos por um caminho de pedra que
serpenteava nos jardins escuros. Uma mulher gritou suavemente em um mirante
à nossa esquerda. Um momento depois, uma outra mulher se juntou ao coro
gutural.

Dawson as ignorou e seguiu em frente. Eu o deixei me levar mais para as
sombras que cortavam o jardim como facas pretas.

O anão não parou até chegar a um mirante escondido debaixo dos ramos
de uma árvore salgueiro-chorão.

Olhei por cima do meu ombro. Estávamos a duzentos metros de distância
do terraço, bem longe da vista de quem olhasse através das portas de vidro. Eu
apertei com mais força minha faca e fiquei atenta. Dawson levou-me para um
banco comprido de madeira dentro do gazebo. Sentei-me, mas o anão não se
juntou a mim. Em vez disso, ele ficou diante de mim e balançou para trás nos
saltos de suas botas de cowboy.

— Você se parece com uma menina inteligente, Candy, — o anão
resmungou. — Então eu acho que é bastante seguro dizer que você sabe quem eu
sou e o que faço para viver.

Eu não sabia para onde ele estava indo com isso, mas sorri. — Claro que
eu ouvi falar de você, Sr. Dawson. Você é um dos maiores mineiros de carvão de
Ashland. Um empresário muito respeitável. Muito inteligente. Muito forte. — Um
pouco exagerado, mas lisonja nunca fez mal.

Ele balançou a cabeça. — Eu sou muito forte e muito inteligente. Eu
também sou um elemental de Pedra, você sabia?

Eu balancei minha cabeça. — Não. Receio não dar muita atenção para a
magia.

Dawson assentiu com a cabeça novamente. — É justo. Como você disse, eu
sou muito poderoso. Mas o que poucas pessoas sabem é que eu tenho um outro
talento elementar. Algo pequeno, mas muito útil às vezes.

Eu continuava a sorrir, embora por agora, minhas bochechas começassem
a doer do esforço. O anão precisava dar um passo mais perto para que eu

pudesse sair do banco e esfaqueá-lo, não continuar a falar até me deixar em um
coma de olhos vidrados. — E o que seria isso? Um talento para o metal, talvez?

Dawson balançou a cabeça. — Ah, não, nada tão grande. Mas eu tenho a
capacidade de sentir a magia dos outros e saber exatamente qual é o seu poder,
apenas tocando a sua pele. Quase como uma impressão digital mágica, se quiser.
— Seu rosto endureceu. — E as palmas das suas mãos pegajosas estavam por
todo o cofre em meu escritório, cadela.

Uh-oh.

Tobias Dawson tinha sentido minha magia - e pior, ele sabia que tinha sido
eu a quebrar seu cofre no escritório de mineração.

Eu imediatamente saí do banco, já levantando minha mão, pronta para
conduzir a minha faca silverstone profundamente dentro do peito do anão. Mas
Dawson foi mais rápido. Seu punho bateu no meu rosto e o mundo ficou escuro.

Capítulo 29

— Você tem certeza que era ela, Tobias?

A voz feminina soou em algum lugar acima da minha cabeça, embora
parecesse muito longe. Eu não poderia dizer exatamente de onde estava vindo. As
batidas na minha cabeça abafavam praticamente tudo o resto, embora eu
sentisse grama coberta de orvalho debaixo de minhas costas, e o beijo frio do
vento da noite no meu rosto. Por que eu estava deitada? Eu não conseguia me
lembrar de nada através da dor no meu crânio.

— Estou seguro, — um homem murmurou. — Esta é a vadia que invadiu
meu escritório. Ela tem o cheiro dessa magia de Pedra todo sobre ela. E então há
essas.

Alguma coisa farfalhou. Eu queria abrir meus olhos para ver o que era, mas
por alguma razão, as minhas pálpebras apenas não levantariam.

— Isso é silverstone? — A mulher perguntou novamente.

Uma pequena parte da minha mente franziu a testa em pensamento. Eu
conhecia aquela voz, aquela voz suave e sussurrada que ressoava com tanto
poder cru. Eu simplesmente não conseguia me lembrar a quem ela pertencia.

— Yeah, — respondeu o homem. — Ela tinha cinco delas com ela.

— E você realmente acha que ela atraiu você aqui para fora para matar
você? — A mulher perguntou. — Talvez ela estivesse apenas transportando-as por
proteção. Prostitutas tendem a fazer isso, você sabe.

— Eu sei que era ela. Eu a vi antes. Ela estava na loja do Fox, ontem, junto
com um policial. Ela deve estar trabalhando para o velho.

Silêncio. Mais uma vez, tentei abrir meus olhos para ver o que estava
acontecendo. Mais uma vez eu falhei. As batidas na minha cabeça se
intensificaram, como se outro tambor tivesse sido acrescentado à banda.

— Que pena, — disse a mulher em tom zombeteiro. — Ela tinha um
potencial tão grande.

Senti alguém se agachando ao meu lado, e um cheiro doce, levemente
nocivo encheu o meu nariz - como jasmim misturado com fumo. Um dedo trilhou
para baixo ao lado da minha bochecha.

Agulhas quentes de dor perfuraram minha pele, mas eu não podia nem
gritar. Nenhuma parte de mim parecia estar funcionando. O dedo ardente
contornou meu decote, antes de deslizar para o meu estômago.

Uma risada suave ecoou acima da minha cabeça. O som me fez pensar em
fogo, fumaça, cinzas. Mãos ásperas me segurando. A runa de aranha
esquentando entre minhas palmas.

Perguntas. Tantas perguntas sobre Bria. O silverstone queimando minha
pele, derretendo em minha carne. A elemental de Fogo rindo enquanto a runa me
queimava. Rindo.

A elemental de Fogo. Mab…

— Muito bem, — disse a mulher. — Faça o que você quiser com ela - lá
fora.

Sua voz deu curto-circuito na minha linha de pensamento. Tentei agarrar
as gavinhas ralas de memórias, mas elas se retiraram de volta para a escuridão -
uma escuridão que estava lentamente me engolindo mais uma vez.

— Lá fora? Por quê? Eu quero cuidar da vadia agora. — O homem soou
chorão e petulante.

— Porque, caso você não tenha notado, Tobias, eu estou hospedando uma
festa para várias centenas de pessoas. Um cadáver no jardim iria colocar um
amortecedor na noite, você não acha? Além disso, você afirma que ela veio aqui
para matar você. Então você pode cuidar disso. Eu não tenho desejo de sujar
minhas mãos ou qualquer outra parte da minha pessoa esta noite. Além disso,
ela está inconsciente. Nenhuma diversão para ter aí.

— Bem, o que você quer que eu faça com ela? — O homem perguntou
novamente.

— Eu não me importo, porra, — a mulher estalou. — Basta tirá-la do meu
gramado. Agora.

Mãos ásperas fecharam em torno de meus braços e me puxaram para cima,
mas por esse ponto, eu tinha afundado na escuridão mais uma vez.

***

A primeira coisa que eu fiquei ciente era o solo macio sob minha bochecha,
intercalado aqui e ali com pequenos seixos. Minúsculas pedrinhas que pareciam
ervilhas lisas murmurando contra a minha pele. Concentrei-me naquele som,
aquele fraco murmurar, deixando-o me puxar para fora da escuridão em que eu
estava flutuando. Depois de alguns momentos, percebi que estava deitada de
bruços, mas não tentei me mover. Minha cabeça doía demais para isso, as
batidas anteriores agora uma dor quente e latejante atrás do meu olho esquerdo.

Mas eu me concentrei e, lentamente, a noite voltou para mim. Me disfarçar
e entrar de penetra na festa de Mab Monroe. Matar Jake McAllister. Encontrar a
própria elemental de Fogo, em seguida, Owen Grayson. Também me lembrei de
sair para o jardim com Tobias Dawson, e o otário anão me socando. E agora,
bem, quem sabia onde diabos eu estava. Mas eu ainda estava viva, o que
significava que eu ainda tinha uma chance. Para correr, para lutar, para me
esconder em um buraco apertado escuro até os bandidos irem embora. O que
fosse preciso para sobreviver. A vontade de fazê-lo, não importa o quê - a primeira
real lição que Fletcher Lane tinha me ensinado. Algo que eu sabia antes mesmo
que ele articulasse para mim.

Então, eu me concentrei no meu corpo, avaliando o dano que tinha sido
feito. Meu rosto parecia que tinha sido atingido com uma marreta. Dada a rigidez
e o pulsar constante, eu estava bem certa de que meu maxilar estava quebrado,
talvez a minha bochecha esquerda também. Um par de dentes pareciam soltos, e
o sabor forte de cobre do meu próprio sangue enchia minha boca. Eu abri meus
olhos em fendas. Um pouco de luz escorreu em minha visão.

Bem, pelo menos ele não tinha rompido o meu nervo óptico.

Depois eu sacudi os dedos das mãos e pés. Meus braços estavam doloridos,
como se eu tivesse sido maltratada, o que eu provavelmente fui. Meus joelhos
estavam arranhados e esfolados. Assim como as minhas mãos.

Pequenos aborrecimentos. Mas para minha surpresa, eu não parecia ter
quaisquer outros ferimentos. Sem ossos quebrados, sem membros ausentes, sem
trauma entre as minhas coxas. O que só podia significar uma coisa. Tobias
Dawson queria me interrogar antes de me matar - ou o anão só me queria
acordada enquanto ele me torturasse. Nenhuma opção era prazerosa, mas eu as
tinha enfrentado antes e saído mais ou menos em uma parte. Eu sobreviveria a
essa também.

— Eu acho que a vadia está acordada, — disse uma voz.

O barítono, baixo e profundo de um gigante. Mas a coisa mais curiosa era
que a voz ecoava como um órgão, saltando fora das paredes de pedra que nos
rodeavam. Escutei de novo, desta vez mais atentamente, não apenas os seixos de
tamanho de ervilha em torno de mim, mas também à pedra debaixo do meu
corpo. E percebi que me rodeava. O chão era macio, mas o teto e as paredes eram
especialmente mais duros, rochosos, e tudo feito de pedra. Dado o que eu sabia
de Tobias Dawson, havia apenas um lugar em que eu poderia estar - no interior
da mina de carvão do anão. Dawson Número Três. Um lugar onde ninguém me
ouviria gritar - ou nunca encontraria o meu corpo quebrado.

Passos roçaram o chão atrás de mim, e eu comecei a balançar para trás e
para frente e gemer. Nenhuma necessidade de deixar os bastardos saberem que
eu tinha o meu juízo sobre mim ainda. Eu também abri meus olhos e comecei a
piscar para longe as manchas brancas que nadavam dentro e fora da minha visão
como um peixe-gato preguiçoso.

Lentamente, eu me empurrei até minhas mãos e joelhos, em seguida, me
inclinei para trás em meus calcanhares. Minha cabeça e rosto martelavam, mas
eu bloqueei a dor, mesmo enquanto eu me encolhia lá com minha cabeça entre as
mãos.

Um par de botas apareceu diante de mim. Botas de cowboy.

De pele de cobra preta com chamas vermelhas e pontas finas 57 de
silverstone. Olhei para cima para encontrar Tobias Dawson pairando sobre mim.

Tanto quanto um anão de um metro e meio de altura poderia pairar.

57 http://www.westernexpressinc.com/assets/Image/Product/detailsbig/WX-16.jpg

— Já era hora de você acordar, vadia, — disse ele e me bateu novamente.

***

Eu não tinha tempo para alcançar minha magia de Pedra para endurecer
minha pele em uma concha rochosa. Além disso, esse era um cartão que eu não
queria jogar ainda. Tobias Dawson podia ter sentido minha magia, podia ter sido
capaz de me apontar como aquela que invadiu seu cofre, mas ele provavelmente
não sabia o quão forte eu era. Caso contrário, ele teria feito a coisa certa e me
matado, enquanto eu estava inconsciente no jardim de Mab Monroe.

Mas todo esse conhecimento, todo esse planejamento, não me ajudou com
o punho assobiando em direção ao meu corpo à velocidade da luz.

Eu consegui me inclinar para trás e girar meu corpo o suficiente para que
seu punho atingisse meu ombro esquerdo, em vez de bater em meu rosto. O duro
golpe me fez rolar sobre o meu lado, e eu o senti reverberar por todo o meu corpo.
Uma onda de choque elétrico de dor. Um baixo gemido escapou entre meus lábios
apertados, mas eu me forcei a enrijecer, para tentar me defender de outro forte
golpe. Mas o anão não veio atrás de mim novamente. Em vez disso, ele deu um
passo para trás e me considerou com seus frios olhos azuis. Desde que Tobias
Dawson não ia imediatamente me bater até a morte, o meu olhar sacudiu em
torno da área.

Eu estava certa - eu estava profundamente na mina de carvão de Dawson.

Rocha cinza e marrom me rodeava por todos os lados, e veios de carvão
corriam como fitas pretas através das várias camadas de pedra. A passagem era
mais ampla do que eu esperava.

Mais alta também. Vigas de concreto escoravam o telhado e uma variedade
de equipamentos velhos e quebrados estavam espalhados no chão.

O ar cheirava a pedras, poeira, metal.

À minha volta, a pedra murmurava. Afiados e irritados sons que contavam
de explosões maciças e equipamentos pesados escavando no coração da
montanha. A pedra não gostava do que fora feito a ela mais do que eu. Eu escutei
essa raiva, deixando-a clarear a minha cabeça dolorida.

Sentir pena de mim mesma não seria de nenhuma ajuda nesta situação.

Mas a raiva - raiva era outra história. Claro, raiva poderia fazer você
irresponsável, desleixado, mas também poderia te fazer forte. Determinado.
Ambas as quais eram coisas que eu iria precisar se eu tivesse alguma esperança
de sair daqui viva.

— Levantem-na, — ordenou o anão. — Eu quero que a vadia veja
exatamente pelo que ela está morrendo.

Dois gigantes saíram das sombras e se arrastaram para mim. Eu os
reconheci como dois dos homens de Dawson, os dois que tinham ido com ele para
Country Daze para ameaçar Warren e Violet Fox. Os gigantes me puxaram para
os meus pés. Mais dor floresceu no meu ombro e queixo, e eu deixei sair outro
gemido baixo. Mas não ofereci qualquer resistência aos gigantes. Ainda não.

Eu já estava ferida, o que significava que precisava de um plano melhor do
que o meu método usual de golpear e cortar meu caminho fora do problema. Eu
não sabia quanto tempo estive inconsciente, mas Finn tinha certamente
percebido que as coisas tinham ido para o inferno na festa de Mab. Ele estava
provavelmente trabalhando suas conexões, tentando descobrir onde Tobias
Dawson tinha me levado. Finn podia até estar no seu caminho para a mina agora,
com Sophia e Jo-Jo Deveraux no reboque.

Mas eu não poderia contar com eles para me salvar. Eu não iria.

No final, a única coisa, a única pessoa, que você poderia sempre contar era
você mesma. Outra lição que Fletcher Lane tinha me ensinado. Outra coisa que
eu já tinha descoberto por mim mesma, muito antes que conhecesse o velho.

Os gigantes me seguraram entre eles e me carregaram mais fundo na mina.
Eles me içaram tão alto que meus pés nem tocavam o chão. Enquanto eles me
carregavam, eu esfreguei minhas coxas juntas. Mas as frestas na minha cinta-
liga estavam vazias. Eles tomaram as facas silverstone que tinham sido
amarradas as minhas coxas. As em minhas mangas tinham ido também. Algo
colidiu contra o meu quadril, e eu olhei para baixo. Dawson ou um de seus
capangas tinha sido gentil o suficiente para prender minha bolsa em torno do
meu pescoço. O topo oscilou aberto, e eu podia ver o espaço vazio onde minha
última faca esteve. Os bastardos tinham sido meticulosos, se nada mais. Muito
ruim para mim.

Dawson liderou o caminho, carregando uma lanterna. Os dois gigantes
também carregavam uma em cada mão livre. Eu olhei para as lanternas. Não tão
pesadas quanto um taco de beisebol, mas uma fenda através da garganta com

uma dessas seria uma boa maneira de começar a cortar meus captores para
baixo do tamanho 58. Supondo que eu tivesse a força ou a astúcia para arrancar
uma lanterna longe de um dos três homens.

Descemos, descemos, descemos para dentro da terra. O túnel ficou mais
estreito, mais apertado. Os pedaços e peças de equipamentos no chão
desapareceram. Assim fizeram as sólidas vigas de apoio. Lentamente, os
murmúrios violentos da pedra deram lugar às vibrações antigas, mais calmas.
Andávamos através de um túnel natural agora, em vez de um buraco feito pelo
homem no chão.

Eu notei uma luz à frente. Um brilho branco e suave, como um feixe de luz
do sol inclinado através de uma nuvem. Algum tipo de holofote industrial que
tinha sido improvisado de modo que o pessoal podia ver o que estava fazendo no
ventre da montanha.

Tobias Dawson dobrou a esquina e desapareceu de vista. Um momento
depois, os gigantes me arrastaram em torno dela também.

E minha respiração ficou presa na minha garganta.

Porque o túnel estreito se abria em uma câmara circular que tinha mais de
60 metros de largura. O teto era tão alto quanto, com estalactites grossas que
pendiam como elegantes pingentes de pedra. Era bonita o suficiente por si só.

Mas os diamantes a tornavam verdadeiramente de tirar o fôlego.

As gemas estavam incorporadas nas paredes de rocha. Elas eram brutas, é
claro, sem cortes e completamente intocadas pelo homem. Elas não tinham a
aparência polida de uma pedra aperfeiçoada, mas minha magia de Pedra me
deixava ver o fogo puro dentro delas, o potencial belo que possuíam. Mais veios
de carvão corriam em torno dos diamantes, fazendo as gemas parecerem como se
estivessem descansando em uma bandeja de veludo. Eu podia também ouvir os
diamantes. Eles ressoavam com o mesmo tipo de esplendor que a pedra no cofre
de Tobias Dawson tinha. Frequentemente, quanto mais intensa a vibração de
uma gema, mais bela e valiosa ela era. Se a música pulando na minha cabeça era
qualquer indicação, havia vários milhões de dólares em diamantes brutos
aninhados no coração da montanha - apenas esperando alguém vir e reclamá-los.

58 Cut down to size – criticar alguém que você acha que está muito confiante, a fim de fazê-lo se sentir menos

confiante ou menos orgulhoso, menor.

Tobias Dawson foi para o centro da caverna. Os gigantes me arrastando
seguiram atrás dele. O anão estalou os dedos, e os dois brutamontes me jogaram
para baixo.

Eu estendi as mãos para amenizar a queda, mas a pedra ainda cavou
minhas palmas e raspou meus joelhos já esfolados e sangrentos. Mesmo ser uma
Elemental de Pedra não poderia me proteger de ser ferida pelo meu próprio
elemento assim. Encolhi-me no chão, mais uma vez examinando a área por
qualquer coisa que eu poderia usar. Qualquer tipo de arma. Inferno, eu até
tomaria um esconderijo neste momento. Pessoas que diziam que você era um
covarde se fugisse de uma luta normalmente não viviam muito tempo elas
mesmas. Eu não me importaria se fosse chamada de covarde, contanto que eu
ainda estivesse respirando no final.

O topo da caverna era úmido, e mofo fosforescente cobria a maior parte das
estalactites denteadas, um estranho contraste verde pálido para o resto da rocha
cinza, marrom, e preta. Uma gota de água caiu de uma das pedras e respingou
na minha bochecha virada para cima. Olhei para cima, recuei da queda, e percebi
que um fluxo constante de água corria para uma das paredes da caverna. Ainda
mais água escorria de outras estalactites sobre a minha cabeça. Hmm.

Isso podia ser útil.

Tobias Dawson andou em um círculo solto à minha volta.

Botas de cowboy de pele de cobra batiam na pedra áspera.

— Você sabe onde está?

Eu coloquei minhas mãos no chão e me empurrei até meus pés. Pontos
nadaram na frente dos meus olhos novamente, mas eu os pisquei para longe. —
Eu tenho uma ideia muito boa.

Era difícil falar com minha mandíbula quebrada e latejante, e as minhas
palavras saíram sem consistência e murmuradas. Do jeito que meu rosto sentia.

O anão olhou para mim. — Você invadiu meu escritório, meu cofre. — Seu
bigode desleixado se eriçou com raiva.

Dei de ombros. Nenhum uso em negar isso agora. Se o talento elemental de
Tobias Dawson para detectar e identificar a magia dos outros era tão boa como
ele alegou, nenhuma mentira minha iria convencê-lo de outra forma. Além disso,
eu já estava no gancho aqui. Se eu jogasse minhas cartas direito, talvez as coisas
iriam parar e acabar comigo. Eu não queria que Dawson começasse a pensar

sobre quem mais poderia estar envolvido comigo - e eu não queria que ele fosse
atrás de Finn, as irmãs Deveraux, os Foxes, ou mesmo Donovan Caine.

— Yeah, eu invadi seu escritório.

— Por quê? — O anão estalou. — O que você estava procurando? Para
quem você trabalha? Warren Fox contratou você para me matar?

Olhei para o anão e mantive meus olhos frios, meu rosto inexpressivo. Eu
poderia estar no ônibus expresso para a morte, mas eu não ia delatar os Foxes e
levá-los comigo. — Eu não conheço nenhum Warren Fox.

— Besteira, — rosnou Tobias. — Eu vi você em sua loja no outro dia.

Eu levantei uma sobrancelha. — Você quer dizer essa cabana ao lado da
encruzilhada? Yeah, eu estava lá. E daí?

— Por quê? — Dawson exigiu.

— Eu tinha que urinar, — disse com sarcasmo. — E eu não senti vontade
de ter um arbusto com espinhos na minha bunda, indo na floresta.

O anão olhou para mim, considerando minhas palavras. — Eu não acredito
em você.

— Não me importa muito se você acredita em mim ou não.

Tobias cuspiu um jato de fumo mascado fora de sua boca.

Ele respingou contra minha perna ralada e nua. O anão ia pagar por isso.
Eu poderia morrer aqui, mas antes de ir, eu ia conseguir pelo menos um bom
golpe. Só por isso.

— Para quem você trabalha? O que você quer? — Dawson perguntou
novamente. — Eu tenho maneiras de fazer você falar, sabe.

Minha mandíbula se contraiu com a dor, o que me impediu de rolar meus
olhos. Yeah, eu descobri que o anão me poderia ferir da primeira vez que ele deu
um soco no meu rosto. A memória ainda estava fresca na minha mente, mesmo
que aparentemente tinha escorregado da dele.

— Tenho certeza de que você tem. Quanto ao que eu quero, bem, é mais
sobre o que o meu empregador quer. Talvez possamos fazer algum tipo de acordo.

O anão parou seu círculo para ficar na minha frente.

Seus olhos azuis se estreitaram. — Estou ouvindo.

— Você me deixa ir, e eu direi quem quer você morto. Como é que isso soa?

O anão concordou. — Tudo bem. Você tem um acordo.

Bastardo mentiroso. Ele não ia me deixar ir, e nós dois sabíamos disso.
Mas era assim que o jogo era jogado quando você era desleixado o suficiente para
ser capturado. Arrastando as coisas até o amargo fim. Eu tinha apenas uma
chance para tentar eliminar Dawson. Eu sabia o que ia fazer, mas se eu tinha a
força para isso era outra questão. Ainda assim, era melhor mantê-lo falando
tanto tempo quanto possível.

Eu recuei alguns passos do anão de modo que eu estava livre das
estalactites e da água escorrendo do teto. Ele não me seguiu. Seu primeiro erro.
— Então você descobriu que eu sou, o que eu faço.

— Você é uma assassina, — disse Dawson. — Essa é a única explicação
para todas aquelas facas silverstone que você tinha e o jeito como você se jogou
para mim na festa.

Bem, pelo menos ele não era estúpido o suficiente para pensar que eu
realmente estava atraída por ele. Isso teria sido um pouco triste de sua parte. Dei
a ele um leve sorriso. — Na verdade, eu estava desfrutando de minha
aposentadoria, se você pode acreditar nisso. Mas então, como a velha história vai,
eu tive uma última oferta de trabalho, e o dinheiro, bem, era bom demais para
deixar passar.

Outro assassino, Brutus, havia dito aquelas palavras para mim uma vez -
pouco antes de eu matá-lo. Claro, elas eram uma completa invenção da minha
parte agora. Mas era justamente o tipo de conto de fadas que Tobias Dawson
queria ouvir, a história que ele já se vendera. Eu podia ver a suspeita em seus
olhos. Tudo o que eu tinha que fazer era preencher o nome para ele. E mesmo se
eu não conseguisse sair daqui com vida, ainda planejava causar tantos
problemas quanto eu poderia para um certo indivíduo.

— Quem te contratou? Por quê? Me diga agora, ou eu vou deixar meus
meninos se divertirem um pouco com você. — Dawson apontou o polegar por
cima do ombro para seus dois homens.

Atrás dele, um dos gigantes esfregou sua virilha e balançou os quadris para
a frente. Seu camarada riu dele e me deu uma piscada lenta. Sua zombaria
casual fez a minha raiva se ajustar de um cozinhar lento para ferver. Esses
bastardos não iam colocar outra mão em mim.

Mas eu ainda tinha um papel para representar para Tobias Dawson, então
dei mais um passo para trás das estalactites irregulares e fiz um largo gesto com
as mãos. — Não é óbvio para quem eu estou trabalhando? Quem mais sabe sobre
essa pequena mina de diamantes em que você tropeçou? Para quem mais você
disse sobre isso? Por que não pensa nisso por alguns segundos e me diz as suas
conclusões.

O anão franziu a testa e cuspiu outro jato de fumo mascado. Seus olhos
azuis se viraram para o interior enquanto ele analisava a lista de pessoas com
quem compartilhou sua descoberta subterrânea. Eu estava disposta a apostar
que era uma lista realmente curta - com o nome de apenas uma mulher nela.

— Mab, — ele murmurou. — Mab Monroe. É para quem você está
trabalhando?

Eu atirei o meu polegar e indicador para ele. — Dê ao homem um prêmio.

Dawson franziu o cenho. — Mas por que ela contrataria uma assassina
para me matar?

Apesar da minha mandíbula quebrada, consegui dar uma risada. Uma
risada alta e zombeteira que ecoou pelas paredes. — Porque, seu idiota, ela quer
tudo isso para si mesma. Todos esses encantadores, encantadores diamantes, e o
dinheiro que virá junto com eles.

— De jeito nenhum. — Dawson balançou a cabeça. — Não há uma fodida
maneira de você estar trabalhando para Mab. Ela não iria se voltar contra mim
assim.

Eu bufei. — Tire sua cabeça para fora da sua bunda. É claro que Mab se
voltaria para você assim. É o que ela faz. Ela fez uma carreira com isso, como um
amigo meu diria. Você é apenas a mais recente vítima em seu império sempre em
expansão.

Dawson marchou de um lado para o outro na minha frente enquanto
pensava sobre isso. Dei mais um pequeno passo para trás. Três metros agora me
separavam do anão. Não tanto quanto eu gostaria, mas ia ter que servir. Após
alguns segundos, o anão parou de marchar. A dúvida em seus olhos
desapareceu, substituída por faíscas de raiva. Eu lhe vendi a mentira. Mesmo se
eu não conseguisse sair dessa caverna com vida, Dawson poderia fazer algo
estúpido e ir atrás de Mab Monroe ele mesmo. Ela provavelmente o mataria, mas
pelo menos ele sentiria a sua ira antes de morrer. E ele poderia incomodá-la
ligeiramente. De qualquer maneira, era o melhor que eu podia fazer, dada a
minha situação atual.

— Embora eu esteja curiosa sobre uma coisa, — eu disse.

— O quê? — Dawson perguntou.

— O velho na loja. Por que você o ameaçou assim? Por que você precisa
tanto de sua terra? Estamos nesta caverna agora com todas essas pedras
deslumbrantes. Eu sei que você não possui os direitos minerários para os
diamantes, mas por que você apenas não os tira discretamente das paredes você
mesmo e acaba logo com isso?

Dawson balançou a cabeça. — Toda essa magia de Pedra que você tem e
realmente não sabe nada sobre seu próprio elemento, não é?

Dei de ombros. — Geologia não é meu forte.

O anão apontou para o teto, onde a água pingava fora de uma das
estalactites. — Toda esta caverna está diretamente debaixo de um riacho que
atravessa a propriedade de Fox. O teto é forte o suficiente como é, mas se eu
começar a cavar diamantes para fora daqui, há uma boa chance que a coisa toda
entrará em colapso, deixando um buraco 59 gigante justo no meio do seu quintal -
ainda maior do que aquele que está lá agora.

Ele não estava me dizendo qualquer coisa que eu já não tivesse adivinhado,
mas era bom ter alguma confirmação.

— E você não podia arriscar isso, — eu disse com uma voz suave. — Você
não podia arriscar ele descobrir sobre os diamantes que estão na sua própria
terra.

— Esperta e bonita. Uma vergonha que você vai morrer tão jovem, —
Dawson zombou.

— Pensei que tínhamos um acordo, — eu disse, embora não houvesse
nenhum protesto real na minha voz. Eu já esperava isso.

O anão riu. — Ah, a tolice da juventude. Mas eu sou um homem esportivo.
Vou te dar uma chance de sair daqui.

— Sério? E como eu faria isso?

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Dawson olhou para mim. — Tudo o que você tem que fazer é me bater - em
um duelo elementar.

Capítulo 30

— Um duelo? — Eu perguntei.

Ele assentiu. — Um duelo. É assim que eu cuido dos meus problemas. Não
perdi um ainda em mais de duzentos anos. — Ele olhou sobre seu ombro. —
Vocês rapazes podem querer sair do caminho para isso.

Os gigantes se afastaram para os lados da caverna, deixando Dawson em
pé sozinho no meio.

Os dois homens pareciam entediados, como se tivessem visto seu chefe
fazer isso uma dúzia de vezes antes. Eles provavelmente tinham.

O anão ficou de pé relaxado com os joelhos ligeiramente flexionados.

Ele inclinou o chapéu de cowboy para trás na cabeça para se dar uma visão
minha mais clara, e suas mãos penduraram dos seus lados, com os dedos
dobrando e desdobrando. Ele me lembrava de algum pistoleiro do Velho Oeste
que havia acabado de chamar o xerife da cidade para a rua poeirenta para um
confronto ao meio-dia.

Yeah, eu podia ver como o duelo elemental combinaria perfeitamente com o
fetiche cowboy de Dawson. Muito ruim que ia ser a morte dele.

— Um duelo, huh? — Eu perguntei de novo.

— Um duelo, — ele repetiu. — Você e eu. Aqui mesmo, agora mesmo. Pense
nisso, quão forte a sua magia é. Você poderia me derrotar.

Mas Dawson não soou muito preocupado com a possibilidade.

O bastardo estava tentando me incitar a dar o primeiro passo. A fazer algo
desleixado. Oh, eu ia fazer algo certamente, mas não ia ser o que ele esperava.

Ainda assim, eu tinha que passar por isso até a sua inevitável conclusão,
então eu alcancei o poder frio profundamente dentro de mim. Reunindo-o,
deixando-o encher cada parte do meu ser. Embora não pudesse vê-los, eu sabia
que meus olhos estavam brilhando de um prata luminoso com o meu poder
elemental. Ao meu redor, os murmúrios das pedras se intensificaram, sentindo
meu comando sobre elas.

Mas o anão não estava preocupado. Se qualquer coisa, eu alcançando a
minha magia o divertia. Tobias Dawson agarrou a sua própria magia de Pedra.
Poder derramou fora dele como a água descendo a parede da caverna, e seus
olhos brilhavam de um azul ardósia, maçante. O anão era forte, e sua magia
parecia velha e surrada, como um cavalo que ele tinha quebrado ao longo dos
anos. Nenhuma maravilha que ele quisesse duelar. Uma explosão de magia dele
seria suficiente para derrubar a maioria dos elementais.

Talvez até a mim.

O anão deixou escapar uma risada baixa. — Você tem poder, vadia, vou te
dar isso. Um monte de poder bruto. Isso vai ser divertido.

— Então, por que me dar essa chance, se sou tão forte? Se eu posso te
derrotar?

— Porque eu gosto de desafios. — Dawson sorriu e cuspiu um outro fluxo
de fumo mascado. A mistura marrom suja pousou aos meus pés.

— Você sabe o que eu gosto, Tobias? — Perguntei.

— O quê?

— Jogar sujo.

Sorri para ele e joguei minha magia para o teto da caverna.

***

Não havia tempo para fineza, contenção, ou até mesmo paciência. Um tiro
era tudo que eu tinha, e eu peguei. Eu joguei tudo o que tinha no teto da
caverna. Toda a minha magia de Pedra e todo o meu poder de Gelo, embora fosse
fraco. A água que esteve pingando das estruturas e despejando na parede da
caverna imediatamente congelou. As gotículas de cristal resultantes brilhavam
como os diamantes embutidos nas paredes. O aumento súbito de Gelo fez
pedaços e peças da caverna racharem e se separarem do resto das paredes e teto.

Poeira e sujeira subiram no ar.

Jo-Jo Deveraux sempre me dizia que eu tinha mais magia de Pedra do que
qualquer um que ela já tinha visto antes. Eu esperava que significasse que Tobias
Dawson também. Mas eu tinha sido enfraquecida pelos socos de Dawson, e não
estava com força total. Mesmo se estivesse, eu ainda estava martelando pedra
que esteve ao redor por um longo tempo antes de eu ter nascido - e estaria ao
redor por um longo tempo depois de eu ter ido. Camadas e camadas e camadas
dela. Mas eu usei minha magia, meu poder de Pedra, como um martelo, batendo
em tudo que eu podia sentir com força bruta, crua.

À minha frente, Tobias Dawson franziu a testa, não certo do que diabos eu
estava fazendo, porque eu não estava atacando-o. Eu tinha talvez outros dois ou
três segundos antes de ele descobrir e me atingir com tudo o que tinha.

Chamei uma respiração e joguei outra explosão de magia de Pedra para o
teto, mesmo enquanto alcancei meu poder de Gelo, fazendo as gotículas
congeladas e o fluxo de água expandirem o tamanho. Forcei o Gelo na pedra
como um cinzel. Gelo, pedra.

Cinzel, martelo.

Minha visão tornou-se um campo de prata. Suor escorria em meus olhos,
meus joelhos tremiam, e todo o meu corpo se sentia fraco. Parecia que eu estava
labutando por anos, décadas, apesar de apenas um segundo, dois no máximo,
terem passado. Eu queria soltar minha magia, queria descansar. Cada parte do
meu corpo dolorido gritava para que eu apenas soltasse e caísse na escuridão que
estava ameaçando me oprimir.

Mas se eu fizesse isso, se desse a Dawson um segundo de oportunidade, ele
jogaria sua própria magia em mim, e eu não tinha a força para desviá-lo. Não
agora. Então eu cerrei os dentes, empurrei a dor, e continuei martelando a pedra.
Trazer o teto abaixo podia ser a última coisa que eu faria alguma vez, mas o filho
da puta ia cair.

Crack! Crack-crack!

Começou a funcionar. Uma grande estalactite quebrou do teto. Ela
despencou como uma faca e espetou um dos gigantes em seu ombro. Ele uivou
de dor e caiu no chão da caverna. Sangue carmesim espirrou por toda parte, e a
pedra sob meus pés assumiu uma vibração mais sombria.

A cabeça de Dawson estalou ao redor ao ouvir os gritos do gigante.
Desleixado, desleixado dele ficar distraído assim.

Eu continuei trabalhando. Gelo, pedra. Cinzel, martelo.

Outro segundo passou. Outra peça da cobertura rompeu, desta vez sobre a
cabeça de Dawson. Sua magia de Pedra deu a ele bastante aviso para saltar à
frente e sair de seu caminho. O anão atingiu o chão duro.

Isso nem sequer o atordoou.

— Mate-a! — Dawson gritou para o outro gigante mesmo enquanto ficava
de pé. — Mate-a antes que ela desmorone todo o teto…

Tarde demais.

Eu senti uma fraqueza na pedra, uma pequena lasca de vulnerabilidade
causada por anos de água se infiltrando nela. Juntei minha força uma última vez
e forcei toda a magia que me restava nessa bolsa de ar. Não era tão grande
quanto uma agulha, mas era grande o suficiente.

CRACK!

O interior do teto da caverna estourou com um rugido enorme, como se um
balde cheio de granadas tivesse acabado de explodir próximo a ele. Os filetes de
água se tornaram uma torrente rápida que caía em cascata por toda parte, e
tremores violentos sacudiram o chão sob meus pés. Poeira e sujeira e rocha
zuniram pelo ar como estilhaços. Mergulhei para o chão e rolei para trás, para
trás, para trás - longe de Dawson, os dois gigantes, e as estalactites que cercavam
o teto sobre suas cabeças. Meus olhos travaram sobre uma cavidade na parede
da caverna, e eu escalei desordenadamente para dentro dela. O espaço mal era
grande o suficiente para proteger meu corpo, mas a rocha aqui era mais dura do
que aquela acima, que havia sido enfraquecida pela água.

As estalactites que estiveram penduradas em cima caíram no chão como
lâminas de guilhotina pontiagudas. A primeira onda espetou o gigante que fora
ferido antes, até que ele se assemelhava a algum tipo de boneco vodu tamanho
grande com uma massa de alfinetes rochosos enfiados nele. O segundo homem
conseguiu meia dúzia de passos para trás em direção à entrada da mina antes de

uma das lanças de rocha dividir sua cabeça aberta. Eu vi sangue atingir a parede
mesmo através do spray de água, pó e pedra caindo.

Tobias Dawson era mais esperto que seus lacaios. Mais resistente também.
Como eu, ele mergulhou para a frente, evitando a maioria das estalactites
mortais. O anão saltou para cima de seus pés.

Ele me viu encolhida na cavidade, e seus olhos azuis se estreitaram em
ódio.

— Eu vou te matar por isso, vadia! — Seu rugido ecoou pela caverna até
mesmo acima dos assobios de água e trovoadas das pedras fragmentadas.

O anão correu em minha direção, ainda esquivando-se das rochas caindo e
cascatas de água. Seus olhos azuis queimaram com magia. Ele estendeu suas
mãos, pronto para atirar seu poder em mim ou me arrastar para fora da cavidade
e para os escombros caindo. Provavelmente ambos. O anão poderia sobreviver ao
castigo do teto desabando, mas eu não iria.

Meu corpo não era tão resistente e forte quanto o seu. Eu não tinha minhas
facas, então havia uma única coisa restando que eu poderia fazer para combatê-
lo.

Desta vez, eu joguei a minha magia nele.

Minha magia de Gelo. Era tudo o que tinha restado. Eu tinha esgotado a
Pedra para desabar o teto. Então me concentrei nas gotas de água esvoaçando
pelo ar na frente do anão carregando, congelando e arremessando-as em Dawson.
Eu já estava enfraquecida do esforço de recorrer a tanta mágica, então ao invés
das facas que tinha imaginado, as gotas se transformaram em cacos de Gelo que
fizeram pouco mais do que picar a pele grossa do anão. Isso não o atrasou.
Outros poucos metros, e ele seria capaz de me alcançar. E então eu estaria
morta.

Determinação cresceu dentro de mim - fria, dura, inabalável.

Eu alcancei minha magia de Gelo novamente. Foi mais difícil desta vez, tão
fodidamente difícil, como tentar recolher água com os dedos largos. Cada vez que
juntava poder suficiente, ele escorregava. Então alcancei por ele novamente,
apertando minhas mãos ao redor do filete de magia dentro de mim. Ele tentou
escorregar, mas eu segurei firme e puxei, arrancando-o para mim, dobrando-o à
minha vontade.

E algo dentro de mim se distendeu.

Por um momento, me senti como um ovo cru que havia caído no chão -
quebrado, bagunçado, se esvaindo. Mas, então, magia me preencheu. Mais magia
de Gelo do que eu jamais tinha sentido antes.

Eu não parei para pensar sobre de onde tinha vindo, ou se tudo isso era
algum tipo de alucinação de leito de morte da minha parte. Eu usei a magia para
congelar mais da água correndo pelo ar e atirei-a em Dawson.

Desta vez, as gotas formaram longos, finos pingentes de gelo que zuniram
pelo ar poeirento como adagas. O anão os viu chegando. Ele parou no meio do
caminho cerca de um metro e meio de mim e trouxe a sua própria magia de Pedra
para suportar, tentando bloquear o meu ataque, tentando usar seu poder
elemental para endurecer sua pele contra as armas rudimentares, como eu tinha
feito tantas vezes antes.

Mas não funcionou.

Talvez ele estivesse distraído demais pelo caos ao seu redor.

Talvez eu tivesse destruído sua concentração com o meu ataque furtivo
inicial. Talvez eu tivesse perturbado a ordem de seu duelo perfeitamente
organizado, e ele simplesmente não soubesse como se recuperar da injustiça
disso tudo.

Qualquer que fosse a razão, meus pingentes de gelo bateram no peito de
Dawson, com toda a força de uma das minhas facas silverstone. O brilho azul de
mágica apagou dos olhos esbugalhados do anão, e ele abriu a boca para gritar. O
resto do teto começou a desabar, abafando seus gritos roucos.

Deveria estar escuro na caverna, que estava sufocada por poeira,
escombros, lama, e água. Mas não estava.

Havia uma luz acesa - eu. Baixei o olhar para minhas mãos.

As cicatrizes de runa de aranha em minhas palmas, as que foram causadas
pelo metal silverstone queimando em minha carne todos esses anos atrás,
estavam pegando fogo - com chamas de gelo.

E eu senti o poder surgir através de mim novamente, maior do que antes.
Magia de Gelo que parecia quase tão forte quanto o meu poder de Pedra.

Nada bom.

Por um momento, meus olhos encontraram os do anão. Pânico, medo, dor e
reverência brilharam no olhar de Tobias Dawson. E então ele se foi, tragado pela
pedra caindo, água corrente, e poeira sufocante. Eu me enrolei em uma bola
apertada e me encolhi na cavidade da parede enquanto a terra e pedra sacudiram
a minha volta. As vibrações das pedras rugiram um grito violento e interminável
dentro da minha cabeça. Eu tinha destruído o teto da caverna com a minha
magia, causado tanta dor quanto Dawson e seu equipamento de mineração
jamais tinham. O som fez meu estômago apertar. Mas tinha sido a pedra ou eu, e
eu me escolheria todas as vezes.

Então eu fechei os olhos e ouvi o lamento de pedra enquanto a caverna
desmoronava em cima de mim.

Capítulo 31

Eu estava encolhida em meu esconderijo habitual, uma pequena
rachadura na parede do beco atrás do Pork Pit. O espaço fechado sempre me fez
sentir segura, protegida. Talvez fosse porque eu sabia que ninguém poderia se
espremer aqui além de mim, especialmente alguém tão grande como o gigante que
eu acabei de matar.

Meia hora havia se passado desde que Douglas tinha forçado o seu caminho
para o restaurante e atacado Fletcher e Finn. Minhas lágrimas se foram, mas o
sangue ainda revestia minhas mãos onde eu tinha matado o gigante. Passei a
unha na minha pele, deixando uma marca branca nas manchas marrom-
enferrujado. Eu fiz isso de novo, matei novamente. Assim como na noite que a
Elemental de Fogo tinha matado a minha família e eu tinha desabado minha casa
em cima de todos eles, incluindo Bria, minha irmãzinha. Meu estômago revirou. De
alguma forma, eu forcei a bílis quente que subiu na minha garganta a descer.

A porta traseira do Pork Pit abriu e Fletcher Lane caminhou em direção ao
beco. O homem de meia idade não disse uma única palavra quando se sentou de
pernas cruzadas a poucos metros de mim.

Seus olhos verdes eram tão brilhantes quanto os de um gato, embora seu
rosto aparentasse cansaço e dor onde o gigante o havia acertado.

Eu fiquei no meu buraco, meu pequeno refugio, me perguntando se era nessa
hora que Fletcher me diria para ir embora e nunca mais voltar. Ele viu o que eu
havia feito ao gigante, o que eu era capaz de fazer. Quem iria querer alguém assim
por aí?

— Você já está aqui há um tempo, — Fletcher falou calmamente. — Você é
um garota esperta Gin. Tenho certeza que você notou algumas coisas. Como
quando eu saio por um tempo.

E volta coberto de sangue, pensei.

Eu não sabia onde Fletcher queria chegar, mas pelo menos ele não estava
me mandando embora, ainda. — Sim, eu notei.

Ele assentiu. — Tenho certeza que você já se perguntou para onde eu vou, o
que eu faço durante as minhas viagens. — Fletcher voltou seu olhar para mim,
para que eu desta forma pudesse sentir toda a força de seus olhos verdes. — Está
na hora de você saber a verdade, especialmente após hoje à noite. Eu sou um
assassino, Gin. Tenho sido por anos.

Talvez eu devesse ter ficado surpresa ou chocada ou mesmo horrorizada.
Mas eu não estava. Depois do assassinato de minha família e a dura realidade da
vida nas ruas, não havia mais nada que me chocasse. Minha infância e minha
inocência se foram, substituídas pelo conhecimento que as pessoas eram más,
frias, loucas, perigosas.

Então, eu só assenti, como se sua revelação fizesse perfeito sentido de um
modo distorcido para mim.

— Você sabe o que ser um assassino significa? — Fletcher perguntou.

Eu encolhi os ombros. — Você mata pessoas por dinheiro.

Ele sorriu. — Na maior parte do tempo. Algumas vezes eu não aceito alguns
trabalhos oferecidos, às vezes essas pessoas que eu recusei se irritam, e de vez em
quando elas me acham e vem atrás de mim.

— Como Douglas?

— Exatamente como o Douglas.

Apesar da estranha conversa, encontrei-me curiosa para saber mais sobre
essa outra vida do Fletcher. — Quem é que Douglas queria que você matasse?

Uma sombra passou pela face do Fletcher. — Algumas meninas.

— Então, por que não fazê-lo?

Fletcher me encarou. — Por que existem regras, Gin. Coisas que mesmo
assassinos não devem fazer. Matar crianças inocentes é uma delas.

Pensei na Elemental de Fogo e todas as perguntas que ela me fez sobre Bria,
minha irmãzinha. Eu não tinha respondido à elemental, nem mesmo quando ela me
queimou com a minha própria runa de aranha. Porque eu sabia o que iria
acontecer. Eu iria morrer, e então Bria também.

— O que acontece quando alguém quebra as regras? — Perguntei num
sussurro rouco.

Fletcher olhou para mim. — Eu tento fazer com que eles não possam
machucar mais ninguém.

Eu sabia que isso queria dizer que ele os matava. Pensei em Douglas e na
forma como o gigante tinha olhado para mim. No que ele teria feito comigo se eu
não tivesse feito isso com ele primeiro. Estremeci. — Isso deve ser bom. Ser capaz
de cuidar de outras pessoas assim. Ser tão forte. — A última palavra saiu como um
sussurro rouco.

Fletcher olhou para mim, um olhar estranho em seu rosto enrugado, como se
ele estivesse pensando em algo importante. Como me dizer para desaparecer.
Decidi facilitar as coisas para ele. Eu lhe devia muito, apenas pelas últimas
semanas de segurança que ele me deu.

— Você quer que eu vá embora?

Fletcher franziu a testa. — É claro que não. Por que você pensou nisso?

Eu encarei o sangue em minhas mãos e não falei uma única palavra.

— Oh, Gin, — ele falou em uma suave voz. — Você não faz idéia do que fez
esta noite, sabe? Você me salvou. E a Finn também. Douglas teria matado nos três
se você não o tivesse esfaqueado. Não se sinta culpada por ter esfaqueado aquele
bastardo doente. Você fez o que tinha que fazer, nada mais.

O nó em meu estomago afrouxou. Talvez eu não seja um monstro no fim das
contas, ou talvez eu apenas não me importe mais.

— Eu quero que você fique Gin, — Fletcher disse. — Pelo tempo que quiser, e
se você me permitir e quiser eu gostaria de treiná-la.

O encarei confusa. — Treinar-me em que? Você já esta me ensinando a
cozinhar.

Ele hesitou. — A ser como eu, fazer o que eu faço. Ser um assassino.

Talvez eu devesse ficar surpresa, chocada, horrorizada.

Mas eu não estava. Em vez disso, pensei em Douglas, o gigante. Como ele
veio para mim e como eu me defendi. Eu sabia que esfaqueá-lo tinha sido mais
sorte do que qualquer outra coisa.

Mas minha família se foi e eu estava sozinha, além disso, estava cansada de
viver nas ruas e ser fraca, pequena e indefesa.

Cansada de me esconder de todos e de tudo, eu olhei para Fletcher. Não era
apenas o fato que ele era um adulto, mais velho que eu, mais alto, mais musculoso.
Fletcher Lane tinha uma força interior que o distinguia de outras pessoas. De
repente, percebi que era uma força que eu queria. A força que eu precisava para
sobreviver.

— Mas e o Finn? — Eu perguntei. — Ele é seu filho, você não deveria treiná-lo
ao invés de mim?

Fletcher sorriu. — Ele é meu filho e eu o amo, mas ele não tem o
temperamento certo, é muito imprudente, muito chamativo. Você é diferente, calma,
pensa nas coisas antes de fazê-las.

Eu não tinha certeza sobre isso, mas decidi aceitar o que Fletcher estava me
oferecendo, agarrar isto com as duas mãos e nunca olhar para trás. Genevieve
Snow estava morta, sua família estava morta, mas Gin Blanco ainda estava viva e
eu queria permanecer desse jeito.

— Ok, — eu disse. — Você pode me treinar.

Fletcher acenou com a cabeça. — Muito bem então, começaremos hoje a
noite. Venha vamos voltar ao restaurante.

Ele se levantou e estendeu a mão para mim. Olhei para ela por um minuto.
Eu ia ser uma assassina. Poderia muito bem começar a agir como uma. Que, para
mim, significava me levantar sozinha. Foi o que eu fiz.

Os olhos verdes de Fletcher se iluminaram enquanto ele sorria…

Eu engasguei em meu fôlego, enquanto saia dessa memória de sonho.

Levei um momento para lembrar onde eu estava, e o que havia acontecido –
além do fato que eu provavelmente estava enterrada viva.

Pânico tomou conta de mim, ameaçando sair. Mas eu empurrei para baixo
a emoção preocupante, sufocando-a com a lógica fria. Eu ainda estava viva,

respirando. O que significava que eu ainda tinha uma chance, por menor que
fosse.

Não sabia quanto tempo havia passado enquanto a terra tremia debaixo do
meu corpo e a caverna entrava em colapso acima de mim. Minutos se passaram,
talvez horas por tudo que eu sabia. Mas estava tranquilo agora. A terra tinha
parado de tremer, e as pedras pararam de cair, o que significava que era hora de
voltar.

Eu abri meus olhos para a escuridão. Mais uma vez, o pânico me encheu, e
mais uma vez, forcei-o para baixo. Eu não tinha medo do escuro desde que era
uma criança. Além disso, Tobias Dawson e seus gigantes estavam mortos. Eles
não podiam mais me ferir.

Não havia mais nada aqui além de mim, as rochas e água. Nada que eu não
pudesse lidar.

Então eu comecei a piscar, forçando meus olhos a entrarem em foco.
Lentamente, a escuridão diminuiu para um cinza meia-noite, e o mundo voltou
ao foco. O que eu poderia ver disso, de qualquer maneira. O que alias não
passava de um monte de pedras que bloqueavam a entrada do pequeno buraco
que eu havia usado como abrigo durante o deslizamento. Eu parei um minuto
para avaliar meu corpo. Mexi os dedos dos pés e das mãos e continuei por toda a
rotina que fiz da primeira vez que acordei em uma caverna. Dolorida, arranhada,
meus ossos cansados. O mesmo de sempre, mas tudo funcionando mais ou
menos em ordem.

Eu me abaixei, procurando minha bolsa e a cura que Jo-Jo Deveraux
tinha me dado. Mas a bolsa há muito se fora, assim como a minha peruca loira, e
eu já não podia sentir as lentes azuis nos meus olhos. Elas se perderam em
algum lugar ao longo do caminho. A única coisa que me restava era meu vestido
preto e os sapatos de salto alto, que não me ajudavam em nada. Então, eu soltei
um suspiro, e me arrastei para frente, colocando minhas mãos na pedra,
cavando.

Para minha surpresa, as rochas se moveram. Pedaços e pedaços rompendo
como cascas de ovo onde eu tocava, e comecei a trabalhar. Não sei quanto tempo
fiquei agachada lá, escavando as rochas do meu caminho para que eu pudesse
me mexer e me levantar. Lentamente, devido as minhas dores, mas
eventualmente eu limpei um espaço grande o suficiente para enxergar meu
caminho. Levantei-me de joelhos primeiro, e depois caí para frente, usando as
pernas para empurrar-me para cima e para fora do buraco. As rochas rasgaram o
tecido fino do meu vestido e arranham meu estômago, mas eu não liguei.

Lentamente, fiquei em pé. Quase não havia luz, mas talvez eu pudesse
corrigir isso. Abri as palmas das minhas mãos sujas. Mesmo que eu não pudesse
vê-las, sabia que as cicatrizes da runa de aranha ainda estavam em minhas
mãos. Eu sempre fui capaz de criar um pouco de luz com a minha magia,
especialmente com o meu poder de gelo. A prateada luz familiar cintilava sobre a
palma da minha mão em qualquer momento que eu fizesse um simples cubo ou
faca de gelo.

Mas antes, quando eu tinha feito o alcance final e desesperado por minha
magia de gelo para parar Tobias Dawson, as cicatrizes da runa de aranha em
minhas mãos tinham queimado com frias chamas prateadas de magia de gelo.
Algo que nunca havia acontecido antes.

Fiquei imaginando o que as cicatrizes de silverstone fariam agora que o
perigo não era tão iminente. Era hora de descobrir.

Peguei minha magia de gelo. Cautelosamente, desta vez, recorrendo a uma
pequena gota de energia. Mas, novamente, ela veio a mim muito mais facilmente
do que antes. Apenas foi preciso um momento de concentração para fazer as
cicatrizes em minhas palmas queimarem com o frio fogo prateado. Melhor do que
a porra de uma lanterna.

— Bem isso é algo novo e diferente. — Eu murmurei.

Estendi minhas mãos brilhantes. A luz de prata tremulava sobre o que
restava da caverna, e eu examinei o dano que tinha forjado com a minha magia
de Pedra e de Gelo. Além do meu buraco, pedra e terra subiam e desciam em
ondas irregulares, e a poeira sufocava no ar como nuvens de tempestade de
partículas. A caverna, que tinha sido tão bonita e elegante, era agora nada mais
do que uma pilha de escombros incompatíveis, como uma casa que tinha caído
em si mesma.

Toneladas e toneladas de terra, pedra, água e lama enchiam a caverna,
bloqueando a entrada de volta para a mina. Olhei para cima. Devia ter havido
mais rochas acima do que Tobias Dawson tinha insinuado, porque a pedra tinha
formado um telhado, de acentuada inclinação, em vez do arco natural da caverna
original.

Eu não ia sair dessa maneira. Porque mesmo se eu estivesse em plena
força, em vez de machucada, sangrenta e esgotada, duvido que eu poderia ter
conseguido explodir o meu caminho através desse tanto de pedra e terra.
Elementais tinha um monte de força bruta, mas, em última análise, todos nós
tínhamos os nossos limites, mesmo eu.

Então eu contornei a borda dos escombros, descendo e subindo de uma
duna rochosa de terra barrenta para a outra. Ao longe, ouvi a torrente de água,
como uma tigela enchendo. Eu não sabia para onde a água do riacho havia ido
embora quando eu desabei o teto, mas estava por perto. Outro motivo para eu
sair daqui. Não tinha derrotado Tobias Dawson para sucumbir a algo tão simples
como afogamento.

Eu tinha acabado de descer deslizando uma duna particularmente grande
quando um pequeno som me chamou a atenção. Um lamento, pequeno e afiado,
na pedra em volta de mim. Estendi minhas mãos brilhantes. Um flash de luz me
chamou a atenção, e eu olhei para o chão. E percebi que estava de pé sobre os
diamantes.

Eles se espalhavam pelo chão debaixo dos meus sapatos enlameados como
maçantes lágrimas congeladas. A maioria deles tinha sido pulverizado em
pedaços pequenos, lascas e reflexos que chamavam a luz prateada que emanava
de minhas palmas. Ainda bonitos, mesmo em seu estado arruinado. Pena que
eles eram absolutamente inúteis para mim. Definitivamente não eram o melhor
amigo de uma garota, neste caso.

Eu continuei andando até que cheguei ao lado mais distante da caverna,
mas a terra e as pedras estavam bloqueando totalmente a saída. O que
significava que eu tinha que encontrar outra maneira de sair daqui - agora.

Então, deslizei de volta na direção que eu tinha vindo, parando tempo
suficiente para tirar os sapatos de salto alto e atirá-los na escuridão. Os saltos
quebrados estavam fazendo mais danos para os meus pés do que ir descalça
faria. Eu tinha acabado de chegar do recesso onde eu originalmente estava oculta
quando uma mancha de branco me chamou a atenção contra a pedra cinza. O
que foi isso? Outro diamante?

Arrastei me aproximando mais e percebi que era a mão direita de Tobias
Dawson, saindo de um monte de terra, com os dedos esticados. Eu rastejei sobre
a terra e pedras para olhar mais perto. Mas era apenas uma mão de fora, nada
mais.

Eu verifiquei para ver se havia pulso, mas o anão não tinha um.

O frio da morte já havia envolvido seu corpo.

Ainda assim, eu peguei um pedaço irregular de rocha e cortei o pulso só
para ter certeza. Sentei-me ali, descansando e assistindo seu sangue penetrando
na terra e brechas de rocha.

Quando o pulso parou de escorrer, eu continuei andando.

Entrei mais profundamente na parte de trás da caverna - a parte que eu
não tinha visto quando Tobias Dawson havia me desafiado para um duelo. A
caverna estreitava em um pequeno corredor que mal era largo o suficiente para
uma pessoa se espremer através dele.

Eu fiquei diante dele e olhei para a escuridão, me perguntando o que havia
no final do arco-íris da meia-noite. Apenas uma maneira de descobrir. Eu não
podia voltar para trás, e tinha que sair.

Então dei um passo a frente na escuridão que me esperava.

***

Eu só tinha andado poucos metros no corredor quando o mundo passou do
cinza escuro para um tom tão negro como o carvão que Tobias Dawson tinha
rasgado dessa montanha. Não havia luz à frente, nada para me ajudar a ver os
perigos que aguardavam. E eu não tinha escapado do anão só para quebrar a
minha perna e acabar morrendo de fome aqui. Então, chamei a minha magia de
gelo novamente. Ela veio a mim com tanta facilidade como antes, e eu aumentei a
intensidade das chamas queimando em minhas cicatrizes da runa de aranha até
que pudesse ver bem o suficiente para caminhar. Em torno de mim, a pedra
resmungou, afiada, com raiva e mágoa de toda a agitação que tinha visto hoje.

— Desculpe, — eu murmurei para a rocha. — Eu não tenho escolha.

Minha voz bateu contra a pedra e ecoou de volta para mim. O som me fez
tremer, e eu segui em frente, usando as mãos para iluminar meu caminho. A
passagem ficou mais estreita e estreita, até que eu tive que virar de lado para
passar por ela. Mas eu continuei. Não era como se eu tivesse um monte de outras
opções. Não havia como voltar atrás. Apenas seguir em frente.

Continuando, a passagem abriu um pouco, permitindo-me passar de
frente, em vez de ter que me torcer de um lado para o outro. Mas seis metros
mais a frente, estreitou-se novamente. Eu cerrei os dentes e escorreguei de lado.

E assim continuou, às vezes, eu podia andar pelos corredores com
facilidade, mas outras, eu tinha que virar de lado encolhendo meu estômago e me
forçando através de passagens que eram pouco maiores do que meio metro. Mas

eu continuava me movendo. Apesar dos meus muitos ferimentos, do meu maxilar
quebrado e meu crânio latejante. Além do influxo estranho de magia friamente
queimando em minhas veias, eu continuei, sem parar para descansar ou dormir.
Quem sabia se um dia eu iria acordar?

Poderia haver algum gás nocivo aqui já me matando lentamente. Alguma
forma de monóxido de carbono ou algo igualmente letal. Não, eu não ousava
parar, nem para descansar, nem para chorar, nem para nada. Se Fletcher Lane
tivesse de repente saído das sombras e se oferecesse para me contar todos os
segredos que ele tinha escondido de mim, onde Bria estava e como ela era - eu
teria continuado a caminhar para descobrir a verdade.

Então eu marchei na escuridão, apenas com o brilho prateado mágico das
minhas palmas para iluminar o caminho. O tempo deixou de ter qualquer espécie
de significado. Havia apenas pedras para me orientar. Rochas afiadas picavam
meus pés. O cheiro do meu próprio sangue. E o murmúrio das pedras em torno
de mim.

À medida que fui deixando a destruição da caverna para trás, os
murmúrios das pedras tornaram-se suaves e doces, mais uma vez. Falavam da
água, do ar e da passagem lenta do tempo que tinha pouco efeito sobre elas. Após
os gritos das pedras e do gemido dos diamantes quebrados na caverna, o
murmúrio das pedras era tão calmante quanto uma canção de ninar. Mas eu
empurrei o som para o fundo da minha mente, desligando-o.

Por que se eu o escutasse, iria querer parar, mesmo que por apenas alguns
minutos, e se isso acontecesse eu estava morta.

Não sei quanto tempo eu caminhei, apenas me arrastando pela terra
escura. Minutos, horas, dias, o tempo parecia não ter fim. Mas eu tropecei livre
do corredor estreito em que estava e entrei em uma sala maior, quase tão grande
como a caverna onde os diamantes tinham estado. Eu continuei andando até o
meio da sala antes de perceber que estava andando diretamente para uma parede
de pedra pura.

Parei, pisquei, e estendi as palmas brilhantes das minhas mãos.

A passagem ramificava-se em duas direções. Esquerda e direita, dois
buracos tão escuros como todos os outros em que eu andei, rastejei e deslizei.
Mas desta vez, eu tinha que fazer uma escolha. Mas qual? E faria mesmo algum
bem? Eles tanto poderiam me levar mais longe na montanha, como de volta um
ao outro, ou mesmo me levar direto para um beco sem saída. Pelo tanto que eu
havia andado, eu poderia estar a meio caminho para a China por agora.

Mas ainda assim, eu tinha que tentar. Primeiro a direita. Desci para o
corredor direito, andei cerca de 30 metros e coloquei minha mão machucada e
sangrenta na parede de pedra. Os habituais murmúrios baixos de água, rocha e
tempo soaram de volta para mim. O mesmo som que eu tinha ouvido durante
horas. Suspirei, e virei para o caminho do corredor da esquerda. Mais uma vez,
eu coloquei minha mão sobre a pedra e ouvi suas vibrações. Água, pedra, tempo.
Nada que me dissesse qual caminho seguir.

— Porra, — eu rosnei em voz alta.

Minha maldição ecoou até o topo da caverna e saltou de volta para mim
antes reverberando através de toda a área. Eu suspirei e varri minha mão sobre o
meu rosto, manchas de sangue, sujeira e musgo mais profundas em minha pele.

Flutter-flutter. Flutter-flutter.

Eu congelei, me perguntando se estava imaginando o barulho. Se eu tinha,
de alguma forma, uma concussão e simplesmente não sabia. Talvez eu já
estivesse morta, e tudo isso fosse apenas um sonho final ou algum tipo de
purgatório antes de ser enviada para abaixo.

Flutter-flutter. Flutter-flutter.

Não, eu não estava imaginando. O barulho parecia vir de algum lugar lá em
cima. Num impulso, levantei minhas mãos sobre minha cabeça, palmas para
cima. Peguei minha magia novamente e as frias e ardentes chamas de prata nas
cicatrizes da runa de aranha em minhas palmas se intensificaram. Eu apenas
aumentei a potência da minha lanterna humana. Fiz uma careta e olhei para a
escuridão acima da minha cabeça. Parecia haver algum tipo de figura maciça
presa ao teto. Que inferno…

De repente uma forma minúscula se desprendeu do teto. Então outro,
depois outro, depois outro. Levei alguns minutos para perceber o que eram.

Morcegos, centenas deles.

Evidentemente, minha maldição retumbante havia perturbado seu sono
tranquilo. Porque todas as criaturas abandonaram seus poleiros. Eles pairavam
no ar por um momento antes de baterem a distância. Todos seguiam pelo
corredor esquerdo.

Meu coração se elevou, e eu segui atrás deles o mais rápido que pude.
Morcegos precisavam de ar, luz, insetos, água. Se eles podiam sair, então eu

também podia. Eu não me importava se houvesse apenas um pequeno buraco
suficiente para que apenas as criaturas aladas pudessem passar.

Eu encontraria uma maneira de passar meu traseiro humano por ele
também.

Naturalmente, os morcegos eram muito mais rápidos do que eu e não
tinham dificuldades pela falta de calçado adequado para espeleologia. Mas, ainda
assim, corri atrás deles tão rápido quanto o meu corpo dolorido me deixou. A
passagem fez curvas algumas vezes antes de abrir-se em uma sala redonda.
Parei na entrada e pisquei. Era minha imaginação ou era mais claro aqui? Eu
deixei cair meu domínio sobre minha magia. A zona ficou escura, e meu coração
começou a afundar novamente. Mas eu fiquei lá, esperando. E lentamente, a área
entrou em foco.

Olhei para cima, e lá estava ela. Uma abertura a cerca de 6 metros acima
da minha cabeça. O que parecia a luz do sol da manhã filtrava em meio a um
emaranhado de cipós kudzu 60 que caiam das paredes como cobras. Olhei a
abertura. Parecia ser apenas grande o suficiente para eu conseguir passar se me
apertasse muito. Não havia tempo como o presente.

Rasguei um par de pedaços do que restava do meu vestido e enrolei em
torno de minhas mãos. Então eu agarrei uma porção do kudzu e puxei. As vinhas
pareciam suficientemente fortes para suportar meu peso, então comecei a subir.

Foi difícil. Tão malditamente difícil. Ainda mais difícil do que alcançar a
minha magia de gelo para parar Tobias Dawson naqueles momentos finais na
caverna. Mas pé a pé e polegada a polegada, eu me puxei subindo nas vinhas.
Sempre que achava uma pedra que desse para apoiar o pé, parava e descansava
meus dedos frios, machucados e sangrentos. Os cipós sob o meu corpo
cheiravam vagamente a orvalho. Eu estava a meio caminho na parede, quando
senti uma brisa fria entrando pelo buraco vazio.

A carícia do ar contra o meu rosto machucado e latejante me fez querer
chorar.

Mas eu sacudi minha emoção. Agora não era o momento de me entregar
para os meus sentimentos. Eu poderia sempre escorregar e cair. Eu não ia
morrer de um pescoço quebrado. Não agora, quando o doce aroma de sol estava a
poucos metros de distância.

60 É o nome de um cipó originário do sudoeste da Ásia, Malásia e Indonésia.

Respirei fundo e comecei a subir novamente. As paredes estreitavam-se
para formar uma espécie de ponto circular em que a abertura estava. Eu ia ter
que deixar de usar os cipós kudzu, alcançar a borda do buraco, e esperarar que a
terra não se desmoronasse sob o meu peso enquanto subia.

Eu encontrei um bom ponto de apoio e descansei um momento, reunindo
minha força mais uma vez, para o tempo final. Quando me senti forte o
suficiente, eu dobrei meus joelhos, e chutei para cima, chegando a borda da
abertura. Minhas mãos tentaram pegar a borda. No último segundo, meus dedos
se fixaram em torno de outro cipó kudzu, este ancorado em algum lugar acima da
superfície.

Eu me pendurei ali no meio do ar, apoiada apenas pelos meus dedos. Neste
ponto, eu estava chorando abertamente da dor em minhas mãos, braços e
ombros. Mas de alguma forma consegui me segurar.

Deslizei uma mão acima no cipó. Em seguida, a outra. Transportando-me
para cima. Rosnados e gritos meio vomitados saíam dos meus lábios, como se
estivesse possuída por algum espírito maligno. Talvez eu estivesse.

Porque a minha vontade de sobreviver era uma coisa poderosa. Alexis
James não tinha sido capaz de me superar. Nem Tobias Dawson. Eu não ia
deixar alguns úmidos, cipós kudzu escorregadios me pararem agora. Então eu
fiquei lá e avancei de meu jeito, como uma aranha escalando sua própria teia.

Finalmente, a minha mão direita alcançou o ar claro. Eu coloquei-me sobre
a borda da abertura, testando o chão.

Pedra sólida, mais do que firme o suficiente para me apoiar. Eu me joguei
para cima e consegui alcançar o meu cotovelo direito para cima e para fora do
buraco. Em seguida, o outro. Respirei fundo e me forcei completamente para
cima. Minha cabeça abriu o emaranhado de cipós que cobriam a abertura, e a luz
do sol de manhã cedo verteu sobre o meu rosto, cegando-me. Fechei os olhos e
acolhi o seu calor, embora ainda fosse fraco.

E com uma explosão final de força, eu me joguei para cima e para o
amanhecer.

Capítulo 32

Eu me arrastei de lado para longe do buraco em minhas mãos e joelhos.
Consegui avançar 6 metros antes do resto da minha força ceder, e caí de cabeça
no chão. Por um longo tempo, eu só deitei lá no chão da floresta inspirando o
cheiro de terra das folhas que formavam um cobertor crepitante e áspero debaixo
de mim. Havia ruído de gorjeio acima da minha cabeça. Mais morcegos?

Não, eu percebi depois de um momento. Pássaros. Os pássaros estavam
cantando. O que significava que eu tinha definitivamente, finalmente, escapado
do meu labirinto subterrâneo.

Um sorriso se estendeu pelo meu rosto espancado. Eu deixei ir, e o mundo
se desvaneceu em preto.

***

Algum tempo depois, acordei na mesma posição que tinha estado quando
desmoronei. Uma bochecha plantada no solo. Braços e pernas espalhados em
ângulos estranhos, pesados e dormentes. Tentei ficar de joelhos e imediatamente
gemi conforme dor preenchia cada parte do meu corpo.

Porra. Doía estar viva.

De alguma forma eu consegui rolar sobre minhas costas enquanto
formigamentos de dor disparavam por meus membros. Uma árvore de bordo
espalhava seus galhos sobre minha cabeça, oferecendo um pouco de sombra. O
sol estava alto no céu agora. Parecia que era por volta do meio-dia. Uma vez que
meus braços e pernas pararam de queimar com dor, levantei minha cabeça e
estudei meus arredores. Eu estava no meio de um matagal de árvores. Bordos,
pinheiros, choupos, e muito mais me ladeavam como soldados. Moitas de
rododendro e trechos de arbustos com espinhos serpenteavam por entre as
árvores, como cordas de luzes verdes e marrons de Natal.

Eu suspirei. Embora quisesse fazer nada mais do que ficar aqui e dormir
pelos próximos três dias, eu sabia que tinha de me mover. Eu não sabia onde
diabos estava, o que significava que os outros não tinham chance de me
encontrar. Eles provavelmente pensavam que eu já estava morta, presa sob a
terra com Tobias Dawson e seus dois gigantes.

Sorri. Eu apreciaria voltar do túmulo só para ver o olhar no rosto de Finn.

Levei algum tempo, mas me apoiei sobre os cotovelos, então me sentei.
Levei ainda mais tempo para ficar de joelhos, então de pé. Olhei ao redor da
clareira onde eu havia emergido da terra e encontrei um pedaço de madeira
caída. Usando-o como uma espécie de bengala, eu manquei em frente.

Dor pulsou pelo meu corpo a cada passo. Eu tinha cortado meus pés
gravemente sobre as rochas no interior da montanha, e os arbustos com
espinhos, amoras, e os gravetos que cobriam o terreno não ajudavam. Mas eu
tropecei em frente.

Não sei quanto tempo andei, uma hora, talvez duas, mas eventualmente,
cheguei a um pequeno riacho. Talvez fosse o que corria sobre a caverna. Eu não
sabia, e realmente não me importava. Eu me abaixei em uma das rochas e
mergulhei os pés na água. Fria como gelo, mas parecia o céu nos meus pés e
tornozelos inchados. Engoli vários bocados da água e lavei as mãos e o rosto da
melhor maneira possível. Tive o cuidado de deixar uma parte do meu corpo secar
antes de me mover para a próxima. Eu não queria ficar com hipotermia do
choque da água fria.

Mas a umidade fria ajudou a me reviver - e me fez perceber exatamente
com quanta fodida dor eu estava. Cada parte de mim doía, mas as áreas
verdadeiramente problemáticas eram a minha mandíbula quebrada, crânio
dolorido, e mãos, joelhos e pés ralados, machucados, ensanguentados. Jo-Jo
Deveraux ia ter sérios problemas quando começasse a me curar.

O pensamento me fez sorrir, o que se transformou em uma careta quando
os músculos da minha mandíbula gritaram de dor.

Uma vez que me senti forte e seca o suficiente, usei minha bengala para me
empurrar de pé e seguir me arrastando. Andei cerca de trinta minutos, quando
me deparei com o que pareciam ser dois sulcos feitos por um carro no meio da
floresta. Franzi as sobrancelhas. Será que alguém tinha uma casa aqui em cima?
Isso poderia ser bom ou ruim. Bom, se eles estivessem fora e tivessem um
telefone. Ruim, se eles estivessem em casa e tivessem uma visão clara de mim.

Mas eu pisei na trilha lisa e me dirigi a esquerda, subindo para o que quer
que pudesse estar no topo desta subida. Eu fiz todo o caminho até a clareira
antes de perceber onde eu estava - na estrada de acesso que dava para a mina de
carvão de Tobias Dawson. Eu ainda podia ver as marcas de pneus na lama de
onde Donovan Caine e eu tínhamos dirigido até aqui na noite em que invadimos o
escritório do anão. Inferno, eu provavelmente estava em pé por volta do mesmo
local que estive quando tirei a roupa para o detetive.

Ironia. Que vadia fodida.

Eu balancei a cabeça e marchei em direção à borda do cume. Ruído subia
para mim da bacia abaixo.

Homens gritando uns para os outros, juntamente com a moagem de
máquinas pesadas. Eu manquei mais perto da borda do cume e encarei para
baixo. Não estava particularmente surpresa com a debandada de atividade.
Homens e mulheres, a maioria bombeiros, policiais e outros funcionários de
resgate, espreitavam para frente e para trás no chão rochoso abaixo de mim.
Alguns deles tinham conduzido os seus veículos na bacia, e as luzes vermelhas e
azuis giravam e giravam. As sirenes tinham sido há muito tempo desligadas, no
entanto. As pessoas ficavam juntas em pequenos grupos conversando entre si,
mas principalmente o que faziam era encarar a mina diante delas.

Ou o que restava dela.

A parede direita da bacia, que tinha sido tão alta e forte como as outras,
tinha desmoronado em si mesma, como um pedaço de papel alumínio barato. A
entrada para a mina de carvão e o segundo e menor eixo, o que levava aos
diamantes, tinham sido completamente obliterados. Sujeira tinha derramado
centenas de metros fora da abertura original, enterrando as trilha de metal que
levavam no interior da mina. Todo o lado da bacia parecia um castelo de areia
que alguém tinha chutado.

Eu. Eu tinha sido quem tinha dado o chute. Eu usei a minha magia para
escapar de Tobias Dawson, e desmoronei metade da montanha no processo. Eu
sempre achei que Jo-Jo Deveraux estivesse me enganando quando alegava que
eu tinha mais magia de Pedra do que qualquer um que ela já tinha visto. Que ela
estava apenas fingindo quando dizia que eu era ainda mais poderosa do que ela.
Mas enquanto eu encarava a montanha despedaçada, realmente,
verdadeiramente, comecei a acreditar nela.

O pensamento fez meu estômago apertar.

— Droga, — eu sussurrei.

Por um momento, outra imagem brilhou diante dos meus olhos.

A casca arruinada, desmoronada do meu próprio lar de infância.

Eu usei a minha magia para destruí-la também, para trazer todas as
pedras abaixo, para tentar salvar a mim mesma e a Bria. Eu balancei minha
cabeça, e a imagem desapareceu. Mas o aperto no meu estômago não foi embora.

Olhei para baixo e percebi que minhas mãos estavam brilhando novamente.
As cicatrizes de runa de aranha sobre minhas palmas queimavam com chamas
prata, geladas mais uma vez - mesmo que eu não estivesse conscientemente me
agarrando a minha magia. Enrolei minhas mãos em punhos e desejei que a luz, a
magia, se afastassem. Depois de um momento, as chamas morreram,
desaparecendo de volta para as cicatrizes como se o silverstone na minha carne
fosse de algum modo a fonte de seu poder. Eu não conseguia parar de encarar as
minhas palmas.

Era minha imaginação ou as cicatrizes de runa de aranha tinham se
tornado mais pronunciadas? Por alguma razão, eles pareciam como pura prata
nadando na minha carne agora, em vez das cicatrizes mais pálidas que tinham
sido antes. Eu esfreguei minha cabeça dolorida.

Algo para me preocupar mais tarde. Muito mais tarde.

Concentrei-me na bacia mais uma vez, meus olhos sacudindo sobre as
muitas figuras abaixo. Apesar da multidão, não demorou muito para encontrá-lo
- Donovan Caine. O detetive estava perto da entrada da mina, olhando para o que
parecia um mapa aberto sobre o capô de uma caminhonete. Provavelmente um
mapa da própria mina de carvão. Um capacete branco cobria a cabeça do detetive
e lançava seus traços na sombra, junto com os do homem ao seu lado. Mas eu o
reconheci também. Owen Grayson.

Franzi o cenho. Por que Owen Grayson estaria aqui? Então eu me lembrei.
Ele estava na mineração assim como Dawson tinha estado. Com o anão enterrado
debaixo da montanha, Grayson era a coisa mais próxima de um perito que a
cidade de Ashland tinha sido capaz de encontrar. Atrás dos dois homens, várias
escavadeiras e retroescavadeiras moviam terra para fora do caminho. Tobias
Dawson estava morto. Eles deveriam ter economizado seu combustível.

Eu fiquei lá no cume e encarei Donovan, bebendo a vista do elegante,
resistente detetive. Depois que isto estivesse terminado, depois que eu estivesse
curada, ele e eu teríamos uma longa conversa - sobre nós. Porque eu queria o
detetive e ele me queria também - e eu estava cansada de sua moral, sua culpa
sobre querer estar comigo, ficando no caminho daquilo que poderíamos ter
juntos.

Embora eu estivesse a milhares de pés de distância, Donovan Caine de
alguma forma sentiu o meu olhar fixo, do modo como as pessoas sentem quando
você olha para elas longo e duro o suficiente. Sua cabeça virou à direita, depois à
esquerda, tentando encontrar a fonte de sua inquietação. Ele disse alguma coisa
para Grayson e se dirigiu em minha direção. Donovan continuou olhando à
direita e à esquerda para todo mundo que passava. Eu pisei mais longe para a
borda do cume, assim ele poderia esperançosamente me ver. O detetive voltou
através da massa de pessoas e máquinas.

Depois de um momento, Owen Grayson o seguiu. Provavelmente curioso
para saber o que o detetive estava fazendo.

Donovan Caine estava a meio caminho através da bacia na minha direção
quando parou e, finalmente, olhou para cima. Nossos olhos se encontraram e se
prenderam através da distância. Cinza em ouro. Owen Grayson chegou a seu
lado e seguiu a linha de visão do detetive.

Ele me avistou também. Ele na verdade sorriu.

Pelo menos alguém estava feliz em me ver, porque Donovan Caine não
estava. Ele inclinou seu capacete para trás, e avistei o franzido em seu rosto. A
visão, sua falta de felicidade ou mesmo algum alívio, me cortou mais do que as
rochas que haviam cortado meus pés.

Concentrei-me em Donovan Caine e levantei a minha mão sangrenta em
saudação. O detetive ficou lá por alguns segundos - imóvel. Então ele se virou e
disse algo para Grayson, que franziu a testa e acenou com a cabeça. Grayson
andou alguns metros para longe e tirou um telefone celular. Ele apertou um
número e falou com alguém, ainda olhando para mim.

Grayson terminou a sua ligação e disse algo para Donovan, que acenou de
volta. Em seguida, o detetive se virou e caminhou em direção à entrada da mina
desmoronada. Ele nem sequer olhou de novo para mim.

E isso fodidamente doeu.

Donovan virando as costas para mim doeu muito pior do que qualquer
coisa que Tobias Dawson tinha feito para mim na mina de carvão. Ou qualquer
outra coisa que eu tinha suportado nestas últimas poucas horas.

Mas eu não tive tempo para me concentrar na severa reação do detetive por
causa de Owen Grayson.

Grayson não ficou onde estava, mas ele não voltou tampouco. Em vez
disso, ele se aproximou de mim, olhando sobre seu ombro de vez em quando para
se certificar de que ninguém estava muito interessado em seu paradeiro. Ele
parou perto da parte inferior do cume onde eu estava de pé, perto o suficiente
agora que eu podia ver o sorriso que se estendeu através do seu rosto.

Muito ruim que o sorriso estava no rosto do homem errado.

Mas o que era ainda mais curioso foi o fato de que Grayson começou a
escalar até o cume. Eu pisei fora da borda e manquei de volta para a clareira. Eu
não queria ninguém me vendo no meu estado atual - ou adivinhando onde eu
estive. Deixe-os pensar que Owen Grayson queria uma melhor visão do desastre
que eu causei. Mas não havia nada que pudesse fazer sobre Grayson agora, então
me sentei na terra nua e me inclinei contra uma árvore. Esperando.

Não demorou muito para ele escalar até o cume. Ele nem se incomodou em
limpar a lama e as folhas fora de seus jeans. Em vez disso, ele veio direto para
mim e parou, os olhos violeta sacudindo para cima e para baixo do meu corpo,
avaliando minhas lesões.

— Você parece como se tivesse ido ao inferno e voltado, — ele murmurou.

Eu quase consegui dar um sorriso. — Você poderia dizer isso.

Grayson tirou sua jaqueta de couro e cuidadosamente a envolveu sobre
meu peito. Seu perfume subiu para mim - esse aroma rico, de terra que me fazia
pensar em metal.

— Posso fazer alguma coisa por você? — Perguntou ele. — O detetive me
pediu para ligar para seu amigo Finnegan Lane. Eu tive uma conversa bastante
interessante com ele na festa de Mab Monroe na noite passada. Eu não acho que

o Sr. Lane acreditou em mim quando eu disse a ele que você estava de pé no
cume acima da mina de carvão. Ele me chamou de bastardo cruel, mentiroso,
mas disse que estava a caminho. E que se eu estivesse mentindo, ele me bateria
até a morte com as mãos nuas.

— Finn provavelmente estava apenas chateado. Ele tende a ser emocional
em tempos de crise.

— E o que você faz em tempos de crise, Gin? — Grayson perguntou.

Eu o encarei. — Eu sobrevivo.

Um sorriso se espalhou pelo seu rosto, e emoções brilharam em seus olhos.
Admiração misturada com diversão. Uma expressão que eu nunca tinha visto no
olhar dourado de Donovan Caine.

— Donovan disse mais qualquer coisa para você lá em baixo na bacia?
Qualquer coisa mesmo?

O rosto de Grayson se fechou. — Nada importante.

Sua voz era tão gentil, com tanta pena, que isso me fez querer apunhalá-lo
com a minha bengala. Eu odiava que sentissem pena de mim.

— Donovan não estava feliz de me ver, estava? Ele pensou que eu tivesse
morrido naquela mina com Tobias Dawson e os outros, e estava feliz com isso.
Ou, pelo menos, aliviado. — Meu coração torceu quando eu disse as palavras,
mas eu sabia que elas eram verdadeiras.

Essa era a única maneira de explicar a reação fria do detetive para mim. —
Ele não quer que eu esteja viva. Não realmente.

Owen Grayson deu de ombros. — Eu não sei o que o Detetive Donovan
Caine pensa ou quer, mas eu considero que ele é um enorme idiota.

— Por que isso?

Ele me encarou. — Porque ele está lá embaixo procurando por Dawson, e
eu estou aqui em cima com você.

Eu não disse nada. Minhas emoções estavam cruas demais, frescas demais
para isso. Owen Grayson abriu a boca de novo, mas o som do motor de um carro
o interrompeu. Ele ficou de pé.

— Eu acho que seu amigo Finn está aqui, — ele murmurou.

Grayson estendeu a mão para mim, mas eu não a tomei.

Em vez disso, me ergui em meus pés, usando a minha bengala bruta por
apoio.

— Você sabe que pode se apoiar em mim se precisar.

Eu balancei minha cabeça. — Não é preciso. Eu estou bem.

Novamente aquele sorriso pequeno torceu seus lábios. — Eu acho que sua
definição da palavra ‘bem’ precisa de uma séria inspeção.

O som do motor ficou mais alto. Quem quer que fosse, eles estavam com
pressa. Alguns segundos depois, o Cadillac Escalade de Finn estourou por entre
as árvores e derrapou até uma parada à nossa frente. Os pneus viraram e
jogaram lama por toda a parte em mim e Owen Grayson. Eu fiz uma careta. Um
insulto final sobre o que tinha sido um inferno de uma noite.

As portas da SUV abriram. Finnegan Lane saiu primeiro. Seus olhos verdes
me varreram, como se não pudesse acreditar no que estava vendo. As outras
portas se abriram e Jo-Jo Deveraux saiu do carro. O mesmo fez Sophia. Os três
ficaram de pé ali perto do veículo apenas me encarando.

Finn parecia boquiaberto, radiante e atordoado ao mesmo tempo. Jo-Jo
tinha um olhar pensativo, conhecedor em seus olhos pálidos que eu não gostei. E
Sophia, bem, a anã Goth estava na verdade sorrindo para mim - tanto quanto ela
jamais sorriu para alguém.

— Vocês caras sentiram minha falta? — Eu resmunguei.

Capítulo 33

Houve muitos abraços e choros. Finn deu a maior parte dos abraços,
gentilmente colocando os braços em volta de mim e apertando tão forte quanto
ousava. Jo-Jo fez a parte do choro.

Lágrimas desciam pelo rosto da anã como se seus olhos fossem o epicentro
de uma cachoeira. Elas rapidamente dominaram a máscara à prova d’água.
Sophia permaneceu estoica como sempre.

— Como você saiu da montanha? — Finn perguntou.

Seus olhos verdes continuavam percorrendo meu corpo como se ele ainda
não tivesse certeza de que eu estava viva.

Eu abri minha boca para responder quando Jo-Jo me interrompeu.

— Depois. — a anã disse. — Olhe para essa pobre garota. Nós precisamos
leva-la de volta para o Warren para que eu possa começar a trabalhar nela. Agora
mesmo. Sophia, se me permite, por favor.

A anã gótica veio até mim e me recolheu.

O toque dela era mais gentil do que eu tinha imaginado, e ela me segurava
como se eu fosse uma estátua de cristal delicada que ela tivesse medo de
quebrar.

— Eu sei andar, — protestei com uma voz fraca. — Fiz isso o último dia e
noite.

— E é por isso que você vai descansar agora. — Jo-Jo disse.

— Você vai precisar de toda sua energia quando eu começar a te curar. Pois
não vai ser bom, querida. Principalmente seu rosto.

Sophia andou a passos largos até o veiculo. Jo-Jo abriu a porta de trás
para ela. Owen Grayson andou até lá e deteve a anã gótica antes que ela me
colocasse lá dentro.

— Eu também gostaria de saber como você saiu da montanha, — ele disse.
— Talvez você gostaria de me contar alguma noite ao jantar.

Pensei em Donovan Caine e no jeito que ele virou as costas para mim. Eu
não tinha certeza de como me sentia sobre o detetive no momento, muito menos
sobre alguém novo como Owen Grayson. Mas pensei no jeito com que Grayson
olhou para mim – abertamente, diretamente, sem uma gota de julgamento em
seus olhos violeta.

— Talvez.

— Você tem meu número. — Grayson respondeu.

Eu bufei. — Oh, sim, tenho.

— Eu vou te ver, Gin. Em breve, se conseguir o que quero.

Eu pensei na promessa confiante em seu tom de voz – e o estranho
punhado de ansiedade que isso remexeu em mim. O pensamento cruzou minha
mente que talvez fosse... legal ser conquistada, só para ser... querida, sem
nenhuma culpa ou relações ou morais. De qualquer forma, eu sabia que as
coisas com Owen ainda não estavam perto de terminar. O que quer que fosse
esse seu interesse em mim, isso não ia passar tão cedo.

Ele me deu outro sorriso antes de Sophia me por na traseira do Cadillac, e
nossos olhares se travaram. Cinza no violeta. Oh, sim, eu pensei, encarando ele
através do vidro tingido.

Owen Grayson era definitivamente alguém que valia a pena observar.

***

Finn dirigiu devagar, mas ainda era uma viagem irregular pela estrada de
acesso. Cada sacudida fazia meus ossos chacoalharem. Agora que eu estava
entre amigos, eu podia baixar minha guarda, largar aquela vontade fria e dura
que eu mantive por tanto tempo. E isso fez tudo doer muito mais. Eu devo ter
apagado porque depois percebi que eu estava deitada sobre um balcão na frente
da loja Country Daze.

— O que estamos fazendo aqui? — Eu murmurei, encarando o ventilador
de teto girando sobre minha cabeça.

O rosto de Jo-Jo pairou sobre o meu.

— Porque quando você desmoronou a montanha, isso criou uma fossa
gigantesca lá fora. Já está cheia de água. Ainda não atingiu a casa, mas pode
atingir. Então te trouxe para a loja onde era mais seguro. Agora, relaxe, Gin, o
máximo que puder. Pois isso vai doer.

Os olhos de Jo-Jo brilharam brancos, e o seu poder de Ar rolou para fora
dela como ondas invisíveis. A anã pôs a mão contra a minha testa. A dor quente
de sua magia me preencheu, e eu não soube de mais nada.

***

Da próxima vez que acordei, estava deitada em uma cama que não era a
minha. Eu me sentia melhor, mas cansada até os ossos ao mesmo tempo, o que
me disse que meu corpo ainda estava se recuperando do trauma que passei e por
ser atingida pela magia de Ar curadora de Jo-Jo. Eu estremeci em pensar em
quanto a anã tinha precisado usar para me curar. Mas enquanto eu estive
consciente, alguém me deu banho e me vestiu com uma calça de moletom muito
larga, uma camisa de mangas longas combinando e meias grossas.

Eu afastei o cobertor de cima de mim, fiquei de pé, e tropecei até o
aparador no canto. Olhei para o meu reflexo no espelho. Eu parecia a mesma de
sempre, cabelo escuro castanho chocolate, olhos cinza, pele clara, algumas
sardas no nariz e nas bochechas. Mexi meu maxilar. Perfeito como sempre, e
todos os meus dentes soltos estavam presos mais uma vez. Por mais terrível que
eu estivesse quando saí da montanha, Jo-Jo Deveraux tinha me curado – curado
totalmente.

Eu tinha que pedir a Finn para dar à anã um bônus pelo enorme esforço
dessa vez.

Abri a porta do quarto e olhei em volta.

Eu estava no andar de cima da casa dos Fox, pela visão de todas as
imagens de Warren, Violet, e o resto da família nas paredes. Eu fui para a direita
e desci uma escada estreita. Eu tinha acabado de pisar no chão quando algo
brilhante do lado de fora da janela chamou minha atenção.

O pequeno afluente que corria pela casa dos Fox e pela reserva da cidade
tinha se transformado num grande lago. Ele se estendia por uns quatrocentos
metros, e acabava em um declive no chão.

Provavelmente exatamente sobre o lugar onde a caverna com diamantes
estava. O lago era mais um sinal de como minha magia tinha alterado o terreno,
de como eu tinha feito essa coisa sem ao menos pensar nas consequências.

— Droga. — sussurrei.

Balancei a cabeça e desci as escadas. Vozes suaves se espalhavam pelo
local, então foi para onde eu me dirigi.

— ... não acredito na quantidade de poder que ela usou, quanta magia ela
foi capaz de usar.

Eu parei onde estava no corredor. Jo-Jo estava falando – sobre mim.

— Eu mesmo não teria acreditado se eu não tivesse sentido, — Warren T.
Fox respondeu com sua voz alta e débil. — Parecia que a montanha inteira estava
se rasgando em duas. Pior que um terremoto.

— Gin só está agora chegando ao total de seu poder, — Jo-Jo respondeu. —
Ela só vai ficar mais forte.

— Eu odiaria estar com ela de mau humor, — Warren murmurou.

Eu esperei no corredor, mas os dois não disseram mais nada. Então eu
entrei no recinto em que eles estavam sentados. Os dois olharam para mim.
Sophia e Finn não estavam para ser encontrados, e Violet provavelmente ainda
estava na casa de Eva. A televisão piscava na frente de Warren e Jo-Jo,
mostrando cenas da mina destruída, apesar de estar sem som.

— Sentindo-se melhor? — Jo-Jo perguntou. Eu dei de ombros.

— Um pouco. Mas ainda estou cansada.

— Você vai ficar. — A anã respondeu. — Precisei de um bom tempo para te
consertar desta vez. O que quer que você tenha feito naquela mina, isso custou
um preço.

Eu não respondi. Em vez disso, olhei para Warren.

— Tenho certeza de que você já adivinhou, mas Tobias Dawson está morto.
E também dois de seus gigantes. Ele não vai te incomodar mais.

O velho homem concordou com a cabeça e se balançou para frente e para
tras em sua poltrona.

— Eu imaginei isso.

— O que aconteceu lá embaixo, Gin? — Jo-Jo perguntou. — Na mina.

Sentei no sofá e coloquei os pés debaixo do meu corpo.

— Dawson me apagou na festa de Mab Monroe. Ele de alguma forma
reconheceu minha magia. Quando eu acordei, eu estava na mina com o anão e
dois gigantes. Nós estávamos nesta caverna, esta bela caverna. É lá que os
diamantes estavam, centenas deles nas paredes de pedra como pequenas
lâmpadas. Dawson me bateu. Ele queria saber se Warren havia me contratado
para matá-lo. As coisas comuns.

— O que você disse? — Warren perguntou. Eu sorri.

— Eu disse a ele que estava trabalhando para Mab Monroe. Que ela o
queria morto.

Alguma coisa brilhou nos olhos de Jo-Jo, mas ela mascarou a emoção
antes que eu pudesse descobrir o que era.

— E aí o que aconteceu? — Jo-Jo perguntou. Dei de ombros.

— Pensei que não ia sair de lá viva e que eu poderia levar Dawson e seus
valentões comigo. Então eu usei minha magia da Pedra e do Gelo para destruir o
teto. É por isso que ele precisava de sua terra, Warren. A caverna estava bem
debaixo do afluente, e o teto era muito frágil para ele continuar minando os
diamantes sem você saber disso.

Warren concordou.

— Depois que a poeira baixou, eu ainda estava viva, e eles não. Então eu
procurei por um caminho para sair da caverna, e encontrei um. Fim da história.

Não contei a Jo-Jo sobre minhas mãos, sobre o fato de que eu parecia ter
mais magia do Gelo agora do que antes.

Que eu podia sentir o poder frio agitando em minhas veias. Haveria tempo
suficiente para isso depois. Depois que eu descobrisse sozinha se isso era só um
acaso.

Joguei minha mão na direção da televisão.

— O que eles estão dizendo?

Warren apertou o controle remoto, e o som surgiu.

— Estão dizendo que foi um terremoto. Que Dawson e seus homens
estavam fazendo uma inspeção noturna e ficaram presos lá dentro. Ainda estão
escavando para acha-los, apesar de todos saberem que já estão mortos a essa
altura.

Pensei na mão pálida de Dawson se esticando do monte de terra e pedras –
e o jeito que eu cortei o pulso do anão só para ter certeza.

— É, Dawson está morto e enterrado.

— Estou feliz que você não acabou do mesmo jeito. — Warren disse.

Eu encarei os escombros na televisão. O som de terra ressoando e o som
agudo das pedras tocou em meus ouvidos.

— Eu também.

Jo-Jo foi chamar Finn e Sophia e dizer a eles que eu estava finalmente
acordada, me deixando sozinha na sala com Warren.

O velho se levantou da poltrona, seus ossos estalando, e desapareceu. Eu
assisti às notícias do desastre da mina.

Warren voltou um minuto depois carregando uma pequena moldura. Ele
olhou para ela por um momento, depois a colocou em minhas mãos.

— Aqui. Sei que não posso te pagar pelo que fez com Dawson e tudo o que
você sofreu. Mas gostaria de te dar algo, e achei que você poderia querer isso.

Olhei para a foto. Uma fina camada de pó cobria a imagem, que eu limpei
com a ponta da camiseta.

A foto devia ter sido colorida em algum tempo, mas ela desvaneceu com o
tempo para um amarelo embaçado. Dois rapazes, mais para adolescentes,
olhavam para mim. O mais baixo obviamente era Warren T. Fox. Ele encarava a
câmera com uma expressão séria, como se não gostasse de tirar fotos. O outro
homem era Fletcher, cujo grande sorriso compensava a falta do sorriso de
Warren. Os dois usavam camisas do trabalho e aventais. Varas de pescar e caixas
de equipamentos estavam a seus pés, junto com uma linha de pesca. Árvores
cercavam a área atrás deles.

— Você e Fletcher? — Perguntei.

Warren se ajeitou na poltrona e começou a se balançar de novo.

— Sim. Tirada alguns meses antes de ele começar o Pork Pit. A última foto
que tiramos juntos.

— Não quer ficar com ela então?

Warren deu de ombros.

— Não preciso de uma foto para me lembrar de Fletcher. Nunca precisei.

Ele olhou para a televisão, mas eu ainda conseguia ver a umidade em seus
olhos escuros. Naquele momento, eu soube que Warren sentia falta de Fletcher
Lane assim como eu sentia, mesmo que ele nunca admitisse. E eu soube que a
foto era uma de suas posses estimadas. Porque era um símbolo de sua amizade,
de sua infância juntos, e todos os bons momentos e esperanças e sonhos que eles
compartilharam.

Eu tinha fotos de Fletcher, mas nenhuma como essa. Nenhuma que
mostrasse ele sendo tão natural e despreocupado. Nenhuma que mostrasse ele
como ele realmente era, sem a máscara calma que ele apresentava a tantas
pessoas, inclusive a mim, ao longo dos anos.

Pela primeira vez, eu senti que estava vendo o real Fletcher Lane.

E agora Warren estava me dando a foto. Seu gesto me tocou de uma forma
que nada tinha feito por um bom tempo. Eu posso ter sido uma assassina por
dezessete anos, posso ter matado muitas pessoas, mas ajudar Warren e Violet
Fox foi definitivamente uma das melhores coisas que eu já fiz.

— Tudo bem, — eu disse. — Tem um lugar vazio na parede do Pork Pit.
Acho que vai ficar ótima lá.

Warren concordou. Eu andei até ele, e beijei sua bochecha enrugada. Ele
cheirava a Old Spice 61 e menta.

— Obrigada por isso.

Ele não olhou para mim, mas um rubor cresceu do lado de seu pescoço.

— Não é nada.

— Não. — Eu disse numa voz baixa, olhando para o rosto sorridente de
Fletcher. — É tudo para mim.

***

Desconcertado, Warren deu uma desculpa sobre checar a loja, me deixando
sozinha na sala. Eu fiquei sentada olhando a foto dele e Fletcher até Jo-Jo
Deveraux voltar.

— O que é isso? — Ela perguntou.

Eu mostrei a foto para ela.

— Legal da parte dele te dar, — a anã respondeu, sentando no sofá.

— É, foi mesmo.

Não falamos por um momento. Finalmente, Jo-Jo quebrou o silêncio.

— Quer falar sobre isso? — Ela perguntou com uma voz suave. — Sobre o
que aconteceu na montanha? Sobre sua magia? Sobre como você está mais forte
agora?

Minha cabeça estalou.

— Como você sabe disso?

61 Old Spice é uma marca de produtos corporais para homens.

Os olhos pálidos dela eram velhos e sábios em seu rosto maquiado.

— Eu pude sentir quando estava te curando. Sua magia do Gelo, ela está
mais forte agora, não está?

Suspirei e falei para ela o que aconteceu na caverna.

Sobre como eu havia sentido algo dentro de mim e o fato de as cicatrizes de
aranha em minhas mãos brilharem mais do que uma lanterna. Eu até fiz uma
demonstração.

Jo-Jo se inclinou e estudou minhas mãos prateadas. Então ela meneou a
cabeça e se sentou no sofá.

— Então, o que aconteceu comigo? É temporário? Permanente? Eu quebrei
minha magia ou algo assim?

Jo-Jo gargalhou.

— Nada disso, Gin. Mas sim, eu acredito que seja permanente, — ela me
deu um olhar firme. — Você já se perguntou por que sua magia da Pedra é muito
mais forte que seu poder do Gelo?

Dei de ombros.

— Na verdade não. É raro o bastante ser capaz de controlar dois elementos.
Eu sempre presumi que minha magia do Gelo simplesmente era mais fraca.

Jo-Jo balançou a cabeça.

— Não, querida, sua magia do Gelo não é mais fraca. Só estava contida –
até agora.

Eu franzi as sobrancelhas.

— Como?

Ela acenou com a cabeça para minhas mãos.

— Pelo silverstone em suas mãos. Você sabe tanto quanto eu que o
silverstone é um metal mágico, que pode conter e absorver magia elementar.

— E daí?

— Daí que o silverstone também pode bloquear a magia. No seu caso, o
metal em suas mãos te impediu de perceber completamente seu potencial do
Gelo.

— Não entendo.

Jo-Jo pôs os pés sobre a mesa de café. Ela estava descalça, as unhas
pintadas de rosa, como sempre.

— Você sabe que há muita dualidade na magia elementar. Muitos prós e
contras entre os quatro elementos. Agora, Pedra está mais para uma magia
interna. Você não tem que fazer nada para ouvir as vibrações das rochas à sua
volta. Ar é do mesmo jeito. Mas Fogo e Gelo são diferentes. A maioria dos
elementares liberam esses dois tipos de magia pelas mãos. É mais fácil e mais
rápido formar uma bola de fogo em sua mão do que atirar dos olhos ou da bunda.

Eu sorri com os exemplos interessantes.

— Mas você tinha silverstone derretido em suas mãos. Então, de certa
forma, o metal abafava sua magia do Gelo toda vez que você tentava liberá-la de
suas mãos. Como um gargalo. Faz sentido?

Pensei em todas as vezes que formei um cubo ou um par de pedras de gelo.
Jo-Jo estava certa. Eu quase sempre usei as minhas mãos para fazer essas
coisas, mas a maior parte do tempo quando eu usava minha magia da Pedra para
endurecer minha pele, o poder quase sempre vinha de dentro.

— Acho que entendi agora. Mas como eu fui capaz de usar tanta magia de
Gelo na caverna se o silverstone estava bloqueando?

Jo-Jo me encarou.

— Porque você finalmente trouxe o suficiente de sua magia de Gelo à tona
para subjugar o silverstone. Você atingiu o metal, quebrou aquela barreira. Sua
magia do Gelo sempre foi tão forte quanto sua magia de Pedra, Gin. Agora,
finalmente subiu à superfície onde você pode usá-la. É por isso que suas
cicatrizes de aranha parecem mais brilhantes, mais com uma cor prateada agora.
Porque sua magia do Gelo está bem aí esperando que você a use. Pois seu poder
está no silverstone agora, ao invés de ser bloqueado por ele.

— Você sabia, não é? — Perguntei. — Você sabia o tempo todo por que
minha magia do Gelo era mais fraca. Por que não me contou?

— Porque você tinha que atravessar o silverstone sozinha — Jo-Jo disse. —
Eu não podia fazer isso por você.

Eu sentei e olhei para as cicatrizes iguais que decoravam as palmas das
minhas mãos. Um pequeno círculo cercado por oito finos raios. Um em cada mão.
Uma runa de aranha. O símbolo da paciência.

— Você só vai ficar mais forte agora, Gin — Jo-Jo disse num tom de voz
quieto. — Um dia em breve, você vai ser a Elemental mais forte de Ashland. Mais
forte até do que Mab Monroe.

Mais forte que Mab? Eu não sabia se isso era uma boa coisa, já que os
elementares do Fogo só usavam seu poder para a destruição. Mab só usava sua
magia para matar, machucar, e queimar qualquer um que ficasse em seu
caminho. Eu posso ter sido uma assassina, mas eu não queria ser como ela. Não
agora, nem nunca.

Fechei as mãos em punhos, escondendo as cicatrizes de vista, e tentei
ignorar o tremor que atingiu meu corpo.

***

Eu passei o resto da noite na casa dos Fox, descansando, e Finn veio me
buscar no dia seguinte antes do meio-dia, como era seu estilo. Eu estava sentada
na varanda da frente do Country Daze com algumas roupas emprestadas de
Violet Fox quando ele estacionou seu Cadillac Escalade. Eu já tinha me
despedido de Warren T. Fox, que ainda estava lá dentro com Jo-Jo Deveraux.
Sophia ia chegar mais tarde para pegar sua irmã mais velha, que queria passar
mais algumas horas fofocando com Warren.

Finn saiu do carro e andou até mim. Ele deslizou os óculos para baixo para
que pudesse olhar por cima das lentes.

— Bela roupa.

— Legal te ver também, Finn — respondi em um tom irônico.

Mas de qualquer forma levantei e abracei meu irmão adotado. Ele me
abraçou de volta o mais forte que podia.

— Pronta para ir embora? — Finn perguntou.

Eu olhei para a placa montada sobre a porta da frente. Country Daze. É,
atordoado 62 era uma forma de chamar tudo que passei nos últimos dias. Eu olhei
para a placa brilhante por mais um momento, então me virei e sorri para Finn.

— Vamos. Me leve para casa. Me leve para Pork Pit.

62 Do original ‘Daze’ que significa estar atordoado, em um torpor. Ela faz um trocadilho com o nome da loja.

Capítulo 34

O incidente na mina de carvão se desenrolou durante a semana
seguinte. Pessoas trabalhavam dia e noite todos os dias, cavando, movendo e
transportando terra e pedra fora do caminho antes de finalmente recuperarem o
corpo de Tobias Dawson, juntamente com os de seus dois funcionários gigantes.
O legista disse que ambos os gigantes e Dawson morreram de traumatismo
fechado 63.

Yeah, o desabamento tinha eliminado os gigantes, mas Dawson tinha
morrido daquelas adagas de Gelo que eu lancei em seu torso. Muito ruim que as
provas haviam derretido - como sempre. Algo que eu estava grata.

Depois que os trabalhadores de resgate recuperaram os corpos, não havia
muito mais o que fazer. Então eles fecharam a mina e foram para casa. Alguns
dias mais tarde, Finn me mostrou um artigo de negócios no Ashland Trumpet
que dizia que Owen Grayson havia comprado a companhia inteira de Tobias
Dawson por quase nada. Nenhum plano tinha sido anunciado sobre o que
aconteceria com a mina que desabou, e Grayson foi citado dizendo que ele não
estava com pressa para tomar uma decisão. De qualquer maneira, eu tinha
destruído os diamantes na caverna, de modo que ninguém estaria farejando por
ali tão cedo. O que significava que Warren T. Fox, sua neta, Violet, sua loja, terra,
e casa estavam seguras agora e no futuro previsível.

Eu estava contente de ter sido capaz de ajudar os Foxes, contente por ter
sido capaz de fazer algo para alguém que uma vez significou tanto para Fletcher

63 Lesão sofrida quando o corpo humano atinge ou é atingido por um grande objeto externo.

Lane. Eu achava que o velho teria aprovado que eu ajudasse Warren, mesmo se
os dois se separaram em condições ruins todos aqueles anos atrás.

Quanto a mim, eu deslizei graciosamente de volta para a aposentadoria.
Frequentando aulas na Faculdade Comunitária de Ashland. Lendo.

Cozinhando. Cuidando do Pork Pit.

Esse último era mais fácil agora, já que Jake McAllister estava fora do
caminho. O incidente na mina havia dominado o noticiário, é claro, mas havia
uma pequena menção sobre Jake e o fato que ele tinha sido encontrado morto na
casa de seu pai. O legista culpou causas naturais causadas por um defeito
cardíaco não detectado - ou algum absurdo assim. Não houve menção de Jake
estar na festa na casa de Mab Monroe, e nenhuma menção dele sendo
encontrado morto a facadas em um dos banheiros.

Mas com Jake morto, seu pai, Jonah McAllister, não tinha nenhuma razão
real para me pressionar mais. Pelo menos, não sobre o assalto e eu prestar
queixas contra seu filho de novo. Oh, eu imaginava que Jonah ainda estava com
raiva de mim sobre o que tinha acontecido no dia em que ele veio ao restaurante
e que ele voltaria para me assediar mais cedo ou mais tarde, se apenas porque ele
apreciava esse tipo de coisa. Mas, por agora, o Pork Pit estava de volta com seu
fluxo regular de clientes. Ainda assim, eu me mantive atenta por problemas. Se
Jonah McAllister me conectasse com a prostituta loira que estava na festa de
Mab, ele iria pegar seus gigantes, vir para o Pork Pit, e destruir o restaurante até
o chão - comigo dentro.

É por isso que eu tinha pedido a Finn para fazer algumas perguntas
discretas sobre o assunto. Disseram que Jonah McAllister estava fervendo de
raiva sobre o assassinato de seu filho - e o fato de o incidente ter ocorrido na
mansão de Mab Monroe. McAllister havia jurado que ia encontrar o assassino de
seu filho e cuidar dela ele mesmo - com as próprias mãos. Disseram também que
Mab Monroe estava lívida com o fato de que alguém se atrevera a assassinar o
filho de seu advogado em sua própria casa.

Também disseram que Mab estava discretamente à procura de uma
prostituta loira que compareceu à festa e foi vista saindo com Tobias Dawson. De
acordo com Finn, a elemental do Fogo havia enviado Elliot Slater e um par de
seus capangas gigantes para questionar Roslyn Phillips sobre a prostituta
misteriosa. Mas Slater finalmente se convenceu de que o convite e o colar de runa
foram roubados da Agressão do Norte sem o conhecimento de Roslyn. Ainda
assim, eu tinha pedido a Finn para transferir a Roslyn uma quantidade
significativa de dinheiro para ajudar a compensar o que eu estava certa que tinha
sido uma entrevista forçada.

E eu ainda me perguntava sobre aquela noite na festa e por que Mab não
tinha apenas me matado quando eu estava nocauteada no chão em frente a ela.
Teria sido fácil ela fazer. Por que fazer Dawson me matar? Por que fazê-lo me
levar para outro lugar? Mab sabia que ele me levaria à mina? Talvez ela achasse
que eu mataria Dawson por ela, e ela poderia entrar e ter todos os diamantes
para si mesma. Não teria sido um mau plano, se eu não tivesse desmoronado
toda a montanha no processo.

Eu não sabia o raciocínio da elemental de Fogo, e nunca acreditei muito na
sorte. Mas eu sabia que tinha evitado a minha própria morte naquela noite. Mas
agora ela estava procurando ativamente por mim, e eu não tinha ilusões sobre o
que aconteceria se ela algum dia descobrisse a minha verdadeira identidade.

O fato era que eu teria que ser mais cuidadosa no futuro - pelo menos até
que outra pessoa chamasse a atenção de Mab Monroe.

***

Duas semanas depois do incidente na mina, eu estava empoleirada no meu
banquinho no Pork Pit lendo As Aventuras de Huckleberry Finn de Mark Twain. A
cópia de Fletcher de Where the Red Fern Grows adornava a parede ao lado da
caixa registadora, é claro, mas algo novo a acompanhava - a foto dele e de Warren
T. Fox. Eu acho que Fletcher teria gostado de tê-la no restaurante.

Era uma noite de segunda-feira novamente e quieta exceto pelos meus dois
clientes - Eva Grayson e Violet Fox. As duas universitárias estavam sentadas ao
balcão, sorvendo ruidosamente milkshakes de chocolate e estudando. Seus livros
cobriam uma grande parte da bancada. Eva e Violet começaram a vir ao Pork Pit
pelo menos uma vez por semana quando tinham uma ou duas horas para matar
entre as classes. Às vezes, Cassidy, outra amiga de Eva, se juntava a elas. Mas,
mais frequentemente do que não, eram apenas as duas garotas.

— Então, quando você vai sair com meu irmão mais velho? — Eva
perguntou, afastando seu copo vazio de milkshake.

Olhei para cima do meu livro. — Por que você pergunta?

Eva olhou para mim. — Porque cada vez que eu menciono que estive aqui,
ele me pergunta como você está, Gin. Por que você não dá ao pobre rapaz uma
chance?

Eu levantei minha sobrancelha. — Se o seu irmão mais velho quer me
convidar para sair, ele pode vir aqui e fazer isso sozinho, em vez de ter sua irmã
mais nova defendendo seu caso para mim.

Eva acenou a mão. — Eu só estou te enchendo com as boas qualidades de
Owen. Não defendendo o seu caso.

— No que você me disse que estava se formando, de novo?

— Marketing, — Eva respondeu com um sorriso.

— Eu encerro meu caso.

Violet apenas riu e tomou outro gole de seu próprio milkshake.

A porta da frente se abriu, fazendo com que o sino badalasse. Olhei para
cima, pronta para receber um cliente potencial.

E ele entrou no restaurante.

Detetive Donovan Caine. Cabelo preto, olhos dourados, pele bronze. O
detetive hispânico parecia o mesmo que eu me lembrava, exceto pelas linhas em
seu rosto. Pela primeira vez, elas pareciam ter suavizado, como se algum grande
peso tivesse sido tirado de seus ombros magros. Como se tivesse feito alguma
decisão que finalmente trouxe-lhe uma medida de paz. Fiquei imaginando o que
poderia ser, mas eu tinha um sentimento engraçado que tinha algo a ver comigo.
Talvez tudo a ver comigo.

O detetive se aproximou e descansou as mãos sobre o balcão. Mãos que
haviam feito coisas tão maravilhosas ao meu corpo. — Gin.

— Detetive.

— Podemos conversar? — Ele perguntou em voz baixa.

Eu não tinha visto o detetive desde aquela tarde que eu acenei para ele do
cume, e ele não tinha feito qualquer esforço para me contatar. As pessoas sempre
falavam sobre os estágios do luto que você passava quando algo traumático
acontecia. Hah. Eu praticamente me mudei de magoada para simplesmente puta,
sem paradas no meio. Ainda assim, eu estava curiosa para saber por que
Donovan tinha vindo, o que ele queria dizer para mim agora, duas semanas tarde
demais. Fodida curiosidade. Simplesmente não me deixaria em paz.

— Claro. Vamos papear. — Virei meus olhos cinza para Violet e Eva. — Por
que vocês garotas não vão na parte de trás por alguns minutos e convencem
Sophia a fazer-lhes mais um pouco de milkshake? Por conta da casa.

Violet deu de ombros e andou ao redor da extremidade do balcão. Eva
Grayson estudou Donovan Caine com interesse aberto. Ela fungou, claramente
me dizendo que ela não achava que o detetive tivesse alguma vantagem sobre seu
irmão mais velho. Então ela seguiu Violet.

Esperei até que as duas universitárias desaparecessem pela porta e
estivessem fora do alcance da voz antes de olhar de volta para o detetive. — Eu vi
você na TV na mina de carvão. Parecia que tinha as mãos cheias recuperando o
corpo de Tobias Dawson.

O detetive assentiu. — Eu tinha. Mas Owen Grayson foi uma tremenda
ajuda com isso. Assim como todos os outros trabalhadores de emergência e
desastre.

Nós poderíamos ter falado sobre o tempo de tão interessante quanto a
conversa estava. Mas as mãos do detetive agarraram a borda do balcão como se
ele quisesse quebrá-lo. Ele estava aborrecido com alguma coisa. Eu não tinha
ideia do que poderia ser. Porque ele foi quem tinha virado as costas para mim
naquele dia na mina, e não o contrário. Então eu decidi ir ao coração do assunto.

— Por que você veio aqui, Donovan? — Eu perguntei. — O que você quer?

O detetive me encarou, seus olhos dourados traçando o meu rosto. —
Estou deixando Ashland, Gin. Eu pensei que você deveria saber. Achei que devia
dizer-lhe pessoalmente.

Por um momento eu estava atordoada. Simplesmente atordoada. De todas
as coisas que ele poderia ter dito, eu não estava esperando isso - e as emoções
que isso despertou em mim. Mágoa. Raiva. Tristeza.

— Você está deixando a cidade? Por quê?

Donovan deslizou as mãos pelo seu cabelo preto. — Um monte de razões.
Demais para entrar nisso agora.

— Bem, vamos entrar na única que importa, a verdadeira razão porque
você está aqui. Eu, — retorqui. — Você está deixando a cidade por minha causa,
não é?

— Culpado. — O detetive tentou sorrir. Não saiu muito bem.

— Por quê? — Eu perguntei. — Você virou as costas para mim na mina
naquele dia. Eu recebi a mensagem. Por alguma razão, você não quer ter nada a
ver comigo. Não mais. Você não tem que sair da cidade para conseguir isso,
detetive. Eu não sou o tipo que corre atrás de um homem, implorando-lhe para
não deixá-la.

Minha voz pingava com ácido. Assim como meu coração, mas eu mantive
meu rosto calmo, frio, remoto. Eu não ia deixar Donovan Caine saber o quanto
ele me machucou naquele dia - o quanto ele estava me machucando agora. Eu
pensei que nós poderíamos ter algo juntos, uma relação real. Que talvez Donovan
fosse alguém com quem eu pudesse compartilhar meu coração e vida, sombrios
como eles eram. Mas essa esperança tinha queimado e desintegrado em cinzas,
como tantas outras coisas na minha vida. Esperança. Uma emoção desperdiçada,
mais frequentemente do que não.

— Eu vim aqui para explicar, — disse Donovan em voz baixa. — Você pode
por favor só me deixar fazer isso?

— Muito bem, — eu rosnei. — Explique.

Donovan puxou uma respiração profunda. — Eu penso em você todo dia,
Gin. Desde aquela noite em que nos conhecemos na casa de orquestra. A noite
que Gordon Giles foi assassinado. Tenho repetido essa cena mais e mais na
minha cabeça. E não só essa. Aquela noite, na Agressão do Norte. O tempo que
passamos juntos no clube country. Então, no meu carro há algumas semanas.
Naquela noite, na chuva. Eu não consigo tirar você da minha cabeça. Sua voz,
seu cheiro, sua risada, a maneira como você se sente contra mim.

— Por que isso é uma coisa ruim? — Eu perguntei. — Nós estamos atraídos
um pelo outro. Isso é o que as pessoas fazem quando estão atraídas uma pela
outra.

Donovan olhou para mim. — É uma coisa ruim por causa de quem você é e
o que você costumava fazer.

Eu tinha esperado as palavras, mas elas ainda doíam. Eu suspirei.

— Se isso ainda é sobre Cliff Ingles…

Ele balançou a cabeça. — Não se trata de Cliff, não mais. Eu sei porque
você o matou. Como eu disse antes, eu poderia ter feito isso sozinho, se eu tivesse
a chance. Não, isso é sobre mim.

Eu só olhei para ele.

Donovan puxou uma respiração. — Você sabe por que eu não fui te ver na
mina?

— Na verdade, não.

— Depois daquela noite em que estivemos juntos no meu carro, senti que
talvez pudesse haver algo entre nós, — disse ele em voz baixa. — Mas então você
disse que estava indo atrás de Tobias Dawson. Para matá-lo. E eu deixei você ir.
Eu te deixei ir. Eu apenas assisti em segundo plano enquanto você foi atrás de
outro homem - para assassiná-lo. Eu fiz a mesma coisa que eu sempre jurei não
fazer - eu olhei para o outro lado. Não porque Dawson era um cara mau, mas por
causa de você. Eu me comprometi por sua causa, Gin, e o que eu sinto por você.

Culpa, aflição, e decepção cintilaram em seus olhos de ouro. E eu pensei de
volta no que Warren T. Fox havia me dito. Ele não é o certo para você, a voz do
velho sussurrou na minha cabeça. De alguma forma, eu empurrei minha mágoa
de lado, tentando ser calma e racional sobre o assunto. Tentando fazer Donovan
Caine mudar de ideia. Ficar. Nos dar uma fodida chance.

— Você sabe tão bem quanto eu que Tobias Dawson nunca iria deixar os
Foxes em paz. Que ele estava com Mab Monroe e ambos - ambos - teriam feito
tudo ao seu alcance para pôr as mãos sobre os diamantes. A morte de Dawson
era a única maneira de salvar Warren e Violet.

Donovan sacudiu a cabeça. — Eu simplesmente não consigo me forçar a
acreditar nisso, a aceitar isso.

Esta era a mesma velha discussão que tivemos tantas vezes. Demais para
contar. Não iria a qualquer lugar, então eu decidi tentar outra tática. — Por que
sentir algo por mim é tão terrível? Por que você não pode simplesmente aceitar o
fato de que eu costumava ser uma assassina e que eu estou tentando mudar?

— Porque você nunca vai mudar. Não realmente.

— Oh não?

— Não, — ele respondeu com voz firme. — Pense nisso. Nós descobrimos o
que Tobias Dawson está fazendo, e qual é a primeira coisa que sai de sua boca?
Você fala de matá-lo. Você não considera qualquer outra opção, não considera
nada. Você decidiu que queria Dawson morto, e você fez isso acontecer.

— Eu fiz o que precisava ser feito, — eu disse com uma voz fria. — Nada
mais, nada menos. E não havia outras opções, detetive. Porque a polícia nesta

cidade é uma piada, e nós dois sabemos disso. A única lei, a única justiça, em
Ashland é a que as pessoas fazem por si mesmas.

Donovan se encolheu com as minhas palavras duras, mas ele não
contestou. — Eu só… eu não posso mais fazer isso. Sinto muito, Gin. Mas essa
coisa com a gente, acabou.

— Então você está deixando a cidade para ficar longe de mim? — Eu disse
cortante.

Donovan levantou as mãos num gesto impotente. — Sim. Não. Eu não sei.
Não é tudo sobre você. Parte disso é o departamento. Há tanta corrupção lá. Eu
só estou... cansado de tudo isso. De levantar cada fodida manhã e saber que eu
estou lutando uma batalha perdida. Eu estou no limite aqui, Gin. Perto de me
tornar tal como todos os outros policiais corruptos desta cidade. Deixar você ir
depois de Alexis James era uma coisa. Ela veio atrás de nós dois em primeiro
lugar. Mas Tobias Dawson, isso era diferente. Se tivesse sido qualquer pessoa
além de você, eu teria algemado seu traseiro e arrastado para o quartel general
antes de chegar perto de Dawson. Mas eu não fiz. E me arrependo disso. Mais do
que você jamais vai saber. Sinto muito, Gin. Eu quero que você saiba disso. Eu
realmente sinto muito.

— Não, — eu disse. — Sou eu quem sente muito. Sinto muito que perdi
meu tempo com você. Encare isso, Donovan. Você não está deixando a cidade
porque eu matei Dawson. Você está deixando a cidade porque você não me
impediu de fazê-lo. Porque você não teve a força para isso. Porque mesmo agora,
apesar de tudo, você ainda quer me foder. Você está fugindo porque a sua moral é
mais importante para você do que qualquer outra coisa, incluindo o que você
poderia ter comigo.

Donovan se encolheu, mas ele não negou a verdade das minhas palavras.
Era tarde demais para isso. Agora o detetive apenas parecia cansado. Sua
resignação só me deixou mais furiosa. Por um momento, a raiva surgiu através
de mim, dura e fria e amarga como bile. Eu queria atirar alguma coisa, quebrar
alguma coisa. Eu queria quebrá-lo. Espalmar minha faca, dar um passo à frente
e cortar sua garganta com ela. Machucá-lo como ele estava me machucando.

Mas eu inspirei uma respiração. Eu poderia ferir Donovan com palavras,
mas nada mais. Eu posso ser uma ex-assassina, mas eu era melhor do que isso.
Eu nunca tinha matado por paixão, e eu não ia começar agora. O detetive não
valia a pena.

— Você virou as costas para mim na mina, porque você estava feliz que eu
estava morta, — eu disse. — Porque a escolha de estar comigo tinha sido tirada

de suas mãos, e sua moral preciosa ainda estava intacta. E então eu apareci de
novo, ainda viva. E você estava de volta à estaca zero. Essa é a verdade real, não
é?

Ele não disse nada. E eu finalmente deixei-me reconhecer algo que eu sabia
o tempo todo. Donovan Caine me queria, mas ele não era forte o suficiente para
me aceitar. Não o meu passado, não a minha força, e não a mulher que eu era.
Decepção amarga me encheu, substituindo minha raiva, mas eu me forcei a fazer
a última pergunta que eu queria uma resposta.

— Onde você está indo?

Ele balançou a cabeça. — Eu acho que é melhor se você não souber, Gin.

Eu assenti. Talvez fosse.

— Eu também vim aqui para te avisar, — disse Donovan em um tom suave.
— Jonah McAllister está em busca do sangue de quem quer que matou seu filho.
Ele não vai parar até encontrar a pessoa responsável. Uma das minhas fontes diz
que ele está olhando para todo mundo que Jake teve um problema - inclusive
você. E Mab Monroe não acha que você morreu na mina com Dawson. Meu
capitão recebeu uma ligação dela outro dia querendo saber se tínhamos
encontrado mais corpos nos escombros. Assim vigie suas costas.

— Por que me dizer tudo isso? — Eu perguntei. — Não é como se você se
importasse. Não de verdade.

Não o suficiente para ficar. Isso é o que eu queria dizer, gritar para ele. Mas
eu não gritei.

Donovan deu de ombros. — Eu não sei. Eu acho que eu senti que devia
isso a você. O departamento já me substituiu.

— Com quem? — Eu perguntei mais para dizer algo do que por qualquer
curiosidade real.

Ele encolheu os ombros novamente. — Algum fodão de Savannah chamado
Coolidge. Isso é tudo que eu sei. Uma mulher. Supostamente uma verdadeira
lutadora. Assim como você.

Donovan olhou para mim novamente. Seus olhos de ouro queimaram nos
meus. Emoções piscaram em seu olhar. Saudade. Medo.

Pesar. Determinação. Pela primeira vez, eu suavizei meu rosto e deixei que
ele visse o que eu realmente sentia por ele. Surpresa cintilou em seus olhos, e por
um momento, eu pensei que poderia ser suficiente para ele mudar de ideia. Mas,
então, seu rosto endureceu, e eu sabia que tinha perdido ele. Eu esperava que a
moral de Donovan Caine o mantivesse aquecido à noite, porque eu nunca mais
iria.

Não agora.

Não havia mais nada a dizer. O detetive acenou para mim uma última vez,
me olhou nos olhos por mais um momento.

Então ele se virou e saiu do Pork Pit, deixando meu bar, meu coração, frio,
vazio e dolorido.

Capítulo 35

Eu dei a Violet e Eva seus milkshakes prometidos, em seguida,
expulsei-as e fechei o restaurante. Trinta minutos mais tarde, eu estava prestes a
sair quando o telefone tocou. Por um capricho eu peguei, meio esperando que
pudesse ser Donovan Caine, chamando a pedir desculpas ou algo assim.
Qualquer coisa.

? Pork Pit.

? Olá, Gin.

A voz profunda de Owen Grayson inundou a linha. Um som agradável, mas
eu não consegui segurar meu suspiro de decepção.

? Owen.

? Você não parece muito feliz em ouvir de mim, ? ele disse.

? O que você quer? ? Talvez eu devesse ter sido mais agradável, talvez eu
teria sido mais agradável se não fosse por Donovan Caine.

? Eu só queria falar com você, ver como você estava, desde que você não
retornou nenhuma das minhas mensagens, ? ele disse em uma voz suave.

Minha mão apertou o telefone. Desde o incidente na mina, Owen Grayson
havia ligado para o Pork Pit e deixou-me algumas mensagens, nenhum dos quais
eu retornei.

Principalmente porque eu não sabia onde as coisas ficaram comigo e
Donovan Caine. Bem, agora eu sabia. Mas eu não precisava que Owen Grayson
aparecesse e pegasse as peças. Eu poderia fazer isso tudo sozinha. Venho fazendo
isso há anos.

? Tenho andado ocupada.

? Vendo Donovan Caine? ? ele disse. ? Eva ligou e me disse que parou no
restaurante esta noite e que as coisas estavam tensas entre vocês dois.

Meus olhos cinzentos estreitaram. ? Eva é muito tagarela, não é?

Owen deixou escapar uma risada. De alguma forma o som baixo iluminou
meu humor um pouquinho. ? Não a culpo. Pedi-lhe para desempenhar o papel de
espia.

? E por que isso?

? Porque a minha oferta continua de pé, ? ele respondeu. ? Sobre querer
conhecer a verdadeira Gin Blanco.

Eu bufei. Eu não acho que Owen gostaria da verdadeira Gin Blanco e sua
coleção de facas silverstone. Então, novamente, ele não tinha vacilado naquela
noite na festa de Mab Monroe, quando eu tinha fingido ser uma prostituta. E isso
era mais consideração do que Donovan Caine já tinha alguma vez me mostrado.
Ainda assim, eu não estava pronta para saltar para algo novo. Não com Owen
Grayson, cujos verdadeiros motivos ainda eram um mistério para mim. Apesar do
desejo que eu tinha visto em seus olhos violeta.

? Desculpe, Owen, mas eu apenas não estou no humor agora, ? eu disse
num tom gentil. ? Eu não acho que estarei em um futuro próximo.

? Não se preocupe, ? Owen respondeu em um tom suave. ? Eu não sou
nada senão paciente. Eu só queria chamar e lembrar que você tinha outras
opções, Gin.

? Bem, eu vou manter essas outras opções em mente, ? eu disse. ? Mas
agora, eu tive um longo dia e pretendo ir para casa, sozinha.

? Não me deixe impedir você, então, ? ele murmurou.

? Não se preocupe. Eu não vou.

Ele soltou uma risada, e eu encontrei-me a sorrir de volta, apesar do meu
humor.

? Boa noite, Gin, ? ele resmungou.

? Boa noite, Owen.

E assim, ele se foi. Mas ao contrário de Donovan Caine, eu sabia que Owen
Grayson estaria de volta. Por alguma razão, esse pensamento me confortou, de pé
na escuridão do restaurante.

***

Depois da chamada de Owen, fui para casa de Fletcher. Verifiquei o
cascalho na entrada da garagem, em seguida, o granito ao redor da porta.
Quando estava satisfeita de que não havia ninguém à espreita, entrei e fui direta
para a cozinha. Me servi de um copo de gin, coloquei alguns cubos de gelo no
copo e me sentei no sofá na sala. Eu inclinei minha cabeça para trás, olhei para o
espaço, e meditei.

Maldito Donovan Caine. Ele era tudo em que eu podia pensar agora. Eu
não podia acreditar que o detetive estava realmente deixando Ashland. Que ele
estava me deixando. Que nunca iríamos ter a oportunidade de explorar
plenamente esta atração escaldante entre nós. Toda essa promessa deixada de
lado. E para quê? Para o detetive poder descansar à noite, sua moral idealista e
código ultrapassado de justiça ainda permanecerem intactos? Inútil, tudo isso.

Tomei um gole do meu gin, saboreando a queimadura fria do álcool. Por um
momento, pensei em tirar a garrafa do armário e me embebedar. Mas não me
faria nenhum maldito bem. Eu apenas acordaria com uma ressaca amanhã.
Donovan Caine ainda estaria partindo, se ele já não tinha ido. Ele tinha acabado
de terminar, mais ou menos, com uma antiga assassina. Não o tipo de pessoa
que você queria que soubesse o seu paradeiro.

Eu poderia ir atrás de Donovan, é claro. Falar com ele novamente, pleitear
meu caso, impiedosamente seduzi-lo a nos dar outra chance. A ficar em Ashland.
Eu não pensei em mais nada no caminho para casa.

Mas eu não podia fazer isso. Porque eu ainda queria o que eu sempre quis,
que Donovan Caine me desejasse, quisesse estar comigo, Gin Blanco, a antiga
assassina que se chamava Aranha. Mas ele não queria, e ele nunca quereria. Seu
código de justiça não iria deixá-lo, não mais do que o meu iria me deixar esquecer

todas as coisas ruins que eu tinha feito na minha vida, todas as pessoas que eu
tinha matado. Ou fingir que eu não faria tudo de novo, se se tornasse necessário.

? Warren, seu velho maldito, você estava certo, afinal. ? Eu levantei a
minha taça em um brinde, então tomei outro gole de gin.

Pousei meu copo sobre a mesa do café maltratada, e meus olhos pousaram
na pasta ? a que continha a informação sobre a minha família assassinada. Isso
era outra coisa em que eu tinha pensado muito nestas últimas semanas. Pela
primeira vez, eu acho que percebi porque Fletcher Lane a tinha deixado para
mim. Ele lamentava seu passado com Warren T. Fox, por não fazer as pazes com
seu velho amigo. Fletcher tinha tido cerca de cinquenta anos para fazê-lo, e
nunca tinha chegado a fazê-lo. Ele não queria que eu tivesse os mesmos
arrependimentos, de modo que o velho tinha me dado uma escolha, me deu a
informação que eu precisava para fazer uma escolha. E eu sabia o que ia fazer.
Eu sabia desde a noite de festa de Mab Monroe.

Desde que eu percebi que ela era a elemental do fogo que tinha assassinado
a minha família.

Talvez tivesse sido o seu cheiro de jasmim, misturado com a fumaça. Talvez
tivesse sido a sua voz sedosa. Ou até mesmo o riso breve que ela soltou enquanto
estava de pé em cima de mim, discutindo minha morte iminente com Tobias
Dawson.

Mas trouxe todas as minhas memórias daquela noite de volta para a
superfície. Eu não tinha visto o rosto da elemental do fogo, quando ela me
torturou. Mas eu tinha ouvido a sua voz, seu riso.

E eram idênticos aos de Mab.

Eu tinha certeza disso agora. Ou talvez eu sabia o tempo todo, mas
simplesmente não queria admitir isso para mim mesma. É por isso que Fletcher
tinha escrito o nome de Mab na pasta para começar. Para me fazer olhar em sua
direção e descobrir por mim mesma.

Eu sabia quem, agora eu queria saber o porquê. Por que Mab matou minha
mãe e irmã mais velha? Por que ela me torturou? Por que ela exigiu saber onde
Bria estava? Quando eu descobrisse o porquê, eu teria a peça final do quebra-
cabeça.

E então eu mataria a cadela.

Ah, eu sabia que não ia ser fácil. Que eu poderia morrer no processo. Que
eu provavelmente iria morrer. Mas Mab Monroe havia assassinado minha família,
me fez pensar que eu tinha matado minha irmãzinha por dezessete anos. Eu vivi
nas ruas e comi lixo por causa dela. Escondi-me de viciados e proxenetas
vampiros e todo o lixo de Southtown. Já estive assustada e fraca por causa dela.
Mas não mais. E a minha não era a única família que ela tinha arruinado ao
longo dos anos. A família Snow não era uma nota de rodapé em comparação com
todas as coisas horríveis que Mab Monroe tinha feito.

E então havia Bria. Meus olhos foram para a foto da minha irmãzinha.
Cabelos loiros, olhos do azul centáurea, a runa de prímula em volta do seu
pescoço. Ela estava lá fora em algum lugar, esperando por mim.

? Eu vou encontrar você, irmãzinha, ? sussurrei. ? De uma forma ou de
outra.

Meus olhos foram para os desenhos de runas apoiados em cima da lareira.
Eu olhei para a imagem do Pork Pit que eu tinha desenhado, do sinal sobre a
porta da frente. A runa de Fletcher, a meu ver. Eu levantei a minha taça em outro
brinde.

? A você, Fletcher Lane, ? eu disse. ? Espero fazer você se sentir
orgulhoso.

Só o tique-taque do relógio de pêndulo na sala quebrou o silêncio. Bebi o
gin e coloquei o meu copo de lado. Então eu peguei a pasta, pronta para passar
por todas as informações novamente. E novamente e novamente se necessário.

Até que eu encontrasse todas as respostas que estava procurando.

Donovan Caine estava certo sobre uma coisa. Parte de mim sempre seria a
Aranha - e era hora de dar bom uso às minhas habilidades. Para fazer as coisas
que precisavam ser feitas.

Encontrar Bria.

Descobrir porque Mab Monroe havia assassinado minha família.

Matar Mab.

? Os bons velhos dias estão de volta, ? eu disse.

Então eu comecei a trabalhar.

A série Elemental Assassin continua em…
Venom:

Que tipo de assassino trabalha pro bono?

É difícil ser uma assassina fodona quando um gigante está matando você a
socos. Felizmente, eu nunca deixei o orgulho ficar no caminho do meu trabalho.
Minha missão atual é pessoal: aniquilar Mab Monroe, a Elemental de Fogo que
assassinou minha família. O que significa proteger a minha identidade, mesmo
que eu tenha que esconder a minha poderosa magia de Pedra e Gelo quando mais
preciso dela.

Para o público, eu sou Gin Blanco, proprietária do melhor restaurante de
churrasco de Ashland. Para os meus amigos, sou a Aranha, assassina
aposentada. Ainda faço favores no escuro. Como livrar uma amiga vampira de
seu perseguidor gigante - o valentão favorito de Mab que quase me matou com
seus punhos enormes.

Pelo menos o irresistível Owen Grayson está do meu lado. O homem sabe
demasiado sobre mim, mas vou correr esse risco. Então há a Detetive Bria
Coolidge, uma das melhores de Ashland. Até recentemente, eu pensava que
minha irmá mais nova estava morta. Ela provavelmente pensa o mesmo sobre mim. Mal ela sabe, eu sou uma assassina de sangue frio... que está prestes a salvar a vida dela.

 

 

                                                    Jennifer Estep         

 

 

 

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