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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A BESTA
A BESTA

 

 

 

                                                            Irmandade da "Adaga Negra"                                                                 

 

 

 

 

Capítulo VINTE E CINCO
— Tem certeza? Certeza absoluta?
Ao falar, Layla mantinha um aperto mortal no lençol que foi puxado ao redor de seus quadris.
— Digo, você tem completa e total certeza?
A Dra. Jane sorriu e apertou um botão qualquer na máquina de ultrassom. Quando som de whumpa-whumpa-whumpa preencheu a escuridão da sala de exame, a médica virou
o monitor para a direção de Layla e recostou na cadeira.
— Aqui está o Bebê A. – ela moveu a vareta para a lateral da barriga volumosa. — E aqui está o Bebê B.
Whumpa-whumpa-whumpa... Além disso, um braço estava se mexendo... O que era algo que ela também podia sentir.
Layla desabou contra o travesseiro.
— Bendita seja a Virgem Escriba.
— Então sim, eu tenho certeza. – A médica concluiu. — Quando você se levantou, soltou a bexiga e foi esta a umidade que sentiu. Não é nem um pouco incomum... Conforme
os bebês vão ficando maiores, tendem a exercer pressão em coisas que não gostam e por aí vai.
— Talvez eu não devesse mais me levantar da cama.
A Dra. Jane removeu o treco de leitura, desligou-o e devolveu a vareta ao pequeno suporte da máquina. Então digitou algumas anotações no teclado e desligou o aparelho
de ultrassom. Pegou algumas toalhas de papel e secou o estômago de Layla com gestos cuidadosos e firmes.
— Acho que você está bem. Clinicamente, tudo está onde precisa estar. Eu não indicaria, digamos, jogar uma partida de vôlei de praia, mas não acho que esticar as
pernas lá embaixo duas vezes por dia aumenta o risco de um trabalho de parto prematuro. Mas eu realmente preferiria que você permanecesse na clínica.
Fechando os olhos, Layla disse a si mesma para acreditar na médica. A Dra. Jane nunca tinha pisado na bola com ninguém e a fêmea realmente sabia do que estava falando.
— Layla, se eu honestamente achasse que há algo errado, eu diria. Trato meus pacientes do jeito que gosto de ser tratada, e caso houvesse alguma ameaça à sua saúde
ou à saúde dos bebês aí dentro? Você seria a primeira a saber.
— Obrigada. – Layla estendeu a mão e colocou-a sobre o braço da Dra. Jane. — Não conte para o Qhuinn, está bem? Eu só... Não quero deixá-lo preocupado.
— Não há motivo para preocupação. – a Dra. Jane deu uma palmadinha em sua mão e se levantou. — Então não há nada pra contar para ele. Ei, adivinha o que? Consegui
dois presentes de Natal antecipado. Sei que é um feriado humano, mas você se importa se eu te mostrar?
— Claro que não, por favor, me mostre. – Layla grunhiu ao se sentar e fechar as laterais do roupão sobre sua imensa barriga. — O que é?
— Fique aqui.
Layla riu um pouco.
— Como se eu conseguisse sair correndo?
Quando a médica desapareceu por uma porta lateral, Layla pendeu as pernas pela lateral da cama e fitou a máquina de ultrassom. Mesmo sem nada exibido no monitor,
imaginou o que tinha visto antes. A vida dentro dela. As duas vidas.
Tudo estava bem. E era só isto o que importava.
— Tchan-naaaaan!
Olhando para ela, Layla se endireitou.
— É um...
— Uma incubadora neonatal. – A Dra. Jane fez como Vanna White, demonstrando as características do equipamento, que na verdade parecia como uma grande gaveta aquecida
com laterais de plástico transparentes. — Temperatura controlada. Luz azul aqui em cima. Acesso facilitado. Escala embutida. É a melhor coisa depois de sua barriga
e eu tenho dois destes.
Layla engoliu em seco.
— Eu preferiria um berço de vime.
— Oh... Droga. – A Dra. Jane começou a empurrar a coisa para longe. — Sinto muito. A médica em mim...
— Não, não! – Ela estendeu a mão pra frente. — Eu só... Não, é ótimo. Sério! Segurança em primeiro lugar... Não vou precisar de nenhum berço se eles não sobreviverem
ao parto, não é?
A Dra. Jane pousou uma mão na incubadora.
— Este equipamento é uma obra de arte, Layla. Estou entusiasmada por que queremos esses dois aqui fora e sãos e salvos, para usar os termos de Butch.
— Obrigada. – Layla pousou a mão sobre o coração. — Eu realmente não tenho como te agradecer o suficiente. Não quero que pense que não sou grata.
— Vamos deixar a gratidão para quando todo mundo estiver vivo e saudável. – A Dra. Jane baixou o olhar para a barriga que era motivo de tanta preocupação para ela
e para todos. — Você está chegando ao limite. Se conseguir mantê-los aí um pouquinho mais, os pulmões se desenvolverão o suficiente para que, em caso de parto prematuro,
eles tenham uma chance de lutar. Eu me sentiria melhor se você conseguisse segurar por mais dez dias ou duas semanas... Só isso. Daí, se alguma coisa acontecesse?
Afinal, embora as gravidezes das vampiras durem normalmente dezoito meses, de acordo com Havers, aos nove meses os pulmões já podem funcionar, caso seja preciso.
— Que bom.
— E ouça, se tivermos de trazer Havers para cá, nós traremos. De fato, acho que Butch adoraria colocar um saco na cabeça do cara e arrastá-lo para cá. De preferência,
amarrado a um carro.
Layla riu.
— É mesmo.
A Dra. Jane ficou séria.
— Há riscos, Layla. Mas vou fazer o meu melhor para garantir que você tenha os dois bebês de forma saudável.
— Somos duas.
A Dra. Jane se aproximou e as duas se abraçaram. E quando a médica começou a se afastar, Layla quis deixar a médica ir embora cuidar de sua vida.
Mas em vez disto, ouviu-se dizer:
— Posso fazer uma pergunta? Há... Alguém mais aqui embaixo? Digo, além de Luchas e eu?
O rosto da médica se tornou agradavelmente profissional, seu sorriso, um pouco distante.
— O que te faz pensar isso?
Definitivamente não foi uma negativa.
— Quando saí para minha caminhada, Qhuinn me afastou da sala de tiro. Parecia que os Irmãos vigiavam alguém lá embaixo. E na noite passada ouvi uma porção de barulhos
no corredor. Sei que Rhage estava se recuperando dos efeitos de sua besta, mas um prisioneiro explicaria melhor toda aquela balbúrdia.
— Na verdade, Rhage levou um tiro no peito... E realmente morreu por um momento no campo de batalha.
Layla recuou.
— Oh... Querida Virgem Escriba, não!
— Mas agora ele está bem.
— Graças aos deuses. Ele é mesmo um macho de muito valor. – Layla estreitou os olhos. — Mas há alguém mais aqui embaixo, não há?
— Sinto muito, mas receio não poder falar a respeito.
Layla correu as mãos sobre a barriga.
— Os assuntos dos Irmãos afetam a todos nós. E realmente me ressinto de pensar que só por que sou uma fêmea, eu não possa de certa forma “lidar” com isto. Proteção
é bom, mas isolamento total é um insulto.
A Dra. Jane praguejou.
— Ouça, Layla, sei como se sente. Mas caso esteja preocupada com sua segurança, não fique. O macho agora está em coma e V diz que vão retirá-lo daqui ao anoitecer.
Então você e Luchas estarão perfeitamente seguros. Agora você precisa comer. Vou chamar Fritz. E não se preocupe com estes bebês. Você está muito bem...
— Que tipo de ferimento ele teve? O macho que está aqui.
A Dra. Jane meneou a cabeça pesarosamente como se soubesse que não ia conseguir sair do quarto sem soltar alguma informação.
— Ele levou um golpe na cabeça. E é provável que tenha tido um ou mais derrames.
— Ele vai morrer? – Layla perguntou abruptamente.
Dra. Jane deu de ombros.
— Eu honestamente não sei. Mas, prisioneiro ou não, vou tratá-lo de acordo com os padrões da prática médica... Mesmo que, considerando o que a Irmandade fará com
ele quando se recuperar, talvez fosse melhor que ele morresse logo.
— Isto é... Horrível.
— Ele meteu uma bala na garganta de Wrath. O que você acha que ele merece? Um tapinha no ombro?
— Tudo isso é tão brutal.
— É a natureza da guerra. – A Dra. Jane acenou com a mão no ar como se estivesse deixando a conversa pra lá. — Isto está ficando mórbido. E, além disto, não é nada
com o que eu ou você precisemos nos preocupar. Isto está fora de nossas mãos, e por isto fico feliz.
— Talvez haja um jeito de fazer ele se recuperar...
— Você é uma fêmea muito gentil, sabia disto?
Quando a médica empurrou a incubadora para fora, Layla olhou ao redor da sala azulejada, reparando nos gabinetes cheios de remédios e curativos, o computador exibindo
um protetor de tela de bolhas sobre a mesa, a cadeira sem encosto que foi empurrada para um lado.
Não, ela não era gentil.
Estava apaixonada por aquele Bastardo.
Colocando o rosto entre as mãos, apertou a cabeça pela realidade terrível na qual estava. E também por que a Dra. Jane estava certa. Se Xcor sobrevivesse a seus
ferimentos?
A Irmandade iria matá-lo.
Bem lentamente.
Capítulo VINTE E SEIS
Na noite seguinte, Mary vestiu roupas de trabalho e desceu para a Primeira Refeição com Rhage a seu lado. Como ela, ele estava vestido para o trabalho, usando couro
e uma regata, carregando uma jaqueta de couro em uma mão e uma infinidade de armas nos coldres na outra. Suas adagas negras já estavam presas a seu peito, e podia
ver pela expressão dura em seu maxilar que ele estava pronto para lutar.
De fato, todos os Irmãos também chegaram à sala de jantar com suas automáticas, pistolas e facas.
Havia poder de fogo suficiente naquela mesa para sustentar um pequeno exército.
O que eles eram, supôs ela, ao se sentar em seu lugar.
Rhage a ajudou a se acomodar e sentou-se no lugar vazio à sua esquerda, pendurando os coldres em uma lateral, antes de pendurar a jaqueta no encosto.
— Oh, que delícia, carne assada. – Disse ele, quando Fritz apareceu por trás dele com um prato.
Na verdade um prato imenso. E sim, era carne assada... Tipo, metade de um boi assado só pra ele.
— Fritz, como soube? – Rhage perguntou ao olhar por cima do ombro com adoração.
O velho mordomo enrugado curvou-se numa reverência.
— De fato, fui informado que vocês terão trabalho intenso pela frente e imaginei que precisariam de sustância extra.
— Oh, precisamos sim. – O Irmão deu um tapinha no ombro do doggen que fez o pobre homem voar para trás. — Merda, desculpe...
— Peguei. – Disse V ao segurar Fritz e ajudá-lo a ficar em pé. — Está tudo bem.
Enquanto uma horda de doggens aparecia para servir o resto dos moradores da casa, Mary colocou seu guardanapo no colo e esperou pelas bandejas de salsichas e tigelas
de aveia e frutas cortadas chegarem até ela.
— Danish7? – Disse ela ao esticar a mão para alcançar uma cesta feita de trama prateada. — O cheiro está ótimo.
— Mmmmmm-hmmmm. – Respondeu Rhage com a boca cheia de proteína.
Quando ela levantou o guardanapo adamascado e ofereceu a cesta a seu homem, Rhage baixou a faca e o garfo e pegou três, arrumando os três doces em seu prato enorme.
Então ele pegou seus utensílios de novo e voltou a seu ataque cuidadoso e medido ao que devia ser três quilos e meio de assado.
Por alguma razão, ao pegar seu próprio danish – só um – ela se lembrou da primeira refeição deles no TGI Friday’s na Lucas Square. Rhage havia pedido, tipo, quatro
pratos de comida ou algo assim... E tinha se preparado para vê-lo comportar-se como um ogro ao atacar a comida. Em vez disto, ele tinha as boas maneiras à mesa de
Emily Post, tudo muito preciso e ordenado, das garfadas que ele abocanhava e os cortes que fazia ao jeito que parava quase cada garfada para limpar a boca.
Recostando-se em sua cadeira, ela se pegou observando a mesa toda. A paisagem de mogno era larga e cheia de todo tipo de coisas adoráveis, brilhantes e cintilantes,
e era estranho que tivesse se acostumado àquele luxo, à ajuda, ao padrão de vida que era tão diferente daquele no qual tinha crescido, tão acima de qualquer coisa
com que jamais tinha esperado se envolver, que sempre assumiu que fosse somente ficção histórica.
Mas não se alongou muito observando todo aquele luxo.
Não, ela olhou para Z e Bella. Os dois estavam sentados bem à sua frente, e era impossível não observá-los enquanto Nalla era passada de um colo para o outro, Z
escolhendo pedaços de seu prato para alimentar a menina, Bella limpando o queixinho gorducho ou tirando uma franja da roupinha fantasticamente rosada do caminho.
De vez em quando, os pais se encaravam acima da criança e falavam alguma palavra, ou talvez somente dividiam um sorriso.
Mary franziu o cenho ao ver as faixas de escravidão que foram tatuadas nos pulsos e pescoço de Z. Pareciam tão escuras contra sua pele bronzeada, uma mancha malévola,
permanente.
Ela e Z passaram bastante tempo no porão ao lado da antiga caldeira conversando sobre o que fizeram com ele quando era escravo de sangue. Tanto abuso. Tantas cicatrizes,
por dentro e por fora. Mas ele tinha enfrentado, superado seu passado, forjado não somente um relacionamento bonito com a fêmea que amava, mas também com a bênção
incrível de sua filha.
Jesus, e ela ali preocupada com as coisas que aconteceram em sua própria vida? Sim, teve de cuidar da mãe enquanto a mulher morria. Sim, ela tinha adoecido. Sim,
perdeu a capacidade de ter filhos. Mas isto não era nada comparado ao que Zsadist havia passado ou ao que Bitty tinha sofrido.
Z conseguindo superar a tortura e o abuso sexual para ser um bom pai para sua filhinha preciosa? Aquilo sim era força.
Mary esfregou o centro do seu peito, massageando a dor que ainda a incomodava. Certo, ela e Rhage tinham conversado, e é claro que se sentia bem por ele aparentemente
estar ciente do que realmente queria. Mas era quase como se a tristeza de Rhage sobre a incapacidade deles criarem uma família fosse algo que a tivesse contagiado,
como uma gripe. Depois de terminarem a conversa, de fazerem amor e então se deitado na cama deles, depois dele ter adormecido e começar aquele ronco familiar dele
ao seu lado... Ela ficou acordada o dia todo ouvindo os sons difusos dos doggen falando em tons baixos, sentindo o cheiro tênue de limão da cera do chão, rastreando
o som abafado do aspirador de pó sendo passado na sala de Wrath.
Ela não tinha dormido nada.
A questão que ela não tinha se incomodado em responder não parecia querer parar de se impor em sua mente. E, Jesus, que pé no saco era aquilo. Podia ter jurado que
tinha superado toda aquela coisa de filho antes mesmo de começar.
Sim, sua infertilidade os tinha salvado, mas isto não significava que não fosse uma perda...
— Ei.
Com um susto, forçou um sorriso no rosto e resolutamente se concentrou na comida que tinha magicamente aparecido em seu prato. Huh, ela aparentemente tinha se servido
sem ter a menor consciência do que fazia.
— Ei, você. – Disse ela, com alegria determinada. — Como está sua metade da vaca...?
— Mary. – Ele disse baixinho. — Olhe para mim.
Respirando fundo, voltou o olhar para ele. Ele tinha virado o corpo inteiro para ela e estava fitando-a daquele jeito que fazia, como se tudo o mais ao seu redor
tivesse desaparecido, como se nada mais existisse além dela.
— Eu amo você. – Sussurrou ele. — E você é a única coisa que sempre vou precisar.
Ela piscou com força. E então disse a si mesma que se fosse esperta acreditaria nele com todas as fibras de seu ser.
Era este o caminho para levar aquilo em frente.
— Eu já te disse ultimamente, – Disse ela roucamente — Que sou a mulher mais sortuda do planeta?
Inclinando-se ele beijou-a com suavidade.
— Disse. Bem antes da gente transar de manhã.
Quando ele voltou à posição original parecendo todo cheio de si, ela sorriu. E então gargalhou.
— Você parece bem orgulhoso de si mesmo, não é?
— Não sei do que está falando, – Ele voltou a se concentrar em sua comida, a imagem da inocência. — Mas se realmente se sente sortuda, tenho uma maneira ótima de
você demonstrar isto.
Mary ergueu o próprio garfo e faca e descobriu que estava de fato faminta.
— Talvez eu deva te mandar um cartão?
Agora ele desviou o olhar, seus olhos azuis cintilando.
— Nah, tem coisas que palavras não são capazes de expressar. E não tenho nada planejado para depois do trabalho esta noite, entãããããããão...
Enquanto deliberadamente corria a língua ao redor de uma presa, ele entrecerrou os olhos como se estivesse imaginando-a nua sentada na cadeira, e fingiu deixar seu
guardanapo cair para poder se ajoelhar para procurá-lo debaixo da mesa.
O corpo de Mary começou a aquecer, e sua cabeça a girar, e a pele a formigar.
— Mal posso esperar. – Sussurrou ela.
— Nem eu, minha Mary. Nem eu.
Rhage despediu-se de Mary depois de terminada a Primeira Refeição em pé nos degraus da frente da mansão, e acenando quando ela e o Volvo desapareceram pela colina
ocultados pelo mhis. Depois que ela se foi, ficou lá por um momento respirando o ar gelado.
Era óbvio que aquela situação difícil sobre a qual eles conversaram estava incomodando-a, mas como podia ser diferente? Inferno, enquanto eles se dirigiram à sala
de jantar juntos, ele se preparou para outro ataque de sua própria merda emocional. Mas claramente ele tinha chegado à raiz de seu problema, processado – ou seja
lá qual for o termo correto – e foi capaz de agir diferente. Ver seus irmãos com os filhos não foi perturbador; e ele realmente tinha conseguido ajudar a Mary quando
se tornou óbvio que ela estava tendo um surto.
Estar de volta nos trilhos com ela era incrível. Estar lá para ela quando ela necessitava? Ainda melhor.
E agora era hora de trabalhar.
Ao virar-se para encarar a mansão, sentia-se uma máquina mortal.
Subiu os degraus de pedra e atravessou o vestíbulo juntando-se a seus irmãos no saguão. Ninguém falava enquanto se vestiam e se armavam, amarrando doze tipos diferentes
de metal a seus peitos, suas coxas e debaixo dos braços.
Ele próprio fez o mesmo, ciente do doggen parado na periferia com preocupação refletida em seu rosto gentil e amável.
Eles eram parte da razão por que isto era necessário.
Um a um, os guerreiros atravessaram a porta oculta sob as escadas e desceram o túnel subterrâneo. Quando entraram no centro de treinamento estavam em formação, pararam
somente para passar através da despensa e do escritório. Saíram para o corredor, a Dra. Jane e Manny estavam esperando com uma maca e equipamentos de suporte a vida,
e nenhum dos médicos disse nada quando todo mundo seguiu para a sala de tiro.
Lassiter tinha passado o dia inteiro de guarda, e mesmo que o anjo caído precisasse da luz do sol para recuperar sua energia, ele não mostrava sinais de exaustão
ou perda de foco ao pairar sobre o corpo imóvel de Xcor.
Certamente fazia a maratona da semana anterior da porra da Punky Brewster mais perdoável.
— Quem vai me ajudar com a transferência? – Manny disse ao empurrar a maca até a bancada de V.
Rhage, V e Butch deram um passo à frente e soltaram as algemas de aço, momentaneamente libertando Xcor de sua prisão – mas havia duas razões para não se preocuparem:
uma, o resto da Irmandade estava parada em volta com as armas apontadas e dedos inquietos nos gatilhos; e dois, o fodido estava apagado, não só um peso morto, mas
praticamente morto e ponto.
Só o mais leve calor em seus tornozelos nus e o fato de ele não estar com o rosto completamente cinza levava um macho a acreditar que o bastardo não precisava de
uma cova e um túmulo.
Na maca. Então amarrado com couro desta vez, na garganta, pulsos, tornozelos, coxas e ao redor da cintura. Então as máquinas foram ligadas, cabos foram transferidos
de grandes monitores nada portáteis para outros menores e mais leves. O processo levou bem uns vinte minutos, e o tempo todo Rhage ficou bem perto do prisioneiro,
buscando por sinais de que Xcor estava fingindo – e depois de analisar atentamente cada centímetro de pele exposta e todas aquelas feições duras? Decidiu que o bastardo
ou tinha morrido de vez ou era melhor ator do que De Niro.
Quando chegou a hora de ir, John Matthew e Qhuinn seguraram abertas as portas da sala de tiro e Rhage tomou a frente, junto com V e Butch.
— Espere! – Manny disse.
Com um movimento rápido, desenrolou um lençol branco e usou-o para cobrir o corpo e o rosto de Xcor.
— Não precisamos que ninguém veja isto.
— Bem pensando. – Alguém murmurou. — Não há motivo para assustar as crianças.
A viagem pelo corredor foi rápida, e então estavam diante das portas de metal que levava ao estacionamento, com John Matthew e Blay desta vez mantendo as portas
abertas e montando guarda. Havia uma ambulância coberta com inscrições humanas estacionada na curva, e Rhage soltou um grunhido de alívio quando a maca de Xcor foi
empurrada pela traseira do veículo e trancada lá dentro. Enquanto ele, V e Butch se ajeitaram onde conseguiram entre todos os gabinetes e equipamentos, Z assumiu
o volante e Manny sentou no banco do passageiro, para o caso de alguma emergência médica.
A viagem de saída pelo sistema de trancas levou uma eternidade, mas não era como se eles estivessem em uma situação que requeresse velocidade mortal. E por causa
do jeito que o complexo fora construído, eles tinham de dirigir tooooooodo o caminho rodeando a base da montanha até a estrada que levava à mansão.
A subida foi outra viagem lenta, mas a meio caminho da casa eles viraram à esquerda em uma estradinha de terra. Houve uma porção de sacolejos e era bom que a maca
estivesse travada no lugar, no assoalho. De vez em quando, depois de um grande pulo ou uma virada abrupta que os fazia sentirem-se na Enterprise com todos se inclinando
juntos para o mesmo lado, Rhage verificava os equipamentos. A frequência cardíaca de Xcor, que parecia lenta como melado e irregular como a estrada de terra por
onde andavam, jamais mudou. E nem os níveis de oxigenação ou a pressão sanguínea.
O bastardo certamente não se movia. Pelo menos, não além do balançar da viagem.
Depois de uma viagem que pareceu muito longa, mas que na verdade durou mais ou menos dez minutos, Rhage não aguentava mais e se inclinou para a frente, para olhar
pelo pára-brisa. Muitos pinheiros sob os faróis. Mais da estrada de terra à frente. Nada mais.
— Você teve uma puta idéia. – Butch disse.
— Não parece certo. – Rhage deu de ombros. — Mas é o melhor lugar possível.
— Ele jamais sairá de lá. – V rosnou, os olhos gélidos flamejando de pura violência. — Pelo menos, não vivo.
— Que bom que você tem mais de uma mesa. – Butch deu um tapa no ombro do melhor amigo. — Seu maldito pervertido.
— Não descarte antes de experimentar.
— Nah, sou um bom garoto católico. Se seguir por esse caminho, meu corpo iria se incinerar na hora... E não seria por causa da cera derretida.
— Marica.
— Pervertido.
Os dois riram da piada interna e então voltaram a ficar sérios – porque com um ruído dos freios, a ambulância parou.
— Vamos nessa. – Rhage anunciou quando as portas duplas foram abertas por fora e o cheiro dos pinheiros inundaram o interior estéril. — Vamos levá-lo para a Tumba.
Capítulo VINTE E SETE
Assim que Mary entrou no Lugar Seguro, Rhym veio ao seu encontro.
— Ei, Bitty andou perguntando por você.
— Sério? – Mary livrou-se do casaco — Ela perguntou?
A outra assistente social anuiu em concordância.
— Assim que acordou. Ela não quis descer para a Primeira Refeição, então levei uma bandeja para ela e disse que pediria pra você ir ao sótão assim que chegasse.
— Está bem. Vou subir agora, obrigada.
— Estou indo para casa, tudo bem? – A fêmea cobriu a boca ao bocejar. — Ela na verdade dormiu... Ou melhor, depois do banho colocou uma camisola e foi pra cama.
Eu a verifiquei de hora em hora e parecia estar apagada.
— Bom. E sim, é claro... Eu assumo daqui. Muito obrigada por ficar com ela o dia inteiro. Eu só senti que era a coisa certa a fazer.
— Eu não tinha nenhum outro compromisso. Me chame se precisar.
— Sempre. Obrigada, Rhym.
Enquanto a fêmea ia para os fundos da casa, Mary subiu as escadas apressadamente, parando somente para deixar suas coisas no escritório, antes de subir para o terceiro
andar. Ao chegar ao andar superior, surpreendeu-se ao ver a porta do quarto de Bitty aberta.
— Olá? – A garota chamou de dentro.
Mary endireitou os ombros e entrou.
— Sou eu.
— Oi.
As malas de Bitty ainda estavam feitas e ao lado de sua cama, mas ela estava perto da antiga escrivaninha penteando os cabelos da boneca.
— Rhym disse que queria me ver?
Para si mesma, Mary completou: “alguma chance de que queira conversar sobre alguma coisa? Sobre a perda de sua mãe? Do irmãozinho que morreu? Seu pai violento? Pois
isto seria ótimo.”
— Sim, por favor. – A garotinha virou-se. — Estava pensando se você não poderia, por favor, me levar até minha antiga casa.
Mary recuou, antes de conseguir disfarçar a reação.
— Quer dizer... Onde você e sua mahmen moravam? Com o seu pai?
— Sim.
Fechando a porta suavemente, Mary se aproximou e quase sentou na cama da mãe de Bitty. Mas parou antes de fazê-lo.
— O que você... Por que quer ir lá? Desculpe perguntar.
— Quero pegar algumas coisas minhas. Meu tio não mora em Caldwell. Se eu não for agora, pode ser que não consiga pegá-las depois que ele vier me buscar.
Mary olhou ao redor. Então perambulou pelo quarto, parando junto à janela que dava vista ao gramado da frente. Escuro, tão escuro lá fora... Parecia ainda mais,
em uma noite de Julho úmida e calorenta, ao invés de fria e tempestuosa.
Virando-se para encarar a garota de frente, ela disse:
— Bitty, preciso ser honesta com você. Não sei se é uma boa ideia.
— Por quê?
— Bem, primeiro... – Mary escolheu cuidadosamente as palavras — A casa está abandonada desde que vocês saíram de lá. Não estou bem certa das condições atuais dela...
Pode ter sido saqueada. Ou o telhado pode ter desabado. Desta forma, não sei direito o que você encontraria lá.
— Não vamos saber até ir lá ver.
Mary hesitou.
— Poderia te trazer uma porção de memórias. Tem certeza de que está pronta para isto?
— Os lugares não têm importância. Não tem como escapar do que eu me lembro. Está comigo todos os minutos que passo acordada e em meus sonhos o dia inteiro.
Ao falar de forma tão realista, a garota não deixou de pentear a boneca. Elas bem podiam estar falando sobre o cronograma da lavanderia ou o que estaria sendo servido
na cozinha lá embaixo.
— Você deve sentir muita falta de sua mahmen. – Mary falou abruptamente.
— Então podemos ir, por favor?
Mary esfregou o rosto e sentiu-se exausta.
— Pode falar sobre ela comigo, você sabe. Às vezes isso ajuda.
Bitty nem piscou.
— Podemos?
Eeeeeeee... Aparentemente, aquela porta continuava firmemente fechada. Ótimo.
— Deixa eu conversar com a Marissa, está bem? Vou procurá-la agora mesmo e ver o que podemos fazer.
— Meu casaco já está separado. – A garotinha apontou para os pés da cama. — E já estou com os sapatos. Estou pronta pra ir.
— Volto daqui a pouquinho. – Mary dirigiu-se à saída, mas parou na porta. — Bitty, na minha experiência, as pessoas precisam lidar com seus traumas, seja no início,
no fim, ou ao longo do tempo. Esta última é a melhor opção e geralmente decorre de desabafar sobre coisas que talvez não queiram discutir.
Em seu íntimo, não conseguia acreditar que estava falando daquele jeito com uma garota de nove anos de idade. Mas Bitty certamente não se expressava como alguém
de menos de dez anos.
— E as outras duas opções? – A garotinha disse, sem parar de pentear a boneca.
— Às vezes, as pessoas internalizam sentimentos ruins por coisas das quais se arrependem ou pensam que fizeram de mal ou de um jeito errado. Isto acaba consumindo-as,
até que não aguentem mais e tenham de pôr tudo pra fora para não acabar enlouquecendo. Evitá-los significa evitar o que te incomoda, canalizando sentimentos em comportamentos
que acabam magoando a você ou outras pessoas.
— Eu não entendo nada disto. Sinto muito.
— Eu sei. – Mary disse tristemente. — Olha, vou conversar com Marissa.
— Obrigada.
Saindo do quarto, Mary parou no topo da escada e olhou para trás. Bitty permanecia no mesmo lugar, correndo aquela escova pelos cabelos espetados e evitando os pontos
carecas na cabeça da boneca.
O tempo todo em que estivera na casa, ela jamais brincou com nenhum dos brinquedos disponíveis no andar de baixo na caixa comunitária: as crianças quando chegavam
sempre eram encorajadas a encontrar um ou dois de que gostassem, tomando-os como seus, deixando os outros como propriedade comum. Disseram a Bitty repetidas vezes
para ficar à vontade e escolher um. Ela nunca aceitou.
Ela tinha sua boneca e seu velho tigre de pelúcia. Só isto.
— Merda. – Mary sussurrou.
O escritório de Marissa ficava no segundo andar, e quando Mary desceu e bateu no batente da porta, a shellan de Butch fez um gesto para que ela entrasse, mesmo estando
ao telefone.
— ... completamente confidencial. Não, não. Sim, pode trazer seu filho. Não, de graça. O que? Absolutamente de graça. Por quanto tempo for necessário. – Marissa
fez um gesto para Mary se sentar, e então ergueu o dedo indicador no gesto universal que indicava Só um momento. — Não, tudo bem... Pense pelo tempo que quiser.
Eu sei... Você não precisa se desculpar por chorar. Nunca.
Depois de sentar-se na cadeira de madeira em frente à sua chefe, Mary estendeu a mão e pegou um peso de papel de cristal no formato de diamante. A coisa era quase
do tamanho de sua mão, tão pesada quanto seu braço, e ela acariciou suas facetas com os polegares, observando a luz refratar de suas profundezas.
Será que as coisas viriam a se tornar mais fáceis para aquela garota? Perguntou a si mesma.
— Mary?
— Oi? – Ergueu o olhar. — Desculpe, me distraí um pouco.
Marissa inclinou-se apoiando nos cotovelos.
— Compreendo totalmente. O que aconteceu?
Xcor foi removido do centro de treinamento por volta das oito horas... E Layla viu tudo acontecer.
Assim que seu despertador tocou, após o pôr do sol, ela desceu da cama e colocou uma de suas pantufas no canto da porta para mantê-la entreaberta... De modo que
ao voltar a se deitar, conseguisse ver um pedaço do corredor pela abertura. E dito e feito, logo os Irmãos o transferiram do mesmo jeito que ela tinha suposto que
aconteceria: ao ouvir o som dos muitos passos pesados, levantou e postou-se de lado, de modo que pudesse ver sem ser notada.
Eventualmente eles passaram por lá e Xcor estava com eles, deitado de costas em uma maca com rodízios, com um lençol cobrindo-o do topo da cabeça à ponta do pé.
A passagem deles, ela teve de levar as mãos à boca. Tantos equipamentos... Claramente mantendo-o vivo. E então lá estavam os Irmãos, todos completamente armados,
os corpos massivos cobertos de adagas e armas mortais.
Fechando os olhos e segurando no batente da porta, sentiu-se consumida pela necessidade de correr e interrompê-los, implorar pela vida de Xcor, de rezar para a Virgem
Escriba pela recuperação e libertação dele. Ela tinha até ensaiado as palavras que usaria na defesa dele, tais como “Ele não nos atacou, mesmo sabendo nossa localização!”
e “Ele nunca me machucou, nem uma única vez em todas as noites em que o encontrei!” e o sempre popular “Ele mudou, não é mais o traidor que era!”
Tudo aquilo só serviria para confirmar sua própria culpa – e então tinha ficado onde estava, ouvindo-os atravessar o corredor na direção do estacionamento.
Quando a última porta foi fechada e trancada ruidosamente, teve de reiterar a si mesma que precisava deixar aquilo para lá.
Disse a si mesma forçosamente que Xcor era o inimigo. Nada mais. E nada menos.
Saltando para a frente, voltou à sua cama, subiu e sentou-se em cima dos pés. Com o coração disparado e suor porejando acima da sobrancelha e lábio superior, tentou
controlar as emoções. Certamente este tipo de estresse não faria bem aos bebês...
A batida em sua porta a fez virar a cabeça.
— Sim? – Ela gritou.
Será que foi descoberta?
— Sou eu, Luchas. – O irmão de Qhuinn parecia preocupado — Posso entrar?
— Sim, por favor. – Voltou a descer da cama e foi até à porta para abri-la. — Por favor, entre.
Enquanto se postava de lado, o macho dobrou os braços ao redor das rodas de sua cadeira, fazendo um progresso lento, mas independente. Tinha-se falado sobre conseguir-lhe
uma cadeira de rodas motorizada, mas este impulso autodirigido fazia parte de sua reabilitação, e de fato parecia estar funcionando. Sentado com os joelhos juntos
e o corpo magro só um pouquinho encurvado, ele tinha toda a beleza e inteligência de Qhuinn, mas nada do peso e vitalidade do irmão.
O que era muito triste. Mas, pelo menos, ele agora estava circulando... Algo que há um longo tempo vinha sendo uma impossibilidade.
Mas também, ser torturado por lessers tinha custado-lhe mais do que somente alguns dedos.
Quando ele passou pela porta, Layla deixou-a fechar sozinha e voltou de novo para a cama. Subiu, arrumou a camisola e ajeitou o cabelo. Como uma Escolhida, teria
sido muito mais apropriado para ela receber um visitante vestindo uma das túnicas brancas tradicionais de sua posição, mas, primeiro, ela já não cabia em nenhuma
delas. Segundo, o irmão de Qhuinn e ela já tinham passado desta formalidade há muito tempo.
— Acho impressionante ter conseguido percorrer esta distância toda mais uma vez. – Ele disse em voz monótona.
— Fico feliz por ter companhia. – Embora não fosse dizer a ele o motivo. — Sinto-me... Um pouco engaiolada aqui.
— Como se sente esta noite?
Quando a pergunta foi feita, ele não a olhou nos olhos... Mas nunca olhava. Seu olhar cinzento permanecia grudado ao chão e mudava de direção somente quando guiava
seu corpo em outra direção naquela cadeira.
Ela jamais se sentiu tão agradecida pela disfunção de outra pessoa, pois a reticência dele lhe provia um pouco de privacidade enquanto tentava controlar suas emoções...
Embora ela supunha que isto não depusesse a favor de seu caráter.
Mas o que é que depunha, ultimamente?
— Estou bem. E você?
— Bem também. Preciso ir para minha fisioterapia em quinze minutos.
— Eu sei que vai se sair bem.
— E como estão os bebês do meu irmão?
— Muito, muito bem, obrigada. Estão maiores a cada noite.
— Você foi muito abençoada, ele também. Tenho muita gratidão por isto.
Era a mesma conversa todas as noites. Mas também, o que mais eles teriam que valesse a pena qualquer tipo de discurso educado?
Por parte dela, muitos segredos.
Por parte dele, sofrimento demais.
De certa forma, eles eram iguais.
Capítulo VINTE E OITO
A Tumba era o sanctum sanctorum8 da Irmandade, um lugar onde os novos membros eram introduzidos e os antigos membros ficavam após suas mortes... E como tal, era
protegida contra intrusos por meio de mecanismos antigos e modernos.
O mais resistente destes, depois de violada a entrada da caverna, ainda atravessava um espaço do solo e prosseguia por uns quase três metros de altura da laje de
granito, era um conjunto de portões de ferro que ninguém passaria mesmo com um maçarico industrial.
A menos, é claro, que você tivesse a chave da fechadura.
Quando Rhage e seus irmãos vieram até a fortificação com Xcor na maca, Z fez as honras com o desbloqueio e Rhage monitorou o interior da caverna, seus olhos esquadrinhando
de um lado a outro o que ia se revelando pela palma incandescente de V.
Era contra o protocolo qualquer um entrar no espaço que não fosse um Irmão, mas esse era o ponto quanto a mendigos e batedores e toda essa merda. Este era o lugar
mais seguro e isolado para trancar um filho da puta traidor gravemente ferido, até o momento em que ele acordasse e estivesse pronto para ser torturado, ou que o
bastardo esperneasse e pudesse ser queimado no altar como um sacrifício digno de todos os nomes esculpidos na parede de mármore.
Claaaaaaaaaaaang9.
Além do mais, Rhage pensou enquanto começava a puxar a maca pra frente novamente, Xcor não iria mais distante do que na antecâmara.
Pelo menos, não enquanto ainda estivesse respirando.
Agora não havia necessidade do brilho da luz portátil de V. Tochas manejáveis de ferro ganharam vida com um aceno de cabeça do Irmão e sombras começaram a perseguir
cada um sobre o chão de pedra e as filas e filas de prateleiras, com a luz bruxuleante relanceando dentro e sobre as inúmeras urnas, tanto naquelas que tinham séculos
de idade quanto às que vieram da Amazon.com.
Era uma exibição dos triunfos da Irmandade sobre a Sociedade Lessening, uma coleção de lembranças das mortes do Velho e do Novo Mundo.
Dessa forma, era apropriado trazer o Xcor aqui.
Ele era mais um despojo da guerra.
— Isso é longe o bastante. – Vishous anunciou.
Rhage parou e prendeu as rodas com a trava de pé enquanto V tirava uma mochila enorme do seu ombro.
— Esta bateria só vai durar dez horas. – Disse o Irmão.
— Não vai ser problema. – Enquanto Lassiter falava, seu corpo inteiro se iluminou de dentro pra fora, a energia substituindo os contornos da sua carne. — Posso recarregá-la.
— Tem certeza que estará bem aqui sozinho durante o dia? – V exigiu.
— Sempre posso ir para a luz do sol e recarregar. E antes que resmungue que aquele peixe morto em cima da mesa será momentaneamente deixado sem vigilância, tenho
maneiras de manter o olho nele.
V sacudiu a cabeça.
— Estou surpreso por você estar disposto a fazer isso. Sem Time Warner10.
— É pra isso que existem celulares.
— Quase posso te respeitar.
— Não fique emocional pra cima de mim, Vishous. Deixei o Kleenex em casa. Além disso, tenho a noite de folga agora que a batata quente está segura aqui. Muito tempo
para me ocupar com o grandão.
— Ok, isso soa sujo. – Disse alguém.
— Ninguém exceto sua mão esquerda poderia tê-lo, está de brincadeira comigo? – Veio uma contestação.
— Ei, Lass, quando foi a última vez que saiu em um encontro? – Alguém disse com voz arrastada. — Foi antes das Guerras Púnicas ou logo depois?
— E quanto é que você tem que pagar por ela?
Lassiter ficou em silêncio, com seus olhos estranhamente brancos ficando distantes. Mas então ele sorriu.
— Tanto faz. Meus padrões são altos demais para vocês, bando de babacas.
Apesar de uma nova rodada de piadas se inflamar, ninguém relaxou de verdade. Era como se Xcor fosse uma bomba com um detonador desconhecido e uma discutível duração
de tempo antes que a festa explosiva começasse.
— Z e eu estaremos no primeiro turno. – Phury cortou. — E vocês têm trabalho a fazer na cidade.
— Ligue para nós e estaremos de volta aqui em um fodido instante. – V socou seu peito. — Especialmente se ele acordar.
Na mesma nota, Rhage encarou aquela cara de bunda feia e o imaginou erguendo as pálpebras. O bastardo estava acordado ali dentro? E não do tipo “saltando e atacando”,
mas tipo consciente no meio do coma.
O FDP sabia em que tipo de problemas estava metido? Ou a falta de consciência era a última porção de misericórdia que seu destino estava lhe dando?
Não é problema meu, Rhage pensou enquanto dava uma última olhada em volta, procurando as urnas que tinha trazido aqui e colocado nas prateleiras, as representações
de suas próprias mortes. Tantas. Ele esteve nesta guerra há tanto tempo... Tanto que se lembrou de quando Wrath se recusou a liderar, e a única vez que a Irmandade
vinha a esta montanha era para entregar esses recipientes nas prateleiras.
Tanta coisa tinha mudado, pensou.
Agora, não só todos eles estavam vivendo na mansão cara de Darius, mas tinham novos membros da Irmandade. John Matthew e Blay como soldados. Uma equipe médica e
excelentes instalações. Todos sob o mesmo teto...
— ... do mais, dessa forma posso lixar as unhas.
Rhage se sacudiu de volta ao foco, conforme a voz de Lassiter registrava.
— Espera, o que?
— Só estou brincando. – O anjo riu. — Eu diria que nós te perdemos. Sonhando com o que vai ter na Última Refeição? Sei que eu estou. Três suposições, e as duas primeiras
que não tiverem carne nelas não contam.
— Você é insano. – Disse Rhage. — Mas gosto disso em um amigo.
Lassiter colocou o braço em volta dos ombros de Rhage e levou-o até o portão.
— Você tem tão bom gosto. Já mencionei isso ultimamente?
Depois que todos, exceto Z e Phury, saíram, Vishous fechou as barras e trancou tudo. Então todos eles ainda ficaram ali por um momento. A fina malha de aço que estava
enrolada em torno da barreira e soldada no lugar impediria Phury e Z de ficarem livres. E não era como um balão murcho.
Se algo desse errado lá dentro, eles não poderiam sair.
Mas Rhage disse a si mesmo, assim como provavelmente o resto de seus irmãos, que não havia maneira de Xcor ser outra coisa senão um objeto inanimado num futuro previsível...
E mesmo se ele voltasse, estaria fraco demais para partir pra ofensiva.
Ainda assim, Rhage não gostou disso.
Mas essa era a natureza da guerra. Ela te colocava em circunstâncias que você odiava.
Quando uma vibração sutil disparou no bolso de Rhage, ele franziu o cenho e pegou seu telefone. Quando viu quem era, aceitou a chamada.
— Mary? Tudo bem?
Havia estática por que a recepção estava uma merda, então correu pra entrada da caverna. Quando saiu para o ar frio da noite, pôde ouvir muito bem... E enquanto
sua companheira falava um pouco, ele fez uma série de hum hum e assentiu embora ela não pudesse vê-lo. Então terminou a ligação e olhou para seus irmãos, que estavam
todos agrupados em torno dele como se estivessem se perguntando se havia algo de errado.
— Cavalheiros, preciso ajudar Mary por um instante. Encontro vocês na centro?
V assentiu.
— Cuide do que precisa. Apresente-se quando estiver pronto para entrar no campo e vou te dar um relatório de status e uma atribuição.
— Entendido. – Disse Rhage antes de fechar os olhos e começar a se concentrar.
Falando sobre não saber onde você estava indo parar.
Enquanto desmaterializava, nunca teria esperado estar se dirigindo para onde ele estava indo. Mas não estava disposto a falhar com sua shellan.
Agora ou nunca.
Uma reunião um pouco simples para doze, Assail pensou enquanto era introduzido na sala de tonalidade amarelo limão que ele gostou tanto na noite anterior.
Enquanto seu nome era anunciado pelo mesmo mordomo uniformizado que ali o tinha acolhido, deu um passo a frente para que seus dois primos pudessem ser apresentados
da mesma forma aos outros nove vampiros no salão. Ou, mais precisamente, as oito fêmeas e um macho.
Que não era o companheiro de sua anfitriã.
Não, a outra entidade com um pau e bolas não era velho, enfermo ou desconhecido. Na verdade, surpresa, surpresa, era Throe, o belo e desonrado ex-aristocrata que
fora anteriormente um membro do Bando de Bastardos, mas que agora estava evidentemente fazendo algum tipo de retorno às nocivas dobras aveludadas da glymera.
Em um smoking que se encaixava perfeitamente, por assim dizer. Um que era tão caro quanto o do próprio Assail.
Mais algumas apresentações, e Naasha atravessou a sala com seu vestido de cetim preto fluindo como água sobre seu corpo à noite.
— Querido. – Ela disse para ele estendendo suas mãos pálidas. Em seus dedos, diamantes faiscavam e brilhavam com tanto charme e falta de calor quanto sua proprietária.
— Você está atrasado. Estávamos esperando.
Enquanto ela fazia uma reverência, ele se curvou.
— Como tem passado? – Mesmo que ele não se importasse. — Você está parecendo bem o suficiente.
As sobrancelhas dela contraíram no quase elogio.
— Assim como você, a propósito.
Assail deliberadamente acariciou as costas do sofá.
— Estes são meus primos, Ehric e Evale. Talvez você possa nos apresentar a seus outros convidados?
Os olhos de Naasha queimaram conforme ele penetrava a lacuna entre as almofadas com o dedo indicador.
— Ah sim. Com certeza. Estas são minhas amigas mais queridas.
As fêmeas vieram à frente uma por uma, e elas eram muito previsíveis, envaidecidas e embelezadas em vestidos que foram feitos precisamente para seus corpos, e joias
que foram compradas ou ganhadas para adornar a preciosa carne das filhas nobres. Duas louras. Outro de cabelos negros. Três com mechas castanhas. E uma com cabelo
branco e espesso.
Para ele, elas eram simplesmente variações de um tema que o entediava cem anos atrás... E era perfeitamente possível que, enquanto ele ainda estava no País Antigo,
tivesse acasalado com algumas de suas ancestrais ou até mesmo parentes mais próximas.
— E este é, – Naasha varreu a mão em direção ao canto mais afastado — meu amigo especial, Throe.
Assail sorriu para o macho e foi em direção a ele. Conforme oferecia sua mão, manteve a voz baixa.
— Mudança de companhia. De Bastardo a pedigree. Temo que sem muita melhoria.
Os olhos de Throe eram afiados como punhais.
— Um retorno às minhas raízes.
— É realmente possível voltar depois de uma deserção? Tão significativa como a sua foi, de qualquer modo.
— Minha linhagem nunca mudou.
— Mas seu caráter deixa um pouco a desejar, não é?
Throe se aproximou.
— Isto vindo de um traficante de drogas?
— Homem de negócios. E como eles chamam machos como você? Gigolôs? Ou possivelmente o termo "prostituto" é suficiente.
— E por que você acha que está aqui? Certamente não pelo prazer de sua companhia social.
— Ao contrário de você, não preciso cantar pelo meu jantar, posso comprá-lo eu mesmo.
Naasha falou, sua voz enchendo a sala.
— Vamos interromper para nossa refeição?
Enquanto o mordomo abria um par de portas duplas para revelar uma mesa de jantar tão resplandecente quanto qualquer cenário da realeza, humano ou não, Naasha entrelaçou
o braço no de Assail.
Em um sussurro, ela disse:
— Vamos ter sobremesa lá embaixo. Na minha sala de jogos.
Normalmente não teria ficado impressionado por essa descarada “sou uma menina má” e teria feito um comentário de forma adequada. Mas tinha outras prioridades.
Throe tinha desertado dos Bastardos? Ele estava se infiltrando na glymera através de uma abertura disponível... Ou três... Com uma visão direcionada e arquitetada
ambiciosamente contra a coroa?
Assail certamente descobriria.
— Estou ansioso para o que será servido. – Ele murmurou acariciando sua mão.
Mesmo se os doces a serem consumidos fossem temporariamente ele e seus primos.
Afinal de contas, orgasmos eram tão bons quanto uma moeda qualquer... E estava certo de que Naasha e suas “queridas amigas” estavam livres para a compra nesse sentido.
Capítulo VINTE E NOVE
— Muito obrigada por ter vindo. Eu esperava que pudéssemos conversar sobre...
Enquanto Jo Early ensaiava o diálogo consigo mesma, misturou um pacotinho de açúcar mascavo em seu cappuccino, desmanchando o bonito coração marrom e branco desenhado
na espuma.
A cafeteria “I've Bean Waiting” era a versão indie de Caldwell do Starbucks, um local de teto alto e paredes estreitas, com cadeiras e sofás acolchoados, várias
mesinhas desiguais, e baristas a quem era permitido usar suas próprias roupas debaixo de seus aventais pretos. Ficava a uma galeria de distância da galeria onde
ficava a imobiliária, uma viagem rápida para se fazer ao final de um dia de trabalho longo demais, para seu patrão lindo demais e distraído demais.
Hoje ele vestia um terno cinza escuro. Com camisa branca e uma gravata borboleta azul acinzentada e preta, que nele ficava tão longe de nerd quanto os sapatos Gucci.
Dando um gole na beirada da grande caneca branca, ela testou novamente seu pequeno discurso.
— Obrigada por vir me encontrar. Eu sei que parece estranho, mas...
— Jo?
Assustada, ela quase virou o cappuccino sobre si mesma. O homem em pé ao lado de sua mesa tinha cerca de um metro e oitenta e dois de altura, cabelos escuros desgrenhados,
óculos de armação preta e usava calça jeans justíssimas de botão, jaqueta frouxa em tom terroso, o estilo de roupas de hipsters que ela esperaria ver em alguém dez
anos mais jovem. Mas em William Elliot tudo aquilo funcionava.
Voltando à realidade, ela disse:
— Oi, sim, olá, Sr. Elliot...
— Pode me chamar de Bill. – Ele olhou na direção do balcão da cafeteria. — Deixe-me pegar um latte, pode aguardar dois segundos?
— Claro. Por favor. Ah, obrigada. Digo, que ótimo. Boa sorte. – Merda — Desculpe.
Bill franziu o cenho e sentou-se, retirando do pescoço um cachecol verde oliva e desabotoando o casaco de feltro marrom.
— Há algo errado com minha casa ou algo assim?
— Oh, não. – Ela jogou o cabelo para trás. — E eu não quis te trazer aqui sob falsos pretextos...
Só que ela meio que tinha.
— Olha, sou um homem casado e feliz...
Jo ergueu ambas as mãos.
— Não, Deus, não... É sobre... Na realidade, um artigo que você escreveu há quase um ano, em dezembro? Sobre Julio Martinez. Na época, ele foi preso no centro por
causa de uma briga de rua.
As sobrancelhas de Bill se levantaram acima dos óculos.
— O cara da gangue.
— Isso mesmo, o que foi ferido e apreendido naquele restaurante abandonado.
Quando o repórter silenciou, Jo quis chutar o próprio traseiro. Ela devia saber que não devia se meter nas besteiras de Dougie – mais ainda, devia evitar que qualquer
outra pessoa fosse atingida por aquela besteira.
— Sabe o que? – Disse ela. — Passei da linha. Não devia ter pedido pra você...
— Exatamente o que quer saber sobre o artigo?
Ao fitar o olhar estreitado de Bill, todo mundo e tudo o mais no café desapareceu; os sons do vapor chiando e das máquinas de coar café, as conversas, o pessoal
entrando e saindo, tudo ficou difuso. E não porque os dois estivessem dividindo um momento romântico.
— Você já viu o vídeo do YouTube onde o Julio aparece? – Perguntou Jo. — E o que ele disse?
Bill desviou o olhar.
— Sabe? Acho que vou pegar aquele latte.
O repórter se levantou e foi até o balcão. Quando o chamaram pelo nome, seguido por um: “o de sempre?” ela se perguntou se seria mesmo verdade que todos os escritores
eram movidos a cafeína.
E era estranho, este lugar não ficava perto do trabalho dele, nem da casa. Talvez tenha morado naquela área antes?
Bill voltou com uma caneca alta que parecia mais caneca de cerveja do que uma coisa onde se punha leite, e quando se sentou de novo, ela pode perceber que ele tinha
usado o intervalo para organizar os pensamentos.
— Você viu os vídeos. – Disse ela.
O homem meneou a cabeça lentamente.
— Entrevistei Julio quando ele saiu em condicional, como parte de uma série de artigos sobre o aumento da violência relacionado a gangues no centro. A maior parte
daqueles garotos, e ele era só um garoto... É um, digo, muitos deles não falam nada quando abordados. E se falam? É só para se gabar sobre território, a versão deles
de código de honra, seus inimigos. Julio não estava interessado em nada daquilo. Ele ficava falando sobre...
— Um vampiro. – Por algum motivo, o coração dela disparou. — Era nisto que ele insistia, não era?
— É.
— Mas o seu artigo não menciona nada disso.
— Deus, não. Eu não quero que meu editor ache que sou maluco... Mas vi aqueles vídeos depois de uma pesquisa online. Passei cerca de três dias sem fazer nada além
de assistir àquelas coisas a noite toda. Minha esposa achou que eu tinha enlouquecido. Setenta e duas horas depois, passei a desconfiar do mesmo.
Jo se inclinou à frente, o cotovelo empurrou o seu copo até ela ter de afastá-lo antes que caísse no chão.
— Olha... Quais as chances de Julio ter mesmo visto algo? E se me permite aproveitar este momento, eu não creio que acabei de perguntar isto.
Bill deu de ombros e provou seu latte. Ao pousar a caneca alta de volta à mesa, ele meneou a cabeça um pouco mais.
— A princípio achei que era loucura. Quero dizer, sou fã de fatos... É por isto que quis ser jornalista, mesmo com o mercado tão saturado. Mas depois de ver todas
aquelas postagens? Eu só... Há uma horrorosa porção de coisas sobre ocorrências como estas em Caldwell. Se você avaliar conteúdos similares, mesmo por cima pelos
Estados Unidos inteiro, é assombrosa a quantidade dos que se concentram aqui no código 158. É claro, existem os lunáticos em qualquer lugar, tipo caçadores de fantasmas
e coisas assim. Mas em se tratando de vampiros, especificamente, é tipo... – Ele riu e olhou para ela. — Desculpe, estou divagando...
— Não está não.
— Parece que sim. – Ele deu outro gole em sua caneca. — Por que pergunta?
Jo deu de ombros.
— A noite retrasada, um amigo meu achou ter visto uma coisa. Ele conseguiu gravar um vídeo que publicou online... Mas o que ele disse que viu é totalmente impossível,
e também tinha droga envolvida nesta parte. Ele me levou para o colégio abandonado de garotas...
— Brownswick?
— Este mesmo. – Jo esfregou o nariz, embora não estivesse coçando. — Ele me levou lá na manhã seguinte para me mostrar os destroços de algum tipo de grande luta
ou algo assim. Não havia nada... Pelo menos, não exatamente. E eu não ia perder mais do meu tempo com isso, mas estava entediada a noite passada... Pesquisei um
pouco online... Tipo o que você fez. E foi assim que encontrei as coisas sobre o Julio.
Bill praguejou.
— Eu não devia pedir...
— Você quer ver a gravação?
— Maldição.
Quando Bill silenciou, Jo recostou-se na cadeira e deixou o homem decidir sozinho. E sabia exatamente como ele se sentia. Ela mesma não era fã de assuntos sobrenaturais
ou de pessoas que fingiam que eles existiam.
O problema era, ela não conseguia deixar isto para lá.
— Deixe-me ver. – Murmurou ele.
Jo pegou seu celular, localizou o vídeo e virou a tela para ele. Quando ele pegou seu celular e assistiu ao videozinho de Dougie, ela observou atentamente as contrações
em seus músculos faciais.
Ao acabar, ele lhe devolveu seu iPhone. Então verificou o relógio. Depois de um momento, ele perguntou.
— Quer dar uma volta?
— Sim. – Disse ela, levantando-se. — Quero.
Mary estava determinada a ser cuidadosa com as palavras.
Enquanto esperava Rhage chegar ao Lugar Seguro, perambulou pela sala de estar da frente desviando dos sofás confortáveis e cadeiras estofadas, endireitando o desenho
emoldurado feito por uma das crianças que estava torto, afastando as cortinas de vez em quando, mesmo que seu hellren ainda não tivesse enviado a mensagem de texto
dizendo que tinha chegado.
Apesar de estar sozinha, na definição convencional, sua cabeça estava cheia de substantivos e verbos, adjetivos e advérbios.
E no entanto, mesmo com uma variedade incontável de combinações de palavras à sua disposição, continuava presa na terra da tabula rasa11.
O problema era estar procurando evitar outro desastre como o que tinha acontecido na clínica de Havers e, infelizmente, não dava para saber o tempo inteiro onde
as minas terrestres estavam enterradas. E o que teria de dizer a Bitty não era...
— Srta. Luce?
Desviando o olhar da janela, forçou-se a sorrir para a garota.
— Você desceu.
— Não entendi por que estamos esperando.
— Pode vir aqui um minutinho?
A garotinha vestia o casaco preto mais feio do mundo. Era duas vezes maior que ela, com a parte inferior enfeitada com penas, e remendado com várias costuras diferentes,
tufos de branco e cinza escapando ao redor da costura. Claramente a coisa foi feita para garotos de doze a quinze anos, e ainda assim Bitty recusou um novo, mesmo
que houvesse casacos novos e usados para escolher de todas as cores e estilos no salão dos fundos.
Uma sensação de cansaço se abateu sobre Mary, como se alguém tivesse se esgueirado por trás dela com algum tipo de cota de malha e jogado a coisa por cima do seu
ombro: a garota não aceitava um brinquedo ou a droga de um casaco... E Mary pensou que havia uma chance dos infernos de que Bitty se abrisse ao menos um pouco? Sobre
os eventos mais traumatizantes de sua vida?
Precisaria de sorte naquilo.
— Sente-se. – Instruiu Mary, apontando para uma cadeira. — Precisamos conversar.
— Mas você não disse que podíamos ir?
— Sente-se. – Está bem, talvez devesse suavizar aquele tom de voz. Mas estava tão frustrada com a situação que sentia-se a ponto de gritar. — Obrigada.
Quando Bitty olhou para ela da cadeira onde estava, Mary desistiu de amenizar qualquer coisa. Não por que quisesse ser cruel, mas por que não havia outro jeito de
verbalizar este tipo de coisa.
— A gente pode ir até sua antiga casa.
— Eu sei, você disse.
— Mas não podemos ir sozinhas. – Quando Bitty pareceu a ponto de soltar um por quê? Mary adiantou-se ao protesto. — Não é seguro. Somos responsáveis pelo seu bem-estar,
e nós duas passarmos um tempo sozinhas em uma propriedade que foi abandonada em uma área humana da cidade simplesmente não vai acontecer. Isto não está aberto a
negociação.
Mary preparou-se para uma discussão.
— Tudo bem. – Foi a única resposta que obteve.
— É meu hellren. – Naquele momento, seu celular emitiu um bing! — E ele chegou.
Bitty ficou sentada na cadeira com o estofamento estampado de flores, e a manta jogada sobre o encosto e a luminária de pescoço longo que espiava de um lado como
se a coisa estivesse certificando-se de que todos os moradores ali estivessem bem.
— Ele é um dos membros da Irmandade da Adaga Negra e eu confiaria minha vida a ele. E a sua. – Mary quis se aproximar, ajoelhar, tomar a mão da garota. Mas permaneceu
no lugar. — Ele vai nos levar até lá e nos trazer de volta.
E ele já tinha ido checar a casa.
A propósito, era bom que ele não estivesse ali para dizer que a coisa foi destruída completamente. Ou saqueada. Provavelmente devia ter lido as mensagens de texto
primeiro.
— Não tem outro jeito. – Mary olhou disfarçadamente para o celular, a mensagem de Rhage só dizia que ele já estava lá para quando estivessem prontas. Então devia
ser um afirmativo. Desde que Bitty ainda quisesse ir... — Você não precisa ir, mas se decidir que ainda quer, só vai ser possível se ele for junto. A escolha é sua.
Ela não olhou Mary diretamente nos olhos ao se levantar e andar até a porta da frente. E quando Mary olhou para a garota, algo disparou no fundo de sua mente. Mas
não houve tempo para avaliar o que era.
Somente membros da equipe tinham permissão para destrancar as portas e Mary digitou uma senha no teclado à esquerda dos painéis pesados. Houve um ruído e uma movimentação,
e então pode abrir a porta. Movendo-se para o lado, esperou que Bitty passasse, e então fechou e voltou a trancar a porta.
Rhage estava de pé nos limites da propriedade, na faixa de grama bem cortada à direita. A luz da lua fazia seus cabelos louros cintilarem na escuridão, mas não destacava
em nada o preto de suas calças e jaqueta de couro.
Graças a Deus, aparentemente ele tinha mantido as armas escondidas.
Bitty cambaleou pelos degraus, os pés tropeçando sobre obstáculos que sem dúvida havia em sua mente e certamente não no concreto. Mas manteve o queixo erguido, mesmo
que o olhar se mantivesse ao nível do chão.
Enquanto domava o impulso de pousar a mão sobre o ombro da garotinha, ela sentiu aquele lampejo no fundo de sua mente de novo – mas estava preocupada demais com
como aquele encontro correria para se preocupar com isto.
Mas Rhage foi perfeito. Ele não se mexeu até elas chegarem perto dele. Manteve as mãos visíveis e baixadas aos lados de seu corpo. Inclinando um pouco a cabeça,
como se fazendo de tudo para parecer mais baixo.
O que era uma batalha totalmente perdida, mas muito fofo da parte dele.
Bitty parou uns bons três metros de distância e pareceu se encolher naquele casaco horrível.
Enquanto isto, Mary deliberadamente se aproximou de Rhage e tomou suas mãos ao se virar de volta.
— Bitty, este é meu marido. Digo... Hellren. Rhage, esta é Bitty.
Sem motivo, a voz de Rhage fez o centro do coração de Mary doer ao dizer gentilmente.
— Oi. Prazer em conhecê-la.
Bitty só encarou os sapatos, o rosto imperscrutável. O que era mais ou menos sua operação de procedimento padrão, como os Irmãos diriam.
— Está bem. Então... – Mary olhou pelo gramado. — Vamos para o Volvo...
— Na verdade, é melhor irmos com o meu carro. – Rhage interrompeu.
— Ahh...
Rhage apertou sua mão.
— Precisamos ir no meu carro.
Ao olhar para o rosto dele, ela respirou fundo. É claro. Ele carregava armas no porta-malas, armas que estava disposto a usar em adição ao que trazia sob aquela
jaqueta... E não era como se pudesse ser fácil ou discreto transferir um carregamento de armas para o Volvo.
— Tudo bem. – Mary acenou na direção do GTO. — Bitty, está pronta para irmos?
Quando Mary caminhou adiante, a garotinha se arrastou atrás deles, mantendo certa distância.
— Então este é meu carro. – Rhage disse ao chegarem ao carro. — Deixa eu destrancar aqui e Mary vai poder te ajudar a subir atrás, está bem? Só tem duas portas,
desculpe.
Mary esperou Rhage destravar as portas e dar a volta para o outro lado antes de tentar colocar Bitty no banco de trás. Talvez a garota preferisse sentar-se na frente?
Só que aí ela ficaria ao lado de Rhage.
Não, atrás era melhor.
Segurando o banco inclinado pra frente, Mary olhou por cima do ombro.
— Venha, Bitty... Eu sento atrás tam...
Não houve razão para terminar. A garota não estava ouvindo. Não estava nem mesmo olhando na direção de Mary.
Merda.
Capítulo TRINTA
Pela maior parte das suas noites no planeta, Rhage era apenas vagamente ciente do quanto era grande. Mas naquele momento, mesmo estando ao lado de uma máquina de
aço de cento e vinte quilos, ele se sentiu um enorme pesadelo gigante.
E oh meu Deus, aquela criança tinha olhos assombrados.
Enquanto Rhage esperava que Bitty dissesse algo, qualquer coisa, em resposta à Mary, não podia evitar medir o quanto a menina era mais alta do que a lembrança que
ele tinha dela naquela noite horrível do resgate. Não que ele tivesse passado muito tempo com ela – estava ocupado demais lutando para ter mais do que uma lembrança
embaçada da sua figura pequenina de cabelos castanhos se encolhendo nos braços de sua mãe.
Cara, queria desenterrar aquele pai dela só pra que pudesse matá-lo de novo.
— Bitty? – Mary chamou. — A gente deveria ir ou voltar para dentro.
Rhage estava preparado para esperar ali fora a noite toda se isso fosse o que precisaria para a criança se decidir, mas sua companheira tinha razão. Esse era um
bairro seguro – relativamente falando. O que queria dizer que era bem melhor do que aquele ninho de lessers que eles atacaram na escola preparatória, mas não tão
seguro quanto o interior da casa.
— Bitty?
E foi aí que a menina olhou pra ele pela primeira vez.
Não houve nenhum movimento da sua cabeça, nenhuma mudança de expressão, mas de repente a luz da lua refletiu propriamente nos seus olhos e eles faiscaram.
Mais tarde... Rhage refletiria que aquele milésimo de segundo foi um dos dois momentos definidores em sua vida.
O outro foi escutar a voz de Mary pela primeira vez.
— É mesmo seu carro?
Rhage piscou. E teve que fazer uma pausa num momento para ter certeza de que tinha escutado a pergunta direito.
— Ah, sim. Sim, este carro é meu.
Bitty andou até o capô e estendeu sua mão pequenina até o corpo brilhoso e macio do GTO.
— É tão bonito.
Rhage olhou para Mary – que parecia igualmente desconcertada.
— A, oh, a pintura é customizada.
— O que isso significa?
— Que foi feita especialmente para ela.
Bitty ergueu os olhos pra ele em surpresa.
— É uma garota?
— Oh, sim. Sexy... Quer dizer, quente... Ahm, potentes, são sempre garotas. É por isso que você precisa cuidar delas como elas merecem.
— Carros potentes?
— É assim que a chamam. Ela é um GTO. Quando eu a consegui era um desastre, mas eu a reformei, trouxe de volta à vida. Ela é velha, mas arranca as portas de qualquer
Porshe na estrada.
Quando Mary começou a fazer movimentos com as mãos para entrarem logo, ele se calou.
Exceto que então Bitty perguntou:
— O que é um carro potente? O que significa arrancar as portas?
— Bem... Gostaria de escutar o motor dela? Estou avisando, é barulhento, mas é assim que deveria ser mesmo. Tem muitos cavalos debaixo desse capô.
Bitty se encolheu, e sim, ele teve a exata impressão do quanto ela era protegida, o quão pouco do mundo ela fora exposta.
— Tem cavalos no seu carro?
— Aqui. – Ele falou erguendo as chaves. — Eu vou ligar e acelerar um pouco. Mas você talvez queira cobrir os ouvidos, ok?
Bitty concordou e colocou as palmas sobre as duas orelhas como se seu crânio estivesse a perigo de se soltar da espinha.
Abrindo sua porta, Rhage entrou, colocou o pé esquerdo na embreagem, certificou que estava em ponto morto e enfiou a chave no lugar. Um giro e um pouco de gasolina...
VROOOM! – rhumm, rhumm, rhumm-rhumm-rhumm, VROOOM! VROOOM! – rhumm, rhumm, rhumm-rhumm-rhumm…
Bitty andou até a frente do carro enquanto ele continuava a acelerar. Após um minuto, ela lentamente abaixou os braços e inclinou a cabeça para o lado.
Acima do barulho, ela gritou:
— Mas onde estão os cavalos?
Pisando forte no freio, ele se inclinou pra fora.
— É o motor! – Ele falou alto. — Quer ver o motor?
— O quê?!
— O motor! – Alcançando a marcha, puxou o freio de mão e ficou de pé.
— Deixa eu te mostrar.
Ele teve cuidado em não se mexer rápido demais quando foi até a garotinha, e estava muito consciente do modo em que ela colocou as mãos nos bolsos de sua parka grande
demais e deu dois passos para o lado para manter uma distância entre eles dois.
Liberando a segunda tranca bem na frente, ele abriu o capô liberando um doce e quente bafo, que era óleo limpo e gasolina fresca combinados.
Bitty se inclinou pra frente e parecia estar inspirando.
— Isso cheira bem.
Eeeeeee esse foi basicamente o momento em que ele se apaixonou pela menina.
Quem teria pensado que Rhage seria o encantador de Bitty, Mary se maravilhou enquanto assistia o enorme Hulk que era seu marido, e o corpinho da garota inclinados
sobre o motor que fazia mais barulho que um jato de combate.
Enquanto Rhage apontava para várias coisas, não tinha como escutar o que ele estava dizendo naquele barulho, mas as palavras, os termos técnicos, as explicações
não importavam.
O fato de que Bitty acabou ficando ao lado dele era tudo com que Mary se importava.
E, oh, nossa. Se ela já amava o macho antes? Isso o colocava direto no território do céu.
Qualquer caminho de entrada, Mary pensou. Qualquer coisa que pudesse abrir a garota, chegar até ela, alcançá-la de alguma maneira.
Sim, desejou que de algum modo tivesse sido ela a fazer a conexão. Não que gostasse de admitir tal coisa. Afinal de contas, o que podia ser mais egoísta, mesquinho
e feio do que se sentir desapontada por não poder ser a salvadora? Mas esse era um mero pensamento passageiro. Mais do que qualquer coisa, estava relaxando na própria
pele de alívio por Bitty estar tendo uma conversa pelo que parecia a primeira vez desde que tinha chegado no Lugar Seguro.
Rhage ergueu o braço, agarrou o capô e o fechou gentilmente. Ele ainda estava falando enquanto guiava Bitty para a porta do passageiro que estava aberta, e enquanto
dava a volta, ele lançou em direção à Mary uma rápida encolhida de ombros questionando: Estamos bem aqui?
Mary respondeu anuindo o mais discretamente que conseguiu.
— ... claro que você pode. – Ele disse enquanto segurava o banco para trás e Bitty sentava no banco do motorista como se ela tivesse feito isso a vida toda. — Sempre
que quiser.
Mary se sacudiu entrando em foco.
— Desculpe, o que? O que foi?
Bitty sentou mais pra frente e espiou pra fora.
— Ele disse que posso dirigir mais tarde.
Enquanto Mary destrancava a mandíbula e se retraía, Rhage lhe deu um beijo rápido na bochecha.
— Vai ficar tudo bem. A gente só vai até um estacionamento vazio em algum lugar.
— Você pode vir com a gente. – Bitty disse. — Se fizer você se sentir melhor.
Mary olhou entre um e outro.
— Você pode... Ah, você ao menos consegue alcançar os pedais? E ela é tão poderosa...
— Bitty vai se sair bem. Vou conseguir blocos para o volante se eu não conseguir levantar o bastante o banco.
— Ele diz que garotas podem fazer qualquer coisa. – Bitty olhou para Rhage. — Ele diz que garotas são... Poderosas.
— É. – Rhage concordou com a cabeça. — É por isso que os carros mais rápidos e melhores...
— ... são sempre garotas. – Bitty terminou para ele.
Tudo que Mary podia fazer era um pouco mais daquele movimento de um lado para o outro com a cabeça, enquanto os dois claramente esperavam sua benção.
— Vamos ver. – Ela murmurou enquanto aproveitava a pequena nota mental para ter cuidado com que desejava.
— Por favor? – Bitty pediu.
— Qual é, Mary...
Enxotando Rhage do caminho, ela colocou o assento do passageiro de volta na posição e entrou.
— Eu não estou dizendo “sim”, mas se você for ensiná-la a dirigir eu absolutamente vou junto com vocês.
— Sim! – Rhage ergueu um punho bombeando o ar. — Isso é um sim, Bitty, nós conseguimos.
— Oba!
Oh meu Deus. Aquela garota estava sorrindo?
Praguejando, Mary fechou a porta – e podia jurar que Rhage estava saltitando em volta do carro. Mas aí ela teve que ficar séria.
Virando e se encaixando no espaço entre os assentos, ela falou rapidamente:
— Você está bem com isso? Com ele? E eu tenho que perguntar. É importante.
Bitty não hesitou.
— Eu gosto muito dele. Ele é tipo... Um cachorro grande e amigável.
Enquanto Rhage entrava no carro e fechava seu lado, Mary começou a sorrir e virou o rosto para encarar o pára-brisa para que talvez não ficasse tão notável.
Mas não conseguiu resistir e esticou o braço dando um aperto no ombro do seu homem.
E então os três se foram.
Capítulo TRINTA E UM
No Internato para Garotas Brownswick, Vishous estava inquieto pra cacete ao se esgueirar por outra sala de aula abandonada. Com a arma erguida e pronta para atirar,
e as costas retas contra o reboco desabado, escrutinou as cadeiras de pernas para cima sobre os seus tampos para escrita em formato de meia-lua... A grande escrivaninha
perto da lousa... Os destroços no canto, onde parte do teto tinha desabado.
— Maldição.
Seguindo para a sala ao lado, só encontrou mais do mesmo: ar frio, umidade antiga, entulhos, móveis quebrados, instalações elétricas com lâmpadas fluorescentes dependuradas
como dentes quebrados... E absolutamente nenhuma porra de urna de lesser.
Os assassinos tinham se abrigado em algumas das salas, geralmente nos dormitórios com colchões, chuveiros e janelas que não estavam totalmente destruídos – mas depois
de não localizar nenhuma urna em nenhum daqueles cômodos, ele e Tohr passaram a investigar as demais dependências.
Já que todos os lessers mantinham suas urnas depois de suas induções, a única conclusão era que o Ômega tinha levado todos os corações com ele quando deu uma de
empregada de limpeza no campus, na noite retrasada.
Aquele fodido.
Virando a cabeça para o lado, acionou seu aparelho de comunicação ao falar
— Nada aqui. Encontrou alguma coisa?
— Nada. – Tohr respondeu no aparelho acoplado ao ouvido de V. — O Ômega deve ter retirado todos.
— É... Fodido inferno.
Por baixo de suas botas, as porcarias que estavam sobre o chão de madeira estalavam ruidosamente, mas não havia mesmo necessidade de silêncio total. E quando a imagem
do Ômega em um uniformezinho de empregada francesa e meia arrastão fez V expor as presas no escuro, ele...
Congelou onde estava.
Voltou a cabeça para a direita.
Olhou através de duas das três venezianas que não estavam totalmente destruídas na direção da faixa de asfalto atrás do prédio.
Faróis atingiram a sala de aula, enviando um brilho de luz à concha apodrecida da escola preparatória, antes de passar sobre seu corpo coberto de couro.
Quando a coisa se extinguiu, ele desmaterializou até o vidro.
Um carro tinha se aproximado e estacionado, e no brilho da luz do interior da cabine, pode ver que lá dentro havia um homem de cabelos escuros e uma mulher ruiva...
Oh, interessante, pensou ao detectar a presença dela.
— Temos companhia. – Disse no comunicador.
— E esta é minha sala especial.
Quando Naasha parou em frente a uma porta de masmorra feita de carvalho espesso como tronco de árvore e dobradiças grandes como o bíceps de um macho, era de se jurar,
baseando-se em sua afetação, que ela estava a ponto de revelar uma maravilhosa aquisição, talvez um quadro de pintura a óleo ou uma estátua de mármore, um carro
antigo ou um serviço de mesa de prata de lei.
Mas não era nada disso...
Com um rangido que ele supunha ser mantido de propósito ao invés de resolvido com óleo, uma câmara vermelho sangue foi revelada. Iluminada por tochas que chiavam
em paredes de pedra, e adornada com faixas de veludo e cetim que eram como cortinas sem janelas, não havia móvel algum, exceto por camas sem travesseiros ou cobertores,
somente colchões, cobertos com lençóis justos.
Naasha entrou primeiro, e quando virou de braços bem abertos, como se exibindo uma paisagem grandiosa, os olhos dela buscaram os seus. Atrás dele, houve um chilrear
excitado das fêmeas – e um aroma de excitação vindo de seus primos.
Throe permaneceu em silêncio.
Assail atravessou a porta. Contra a parede ao lado da porta havia uma série de estações de maquiagem, sem dúvida para que as fêmeas se recompusessem após as sessões,
e também uma série de ganchos para pendurar as roupas. Havia duas portas à esquerda, ambas pintadas no tom cinza escuro da pedra, uma com a palavra “Fêmeas” em letra
cursiva, a outra com “Machos” escrito em letras de forma.
— E agora é hora da sobremesa. – Naasha disse com voz rouca ao levar as mãos às costas e descer o zíper de seu vestido. — Eu me ofereço para ser consumida primeiro.
Quando o vestido caiu ao chão, seu corpo foi revelado em toda sua glória nua, seus seios empinados e firmes tão macios, seu sexo suave, nada mais que uma fenda entre
as pernas longas e torneadas. Ela manteve os diamantes e eles cintilaram como estrelas sob a luz da lua, e quando ela soltou seus cabelos do coque, os cachos escuros
formaram um contraste gritante contra sua pele bronzeada.
— Feche a maldita porta. – Assail mandou, sem olhar para trás.
Quando o ruído daquelas dobradiças anunciou que alguém tinha cumprido as instruções, deu três passos na direção dela. Bem de perto, observou os lábios cor de rubi
se separarem e os seios arfarem de antecipação.
Ele sorriu para ela.
Então a pegou pela nuca e rudemente levou-a para uma das camas. Os seios balançaram quando ele a empurrou de quatro, seu sexo exposto para todos eles, as pernas
não estavam separadas o bastante, então ele forçou mais os joelhos empurrando as coxas para abrirem mais. Seu núcleo brilhava de excitação, seu cheiro como perfume
no ar.
— Ehric, Evale. – Ele falou por entre dentes cerrados. — Livrem-se das armas.
Seus primos não perderam tempo e puseram-se a se despir, a pressa tanto devido à sua prontidão para acatar suas ordens como devido ao fato de não estarem com uma
fêmea há algum tempo.
Ambos estavam totalmente eretos quando fez um gesto para se aproximarem.
— Você. – Disse ele, apontando para Ehric. — Aqui.
Ele apontou para aquela fenda e seu primo estava lá em um instante, penetrando a fêmea por trás, os quadris investindo enquanto Naasha gemia e arqueava as costas.
E então tudo o que Assail teve de fazer foi menear a cabeça e Evale entrou na dança, rodeando a cama e abafando os gemidos e grunhidos da fêmea com sua anatomia
também avantajada.
— E agora você? – Alguém propôs a ele.
Quando uma das fêmeas esgueirou-se e colocou a mão em seu ombro, ele a reconheceu como a loura que tinha passado o jantar inteiro a encará-lo.
— Vamos aproveitar...
Ele severamente removeu seu toque.
— Entre na fila pelos meus primos.
Afastando-se um pouco, encontrou um banco perto dos banheiros para se sentar, e ao cruzar as pernas observou o show, as fêmeas se despindo e se tocando, corpos deitando
nas camas, cabeças e braços se entrelaçando com pernas e seios.
— Não vai me dizer que isto se deve a algum tipo de puritanismo de sua parte.
Diante dessas palavras secas, ergueu o olhar para Throe. O macho ainda estava totalmente vestido, mas a extensão que esticava o zíper de suas calças do smoking indicava
que seria por pouco tempo.
Assail expôs as presas em um sorriso.
— Nunca consegui gostar de fast food. É comum demais para meus apetites, por mais que tentem se fazer de nobres.
— Não é o que pareceu a noite passada. – Throe se inclinou para baixo e sorriu, também revelando seus caninos. — Acredito que você até que gostou do tempo que passou
na sala de estar.
— Diga-me, Xcor sabe de sua presença aqui?
Throe se inclinou para trás, estreitando o olhar de forma calculista.
— Para um homem de negócios, você parece curioso demais sobre coisas que não te dizem respeito.
— É só uma pergunta.
Ao fundo, alguém gozou violentamente e Assail olhou para lá. Ehric e Evale tinham trocado de posição, os dois agora fazendo dupla penetração no sexo bem usado de
Naasha, um por baixo dela, deitado de costas, o outro a penetrando por cima. Uma fêmea tinha se juntado a eles e a senhora da casa chupava um par de seios voluptuosos
de mamilos rosados.
— Xcor e eu demos um fim a nossa associação, por assim dizer.
Assail voltou a se concentrar no macho.
— A separação é tããããão dolorosa.
— Nossos interesses não estavam mais alinhados. Ele não queria abrir mão de sua busca pelo trono.
— É mesmo? – Assail avaliou cuidadosamente a expressão do macho buscando por sinais de tensão. — E faz quanto tempo que está aqui?
— Não sei. E não me importo. Passei um período longo e brutal na companhia de selvagens e agora anseio pelo que é civilizado do jeito que um homem faminto o faria.
— Mmmmm. – Disse Assail.
Levantando-se, ficou cara a cara com o outro macho – e ergueu a mão para tocar o nó cuidadoso da gravata de Throe.
Quando os olhos do macho arregalaram de surpresa, Assail empurrou aquele corpo contra a parede de pedra, segurando-o pela garganta.
Então se inclinou até encostar seu peito no dele, estendeu a língua e passou-a pelo lábio inferior de Throe.
Assail riu ao sentir o estremecimento que transpassou o corpo de sua presa e observou-o enquanto algum tipo de diálogo interno se desenrolava naquele rosto atraente
– o dito conflito sendo tão intenso que Throe falhou em camuflar sua reação.
— Você tem gosto de uísque. – Assail murmurou ao baixar a mão para agarrar aquela massiva ereção. — E parece faminto.
Throe começou a arfar, mais ou menos como Naasha. Mas ele estava congelado no lugar como se estivesse igualmente chocado pelas ações de Assail... Quanto pela sua
reação.
— Será que você... – Assail sussurrou com sua boca pairando a centímetros dos lábios de Throe. — Será que você está com fome... De sobremesa?
Um ruído esquisito foi emitido pelo macho, metade súplica, metade negação.
E então Throe golpeou os ombros de Assail, fazendo-o voar para trás e tropeçar em uma das camas.
Throe limpou a boca na manga de sua roupa e apontou o dedo na direção de Assail.
— Eu não curto isto.
Assail abriu as pernas para expor a excitação por trás de suas calças finas.
— Tem certeza?
Throe praguejou e virou-se para a porta. Ele sumiu no momento seguinte, sem dúvida pisando firme para seu quarto, seja lá onde for.
Assail se sentou e endireitou o paletó. Aquele ali seria divertido de domar.
E talvez no processo pudesse descobrir exatamente o que Throe estava fazendo aqui.
Ele sentia em suas entranhas que Wrath e Vishous tinham razão em se preocuparem com a glymera. Throe estava tramando alguma coisa – e descobrir o que, além de seduzir
o macho para fora de sua zona de conforto sexual, era exatamente o tipo de distração que Assail precisava...
Isso seria muito divertido.
Capítulo TRINTA E DOIS
Quando Bill Elliot estacionou seu Lexus atrás de uma indefinível construção da década de setenta, Jo abriu a porta e saiu lentamente. Dilapidação era o nome do jogo,
todo tipo de coisas podres e quebradas, e entulhos foram amontoados na lateral das salas, como espinhas no rosto de uma adolescente normal.
— Podemos dar a volta daqui até o centro do campus. – Bill estava ocupado recolocando ao redor de seu pescoço o cachecol que tinha tirado na cafeteria. — E você
pode me mostrar onde aconteceu.
Quando ela voltou a fechar a porta, franziu o cenho. Os cabelos de sua nuca eriçaram como soldados chamados à posição e olhou para as fileiras de janelas escuras.
Mas vamos lá, como se todo esse papo de vampiro não fosse mesmo agitar suas glândulas de adrenalina?
— Você vem?
— Oh, sim. – Ela foi na direção dele, e teve o absurdo desejo que ele fosse mais como o Rock do que um dos caras do The Big Bang Theory. — Então, você disse que
conhecia a escola?
— Minha mãe estudou aqui.
Mundo pequeno, pensou Jo.
— A minha também.
Seus passos chutavam folhas úmidas pra fora do caminho, mas não faziam nada pelos galhos caídos. Estes eles tinham de pular. E quando chegaram ao final do asfalto,
não houve nenhuma mudança real entre o número de coisas caídas na grama contra as do estacionamento.
— Que ano? – Perguntou Jo ao enfiar as mãos nos bolsos do casaco. — Digo, em que ano sua mãe se formou?
Porcaria, eles não tinham lanternas. Só os celulares.
Mas também, a lua acima brilhava forte, sem nada além de nuvens ocasionais para toldar o céu escuro.
— 1980.
— Quando a escola fechou?
— No final dos anos noventa. Não sei quem é o proprietário do terreno atualmente, mas é uma puta propriedade. Digo, por que não reformaram?
— Economicamente inviável. Primeiro, a área aqui não é comercial, e depois, alguns destes prédios devem ser patrimônio tombado, o que restringe a reforma para voltarem
a ser usados.
Bill olhou para ela.
— Esqueci que você trabalha no ramo.
— Faço dois anos mês que vem.
— Onde mesmo você disse que estudou? Ou não estudou?
Faculdade Williams. Graduação em Literatura Inglesa com especialização em História Americana. Aceita no programa de mestrado da Yale para Inglês, mas não conseguiu
bancar os custos sozinha.
— Nenhum lugar importante. – Ela olhou para ele. — Como sabia onde estacionar?
— Eu costumava vir aqui para pensar quando estava na SUNY de Caldie. Minha mãe tinha me falado deste lugar, e um dia vim de bicicleta e comecei a explorar. Não volto
aqui há muito tempo.
Eles rodearam a lateral do prédio, e bem como ele havia descrito, a área aberta do campus se descortinava à sua frente – que estava, sim, ainda marcada com grama
morta e esmagada.
— Jesus... – Disse Bill. — Que infernos?
— Marcas de plantação estilo Caldwell, certo?
Bill prosseguiu à sua frente e Jo se afastou um pouco – antes de ter de parar e olhar para trás.
Eles estavam sendo vigiados. Ela tinha certeza.
— Ei! Espere! – Ela chamou.
Quando correu a frente para alcançá-lo, ele disse.
— Preciso voltar aqui durante o dia com uma câmera.
— Talvez a gente deva ir agora...
— Olhe aquele depósito bem ali. – Ele apontou adiante. — O teto foi arrancado.
— Sabe, pensando bem, teria sido melhor vir durante o dia. Digo, não dá para ver nada... – Ela cheirou o ar. — Isto é cheiro de pinho?
— Das vigas quebradas. Este dano é recente.
E sim, ao se aproximarem dos destroços, pegou um dos pedaços de madeira partida e viu que os cortes eram todos recentes, o interior amarelo dos velhos troncos expostos.
E as telhas quebradas estavam por todo canto do abrigo, agora sem teto, atulhando o chão destruído...
O pé de Jo enroscou em algo e ela caiu para o lado quando seu tornozelo cedeu. Quando a terra ergueu-se para ampará-la, ela estendeu uma mão e usou como apoio, evitando
cair de cara no chão.
— Que infernos? – Murmurou ao olhar para o que prendeu o seu pé.
Isso não era uma pegada. Uma pegada gigantesca. Não.
— Você está bem? – Bill estendeu uma mão... Então se distraiu com o que ela tinha achado. — O que é isto?
— Estou bem, e não faço idéia. – Ela levantou sozinha e esfregou a sujeira das calças. — Sou só eu que acho ou isto tem mesmo cara de um episódio adulto de Scooby
Doo?
Bill pegou o celular e tirou algumas fotos com a ajuda do flash. Quando viu como as fotos saíram, praguejou.
— Não, definitivamente precisaremos voltar aqui à luz do dia.
Jo agachou e examinou o padrão afundado no chão com a lanterna de seu celular. A depressão era mais profunda e borrada de um lado, como se o que quer que a tenha
causado tivesse saído correndo mancando.
Bill meneou a cabeça.
— Será que seu colega... Dougie, acho que foi este o nome que você disse... Tem recursos?
Ela olhou para cima.
— Quer dizer, se ele poderia ter pagado para que isto fosse montado? – Quando o repórter anuiu, ela teve de rir. — Ele mal pode pagar os salgadinhos na larica. Não,
ele não faria isto, e até onde sei, não conhece ninguém que possa.
— Talvez isto tenha sido feito por um quatro rodas. – Bill abaixou-se também. — Escavando.
Nem fodendo, ela pensou.
— Mas e o telhado? – Jo meneou a cabeça para as paredes órfãs. — Não foi soprado pelo vento... Houve um pouco de chuva recentemente, mas nada nem próximo a um tornado.
E quanto a uma explosão? Nada parece queimado e não há cheiro de fumaça, o que se esperaria encontrar se tivesse havido uma bomba.
Bill encarou-a com firmeza.
— Quando você crescer, quer ser uma repórter investigativa?
— Tenho vinte e seis anos. Sob qualquer parâmetro, eu já cresci. – Embora dividir o aluguel com Dougie e os da laia dele pudesse contrariar um pouco aquela afirmação.
— Eu realmente acho que devíamos...
Quando ela parou de falar, Bill olhou ao redor.
— O que?
Jo buscou entre as sombras, seu coração começou a trovejar.
— Olha... Acho que precisamos ir. Eu realmente... Realmente acho que precisamos ir.
— Onde... Cadê minha casa?
Quando Bitty fez a pergunta do banco de trás do GTO, Mary se inclinou para a frente em seu assento – não que a mudança de posição tenha causado alguma mudança no
terreno vazio para o qual ela olhava.
— Tem certeza que este é o lugar certo? – Mary saiu do carro e segurou o banco para frente até Bitty se juntar a ela. — Há alguma possibilidade...
Rhage negou com a cabeça ao encontrar o seu olhar por cima do teto do carro.
— O GPS diz que este é o endereço certo.
Droga, pensou Mary.
— Ali está o leito de hera, – A garota estremeceu dentro do casaco. — Que minha mahmen plantou. E a macieira. E...
A casa deve ter sido condenada e demolida já há algum tempo, Mary concluiu, por que não restava nada, nem pilhas de madeira despedaçada, nem tijolos sujos de cinzas
da chaminé, só mudas e mato crescendo em seu lugar. A delimitação da entrada da garagem ainda era visível, mas não por muito tempo, já que a vegetação crescia desordenada.
Quando ela e Bitty avançaram, Rhage ficou alguns passos atrás, sua presença evidenciando uma fonte de conforto, pelo menos para Mary.
E então ela parou e deixou Bitty ir sozinha.
Sob a luz da lua, a garota caminhou pelo terreno, parando de vez em quando para observar a paisagem vazia.
A mão grande de Rhage pousou sobre o ombro de Mary e ela se inclinou na direção do corpo dele, sentindo seu calor. Era difícil não medir a propriedade vazia e desabitada
como evidência das perdas da garota.
— Eu me lembro da casa. – Disse Rhage suavemente. — Caindo aos pedaços. Lixo no quintal com um carro todo detonado.
— O que vocês fizeram com o corpo do pai? – Mary perguntou abruptamente. Nunca lhe ocorreu perguntar.
— Ele não estava, digamos, em boas condições quando o deixamos.
— O sol?
— É. Nós apenas o deixamos. A prioridade era tirar Bitty e a mãe. Quando voltamos na noite seguinte, havia uma marca chamuscada na grama. Foi isso. – Rhage praguejou
baixinho. — Estou te dizendo, aquele macho era louco. Estava pronto para matar qualquer coisa, qualquer pessoa que encontrasse pelo caminho.
— As radiografias dela provam isto. – Quando Rhage olhou para ela, Mary meneou a cabeça. — Um monte de ossos quebrados... Não que tenha ido a Havers toda vez que
eles aconteciam. Havers disse que por ela ser uma pretrans, os pontos de calcificação ainda serão visíveis até ela atingir a maturidade. Ele disse... Que estão por
toda parte.
Um grunhido sutil a fez levantar os olhos. O lábio superior de Rhage tinha recuado e suas presas estavam expostas, uma expressão que era de total proteção agressiva.
— Eu queria matar aquele filho da puta de novo.
Mary deu a Bitty tanto tempo quanto ela necessitava, ficando à distância com Rhage até a garota voltar para eles.
— Acho que minhas coisas se foram. – Bitty deu de ombros naquela parka velha e enorme. — Eu nem tinha muito.
— Sinto muito mesmo, Bitty.
— Eu estava esperando... – A garota olhou para trás, de volta para onde a casa esteve. — Estava esperando poder pegar algumas de minhas antigas roupas e livros para
levar para a casa do meu tio. Não quero ser um fardo para ele. Não quero que me mande embora.
Rhage emitiu um pequeno som de tosse.
— Então você e eu podemos sair para comprar o que você quiser. Qualquer coisa que precise levar com você, eu compro.
Mary meneou a cabeça.
— Eu não acho que...
— Tudo bem. – Bitty interrompeu. — Talvez eu possa arrumar um emprego. Sabe, quando eu for viver com ele.
Você só tem nove anos, Mary pensou. Maldição.
— Que tal a gente voltar? – Mary ofereceu. — Está frio.
— Tem certeza que está pronta para ir? – Rhage perguntou. — Podemos ficar se você quiser.
— Não. – Bitty deu de ombros de novo. — Não há mais nada aqui para mim.
Eles voltaram ao GTO, voltaram a seus assentos, o calor no carro um bálsamo para suas bochechas e narizes gelados.
Enquanto Rhage as levava de volta, os faróis varreram o terreno e Mary pensou consigo mesma... Em algum ponto esta garota teria boas noticias. A Virgem Escriba falava
tanto sobre equilíbrio o tempo todo, certo? Então estatisticamente Bitty estava em real e total desvantagem.
— Só vou esperar até meu tio vir. – A garota disse enquanto se afastavam. — Ele vai me dar um lar.
Mary fechou os olhos. E meio que sentiu vontade de bater a cabeça no painel do carro de Rhage.
E como se ele estivesse lendo sua mente, Rhage estendeu a mão e segurou a sua, dando um apertão. Mary apertou de volta.
— Então deixa eu te fazer uma pergunta, pequena Bitty. – Disse ele. — Você gosta de sorvete?
— Acho que sim. Acho que já provei.
— Tem algum plano para amanhã à noite? Podemos ir depois da Primeira Refeição, antes que as lojas humanas fechem.
Por impulso, por que estava desesperada para manter qualquer linha de comunicação aberta, Mary virou a cabeça.
— Quer ir, Bitty? Pode ser divertido.
Após uma longa pausa, Mary voltou a encostar a cabeça no encosto do banco e tentou pensar em outra opção.
No silêncio, Rhage disse.
— O pessoal do Lugar Seguro tem os números de nossos celulares. Se seu tio aparecer enquanto estamos fora, eles podem nos ligar na hora e a gente te leva de volta.
E podemos escolher um lugar perto, tipo, a menos de cinco minutos de viagem. – Rhage olhou pelo retrovisor. — Digo, você toma banho, certo?
— Como é? – A garota disse.
— Tipo, se você estiver no banheiro e ele aparecer, alguém teria de bater na sua porta e você teria de se secar, vestir e tudo o mais. E isto levaria pelo menos
cinco minutos, certo? Então é a mesma coisa. Bem, exceto que num caso você precisaria de sabonete e toalha de banho, e no outro, cobertura e um montão de calda quente.
Caso queira. Pessoalmente, eu gosto de misturar e combinar... Prefiro alguns milk-shakes, um banana split... Um ou dois sundaes. Então, pra finalizar uma casquinha
de mocha crocante. Não sei por que. Acho que pra mim é tipo o cafezinho depois do jantar. Sabe o que estou falando?
Mary teve de olhar para trás de novo. Bitty olhava pra frente, sobrancelhas supererguidas no rostinho, a imagem da surpresa.
— Ele está falando sério. – Murmurou Mary. — Mesmo que você não goste de sorvete, assisti-lo comer tudo isto é algo que vale a pena ver. Que tal?
— Eles têm mesmo o seu número? – A garota perguntou.
— Claro que sim. Meu e de todos os membros da equipe. E mantenho meu celular comigo e ligado o tempo todo, mesmo quando estou dormindo... E certamente quando saio.
— E se você estiver preocupada que possa haver algum problema com o celular dela. – Rhage ergueu o próprio celular. — Eu deixo o meu número com eles também. E meu
irmão Vishous pode garantir a melhor recepção e serviço de telefonia na cidade. Sem problemas de sinal. A menos que Lassiter esteja por perto, e isto é mais devido
a algo mental do que algo com as redes de telefonia.
— Hum... Lassiter? – Disse Bitty.
Raghe anuiu.
— É, ele é um verdadeiro pé no saco... Oh, merda... Digo, desculpe, não devia dizer “saco” perto de você, devia? Ou “merda”. E todas aquelas outras palavras feias.
– Ele cutucou sua própria cabeça. — Tenho que me lembrar disto, tenho que me lembrar disto. De qualquer forma, Lassiter é um anjo caído com quem estamos enrolados.
Ele é como um chiclete grudado na sola do seu sapato. Só que sem o cheiro de morango. Ele monopoliza o controle remoto e regularmente faz a gente questionar se aquilo
é realmente o melhor que o Criador pode fazer com um imortal. O cara tem o pior dos gostos para programas de TV... Digo, a única coisa que se salva é o vício dele
por Bonanza... Você já teve de assistir a doze horas seguidas de Uma Galera do Barulho? Está bem, deve ter sido só sete, e não é como se eu não pudesse ter saído
da sala... Meu Deus, te digo uma coisa, é de se espantar que eu tenha saído de lá com minha habilidade de vestir minhas próprias calças uma perna de cada vez...
Foi mais ou menos aí que aconteceu. E Mary teria perdido se não tivesse, por um acaso, escolhido aquele momento para virar a cabeça de novo e ver se Bitty ainda
estava ouvindo.
A garotinha sorriu.
Não foi um riso largo e ela não riu exatamente, mas os lados de sua boca definitivamente se levantaram.
— Conta mais? – Pediu Bitty quando Rhage parou para respirar. — Sobre as outras pessoas que moram com vocês?
— Claro. Absolutamente. Então, meu chefe, o Rei? Seu Rei, sabe? Ele tem um golden retriever chamado George que o ajuda a andar por aí. Wrath é cego... Mas sempre
sabe onde cada um está na sala. Ele tem sentidos malucos, aquele lá. Gosta de cordeiro, e mesmo que negue, parece determinado a sempre terminar seus vegetais. Tipo,
nas refeições você olha para ele... Bem, os pratos dele precisam ser arrumados com a carne, os carboidratos e os vegetais no mesmo lugar... Pois sabe, ele não enxerga.
De qualquer forma, dá para ver que ele odeia aqueles malditos vegetais, mas come tudo. Desde que seu filho nasceu, o L.W., Pequeno Wrath, sabe? O garoto tem quanto
tempo agora? – Rhage desviou o olhar. — Mary, você lembra?
Mas Mary não estava realmente ouvindo aos detalhes. Estava recostada no banco e deixando Rhage tagarelar sobre suas vidas para ela.
Era a primeira vez em... Meses que se sentia relaxada.
— Mary?
Virando a cabeça para ele, ela sorriu.
Eu te amo tanto, murmurou sob a luz do painel.
O peito de Rhage inflou doze vezes o tamanho normal, e sua expressão de Eu sou o cara ficou tão intensa em seu rosto lindo, que era de se espantar que o bairro inteiro
não se iluminasse dele.
— Não importa. – Ele continuou, ao trazer as costas da mão dela até a boca para um beijo. — Temos um gato chamado Boo. Ele veio com a shellan de Wrath, Beth, sua
Rainha. E um de nossos médicos tem um cavalo de corrida aposentado. E não quero nem pensar sobre os ratos-do-deserto de Vishous. Mas não vou falar disto e não, não
vou explicar essa...
Mary viu-se fechando os olhos ao deixar as histórias e a voz de barítono dele invadi-la. Sem motivo algum, ela se pegou lembrando de uma viagem diferente neste carro,
uma bem no comecinho de seu relacionamento... Onde eles tinham baixado as janelas e gritado “Dream Weaver” e ela tinha enfiado a cabeça pra fora da janela e tinha
sentido o vento no rosto e nos cabelos enquanto voavam estrada abaixo.
Era bom saber, mesmo depois de todo este tempo, que ele ainda tinha a habilidade de ampará-la tanto.
Capítulo TRINTA E TRÊS
Assail retomou a forma na garagem nos fundos de sua mansão. E um a um, seus primos o seguiram, aparecendo um a cada lado.
— Deuses, que bom que ainda conseguem andar. – Foi até a entrada da cozinha de sua casa e digitou uma senha. Quando a porta abriu, olhou por cima do ombro. — Tenho
certeza que precisam se hidratar.
Só o que obteve foi uma resposta abafada de Evale – o que foi uma surpresa, já que normalmente ele era o mais calado. No entanto, uma noite de intensa atividade
sexual parecia ter trocado a personalidade deles, drenando toda a tagarelice de Ehric e deixando Evale como o falante.
Que curioso.
Do lado de dentro, tirou seu casaco e o paletó do smoking. Não que eles tivessem. Evidentemente, voltar a vestir todas as peças de roupa requeria doses maiores do
que a energia que dispunham; então eles traziam as roupas penduradas nos braços, as camisas mal abotoadas no tórax, as gravatas brancas enfiadas nos bolsos das calças.
— Comida. – Disse Evale. — Precisamos de sustento depois daquela refeição inconsolavelmente pequena.
— Evale, você tem o vocabulário mais estranho.
— Merda, Ehric. Eu me alfaçarei para seviciá-lo antes de sua aposentadoria.
Assail revirou os olhos.
— Alface é um vegetal. “Esforçarei” é a palavra que procura. E é “servir”. A menos que esteja se referindo às suas “sevícias” desta noite?
Deixando os dois reporem as calorias perdidas, Assail prosseguiu na direção de seu escritório. Ao sentar-se à sua mesa, ajustou rapidamente os níveis de cocaína
e então ligou o computador enquanto fazia uma ligação no celular.
O Irmão Vishous atendeu:
— Agora é oficial. Eu realmente falo mais com você do que com minha mãe. Mas não se assanhe, eu não a suporto.
— Com sua personalidade calorosa e comportamento agradável, não consigo imaginar qualquer tipo de inimizade em sua vida.
— Não precisa puxar meu saco com tantos elogios.
— Por falar nisto, preciso dizer que Naasha é uma femeazinha muito pneumática, com predileção especial pelo exibicionismo e uma política de acesso total que não
se estende à venerável moradia de seu hellren.
Afinal, ao tentar sair da masmorra para explorar um pouco, ela tinha mandado uma fêmea nua atrás dele em questão de minutos.
— Meus primos são machos felizes, porém exaustos neste nascer do dia.
— Então, tirando a putaria, o que descobriu?
— Throe está abrigado na propriedade. Ele tem um quarto e a afeição dela. Disse que rompeu com Xcor e o Bando de Bastardos para nunca mais voltar a seus domínios
questionáveis. – Ele teve de fungar, quando sentiu o nariz escorrer. — Há algo preocupante naquele macho. Não confio nele.
— Vai voltar quando?
— Ela me convidou para a celebração épica do aniversário de seu hellren. O convite de Wrath já chegou? – Fungou de novo e esfregou a base das narinas. — Acredito
que ela vá enviar logo, se já não chegou.
Houve um shhh-cht como se o Irmão estivesse acendendo algo.
— Ainda não. Mas estaremos esperando. Ele não pretende ir, mas com certeza haverá membros da Irmandade por lá.
— Assim como meus primos e eu. – Assail franziu o cenho e algo lhe ocorreu. — Perdoe-me por sair do assunto, mas por favor, me permita perguntar sobre suas armas.
Houve uma longa pausa. E então a voz do Irmão, que já era naturalmente baixa, baixou ainda mais.
— O que quer saber?
— Precisam de armas?
— Por quê?
— Tenho contatos com meus fornecedores do mercado negro que poderiam facilitar a compra.
— Agora quer ser um traficante de armas? Suas ambições sempre te levam na direção destas atividades tão sublimes?
— Não há nada sublime em sepulturas, há? De qualquer forma, considere uma oferta estendida. Eles me contatam em busca de mais negócios e declinei de sua gentileza
e generosa oferta referente a certos pós e poções. Mas fiquei pensando que poderia haver uma boa troca de dinheiro por produtos que Wrath me permitisse intermediar.
Vishous riu em um ronco profundo.
— Sempre buscando uma brecha. E vai parar com o pó? Está fungando a conversa toda, pior que um humano alérgico preso em uma plantação de feno.
— Eu permaneço leal a você e ao seu Rei. – Concluiu Assail. — Contate-me quando quiser. Se eu souber de mais alguma coisa ou tiver qualquer outro contato com ela
antes da próxima semana, ligo pra você imediatamente.
— Faça isto mesmo.
Assail encerrou a ligação e...
Recuando, olhou para as costas de sua mão. Havia uma faixa de sangue vermelho vivo pela pele... E gotas sobre o tecido branco de sua camisa elegante.
Levantando-se, foi até o banheiro mais próximo no corredor e acendeu a luz.
— Maldição...
De seu nariz escorria copiosas faixas de sangue.
Depois de acionar a torneira, pegou uma toalha de mão que tinha lavado e dobrado no dia anterior e a colocou sob o jato frio. Então limpou o sangue que escorria
de suas narinas antes de aplicar a compressa fria em um apertão, inclinando a cabeça para trás.
Foi necessário permanecer um tempo assim, em pé de frente para o espelho e esfregando as manchas do algodão fino de sua camisa. Teria de usar OxyClean, concluiu.
Começaria com ele, já que sangue tinha proteína em sua composição. Então teria de alvejar antes de jogar a porra da coisa fora, se fosse necessário.
Quando o sangue parou de escorrer, levou a toalha consigo e foi até à cozinha.
Onde sentiu seus sapatos de couro legítimos falsearem.
Era o cheiro no ar. Rico e temperado, ao mesmo tempo delicado, a combinação de temperos exóticos ao seu paladar do Velho Mundo despertando seu estômago, fazendo-o
roncar.
Comida portuguesa. Que foi preparada por uma autêntica mão adorável, ainda que levemente beligerante.
Fechou os olhos, a avó de Marisol tinha preparado para ele e os primos muitas refeições antes de sua partida e aqueles dois tinham claramente se refestelado dos
ditos pacotes, cuidadosamente congelados.
— Gostaria de nos acompanhar? – Evale disse enquanto esperava o microondas. — Ou vai só ficar aí de pé babado?
Assail voltou à realidade.
— Acho que a palavra que procura é indignado.
— Já viu seu rosto? – O macho perguntou e houve um Bing! Depois de abrir a porta do microondas, ele levou um prato abarrotado para a mesa. — Não parece nada acolhedor.
— Que é justamente a definição de indignado. E você não devia estar comendo isto.
— Por que não? – Ehric perguntou ao dar a primeira mordida. — Ahhhh, isto está fantástico.
— Verdade. – Seu gêmeo concordou. — Lamentavelmente bom.
— Palavra errada de novo. – Assail nem se incomodou de explicar que eles não deviam comer a comida, porque senão tudo se acabaria e o único vínculo que teria de
Marisol seria... — Vou me retirar para o dia agora.
— Adieu. – Disse Ehric.
— Vai logo. – Evale emendou.
— É “até logo”, querido primo meu.
Assail seguiu para a lavanderia, onde jogou a toalha ensanguentada na lavadora, tirou o paletó de seu smoking e removeu a camisa manchada.
Seus dois primos tinham visto as manchas, mas nenhum deles disse nada.
Mas palavras não eram necessárias.
Enquanto Assail passava de volta pela cozinha de peito nu e com o paletó pendurado no ombro, disse a ninguém em particular.
— Preciso encontrar um doggen apropriado. Um que saiba como cuidar de uma casa e de todos os afazeres. Estou cansado de lavar roupa e aspirar pó.
— Tem certeza de que isto não tem a ver com o decrescente suprimento de certas comidas congeladas?
Ele olhou para Ehric.
— Acho que preciso te mandar para o porão de Naasha de novo logo. Prefiro você calado, mesmo que seu irmão assassine a língua inglesa como um porco no abatedouro.
Assail seguiu para as escadas, e esperou até virar a esquina e sair das vistas deles para massagear a dor em seu peito.
Será que algum dia a dor da perda daquela humana iria diminuir?
Esperando sua Mary voltar para casa do trabalho, Rhage circulou a mesa de bilhar na sala de jogos de taco na mão, bolas em pleno jogo no feltro, a mente... De volta
ao branco total. Aquela garotinha.
Cara, o destino podia ser mesmo uma cadela cruel, pensou.
— ... acabei de falar com ele. – Inclinando-se na mesa, Vishous reorganizou as bolas, arrumando as coisas para um novo jogo. — Ele quer saber se precisamos de mais
armas.
Tentando voltar ao foco, Rhage franziu o cenho.
— Pensei que Assail fosse traficante de drogas.
— Com certeza o cara está expandindo os negócios. – Vishous pegou um giz e passou na ponta do taco. — O que acha?
— A nova turma chega logo para o treinamento, não é?
— É.
— Pode ser interessante encomendar algumas automáticas, à guisa de teste.
— Era o que eu estava pensando.
Rhage apoiou o quadril na mesa enquanto V se inclinava e mandava uma bola certeira para dispersar o triângulo. Quando bolas coloridas rolaram pra todo lado, Rhage
meneou a cabeça.
— Você viu aquela arma de caça que Evale tinha em Brownswick?
Aqueles olhos diamantinos se ergueram.
— Porra, claro. Precisamos de uma dessas, verdade.
— Só pra começar. Pode ser bom para prática com alvos.
— É, podemos amarrar um carrinho nas costas de Lassiter e fazê-lo correr ao redor da piscina...
— Ei. – O anjo caído chamou do sofá. — Estou bem aqui, seus cuzões.
Rhage olhou para o cara.
— Está acordado, é?
O bastardo bicolor sentou-se e bocejou, esticando os braços acima da cabeça.
— Hora de começar meu turno. Merda. Estou atrasado. Tenho de ir.
Ao observarem o anjo sair correndo, Rhage e V praguejaram ao mesmo tempo.
— Sabe, – Rhage murmurou. — Está ficando difícil demais odiá-lo.
— Apenas se lembre de Punky Brewster12. Todo o ódio voltará. – Vishous circulou a mesa, seu corpo massivo se movia como uma pantera em seus couros e camiseta sem
mangas. — E caralhos me fodam, jamais achei que iria conhecer aquela série.
V trabalhou rápido encaçapando rapidamente várias bolas, mas errou três jogadas depois.
— Hollywood? Meu irmão, é a sua vez.
Rhage tentou voltar ao foco, mas não conseguia tirar Bitty da cabeça. Depois de um momento, olhou pelo feltro verde, e ficou feliz de ver que os doggen estavam na
cozinha e sala de jantar... E que a maioria dos irmãos não tinham chegado em casa ainda.
E ei, ele sempre ficava feliz quando o Lassiter saía do recinto.
— O que? – Disse V. — E preciso acender um antes.
— Você já... – Rhage pigarreou. — Você já pensou em ter filhos, V?
— Não. Por quê?
Quando o cara o encarou de volta, foi como se Rhage tivesse perguntado se ele precisava ou não de mais uma torradeira. Serviços de lavanderia. Troca de óleo.
— Você nunca se perguntou como seria ser pai?
— Não.
— Nunca?
— Não. – Vishous deu de ombros. — Não sei bem por que está perguntando.
— Bom, ultimamente passamos a ter algumas crianças, sabe, aqui na casa.
— E daí?
— Isto não te afeta em nada? – Quando V negou com a cabeça, Rhage franziu o cenho. — E a Dra. Jane? Ela não quer filhos?
— Ok, primeiro, ela não pode ter filhos. E segundo, ela jamais falou a respeito. Nunca. Está totalmente comprometida com o trabalho... Inferno, a ideia dela de um
presente de aniversário romântico é uma nova autoclave. E eu amo isto pra caralho nela.
— Mas e se ela mudar de ideia?
— Ela não vai.
— Como pode saber? – Quando V apenas piscou algumas vezes, Rhage acenou com a mão. — Desculpe. Nada disto é da porra da minha conta.
— É por isto que está tendo problemas com sua Mary? E não minta. Está bem óbvio... Ela quer filhos?
— Não. Não, nada disso. – Rhage esfregou a ponta do taco com o dedão, transferindo o pó de giz azul forte para seu dedo. — Eu só estava me perguntando. Sabe, hipoteticamente.
Sobre as pessoas.
— Olh, não quero ser desdenhoso, mas vamos lá... Eu tenho um relacionamento filho da puta com minha mãe e meu pai era um sádico. Esta coisa de mãe/pai só tem lados
ruins pra mim. Além disto, sou tão carinhoso quanto uma motosserra... Como é mesmo o ditado?
— Como eu disse, desculpe-me por trazer o assunto à tona.
— Vai jogar agora?
Rhage mudou o peso de uma bota para outra.
— Na verdade, eu tenho mais uma coisa para te perguntar.

 

 

CONTINUA