Irmandade da "Adaga Negra"
Capítulo DEZOITO
As anotações nos prontuários dos pacientes do Lugar Seguro eram todas manuscritas. Em parte, devido ao custo: computadores, redes e armazenamento de dados confiáveis
custavam caro, e com a equipe como prioridade, aplicar fundos na área de tecnologia da informação simplesmente não parecia prioridade. Mas também, isto acontecia
devido ao fato de Marissa, sua destemida líder, ser antiquada e realmente não gostar que coisas importantes fossem mantidas de alguma forma que não pudessem segurar
nas mãos.
Afinal, quando se tinha quase quatrocentos anos de idade, a revolução tecnológica das últimas três décadas eram um pontinho ínfimo em seu sistema de radar.
Talvez daqui a um século a chefe confiasse um pouco mais nos Bill Gates da vida.
E Mary até que achava isto bom. Mais humano, de certa forma, ver as diferentes letras manuscritas, diferentes canetas, diferentes maneiras de pessoas escreverem
palavras com erros de vez em quando. Era o equivalente visual a uma conversa, cada um trazendo algo único de si mesmo aos registros – ao contrário do que acontece
em registros uniformes, que passaram por corretores ortográficos onde as palavras são todas digitadas iguais.
Se bem que isto dificultava a busca por uma referência em particular. Entretanto, reler tudo do início podia ajudar a captar coisas que previamente poderiam ter
passado batido.
Por exemplo, tios.
Após não encontrar nenhuma menção a parentes próximos no formulário de admissão, Mary seguiu lendo cada uma das anotações do prontuário de Annalye, as quais estavam
em sua própria letra. E bem como se lembrava, invariavelmente os registros eram curtos e continham pouca coisa útil.
Bitty não foi a única a se manter reservada.
Não havia nem uma única menção a um irmão ou qualquer outro parente. E a fêmea não tinha falado de seu companheiro morto também ou de qualquer abuso que ela e Bitty
tivessem sofrido. O que não significava que a violência tinha ficado fora dos registros. As anotações médicas das duas foram impressas e anexadas na contracapa do
prontuário.
Ao terminar a releitura, Mary precisou se recostar na cadeira e esfregar os olhos. Como várias vítimas que temiam por suas vidas, a mahmen de Bitty viera em busca
de assistência médica somente uma vez, quando a filha estava tão ferida que não havia jeito de que o processo natural de cura cicatrizasse os ferimentos. As radiografias
contaram o resto da sombria história, revelando anos de fraturas ósseas que tinham se solidificado. Em ambas.
Fechando o prontuário, pegou o de Bitty. O da garota era mais fino, já que seus registros médicos foram misturados aos da mãe, e também por ela lhes revelar ainda
menos do que Annalye. Tiveram regulares sessões de terapia, jogos criativos e aulas de música. Mas não havia muito para prosseguir.
De certa forma, todo mundo esteve somente esperando pelo inevitável...
— Sra. Luce?
Mary pulou na cadeira, estendendo a mão e esbarrando no mata-borrão da mesa.
— Bitty! Não te ouvi chegar.
A garotinha estava em pé na porta aberta, sua pequena figura parecendo ainda menor entre os batentes. Esta noite os cabelos castanhos estavam soltos e cachos espalhavam-se
em todas as direções, e ela usava outro dos vestidos costurados a mão, desta vez amarelo.
Mary teve de combater uma vontade quase irresistível de fazê-la vestir uma blusa de frio.
— Sra. Luce?
Forçando-se a prestar atenção, Mary disse.
— Desculpe, o que?
— Estive pensando... Meu tio já não teria vindo?
— Ah, não. Ele ainda não veio. – Mary pigarreou. — Ouça, pode vir aqui um minutinho? E feche a porta, por favor.
Bitty fez o que ela pediu, fechando a porta às suas costas e aproximando-se até estar em pé na frente da mesa.
— Estes são seus prontuários, querida. – Mary tocou as pastas pardas. — Seu e de sua mahmen. Eu acabei de analisá-los de novo. Não consegui... Não encontrei nada
sobre seu tio. Não há menção alguma sobre ele aqui. Não estou dizendo que ele não existe, eu só...
— Minha mahmen entrou em contato com ele. Então ele está vindo me buscar.
Bosta, pensou Mary. Precisava ir com muito tato.
— Como foi que sua mãe fez isto? – Perguntou. — Ela escreveu para ele? Telefonou? Pode me dizer como ela entrou em contato com ele? Talvez eu devesse tentar também.
— Eu não sei como foi. Mas ela falou com ele.
— Como ele se chama? Você se lembra?
— O nome dele é... – Bitty baixou o olhar para a mesa. Para os prontuários. — É...
Era fisicamente doloroso observar a garota tentar inventar o que provavelmente seria um nome de mentira. Mas Mary lhe deu espaço, esperando contra qualquer esperança
que houvesse uma solução mágica para tudo isto, algum irmão que de fato existisse aí pelo mundo, que pudesse ser tão bom para Bitty quanto ela merecia...
— Ruhn. O nome dele é Ruhn.
Mary fechou os olhos por um momento. Não conseguiu evitar. Ruhn era parecido com Rhym, lógico. Só uma pequena alteração no nome da supervisora das internações, uma
distância muito facilmente cruzada por uma mente jovem em busca de uma saída de uma situação horrível.
Ela precisava mesmo manter seu profissionalismo.
— Certo, bem, vou te dizer o que vou fazer. – Mary pegou o telefone. — Se você concordar, vou publicar sobre ele em um grupo fechado do Facebook. Talvez algum membro
o conheça e possa contatá-lo para nós?
Bitty anuiu um pouco.
— Posso ir?
Mary pigarreou.
— Mais uma coisa. As cinzas de sua mahmen... Elas ficarão prontas para serem retiradas em breve. Estive pensando, se você quiser podemos fazer a cerimônia para ela
aqui. Sei que todos aqui a amavam muito, assim como amamos você também...
— Prefiro esperar meu tio chegar. Então ele e eu poderemos fazer isto juntos.
— Tudo bem. Bem, quer ir comigo buscá-la? Quero ter certeza de que você...
— Não. Quero esperar aqui pelo meu tio.
Bosta.
— Tudo bem.
— Posso ir?
— Claro.
Quando a garotinha se virou, Mary disse.
— Bitty.
— Sim? – Bitty olhou para ela. — O que?
— Você pode conversar comigo, sabia? Sobre qualquer coisa. Estou aqui para você... E se não quiser conversar comigo, tudo bem, outra pessoa da equipe estará aqui
para te ajudar. Não vou ficar chateada. A única coisa que me importa é que você tenha todo o apoio que precisar.
Bitty olhou para o chão por um momento.
— Está bem. Posso ir?
— Eu sinto muito mesmo pela forma como... Como tudo aconteceu na clínica na noite passada. Acho melhor você conversar sobre isto com alguém... Se não quiser falar
comigo...
— Conversar não vai trazer minha mahmen de volta, Sra. Luce. – Aquela voz estava tão séria que poderia ter saído da boca de um adulto. — Conversar não vai mudar
nada.
— Vai sim. Acredite.
— Vai fazer o tempo voltar? Acho que não.
— Não, mas pode te ajudar a ajustar sua nova realidade. – Deus, estava realmente falando assim com uma garota de nove anos? — Você tem de desabafar sobre a sua dor...
— Eu vou sair agora. Estarei lá em cima, no sótão. Por favor, me avisa quando meu tio chegar?
Com isto, a garota saiu e silenciosamente fechou a porta. Quando Mary baixou a cabeça, colocando-a entre as mãos, ouviu os passinhos subindo a escada rumo ao terceiro
andar.
— Maldição. – Sussurrou ela.
Ao se levantar da mesa da cozinha, Rhage não estava preocupado de que quem quer que estivesse correndo pela sala de jantar e indo em sua direção fosse inimigo. Estava
mais preocupado que algum morador da casa estivesse em apuros.
Por que havia outro som junto com os passos.
Um bebê chorando.
Antes que chegasse à porta, Beth, a Rainha, entrou chorando na cozinha. O bebê sob um de seus braços como se fosse um saco de batatas, a mão livre erguida escorrendo
muito sangue.
— Ai, merda! – Rhage disse, correndo para alcançá-la perto da pia. — O que aconteceu?
Sua visão não estava tão clara como deveria, mas parecia haver muito vermelho na frente da camiseta dela. E sentia cheiro de sangue por todos os lados.
— Pode segurá-lo para mim? – Disse ela acima do choro de L.W. — Por favor, fique com ele.
Eeeeee foi assim que acabou segurando o primogênito de Wrath sob as axilas como se a criança fosse um dispositivo explosivo com um pavio queimando depressa demais.
— Ah... – Disse quando o garoto chutou e acertou-o bem no rosto. — Hum... É, quer ir à clínica ver isto?
Ao falar, não sabia ao certo se o “isto” referia-se ao ferimento ou ao bebê.
Movendo o barulhento saco de DNA de Wrath para o lado, tentou enxergar o que estava rolando – ela tinha cortado o dedo? A mão? Os pulsos?
— Foi idiotice minha. – Murmurou ela, silvando. — Eu estava lá fora na varanda, levando-o para ver a lua por que ele gosta e não estava olhando por onde pisava.
Escorreguei em uma porção de folhas e ooops! Os pés falharam. Ele estava no meu colo e eu não queria cair em cima dele. Estendi a maldita mão buscando equilíbrio,
raspei-a em um azulejo rachado e me cortei. Merda... Não para de sangrar.
Rhage piscou ao se perguntar exatamente quanto tempo aquela zoeira em seus ouvidos ia durar até ela levar o L.W. embora.
— O que... Ah...
— Ei, pode ficar com ele por um minuto? A Dra. Jane está no Pit, acabei de receber uma mensagem de texto dela. Vou correr até lá para ela dar uma olhada nisto. Volto
em dois segundos.
Rhage abriu a boca e congelou como se tivesse uma arma apontada para sua cabeça.
— Ah, sim. Claro. Sem problema. V Por favor, não permita que eu mate o filho de Wrath. OhDeusOhDeusOhDeus. — Ele e eu ficaremos muito bem. Vamos tomar um pouco de
café e...
— Não. – Beth fechou a torneira e enrolou a mão em uma toalha. — Nada de comida. Nada de bebida. E vou voltar logo mesmo.
A fêmea partiu em uma carreira desabalada passando pela cozinha e pela sala de jantar – e ao vê-la partir correndo tal qual Usain Bolt, ele teve de se perguntar
se era só por causa da mão... Ou pelo fato de ter deixado seu filho com um incompetente total.
Eeeeeeee L.W. agora estava chorando pra valer, como se ao perceber que sua mahmen tinha saído do recinto, os berros anteriores fossem só um aquecimento.
Rhage apertou bem os olhos e começou a voltar para sua cadeira junto à mesa. Mas depois de dois passos, pensou na queda de Beth e imaginou-se esmagando o garoto
como uma panqueca. Arregalando os olhos, prosseguiu bem devagarzinho como se equilibrasse um vaso de cristal no topo do crânio. Assim que chegou ao alcance, estacionou
o traseiro na cadeira e segurou o garoto em pé sobre aqueles pés de biscoito dele. L.W. ainda não era forte o bastante para sustentar-se em pé, mas aqueles berros
eram como numa música rock and roll.
— Sua mahmen já vem... – Por favor, querida Virgem Escriba, faça essa fêmea voltar antes que eu fique surdo. — É... Já está viiiiindo.
Rhage olhou ao redor daquele par de pulmões extremamente saudáveis e rezou para que alguém, qualquer pessoa, viesse correndo.
Quando aquele otimismo passivo não resultou, voltou a se concentrar no rostinho vermelho.
— Amiguinho, eu já entendi. Acredite. Eu já te ouviiiiiiiii.
Okay, se a definição de insanidade fosse mesmo fazer a mesma coisa repetidas vezes...
Virando o garotinho, Rhage deitou L.W. de costas na dobra de seu braço como viu Wrath e Beth fazer...
Puta merda, isto só irritou o garoto ainda mais. Se é que era possível.
Próxima posição? Humm...
Rhage colocou L.W. recostado em seu peito para que o bebê pudesse ver por cima do seu ombro. E então deu tapinhas com a palma da mão nas costinhas surpreendentemente
robustas. De novo. E de novo. E de novo...
E quem diria. A merda funcionou.
Cerca de quatro minutos e trinta e sete segundos depois – não que Rhage estivesse contando – L.W. passou a soluçar, como se seu fazedor de lágrimas estivesse sem
energia para continuar funcionando. Então o garoto deu um suspiro entrecortado e relaxou.
Mais tarde, Rhage se perguntaria se as coisas poderiam ter ficado bem se L.W. tivesse parado por aí. Talvez se a criança não tivesse feito o que fez depois... Ou
talvez se tivesse recomeçado a chorar? Então talvez Rhage pudesse ter se salvado.
O problema foi que, alguns momentos depois, L.W. enlaçou a garganta de Rhage com um braço gordinho, e então agarrou o moletom que Rhage vestia e segurou, aproximando-se
mais, buscando conforto, encontrando-o... Confiando nele por que o carinha era completamente indefeso no mundo.
Subitamente Rhage parou as batidinhas, congelando exatamente onde estava, mesmo se equilibrando na cadeira. E com uma clareza despedaçadora, tudo sobre o bebê se
registrou nele, do calor naquele corpinho vital à força tensa daquele aperto de mão, àquele peito subindo e descendo. O som das pequenas fungadas soavam bem junto
à orelha de Rhage, assim como a respiração pulsante, e quando L.W. mexeu a cabeça, sedosos e finos fios de cabelos pinicaram o pescoço de Rhage.
Isto era o futuro, pensou Rhage. Isto era... O destino, ali, descansando contra ele.
Afinal, L.W. tinha olhos que testemunhariam eventos muito depois de Rhage não mais existir. E o cérebro da criança tomaria decisões que Rhage não poderia nem imaginar.
E o corpo, que era frágil em seu estado inicial, mas que na maturidade lutaria, honraria e protegeria, do mesmo jeito que o pai tinha feito, e o pai de seu pai...
E todos os antepassados da linhagem antes dele.
Além disto, Beth dera aquilo a Wrath. Era algo que eles compartilhavam. Eles tinham... Feito... Juntos.
Subitamente, Rhage descobriu que não conseguia respirar.
Capítulo DEZENOVE
Naasha não o fez perder tempo.
Assim que Assail apareceu na sala de estar da dama na mansão de seu hellren, uma porção da parede coberta de papel de parede cor pêssego deslizou e Naasha entrou,
atravessando uma porta oculta.
— Boa noite. – Disse ela, fazendo pose. — Estou usando vermelho, do jeito que pediu.
Fale-se o que quiser sobre sua falta de pedigree e seu casamento por interesse, mas ela era uma fêmea linda, de cabelos compridos e com uma harmonia de medidas entre
busto-cintura-quadris digna de Marilyn Monroe. De vestido curt, e os pés metidos em um par de Louboutins, ela era o sonho molhado de qualquer um que possuísse um
pau.
E ainda assim, tão embonecada e produzida, não chegava aos pés de sua Marisol – do mesmo jeito que uma flor de estufa nunca seria tão atraente quanto algo que tenha
crescido, indomada e inesperadamente, ao ar livre.
Ainda assim, o cheiro dela o afetou de forma não tão diferente da cocaína que tinha cheirado antes de ir para ali, e seu corpo despertou, mesmo que as emoções e
sua alma continuassem mortas e frias. A horrível realidade era que seu corpo necessitava do sangue de uma vampira – e este imperativo biológico tomaria a dianteira
aqui e agora, acima de qualquer outra coisa.
Mesmo que sob outras circunstâncias ele jamais teria sequer reparado na existência dela.
— Gosta? – Disse ela erguendo os braços e dando uma voltinha lenta.
Ele, como era esperado, sorriu revelando suas presas alongadas.
— Vai ficar melhor sem ele. Vem aqui. – Mandou ele.
Naasha aproximou-se lentamente, mas não o caminho todo, parando perto de um sofá francês antigo, amarelo creme, com mais almofadas do que espaço para sentar.
— Vem você.
Assail negou com a cabeça.
— Não.
O beicinho foi rápido, os lábios grossos dela se juntaram brilhando com uma cor que combinava com o vestido.
— Você atravessou a cidade inteira pra me ver. Certamente pode dar mais alguns passos.
— Eu não vou atravessar esta sala.
Ante o olhar enfastiado que ele expressou, nem um pouco forçado, a excitação dela fulgurou.
— Você é tão desrespeitoso. Eu devia te mandar embora.
— Se acha que isto é desrespeito, ainda não viu nada. E vou ficar mais do que feliz de ir embora.
— Eu tenho um amante, sabe?
— Tem mesmo? – Ele inclinou a cabeça. — Meus parabéns.
— Então estou muito bem servida. Apesar da enfermidade do meu amado.
— Bem, então é melhor eu ir...
— Não. – Ela rodeou rapidamente o sofá, movendo-se até estar tão perto que ele podia ver os poros em sua pele suave. — Não vá.
Ele fez um show ao olhar para o rosto dela. Então estendeu a mão e tocou seus cabelos.
— Ajoelhe-se. – Antes dela poder dizer qualquer coisa, ele apontou para seus pés. — De joelhos. Agora.
— Eu já tinha esquecido como você é mandão...
— Não me faça perder tempo.
Quando outro jorro de sua excitação atingiu-o no nariz, soube que ela ia se ajoelhar no tapete Aubusson – e quando ela esticou a mão para se equilibrar tocando seu
peito, ele afastou a mão dela para que fosse forçada a cambalear para baixo até o chão.
— Isso, boa garota. – Acariciou suas bochechas com o nó dos dedos. Então agarrou um punhado de seus cabelos e forçou a cabeça dela para trás. — Abra a boca.
Com os lábios separados ela começou a arfar, o cheiro de seu sexo se tornou um rugido no nariz dele, o rosto dela enrubescido de calor, os seios apertados para cima
do corpete do vestido. Com a mão livre, abriu o zíper de suas elegantes calças e expôs sua ereção.
Acariciando-se, ele grunhiu.
— Quer me contar mais sobre seu amante?
Os olhos semicerrados dela assumiram uma luz erótica.
— Ele é tão forte...
Assail meteu o pau entre os lábios dela, impedindo-a de continuar a falar. E então, usando o aperto naqueles cabelos, fodeu sua boca enquanto ela gemia, as mãos
indo até os próprios seios e apertando, os joelhos bem separados como se na mente dela ele estivesse entrando e saindo de seu núcleo, ao invés da boca. Ou talvez
dos dois lugares.
Enquanto a fodia com brusquidão, não era como se a odiasse. Nem mesmo desgostava dela – de qualquer forma, ela teria de estar em seu radar para ter qualquer tipo
de opinião sobre ela, o que não acontecia.
O que odiava era o fato dela não ser quem ele desejava.
Quanto mais pensava naquela realidade, na distância eterna, na perda?
Liberando o pau da boca de Naasha, levou-a ao sofá de joelhos, usando o cabelo como guia. E ela adorou. Seguiu-o com mais do que boa vontade, arfando enrubescida,
pronta para ser fodida. O que era conveniente, não era?
Especialmente quando a inclinou sobre aquele belo sofá francês, puxou para cima aquela saia curta e justa, e penetrou-a por trás.
Ela gozou imediatamente, estremecendo e sacolejando debaixo dele. E quando ele puxou a cabeça dela para trás mais uma vez, ela gritou o nome dele.
— Shhh. – Ele murmurou. — Não vai querer que seu amado ouça. Ou seu namorado.
Ela gemeu uma porção de coisas ininteligíveis, tão perdida no ato que seu cérebro tinha obviamente tirado um descanso. E de um jeito estranho, sentiu inveja da experiência
erótica que ela obviamente estava curtindo. Para ele, aquilo não passava da expressão de uma necessidade básica, um treino físico com prazer e sangue como um troféu
anônimo.
Não tinha nada daquele prazer sem limites que ela tão claramente expressava. Mas pelo menos, ele podia usar esta fraqueza dela... A favor de Wrath.
Alongando as presas, Assail golpeou a lateral da garganta dela, mordendo com força enquanto a penetrava, sugando-a, tomando sua parte. O gosto dela era... Bom. A
sensação do sexo dela apertando e soltando seu pau era... Boa. A força que lhe forneceria era totalmente necessária.
Do outro lado da sala, no vidro ondulado de um espelho ancestral, viu seu reflexo metendo nela.
De fato aparentava tão morto quanto se sentia. Mas, de qualquer forma, tateou o bolso interno do casaco em busca do celular.
Vishous passava pela sala de musculação do centro de treinamento quando seu celular vibrou, graças ao WiFi da área. Tirando a coisa do bolso traseiro da calça, digitou
a senha e sorriu diante da mensagem.
Era uma foto de Assail – da parte de trás da cabeça de uma fêmea de cabelos pretos enquanto ela estava de quatro sobre um sofá. A mensagem embaixo era curta e grossa:
Estou dentro.
Bom trabalho. – V digitou de volta. — Divirta-se.
— E nos traga alguma coisa. – Disse ele ao voltar a guardar o celular.
O vício do macho era um problema em potencial, mas parecia que Wrath fez uma aposta certa com o filho da puta. Assail era bonito, rico e um bastardo total com a
linhagem certa. Era o espião perfeito para infiltrar na glymera.
Tudo dependeria do que ele descobriria. E por quanto tempo ele seria um bom garoto e jogaria de acordo com as regras.
Qualquer pensamento independente da parte dele e V deixaria aquela garganta mais aberta do que uma porta de garagem. Mas até este momento chegar, Assail estava solidamente
na coluna dos Úteis, Aqueles Que Merecem Continuar Vivos.
Quando Vishous chegou à entrada dos estandes de tiro ao alvo, abaixou-se e pegou uma sacola preta que tinha deixado ali horas atrás. Dirigindo-se até o espaço de
teto baixo com cheiro de mofo, soltou um cumprimento.
— Como estamos? – Disse circulando a cabine de tiros e prosseguindo até a área de alvo feita de concreto.
Blay levantou-se da cadeira dobrável onde estava esticando os braços acima da cabeça e as palmas no teto.
— Na mesma.
— Mas derrotei este cara duas vezes no baralho. – Lassiter interrompeu.
— Só por que você trapaceou.
Vishous olhou e meneou a cabeça para o anjo.
— O que está fazendo aqui? E por que está em uma cadeira de jardim?
— Apoio para a lombar...
Nesse momento, o pedaço de carne às costas de V se mexeu – e V teve de dar um crédito ao cuzão de cabelo bicolor: Lassiter estava em pé e fora daquela coisa mais
rápido do que um piscar de olhos, de arma apontada para o peito de Xcor como se preparado para abrir um buraco naquele coração.
— Calma, cowboy. – Disse V. — Foi só um espasmo muscular involuntário.
O anjo não pareceu ouvi-lo – ou talvez não quisesse que ninguém mais fizesse uma avaliação de seu dedo de atirar, mesmo alguém com treinamento médico.
Difícil não aprovar o cara. Difícil também não notar que claramente Lassiter não ia sair do lado de Xcor, como se confiasse somente em si mesmo para cuidar daquela
situação.
Merda, contanto que o anjo não abrisse a boca e desde que V não pensasse nas pequenas diferenças que eles tiveram no passado, quase dava para esquecer o quanto queria
chutar o filho da puta.
Aproximando-se do prisioneiro, Vishous avaliou-o visualmente. Ao chegarem ali com o bastardo, V o amarrou na mesa de madeira de cara pra cima e braços abertos, fechando
algemas de aço inoxidável nos pulsos e tornozelos e em volta daquele pescoço grosso – e quem diria, o cara estava bem do jeito que tinha deixado. A cor era passável.
Olhos fechados. O ferimento na cabeça, na base do crânio, já não vazava mais, provavelmente já tinha cicatrizado.
— Precisa de ajuda? – Perguntou Blay.
— Não, tudo certo.
Abrindo a sacola, V usou o equipamento que estava dentro para verificar os batimentos cardíacos, a pressão sanguínea, temperatura e oxigenação. A coisa que mais
o preocupava era o inevitável hematoma onde tinha golpeado o fodido com a pistola – e suas possíveis complicações, que incluíam qualquer coisa, do inconveniente
ao catastrófico. No entanto, sem movê-lo ou sem trazer até ali equipamentos verdadeiramente pesados e caros, não haveria jeito de descobrir.
Mas suspeitava. Era inteiramente possível que a concussão tivesse causado um derrame isquêmico devido a um coágulo sanguíneo que bloqueou uma veia.
Era bem a sorte deles. Capturam o inimigo e o bastardo tinha uma morte cerebral pra cima deles.
Depois de V guardar seus brinquedos e fazer suas anotações no arquivo digital em seu celular, deu um passo para trás e só encarou o rosto feio do macho. Na falta
de conseguir fazer uma bateria de exames, tinha de confiar em sua própria observação – e às vezes, mesmo com o equipamento avançado e moderno, nada superava a própria
interpretação do médico sobre o que via.
Estreitando os olhos, traçou cada respiração, cada exalação... E os espasmos nas sobrancelhas e a imobilidade das pálpebras... Os movimentos aleatórios dos dedos...
As contrações sob a pele das coxas.
Derrame. Definitivamente um derrame. Absolutamente nenhum movimento do lado esquerdo.
Acorda, caralho, pensou V. Para eu poder te bater mais e te botar pra dormir de novo.
— Maldição.
— O que há? – Perguntou Blay.
Se não houvesse alguma melhora logo, teria de tomar a decisão de manter Xcor – ou jogar o corpo dele no lixo.
— Você está bem?
V virou-se para Blay.
— O que?
— Seu olho está tremendo.
Vishous esfregou o olho até parar. E então se perguntou, com tudo o que estava rolando, se seria o próximo na lista de vítimas do AVC.
— Avise-me se ele recobrar a consciência?
— Pode deixar. – Disse Lassiter. — E também aviso quando precisar de mais um Milk-shake de morango.
— Não sou seu empregado. – V pendurou de novo a sacola no ombro e foi para a porta. — E se me mandar beijo de novo, vou colocar um aparelho de ressonância magnética
em você, ao invés do contrário.
— E se eu beliscar sua bunda? – O anjo provocou.
— Tente e vai descobrir que a imortalidade, igual ao tempo, é relativo.
— Você sabe que me ama!
Vishous meneava a cabeça ao sair para o corredor. Lassiter era como uma gripe, contagiosa, irritante e nada que alguém desejasse ter.
E ainda assim, estava feliz pelo fodido estar ali. Mesmo que Xcor no momento não passasse de um vegetal.
Capítulo VINTE
Beth Randall, companheira do Rei Cego, Wrath, filho de Wrath, pai de Wrath, Rainha de todos os vampiros, partiu rumo à porta principal do Pit, com a Dra. Jane ainda
enrolando uma faixa em sua mão recém-costurada.
— Está ótimo! Obrigada...
A companheira de V a seguia na corrida, as duas se esquivando de uma sacola de ginástica, uma maleta... Uma boneca inflável que total e verdadeiramente precisava
de roupas.
— Você precisa parar, sério!
— Já está tudo bem...
— Beth! – Jane remexeu em seu rolo de fita cirúrgica e começou a rir. — Não consigo encontrar a ponta...
— Deixa que coloco depois...
— Pra que tanta pressa?
Beth parou.
— Deixei L.W. com Rhage na cozinha.
A Dra. Jane piscou.
— Oh, Deus... Vá!
Beth foi sumariamente empurrada para fora do Pit com a fita e acabou o serviço enquanto atravessava correndo o pátio, mordendo a ponta da fita com os dentes e colando
a coisa na gaze branca que foi enrolada ao redor de sua mão. Subindo aos pulos os degraus para a grandiosa entrada da mansão, abriu a porta para o vestíbulo e enfiou
a cara na câmera.
— Vamos lá... Abra – Murmurou ao transferir seu peso pra frente e pra trás sobre os pés.
Rhage não ia machucar o garoto. Pelo menos, não de propósito. Mas puta merda, em sua mente repetidamente vinha a imagem de Annie Potts cuidando do bebê em Os Caça-Fantasmas
II, alimentando-o com pizza francesa.
Quando a tranca finalmente foi liberada por dentro, entrou correndo no saguão desviando da empregada que abriu caminho para ela.
— Rainha! – A doggen disse com uma reverência.
— Oh, Deus, desculpe, sinto muito! Obrigada!
Sem saber exatamente do que estava pedindo desculpas, disparou pela sala de jantar vazia e entrou na cozinha...
Beth parou de chofre.
Rhage estava sentado sozinho à mesa e tinha L.W. recostado em seu ombro, o bebê aninhado bem junto a seu pescoço, aquele braço enorme embalando o bebê com todo o
senso de proteção que qualquer pai teria demonstrado. O Irmão estava de olhos fixos à frente, além de sua vitrine de carboidratos consumida pela metade e a jarra
de café quase vazia.
Lágrimas escorriam pelo seu rosto.
— Rhage? – Disse Beth suavemente. — O que houve?
Depositando a fita cirúrgica sobre o balcão, aproximou-se deles... E quando ele não percebeu sua aproximação, pousou a ponta dos dedos no ombro dele. E ainda assim
ele não respondeu.
Ela falou um pouco mais alto.
— Rhage...
Ele se assustou e olhou para ela, surpreso.
— Oh, ei. Tudo bem com sua mão?
O macho não parecia ter consciência de suas emoções. E por alguma razão bem triste, parecia apropriado que estivesse cercado pelo caos de sua refeição, pacotes abertos
de bagels e pães espalhados pela mesa rústica de madeira, barras de manteiga, blocos de cream cheese e guardanapos de papel amassados por toda sua volta.
Ele estava, naquele momento silencioso, tão bagunçado quanto tudo à sua frente.
Ajoelhando-se, tocou o seu braço.
— Rhage querido, o que está havendo?
— Nada. – O sorriso que se abriu naquele rosto bonito era vazio. — Eu o fiz parar de chorar.
— Sim, você fez. Obrigada.
Rhage anuiu. Então meneou a cabeça.
— Aqui, deixa eu te devolver ele agora.
— Está bem. – Sussurrou ela. — Fique com ele o tempo que quiser. Ele parece realmente confiar em você... Nunca o vi ficar calmo com ninguém além de mim e Wrath.
— Eu, ah... Dei palmadinhas nas costas dele. Sabe? Igual a vocês. – Rhage pigarreou. — Eu tenho observado você com ele. Você e Wrath.
Agora ele voltou a olhar fixo para o outro lado da sala.
— Não por mal, nem nada disto. – Ele completou.
— É claro que não.
— Mas eu tenho... – Ele engoliu em seco. — Estou chorando, não estou?
— Sim. – Estendendo a mão, ela tirou um guardanapo de papel do suporte. — Aqui.
Levantando-se, ela secou debaixo daqueles lindos olhos azul ciano – e lembrou-se da primeira vez que o viu. Foi na antiga casa de seu pai, Darius. Rhage estava dando
alguns pontos em si mesmo em uma das pias do banheiro, trabalhando a linha e agulha através da própria pele como se aquilo não fosse grande coisa.
Não é nada. A coisa só fica séria quando dá pra usar o próprio intestino como cinto.
Ou algo assim.
E então se lembrou do que aconteceu depois quando a besta saiu dele e ele teve de se deitar no quarto subterrâneo do pai dela para se recuperar. Ela tinha lhe dado
seu antiácido e o acalmado em meio à sua cegueira e desconforto o máximo que conseguiu.
Parecia ter sido há tanto tempo.
— Pode me contar o que está errado?
Ela observou a mão dele executar pequenos movimentos circulares nas costas do L.W.
— Não é nada. – Os lábios dele se esticaram no que claramente era para ser outro sorriso. — Só estou aproveitando um momento calmo com seu filho maravilhoso. Você
é tão sortuda. Você e Wrath têm tanta sorte.
— Sim, temos mesmo.
Ela quase morreu no parto de L.W. e pra salvar sua vida tiveram de remover seu útero. Não haveria mais possibilidade de ter filhos biológicos – e sim, aquilo era
meio entristecedor. Mas cada vez que olhava para o rosto do filho, ficava tão grata por ele que o fato de que não poderia arriscar na loteria de novo não parecia
uma perda muito grande.
Mas Rhage e Mary? Eles não iriam nem ter a oportunidade de tentar. E aquilo certamente era o que estava na mente de Rhage naquele momento.
— É melhor eu te devolver ele. – O irmão disse novamente.
Beth engoliu em seco.
— Fique o tempo que desejar.
De volta ao Lugar Seguro, Mary tinha acabado de postar uma mensagem no Facebook sobre o hipotético tio de Bitty quando houve uma batida na porta.
Talvez fosse a garota e elas pudessem novamente tentar conversar. Mas provavelmente não...
— Entre. – Disse Mary. — Oh, ei Marissa, como vai?
A companheira de Butch estava tão linda quanto sempre, os cabelos louros soltos e perfeitamente cacheados sobre seus ombros magros como se tivessem sido tão treinados
em boas-maneiras que jamais pensariam em arrepiar. Vestida em um suéter de cashmere preto e calças também pretas, de certa forma parecia a versão feminina de Rhage
– fisicamente maravilhosa demais para existir de verdade.
E como Rhage, o exterior não chegava aos pés do quão adorável era por dentro.
Com um sorriso digno da Vogue, Marissa sentou-se em uma cadeira barulhenta do outro lado da mesa.
— Estou bem. Mais importante que tudo, como você está?
Mary recostou-se, cruzou o braço sobre o peito e pensou, ah, então não é uma visita social.
— Acho que já está sabendo. – Murmurou ela.
— Sim.
— Eu juro, Marissa, não fazia ideia de que ia ser tão grave.
— É claro que não. Como poderia?
— Bem, contanto que saiba que não era minha intenção que as coisas terminassem tão mal...
Marissa franziu o cenho.
— Desculpe, o que?
— Quando Bitty e eu fomos visitar a mãe dela...
— Espere, espere. – Marissa ergueu as mãos. — O que? Não, estou falando do tiro que Rhage levou. E de você ter salvado a vida dele na frente dos Irmãos.
Mary ergueu as sobrancelhas.
— Oh, isto.
— Sim... Isto. – Um brilho esquisito invadiu o olhar de Marissa. — Sabe, francamente não entendo por que veio trabalhar hoje. Pensei que ficaria em casa com ele.
— Oh, bem, sim. Mas com tudo isto que está acontecendo com Bitty, como eu poderia não vir? Além disso, passei o dia todo com Rhage, tenho certeza que ele está bem.
Enquanto ele ainda estava dormindo na clínica, quis ver como ela estava. Deus... A ideia de que eu piorei ainda mais as coisas para aquela garota faz eu me sentir
péssima. Digo, com certeza você sabe o que aconteceu.
— Refere-se ao que aconteceu no Havers? Sim, fiquei sabendo. E entendo que esteja chateada. Mas eu realmente acho que você devia ter ficado em casa com Rhage.
Mary fez um aceno casual com a mão.
— Estou bem. Ele está bem...
— E acho que você devia ir pra casa agora.
Com um jorro de terror, Mary sentou-se na beirada da cadeira.
— Espere, não está me demitindo por causa de Bitty, está?
— Oh, meu Deus... Não! Está brincando comigo? Você é a melhor terapeuta que temos! – Marissa meneou a cabeça. — E acho que não preciso te dizer como fazer o seu
trabalho aqui. Mas está bem claro que teve um dia muito cheio, e por mais que queira ficar aqui pela garota em toda sua capacidade profissional, você vai ser ainda
mais eficiente depois de ir pra casa descansar um pouco.
— Bom, que alívio! – Voltou a recostar-se na cadeira. — A parte de não ser demitida, digo.
— Não quer ficar com Rhage?
— É claro que sim. Só estou mesmo preocupada com a Bitty. É um momento crítico, sabe? A perda da mãe não foi só uma tragédia que a deixou órfã, é um enorme gatilho
para todo o resto. Eu só... Eu realmente queria ter certeza de que ela está bem.
— Você é uma terapeuta dedicada, sabia disso?
— Ela fica falando de um tio, – Quando Marissa franziu o cenho de novo, Mary voltou a abrir o prontuário de Annalye e folheou as páginas. — É, eu sei, certo? Também
não tinha visto isto ser mencionado até agora. E revisei todo o material que temos e não há referência alguma a qualquer tipo de familiar. Acabei de postar uma mensagem
para a raça naquela página fechada do Facebook. Vamos ver se consigo encontrá-lo deste jeito. – Mary meneou a cabeça ao encarar um registro que foi escrito por Rhym.
— Parte de mim se pergunta se seria possível acessar a lista de ligações feitas e recebidas do último mês. Talvez haja algo ali. Nenhum e-mail foi recebido ou respondido
aqui. E até onde sei, a mãe de Bitty nunca tinha usado um e-mail.
Quando houve um período de silêncio, Mary ergueu o olhar – e viu que sua chefe a encarava com expressão inescrutável.
— O que foi? – Disse Mary.
Marissa pigarreou.
— Admiro sua dedicação. Mas acho que é melhor que tire o resto da noite de folga. Um pouco de distância é sempre melhor para recuperar o foco. Bitty estará aqui
amanhã e você vai poder continuar a ser o membro principal da equipe no caso dela.
— Eu só queria consertar tudo.
— Eu sei e não te culpo. Mas não consigo me livrar da sensação de que se eu tivesse vindo trabalhar uma noite após Butch ter quase morrido em meus braços? Você me
faria ir pra casa. Não importa o que estivesse ocorrendo debaixo deste teto.
Mary abriu a boca pra negar. Então fechou de novo diante da erguida de uma das sobrancelhas de Marissa.
Como se a chefe soubesse que tinha ganhado a discussão, Marissa se levantou e deu um sorrisinho.
— Você sempre foi dedicada a seu trabalho. Mas é importante que o Lugar Seguro não seja mais importante do que a sua vida.
— Sim. É claro. Você tem razão.
— Te vejo em casa mais tarde.
— Absolutamente.
À saída de Marissa, Mary tinha intenção de fazer o que ela disse... Só que era difícil partir. Mesmo depois de pegar a bolsa e o casaco, e enviar uma mensagem de
texto para Rhym voltar se pudesse – e a fêmea podia – ela de alguma forma encontrou motivos para adiar de novo a ida até o carro de Rhage. Primeiro foi delegar algumas
tarefas para outro membro da equipe; então foi ficar em pé na base da escada para o sótão debatendo se deveria ou não contar a Bitty.
No final, Mary decidiu não incomodar a garota e voltou ao primeiro andar. Parou de novo à porta da frente, mas aquela pausa não durou muito.
Quando finalmente saiu, respirou fundo e sentiu o cheiro do outono no ar.
Bem quando estava chegando ao GTO, parou e olhou para cima. A luz estava acesa no quarto de Bitty e era impossível não imaginar aquela garotinha esperando, de malas
feitas, um tio que sequer existia vir para levá-la para longe de uma realidade que ia acompanhá-la pelo resto da sua vida.
A volta pra casa durou uma eternidade, mas eventualmente parou o carro em uma vaga no pátio entre o Hummer II de Qhuinn e o Porsche 911 Turbo de Manny.
Olhando para a enorme mansão de pedras com suas guar-gárgulas, como Lassiter as chamava, e suas incontáveis janelas e o telhado inclinado de ardósia, perguntou a
si mesma o que Bitty acharia do lugar e imaginou que de início a garota ia se sentir intimidada. Mas por mais assustador que parecesse por fora, as pessoas lá dentro
a tornavam tão acolhedora e confortável quanto um pequeno chalé.
Atravessou os paralelepípedos e passou pela fonte, que já tinha sido drenada para o inverno. Subiu os degraus de pedra. Entrou no vestíbulo, onde expôs o rosto para
a câmera de segurança e esperou.
Foi Beth quem abriu a porta para ela, embalando L.W. no quadril.
— Oh, ei... Eu já ia te ligar.
— Olá, homenzinho. – Mary acariciou a bochecha do garoto e sorriu para ele, por que era impossível resistir. O bebê era um poço de beleza, absolutamente encantador.
— Vocês estão precisando de alguma coisa?
Ela entrou no grande saguão para tirar o L.W. do frio e parou ao ver a expressão de Beth.
— Está tudo bem?
— Bem, ah... Então, Rhage acabou de subir.
— Oh? Ele deve estar se sentindo melhor.
— Acho que devia falar com ele.
Algo na voz da Rainha realmente não estava certo.
— Aconteceu alguma coisa errada?
A fêmea se concentrou em seu bebê, acariciando seus cabelinhos escuros.
— Eu só acho que você precisa ficar com ele.
— O que houve? – Quando Beth somente repetiu alguma versão do que já tinha dito, Mary franziu o cenho. — Por que não está me olhando?
O olhar de Beth finalmente subiu para seu rosto, onde se fixou.
— Ele só parece... Chateado. E acho que precisa de você. Só isso.
— Okay. Tudo bem. Obrigada.
Mary atravessou o mosaico no chão e subiu correndo as escadas. Ao chegar ao seu quarto, abriu a porta – e foi atingida por um sopro forte e congelante de ar.
— Rhage? – Enlaçando os braços ao redor de si mesma, estremeceu. — Rhage? Por que as janelas estão abertas?
Tentando não se sentir alarmada, entrou e fechou a porta de correr à esquerda de sua enorme cama. Então fechou a outra.
— Rhage?
— Aqui.
Graças a Deus, ao menos ele estava respondendo.
Rastreando a voz dele, foi ao banheiro – e o encontrou sentado no meio do chão de mármore com os joelhos erguidos até o peito, braços enlaçados ao redor das pernas,
cabeça baixa e virada para o outro lado, que não o dela. Vestia moletom e tão grande quanto sempre, mas tudo nele parecia ter encolhido.
— Rhage! – Correu e se ajoelhou ao lado dele. — Qual o problema? Precisa de um médico?
— Não.
Praguejando, acariciou o cabelo dele para trás.
— Está sentindo dor?
Quando ele não respondeu ou ergueu o olhar, ela contornou para o outro lado para poder ver o seu rosto. As pálpebras dele estavam semicerradas e os olhos vidrados.
Ele parecia ter recebido notícias bem ruins.
— Alguém se feriu? – Um dos Irmãos? Layla? Só que se fosse isso, Beth teria falado para ela, não? — Rhage, fale comigo. Está me assustando.
Erguendo a cabeça, ele esfregou o rosto e pareceu perceber pela primeira vez que ela estava ali.
— Ei. Achei que estava no trabalho.
— Voltei mais cedo, – Felizmente. E se tivesse ficado lá e ele tivesse... Jesus, Marissa tinha razão. — Rhage, o que houve... Espere, alguém te bateu?
O maxilar dele estava inchado, e havia marcas azuis e pretas na pele bronzeada.
— Rhage. – Disse ela com mais energia. — Que diabos aconteceu com você? Quem te bateu?
— Vishous. Duas vezes... Bem, uma de cada lado.
Recuando, ela praguejou.
— Santo Deus, por que ele fez isto?
Os olhos dele traçaram o rosto dela e então estendeu o braço e tocou-a gentilmente com a ponta dos dedos.
— Não fique brava. Eu mereci... E ele fez minha visão voltar mais cedo do que de costume.
— Você ainda não respondeu minha pergunta, – Ela tentou manter a voz neutra. — Vocês dois brigaram?
Rhage passou o polegar levemente pelo lábio inferior dela.
— Adoro o jeito que você me beija.
— Por que vocês brigaram?
— E adoro o seu corpo, – As mãos dele desceram até os ombros dela e se moveram para a garganta. — Você é tão linda, Mary.
— Ouça, agradeço os elogios, mas preciso saber o que está acontecendo. – Disse colocando as mãos sobre as dele. — Você está claramente chateado com alguma coisa.
— Deixa eu te beijar?
Ao encará-la, ele pareceu desesperado de um jeito que ela não compreendia. E por causa da dor que pressentia nele, acabou cedendo.
— Sim. – Sussurrou ela. — Sempre.
Rhage inclinou a cabeça para o lado, e contrário à sua paixão habitual, seus lábios pousaram sobre os dela com suavidade, esfregando demoradamente. Quando a pulsação
dela acelerou, ela quase desejou não se sentir excitada – não queria ser distraída pelo sexo... Só que ele continuou a acariciar sua boca, e todo o caos em seu cérebro
se reorganizou na direção de uma sensação elétrica de antecipação, o cheiro flamejante dele, seu corpo lindo, seu poder masculino ofuscando todas as suas preocupações.
— Minha Mary. – Ele grunhiu ao lamber sua boca por dentro. — Cada vez com você... É nova. Nunca é o mesmo e sempre melhor do que o último beijo... O último toque.
As mãos dele desceram e ela sentiu o peso delas em seus seios. E então com um toque lento, ele tirou sua jaqueta, deslizando-a pelos braços, fazendo-a sentir a camisa
de seda, o sutiã rendado e toda a pele por baixo de suas roupas com ardente clareza.
Só que alguma parte dela falou mais alto. Talvez sua consciência? Por que ela, certo como o inferno, sentia como se tivesse falhado por não estar ali quando ele
mais precisava dela.
— Por que as janelas estavam abertas? – Perguntou de novo.
Mas foi como se ele nem a ouvisse.
— Eu amo... – Sua voz falhou e ele teve de pigarrear — Eu amo seu corpo, Mary.
Como se ela não pesasse nada, ergueu-a do chão de mármore e moveu-a para o lado, deitando-a no tapete felpudo que havia na frente da banheira. Recostando-se naquela
suavidade, ela observou os olhos dele viajarem sua garganta abaixo até seus seios... E descerem ainda mais, para os quadris e pernas.
— Minha Mary.
— Por que está tão triste? – Disse baixinho.
Ante a ausência de resposta dele, sentiu um momento de verdadeiro terror. Mas então ele começou a desabotoar os botões de sua blusa sem pressa, mantendo as duas
metades juntas ao retirá-la de dentro do cós da calça. Recuando um pouco, ele segurou a seda entre os dedos e expôs o corpo dela ao calor de seu olhar, e ao calor
do interior do banheiro.
Ele mudou de posição e ajoelhou-se entre suas coxas.
— Adoro seus seios.
Inclinando-se, beijou-a no peito. Na beirada do sutiã. Em cima de um mamilo. Uma súbita liberação da sutil pressão dos bojos informou-lhe que ele havia libertado
o fecho frontal – e então as correntes de ar varreram contra sua pele nua quando ele afastou a frágil barreira para as laterais.
Ele passou... Uma eternidade... Acariciando seus seios, apertando-os, esfregando as pontas enrijecidas. Até ela pensar que ia enlouquecer. E então começou a sugá-la,
primeiro de um lado, então do outro. Ela não conseguia se lembrar quando foi ele tinha ido tão devagar com ela – não que não fosse considerado. No entanto, seu hellren
funcionava num ritmo diferente, só dele, um ritmo ditado pela paixão desenfreada que sempre demonstrava por ela.
Não esta noite, aparentemente.
Ele desceu beijando-a até seu abdômen e soltou seu cinto fino, o botão e o zíper de suas calças. Quando ela ergueu os quadris, ele baixou sua calça e sumiu com ela,
deixando-a somente com a calcinha de seda cor creme.
De volta à sua barriga, ele a cobriu com as mãos espalmadas até cobrirem sua pélvis.
Ele ficou daquele jeito, acariciando-a com seus polegares pra frente e pra trás, em seu baixo ventre.
— Rhage? – Disse em um tom de voz chocado. — O que está me escondendo?
Capítulo VINTE E UM
Conforme Rhage ajoelhava sobre sua Mary, ele estava claramente ciente de que ela estava dizendo seu nome, mas ele estava muito perdido no clamor entre seus ouvidos
para responder.
Olhando abaixo para a barriga da sua shellan, ele a imaginou crescendo e ficando enorme como a de Layla, seu corpo abrigando a criança deles até que seu filho ou
filha pudesse respirar por conta própria. Na fantasia, tanto seu bebê quanto Mary seriam perfeitamente saudáveis antes, durante e depois do parto: ela resplandeceria
durante os dezoito meses... Ou seriam nove meses para as humanas...? E o parto seria rápido e indolor, e quando tudo tivesse passado, seria capaz de reunir ela e
a cria deles em seus braços e amá-los para o resto de sua vida.
Talvez seu garotinho tivesse olhos azuis e cabelo loiro, mas o caráter e inteligência incrível de sua mahmen. Ou talvez sua menina tivesse o cabelo castanho de Mary
e seus olhos verde-azulados e seria um foguete.
Seja qual fosse a combinação de aparência e espírito, imaginou os três sentados juntos para a Primeira e Última Refeição e todos os intervalos de lanches entre eles.
E imaginou que poderia pegar a criança para dar um descanso a Mary, assim como Z e Wrath faziam por suas shellans, com a mamadeira com o leite materno para o bebê.
Ou mais tarde, dando pedacinhos de seu prato a uma preciosa boquinha como Z tem feito agora com a Nalla.
E neste sonho maravilhoso, anos se passariam, e haveria birras aos três, e os primeiros pensamentos profundos e perguntas aos cinco. Então amigos aos dez e, Deus
me livre, dirigindo aos quinze anos. Haveria feriados humanos e festivais vampíricos... Seguidos por uma transição que mataria ele e Mary de medo... Mas porque esta
era uma fantasia, seu filho faria isso e sairia forte do outro lado. Depois disso? O primeiro coração partido. E talvez o Único.
Por que se ele e Mary tivessem uma filha, haveria a porra de um eunuco.
Ou porque o filho da puta viria dessa forma como um feito da Virgem Escriba... Ou porque Rhage teria o cuidado de resolver o problema ele mesmo.
E em seguida, muito, muito mais tarde... Netos.
Imortalidade na terra.
E tudo porque ele e Mary se amavam. Tudo porque em uma noite há anos e anos, e depois décadas e séculos atrás, ela veio para o centro de treinamento com John Matthew
e Bella, e ele esteve cego e trôpego, e ela tinha falado com ele.
— Rhage?
Sacudindo-se, ele se abaixou e depositou os lábios em sua barriga.
— Eu te amo.
Merda, esperava que ela tomasse essa rouquidão como excitação.
Com mãos rápidas, varreu sua calcinha fora e abriu suas coxas. Conforme trazia seus lábios para o sexo dela, ouviu-a gemer o seu nome... E estava determinado enquanto
a lambia e chupava: ele a amaria mesmo sem ela ter seu filho. Ele a adoraria como qualquer macho vinculado deveria. Estimaria, abraçaria, seria seu melhor amigo,
seu amante, seu mais ferrenho defensor.
Haveria um lugar vazio nele, apesar de tudo.
Um pequeno e diminuto buraco negro em seu coração pelo que deveria ter sido. O que poderia ter sido. O que ele nunca, jamais pensou que teria importância... Mas
que de alguma forma sempre sentiria falta.
Alcançando-a, acariciou seus seios enquanto a fazia gozar em sua boca.
Ele não deveria querer uma criança. Nunca tinha considerado... Ou sequer tinha pensado que ter Mary como companheira era uma coisa boa porque nunca estaria onde
Wrath e Z estavam. Onde Qhuinn estava.
Onde Tohr esteve.
Na verdade, parecia errado cobiçar a mesma coisa que não só poderia matar sua mulher se ela fosse normal e capaz de ter um filho, mas que teria condenado a ambos:
se a sua Mary não fosse infértil, a Virgem Escriba não teria permitido que eles ficassem juntos depois de salvar a vida dela do câncer. A mãe de V teria determinado
que, além de Rhage manter sua maldição, os dois jamais cruzariam caminhos novamente.
A balança deve ser preservada, afinal.
Erguendo a cabeça, varreu fora o moletom AHS4 e o que ele tinha na parte inferior, e moveu-se para montá-la... E foi cuidadoso quando angulou seu pau duro no núcleo
dela. Com um giro suave, entrou no corpo dela, e aquele seu aperto familiar, aquela compressão, aquele calor escorregadio, trouxe lágrimas aos seus olhos enquanto
imaginava, por apenas uma única vez, que os dois estavam fazendo isso não para se conectarem... Mas para conceberem.
Exceto que em seguida disse a si mesmo para parar com isso.
Nada mais de pensar. Nada mais de arrependimento pelo que poderia arruiná-los de qualquer maneira.
E nunca existiria qualquer conversa.
Ele nunca, jamais falaria com ela sobre isso. Ela certamente não tinha se voluntariado para o câncer ou quimioterapia ou infertilidade. Nada disso era obra dela,
assim como estava longe de ser uma questão de culpa que qualquer um pudesse ter.
Portanto, de maneira nenhuma ele poderia alguma vez expressar essa sua tristeza.
Mas sim, esta era a ansiedade que ele esteve sentindo. Esta era a distância. Esta era a fonte de sua irritação. Desde o passado não importando o tempo, tinha assistido
seus irmãos com seus filhos, vendo a proximidade das famílias, invejando o que tinham... E enterrando tudo isso até que as emoções exteriorizaram inesperadamente
na cozinha com L. W.
Algo como uma fervura que crescia até que não podia mais ser contida.
Rhage disse a si mesmo que deveria estar aliviado, por não estar louco ou maníaco a ponto da instabilidade mental. E mais ao ponto, agora que tinha descoberto o
que era, poderia colocar tudo isso pra trás.
Era só empurrar isso para a parte de trás de sua cabeça e fechar a porta.
As coisas estavam caminhando de volta ao normal.
Tudo ficaria bem, porra.
Ele estava magnífico, como sempre.
Enquanto Mary arqueava sob o corpo de Rhage investindo, ela não estava enganando a si mesma... Sabia que o sexo era apenas um desvio temporário do que tinha que
ser algum tipo de grande problema para ele. Mas às vezes você tinha que dar à pessoa o espaço que eles precisavam... Ou, neste caso, o sexo.
Por que, querido Senhor, sentia que isso era de alguma forma significativo para ele e de uma maneira diferente do habitual. Seu companheiro sempre a quis de uma
forma erótica, mas isso parecia... Bem, neste assunto, seus quadris poderosos eram capazes de dirigi-la para o outro lado do chão do banheiro, mas em vez disso,
eles estavam gentilmente empurrando nela. E também, ele parecia não querer segurar tanto quanto costumava se segurar, com seus braços envolvendo o torso dela para
que fosse levantada do tapete, e seu corpo montando o dela com um ritmo impulsionado que era ainda mais vívido por essa limitação pungente.
— Eu te amo. – Disse ele em seu ouvido.
— Eu também te amo...
Seu próximo orgasmo cortou a voz dela, empurrando-a de tal modo que seus seios batiam na parede de seu peitoral. Deus, ele estava tão bonito enquanto continuava
em cima dela, com o ritmo de suas penetrações estendendo os choques pulsantes que golpeavam inteiramente o seu sexo até que ele era a única coisa que ela reconhecia
no universo, até que o passado e o futuro desapareciam, até que toda a desordem em sua mente e em torno de seu coração desintegrasse.
Por alguma razão, o silêncio dessas críticas repreendidas, o recuo dessa preocupação incessante, o sumiço que aniquilava e as provações noturnas de se perguntar
se estava fazendo seu trabalho direito... E às vezes saber ao certo se não estava... Trouxeram lágrimas aos olhos dela.
Ansiedade sobre Rhage à parte, não sabia quão fortemente esteve ferida. Quão pesado o fardo se tornara. Quão preocupada sempre estava.
— Sinto muito. – Ela engasgou.
Instantaneamente, Rhage congelou.
— O que?
Os olhos dele estavam estranhamente horrorizados quando se mexeu e olhou para ela. E ela sorriu enquanto enxugava as lágrimas.
— Estou apenas tão... Grata por você. – Sussurrou.
Rhage pareceu abalado.
— Eu... Bem, eu me sinto da mesma forma.
— Terminou? Dentro de mim? – Ela arqueou-se contra ele. — Quero sentir você gozar.
Rhage baixou a cabeça em seu pescoço e começou a se mover mais uma vez.
— Oh, Deus, Mary... Mary...
Dois golpes mais tarde ele estava gozando, seu corpo incrível enrijecendo, sua ereção golpeando profundamente dentro dela e começando outra liberação.
Ele não parou. Não por um longo tempo. O que era algo que os vampiros machos tinham a capacidade de fazer. Ele continuou gozando, enchendo-a a ponto de transbordar...
E ainda assim, continuou até que as liberações vieram tão estreitamente próximas, que se converteram numa única corrida pulsante.
Quando ele terminou, tombou caído e imóvel, mas depois apoiou seu peso nos cotovelos para que ela pudesse respirar.
Deus, ele era tão grande.
Ela estava acostumada ao seu tamanho até certo ponto, mas quando abriu os olhos, tudo o que podia ver era apenas parte de seu ombro. Todo o resto foi bloqueado pela
sua corpulência.
Acariciando seus bíceps, disse calmamente.
— Por favor, diz pra mim o que está errado.
Rhage se empurrou pra trás um pouco mais para que pudesse olhar dentro dos olhos dela.
— Você parece tão triste. – Ela traçou suas sobrancelhas. A tristeza moldada à boca perfeita. Os hematomas em sua mandíbula. — É sempre melhor se você falar com
alguém.
Depois de um longo momento, ele abriu a boca...
Bam! Bam! Bam!
Do lado de fora do quarto, o impacto inconfundível de um Irmão batendo na porta não foi nem um pouco abafado.
Rhage virou e gritou:
— Sim?
A voz de V chegou até o banheiro.
— Temos uma reunião. Agora.
— Entendido. Chegando.
Rhage virou e a beijou.
— É melhor eu ir.
Sua retirada foi rápida e seus olhos ficaram baixos enquanto a ajudava a levantar do tapete até o chuveiro.
— Eu gostaria de ficar lá com você. – Ele disse enquanto abria a água quente.
Não, ela pensou, enquanto ele não olhava para ela. Você na realidade não quer.
— Rhage, sei que você tem que ir. Mas você está me assustando.
Enquanto a movia para debaixo do jato, tomou o rosto dela entre as mãos e olhou-a fixamente nos olhos.
— Você não tem nada com que se preocupar. Nem agora nem nunca... Pelo menos não sobre mim. Eu te amo até o infinito e nada mais importa, contanto que isso seja verdade.
Mary respirou fundo.
— Ok. Tudo certo.
— Vou voltar assim que a reunião acabar. E poderemos comer alguma coisa. Assistir um filme. Você sabe, fazer aquela coisa... Como os humanos chamam isso?
Mary riu um pouco.
— Netflix e relaxar5.
— Certo. Vamos ter Netflix e relaxar.
Beijou-a mesmo com o rosto molhado, depois recuou e fechou a porta de vidro. Ao sair, botou a calça de moletom novamente, mas manteve os pés descalços.
Ela o observou ir. E pensou que era incrível como alguém podia te tranquilizar... E ao mesmo tempo, tornar as coisas piores.
Que diabos estava acontecendo com ele?
Quando terminou seu banho, ela se enrolou na toalha, escovou os emaranhados de seu cabelo molhado, e vestiu-se em um conjunto de calças de ioga e um grande suéter
de cashmere preto que quase chegava até os joelhos. Ela tinha comprado a coisa para Rhage quando eles saíram no inverno anterior, e tinha até mesmo conseguido esta
cor que não era a favorita dele, depois de muito tempo tentando diversificar seu guarda-roupa. Porém ele não foi capaz de usá-lo muitas vezes, porque sempre esquentava
demais quando usava.
O tecido cheirava como ele, no entanto.
E quando deixou o quarto, sentiu como se ele estivesse com ela... E cara, precisava disso esta noite.
Parando em frente ao estúdio do Rei, ouviu as graves vozes masculinas do outro lado das portas fechadas.
Lá embaixo no hall de entrada, podia ouvir o doggen falando. A enceradeira. O tilintar do cristal, como se as arandelas estivessem sendo retiradas para serem limpas
na pia novamente.
Sem fazer barulho, caminhou por todo o familiar corredor vermelho e dourado, dirigindo-se ao corredor das Estátuas. Mas não iria por esse corredor com suas obras
de arte Greco-Romanas em mármore e todos esses quartos. Não, ela estava indo ao próximo andar.
A porta para o terceiro andar da mansão não estava trancada, mas não estava aberta tampouco, e sentiu um pouco como se estivesse invadindo quando abriu o caminho
para as escadas e foi lá para cima. No patamar, em frente aos quartos de Trez e iAm, estava a porta de aço abobadada da suíte da Primeira Família e ela tocou a campainha,
exibindo o rosto para a câmera de segurança.
Momentos depois, houve uma série de trincados conforme as barras se moviam livremente de suas conexões, e em seguida o painel pesado se abriu. Beth estava do outro
lado com L.W. em seu quadril, seu cabelo em uma trança por cima do ombro, aquele velho jeans azul e suéter azul brilhante, a própria definição de caseiro. Não era
no mínimo aconchegante? O incrível brilho das pedras preciosas que estavam fixadas em todas as paredes além.
Mary nunca esteve nos aposentos privados antes. Poucos tinham, além Fritz, quem insistia em fazer a limpeza lá em cima ele mesmo. Mas Mary ouviu dizer que a suíte
inteira era cravejada com pedras preciosas do tesouro do Antigo País... E claramente era verdade.
— Ei, – A Rainha sorriu mesmo quando L.W. agarrou um pouco do cabelo em cima da orelha e puxou. — Ok, ai. Vamos tentar outra coisa que envolva os bíceps, tá?
Enquanto Beth desenrolava aquele pequeno punho gordo, Mary disse sombriamente.
— Preciso que você me diga o que aconteceu com Rhage. E não finja que não sabe o que é.
Os olhos de Beth fecharam brevemente.
— Mary, eu não deveria...
— Se os papéis estivessem invertidos, você gostaria de saber. E eu te contaria se me pedisse também... Porque é isso que a família faz um pelo outro. Especialmente
quando alguém está sofrendo.
A Rainha praguejou. Em seguida, ela se afastou e acenou para a suíte cintilante.
— Vamos entrar. Precisamos fazer isso em particular.
Capítulo VINTE E DOIS
Geralmente Rhage mantinha algo na boca durante as reuniões com o Rei. Pirulitos Tootsie Pops eram sua preferência, mas na falta, topava um pacote de caramelos Starbust
ou talvez algo da linha Chips Ahoy!6 – os antigos, dos pacotes azuis, crocantes, não mastigáveis e sem nozes. No momento, seu estômago não conseguiria lidar com
nada do tipo, ainda que não por causa da besta.
Mas pelo menos sua visão estava bem melhor do que após os murros de V.
Enquanto as persianas se abaixavam para o dia, recostou-se no canto ao lado das portas duplas, enquanto os irmãos tomavam seus lugares de costume pela sala: Butch
e V em um dos estreitos sofás franceses, os dois em poses quase iguais, pernas cruzadas com o tornozelo sobre os joelhos; Z estava em pé, encostado à parede na melhor
posição defensiva com Phury bem ao seu lado; John, Blay e Qhuinn agrupados perto da lareira. Rehvenge, por sua vez, estava na frente da mesa ornamentada de Wrath,
o líder dos sympaths sendo um dos conselheiros mais próximos do Rei, e Tohr estava sentado à direita de Wrath devido à sua posição como chefe da Irmandade, um primeiro-tenente
em todos os assuntos.
Lassiter não estava por perto e Rhage achou que o anjo caído estava assistindo TV em algum lugar. E Payne, que geralmente participava deste tipo de coisa? Provavelmente
estaria vigiando Xcor.
Pois Deus sabia que aquela fêmea era capaz de lidar sozinha com qualquer macho no planeta.
Como sempre, Wrath era o ponto focal de tudo, sentado no trono ornamentado que seu pai tinha usado, os óculos escuros do Irmão varrendo a sala, mesmo sendo cego,
sua mão descansando em cima da cabeça quadrada de seu cão-guia golden retriever.
Mas naquela manhã era Qhuinn quem falava.
— ... tem duas pessoas lá embaixo em tratamento, Layla e meu irmão. Nenhum deles teria condições de se defender caso ele escape, e a Dra. Jane, Manny e Ehlena são
médicos, não guerreiros.
— Com todo o respeito, Xcor está sendo fortemente vigiado, – Disse Butch — O tempo inteiro.
— Se Marissa estivesse com o seu filho na barriga, isto seria suficiente?
O tira abriu a boca. Então a fechou e anuiu.
— É. Tem razão.
Qhuinn cruzou os braços na altura do peito.
— Pessoalmente, não ligo a mínima se ele é o próprio Hannibal Lecter, não quero ele perto da clínica.
Quando o Irmão silenciou, Wrath perguntou.
— Qual a condição atual de Xcor?
Vishous coçou o cavanhaque.
— Ainda está em coma. Os sinais vitais não estão fortes, mas estão estáveis. Nenhum movimento do lado direito. Acho que teve um derrame.
— Mas não tem certeza?
— Não sem arrastar o traseiro dele até o Havers para uma tomografia. Mas não quero atravessar a cidade com ele só para confirmar o que eu já tenho quase certeza...
E sim, tanto Jane quanto Manny concordam com minha conclusão.
— Alguma ideia de quanto tempo o coma vai durar?
— Não. Ele poderia estar despertando agora mesmo. Ou daqui a um mês. Ou ficar em estado vegetativo permanente. Não há como dizer. E se ele acordar? Dependendo da
gravidade do derrame, pode ter sequelas cognitivas. Fisicamente fodido. Ou completamente normal. Ou em qualquer ponto entre estes extremos.
— Maldição. – Murmurou Tohr.
Wrath se inclinou para o lado e ergueu George do chão, colocando-o no colo. Quando uma nuvem de pelo louro se ergueu no ar, o Rei tirou alguns da boca antes de falar.
— Qhuinn está certo. Não podemos mantê-lo lá, especialmente com os novos alunos que estão pra chegar. Primeiro, vocês cuzões vão precisar da sala de tiro ao alvo,
mas mais que isso, nós com certeza não vamos querer nenhum daqueles fodidinhos acordando mortos no final da aula, só porque nosso prisioneiro acordou e saiu de sua
gaiola. A questão é, para onde podemos levá-lo? Eu o quero perto suficiente para termos cobertura imediata, mas temos de tirá-lo da propriedade.
Houve um bocado de discussão, a qual Rhage não conseguiu acompanhar inteiramente. A verdade era, por mais crítica que fosse a situação com Xcor, a maior parte de
seu cérebro estava de volta ao banheiro com sua Mary enquanto deliberadamente lembrava-se do quanto seus gemidos eram incríveis, o quanto amava estar dentro dela.
Nada estava perdido entre eles ou faltava em sua vida sexual que não pudessem resolver. Nada.
De verdade.
— ... de Bastardos deve estar fazendo buscas pelo centro da cidade inteiro, – Alguém disse. — Procurando por um corpo ou um sinal de que ele tenha carbonizado.
Vishous interrompeu.
— Encontrei dois celulares com ele. Um tinha um sistema fácil de senha que invadi com facilidade... Não havia nada, exceto detalhes sobre negociações de drogas e
todos sabemos que isto já é coisa do passado. O outro dispositivo apagou assim que consegui quebrar a senha e acho que é o do Xcor... Claramente os Bastardos instalaram
alguns sistemas rudimentares de segurança.
— Você vai conseguir fazer o celular voltar a funcionar? — Perguntou Wrath.
— Depende dos danos causados pelo sistema de segurança deles, ainda preciso fazer uns testes. Pode ser que consiga extrair alguns dados, mas pode levar um tempo.
— O Bando de Bastardos não vai descansar até achar Xcor. – Alguém murmurou.
A voz de Tohr foi um grunhido.
— Então me deixe dar um corpo a eles.
— Ainda não, meu irmão. – Wrath olhou para o cara. — E você sabe disso.
— Mas se o cérebro dele está morto, não há informações a extrair...
Wrath falou para o macho.
— Quero todo mundo no centro da cidade pelas próximas três noites. O desaparecimento de Xcor fará os Bastardos saírem da toca. Já temos um deles, eu quero todos.
— Também é melhor ficar de olho nos lessers. – Alguém murmurou. — Só por que vencemos a noite passada, não significa que a guerra acabou.
— O Ômega irá fazer mais. – Wrath concordou. — Isto é merda certa.
Butch falou.
— Mas em se tratando de lessers... Acho que estamos focando no sintoma, não na doença. Precisamos tirar o Ômega da jogada. Digo, esta é a profecia do Dhestroyer,
certo? Supostamente deveria ser eu a fazer isto, mas não conseguiria absorver todos aqueles que estavam no campus. De jeito nenhum.
V deu ao seu melhor amigo um aperto no ombro.
— Você faz o bastante.
— Obviamente não... Quanto tempo já faz? E eles estavam em menor número, mas ainda havia uma caralhada deles vindo atrás da gente naquele campus.
— Minha mãe é inútil pra cacete. – V reclamou ao acender um cigarro. — Estamos combatendo a Sociedade Lessening há séculos. Mesmo com a profecia, não vi indicação
nenhuma de estarmos erradicando-os...
— Eu sei onde podemos colocar Xcor. – Rhage interrompeu.
Quando todos os olhos da sala se fixaram nele, ele deu de ombros.
— Não surtem. Mas a solução é clara.
Lá embaixo, no centro de treinamento, Layla reconheceu a sensação que a assolava desde a noite anterior.
Ao se sentar na beirada de sua cama de hospital, sabia exatamente o que significava aquela gritante sensação de destino, a queimação no centro do seu peito, o comichão
enervante e incansável.
Só não fazia sentido.
Então ela tinha de estar interpretando tudo errado. Será que talvez isto fosse ainda outro sintoma da gravidez e só parecesse outra coisa?
Bem, de qualquer forma, ela ia descobrir, pensou ao se levantar da cama e cambalear até a porta. Seu mais recente repouso de doze horas tinha acabado, então era
hora de esticar as pernas de novo... E sem Irmãos de babá, e Qhuinn e Blay em reunião, aproveitaria sua relativa liberdade ao máximo.
Saindo para o corredor, olhou ao redor. Não havia ninguém fora de seu quarto. Sem sons vindos da clínica. E o ginásio e sala de musculação no final do corredor,
ambos também pareciam quietos.
Ostensivamente, não havia ninguém ao redor. Nem Irmãos, serviçais ou equipe médica. Então realmente... Como era possível que estivesse detectando a presença de Xcor
aqui embaixo?
Seria impossível aquele Bastardo estar no complexo da Irmandade. Ele era inimigo, pelo amor de Deus – o que significava que, caso ele tivesse se infiltrado na propriedade,
estaria ocorrendo um ataque, o inferno recaindo sobre eles, os Irmãos estariam por todos os lados armados até os dentes.
Em vez disso? Somente uma porção de nada, como diria Qhuinn.
Isto devia ser algum estranho sintoma relacionado à gravidez...
Não, pensou. Ele esteve aqui. Ela o detectava em seu próprio sangue – era o que acontecia quando você alimentava alguém: um eco de você mesmo permanecia com o outro
e era como captar seu reflexo em um espelho a certa distância.
Não dava para confundir com nenhuma outra coisa. Não mais do que se conseguiria confundir a própria imagem.
Erguendo a frente de sua camisola Lanz – por hábito, ao invés de necessidade, por causa de sua grande barriga – bamboleou pelo chão do corredor de pantufas, passando
pelo recém-construído banheiro feminino, vestiário masculino e a sala de musculação.
Nada particularmente se registrava em lugar algum. Mas ao passar pelo ginásio e chegar à entrada da piscina, ela parou.
Bem adiante. Era como se ele estivesse bem ali à frente...
— Ei garota, o que está fazendo?
Layla deu meia volta.
— Qhuinn, olá.
O pai de seus filhos aproximou-se dela, os olhos avaliando seu rosto, a barriga.
— Está tudo bem? O que está fazendo aqui, tão longe?
— É só... É minha hora de me exercitar.
— Bem, não precisa ser aqui — Qhuinn tomou-a pelo cotovelo, girou-a e guiou para longe. — De fato, talvez devêssemos levá-la de volta para a mansão por enquanto.
— O que?... Por quê?
— Lá é mais confortável.
Em menos de um minuto estavam de volta ao seu quarto. Ela não era estúpida. Ele foi o maior apoiador dela ficar aqui embaixo na clínica por que era melhor para ela
e para os bebês, mais seguro. Agora ele mudava de ideia?
Com o coração disparado e a cabeça girando, sabia muito bem que seus instintos não estavam mentindo. Xcor estava aqui, em algum lugar do centro de treinamento. Será
que o capturaram em campo? Será que foi ferido e trazido para cá como fizeram com aquele soldado dele?
Qhuinn se inclinou pra frente para abrir a porta.
— De qualquer forma, vou falar com a Dra. Jane sobre...
— Falar sobre o que?
— Falando no diabo... – Qhuinn disse suavemente ao se virar.
A companheira de V estava saindo da sala de estoque com uma pilha de aventais cirúrgicos nos braços.
— Olha, não comente nada com Fritz sobre isto, está bem? Mas lavar roupa clareia meus pensamentos, e às vezes é preciso relaxar.
Qhuinn sorriu por uma fração de segundo.
— Eu na verdade estava descendo pra falar com você. Estava pensando que poderia ser bom para Layla passar um tempo no quarto dela.
A Dra. Jane franziu o cenho.
— Na casa?
— É tão clínico aqui embaixo.
— Ah, é justamente este o objetivo, Qhuinn. – A Dra. Jane mudou a carga de braço, mas não desviou o firme olhar verde. — Sei que entramos em um período tranquilo
da gravidez e espero que continue assim. Mas não podemos arriscar, e a cada noite que passa, estamos mais perto e não mais longe, do grande momento.
— Só pelas próximas vinte e quatro horas.
Layla olhava de um para o outro. E sentiu-se como uma hipócrita mentirosa ao dizer:
— Eu me sinto mais segura aqui.
— Há quanto tempo está de pé? – perguntou a Dra. Jane.
— Eu só caminhei pelo corredor na direção do ginásio...
— Podemos levar uns equipamentos para a casa. – sugeriu Qhuinn. — Sabe, coisas de monitoramento. Coisas assim. Além disso, não será por muito tempo.
A Dra. Jane meneou a cabeça como se não pudesse acreditar no que tinha ouvido.
— Uma sala de operação? Acha que podemos transferir a sala de operação para lá? Não quero ser alarmista... Mas ela está esperando gêmeos, Qhuinn. Gêmeos.
— Eu sei. – Os olhos díspares de Qhuinn se fixaram nos da médica. — Estou totalmente ciente dos riscos. Assim como você.
A Dra. Jane abriu a boca. Então hesitou.
— Ouça, vou levar isto para meu consultório. Me encontre lá, está bem?
Assim que a médica saiu, Layla fixou o olhar em Qhuinn.
— Quem mais está aqui embaixo?
Qhuinn colocou a mão no ombro dela.
— Ninguém, por que pergunta?
— Por favor. Apenas me conte.
— Não é nada. Não sei do que ela está falando. Deixa eu te pôr na cama.
— Você não precisa me proteger.
Aquelas sobrancelhas escuras cerraram tanto que ele não estava apenas franzindo o cenho, estava gritando.
— Sério. Sério?
Layla exalou e colocou a mão sobre a barriga.
— Desculpe.
— Merda, não, não se desculpe, – ele jogou o cabelo para trás em um gesto tenso, e pela primeira vez ela viu as bolsas escuras sob seus olhos. — Todo mundo está...
Sabe, é a guerra. É estressante pra caralho.
Passando o braço ao redor dos ombros dela, guiou-a para o quarto e de volta à cama onde a ajudou a se ajeitar como se fosse feita de porcelana.
— Eu venho ver como você está no final do meu... Mais tarde. Ah, volto mais tarde. – Ele deu um sorriso que não chegou aos olhos. — Me avise se precisar de alguma
coisa, está bem?
Quando as familiares ondas de culpa e medo se avolumaram dentro dela, Layla não conseguiu dizer nada, seu maxilar literalmente travou e os lábios apertaram bem forte.
Mas o que podia fazer? Se dissesse a ele que sabia que Xcor estava ali...
Bem, ele iria querer saber como ela sabia. E seria impossível mentir para ele e dizer que era por ter alimentado o Bastardo há tantos meses atrás... Na época em
que tinha sido enganada pelo soldado do Xcor para ir àquela campina para ajudar a quem ela inicialmente assumia ser um guerreiro civil, trabalhando com a Irmandade.
Ela já havia confessado seu pecado involuntário ao Rei; o que não disse a ninguém é que tinha continuado a encontrar Xcor muitas vezes depois disso – ostensivamente
para mantê-lo longe de atacar o complexo quando ele descobriu sua localização.
Na verdade, era por que ela tinha se apaixonado por ele.
E o fato dos encontros terem terminado? A realidade de que tinha sido o próprio Xcor a dar um basta nos encontros? Aquilo mal importava.
A verdade era que ansiava por aqueles momentos com ele. E aquela era a sua traição, apesar do tanto que tentou pintar a si mesma como vítima.
— Layla?
Praguejando, forçou-se a voltar à realidade.
— Desculpa. O que?
— Você está bem mesmo?
— Não. Digo... Sim, sim, estou bem. – Colocou a mão na parte baixa das costas e se esticou. — Só cansada. É a gravidez. Mas está tudo bem.
Qhuinn a encarou por um longo tempo, os olhos díspares avaliando seu rosto.
— Vai me chamar? Mesmo que só esteja ficando doida de tédio?
— Eu chamo. Prometo.
Quando a porta fechou atrás dele, ela soube o que ele iria fazer. Iria falar com os outros Irmãos... Se é que já não tinha falado. E em breve, muito em breve, ela
descobriria que não era mais capaz de detectar a presença de Xcor.
Ou por que ela teria sido realocada ou ele.
Com a cabeça entre as mãos, tentou respirar e descobriu ser impossível. Sua garganta estava contraída, as costelas pareciam barras de ferro, os pulmões queimavam.
Continuou dizendo a si mesma que se irritar não ajudaria em nada. Certamente não seria bom para a gravidez.
Além disto, nunca mais veria Xcor.
Por que era aquilo que acontecia quando se pressionava um macho a respeito de seus sentimentos. Ao menos, um macho como ele.
E ele não tinha atacado o complexo...
A menos que tenha sido assim que foi capturado? Oh, querida Virgem Escriba, será que ele tinha trazido soldados armados para cá? Teria sido este o motivo do caos
da noite passada?
Sua mente imediatamente entrou em parafuso, os pensamentos se misturando em padrões que não faziam qualquer sentido graças a muita velocidade e pouca racionalização.
Algum tempo depois, baixou os braços e olhou para a porta do banheiro. Parecia estar a quilômetros de distância. Mas precisava fazer xixi e talvez um pouco de água
fria no rosto ajudasse a se acalmar.
Baixando as pernas do colchão, ela apoiou-se nos pés e...
Umidade. Houve uma... Uma súbita umidade entre suas coxas.
Suas mãos foram para a frente de sua camisola e ela olhou para baixo.
E gritou.
Capítulo VINTE E TRÊS
No andar superior de sua casa de vidro, Assail tomou um banho que pareceu durar uma eternidade.
Os painéis de bloqueio estavam abaixados sobre as janelas, então estava escuro, nada além dos brilhantes spots e suas pequenas lâmpadas cor de pêssego o orientava.
A água estava extremamente quente e quando jogou a cabeça para trás, seu cabelo grudou na cabeça. Seu corpo estava em uma languidez pós-alimentação, pós-sexo e mesmo
seu vício parecia apaziguado.
Embora o último provavelmente se devesse mais às três carreiras que ele tinha cheirado assim que pisou em casa.
Esqueça o provavelmente.
Ele tinha trepado violentamente com Naasha várias vezes, então suas costas estavam doendo. Seu pau estava exaurido. Suas bolas, praticamente vazias.
Não havia alegria em seu coração. Nenhuma. Mas isto não era incomum. E o xampu e sabonete não fizeram nada para ele se sentir mais limpo, provavelmente porque a
sujeira que o incomodava não era exterior. Mas também, não podia dizer que aquilo não lhe era familiar.
Mas nem tudo estava perdido. Havia trabalho a fazer.
Ao chegar ao Novo Mundo, Assail não estava sozinho. Seus primos, Ehric e Evale, vieram na viagem com ele, e se provaram assistentes firmes e leais em todos os aspectos
de seus negócios profissionais. Desde que vieram morar com ele, jamais o deixaram na mão... E estava prestes a precisar deles de novo.
Para algo que provavelmente eles iriam gostar.
Naasha, como era de se esperar, tinha várias amigas em situações similares – fêmeas da glymera que não eram servidas adequadamente por hellrens mais velhos e buscavam
por certas... Liberdades... As quais não tinham acesso. E embora seus primos estivessem recolhidos às suas suítes, na hora em que Assail voltou para casa, ele tinha
certeza de que teriam se voluntariado para o trabalho e ficariam muito felizes de executar.
Por que Wrath tinha razão.
As coisas de fato estavam acontecendo na aristocracia.
Assail sentia, tão certo quanto um aroma no ar noturno. Ele só não saiba ainda o que era. Mas o tempo e o sexo dariam um jeito naquilo.
Saindo do chuveiro, apreciou o grosso e cálido tapete de banheiro felpudo sob seus pés e secou-se com uma toalha aquecida que pegou de uma barra perto do box. De
fato, tinha comprado aquela mansão direto do construtor totalmente mobiliada, e tudo havia sido antecipado e atendido na construção e decoração da casa. Cada luxo
foi ostentado. Nenhum centavo economizado.
Só que o lugar parecia bem vazio, apesar de seus três ocupantes. Meio que como o interior de seu corpo, não era? Refinamento e beleza no exterior, mas sem uma alma
por dentro.
Por um breve interlúdio, as coisas não foram assim. Em ambos os casos.
Mas o tempo havia passado.
Em seu quarto, ele se pôs nu entre os lençóis de seda e fez uma anotação mental para trocá-los na próxima noite. Embora não fosse comum para um macho de sua posição,
ele tinha crescido acostumado a cuidar de suas próprias roupas, toalhas de banho e trocar seus lençóis. Havia um estranho conforto em cuidar de coisas tão simples,
um começo e um fim para cada tarefa da qual tirava certa satisfação.
E era assim que geralmente passava os dias enquanto seus primos dormiam lá embaixo. Arrumando. Esfregando assoalhos e pias, banheiros e armários. Aspirando pó. Polindo.
Era um jeito produtivo de queimar a energia da cocaína.
Mas não neste dia em particular. Depois de alimentar-se, precisava de descanso, não só para a mente, mas para o corpo...
Ao seu lado, o celular tocou suavemente com o antiquado toque de campainha de telefones que não eram mais encontrados.
Ele nem se incomodou em verificar quem era. Ele sabia.
— Eu teria te ligado, – Ele disse — Mas não queria ser rude. É meio cedo para falar de negócios.
O Irmão Vishous não perdeu tempo. O que era uma de suas características mais predominantes.
— O que aconteceu? Conseguiu alguma coisa?
— Na verdade sim. Em diversas posições diferentes. Naasha é muito flexível.
Uma risada sombria veio pela linha.
— Com um macho como você, tenho certeza que ela foi. E esperamos que a mantenha muito satisfeita até ela começar a falar.
— Ela já começou, – Assail sorriu cruelmente no escuro. — Diga-me, sua reputação de Dom é só boato ou você é realmente tão pervertido?
— Vai descobrir em primeira mão se desperdiçar o meu tempo com fofocas.
— Excêntrico.
— Por que pergunta?
— Seu nome foi mencionado na conversa.
— Como?
O fato de não ser uma pergunta, mas uma exigência não era surpresa.
— Ela estava se gabando de antigas conquistas sexuais. Aparentemente você foi uma delas quando era mais nova... E ela deixou bem claro que você é quem tinha executado
toda a conquista, por assim dizer.
— Eu fodi com muita gente, – V disse em tom de voz entediado. — E esqueci noventa e cinco por cento delas. Então me diga o que descobriu... E não sobre sexo. Meu
ou de outros.
Assail não se surpreendeu sobre o redirecionamento da conversa.
— A aristocracia tentará se aproximar do Rei logo. Eles irão convidá-lo para uma recepção privada em comemoração do aniversário de 900 anos do hellren dela... Um
evento que mesmo em boas linhagens é meio raro.
— Eles estão planejando atirar em meu Governante de novo?
— Possivelmente. Meus instintos me dizem que há um caminho sendo forjado. – Assail meneou a cabeça, mesmo que o Irmão não pudesse vê-lo. — Eu só não sei por quem.
Naasha é mais reconhecida pelos seus atributos horizontais do que mentais. Ela não é capaz de desenvolver uma estratégia, seja de natureza traiçoeira ou mesmo um
evento social para a Última Refeição. É por isto que acredito que tem alguém por trás dela. Mas novamente, não sei quem... Ainda.
— Quando vai vê-la de novo?
— Ela vai oferecer um jantar esta noite e irei com meus primos. Devo conseguir descobrir algo mais.
— Que bom. Bom trabalho.
— Ainda não fiz nada.
— Mentira. Quantas vezes ela gozou?
— Parei de contar depois da sétima.
Outra risada sombria veio através da linha.
— Um macho igual a mim. E não descarte a perversão, seu fodidinho preconceituoso. Nunca se sabe quando pode começar a achá-la atraente. Ligue-me amanhã.
— Se continuar assim, vou estar falando mais com você do que com minha própria mahmen.
— Ela não está morta?
— Sim.
— Alguns bastardos ficam com toda a sorte.
Após o encontro com Wrath e a Irmandade, Rhage voltou para seu quarto, e ao abrir a porta esperava que Mary estivesse dormindo...
— Oi.
Está bem, certo. Mary estava bem acordada. Sentada na cama deles, recostada contra a cabeceira, joelhos erguidos contra o peito, braços enlaçando-os.
Como se estivesse à sua espera.
— Ah, oi. – Ele fechou a porta — Pensei que talvez estivesse descansando.
Ela negou com a cabeça. E olhou para ele fixamente.
No estranho silêncio que se seguiu, ele se lembrou de outra noite que parecia ter sido há um século... Quando tinha entrado neste mesmo quarto depois de testar seus
limites com uma humana. Mary estava ficando com ele, e vê-lo depois daquilo quase a destruiu... Inferno, também o tinha destruído voltar para ela daquele jeito.
Mas na época, tinha sido caso de ou fornecer algum sexo a seu corpo ou cair em cima de Mary e arriscar que a besta se libertasse enquanto estivesse dentro dela.
Afinal, sua Mary tinha enfeitiçado-o tanto e tão rápido que sua maldição ameaçava emergir somente na presença dela, e vivia aterrorizado ante a possibilidade de
machucá-la. Com medo de revelar aquela parte de sua natureza para ela. Convencido de que sua falta de valor poderia emergir e arruinar tudo.
Então tinha voltado para cá e teve de encarar aquele rosto, sabendo tudo o que tinha feito com outra mulher.
Depois da noite em que tinha descoberto que ela estava morrendo, aquela era a pior lembrança de toda sua vida.
Engraçado, isto parecia igual de algumas maneiras. Um acerto de contas que ele não queria, mas não podia fazer nada para evitar.
— Conversei com a Beth. – Ela disse sombriamente. — Ela me disse que você ficou com o L.W. enquanto ela levava pontos na mão.
Rhage fechou os olhos e quis xingar. Especialmente quando houve uma longa pausa, como se ela estivesse lhe dando uma chance de explicar.
— Quer me dizer o porquê que segurar o L.W. no colo te deixou tão emocional?
O tom de voz dela era neutro. Controlado. Gentil, talvez até mesmo solícito.
E isto fazia sua verdade parecer especialmente cruel e injusta. Mas ela não ia deixá-lo escapar, mudar de assunto, jogar aquilo de lado. Aquilo não era algo que
sua Mary faria, não em relação a algo assim.
— Rhage? O que aconteceu lá embaixo?
Rhage respirou fundo. Quis se aproximar dela na cama, mas precisava perambular – a agitação e queimação em seu crânio requeria algum tipo de expressão física ou
começaria a gritar. Ou a socar paredes...
Ele só precisava descobrir como verbalizar isto para não soar como se estivesse botando a culpa nela. Ou catastroficamente infeliz. Ou...
— Rhage?
— Me dê um minuto.
— Você está andando em círculos há mais de vinte.
Ele parou. Olhou para sua companheira.
Mary havia mudado de posição e estava agora sentada com o pé pendurado para fora do colchão alto. Ela era engolida pelo tamanho da cama, mas eles precisavam de um
colchão do tamanho de um campo de futebol; ele era tão grande que não podia se esticar em nada menor.
Merda. Estava se desconcentrando de novo.
— Será que foi por você... – Mary olhou para o próprio pé. Então olhou de novo para ele. — É por que você quer ter seu próprio bebê, Rhage?
Ele abriu a boca. Fechou.
Ficou ali como uma tábua enquanto seu coração ribombava no peito.
— Tudo bem. – Ela sussurrou. — Seus irmãos estão começando a constituir família... E observar pessoas que você ama fazer isto realmente causa mudanças. Desperta...
Vontades... Que talvez nem sabia que tinha antes...
— Eu amo você.
— Mas isto não significa que não esteja decepcionado.
Recuando até os ombros grudarem na parede, ele se deixou escorregar até o chão amparar seu traseiro. Então pendeu a cabeça porque não podia aguentar olhar para ela.
— Oh, Deus, Mary, não quero sentir isto, – Quando sua voz falhou, ele pigarreou. — Digo... Eu podia tentar mentir, mas...
— Você vem se sentindo assim há um tempo, não é? É por isto que as coisas estão um pouco esquisitas entre nós.
Ele estremeceu, derrotado.
— Eu teria contado algo antes, mas não sabia o que estava errado. Até lá embaixo na cozinha sozinho com L.W. Surgiu do nada. Isso me atingiu como uma tonelada de
tijolos... Não quero me sentir assim.
— É perfeitamente natural...
Ele socou o chão com força suficiente para rachar a madeira.
— Eu não quero isto! Não quero isto, porra! Você e eu é só o que preciso! Eu nem gosto de crianças!
Conforme a voz dele ecoava pelo quarto, podia senti-la olhando-o fixamente.
E não pôde suportar.
Agitado, golpeou ao redor e sentiu como se estivesse arrancando a pintura das paredes, tacando fogo nas cortinas e quebrando a cômoda com suas próprias mãos.
— Estou falando sério. – Rosnou. — Quando te disse que eu arranjaria um bebê se você quisesse um. Eu falei sério pra caralho!
— Sei que falou. O que não esperava era que fosse você quem acabaria com um vazio no meio do peito.
Ele parou de chofre e falou para o tapete oriental.
— Não importa. Isto não importa. Não vai mesmo acontecer...
— Beth me disse outra coisa. – Mary esperou que olhasse para ela e quando ele o fez, ela secou uma lágrima. — Ela disse que Vishous foi até você antes do ataque.
Ela disse... Que ele te contou que você ia morrer. Que ele tentou te fazer sair de lá, mas você se recusou.
Rhage praguejou e voltou a andar em círculos. Esfregando o rosto com uma mão, viu-se apenas querendo voltar aos primórdios de seu relacionamento. Quando tudo era
fácil. Nada além de bom sexo e um amor melhor ainda.
Não toda esta... Complicação de vida.
— Por que você não voltou? – Ela perguntou de maneira hesitante.
Ele descartou a pergunta com um gesto de mão.
— Ele podia estar errado, sabe. V não sabe de tudo ou ele seria um deus...
— Você correu antes do sinal combinado. Você não esperou... Foi sozinho. Em uma área cheia de inimigos. Sozinho... Logo depois de um de seus Irmãos, um que ainda
não tinha se enganado jamais, dizer que você ia morrer lá. E então você foi ferido. No peito.
Rhage não queria desabar.
Mas foi estranho. Ele estava em pé... E então estava no chão com as pernas falhando debaixo dele em ângulos tortos, seu torso seguindo-as em um amontoado relaxado
de braços e ombros. Mas era isto o que acontecia quando um guerreiro perdia sua luta... Ele se reduzia a uma arma caindo de uma mão que atirou, uma adaga solta de
uma palma, uma granada derrubada, ao invés de jogada no ar.
— Sinto muito Mary. Sinto... Tanto. Me desculpe, me desculpe...
Ele continuou repetindo aquelas palavras vezes sem conta. Não havia mais nada que pudesse fazer.
— Rhage. – Ao interromper sua confusão, a voz de sua Mary estava tão triste que o som dela era pior que a bala de chumbo que tinha ferido seu coração. — Você acha
que se adiantou ao sinal por que queria morrer? E por favor, seja honesto comigo. Isto é sério demais... Para ser varrido para debaixo do tapete.
Sentindo-se um merda, levou as mãos até o rosto e falou por entre as palmas.
— Eu só precisava... Estar perto de você novamente. Como sempre foi. Como deveria ser. Como precisa ser para mim. Eu pensei... Talvez se estivesse do outro lado
e você viesse para mim, poderíamos...
— Fazer o que estamos fazendo agora?
— Só que daí não teria mais importância.
— Ter um filho?
— Sim.
Quando ambos silenciaram, ele praguejou.
— Sinto como se estivesse te traindo de um jeito diferente agora.
Quando ela inalou profundamente, ficou claro que sabia exatamente ao que ele se referia... Àquele momento quando tinha voltado para ela depois daquela outra mulher.
Mas ela se recuperou rápido.
— Por que não posso te dar o que você quer, e você quer mesmo assim.
— Sim.
— Você... Você quer estar com outra mul...
— Deus, não! – Rhage baixou as mãos e negou com a cabeça com tanta força que ela quase se desprendeu da espinha. — Porra, não! Nunca. Jamais. Eu prefiro estar com
você, sem filho nenhum do que... Digo, Jesus, nem por um momento.
— Tem certeza disso?
— Absoluta. Juro. Cem por cento de certeza.
Ela anuiu, mas não estava olhando para ele. Estava de novo olhando para o pé ao flexionar os dedos, então separá-los, então curvá-los para baixo, e então os movendo
para cima.
— Por que tudo bem se for isto. – Disse ela baixinho. — Digo, eu iria compreender se você quisesse... Sabe, uma mulher de verdade.
Capítulo VINTE E QUATRO
Mary considerava-se inteiramente feminista. Sim, era verdade que a maioria dos homens podia levantar mais pesos do que a maioria das mulheres – e esta era uma realidade
tanto entre vampiros quanto humanos – mas além daquela diferença física insignificante, não havia absolutamente nada em seu ponto de vista, que machos fizessem melhor
do que as fêmeas.
Então foi com certa surpresa que percebeu sua sensação de fracasso total ao fato de estar meramente na mesma posição em que os homens estavam.
Entidades que nasciam com órgãos sexuais masculinos não podiam gerar filhos e nem ela. Vê? Igualdade total aqui.
Deus, como doía.
E era doloroso da forma mais estranha. A sensação era fria; era um vazio frio bem no centro do seu peito. Ou talvez mais pra baixo, mesmo que a metáfora de um vazio
onde deveria haver seu útero, no caso dela, só fosse a mais pura realidade.
Mas a sensação era esta. Um espaço oco. Uma caverna.
— Sinto muito. – Ela forçou-se a murmurar. Mesmo que não fizesse sentido algum.
— Por favor. – Implorou ele. — Nunca, jamais diga isto...
Oh, ei, veja, ele tinha se aproximado e ajoelhado à sua frente, as mãos sobre seus joelhos, os olhos azuis fitando-a como se estivesse a ponto de morrer diante do
pensamento de ter lhe causado qualquer mágoa.
Ela colocou a mão no rosto dele e sentiu o calor de sua face.
— Está bem, não vou pedir desculpas por isto. – Disse ela. — Mas sinto muito por nós dois. Você não quer sentir isto e nem eu, e ainda assim, olha como estamos...
— Não, não é como estamos, por que eu rejeito tudo isto. Não vou permitir que isto afete a mim ou a você...
— Já mencionei ultimamente o quanto eu odeio o câncer? – Ela abaixou o braço, consciente de estar interrompendo a fala dele, mas incapaz de parar. — Eu realmente,
realmente, realmente, odeio fodidamente essa doença. É tão bom que vampiros não a tenham por que se você acabasse com alguma versão dela, eu odiaria o universo pelo
resto da minha existência imortal...
— Mary, ouviu o que eu disse? – ele tomou sua mão e levou-a de volta ao próprio rosto. — Eu nunca mais vou pensar nisto. Não vou deixar isto se interpor entre nós.
Não vai ser...
— Não funciona assim com as emoções, Rhage. Eu como terapeuta sei bem. – Ela tentou sorrir, mas achou que o que saiu foi uma careta. — Não podemos escolher o que
iremos sentir... Especialmente não quanto a um assunto tão fundamental como ter um filho. Digo, além da morte e de com quem você quer passar o resto da vida, a coisa
toda de ter um filho é a base da existência.
— Mas você escolhe o que fazer quanto às suas emoções. É o que você sempre diz... É possível escolher como vai reagir a seus pensamentos e sentimentos.
— Sim. Só que de alguma forma... Isto não parece ser possível no momento.
Deus, por que será que as pessoas não surravam seus terapeutas? ela se perguntou. Aquela baboseira hipócrita sobre “dar vazão a seus sentimentos, mas deixar seu
lado carinhoso controlar suas respostas” realmente eram de nenhuma ajuda em momentos como este... Quando se estava a ponto de desabar e seu companheiro também, e
havia uma voz no fundo de sua mente dizendo que vocês dois jamais sairiam desta, porque, Deus, quem poderia?
Oh, e P.S. era tudo culpa dela porque era ela que não tinha óvulos férteis...
— Mary, olhe para mim.
Quando ela finalmente olhou, surpreendeu-se com a expressão feroz naquele rosto lindo dele.
— Eu me recuso a deixar qualquer coisa se interpor entre nós, especialmente esse conto de fadas idiota sobre ter um filho. Por que é o que é. Wrath e Z? Sim, eles
têm filhos com suas companheiras, mas também têm de viver com a realidade de que suas shellans podem morrer... Pelo amor de Deus, Wrath de fato quase perdeu Beth.
E Qhuinn? É claro, ele não está apaixonado por Layla, mas não me diga que ele não se importa com aquela fêmea com todo seu coração considerando o filho dos dois
que ela carrega. – Ele exalou e se sentou mais para trás, apoiando as mãos no chão. Seus olhos fitaram a cabeceira da cama e vagaram ao redor, traçando os entalhes
na madeira. — Quando penso logicamente sobre isto... Por mais forte que seja meu desejo de ter um filho... – Ele mudou o peso e cutucou o centro do peito. — ...
por mais que eu sinta necessidade de ter um filho especificamente com você, o que eu tenho a mais absoluta certeza é que jamais trocaria qualquer criança por você.
— Mas sou imortal, lembra? Você não teria de se preocupar de eu morrer no parto igual a seus irmãos.
Os olhos dele fixaram nos dela.
— Sim, mas então eu não iria voltar a vê-la, Mary. Este era o equilíbrio, lembra? Você não saberia que jamais estivemos juntos... Mas eu sim. Pelo resto da minha
vida eu saberia que você esteve neste planeta, viva e bem... Eu só não poderia jamais vê-la, tocá-la, rir com você de novo. E se eu fosse atrás de você? Você cairia
morta na hora. – Ele esfregou o rosto. — Não poder ter filhos? Esta é a razão pela qual estamos juntos. Não é uma maldição, Mary... É uma bênção. Foi o que nos salvou.
Mary piscou para afastar as lágrimas.
— Rhage...
— Você sabe que é verdade. Sabe que este é o equilíbrio. – Ele sentou-se e tomou suas mãos. — Sabe que é por isto que temos tudo isto. Você nos deu nosso futuro
precisamente por que não pode gerar filhos e filhas para mim.
Quando seus olhos se encontraram de novo e se sustentaram, ela começou de novo a dizer que sentia muito. Mas ele não deixou.
— Não. Não vou ouvir isto, Mary. Sério. Não vou ouvir mais porra nenhuma. E sabe o que mais? Eu não mudaria nada. Nem uma coisinha.
— Mas você quer um...
— Não mais do que quero você comigo, do meu lado, vivendo comigo, me amando. – O olhar dele não se desviou do dela, a força de sua convicção tão forte que faziam
arder os seus olhos. — Sério, Mary. Agora, pensando bem... Onde eu estava com a cabeça? Não. A vida sem você seria uma tragédia. Vida sem filhos? É... Bem, só um
caminho diferente.
O primeiro instinto de Mary foi se apegar a seu próprio drama, a roda de hamster do arrependimento, raiva e tristeza tão sedutores e potencialmente implacáveis quanto
um buraco negro. Mas então tentou superar tudo aquilo, tentou de alguma fora atravessar para o outro lado.
O que a ajudou a se salvar?
O amor nos olhos dele.
Quando Rhage ergueu o olhar para ela, seus olhos eram como o sol, uma fonte de calor, vida e amor. Mesmo com tudo o que ela não podia lhe dar? Ele ainda de alguma
forma conseguia olhar para ela como se tudo o que lhe importasse... Fosse exatamente o que tinha à sua frente.
Naquele momento, Mary percebeu uma coisa.
A vida não tinha de ser perfeita... Para que o amor verdadeiro fizesse parte dela.
Seria somente um caminho diferente.
A coisa mais esquisita aconteceu quando estas cinco palavras saíram da boca do Rhage. Era como se um peso tivesse sido tirado de cima dele, tudo se tornou leve e
meio superficial, seu coração começou a cantar, a alma liberou-se do fardo, a distância que se interpunha entre ele e sua companheira desapareceu como fumaça, como
a névoa se dispersando, como uma tempestade que passou por ali e foi adiante.
— Eu não mudaria nada. – Quando ele falou as palavras, sentiu-se... Livre. — Nada. Não mudaria nada.
— Eu não te culparia se você quisesse mudar.
— Bem, não quero. – Ele acariciou sua perna, puxando suas pernas para ela olhar para ele. — Nem uma coisa.
Mary respirou fundo. Então aquele sorriso dela surgiu, os lábios arquearam nos cantos, os olhos voltaram a se iluminar.
— Mesmo?
— De verdade.
Rhage levantou-se e voltou a sentar perto dela, na mesma posição dela, só que suas pernas eram tão grandes que os pés bateram no chão. Segurando sua mão, ele a cutucou
com o ombro uma vez. Duas. Até ela rir e cutucá-lo de volta.
— Sabe, você tem razão. – Disse ele. — Conversar ajuda.
— Engraçado, estava agora mesmo pensando que tudo isso era baboseira.
Ele negou com a cabeça.
— É incrível como tudo depende de como você encara.
— O que você é, casado com uma terapeuta ou coisa assim? – Quando eles riram um pouco, ela estremeceu. — Sabe, eu nunca realmente pensei em filhos. Estava tão ocupada
passando pela faculdade e então minha mãe adoeceu. Daí eu adoeci. Quando comecei a cogitar, já era tarde para mim... E não houve nenhum lamento ou qualquer tipo
de sensação de perda na minha cabeça. Acho que por que eu sempre soube que o câncer voltaria. Eu sempre soube. E estava certa.
— Daí você se emparelhou com um vampiro.
— Foi. – Só que Mary franziu o cenho. — Quero que me prometa uma coisa.
— Qualquer coisa.
Ela virou a mão dele, traçando as linhas na palma.
— Estou contente por estarmos conversando... Lógico que era inevitável que este assunto surgisse, e realmente, em retrospecto, não sei por que não antecipei. E mesmo
que seja difícil para nós dois, estou contente de que estejamos falando sobre isto e fico feliz por você se sentir melhor. Eu só... Você precisa entender que algo
assim não se resolve só com uma conversa.
Ele não tinha tanta certeza. Antes, sentia como se as engrenagens não estavam se encaixando, mas agora? Tudo estava funcionando tão bem quanto costumava estar...
E ainda melhor.
— Talvez.
— Acho que o que estou tentando dizer é que eu não quero que você fique surpreso ou se sinta mal se seu desapontamento voltar. Da próxima vez em que vir Wrath e
L.W. ou da próxima vez em que Z aparecer com a Nalla no colo? Provavelmente vai sentir esta angústia de novo.
Quando ele imaginou seu Rei e o irmão, deu de ombros.
— É, tem razão. Mas sabe o que? Bastará eu me lembrar de que tenho você e que isto não seria possível sob outras circunstâncias. Isto vai ajudar a me fazer sentir
normal de novo. Prometo.
— Só se lembre de que a negação não é uma boa estratégia a longo termo se o que busca é saúde mental.
— Ah, mas a perspectiva é mais ou menos uma estratégia a longo termo. Assim como ser grato pelo que se tem.
Ela sorriu de novo.
— Touché. Mas, por favor, conversa comigo? Eu não vou quebrar e prefiro saber o que passa em sua cabeça.
Erguendo a mão, ele colocou uma mecha do cabelo dela atrás da orelha.
— Mary, você é a pessoa mais forte que eu conheço.
— Às vezes não tenho tanta certeza disto. – Com uma mudança de posição e um esticão, ela depositou um beijo em sua boca. — Mas obrigada pelo voto de confiança.
— Tudo isto foi uma surpresa tão grande. – Murmurou ele. — Não era como se eu vivesse esperando ter um filho ou que não tê-los sequer me incomodasse.
— Não dá para saber o que a vida vai nos apresentar. – Agora foi ela quem deu de ombros. — E acho que isto pode tanto ser bom, quanto ser ruim.
— Realmente falei sério. Se você quer um filho, eu encontro um para você. Mesmo que seja humano.
Por que Deus sabia que crianças vampiras eram quase impossíveis de serem encontradas para adoção. Eram tão raras, preciosas demais.
Mary negou com a cabeça após um momento.
— Não, não acho que isto vai acontecer. Meu instinto materno se expressa através do meu trabalho. – Ela olhou para ele. — Mas gostaria de ter sido mãe ao seu lado.
Teria sido bem divertido. Você seria um pai maravilhoso.
Rhage tomou seu rosto entre as mãos e sentiu todo o amor que tinha por ela percorrer seu corpo inteiro. Odiava que ela tivesse se magoado com isto. Teria feito absolutamente
qualquer coisa para evitar qualquer dor a ela.
Exceto sacrificar o amor deles.
— Oh Mary, você teria sido a mãe mais maravilhosa. – Ele acariciou seu lábio inferior com o polegar. — Mas você não é menos fêmea a meus olhos. Você é, e continuará
a ser para sempre, a companheira mais perfeita da terra, a melhor coisa que já me aconteceu na vida.
Quando os olhos dela novamente se encheram de lágrimas, ela sorriu.
— Como é possível... Que você sempre consiga fazer eu me sentir tão bela?
Ele a beijou uma vez, e então de novo.
— Só estou refletindo de volta o que vejo e sei que é verdade. Não passo de um espelho, minha Mary. Agora me deixa te beijar de novo? Mmmmmmmm...
CONTINUA
Capítulo DEZOITO
As anotações nos prontuários dos pacientes do Lugar Seguro eram todas manuscritas. Em parte, devido ao custo: computadores, redes e armazenamento de dados confiáveis
custavam caro, e com a equipe como prioridade, aplicar fundos na área de tecnologia da informação simplesmente não parecia prioridade. Mas também, isto acontecia
devido ao fato de Marissa, sua destemida líder, ser antiquada e realmente não gostar que coisas importantes fossem mantidas de alguma forma que não pudessem segurar
nas mãos.
Afinal, quando se tinha quase quatrocentos anos de idade, a revolução tecnológica das últimas três décadas eram um pontinho ínfimo em seu sistema de radar.
Talvez daqui a um século a chefe confiasse um pouco mais nos Bill Gates da vida.
E Mary até que achava isto bom. Mais humano, de certa forma, ver as diferentes letras manuscritas, diferentes canetas, diferentes maneiras de pessoas escreverem
palavras com erros de vez em quando. Era o equivalente visual a uma conversa, cada um trazendo algo único de si mesmo aos registros – ao contrário do que acontece
em registros uniformes, que passaram por corretores ortográficos onde as palavras são todas digitadas iguais.
Se bem que isto dificultava a busca por uma referência em particular. Entretanto, reler tudo do início podia ajudar a captar coisas que previamente poderiam ter
passado batido.
Por exemplo, tios.
Após não encontrar nenhuma menção a parentes próximos no formulário de admissão, Mary seguiu lendo cada uma das anotações do prontuário de Annalye, as quais estavam
em sua própria letra. E bem como se lembrava, invariavelmente os registros eram curtos e continham pouca coisa útil.
Bitty não foi a única a se manter reservada.
Não havia nem uma única menção a um irmão ou qualquer outro parente. E a fêmea não tinha falado de seu companheiro morto também ou de qualquer abuso que ela e Bitty
tivessem sofrido. O que não significava que a violência tinha ficado fora dos registros. As anotações médicas das duas foram impressas e anexadas na contracapa do
prontuário.
Ao terminar a releitura, Mary precisou se recostar na cadeira e esfregar os olhos. Como várias vítimas que temiam por suas vidas, a mahmen de Bitty viera em busca
de assistência médica somente uma vez, quando a filha estava tão ferida que não havia jeito de que o processo natural de cura cicatrizasse os ferimentos. As radiografias
contaram o resto da sombria história, revelando anos de fraturas ósseas que tinham se solidificado. Em ambas.
Fechando o prontuário, pegou o de Bitty. O da garota era mais fino, já que seus registros médicos foram misturados aos da mãe, e também por ela lhes revelar ainda
menos do que Annalye. Tiveram regulares sessões de terapia, jogos criativos e aulas de música. Mas não havia muito para prosseguir.
De certa forma, todo mundo esteve somente esperando pelo inevitável...
— Sra. Luce?
Mary pulou na cadeira, estendendo a mão e esbarrando no mata-borrão da mesa.
— Bitty! Não te ouvi chegar.
A garotinha estava em pé na porta aberta, sua pequena figura parecendo ainda menor entre os batentes. Esta noite os cabelos castanhos estavam soltos e cachos espalhavam-se
em todas as direções, e ela usava outro dos vestidos costurados a mão, desta vez amarelo.
Mary teve de combater uma vontade quase irresistível de fazê-la vestir uma blusa de frio.
— Sra. Luce?
Forçando-se a prestar atenção, Mary disse.
— Desculpe, o que?
— Estive pensando... Meu tio já não teria vindo?
— Ah, não. Ele ainda não veio. – Mary pigarreou. — Ouça, pode vir aqui um minutinho? E feche a porta, por favor.
Bitty fez o que ela pediu, fechando a porta às suas costas e aproximando-se até estar em pé na frente da mesa.
— Estes são seus prontuários, querida. – Mary tocou as pastas pardas. — Seu e de sua mahmen. Eu acabei de analisá-los de novo. Não consegui... Não encontrei nada
sobre seu tio. Não há menção alguma sobre ele aqui. Não estou dizendo que ele não existe, eu só...
— Minha mahmen entrou em contato com ele. Então ele está vindo me buscar.
Bosta, pensou Mary. Precisava ir com muito tato.
— Como foi que sua mãe fez isto? – Perguntou. — Ela escreveu para ele? Telefonou? Pode me dizer como ela entrou em contato com ele? Talvez eu devesse tentar também.
— Eu não sei como foi. Mas ela falou com ele.
— Como ele se chama? Você se lembra?
— O nome dele é... – Bitty baixou o olhar para a mesa. Para os prontuários. — É...
Era fisicamente doloroso observar a garota tentar inventar o que provavelmente seria um nome de mentira. Mas Mary lhe deu espaço, esperando contra qualquer esperança
que houvesse uma solução mágica para tudo isto, algum irmão que de fato existisse aí pelo mundo, que pudesse ser tão bom para Bitty quanto ela merecia...
— Ruhn. O nome dele é Ruhn.
Mary fechou os olhos por um momento. Não conseguiu evitar. Ruhn era parecido com Rhym, lógico. Só uma pequena alteração no nome da supervisora das internações, uma
distância muito facilmente cruzada por uma mente jovem em busca de uma saída de uma situação horrível.
Ela precisava mesmo manter seu profissionalismo.
— Certo, bem, vou te dizer o que vou fazer. – Mary pegou o telefone. — Se você concordar, vou publicar sobre ele em um grupo fechado do Facebook. Talvez algum membro
o conheça e possa contatá-lo para nós?
Bitty anuiu um pouco.
— Posso ir?
Mary pigarreou.
— Mais uma coisa. As cinzas de sua mahmen... Elas ficarão prontas para serem retiradas em breve. Estive pensando, se você quiser podemos fazer a cerimônia para ela
aqui. Sei que todos aqui a amavam muito, assim como amamos você também...
— Prefiro esperar meu tio chegar. Então ele e eu poderemos fazer isto juntos.
— Tudo bem. Bem, quer ir comigo buscá-la? Quero ter certeza de que você...
— Não. Quero esperar aqui pelo meu tio.
Bosta.
— Tudo bem.
— Posso ir?
— Claro.
Quando a garotinha se virou, Mary disse.
— Bitty.
— Sim? – Bitty olhou para ela. — O que?
— Você pode conversar comigo, sabia? Sobre qualquer coisa. Estou aqui para você... E se não quiser conversar comigo, tudo bem, outra pessoa da equipe estará aqui
para te ajudar. Não vou ficar chateada. A única coisa que me importa é que você tenha todo o apoio que precisar.
Bitty olhou para o chão por um momento.
— Está bem. Posso ir?
— Eu sinto muito mesmo pela forma como... Como tudo aconteceu na clínica na noite passada. Acho melhor você conversar sobre isto com alguém... Se não quiser falar
comigo...
— Conversar não vai trazer minha mahmen de volta, Sra. Luce. – Aquela voz estava tão séria que poderia ter saído da boca de um adulto. — Conversar não vai mudar
nada.
— Vai sim. Acredite.
— Vai fazer o tempo voltar? Acho que não.
— Não, mas pode te ajudar a ajustar sua nova realidade. – Deus, estava realmente falando assim com uma garota de nove anos? — Você tem de desabafar sobre a sua dor...
— Eu vou sair agora. Estarei lá em cima, no sótão. Por favor, me avisa quando meu tio chegar?
Com isto, a garota saiu e silenciosamente fechou a porta. Quando Mary baixou a cabeça, colocando-a entre as mãos, ouviu os passinhos subindo a escada rumo ao terceiro
andar.
— Maldição. – Sussurrou ela.
Ao se levantar da mesa da cozinha, Rhage não estava preocupado de que quem quer que estivesse correndo pela sala de jantar e indo em sua direção fosse inimigo. Estava
mais preocupado que algum morador da casa estivesse em apuros.
Por que havia outro som junto com os passos.
Um bebê chorando.
Antes que chegasse à porta, Beth, a Rainha, entrou chorando na cozinha. O bebê sob um de seus braços como se fosse um saco de batatas, a mão livre erguida escorrendo
muito sangue.
— Ai, merda! – Rhage disse, correndo para alcançá-la perto da pia. — O que aconteceu?
Sua visão não estava tão clara como deveria, mas parecia haver muito vermelho na frente da camiseta dela. E sentia cheiro de sangue por todos os lados.
— Pode segurá-lo para mim? – Disse ela acima do choro de L.W. — Por favor, fique com ele.
Eeeeee foi assim que acabou segurando o primogênito de Wrath sob as axilas como se a criança fosse um dispositivo explosivo com um pavio queimando depressa demais.
— Ah... – Disse quando o garoto chutou e acertou-o bem no rosto. — Hum... É, quer ir à clínica ver isto?
Ao falar, não sabia ao certo se o “isto” referia-se ao ferimento ou ao bebê.
Movendo o barulhento saco de DNA de Wrath para o lado, tentou enxergar o que estava rolando – ela tinha cortado o dedo? A mão? Os pulsos?
— Foi idiotice minha. – Murmurou ela, silvando. — Eu estava lá fora na varanda, levando-o para ver a lua por que ele gosta e não estava olhando por onde pisava.
Escorreguei em uma porção de folhas e ooops! Os pés falharam. Ele estava no meu colo e eu não queria cair em cima dele. Estendi a maldita mão buscando equilíbrio,
raspei-a em um azulejo rachado e me cortei. Merda... Não para de sangrar.
Rhage piscou ao se perguntar exatamente quanto tempo aquela zoeira em seus ouvidos ia durar até ela levar o L.W. embora.
— O que... Ah...
— Ei, pode ficar com ele por um minuto? A Dra. Jane está no Pit, acabei de receber uma mensagem de texto dela. Vou correr até lá para ela dar uma olhada nisto. Volto
em dois segundos.
Rhage abriu a boca e congelou como se tivesse uma arma apontada para sua cabeça.
— Ah, sim. Claro. Sem problema. V Por favor, não permita que eu mate o filho de Wrath. OhDeusOhDeusOhDeus. — Ele e eu ficaremos muito bem. Vamos tomar um pouco de
café e...
— Não. – Beth fechou a torneira e enrolou a mão em uma toalha. — Nada de comida. Nada de bebida. E vou voltar logo mesmo.
A fêmea partiu em uma carreira desabalada passando pela cozinha e pela sala de jantar – e ao vê-la partir correndo tal qual Usain Bolt, ele teve de se perguntar
se era só por causa da mão... Ou pelo fato de ter deixado seu filho com um incompetente total.
Eeeeeeee L.W. agora estava chorando pra valer, como se ao perceber que sua mahmen tinha saído do recinto, os berros anteriores fossem só um aquecimento.
Rhage apertou bem os olhos e começou a voltar para sua cadeira junto à mesa. Mas depois de dois passos, pensou na queda de Beth e imaginou-se esmagando o garoto
como uma panqueca. Arregalando os olhos, prosseguiu bem devagarzinho como se equilibrasse um vaso de cristal no topo do crânio. Assim que chegou ao alcance, estacionou
o traseiro na cadeira e segurou o garoto em pé sobre aqueles pés de biscoito dele. L.W. ainda não era forte o bastante para sustentar-se em pé, mas aqueles berros
eram como numa música rock and roll.
— Sua mahmen já vem... – Por favor, querida Virgem Escriba, faça essa fêmea voltar antes que eu fique surdo. — É... Já está viiiiindo.
Rhage olhou ao redor daquele par de pulmões extremamente saudáveis e rezou para que alguém, qualquer pessoa, viesse correndo.
Quando aquele otimismo passivo não resultou, voltou a se concentrar no rostinho vermelho.
— Amiguinho, eu já entendi. Acredite. Eu já te ouviiiiiiiii.
Okay, se a definição de insanidade fosse mesmo fazer a mesma coisa repetidas vezes...
Virando o garotinho, Rhage deitou L.W. de costas na dobra de seu braço como viu Wrath e Beth fazer...
Puta merda, isto só irritou o garoto ainda mais. Se é que era possível.
Próxima posição? Humm...
Rhage colocou L.W. recostado em seu peito para que o bebê pudesse ver por cima do seu ombro. E então deu tapinhas com a palma da mão nas costinhas surpreendentemente
robustas. De novo. E de novo. E de novo...
E quem diria. A merda funcionou.
Cerca de quatro minutos e trinta e sete segundos depois – não que Rhage estivesse contando – L.W. passou a soluçar, como se seu fazedor de lágrimas estivesse sem
energia para continuar funcionando. Então o garoto deu um suspiro entrecortado e relaxou.
Mais tarde, Rhage se perguntaria se as coisas poderiam ter ficado bem se L.W. tivesse parado por aí. Talvez se a criança não tivesse feito o que fez depois... Ou
talvez se tivesse recomeçado a chorar? Então talvez Rhage pudesse ter se salvado.
O problema foi que, alguns momentos depois, L.W. enlaçou a garganta de Rhage com um braço gordinho, e então agarrou o moletom que Rhage vestia e segurou, aproximando-se
mais, buscando conforto, encontrando-o... Confiando nele por que o carinha era completamente indefeso no mundo.
Subitamente Rhage parou as batidinhas, congelando exatamente onde estava, mesmo se equilibrando na cadeira. E com uma clareza despedaçadora, tudo sobre o bebê se
registrou nele, do calor naquele corpinho vital à força tensa daquele aperto de mão, àquele peito subindo e descendo. O som das pequenas fungadas soavam bem junto
à orelha de Rhage, assim como a respiração pulsante, e quando L.W. mexeu a cabeça, sedosos e finos fios de cabelos pinicaram o pescoço de Rhage.
Isto era o futuro, pensou Rhage. Isto era... O destino, ali, descansando contra ele.
Afinal, L.W. tinha olhos que testemunhariam eventos muito depois de Rhage não mais existir. E o cérebro da criança tomaria decisões que Rhage não poderia nem imaginar.
E o corpo, que era frágil em seu estado inicial, mas que na maturidade lutaria, honraria e protegeria, do mesmo jeito que o pai tinha feito, e o pai de seu pai...
E todos os antepassados da linhagem antes dele.
Além disto, Beth dera aquilo a Wrath. Era algo que eles compartilhavam. Eles tinham... Feito... Juntos.
Subitamente, Rhage descobriu que não conseguia respirar.
Capítulo DEZENOVE
Naasha não o fez perder tempo.
Assim que Assail apareceu na sala de estar da dama na mansão de seu hellren, uma porção da parede coberta de papel de parede cor pêssego deslizou e Naasha entrou,
atravessando uma porta oculta.
— Boa noite. – Disse ela, fazendo pose. — Estou usando vermelho, do jeito que pediu.
Fale-se o que quiser sobre sua falta de pedigree e seu casamento por interesse, mas ela era uma fêmea linda, de cabelos compridos e com uma harmonia de medidas entre
busto-cintura-quadris digna de Marilyn Monroe. De vestido curt, e os pés metidos em um par de Louboutins, ela era o sonho molhado de qualquer um que possuísse um
pau.
E ainda assim, tão embonecada e produzida, não chegava aos pés de sua Marisol – do mesmo jeito que uma flor de estufa nunca seria tão atraente quanto algo que tenha
crescido, indomada e inesperadamente, ao ar livre.
Ainda assim, o cheiro dela o afetou de forma não tão diferente da cocaína que tinha cheirado antes de ir para ali, e seu corpo despertou, mesmo que as emoções e
sua alma continuassem mortas e frias. A horrível realidade era que seu corpo necessitava do sangue de uma vampira – e este imperativo biológico tomaria a dianteira
aqui e agora, acima de qualquer outra coisa.
Mesmo que sob outras circunstâncias ele jamais teria sequer reparado na existência dela.
— Gosta? – Disse ela erguendo os braços e dando uma voltinha lenta.
Ele, como era esperado, sorriu revelando suas presas alongadas.
— Vai ficar melhor sem ele. Vem aqui. – Mandou ele.
Naasha aproximou-se lentamente, mas não o caminho todo, parando perto de um sofá francês antigo, amarelo creme, com mais almofadas do que espaço para sentar.
— Vem você.
Assail negou com a cabeça.
— Não.
O beicinho foi rápido, os lábios grossos dela se juntaram brilhando com uma cor que combinava com o vestido.
— Você atravessou a cidade inteira pra me ver. Certamente pode dar mais alguns passos.
— Eu não vou atravessar esta sala.
Ante o olhar enfastiado que ele expressou, nem um pouco forçado, a excitação dela fulgurou.
— Você é tão desrespeitoso. Eu devia te mandar embora.
— Se acha que isto é desrespeito, ainda não viu nada. E vou ficar mais do que feliz de ir embora.
— Eu tenho um amante, sabe?
— Tem mesmo? – Ele inclinou a cabeça. — Meus parabéns.
— Então estou muito bem servida. Apesar da enfermidade do meu amado.
— Bem, então é melhor eu ir...
— Não. – Ela rodeou rapidamente o sofá, movendo-se até estar tão perto que ele podia ver os poros em sua pele suave. — Não vá.
Ele fez um show ao olhar para o rosto dela. Então estendeu a mão e tocou seus cabelos.
— Ajoelhe-se. – Antes dela poder dizer qualquer coisa, ele apontou para seus pés. — De joelhos. Agora.
— Eu já tinha esquecido como você é mandão...
— Não me faça perder tempo.
Quando outro jorro de sua excitação atingiu-o no nariz, soube que ela ia se ajoelhar no tapete Aubusson – e quando ela esticou a mão para se equilibrar tocando seu
peito, ele afastou a mão dela para que fosse forçada a cambalear para baixo até o chão.
— Isso, boa garota. – Acariciou suas bochechas com o nó dos dedos. Então agarrou um punhado de seus cabelos e forçou a cabeça dela para trás. — Abra a boca.
Com os lábios separados ela começou a arfar, o cheiro de seu sexo se tornou um rugido no nariz dele, o rosto dela enrubescido de calor, os seios apertados para cima
do corpete do vestido. Com a mão livre, abriu o zíper de suas elegantes calças e expôs sua ereção.
Acariciando-se, ele grunhiu.
— Quer me contar mais sobre seu amante?
Os olhos semicerrados dela assumiram uma luz erótica.
— Ele é tão forte...
Assail meteu o pau entre os lábios dela, impedindo-a de continuar a falar. E então, usando o aperto naqueles cabelos, fodeu sua boca enquanto ela gemia, as mãos
indo até os próprios seios e apertando, os joelhos bem separados como se na mente dela ele estivesse entrando e saindo de seu núcleo, ao invés da boca. Ou talvez
dos dois lugares.
Enquanto a fodia com brusquidão, não era como se a odiasse. Nem mesmo desgostava dela – de qualquer forma, ela teria de estar em seu radar para ter qualquer tipo
de opinião sobre ela, o que não acontecia.
O que odiava era o fato dela não ser quem ele desejava.
Quanto mais pensava naquela realidade, na distância eterna, na perda?
Liberando o pau da boca de Naasha, levou-a ao sofá de joelhos, usando o cabelo como guia. E ela adorou. Seguiu-o com mais do que boa vontade, arfando enrubescida,
pronta para ser fodida. O que era conveniente, não era?
Especialmente quando a inclinou sobre aquele belo sofá francês, puxou para cima aquela saia curta e justa, e penetrou-a por trás.
Ela gozou imediatamente, estremecendo e sacolejando debaixo dele. E quando ele puxou a cabeça dela para trás mais uma vez, ela gritou o nome dele.
— Shhh. – Ele murmurou. — Não vai querer que seu amado ouça. Ou seu namorado.
Ela gemeu uma porção de coisas ininteligíveis, tão perdida no ato que seu cérebro tinha obviamente tirado um descanso. E de um jeito estranho, sentiu inveja da experiência
erótica que ela obviamente estava curtindo. Para ele, aquilo não passava da expressão de uma necessidade básica, um treino físico com prazer e sangue como um troféu
anônimo.
Não tinha nada daquele prazer sem limites que ela tão claramente expressava. Mas pelo menos, ele podia usar esta fraqueza dela... A favor de Wrath.
Alongando as presas, Assail golpeou a lateral da garganta dela, mordendo com força enquanto a penetrava, sugando-a, tomando sua parte. O gosto dela era... Bom. A
sensação do sexo dela apertando e soltando seu pau era... Boa. A força que lhe forneceria era totalmente necessária.
Do outro lado da sala, no vidro ondulado de um espelho ancestral, viu seu reflexo metendo nela.
De fato aparentava tão morto quanto se sentia. Mas, de qualquer forma, tateou o bolso interno do casaco em busca do celular.
Vishous passava pela sala de musculação do centro de treinamento quando seu celular vibrou, graças ao WiFi da área. Tirando a coisa do bolso traseiro da calça, digitou
a senha e sorriu diante da mensagem.
Era uma foto de Assail – da parte de trás da cabeça de uma fêmea de cabelos pretos enquanto ela estava de quatro sobre um sofá. A mensagem embaixo era curta e grossa:
Estou dentro.
Bom trabalho. – V digitou de volta. — Divirta-se.
— E nos traga alguma coisa. – Disse ele ao voltar a guardar o celular.
O vício do macho era um problema em potencial, mas parecia que Wrath fez uma aposta certa com o filho da puta. Assail era bonito, rico e um bastardo total com a
linhagem certa. Era o espião perfeito para infiltrar na glymera.
Tudo dependeria do que ele descobriria. E por quanto tempo ele seria um bom garoto e jogaria de acordo com as regras.
Qualquer pensamento independente da parte dele e V deixaria aquela garganta mais aberta do que uma porta de garagem. Mas até este momento chegar, Assail estava solidamente
na coluna dos Úteis, Aqueles Que Merecem Continuar Vivos.
Quando Vishous chegou à entrada dos estandes de tiro ao alvo, abaixou-se e pegou uma sacola preta que tinha deixado ali horas atrás. Dirigindo-se até o espaço de
teto baixo com cheiro de mofo, soltou um cumprimento.
— Como estamos? – Disse circulando a cabine de tiros e prosseguindo até a área de alvo feita de concreto.
Blay levantou-se da cadeira dobrável onde estava esticando os braços acima da cabeça e as palmas no teto.
— Na mesma.
— Mas derrotei este cara duas vezes no baralho. – Lassiter interrompeu.
— Só por que você trapaceou.
Vishous olhou e meneou a cabeça para o anjo.
— O que está fazendo aqui? E por que está em uma cadeira de jardim?
— Apoio para a lombar...
Nesse momento, o pedaço de carne às costas de V se mexeu – e V teve de dar um crédito ao cuzão de cabelo bicolor: Lassiter estava em pé e fora daquela coisa mais
rápido do que um piscar de olhos, de arma apontada para o peito de Xcor como se preparado para abrir um buraco naquele coração.
— Calma, cowboy. – Disse V. — Foi só um espasmo muscular involuntário.
O anjo não pareceu ouvi-lo – ou talvez não quisesse que ninguém mais fizesse uma avaliação de seu dedo de atirar, mesmo alguém com treinamento médico.
Difícil não aprovar o cara. Difícil também não notar que claramente Lassiter não ia sair do lado de Xcor, como se confiasse somente em si mesmo para cuidar daquela
situação.
Merda, contanto que o anjo não abrisse a boca e desde que V não pensasse nas pequenas diferenças que eles tiveram no passado, quase dava para esquecer o quanto queria
chutar o filho da puta.
Aproximando-se do prisioneiro, Vishous avaliou-o visualmente. Ao chegarem ali com o bastardo, V o amarrou na mesa de madeira de cara pra cima e braços abertos, fechando
algemas de aço inoxidável nos pulsos e tornozelos e em volta daquele pescoço grosso – e quem diria, o cara estava bem do jeito que tinha deixado. A cor era passável.
Olhos fechados. O ferimento na cabeça, na base do crânio, já não vazava mais, provavelmente já tinha cicatrizado.
— Precisa de ajuda? – Perguntou Blay.
— Não, tudo certo.
Abrindo a sacola, V usou o equipamento que estava dentro para verificar os batimentos cardíacos, a pressão sanguínea, temperatura e oxigenação. A coisa que mais
o preocupava era o inevitável hematoma onde tinha golpeado o fodido com a pistola – e suas possíveis complicações, que incluíam qualquer coisa, do inconveniente
ao catastrófico. No entanto, sem movê-lo ou sem trazer até ali equipamentos verdadeiramente pesados e caros, não haveria jeito de descobrir.
Mas suspeitava. Era inteiramente possível que a concussão tivesse causado um derrame isquêmico devido a um coágulo sanguíneo que bloqueou uma veia.
Era bem a sorte deles. Capturam o inimigo e o bastardo tinha uma morte cerebral pra cima deles.
Depois de V guardar seus brinquedos e fazer suas anotações no arquivo digital em seu celular, deu um passo para trás e só encarou o rosto feio do macho. Na falta
de conseguir fazer uma bateria de exames, tinha de confiar em sua própria observação – e às vezes, mesmo com o equipamento avançado e moderno, nada superava a própria
interpretação do médico sobre o que via.
Estreitando os olhos, traçou cada respiração, cada exalação... E os espasmos nas sobrancelhas e a imobilidade das pálpebras... Os movimentos aleatórios dos dedos...
As contrações sob a pele das coxas.
Derrame. Definitivamente um derrame. Absolutamente nenhum movimento do lado esquerdo.
Acorda, caralho, pensou V. Para eu poder te bater mais e te botar pra dormir de novo.
— Maldição.
— O que há? – Perguntou Blay.
Se não houvesse alguma melhora logo, teria de tomar a decisão de manter Xcor – ou jogar o corpo dele no lixo.
— Você está bem?
V virou-se para Blay.
— O que?
— Seu olho está tremendo.
Vishous esfregou o olho até parar. E então se perguntou, com tudo o que estava rolando, se seria o próximo na lista de vítimas do AVC.
— Avise-me se ele recobrar a consciência?
— Pode deixar. – Disse Lassiter. — E também aviso quando precisar de mais um Milk-shake de morango.
— Não sou seu empregado. – V pendurou de novo a sacola no ombro e foi para a porta. — E se me mandar beijo de novo, vou colocar um aparelho de ressonância magnética
em você, ao invés do contrário.
— E se eu beliscar sua bunda? – O anjo provocou.
— Tente e vai descobrir que a imortalidade, igual ao tempo, é relativo.
— Você sabe que me ama!
Vishous meneava a cabeça ao sair para o corredor. Lassiter era como uma gripe, contagiosa, irritante e nada que alguém desejasse ter.
E ainda assim, estava feliz pelo fodido estar ali. Mesmo que Xcor no momento não passasse de um vegetal.
Capítulo VINTE
Beth Randall, companheira do Rei Cego, Wrath, filho de Wrath, pai de Wrath, Rainha de todos os vampiros, partiu rumo à porta principal do Pit, com a Dra. Jane ainda
enrolando uma faixa em sua mão recém-costurada.
— Está ótimo! Obrigada...
A companheira de V a seguia na corrida, as duas se esquivando de uma sacola de ginástica, uma maleta... Uma boneca inflável que total e verdadeiramente precisava
de roupas.
— Você precisa parar, sério!
— Já está tudo bem...
— Beth! – Jane remexeu em seu rolo de fita cirúrgica e começou a rir. — Não consigo encontrar a ponta...
— Deixa que coloco depois...
— Pra que tanta pressa?
Beth parou.
— Deixei L.W. com Rhage na cozinha.
A Dra. Jane piscou.
— Oh, Deus... Vá!
Beth foi sumariamente empurrada para fora do Pit com a fita e acabou o serviço enquanto atravessava correndo o pátio, mordendo a ponta da fita com os dentes e colando
a coisa na gaze branca que foi enrolada ao redor de sua mão. Subindo aos pulos os degraus para a grandiosa entrada da mansão, abriu a porta para o vestíbulo e enfiou
a cara na câmera.
— Vamos lá... Abra – Murmurou ao transferir seu peso pra frente e pra trás sobre os pés.
Rhage não ia machucar o garoto. Pelo menos, não de propósito. Mas puta merda, em sua mente repetidamente vinha a imagem de Annie Potts cuidando do bebê em Os Caça-Fantasmas
II, alimentando-o com pizza francesa.
Quando a tranca finalmente foi liberada por dentro, entrou correndo no saguão desviando da empregada que abriu caminho para ela.
— Rainha! – A doggen disse com uma reverência.
— Oh, Deus, desculpe, sinto muito! Obrigada!
Sem saber exatamente do que estava pedindo desculpas, disparou pela sala de jantar vazia e entrou na cozinha...
Beth parou de chofre.
Rhage estava sentado sozinho à mesa e tinha L.W. recostado em seu ombro, o bebê aninhado bem junto a seu pescoço, aquele braço enorme embalando o bebê com todo o
senso de proteção que qualquer pai teria demonstrado. O Irmão estava de olhos fixos à frente, além de sua vitrine de carboidratos consumida pela metade e a jarra
de café quase vazia.
Lágrimas escorriam pelo seu rosto.
— Rhage? – Disse Beth suavemente. — O que houve?
Depositando a fita cirúrgica sobre o balcão, aproximou-se deles... E quando ele não percebeu sua aproximação, pousou a ponta dos dedos no ombro dele. E ainda assim
ele não respondeu.
Ela falou um pouco mais alto.
— Rhage...
Ele se assustou e olhou para ela, surpreso.
— Oh, ei. Tudo bem com sua mão?
O macho não parecia ter consciência de suas emoções. E por alguma razão bem triste, parecia apropriado que estivesse cercado pelo caos de sua refeição, pacotes abertos
de bagels e pães espalhados pela mesa rústica de madeira, barras de manteiga, blocos de cream cheese e guardanapos de papel amassados por toda sua volta.
Ele estava, naquele momento silencioso, tão bagunçado quanto tudo à sua frente.
Ajoelhando-se, tocou o seu braço.
— Rhage querido, o que está havendo?
— Nada. – O sorriso que se abriu naquele rosto bonito era vazio. — Eu o fiz parar de chorar.
— Sim, você fez. Obrigada.
Rhage anuiu. Então meneou a cabeça.
— Aqui, deixa eu te devolver ele agora.
— Está bem. – Sussurrou ela. — Fique com ele o tempo que quiser. Ele parece realmente confiar em você... Nunca o vi ficar calmo com ninguém além de mim e Wrath.
— Eu, ah... Dei palmadinhas nas costas dele. Sabe? Igual a vocês. – Rhage pigarreou. — Eu tenho observado você com ele. Você e Wrath.
Agora ele voltou a olhar fixo para o outro lado da sala.
— Não por mal, nem nada disto. – Ele completou.
— É claro que não.
— Mas eu tenho... – Ele engoliu em seco. — Estou chorando, não estou?
— Sim. – Estendendo a mão, ela tirou um guardanapo de papel do suporte. — Aqui.
Levantando-se, ela secou debaixo daqueles lindos olhos azul ciano – e lembrou-se da primeira vez que o viu. Foi na antiga casa de seu pai, Darius. Rhage estava dando
alguns pontos em si mesmo em uma das pias do banheiro, trabalhando a linha e agulha através da própria pele como se aquilo não fosse grande coisa.
Não é nada. A coisa só fica séria quando dá pra usar o próprio intestino como cinto.
Ou algo assim.
E então se lembrou do que aconteceu depois quando a besta saiu dele e ele teve de se deitar no quarto subterrâneo do pai dela para se recuperar. Ela tinha lhe dado
seu antiácido e o acalmado em meio à sua cegueira e desconforto o máximo que conseguiu.
Parecia ter sido há tanto tempo.
— Pode me contar o que está errado?
Ela observou a mão dele executar pequenos movimentos circulares nas costas do L.W.
— Não é nada. – Os lábios dele se esticaram no que claramente era para ser outro sorriso. — Só estou aproveitando um momento calmo com seu filho maravilhoso. Você
é tão sortuda. Você e Wrath têm tanta sorte.
— Sim, temos mesmo.
Ela quase morreu no parto de L.W. e pra salvar sua vida tiveram de remover seu útero. Não haveria mais possibilidade de ter filhos biológicos – e sim, aquilo era
meio entristecedor. Mas cada vez que olhava para o rosto do filho, ficava tão grata por ele que o fato de que não poderia arriscar na loteria de novo não parecia
uma perda muito grande.
Mas Rhage e Mary? Eles não iriam nem ter a oportunidade de tentar. E aquilo certamente era o que estava na mente de Rhage naquele momento.
— É melhor eu te devolver ele. – O irmão disse novamente.
Beth engoliu em seco.
— Fique o tempo que desejar.
De volta ao Lugar Seguro, Mary tinha acabado de postar uma mensagem no Facebook sobre o hipotético tio de Bitty quando houve uma batida na porta.
Talvez fosse a garota e elas pudessem novamente tentar conversar. Mas provavelmente não...
— Entre. – Disse Mary. — Oh, ei Marissa, como vai?
A companheira de Butch estava tão linda quanto sempre, os cabelos louros soltos e perfeitamente cacheados sobre seus ombros magros como se tivessem sido tão treinados
em boas-maneiras que jamais pensariam em arrepiar. Vestida em um suéter de cashmere preto e calças também pretas, de certa forma parecia a versão feminina de Rhage
– fisicamente maravilhosa demais para existir de verdade.
E como Rhage, o exterior não chegava aos pés do quão adorável era por dentro.
Com um sorriso digno da Vogue, Marissa sentou-se em uma cadeira barulhenta do outro lado da mesa.
— Estou bem. Mais importante que tudo, como você está?
Mary recostou-se, cruzou o braço sobre o peito e pensou, ah, então não é uma visita social.
— Acho que já está sabendo. – Murmurou ela.
— Sim.
— Eu juro, Marissa, não fazia ideia de que ia ser tão grave.
— É claro que não. Como poderia?
— Bem, contanto que saiba que não era minha intenção que as coisas terminassem tão mal...
Marissa franziu o cenho.
— Desculpe, o que?
— Quando Bitty e eu fomos visitar a mãe dela...
— Espere, espere. – Marissa ergueu as mãos. — O que? Não, estou falando do tiro que Rhage levou. E de você ter salvado a vida dele na frente dos Irmãos.
Mary ergueu as sobrancelhas.
— Oh, isto.
— Sim... Isto. – Um brilho esquisito invadiu o olhar de Marissa. — Sabe, francamente não entendo por que veio trabalhar hoje. Pensei que ficaria em casa com ele.
— Oh, bem, sim. Mas com tudo isto que está acontecendo com Bitty, como eu poderia não vir? Além disso, passei o dia todo com Rhage, tenho certeza que ele está bem.
Enquanto ele ainda estava dormindo na clínica, quis ver como ela estava. Deus... A ideia de que eu piorei ainda mais as coisas para aquela garota faz eu me sentir
péssima. Digo, com certeza você sabe o que aconteceu.
— Refere-se ao que aconteceu no Havers? Sim, fiquei sabendo. E entendo que esteja chateada. Mas eu realmente acho que você devia ter ficado em casa com Rhage.
Mary fez um aceno casual com a mão.
— Estou bem. Ele está bem...
— E acho que você devia ir pra casa agora.
Com um jorro de terror, Mary sentou-se na beirada da cadeira.
— Espere, não está me demitindo por causa de Bitty, está?
— Oh, meu Deus... Não! Está brincando comigo? Você é a melhor terapeuta que temos! – Marissa meneou a cabeça. — E acho que não preciso te dizer como fazer o seu
trabalho aqui. Mas está bem claro que teve um dia muito cheio, e por mais que queira ficar aqui pela garota em toda sua capacidade profissional, você vai ser ainda
mais eficiente depois de ir pra casa descansar um pouco.
— Bom, que alívio! – Voltou a recostar-se na cadeira. — A parte de não ser demitida, digo.
— Não quer ficar com Rhage?
— É claro que sim. Só estou mesmo preocupada com a Bitty. É um momento crítico, sabe? A perda da mãe não foi só uma tragédia que a deixou órfã, é um enorme gatilho
para todo o resto. Eu só... Eu realmente queria ter certeza de que ela está bem.
— Você é uma terapeuta dedicada, sabia disso?
— Ela fica falando de um tio, – Quando Marissa franziu o cenho de novo, Mary voltou a abrir o prontuário de Annalye e folheou as páginas. — É, eu sei, certo? Também
não tinha visto isto ser mencionado até agora. E revisei todo o material que temos e não há referência alguma a qualquer tipo de familiar. Acabei de postar uma mensagem
para a raça naquela página fechada do Facebook. Vamos ver se consigo encontrá-lo deste jeito. – Mary meneou a cabeça ao encarar um registro que foi escrito por Rhym.
— Parte de mim se pergunta se seria possível acessar a lista de ligações feitas e recebidas do último mês. Talvez haja algo ali. Nenhum e-mail foi recebido ou respondido
aqui. E até onde sei, a mãe de Bitty nunca tinha usado um e-mail.
Quando houve um período de silêncio, Mary ergueu o olhar – e viu que sua chefe a encarava com expressão inescrutável.
— O que foi? – Disse Mary.
Marissa pigarreou.
— Admiro sua dedicação. Mas acho que é melhor que tire o resto da noite de folga. Um pouco de distância é sempre melhor para recuperar o foco. Bitty estará aqui
amanhã e você vai poder continuar a ser o membro principal da equipe no caso dela.
— Eu só queria consertar tudo.
— Eu sei e não te culpo. Mas não consigo me livrar da sensação de que se eu tivesse vindo trabalhar uma noite após Butch ter quase morrido em meus braços? Você me
faria ir pra casa. Não importa o que estivesse ocorrendo debaixo deste teto.
Mary abriu a boca pra negar. Então fechou de novo diante da erguida de uma das sobrancelhas de Marissa.
Como se a chefe soubesse que tinha ganhado a discussão, Marissa se levantou e deu um sorrisinho.
— Você sempre foi dedicada a seu trabalho. Mas é importante que o Lugar Seguro não seja mais importante do que a sua vida.
— Sim. É claro. Você tem razão.
— Te vejo em casa mais tarde.
— Absolutamente.
À saída de Marissa, Mary tinha intenção de fazer o que ela disse... Só que era difícil partir. Mesmo depois de pegar a bolsa e o casaco, e enviar uma mensagem de
texto para Rhym voltar se pudesse – e a fêmea podia – ela de alguma forma encontrou motivos para adiar de novo a ida até o carro de Rhage. Primeiro foi delegar algumas
tarefas para outro membro da equipe; então foi ficar em pé na base da escada para o sótão debatendo se deveria ou não contar a Bitty.
No final, Mary decidiu não incomodar a garota e voltou ao primeiro andar. Parou de novo à porta da frente, mas aquela pausa não durou muito.
Quando finalmente saiu, respirou fundo e sentiu o cheiro do outono no ar.
Bem quando estava chegando ao GTO, parou e olhou para cima. A luz estava acesa no quarto de Bitty e era impossível não imaginar aquela garotinha esperando, de malas
feitas, um tio que sequer existia vir para levá-la para longe de uma realidade que ia acompanhá-la pelo resto da sua vida.
A volta pra casa durou uma eternidade, mas eventualmente parou o carro em uma vaga no pátio entre o Hummer II de Qhuinn e o Porsche 911 Turbo de Manny.
Olhando para a enorme mansão de pedras com suas guar-gárgulas, como Lassiter as chamava, e suas incontáveis janelas e o telhado inclinado de ardósia, perguntou a
si mesma o que Bitty acharia do lugar e imaginou que de início a garota ia se sentir intimidada. Mas por mais assustador que parecesse por fora, as pessoas lá dentro
a tornavam tão acolhedora e confortável quanto um pequeno chalé.
Atravessou os paralelepípedos e passou pela fonte, que já tinha sido drenada para o inverno. Subiu os degraus de pedra. Entrou no vestíbulo, onde expôs o rosto para
a câmera de segurança e esperou.
Foi Beth quem abriu a porta para ela, embalando L.W. no quadril.
— Oh, ei... Eu já ia te ligar.
— Olá, homenzinho. – Mary acariciou a bochecha do garoto e sorriu para ele, por que era impossível resistir. O bebê era um poço de beleza, absolutamente encantador.
— Vocês estão precisando de alguma coisa?
Ela entrou no grande saguão para tirar o L.W. do frio e parou ao ver a expressão de Beth.
— Está tudo bem?
— Bem, ah... Então, Rhage acabou de subir.
— Oh? Ele deve estar se sentindo melhor.
— Acho que devia falar com ele.
Algo na voz da Rainha realmente não estava certo.
— Aconteceu alguma coisa errada?
A fêmea se concentrou em seu bebê, acariciando seus cabelinhos escuros.
— Eu só acho que você precisa ficar com ele.
— O que houve? – Quando Beth somente repetiu alguma versão do que já tinha dito, Mary franziu o cenho. — Por que não está me olhando?
O olhar de Beth finalmente subiu para seu rosto, onde se fixou.
— Ele só parece... Chateado. E acho que precisa de você. Só isso.
— Okay. Tudo bem. Obrigada.
Mary atravessou o mosaico no chão e subiu correndo as escadas. Ao chegar ao seu quarto, abriu a porta – e foi atingida por um sopro forte e congelante de ar.
— Rhage? – Enlaçando os braços ao redor de si mesma, estremeceu. — Rhage? Por que as janelas estão abertas?
Tentando não se sentir alarmada, entrou e fechou a porta de correr à esquerda de sua enorme cama. Então fechou a outra.
— Rhage?
— Aqui.
Graças a Deus, ao menos ele estava respondendo.
Rastreando a voz dele, foi ao banheiro – e o encontrou sentado no meio do chão de mármore com os joelhos erguidos até o peito, braços enlaçados ao redor das pernas,
cabeça baixa e virada para o outro lado, que não o dela. Vestia moletom e tão grande quanto sempre, mas tudo nele parecia ter encolhido.
— Rhage! – Correu e se ajoelhou ao lado dele. — Qual o problema? Precisa de um médico?
— Não.
Praguejando, acariciou o cabelo dele para trás.
— Está sentindo dor?
Quando ele não respondeu ou ergueu o olhar, ela contornou para o outro lado para poder ver o seu rosto. As pálpebras dele estavam semicerradas e os olhos vidrados.
Ele parecia ter recebido notícias bem ruins.
— Alguém se feriu? – Um dos Irmãos? Layla? Só que se fosse isso, Beth teria falado para ela, não? — Rhage, fale comigo. Está me assustando.
Erguendo a cabeça, ele esfregou o rosto e pareceu perceber pela primeira vez que ela estava ali.
— Ei. Achei que estava no trabalho.
— Voltei mais cedo, – Felizmente. E se tivesse ficado lá e ele tivesse... Jesus, Marissa tinha razão. — Rhage, o que houve... Espere, alguém te bateu?
O maxilar dele estava inchado, e havia marcas azuis e pretas na pele bronzeada.
— Rhage. – Disse ela com mais energia. — Que diabos aconteceu com você? Quem te bateu?
— Vishous. Duas vezes... Bem, uma de cada lado.
Recuando, ela praguejou.
— Santo Deus, por que ele fez isto?
Os olhos dele traçaram o rosto dela e então estendeu o braço e tocou-a gentilmente com a ponta dos dedos.
— Não fique brava. Eu mereci... E ele fez minha visão voltar mais cedo do que de costume.
— Você ainda não respondeu minha pergunta, – Ela tentou manter a voz neutra. — Vocês dois brigaram?
Rhage passou o polegar levemente pelo lábio inferior dela.
— Adoro o jeito que você me beija.
— Por que vocês brigaram?
— E adoro o seu corpo, – As mãos dele desceram até os ombros dela e se moveram para a garganta. — Você é tão linda, Mary.
— Ouça, agradeço os elogios, mas preciso saber o que está acontecendo. – Disse colocando as mãos sobre as dele. — Você está claramente chateado com alguma coisa.
— Deixa eu te beijar?
Ao encará-la, ele pareceu desesperado de um jeito que ela não compreendia. E por causa da dor que pressentia nele, acabou cedendo.
— Sim. – Sussurrou ela. — Sempre.
Rhage inclinou a cabeça para o lado, e contrário à sua paixão habitual, seus lábios pousaram sobre os dela com suavidade, esfregando demoradamente. Quando a pulsação
dela acelerou, ela quase desejou não se sentir excitada – não queria ser distraída pelo sexo... Só que ele continuou a acariciar sua boca, e todo o caos em seu cérebro
se reorganizou na direção de uma sensação elétrica de antecipação, o cheiro flamejante dele, seu corpo lindo, seu poder masculino ofuscando todas as suas preocupações.
— Minha Mary. – Ele grunhiu ao lamber sua boca por dentro. — Cada vez com você... É nova. Nunca é o mesmo e sempre melhor do que o último beijo... O último toque.
As mãos dele desceram e ela sentiu o peso delas em seus seios. E então com um toque lento, ele tirou sua jaqueta, deslizando-a pelos braços, fazendo-a sentir a camisa
de seda, o sutiã rendado e toda a pele por baixo de suas roupas com ardente clareza.
Só que alguma parte dela falou mais alto. Talvez sua consciência? Por que ela, certo como o inferno, sentia como se tivesse falhado por não estar ali quando ele
mais precisava dela.
— Por que as janelas estavam abertas? – Perguntou de novo.
Mas foi como se ele nem a ouvisse.
— Eu amo... – Sua voz falhou e ele teve de pigarrear — Eu amo seu corpo, Mary.
Como se ela não pesasse nada, ergueu-a do chão de mármore e moveu-a para o lado, deitando-a no tapete felpudo que havia na frente da banheira. Recostando-se naquela
suavidade, ela observou os olhos dele viajarem sua garganta abaixo até seus seios... E descerem ainda mais, para os quadris e pernas.
— Minha Mary.
— Por que está tão triste? – Disse baixinho.
Ante a ausência de resposta dele, sentiu um momento de verdadeiro terror. Mas então ele começou a desabotoar os botões de sua blusa sem pressa, mantendo as duas
metades juntas ao retirá-la de dentro do cós da calça. Recuando um pouco, ele segurou a seda entre os dedos e expôs o corpo dela ao calor de seu olhar, e ao calor
do interior do banheiro.
Ele mudou de posição e ajoelhou-se entre suas coxas.
— Adoro seus seios.
Inclinando-se, beijou-a no peito. Na beirada do sutiã. Em cima de um mamilo. Uma súbita liberação da sutil pressão dos bojos informou-lhe que ele havia libertado
o fecho frontal – e então as correntes de ar varreram contra sua pele nua quando ele afastou a frágil barreira para as laterais.
Ele passou... Uma eternidade... Acariciando seus seios, apertando-os, esfregando as pontas enrijecidas. Até ela pensar que ia enlouquecer. E então começou a sugá-la,
primeiro de um lado, então do outro. Ela não conseguia se lembrar quando foi ele tinha ido tão devagar com ela – não que não fosse considerado. No entanto, seu hellren
funcionava num ritmo diferente, só dele, um ritmo ditado pela paixão desenfreada que sempre demonstrava por ela.
Não esta noite, aparentemente.
Ele desceu beijando-a até seu abdômen e soltou seu cinto fino, o botão e o zíper de suas calças. Quando ela ergueu os quadris, ele baixou sua calça e sumiu com ela,
deixando-a somente com a calcinha de seda cor creme.
De volta à sua barriga, ele a cobriu com as mãos espalmadas até cobrirem sua pélvis.
Ele ficou daquele jeito, acariciando-a com seus polegares pra frente e pra trás, em seu baixo ventre.
— Rhage? – Disse em um tom de voz chocado. — O que está me escondendo?
Capítulo VINTE E UM
Conforme Rhage ajoelhava sobre sua Mary, ele estava claramente ciente de que ela estava dizendo seu nome, mas ele estava muito perdido no clamor entre seus ouvidos
para responder.
Olhando abaixo para a barriga da sua shellan, ele a imaginou crescendo e ficando enorme como a de Layla, seu corpo abrigando a criança deles até que seu filho ou
filha pudesse respirar por conta própria. Na fantasia, tanto seu bebê quanto Mary seriam perfeitamente saudáveis antes, durante e depois do parto: ela resplandeceria
durante os dezoito meses... Ou seriam nove meses para as humanas...? E o parto seria rápido e indolor, e quando tudo tivesse passado, seria capaz de reunir ela e
a cria deles em seus braços e amá-los para o resto de sua vida.
Talvez seu garotinho tivesse olhos azuis e cabelo loiro, mas o caráter e inteligência incrível de sua mahmen. Ou talvez sua menina tivesse o cabelo castanho de Mary
e seus olhos verde-azulados e seria um foguete.
Seja qual fosse a combinação de aparência e espírito, imaginou os três sentados juntos para a Primeira e Última Refeição e todos os intervalos de lanches entre eles.
E imaginou que poderia pegar a criança para dar um descanso a Mary, assim como Z e Wrath faziam por suas shellans, com a mamadeira com o leite materno para o bebê.
Ou mais tarde, dando pedacinhos de seu prato a uma preciosa boquinha como Z tem feito agora com a Nalla.
E neste sonho maravilhoso, anos se passariam, e haveria birras aos três, e os primeiros pensamentos profundos e perguntas aos cinco. Então amigos aos dez e, Deus
me livre, dirigindo aos quinze anos. Haveria feriados humanos e festivais vampíricos... Seguidos por uma transição que mataria ele e Mary de medo... Mas porque esta
era uma fantasia, seu filho faria isso e sairia forte do outro lado. Depois disso? O primeiro coração partido. E talvez o Único.
Por que se ele e Mary tivessem uma filha, haveria a porra de um eunuco.
Ou porque o filho da puta viria dessa forma como um feito da Virgem Escriba... Ou porque Rhage teria o cuidado de resolver o problema ele mesmo.
E em seguida, muito, muito mais tarde... Netos.
Imortalidade na terra.
E tudo porque ele e Mary se amavam. Tudo porque em uma noite há anos e anos, e depois décadas e séculos atrás, ela veio para o centro de treinamento com John Matthew
e Bella, e ele esteve cego e trôpego, e ela tinha falado com ele.
— Rhage?
Sacudindo-se, ele se abaixou e depositou os lábios em sua barriga.
— Eu te amo.
Merda, esperava que ela tomasse essa rouquidão como excitação.
Com mãos rápidas, varreu sua calcinha fora e abriu suas coxas. Conforme trazia seus lábios para o sexo dela, ouviu-a gemer o seu nome... E estava determinado enquanto
a lambia e chupava: ele a amaria mesmo sem ela ter seu filho. Ele a adoraria como qualquer macho vinculado deveria. Estimaria, abraçaria, seria seu melhor amigo,
seu amante, seu mais ferrenho defensor.
Haveria um lugar vazio nele, apesar de tudo.
Um pequeno e diminuto buraco negro em seu coração pelo que deveria ter sido. O que poderia ter sido. O que ele nunca, jamais pensou que teria importância... Mas
que de alguma forma sempre sentiria falta.
Alcançando-a, acariciou seus seios enquanto a fazia gozar em sua boca.
Ele não deveria querer uma criança. Nunca tinha considerado... Ou sequer tinha pensado que ter Mary como companheira era uma coisa boa porque nunca estaria onde
Wrath e Z estavam. Onde Qhuinn estava.
Onde Tohr esteve.
Na verdade, parecia errado cobiçar a mesma coisa que não só poderia matar sua mulher se ela fosse normal e capaz de ter um filho, mas que teria condenado a ambos:
se a sua Mary não fosse infértil, a Virgem Escriba não teria permitido que eles ficassem juntos depois de salvar a vida dela do câncer. A mãe de V teria determinado
que, além de Rhage manter sua maldição, os dois jamais cruzariam caminhos novamente.
A balança deve ser preservada, afinal.
Erguendo a cabeça, varreu fora o moletom AHS4 e o que ele tinha na parte inferior, e moveu-se para montá-la... E foi cuidadoso quando angulou seu pau duro no núcleo
dela. Com um giro suave, entrou no corpo dela, e aquele seu aperto familiar, aquela compressão, aquele calor escorregadio, trouxe lágrimas aos seus olhos enquanto
imaginava, por apenas uma única vez, que os dois estavam fazendo isso não para se conectarem... Mas para conceberem.
Exceto que em seguida disse a si mesmo para parar com isso.
Nada mais de pensar. Nada mais de arrependimento pelo que poderia arruiná-los de qualquer maneira.
E nunca existiria qualquer conversa.
Ele nunca, jamais falaria com ela sobre isso. Ela certamente não tinha se voluntariado para o câncer ou quimioterapia ou infertilidade. Nada disso era obra dela,
assim como estava longe de ser uma questão de culpa que qualquer um pudesse ter.
Portanto, de maneira nenhuma ele poderia alguma vez expressar essa sua tristeza.
Mas sim, esta era a ansiedade que ele esteve sentindo. Esta era a distância. Esta era a fonte de sua irritação. Desde o passado não importando o tempo, tinha assistido
seus irmãos com seus filhos, vendo a proximidade das famílias, invejando o que tinham... E enterrando tudo isso até que as emoções exteriorizaram inesperadamente
na cozinha com L. W.
Algo como uma fervura que crescia até que não podia mais ser contida.
Rhage disse a si mesmo que deveria estar aliviado, por não estar louco ou maníaco a ponto da instabilidade mental. E mais ao ponto, agora que tinha descoberto o
que era, poderia colocar tudo isso pra trás.
Era só empurrar isso para a parte de trás de sua cabeça e fechar a porta.
As coisas estavam caminhando de volta ao normal.
Tudo ficaria bem, porra.
Ele estava magnífico, como sempre.
Enquanto Mary arqueava sob o corpo de Rhage investindo, ela não estava enganando a si mesma... Sabia que o sexo era apenas um desvio temporário do que tinha que
ser algum tipo de grande problema para ele. Mas às vezes você tinha que dar à pessoa o espaço que eles precisavam... Ou, neste caso, o sexo.
Por que, querido Senhor, sentia que isso era de alguma forma significativo para ele e de uma maneira diferente do habitual. Seu companheiro sempre a quis de uma
forma erótica, mas isso parecia... Bem, neste assunto, seus quadris poderosos eram capazes de dirigi-la para o outro lado do chão do banheiro, mas em vez disso,
eles estavam gentilmente empurrando nela. E também, ele parecia não querer segurar tanto quanto costumava se segurar, com seus braços envolvendo o torso dela para
que fosse levantada do tapete, e seu corpo montando o dela com um ritmo impulsionado que era ainda mais vívido por essa limitação pungente.
— Eu te amo. – Disse ele em seu ouvido.
— Eu também te amo...
Seu próximo orgasmo cortou a voz dela, empurrando-a de tal modo que seus seios batiam na parede de seu peitoral. Deus, ele estava tão bonito enquanto continuava
em cima dela, com o ritmo de suas penetrações estendendo os choques pulsantes que golpeavam inteiramente o seu sexo até que ele era a única coisa que ela reconhecia
no universo, até que o passado e o futuro desapareciam, até que toda a desordem em sua mente e em torno de seu coração desintegrasse.
Por alguma razão, o silêncio dessas críticas repreendidas, o recuo dessa preocupação incessante, o sumiço que aniquilava e as provações noturnas de se perguntar
se estava fazendo seu trabalho direito... E às vezes saber ao certo se não estava... Trouxeram lágrimas aos olhos dela.
Ansiedade sobre Rhage à parte, não sabia quão fortemente esteve ferida. Quão pesado o fardo se tornara. Quão preocupada sempre estava.
— Sinto muito. – Ela engasgou.
Instantaneamente, Rhage congelou.
— O que?
Os olhos dele estavam estranhamente horrorizados quando se mexeu e olhou para ela. E ela sorriu enquanto enxugava as lágrimas.
— Estou apenas tão... Grata por você. – Sussurrou.
Rhage pareceu abalado.
— Eu... Bem, eu me sinto da mesma forma.
— Terminou? Dentro de mim? – Ela arqueou-se contra ele. — Quero sentir você gozar.
Rhage baixou a cabeça em seu pescoço e começou a se mover mais uma vez.
— Oh, Deus, Mary... Mary...
Dois golpes mais tarde ele estava gozando, seu corpo incrível enrijecendo, sua ereção golpeando profundamente dentro dela e começando outra liberação.
Ele não parou. Não por um longo tempo. O que era algo que os vampiros machos tinham a capacidade de fazer. Ele continuou gozando, enchendo-a a ponto de transbordar...
E ainda assim, continuou até que as liberações vieram tão estreitamente próximas, que se converteram numa única corrida pulsante.
Quando ele terminou, tombou caído e imóvel, mas depois apoiou seu peso nos cotovelos para que ela pudesse respirar.
Deus, ele era tão grande.
Ela estava acostumada ao seu tamanho até certo ponto, mas quando abriu os olhos, tudo o que podia ver era apenas parte de seu ombro. Todo o resto foi bloqueado pela
sua corpulência.
Acariciando seus bíceps, disse calmamente.
— Por favor, diz pra mim o que está errado.
Rhage se empurrou pra trás um pouco mais para que pudesse olhar dentro dos olhos dela.
— Você parece tão triste. – Ela traçou suas sobrancelhas. A tristeza moldada à boca perfeita. Os hematomas em sua mandíbula. — É sempre melhor se você falar com
alguém.
Depois de um longo momento, ele abriu a boca...
Bam! Bam! Bam!
Do lado de fora do quarto, o impacto inconfundível de um Irmão batendo na porta não foi nem um pouco abafado.
Rhage virou e gritou:
— Sim?
A voz de V chegou até o banheiro.
— Temos uma reunião. Agora.
— Entendido. Chegando.
Rhage virou e a beijou.
— É melhor eu ir.
Sua retirada foi rápida e seus olhos ficaram baixos enquanto a ajudava a levantar do tapete até o chuveiro.
— Eu gostaria de ficar lá com você. – Ele disse enquanto abria a água quente.
Não, ela pensou, enquanto ele não olhava para ela. Você na realidade não quer.
— Rhage, sei que você tem que ir. Mas você está me assustando.
Enquanto a movia para debaixo do jato, tomou o rosto dela entre as mãos e olhou-a fixamente nos olhos.
— Você não tem nada com que se preocupar. Nem agora nem nunca... Pelo menos não sobre mim. Eu te amo até o infinito e nada mais importa, contanto que isso seja verdade.
Mary respirou fundo.
— Ok. Tudo certo.
— Vou voltar assim que a reunião acabar. E poderemos comer alguma coisa. Assistir um filme. Você sabe, fazer aquela coisa... Como os humanos chamam isso?
Mary riu um pouco.
— Netflix e relaxar5.
— Certo. Vamos ter Netflix e relaxar.
Beijou-a mesmo com o rosto molhado, depois recuou e fechou a porta de vidro. Ao sair, botou a calça de moletom novamente, mas manteve os pés descalços.
Ela o observou ir. E pensou que era incrível como alguém podia te tranquilizar... E ao mesmo tempo, tornar as coisas piores.
Que diabos estava acontecendo com ele?
Quando terminou seu banho, ela se enrolou na toalha, escovou os emaranhados de seu cabelo molhado, e vestiu-se em um conjunto de calças de ioga e um grande suéter
de cashmere preto que quase chegava até os joelhos. Ela tinha comprado a coisa para Rhage quando eles saíram no inverno anterior, e tinha até mesmo conseguido esta
cor que não era a favorita dele, depois de muito tempo tentando diversificar seu guarda-roupa. Porém ele não foi capaz de usá-lo muitas vezes, porque sempre esquentava
demais quando usava.
O tecido cheirava como ele, no entanto.
E quando deixou o quarto, sentiu como se ele estivesse com ela... E cara, precisava disso esta noite.
Parando em frente ao estúdio do Rei, ouviu as graves vozes masculinas do outro lado das portas fechadas.
Lá embaixo no hall de entrada, podia ouvir o doggen falando. A enceradeira. O tilintar do cristal, como se as arandelas estivessem sendo retiradas para serem limpas
na pia novamente.
Sem fazer barulho, caminhou por todo o familiar corredor vermelho e dourado, dirigindo-se ao corredor das Estátuas. Mas não iria por esse corredor com suas obras
de arte Greco-Romanas em mármore e todos esses quartos. Não, ela estava indo ao próximo andar.
A porta para o terceiro andar da mansão não estava trancada, mas não estava aberta tampouco, e sentiu um pouco como se estivesse invadindo quando abriu o caminho
para as escadas e foi lá para cima. No patamar, em frente aos quartos de Trez e iAm, estava a porta de aço abobadada da suíte da Primeira Família e ela tocou a campainha,
exibindo o rosto para a câmera de segurança.
Momentos depois, houve uma série de trincados conforme as barras se moviam livremente de suas conexões, e em seguida o painel pesado se abriu. Beth estava do outro
lado com L.W. em seu quadril, seu cabelo em uma trança por cima do ombro, aquele velho jeans azul e suéter azul brilhante, a própria definição de caseiro. Não era
no mínimo aconchegante? O incrível brilho das pedras preciosas que estavam fixadas em todas as paredes além.
Mary nunca esteve nos aposentos privados antes. Poucos tinham, além Fritz, quem insistia em fazer a limpeza lá em cima ele mesmo. Mas Mary ouviu dizer que a suíte
inteira era cravejada com pedras preciosas do tesouro do Antigo País... E claramente era verdade.
— Ei, – A Rainha sorriu mesmo quando L.W. agarrou um pouco do cabelo em cima da orelha e puxou. — Ok, ai. Vamos tentar outra coisa que envolva os bíceps, tá?
Enquanto Beth desenrolava aquele pequeno punho gordo, Mary disse sombriamente.
— Preciso que você me diga o que aconteceu com Rhage. E não finja que não sabe o que é.
Os olhos de Beth fecharam brevemente.
— Mary, eu não deveria...
— Se os papéis estivessem invertidos, você gostaria de saber. E eu te contaria se me pedisse também... Porque é isso que a família faz um pelo outro. Especialmente
quando alguém está sofrendo.
A Rainha praguejou. Em seguida, ela se afastou e acenou para a suíte cintilante.
— Vamos entrar. Precisamos fazer isso em particular.
Capítulo VINTE E DOIS
Geralmente Rhage mantinha algo na boca durante as reuniões com o Rei. Pirulitos Tootsie Pops eram sua preferência, mas na falta, topava um pacote de caramelos Starbust
ou talvez algo da linha Chips Ahoy!6 – os antigos, dos pacotes azuis, crocantes, não mastigáveis e sem nozes. No momento, seu estômago não conseguiria lidar com
nada do tipo, ainda que não por causa da besta.
Mas pelo menos sua visão estava bem melhor do que após os murros de V.
Enquanto as persianas se abaixavam para o dia, recostou-se no canto ao lado das portas duplas, enquanto os irmãos tomavam seus lugares de costume pela sala: Butch
e V em um dos estreitos sofás franceses, os dois em poses quase iguais, pernas cruzadas com o tornozelo sobre os joelhos; Z estava em pé, encostado à parede na melhor
posição defensiva com Phury bem ao seu lado; John, Blay e Qhuinn agrupados perto da lareira. Rehvenge, por sua vez, estava na frente da mesa ornamentada de Wrath,
o líder dos sympaths sendo um dos conselheiros mais próximos do Rei, e Tohr estava sentado à direita de Wrath devido à sua posição como chefe da Irmandade, um primeiro-tenente
em todos os assuntos.
Lassiter não estava por perto e Rhage achou que o anjo caído estava assistindo TV em algum lugar. E Payne, que geralmente participava deste tipo de coisa? Provavelmente
estaria vigiando Xcor.
Pois Deus sabia que aquela fêmea era capaz de lidar sozinha com qualquer macho no planeta.
Como sempre, Wrath era o ponto focal de tudo, sentado no trono ornamentado que seu pai tinha usado, os óculos escuros do Irmão varrendo a sala, mesmo sendo cego,
sua mão descansando em cima da cabeça quadrada de seu cão-guia golden retriever.
Mas naquela manhã era Qhuinn quem falava.
— ... tem duas pessoas lá embaixo em tratamento, Layla e meu irmão. Nenhum deles teria condições de se defender caso ele escape, e a Dra. Jane, Manny e Ehlena são
médicos, não guerreiros.
— Com todo o respeito, Xcor está sendo fortemente vigiado, – Disse Butch — O tempo inteiro.
— Se Marissa estivesse com o seu filho na barriga, isto seria suficiente?
O tira abriu a boca. Então a fechou e anuiu.
— É. Tem razão.
Qhuinn cruzou os braços na altura do peito.
— Pessoalmente, não ligo a mínima se ele é o próprio Hannibal Lecter, não quero ele perto da clínica.
Quando o Irmão silenciou, Wrath perguntou.
— Qual a condição atual de Xcor?
Vishous coçou o cavanhaque.
— Ainda está em coma. Os sinais vitais não estão fortes, mas estão estáveis. Nenhum movimento do lado direito. Acho que teve um derrame.
— Mas não tem certeza?
— Não sem arrastar o traseiro dele até o Havers para uma tomografia. Mas não quero atravessar a cidade com ele só para confirmar o que eu já tenho quase certeza...
E sim, tanto Jane quanto Manny concordam com minha conclusão.
— Alguma ideia de quanto tempo o coma vai durar?
— Não. Ele poderia estar despertando agora mesmo. Ou daqui a um mês. Ou ficar em estado vegetativo permanente. Não há como dizer. E se ele acordar? Dependendo da
gravidade do derrame, pode ter sequelas cognitivas. Fisicamente fodido. Ou completamente normal. Ou em qualquer ponto entre estes extremos.
— Maldição. – Murmurou Tohr.
Wrath se inclinou para o lado e ergueu George do chão, colocando-o no colo. Quando uma nuvem de pelo louro se ergueu no ar, o Rei tirou alguns da boca antes de falar.
— Qhuinn está certo. Não podemos mantê-lo lá, especialmente com os novos alunos que estão pra chegar. Primeiro, vocês cuzões vão precisar da sala de tiro ao alvo,
mas mais que isso, nós com certeza não vamos querer nenhum daqueles fodidinhos acordando mortos no final da aula, só porque nosso prisioneiro acordou e saiu de sua
gaiola. A questão é, para onde podemos levá-lo? Eu o quero perto suficiente para termos cobertura imediata, mas temos de tirá-lo da propriedade.
Houve um bocado de discussão, a qual Rhage não conseguiu acompanhar inteiramente. A verdade era, por mais crítica que fosse a situação com Xcor, a maior parte de
seu cérebro estava de volta ao banheiro com sua Mary enquanto deliberadamente lembrava-se do quanto seus gemidos eram incríveis, o quanto amava estar dentro dela.
Nada estava perdido entre eles ou faltava em sua vida sexual que não pudessem resolver. Nada.
De verdade.
— ... de Bastardos deve estar fazendo buscas pelo centro da cidade inteiro, – Alguém disse. — Procurando por um corpo ou um sinal de que ele tenha carbonizado.
Vishous interrompeu.
— Encontrei dois celulares com ele. Um tinha um sistema fácil de senha que invadi com facilidade... Não havia nada, exceto detalhes sobre negociações de drogas e
todos sabemos que isto já é coisa do passado. O outro dispositivo apagou assim que consegui quebrar a senha e acho que é o do Xcor... Claramente os Bastardos instalaram
alguns sistemas rudimentares de segurança.
— Você vai conseguir fazer o celular voltar a funcionar? — Perguntou Wrath.
— Depende dos danos causados pelo sistema de segurança deles, ainda preciso fazer uns testes. Pode ser que consiga extrair alguns dados, mas pode levar um tempo.
— O Bando de Bastardos não vai descansar até achar Xcor. – Alguém murmurou.
A voz de Tohr foi um grunhido.
— Então me deixe dar um corpo a eles.
— Ainda não, meu irmão. – Wrath olhou para o cara. — E você sabe disso.
— Mas se o cérebro dele está morto, não há informações a extrair...
Wrath falou para o macho.
— Quero todo mundo no centro da cidade pelas próximas três noites. O desaparecimento de Xcor fará os Bastardos saírem da toca. Já temos um deles, eu quero todos.
— Também é melhor ficar de olho nos lessers. – Alguém murmurou. — Só por que vencemos a noite passada, não significa que a guerra acabou.
— O Ômega irá fazer mais. – Wrath concordou. — Isto é merda certa.
Butch falou.
— Mas em se tratando de lessers... Acho que estamos focando no sintoma, não na doença. Precisamos tirar o Ômega da jogada. Digo, esta é a profecia do Dhestroyer,
certo? Supostamente deveria ser eu a fazer isto, mas não conseguiria absorver todos aqueles que estavam no campus. De jeito nenhum.
V deu ao seu melhor amigo um aperto no ombro.
— Você faz o bastante.
— Obviamente não... Quanto tempo já faz? E eles estavam em menor número, mas ainda havia uma caralhada deles vindo atrás da gente naquele campus.
— Minha mãe é inútil pra cacete. – V reclamou ao acender um cigarro. — Estamos combatendo a Sociedade Lessening há séculos. Mesmo com a profecia, não vi indicação
nenhuma de estarmos erradicando-os...
— Eu sei onde podemos colocar Xcor. – Rhage interrompeu.
Quando todos os olhos da sala se fixaram nele, ele deu de ombros.
— Não surtem. Mas a solução é clara.
Lá embaixo, no centro de treinamento, Layla reconheceu a sensação que a assolava desde a noite anterior.
Ao se sentar na beirada de sua cama de hospital, sabia exatamente o que significava aquela gritante sensação de destino, a queimação no centro do seu peito, o comichão
enervante e incansável.
Só não fazia sentido.
Então ela tinha de estar interpretando tudo errado. Será que talvez isto fosse ainda outro sintoma da gravidez e só parecesse outra coisa?
Bem, de qualquer forma, ela ia descobrir, pensou ao se levantar da cama e cambalear até a porta. Seu mais recente repouso de doze horas tinha acabado, então era
hora de esticar as pernas de novo... E sem Irmãos de babá, e Qhuinn e Blay em reunião, aproveitaria sua relativa liberdade ao máximo.
Saindo para o corredor, olhou ao redor. Não havia ninguém fora de seu quarto. Sem sons vindos da clínica. E o ginásio e sala de musculação no final do corredor,
ambos também pareciam quietos.
Ostensivamente, não havia ninguém ao redor. Nem Irmãos, serviçais ou equipe médica. Então realmente... Como era possível que estivesse detectando a presença de Xcor
aqui embaixo?
Seria impossível aquele Bastardo estar no complexo da Irmandade. Ele era inimigo, pelo amor de Deus – o que significava que, caso ele tivesse se infiltrado na propriedade,
estaria ocorrendo um ataque, o inferno recaindo sobre eles, os Irmãos estariam por todos os lados armados até os dentes.
Em vez disso? Somente uma porção de nada, como diria Qhuinn.
Isto devia ser algum estranho sintoma relacionado à gravidez...
Não, pensou. Ele esteve aqui. Ela o detectava em seu próprio sangue – era o que acontecia quando você alimentava alguém: um eco de você mesmo permanecia com o outro
e era como captar seu reflexo em um espelho a certa distância.
Não dava para confundir com nenhuma outra coisa. Não mais do que se conseguiria confundir a própria imagem.
Erguendo a frente de sua camisola Lanz – por hábito, ao invés de necessidade, por causa de sua grande barriga – bamboleou pelo chão do corredor de pantufas, passando
pelo recém-construído banheiro feminino, vestiário masculino e a sala de musculação.
Nada particularmente se registrava em lugar algum. Mas ao passar pelo ginásio e chegar à entrada da piscina, ela parou.
Bem adiante. Era como se ele estivesse bem ali à frente...
— Ei garota, o que está fazendo?
Layla deu meia volta.
— Qhuinn, olá.
O pai de seus filhos aproximou-se dela, os olhos avaliando seu rosto, a barriga.
— Está tudo bem? O que está fazendo aqui, tão longe?
— É só... É minha hora de me exercitar.
— Bem, não precisa ser aqui — Qhuinn tomou-a pelo cotovelo, girou-a e guiou para longe. — De fato, talvez devêssemos levá-la de volta para a mansão por enquanto.
— O que?... Por quê?
— Lá é mais confortável.
Em menos de um minuto estavam de volta ao seu quarto. Ela não era estúpida. Ele foi o maior apoiador dela ficar aqui embaixo na clínica por que era melhor para ela
e para os bebês, mais seguro. Agora ele mudava de ideia?
Com o coração disparado e a cabeça girando, sabia muito bem que seus instintos não estavam mentindo. Xcor estava aqui, em algum lugar do centro de treinamento. Será
que o capturaram em campo? Será que foi ferido e trazido para cá como fizeram com aquele soldado dele?
Qhuinn se inclinou pra frente para abrir a porta.
— De qualquer forma, vou falar com a Dra. Jane sobre...
— Falar sobre o que?
— Falando no diabo... – Qhuinn disse suavemente ao se virar.
A companheira de V estava saindo da sala de estoque com uma pilha de aventais cirúrgicos nos braços.
— Olha, não comente nada com Fritz sobre isto, está bem? Mas lavar roupa clareia meus pensamentos, e às vezes é preciso relaxar.
Qhuinn sorriu por uma fração de segundo.
— Eu na verdade estava descendo pra falar com você. Estava pensando que poderia ser bom para Layla passar um tempo no quarto dela.
A Dra. Jane franziu o cenho.
— Na casa?
— É tão clínico aqui embaixo.
— Ah, é justamente este o objetivo, Qhuinn. – A Dra. Jane mudou a carga de braço, mas não desviou o firme olhar verde. — Sei que entramos em um período tranquilo
da gravidez e espero que continue assim. Mas não podemos arriscar, e a cada noite que passa, estamos mais perto e não mais longe, do grande momento.
— Só pelas próximas vinte e quatro horas.
Layla olhava de um para o outro. E sentiu-se como uma hipócrita mentirosa ao dizer:
— Eu me sinto mais segura aqui.
— Há quanto tempo está de pé? – perguntou a Dra. Jane.
— Eu só caminhei pelo corredor na direção do ginásio...
— Podemos levar uns equipamentos para a casa. – sugeriu Qhuinn. — Sabe, coisas de monitoramento. Coisas assim. Além disso, não será por muito tempo.
A Dra. Jane meneou a cabeça como se não pudesse acreditar no que tinha ouvido.
— Uma sala de operação? Acha que podemos transferir a sala de operação para lá? Não quero ser alarmista... Mas ela está esperando gêmeos, Qhuinn. Gêmeos.
— Eu sei. – Os olhos díspares de Qhuinn se fixaram nos da médica. — Estou totalmente ciente dos riscos. Assim como você.
A Dra. Jane abriu a boca. Então hesitou.
— Ouça, vou levar isto para meu consultório. Me encontre lá, está bem?
Assim que a médica saiu, Layla fixou o olhar em Qhuinn.
— Quem mais está aqui embaixo?
Qhuinn colocou a mão no ombro dela.
— Ninguém, por que pergunta?
— Por favor. Apenas me conte.
— Não é nada. Não sei do que ela está falando. Deixa eu te pôr na cama.
— Você não precisa me proteger.
Aquelas sobrancelhas escuras cerraram tanto que ele não estava apenas franzindo o cenho, estava gritando.
— Sério. Sério?
Layla exalou e colocou a mão sobre a barriga.
— Desculpe.
— Merda, não, não se desculpe, – ele jogou o cabelo para trás em um gesto tenso, e pela primeira vez ela viu as bolsas escuras sob seus olhos. — Todo mundo está...
Sabe, é a guerra. É estressante pra caralho.
Passando o braço ao redor dos ombros dela, guiou-a para o quarto e de volta à cama onde a ajudou a se ajeitar como se fosse feita de porcelana.
— Eu venho ver como você está no final do meu... Mais tarde. Ah, volto mais tarde. – Ele deu um sorriso que não chegou aos olhos. — Me avise se precisar de alguma
coisa, está bem?
Quando as familiares ondas de culpa e medo se avolumaram dentro dela, Layla não conseguiu dizer nada, seu maxilar literalmente travou e os lábios apertaram bem forte.
Mas o que podia fazer? Se dissesse a ele que sabia que Xcor estava ali...
Bem, ele iria querer saber como ela sabia. E seria impossível mentir para ele e dizer que era por ter alimentado o Bastardo há tantos meses atrás... Na época em
que tinha sido enganada pelo soldado do Xcor para ir àquela campina para ajudar a quem ela inicialmente assumia ser um guerreiro civil, trabalhando com a Irmandade.
Ela já havia confessado seu pecado involuntário ao Rei; o que não disse a ninguém é que tinha continuado a encontrar Xcor muitas vezes depois disso – ostensivamente
para mantê-lo longe de atacar o complexo quando ele descobriu sua localização.
Na verdade, era por que ela tinha se apaixonado por ele.
E o fato dos encontros terem terminado? A realidade de que tinha sido o próprio Xcor a dar um basta nos encontros? Aquilo mal importava.
A verdade era que ansiava por aqueles momentos com ele. E aquela era a sua traição, apesar do tanto que tentou pintar a si mesma como vítima.
— Layla?
Praguejando, forçou-se a voltar à realidade.
— Desculpa. O que?
— Você está bem mesmo?
— Não. Digo... Sim, sim, estou bem. – Colocou a mão na parte baixa das costas e se esticou. — Só cansada. É a gravidez. Mas está tudo bem.
Qhuinn a encarou por um longo tempo, os olhos díspares avaliando seu rosto.
— Vai me chamar? Mesmo que só esteja ficando doida de tédio?
— Eu chamo. Prometo.
Quando a porta fechou atrás dele, ela soube o que ele iria fazer. Iria falar com os outros Irmãos... Se é que já não tinha falado. E em breve, muito em breve, ela
descobriria que não era mais capaz de detectar a presença de Xcor.
Ou por que ela teria sido realocada ou ele.
Com a cabeça entre as mãos, tentou respirar e descobriu ser impossível. Sua garganta estava contraída, as costelas pareciam barras de ferro, os pulmões queimavam.
Continuou dizendo a si mesma que se irritar não ajudaria em nada. Certamente não seria bom para a gravidez.
Além disto, nunca mais veria Xcor.
Por que era aquilo que acontecia quando se pressionava um macho a respeito de seus sentimentos. Ao menos, um macho como ele.
E ele não tinha atacado o complexo...
A menos que tenha sido assim que foi capturado? Oh, querida Virgem Escriba, será que ele tinha trazido soldados armados para cá? Teria sido este o motivo do caos
da noite passada?
Sua mente imediatamente entrou em parafuso, os pensamentos se misturando em padrões que não faziam qualquer sentido graças a muita velocidade e pouca racionalização.
Algum tempo depois, baixou os braços e olhou para a porta do banheiro. Parecia estar a quilômetros de distância. Mas precisava fazer xixi e talvez um pouco de água
fria no rosto ajudasse a se acalmar.
Baixando as pernas do colchão, ela apoiou-se nos pés e...
Umidade. Houve uma... Uma súbita umidade entre suas coxas.
Suas mãos foram para a frente de sua camisola e ela olhou para baixo.
E gritou.
Capítulo VINTE E TRÊS
No andar superior de sua casa de vidro, Assail tomou um banho que pareceu durar uma eternidade.
Os painéis de bloqueio estavam abaixados sobre as janelas, então estava escuro, nada além dos brilhantes spots e suas pequenas lâmpadas cor de pêssego o orientava.
A água estava extremamente quente e quando jogou a cabeça para trás, seu cabelo grudou na cabeça. Seu corpo estava em uma languidez pós-alimentação, pós-sexo e mesmo
seu vício parecia apaziguado.
Embora o último provavelmente se devesse mais às três carreiras que ele tinha cheirado assim que pisou em casa.
Esqueça o provavelmente.
Ele tinha trepado violentamente com Naasha várias vezes, então suas costas estavam doendo. Seu pau estava exaurido. Suas bolas, praticamente vazias.
Não havia alegria em seu coração. Nenhuma. Mas isto não era incomum. E o xampu e sabonete não fizeram nada para ele se sentir mais limpo, provavelmente porque a
sujeira que o incomodava não era exterior. Mas também, não podia dizer que aquilo não lhe era familiar.
Mas nem tudo estava perdido. Havia trabalho a fazer.
Ao chegar ao Novo Mundo, Assail não estava sozinho. Seus primos, Ehric e Evale, vieram na viagem com ele, e se provaram assistentes firmes e leais em todos os aspectos
de seus negócios profissionais. Desde que vieram morar com ele, jamais o deixaram na mão... E estava prestes a precisar deles de novo.
Para algo que provavelmente eles iriam gostar.
Naasha, como era de se esperar, tinha várias amigas em situações similares – fêmeas da glymera que não eram servidas adequadamente por hellrens mais velhos e buscavam
por certas... Liberdades... As quais não tinham acesso. E embora seus primos estivessem recolhidos às suas suítes, na hora em que Assail voltou para casa, ele tinha
certeza de que teriam se voluntariado para o trabalho e ficariam muito felizes de executar.
Por que Wrath tinha razão.
As coisas de fato estavam acontecendo na aristocracia.
Assail sentia, tão certo quanto um aroma no ar noturno. Ele só não saiba ainda o que era. Mas o tempo e o sexo dariam um jeito naquilo.
Saindo do chuveiro, apreciou o grosso e cálido tapete de banheiro felpudo sob seus pés e secou-se com uma toalha aquecida que pegou de uma barra perto do box. De
fato, tinha comprado aquela mansão direto do construtor totalmente mobiliada, e tudo havia sido antecipado e atendido na construção e decoração da casa. Cada luxo
foi ostentado. Nenhum centavo economizado.
Só que o lugar parecia bem vazio, apesar de seus três ocupantes. Meio que como o interior de seu corpo, não era? Refinamento e beleza no exterior, mas sem uma alma
por dentro.
Por um breve interlúdio, as coisas não foram assim. Em ambos os casos.
Mas o tempo havia passado.
Em seu quarto, ele se pôs nu entre os lençóis de seda e fez uma anotação mental para trocá-los na próxima noite. Embora não fosse comum para um macho de sua posição,
ele tinha crescido acostumado a cuidar de suas próprias roupas, toalhas de banho e trocar seus lençóis. Havia um estranho conforto em cuidar de coisas tão simples,
um começo e um fim para cada tarefa da qual tirava certa satisfação.
E era assim que geralmente passava os dias enquanto seus primos dormiam lá embaixo. Arrumando. Esfregando assoalhos e pias, banheiros e armários. Aspirando pó. Polindo.
Era um jeito produtivo de queimar a energia da cocaína.
Mas não neste dia em particular. Depois de alimentar-se, precisava de descanso, não só para a mente, mas para o corpo...
Ao seu lado, o celular tocou suavemente com o antiquado toque de campainha de telefones que não eram mais encontrados.
Ele nem se incomodou em verificar quem era. Ele sabia.
— Eu teria te ligado, – Ele disse — Mas não queria ser rude. É meio cedo para falar de negócios.
O Irmão Vishous não perdeu tempo. O que era uma de suas características mais predominantes.
— O que aconteceu? Conseguiu alguma coisa?
— Na verdade sim. Em diversas posições diferentes. Naasha é muito flexível.
Uma risada sombria veio pela linha.
— Com um macho como você, tenho certeza que ela foi. E esperamos que a mantenha muito satisfeita até ela começar a falar.
— Ela já começou, – Assail sorriu cruelmente no escuro. — Diga-me, sua reputação de Dom é só boato ou você é realmente tão pervertido?
— Vai descobrir em primeira mão se desperdiçar o meu tempo com fofocas.
— Excêntrico.
— Por que pergunta?
— Seu nome foi mencionado na conversa.
— Como?
O fato de não ser uma pergunta, mas uma exigência não era surpresa.
— Ela estava se gabando de antigas conquistas sexuais. Aparentemente você foi uma delas quando era mais nova... E ela deixou bem claro que você é quem tinha executado
toda a conquista, por assim dizer.
— Eu fodi com muita gente, – V disse em tom de voz entediado. — E esqueci noventa e cinco por cento delas. Então me diga o que descobriu... E não sobre sexo. Meu
ou de outros.
Assail não se surpreendeu sobre o redirecionamento da conversa.
— A aristocracia tentará se aproximar do Rei logo. Eles irão convidá-lo para uma recepção privada em comemoração do aniversário de 900 anos do hellren dela... Um
evento que mesmo em boas linhagens é meio raro.
— Eles estão planejando atirar em meu Governante de novo?
— Possivelmente. Meus instintos me dizem que há um caminho sendo forjado. – Assail meneou a cabeça, mesmo que o Irmão não pudesse vê-lo. — Eu só não sei por quem.
Naasha é mais reconhecida pelos seus atributos horizontais do que mentais. Ela não é capaz de desenvolver uma estratégia, seja de natureza traiçoeira ou mesmo um
evento social para a Última Refeição. É por isto que acredito que tem alguém por trás dela. Mas novamente, não sei quem... Ainda.
— Quando vai vê-la de novo?
— Ela vai oferecer um jantar esta noite e irei com meus primos. Devo conseguir descobrir algo mais.
— Que bom. Bom trabalho.
— Ainda não fiz nada.
— Mentira. Quantas vezes ela gozou?
— Parei de contar depois da sétima.
Outra risada sombria veio através da linha.
— Um macho igual a mim. E não descarte a perversão, seu fodidinho preconceituoso. Nunca se sabe quando pode começar a achá-la atraente. Ligue-me amanhã.
— Se continuar assim, vou estar falando mais com você do que com minha própria mahmen.
— Ela não está morta?
— Sim.
— Alguns bastardos ficam com toda a sorte.
Após o encontro com Wrath e a Irmandade, Rhage voltou para seu quarto, e ao abrir a porta esperava que Mary estivesse dormindo...
— Oi.
Está bem, certo. Mary estava bem acordada. Sentada na cama deles, recostada contra a cabeceira, joelhos erguidos contra o peito, braços enlaçando-os.
Como se estivesse à sua espera.
— Ah, oi. – Ele fechou a porta — Pensei que talvez estivesse descansando.
Ela negou com a cabeça. E olhou para ele fixamente.
No estranho silêncio que se seguiu, ele se lembrou de outra noite que parecia ter sido há um século... Quando tinha entrado neste mesmo quarto depois de testar seus
limites com uma humana. Mary estava ficando com ele, e vê-lo depois daquilo quase a destruiu... Inferno, também o tinha destruído voltar para ela daquele jeito.
Mas na época, tinha sido caso de ou fornecer algum sexo a seu corpo ou cair em cima de Mary e arriscar que a besta se libertasse enquanto estivesse dentro dela.
Afinal, sua Mary tinha enfeitiçado-o tanto e tão rápido que sua maldição ameaçava emergir somente na presença dela, e vivia aterrorizado ante a possibilidade de
machucá-la. Com medo de revelar aquela parte de sua natureza para ela. Convencido de que sua falta de valor poderia emergir e arruinar tudo.
Então tinha voltado para cá e teve de encarar aquele rosto, sabendo tudo o que tinha feito com outra mulher.
Depois da noite em que tinha descoberto que ela estava morrendo, aquela era a pior lembrança de toda sua vida.
Engraçado, isto parecia igual de algumas maneiras. Um acerto de contas que ele não queria, mas não podia fazer nada para evitar.
— Conversei com a Beth. – Ela disse sombriamente. — Ela me disse que você ficou com o L.W. enquanto ela levava pontos na mão.
Rhage fechou os olhos e quis xingar. Especialmente quando houve uma longa pausa, como se ela estivesse lhe dando uma chance de explicar.
— Quer me dizer o porquê que segurar o L.W. no colo te deixou tão emocional?
O tom de voz dela era neutro. Controlado. Gentil, talvez até mesmo solícito.
E isto fazia sua verdade parecer especialmente cruel e injusta. Mas ela não ia deixá-lo escapar, mudar de assunto, jogar aquilo de lado. Aquilo não era algo que
sua Mary faria, não em relação a algo assim.
— Rhage? O que aconteceu lá embaixo?
Rhage respirou fundo. Quis se aproximar dela na cama, mas precisava perambular – a agitação e queimação em seu crânio requeria algum tipo de expressão física ou
começaria a gritar. Ou a socar paredes...
Ele só precisava descobrir como verbalizar isto para não soar como se estivesse botando a culpa nela. Ou catastroficamente infeliz. Ou...
— Rhage?
— Me dê um minuto.
— Você está andando em círculos há mais de vinte.
Ele parou. Olhou para sua companheira.
Mary havia mudado de posição e estava agora sentada com o pé pendurado para fora do colchão alto. Ela era engolida pelo tamanho da cama, mas eles precisavam de um
colchão do tamanho de um campo de futebol; ele era tão grande que não podia se esticar em nada menor.
Merda. Estava se desconcentrando de novo.
— Será que foi por você... – Mary olhou para o próprio pé. Então olhou de novo para ele. — É por que você quer ter seu próprio bebê, Rhage?
Ele abriu a boca. Fechou.
Ficou ali como uma tábua enquanto seu coração ribombava no peito.
— Tudo bem. – Ela sussurrou. — Seus irmãos estão começando a constituir família... E observar pessoas que você ama fazer isto realmente causa mudanças. Desperta...
Vontades... Que talvez nem sabia que tinha antes...
— Eu amo você.
— Mas isto não significa que não esteja decepcionado.
Recuando até os ombros grudarem na parede, ele se deixou escorregar até o chão amparar seu traseiro. Então pendeu a cabeça porque não podia aguentar olhar para ela.
— Oh, Deus, Mary, não quero sentir isto, – Quando sua voz falhou, ele pigarreou. — Digo... Eu podia tentar mentir, mas...
— Você vem se sentindo assim há um tempo, não é? É por isto que as coisas estão um pouco esquisitas entre nós.
Ele estremeceu, derrotado.
— Eu teria contado algo antes, mas não sabia o que estava errado. Até lá embaixo na cozinha sozinho com L.W. Surgiu do nada. Isso me atingiu como uma tonelada de
tijolos... Não quero me sentir assim.
— É perfeitamente natural...
Ele socou o chão com força suficiente para rachar a madeira.
— Eu não quero isto! Não quero isto, porra! Você e eu é só o que preciso! Eu nem gosto de crianças!
Conforme a voz dele ecoava pelo quarto, podia senti-la olhando-o fixamente.
E não pôde suportar.
Agitado, golpeou ao redor e sentiu como se estivesse arrancando a pintura das paredes, tacando fogo nas cortinas e quebrando a cômoda com suas próprias mãos.
— Estou falando sério. – Rosnou. — Quando te disse que eu arranjaria um bebê se você quisesse um. Eu falei sério pra caralho!
— Sei que falou. O que não esperava era que fosse você quem acabaria com um vazio no meio do peito.
Ele parou de chofre e falou para o tapete oriental.
— Não importa. Isto não importa. Não vai mesmo acontecer...
— Beth me disse outra coisa. – Mary esperou que olhasse para ela e quando ele o fez, ela secou uma lágrima. — Ela disse que Vishous foi até você antes do ataque.
Ela disse... Que ele te contou que você ia morrer. Que ele tentou te fazer sair de lá, mas você se recusou.
Rhage praguejou e voltou a andar em círculos. Esfregando o rosto com uma mão, viu-se apenas querendo voltar aos primórdios de seu relacionamento. Quando tudo era
fácil. Nada além de bom sexo e um amor melhor ainda.
Não toda esta... Complicação de vida.
— Por que você não voltou? – Ela perguntou de maneira hesitante.
Ele descartou a pergunta com um gesto de mão.
— Ele podia estar errado, sabe. V não sabe de tudo ou ele seria um deus...
— Você correu antes do sinal combinado. Você não esperou... Foi sozinho. Em uma área cheia de inimigos. Sozinho... Logo depois de um de seus Irmãos, um que ainda
não tinha se enganado jamais, dizer que você ia morrer lá. E então você foi ferido. No peito.
Rhage não queria desabar.
Mas foi estranho. Ele estava em pé... E então estava no chão com as pernas falhando debaixo dele em ângulos tortos, seu torso seguindo-as em um amontoado relaxado
de braços e ombros. Mas era isto o que acontecia quando um guerreiro perdia sua luta... Ele se reduzia a uma arma caindo de uma mão que atirou, uma adaga solta de
uma palma, uma granada derrubada, ao invés de jogada no ar.
— Sinto muito Mary. Sinto... Tanto. Me desculpe, me desculpe...
Ele continuou repetindo aquelas palavras vezes sem conta. Não havia mais nada que pudesse fazer.
— Rhage. – Ao interromper sua confusão, a voz de sua Mary estava tão triste que o som dela era pior que a bala de chumbo que tinha ferido seu coração. — Você acha
que se adiantou ao sinal por que queria morrer? E por favor, seja honesto comigo. Isto é sério demais... Para ser varrido para debaixo do tapete.
Sentindo-se um merda, levou as mãos até o rosto e falou por entre as palmas.
— Eu só precisava... Estar perto de você novamente. Como sempre foi. Como deveria ser. Como precisa ser para mim. Eu pensei... Talvez se estivesse do outro lado
e você viesse para mim, poderíamos...
— Fazer o que estamos fazendo agora?
— Só que daí não teria mais importância.
— Ter um filho?
— Sim.
Quando ambos silenciaram, ele praguejou.
— Sinto como se estivesse te traindo de um jeito diferente agora.
Quando ela inalou profundamente, ficou claro que sabia exatamente ao que ele se referia... Àquele momento quando tinha voltado para ela depois daquela outra mulher.
Mas ela se recuperou rápido.
— Por que não posso te dar o que você quer, e você quer mesmo assim.
— Sim.
— Você... Você quer estar com outra mul...
— Deus, não! – Rhage baixou as mãos e negou com a cabeça com tanta força que ela quase se desprendeu da espinha. — Porra, não! Nunca. Jamais. Eu prefiro estar com
você, sem filho nenhum do que... Digo, Jesus, nem por um momento.
— Tem certeza disso?
— Absoluta. Juro. Cem por cento de certeza.
Ela anuiu, mas não estava olhando para ele. Estava de novo olhando para o pé ao flexionar os dedos, então separá-los, então curvá-los para baixo, e então os movendo
para cima.
— Por que tudo bem se for isto. – Disse ela baixinho. — Digo, eu iria compreender se você quisesse... Sabe, uma mulher de verdade.
Capítulo VINTE E QUATRO
Mary considerava-se inteiramente feminista. Sim, era verdade que a maioria dos homens podia levantar mais pesos do que a maioria das mulheres – e esta era uma realidade
tanto entre vampiros quanto humanos – mas além daquela diferença física insignificante, não havia absolutamente nada em seu ponto de vista, que machos fizessem melhor
do que as fêmeas.
Então foi com certa surpresa que percebeu sua sensação de fracasso total ao fato de estar meramente na mesma posição em que os homens estavam.
Entidades que nasciam com órgãos sexuais masculinos não podiam gerar filhos e nem ela. Vê? Igualdade total aqui.
Deus, como doía.
E era doloroso da forma mais estranha. A sensação era fria; era um vazio frio bem no centro do seu peito. Ou talvez mais pra baixo, mesmo que a metáfora de um vazio
onde deveria haver seu útero, no caso dela, só fosse a mais pura realidade.
Mas a sensação era esta. Um espaço oco. Uma caverna.
— Sinto muito. – Ela forçou-se a murmurar. Mesmo que não fizesse sentido algum.
— Por favor. – Implorou ele. — Nunca, jamais diga isto...
Oh, ei, veja, ele tinha se aproximado e ajoelhado à sua frente, as mãos sobre seus joelhos, os olhos azuis fitando-a como se estivesse a ponto de morrer diante do
pensamento de ter lhe causado qualquer mágoa.
Ela colocou a mão no rosto dele e sentiu o calor de sua face.
— Está bem, não vou pedir desculpas por isto. – Disse ela. — Mas sinto muito por nós dois. Você não quer sentir isto e nem eu, e ainda assim, olha como estamos...
— Não, não é como estamos, por que eu rejeito tudo isto. Não vou permitir que isto afete a mim ou a você...
— Já mencionei ultimamente o quanto eu odeio o câncer? – Ela abaixou o braço, consciente de estar interrompendo a fala dele, mas incapaz de parar. — Eu realmente,
realmente, realmente, odeio fodidamente essa doença. É tão bom que vampiros não a tenham por que se você acabasse com alguma versão dela, eu odiaria o universo pelo
resto da minha existência imortal...
— Mary, ouviu o que eu disse? – ele tomou sua mão e levou-a de volta ao próprio rosto. — Eu nunca mais vou pensar nisto. Não vou deixar isto se interpor entre nós.
Não vai ser...
— Não funciona assim com as emoções, Rhage. Eu como terapeuta sei bem. – Ela tentou sorrir, mas achou que o que saiu foi uma careta. — Não podemos escolher o que
iremos sentir... Especialmente não quanto a um assunto tão fundamental como ter um filho. Digo, além da morte e de com quem você quer passar o resto da vida, a coisa
toda de ter um filho é a base da existência.
— Mas você escolhe o que fazer quanto às suas emoções. É o que você sempre diz... É possível escolher como vai reagir a seus pensamentos e sentimentos.
— Sim. Só que de alguma forma... Isto não parece ser possível no momento.
Deus, por que será que as pessoas não surravam seus terapeutas? ela se perguntou. Aquela baboseira hipócrita sobre “dar vazão a seus sentimentos, mas deixar seu
lado carinhoso controlar suas respostas” realmente eram de nenhuma ajuda em momentos como este... Quando se estava a ponto de desabar e seu companheiro também, e
havia uma voz no fundo de sua mente dizendo que vocês dois jamais sairiam desta, porque, Deus, quem poderia?
Oh, e P.S. era tudo culpa dela porque era ela que não tinha óvulos férteis...
— Mary, olhe para mim.
Quando ela finalmente olhou, surpreendeu-se com a expressão feroz naquele rosto lindo dele.
— Eu me recuso a deixar qualquer coisa se interpor entre nós, especialmente esse conto de fadas idiota sobre ter um filho. Por que é o que é. Wrath e Z? Sim, eles
têm filhos com suas companheiras, mas também têm de viver com a realidade de que suas shellans podem morrer... Pelo amor de Deus, Wrath de fato quase perdeu Beth.
E Qhuinn? É claro, ele não está apaixonado por Layla, mas não me diga que ele não se importa com aquela fêmea com todo seu coração considerando o filho dos dois
que ela carrega. – Ele exalou e se sentou mais para trás, apoiando as mãos no chão. Seus olhos fitaram a cabeceira da cama e vagaram ao redor, traçando os entalhes
na madeira. — Quando penso logicamente sobre isto... Por mais forte que seja meu desejo de ter um filho... – Ele mudou o peso e cutucou o centro do peito. — ...
por mais que eu sinta necessidade de ter um filho especificamente com você, o que eu tenho a mais absoluta certeza é que jamais trocaria qualquer criança por você.
— Mas sou imortal, lembra? Você não teria de se preocupar de eu morrer no parto igual a seus irmãos.
Os olhos dele fixaram nos dela.
— Sim, mas então eu não iria voltar a vê-la, Mary. Este era o equilíbrio, lembra? Você não saberia que jamais estivemos juntos... Mas eu sim. Pelo resto da minha
vida eu saberia que você esteve neste planeta, viva e bem... Eu só não poderia jamais vê-la, tocá-la, rir com você de novo. E se eu fosse atrás de você? Você cairia
morta na hora. – Ele esfregou o rosto. — Não poder ter filhos? Esta é a razão pela qual estamos juntos. Não é uma maldição, Mary... É uma bênção. Foi o que nos salvou.
Mary piscou para afastar as lágrimas.
— Rhage...
— Você sabe que é verdade. Sabe que este é o equilíbrio. – Ele sentou-se e tomou suas mãos. — Sabe que é por isto que temos tudo isto. Você nos deu nosso futuro
precisamente por que não pode gerar filhos e filhas para mim.
Quando seus olhos se encontraram de novo e se sustentaram, ela começou de novo a dizer que sentia muito. Mas ele não deixou.
— Não. Não vou ouvir isto, Mary. Sério. Não vou ouvir mais porra nenhuma. E sabe o que mais? Eu não mudaria nada. Nem uma coisinha.
— Mas você quer um...
— Não mais do que quero você comigo, do meu lado, vivendo comigo, me amando. – O olhar dele não se desviou do dela, a força de sua convicção tão forte que faziam
arder os seus olhos. — Sério, Mary. Agora, pensando bem... Onde eu estava com a cabeça? Não. A vida sem você seria uma tragédia. Vida sem filhos? É... Bem, só um
caminho diferente.
O primeiro instinto de Mary foi se apegar a seu próprio drama, a roda de hamster do arrependimento, raiva e tristeza tão sedutores e potencialmente implacáveis quanto
um buraco negro. Mas então tentou superar tudo aquilo, tentou de alguma fora atravessar para o outro lado.
O que a ajudou a se salvar?
O amor nos olhos dele.
Quando Rhage ergueu o olhar para ela, seus olhos eram como o sol, uma fonte de calor, vida e amor. Mesmo com tudo o que ela não podia lhe dar? Ele ainda de alguma
forma conseguia olhar para ela como se tudo o que lhe importasse... Fosse exatamente o que tinha à sua frente.
Naquele momento, Mary percebeu uma coisa.
A vida não tinha de ser perfeita... Para que o amor verdadeiro fizesse parte dela.
Seria somente um caminho diferente.
A coisa mais esquisita aconteceu quando estas cinco palavras saíram da boca do Rhage. Era como se um peso tivesse sido tirado de cima dele, tudo se tornou leve e
meio superficial, seu coração começou a cantar, a alma liberou-se do fardo, a distância que se interpunha entre ele e sua companheira desapareceu como fumaça, como
a névoa se dispersando, como uma tempestade que passou por ali e foi adiante.
— Eu não mudaria nada. – Quando ele falou as palavras, sentiu-se... Livre. — Nada. Não mudaria nada.
— Eu não te culparia se você quisesse mudar.
— Bem, não quero. – Ele acariciou sua perna, puxando suas pernas para ela olhar para ele. — Nem uma coisa.
Mary respirou fundo. Então aquele sorriso dela surgiu, os lábios arquearam nos cantos, os olhos voltaram a se iluminar.
— Mesmo?
— De verdade.
Rhage levantou-se e voltou a sentar perto dela, na mesma posição dela, só que suas pernas eram tão grandes que os pés bateram no chão. Segurando sua mão, ele a cutucou
com o ombro uma vez. Duas. Até ela rir e cutucá-lo de volta.
— Sabe, você tem razão. – Disse ele. — Conversar ajuda.
— Engraçado, estava agora mesmo pensando que tudo isso era baboseira.
Ele negou com a cabeça.
— É incrível como tudo depende de como você encara.
— O que você é, casado com uma terapeuta ou coisa assim? – Quando eles riram um pouco, ela estremeceu. — Sabe, eu nunca realmente pensei em filhos. Estava tão ocupada
passando pela faculdade e então minha mãe adoeceu. Daí eu adoeci. Quando comecei a cogitar, já era tarde para mim... E não houve nenhum lamento ou qualquer tipo
de sensação de perda na minha cabeça. Acho que por que eu sempre soube que o câncer voltaria. Eu sempre soube. E estava certa.
— Daí você se emparelhou com um vampiro.
— Foi. – Só que Mary franziu o cenho. — Quero que me prometa uma coisa.
— Qualquer coisa.
Ela virou a mão dele, traçando as linhas na palma.
— Estou contente por estarmos conversando... Lógico que era inevitável que este assunto surgisse, e realmente, em retrospecto, não sei por que não antecipei. E mesmo
que seja difícil para nós dois, estou contente de que estejamos falando sobre isto e fico feliz por você se sentir melhor. Eu só... Você precisa entender que algo
assim não se resolve só com uma conversa.
Ele não tinha tanta certeza. Antes, sentia como se as engrenagens não estavam se encaixando, mas agora? Tudo estava funcionando tão bem quanto costumava estar...
E ainda melhor.
— Talvez.
— Acho que o que estou tentando dizer é que eu não quero que você fique surpreso ou se sinta mal se seu desapontamento voltar. Da próxima vez em que vir Wrath e
L.W. ou da próxima vez em que Z aparecer com a Nalla no colo? Provavelmente vai sentir esta angústia de novo.
Quando ele imaginou seu Rei e o irmão, deu de ombros.
— É, tem razão. Mas sabe o que? Bastará eu me lembrar de que tenho você e que isto não seria possível sob outras circunstâncias. Isto vai ajudar a me fazer sentir
normal de novo. Prometo.
— Só se lembre de que a negação não é uma boa estratégia a longo termo se o que busca é saúde mental.
— Ah, mas a perspectiva é mais ou menos uma estratégia a longo termo. Assim como ser grato pelo que se tem.
Ela sorriu de novo.
— Touché. Mas, por favor, conversa comigo? Eu não vou quebrar e prefiro saber o que passa em sua cabeça.
Erguendo a mão, ele colocou uma mecha do cabelo dela atrás da orelha.
— Mary, você é a pessoa mais forte que eu conheço.
— Às vezes não tenho tanta certeza disto. – Com uma mudança de posição e um esticão, ela depositou um beijo em sua boca. — Mas obrigada pelo voto de confiança.
— Tudo isto foi uma surpresa tão grande. – Murmurou ele. — Não era como se eu vivesse esperando ter um filho ou que não tê-los sequer me incomodasse.
— Não dá para saber o que a vida vai nos apresentar. – Agora foi ela quem deu de ombros. — E acho que isto pode tanto ser bom, quanto ser ruim.
— Realmente falei sério. Se você quer um filho, eu encontro um para você. Mesmo que seja humano.
Por que Deus sabia que crianças vampiras eram quase impossíveis de serem encontradas para adoção. Eram tão raras, preciosas demais.
Mary negou com a cabeça após um momento.
— Não, não acho que isto vai acontecer. Meu instinto materno se expressa através do meu trabalho. – Ela olhou para ele. — Mas gostaria de ter sido mãe ao seu lado.
Teria sido bem divertido. Você seria um pai maravilhoso.
Rhage tomou seu rosto entre as mãos e sentiu todo o amor que tinha por ela percorrer seu corpo inteiro. Odiava que ela tivesse se magoado com isto. Teria feito absolutamente
qualquer coisa para evitar qualquer dor a ela.
Exceto sacrificar o amor deles.
— Oh Mary, você teria sido a mãe mais maravilhosa. – Ele acariciou seu lábio inferior com o polegar. — Mas você não é menos fêmea a meus olhos. Você é, e continuará
a ser para sempre, a companheira mais perfeita da terra, a melhor coisa que já me aconteceu na vida.
Quando os olhos dela novamente se encheram de lágrimas, ela sorriu.
— Como é possível... Que você sempre consiga fazer eu me sentir tão bela?
Ele a beijou uma vez, e então de novo.
— Só estou refletindo de volta o que vejo e sei que é verdade. Não passo de um espelho, minha Mary. Agora me deixa te beijar de novo? Mmmmmmmm...
CONTINUA
Capítulo DEZOITO
As anotações nos prontuários dos pacientes do Lugar Seguro eram todas manuscritas. Em parte, devido ao custo: computadores, redes e armazenamento de dados confiáveis
custavam caro, e com a equipe como prioridade, aplicar fundos na área de tecnologia da informação simplesmente não parecia prioridade. Mas também, isto acontecia
devido ao fato de Marissa, sua destemida líder, ser antiquada e realmente não gostar que coisas importantes fossem mantidas de alguma forma que não pudessem segurar
nas mãos.
Afinal, quando se tinha quase quatrocentos anos de idade, a revolução tecnológica das últimas três décadas eram um pontinho ínfimo em seu sistema de radar.
Talvez daqui a um século a chefe confiasse um pouco mais nos Bill Gates da vida.
E Mary até que achava isto bom. Mais humano, de certa forma, ver as diferentes letras manuscritas, diferentes canetas, diferentes maneiras de pessoas escreverem
palavras com erros de vez em quando. Era o equivalente visual a uma conversa, cada um trazendo algo único de si mesmo aos registros – ao contrário do que acontece
em registros uniformes, que passaram por corretores ortográficos onde as palavras são todas digitadas iguais.
Se bem que isto dificultava a busca por uma referência em particular. Entretanto, reler tudo do início podia ajudar a captar coisas que previamente poderiam ter
passado batido.
Por exemplo, tios.
Após não encontrar nenhuma menção a parentes próximos no formulário de admissão, Mary seguiu lendo cada uma das anotações do prontuário de Annalye, as quais estavam
em sua própria letra. E bem como se lembrava, invariavelmente os registros eram curtos e continham pouca coisa útil.
Bitty não foi a única a se manter reservada.
Não havia nem uma única menção a um irmão ou qualquer outro parente. E a fêmea não tinha falado de seu companheiro morto também ou de qualquer abuso que ela e Bitty
tivessem sofrido. O que não significava que a violência tinha ficado fora dos registros. As anotações médicas das duas foram impressas e anexadas na contracapa do
prontuário.
Ao terminar a releitura, Mary precisou se recostar na cadeira e esfregar os olhos. Como várias vítimas que temiam por suas vidas, a mahmen de Bitty viera em busca
de assistência médica somente uma vez, quando a filha estava tão ferida que não havia jeito de que o processo natural de cura cicatrizasse os ferimentos. As radiografias
contaram o resto da sombria história, revelando anos de fraturas ósseas que tinham se solidificado. Em ambas.
Fechando o prontuário, pegou o de Bitty. O da garota era mais fino, já que seus registros médicos foram misturados aos da mãe, e também por ela lhes revelar ainda
menos do que Annalye. Tiveram regulares sessões de terapia, jogos criativos e aulas de música. Mas não havia muito para prosseguir.
De certa forma, todo mundo esteve somente esperando pelo inevitável...
— Sra. Luce?
Mary pulou na cadeira, estendendo a mão e esbarrando no mata-borrão da mesa.
— Bitty! Não te ouvi chegar.
A garotinha estava em pé na porta aberta, sua pequena figura parecendo ainda menor entre os batentes. Esta noite os cabelos castanhos estavam soltos e cachos espalhavam-se
em todas as direções, e ela usava outro dos vestidos costurados a mão, desta vez amarelo.
Mary teve de combater uma vontade quase irresistível de fazê-la vestir uma blusa de frio.
— Sra. Luce?
Forçando-se a prestar atenção, Mary disse.
— Desculpe, o que?
— Estive pensando... Meu tio já não teria vindo?
— Ah, não. Ele ainda não veio. – Mary pigarreou. — Ouça, pode vir aqui um minutinho? E feche a porta, por favor.
Bitty fez o que ela pediu, fechando a porta às suas costas e aproximando-se até estar em pé na frente da mesa.
— Estes são seus prontuários, querida. – Mary tocou as pastas pardas. — Seu e de sua mahmen. Eu acabei de analisá-los de novo. Não consegui... Não encontrei nada
sobre seu tio. Não há menção alguma sobre ele aqui. Não estou dizendo que ele não existe, eu só...
— Minha mahmen entrou em contato com ele. Então ele está vindo me buscar.
Bosta, pensou Mary. Precisava ir com muito tato.
— Como foi que sua mãe fez isto? – Perguntou. — Ela escreveu para ele? Telefonou? Pode me dizer como ela entrou em contato com ele? Talvez eu devesse tentar também.
— Eu não sei como foi. Mas ela falou com ele.
— Como ele se chama? Você se lembra?
— O nome dele é... – Bitty baixou o olhar para a mesa. Para os prontuários. — É...
Era fisicamente doloroso observar a garota tentar inventar o que provavelmente seria um nome de mentira. Mas Mary lhe deu espaço, esperando contra qualquer esperança
que houvesse uma solução mágica para tudo isto, algum irmão que de fato existisse aí pelo mundo, que pudesse ser tão bom para Bitty quanto ela merecia...
— Ruhn. O nome dele é Ruhn.
Mary fechou os olhos por um momento. Não conseguiu evitar. Ruhn era parecido com Rhym, lógico. Só uma pequena alteração no nome da supervisora das internações, uma
distância muito facilmente cruzada por uma mente jovem em busca de uma saída de uma situação horrível.
Ela precisava mesmo manter seu profissionalismo.
— Certo, bem, vou te dizer o que vou fazer. – Mary pegou o telefone. — Se você concordar, vou publicar sobre ele em um grupo fechado do Facebook. Talvez algum membro
o conheça e possa contatá-lo para nós?
Bitty anuiu um pouco.
— Posso ir?
Mary pigarreou.
— Mais uma coisa. As cinzas de sua mahmen... Elas ficarão prontas para serem retiradas em breve. Estive pensando, se você quiser podemos fazer a cerimônia para ela
aqui. Sei que todos aqui a amavam muito, assim como amamos você também...
— Prefiro esperar meu tio chegar. Então ele e eu poderemos fazer isto juntos.
— Tudo bem. Bem, quer ir comigo buscá-la? Quero ter certeza de que você...
— Não. Quero esperar aqui pelo meu tio.
Bosta.
— Tudo bem.
— Posso ir?
— Claro.
Quando a garotinha se virou, Mary disse.
— Bitty.
— Sim? – Bitty olhou para ela. — O que?
— Você pode conversar comigo, sabia? Sobre qualquer coisa. Estou aqui para você... E se não quiser conversar comigo, tudo bem, outra pessoa da equipe estará aqui
para te ajudar. Não vou ficar chateada. A única coisa que me importa é que você tenha todo o apoio que precisar.
Bitty olhou para o chão por um momento.
— Está bem. Posso ir?
— Eu sinto muito mesmo pela forma como... Como tudo aconteceu na clínica na noite passada. Acho melhor você conversar sobre isto com alguém... Se não quiser falar
comigo...
— Conversar não vai trazer minha mahmen de volta, Sra. Luce. – Aquela voz estava tão séria que poderia ter saído da boca de um adulto. — Conversar não vai mudar
nada.
— Vai sim. Acredite.
— Vai fazer o tempo voltar? Acho que não.
— Não, mas pode te ajudar a ajustar sua nova realidade. – Deus, estava realmente falando assim com uma garota de nove anos? — Você tem de desabafar sobre a sua dor...
— Eu vou sair agora. Estarei lá em cima, no sótão. Por favor, me avisa quando meu tio chegar?
Com isto, a garota saiu e silenciosamente fechou a porta. Quando Mary baixou a cabeça, colocando-a entre as mãos, ouviu os passinhos subindo a escada rumo ao terceiro
andar.
— Maldição. – Sussurrou ela.
Ao se levantar da mesa da cozinha, Rhage não estava preocupado de que quem quer que estivesse correndo pela sala de jantar e indo em sua direção fosse inimigo. Estava
mais preocupado que algum morador da casa estivesse em apuros.
Por que havia outro som junto com os passos.
Um bebê chorando.
Antes que chegasse à porta, Beth, a Rainha, entrou chorando na cozinha. O bebê sob um de seus braços como se fosse um saco de batatas, a mão livre erguida escorrendo
muito sangue.
— Ai, merda! – Rhage disse, correndo para alcançá-la perto da pia. — O que aconteceu?
Sua visão não estava tão clara como deveria, mas parecia haver muito vermelho na frente da camiseta dela. E sentia cheiro de sangue por todos os lados.
— Pode segurá-lo para mim? – Disse ela acima do choro de L.W. — Por favor, fique com ele.
Eeeeee foi assim que acabou segurando o primogênito de Wrath sob as axilas como se a criança fosse um dispositivo explosivo com um pavio queimando depressa demais.
— Ah... – Disse quando o garoto chutou e acertou-o bem no rosto. — Hum... É, quer ir à clínica ver isto?
Ao falar, não sabia ao certo se o “isto” referia-se ao ferimento ou ao bebê.
Movendo o barulhento saco de DNA de Wrath para o lado, tentou enxergar o que estava rolando – ela tinha cortado o dedo? A mão? Os pulsos?
— Foi idiotice minha. – Murmurou ela, silvando. — Eu estava lá fora na varanda, levando-o para ver a lua por que ele gosta e não estava olhando por onde pisava.
Escorreguei em uma porção de folhas e ooops! Os pés falharam. Ele estava no meu colo e eu não queria cair em cima dele. Estendi a maldita mão buscando equilíbrio,
raspei-a em um azulejo rachado e me cortei. Merda... Não para de sangrar.
Rhage piscou ao se perguntar exatamente quanto tempo aquela zoeira em seus ouvidos ia durar até ela levar o L.W. embora.
— O que... Ah...
— Ei, pode ficar com ele por um minuto? A Dra. Jane está no Pit, acabei de receber uma mensagem de texto dela. Vou correr até lá para ela dar uma olhada nisto. Volto
em dois segundos.
Rhage abriu a boca e congelou como se tivesse uma arma apontada para sua cabeça.
— Ah, sim. Claro. Sem problema. V Por favor, não permita que eu mate o filho de Wrath. OhDeusOhDeusOhDeus. — Ele e eu ficaremos muito bem. Vamos tomar um pouco de
café e...
— Não. – Beth fechou a torneira e enrolou a mão em uma toalha. — Nada de comida. Nada de bebida. E vou voltar logo mesmo.
A fêmea partiu em uma carreira desabalada passando pela cozinha e pela sala de jantar – e ao vê-la partir correndo tal qual Usain Bolt, ele teve de se perguntar
se era só por causa da mão... Ou pelo fato de ter deixado seu filho com um incompetente total.
Eeeeeeee L.W. agora estava chorando pra valer, como se ao perceber que sua mahmen tinha saído do recinto, os berros anteriores fossem só um aquecimento.
Rhage apertou bem os olhos e começou a voltar para sua cadeira junto à mesa. Mas depois de dois passos, pensou na queda de Beth e imaginou-se esmagando o garoto
como uma panqueca. Arregalando os olhos, prosseguiu bem devagarzinho como se equilibrasse um vaso de cristal no topo do crânio. Assim que chegou ao alcance, estacionou
o traseiro na cadeira e segurou o garoto em pé sobre aqueles pés de biscoito dele. L.W. ainda não era forte o bastante para sustentar-se em pé, mas aqueles berros
eram como numa música rock and roll.
— Sua mahmen já vem... – Por favor, querida Virgem Escriba, faça essa fêmea voltar antes que eu fique surdo. — É... Já está viiiiindo.
Rhage olhou ao redor daquele par de pulmões extremamente saudáveis e rezou para que alguém, qualquer pessoa, viesse correndo.
Quando aquele otimismo passivo não resultou, voltou a se concentrar no rostinho vermelho.
— Amiguinho, eu já entendi. Acredite. Eu já te ouviiiiiiiii.
Okay, se a definição de insanidade fosse mesmo fazer a mesma coisa repetidas vezes...
Virando o garotinho, Rhage deitou L.W. de costas na dobra de seu braço como viu Wrath e Beth fazer...
Puta merda, isto só irritou o garoto ainda mais. Se é que era possível.
Próxima posição? Humm...
Rhage colocou L.W. recostado em seu peito para que o bebê pudesse ver por cima do seu ombro. E então deu tapinhas com a palma da mão nas costinhas surpreendentemente
robustas. De novo. E de novo. E de novo...
E quem diria. A merda funcionou.
Cerca de quatro minutos e trinta e sete segundos depois – não que Rhage estivesse contando – L.W. passou a soluçar, como se seu fazedor de lágrimas estivesse sem
energia para continuar funcionando. Então o garoto deu um suspiro entrecortado e relaxou.
Mais tarde, Rhage se perguntaria se as coisas poderiam ter ficado bem se L.W. tivesse parado por aí. Talvez se a criança não tivesse feito o que fez depois... Ou
talvez se tivesse recomeçado a chorar? Então talvez Rhage pudesse ter se salvado.
O problema foi que, alguns momentos depois, L.W. enlaçou a garganta de Rhage com um braço gordinho, e então agarrou o moletom que Rhage vestia e segurou, aproximando-se
mais, buscando conforto, encontrando-o... Confiando nele por que o carinha era completamente indefeso no mundo.
Subitamente Rhage parou as batidinhas, congelando exatamente onde estava, mesmo se equilibrando na cadeira. E com uma clareza despedaçadora, tudo sobre o bebê se
registrou nele, do calor naquele corpinho vital à força tensa daquele aperto de mão, àquele peito subindo e descendo. O som das pequenas fungadas soavam bem junto
à orelha de Rhage, assim como a respiração pulsante, e quando L.W. mexeu a cabeça, sedosos e finos fios de cabelos pinicaram o pescoço de Rhage.
Isto era o futuro, pensou Rhage. Isto era... O destino, ali, descansando contra ele.
Afinal, L.W. tinha olhos que testemunhariam eventos muito depois de Rhage não mais existir. E o cérebro da criança tomaria decisões que Rhage não poderia nem imaginar.
E o corpo, que era frágil em seu estado inicial, mas que na maturidade lutaria, honraria e protegeria, do mesmo jeito que o pai tinha feito, e o pai de seu pai...
E todos os antepassados da linhagem antes dele.
Além disto, Beth dera aquilo a Wrath. Era algo que eles compartilhavam. Eles tinham... Feito... Juntos.
Subitamente, Rhage descobriu que não conseguia respirar.
Capítulo DEZENOVE
Naasha não o fez perder tempo.
Assim que Assail apareceu na sala de estar da dama na mansão de seu hellren, uma porção da parede coberta de papel de parede cor pêssego deslizou e Naasha entrou,
atravessando uma porta oculta.
— Boa noite. – Disse ela, fazendo pose. — Estou usando vermelho, do jeito que pediu.
Fale-se o que quiser sobre sua falta de pedigree e seu casamento por interesse, mas ela era uma fêmea linda, de cabelos compridos e com uma harmonia de medidas entre
busto-cintura-quadris digna de Marilyn Monroe. De vestido curt, e os pés metidos em um par de Louboutins, ela era o sonho molhado de qualquer um que possuísse um
pau.
E ainda assim, tão embonecada e produzida, não chegava aos pés de sua Marisol – do mesmo jeito que uma flor de estufa nunca seria tão atraente quanto algo que tenha
crescido, indomada e inesperadamente, ao ar livre.
Ainda assim, o cheiro dela o afetou de forma não tão diferente da cocaína que tinha cheirado antes de ir para ali, e seu corpo despertou, mesmo que as emoções e
sua alma continuassem mortas e frias. A horrível realidade era que seu corpo necessitava do sangue de uma vampira – e este imperativo biológico tomaria a dianteira
aqui e agora, acima de qualquer outra coisa.
Mesmo que sob outras circunstâncias ele jamais teria sequer reparado na existência dela.
— Gosta? – Disse ela erguendo os braços e dando uma voltinha lenta.
Ele, como era esperado, sorriu revelando suas presas alongadas.
— Vai ficar melhor sem ele. Vem aqui. – Mandou ele.
Naasha aproximou-se lentamente, mas não o caminho todo, parando perto de um sofá francês antigo, amarelo creme, com mais almofadas do que espaço para sentar.
— Vem você.
Assail negou com a cabeça.
— Não.
O beicinho foi rápido, os lábios grossos dela se juntaram brilhando com uma cor que combinava com o vestido.
— Você atravessou a cidade inteira pra me ver. Certamente pode dar mais alguns passos.
— Eu não vou atravessar esta sala.
Ante o olhar enfastiado que ele expressou, nem um pouco forçado, a excitação dela fulgurou.
— Você é tão desrespeitoso. Eu devia te mandar embora.
— Se acha que isto é desrespeito, ainda não viu nada. E vou ficar mais do que feliz de ir embora.
— Eu tenho um amante, sabe?
— Tem mesmo? – Ele inclinou a cabeça. — Meus parabéns.
— Então estou muito bem servida. Apesar da enfermidade do meu amado.
— Bem, então é melhor eu ir...
— Não. – Ela rodeou rapidamente o sofá, movendo-se até estar tão perto que ele podia ver os poros em sua pele suave. — Não vá.
Ele fez um show ao olhar para o rosto dela. Então estendeu a mão e tocou seus cabelos.
— Ajoelhe-se. – Antes dela poder dizer qualquer coisa, ele apontou para seus pés. — De joelhos. Agora.
— Eu já tinha esquecido como você é mandão...
— Não me faça perder tempo.
Quando outro jorro de sua excitação atingiu-o no nariz, soube que ela ia se ajoelhar no tapete Aubusson – e quando ela esticou a mão para se equilibrar tocando seu
peito, ele afastou a mão dela para que fosse forçada a cambalear para baixo até o chão.
— Isso, boa garota. – Acariciou suas bochechas com o nó dos dedos. Então agarrou um punhado de seus cabelos e forçou a cabeça dela para trás. — Abra a boca.
Com os lábios separados ela começou a arfar, o cheiro de seu sexo se tornou um rugido no nariz dele, o rosto dela enrubescido de calor, os seios apertados para cima
do corpete do vestido. Com a mão livre, abriu o zíper de suas elegantes calças e expôs sua ereção.
Acariciando-se, ele grunhiu.
— Quer me contar mais sobre seu amante?
Os olhos semicerrados dela assumiram uma luz erótica.
— Ele é tão forte...
Assail meteu o pau entre os lábios dela, impedindo-a de continuar a falar. E então, usando o aperto naqueles cabelos, fodeu sua boca enquanto ela gemia, as mãos
indo até os próprios seios e apertando, os joelhos bem separados como se na mente dela ele estivesse entrando e saindo de seu núcleo, ao invés da boca. Ou talvez
dos dois lugares.
Enquanto a fodia com brusquidão, não era como se a odiasse. Nem mesmo desgostava dela – de qualquer forma, ela teria de estar em seu radar para ter qualquer tipo
de opinião sobre ela, o que não acontecia.
O que odiava era o fato dela não ser quem ele desejava.
Quanto mais pensava naquela realidade, na distância eterna, na perda?
Liberando o pau da boca de Naasha, levou-a ao sofá de joelhos, usando o cabelo como guia. E ela adorou. Seguiu-o com mais do que boa vontade, arfando enrubescida,
pronta para ser fodida. O que era conveniente, não era?
Especialmente quando a inclinou sobre aquele belo sofá francês, puxou para cima aquela saia curta e justa, e penetrou-a por trás.
Ela gozou imediatamente, estremecendo e sacolejando debaixo dele. E quando ele puxou a cabeça dela para trás mais uma vez, ela gritou o nome dele.
— Shhh. – Ele murmurou. — Não vai querer que seu amado ouça. Ou seu namorado.
Ela gemeu uma porção de coisas ininteligíveis, tão perdida no ato que seu cérebro tinha obviamente tirado um descanso. E de um jeito estranho, sentiu inveja da experiência
erótica que ela obviamente estava curtindo. Para ele, aquilo não passava da expressão de uma necessidade básica, um treino físico com prazer e sangue como um troféu
anônimo.
Não tinha nada daquele prazer sem limites que ela tão claramente expressava. Mas pelo menos, ele podia usar esta fraqueza dela... A favor de Wrath.
Alongando as presas, Assail golpeou a lateral da garganta dela, mordendo com força enquanto a penetrava, sugando-a, tomando sua parte. O gosto dela era... Bom. A
sensação do sexo dela apertando e soltando seu pau era... Boa. A força que lhe forneceria era totalmente necessária.
Do outro lado da sala, no vidro ondulado de um espelho ancestral, viu seu reflexo metendo nela.
De fato aparentava tão morto quanto se sentia. Mas, de qualquer forma, tateou o bolso interno do casaco em busca do celular.
Vishous passava pela sala de musculação do centro de treinamento quando seu celular vibrou, graças ao WiFi da área. Tirando a coisa do bolso traseiro da calça, digitou
a senha e sorriu diante da mensagem.
Era uma foto de Assail – da parte de trás da cabeça de uma fêmea de cabelos pretos enquanto ela estava de quatro sobre um sofá. A mensagem embaixo era curta e grossa:
Estou dentro.
Bom trabalho. – V digitou de volta. — Divirta-se.
— E nos traga alguma coisa. – Disse ele ao voltar a guardar o celular.
O vício do macho era um problema em potencial, mas parecia que Wrath fez uma aposta certa com o filho da puta. Assail era bonito, rico e um bastardo total com a
linhagem certa. Era o espião perfeito para infiltrar na glymera.
Tudo dependeria do que ele descobriria. E por quanto tempo ele seria um bom garoto e jogaria de acordo com as regras.
Qualquer pensamento independente da parte dele e V deixaria aquela garganta mais aberta do que uma porta de garagem. Mas até este momento chegar, Assail estava solidamente
na coluna dos Úteis, Aqueles Que Merecem Continuar Vivos.
Quando Vishous chegou à entrada dos estandes de tiro ao alvo, abaixou-se e pegou uma sacola preta que tinha deixado ali horas atrás. Dirigindo-se até o espaço de
teto baixo com cheiro de mofo, soltou um cumprimento.
— Como estamos? – Disse circulando a cabine de tiros e prosseguindo até a área de alvo feita de concreto.
Blay levantou-se da cadeira dobrável onde estava esticando os braços acima da cabeça e as palmas no teto.
— Na mesma.
— Mas derrotei este cara duas vezes no baralho. – Lassiter interrompeu.
— Só por que você trapaceou.
Vishous olhou e meneou a cabeça para o anjo.
— O que está fazendo aqui? E por que está em uma cadeira de jardim?
— Apoio para a lombar...
Nesse momento, o pedaço de carne às costas de V se mexeu – e V teve de dar um crédito ao cuzão de cabelo bicolor: Lassiter estava em pé e fora daquela coisa mais
rápido do que um piscar de olhos, de arma apontada para o peito de Xcor como se preparado para abrir um buraco naquele coração.
— Calma, cowboy. – Disse V. — Foi só um espasmo muscular involuntário.
O anjo não pareceu ouvi-lo – ou talvez não quisesse que ninguém mais fizesse uma avaliação de seu dedo de atirar, mesmo alguém com treinamento médico.
Difícil não aprovar o cara. Difícil também não notar que claramente Lassiter não ia sair do lado de Xcor, como se confiasse somente em si mesmo para cuidar daquela
situação.
Merda, contanto que o anjo não abrisse a boca e desde que V não pensasse nas pequenas diferenças que eles tiveram no passado, quase dava para esquecer o quanto queria
chutar o filho da puta.
Aproximando-se do prisioneiro, Vishous avaliou-o visualmente. Ao chegarem ali com o bastardo, V o amarrou na mesa de madeira de cara pra cima e braços abertos, fechando
algemas de aço inoxidável nos pulsos e tornozelos e em volta daquele pescoço grosso – e quem diria, o cara estava bem do jeito que tinha deixado. A cor era passável.
Olhos fechados. O ferimento na cabeça, na base do crânio, já não vazava mais, provavelmente já tinha cicatrizado.
— Precisa de ajuda? – Perguntou Blay.
— Não, tudo certo.
Abrindo a sacola, V usou o equipamento que estava dentro para verificar os batimentos cardíacos, a pressão sanguínea, temperatura e oxigenação. A coisa que mais
o preocupava era o inevitável hematoma onde tinha golpeado o fodido com a pistola – e suas possíveis complicações, que incluíam qualquer coisa, do inconveniente
ao catastrófico. No entanto, sem movê-lo ou sem trazer até ali equipamentos verdadeiramente pesados e caros, não haveria jeito de descobrir.
Mas suspeitava. Era inteiramente possível que a concussão tivesse causado um derrame isquêmico devido a um coágulo sanguíneo que bloqueou uma veia.
Era bem a sorte deles. Capturam o inimigo e o bastardo tinha uma morte cerebral pra cima deles.
Depois de V guardar seus brinquedos e fazer suas anotações no arquivo digital em seu celular, deu um passo para trás e só encarou o rosto feio do macho. Na falta
de conseguir fazer uma bateria de exames, tinha de confiar em sua própria observação – e às vezes, mesmo com o equipamento avançado e moderno, nada superava a própria
interpretação do médico sobre o que via.
Estreitando os olhos, traçou cada respiração, cada exalação... E os espasmos nas sobrancelhas e a imobilidade das pálpebras... Os movimentos aleatórios dos dedos...
As contrações sob a pele das coxas.
Derrame. Definitivamente um derrame. Absolutamente nenhum movimento do lado esquerdo.
Acorda, caralho, pensou V. Para eu poder te bater mais e te botar pra dormir de novo.
— Maldição.
— O que há? – Perguntou Blay.
Se não houvesse alguma melhora logo, teria de tomar a decisão de manter Xcor – ou jogar o corpo dele no lixo.
— Você está bem?
V virou-se para Blay.
— O que?
— Seu olho está tremendo.
Vishous esfregou o olho até parar. E então se perguntou, com tudo o que estava rolando, se seria o próximo na lista de vítimas do AVC.
— Avise-me se ele recobrar a consciência?
— Pode deixar. – Disse Lassiter. — E também aviso quando precisar de mais um Milk-shake de morango.
— Não sou seu empregado. – V pendurou de novo a sacola no ombro e foi para a porta. — E se me mandar beijo de novo, vou colocar um aparelho de ressonância magnética
em você, ao invés do contrário.
— E se eu beliscar sua bunda? – O anjo provocou.
— Tente e vai descobrir que a imortalidade, igual ao tempo, é relativo.
— Você sabe que me ama!
Vishous meneava a cabeça ao sair para o corredor. Lassiter era como uma gripe, contagiosa, irritante e nada que alguém desejasse ter.
E ainda assim, estava feliz pelo fodido estar ali. Mesmo que Xcor no momento não passasse de um vegetal.
Capítulo VINTE
Beth Randall, companheira do Rei Cego, Wrath, filho de Wrath, pai de Wrath, Rainha de todos os vampiros, partiu rumo à porta principal do Pit, com a Dra. Jane ainda
enrolando uma faixa em sua mão recém-costurada.
— Está ótimo! Obrigada...
A companheira de V a seguia na corrida, as duas se esquivando de uma sacola de ginástica, uma maleta... Uma boneca inflável que total e verdadeiramente precisava
de roupas.
— Você precisa parar, sério!
— Já está tudo bem...
— Beth! – Jane remexeu em seu rolo de fita cirúrgica e começou a rir. — Não consigo encontrar a ponta...
— Deixa que coloco depois...
— Pra que tanta pressa?
Beth parou.
— Deixei L.W. com Rhage na cozinha.
A Dra. Jane piscou.
— Oh, Deus... Vá!
Beth foi sumariamente empurrada para fora do Pit com a fita e acabou o serviço enquanto atravessava correndo o pátio, mordendo a ponta da fita com os dentes e colando
a coisa na gaze branca que foi enrolada ao redor de sua mão. Subindo aos pulos os degraus para a grandiosa entrada da mansão, abriu a porta para o vestíbulo e enfiou
a cara na câmera.
— Vamos lá... Abra – Murmurou ao transferir seu peso pra frente e pra trás sobre os pés.
Rhage não ia machucar o garoto. Pelo menos, não de propósito. Mas puta merda, em sua mente repetidamente vinha a imagem de Annie Potts cuidando do bebê em Os Caça-Fantasmas
II, alimentando-o com pizza francesa.
Quando a tranca finalmente foi liberada por dentro, entrou correndo no saguão desviando da empregada que abriu caminho para ela.
— Rainha! – A doggen disse com uma reverência.
— Oh, Deus, desculpe, sinto muito! Obrigada!
Sem saber exatamente do que estava pedindo desculpas, disparou pela sala de jantar vazia e entrou na cozinha...
Beth parou de chofre.
Rhage estava sentado sozinho à mesa e tinha L.W. recostado em seu ombro, o bebê aninhado bem junto a seu pescoço, aquele braço enorme embalando o bebê com todo o
senso de proteção que qualquer pai teria demonstrado. O Irmão estava de olhos fixos à frente, além de sua vitrine de carboidratos consumida pela metade e a jarra
de café quase vazia.
Lágrimas escorriam pelo seu rosto.
— Rhage? – Disse Beth suavemente. — O que houve?
Depositando a fita cirúrgica sobre o balcão, aproximou-se deles... E quando ele não percebeu sua aproximação, pousou a ponta dos dedos no ombro dele. E ainda assim
ele não respondeu.
Ela falou um pouco mais alto.
— Rhage...
Ele se assustou e olhou para ela, surpreso.
— Oh, ei. Tudo bem com sua mão?
O macho não parecia ter consciência de suas emoções. E por alguma razão bem triste, parecia apropriado que estivesse cercado pelo caos de sua refeição, pacotes abertos
de bagels e pães espalhados pela mesa rústica de madeira, barras de manteiga, blocos de cream cheese e guardanapos de papel amassados por toda sua volta.
Ele estava, naquele momento silencioso, tão bagunçado quanto tudo à sua frente.
Ajoelhando-se, tocou o seu braço.
— Rhage querido, o que está havendo?
— Nada. – O sorriso que se abriu naquele rosto bonito era vazio. — Eu o fiz parar de chorar.
— Sim, você fez. Obrigada.
Rhage anuiu. Então meneou a cabeça.
— Aqui, deixa eu te devolver ele agora.
— Está bem. – Sussurrou ela. — Fique com ele o tempo que quiser. Ele parece realmente confiar em você... Nunca o vi ficar calmo com ninguém além de mim e Wrath.
— Eu, ah... Dei palmadinhas nas costas dele. Sabe? Igual a vocês. – Rhage pigarreou. — Eu tenho observado você com ele. Você e Wrath.
Agora ele voltou a olhar fixo para o outro lado da sala.
— Não por mal, nem nada disto. – Ele completou.
— É claro que não.
— Mas eu tenho... – Ele engoliu em seco. — Estou chorando, não estou?
— Sim. – Estendendo a mão, ela tirou um guardanapo de papel do suporte. — Aqui.
Levantando-se, ela secou debaixo daqueles lindos olhos azul ciano – e lembrou-se da primeira vez que o viu. Foi na antiga casa de seu pai, Darius. Rhage estava dando
alguns pontos em si mesmo em uma das pias do banheiro, trabalhando a linha e agulha através da própria pele como se aquilo não fosse grande coisa.
Não é nada. A coisa só fica séria quando dá pra usar o próprio intestino como cinto.
Ou algo assim.
E então se lembrou do que aconteceu depois quando a besta saiu dele e ele teve de se deitar no quarto subterrâneo do pai dela para se recuperar. Ela tinha lhe dado
seu antiácido e o acalmado em meio à sua cegueira e desconforto o máximo que conseguiu.
Parecia ter sido há tanto tempo.
— Pode me contar o que está errado?
Ela observou a mão dele executar pequenos movimentos circulares nas costas do L.W.
— Não é nada. – Os lábios dele se esticaram no que claramente era para ser outro sorriso. — Só estou aproveitando um momento calmo com seu filho maravilhoso. Você
é tão sortuda. Você e Wrath têm tanta sorte.
— Sim, temos mesmo.
Ela quase morreu no parto de L.W. e pra salvar sua vida tiveram de remover seu útero. Não haveria mais possibilidade de ter filhos biológicos – e sim, aquilo era
meio entristecedor. Mas cada vez que olhava para o rosto do filho, ficava tão grata por ele que o fato de que não poderia arriscar na loteria de novo não parecia
uma perda muito grande.
Mas Rhage e Mary? Eles não iriam nem ter a oportunidade de tentar. E aquilo certamente era o que estava na mente de Rhage naquele momento.
— É melhor eu te devolver ele. – O irmão disse novamente.
Beth engoliu em seco.
— Fique o tempo que desejar.
De volta ao Lugar Seguro, Mary tinha acabado de postar uma mensagem no Facebook sobre o hipotético tio de Bitty quando houve uma batida na porta.
Talvez fosse a garota e elas pudessem novamente tentar conversar. Mas provavelmente não...
— Entre. – Disse Mary. — Oh, ei Marissa, como vai?
A companheira de Butch estava tão linda quanto sempre, os cabelos louros soltos e perfeitamente cacheados sobre seus ombros magros como se tivessem sido tão treinados
em boas-maneiras que jamais pensariam em arrepiar. Vestida em um suéter de cashmere preto e calças também pretas, de certa forma parecia a versão feminina de Rhage
– fisicamente maravilhosa demais para existir de verdade.
E como Rhage, o exterior não chegava aos pés do quão adorável era por dentro.
Com um sorriso digno da Vogue, Marissa sentou-se em uma cadeira barulhenta do outro lado da mesa.
— Estou bem. Mais importante que tudo, como você está?
Mary recostou-se, cruzou o braço sobre o peito e pensou, ah, então não é uma visita social.
— Acho que já está sabendo. – Murmurou ela.
— Sim.
— Eu juro, Marissa, não fazia ideia de que ia ser tão grave.
— É claro que não. Como poderia?
— Bem, contanto que saiba que não era minha intenção que as coisas terminassem tão mal...
Marissa franziu o cenho.
— Desculpe, o que?
— Quando Bitty e eu fomos visitar a mãe dela...
— Espere, espere. – Marissa ergueu as mãos. — O que? Não, estou falando do tiro que Rhage levou. E de você ter salvado a vida dele na frente dos Irmãos.
Mary ergueu as sobrancelhas.
— Oh, isto.
— Sim... Isto. – Um brilho esquisito invadiu o olhar de Marissa. — Sabe, francamente não entendo por que veio trabalhar hoje. Pensei que ficaria em casa com ele.
— Oh, bem, sim. Mas com tudo isto que está acontecendo com Bitty, como eu poderia não vir? Além disso, passei o dia todo com Rhage, tenho certeza que ele está bem.
Enquanto ele ainda estava dormindo na clínica, quis ver como ela estava. Deus... A ideia de que eu piorei ainda mais as coisas para aquela garota faz eu me sentir
péssima. Digo, com certeza você sabe o que aconteceu.
— Refere-se ao que aconteceu no Havers? Sim, fiquei sabendo. E entendo que esteja chateada. Mas eu realmente acho que você devia ter ficado em casa com Rhage.
Mary fez um aceno casual com a mão.
— Estou bem. Ele está bem...
— E acho que você devia ir pra casa agora.
Com um jorro de terror, Mary sentou-se na beirada da cadeira.
— Espere, não está me demitindo por causa de Bitty, está?
— Oh, meu Deus... Não! Está brincando comigo? Você é a melhor terapeuta que temos! – Marissa meneou a cabeça. — E acho que não preciso te dizer como fazer o seu
trabalho aqui. Mas está bem claro que teve um dia muito cheio, e por mais que queira ficar aqui pela garota em toda sua capacidade profissional, você vai ser ainda
mais eficiente depois de ir pra casa descansar um pouco.
— Bom, que alívio! – Voltou a recostar-se na cadeira. — A parte de não ser demitida, digo.
— Não quer ficar com Rhage?
— É claro que sim. Só estou mesmo preocupada com a Bitty. É um momento crítico, sabe? A perda da mãe não foi só uma tragédia que a deixou órfã, é um enorme gatilho
para todo o resto. Eu só... Eu realmente queria ter certeza de que ela está bem.
— Você é uma terapeuta dedicada, sabia disso?
— Ela fica falando de um tio, – Quando Marissa franziu o cenho de novo, Mary voltou a abrir o prontuário de Annalye e folheou as páginas. — É, eu sei, certo? Também
não tinha visto isto ser mencionado até agora. E revisei todo o material que temos e não há referência alguma a qualquer tipo de familiar. Acabei de postar uma mensagem
para a raça naquela página fechada do Facebook. Vamos ver se consigo encontrá-lo deste jeito. – Mary meneou a cabeça ao encarar um registro que foi escrito por Rhym.
— Parte de mim se pergunta se seria possível acessar a lista de ligações feitas e recebidas do último mês. Talvez haja algo ali. Nenhum e-mail foi recebido ou respondido
aqui. E até onde sei, a mãe de Bitty nunca tinha usado um e-mail.
Quando houve um período de silêncio, Mary ergueu o olhar – e viu que sua chefe a encarava com expressão inescrutável.
— O que foi? – Disse Mary.
Marissa pigarreou.
— Admiro sua dedicação. Mas acho que é melhor que tire o resto da noite de folga. Um pouco de distância é sempre melhor para recuperar o foco. Bitty estará aqui
amanhã e você vai poder continuar a ser o membro principal da equipe no caso dela.
— Eu só queria consertar tudo.
— Eu sei e não te culpo. Mas não consigo me livrar da sensação de que se eu tivesse vindo trabalhar uma noite após Butch ter quase morrido em meus braços? Você me
faria ir pra casa. Não importa o que estivesse ocorrendo debaixo deste teto.
Mary abriu a boca pra negar. Então fechou de novo diante da erguida de uma das sobrancelhas de Marissa.
Como se a chefe soubesse que tinha ganhado a discussão, Marissa se levantou e deu um sorrisinho.
— Você sempre foi dedicada a seu trabalho. Mas é importante que o Lugar Seguro não seja mais importante do que a sua vida.
— Sim. É claro. Você tem razão.
— Te vejo em casa mais tarde.
— Absolutamente.
À saída de Marissa, Mary tinha intenção de fazer o que ela disse... Só que era difícil partir. Mesmo depois de pegar a bolsa e o casaco, e enviar uma mensagem de
texto para Rhym voltar se pudesse – e a fêmea podia – ela de alguma forma encontrou motivos para adiar de novo a ida até o carro de Rhage. Primeiro foi delegar algumas
tarefas para outro membro da equipe; então foi ficar em pé na base da escada para o sótão debatendo se deveria ou não contar a Bitty.
No final, Mary decidiu não incomodar a garota e voltou ao primeiro andar. Parou de novo à porta da frente, mas aquela pausa não durou muito.
Quando finalmente saiu, respirou fundo e sentiu o cheiro do outono no ar.
Bem quando estava chegando ao GTO, parou e olhou para cima. A luz estava acesa no quarto de Bitty e era impossível não imaginar aquela garotinha esperando, de malas
feitas, um tio que sequer existia vir para levá-la para longe de uma realidade que ia acompanhá-la pelo resto da sua vida.
A volta pra casa durou uma eternidade, mas eventualmente parou o carro em uma vaga no pátio entre o Hummer II de Qhuinn e o Porsche 911 Turbo de Manny.
Olhando para a enorme mansão de pedras com suas guar-gárgulas, como Lassiter as chamava, e suas incontáveis janelas e o telhado inclinado de ardósia, perguntou a
si mesma o que Bitty acharia do lugar e imaginou que de início a garota ia se sentir intimidada. Mas por mais assustador que parecesse por fora, as pessoas lá dentro
a tornavam tão acolhedora e confortável quanto um pequeno chalé.
Atravessou os paralelepípedos e passou pela fonte, que já tinha sido drenada para o inverno. Subiu os degraus de pedra. Entrou no vestíbulo, onde expôs o rosto para
a câmera de segurança e esperou.
Foi Beth quem abriu a porta para ela, embalando L.W. no quadril.
— Oh, ei... Eu já ia te ligar.
— Olá, homenzinho. – Mary acariciou a bochecha do garoto e sorriu para ele, por que era impossível resistir. O bebê era um poço de beleza, absolutamente encantador.
— Vocês estão precisando de alguma coisa?
Ela entrou no grande saguão para tirar o L.W. do frio e parou ao ver a expressão de Beth.
— Está tudo bem?
— Bem, ah... Então, Rhage acabou de subir.
— Oh? Ele deve estar se sentindo melhor.
— Acho que devia falar com ele.
Algo na voz da Rainha realmente não estava certo.
— Aconteceu alguma coisa errada?
A fêmea se concentrou em seu bebê, acariciando seus cabelinhos escuros.
— Eu só acho que você precisa ficar com ele.
— O que houve? – Quando Beth somente repetiu alguma versão do que já tinha dito, Mary franziu o cenho. — Por que não está me olhando?
O olhar de Beth finalmente subiu para seu rosto, onde se fixou.
— Ele só parece... Chateado. E acho que precisa de você. Só isso.
— Okay. Tudo bem. Obrigada.
Mary atravessou o mosaico no chão e subiu correndo as escadas. Ao chegar ao seu quarto, abriu a porta – e foi atingida por um sopro forte e congelante de ar.
— Rhage? – Enlaçando os braços ao redor de si mesma, estremeceu. — Rhage? Por que as janelas estão abertas?
Tentando não se sentir alarmada, entrou e fechou a porta de correr à esquerda de sua enorme cama. Então fechou a outra.
— Rhage?
— Aqui.
Graças a Deus, ao menos ele estava respondendo.
Rastreando a voz dele, foi ao banheiro – e o encontrou sentado no meio do chão de mármore com os joelhos erguidos até o peito, braços enlaçados ao redor das pernas,
cabeça baixa e virada para o outro lado, que não o dela. Vestia moletom e tão grande quanto sempre, mas tudo nele parecia ter encolhido.
— Rhage! – Correu e se ajoelhou ao lado dele. — Qual o problema? Precisa de um médico?
— Não.
Praguejando, acariciou o cabelo dele para trás.
— Está sentindo dor?
Quando ele não respondeu ou ergueu o olhar, ela contornou para o outro lado para poder ver o seu rosto. As pálpebras dele estavam semicerradas e os olhos vidrados.
Ele parecia ter recebido notícias bem ruins.
— Alguém se feriu? – Um dos Irmãos? Layla? Só que se fosse isso, Beth teria falado para ela, não? — Rhage, fale comigo. Está me assustando.
Erguendo a cabeça, ele esfregou o rosto e pareceu perceber pela primeira vez que ela estava ali.
— Ei. Achei que estava no trabalho.
— Voltei mais cedo, – Felizmente. E se tivesse ficado lá e ele tivesse... Jesus, Marissa tinha razão. — Rhage, o que houve... Espere, alguém te bateu?
O maxilar dele estava inchado, e havia marcas azuis e pretas na pele bronzeada.
— Rhage. – Disse ela com mais energia. — Que diabos aconteceu com você? Quem te bateu?
— Vishous. Duas vezes... Bem, uma de cada lado.
Recuando, ela praguejou.
— Santo Deus, por que ele fez isto?
Os olhos dele traçaram o rosto dela e então estendeu o braço e tocou-a gentilmente com a ponta dos dedos.
— Não fique brava. Eu mereci... E ele fez minha visão voltar mais cedo do que de costume.
— Você ainda não respondeu minha pergunta, – Ela tentou manter a voz neutra. — Vocês dois brigaram?
Rhage passou o polegar levemente pelo lábio inferior dela.
— Adoro o jeito que você me beija.
— Por que vocês brigaram?
— E adoro o seu corpo, – As mãos dele desceram até os ombros dela e se moveram para a garganta. — Você é tão linda, Mary.
— Ouça, agradeço os elogios, mas preciso saber o que está acontecendo. – Disse colocando as mãos sobre as dele. — Você está claramente chateado com alguma coisa.
— Deixa eu te beijar?
Ao encará-la, ele pareceu desesperado de um jeito que ela não compreendia. E por causa da dor que pressentia nele, acabou cedendo.
— Sim. – Sussurrou ela. — Sempre.
Rhage inclinou a cabeça para o lado, e contrário à sua paixão habitual, seus lábios pousaram sobre os dela com suavidade, esfregando demoradamente. Quando a pulsação
dela acelerou, ela quase desejou não se sentir excitada – não queria ser distraída pelo sexo... Só que ele continuou a acariciar sua boca, e todo o caos em seu cérebro
se reorganizou na direção de uma sensação elétrica de antecipação, o cheiro flamejante dele, seu corpo lindo, seu poder masculino ofuscando todas as suas preocupações.
— Minha Mary. – Ele grunhiu ao lamber sua boca por dentro. — Cada vez com você... É nova. Nunca é o mesmo e sempre melhor do que o último beijo... O último toque.
As mãos dele desceram e ela sentiu o peso delas em seus seios. E então com um toque lento, ele tirou sua jaqueta, deslizando-a pelos braços, fazendo-a sentir a camisa
de seda, o sutiã rendado e toda a pele por baixo de suas roupas com ardente clareza.
Só que alguma parte dela falou mais alto. Talvez sua consciência? Por que ela, certo como o inferno, sentia como se tivesse falhado por não estar ali quando ele
mais precisava dela.
— Por que as janelas estavam abertas? – Perguntou de novo.
Mas foi como se ele nem a ouvisse.
— Eu amo... – Sua voz falhou e ele teve de pigarrear — Eu amo seu corpo, Mary.
Como se ela não pesasse nada, ergueu-a do chão de mármore e moveu-a para o lado, deitando-a no tapete felpudo que havia na frente da banheira. Recostando-se naquela
suavidade, ela observou os olhos dele viajarem sua garganta abaixo até seus seios... E descerem ainda mais, para os quadris e pernas.
— Minha Mary.
— Por que está tão triste? – Disse baixinho.
Ante a ausência de resposta dele, sentiu um momento de verdadeiro terror. Mas então ele começou a desabotoar os botões de sua blusa sem pressa, mantendo as duas
metades juntas ao retirá-la de dentro do cós da calça. Recuando um pouco, ele segurou a seda entre os dedos e expôs o corpo dela ao calor de seu olhar, e ao calor
do interior do banheiro.
Ele mudou de posição e ajoelhou-se entre suas coxas.
— Adoro seus seios.
Inclinando-se, beijou-a no peito. Na beirada do sutiã. Em cima de um mamilo. Uma súbita liberação da sutil pressão dos bojos informou-lhe que ele havia libertado
o fecho frontal – e então as correntes de ar varreram contra sua pele nua quando ele afastou a frágil barreira para as laterais.
Ele passou... Uma eternidade... Acariciando seus seios, apertando-os, esfregando as pontas enrijecidas. Até ela pensar que ia enlouquecer. E então começou a sugá-la,
primeiro de um lado, então do outro. Ela não conseguia se lembrar quando foi ele tinha ido tão devagar com ela – não que não fosse considerado. No entanto, seu hellren
funcionava num ritmo diferente, só dele, um ritmo ditado pela paixão desenfreada que sempre demonstrava por ela.
Não esta noite, aparentemente.
Ele desceu beijando-a até seu abdômen e soltou seu cinto fino, o botão e o zíper de suas calças. Quando ela ergueu os quadris, ele baixou sua calça e sumiu com ela,
deixando-a somente com a calcinha de seda cor creme.
De volta à sua barriga, ele a cobriu com as mãos espalmadas até cobrirem sua pélvis.
Ele ficou daquele jeito, acariciando-a com seus polegares pra frente e pra trás, em seu baixo ventre.
— Rhage? – Disse em um tom de voz chocado. — O que está me escondendo?
Capítulo VINTE E UM
Conforme Rhage ajoelhava sobre sua Mary, ele estava claramente ciente de que ela estava dizendo seu nome, mas ele estava muito perdido no clamor entre seus ouvidos
para responder.
Olhando abaixo para a barriga da sua shellan, ele a imaginou crescendo e ficando enorme como a de Layla, seu corpo abrigando a criança deles até que seu filho ou
filha pudesse respirar por conta própria. Na fantasia, tanto seu bebê quanto Mary seriam perfeitamente saudáveis antes, durante e depois do parto: ela resplandeceria
durante os dezoito meses... Ou seriam nove meses para as humanas...? E o parto seria rápido e indolor, e quando tudo tivesse passado, seria capaz de reunir ela e
a cria deles em seus braços e amá-los para o resto de sua vida.
Talvez seu garotinho tivesse olhos azuis e cabelo loiro, mas o caráter e inteligência incrível de sua mahmen. Ou talvez sua menina tivesse o cabelo castanho de Mary
e seus olhos verde-azulados e seria um foguete.
Seja qual fosse a combinação de aparência e espírito, imaginou os três sentados juntos para a Primeira e Última Refeição e todos os intervalos de lanches entre eles.
E imaginou que poderia pegar a criança para dar um descanso a Mary, assim como Z e Wrath faziam por suas shellans, com a mamadeira com o leite materno para o bebê.
Ou mais tarde, dando pedacinhos de seu prato a uma preciosa boquinha como Z tem feito agora com a Nalla.
E neste sonho maravilhoso, anos se passariam, e haveria birras aos três, e os primeiros pensamentos profundos e perguntas aos cinco. Então amigos aos dez e, Deus
me livre, dirigindo aos quinze anos. Haveria feriados humanos e festivais vampíricos... Seguidos por uma transição que mataria ele e Mary de medo... Mas porque esta
era uma fantasia, seu filho faria isso e sairia forte do outro lado. Depois disso? O primeiro coração partido. E talvez o Único.
Por que se ele e Mary tivessem uma filha, haveria a porra de um eunuco.
Ou porque o filho da puta viria dessa forma como um feito da Virgem Escriba... Ou porque Rhage teria o cuidado de resolver o problema ele mesmo.
E em seguida, muito, muito mais tarde... Netos.
Imortalidade na terra.
E tudo porque ele e Mary se amavam. Tudo porque em uma noite há anos e anos, e depois décadas e séculos atrás, ela veio para o centro de treinamento com John Matthew
e Bella, e ele esteve cego e trôpego, e ela tinha falado com ele.
— Rhage?
Sacudindo-se, ele se abaixou e depositou os lábios em sua barriga.
— Eu te amo.
Merda, esperava que ela tomasse essa rouquidão como excitação.
Com mãos rápidas, varreu sua calcinha fora e abriu suas coxas. Conforme trazia seus lábios para o sexo dela, ouviu-a gemer o seu nome... E estava determinado enquanto
a lambia e chupava: ele a amaria mesmo sem ela ter seu filho. Ele a adoraria como qualquer macho vinculado deveria. Estimaria, abraçaria, seria seu melhor amigo,
seu amante, seu mais ferrenho defensor.
Haveria um lugar vazio nele, apesar de tudo.
Um pequeno e diminuto buraco negro em seu coração pelo que deveria ter sido. O que poderia ter sido. O que ele nunca, jamais pensou que teria importância... Mas
que de alguma forma sempre sentiria falta.
Alcançando-a, acariciou seus seios enquanto a fazia gozar em sua boca.
Ele não deveria querer uma criança. Nunca tinha considerado... Ou sequer tinha pensado que ter Mary como companheira era uma coisa boa porque nunca estaria onde
Wrath e Z estavam. Onde Qhuinn estava.
Onde Tohr esteve.
Na verdade, parecia errado cobiçar a mesma coisa que não só poderia matar sua mulher se ela fosse normal e capaz de ter um filho, mas que teria condenado a ambos:
se a sua Mary não fosse infértil, a Virgem Escriba não teria permitido que eles ficassem juntos depois de salvar a vida dela do câncer. A mãe de V teria determinado
que, além de Rhage manter sua maldição, os dois jamais cruzariam caminhos novamente.
A balança deve ser preservada, afinal.
Erguendo a cabeça, varreu fora o moletom AHS4 e o que ele tinha na parte inferior, e moveu-se para montá-la... E foi cuidadoso quando angulou seu pau duro no núcleo
dela. Com um giro suave, entrou no corpo dela, e aquele seu aperto familiar, aquela compressão, aquele calor escorregadio, trouxe lágrimas aos seus olhos enquanto
imaginava, por apenas uma única vez, que os dois estavam fazendo isso não para se conectarem... Mas para conceberem.
Exceto que em seguida disse a si mesmo para parar com isso.
Nada mais de pensar. Nada mais de arrependimento pelo que poderia arruiná-los de qualquer maneira.
E nunca existiria qualquer conversa.
Ele nunca, jamais falaria com ela sobre isso. Ela certamente não tinha se voluntariado para o câncer ou quimioterapia ou infertilidade. Nada disso era obra dela,
assim como estava longe de ser uma questão de culpa que qualquer um pudesse ter.
Portanto, de maneira nenhuma ele poderia alguma vez expressar essa sua tristeza.
Mas sim, esta era a ansiedade que ele esteve sentindo. Esta era a distância. Esta era a fonte de sua irritação. Desde o passado não importando o tempo, tinha assistido
seus irmãos com seus filhos, vendo a proximidade das famílias, invejando o que tinham... E enterrando tudo isso até que as emoções exteriorizaram inesperadamente
na cozinha com L. W.
Algo como uma fervura que crescia até que não podia mais ser contida.
Rhage disse a si mesmo que deveria estar aliviado, por não estar louco ou maníaco a ponto da instabilidade mental. E mais ao ponto, agora que tinha descoberto o
que era, poderia colocar tudo isso pra trás.
Era só empurrar isso para a parte de trás de sua cabeça e fechar a porta.
As coisas estavam caminhando de volta ao normal.
Tudo ficaria bem, porra.
Ele estava magnífico, como sempre.
Enquanto Mary arqueava sob o corpo de Rhage investindo, ela não estava enganando a si mesma... Sabia que o sexo era apenas um desvio temporário do que tinha que
ser algum tipo de grande problema para ele. Mas às vezes você tinha que dar à pessoa o espaço que eles precisavam... Ou, neste caso, o sexo.
Por que, querido Senhor, sentia que isso era de alguma forma significativo para ele e de uma maneira diferente do habitual. Seu companheiro sempre a quis de uma
forma erótica, mas isso parecia... Bem, neste assunto, seus quadris poderosos eram capazes de dirigi-la para o outro lado do chão do banheiro, mas em vez disso,
eles estavam gentilmente empurrando nela. E também, ele parecia não querer segurar tanto quanto costumava se segurar, com seus braços envolvendo o torso dela para
que fosse levantada do tapete, e seu corpo montando o dela com um ritmo impulsionado que era ainda mais vívido por essa limitação pungente.
— Eu te amo. – Disse ele em seu ouvido.
— Eu também te amo...
Seu próximo orgasmo cortou a voz dela, empurrando-a de tal modo que seus seios batiam na parede de seu peitoral. Deus, ele estava tão bonito enquanto continuava
em cima dela, com o ritmo de suas penetrações estendendo os choques pulsantes que golpeavam inteiramente o seu sexo até que ele era a única coisa que ela reconhecia
no universo, até que o passado e o futuro desapareciam, até que toda a desordem em sua mente e em torno de seu coração desintegrasse.
Por alguma razão, o silêncio dessas críticas repreendidas, o recuo dessa preocupação incessante, o sumiço que aniquilava e as provações noturnas de se perguntar
se estava fazendo seu trabalho direito... E às vezes saber ao certo se não estava... Trouxeram lágrimas aos olhos dela.
Ansiedade sobre Rhage à parte, não sabia quão fortemente esteve ferida. Quão pesado o fardo se tornara. Quão preocupada sempre estava.
— Sinto muito. – Ela engasgou.
Instantaneamente, Rhage congelou.
— O que?
Os olhos dele estavam estranhamente horrorizados quando se mexeu e olhou para ela. E ela sorriu enquanto enxugava as lágrimas.
— Estou apenas tão... Grata por você. – Sussurrou.
Rhage pareceu abalado.
— Eu... Bem, eu me sinto da mesma forma.
— Terminou? Dentro de mim? – Ela arqueou-se contra ele. — Quero sentir você gozar.
Rhage baixou a cabeça em seu pescoço e começou a se mover mais uma vez.
— Oh, Deus, Mary... Mary...
Dois golpes mais tarde ele estava gozando, seu corpo incrível enrijecendo, sua ereção golpeando profundamente dentro dela e começando outra liberação.
Ele não parou. Não por um longo tempo. O que era algo que os vampiros machos tinham a capacidade de fazer. Ele continuou gozando, enchendo-a a ponto de transbordar...
E ainda assim, continuou até que as liberações vieram tão estreitamente próximas, que se converteram numa única corrida pulsante.
Quando ele terminou, tombou caído e imóvel, mas depois apoiou seu peso nos cotovelos para que ela pudesse respirar.
Deus, ele era tão grande.
Ela estava acostumada ao seu tamanho até certo ponto, mas quando abriu os olhos, tudo o que podia ver era apenas parte de seu ombro. Todo o resto foi bloqueado pela
sua corpulência.
Acariciando seus bíceps, disse calmamente.
— Por favor, diz pra mim o que está errado.
Rhage se empurrou pra trás um pouco mais para que pudesse olhar dentro dos olhos dela.
— Você parece tão triste. – Ela traçou suas sobrancelhas. A tristeza moldada à boca perfeita. Os hematomas em sua mandíbula. — É sempre melhor se você falar com
alguém.
Depois de um longo momento, ele abriu a boca...
Bam! Bam! Bam!
Do lado de fora do quarto, o impacto inconfundível de um Irmão batendo na porta não foi nem um pouco abafado.
Rhage virou e gritou:
— Sim?
A voz de V chegou até o banheiro.
— Temos uma reunião. Agora.
— Entendido. Chegando.
Rhage virou e a beijou.
— É melhor eu ir.
Sua retirada foi rápida e seus olhos ficaram baixos enquanto a ajudava a levantar do tapete até o chuveiro.
— Eu gostaria de ficar lá com você. – Ele disse enquanto abria a água quente.
Não, ela pensou, enquanto ele não olhava para ela. Você na realidade não quer.
— Rhage, sei que você tem que ir. Mas você está me assustando.
Enquanto a movia para debaixo do jato, tomou o rosto dela entre as mãos e olhou-a fixamente nos olhos.
— Você não tem nada com que se preocupar. Nem agora nem nunca... Pelo menos não sobre mim. Eu te amo até o infinito e nada mais importa, contanto que isso seja verdade.
Mary respirou fundo.
— Ok. Tudo certo.
— Vou voltar assim que a reunião acabar. E poderemos comer alguma coisa. Assistir um filme. Você sabe, fazer aquela coisa... Como os humanos chamam isso?
Mary riu um pouco.
— Netflix e relaxar5.
— Certo. Vamos ter Netflix e relaxar.
Beijou-a mesmo com o rosto molhado, depois recuou e fechou a porta de vidro. Ao sair, botou a calça de moletom novamente, mas manteve os pés descalços.
Ela o observou ir. E pensou que era incrível como alguém podia te tranquilizar... E ao mesmo tempo, tornar as coisas piores.
Que diabos estava acontecendo com ele?
Quando terminou seu banho, ela se enrolou na toalha, escovou os emaranhados de seu cabelo molhado, e vestiu-se em um conjunto de calças de ioga e um grande suéter
de cashmere preto que quase chegava até os joelhos. Ela tinha comprado a coisa para Rhage quando eles saíram no inverno anterior, e tinha até mesmo conseguido esta
cor que não era a favorita dele, depois de muito tempo tentando diversificar seu guarda-roupa. Porém ele não foi capaz de usá-lo muitas vezes, porque sempre esquentava
demais quando usava.
O tecido cheirava como ele, no entanto.
E quando deixou o quarto, sentiu como se ele estivesse com ela... E cara, precisava disso esta noite.
Parando em frente ao estúdio do Rei, ouviu as graves vozes masculinas do outro lado das portas fechadas.
Lá embaixo no hall de entrada, podia ouvir o doggen falando. A enceradeira. O tilintar do cristal, como se as arandelas estivessem sendo retiradas para serem limpas
na pia novamente.
Sem fazer barulho, caminhou por todo o familiar corredor vermelho e dourado, dirigindo-se ao corredor das Estátuas. Mas não iria por esse corredor com suas obras
de arte Greco-Romanas em mármore e todos esses quartos. Não, ela estava indo ao próximo andar.
A porta para o terceiro andar da mansão não estava trancada, mas não estava aberta tampouco, e sentiu um pouco como se estivesse invadindo quando abriu o caminho
para as escadas e foi lá para cima. No patamar, em frente aos quartos de Trez e iAm, estava a porta de aço abobadada da suíte da Primeira Família e ela tocou a campainha,
exibindo o rosto para a câmera de segurança.
Momentos depois, houve uma série de trincados conforme as barras se moviam livremente de suas conexões, e em seguida o painel pesado se abriu. Beth estava do outro
lado com L.W. em seu quadril, seu cabelo em uma trança por cima do ombro, aquele velho jeans azul e suéter azul brilhante, a própria definição de caseiro. Não era
no mínimo aconchegante? O incrível brilho das pedras preciosas que estavam fixadas em todas as paredes além.
Mary nunca esteve nos aposentos privados antes. Poucos tinham, além Fritz, quem insistia em fazer a limpeza lá em cima ele mesmo. Mas Mary ouviu dizer que a suíte
inteira era cravejada com pedras preciosas do tesouro do Antigo País... E claramente era verdade.
— Ei, – A Rainha sorriu mesmo quando L.W. agarrou um pouco do cabelo em cima da orelha e puxou. — Ok, ai. Vamos tentar outra coisa que envolva os bíceps, tá?
Enquanto Beth desenrolava aquele pequeno punho gordo, Mary disse sombriamente.
— Preciso que você me diga o que aconteceu com Rhage. E não finja que não sabe o que é.
Os olhos de Beth fecharam brevemente.
— Mary, eu não deveria...
— Se os papéis estivessem invertidos, você gostaria de saber. E eu te contaria se me pedisse também... Porque é isso que a família faz um pelo outro. Especialmente
quando alguém está sofrendo.
A Rainha praguejou. Em seguida, ela se afastou e acenou para a suíte cintilante.
— Vamos entrar. Precisamos fazer isso em particular.
Capítulo VINTE E DOIS
Geralmente Rhage mantinha algo na boca durante as reuniões com o Rei. Pirulitos Tootsie Pops eram sua preferência, mas na falta, topava um pacote de caramelos Starbust
ou talvez algo da linha Chips Ahoy!6 – os antigos, dos pacotes azuis, crocantes, não mastigáveis e sem nozes. No momento, seu estômago não conseguiria lidar com
nada do tipo, ainda que não por causa da besta.
Mas pelo menos sua visão estava bem melhor do que após os murros de V.
Enquanto as persianas se abaixavam para o dia, recostou-se no canto ao lado das portas duplas, enquanto os irmãos tomavam seus lugares de costume pela sala: Butch
e V em um dos estreitos sofás franceses, os dois em poses quase iguais, pernas cruzadas com o tornozelo sobre os joelhos; Z estava em pé, encostado à parede na melhor
posição defensiva com Phury bem ao seu lado; John, Blay e Qhuinn agrupados perto da lareira. Rehvenge, por sua vez, estava na frente da mesa ornamentada de Wrath,
o líder dos sympaths sendo um dos conselheiros mais próximos do Rei, e Tohr estava sentado à direita de Wrath devido à sua posição como chefe da Irmandade, um primeiro-tenente
em todos os assuntos.
Lassiter não estava por perto e Rhage achou que o anjo caído estava assistindo TV em algum lugar. E Payne, que geralmente participava deste tipo de coisa? Provavelmente
estaria vigiando Xcor.
Pois Deus sabia que aquela fêmea era capaz de lidar sozinha com qualquer macho no planeta.
Como sempre, Wrath era o ponto focal de tudo, sentado no trono ornamentado que seu pai tinha usado, os óculos escuros do Irmão varrendo a sala, mesmo sendo cego,
sua mão descansando em cima da cabeça quadrada de seu cão-guia golden retriever.
Mas naquela manhã era Qhuinn quem falava.
— ... tem duas pessoas lá embaixo em tratamento, Layla e meu irmão. Nenhum deles teria condições de se defender caso ele escape, e a Dra. Jane, Manny e Ehlena são
médicos, não guerreiros.
— Com todo o respeito, Xcor está sendo fortemente vigiado, – Disse Butch — O tempo inteiro.
— Se Marissa estivesse com o seu filho na barriga, isto seria suficiente?
O tira abriu a boca. Então a fechou e anuiu.
— É. Tem razão.
Qhuinn cruzou os braços na altura do peito.
— Pessoalmente, não ligo a mínima se ele é o próprio Hannibal Lecter, não quero ele perto da clínica.
Quando o Irmão silenciou, Wrath perguntou.
— Qual a condição atual de Xcor?
Vishous coçou o cavanhaque.
— Ainda está em coma. Os sinais vitais não estão fortes, mas estão estáveis. Nenhum movimento do lado direito. Acho que teve um derrame.
— Mas não tem certeza?
— Não sem arrastar o traseiro dele até o Havers para uma tomografia. Mas não quero atravessar a cidade com ele só para confirmar o que eu já tenho quase certeza...
E sim, tanto Jane quanto Manny concordam com minha conclusão.
— Alguma ideia de quanto tempo o coma vai durar?
— Não. Ele poderia estar despertando agora mesmo. Ou daqui a um mês. Ou ficar em estado vegetativo permanente. Não há como dizer. E se ele acordar? Dependendo da
gravidade do derrame, pode ter sequelas cognitivas. Fisicamente fodido. Ou completamente normal. Ou em qualquer ponto entre estes extremos.
— Maldição. – Murmurou Tohr.
Wrath se inclinou para o lado e ergueu George do chão, colocando-o no colo. Quando uma nuvem de pelo louro se ergueu no ar, o Rei tirou alguns da boca antes de falar.
— Qhuinn está certo. Não podemos mantê-lo lá, especialmente com os novos alunos que estão pra chegar. Primeiro, vocês cuzões vão precisar da sala de tiro ao alvo,
mas mais que isso, nós com certeza não vamos querer nenhum daqueles fodidinhos acordando mortos no final da aula, só porque nosso prisioneiro acordou e saiu de sua
gaiola. A questão é, para onde podemos levá-lo? Eu o quero perto suficiente para termos cobertura imediata, mas temos de tirá-lo da propriedade.
Houve um bocado de discussão, a qual Rhage não conseguiu acompanhar inteiramente. A verdade era, por mais crítica que fosse a situação com Xcor, a maior parte de
seu cérebro estava de volta ao banheiro com sua Mary enquanto deliberadamente lembrava-se do quanto seus gemidos eram incríveis, o quanto amava estar dentro dela.
Nada estava perdido entre eles ou faltava em sua vida sexual que não pudessem resolver. Nada.
De verdade.
— ... de Bastardos deve estar fazendo buscas pelo centro da cidade inteiro, – Alguém disse. — Procurando por um corpo ou um sinal de que ele tenha carbonizado.
Vishous interrompeu.
— Encontrei dois celulares com ele. Um tinha um sistema fácil de senha que invadi com facilidade... Não havia nada, exceto detalhes sobre negociações de drogas e
todos sabemos que isto já é coisa do passado. O outro dispositivo apagou assim que consegui quebrar a senha e acho que é o do Xcor... Claramente os Bastardos instalaram
alguns sistemas rudimentares de segurança.
— Você vai conseguir fazer o celular voltar a funcionar? — Perguntou Wrath.
— Depende dos danos causados pelo sistema de segurança deles, ainda preciso fazer uns testes. Pode ser que consiga extrair alguns dados, mas pode levar um tempo.
— O Bando de Bastardos não vai descansar até achar Xcor. – Alguém murmurou.
A voz de Tohr foi um grunhido.
— Então me deixe dar um corpo a eles.
— Ainda não, meu irmão. – Wrath olhou para o cara. — E você sabe disso.
— Mas se o cérebro dele está morto, não há informações a extrair...
Wrath falou para o macho.
— Quero todo mundo no centro da cidade pelas próximas três noites. O desaparecimento de Xcor fará os Bastardos saírem da toca. Já temos um deles, eu quero todos.
— Também é melhor ficar de olho nos lessers. – Alguém murmurou. — Só por que vencemos a noite passada, não significa que a guerra acabou.
— O Ômega irá fazer mais. – Wrath concordou. — Isto é merda certa.
Butch falou.
— Mas em se tratando de lessers... Acho que estamos focando no sintoma, não na doença. Precisamos tirar o Ômega da jogada. Digo, esta é a profecia do Dhestroyer,
certo? Supostamente deveria ser eu a fazer isto, mas não conseguiria absorver todos aqueles que estavam no campus. De jeito nenhum.
V deu ao seu melhor amigo um aperto no ombro.
— Você faz o bastante.
— Obviamente não... Quanto tempo já faz? E eles estavam em menor número, mas ainda havia uma caralhada deles vindo atrás da gente naquele campus.
— Minha mãe é inútil pra cacete. – V reclamou ao acender um cigarro. — Estamos combatendo a Sociedade Lessening há séculos. Mesmo com a profecia, não vi indicação
nenhuma de estarmos erradicando-os...
— Eu sei onde podemos colocar Xcor. – Rhage interrompeu.
Quando todos os olhos da sala se fixaram nele, ele deu de ombros.
— Não surtem. Mas a solução é clara.
Lá embaixo, no centro de treinamento, Layla reconheceu a sensação que a assolava desde a noite anterior.
Ao se sentar na beirada de sua cama de hospital, sabia exatamente o que significava aquela gritante sensação de destino, a queimação no centro do seu peito, o comichão
enervante e incansável.
Só não fazia sentido.
Então ela tinha de estar interpretando tudo errado. Será que talvez isto fosse ainda outro sintoma da gravidez e só parecesse outra coisa?
Bem, de qualquer forma, ela ia descobrir, pensou ao se levantar da cama e cambalear até a porta. Seu mais recente repouso de doze horas tinha acabado, então era
hora de esticar as pernas de novo... E sem Irmãos de babá, e Qhuinn e Blay em reunião, aproveitaria sua relativa liberdade ao máximo.
Saindo para o corredor, olhou ao redor. Não havia ninguém fora de seu quarto. Sem sons vindos da clínica. E o ginásio e sala de musculação no final do corredor,
ambos também pareciam quietos.
Ostensivamente, não havia ninguém ao redor. Nem Irmãos, serviçais ou equipe médica. Então realmente... Como era possível que estivesse detectando a presença de Xcor
aqui embaixo?
Seria impossível aquele Bastardo estar no complexo da Irmandade. Ele era inimigo, pelo amor de Deus – o que significava que, caso ele tivesse se infiltrado na propriedade,
estaria ocorrendo um ataque, o inferno recaindo sobre eles, os Irmãos estariam por todos os lados armados até os dentes.
Em vez disso? Somente uma porção de nada, como diria Qhuinn.
Isto devia ser algum estranho sintoma relacionado à gravidez...
Não, pensou. Ele esteve aqui. Ela o detectava em seu próprio sangue – era o que acontecia quando você alimentava alguém: um eco de você mesmo permanecia com o outro
e era como captar seu reflexo em um espelho a certa distância.
Não dava para confundir com nenhuma outra coisa. Não mais do que se conseguiria confundir a própria imagem.
Erguendo a frente de sua camisola Lanz – por hábito, ao invés de necessidade, por causa de sua grande barriga – bamboleou pelo chão do corredor de pantufas, passando
pelo recém-construído banheiro feminino, vestiário masculino e a sala de musculação.
Nada particularmente se registrava em lugar algum. Mas ao passar pelo ginásio e chegar à entrada da piscina, ela parou.
Bem adiante. Era como se ele estivesse bem ali à frente...
— Ei garota, o que está fazendo?
Layla deu meia volta.
— Qhuinn, olá.
O pai de seus filhos aproximou-se dela, os olhos avaliando seu rosto, a barriga.
— Está tudo bem? O que está fazendo aqui, tão longe?
— É só... É minha hora de me exercitar.
— Bem, não precisa ser aqui — Qhuinn tomou-a pelo cotovelo, girou-a e guiou para longe. — De fato, talvez devêssemos levá-la de volta para a mansão por enquanto.
— O que?... Por quê?
— Lá é mais confortável.
Em menos de um minuto estavam de volta ao seu quarto. Ela não era estúpida. Ele foi o maior apoiador dela ficar aqui embaixo na clínica por que era melhor para ela
e para os bebês, mais seguro. Agora ele mudava de ideia?
Com o coração disparado e a cabeça girando, sabia muito bem que seus instintos não estavam mentindo. Xcor estava aqui, em algum lugar do centro de treinamento. Será
que o capturaram em campo? Será que foi ferido e trazido para cá como fizeram com aquele soldado dele?
Qhuinn se inclinou pra frente para abrir a porta.
— De qualquer forma, vou falar com a Dra. Jane sobre...
— Falar sobre o que?
— Falando no diabo... – Qhuinn disse suavemente ao se virar.
A companheira de V estava saindo da sala de estoque com uma pilha de aventais cirúrgicos nos braços.
— Olha, não comente nada com Fritz sobre isto, está bem? Mas lavar roupa clareia meus pensamentos, e às vezes é preciso relaxar.
Qhuinn sorriu por uma fração de segundo.
— Eu na verdade estava descendo pra falar com você. Estava pensando que poderia ser bom para Layla passar um tempo no quarto dela.
A Dra. Jane franziu o cenho.
— Na casa?
— É tão clínico aqui embaixo.
— Ah, é justamente este o objetivo, Qhuinn. – A Dra. Jane mudou a carga de braço, mas não desviou o firme olhar verde. — Sei que entramos em um período tranquilo
da gravidez e espero que continue assim. Mas não podemos arriscar, e a cada noite que passa, estamos mais perto e não mais longe, do grande momento.
— Só pelas próximas vinte e quatro horas.
Layla olhava de um para o outro. E sentiu-se como uma hipócrita mentirosa ao dizer:
— Eu me sinto mais segura aqui.
— Há quanto tempo está de pé? – perguntou a Dra. Jane.
— Eu só caminhei pelo corredor na direção do ginásio...
— Podemos levar uns equipamentos para a casa. – sugeriu Qhuinn. — Sabe, coisas de monitoramento. Coisas assim. Além disso, não será por muito tempo.
A Dra. Jane meneou a cabeça como se não pudesse acreditar no que tinha ouvido.
— Uma sala de operação? Acha que podemos transferir a sala de operação para lá? Não quero ser alarmista... Mas ela está esperando gêmeos, Qhuinn. Gêmeos.
— Eu sei. – Os olhos díspares de Qhuinn se fixaram nos da médica. — Estou totalmente ciente dos riscos. Assim como você.
A Dra. Jane abriu a boca. Então hesitou.
— Ouça, vou levar isto para meu consultório. Me encontre lá, está bem?
Assim que a médica saiu, Layla fixou o olhar em Qhuinn.
— Quem mais está aqui embaixo?
Qhuinn colocou a mão no ombro dela.
— Ninguém, por que pergunta?
— Por favor. Apenas me conte.
— Não é nada. Não sei do que ela está falando. Deixa eu te pôr na cama.
— Você não precisa me proteger.
Aquelas sobrancelhas escuras cerraram tanto que ele não estava apenas franzindo o cenho, estava gritando.
— Sério. Sério?
Layla exalou e colocou a mão sobre a barriga.
— Desculpe.
— Merda, não, não se desculpe, – ele jogou o cabelo para trás em um gesto tenso, e pela primeira vez ela viu as bolsas escuras sob seus olhos. — Todo mundo está...
Sabe, é a guerra. É estressante pra caralho.
Passando o braço ao redor dos ombros dela, guiou-a para o quarto e de volta à cama onde a ajudou a se ajeitar como se fosse feita de porcelana.
— Eu venho ver como você está no final do meu... Mais tarde. Ah, volto mais tarde. – Ele deu um sorriso que não chegou aos olhos. — Me avise se precisar de alguma
coisa, está bem?
Quando as familiares ondas de culpa e medo se avolumaram dentro dela, Layla não conseguiu dizer nada, seu maxilar literalmente travou e os lábios apertaram bem forte.
Mas o que podia fazer? Se dissesse a ele que sabia que Xcor estava ali...
Bem, ele iria querer saber como ela sabia. E seria impossível mentir para ele e dizer que era por ter alimentado o Bastardo há tantos meses atrás... Na época em
que tinha sido enganada pelo soldado do Xcor para ir àquela campina para ajudar a quem ela inicialmente assumia ser um guerreiro civil, trabalhando com a Irmandade.
Ela já havia confessado seu pecado involuntário ao Rei; o que não disse a ninguém é que tinha continuado a encontrar Xcor muitas vezes depois disso – ostensivamente
para mantê-lo longe de atacar o complexo quando ele descobriu sua localização.
Na verdade, era por que ela tinha se apaixonado por ele.
E o fato dos encontros terem terminado? A realidade de que tinha sido o próprio Xcor a dar um basta nos encontros? Aquilo mal importava.
A verdade era que ansiava por aqueles momentos com ele. E aquela era a sua traição, apesar do tanto que tentou pintar a si mesma como vítima.
— Layla?
Praguejando, forçou-se a voltar à realidade.
— Desculpa. O que?
— Você está bem mesmo?
— Não. Digo... Sim, sim, estou bem. – Colocou a mão na parte baixa das costas e se esticou. — Só cansada. É a gravidez. Mas está tudo bem.
Qhuinn a encarou por um longo tempo, os olhos díspares avaliando seu rosto.
— Vai me chamar? Mesmo que só esteja ficando doida de tédio?
— Eu chamo. Prometo.
Quando a porta fechou atrás dele, ela soube o que ele iria fazer. Iria falar com os outros Irmãos... Se é que já não tinha falado. E em breve, muito em breve, ela
descobriria que não era mais capaz de detectar a presença de Xcor.
Ou por que ela teria sido realocada ou ele.
Com a cabeça entre as mãos, tentou respirar e descobriu ser impossível. Sua garganta estava contraída, as costelas pareciam barras de ferro, os pulmões queimavam.
Continuou dizendo a si mesma que se irritar não ajudaria em nada. Certamente não seria bom para a gravidez.
Além disto, nunca mais veria Xcor.
Por que era aquilo que acontecia quando se pressionava um macho a respeito de seus sentimentos. Ao menos, um macho como ele.
E ele não tinha atacado o complexo...
A menos que tenha sido assim que foi capturado? Oh, querida Virgem Escriba, será que ele tinha trazido soldados armados para cá? Teria sido este o motivo do caos
da noite passada?
Sua mente imediatamente entrou em parafuso, os pensamentos se misturando em padrões que não faziam qualquer sentido graças a muita velocidade e pouca racionalização.
Algum tempo depois, baixou os braços e olhou para a porta do banheiro. Parecia estar a quilômetros de distância. Mas precisava fazer xixi e talvez um pouco de água
fria no rosto ajudasse a se acalmar.
Baixando as pernas do colchão, ela apoiou-se nos pés e...
Umidade. Houve uma... Uma súbita umidade entre suas coxas.
Suas mãos foram para a frente de sua camisola e ela olhou para baixo.
E gritou.
Capítulo VINTE E TRÊS
No andar superior de sua casa de vidro, Assail tomou um banho que pareceu durar uma eternidade.
Os painéis de bloqueio estavam abaixados sobre as janelas, então estava escuro, nada além dos brilhantes spots e suas pequenas lâmpadas cor de pêssego o orientava.
A água estava extremamente quente e quando jogou a cabeça para trás, seu cabelo grudou na cabeça. Seu corpo estava em uma languidez pós-alimentação, pós-sexo e mesmo
seu vício parecia apaziguado.
Embora o último provavelmente se devesse mais às três carreiras que ele tinha cheirado assim que pisou em casa.
Esqueça o provavelmente.
Ele tinha trepado violentamente com Naasha várias vezes, então suas costas estavam doendo. Seu pau estava exaurido. Suas bolas, praticamente vazias.
Não havia alegria em seu coração. Nenhuma. Mas isto não era incomum. E o xampu e sabonete não fizeram nada para ele se sentir mais limpo, provavelmente porque a
sujeira que o incomodava não era exterior. Mas também, não podia dizer que aquilo não lhe era familiar.
Mas nem tudo estava perdido. Havia trabalho a fazer.
Ao chegar ao Novo Mundo, Assail não estava sozinho. Seus primos, Ehric e Evale, vieram na viagem com ele, e se provaram assistentes firmes e leais em todos os aspectos
de seus negócios profissionais. Desde que vieram morar com ele, jamais o deixaram na mão... E estava prestes a precisar deles de novo.
Para algo que provavelmente eles iriam gostar.
Naasha, como era de se esperar, tinha várias amigas em situações similares – fêmeas da glymera que não eram servidas adequadamente por hellrens mais velhos e buscavam
por certas... Liberdades... As quais não tinham acesso. E embora seus primos estivessem recolhidos às suas suítes, na hora em que Assail voltou para casa, ele tinha
certeza de que teriam se voluntariado para o trabalho e ficariam muito felizes de executar.
Por que Wrath tinha razão.
As coisas de fato estavam acontecendo na aristocracia.
Assail sentia, tão certo quanto um aroma no ar noturno. Ele só não saiba ainda o que era. Mas o tempo e o sexo dariam um jeito naquilo.
Saindo do chuveiro, apreciou o grosso e cálido tapete de banheiro felpudo sob seus pés e secou-se com uma toalha aquecida que pegou de uma barra perto do box. De
fato, tinha comprado aquela mansão direto do construtor totalmente mobiliada, e tudo havia sido antecipado e atendido na construção e decoração da casa. Cada luxo
foi ostentado. Nenhum centavo economizado.
Só que o lugar parecia bem vazio, apesar de seus três ocupantes. Meio que como o interior de seu corpo, não era? Refinamento e beleza no exterior, mas sem uma alma
por dentro.
Por um breve interlúdio, as coisas não foram assim. Em ambos os casos.
Mas o tempo havia passado.
Em seu quarto, ele se pôs nu entre os lençóis de seda e fez uma anotação mental para trocá-los na próxima noite. Embora não fosse comum para um macho de sua posição,
ele tinha crescido acostumado a cuidar de suas próprias roupas, toalhas de banho e trocar seus lençóis. Havia um estranho conforto em cuidar de coisas tão simples,
um começo e um fim para cada tarefa da qual tirava certa satisfação.
E era assim que geralmente passava os dias enquanto seus primos dormiam lá embaixo. Arrumando. Esfregando assoalhos e pias, banheiros e armários. Aspirando pó. Polindo.
Era um jeito produtivo de queimar a energia da cocaína.
Mas não neste dia em particular. Depois de alimentar-se, precisava de descanso, não só para a mente, mas para o corpo...
Ao seu lado, o celular tocou suavemente com o antiquado toque de campainha de telefones que não eram mais encontrados.
Ele nem se incomodou em verificar quem era. Ele sabia.
— Eu teria te ligado, – Ele disse — Mas não queria ser rude. É meio cedo para falar de negócios.
O Irmão Vishous não perdeu tempo. O que era uma de suas características mais predominantes.
— O que aconteceu? Conseguiu alguma coisa?
— Na verdade sim. Em diversas posições diferentes. Naasha é muito flexível.
Uma risada sombria veio pela linha.
— Com um macho como você, tenho certeza que ela foi. E esperamos que a mantenha muito satisfeita até ela começar a falar.
— Ela já começou, – Assail sorriu cruelmente no escuro. — Diga-me, sua reputação de Dom é só boato ou você é realmente tão pervertido?
— Vai descobrir em primeira mão se desperdiçar o meu tempo com fofocas.
— Excêntrico.
— Por que pergunta?
— Seu nome foi mencionado na conversa.
— Como?
O fato de não ser uma pergunta, mas uma exigência não era surpresa.
— Ela estava se gabando de antigas conquistas sexuais. Aparentemente você foi uma delas quando era mais nova... E ela deixou bem claro que você é quem tinha executado
toda a conquista, por assim dizer.
— Eu fodi com muita gente, – V disse em tom de voz entediado. — E esqueci noventa e cinco por cento delas. Então me diga o que descobriu... E não sobre sexo. Meu
ou de outros.
Assail não se surpreendeu sobre o redirecionamento da conversa.
— A aristocracia tentará se aproximar do Rei logo. Eles irão convidá-lo para uma recepção privada em comemoração do aniversário de 900 anos do hellren dela... Um
evento que mesmo em boas linhagens é meio raro.
— Eles estão planejando atirar em meu Governante de novo?
— Possivelmente. Meus instintos me dizem que há um caminho sendo forjado. – Assail meneou a cabeça, mesmo que o Irmão não pudesse vê-lo. — Eu só não sei por quem.
Naasha é mais reconhecida pelos seus atributos horizontais do que mentais. Ela não é capaz de desenvolver uma estratégia, seja de natureza traiçoeira ou mesmo um
evento social para a Última Refeição. É por isto que acredito que tem alguém por trás dela. Mas novamente, não sei quem... Ainda.
— Quando vai vê-la de novo?
— Ela vai oferecer um jantar esta noite e irei com meus primos. Devo conseguir descobrir algo mais.
— Que bom. Bom trabalho.
— Ainda não fiz nada.
— Mentira. Quantas vezes ela gozou?
— Parei de contar depois da sétima.
Outra risada sombria veio através da linha.
— Um macho igual a mim. E não descarte a perversão, seu fodidinho preconceituoso. Nunca se sabe quando pode começar a achá-la atraente. Ligue-me amanhã.
— Se continuar assim, vou estar falando mais com você do que com minha própria mahmen.
— Ela não está morta?
— Sim.
— Alguns bastardos ficam com toda a sorte.
Após o encontro com Wrath e a Irmandade, Rhage voltou para seu quarto, e ao abrir a porta esperava que Mary estivesse dormindo...
— Oi.
Está bem, certo. Mary estava bem acordada. Sentada na cama deles, recostada contra a cabeceira, joelhos erguidos contra o peito, braços enlaçando-os.
Como se estivesse à sua espera.
— Ah, oi. – Ele fechou a porta — Pensei que talvez estivesse descansando.
Ela negou com a cabeça. E olhou para ele fixamente.
No estranho silêncio que se seguiu, ele se lembrou de outra noite que parecia ter sido há um século... Quando tinha entrado neste mesmo quarto depois de testar seus
limites com uma humana. Mary estava ficando com ele, e vê-lo depois daquilo quase a destruiu... Inferno, também o tinha destruído voltar para ela daquele jeito.
Mas na época, tinha sido caso de ou fornecer algum sexo a seu corpo ou cair em cima de Mary e arriscar que a besta se libertasse enquanto estivesse dentro dela.
Afinal, sua Mary tinha enfeitiçado-o tanto e tão rápido que sua maldição ameaçava emergir somente na presença dela, e vivia aterrorizado ante a possibilidade de
machucá-la. Com medo de revelar aquela parte de sua natureza para ela. Convencido de que sua falta de valor poderia emergir e arruinar tudo.
Então tinha voltado para cá e teve de encarar aquele rosto, sabendo tudo o que tinha feito com outra mulher.
Depois da noite em que tinha descoberto que ela estava morrendo, aquela era a pior lembrança de toda sua vida.
Engraçado, isto parecia igual de algumas maneiras. Um acerto de contas que ele não queria, mas não podia fazer nada para evitar.
— Conversei com a Beth. – Ela disse sombriamente. — Ela me disse que você ficou com o L.W. enquanto ela levava pontos na mão.
Rhage fechou os olhos e quis xingar. Especialmente quando houve uma longa pausa, como se ela estivesse lhe dando uma chance de explicar.
— Quer me dizer o porquê que segurar o L.W. no colo te deixou tão emocional?
O tom de voz dela era neutro. Controlado. Gentil, talvez até mesmo solícito.
E isto fazia sua verdade parecer especialmente cruel e injusta. Mas ela não ia deixá-lo escapar, mudar de assunto, jogar aquilo de lado. Aquilo não era algo que
sua Mary faria, não em relação a algo assim.
— Rhage? O que aconteceu lá embaixo?
Rhage respirou fundo. Quis se aproximar dela na cama, mas precisava perambular – a agitação e queimação em seu crânio requeria algum tipo de expressão física ou
começaria a gritar. Ou a socar paredes...
Ele só precisava descobrir como verbalizar isto para não soar como se estivesse botando a culpa nela. Ou catastroficamente infeliz. Ou...
— Rhage?
— Me dê um minuto.
— Você está andando em círculos há mais de vinte.
Ele parou. Olhou para sua companheira.
Mary havia mudado de posição e estava agora sentada com o pé pendurado para fora do colchão alto. Ela era engolida pelo tamanho da cama, mas eles precisavam de um
colchão do tamanho de um campo de futebol; ele era tão grande que não podia se esticar em nada menor.
Merda. Estava se desconcentrando de novo.
— Será que foi por você... – Mary olhou para o próprio pé. Então olhou de novo para ele. — É por que você quer ter seu próprio bebê, Rhage?
Ele abriu a boca. Fechou.
Ficou ali como uma tábua enquanto seu coração ribombava no peito.
— Tudo bem. – Ela sussurrou. — Seus irmãos estão começando a constituir família... E observar pessoas que você ama fazer isto realmente causa mudanças. Desperta...
Vontades... Que talvez nem sabia que tinha antes...
— Eu amo você.
— Mas isto não significa que não esteja decepcionado.
Recuando até os ombros grudarem na parede, ele se deixou escorregar até o chão amparar seu traseiro. Então pendeu a cabeça porque não podia aguentar olhar para ela.
— Oh, Deus, Mary, não quero sentir isto, – Quando sua voz falhou, ele pigarreou. — Digo... Eu podia tentar mentir, mas...
— Você vem se sentindo assim há um tempo, não é? É por isto que as coisas estão um pouco esquisitas entre nós.
Ele estremeceu, derrotado.
— Eu teria contado algo antes, mas não sabia o que estava errado. Até lá embaixo na cozinha sozinho com L.W. Surgiu do nada. Isso me atingiu como uma tonelada de
tijolos... Não quero me sentir assim.
— É perfeitamente natural...
Ele socou o chão com força suficiente para rachar a madeira.
— Eu não quero isto! Não quero isto, porra! Você e eu é só o que preciso! Eu nem gosto de crianças!
Conforme a voz dele ecoava pelo quarto, podia senti-la olhando-o fixamente.
E não pôde suportar.
Agitado, golpeou ao redor e sentiu como se estivesse arrancando a pintura das paredes, tacando fogo nas cortinas e quebrando a cômoda com suas próprias mãos.
— Estou falando sério. – Rosnou. — Quando te disse que eu arranjaria um bebê se você quisesse um. Eu falei sério pra caralho!
— Sei que falou. O que não esperava era que fosse você quem acabaria com um vazio no meio do peito.
Ele parou de chofre e falou para o tapete oriental.
— Não importa. Isto não importa. Não vai mesmo acontecer...
— Beth me disse outra coisa. – Mary esperou que olhasse para ela e quando ele o fez, ela secou uma lágrima. — Ela disse que Vishous foi até você antes do ataque.
Ela disse... Que ele te contou que você ia morrer. Que ele tentou te fazer sair de lá, mas você se recusou.
Rhage praguejou e voltou a andar em círculos. Esfregando o rosto com uma mão, viu-se apenas querendo voltar aos primórdios de seu relacionamento. Quando tudo era
fácil. Nada além de bom sexo e um amor melhor ainda.
Não toda esta... Complicação de vida.
— Por que você não voltou? – Ela perguntou de maneira hesitante.
Ele descartou a pergunta com um gesto de mão.
— Ele podia estar errado, sabe. V não sabe de tudo ou ele seria um deus...
— Você correu antes do sinal combinado. Você não esperou... Foi sozinho. Em uma área cheia de inimigos. Sozinho... Logo depois de um de seus Irmãos, um que ainda
não tinha se enganado jamais, dizer que você ia morrer lá. E então você foi ferido. No peito.
Rhage não queria desabar.
Mas foi estranho. Ele estava em pé... E então estava no chão com as pernas falhando debaixo dele em ângulos tortos, seu torso seguindo-as em um amontoado relaxado
de braços e ombros. Mas era isto o que acontecia quando um guerreiro perdia sua luta... Ele se reduzia a uma arma caindo de uma mão que atirou, uma adaga solta de
uma palma, uma granada derrubada, ao invés de jogada no ar.
— Sinto muito Mary. Sinto... Tanto. Me desculpe, me desculpe...
Ele continuou repetindo aquelas palavras vezes sem conta. Não havia mais nada que pudesse fazer.
— Rhage. – Ao interromper sua confusão, a voz de sua Mary estava tão triste que o som dela era pior que a bala de chumbo que tinha ferido seu coração. — Você acha
que se adiantou ao sinal por que queria morrer? E por favor, seja honesto comigo. Isto é sério demais... Para ser varrido para debaixo do tapete.
Sentindo-se um merda, levou as mãos até o rosto e falou por entre as palmas.
— Eu só precisava... Estar perto de você novamente. Como sempre foi. Como deveria ser. Como precisa ser para mim. Eu pensei... Talvez se estivesse do outro lado
e você viesse para mim, poderíamos...
— Fazer o que estamos fazendo agora?
— Só que daí não teria mais importância.
— Ter um filho?
— Sim.
Quando ambos silenciaram, ele praguejou.
— Sinto como se estivesse te traindo de um jeito diferente agora.
Quando ela inalou profundamente, ficou claro que sabia exatamente ao que ele se referia... Àquele momento quando tinha voltado para ela depois daquela outra mulher.
Mas ela se recuperou rápido.
— Por que não posso te dar o que você quer, e você quer mesmo assim.
— Sim.
— Você... Você quer estar com outra mul...
— Deus, não! – Rhage baixou as mãos e negou com a cabeça com tanta força que ela quase se desprendeu da espinha. — Porra, não! Nunca. Jamais. Eu prefiro estar com
você, sem filho nenhum do que... Digo, Jesus, nem por um momento.
— Tem certeza disso?
— Absoluta. Juro. Cem por cento de certeza.
Ela anuiu, mas não estava olhando para ele. Estava de novo olhando para o pé ao flexionar os dedos, então separá-los, então curvá-los para baixo, e então os movendo
para cima.
— Por que tudo bem se for isto. – Disse ela baixinho. — Digo, eu iria compreender se você quisesse... Sabe, uma mulher de verdade.
Capítulo VINTE E QUATRO
Mary considerava-se inteiramente feminista. Sim, era verdade que a maioria dos homens podia levantar mais pesos do que a maioria das mulheres – e esta era uma realidade
tanto entre vampiros quanto humanos – mas além daquela diferença física insignificante, não havia absolutamente nada em seu ponto de vista, que machos fizessem melhor
do que as fêmeas.
Então foi com certa surpresa que percebeu sua sensação de fracasso total ao fato de estar meramente na mesma posição em que os homens estavam.
Entidades que nasciam com órgãos sexuais masculinos não podiam gerar filhos e nem ela. Vê? Igualdade total aqui.
Deus, como doía.
E era doloroso da forma mais estranha. A sensação era fria; era um vazio frio bem no centro do seu peito. Ou talvez mais pra baixo, mesmo que a metáfora de um vazio
onde deveria haver seu útero, no caso dela, só fosse a mais pura realidade.
Mas a sensação era esta. Um espaço oco. Uma caverna.
— Sinto muito. – Ela forçou-se a murmurar. Mesmo que não fizesse sentido algum.
— Por favor. – Implorou ele. — Nunca, jamais diga isto...
Oh, ei, veja, ele tinha se aproximado e ajoelhado à sua frente, as mãos sobre seus joelhos, os olhos azuis fitando-a como se estivesse a ponto de morrer diante do
pensamento de ter lhe causado qualquer mágoa.
Ela colocou a mão no rosto dele e sentiu o calor de sua face.
— Está bem, não vou pedir desculpas por isto. – Disse ela. — Mas sinto muito por nós dois. Você não quer sentir isto e nem eu, e ainda assim, olha como estamos...
— Não, não é como estamos, por que eu rejeito tudo isto. Não vou permitir que isto afete a mim ou a você...
— Já mencionei ultimamente o quanto eu odeio o câncer? – Ela abaixou o braço, consciente de estar interrompendo a fala dele, mas incapaz de parar. — Eu realmente,
realmente, realmente, odeio fodidamente essa doença. É tão bom que vampiros não a tenham por que se você acabasse com alguma versão dela, eu odiaria o universo pelo
resto da minha existência imortal...
— Mary, ouviu o que eu disse? – ele tomou sua mão e levou-a de volta ao próprio rosto. — Eu nunca mais vou pensar nisto. Não vou deixar isto se interpor entre nós.
Não vai ser...
— Não funciona assim com as emoções, Rhage. Eu como terapeuta sei bem. – Ela tentou sorrir, mas achou que o que saiu foi uma careta. — Não podemos escolher o que
iremos sentir... Especialmente não quanto a um assunto tão fundamental como ter um filho. Digo, além da morte e de com quem você quer passar o resto da vida, a coisa
toda de ter um filho é a base da existência.
— Mas você escolhe o que fazer quanto às suas emoções. É o que você sempre diz... É possível escolher como vai reagir a seus pensamentos e sentimentos.
— Sim. Só que de alguma forma... Isto não parece ser possível no momento.
Deus, por que será que as pessoas não surravam seus terapeutas? ela se perguntou. Aquela baboseira hipócrita sobre “dar vazão a seus sentimentos, mas deixar seu
lado carinhoso controlar suas respostas” realmente eram de nenhuma ajuda em momentos como este... Quando se estava a ponto de desabar e seu companheiro também, e
havia uma voz no fundo de sua mente dizendo que vocês dois jamais sairiam desta, porque, Deus, quem poderia?
Oh, e P.S. era tudo culpa dela porque era ela que não tinha óvulos férteis...
— Mary, olhe para mim.
Quando ela finalmente olhou, surpreendeu-se com a expressão feroz naquele rosto lindo dele.
— Eu me recuso a deixar qualquer coisa se interpor entre nós, especialmente esse conto de fadas idiota sobre ter um filho. Por que é o que é. Wrath e Z? Sim, eles
têm filhos com suas companheiras, mas também têm de viver com a realidade de que suas shellans podem morrer... Pelo amor de Deus, Wrath de fato quase perdeu Beth.
E Qhuinn? É claro, ele não está apaixonado por Layla, mas não me diga que ele não se importa com aquela fêmea com todo seu coração considerando o filho dos dois
que ela carrega. – Ele exalou e se sentou mais para trás, apoiando as mãos no chão. Seus olhos fitaram a cabeceira da cama e vagaram ao redor, traçando os entalhes
na madeira. — Quando penso logicamente sobre isto... Por mais forte que seja meu desejo de ter um filho... – Ele mudou o peso e cutucou o centro do peito. — ...
por mais que eu sinta necessidade de ter um filho especificamente com você, o que eu tenho a mais absoluta certeza é que jamais trocaria qualquer criança por você.
— Mas sou imortal, lembra? Você não teria de se preocupar de eu morrer no parto igual a seus irmãos.
Os olhos dele fixaram nos dela.
— Sim, mas então eu não iria voltar a vê-la, Mary. Este era o equilíbrio, lembra? Você não saberia que jamais estivemos juntos... Mas eu sim. Pelo resto da minha
vida eu saberia que você esteve neste planeta, viva e bem... Eu só não poderia jamais vê-la, tocá-la, rir com você de novo. E se eu fosse atrás de você? Você cairia
morta na hora. – Ele esfregou o rosto. — Não poder ter filhos? Esta é a razão pela qual estamos juntos. Não é uma maldição, Mary... É uma bênção. Foi o que nos salvou.
Mary piscou para afastar as lágrimas.
— Rhage...
— Você sabe que é verdade. Sabe que este é o equilíbrio. – Ele sentou-se e tomou suas mãos. — Sabe que é por isto que temos tudo isto. Você nos deu nosso futuro
precisamente por que não pode gerar filhos e filhas para mim.
Quando seus olhos se encontraram de novo e se sustentaram, ela começou de novo a dizer que sentia muito. Mas ele não deixou.
— Não. Não vou ouvir isto, Mary. Sério. Não vou ouvir mais porra nenhuma. E sabe o que mais? Eu não mudaria nada. Nem uma coisinha.
— Mas você quer um...
— Não mais do que quero você comigo, do meu lado, vivendo comigo, me amando. – O olhar dele não se desviou do dela, a força de sua convicção tão forte que faziam
arder os seus olhos. — Sério, Mary. Agora, pensando bem... Onde eu estava com a cabeça? Não. A vida sem você seria uma tragédia. Vida sem filhos? É... Bem, só um
caminho diferente.
O primeiro instinto de Mary foi se apegar a seu próprio drama, a roda de hamster do arrependimento, raiva e tristeza tão sedutores e potencialmente implacáveis quanto
um buraco negro. Mas então tentou superar tudo aquilo, tentou de alguma fora atravessar para o outro lado.
O que a ajudou a se salvar?
O amor nos olhos dele.
Quando Rhage ergueu o olhar para ela, seus olhos eram como o sol, uma fonte de calor, vida e amor. Mesmo com tudo o que ela não podia lhe dar? Ele ainda de alguma
forma conseguia olhar para ela como se tudo o que lhe importasse... Fosse exatamente o que tinha à sua frente.
Naquele momento, Mary percebeu uma coisa.
A vida não tinha de ser perfeita... Para que o amor verdadeiro fizesse parte dela.
Seria somente um caminho diferente.
A coisa mais esquisita aconteceu quando estas cinco palavras saíram da boca do Rhage. Era como se um peso tivesse sido tirado de cima dele, tudo se tornou leve e
meio superficial, seu coração começou a cantar, a alma liberou-se do fardo, a distância que se interpunha entre ele e sua companheira desapareceu como fumaça, como
a névoa se dispersando, como uma tempestade que passou por ali e foi adiante.
— Eu não mudaria nada. – Quando ele falou as palavras, sentiu-se... Livre. — Nada. Não mudaria nada.
— Eu não te culparia se você quisesse mudar.
— Bem, não quero. – Ele acariciou sua perna, puxando suas pernas para ela olhar para ele. — Nem uma coisa.
Mary respirou fundo. Então aquele sorriso dela surgiu, os lábios arquearam nos cantos, os olhos voltaram a se iluminar.
— Mesmo?
— De verdade.
Rhage levantou-se e voltou a sentar perto dela, na mesma posição dela, só que suas pernas eram tão grandes que os pés bateram no chão. Segurando sua mão, ele a cutucou
com o ombro uma vez. Duas. Até ela rir e cutucá-lo de volta.
— Sabe, você tem razão. – Disse ele. — Conversar ajuda.
— Engraçado, estava agora mesmo pensando que tudo isso era baboseira.
Ele negou com a cabeça.
— É incrível como tudo depende de como você encara.
— O que você é, casado com uma terapeuta ou coisa assim? – Quando eles riram um pouco, ela estremeceu. — Sabe, eu nunca realmente pensei em filhos. Estava tão ocupada
passando pela faculdade e então minha mãe adoeceu. Daí eu adoeci. Quando comecei a cogitar, já era tarde para mim... E não houve nenhum lamento ou qualquer tipo
de sensação de perda na minha cabeça. Acho que por que eu sempre soube que o câncer voltaria. Eu sempre soube. E estava certa.
— Daí você se emparelhou com um vampiro.
— Foi. – Só que Mary franziu o cenho. — Quero que me prometa uma coisa.
— Qualquer coisa.
Ela virou a mão dele, traçando as linhas na palma.
— Estou contente por estarmos conversando... Lógico que era inevitável que este assunto surgisse, e realmente, em retrospecto, não sei por que não antecipei. E mesmo
que seja difícil para nós dois, estou contente de que estejamos falando sobre isto e fico feliz por você se sentir melhor. Eu só... Você precisa entender que algo
assim não se resolve só com uma conversa.
Ele não tinha tanta certeza. Antes, sentia como se as engrenagens não estavam se encaixando, mas agora? Tudo estava funcionando tão bem quanto costumava estar...
E ainda melhor.
— Talvez.
— Acho que o que estou tentando dizer é que eu não quero que você fique surpreso ou se sinta mal se seu desapontamento voltar. Da próxima vez em que vir Wrath e
L.W. ou da próxima vez em que Z aparecer com a Nalla no colo? Provavelmente vai sentir esta angústia de novo.
Quando ele imaginou seu Rei e o irmão, deu de ombros.
— É, tem razão. Mas sabe o que? Bastará eu me lembrar de que tenho você e que isto não seria possível sob outras circunstâncias. Isto vai ajudar a me fazer sentir
normal de novo. Prometo.
— Só se lembre de que a negação não é uma boa estratégia a longo termo se o que busca é saúde mental.
— Ah, mas a perspectiva é mais ou menos uma estratégia a longo termo. Assim como ser grato pelo que se tem.
Ela sorriu de novo.
— Touché. Mas, por favor, conversa comigo? Eu não vou quebrar e prefiro saber o que passa em sua cabeça.
Erguendo a mão, ele colocou uma mecha do cabelo dela atrás da orelha.
— Mary, você é a pessoa mais forte que eu conheço.
— Às vezes não tenho tanta certeza disto. – Com uma mudança de posição e um esticão, ela depositou um beijo em sua boca. — Mas obrigada pelo voto de confiança.
— Tudo isto foi uma surpresa tão grande. – Murmurou ele. — Não era como se eu vivesse esperando ter um filho ou que não tê-los sequer me incomodasse.
— Não dá para saber o que a vida vai nos apresentar. – Agora foi ela quem deu de ombros. — E acho que isto pode tanto ser bom, quanto ser ruim.
— Realmente falei sério. Se você quer um filho, eu encontro um para você. Mesmo que seja humano.
Por que Deus sabia que crianças vampiras eram quase impossíveis de serem encontradas para adoção. Eram tão raras, preciosas demais.
Mary negou com a cabeça após um momento.
— Não, não acho que isto vai acontecer. Meu instinto materno se expressa através do meu trabalho. – Ela olhou para ele. — Mas gostaria de ter sido mãe ao seu lado.
Teria sido bem divertido. Você seria um pai maravilhoso.
Rhage tomou seu rosto entre as mãos e sentiu todo o amor que tinha por ela percorrer seu corpo inteiro. Odiava que ela tivesse se magoado com isto. Teria feito absolutamente
qualquer coisa para evitar qualquer dor a ela.
Exceto sacrificar o amor deles.
— Oh Mary, você teria sido a mãe mais maravilhosa. – Ele acariciou seu lábio inferior com o polegar. — Mas você não é menos fêmea a meus olhos. Você é, e continuará
a ser para sempre, a companheira mais perfeita da terra, a melhor coisa que já me aconteceu na vida.
Quando os olhos dela novamente se encheram de lágrimas, ela sorriu.
— Como é possível... Que você sempre consiga fazer eu me sentir tão bela?
Ele a beijou uma vez, e então de novo.
— Só estou refletindo de volta o que vejo e sei que é verdade. Não passo de um espelho, minha Mary. Agora me deixa te beijar de novo? Mmmmmmmm...
CONTINUA
Capítulo DEZOITO
As anotações nos prontuários dos pacientes do Lugar Seguro eram todas manuscritas. Em parte, devido ao custo: computadores, redes e armazenamento de dados confiáveis
custavam caro, e com a equipe como prioridade, aplicar fundos na área de tecnologia da informação simplesmente não parecia prioridade. Mas também, isto acontecia
devido ao fato de Marissa, sua destemida líder, ser antiquada e realmente não gostar que coisas importantes fossem mantidas de alguma forma que não pudessem segurar
nas mãos.
Afinal, quando se tinha quase quatrocentos anos de idade, a revolução tecnológica das últimas três décadas eram um pontinho ínfimo em seu sistema de radar.
Talvez daqui a um século a chefe confiasse um pouco mais nos Bill Gates da vida.
E Mary até que achava isto bom. Mais humano, de certa forma, ver as diferentes letras manuscritas, diferentes canetas, diferentes maneiras de pessoas escreverem
palavras com erros de vez em quando. Era o equivalente visual a uma conversa, cada um trazendo algo único de si mesmo aos registros – ao contrário do que acontece
em registros uniformes, que passaram por corretores ortográficos onde as palavras são todas digitadas iguais.
Se bem que isto dificultava a busca por uma referência em particular. Entretanto, reler tudo do início podia ajudar a captar coisas que previamente poderiam ter
passado batido.
Por exemplo, tios.
Após não encontrar nenhuma menção a parentes próximos no formulário de admissão, Mary seguiu lendo cada uma das anotações do prontuário de Annalye, as quais estavam
em sua própria letra. E bem como se lembrava, invariavelmente os registros eram curtos e continham pouca coisa útil.
Bitty não foi a única a se manter reservada.
Não havia nem uma única menção a um irmão ou qualquer outro parente. E a fêmea não tinha falado de seu companheiro morto também ou de qualquer abuso que ela e Bitty
tivessem sofrido. O que não significava que a violência tinha ficado fora dos registros. As anotações médicas das duas foram impressas e anexadas na contracapa do
prontuário.
Ao terminar a releitura, Mary precisou se recostar na cadeira e esfregar os olhos. Como várias vítimas que temiam por suas vidas, a mahmen de Bitty viera em busca
de assistência médica somente uma vez, quando a filha estava tão ferida que não havia jeito de que o processo natural de cura cicatrizasse os ferimentos. As radiografias
contaram o resto da sombria história, revelando anos de fraturas ósseas que tinham se solidificado. Em ambas.
Fechando o prontuário, pegou o de Bitty. O da garota era mais fino, já que seus registros médicos foram misturados aos da mãe, e também por ela lhes revelar ainda
menos do que Annalye. Tiveram regulares sessões de terapia, jogos criativos e aulas de música. Mas não havia muito para prosseguir.
De certa forma, todo mundo esteve somente esperando pelo inevitável...
— Sra. Luce?
Mary pulou na cadeira, estendendo a mão e esbarrando no mata-borrão da mesa.
— Bitty! Não te ouvi chegar.
A garotinha estava em pé na porta aberta, sua pequena figura parecendo ainda menor entre os batentes. Esta noite os cabelos castanhos estavam soltos e cachos espalhavam-se
em todas as direções, e ela usava outro dos vestidos costurados a mão, desta vez amarelo.
Mary teve de combater uma vontade quase irresistível de fazê-la vestir uma blusa de frio.
— Sra. Luce?
Forçando-se a prestar atenção, Mary disse.
— Desculpe, o que?
— Estive pensando... Meu tio já não teria vindo?
— Ah, não. Ele ainda não veio. – Mary pigarreou. — Ouça, pode vir aqui um minutinho? E feche a porta, por favor.
Bitty fez o que ela pediu, fechando a porta às suas costas e aproximando-se até estar em pé na frente da mesa.
— Estes são seus prontuários, querida. – Mary tocou as pastas pardas. — Seu e de sua mahmen. Eu acabei de analisá-los de novo. Não consegui... Não encontrei nada
sobre seu tio. Não há menção alguma sobre ele aqui. Não estou dizendo que ele não existe, eu só...
— Minha mahmen entrou em contato com ele. Então ele está vindo me buscar.
Bosta, pensou Mary. Precisava ir com muito tato.
— Como foi que sua mãe fez isto? – Perguntou. — Ela escreveu para ele? Telefonou? Pode me dizer como ela entrou em contato com ele? Talvez eu devesse tentar também.
— Eu não sei como foi. Mas ela falou com ele.
— Como ele se chama? Você se lembra?
— O nome dele é... – Bitty baixou o olhar para a mesa. Para os prontuários. — É...
Era fisicamente doloroso observar a garota tentar inventar o que provavelmente seria um nome de mentira. Mas Mary lhe deu espaço, esperando contra qualquer esperança
que houvesse uma solução mágica para tudo isto, algum irmão que de fato existisse aí pelo mundo, que pudesse ser tão bom para Bitty quanto ela merecia...
— Ruhn. O nome dele é Ruhn.
Mary fechou os olhos por um momento. Não conseguiu evitar. Ruhn era parecido com Rhym, lógico. Só uma pequena alteração no nome da supervisora das internações, uma
distância muito facilmente cruzada por uma mente jovem em busca de uma saída de uma situação horrível.
Ela precisava mesmo manter seu profissionalismo.
— Certo, bem, vou te dizer o que vou fazer. – Mary pegou o telefone. — Se você concordar, vou publicar sobre ele em um grupo fechado do Facebook. Talvez algum membro
o conheça e possa contatá-lo para nós?
Bitty anuiu um pouco.
— Posso ir?
Mary pigarreou.
— Mais uma coisa. As cinzas de sua mahmen... Elas ficarão prontas para serem retiradas em breve. Estive pensando, se você quiser podemos fazer a cerimônia para ela
aqui. Sei que todos aqui a amavam muito, assim como amamos você também...
— Prefiro esperar meu tio chegar. Então ele e eu poderemos fazer isto juntos.
— Tudo bem. Bem, quer ir comigo buscá-la? Quero ter certeza de que você...
— Não. Quero esperar aqui pelo meu tio.
Bosta.
— Tudo bem.
— Posso ir?
— Claro.
Quando a garotinha se virou, Mary disse.
— Bitty.
— Sim? – Bitty olhou para ela. — O que?
— Você pode conversar comigo, sabia? Sobre qualquer coisa. Estou aqui para você... E se não quiser conversar comigo, tudo bem, outra pessoa da equipe estará aqui
para te ajudar. Não vou ficar chateada. A única coisa que me importa é que você tenha todo o apoio que precisar.
Bitty olhou para o chão por um momento.
— Está bem. Posso ir?
— Eu sinto muito mesmo pela forma como... Como tudo aconteceu na clínica na noite passada. Acho melhor você conversar sobre isto com alguém... Se não quiser falar
comigo...
— Conversar não vai trazer minha mahmen de volta, Sra. Luce. – Aquela voz estava tão séria que poderia ter saído da boca de um adulto. — Conversar não vai mudar
nada.
— Vai sim. Acredite.
— Vai fazer o tempo voltar? Acho que não.
— Não, mas pode te ajudar a ajustar sua nova realidade. – Deus, estava realmente falando assim com uma garota de nove anos? — Você tem de desabafar sobre a sua dor...
— Eu vou sair agora. Estarei lá em cima, no sótão. Por favor, me avisa quando meu tio chegar?
Com isto, a garota saiu e silenciosamente fechou a porta. Quando Mary baixou a cabeça, colocando-a entre as mãos, ouviu os passinhos subindo a escada rumo ao terceiro
andar.
— Maldição. – Sussurrou ela.
Ao se levantar da mesa da cozinha, Rhage não estava preocupado de que quem quer que estivesse correndo pela sala de jantar e indo em sua direção fosse inimigo. Estava
mais preocupado que algum morador da casa estivesse em apuros.
Por que havia outro som junto com os passos.
Um bebê chorando.
Antes que chegasse à porta, Beth, a Rainha, entrou chorando na cozinha. O bebê sob um de seus braços como se fosse um saco de batatas, a mão livre erguida escorrendo
muito sangue.
— Ai, merda! – Rhage disse, correndo para alcançá-la perto da pia. — O que aconteceu?
Sua visão não estava tão clara como deveria, mas parecia haver muito vermelho na frente da camiseta dela. E sentia cheiro de sangue por todos os lados.
— Pode segurá-lo para mim? – Disse ela acima do choro de L.W. — Por favor, fique com ele.
Eeeeee foi assim que acabou segurando o primogênito de Wrath sob as axilas como se a criança fosse um dispositivo explosivo com um pavio queimando depressa demais.
— Ah... – Disse quando o garoto chutou e acertou-o bem no rosto. — Hum... É, quer ir à clínica ver isto?
Ao falar, não sabia ao certo se o “isto” referia-se ao ferimento ou ao bebê.
Movendo o barulhento saco de DNA de Wrath para o lado, tentou enxergar o que estava rolando – ela tinha cortado o dedo? A mão? Os pulsos?
— Foi idiotice minha. – Murmurou ela, silvando. — Eu estava lá fora na varanda, levando-o para ver a lua por que ele gosta e não estava olhando por onde pisava.
Escorreguei em uma porção de folhas e ooops! Os pés falharam. Ele estava no meu colo e eu não queria cair em cima dele. Estendi a maldita mão buscando equilíbrio,
raspei-a em um azulejo rachado e me cortei. Merda... Não para de sangrar.
Rhage piscou ao se perguntar exatamente quanto tempo aquela zoeira em seus ouvidos ia durar até ela levar o L.W. embora.
— O que... Ah...
— Ei, pode ficar com ele por um minuto? A Dra. Jane está no Pit, acabei de receber uma mensagem de texto dela. Vou correr até lá para ela dar uma olhada nisto. Volto
em dois segundos.
Rhage abriu a boca e congelou como se tivesse uma arma apontada para sua cabeça.
— Ah, sim. Claro. Sem problema. V Por favor, não permita que eu mate o filho de Wrath. OhDeusOhDeusOhDeus. — Ele e eu ficaremos muito bem. Vamos tomar um pouco de
café e...
— Não. – Beth fechou a torneira e enrolou a mão em uma toalha. — Nada de comida. Nada de bebida. E vou voltar logo mesmo.
A fêmea partiu em uma carreira desabalada passando pela cozinha e pela sala de jantar – e ao vê-la partir correndo tal qual Usain Bolt, ele teve de se perguntar
se era só por causa da mão... Ou pelo fato de ter deixado seu filho com um incompetente total.
Eeeeeeee L.W. agora estava chorando pra valer, como se ao perceber que sua mahmen tinha saído do recinto, os berros anteriores fossem só um aquecimento.
Rhage apertou bem os olhos e começou a voltar para sua cadeira junto à mesa. Mas depois de dois passos, pensou na queda de Beth e imaginou-se esmagando o garoto
como uma panqueca. Arregalando os olhos, prosseguiu bem devagarzinho como se equilibrasse um vaso de cristal no topo do crânio. Assim que chegou ao alcance, estacionou
o traseiro na cadeira e segurou o garoto em pé sobre aqueles pés de biscoito dele. L.W. ainda não era forte o bastante para sustentar-se em pé, mas aqueles berros
eram como numa música rock and roll.
— Sua mahmen já vem... – Por favor, querida Virgem Escriba, faça essa fêmea voltar antes que eu fique surdo. — É... Já está viiiiindo.
Rhage olhou ao redor daquele par de pulmões extremamente saudáveis e rezou para que alguém, qualquer pessoa, viesse correndo.
Quando aquele otimismo passivo não resultou, voltou a se concentrar no rostinho vermelho.
— Amiguinho, eu já entendi. Acredite. Eu já te ouviiiiiiiii.
Okay, se a definição de insanidade fosse mesmo fazer a mesma coisa repetidas vezes...
Virando o garotinho, Rhage deitou L.W. de costas na dobra de seu braço como viu Wrath e Beth fazer...
Puta merda, isto só irritou o garoto ainda mais. Se é que era possível.
Próxima posição? Humm...
Rhage colocou L.W. recostado em seu peito para que o bebê pudesse ver por cima do seu ombro. E então deu tapinhas com a palma da mão nas costinhas surpreendentemente
robustas. De novo. E de novo. E de novo...
E quem diria. A merda funcionou.
Cerca de quatro minutos e trinta e sete segundos depois – não que Rhage estivesse contando – L.W. passou a soluçar, como se seu fazedor de lágrimas estivesse sem
energia para continuar funcionando. Então o garoto deu um suspiro entrecortado e relaxou.
Mais tarde, Rhage se perguntaria se as coisas poderiam ter ficado bem se L.W. tivesse parado por aí. Talvez se a criança não tivesse feito o que fez depois... Ou
talvez se tivesse recomeçado a chorar? Então talvez Rhage pudesse ter se salvado.
O problema foi que, alguns momentos depois, L.W. enlaçou a garganta de Rhage com um braço gordinho, e então agarrou o moletom que Rhage vestia e segurou, aproximando-se
mais, buscando conforto, encontrando-o... Confiando nele por que o carinha era completamente indefeso no mundo.
Subitamente Rhage parou as batidinhas, congelando exatamente onde estava, mesmo se equilibrando na cadeira. E com uma clareza despedaçadora, tudo sobre o bebê se
registrou nele, do calor naquele corpinho vital à força tensa daquele aperto de mão, àquele peito subindo e descendo. O som das pequenas fungadas soavam bem junto
à orelha de Rhage, assim como a respiração pulsante, e quando L.W. mexeu a cabeça, sedosos e finos fios de cabelos pinicaram o pescoço de Rhage.
Isto era o futuro, pensou Rhage. Isto era... O destino, ali, descansando contra ele.
Afinal, L.W. tinha olhos que testemunhariam eventos muito depois de Rhage não mais existir. E o cérebro da criança tomaria decisões que Rhage não poderia nem imaginar.
E o corpo, que era frágil em seu estado inicial, mas que na maturidade lutaria, honraria e protegeria, do mesmo jeito que o pai tinha feito, e o pai de seu pai...
E todos os antepassados da linhagem antes dele.
Além disto, Beth dera aquilo a Wrath. Era algo que eles compartilhavam. Eles tinham... Feito... Juntos.
Subitamente, Rhage descobriu que não conseguia respirar.
Capítulo DEZENOVE
Naasha não o fez perder tempo.
Assim que Assail apareceu na sala de estar da dama na mansão de seu hellren, uma porção da parede coberta de papel de parede cor pêssego deslizou e Naasha entrou,
atravessando uma porta oculta.
— Boa noite. – Disse ela, fazendo pose. — Estou usando vermelho, do jeito que pediu.
Fale-se o que quiser sobre sua falta de pedigree e seu casamento por interesse, mas ela era uma fêmea linda, de cabelos compridos e com uma harmonia de medidas entre
busto-cintura-quadris digna de Marilyn Monroe. De vestido curt, e os pés metidos em um par de Louboutins, ela era o sonho molhado de qualquer um que possuísse um
pau.
E ainda assim, tão embonecada e produzida, não chegava aos pés de sua Marisol – do mesmo jeito que uma flor de estufa nunca seria tão atraente quanto algo que tenha
crescido, indomada e inesperadamente, ao ar livre.
Ainda assim, o cheiro dela o afetou de forma não tão diferente da cocaína que tinha cheirado antes de ir para ali, e seu corpo despertou, mesmo que as emoções e
sua alma continuassem mortas e frias. A horrível realidade era que seu corpo necessitava do sangue de uma vampira – e este imperativo biológico tomaria a dianteira
aqui e agora, acima de qualquer outra coisa.
Mesmo que sob outras circunstâncias ele jamais teria sequer reparado na existência dela.
— Gosta? – Disse ela erguendo os braços e dando uma voltinha lenta.
Ele, como era esperado, sorriu revelando suas presas alongadas.
— Vai ficar melhor sem ele. Vem aqui. – Mandou ele.
Naasha aproximou-se lentamente, mas não o caminho todo, parando perto de um sofá francês antigo, amarelo creme, com mais almofadas do que espaço para sentar.
— Vem você.
Assail negou com a cabeça.
— Não.
O beicinho foi rápido, os lábios grossos dela se juntaram brilhando com uma cor que combinava com o vestido.
— Você atravessou a cidade inteira pra me ver. Certamente pode dar mais alguns passos.
— Eu não vou atravessar esta sala.
Ante o olhar enfastiado que ele expressou, nem um pouco forçado, a excitação dela fulgurou.
— Você é tão desrespeitoso. Eu devia te mandar embora.
— Se acha que isto é desrespeito, ainda não viu nada. E vou ficar mais do que feliz de ir embora.
— Eu tenho um amante, sabe?
— Tem mesmo? – Ele inclinou a cabeça. — Meus parabéns.
— Então estou muito bem servida. Apesar da enfermidade do meu amado.
— Bem, então é melhor eu ir...
— Não. – Ela rodeou rapidamente o sofá, movendo-se até estar tão perto que ele podia ver os poros em sua pele suave. — Não vá.
Ele fez um show ao olhar para o rosto dela. Então estendeu a mão e tocou seus cabelos.
— Ajoelhe-se. – Antes dela poder dizer qualquer coisa, ele apontou para seus pés. — De joelhos. Agora.
— Eu já tinha esquecido como você é mandão...
— Não me faça perder tempo.
Quando outro jorro de sua excitação atingiu-o no nariz, soube que ela ia se ajoelhar no tapete Aubusson – e quando ela esticou a mão para se equilibrar tocando seu
peito, ele afastou a mão dela para que fosse forçada a cambalear para baixo até o chão.
— Isso, boa garota. – Acariciou suas bochechas com o nó dos dedos. Então agarrou um punhado de seus cabelos e forçou a cabeça dela para trás. — Abra a boca.
Com os lábios separados ela começou a arfar, o cheiro de seu sexo se tornou um rugido no nariz dele, o rosto dela enrubescido de calor, os seios apertados para cima
do corpete do vestido. Com a mão livre, abriu o zíper de suas elegantes calças e expôs sua ereção.
Acariciando-se, ele grunhiu.
— Quer me contar mais sobre seu amante?
Os olhos semicerrados dela assumiram uma luz erótica.
— Ele é tão forte...
Assail meteu o pau entre os lábios dela, impedindo-a de continuar a falar. E então, usando o aperto naqueles cabelos, fodeu sua boca enquanto ela gemia, as mãos
indo até os próprios seios e apertando, os joelhos bem separados como se na mente dela ele estivesse entrando e saindo de seu núcleo, ao invés da boca. Ou talvez
dos dois lugares.
Enquanto a fodia com brusquidão, não era como se a odiasse. Nem mesmo desgostava dela – de qualquer forma, ela teria de estar em seu radar para ter qualquer tipo
de opinião sobre ela, o que não acontecia.
O que odiava era o fato dela não ser quem ele desejava.
Quanto mais pensava naquela realidade, na distância eterna, na perda?
Liberando o pau da boca de Naasha, levou-a ao sofá de joelhos, usando o cabelo como guia. E ela adorou. Seguiu-o com mais do que boa vontade, arfando enrubescida,
pronta para ser fodida. O que era conveniente, não era?
Especialmente quando a inclinou sobre aquele belo sofá francês, puxou para cima aquela saia curta e justa, e penetrou-a por trás.
Ela gozou imediatamente, estremecendo e sacolejando debaixo dele. E quando ele puxou a cabeça dela para trás mais uma vez, ela gritou o nome dele.
— Shhh. – Ele murmurou. — Não vai querer que seu amado ouça. Ou seu namorado.
Ela gemeu uma porção de coisas ininteligíveis, tão perdida no ato que seu cérebro tinha obviamente tirado um descanso. E de um jeito estranho, sentiu inveja da experiência
erótica que ela obviamente estava curtindo. Para ele, aquilo não passava da expressão de uma necessidade básica, um treino físico com prazer e sangue como um troféu
anônimo.
Não tinha nada daquele prazer sem limites que ela tão claramente expressava. Mas pelo menos, ele podia usar esta fraqueza dela... A favor de Wrath.
Alongando as presas, Assail golpeou a lateral da garganta dela, mordendo com força enquanto a penetrava, sugando-a, tomando sua parte. O gosto dela era... Bom. A
sensação do sexo dela apertando e soltando seu pau era... Boa. A força que lhe forneceria era totalmente necessária.
Do outro lado da sala, no vidro ondulado de um espelho ancestral, viu seu reflexo metendo nela.
De fato aparentava tão morto quanto se sentia. Mas, de qualquer forma, tateou o bolso interno do casaco em busca do celular.
Vishous passava pela sala de musculação do centro de treinamento quando seu celular vibrou, graças ao WiFi da área. Tirando a coisa do bolso traseiro da calça, digitou
a senha e sorriu diante da mensagem.
Era uma foto de Assail – da parte de trás da cabeça de uma fêmea de cabelos pretos enquanto ela estava de quatro sobre um sofá. A mensagem embaixo era curta e grossa:
Estou dentro.
Bom trabalho. – V digitou de volta. — Divirta-se.
— E nos traga alguma coisa. – Disse ele ao voltar a guardar o celular.
O vício do macho era um problema em potencial, mas parecia que Wrath fez uma aposta certa com o filho da puta. Assail era bonito, rico e um bastardo total com a
linhagem certa. Era o espião perfeito para infiltrar na glymera.
Tudo dependeria do que ele descobriria. E por quanto tempo ele seria um bom garoto e jogaria de acordo com as regras.
Qualquer pensamento independente da parte dele e V deixaria aquela garganta mais aberta do que uma porta de garagem. Mas até este momento chegar, Assail estava solidamente
na coluna dos Úteis, Aqueles Que Merecem Continuar Vivos.
Quando Vishous chegou à entrada dos estandes de tiro ao alvo, abaixou-se e pegou uma sacola preta que tinha deixado ali horas atrás. Dirigindo-se até o espaço de
teto baixo com cheiro de mofo, soltou um cumprimento.
— Como estamos? – Disse circulando a cabine de tiros e prosseguindo até a área de alvo feita de concreto.
Blay levantou-se da cadeira dobrável onde estava esticando os braços acima da cabeça e as palmas no teto.
— Na mesma.
— Mas derrotei este cara duas vezes no baralho. – Lassiter interrompeu.
— Só por que você trapaceou.
Vishous olhou e meneou a cabeça para o anjo.
— O que está fazendo aqui? E por que está em uma cadeira de jardim?
— Apoio para a lombar...
Nesse momento, o pedaço de carne às costas de V se mexeu – e V teve de dar um crédito ao cuzão de cabelo bicolor: Lassiter estava em pé e fora daquela coisa mais
rápido do que um piscar de olhos, de arma apontada para o peito de Xcor como se preparado para abrir um buraco naquele coração.
— Calma, cowboy. – Disse V. — Foi só um espasmo muscular involuntário.
O anjo não pareceu ouvi-lo – ou talvez não quisesse que ninguém mais fizesse uma avaliação de seu dedo de atirar, mesmo alguém com treinamento médico.
Difícil não aprovar o cara. Difícil também não notar que claramente Lassiter não ia sair do lado de Xcor, como se confiasse somente em si mesmo para cuidar daquela
situação.
Merda, contanto que o anjo não abrisse a boca e desde que V não pensasse nas pequenas diferenças que eles tiveram no passado, quase dava para esquecer o quanto queria
chutar o filho da puta.
Aproximando-se do prisioneiro, Vishous avaliou-o visualmente. Ao chegarem ali com o bastardo, V o amarrou na mesa de madeira de cara pra cima e braços abertos, fechando
algemas de aço inoxidável nos pulsos e tornozelos e em volta daquele pescoço grosso – e quem diria, o cara estava bem do jeito que tinha deixado. A cor era passável.
Olhos fechados. O ferimento na cabeça, na base do crânio, já não vazava mais, provavelmente já tinha cicatrizado.
— Precisa de ajuda? – Perguntou Blay.
— Não, tudo certo.
Abrindo a sacola, V usou o equipamento que estava dentro para verificar os batimentos cardíacos, a pressão sanguínea, temperatura e oxigenação. A coisa que mais
o preocupava era o inevitável hematoma onde tinha golpeado o fodido com a pistola – e suas possíveis complicações, que incluíam qualquer coisa, do inconveniente
ao catastrófico. No entanto, sem movê-lo ou sem trazer até ali equipamentos verdadeiramente pesados e caros, não haveria jeito de descobrir.
Mas suspeitava. Era inteiramente possível que a concussão tivesse causado um derrame isquêmico devido a um coágulo sanguíneo que bloqueou uma veia.
Era bem a sorte deles. Capturam o inimigo e o bastardo tinha uma morte cerebral pra cima deles.
Depois de V guardar seus brinquedos e fazer suas anotações no arquivo digital em seu celular, deu um passo para trás e só encarou o rosto feio do macho. Na falta
de conseguir fazer uma bateria de exames, tinha de confiar em sua própria observação – e às vezes, mesmo com o equipamento avançado e moderno, nada superava a própria
interpretação do médico sobre o que via.
Estreitando os olhos, traçou cada respiração, cada exalação... E os espasmos nas sobrancelhas e a imobilidade das pálpebras... Os movimentos aleatórios dos dedos...
As contrações sob a pele das coxas.
Derrame. Definitivamente um derrame. Absolutamente nenhum movimento do lado esquerdo.
Acorda, caralho, pensou V. Para eu poder te bater mais e te botar pra dormir de novo.
— Maldição.
— O que há? – Perguntou Blay.
Se não houvesse alguma melhora logo, teria de tomar a decisão de manter Xcor – ou jogar o corpo dele no lixo.
— Você está bem?
V virou-se para Blay.
— O que?
— Seu olho está tremendo.
Vishous esfregou o olho até parar. E então se perguntou, com tudo o que estava rolando, se seria o próximo na lista de vítimas do AVC.
— Avise-me se ele recobrar a consciência?
— Pode deixar. – Disse Lassiter. — E também aviso quando precisar de mais um Milk-shake de morango.
— Não sou seu empregado. – V pendurou de novo a sacola no ombro e foi para a porta. — E se me mandar beijo de novo, vou colocar um aparelho de ressonância magnética
em você, ao invés do contrário.
— E se eu beliscar sua bunda? – O anjo provocou.
— Tente e vai descobrir que a imortalidade, igual ao tempo, é relativo.
— Você sabe que me ama!
Vishous meneava a cabeça ao sair para o corredor. Lassiter era como uma gripe, contagiosa, irritante e nada que alguém desejasse ter.
E ainda assim, estava feliz pelo fodido estar ali. Mesmo que Xcor no momento não passasse de um vegetal.
Capítulo VINTE
Beth Randall, companheira do Rei Cego, Wrath, filho de Wrath, pai de Wrath, Rainha de todos os vampiros, partiu rumo à porta principal do Pit, com a Dra. Jane ainda
enrolando uma faixa em sua mão recém-costurada.
— Está ótimo! Obrigada...
A companheira de V a seguia na corrida, as duas se esquivando de uma sacola de ginástica, uma maleta... Uma boneca inflável que total e verdadeiramente precisava
de roupas.
— Você precisa parar, sério!
— Já está tudo bem...
— Beth! – Jane remexeu em seu rolo de fita cirúrgica e começou a rir. — Não consigo encontrar a ponta...
— Deixa que coloco depois...
— Pra que tanta pressa?
Beth parou.
— Deixei L.W. com Rhage na cozinha.
A Dra. Jane piscou.
— Oh, Deus... Vá!
Beth foi sumariamente empurrada para fora do Pit com a fita e acabou o serviço enquanto atravessava correndo o pátio, mordendo a ponta da fita com os dentes e colando
a coisa na gaze branca que foi enrolada ao redor de sua mão. Subindo aos pulos os degraus para a grandiosa entrada da mansão, abriu a porta para o vestíbulo e enfiou
a cara na câmera.
— Vamos lá... Abra – Murmurou ao transferir seu peso pra frente e pra trás sobre os pés.
Rhage não ia machucar o garoto. Pelo menos, não de propósito. Mas puta merda, em sua mente repetidamente vinha a imagem de Annie Potts cuidando do bebê em Os Caça-Fantasmas
II, alimentando-o com pizza francesa.
Quando a tranca finalmente foi liberada por dentro, entrou correndo no saguão desviando da empregada que abriu caminho para ela.
— Rainha! – A doggen disse com uma reverência.
— Oh, Deus, desculpe, sinto muito! Obrigada!
Sem saber exatamente do que estava pedindo desculpas, disparou pela sala de jantar vazia e entrou na cozinha...
Beth parou de chofre.
Rhage estava sentado sozinho à mesa e tinha L.W. recostado em seu ombro, o bebê aninhado bem junto a seu pescoço, aquele braço enorme embalando o bebê com todo o
senso de proteção que qualquer pai teria demonstrado. O Irmão estava de olhos fixos à frente, além de sua vitrine de carboidratos consumida pela metade e a jarra
de café quase vazia.
Lágrimas escorriam pelo seu rosto.
— Rhage? – Disse Beth suavemente. — O que houve?
Depositando a fita cirúrgica sobre o balcão, aproximou-se deles... E quando ele não percebeu sua aproximação, pousou a ponta dos dedos no ombro dele. E ainda assim
ele não respondeu.
Ela falou um pouco mais alto.
— Rhage...
Ele se assustou e olhou para ela, surpreso.
— Oh, ei. Tudo bem com sua mão?
O macho não parecia ter consciência de suas emoções. E por alguma razão bem triste, parecia apropriado que estivesse cercado pelo caos de sua refeição, pacotes abertos
de bagels e pães espalhados pela mesa rústica de madeira, barras de manteiga, blocos de cream cheese e guardanapos de papel amassados por toda sua volta.
Ele estava, naquele momento silencioso, tão bagunçado quanto tudo à sua frente.
Ajoelhando-se, tocou o seu braço.
— Rhage querido, o que está havendo?
— Nada. – O sorriso que se abriu naquele rosto bonito era vazio. — Eu o fiz parar de chorar.
— Sim, você fez. Obrigada.
Rhage anuiu. Então meneou a cabeça.
— Aqui, deixa eu te devolver ele agora.
— Está bem. – Sussurrou ela. — Fique com ele o tempo que quiser. Ele parece realmente confiar em você... Nunca o vi ficar calmo com ninguém além de mim e Wrath.
— Eu, ah... Dei palmadinhas nas costas dele. Sabe? Igual a vocês. – Rhage pigarreou. — Eu tenho observado você com ele. Você e Wrath.
Agora ele voltou a olhar fixo para o outro lado da sala.
— Não por mal, nem nada disto. – Ele completou.
— É claro que não.
— Mas eu tenho... – Ele engoliu em seco. — Estou chorando, não estou?
— Sim. – Estendendo a mão, ela tirou um guardanapo de papel do suporte. — Aqui.
Levantando-se, ela secou debaixo daqueles lindos olhos azul ciano – e lembrou-se da primeira vez que o viu. Foi na antiga casa de seu pai, Darius. Rhage estava dando
alguns pontos em si mesmo em uma das pias do banheiro, trabalhando a linha e agulha através da própria pele como se aquilo não fosse grande coisa.
Não é nada. A coisa só fica séria quando dá pra usar o próprio intestino como cinto.
Ou algo assim.
E então se lembrou do que aconteceu depois quando a besta saiu dele e ele teve de se deitar no quarto subterrâneo do pai dela para se recuperar. Ela tinha lhe dado
seu antiácido e o acalmado em meio à sua cegueira e desconforto o máximo que conseguiu.
Parecia ter sido há tanto tempo.
— Pode me contar o que está errado?
Ela observou a mão dele executar pequenos movimentos circulares nas costas do L.W.
— Não é nada. – Os lábios dele se esticaram no que claramente era para ser outro sorriso. — Só estou aproveitando um momento calmo com seu filho maravilhoso. Você
é tão sortuda. Você e Wrath têm tanta sorte.
— Sim, temos mesmo.
Ela quase morreu no parto de L.W. e pra salvar sua vida tiveram de remover seu útero. Não haveria mais possibilidade de ter filhos biológicos – e sim, aquilo era
meio entristecedor. Mas cada vez que olhava para o rosto do filho, ficava tão grata por ele que o fato de que não poderia arriscar na loteria de novo não parecia
uma perda muito grande.
Mas Rhage e Mary? Eles não iriam nem ter a oportunidade de tentar. E aquilo certamente era o que estava na mente de Rhage naquele momento.
— É melhor eu te devolver ele. – O irmão disse novamente.
Beth engoliu em seco.
— Fique o tempo que desejar.
De volta ao Lugar Seguro, Mary tinha acabado de postar uma mensagem no Facebook sobre o hipotético tio de Bitty quando houve uma batida na porta.
Talvez fosse a garota e elas pudessem novamente tentar conversar. Mas provavelmente não...
— Entre. – Disse Mary. — Oh, ei Marissa, como vai?
A companheira de Butch estava tão linda quanto sempre, os cabelos louros soltos e perfeitamente cacheados sobre seus ombros magros como se tivessem sido tão treinados
em boas-maneiras que jamais pensariam em arrepiar. Vestida em um suéter de cashmere preto e calças também pretas, de certa forma parecia a versão feminina de Rhage
– fisicamente maravilhosa demais para existir de verdade.
E como Rhage, o exterior não chegava aos pés do quão adorável era por dentro.
Com um sorriso digno da Vogue, Marissa sentou-se em uma cadeira barulhenta do outro lado da mesa.
— Estou bem. Mais importante que tudo, como você está?
Mary recostou-se, cruzou o braço sobre o peito e pensou, ah, então não é uma visita social.
— Acho que já está sabendo. – Murmurou ela.
— Sim.
— Eu juro, Marissa, não fazia ideia de que ia ser tão grave.
— É claro que não. Como poderia?
— Bem, contanto que saiba que não era minha intenção que as coisas terminassem tão mal...
Marissa franziu o cenho.
— Desculpe, o que?
— Quando Bitty e eu fomos visitar a mãe dela...
— Espere, espere. – Marissa ergueu as mãos. — O que? Não, estou falando do tiro que Rhage levou. E de você ter salvado a vida dele na frente dos Irmãos.
Mary ergueu as sobrancelhas.
— Oh, isto.
— Sim... Isto. – Um brilho esquisito invadiu o olhar de Marissa. — Sabe, francamente não entendo por que veio trabalhar hoje. Pensei que ficaria em casa com ele.
— Oh, bem, sim. Mas com tudo isto que está acontecendo com Bitty, como eu poderia não vir? Além disso, passei o dia todo com Rhage, tenho certeza que ele está bem.
Enquanto ele ainda estava dormindo na clínica, quis ver como ela estava. Deus... A ideia de que eu piorei ainda mais as coisas para aquela garota faz eu me sentir
péssima. Digo, com certeza você sabe o que aconteceu.
— Refere-se ao que aconteceu no Havers? Sim, fiquei sabendo. E entendo que esteja chateada. Mas eu realmente acho que você devia ter ficado em casa com Rhage.
Mary fez um aceno casual com a mão.
— Estou bem. Ele está bem...
— E acho que você devia ir pra casa agora.
Com um jorro de terror, Mary sentou-se na beirada da cadeira.
— Espere, não está me demitindo por causa de Bitty, está?
— Oh, meu Deus... Não! Está brincando comigo? Você é a melhor terapeuta que temos! – Marissa meneou a cabeça. — E acho que não preciso te dizer como fazer o seu
trabalho aqui. Mas está bem claro que teve um dia muito cheio, e por mais que queira ficar aqui pela garota em toda sua capacidade profissional, você vai ser ainda
mais eficiente depois de ir pra casa descansar um pouco.
— Bom, que alívio! – Voltou a recostar-se na cadeira. — A parte de não ser demitida, digo.
— Não quer ficar com Rhage?
— É claro que sim. Só estou mesmo preocupada com a Bitty. É um momento crítico, sabe? A perda da mãe não foi só uma tragédia que a deixou órfã, é um enorme gatilho
para todo o resto. Eu só... Eu realmente queria ter certeza de que ela está bem.
— Você é uma terapeuta dedicada, sabia disso?
— Ela fica falando de um tio, – Quando Marissa franziu o cenho de novo, Mary voltou a abrir o prontuário de Annalye e folheou as páginas. — É, eu sei, certo? Também
não tinha visto isto ser mencionado até agora. E revisei todo o material que temos e não há referência alguma a qualquer tipo de familiar. Acabei de postar uma mensagem
para a raça naquela página fechada do Facebook. Vamos ver se consigo encontrá-lo deste jeito. – Mary meneou a cabeça ao encarar um registro que foi escrito por Rhym.
— Parte de mim se pergunta se seria possível acessar a lista de ligações feitas e recebidas do último mês. Talvez haja algo ali. Nenhum e-mail foi recebido ou respondido
aqui. E até onde sei, a mãe de Bitty nunca tinha usado um e-mail.
Quando houve um período de silêncio, Mary ergueu o olhar – e viu que sua chefe a encarava com expressão inescrutável.
— O que foi? – Disse Mary.
Marissa pigarreou.
— Admiro sua dedicação. Mas acho que é melhor que tire o resto da noite de folga. Um pouco de distância é sempre melhor para recuperar o foco. Bitty estará aqui
amanhã e você vai poder continuar a ser o membro principal da equipe no caso dela.
— Eu só queria consertar tudo.
— Eu sei e não te culpo. Mas não consigo me livrar da sensação de que se eu tivesse vindo trabalhar uma noite após Butch ter quase morrido em meus braços? Você me
faria ir pra casa. Não importa o que estivesse ocorrendo debaixo deste teto.
Mary abriu a boca pra negar. Então fechou de novo diante da erguida de uma das sobrancelhas de Marissa.
Como se a chefe soubesse que tinha ganhado a discussão, Marissa se levantou e deu um sorrisinho.
— Você sempre foi dedicada a seu trabalho. Mas é importante que o Lugar Seguro não seja mais importante do que a sua vida.
— Sim. É claro. Você tem razão.
— Te vejo em casa mais tarde.
— Absolutamente.
À saída de Marissa, Mary tinha intenção de fazer o que ela disse... Só que era difícil partir. Mesmo depois de pegar a bolsa e o casaco, e enviar uma mensagem de
texto para Rhym voltar se pudesse – e a fêmea podia – ela de alguma forma encontrou motivos para adiar de novo a ida até o carro de Rhage. Primeiro foi delegar algumas
tarefas para outro membro da equipe; então foi ficar em pé na base da escada para o sótão debatendo se deveria ou não contar a Bitty.
No final, Mary decidiu não incomodar a garota e voltou ao primeiro andar. Parou de novo à porta da frente, mas aquela pausa não durou muito.
Quando finalmente saiu, respirou fundo e sentiu o cheiro do outono no ar.
Bem quando estava chegando ao GTO, parou e olhou para cima. A luz estava acesa no quarto de Bitty e era impossível não imaginar aquela garotinha esperando, de malas
feitas, um tio que sequer existia vir para levá-la para longe de uma realidade que ia acompanhá-la pelo resto da sua vida.
A volta pra casa durou uma eternidade, mas eventualmente parou o carro em uma vaga no pátio entre o Hummer II de Qhuinn e o Porsche 911 Turbo de Manny.
Olhando para a enorme mansão de pedras com suas guar-gárgulas, como Lassiter as chamava, e suas incontáveis janelas e o telhado inclinado de ardósia, perguntou a
si mesma o que Bitty acharia do lugar e imaginou que de início a garota ia se sentir intimidada. Mas por mais assustador que parecesse por fora, as pessoas lá dentro
a tornavam tão acolhedora e confortável quanto um pequeno chalé.
Atravessou os paralelepípedos e passou pela fonte, que já tinha sido drenada para o inverno. Subiu os degraus de pedra. Entrou no vestíbulo, onde expôs o rosto para
a câmera de segurança e esperou.
Foi Beth quem abriu a porta para ela, embalando L.W. no quadril.
— Oh, ei... Eu já ia te ligar.
— Olá, homenzinho. – Mary acariciou a bochecha do garoto e sorriu para ele, por que era impossível resistir. O bebê era um poço de beleza, absolutamente encantador.
— Vocês estão precisando de alguma coisa?
Ela entrou no grande saguão para tirar o L.W. do frio e parou ao ver a expressão de Beth.
— Está tudo bem?
— Bem, ah... Então, Rhage acabou de subir.
— Oh? Ele deve estar se sentindo melhor.
— Acho que devia falar com ele.
Algo na voz da Rainha realmente não estava certo.
— Aconteceu alguma coisa errada?
A fêmea se concentrou em seu bebê, acariciando seus cabelinhos escuros.
— Eu só acho que você precisa ficar com ele.
— O que houve? – Quando Beth somente repetiu alguma versão do que já tinha dito, Mary franziu o cenho. — Por que não está me olhando?
O olhar de Beth finalmente subiu para seu rosto, onde se fixou.
— Ele só parece... Chateado. E acho que precisa de você. Só isso.
— Okay. Tudo bem. Obrigada.
Mary atravessou o mosaico no chão e subiu correndo as escadas. Ao chegar ao seu quarto, abriu a porta – e foi atingida por um sopro forte e congelante de ar.
— Rhage? – Enlaçando os braços ao redor de si mesma, estremeceu. — Rhage? Por que as janelas estão abertas?
Tentando não se sentir alarmada, entrou e fechou a porta de correr à esquerda de sua enorme cama. Então fechou a outra.
— Rhage?
— Aqui.
Graças a Deus, ao menos ele estava respondendo.
Rastreando a voz dele, foi ao banheiro – e o encontrou sentado no meio do chão de mármore com os joelhos erguidos até o peito, braços enlaçados ao redor das pernas,
cabeça baixa e virada para o outro lado, que não o dela. Vestia moletom e tão grande quanto sempre, mas tudo nele parecia ter encolhido.
— Rhage! – Correu e se ajoelhou ao lado dele. — Qual o problema? Precisa de um médico?
— Não.
Praguejando, acariciou o cabelo dele para trás.
— Está sentindo dor?
Quando ele não respondeu ou ergueu o olhar, ela contornou para o outro lado para poder ver o seu rosto. As pálpebras dele estavam semicerradas e os olhos vidrados.
Ele parecia ter recebido notícias bem ruins.
— Alguém se feriu? – Um dos Irmãos? Layla? Só que se fosse isso, Beth teria falado para ela, não? — Rhage, fale comigo. Está me assustando.
Erguendo a cabeça, ele esfregou o rosto e pareceu perceber pela primeira vez que ela estava ali.
— Ei. Achei que estava no trabalho.
— Voltei mais cedo, – Felizmente. E se tivesse ficado lá e ele tivesse... Jesus, Marissa tinha razão. — Rhage, o que houve... Espere, alguém te bateu?
O maxilar dele estava inchado, e havia marcas azuis e pretas na pele bronzeada.
— Rhage. – Disse ela com mais energia. — Que diabos aconteceu com você? Quem te bateu?
— Vishous. Duas vezes... Bem, uma de cada lado.
Recuando, ela praguejou.
— Santo Deus, por que ele fez isto?
Os olhos dele traçaram o rosto dela e então estendeu o braço e tocou-a gentilmente com a ponta dos dedos.
— Não fique brava. Eu mereci... E ele fez minha visão voltar mais cedo do que de costume.
— Você ainda não respondeu minha pergunta, – Ela tentou manter a voz neutra. — Vocês dois brigaram?
Rhage passou o polegar levemente pelo lábio inferior dela.
— Adoro o jeito que você me beija.
— Por que vocês brigaram?
— E adoro o seu corpo, – As mãos dele desceram até os ombros dela e se moveram para a garganta. — Você é tão linda, Mary.
— Ouça, agradeço os elogios, mas preciso saber o que está acontecendo. – Disse colocando as mãos sobre as dele. — Você está claramente chateado com alguma coisa.
— Deixa eu te beijar?
Ao encará-la, ele pareceu desesperado de um jeito que ela não compreendia. E por causa da dor que pressentia nele, acabou cedendo.
— Sim. – Sussurrou ela. — Sempre.
Rhage inclinou a cabeça para o lado, e contrário à sua paixão habitual, seus lábios pousaram sobre os dela com suavidade, esfregando demoradamente. Quando a pulsação
dela acelerou, ela quase desejou não se sentir excitada – não queria ser distraída pelo sexo... Só que ele continuou a acariciar sua boca, e todo o caos em seu cérebro
se reorganizou na direção de uma sensação elétrica de antecipação, o cheiro flamejante dele, seu corpo lindo, seu poder masculino ofuscando todas as suas preocupações.
— Minha Mary. – Ele grunhiu ao lamber sua boca por dentro. — Cada vez com você... É nova. Nunca é o mesmo e sempre melhor do que o último beijo... O último toque.
As mãos dele desceram e ela sentiu o peso delas em seus seios. E então com um toque lento, ele tirou sua jaqueta, deslizando-a pelos braços, fazendo-a sentir a camisa
de seda, o sutiã rendado e toda a pele por baixo de suas roupas com ardente clareza.
Só que alguma parte dela falou mais alto. Talvez sua consciência? Por que ela, certo como o inferno, sentia como se tivesse falhado por não estar ali quando ele
mais precisava dela.
— Por que as janelas estavam abertas? – Perguntou de novo.
Mas foi como se ele nem a ouvisse.
— Eu amo... – Sua voz falhou e ele teve de pigarrear — Eu amo seu corpo, Mary.
Como se ela não pesasse nada, ergueu-a do chão de mármore e moveu-a para o lado, deitando-a no tapete felpudo que havia na frente da banheira. Recostando-se naquela
suavidade, ela observou os olhos dele viajarem sua garganta abaixo até seus seios... E descerem ainda mais, para os quadris e pernas.
— Minha Mary.
— Por que está tão triste? – Disse baixinho.
Ante a ausência de resposta dele, sentiu um momento de verdadeiro terror. Mas então ele começou a desabotoar os botões de sua blusa sem pressa, mantendo as duas
metades juntas ao retirá-la de dentro do cós da calça. Recuando um pouco, ele segurou a seda entre os dedos e expôs o corpo dela ao calor de seu olhar, e ao calor
do interior do banheiro.
Ele mudou de posição e ajoelhou-se entre suas coxas.
— Adoro seus seios.
Inclinando-se, beijou-a no peito. Na beirada do sutiã. Em cima de um mamilo. Uma súbita liberação da sutil pressão dos bojos informou-lhe que ele havia libertado
o fecho frontal – e então as correntes de ar varreram contra sua pele nua quando ele afastou a frágil barreira para as laterais.
Ele passou... Uma eternidade... Acariciando seus seios, apertando-os, esfregando as pontas enrijecidas. Até ela pensar que ia enlouquecer. E então começou a sugá-la,
primeiro de um lado, então do outro. Ela não conseguia se lembrar quando foi ele tinha ido tão devagar com ela – não que não fosse considerado. No entanto, seu hellren
funcionava num ritmo diferente, só dele, um ritmo ditado pela paixão desenfreada que sempre demonstrava por ela.
Não esta noite, aparentemente.
Ele desceu beijando-a até seu abdômen e soltou seu cinto fino, o botão e o zíper de suas calças. Quando ela ergueu os quadris, ele baixou sua calça e sumiu com ela,
deixando-a somente com a calcinha de seda cor creme.
De volta à sua barriga, ele a cobriu com as mãos espalmadas até cobrirem sua pélvis.
Ele ficou daquele jeito, acariciando-a com seus polegares pra frente e pra trás, em seu baixo ventre.
— Rhage? – Disse em um tom de voz chocado. — O que está me escondendo?
Capítulo VINTE E UM
Conforme Rhage ajoelhava sobre sua Mary, ele estava claramente ciente de que ela estava dizendo seu nome, mas ele estava muito perdido no clamor entre seus ouvidos
para responder.
Olhando abaixo para a barriga da sua shellan, ele a imaginou crescendo e ficando enorme como a de Layla, seu corpo abrigando a criança deles até que seu filho ou
filha pudesse respirar por conta própria. Na fantasia, tanto seu bebê quanto Mary seriam perfeitamente saudáveis antes, durante e depois do parto: ela resplandeceria
durante os dezoito meses... Ou seriam nove meses para as humanas...? E o parto seria rápido e indolor, e quando tudo tivesse passado, seria capaz de reunir ela e
a cria deles em seus braços e amá-los para o resto de sua vida.
Talvez seu garotinho tivesse olhos azuis e cabelo loiro, mas o caráter e inteligência incrível de sua mahmen. Ou talvez sua menina tivesse o cabelo castanho de Mary
e seus olhos verde-azulados e seria um foguete.
Seja qual fosse a combinação de aparência e espírito, imaginou os três sentados juntos para a Primeira e Última Refeição e todos os intervalos de lanches entre eles.
E imaginou que poderia pegar a criança para dar um descanso a Mary, assim como Z e Wrath faziam por suas shellans, com a mamadeira com o leite materno para o bebê.
Ou mais tarde, dando pedacinhos de seu prato a uma preciosa boquinha como Z tem feito agora com a Nalla.
E neste sonho maravilhoso, anos se passariam, e haveria birras aos três, e os primeiros pensamentos profundos e perguntas aos cinco. Então amigos aos dez e, Deus
me livre, dirigindo aos quinze anos. Haveria feriados humanos e festivais vampíricos... Seguidos por uma transição que mataria ele e Mary de medo... Mas porque esta
era uma fantasia, seu filho faria isso e sairia forte do outro lado. Depois disso? O primeiro coração partido. E talvez o Único.
Por que se ele e Mary tivessem uma filha, haveria a porra de um eunuco.
Ou porque o filho da puta viria dessa forma como um feito da Virgem Escriba... Ou porque Rhage teria o cuidado de resolver o problema ele mesmo.
E em seguida, muito, muito mais tarde... Netos.
Imortalidade na terra.
E tudo porque ele e Mary se amavam. Tudo porque em uma noite há anos e anos, e depois décadas e séculos atrás, ela veio para o centro de treinamento com John Matthew
e Bella, e ele esteve cego e trôpego, e ela tinha falado com ele.
— Rhage?
Sacudindo-se, ele se abaixou e depositou os lábios em sua barriga.
— Eu te amo.
Merda, esperava que ela tomasse essa rouquidão como excitação.
Com mãos rápidas, varreu sua calcinha fora e abriu suas coxas. Conforme trazia seus lábios para o sexo dela, ouviu-a gemer o seu nome... E estava determinado enquanto
a lambia e chupava: ele a amaria mesmo sem ela ter seu filho. Ele a adoraria como qualquer macho vinculado deveria. Estimaria, abraçaria, seria seu melhor amigo,
seu amante, seu mais ferrenho defensor.
Haveria um lugar vazio nele, apesar de tudo.
Um pequeno e diminuto buraco negro em seu coração pelo que deveria ter sido. O que poderia ter sido. O que ele nunca, jamais pensou que teria importância... Mas
que de alguma forma sempre sentiria falta.
Alcançando-a, acariciou seus seios enquanto a fazia gozar em sua boca.
Ele não deveria querer uma criança. Nunca tinha considerado... Ou sequer tinha pensado que ter Mary como companheira era uma coisa boa porque nunca estaria onde
Wrath e Z estavam. Onde Qhuinn estava.
Onde Tohr esteve.
Na verdade, parecia errado cobiçar a mesma coisa que não só poderia matar sua mulher se ela fosse normal e capaz de ter um filho, mas que teria condenado a ambos:
se a sua Mary não fosse infértil, a Virgem Escriba não teria permitido que eles ficassem juntos depois de salvar a vida dela do câncer. A mãe de V teria determinado
que, além de Rhage manter sua maldição, os dois jamais cruzariam caminhos novamente.
A balança deve ser preservada, afinal.
Erguendo a cabeça, varreu fora o moletom AHS4 e o que ele tinha na parte inferior, e moveu-se para montá-la... E foi cuidadoso quando angulou seu pau duro no núcleo
dela. Com um giro suave, entrou no corpo dela, e aquele seu aperto familiar, aquela compressão, aquele calor escorregadio, trouxe lágrimas aos seus olhos enquanto
imaginava, por apenas uma única vez, que os dois estavam fazendo isso não para se conectarem... Mas para conceberem.
Exceto que em seguida disse a si mesmo para parar com isso.
Nada mais de pensar. Nada mais de arrependimento pelo que poderia arruiná-los de qualquer maneira.
E nunca existiria qualquer conversa.
Ele nunca, jamais falaria com ela sobre isso. Ela certamente não tinha se voluntariado para o câncer ou quimioterapia ou infertilidade. Nada disso era obra dela,
assim como estava longe de ser uma questão de culpa que qualquer um pudesse ter.
Portanto, de maneira nenhuma ele poderia alguma vez expressar essa sua tristeza.
Mas sim, esta era a ansiedade que ele esteve sentindo. Esta era a distância. Esta era a fonte de sua irritação. Desde o passado não importando o tempo, tinha assistido
seus irmãos com seus filhos, vendo a proximidade das famílias, invejando o que tinham... E enterrando tudo isso até que as emoções exteriorizaram inesperadamente
na cozinha com L. W.
Algo como uma fervura que crescia até que não podia mais ser contida.
Rhage disse a si mesmo que deveria estar aliviado, por não estar louco ou maníaco a ponto da instabilidade mental. E mais ao ponto, agora que tinha descoberto o
que era, poderia colocar tudo isso pra trás.
Era só empurrar isso para a parte de trás de sua cabeça e fechar a porta.
As coisas estavam caminhando de volta ao normal.
Tudo ficaria bem, porra.
Ele estava magnífico, como sempre.
Enquanto Mary arqueava sob o corpo de Rhage investindo, ela não estava enganando a si mesma... Sabia que o sexo era apenas um desvio temporário do que tinha que
ser algum tipo de grande problema para ele. Mas às vezes você tinha que dar à pessoa o espaço que eles precisavam... Ou, neste caso, o sexo.
Por que, querido Senhor, sentia que isso era de alguma forma significativo para ele e de uma maneira diferente do habitual. Seu companheiro sempre a quis de uma
forma erótica, mas isso parecia... Bem, neste assunto, seus quadris poderosos eram capazes de dirigi-la para o outro lado do chão do banheiro, mas em vez disso,
eles estavam gentilmente empurrando nela. E também, ele parecia não querer segurar tanto quanto costumava se segurar, com seus braços envolvendo o torso dela para
que fosse levantada do tapete, e seu corpo montando o dela com um ritmo impulsionado que era ainda mais vívido por essa limitação pungente.
— Eu te amo. – Disse ele em seu ouvido.
— Eu também te amo...
Seu próximo orgasmo cortou a voz dela, empurrando-a de tal modo que seus seios batiam na parede de seu peitoral. Deus, ele estava tão bonito enquanto continuava
em cima dela, com o ritmo de suas penetrações estendendo os choques pulsantes que golpeavam inteiramente o seu sexo até que ele era a única coisa que ela reconhecia
no universo, até que o passado e o futuro desapareciam, até que toda a desordem em sua mente e em torno de seu coração desintegrasse.
Por alguma razão, o silêncio dessas críticas repreendidas, o recuo dessa preocupação incessante, o sumiço que aniquilava e as provações noturnas de se perguntar
se estava fazendo seu trabalho direito... E às vezes saber ao certo se não estava... Trouxeram lágrimas aos olhos dela.
Ansiedade sobre Rhage à parte, não sabia quão fortemente esteve ferida. Quão pesado o fardo se tornara. Quão preocupada sempre estava.
— Sinto muito. – Ela engasgou.
Instantaneamente, Rhage congelou.
— O que?
Os olhos dele estavam estranhamente horrorizados quando se mexeu e olhou para ela. E ela sorriu enquanto enxugava as lágrimas.
— Estou apenas tão... Grata por você. – Sussurrou.
Rhage pareceu abalado.
— Eu... Bem, eu me sinto da mesma forma.
— Terminou? Dentro de mim? – Ela arqueou-se contra ele. — Quero sentir você gozar.
Rhage baixou a cabeça em seu pescoço e começou a se mover mais uma vez.
— Oh, Deus, Mary... Mary...
Dois golpes mais tarde ele estava gozando, seu corpo incrível enrijecendo, sua ereção golpeando profundamente dentro dela e começando outra liberação.
Ele não parou. Não por um longo tempo. O que era algo que os vampiros machos tinham a capacidade de fazer. Ele continuou gozando, enchendo-a a ponto de transbordar...
E ainda assim, continuou até que as liberações vieram tão estreitamente próximas, que se converteram numa única corrida pulsante.
Quando ele terminou, tombou caído e imóvel, mas depois apoiou seu peso nos cotovelos para que ela pudesse respirar.
Deus, ele era tão grande.
Ela estava acostumada ao seu tamanho até certo ponto, mas quando abriu os olhos, tudo o que podia ver era apenas parte de seu ombro. Todo o resto foi bloqueado pela
sua corpulência.
Acariciando seus bíceps, disse calmamente.
— Por favor, diz pra mim o que está errado.
Rhage se empurrou pra trás um pouco mais para que pudesse olhar dentro dos olhos dela.
— Você parece tão triste. – Ela traçou suas sobrancelhas. A tristeza moldada à boca perfeita. Os hematomas em sua mandíbula. — É sempre melhor se você falar com
alguém.
Depois de um longo momento, ele abriu a boca...
Bam! Bam! Bam!
Do lado de fora do quarto, o impacto inconfundível de um Irmão batendo na porta não foi nem um pouco abafado.
Rhage virou e gritou:
— Sim?
A voz de V chegou até o banheiro.
— Temos uma reunião. Agora.
— Entendido. Chegando.
Rhage virou e a beijou.
— É melhor eu ir.
Sua retirada foi rápida e seus olhos ficaram baixos enquanto a ajudava a levantar do tapete até o chuveiro.
— Eu gostaria de ficar lá com você. – Ele disse enquanto abria a água quente.
Não, ela pensou, enquanto ele não olhava para ela. Você na realidade não quer.
— Rhage, sei que você tem que ir. Mas você está me assustando.
Enquanto a movia para debaixo do jato, tomou o rosto dela entre as mãos e olhou-a fixamente nos olhos.
— Você não tem nada com que se preocupar. Nem agora nem nunca... Pelo menos não sobre mim. Eu te amo até o infinito e nada mais importa, contanto que isso seja verdade.
Mary respirou fundo.
— Ok. Tudo certo.
— Vou voltar assim que a reunião acabar. E poderemos comer alguma coisa. Assistir um filme. Você sabe, fazer aquela coisa... Como os humanos chamam isso?
Mary riu um pouco.
— Netflix e relaxar5.
— Certo. Vamos ter Netflix e relaxar.
Beijou-a mesmo com o rosto molhado, depois recuou e fechou a porta de vidro. Ao sair, botou a calça de moletom novamente, mas manteve os pés descalços.
Ela o observou ir. E pensou que era incrível como alguém podia te tranquilizar... E ao mesmo tempo, tornar as coisas piores.
Que diabos estava acontecendo com ele?
Quando terminou seu banho, ela se enrolou na toalha, escovou os emaranhados de seu cabelo molhado, e vestiu-se em um conjunto de calças de ioga e um grande suéter
de cashmere preto que quase chegava até os joelhos. Ela tinha comprado a coisa para Rhage quando eles saíram no inverno anterior, e tinha até mesmo conseguido esta
cor que não era a favorita dele, depois de muito tempo tentando diversificar seu guarda-roupa. Porém ele não foi capaz de usá-lo muitas vezes, porque sempre esquentava
demais quando usava.
O tecido cheirava como ele, no entanto.
E quando deixou o quarto, sentiu como se ele estivesse com ela... E cara, precisava disso esta noite.
Parando em frente ao estúdio do Rei, ouviu as graves vozes masculinas do outro lado das portas fechadas.
Lá embaixo no hall de entrada, podia ouvir o doggen falando. A enceradeira. O tilintar do cristal, como se as arandelas estivessem sendo retiradas para serem limpas
na pia novamente.
Sem fazer barulho, caminhou por todo o familiar corredor vermelho e dourado, dirigindo-se ao corredor das Estátuas. Mas não iria por esse corredor com suas obras
de arte Greco-Romanas em mármore e todos esses quartos. Não, ela estava indo ao próximo andar.
A porta para o terceiro andar da mansão não estava trancada, mas não estava aberta tampouco, e sentiu um pouco como se estivesse invadindo quando abriu o caminho
para as escadas e foi lá para cima. No patamar, em frente aos quartos de Trez e iAm, estava a porta de aço abobadada da suíte da Primeira Família e ela tocou a campainha,
exibindo o rosto para a câmera de segurança.
Momentos depois, houve uma série de trincados conforme as barras se moviam livremente de suas conexões, e em seguida o painel pesado se abriu. Beth estava do outro
lado com L.W. em seu quadril, seu cabelo em uma trança por cima do ombro, aquele velho jeans azul e suéter azul brilhante, a própria definição de caseiro. Não era
no mínimo aconchegante? O incrível brilho das pedras preciosas que estavam fixadas em todas as paredes além.
Mary nunca esteve nos aposentos privados antes. Poucos tinham, além Fritz, quem insistia em fazer a limpeza lá em cima ele mesmo. Mas Mary ouviu dizer que a suíte
inteira era cravejada com pedras preciosas do tesouro do Antigo País... E claramente era verdade.
— Ei, – A Rainha sorriu mesmo quando L.W. agarrou um pouco do cabelo em cima da orelha e puxou. — Ok, ai. Vamos tentar outra coisa que envolva os bíceps, tá?
Enquanto Beth desenrolava aquele pequeno punho gordo, Mary disse sombriamente.
— Preciso que você me diga o que aconteceu com Rhage. E não finja que não sabe o que é.
Os olhos de Beth fecharam brevemente.
— Mary, eu não deveria...
— Se os papéis estivessem invertidos, você gostaria de saber. E eu te contaria se me pedisse também... Porque é isso que a família faz um pelo outro. Especialmente
quando alguém está sofrendo.
A Rainha praguejou. Em seguida, ela se afastou e acenou para a suíte cintilante.
— Vamos entrar. Precisamos fazer isso em particular.
Capítulo VINTE E DOIS
Geralmente Rhage mantinha algo na boca durante as reuniões com o Rei. Pirulitos Tootsie Pops eram sua preferência, mas na falta, topava um pacote de caramelos Starbust
ou talvez algo da linha Chips Ahoy!6 – os antigos, dos pacotes azuis, crocantes, não mastigáveis e sem nozes. No momento, seu estômago não conseguiria lidar com
nada do tipo, ainda que não por causa da besta.
Mas pelo menos sua visão estava bem melhor do que após os murros de V.
Enquanto as persianas se abaixavam para o dia, recostou-se no canto ao lado das portas duplas, enquanto os irmãos tomavam seus lugares de costume pela sala: Butch
e V em um dos estreitos sofás franceses, os dois em poses quase iguais, pernas cruzadas com o tornozelo sobre os joelhos; Z estava em pé, encostado à parede na melhor
posição defensiva com Phury bem ao seu lado; John, Blay e Qhuinn agrupados perto da lareira. Rehvenge, por sua vez, estava na frente da mesa ornamentada de Wrath,
o líder dos sympaths sendo um dos conselheiros mais próximos do Rei, e Tohr estava sentado à direita de Wrath devido à sua posição como chefe da Irmandade, um primeiro-tenente
em todos os assuntos.
Lassiter não estava por perto e Rhage achou que o anjo caído estava assistindo TV em algum lugar. E Payne, que geralmente participava deste tipo de coisa? Provavelmente
estaria vigiando Xcor.
Pois Deus sabia que aquela fêmea era capaz de lidar sozinha com qualquer macho no planeta.
Como sempre, Wrath era o ponto focal de tudo, sentado no trono ornamentado que seu pai tinha usado, os óculos escuros do Irmão varrendo a sala, mesmo sendo cego,
sua mão descansando em cima da cabeça quadrada de seu cão-guia golden retriever.
Mas naquela manhã era Qhuinn quem falava.
— ... tem duas pessoas lá embaixo em tratamento, Layla e meu irmão. Nenhum deles teria condições de se defender caso ele escape, e a Dra. Jane, Manny e Ehlena são
médicos, não guerreiros.
— Com todo o respeito, Xcor está sendo fortemente vigiado, – Disse Butch — O tempo inteiro.
— Se Marissa estivesse com o seu filho na barriga, isto seria suficiente?
O tira abriu a boca. Então a fechou e anuiu.
— É. Tem razão.
Qhuinn cruzou os braços na altura do peito.
— Pessoalmente, não ligo a mínima se ele é o próprio Hannibal Lecter, não quero ele perto da clínica.
Quando o Irmão silenciou, Wrath perguntou.
— Qual a condição atual de Xcor?
Vishous coçou o cavanhaque.
— Ainda está em coma. Os sinais vitais não estão fortes, mas estão estáveis. Nenhum movimento do lado direito. Acho que teve um derrame.
— Mas não tem certeza?
— Não sem arrastar o traseiro dele até o Havers para uma tomografia. Mas não quero atravessar a cidade com ele só para confirmar o que eu já tenho quase certeza...
E sim, tanto Jane quanto Manny concordam com minha conclusão.
— Alguma ideia de quanto tempo o coma vai durar?
— Não. Ele poderia estar despertando agora mesmo. Ou daqui a um mês. Ou ficar em estado vegetativo permanente. Não há como dizer. E se ele acordar? Dependendo da
gravidade do derrame, pode ter sequelas cognitivas. Fisicamente fodido. Ou completamente normal. Ou em qualquer ponto entre estes extremos.
— Maldição. – Murmurou Tohr.
Wrath se inclinou para o lado e ergueu George do chão, colocando-o no colo. Quando uma nuvem de pelo louro se ergueu no ar, o Rei tirou alguns da boca antes de falar.
— Qhuinn está certo. Não podemos mantê-lo lá, especialmente com os novos alunos que estão pra chegar. Primeiro, vocês cuzões vão precisar da sala de tiro ao alvo,
mas mais que isso, nós com certeza não vamos querer nenhum daqueles fodidinhos acordando mortos no final da aula, só porque nosso prisioneiro acordou e saiu de sua
gaiola. A questão é, para onde podemos levá-lo? Eu o quero perto suficiente para termos cobertura imediata, mas temos de tirá-lo da propriedade.
Houve um bocado de discussão, a qual Rhage não conseguiu acompanhar inteiramente. A verdade era, por mais crítica que fosse a situação com Xcor, a maior parte de
seu cérebro estava de volta ao banheiro com sua Mary enquanto deliberadamente lembrava-se do quanto seus gemidos eram incríveis, o quanto amava estar dentro dela.
Nada estava perdido entre eles ou faltava em sua vida sexual que não pudessem resolver. Nada.
De verdade.
— ... de Bastardos deve estar fazendo buscas pelo centro da cidade inteiro, – Alguém disse. — Procurando por um corpo ou um sinal de que ele tenha carbonizado.
Vishous interrompeu.
— Encontrei dois celulares com ele. Um tinha um sistema fácil de senha que invadi com facilidade... Não havia nada, exceto detalhes sobre negociações de drogas e
todos sabemos que isto já é coisa do passado. O outro dispositivo apagou assim que consegui quebrar a senha e acho que é o do Xcor... Claramente os Bastardos instalaram
alguns sistemas rudimentares de segurança.
— Você vai conseguir fazer o celular voltar a funcionar? — Perguntou Wrath.
— Depende dos danos causados pelo sistema de segurança deles, ainda preciso fazer uns testes. Pode ser que consiga extrair alguns dados, mas pode levar um tempo.
— O Bando de Bastardos não vai descansar até achar Xcor. – Alguém murmurou.
A voz de Tohr foi um grunhido.
— Então me deixe dar um corpo a eles.
— Ainda não, meu irmão. – Wrath olhou para o cara. — E você sabe disso.
— Mas se o cérebro dele está morto, não há informações a extrair...
Wrath falou para o macho.
— Quero todo mundo no centro da cidade pelas próximas três noites. O desaparecimento de Xcor fará os Bastardos saírem da toca. Já temos um deles, eu quero todos.
— Também é melhor ficar de olho nos lessers. – Alguém murmurou. — Só por que vencemos a noite passada, não significa que a guerra acabou.
— O Ômega irá fazer mais. – Wrath concordou. — Isto é merda certa.
Butch falou.
— Mas em se tratando de lessers... Acho que estamos focando no sintoma, não na doença. Precisamos tirar o Ômega da jogada. Digo, esta é a profecia do Dhestroyer,
certo? Supostamente deveria ser eu a fazer isto, mas não conseguiria absorver todos aqueles que estavam no campus. De jeito nenhum.
V deu ao seu melhor amigo um aperto no ombro.
— Você faz o bastante.
— Obviamente não... Quanto tempo já faz? E eles estavam em menor número, mas ainda havia uma caralhada deles vindo atrás da gente naquele campus.
— Minha mãe é inútil pra cacete. – V reclamou ao acender um cigarro. — Estamos combatendo a Sociedade Lessening há séculos. Mesmo com a profecia, não vi indicação
nenhuma de estarmos erradicando-os...
— Eu sei onde podemos colocar Xcor. – Rhage interrompeu.
Quando todos os olhos da sala se fixaram nele, ele deu de ombros.
— Não surtem. Mas a solução é clara.
Lá embaixo, no centro de treinamento, Layla reconheceu a sensação que a assolava desde a noite anterior.
Ao se sentar na beirada de sua cama de hospital, sabia exatamente o que significava aquela gritante sensação de destino, a queimação no centro do seu peito, o comichão
enervante e incansável.
Só não fazia sentido.
Então ela tinha de estar interpretando tudo errado. Será que talvez isto fosse ainda outro sintoma da gravidez e só parecesse outra coisa?
Bem, de qualquer forma, ela ia descobrir, pensou ao se levantar da cama e cambalear até a porta. Seu mais recente repouso de doze horas tinha acabado, então era
hora de esticar as pernas de novo... E sem Irmãos de babá, e Qhuinn e Blay em reunião, aproveitaria sua relativa liberdade ao máximo.
Saindo para o corredor, olhou ao redor. Não havia ninguém fora de seu quarto. Sem sons vindos da clínica. E o ginásio e sala de musculação no final do corredor,
ambos também pareciam quietos.
Ostensivamente, não havia ninguém ao redor. Nem Irmãos, serviçais ou equipe médica. Então realmente... Como era possível que estivesse detectando a presença de Xcor
aqui embaixo?
Seria impossível aquele Bastardo estar no complexo da Irmandade. Ele era inimigo, pelo amor de Deus – o que significava que, caso ele tivesse se infiltrado na propriedade,
estaria ocorrendo um ataque, o inferno recaindo sobre eles, os Irmãos estariam por todos os lados armados até os dentes.
Em vez disso? Somente uma porção de nada, como diria Qhuinn.
Isto devia ser algum estranho sintoma relacionado à gravidez...
Não, pensou. Ele esteve aqui. Ela o detectava em seu próprio sangue – era o que acontecia quando você alimentava alguém: um eco de você mesmo permanecia com o outro
e era como captar seu reflexo em um espelho a certa distância.
Não dava para confundir com nenhuma outra coisa. Não mais do que se conseguiria confundir a própria imagem.
Erguendo a frente de sua camisola Lanz – por hábito, ao invés de necessidade, por causa de sua grande barriga – bamboleou pelo chão do corredor de pantufas, passando
pelo recém-construído banheiro feminino, vestiário masculino e a sala de musculação.
Nada particularmente se registrava em lugar algum. Mas ao passar pelo ginásio e chegar à entrada da piscina, ela parou.
Bem adiante. Era como se ele estivesse bem ali à frente...
— Ei garota, o que está fazendo?
Layla deu meia volta.
— Qhuinn, olá.
O pai de seus filhos aproximou-se dela, os olhos avaliando seu rosto, a barriga.
— Está tudo bem? O que está fazendo aqui, tão longe?
— É só... É minha hora de me exercitar.
— Bem, não precisa ser aqui — Qhuinn tomou-a pelo cotovelo, girou-a e guiou para longe. — De fato, talvez devêssemos levá-la de volta para a mansão por enquanto.
— O que?... Por quê?
— Lá é mais confortável.
Em menos de um minuto estavam de volta ao seu quarto. Ela não era estúpida. Ele foi o maior apoiador dela ficar aqui embaixo na clínica por que era melhor para ela
e para os bebês, mais seguro. Agora ele mudava de ideia?
Com o coração disparado e a cabeça girando, sabia muito bem que seus instintos não estavam mentindo. Xcor estava aqui, em algum lugar do centro de treinamento. Será
que o capturaram em campo? Será que foi ferido e trazido para cá como fizeram com aquele soldado dele?
Qhuinn se inclinou pra frente para abrir a porta.
— De qualquer forma, vou falar com a Dra. Jane sobre...
— Falar sobre o que?
— Falando no diabo... – Qhuinn disse suavemente ao se virar.
A companheira de V estava saindo da sala de estoque com uma pilha de aventais cirúrgicos nos braços.
— Olha, não comente nada com Fritz sobre isto, está bem? Mas lavar roupa clareia meus pensamentos, e às vezes é preciso relaxar.
Qhuinn sorriu por uma fração de segundo.
— Eu na verdade estava descendo pra falar com você. Estava pensando que poderia ser bom para Layla passar um tempo no quarto dela.
A Dra. Jane franziu o cenho.
— Na casa?
— É tão clínico aqui embaixo.
— Ah, é justamente este o objetivo, Qhuinn. – A Dra. Jane mudou a carga de braço, mas não desviou o firme olhar verde. — Sei que entramos em um período tranquilo
da gravidez e espero que continue assim. Mas não podemos arriscar, e a cada noite que passa, estamos mais perto e não mais longe, do grande momento.
— Só pelas próximas vinte e quatro horas.
Layla olhava de um para o outro. E sentiu-se como uma hipócrita mentirosa ao dizer:
— Eu me sinto mais segura aqui.
— Há quanto tempo está de pé? – perguntou a Dra. Jane.
— Eu só caminhei pelo corredor na direção do ginásio...
— Podemos levar uns equipamentos para a casa. – sugeriu Qhuinn. — Sabe, coisas de monitoramento. Coisas assim. Além disso, não será por muito tempo.
A Dra. Jane meneou a cabeça como se não pudesse acreditar no que tinha ouvido.
— Uma sala de operação? Acha que podemos transferir a sala de operação para lá? Não quero ser alarmista... Mas ela está esperando gêmeos, Qhuinn. Gêmeos.
— Eu sei. – Os olhos díspares de Qhuinn se fixaram nos da médica. — Estou totalmente ciente dos riscos. Assim como você.
A Dra. Jane abriu a boca. Então hesitou.
— Ouça, vou levar isto para meu consultório. Me encontre lá, está bem?
Assim que a médica saiu, Layla fixou o olhar em Qhuinn.
— Quem mais está aqui embaixo?
Qhuinn colocou a mão no ombro dela.
— Ninguém, por que pergunta?
— Por favor. Apenas me conte.
— Não é nada. Não sei do que ela está falando. Deixa eu te pôr na cama.
— Você não precisa me proteger.
Aquelas sobrancelhas escuras cerraram tanto que ele não estava apenas franzindo o cenho, estava gritando.
— Sério. Sério?
Layla exalou e colocou a mão sobre a barriga.
— Desculpe.
— Merda, não, não se desculpe, – ele jogou o cabelo para trás em um gesto tenso, e pela primeira vez ela viu as bolsas escuras sob seus olhos. — Todo mundo está...
Sabe, é a guerra. É estressante pra caralho.
Passando o braço ao redor dos ombros dela, guiou-a para o quarto e de volta à cama onde a ajudou a se ajeitar como se fosse feita de porcelana.
— Eu venho ver como você está no final do meu... Mais tarde. Ah, volto mais tarde. – Ele deu um sorriso que não chegou aos olhos. — Me avise se precisar de alguma
coisa, está bem?
Quando as familiares ondas de culpa e medo se avolumaram dentro dela, Layla não conseguiu dizer nada, seu maxilar literalmente travou e os lábios apertaram bem forte.
Mas o que podia fazer? Se dissesse a ele que sabia que Xcor estava ali...
Bem, ele iria querer saber como ela sabia. E seria impossível mentir para ele e dizer que era por ter alimentado o Bastardo há tantos meses atrás... Na época em
que tinha sido enganada pelo soldado do Xcor para ir àquela campina para ajudar a quem ela inicialmente assumia ser um guerreiro civil, trabalhando com a Irmandade.
Ela já havia confessado seu pecado involuntário ao Rei; o que não disse a ninguém é que tinha continuado a encontrar Xcor muitas vezes depois disso – ostensivamente
para mantê-lo longe de atacar o complexo quando ele descobriu sua localização.
Na verdade, era por que ela tinha se apaixonado por ele.
E o fato dos encontros terem terminado? A realidade de que tinha sido o próprio Xcor a dar um basta nos encontros? Aquilo mal importava.
A verdade era que ansiava por aqueles momentos com ele. E aquela era a sua traição, apesar do tanto que tentou pintar a si mesma como vítima.
— Layla?
Praguejando, forçou-se a voltar à realidade.
— Desculpa. O que?
— Você está bem mesmo?
— Não. Digo... Sim, sim, estou bem. – Colocou a mão na parte baixa das costas e se esticou. — Só cansada. É a gravidez. Mas está tudo bem.
Qhuinn a encarou por um longo tempo, os olhos díspares avaliando seu rosto.
— Vai me chamar? Mesmo que só esteja ficando doida de tédio?
— Eu chamo. Prometo.
Quando a porta fechou atrás dele, ela soube o que ele iria fazer. Iria falar com os outros Irmãos... Se é que já não tinha falado. E em breve, muito em breve, ela
descobriria que não era mais capaz de detectar a presença de Xcor.
Ou por que ela teria sido realocada ou ele.
Com a cabeça entre as mãos, tentou respirar e descobriu ser impossível. Sua garganta estava contraída, as costelas pareciam barras de ferro, os pulmões queimavam.
Continuou dizendo a si mesma que se irritar não ajudaria em nada. Certamente não seria bom para a gravidez.
Além disto, nunca mais veria Xcor.
Por que era aquilo que acontecia quando se pressionava um macho a respeito de seus sentimentos. Ao menos, um macho como ele.
E ele não tinha atacado o complexo...
A menos que tenha sido assim que foi capturado? Oh, querida Virgem Escriba, será que ele tinha trazido soldados armados para cá? Teria sido este o motivo do caos
da noite passada?
Sua mente imediatamente entrou em parafuso, os pensamentos se misturando em padrões que não faziam qualquer sentido graças a muita velocidade e pouca racionalização.
Algum tempo depois, baixou os braços e olhou para a porta do banheiro. Parecia estar a quilômetros de distância. Mas precisava fazer xixi e talvez um pouco de água
fria no rosto ajudasse a se acalmar.
Baixando as pernas do colchão, ela apoiou-se nos pés e...
Umidade. Houve uma... Uma súbita umidade entre suas coxas.
Suas mãos foram para a frente de sua camisola e ela olhou para baixo.
E gritou.
Capítulo VINTE E TRÊS
No andar superior de sua casa de vidro, Assail tomou um banho que pareceu durar uma eternidade.
Os painéis de bloqueio estavam abaixados sobre as janelas, então estava escuro, nada além dos brilhantes spots e suas pequenas lâmpadas cor de pêssego o orientava.
A água estava extremamente quente e quando jogou a cabeça para trás, seu cabelo grudou na cabeça. Seu corpo estava em uma languidez pós-alimentação, pós-sexo e mesmo
seu vício parecia apaziguado.
Embora o último provavelmente se devesse mais às três carreiras que ele tinha cheirado assim que pisou em casa.
Esqueça o provavelmente.
Ele tinha trepado violentamente com Naasha várias vezes, então suas costas estavam doendo. Seu pau estava exaurido. Suas bolas, praticamente vazias.
Não havia alegria em seu coração. Nenhuma. Mas isto não era incomum. E o xampu e sabonete não fizeram nada para ele se sentir mais limpo, provavelmente porque a
sujeira que o incomodava não era exterior. Mas também, não podia dizer que aquilo não lhe era familiar.
Mas nem tudo estava perdido. Havia trabalho a fazer.
Ao chegar ao Novo Mundo, Assail não estava sozinho. Seus primos, Ehric e Evale, vieram na viagem com ele, e se provaram assistentes firmes e leais em todos os aspectos
de seus negócios profissionais. Desde que vieram morar com ele, jamais o deixaram na mão... E estava prestes a precisar deles de novo.
Para algo que provavelmente eles iriam gostar.
Naasha, como era de se esperar, tinha várias amigas em situações similares – fêmeas da glymera que não eram servidas adequadamente por hellrens mais velhos e buscavam
por certas... Liberdades... As quais não tinham acesso. E embora seus primos estivessem recolhidos às suas suítes, na hora em que Assail voltou para casa, ele tinha
certeza de que teriam se voluntariado para o trabalho e ficariam muito felizes de executar.
Por que Wrath tinha razão.
As coisas de fato estavam acontecendo na aristocracia.
Assail sentia, tão certo quanto um aroma no ar noturno. Ele só não saiba ainda o que era. Mas o tempo e o sexo dariam um jeito naquilo.
Saindo do chuveiro, apreciou o grosso e cálido tapete de banheiro felpudo sob seus pés e secou-se com uma toalha aquecida que pegou de uma barra perto do box. De
fato, tinha comprado aquela mansão direto do construtor totalmente mobiliada, e tudo havia sido antecipado e atendido na construção e decoração da casa. Cada luxo
foi ostentado. Nenhum centavo economizado.
Só que o lugar parecia bem vazio, apesar de seus três ocupantes. Meio que como o interior de seu corpo, não era? Refinamento e beleza no exterior, mas sem uma alma
por dentro.
Por um breve interlúdio, as coisas não foram assim. Em ambos os casos.
Mas o tempo havia passado.
Em seu quarto, ele se pôs nu entre os lençóis de seda e fez uma anotação mental para trocá-los na próxima noite. Embora não fosse comum para um macho de sua posição,
ele tinha crescido acostumado a cuidar de suas próprias roupas, toalhas de banho e trocar seus lençóis. Havia um estranho conforto em cuidar de coisas tão simples,
um começo e um fim para cada tarefa da qual tirava certa satisfação.
E era assim que geralmente passava os dias enquanto seus primos dormiam lá embaixo. Arrumando. Esfregando assoalhos e pias, banheiros e armários. Aspirando pó. Polindo.
Era um jeito produtivo de queimar a energia da cocaína.
Mas não neste dia em particular. Depois de alimentar-se, precisava de descanso, não só para a mente, mas para o corpo...
Ao seu lado, o celular tocou suavemente com o antiquado toque de campainha de telefones que não eram mais encontrados.
Ele nem se incomodou em verificar quem era. Ele sabia.
— Eu teria te ligado, – Ele disse — Mas não queria ser rude. É meio cedo para falar de negócios.
O Irmão Vishous não perdeu tempo. O que era uma de suas características mais predominantes.
— O que aconteceu? Conseguiu alguma coisa?
— Na verdade sim. Em diversas posições diferentes. Naasha é muito flexível.
Uma risada sombria veio pela linha.
— Com um macho como você, tenho certeza que ela foi. E esperamos que a mantenha muito satisfeita até ela começar a falar.
— Ela já começou, – Assail sorriu cruelmente no escuro. — Diga-me, sua reputação de Dom é só boato ou você é realmente tão pervertido?
— Vai descobrir em primeira mão se desperdiçar o meu tempo com fofocas.
— Excêntrico.
— Por que pergunta?
— Seu nome foi mencionado na conversa.
— Como?
O fato de não ser uma pergunta, mas uma exigência não era surpresa.
— Ela estava se gabando de antigas conquistas sexuais. Aparentemente você foi uma delas quando era mais nova... E ela deixou bem claro que você é quem tinha executado
toda a conquista, por assim dizer.
— Eu fodi com muita gente, – V disse em tom de voz entediado. — E esqueci noventa e cinco por cento delas. Então me diga o que descobriu... E não sobre sexo. Meu
ou de outros.
Assail não se surpreendeu sobre o redirecionamento da conversa.
— A aristocracia tentará se aproximar do Rei logo. Eles irão convidá-lo para uma recepção privada em comemoração do aniversário de 900 anos do hellren dela... Um
evento que mesmo em boas linhagens é meio raro.
— Eles estão planejando atirar em meu Governante de novo?
— Possivelmente. Meus instintos me dizem que há um caminho sendo forjado. – Assail meneou a cabeça, mesmo que o Irmão não pudesse vê-lo. — Eu só não sei por quem.
Naasha é mais reconhecida pelos seus atributos horizontais do que mentais. Ela não é capaz de desenvolver uma estratégia, seja de natureza traiçoeira ou mesmo um
evento social para a Última Refeição. É por isto que acredito que tem alguém por trás dela. Mas novamente, não sei quem... Ainda.
— Quando vai vê-la de novo?
— Ela vai oferecer um jantar esta noite e irei com meus primos. Devo conseguir descobrir algo mais.
— Que bom. Bom trabalho.
— Ainda não fiz nada.
— Mentira. Quantas vezes ela gozou?
— Parei de contar depois da sétima.
Outra risada sombria veio através da linha.
— Um macho igual a mim. E não descarte a perversão, seu fodidinho preconceituoso. Nunca se sabe quando pode começar a achá-la atraente. Ligue-me amanhã.
— Se continuar assim, vou estar falando mais com você do que com minha própria mahmen.
— Ela não está morta?
— Sim.
— Alguns bastardos ficam com toda a sorte.
Após o encontro com Wrath e a Irmandade, Rhage voltou para seu quarto, e ao abrir a porta esperava que Mary estivesse dormindo...
— Oi.
Está bem, certo. Mary estava bem acordada. Sentada na cama deles, recostada contra a cabeceira, joelhos erguidos contra o peito, braços enlaçando-os.
Como se estivesse à sua espera.
— Ah, oi. – Ele fechou a porta — Pensei que talvez estivesse descansando.
Ela negou com a cabeça. E olhou para ele fixamente.
No estranho silêncio que se seguiu, ele se lembrou de outra noite que parecia ter sido há um século... Quando tinha entrado neste mesmo quarto depois de testar seus
limites com uma humana. Mary estava ficando com ele, e vê-lo depois daquilo quase a destruiu... Inferno, também o tinha destruído voltar para ela daquele jeito.
Mas na época, tinha sido caso de ou fornecer algum sexo a seu corpo ou cair em cima de Mary e arriscar que a besta se libertasse enquanto estivesse dentro dela.
Afinal, sua Mary tinha enfeitiçado-o tanto e tão rápido que sua maldição ameaçava emergir somente na presença dela, e vivia aterrorizado ante a possibilidade de
machucá-la. Com medo de revelar aquela parte de sua natureza para ela. Convencido de que sua falta de valor poderia emergir e arruinar tudo.
Então tinha voltado para cá e teve de encarar aquele rosto, sabendo tudo o que tinha feito com outra mulher.
Depois da noite em que tinha descoberto que ela estava morrendo, aquela era a pior lembrança de toda sua vida.
Engraçado, isto parecia igual de algumas maneiras. Um acerto de contas que ele não queria, mas não podia fazer nada para evitar.
— Conversei com a Beth. – Ela disse sombriamente. — Ela me disse que você ficou com o L.W. enquanto ela levava pontos na mão.
Rhage fechou os olhos e quis xingar. Especialmente quando houve uma longa pausa, como se ela estivesse lhe dando uma chance de explicar.
— Quer me dizer o porquê que segurar o L.W. no colo te deixou tão emocional?
O tom de voz dela era neutro. Controlado. Gentil, talvez até mesmo solícito.
E isto fazia sua verdade parecer especialmente cruel e injusta. Mas ela não ia deixá-lo escapar, mudar de assunto, jogar aquilo de lado. Aquilo não era algo que
sua Mary faria, não em relação a algo assim.
— Rhage? O que aconteceu lá embaixo?
Rhage respirou fundo. Quis se aproximar dela na cama, mas precisava perambular – a agitação e queimação em seu crânio requeria algum tipo de expressão física ou
começaria a gritar. Ou a socar paredes...
Ele só precisava descobrir como verbalizar isto para não soar como se estivesse botando a culpa nela. Ou catastroficamente infeliz. Ou...
— Rhage?
— Me dê um minuto.
— Você está andando em círculos há mais de vinte.
Ele parou. Olhou para sua companheira.
Mary havia mudado de posição e estava agora sentada com o pé pendurado para fora do colchão alto. Ela era engolida pelo tamanho da cama, mas eles precisavam de um
colchão do tamanho de um campo de futebol; ele era tão grande que não podia se esticar em nada menor.
Merda. Estava se desconcentrando de novo.
— Será que foi por você... – Mary olhou para o próprio pé. Então olhou de novo para ele. — É por que você quer ter seu próprio bebê, Rhage?
Ele abriu a boca. Fechou.
Ficou ali como uma tábua enquanto seu coração ribombava no peito.
— Tudo bem. – Ela sussurrou. — Seus irmãos estão começando a constituir família... E observar pessoas que você ama fazer isto realmente causa mudanças. Desperta...
Vontades... Que talvez nem sabia que tinha antes...
— Eu amo você.
— Mas isto não significa que não esteja decepcionado.
Recuando até os ombros grudarem na parede, ele se deixou escorregar até o chão amparar seu traseiro. Então pendeu a cabeça porque não podia aguentar olhar para ela.
— Oh, Deus, Mary, não quero sentir isto, – Quando sua voz falhou, ele pigarreou. — Digo... Eu podia tentar mentir, mas...
— Você vem se sentindo assim há um tempo, não é? É por isto que as coisas estão um pouco esquisitas entre nós.
Ele estremeceu, derrotado.
— Eu teria contado algo antes, mas não sabia o que estava errado. Até lá embaixo na cozinha sozinho com L.W. Surgiu do nada. Isso me atingiu como uma tonelada de
tijolos... Não quero me sentir assim.
— É perfeitamente natural...
Ele socou o chão com força suficiente para rachar a madeira.
— Eu não quero isto! Não quero isto, porra! Você e eu é só o que preciso! Eu nem gosto de crianças!
Conforme a voz dele ecoava pelo quarto, podia senti-la olhando-o fixamente.
E não pôde suportar.
Agitado, golpeou ao redor e sentiu como se estivesse arrancando a pintura das paredes, tacando fogo nas cortinas e quebrando a cômoda com suas próprias mãos.
— Estou falando sério. – Rosnou. — Quando te disse que eu arranjaria um bebê se você quisesse um. Eu falei sério pra caralho!
— Sei que falou. O que não esperava era que fosse você quem acabaria com um vazio no meio do peito.
Ele parou de chofre e falou para o tapete oriental.
— Não importa. Isto não importa. Não vai mesmo acontecer...
— Beth me disse outra coisa. – Mary esperou que olhasse para ela e quando ele o fez, ela secou uma lágrima. — Ela disse que Vishous foi até você antes do ataque.
Ela disse... Que ele te contou que você ia morrer. Que ele tentou te fazer sair de lá, mas você se recusou.
Rhage praguejou e voltou a andar em círculos. Esfregando o rosto com uma mão, viu-se apenas querendo voltar aos primórdios de seu relacionamento. Quando tudo era
fácil. Nada além de bom sexo e um amor melhor ainda.
Não toda esta... Complicação de vida.
— Por que você não voltou? – Ela perguntou de maneira hesitante.
Ele descartou a pergunta com um gesto de mão.
— Ele podia estar errado, sabe. V não sabe de tudo ou ele seria um deus...
— Você correu antes do sinal combinado. Você não esperou... Foi sozinho. Em uma área cheia de inimigos. Sozinho... Logo depois de um de seus Irmãos, um que ainda
não tinha se enganado jamais, dizer que você ia morrer lá. E então você foi ferido. No peito.
Rhage não queria desabar.
Mas foi estranho. Ele estava em pé... E então estava no chão com as pernas falhando debaixo dele em ângulos tortos, seu torso seguindo-as em um amontoado relaxado
de braços e ombros. Mas era isto o que acontecia quando um guerreiro perdia sua luta... Ele se reduzia a uma arma caindo de uma mão que atirou, uma adaga solta de
uma palma, uma granada derrubada, ao invés de jogada no ar.
— Sinto muito Mary. Sinto... Tanto. Me desculpe, me desculpe...
Ele continuou repetindo aquelas palavras vezes sem conta. Não havia mais nada que pudesse fazer.
— Rhage. – Ao interromper sua confusão, a voz de sua Mary estava tão triste que o som dela era pior que a bala de chumbo que tinha ferido seu coração. — Você acha
que se adiantou ao sinal por que queria morrer? E por favor, seja honesto comigo. Isto é sério demais... Para ser varrido para debaixo do tapete.
Sentindo-se um merda, levou as mãos até o rosto e falou por entre as palmas.
— Eu só precisava... Estar perto de você novamente. Como sempre foi. Como deveria ser. Como precisa ser para mim. Eu pensei... Talvez se estivesse do outro lado
e você viesse para mim, poderíamos...
— Fazer o que estamos fazendo agora?
— Só que daí não teria mais importância.
— Ter um filho?
— Sim.
Quando ambos silenciaram, ele praguejou.
— Sinto como se estivesse te traindo de um jeito diferente agora.
Quando ela inalou profundamente, ficou claro que sabia exatamente ao que ele se referia... Àquele momento quando tinha voltado para ela depois daquela outra mulher.
Mas ela se recuperou rápido.
— Por que não posso te dar o que você quer, e você quer mesmo assim.
— Sim.
— Você... Você quer estar com outra mul...
— Deus, não! – Rhage baixou as mãos e negou com a cabeça com tanta força que ela quase se desprendeu da espinha. — Porra, não! Nunca. Jamais. Eu prefiro estar com
você, sem filho nenhum do que... Digo, Jesus, nem por um momento.
— Tem certeza disso?
— Absoluta. Juro. Cem por cento de certeza.
Ela anuiu, mas não estava olhando para ele. Estava de novo olhando para o pé ao flexionar os dedos, então separá-los, então curvá-los para baixo, e então os movendo
para cima.
— Por que tudo bem se for isto. – Disse ela baixinho. — Digo, eu iria compreender se você quisesse... Sabe, uma mulher de verdade.
Capítulo VINTE E QUATRO
Mary considerava-se inteiramente feminista. Sim, era verdade que a maioria dos homens podia levantar mais pesos do que a maioria das mulheres – e esta era uma realidade
tanto entre vampiros quanto humanos – mas além daquela diferença física insignificante, não havia absolutamente nada em seu ponto de vista, que machos fizessem melhor
do que as fêmeas.
Então foi com certa surpresa que percebeu sua sensação de fracasso total ao fato de estar meramente na mesma posição em que os homens estavam.
Entidades que nasciam com órgãos sexuais masculinos não podiam gerar filhos e nem ela. Vê? Igualdade total aqui.
Deus, como doía.
E era doloroso da forma mais estranha. A sensação era fria; era um vazio frio bem no centro do seu peito. Ou talvez mais pra baixo, mesmo que a metáfora de um vazio
onde deveria haver seu útero, no caso dela, só fosse a mais pura realidade.
Mas a sensação era esta. Um espaço oco. Uma caverna.
— Sinto muito. – Ela forçou-se a murmurar. Mesmo que não fizesse sentido algum.
— Por favor. – Implorou ele. — Nunca, jamais diga isto...
Oh, ei, veja, ele tinha se aproximado e ajoelhado à sua frente, as mãos sobre seus joelhos, os olhos azuis fitando-a como se estivesse a ponto de morrer diante do
pensamento de ter lhe causado qualquer mágoa.
Ela colocou a mão no rosto dele e sentiu o calor de sua face.
— Está bem, não vou pedir desculpas por isto. – Disse ela. — Mas sinto muito por nós dois. Você não quer sentir isto e nem eu, e ainda assim, olha como estamos...
— Não, não é como estamos, por que eu rejeito tudo isto. Não vou permitir que isto afete a mim ou a você...
— Já mencionei ultimamente o quanto eu odeio o câncer? – Ela abaixou o braço, consciente de estar interrompendo a fala dele, mas incapaz de parar. — Eu realmente,
realmente, realmente, odeio fodidamente essa doença. É tão bom que vampiros não a tenham por que se você acabasse com alguma versão dela, eu odiaria o universo pelo
resto da minha existência imortal...
— Mary, ouviu o que eu disse? – ele tomou sua mão e levou-a de volta ao próprio rosto. — Eu nunca mais vou pensar nisto. Não vou deixar isto se interpor entre nós.
Não vai ser...
— Não funciona assim com as emoções, Rhage. Eu como terapeuta sei bem. – Ela tentou sorrir, mas achou que o que saiu foi uma careta. — Não podemos escolher o que
iremos sentir... Especialmente não quanto a um assunto tão fundamental como ter um filho. Digo, além da morte e de com quem você quer passar o resto da vida, a coisa
toda de ter um filho é a base da existência.
— Mas você escolhe o que fazer quanto às suas emoções. É o que você sempre diz... É possível escolher como vai reagir a seus pensamentos e sentimentos.
— Sim. Só que de alguma forma... Isto não parece ser possível no momento.
Deus, por que será que as pessoas não surravam seus terapeutas? ela se perguntou. Aquela baboseira hipócrita sobre “dar vazão a seus sentimentos, mas deixar seu
lado carinhoso controlar suas respostas” realmente eram de nenhuma ajuda em momentos como este... Quando se estava a ponto de desabar e seu companheiro também, e
havia uma voz no fundo de sua mente dizendo que vocês dois jamais sairiam desta, porque, Deus, quem poderia?
Oh, e P.S. era tudo culpa dela porque era ela que não tinha óvulos férteis...
— Mary, olhe para mim.
Quando ela finalmente olhou, surpreendeu-se com a expressão feroz naquele rosto lindo dele.
— Eu me recuso a deixar qualquer coisa se interpor entre nós, especialmente esse conto de fadas idiota sobre ter um filho. Por que é o que é. Wrath e Z? Sim, eles
têm filhos com suas companheiras, mas também têm de viver com a realidade de que suas shellans podem morrer... Pelo amor de Deus, Wrath de fato quase perdeu Beth.
E Qhuinn? É claro, ele não está apaixonado por Layla, mas não me diga que ele não se importa com aquela fêmea com todo seu coração considerando o filho dos dois
que ela carrega. – Ele exalou e se sentou mais para trás, apoiando as mãos no chão. Seus olhos fitaram a cabeceira da cama e vagaram ao redor, traçando os entalhes
na madeira. — Quando penso logicamente sobre isto... Por mais forte que seja meu desejo de ter um filho... – Ele mudou o peso e cutucou o centro do peito. — ...
por mais que eu sinta necessidade de ter um filho especificamente com você, o que eu tenho a mais absoluta certeza é que jamais trocaria qualquer criança por você.
— Mas sou imortal, lembra? Você não teria de se preocupar de eu morrer no parto igual a seus irmãos.
Os olhos dele fixaram nos dela.
— Sim, mas então eu não iria voltar a vê-la, Mary. Este era o equilíbrio, lembra? Você não saberia que jamais estivemos juntos... Mas eu sim. Pelo resto da minha
vida eu saberia que você esteve neste planeta, viva e bem... Eu só não poderia jamais vê-la, tocá-la, rir com você de novo. E se eu fosse atrás de você? Você cairia
morta na hora. – Ele esfregou o rosto. — Não poder ter filhos? Esta é a razão pela qual estamos juntos. Não é uma maldição, Mary... É uma bênção. Foi o que nos salvou.
Mary piscou para afastar as lágrimas.
— Rhage...
— Você sabe que é verdade. Sabe que este é o equilíbrio. – Ele sentou-se e tomou suas mãos. — Sabe que é por isto que temos tudo isto. Você nos deu nosso futuro
precisamente por que não pode gerar filhos e filhas para mim.
Quando seus olhos se encontraram de novo e se sustentaram, ela começou de novo a dizer que sentia muito. Mas ele não deixou.
— Não. Não vou ouvir isto, Mary. Sério. Não vou ouvir mais porra nenhuma. E sabe o que mais? Eu não mudaria nada. Nem uma coisinha.
— Mas você quer um...
— Não mais do que quero você comigo, do meu lado, vivendo comigo, me amando. – O olhar dele não se desviou do dela, a força de sua convicção tão forte que faziam
arder os seus olhos. — Sério, Mary. Agora, pensando bem... Onde eu estava com a cabeça? Não. A vida sem você seria uma tragédia. Vida sem filhos? É... Bem, só um
caminho diferente.
O primeiro instinto de Mary foi se apegar a seu próprio drama, a roda de hamster do arrependimento, raiva e tristeza tão sedutores e potencialmente implacáveis quanto
um buraco negro. Mas então tentou superar tudo aquilo, tentou de alguma fora atravessar para o outro lado.
O que a ajudou a se salvar?
O amor nos olhos dele.
Quando Rhage ergueu o olhar para ela, seus olhos eram como o sol, uma fonte de calor, vida e amor. Mesmo com tudo o que ela não podia lhe dar? Ele ainda de alguma
forma conseguia olhar para ela como se tudo o que lhe importasse... Fosse exatamente o que tinha à sua frente.
Naquele momento, Mary percebeu uma coisa.
A vida não tinha de ser perfeita... Para que o amor verdadeiro fizesse parte dela.
Seria somente um caminho diferente.
A coisa mais esquisita aconteceu quando estas cinco palavras saíram da boca do Rhage. Era como se um peso tivesse sido tirado de cima dele, tudo se tornou leve e
meio superficial, seu coração começou a cantar, a alma liberou-se do fardo, a distância que se interpunha entre ele e sua companheira desapareceu como fumaça, como
a névoa se dispersando, como uma tempestade que passou por ali e foi adiante.
— Eu não mudaria nada. – Quando ele falou as palavras, sentiu-se... Livre. — Nada. Não mudaria nada.
— Eu não te culparia se você quisesse mudar.
— Bem, não quero. – Ele acariciou sua perna, puxando suas pernas para ela olhar para ele. — Nem uma coisa.
Mary respirou fundo. Então aquele sorriso dela surgiu, os lábios arquearam nos cantos, os olhos voltaram a se iluminar.
— Mesmo?
— De verdade.
Rhage levantou-se e voltou a sentar perto dela, na mesma posição dela, só que suas pernas eram tão grandes que os pés bateram no chão. Segurando sua mão, ele a cutucou
com o ombro uma vez. Duas. Até ela rir e cutucá-lo de volta.
— Sabe, você tem razão. – Disse ele. — Conversar ajuda.
— Engraçado, estava agora mesmo pensando que tudo isso era baboseira.
Ele negou com a cabeça.
— É incrível como tudo depende de como você encara.
— O que você é, casado com uma terapeuta ou coisa assim? – Quando eles riram um pouco, ela estremeceu. — Sabe, eu nunca realmente pensei em filhos. Estava tão ocupada
passando pela faculdade e então minha mãe adoeceu. Daí eu adoeci. Quando comecei a cogitar, já era tarde para mim... E não houve nenhum lamento ou qualquer tipo
de sensação de perda na minha cabeça. Acho que por que eu sempre soube que o câncer voltaria. Eu sempre soube. E estava certa.
— Daí você se emparelhou com um vampiro.
— Foi. – Só que Mary franziu o cenho. — Quero que me prometa uma coisa.
— Qualquer coisa.
Ela virou a mão dele, traçando as linhas na palma.
— Estou contente por estarmos conversando... Lógico que era inevitável que este assunto surgisse, e realmente, em retrospecto, não sei por que não antecipei. E mesmo
que seja difícil para nós dois, estou contente de que estejamos falando sobre isto e fico feliz por você se sentir melhor. Eu só... Você precisa entender que algo
assim não se resolve só com uma conversa.
Ele não tinha tanta certeza. Antes, sentia como se as engrenagens não estavam se encaixando, mas agora? Tudo estava funcionando tão bem quanto costumava estar...
E ainda melhor.
— Talvez.
— Acho que o que estou tentando dizer é que eu não quero que você fique surpreso ou se sinta mal se seu desapontamento voltar. Da próxima vez em que vir Wrath e
L.W. ou da próxima vez em que Z aparecer com a Nalla no colo? Provavelmente vai sentir esta angústia de novo.
Quando ele imaginou seu Rei e o irmão, deu de ombros.
— É, tem razão. Mas sabe o que? Bastará eu me lembrar de que tenho você e que isto não seria possível sob outras circunstâncias. Isto vai ajudar a me fazer sentir
normal de novo. Prometo.
— Só se lembre de que a negação não é uma boa estratégia a longo termo se o que busca é saúde mental.
— Ah, mas a perspectiva é mais ou menos uma estratégia a longo termo. Assim como ser grato pelo que se tem.
Ela sorriu de novo.
— Touché. Mas, por favor, conversa comigo? Eu não vou quebrar e prefiro saber o que passa em sua cabeça.
Erguendo a mão, ele colocou uma mecha do cabelo dela atrás da orelha.
— Mary, você é a pessoa mais forte que eu conheço.
— Às vezes não tenho tanta certeza disto. – Com uma mudança de posição e um esticão, ela depositou um beijo em sua boca. — Mas obrigada pelo voto de confiança.
— Tudo isto foi uma surpresa tão grande. – Murmurou ele. — Não era como se eu vivesse esperando ter um filho ou que não tê-los sequer me incomodasse.
— Não dá para saber o que a vida vai nos apresentar. – Agora foi ela quem deu de ombros. — E acho que isto pode tanto ser bom, quanto ser ruim.
— Realmente falei sério. Se você quer um filho, eu encontro um para você. Mesmo que seja humano.
Por que Deus sabia que crianças vampiras eram quase impossíveis de serem encontradas para adoção. Eram tão raras, preciosas demais.
Mary negou com a cabeça após um momento.
— Não, não acho que isto vai acontecer. Meu instinto materno se expressa através do meu trabalho. – Ela olhou para ele. — Mas gostaria de ter sido mãe ao seu lado.
Teria sido bem divertido. Você seria um pai maravilhoso.
Rhage tomou seu rosto entre as mãos e sentiu todo o amor que tinha por ela percorrer seu corpo inteiro. Odiava que ela tivesse se magoado com isto. Teria feito absolutamente
qualquer coisa para evitar qualquer dor a ela.
Exceto sacrificar o amor deles.
— Oh Mary, você teria sido a mãe mais maravilhosa. – Ele acariciou seu lábio inferior com o polegar. — Mas você não é menos fêmea a meus olhos. Você é, e continuará
a ser para sempre, a companheira mais perfeita da terra, a melhor coisa que já me aconteceu na vida.
Quando os olhos dela novamente se encheram de lágrimas, ela sorriu.
— Como é possível... Que você sempre consiga fazer eu me sentir tão bela?
Ele a beijou uma vez, e então de novo.
— Só estou refletindo de volta o que vejo e sei que é verdade. Não passo de um espelho, minha Mary. Agora me deixa te beijar de novo? Mmmmmmmm...
CONTINUA
Capítulo DEZOITO
As anotações nos prontuários dos pacientes do Lugar Seguro eram todas manuscritas. Em parte, devido ao custo: computadores, redes e armazenamento de dados confiáveis
custavam caro, e com a equipe como prioridade, aplicar fundos na área de tecnologia da informação simplesmente não parecia prioridade. Mas também, isto acontecia
devido ao fato de Marissa, sua destemida líder, ser antiquada e realmente não gostar que coisas importantes fossem mantidas de alguma forma que não pudessem segurar
nas mãos.
Afinal, quando se tinha quase quatrocentos anos de idade, a revolução tecnológica das últimas três décadas eram um pontinho ínfimo em seu sistema de radar.
Talvez daqui a um século a chefe confiasse um pouco mais nos Bill Gates da vida.
E Mary até que achava isto bom. Mais humano, de certa forma, ver as diferentes letras manuscritas, diferentes canetas, diferentes maneiras de pessoas escreverem
palavras com erros de vez em quando. Era o equivalente visual a uma conversa, cada um trazendo algo único de si mesmo aos registros – ao contrário do que acontece
em registros uniformes, que passaram por corretores ortográficos onde as palavras são todas digitadas iguais.
Se bem que isto dificultava a busca por uma referência em particular. Entretanto, reler tudo do início podia ajudar a captar coisas que previamente poderiam ter
passado batido.
Por exemplo, tios.
Após não encontrar nenhuma menção a parentes próximos no formulário de admissão, Mary seguiu lendo cada uma das anotações do prontuário de Annalye, as quais estavam
em sua própria letra. E bem como se lembrava, invariavelmente os registros eram curtos e continham pouca coisa útil.
Bitty não foi a única a se manter reservada.
Não havia nem uma única menção a um irmão ou qualquer outro parente. E a fêmea não tinha falado de seu companheiro morto também ou de qualquer abuso que ela e Bitty
tivessem sofrido. O que não significava que a violência tinha ficado fora dos registros. As anotações médicas das duas foram impressas e anexadas na contracapa do
prontuário.
Ao terminar a releitura, Mary precisou se recostar na cadeira e esfregar os olhos. Como várias vítimas que temiam por suas vidas, a mahmen de Bitty viera em busca
de assistência médica somente uma vez, quando a filha estava tão ferida que não havia jeito de que o processo natural de cura cicatrizasse os ferimentos. As radiografias
contaram o resto da sombria história, revelando anos de fraturas ósseas que tinham se solidificado. Em ambas.
Fechando o prontuário, pegou o de Bitty. O da garota era mais fino, já que seus registros médicos foram misturados aos da mãe, e também por ela lhes revelar ainda
menos do que Annalye. Tiveram regulares sessões de terapia, jogos criativos e aulas de música. Mas não havia muito para prosseguir.
De certa forma, todo mundo esteve somente esperando pelo inevitável...
— Sra. Luce?
Mary pulou na cadeira, estendendo a mão e esbarrando no mata-borrão da mesa.
— Bitty! Não te ouvi chegar.
A garotinha estava em pé na porta aberta, sua pequena figura parecendo ainda menor entre os batentes. Esta noite os cabelos castanhos estavam soltos e cachos espalhavam-se
em todas as direções, e ela usava outro dos vestidos costurados a mão, desta vez amarelo.
Mary teve de combater uma vontade quase irresistível de fazê-la vestir uma blusa de frio.
— Sra. Luce?
Forçando-se a prestar atenção, Mary disse.
— Desculpe, o que?
— Estive pensando... Meu tio já não teria vindo?
— Ah, não. Ele ainda não veio. – Mary pigarreou. — Ouça, pode vir aqui um minutinho? E feche a porta, por favor.
Bitty fez o que ela pediu, fechando a porta às suas costas e aproximando-se até estar em pé na frente da mesa.
— Estes são seus prontuários, querida. – Mary tocou as pastas pardas. — Seu e de sua mahmen. Eu acabei de analisá-los de novo. Não consegui... Não encontrei nada
sobre seu tio. Não há menção alguma sobre ele aqui. Não estou dizendo que ele não existe, eu só...
— Minha mahmen entrou em contato com ele. Então ele está vindo me buscar.
Bosta, pensou Mary. Precisava ir com muito tato.
— Como foi que sua mãe fez isto? – Perguntou. — Ela escreveu para ele? Telefonou? Pode me dizer como ela entrou em contato com ele? Talvez eu devesse tentar também.
— Eu não sei como foi. Mas ela falou com ele.
— Como ele se chama? Você se lembra?
— O nome dele é... – Bitty baixou o olhar para a mesa. Para os prontuários. — É...
Era fisicamente doloroso observar a garota tentar inventar o que provavelmente seria um nome de mentira. Mas Mary lhe deu espaço, esperando contra qualquer esperança
que houvesse uma solução mágica para tudo isto, algum irmão que de fato existisse aí pelo mundo, que pudesse ser tão bom para Bitty quanto ela merecia...
— Ruhn. O nome dele é Ruhn.
Mary fechou os olhos por um momento. Não conseguiu evitar. Ruhn era parecido com Rhym, lógico. Só uma pequena alteração no nome da supervisora das internações, uma
distância muito facilmente cruzada por uma mente jovem em busca de uma saída de uma situação horrível.
Ela precisava mesmo manter seu profissionalismo.
— Certo, bem, vou te dizer o que vou fazer. – Mary pegou o telefone. — Se você concordar, vou publicar sobre ele em um grupo fechado do Facebook. Talvez algum membro
o conheça e possa contatá-lo para nós?
Bitty anuiu um pouco.
— Posso ir?
Mary pigarreou.
— Mais uma coisa. As cinzas de sua mahmen... Elas ficarão prontas para serem retiradas em breve. Estive pensando, se você quiser podemos fazer a cerimônia para ela
aqui. Sei que todos aqui a amavam muito, assim como amamos você também...
— Prefiro esperar meu tio chegar. Então ele e eu poderemos fazer isto juntos.
— Tudo bem. Bem, quer ir comigo buscá-la? Quero ter certeza de que você...
— Não. Quero esperar aqui pelo meu tio.
Bosta.
— Tudo bem.
— Posso ir?
— Claro.
Quando a garotinha se virou, Mary disse.
— Bitty.
— Sim? – Bitty olhou para ela. — O que?
— Você pode conversar comigo, sabia? Sobre qualquer coisa. Estou aqui para você... E se não quiser conversar comigo, tudo bem, outra pessoa da equipe estará aqui
para te ajudar. Não vou ficar chateada. A única coisa que me importa é que você tenha todo o apoio que precisar.
Bitty olhou para o chão por um momento.
— Está bem. Posso ir?
— Eu sinto muito mesmo pela forma como... Como tudo aconteceu na clínica na noite passada. Acho melhor você conversar sobre isto com alguém... Se não quiser falar
comigo...
— Conversar não vai trazer minha mahmen de volta, Sra. Luce. – Aquela voz estava tão séria que poderia ter saído da boca de um adulto. — Conversar não vai mudar
nada.
— Vai sim. Acredite.
— Vai fazer o tempo voltar? Acho que não.
— Não, mas pode te ajudar a ajustar sua nova realidade. – Deus, estava realmente falando assim com uma garota de nove anos? — Você tem de desabafar sobre a sua dor...
— Eu vou sair agora. Estarei lá em cima, no sótão. Por favor, me avisa quando meu tio chegar?
Com isto, a garota saiu e silenciosamente fechou a porta. Quando Mary baixou a cabeça, colocando-a entre as mãos, ouviu os passinhos subindo a escada rumo ao terceiro
andar.
— Maldição. – Sussurrou ela.
Ao se levantar da mesa da cozinha, Rhage não estava preocupado de que quem quer que estivesse correndo pela sala de jantar e indo em sua direção fosse inimigo. Estava
mais preocupado que algum morador da casa estivesse em apuros.
Por que havia outro som junto com os passos.
Um bebê chorando.
Antes que chegasse à porta, Beth, a Rainha, entrou chorando na cozinha. O bebê sob um de seus braços como se fosse um saco de batatas, a mão livre erguida escorrendo
muito sangue.
— Ai, merda! – Rhage disse, correndo para alcançá-la perto da pia. — O que aconteceu?
Sua visão não estava tão clara como deveria, mas parecia haver muito vermelho na frente da camiseta dela. E sentia cheiro de sangue por todos os lados.
— Pode segurá-lo para mim? – Disse ela acima do choro de L.W. — Por favor, fique com ele.
Eeeeee foi assim que acabou segurando o primogênito de Wrath sob as axilas como se a criança fosse um dispositivo explosivo com um pavio queimando depressa demais.
— Ah... – Disse quando o garoto chutou e acertou-o bem no rosto. — Hum... É, quer ir à clínica ver isto?
Ao falar, não sabia ao certo se o “isto” referia-se ao ferimento ou ao bebê.
Movendo o barulhento saco de DNA de Wrath para o lado, tentou enxergar o que estava rolando – ela tinha cortado o dedo? A mão? Os pulsos?
— Foi idiotice minha. – Murmurou ela, silvando. — Eu estava lá fora na varanda, levando-o para ver a lua por que ele gosta e não estava olhando por onde pisava.
Escorreguei em uma porção de folhas e ooops! Os pés falharam. Ele estava no meu colo e eu não queria cair em cima dele. Estendi a maldita mão buscando equilíbrio,
raspei-a em um azulejo rachado e me cortei. Merda... Não para de sangrar.
Rhage piscou ao se perguntar exatamente quanto tempo aquela zoeira em seus ouvidos ia durar até ela levar o L.W. embora.
— O que... Ah...
— Ei, pode ficar com ele por um minuto? A Dra. Jane está no Pit, acabei de receber uma mensagem de texto dela. Vou correr até lá para ela dar uma olhada nisto. Volto
em dois segundos.
Rhage abriu a boca e congelou como se tivesse uma arma apontada para sua cabeça.
— Ah, sim. Claro. Sem problema. V Por favor, não permita que eu mate o filho de Wrath. OhDeusOhDeusOhDeus. — Ele e eu ficaremos muito bem. Vamos tomar um pouco de
café e...
— Não. – Beth fechou a torneira e enrolou a mão em uma toalha. — Nada de comida. Nada de bebida. E vou voltar logo mesmo.
A fêmea partiu em uma carreira desabalada passando pela cozinha e pela sala de jantar – e ao vê-la partir correndo tal qual Usain Bolt, ele teve de se perguntar
se era só por causa da mão... Ou pelo fato de ter deixado seu filho com um incompetente total.
Eeeeeeee L.W. agora estava chorando pra valer, como se ao perceber que sua mahmen tinha saído do recinto, os berros anteriores fossem só um aquecimento.
Rhage apertou bem os olhos e começou a voltar para sua cadeira junto à mesa. Mas depois de dois passos, pensou na queda de Beth e imaginou-se esmagando o garoto
como uma panqueca. Arregalando os olhos, prosseguiu bem devagarzinho como se equilibrasse um vaso de cristal no topo do crânio. Assim que chegou ao alcance, estacionou
o traseiro na cadeira e segurou o garoto em pé sobre aqueles pés de biscoito dele. L.W. ainda não era forte o bastante para sustentar-se em pé, mas aqueles berros
eram como numa música rock and roll.
— Sua mahmen já vem... – Por favor, querida Virgem Escriba, faça essa fêmea voltar antes que eu fique surdo. — É... Já está viiiiindo.
Rhage olhou ao redor daquele par de pulmões extremamente saudáveis e rezou para que alguém, qualquer pessoa, viesse correndo.
Quando aquele otimismo passivo não resultou, voltou a se concentrar no rostinho vermelho.
— Amiguinho, eu já entendi. Acredite. Eu já te ouviiiiiiiii.
Okay, se a definição de insanidade fosse mesmo fazer a mesma coisa repetidas vezes...
Virando o garotinho, Rhage deitou L.W. de costas na dobra de seu braço como viu Wrath e Beth fazer...
Puta merda, isto só irritou o garoto ainda mais. Se é que era possível.
Próxima posição? Humm...
Rhage colocou L.W. recostado em seu peito para que o bebê pudesse ver por cima do seu ombro. E então deu tapinhas com a palma da mão nas costinhas surpreendentemente
robustas. De novo. E de novo. E de novo...
E quem diria. A merda funcionou.
Cerca de quatro minutos e trinta e sete segundos depois – não que Rhage estivesse contando – L.W. passou a soluçar, como se seu fazedor de lágrimas estivesse sem
energia para continuar funcionando. Então o garoto deu um suspiro entrecortado e relaxou.
Mais tarde, Rhage se perguntaria se as coisas poderiam ter ficado bem se L.W. tivesse parado por aí. Talvez se a criança não tivesse feito o que fez depois... Ou
talvez se tivesse recomeçado a chorar? Então talvez Rhage pudesse ter se salvado.
O problema foi que, alguns momentos depois, L.W. enlaçou a garganta de Rhage com um braço gordinho, e então agarrou o moletom que Rhage vestia e segurou, aproximando-se
mais, buscando conforto, encontrando-o... Confiando nele por que o carinha era completamente indefeso no mundo.
Subitamente Rhage parou as batidinhas, congelando exatamente onde estava, mesmo se equilibrando na cadeira. E com uma clareza despedaçadora, tudo sobre o bebê se
registrou nele, do calor naquele corpinho vital à força tensa daquele aperto de mão, àquele peito subindo e descendo. O som das pequenas fungadas soavam bem junto
à orelha de Rhage, assim como a respiração pulsante, e quando L.W. mexeu a cabeça, sedosos e finos fios de cabelos pinicaram o pescoço de Rhage.
Isto era o futuro, pensou Rhage. Isto era... O destino, ali, descansando contra ele.
Afinal, L.W. tinha olhos que testemunhariam eventos muito depois de Rhage não mais existir. E o cérebro da criança tomaria decisões que Rhage não poderia nem imaginar.
E o corpo, que era frágil em seu estado inicial, mas que na maturidade lutaria, honraria e protegeria, do mesmo jeito que o pai tinha feito, e o pai de seu pai...
E todos os antepassados da linhagem antes dele.
Além disto, Beth dera aquilo a Wrath. Era algo que eles compartilhavam. Eles tinham... Feito... Juntos.
Subitamente, Rhage descobriu que não conseguia respirar.
Capítulo DEZENOVE
Naasha não o fez perder tempo.
Assim que Assail apareceu na sala de estar da dama na mansão de seu hellren, uma porção da parede coberta de papel de parede cor pêssego deslizou e Naasha entrou,
atravessando uma porta oculta.
— Boa noite. – Disse ela, fazendo pose. — Estou usando vermelho, do jeito que pediu.
Fale-se o que quiser sobre sua falta de pedigree e seu casamento por interesse, mas ela era uma fêmea linda, de cabelos compridos e com uma harmonia de medidas entre
busto-cintura-quadris digna de Marilyn Monroe. De vestido curt, e os pés metidos em um par de Louboutins, ela era o sonho molhado de qualquer um que possuísse um
pau.
E ainda assim, tão embonecada e produzida, não chegava aos pés de sua Marisol – do mesmo jeito que uma flor de estufa nunca seria tão atraente quanto algo que tenha
crescido, indomada e inesperadamente, ao ar livre.
Ainda assim, o cheiro dela o afetou de forma não tão diferente da cocaína que tinha cheirado antes de ir para ali, e seu corpo despertou, mesmo que as emoções e
sua alma continuassem mortas e frias. A horrível realidade era que seu corpo necessitava do sangue de uma vampira – e este imperativo biológico tomaria a dianteira
aqui e agora, acima de qualquer outra coisa.
Mesmo que sob outras circunstâncias ele jamais teria sequer reparado na existência dela.
— Gosta? – Disse ela erguendo os braços e dando uma voltinha lenta.
Ele, como era esperado, sorriu revelando suas presas alongadas.
— Vai ficar melhor sem ele. Vem aqui. – Mandou ele.
Naasha aproximou-se lentamente, mas não o caminho todo, parando perto de um sofá francês antigo, amarelo creme, com mais almofadas do que espaço para sentar.
— Vem você.
Assail negou com a cabeça.
— Não.
O beicinho foi rápido, os lábios grossos dela se juntaram brilhando com uma cor que combinava com o vestido.
— Você atravessou a cidade inteira pra me ver. Certamente pode dar mais alguns passos.
— Eu não vou atravessar esta sala.
Ante o olhar enfastiado que ele expressou, nem um pouco forçado, a excitação dela fulgurou.
— Você é tão desrespeitoso. Eu devia te mandar embora.
— Se acha que isto é desrespeito, ainda não viu nada. E vou ficar mais do que feliz de ir embora.
— Eu tenho um amante, sabe?
— Tem mesmo? – Ele inclinou a cabeça. — Meus parabéns.
— Então estou muito bem servida. Apesar da enfermidade do meu amado.
— Bem, então é melhor eu ir...
— Não. – Ela rodeou rapidamente o sofá, movendo-se até estar tão perto que ele podia ver os poros em sua pele suave. — Não vá.
Ele fez um show ao olhar para o rosto dela. Então estendeu a mão e tocou seus cabelos.
— Ajoelhe-se. – Antes dela poder dizer qualquer coisa, ele apontou para seus pés. — De joelhos. Agora.
— Eu já tinha esquecido como você é mandão...
— Não me faça perder tempo.
Quando outro jorro de sua excitação atingiu-o no nariz, soube que ela ia se ajoelhar no tapete Aubusson – e quando ela esticou a mão para se equilibrar tocando seu
peito, ele afastou a mão dela para que fosse forçada a cambalear para baixo até o chão.
— Isso, boa garota. – Acariciou suas bochechas com o nó dos dedos. Então agarrou um punhado de seus cabelos e forçou a cabeça dela para trás. — Abra a boca.
Com os lábios separados ela começou a arfar, o cheiro de seu sexo se tornou um rugido no nariz dele, o rosto dela enrubescido de calor, os seios apertados para cima
do corpete do vestido. Com a mão livre, abriu o zíper de suas elegantes calças e expôs sua ereção.
Acariciando-se, ele grunhiu.
— Quer me contar mais sobre seu amante?
Os olhos semicerrados dela assumiram uma luz erótica.
— Ele é tão forte...
Assail meteu o pau entre os lábios dela, impedindo-a de continuar a falar. E então, usando o aperto naqueles cabelos, fodeu sua boca enquanto ela gemia, as mãos
indo até os próprios seios e apertando, os joelhos bem separados como se na mente dela ele estivesse entrando e saindo de seu núcleo, ao invés da boca. Ou talvez
dos dois lugares.
Enquanto a fodia com brusquidão, não era como se a odiasse. Nem mesmo desgostava dela – de qualquer forma, ela teria de estar em seu radar para ter qualquer tipo
de opinião sobre ela, o que não acontecia.
O que odiava era o fato dela não ser quem ele desejava.
Quanto mais pensava naquela realidade, na distância eterna, na perda?
Liberando o pau da boca de Naasha, levou-a ao sofá de joelhos, usando o cabelo como guia. E ela adorou. Seguiu-o com mais do que boa vontade, arfando enrubescida,
pronta para ser fodida. O que era conveniente, não era?
Especialmente quando a inclinou sobre aquele belo sofá francês, puxou para cima aquela saia curta e justa, e penetrou-a por trás.
Ela gozou imediatamente, estremecendo e sacolejando debaixo dele. E quando ele puxou a cabeça dela para trás mais uma vez, ela gritou o nome dele.
— Shhh. – Ele murmurou. — Não vai querer que seu amado ouça. Ou seu namorado.
Ela gemeu uma porção de coisas ininteligíveis, tão perdida no ato que seu cérebro tinha obviamente tirado um descanso. E de um jeito estranho, sentiu inveja da experiência
erótica que ela obviamente estava curtindo. Para ele, aquilo não passava da expressão de uma necessidade básica, um treino físico com prazer e sangue como um troféu
anônimo.
Não tinha nada daquele prazer sem limites que ela tão claramente expressava. Mas pelo menos, ele podia usar esta fraqueza dela... A favor de Wrath.
Alongando as presas, Assail golpeou a lateral da garganta dela, mordendo com força enquanto a penetrava, sugando-a, tomando sua parte. O gosto dela era... Bom. A
sensação do sexo dela apertando e soltando seu pau era... Boa. A força que lhe forneceria era totalmente necessária.
Do outro lado da sala, no vidro ondulado de um espelho ancestral, viu seu reflexo metendo nela.
De fato aparentava tão morto quanto se sentia. Mas, de qualquer forma, tateou o bolso interno do casaco em busca do celular.
Vishous passava pela sala de musculação do centro de treinamento quando seu celular vibrou, graças ao WiFi da área. Tirando a coisa do bolso traseiro da calça, digitou
a senha e sorriu diante da mensagem.
Era uma foto de Assail – da parte de trás da cabeça de uma fêmea de cabelos pretos enquanto ela estava de quatro sobre um sofá. A mensagem embaixo era curta e grossa:
Estou dentro.
Bom trabalho. – V digitou de volta. — Divirta-se.
— E nos traga alguma coisa. – Disse ele ao voltar a guardar o celular.
O vício do macho era um problema em potencial, mas parecia que Wrath fez uma aposta certa com o filho da puta. Assail era bonito, rico e um bastardo total com a
linhagem certa. Era o espião perfeito para infiltrar na glymera.
Tudo dependeria do que ele descobriria. E por quanto tempo ele seria um bom garoto e jogaria de acordo com as regras.
Qualquer pensamento independente da parte dele e V deixaria aquela garganta mais aberta do que uma porta de garagem. Mas até este momento chegar, Assail estava solidamente
na coluna dos Úteis, Aqueles Que Merecem Continuar Vivos.
Quando Vishous chegou à entrada dos estandes de tiro ao alvo, abaixou-se e pegou uma sacola preta que tinha deixado ali horas atrás. Dirigindo-se até o espaço de
teto baixo com cheiro de mofo, soltou um cumprimento.
— Como estamos? – Disse circulando a cabine de tiros e prosseguindo até a área de alvo feita de concreto.
Blay levantou-se da cadeira dobrável onde estava esticando os braços acima da cabeça e as palmas no teto.
— Na mesma.
— Mas derrotei este cara duas vezes no baralho. – Lassiter interrompeu.
— Só por que você trapaceou.
Vishous olhou e meneou a cabeça para o anjo.
— O que está fazendo aqui? E por que está em uma cadeira de jardim?
— Apoio para a lombar...
Nesse momento, o pedaço de carne às costas de V se mexeu – e V teve de dar um crédito ao cuzão de cabelo bicolor: Lassiter estava em pé e fora daquela coisa mais
rápido do que um piscar de olhos, de arma apontada para o peito de Xcor como se preparado para abrir um buraco naquele coração.
— Calma, cowboy. – Disse V. — Foi só um espasmo muscular involuntário.
O anjo não pareceu ouvi-lo – ou talvez não quisesse que ninguém mais fizesse uma avaliação de seu dedo de atirar, mesmo alguém com treinamento médico.
Difícil não aprovar o cara. Difícil também não notar que claramente Lassiter não ia sair do lado de Xcor, como se confiasse somente em si mesmo para cuidar daquela
situação.
Merda, contanto que o anjo não abrisse a boca e desde que V não pensasse nas pequenas diferenças que eles tiveram no passado, quase dava para esquecer o quanto queria
chutar o filho da puta.
Aproximando-se do prisioneiro, Vishous avaliou-o visualmente. Ao chegarem ali com o bastardo, V o amarrou na mesa de madeira de cara pra cima e braços abertos, fechando
algemas de aço inoxidável nos pulsos e tornozelos e em volta daquele pescoço grosso – e quem diria, o cara estava bem do jeito que tinha deixado. A cor era passável.
Olhos fechados. O ferimento na cabeça, na base do crânio, já não vazava mais, provavelmente já tinha cicatrizado.
— Precisa de ajuda? – Perguntou Blay.
— Não, tudo certo.
Abrindo a sacola, V usou o equipamento que estava dentro para verificar os batimentos cardíacos, a pressão sanguínea, temperatura e oxigenação. A coisa que mais
o preocupava era o inevitável hematoma onde tinha golpeado o fodido com a pistola – e suas possíveis complicações, que incluíam qualquer coisa, do inconveniente
ao catastrófico. No entanto, sem movê-lo ou sem trazer até ali equipamentos verdadeiramente pesados e caros, não haveria jeito de descobrir.
Mas suspeitava. Era inteiramente possível que a concussão tivesse causado um derrame isquêmico devido a um coágulo sanguíneo que bloqueou uma veia.
Era bem a sorte deles. Capturam o inimigo e o bastardo tinha uma morte cerebral pra cima deles.
Depois de V guardar seus brinquedos e fazer suas anotações no arquivo digital em seu celular, deu um passo para trás e só encarou o rosto feio do macho. Na falta
de conseguir fazer uma bateria de exames, tinha de confiar em sua própria observação – e às vezes, mesmo com o equipamento avançado e moderno, nada superava a própria
interpretação do médico sobre o que via.
Estreitando os olhos, traçou cada respiração, cada exalação... E os espasmos nas sobrancelhas e a imobilidade das pálpebras... Os movimentos aleatórios dos dedos...
As contrações sob a pele das coxas.
Derrame. Definitivamente um derrame. Absolutamente nenhum movimento do lado esquerdo.
Acorda, caralho, pensou V. Para eu poder te bater mais e te botar pra dormir de novo.
— Maldição.
— O que há? – Perguntou Blay.
Se não houvesse alguma melhora logo, teria de tomar a decisão de manter Xcor – ou jogar o corpo dele no lixo.
— Você está bem?
V virou-se para Blay.
— O que?
— Seu olho está tremendo.
Vishous esfregou o olho até parar. E então se perguntou, com tudo o que estava rolando, se seria o próximo na lista de vítimas do AVC.
— Avise-me se ele recobrar a consciência?
— Pode deixar. – Disse Lassiter. — E também aviso quando precisar de mais um Milk-shake de morango.
— Não sou seu empregado. – V pendurou de novo a sacola no ombro e foi para a porta. — E se me mandar beijo de novo, vou colocar um aparelho de ressonância magnética
em você, ao invés do contrário.
— E se eu beliscar sua bunda? – O anjo provocou.
— Tente e vai descobrir que a imortalidade, igual ao tempo, é relativo.
— Você sabe que me ama!
Vishous meneava a cabeça ao sair para o corredor. Lassiter era como uma gripe, contagiosa, irritante e nada que alguém desejasse ter.
E ainda assim, estava feliz pelo fodido estar ali. Mesmo que Xcor no momento não passasse de um vegetal.
Capítulo VINTE
Beth Randall, companheira do Rei Cego, Wrath, filho de Wrath, pai de Wrath, Rainha de todos os vampiros, partiu rumo à porta principal do Pit, com a Dra. Jane ainda
enrolando uma faixa em sua mão recém-costurada.
— Está ótimo! Obrigada...
A companheira de V a seguia na corrida, as duas se esquivando de uma sacola de ginástica, uma maleta... Uma boneca inflável que total e verdadeiramente precisava
de roupas.
— Você precisa parar, sério!
— Já está tudo bem...
— Beth! – Jane remexeu em seu rolo de fita cirúrgica e começou a rir. — Não consigo encontrar a ponta...
— Deixa que coloco depois...
— Pra que tanta pressa?
Beth parou.
— Deixei L.W. com Rhage na cozinha.
A Dra. Jane piscou.
— Oh, Deus... Vá!
Beth foi sumariamente empurrada para fora do Pit com a fita e acabou o serviço enquanto atravessava correndo o pátio, mordendo a ponta da fita com os dentes e colando
a coisa na gaze branca que foi enrolada ao redor de sua mão. Subindo aos pulos os degraus para a grandiosa entrada da mansão, abriu a porta para o vestíbulo e enfiou
a cara na câmera.
— Vamos lá... Abra – Murmurou ao transferir seu peso pra frente e pra trás sobre os pés.
Rhage não ia machucar o garoto. Pelo menos, não de propósito. Mas puta merda, em sua mente repetidamente vinha a imagem de Annie Potts cuidando do bebê em Os Caça-Fantasmas
II, alimentando-o com pizza francesa.
Quando a tranca finalmente foi liberada por dentro, entrou correndo no saguão desviando da empregada que abriu caminho para ela.
— Rainha! – A doggen disse com uma reverência.
— Oh, Deus, desculpe, sinto muito! Obrigada!
Sem saber exatamente do que estava pedindo desculpas, disparou pela sala de jantar vazia e entrou na cozinha...
Beth parou de chofre.
Rhage estava sentado sozinho à mesa e tinha L.W. recostado em seu ombro, o bebê aninhado bem junto a seu pescoço, aquele braço enorme embalando o bebê com todo o
senso de proteção que qualquer pai teria demonstrado. O Irmão estava de olhos fixos à frente, além de sua vitrine de carboidratos consumida pela metade e a jarra
de café quase vazia.
Lágrimas escorriam pelo seu rosto.
— Rhage? – Disse Beth suavemente. — O que houve?
Depositando a fita cirúrgica sobre o balcão, aproximou-se deles... E quando ele não percebeu sua aproximação, pousou a ponta dos dedos no ombro dele. E ainda assim
ele não respondeu.
Ela falou um pouco mais alto.
— Rhage...
Ele se assustou e olhou para ela, surpreso.
— Oh, ei. Tudo bem com sua mão?
O macho não parecia ter consciência de suas emoções. E por alguma razão bem triste, parecia apropriado que estivesse cercado pelo caos de sua refeição, pacotes abertos
de bagels e pães espalhados pela mesa rústica de madeira, barras de manteiga, blocos de cream cheese e guardanapos de papel amassados por toda sua volta.
Ele estava, naquele momento silencioso, tão bagunçado quanto tudo à sua frente.
Ajoelhando-se, tocou o seu braço.
— Rhage querido, o que está havendo?
— Nada. – O sorriso que se abriu naquele rosto bonito era vazio. — Eu o fiz parar de chorar.
— Sim, você fez. Obrigada.
Rhage anuiu. Então meneou a cabeça.
— Aqui, deixa eu te devolver ele agora.
— Está bem. – Sussurrou ela. — Fique com ele o tempo que quiser. Ele parece realmente confiar em você... Nunca o vi ficar calmo com ninguém além de mim e Wrath.
— Eu, ah... Dei palmadinhas nas costas dele. Sabe? Igual a vocês. – Rhage pigarreou. — Eu tenho observado você com ele. Você e Wrath.
Agora ele voltou a olhar fixo para o outro lado da sala.
— Não por mal, nem nada disto. – Ele completou.
— É claro que não.
— Mas eu tenho... – Ele engoliu em seco. — Estou chorando, não estou?
— Sim. – Estendendo a mão, ela tirou um guardanapo de papel do suporte. — Aqui.
Levantando-se, ela secou debaixo daqueles lindos olhos azul ciano – e lembrou-se da primeira vez que o viu. Foi na antiga casa de seu pai, Darius. Rhage estava dando
alguns pontos em si mesmo em uma das pias do banheiro, trabalhando a linha e agulha através da própria pele como se aquilo não fosse grande coisa.
Não é nada. A coisa só fica séria quando dá pra usar o próprio intestino como cinto.
Ou algo assim.
E então se lembrou do que aconteceu depois quando a besta saiu dele e ele teve de se deitar no quarto subterrâneo do pai dela para se recuperar. Ela tinha lhe dado
seu antiácido e o acalmado em meio à sua cegueira e desconforto o máximo que conseguiu.
Parecia ter sido há tanto tempo.
— Pode me contar o que está errado?
Ela observou a mão dele executar pequenos movimentos circulares nas costas do L.W.
— Não é nada. – Os lábios dele se esticaram no que claramente era para ser outro sorriso. — Só estou aproveitando um momento calmo com seu filho maravilhoso. Você
é tão sortuda. Você e Wrath têm tanta sorte.
— Sim, temos mesmo.
Ela quase morreu no parto de L.W. e pra salvar sua vida tiveram de remover seu útero. Não haveria mais possibilidade de ter filhos biológicos – e sim, aquilo era
meio entristecedor. Mas cada vez que olhava para o rosto do filho, ficava tão grata por ele que o fato de que não poderia arriscar na loteria de novo não parecia
uma perda muito grande.
Mas Rhage e Mary? Eles não iriam nem ter a oportunidade de tentar. E aquilo certamente era o que estava na mente de Rhage naquele momento.
— É melhor eu te devolver ele. – O irmão disse novamente.
Beth engoliu em seco.
— Fique o tempo que desejar.
De volta ao Lugar Seguro, Mary tinha acabado de postar uma mensagem no Facebook sobre o hipotético tio de Bitty quando houve uma batida na porta.
Talvez fosse a garota e elas pudessem novamente tentar conversar. Mas provavelmente não...
— Entre. – Disse Mary. — Oh, ei Marissa, como vai?
A companheira de Butch estava tão linda quanto sempre, os cabelos louros soltos e perfeitamente cacheados sobre seus ombros magros como se tivessem sido tão treinados
em boas-maneiras que jamais pensariam em arrepiar. Vestida em um suéter de cashmere preto e calças também pretas, de certa forma parecia a versão feminina de Rhage
– fisicamente maravilhosa demais para existir de verdade.
E como Rhage, o exterior não chegava aos pés do quão adorável era por dentro.
Com um sorriso digno da Vogue, Marissa sentou-se em uma cadeira barulhenta do outro lado da mesa.
— Estou bem. Mais importante que tudo, como você está?
Mary recostou-se, cruzou o braço sobre o peito e pensou, ah, então não é uma visita social.
— Acho que já está sabendo. – Murmurou ela.
— Sim.
— Eu juro, Marissa, não fazia ideia de que ia ser tão grave.
— É claro que não. Como poderia?
— Bem, contanto que saiba que não era minha intenção que as coisas terminassem tão mal...
Marissa franziu o cenho.
— Desculpe, o que?
— Quando Bitty e eu fomos visitar a mãe dela...
— Espere, espere. – Marissa ergueu as mãos. — O que? Não, estou falando do tiro que Rhage levou. E de você ter salvado a vida dele na frente dos Irmãos.
Mary ergueu as sobrancelhas.
— Oh, isto.
— Sim... Isto. – Um brilho esquisito invadiu o olhar de Marissa. — Sabe, francamente não entendo por que veio trabalhar hoje. Pensei que ficaria em casa com ele.
— Oh, bem, sim. Mas com tudo isto que está acontecendo com Bitty, como eu poderia não vir? Além disso, passei o dia todo com Rhage, tenho certeza que ele está bem.
Enquanto ele ainda estava dormindo na clínica, quis ver como ela estava. Deus... A ideia de que eu piorei ainda mais as coisas para aquela garota faz eu me sentir
péssima. Digo, com certeza você sabe o que aconteceu.
— Refere-se ao que aconteceu no Havers? Sim, fiquei sabendo. E entendo que esteja chateada. Mas eu realmente acho que você devia ter ficado em casa com Rhage.
Mary fez um aceno casual com a mão.
— Estou bem. Ele está bem...
— E acho que você devia ir pra casa agora.
Com um jorro de terror, Mary sentou-se na beirada da cadeira.
— Espere, não está me demitindo por causa de Bitty, está?
— Oh, meu Deus... Não! Está brincando comigo? Você é a melhor terapeuta que temos! – Marissa meneou a cabeça. — E acho que não preciso te dizer como fazer o seu
trabalho aqui. Mas está bem claro que teve um dia muito cheio, e por mais que queira ficar aqui pela garota em toda sua capacidade profissional, você vai ser ainda
mais eficiente depois de ir pra casa descansar um pouco.
— Bom, que alívio! – Voltou a recostar-se na cadeira. — A parte de não ser demitida, digo.
— Não quer ficar com Rhage?
— É claro que sim. Só estou mesmo preocupada com a Bitty. É um momento crítico, sabe? A perda da mãe não foi só uma tragédia que a deixou órfã, é um enorme gatilho
para todo o resto. Eu só... Eu realmente queria ter certeza de que ela está bem.
— Você é uma terapeuta dedicada, sabia disso?
— Ela fica falando de um tio, – Quando Marissa franziu o cenho de novo, Mary voltou a abrir o prontuário de Annalye e folheou as páginas. — É, eu sei, certo? Também
não tinha visto isto ser mencionado até agora. E revisei todo o material que temos e não há referência alguma a qualquer tipo de familiar. Acabei de postar uma mensagem
para a raça naquela página fechada do Facebook. Vamos ver se consigo encontrá-lo deste jeito. – Mary meneou a cabeça ao encarar um registro que foi escrito por Rhym.
— Parte de mim se pergunta se seria possível acessar a lista de ligações feitas e recebidas do último mês. Talvez haja algo ali. Nenhum e-mail foi recebido ou respondido
aqui. E até onde sei, a mãe de Bitty nunca tinha usado um e-mail.
Quando houve um período de silêncio, Mary ergueu o olhar – e viu que sua chefe a encarava com expressão inescrutável.
— O que foi? – Disse Mary.
Marissa pigarreou.
— Admiro sua dedicação. Mas acho que é melhor que tire o resto da noite de folga. Um pouco de distância é sempre melhor para recuperar o foco. Bitty estará aqui
amanhã e você vai poder continuar a ser o membro principal da equipe no caso dela.
— Eu só queria consertar tudo.
— Eu sei e não te culpo. Mas não consigo me livrar da sensação de que se eu tivesse vindo trabalhar uma noite após Butch ter quase morrido em meus braços? Você me
faria ir pra casa. Não importa o que estivesse ocorrendo debaixo deste teto.
Mary abriu a boca pra negar. Então fechou de novo diante da erguida de uma das sobrancelhas de Marissa.
Como se a chefe soubesse que tinha ganhado a discussão, Marissa se levantou e deu um sorrisinho.
— Você sempre foi dedicada a seu trabalho. Mas é importante que o Lugar Seguro não seja mais importante do que a sua vida.
— Sim. É claro. Você tem razão.
— Te vejo em casa mais tarde.
— Absolutamente.
À saída de Marissa, Mary tinha intenção de fazer o que ela disse... Só que era difícil partir. Mesmo depois de pegar a bolsa e o casaco, e enviar uma mensagem de
texto para Rhym voltar se pudesse – e a fêmea podia – ela de alguma forma encontrou motivos para adiar de novo a ida até o carro de Rhage. Primeiro foi delegar algumas
tarefas para outro membro da equipe; então foi ficar em pé na base da escada para o sótão debatendo se deveria ou não contar a Bitty.
No final, Mary decidiu não incomodar a garota e voltou ao primeiro andar. Parou de novo à porta da frente, mas aquela pausa não durou muito.
Quando finalmente saiu, respirou fundo e sentiu o cheiro do outono no ar.
Bem quando estava chegando ao GTO, parou e olhou para cima. A luz estava acesa no quarto de Bitty e era impossível não imaginar aquela garotinha esperando, de malas
feitas, um tio que sequer existia vir para levá-la para longe de uma realidade que ia acompanhá-la pelo resto da sua vida.
A volta pra casa durou uma eternidade, mas eventualmente parou o carro em uma vaga no pátio entre o Hummer II de Qhuinn e o Porsche 911 Turbo de Manny.
Olhando para a enorme mansão de pedras com suas guar-gárgulas, como Lassiter as chamava, e suas incontáveis janelas e o telhado inclinado de ardósia, perguntou a
si mesma o que Bitty acharia do lugar e imaginou que de início a garota ia se sentir intimidada. Mas por mais assustador que parecesse por fora, as pessoas lá dentro
a tornavam tão acolhedora e confortável quanto um pequeno chalé.
Atravessou os paralelepípedos e passou pela fonte, que já tinha sido drenada para o inverno. Subiu os degraus de pedra. Entrou no vestíbulo, onde expôs o rosto para
a câmera de segurança e esperou.
Foi Beth quem abriu a porta para ela, embalando L.W. no quadril.
— Oh, ei... Eu já ia te ligar.
— Olá, homenzinho. – Mary acariciou a bochecha do garoto e sorriu para ele, por que era impossível resistir. O bebê era um poço de beleza, absolutamente encantador.
— Vocês estão precisando de alguma coisa?
Ela entrou no grande saguão para tirar o L.W. do frio e parou ao ver a expressão de Beth.
— Está tudo bem?
— Bem, ah... Então, Rhage acabou de subir.
— Oh? Ele deve estar se sentindo melhor.
— Acho que devia falar com ele.
Algo na voz da Rainha realmente não estava certo.
— Aconteceu alguma coisa errada?
A fêmea se concentrou em seu bebê, acariciando seus cabelinhos escuros.
— Eu só acho que você precisa ficar com ele.
— O que houve? – Quando Beth somente repetiu alguma versão do que já tinha dito, Mary franziu o cenho. — Por que não está me olhando?
O olhar de Beth finalmente subiu para seu rosto, onde se fixou.
— Ele só parece... Chateado. E acho que precisa de você. Só isso.
— Okay. Tudo bem. Obrigada.
Mary atravessou o mosaico no chão e subiu correndo as escadas. Ao chegar ao seu quarto, abriu a porta – e foi atingida por um sopro forte e congelante de ar.
— Rhage? – Enlaçando os braços ao redor de si mesma, estremeceu. — Rhage? Por que as janelas estão abertas?
Tentando não se sentir alarmada, entrou e fechou a porta de correr à esquerda de sua enorme cama. Então fechou a outra.
— Rhage?
— Aqui.
Graças a Deus, ao menos ele estava respondendo.
Rastreando a voz dele, foi ao banheiro – e o encontrou sentado no meio do chão de mármore com os joelhos erguidos até o peito, braços enlaçados ao redor das pernas,
cabeça baixa e virada para o outro lado, que não o dela. Vestia moletom e tão grande quanto sempre, mas tudo nele parecia ter encolhido.
— Rhage! – Correu e se ajoelhou ao lado dele. — Qual o problema? Precisa de um médico?
— Não.
Praguejando, acariciou o cabelo dele para trás.
— Está sentindo dor?
Quando ele não respondeu ou ergueu o olhar, ela contornou para o outro lado para poder ver o seu rosto. As pálpebras dele estavam semicerradas e os olhos vidrados.
Ele parecia ter recebido notícias bem ruins.
— Alguém se feriu? – Um dos Irmãos? Layla? Só que se fosse isso, Beth teria falado para ela, não? — Rhage, fale comigo. Está me assustando.
Erguendo a cabeça, ele esfregou o rosto e pareceu perceber pela primeira vez que ela estava ali.
— Ei. Achei que estava no trabalho.
— Voltei mais cedo, – Felizmente. E se tivesse ficado lá e ele tivesse... Jesus, Marissa tinha razão. — Rhage, o que houve... Espere, alguém te bateu?
O maxilar dele estava inchado, e havia marcas azuis e pretas na pele bronzeada.
— Rhage. – Disse ela com mais energia. — Que diabos aconteceu com você? Quem te bateu?
— Vishous. Duas vezes... Bem, uma de cada lado.
Recuando, ela praguejou.
— Santo Deus, por que ele fez isto?
Os olhos dele traçaram o rosto dela e então estendeu o braço e tocou-a gentilmente com a ponta dos dedos.
— Não fique brava. Eu mereci... E ele fez minha visão voltar mais cedo do que de costume.
— Você ainda não respondeu minha pergunta, – Ela tentou manter a voz neutra. — Vocês dois brigaram?
Rhage passou o polegar levemente pelo lábio inferior dela.
— Adoro o jeito que você me beija.
— Por que vocês brigaram?
— E adoro o seu corpo, – As mãos dele desceram até os ombros dela e se moveram para a garganta. — Você é tão linda, Mary.
— Ouça, agradeço os elogios, mas preciso saber o que está acontecendo. – Disse colocando as mãos sobre as dele. — Você está claramente chateado com alguma coisa.
— Deixa eu te beijar?
Ao encará-la, ele pareceu desesperado de um jeito que ela não compreendia. E por causa da dor que pressentia nele, acabou cedendo.
— Sim. – Sussurrou ela. — Sempre.
Rhage inclinou a cabeça para o lado, e contrário à sua paixão habitual, seus lábios pousaram sobre os dela com suavidade, esfregando demoradamente. Quando a pulsação
dela acelerou, ela quase desejou não se sentir excitada – não queria ser distraída pelo sexo... Só que ele continuou a acariciar sua boca, e todo o caos em seu cérebro
se reorganizou na direção de uma sensação elétrica de antecipação, o cheiro flamejante dele, seu corpo lindo, seu poder masculino ofuscando todas as suas preocupações.
— Minha Mary. – Ele grunhiu ao lamber sua boca por dentro. — Cada vez com você... É nova. Nunca é o mesmo e sempre melhor do que o último beijo... O último toque.
As mãos dele desceram e ela sentiu o peso delas em seus seios. E então com um toque lento, ele tirou sua jaqueta, deslizando-a pelos braços, fazendo-a sentir a camisa
de seda, o sutiã rendado e toda a pele por baixo de suas roupas com ardente clareza.
Só que alguma parte dela falou mais alto. Talvez sua consciência? Por que ela, certo como o inferno, sentia como se tivesse falhado por não estar ali quando ele
mais precisava dela.
— Por que as janelas estavam abertas? – Perguntou de novo.
Mas foi como se ele nem a ouvisse.
— Eu amo... – Sua voz falhou e ele teve de pigarrear — Eu amo seu corpo, Mary.
Como se ela não pesasse nada, ergueu-a do chão de mármore e moveu-a para o lado, deitando-a no tapete felpudo que havia na frente da banheira. Recostando-se naquela
suavidade, ela observou os olhos dele viajarem sua garganta abaixo até seus seios... E descerem ainda mais, para os quadris e pernas.
— Minha Mary.
— Por que está tão triste? – Disse baixinho.
Ante a ausência de resposta dele, sentiu um momento de verdadeiro terror. Mas então ele começou a desabotoar os botões de sua blusa sem pressa, mantendo as duas
metades juntas ao retirá-la de dentro do cós da calça. Recuando um pouco, ele segurou a seda entre os dedos e expôs o corpo dela ao calor de seu olhar, e ao calor
do interior do banheiro.
Ele mudou de posição e ajoelhou-se entre suas coxas.
— Adoro seus seios.
Inclinando-se, beijou-a no peito. Na beirada do sutiã. Em cima de um mamilo. Uma súbita liberação da sutil pressão dos bojos informou-lhe que ele havia libertado
o fecho frontal – e então as correntes de ar varreram contra sua pele nua quando ele afastou a frágil barreira para as laterais.
Ele passou... Uma eternidade... Acariciando seus seios, apertando-os, esfregando as pontas enrijecidas. Até ela pensar que ia enlouquecer. E então começou a sugá-la,
primeiro de um lado, então do outro. Ela não conseguia se lembrar quando foi ele tinha ido tão devagar com ela – não que não fosse considerado. No entanto, seu hellren
funcionava num ritmo diferente, só dele, um ritmo ditado pela paixão desenfreada que sempre demonstrava por ela.
Não esta noite, aparentemente.
Ele desceu beijando-a até seu abdômen e soltou seu cinto fino, o botão e o zíper de suas calças. Quando ela ergueu os quadris, ele baixou sua calça e sumiu com ela,
deixando-a somente com a calcinha de seda cor creme.
De volta à sua barriga, ele a cobriu com as mãos espalmadas até cobrirem sua pélvis.
Ele ficou daquele jeito, acariciando-a com seus polegares pra frente e pra trás, em seu baixo ventre.
— Rhage? – Disse em um tom de voz chocado. — O que está me escondendo?
Capítulo VINTE E UM
Conforme Rhage ajoelhava sobre sua Mary, ele estava claramente ciente de que ela estava dizendo seu nome, mas ele estava muito perdido no clamor entre seus ouvidos
para responder.
Olhando abaixo para a barriga da sua shellan, ele a imaginou crescendo e ficando enorme como a de Layla, seu corpo abrigando a criança deles até que seu filho ou
filha pudesse respirar por conta própria. Na fantasia, tanto seu bebê quanto Mary seriam perfeitamente saudáveis antes, durante e depois do parto: ela resplandeceria
durante os dezoito meses... Ou seriam nove meses para as humanas...? E o parto seria rápido e indolor, e quando tudo tivesse passado, seria capaz de reunir ela e
a cria deles em seus braços e amá-los para o resto de sua vida.
Talvez seu garotinho tivesse olhos azuis e cabelo loiro, mas o caráter e inteligência incrível de sua mahmen. Ou talvez sua menina tivesse o cabelo castanho de Mary
e seus olhos verde-azulados e seria um foguete.
Seja qual fosse a combinação de aparência e espírito, imaginou os três sentados juntos para a Primeira e Última Refeição e todos os intervalos de lanches entre eles.
E imaginou que poderia pegar a criança para dar um descanso a Mary, assim como Z e Wrath faziam por suas shellans, com a mamadeira com o leite materno para o bebê.
Ou mais tarde, dando pedacinhos de seu prato a uma preciosa boquinha como Z tem feito agora com a Nalla.
E neste sonho maravilhoso, anos se passariam, e haveria birras aos três, e os primeiros pensamentos profundos e perguntas aos cinco. Então amigos aos dez e, Deus
me livre, dirigindo aos quinze anos. Haveria feriados humanos e festivais vampíricos... Seguidos por uma transição que mataria ele e Mary de medo... Mas porque esta
era uma fantasia, seu filho faria isso e sairia forte do outro lado. Depois disso? O primeiro coração partido. E talvez o Único.
Por que se ele e Mary tivessem uma filha, haveria a porra de um eunuco.
Ou porque o filho da puta viria dessa forma como um feito da Virgem Escriba... Ou porque Rhage teria o cuidado de resolver o problema ele mesmo.
E em seguida, muito, muito mais tarde... Netos.
Imortalidade na terra.
E tudo porque ele e Mary se amavam. Tudo porque em uma noite há anos e anos, e depois décadas e séculos atrás, ela veio para o centro de treinamento com John Matthew
e Bella, e ele esteve cego e trôpego, e ela tinha falado com ele.
— Rhage?
Sacudindo-se, ele se abaixou e depositou os lábios em sua barriga.
— Eu te amo.
Merda, esperava que ela tomasse essa rouquidão como excitação.
Com mãos rápidas, varreu sua calcinha fora e abriu suas coxas. Conforme trazia seus lábios para o sexo dela, ouviu-a gemer o seu nome... E estava determinado enquanto
a lambia e chupava: ele a amaria mesmo sem ela ter seu filho. Ele a adoraria como qualquer macho vinculado deveria. Estimaria, abraçaria, seria seu melhor amigo,
seu amante, seu mais ferrenho defensor.
Haveria um lugar vazio nele, apesar de tudo.
Um pequeno e diminuto buraco negro em seu coração pelo que deveria ter sido. O que poderia ter sido. O que ele nunca, jamais pensou que teria importância... Mas
que de alguma forma sempre sentiria falta.
Alcançando-a, acariciou seus seios enquanto a fazia gozar em sua boca.
Ele não deveria querer uma criança. Nunca tinha considerado... Ou sequer tinha pensado que ter Mary como companheira era uma coisa boa porque nunca estaria onde
Wrath e Z estavam. Onde Qhuinn estava.
Onde Tohr esteve.
Na verdade, parecia errado cobiçar a mesma coisa que não só poderia matar sua mulher se ela fosse normal e capaz de ter um filho, mas que teria condenado a ambos:
se a sua Mary não fosse infértil, a Virgem Escriba não teria permitido que eles ficassem juntos depois de salvar a vida dela do câncer. A mãe de V teria determinado
que, além de Rhage manter sua maldição, os dois jamais cruzariam caminhos novamente.
A balança deve ser preservada, afinal.
Erguendo a cabeça, varreu fora o moletom AHS4 e o que ele tinha na parte inferior, e moveu-se para montá-la... E foi cuidadoso quando angulou seu pau duro no núcleo
dela. Com um giro suave, entrou no corpo dela, e aquele seu aperto familiar, aquela compressão, aquele calor escorregadio, trouxe lágrimas aos seus olhos enquanto
imaginava, por apenas uma única vez, que os dois estavam fazendo isso não para se conectarem... Mas para conceberem.
Exceto que em seguida disse a si mesmo para parar com isso.
Nada mais de pensar. Nada mais de arrependimento pelo que poderia arruiná-los de qualquer maneira.
E nunca existiria qualquer conversa.
Ele nunca, jamais falaria com ela sobre isso. Ela certamente não tinha se voluntariado para o câncer ou quimioterapia ou infertilidade. Nada disso era obra dela,
assim como estava longe de ser uma questão de culpa que qualquer um pudesse ter.
Portanto, de maneira nenhuma ele poderia alguma vez expressar essa sua tristeza.
Mas sim, esta era a ansiedade que ele esteve sentindo. Esta era a distância. Esta era a fonte de sua irritação. Desde o passado não importando o tempo, tinha assistido
seus irmãos com seus filhos, vendo a proximidade das famílias, invejando o que tinham... E enterrando tudo isso até que as emoções exteriorizaram inesperadamente
na cozinha com L. W.
Algo como uma fervura que crescia até que não podia mais ser contida.
Rhage disse a si mesmo que deveria estar aliviado, por não estar louco ou maníaco a ponto da instabilidade mental. E mais ao ponto, agora que tinha descoberto o
que era, poderia colocar tudo isso pra trás.
Era só empurrar isso para a parte de trás de sua cabeça e fechar a porta.
As coisas estavam caminhando de volta ao normal.
Tudo ficaria bem, porra.
Ele estava magnífico, como sempre.
Enquanto Mary arqueava sob o corpo de Rhage investindo, ela não estava enganando a si mesma... Sabia que o sexo era apenas um desvio temporário do que tinha que
ser algum tipo de grande problema para ele. Mas às vezes você tinha que dar à pessoa o espaço que eles precisavam... Ou, neste caso, o sexo.
Por que, querido Senhor, sentia que isso era de alguma forma significativo para ele e de uma maneira diferente do habitual. Seu companheiro sempre a quis de uma
forma erótica, mas isso parecia... Bem, neste assunto, seus quadris poderosos eram capazes de dirigi-la para o outro lado do chão do banheiro, mas em vez disso,
eles estavam gentilmente empurrando nela. E também, ele parecia não querer segurar tanto quanto costumava se segurar, com seus braços envolvendo o torso dela para
que fosse levantada do tapete, e seu corpo montando o dela com um ritmo impulsionado que era ainda mais vívido por essa limitação pungente.
— Eu te amo. – Disse ele em seu ouvido.
— Eu também te amo...
Seu próximo orgasmo cortou a voz dela, empurrando-a de tal modo que seus seios batiam na parede de seu peitoral. Deus, ele estava tão bonito enquanto continuava
em cima dela, com o ritmo de suas penetrações estendendo os choques pulsantes que golpeavam inteiramente o seu sexo até que ele era a única coisa que ela reconhecia
no universo, até que o passado e o futuro desapareciam, até que toda a desordem em sua mente e em torno de seu coração desintegrasse.
Por alguma razão, o silêncio dessas críticas repreendidas, o recuo dessa preocupação incessante, o sumiço que aniquilava e as provações noturnas de se perguntar
se estava fazendo seu trabalho direito... E às vezes saber ao certo se não estava... Trouxeram lágrimas aos olhos dela.
Ansiedade sobre Rhage à parte, não sabia quão fortemente esteve ferida. Quão pesado o fardo se tornara. Quão preocupada sempre estava.
— Sinto muito. – Ela engasgou.
Instantaneamente, Rhage congelou.
— O que?
Os olhos dele estavam estranhamente horrorizados quando se mexeu e olhou para ela. E ela sorriu enquanto enxugava as lágrimas.
— Estou apenas tão... Grata por você. – Sussurrou.
Rhage pareceu abalado.
— Eu... Bem, eu me sinto da mesma forma.
— Terminou? Dentro de mim? – Ela arqueou-se contra ele. — Quero sentir você gozar.
Rhage baixou a cabeça em seu pescoço e começou a se mover mais uma vez.
— Oh, Deus, Mary... Mary...
Dois golpes mais tarde ele estava gozando, seu corpo incrível enrijecendo, sua ereção golpeando profundamente dentro dela e começando outra liberação.
Ele não parou. Não por um longo tempo. O que era algo que os vampiros machos tinham a capacidade de fazer. Ele continuou gozando, enchendo-a a ponto de transbordar...
E ainda assim, continuou até que as liberações vieram tão estreitamente próximas, que se converteram numa única corrida pulsante.
Quando ele terminou, tombou caído e imóvel, mas depois apoiou seu peso nos cotovelos para que ela pudesse respirar.
Deus, ele era tão grande.
Ela estava acostumada ao seu tamanho até certo ponto, mas quando abriu os olhos, tudo o que podia ver era apenas parte de seu ombro. Todo o resto foi bloqueado pela
sua corpulência.
Acariciando seus bíceps, disse calmamente.
— Por favor, diz pra mim o que está errado.
Rhage se empurrou pra trás um pouco mais para que pudesse olhar dentro dos olhos dela.
— Você parece tão triste. – Ela traçou suas sobrancelhas. A tristeza moldada à boca perfeita. Os hematomas em sua mandíbula. — É sempre melhor se você falar com
alguém.
Depois de um longo momento, ele abriu a boca...
Bam! Bam! Bam!
Do lado de fora do quarto, o impacto inconfundível de um Irmão batendo na porta não foi nem um pouco abafado.
Rhage virou e gritou:
— Sim?
A voz de V chegou até o banheiro.
— Temos uma reunião. Agora.
— Entendido. Chegando.
Rhage virou e a beijou.
— É melhor eu ir.
Sua retirada foi rápida e seus olhos ficaram baixos enquanto a ajudava a levantar do tapete até o chuveiro.
— Eu gostaria de ficar lá com você. – Ele disse enquanto abria a água quente.
Não, ela pensou, enquanto ele não olhava para ela. Você na realidade não quer.
— Rhage, sei que você tem que ir. Mas você está me assustando.
Enquanto a movia para debaixo do jato, tomou o rosto dela entre as mãos e olhou-a fixamente nos olhos.
— Você não tem nada com que se preocupar. Nem agora nem nunca... Pelo menos não sobre mim. Eu te amo até o infinito e nada mais importa, contanto que isso seja verdade.
Mary respirou fundo.
— Ok. Tudo certo.
— Vou voltar assim que a reunião acabar. E poderemos comer alguma coisa. Assistir um filme. Você sabe, fazer aquela coisa... Como os humanos chamam isso?
Mary riu um pouco.
— Netflix e relaxar5.
— Certo. Vamos ter Netflix e relaxar.
Beijou-a mesmo com o rosto molhado, depois recuou e fechou a porta de vidro. Ao sair, botou a calça de moletom novamente, mas manteve os pés descalços.
Ela o observou ir. E pensou que era incrível como alguém podia te tranquilizar... E ao mesmo tempo, tornar as coisas piores.
Que diabos estava acontecendo com ele?
Quando terminou seu banho, ela se enrolou na toalha, escovou os emaranhados de seu cabelo molhado, e vestiu-se em um conjunto de calças de ioga e um grande suéter
de cashmere preto que quase chegava até os joelhos. Ela tinha comprado a coisa para Rhage quando eles saíram no inverno anterior, e tinha até mesmo conseguido esta
cor que não era a favorita dele, depois de muito tempo tentando diversificar seu guarda-roupa. Porém ele não foi capaz de usá-lo muitas vezes, porque sempre esquentava
demais quando usava.
O tecido cheirava como ele, no entanto.
E quando deixou o quarto, sentiu como se ele estivesse com ela... E cara, precisava disso esta noite.
Parando em frente ao estúdio do Rei, ouviu as graves vozes masculinas do outro lado das portas fechadas.
Lá embaixo no hall de entrada, podia ouvir o doggen falando. A enceradeira. O tilintar do cristal, como se as arandelas estivessem sendo retiradas para serem limpas
na pia novamente.
Sem fazer barulho, caminhou por todo o familiar corredor vermelho e dourado, dirigindo-se ao corredor das Estátuas. Mas não iria por esse corredor com suas obras
de arte Greco-Romanas em mármore e todos esses quartos. Não, ela estava indo ao próximo andar.
A porta para o terceiro andar da mansão não estava trancada, mas não estava aberta tampouco, e sentiu um pouco como se estivesse invadindo quando abriu o caminho
para as escadas e foi lá para cima. No patamar, em frente aos quartos de Trez e iAm, estava a porta de aço abobadada da suíte da Primeira Família e ela tocou a campainha,
exibindo o rosto para a câmera de segurança.
Momentos depois, houve uma série de trincados conforme as barras se moviam livremente de suas conexões, e em seguida o painel pesado se abriu. Beth estava do outro
lado com L.W. em seu quadril, seu cabelo em uma trança por cima do ombro, aquele velho jeans azul e suéter azul brilhante, a própria definição de caseiro. Não era
no mínimo aconchegante? O incrível brilho das pedras preciosas que estavam fixadas em todas as paredes além.
Mary nunca esteve nos aposentos privados antes. Poucos tinham, além Fritz, quem insistia em fazer a limpeza lá em cima ele mesmo. Mas Mary ouviu dizer que a suíte
inteira era cravejada com pedras preciosas do tesouro do Antigo País... E claramente era verdade.
— Ei, – A Rainha sorriu mesmo quando L.W. agarrou um pouco do cabelo em cima da orelha e puxou. — Ok, ai. Vamos tentar outra coisa que envolva os bíceps, tá?
Enquanto Beth desenrolava aquele pequeno punho gordo, Mary disse sombriamente.
— Preciso que você me diga o que aconteceu com Rhage. E não finja que não sabe o que é.
Os olhos de Beth fecharam brevemente.
— Mary, eu não deveria...
— Se os papéis estivessem invertidos, você gostaria de saber. E eu te contaria se me pedisse também... Porque é isso que a família faz um pelo outro. Especialmente
quando alguém está sofrendo.
A Rainha praguejou. Em seguida, ela se afastou e acenou para a suíte cintilante.
— Vamos entrar. Precisamos fazer isso em particular.
Capítulo VINTE E DOIS
Geralmente Rhage mantinha algo na boca durante as reuniões com o Rei. Pirulitos Tootsie Pops eram sua preferência, mas na falta, topava um pacote de caramelos Starbust
ou talvez algo da linha Chips Ahoy!6 – os antigos, dos pacotes azuis, crocantes, não mastigáveis e sem nozes. No momento, seu estômago não conseguiria lidar com
nada do tipo, ainda que não por causa da besta.
Mas pelo menos sua visão estava bem melhor do que após os murros de V.
Enquanto as persianas se abaixavam para o dia, recostou-se no canto ao lado das portas duplas, enquanto os irmãos tomavam seus lugares de costume pela sala: Butch
e V em um dos estreitos sofás franceses, os dois em poses quase iguais, pernas cruzadas com o tornozelo sobre os joelhos; Z estava em pé, encostado à parede na melhor
posição defensiva com Phury bem ao seu lado; John, Blay e Qhuinn agrupados perto da lareira. Rehvenge, por sua vez, estava na frente da mesa ornamentada de Wrath,
o líder dos sympaths sendo um dos conselheiros mais próximos do Rei, e Tohr estava sentado à direita de Wrath devido à sua posição como chefe da Irmandade, um primeiro-tenente
em todos os assuntos.
Lassiter não estava por perto e Rhage achou que o anjo caído estava assistindo TV em algum lugar. E Payne, que geralmente participava deste tipo de coisa? Provavelmente
estaria vigiando Xcor.
Pois Deus sabia que aquela fêmea era capaz de lidar sozinha com qualquer macho no planeta.
Como sempre, Wrath era o ponto focal de tudo, sentado no trono ornamentado que seu pai tinha usado, os óculos escuros do Irmão varrendo a sala, mesmo sendo cego,
sua mão descansando em cima da cabeça quadrada de seu cão-guia golden retriever.
Mas naquela manhã era Qhuinn quem falava.
— ... tem duas pessoas lá embaixo em tratamento, Layla e meu irmão. Nenhum deles teria condições de se defender caso ele escape, e a Dra. Jane, Manny e Ehlena são
médicos, não guerreiros.
— Com todo o respeito, Xcor está sendo fortemente vigiado, – Disse Butch — O tempo inteiro.
— Se Marissa estivesse com o seu filho na barriga, isto seria suficiente?
O tira abriu a boca. Então a fechou e anuiu.
— É. Tem razão.
Qhuinn cruzou os braços na altura do peito.
— Pessoalmente, não ligo a mínima se ele é o próprio Hannibal Lecter, não quero ele perto da clínica.
Quando o Irmão silenciou, Wrath perguntou.
— Qual a condição atual de Xcor?
Vishous coçou o cavanhaque.
— Ainda está em coma. Os sinais vitais não estão fortes, mas estão estáveis. Nenhum movimento do lado direito. Acho que teve um derrame.
— Mas não tem certeza?
— Não sem arrastar o traseiro dele até o Havers para uma tomografia. Mas não quero atravessar a cidade com ele só para confirmar o que eu já tenho quase certeza...
E sim, tanto Jane quanto Manny concordam com minha conclusão.
— Alguma ideia de quanto tempo o coma vai durar?
— Não. Ele poderia estar despertando agora mesmo. Ou daqui a um mês. Ou ficar em estado vegetativo permanente. Não há como dizer. E se ele acordar? Dependendo da
gravidade do derrame, pode ter sequelas cognitivas. Fisicamente fodido. Ou completamente normal. Ou em qualquer ponto entre estes extremos.
— Maldição. – Murmurou Tohr.
Wrath se inclinou para o lado e ergueu George do chão, colocando-o no colo. Quando uma nuvem de pelo louro se ergueu no ar, o Rei tirou alguns da boca antes de falar.
— Qhuinn está certo. Não podemos mantê-lo lá, especialmente com os novos alunos que estão pra chegar. Primeiro, vocês cuzões vão precisar da sala de tiro ao alvo,
mas mais que isso, nós com certeza não vamos querer nenhum daqueles fodidinhos acordando mortos no final da aula, só porque nosso prisioneiro acordou e saiu de sua
gaiola. A questão é, para onde podemos levá-lo? Eu o quero perto suficiente para termos cobertura imediata, mas temos de tirá-lo da propriedade.
Houve um bocado de discussão, a qual Rhage não conseguiu acompanhar inteiramente. A verdade era, por mais crítica que fosse a situação com Xcor, a maior parte de
seu cérebro estava de volta ao banheiro com sua Mary enquanto deliberadamente lembrava-se do quanto seus gemidos eram incríveis, o quanto amava estar dentro dela.
Nada estava perdido entre eles ou faltava em sua vida sexual que não pudessem resolver. Nada.
De verdade.
— ... de Bastardos deve estar fazendo buscas pelo centro da cidade inteiro, – Alguém disse. — Procurando por um corpo ou um sinal de que ele tenha carbonizado.
Vishous interrompeu.
— Encontrei dois celulares com ele. Um tinha um sistema fácil de senha que invadi com facilidade... Não havia nada, exceto detalhes sobre negociações de drogas e
todos sabemos que isto já é coisa do passado. O outro dispositivo apagou assim que consegui quebrar a senha e acho que é o do Xcor... Claramente os Bastardos instalaram
alguns sistemas rudimentares de segurança.
— Você vai conseguir fazer o celular voltar a funcionar? — Perguntou Wrath.
— Depende dos danos causados pelo sistema de segurança deles, ainda preciso fazer uns testes. Pode ser que consiga extrair alguns dados, mas pode levar um tempo.
— O Bando de Bastardos não vai descansar até achar Xcor. – Alguém murmurou.
A voz de Tohr foi um grunhido.
— Então me deixe dar um corpo a eles.
— Ainda não, meu irmão. – Wrath olhou para o cara. — E você sabe disso.
— Mas se o cérebro dele está morto, não há informações a extrair...
Wrath falou para o macho.
— Quero todo mundo no centro da cidade pelas próximas três noites. O desaparecimento de Xcor fará os Bastardos saírem da toca. Já temos um deles, eu quero todos.
— Também é melhor ficar de olho nos lessers. – Alguém murmurou. — Só por que vencemos a noite passada, não significa que a guerra acabou.
— O Ômega irá fazer mais. – Wrath concordou. — Isto é merda certa.
Butch falou.
— Mas em se tratando de lessers... Acho que estamos focando no sintoma, não na doença. Precisamos tirar o Ômega da jogada. Digo, esta é a profecia do Dhestroyer,
certo? Supostamente deveria ser eu a fazer isto, mas não conseguiria absorver todos aqueles que estavam no campus. De jeito nenhum.
V deu ao seu melhor amigo um aperto no ombro.
— Você faz o bastante.
— Obviamente não... Quanto tempo já faz? E eles estavam em menor número, mas ainda havia uma caralhada deles vindo atrás da gente naquele campus.
— Minha mãe é inútil pra cacete. – V reclamou ao acender um cigarro. — Estamos combatendo a Sociedade Lessening há séculos. Mesmo com a profecia, não vi indicação
nenhuma de estarmos erradicando-os...
— Eu sei onde podemos colocar Xcor. – Rhage interrompeu.
Quando todos os olhos da sala se fixaram nele, ele deu de ombros.
— Não surtem. Mas a solução é clara.
Lá embaixo, no centro de treinamento, Layla reconheceu a sensação que a assolava desde a noite anterior.
Ao se sentar na beirada de sua cama de hospital, sabia exatamente o que significava aquela gritante sensação de destino, a queimação no centro do seu peito, o comichão
enervante e incansável.
Só não fazia sentido.
Então ela tinha de estar interpretando tudo errado. Será que talvez isto fosse ainda outro sintoma da gravidez e só parecesse outra coisa?
Bem, de qualquer forma, ela ia descobrir, pensou ao se levantar da cama e cambalear até a porta. Seu mais recente repouso de doze horas tinha acabado, então era
hora de esticar as pernas de novo... E sem Irmãos de babá, e Qhuinn e Blay em reunião, aproveitaria sua relativa liberdade ao máximo.
Saindo para o corredor, olhou ao redor. Não havia ninguém fora de seu quarto. Sem sons vindos da clínica. E o ginásio e sala de musculação no final do corredor,
ambos também pareciam quietos.
Ostensivamente, não havia ninguém ao redor. Nem Irmãos, serviçais ou equipe médica. Então realmente... Como era possível que estivesse detectando a presença de Xcor
aqui embaixo?
Seria impossível aquele Bastardo estar no complexo da Irmandade. Ele era inimigo, pelo amor de Deus – o que significava que, caso ele tivesse se infiltrado na propriedade,
estaria ocorrendo um ataque, o inferno recaindo sobre eles, os Irmãos estariam por todos os lados armados até os dentes.
Em vez disso? Somente uma porção de nada, como diria Qhuinn.
Isto devia ser algum estranho sintoma relacionado à gravidez...
Não, pensou. Ele esteve aqui. Ela o detectava em seu próprio sangue – era o que acontecia quando você alimentava alguém: um eco de você mesmo permanecia com o outro
e era como captar seu reflexo em um espelho a certa distância.
Não dava para confundir com nenhuma outra coisa. Não mais do que se conseguiria confundir a própria imagem.
Erguendo a frente de sua camisola Lanz – por hábito, ao invés de necessidade, por causa de sua grande barriga – bamboleou pelo chão do corredor de pantufas, passando
pelo recém-construído banheiro feminino, vestiário masculino e a sala de musculação.
Nada particularmente se registrava em lugar algum. Mas ao passar pelo ginásio e chegar à entrada da piscina, ela parou.
Bem adiante. Era como se ele estivesse bem ali à frente...
— Ei garota, o que está fazendo?
Layla deu meia volta.
— Qhuinn, olá.
O pai de seus filhos aproximou-se dela, os olhos avaliando seu rosto, a barriga.
— Está tudo bem? O que está fazendo aqui, tão longe?
— É só... É minha hora de me exercitar.
— Bem, não precisa ser aqui — Qhuinn tomou-a pelo cotovelo, girou-a e guiou para longe. — De fato, talvez devêssemos levá-la de volta para a mansão por enquanto.
— O que?... Por quê?
— Lá é mais confortável.
Em menos de um minuto estavam de volta ao seu quarto. Ela não era estúpida. Ele foi o maior apoiador dela ficar aqui embaixo na clínica por que era melhor para ela
e para os bebês, mais seguro. Agora ele mudava de ideia?
Com o coração disparado e a cabeça girando, sabia muito bem que seus instintos não estavam mentindo. Xcor estava aqui, em algum lugar do centro de treinamento. Será
que o capturaram em campo? Será que foi ferido e trazido para cá como fizeram com aquele soldado dele?
Qhuinn se inclinou pra frente para abrir a porta.
— De qualquer forma, vou falar com a Dra. Jane sobre...
— Falar sobre o que?
— Falando no diabo... – Qhuinn disse suavemente ao se virar.
A companheira de V estava saindo da sala de estoque com uma pilha de aventais cirúrgicos nos braços.
— Olha, não comente nada com Fritz sobre isto, está bem? Mas lavar roupa clareia meus pensamentos, e às vezes é preciso relaxar.
Qhuinn sorriu por uma fração de segundo.
— Eu na verdade estava descendo pra falar com você. Estava pensando que poderia ser bom para Layla passar um tempo no quarto dela.
A Dra. Jane franziu o cenho.
— Na casa?
— É tão clínico aqui embaixo.
— Ah, é justamente este o objetivo, Qhuinn. – A Dra. Jane mudou a carga de braço, mas não desviou o firme olhar verde. — Sei que entramos em um período tranquilo
da gravidez e espero que continue assim. Mas não podemos arriscar, e a cada noite que passa, estamos mais perto e não mais longe, do grande momento.
— Só pelas próximas vinte e quatro horas.
Layla olhava de um para o outro. E sentiu-se como uma hipócrita mentirosa ao dizer:
— Eu me sinto mais segura aqui.
— Há quanto tempo está de pé? – perguntou a Dra. Jane.
— Eu só caminhei pelo corredor na direção do ginásio...
— Podemos levar uns equipamentos para a casa. – sugeriu Qhuinn. — Sabe, coisas de monitoramento. Coisas assim. Além disso, não será por muito tempo.
A Dra. Jane meneou a cabeça como se não pudesse acreditar no que tinha ouvido.
— Uma sala de operação? Acha que podemos transferir a sala de operação para lá? Não quero ser alarmista... Mas ela está esperando gêmeos, Qhuinn. Gêmeos.
— Eu sei. – Os olhos díspares de Qhuinn se fixaram nos da médica. — Estou totalmente ciente dos riscos. Assim como você.
A Dra. Jane abriu a boca. Então hesitou.
— Ouça, vou levar isto para meu consultório. Me encontre lá, está bem?
Assim que a médica saiu, Layla fixou o olhar em Qhuinn.
— Quem mais está aqui embaixo?
Qhuinn colocou a mão no ombro dela.
— Ninguém, por que pergunta?
— Por favor. Apenas me conte.
— Não é nada. Não sei do que ela está falando. Deixa eu te pôr na cama.
— Você não precisa me proteger.
Aquelas sobrancelhas escuras cerraram tanto que ele não estava apenas franzindo o cenho, estava gritando.
— Sério. Sério?
Layla exalou e colocou a mão sobre a barriga.
— Desculpe.
— Merda, não, não se desculpe, – ele jogou o cabelo para trás em um gesto tenso, e pela primeira vez ela viu as bolsas escuras sob seus olhos. — Todo mundo está...
Sabe, é a guerra. É estressante pra caralho.
Passando o braço ao redor dos ombros dela, guiou-a para o quarto e de volta à cama onde a ajudou a se ajeitar como se fosse feita de porcelana.
— Eu venho ver como você está no final do meu... Mais tarde. Ah, volto mais tarde. – Ele deu um sorriso que não chegou aos olhos. — Me avise se precisar de alguma
coisa, está bem?
Quando as familiares ondas de culpa e medo se avolumaram dentro dela, Layla não conseguiu dizer nada, seu maxilar literalmente travou e os lábios apertaram bem forte.
Mas o que podia fazer? Se dissesse a ele que sabia que Xcor estava ali...
Bem, ele iria querer saber como ela sabia. E seria impossível mentir para ele e dizer que era por ter alimentado o Bastardo há tantos meses atrás... Na época em
que tinha sido enganada pelo soldado do Xcor para ir àquela campina para ajudar a quem ela inicialmente assumia ser um guerreiro civil, trabalhando com a Irmandade.
Ela já havia confessado seu pecado involuntário ao Rei; o que não disse a ninguém é que tinha continuado a encontrar Xcor muitas vezes depois disso – ostensivamente
para mantê-lo longe de atacar o complexo quando ele descobriu sua localização.
Na verdade, era por que ela tinha se apaixonado por ele.
E o fato dos encontros terem terminado? A realidade de que tinha sido o próprio Xcor a dar um basta nos encontros? Aquilo mal importava.
A verdade era que ansiava por aqueles momentos com ele. E aquela era a sua traição, apesar do tanto que tentou pintar a si mesma como vítima.
— Layla?
Praguejando, forçou-se a voltar à realidade.
— Desculpa. O que?
— Você está bem mesmo?
— Não. Digo... Sim, sim, estou bem. – Colocou a mão na parte baixa das costas e se esticou. — Só cansada. É a gravidez. Mas está tudo bem.
Qhuinn a encarou por um longo tempo, os olhos díspares avaliando seu rosto.
— Vai me chamar? Mesmo que só esteja ficando doida de tédio?
— Eu chamo. Prometo.
Quando a porta fechou atrás dele, ela soube o que ele iria fazer. Iria falar com os outros Irmãos... Se é que já não tinha falado. E em breve, muito em breve, ela
descobriria que não era mais capaz de detectar a presença de Xcor.
Ou por que ela teria sido realocada ou ele.
Com a cabeça entre as mãos, tentou respirar e descobriu ser impossível. Sua garganta estava contraída, as costelas pareciam barras de ferro, os pulmões queimavam.
Continuou dizendo a si mesma que se irritar não ajudaria em nada. Certamente não seria bom para a gravidez.
Além disto, nunca mais veria Xcor.
Por que era aquilo que acontecia quando se pressionava um macho a respeito de seus sentimentos. Ao menos, um macho como ele.
E ele não tinha atacado o complexo...
A menos que tenha sido assim que foi capturado? Oh, querida Virgem Escriba, será que ele tinha trazido soldados armados para cá? Teria sido este o motivo do caos
da noite passada?
Sua mente imediatamente entrou em parafuso, os pensamentos se misturando em padrões que não faziam qualquer sentido graças a muita velocidade e pouca racionalização.
Algum tempo depois, baixou os braços e olhou para a porta do banheiro. Parecia estar a quilômetros de distância. Mas precisava fazer xixi e talvez um pouco de água
fria no rosto ajudasse a se acalmar.
Baixando as pernas do colchão, ela apoiou-se nos pés e...
Umidade. Houve uma... Uma súbita umidade entre suas coxas.
Suas mãos foram para a frente de sua camisola e ela olhou para baixo.
E gritou.
Capítulo VINTE E TRÊS
No andar superior de sua casa de vidro, Assail tomou um banho que pareceu durar uma eternidade.
Os painéis de bloqueio estavam abaixados sobre as janelas, então estava escuro, nada além dos brilhantes spots e suas pequenas lâmpadas cor de pêssego o orientava.
A água estava extremamente quente e quando jogou a cabeça para trás, seu cabelo grudou na cabeça. Seu corpo estava em uma languidez pós-alimentação, pós-sexo e mesmo
seu vício parecia apaziguado.
Embora o último provavelmente se devesse mais às três carreiras que ele tinha cheirado assim que pisou em casa.
Esqueça o provavelmente.
Ele tinha trepado violentamente com Naasha várias vezes, então suas costas estavam doendo. Seu pau estava exaurido. Suas bolas, praticamente vazias.
Não havia alegria em seu coração. Nenhuma. Mas isto não era incomum. E o xampu e sabonete não fizeram nada para ele se sentir mais limpo, provavelmente porque a
sujeira que o incomodava não era exterior. Mas também, não podia dizer que aquilo não lhe era familiar.
Mas nem tudo estava perdido. Havia trabalho a fazer.
Ao chegar ao Novo Mundo, Assail não estava sozinho. Seus primos, Ehric e Evale, vieram na viagem com ele, e se provaram assistentes firmes e leais em todos os aspectos
de seus negócios profissionais. Desde que vieram morar com ele, jamais o deixaram na mão... E estava prestes a precisar deles de novo.
Para algo que provavelmente eles iriam gostar.
Naasha, como era de se esperar, tinha várias amigas em situações similares – fêmeas da glymera que não eram servidas adequadamente por hellrens mais velhos e buscavam
por certas... Liberdades... As quais não tinham acesso. E embora seus primos estivessem recolhidos às suas suítes, na hora em que Assail voltou para casa, ele tinha
certeza de que teriam se voluntariado para o trabalho e ficariam muito felizes de executar.
Por que Wrath tinha razão.
As coisas de fato estavam acontecendo na aristocracia.
Assail sentia, tão certo quanto um aroma no ar noturno. Ele só não saiba ainda o que era. Mas o tempo e o sexo dariam um jeito naquilo.
Saindo do chuveiro, apreciou o grosso e cálido tapete de banheiro felpudo sob seus pés e secou-se com uma toalha aquecida que pegou de uma barra perto do box. De
fato, tinha comprado aquela mansão direto do construtor totalmente mobiliada, e tudo havia sido antecipado e atendido na construção e decoração da casa. Cada luxo
foi ostentado. Nenhum centavo economizado.
Só que o lugar parecia bem vazio, apesar de seus três ocupantes. Meio que como o interior de seu corpo, não era? Refinamento e beleza no exterior, mas sem uma alma
por dentro.
Por um breve interlúdio, as coisas não foram assim. Em ambos os casos.
Mas o tempo havia passado.
Em seu quarto, ele se pôs nu entre os lençóis de seda e fez uma anotação mental para trocá-los na próxima noite. Embora não fosse comum para um macho de sua posição,
ele tinha crescido acostumado a cuidar de suas próprias roupas, toalhas de banho e trocar seus lençóis. Havia um estranho conforto em cuidar de coisas tão simples,
um começo e um fim para cada tarefa da qual tirava certa satisfação.
E era assim que geralmente passava os dias enquanto seus primos dormiam lá embaixo. Arrumando. Esfregando assoalhos e pias, banheiros e armários. Aspirando pó. Polindo.
Era um jeito produtivo de queimar a energia da cocaína.
Mas não neste dia em particular. Depois de alimentar-se, precisava de descanso, não só para a mente, mas para o corpo...
Ao seu lado, o celular tocou suavemente com o antiquado toque de campainha de telefones que não eram mais encontrados.
Ele nem se incomodou em verificar quem era. Ele sabia.
— Eu teria te ligado, – Ele disse — Mas não queria ser rude. É meio cedo para falar de negócios.
O Irmão Vishous não perdeu tempo. O que era uma de suas características mais predominantes.
— O que aconteceu? Conseguiu alguma coisa?
— Na verdade sim. Em diversas posições diferentes. Naasha é muito flexível.
Uma risada sombria veio pela linha.
— Com um macho como você, tenho certeza que ela foi. E esperamos que a mantenha muito satisfeita até ela começar a falar.
— Ela já começou, – Assail sorriu cruelmente no escuro. — Diga-me, sua reputação de Dom é só boato ou você é realmente tão pervertido?
— Vai descobrir em primeira mão se desperdiçar o meu tempo com fofocas.
— Excêntrico.
— Por que pergunta?
— Seu nome foi mencionado na conversa.
— Como?
O fato de não ser uma pergunta, mas uma exigência não era surpresa.
— Ela estava se gabando de antigas conquistas sexuais. Aparentemente você foi uma delas quando era mais nova... E ela deixou bem claro que você é quem tinha executado
toda a conquista, por assim dizer.
— Eu fodi com muita gente, – V disse em tom de voz entediado. — E esqueci noventa e cinco por cento delas. Então me diga o que descobriu... E não sobre sexo. Meu
ou de outros.
Assail não se surpreendeu sobre o redirecionamento da conversa.
— A aristocracia tentará se aproximar do Rei logo. Eles irão convidá-lo para uma recepção privada em comemoração do aniversário de 900 anos do hellren dela... Um
evento que mesmo em boas linhagens é meio raro.
— Eles estão planejando atirar em meu Governante de novo?
— Possivelmente. Meus instintos me dizem que há um caminho sendo forjado. – Assail meneou a cabeça, mesmo que o Irmão não pudesse vê-lo. — Eu só não sei por quem.
Naasha é mais reconhecida pelos seus atributos horizontais do que mentais. Ela não é capaz de desenvolver uma estratégia, seja de natureza traiçoeira ou mesmo um
evento social para a Última Refeição. É por isto que acredito que tem alguém por trás dela. Mas novamente, não sei quem... Ainda.
— Quando vai vê-la de novo?
— Ela vai oferecer um jantar esta noite e irei com meus primos. Devo conseguir descobrir algo mais.
— Que bom. Bom trabalho.
— Ainda não fiz nada.
— Mentira. Quantas vezes ela gozou?
— Parei de contar depois da sétima.
Outra risada sombria veio através da linha.
— Um macho igual a mim. E não descarte a perversão, seu fodidinho preconceituoso. Nunca se sabe quando pode começar a achá-la atraente. Ligue-me amanhã.
— Se continuar assim, vou estar falando mais com você do que com minha própria mahmen.
— Ela não está morta?
— Sim.
— Alguns bastardos ficam com toda a sorte.
Após o encontro com Wrath e a Irmandade, Rhage voltou para seu quarto, e ao abrir a porta esperava que Mary estivesse dormindo...
— Oi.
Está bem, certo. Mary estava bem acordada. Sentada na cama deles, recostada contra a cabeceira, joelhos erguidos contra o peito, braços enlaçando-os.
Como se estivesse à sua espera.
— Ah, oi. – Ele fechou a porta — Pensei que talvez estivesse descansando.
Ela negou com a cabeça. E olhou para ele fixamente.
No estranho silêncio que se seguiu, ele se lembrou de outra noite que parecia ter sido há um século... Quando tinha entrado neste mesmo quarto depois de testar seus
limites com uma humana. Mary estava ficando com ele, e vê-lo depois daquilo quase a destruiu... Inferno, também o tinha destruído voltar para ela daquele jeito.
Mas na época, tinha sido caso de ou fornecer algum sexo a seu corpo ou cair em cima de Mary e arriscar que a besta se libertasse enquanto estivesse dentro dela.
Afinal, sua Mary tinha enfeitiçado-o tanto e tão rápido que sua maldição ameaçava emergir somente na presença dela, e vivia aterrorizado ante a possibilidade de
machucá-la. Com medo de revelar aquela parte de sua natureza para ela. Convencido de que sua falta de valor poderia emergir e arruinar tudo.
Então tinha voltado para cá e teve de encarar aquele rosto, sabendo tudo o que tinha feito com outra mulher.
Depois da noite em que tinha descoberto que ela estava morrendo, aquela era a pior lembrança de toda sua vida.
Engraçado, isto parecia igual de algumas maneiras. Um acerto de contas que ele não queria, mas não podia fazer nada para evitar.
— Conversei com a Beth. – Ela disse sombriamente. — Ela me disse que você ficou com o L.W. enquanto ela levava pontos na mão.
Rhage fechou os olhos e quis xingar. Especialmente quando houve uma longa pausa, como se ela estivesse lhe dando uma chance de explicar.
— Quer me dizer o porquê que segurar o L.W. no colo te deixou tão emocional?
O tom de voz dela era neutro. Controlado. Gentil, talvez até mesmo solícito.
E isto fazia sua verdade parecer especialmente cruel e injusta. Mas ela não ia deixá-lo escapar, mudar de assunto, jogar aquilo de lado. Aquilo não era algo que
sua Mary faria, não em relação a algo assim.
— Rhage? O que aconteceu lá embaixo?
Rhage respirou fundo. Quis se aproximar dela na cama, mas precisava perambular – a agitação e queimação em seu crânio requeria algum tipo de expressão física ou
começaria a gritar. Ou a socar paredes...
Ele só precisava descobrir como verbalizar isto para não soar como se estivesse botando a culpa nela. Ou catastroficamente infeliz. Ou...
— Rhage?
— Me dê um minuto.
— Você está andando em círculos há mais de vinte.
Ele parou. Olhou para sua companheira.
Mary havia mudado de posição e estava agora sentada com o pé pendurado para fora do colchão alto. Ela era engolida pelo tamanho da cama, mas eles precisavam de um
colchão do tamanho de um campo de futebol; ele era tão grande que não podia se esticar em nada menor.
Merda. Estava se desconcentrando de novo.
— Será que foi por você... – Mary olhou para o próprio pé. Então olhou de novo para ele. — É por que você quer ter seu próprio bebê, Rhage?
Ele abriu a boca. Fechou.
Ficou ali como uma tábua enquanto seu coração ribombava no peito.
— Tudo bem. – Ela sussurrou. — Seus irmãos estão começando a constituir família... E observar pessoas que você ama fazer isto realmente causa mudanças. Desperta...
Vontades... Que talvez nem sabia que tinha antes...
— Eu amo você.
— Mas isto não significa que não esteja decepcionado.
Recuando até os ombros grudarem na parede, ele se deixou escorregar até o chão amparar seu traseiro. Então pendeu a cabeça porque não podia aguentar olhar para ela.
— Oh, Deus, Mary, não quero sentir isto, – Quando sua voz falhou, ele pigarreou. — Digo... Eu podia tentar mentir, mas...
— Você vem se sentindo assim há um tempo, não é? É por isto que as coisas estão um pouco esquisitas entre nós.
Ele estremeceu, derrotado.
— Eu teria contado algo antes, mas não sabia o que estava errado. Até lá embaixo na cozinha sozinho com L.W. Surgiu do nada. Isso me atingiu como uma tonelada de
tijolos... Não quero me sentir assim.
— É perfeitamente natural...
Ele socou o chão com força suficiente para rachar a madeira.
— Eu não quero isto! Não quero isto, porra! Você e eu é só o que preciso! Eu nem gosto de crianças!
Conforme a voz dele ecoava pelo quarto, podia senti-la olhando-o fixamente.
E não pôde suportar.
Agitado, golpeou ao redor e sentiu como se estivesse arrancando a pintura das paredes, tacando fogo nas cortinas e quebrando a cômoda com suas próprias mãos.
— Estou falando sério. – Rosnou. — Quando te disse que eu arranjaria um bebê se você quisesse um. Eu falei sério pra caralho!
— Sei que falou. O que não esperava era que fosse você quem acabaria com um vazio no meio do peito.
Ele parou de chofre e falou para o tapete oriental.
— Não importa. Isto não importa. Não vai mesmo acontecer...
— Beth me disse outra coisa. – Mary esperou que olhasse para ela e quando ele o fez, ela secou uma lágrima. — Ela disse que Vishous foi até você antes do ataque.
Ela disse... Que ele te contou que você ia morrer. Que ele tentou te fazer sair de lá, mas você se recusou.
Rhage praguejou e voltou a andar em círculos. Esfregando o rosto com uma mão, viu-se apenas querendo voltar aos primórdios de seu relacionamento. Quando tudo era
fácil. Nada além de bom sexo e um amor melhor ainda.
Não toda esta... Complicação de vida.
— Por que você não voltou? – Ela perguntou de maneira hesitante.
Ele descartou a pergunta com um gesto de mão.
— Ele podia estar errado, sabe. V não sabe de tudo ou ele seria um deus...
— Você correu antes do sinal combinado. Você não esperou... Foi sozinho. Em uma área cheia de inimigos. Sozinho... Logo depois de um de seus Irmãos, um que ainda
não tinha se enganado jamais, dizer que você ia morrer lá. E então você foi ferido. No peito.
Rhage não queria desabar.
Mas foi estranho. Ele estava em pé... E então estava no chão com as pernas falhando debaixo dele em ângulos tortos, seu torso seguindo-as em um amontoado relaxado
de braços e ombros. Mas era isto o que acontecia quando um guerreiro perdia sua luta... Ele se reduzia a uma arma caindo de uma mão que atirou, uma adaga solta de
uma palma, uma granada derrubada, ao invés de jogada no ar.
— Sinto muito Mary. Sinto... Tanto. Me desculpe, me desculpe...
Ele continuou repetindo aquelas palavras vezes sem conta. Não havia mais nada que pudesse fazer.
— Rhage. – Ao interromper sua confusão, a voz de sua Mary estava tão triste que o som dela era pior que a bala de chumbo que tinha ferido seu coração. — Você acha
que se adiantou ao sinal por que queria morrer? E por favor, seja honesto comigo. Isto é sério demais... Para ser varrido para debaixo do tapete.
Sentindo-se um merda, levou as mãos até o rosto e falou por entre as palmas.
— Eu só precisava... Estar perto de você novamente. Como sempre foi. Como deveria ser. Como precisa ser para mim. Eu pensei... Talvez se estivesse do outro lado
e você viesse para mim, poderíamos...
— Fazer o que estamos fazendo agora?
— Só que daí não teria mais importância.
— Ter um filho?
— Sim.
Quando ambos silenciaram, ele praguejou.
— Sinto como se estivesse te traindo de um jeito diferente agora.
Quando ela inalou profundamente, ficou claro que sabia exatamente ao que ele se referia... Àquele momento quando tinha voltado para ela depois daquela outra mulher.
Mas ela se recuperou rápido.
— Por que não posso te dar o que você quer, e você quer mesmo assim.
— Sim.
— Você... Você quer estar com outra mul...
— Deus, não! – Rhage baixou as mãos e negou com a cabeça com tanta força que ela quase se desprendeu da espinha. — Porra, não! Nunca. Jamais. Eu prefiro estar com
você, sem filho nenhum do que... Digo, Jesus, nem por um momento.
— Tem certeza disso?
— Absoluta. Juro. Cem por cento de certeza.
Ela anuiu, mas não estava olhando para ele. Estava de novo olhando para o pé ao flexionar os dedos, então separá-los, então curvá-los para baixo, e então os movendo
para cima.
— Por que tudo bem se for isto. – Disse ela baixinho. — Digo, eu iria compreender se você quisesse... Sabe, uma mulher de verdade.
Capítulo VINTE E QUATRO
Mary considerava-se inteiramente feminista. Sim, era verdade que a maioria dos homens podia levantar mais pesos do que a maioria das mulheres – e esta era uma realidade
tanto entre vampiros quanto humanos – mas além daquela diferença física insignificante, não havia absolutamente nada em seu ponto de vista, que machos fizessem melhor
do que as fêmeas.
Então foi com certa surpresa que percebeu sua sensação de fracasso total ao fato de estar meramente na mesma posição em que os homens estavam.
Entidades que nasciam com órgãos sexuais masculinos não podiam gerar filhos e nem ela. Vê? Igualdade total aqui.
Deus, como doía.
E era doloroso da forma mais estranha. A sensação era fria; era um vazio frio bem no centro do seu peito. Ou talvez mais pra baixo, mesmo que a metáfora de um vazio
onde deveria haver seu útero, no caso dela, só fosse a mais pura realidade.
Mas a sensação era esta. Um espaço oco. Uma caverna.
— Sinto muito. – Ela forçou-se a murmurar. Mesmo que não fizesse sentido algum.
— Por favor. – Implorou ele. — Nunca, jamais diga isto...
Oh, ei, veja, ele tinha se aproximado e ajoelhado à sua frente, as mãos sobre seus joelhos, os olhos azuis fitando-a como se estivesse a ponto de morrer diante do
pensamento de ter lhe causado qualquer mágoa.
Ela colocou a mão no rosto dele e sentiu o calor de sua face.
— Está bem, não vou pedir desculpas por isto. – Disse ela. — Mas sinto muito por nós dois. Você não quer sentir isto e nem eu, e ainda assim, olha como estamos...
— Não, não é como estamos, por que eu rejeito tudo isto. Não vou permitir que isto afete a mim ou a você...
— Já mencionei ultimamente o quanto eu odeio o câncer? – Ela abaixou o braço, consciente de estar interrompendo a fala dele, mas incapaz de parar. — Eu realmente,
realmente, realmente, odeio fodidamente essa doença. É tão bom que vampiros não a tenham por que se você acabasse com alguma versão dela, eu odiaria o universo pelo
resto da minha existência imortal...
— Mary, ouviu o que eu disse? – ele tomou sua mão e levou-a de volta ao próprio rosto. — Eu nunca mais vou pensar nisto. Não vou deixar isto se interpor entre nós.
Não vai ser...
— Não funciona assim com as emoções, Rhage. Eu como terapeuta sei bem. – Ela tentou sorrir, mas achou que o que saiu foi uma careta. — Não podemos escolher o que
iremos sentir... Especialmente não quanto a um assunto tão fundamental como ter um filho. Digo, além da morte e de com quem você quer passar o resto da vida, a coisa
toda de ter um filho é a base da existência.
— Mas você escolhe o que fazer quanto às suas emoções. É o que você sempre diz... É possível escolher como vai reagir a seus pensamentos e sentimentos.
— Sim. Só que de alguma forma... Isto não parece ser possível no momento.
Deus, por que será que as pessoas não surravam seus terapeutas? ela se perguntou. Aquela baboseira hipócrita sobre “dar vazão a seus sentimentos, mas deixar seu
lado carinhoso controlar suas respostas” realmente eram de nenhuma ajuda em momentos como este... Quando se estava a ponto de desabar e seu companheiro também, e
havia uma voz no fundo de sua mente dizendo que vocês dois jamais sairiam desta, porque, Deus, quem poderia?
Oh, e P.S. era tudo culpa dela porque era ela que não tinha óvulos férteis...
— Mary, olhe para mim.
Quando ela finalmente olhou, surpreendeu-se com a expressão feroz naquele rosto lindo dele.
— Eu me recuso a deixar qualquer coisa se interpor entre nós, especialmente esse conto de fadas idiota sobre ter um filho. Por que é o que é. Wrath e Z? Sim, eles
têm filhos com suas companheiras, mas também têm de viver com a realidade de que suas shellans podem morrer... Pelo amor de Deus, Wrath de fato quase perdeu Beth.
E Qhuinn? É claro, ele não está apaixonado por Layla, mas não me diga que ele não se importa com aquela fêmea com todo seu coração considerando o filho dos dois
que ela carrega. – Ele exalou e se sentou mais para trás, apoiando as mãos no chão. Seus olhos fitaram a cabeceira da cama e vagaram ao redor, traçando os entalhes
na madeira. — Quando penso logicamente sobre isto... Por mais forte que seja meu desejo de ter um filho... – Ele mudou o peso e cutucou o centro do peito. — ...
por mais que eu sinta necessidade de ter um filho especificamente com você, o que eu tenho a mais absoluta certeza é que jamais trocaria qualquer criança por você.
— Mas sou imortal, lembra? Você não teria de se preocupar de eu morrer no parto igual a seus irmãos.
Os olhos dele fixaram nos dela.
— Sim, mas então eu não iria voltar a vê-la, Mary. Este era o equilíbrio, lembra? Você não saberia que jamais estivemos juntos... Mas eu sim. Pelo resto da minha
vida eu saberia que você esteve neste planeta, viva e bem... Eu só não poderia jamais vê-la, tocá-la, rir com você de novo. E se eu fosse atrás de você? Você cairia
morta na hora. – Ele esfregou o rosto. — Não poder ter filhos? Esta é a razão pela qual estamos juntos. Não é uma maldição, Mary... É uma bênção. Foi o que nos salvou.
Mary piscou para afastar as lágrimas.
— Rhage...
— Você sabe que é verdade. Sabe que este é o equilíbrio. – Ele sentou-se e tomou suas mãos. — Sabe que é por isto que temos tudo isto. Você nos deu nosso futuro
precisamente por que não pode gerar filhos e filhas para mim.
Quando seus olhos se encontraram de novo e se sustentaram, ela começou de novo a dizer que sentia muito. Mas ele não deixou.
— Não. Não vou ouvir isto, Mary. Sério. Não vou ouvir mais porra nenhuma. E sabe o que mais? Eu não mudaria nada. Nem uma coisinha.
— Mas você quer um...
— Não mais do que quero você comigo, do meu lado, vivendo comigo, me amando. – O olhar dele não se desviou do dela, a força de sua convicção tão forte que faziam
arder os seus olhos. — Sério, Mary. Agora, pensando bem... Onde eu estava com a cabeça? Não. A vida sem você seria uma tragédia. Vida sem filhos? É... Bem, só um
caminho diferente.
O primeiro instinto de Mary foi se apegar a seu próprio drama, a roda de hamster do arrependimento, raiva e tristeza tão sedutores e potencialmente implacáveis quanto
um buraco negro. Mas então tentou superar tudo aquilo, tentou de alguma fora atravessar para o outro lado.
O que a ajudou a se salvar?
O amor nos olhos dele.
Quando Rhage ergueu o olhar para ela, seus olhos eram como o sol, uma fonte de calor, vida e amor. Mesmo com tudo o que ela não podia lhe dar? Ele ainda de alguma
forma conseguia olhar para ela como se tudo o que lhe importasse... Fosse exatamente o que tinha à sua frente.
Naquele momento, Mary percebeu uma coisa.
A vida não tinha de ser perfeita... Para que o amor verdadeiro fizesse parte dela.
Seria somente um caminho diferente.
A coisa mais esquisita aconteceu quando estas cinco palavras saíram da boca do Rhage. Era como se um peso tivesse sido tirado de cima dele, tudo se tornou leve e
meio superficial, seu coração começou a cantar, a alma liberou-se do fardo, a distância que se interpunha entre ele e sua companheira desapareceu como fumaça, como
a névoa se dispersando, como uma tempestade que passou por ali e foi adiante.
— Eu não mudaria nada. – Quando ele falou as palavras, sentiu-se... Livre. — Nada. Não mudaria nada.
— Eu não te culparia se você quisesse mudar.
— Bem, não quero. – Ele acariciou sua perna, puxando suas pernas para ela olhar para ele. — Nem uma coisa.
Mary respirou fundo. Então aquele sorriso dela surgiu, os lábios arquearam nos cantos, os olhos voltaram a se iluminar.
— Mesmo?
— De verdade.
Rhage levantou-se e voltou a sentar perto dela, na mesma posição dela, só que suas pernas eram tão grandes que os pés bateram no chão. Segurando sua mão, ele a cutucou
com o ombro uma vez. Duas. Até ela rir e cutucá-lo de volta.
— Sabe, você tem razão. – Disse ele. — Conversar ajuda.
— Engraçado, estava agora mesmo pensando que tudo isso era baboseira.
Ele negou com a cabeça.
— É incrível como tudo depende de como você encara.
— O que você é, casado com uma terapeuta ou coisa assim? – Quando eles riram um pouco, ela estremeceu. — Sabe, eu nunca realmente pensei em filhos. Estava tão ocupada
passando pela faculdade e então minha mãe adoeceu. Daí eu adoeci. Quando comecei a cogitar, já era tarde para mim... E não houve nenhum lamento ou qualquer tipo
de sensação de perda na minha cabeça. Acho que por que eu sempre soube que o câncer voltaria. Eu sempre soube. E estava certa.
— Daí você se emparelhou com um vampiro.
— Foi. – Só que Mary franziu o cenho. — Quero que me prometa uma coisa.
— Qualquer coisa.
Ela virou a mão dele, traçando as linhas na palma.
— Estou contente por estarmos conversando... Lógico que era inevitável que este assunto surgisse, e realmente, em retrospecto, não sei por que não antecipei. E mesmo
que seja difícil para nós dois, estou contente de que estejamos falando sobre isto e fico feliz por você se sentir melhor. Eu só... Você precisa entender que algo
assim não se resolve só com uma conversa.
Ele não tinha tanta certeza. Antes, sentia como se as engrenagens não estavam se encaixando, mas agora? Tudo estava funcionando tão bem quanto costumava estar...
E ainda melhor.
— Talvez.
— Acho que o que estou tentando dizer é que eu não quero que você fique surpreso ou se sinta mal se seu desapontamento voltar. Da próxima vez em que vir Wrath e
L.W. ou da próxima vez em que Z aparecer com a Nalla no colo? Provavelmente vai sentir esta angústia de novo.
Quando ele imaginou seu Rei e o irmão, deu de ombros.
— É, tem razão. Mas sabe o que? Bastará eu me lembrar de que tenho você e que isto não seria possível sob outras circunstâncias. Isto vai ajudar a me fazer sentir
normal de novo. Prometo.
— Só se lembre de que a negação não é uma boa estratégia a longo termo se o que busca é saúde mental.
— Ah, mas a perspectiva é mais ou menos uma estratégia a longo termo. Assim como ser grato pelo que se tem.
Ela sorriu de novo.
— Touché. Mas, por favor, conversa comigo? Eu não vou quebrar e prefiro saber o que passa em sua cabeça.
Erguendo a mão, ele colocou uma mecha do cabelo dela atrás da orelha.
— Mary, você é a pessoa mais forte que eu conheço.
— Às vezes não tenho tanta certeza disto. – Com uma mudança de posição e um esticão, ela depositou um beijo em sua boca. — Mas obrigada pelo voto de confiança.
— Tudo isto foi uma surpresa tão grande. – Murmurou ele. — Não era como se eu vivesse esperando ter um filho ou que não tê-los sequer me incomodasse.
— Não dá para saber o que a vida vai nos apresentar. – Agora foi ela quem deu de ombros. — E acho que isto pode tanto ser bom, quanto ser ruim.
— Realmente falei sério. Se você quer um filho, eu encontro um para você. Mesmo que seja humano.
Por que Deus sabia que crianças vampiras eram quase impossíveis de serem encontradas para adoção. Eram tão raras, preciosas demais.
Mary negou com a cabeça após um momento.
— Não, não acho que isto vai acontecer. Meu instinto materno se expressa através do meu trabalho. – Ela olhou para ele. — Mas gostaria de ter sido mãe ao seu lado.
Teria sido bem divertido. Você seria um pai maravilhoso.
Rhage tomou seu rosto entre as mãos e sentiu todo o amor que tinha por ela percorrer seu corpo inteiro. Odiava que ela tivesse se magoado com isto. Teria feito absolutamente
qualquer coisa para evitar qualquer dor a ela.
Exceto sacrificar o amor deles.
— Oh Mary, você teria sido a mãe mais maravilhosa. – Ele acariciou seu lábio inferior com o polegar. — Mas você não é menos fêmea a meus olhos. Você é, e continuará
a ser para sempre, a companheira mais perfeita da terra, a melhor coisa que já me aconteceu na vida.
Quando os olhos dela novamente se encheram de lágrimas, ela sorriu.
— Como é possível... Que você sempre consiga fazer eu me sentir tão bela?
Ele a beijou uma vez, e então de novo.
— Só estou refletindo de volta o que vejo e sei que é verdade. Não passo de um espelho, minha Mary. Agora me deixa te beijar de novo? Mmmmmmmm...