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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


WHITE / Juliana Dantas
WHITE / Juliana Dantas

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

O dia do casamento
Não me lembro exatamente em que momento parei de respirar.
Era como se todo o ar a minha volta de repente se tornasse rarefeito e o simples ato de levar oxigênio até o pulmão exigisse uma força sobre-humana.
Uma força que eu não tinha.
Acho que gritei para que todos saíssem, o som da minha voz parecendo estranha e desesperada enquanto lutava para respirar, sentindo-me sufocada por todas aquelas vozes femininas cheias de felicidade e excitação com o grande acontecimento.
Muito vagamente me dou conta de que finalmente estou sozinha quando encaro minha própria imagem no espelho. Assusto-me com minha palidez que nem a maquiagem elaborada consegue disfarçar.
Deixo o olhar vagar para baixo, para o vestido de noiva que considerei perfeito há dois meses quando o escolhi, numa tarde regada a Bellinis e risadas, com minha mãe e minhas amigas. Lembro de como mamãe chorou, e minha mãe nunca chorava. Lembro do olhar de desdém de Aria enquanto ela dizia que talvez eu devesse investir em algo mais clássico como o cetim e como eu sorri ignorando sua crítica – algo muito comum vindo de Aria e que antes sempre me irritava, mas que naquele momento não me importei. Eu estava me sentindo linda.
Sentindo-me uma noiva.
Agora só me sinto uma farsa.

 


 


Minhas pernas também perdem a capacidade de manter meu corpo em pé e perco a luta para a gravidade, indo ao chão, enquanto sou engolida parcialmente por todo tule e renda do lindo vestido.

É assim que me sinto. Engolida. Soterrada pelo peso dos meus próprios segredos.

Como foi que consegui chegar até ali?

Como posso ter ido tão longe e achado que prosseguiria em frente, como se eu tivesse aquele direito?

Eu não tenho direito a nada.

Não tenho direito a usar aquele vestido.

A usar aquele anel de diamante em meu dedo.

Não tenho direito a ficar com Jack White.

Ao homem que me espera lá fora, no jardim dos Black, decorado com o que há de mais caro e luxuoso, para o casamento do ano.

Tenho a impressão que a metade da cidade está ali, pelo menos a metade rica, corrijo-me. Todos queriam ser testemunhas do casamento da caçula dos Black com o destemido gênio das finanças Jack White.

O homem que veio do nada e conquistou tudo.

Até mesmo a mim.

Mas Jack não sabe o que está arrematando.

Não sabe que está comprando gato por lebre.

Dói em cada parte do meu corpo quando percebo de que não posso ir em frente.

Não posso continuar com aquela encenação.

A encenação que tenho vivido desde que deixei que Jack entrasse na minha vida, achando que aquela Charlotte que me tornei nos últimos anos era esperta demais para se apaixonar por quem quer que fosse. Muito menos por Jack, o cara que tinha me dado o maior fora de minha vida há anos antes.

A rejeição que fora a catalisadora de tantos erros que cometi desde então.

Mas eu estava enganada. Jack White não foi páreo para a minha rejeição.

Ele ficou e insistiu. Conquistou.

Como fazia com tudo em sua vida.

Jack White era uma força da natureza e tão determinado que fez com que eu acreditasse nele. Em sua fé inabalável de que deveríamos ficar juntos.

Mas no fundo, acho que eu sempre soube.

Quando escuto os passos se aproximando, sinto meu coração apertar. Fecho os olhos e luto contra o medo terrível que domina meu corpo porque sei que, quando Jack entrar naquela sala, vou ter que contar a verdade.

E só de pensar em ver seu olhar mudar, de ver a admiração que ele sente por mim se transformar em decepção, já sinto vontade de morrer.

Por um momento, deixo meu olhar vagar pela sala elegante dos Black, que hoje tinha se transformado no local em que a noiva e as madrinhas iriam se arrumar para o casamento, em busca de uma rota de fuga.

De repente eu sei que não posso encará-lo.

Não quero.

Cada célula do meu corpo está se debatendo, querendo escapar.

Mas quem abre a porta não é Jack, e sim Alex. Meu irmão.

Por um momento sinto o alívio percorrer minha espinha.

Alex demora alguns segundos para me achar no chão e seu olhar antes impaciente se transforma em irritação.

— Por que está sentada aí? Aria disse que você expulsou todo mundo, que só faltava colocar o véu ou algo assim...

— Não posso — eu o interrompo.

— O quê? — Ele olha o relógio, impaciente. — Já está atrasada uma hora. Jack está ficando louco e eu tive que contê-lo para não vir aqui te arrastar até o altar, palavras dele.

Ah Deus.

— Não, não quero ver o Jack.

— Que merda está dizendo? — De repente a expressão de Alex se tolda de preocupação quando ele se aproxima e me puxa para cima, como se eu fosse uma boneca de pano. — Você está bem? Está passando mal?

— Preciso sair daqui...

— Sim, temos que seguir até o jardim e...

— Não! Eu preciso sair daqui, não posso me casar.

Alex franze o olhar assombrado.

— Como assim?

— Não posso explicar agora, eu só... — Sinto de novo falta de ar. Alex percebe meu desespero e fica sério.

— Charlotte, o que está acontecendo?

— Não posso me casar — sussurro baixinho... as lágrimas que vinha segurando começando a jorrar. Meu peito parece que vai explodir. — Preciso sair daqui...

— Não pode fazer isso! Estão todos te aguardando... Jack...

— Não posso, por favor... — Começo a cair de novo.

Alex me segura desta vez, seu rosto é uma máscara de consternação.

— Meu Deus, o que está acontecendo com você?

— Por favor, me ajuda. Me tira daqui...

Minha cabeça cai contra o peito de Alex.

Não sei se ele está entendendo. Não sei se ele vai fazer o que estou implorando. Mas só tenho um só objetivo agora.

Eu tenho que sair dali.

— Querida... Por favor, me diz o que está sentindo? Se não está bem, podemos adiar algumas horas. — Alex acaricia meu cabelo, sua voz tentando transmitir calma, mas percebo que ele está preocupado. — Vou chamar Jack aqui e...

— Não. — Eu o encaro desesperada. — Não posso falar com o Jack. Ele não vai entender... Eu só preciso ir embora.

— Agora? Quer fugir do próprio casamento? — Alex finalmente entende.

— Sim, por favor.

— Charlotte, isso é absurdo...

— Por favor, Alex... Eu não posso ficar aqui... Só você pode me ajudar.

Acho que o desespero na minha voz ficou mais latente, pois Alex finalmente assente.

— Tudo bem. Se não quer fazer isso, vamos chamar o Jack e...

— Não! Não quero ver o Jack! — Algo na minha voz deve ter parecido a Alex que os motivos da minha fuga em andamento tinha a ver com Jack.

Percebo o olhar de Alex mudar. Uma fúria começando a se formar.

— O que Jack fez?

— Agora não, Alex... Apenas me tire daqui... Não posso me casar com Jack, é a única coisa que precisa saber agora.

Alex pensa por alguns segundos até que finalmente segura minha mão.

— Tudo bem, vamos embora.

Não me recordo de nada no caminho que fizemos apressados rumo a garagem, até que estivéssemos no carro de Alex, saindo dos jardins da mansão Black e ganhando a rodovia.

Deixando tudo para trás.

Deixando Jack e o futuro que eu achei que seria meu para trás.

 

 


Capítulo 1

 

 

Dias atuais

 

Prendo meu olhar no oceano à minha frente, sentindo-me pequena na imensidão azul.

Quão longe de casa eu estou?

Às vezes, parece que faz anos que deixei tudo para trás e me escondi ali, sob o manto do velho mundo. E em alguns momentos, parece que faz dias.

Sinto uma inquietação que faz meu peito doer. Como se o tempo estivesse se esgotando para mim. Aquela sensação já dura alguns dias, acho que desde que Nora, minha madrasta, havia me procurado em Londres, onde eu estava hospedada na casa da minha amiga Tess.

— Vai deixar que ele acabe com nossa família? — Nora havia gritado, furiosa quando mais uma vez eu disse que não estava pronta para voltar a Chicago.

— Está sendo melodramática, Nora. — Eu rira, fazendo com que ela ficasse mais brava ainda. Eu sabia como deixar Nora furiosa. Divertia-me muito com isso em outros tempos.

— Aria me disse que Alex está furioso com você! Jack está se intrometendo nos nossos negócios, e nos prejudicando...

— Negócios dos Black, não seu — provoquei.

Sim, eu sabia que Jack, meu ex-noivo, estava tentando prejudicar os negócios da Black Investments desde que percebeu que Alex não ia lhe contar onde eu estava.

O próprio Alex estava furioso, o que me fez sentir culpa por toda aquela confusão, mas nem isso foi suficiente para que eu voltasse a Chicago.

— Sua menina ridícula! — Ela apontara o dedo no meu rosto e como antes, quando ela fazia isso quando eu era criança, lutei para não me encolher. Nora me aterrorizava, mas eu gostava de fazê-la pensar que não tinha aquele poder. — Seu pai a mimou demais! E sua mãe não está nem aí...

— Não fala da minha mãe — eu a interrompi, irritada.

— Sua mãe deveria tentar colocar algum juízo na sua cabeça e não encorajar esse desvario!

— Isso é problema meu.

— Problema da família! E sei que gosta de pensar que agora que seu pai morreu, eu não faço parte da família, mas está enganada. Meu filho está no comando dos negócios e não vou deixar uma fedelha mimada como você pôr tudo a perder!

— Me poupe, Nora! Se Alex está tão preocupado, ele que venha aqui e não mande você.

— Não foi o Alex que me enviou aqui. Eu apenas queria tentar colocar algum juízo na sua cabeça.

— Não vou voltar. Perdeu seu tempo!

Eu tinha lhe dado as costas e depois de mais alguma insistência, Nora finalmente me deixou em paz, ainda mais quando eu disse que estaria indo para Mônaco com Tess, para uma sessão de fotos que ela teria para a nova coleção de sua marca de lingerie.

Mas desde aquela discussão parecia que algo estava para acontecer. Eu sentia algo se aproximando. Como nuvens escuras que precedem uma tempestade.

— Ei, Charlotte, a Tess está te chamando — uma das produtoras da sessão de fotos me chamou e eu me virei.

— Já estou indo.

Estamos hospedadas em um iate enorme, que pertence ao marido de Tess, Robert Gray.

Caminho até a área da piscina onde está acontecendo a sessão de fotos. Tess Gray é estilista de lingeries e sua marca, apesar de nova no mercado, cresce a cada dia.

Eu a conheci em um desfile em Nova York há uns dois anos, quando ela ainda estava começando. Tess era muito diferente de mim, mas viramos amigas quase imediatamente, mantendo contato. E quando eu pedi para ficar em sua casa em Londres por alguns dias depois de minha fatídica fuga há um ano, ela me acolheu sem nem pestanejar.

E minha estadia de alguns dias acabou se transformando em meses.

— Aí está você, preciso de ajuda. — Tess veio em minha direção.

Ela é uma garota de 27 anos com longos cabelos castanhos e olhos doces. Na verdade ela é toda doce, apesar de ser muito forte e decidida quando preciso.

— O que foi? — Olho para a bagunça de câmeras e gente montando o cenário em volta. — Achei que estivesse tudo sob controle. Cadê a modelo?

— Esse é o problema. Ela passou mal. Parece que não aguenta o balanço do barco ou sei lá.

— E agora, vai adiar?

— Não posso. Já estamos em cima da hora e sabe que preciso voltar amanhã para Londres, porque Rob vai me matar se eu perder aquela festa chata da sua família.

— E o que pretende?

— Será que não pode substituí-la?

— Ficou doida?

— Por que não? Já fizemos isso lá em casa.

Naquele ano que passei com Tess eu a ajudei muito, principalmente com suas redes sociais e tinha até feito algumas fotos para o Instagram da marca, mas todas despretensiosas e que não aparecia meu rosto.

— Isso é diferente. Não sou modelo.

— Mas podia ser! Sabe que é linda de morrer e tem o corpo mais bonito do que muita modelo esquelética por aí, que mataria para ter sua bunda e seus peitos. E este cabelo loiro perfeito...

— Pare de me bajular, não vai dar certo.

— Por favor... — Ela segura minhas mão com cara de cachorrinho pidão. — Não vai negar isso pra sua amiga grávida vai?

— Ah não, não usa isso, é golpe baixo.

Tess havia descoberto que estava grávida há dois meses.

— Eu juro que não te peço mais nada. São só umas fotos bobas...

— Tess, eu até faria, mas sabe que não posso... me expor — explico com cuidado.

— Essas fotos vão demorar meses pra sair e além do mais... Será que já não está na hora de começar a pensar em sair desse esconderijo? Já faz um ano, querida.

— Tess...

— Por favor, sabe que tenho razão e acho que você já está se dando conta que precisa tomar um rumo, não é?

Sacudo a cabeça em afirmativa, ainda com vontade de não concordar com Tess, mas ela já deve ter percebido que eu estava inquieta há alguns dias.

— Que tal voltar em grande estilo? — insiste e acabo rindo, meio contra a vontade.

Talvez ela tenha razão.

E aquelas fotos ainda demorarão meses para ir a público. Então eu ainda tenho um tempo para me preparar para voltar ao mundo real.

Ao mundo em que vive um furioso Jack White.

Sigo a produtora para dentro do iate e ela me ajuda a vestir a lingerie branca de renda enquanto o maquiador e o cabeleireiro me aprontam, distraída com meu celular.

Mando uma mensagem para Alex, estranhando que já faz alguns dias que ele não me responde.

Nora não precisava me dizer que Alex estava furioso, ele já tinha deixado bem claro nas últimas vezes em que conversamos. Obviamente ele se arrependia de ter me ajudado a fugir e de ter prometido manter meu paradeiro em segredo.

— Pronta?

Levanto a cabeça e encontro o sorriso de Tess pelo espelho ao mesmo tempo que arregalo meus olhos em horror ao ver minha imagem.

Eu estava tão distraída que não tinha notado que colocaram um véu na minha cabeça, por baixo de um elaborado coque.

— Está de brincadeira?

— Está perfeita!

— Por que estou com um véu de noiva?

— Esqueceu que essa coleção é inspirada na minha lua de mel? Poxa, Charli, você acompanhou todo o processo!

— Eu não sabia que pretendia vestir a modelo de noiva!

— Foi ideia do Mark, mas ficou perfeito.

Mark Frost era o fotógrafo do ensaio, com quem Tess havia se encontrado algumas vezes e eu não estava presente nessas reuniões. Se tivesse saberia que estava me metendo numa enrascada.

— Não pode fazer isso comigo...

— Ah Charlotte, por favor!

Como explicar para Tess que parecer uma noiva pronta para lua de mel aciona todo tipo de gatilhos em mim?

Mas antes que eu possa continuar com minhas objeções, Tess me puxa pela mão até a área pronta para começar a sessão.

— Só vamos acabar logo, ok? Mark já está impaciente, sabe como são esses fotógrafos! Está preocupado com a luz e tudo o mais...

— Tess...

— Vai ficar tudo bem. — Ela se vira para a equipe. — Pronto, Charlotte nos salvou e podemos começar.

— Acho que foi uma boa troca. — Mark pisca vindo em nossa direção.

Mark é um cara de trinta e poucos anos, bronzeado e com ar mediterrâneo que tinha se tornado nos últimos anos um dos fotógrafos mais disputados do cenário de moda europeu.

— Eu também achei — Tess diz e se vira pra mim. — Deixo você com o Mark. — E antes que ela se afaste, sussurra em meu ouvido. — Acho que tem um admirador.

Rolo os olhos, tentando não me irritar enquanto Mark segura minha mão me levando para a popa do barco, instruindo-me como devo fazer a foto.

Ele coloca a mão na minha cintura e eu me pergunto se aquilo é realmente necessário.

— Isso, está ótima. Vamos aproveitar a luz do fim de tarde, vai ficar ótimo no seu cabelo loiro... — ajeita o meu véu. — Segura para o lado e se vire para que eu pegue o seu perfil.

Ele se afasta, para meu alívio, indo para trás das câmeras e me esforço para fazer o que pediu, tentando relaxar e fazer aquilo o mais rápido possível.

— Isso, muito sexy. Quero você sexy. Faça sua melhor expressão de noiva que está pronta para ser fodida — ordena, nem um pouco preocupado com o linguajar, e eu rio, meio sem graça, ao ouvir as risadas ao redor, mas tentando entrar no clima e me divertir, enquanto Mark vai pedindo para que eu mude de posição e então de repente sinto uma sutil mudança no ar, como se o vento tivesse deslocado de direção e atingisse minha espinha. Mas não é um vento como outro qualquer. É aquele vento que chega antes da chuva. Que veio para ficar e destruir tudo no caminho. Prendo a respiração, virando-me para além das câmeras de Mark, procurando a origem daquela sensação e quando focalizo os olhos de gelo de Jack White presos em mim, eu me dou conta que, de alguma maneira, eu já sabia, que só podia ser ele.

Estremeço, num misto de terror e inevitabilidade.

Meu tempo tinha acabado mais cedo do que eu imaginei, afinal.

 

 


Capítulo 2

 

 

Antes

 

Tropecei nos meus próprios pés quando saí do elevador e ri sozinha, um soluço escapando da minha garganta quando encarei a porta fechada do apartamento de Alex.

O simples ato de levantar a mão para digitar a senha era um esforço imenso e bocejei, sentindo a cabeça rodando ao parar o braço no ar.

Qual era mesmo a senha?

— Droga... — sussurrei, minha língua pesando na boca e ri de novo enquanto digitava e demorou algumas tentativas e algumas risadas para que finalmente conseguisse abrir a porra da porta.

Alex não podia ter uma chave como pessoas comuns?

Tropecei para dentro do apartamento escuro tateando para achar a luz, sem sucesso.

Ah foda-se!

Arranquei os sapatos ridiculamente altos no caminho e avancei para dentro me guiando pela luz que entrava pelas grandes janelas de vidro, enquanto tirava o vestido curto facilmente pela cabeça, que ficou pelo caminho, mas não me importei.

— Merda. Estou bêbada — dou-me conta quando entro no quarto e sigo direto para o banheiro, finalmente conseguindo acender uma luz e me sentar no vaso.

Minha cabeça rodava pra caramba e algo tremeu na minha mão. Abaixei o olhar confusa notando meu celular e rindo sozinha de novo.

Não, não estava apenas bêbada. Estava muito bêbada.

Mal consegui ler as atualizações do Instagram e soltei um gemido quando vi que a foto que postei estava horrível.

— Preciso apagar isso — sussurrei, mas não conseguia me lembrar como se fazia.

Eu devia tomar um banho, mas ao me levantar, meu corpo caiu para um lado e bati na pia, rindo da minha tontura. Lancei um olhar para minha imagem no espelho pensando se ao menos conseguiria tirar a maquiagem. Uma nova onda de tontura decidiu por mim e mandei à merda toda a rotina de skincare e saí do banheiro apagando a luz no processo enquanto tropeçava até a cama, sem nem mesmo acender a luz. Pelo menos Alex não estava em casa. Ele ficaria furioso se me visse chegar neste estado. Fechei os olhos, suspirando e lutando contra um leve enjoo que começava a me dominar, e caí no colchão desejando dormir até amanhã, mas algo se moveu embaixo de mim. Gemi, achando que aquela sensação fosse por causa da embriaguez, mas então algo me empurrou da cama me fazendo ir ao chão.

— Que porra?...

Ouvi uma voz masculina acima de mim, quando a luz acendeu, me fazendo fechar os olhos com força e gemer não só pela claridade ofuscando minha retina, mas pela dor em meu corpo arremessado no chão.

Que diabos estava acontecendo? Será que eu já tinha caído no sono e estava sonhando?

— Charlotte?

Aquela voz...

Ultrapassou todas as camadas de álcool e confusão dentro de mim e chegou ao meu cérebro. Fazendo-me acordar por um instante e abrir os olhos, assustada para me deparar com Jack White em pé acima de mim, encarando-me horrorizado.

— Ah não... — gemi de novo, fechando os olhos, e rolando para o lado, querendo fugir.

Minha mente assoberbada lutava para achar algum sentido naquela cena enquanto tentava me levantar, sem muito sucesso.

— Que merda está fazendo aqui? — Escutei Jack indagando com uma voz furiosa.

Espera... ele estava bravo comigo?

— Eu que me pergunto o que está fazendo aqui... — consegui balbuciar dando-me conta da situação ridícula que me encontrava, seminua, me arrastando pelo chão no afã de me levantar.

Sem aviso, fui erguida do chão e colocada de pé, e focalizei meus olhos enevoados na figura de Jack White agora segurando meus ombros.

Seu olhar era de perplexidade e fúria.

— Você está bêbada, pelo amor de Deus!

Eu ri.

Tive que rir.

— Sim, acho que estou. — Solucei e a náusea de repente me fez gemer. — E acho que vou vomitar.

— Merda! — Jack praguejou e no segundo seguinte estava sendo praticamente arrastada até o banheiro e jogada em frente à privada, onde passei alguns minutos constrangedores vomitando todo o álcool que havia no meu sistema.

Depois disso, perdi um pouco a noção da realidade.

— Garota mimada e sem noção do caralho!

Acho que escutei Jack xingar e acredito que ele estivesse me xingando o tempo todo enquanto tirava minha cabeça pendurada no vaso e limpava minha boca.

Em algum lugar do meu cérebro alcoolizado, eu tinha noção que deveria estar constrangida, ou ao menos brava pela situação, mas estava tão esculhambada que não tinha forças para qualquer luta para preservar minha dignidade.

De repente eu me dei conta que estava deitada de novo e cobertas eram puxadas para cima de mim.

E apaguei.

 

Acordei na manhã seguinte com a cabeça martelando e gemi me virando e colocando o travesseiro em cima da minha cabeça.

Droga, o que eu tinha feito ontem?

Vagamente me recordei de estar em uma festa de inauguração de uma casa noturna. Asher Wilson, era esse o nome do dono do lugar. Minha amiga Valerie tinha insistido que eu fosse. Eu não tinha a menor vontade. Asher estava dando em cima de mim há algum tempo e diferente dos outros babacas, estava sendo mais insistente do que eu esperava. Mas Valerie disse que estaria sempre comigo, que apenas íamos nos divertir. Eu havia chegado à casa de Alex há alguns dias, aproveitando que ele estava viajando por algumas semanas a negócios para me livrar um pouco do ambiente opressor que era a mansão Black. Dali a três meses eu faria 21 anos e esperava que meu pai cumprisse o prometido de me presentear com um apartamento. Não aguentava mais viver no mesmo teto que minha família. Então, sempre que Alex permitia, eu vinha ficar em seu apartamento e trazia até Jacob, meu cachorro.

Por que merda eu tinha bebido daquele jeito? Eu não era de beber tanto. Mas Asher ficou o tempo inteiro me cercando. E beber parecia a melhor saída para aguentar, até que Valerie decidisse que podíamos ir embora.

Agora eu tentava me lembrar como é que eu tinha chegado ao apartamento, porque em minha mente havia apenas alguns flashes desconexos.

Um latido de Jacob me fez virar e abrir os olhos, tirando o travesseiro do rosto quando meu cachorro pulou em cima da cama.

— Bom dia, meu amor... — Abracei Jacob, enterrando o rosto em seu pelo macio, esperando me sentir bem o suficiente para me levantar e tomar um banho até me sentir humana de novo.

— Vai dormir o dia inteiro?

Arregalei os olhos ao ouvir a voz masculina em algum lugar do apartamento. Por um momento achei ser Alex, que tinha voltado mais cedo, mas então as memórias do dia anterior voltaram a minha mente.

Jack White me empurrando da cama.

Jack White pairando acima de mim enquanto eu tentava fugir.

Jack White me tirando do chão e me xingando de garota mimada e sem noção enquanto eu vomitava.

— Acho melhor levantar sua bunda folgada dessa cama e me explicar que merda está fazendo aqui, pois não tenho o dia inteiro — de novo ele gritou.

Soltei Jacob e puxei o lençol até o pescoço, olhando para a porta do quarto aberta em alerta como se Jack fosse entrar a qualquer momento.

Não que ele não tivesse visto tudo o que era para ver ontem, já que eu estava só de calcinha enquanto regurgitava em sua presença.

Como assim, Jack estava na casa de Alex? Não fazia sentido algum.

— Jacob, vem comer — ele chamou e sem nem mesmo hesitar Jacob pulou da cama, indo ao encontro da voz de Jack. O traidor.

— Se está esperando café na cama, pode esquecer — Jack gritou de novo.

E desta vez, pulei da cama, ignorando minha náusea e corri para a porta e a fechei. Passando a tranca só por precaução.

— Que merda, isso só pode ser um pesadelo — murmurei comigo mesma indo para o banheiro e abrindo o chuveiro.

Foi quando notei que em vez dos meus cosméticos em cima da pia, havia apenas coisas masculinas. Um barbeador elétrico. Uma loção pós-barba. Desodorante e mais algumas coisas que definitivamente não eram minhas.

Voltei ao quarto e percebi que aquele não era o quarto que eu escolhi para ficar.

Alex tinha cinco suítes naquele apartamento. Um era o seu, outro era um que eu não tinha permissão para entrar e estava sempre trancado e mais três quartos. Eu sempre escolhia o que tinha banheiro maior, porque minhas coisas ocupavam bastante espaço.

Bem, isso explicava eu ter caído em cima de Jack White.

Mas não explicava o que ele estava fazendo ali.

Olhei em volta à procura do meu celular e o encontrei em cima da pia.

Digitei uma mensagem para Alex.

“Que merda Jack White está fazendo no seu apartamento?”

E sem esperar resposta, entrei no chuveiro, para tentar clarear meus pensamentos.

Ao sair peguei a toalha e percebi que não devia ter tomado banho ali, pois teria que ir para meu quarto colocar uma roupa.

Ainda receosa, abri a porta e soltei um grito ao quase colidir com Jack White.

— Que inferno, não cansa de me dar susto? — reclamei segurando a toalha em frente ao peito e tentando fazer meu coração voltar a bater normalmente.

— Vim ver se não tinha morrido.

Revirei os olhos antes de focalizá-los em sua figura que eu não via há algum tempo.

Algumas coisas me passaram pela cabeça naqueles ínfimos segundos. Jack White ainda era lindo.

Os cabelos escuros continuam uma bagunça, porém aquele tipo de desleixo que em um homem como Jack ficava sexy. Seus olhos verdes ainda eram perturbadores, assim como a barba por fazer no rosto com algumas pintas e sardas que poderiam ficar ridículas em outra pessoa. Mas não em Jack White.

Só que provavelmente ele também continuava um escroto, se levar em conta que estava me encarando com o deboche de sempre. Com aquela expressão de superioridade e ironia, como se não tivesse tempo a perder com uma criança como eu.

Bem, eu não era mais uma criança, como quando nos conhecemos há sete anos.

E muito menos uma adolescente impressionável quando nos reencontramos três anos depois.

Lembrar dos acontecimentos de quase quatro anos antes me fez erguer o queixo com a melhor expressão de superioridade que consegui encontrar dada às circunstâncias.

— O que está fazendo aqui na casa do meu irmão?

— Acho que você que deveria explicar por que apareceu aqui bêbada como um gambá e pulou em cima de mim.

Arregalei os olhos e a boca, chocada com aquela insinuação.

— Eu não pulei em cima de você.

— Pois eu lembro muito bem... Estava até sem roupa...

— Eu achei que fosse meu quarto! E estava bêbada e o quarto escuro, e eu só me deitei para dormir! Não imaginei que iria encontrar um mendigo dormindo aqui! O que aconteceu? Virou sem-teto? Eu lembro bem que Alex te dava umas esmolas, mas achei ter ouvido algo sobre agora ter grana e não precisar mais da caridade da minha família...

Percebi o momento exato em que minhas palavras atingiram Jack quando o olhar de deboche desapareceu dando lugar à fúria.

Foi minha vez de sorrir.

— Falei alguma mentira?

Quem era debochado agora?

Sim, Jack, não sou mais aquela idiota , eu queria dizer, mas apenas passei por ele lutando para não correr.

— Parece que você passou esses anos aperfeiçoando sua capacidade de ser vaca com a Nora, ou foi com a Aria?

Eu o ouvi dizer atrás de mim, e o sorriso desapareceu do meu rosto quando virei antes de entrar no quarto e lhe mostrei o dedo do meio, batendo a porta em seguida.

— Que inferno! — praguejei largando a toalha e procurando uma roupa para vestir, torcendo para que Jack tivesse desaparecido quando eu saísse dali.

Depois de vestida com um jeans, encarei minha imagem no espelho, prendendo os cabelos no alto da cabeça e passando uma maquiagem para disfarçar minha cara amassada de ressaca. Minha cabeça ainda doía e meu estômago revirava, só que agora eu não sabia se era do álcool ou da raiva de Jack.

Não era como se eu não o tivesse visto naqueles anos, mas era sempre em ocasiões sociais em que mais pessoas estavam envolvidas e eu podia ignorá-lo sumariamente.

Fingir que não via seu olhar de escárnio me seguindo, como se ainda pudesse me atingir como fez um dia.

— Para de ser idiota, Charlotte — sussurrei a mim mesma.

Jack é só um babaca. Mais um que você terá que lidar na vida. Então levanta a cabeça e seja a vaca que ele lhe acusou de ser, quem sabe assim, ele apenas fará mais alguns comentários maldosos e te deixará em paz.

Com isso em mente saí do quarto e, como previ, eu o encontrei na cozinha.

Estava sentado na bancada com um notebook aberto e uma caneca de café do lado. Assim que me viu cravou em mim aquele olhar irritante, que eu ignorei, enquanto me abaixava para brincar com Jacob e depois abri a geladeira, pegando uma garrafa de Bellini e a abrindo, despejando o conteúdo rosado numa taça e suspirando quando o líquido gelado desceu pela minha garganta.

— Você é alcoólatra ou algo assim?

Levantei o olhar e Jack estava me encarando horrorizado.

— Não!

— Por que está bebendo, não está de ressaca?

— Ah, isso? Não é nada! — Dei de ombros, acabando de tomar minha taça. — Agora pode me dizer o que está fazendo aqui? — questionei ao me sentar à sua frente.

— Bem, eu tenho permissão. Meu apartamento está em reforma e Alex disse que eu podia passar uns dias aqui, já que está viajando. E pelo o que me disse quando falei com ele agora, não fazia ideia que você estaria aqui.

Ah merda.

Fechei os olhos, levando os dedos à testa, sentindo a dor de cabeça se acentuar. Parecia que Bellinis não estavam me ajudando, afinal.

Realmente não avisei Alex. Não achei que fosse preciso.

— Eu não avisei o Alex que viria — confessei por fim, abrindo os olhos e sorrindo amarelo.

— Então quem é a invasora?

— Aqui é a casa do meu irmão! Eu tenho mais direito de ficar aqui do que você.

— Pois eu não vou a lugar nenhum. — Ele se levantou fechando o notebook e passando por mim.

— Mas tem que ir embora!

— Vai você — resmungou abrindo os armários como se procurasse alguma coisa.

— Você não é rico agora ou algo assim? Pode muito bem ficar em um hotel ou sei lá.

— É aqui que vou ficar. — Ele finalmente para de abrir os armários e pega um copo, enchendo-o de água. — Então melhor pegar suas tralhas inúteis e dar o fora.

— Pois eu também não vou a lugar nenhum. — Cruzei os braços, com birra.

Jack White não fazia ideia com quem estava se metendo. Eu podia ser teimosa. E obstinada.

Ou simplesmente uma mimada filha da puta, como Aria me acusava às vezes. Tanto faz.

Só que de repente não estava com a menor vontade de pegar minhas coisas e sair com o rabinho entre as pernas só porque ele tinha decidido.

Jack se virou, sustentando meu olhar.

— Por que não quer ir embora? Tem algum motivo escondido para querer ficar aqui... comigo? — Deu um passo à frente levantando a sobrancelha e as implicações maliciosas da sua suposição bateram em mim como um tapa ardido.

Fez meu rosto corar de vergonha e indignação. E alguma coisa a mais sob a superfície que eu ignorei totalmente.

— Só nos seus sonhos!

— Se bem me lembro não sou eu que tenho esses sonhos.

Porra, ele ia mesmo jogar aquilo na minha cara?

— Você continua um cara sem classe alguma — rebati com todo nojo que consegui reunir. — Parece que dinheiro não faz diferença no caráter mesmo.

— Realmente, não faz no seu. Já que se transformou numa dondoca inútil.

— Ah vai se foder! — Pulei do banco e passei por ele, irritada.

Mas antes que conseguisse ir a qualquer lugar, fui puxada pelo braço e no minuto seguinte, Jack estava colocando um comprimido na minha mão e estendendo um copo de água.

— Toma essa merda, antes que tenha que te levar ao pronto socorro. Está com uma cara péssima.

Por um momento, fiquei tão atordoada que não consegui me mexer.

— Vai fazer eu enfiar isso na sua garganta? — ameaçou e por um momento achei mesmo que ele pudesse cumprir a ameaça.

E sem pensar, tomei o comprimido e a água lhe devolvendo o copo.

— Boa menina.

— Vai à merda!

Dessa vez dei meia-volta e consegui sair da cozinha.

— Jacob! — gritei no corredor, mas Jacob não me seguiu como sempre fazia.

— Lembra que ele era meu antes de ser seu! — Jack gritou da cozinha com riso na voz e eu bufei, batendo a porta do quarto.

Eu devia ir embora.

Era o que dizia a mensagem nada educada de Alex, confirmando que havia mesmo convidado Jack White para passar alguns dias em seu apartamento.

Jack tinha o poder de me tirar do sério ainda e eu deveria estar fugindo correndo. Porém, não sei o que foi que me fez apenas levantar e ir para a varanda de Alex, ligar o celular e fazer um stories dando bom-dia aos meus seguidores. Como se aquela fosse uma manhã comum e não tivesse aquele cara escroto me vigiando há poucos passos com um sorriso de zombaria no rosto bonito.

Jack é só mais uma pessoa que vê apenas meu exterior. Somente a menina rica e fútil. A boneca de porcelana dos Black, que ninguém nunca se deu ao trabalho de olhar mais de perto para notar que havia rachaduras por toda parte.

 

 


Capítulo 3

 

 

Dias atuais

 

— Charlotte, concentre-se!

Escuto o fotógrafo chamando minha atenção e percebo que estou congelada desde o momento em que meus olhos cruzaram com os de Jack parado em meio à produção que acompanha a sessão de fotos.

Com muito custo, desvio a atenção de sua figura e foco na câmera fotográfica, tentando fingir que nada está acontecendo, mas por dentro estou gritando.

Que merda Jack está fazendo aqui? Como ele me encontrou?

“Quem me dedurou?”, pergunto-me enquanto Mark se aproxima e segura minha cabeça no ângulo que ele quer.

Embora não deva, não consigo evitar voltar minha atenção a Jack de novo e ele está no mesmo lugar, embora preferisse que fosse fruto da minha imaginação. Porém, ele continua ali, o olhar ainda fixo em mim e mesmo àquela distância sinto sua raiva emanando tão forte como se pudesse me atingir.

— Está tensa, o que foi? — Mark toca meu braço, antes de se afastar, chamando minha atenção e forço um sorriso.

— Nada. Só é difícil fotografar assim.

— Está se saindo muito bem. — Seus dedos acariciam meu cotovelo e afasto o braço com cautela.

— Podemos continuar?

Mark finalmente se afasta para trás da câmera e continuamos.

Por fora estou sorrindo, mas por dentro estou surtando.

Não quero falar com Jack. Não estou preparada.

Eu sei muito bem que estou encrencada, porque conheço Jack. Ele provavelmente está querendo sangue. O meu sangue. E não estará contente até drená-lo todo de mim, e tomá-lo numa taça.

Jack White não tem limites para conseguir o que quer, não foi ele mesmo que me disse isso uma vez?

Eu tinha rido.

Desdenhei da obstinação em seu olhar.

E Jack me deixou fugir até a hora que decidiu que já bastava de brincar de gato e rato. Que já estava na hora dele dar o bote.

O que eu não fazia ideia é que aquela caçada tinha começado há muito tempo. Eu só não fora informada.

E agora, enquanto, continuo a sorrir para a câmera sei que Jack tem conhecimento do que se passa em minha mente. Ele sabe que estou verificando todas as rotas de fuga. Sabe que não vou ceder facilmente.

Sabe que não quero falar com ele e farei tudo que for possível para adiar este momento, como fiz durante todo aquele ano. Mesmo sabendo que o momento vai chegar.

É inevitável.

Acho que eu sempre soube. Desde o instante que entrei no carro de Alex e fugi.

Eu sabia que mais dia menos dia eu estaria cara a cara com Jack de novo.

Então, por que continuar adiando o inevitável?

Talvez eu deva ser madura e encarar Jack e dizer na sua cara que todo nosso envolvimento foi um erro e que eu nunca devia ter deixado chegar aquele ponto.

Talvez pedir desculpas. Talvez chorar um pouco e fazer a encenação que eu era mestre em fazer e com a qual tive sucesso em manipular por anos minha família. A única pessoa que era imune era Nora. Acho que por isso eu nunca gostei dela, sempre mantivemos um relacionamento de educação perto do meu pai, mas agora que ele se foi, acho que não precisávamos mais fingir que nos suportávamos.

Mas a quem eu quero enganar? Nora não é a única imune.

Jack também é.

Por isso mesmo que eu estou com tanto medo de encará-lo. Tenho total certeza que, se Jack insistir por tempo suficiente, eu vou dizer a verdade.

Vou confessar meus pecados e vou fazê-lo me odiar.

“Mas ele já não te odeia?”, uma vozinha insidiosa sussurra dentro de mim.

Não, ele não me odeia, concluo, voltando a encará-lo. Há raiva em seu olhar. Há frustração. Mas também há saudade.

Há paixão.

Há uma certeza inabalável de que mais uma vez ele vai me dobrar, com fez um dia.

No fundo, eu sei que Jack não está ali para brigar comigo. Ele está ali para brigar por mim.

— Podemos fazer um intervalo... — Mark sugere e respiro entre aliviada e amedrontada.

Quase antecipo os passos de Jack em minha direção e sei que dada às circunstâncias — e conhecendo a impaciência de Jack — ele já esperou demais.

Mas para minha sorte. Tess me alcança antes.

— Pelo amor de Deus, me tira daqui, rápido. — Agarro sua mão e a puxo na direção contrária a que Jack está vindo.

— O que foi? — Tess me segue confusa.

— Jack...

— O quê?

— Jack está aqui...

— Oh!

Ela finalmente entende e apressa o passo. Quase corro para uma das cabines e fecho a porta.

— Meu Deus, acho que vou vomitar. — Sento-me na cama, trêmula.

— O que ele está fazendo aqui? Como ele sabe?...

— Não faço ideia, mas não posso falar com ele ainda.

— Charli, na boa, acho que é tarde pra fugir.

— Não!

— Conversa com ele e pronto. Jack é um homem adulto e não um maluco criminoso que vai te obrigar a voltar com ele, ou fazer qualquer coisa contra você.

— Tess, você não entendeu? Jack não vai desistir! Ele está furioso comigo e não estou preparada para brigar com ele agora! Ainda mais aqui...

De repente alguém bate na porta nos interrompendo.

Paro de respirar.

— Charlotte, abre essa porta.

Porra, é o Jack.

Arregalo os olhos pensando se sobreviveria se pulasse da pequena janela do barco.

— Se acalme. — Tess toca meus ombros. E pega o celular. — Vamos adiar isso então! Ei, George? — Nossa, Tess está ligando para o segurança dela? — Tem um cara no barco, o nome dele é Jack White. Ele está aqui na porta da primeira cabine... Estou com a Charlotte. Preciso que venha aqui e o tire do barco... Não, não estou em perigo, apenas faça o que mandei. Ele é só um ex da Charlotte.

Ela desliga e me encara.

— Pronto.

As batidas na porta continuam.

— Vai ser criança e se trancar aqui pra sempre? — Jack insiste.

— Jack, não é o momento de falarmos agora, ok? — grito de dentro e me surpreendo com a calma na minha voz.

— Senhor, não pode ficar aqui.

Finalmente escuto a voz de George.

— Uma ova que não posso!

— Jack, não faça escândalo, por favor — imploro.

— Eu sou Jack White, seu idiota, o noivo da Charlotte, e não vou sair daqui até que ela saia deste quarto...

Tess revira os olhos e vai até a porta.

— O que vai fazer, ficou maluca?

— Eu vou resolver isso.

Ela abre a porta e eu me encolho perto da janela ao ver George bloqueando a porta para Jack que espia pelo ombro do segurança, seu olhar furioso encontrando o meu.

— Sai daí e vem me encarar, sua mimada do caralho!

— Ei, olha o palavreado, senhor. — Tess passa por George e fecha a porta. — Eu sou Tess Gray, muito prazer.

Caramba, como Tess pode ser a dama inglesa educada naquele momento?

— Jack White.

Escuto Jack resmungar.

— Senhor White, será que pode me acompanhar? Eu sou amiga de Charlotte e ela está hospedada comigo. E como pode ver agora estamos em meio a uma sessão de fotos. Além do mais, está assustando a pobrezinha com essa gritaria.

— Pobrezinha? — Jack ri. — Ela está manipulando você também? Aposto que sim, é a especialidade dela...

— Vai se foder, Jack. — Não contenho o grito.

— Vem dizer na minha cara, sua covarde de merda!

Por um momento, minha vontade é de realmente sair e fazer Jack engolir seus desaforos, mas sei que é isso que ele quer.

Ele sabe o que está fazendo.

Eu posso ser manipuladora, mas Jack também é.

— Senhor Jack, por favor, acompanhe meu segurança para fora do nosso barco. Estamos fazendo um trabalho aqui. E está atrapalhando — Tess ordena numa voz firme.

Quase sinto a luta de Jack. A vontade de arrombar a porta e a certeza de que George vai lhe dar uma surra se fizer isso.

— Ela não vai se esconder pra sempre.

Ele não diz isso pra mim, mas sua ameaça sai alta o bastante para que eu escute.

Ouço passos se afastando e solto o ar que nem me dei conta de estar segurando, porém não ouso sair do lugar, até que Tess entre novamente.

— Pronto. George o escoltou para fora e ele não tem permissão para entrar aqui, feliz?

— Claro que não. — Deixo a insegurança e o medo transparecerem em meu rosto e Tess se compadece. — Fiquei apavorada quando o vi! Meu Deus, devo ter envelhecido cinco anos...

Tess ri.

— Não é engraçado!

— Tem razão, não é. Mas ele já foi, ok?

— Como se não fosse me achar fácil agora... estou ferrada... Será que o Robert pode mandar um helicóptero aqui? Assim eu nem tenho que sair do barco... talvez eu devesse voltar a Inglaterra. Não, ele vai me achar lá, talvez Turquia? Não é lá que o Robert comprou aquele hotel superchique e...

— Para de ser ridícula.

— Tess, você não entende. Jack está muito bravo e ele vai me matar!

— Está me manipulando agora?

— Ah, não acredite nas merdas que o Jack diz. Ele sim que é um grande manipulador!

— Então fazem um belo casal.

— Vou fingir que não ouvi isso.

— Bem, vamos voltar às fotos? Ainda preciso terminar isso hoje para voltar amanhã cedo para Londres.

Eu a sigo me perguntando se conseguirei voltar a Londres com Tess amanhã, afinal.

Mas sei que a partir de agora, nada mais segue meus planos originais.

Estou à mercê de Jack White.

 

Quando a sessão termina, já anoiteceu. Ignoro o convite para um drink de Mark e vou para a minha cabine.

Tomo um banho e ligo para Alex, que não me atende.

Preciso saber como Jack me descobriu e não posso crer que alguém da minha família tenha contado. Confesso que no começo estava receosa que não fossem me apoiar e ceder, mas no fim todos tinham se mantido do meu lado. Até mesmo Nora e Aria e o escroto do Max.

E olha que Max era muito amigo de Jack. Claro que ele não sabia muitos detalhes, mas sabia que eu estava na Inglaterra na casa de uma amiga. Podia ter contado a Jack e não contou.

Estou saindo do chuveiro quando Tess entra no quarto, estendendo o seu celular.

— É pra você.

— No seu celular? Quem é?

— Acho que sabe.

Dou um passo atrás.

— Nem pensar.

— Por favor? Ele já ligou umas três vezes!

Merda.

Respiro fundo e pego o aparelho.

— Quer parar de importunar minha amiga?

— Se não tivesse mudado seu número para não falar comigo...

— O que você quer?

— O que eu quero? Está de brincadeira?

— Será que não entendeu que não quero falar com você? Não sei por que se abalou até aqui, aliás, como foi que descobriu meu paradeiro?

— Quer saber qual dos Black te dedurou, enfim?

— Ninguém da minha família faria isso.

— Foi o Alex.

— Mentira! — Não posso acreditar que Alex tenho me delatado, mesmo estando com raiva pelas retaliações de Jack nos negócios da família.

Mesmo Jack sendo um dos seus melhores amigos desde a faculdade. Bem, isso antes da minha fuga.

Agora Jack tinha declarado guerra.

Jack ri do outro lado do telefone.

— Seu reinado como dona do coração do seu querido irmão acabou.

— O que está falando?

— Ainda não sabe sobre Nina Giordano?

— Quem diabos é Nina Giordano?

— Acho que vai descobrir em breve. O que precisa saber é que eu escondi Nina do mesmo jeito que Alex te escondeu e como eu previ, ele abriu o bico sobre você, para que eu lhe devolvesse Nina.

— Como assim você... sequestrou essa tal de Nina?

— Não seja ridícula! Mas sabia que Alex estaria disposto a qualquer coisa quando passasse pelo o que eu passei. E se quiser mais informação podemos jantar hoje e eu te conto todas as tretas que aparentemente sua família vem lhe escondendo. Claro, depois que me disser por que me abandonou no dia do nosso casamento.

— Não seja ridículo você agora. Não vou jantar com você!

— Ok, deve estar cansada por passar a tarde sendo apalpada por aquele fotógrafo.

— Ninguém estava me apalpando.

— Do meu campo de visão estava sim. Então agora é modelo? Por isso me largou? Se queria ser modelo de calcinha eu podia dar um jeito. Não te disse que te daria tudo o que quisesse?

— Não foi por isso.

— O quê?

— Não foi por isso que fui embora. — Minha voz vai diminuindo e sinto Jack prendendo a respiração do outro lado.

Eu cruzei uma linha.

Merda.

— Olha, preciso desligar.

— Não desliga, por favor.

Não estou preparada para o desespero de sua voz subitamente destituída do sarcasmo habitual.

Fecho os olhos com vontade de chorar.

A culpa que eu tentava camuflar ameaçando emergir.

— Não posso falar com você, Jack...

— Não pode ou não quer? Quanto tempo mais acha que vai me evitar? Um ano foi ridículo demais, Charlotte, acabou.

Engulo o nó na garganta.

— Eu sei... — concordo afinal. — Mas não hoje.

— Então quando?

— Quando eu quiser!

E desligo, não lhe dando tempo de discutir.

Jogo-me na cama, lutando para respirar e enxugando as lágrimas idiotas que teimam em cair.

Sinto-me acuada.

Sinto-me triste.

Aquela tristeza não é nova pra mim. Ela é minha companheira constante desde o dia em que larguei tudo para trás.

Minha família, minha vida em Chicago. O cara com quem devia me casar.

E fugi para não ter que encarar que algumas decisões erradas poderiam ter consequências para a vida inteira.

Mas a decisão de largar Jack fora errada?

Eu acordava e dormia todo dia dizendo a mim mesma que não. Afastar-me de Jack era a única coisa que eu podia fazer, mesmo não sendo da maneira correta.

Só não queria encarar seu olhar se tivesse que lhe contar por que se casar comigo seria um erro que ele se arrependeria amargamente.

Mas eu estou preparada agora para lhe contar?

Sei que não estou.

Mas como fazer Jack me deixar ir quando eu sei que ele vai lutar por mim como se lutasse pela própria vida?

Eu sei a única coisa que vai fazê-lo ir embora e mesmo assim reluto.

Talvez isso diga muito sobre mim mesma, mais do que eu quero admitir.

 

 

 

 


Capítulo 4

 

 

Antes

 

Fiz o possível para ignorar Jack enquanto atualizava meu Instagram até que ele aparentemente se cansou e deu meia-volta entrando no apartamento.

Soltei o ar, irritada e respondi um recado de Aria que perguntava até quando eu ia ficar na casa da Alex. Como se ela se importasse de verdade onde eu estava ou deixava de estar.

Meus dedos tremeram um pouco, hesitando na hora de responder, e pensei em dizer que estaria voltando pra casa naquele mesmo dia, mas acabei respondendo que não sabia.

Confesso que achei que Jack estivesse apenas me provocando quando disse que ia ficar no apartamento de Alex, mas quando entrei na sala de ginástica um tempo depois me deparei com Jack treinando socos em um saco de pancada enquanto um rap alto explodia nas caixas de som.

Inferno.

Pensei em dar meia-volta e desistir de fazer esteira, mas num laivo de rebeldia, entrei na sala e fui direto para o aparelho de som de Alex, mudando a música para um pop meloso, rindo por dentro quando Jack finalmente notou minha presença enquanto eu caminhava de cabeça erguida até a esteira.

Sem dizer nada, ele parou e foi até o som, mudando de música de novo.

Seu olhar encontrou o meu através do espelho, em desafio e eu lhe mostrei o dedo do meio, começando a correr e o ignorando.

Bem, eu tentei ignorar, mas me vi prestando atenção em seus movimentos em volta do saco de pancada e então não consegui conter meu olhar de baixar para seu peito desnudo e suado.

Era realmente uma merda que Jack agora fosse ainda mais lindo do que quando eu o conheci. Não me lembrava dele ter todos aqueles gominhos na barriga e nem aqueles bíceps. Mas as pintas espalhadas por sua pele ligeiramente morena ainda estavam ali, lembrando que elas sempre me chamaram atenção, mesmo quando eu tinha apenas 13 anos e conheci Jack na beira da piscina da minha casa.

Naquela época eu era só uma menina impressionada com o amigo de faculdade bonito do meu irmão adotivo, que obviamente não me deu a menor atenção naquele instante, mais preocupado em secar Aria que exibia sua forma perfeita dentro de um biquíni minúsculo e suas amigas igualmente bonitas.

— Perdeu alguma coisa? — ele indagou parando de se mover e pegando uma garrafa d’água.

Desviei o olhar, vermelha.

Merda.

Merda!

— Estava reparando nessas suas pintas ridículas.

— Sim, percebi que estava reparando demais...

— Não estava! — Minha voz saiu estridente e aumentei a velocidade da esteira, para disfarçar minha vergonha por ter sido pega em flagrante.

O que foi um erro, pois tropecei nos meus próprios pés e comecei a xingar enquanto tentava diminuir.

Tudo isso com o som da risada de deboche de Jack no meu ouvido.

— Não devia rir de mim, não é educado — reclamei saindo da esteira.

Jack continuava rindo quando deitava no chão e iniciava algumas flexões.

— Desde quando sou educado?

— É, não é mesmo!

Peguei o celular e tirei uma foto no espelho e então comecei a gravar um vídeo, deixando a câmera focalizar em Jack.

Caramba, olha aquelas costas...

Mordi os lábios, admirando os músculos suaves ondulando enquanto Jack se exercitava.

Jack podia ser um cretino mal-educado, mas ainda era um dos caras mais bonitos que eu tinha visto. E chegar àquela conclusão me deixou muito irritada.

Não queria achar Jack atraente.

Bem, chegar à conclusão óbvia de que Jack é um cara atraente era diferente de se sentir atraída por ele.

Claro que não estava atraída por ele.

Não ia cometer aquele erro de novo.

— Estava me filmando? — Jack de repente notou que estava com a atenção nele, sentando sobre os joelhos e me encarando incrédulo.

— Claro que não! Por quê? Estava se exibindo pra isso?

— Não sou eu o exibido aqui — resmungou se levantando e pegando uma toalha e passando pelo rosto.

— Óbvio que estava se exibindo! Qualquer um pode fazer umas flexões dessas.

— Você não pode.

— Posso sim! Se eu quiser.

— Vai ficar aqui sentada, ou vai treinar?

— Problema meu!

— Podia ir fazer alguma coisa de útil então, como o almoço.

Arregalei os olhos, incrédula.

— Está de brincadeira, né?

— Por que não? Já que vamos ser roommates por alguns dias, ao que parece — ele diz com desagrado. — Você podia assumir essa tarefa.

— Só nos seus sonhos! Por que tenho que cozinhar? Por que sou mulher? Cozinha você!

— Não sou seu empregado.

— Nem eu sou sua empregada!

— Então como vamos resolver isso?

Dei de ombros, não querendo recuar.

— Vamos apostar.

— O quê?

— Você faz vinte flexões e eu cozinho para você.

— Não vou fazer.

— Disse que podia, que qualquer um podia — ele me provocou.

Certo, eu podia deixá-lo falando sozinho, mas eu já devia saber que Jack tinha o poder de me instigar a fazer coisas que eu me arrependeria depois.

Apenas para provar um ponto.

Então, eu me levantei e passei por ele, posicionando-me no chão.

— Pode contar! — desafiei.

Ele riu e começou a contar.

Começou fácil. Mas eu não era a pessoa mais condicionada do mundo, na verdade, eu odiava malhar, o que Aria me criticava dizendo que eu não seria jovem para sempre e que uma hora eu teria que fazer algo mais do que correr na esteira.

Então, quando eu caí no chão antes mesmo de chegar as vinte, com o rosto rubro de humilhação, tive que aguentar Jack rindo quando me estendeu a mão.

Eu a peguei, deixando que ele me erguesse.

— Espero que cozinhe melhor do que malha — seu comentário veio junto de um sorriso cínico e por um momento perdi um pouco o prumo, pois estava mais perto do que eu imaginava. Ele estava suado. Eu estava suada e ofegante. Sua mão ainda segurava a minha.

Ofeguei um pouco mais do que era esperado pelo exercício físico, mais impactada do que gostaria com aquela proximidade. Um calor súbito e inesperado banhando meu rosto, espalhando-se por minha pele fazendo meu coração acelerar ao me dar conta que uma onda de eletricidade passou de Jack para mim, fazendo o interior das minhas coxas tremerem.

Assustada, puxei a mão, dando um passo atrás.

— Você é tão idiota!

— Um idiota que espera comer bem. Ou vai dar pra trás? — Levantou uma sobrancelha com ironia.

Ergui o queixo em desafio.

— Não. Eu vou honrar essa aposta!

Saí da sala, ainda ouvindo sua risada, mais irritada do que nunca.

Que diabo foi aquilo?

Não era nada saudável me sentir atraída por Jack. Eu devia pegar minhas coisas e dar o fora dali. Pouco me importava aquela aposta ridícula.

Porém, em vez de tomar o rumo mais sábio, eu me vi, algum tempo depois, tentando fazer uma pasta ao molho Pesto que um canal de Youtube dizia ser muito fácil.

— Ora, ora, o cheiro não está ruim.

Jack entrou na cozinha ainda com suas roupas de malhar e eu tentei ignorá-lo enquanto me perguntava se coloquei pimenta demais no molho.

— Eu não sou essa idiota inútil que pensa, White — resmunguei colocando mais pimenta.

— Isso eu quero ver — provocou. — Vou tomar um banho enquanto termina.

Ele saiu da cozinha e quando provei o molho, quase engasguei. Estava simplesmente horrível.

— Inferno!

O que eu ia fazer?

Podia deixar que Jack comesse aquela gororoba apimentada e com sorte morresse engasgado, mas não queria que ele ficasse fazendo piada sobre minhas habilidades culinárias.

Pensando rápido, liguei para o restaurante italiano que ficava na esquina do prédio de Alex e consegui convencê-los a fazer uma entrega.

Para minha sorte, a comida chegou antes que Jack saísse do quarto e quando ele entrou na cozinha eu estava pleníssima, tomando uma taça de vinho branco.

E fiz um sinal para Jack sentar, enquanto lhe servia uma taça.

— Fique à vontade! — Apontei para o prato, esperando o momento que ele daria o braço a torcer.

Ele experimentou e me encarou, enquanto tomava um gole de vinho.

— E aí? — indaguei.

— Você trapaceou.

Engasguei.

— O que quer dizer?

— Eu vi você assistindo um canal no Youtube para pegar a receita.

Sorri secretamente.

Ah Jack, seu idiota.

— Culpada. Esses canais ajudam muito, é superfácil. Confesso que não sou uma cozinheira profissional, afinal, deve saber que em casa temos a Ellen.

— Claro, a mãe do Sebastian.

Sebastian Green era outro amigo de Alex e também de Jack. Os três estudaram juntos e Sebastian era filho de nossa governanta, Ellen.

— Sim, ela é maravilhosa. E nem deixa a gente chegar perto da cozinha dela. Mas como em breve terei meu próprio apartamento, estou aprendendo. Passei no teste?

— Para uma iniciante. — Ele continuou a comer e eu estava com muita vontade de rir, mas me contive. — Então, vai se mudar da casa dos Black?

— Sim, meu pai me prometeu me dar um apartamento quando eu fizer 21. Daqui a três meses.

— Claro, o papai vai lhe dar um apartamento.

Não me passou despercebida a ironia.

— Qual o problema? Por que fala com este desdém?

— Nada. Só que a maioria das pessoas trabalha para conseguir isso.

— Não vai me fazer sentir culpa.

— Alex me disse que largou a faculdade há mais de um ano.

— O que isso tem a ver? Eu não gostei da faculdade, não sou obrigada!

— Educação é um privilégio. E você jogou fora.

— Olha quem fala, meu pai que pagou sua faculdade! — No mesmo instante me arrependi da minha fala, mas era tarde.

Os olhos de Jack escureceram de raiva.

— Sim, tem razão, não nasci privilegiado. Não tenho pais ricos. Aliás, eu nem tenho pais! E como deve saber, eu paguei todos os centavos com juros. Coisas que duvido que vá fazer, com todo o dinheiro que ele vai gastar com seu tal apartamento.

— Desculpe, eu não quis...

O que eu sabia era que Jack tinha sido criado em um orfanato e nunca conheceu os pais. Quando ele entrou na faculdade, estava lutando por uma bolsa e Alex pediu que papai o ajudasse e assim foi feito. Ele se formou e começou um próprio negócio e hoje era um cara rico.

Mas ele tinha razão. As coisas não foram fáceis para ele só porque teve a ajuda do meu pai. Meu comentário fora ridículo.

— Você quis sim. — Ele se levantou e jogou o prato na pia. — Gente como você sempre quer! — Ele se afastou, irritado, mas antes que ele saísse da cozinha, eu o alcancei, puxando seu braço.

— Eu realmente não quis falar isso! — murmurei sentindo-me mal, meus olhos se enchendo de lágrimas sem que conseguisse me conter. — Nunca quis... foi insensível da minha parte.

Jack ficou me encarando e eu me dei conta que estava segurando seu braço e o soltei.

— Por favor, me desculpe.

Não queria que ele achasse que eu era tão insensível daquele jeito. Não era verdade.

— Está chorando? — ele indagou surpreso.

Pisquei, vermelha, tentando afastar a umidade dos meus olhos.

— Não! Quer dizer, você fica me provocando, por isso eu falo essas merdas! — eu me defendi.

— Eu falo umas merdas que não deveria também — admitiu por fim.

— Por quê?

— Por que o quê?

— Por que fica me provocando?

— Por quê? — ele devolveu a pergunta e era como se tivesse tanta coisa contida ali, em sua expressão que não sabia decifrar. Ele parecia bravo. Parecia... frustrado.

— Não entendi... — murmurei confusa.

Ele deu um passo para trás passando os dedos pelos cabelos.

— Espero que lave a louça.

Ah lá estava. O mesmo cretino de novo.

— Tem lava-louças.

— Está quebrada.

— Cadê a Marjorie?

Marjorie era a empregada de Alex que vinha algumas vezes por semana.

— Foi dispensada. Então melhor não perder tempo. Tenho trabalho a fazer.

Ele saiu da cozinha, deixando-me irritada de novo.

— Folgado do caralho! — gritei.

E foi a vez dele erguer a mão e mostrar o dedo do meio enquanto se afastava.

 

 


Capítulo 5

 

 

Dias atuais

 

Na manhã seguinte bem cedo, depois de uma noite em que eu mal dormi, decido que preciso confrontar Alex, já que ontem ele se recusou a atender minhas ligações e mal respondeu minhas mensagens furiosas. Pelo menos ele deixou escapar que estava no Hotel de Paris de Monte Carlo. E pelo que entendi estava com a tal de Nina.

Depois de inúmeras tentativas infrutíferas de falar com Alex, eu tinha ligado para Aria que ficou furiosa quando eu contei o que Alex fez.

— Claro que ele ia fazer qualquer coisa para saber onde estava Nina!

— E quem é essa? Pra que tanta comoção?

— Se estivesse aqui saberia que Alex está louco! Ele reencontrou essa garota que foi criada com ele e pelo o que entendi Nora não suporta e que inclusive culpa essa menina pela separação dela com o pai do Alex.

— Então ela é tipo irmã do Alex como nós? Achei que ele estivesse apaixonado por ela, ou foi o que Jack deu a entender.

— Ah ele está sim. É esse o problema. Ele a reencontrou e a colocou para trabalhar como sua secretária na Black, mas mentiu para ela, que não o reconheceu de pronto. E como se não bastasse ainda levou ela pra cama.

— Nossa, não acredito que Alex fez isso. — Realmente não combinava com Alex agir daquele jeito. Alex era um dos caras mais controlados que eu conhecia. Não conseguia imaginá-lo fazendo loucuras por causa de uma paixão.

— Mas ele fez. E agora ela descobriu e fugiu. Alex ficou louco sem saber onde ela estava em vez de deixar pra lá. Era o melhor que ele faria, mas ele estava obcecado. Ela sumiu por uma semana inteira e então ele descobriu que ela estava com Jack. — Aria soltou uma risada irônica. — Seu ex-noivo não dá ponto sem nó e sabia exatamente que Alex iria contar onde você estava para que devolvesse a Nina.

— Agora começo a entender... — De repente me sinto muito curiosa sobre essa tal Nina.

Quando Alex se mudou com a mãe para nossa casa, eu era muito pequena, não me lembro dele falando sobre sua vida antes de chegar a nossa vida e Nora se casar com meu pai.

— Então você e Jack se encontraram finalmente? — Aria indaga curiosa.

— Eu não falei com ele. Chegou aqui ontem e invadiu o iate dos Grays, eu estava em uma sessão de fotos de lingerie, pode imaginar? Foi muito bizarro, quase morri do coração quando o vi e tratei logo de fugir e me tranquei em uma cabine.

— Meu Deus, Charlotte, que infantilidade!

— Queria o quê? Jack está furioso comigo...

— Claro que está! Você fugiu no dia do casamento e sumiu por um ano inteiro!

— Eu tenho meus motivos e ele tinha que respeitar.

— Então fale pra ele esses seus preciosos motivos que imagino que deva ser uma bobagem! E devia mesmo casar logo com este cara e quem sabe assim ele deixa nossos negócios em paz.

— Isso não tem a menor chance de acontecer.

— Pois então diga com todas as letras e de repente ele para de querer brigar! Na verdade foi até bom Alex ter aberto o bico. Estava de saco cheio de aguentar essas suas criancices. Aposto que fez tudo pra chamar atenção, Max tem razão.

— Ah me poupe, não quero saber das opiniões do seu marido!

— Sei que não gosta do Max, mas sabe que ele é amigo do Jack e mesmo assim não contou onde estava. Tem é que agradecê-lo.

— Olha, eu preciso desligar. Estou com dor de cabeça e preciso pensar em como vou me livrar do Jack.

— Certo, espero que seja madura e resolva isso. Como pode ver, não tem mais a proteção do Alex, ele agora só pensa naquela secretária! Meu Deus, espero que Nora volte logo e acabe com essa palhaçada!

— Você sabe se Nora está doente?

— Como assim?

Quando Nora esteve na casa de Tess tentando me convencer a voltar, eu tinha encontrado uns exames médicos em seu quarto. Quando eu a confrontei, ela disse que estava em Londres para ver um especialista, mas que não era da minha conta e pediu que eu não comentasse com Alex.

Conto a Aria sobre esse episódio e ela fica surpresa.

— Não, claro que não sabia. Será que é grave?

— Não faço ideia, mas ela pediu que eu não contasse ao Alex.

— Eles não estão se falando muito ultimamente... Você notou? Desde que o papai morreu...

— Olha Aria, preciso mesmo desligar — eu a interrompo. — Nos falamos depois.

 

Eu desliguei me sentindo mais curiosa sobre Nina.

Aria disse que ela ficou uma semana com Jack.

Fazendo o quê? Não queria me sentir com ciúme, mas não pude evitar.

Bem, na verdade eu não tinha nenhum direito de sentir nada. Faz um ano que eu não vejo Jack e provavelmente ele deve ter fodido metade de Chicago neste meio tempo. Mas não me importava se ele dormiu com a tal de Nina do Alex ou com qualquer outra mulher.

Fui dormir repetindo isso para mim mesma, mas sabendo que era uma tremenda mentira.

Agora, enquanto subo para a suíte de Alex, que não foi difícil de descobrir qual era, afinal dinheiro comprava qualquer coisa, eu me pergunto se finalmente vou conhecer essa garota misteriosa que virou a cabeça de Alex. E quem sabe até de Jack.

— Alex, eu sei que está aí! — Bato na porta sem a menor cerimônia.

Não vou deixar que ele me ignore.

Escuto Alex soltar um palavrão, abrindo a porta em seguida.

— Pode fazer menos escândalo?

Passo por ele entrando na suíte antes que ele tenha a ideia de fechar a porta na minha cara e jogo a bolsa no sofá o encarando.

— Como pôde dizer ao Jack onde eu estava?

— Não podia se esconder pra sempre, Charlotte.

— Eu ia me encontrar com o Jack quando eu estivesse pronta e...

— Faz um ano que você diz isso, sinceramente, estou de saco cheio dessa sua fuga sem sentido.

— Não é sem sentido!

— Você largou o Jack no altar. No dia do casamento, acha que há algum sentido nisso? E ainda fugiu para não o encarar e lhe dar explicação!

— Isso é problema meu! Eu só queria que você mantivesse meu paradeiro em segredo! Era pedir muito?

— Sinceramente, era! E mesmo assim eu fiz, por você, porque era minha irmã e porque nunca vi você como naquela tarde em que me disse que se casar seria um erro e que precisava de um tempo. Ajudei você a se esconder, mantive seu paradeiro em segredo, mesmo perdendo um amigo. Acreditei que se queria isso é porque tinha um motivo forte. Acreditei que o Jack tinha feito algo imperdoável. Só que se nega a dizer o que aconteceu então fica difícil continuar te apoiando.

— Lindo seu discurso, mas acha que Jack não me contou que informou onde eu estava em troca dele te devolver a tal de Nina?

— Sim, foi exatamente isso que aconteceu.

— Então Aria tem razão? Essa Nina é mesmo uma garota que virou sua cabeça?

— Não sei que merda Aria te contou...

— Ela me contou uma história bizarra sobre irmã de criação por quem você estava apaixonado e fazendo um monte de merda e acho que acredito nela agora!

— Aria que só fala merda!

— Jack me contou a mesma história. — Ok, é um pouco de exagero, Jack não tinha me falado muito.

— Jack disse que eu estava fazendo merda?

— Não. Disse que só quando você passou pelo mesmo que ele que entendeu. É isso?

— Basicamente isso sim. Mas não deve perder seu tempo se preocupando comigo e Nina quando tem que resolver sua história com Jack. Então conversaram ontem? Você disse finalmente por que foi embora?

Ando até a janela, desviando o olhar, não querendo que Alex visse o tamanho do meu desespero.

— Jack está furioso comigo...

— Achou que ele estaria feliz?

Eu o encaro novamente.

— Eu não quero lidar com o Jack... Fugi porque não queria lidar antes e não quero lidar agora!

— Isso é problema seu!

— Como pode ser tão frio assim? — Sinto-me magoada com Alex.

Ele nunca me tratou assim.

Ok, eu sempre tive sucesso em manipulá-lo para que fizesse o que eu queria, mas agora começo a entender que Alex não vai mais agir do jeito que eu quero.

— Está indignada? Eu fiz demais por você, Charlotte! Agora chega! Está sozinha para resolver suas questões com Jack como bem entender. Quer continuar sendo imatura e fugir de novo? Faça isso, mas não me envolva no meio! Está por conta própria agora.

Sinto vontade de chorar ao perceber que ele está falando sério.

Alex está mesmo me deixando sozinha. E isso dói.

Papai se foi. Minha mãe sempre esteve mais preocupada com seus próprios assuntos do que comigo. Aria só pensava em si mesma e Nora nem vou citar.

Alex era a única pessoa em que eu confiava no mundo para ficar ao meu lado. E ele estava pulando fora.

Estou por conta própria agora.

Sozinha para lutar contra Jack.

— Então está indo embora? — indago sabendo que não adianta mais tentar dobrar Alex. Ele está decidido.

— Sim, vou voltar a Chicago com Nina.

— E você e essa Nina... — Alex está diferente. E Acho que Aria tem razão. Provavelmente tem tudo a ver com essa Nina.

Sinto um pouco de ciúme, agora não mais de Jack, e sim de Alex. Sei que é ridículo, não sou como Aria, que todo mundo sabe que tem uma paixão secreta por Alex. Uma paixão que todo mundo sabe que existe, mas finge que não vê. Uma paixão que nem seu casamento com Max apagou. Acho que uma parte de mim sempre desconfiou que um dia Aria iria assumir isso e deixar Max e ficar com Alex. Teve uma época que eu achei que ele também gostava dela, mas algo aconteceu para mudar isso. Eu era muito criança para entender, mas sabia que alguma coisa tinha mudado irreversivelmente em algum momento. Aria e Alex ainda eram muito unidos, mas agora como irmãos. Ou pelo menos era assim da parte do Alex. Eu demorei um pouco para entender aquela dinâmica estranha entre eles. Por mais que eu e Alex fôssemos muito ligados também, era diferente. Alex sempre me tratou como a irmãzinha, não como uma igual como tratava Aria. E isso sempre foi motivo para um certo ciúme da minha parte. Eu cheguei a achar, quando fiquei noiva de Jack, que isso iria mudar. Que eu estava mudando, crescendo. E que Alex me trataria como igual e não como irmã mais nova que precisava ser protegida de si mesma. Mas minha fuga só fez tudo regredir.

Naquela época, não me importei. Ter Alex me protegendo era tudo o que eu precisava. Eu me beneficiei daquele escudo que Alex manteve intacto contra Jack.

Mas agora ele não existia mais.

Tudo está mudando.

Há alguém mais importante para Alex agora.

— Não sei. Mas não é problema seu. — Sua resposta fria só vem corroborar com minha teoria.

Sacudo a cabeça, enxugando uma lágrima fortuita.

Sinto-me perdida.

— Sei que tem algo aí que não quer dividir, mas acho que precisa contar ao Jack, mesmo que isso seja o fim definitivo, ele merece saber — Alex diz com mais suavidade agora e por um momento eu quero contar a ele.

Quero lhe contar o que nunca contei a ninguém.

Mas recuo, sacudindo a cabeça em negativa.

— Eu não sei o que fazer. Sabe que não vai ser fácil me livrar do Jack agora...

— É isso mesmo que quer? Se livrar do Jack?

Dou de ombros, sem saber o que responder.

Sim eu preciso me livrar de Jack.

É diferente de querer me livrar.

— Aria disse que sua mãe está muito brava com essa história. — Eu mudo de assunto.

— Sim, e também não me importo — Alex responde e sei que está mentindo.

Nora o mantém em rédea curta e se ela não gostava dessa Nina, Alex teria uma luta pela frente, se é que teria coragem mesmo de lutar contra a mãe.

— E não sei se Aria te contou que Nora não estava viajando com amigos quando me encontrou em Londres — decido aproveitar para lhe contar o que tinha acontecido quando Nora esteve comigo na casa de Tess.

— Como assim?

— Ela tentou me enrolar com isso, mas eu vi uns papéis no quarto dela, quer dizer, no quarto em que ficou hospedada na casa de Tess.

— Que tipo de papéis?

— Eu não entendi muito bem e ela não quis me explicar, mas eram exames médicos.

— Exames médicos?

— Sim, e ela acabou confessando que estava em Londres para ver um especialista.

— Minha mãe está doente?

— Eu não sei, mas ela não teria viajado a Londres e mentido para ver um especialista se não tivesse ao menos a suspeita de algo sério não?

Eu tinha tentado pressionar Nora, mas ela fora enfática em se negar a contar e ainda pediu que eu não contasse a Alex, antes que ela mesma pudesse lhe explicar.

Eu tinha atendido a esse pedido, mas agora estou pouco me lixando.

— Sim, acho que tem razão, mas ela não me falou nada.

— Bem, Aria falou que vocês não têm se dado muito bem ultimamente.

— Sim. — Alex é evasivo e sei que não vai falar mais sobre isso.

— Eu vou embora.

Pego minha bolsa e Alex abre a porta pra mim e me abraça.

— Vai dar tudo certo.

— As coisas pararam de dar certo para mim há muito tempo e ninguém nem sequer percebeu... — balbucio antes de lhe virar as costas.

Entro no elevador, sentindo-me perdida.

Um ano inteiro de fuga. Um ano inteiro em que, no fundo, eu sabia que o tempo estava se esgotando.

Eu achei que Jack iria desistir. Achei que ele ficaria furioso por um tempo, mas que uma hora me deixaria em paz. Que me esqueceria.

Mas um ano inteiro se passou e ele não esqueceu.

Eu sei que fui covarde. Sei que deveria ter encarado Jack e dito que não queria mais me casar. E muito antes de deixar chegar tão longe, a ponto de não restar nada a não ser fugir e deixar que o tempo acalmasse tudo.

Mas o tempo apenas agiu contra mim. Jack está furioso e não vai descansar até que eu...

O quê?

Volte pra ele?

Não, isso não vai acontecer.

Eu preciso pôr um ponto final. Preciso lhe dizer com todas as letras e olhando em seu rosto que não vamos ficar juntos.

Mas estou preparada para confessar meus motivos?

Saio do elevador e me detenho, surpresa ao ver Jack no saguão do hotel vindo em minha direção.

Seus passos são decididos e o olhar é puro fogo e fúria.

Paraliso no lugar sabendo que não tenho mais para onde fugir.

A hora do confronto que eu adiei por um ano chegou, afinal.

 

 

 


Capítulo 6

 

 

Antes

 

Eu nunca lavei aquela louça.

Em vez disso fui para meu quarto, arrumei-me, peguei minha bolsa e saí sem dar satisfação a Jack.

Quando voltei já era noite e minha esperança de que Jack tivesse ido embora, depois de perceber que eu não ia ficar no apartamento o dia inteiro para que pudesse ficar me provocando, o que era claramente sua intenção, caiu por terra quando segui até a cozinha de Alex e encontrei um notebook aberto no balcão e uma taça de vinho, sinal de que Jack ainda estava por perto.

— Ainda aqui? — Não disfarcei minha contrariedade ao jogar a bolsa em cima do notebook aberto, e ir até a geladeira à procura de uma bebida.

Se for para aguentar Jack mais uma noite, eu precisava de um drinque.

— Então você voltou.

A voz de Jack me fez virar, segurando uma garrafa de vinho. E ele não parecia nem um pouco feliz enquanto caminhava até o notebook e tirava minha bolsa de lá, jogando-a no chão sem a menor cerimônia.

— Ei... — Corri para pegar minha bolsa, furiosa, olhando com cuidado para ver se não tinha sofrido nenhuma avaria. — Por que fez isso? Podia ter estragado!

— Nossa, quem escuta você falando assim, parece que eu joguei um bebê no chão e não uma bolsa qualquer.

— Não é uma bolsa qualquer, é uma Birkin!

— Grande merda.

— Ela é muito cara!

— Você deve ter uma coleção de bolsas caras como essa.

— Não essa! Meu pai me deu de presente quando fiz 18 anos, ela é da coleção super-rara desenhada pelo Jean-Paul Gaultier durante seu período na Hermes! Sabia que ano passado um modelo dela foi arrematada por mais de 208 mil dólares num leilão?

— Meu Deus, que futilidade!

— Problema meu! Agora nem ouse mais tocar na minha bolsa, entendeu?

— Ok, não ponho a mão no seu bebê precioso!

— Vou ignorar sua ironia! Não me importo.

— Onde estava? — indagou fechando o notebook.

— Não é da sua conta, mas se quer saber, estava no salão. Fui fazer minhas unhas, meus cabelos. Estava de mau humor e nada melhor para mudar o humor do que isso.

Jack revirou os olhos, tomando um gole de sua taça, o olhar me estudando.

— Está bonita.

Ah merda. Perdi o prumo com o elogio. Se bem que vindo de Jack, não dava para saber se era verdadeiro ou deboche.

— Eu sei. — Sorri dando meia-volta para sair da cozinha, mas me surpreendi com suas palavras seguintes.

— Já que fez o almoço, fiz o jantar.

Olhei para trás, notando que ele arrumava a mesa para dois.

— Sério?

— Sim, apenas retribuindo o favor. Está vendo não sou tão horrível assim. — Ele sorriu.

Em qualquer um o sorriso podia ser adorável, mas vindo de Jack, tive minhas dúvidas.

— Eu vou... lavar a mão.

Corri para meu quarto e chequei minha maquiagem e cabelo que ainda estava bem bonito depois de sair do salão. Olhei para minhas roupas. Eu usava um jeans e camisa bem simples. Será que devia me trocar?

De repente parei, surpresa com minha linha de pensamentos.

Eu estava preocupada com minha aparência como se estivesse indo a um encontro, o que absolutamente não era o caso.

Era apenas um jantar entre... amigos?

Jack não era meu amigo. Mas era o quê?

Soltei o ar devagar, minha cabeça dando voltas. Havia um lado meu que se lembrava de outra ocasião com Jack. Uma ocasião em que eu estava muito preocupada também com qual impressão ele ia ter de mim.

Uma ocasião em que eu tinha me arrumado com um propósito muito específico e que tinha acabado muito mal.

Irritada, prendi meu cabelo no alto da cabeça e tirei minha maquiagem.

Não estava ali para impressionar Jack White.

Não mais.

Voltei para a cozinha e me sentei, ignorando a sobrancelha levantada de Jack em curiosidade. Ele tinha notado minha “desarrumação”.

Era bom notar mesmo.

Ele me serviu vinho e notei que havia no prato um filé e salada Caesar.

— E se eu fosse vegetariana?

— Você não é.

— Como sabe?

— Eu já cozinhei para você antes, lembra?

Tomei um gole do vinho, minha memória voltando para quase dez anos antes.

— Duvido que lembra o que eu comi.

— Hambúrguer. — Ele começou a comer.

— Então parece que evoluiu. Está muito bom — reconheci ao experimentar o filé —, mas eu podia ter virado vegana nesse tempo.

— Não virou.

— Não tinha como saber.

Ele finalmente levantou a cabeça do prato me fitando de forma intensa.

— Eu saberia.

— Duvido. Nós mal nos encontramos nesses anos... — Abaixei a cabeça para minha comida, incomodada com a intensidade do seu olhar.

— Sua memória é um tanto fraca, nós nos encontramos várias vezes.

— Nós nem nos falamos! — Claro que ele tinha razão. Jack era um dos melhores amigos de Alex e também muito próximo de Max. Eu já tinha esbarrado com ele em muitas ocasiões, mas preferia ignorá-lo. E achava que ele me ignorava também.

— Isso não quer dizer que eu não te notava.

Levantei a cabeça devagar, surpresa com este comentário, mas Jack estava com a atenção no seu prato como se não tivesse falado nada demais.

E talvez não tivesse mesmo.

Enchi minha taça de novo, tomando um longo gole e me perguntando se eu estava ficando bêbada e começando a ver significados ocultos naquela conversa.

Jack não gostava de mim. Ele deixou bem claro isso há quase cinco anos. De lá para cá, eu o evitava e achava que ele fazia o mesmo.

Eu achava que era invisível para Jack, mas ele acabou de dizer que me notava?

Merda. Pare com isso, Charlotte. Agora.

— O que foi?

Jack levantou a cabeça, fitando-me curioso.

— Algum problema com a comida?

— Não, estava muito boa. — Empurrei o prato, tomando o resto do vinho e concluindo que não tomaria mais nada.

Já bastava o vexame de ontem à noite.

— Deve estar mesmo, já que pedi no mesmo restaurante que pediu o almoço.

Engasguei-me com o vinho, começando a tossir e Jack estava rindo.

— Como... como?...

— Você deixou as embalagens no lixo.

— Ah merda!

— Eu devia saber que não sabia cozinhar nada.

— Nem você pelo visto!

— Eu cozinho sim, mas confesso que não tão bem assim e muito menos ia cozinhar pra você.

— Claro, já que me odeia.

— De onde tirou essa ideia? — Ele de repente ficou sério.

Enrubesci, dando de ombros e contrariando minha resolução enchi mais uma taça de vinho branco.

— É o que parece, já que está sempre me provocando.

— É engraçado provocar você. Fica bonita irritada. — Ele sorriu por cima de sua taça e de novo tive a impressão que ele estava... O quê? Flertando comigo?

Não. Eu devia estar bêbada provavelmente.

— Bem, eu sou bonita de qualquer jeito! — rebati com ironia.

— Tem razão. Você é — concordou com suavidade.

E dessa vez eu tive certeza de que não estava inventando. Ele estava mesmo flertando comigo.

A reação do meu corpo quando me dei conta deste fato me pegou de surpresa.

Abaixei o olhar para minha taça, lutando contra a vontade de sorrir de volta. Perguntando-me se dava para ele ouvir as batidas do meu coração.

— Então não me odeia — consegui voltar a falar levantando o olhar, e tentando parecer blasé .

— Não. Mas fiquei sabendo que você me odeia.

— Ficou sabendo?

— Alex me disse.

— Oh.

Talvez eu tivesse destilado algum veneno naqueles anos, quando Alex perguntava por que eu não falava com Jack.

— Era mentira?

Sacudi a cabeça em negativa.

— Quer dizer. Ódio é uma palavra muito forte.

— Tudo por causa daquela noite?

Ele disse casualmente, mas seu olhar era sério.

Respirei fundo, irritada pela conversa seguir aquele rumo.

— Claro que não — menti.

Jack ficou me encarando, e eu sabia que ele não tinha acreditado.

Bem, que se danasse.

— Enfim, isso não tem a menor importância. Você é só o amigo do meu irmão e eu sou só a irmãzinha do seu amigo.

Só me dou conta que repeti as palavras que ele tinha me dito há cinco anos depois de falar.

Agora era tarde.

— Sabe que eu achei que nem fossem ser amigos por muito tempo. — Mudei o foco da conversa.

— Por quê?

— Porque são muito diferentes.

— Quer dizer, Alex é rico e eu sou pobre?

— Era pobre, pelo o que ouvi falar. — Não queria que ele achasse que eu sabia muito mais do que devia saber sobre a vida dele.

Jack havia se formado com Alex e ido trabalhar na Black, onde ficou por dois anos, até que abriu sua própria agência de investimento e em pouco tempo ele tinha se tornado um dos jovens milionários da cidade.

Alex falava de Jack com admiração. Assim como meu pai.

O que era um tanto irritante.

— Sim, acho que tem razão.

— Deve estar feliz.

— Por que tenho dinheiro?

— Sim, claro.

— Dinheiro não é tudo. Claro, não deve saber nada sobre isso, sempre teve dinheiro.

De repente me senti curiosa sobre Jack. Sobre quem ele realmente era por trás daqueles sorrisos sarcásticos e atitudes impulsivas.

— Sim, minha família sempre teve dinheiro. Mas eu entendo de infelicidade — murmurei.

Por um momento não falamos nada e tive a impressão que Jack queria saber do que eu estava falando, mas eu apenas ri e tomei mais um gole de vinho.

— Pobre menina rica — ironizei e ele riu.

— Por que você não seria feliz? Você não tem tudo?

— Eu não tenho tudo.

— O que quer dizer? O que acha que falta pra você?

Eu me levantei, sentindo um pouco de tontura. Já estava na hora de acabar com aquela conversa.

— Acho que cansei desse papo...

Mas antes que eu saísse da cozinha, Jack puxou meu braço.

— Vamos, me fale. O que falta para a pobre menina rica?

Revirei os olhos ante seu tom cheio de sarcasmo, tentando ignorar o calor de sua mão em meu braço.

Socorro, eu estava meio bêbada.

— Me diz você primeiro. Você é feliz? Acha que tem tudo agora que tem dinheiro?

— Não, eu não tenho tudo.

— Então o que falta?

— Você.

 

 


Capítulo 7

 

 

Dias atuais

Por um momento, tenho vontade de seguir em frente e passar direto, mas sei que não vai adiantar, então apenas respiro fundo e espero que ele chegue até mim.

— Como sabia que eu estava aqui? — indago com a maior frieza que consigo reunir.

— Tess me disse.

— Duvido que ela tenha dito de boa vontade.

— Acha que eu fiz o quê? Torturei sua amiga até que ela me contasse?

— Diga-me você. — Eu tinha deixado uma mensagem para Tess dizendo que iria encontrar Alex no hotel, e pedi que me esperasse para que eu fosse embora com ela para Londres.

Ela sabia que eu não queria ver Jack.

— Na verdade, sua amiga é bem mais razoável do que você. Tivemos uma longa conversa ontem à noite.

Arregalo os olhos, surpresa.

— Ontem à noite?

— Antes que eu a convencesse a passar o telefone para você.

— E o que disse a ela para convencê-la?

— Na verdade, não precisou muito. Pergunte pra ela, mas já adianto que talvez demore um pouco, ela deve estar entrando agora no seu jato particular que a levará para a Inglaterra.

— Mentira, ela ia me esperar!

— Parece que mudou de planos.

— Aposto que isso tem dedo seu! — rebato, irritada por Tess ter me deixado para trás.

— Sua amiga apenas deve ter cansado de fazer suas vontades que não tem o menor cabimento. Ontem ela me disse que eu podia ir até o iate e que ia convencê-la a me receber.

— Quer mesmo que eu acredite?

— Porém ela me ligou e disse que tinha saído para encontrar Alex — ele prossegue ignorando minha descrença. — E pela sua expressão desolada acredito que já deve ter percebido que Alex já não está nem aí pra você.

— Não é assim!

— Aposto que é.

— Parece bem satisfeito, não é? O que acha que vai acontecer agora? Eu continuo resoluta. Não vou falar com você!

— Ah vai sim.

— Não, fique olhando!

Passo por ele, que não parece disposto a me deixar escapar e se coloca na minha frente, impedindo que eu continue.

— Sai da minha frente — sibilo baixo, olhando para os lados e me perguntando se teria sucesso se gritasse que Jack era algum maluco que estava me perseguindo.

— Escute. Sabe que não pode mais fugir. Precisamos conversar — diz calmamente. Calmo demais, aliás.

Aperto os lábios, tentando refutar.

Talvez eu deva acabar logo com aquilo. Dar a Jack a conversa que ele tanto quer e colocar um ponto final naquela história.

E torcer para que isso baste.

Ele percebe quando começo a ceder e quase posso ver seu olhar brilhando de satisfação.

Ele sabe que ganhou um ponto.

— Certo, parece que estamos começando a nos entender — diz com a presunção que lhe é peculiar. — Vamos até minha suíte e...

— Espera. Acha mesmo que vou entrar num quarto de hotel com você?

— Qual o problema? Podemos pedir um brunch e conversar como adultos. Acho que pode ao menos fingir por um tempo que é adulta e se comportar como tal?

— Acha que acredito que você vai se comportar?

Em minha mente me vem outra conversa como essa, Jack também tentando me acompanhar a um quarto de hotel.

O desfecho tinha sido bem diferente do que eu queria agora.

— Alguma vez eu já te obriguei a alguma coisa? — Começa a se irritar.

— Obrigar talvez não seja bem a palavra. Convencer. Persuadir. Manipular...

— Olha quem fala!

— Eu nunca te obriguei a nada! Você sempre fez o que quis na hora que quis. “Olha só, eu não te quero. Opa, agora eu te quero.”. Não foi sempre assim? Na hora que você quis, quando quis...

— Está sendo absurda.

— Vai negar? Todo nosso relacionamento foi sempre nos seus termos!

— Menos quando estávamos prestes a nos casar e aí decidiu que tinha que ser como você queria. E fugiu sem nem ao menos dar uma explicação. Quem está errado aqui?

Bufo, porque não tenho como argumentar.

— A única coisa que estou te pedindo é uma conversa — insiste, num tom mais razoável. — E uma explicação. Acho que me deve isso.

— Só isso? E vai me deixar em paz?

Ele hesita.

— Está vendo. É disso que estou falando! — Tento passar por ele de novo, mas desta vez ele segura meu braço.

— Charlotte...

— Não põe a mão em mim! — Soltei-me, irritada.

Não quero que Jack me toque.

— Ei, por que de repente está agindo como se eu fosse um maníaco perseguidor? — Agora ele está verdadeiramente irritado.

— Por que você é?

— Está sendo ridícula como sempre.

— Sim, eu sou ridícula, então por que ainda está aqui?

— Está de brincadeira?

— Algum problema aqui?

Nós dois paramos a discussão quando escutamos a voz de um segurança nos interrompendo.

Enrubesço, olhando em volta, e percebo que estamos chamando a atenção com nossa pequena contenda.

— Não, nenhum — Jack responde me encarando com um olhar de “olha só o que causou”.

O segurança parece indeciso por um instante, mas acaba se afastando.

— Está vendo o escândalo? — Jack reclama.

— Você que começou!

— E quer saber? Eu vou continuar, então é melhor me acompanhar, como estou pedindo educadamente.

— Pedindo ou persuadindo?

— Semântica...

Hesito por um momento, sabendo que Jack é capaz de cumprir sua ameaça e não me deixar em paz. Eu posso conseguir me livrar dele hoje, mas sei que vai continuar insistindo até conseguir o que quer.

E talvez deva me sentir contente pela única coisa que ele exige ser uma conversa.

— Tudo bem — cedo, afinal, e avanço em direção ao elevador, não sem antes ver no olhar de Jack uma mistura de alívio e frustração.

— Pare de agir como se fosse uma vítima em direção ao sacrifício. — Seu dedo ataca o botão do elevador e mantenho minha cabeça virada para a porta que se fecha.

— Não pode mandar no que estou sentindo.

Sei que pareço bastante resoluta por fora, mas por dentro estou começando a sentir medo.

Estou apavorada por ter me colocado naquela situação, tendo que ficar sozinha com Jack.

Quando sei que ele quer arrancar a verdade sobre o que aconteceu há um ano a qualquer custo.

O elevador para e Jack sai na frente. Eu o acompanho até a porta do quarto que ele abre e faz um sinal para eu entrar.

Adentro em uma sala elegante com vista para o oceano. Pelo menos é mesmo uma suíte, bem longe de uma cama.

Claro que Jack não vai me obrigar a ir pra cama com ele, ou algo assim. A questão é que eu já disse “não vai rolar” a Jack tantas vezes e no fim acabei exatamente onde ele queria — com ele em cima de mim — que não confio em mim mesma.

Um ano sem botar os olhos em Jack devia ter me curado daquela atração irresistível que eu sentia por ele, mas começo a perceber que não é bem assim.

Talvez eu deva torcer para que a atração dele tenha desaparecido.

Pensar nisso devia me deixar aliviada, mas só faz meu peito apertar e é por isso que sei que estou numa enrascada quando Jack fecha a porta atrás de si.

Sentindo-me subitamente sufocada, saio para a sacada, fecho os olhos, deixando o sol de outono aquecer meu rosto e minha respiração voltar ao normal. Digo a mim mesma que não tenho nada a temer. É só uma conversa. Jack não pode arrancar nada de mim sem meu consentimento.

— Vai ficar aí o resto do dia?

Sua voz impaciente me chama de dentro da suíte e eu me volto, um tanto mais calma. Sempre fui boa em fingir. Em deixar que pensassem que eu não estava nem aí para nada, apenas preocupada se meu cabelo estava bonito ou com a nova coleção de algum estilista badalado. Era mais fácil assim.

Todos os meus amigos eram superficiais e em algum momento da minha vida — que eu sabia bem qual — até o relacionamento com a minha família tinha se tornado um tanto raso.

Eu mesma não cheguei a pensar que meu relacionamento com Jack seria assim?

Eu devia mesmo ter deixado naquele nível.

Possivelmente não estaria nessa confusão agora.

Entro na suíte, mantendo meu rosto impassível e meu olhar recai sobre a mesa de café da manhã posta. Jack deve ter usado o tempo em que eu fiquei na varanda para pedir o tal brunch . Como se eu conseguisse comer agora.

Ele arrasta uma cadeira para eu me sentar, num gesto exagerado e rolo os olhos, sentando-me apenas para não causar mais discussão desnecessária.

— Espero que ainda tome Bellini no café da manhã. — Serve a minha bebida preferida e um pouco da minha compostura vai para o ralo.

— Você lembrou.

— Eu lembro de tudo. — Seu tom é irritado. Como se preferisse não lembrar.

Bem, então somos dois.

Pego a taça levando aos lábios enquanto Jack se serve de café. Aparentemente, ele também não está com fome.

Prosseguimos com nossas bebidas em um silêncio tenso até que Jack olha o relógio impaciente.

— Eu tenho mesmo o dia inteiro, mas gostaria que essa conversa não durasse tanto tempo.

— Certo, o que quer? — Coloco minha taça com cuidado na mesa.

— Por quê? — Ele vai direto ao ponto.

Ok, lá vamos nós.

Engulo em seco e mantenho meu rosto impassível.

— Foi algo que... eu tinha que fazer.

Jack respira fundo e percebo que está começando a se irritar de novo.

— O que você tinha que fazer era se casar comigo.

— Eu penso diferente, como deve ter percebido.

— Vai continuar sendo engraçadinha? Sabe que não vai sair daqui enquanto não me disser que merda estava se passando por sua cabeça. — Sua voz se eleva.

Arqueio a sobrancelha.

— O quê? Vai me manter em cárcere privado?

— Você entendeu!

— Olha, queria saber por que eu o deixei e é isso. Não era pra ser. E eu percebi a tempo e...

— Percebeu? Assim, minutos antes da cerimônia? De vestido de noiva?

— Talvez tenha sido antes.

— Ah, antes? Então estava tudo planejado?

— Não, eu não planejei... — refuto, indignada por achar que eu tinha planejado minha fuga.

— Então que porra aconteceu? — Ele se inclina para frente, como um leão prestes a atacar, frustrado e irritado. Tento manter a calma que estou longe de sentir. — Simplesmente se deu conta de que não queria se casar comigo?

— Simplificando, sim.

— Ah vai se foder! — Ele se levanta batendo os punhos na mesa.

— Você queria saber e é isso — minto descaradamente enquanto me levanto devagar. Como se não estivesse louca para sair dali. — Agora posso ir?

— Claro que não! — Respira fundo, como se para se acalmar. — Você ainda não me disse por quê.

— Eu não posso simplesmente ter mudado de ideia...

— Não. Acho que seria uma atitude horrível até para você, nivelar uma decisão dessa a um simples "mudei de ideia".

— Talvez eu fosse mesmo essa pessoa horrível.

— Eu não acredito.

— Ah não? Sempre disse que eu era uma mimada, imatura, manipuladora. Então, é isso.

— Eu sei o que está fazendo. — Ele se aproxima devagar. Cercando-me. O olhar incisivo preso nos meus, não deixando que eu me afaste.

Merda.

Meu cérebro grita para fugir, mas não consigo me mexer.

— Está mentindo. Descaradamente, como se acostumou a fazer. Como faz sabe Deus desde quando e por quê. Sabe que eu sempre quis te entender, quando ficou assim. Porque age assim, quando no fundo, sabe que não é essa pessoa.

— Você não sabe nada sobre mim...

— Ah, eu sei.

Ele está perto agora. Sinto sua presença magnética dominando todos meus sentidos, causando uma bagunça em meu autocontrole.

— Você é sim uma menina mimada e manipuladora. Mimada desde que eu te conheci quando tinha só 13 anos. Manipuladora quando nos encontramos de novo quando tinha 16. Mas em algum momento, você montou esse personagem para si. Enganou todo mundo, sua família inteira. Mas nunca me enganou.

— Talvez você tenha sido o mais enganado.

— Não. Nunca conseguiu me enganar.

— Ah Jack, você não é especial como gosta de pensar. Eu te enganei sim, enganei tanto que fui embora sem que nem se desse conta. E mesmo agora ainda está aqui, querendo algo de mim que não posso dar. Porque não sou essa pessoa que acha que sou. Não sou quem você quer.

— Você é exatamente quem eu quero.

De repente já não há nem um espaço quando ele toca meu rosto.

— Não... — Tento me afastar, mas ele me impede.

— Então apenas olhe nos meus olhos e me diga por quê?

Sacudo a cabeça em negativa.

Por que reluto? Por que não digo logo o que ele acha que quer ouvir?

É quando me dou conta da terrível verdade que camuflei dentro de mim durante todo aquele ano.

Eu não quero contar. Não quero que Jack saiba e comece a me odiar.

Ele tem razão, montei aquela personagem porque não consigo lidar com o peso dos meus erros. Acreditei que Jack fosse como todo mundo, que acreditaria naquela encenação. Mas ele foi além. Fez-me querer ser diferente, fez-me querer ser aquilo que ele achava que eu era.

E tarde demais eu me dei conta de que não poderia ir em frente.

E em vez de encarar Jack e vomitar toda a verdade, eu tinha fugido como uma covarde. Apostei que Jack iria me odiar e me esquecer.

Mas no fim, era mentira.

Eu conhecia Jack. Ele não ia me esquecer.

Não ia sossegar até me achar. E percebo agora que era isso que eu queria o tempo todo. Como a boa mimada e manipuladora que sou.

Eu ainda não conseguia abrir mão dele.

Quão doentio era aquilo?

— Sinto muito — peço perdão pela primeira vez. — Eu deveria ter ficado e te contado que não poderia ir em frente. Fui covarde e imatura e não quis encarar isso, porque sabia que estava errada. Sim, eu estava errada, ok?

— Estava errada em me deixar?

— Não. Errada em ter aceitado casar com você quando eu sabia que não ia poder ir em frente.

— Por que não?

Aí está.

A pergunta crucial.

Afasto suas mãos do meu rosto, dando um passo para trás, sacudindo a cabeça em negativa.

— Acabou, era isso que queria ouvir? Acabou. Devia ter dito isso na sua cara há um ano, mas estou dizendo agora.

Caminho até o sofá e pego minha bolsa, colocando-a no ombro e avançando até a porta.

— Então é isso? Um ano se escondendo pra me dizer isso? — Sua frustração é latente quando caminha atrás de mim.

Eu me viro uma última vez.

— Sim, sinto muito. Já faz um ano, Jack. Devia ter esquecido.

— Você esqueceu?

Quero responder que sim.

Que um ano é tempo demais.

Mas eu gosto daquele cara desde que eu tinha 13 anos.

Um ano não é nada.

Então, como não quero mais mentir, apenas dou de ombros e me viro para partir, mas Jack me puxa pela mão e antes que eu possa fugir, sua boca desce sobre a minha.

As mãos prendendo meu rosto próximo ao dele enquanto os lábios se recordam dos meus. Suspiro, fraca de uma saudade que não estou preparada para sentir.

Jack sabe o que está fazendo. Há desespero e saudade, mas também há persuasão calculada para me dobrar.

Para me fazer ficar, como tantas vezes ele fez.

E por um momento louco, quero me deixar levar.

Quero deixar meus dedos que estão crispados em sua camisa permanecerem ali, puxando-o para perto. Quero deixar minha língua se enroscar com a dele um pouco mais. Quero deixar seus quadris saberem que serão bem-vindos entre os meus quando ele se aproxima mais, deixando claro seu desejo.

Mas sei que se eu ficar, não vou poder mais me enganar que será apenas um momento perdido no tempo.

Jack tem todas as intenções e lembrar disso me faz soltar um soluço e o empurrar.

Ainda sem enxergar direito sob o peso das lágrimas que embaçam meus olhos, saindo tropegamente pela porta, quase correndo até o elevador, rezando para que ele não venha atrás, por que não sei se terei mais forças para afastá-lo, quando todo meu corpo está gritando em revolta com minha mente por tê-lo privado do contato com o dele.

Quando meu coração está batendo fraco e triste, porque sabe que minha mente já tomou uma decisão há um ano e não está disposta a voltar atrás.

 

 


Capítulo 8

 

 

Antes

 

Por um momento achei que não ouvi direito.

Mas de repente a atmosfera mudou totalmente, tornando-se densa e sufocante. E tem tudo a ver com o olhar de Jack que abaixou lentamente até minha boca.

Ele queria me beijar.

E o mais aterrador é que eu queria que ele me beijasse. Muito.

Oh. Meu. Deus.

Uma fraqueza súbita me fez arquejar enquanto meu sangue eletrizou nas veias fazendo meu coração disparar no peito e um calor proibido se espalhar por minha pele, instalando-se inconvenientemente entre minhas pernas.

— O que disse? — consegui sussurrar, ainda achando que talvez estivesse alucinando.

— Que eu quero você? — Ele deu um passo à frente, abaixando a cabeça, até que seus lábios estivessem a um centímetro dos meus.

Respirando-me.

E eu fiz o mesmo, deixando-me levar por aquele desejo que, a quem eu queria enganar? De súbito, não tinha nada.

Ele sempre esteve ali, pulsando embaixo da minha pele, só esperando o momento certo para dizer um “oi, sou eu, o tesão que você tem pelo Jack White há tanto tempo que nem estamos mais contando”.

E é justamente este pensamento que jogou um pouco de realidade em minha mente entorpecida.

Sim, fazia um tempão que Jack causava essa reação em mim. Não era algo novo ou surpreendente.

Mas a diferença é que ele nunca demonstrou sentir o mesmo. Muito pelo contrário.

— Você não gosta de mim — murmurei fechando os olhos para tentar escapar daquela onda de calor que vinha dele e aquecia tudo em mim.

Senti sua mão em minha nunca, obrigando-me a ficar no lugar e eu nem tinha percebido que estava começando a me afastar. Seus dedos se insinuando entre meus cabelos.

— Quem disse que não gosto de você? — Sua voz saiu dentro da minha boca, seu hálito maravilhoso era como veneno, intoxicando-me.

Soltei um gemido baixo, perdida, tentando ser coerente.

— Você... — Junto com minha resposta vem uma torrente de lembranças nada agradáveis.

Lembranças de quando Jack me disse exatamente isso.

Eu não gosto de você.

E foi o suficiente para que eu caísse em mim e me afastasse, empurrando-o com força.

— Ei... — Jack me encarou perplexo enquanto dou alguns passos para trás.

— O que pensa que está fazendo?

— Eu estava prestes a te beijar — ele respondeu simplesmente.

— E quem disse que eu quero que me beije?

Ele riu, o que me irritou mais.

— Não precisa dizer.

— Pois eu não quero.

Ele franziu a testa me estudando, percebendo que estava falando sério.

— Não quer?

— Não. Não quero.

— Você queria há cinco segundos.

— Escuta aqui, por que está fazendo isso?

— Isso o quê?

— Está agindo como se gostasse de mim, quando você mesmo me disse que não gosta de mim.

— Ah... — Ele riu ainda mais, seu olhar mostrando entendimento. — Isso é algum joguinho de vingança pelo o que te disse quando tinha 16 anos?

— Claro que não!

— Pois é o que parece.

— Pois não é! Se fosse seria como se eu tivesse ficado chateada com você por aquilo e eu não fiquei, não me importei nem um pouco.

— Você ficou sim... — Sua expressão tornou-se séria, como se tivesse se dado conta disso naquele momento. — Charlotte, você tinha 16 anos.

— E daí?

— E daí que você era irmã do meu amigo.

— Eu ainda sou.

— Mas não tem mais 16 anos.

— O que quer dizer?

— O que nós dois sabemos que queremos. — Ele avançou em minha direção de novo.

— Não vai rolar. — Andei para trás, batendo na parede, voltando a sentir aquela velha atração me dominar.

— Ah vai...

— Não vai!

Ele parou e cruzou os braços.

— O que você quer, Charlotte?

— De você? Nada. Quero que me deixe em paz!

— Eu não posso.

— Como assim?

— Eu quero você e o que eu quero eu consigo.

Ele disse isso como se fosse algo corriqueiro. Como se não fosse um absurdo.

— Pois não vai ter!

E dei meia-volta praticamente correndo até meu quarto e me trancando lá dentro.

Encostei na porta e levei a mão ao coração.

Minha mente relembrando toda nossa estranha conversa. O momento em que Jack estava prestes a me beijar.

Minha nossa, aquilo tinha mesmo acontecido?

Jack White disse com todas as letras que estava a fim de mim?

Como ele ousava?

Sim, eu estava com raiva. Mesmo que a menina de 16 anos em mim estivesse vibrando, a adulta que eu era hoje estava esbravejando.

E enquanto me preparava para dormir me dei conta que estava triste.

Jack mudou de ideia tarde demais. Há cinco anos eu teria me rendido sem nem pensar.

Hoje, eu só podia lamentar não ser mais aquela menina sonhadora.

Jack White não era mais pra mim. E para sua nova e calculada sedução eu só poderia dizer não.

Mesmo meu corpo e meu coração sussurrando que sim.

 

 


Capítulo 9

 

 

Dias Atuais

 

Quando cheguei a Londres há um ano, estava uma bagunça. Eu havia atravessado o oceano em um jato particular, cortesia de Alex, menos de 24 horas depois de ter desistido do casamento e ficado escondida em um hotel, com apenas um pensamento fixo: precisava colocar a maior distância possível entre mim e Jack. O medo que ele me encontrasse era tanto que não havia espaço para pensar racionalmente no que significava deixar tudo para trás.

E a realidade só me bateu quando cheguei a Londres e toda a adrenalina da fuga abandonou meu corpo e eu me dei conta de que abri mão de uma das melhores coisas que aconteceu na minha vida.

Jack não era mais meu. Eu abri mão dele.

Para sempre.

Tess me encontrou chorando em cima da minha única mala, feita às pressas por Alex, com as coisas que sobraram em seu apartamento, visto que a maioria das minhas coisas já estava na casa de Jack.

A casa que deveria ser nossa e onde eu nunca iria morar.

Não me recordo direito daqueles primeiros dias. Do vazio supremo que transformou todo meu mundo em cinza. Eu só tinha vontade de chorar e lamentar por ter estragado tudo. Perguntava-me em que momento eu tinha perdido o direito a ser feliz. Onde eu tinha me perdido.

Agora, um ano depois, eu me sinto do mesmo jeito, quando Tess me encontra após três dias que retornei de Mônaco.

Tess é uma das pessoas mais compreensivas do mundo e ficar em sua companhia naquele ano fora de grande ajuda, pois ela me deixou chorar tudo o que eu tinha para chorar sem fazer perguntas, até que eu estivesse pronta para seguir em frente.

E eu achava que estava seguindo em frente, mesmo ainda escondida ali, longe da minha família e sem ter a menor intenção de dar uma explicação a Jack, até que ele apareceu em Mônaco bagunçando tudo de novo e fazendo com que eu percebesse que o “seguir em frente” era uma ilusão.

Eu não estava seguindo em frente, estava só me enganando.

E é exatamente o que digo a Tess, depois que ela me obriga a tomar um chá e contar como tinha sido minha conversa com Jack.

— Eu acho que tem razão. Ainda não está superado, Charlotte — comenta com cuidado.

— E o que eu vou fazer? Achei que tinha esquecido. Inferno, achei que ele iria me esquecer, mas...

— Ele quer você de volta.

Quero dizer que não, mas sei que seria uma mentira.

— E acho que você sabia o tempo inteiro, não é? Tudo o que a Aria te dizia, ou a sua madrasta e até mesmo seu irmão, de como Jack estava agindo. Estava claro que ele não ia sossegar até te achar — ela deduz.

— Agora achou! E eu lhe disse na cara que não quero ficar com ele.

— Mas não é verdade — rebate.

Desvio o olhar, culpada.

Tess sabe a verdade. Ou parte dela.

— Querida — ela segura minha mão —, acho que deve contar. Sabe que deve.

— Achei que não ia precisar — confesso com vontade de chorar de novo.

— Olha, eu te deixei ficar aqui, deixei que curtisse sua fossa por ter terminado um relacionamento, e te ajudei como pude. Porque sabe que já passei por isso...

— Sim, eu sou muito grata a você...

O casamento com Robert não era o primeiro de Tess e eu sabia tudo sobre seu outro casamento que acabou muito mal.

Saber da história de amor malsucedida de Tess e ver como ela encontrara o amor de novo com Robert, fazia com que eu me sentisse esperançosa de um jeito que sabia ser perigoso.

Será mesmo que um dia eu seria feliz daquele jeito? Duvido muito.

— Acho que já está na hora de voltar pra casa.

— Está me expulsando, Tess?

Ela sorri.

— Não é nada disso. Mas sabe que tenho razão. Tem sua vida em Chicago.

Sorri com tristeza.

— Não tenho uma vida que valha a pena em Chicago.

Estremeço ao me lembrar que encarar Jack não é meu único medo ao retornar a Chicago.

— Duvido que pense assim de verdade.

— Eu gostei muito de Londres... Talvez eu deva procurar um apartamento para mim aqui... — cogito.

Realmente eu já tinha abusado da hospitalidade dos Gray.

Robert era um cara que não se importava de me ter por perto. Dizia que eu fazia companhia para Tess, já que ele, como presidente de uma rede de hotéis por toda Europa, além de outros empreendimentos, viajava bastante.

— Eu ia adorar continuar a ter você por perto, mas talvez esteja pensando nisso apenas para continuar fugindo.

Sei que Tess tem razão, mas não consigo tomar nenhuma decisão.

Fui ingênua ao achar que ainda teria tempo de decidir que rumo dar a minha vida, mas agora o tempo se esgotou.

— Enfim, chega de chorar! Se soubesse que estava trancada aqui, se lamuriando, teria vindo mais cedo. Limpa esse rosto, veste uma roupa bonita. Vamos sair.

Ela se levanta, dando ordens.

Espio a hora no celular, a tarde está caindo rápido.

— Para onde?

— Esqueceu que a semana de moda começou hoje? Temos convite para o desfile da Stella. E nem inventa que tem medo de ser vista e fotografada ou sei lá mais o que, porque agora que o Jack te descobriu, não precisa mais se esconder.

Isso ela tem razão. Mas saber que reconquistei, em termos, minha liberdade, não me deixa mais animada para sair.

— Não estou com ânimo...

— Um desfile de moda e você não está com ânimo? — Tess ri.

— Pra você ver o meu estado...

— Eu te falei que é primeira fila? — ela insiste. — Ouvi dizer que a Anna Wintour estará do nosso lado...

Ah merda.

Ela sabe como me dobrar.

Sou muito fã da editora da Vogue.

— Tudo bem... — Jogo as cobertas para o lado. — Mas só porque você insistiu!

— Até convenci o Rob a ir junto.

Ela sorri feliz, saindo do quarto.

Depois de um banho, maquiagem e arrumada com vestido curto e preto da última coleção da Stella McCartney, sinto-me quase humana de novo.

Tess está radiante, usando um terninho vinho quando deixamos Robert absorto em alguma ligação de trabalho no celular e entramos no local do desfile, achando fácil nossos lugares. Não consigo deixar de me sentir amedrontada, afinal, é a primeira vez que eu realmente estou em um local assim, tão público e cheio de câmeras em um ano. Não que eu seja uma pessoa famosa ou algo assim, mas não queria arriscar que alguma imagem minha chegasse até Chicago. Agora isso não importa mais.

Pensar que, apesar de todas minhas tentativas de me manter escondida, Jack me encontrou deixa-me apreensiva e com um frio na barriga. Porque por mais que eu tenha o deixado para trás em Mônaco, sei que ele não vai desistir de falar comigo de novo.

E isso me deixa apavorada para dizer o mínimo.

E estou tão absorta em meus pensamentos sombrios que não estou prestando a menor atenção no desfile, até que Tess aperta meu braço inconscientemente e eu viro para perceber que ela está com um olhar nada feliz na passarela.

— Que merda!

Sinto que tem alguma coisa errada porque Tess não é de falar palavrão, como boa filha de pastor que é.

— O que foi?

— Não sabia que ela tinha voltado a desfilar — sussurra com desgosto e sigo seu olhar para ver uma modelo loira percorrendo a passarela.

— Quem?

— Jasmine.

— Oh, aquela é Jasmine Christensen? — Olho com mais atenção a moça de beleza deslumbrante que sorri ao dar a volta na passarela, nos dando uma boa visão do seu traseiro em um vestido transparente preto. — Faz tempo que eu a vejo desfilando desde... — Então eu paro, entendendo a chateação de Tess.

Jasmine Christensen é uma modelo de origem dinamarquesa que dominara o cenário da moda durante uns dois anos até que se casou com o milionário Robert Gray e deixou as passarelas.

Eles tinham se divorciado com um ano de casamento. Isso aconteceu há quase dois anos. Obviamente antes de Tess se casar com Robert, depois do fracasso do próprio casamento.

Ela nunca me falava sobre essa história, e eu respeitei seu silêncio. Afinal, eu mesma tinha segredos jogados para debaixo do tapete.

A única coisa que ela contou é que se casou muito nova, o casamento durou cinco anos e que depois conheceu Robert e se casaram.

Já o casamento de Robert era de conhecimento público, já que o relacionamento da modelo mais bonita do mundo e de um dos caras mais ricos da Europa foi amplamente noticiado pelas redes de fofocas. Eu era só uma adolescente naquela época e ainda me divertia com essas histórias de bastidores, mas quando eles se separaram já não acompanhava notícias de tabloides e não faço ideia do que realmente aconteceu. Se é que foi público.

Aparentemente, Tess ainda tem problemas com isso.

— Sim, desde que se casou com Gray — Tess comenta por fim quando a modelo desapareceu nos bastidores. — Ela voltou a fazer alguns trabalhos quando se separaram, mas depois... Enfim, estou surpresa de vê-la aqui.

— Não encana com isso. — Aperto sua mão, porque ela ainda parece abalada.

Bem, talvez eu também ficasse se a ex do meu marido fosse uma beleza nórdica daquelas e que ainda por cima foi considerada um dia a mulher mais linda do mundo.

Só que eu acho que Tess não tem motivos para se preocupar. Robert é apaixonado por ela, não há dúvidas.

Robert não aparece para assistir o desfile e acho que Tess estaria brava em outras circunstâncias quando saímos do local onde estava ocorrendo o desfile e chegamos até um lobby onde é servido coquetel.

— Onde Robert se meteu?... — Ela o procura freneticamente, enquanto pego uma taça de champanhe, notando que algumas modelos estão por ali.

— Relaxa, vai ver ele nem entrou ainda.

Robert era um cara legal, mas um workaholic .

— Vou ver se eu o acho. — Ela se afasta antes que eu possa impedi-la.

Pego uma champanhe, sentindo-me um tanto deslocada sozinha e em meio a tanta gente. No último ano eu evitava estar em local público, ainda mais com fotógrafos, apenas acompanhando Tess em seu trabalho e ocasionalmente saindo para jantar com ela sozinha.

Eu estava me escondendo do mundo e não só com medo de Jack descobrir meu paradeiro, mas também porque não tinha mais ânimo para nada.

Agora isso não faz mais sentido. Porém, sinto-me mais do que nunca perdida, sem saber qual rumo tomar.

Esvazio minha taça de champanhe rapidamente e suspiro, já pensando em ir atrás de Tess e pedir para irmos embora, quando vejo Robert perto do bar, conversando com um homem de costas para mim. Avanço em sua direção e meus passos ficam incertos, porque reconheço quem é, mesmo antes de que Robert levante o olhar para mim, um tanto apreensivo.

— Aí está ela.

Neste momento, Jack se vira, prendendo o olhar em mim e não me resta alternativa a não ser continuar a me aproximar.

Estou com raiva por Tess não ter me avisado que eu teria aquela surpresa nada agradável.

Estou enfurecida por Jack ter conseguido se aproximar dos Gray para me atormentar mais um pouco.

Bem, eu devia saber que ele não ia desistir tão fácil.

— O que faz aqui? — sibilo, irritada.

Jack sorri, tomado um gole do uísque que tem em mãos.

— Boa noite para você também. Pelo que vejo este ano em Londres não lhe tornou mais bem educada. — Lança a Robert um olhar indulgente. — Deve ter sido difícil para você como inglês ter que aturar uma criatura selvagem do novo mudo como essa.

— Ah cala a boca!

— Ei, nada de brigas — Robert nos interrompe. — Cadê a Tess?

— Estava te procurando... — respondo ainda encarando Jack. — Posso saber o que veio fazer aqui?

— Jack entrou em contato comigo há alguns dias. Ele nos visitou em York — Robert responde calmamente.

— Como é? Ele não fez isso? Ele foi na casa da sua irmã?

Robert e Tess tinham viajado para York para o aniversário da sobrinha deles.

— Sim, foi muito agradável — Robert dá de ombros, sem dar mais detalhes da inusitada visita.

Encaro Jack, irritada.

— Você perdeu a noção de vez? Que diabos pensa que está fazendo?

— Vou procurar a Tess... — Robert se afasta, com certeza para não presenciar a briga iminente.

— Eu queria conversar com sua amiga, já que você não queria falar comigo — ele diz sem a menor culpa.

— Isso é ridículo!

— Então eu liguei para ela e perguntei se podia encontrá-la. Ela disse que tudo bem, mas que não iria contar nada sobre você.

— E mesmo assim você foi?

— Ela insistiu. Disse que queria me conhecer.

— Inacreditável! — Por que Tess não tinha me contado sobre isso?

Certamente, ela sabia que Jack estaria aqui hoje também como sabia que eu me recusaria encontrá-lo ali se soubesse.

— Ela é uma mulher formidável — Jack diz com admiração. — E me apresentou Robert. Tivemos uma conversa muito agradável sobre negócios, inclusive. Ele está quase me convencendo a investir aqui. O que acha?

— Eu acho que você passou dos limites!

— E também conhecia toda a família do Robert. Eu confesso que tinha uma visão diferente dos ingleses, mas são pessoas muito legais. Aliás, toda a região é incrível, muito bonito. Penso que seria interessante ter uma propriedade aqui, já que gostou tanto...

— Que absurdo está falando?

— Tess me disse que passaram uns dias lá, há uns três meses e que você adorou.

— E daí? Você caiu de cabeça por acaso? Por que está me falando toda essa merda? Como se fosse amigo do Robert e da família dele...

— Agora acho que sou sim.

— Ah para de ser idiota! Sei muito bem o que está fazendo! Está envolvendo meus amigos, para que assim consiga me manipular, e sei lá, me fazer voltar com você, mas não vai adiantar!

— Ok, me pegou — ele não nega, com um sorriso astuto.

— Pois perdeu seu tempo me seguindo até aqui!

— Não te segui...

— Ah sim!

— A bebida é boa. Modelos bonitas... Aquela com Robert não é a tal Jasmine?

Eu sigo seu olhar e meu queixo cai ao ver Robert entretido em uma conversa com a ex-esposa.

— Droga, Tess vai ficar muito brava...

— Por quê?

— Aquela é a ex-esposa do Robert.

— Ele foi casado com Jasmine Christensen?...

— Sim, e Tess está todo apreensiva por vê-la aqui hoje... Homens! Ele não devia estar conversando com ela!

Olho para os lados e avisto Tess, que parece ainda está procurando Robert e decido que não quero que ela veja o marido com a tal Jasmine.

— Vou afastar a Tess, será que poderia fazer alguma coisa de útil e tirar o Robert de perto da Jasmine?

Jack ri.

— Por que diabos eu faria algum favor pra você?

— Não é pra mim, é pra Tess!

Ele coloca o copo no balcão.

— Ok, mas me deve uma.

— Só nos seus sonhos — resmungo indo em direção a Tess.

Ela sorri ao me ver.

— Ei, ainda não achei o Rob!

— Ele deve estar ocupado ainda naquela ligação... Por que não vamos indo?

— Já?

— Estou morrendo de fome. Podemos ir jantar.

— Mas o Rob...

— Manda uma mensagem, e pede pra ele nos encontrar no carro. — Puxo Tess para a porta me distanciando dos convidados. Ainda me viro de costas para ver se Jack fez o que pedi e agora ele parece entretido numa conversa com Jasmine e Robert.

Respiro aliviada quando saímos para a noite fria e o motorista dos Gray abre a porta para nos acomodarmos no banco.

Tess manda um recado para Robert.

— Ele está lá dentro. Parece que estava me procurando e também não achou.

Ah, sim, bem vi que ele estava procurando a esposa.

— Ele vai nos encontrar aqui — conclui desligando o celular mais calma e me encara.

— Onde quer ir comer?

— Por que não me disse que o Jack ia estar aqui?

Tess enrubesce.

— Ah, ele veio então?

— Fala sério, Tess, que traidora!

— Eu só comentei que viria neste desfile e que ia tentar te trazer...

— Quando? Quando ele estava lá na casa da sua família? Por que não me disse?

— Porque ia ficar brava como está agora!

— Claro que estou brava!

— E não teria vindo.

— Não teria mesmo! Jack vai ficar me perseguindo agora?

— Ele quer conversar com você e sabe que lhe deve isso.

Suspiro, sabendo que Tess tem razão.

Robert entra no carro naquele momento, interrompendo nossa conversa.

— Onde se meteu? — Tess questiona o marido.

— Estava te procurando.

Levanto a sobrancelha com ironia, mas não falo nada.

Talvez eu tenha exagerado e Robert não estivesse fazendo nada demais, apenas conversando com Jasmine. E se ele não disse nada a Tess sobre isso, certamente sabe que ela não vai gostar nada de saber.

Mas no fundo não é da minha conta.

Quem sou eu para dar lição de moral em alguém?

 

Decidimos comer no The Ivy e eu e Tess nos entretemos numa conversa sobre as tendências que vimos no desfile até que Tess para de falar e arregala os olhos.

— Que diabos?...

Acompanho seu olhar e Jasmine está entrando no restaurante. Só que minha preocupação com Tess é substituída por perplexidade ao ver que a modelo não está sozinha.

Jack está ao seu lado, tirando seu casaco, enquanto a segue até uma mesa do outro lado do salão.

— O que ela está fazendo com Jack White? — Tess indaga surpresa e olha de mim para Robert, que dá de ombros.

— Eles se conheceram no desfile, acho.

— Como sabe?... — Tess franze o olhar. — Espera, você a viu lá? Falou com ela?

Lá vamos nós.

— Sim, eu a vi, conversamos brevemente. Até que Jack apareceu e pediu que eu a apresentasse. — Ele me lança um olhar rápido. — Não sabia que ele a traria para jantar. Me desculpe, Charlotte.

— Não peça desculpas a mim, eu não me importo com quem Jack janta ou deixa de jantar! — esbravejo.

Mas estou enfurecida.

Eu pedi para ele tirar Jasmine de perto de Robert e não para entretê-la num jantar!

O que isso significa?

Sem conseguir me conter, me viro e dali vejo apenas Jack que está sentado de frente para nossa mesa, e os cabelos loiros de Jasmine.

Ele me vê no mesmo momento e sorri, voltando a atenção para algo que a garota diz.

Desvio o olhar, mais irritada ainda.

A merda é que estou com ciúme e não queria estar.

Não deveria me interessar se Jack está flertando ou não com uma mulher. Na verdade ele deve ter feito mais do que isso nesse último ano depois que o deixei. Não é porque ele passou todo aquele tempo querendo saber onde eu estava, que não tenha saído com ninguém.

Agora me dou conta de que eu nunca tinha pensado nisso. Na possibilidade de Jack dormir com outras mulheres. Ele não estaria me traindo, claro. Eu o abandonei. Eu abri mão dele.

Óbvio que Jack poderia transar com quem quiser. E deve ter feito isso com certeza. Eu deveria inclusive ficar bem satisfeita, afinal, se ele se apaixonasse por outra pessoa me deixaria em paz.

Mas só em pensar em Jack se apaixonando por outra pessoa já sinto como se toda a vida fosse drenada do meu peito.

E não quero me sentir assim. Não é justo.

Nem comigo.

E muito menos com Jack.

— Não sei por que está brava, foi uma conversa rápida... — Volto ao presente com Robert discutindo com Tess que está com cara de poucos amigos.

— Então por que não me disse? — Ela o encarou, irritada.

— Vai mesmo discutir isso? — Robert diz no mesmo tom e percebo que não quero ver aquela briga entre eles.

Robert e Tess são um casal feliz. Nunca os vi discutindo, pelo menos na minha frente.

Mas parece que aquele assunto da Jasmine era algo delicado entre eles.

— Eu vou ao banheiro...

Eu me levanto, rezando para que, quando voltasse, os ânimos já estivessem mais calmos.

— Por acaso você acha que não sei que ainda fala com Joshua? — Robert diz e apresso o passo para me afastar.

Caramba, Joshua não é o ex de Tess?

Quase corro para o banheiro pensando que no fundo a gente nunca sabe o que de verdade rola entre um casal.

Encaro minha imagem no espelho, abro a bolsa e pego um batom me perguntando quanto tempo terei que ficar ali, quando a porta se abre e arregalo os olhos ao ver Jack entrando.

— Que porra está fazendo aqui? Isso é um banheiro feminino!

Eu me viro para encará-lo.

Ele sorri se aproximando nem um pouco preocupado.

— Não é a primeira vez que eu faço isso lembra?

Ah merda. Ele tem mesmo que lembrar que não é a primeira vez que ele me encurrala num banheiro?

Sinto meu pulso acelerar quando ele está perto o bastante para que eu veja as pintas em seu rosto bonito.

— Lembra? — insiste.

— Não. — Desvio o olhar. — Agora, me deixa passar...

— Ah lembra sim. — Ele toca meus braços nus, arrepiando-me.

Arfo sem conseguir conter a excitação proibida que percorre minha pele.

Jack está perto demais e faz tempo demais desde que ele me tocou assim, com seus dedos cingindo minha cintura e me levando para perto, até que não reste nenhum espaço. Seu olhar recai em minha boca daquele jeito que eu sei que é questão de segundos até ele me beijar.

Sinto seu gosto na minha língua, a antecipação urgente faz meu coração bater rápido e meus lábios formigarem de desejo.

— Você estava usando aquele vestido ridículo... — aproxima a boca do meu ouvido, as mãos acariciando devagar minhas costas e descendo para meus quadris — que mais parecia uma camisa e aquelas botas... e ficou brava quando eu disse que estava malvestida.

— Eu nunca estou malvestida — sussurro com um gemido quando seus lábios tocam minha garganta, fazendo minhas pernas enfraquecerem. Eu me seguro na pia atrás de mim, dando um passo atrás e ele vem junto, insinuando os quadris nos meus e perco o resto do controle quando sinto sua ereção.

— Você tem sorte de eu não ligar para essas merdas caras que veste — repete o que disse uma vez. Suas mãos percorrem minha bunda, apertando, fazendo com que eu o sinta por inteiro.

Uma mão desliza para frente do meu vestido, infiltrando-se embaixo do tecido e sinto seu toque quente no interior da minha coxa e subindo.

Um alerta começa a piscar na parte sensata da minha mente, embora meu corpo já esteja todo tomado de expectativa. Passado e presente se misturando nas minhas lembranças.

Ele já fez isso.

Tantas vezes...

— Por favor, não faz isso, alguém pode entrar aqui — engasgo quando ele desliza a mão para dentro da minha calcinha.

Escuto sua risada rouca antes que ele segure meu cabelo me forçando a encará-lo. Seus olhos são como duas bolas de fogo quando se prendem nos meus, a expressão de desafio exatamente como eu me lembrava.

— Então me pare... — Infiltra dois dedos dentro de mim e abro a boca, sem ar, me segurando com força na pia para não cair enquanto seu toque faz estragos dentro de mim. — Mas não quer que eu pare, não? Está quente e úmida e louca para gozar nos meus dedos, como sempre... Isso não mudou, percebo — diz com satisfação, aumentando o ritmo de suas investidas. Quero fechar os olhos e mergulhar naquele prazer proibido, mas ele sabe que não vou fazer isso. Sabe que ver seu olhar de satisfação enquanto faz isso comigo me deixa louca. Que gosto de ver que é ele ali, me acariciando e tirando prazer do meu corpo.

Ele só não sabe por que eu tenho essa necessidade.

Por que eu preciso disso...

Essa constatação faz um soluço escapar da minha garganta, o prazer se misturando a dor no meu peito.

Jack encosta a testa na minha, apertando-me, respirando forte em mim, exigindo tudo de mim até que eu goze como ele quer que eu faça, com um longo gemido de alívio engolido por sua boca que devora a minha, até que eu quede fraca contra ele.

E então, eu sinto culpa.

Sinto raiva.

Sinto vontade de chorar porque Jack ainda tem aquele poder sobre mim e estou tão cansada de deixar os outros terem poder sobre mim.

Ele me solta, dando um passo para trás.

Abro os olhos atordoada e ele está me encarando muito sério.

— Por que está fazendo isso? — indago quase desesperada. — Por que está me torturando?

— Por que você está me torturando? — rebate minha pergunta.

— O que está fazendo aqui com aquela modelo?

— Apenas um jantar. — Ele dá de ombros. — Achei que foi você mesma quem pediu para tirá-la de perto de Robert.

— E trazê-la aqui?

— Ok, confesso que eu ouvi Robert dizendo que ia vir a este restaurante com vocês.

— Você continua o mesmo cretino de sempre!

Ele ri, embora seja uma risada sem humor.

— Você me conhece. E então?

— Então o quê?

— Ainda pergunta?

— Jack, por favor... — Suspiro, cansada daquele jogo de gato e rato. — Achei que tinha deixado claro em Mônaco.

— Nada está claro!

— O que mais quer de mim?

— Não tenho que dizer o que você sempre soube. Eu quero que volte comigo.

— Quer mesmo que eu volte com você?

— Nunca nem deveria ter partido.

— As coisas não são mais as mesmas...

— Pra mim são exatamente iguais... — Ele dá um passo em minha direção, o olhar intenso preso no meu. — O que aconteceu não acabou de provar isso?

Fecho os olhos, sacudindo a cabeça e dando passos para trás. Lutando contra aquela força irresistível que me leva em sua direção quando sei que não devo ir.

— Está me torturando — repito ao abrir os olhos.

— Não quero torturar você, Charlotte. Nunca quis ver você sofrer, embora nunca tenha me devotado a mesma consideração. Eu só quero que pare com essa merda de fuga! Não pode ficar aqui para sempre. Os Grays parecem mesmo um casal incrível, mas acho que já estão de saco cheio de você.

Inferno, ele tem um ponto.

— Ok, tem razão, não posso mais ficar aqui e acho que eu tenho mesmo que voltar a Chicago — concordo.

— Vai voltar comigo?

— Eu vou voltar para Chicago. Só isso.

Não quero que Jack pense que estamos voltando.

— Certo. —Ele dá um passo atrás. — Tenho um voo fretado amanhã, cedo, você estará nele.

Não é uma pergunta.

Tenho vontade de dizer não, não vou voltar nos seus termos, mas me sinto subitamente cansada de lutar contra Jack.

Posso dar aquela vitória a ele por enquanto.

É a única que ele vai ter, embora eu reconheça o brilho em seu olhar.

Ele acha que está me dobrando, mas está enganado.

— Tudo bem — concordo saindo do banheiro sem olhar para trás.

 

 


Capítulo 10

 

 

Antes

 

Tentei ficar longe de Jack nos dias que se seguiram.

O problema era que eu não era a pessoa mais sensata do mundo quando se tratava de me preservar de situações nas quais eu sabia que iria acabar mal para mim.

E em vez de arrumar minhas coisas no dia seguinte e dar o fora da casa de Alex, eu permaneci ali.

Eu dizia a mim mesma quando acordei na manhã seguinte e Jack estava na cozinha brincando com Jacob e me disse um bom-dia cordial como se nada de mais tivesse acontecido, que eu queria mostrar que era forte. Que era imune a ele.

Que eu não era mais aquela menina boba que menosprezou um dia.

E mais do que tudo, queria mostrar que perdeu a chance de ficar comigo e que não poderia me ter quando bem entendesse.

Assim, resmunguei um bom-dia mal-humorado que ficou pior quando vi uma taça de Bellini em cima da mesa.

— O que diabos é isso? — indaguei me virando para vê-lo se erguer do chão dando de ombros.

— Não é disso que gosta de tomar no café da manhã?

— Sim, mas ainda não entendi o que significa?

— Apenas lhe dizendo que presto atenção em você? — Ele se aproximou antes que eu tivesse chance de fugir, os dedos cálidos colocando uma mecha do meu cabelo atrás da minha orelha. — Eu não vou desistir, Charlotte.

E assim se afastou dizendo algo sobre um trabalho.

Ainda fiquei ali, paralisada de horror e tentando conter as borboletas na minha barriga.

Era mais um sinal de que eu devia deixar o orgulho bobo de lado e dar o fora. Mas certamente havia um lado sadomasoquista em mim, que me fez querer ficar.

Porém, ignorar Jack era mais difícil do que eu imaginava, afinal.

Ele parecia estar por todo lado.

Eu tive inúmeros compromissos sociais naqueles dias, e Jack também ficava muitas horas fora ocupado com seu trabalho, mas a gente sempre acabava se esbarrando pela casa.

Assim, eu o via malhando na sala de Alex quando entrava lá para fazer esteira e tentava não ficar secando seu corpo malhado e suado a poucos metros. Tentava não ficar com ciúme quando Jacob claramente preferia ficar em sua companhia e nem se dava ao trabalho de disfarçar quando eu o chamava.

Tentava não ficar brava — ou excitada — quando sentia seu olhar intenso me acompanhando por onde quer que eu fosse, sem nem ao menos disfarçar.

E o pior, tentava conter o sorriso que meus lábios teimavam em abrir quando chegava à cozinha de manhã e encontrava uma taça de Bellini esperando por mim.

No final de uma semana, fui intimada a ir à Black encontrar meu pai que estava bravo comigo. O que não era uma novidade.

Entrei em sua sala, passando pela secretária bonitinha que nunca parecia muito feliz, e joguei minha bolsa nova em sua mesa.

— Bolsa nova, presumo? — Levantou o olhar do computador, tirando os óculos, o que me fez notar que ele parecia mais cansado do que o habitual, com o rosto pálido e olheiras em volta dos olhos reprovadores.

— Está comendo direito, pai? — indaguei preocupada. — Aquela sua esposa não está cuidando de você como devia...

— Não estamos aqui para falar de mim ou de Nora.

— E estou aqui por quê? Qual a bronca desta vez? Não me venha dizer que é porque estou na casa do Alex, sabe que eu vou parar de atrapalhá-lo com minha presença quando comprar meu apartamento. Três meses não? Aliás, já comecei a pesquisar sobre a festa e...

— A fatura do seu cartão de crédito está um absurdo — ele me interrompeu.

— E daí?

— E daí, que precisa parar de gastar tanto em bobagens. Como essa bolsa, não tem um monte naquele seu closet abarrotado?

— É uma Chanel e é da última coleção, papai.

— Uma bobagem!

— Fala como se fosse falir de pagar minha fatura. Você é rico!

— Sou rico porque trabalho. Passo os dias aqui, dando duro para sustentar essa família.

— Ah fala sério! Você poderia ter umas dez famílias para sustentar que ainda sobraria dinheiro! O que é isso agora? Aposto que é coisa da Nora! Ela adora pegar no meu pé! E nunca te vi pegar no pé da Aria, que gasta tanto quanto eu!

— Aria tem filhos. Tem uma vida estruturada e...

— Ah, quer dizer que o problema é que não tenho filhos e... marido?

— Não seria uma má ideia, arranjar um! Já que não parece que vai tomar jeito na vida, ter um marido para te sustentar é o que te resta.

— Isso é ridículo! O marido da Aria não a sustenta, muito pelo contrário e sabe disso. Está implicando comigo e não tem o menor sentido!

— Você precisa tomar um rumo! Já tem quase 21 anos e não tem um trabalho, nem estudar quis.

— Aria também não trabalha!

— Aria tem filhas e marido para cuidar!

Rolei os olhos, irritada.

— Ainda é porque eu larguei a faculdade?

— Podia ao menos ter se formado! Aria largou os estudos porque se casou.

— Problema dela! Não sou a Aria e não tenho que seguir o rumo dela me casando com um cretino como Max!

— Max é um atleta famoso.

— Era, quer dizer, né? Hoje vive só de status. E do dinheiro da esposa! — Não disfarcei meu veneno.

Estava furiosa de estar ali levando bronca quando Aria era sempre a queridinha com aquele marido filho da puta dela.

Mas eu podia apostar que meu pai estava ali chamando minha atenção por influência de Nora.

— E se já terminou, eu tenho mais o que fazer!

Eu me levantei, pegando minha bolsa.

— Apenas modere seus gastos. Somos ricos, mas não quero desperdício. Se continuar assim, terei que lhe colocar limites!

— Entendido! — Fiz uma careta.

— Vai voltar para casa? Alex está voltando de viagem amanhã.

— Sim, fazer o quê?

Saí da sala, dando um tchau apagado para Kelly que nem se deu ao trabalho de responder e só porque estava de mau humor fui fazer compras e gastar mais o dinheiro do meu pai.

Ele nem se deu ao trabalho de perguntar se eu estava bem. Só se preocupava com seu precioso dinheiro. Queria pedir que ele enfiasse o dinheiro onde o sol não batia, mas não podia me dar ao luxo, afinal ele tinha razão e eu vivia às suas custas.

Quando voltei para casa, já era noite e um cheiro bom de comida vinha da cozinha, fazendo meu estômago roncar.

Larguei minhas sacolas em cima do sofá me perguntando se Alex tinha voltado mais cedo ou se a empregada dele que vinha algumas vezes por semana estava em casa cozinhando, mas me deparei com Jack tirando algo do forno.

— Finalmente apareceu.

— Está cozinhando? — questionei incrédula.

— Sim, não sou tão inútil, Charlotte. Porque não toma um vinho, espero que goste de lasanha.

— Achei que não sabia cozinhar?

— Eu disse que não sou seu empregado, mas como essa é nossa última noite aqui, decidi que podia te fazer esse favor.

— Última noite? — Passei por ele e servi uma taça de vinho branco.

— Sim, Alex volta amanhã e meu apartamento está habitável de novo.

— É, meu pai comentou que Alex estava voltando. Embora, eu possa ficar aqui se quiser — disse com petulância.

— Alex não deve gostar nada que fique aqui atrapalhando os joguinhos dele. — Jack riu colocando um prato na minha frente.

— Joguinhos?

— Deixa pra lá. — Ele se sentou na minha frente, cortando o assunto. — Então foi conversar com o velho Black hoje?

Suspirei desanimada.

— Pois é.

— O que foi?

— Ele estava bravo comigo, não foi uma conversa amigável.

— Por que não? Achei que fosse a queridinha do papai.

— A queridinha do meu pai é Nora. — Fiz uma careta.

— Aquela mulher é uma bruxa, não sei como seu pai não percebe.

— Ah, obrigada! Pelo menos alguém concorda comigo! — Levantei a taça e bati na de Jack e rimos juntos.

— Então o que foi que aconteceu?

— Ele ficou reclamando que eu gasto demais, que eu não tenho rumo e ainda insinuou que eu devia me casar, como a Aria fez quando tinha 21! Pelo amor de Deus! — Esvaziei minha taça, irritada de novo com o assunto.

— Não pretende se casar?

— Por que tenho que me casar?

— É o que as pessoas fazem...

— Você pretende se casar?

— Sim — respondeu distraído enchendo a boca de lasanha.

— Quanto anos tem, Jack?

— Que pergunta é essa?

— Não pode responder?

— Vinte e sete, a mesma idade do seu irmão.

— Bem eu tenho vinte e não sei por que tenho que me casar agora!

— Mas vai querer se casar um dia?

De repente a comida tinha gosto amargo na minha língua.

Sacudi a cabeça em negativa e Jack franziu o olhar.

— Não quer se casar?

— Que papo idiota! — Enchi nossas taças de novo.

— Não é um papo idiota. Nunca pensa nisso?

— Por que te interessa? Vai me pedir em casamento?

—Talvez. — Ele sorriu sarcástico e eu rolei os olhos rindo, porque certamente era uma piada.

— Ah claro, saiba que serei uma esposa cara, pode perguntar ao meu pai. E do jeito que é chato, pedirei o divórcio em poucos anos e tirarei metade de tudo o que você tem.

— Estou trabalhando em fazer muito dinheiro, não se preocupe.

— É realmente um feito! Podia me ensinar a ganhar dinheiro para meu pai parar de torrar minha paciência.

— Se quer ganhar dinheiro porque não faz este seu trabalho para redes sociais render?

— O que quer dizer? Não é um trabalho.

— Podia ser, eu vi que tem muitos seguidores. É famosa por aqui, com certeza influencia muita gente. Gente fútil como você, mas mesmo assim. Tem um mercado para isso.

— Está me zoando?

— Não, estou falando sério. — Ele ri. — Por que não? Pode fazer trabalhos publicitários para grandes marcas, ganhar uma grana.

Fiquei encarando ele falar, ainda achando que não podia estar falando sério, mas suas ideias até que não eram absurdas. Eu realmente já tinha ganhado vários presentes de marcas simplesmente porque tinha muitos seguidores e as pessoas me conheciam e me admiravam como uma rica herdeira. Eu nunca pensei em pedir dinheiro, certamente, mesmo porque eu não precisava.

Mas começar a ganhar meu próprio dinheiro e parar de depender tanto do meu pai seria incrível.

Eu não precisaria mais aguentar suas cobranças. E muito menos as indiretas de Nora ou até mesmo as comparações com Aria.

— Olha, talvez não seja uma má ideia...

— Eu tenho ótimas ideias, devia andar mais comigo.

— Meu Deus, como você é presunçoso!

— E então, o que quer fazer na nossa última noite aqui? — Jack pegou os pratos e levou para a pia quando terminamos.

A mudança de conversa me pegou desprevenida. E de repente me dou conta que estou lamentando que aquela seja a última noite com Jack na casa de Alex.

— O que quer dizer? Não temos que fazer nada.

Ele se voltou para mim.

— Vá colocar seu casaco, vamos sair.

— Para onde?

— Apenas faça o que pedi, vou te levar num lugar.

Ele se afastou chamando Jacob e eu fiquei ali, sem entender. Até que decidi que podia fazer o que ele pediu. Sair com Jack não iria tirar pedaço.

— Aonde vamos? — indaguei quando entramos no seu carro e ele saiu da garagem ganhando as ruas de Chicago.

— Você vai ver.

Ligou o rádio e ficamos em silêncio por um tempo e eu fitei seu perfil bonito.

Caramba, ele era mesmo maravilhoso, o que era uma merda.

Seria muito mais fácil se eu não o achasse atraente.

Embora, depois daquela noite, eu não teria mais que me preocupar com Jack e suas insinuações. Eu voltaria para casa, seguiria com minha vida e o veria apenas de vez em quando, como sempre.

Isso me deixou triste.

Eu queria que pudéssemos ser amigos.

Mas a quem eu queria enganar? Nunca poderia ser amiga de Jack, quando sentia vontade de lambê-lo inteiro cada vez que o via sem camisa.

— O que foi? — Ele pegou uma estrada e lançou um olhar curioso em minha direção.

— Nada... estava pensando... Você não é de todo ruim, Jack White.

Ele riu.

— Você não é de todo ruim, Charlotte Black.

Apertei os lábios, sentindo um mal-estar.

— Vamos, me diga o que está pensando? — insistiu.

— Estava pensando que podíamos ser amigos — confessei e ele tirou de novo o olhar da estrada para me fitar.

— Quem disse que eu quero ser seu amigo?

— Ah, por favor, não comece a dar em cima de mim de novo.

— Por que não?

— Porque não!

— Por acaso tem um namorado?

— Talvez eu tenha...

Ele riu.

— Mentirosa.

— Por que eu mentiria? Eu podia ter mais de um inclusive.

— Dispense todos eles então.

— Eu não tenho um monte de namorado, que inferno!

— Eu sei.

— Não tem como saber.

— Eu sei que não tem um namorado — insistiu com uma certeza que me irritou.

— E talvez você tenha uma namorada. Ou um monte.

— Não tenho uma namorada e nem um monte.

— Mas com certeza deve dormir com um monte de mulher.

— Eu não sou virgem, Charlotte, e aposto que nem você.

— Eu era naquela noite — murmurei sem me conter e quis tomar as palavras de volta.

Jack estacionou naquele momento e olhei em volta para perceber que parecia que estávamos em frente a uma casa em construção ou algo assim.

— Eu sei — ele disse baixinho ao meu lado e eu o encarei, nossos olhares se encontrando na escuridão do carro e certamente ele estava se lembrando do mesmo que eu.

Só que eu não queria lembrar.

— Onde estamos? — Desviei o olhar e ele fez o mesmo.

— Na minha casa.

Ele saiu do carro e eu o segui.

Ele acendeu uma lanterna.

— Achei que morasse em um apartamento.

— Essa casa eu estou construindo do nada.

— Ah entendi, e o que estamos fazendo aqui? — Eu o segui, meus saltos prendendo nos pedregulhos no chão.

— Eu quero te mostrar.

— Não me parece uma boa ideia... merda. — Meu salto prendeu e eu quase fui ao chão.

Jack soltou um palavrão e sem nenhuma cerimônia se aproximou com poucas passadas e me pegou no colo.

— Isso é realmente necessário? — reclamei, mas meus braços já se moviam como se por vontade própria para cingir sua nuca.

— Não quero que destrua seu Louboutin.

— É bom mesmo!

Ele entrou comigo na casa escura e me passou a lanterna.

— Ilumine a nossa frente.

Fiz o que pediu e a casa ainda estava bem rudimentar, com materiais de construção por toda parte e paredes nuas, e chão sem piso.

— Já posso andar — pedi e Jack me colocou no chão e pegando a lanterna segurou minha mão e foi em frente, iluminando a casa em construção.

— Aqui vai ser a cozinha... — explicou e foi em frente dizendo o que seria cada cômodo e como ia ficar.

Ele parecia bem empolgado e orgulhoso.

Subimos uma escada em espiral e a casa era realmente enorme.

— Esta casa é muito grande. Vai morar aqui sozinho?

— É uma casa que pretendo morar pra sempre.

— Parece bem certo disso...

— Eu nunca tive uma casa.

— Como assim?

De repente estávamos em um quarto espaçoso, com grandes janelas dando para a noite escura.

Olhei o teto, na verdade o que deveria ser, pois havia apenas vigas e o céu estrelado acima de nós.

— Meu Deus, nem teto tem!

Jack riu.

— Ainda falta muito, mas ficará perfeita — afirmou com orgulho e deixei meu olhar correr em volta, percebendo que Jack estava acendendo alguns candelabros com velas pelo chão e estendendo um cobertor.

— Tem um cobertor aqui?

— Eu venho muito aqui. — Ele se sentou e eu fiz o mesmo. — Gosto de sentar aqui e olhar o céu.

Eu o acompanhei, olhando a noite escura acima de nós.

— Imagino como vai ficar quando estiver pronta. Os anos que passarei aqui...

— O que quis dizer com nunca teve uma casa?

— Eu sou órfão.

— Ah sim. — Eu me lembrava disso, mas não sabia muitos detalhes sobre o passado de Jack.

— Nunca... conheceu seus pais?

— Não. Não faço ideia de quem sejam. Então eu sempre morei em orfanato. Nunca tive nada que fosse realmente meu. Eu deitava à noite e olhava o teto e pensava que um dia eu teria uma casa que fosse só minha.

Eu me senti triste, imaginando o garotinho que Jack devia ter sido. Solitário, sem família, sem uma casa.

— Agora você tem. — Sorri quando ele olhou pra mim. — Você pode ter o que quiser. É admirável as coisas que conquistou.

— Nem tudo se conquista com dinheiro.

— Eu sei — sussurrei.

— Mas com certeza o dinheiro ajuda pra cacete. — Desviou o olhar. — Eu abri uma instituição para menores carentes e isso é meu grande projeto.

— Sério? Que incrível.

— Vou te levar lá um dia. Vai ser bom sair dessa sua bolha de menina rica e mimada.

Abaixei o olhar, sentindo-me culpada de reclamar de coisas fúteis quando tanta gente não tinha nada.

Eu tinha uma família. Conhecia meu pai e minha mãe. Tinha Alex e Aria. Minhas sobrinhas. E nunca precisei passar por nenhuma necessidade financeira, como Jack deve ter passado.

Só que eu também tinha minha cota de sofrimento dentro de mim, segredos escondidos que ninguém fazia ideia.

Eu tentava esquecer que eles existiam, vivendo como a garota rica e mimada que eu era e deixando que só enxergassem o que eu queria que vissem.

A sujeira estava bem escondida debaixo das roupas caras.

— Acha que eu sou só isso? Uma menina rica e mimada?

Ele tocou meu rosto, subitamente sério.

— Eu acho que você é a mulher mais linda do mundo.

Prendi a respiração, seu olhar intenso me deixando fraca.

— Está tentando me seduzir, Jack White?

Ele me empurrou delicadamente até que eu tivesse deitada sobre o cobertor com seu corpo parcialmente em cima do meu.

Meu coração disparou no peito.

— Claro que sim, sua idiota. — Sua mão deslizou pela lateral do meu corpo e segurou meu joelho levando para cima do seu quadril.

Ah caramba, ele estava excitado e isso fez um estrago em meu ventre.

— Não devia... — murmurei, mas minhas mãos já subiam para se embrenhar em meio a seus cabelos e meus quadris se insinuaram sob os seus, fazendo Jack soltar um rosnado e me beijar com força. A sutileza ficando para trás quando se esfregava em mim, mãos afoitas se infiltrando para dentro da minha blusa e tocando meu seio sobre o sutiã.

Gemi, perdida, esquecendo de todos os motivos do porquê transar com Jack não era uma boa ideia.

— Isso é um sim? — indagou contra meu pescoço, e abri os olhos para ver o céu estrelado acima de nós, até que Jack levantou a cabeça e me encarou com seus olhos intensos que diziam sem palavras que iria tirar tudo de mim, se eu deixasse.

Foi o aviso que eu deveria ter escutado e parado.

Mas ali, na casa dos sonhos de Jack, com o céu acima de nós, acenei que sim, mesmo desconfiando que estivesse concordando com muito mais do que uma noite de sexo, quando ele tirou minhas roupas e as dele e me penetrou com ares de dono, ordenando que eu ficasse de olhos abertos enquanto se movia dentro de mim. Arrancando suspiros da minha garganta, e o prazer mais perfeito do meu corpo de uma forma tão fácil que era difícil acreditar que aquela era a primeira vez que ele estava ali. Era com se já tivéssemos feito muitas vezes antes, até que nossos corpos conhecessem um ao outro como velhos amantes. Chegava a ser um desperdício o tempo que demorou para ele estar ali, porque eu desconfiava que era o lugar dele.

E isso fez uma dorzinha fina se espalhar por meu peito e lamentar que eu e Jack fôssemos amantes perfeitos.

Porque eu não era perfeita.

Ele não fazia ideia.

 

 


Capítulo 11

 

 

Dias atuais

 

Eu me despeço de Tess na manhã seguinte, dando-lhe um longo abraço com vontade de chorar enquanto Robert coloca minhas malas no carro que me levará até o aeroporto.

— Vou sentir sua falta — Tess funga segurando minha mão e me levando até o carro.

— Eu também. Nunca vou poder agradecer o suficiente o que fez por mim. Por ter me acolhido quando eu mais precisava.

— Amigos são para isso.

Olho de relance para Robert que não parece de bom humor quando passa por nós, apenas acenando.

Eu já tinha me despedido dele quando desci.

— Vocês brigaram?

— Com certeza. — Tess sorri com ironia. — Mas não se preocupe com isso. Concentre-se na sua vida agora, vai precisar muito.

— Eu ainda não faço ideia do que estou fazendo... — confesso.

— Você gosta do Jack, então por que não volta com ele?

— Porque eu não posso. Não podia há um ano e não posso agora.

— Ele gosta de você e acho que não vai desistir.

Sorri tristemente.

— Vai ter que desistir.

Com uma última olhada para a residência dos Gray que fora minha casa no último ano, entro no carro, deixando Tess para trás e me perguntando o que me aguarda daqui por diante.

Como tinha ameaçado, Jack está me aguardando no aeroporto e por um momento, tenho que conter a vontade de dar meia-volta e correr, mas sei que não vai adiantar.

Então coloco meus óculos escuros e lhe dou um bom-dia seco, passando por ele na área VIP de embarque e me sentando em um sofá, pegando meu celular e o ignorando.

Jack não parece preocupado. Na verdade, ele também está entretido com seu celular e só volta a falar comigo quando senta ao meu lado no avião.

— Não tem necessidade de sentar perto de mim — resmungo.

— Mas eu quero.

— Faça como quiser! — Pego o celular de novo, antes que tenha que desligá-lo. Eu havia mandado uma mensagem para Alex avisando que estava voltando com Jack para Chicago, mas ele não me respondeu, o que era estranho. Então tive que mandar uma mensagem para Aria avisando da minha volta e ela me responde. “Péssima hora para voltar, está uma bagunça aqui. Me liga assim que possível.”.

O avião começa a taxiar e desligo o celular encarando Jack.

— O que está acontecendo na minha casa? Você sabe de alguma coisa? Tem a ver com a aquela Nina?

— Não faço ideia.

— Tem certeza? Achei que fosse amiguinho da tal Nina...

— Não tenho contato com ela desde que a deixei com Alex.

— Eu mandei mensagem para o Alex e ele não me respondeu e Aria me disse que é uma péssima hora para voltar porque está tudo uma bagunça.

— Provavelmente tem a ver com a Nina e o Alex mesmo.

— Inferno, como se já não bastasse meus problemas...

— Que problemas você tem? — Jack desdenha. — Está afastada de tudo há um ano!

— Você é meu problema!

— Como assim?

— Ainda pergunta? Eu terminei com você há um ano e ainda continua atrás de mim!

— Não terminou comigo. Você fugiu. E sabe o que fazemos com fugitivos? A gente os persegue e os traz de volta.

— Para quê?

— Para prender.

— Está insinuando o quê? Que vai me prender? Vai me obrigar a ficar com você?

— Estou contando com alguma sensatez que ainda reste na sua cabeça de vento.

— Se sou tão cabeça de vento por que ainda quer ficar comigo?

— Pode acreditar que já me fiz essa pergunta muitas vezes.

— E ainda não achou a resposta? Talvez porque nem tenha! Talvez eu e você não façamos o menor sentido. Eu vi isso a tempo e você deveria enxergar o mesmo e me deixar em paz!

— Por que não fazemos sentido?

— Porque você é um babaca manipulador e perseguidor para começar?

Ele ri como se fosse muito engraçado e não nega.

— Apenas sou obstinado. Não teria conseguido a metade das coisas que eu tenho se não fosse assim. Temos que ser agressivos para conseguir o que queremos.

— Não sou uma de suas aquisições, não sei se percebeu. Então para de ser cretino! Queria me achar? Achou! Mas não muda nada. Vou voltar a Chicago, e continuaremos separados, acabou.

— Não acabou.

— Acabou sim e não pode fazer nada sobre isso. Vai fazer o que se eu me negar a ver você?

— Talvez eu continue tentando arruinar sua família.

— Ah... — Abro a boca, horrorizada. — Está me chantageando? Isso é absurdo até para você! Atrapalhou os negócios da Black para chamar a atenção do Alex, o que foi algo baixo e sujo de se fazer!

— Não teria que chegar a este extremo se seu querido irmão não se negasse a dizer onde estava.

— Meu irmão é leal a mim. Não pode culpá-lo por isso!

— Éramos amigos, talvez ele me devesse alguma lealdade também. E ele nem é seu irmão de sangue.

— Somos família! Mas ok, entendo que nem conheça esse conceito!

Na mesma hora que as palavras saem da minha boca, percebo o meu erro e quero tomá-las de volta, mas é tarde.

Jack me encara com uma raiva diferente agora.

Não é mais a irritação debochada com que ele me trata, e sim uma fúria cheia de decepção.

— Me desculpe, eu não devia...

— Cale sua boca, é o melhor que faz.

Ele tira o cinto e sai do meu lado, sentando-se em algum banco atrás de mim.

Fecho os olhos, com vontade de me estapear.

Eu nunca deveria ter dito aquilo. Tenho certeza que magoei Jack, porque se tinha algo que o feria era o fato dele não ter uma família. E eu sabia bem disso.

Mas era isso que eu queria, não é?

Feri-lo? Atingi-lo em seus pontos fracos até que ele visse o tipo de pessoa horrível que eu era e me deixasse em paz.

Porém, falar daquele jeito com Jack foi baixo demais até pra mim.

Quero que Jack me deixe ir, mas no fundo não quero feri-lo. O que é um paradoxo porque tenho certeza que nunca alguém o feriu tanto como no dia em que o deixei no altar.

Seguimos em silêncio até que o avião pousa na tarde fria de Chicago.

Jack segue na frente, até o carro que nos espera e ligo o celular na esperança de ter alguma mensagem de Alex.

Quero ir para a casa dele, pois tenho certeza que não é uma boa ideia ir para a mansão Black. Lá já é um inferno em dias normais, agora com essa confusão do romance de Alex estaria pior ainda.

— Pode me levar para a casa do Alex? — peço a Jack.

— Não — responde sem nem olhar pra mim, com a atenção no celular.

— Por que não?

— Porque com certeza Alex não está sozinho. Nina deve estar lá. Não pode correr para se enfiar na casa do seu irmão sempre que quiser agora.

Suspiro pesadamente.

— Ok, tem razão. Me leve pra casa.

Ele me encara.

— Para nossa casa?

— Não temos uma casa nossa, Jack.

— Temos sim.

Sacudo a cabeça, com vontade de chorar e virando minha atenção para a janela.

— Leve-me para a mansão Black.

Espero que Jack não tente me convencer que eu tenha que ir para casa dele, mas felizmente, ele não insiste.

 

Quando chegamos à mansão Black, estou me sentindo tensa e irritada.

Talvez eu devesse ter pedido a Jack me levar a um hotel, mas sabia que precisava verificar o que diabos estava acontecendo.

Não fico surpresa quando Jack me segue para dentro de casa.

Assim que entramos, Ellen, a nossa governanta desde que eu era uma criança, se aproxima sorrindo surpresa.

— Menina Charlotte, finalmente voltou!

Eu a abraço, contente de vê-la.

— Senti saudade, Ellen.

— Também sentimos saudades de você aqui.

— Duvido que alguém além de você tenha sentido minha falta.

— Tia Charlotte!

Duas criaturinhas loiras irrompem no hall e pulam em cima de mim.

Sorrio, abraçando Arianna e Isabella, as filhas de cinco e quatro anos de Aria.

— Nossa, como vocês estão grandes!

Elas realmente tinham mudado bastante naquele ano e de repente eu sinto tristeza por ter me afastado por tanto tempo.

— Eu tenho quatro anos agora, tia! — Isabella afirma com orgulho e acaricio seus cabelos.

— Claro que tem.

— Oi, tio Jack.

As meninas veem Jack atrás de mim e correm para abraçá-lo.

Desvio o olhar e sigo em frente.

— Estão todos em casa? — indago a Ellen.

— Sim, querida. Sabiam que ia chegar?

— Aria sabia...

Entro na sala e para meu desgosto Nora está lá, ocupada em arrumar um vaso de flores.

Ela levanta o olhar e não parece feliz em me ver.

— Então voltou para casa...

— Infelizmente sim.

— Já deve saber que seu irmão agora virou as costas para essa família e sua lealdade está com a vadia da Nina Giordano.

— Sim, ele contou ao Jack onde eu estava, deve saber.

— Claro que contou. O Jack escondeu aquela putinha!

— Nora, por que fala assim dessa menina? Ela foi criada pelo seu ex-marido não foi? Não entendo por que está com tanta raiva dela e ao que me pareceu Alex está apaixonado.

— Alex está cego! Sabe que ela me agrediu?

— O quê?

— Sim, e Alex deixou aquela pequena víbora me bater. Roubou meu marido de mim, e agora me roubou Alex...

— Pare de falar merda, Nora — Jack entra na sala, interrompendo Nora.

— Então conseguiu o que queria? Charlotte finalmente voltou com você?

— Eu não voltei com Jack! — refuto.

— Questão de tempo agora, Nora. — Ele sorri pra mim indo até o bar e pegando uma garrafa de whisky.

— Vou achar a Aria. — Saio da sala e encontro Aria na cozinha verificando o menu do jantar.

— Ei, então voltou mesmo para casa!

Ela parece cansada, com olheiras embaixo dos olhos que hoje não está maquiado. É esquisito ver Ária assim, descomposta.

Nem mesmo quando estava estourando de grávida, ou com bebês novinhas para cuidar, ela parecia menos que perfeita.

— Que opção eu tinha depois do Jack ir atrás de mim? Não fazia mais sentido mesmo ficar na casa da Tess. E o que está acontecendo aqui? Nora está brava com Alex e o romance dele com essa Nina e você não parece bem.

— Ontem foi o ápice da confusão!

— O que aconteceu?

— Alex está com Nina agora e ele esteve aqui, porque eu lhe contei que a Nora está com câncer.

— Ela está mesmo doente então?

— Sim, um câncer superagressivo pelo o que eu entendi e ela não queria contar...

— Nossa...

Eu não ia muito com a cara de Nora e ela nunca foi com a minha, mas também não desejava seu mal.

— E a Nora perdeu as estribeiras com a presença da Nina e a Nina também explodiu e foi pra cima dela.

— Sério que a Nina bateu na Nora?

— Sim, ela levou uns bons tapas. Olha... Eu também tive muita raiva dessa menina, mas depois que descobri o que ela passou... Sinceramente, eu teria feito pior.

— Como assim?

— É uma história longa... E não quero falar mais sobre isso — diz um tanto irritada e de repente eu me dou conta de que Aria sempre foi muito próxima de Alex.

Próxima até demais.

Uma proximidade que, depois que eu cresci o suficiente, entendi que Aria devotava a Alex um amor que era muito mais do que um amor de irmão.

Os dois estavam sempre juntos, o que me deixava com muito ciúme até que eu tivesse idade suficiente para andar com Alex também.

O fato de Aria ter se casado e depois tido filhos afastaram-nos um pouco, o que fez com que eu pudesse me aproximar, ainda mais porque as brigas com Aria eram constantes em casa.

Eu e Aria nunca fomos próximas, até mesmo pela diferença de cinco anos na nossa idade e o fato de que eu sempre me senti inferior a ela. Aria era a queridinha de Nora, a melhor amiga de Alex e aos 21 anos se casara com um jogador de tênis famoso e não demorou a dar netas ao meu pai.

Enquanto eu era só a menina que tinha que se esforçar para chamar a atenção e justamente por isso era tratada como mimada e petulante.

Até Jack parecia enfeitiçado quando a conheceu há quase dez anos e eu era só uma criança.

Eu vivi o tempo inteiro à sombra da minha irmã mais velha, esforçando-me para superá-la, para chamar mais atenção, mergulhada no ciúme e sentimento de inadequação.

Tarde demais eu me dei conta de como segui um caminho perigoso, devorada por esses sentimentos. Até que não houvesse mais volta.

Agora, olhando para Aria, como há muito tempo não a via, dou conta de que ela é só humana. Não a superfilha, superesposa e supermãe que eu acreditava que ela fosse.

E talvez não fôssemos tão diferentes, pois aparentemente Aria também guarda sentimentos secretos em seu coração.

E de repente lamento que não sejamos próximas, para que ela possa me contar o que está sentindo.

Ou que eu possa contar o que eu sinto.

A verdade é que chegou a um ponto que jamais poderei.

— Aria, o Sr. Duran chegou — Ellen avisa ao entrar na cozinha e eu reviro os olhos.

— O Max ainda insiste que o chamem de Sr. Duran? — questiono seguindo Aria para fora da cozinha, embora não tenha nenhuma vontade de rever seu marido arrogante.

Ela se volta um tanto irritada.

— Espero que não continue a implicar com o Max! Um ano não foi suficiente para você crescer?

Dou um passo atrás insultada por aquele ataque.

Parece que a velha Aria ainda está por ali, escondida sob suas olheiras cansadas.

— Max é um babaca e todo mundo sabe disso. Não sou obrigada a mentir que gosto dele!

— Pois guarde sua opinião para você. Não quero que fique discutindo com meu marido quando aqui a situação está tão delicada.

Ela se vira e entra na sala.

Max está ao lado do bar com Jack e parecem em uma conversa animada.

Era uma merda que Max e Jack fossem velhos amigos e infelizmente eu tinha que aturar aquele cretino por perto mais do que gostaria.

— Olha só quem voltou, a fujona dos Black. — Max sorri ao me ver.

— Oi Max — digo com desdém.

— Como vai, Jack? — Aria o cumprimenta. — Agora está feliz por ter resgatado Charlotte, imagino? Espero que não tenha grandes expectativas quanto a ela ter melhorado, acho que continua a mesma de sempre.

— Aria, por que tem que ser tão vaca? — sibilo esquecida da vontade anterior de querer ser sua amiga.

— Ei, olha como fala. — Max se aproxima com uma expressão de censura. — Aria não está bem. Nem um de nós está com essa confusão que o Alex criou.

— Até parece que se importa...

— Charlotte, por favor — Nora se levanta do sofá onde estava vindo em minha direção. — Tudo o que menos precisamos no momento é de seus chiliques!

— Meu Deus, vocês estão me atacando eu não estou dando nenhum chilique! Poderiam ao menos fingir que estão felizes que eu esteja em casa.

— O mundo não gira ao seu redor, princesa — Max desdenha com aquele sorriso irritante.

— Vai se foder, Max!

— Ei, chega! — Jack se aproxima e me puxa pela cintura e aparentemente eu estava em posição de briga.

— Não vê o jeito que ele fala comigo? — reclamo.

— Você está provocando, Charlotte — Jack diz indulgente.

— Ah vai se foder você também! — Tiro suas mãos de mim. — Está sempre pronto a defender este babaca!

— Em vez de ficar discutindo por bobagem, deveria ir até o seu irmão e tentar convencê-lo a largar aquela putinha — Nora sugere.

— O quê? Eu não vou fazer isso...

— Nora, já falamos sobre esse assunto — Aria pondera e Nora se vira para ela, furiosa.

— Deveria estar do meu lado! Foi lá ontem e achei que iria resolver, mas parece que agora acha que Alex deve ficar com aquela piranha... Que decepção!

— Nina não é piranha, Nora — Jack se intromete. — E Alex pode fazer o que quiser da vida e não pode fazer nada! Pare de ser uma bruxa intrometida e cuide da sua vida, que ao que parece está por um fio.

— Ora seu... — Nora fica vermelha de raiva.

— Vai me xingar agora? Ok, pode vir, nunca gostou de mim mesmo. Ficou radiante quando Charlotte me largou e adivinha só? Ela voltou. E você pode ir para o inferno, onde com certeza, vai estar em pouco tempo.

Meu Deus, Jack ficou louco?

Ele e Nora nunca se deram bem também, mas nunca imaginei que ele falaria uma coisa dessas.

— Jack, menos — Max pondera.

— Pra mim já chega, eu vou embora.

Ele olha pra mim.

— Vai mesmo ficar aqui?

Eu hesito.

Sinceramente agora já não tenho a menor vontade de permanecer naquela casa.

— Para onde mais ela iria? — Max sorri para mim e meu estômago embrulha. — Aqui é a casa dela e acho que percebeu que não tem para onde ir. Bem-vinda de volta, princesa.

— Eu vou com você. — Dou um passo atrás e seguro a mão de Jack, querendo que ele me tire dali.

Jack não hesita em me puxar para fora, e suspiro cansada ao ver a casa ficando para trás quando o carro se afasta.

— Sinto muito — ele quebra o silêncio.

— Pelo o quê? Pela minha família ser ridícula?

— Nem deveria ter vindo pra cá.

— É a minha casa. Quer dizer, eu estava me iludindo que era. Mas sinceramente, não quero ficar mais aqui. Nunca foi meu lugar. Quando meu pai era vivo até era suportável, agora é o reino da Nora e da Aria. E daquele filho da puta do Max.

— Por que diabos não gosta do Max?

— Não gosto dele e pronto! Sei que são amigos, mas ele é um cretino!

— Eu conheço o Max há muito tempo, ele não é perfeito, mas quem de nós é?

— Ótimo, defende mesmo! Você sabe que ele trai a Aria, não é?

Jack não responde e eu tenho certeza que ele sabe sim e certamente está pronto a esconder e defender o amigo infiel e escroto.

— É típico de vocês, sempre defendendo a sujeira um do outro — rebato com nojo. — Me diz, Max também esconde as suas?

— Que merda está falando?

— Ah vai dizer que não me traiu também? Ou com certeza tinha a intenção de ser um escroto quando nos casássemos assim como o Max é!

— Por que está me acusando? Está louca?

— Isso, me chama de louca! — grito irritada.

Jack de repente para o carro e solta um palavrão. Nós dois estamos tentando conter a raiva dentro do carro semiescuro.

— Eu nunca te traí — ele diz por fim. — E eu nunca te trairia.

Sinto vontade de chorar.

Porque no fundo, há uma voz dentro de mim que diz que devo acreditar em Jack.

Jack tem um monte de defeito, mas não é mentiroso.

E muito menos desleal.

Ele é leal para com aqueles que ama. Ele é leal ao Max, por exemplo, e por isso estava o defendendo mesmo ele sendo um babaca.

Tinha defendido Nina Giordano quando Nora a atacara.

E eu o vi defendendo Alex muitas vezes.

— Isso não tem a menor importância agora.

— Para mim tem.

Eu me viro para encontrar seus olhos verdes presos em mim.

— Com certeza ficou com outras mulheres nesse ano.

— Não, não fiquei.

— Quer mesmo que eu acredite? Por que não ficaria com ninguém?

Ele enfia a mão no bolso e retira algo. Abre a mão e vejo meu anel de noivado brilhando.

Anel que eu tirei e deixei com Alex quando fugi.

Uma lágrima escapa dos meus olhos.

— Eu tinha um compromisso com você. Não é porque você não estava aqui que eu deixei de cumpri-lo. Eu vou cumprir pra sempre, Charlotte. — Ele sai do carro e dá a volta abrindo a porta pra mim.

Levanto o olhar ainda atordoada por suas palavras e vejo que estamos em frente a sua casa.

A casa dos sonhos de Jack, aquela mesma que era para ser nossa.

— Por que estamos aqui?

— Porque aqui é seu lugar.

— Não pode fazer isso... Quando eu estou dizendo que acabou...

Ele bate a porta do carro com certa raiva e volta a me encarar, há uma tempestade em seu olhar.

— Então me diz por que, porra! Quando me disser por que demônios acha que não vamos ficar juntos, talvez assim... — Suas palavra se alquebram e desvia o olhar para o chão e quando volta me fitar eu perco o ar.

Tem tanta raiva ali. Tanta frustração...

Tanto sofrimento.

Tanto amor que me sinto sufocada.

Eu posso abrir a boca e contar. Posso acabar com aquele amor em um segundo.

Mas apenas desvio o olhar e caminho em direção a casa.

Sei que não vou ficar. Preciso apenas organizar meus pensamentos.

Preciso de um tempo para tomar coragem e finalmente contar a Jack porque não podemos ficar juntos. Porque fugi dele.

Mesmo o amando mais que tudo.

 

 


Capítulo 12

 

 

Antes

 

 

Desci as escadas da mansão Black, e saí para o jardim, o sol da tarde me cegando por um momento, atordoando-me. Assim como os gritos das crianças que corriam de lá para cá no espaço hoje decorado para a festa infantil.

Era aniversário de quatro anos de Arianna, e Aria não poupou esforços para dar a sua primogênita uma festa inesquecível. A garotinha havia pedido o tema de reino medieval e por todo lado a decoração seguia este tema e havia até atores vestidos a caráter. Assim como o jardim também estava repleto de brinquedos infantis infláveis, como escorregador e pula-pula.

— Que roupas são essas? — Nora me abordou deixando o olhar de censura baixar por minha roupa.

Eu estava usando um vestido largo, que parecia uma camisa e uma bota até o joelho.

— É última moda, talvez não entenda! — Passei por ela, deixando-a falando sozinha.

— Achei que iria fugir. — Alex apareceu sorrindo pra mim e senti alívio de encontrá-lo.

— Aria me mataria se eu perdesse a festa da Arianna. Além do mais, é minha sobrinha. Embora eu duvide que em meio a tanta gente, alguém vá dar por minha falta.

— Concordo com você, cheguei há meia hora e ainda nem vi onde está papai e Nora.

— Cadê a Aria?

— A última vez que eu a vi estava discutindo com algum garçom.

— E onde estão as meninas? Prometi que ia brincar com elas. — Olhei em volta tentando identificar Arianna e Isabella em meio à horda de crianças.

— Elas estão no pula-pula. — Alex apontou e eu arregalei os olhos ao ver que não só Arianna e Isabella estão no pula-pula como há um adulto entre elas.

— É o Jack no pula-pula com as crianças? — questiono perplexa.

— Sim, ele mesmo.

Eu não via Jack há dois dias, desde quando deixei o apartamento de Alex.

E esperava mesmo não vê-lo por um tempo depois do que acontecera.

Alex para um garçom que passa com hot dogs e entrega um pra mim.

— Não vou comer isso.

— Para de ser chata, festas de crianças temos que aproveitar para sair da linha. Veja o Jack.

— Que diabos ele está fazendo?

— Jack adora crianças. Sempre foi assim. Precisa ver ele com as crianças da fundação dele.

— É, ele me disse sobre a fundação... — comentei dando uma mordida no hot dog que estava mesmo uma delícia enquanto absorvia as informações de Alex e ainda com os olhos fixos na cena de Jack pulando e rindo como se fosse uma das crianças.

— E aí, estão namorando mesmo?

Quase cuspi o pedaço de salsicha na minha boca encarando Alex, estarrecida.

— O quê? De onde tirou isso?

— Foi o Jack que me falou — Alex disse com a boca cheia.

— Ele falou para você?... Não! Que absurdo!

— Foi o que me disse — Alex confirma e eu ainda não conseguia acreditar em tamanho disparate.

Como assim Jack disse ao meu irmão que estamos namorando?

— Então não é verdade? — Alex continua curioso.

— Não! Como foi isso? Ele foi até você e simplesmente inventou essa bobagem? Espera... Não me diga que ele foi até você para pedir permissão ou algo assim?

— Bem, não digo que ele pediu permissão. Deve saber que Jack White não pede permissão pra nada e ninguém. Apenas me comunicou que vocês estavam juntos. E eu me perguntei quando é que você ia me contar.

— Eu nunca ia te contar.

— Por que não?

— Porque não é verdade! Nós não estamos namorando.

— Então não rolou nada entre vocês? Jack é maluco?

Não consegui evitar enrubescer e abaixei o olhar.

Alex ergueu as sobrancelhas, curioso.

— E então?

— Ok, a gente ficou junto. Você sabe, quando eu estava hospedada na sua casa, ele também estava e aí acabou rolando um clima e embora eu não suporte ele, a gente acabou ficando junto, mas foi só uma vez. Não tem nada a ver.

— Então acho bom dizer isso ao Jack porque ele está mesmo achando que estão namorando.

— Jack é muito presunçoso. — Ri sem humor. — Eu nunca disse isso a ele. A gente transou e não o vi mais, foi há dois dias, achei que ele tivesse entendido.

— Por que não quer ficar com ele?

— Por quê? Não escutou a parte que eu disse que não gosto dele?

— Jack é um cara legal. E eu acho que ele está mesmo apaixonado por você.

— Ah é? Ele te disse isso? — Não queria sentir aquele frio na minha barriga só porque Alex achava que Jack estava apaixonado por mim.

Não fazia sentido.

— Não disse, mas não precisou. Eu conheço Jack faz tempo.

— Filho, não sabia que estava aqui — Nora se aproximou nos interrompendo. — Venha, quero lhe apresentar umas amigas do clube de tênis...

Ela o puxou para longe, sem nem ao menos pedir licença e como sempre, Alex nem pestanejou em obedecer à mãe.

Relanceei os olhos de novo para o pula-pula e agora Jack não estava mais lá, mas se encontrava ao lado de Max em uma conversa animada.

Será que ele estava contando a Max a mesma coisa que contou a Alex? Eu esperava que não, pois além de ser uma mentira, não me agradava em nada saber que Jack conversava sobre mim com o marido escroto de Aria.

— Ei, aí está você. — Aria se aproximou. — É verdade que está namorando com o Jack White?

— Ah pelo amor de Deus! Não, não é verdade! — exasperei-me.

— Mas é o que ele está dizendo pra todo mundo.

— Não acredito nisso, Jack é um idiota! — Olho de novo para Jack e Max ainda entretidos. — Mas certamente agora seu marido deve estar falando bem mal de mim para ele e acho que não devo me preocupar com Jack depois de todo veneno que Max destilar sobre mim.

— Por que o Max falaria mal de você? Para de implicar com ele, que coisa feia! Sinceramente é bom mesmo que arranje um namorado. Principalmente alguém como Jack para te colocar algum freio e parar de ser mimada e ficar inventando implicâncias sem noção com os outros que têm o que você não tem!

— O quê? O que está dizendo?

— Que talvez esteja na hora de ter um relacionamento sério. Talvez se casar, ter seus próprios filhos.

— Ah cala a boca, Aria! — Eu me afastei, irritada.

Que merda andava se passando na cabeça da minha família que de uma hora pra outra todo mundo achava que eu devia me casar e ter filhos ou então namorar caras como Jack White?

— Olá. — Jack se materializou na minha frente com um sorriso presunçoso. — Que diabos de roupas são essas? Só porque veio a uma festa de criança achou que podia vir malvestida? — provocou. — Tem sorte de eu não ligar para essas merdas caras que veste.

— Eu nunca estou malvestida! E posso saber o que pensa que está fazendo inventando merda pra minha família — disparei.

— Do que está falando?

— Disse ao Alex que a gente estava namorando. Até Aria acha que estamos namorando e aposto que estava contando para o Max a mesma barbaridade! Você é maluco?

— Mas nós estamos namorando.

— Em que mundo irreal você vive? A gente transou uma vez e você acha que estamos namorando?

— Se não lembra, não foi uma vez. Quando chegamos à casa do Alex eu te levei para a cama e transamos de novo. Acho que duas vezes? Contando três agora? Dormimos até na mesma cama. A propósito, você fala dormindo.

Ah inferno, eu não queria lembrar daquilo!

Não queria lembrar que naquela noite me vi despida não só das minhas roupas, mas também da minha cautela em relação a Jack.

E depois que transamos em sua casa dos sonhos inacabadas, sentia-me tão entorpecida na onda pós-sexo perfeito que deixei que ele me levasse pra casa e, sem ao menos precisar pedir, se enfiar na minha cama e fazer tudo de novo — e ainda melhor, se é que era possível. Mas na manhã seguinte, quando acordei, estava sozinha. Arrumei minhas coisas para ir embora da casa de Alex, preparando-me para dizer a Jack que o que tinha rolado não ia se repetir.

Eu não estava procurando um relacionamento e muito menos com Jack White, um cara que quebrou meu coração em tantos pedaços um dia que demorou muito tempo para que eu os juntasse até que fosse inteiro de novo. E, sinceramente, ainda duvidava que um dia voltasse a ser o mesmo.

Mas Jack não estava na casa de Alex e senti alívio misturado à decepção.

Porque, embora meu lado racional soubesse que o melhor a fazer era esquecer e seguir como se nada tivesse acontecido, havia outro lado, aquele que ainda se parecia muito com a menina de 16 anos boba que eu fui, que não queria esquecer.

Queria fazer tudo de novo, e muito, como tinha sonhado há tantos anos.

Sonhos esses que Jack havia despedaçado em uma noite perdida no tempo e me mudado para sempre.

Assim, deixei meu lado racional vencer e voltei para a mansão Black, deixando as lembranças da noite incrível com Jack para trás.

Achei que ele fosse fazer o mesmo. Achei que sua insistência em dar em cima de mim fosse só uma questão de desafio da conquista. Ele conseguiu o que queria e me deixaria em paz.

Mas agora descobri que ele estava aqui, na casa da minha família contando a todo mundo que estamos juntos.

— Mas na manhã seguinte, você foi embora e não deixou um bilhete.

— Ah, então é este o problema? Eu não ter ficado e levado café na cama? — sugeriu divertido.

— Claro que não. Na verdade eu fiquei aliviada de não ter que olhar na sua cara de novo.

Dei meia-volta, pronta para me afastar, mas Jack veio atrás de mim, quando entrei na casa.

— Por que está agindo assim? Realmente feri seus sentimentos?

— Eu já falei que não! — Joguei as mãos no ar. — Eu só quero que pare de inventar histórias. A gente não está junto, Jack!

— Eu achei que aquela noite tinha mudado isso.

— Por que mudaria? — Eu me voltei.

— Por que foi incrível?

— Ah, foi? — Não consegui evitar um arrepio na espinha ao lembrar. Ao olhar intenso de Jack quando ele deu um passo em minha direção.

— Não pode negar que foi.

— Como pode saber como foi pra mim?

— Eu sei como foi pra mim.

— E como foi?

— Incrível... — abaixou a cabeça sussurrando em meu ouvido. — Se fechar os olhos eu ainda consigo escutar seus gemidos quando estava gozando, com meu pau bem fundo dentro de você.

Ah caramba. Minhas pernas viraram gelatina e um suave pulsar começou a me incomodar entre minhas coxas.

Como ele fazia isso? Como?...

Como posso de repente entrar em um estado quase hipnótico, só pensando em como ele sabia exatamente como me fazer gritar?

Então suas mãos estão em minha cintura me empurrando sem que eu tenha noção para onde e me vi dentro de um lavabo com a boca de Jack sobre a minha enquanto sua mão escorregou para dentro da minha calcinha me encontrando úmida e pronta para sua persuasão sacana.

— Sente isso, Charlotte? — sussurrou em meu ouvido. — Eu nasci para fazer você gozar.

E quem era eu pra dizer o contrário quando não demorou muito para que eu estivesse me contorcendo contra ele, com meus gemidos sendo engolidos por seus lábios enquanto os empregados da festa de Aria passavam pela porta e até ouvia os gritos infantis vindos do jardim?

Depois Jack se afastou, com um sorriso presunçoso de vencedor irritante.

— E então? Incrível?

Dei de ombros, com um olhar de desdém, mas com a respiração ainda ofegante.

— Não pense que vou te pagar um boquete em troca.

Ele jogou a cabeça para trás, rindo.

— Eu posso esperar.

— Espere sentado porque em pé cansa!

— Ah Charlotte, por que reluta em aceitar o que seu corpo já aceitou?

— Aceitar o quê?

— Que pertence a mim.

— Eu não pertenço a ninguém.

— Mas eu pertenço a você.

Eu o encarei, perdendo o fôlego mais uma vez, enquanto ele levantava a mão e acariciava meu rosto.

— Desculpa te fazer esperar.

— Esperar o quê?

— Por isso. Por nós.

— Do que está falando?

— Agora eu olho para trás e penso que foi um tempo perdido. Eu devia ter mandado tudo e todos à merda e ficado com você.

Espera, ele estava falando de quando eu tinha 16 anos e ele me dera o fora.

De repente, não queria falar sobre aquilo.

Doía tanto ainda que nada do que ele dissesse iria servir de consolo.

Tentei desviar o rosto, mas Jack segurou meu rosto e beijou meus lábios delicadamente, fazendo-me suspirar e sofrer.

— Naquela manhã eu tive uma emergência na Fundação. — Voltou a assuntos mais recentes. — Sim, eu podia ter deixado uma mensagem, mas não parecia apropriado. Eu queria... falar com você.

— Por quê?

— Porque quando estava no lugar que sonhei passar o resto da minha vida, percebi que havia outro lugar que eu queria ficar pra sempre. Dentro de você.

— Ah Jack, por favor, pare com isso. — Afastei sua mão do meu rosto, não suportando sua intensidade.

Jack estava me falando coisas que eu sonhei há muito tempo.

Mas agora era tarde.

Ele não podia me querer agora quando sua rejeição me causou tanto mal que nunca ia saber o quanto.

— O que mais posso fazer para você acreditar?

— Quer que eu acredite que de repente tem esses... sentimentos por mim?

— Por que é difícil acreditar? Você estava lá comigo. Estava aqui comigo agora... Somos perfeitos juntos, Charlotte. Admita.

— Ah merda, você é maluco.

— Sou apenas prático e direto. Eu quero você. Você me quer. Precisamos fazer algo em relação a isso.

— Eu não...

— Não seja mentirosa.

— Ok, tem essa... atração entre nós, mas isso não quer dizer que precisamos ficar juntos.

— Por que não? Você tem um namorado?

— Não.

— Eu também não tenho ninguém. Podemos ter um ao outro.

— Eu não quero ter um relacionamento.

— Não quer ter um relacionamento comigo ou com ninguém?

— Com ninguém.

— Por que não?

— Porque não! Sinceramente, apenas entenda que não vai rolar.

Ele finalmente deu um passo para trás.

— Ok.

— Só isso, ok?

— É você que está dizendo.

— Certo. Que bom que entendeu.

Eu me afastei, saindo do banheiro, maldizendo a mim mesma porque estava decepcionada por Jack ter concordado em me deixar em paz.

Quão absurda eu podia ser?

Queria que Jack desistisse de mim e ele desistiu.

Era mais fácil assim.

Agora era só ignorar aquela dorzinha no coração a cada vez que eu me lembrava dele dizendo que me pertencia.

 

Na semana seguinte, comecei a investir na minha carreira de influencer ou sei lá como ia ser, aceitando os convites que as marcas estavam me fazendo.

E qual não foi minha surpresa que, ao comparecer a uma festa de inauguração de um hotel, contratada por uma agência que tinha interesse que muitos influenciadores cobrissem a festa, eu visse ninguém menos do Jack White se aproximando.

— Hoje você está bonita. — Lançou um olhar de admiração para meu vestido vermelho curto e justo.

— O que está fazendo aqui?

— Não sabe? Eu sou um dos sócios.

— Ah... — Arregalo a boca, surpresa, e então algo me ocorre. — Espera, você tem alguma coisa a ver com minha contratação.

— Claro que sim.

— E nem ter vergonha de admitir?

— Vergonha do quê? Já ouviu falar de networking ? Se não, devia aprender. Eu apenas te indiquei. Seu trabalho está falando por si só.

— Como sabe?

— Eu tenho acompanhado.

— Vai dizer que agora é um dos meus seguidores.

— Com certeza. Vi que está fazendo algumas publicidades. Está indo bem. — Sorriu. E havia certa admiração em seu sorriso que me deixou com borboletas no estômago.

Ninguém da minha família tinha visto com bons olhos este meu trabalho e Jack era a primeira pessoa a me fazer um elogio em relação a ele.

E não podia evitar reparar que Jack estava lindo hoje.

Lindo e sexy com seu terno preto, barba por fazer e cabelos naquela deliciosa bagunça que dava vontade de enfiar meus dedos ali para trazê-lo para perto.

— Já te falei que está linda? — ele repetiu e percebi que estava pensando o mesmo que eu.

Essa constatação me deixou com uma leve tontura.

— Até que horas tem que ficar aqui? — indagou numa voz rouca cheia de desejo que eu não podia ignorar e que foi direto para a boca do meu estômago.

— Por que pergunta?

— Porque estou hospedado aqui hoje.

— E por que eu preciso saber?

— Para ir ao meu quarto quando acabar seu trabalho.

Ele se inclinou até que eu senti sua respiração em meu ouvido.

— Quarto 202.

Arfei, só com a sugestão.

Porém consegui balbuciar um nem um pouco sério “não vai rolar” antes dele se afastar sorrindo, como se soubesse que eu terminaria a noite exatamente onde ele sabia que acabaria.

Comigo batendo à sua porta.

E eu nem deixei que fizesse nem uma piadinha sem graça sobre minha falta de palavra, apenas o ataquei e tirei suas roupas até que estivéssemos ambos nus e suados sobre os lençóis.

Na manhã seguinte, ele serviu café na cama para mim. Com Bellini.

E eu tentei — juro que tentei — não sorrir feito boba.

Era impossível.

— Isso é um sim? — ele disse quando tirou a bandeja depois que comi e deitou em cima de mim, encaixando-se perfeitamente entre minhas pernas.

Suspirei, ainda travando uma batalha em meu íntimo.

Eu sabia que Jack tinha um poder de me machucar como ninguém. Eu já tinha passado por isso.

Sabia que havia segredos que eu jamais poderia compartilhar com ele.

“E talvez não precise.”, uma vozinha tentadora tinha sussurrado em minha mente, “Viva isso. Deixe seu corpo pertencer a ele quantas vezes for preciso, mas não entregue seu coração de novo. Porque Jack parece apaixonado por você agora, mas estará até quando? E até quando você poderá levar essa história superficialmente até que ele exija saber todas as suas verdades? Não vai durar e você sabe disso. Então viva o hoje.”.

— Sim? — Ele me penetrou devagar, beijando minhas pálpebras fechadas enquanto eu gemia baixinho embaixo dele, sentindo o peso do seu corpo e de sua pergunta.

— Sim... — sussurrei por fim, rendendo-me.

Por enquanto.

 

 


Capítulo 13

 

 

Dias atuais

 

 

Assim que entro na casa de Jack sou atingida por uma avalanche de lembranças que ameaçam me sufocar.

Depois daquela noite em que transamos pela primeira vez aqui, eu não voltei mais, até que estivéssemos noivos.

Ainda me lembro que a casa estava toda pronta, apenas faltando a decoração e eu tinha perguntado a Jack se queria que eu fizesse isso, mas ele afirmou que já tinha contratado uma empresa de decoração e que a partir daquele momento eu estava proibida de entrar na casa porque seria uma surpresa.

Porém, Jack não sabia que além de mimada eu era impaciente. E sem que ele soubesse eu estive ali, dias antes da data em que devíamos ter nos casado.

— Acho que não foi dessa maneira que imaginei te trazendo aqui de novo... — Jack entra atrás de mim e noto que leva minhas malas.

Engulo a vontade de chorar, porque um dia, também não foi assim que eu imaginei.

Deixo meu olhar vagar pelo hall .

A casa tem muitas paredes de vidro e móveis modernos, porém é aconchegante, tudo em tons pastéis, com detalhes em rosa-claro e algum dourado. Era como eu tinha pedido a design de interiores, quando me perguntou qual a minha paleta de cores preferida.

Jack anda até a cozinha, acendendo a luz.

É grande, com armários claros e uma ilha enorme.

Ele abre a geladeira e tira uma garrafa de água. Noto que a geladeira está cheia.

— Você mandou encher a geladeira?

— Eu mesmo enchi.

— Você... Você está morando aqui?

Eu não sabia disso. Aria havia comentado comigo há alguns meses que Jack continuava morando em seu apartamento. E que inclusive Max havia perguntado a ele se iria vender a casa, pois estavam pensando em saírem da casa dos Black depois que papai morreu.

Lembro que tinha perguntado o que Jack respondeu com a respiração presa na garganta e senti um misto de alívio e pesar quando ela disse que Jack afirmou que a casa não estava à venda, embora não tivesse mais pisado ali.

Mas agora, olhando ao redor, existem pequenos indícios que a casa está habitada. Como flores em um vaso no balcão. Frutas em uma fruteira e até um copo sujo na pia.

— Não exatamente. Mas foi um bom lugar que eu achei para esconder Nina quando ela precisou.

— Ah... — Sim, me recordo da história de Jack escondendo Nina para forçar Alex a dizer onde eu estava.

E funcionou muito bem.

Mas pensar em Jack morando ali, mesmo que por pouco tempo, com outra mulher deixa um gosto amargo na minha boca.

Mesmo essa mulher sendo a namorada do meu irmão.

Jack guarda a água e há uma tensão entre nós que pode ser cortada com uma faca.

Suspiro, subitamente cansada. Não só da viagem, mas de toda aquela discussão na minha casa e também pelo clima ruim com Jack.

Eu não esperava que ele me trouxesse para aquela casa. E isso está me afetando mais do que eu gostaria.

— Talvez não seja uma boa ideia eu ficar aqui — afirmo, ansiando para que ele concorde comigo.

— Isso é problema seu. Eu estou cansado, vou subir, tomar um banho. Faça o que quiser.

Bem, ele não está exatamente me prendendo ali contra a vontade, mas também não está fazendo nenhum movimento para me levar para outro lugar, como seria o mais apropriado. Ainda posso pegar o celular e pedir um Uber e ir para um hotel, penso quando Jack passa por mim e escuto seus passos subindo as escadas.

Porém, me vejo subindo para o segundo andar também.

Entro no primeiro quarto que encontro e que eu sei não ser o principal. Pergunto-me se Jack está dormindo lá. Sozinho. Provavelmente, mas não me interessa.

Sento-me na cama.

Pego meu celular e há um recado de Alex, finalmente, perguntando se estou bem, pedindo que eu ligue pra ele.

Sufoco a vontade de ligar e pedir que venha me buscar.

Sei que apesar de Alex ter seus próprios problemas, ele não hesitaria em atender meu pedido. Mas percebo que não quero pedir socorro para Alex agora. Jack tem razão e eu não posso passar a vida chamando Alex sempre que preciso.

Acho que este é o momento em que eu preciso encarar meus problemas de frente. Preciso tomar decisões.

Porém, que rumo tomar agora? Só sei que não pretendo ficar ali por muito tempo. Não seria nem um pouco saudável, nem pra mim nem para Jack, decido, indo para banheiro.

Hesito quando alguns produtos chamam minha atenção na pia. Indícios da passagem de outra hóspede por ali.

É isso que eu sou? Uma hóspede?

É triste pensar assim.

Entro no chuveiro e tomo um longo banho, e ao sair do banheiro lembro que não trouxe minhas malas que ainda estão no hall . Então coloco um roupão e saio do quarto para buscá-las. Porém, ao passar pela porta do quarto principal aberta, hesito. Óbvio que Jack está ali. No quarto onde transamos pela primeira vez.

No quarto que deveríamos ter dormido depois de casados.

Escuto o barulho do chuveiro no banheiro da suíte e sem pensar avanço para dentro do quarto com uma curiosidade mórbida. Aproveitando que Jack está no banho, deixo meu olhar vagar pelas cortinas claras, as janelas com vista para o magnífico jardim e piscina. A cama está com os lençóis desfeitos, como se Jack tivesse deixado assim quando saiu. Há roupas suas espalhadas aqui e ali. Seu notebook largado em uma mesa de canto.

Uma estante com seus livros de negócios e biografias me faz sorrir. Ele gostava de tirar sarro do meu gosto literário de mulherzinha, como dizia, não esquecendo que quando eu tinha 12 anos era apaixonada por “Crepúsculo”. Tanto que não hesitei em colocar o nome do meu cachorro de Jacob. Aproximando-me percebo com um nó na garganta que meus livros estão ali ainda, ao lado dos seus.

Continuo em frente e abro a porta adjacente, onde há um estúdio fotográfico. Ele havia pedido a design que fizesse pra mim. Era uma das surpresas. Essa eu gostei, a outra nem tanto. Estremeço ao me recordar. Volto ao quarto e sou atraída pela porta do closet .

Eu sabia que era maravilhoso, já estive ali. E agora continuo abismada de como é grande e bonito. Deixo meus pés me guiarem até os armários que agora têm algumas roupas de Jack, mas também há roupas minhas ali.

Roupas que não vejo faz um ano, que foram trazidas para cá na semana em que eu devia me casar. E ficaram esperando por mim todo este tempo.

Eu achei que Jack ia desocupar toda a casa com minhas coisas e jogar na rua, ou até mesmo fazer uma fogueira.

Mas elas continuavam ali.

Meus olhos se enchem de lágrimas de pesar.

Uma tristeza por algo que nem vivi.

Meus dedos percorrem os tecidos caros dos meus vestidos até que paraliso quando vejo o que está pendurado no último cabide.

É meu vestido de noiva.

Minhas mãos estão trêmulas quando eu o retiro de lá, sentindo a maciez da renda e do tule em minhas mãos. Recordando-me de como estava feliz quando o vesti pela primeira vez. De como estava sofrendo quando eu o tirei naquele quarto de hotel que Alex me levou depois de me ajudar a fugir.

Escuto passos atrás de mim e me viro para ver Jack entrando no closet .

Ele acabou de sair do banho e avança para dentro com apenas uma toalha em volta da cintura.

— Por que este vestido está aqui? — questiono ainda incrédula que ele o tenha guardado por todo este tempo.

Ele para na minha frente, o olhar cheio de tormenta captura a confusão dos meus.

— Eu me fiz essa mesma pergunta por todo esse ano. Do mesmo jeito que me perguntava o que tinha acontecido? Por que você tinha ido embora sem nem ao menos se dar o trabalho de me dizer por quê? Não conseguia achar nada que fosse tão grave que não pudéssemos superar. Procurei pela cidade como um louco. Atormentei cada membro da sua família, porque sabia que eles conheciam seu paradeiro, ou pelo menos seus motivos. E eles achavam que a culpa era minha. Que eu tinha feito algo para você me deixar. Então odiei você. Comecei a me perguntar se tudo não passava de um capricho. Se eu não passei de um capricho seu. E jurei que ia te achar, nem que fosse a última coisa que eu fizesse nessa vida. E quando eu te achasse eu te obrigaria a pôr esse vestido e finalmente teria minha noiva de volta.

— Por quê? Se estava com ódio de mim?

— E tem que ter algum sentido? Desde quando o que eu sinto por você faz algum sentido? Você é uma mimada pé no saco, que sempre teve tudo e a quem eu cismei que precisava ter.

— Já se perguntou se é aqui que mora o problema? Eu não sou um objeto que precisa ter.

— Se eu não precisasse de você, todos meus problemas estariam resolvidos há muito tempo. Do mesmo jeito que aparentemente você não precisa de mim, já que foi embora tão fácil.

— Não foi fácil.

— Mas você foi.

— Jack... Ninguém sente mais do que eu.

— Eu duvido.

— Eu sinto muito. Eu te magoei. Nunca quis que sofresse.

— E achou que indo embora não ia me fazer sofrer? Eu te quis pra sempre, Charlotte. Sabe o que passei nesse último ano tentando imaginar que diabos se passava na sua cabeça? Se teria se apaixonado por outra pessoa...

— Eu não me apaixonei por outra pessoa. Eu sequer fiquei com outro cara esse ano... Eu não fui embora por causa disso!

— E foi por quê? Nora me disse que certamente você tinha se tocado que eu não era o suficiente para alguém como você.

— O quê?... Nora disse isso?

— Ela sempre me detestou e nunca escondeu.

— Nora é uma cretina e nunca deveria ter dito algo assim. Pensar que eu poderia te deixar por causa das suas origens... é absurdo. Eu nunca liguei para isso e se disse qualquer coisa que o fez pensar assim, está errado. Eu gostava de te provocar, porque você me provocava me chamando de mimada e me tratando com desdém.

— Eu gostava de te provocar também. No fundo era como um maldito garotinho de seis anos puxando o cabelo da garota que gostava do parquinho.

Não consigo conter um sorriso porque eu devia ter percebido isso antes, mas a verdade é que as provocações de Jack deixaram de ter importância em algum momento. Acho que eu até apreciava, era uma espécie de jogo entre nós.

— O que foi que eu te fiz, Charlotte? — Jack insiste.

— Não fez nada. Você foi maravilhoso. Só que também assustador.

— Eu te assustava?

— Você nunca desiste. É aquele tipo de pessoa que quando quer algo vai até o fim. Sim, eu poderia ter te contado que não ia me casar com você, mas tive medo de não me deixar ir. Sabia que não me deixaria ir, estou errada?

Ele não responde e nós dois sabemos a resposta.

— Eu acreditei que seria suficiente sentir que não podia respirar longe de você, mas ficar com você também me sufocava. Era muito. Era demais.

— Você teve milhares de oportunidades de me dizer isso.

— Eu estava perdida. Primeiro eu achei que era só sexo, que a gente apenas se divertia um com o outro.

— Não é possível que achasse que era só isso!

— No fundo eu sabia que não era, mas gostava de me enganar. E achava que você uma hora ia se cansar de mim. Então meu pai morreu e de repente você estava ali, o tempo todo, e Alex parecia perdido em seu próprio sofrimento e nem vou falar de Aria e Nora... Você me pediu em casamento e tudo o que eu queria era ter algo a que me agarrar porque não conseguia ver sentido em nada. Tudo o que você me falava e prometia parecia tão perfeito e certo. Acho que não pensei direito, apenas me deixei ir. E quanto mais chegava o momento de ser pra sempre, mais eu percebia que... — interrompo minhas palavras, um nó se formando em minha garganta me impedindo de continuar.

Jack parece surpreso com meu desabafo.

— Acha que eu me aproveitei de seu momento de fragilidade com a morte do seu pai pra te coagir a ficar comigo?

— Você que está dizendo! — rebato com certo humor irônico. Jack deve saber que foi exatamente isso que fez. Naquele momento eu não tinha percebido. Mas era claro agora que foi exatamente assim. Se eu estivesse de posse das minhas faculdades mentais, teria dito não. Sabia que não podia casar com Jack. — Você consegue negar com toda certeza que não?

— Eu teria te pedido em casamento de qualquer jeito.

— Eu sei.

— Se eu não tivesse pedido pra casar comigo... Ainda estaríamos juntos?

Sim, é uma boa questão.

— Talvez sim. Ou não... Acho que nunca saberemos.

— O que está fazendo aqui? Por que ficou?

— Nunca tive a intenção de ficar pra sempre. — Sei que estou o magoando de novo, mas percebo que tenho que ser verdadeira.

Pelo menos em partes.

Jack já insistiu demais. Esperou demais.

— Então é mesmo um ponto final?

Suas palavras definitivas caem como chumbo em meu estômago.

Sacudo a cabeça afirmativa, incapaz de falar, meu coração se despedaçando quando percebo que pela primeira vez Jack parece ter entendido que não vamos ficar juntos.

Que acabou.

Acabou.

— Eu sinto muito. Devia ter dito isso na sua cara há um ano. Não teria causado toda essa confusão.

— Acho que sabe que não teria adiantado. Eu teria corrido atrás de você de qualquer jeito. É isso que eu sou. É isso que eu faço. Eu te via aqui comigo para sempre e não consigo me desfazer deste sonho.

— Acho que é hora de acordar. — Sorri por entre as lágrimas usando as mesmas palavras que ele disse para quebrar meu coração um dia.

— Acho que mereci ouvir isso.

— Acho que sim — concordo.

— O que eu faço agora?

— Me deixa ir.

— Tem alguma coisa que eu possa fazer pra você ficar?

Sacudo a cabeça em negativa.

— Certo, Charlotte Black. Você venceu. Acabou. — Ele dá um passo atrás.

Por um momento eu apenas o encaro, achando que está jogando. Que talvez seja apenas um ardil para que volte a me pressionar em algum momento.

Em seu olhar há frustração, há dor.

Mas também aceitação.

— Então é isso?... — ainda indago com cuidado.

Ele ri, aquela sua risada cheia de ironia e deboche.

— Não seja a mimada do cacete agora, ok? Não é isso que queria?

Quero dizer que não tinha nada a ver com querer, mas se eu dissesse isso, ele iria querer saber se existia outro motivo e agora que ele tinha finalmente jogado a toalha eu teria que me contentar com isso.

— É que você é um manipulador do cacete, Jack White, então desculpa se é difícil acreditar em você.

— Eu sei — ele não nega —, mas me fez sentir um filho da puta por ter usado a morte do seu pai para apressar as coisas com você. Eu só... Achei que não havia motivos para adiar o inevitável. Que nós dois juntos era inevitável.

— Isso que é assustador.

— Acho que estou começando a entender. Talvez não tenha sido tão absurdo assim que tenha fugido correndo, mas eu gosto de ser prático.

— Exagerado e um tanto obsessivo talvez sejam as palavras certas.

— Não sou obcecado por você!

— Desculpa discordar. Você disse pra todo mundo que estávamos namorando quando ficamos juntos uma vez! Pediu para me casar com você quando estávamos há três meses juntos! Ficou um ano me procurando e atormentando minha família...

— Espera, isso é culpa sua.

— Ok, certo. Entendo que tenha ficado maluco com meu sumiço e que a culpa é minha por me esconder, mas o resto é tudo culpa sua. Admita.

— Não vou pedir desculpas por ser louco por você, mas posso me desculpar por não respeitar sua decisão, mesmo sendo absurda.

— Não é absurda. É apenas minha vontade e quero que respeite meus desejos. E que possamos seguir em frente.

— Não sei como vou fazer para viver sem perseguir você.

— Acho que vai dar um jeito. Você sempre dá, não é? Ninguém acreditaria que um menino órfão chegou até onde você chegou e olha só. Você pode qualquer coisa, Jack.

“Até encontrar alguém que te mereça mais que eu. E aí você vai trazê-la para sua casa dos sonhos e ter filhos com ela.”

Essa imagem me faz ter vontade de chorar de novo, mas engulo as lágrimas. Já chega.

— Vai mesmo embora?

— É melhor assim. Eu estava indo pegar minhas coisas lá embaixo para me vestir.

— Ok, eu te levo para onde quiser.

— Obrigada. — Minha voz embarga, mas disfarço com um sorriso.

— Só... posso te fazer um pedido?

Levanto a sobrancelhas com ironia.

— Eu nunca te vi com este vestido.

Entendo o que ele quer dizer e arregalo os olhos, perplexa.

— Está me zoando?

Ele cruza os braços com aquele seu olhar de escárnio.

— Acho que me deve isso, Charlotte Black. Fui eu que paguei.

Rolo os olhos, porque realmente Jack tinha feito questão de pagar por todos os gastos do casamento. Dizendo que Nora iria ficar jogando na cara dele todo o dinheiro usado, mesmo porque ela foi contra o casamento, logo depois que meu pai morreu. Mas quando aceitei me casar com Jack, eu não queria perder tempo e Alex e Aria não foram contra, então marcamos a cerimônia para três meses depois.

— Acha mesmo que me ver vestida de noiva vai fazer algum sentido?

— É só um pedido. Depois você pode rasgar essa merda e botar fogo.

Suspiro, dando-me por vencida.

— Ok, depois eu que sou absurda! — resmungo.

Jack ri e sai do closet .

E não posso negar que há certa alegria dentro de mim por estarmos conversando. Por termos chegado a um consenso.

Por estarmos rindo juntos.

Era só a merda de um vestido, como disse Jack.

Talvez fosse só mais um capítulo para o desfecho, enfim.

Porém, enquanto tiro o roupão e coloco o vestido, olhando minha imagem no grande espelho, não posso evitar o déjà-vu . As lembranças se embaralhando dentro de mim. Foi quando eu o vesti que comecei a sentir que se fosse em frente, estaria cometendo um erro.

Mesmo assim, eu saio do closet , procurando Jack e ele está perto da janela, de costas, secando os cabelos com a toalha que antes estava na sua cintura e não consigo evitar meus olhos de admirar suas formas nuas.

Limpo a garganta, denunciando minha presença e ele se vira.

— Era isso que queria ver?

Giro sobre mim mesma, o vestido dançando a minha volta.

E quando o encaro de volta, Jack está me contemplando sem dizer nada.

— Posso tirar agora? — Sinto-me subitamente sem graça por seu silêncio.

— Fica à vontade — diz por fim e demora alguns segundos para que eu entenda as implicações daquele pedido.

Rubor inunda meu rosto e um calor proibido rasteja por minha pele.

Ah não...

— Isso é uma armadilha — sussurro dando um passo atrás e um sorriso malicioso se abre no rosto de Jack à medida que ele avança em minha direção.

— Não seja maldosa. Você sugeriu primeiro.

— Você entendeu o que eu quis dizer. — Começo a arfar quando me dou conta que estou ficando excitada.

Infelizmente há algo de muito estimulante em estar vestindo um vestido de noiva enquanto Jack caminha nu em minha direção, sem esconder que também está excitado.

— E eu quis dizer que quero que tire este vestido, ou melhor, talvez eu queira tirá-lo de você.

— Não vou transar com você.

— Então é melhor sair daqui agora e me deixe terminar sozinho.

— Jack...

Ele para há dois passos de mim, esperando.

Eu sei que eu posso dar meia-volta e sair dali.

Jack pode ser insistente e muito persuasivo, mas nunca precisou me obrigar a nada.

O inferno é que eu quero tanto quanto ele.

Sempre quero.

— Vai lembrar depois que já concordou que eu vou embora?

— Eu disse que sim — responde impaciente.

— Ok, mas é só uma vez — concordo num arquejo e é o que basta para Jack romper a distância entre nós e se agarrar a mim, as mãos se infiltrando em meu cabelo para mergulhar sua boca na minha.

Perco o ar e o ataco da mesma maneira, porque faz tempo demais que o tenho assim, excitado e nu se esfregando em mim.

Sem a menor cerimônia eu o empurro contra a cama, montando seu corpo nu e distribuindo beijos e mordidas por seu pescoço, seus ombros, seu peito largo.

— Porra. Charlotte... — rosna e puxa meus cabelos para que nossos lábios se encontrem de novo e rola sobre mim e é sua vez de marcar meu pescoço, fazendo-me arquear o corpo, ansiosa por qualquer coisa que ele fizesse comigo.

As mãos afoitas deslizando para baixo do vestido o levantando para que ele possa se encaixar entre minhas pernas com urgência.

— Tira essa merda de vestido... — peço impaciente.

Ele ri e se afasta o suficiente para que a mão agarre o decote do corpete e sem aviso o rasgue de cima a baixo.

Solto um grito assustada.

— Você rasgou um Vera Wang!

— Não serve mais pra nada mesmo — resmunga e enfia o rosto entre meus seios, aspirando e no minuto seguinte eu já esqueci até quem eu sou quando começa a chupar meus mamilos sem dó, fazendo com que um prazer agudo e intenso se conecte com meu clitóris e me esfrego nele, mergulhando minha mão entre nós para segurar sua ereção e levá-lo para dentro de mim.

E quando ele me penetra, nós dois gememos juntos e Jack fica ali, sem se mexer e eu gosto disso. Apenas sentir que ainda nos encaixamos a perfeição.

Ele varre os fios de cabelo do meu rosto, o olhar fixo no meu quando se move finalmente e perco o ar, sentindo todo meu ser tomado de sensação.

Eu o abraço com pernas e braços, trazendo-o para perto, nossos corações batendo no mesma cadência enquanto seus quadris encontram o ritmo junto com os meus.

É maravilhoso.

E em algum lugar dentro do meu peito, lamento que seja a última vez.

Eu não quero que seja a última vez.

— Não quero que seja a última vez — ele diz roucamente encostando a testa na minha e fecho os olhos, porque é uma merda que ele sempre sabe o que se passa dentro de mim. Que seus sentimentos fazem eco com os meus.

Suas investidas se tornam erráticas, frenéticas e deixo que o prazer domine meu corpo e minha mente, enquanto ele geme em meu ouvido, perdido em seu próprio gozo.

E quando termina, ele continua ali, dentro de mim, e fixa o olhar no meu.

— Fica.

— Não faz isso... Não me obrigue...

— Não posso te obrigar. Mas eu posso implorar...

— Jack... — Acaricio seus cabelos suados, sentindo sua dor que também faz eco com a minha.

— Eu amo você, Charlotte. Por favor. Não me faça implorar.

— Não implore então.

— Você me esqueceu? Este último ano foi o suficiente para acabar com seus sentimentos por mim? Você pode dizer isso?

— Não, não foi suficiente. Este ano sem você não foi suficiente para apagar o que eu sinto. Inferno, nem o fora que me deu quando eu tinha 16 foi suficiente. E talvez nem o fato de eu estar colocando um ponto final com todas as letras na nossa história agora vai ser. Talvez tenha uma parte de mim que vai te amar pra sempre. Como também tem uma parte de mim que deseja que não me esqueça. No fundo, acho que ainda sou aquela menina mimada de sempre... que quer tudo, mesmo sem poder ter.

— Mas eu pertenço a você, não te disse um dia?

— Queria que fosse suficiente.

— O que está faltando pra você? O que você quiser eu te dou.

— Não é o que você não pode me dar, e sim o que eu não posso te dar, Jack...

 

 


Capítulo 14

 

 

 

Antes

 

Eu não sei em que momento me apaixonei por Jack de novo. Ou talvez eu nunca tenha “desapaixonado”. Mas nos três meses que se seguiram, passei muito tempo em sua cama e ficava cada vez mais difícil sair de lá.

Eu estava viciada em Jack White.

Foram três meses intensos, em que consolidei rapidamente meu trabalho como influenciadora, comparecendo a inúmeros eventos, sessões de fotos e compromissos, além de me desdobrar para passar de simples herdeira que mostrava a vida nas redes sociais a profissional engajada em fazer vídeos e fotos publicitárias. Então quando eu não estava ocupada em alguma atividade bem sacana com Jack, estava trabalhando e pensando quando poderia encontrá-lo de novo.

E embora gostasse de pensar que era tudo apenas sexo sem compromisso, eu me enganava que não estava envolvida até o último fio de cabelo, mesmo quando as horas em que passava em sua cama começaram a ser tomadas por momentos em que apenas ficávamos juntos. Ele gostava de me acordar e pedir que eu malhasse com ele, o que eu odiava, mas fazia mesmo assim, porque era divertido ficar filmando enquanto fazia flexões ou sua impaciência quando tentou me ensinar a lutar boxe. Eu gostava de andar com ele nas livrarias e escolher livros diferentes dos livros de negócios que ele gostava tanto, e forçá-lo a ler.

E a gente brigava. Muito.

Jack era impaciente e direto e não aguentava esperar quando eu demorava a me arrumar ou ficava indecisa sobre qual pedido fazer no restaurante. Chamava-me de fútil quando eu gastava demais em uma bolsa ou sapato, mas me surpreendia quando eu menos esperava com um presente caro, porque eu tinha comentado que queria. Acompanhava-me em eventos sociais quando eu pedia, para ficar se intrometendo em como eu devia fazer meu trabalho, e fazia questão de acompanhar minha agenda e me dar conselhos de que marcas deveria aceitar parcerias ou não. Eu discutia dizendo que não precisava de sua opinião, quando seguia todas, porque Jack era um cretino intrometido, mas sabia do que estava falando e geralmente tinha razão.

Minha família nos aceitou facilmente. Meu pai parecia até mais tranquilo porque eu estava finalmente namorando, ainda mais um cara como Jack. Papai gostava muito dele desde que Alex o trouxe para casa a primeira vez e por isso mesmo não tinha hesitado em ajudá-lo financeiramente quando precisou. Jack tinha uma admiração cega por meu pai e por Alex e detestava Nora, o que era recíproco. Felizmente, eu não me importava com a opinião de Nora que chegou a insinuar que não íamos durar. Quis dizer a ela que eu também achava que não, mas cada vez que pensava sobre isso, sentia que não estava preparada para o fim.

— O que é esse sorriso? — Minha mãe chamou minha atenção e levantei o olhar do celular a encarando do outro lado da mesa onde jantávamos.

Eu e minha mãe, Helena, não éramos muito próximas. Na época em que ela se divorciou do meu pai, eu tinha apenas seis anos e era muito criança para entender qualquer coisa e não achei ruim quando papai ficou com a nossa guarda, o que não aconteceu com Aria que tinha 11 anos e fez questão de sempre que possível estar com minha mãe. Então eu acabei crescendo mais como se mamãe fosse uma tia boazinha a quem eu via nos fins de semana, e toda a responsabilidade sobre minha criação era responsabilidade do meu pai.

Depois que cresci, tentávamos nos ver sempre que possível, entre seus inúmeros compromissos como filantropa, embora ela fosse agora mais como uma amiga do que como uma mãe propriamente dita.

— Aria me contou que está ficando sério com Jack White? — comentou enquanto eu colocava o celular na mesa.

— Aria é uma linguaruda! — desconversei.

— Mas vai dizer que não estava trocando mensagem com seu namorado?

— Sim, era Jack, vou para a casa dele quando terminarmos aqui.

— Então vou pedir a conta. — Ela sorriu, chamando o garçom. — Aria não tem razão? Ela disse que vocês não se desgrudam.

— Isso não quer dizer que seja sério...

— Por que não seria? Nunca a vi namorando ninguém a sério, talvez Jack White seja o que estava esperando.

— Quem disse que eu estava esperando alguém? Só porque Aria se casou com a minha idade não quer dizer que eu tenha que fazer o mesmo!

— Não estou te comparando a Aria...

— Todo mundo faz isso!

— Me desculpe se dei essa impressão, querida. — Ela tocou minha mão. — Você e Aria são pessoas diferentes, claro. Eu só quero que seja feliz e tenho a impressão que está mais feliz agora que está com este rapaz.

Bem, quem era eu para contestar?

— Sim, eu estou feliz. Mas...

— Não vê futuro?

— Não quero ficar pensando nisso. O futuro parece muito longe.

Ela riu enquanto nos levantávamos para sair.

— Tem razão é muito jovem e tem direito de viver o momento.

 

Quando cheguei ao apartamento de Jack, que ficava há poucas quadras do apartamento de Alex, usei minha chave para entrar e escutei vozes vindas da cozinha.

Jack estava com visitas?

Caminhei até lá e ele estava conversando com uma garota morena que eu não conhecia.

— Oi.

— Aí está você. — Ele se virou para a moça. — Sally, essa e Charlotte. Charlotte, Sally — apresentou-nos.

— Oi, muito prazer. — A moça sorriu simpática se levantando e pegando a bolsa. — Jack, eu já vou indo.

— Ok, nos vemos amanhã.

Ela acenou para mim ao passar enquanto Jack a levava até a porta.

— Quem é essa? — indaguei curiosa quando ele voltou se ocupando em pegar as duas taças de vinho colocando na pia.

— Sally, da Fundação. Acho que já comentei dela? Ela faz um trabalho muito bom.

— E o trabalho dela inclui tomar vinho com o chefe?

Jack riu, vindo até mim, e me abraçando pela cintura.

— Estaríamos na cama se não tivesse chegado cedo.

— Para de ser idiota! Não tem graça!

— Sally é uma boa amiga. Nos conhecemos do orfanato, na verdade. E mantivemos contato, quando eu abri a Fundação a chamei para trabalhar comigo. Hoje ela veio aqui para conversar sobre algumas ideias que teve e como na Fundação estamos sempre ocupados, pedi que viesse para conversarmos.

— Por que nunca me levou lá?

Jack sempre comentava sobre seu trabalho na Fundação para menores carentes e órfãos, e embora tenha comentado uma vez que ia me levar lá, isso nunca se concretizou.

— Você quer ir? — Ele pareceu surpreso com meu interesse e isso me chateou um pouco.

— Sim, por que não?

— Ok, eu te levarei lá.

Eu me dei conta das implicações daquele pedido. Estava querendo participar da vida de Jack. Uma parte da sua vida que ele ainda não tinha dividido comigo.

Isso acendeu um alerta em minha cabeça, porém, Jack já estava me beijando e eu me esqueci de qualquer coisa que não fosse a vontade de que ele me levasse para a cama o quanto antes.

Porém, o celular dele tocou nos interrompendo e eu o deixei atender me afastando para o quarto, mas ainda escutei um “Oi Max”.

Tirei a roupa e coloquei uma camiseta velha de Jack, indo tirar a maquiagem e tentando não lembrar que Jack e Max eram muito amigos e viviam fazendo coisas juntos, como jogar tênis e assistir partidas de futebol.

Ele sabia que eu não gostava de Max, nunca escondi isso. E provavelmente ele também sabia que Max não ia com a minha cara.

Jack entrou no quarto algum tempo depois e eu estava sentada em uma poltrona, pensativa.

— Amanhã vou jogar tênis com Alex e Max — comentou enquanto se ocupava em tirar a roupa.

— Aposto que ele fala mal de mim — murmurei.

— Por que falaria?

— Porque ele não gosta de mim.

— Você também não gosta dele. Qual a novidade? Quer saber se ele me alertou sobre você? — Jack pareceu divertido.

— Ele fez isso?

— Fez sim. Disse que você ia me deixar qualquer hora dessas. Para não te levar a sério.

Tentei engolir a raiva que eu senti com sarcasmo.

— Bem, ele tem razão.

Jack se aproximou. Usava apenas uma calça de pijama agora quando se inclinou, com as duas mãos uma em cada lado do sofá, me prendendo.

— Você não vai me deixar.

— Ah não?

— Não. — Beijou a ponta do meu nariz e se afastou. Distraindo-se com alguma mensagem em seu celular

— E se eu te pedir para não sair com o Max amanhã?

Ele me lançou um olhar incrédulo.

— Eu ia achar que estava me provocando.

— Não acataria meu pedido?

— Por que faria isso?

— Por que estou pedindo?

— Está falando sério?

Cruzei os braços a sua frente.

— Max é um babaca. Não sei como pode ser amigo dele.

— Você não o conhece. Ele sempre foi um cara legal comigo, outros amigos de Alex, esses seus amigos ricos nem sempre iam com a minha cara, não me achavam bom o suficiente por não ter a mesma grana, por não ter uma família importante. Max nunca se importou com essas merdas. E ainda me apresentou muita gente importante que foi fundamental para meus negócios.

— Você não tem negócios com o Max! Aliás, Max não tem negócios. Ele nem trabalha, vive de se exibir por aí.

— Não devia falar sobre o que não sabe.

— Ah certo, eu não sei de nada! Só você sabe! — Eu me irritei e o empurrei me afastando e pegando minha bolsa.

— Ei, que merda está fazendo?

— Indo embora.

— Está falando sério? — Ele riu, o que me irritou mais ainda.

— Fica olhando.

Saí do quarto e não consegui chegar à porta antes que Jack me alcançasse e me puxasse para trás, abraçando-me pela cintura.

— Não seja uma mimada do caralho, Charlotte.

— Não pode me impedir.

— Não ia sair assim de camiseta ia? — Ele riu contra meus cabelos.

Sim, ele tinha um ponto.

— Você não faz nada que eu quero — eu me queixei.

— Eu faço o que você quiser. Quer que eu cancele com o Max? Eu cancelo.

— Está falando isso só porque quer transar comigo.

— Óbvio. Mas também porque casais fazem concessões.

Eu me virei em seus braços, encarando-o.

— Não somos um casal... — murmurei assustada com o poder daquela expressão.

— E somos o quê? — E sem que eu pudesse impedir, ele me colocou nas costas, como se eu fosse um saco de batatas, e me jogou na cama, rindo da minha indignação e calando meus protestos com sua boca ávida sobre a minha.

Mas antes que pudesse tirar minhas roupas seu celular tocou e ele se afastou.

— Não atende... — reclamei, mas Jack já estava longe pegando o celular.

— É rápido. — Colocou o celular no ouvido e vi seu rosto empalidecer com o que falavam do outro lado da linha.

Eu me sentei na cama, curiosa e Jack desviou o olhar, falando baixo.

— Tudo bem. Estou com ela, estamos indo para aí.

Ele desligou e se aproximou muito sério da cama.

— O que foi?

— Era seu irmão. Seu pai sofreu um ataque cardíaco e está no hospital.

 

Os dias que se seguiram passaram como um borrão.

Desde que Jack me disse que meu pai estava no hospital até o dia em que ele finalmente partiu depois de alguns dias de agonia, eu só conseguia chorar e rezar para que ele ficasse bem.

Papai já tinha mais de sessenta anos, mas era um homem vigoroso e nunca teve nenhum problema de saúde. Era inacreditável que ele pudesse nos deixar tão cedo.

Mas ele partiu e então meu mundo desabou.

E o tempo todo Jack estava comigo. Ele me fazia comer quando eu não tinha fome. Dava calmantes para dormir quando sofria demais para conseguir me desligar e me abraçava quando eu só conseguia chorar.

Não me lembro exatamente quanto tempo se passou até que Jack me perguntasse se eu queria voltar à casa da minha família.

E eu me dei conta de que não existia nenhuma vontade em mim de voltar pra lá. Se Jack não estivesse comigo provavelmente eu teria me refugiado ao lado de Alex, mas Jack havia comentado que Alex estava muito estranho, distante e sem querer falar do assunto. Talvez essa fosse a maneira dele lidar com a dor.

— Não quero ir pra minha casa — eu havia dito. Ainda estava na cama, onde passava muito tempo, dormindo e sendo amparada por Jack.

— Você precisa voltar a sua rotina. A seu trabalho. — Jack havia cuidado da minha agenda e desmarcado todos meus compromissos avisando do meu luto.

— Acho que já está de saco cheio de cuidar de mim, não é?

— Charlotte, não estou falando isso porque quero que vá embora. Só quero que consiga superar.

— Eu sei... Mas, não sinto vontade de voltar para casa. É como se lá não fosse mais minha casa.

— Então fica aqui.

— O que quer dizer?

— Fica pra sempre.

— Como assim?

Ele segurou minha mão e antes que eu antevisse o que estava fazendo, um anel deslizou por meu dedo e prendi a respiração o encarando boquiaberta.

— O que é isso?

— Casa comigo? Eu amo você. Quero cuidar de você. Quero que fique pra sempre, que se mude comigo para minha casa porque desde que esteve lá não consigo imaginá-la sem você. Apenas... fique comigo.

Eu poderia ter dito tantas coisas. Podia ter ao menos pensado por mais alguns segundos em tudo o que implicava aquele pedido.

Mas não pensei.

Apenas deixei que suas palavras adentrassem em mim, cobrindo meu coração até então frio com um cobertor quentinho.

— Eu te amo também — murmurei começando a chorar e ele me beijou e um pouco da dor da perda começou a se dissipar naquele momento, porque sentia que uma nova vida estava se abrindo a minha frente.

Uma vida onde Jack era o centro de tudo e me fazia esquecer de todo o resto.

O passado deixou de importar e o futuro parecia um sonho se realizando.

Nada mais importava naquele instante a não ser que eu estava apaixonada por Jack White e queria ficar com ele pra sempre.

— Isso é um sim? — Sorriu e eu só consegui sorrir de volta.

— Sim...

***

— Você está linda, querida — minha mãe suspirou.

Rodopiei com meu lindo vestido de noiva, que tinha ficado perfeito. Naquela última prova.

— Esse decote não está demais? — Aria ainda criticou e eu a ignorei.

— Está perfeito pra mim.

— Então nem um ajuste precisa ser feito? — a vendedora indagou solícita.

— Não, está ótimo. Eu já vou me trocar.

Aria e mamãe se levantaram.

— Eu já vou. Peça para entregar o vestido lá em casa, vai ser mais fácil, assim é uma preocupação a menos — Aria pediu toda prática. — A decoração está ficando magnífica. Eu falei que orquídeas iriam combinar mais que rosas, ainda bem que me ouviu.

Eu havia deixado que Aria se intrometesse em tudo o que queria na organização da cerimônia porque achei que ela estava sendo muito legal não implicando com o fato de que estava me casando apenas três meses após a morte do papai. E achava que todo o trabalho que organizar um casamento grande exigia estava sendo bom para todos deixarmos o sofrimento de lado e seguir em frente.

— Eu vou com você, Aria — mamãe anunciou.

As duas se despediram e eu fui me trocar. Ao sair do atelier, havia um recado de Jack dizendo que ia se atrasar, pois estava na Fundação.

Havíamos marcado de almoçar e ele me levaria para finalmente ver a casa, que estava pronta depois de todo o trabalho de design, já que minhas coisas seriam entregues lá hoje à tarde.

Entrei no carro e liguei para ele.

— Não acredito que vai furar comigo!

— Alguns funcionários faltaram hoje e está uma bagunça aqui. Preciso ajudar, sinto muito.

— Espero que isso não seja uma estratégia sua para me impedir de ver a casa antes do casamento.

Jack tinha insistido que eu não poderia ver a casa pronta até que estivéssemos casados. Eu achava tudo ridículo e pelo menos consegui convencê-lo de me levar lá hoje. E então não nos veríamos mais, até a hora de cerimônia, que aconteceria dali a três dias.

— Eu acho que isso é um sinal. Só faltam três dias, Charlotte.

— Ok, você venceu — concordei. — Mas eu queria te ver. Vou encontrar você aí na Fundação.

Acabou que com todos os preparativos para o casamento Jack ainda não tinha me levado na Fundação e talvez hoje fosse uma hora para finalmente conhecê-la.

— Estarei ocupado, Charlotte.

— Não tem problema. Eu ajudo!

Desliguei e dirigi até lá e um homem negro e simpático na recepção me cumprimentou com um sorriso.

— Então é a noiva do Jack? Bem-vinda. Eu sou Ronny. Jack está na sala de refeições. Está uma bagunça aqui, hoje... Sally está vindo te levar para conhecer tudo.

Sally apareceu em seguida com um sorriso acolhedor.

— Olá, Charlotte, bem-vinda. Jack me pediu para te mostrar tudo.

— Obrigada, acho que nem precisava, parece que estão todos ocupados.

— Não tem problema. Jack está cuidando de tudo.

— Eu fiquei sabendo... Só me leve até Jack, não quero tomar seu tempo.

Entramos em um grande salão com várias mesas onde já tinham algumas crianças sentadas e outras faziam fila com bandejas na mão que são servidas por homens e mulheres sorridentes e um deles é Jack.

— Olha quem eu achei, Jack — Sally anunciou nossa chegada e ele sorriu quando me aproximei.

— Achei que estivesse brincando quando disse que vinha.

— Claro que não. Aqui é muito legal! Quanta criança — comentei um tanto assustada com todo aquele barulho.

Sally se colocou ao lado de Jack, começando a trabalhar em encher as bandejas.

— Eu falei que estava ocupado.

— E eu não posso ajudar? — indaguei meio insegura.

Era óbvio que Jack achava que não combinava com aquele lugar e isso me deixava chateada. Eu não era a pessoa mais altruísta do mundo, mas podia aprender a ajudar. Jack fazia parecer fácil e muito recompensador.

— Então ajude a Sally, vou ajudar a limpar as mesas.

Ele se afastou e eu me coloquei ao lado de Sally que me instruiu a distribuir os pães enquanto eu assistia Jack ao redor das mesas conversando com as crianças, que os chamavam pelo nome e ele também parecia saber o nome de todas.

Quando terminamos, Sally perguntou se queria subir até a enfermaria que é onde Jack estava agora.

— Claro.

Ela aproveitou para me mostrar o lugar me explicando como funcionava.

— Algumas crianças não têm para onde ir e ficam aqui, o tempo que for preciso. Outras por um tempo, e outras vêm para comer, estudar e fazer tratamentos médicos ou dentários. E até mesmo psicológicos. Algumas dessas crianças não tinham quem as acolhesse.

Ela me levou por entre as salas, havia mesmo vários consultórios, dormitórios para as crianças, e salas de estudo.

Então entramos em uma espécie de creche, onde tinha até alguns berços. Há algumas crianças menores ali.

E eu me surpreendi ao ver Jack trocando um bebê.

— Aqui é o berçário e a creche. Algumas mães podem deixar as crianças aqui quando vão trabalhar e algumas dessas são órfãs e moram aqui.

Uma senhora de meia-idade vestida de enfermeira nos cumprimentou e Sally a apresentou como Rose.

— Essa é a noiva do Jack, Charlotte.

— Ah sim, temos ouvido falar muito de você por aqui! — Rose piscou e eu enrubesci.

— Espero que Jack fale bem de mim.

Jack pegou o bebê que acabou de trocar e entregou a Rose.

— Não deveria, mas falo — resmungou enquanto pegava outro bebê e começou a dar mamadeira.

Fiquei observando a cena perturbadora.

Nunca imaginei que Jack cuidasse das crianças da Fundação dessa maneira. Na verdade não sei o que é que eu imaginava, mas certamente não que ele as alimentasse, trocasse fralda e coisas do tipo.

— Você parece fazer isso muito bem... — comentei.

— Parece surpresa. — Ele riu.

— E estou.

— Eu gosto de crianças. Não vejo nenhum problema em cuidar delas, ainda mais que muitas não têm pai nem mãe.

Imaginei que Jack se sentisse ligado àquelas crianças e tinha necessidade de cuidar delas de perto por ele mesmo ser um órfão.

Imaginar Jack como uma daquelas crianças sozinhas e desamparadas me deixava de coração apertado.

— Jack é ótimo com elas — Rose comentou.

— Sim, aposto que já está treinando para seus próprios filhos. — Sally sorriu.

Eu empalideci.

— Próprios filhos?

Jack riu.

— Claro. Talvez já deva ir treinando também. Dê um bebê a ela, Rose.

Eu dou um passo atrás, assustada.

— Não, eu nem saberia o que fazer.

— Não fique assustada. — Sally riu. — Eu também ficava quando cheguei aqui, mas aprendi bastante.

— Nunca cuidou de uma criança pequena? — Rose indagou.

— Não. Eu tenho sobrinhas, mas minha irmã teve um batalhão de babás.

— Pelo menos você terá o Jack para ajudar a cuidar. Economiza com babás — Rose disse com humor e meu estômago embrulhou.

De repente me dei conta de que não tínhamos conversado sobre isso.

Sobre nosso futuro incluir filhos.

— Para Rose, está deixando a Charlotte assustada. — Sally riu notando minha palidez. — Acho que ela é bem jovem ainda e talvez demore para eles terem filhos.

— Mas Jack disse que quer ter pelo menos alguns.

— Alguns? — Encarei Jack, horrorizada, e ele riu.

— Quantos você quiser. — Ele sorriu se levantando e dando o bebê a Rose. — Sally tem razão, Rose. Charlotte é jovem. Provavelmente esperaremos alguns anos? — Ele se aproximou beijando meu rosto, e sussurrando no meu ouvido. — Vou adorar fazer bebês com você.

Ele me soltou dizendo a Rose que precisariam dele para o próximo horário de refeição.

— Acho que deveria ir. Não comentou que tinha um encontro com Aria sobre alguma coisa do casamento ou algo assim agora à tarde?

— Sim, tem razão — respondi atordoada ainda com toda aquela conversa surreal.

— Eu preciso ficar por aqui. Pode acompanhá-la até a saída, Sally?

— Claro.

Ele beijou meus lábios de leve. Sussurrou um eu te amo.

Acho que respondi a mesma coisa.

Sem saber que aquela seria a última vez que eu o veria em um longo tempo.

 

Sally me acompanhou até a saída da Fundação.

— Você não pareceu muito à vontade sobre as brincadeiras sobre bebês.

— Não, não foi nada... Apenas me surpreendi. Acho que eu e Jack nunca conversamos sobre isso.

— Entendo. Mas deve saber que Jack é louco para ter filhos. Ele me disse uma vez que o fato de não ter uma família o faz querer muito ter a sua própria. Então ter filhos é muito importante pra ele, mas deve saber disso, claro.

— Claro... — murmurei distraída e me despedi dela agradecendo a atenção.

 

Não sei o que me levou a dirigir até a casa de Jack naquela tarde. Eu apenas me sentia atordoada e perdida.

Amedrontada.

Era como se todo o castelo de sonhos que eu tivesse construído naqueles últimos meses com Jack, fosse feito de areia e estivesse desmoronando a minha frente.

Estacionei em frente a casa, agora finalizada em sua perfeição, e saí do carro, avancei pelo lindo jardim até abrir as portas e me deparar com todo o sonho de Jack ali, na minha frente.

Mas não era só aquela casa que era o sonho dele.

E pensar nisso agora fazia meu peito se apertar de um jeito que me deixava sem ar.

Subi as escadas percorrendo os cômodos, deixando meus próprios sonhos tomarem asas. Sonhos que eu sonhei pela primeira vez quando tinha só 13 anos e eu o vi pela primeira vez.

Sonhos que alimentei por mais alguns anos até que ele o despedaçou e eu segui por um caminho que ia me arrepender pra sempre.

Um caminho que trombou com o dele de novo e desta vez ele me quis. Fez-me sonhar de novo, mesmo eu sabendo que não eram mais pra mim.

Deixei aquele amor crescer de novo e ignorei que eu não era mais a mesma.

Queria continuar ignorando esse fato enquanto entrava e saía dos quartos da casa que em breve seria minha. Nossa.

Cheguei quase a acreditar que seria possível até que em um dos cômodos que entrei o que vi me fez morrer um pouco por dentro.

Então eu me recordei de uma das conversas com a design de interiores.

— Querem que coloquem móveis em todos os cômodos?

— Pode colocar em todos os quartos de hóspedes, mas deixe o quarto amarelo vazio. Acho que ainda teremos tempo para decorá-lo depois...

Eu não havia entendido que diabos era o tal quarto amarelo.

Agora eu me aproximava da parede com um papel de parede amarelo-claro com pequenos desenhos de animais. Um papel de parede claramente infantil.

Era um quarto destinado a ser um quarto de bebê.

E foi quando eu me dei conta do quanto Jack queria um futuro com filhos.

E que eu não podia me casar com ele sem lhe contar que eu não poderia tê-los.

 

 


Capítulo 15

 

 

Dias Atuais

 

 

— Do que está falando? — Jack vasculha o meu rosto, confuso e eu me dou conta do que disse.

Sei que posso continuar. Ir em frente e dizer tudo o que preciso agora que comecei, mas me sinto sufocar.

— Não consigo... respirar — sussurro e Jack sai de cima de mim.

Livre, eu saio da cama e corro para o banheiro me trancando lá e ignorando Jack me chamando.

Seguro-me na pia, olhando minha imagem no espelho.

O vestido de noiva estragado, meus seios ainda à mostra, as marcas da paixão de Jack na minha pele.

Angustiada, livro-me do que restou do vestido até que ele seja só uma bola branca no chão.

— Charlotte, você está bem? — Jack bate a porta.

— Sim... — Minha voz não é mais do que um sussurro.

— Por favor, abre essa porta. Está me preocupando... — O temor em sua voz me faz limpar a garganta e enxugar o rosto, tentando me recompor.

— Estou bem, Jack — respondo quase com petulância. — Apenas... Me deixe sozinha um pouco.

Quase sinto sua hesitação. Sua frustração.

— Tudo bem. Mas não pode ficar aí a noite inteira.

Escuto seus passos se afastando.

Sinto-me perdida.

Cansada.

Culpada.

Saio do banheiro e vou para o closet , acho uma camiseta de Jack e a visto.

Sei que ele está em algum lugar da casa. Esperando por mim.

Esperando uma explicação para meu comportamento horrível.

Uma explicação que lhe devo há um ano.

Caminho pelo corredor, fazendo o mesmo caminho que fiz naquele dia e abro a porta do quarto que nem deveria existir. Ainda está como eu lembrava. Vazio.

Assim como meu útero.

— Charlotte? — Escuto a voz de Jack atrás de mim e me viro.

Estou amedrontada.

Devastada porque adiei tanto aquele momento por puro medo.

Covardia.

Vergonha.

Mas não posso adiar mais.

— O que este quarto significa, Jack?

— O quê? — Ele entra no quarto, confuso.

Está vestindo de novo só a calça de pijama e posso ver a tensão em seus ombros.

— Responde — insisto num fio de voz.

Ele hesita. Talvez começando a entender minha perturbação.

— Um quarto apenas...

— Um quarto com papel de parede infantil. Para quê? Para bebês?

— Sim — ele fica na defensiva.

Tenho certeza que sabe exatamente que destinar um quarto da casa para aquela finalidade, quando nem estávamos casados ainda, foi algo no mínimo precipitado.

Ele sabe e por isso está na defensiva.

— Por que eu nem estava grávida e você tem um quarto deste aqui?

— Porque este era o plano. Pessoas casam e têm filhos, Charlotte... De repente ele para e vejo a compreensão em sua expressão. — Já tinha vindo aqui? Você sabia deste quarto?

— Sim, naquele dia que eu te deixei na Fundação dias antes do casamento, ou o que era para ter sido o casamento, eu vim aqui, estava curiosa e... me deparo com isso! — Minha voz está cheia de acusação quando eu sei que não tenho esse direito.

Ou talvez eu tivesse se esse confronto ocorresse naquela época. Quando deveria ter acontecido.

Não agora, depois que virei as costas e fugi, deixando um rastro de confusão e dor atrás de mim.

— Foi isso? Você viu este quarto aqui e surtou? Por que não falou comigo... — Sua voz vai se elevando assim como sua fúria quando ele acha que entendeu. — Naquele dia na Fundação toda aquela conversa sobre bebês... Você não quer ter filhos é isso? — Ele para na minha frente, seu olhar cheio de frustração e dor.

— Não é questão de querer... Eu não posso ter filhos, Jack.

Minhas palavras caem entre nós como terremoto, levando tudo.

Espero Jack absorver minha confissão. Sua expressão é de incredulidade.

— O quê?...

— Devia ter te contado... — Respiro fundo, afastando-me cheia de angústia. — Entende agora por que eu não podia me casar com você?

— Não, não entendo, que merda está dizendo? Não faz sentido...

— Mas é a verdade! Você queria verdade e aí está. Não posso engravidar, Jack. Nunca mais.

— Nunca mais... Meu Deus, Charlotte, o que está me dizendo...

— Que se você ficasse comigo, nunca iria realizar seu sonho de ter filhos. Porque eu não posso te dar. — Começo a chorar. — Acha que eu queria te deixar? Eu nunca teria te deixado, mas eu fui longe demais.

Jack anda de um lado para o outro como um tigre enjaulado e sei que ele está tentando assimilar o que acabei de lhe contar.

— Sinto muito. Percebi que não podia me casar com você sem que soubesse...

— Por que não me disse antes, porra? — Ele para na minha frente, furioso.

Eu me encolho.

— Eu não gostava de pensar nisso... E nem achava que íamos ficar juntos a este ponto e de repente você estava me pedindo em casamento. Nem pensei em nada, apenas queria ficar com você. E foi tudo tão rápido... Quando estávamos na Fundação, e Sally falou sobre você querer muito ter seus próprios filhos, comecei a entender que sequer tínhamos conversado sobre isso...

— Eu achei que era óbvio! Pessoas se casam, tem filhos.

— Não era óbvio pra mim! Então algo me fez vir até aqui e quando vi o quarto, entendi. Se eu me casasse com você, seria um erro enorme...

— E por que não me disse isso? Por que simplesmente achou que era mais fácil fugir e me deixar perdido sem saber que merda tinha acontecido?

— Como se você não fosse me deixar de qualquer jeito quando eu contasse!

— Achou que eu te deixaria por isso?

— Você tinha um quarto de bebê sendo que nem tínhamos nos casados, Jack! Não acha que isso é indício suficiente?

— Não justifica a merda que fez! Teve meses para conversar comigo sobre isso!

— Eu te falei que não foi um assunto que eu pensasse com frequência! Só me toquei que era primordial quando falou sobre bebês na Fundação...

— Achou o quê? Que íamos nos casar e nunca ia me contar?

— Não sei! Só me ocorreu naquele momento que eu não podia ir em frente. Meu Deus, eu sei que não deveria ter fugido, não sabe como eu sinto, mas não conseguia encarar você... Eu ainda tentei, durante aqueles três dias, sofri, pensando no que fazer. Eu só pensava que você ia me odiar e me deixaria quando soubesse...

— Por isso não me disse, para eu não te deixar e achou que seria mais legal decidir no dia do casamento, me abandonando?

— Eu não premeditei! Como eu podia adiar o casamento sendo que estava tudo pronto? Cheguei a pensar em me casar com você e depois conversarmos. Mesmo sabendo que ia ficar furioso e muito provavelmente pedir o divórcio. Mas no fim, quanto mais a hora se aproximava, pior ficava e eu surtei. Fugi.

— Não faz sentido o que fez!

— Preferia o quê? Que eu tivesse me casado com você e lhe contado depois? Diga-me o que teria feito se eu tivesse te contado? Tem coragem de dizer que não me deixaria? Mesmo na porta do altar?

— Você realmente não me conhece se acha que eu te deixaria por isso. — Suas palavras frias me atingem como um tapa, assim como seu olhar de raiva.

E é então que me dou conta de que ele está falando sério.

Jack não me deixaria, nem assim.

Eu deveria ficar feliz, mas sinto só mais pesar.

Dou um passo atrás, sacudindo a cabeça em negativa, quando caminho até a janela, deixando meu olhar atormentado descansar na noite escura.

Quero que Jack me deixe, que finalmente entenda o que nos separa e vá embora.

Porque não temos futuro algum. Nunca tivemos.

Deveria doer menos agora, um ano depois que eu entendi isso. Mas parece que ainda sangra como um machucado que não cicatriza nunca.

Porém, Jack continua ali, me cercando. Sinto sua tensão. Sua frustração.

Sua dor.

— Me conte o que aconteceu? — Ele finalmente para, atrás de mim. Sua voz é incisiva. Prática. Eu sei o que ele quer saber.

E não é mais fácil de contar do que a consequência.

Eu me volto e sustento seu olhar.

— Eu fiz um aborto quando tinha 16 anos.

— Um aborto?

— Sim. E teve complicações.

— Meu Deus, Charlotte. Alguém da sua família sabe disso?

— Não, ninguém sabe.

— Por que não me contou, por quê?... Porra! — Ele bate na parede atrás de mim.

— Porque é algo que eu queria esquecer. E tentei por todos esses anos me livrar das lembranças e da culpa. Tentei dizer a mim mesmo que não importava que eu nunca ia ter filhos. Eu me transformei na garota fútil e de comportamento superficial, até que ninguém sequer desconfiasse a sujeira que havia por baixo das minhas roupas caras. E acho que no fundo ninguém se importava mesmo.

— Eu me importo. Você devia ter me contado...

— Bem, agora você sabe.

Eu me afasto e saio do quarto.

Vou direto para o quarto de hóspedes e pego meu celular. Ligo para minha mãe.

— Charlotte, tudo bem? Aria me disse que voltou...

— Mãe, eu fiz uma grande confusão...

— Meu bem, por que está chorando? Onde está?

— No Jack... mas eu preciso sair daqui.

— Querida, eu não estou em Chicago no momento, estou em uma festa de caridade em Nova York... Por que não liga para Aria?

— Aria não se importa.

— Por favor, Charlotte, não parece bem. Então ligue para o Alex.

— Tudo bem, mãe, eu dou um jeito.

Desligo e sento-me na beira da cama, olhando para o nada por um longo tempo.

Sei que devo me vestir, pedir um táxi e ir embora, mas não consigo me mover.

Sinto-me extenuada. Oca.

Perdida.

Não sei quanto tempo passa até que Jack entra no quarto.

Ele se senta ao meu lado.

— Eu nunca te deixaria.

Suas palavras fazem uma nova onda de soluços cortarem meu corpo e acho que nem me surpreendo quando ele passa o braço a minha volta, minha cabeça deitando em seu peito, seus lábios em meus cabelos.

Ele está chorando também.

— Como pode pensar que qualquer coisa seria mais importante que você?

Eu levanto a cabeça, encarando seus olhos tristes.

— Você ficaria comigo e começaria a me odiar em algum momento...

— Preferiu que eu a odiasse agora, me deixando?

— Você me odeia?

— Seria mais fácil se fosse assim. Estou puto com você agora como nunca estive por ter escondido isso de mim. Por ter fugido achando que eu não quisesse você o suficiente. Mas eu te amo o suficiente para sentir meu coração partido por ter passado por essa merda de aborto sozinha. Por ter passado todo esse tempo sofrendo em silêncio por algo assim.

— Não foi culpa sua... — sussurro querendo tirar aquela angústia do seu olhar, mas no fundo sei que Jack tem certa culpa sim.

Porém, não adianta nada falar sobre isso agora.

— Eu sinto muito, Charlotte.

E sei que ele está falando do fato de eu não poder ter filhos. Que Jack já não pensa que é uma perda dele ou minha, e sim nossa.

E eu entendo.

E sinto muito também.

— O que vai acontecer agora?

— Eu não sei. Apenas... vamos dormir e amanhã é outra dia, ok? — ele diz me empurrando para a cama com aquela sua praticidade que lhe é peculiar.

Eu deixo que ele me faça deitar e se deite ao meu lado.

Não me oponho quando me abraça, enterrando a cabeça em meus ombros e me permito imaginar que não é o fim.

 

Quando acordo na manhã seguinte, tem algo lambendo meu rosto e abro os olhos surpresa ao ver Jacob ali na cama comigo.

— Jacob?... — Eu o abraço, com saudade.

O que Jacob está fazendo ali?

Escuto vozes vindas do andar de baixo e saio da cama, curiosa e desço as escadas com Jacob ao meu lado, e quando chego à cozinha arregalo os olhos, perplexa ao ver que Jack não está sozinho.

Alex está ali ao lado de uma garota bonita de cabelos escuros e olhos claros. Aria também está do outro lado da ilha e ao seu lado está Max.

E mais atrás está Sebastian Green, o filho da nossa governanta que é amigo de Alex e Jack, e que não o vejo há séculos.

— Que diabos é isso, uma intervenção?

— Sua mãe ligou para Aria e ela acionou seus advogados para ver se eu não tinha te matado e enterrado no jardim — Jack diz com ironia.

— No caso, eu sou o advogado — Sebastian brinca. — Bem-vinda, Charlotte.

Alex vem até mim e me abraça, tocando meu rosto.

— Está bem? Por que não me ligou?

Rolo os olhos, afastando-o.

— Eu te liguei várias vezes e deixei mensagem, e você não respondeu!

— Eu estava cheio de problemas pra resolver... — Ele parece culpado.

— Eu sei, não tem problema. Então essa é a famosa Nina?

Eu olho para a moça que parece sem graça.

Alex a puxa pela mão.

— Sim, essa é Nina Giordano.

— Muito prazer — ela diz acanhada ainda, como se não tivesse acostumada a interagir com seres humanos.

— Então está tudo bem mesmo? — Aria se intromete. — Mamãe me ligou apavorada hoje cedo dizendo que ligou pra ela chorando ontem, achei que Jack tivesse mesmo lhe feito alguma coisa!

— Aria, Jack não é um psicopata maluco — Max intervém. — E eu te falei que Charlotte estava bem. Ela provavelmente queria chamar a atenção como sempre, não é, princesa?

Eu o encaro, do outro lado da mesa, irritada.

— Não me chame de princesa! — sibilo com uma raiva que me surpreende.

Talvez os desabafos de ontem com Jack tenha aberto as comportas da minha raiva incubada.

— Ei, está nervosinha? Devia estar feliz, não é disso que gosta? De todo mundo te dando atenção? Eu te falei Jack, Charlotte ainda é a mesma mimada de sempre...

— Max, chega! — Jack começa, mas é a minha vez de intervir.

— Não, deixa ele falar. — Dou um passo à frente. — Continua Max, o que mais eu sou? A princesa? A mimada egoísta a quem você adora criticar? Quando não passa de uma sanguessuga inútil...

— Ei, Charlotte, pare com isso! — Aria pede. — Que inferno por que tem que sempre implicar com o Max?

Max ainda está sorrindo de forma presunçosa.

— Por que não pergunta para seu marido? Não pergunta por que eu o odeio? Pergunta por que ele não parecia me odiar quando trepava comigo na cozinha dos Black quando eu tinha só 16 anos?

Escuto as palavras cheias de ódio saírem da minha boca como um trovão que antecede a tempestade e então o silêncio.

Max já não está sorrindo.

Mas eu não consigo mais olhar pra ele, meu olhar rasteja até Jack e percebo no instante preciso em que ele finalmente entende.

— Você queria saber de onde vem meu ódio por Max? Vem desde a época em que ele me engravidou e me obrigou a abortar. Um aborto que resultou no fato de que eu nunca vou poder ter filhos! Desde quando ele me fez sentir suja e baixa a ponto de nunca ter coragem de contar a ninguém que ele também não vale nada. Ou por ele ter me obrigada a transar com ele quando queria mesmo depois disso, porque senão ele ia contar a todos o que eu tinha feito. Até que eu tivesse coragem de botar um ponto final, quando entendi que ele não ia contar nada, porque tinha muito a perder! E então passou a me perseguir com essas críticas, talvez ele tenha razão por que eu sou mesmo tão baixa e suja como ele. — Encaro Aria que parece estar em choque. — Eu sinto muito. Sinto muito...

 

 


Capítulo 16

 

 

Seis anos antes

 

 

— Acha mesmo que este vestido é apropriado?

Escutei a voz de Nora atrás de mim quando descia as escadas da mansão Black para a festa de aniversário de sessenta anos do meu pai.

A casa estava fervilhando de convidados ricos e importantes em seus trajes black tie em meio à decoração suntuosa. Era uma ode à ostentação arquitetada por Nora e claro que ela me criticaria, não só por estar usando um vestido sensual, que na verdade eu nunca tinha usado antes, mas porque ela acharia algo para me criticar de qualquer jeito.

Lancei um olhar para mim mesma. O vestido era lindo. Azul-escuro, de cetim, curto e levemente vaporoso em volta dos meus quadris e com decote pronunciado nas costas e nos meus seios. Ok, talvez um pouco sexy demais, mas era exatamente assim que eu queria me sentir hoje. Não uma menininha, a caçula dos Black, mas uma mulher.

Eu não tinha poupado nada. Meu cabelo estava volumoso, minha maquiagem pesada e impactante. E completei com um salto tão alto que Aria tinha rido de mim dizendo que eu com certeza cairia e passaria vergonha a qualquer momento.

Claro que eu tinha ignorado sua crítica, dizendo que ela provavelmente estava com inveja, porque estando grávida de seis meses de sua primeira filha, tinha optado por um vestido mais discreto, assim como sapatos confortáveis. Era mesmo uma mudança e tanto ver Aria assim, quase modesta, embora seu vestido preto fosse de alto costura.

E também era estranho pela primeira vez eu me sentir mais bonita do que ela. Cinco anos mais nova, eu sempre vivi à sombra da exuberância da minha irmã. Agora finalmente eu me sentia bem comigo mesma. E não ia deixar que as críticas de Aria ou de Nora tirassem o brilho do que eu estava sentindo hoje.

Então eu a ignorei e continuei descendo as escadas, sentindo-me ruborizada e lisonjeada com os olhares que lançavam a mim, enquanto cumprimentava os amigos da família pelo caminho, mas só existia uma pessoa que eu queria impressionar hoje.

E passei um tempo o procurando por entre os convidados que se espalhavam pela casa e pelo jardim, até chegar à piscina e vê-lo conversando com Alex e Sebastian.

Droga — sussurrei subitamente tímida.

Jack White fazia parte dos meus sonhos há tanto tempo que eu nem sabia dizer quando. Ou melhor, eu sabia exatamente quando foi que pousei meus olhos ainda infantis nele e ousei me apaixonar.

Naquela época eu nem sabia o que era paixão, era apenas um amor infantil, uma adoração pelo amigo do meu irmão que me tratava também como uma irmãzinha menor.

Mas eu cresci e, infelizmente, Jack continuava me tratando do mesmo jeito, quando tudo o que eu queria era que ele olhasse pra mim com o mesmo desejo que eu passara a olhar pra ele.

— Charlotte, está estonteante! — Sebastian foi o primeiro a me ver e Alex e Jack se viraram também, notando minha presença.

Tentei conter a onda de vergonha quando caminhava até eles, querendo parecer a adulta que eu tinha me proposto ser naquela noite. Só que agora eu não conseguia olhar para Jack e prendi a atenção em meu meio-irmão.

Alex franziu o olhar num misto de admiração e reprovação.

— Você está...

— Bonita? — sugeri com um risinho, para disfarçar meu nervoso.

Meu Deus, eu precisava ser tão boba?

— Sim, está bonita, mas aposto que Nora e Christopher tiveram um ataque do coração de te verem assim.

— Qual o problema? É só um vestido, Aria sempre se vestiu assim e ninguém nunca viu problema — fiquei na defensiva.

— Deixa ela, Alex. — Sebastian tomou meu partido. — Está linda Charlotte.

— Obrigada, Sebastian!

E então tomei coragem e deixei meu olhar se voltar para Jack.

— E você Jack, acha que estou bonita? — Socorro, o que eu estava fazendo?

Ele deu de ombros, o olhar percorrendo meu corpo, mas quando se prendeu no meu havia certo desdém que me irritou.

Não era bem isso que eu estava esperando.

— Parece vestindo o vestido de sua irmã.

Sebastian e Alex riram.

Eu não achei engraçado.

E me irritei.

— O que quer dizer?

— Que talvez não seja apropriado uma garotinha da sua idade usando um vestido de adulta.

Ah...

Eu abri a boca, chocada com sua crítica.

— Eu tenho 16 anos!

— Claro, uma adulta!

— Ok, não sou adulta, mas também não sou criança!

Dei meia-volta, afastando-me rápido porque se continuasse ali acho que iria começar a chorar exatamente como a criança que Jack tinha me acusado de ser.

Por que ele tinha que ser babaca?

Por que não via que eu tinha crescido?

Jack sempre foi legal comigo, mas me tratava com indulgência. Eu queria que ele me tratasse como igual. Como uma mulher que eu queria ser.

Um garçom passou por mim e peguei mais uma taça de champanhe, virando-a.

Papai me achou e como Alex previu fez comentários desaprovadores sobre minha roupa, mas depois do deboche de Jack nada mais me atingia. E deixei que as horas passassem tentando esquecer que Jack estava ali e que a noite que eu tinha planejado com tanto cuidado se transformou num fracasso total.

Então comecei a beber. Sentia minha cabeça tonta, e ria dos comentários dos amigos chatos do meu pai como se tivesse alguma graça.

— Não bebeu demais? — Aria comentou certa hora. — Aliás, nem tem idade pra beber!

— Deixa ela, Aria. — Max se colocou ao lado da esposa. — Charlotte cresceu e ela só quer se divertir. — Ele piscou, simpático e eu sorri para ele, agradecida.

Pelo menos Max não tinha se juntado a horda de críticos da minha família, e nem tirado sarro de mim como Jack.

— Acha que não sei que se vestiu assim para se mostrar para o Jack White?

— Ah, gosta do Jack? — Max indagou indulgente. — Vai ter que entrar na fila porque Jack é bem disputado.

— E ele não gosta de crianças! Não a encoraje a passar ridículo, Max!

Ela se afastou e Max pegou mais uma taça passando pra mim.

— Não ligue para Aria. Ela está insuportável com essa gravidez.

Por um momento achei que tinha certa raiva no tom de Max, mas deixei pra lá. Aria era mesmo insuportável às vezes e provavelmente até o marido dela já tinha percebido.

Em certo momento da noite, os convidados começaram a se dispersar e foi quando notei uma figura solitária acomodada em uma das cadeiras da piscina com uma garrafa de cerveja nas mãos.

Mordi os lábios, sentindo um misto de raiva e pesar ao reconhecer Jack.

Não havia mais ninguém ali, os poucos convidados que ainda restavam estavam se despedindo e então, sem pensar, eu caminhei até lá.

Não sei o que me movia. Talvez a raiva por ele ter me tratado com desdém. A vontade que eu tinha ainda de fazê-lo ver que estava errado.

Eu não era uma criança.

Encorajada talvez por todo álcool no meu sistema, eu me aproximei e parei na sua frente.

— Ei, Jack.

Ele me encarou com os olhos franzidos e na hora vi seu rosto relaxado se transformar em aborrecimento.

— O que quer aqui, Charlotte?

— Eu que devia perguntar o que faz aqui sozinho. — Eu me acomodei na cadeira ao lado.

— Apenas de saco cheio desse monte de gente rica e chata.

Eu ri.

— Acho que também fico de saco cheio às vezes.

— Eu só vou terminar minha cerveja e vou embora.

Mordi os lábios, mirando seu perfil bonito, meu coração disparando no peito ao admirar como ele era maravilhoso.

Jack tirava meu fôlego de um jeito que eu nem sabia que era possível e era uma merda que ele nem percebesse isso.

Por que ele não percebia?

— Não tem que ir lá entreter os convidados do seu pai?

— Não, prefiro ficar aqui com você — disse corajosamente. — Acho que a gente nunca ficou assim, sozinhos.

— Claro que já.

— Você entendeu... — sussurrei, ficando mais corajosa.

— Que merda está falando?

Eu me virei, colocando as pernas para fora da cadeira, não me importando que meu vestido subiu até que minhas coxas estivessem à mostra. Jack abaixou o olhar e depois o desviou. Foi rápido, mas percebi e isso me encheu de uma esperança que fez com que eu me inclinasse em sua direção.

— Sabe que não sou mais essa criança que acha que sou, não é?

Ele virou o olhar pra mim de novo, muito sério, até mesmo irritado.

— Acho melhor entrar, Charlotte.

— Por quê? — Sorri com malícia. — Estamos sozinhos aqui... Talvez seja o momento de mostrar pra você que eu cresci...

E sem pensar, eu me movi para sua cadeira e sentei em seu colo, uma perna em cada lado da sua cintura e me inclinei, beijando sua boca.

Todo esse desvario durou apenas alguns segundos até Jack me empurrar enfurecido.

— Que porra está fazendo?

— Tentando dizer que eu gosto de você?

— Está louca?

— Louca? — Eu ri. — É, talvez. Acho que as pessoas apaixonadas são chamadas assim... — falei baixinho, meu coração batendo forte no peito. — Eu estou apaixonada por você, Jack.

Esperei sua reação.

Esperei que ele finalmente cedesse e me puxasse para perto, que me beijasse como eu sonhei tantas vezes.

Eu estava pronta. Meu corpo inteiro estava pronto.

Só que ele riu. Com deboche e ironia.

— Então você está aqui para me seduzir?

Eu me afastei um pouco, desconsertada.

— Sim?...

— Charlotte, não seja ridícula. Olhe pra você... é uma criança!

— Já falei que não sou...

— Você é. Pode ter crescido e ter um corpo de mulher e sabe que sim, é bonita. Mas nem tem a menor noção de como seduzir alguém.

Ele me empurrou e se levantou.

Estremeci de decepção conforme suas palavras horríveis iam começando a fazer sentido.

— Mas eu gosto de você... Eu sonho com você... — murmurei bobamente, uma lágrima deslizando por meu rosto.

Meu Deus, eu queria morrer...

— Então é melhor acordar. Eu não gosto de você. Pra mim, você é só a irmãzinha do meu amigo.

Foi o que bastou para o resto da minha esperança virar pó.

Jack estava me rejeitando. Ele não gostava de mim.

— Vai para o inferno, Jack White! — gritei, enfurecida, humilhada e machucada.

Eu me virei e corri, só parando quando cheguei à cozinha e me encolhi em cima de uma cadeira, soluçando.

Todos os garçons já tinham ido embora e até Ellen já não estava mais por ali, o que foi um alívio.

— O que foi? — Aria entrou na cozinha. — Por que está chorando?

— Nada...

— Charlotte, o que aconteceu? — insistiu e eu caí no erro de contar a ela. Que eu tinha me declarado a Jack e ele me humilhou.

E Aria riu.

— Mas você foi muito inocente de achar que ia ficar com Jack!

Eu me irritei.

— Por que fala assim? Eu só disse o que sentia...

— E passou vergonha! Tem que parar de ser ingênua! Jack nunca ia ficar com você, pelo amor de Deus!

— Você quer que todo mundo seja infeliz como você, não é? — cuspi perante sua necessidade de me machucar ainda mais do que eu já estava machucada.

Mas se Aria queria ser ruim comigo, eu podia ser com ela também.

Que se danasse. Estava cansada dela me diminuindo.

— Do que está falando?

— Eu não sou idiota, todo mundo sabe. Todo mundo vê. Mas finge que não...

— Ainda não estou entendendo.

— Alex! — gritei e Aria empalideceu.

— Você não sabe de nada.

— Não sei? Você que pensa!

— Você não passa de uma criança idiota vestida de adulta!

— E você é uma bruxa. Não sei como o Max te aguenta!

Aria avançou e bateu no meu rosto. Eu a encarei, chocada, mas ela deu um passo atrás, talvez assustada com sua própria violência.

— Sua... — Avancei para cima dela sem pensar a empurrando e foi o momento que Nora entrou na cozinha.

— O que está acontecendo aqui?

Eu parei, chocada por ter empurrado Aria.

— Você enlouqueceu? — Nora segurou Aria que estava respirando rápido, tão chocada quanto eu. — Sua irmã está grávida! Como pode? Sua menininha mimada e inconsequente!

— Me desculpe... — sussurrei.

— Calma, Nora, a gente discutiu... — Aria balbuciou ainda atordoada.

— Não defenda essa fedelha! Estou cansada dela manipulando todo mundo! Você é uma menina horrível! — ainda gritou enquanto levava Aria da cozinha.

Elas se afastaram e eu voltei a chorar.

Sentindo-me mesmo horrível.

Todos os meus sonhos desfeitos.

Talvez Aria tivesse razão e eu não passasse de uma criança boba vestida de adulta.

Assim como Jack disse que eu era.

Pensar em Jack fez uma nova onda de soluços romper meu corpo e não sei quantas horas eu passei encolhida chorando, até que alguém acendeu a luz da cozinha e eu levantei o olhar para ver Max entrando.

— Charlotte, o que foi?

— Nada. — Enxuguei meu rosto.

— Aria disse que brigaram...

— Sim...

— Ela me disse que está apaixonada por Jack. — Ele parou na minha frente me encarando com um olhar sem censura. — Pode conversar comigo. Não vou te dar bronca como a Aria ou a Nora.

— Eu fui uma boba — funguei. E então comecei a contar a Max toda a saga da minha paixão platônica por Jack.

Ele pegou um copo d’água, me entregou um lenço e ouviu pacientemente.

Acho que ficamos horas ali e ao final eu me sentia agradecida a Max por ele ser tão legal e me tratar como igual e não como a menina boba que todos me tratavam.

— Me desculpe — disse por fim.

— Por quê?

— Acho que ainda estou meio bêbada — ri sem graça — para ter coragem de te falar tudo isso. Deve me achar uma boba.

— Claro que não. — Ele tocou meu rosto, enxugando uma lágrima que ainda teimava em cair. — Você não é uma menina, pra começar. É uma mulher, uma mulher linda.

— Você acha mesmo? — sussurrei, meu peito se aquecendo depois de tudo o que tinha ouvido naquela noite.

— Sim. Uma jovem mulher linda e desejável.

Eu desviei o olhar, ruborizando. Embora sentisse um pouco de prazer com aquele elogio puramente masculino.

Não que eu não tivesse recebido elogios dos garotos da minha idade, mas eles nunca me interessaram. Eram todos bobos e infantis. Afinal, eu tinha Jack White como ponto de comparação.

Mas vindo de alguém como Max, um cara de trinta anos, bonito e que podia ter quem quisesse, tomava outra proporção.

Fez eu me sentir menos inapropriada.

Menos boba.

— Obrigada — murmurei com um sorriso tímido, sem saber muito bem o que sentir. — Eu sei que sou nova e ainda muito inocente, talvez por isso Jack tenha me rejeitado...

— Jack é um idiota se não percebeu o quão sexy você é.

— Você me acha sexy? — murmurei com o rosto aquecido.

Ninguém nunca tinha me olhado daquele jeito e eu nem sabia como reagir.

— Sim, eu te acho muito sexy, Charlotte. — E então ele se inclinou e me beijou.

Eu me assustei, afastando-o, mas sentia certo calor subir por meu corpo. Eu sabia que era errado, mas ao mesmo tempo eu queria continuar sentindo.

— Max, acho que não podemos fazer isso...

— Shi... — Ele me beijou de leve de novo. — Eu não vou fazer nada que não queira...

— Mas...

Ele me colocou sobre o balcão, abraçando-me.

— Vou apenas mostrar como te acho sexy e desejável.

— Não está certo...

— Não vou contar pra ninguém. Só um beijo...

E então, eu deixei.

 

Eu me perguntei muitas vezes depois daquela primeira vez porque transei com Max. Talvez pelo fato de estar carente e me sentindo mal por ter sido humilhada por Jack.

Talvez por uma afronta ao próprio Jack, a quem eu comecei a nutrir uma raiva sem medida. Ou talvez por secretamente achar que estava roubando algo de Aria.

Eu nunca me iludi achando que estava apaixonada por Max, mas ele era sedutor e sabia como me dobrar, o que foi fácil para uma menina inocente e inexperiente como eu.

Ele dizia que não ia contar pra ninguém. Enchia-me de elogios. Dizia que eu era irresistível. Fazia-me sentir desejável. Eu me sentia lisonjeada por alguém me querer.

E mesmo depois eu me sentindo horrível e prometendo a mim mesma que nunca mais ia acontecer, eu acabava cedendo à insistência de Max quando afirmava que Aria se negava a transar com ele por causa da gravidez, que ela estava chata e o tratava mal. Que eu era tão diferente e melhor que ela. Mais bonita. Mais sensual. Mais desejável.

Claro que a luz do dia eu me sentia horrível. Max era o marido da minha irmã grávida. Mesmo assim, ele me persuadiu a ficar com ele tantas vezes até que eu descobri que estava grávida.

Ainda me lembro da noite que eu lhe contei, assustada e chorando.

Eu não sabia o que fazer.

Max ficou furioso, gritou comigo. Disse que eu devia ter me prevenido, que a culpa era minha.

— Mas... esse bebê é seu... — murmurei.

— Está louca? Eu sou o marido da sua irmã! Ela está prestes a ter minha filha! Isso aí na sua barriga é só um erro terrível!

Eu me encolhi, horrorizada com suas palavras.

— E o que eu vou fazer?

— Vai se livrar disso.

— Mas...

— Sim, você entendeu. Vou te levar numa clínica e vai abortar essa aberração!

— Não fala assim, Max! — sussurrei chocada com sua frieza.

Era óbvio que eu não desejei estar grávida. Eu tinha só 16 anos e Max era marido da minha irmã.

Mas eu estava, e não sabia o que fazer. Porém não imaginava que Max fosse agir assim.

— Quer que eu fale como? Você me ferrou! — gritou e então pela primeira vez eu percebi quem era Max Duran de verdade.

Aquela fachada compreensiva, sedutora e até protetora era um embuste.

E de repente comecei a ver finalmente a merda que eu tinha feito ao transar com ele.

— Você transou comigo... Não fale como se só eu tivesse culpa...

— Mas a culpa é sua! Sua menina tola! A gente estava se divertindo e você estragou tudo! Mas não vou deixar você me ferrar.

— O que quer dizer?

— Que vai abortar e ficar de boca calada!

— Mas eu não quero mesmo contar a ninguém...

— E nem ousaria porque eu acabo com você! — Ele me ameaçou e pela primeira vez, senti medo de Max e do que ele poderia fazer comigo.

— Eu sei que é uma situação horrível, Max. Eu não quero que Aria fique sabendo, claro! Mas não precisa me ameaçar! Está sendo um cretino...

— Não se faça de inocente! Você foi uma vadiazinha transando com o marido da sua irmã!

Eu dei um passo atrás, encolhendo-me de vergonha com suas palavras.

Max tinha razão.

Eu tinha cometido um erro terrível.

E nunca me senti tão arrependida.

Max era um homem deplorável. Tinha me seduzido quando eu estava vulnerável. E eu fui tonta o bastante para deixar se repetir e agora estava grávida.

— Tudo bem. Vamos fazer este aborto — sussurrei assustada.

 

Dias depois, inventei uma viagem para a casa de uma amiga e Max me levou numa clínica. Eu nunca me senti tão mal na minha vida.

Com apenas 16 anos eu nunca tinha cogitado ter um bebê, mas também nunca achei que seria obrigada a me livrar de um. Ao mesmo tempo eu me sentia aliviada por me livrar da prova da minha insensatez. Dizia a mim mesma que era o melhor. Que Max além de ser marido da minha irmã, que estava prestes a ter um bebê, ainda estava se revelando um cretino execrável.

O tempo todo ele parecia nervoso e gritava comigo, não sendo capaz de me dar qualquer apoio naquele momento difícil e quando eu reclamava disso ele dizia que eu era a culpada daquela situação. O que só me fazia sentir pior.

Eu fiz o aborto, só que o que esperava ser apenas um procedimento rápido, teve complicações inesperadas que ao final de alguns dias de internação, eu descobri que não poderia mais engravidar.

Eu não sei o que senti na hora. Estava em choque.

Max não pareceu preocupado, pois no dia que tive alta, Aria entrou em trabalho de parto e ele foi ficar ao seu lado.

Eu voltei para casa, abalada para encontrar todos felizes com o nascimento de Arianna.

Eu só tinha vontade de sumir, mas ainda me mantive ali, sorrindo com todos, fingindo que estava feliz, quando por dentro ainda tentava assimilar o fato de que aquela felicidade de Aria jamais seria pra mim.

Tentei ficar longe do novo bebê, o que Aria me acusou de ser insensível, mas não me importei.

Depois de algumas semanas Max entrou no meu quarto. Eu o mandei sair, mas ele disse que se fizesse escândalo, iria contar a todos o que eu tinha feito.

Eu tive medo. Tive vergonha.

Eu me senti uma pessoa horrível assim como Max quando ele disse que eu já tinha feito aquilo antes, agora era até melhor porque não haveria a menor possibilidade de eu engravidar.

Eu já não acreditava em suas palavras quando usava a desculpa de que Aria era fria com ele, ainda mais agora depois do nascimento da filha.

Eu sabia que Max não valia nada e usaria qualquer recurso baixo para me convencer. Se um dia eu senti qualquer desejo por Max, agora só sentia repulsa e rezava para que ele acabasse logo e me deixasse em paz.

Aquela situação, assim como meu ódio foi aumentando, até que consegui finalmente botar um ponto final quando Aria engravidou de Isabella.

Saber que Aria estava grávida de novo me derrotou de um jeito que eu não estava preparada. Fez-me recordar de novo da minha própria incapacidade de gerar um bebê se assim eu desejasse um dia.

E ainda estar com Max só me fazia sentir pior.

Eu lhe disse que nunca mais ia tocar em mim e se contasse a todos o que tinha rolado, ele também iria perder muito. Eu já tinha percebido que Max era um cara falido que vivia à custa da minha família e certamente ele não arriscaria perder a galinha de ouro que era Aria.

Isabella nasceu alguns meses depois e o fato de estar longe de Max tinha me feito bem, eu quase conseguia esquecer meu infortúnio. Vi aquele bebezinho loiro no colo do meu pai e não senti raiva por ela existir.

— Quer segurá-la? — papai perguntou vendo meu olhar.

— Ela não gosta de crianças! — Aria rolou os olhos.

— Não é verdade, eu só... não sei o que fazer com elas — menti.

Papai se aproximou e a colocou no meu colo.

Era tão pequena e quentinha. Eu sorri, enternecida.

E senti certo alento. Se eu não podia ter meus próprios bebês um dia, pelo menos eu teria minhas sobrinhas.

Evitei olhar para Max que eu sabia estar em algum lugar na sala, quando a pequena Arianna de pouco mais de um ano se aproximou e sentou ao meu lado.

Sorri para ela, pela primeira vez com carinho.

Max era um filho da puta, mas tinha feito belas meninas. E elas não tinham culpa do pai que as gerou.

— Olá, família. — Levantei o olhar ao ouvir a voz de Alex e o vi entrando na sala acompanhado de Jack.

Eu não o via desde a fatídica noite na piscina e ao vê-lo entrar, ainda tão bonito e mais inacessível o que nunca, mexeu comigo.

Seu olhar capturou o meu por um momento e ele parecia surpreso.

Desviei a atenção para Isabella que choramingou e a aninhei mais perto, dizendo a mim mesma que Jack não era nada mais do que um babaca e agora ele seria só o amigo do meu irmão.

E nada mais.

 

 


Capítulo 17

 

 

Dias atuais

 

 

Quando termino meu desabafo sinto como se um peso fosse tirado das minhas costas, mas não me sinto mais leve.

Sinto-me vazia. Extenuada.

Eu guardei aquele segredo por tanto tempo, com a certeza de que ele morreria comigo e agora ele está ali, flutuando na cozinha e tomando forma para as pessoas que ouviram estarrecidas com minha confissão.

— Sinto muito — repito mais uma vez para Aria que parece em choque.

— Do que você está falando? — Ela finalmente parece achar a voz. — Que monte de... mentiras está inventando?

— Eu queria que fossem mentiras... Mas cansei de esconder esse segredo sujo...

— Está dizendo que transou com meu marido? Que engravidou dele?

— É mentira, Aria, não pode estar acreditando nisso! — Max se pronuncia.

— Você foi longe demais, Charlotte! — Aria explode.

— Não é mentira, acha que inventaria algo assim?

— Charlotte deve estar inventando isso, porque nunca gostou de mim e quer chamar a atenção — Max afirma com indulgência o que faz a raiva crescer dentro de mim.

— Você é repugnante, Max! — Avanço em sua direção, mas alguém segura meus ombros.

— Charlotte, pare! — Alex ordena com seu controle habitual.

Eu o encaro frustrada.

— Não estou mentindo, Alex...

Noto que Alex não sabe em quem acreditar e de certa forma não o culpo.

— Não vou deixar você continuar inventando essas coisas horríveis apenas porque quer causar confusão, já não basta a fuga no casamento? — Aria esbraveja.

— Para de gritar, Aria! — Alex diz por cima dos gritos descontrolados de Aria e Max ainda concorda com ela.

— Precisamos nos acalmar — Sebastian pede em meio à confusão.

— Chega! — Uma voz se sobressai e todos olham em direção a Jack que está impassível.

Eu vou até ele, com uma necessidade premente de fazê-lo acreditar em mim mais do que qualquer pessoa.

Eu devo isso a ele.

Já chega de me esconder em subterfúgios.

— Jack, eu sinto muito... Eu não queria que fosse verdade, mas...

De repente ele segura meu braço e me leva da cozinha.

Não sei o que vai acontecer, ele parece estar controlando uma fúria que vai explodir a qualquer momento quando entra comigo no quarto e bate a porta com um estrondo atrás de nós, sentando-me na cama. E então para na minha frente, com o rosto esculpido em granito e cruza os braços.

— Conte-me tudo desde o início. Não me esconda um segundo. Porque já chega de mentiras e segredos.

Sacudo a cabeça em afirmativa e respirando fundo abro minha boca, e começo a contar.

E enquanto estou ali, despejando toda a verdade, contando a Jack sobre o período mais vergonhoso da minha vida, percebo como errei em não ter lhe contado antes. Como eu pude sequer cogitar esconder um fato tão grande de Jack quando íamos nos casar?

De certa forma, ainda acho que tomei a decisão correta em não me casar com Jack. E provavelmente ele está ciente disso agora, quando me escuta contar como sua rejeição me magoou, como me senti humilhada e como Max se aproveitou disso para me seduzir.

E como eu ainda deixei que acontecesse mais vezes, para minha vergonha eterna, traindo minha própria irmã.

E a pior parte, a descoberta da gravidez, o quanto me senti perdida, Max me obrigando a abortar e tudo o que se sucedeu depois, culminando com o fato de que agora eu era incapaz de gerar um bebê.

— Agora você sabe tudo. Eu não posso ter filhos porque abortei um bebê do Max. — Descanso meu olhar em seu rosto ainda impassível. — Max é horrível, mas eu sou tão ruim quanto ele. Ou talvez pior, porque Aria é minha irmã e ela estava grávida e... Eu só queria voltar no tempo e não ter feio nada disso, mas agora é tarde. Eu lamento ter te envolvido, quando sabia que nunca seria possível. Lamento ter me dado conta disso quando era tarde demais e fugido. Lamento que tenha achado que eu seria digna de ficar com você quando eu sou repugnante também. E nem posso te pedir perdão porque eu não mereço.

Eu me levanto, com o firme intuito de ir embora.

Talvez Alex entenda, talvez ele ao menos me leve para algum lugar, embora provavelmente ele deva me odiar agora também pelo que fiz.

Mas Jack segura meu baço, eu o encaro e finalmente vejo alguma emoção eu seu rosto.

É frustração.

Dor.

Decepção.

— Eu não fazia ideia de que eu tinha te magoado tanto naquela noite.

— Não importa mais. Eu te detestei por todos os anos depois daquilo porque eu te amei e você quebrou meu coração. E te culpei por ter sido fraca e suscetível à sedução suja de Max, mas agora vejo que a culpa não é sua. É minha.

— A culpa é de Max — ele rosna com raiva. — Você era uma criança! Eu não fiz nada com você naquela noite por isso! Só tinha 16 anos, era uma menina no corpo de uma mulher, dava para ver a anos-luz de distância sua inexperiência e ingenuidade. Jamais tiraria vantagem disso, mesmo sendo claro o quanto queria. Mesmo sendo o que eu mesmo queria.

— Você... me queria?

— Como não querer? Você era a criatura mais linda naquela festa. Do mundo inteiro. E quando eu te vi descendo as escadas dos Black, com aquele vestido indecente, tive raiva de mim mesmo por te desejar, por finalmente perceber que você estava se transformando numa mulher que eu queria. Eu desdenhei de você, porque era só o que podia fazer. Queria que ficasse longe de mim, porque tinha medo de não ser forte o bastante. Jamais poderia decepcionar Alex ou seu pai, pegando a caçula dos Black quando eu devia tudo a eles. Desfiz da sua paixão quase inocente porque queria te proteger. Para um outro homem não ter a mesma consideração e te estragar pra sempre.

Soluço com essas palavras, meu coração se quebrando de mil maneiras de novo, pois Jack está me dizendo que eu não era invisível a ele afinal. E passei tanto tempo achando o contrário, odiando-o por isso. Tinha me entregado a Max por isso...

Tanto estrago...

E agora eu mesma sou como Jack diz.

Estragada para sempre.

— O que vai acontecer agora? — murmuro.

O olhar de Jack endurece quando ele me solta e, dando meia-volta, sai do quarto.

Eu continuo ali, desorientada.

Até que escuto gritos lá embaixo e corro, quando chego à escada tapo a boca com as mãos, assustada, ao ver Jack socando Max.

Aria está gritando e Alex e Sebastian estão tentando tirar Jack de cima de Max.

— Seu filho da puta, ela era uma criança, seu canalha! — esbraveja quando finalmente Sebastian o segura para longe enquanto Alex ampara Max.

— Vai mesmo acreditar nela? — Max limpa a boca ensanguentada. Seu olhar chega até mim, cheio de raiva. — Ela queria! Ela nunca disse não quando eu a fodia...

Desta vez é Alex que nos surpreende virando um soco em Max que cai para trás.

— Meu Deus, Alex! — Aria exclama e se vira pra mim.

— Como pôde fazer isso comigo? Então é verdade? Seduziu meu marido? Engravidou dele? Como pôde, Charlotte? — Eu me encolho em vista de suas acusações e sei que não tem como me defender.

— Sinto muito... tem razão de me odiar...

— Pegue seu marido filho da puta e dê o fora da minha casa! — Jack grita.

Max se levanta com a ajuda de Aria, que chora.

— Vai ficar do lado dela, Alex?

— Quando pensar melhor no assunto verá que se tem alguém aqui que não merece perdão é seu marido, Aria. Charlotte errou sim, mas ela só tinha 16 anos e seu marido era um homem casado de trinta anos e prestes a ser pai! Isso não tem perdão.

Aria chora mais ainda e ela e Max saem da casa.

Jack está enfurecido e Sebastian sussurra algo baixo para ele e o leva em direção à cozinha possivelmente para acalmá-lo. Eu finalmente noto Nina que está encolhida em um sofá.

Alex parece derrotado quando vem até mim e me abraça.

Eu choro em sua camisa, aliviada dele estar ao meu lado.

— Está tudo bem... vai ficar tudo bem — sussurra e me leva para cima.

Faz-me sentar na cama e eu conto a ele tudo, como contei a Jack.

Ele está transtornado ao final.

— Você não me odeia?

— Não. O que fez foi... terrível. Mas Max era o adulto ali, ele nunca deveria ter feito o que fez. E pelo o que passou depois, o aborto, nunca poder ter um filho... Você não merece ninguém te apontando o dedo para piorar. Deveria ter nos contado há mais tempo.

— Eu tinha vergonha.

— Sinto muito. — Ele aperta minha mão e se levanta. — Vou ver como Jack está.

Ele sai do quarto e um tempo depois Nina bate à porta.

— Posso entrar?

— Sim...

Ela se aproxima e segura um copo de água. Parece acanhada.

— Sinto muito por tudo isso — sussurra.

— Ninguém sente mais do que eu...

— Alex me contou... o que aconteceu.

Eu abaixo a cabeça com vergonha.

— Eu não sou boa nessas coisas como Lucy — ela diz com cuidado —, mas preciso te dizer que Max é o maior culpado.

— Isso não atenua a minha culpa.

— Olha... Eu preciso te contar algo. Eu fui abusada por David por alguns anos, só acabou quando eu tinha 16 e ele morreu.

— Oh meu deus, David... o pai de Alex?

— Bem, acho que ninguém te contou ainda, mas ele não é o pai de Alex.

— Como assim?

— Seu pai era o pai biológico de Alex. Aria sempre soube, Nora contou a ela quando era adolescente e descobriu que ela estava apaixonada por Alex.

— Nossa, isso é... surreal. — Quanta coisa eu tinha perdido naquele ano que fiquei fora? — Então Alex é meu irmão biológico?

— Sim.

— E o pai dele... o que ele achava que era pai dele abusou de você?

Ela sacode a cabeça em afirmativa e parece ser um assunto difícil para ela falar. E eu entendo.

Seguro sua mão.

— Não diga mais nada. Deve ser difícil.

— Eu passei... por outras situações como essas, com homens que se aproveitavam da minha vulnerabilidade. — Ela toca seus braços e eu vejo marcas de automutilação ali.

Meu Deus, por quanta coisa aquela moça passou?

— Eu passei a minha vida toda achando que era a maior culpada porque me fizeram pensar isso.

— Mas eu não fui abusada. Max não me forçou.

— Pode não ter sido à força, mas não tira o fato de que ele a coagiu. Ele a fez achar que tinha que fazer aquilo. A seduziu quando era só uma adolescente. Ele era o adulto ali e devia ser responsável.

— Aria era minha irmã e eu fui horrível com ela.

— Talvez ela entenda o que todos nós já entendemos. Você errou, mas Max é o verdadeiro culpado. Ele a fez abortar um bebê, a fez sentir como se fosse a maior culpada por ter engravidado quando ele tinha sua responsabilidade. E depois te chantageou para continuar ficando com ele.

— Sei que Max é abominável. Eu percebi depois que engravidei. Mas é muito difícil não sentir culpa.

— É difícil se perdoar e seguir em frente, mas é preciso. Você tem o Jack.

— Jack quer ter filhos.

— Ele a ama e talvez isso não importe tanto.

Eu quero acreditar em Nina, mas é difícil.

Jack não me odeia pelo o que eu fiz, mas isso não anula o fato de que eu não posso lhe dar filhos.

— Nina, vamos? — Alex volta ao quarto.

Ele se aproxima e me abraça enquanto Nina o aguarda na porta.

— Eu vou conversar com Aria, preciso ver como ela está, tudo bem?

— Claro que sim.

— Vai ficar tudo bem, ok? Jack está mais calmo agora. Quer ficar aqui? Eu posso te levar pra casa se quiser...

— Não, eu preciso conversa com Jack primeiro.

— Não vai ficar então?

— Acho que não tem como...

— Acha que Jack quer isso?

— É a minha decisão.

— Tudo bem.

Ele beija minha testa e se vai.

Jacob aparece no quarto e sobe na cama, eu o abraço. Agora sinto apenas tristeza.

É assim que Jack me encontra.

Ele senta ao meu lado em silêncio.

— Fico me perguntando se eu tivesse sido menos escroto com você naquela noite, será que teria sido diferente? Fico repassando o que eu te disse... Acho que tinha esquecido, agora está fresco na minha mente. Eu fui um babaca. Podia ter feito tantas coisas diferentes...

— Não adianta ficar pensando nisso agora. É passado.

— Se eu somente desconfiasse do Max...

— Ele é um sedutor, sabe enganar todo mundo.

— Eu me sinto péssimo por ter defendido aquele canalha.

Toco sua mão.

— Max não merece nem sua raiva. Eu deveria ter contado sobre ele antes também, mas... Agora sinceramente só quero esquecer.

Ele entrelaça os dedos nos meus.

— Não sabe o quanto eu sinto por tudo o que passou.

— Eu sei. Mas... Agora sabe por que fui embora. E porque não posso ficar — digo baixinho.

Jack aperta minha mão.

— Não tenho raiva de você pelo o que aconteceu com Max. Estava magoada pelo o que te fiz e era só uma menina na mão de um canalha.

— Só que o que eu fiz teve consequências. Você mesmo disse. Estou estragada pra sempre, Jack.

— Não me importa que não pode ter filhos, Charlotte. Eu já te disse. Sim, eu quero uma família, mas você é mais importante. Você é minha família.

— Não quero que abra mão de nada por mim.

— Eu sofreria mais abrindo mão de você.

— Como podemos dar certo? E se me odiar daqui uns anos porque não temos filhos?

— Não tem como saber. Eu posso te odiar antes disso por gastar muito com bolsas fúteis.

Eu ri e Jack me beija.

Suspiro contra ele, querendo mais do que nunca acreditar que é possível ser feliz depois de tudo.

Porém, talvez ainda seja cedo. Talvez precisemos de um tempo para assimilar tudo.

Jack parece entender minha hesitação e se afasta.

— Eu vou fazer o que você quiser.

Levanto a sobrancelha, incrédula.

— Mesmo que eu peça pra ir embora.

— Meu apartamento está vazio. Eu te alugo, porque não vou deixar uma herdeira rica como você morar de graça.

— Ah claro, deixar eu ir e me colocar no seu apartamento é mesmo abrir mão de mim! — rebato irônica.

— Se quiser, pode ficar aqui e eu vou para o apartamento. Você viu que temos um estúdio magnífico e acho que já está na hora de voltar a seu trabalho.

— Duvido que eu tenha algum cliente ainda...

— Eu serei seu cliente.

— Assim não vale. Não pode resolver tudo pra mim.

— Estou apenas te dando opções e sendo prático. Se essas não servem posso te dar outras.

— Ok, quais são as outras? Pelo jeito você continua achando que sabe mais do que eu sobre minha própria vida. — Não posso evitar rolar os olhos, mas sinto que senti falta disso. De discutir com Jack.

— Você fica aqui. Eu também posso ficar aqui... — ele acaricia meu pulso que acelera sem que eu consiga evitar. — Podemos foder sempre que quisermos, mas eu prometo que não te peço em casamento, assim evitamos que você fuja de novo.

— Então está propondo que sejamos roommates com benefícios?

— Não curto rótulos, mas serve.

Mordo os lábios, pensativa.

Eu sei que deveria ir embora.

Mas eu quero ficar longe de Jack de novo?

— Posso ficar aqui até eu decidir o que fazer, pode ser?

— É justo.

— E tem que prometer que vai aceitar seja lá o que eu decidir.

— Como quiser. — Ele sorri e vejo aquele lampejo de presunção em seu olhar quando me abraça, fazendo-me duvidar que esteja mesmo concordando, mas deixo-me ficar ali, entre seus braços, porque é o melhor lugar do mundo.

E sei que se eu decidir sair dali, nunca acharei um lugar como este.

Mas ainda não sei se é certo ficar com Jack e privá-lo de ter filhos.

Eu sei que ele me ama e que está sendo sincero agora, mas e se um dia ele se arrepender?

Posso conviver com isso?

Só sei que eu ainda o amo como no dia em que o conheci.

Que tive que fazer um caminho tortuoso para chegar até ali, um caminho cheio de decisões erradas, dores, perdas e culpa.

Mas que agora estou pronta a seguir em frente. Sem segredos. Assumindo minhas falhas.

E desejando muito que isso baste para finalmente ser feliz.

 

****

Os dias se transformaram em semanas e eu continuei na casa do Jack, que eu ainda tinha certa dificuldade de dizer que é nossa.

Não somos casados e como Jack prometeu nunca mais tocou no assunto. Dormíamos juntos toda noite e como combinado fodíamos o tempo inteiro como se quiséssemos compensar o tempo perdido.

Às vezes via Alex e Nina, principalmente na Fundação, onde eu sempre ia com Jack agora e cada vez mais eu me sentia à vontade lá. Jack parecia feliz ajudando a cuidar das crianças e sempre que eu o via com elas me perguntava se ele se arrependeria de sua escolha de ficar comigo.

Um dia ele me pegou observando dar mamadeira a um bebê e sorriu pra mim.

— Se um dia quiser, podemos levar um desses pra casa.

Eu me surpreendi com aquela sugestão. Adoção.

Será que bastaria pra ele? Bastaria pra mim?

Nunca tinha pensado nisso.

— Acha que bastaria para você? — indaguei sentando ao seu lado.

— Cuidar delas aqui já basta pra mim, mas seria legal dar um lar a uma delas, ou a mais de uma. Não pense nisso agora. É apenas... algo que pode acontecer no futuro se quiser.

Eu quis dizer que pra isso teríamos que casar, o que não tínhamos voltado a falar ainda, mas me calei.

As coisas estavam bem do jeito que estavam por enquanto. Sem pressão.

Eu havia voltado a fazer alguns trabalhos e pouco a pouco voltava a ter sucesso de novo.

E ainda não tinha voltado a falar com Aria, mas respeitava seu distanciamento e me perguntava se um dia ela me perdoaria.

Até que três meses depois, nos encontramos no enterro de Nora.

Nora havia piorado muito nos últimos tempos, sendo hospitalizada. E Alex, que tinha parado de falar com ela depois da briga com Nina, se reaproximou para cuidar da mãe no último estágio do câncer que avançou rápido, finalmente a levando.

Eu e Jack chegamos ao velório e depois de abraçar Alex, eu noto Ária sozinha.

Enquanto Jack conversa com Sebastian e Ellen, eu me surpreendo quando ela se aproxima de mim.

— Podemos conversar?

— Claro.

Eu a acompanho até uma área de café.

— Max foi embora de casa.

— Sério? — Até onde eu sabia, Aria e Max estavam tentando superar as revelações sobre o caso que tivemos.

— Eu tentei me enganar que ele valia a pena, mas a cada dia que passava eu começava a perceber que era um canalha. Sei que eu não entendi na hora que contou, e te acusei... Mas finalmente entendi que Max é o maior culpado. Ele tentou negar, tentou jogar a culpa em cima de você o tempo inteiro. Chegou um ponto que não dava mais. E eu pedi o divórcio.

— Eu sinto muito, Aria. Sei que eu fui horrível também.

— Você só tinha 16 anos e passou por coisas que não deveria passar. Sei que não somos muito próximas e eu às vezes sou intragável... Queria que fosse diferente. — Sua voz embarga. — Eu vejo Arianna e Isabella e penso que nunca gostaria que elas se tratassem como nos tratamos. E a morte da Nora, acho que mexeu comigo.

Eu a abraço, chorando também.

— Eu tenho minha parcela de culpa, sempre invejei você. E deixei isso me consumir.

— Podemos tentar sermos irmãs melhores?

— Podemos sim, Aria. Podemos sim.

 

Nora foi enterrada e depois de um último abraço em Alex, nós o deixamos com Nina e voltamos pra casa.

Eu conto a Jack no caminho o que conversei com Aria.

Ele segura minha mão.

— Fico feliz que estejam se entendendo. Mesmo Aria sendo um pé no saco. Mas agora ela vai precisar de você, já que se livrou de Max.

— Sim, acho que sim.

Ele para o carro em frente a casa e saltamos. A neve está caindo e lembro que é quase Natal.

— Precisamos decorar sua casa para o Natal — comento quando Jack abre a porta e Jacob chega fazendo festa.

— Minha casa? — Jack questiona e eu levanto o olhar, hesitante.

— Por enquanto?

— Você sabe que pode lutar o quanto quiser, mas vamos envelhecer juntos, não é?

— Você vai envelhecer, eu serei uma senhora com muitas plásticas e ninguém nunca vai saber que idade que tenho.

Ele ri indo para a cozinha.

Eu subo para o quarto e abro a gaveta da mesa de cabeceira. Sei que Jack tem guardado algo que eu deixei com ele há muito tempo ali.

Eu o pego e desço as escadas.

Já é hora de dar um passo adiante.

Entro na cozinha e Jack está tirando algo da geladeira.

— Hoje vai ter que aguentar lasanha congelada porque não sou seu empregado e não estou a fim de cozinhar pra você...

Eu me aproximo e beijo seu queixo e acaricio seu rosto.

— Como quiser, querido.

Então ele percebe o que estou usando e seus olhos se franzem quando segura minha mão, onde o anel de noivado está brilhando.

— Você voltou a usar...

— Sim, acho que estava na hora.

— O que significa?

— Não fique convencido. Não vamos nos casar agora. Um passo de cada vez, ok?

Ele sorri e me beija com vontade, colocando-me na bancada e eu o beijo de volta.

Estou morrendo de medo do futuro, mas vai com medo mesmo.

O importante é que estou feliz e este cara é meu sonho realizado e sabe Deus porque ele decidiu me amar, apesar de todas minhas falhas e estragos que a vida causou.

E eu só posso prometer amá-lo muito de volta.

E ser a família que ele sempre quis.

 

 

Epílogo

 

 

Seis anos depois

 

Corro pela neve tentando não cair e maldizendo minhas botas de salto nem um pouco apropriadas para o clima, enquanto equilibro várias sacolas em minhas mãos. O Natal está próximo e as ruas estão cheias, e eu me pergunto pela enésima vez porque inventei de fazer compras hoje.

O celular toca assim que avisto o carro e solto um palavrão baixo apressando o passo e lutando para achar o aparelho na minha bolsa.

O nome de Jack brilha no visor eu quase posso antever sua ira, antes mesmo de atender.

— Oi — atendo, ainda andando precariamente no chão escorregadio.

— Onde diabos está?

— Saindo da Oak Street.

— O que você está fazendo aí?

— Fazendo compras — respondo finalmente alcançando o carro.

— Puta que pariu, Charlotte. Era para estar aqui há três horas.

— Eu tinha que comprar uns...

— Eu sei muito bem que você sempre tem que comprar alguma coisa — ele me interrompe — , mas as crianças estão impacientes.

— Me desculpa, eu achei que seria mais rápido. Mas está tudo um inferno! — Jogo todas as sacolas de qualquer jeito no banco de trás e corro para sentar no banco do motorista.

— Claro que ia estar. Estamos a duas semanas do Natal!

— Pois é, por isso mesmo que vim fazer compras. — Dou partida. — Então antes que me chame de consumista, não vim comprar nada pra mim, e sim para as crianças.

— Espera, você não comprou presentes quando esteve em Paris na semana passada na semana da moda?

— Ah, comprei, mas eu vi umas coisinhas tão lindas na Dolce & Gabbana Kids! Precisa ver um vestido que eu comprei para a Aurora...

— Pelo amor de Deus, essa criança não precisa de mais um vestido!

— Pois eu acho que precisa. Agora eu vou desligar, estou saindo daqui.

— É bom que venha direto hein.

— Pode deixar, vou me apressar...

— Não corra na estrada, está nevando! Estou tomando conta de tudo aqui.

— Então por que fica me apressando? Sei que consegue dar conta das crianças sozinho! Inferno, você é capaz de cuidar até das crianças da Fundação sozinho!

— Você tem sua responsabilidade! E um problema sério com horários...

— Ah não começa! Tchau!

Desligo a ligação e dou partida no carro, saindo com cuidado do estacionamento.

Coloco uma música natalina pra tocar e sinto-me animada com a chegada dos feriados. Faremos uma grande festa na minha casa este ano, embora Aria quisesse fazer na casa dela de novo. Porém Aria era insuportável quando se tratava de organizar festas, ainda mais se fosse na sua nova casa, a qual ela tinha acabado de reformar há dois anos. Aria se mudou da Mansão Black meses depois de se separar de Max que graças a Deus sumira de nossas vidas, não sem antes levar uma boa parte da herança de Aria, que o cretino fez questão de usurpar. Aria queria briga, mas Sebastian, que assumiu o caso do seu divórcio, acabou convencendo-a de que não valia a pena e afinal de contas Aria era uma das acionistas da Black e ainda continuaria muito rica. E eu Alex havíamos duvidado que ela acataria, mas para nossa surpresa ela não só acatou como engatou um romance com Sebastian um tempo depois e os dois estavam juntos até hoje e inclusive morando na mesma casa.

Nós nos dávamos bem melhor agora, mas ainda tínhamos nossos momentos de brigas, como a última briga de onde seria a festa de Natal. Ainda bem que Alex e Nina não estavam nem aí e a briga acabou sendo vencida por mim.

Meia hora depois estou estacionando o carro e admirando a decoração de Natal da nossa casa. Sim, agora era oficialmente nossa casa desde que eu Jack nos casamos há cinco anos. E dessa vez não houve fuga, mas também não foi um grande casamento. Nós optamos por uma troca de votos discreta com apenas a família presente. Jack disse que não pagaria tudo de novo depois de todo aquele desperdício, mas eu desconfiava de que ele tivesse ainda certo medo que um grande casamento pudesse ser muita pressão pra mim — e pra ele. E no fim, eu também não estava interessada em grandes cerimônias.

Enfim, eu virei oficialmente a Senhora White e estávamos juntos desde então.

Agora, eu pego as sacolas no carro e praticamente corro para dentro de casa. Sinto um cheiro bom de biscoitos assando pela casa e deixo as sacolas no sofá avançando em direção à cozinha ao ouvir os risos infantis.

Ao chegar lá me deparo com Jack vestido com um avental com motivos natalinos ocupado em fazer biscoitos com Arianna e Isabella.

A cozinha está no mais completo caos e eu só espero que Jack limpe tudo depois.

— Tia Charlotte! — Isabella é a primeira a me ver e vem em minha direção abraçando minha cintura e nem se preocupando que está com as mão sujas de massa.

— Oi querida!

Ela está enorme agora com seus dez anos, assim como Arianna que apenas acena, mantendo a atenção em seu trabalho de decorar biscoitos.

— Olha, tia, estamos fazendo biscoitos — exclama animada.

— Estou vendo! — Olho para Jack que está tirando uma fornada de biscoitos do forno. — E pelo visto estão ficando ótimos. — Tento pegar um da forma, mas Jack bate na minha mão.

— Aqui só pode comer se fizer.

Rolo os olhos.

— Ok, então onde posso fazer os meus?

— Eu te ensino tia! — Isabella se adianta, animada, enquanto coloco um avental.

— Onde está Aurora? — indago sentindo falta da nossa pequena de quatro anos.

— Está dormindo — Jack informa.

— Espero que ela acorde para assistirmos o filme de hoje.

— Sim, eu já escolhi o título. — Arianna sorri convencida.

— Ah sim? — Começo a jogar os ingredientes na tigela com a ajuda de Isabella.

Eu e Jack fazíamos sessão de filme com as crianças toda semana e agora como era Natal, este era o tema escolhido do mês.

Eu me pergunto até quando Arianna e Isabella acharão graça nisso, já que estão crescendo tão rápido.

Mas pelo menos tínhamos Aurora.

— Antes de você chegar, eu estava perguntando ao tio Jack como se conheceram — Arianna diz com um risinho.

Ela se parece tanto com Aria que chega a ser bizarro.

— Sério? De onde saiu essa curiosidade?

— A gente só queria saber, tia! — Isabella insiste.

Eu lanço um olhar divertido a Jack que está ajudando Arianna a decorar os biscoitos com o bico de confeiteiro.

— Você conta ou eu conto?

— Contanto que não minta...

— Por que eu mentiria? — Eu me viro para as meninas. — Eu conheci o tio Jack quando era só um pouco mais velha que vocês. Eu tinha 13 anos.

— E já era um pé no saco — Jack resmunga.

— Isso é mentira. — Jogo um biscoito nele que ri.

— Enfim, eu tinha 13 anos e Alex estava na faculdade e um dia ele trouxe Jack para casa, para uma festa na piscina que a mãe de vocês estava dando.

Deixo meus pensamentos voltarem àquela época. De com eu era uma menina desajeitada, magrela e que usava aparelho. Eu era uma criança ainda, embora sofresse porque queria ser logo adulta e bonita como Aria, que era maravilhosa em seus 18 anos.

— Jack era amigo do tio Alex, da faculdade, não é? — Arianna pergunta.

— Sim, ele era.

Ainda lembro como se fosse hoje, eu estava à beira da piscina, mal-humorada porque Aria estava com suas amigas, todas com biquínis minúsculos e tomando drinks batizados que se Nora descobrisse teria um treco, quando Alex se aproximou com aquele rapaz moreno atrás dele.

Eu o achei lindo assim que o vi e mais do que nunca desejei ter ao menos algum peito para competir com as amigas de Aria, todas sem exceção lançando olhares demorados a Jack. Obviamente nem uma ousava dar em cima de Alex, porque Aria deixava bem claro que o irmão não estava à altura de nenhuma delas.

— E você se apaixonou por ele? — Arianna questiona.

— Claro que não, ela era uma criança — Jack responde divertido.

— Ei, não pode responder por mim! Na verdade, eu achei ele lindo. Mas eu achava todo garoto lindo, então não era grande coisa. Eu estava em uma idade curiosa por assim dizer.

— Como assim? — As duas me encaram confusas.

— Você vai saber o que estou falando daqui a dois anos! — Eu ri. — Então Alex me apresentou Jack e obviamente Jack nem me deu muita atenção e foi logo ficar com as garotas mais velhas que eram amigas da sua mãe. — Não consigo evitar meu tom aviltante e Jack levanta a sobrancelha.

— Sim, eu não fiquei contente! — confirmo. — Mas eu estava acostumada a ficar de lado, naquela ponto Alex e Aria eram adultos e eu ainda era tida com criança. Aí eu me irritei e saí da piscina e fui ver um filme...

— Sim, você estava assistindo aquele filme de vampiros.

— Eu adorava e não fala mal de “Crepúsculo”. Enfim, Jack entrou na sala e ficou rindo e tirando sarro de mim.

— Tio Jack, não se faz isso — Isabella reclamou.

— Ela está exagerando, eu não lembro disso.

— Aposto que lembra porque sempre gostou de me provocar, mesmo naquela época!

Ainda lembro como fiquei brava por ele estar zombando de mim, como se já não bastasse o fato de estar flertando com as amigas de Aria, o que me fez sair da piscina.

— Então você não gostava do tio Jack? — Arianna olhou de mim para Jack.

— Eu deveria não gostar!

— E o que aconteceu?

Penso nos acontecimentos daquele dia. Nora havia entrado na sala para informar que ia viajar com meu pai e Jack se apresentou pra ela, como amigo de Alex.

Nora o encarou de volta como se ele fosse um inseto e não perdeu tempo de insultá-lo com sua habitual falta de delicadeza.

Eu me senti mal por Jack, mas ele não revidou, pelo menos naquele momento. Papai e Nora viajaram em seguida e Alex e Aria ficaram responsáveis por mim, já que Ellen estava de folga.

Eu tinha voltado para a área da piscina, mesmo emburrada, porque Alex insistiu. Ele sempre tentava me enturmar, embora Aria não fizesse questão.

Eu observava Jack interagindo com Aria e me perguntava se ele gostava dela, afinal todo mundo se apaixonava pela beleza de Aria.

E quando ele veio sentar ao meu lado, eu lhe perguntei isso, sem ter a menor vergonha.

Jack riu e disse que tinha namorada e ligou o celular me mostrando uma foto e uma moça ruiva. Então eu transferi o ciúme que eu tinha de Aria para aquela moça que namorava Jack.

— Aí aconteceu um acidente — eu continuo a contar a nossa história editada. — Uma das amigas de Aria escorregou na piscina e se machucou. Alex e Aria foram levá-la ao pronto socorro e todas as outras meninas foram embora. Jack acabou tendo que ficar para cuidar de mim.

— Sim, você deveria ter me agradecido por ser seu babá naquele dia.

— Eu não precisava de babá!

— Foi exatamente o que disse enquanto tentava o tempo todo me testar, eu pensei “que menina mimada do caralho”.

— Tio Jack! — As duas arregalam os olhos por ele ter dito um palavrão.

Solto uma risada.

— Sim, eu não fui muito legal, mas Jack aguentou firme e até fez jantar pra mim. — Sorri ao me recordar que foi a primeira vez que ele cozinhou pra mim. Além de aguentar minhas birras de menina mimada e sem noção.

— E depois você me obrigou a ver aqueles filmes de vampiro com você — Jack resmunga.

— Ah, você gostou!

— Eu não lembro disso. Mas lembro que você dizia o tempo todo que queria ter um cachorro e que colocaria o nome de Jacob.

— Sim, era mesmo meu sonho, mas Nora se recusava a deixar que eu tivesse um. Enfim, mesmo eu sendo uma chata, Jack ficou comigo e cuidou de mim e depois Alex e Aria voltaram e ele foi embora. Mas no dia seguinte Alex chegou em casa com um cachorrinho. Era um filhotinho lindo e ele disse que era um cachorro de Jack, mas que ele ia emprestar pra mim. — Meus olhos marejam ao me recordar de Jacob. Meu cachorro querido havia morrido há alguns anos. — E eu coloquei mesmo o nome de Jacob.

— Sinto falta do Jacob. — Isabella parece triste também.

— Precisa de um cachorro novo, tia — Arianna sugere.

— Eu também acho — Pisco para Jack.

— Então é essa a história — concluo.

— Não e só isso, porque em algum momento vocês se apaixonaram — Arianna comenta.

— Mas eu já estava apaixonada! — insisti. — Ok, era uma paixão infantil e inocente e totalmente platônica, mas ainda assim era amor.

— Como sabe?

— Quando Aria chegou naquele dia e me viu brincando com o cachorro eu lhe contei que Jack havia me dado e ela perguntou se eu gostava do Jack, — claro que não conto às meninas que Aria perguntou em tom de escárnio — e eu respondi que eu tinha certeza que ia me casar com ele.

Jack levanta o olhar pra mim, surpreso.

E eu me dou conta de que nunca tinha lhe contado isso.

De como eu tive certeza naquele momento que queria ficar com ele um dia. E pra sempre.

— E quando foi que se apaixonou pela tia Charlotte? — Arianna se volta para Jack.

Antes que Jack responda, ouvimos passinhos se aproximando e uma garotinha de cabelos escuros surge bocejando ainda sonolenta.

— Olha quem acordou! — Eu me aproximo a pegando no colo e ela se aninha em meu pescoço.

Aperto seu corpinho macio e ela sorri pra mim, com seus olhos tão parecidos com os da mãe. Aurora já é linda e é a criança mais doce do mundo.

Sim, eu mimo muito Aurora e ela é minha preferida. Ou vai ter este posto até que algum outro sobrinho surja.

Mas por enquanto a filhinha de Nina e Alex é meu amorzinho.

E de Jack também.

A gente a trata praticamente como nossa filha e Alex e Nina não se importam de dividi-la.

— Quando vamos assistir filme, titia? — ela pergunta.

— Vamos agora! — anuncio, pois todos os biscoitos já foram postos no forno. E coloco Aurora no chão, dando-lhe um dos biscoitos prontos.

— Sim, todo mundo para a sala que a tia Charlotte vai limpar a cozinha — Jack diz enquanto as meninas correm saindo da cozinha.

— Está louco? Não vou limpar nada. — Retiro o avental. — Eu vou ver filme com minhas sobrinhas, você se quiser se vira!

Mas antes que eu saia ele me puxa pela mão e abraça minha cintura.

— Eu me apaixonei por você naquela festa quando a vi descendo as escadas e soube que era a mimada do caralho mais linda do mundo.

— Eu sei. — Sorrio o beijando.

— Agora vamos ver o filme com as crianças, que elas irão embora ao anoitecer. Depois ajeitamos a bagunça.

— Melhor parte dos filhos não serem nossos, ficamos só com a parte divertida!

Jack ri me guiando pelo corredor.

— E podemos despachá-las e transar em frente à árvore de Natal depois.

— Nossa Jack, que pervertido!

— É só uma ideia..

— Vou pensar no seu caso...

 

 

                                                                  Juliana Dantas

 

 

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