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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A BESTA
A BESTA

 

 

 

                                                            Irmandade da "Adaga Negra"                                                                 

 

 

 

 

Capítulo TREZE
Quando Mary acordou, não tinha ideia de que horas eram. Levantando a cabeça do peitoral nu de Rhage, ela olhou em volta e se surpreendeu ao descobrir que os dois
caíram no sono na sala de recuperação e com as luzes acesas acima de suas cabeças.
Droga, não tinha tornado a conectar todas aquelas máquinas. Depois do pequeno interlúdio orgástico de Rhage, ele tinha se recusado a parar de abraçá-la, e ela deve
ter caído no sono de encontro a seu corpo quente e musculoso. Claramente Ehlena tinha chegado a conclusões certas – os monitores por si foram removidos. E sim, seu
hellren ainda estava muito vivo, seu peito subindo e descendo calmamente, e aquele maravilhoso Ba-bump, Ba-bump, Ba-bump de seu coração era um verdadeiro atestado
de sua saúde.
Fechando os olhos, estremeceu quando pensou na ferida da bala, o sangue que ele tinha tossido, aquele horrível...
— Ei, linda.
Assim que ele falou, ela levantou a cabeça. Seus olhos azuis semicerrados a prendiam, queria olhar dentro deles para sempre.
— Oi. – ela sussurrou.
Movendo sua mão para cima, ela acariciou a bochecha dele, sentindo sua barba loira começando a crescer.
— Você precisa se barbear.
— Preciso?
— É sexy, na verdade.
— Então vou jogar fora todos os meus barbeadores. Rápido, me ajude a ir pro nosso banheiro pra eu fazer isso agora.
Ela riu um pouco, então ficou séria.
— Como está sua visão?
— Que visão?
— Continua cego?
Ele soltou um som como hrrumph.
— Como se isso importasse! Você está aqui e eu posso te ouvir perfeitamente. Posso sentir você também. – A grande e larga palma da mão de Rhage esfregou seu ombro.
— Ei, tive uma ideia. Vamos pro nosso quarto e depois de cancelarmos minha assinatura do Clube de Barbear, podemos cair na Jacuzzi. Depois de um banho e meio, podemos
ir pra cama e ver o que acontece. Lembre-se que eu te devo pelo menos um bom passeio... E então tem os juros. Ohhh, aqueles juros... Tenho muita coisa pra fazer
por causa disso.
Mary riu um pouco.
— O que? – Ele disse com um olhar severo. — O que tem de errado?
Colocando-se na vertical e afastando-se do peito dele, ela estalou as costas se esticando. Jogou seu cabelo para longe do rosto. Colocou o colarinho da camisa no
lugar para não se asfixiar mais.
— Que pena, hein?
Com um gemido de dor, ele agarrou os botões do controle e deixou o ângulo do colchão mais alto para que então pudesse se sentar de modo mais apropriado.
— Fale comigo.
Quando ela se moveu para os pés de sua cama e tentou achar as palavras, Rhage recuou.
— Uau. Você está... Por que está chorando?
— Jesus, eu estou? – Uma passada rápida de sua palma na bochecha e ela achou umidade. — Uau. Sim, me desculpe por isso.
— O que está acontecendo? Preciso matar alguém pra você?
Esta era a primeira resposta de um macho emparelhado para qualquer coisa que chateasse sua shellan, e antes que pudesse evitar, ela sussurrou: — A morte já aconteceu,
na verdade.
— Huh.
Por alguma razão, seu pensamento voltou para aquela noite, cerca de dois anos atrás, quando Rhage, V e Butch saíram e mataram um hellren criminoso, então Bitty e
Annalye puderam viver.
— A mãe de Bitty morreu na noite passada.
— Ohhhhh, merda. – Rhage sentou completamente para frente por conta própria, como se tivesse em mente pular para fora da cama mesmo que não tivesse nenhum lugar
para ir, nenhum ataque para defendê-la. — Mas por que inferno você não me disse?
— Você estava meio que ocupado morrendo na hora...
— Você deveria ter me contado. Eu fiz você me masturbar...
— Pare com isso. Eu amo isso. Nós precisávamos disso.
Quando seu lindo rosto ficou insuportavelmente tenso e ele cruzou os braços no peito como se estivesse chateado consigo mesmo, ela arqueou pra cima e o beijou na
boca. — Obrigada.
— Pelo que?
— Por se importar com ela também.
— Como eu não poderia? O que posso fazer pra ajudar?
Mary se sentou e soltou.
— Eu senti sua falta.
Rhage bateu no ar entre eles como se estivesse indo tocá-la, e ela colocou seu rosto entre as mãos dele, deixando-o sentir suas bochechas e mandíbula, os lados de
sua garganta.
— Senti sua falta também, – Ele disse num tom baixo. — Nós estivemos... Afastados ultimamente. Não separados, mas afastados.
— Me desculpe. Eu sei. Estive envolvida com tudo no Lugar Seguro e isso realmente não é justo...
— Pare com isso. Você nunca tem que se desculpar comigo por amar seu trabalho ou precisar estar sempre por dentro das coisas, como faz. Sou a última pessoa que não
entenderia isso. Você é maravilhosa lá, e uma pessoa maravilhosa que ajuda todo mundo...
Mary abaixou os olhos, mesmo pensando que tecnicamente não havia nenhum olhar fixo para ela escapar.
— Nem sempre. Deus, nem sempre.
— Conte pra mim. Mary, não quero ser exigente... Mas você realmente precisa falar comigo.
Quando ela se lembrou de tudo que aconteceu, seus olhos se encheram de lágrimas novamente.
— Eu, ah... Eu recebi a ligação na minha mesa que as coisas não estavam indo bem com Annalye e levei Bitty no Havers. Eu realmente pensei... Bem, quando minha mãe
se foi, eu estava com ela e isso foi importante para mim, especialmente depois, sabe? Quero dizer, quando penso nela e sinto sua falta... Há um certo consolo que
tenho ao saber que ela não estava sozinha quando morreu. Que... Que estava comigo no começo da minha vida e que eu estava com ela no fim da dela, – Mary soltou um
suspiro trêmulo. — Quero dizer, Bitty é nova... Ainda há tantos anos pela frente para ela lidar com isso, sabe? E o que foi importante para mim quando eu era adulta,
meio que parecia algo que poderia ser importante para ela depois. Em todo caso... Eu não queria que isso acontecesse.
— O que acontecesse?
Mary cobriu o rosto com as mãos quando as memórias atravessavam sua consciência como uma faca.
— Quando Bitty... Oh Deus, quando Bitty pegou a mão de sua mãe, a fêmea morreu bem naquela hora. Bitty pensou que ela fosse a responsável. Isso foi... Horrível.
Nada do que eu queria para nenhuma das duas.
Eu a matei! Eu a matei!
— Talvez a mahmen dela estivesse esperando por ela.
Mary secou os olhos e deixou os braços caírem em derrota.
— É isso o que eu estou dizendo a mim mesma. Não que isso realmente ajude...
— Mary, quando fui baleado naquele campo e estava morrendo, eu estava esperando que você fosse até mim. Era a única coisa que estava me segurando aqui. Quando se
ama alguém e você está partindo, espera até que a pessoa venha... E isso toma um monte de energia, um monte de foco. Estou te dizendo Mary, eu estava esperando por
você por que precisava ficar em paz contigo, mas não conseguia aguentar por muito tempo... E embora tivemos sorte e você salvou minha vida, a realidade é que eu
prolonguei meu sofrimento só para ter aquele momento contigo.
— Oh Deus, sério... Ver você sofrendo daquele jeito... Foi um dos piores momentos da minha vida.
Como se ele estivesse determinado a mantê-la no caminho, Rhage falou sobre ela.
— Você precisa dizer isso a Bitty, ok? Dizer a ela que sua mãe morreu naquele momento por que a voz de Bitty era o que ela precisava ouvir antes que fosse para o
Fade. Ela precisava saber antes de partir que sua filha estava bem. E te garanto, Mary, se você dissesse uma palavra naquele quarto, Annalye saberia que estava com
a filha dela também. E isso quer dizer que Bitty estaria segura. Annalye foi embora por que sabia que tudo bem ela ir.
— Nunca pensei nisso desse jeito, – Mary murmurou. — Você colocou isso de um jeito ótimo. Eu queria que você pudesse dizer isso a ela.
— Talvez eu possa algum dia. Inferno, diga o dia e a hora e estarei lá.
Quando Rhage começou a ir até ela, parecia focado nela mesmo que não pudesse enxergar – e na realidade, Mary tinha muita certeza nesse momento que nada mais nesse
mundo existia para ele além dela e dos seus problemas. Adicione aquela ridícula beleza masculina, aquele desejo sexual e aquele grande coração?
— Como nesse mundo acabei ficando com você? – Ela sussurrou. — Ganhei na loteria.
Seu hellren a alcançou e trouxe para perto de novo, colocando-a sob seu queixo.
— Oh, não, Mary. É o contrário. Acredite em mim.
Quando Rhage sentiu a tensão no corpo de sua shellan acalmar, esfregou suas costas em círculos lentos... E sentiu vontade de vomitar.
Não por causa da coisa toda da Besta.
— Então, sei que ainda temos 12 horas até o anoitecer, – Ela disse — Mas gostaria de ir para o trabalho essa tarde. Mesmo que só um pouquinho e somente se você...
— Oh Deus, sim. Bitty precisa de você. – Perguntou a si mesmo se tinha sobrado algum Alka Seltzer. — Estou bem.
— Tem certeza?
Não. Não mesmo. — Inferno, sim... Quantas vezes já passei por essa recuperação? Vou só deitar aqui e dormir muito. – Por que se não estivesse consciente, não iria
se sentir daquele jeito, certo? — E na verdade, pensando bem, você não precisa que eu diga nada a Bitty. Você tem maneiras melhores de colocar as coisas do jeito
certo.
— Eu costumava acreditar nisso.
— Não. – Olhou para baixo, para onde o som da voz dela estava vindo e pegou uma de suas mãos com a dele com urgência. — Mary, você não pode ter uma segunda opinião
sobre si mesma. Ouça, você vai para a guerra do seu próprio jeito, e a pior coisa que um soldado pode fazer é ter sua confiança perdida antes que chegue ao campo.
Não são todas as vezes que vai acabar em vitória, mas você tem que começar isso todas às vezes sabendo que seu treinamento e seus instintos são ouvidos. Você não
fez nada de errado. Não magoou Bitty de propósito. Certamente não é responsável pela mahmen dela escolher aquele momento para ir para o Fade... E de fato, há muitas
evidências que sugerem que a fêmea foi embora por que sentiu que sua filha estava em boas mãos. Você precisa acreditar em tudo isso, caso contrário vai ficar presa
em algo indefinido que não vai ajudar ninguém.
— Senhor, você está sempre tão certo.
Blah. Nem mesmo perto disso. Mas não é como que fosse trazer todos seus erros à tona agora, quando ela tinha problemas reais para lidar com aquela garotinha. Ele
era um idiota egoísta, mas não era tão babaca assim.
Puta merda, não podia acreditar que fez sua shellan atravessar aquilo daquele jeito... Não poderia viver consigo mesmo sabendo que fez Mary essencialmente assisti-lo
morrer na noite passada – e tudo por nenhuma boa razão, porra.
Tudo por que não tinha ouvido Vishous.
Na verdade não, ele tinha. E isso é o pior de tudo. De fato, tinha ouvido cada palavra que o Irmão disse e saiu pra lutar do mesmo jeito, completamente ciente do
que estava esperando por ele no campo de batalha se o cara estivesse certo.
Achava que essa era a definição de suicida, não era?
O que significa que ele era...
Ah, porra.
Enquanto a cabeça de Rhage começou a implodir com a realidade que estava só agora acordando nele, Mary continuou a falar de um jeito lento, e considerando o que
ela ia fazer para a garotinha, quais as consultas medicas ela tinha que ter, e então havia algo sobre um tio em algum lugar... E Rhage simplesmente deixou a conversa
de uma só pessoa seguir.
Na verdade, estava indefinidamente agradecido que ela se sentia melhor e mais conectada com ele. Aquela merda importava. Infelizmente, estava voltando a ficar longe
dela novamente, uma parte dentro dele flutuando para fora mesmo com o corpo dele ficando onde estava.
O que tinha de errado com ele, inferno? Ele tinha tudo o que queria na vida – e ela estava em seus braços neste exato momento. Ele tinha morrido de medo e tinha
passado por isso. Havia muito pelo que viver, pelo que lutar, pelo que amar.
Então por que faria uma coisa daquela? Por que correria para um caixão todo garantido? E por que essa distância dela de volta?
Bem, havia uma explicação. Alguma coisa tinha amarrado tudo com um arco grande, gordo e psicótico.
Ele frequentemente tinha se perguntado se estava louco. Tipo, tão intrinsecamente.
Suas emoções sempre foram tão extremas, pulando da loucura para a raiva, que ele tinha ficado preocupado algumas vezes que um dia iria pender para algum dos extremos
dessa espiral, nunca retornando para a sanidade novamente. Talvez isso finalmente tivesse acontecido. E se tivesse? A última coisa que Mary precisava depois do que
tinha acontecido na noite anterior é que ele estivesse clinicamente insano.
Por que merda, por que mais ele se sentia tão malditamente estranho dentro de sua própria pele?
Maldição, parecia que tinha ganhado na loteria só para descobrir que era alérgico ao dinheiro ou uma merda assim.
— Rhage?
Ele se sacudiu. — Me desculpe, o que?
— Você quer que eu pegue alguma comida?
— Não. Continuo cheio. – Ele tornou a colocá-la contra ele novamente. — Porém eu poderia ter muito mais disso.
Mary se aconchegou perto dele, passando os braços em volta dos seus ombros o máximo que conseguia.
— Você tem.
Tentei me matar na noite passada, disse para ela na sua cabeça. E não tenho ideia do por quê.
Sim, era oficial.
Ele tinha enlouquecido.
Capítulo CATORZE
— É aqui.
Jo Early pisou no acelerador de seu Volkswagen de merda.
— Sim, sei onde é, Dougie.
— Bem aqui...
— Eu sei.
Não havia razão para acertar a placa. Às sete da manhã, não tinha nenhum outro carro por perto, ninguém para se importar como ela atravessou o portão desencaixado
com a pintura descascada da velha escola preparatória que sua mãe teve um milhão de anos atrás.
Uau. A Escola Brownswick para Garotas teve dias melhores.
Sua mãe então não aprovaria nem um pouco este paisagismo. Ou a falta dele.
Mas aí, a mulher podia romper um aneurisma através de um único dente de leão em seu gramado de cinco acres.
Dirigindo pela rua de asfalto esburacada, Jo dirigiu em torno de buracos que eram grandes o suficiente para engolir seu pequeno Golf, e se esquivou da árvore caída
em pedaços – alguns dos quais eram velhos o suficiente para apodrecer.
— Deus, minha cabeça dói.
Ela olhou para seu companheiro de quarto. Dougie Keefer era Shaggy do Scooby Doo – sem o cão alemão falante. E sim, seu apelido era Reefer por uma boa razão.
— Eu disse para ir a um médico quando passou por aqui ontem à noite...
— Fui atingido na cabeça!
— ... você provavelmente teve uma concussão.
Embora qualquer consulta de neuro com o cara seria difícil de ler por que ele normalmente tinha visão dupla. E dormência e formigamento era uma escolha de estilo
de vida em seus olhos.
Dougie estalou os dedos um por um.
— Vou ficar bem.
— Então pare de reclamar. Além disso, metade do problema é que está ficando sóbrio. É chamado de ressaca.
Enquanto iam para dentro do campus, edifícios apareceram e ela os imaginou com janelas inteiras limpas e recém-pintadas, e portas que não penduravam em ângulos ruins.
Podia absolutamente ver sua mãe aqui com seus terninhos e pérolas, atrás de seu diploma superior mesmo que tivesse sido apenas uma escola preparatória, não uma faculdade.
Tradições do século XXI à parte, coisas tinha sido adquiridas na cápsula do tempo dos 19 aos 50 anos de sua mãe. E a mulher tinha o correspondente de sapatos e bolsas
femininas para comprová-lo.
E as pessoas se perguntavam por que Jo tinha se afastado?
— Você não está pronta para isso, Jo. Estou dizendo a você.
— Tanto faz. Preciso começar a trabalhar.
— Vai explodir sua mente.
— Uh-huh.
Dougie se virou para ela, a faixa do cinto de segurança em seu peito.
— Você viu o vídeo.
— Eu não sei o que estava olhando. Estava escuro e antes que continue a discutir, lembre-se... Primeiro de Abril?
— Ok, é Outubro, tá? – A risada que ele deu era tão ele. — E sim, essa foi boa.
— Para mim não foi.
Dougie tinha decidido que seria divertido pegar o carro dela emprestado, e em seguida enviar-lhe uma imagem de photoshop da coisa enrolada em torno de uma árvore.
Como ele conseguiu se concentrar tempo suficiente para terminar o trabalho visual tinha sido um mistério, mas ele parecia tão real, que ela tinha ligado para sua
companhia de seguro.
E também teve um colapso no banheiro no trabalho quando se perguntou como diabos ia cobrir sua franquia.
Essa era a coisa sobre deixar seus pais ricos no retrovisor. Quinhentos dólares sem um orçamento certo poderia ser difícil comer.
Com uma careta, ela se inclinou em direção ao volante.
— O que é isso... Ah, merda.
Pisando nos freios, ela parou na frente de uma árvore inteira que tinha caído do outro lado da pista. Checando rapidamente o relógio, ela amaldiçoou. Mesmo enquanto
o tempo passava, não estava dentro de um Golf 4X4, e correndo o risco de ter que chamar o guincho e pagar por um reboque.
— Se vamos fazer isso, temos que andar.
— Vamos dar a volta.
— E ficar preso na lama? Choveu tarde da noite ontem. – Ela desligou o motor e retirou a chave do carro. — Vamos lá. Você quer me mostrar, é melhor começar a andar.
Caso contrário, vou dar meia volta.
Dougie ainda estava reclamando quando eles partiram a pé, passando por cima do bordo caído e continuando descendo a rua. A manhã estava amargamente fria e então
surpreendentemente – o tipo de coisa que deixava você feliz por ter trazido sua jaqueta por capricho, e chateada por ter deixado o chapéu e as luvas para trás por
que na sua cabeça, era “apenas outubro”.
— Agora sei por que não me levanto antes do meio-dia. – Dougie murmurou.
Jo levantou o olhar para os troncos nus acima. Odiava ser pessimista, mas se perguntava se qualquer um dos idiotas entrariam em queda livre e a matariam.
— Por que deixei você me meter nisso?
Ele colocou o braço ao redor de seus ombros.
— Porque você me amaaa.
— Não. – deu uma cotovelada nas costelas dele.
— Definitivamente não é isso.
E ainda meio que era. Ela conheceu Dougie e sua tropa da pesada através de um conhecido, e eles a aceitaram quando ela precisava desesperadamente de um lugar para
dormir. O arranjo era suposto ser temporário, do tipo cair no sofá, mas logo em seguida vagou um quarto no apartamento deles, e um ano mais tarde estava vivendo
numa versão de uma casa de fraternidade dos meados dos anos vinte. Com um grupo de garotos recalcitrantes que mais pareciam meninos, dos quais ela parecia ser responsável.
— Estamos chegando perto, – ele colocou as mãos na cabeça como se tivesse explodido. O que era uma viagem curta. — Quero dizer, pedaços de corpos em todos os lugares,
e o cheiro! Pior do que o que está na nossa geladeira. Quer dizer, estamos falamos corpos, Jo. Mortos! Só que estavam se movendo! E então essa...
— Alucinação de dragão. Você me disse.
— Você viu a filmagem!
— Como se eu não te conhecesse. – Ela disse enquanto sacudia a cabeça. — Você me enganou uma vez, devia se vergonhar... Me enganou duas vezes...
— Jo. Foi real. Foi real pra caralho... Vi um monstro e...
Conforme Dougie percorria a ladainha de impossibilidade outra vez, Jo focou na elevação adiante.
— Sim, ta, você já me disse. E ao contrário de você, ainda tenho minha memória de curto prazo.
— Imbecil, TJ e Soz viram também.
— Tem certeza disso? Por que quando mandei uma mensagem pra eles esta manhã, disseram que era uma viagem ruim. Nada mais.
— Eles são idiotas.
Quando chegaram na inclinação, ela sorriu e decidiu que talvez tivesse exagerado demais. Não se encaixava com a sociedade do tipo empertigada como a que os pais
dela estavam tão inseridos, mas da mesma forma, sair com um bando de maconheiros não levava exatamente a lugar nenhum também.
Ainda assim, eles eram altamente divertidos. Na maior parte do tempo.
E além do mais, a verdade era que não tinha ideia aonde pertencia.
— Você vai ver. – Dougie anunciou enquanto corria para o topo da subida. — Apenas olhe!
Jo se juntou a ele – e balançou a cabeça para tudo ali em cima, certo, ali embaixo também.
— Exatamente o que devo olhar? As árvores, os prédios ou a grama?
Dougie deixou os braços caírem.
— Não, não, isso está errado. Não...
— Acho que você finalmente deu fim ao seu cérebro, Dougie. Mas é o que acontece quando você o atinge dúzias de vezes com LSD em um período de seis horas. Pelo menos
pensou que isto era real desta vez, no entanto, é o contrário da coisa do acidente do carro batendo na árvore que você fez comigo.
É, não havia absolutamente nada anormal lá embaixo no que tinha que ser o centro do campus. Nada de corpos. Sem partes de corpos. E nenhum cheiro também. Nada além
de prédios abandonados, mais vento frio e mais nada de estranho.
— Não, não, não...
Enquanto Dougie corria lá pra baixo, ela o deixou ir, ficando pra trás e tentando imaginar como o lugar parecia quando tinha sido operacional. Era difícil pensar
que sua mãe tinha ido às aulas nestes prédios. Dormiu dentro deles. Teve aquela primeira dança com seu pai em um deles.
Engraçado, o passado como tinha sido parecia tão inacessível como era atualmente o presente com as duas pessoas que a adotaram. Os três nunca tinham tido sorte,
e apesar dela própria ser difícil às vezes, tinha sido um alívio esquecer de todas as tentativas exaustivas de fingir um vínculo que nunca se materializou.
— Jo! Venha cá!
Quando ela levou a mão ao ouvido e fingiu que não podia ouvi-lo, Dougie subiu correndo de volta até ela com o zelo messiânico de um pregador. Agarrando sua mão,
ele a puxou em uma descida rápida agitando para trás sua jaqueta do exército.
— Está vendo como tudo está pisoteado por ali? Vê?
Ela se deixou ser arrastada ao longo de uma seção do campo reconhecidamente achatada. Mas um monte de grama longa horizontal e arbustos remexidos dificilmente era
uma cena de um filme de Wes Craven, ou seja, de horror. E isso, sem dúvida, definitivamente não era o que estava no vídeo que Dougie insistiu que ela assistisse
várias vezes.
Não sabia como explicar tudo.
Mas o que estava claro para ela? Realmente não ia dar a si mesma uma cãibra no cérebro tentando conciliar tudo.
— Você viu o que eu postei! – Dougie disse. — E alguém pegou meu telefone por que não queria que ninguém visse isso!
— Você provavelmente só perdeu a coisa...
— Eu estava lá em cima. – Ele apontou para o mais alto dos prédios. — Ali! Foi ali que eu fiz a filmagem!
— Ei, Dougie, sem ofensa, mas tenho que ir trabalhar...
— Jo, estou falando sério. – Ele girou em um círculo. — Tudo bem, explique isso. Como tudo ficou esmagado aqui? Hã?
— Pelo que sei, você e nossos três colegas de quarto correram nus por aí em círculos. Na realidade, nem vamos seguir pelo lado hipotético.
Dougie a enfrentou.
— Então como é que eu consegui o vídeo? Hã?
— Não sei, Dougie. Francamente, é tão granulado que não sei o que estou olhando.
Ela lhe deu algum tempo para digerir todos os tipos de o-que-sobre-isso-e-aquilo, então ela terminou.
— Olha, eu realmente sinto muito, mas estou indo. Você pode vir comigo ou chamar um táxi para casa. A escolha é sua. Oh, espere. Sem telefone. Acho que isso significa
andar.
Enquanto ela se virava para ir embora, ele disse em uma voz surpreendentemente adulta.
— Estou falando sério, Jo. Isto aconteceu. Não me importo para o que os três vão dizer. Sei quando estou chapado e quando não estou.
Quando Jo parou e olhou para trás, a expressão dele ficou esperançosa.
— Você se importa se eu deixar você no ponto de ônibus na Jefferson? Acho que não tenho tempo para levá-lo de volta pra casa.
Dougie jogou os braços para cima.
— Ah, qual é, Jo. Deixe-me só te mostrar aqui...
— Ponto de ônibus, é isso. – Disse ela. — E lembre-me disso da próxima vez que você tomar ácido. Quero estar preparada.
Capítulo QUINZE
Algum tempo depois, Mary acordou depois de um bom e longo descanso... E sorriu ante seu companheiro decididamente adormecido. Rhage estava apagado, os olhos fechados,
uma sobrancelha loira contraindo e sua mandíbula rangendo como se talvez estivesse sonhando com uma discussão ou um jogo de bilhar. Sua respiração era profunda e
plana, e sim, ele estava roncando. Não como uma serra elétrica. Ou um estridente Mustang acelerando num sinal vermelho. Nem mesmo nada perto do texugo ferido na
rotina do Butch – o que era algo que tinha que se ouvir para acreditar.
Não, os sons que seu homem soltava eram mais como uma cafeteira Krups bem quando ela está terminando um ciclo coar o café; o tipo de coisa que borbulha em segundo
plano, oferecendo um ritmo reconfortante durante o qual ela poderia dormir se quisesse ou ficar acordada e ouvir, se fosse trabalhar novamente. Pensando nisso, seus
roncos provavelmente eram mais silenciosos do que ele, considerando como suas pisadas eram pesadas, o quanto sua risada era alta e o quanto ele falava, especialmente
se estivesse perturbando seus irmãos.
Toda essa maluquice era apenas parte do que tanto amava nele.
Ele era sempre tão vivo. Vivo demais.
Graças a Deus.
Quando ela foi se esticando, moveu-se lentamente contra o corpo dele para não acordá-lo e olhou para o relógio do outro lado da sala de recuperação. Sete da noite.
Passou o pôr do sol.
Dado o quão cansado ele tinha que estar, era capaz dele dormir mais quatro ou cinco horas. Provavelmente era melhor ela sair agora e voltar quando ele estivesse
acordado.
— Estou indo para o Lugar Seguro um pouquinho. – Ela disse suavemente. — Fica com ele. Avise a ele que logo estarei de volta, ou ele pode me ligar?
Ela estava falando com a Besta, claro – e tratando com esse enorme dragão esmagador de ossos como uma espécie de secretária social. Mas isto funcionava. Se ela tinha
que sair quando Rhage estava dormindo, sempre dizia para a Besta o que estava fazendo e quando estaria de volta. Dessa forma, Rhage não acordava suando frio achando
que ela tinha sido raptada. Assassinada. Ou que escorregou e caiu no banheiro, que ficou desmaiada e deixada sangrando por todo o chão de mármore.
É, machos vinculados tendiam a saltar para conclusões que eram apenas um pouuuuuuco exageradas.
Mary cuidadosamente desvencilhou-se de Rhage apenas para parar quando estava quase livre. Olhando para o seu esterno despido completamente intacto, ela escovou as
pontas dos dedos sobre onde bala esteve.
— Eu não te agradeci. – Ela sussurrou. — Você o salvou. Devo a você... Muito obrigada.
De repente, as pálpebras de Rhage abriram – mas não era ele acordando. Seus olhos não eram nada além de órbitas brancas, essa iluminação indicadora da consciência
da besta fixa nela com foco total.
Ela sorriu e roçou o rosto de seu companheiro, sabendo que o dragão sentiria seu toque.
— Obrigada. Você é um bom menino.
Uma versão mais tranquila do bufo afetuoso que a besta sempre dava a ela reverberou subindo e saiu da garganta do Rhage.
— Volte a dormir também, ok? Você precisa descansar também. Você trabalhou duro na última noite.
Mais um bufo... E aquelas pálpebras começaram a descer. A besta lutou contra a maré como um cachorrinho, mas acabou perdendo a batalha, retornando ao ronco. Ambos
tornando a se engajar em qualquer que seja a versão da terra dos sonhos em que estavam.
Inclinando-se, ela beijou a testa do seu companheiro e alisou seu cabelo para trás. Então foi para o banheiro e fechou a porta. Tão logo se virou para o balcão ao
lado da pia, ela sorriu. Alguém – oh, com quem ela estava brincando, tinha que ser o Fritz – tinha colocado mudas de roupas completas para os dois. Bem como escovas
de dente, lâmina e creme de barbear, um xampu e condicionador.
— Fritz, teu nome verdadeiramente é consideração.
E oh, isso é que era um chuveiro. De tempos em tempos, ela se perguntava se os sons ou cheiros acordariam Rhage, mas quando estava se enxugando, entreabriu a porta
e constatou que além de ter virado de frente pro banheiro, ele permaneceu dormindo.
Provavelmente por que ela disse para a Besta o que estava acontecendo.
Enquanto estava secando o cabelo, perguntou a si mesma onde o Volvo tinha terminado. Ela tinha vindo do campo de batalha pra cá de carona na unidade cirúrgica, mas
certamente alguém tinha trazido sua perua de volta.
Bem, ela sempre poderia levar qualquer outro para o Lugar Seguro.
Quinze minutos depois, silenciosamente caminhou até a porta. Depois de um prolongado olhar fixo para o Rhage, ela abriu a porta e...
— Oh! Deus! – Ela sibilou enquanto recuava.
A última coisa que esperava ver era a Irmandade inteira do lado de fora da sala de recuperação do seu hellren.
Mas ela devia saber. Todos estavam lá, de V e Butch, Phury e Z... Blay e Qhuinn... Tohr e John Matthew... Até mesmo Wrath e Rehvenge. Era como estar na frente de
uma equipe de futebol... Que era composta por lutadores profissionais... Com o equipamento completo de jogo.
Tudo bem, isso nem de longe era o suficiente para descrever a quantidade de macho no corredor.
— Ei, pessoal. – Ela disse calmamente enquanto puxava a maçaneta e certificava-se que as coisas estivessem fechadas. — Ele está dormindo agora, mas tenho certeza
que não vai se importar de ser acordado.
— Nós não viemos por ele. – Disse Wrath em voz baixa.
As sobrancelhas de Mary se levantaram quando ela olhou para o seu Rei.
— Oh.
Nossa, ela tinha feito alguma coisa errada? Era difícil saber dado que Wrath, com seu bico de viúva e seus óculos escuros, sempre parecia puto.
O cara não tinha a cara de uma vadia descansada, mas a descansada “vou matar alguém e incendiar sua casa”.
Engolindo em seco, ela gaguejou.
— E-eu, ah...
— Obrigado, Mary. – O Rei disse enquanto dava um passo adiante com seu cão guia, George. — Obrigado por salvar a vida do nosso irmão.
Por um momento, ela ficou completamente pasma. E então o Rei a estava puxando para um duro abraço apertado.
Quando Wrath deu um passo atrás, havia algo pendurado sobre o ombro dela.
Uma espada?
— Espere, o que é isso? – Ela bateu em uma segunda recuada. — Por que isso... Oh, meu Deus…
A arma era feita de ouro ornamentado do punho à bainha, e havia pedras preciosas brancas e vermelhas faiscando em todos os lugares. Da mesma forma, tinha uma faixa
vermelha de rubi pendurada enfeitada com pedras preciosas e metais – parecia antiga. Antiga... E inestimável.
— Wrath, não posso aceitar isso, é demais...
— Você executou um serviço de valor ao trono. – O Rei anunciou. — Salvando a vida de um membro da minha guarda particular, você é mantida na mais alta estima real,
e pode me convocar em seu benefício de valor comparável em algum momento no futuro.
Ela balançou a cabeça várias vezes. — Isso não é necessário. Sério. Não é.
E de repente ela se sentiu mal. Muito mal. Por que não salvou Rhage para estes homens maravilhosos que o amavam tanto. Não o tinha salvado para si mesma também.
Deus, por que... Por que aquele momento tinha que ser contaminado com todo o drama com a Bitty?
Mary foi tirar a espada.
— Realmente não posso...
Um por um, os Irmãos vieram até ela, abraçando-a com puxões duros, segurando-a até sua espinha dobrar e as costelas não poderem expandir mais. Alguns deles falaram
em seu ouvido, dizendo coisas que ressoaram não só por causa das palavras que foram escolhidas, mas pelo respeito e reverência nos tons daquelas vozes profundas.
Outros apenas fizeram um monte de ruídos tipo pigarros, do jeito que os homens faziam quando estavam lutando para se manter fortes e compostos em face de grande
emoção. E ali estava John Matthew, aquele com quem tinha começado esta viagem louca, quem tinha começado isso tudo ligando para o disque-suicídio onde ela era voluntária.
Vishous foi o penúltimo dos Irmãos a vir a ela, e enquanto a segurava, ela sentiu um aroma de tabaco. Junto com couro. E pólvora.
— Nós devemos a você. – Ele disse secamente. — Para sempre.
Enxugando os olhos, ela balançou a cabeça uma vez mais.
— Você me dá crédito demais.
— Nem perto. – Disse ele enquanto escovava a sua bochecha com a mão enluvada. Encarando-a, seus olhos de diamante e o rosto duro com essas tatuagens eram o mais
próximo de terno que ela jamais os viu. — Você sabia o que fazer...
— Mas eu não sabia, V. Eu realmente não tenho a menor dica de onde essa ideia veio.
Por um momento, ele franziu a testa. Então deu de ombros.
— Bem, tanto faz. Você nos deu nosso irmão de volta. E mesmo ele sendo um pé no saco, a vida não seria a mesma sem ele.
— Ou você. – Disse Zsadist.
Z foi o último a vir, e quando ele abriu os braços bem abertos, por algum motivo as faixas de escravo que foram tatuadas em torno de sua garganta e pulsos destacaram-se
para ela.
Seu abraço era rígido. Desajeitado. Obviamente difícil para ele, enquanto mantinha seus quadris distantes de seu corpo. Mas seus olhos estavam amarelos, não pretos;
e quando deu um passo atrás, ele colocou a mão no ombro dela.
A cicatriz que descia por seu nariz e ao redor de sua bochecha se moveu quando ele lhe deu um pequeno sorriso.
— Você é realmente boa em salvar vidas.
Sabia exatamente a que ele estava se referindo – todas essas sessões que eles dois tiveram na caldeira no porão da mansão, ele falando sobre o terrível abuso que
tinha sofrido nas mãos de sua senhora, ela ouvindo e fazendo comentários somente quando ele parava por muito tempo ou olhava para ela por algum tipo de bote salva-vidas
enquanto lutava em um mar de vergonha esmagadora, dor e tristeza.
— Algumas vezes eu gostaria de ser melhor. – Disse ela enquanto pensava em Bitty.
— Não é possível.
Quando Z caiu atrás alinhado com seus irmãos, Mary passou a mão no cabelo. Enxugou seus olhos. Respirou fundo. Apesar de haver muitas emoções diferentes a atravessando,
era muito bom estar por perto de pessoas que amavam Rhage tanto como ela amava.
Que ela sabia ser verdadeiro e sem questionar.
— Bem. – Ela pigarreou. — Agradeço a todos. Mas honestamente...
Enquanto cada um deles olhava para ela de cara feia, isso era o tipo de coisa que a te deixava agradecida que eles gostassem de você. Ela teve que rir.
— Ok, ok, vou manter isso, vou manter.
A conversa surgiu entre os Irmãos e houve alguns tapas nas costas, como se estivessem orgulhosos de si mesmos por fazer a coisa certa por ela.
Com um tchau final, ela se forçou a seguir em frente em direção à entrada do túnel subterrâneo... Com sua nova espada.
Rapaz, ela era pesada, pensou conforme caminhava com a espada ainda no ombro.
Quase tão pesado quanto o peso que sentia em seu coração.
Enquanto Mary caminhava pelo corredor na direção do escritório, Vishous pegou um cigarro enrolado à mão e colocou entre seus dentes da frente.
À medida que acendia a coisa, franziu o cenho pensando sobre o que ela disse a ele.
— Então Xcor não está consciente? – Wrath murmurou.
Virando-se para o Rei, V exalou e mudou as engrenagens na sua cabeça.
— Ainda não. E eu o chequei cerca de meia hora atrás.
— Onde você o colocou?
— No estande de tiro. – V olhou para Tohr, que estava fora do alcance da voz. — E nós temos um cronograma de guarda. Ele está amarrado para minha satisfação...
— Você realmente usa essa merda para o sexo?
Como um, a Irmandade inteira levantou o olhar para a interrupção. Lassiter, o anjo caído, apareceu do nada e estava parecendo um pouco menos ofensivo do que o habitual,
seu cabelo loiro-e-preto puxado para trás em uma trança que ia até sua bunda, couro preto cobrindo suas partes pudendas, argolas de ouro nas orelhas, braceletes
nos pulsos e piercings nos mamilos brilhando sob as luzes fluorescentes do teto. Ou talvez tenha sido por causa da sua extravagante disposição celeste.
Não.
— Que diabos aconteceu com sua maldita camisa? – V atirou de volta. — E por que, merda, você está fora do seu posto?
Porra, sabia que não podia colocar esse idiota de guarda. Mas pelo menos Payne não tinha deixado o estande de tiro, e isso era algo V que não precisava checar. Sua
irmã era o tipo de lutadora que ele confiaria não apenas com sua própria vida e as vidas de seus irmãos e cônjuges, mas em garantir que seu prisioneiro não ia nem
espirrar sem permissão.
— Derramei algo nela.
— Que? Você está comendo lá dentro?
— Não. Claro que não. – Lassiter foi andando devagar para onde o material de limpeza era mantido. — Ok, sim. Certo. Foi um milk-shake de morango... E só estou indo
pegar uma camisa limpa e voltar pra lá. Relaxe.
V deu uma longa tragada. Era isso ou estrangular o filho da puta.
— Morango? Sério?
— Vai se foder, Vishous.
Quando o anjo sorriu e mandou um beijo por cima do ombro, pelo menos o vadio não bombeou os quadris imitando o ato sexual.
— Posso matá-lo? – V murmurou para Wrath. — Por favor. Só uma vez. Ou talvez duas.
— Entre na fila.
V tornou a focar no assunto.
— Como eu estava dizendo, Xcor não vai a lugar nenhum.
— Quero descobrir onde os Bastardos estão ficando. – Wrath ordenou — e trazer o resto deles pra cá. Mas eles devem ter assumido que ele foi capturado. É o que eu
faria. Sem corpo? Sem testemunhas da morte? O curso mais seguro é assumir que o líder deles se tornou prisioneiro de guerra e cair fora de onde quer que eles estejam
ficando.
— Concordo. Mas nunca se sabe o que se pode aprender quando se aperta os botões certos.
— Mantenha Tohr longe dele.
— Entendido. – V olhou para Tohr de relance novamente. O irmão estava atrás do grupo e olhando para o corredor onde o estande de tiro ficava. Parecia estranho pensar
em ter de pôr rédeas no cara ou vigiá-lo, mas assim eram as coisas.
Algumas vezes as emoções eram demais, mesmo para o mais lógico dos lutadores.
Exceto para ele, é claro.
Ele era habilidoso pra caralho.
— Então Assail está dois quartos descendo o corredor. – Disse V. — Se você estiver pronto para falar com ele.
—Leve-me ali, V.
Mais uma vez, normalmente teria sido Tohr cumprindo o dever, mas V deu um passo mais perto e cutucou o Rei adiante, deixando os Irmãos reassumirem várias posições
e sentarem enquanto esperavam Rhage acordar.
Depois deles estarem a alguma distância, o Rei disse baixinho:
— Então, o que você sabe sobre Rhage e seu pequeno torneio de tiro prematuro.
Quando V amaldiçoou, Wrath sacudiu a cabeça.
— Conte-me. E não finja que não sabe de porra nenhuma. Você foi o último a falar com ele.
Vishous considerou manter a merda por baixo dos panos, mas no final, mentir para Wrath não era interesse de ninguém.
— Eu previ a morte dele e tentei fazê-lo deixar o campo. Ele não saiu e... Aí está.
— Ele foi lá fora. Sabendo que ia morrer.
— Sim.
— Droga. – Depois que Wrath soltou alguns palavrões com a letra F, ele mudou para outro assunto feliz. — Também ouvi dizer que você teve um visitante. Quando voltou
para o campus.
— O Ômega. – Cara, ele não gostava nem de dizer esse nome. Mas como gostaria de falar sobre o desejo de morrer de Rhage? — Sim, o irmão da minha mãe cuidou da limpeza.
Se o seu dia de trabalho como sendo a fonte de todo o mal no mundo não funcionar, ele tem uma segunda carreira como zelador esperando por ele.
— Algum problema?
— Ele nem sequer sabia que estávamos ali.
— Graças a Deus. – Wrath olhou de relance, apesar de não poder ver. — Falou com sua mãe ultimamente?
— Não. Não. De modo nenhum.
— Pedi uma audiência. Ela não me reconheceu.
— Não posso ajudá-lo. Desculpe.
— Vou lá em cima sem ser convidado se eu tiver que fazer.
V parou na porta do quarto de recuperação do Assail, mas não abriu.
— Pelo que exatamente você está procurando por ela?
— Quero saber se ela ainda está ali em cima. – O rosto cruel e aristocrático de Wrath ficou esticado. — Ir contra assassinos é uma coisa, mas vamos precisar de um
parceiro com sério poder para enfrentar o Ômega de cabeça erguida, e não vou me enganar. Nós acabamos de derrubar noventa por cento do que ele tem em cima da terra.
Ele vai responder, e nós não vamos gostar seja o que for.
— Foda-me. – V murmurou.
— É mais como “nós”, meu irmão.
— É. Isso também. – V deu outra tragada para se recompor. — Mas você sabe, se quer que eu fale com ela ou...
— Espero que não seja necessário.
Somos dois, amigo, V pensou.
Diante de seus problemas com a mãe que o deixou mais mal-humorado do que normalmente era, ele bateu na porta.
— Está decente, filho da puta? – Ele empurrou a porta, sem esperar permissão. — Como estamos, babacas?
Bem, bem, bem, pensou quando viu Assail sentado de pernas cruzadas sobre a cama de hospital. Desintoxicação demais?
O macho estava suando como se fosse um frango assando para o jantar debaixo de uma lâmpada quente, mas também tremendo como se a parte inferior do seu corpo estivesse
em uma banheira de gelo. Havia círculos da cor de óleo de motor debaixo de seus olhos, e suas mãos continuavam indo do rosto aos braços, escovando algum tipo de
fiapo ou fios de cabelo perdidos que não existiam.
— A q-q-que devo esta h-h-honra?
As narinas de Wrath alargaram quando o Rei testou o aroma no ar.
— Você tem um problema enorme com o vício, hein?
— P-p-perdão?
— Você me ouviu.
V olhou os primos gêmeos no canto e encontrou-os com as costas retas e imóveis como um par de canhões. E quase tão quentes e distorcidos.
Só pra constar, eles meio que não o irritavam.
— Que p-p-p-posso fazer por você? – Assail perguntou entre contrações musculares.
— Quero agradecer por trabalhar conosco ontem à noite. – o Rei disse com voz arrastada. — Entendo que seus ferimentos estão todos costurados.
— S-s-sim...
— Oh, pelo amor de Deus! – Wrath deu uma olhada para V. — Tem como conseguir pra este filho da puta sua droga de escolha? Não posso falar com ele se está todo viciado
por seu pecado. É como tentar fazer alguém se concentrar tendo um ataque epiléptico.
— Procurando por isso? – V ergueu um frasco cheio de pó e inclinou a coisa de um lado pro outro, como um pêndulo de relógio. — Mmm?
Foi patético o modo como os olhos do fodido travaram e esbugalharam. Mas V sabia como era – como você precisava de cada queimadura que você não queria, como isso
se tornava tudo em que podia pensar, como você murchava se não tivesse.
Graças a Deus por Jane. Sem ela estaria caminhando nesse caminho de consumir e ainda estar sempre vazio.
— E ele nem mesmo nega o quanto precisa disso. – V murmurou enquanto se aproximava da cama.
Nossa, enquanto o pobre coitado estendia a mão, estava claro que as mãos de Assail tremiam muito, mal dava para agarrar qualquer coisa.
— Permita-me, filho da puta.
Desenroscando a tampa preta, V virou a garrafinha marrom e fez uma linha no interior do seu próprio antebraço.
Assail tomou essa merda como um motorista de empilhadeira, aspirando metade em uma narina, metade na outra. Em seguida, caiu para trás na cama de hospital como se
tivesse uma perna quebrada e a morfina gotejando finalmente estivesse fazendo efeito. E sim, do ponto de vista clínico, era triste comentar o estado do FDP que um
estimulante como a cocaína o derrubasse.
Mas isso era o vício pra você. Nada de bom senso.
— Agora, quer tentar novamente? – V murmurou enquanto lambia seu braço até limpar e saboreava a amargura. O zumbido não era ruim também.
Assail esfregou o rosto e então deixou os braços o caírem para os lados. — O quê?
Wrath sorriu sem qualquer calor, revelando suas presas enormes.
— Quero saber quais são seus planos de negócios.
— Por que isso é da sua conta? – A voz de Assail era esganiçada, como se ele estivesse exausto. — Ou você decidiu que uma ditadura, mais do que uma democracia, combina
mais com sua personalidade...
— Cuidado com seu tom de merda. – V disse bruscamente.
Wrath continuou como se não tivesse sido interrompido.
— Seu histórico é questionável, na melhor das hipóteses. Apesar de uma tendência mais recente pra lealdade, você parece estar sempre na periferia dos meus inimigos,
seja o Bando dos Bastardos ou a Sociedade Lesser. E da última vez que chequei, estava encabeçando um cartel de drogas, algo que não pode ser feito com uma mera equipe
de dois, por mais capazes que seus capangas possam ser. Então me encontro querendo saber para onde você está indo com seus intermediários agora que os assassinos
com quem esteve trabalhando estão fora do mercado negro.
Assail tirou seus cabelos negros da testa e segurou-os no lugar como se esperasse que isso ajudasse seu cérebro a funcionar.
V preparou-se para uma mentira.
Só que então o homem disse numa voz curiosamente morta.
— Eu não sei. Na verdade... Não sei o que devo fazer.
— Você fala sem falsidade. – Wrath inclinou a cabeça conforme exalava. — E como seu Rei, tenho uma sugestão para você.
— Ou seria um comando. – Assail murmurou.
—Tome como quiser. V As sobrancelhas de Wrath desapareceram sob as bordas dos seus óculos escuros. — Leve em conta que eu posso matá-lo ou deixá-lo ir deste lugar
por capricho.
— Existem leis contra assassinato.
— Às vezes. – O Rei sorriu novamente com aquelas presas. — De qualquer maneira, quero a sua ajuda, e você vai me dar. De uma forma ou de outra.
Capítulo DEZESSEIS
No meio do caminho para o Lugar Seguro, Mary achou que acabaria precisando de uma cirurgia de joelho.
Ao pegar a saída da Northway, ela cerrou os dentes e arranhou a marcha dura como pedra do GTO vintage reformado, roxo brilhante de seu marido – também conhecido
como seu orgulho e alegria. A luz da vida dele antes dela. A coisa mais valiosa que ele tinha desde que deu a ela seu Rolex de ouro Presidential.
O carro monstruoso começou a fazer um ruído de engasgo e então soltou um padrão grave de explosões, seguidas por guinchadas agudas quando empurrou o câmbio para
a frente de volta à posição certa.
— Terceira? Terceira... Eu preciso, não, segunda? Definitivamente não a primeira.
Ela descobriu do jeito mais difícil, ao parar na base da colina da mansão e quase bater com os dentes da frente no volante, devido ao solavanco e pulo que o carro
deu.
— Oh, Sra Volvo, sinto tanto sua falta...
Quando saiu da mansão, tinha percebido que o utilitário não estava no pátio com os outros veículos da Irmandade. Mas ao invés de perder tempo tentando descobrir
onde estaria, pegou as chaves do Rhage pensando “qual seria a dificuldade de guiar este carro na cidade?”. Ela sabia como dirigir um carro com câmbio manual.
Tudo ia ficar bem.
É claro que nem imaginou que a embreagem seria dura como uma parede de tijolos, dificultando cada vez que tinha de mudar de marcha. Ou que as engrenagens seriam
tão calibradas que, caso não se acelerasse no momento certo, todos aqueles cavalos sob o capô enlouqueciam.
O lado bom? Ao menos brigar com a transmissão lhe dava algo além da ansiedade sobre Bitty com que se preocupar, enquanto dirigia para o Lugar Seguro.
Além disto, Fritz era um mecânico tão bom quanto mordomo.
Quando finalmente chegou, estacionou na entrada da garagem, saiu e cambaleou no escuro por um minuto, movendo a perna esquerda em movimentos circulares até sentir
algo estalar e subitamente não se sentir mais como um flamingo.
Praguejando, foi até a porta na garagem, digitou uma senha e entrou. Quando as luzes com sensores acenderam, ergueu a mão para proteger os olhos, mas não se preocupou
em nada. As duas baias estavam vazias, exceto por equipamentos de aparar grama e algumas marcas antigas de óleo no concreto. Subiu três degraus para chegar à porta
da cozinha, então digitou uma senha e esperou que as trancas começassem sua sequência de liberação. Também se virou e apresentou seu rosto para reconhecimento.
Momentos depois estava no vestíbulo, tirando o casaco e pendurando-o junto com a bolsa na fileira de ganchos que ficavam acima de um banco. A cozinha nova nos fundos
funcionava a todo vapor, pilhas de panquecas sendo feitas no fogão, frutas sendo cortadas nos balcões, tigelas e pratos sendo arrumados na grande mesa.
— Mary!
— Ei, Mary!
— Oi, Sra. Luce!
Respirando fundo retribuiu as saudações, aproximando-se para dar um abraço aqui outro ali, colocar a mão sobre um ombro, cumprimentar uma fêmea e retribuir um sinal
de “toca aqui” com um garoto. Havia três membros da equipe de serviço e ela os cumprimentou.
— Onde está Rhym? – Perguntou.
— Está lá em cima com a Bitty. – Disse suavemente a de cabelos cacheados.
— Estou indo para lá.
— Precisa de ajuda?
— Tenho certeza que vou precisar, – Mary meneou a cabeça. — Odeio que isto tenha acontecido a ela.
— Nós também.
Indo pra frente da casa, contornou a base da escada e subiu de dois em dois degraus. Nem se incomodou em parar para ver se Marissa estava. Era provável, dada a extensão
do ataque, que a diretora do Lugar Seguro estivesse curtindo umas horinhas de folga com seu hellren.
Estar vinculada a um Irmão não era pros fracos.
No terceiro andar, encontrou Rhym dormindo em uma poltrona acolchoada que foi puxada para perto da porta de Bitty. Com o ruído do assoalho, a outra assistente social
despertou.
— Oh, ei. – A fêmea disse ao se endireitar e esfregar os olhos. — Que horas são?
Rhym sempre lembrara a Mary de si mesma em certo grau. Ela era o tipo de fêmea que talvez não chamasse atenção imediata em um lugar, mas nunca deixava de estar lá
quando se precisava dela. Era mais alta do que baixa, um pouco magra. Nunca usava maquiagem. Geralmente prendia o cabelo para trás. Nenhum macho que se soubesse.
Sua vida era o trabalho ali.
— Seis e meia. – Mary olhou para a porta fechada. — Como foi durante o dia?
Rhym só meneou a cabeça.
— Ela não quer falar sobre nada. Só guardou as roupas em uma mala, pegou sua boneca e o velho tigre de pelúcia e sentou-se na cama. Finalmente vim para cá, pois
pensei que ela estava ficando acordada por minha causa.
— Acho que vou ver como ela está.
— Por favor. – Rhym esticou os braços e estalou as costas. — E se não tiver problema, vou para casa dormir um pouco, tudo bem?
— Absolutamente. Eu assumo daqui. E obrigado por cuidar dela.
— Já está escuro o bastante para eu sair daqui?
Mary olhou para as persianas que ainda estavam descidas por causa da luz do dia — Acho... – Como se combinado, os painéis de aço que protegiam o interior da luz
do sol começaram a subir — Ta.
Rhymm levantou-se e passou os dedos pelos cabelos louros acastanhados.
— Se precisar de qualquer coisa, se ela precisar de alguma coisa, ligue e volto imediatamente. Ela é uma garotinha especial, e eu só... Quero ajudar.
— Está bem... E novamente, obrigada.
Quando a outra fêmea começou a descer a escada, Mary falou.
— Uma pergunta.
— Sim?
Mary fitou a janela circular no final do corredor, tentando encontrar as palavras certas.
— Ela... Digo, ela disse alguma coisa sobre a mãe? Ou sobre o que aconteceu na clínica?
Tipo algo como Minha terapeuta fez eu me sentir como se tivesse matado minha mãe?
— Nada. A única coisa que disse foi que partiria assim que pudesse. Não tive coragem de dizer que não havia lugar algum para ela ir. Pareceu muito cruel. Cedo demais.
— Então ela falou sobre o tio.
Rhym franziu o cenho.
— Tio? Não, não mencionou nada assim. Ela tem um tio?
Mary olhou de volta para porta fechada.
— Transferência.
— Ah. – A assistente social praguejou baixinho. — Estas vão ser noites e dias longos para ela. Longas semanas e meses também. Mas estaremos todos ao lado dela. Ela
vai ficar bem se conseguirmos fazê-la atravessar este período sem se despedaçar.
— É. Isto é verdade.
Com um aceno, a fêmea desceu os degraus e Mary esperou até os sons de seus passos desaparecerem, caso Bitty só estivesse levemente adormecida.
Inclinando-se para a porta, colou a orelha na madeira fria. Ao não ouvir nada, bateu de levinho, então abriu.
A pequena lâmpada rosa e branca na mesinha do canto lançava um brilho no quarto escuro, e a forma diminuta de Bitty era banhada pela luz suave. A garota estava deitada
de lado virada para a parede, obviamente caiu no sono profundo em algum ponto. Ela usava as mesmas roupas de antes e tinha mesmo guardado as roupas restantes na
mala surrada – e as da mãe. As duas maletas, uma menor e da cor de uma mancha de grama, a outra maior, de uma cor alaranjada estilo Cheetos, estavam alinhadas juntas
na base da cama.
A boneca e a escova estavam no chão à frente delas, junto com aquele tigre de pelúcia que ela não largava.
Com as mãos nos quadris, Mary abaixou a cabeça. Por algum motivo, o impacto do silêncio do quarto, sua humildade e as cortinas e roupas de cama levemente puídas,
seu tapete gasto e móveis que não combinavam, atingiu-a como golpes.
A esterilidade, a impessoalidade, a falta de... Família, na falta de outra palavra, fazia querer aumentar o termostato. Como se um pouco mais de calor vindo dos
dutos no teto pudesse transformar o lugar em um quarto de garotinha mais apropriado.
Mas vamos lá, os problemas que tinham à frente teriam que ser resolvidos por muito mais do que somente um sistema de aquecimento funcional.
Aproximando-se na ponta dos pés da cama que a mãe de Bitty ocupara, pareceu adequado retirar a colcha de retalhos daquele colchão para cobrir a garotinha. Com cuidado,
Mary a cobriu sem perturbar o sono que era tão necessário.
E então ficou observando-a.
E lembrou-se de seu próprio passado. Depois de seu câncer dar o ar da graça, lembrava-se com muita clareza de pensar que estava farta de tudo aquilo. Sua mãe tinha
morrido cedo e de forma horrível, com muito sofrimento. E então ela mesma foi diagnosticada com leucemia e teve de atravessar um ano desgraçado tentando tratar a
doença até a remissão. Tudo aquilo foi muito injusto.
Como se todo o sofrimento da mãe devesse ter qualificado Mary para jamais passar por quaisquer tragédias adicionais.
Agora, enquanto observava a garota, sentia-se positivamente indignada.
É, sabia que a vida era difícil, porra. Ela aprendeu esta lição muito bem. Mas pelo menos teve uma infância marcada por todas as coisas tradicionalmente boas que
você queria ser capaz de olhar para trás e lembrar quando estivesse velho. Sim, seu pai também morreu cedo, mas ela e a mãe tiveram Natais, aniversários, formaturas
do jardim de infância, primário e colegial. Comiam peru no dia de Ação de Graças e tinham roupas novas a cada ano, e boas noites de sono, onde a única preocupação
que podia manter alguém acordado seria em relação a uma nota escolar, ou no caso da mãe, se haveria dinheiro suficiente para duas semanas de férias de verão no Lago
George ou só uma.
Bitty não teve absolutamente nada daquilo.
Nem ela, nem Annalye jamais expuseram os detalhes, mas não era difícil adivinhar o tipo de violência a que ambas foram submetidas. Pelo amor de Deus, foi necessário
um implante de pinos de aço cirúrgico na perna de Bitty.
E como isso tudo tinha terminado?
A garotinha tinha acabado aqui sozinha.
Se o destino tivesse alguma consciência, Annalye não teria morrido.
Mas pelo menos o Lugar Seguro interviu bem a tempo. A ideia de que não tivessem conseguido ajuda para Bitty quando mais precisava?
Era suficiente para fazer Mary sentir-se doente.
Rhage acordou atabalhoadamente, como se um despertador tivesse tocado perto de sua cabeça. Erguendo o torso da cama de hospital, olhou ao redor em pânico.
Só que, tão rápido quanto a ansiedade chegou, ela se foi, a noção de que Mary só foi para o Lugar Seguro o acalmou tanto, que foi como se ela tivesse falado as palavras
em seu ouvido. E achava que ela tinha mesmo. Já fazia um tempinho que eles usavam a besta como uma espécie de mural de recados quando Rhage estava inconsciente.
Funcionava – e não tinham de se preocupar em ter uma caneta à mão.
Mas ainda assim, sentia falta dela. Ainda preocupado com seu próprio estado mental. Mas aquela garotinha...
Jogando as pernas para o lado, piscou algumas vezes e sim, continuava cego mesmo depois do levantamento de pálpebras. Tanto faz. Sentia-se forte e firme – fisicamente
– e contanto que pegasse leve conseguiria chegar ao chuveiro perfeitamente bem.
Vinte minutos depois, saiu do banheiro totalmente nu e cheirando como uma flor. Incrível a diferença que pouco de xampu e sabonete faziam na vida de um cara. Uma
boa escovada de dentes também. Próxima parada? Comida. Depois que a besta saía e ele passava pela sua ressaca, ficava sempre tão faminto que suas entranhas pareciam
ocas – e a melhor coisa que podia fazer era enfiar um pouco de carboidratos de pouca fibra para elas processarem.
Doze baguetes francesas. Quatro pacotes de bagels. Três quilos de macarrão.
Este tipo de coisa.
Saindo para o corredor, ele se perguntou quanto tempo levaria para encontrar o caminho para...
— Caralho, finalmente...
— Podia ter se enrolado numa toalha...
— Fritz te trouxe roupas...
— Está de volta, seu filho da puta...
Todos os irmãos estavam lá, seus cheiros e vozes, seus risos aliviados, seus xingamentos e piadinhas, exatamente o remédio que precisava. E quando eles o abraçaram
e deram tapinhas no traseiro pelado, teve de segurar a emoção.
Ele já estava pelado. #VunerabilidadeTotalMuitoObrigado.
Deus, no meio de toda aquela reeeeeeeeuniãããããão e que era tããããããããão booooooooooooa, era impossível não ser atingido por outra carga de vergonha pelo seu egoísmo
e pelo risco a que expôs Mary e aos irmãos.
E então a voz de V soou diretamente à sua frente.
— Você está bem? – O irmão perguntou em voz rouca. — Já se sente normal?
— É. Tudo está funcionando direito, exceto minha visão, – Sinto muito também. E estou com medo. — Sabe, só um pouco cansado...
POFT!
O golpe no queixo veio do nada, atingindo-o tão forte que sua cabeça bateu para trás e quase voou de sua espinha.
— Que caralho! – Rhage proferiu abruptamente enquanto esfregava o maxilar. — O que...
— Isto foi por não me ouvir, caralho!
Crack!
O segundo golpe veio da direção oposta, o que foi uma coisa boa – o inchaço seria bilateral, então seu rosto não iria parecer tão fodido.
— E isto foi por atacar antes do combinado e foder nossa estratégia toda.
Ao conseguir nivelar seu cérebro pela segunda vez, Rhage segurava o maxilar com ambas as mãos. Pois havia uma possibilidade de que a parte inferior de seu crânio
despencasse.
O lado bom foi que o golpe duplo clareou um pouco sua visão, a cegueira retrocedeu o suficiente para poder enxergar as manchas embaçadas dos corpos e roupas de seus
irmãos.
— A gente podia ter converssssado sssssobre isssssto, – Reclamou Rhage. — Ótimo, essstou falando como se tivesse um ovo na boca.
— E qual a graça nisto? – V o agarrou e abraçou com força. — Agora, nunca mais faça uma porra dessa.
Rhage esperou pelos outros começarem a fazer perguntas. Quando ninguém o fez, imaginou que V já tinha contado a eles sobre a coisa da visão. A menos... Bem, todo
mundo parecia tê-lo visto correr adiantadamente para aquele campo e aquele tipo de merda era mais do que motivo para uma surra.
— Esssstou enxergando agora. – Disse ele.
— Pode me agradecer mais tarde.
Houve uma porção de conversa naquela hora – que o levou a descobrir que tinham Xcor sob custódia.
— Tohr já matou o fodido? – Perguntou.
— Não. – Todo mundo respondeu ao mesmo tempo.
Então houve uma história sobre o Ômega aparecer para uma faxina no campus e V salvando o dia criando um mhis.
— Eu posso ajudar no turno, – Disse Rhage. — Digo, vigiar o bastardo.
— Mais tarde, – V exalou um pouco de fumaça turca. — Você precisa se recuperar, depois a gente te encaixa.
Com isto, o grupo dispersou, alguns foram para a mansão, outros para a sala de treinamento. Rhage foi junto com os que pegaram o túnel para a casa principal, mas
enquanto os Irmãos iam para a cama, ele atravessou a sala de jantar até a cozinha da mansão.
Deus, queria que sua Mary estivesse com ele.
O lado bom era que não havia nenhum doggen por perto, a Primeira Refeição não foi servida graças ao número de ferimentos que aconteceram durante o ataque juntamente
com todo o drama do que aconteceu com ele. A equipe de serviçais estava, sem dúvida, tendo um raro momento de descanso antes de voltarem à limpeza e arrumação, e
ficava aliviado de não incomodar ninguém.
No entanto, ao perambular pelo local sagrado de Fritz, sentiu como se devesse fazer uma concessão ou algo assim, para não arrumar encrenca com o mordomo. E assim,
decidiu não cozinhar. Comeria o que já estivesse pronto e que não dependesse do fogão ou da despensa.
Ele já tinha levado dois murros e a noite mal tinha começado.
Mas primeiro, roupas. Esteve cego demais no banheiro para poder enxergar qualquer coisa que tivesse sido deixada para ele, então foi até a lavanderia atrás da despensa,
usando sua visão um pouco embaçada para localizar umas calças folgadas e um moletom enorme com o logo do American Horror Story estampado. Então era hora de resolver
o assunto comida.
Avaliando o estoque de pães, começou a diminuí-lo separando pacotes de bagels e baguetes no balcão – mas então pensou, foda-se. Tateando por baixo da gaveta, arrancou-a
dos rodízios e carregou a coisa toda para a mesa de carvalho. O passo dois era voltar para a geladeira, pegar meio quilo de manteiga sem sal e um pacote de cream
cheese e pegar a torradeira, puxando-a até o fio desencaixar da tomada.
Uma faca serrilhada e uma tábua de corte mais tarde, junto com a cafeteira, o pote de açúcar e uma caixa pequena de creme, ele se pôs ao trabalho. Enquanto o café
coava começou a fatiar, fazendo montanhas de metades amanteigadas à direita. Os bagels foram alinhados como linha de produção, para poder processá-los pela torradeira
e então besuntá-los de cream cheese.
Provavelmente deveria pegar um prato. E pelo menos outra faca, mas a lâmina maior ia ser eficiente para espalhar.
Quando o café ficou pronto, tirou a jarra, jogou o pote todo de açúcar e juntou o máximo de creme que coube. Então tomou um gole para provar.
Perfeito.
Ele colocou a coisa de volta no aquecedor e começou sistematicamente a batalhar com os bagels – pois, ei, aquilo era o mais perto de uma Primeira Refeição, certo?
Em seguida veio as baguetes, por que aquilo era o mais próximo de uma refeição que suas opções permitiam. A sobremesa seria um bolo de café com nozes. Ou dois.
Enquanto mastigava, seus dentes pareciam um pouco frouxos graças ao murro de V, mas não era grande coisa. E de vez em quando, empurrava as coisas abaixo com goles
de café direto da jarra.
Duas mil calorias depois, a realidade do quão sozinho estava o atingiu.
Mas também, o cômodo poderia estar cheio de irmãos e sentiria o mesmo.
Pior, achava que mesmo a presença de sua Mary não poderia ter consertado este isolamento dentro dele.
Sentado lá, enchendo seu estômago e ainda assim incapaz de fazer qualquer coisa com o vazio que realmente contava, ele pensou que teria sido muito mais fácil se
tivesse sequer uma indicação de qual realmente era o seu problema...
A distância, na sala de jantar, um som apressado ecoou.
Era uma porção de passos, como se alguém corresse.
Que inferno? Ele pensou se levantando da cadeira.
Capítulo DEZESSETE
Havia uma porção de cálculos a serem feitos quando se tinha um vício.
Ao sentar-se atrás da escrivaninha de mansão de vidro, Assail abriu a grande gaveta estreita, próxima às suas coxas, e tirou três vidrinhos idênticos ao que o Irmão
Vishous tinha esvaziado no próprio antebraço, lá no complexo subterrâneo da Irmandade.
Cálculo, cálculo, cálculo... A maior parte, multiplicação. Tipo, pela quantidade de cocaína que tinha, quanto tempo conseguiria manter o vício aplacado? Quatorze
horas? Quinze?
Ele abriu um dos frasquinhos marrons e derramou o conteúdo de pó branco em cima do mata-borrão de couro. Usando um cartão de crédito Centurion, da American Express,
esticou duas fileiras, inclinou-se sobre elas e cuidou do seu problema. Então, recostou-se de novo na cadeira e fungou algumas vezes.
Sério, odiava sentir o nariz constantemente escorrendo. A queimação em suas vias nasais. O gosto amargo que florescia em sua boca. E, mais especialmente, detestava
o fato de que já nem mais ficava chapado. Apenas experimentava uma ascensão temporária na horrível montanha russa na qual tinha se metido, uma espécie de trégua,
inevitavelmente seguida por um acidente em alta velocidade – e então, se não tomasse outra dose, os arranhões e apertos implacáveis da fissura.
Fitando os resquícios dos dois vidrinhos, achou difícil acreditar que tinha chegado àquele padrão. O deslize e a queda tinham sido tanto coisa de momento quanto
uma tragédia em câmera lenta. Ele inicialmente tinha começado por se acostumar à sensação de estar alerta, mas o que tinha começado como um hábito de praticidade
agora o escravizava, tal qual um mestre tinha domínio sobre um serviçal no Antigo Continente.
Caramba, não fora essa sua intenção.
Ultimamente, ele fazia várias coisas sem intenção.
Estendendo o braço, despertou seu notebook com um toque no touchpad, logou usando uma mão, embora sua senha contivesse letras maiúsculas, e acessou, via canais criptografados,
suas contas estrangeiras. A maior delas ficava em Genebra.
Ele tinha várias outras.
Tantos dígitos e vírgulas antes das casas decimais em jogo. E olhando para os dados na tela, contemplou exatamente quanto dinheiro era preciso – mesmo assumindo
que, como um vampiro, viveria dez vezes mais do que a média humana ou até mais.
Desde que seu pequeno hábito não apressasse sua ida ao Fade.
Ou no seu caso, mais provavelmente ao Dhund.
Claro que tinha o suficiente para qualquer padrão prático, mesmo à luz da crise financeira mundial... Então realmente precisava continuar traficando drogas? Por
outro lado, com a velocidade em que vinha cheirando pó, era perigoso se tornar seu maior e melhor consumidor.
Preciso de sua ajuda com a Glymera.
Enquanto considerava a proposta de Wrath, teve de se perguntar o quanto aquilo que o Rei queria fazer seria melhor ou pior do que ganhar dinheiro às custas de humanos
e sua necessidade de complementos químicos. O esforço real era algo para passar o tempo, certamente. E se não iria mais traficar drogas, precisaria passar as horas
noturnas de algum jeito.
Ou então ficaria louco.
Principalmente por sentir tanta falta daquela fêmea dele. Que, de fato, nunca foi dele.
— Marisol. – Sussurrou para a sala vazia.
Por que infernos nunca tinha tirado uma foto dela? Quando ela tinha ficado aqui, nesta mesma casa, enquanto a protegia com a própria vida, por que não tinha pegado
seu celular, apontado na direção dela e tirado uma foto? Um simples momento do tempo, uma fração de segundo, que era só o que era preciso. Mas não, não tinha feito
tal coisa, e agora aqui estava ele, do outro lado da separação sem nada dela, exceto o que havia em sua mente.
Era como se ela tivesse morrido. Só que ainda existia.
De fato, ela agora estava na Flórida, onde o oceano lambia a areia doce e as noites eram um mistério cálido, mesmo na porra do mês de outubro.
Sabia exatamente onde estava, precisamente onde ficava – por que a tinha rastreado até lá. Certificando-se que tinha chegado a seu destino a salvo com a avó. Espiara
as duas das sombras da maneira pais patética possível.
Mas tinha honrado o pedido dela. Tinha deixado-a ir. Libertara-a dele e do estilo de vida marginal que ambos levavam.
Ladrões e traficantes não podiam coexistir.
Uma humana que queria ficar do lado certo da lei e um vampiro viciado que não conseguia.
Com um gemido, pôs o rosto entre as mãos e tornou a lembrar dela. Sim, oh, sim, conseguia se lembrar com certa clareza de seus cabelos escuros e seu corpo ágil,
sua pele e olhos escuros. Mas com o passar do tempo... Ele se preocupava de que pudesse vir a se esquecer de certas nuances no começo, e então cada vez detalhes
maiores e mais significativos.
E a perda daquilo seria uma morte lenta, mesmo que permanecesse respirando.
— Chega. – Murmurou ao abaixar os braços e se recostar.
Voltando a se concentrar em si mesmo, pensou no que o Rei queria que fizesse. Podia ser uma mudança de ramo, com certeza. Mas já tinha dinheiro suficiente. Tempo
suficiente. E achar outra rede de contatos de traficantes intermediários para distribuir seu produto nas ruas de Caldwell e Manhattan subitamente parecia trabalhoso
demais.
Além disto... Depois de lutar lado a lado com a Irmandade? Ele se viu cheio de respeito por aqueles machos. Cheio de respeito pelo líder deles também.
Era uma grande mudança para um apartidário convicto – meio que como um ateu considerando a existência de Deus depois de uma experiência próxima da morte.
Mais, ele devia a Vishous sua vida; disso tinha certeza. Por menos valor que sua existência tivesse, não estaria sentado nesta cadeira, nesta mansão de vidro junto
ao Rio Hudson alimentando seu vício de cocaína, se aquele Irmão não o tivesse jogado por cima do ombro e corrido pra diabo.
Duas vezes.
Oh, aquela Besta. Se não tivesse visto, jamais acreditaria na sua existência.
Assail empurrou a cadeira com o pé de forma a poder espiar pela janela para além do rio. Um apito sutil soou do canto da sala onde um antigo relógio francês ficava.
Ao fundo, na parte dos fundos da casa, ele podia ouvir os primos se movendo pela cozinha.
Quando decidiu usar o celular, tudo o que teve de fazer foi buscar no bolso de sua jaqueta de couro despedaçada. Tinha se esquecido de remover a roupa arruinada
mesmo que sua casa estivesse bem aquecida contra a noite fria de outubro.
Mas também, ao chegar em casa, sua única preocupação foi ficar logo a sós para poder resolver seu probleminha.
Não conseguia cheirar suas carreiras na frente dos primos. Não que tivesse qualquer intenção de alterar seu comportamento por causa do julgamento de outra pessoa.
Selecionando um número de seus contatos, hesitou antes de iniciar a chamada. Com o polegar pairando sobre a tela, tornou-se agudamente ciente de que se fosse adiante
com isto, ele se tornaria algo que sempre desprezara.
Um agente do Rei.
Ou, mais especificamente... Um agente a mando de outro.
Com um estranho sentimento de temor, cedeu ao impulso e levou o aparelho ao ouvido, ouvindo-o tocar. No final, decidiu atender ao pedido de Wrath pela simples razão
de que parecia a única coisa boa que poderia fazer consigo mesmo.
Uma coisa certa.
Uma coisa positiva.
Estava começando a sentir como se já fosse hora. E talvez estivesse pegando uma página do livro de Marisol por que era a única maneira que o faria sentir-se próximo
a ela agora.
Chega de tráfico de drogas para ele.
Embora o que estava a ponto de fazer bem poderia se provar tão perigoso quanto. Mas, pelo menos, não ficaria entediado.
— Alô querida, – Disse quando a chamada foi atendida por uma fêmea. — Sim, preciso mesmo me alimentar, obrigado. Esta noite seria preferível, sim. E também senti
sua falta. De fato, muito mesmo. – Ele a deixou falar um pouquinho até ter certeza de que ela tinha engolido sua mentira, e inteira. — Na verdade, na sua casa, por
favor. Não, o chalé não está à altura de um macho como eu. Eu até abria mão de início em respeito à presença de seu hellren, mas agora que ele está acamado, não
estou mais disposto a fazer concessões. Espero que compreenda.
Houve uma longa pausa, mas sabia que ela cederia.
— Obrigado, nalla. – Falou calmamente. — Eu te vejo em breve... Oh, use algo vermelho. Sem calcinha. É só.
Ele desligou por que ela era uma fêmea que exigia trabalho em se capturar sua atenção. Tranquilo demais? Charmoso demais? Ela logo perderia o interesse, e isto não
poderia acontecer até obter todas as informações que precisava dela.
Sua próxima ligação foi para o Irmão Vishous. Quando o macho atendeu, Assail só falou duas palavras antes de desligar de novo.
— Estou dentro.
— Claaaaaro, eu fico até tarde. Sem problema. Não é como se tivesse algo melhor pra fazer.
Jo Early estava sentada atrás de sua mesa da recepção com o resto da imobiliária vazia, nada além de uma mixórdia de perfumes e a deprimente música de elevador soando
acima para lhe fazer companhia. Bem, isto e as porras dos arbustos de fícus de ambos os lados dela.
Aquelas coisas espalhavam suas folhas como se estivessem em constante derretimento – e seu TOC simplesmente não permitia que relaxasse a menos que o chão estivesse
limpo. Mas também, ela não tinha de fazer agachamentos na academia.
Não que sequer frequentasse uma academia.
Verificando seu celular, meneou a cabeça. Sete horas.
O plano, o “favor” que estava fazendo para o chefe, era ficar ali até ele trazer três contratos assinados para ela poder digitalizar e enviá-los por e-mail para
os vários corretores compradores. O porquê dele mesmo não conseguir enfiar os contratos no scanner e criar alguns PDFs era um mistério.
E, está bem, talvez ela também fosse uma parte do problema.
Não que tivesse orgulho em admitir.
Erguendo o olhar por cima da beira do tampo da mesa, fitou as portas de vidro esfumaçado que abriam para o exterior. O escritório ficava localizado em uma galeria,
entre lojas, que contavam com um salão de cabeleireiros onde o corte mais barato custava cem pratas – e isto para os cortes masculinos – uma butique que expunha
duas peças de roupas minúsculas em sua vitrine, uma loja de porcelanas e vidrarias que brilhava mesmo em dias cinzentos e, no final dela, uma joalheira que as caçadoras
de dotes de Caldwell pareciam aprovar.
A supor pela clientela pneumática do local.
— Vamos lá, Bryant. Vamos lá...
Embora, sério, não tinha nada a fazer. Ir pra casa para Dougie e as discussões sobre o círculo de colheita? Aquilo sim seria divertido.
Quando um telefone tocou na área onde os escritórios ficavam, despertou seu computador e encarou o calendário de Bryant. Ela punha os compromissos dele no Outlook
quando ele enviava uma mensagem de texto ou ligava pedindo a ela para fazer isto. Compromissos válidos como reuniões imobiliárias, mas também a vistoria do BMW dele,
e agendamentos do cara da manutenção da piscina para a casa dele naquele novo empreendimento. Lembretes pra ele ligar para a mãe no aniversário dela e encomendar
flores para as mulheres com quem saía.
O tempo todo se perguntando o que ele pensaria se soubesse quem eram seus pais.
Aquele segredinho era o que a reconfortava quando ele aparecia em uma manhã de segunda-feira e sussurrava que tinha saído com uma divorciada na sexta-feira e uma
personal trainer no sábado, e então almoçou com outra pessoa no domingo.
Sua identidade real era uma armadura que usava para lutar contra ele. Em uma guerra que ele sequer estava completamente inconsciente de estarem lutando.
Fechando a agenda dele, encarou o logotipo na tela. O último nome de Bryant, Drumm, era o segundo na linha – por que a firma foi fundada pelo seu pai. Quando o homem
morreu há quase dois anos, Bryant assumiu a posição dele do mesmo jeito que fazia tudo o mais em sua vida – sorrindo e com charme. E ei, aquela não era uma estratégia
ruim. Diga o que quiser sobre o estilo de vida playboy do cara, mas ele sabia negociar uma tonelada de imóveis e ainda parecer bonito fazendo isto.
Caldwell, a própria estrela da Lista de Milionários de Nova York.
— Vamos lá, Bryant... Cadê você?
Depois de uma nova vistoria de sua mesa já arrumada duas vezes, verificou o chão debaixo do fícus à direita, pegou uma folha e a jogou fora, sentou-se de novo e...
Que inferno, acessou o YouTube.
Dougie tinha postado aquela gravação estúpida em seu canal – um puta canal com o grande total de vinte e nove inscritos. Dos quais, tipo, quatro eram o próprio Dougie
em diferentes perfis fakes e dois eram spammers com baixos padrões. Quando clicou na seta para assistir de novo ao vídeo de quarenta e dois segundos, ligou as caixas
de som. Os efeitos sonoros eram de amadores a médios, uma combinação de uns sons de farfalhar muito altos enquanto seu companheiro de casa segurava o iPhone erguido,
e então um distante, e não tão silencioso, rugido.
Está bem, então sim, certamente aquilo parecia algo Dinossáurico no meio daquele campo. E sim, parecia haver um monte de desordem no chão, mas quem saberia o que
tudo aquilo era. Não passava de uma câmera de celular capturando uma tomada, e talvez fosse só o jeito que a área pisada parecia na lente.
Ela assistiu mais algumas vezes. Então recostou na cadeira.
Havia cinco comentários. Três eram de Dougie e seus colegas. Um era um depoimento de alguém que estava ganhando 1750 dólares trabalhando em casa!!!!$$$!!!! O último
era... Apenas quatro palavras que não faziam muito sentido.
Essa merda de vamp9120 de novo.
Deixado por alguém chamado ghstrydr11.
Franzindo o cenho, começou uma pesquisa virtual e encontrou o canal vamp9120. Uau. Está bem, três mil inscritos e o que parecia ser uma centena de vídeos. Clicando
em um deles, ela...
Gargalhou bem alto.
O cara que falava para a câmera era como um personagem LEGO do Drácula, com uma testa afiada e caninos ainda mais afiados, pelos faciais que pareciam ter sido pintados
ao invés de barbeados, e uma gola “Juro Por Deus, Aquele Deve Ser Elvis” em sua camisa. A pele do cara era branca demais, seu cabelo preto demais, seus lábios vermelhos
saídos de um tubo da MAC. E aquela voz? Parte evangelista, parte neo-vitoriano, quase Bram Stoker.
— Criaturas da noite...
Espere, esta frase não era de um filme?
— ... Vigiando as ruas de Caldwell...
Como se fosse a versão Nova Iorquina de The Walking Dead? Na dúvida, arraste uma perna.
— ... Caçando vítimas...
Está beeeeeeeem, adiante. Descendo a tela com o índice de vídeos, escolheu outro aleatoriamente. E sim, O Verdadeiro Pseudo Vlad de novo encarava a câmera – e desta
vez tinha um olhar bem esfumaçado para completar a caracterização.
— ... Existem! Vampiros existem...
Perguntando-se se o púlpito dele estava coberto com veludo pret... Está bem, uau. Era para ser uma piada, mas conforme as lentes se afastavam, parecia mesmo que
ele estava inclinado em algo que era, de fato, coberto de veludo negro.
Interrompendo o vídeo, desceu para o próximo e disse a si mesma que depois deste chega.
— Oh, ei, Vlad, qual é?
— ... Depoimento sobre um encontro vampírico, – Vlad se virou para um cara sentado perto dele em uma cadeira dobrável de plástico. Que era uma total ambientação.
— Julio? Conte a meus fãs o que aconteceu há duas noites.
Por falar em um pouco de mistureba: Julio era o antivampiro, com uma bandana do Tupac na cabeça, crucifixo no pescoço e tatuagens ao redor da garganta.
Mas seus olhos... Estavam arregalados e frenéticos, fixos em Vlad e depois ao redor.
— Eu tava no centro, sabe, com meus parças, e a gente tava...
A história a seguir começava sem nada de especial, só um maloqueiro com sua gangue atirando em rivais nos becos. Mas então as coisas entraram no rumo da Vampirolândia
com o cara descrevendo como tinha corrido para dentro de um restaurante abandonado – e daí por diante as coisas ficaram estranhas.
Supondo que se acreditasse nele.
— ... cara me jogou no balcão e foi isto, – Julio fez um gesto de presas e garras. — E seus dentes eram todos...
— Iguais aos meus. – Vlad interrompeu.
— Só que os dele eram de verdade. – Okay, Vlad claramente não gostou disto, mas Julio continuou: — E ele tinha um rosto fodido, o lábio superior fodido. E ia me
matar. Ele tinha uma...
Jo assistiu ao resto da entrevista, mesmo a parte onde Vlad empurra Julio do caminho, como se o patamar de compartilhamento do pseudo-Dracula já tivesse sido atingido.
Recostada na cadeira de novo, ela se perguntou exatamente o quão longe iria com isto. E a resposta foi ir para a página do Jornal Caldwell Courier e fazer uma busca
pelo nome do bom e velho Julio. Ahn. Quem diria. Havia um artigo escrito em dezembro passado sobre a atividade de uma gangue na área do centro – e Julio era destaque.
Tinha mesmo uma foto dele encarando de dentro de um camburão, os olhos ostentando aquele mesmo esbugalhar, a boca também arreganhada como se estivesse falando desesperadamente
com o fotógrafo.
Mas nada sobre vampiros.
Subindo a tela de novo, descobriu que o nome no subtítulo era um que ela conhecia.
Na verdade, Bryant tinha conseguido uma casa para o cara e a esposa há cerca de seis meses. Se não estava enganada.
Uma rápida busca no arquivo de clientes e, é, ela estava certa.
— Sinto muito pelo atraso!
Bryant Drumm entrou pela porta de vidro correndo, mas não parecia esbaforido. Seu cabelo escuro estava perfeitamente arrumado, o terno azul acinzentado estava adequadamente
abotoado e os documentos em suas mãos estavam separados em três seções.
Então ele não tinha realmente corrido. Veio em seu próprio ritmo, mesmo que para isto tivesse deixado-a plantada ali.
Ele pôs os cotovelos na mesa e se inclinou, com seu sorriso patenteado.
— Jo, como posso te recompensar?
Ela estendeu a mão.
— Dê-me. E me deixe ir embora.
Bryant colocou os documentos em sua mão, mas então se recusou a soltar quando ela tentou pegá-los.
— O que seria de mim sem você?
Enquanto a olhava fixamente, a concentração dele era fixa e completa – como se nada mais existisse no mundo para ele, como se estivesse tanto cativado por ela quanto
levemente admirado. E para alguém que não tinha muita importância para os pais, que foi posta para adoção pelas pessoas que a geraram, que se sentia perdida no mundo...
Era assim que ele a cativava.
De certa maneira triste que ela não gostava de questionar muito, vivia para estes pequenos momentos. Trabalhava até tarde por eles. Mantinha-se na expectativa de
que voltariam a acontecer...
O telefone dele tocou. E ainda olhava para ela ao atender.
— Alô? Oh, ei.
Jo desviou o olhar, e desta vez quando ela puxou, ele a deixou pegar os contratos. Conhecia aquele tom de voz dele. Era uma de suas mulheres.
— Posso te encontrar agora. – Murmurou ele. — Onde? Mm-hmmm. Não, já jantei... Mas topo uma sobremesa. Mal posso esperar.
Quando ele encerrou a ligação, ela já tinha se virado para o lado e ligado o scanner.
— Obrigado de novo, Jo. Te vejo amanhã?
Jo nem se incomodou em olhar por cima do ombro ao alimentar as páginas uma a uma.
— Estarei aqui.
— Ei.
— O que?
— Jo. – Quando ela se virou para olhá-lo, ele inclinou a cabeça de lado e estreitou o olhar. — Devia usar vermelho com mais frequência. Destaca seu cabelo.
— Obrigada.
Voltando ao scanner, ouviu-o sair e a porta se fechando suavemente. Um momento depois, houve o clarão de um motor potente e ele se foi.
Sabendo que estava sozinha, ergueu a cabeça e olhou para seu reflexo na entrada de vidro. As luzes das lâmpadas superiores refletiam em seu cabelo de um jeito que
seus tons de vermelho e castanho se destacavam mesmo, em contraste com todo aquele preto e cinza ao seu redor.
Por alguma razão, o vazio do escritório... Em sua vida... Pareceu tão alto quanto um grito.


CONTINUA

Capítulo TREZE
Quando Mary acordou, não tinha ideia de que horas eram. Levantando a cabeça do peitoral nu de Rhage, ela olhou em volta e se surpreendeu ao descobrir que os dois
caíram no sono na sala de recuperação e com as luzes acesas acima de suas cabeças.
Droga, não tinha tornado a conectar todas aquelas máquinas. Depois do pequeno interlúdio orgástico de Rhage, ele tinha se recusado a parar de abraçá-la, e ela deve
ter caído no sono de encontro a seu corpo quente e musculoso. Claramente Ehlena tinha chegado a conclusões certas – os monitores por si foram removidos. E sim, seu
hellren ainda estava muito vivo, seu peito subindo e descendo calmamente, e aquele maravilhoso Ba-bump, Ba-bump, Ba-bump de seu coração era um verdadeiro atestado
de sua saúde.
Fechando os olhos, estremeceu quando pensou na ferida da bala, o sangue que ele tinha tossido, aquele horrível...
— Ei, linda.
Assim que ele falou, ela levantou a cabeça. Seus olhos azuis semicerrados a prendiam, queria olhar dentro deles para sempre.
— Oi. – ela sussurrou.
Movendo sua mão para cima, ela acariciou a bochecha dele, sentindo sua barba loira começando a crescer.
— Você precisa se barbear.
— Preciso?
— É sexy, na verdade.
— Então vou jogar fora todos os meus barbeadores. Rápido, me ajude a ir pro nosso banheiro pra eu fazer isso agora.
Ela riu um pouco, então ficou séria.
— Como está sua visão?
— Que visão?
— Continua cego?
Ele soltou um som como hrrumph.
— Como se isso importasse! Você está aqui e eu posso te ouvir perfeitamente. Posso sentir você também. – A grande e larga palma da mão de Rhage esfregou seu ombro.
— Ei, tive uma ideia. Vamos pro nosso quarto e depois de cancelarmos minha assinatura do Clube de Barbear, podemos cair na Jacuzzi. Depois de um banho e meio, podemos
ir pra cama e ver o que acontece. Lembre-se que eu te devo pelo menos um bom passeio... E então tem os juros. Ohhh, aqueles juros... Tenho muita coisa pra fazer
por causa disso.
Mary riu um pouco.
— O que? – Ele disse com um olhar severo. — O que tem de errado?
Colocando-se na vertical e afastando-se do peito dele, ela estalou as costas se esticando. Jogou seu cabelo para longe do rosto. Colocou o colarinho da camisa no
lugar para não se asfixiar mais.
— Que pena, hein?
Com um gemido de dor, ele agarrou os botões do controle e deixou o ângulo do colchão mais alto para que então pudesse se sentar de modo mais apropriado.
— Fale comigo.
Quando ela se moveu para os pés de sua cama e tentou achar as palavras, Rhage recuou.
— Uau. Você está... Por que está chorando?
— Jesus, eu estou? – Uma passada rápida de sua palma na bochecha e ela achou umidade. — Uau. Sim, me desculpe por isso.
— O que está acontecendo? Preciso matar alguém pra você?
Esta era a primeira resposta de um macho emparelhado para qualquer coisa que chateasse sua shellan, e antes que pudesse evitar, ela sussurrou: — A morte já aconteceu,
na verdade.
— Huh.
Por alguma razão, seu pensamento voltou para aquela noite, cerca de dois anos atrás, quando Rhage, V e Butch saíram e mataram um hellren criminoso, então Bitty e
Annalye puderam viver.
— A mãe de Bitty morreu na noite passada.
— Ohhhhh, merda. – Rhage sentou completamente para frente por conta própria, como se tivesse em mente pular para fora da cama mesmo que não tivesse nenhum lugar
para ir, nenhum ataque para defendê-la. — Mas por que inferno você não me disse?
— Você estava meio que ocupado morrendo na hora...
— Você deveria ter me contado. Eu fiz você me masturbar...
— Pare com isso. Eu amo isso. Nós precisávamos disso.
Quando seu lindo rosto ficou insuportavelmente tenso e ele cruzou os braços no peito como se estivesse chateado consigo mesmo, ela arqueou pra cima e o beijou na
boca. — Obrigada.
— Pelo que?
— Por se importar com ela também.
— Como eu não poderia? O que posso fazer pra ajudar?
Mary se sentou e soltou.
— Eu senti sua falta.
Rhage bateu no ar entre eles como se estivesse indo tocá-la, e ela colocou seu rosto entre as mãos dele, deixando-o sentir suas bochechas e mandíbula, os lados de
sua garganta.
— Senti sua falta também, – Ele disse num tom baixo. — Nós estivemos... Afastados ultimamente. Não separados, mas afastados.
— Me desculpe. Eu sei. Estive envolvida com tudo no Lugar Seguro e isso realmente não é justo...
— Pare com isso. Você nunca tem que se desculpar comigo por amar seu trabalho ou precisar estar sempre por dentro das coisas, como faz. Sou a última pessoa que não
entenderia isso. Você é maravilhosa lá, e uma pessoa maravilhosa que ajuda todo mundo...
Mary abaixou os olhos, mesmo pensando que tecnicamente não havia nenhum olhar fixo para ela escapar.
— Nem sempre. Deus, nem sempre.
— Conte pra mim. Mary, não quero ser exigente... Mas você realmente precisa falar comigo.
Quando ela se lembrou de tudo que aconteceu, seus olhos se encheram de lágrimas novamente.
— Eu, ah... Eu recebi a ligação na minha mesa que as coisas não estavam indo bem com Annalye e levei Bitty no Havers. Eu realmente pensei... Bem, quando minha mãe
se foi, eu estava com ela e isso foi importante para mim, especialmente depois, sabe? Quero dizer, quando penso nela e sinto sua falta... Há um certo consolo que
tenho ao saber que ela não estava sozinha quando morreu. Que... Que estava comigo no começo da minha vida e que eu estava com ela no fim da dela, – Mary soltou um
suspiro trêmulo. — Quero dizer, Bitty é nova... Ainda há tantos anos pela frente para ela lidar com isso, sabe? E o que foi importante para mim quando eu era adulta,
meio que parecia algo que poderia ser importante para ela depois. Em todo caso... Eu não queria que isso acontecesse.
— O que acontecesse?
Mary cobriu o rosto com as mãos quando as memórias atravessavam sua consciência como uma faca.
— Quando Bitty... Oh Deus, quando Bitty pegou a mão de sua mãe, a fêmea morreu bem naquela hora. Bitty pensou que ela fosse a responsável. Isso foi... Horrível.
Nada do que eu queria para nenhuma das duas.
Eu a matei! Eu a matei!
— Talvez a mahmen dela estivesse esperando por ela.
Mary secou os olhos e deixou os braços caírem em derrota.
— É isso o que eu estou dizendo a mim mesma. Não que isso realmente ajude...
— Mary, quando fui baleado naquele campo e estava morrendo, eu estava esperando que você fosse até mim. Era a única coisa que estava me segurando aqui. Quando se
ama alguém e você está partindo, espera até que a pessoa venha... E isso toma um monte de energia, um monte de foco. Estou te dizendo Mary, eu estava esperando por
você por que precisava ficar em paz contigo, mas não conseguia aguentar por muito tempo... E embora tivemos sorte e você salvou minha vida, a realidade é que eu
prolonguei meu sofrimento só para ter aquele momento contigo.
— Oh Deus, sério... Ver você sofrendo daquele jeito... Foi um dos piores momentos da minha vida.
Como se ele estivesse determinado a mantê-la no caminho, Rhage falou sobre ela.
— Você precisa dizer isso a Bitty, ok? Dizer a ela que sua mãe morreu naquele momento por que a voz de Bitty era o que ela precisava ouvir antes que fosse para o
Fade. Ela precisava saber antes de partir que sua filha estava bem. E te garanto, Mary, se você dissesse uma palavra naquele quarto, Annalye saberia que estava com
a filha dela também. E isso quer dizer que Bitty estaria segura. Annalye foi embora por que sabia que tudo bem ela ir.
— Nunca pensei nisso desse jeito, – Mary murmurou. — Você colocou isso de um jeito ótimo. Eu queria que você pudesse dizer isso a ela.
— Talvez eu possa algum dia. Inferno, diga o dia e a hora e estarei lá.
Quando Rhage começou a ir até ela, parecia focado nela mesmo que não pudesse enxergar – e na realidade, Mary tinha muita certeza nesse momento que nada mais nesse
mundo existia para ele além dela e dos seus problemas. Adicione aquela ridícula beleza masculina, aquele desejo sexual e aquele grande coração?
— Como nesse mundo acabei ficando com você? – Ela sussurrou. — Ganhei na loteria.
Seu hellren a alcançou e trouxe para perto de novo, colocando-a sob seu queixo.
— Oh, não, Mary. É o contrário. Acredite em mim.
Quando Rhage sentiu a tensão no corpo de sua shellan acalmar, esfregou suas costas em círculos lentos... E sentiu vontade de vomitar.
Não por causa da coisa toda da Besta.
— Então, sei que ainda temos 12 horas até o anoitecer, – Ela disse — Mas gostaria de ir para o trabalho essa tarde. Mesmo que só um pouquinho e somente se você...
— Oh Deus, sim. Bitty precisa de você. – Perguntou a si mesmo se tinha sobrado algum Alka Seltzer. — Estou bem.
— Tem certeza?
Não. Não mesmo. — Inferno, sim... Quantas vezes já passei por essa recuperação? Vou só deitar aqui e dormir muito. – Por que se não estivesse consciente, não iria
se sentir daquele jeito, certo? — E na verdade, pensando bem, você não precisa que eu diga nada a Bitty. Você tem maneiras melhores de colocar as coisas do jeito
certo.
— Eu costumava acreditar nisso.
— Não. – Olhou para baixo, para onde o som da voz dela estava vindo e pegou uma de suas mãos com a dele com urgência. — Mary, você não pode ter uma segunda opinião
sobre si mesma. Ouça, você vai para a guerra do seu próprio jeito, e a pior coisa que um soldado pode fazer é ter sua confiança perdida antes que chegue ao campo.
Não são todas as vezes que vai acabar em vitória, mas você tem que começar isso todas às vezes sabendo que seu treinamento e seus instintos são ouvidos. Você não
fez nada de errado. Não magoou Bitty de propósito. Certamente não é responsável pela mahmen dela escolher aquele momento para ir para o Fade... E de fato, há muitas
evidências que sugerem que a fêmea foi embora por que sentiu que sua filha estava em boas mãos. Você precisa acreditar em tudo isso, caso contrário vai ficar presa
em algo indefinido que não vai ajudar ninguém.
— Senhor, você está sempre tão certo.
Blah. Nem mesmo perto disso. Mas não é como que fosse trazer todos seus erros à tona agora, quando ela tinha problemas reais para lidar com aquela garotinha. Ele
era um idiota egoísta, mas não era tão babaca assim.
Puta merda, não podia acreditar que fez sua shellan atravessar aquilo daquele jeito... Não poderia viver consigo mesmo sabendo que fez Mary essencialmente assisti-lo
morrer na noite passada – e tudo por nenhuma boa razão, porra.
Tudo por que não tinha ouvido Vishous.
Na verdade não, ele tinha. E isso é o pior de tudo. De fato, tinha ouvido cada palavra que o Irmão disse e saiu pra lutar do mesmo jeito, completamente ciente do
que estava esperando por ele no campo de batalha se o cara estivesse certo.
Achava que essa era a definição de suicida, não era?
O que significa que ele era...
Ah, porra.
Enquanto a cabeça de Rhage começou a implodir com a realidade que estava só agora acordando nele, Mary continuou a falar de um jeito lento, e considerando o que
ela ia fazer para a garotinha, quais as consultas medicas ela tinha que ter, e então havia algo sobre um tio em algum lugar... E Rhage simplesmente deixou a conversa
de uma só pessoa seguir.
Na verdade, estava indefinidamente agradecido que ela se sentia melhor e mais conectada com ele. Aquela merda importava. Infelizmente, estava voltando a ficar longe
dela novamente, uma parte dentro dele flutuando para fora mesmo com o corpo dele ficando onde estava.
O que tinha de errado com ele, inferno? Ele tinha tudo o que queria na vida – e ela estava em seus braços neste exato momento. Ele tinha morrido de medo e tinha
passado por isso. Havia muito pelo que viver, pelo que lutar, pelo que amar.
Então por que faria uma coisa daquela? Por que correria para um caixão todo garantido? E por que essa distância dela de volta?
Bem, havia uma explicação. Alguma coisa tinha amarrado tudo com um arco grande, gordo e psicótico.
Ele frequentemente tinha se perguntado se estava louco. Tipo, tão intrinsecamente.
Suas emoções sempre foram tão extremas, pulando da loucura para a raiva, que ele tinha ficado preocupado algumas vezes que um dia iria pender para algum dos extremos
dessa espiral, nunca retornando para a sanidade novamente. Talvez isso finalmente tivesse acontecido. E se tivesse? A última coisa que Mary precisava depois do que
tinha acontecido na noite anterior é que ele estivesse clinicamente insano.
Por que merda, por que mais ele se sentia tão malditamente estranho dentro de sua própria pele?
Maldição, parecia que tinha ganhado na loteria só para descobrir que era alérgico ao dinheiro ou uma merda assim.
— Rhage?
Ele se sacudiu. — Me desculpe, o que?
— Você quer que eu pegue alguma comida?
— Não. Continuo cheio. – Ele tornou a colocá-la contra ele novamente. — Porém eu poderia ter muito mais disso.
Mary se aconchegou perto dele, passando os braços em volta dos seus ombros o máximo que conseguia.
— Você tem.
Tentei me matar na noite passada, disse para ela na sua cabeça. E não tenho ideia do por quê.
Sim, era oficial.
Ele tinha enlouquecido.
Capítulo CATORZE
— É aqui.
Jo Early pisou no acelerador de seu Volkswagen de merda.
— Sim, sei onde é, Dougie.
— Bem aqui...
— Eu sei.
Não havia razão para acertar a placa. Às sete da manhã, não tinha nenhum outro carro por perto, ninguém para se importar como ela atravessou o portão desencaixado
com a pintura descascada da velha escola preparatória que sua mãe teve um milhão de anos atrás.
Uau. A Escola Brownswick para Garotas teve dias melhores.
Sua mãe então não aprovaria nem um pouco este paisagismo. Ou a falta dele.
Mas aí, a mulher podia romper um aneurisma através de um único dente de leão em seu gramado de cinco acres.
Dirigindo pela rua de asfalto esburacada, Jo dirigiu em torno de buracos que eram grandes o suficiente para engolir seu pequeno Golf, e se esquivou da árvore caída
em pedaços – alguns dos quais eram velhos o suficiente para apodrecer.
— Deus, minha cabeça dói.
Ela olhou para seu companheiro de quarto. Dougie Keefer era Shaggy do Scooby Doo – sem o cão alemão falante. E sim, seu apelido era Reefer por uma boa razão.
— Eu disse para ir a um médico quando passou por aqui ontem à noite...
— Fui atingido na cabeça!
— ... você provavelmente teve uma concussão.
Embora qualquer consulta de neuro com o cara seria difícil de ler por que ele normalmente tinha visão dupla. E dormência e formigamento era uma escolha de estilo
de vida em seus olhos.
Dougie estalou os dedos um por um.
— Vou ficar bem.
— Então pare de reclamar. Além disso, metade do problema é que está ficando sóbrio. É chamado de ressaca.
Enquanto iam para dentro do campus, edifícios apareceram e ela os imaginou com janelas inteiras limpas e recém-pintadas, e portas que não penduravam em ângulos ruins.
Podia absolutamente ver sua mãe aqui com seus terninhos e pérolas, atrás de seu diploma superior mesmo que tivesse sido apenas uma escola preparatória, não uma faculdade.
Tradições do século XXI à parte, coisas tinha sido adquiridas na cápsula do tempo dos 19 aos 50 anos de sua mãe. E a mulher tinha o correspondente de sapatos e bolsas
femininas para comprová-lo.
E as pessoas se perguntavam por que Jo tinha se afastado?
— Você não está pronta para isso, Jo. Estou dizendo a você.
— Tanto faz. Preciso começar a trabalhar.
— Vai explodir sua mente.
— Uh-huh.
Dougie se virou para ela, a faixa do cinto de segurança em seu peito.
— Você viu o vídeo.
— Eu não sei o que estava olhando. Estava escuro e antes que continue a discutir, lembre-se... Primeiro de Abril?
— Ok, é Outubro, tá? – A risada que ele deu era tão ele. — E sim, essa foi boa.
— Para mim não foi.
Dougie tinha decidido que seria divertido pegar o carro dela emprestado, e em seguida enviar-lhe uma imagem de photoshop da coisa enrolada em torno de uma árvore.
Como ele conseguiu se concentrar tempo suficiente para terminar o trabalho visual tinha sido um mistério, mas ele parecia tão real, que ela tinha ligado para sua
companhia de seguro.
E também teve um colapso no banheiro no trabalho quando se perguntou como diabos ia cobrir sua franquia.
Essa era a coisa sobre deixar seus pais ricos no retrovisor. Quinhentos dólares sem um orçamento certo poderia ser difícil comer.
Com uma careta, ela se inclinou em direção ao volante.
— O que é isso... Ah, merda.
Pisando nos freios, ela parou na frente de uma árvore inteira que tinha caído do outro lado da pista. Checando rapidamente o relógio, ela amaldiçoou. Mesmo enquanto
o tempo passava, não estava dentro de um Golf 4X4, e correndo o risco de ter que chamar o guincho e pagar por um reboque.
— Se vamos fazer isso, temos que andar.
— Vamos dar a volta.
— E ficar preso na lama? Choveu tarde da noite ontem. – Ela desligou o motor e retirou a chave do carro. — Vamos lá. Você quer me mostrar, é melhor começar a andar.
Caso contrário, vou dar meia volta.
Dougie ainda estava reclamando quando eles partiram a pé, passando por cima do bordo caído e continuando descendo a rua. A manhã estava amargamente fria e então
surpreendentemente – o tipo de coisa que deixava você feliz por ter trazido sua jaqueta por capricho, e chateada por ter deixado o chapéu e as luvas para trás por
que na sua cabeça, era “apenas outubro”.
— Agora sei por que não me levanto antes do meio-dia. – Dougie murmurou.
Jo levantou o olhar para os troncos nus acima. Odiava ser pessimista, mas se perguntava se qualquer um dos idiotas entrariam em queda livre e a matariam.
— Por que deixei você me meter nisso?
Ele colocou o braço ao redor de seus ombros.
— Porque você me amaaa.
— Não. – deu uma cotovelada nas costelas dele.
— Definitivamente não é isso.
E ainda meio que era. Ela conheceu Dougie e sua tropa da pesada através de um conhecido, e eles a aceitaram quando ela precisava desesperadamente de um lugar para
dormir. O arranjo era suposto ser temporário, do tipo cair no sofá, mas logo em seguida vagou um quarto no apartamento deles, e um ano mais tarde estava vivendo
numa versão de uma casa de fraternidade dos meados dos anos vinte. Com um grupo de garotos recalcitrantes que mais pareciam meninos, dos quais ela parecia ser responsável.
— Estamos chegando perto, – ele colocou as mãos na cabeça como se tivesse explodido. O que era uma viagem curta. — Quero dizer, pedaços de corpos em todos os lugares,
e o cheiro! Pior do que o que está na nossa geladeira. Quer dizer, estamos falamos corpos, Jo. Mortos! Só que estavam se movendo! E então essa...
— Alucinação de dragão. Você me disse.
— Você viu a filmagem!
— Como se eu não te conhecesse. – Ela disse enquanto sacudia a cabeça. — Você me enganou uma vez, devia se vergonhar... Me enganou duas vezes...
— Jo. Foi real. Foi real pra caralho... Vi um monstro e...
Conforme Dougie percorria a ladainha de impossibilidade outra vez, Jo focou na elevação adiante.
— Sim, ta, você já me disse. E ao contrário de você, ainda tenho minha memória de curto prazo.
— Imbecil, TJ e Soz viram também.
— Tem certeza disso? Por que quando mandei uma mensagem pra eles esta manhã, disseram que era uma viagem ruim. Nada mais.
— Eles são idiotas.
Quando chegaram na inclinação, ela sorriu e decidiu que talvez tivesse exagerado demais. Não se encaixava com a sociedade do tipo empertigada como a que os pais
dela estavam tão inseridos, mas da mesma forma, sair com um bando de maconheiros não levava exatamente a lugar nenhum também.
Ainda assim, eles eram altamente divertidos. Na maior parte do tempo.
E além do mais, a verdade era que não tinha ideia aonde pertencia.
— Você vai ver. – Dougie anunciou enquanto corria para o topo da subida. — Apenas olhe!
Jo se juntou a ele – e balançou a cabeça para tudo ali em cima, certo, ali embaixo também.
— Exatamente o que devo olhar? As árvores, os prédios ou a grama?
Dougie deixou os braços caírem.
— Não, não, isso está errado. Não...
— Acho que você finalmente deu fim ao seu cérebro, Dougie. Mas é o que acontece quando você o atinge dúzias de vezes com LSD em um período de seis horas. Pelo menos
pensou que isto era real desta vez, no entanto, é o contrário da coisa do acidente do carro batendo na árvore que você fez comigo.
É, não havia absolutamente nada anormal lá embaixo no que tinha que ser o centro do campus. Nada de corpos. Sem partes de corpos. E nenhum cheiro também. Nada além
de prédios abandonados, mais vento frio e mais nada de estranho.
— Não, não, não...
Enquanto Dougie corria lá pra baixo, ela o deixou ir, ficando pra trás e tentando imaginar como o lugar parecia quando tinha sido operacional. Era difícil pensar
que sua mãe tinha ido às aulas nestes prédios. Dormiu dentro deles. Teve aquela primeira dança com seu pai em um deles.
Engraçado, o passado como tinha sido parecia tão inacessível como era atualmente o presente com as duas pessoas que a adotaram. Os três nunca tinham tido sorte,
e apesar dela própria ser difícil às vezes, tinha sido um alívio esquecer de todas as tentativas exaustivas de fingir um vínculo que nunca se materializou.
— Jo! Venha cá!
Quando ela levou a mão ao ouvido e fingiu que não podia ouvi-lo, Dougie subiu correndo de volta até ela com o zelo messiânico de um pregador. Agarrando sua mão,
ele a puxou em uma descida rápida agitando para trás sua jaqueta do exército.
— Está vendo como tudo está pisoteado por ali? Vê?
Ela se deixou ser arrastada ao longo de uma seção do campo reconhecidamente achatada. Mas um monte de grama longa horizontal e arbustos remexidos dificilmente era
uma cena de um filme de Wes Craven, ou seja, de horror. E isso, sem dúvida, definitivamente não era o que estava no vídeo que Dougie insistiu que ela assistisse
várias vezes.
Não sabia como explicar tudo.
Mas o que estava claro para ela? Realmente não ia dar a si mesma uma cãibra no cérebro tentando conciliar tudo.
— Você viu o que eu postei! – Dougie disse. — E alguém pegou meu telefone por que não queria que ninguém visse isso!
— Você provavelmente só perdeu a coisa...
— Eu estava lá em cima. – Ele apontou para o mais alto dos prédios. — Ali! Foi ali que eu fiz a filmagem!
— Ei, Dougie, sem ofensa, mas tenho que ir trabalhar...
— Jo, estou falando sério. – Ele girou em um círculo. — Tudo bem, explique isso. Como tudo ficou esmagado aqui? Hã?
— Pelo que sei, você e nossos três colegas de quarto correram nus por aí em círculos. Na realidade, nem vamos seguir pelo lado hipotético.
Dougie a enfrentou.
— Então como é que eu consegui o vídeo? Hã?
— Não sei, Dougie. Francamente, é tão granulado que não sei o que estou olhando.
Ela lhe deu algum tempo para digerir todos os tipos de o-que-sobre-isso-e-aquilo, então ela terminou.
— Olha, eu realmente sinto muito, mas estou indo. Você pode vir comigo ou chamar um táxi para casa. A escolha é sua. Oh, espere. Sem telefone. Acho que isso significa
andar.
Enquanto ela se virava para ir embora, ele disse em uma voz surpreendentemente adulta.
— Estou falando sério, Jo. Isto aconteceu. Não me importo para o que os três vão dizer. Sei quando estou chapado e quando não estou.
Quando Jo parou e olhou para trás, a expressão dele ficou esperançosa.
— Você se importa se eu deixar você no ponto de ônibus na Jefferson? Acho que não tenho tempo para levá-lo de volta pra casa.
Dougie jogou os braços para cima.
— Ah, qual é, Jo. Deixe-me só te mostrar aqui...
— Ponto de ônibus, é isso. – Disse ela. — E lembre-me disso da próxima vez que você tomar ácido. Quero estar preparada.
Capítulo QUINZE
Algum tempo depois, Mary acordou depois de um bom e longo descanso... E sorriu ante seu companheiro decididamente adormecido. Rhage estava apagado, os olhos fechados,
uma sobrancelha loira contraindo e sua mandíbula rangendo como se talvez estivesse sonhando com uma discussão ou um jogo de bilhar. Sua respiração era profunda e
plana, e sim, ele estava roncando. Não como uma serra elétrica. Ou um estridente Mustang acelerando num sinal vermelho. Nem mesmo nada perto do texugo ferido na
rotina do Butch – o que era algo que tinha que se ouvir para acreditar.
Não, os sons que seu homem soltava eram mais como uma cafeteira Krups bem quando ela está terminando um ciclo coar o café; o tipo de coisa que borbulha em segundo
plano, oferecendo um ritmo reconfortante durante o qual ela poderia dormir se quisesse ou ficar acordada e ouvir, se fosse trabalhar novamente. Pensando nisso, seus
roncos provavelmente eram mais silenciosos do que ele, considerando como suas pisadas eram pesadas, o quanto sua risada era alta e o quanto ele falava, especialmente
se estivesse perturbando seus irmãos.
Toda essa maluquice era apenas parte do que tanto amava nele.
Ele era sempre tão vivo. Vivo demais.
Graças a Deus.
Quando ela foi se esticando, moveu-se lentamente contra o corpo dele para não acordá-lo e olhou para o relógio do outro lado da sala de recuperação. Sete da noite.
Passou o pôr do sol.
Dado o quão cansado ele tinha que estar, era capaz dele dormir mais quatro ou cinco horas. Provavelmente era melhor ela sair agora e voltar quando ele estivesse
acordado.
— Estou indo para o Lugar Seguro um pouquinho. – Ela disse suavemente. — Fica com ele. Avise a ele que logo estarei de volta, ou ele pode me ligar?
Ela estava falando com a Besta, claro – e tratando com esse enorme dragão esmagador de ossos como uma espécie de secretária social. Mas isto funcionava. Se ela tinha
que sair quando Rhage estava dormindo, sempre dizia para a Besta o que estava fazendo e quando estaria de volta. Dessa forma, Rhage não acordava suando frio achando
que ela tinha sido raptada. Assassinada. Ou que escorregou e caiu no banheiro, que ficou desmaiada e deixada sangrando por todo o chão de mármore.
É, machos vinculados tendiam a saltar para conclusões que eram apenas um pouuuuuuco exageradas.
Mary cuidadosamente desvencilhou-se de Rhage apenas para parar quando estava quase livre. Olhando para o seu esterno despido completamente intacto, ela escovou as
pontas dos dedos sobre onde bala esteve.
— Eu não te agradeci. – Ela sussurrou. — Você o salvou. Devo a você... Muito obrigada.
De repente, as pálpebras de Rhage abriram – mas não era ele acordando. Seus olhos não eram nada além de órbitas brancas, essa iluminação indicadora da consciência
da besta fixa nela com foco total.
Ela sorriu e roçou o rosto de seu companheiro, sabendo que o dragão sentiria seu toque.
— Obrigada. Você é um bom menino.
Uma versão mais tranquila do bufo afetuoso que a besta sempre dava a ela reverberou subindo e saiu da garganta do Rhage.
— Volte a dormir também, ok? Você precisa descansar também. Você trabalhou duro na última noite.
Mais um bufo... E aquelas pálpebras começaram a descer. A besta lutou contra a maré como um cachorrinho, mas acabou perdendo a batalha, retornando ao ronco. Ambos
tornando a se engajar em qualquer que seja a versão da terra dos sonhos em que estavam.
Inclinando-se, ela beijou a testa do seu companheiro e alisou seu cabelo para trás. Então foi para o banheiro e fechou a porta. Tão logo se virou para o balcão ao
lado da pia, ela sorriu. Alguém – oh, com quem ela estava brincando, tinha que ser o Fritz – tinha colocado mudas de roupas completas para os dois. Bem como escovas
de dente, lâmina e creme de barbear, um xampu e condicionador.
— Fritz, teu nome verdadeiramente é consideração.
E oh, isso é que era um chuveiro. De tempos em tempos, ela se perguntava se os sons ou cheiros acordariam Rhage, mas quando estava se enxugando, entreabriu a porta
e constatou que além de ter virado de frente pro banheiro, ele permaneceu dormindo.
Provavelmente por que ela disse para a Besta o que estava acontecendo.
Enquanto estava secando o cabelo, perguntou a si mesma onde o Volvo tinha terminado. Ela tinha vindo do campo de batalha pra cá de carona na unidade cirúrgica, mas
certamente alguém tinha trazido sua perua de volta.
Bem, ela sempre poderia levar qualquer outro para o Lugar Seguro.
Quinze minutos depois, silenciosamente caminhou até a porta. Depois de um prolongado olhar fixo para o Rhage, ela abriu a porta e...
— Oh! Deus! – Ela sibilou enquanto recuava.
A última coisa que esperava ver era a Irmandade inteira do lado de fora da sala de recuperação do seu hellren.
Mas ela devia saber. Todos estavam lá, de V e Butch, Phury e Z... Blay e Qhuinn... Tohr e John Matthew... Até mesmo Wrath e Rehvenge. Era como estar na frente de
uma equipe de futebol... Que era composta por lutadores profissionais... Com o equipamento completo de jogo.
Tudo bem, isso nem de longe era o suficiente para descrever a quantidade de macho no corredor.
— Ei, pessoal. – Ela disse calmamente enquanto puxava a maçaneta e certificava-se que as coisas estivessem fechadas. — Ele está dormindo agora, mas tenho certeza
que não vai se importar de ser acordado.
— Nós não viemos por ele. – Disse Wrath em voz baixa.
As sobrancelhas de Mary se levantaram quando ela olhou para o seu Rei.
— Oh.
Nossa, ela tinha feito alguma coisa errada? Era difícil saber dado que Wrath, com seu bico de viúva e seus óculos escuros, sempre parecia puto.
O cara não tinha a cara de uma vadia descansada, mas a descansada “vou matar alguém e incendiar sua casa”.
Engolindo em seco, ela gaguejou.
— E-eu, ah...
— Obrigado, Mary. – O Rei disse enquanto dava um passo adiante com seu cão guia, George. — Obrigado por salvar a vida do nosso irmão.
Por um momento, ela ficou completamente pasma. E então o Rei a estava puxando para um duro abraço apertado.
Quando Wrath deu um passo atrás, havia algo pendurado sobre o ombro dela.
Uma espada?
— Espere, o que é isso? – Ela bateu em uma segunda recuada. — Por que isso... Oh, meu Deus…
A arma era feita de ouro ornamentado do punho à bainha, e havia pedras preciosas brancas e vermelhas faiscando em todos os lugares. Da mesma forma, tinha uma faixa
vermelha de rubi pendurada enfeitada com pedras preciosas e metais – parecia antiga. Antiga... E inestimável.
— Wrath, não posso aceitar isso, é demais...
— Você executou um serviço de valor ao trono. – O Rei anunciou. — Salvando a vida de um membro da minha guarda particular, você é mantida na mais alta estima real,
e pode me convocar em seu benefício de valor comparável em algum momento no futuro.
Ela balançou a cabeça várias vezes. — Isso não é necessário. Sério. Não é.
E de repente ela se sentiu mal. Muito mal. Por que não salvou Rhage para estes homens maravilhosos que o amavam tanto. Não o tinha salvado para si mesma também.
Deus, por que... Por que aquele momento tinha que ser contaminado com todo o drama com a Bitty?
Mary foi tirar a espada.
— Realmente não posso...
Um por um, os Irmãos vieram até ela, abraçando-a com puxões duros, segurando-a até sua espinha dobrar e as costelas não poderem expandir mais. Alguns deles falaram
em seu ouvido, dizendo coisas que ressoaram não só por causa das palavras que foram escolhidas, mas pelo respeito e reverência nos tons daquelas vozes profundas.
Outros apenas fizeram um monte de ruídos tipo pigarros, do jeito que os homens faziam quando estavam lutando para se manter fortes e compostos em face de grande
emoção. E ali estava John Matthew, aquele com quem tinha começado esta viagem louca, quem tinha começado isso tudo ligando para o disque-suicídio onde ela era voluntária.
Vishous foi o penúltimo dos Irmãos a vir a ela, e enquanto a segurava, ela sentiu um aroma de tabaco. Junto com couro. E pólvora.
— Nós devemos a você. – Ele disse secamente. — Para sempre.
Enxugando os olhos, ela balançou a cabeça uma vez mais.
— Você me dá crédito demais.
— Nem perto. – Disse ele enquanto escovava a sua bochecha com a mão enluvada. Encarando-a, seus olhos de diamante e o rosto duro com essas tatuagens eram o mais
próximo de terno que ela jamais os viu. — Você sabia o que fazer...
— Mas eu não sabia, V. Eu realmente não tenho a menor dica de onde essa ideia veio.
Por um momento, ele franziu a testa. Então deu de ombros.
— Bem, tanto faz. Você nos deu nosso irmão de volta. E mesmo ele sendo um pé no saco, a vida não seria a mesma sem ele.
— Ou você. – Disse Zsadist.
Z foi o último a vir, e quando ele abriu os braços bem abertos, por algum motivo as faixas de escravo que foram tatuadas em torno de sua garganta e pulsos destacaram-se
para ela.
Seu abraço era rígido. Desajeitado. Obviamente difícil para ele, enquanto mantinha seus quadris distantes de seu corpo. Mas seus olhos estavam amarelos, não pretos;
e quando deu um passo atrás, ele colocou a mão no ombro dela.
A cicatriz que descia por seu nariz e ao redor de sua bochecha se moveu quando ele lhe deu um pequeno sorriso.
— Você é realmente boa em salvar vidas.
Sabia exatamente a que ele estava se referindo – todas essas sessões que eles dois tiveram na caldeira no porão da mansão, ele falando sobre o terrível abuso que
tinha sofrido nas mãos de sua senhora, ela ouvindo e fazendo comentários somente quando ele parava por muito tempo ou olhava para ela por algum tipo de bote salva-vidas
enquanto lutava em um mar de vergonha esmagadora, dor e tristeza.
— Algumas vezes eu gostaria de ser melhor. – Disse ela enquanto pensava em Bitty.
— Não é possível.
Quando Z caiu atrás alinhado com seus irmãos, Mary passou a mão no cabelo. Enxugou seus olhos. Respirou fundo. Apesar de haver muitas emoções diferentes a atravessando,
era muito bom estar por perto de pessoas que amavam Rhage tanto como ela amava.
Que ela sabia ser verdadeiro e sem questionar.
— Bem. – Ela pigarreou. — Agradeço a todos. Mas honestamente...
Enquanto cada um deles olhava para ela de cara feia, isso era o tipo de coisa que a te deixava agradecida que eles gostassem de você. Ela teve que rir.
— Ok, ok, vou manter isso, vou manter.
A conversa surgiu entre os Irmãos e houve alguns tapas nas costas, como se estivessem orgulhosos de si mesmos por fazer a coisa certa por ela.
Com um tchau final, ela se forçou a seguir em frente em direção à entrada do túnel subterrâneo... Com sua nova espada.
Rapaz, ela era pesada, pensou conforme caminhava com a espada ainda no ombro.
Quase tão pesado quanto o peso que sentia em seu coração.
Enquanto Mary caminhava pelo corredor na direção do escritório, Vishous pegou um cigarro enrolado à mão e colocou entre seus dentes da frente.
À medida que acendia a coisa, franziu o cenho pensando sobre o que ela disse a ele.
— Então Xcor não está consciente? – Wrath murmurou.
Virando-se para o Rei, V exalou e mudou as engrenagens na sua cabeça.
— Ainda não. E eu o chequei cerca de meia hora atrás.
— Onde você o colocou?
— No estande de tiro. – V olhou para Tohr, que estava fora do alcance da voz. — E nós temos um cronograma de guarda. Ele está amarrado para minha satisfação...
— Você realmente usa essa merda para o sexo?
Como um, a Irmandade inteira levantou o olhar para a interrupção. Lassiter, o anjo caído, apareceu do nada e estava parecendo um pouco menos ofensivo do que o habitual,
seu cabelo loiro-e-preto puxado para trás em uma trança que ia até sua bunda, couro preto cobrindo suas partes pudendas, argolas de ouro nas orelhas, braceletes
nos pulsos e piercings nos mamilos brilhando sob as luzes fluorescentes do teto. Ou talvez tenha sido por causa da sua extravagante disposição celeste.
Não.
— Que diabos aconteceu com sua maldita camisa? – V atirou de volta. — E por que, merda, você está fora do seu posto?
Porra, sabia que não podia colocar esse idiota de guarda. Mas pelo menos Payne não tinha deixado o estande de tiro, e isso era algo V que não precisava checar. Sua
irmã era o tipo de lutadora que ele confiaria não apenas com sua própria vida e as vidas de seus irmãos e cônjuges, mas em garantir que seu prisioneiro não ia nem
espirrar sem permissão.
— Derramei algo nela.
— Que? Você está comendo lá dentro?
— Não. Claro que não. – Lassiter foi andando devagar para onde o material de limpeza era mantido. — Ok, sim. Certo. Foi um milk-shake de morango... E só estou indo
pegar uma camisa limpa e voltar pra lá. Relaxe.
V deu uma longa tragada. Era isso ou estrangular o filho da puta.
— Morango? Sério?
— Vai se foder, Vishous.
Quando o anjo sorriu e mandou um beijo por cima do ombro, pelo menos o vadio não bombeou os quadris imitando o ato sexual.
— Posso matá-lo? – V murmurou para Wrath. — Por favor. Só uma vez. Ou talvez duas.
— Entre na fila.
V tornou a focar no assunto.
— Como eu estava dizendo, Xcor não vai a lugar nenhum.
— Quero descobrir onde os Bastardos estão ficando. – Wrath ordenou — e trazer o resto deles pra cá. Mas eles devem ter assumido que ele foi capturado. É o que eu
faria. Sem corpo? Sem testemunhas da morte? O curso mais seguro é assumir que o líder deles se tornou prisioneiro de guerra e cair fora de onde quer que eles estejam
ficando.
— Concordo. Mas nunca se sabe o que se pode aprender quando se aperta os botões certos.
— Mantenha Tohr longe dele.
— Entendido. – V olhou para Tohr de relance novamente. O irmão estava atrás do grupo e olhando para o corredor onde o estande de tiro ficava. Parecia estranho pensar
em ter de pôr rédeas no cara ou vigiá-lo, mas assim eram as coisas.
Algumas vezes as emoções eram demais, mesmo para o mais lógico dos lutadores.
Exceto para ele, é claro.
Ele era habilidoso pra caralho.
— Então Assail está dois quartos descendo o corredor. – Disse V. — Se você estiver pronto para falar com ele.
—Leve-me ali, V.
Mais uma vez, normalmente teria sido Tohr cumprindo o dever, mas V deu um passo mais perto e cutucou o Rei adiante, deixando os Irmãos reassumirem várias posições
e sentarem enquanto esperavam Rhage acordar.
Depois deles estarem a alguma distância, o Rei disse baixinho:
— Então, o que você sabe sobre Rhage e seu pequeno torneio de tiro prematuro.
Quando V amaldiçoou, Wrath sacudiu a cabeça.
— Conte-me. E não finja que não sabe de porra nenhuma. Você foi o último a falar com ele.
Vishous considerou manter a merda por baixo dos panos, mas no final, mentir para Wrath não era interesse de ninguém.
— Eu previ a morte dele e tentei fazê-lo deixar o campo. Ele não saiu e... Aí está.
— Ele foi lá fora. Sabendo que ia morrer.
— Sim.
— Droga. – Depois que Wrath soltou alguns palavrões com a letra F, ele mudou para outro assunto feliz. — Também ouvi dizer que você teve um visitante. Quando voltou
para o campus.
— O Ômega. – Cara, ele não gostava nem de dizer esse nome. Mas como gostaria de falar sobre o desejo de morrer de Rhage? — Sim, o irmão da minha mãe cuidou da limpeza.
Se o seu dia de trabalho como sendo a fonte de todo o mal no mundo não funcionar, ele tem uma segunda carreira como zelador esperando por ele.
— Algum problema?
— Ele nem sequer sabia que estávamos ali.
— Graças a Deus. – Wrath olhou de relance, apesar de não poder ver. — Falou com sua mãe ultimamente?
— Não. Não. De modo nenhum.
— Pedi uma audiência. Ela não me reconheceu.
— Não posso ajudá-lo. Desculpe.
— Vou lá em cima sem ser convidado se eu tiver que fazer.
V parou na porta do quarto de recuperação do Assail, mas não abriu.
— Pelo que exatamente você está procurando por ela?
— Quero saber se ela ainda está ali em cima. – O rosto cruel e aristocrático de Wrath ficou esticado. — Ir contra assassinos é uma coisa, mas vamos precisar de um
parceiro com sério poder para enfrentar o Ômega de cabeça erguida, e não vou me enganar. Nós acabamos de derrubar noventa por cento do que ele tem em cima da terra.
Ele vai responder, e nós não vamos gostar seja o que for.
— Foda-me. – V murmurou.
— É mais como “nós”, meu irmão.
— É. Isso também. – V deu outra tragada para se recompor. — Mas você sabe, se quer que eu fale com ela ou...
— Espero que não seja necessário.
Somos dois, amigo, V pensou.
Diante de seus problemas com a mãe que o deixou mais mal-humorado do que normalmente era, ele bateu na porta.
— Está decente, filho da puta? – Ele empurrou a porta, sem esperar permissão. — Como estamos, babacas?
Bem, bem, bem, pensou quando viu Assail sentado de pernas cruzadas sobre a cama de hospital. Desintoxicação demais?
O macho estava suando como se fosse um frango assando para o jantar debaixo de uma lâmpada quente, mas também tremendo como se a parte inferior do seu corpo estivesse
em uma banheira de gelo. Havia círculos da cor de óleo de motor debaixo de seus olhos, e suas mãos continuavam indo do rosto aos braços, escovando algum tipo de
fiapo ou fios de cabelo perdidos que não existiam.
— A q-q-que devo esta h-h-honra?
As narinas de Wrath alargaram quando o Rei testou o aroma no ar.
— Você tem um problema enorme com o vício, hein?
— P-p-perdão?
— Você me ouviu.
V olhou os primos gêmeos no canto e encontrou-os com as costas retas e imóveis como um par de canhões. E quase tão quentes e distorcidos.
Só pra constar, eles meio que não o irritavam.
— Que p-p-p-posso fazer por você? – Assail perguntou entre contrações musculares.
— Quero agradecer por trabalhar conosco ontem à noite. – o Rei disse com voz arrastada. — Entendo que seus ferimentos estão todos costurados.
— S-s-sim...
— Oh, pelo amor de Deus! – Wrath deu uma olhada para V. — Tem como conseguir pra este filho da puta sua droga de escolha? Não posso falar com ele se está todo viciado
por seu pecado. É como tentar fazer alguém se concentrar tendo um ataque epiléptico.
— Procurando por isso? – V ergueu um frasco cheio de pó e inclinou a coisa de um lado pro outro, como um pêndulo de relógio. — Mmm?
Foi patético o modo como os olhos do fodido travaram e esbugalharam. Mas V sabia como era – como você precisava de cada queimadura que você não queria, como isso
se tornava tudo em que podia pensar, como você murchava se não tivesse.
Graças a Deus por Jane. Sem ela estaria caminhando nesse caminho de consumir e ainda estar sempre vazio.
— E ele nem mesmo nega o quanto precisa disso. – V murmurou enquanto se aproximava da cama.
Nossa, enquanto o pobre coitado estendia a mão, estava claro que as mãos de Assail tremiam muito, mal dava para agarrar qualquer coisa.
— Permita-me, filho da puta.
Desenroscando a tampa preta, V virou a garrafinha marrom e fez uma linha no interior do seu próprio antebraço.
Assail tomou essa merda como um motorista de empilhadeira, aspirando metade em uma narina, metade na outra. Em seguida, caiu para trás na cama de hospital como se
tivesse uma perna quebrada e a morfina gotejando finalmente estivesse fazendo efeito. E sim, do ponto de vista clínico, era triste comentar o estado do FDP que um
estimulante como a cocaína o derrubasse.
Mas isso era o vício pra você. Nada de bom senso.
— Agora, quer tentar novamente? – V murmurou enquanto lambia seu braço até limpar e saboreava a amargura. O zumbido não era ruim também.
Assail esfregou o rosto e então deixou os braços o caírem para os lados. — O quê?
Wrath sorriu sem qualquer calor, revelando suas presas enormes.
— Quero saber quais são seus planos de negócios.
— Por que isso é da sua conta? – A voz de Assail era esganiçada, como se ele estivesse exausto. — Ou você decidiu que uma ditadura, mais do que uma democracia, combina
mais com sua personalidade...
— Cuidado com seu tom de merda. – V disse bruscamente.
Wrath continuou como se não tivesse sido interrompido.
— Seu histórico é questionável, na melhor das hipóteses. Apesar de uma tendência mais recente pra lealdade, você parece estar sempre na periferia dos meus inimigos,
seja o Bando dos Bastardos ou a Sociedade Lesser. E da última vez que chequei, estava encabeçando um cartel de drogas, algo que não pode ser feito com uma mera equipe
de dois, por mais capazes que seus capangas possam ser. Então me encontro querendo saber para onde você está indo com seus intermediários agora que os assassinos
com quem esteve trabalhando estão fora do mercado negro.
Assail tirou seus cabelos negros da testa e segurou-os no lugar como se esperasse que isso ajudasse seu cérebro a funcionar.
V preparou-se para uma mentira.
Só que então o homem disse numa voz curiosamente morta.
— Eu não sei. Na verdade... Não sei o que devo fazer.
— Você fala sem falsidade. – Wrath inclinou a cabeça conforme exalava. — E como seu Rei, tenho uma sugestão para você.
— Ou seria um comando. – Assail murmurou.
—Tome como quiser. V As sobrancelhas de Wrath desapareceram sob as bordas dos seus óculos escuros. — Leve em conta que eu posso matá-lo ou deixá-lo ir deste lugar
por capricho.
— Existem leis contra assassinato.
— Às vezes. – O Rei sorriu novamente com aquelas presas. — De qualquer maneira, quero a sua ajuda, e você vai me dar. De uma forma ou de outra.
Capítulo DEZESSEIS
No meio do caminho para o Lugar Seguro, Mary achou que acabaria precisando de uma cirurgia de joelho.
Ao pegar a saída da Northway, ela cerrou os dentes e arranhou a marcha dura como pedra do GTO vintage reformado, roxo brilhante de seu marido – também conhecido
como seu orgulho e alegria. A luz da vida dele antes dela. A coisa mais valiosa que ele tinha desde que deu a ela seu Rolex de ouro Presidential.
O carro monstruoso começou a fazer um ruído de engasgo e então soltou um padrão grave de explosões, seguidas por guinchadas agudas quando empurrou o câmbio para
a frente de volta à posição certa.
— Terceira? Terceira... Eu preciso, não, segunda? Definitivamente não a primeira.
Ela descobriu do jeito mais difícil, ao parar na base da colina da mansão e quase bater com os dentes da frente no volante, devido ao solavanco e pulo que o carro
deu.
— Oh, Sra Volvo, sinto tanto sua falta...
Quando saiu da mansão, tinha percebido que o utilitário não estava no pátio com os outros veículos da Irmandade. Mas ao invés de perder tempo tentando descobrir
onde estaria, pegou as chaves do Rhage pensando “qual seria a dificuldade de guiar este carro na cidade?”. Ela sabia como dirigir um carro com câmbio manual.
Tudo ia ficar bem.
É claro que nem imaginou que a embreagem seria dura como uma parede de tijolos, dificultando cada vez que tinha de mudar de marcha. Ou que as engrenagens seriam
tão calibradas que, caso não se acelerasse no momento certo, todos aqueles cavalos sob o capô enlouqueciam.
O lado bom? Ao menos brigar com a transmissão lhe dava algo além da ansiedade sobre Bitty com que se preocupar, enquanto dirigia para o Lugar Seguro.
Além disto, Fritz era um mecânico tão bom quanto mordomo.
Quando finalmente chegou, estacionou na entrada da garagem, saiu e cambaleou no escuro por um minuto, movendo a perna esquerda em movimentos circulares até sentir
algo estalar e subitamente não se sentir mais como um flamingo.
Praguejando, foi até a porta na garagem, digitou uma senha e entrou. Quando as luzes com sensores acenderam, ergueu a mão para proteger os olhos, mas não se preocupou
em nada. As duas baias estavam vazias, exceto por equipamentos de aparar grama e algumas marcas antigas de óleo no concreto. Subiu três degraus para chegar à porta
da cozinha, então digitou uma senha e esperou que as trancas começassem sua sequência de liberação. Também se virou e apresentou seu rosto para reconhecimento.
Momentos depois estava no vestíbulo, tirando o casaco e pendurando-o junto com a bolsa na fileira de ganchos que ficavam acima de um banco. A cozinha nova nos fundos
funcionava a todo vapor, pilhas de panquecas sendo feitas no fogão, frutas sendo cortadas nos balcões, tigelas e pratos sendo arrumados na grande mesa.
— Mary!
— Ei, Mary!
— Oi, Sra. Luce!
Respirando fundo retribuiu as saudações, aproximando-se para dar um abraço aqui outro ali, colocar a mão sobre um ombro, cumprimentar uma fêmea e retribuir um sinal
de “toca aqui” com um garoto. Havia três membros da equipe de serviço e ela os cumprimentou.
— Onde está Rhym? – Perguntou.
— Está lá em cima com a Bitty. – Disse suavemente a de cabelos cacheados.
— Estou indo para lá.
— Precisa de ajuda?
— Tenho certeza que vou precisar, – Mary meneou a cabeça. — Odeio que isto tenha acontecido a ela.
— Nós também.
Indo pra frente da casa, contornou a base da escada e subiu de dois em dois degraus. Nem se incomodou em parar para ver se Marissa estava. Era provável, dada a extensão
do ataque, que a diretora do Lugar Seguro estivesse curtindo umas horinhas de folga com seu hellren.
Estar vinculada a um Irmão não era pros fracos.
No terceiro andar, encontrou Rhym dormindo em uma poltrona acolchoada que foi puxada para perto da porta de Bitty. Com o ruído do assoalho, a outra assistente social
despertou.
— Oh, ei. – A fêmea disse ao se endireitar e esfregar os olhos. — Que horas são?
Rhym sempre lembrara a Mary de si mesma em certo grau. Ela era o tipo de fêmea que talvez não chamasse atenção imediata em um lugar, mas nunca deixava de estar lá
quando se precisava dela. Era mais alta do que baixa, um pouco magra. Nunca usava maquiagem. Geralmente prendia o cabelo para trás. Nenhum macho que se soubesse.
Sua vida era o trabalho ali.
— Seis e meia. – Mary olhou para a porta fechada. — Como foi durante o dia?
Rhym só meneou a cabeça.
— Ela não quer falar sobre nada. Só guardou as roupas em uma mala, pegou sua boneca e o velho tigre de pelúcia e sentou-se na cama. Finalmente vim para cá, pois
pensei que ela estava ficando acordada por minha causa.
— Acho que vou ver como ela está.
— Por favor. – Rhym esticou os braços e estalou as costas. — E se não tiver problema, vou para casa dormir um pouco, tudo bem?
— Absolutamente. Eu assumo daqui. E obrigado por cuidar dela.
— Já está escuro o bastante para eu sair daqui?
Mary olhou para as persianas que ainda estavam descidas por causa da luz do dia — Acho... – Como se combinado, os painéis de aço que protegiam o interior da luz
do sol começaram a subir — Ta.
Rhymm levantou-se e passou os dedos pelos cabelos louros acastanhados.
— Se precisar de qualquer coisa, se ela precisar de alguma coisa, ligue e volto imediatamente. Ela é uma garotinha especial, e eu só... Quero ajudar.
— Está bem... E novamente, obrigada.
Quando a outra fêmea começou a descer a escada, Mary falou.
— Uma pergunta.
— Sim?
Mary fitou a janela circular no final do corredor, tentando encontrar as palavras certas.
— Ela... Digo, ela disse alguma coisa sobre a mãe? Ou sobre o que aconteceu na clínica?
Tipo algo como Minha terapeuta fez eu me sentir como se tivesse matado minha mãe?
— Nada. A única coisa que disse foi que partiria assim que pudesse. Não tive coragem de dizer que não havia lugar algum para ela ir. Pareceu muito cruel. Cedo demais.
— Então ela falou sobre o tio.
Rhym franziu o cenho.
— Tio? Não, não mencionou nada assim. Ela tem um tio?
Mary olhou de volta para porta fechada.
— Transferência.
— Ah. – A assistente social praguejou baixinho. — Estas vão ser noites e dias longos para ela. Longas semanas e meses também. Mas estaremos todos ao lado dela. Ela
vai ficar bem se conseguirmos fazê-la atravessar este período sem se despedaçar.
— É. Isto é verdade.
Com um aceno, a fêmea desceu os degraus e Mary esperou até os sons de seus passos desaparecerem, caso Bitty só estivesse levemente adormecida.
Inclinando-se para a porta, colou a orelha na madeira fria. Ao não ouvir nada, bateu de levinho, então abriu.
A pequena lâmpada rosa e branca na mesinha do canto lançava um brilho no quarto escuro, e a forma diminuta de Bitty era banhada pela luz suave. A garota estava deitada
de lado virada para a parede, obviamente caiu no sono profundo em algum ponto. Ela usava as mesmas roupas de antes e tinha mesmo guardado as roupas restantes na
mala surrada – e as da mãe. As duas maletas, uma menor e da cor de uma mancha de grama, a outra maior, de uma cor alaranjada estilo Cheetos, estavam alinhadas juntas
na base da cama.
A boneca e a escova estavam no chão à frente delas, junto com aquele tigre de pelúcia que ela não largava.
Com as mãos nos quadris, Mary abaixou a cabeça. Por algum motivo, o impacto do silêncio do quarto, sua humildade e as cortinas e roupas de cama levemente puídas,
seu tapete gasto e móveis que não combinavam, atingiu-a como golpes.
A esterilidade, a impessoalidade, a falta de... Família, na falta de outra palavra, fazia querer aumentar o termostato. Como se um pouco mais de calor vindo dos
dutos no teto pudesse transformar o lugar em um quarto de garotinha mais apropriado.
Mas vamos lá, os problemas que tinham à frente teriam que ser resolvidos por muito mais do que somente um sistema de aquecimento funcional.
Aproximando-se na ponta dos pés da cama que a mãe de Bitty ocupara, pareceu adequado retirar a colcha de retalhos daquele colchão para cobrir a garotinha. Com cuidado,
Mary a cobriu sem perturbar o sono que era tão necessário.
E então ficou observando-a.
E lembrou-se de seu próprio passado. Depois de seu câncer dar o ar da graça, lembrava-se com muita clareza de pensar que estava farta de tudo aquilo. Sua mãe tinha
morrido cedo e de forma horrível, com muito sofrimento. E então ela mesma foi diagnosticada com leucemia e teve de atravessar um ano desgraçado tentando tratar a
doença até a remissão. Tudo aquilo foi muito injusto.
Como se todo o sofrimento da mãe devesse ter qualificado Mary para jamais passar por quaisquer tragédias adicionais.
Agora, enquanto observava a garota, sentia-se positivamente indignada.
É, sabia que a vida era difícil, porra. Ela aprendeu esta lição muito bem. Mas pelo menos teve uma infância marcada por todas as coisas tradicionalmente boas que
você queria ser capaz de olhar para trás e lembrar quando estivesse velho. Sim, seu pai também morreu cedo, mas ela e a mãe tiveram Natais, aniversários, formaturas
do jardim de infância, primário e colegial. Comiam peru no dia de Ação de Graças e tinham roupas novas a cada ano, e boas noites de sono, onde a única preocupação
que podia manter alguém acordado seria em relação a uma nota escolar, ou no caso da mãe, se haveria dinheiro suficiente para duas semanas de férias de verão no Lago
George ou só uma.
Bitty não teve absolutamente nada daquilo.
Nem ela, nem Annalye jamais expuseram os detalhes, mas não era difícil adivinhar o tipo de violência a que ambas foram submetidas. Pelo amor de Deus, foi necessário
um implante de pinos de aço cirúrgico na perna de Bitty.
E como isso tudo tinha terminado?
A garotinha tinha acabado aqui sozinha.
Se o destino tivesse alguma consciência, Annalye não teria morrido.
Mas pelo menos o Lugar Seguro interviu bem a tempo. A ideia de que não tivessem conseguido ajuda para Bitty quando mais precisava?
Era suficiente para fazer Mary sentir-se doente.
Rhage acordou atabalhoadamente, como se um despertador tivesse tocado perto de sua cabeça. Erguendo o torso da cama de hospital, olhou ao redor em pânico.
Só que, tão rápido quanto a ansiedade chegou, ela se foi, a noção de que Mary só foi para o Lugar Seguro o acalmou tanto, que foi como se ela tivesse falado as palavras
em seu ouvido. E achava que ela tinha mesmo. Já fazia um tempinho que eles usavam a besta como uma espécie de mural de recados quando Rhage estava inconsciente.
Funcionava – e não tinham de se preocupar em ter uma caneta à mão.
Mas ainda assim, sentia falta dela. Ainda preocupado com seu próprio estado mental. Mas aquela garotinha...
Jogando as pernas para o lado, piscou algumas vezes e sim, continuava cego mesmo depois do levantamento de pálpebras. Tanto faz. Sentia-se forte e firme – fisicamente
– e contanto que pegasse leve conseguiria chegar ao chuveiro perfeitamente bem.
Vinte minutos depois, saiu do banheiro totalmente nu e cheirando como uma flor. Incrível a diferença que pouco de xampu e sabonete faziam na vida de um cara. Uma
boa escovada de dentes também. Próxima parada? Comida. Depois que a besta saía e ele passava pela sua ressaca, ficava sempre tão faminto que suas entranhas pareciam
ocas – e a melhor coisa que podia fazer era enfiar um pouco de carboidratos de pouca fibra para elas processarem.
Doze baguetes francesas. Quatro pacotes de bagels. Três quilos de macarrão.
Este tipo de coisa.
Saindo para o corredor, ele se perguntou quanto tempo levaria para encontrar o caminho para...
— Caralho, finalmente...
— Podia ter se enrolado numa toalha...
— Fritz te trouxe roupas...
— Está de volta, seu filho da puta...
Todos os irmãos estavam lá, seus cheiros e vozes, seus risos aliviados, seus xingamentos e piadinhas, exatamente o remédio que precisava. E quando eles o abraçaram
e deram tapinhas no traseiro pelado, teve de segurar a emoção.
Ele já estava pelado. #VunerabilidadeTotalMuitoObrigado.
Deus, no meio de toda aquela reeeeeeeeuniãããããão e que era tããããããããão booooooooooooa, era impossível não ser atingido por outra carga de vergonha pelo seu egoísmo
e pelo risco a que expôs Mary e aos irmãos.
E então a voz de V soou diretamente à sua frente.
— Você está bem? – O irmão perguntou em voz rouca. — Já se sente normal?
— É. Tudo está funcionando direito, exceto minha visão, – Sinto muito também. E estou com medo. — Sabe, só um pouco cansado...
POFT!
O golpe no queixo veio do nada, atingindo-o tão forte que sua cabeça bateu para trás e quase voou de sua espinha.
— Que caralho! – Rhage proferiu abruptamente enquanto esfregava o maxilar. — O que...
— Isto foi por não me ouvir, caralho!
Crack!
O segundo golpe veio da direção oposta, o que foi uma coisa boa – o inchaço seria bilateral, então seu rosto não iria parecer tão fodido.
— E isto foi por atacar antes do combinado e foder nossa estratégia toda.
Ao conseguir nivelar seu cérebro pela segunda vez, Rhage segurava o maxilar com ambas as mãos. Pois havia uma possibilidade de que a parte inferior de seu crânio
despencasse.
O lado bom foi que o golpe duplo clareou um pouco sua visão, a cegueira retrocedeu o suficiente para poder enxergar as manchas embaçadas dos corpos e roupas de seus
irmãos.
— A gente podia ter converssssado sssssobre isssssto, – Reclamou Rhage. — Ótimo, essstou falando como se tivesse um ovo na boca.
— E qual a graça nisto? – V o agarrou e abraçou com força. — Agora, nunca mais faça uma porra dessa.
Rhage esperou pelos outros começarem a fazer perguntas. Quando ninguém o fez, imaginou que V já tinha contado a eles sobre a coisa da visão. A menos... Bem, todo
mundo parecia tê-lo visto correr adiantadamente para aquele campo e aquele tipo de merda era mais do que motivo para uma surra.
— Esssstou enxergando agora. – Disse ele.
— Pode me agradecer mais tarde.
Houve uma porção de conversa naquela hora – que o levou a descobrir que tinham Xcor sob custódia.
— Tohr já matou o fodido? – Perguntou.
— Não. – Todo mundo respondeu ao mesmo tempo.
Então houve uma história sobre o Ômega aparecer para uma faxina no campus e V salvando o dia criando um mhis.
— Eu posso ajudar no turno, – Disse Rhage. — Digo, vigiar o bastardo.
— Mais tarde, – V exalou um pouco de fumaça turca. — Você precisa se recuperar, depois a gente te encaixa.
Com isto, o grupo dispersou, alguns foram para a mansão, outros para a sala de treinamento. Rhage foi junto com os que pegaram o túnel para a casa principal, mas
enquanto os Irmãos iam para a cama, ele atravessou a sala de jantar até a cozinha da mansão.
Deus, queria que sua Mary estivesse com ele.
O lado bom era que não havia nenhum doggen por perto, a Primeira Refeição não foi servida graças ao número de ferimentos que aconteceram durante o ataque juntamente
com todo o drama do que aconteceu com ele. A equipe de serviçais estava, sem dúvida, tendo um raro momento de descanso antes de voltarem à limpeza e arrumação, e
ficava aliviado de não incomodar ninguém.
No entanto, ao perambular pelo local sagrado de Fritz, sentiu como se devesse fazer uma concessão ou algo assim, para não arrumar encrenca com o mordomo. E assim,
decidiu não cozinhar. Comeria o que já estivesse pronto e que não dependesse do fogão ou da despensa.
Ele já tinha levado dois murros e a noite mal tinha começado.
Mas primeiro, roupas. Esteve cego demais no banheiro para poder enxergar qualquer coisa que tivesse sido deixada para ele, então foi até a lavanderia atrás da despensa,
usando sua visão um pouco embaçada para localizar umas calças folgadas e um moletom enorme com o logo do American Horror Story estampado. Então era hora de resolver
o assunto comida.
Avaliando o estoque de pães, começou a diminuí-lo separando pacotes de bagels e baguetes no balcão – mas então pensou, foda-se. Tateando por baixo da gaveta, arrancou-a
dos rodízios e carregou a coisa toda para a mesa de carvalho. O passo dois era voltar para a geladeira, pegar meio quilo de manteiga sem sal e um pacote de cream
cheese e pegar a torradeira, puxando-a até o fio desencaixar da tomada.
Uma faca serrilhada e uma tábua de corte mais tarde, junto com a cafeteira, o pote de açúcar e uma caixa pequena de creme, ele se pôs ao trabalho. Enquanto o café
coava começou a fatiar, fazendo montanhas de metades amanteigadas à direita. Os bagels foram alinhados como linha de produção, para poder processá-los pela torradeira
e então besuntá-los de cream cheese.
Provavelmente deveria pegar um prato. E pelo menos outra faca, mas a lâmina maior ia ser eficiente para espalhar.
Quando o café ficou pronto, tirou a jarra, jogou o pote todo de açúcar e juntou o máximo de creme que coube. Então tomou um gole para provar.
Perfeito.
Ele colocou a coisa de volta no aquecedor e começou sistematicamente a batalhar com os bagels – pois, ei, aquilo era o mais perto de uma Primeira Refeição, certo?
Em seguida veio as baguetes, por que aquilo era o mais próximo de uma refeição que suas opções permitiam. A sobremesa seria um bolo de café com nozes. Ou dois.
Enquanto mastigava, seus dentes pareciam um pouco frouxos graças ao murro de V, mas não era grande coisa. E de vez em quando, empurrava as coisas abaixo com goles
de café direto da jarra.
Duas mil calorias depois, a realidade do quão sozinho estava o atingiu.
Mas também, o cômodo poderia estar cheio de irmãos e sentiria o mesmo.
Pior, achava que mesmo a presença de sua Mary não poderia ter consertado este isolamento dentro dele.
Sentado lá, enchendo seu estômago e ainda assim incapaz de fazer qualquer coisa com o vazio que realmente contava, ele pensou que teria sido muito mais fácil se
tivesse sequer uma indicação de qual realmente era o seu problema...
A distância, na sala de jantar, um som apressado ecoou.
Era uma porção de passos, como se alguém corresse.
Que inferno? Ele pensou se levantando da cadeira.
Capítulo DEZESSETE
Havia uma porção de cálculos a serem feitos quando se tinha um vício.
Ao sentar-se atrás da escrivaninha de mansão de vidro, Assail abriu a grande gaveta estreita, próxima às suas coxas, e tirou três vidrinhos idênticos ao que o Irmão
Vishous tinha esvaziado no próprio antebraço, lá no complexo subterrâneo da Irmandade.
Cálculo, cálculo, cálculo... A maior parte, multiplicação. Tipo, pela quantidade de cocaína que tinha, quanto tempo conseguiria manter o vício aplacado? Quatorze
horas? Quinze?
Ele abriu um dos frasquinhos marrons e derramou o conteúdo de pó branco em cima do mata-borrão de couro. Usando um cartão de crédito Centurion, da American Express,
esticou duas fileiras, inclinou-se sobre elas e cuidou do seu problema. Então, recostou-se de novo na cadeira e fungou algumas vezes.
Sério, odiava sentir o nariz constantemente escorrendo. A queimação em suas vias nasais. O gosto amargo que florescia em sua boca. E, mais especialmente, detestava
o fato de que já nem mais ficava chapado. Apenas experimentava uma ascensão temporária na horrível montanha russa na qual tinha se metido, uma espécie de trégua,
inevitavelmente seguida por um acidente em alta velocidade – e então, se não tomasse outra dose, os arranhões e apertos implacáveis da fissura.
Fitando os resquícios dos dois vidrinhos, achou difícil acreditar que tinha chegado àquele padrão. O deslize e a queda tinham sido tanto coisa de momento quanto
uma tragédia em câmera lenta. Ele inicialmente tinha começado por se acostumar à sensação de estar alerta, mas o que tinha começado como um hábito de praticidade
agora o escravizava, tal qual um mestre tinha domínio sobre um serviçal no Antigo Continente.
Caramba, não fora essa sua intenção.
Ultimamente, ele fazia várias coisas sem intenção.
Estendendo o braço, despertou seu notebook com um toque no touchpad, logou usando uma mão, embora sua senha contivesse letras maiúsculas, e acessou, via canais criptografados,
suas contas estrangeiras. A maior delas ficava em Genebra.
Ele tinha várias outras.
Tantos dígitos e vírgulas antes das casas decimais em jogo. E olhando para os dados na tela, contemplou exatamente quanto dinheiro era preciso – mesmo assumindo
que, como um vampiro, viveria dez vezes mais do que a média humana ou até mais.
Desde que seu pequeno hábito não apressasse sua ida ao Fade.
Ou no seu caso, mais provavelmente ao Dhund.
Claro que tinha o suficiente para qualquer padrão prático, mesmo à luz da crise financeira mundial... Então realmente precisava continuar traficando drogas? Por
outro lado, com a velocidade em que vinha cheirando pó, era perigoso se tornar seu maior e melhor consumidor.
Preciso de sua ajuda com a Glymera.
Enquanto considerava a proposta de Wrath, teve de se perguntar o quanto aquilo que o Rei queria fazer seria melhor ou pior do que ganhar dinheiro às custas de humanos
e sua necessidade de complementos químicos. O esforço real era algo para passar o tempo, certamente. E se não iria mais traficar drogas, precisaria passar as horas
noturnas de algum jeito.
Ou então ficaria louco.
Principalmente por sentir tanta falta daquela fêmea dele. Que, de fato, nunca foi dele.
— Marisol. – Sussurrou para a sala vazia.
Por que infernos nunca tinha tirado uma foto dela? Quando ela tinha ficado aqui, nesta mesma casa, enquanto a protegia com a própria vida, por que não tinha pegado
seu celular, apontado na direção dela e tirado uma foto? Um simples momento do tempo, uma fração de segundo, que era só o que era preciso. Mas não, não tinha feito
tal coisa, e agora aqui estava ele, do outro lado da separação sem nada dela, exceto o que havia em sua mente.
Era como se ela tivesse morrido. Só que ainda existia.
De fato, ela agora estava na Flórida, onde o oceano lambia a areia doce e as noites eram um mistério cálido, mesmo na porra do mês de outubro.
Sabia exatamente onde estava, precisamente onde ficava – por que a tinha rastreado até lá. Certificando-se que tinha chegado a seu destino a salvo com a avó. Espiara
as duas das sombras da maneira pais patética possível.
Mas tinha honrado o pedido dela. Tinha deixado-a ir. Libertara-a dele e do estilo de vida marginal que ambos levavam.
Ladrões e traficantes não podiam coexistir.
Uma humana que queria ficar do lado certo da lei e um vampiro viciado que não conseguia.
Com um gemido, pôs o rosto entre as mãos e tornou a lembrar dela. Sim, oh, sim, conseguia se lembrar com certa clareza de seus cabelos escuros e seu corpo ágil,
sua pele e olhos escuros. Mas com o passar do tempo... Ele se preocupava de que pudesse vir a se esquecer de certas nuances no começo, e então cada vez detalhes
maiores e mais significativos.
E a perda daquilo seria uma morte lenta, mesmo que permanecesse respirando.
— Chega. – Murmurou ao abaixar os braços e se recostar.
Voltando a se concentrar em si mesmo, pensou no que o Rei queria que fizesse. Podia ser uma mudança de ramo, com certeza. Mas já tinha dinheiro suficiente. Tempo
suficiente. E achar outra rede de contatos de traficantes intermediários para distribuir seu produto nas ruas de Caldwell e Manhattan subitamente parecia trabalhoso
demais.
Além disto... Depois de lutar lado a lado com a Irmandade? Ele se viu cheio de respeito por aqueles machos. Cheio de respeito pelo líder deles também.
Era uma grande mudança para um apartidário convicto – meio que como um ateu considerando a existência de Deus depois de uma experiência próxima da morte.
Mais, ele devia a Vishous sua vida; disso tinha certeza. Por menos valor que sua existência tivesse, não estaria sentado nesta cadeira, nesta mansão de vidro junto
ao Rio Hudson alimentando seu vício de cocaína, se aquele Irmão não o tivesse jogado por cima do ombro e corrido pra diabo.
Duas vezes.
Oh, aquela Besta. Se não tivesse visto, jamais acreditaria na sua existência.
Assail empurrou a cadeira com o pé de forma a poder espiar pela janela para além do rio. Um apito sutil soou do canto da sala onde um antigo relógio francês ficava.
Ao fundo, na parte dos fundos da casa, ele podia ouvir os primos se movendo pela cozinha.
Quando decidiu usar o celular, tudo o que teve de fazer foi buscar no bolso de sua jaqueta de couro despedaçada. Tinha se esquecido de remover a roupa arruinada
mesmo que sua casa estivesse bem aquecida contra a noite fria de outubro.
Mas também, ao chegar em casa, sua única preocupação foi ficar logo a sós para poder resolver seu probleminha.
Não conseguia cheirar suas carreiras na frente dos primos. Não que tivesse qualquer intenção de alterar seu comportamento por causa do julgamento de outra pessoa.
Selecionando um número de seus contatos, hesitou antes de iniciar a chamada. Com o polegar pairando sobre a tela, tornou-se agudamente ciente de que se fosse adiante
com isto, ele se tornaria algo que sempre desprezara.
Um agente do Rei.
Ou, mais especificamente... Um agente a mando de outro.
Com um estranho sentimento de temor, cedeu ao impulso e levou o aparelho ao ouvido, ouvindo-o tocar. No final, decidiu atender ao pedido de Wrath pela simples razão
de que parecia a única coisa boa que poderia fazer consigo mesmo.
Uma coisa certa.
Uma coisa positiva.
Estava começando a sentir como se já fosse hora. E talvez estivesse pegando uma página do livro de Marisol por que era a única maneira que o faria sentir-se próximo
a ela agora.
Chega de tráfico de drogas para ele.
Embora o que estava a ponto de fazer bem poderia se provar tão perigoso quanto. Mas, pelo menos, não ficaria entediado.
— Alô querida, – Disse quando a chamada foi atendida por uma fêmea. — Sim, preciso mesmo me alimentar, obrigado. Esta noite seria preferível, sim. E também senti
sua falta. De fato, muito mesmo. – Ele a deixou falar um pouquinho até ter certeza de que ela tinha engolido sua mentira, e inteira. — Na verdade, na sua casa, por
favor. Não, o chalé não está à altura de um macho como eu. Eu até abria mão de início em respeito à presença de seu hellren, mas agora que ele está acamado, não
estou mais disposto a fazer concessões. Espero que compreenda.
Houve uma longa pausa, mas sabia que ela cederia.
— Obrigado, nalla. – Falou calmamente. — Eu te vejo em breve... Oh, use algo vermelho. Sem calcinha. É só.
Ele desligou por que ela era uma fêmea que exigia trabalho em se capturar sua atenção. Tranquilo demais? Charmoso demais? Ela logo perderia o interesse, e isto não
poderia acontecer até obter todas as informações que precisava dela.
Sua próxima ligação foi para o Irmão Vishous. Quando o macho atendeu, Assail só falou duas palavras antes de desligar de novo.
— Estou dentro.
— Claaaaaro, eu fico até tarde. Sem problema. Não é como se tivesse algo melhor pra fazer.
Jo Early estava sentada atrás de sua mesa da recepção com o resto da imobiliária vazia, nada além de uma mixórdia de perfumes e a deprimente música de elevador soando
acima para lhe fazer companhia. Bem, isto e as porras dos arbustos de fícus de ambos os lados dela.
Aquelas coisas espalhavam suas folhas como se estivessem em constante derretimento – e seu TOC simplesmente não permitia que relaxasse a menos que o chão estivesse
limpo. Mas também, ela não tinha de fazer agachamentos na academia.
Não que sequer frequentasse uma academia.
Verificando seu celular, meneou a cabeça. Sete horas.
O plano, o “favor” que estava fazendo para o chefe, era ficar ali até ele trazer três contratos assinados para ela poder digitalizar e enviá-los por e-mail para
os vários corretores compradores. O porquê dele mesmo não conseguir enfiar os contratos no scanner e criar alguns PDFs era um mistério.
E, está bem, talvez ela também fosse uma parte do problema.
Não que tivesse orgulho em admitir.
Erguendo o olhar por cima da beira do tampo da mesa, fitou as portas de vidro esfumaçado que abriam para o exterior. O escritório ficava localizado em uma galeria,
entre lojas, que contavam com um salão de cabeleireiros onde o corte mais barato custava cem pratas – e isto para os cortes masculinos – uma butique que expunha
duas peças de roupas minúsculas em sua vitrine, uma loja de porcelanas e vidrarias que brilhava mesmo em dias cinzentos e, no final dela, uma joalheira que as caçadoras
de dotes de Caldwell pareciam aprovar.
A supor pela clientela pneumática do local.
— Vamos lá, Bryant. Vamos lá...
Embora, sério, não tinha nada a fazer. Ir pra casa para Dougie e as discussões sobre o círculo de colheita? Aquilo sim seria divertido.
Quando um telefone tocou na área onde os escritórios ficavam, despertou seu computador e encarou o calendário de Bryant. Ela punha os compromissos dele no Outlook
quando ele enviava uma mensagem de texto ou ligava pedindo a ela para fazer isto. Compromissos válidos como reuniões imobiliárias, mas também a vistoria do BMW dele,
e agendamentos do cara da manutenção da piscina para a casa dele naquele novo empreendimento. Lembretes pra ele ligar para a mãe no aniversário dela e encomendar
flores para as mulheres com quem saía.
O tempo todo se perguntando o que ele pensaria se soubesse quem eram seus pais.
Aquele segredinho era o que a reconfortava quando ele aparecia em uma manhã de segunda-feira e sussurrava que tinha saído com uma divorciada na sexta-feira e uma
personal trainer no sábado, e então almoçou com outra pessoa no domingo.
Sua identidade real era uma armadura que usava para lutar contra ele. Em uma guerra que ele sequer estava completamente inconsciente de estarem lutando.
Fechando a agenda dele, encarou o logotipo na tela. O último nome de Bryant, Drumm, era o segundo na linha – por que a firma foi fundada pelo seu pai. Quando o homem
morreu há quase dois anos, Bryant assumiu a posição dele do mesmo jeito que fazia tudo o mais em sua vida – sorrindo e com charme. E ei, aquela não era uma estratégia
ruim. Diga o que quiser sobre o estilo de vida playboy do cara, mas ele sabia negociar uma tonelada de imóveis e ainda parecer bonito fazendo isto.
Caldwell, a própria estrela da Lista de Milionários de Nova York.
— Vamos lá, Bryant... Cadê você?
Depois de uma nova vistoria de sua mesa já arrumada duas vezes, verificou o chão debaixo do fícus à direita, pegou uma folha e a jogou fora, sentou-se de novo e...
Que inferno, acessou o YouTube.
Dougie tinha postado aquela gravação estúpida em seu canal – um puta canal com o grande total de vinte e nove inscritos. Dos quais, tipo, quatro eram o próprio Dougie
em diferentes perfis fakes e dois eram spammers com baixos padrões. Quando clicou na seta para assistir de novo ao vídeo de quarenta e dois segundos, ligou as caixas
de som. Os efeitos sonoros eram de amadores a médios, uma combinação de uns sons de farfalhar muito altos enquanto seu companheiro de casa segurava o iPhone erguido,
e então um distante, e não tão silencioso, rugido.
Está bem, então sim, certamente aquilo parecia algo Dinossáurico no meio daquele campo. E sim, parecia haver um monte de desordem no chão, mas quem saberia o que
tudo aquilo era. Não passava de uma câmera de celular capturando uma tomada, e talvez fosse só o jeito que a área pisada parecia na lente.
Ela assistiu mais algumas vezes. Então recostou na cadeira.
Havia cinco comentários. Três eram de Dougie e seus colegas. Um era um depoimento de alguém que estava ganhando 1750 dólares trabalhando em casa!!!!$$$!!!! O último
era... Apenas quatro palavras que não faziam muito sentido.
Essa merda de vamp9120 de novo.
Deixado por alguém chamado ghstrydr11.
Franzindo o cenho, começou uma pesquisa virtual e encontrou o canal vamp9120. Uau. Está bem, três mil inscritos e o que parecia ser uma centena de vídeos. Clicando
em um deles, ela...
Gargalhou bem alto.
O cara que falava para a câmera era como um personagem LEGO do Drácula, com uma testa afiada e caninos ainda mais afiados, pelos faciais que pareciam ter sido pintados
ao invés de barbeados, e uma gola “Juro Por Deus, Aquele Deve Ser Elvis” em sua camisa. A pele do cara era branca demais, seu cabelo preto demais, seus lábios vermelhos
saídos de um tubo da MAC. E aquela voz? Parte evangelista, parte neo-vitoriano, quase Bram Stoker.
— Criaturas da noite...
Espere, esta frase não era de um filme?
— ... Vigiando as ruas de Caldwell...
Como se fosse a versão Nova Iorquina de The Walking Dead? Na dúvida, arraste uma perna.
— ... Caçando vítimas...
Está beeeeeeeem, adiante. Descendo a tela com o índice de vídeos, escolheu outro aleatoriamente. E sim, O Verdadeiro Pseudo Vlad de novo encarava a câmera – e desta
vez tinha um olhar bem esfumaçado para completar a caracterização.
— ... Existem! Vampiros existem...
Perguntando-se se o púlpito dele estava coberto com veludo pret... Está bem, uau. Era para ser uma piada, mas conforme as lentes se afastavam, parecia mesmo que
ele estava inclinado em algo que era, de fato, coberto de veludo negro.
Interrompendo o vídeo, desceu para o próximo e disse a si mesma que depois deste chega.
— Oh, ei, Vlad, qual é?
— ... Depoimento sobre um encontro vampírico, – Vlad se virou para um cara sentado perto dele em uma cadeira dobrável de plástico. Que era uma total ambientação.
— Julio? Conte a meus fãs o que aconteceu há duas noites.
Por falar em um pouco de mistureba: Julio era o antivampiro, com uma bandana do Tupac na cabeça, crucifixo no pescoço e tatuagens ao redor da garganta.
Mas seus olhos... Estavam arregalados e frenéticos, fixos em Vlad e depois ao redor.
— Eu tava no centro, sabe, com meus parças, e a gente tava...
A história a seguir começava sem nada de especial, só um maloqueiro com sua gangue atirando em rivais nos becos. Mas então as coisas entraram no rumo da Vampirolândia
com o cara descrevendo como tinha corrido para dentro de um restaurante abandonado – e daí por diante as coisas ficaram estranhas.
Supondo que se acreditasse nele.
— ... cara me jogou no balcão e foi isto, – Julio fez um gesto de presas e garras. — E seus dentes eram todos...
— Iguais aos meus. – Vlad interrompeu.
— Só que os dele eram de verdade. – Okay, Vlad claramente não gostou disto, mas Julio continuou: — E ele tinha um rosto fodido, o lábio superior fodido. E ia me
matar. Ele tinha uma...
Jo assistiu ao resto da entrevista, mesmo a parte onde Vlad empurra Julio do caminho, como se o patamar de compartilhamento do pseudo-Dracula já tivesse sido atingido.
Recostada na cadeira de novo, ela se perguntou exatamente o quão longe iria com isto. E a resposta foi ir para a página do Jornal Caldwell Courier e fazer uma busca
pelo nome do bom e velho Julio. Ahn. Quem diria. Havia um artigo escrito em dezembro passado sobre a atividade de uma gangue na área do centro – e Julio era destaque.
Tinha mesmo uma foto dele encarando de dentro de um camburão, os olhos ostentando aquele mesmo esbugalhar, a boca também arreganhada como se estivesse falando desesperadamente
com o fotógrafo.
Mas nada sobre vampiros.
Subindo a tela de novo, descobriu que o nome no subtítulo era um que ela conhecia.
Na verdade, Bryant tinha conseguido uma casa para o cara e a esposa há cerca de seis meses. Se não estava enganada.
Uma rápida busca no arquivo de clientes e, é, ela estava certa.
— Sinto muito pelo atraso!
Bryant Drumm entrou pela porta de vidro correndo, mas não parecia esbaforido. Seu cabelo escuro estava perfeitamente arrumado, o terno azul acinzentado estava adequadamente
abotoado e os documentos em suas mãos estavam separados em três seções.
Então ele não tinha realmente corrido. Veio em seu próprio ritmo, mesmo que para isto tivesse deixado-a plantada ali.
Ele pôs os cotovelos na mesa e se inclinou, com seu sorriso patenteado.
— Jo, como posso te recompensar?
Ela estendeu a mão.
— Dê-me. E me deixe ir embora.
Bryant colocou os documentos em sua mão, mas então se recusou a soltar quando ela tentou pegá-los.
— O que seria de mim sem você?
Enquanto a olhava fixamente, a concentração dele era fixa e completa – como se nada mais existisse no mundo para ele, como se estivesse tanto cativado por ela quanto
levemente admirado. E para alguém que não tinha muita importância para os pais, que foi posta para adoção pelas pessoas que a geraram, que se sentia perdida no mundo...
Era assim que ele a cativava.
De certa maneira triste que ela não gostava de questionar muito, vivia para estes pequenos momentos. Trabalhava até tarde por eles. Mantinha-se na expectativa de
que voltariam a acontecer...
O telefone dele tocou. E ainda olhava para ela ao atender.
— Alô? Oh, ei.
Jo desviou o olhar, e desta vez quando ela puxou, ele a deixou pegar os contratos. Conhecia aquele tom de voz dele. Era uma de suas mulheres.
— Posso te encontrar agora. – Murmurou ele. — Onde? Mm-hmmm. Não, já jantei... Mas topo uma sobremesa. Mal posso esperar.
Quando ele encerrou a ligação, ela já tinha se virado para o lado e ligado o scanner.
— Obrigado de novo, Jo. Te vejo amanhã?
Jo nem se incomodou em olhar por cima do ombro ao alimentar as páginas uma a uma.
— Estarei aqui.
— Ei.
— O que?
— Jo. – Quando ela se virou para olhá-lo, ele inclinou a cabeça de lado e estreitou o olhar. — Devia usar vermelho com mais frequência. Destaca seu cabelo.
— Obrigada.
Voltando ao scanner, ouviu-o sair e a porta se fechando suavemente. Um momento depois, houve o clarão de um motor potente e ele se foi.
Sabendo que estava sozinha, ergueu a cabeça e olhou para seu reflexo na entrada de vidro. As luzes das lâmpadas superiores refletiam em seu cabelo de um jeito que
seus tons de vermelho e castanho se destacavam mesmo, em contraste com todo aquele preto e cinza ao seu redor.
Por alguma razão, o vazio do escritório... Em sua vida... Pareceu tão alto quanto um grito.


CONTINUA

Capítulo TREZE
Quando Mary acordou, não tinha ideia de que horas eram. Levantando a cabeça do peitoral nu de Rhage, ela olhou em volta e se surpreendeu ao descobrir que os dois
caíram no sono na sala de recuperação e com as luzes acesas acima de suas cabeças.
Droga, não tinha tornado a conectar todas aquelas máquinas. Depois do pequeno interlúdio orgástico de Rhage, ele tinha se recusado a parar de abraçá-la, e ela deve
ter caído no sono de encontro a seu corpo quente e musculoso. Claramente Ehlena tinha chegado a conclusões certas – os monitores por si foram removidos. E sim, seu
hellren ainda estava muito vivo, seu peito subindo e descendo calmamente, e aquele maravilhoso Ba-bump, Ba-bump, Ba-bump de seu coração era um verdadeiro atestado
de sua saúde.
Fechando os olhos, estremeceu quando pensou na ferida da bala, o sangue que ele tinha tossido, aquele horrível...
— Ei, linda.
Assim que ele falou, ela levantou a cabeça. Seus olhos azuis semicerrados a prendiam, queria olhar dentro deles para sempre.
— Oi. – ela sussurrou.
Movendo sua mão para cima, ela acariciou a bochecha dele, sentindo sua barba loira começando a crescer.
— Você precisa se barbear.
— Preciso?
— É sexy, na verdade.
— Então vou jogar fora todos os meus barbeadores. Rápido, me ajude a ir pro nosso banheiro pra eu fazer isso agora.
Ela riu um pouco, então ficou séria.
— Como está sua visão?
— Que visão?
— Continua cego?
Ele soltou um som como hrrumph.
— Como se isso importasse! Você está aqui e eu posso te ouvir perfeitamente. Posso sentir você também. – A grande e larga palma da mão de Rhage esfregou seu ombro.
— Ei, tive uma ideia. Vamos pro nosso quarto e depois de cancelarmos minha assinatura do Clube de Barbear, podemos cair na Jacuzzi. Depois de um banho e meio, podemos
ir pra cama e ver o que acontece. Lembre-se que eu te devo pelo menos um bom passeio... E então tem os juros. Ohhh, aqueles juros... Tenho muita coisa pra fazer
por causa disso.
Mary riu um pouco.
— O que? – Ele disse com um olhar severo. — O que tem de errado?
Colocando-se na vertical e afastando-se do peito dele, ela estalou as costas se esticando. Jogou seu cabelo para longe do rosto. Colocou o colarinho da camisa no
lugar para não se asfixiar mais.
— Que pena, hein?
Com um gemido de dor, ele agarrou os botões do controle e deixou o ângulo do colchão mais alto para que então pudesse se sentar de modo mais apropriado.
— Fale comigo.
Quando ela se moveu para os pés de sua cama e tentou achar as palavras, Rhage recuou.
— Uau. Você está... Por que está chorando?
— Jesus, eu estou? – Uma passada rápida de sua palma na bochecha e ela achou umidade. — Uau. Sim, me desculpe por isso.
— O que está acontecendo? Preciso matar alguém pra você?
Esta era a primeira resposta de um macho emparelhado para qualquer coisa que chateasse sua shellan, e antes que pudesse evitar, ela sussurrou: — A morte já aconteceu,
na verdade.
— Huh.
Por alguma razão, seu pensamento voltou para aquela noite, cerca de dois anos atrás, quando Rhage, V e Butch saíram e mataram um hellren criminoso, então Bitty e
Annalye puderam viver.
— A mãe de Bitty morreu na noite passada.
— Ohhhhh, merda. – Rhage sentou completamente para frente por conta própria, como se tivesse em mente pular para fora da cama mesmo que não tivesse nenhum lugar
para ir, nenhum ataque para defendê-la. — Mas por que inferno você não me disse?
— Você estava meio que ocupado morrendo na hora...
— Você deveria ter me contado. Eu fiz você me masturbar...
— Pare com isso. Eu amo isso. Nós precisávamos disso.
Quando seu lindo rosto ficou insuportavelmente tenso e ele cruzou os braços no peito como se estivesse chateado consigo mesmo, ela arqueou pra cima e o beijou na
boca. — Obrigada.
— Pelo que?
— Por se importar com ela também.
— Como eu não poderia? O que posso fazer pra ajudar?
Mary se sentou e soltou.
— Eu senti sua falta.
Rhage bateu no ar entre eles como se estivesse indo tocá-la, e ela colocou seu rosto entre as mãos dele, deixando-o sentir suas bochechas e mandíbula, os lados de
sua garganta.
— Senti sua falta também, – Ele disse num tom baixo. — Nós estivemos... Afastados ultimamente. Não separados, mas afastados.
— Me desculpe. Eu sei. Estive envolvida com tudo no Lugar Seguro e isso realmente não é justo...
— Pare com isso. Você nunca tem que se desculpar comigo por amar seu trabalho ou precisar estar sempre por dentro das coisas, como faz. Sou a última pessoa que não
entenderia isso. Você é maravilhosa lá, e uma pessoa maravilhosa que ajuda todo mundo...
Mary abaixou os olhos, mesmo pensando que tecnicamente não havia nenhum olhar fixo para ela escapar.
— Nem sempre. Deus, nem sempre.
— Conte pra mim. Mary, não quero ser exigente... Mas você realmente precisa falar comigo.
Quando ela se lembrou de tudo que aconteceu, seus olhos se encheram de lágrimas novamente.
— Eu, ah... Eu recebi a ligação na minha mesa que as coisas não estavam indo bem com Annalye e levei Bitty no Havers. Eu realmente pensei... Bem, quando minha mãe
se foi, eu estava com ela e isso foi importante para mim, especialmente depois, sabe? Quero dizer, quando penso nela e sinto sua falta... Há um certo consolo que
tenho ao saber que ela não estava sozinha quando morreu. Que... Que estava comigo no começo da minha vida e que eu estava com ela no fim da dela, – Mary soltou um
suspiro trêmulo. — Quero dizer, Bitty é nova... Ainda há tantos anos pela frente para ela lidar com isso, sabe? E o que foi importante para mim quando eu era adulta,
meio que parecia algo que poderia ser importante para ela depois. Em todo caso... Eu não queria que isso acontecesse.
— O que acontecesse?
Mary cobriu o rosto com as mãos quando as memórias atravessavam sua consciência como uma faca.
— Quando Bitty... Oh Deus, quando Bitty pegou a mão de sua mãe, a fêmea morreu bem naquela hora. Bitty pensou que ela fosse a responsável. Isso foi... Horrível.
Nada do que eu queria para nenhuma das duas.
Eu a matei! Eu a matei!
— Talvez a mahmen dela estivesse esperando por ela.
Mary secou os olhos e deixou os braços caírem em derrota.
— É isso o que eu estou dizendo a mim mesma. Não que isso realmente ajude...
— Mary, quando fui baleado naquele campo e estava morrendo, eu estava esperando que você fosse até mim. Era a única coisa que estava me segurando aqui. Quando se
ama alguém e você está partindo, espera até que a pessoa venha... E isso toma um monte de energia, um monte de foco. Estou te dizendo Mary, eu estava esperando por
você por que precisava ficar em paz contigo, mas não conseguia aguentar por muito tempo... E embora tivemos sorte e você salvou minha vida, a realidade é que eu
prolonguei meu sofrimento só para ter aquele momento contigo.
— Oh Deus, sério... Ver você sofrendo daquele jeito... Foi um dos piores momentos da minha vida.
Como se ele estivesse determinado a mantê-la no caminho, Rhage falou sobre ela.
— Você precisa dizer isso a Bitty, ok? Dizer a ela que sua mãe morreu naquele momento por que a voz de Bitty era o que ela precisava ouvir antes que fosse para o
Fade. Ela precisava saber antes de partir que sua filha estava bem. E te garanto, Mary, se você dissesse uma palavra naquele quarto, Annalye saberia que estava com
a filha dela também. E isso quer dizer que Bitty estaria segura. Annalye foi embora por que sabia que tudo bem ela ir.
— Nunca pensei nisso desse jeito, – Mary murmurou. — Você colocou isso de um jeito ótimo. Eu queria que você pudesse dizer isso a ela.
— Talvez eu possa algum dia. Inferno, diga o dia e a hora e estarei lá.
Quando Rhage começou a ir até ela, parecia focado nela mesmo que não pudesse enxergar – e na realidade, Mary tinha muita certeza nesse momento que nada mais nesse
mundo existia para ele além dela e dos seus problemas. Adicione aquela ridícula beleza masculina, aquele desejo sexual e aquele grande coração?
— Como nesse mundo acabei ficando com você? – Ela sussurrou. — Ganhei na loteria.
Seu hellren a alcançou e trouxe para perto de novo, colocando-a sob seu queixo.
— Oh, não, Mary. É o contrário. Acredite em mim.
Quando Rhage sentiu a tensão no corpo de sua shellan acalmar, esfregou suas costas em círculos lentos... E sentiu vontade de vomitar.
Não por causa da coisa toda da Besta.
— Então, sei que ainda temos 12 horas até o anoitecer, – Ela disse — Mas gostaria de ir para o trabalho essa tarde. Mesmo que só um pouquinho e somente se você...
— Oh Deus, sim. Bitty precisa de você. – Perguntou a si mesmo se tinha sobrado algum Alka Seltzer. — Estou bem.
— Tem certeza?
Não. Não mesmo. — Inferno, sim... Quantas vezes já passei por essa recuperação? Vou só deitar aqui e dormir muito. – Por que se não estivesse consciente, não iria
se sentir daquele jeito, certo? — E na verdade, pensando bem, você não precisa que eu diga nada a Bitty. Você tem maneiras melhores de colocar as coisas do jeito
certo.
— Eu costumava acreditar nisso.
— Não. – Olhou para baixo, para onde o som da voz dela estava vindo e pegou uma de suas mãos com a dele com urgência. — Mary, você não pode ter uma segunda opinião
sobre si mesma. Ouça, você vai para a guerra do seu próprio jeito, e a pior coisa que um soldado pode fazer é ter sua confiança perdida antes que chegue ao campo.
Não são todas as vezes que vai acabar em vitória, mas você tem que começar isso todas às vezes sabendo que seu treinamento e seus instintos são ouvidos. Você não
fez nada de errado. Não magoou Bitty de propósito. Certamente não é responsável pela mahmen dela escolher aquele momento para ir para o Fade... E de fato, há muitas
evidências que sugerem que a fêmea foi embora por que sentiu que sua filha estava em boas mãos. Você precisa acreditar em tudo isso, caso contrário vai ficar presa
em algo indefinido que não vai ajudar ninguém.
— Senhor, você está sempre tão certo.
Blah. Nem mesmo perto disso. Mas não é como que fosse trazer todos seus erros à tona agora, quando ela tinha problemas reais para lidar com aquela garotinha. Ele
era um idiota egoísta, mas não era tão babaca assim.
Puta merda, não podia acreditar que fez sua shellan atravessar aquilo daquele jeito... Não poderia viver consigo mesmo sabendo que fez Mary essencialmente assisti-lo
morrer na noite passada – e tudo por nenhuma boa razão, porra.
Tudo por que não tinha ouvido Vishous.
Na verdade não, ele tinha. E isso é o pior de tudo. De fato, tinha ouvido cada palavra que o Irmão disse e saiu pra lutar do mesmo jeito, completamente ciente do
que estava esperando por ele no campo de batalha se o cara estivesse certo.
Achava que essa era a definição de suicida, não era?
O que significa que ele era...
Ah, porra.
Enquanto a cabeça de Rhage começou a implodir com a realidade que estava só agora acordando nele, Mary continuou a falar de um jeito lento, e considerando o que
ela ia fazer para a garotinha, quais as consultas medicas ela tinha que ter, e então havia algo sobre um tio em algum lugar... E Rhage simplesmente deixou a conversa
de uma só pessoa seguir.
Na verdade, estava indefinidamente agradecido que ela se sentia melhor e mais conectada com ele. Aquela merda importava. Infelizmente, estava voltando a ficar longe
dela novamente, uma parte dentro dele flutuando para fora mesmo com o corpo dele ficando onde estava.
O que tinha de errado com ele, inferno? Ele tinha tudo o que queria na vida – e ela estava em seus braços neste exato momento. Ele tinha morrido de medo e tinha
passado por isso. Havia muito pelo que viver, pelo que lutar, pelo que amar.
Então por que faria uma coisa daquela? Por que correria para um caixão todo garantido? E por que essa distância dela de volta?
Bem, havia uma explicação. Alguma coisa tinha amarrado tudo com um arco grande, gordo e psicótico.
Ele frequentemente tinha se perguntado se estava louco. Tipo, tão intrinsecamente.
Suas emoções sempre foram tão extremas, pulando da loucura para a raiva, que ele tinha ficado preocupado algumas vezes que um dia iria pender para algum dos extremos
dessa espiral, nunca retornando para a sanidade novamente. Talvez isso finalmente tivesse acontecido. E se tivesse? A última coisa que Mary precisava depois do que
tinha acontecido na noite anterior é que ele estivesse clinicamente insano.
Por que merda, por que mais ele se sentia tão malditamente estranho dentro de sua própria pele?
Maldição, parecia que tinha ganhado na loteria só para descobrir que era alérgico ao dinheiro ou uma merda assim.
— Rhage?
Ele se sacudiu. — Me desculpe, o que?
— Você quer que eu pegue alguma comida?
— Não. Continuo cheio. – Ele tornou a colocá-la contra ele novamente. — Porém eu poderia ter muito mais disso.
Mary se aconchegou perto dele, passando os braços em volta dos seus ombros o máximo que conseguia.
— Você tem.
Tentei me matar na noite passada, disse para ela na sua cabeça. E não tenho ideia do por quê.
Sim, era oficial.
Ele tinha enlouquecido.
Capítulo CATORZE
— É aqui.
Jo Early pisou no acelerador de seu Volkswagen de merda.
— Sim, sei onde é, Dougie.
— Bem aqui...
— Eu sei.
Não havia razão para acertar a placa. Às sete da manhã, não tinha nenhum outro carro por perto, ninguém para se importar como ela atravessou o portão desencaixado
com a pintura descascada da velha escola preparatória que sua mãe teve um milhão de anos atrás.
Uau. A Escola Brownswick para Garotas teve dias melhores.
Sua mãe então não aprovaria nem um pouco este paisagismo. Ou a falta dele.
Mas aí, a mulher podia romper um aneurisma através de um único dente de leão em seu gramado de cinco acres.
Dirigindo pela rua de asfalto esburacada, Jo dirigiu em torno de buracos que eram grandes o suficiente para engolir seu pequeno Golf, e se esquivou da árvore caída
em pedaços – alguns dos quais eram velhos o suficiente para apodrecer.
— Deus, minha cabeça dói.
Ela olhou para seu companheiro de quarto. Dougie Keefer era Shaggy do Scooby Doo – sem o cão alemão falante. E sim, seu apelido era Reefer por uma boa razão.
— Eu disse para ir a um médico quando passou por aqui ontem à noite...
— Fui atingido na cabeça!
— ... você provavelmente teve uma concussão.
Embora qualquer consulta de neuro com o cara seria difícil de ler por que ele normalmente tinha visão dupla. E dormência e formigamento era uma escolha de estilo
de vida em seus olhos.
Dougie estalou os dedos um por um.
— Vou ficar bem.
— Então pare de reclamar. Além disso, metade do problema é que está ficando sóbrio. É chamado de ressaca.
Enquanto iam para dentro do campus, edifícios apareceram e ela os imaginou com janelas inteiras limpas e recém-pintadas, e portas que não penduravam em ângulos ruins.
Podia absolutamente ver sua mãe aqui com seus terninhos e pérolas, atrás de seu diploma superior mesmo que tivesse sido apenas uma escola preparatória, não uma faculdade.
Tradições do século XXI à parte, coisas tinha sido adquiridas na cápsula do tempo dos 19 aos 50 anos de sua mãe. E a mulher tinha o correspondente de sapatos e bolsas
femininas para comprová-lo.
E as pessoas se perguntavam por que Jo tinha se afastado?
— Você não está pronta para isso, Jo. Estou dizendo a você.
— Tanto faz. Preciso começar a trabalhar.
— Vai explodir sua mente.
— Uh-huh.
Dougie se virou para ela, a faixa do cinto de segurança em seu peito.
— Você viu o vídeo.
— Eu não sei o que estava olhando. Estava escuro e antes que continue a discutir, lembre-se... Primeiro de Abril?
— Ok, é Outubro, tá? – A risada que ele deu era tão ele. — E sim, essa foi boa.
— Para mim não foi.
Dougie tinha decidido que seria divertido pegar o carro dela emprestado, e em seguida enviar-lhe uma imagem de photoshop da coisa enrolada em torno de uma árvore.
Como ele conseguiu se concentrar tempo suficiente para terminar o trabalho visual tinha sido um mistério, mas ele parecia tão real, que ela tinha ligado para sua
companhia de seguro.
E também teve um colapso no banheiro no trabalho quando se perguntou como diabos ia cobrir sua franquia.
Essa era a coisa sobre deixar seus pais ricos no retrovisor. Quinhentos dólares sem um orçamento certo poderia ser difícil comer.
Com uma careta, ela se inclinou em direção ao volante.
— O que é isso... Ah, merda.
Pisando nos freios, ela parou na frente de uma árvore inteira que tinha caído do outro lado da pista. Checando rapidamente o relógio, ela amaldiçoou. Mesmo enquanto
o tempo passava, não estava dentro de um Golf 4X4, e correndo o risco de ter que chamar o guincho e pagar por um reboque.
— Se vamos fazer isso, temos que andar.
— Vamos dar a volta.
— E ficar preso na lama? Choveu tarde da noite ontem. – Ela desligou o motor e retirou a chave do carro. — Vamos lá. Você quer me mostrar, é melhor começar a andar.
Caso contrário, vou dar meia volta.
Dougie ainda estava reclamando quando eles partiram a pé, passando por cima do bordo caído e continuando descendo a rua. A manhã estava amargamente fria e então
surpreendentemente – o tipo de coisa que deixava você feliz por ter trazido sua jaqueta por capricho, e chateada por ter deixado o chapéu e as luvas para trás por
que na sua cabeça, era “apenas outubro”.
— Agora sei por que não me levanto antes do meio-dia. – Dougie murmurou.
Jo levantou o olhar para os troncos nus acima. Odiava ser pessimista, mas se perguntava se qualquer um dos idiotas entrariam em queda livre e a matariam.
— Por que deixei você me meter nisso?
Ele colocou o braço ao redor de seus ombros.
— Porque você me amaaa.
— Não. – deu uma cotovelada nas costelas dele.
— Definitivamente não é isso.
E ainda meio que era. Ela conheceu Dougie e sua tropa da pesada através de um conhecido, e eles a aceitaram quando ela precisava desesperadamente de um lugar para
dormir. O arranjo era suposto ser temporário, do tipo cair no sofá, mas logo em seguida vagou um quarto no apartamento deles, e um ano mais tarde estava vivendo
numa versão de uma casa de fraternidade dos meados dos anos vinte. Com um grupo de garotos recalcitrantes que mais pareciam meninos, dos quais ela parecia ser responsável.
— Estamos chegando perto, – ele colocou as mãos na cabeça como se tivesse explodido. O que era uma viagem curta. — Quero dizer, pedaços de corpos em todos os lugares,
e o cheiro! Pior do que o que está na nossa geladeira. Quer dizer, estamos falamos corpos, Jo. Mortos! Só que estavam se movendo! E então essa...
— Alucinação de dragão. Você me disse.
— Você viu a filmagem!
— Como se eu não te conhecesse. – Ela disse enquanto sacudia a cabeça. — Você me enganou uma vez, devia se vergonhar... Me enganou duas vezes...
— Jo. Foi real. Foi real pra caralho... Vi um monstro e...
Conforme Dougie percorria a ladainha de impossibilidade outra vez, Jo focou na elevação adiante.
— Sim, ta, você já me disse. E ao contrário de você, ainda tenho minha memória de curto prazo.
— Imbecil, TJ e Soz viram também.
— Tem certeza disso? Por que quando mandei uma mensagem pra eles esta manhã, disseram que era uma viagem ruim. Nada mais.
— Eles são idiotas.
Quando chegaram na inclinação, ela sorriu e decidiu que talvez tivesse exagerado demais. Não se encaixava com a sociedade do tipo empertigada como a que os pais
dela estavam tão inseridos, mas da mesma forma, sair com um bando de maconheiros não levava exatamente a lugar nenhum também.
Ainda assim, eles eram altamente divertidos. Na maior parte do tempo.
E além do mais, a verdade era que não tinha ideia aonde pertencia.
— Você vai ver. – Dougie anunciou enquanto corria para o topo da subida. — Apenas olhe!
Jo se juntou a ele – e balançou a cabeça para tudo ali em cima, certo, ali embaixo também.
— Exatamente o que devo olhar? As árvores, os prédios ou a grama?
Dougie deixou os braços caírem.
— Não, não, isso está errado. Não...
— Acho que você finalmente deu fim ao seu cérebro, Dougie. Mas é o que acontece quando você o atinge dúzias de vezes com LSD em um período de seis horas. Pelo menos
pensou que isto era real desta vez, no entanto, é o contrário da coisa do acidente do carro batendo na árvore que você fez comigo.
É, não havia absolutamente nada anormal lá embaixo no que tinha que ser o centro do campus. Nada de corpos. Sem partes de corpos. E nenhum cheiro também. Nada além
de prédios abandonados, mais vento frio e mais nada de estranho.
— Não, não, não...
Enquanto Dougie corria lá pra baixo, ela o deixou ir, ficando pra trás e tentando imaginar como o lugar parecia quando tinha sido operacional. Era difícil pensar
que sua mãe tinha ido às aulas nestes prédios. Dormiu dentro deles. Teve aquela primeira dança com seu pai em um deles.
Engraçado, o passado como tinha sido parecia tão inacessível como era atualmente o presente com as duas pessoas que a adotaram. Os três nunca tinham tido sorte,
e apesar dela própria ser difícil às vezes, tinha sido um alívio esquecer de todas as tentativas exaustivas de fingir um vínculo que nunca se materializou.
— Jo! Venha cá!
Quando ela levou a mão ao ouvido e fingiu que não podia ouvi-lo, Dougie subiu correndo de volta até ela com o zelo messiânico de um pregador. Agarrando sua mão,
ele a puxou em uma descida rápida agitando para trás sua jaqueta do exército.
— Está vendo como tudo está pisoteado por ali? Vê?
Ela se deixou ser arrastada ao longo de uma seção do campo reconhecidamente achatada. Mas um monte de grama longa horizontal e arbustos remexidos dificilmente era
uma cena de um filme de Wes Craven, ou seja, de horror. E isso, sem dúvida, definitivamente não era o que estava no vídeo que Dougie insistiu que ela assistisse
várias vezes.
Não sabia como explicar tudo.
Mas o que estava claro para ela? Realmente não ia dar a si mesma uma cãibra no cérebro tentando conciliar tudo.
— Você viu o que eu postei! – Dougie disse. — E alguém pegou meu telefone por que não queria que ninguém visse isso!
— Você provavelmente só perdeu a coisa...
— Eu estava lá em cima. – Ele apontou para o mais alto dos prédios. — Ali! Foi ali que eu fiz a filmagem!
— Ei, Dougie, sem ofensa, mas tenho que ir trabalhar...
— Jo, estou falando sério. – Ele girou em um círculo. — Tudo bem, explique isso. Como tudo ficou esmagado aqui? Hã?
— Pelo que sei, você e nossos três colegas de quarto correram nus por aí em círculos. Na realidade, nem vamos seguir pelo lado hipotético.
Dougie a enfrentou.
— Então como é que eu consegui o vídeo? Hã?
— Não sei, Dougie. Francamente, é tão granulado que não sei o que estou olhando.
Ela lhe deu algum tempo para digerir todos os tipos de o-que-sobre-isso-e-aquilo, então ela terminou.
— Olha, eu realmente sinto muito, mas estou indo. Você pode vir comigo ou chamar um táxi para casa. A escolha é sua. Oh, espere. Sem telefone. Acho que isso significa
andar.
Enquanto ela se virava para ir embora, ele disse em uma voz surpreendentemente adulta.
— Estou falando sério, Jo. Isto aconteceu. Não me importo para o que os três vão dizer. Sei quando estou chapado e quando não estou.
Quando Jo parou e olhou para trás, a expressão dele ficou esperançosa.
— Você se importa se eu deixar você no ponto de ônibus na Jefferson? Acho que não tenho tempo para levá-lo de volta pra casa.
Dougie jogou os braços para cima.
— Ah, qual é, Jo. Deixe-me só te mostrar aqui...
— Ponto de ônibus, é isso. – Disse ela. — E lembre-me disso da próxima vez que você tomar ácido. Quero estar preparada.
Capítulo QUINZE
Algum tempo depois, Mary acordou depois de um bom e longo descanso... E sorriu ante seu companheiro decididamente adormecido. Rhage estava apagado, os olhos fechados,
uma sobrancelha loira contraindo e sua mandíbula rangendo como se talvez estivesse sonhando com uma discussão ou um jogo de bilhar. Sua respiração era profunda e
plana, e sim, ele estava roncando. Não como uma serra elétrica. Ou um estridente Mustang acelerando num sinal vermelho. Nem mesmo nada perto do texugo ferido na
rotina do Butch – o que era algo que tinha que se ouvir para acreditar.
Não, os sons que seu homem soltava eram mais como uma cafeteira Krups bem quando ela está terminando um ciclo coar o café; o tipo de coisa que borbulha em segundo
plano, oferecendo um ritmo reconfortante durante o qual ela poderia dormir se quisesse ou ficar acordada e ouvir, se fosse trabalhar novamente. Pensando nisso, seus
roncos provavelmente eram mais silenciosos do que ele, considerando como suas pisadas eram pesadas, o quanto sua risada era alta e o quanto ele falava, especialmente
se estivesse perturbando seus irmãos.
Toda essa maluquice era apenas parte do que tanto amava nele.
Ele era sempre tão vivo. Vivo demais.
Graças a Deus.
Quando ela foi se esticando, moveu-se lentamente contra o corpo dele para não acordá-lo e olhou para o relógio do outro lado da sala de recuperação. Sete da noite.
Passou o pôr do sol.
Dado o quão cansado ele tinha que estar, era capaz dele dormir mais quatro ou cinco horas. Provavelmente era melhor ela sair agora e voltar quando ele estivesse
acordado.
— Estou indo para o Lugar Seguro um pouquinho. – Ela disse suavemente. — Fica com ele. Avise a ele que logo estarei de volta, ou ele pode me ligar?
Ela estava falando com a Besta, claro – e tratando com esse enorme dragão esmagador de ossos como uma espécie de secretária social. Mas isto funcionava. Se ela tinha
que sair quando Rhage estava dormindo, sempre dizia para a Besta o que estava fazendo e quando estaria de volta. Dessa forma, Rhage não acordava suando frio achando
que ela tinha sido raptada. Assassinada. Ou que escorregou e caiu no banheiro, que ficou desmaiada e deixada sangrando por todo o chão de mármore.
É, machos vinculados tendiam a saltar para conclusões que eram apenas um pouuuuuuco exageradas.
Mary cuidadosamente desvencilhou-se de Rhage apenas para parar quando estava quase livre. Olhando para o seu esterno despido completamente intacto, ela escovou as
pontas dos dedos sobre onde bala esteve.
— Eu não te agradeci. – Ela sussurrou. — Você o salvou. Devo a você... Muito obrigada.
De repente, as pálpebras de Rhage abriram – mas não era ele acordando. Seus olhos não eram nada além de órbitas brancas, essa iluminação indicadora da consciência
da besta fixa nela com foco total.
Ela sorriu e roçou o rosto de seu companheiro, sabendo que o dragão sentiria seu toque.
— Obrigada. Você é um bom menino.
Uma versão mais tranquila do bufo afetuoso que a besta sempre dava a ela reverberou subindo e saiu da garganta do Rhage.
— Volte a dormir também, ok? Você precisa descansar também. Você trabalhou duro na última noite.
Mais um bufo... E aquelas pálpebras começaram a descer. A besta lutou contra a maré como um cachorrinho, mas acabou perdendo a batalha, retornando ao ronco. Ambos
tornando a se engajar em qualquer que seja a versão da terra dos sonhos em que estavam.
Inclinando-se, ela beijou a testa do seu companheiro e alisou seu cabelo para trás. Então foi para o banheiro e fechou a porta. Tão logo se virou para o balcão ao
lado da pia, ela sorriu. Alguém – oh, com quem ela estava brincando, tinha que ser o Fritz – tinha colocado mudas de roupas completas para os dois. Bem como escovas
de dente, lâmina e creme de barbear, um xampu e condicionador.
— Fritz, teu nome verdadeiramente é consideração.
E oh, isso é que era um chuveiro. De tempos em tempos, ela se perguntava se os sons ou cheiros acordariam Rhage, mas quando estava se enxugando, entreabriu a porta
e constatou que além de ter virado de frente pro banheiro, ele permaneceu dormindo.
Provavelmente por que ela disse para a Besta o que estava acontecendo.
Enquanto estava secando o cabelo, perguntou a si mesma onde o Volvo tinha terminado. Ela tinha vindo do campo de batalha pra cá de carona na unidade cirúrgica, mas
certamente alguém tinha trazido sua perua de volta.
Bem, ela sempre poderia levar qualquer outro para o Lugar Seguro.
Quinze minutos depois, silenciosamente caminhou até a porta. Depois de um prolongado olhar fixo para o Rhage, ela abriu a porta e...
— Oh! Deus! – Ela sibilou enquanto recuava.
A última coisa que esperava ver era a Irmandade inteira do lado de fora da sala de recuperação do seu hellren.
Mas ela devia saber. Todos estavam lá, de V e Butch, Phury e Z... Blay e Qhuinn... Tohr e John Matthew... Até mesmo Wrath e Rehvenge. Era como estar na frente de
uma equipe de futebol... Que era composta por lutadores profissionais... Com o equipamento completo de jogo.
Tudo bem, isso nem de longe era o suficiente para descrever a quantidade de macho no corredor.
— Ei, pessoal. – Ela disse calmamente enquanto puxava a maçaneta e certificava-se que as coisas estivessem fechadas. — Ele está dormindo agora, mas tenho certeza
que não vai se importar de ser acordado.
— Nós não viemos por ele. – Disse Wrath em voz baixa.
As sobrancelhas de Mary se levantaram quando ela olhou para o seu Rei.
— Oh.
Nossa, ela tinha feito alguma coisa errada? Era difícil saber dado que Wrath, com seu bico de viúva e seus óculos escuros, sempre parecia puto.
O cara não tinha a cara de uma vadia descansada, mas a descansada “vou matar alguém e incendiar sua casa”.
Engolindo em seco, ela gaguejou.
— E-eu, ah...
— Obrigado, Mary. – O Rei disse enquanto dava um passo adiante com seu cão guia, George. — Obrigado por salvar a vida do nosso irmão.
Por um momento, ela ficou completamente pasma. E então o Rei a estava puxando para um duro abraço apertado.
Quando Wrath deu um passo atrás, havia algo pendurado sobre o ombro dela.
Uma espada?
— Espere, o que é isso? – Ela bateu em uma segunda recuada. — Por que isso... Oh, meu Deus…
A arma era feita de ouro ornamentado do punho à bainha, e havia pedras preciosas brancas e vermelhas faiscando em todos os lugares. Da mesma forma, tinha uma faixa
vermelha de rubi pendurada enfeitada com pedras preciosas e metais – parecia antiga. Antiga... E inestimável.
— Wrath, não posso aceitar isso, é demais...
— Você executou um serviço de valor ao trono. – O Rei anunciou. — Salvando a vida de um membro da minha guarda particular, você é mantida na mais alta estima real,
e pode me convocar em seu benefício de valor comparável em algum momento no futuro.
Ela balançou a cabeça várias vezes. — Isso não é necessário. Sério. Não é.
E de repente ela se sentiu mal. Muito mal. Por que não salvou Rhage para estes homens maravilhosos que o amavam tanto. Não o tinha salvado para si mesma também.
Deus, por que... Por que aquele momento tinha que ser contaminado com todo o drama com a Bitty?
Mary foi tirar a espada.
— Realmente não posso...
Um por um, os Irmãos vieram até ela, abraçando-a com puxões duros, segurando-a até sua espinha dobrar e as costelas não poderem expandir mais. Alguns deles falaram
em seu ouvido, dizendo coisas que ressoaram não só por causa das palavras que foram escolhidas, mas pelo respeito e reverência nos tons daquelas vozes profundas.
Outros apenas fizeram um monte de ruídos tipo pigarros, do jeito que os homens faziam quando estavam lutando para se manter fortes e compostos em face de grande
emoção. E ali estava John Matthew, aquele com quem tinha começado esta viagem louca, quem tinha começado isso tudo ligando para o disque-suicídio onde ela era voluntária.
Vishous foi o penúltimo dos Irmãos a vir a ela, e enquanto a segurava, ela sentiu um aroma de tabaco. Junto com couro. E pólvora.
— Nós devemos a você. – Ele disse secamente. — Para sempre.
Enxugando os olhos, ela balançou a cabeça uma vez mais.
— Você me dá crédito demais.
— Nem perto. – Disse ele enquanto escovava a sua bochecha com a mão enluvada. Encarando-a, seus olhos de diamante e o rosto duro com essas tatuagens eram o mais
próximo de terno que ela jamais os viu. — Você sabia o que fazer...
— Mas eu não sabia, V. Eu realmente não tenho a menor dica de onde essa ideia veio.
Por um momento, ele franziu a testa. Então deu de ombros.
— Bem, tanto faz. Você nos deu nosso irmão de volta. E mesmo ele sendo um pé no saco, a vida não seria a mesma sem ele.
— Ou você. – Disse Zsadist.
Z foi o último a vir, e quando ele abriu os braços bem abertos, por algum motivo as faixas de escravo que foram tatuadas em torno de sua garganta e pulsos destacaram-se
para ela.
Seu abraço era rígido. Desajeitado. Obviamente difícil para ele, enquanto mantinha seus quadris distantes de seu corpo. Mas seus olhos estavam amarelos, não pretos;
e quando deu um passo atrás, ele colocou a mão no ombro dela.
A cicatriz que descia por seu nariz e ao redor de sua bochecha se moveu quando ele lhe deu um pequeno sorriso.
— Você é realmente boa em salvar vidas.
Sabia exatamente a que ele estava se referindo – todas essas sessões que eles dois tiveram na caldeira no porão da mansão, ele falando sobre o terrível abuso que
tinha sofrido nas mãos de sua senhora, ela ouvindo e fazendo comentários somente quando ele parava por muito tempo ou olhava para ela por algum tipo de bote salva-vidas
enquanto lutava em um mar de vergonha esmagadora, dor e tristeza.
— Algumas vezes eu gostaria de ser melhor. – Disse ela enquanto pensava em Bitty.
— Não é possível.
Quando Z caiu atrás alinhado com seus irmãos, Mary passou a mão no cabelo. Enxugou seus olhos. Respirou fundo. Apesar de haver muitas emoções diferentes a atravessando,
era muito bom estar por perto de pessoas que amavam Rhage tanto como ela amava.
Que ela sabia ser verdadeiro e sem questionar.
— Bem. – Ela pigarreou. — Agradeço a todos. Mas honestamente...
Enquanto cada um deles olhava para ela de cara feia, isso era o tipo de coisa que a te deixava agradecida que eles gostassem de você. Ela teve que rir.
— Ok, ok, vou manter isso, vou manter.
A conversa surgiu entre os Irmãos e houve alguns tapas nas costas, como se estivessem orgulhosos de si mesmos por fazer a coisa certa por ela.
Com um tchau final, ela se forçou a seguir em frente em direção à entrada do túnel subterrâneo... Com sua nova espada.
Rapaz, ela era pesada, pensou conforme caminhava com a espada ainda no ombro.
Quase tão pesado quanto o peso que sentia em seu coração.
Enquanto Mary caminhava pelo corredor na direção do escritório, Vishous pegou um cigarro enrolado à mão e colocou entre seus dentes da frente.
À medida que acendia a coisa, franziu o cenho pensando sobre o que ela disse a ele.
— Então Xcor não está consciente? – Wrath murmurou.
Virando-se para o Rei, V exalou e mudou as engrenagens na sua cabeça.
— Ainda não. E eu o chequei cerca de meia hora atrás.
— Onde você o colocou?
— No estande de tiro. – V olhou para Tohr, que estava fora do alcance da voz. — E nós temos um cronograma de guarda. Ele está amarrado para minha satisfação...
— Você realmente usa essa merda para o sexo?
Como um, a Irmandade inteira levantou o olhar para a interrupção. Lassiter, o anjo caído, apareceu do nada e estava parecendo um pouco menos ofensivo do que o habitual,
seu cabelo loiro-e-preto puxado para trás em uma trança que ia até sua bunda, couro preto cobrindo suas partes pudendas, argolas de ouro nas orelhas, braceletes
nos pulsos e piercings nos mamilos brilhando sob as luzes fluorescentes do teto. Ou talvez tenha sido por causa da sua extravagante disposição celeste.
Não.
— Que diabos aconteceu com sua maldita camisa? – V atirou de volta. — E por que, merda, você está fora do seu posto?
Porra, sabia que não podia colocar esse idiota de guarda. Mas pelo menos Payne não tinha deixado o estande de tiro, e isso era algo V que não precisava checar. Sua
irmã era o tipo de lutadora que ele confiaria não apenas com sua própria vida e as vidas de seus irmãos e cônjuges, mas em garantir que seu prisioneiro não ia nem
espirrar sem permissão.
— Derramei algo nela.
— Que? Você está comendo lá dentro?
— Não. Claro que não. – Lassiter foi andando devagar para onde o material de limpeza era mantido. — Ok, sim. Certo. Foi um milk-shake de morango... E só estou indo
pegar uma camisa limpa e voltar pra lá. Relaxe.
V deu uma longa tragada. Era isso ou estrangular o filho da puta.
— Morango? Sério?
— Vai se foder, Vishous.
Quando o anjo sorriu e mandou um beijo por cima do ombro, pelo menos o vadio não bombeou os quadris imitando o ato sexual.
— Posso matá-lo? – V murmurou para Wrath. — Por favor. Só uma vez. Ou talvez duas.
— Entre na fila.
V tornou a focar no assunto.
— Como eu estava dizendo, Xcor não vai a lugar nenhum.
— Quero descobrir onde os Bastardos estão ficando. – Wrath ordenou — e trazer o resto deles pra cá. Mas eles devem ter assumido que ele foi capturado. É o que eu
faria. Sem corpo? Sem testemunhas da morte? O curso mais seguro é assumir que o líder deles se tornou prisioneiro de guerra e cair fora de onde quer que eles estejam
ficando.
— Concordo. Mas nunca se sabe o que se pode aprender quando se aperta os botões certos.
— Mantenha Tohr longe dele.
— Entendido. – V olhou para Tohr de relance novamente. O irmão estava atrás do grupo e olhando para o corredor onde o estande de tiro ficava. Parecia estranho pensar
em ter de pôr rédeas no cara ou vigiá-lo, mas assim eram as coisas.
Algumas vezes as emoções eram demais, mesmo para o mais lógico dos lutadores.
Exceto para ele, é claro.
Ele era habilidoso pra caralho.
— Então Assail está dois quartos descendo o corredor. – Disse V. — Se você estiver pronto para falar com ele.
—Leve-me ali, V.
Mais uma vez, normalmente teria sido Tohr cumprindo o dever, mas V deu um passo mais perto e cutucou o Rei adiante, deixando os Irmãos reassumirem várias posições
e sentarem enquanto esperavam Rhage acordar.
Depois deles estarem a alguma distância, o Rei disse baixinho:
— Então, o que você sabe sobre Rhage e seu pequeno torneio de tiro prematuro.
Quando V amaldiçoou, Wrath sacudiu a cabeça.
— Conte-me. E não finja que não sabe de porra nenhuma. Você foi o último a falar com ele.
Vishous considerou manter a merda por baixo dos panos, mas no final, mentir para Wrath não era interesse de ninguém.
— Eu previ a morte dele e tentei fazê-lo deixar o campo. Ele não saiu e... Aí está.
— Ele foi lá fora. Sabendo que ia morrer.
— Sim.
— Droga. – Depois que Wrath soltou alguns palavrões com a letra F, ele mudou para outro assunto feliz. — Também ouvi dizer que você teve um visitante. Quando voltou
para o campus.
— O Ômega. – Cara, ele não gostava nem de dizer esse nome. Mas como gostaria de falar sobre o desejo de morrer de Rhage? — Sim, o irmão da minha mãe cuidou da limpeza.
Se o seu dia de trabalho como sendo a fonte de todo o mal no mundo não funcionar, ele tem uma segunda carreira como zelador esperando por ele.
— Algum problema?
— Ele nem sequer sabia que estávamos ali.
— Graças a Deus. – Wrath olhou de relance, apesar de não poder ver. — Falou com sua mãe ultimamente?
— Não. Não. De modo nenhum.
— Pedi uma audiência. Ela não me reconheceu.
— Não posso ajudá-lo. Desculpe.
— Vou lá em cima sem ser convidado se eu tiver que fazer.
V parou na porta do quarto de recuperação do Assail, mas não abriu.
— Pelo que exatamente você está procurando por ela?
— Quero saber se ela ainda está ali em cima. – O rosto cruel e aristocrático de Wrath ficou esticado. — Ir contra assassinos é uma coisa, mas vamos precisar de um
parceiro com sério poder para enfrentar o Ômega de cabeça erguida, e não vou me enganar. Nós acabamos de derrubar noventa por cento do que ele tem em cima da terra.
Ele vai responder, e nós não vamos gostar seja o que for.
— Foda-me. – V murmurou.
— É mais como “nós”, meu irmão.
— É. Isso também. – V deu outra tragada para se recompor. — Mas você sabe, se quer que eu fale com ela ou...
— Espero que não seja necessário.
Somos dois, amigo, V pensou.
Diante de seus problemas com a mãe que o deixou mais mal-humorado do que normalmente era, ele bateu na porta.
— Está decente, filho da puta? – Ele empurrou a porta, sem esperar permissão. — Como estamos, babacas?
Bem, bem, bem, pensou quando viu Assail sentado de pernas cruzadas sobre a cama de hospital. Desintoxicação demais?
O macho estava suando como se fosse um frango assando para o jantar debaixo de uma lâmpada quente, mas também tremendo como se a parte inferior do seu corpo estivesse
em uma banheira de gelo. Havia círculos da cor de óleo de motor debaixo de seus olhos, e suas mãos continuavam indo do rosto aos braços, escovando algum tipo de
fiapo ou fios de cabelo perdidos que não existiam.
— A q-q-que devo esta h-h-honra?
As narinas de Wrath alargaram quando o Rei testou o aroma no ar.
— Você tem um problema enorme com o vício, hein?
— P-p-perdão?
— Você me ouviu.
V olhou os primos gêmeos no canto e encontrou-os com as costas retas e imóveis como um par de canhões. E quase tão quentes e distorcidos.
Só pra constar, eles meio que não o irritavam.
— Que p-p-p-posso fazer por você? – Assail perguntou entre contrações musculares.
— Quero agradecer por trabalhar conosco ontem à noite. – o Rei disse com voz arrastada. — Entendo que seus ferimentos estão todos costurados.
— S-s-sim...
— Oh, pelo amor de Deus! – Wrath deu uma olhada para V. — Tem como conseguir pra este filho da puta sua droga de escolha? Não posso falar com ele se está todo viciado
por seu pecado. É como tentar fazer alguém se concentrar tendo um ataque epiléptico.
— Procurando por isso? – V ergueu um frasco cheio de pó e inclinou a coisa de um lado pro outro, como um pêndulo de relógio. — Mmm?
Foi patético o modo como os olhos do fodido travaram e esbugalharam. Mas V sabia como era – como você precisava de cada queimadura que você não queria, como isso
se tornava tudo em que podia pensar, como você murchava se não tivesse.
Graças a Deus por Jane. Sem ela estaria caminhando nesse caminho de consumir e ainda estar sempre vazio.
— E ele nem mesmo nega o quanto precisa disso. – V murmurou enquanto se aproximava da cama.
Nossa, enquanto o pobre coitado estendia a mão, estava claro que as mãos de Assail tremiam muito, mal dava para agarrar qualquer coisa.
— Permita-me, filho da puta.
Desenroscando a tampa preta, V virou a garrafinha marrom e fez uma linha no interior do seu próprio antebraço.
Assail tomou essa merda como um motorista de empilhadeira, aspirando metade em uma narina, metade na outra. Em seguida, caiu para trás na cama de hospital como se
tivesse uma perna quebrada e a morfina gotejando finalmente estivesse fazendo efeito. E sim, do ponto de vista clínico, era triste comentar o estado do FDP que um
estimulante como a cocaína o derrubasse.
Mas isso era o vício pra você. Nada de bom senso.
— Agora, quer tentar novamente? – V murmurou enquanto lambia seu braço até limpar e saboreava a amargura. O zumbido não era ruim também.
Assail esfregou o rosto e então deixou os braços o caírem para os lados. — O quê?
Wrath sorriu sem qualquer calor, revelando suas presas enormes.
— Quero saber quais são seus planos de negócios.
— Por que isso é da sua conta? – A voz de Assail era esganiçada, como se ele estivesse exausto. — Ou você decidiu que uma ditadura, mais do que uma democracia, combina
mais com sua personalidade...
— Cuidado com seu tom de merda. – V disse bruscamente.
Wrath continuou como se não tivesse sido interrompido.
— Seu histórico é questionável, na melhor das hipóteses. Apesar de uma tendência mais recente pra lealdade, você parece estar sempre na periferia dos meus inimigos,
seja o Bando dos Bastardos ou a Sociedade Lesser. E da última vez que chequei, estava encabeçando um cartel de drogas, algo que não pode ser feito com uma mera equipe
de dois, por mais capazes que seus capangas possam ser. Então me encontro querendo saber para onde você está indo com seus intermediários agora que os assassinos
com quem esteve trabalhando estão fora do mercado negro.
Assail tirou seus cabelos negros da testa e segurou-os no lugar como se esperasse que isso ajudasse seu cérebro a funcionar.
V preparou-se para uma mentira.
Só que então o homem disse numa voz curiosamente morta.
— Eu não sei. Na verdade... Não sei o que devo fazer.
— Você fala sem falsidade. – Wrath inclinou a cabeça conforme exalava. — E como seu Rei, tenho uma sugestão para você.
— Ou seria um comando. – Assail murmurou.
—Tome como quiser. V As sobrancelhas de Wrath desapareceram sob as bordas dos seus óculos escuros. — Leve em conta que eu posso matá-lo ou deixá-lo ir deste lugar
por capricho.
— Existem leis contra assassinato.
— Às vezes. – O Rei sorriu novamente com aquelas presas. — De qualquer maneira, quero a sua ajuda, e você vai me dar. De uma forma ou de outra.
Capítulo DEZESSEIS
No meio do caminho para o Lugar Seguro, Mary achou que acabaria precisando de uma cirurgia de joelho.
Ao pegar a saída da Northway, ela cerrou os dentes e arranhou a marcha dura como pedra do GTO vintage reformado, roxo brilhante de seu marido – também conhecido
como seu orgulho e alegria. A luz da vida dele antes dela. A coisa mais valiosa que ele tinha desde que deu a ela seu Rolex de ouro Presidential.
O carro monstruoso começou a fazer um ruído de engasgo e então soltou um padrão grave de explosões, seguidas por guinchadas agudas quando empurrou o câmbio para
a frente de volta à posição certa.
— Terceira? Terceira... Eu preciso, não, segunda? Definitivamente não a primeira.
Ela descobriu do jeito mais difícil, ao parar na base da colina da mansão e quase bater com os dentes da frente no volante, devido ao solavanco e pulo que o carro
deu.
— Oh, Sra Volvo, sinto tanto sua falta...
Quando saiu da mansão, tinha percebido que o utilitário não estava no pátio com os outros veículos da Irmandade. Mas ao invés de perder tempo tentando descobrir
onde estaria, pegou as chaves do Rhage pensando “qual seria a dificuldade de guiar este carro na cidade?”. Ela sabia como dirigir um carro com câmbio manual.
Tudo ia ficar bem.
É claro que nem imaginou que a embreagem seria dura como uma parede de tijolos, dificultando cada vez que tinha de mudar de marcha. Ou que as engrenagens seriam
tão calibradas que, caso não se acelerasse no momento certo, todos aqueles cavalos sob o capô enlouqueciam.
O lado bom? Ao menos brigar com a transmissão lhe dava algo além da ansiedade sobre Bitty com que se preocupar, enquanto dirigia para o Lugar Seguro.
Além disto, Fritz era um mecânico tão bom quanto mordomo.
Quando finalmente chegou, estacionou na entrada da garagem, saiu e cambaleou no escuro por um minuto, movendo a perna esquerda em movimentos circulares até sentir
algo estalar e subitamente não se sentir mais como um flamingo.
Praguejando, foi até a porta na garagem, digitou uma senha e entrou. Quando as luzes com sensores acenderam, ergueu a mão para proteger os olhos, mas não se preocupou
em nada. As duas baias estavam vazias, exceto por equipamentos de aparar grama e algumas marcas antigas de óleo no concreto. Subiu três degraus para chegar à porta
da cozinha, então digitou uma senha e esperou que as trancas começassem sua sequência de liberação. Também se virou e apresentou seu rosto para reconhecimento.
Momentos depois estava no vestíbulo, tirando o casaco e pendurando-o junto com a bolsa na fileira de ganchos que ficavam acima de um banco. A cozinha nova nos fundos
funcionava a todo vapor, pilhas de panquecas sendo feitas no fogão, frutas sendo cortadas nos balcões, tigelas e pratos sendo arrumados na grande mesa.
— Mary!
— Ei, Mary!
— Oi, Sra. Luce!
Respirando fundo retribuiu as saudações, aproximando-se para dar um abraço aqui outro ali, colocar a mão sobre um ombro, cumprimentar uma fêmea e retribuir um sinal
de “toca aqui” com um garoto. Havia três membros da equipe de serviço e ela os cumprimentou.
— Onde está Rhym? – Perguntou.
— Está lá em cima com a Bitty. – Disse suavemente a de cabelos cacheados.
— Estou indo para lá.
— Precisa de ajuda?
— Tenho certeza que vou precisar, – Mary meneou a cabeça. — Odeio que isto tenha acontecido a ela.
— Nós também.
Indo pra frente da casa, contornou a base da escada e subiu de dois em dois degraus. Nem se incomodou em parar para ver se Marissa estava. Era provável, dada a extensão
do ataque, que a diretora do Lugar Seguro estivesse curtindo umas horinhas de folga com seu hellren.
Estar vinculada a um Irmão não era pros fracos.
No terceiro andar, encontrou Rhym dormindo em uma poltrona acolchoada que foi puxada para perto da porta de Bitty. Com o ruído do assoalho, a outra assistente social
despertou.
— Oh, ei. – A fêmea disse ao se endireitar e esfregar os olhos. — Que horas são?
Rhym sempre lembrara a Mary de si mesma em certo grau. Ela era o tipo de fêmea que talvez não chamasse atenção imediata em um lugar, mas nunca deixava de estar lá
quando se precisava dela. Era mais alta do que baixa, um pouco magra. Nunca usava maquiagem. Geralmente prendia o cabelo para trás. Nenhum macho que se soubesse.
Sua vida era o trabalho ali.
— Seis e meia. – Mary olhou para a porta fechada. — Como foi durante o dia?
Rhym só meneou a cabeça.
— Ela não quer falar sobre nada. Só guardou as roupas em uma mala, pegou sua boneca e o velho tigre de pelúcia e sentou-se na cama. Finalmente vim para cá, pois
pensei que ela estava ficando acordada por minha causa.
— Acho que vou ver como ela está.
— Por favor. – Rhym esticou os braços e estalou as costas. — E se não tiver problema, vou para casa dormir um pouco, tudo bem?
— Absolutamente. Eu assumo daqui. E obrigado por cuidar dela.
— Já está escuro o bastante para eu sair daqui?
Mary olhou para as persianas que ainda estavam descidas por causa da luz do dia — Acho... – Como se combinado, os painéis de aço que protegiam o interior da luz
do sol começaram a subir — Ta.
Rhymm levantou-se e passou os dedos pelos cabelos louros acastanhados.
— Se precisar de qualquer coisa, se ela precisar de alguma coisa, ligue e volto imediatamente. Ela é uma garotinha especial, e eu só... Quero ajudar.
— Está bem... E novamente, obrigada.
Quando a outra fêmea começou a descer a escada, Mary falou.
— Uma pergunta.
— Sim?
Mary fitou a janela circular no final do corredor, tentando encontrar as palavras certas.
— Ela... Digo, ela disse alguma coisa sobre a mãe? Ou sobre o que aconteceu na clínica?
Tipo algo como Minha terapeuta fez eu me sentir como se tivesse matado minha mãe?
— Nada. A única coisa que disse foi que partiria assim que pudesse. Não tive coragem de dizer que não havia lugar algum para ela ir. Pareceu muito cruel. Cedo demais.
— Então ela falou sobre o tio.
Rhym franziu o cenho.
— Tio? Não, não mencionou nada assim. Ela tem um tio?
Mary olhou de volta para porta fechada.
— Transferência.
— Ah. – A assistente social praguejou baixinho. — Estas vão ser noites e dias longos para ela. Longas semanas e meses também. Mas estaremos todos ao lado dela. Ela
vai ficar bem se conseguirmos fazê-la atravessar este período sem se despedaçar.
— É. Isto é verdade.
Com um aceno, a fêmea desceu os degraus e Mary esperou até os sons de seus passos desaparecerem, caso Bitty só estivesse levemente adormecida.
Inclinando-se para a porta, colou a orelha na madeira fria. Ao não ouvir nada, bateu de levinho, então abriu.
A pequena lâmpada rosa e branca na mesinha do canto lançava um brilho no quarto escuro, e a forma diminuta de Bitty era banhada pela luz suave. A garota estava deitada
de lado virada para a parede, obviamente caiu no sono profundo em algum ponto. Ela usava as mesmas roupas de antes e tinha mesmo guardado as roupas restantes na
mala surrada – e as da mãe. As duas maletas, uma menor e da cor de uma mancha de grama, a outra maior, de uma cor alaranjada estilo Cheetos, estavam alinhadas juntas
na base da cama.
A boneca e a escova estavam no chão à frente delas, junto com aquele tigre de pelúcia que ela não largava.
Com as mãos nos quadris, Mary abaixou a cabeça. Por algum motivo, o impacto do silêncio do quarto, sua humildade e as cortinas e roupas de cama levemente puídas,
seu tapete gasto e móveis que não combinavam, atingiu-a como golpes.
A esterilidade, a impessoalidade, a falta de... Família, na falta de outra palavra, fazia querer aumentar o termostato. Como se um pouco mais de calor vindo dos
dutos no teto pudesse transformar o lugar em um quarto de garotinha mais apropriado.
Mas vamos lá, os problemas que tinham à frente teriam que ser resolvidos por muito mais do que somente um sistema de aquecimento funcional.
Aproximando-se na ponta dos pés da cama que a mãe de Bitty ocupara, pareceu adequado retirar a colcha de retalhos daquele colchão para cobrir a garotinha. Com cuidado,
Mary a cobriu sem perturbar o sono que era tão necessário.
E então ficou observando-a.
E lembrou-se de seu próprio passado. Depois de seu câncer dar o ar da graça, lembrava-se com muita clareza de pensar que estava farta de tudo aquilo. Sua mãe tinha
morrido cedo e de forma horrível, com muito sofrimento. E então ela mesma foi diagnosticada com leucemia e teve de atravessar um ano desgraçado tentando tratar a
doença até a remissão. Tudo aquilo foi muito injusto.
Como se todo o sofrimento da mãe devesse ter qualificado Mary para jamais passar por quaisquer tragédias adicionais.
Agora, enquanto observava a garota, sentia-se positivamente indignada.
É, sabia que a vida era difícil, porra. Ela aprendeu esta lição muito bem. Mas pelo menos teve uma infância marcada por todas as coisas tradicionalmente boas que
você queria ser capaz de olhar para trás e lembrar quando estivesse velho. Sim, seu pai também morreu cedo, mas ela e a mãe tiveram Natais, aniversários, formaturas
do jardim de infância, primário e colegial. Comiam peru no dia de Ação de Graças e tinham roupas novas a cada ano, e boas noites de sono, onde a única preocupação
que podia manter alguém acordado seria em relação a uma nota escolar, ou no caso da mãe, se haveria dinheiro suficiente para duas semanas de férias de verão no Lago
George ou só uma.
Bitty não teve absolutamente nada daquilo.
Nem ela, nem Annalye jamais expuseram os detalhes, mas não era difícil adivinhar o tipo de violência a que ambas foram submetidas. Pelo amor de Deus, foi necessário
um implante de pinos de aço cirúrgico na perna de Bitty.
E como isso tudo tinha terminado?
A garotinha tinha acabado aqui sozinha.
Se o destino tivesse alguma consciência, Annalye não teria morrido.
Mas pelo menos o Lugar Seguro interviu bem a tempo. A ideia de que não tivessem conseguido ajuda para Bitty quando mais precisava?
Era suficiente para fazer Mary sentir-se doente.
Rhage acordou atabalhoadamente, como se um despertador tivesse tocado perto de sua cabeça. Erguendo o torso da cama de hospital, olhou ao redor em pânico.
Só que, tão rápido quanto a ansiedade chegou, ela se foi, a noção de que Mary só foi para o Lugar Seguro o acalmou tanto, que foi como se ela tivesse falado as palavras
em seu ouvido. E achava que ela tinha mesmo. Já fazia um tempinho que eles usavam a besta como uma espécie de mural de recados quando Rhage estava inconsciente.
Funcionava – e não tinham de se preocupar em ter uma caneta à mão.
Mas ainda assim, sentia falta dela. Ainda preocupado com seu próprio estado mental. Mas aquela garotinha...
Jogando as pernas para o lado, piscou algumas vezes e sim, continuava cego mesmo depois do levantamento de pálpebras. Tanto faz. Sentia-se forte e firme – fisicamente
– e contanto que pegasse leve conseguiria chegar ao chuveiro perfeitamente bem.
Vinte minutos depois, saiu do banheiro totalmente nu e cheirando como uma flor. Incrível a diferença que pouco de xampu e sabonete faziam na vida de um cara. Uma
boa escovada de dentes também. Próxima parada? Comida. Depois que a besta saía e ele passava pela sua ressaca, ficava sempre tão faminto que suas entranhas pareciam
ocas – e a melhor coisa que podia fazer era enfiar um pouco de carboidratos de pouca fibra para elas processarem.
Doze baguetes francesas. Quatro pacotes de bagels. Três quilos de macarrão.
Este tipo de coisa.
Saindo para o corredor, ele se perguntou quanto tempo levaria para encontrar o caminho para...
— Caralho, finalmente...
— Podia ter se enrolado numa toalha...
— Fritz te trouxe roupas...
— Está de volta, seu filho da puta...
Todos os irmãos estavam lá, seus cheiros e vozes, seus risos aliviados, seus xingamentos e piadinhas, exatamente o remédio que precisava. E quando eles o abraçaram
e deram tapinhas no traseiro pelado, teve de segurar a emoção.
Ele já estava pelado. #VunerabilidadeTotalMuitoObrigado.
Deus, no meio de toda aquela reeeeeeeeuniãããããão e que era tããããããããão booooooooooooa, era impossível não ser atingido por outra carga de vergonha pelo seu egoísmo
e pelo risco a que expôs Mary e aos irmãos.
E então a voz de V soou diretamente à sua frente.
— Você está bem? – O irmão perguntou em voz rouca. — Já se sente normal?
— É. Tudo está funcionando direito, exceto minha visão, – Sinto muito também. E estou com medo. — Sabe, só um pouco cansado...
POFT!
O golpe no queixo veio do nada, atingindo-o tão forte que sua cabeça bateu para trás e quase voou de sua espinha.
— Que caralho! – Rhage proferiu abruptamente enquanto esfregava o maxilar. — O que...
— Isto foi por não me ouvir, caralho!
Crack!
O segundo golpe veio da direção oposta, o que foi uma coisa boa – o inchaço seria bilateral, então seu rosto não iria parecer tão fodido.
— E isto foi por atacar antes do combinado e foder nossa estratégia toda.
Ao conseguir nivelar seu cérebro pela segunda vez, Rhage segurava o maxilar com ambas as mãos. Pois havia uma possibilidade de que a parte inferior de seu crânio
despencasse.
O lado bom foi que o golpe duplo clareou um pouco sua visão, a cegueira retrocedeu o suficiente para poder enxergar as manchas embaçadas dos corpos e roupas de seus
irmãos.
— A gente podia ter converssssado sssssobre isssssto, – Reclamou Rhage. — Ótimo, essstou falando como se tivesse um ovo na boca.
— E qual a graça nisto? – V o agarrou e abraçou com força. — Agora, nunca mais faça uma porra dessa.
Rhage esperou pelos outros começarem a fazer perguntas. Quando ninguém o fez, imaginou que V já tinha contado a eles sobre a coisa da visão. A menos... Bem, todo
mundo parecia tê-lo visto correr adiantadamente para aquele campo e aquele tipo de merda era mais do que motivo para uma surra.
— Esssstou enxergando agora. – Disse ele.
— Pode me agradecer mais tarde.
Houve uma porção de conversa naquela hora – que o levou a descobrir que tinham Xcor sob custódia.
— Tohr já matou o fodido? – Perguntou.
— Não. – Todo mundo respondeu ao mesmo tempo.
Então houve uma história sobre o Ômega aparecer para uma faxina no campus e V salvando o dia criando um mhis.
— Eu posso ajudar no turno, – Disse Rhage. — Digo, vigiar o bastardo.
— Mais tarde, – V exalou um pouco de fumaça turca. — Você precisa se recuperar, depois a gente te encaixa.
Com isto, o grupo dispersou, alguns foram para a mansão, outros para a sala de treinamento. Rhage foi junto com os que pegaram o túnel para a casa principal, mas
enquanto os Irmãos iam para a cama, ele atravessou a sala de jantar até a cozinha da mansão.
Deus, queria que sua Mary estivesse com ele.
O lado bom era que não havia nenhum doggen por perto, a Primeira Refeição não foi servida graças ao número de ferimentos que aconteceram durante o ataque juntamente
com todo o drama do que aconteceu com ele. A equipe de serviçais estava, sem dúvida, tendo um raro momento de descanso antes de voltarem à limpeza e arrumação, e
ficava aliviado de não incomodar ninguém.
No entanto, ao perambular pelo local sagrado de Fritz, sentiu como se devesse fazer uma concessão ou algo assim, para não arrumar encrenca com o mordomo. E assim,
decidiu não cozinhar. Comeria o que já estivesse pronto e que não dependesse do fogão ou da despensa.
Ele já tinha levado dois murros e a noite mal tinha começado.
Mas primeiro, roupas. Esteve cego demais no banheiro para poder enxergar qualquer coisa que tivesse sido deixada para ele, então foi até a lavanderia atrás da despensa,
usando sua visão um pouco embaçada para localizar umas calças folgadas e um moletom enorme com o logo do American Horror Story estampado. Então era hora de resolver
o assunto comida.
Avaliando o estoque de pães, começou a diminuí-lo separando pacotes de bagels e baguetes no balcão – mas então pensou, foda-se. Tateando por baixo da gaveta, arrancou-a
dos rodízios e carregou a coisa toda para a mesa de carvalho. O passo dois era voltar para a geladeira, pegar meio quilo de manteiga sem sal e um pacote de cream
cheese e pegar a torradeira, puxando-a até o fio desencaixar da tomada.
Uma faca serrilhada e uma tábua de corte mais tarde, junto com a cafeteira, o pote de açúcar e uma caixa pequena de creme, ele se pôs ao trabalho. Enquanto o café
coava começou a fatiar, fazendo montanhas de metades amanteigadas à direita. Os bagels foram alinhados como linha de produção, para poder processá-los pela torradeira
e então besuntá-los de cream cheese.
Provavelmente deveria pegar um prato. E pelo menos outra faca, mas a lâmina maior ia ser eficiente para espalhar.
Quando o café ficou pronto, tirou a jarra, jogou o pote todo de açúcar e juntou o máximo de creme que coube. Então tomou um gole para provar.
Perfeito.
Ele colocou a coisa de volta no aquecedor e começou sistematicamente a batalhar com os bagels – pois, ei, aquilo era o mais perto de uma Primeira Refeição, certo?
Em seguida veio as baguetes, por que aquilo era o mais próximo de uma refeição que suas opções permitiam. A sobremesa seria um bolo de café com nozes. Ou dois.
Enquanto mastigava, seus dentes pareciam um pouco frouxos graças ao murro de V, mas não era grande coisa. E de vez em quando, empurrava as coisas abaixo com goles
de café direto da jarra.
Duas mil calorias depois, a realidade do quão sozinho estava o atingiu.
Mas também, o cômodo poderia estar cheio de irmãos e sentiria o mesmo.
Pior, achava que mesmo a presença de sua Mary não poderia ter consertado este isolamento dentro dele.
Sentado lá, enchendo seu estômago e ainda assim incapaz de fazer qualquer coisa com o vazio que realmente contava, ele pensou que teria sido muito mais fácil se
tivesse sequer uma indicação de qual realmente era o seu problema...
A distância, na sala de jantar, um som apressado ecoou.
Era uma porção de passos, como se alguém corresse.
Que inferno? Ele pensou se levantando da cadeira.
Capítulo DEZESSETE
Havia uma porção de cálculos a serem feitos quando se tinha um vício.
Ao sentar-se atrás da escrivaninha de mansão de vidro, Assail abriu a grande gaveta estreita, próxima às suas coxas, e tirou três vidrinhos idênticos ao que o Irmão
Vishous tinha esvaziado no próprio antebraço, lá no complexo subterrâneo da Irmandade.
Cálculo, cálculo, cálculo... A maior parte, multiplicação. Tipo, pela quantidade de cocaína que tinha, quanto tempo conseguiria manter o vício aplacado? Quatorze
horas? Quinze?
Ele abriu um dos frasquinhos marrons e derramou o conteúdo de pó branco em cima do mata-borrão de couro. Usando um cartão de crédito Centurion, da American Express,
esticou duas fileiras, inclinou-se sobre elas e cuidou do seu problema. Então, recostou-se de novo na cadeira e fungou algumas vezes.
Sério, odiava sentir o nariz constantemente escorrendo. A queimação em suas vias nasais. O gosto amargo que florescia em sua boca. E, mais especialmente, detestava
o fato de que já nem mais ficava chapado. Apenas experimentava uma ascensão temporária na horrível montanha russa na qual tinha se metido, uma espécie de trégua,
inevitavelmente seguida por um acidente em alta velocidade – e então, se não tomasse outra dose, os arranhões e apertos implacáveis da fissura.
Fitando os resquícios dos dois vidrinhos, achou difícil acreditar que tinha chegado àquele padrão. O deslize e a queda tinham sido tanto coisa de momento quanto
uma tragédia em câmera lenta. Ele inicialmente tinha começado por se acostumar à sensação de estar alerta, mas o que tinha começado como um hábito de praticidade
agora o escravizava, tal qual um mestre tinha domínio sobre um serviçal no Antigo Continente.
Caramba, não fora essa sua intenção.
Ultimamente, ele fazia várias coisas sem intenção.
Estendendo o braço, despertou seu notebook com um toque no touchpad, logou usando uma mão, embora sua senha contivesse letras maiúsculas, e acessou, via canais criptografados,
suas contas estrangeiras. A maior delas ficava em Genebra.
Ele tinha várias outras.
Tantos dígitos e vírgulas antes das casas decimais em jogo. E olhando para os dados na tela, contemplou exatamente quanto dinheiro era preciso – mesmo assumindo
que, como um vampiro, viveria dez vezes mais do que a média humana ou até mais.
Desde que seu pequeno hábito não apressasse sua ida ao Fade.
Ou no seu caso, mais provavelmente ao Dhund.
Claro que tinha o suficiente para qualquer padrão prático, mesmo à luz da crise financeira mundial... Então realmente precisava continuar traficando drogas? Por
outro lado, com a velocidade em que vinha cheirando pó, era perigoso se tornar seu maior e melhor consumidor.
Preciso de sua ajuda com a Glymera.
Enquanto considerava a proposta de Wrath, teve de se perguntar o quanto aquilo que o Rei queria fazer seria melhor ou pior do que ganhar dinheiro às custas de humanos
e sua necessidade de complementos químicos. O esforço real era algo para passar o tempo, certamente. E se não iria mais traficar drogas, precisaria passar as horas
noturnas de algum jeito.
Ou então ficaria louco.
Principalmente por sentir tanta falta daquela fêmea dele. Que, de fato, nunca foi dele.
— Marisol. – Sussurrou para a sala vazia.
Por que infernos nunca tinha tirado uma foto dela? Quando ela tinha ficado aqui, nesta mesma casa, enquanto a protegia com a própria vida, por que não tinha pegado
seu celular, apontado na direção dela e tirado uma foto? Um simples momento do tempo, uma fração de segundo, que era só o que era preciso. Mas não, não tinha feito
tal coisa, e agora aqui estava ele, do outro lado da separação sem nada dela, exceto o que havia em sua mente.
Era como se ela tivesse morrido. Só que ainda existia.
De fato, ela agora estava na Flórida, onde o oceano lambia a areia doce e as noites eram um mistério cálido, mesmo na porra do mês de outubro.
Sabia exatamente onde estava, precisamente onde ficava – por que a tinha rastreado até lá. Certificando-se que tinha chegado a seu destino a salvo com a avó. Espiara
as duas das sombras da maneira pais patética possível.
Mas tinha honrado o pedido dela. Tinha deixado-a ir. Libertara-a dele e do estilo de vida marginal que ambos levavam.
Ladrões e traficantes não podiam coexistir.
Uma humana que queria ficar do lado certo da lei e um vampiro viciado que não conseguia.
Com um gemido, pôs o rosto entre as mãos e tornou a lembrar dela. Sim, oh, sim, conseguia se lembrar com certa clareza de seus cabelos escuros e seu corpo ágil,
sua pele e olhos escuros. Mas com o passar do tempo... Ele se preocupava de que pudesse vir a se esquecer de certas nuances no começo, e então cada vez detalhes
maiores e mais significativos.
E a perda daquilo seria uma morte lenta, mesmo que permanecesse respirando.
— Chega. – Murmurou ao abaixar os braços e se recostar.
Voltando a se concentrar em si mesmo, pensou no que o Rei queria que fizesse. Podia ser uma mudança de ramo, com certeza. Mas já tinha dinheiro suficiente. Tempo
suficiente. E achar outra rede de contatos de traficantes intermediários para distribuir seu produto nas ruas de Caldwell e Manhattan subitamente parecia trabalhoso
demais.
Além disto... Depois de lutar lado a lado com a Irmandade? Ele se viu cheio de respeito por aqueles machos. Cheio de respeito pelo líder deles também.
Era uma grande mudança para um apartidário convicto – meio que como um ateu considerando a existência de Deus depois de uma experiência próxima da morte.
Mais, ele devia a Vishous sua vida; disso tinha certeza. Por menos valor que sua existência tivesse, não estaria sentado nesta cadeira, nesta mansão de vidro junto
ao Rio Hudson alimentando seu vício de cocaína, se aquele Irmão não o tivesse jogado por cima do ombro e corrido pra diabo.
Duas vezes.
Oh, aquela Besta. Se não tivesse visto, jamais acreditaria na sua existência.
Assail empurrou a cadeira com o pé de forma a poder espiar pela janela para além do rio. Um apito sutil soou do canto da sala onde um antigo relógio francês ficava.
Ao fundo, na parte dos fundos da casa, ele podia ouvir os primos se movendo pela cozinha.
Quando decidiu usar o celular, tudo o que teve de fazer foi buscar no bolso de sua jaqueta de couro despedaçada. Tinha se esquecido de remover a roupa arruinada
mesmo que sua casa estivesse bem aquecida contra a noite fria de outubro.
Mas também, ao chegar em casa, sua única preocupação foi ficar logo a sós para poder resolver seu probleminha.
Não conseguia cheirar suas carreiras na frente dos primos. Não que tivesse qualquer intenção de alterar seu comportamento por causa do julgamento de outra pessoa.
Selecionando um número de seus contatos, hesitou antes de iniciar a chamada. Com o polegar pairando sobre a tela, tornou-se agudamente ciente de que se fosse adiante
com isto, ele se tornaria algo que sempre desprezara.
Um agente do Rei.
Ou, mais especificamente... Um agente a mando de outro.
Com um estranho sentimento de temor, cedeu ao impulso e levou o aparelho ao ouvido, ouvindo-o tocar. No final, decidiu atender ao pedido de Wrath pela simples razão
de que parecia a única coisa boa que poderia fazer consigo mesmo.
Uma coisa certa.
Uma coisa positiva.
Estava começando a sentir como se já fosse hora. E talvez estivesse pegando uma página do livro de Marisol por que era a única maneira que o faria sentir-se próximo
a ela agora.
Chega de tráfico de drogas para ele.
Embora o que estava a ponto de fazer bem poderia se provar tão perigoso quanto. Mas, pelo menos, não ficaria entediado.
— Alô querida, – Disse quando a chamada foi atendida por uma fêmea. — Sim, preciso mesmo me alimentar, obrigado. Esta noite seria preferível, sim. E também senti
sua falta. De fato, muito mesmo. – Ele a deixou falar um pouquinho até ter certeza de que ela tinha engolido sua mentira, e inteira. — Na verdade, na sua casa, por
favor. Não, o chalé não está à altura de um macho como eu. Eu até abria mão de início em respeito à presença de seu hellren, mas agora que ele está acamado, não
estou mais disposto a fazer concessões. Espero que compreenda.
Houve uma longa pausa, mas sabia que ela cederia.
— Obrigado, nalla. – Falou calmamente. — Eu te vejo em breve... Oh, use algo vermelho. Sem calcinha. É só.
Ele desligou por que ela era uma fêmea que exigia trabalho em se capturar sua atenção. Tranquilo demais? Charmoso demais? Ela logo perderia o interesse, e isto não
poderia acontecer até obter todas as informações que precisava dela.
Sua próxima ligação foi para o Irmão Vishous. Quando o macho atendeu, Assail só falou duas palavras antes de desligar de novo.
— Estou dentro.
— Claaaaaro, eu fico até tarde. Sem problema. Não é como se tivesse algo melhor pra fazer.
Jo Early estava sentada atrás de sua mesa da recepção com o resto da imobiliária vazia, nada além de uma mixórdia de perfumes e a deprimente música de elevador soando
acima para lhe fazer companhia. Bem, isto e as porras dos arbustos de fícus de ambos os lados dela.
Aquelas coisas espalhavam suas folhas como se estivessem em constante derretimento – e seu TOC simplesmente não permitia que relaxasse a menos que o chão estivesse
limpo. Mas também, ela não tinha de fazer agachamentos na academia.
Não que sequer frequentasse uma academia.
Verificando seu celular, meneou a cabeça. Sete horas.
O plano, o “favor” que estava fazendo para o chefe, era ficar ali até ele trazer três contratos assinados para ela poder digitalizar e enviá-los por e-mail para
os vários corretores compradores. O porquê dele mesmo não conseguir enfiar os contratos no scanner e criar alguns PDFs era um mistério.
E, está bem, talvez ela também fosse uma parte do problema.
Não que tivesse orgulho em admitir.
Erguendo o olhar por cima da beira do tampo da mesa, fitou as portas de vidro esfumaçado que abriam para o exterior. O escritório ficava localizado em uma galeria,
entre lojas, que contavam com um salão de cabeleireiros onde o corte mais barato custava cem pratas – e isto para os cortes masculinos – uma butique que expunha
duas peças de roupas minúsculas em sua vitrine, uma loja de porcelanas e vidrarias que brilhava mesmo em dias cinzentos e, no final dela, uma joalheira que as caçadoras
de dotes de Caldwell pareciam aprovar.
A supor pela clientela pneumática do local.
— Vamos lá, Bryant. Vamos lá...
Embora, sério, não tinha nada a fazer. Ir pra casa para Dougie e as discussões sobre o círculo de colheita? Aquilo sim seria divertido.
Quando um telefone tocou na área onde os escritórios ficavam, despertou seu computador e encarou o calendário de Bryant. Ela punha os compromissos dele no Outlook
quando ele enviava uma mensagem de texto ou ligava pedindo a ela para fazer isto. Compromissos válidos como reuniões imobiliárias, mas também a vistoria do BMW dele,
e agendamentos do cara da manutenção da piscina para a casa dele naquele novo empreendimento. Lembretes pra ele ligar para a mãe no aniversário dela e encomendar
flores para as mulheres com quem saía.
O tempo todo se perguntando o que ele pensaria se soubesse quem eram seus pais.
Aquele segredinho era o que a reconfortava quando ele aparecia em uma manhã de segunda-feira e sussurrava que tinha saído com uma divorciada na sexta-feira e uma
personal trainer no sábado, e então almoçou com outra pessoa no domingo.
Sua identidade real era uma armadura que usava para lutar contra ele. Em uma guerra que ele sequer estava completamente inconsciente de estarem lutando.
Fechando a agenda dele, encarou o logotipo na tela. O último nome de Bryant, Drumm, era o segundo na linha – por que a firma foi fundada pelo seu pai. Quando o homem
morreu há quase dois anos, Bryant assumiu a posição dele do mesmo jeito que fazia tudo o mais em sua vida – sorrindo e com charme. E ei, aquela não era uma estratégia
ruim. Diga o que quiser sobre o estilo de vida playboy do cara, mas ele sabia negociar uma tonelada de imóveis e ainda parecer bonito fazendo isto.
Caldwell, a própria estrela da Lista de Milionários de Nova York.
— Vamos lá, Bryant... Cadê você?
Depois de uma nova vistoria de sua mesa já arrumada duas vezes, verificou o chão debaixo do fícus à direita, pegou uma folha e a jogou fora, sentou-se de novo e...
Que inferno, acessou o YouTube.
Dougie tinha postado aquela gravação estúpida em seu canal – um puta canal com o grande total de vinte e nove inscritos. Dos quais, tipo, quatro eram o próprio Dougie
em diferentes perfis fakes e dois eram spammers com baixos padrões. Quando clicou na seta para assistir de novo ao vídeo de quarenta e dois segundos, ligou as caixas
de som. Os efeitos sonoros eram de amadores a médios, uma combinação de uns sons de farfalhar muito altos enquanto seu companheiro de casa segurava o iPhone erguido,
e então um distante, e não tão silencioso, rugido.
Está bem, então sim, certamente aquilo parecia algo Dinossáurico no meio daquele campo. E sim, parecia haver um monte de desordem no chão, mas quem saberia o que
tudo aquilo era. Não passava de uma câmera de celular capturando uma tomada, e talvez fosse só o jeito que a área pisada parecia na lente.
Ela assistiu mais algumas vezes. Então recostou na cadeira.
Havia cinco comentários. Três eram de Dougie e seus colegas. Um era um depoimento de alguém que estava ganhando 1750 dólares trabalhando em casa!!!!$$$!!!! O último
era... Apenas quatro palavras que não faziam muito sentido.
Essa merda de vamp9120 de novo.
Deixado por alguém chamado ghstrydr11.
Franzindo o cenho, começou uma pesquisa virtual e encontrou o canal vamp9120. Uau. Está bem, três mil inscritos e o que parecia ser uma centena de vídeos. Clicando
em um deles, ela...
Gargalhou bem alto.
O cara que falava para a câmera era como um personagem LEGO do Drácula, com uma testa afiada e caninos ainda mais afiados, pelos faciais que pareciam ter sido pintados
ao invés de barbeados, e uma gola “Juro Por Deus, Aquele Deve Ser Elvis” em sua camisa. A pele do cara era branca demais, seu cabelo preto demais, seus lábios vermelhos
saídos de um tubo da MAC. E aquela voz? Parte evangelista, parte neo-vitoriano, quase Bram Stoker.
— Criaturas da noite...
Espere, esta frase não era de um filme?
— ... Vigiando as ruas de Caldwell...
Como se fosse a versão Nova Iorquina de The Walking Dead? Na dúvida, arraste uma perna.
— ... Caçando vítimas...
Está beeeeeeeem, adiante. Descendo a tela com o índice de vídeos, escolheu outro aleatoriamente. E sim, O Verdadeiro Pseudo Vlad de novo encarava a câmera – e desta
vez tinha um olhar bem esfumaçado para completar a caracterização.
— ... Existem! Vampiros existem...
Perguntando-se se o púlpito dele estava coberto com veludo pret... Está bem, uau. Era para ser uma piada, mas conforme as lentes se afastavam, parecia mesmo que
ele estava inclinado em algo que era, de fato, coberto de veludo negro.
Interrompendo o vídeo, desceu para o próximo e disse a si mesma que depois deste chega.
— Oh, ei, Vlad, qual é?
— ... Depoimento sobre um encontro vampírico, – Vlad se virou para um cara sentado perto dele em uma cadeira dobrável de plástico. Que era uma total ambientação.
— Julio? Conte a meus fãs o que aconteceu há duas noites.
Por falar em um pouco de mistureba: Julio era o antivampiro, com uma bandana do Tupac na cabeça, crucifixo no pescoço e tatuagens ao redor da garganta.
Mas seus olhos... Estavam arregalados e frenéticos, fixos em Vlad e depois ao redor.
— Eu tava no centro, sabe, com meus parças, e a gente tava...
A história a seguir começava sem nada de especial, só um maloqueiro com sua gangue atirando em rivais nos becos. Mas então as coisas entraram no rumo da Vampirolândia
com o cara descrevendo como tinha corrido para dentro de um restaurante abandonado – e daí por diante as coisas ficaram estranhas.
Supondo que se acreditasse nele.
— ... cara me jogou no balcão e foi isto, – Julio fez um gesto de presas e garras. — E seus dentes eram todos...
— Iguais aos meus. – Vlad interrompeu.
— Só que os dele eram de verdade. – Okay, Vlad claramente não gostou disto, mas Julio continuou: — E ele tinha um rosto fodido, o lábio superior fodido. E ia me
matar. Ele tinha uma...
Jo assistiu ao resto da entrevista, mesmo a parte onde Vlad empurra Julio do caminho, como se o patamar de compartilhamento do pseudo-Dracula já tivesse sido atingido.
Recostada na cadeira de novo, ela se perguntou exatamente o quão longe iria com isto. E a resposta foi ir para a página do Jornal Caldwell Courier e fazer uma busca
pelo nome do bom e velho Julio. Ahn. Quem diria. Havia um artigo escrito em dezembro passado sobre a atividade de uma gangue na área do centro – e Julio era destaque.
Tinha mesmo uma foto dele encarando de dentro de um camburão, os olhos ostentando aquele mesmo esbugalhar, a boca também arreganhada como se estivesse falando desesperadamente
com o fotógrafo.
Mas nada sobre vampiros.
Subindo a tela de novo, descobriu que o nome no subtítulo era um que ela conhecia.
Na verdade, Bryant tinha conseguido uma casa para o cara e a esposa há cerca de seis meses. Se não estava enganada.
Uma rápida busca no arquivo de clientes e, é, ela estava certa.
— Sinto muito pelo atraso!
Bryant Drumm entrou pela porta de vidro correndo, mas não parecia esbaforido. Seu cabelo escuro estava perfeitamente arrumado, o terno azul acinzentado estava adequadamente
abotoado e os documentos em suas mãos estavam separados em três seções.
Então ele não tinha realmente corrido. Veio em seu próprio ritmo, mesmo que para isto tivesse deixado-a plantada ali.
Ele pôs os cotovelos na mesa e se inclinou, com seu sorriso patenteado.
— Jo, como posso te recompensar?
Ela estendeu a mão.
— Dê-me. E me deixe ir embora.
Bryant colocou os documentos em sua mão, mas então se recusou a soltar quando ela tentou pegá-los.
— O que seria de mim sem você?
Enquanto a olhava fixamente, a concentração dele era fixa e completa – como se nada mais existisse no mundo para ele, como se estivesse tanto cativado por ela quanto
levemente admirado. E para alguém que não tinha muita importância para os pais, que foi posta para adoção pelas pessoas que a geraram, que se sentia perdida no mundo...
Era assim que ele a cativava.
De certa maneira triste que ela não gostava de questionar muito, vivia para estes pequenos momentos. Trabalhava até tarde por eles. Mantinha-se na expectativa de
que voltariam a acontecer...
O telefone dele tocou. E ainda olhava para ela ao atender.
— Alô? Oh, ei.
Jo desviou o olhar, e desta vez quando ela puxou, ele a deixou pegar os contratos. Conhecia aquele tom de voz dele. Era uma de suas mulheres.
— Posso te encontrar agora. – Murmurou ele. — Onde? Mm-hmmm. Não, já jantei... Mas topo uma sobremesa. Mal posso esperar.
Quando ele encerrou a ligação, ela já tinha se virado para o lado e ligado o scanner.
— Obrigado de novo, Jo. Te vejo amanhã?
Jo nem se incomodou em olhar por cima do ombro ao alimentar as páginas uma a uma.
— Estarei aqui.
— Ei.
— O que?
— Jo. – Quando ela se virou para olhá-lo, ele inclinou a cabeça de lado e estreitou o olhar. — Devia usar vermelho com mais frequência. Destaca seu cabelo.
— Obrigada.
Voltando ao scanner, ouviu-o sair e a porta se fechando suavemente. Um momento depois, houve o clarão de um motor potente e ele se foi.
Sabendo que estava sozinha, ergueu a cabeça e olhou para seu reflexo na entrada de vidro. As luzes das lâmpadas superiores refletiam em seu cabelo de um jeito que
seus tons de vermelho e castanho se destacavam mesmo, em contraste com todo aquele preto e cinza ao seu redor.
Por alguma razão, o vazio do escritório... Em sua vida... Pareceu tão alto quanto um grito.


CONTINUA

Capítulo TREZE
Quando Mary acordou, não tinha ideia de que horas eram. Levantando a cabeça do peitoral nu de Rhage, ela olhou em volta e se surpreendeu ao descobrir que os dois
caíram no sono na sala de recuperação e com as luzes acesas acima de suas cabeças.
Droga, não tinha tornado a conectar todas aquelas máquinas. Depois do pequeno interlúdio orgástico de Rhage, ele tinha se recusado a parar de abraçá-la, e ela deve
ter caído no sono de encontro a seu corpo quente e musculoso. Claramente Ehlena tinha chegado a conclusões certas – os monitores por si foram removidos. E sim, seu
hellren ainda estava muito vivo, seu peito subindo e descendo calmamente, e aquele maravilhoso Ba-bump, Ba-bump, Ba-bump de seu coração era um verdadeiro atestado
de sua saúde.
Fechando os olhos, estremeceu quando pensou na ferida da bala, o sangue que ele tinha tossido, aquele horrível...
— Ei, linda.
Assim que ele falou, ela levantou a cabeça. Seus olhos azuis semicerrados a prendiam, queria olhar dentro deles para sempre.
— Oi. – ela sussurrou.
Movendo sua mão para cima, ela acariciou a bochecha dele, sentindo sua barba loira começando a crescer.
— Você precisa se barbear.
— Preciso?
— É sexy, na verdade.
— Então vou jogar fora todos os meus barbeadores. Rápido, me ajude a ir pro nosso banheiro pra eu fazer isso agora.
Ela riu um pouco, então ficou séria.
— Como está sua visão?
— Que visão?
— Continua cego?
Ele soltou um som como hrrumph.
— Como se isso importasse! Você está aqui e eu posso te ouvir perfeitamente. Posso sentir você também. – A grande e larga palma da mão de Rhage esfregou seu ombro.
— Ei, tive uma ideia. Vamos pro nosso quarto e depois de cancelarmos minha assinatura do Clube de Barbear, podemos cair na Jacuzzi. Depois de um banho e meio, podemos
ir pra cama e ver o que acontece. Lembre-se que eu te devo pelo menos um bom passeio... E então tem os juros. Ohhh, aqueles juros... Tenho muita coisa pra fazer
por causa disso.
Mary riu um pouco.
— O que? – Ele disse com um olhar severo. — O que tem de errado?
Colocando-se na vertical e afastando-se do peito dele, ela estalou as costas se esticando. Jogou seu cabelo para longe do rosto. Colocou o colarinho da camisa no
lugar para não se asfixiar mais.
— Que pena, hein?
Com um gemido de dor, ele agarrou os botões do controle e deixou o ângulo do colchão mais alto para que então pudesse se sentar de modo mais apropriado.
— Fale comigo.
Quando ela se moveu para os pés de sua cama e tentou achar as palavras, Rhage recuou.
— Uau. Você está... Por que está chorando?
— Jesus, eu estou? – Uma passada rápida de sua palma na bochecha e ela achou umidade. — Uau. Sim, me desculpe por isso.
— O que está acontecendo? Preciso matar alguém pra você?
Esta era a primeira resposta de um macho emparelhado para qualquer coisa que chateasse sua shellan, e antes que pudesse evitar, ela sussurrou: — A morte já aconteceu,
na verdade.
— Huh.
Por alguma razão, seu pensamento voltou para aquela noite, cerca de dois anos atrás, quando Rhage, V e Butch saíram e mataram um hellren criminoso, então Bitty e
Annalye puderam viver.
— A mãe de Bitty morreu na noite passada.
— Ohhhhh, merda. – Rhage sentou completamente para frente por conta própria, como se tivesse em mente pular para fora da cama mesmo que não tivesse nenhum lugar
para ir, nenhum ataque para defendê-la. — Mas por que inferno você não me disse?
— Você estava meio que ocupado morrendo na hora...
— Você deveria ter me contado. Eu fiz você me masturbar...
— Pare com isso. Eu amo isso. Nós precisávamos disso.
Quando seu lindo rosto ficou insuportavelmente tenso e ele cruzou os braços no peito como se estivesse chateado consigo mesmo, ela arqueou pra cima e o beijou na
boca. — Obrigada.
— Pelo que?
— Por se importar com ela também.
— Como eu não poderia? O que posso fazer pra ajudar?
Mary se sentou e soltou.
— Eu senti sua falta.
Rhage bateu no ar entre eles como se estivesse indo tocá-la, e ela colocou seu rosto entre as mãos dele, deixando-o sentir suas bochechas e mandíbula, os lados de
sua garganta.
— Senti sua falta também, – Ele disse num tom baixo. — Nós estivemos... Afastados ultimamente. Não separados, mas afastados.
— Me desculpe. Eu sei. Estive envolvida com tudo no Lugar Seguro e isso realmente não é justo...
— Pare com isso. Você nunca tem que se desculpar comigo por amar seu trabalho ou precisar estar sempre por dentro das coisas, como faz. Sou a última pessoa que não
entenderia isso. Você é maravilhosa lá, e uma pessoa maravilhosa que ajuda todo mundo...
Mary abaixou os olhos, mesmo pensando que tecnicamente não havia nenhum olhar fixo para ela escapar.
— Nem sempre. Deus, nem sempre.
— Conte pra mim. Mary, não quero ser exigente... Mas você realmente precisa falar comigo.
Quando ela se lembrou de tudo que aconteceu, seus olhos se encheram de lágrimas novamente.
— Eu, ah... Eu recebi a ligação na minha mesa que as coisas não estavam indo bem com Annalye e levei Bitty no Havers. Eu realmente pensei... Bem, quando minha mãe
se foi, eu estava com ela e isso foi importante para mim, especialmente depois, sabe? Quero dizer, quando penso nela e sinto sua falta... Há um certo consolo que
tenho ao saber que ela não estava sozinha quando morreu. Que... Que estava comigo no começo da minha vida e que eu estava com ela no fim da dela, – Mary soltou um
suspiro trêmulo. — Quero dizer, Bitty é nova... Ainda há tantos anos pela frente para ela lidar com isso, sabe? E o que foi importante para mim quando eu era adulta,
meio que parecia algo que poderia ser importante para ela depois. Em todo caso... Eu não queria que isso acontecesse.
— O que acontecesse?
Mary cobriu o rosto com as mãos quando as memórias atravessavam sua consciência como uma faca.
— Quando Bitty... Oh Deus, quando Bitty pegou a mão de sua mãe, a fêmea morreu bem naquela hora. Bitty pensou que ela fosse a responsável. Isso foi... Horrível.
Nada do que eu queria para nenhuma das duas.
Eu a matei! Eu a matei!
— Talvez a mahmen dela estivesse esperando por ela.
Mary secou os olhos e deixou os braços caírem em derrota.
— É isso o que eu estou dizendo a mim mesma. Não que isso realmente ajude...
— Mary, quando fui baleado naquele campo e estava morrendo, eu estava esperando que você fosse até mim. Era a única coisa que estava me segurando aqui. Quando se
ama alguém e você está partindo, espera até que a pessoa venha... E isso toma um monte de energia, um monte de foco. Estou te dizendo Mary, eu estava esperando por
você por que precisava ficar em paz contigo, mas não conseguia aguentar por muito tempo... E embora tivemos sorte e você salvou minha vida, a realidade é que eu
prolonguei meu sofrimento só para ter aquele momento contigo.
— Oh Deus, sério... Ver você sofrendo daquele jeito... Foi um dos piores momentos da minha vida.
Como se ele estivesse determinado a mantê-la no caminho, Rhage falou sobre ela.
— Você precisa dizer isso a Bitty, ok? Dizer a ela que sua mãe morreu naquele momento por que a voz de Bitty era o que ela precisava ouvir antes que fosse para o
Fade. Ela precisava saber antes de partir que sua filha estava bem. E te garanto, Mary, se você dissesse uma palavra naquele quarto, Annalye saberia que estava com
a filha dela também. E isso quer dizer que Bitty estaria segura. Annalye foi embora por que sabia que tudo bem ela ir.
— Nunca pensei nisso desse jeito, – Mary murmurou. — Você colocou isso de um jeito ótimo. Eu queria que você pudesse dizer isso a ela.
— Talvez eu possa algum dia. Inferno, diga o dia e a hora e estarei lá.
Quando Rhage começou a ir até ela, parecia focado nela mesmo que não pudesse enxergar – e na realidade, Mary tinha muita certeza nesse momento que nada mais nesse
mundo existia para ele além dela e dos seus problemas. Adicione aquela ridícula beleza masculina, aquele desejo sexual e aquele grande coração?
— Como nesse mundo acabei ficando com você? – Ela sussurrou. — Ganhei na loteria.
Seu hellren a alcançou e trouxe para perto de novo, colocando-a sob seu queixo.
— Oh, não, Mary. É o contrário. Acredite em mim.
Quando Rhage sentiu a tensão no corpo de sua shellan acalmar, esfregou suas costas em círculos lentos... E sentiu vontade de vomitar.
Não por causa da coisa toda da Besta.
— Então, sei que ainda temos 12 horas até o anoitecer, – Ela disse — Mas gostaria de ir para o trabalho essa tarde. Mesmo que só um pouquinho e somente se você...
— Oh Deus, sim. Bitty precisa de você. – Perguntou a si mesmo se tinha sobrado algum Alka Seltzer. — Estou bem.
— Tem certeza?
Não. Não mesmo. — Inferno, sim... Quantas vezes já passei por essa recuperação? Vou só deitar aqui e dormir muito. – Por que se não estivesse consciente, não iria
se sentir daquele jeito, certo? — E na verdade, pensando bem, você não precisa que eu diga nada a Bitty. Você tem maneiras melhores de colocar as coisas do jeito
certo.
— Eu costumava acreditar nisso.
— Não. – Olhou para baixo, para onde o som da voz dela estava vindo e pegou uma de suas mãos com a dele com urgência. — Mary, você não pode ter uma segunda opinião
sobre si mesma. Ouça, você vai para a guerra do seu próprio jeito, e a pior coisa que um soldado pode fazer é ter sua confiança perdida antes que chegue ao campo.
Não são todas as vezes que vai acabar em vitória, mas você tem que começar isso todas às vezes sabendo que seu treinamento e seus instintos são ouvidos. Você não
fez nada de errado. Não magoou Bitty de propósito. Certamente não é responsável pela mahmen dela escolher aquele momento para ir para o Fade... E de fato, há muitas
evidências que sugerem que a fêmea foi embora por que sentiu que sua filha estava em boas mãos. Você precisa acreditar em tudo isso, caso contrário vai ficar presa
em algo indefinido que não vai ajudar ninguém.
— Senhor, você está sempre tão certo.
Blah. Nem mesmo perto disso. Mas não é como que fosse trazer todos seus erros à tona agora, quando ela tinha problemas reais para lidar com aquela garotinha. Ele
era um idiota egoísta, mas não era tão babaca assim.
Puta merda, não podia acreditar que fez sua shellan atravessar aquilo daquele jeito... Não poderia viver consigo mesmo sabendo que fez Mary essencialmente assisti-lo
morrer na noite passada – e tudo por nenhuma boa razão, porra.
Tudo por que não tinha ouvido Vishous.
Na verdade não, ele tinha. E isso é o pior de tudo. De fato, tinha ouvido cada palavra que o Irmão disse e saiu pra lutar do mesmo jeito, completamente ciente do
que estava esperando por ele no campo de batalha se o cara estivesse certo.
Achava que essa era a definição de suicida, não era?
O que significa que ele era...
Ah, porra.
Enquanto a cabeça de Rhage começou a implodir com a realidade que estava só agora acordando nele, Mary continuou a falar de um jeito lento, e considerando o que
ela ia fazer para a garotinha, quais as consultas medicas ela tinha que ter, e então havia algo sobre um tio em algum lugar... E Rhage simplesmente deixou a conversa
de uma só pessoa seguir.
Na verdade, estava indefinidamente agradecido que ela se sentia melhor e mais conectada com ele. Aquela merda importava. Infelizmente, estava voltando a ficar longe
dela novamente, uma parte dentro dele flutuando para fora mesmo com o corpo dele ficando onde estava.
O que tinha de errado com ele, inferno? Ele tinha tudo o que queria na vida – e ela estava em seus braços neste exato momento. Ele tinha morrido de medo e tinha
passado por isso. Havia muito pelo que viver, pelo que lutar, pelo que amar.
Então por que faria uma coisa daquela? Por que correria para um caixão todo garantido? E por que essa distância dela de volta?
Bem, havia uma explicação. Alguma coisa tinha amarrado tudo com um arco grande, gordo e psicótico.
Ele frequentemente tinha se perguntado se estava louco. Tipo, tão intrinsecamente.
Suas emoções sempre foram tão extremas, pulando da loucura para a raiva, que ele tinha ficado preocupado algumas vezes que um dia iria pender para algum dos extremos
dessa espiral, nunca retornando para a sanidade novamente. Talvez isso finalmente tivesse acontecido. E se tivesse? A última coisa que Mary precisava depois do que
tinha acontecido na noite anterior é que ele estivesse clinicamente insano.
Por que merda, por que mais ele se sentia tão malditamente estranho dentro de sua própria pele?
Maldição, parecia que tinha ganhado na loteria só para descobrir que era alérgico ao dinheiro ou uma merda assim.
— Rhage?
Ele se sacudiu. — Me desculpe, o que?
— Você quer que eu pegue alguma comida?
— Não. Continuo cheio. – Ele tornou a colocá-la contra ele novamente. — Porém eu poderia ter muito mais disso.
Mary se aconchegou perto dele, passando os braços em volta dos seus ombros o máximo que conseguia.
— Você tem.
Tentei me matar na noite passada, disse para ela na sua cabeça. E não tenho ideia do por quê.
Sim, era oficial.
Ele tinha enlouquecido.
Capítulo CATORZE
— É aqui.
Jo Early pisou no acelerador de seu Volkswagen de merda.
— Sim, sei onde é, Dougie.
— Bem aqui...
— Eu sei.
Não havia razão para acertar a placa. Às sete da manhã, não tinha nenhum outro carro por perto, ninguém para se importar como ela atravessou o portão desencaixado
com a pintura descascada da velha escola preparatória que sua mãe teve um milhão de anos atrás.
Uau. A Escola Brownswick para Garotas teve dias melhores.
Sua mãe então não aprovaria nem um pouco este paisagismo. Ou a falta dele.
Mas aí, a mulher podia romper um aneurisma através de um único dente de leão em seu gramado de cinco acres.
Dirigindo pela rua de asfalto esburacada, Jo dirigiu em torno de buracos que eram grandes o suficiente para engolir seu pequeno Golf, e se esquivou da árvore caída
em pedaços – alguns dos quais eram velhos o suficiente para apodrecer.
— Deus, minha cabeça dói.
Ela olhou para seu companheiro de quarto. Dougie Keefer era Shaggy do Scooby Doo – sem o cão alemão falante. E sim, seu apelido era Reefer por uma boa razão.
— Eu disse para ir a um médico quando passou por aqui ontem à noite...
— Fui atingido na cabeça!
— ... você provavelmente teve uma concussão.
Embora qualquer consulta de neuro com o cara seria difícil de ler por que ele normalmente tinha visão dupla. E dormência e formigamento era uma escolha de estilo
de vida em seus olhos.
Dougie estalou os dedos um por um.
— Vou ficar bem.
— Então pare de reclamar. Além disso, metade do problema é que está ficando sóbrio. É chamado de ressaca.
Enquanto iam para dentro do campus, edifícios apareceram e ela os imaginou com janelas inteiras limpas e recém-pintadas, e portas que não penduravam em ângulos ruins.
Podia absolutamente ver sua mãe aqui com seus terninhos e pérolas, atrás de seu diploma superior mesmo que tivesse sido apenas uma escola preparatória, não uma faculdade.
Tradições do século XXI à parte, coisas tinha sido adquiridas na cápsula do tempo dos 19 aos 50 anos de sua mãe. E a mulher tinha o correspondente de sapatos e bolsas
femininas para comprová-lo.
E as pessoas se perguntavam por que Jo tinha se afastado?
— Você não está pronta para isso, Jo. Estou dizendo a você.
— Tanto faz. Preciso começar a trabalhar.
— Vai explodir sua mente.
— Uh-huh.
Dougie se virou para ela, a faixa do cinto de segurança em seu peito.
— Você viu o vídeo.
— Eu não sei o que estava olhando. Estava escuro e antes que continue a discutir, lembre-se... Primeiro de Abril?
— Ok, é Outubro, tá? – A risada que ele deu era tão ele. — E sim, essa foi boa.
— Para mim não foi.
Dougie tinha decidido que seria divertido pegar o carro dela emprestado, e em seguida enviar-lhe uma imagem de photoshop da coisa enrolada em torno de uma árvore.
Como ele conseguiu se concentrar tempo suficiente para terminar o trabalho visual tinha sido um mistério, mas ele parecia tão real, que ela tinha ligado para sua
companhia de seguro.
E também teve um colapso no banheiro no trabalho quando se perguntou como diabos ia cobrir sua franquia.
Essa era a coisa sobre deixar seus pais ricos no retrovisor. Quinhentos dólares sem um orçamento certo poderia ser difícil comer.
Com uma careta, ela se inclinou em direção ao volante.
— O que é isso... Ah, merda.
Pisando nos freios, ela parou na frente de uma árvore inteira que tinha caído do outro lado da pista. Checando rapidamente o relógio, ela amaldiçoou. Mesmo enquanto
o tempo passava, não estava dentro de um Golf 4X4, e correndo o risco de ter que chamar o guincho e pagar por um reboque.
— Se vamos fazer isso, temos que andar.
— Vamos dar a volta.
— E ficar preso na lama? Choveu tarde da noite ontem. – Ela desligou o motor e retirou a chave do carro. — Vamos lá. Você quer me mostrar, é melhor começar a andar.
Caso contrário, vou dar meia volta.
Dougie ainda estava reclamando quando eles partiram a pé, passando por cima do bordo caído e continuando descendo a rua. A manhã estava amargamente fria e então
surpreendentemente – o tipo de coisa que deixava você feliz por ter trazido sua jaqueta por capricho, e chateada por ter deixado o chapéu e as luvas para trás por
que na sua cabeça, era “apenas outubro”.
— Agora sei por que não me levanto antes do meio-dia. – Dougie murmurou.
Jo levantou o olhar para os troncos nus acima. Odiava ser pessimista, mas se perguntava se qualquer um dos idiotas entrariam em queda livre e a matariam.
— Por que deixei você me meter nisso?
Ele colocou o braço ao redor de seus ombros.
— Porque você me amaaa.
— Não. – deu uma cotovelada nas costelas dele.
— Definitivamente não é isso.
E ainda meio que era. Ela conheceu Dougie e sua tropa da pesada através de um conhecido, e eles a aceitaram quando ela precisava desesperadamente de um lugar para
dormir. O arranjo era suposto ser temporário, do tipo cair no sofá, mas logo em seguida vagou um quarto no apartamento deles, e um ano mais tarde estava vivendo
numa versão de uma casa de fraternidade dos meados dos anos vinte. Com um grupo de garotos recalcitrantes que mais pareciam meninos, dos quais ela parecia ser responsável.
— Estamos chegando perto, – ele colocou as mãos na cabeça como se tivesse explodido. O que era uma viagem curta. — Quero dizer, pedaços de corpos em todos os lugares,
e o cheiro! Pior do que o que está na nossa geladeira. Quer dizer, estamos falamos corpos, Jo. Mortos! Só que estavam se movendo! E então essa...
— Alucinação de dragão. Você me disse.
— Você viu a filmagem!
— Como se eu não te conhecesse. – Ela disse enquanto sacudia a cabeça. — Você me enganou uma vez, devia se vergonhar... Me enganou duas vezes...
— Jo. Foi real. Foi real pra caralho... Vi um monstro e...
Conforme Dougie percorria a ladainha de impossibilidade outra vez, Jo focou na elevação adiante.
— Sim, ta, você já me disse. E ao contrário de você, ainda tenho minha memória de curto prazo.
— Imbecil, TJ e Soz viram também.
— Tem certeza disso? Por que quando mandei uma mensagem pra eles esta manhã, disseram que era uma viagem ruim. Nada mais.
— Eles são idiotas.
Quando chegaram na inclinação, ela sorriu e decidiu que talvez tivesse exagerado demais. Não se encaixava com a sociedade do tipo empertigada como a que os pais
dela estavam tão inseridos, mas da mesma forma, sair com um bando de maconheiros não levava exatamente a lugar nenhum também.
Ainda assim, eles eram altamente divertidos. Na maior parte do tempo.
E além do mais, a verdade era que não tinha ideia aonde pertencia.
— Você vai ver. – Dougie anunciou enquanto corria para o topo da subida. — Apenas olhe!
Jo se juntou a ele – e balançou a cabeça para tudo ali em cima, certo, ali embaixo também.
— Exatamente o que devo olhar? As árvores, os prédios ou a grama?
Dougie deixou os braços caírem.
— Não, não, isso está errado. Não...
— Acho que você finalmente deu fim ao seu cérebro, Dougie. Mas é o que acontece quando você o atinge dúzias de vezes com LSD em um período de seis horas. Pelo menos
pensou que isto era real desta vez, no entanto, é o contrário da coisa do acidente do carro batendo na árvore que você fez comigo.
É, não havia absolutamente nada anormal lá embaixo no que tinha que ser o centro do campus. Nada de corpos. Sem partes de corpos. E nenhum cheiro também. Nada além
de prédios abandonados, mais vento frio e mais nada de estranho.
— Não, não, não...
Enquanto Dougie corria lá pra baixo, ela o deixou ir, ficando pra trás e tentando imaginar como o lugar parecia quando tinha sido operacional. Era difícil pensar
que sua mãe tinha ido às aulas nestes prédios. Dormiu dentro deles. Teve aquela primeira dança com seu pai em um deles.
Engraçado, o passado como tinha sido parecia tão inacessível como era atualmente o presente com as duas pessoas que a adotaram. Os três nunca tinham tido sorte,
e apesar dela própria ser difícil às vezes, tinha sido um alívio esquecer de todas as tentativas exaustivas de fingir um vínculo que nunca se materializou.
— Jo! Venha cá!
Quando ela levou a mão ao ouvido e fingiu que não podia ouvi-lo, Dougie subiu correndo de volta até ela com o zelo messiânico de um pregador. Agarrando sua mão,
ele a puxou em uma descida rápida agitando para trás sua jaqueta do exército.
— Está vendo como tudo está pisoteado por ali? Vê?
Ela se deixou ser arrastada ao longo de uma seção do campo reconhecidamente achatada. Mas um monte de grama longa horizontal e arbustos remexidos dificilmente era
uma cena de um filme de Wes Craven, ou seja, de horror. E isso, sem dúvida, definitivamente não era o que estava no vídeo que Dougie insistiu que ela assistisse
várias vezes.
Não sabia como explicar tudo.
Mas o que estava claro para ela? Realmente não ia dar a si mesma uma cãibra no cérebro tentando conciliar tudo.
— Você viu o que eu postei! – Dougie disse. — E alguém pegou meu telefone por que não queria que ninguém visse isso!
— Você provavelmente só perdeu a coisa...
— Eu estava lá em cima. – Ele apontou para o mais alto dos prédios. — Ali! Foi ali que eu fiz a filmagem!
— Ei, Dougie, sem ofensa, mas tenho que ir trabalhar...
— Jo, estou falando sério. – Ele girou em um círculo. — Tudo bem, explique isso. Como tudo ficou esmagado aqui? Hã?
— Pelo que sei, você e nossos três colegas de quarto correram nus por aí em círculos. Na realidade, nem vamos seguir pelo lado hipotético.
Dougie a enfrentou.
— Então como é que eu consegui o vídeo? Hã?
— Não sei, Dougie. Francamente, é tão granulado que não sei o que estou olhando.
Ela lhe deu algum tempo para digerir todos os tipos de o-que-sobre-isso-e-aquilo, então ela terminou.
— Olha, eu realmente sinto muito, mas estou indo. Você pode vir comigo ou chamar um táxi para casa. A escolha é sua. Oh, espere. Sem telefone. Acho que isso significa
andar.
Enquanto ela se virava para ir embora, ele disse em uma voz surpreendentemente adulta.
— Estou falando sério, Jo. Isto aconteceu. Não me importo para o que os três vão dizer. Sei quando estou chapado e quando não estou.
Quando Jo parou e olhou para trás, a expressão dele ficou esperançosa.
— Você se importa se eu deixar você no ponto de ônibus na Jefferson? Acho que não tenho tempo para levá-lo de volta pra casa.
Dougie jogou os braços para cima.
— Ah, qual é, Jo. Deixe-me só te mostrar aqui...
— Ponto de ônibus, é isso. – Disse ela. — E lembre-me disso da próxima vez que você tomar ácido. Quero estar preparada.
Capítulo QUINZE
Algum tempo depois, Mary acordou depois de um bom e longo descanso... E sorriu ante seu companheiro decididamente adormecido. Rhage estava apagado, os olhos fechados,
uma sobrancelha loira contraindo e sua mandíbula rangendo como se talvez estivesse sonhando com uma discussão ou um jogo de bilhar. Sua respiração era profunda e
plana, e sim, ele estava roncando. Não como uma serra elétrica. Ou um estridente Mustang acelerando num sinal vermelho. Nem mesmo nada perto do texugo ferido na
rotina do Butch – o que era algo que tinha que se ouvir para acreditar.
Não, os sons que seu homem soltava eram mais como uma cafeteira Krups bem quando ela está terminando um ciclo coar o café; o tipo de coisa que borbulha em segundo
plano, oferecendo um ritmo reconfortante durante o qual ela poderia dormir se quisesse ou ficar acordada e ouvir, se fosse trabalhar novamente. Pensando nisso, seus
roncos provavelmente eram mais silenciosos do que ele, considerando como suas pisadas eram pesadas, o quanto sua risada era alta e o quanto ele falava, especialmente
se estivesse perturbando seus irmãos.
Toda essa maluquice era apenas parte do que tanto amava nele.
Ele era sempre tão vivo. Vivo demais.
Graças a Deus.
Quando ela foi se esticando, moveu-se lentamente contra o corpo dele para não acordá-lo e olhou para o relógio do outro lado da sala de recuperação. Sete da noite.
Passou o pôr do sol.
Dado o quão cansado ele tinha que estar, era capaz dele dormir mais quatro ou cinco horas. Provavelmente era melhor ela sair agora e voltar quando ele estivesse
acordado.
— Estou indo para o Lugar Seguro um pouquinho. – Ela disse suavemente. — Fica com ele. Avise a ele que logo estarei de volta, ou ele pode me ligar?
Ela estava falando com a Besta, claro – e tratando com esse enorme dragão esmagador de ossos como uma espécie de secretária social. Mas isto funcionava. Se ela tinha
que sair quando Rhage estava dormindo, sempre dizia para a Besta o que estava fazendo e quando estaria de volta. Dessa forma, Rhage não acordava suando frio achando
que ela tinha sido raptada. Assassinada. Ou que escorregou e caiu no banheiro, que ficou desmaiada e deixada sangrando por todo o chão de mármore.
É, machos vinculados tendiam a saltar para conclusões que eram apenas um pouuuuuuco exageradas.
Mary cuidadosamente desvencilhou-se de Rhage apenas para parar quando estava quase livre. Olhando para o seu esterno despido completamente intacto, ela escovou as
pontas dos dedos sobre onde bala esteve.
— Eu não te agradeci. – Ela sussurrou. — Você o salvou. Devo a você... Muito obrigada.
De repente, as pálpebras de Rhage abriram – mas não era ele acordando. Seus olhos não eram nada além de órbitas brancas, essa iluminação indicadora da consciência
da besta fixa nela com foco total.
Ela sorriu e roçou o rosto de seu companheiro, sabendo que o dragão sentiria seu toque.
— Obrigada. Você é um bom menino.
Uma versão mais tranquila do bufo afetuoso que a besta sempre dava a ela reverberou subindo e saiu da garganta do Rhage.
— Volte a dormir também, ok? Você precisa descansar também. Você trabalhou duro na última noite.
Mais um bufo... E aquelas pálpebras começaram a descer. A besta lutou contra a maré como um cachorrinho, mas acabou perdendo a batalha, retornando ao ronco. Ambos
tornando a se engajar em qualquer que seja a versão da terra dos sonhos em que estavam.
Inclinando-se, ela beijou a testa do seu companheiro e alisou seu cabelo para trás. Então foi para o banheiro e fechou a porta. Tão logo se virou para o balcão ao
lado da pia, ela sorriu. Alguém – oh, com quem ela estava brincando, tinha que ser o Fritz – tinha colocado mudas de roupas completas para os dois. Bem como escovas
de dente, lâmina e creme de barbear, um xampu e condicionador.
— Fritz, teu nome verdadeiramente é consideração.
E oh, isso é que era um chuveiro. De tempos em tempos, ela se perguntava se os sons ou cheiros acordariam Rhage, mas quando estava se enxugando, entreabriu a porta
e constatou que além de ter virado de frente pro banheiro, ele permaneceu dormindo.
Provavelmente por que ela disse para a Besta o que estava acontecendo.
Enquanto estava secando o cabelo, perguntou a si mesma onde o Volvo tinha terminado. Ela tinha vindo do campo de batalha pra cá de carona na unidade cirúrgica, mas
certamente alguém tinha trazido sua perua de volta.
Bem, ela sempre poderia levar qualquer outro para o Lugar Seguro.
Quinze minutos depois, silenciosamente caminhou até a porta. Depois de um prolongado olhar fixo para o Rhage, ela abriu a porta e...
— Oh! Deus! – Ela sibilou enquanto recuava.
A última coisa que esperava ver era a Irmandade inteira do lado de fora da sala de recuperação do seu hellren.
Mas ela devia saber. Todos estavam lá, de V e Butch, Phury e Z... Blay e Qhuinn... Tohr e John Matthew... Até mesmo Wrath e Rehvenge. Era como estar na frente de
uma equipe de futebol... Que era composta por lutadores profissionais... Com o equipamento completo de jogo.
Tudo bem, isso nem de longe era o suficiente para descrever a quantidade de macho no corredor.
— Ei, pessoal. – Ela disse calmamente enquanto puxava a maçaneta e certificava-se que as coisas estivessem fechadas. — Ele está dormindo agora, mas tenho certeza
que não vai se importar de ser acordado.
— Nós não viemos por ele. – Disse Wrath em voz baixa.
As sobrancelhas de Mary se levantaram quando ela olhou para o seu Rei.
— Oh.
Nossa, ela tinha feito alguma coisa errada? Era difícil saber dado que Wrath, com seu bico de viúva e seus óculos escuros, sempre parecia puto.
O cara não tinha a cara de uma vadia descansada, mas a descansada “vou matar alguém e incendiar sua casa”.
Engolindo em seco, ela gaguejou.
— E-eu, ah...
— Obrigado, Mary. – O Rei disse enquanto dava um passo adiante com seu cão guia, George. — Obrigado por salvar a vida do nosso irmão.
Por um momento, ela ficou completamente pasma. E então o Rei a estava puxando para um duro abraço apertado.
Quando Wrath deu um passo atrás, havia algo pendurado sobre o ombro dela.
Uma espada?
— Espere, o que é isso? – Ela bateu em uma segunda recuada. — Por que isso... Oh, meu Deus…
A arma era feita de ouro ornamentado do punho à bainha, e havia pedras preciosas brancas e vermelhas faiscando em todos os lugares. Da mesma forma, tinha uma faixa
vermelha de rubi pendurada enfeitada com pedras preciosas e metais – parecia antiga. Antiga... E inestimável.
— Wrath, não posso aceitar isso, é demais...
— Você executou um serviço de valor ao trono. – O Rei anunciou. — Salvando a vida de um membro da minha guarda particular, você é mantida na mais alta estima real,
e pode me convocar em seu benefício de valor comparável em algum momento no futuro.
Ela balançou a cabeça várias vezes. — Isso não é necessário. Sério. Não é.
E de repente ela se sentiu mal. Muito mal. Por que não salvou Rhage para estes homens maravilhosos que o amavam tanto. Não o tinha salvado para si mesma também.
Deus, por que... Por que aquele momento tinha que ser contaminado com todo o drama com a Bitty?
Mary foi tirar a espada.
— Realmente não posso...
Um por um, os Irmãos vieram até ela, abraçando-a com puxões duros, segurando-a até sua espinha dobrar e as costelas não poderem expandir mais. Alguns deles falaram
em seu ouvido, dizendo coisas que ressoaram não só por causa das palavras que foram escolhidas, mas pelo respeito e reverência nos tons daquelas vozes profundas.
Outros apenas fizeram um monte de ruídos tipo pigarros, do jeito que os homens faziam quando estavam lutando para se manter fortes e compostos em face de grande
emoção. E ali estava John Matthew, aquele com quem tinha começado esta viagem louca, quem tinha começado isso tudo ligando para o disque-suicídio onde ela era voluntária.
Vishous foi o penúltimo dos Irmãos a vir a ela, e enquanto a segurava, ela sentiu um aroma de tabaco. Junto com couro. E pólvora.
— Nós devemos a você. – Ele disse secamente. — Para sempre.
Enxugando os olhos, ela balançou a cabeça uma vez mais.
— Você me dá crédito demais.
— Nem perto. – Disse ele enquanto escovava a sua bochecha com a mão enluvada. Encarando-a, seus olhos de diamante e o rosto duro com essas tatuagens eram o mais
próximo de terno que ela jamais os viu. — Você sabia o que fazer...
— Mas eu não sabia, V. Eu realmente não tenho a menor dica de onde essa ideia veio.
Por um momento, ele franziu a testa. Então deu de ombros.
— Bem, tanto faz. Você nos deu nosso irmão de volta. E mesmo ele sendo um pé no saco, a vida não seria a mesma sem ele.
— Ou você. – Disse Zsadist.
Z foi o último a vir, e quando ele abriu os braços bem abertos, por algum motivo as faixas de escravo que foram tatuadas em torno de sua garganta e pulsos destacaram-se
para ela.
Seu abraço era rígido. Desajeitado. Obviamente difícil para ele, enquanto mantinha seus quadris distantes de seu corpo. Mas seus olhos estavam amarelos, não pretos;
e quando deu um passo atrás, ele colocou a mão no ombro dela.
A cicatriz que descia por seu nariz e ao redor de sua bochecha se moveu quando ele lhe deu um pequeno sorriso.
— Você é realmente boa em salvar vidas.
Sabia exatamente a que ele estava se referindo – todas essas sessões que eles dois tiveram na caldeira no porão da mansão, ele falando sobre o terrível abuso que
tinha sofrido nas mãos de sua senhora, ela ouvindo e fazendo comentários somente quando ele parava por muito tempo ou olhava para ela por algum tipo de bote salva-vidas
enquanto lutava em um mar de vergonha esmagadora, dor e tristeza.
— Algumas vezes eu gostaria de ser melhor. – Disse ela enquanto pensava em Bitty.
— Não é possível.
Quando Z caiu atrás alinhado com seus irmãos, Mary passou a mão no cabelo. Enxugou seus olhos. Respirou fundo. Apesar de haver muitas emoções diferentes a atravessando,
era muito bom estar por perto de pessoas que amavam Rhage tanto como ela amava.
Que ela sabia ser verdadeiro e sem questionar.
— Bem. – Ela pigarreou. — Agradeço a todos. Mas honestamente...
Enquanto cada um deles olhava para ela de cara feia, isso era o tipo de coisa que a te deixava agradecida que eles gostassem de você. Ela teve que rir.
— Ok, ok, vou manter isso, vou manter.
A conversa surgiu entre os Irmãos e houve alguns tapas nas costas, como se estivessem orgulhosos de si mesmos por fazer a coisa certa por ela.
Com um tchau final, ela se forçou a seguir em frente em direção à entrada do túnel subterrâneo... Com sua nova espada.
Rapaz, ela era pesada, pensou conforme caminhava com a espada ainda no ombro.
Quase tão pesado quanto o peso que sentia em seu coração.
Enquanto Mary caminhava pelo corredor na direção do escritório, Vishous pegou um cigarro enrolado à mão e colocou entre seus dentes da frente.
À medida que acendia a coisa, franziu o cenho pensando sobre o que ela disse a ele.
— Então Xcor não está consciente? – Wrath murmurou.
Virando-se para o Rei, V exalou e mudou as engrenagens na sua cabeça.
— Ainda não. E eu o chequei cerca de meia hora atrás.
— Onde você o colocou?
— No estande de tiro. – V olhou para Tohr, que estava fora do alcance da voz. — E nós temos um cronograma de guarda. Ele está amarrado para minha satisfação...
— Você realmente usa essa merda para o sexo?
Como um, a Irmandade inteira levantou o olhar para a interrupção. Lassiter, o anjo caído, apareceu do nada e estava parecendo um pouco menos ofensivo do que o habitual,
seu cabelo loiro-e-preto puxado para trás em uma trança que ia até sua bunda, couro preto cobrindo suas partes pudendas, argolas de ouro nas orelhas, braceletes
nos pulsos e piercings nos mamilos brilhando sob as luzes fluorescentes do teto. Ou talvez tenha sido por causa da sua extravagante disposição celeste.
Não.
— Que diabos aconteceu com sua maldita camisa? – V atirou de volta. — E por que, merda, você está fora do seu posto?
Porra, sabia que não podia colocar esse idiota de guarda. Mas pelo menos Payne não tinha deixado o estande de tiro, e isso era algo V que não precisava checar. Sua
irmã era o tipo de lutadora que ele confiaria não apenas com sua própria vida e as vidas de seus irmãos e cônjuges, mas em garantir que seu prisioneiro não ia nem
espirrar sem permissão.
— Derramei algo nela.
— Que? Você está comendo lá dentro?
— Não. Claro que não. – Lassiter foi andando devagar para onde o material de limpeza era mantido. — Ok, sim. Certo. Foi um milk-shake de morango... E só estou indo
pegar uma camisa limpa e voltar pra lá. Relaxe.
V deu uma longa tragada. Era isso ou estrangular o filho da puta.
— Morango? Sério?
— Vai se foder, Vishous.
Quando o anjo sorriu e mandou um beijo por cima do ombro, pelo menos o vadio não bombeou os quadris imitando o ato sexual.
— Posso matá-lo? – V murmurou para Wrath. — Por favor. Só uma vez. Ou talvez duas.
— Entre na fila.
V tornou a focar no assunto.
— Como eu estava dizendo, Xcor não vai a lugar nenhum.
— Quero descobrir onde os Bastardos estão ficando. – Wrath ordenou — e trazer o resto deles pra cá. Mas eles devem ter assumido que ele foi capturado. É o que eu
faria. Sem corpo? Sem testemunhas da morte? O curso mais seguro é assumir que o líder deles se tornou prisioneiro de guerra e cair fora de onde quer que eles estejam
ficando.
— Concordo. Mas nunca se sabe o que se pode aprender quando se aperta os botões certos.
— Mantenha Tohr longe dele.
— Entendido. – V olhou para Tohr de relance novamente. O irmão estava atrás do grupo e olhando para o corredor onde o estande de tiro ficava. Parecia estranho pensar
em ter de pôr rédeas no cara ou vigiá-lo, mas assim eram as coisas.
Algumas vezes as emoções eram demais, mesmo para o mais lógico dos lutadores.
Exceto para ele, é claro.
Ele era habilidoso pra caralho.
— Então Assail está dois quartos descendo o corredor. – Disse V. — Se você estiver pronto para falar com ele.
—Leve-me ali, V.
Mais uma vez, normalmente teria sido Tohr cumprindo o dever, mas V deu um passo mais perto e cutucou o Rei adiante, deixando os Irmãos reassumirem várias posições
e sentarem enquanto esperavam Rhage acordar.
Depois deles estarem a alguma distância, o Rei disse baixinho:
— Então, o que você sabe sobre Rhage e seu pequeno torneio de tiro prematuro.
Quando V amaldiçoou, Wrath sacudiu a cabeça.
— Conte-me. E não finja que não sabe de porra nenhuma. Você foi o último a falar com ele.
Vishous considerou manter a merda por baixo dos panos, mas no final, mentir para Wrath não era interesse de ninguém.
— Eu previ a morte dele e tentei fazê-lo deixar o campo. Ele não saiu e... Aí está.
— Ele foi lá fora. Sabendo que ia morrer.
— Sim.
— Droga. – Depois que Wrath soltou alguns palavrões com a letra F, ele mudou para outro assunto feliz. — Também ouvi dizer que você teve um visitante. Quando voltou
para o campus.
— O Ômega. – Cara, ele não gostava nem de dizer esse nome. Mas como gostaria de falar sobre o desejo de morrer de Rhage? — Sim, o irmão da minha mãe cuidou da limpeza.
Se o seu dia de trabalho como sendo a fonte de todo o mal no mundo não funcionar, ele tem uma segunda carreira como zelador esperando por ele.
— Algum problema?
— Ele nem sequer sabia que estávamos ali.
— Graças a Deus. – Wrath olhou de relance, apesar de não poder ver. — Falou com sua mãe ultimamente?
— Não. Não. De modo nenhum.
— Pedi uma audiência. Ela não me reconheceu.
— Não posso ajudá-lo. Desculpe.
— Vou lá em cima sem ser convidado se eu tiver que fazer.
V parou na porta do quarto de recuperação do Assail, mas não abriu.
— Pelo que exatamente você está procurando por ela?
— Quero saber se ela ainda está ali em cima. – O rosto cruel e aristocrático de Wrath ficou esticado. — Ir contra assassinos é uma coisa, mas vamos precisar de um
parceiro com sério poder para enfrentar o Ômega de cabeça erguida, e não vou me enganar. Nós acabamos de derrubar noventa por cento do que ele tem em cima da terra.
Ele vai responder, e nós não vamos gostar seja o que for.
— Foda-me. – V murmurou.
— É mais como “nós”, meu irmão.
— É. Isso também. – V deu outra tragada para se recompor. — Mas você sabe, se quer que eu fale com ela ou...
— Espero que não seja necessário.
Somos dois, amigo, V pensou.
Diante de seus problemas com a mãe que o deixou mais mal-humorado do que normalmente era, ele bateu na porta.
— Está decente, filho da puta? – Ele empurrou a porta, sem esperar permissão. — Como estamos, babacas?
Bem, bem, bem, pensou quando viu Assail sentado de pernas cruzadas sobre a cama de hospital. Desintoxicação demais?
O macho estava suando como se fosse um frango assando para o jantar debaixo de uma lâmpada quente, mas também tremendo como se a parte inferior do seu corpo estivesse
em uma banheira de gelo. Havia círculos da cor de óleo de motor debaixo de seus olhos, e suas mãos continuavam indo do rosto aos braços, escovando algum tipo de
fiapo ou fios de cabelo perdidos que não existiam.
— A q-q-que devo esta h-h-honra?
As narinas de Wrath alargaram quando o Rei testou o aroma no ar.
— Você tem um problema enorme com o vício, hein?
— P-p-perdão?
— Você me ouviu.
V olhou os primos gêmeos no canto e encontrou-os com as costas retas e imóveis como um par de canhões. E quase tão quentes e distorcidos.
Só pra constar, eles meio que não o irritavam.
— Que p-p-p-posso fazer por você? – Assail perguntou entre contrações musculares.
— Quero agradecer por trabalhar conosco ontem à noite. – o Rei disse com voz arrastada. — Entendo que seus ferimentos estão todos costurados.
— S-s-sim...
— Oh, pelo amor de Deus! – Wrath deu uma olhada para V. — Tem como conseguir pra este filho da puta sua droga de escolha? Não posso falar com ele se está todo viciado
por seu pecado. É como tentar fazer alguém se concentrar tendo um ataque epiléptico.
— Procurando por isso? – V ergueu um frasco cheio de pó e inclinou a coisa de um lado pro outro, como um pêndulo de relógio. — Mmm?
Foi patético o modo como os olhos do fodido travaram e esbugalharam. Mas V sabia como era – como você precisava de cada queimadura que você não queria, como isso
se tornava tudo em que podia pensar, como você murchava se não tivesse.
Graças a Deus por Jane. Sem ela estaria caminhando nesse caminho de consumir e ainda estar sempre vazio.
— E ele nem mesmo nega o quanto precisa disso. – V murmurou enquanto se aproximava da cama.
Nossa, enquanto o pobre coitado estendia a mão, estava claro que as mãos de Assail tremiam muito, mal dava para agarrar qualquer coisa.
— Permita-me, filho da puta.
Desenroscando a tampa preta, V virou a garrafinha marrom e fez uma linha no interior do seu próprio antebraço.
Assail tomou essa merda como um motorista de empilhadeira, aspirando metade em uma narina, metade na outra. Em seguida, caiu para trás na cama de hospital como se
tivesse uma perna quebrada e a morfina gotejando finalmente estivesse fazendo efeito. E sim, do ponto de vista clínico, era triste comentar o estado do FDP que um
estimulante como a cocaína o derrubasse.
Mas isso era o vício pra você. Nada de bom senso.
— Agora, quer tentar novamente? – V murmurou enquanto lambia seu braço até limpar e saboreava a amargura. O zumbido não era ruim também.
Assail esfregou o rosto e então deixou os braços o caírem para os lados. — O quê?
Wrath sorriu sem qualquer calor, revelando suas presas enormes.
— Quero saber quais são seus planos de negócios.
— Por que isso é da sua conta? – A voz de Assail era esganiçada, como se ele estivesse exausto. — Ou você decidiu que uma ditadura, mais do que uma democracia, combina
mais com sua personalidade...
— Cuidado com seu tom de merda. – V disse bruscamente.
Wrath continuou como se não tivesse sido interrompido.
— Seu histórico é questionável, na melhor das hipóteses. Apesar de uma tendência mais recente pra lealdade, você parece estar sempre na periferia dos meus inimigos,
seja o Bando dos Bastardos ou a Sociedade Lesser. E da última vez que chequei, estava encabeçando um cartel de drogas, algo que não pode ser feito com uma mera equipe
de dois, por mais capazes que seus capangas possam ser. Então me encontro querendo saber para onde você está indo com seus intermediários agora que os assassinos
com quem esteve trabalhando estão fora do mercado negro.
Assail tirou seus cabelos negros da testa e segurou-os no lugar como se esperasse que isso ajudasse seu cérebro a funcionar.
V preparou-se para uma mentira.
Só que então o homem disse numa voz curiosamente morta.
— Eu não sei. Na verdade... Não sei o que devo fazer.
— Você fala sem falsidade. – Wrath inclinou a cabeça conforme exalava. — E como seu Rei, tenho uma sugestão para você.
— Ou seria um comando. – Assail murmurou.
—Tome como quiser. V As sobrancelhas de Wrath desapareceram sob as bordas dos seus óculos escuros. — Leve em conta que eu posso matá-lo ou deixá-lo ir deste lugar
por capricho.
— Existem leis contra assassinato.
— Às vezes. – O Rei sorriu novamente com aquelas presas. — De qualquer maneira, quero a sua ajuda, e você vai me dar. De uma forma ou de outra.
Capítulo DEZESSEIS
No meio do caminho para o Lugar Seguro, Mary achou que acabaria precisando de uma cirurgia de joelho.
Ao pegar a saída da Northway, ela cerrou os dentes e arranhou a marcha dura como pedra do GTO vintage reformado, roxo brilhante de seu marido – também conhecido
como seu orgulho e alegria. A luz da vida dele antes dela. A coisa mais valiosa que ele tinha desde que deu a ela seu Rolex de ouro Presidential.
O carro monstruoso começou a fazer um ruído de engasgo e então soltou um padrão grave de explosões, seguidas por guinchadas agudas quando empurrou o câmbio para
a frente de volta à posição certa.
— Terceira? Terceira... Eu preciso, não, segunda? Definitivamente não a primeira.
Ela descobriu do jeito mais difícil, ao parar na base da colina da mansão e quase bater com os dentes da frente no volante, devido ao solavanco e pulo que o carro
deu.
— Oh, Sra Volvo, sinto tanto sua falta...
Quando saiu da mansão, tinha percebido que o utilitário não estava no pátio com os outros veículos da Irmandade. Mas ao invés de perder tempo tentando descobrir
onde estaria, pegou as chaves do Rhage pensando “qual seria a dificuldade de guiar este carro na cidade?”. Ela sabia como dirigir um carro com câmbio manual.
Tudo ia ficar bem.
É claro que nem imaginou que a embreagem seria dura como uma parede de tijolos, dificultando cada vez que tinha de mudar de marcha. Ou que as engrenagens seriam
tão calibradas que, caso não se acelerasse no momento certo, todos aqueles cavalos sob o capô enlouqueciam.
O lado bom? Ao menos brigar com a transmissão lhe dava algo além da ansiedade sobre Bitty com que se preocupar, enquanto dirigia para o Lugar Seguro.
Além disto, Fritz era um mecânico tão bom quanto mordomo.
Quando finalmente chegou, estacionou na entrada da garagem, saiu e cambaleou no escuro por um minuto, movendo a perna esquerda em movimentos circulares até sentir
algo estalar e subitamente não se sentir mais como um flamingo.
Praguejando, foi até a porta na garagem, digitou uma senha e entrou. Quando as luzes com sensores acenderam, ergueu a mão para proteger os olhos, mas não se preocupou
em nada. As duas baias estavam vazias, exceto por equipamentos de aparar grama e algumas marcas antigas de óleo no concreto. Subiu três degraus para chegar à porta
da cozinha, então digitou uma senha e esperou que as trancas começassem sua sequência de liberação. Também se virou e apresentou seu rosto para reconhecimento.
Momentos depois estava no vestíbulo, tirando o casaco e pendurando-o junto com a bolsa na fileira de ganchos que ficavam acima de um banco. A cozinha nova nos fundos
funcionava a todo vapor, pilhas de panquecas sendo feitas no fogão, frutas sendo cortadas nos balcões, tigelas e pratos sendo arrumados na grande mesa.
— Mary!
— Ei, Mary!
— Oi, Sra. Luce!
Respirando fundo retribuiu as saudações, aproximando-se para dar um abraço aqui outro ali, colocar a mão sobre um ombro, cumprimentar uma fêmea e retribuir um sinal
de “toca aqui” com um garoto. Havia três membros da equipe de serviço e ela os cumprimentou.
— Onde está Rhym? – Perguntou.
— Está lá em cima com a Bitty. – Disse suavemente a de cabelos cacheados.
— Estou indo para lá.
— Precisa de ajuda?
— Tenho certeza que vou precisar, – Mary meneou a cabeça. — Odeio que isto tenha acontecido a ela.
— Nós também.
Indo pra frente da casa, contornou a base da escada e subiu de dois em dois degraus. Nem se incomodou em parar para ver se Marissa estava. Era provável, dada a extensão
do ataque, que a diretora do Lugar Seguro estivesse curtindo umas horinhas de folga com seu hellren.
Estar vinculada a um Irmão não era pros fracos.
No terceiro andar, encontrou Rhym dormindo em uma poltrona acolchoada que foi puxada para perto da porta de Bitty. Com o ruído do assoalho, a outra assistente social
despertou.
— Oh, ei. – A fêmea disse ao se endireitar e esfregar os olhos. — Que horas são?
Rhym sempre lembrara a Mary de si mesma em certo grau. Ela era o tipo de fêmea que talvez não chamasse atenção imediata em um lugar, mas nunca deixava de estar lá
quando se precisava dela. Era mais alta do que baixa, um pouco magra. Nunca usava maquiagem. Geralmente prendia o cabelo para trás. Nenhum macho que se soubesse.
Sua vida era o trabalho ali.
— Seis e meia. – Mary olhou para a porta fechada. — Como foi durante o dia?
Rhym só meneou a cabeça.
— Ela não quer falar sobre nada. Só guardou as roupas em uma mala, pegou sua boneca e o velho tigre de pelúcia e sentou-se na cama. Finalmente vim para cá, pois
pensei que ela estava ficando acordada por minha causa.
— Acho que vou ver como ela está.
— Por favor. – Rhym esticou os braços e estalou as costas. — E se não tiver problema, vou para casa dormir um pouco, tudo bem?
— Absolutamente. Eu assumo daqui. E obrigado por cuidar dela.
— Já está escuro o bastante para eu sair daqui?
Mary olhou para as persianas que ainda estavam descidas por causa da luz do dia — Acho... – Como se combinado, os painéis de aço que protegiam o interior da luz
do sol começaram a subir — Ta.
Rhymm levantou-se e passou os dedos pelos cabelos louros acastanhados.
— Se precisar de qualquer coisa, se ela precisar de alguma coisa, ligue e volto imediatamente. Ela é uma garotinha especial, e eu só... Quero ajudar.
— Está bem... E novamente, obrigada.
Quando a outra fêmea começou a descer a escada, Mary falou.
— Uma pergunta.
— Sim?
Mary fitou a janela circular no final do corredor, tentando encontrar as palavras certas.
— Ela... Digo, ela disse alguma coisa sobre a mãe? Ou sobre o que aconteceu na clínica?
Tipo algo como Minha terapeuta fez eu me sentir como se tivesse matado minha mãe?
— Nada. A única coisa que disse foi que partiria assim que pudesse. Não tive coragem de dizer que não havia lugar algum para ela ir. Pareceu muito cruel. Cedo demais.
— Então ela falou sobre o tio.
Rhym franziu o cenho.
— Tio? Não, não mencionou nada assim. Ela tem um tio?
Mary olhou de volta para porta fechada.
— Transferência.
— Ah. – A assistente social praguejou baixinho. — Estas vão ser noites e dias longos para ela. Longas semanas e meses também. Mas estaremos todos ao lado dela. Ela
vai ficar bem se conseguirmos fazê-la atravessar este período sem se despedaçar.
— É. Isto é verdade.
Com um aceno, a fêmea desceu os degraus e Mary esperou até os sons de seus passos desaparecerem, caso Bitty só estivesse levemente adormecida.
Inclinando-se para a porta, colou a orelha na madeira fria. Ao não ouvir nada, bateu de levinho, então abriu.
A pequena lâmpada rosa e branca na mesinha do canto lançava um brilho no quarto escuro, e a forma diminuta de Bitty era banhada pela luz suave. A garota estava deitada
de lado virada para a parede, obviamente caiu no sono profundo em algum ponto. Ela usava as mesmas roupas de antes e tinha mesmo guardado as roupas restantes na
mala surrada – e as da mãe. As duas maletas, uma menor e da cor de uma mancha de grama, a outra maior, de uma cor alaranjada estilo Cheetos, estavam alinhadas juntas
na base da cama.
A boneca e a escova estavam no chão à frente delas, junto com aquele tigre de pelúcia que ela não largava.
Com as mãos nos quadris, Mary abaixou a cabeça. Por algum motivo, o impacto do silêncio do quarto, sua humildade e as cortinas e roupas de cama levemente puídas,
seu tapete gasto e móveis que não combinavam, atingiu-a como golpes.
A esterilidade, a impessoalidade, a falta de... Família, na falta de outra palavra, fazia querer aumentar o termostato. Como se um pouco mais de calor vindo dos
dutos no teto pudesse transformar o lugar em um quarto de garotinha mais apropriado.
Mas vamos lá, os problemas que tinham à frente teriam que ser resolvidos por muito mais do que somente um sistema de aquecimento funcional.
Aproximando-se na ponta dos pés da cama que a mãe de Bitty ocupara, pareceu adequado retirar a colcha de retalhos daquele colchão para cobrir a garotinha. Com cuidado,
Mary a cobriu sem perturbar o sono que era tão necessário.
E então ficou observando-a.
E lembrou-se de seu próprio passado. Depois de seu câncer dar o ar da graça, lembrava-se com muita clareza de pensar que estava farta de tudo aquilo. Sua mãe tinha
morrido cedo e de forma horrível, com muito sofrimento. E então ela mesma foi diagnosticada com leucemia e teve de atravessar um ano desgraçado tentando tratar a
doença até a remissão. Tudo aquilo foi muito injusto.
Como se todo o sofrimento da mãe devesse ter qualificado Mary para jamais passar por quaisquer tragédias adicionais.
Agora, enquanto observava a garota, sentia-se positivamente indignada.
É, sabia que a vida era difícil, porra. Ela aprendeu esta lição muito bem. Mas pelo menos teve uma infância marcada por todas as coisas tradicionalmente boas que
você queria ser capaz de olhar para trás e lembrar quando estivesse velho. Sim, seu pai também morreu cedo, mas ela e a mãe tiveram Natais, aniversários, formaturas
do jardim de infância, primário e colegial. Comiam peru no dia de Ação de Graças e tinham roupas novas a cada ano, e boas noites de sono, onde a única preocupação
que podia manter alguém acordado seria em relação a uma nota escolar, ou no caso da mãe, se haveria dinheiro suficiente para duas semanas de férias de verão no Lago
George ou só uma.
Bitty não teve absolutamente nada daquilo.
Nem ela, nem Annalye jamais expuseram os detalhes, mas não era difícil adivinhar o tipo de violência a que ambas foram submetidas. Pelo amor de Deus, foi necessário
um implante de pinos de aço cirúrgico na perna de Bitty.
E como isso tudo tinha terminado?
A garotinha tinha acabado aqui sozinha.
Se o destino tivesse alguma consciência, Annalye não teria morrido.
Mas pelo menos o Lugar Seguro interviu bem a tempo. A ideia de que não tivessem conseguido ajuda para Bitty quando mais precisava?
Era suficiente para fazer Mary sentir-se doente.
Rhage acordou atabalhoadamente, como se um despertador tivesse tocado perto de sua cabeça. Erguendo o torso da cama de hospital, olhou ao redor em pânico.
Só que, tão rápido quanto a ansiedade chegou, ela se foi, a noção de que Mary só foi para o Lugar Seguro o acalmou tanto, que foi como se ela tivesse falado as palavras
em seu ouvido. E achava que ela tinha mesmo. Já fazia um tempinho que eles usavam a besta como uma espécie de mural de recados quando Rhage estava inconsciente.
Funcionava – e não tinham de se preocupar em ter uma caneta à mão.
Mas ainda assim, sentia falta dela. Ainda preocupado com seu próprio estado mental. Mas aquela garotinha...
Jogando as pernas para o lado, piscou algumas vezes e sim, continuava cego mesmo depois do levantamento de pálpebras. Tanto faz. Sentia-se forte e firme – fisicamente
– e contanto que pegasse leve conseguiria chegar ao chuveiro perfeitamente bem.
Vinte minutos depois, saiu do banheiro totalmente nu e cheirando como uma flor. Incrível a diferença que pouco de xampu e sabonete faziam na vida de um cara. Uma
boa escovada de dentes também. Próxima parada? Comida. Depois que a besta saía e ele passava pela sua ressaca, ficava sempre tão faminto que suas entranhas pareciam
ocas – e a melhor coisa que podia fazer era enfiar um pouco de carboidratos de pouca fibra para elas processarem.
Doze baguetes francesas. Quatro pacotes de bagels. Três quilos de macarrão.
Este tipo de coisa.
Saindo para o corredor, ele se perguntou quanto tempo levaria para encontrar o caminho para...
— Caralho, finalmente...
— Podia ter se enrolado numa toalha...
— Fritz te trouxe roupas...
— Está de volta, seu filho da puta...
Todos os irmãos estavam lá, seus cheiros e vozes, seus risos aliviados, seus xingamentos e piadinhas, exatamente o remédio que precisava. E quando eles o abraçaram
e deram tapinhas no traseiro pelado, teve de segurar a emoção.
Ele já estava pelado. #VunerabilidadeTotalMuitoObrigado.
Deus, no meio de toda aquela reeeeeeeeuniãããããão e que era tããããããããão booooooooooooa, era impossível não ser atingido por outra carga de vergonha pelo seu egoísmo
e pelo risco a que expôs Mary e aos irmãos.
E então a voz de V soou diretamente à sua frente.
— Você está bem? – O irmão perguntou em voz rouca. — Já se sente normal?
— É. Tudo está funcionando direito, exceto minha visão, – Sinto muito também. E estou com medo. — Sabe, só um pouco cansado...
POFT!
O golpe no queixo veio do nada, atingindo-o tão forte que sua cabeça bateu para trás e quase voou de sua espinha.
— Que caralho! – Rhage proferiu abruptamente enquanto esfregava o maxilar. — O que...
— Isto foi por não me ouvir, caralho!
Crack!
O segundo golpe veio da direção oposta, o que foi uma coisa boa – o inchaço seria bilateral, então seu rosto não iria parecer tão fodido.
— E isto foi por atacar antes do combinado e foder nossa estratégia toda.
Ao conseguir nivelar seu cérebro pela segunda vez, Rhage segurava o maxilar com ambas as mãos. Pois havia uma possibilidade de que a parte inferior de seu crânio
despencasse.
O lado bom foi que o golpe duplo clareou um pouco sua visão, a cegueira retrocedeu o suficiente para poder enxergar as manchas embaçadas dos corpos e roupas de seus
irmãos.
— A gente podia ter converssssado sssssobre isssssto, – Reclamou Rhage. — Ótimo, essstou falando como se tivesse um ovo na boca.
— E qual a graça nisto? – V o agarrou e abraçou com força. — Agora, nunca mais faça uma porra dessa.
Rhage esperou pelos outros começarem a fazer perguntas. Quando ninguém o fez, imaginou que V já tinha contado a eles sobre a coisa da visão. A menos... Bem, todo
mundo parecia tê-lo visto correr adiantadamente para aquele campo e aquele tipo de merda era mais do que motivo para uma surra.
— Esssstou enxergando agora. – Disse ele.
— Pode me agradecer mais tarde.
Houve uma porção de conversa naquela hora – que o levou a descobrir que tinham Xcor sob custódia.
— Tohr já matou o fodido? – Perguntou.
— Não. – Todo mundo respondeu ao mesmo tempo.
Então houve uma história sobre o Ômega aparecer para uma faxina no campus e V salvando o dia criando um mhis.
— Eu posso ajudar no turno, – Disse Rhage. — Digo, vigiar o bastardo.
— Mais tarde, – V exalou um pouco de fumaça turca. — Você precisa se recuperar, depois a gente te encaixa.
Com isto, o grupo dispersou, alguns foram para a mansão, outros para a sala de treinamento. Rhage foi junto com os que pegaram o túnel para a casa principal, mas
enquanto os Irmãos iam para a cama, ele atravessou a sala de jantar até a cozinha da mansão.
Deus, queria que sua Mary estivesse com ele.
O lado bom era que não havia nenhum doggen por perto, a Primeira Refeição não foi servida graças ao número de ferimentos que aconteceram durante o ataque juntamente
com todo o drama do que aconteceu com ele. A equipe de serviçais estava, sem dúvida, tendo um raro momento de descanso antes de voltarem à limpeza e arrumação, e
ficava aliviado de não incomodar ninguém.
No entanto, ao perambular pelo local sagrado de Fritz, sentiu como se devesse fazer uma concessão ou algo assim, para não arrumar encrenca com o mordomo. E assim,
decidiu não cozinhar. Comeria o que já estivesse pronto e que não dependesse do fogão ou da despensa.
Ele já tinha levado dois murros e a noite mal tinha começado.
Mas primeiro, roupas. Esteve cego demais no banheiro para poder enxergar qualquer coisa que tivesse sido deixada para ele, então foi até a lavanderia atrás da despensa,
usando sua visão um pouco embaçada para localizar umas calças folgadas e um moletom enorme com o logo do American Horror Story estampado. Então era hora de resolver
o assunto comida.
Avaliando o estoque de pães, começou a diminuí-lo separando pacotes de bagels e baguetes no balcão – mas então pensou, foda-se. Tateando por baixo da gaveta, arrancou-a
dos rodízios e carregou a coisa toda para a mesa de carvalho. O passo dois era voltar para a geladeira, pegar meio quilo de manteiga sem sal e um pacote de cream
cheese e pegar a torradeira, puxando-a até o fio desencaixar da tomada.
Uma faca serrilhada e uma tábua de corte mais tarde, junto com a cafeteira, o pote de açúcar e uma caixa pequena de creme, ele se pôs ao trabalho. Enquanto o café
coava começou a fatiar, fazendo montanhas de metades amanteigadas à direita. Os bagels foram alinhados como linha de produção, para poder processá-los pela torradeira
e então besuntá-los de cream cheese.
Provavelmente deveria pegar um prato. E pelo menos outra faca, mas a lâmina maior ia ser eficiente para espalhar.
Quando o café ficou pronto, tirou a jarra, jogou o pote todo de açúcar e juntou o máximo de creme que coube. Então tomou um gole para provar.
Perfeito.
Ele colocou a coisa de volta no aquecedor e começou sistematicamente a batalhar com os bagels – pois, ei, aquilo era o mais perto de uma Primeira Refeição, certo?
Em seguida veio as baguetes, por que aquilo era o mais próximo de uma refeição que suas opções permitiam. A sobremesa seria um bolo de café com nozes. Ou dois.
Enquanto mastigava, seus dentes pareciam um pouco frouxos graças ao murro de V, mas não era grande coisa. E de vez em quando, empurrava as coisas abaixo com goles
de café direto da jarra.
Duas mil calorias depois, a realidade do quão sozinho estava o atingiu.
Mas também, o cômodo poderia estar cheio de irmãos e sentiria o mesmo.
Pior, achava que mesmo a presença de sua Mary não poderia ter consertado este isolamento dentro dele.
Sentado lá, enchendo seu estômago e ainda assim incapaz de fazer qualquer coisa com o vazio que realmente contava, ele pensou que teria sido muito mais fácil se
tivesse sequer uma indicação de qual realmente era o seu problema...
A distância, na sala de jantar, um som apressado ecoou.
Era uma porção de passos, como se alguém corresse.
Que inferno? Ele pensou se levantando da cadeira.
Capítulo DEZESSETE
Havia uma porção de cálculos a serem feitos quando se tinha um vício.
Ao sentar-se atrás da escrivaninha de mansão de vidro, Assail abriu a grande gaveta estreita, próxima às suas coxas, e tirou três vidrinhos idênticos ao que o Irmão
Vishous tinha esvaziado no próprio antebraço, lá no complexo subterrâneo da Irmandade.
Cálculo, cálculo, cálculo... A maior parte, multiplicação. Tipo, pela quantidade de cocaína que tinha, quanto tempo conseguiria manter o vício aplacado? Quatorze
horas? Quinze?
Ele abriu um dos frasquinhos marrons e derramou o conteúdo de pó branco em cima do mata-borrão de couro. Usando um cartão de crédito Centurion, da American Express,
esticou duas fileiras, inclinou-se sobre elas e cuidou do seu problema. Então, recostou-se de novo na cadeira e fungou algumas vezes.
Sério, odiava sentir o nariz constantemente escorrendo. A queimação em suas vias nasais. O gosto amargo que florescia em sua boca. E, mais especialmente, detestava
o fato de que já nem mais ficava chapado. Apenas experimentava uma ascensão temporária na horrível montanha russa na qual tinha se metido, uma espécie de trégua,
inevitavelmente seguida por um acidente em alta velocidade – e então, se não tomasse outra dose, os arranhões e apertos implacáveis da fissura.
Fitando os resquícios dos dois vidrinhos, achou difícil acreditar que tinha chegado àquele padrão. O deslize e a queda tinham sido tanto coisa de momento quanto
uma tragédia em câmera lenta. Ele inicialmente tinha começado por se acostumar à sensação de estar alerta, mas o que tinha começado como um hábito de praticidade
agora o escravizava, tal qual um mestre tinha domínio sobre um serviçal no Antigo Continente.
Caramba, não fora essa sua intenção.
Ultimamente, ele fazia várias coisas sem intenção.
Estendendo o braço, despertou seu notebook com um toque no touchpad, logou usando uma mão, embora sua senha contivesse letras maiúsculas, e acessou, via canais criptografados,
suas contas estrangeiras. A maior delas ficava em Genebra.
Ele tinha várias outras.
Tantos dígitos e vírgulas antes das casas decimais em jogo. E olhando para os dados na tela, contemplou exatamente quanto dinheiro era preciso – mesmo assumindo
que, como um vampiro, viveria dez vezes mais do que a média humana ou até mais.
Desde que seu pequeno hábito não apressasse sua ida ao Fade.
Ou no seu caso, mais provavelmente ao Dhund.
Claro que tinha o suficiente para qualquer padrão prático, mesmo à luz da crise financeira mundial... Então realmente precisava continuar traficando drogas? Por
outro lado, com a velocidade em que vinha cheirando pó, era perigoso se tornar seu maior e melhor consumidor.
Preciso de sua ajuda com a Glymera.
Enquanto considerava a proposta de Wrath, teve de se perguntar o quanto aquilo que o Rei queria fazer seria melhor ou pior do que ganhar dinheiro às custas de humanos
e sua necessidade de complementos químicos. O esforço real era algo para passar o tempo, certamente. E se não iria mais traficar drogas, precisaria passar as horas
noturnas de algum jeito.
Ou então ficaria louco.
Principalmente por sentir tanta falta daquela fêmea dele. Que, de fato, nunca foi dele.
— Marisol. – Sussurrou para a sala vazia.
Por que infernos nunca tinha tirado uma foto dela? Quando ela tinha ficado aqui, nesta mesma casa, enquanto a protegia com a própria vida, por que não tinha pegado
seu celular, apontado na direção dela e tirado uma foto? Um simples momento do tempo, uma fração de segundo, que era só o que era preciso. Mas não, não tinha feito
tal coisa, e agora aqui estava ele, do outro lado da separação sem nada dela, exceto o que havia em sua mente.
Era como se ela tivesse morrido. Só que ainda existia.
De fato, ela agora estava na Flórida, onde o oceano lambia a areia doce e as noites eram um mistério cálido, mesmo na porra do mês de outubro.
Sabia exatamente onde estava, precisamente onde ficava – por que a tinha rastreado até lá. Certificando-se que tinha chegado a seu destino a salvo com a avó. Espiara
as duas das sombras da maneira pais patética possível.
Mas tinha honrado o pedido dela. Tinha deixado-a ir. Libertara-a dele e do estilo de vida marginal que ambos levavam.
Ladrões e traficantes não podiam coexistir.
Uma humana que queria ficar do lado certo da lei e um vampiro viciado que não conseguia.
Com um gemido, pôs o rosto entre as mãos e tornou a lembrar dela. Sim, oh, sim, conseguia se lembrar com certa clareza de seus cabelos escuros e seu corpo ágil,
sua pele e olhos escuros. Mas com o passar do tempo... Ele se preocupava de que pudesse vir a se esquecer de certas nuances no começo, e então cada vez detalhes
maiores e mais significativos.
E a perda daquilo seria uma morte lenta, mesmo que permanecesse respirando.
— Chega. – Murmurou ao abaixar os braços e se recostar.
Voltando a se concentrar em si mesmo, pensou no que o Rei queria que fizesse. Podia ser uma mudança de ramo, com certeza. Mas já tinha dinheiro suficiente. Tempo
suficiente. E achar outra rede de contatos de traficantes intermediários para distribuir seu produto nas ruas de Caldwell e Manhattan subitamente parecia trabalhoso
demais.
Além disto... Depois de lutar lado a lado com a Irmandade? Ele se viu cheio de respeito por aqueles machos. Cheio de respeito pelo líder deles também.
Era uma grande mudança para um apartidário convicto – meio que como um ateu considerando a existência de Deus depois de uma experiência próxima da morte.
Mais, ele devia a Vishous sua vida; disso tinha certeza. Por menos valor que sua existência tivesse, não estaria sentado nesta cadeira, nesta mansão de vidro junto
ao Rio Hudson alimentando seu vício de cocaína, se aquele Irmão não o tivesse jogado por cima do ombro e corrido pra diabo.
Duas vezes.
Oh, aquela Besta. Se não tivesse visto, jamais acreditaria na sua existência.
Assail empurrou a cadeira com o pé de forma a poder espiar pela janela para além do rio. Um apito sutil soou do canto da sala onde um antigo relógio francês ficava.
Ao fundo, na parte dos fundos da casa, ele podia ouvir os primos se movendo pela cozinha.
Quando decidiu usar o celular, tudo o que teve de fazer foi buscar no bolso de sua jaqueta de couro despedaçada. Tinha se esquecido de remover a roupa arruinada
mesmo que sua casa estivesse bem aquecida contra a noite fria de outubro.
Mas também, ao chegar em casa, sua única preocupação foi ficar logo a sós para poder resolver seu probleminha.
Não conseguia cheirar suas carreiras na frente dos primos. Não que tivesse qualquer intenção de alterar seu comportamento por causa do julgamento de outra pessoa.
Selecionando um número de seus contatos, hesitou antes de iniciar a chamada. Com o polegar pairando sobre a tela, tornou-se agudamente ciente de que se fosse adiante
com isto, ele se tornaria algo que sempre desprezara.
Um agente do Rei.
Ou, mais especificamente... Um agente a mando de outro.
Com um estranho sentimento de temor, cedeu ao impulso e levou o aparelho ao ouvido, ouvindo-o tocar. No final, decidiu atender ao pedido de Wrath pela simples razão
de que parecia a única coisa boa que poderia fazer consigo mesmo.
Uma coisa certa.
Uma coisa positiva.
Estava começando a sentir como se já fosse hora. E talvez estivesse pegando uma página do livro de Marisol por que era a única maneira que o faria sentir-se próximo
a ela agora.
Chega de tráfico de drogas para ele.
Embora o que estava a ponto de fazer bem poderia se provar tão perigoso quanto. Mas, pelo menos, não ficaria entediado.
— Alô querida, – Disse quando a chamada foi atendida por uma fêmea. — Sim, preciso mesmo me alimentar, obrigado. Esta noite seria preferível, sim. E também senti
sua falta. De fato, muito mesmo. – Ele a deixou falar um pouquinho até ter certeza de que ela tinha engolido sua mentira, e inteira. — Na verdade, na sua casa, por
favor. Não, o chalé não está à altura de um macho como eu. Eu até abria mão de início em respeito à presença de seu hellren, mas agora que ele está acamado, não
estou mais disposto a fazer concessões. Espero que compreenda.
Houve uma longa pausa, mas sabia que ela cederia.
— Obrigado, nalla. – Falou calmamente. — Eu te vejo em breve... Oh, use algo vermelho. Sem calcinha. É só.
Ele desligou por que ela era uma fêmea que exigia trabalho em se capturar sua atenção. Tranquilo demais? Charmoso demais? Ela logo perderia o interesse, e isto não
poderia acontecer até obter todas as informações que precisava dela.
Sua próxima ligação foi para o Irmão Vishous. Quando o macho atendeu, Assail só falou duas palavras antes de desligar de novo.
— Estou dentro.
— Claaaaaro, eu fico até tarde. Sem problema. Não é como se tivesse algo melhor pra fazer.
Jo Early estava sentada atrás de sua mesa da recepção com o resto da imobiliária vazia, nada além de uma mixórdia de perfumes e a deprimente música de elevador soando
acima para lhe fazer companhia. Bem, isto e as porras dos arbustos de fícus de ambos os lados dela.
Aquelas coisas espalhavam suas folhas como se estivessem em constante derretimento – e seu TOC simplesmente não permitia que relaxasse a menos que o chão estivesse
limpo. Mas também, ela não tinha de fazer agachamentos na academia.
Não que sequer frequentasse uma academia.
Verificando seu celular, meneou a cabeça. Sete horas.
O plano, o “favor” que estava fazendo para o chefe, era ficar ali até ele trazer três contratos assinados para ela poder digitalizar e enviá-los por e-mail para
os vários corretores compradores. O porquê dele mesmo não conseguir enfiar os contratos no scanner e criar alguns PDFs era um mistério.
E, está bem, talvez ela também fosse uma parte do problema.
Não que tivesse orgulho em admitir.
Erguendo o olhar por cima da beira do tampo da mesa, fitou as portas de vidro esfumaçado que abriam para o exterior. O escritório ficava localizado em uma galeria,
entre lojas, que contavam com um salão de cabeleireiros onde o corte mais barato custava cem pratas – e isto para os cortes masculinos – uma butique que expunha
duas peças de roupas minúsculas em sua vitrine, uma loja de porcelanas e vidrarias que brilhava mesmo em dias cinzentos e, no final dela, uma joalheira que as caçadoras
de dotes de Caldwell pareciam aprovar.
A supor pela clientela pneumática do local.
— Vamos lá, Bryant. Vamos lá...
Embora, sério, não tinha nada a fazer. Ir pra casa para Dougie e as discussões sobre o círculo de colheita? Aquilo sim seria divertido.
Quando um telefone tocou na área onde os escritórios ficavam, despertou seu computador e encarou o calendário de Bryant. Ela punha os compromissos dele no Outlook
quando ele enviava uma mensagem de texto ou ligava pedindo a ela para fazer isto. Compromissos válidos como reuniões imobiliárias, mas também a vistoria do BMW dele,
e agendamentos do cara da manutenção da piscina para a casa dele naquele novo empreendimento. Lembretes pra ele ligar para a mãe no aniversário dela e encomendar
flores para as mulheres com quem saía.
O tempo todo se perguntando o que ele pensaria se soubesse quem eram seus pais.
Aquele segredinho era o que a reconfortava quando ele aparecia em uma manhã de segunda-feira e sussurrava que tinha saído com uma divorciada na sexta-feira e uma
personal trainer no sábado, e então almoçou com outra pessoa no domingo.
Sua identidade real era uma armadura que usava para lutar contra ele. Em uma guerra que ele sequer estava completamente inconsciente de estarem lutando.
Fechando a agenda dele, encarou o logotipo na tela. O último nome de Bryant, Drumm, era o segundo na linha – por que a firma foi fundada pelo seu pai. Quando o homem
morreu há quase dois anos, Bryant assumiu a posição dele do mesmo jeito que fazia tudo o mais em sua vida – sorrindo e com charme. E ei, aquela não era uma estratégia
ruim. Diga o que quiser sobre o estilo de vida playboy do cara, mas ele sabia negociar uma tonelada de imóveis e ainda parecer bonito fazendo isto.
Caldwell, a própria estrela da Lista de Milionários de Nova York.
— Vamos lá, Bryant... Cadê você?
Depois de uma nova vistoria de sua mesa já arrumada duas vezes, verificou o chão debaixo do fícus à direita, pegou uma folha e a jogou fora, sentou-se de novo e...
Que inferno, acessou o YouTube.
Dougie tinha postado aquela gravação estúpida em seu canal – um puta canal com o grande total de vinte e nove inscritos. Dos quais, tipo, quatro eram o próprio Dougie
em diferentes perfis fakes e dois eram spammers com baixos padrões. Quando clicou na seta para assistir de novo ao vídeo de quarenta e dois segundos, ligou as caixas
de som. Os efeitos sonoros eram de amadores a médios, uma combinação de uns sons de farfalhar muito altos enquanto seu companheiro de casa segurava o iPhone erguido,
e então um distante, e não tão silencioso, rugido.
Está bem, então sim, certamente aquilo parecia algo Dinossáurico no meio daquele campo. E sim, parecia haver um monte de desordem no chão, mas quem saberia o que
tudo aquilo era. Não passava de uma câmera de celular capturando uma tomada, e talvez fosse só o jeito que a área pisada parecia na lente.
Ela assistiu mais algumas vezes. Então recostou na cadeira.
Havia cinco comentários. Três eram de Dougie e seus colegas. Um era um depoimento de alguém que estava ganhando 1750 dólares trabalhando em casa!!!!$$$!!!! O último
era... Apenas quatro palavras que não faziam muito sentido.
Essa merda de vamp9120 de novo.
Deixado por alguém chamado ghstrydr11.
Franzindo o cenho, começou uma pesquisa virtual e encontrou o canal vamp9120. Uau. Está bem, três mil inscritos e o que parecia ser uma centena de vídeos. Clicando
em um deles, ela...
Gargalhou bem alto.
O cara que falava para a câmera era como um personagem LEGO do Drácula, com uma testa afiada e caninos ainda mais afiados, pelos faciais que pareciam ter sido pintados
ao invés de barbeados, e uma gola “Juro Por Deus, Aquele Deve Ser Elvis” em sua camisa. A pele do cara era branca demais, seu cabelo preto demais, seus lábios vermelhos
saídos de um tubo da MAC. E aquela voz? Parte evangelista, parte neo-vitoriano, quase Bram Stoker.
— Criaturas da noite...
Espere, esta frase não era de um filme?
— ... Vigiando as ruas de Caldwell...
Como se fosse a versão Nova Iorquina de The Walking Dead? Na dúvida, arraste uma perna.
— ... Caçando vítimas...
Está beeeeeeeem, adiante. Descendo a tela com o índice de vídeos, escolheu outro aleatoriamente. E sim, O Verdadeiro Pseudo Vlad de novo encarava a câmera – e desta
vez tinha um olhar bem esfumaçado para completar a caracterização.
— ... Existem! Vampiros existem...
Perguntando-se se o púlpito dele estava coberto com veludo pret... Está bem, uau. Era para ser uma piada, mas conforme as lentes se afastavam, parecia mesmo que
ele estava inclinado em algo que era, de fato, coberto de veludo negro.
Interrompendo o vídeo, desceu para o próximo e disse a si mesma que depois deste chega.
— Oh, ei, Vlad, qual é?
— ... Depoimento sobre um encontro vampírico, – Vlad se virou para um cara sentado perto dele em uma cadeira dobrável de plástico. Que era uma total ambientação.
— Julio? Conte a meus fãs o que aconteceu há duas noites.
Por falar em um pouco de mistureba: Julio era o antivampiro, com uma bandana do Tupac na cabeça, crucifixo no pescoço e tatuagens ao redor da garganta.
Mas seus olhos... Estavam arregalados e frenéticos, fixos em Vlad e depois ao redor.
— Eu tava no centro, sabe, com meus parças, e a gente tava...
A história a seguir começava sem nada de especial, só um maloqueiro com sua gangue atirando em rivais nos becos. Mas então as coisas entraram no rumo da Vampirolândia
com o cara descrevendo como tinha corrido para dentro de um restaurante abandonado – e daí por diante as coisas ficaram estranhas.
Supondo que se acreditasse nele.
— ... cara me jogou no balcão e foi isto, – Julio fez um gesto de presas e garras. — E seus dentes eram todos...
— Iguais aos meus. – Vlad interrompeu.
— Só que os dele eram de verdade. – Okay, Vlad claramente não gostou disto, mas Julio continuou: — E ele tinha um rosto fodido, o lábio superior fodido. E ia me
matar. Ele tinha uma...
Jo assistiu ao resto da entrevista, mesmo a parte onde Vlad empurra Julio do caminho, como se o patamar de compartilhamento do pseudo-Dracula já tivesse sido atingido.
Recostada na cadeira de novo, ela se perguntou exatamente o quão longe iria com isto. E a resposta foi ir para a página do Jornal Caldwell Courier e fazer uma busca
pelo nome do bom e velho Julio. Ahn. Quem diria. Havia um artigo escrito em dezembro passado sobre a atividade de uma gangue na área do centro – e Julio era destaque.
Tinha mesmo uma foto dele encarando de dentro de um camburão, os olhos ostentando aquele mesmo esbugalhar, a boca também arreganhada como se estivesse falando desesperadamente
com o fotógrafo.
Mas nada sobre vampiros.
Subindo a tela de novo, descobriu que o nome no subtítulo era um que ela conhecia.
Na verdade, Bryant tinha conseguido uma casa para o cara e a esposa há cerca de seis meses. Se não estava enganada.
Uma rápida busca no arquivo de clientes e, é, ela estava certa.
— Sinto muito pelo atraso!
Bryant Drumm entrou pela porta de vidro correndo, mas não parecia esbaforido. Seu cabelo escuro estava perfeitamente arrumado, o terno azul acinzentado estava adequadamente
abotoado e os documentos em suas mãos estavam separados em três seções.
Então ele não tinha realmente corrido. Veio em seu próprio ritmo, mesmo que para isto tivesse deixado-a plantada ali.
Ele pôs os cotovelos na mesa e se inclinou, com seu sorriso patenteado.
— Jo, como posso te recompensar?
Ela estendeu a mão.
— Dê-me. E me deixe ir embora.
Bryant colocou os documentos em sua mão, mas então se recusou a soltar quando ela tentou pegá-los.
— O que seria de mim sem você?
Enquanto a olhava fixamente, a concentração dele era fixa e completa – como se nada mais existisse no mundo para ele, como se estivesse tanto cativado por ela quanto
levemente admirado. E para alguém que não tinha muita importância para os pais, que foi posta para adoção pelas pessoas que a geraram, que se sentia perdida no mundo...
Era assim que ele a cativava.
De certa maneira triste que ela não gostava de questionar muito, vivia para estes pequenos momentos. Trabalhava até tarde por eles. Mantinha-se na expectativa de
que voltariam a acontecer...
O telefone dele tocou. E ainda olhava para ela ao atender.
— Alô? Oh, ei.
Jo desviou o olhar, e desta vez quando ela puxou, ele a deixou pegar os contratos. Conhecia aquele tom de voz dele. Era uma de suas mulheres.
— Posso te encontrar agora. – Murmurou ele. — Onde? Mm-hmmm. Não, já jantei... Mas topo uma sobremesa. Mal posso esperar.
Quando ele encerrou a ligação, ela já tinha se virado para o lado e ligado o scanner.
— Obrigado de novo, Jo. Te vejo amanhã?
Jo nem se incomodou em olhar por cima do ombro ao alimentar as páginas uma a uma.
— Estarei aqui.
— Ei.
— O que?
— Jo. – Quando ela se virou para olhá-lo, ele inclinou a cabeça de lado e estreitou o olhar. — Devia usar vermelho com mais frequência. Destaca seu cabelo.
— Obrigada.
Voltando ao scanner, ouviu-o sair e a porta se fechando suavemente. Um momento depois, houve o clarão de um motor potente e ele se foi.
Sabendo que estava sozinha, ergueu a cabeça e olhou para seu reflexo na entrada de vidro. As luzes das lâmpadas superiores refletiam em seu cabelo de um jeito que
seus tons de vermelho e castanho se destacavam mesmo, em contraste com todo aquele preto e cinza ao seu redor.
Por alguma razão, o vazio do escritório... Em sua vida... Pareceu tão alto quanto um grito.


CONTINUA

Capítulo TREZE
Quando Mary acordou, não tinha ideia de que horas eram. Levantando a cabeça do peitoral nu de Rhage, ela olhou em volta e se surpreendeu ao descobrir que os dois
caíram no sono na sala de recuperação e com as luzes acesas acima de suas cabeças.
Droga, não tinha tornado a conectar todas aquelas máquinas. Depois do pequeno interlúdio orgástico de Rhage, ele tinha se recusado a parar de abraçá-la, e ela deve
ter caído no sono de encontro a seu corpo quente e musculoso. Claramente Ehlena tinha chegado a conclusões certas – os monitores por si foram removidos. E sim, seu
hellren ainda estava muito vivo, seu peito subindo e descendo calmamente, e aquele maravilhoso Ba-bump, Ba-bump, Ba-bump de seu coração era um verdadeiro atestado
de sua saúde.
Fechando os olhos, estremeceu quando pensou na ferida da bala, o sangue que ele tinha tossido, aquele horrível...
— Ei, linda.
Assim que ele falou, ela levantou a cabeça. Seus olhos azuis semicerrados a prendiam, queria olhar dentro deles para sempre.
— Oi. – ela sussurrou.
Movendo sua mão para cima, ela acariciou a bochecha dele, sentindo sua barba loira começando a crescer.
— Você precisa se barbear.
— Preciso?
— É sexy, na verdade.
— Então vou jogar fora todos os meus barbeadores. Rápido, me ajude a ir pro nosso banheiro pra eu fazer isso agora.
Ela riu um pouco, então ficou séria.
— Como está sua visão?
— Que visão?
— Continua cego?
Ele soltou um som como hrrumph.
— Como se isso importasse! Você está aqui e eu posso te ouvir perfeitamente. Posso sentir você também. – A grande e larga palma da mão de Rhage esfregou seu ombro.
— Ei, tive uma ideia. Vamos pro nosso quarto e depois de cancelarmos minha assinatura do Clube de Barbear, podemos cair na Jacuzzi. Depois de um banho e meio, podemos
ir pra cama e ver o que acontece. Lembre-se que eu te devo pelo menos um bom passeio... E então tem os juros. Ohhh, aqueles juros... Tenho muita coisa pra fazer
por causa disso.
Mary riu um pouco.
— O que? – Ele disse com um olhar severo. — O que tem de errado?
Colocando-se na vertical e afastando-se do peito dele, ela estalou as costas se esticando. Jogou seu cabelo para longe do rosto. Colocou o colarinho da camisa no
lugar para não se asfixiar mais.
— Que pena, hein?
Com um gemido de dor, ele agarrou os botões do controle e deixou o ângulo do colchão mais alto para que então pudesse se sentar de modo mais apropriado.
— Fale comigo.
Quando ela se moveu para os pés de sua cama e tentou achar as palavras, Rhage recuou.
— Uau. Você está... Por que está chorando?
— Jesus, eu estou? – Uma passada rápida de sua palma na bochecha e ela achou umidade. — Uau. Sim, me desculpe por isso.
— O que está acontecendo? Preciso matar alguém pra você?
Esta era a primeira resposta de um macho emparelhado para qualquer coisa que chateasse sua shellan, e antes que pudesse evitar, ela sussurrou: — A morte já aconteceu,
na verdade.
— Huh.
Por alguma razão, seu pensamento voltou para aquela noite, cerca de dois anos atrás, quando Rhage, V e Butch saíram e mataram um hellren criminoso, então Bitty e
Annalye puderam viver.
— A mãe de Bitty morreu na noite passada.
— Ohhhhh, merda. – Rhage sentou completamente para frente por conta própria, como se tivesse em mente pular para fora da cama mesmo que não tivesse nenhum lugar
para ir, nenhum ataque para defendê-la. — Mas por que inferno você não me disse?
— Você estava meio que ocupado morrendo na hora...
— Você deveria ter me contado. Eu fiz você me masturbar...
— Pare com isso. Eu amo isso. Nós precisávamos disso.
Quando seu lindo rosto ficou insuportavelmente tenso e ele cruzou os braços no peito como se estivesse chateado consigo mesmo, ela arqueou pra cima e o beijou na
boca. — Obrigada.
— Pelo que?
— Por se importar com ela também.
— Como eu não poderia? O que posso fazer pra ajudar?
Mary se sentou e soltou.
— Eu senti sua falta.
Rhage bateu no ar entre eles como se estivesse indo tocá-la, e ela colocou seu rosto entre as mãos dele, deixando-o sentir suas bochechas e mandíbula, os lados de
sua garganta.
— Senti sua falta também, – Ele disse num tom baixo. — Nós estivemos... Afastados ultimamente. Não separados, mas afastados.
— Me desculpe. Eu sei. Estive envolvida com tudo no Lugar Seguro e isso realmente não é justo...
— Pare com isso. Você nunca tem que se desculpar comigo por amar seu trabalho ou precisar estar sempre por dentro das coisas, como faz. Sou a última pessoa que não
entenderia isso. Você é maravilhosa lá, e uma pessoa maravilhosa que ajuda todo mundo...
Mary abaixou os olhos, mesmo pensando que tecnicamente não havia nenhum olhar fixo para ela escapar.
— Nem sempre. Deus, nem sempre.
— Conte pra mim. Mary, não quero ser exigente... Mas você realmente precisa falar comigo.
Quando ela se lembrou de tudo que aconteceu, seus olhos se encheram de lágrimas novamente.
— Eu, ah... Eu recebi a ligação na minha mesa que as coisas não estavam indo bem com Annalye e levei Bitty no Havers. Eu realmente pensei... Bem, quando minha mãe
se foi, eu estava com ela e isso foi importante para mim, especialmente depois, sabe? Quero dizer, quando penso nela e sinto sua falta... Há um certo consolo que
tenho ao saber que ela não estava sozinha quando morreu. Que... Que estava comigo no começo da minha vida e que eu estava com ela no fim da dela, – Mary soltou um
suspiro trêmulo. — Quero dizer, Bitty é nova... Ainda há tantos anos pela frente para ela lidar com isso, sabe? E o que foi importante para mim quando eu era adulta,
meio que parecia algo que poderia ser importante para ela depois. Em todo caso... Eu não queria que isso acontecesse.
— O que acontecesse?
Mary cobriu o rosto com as mãos quando as memórias atravessavam sua consciência como uma faca.
— Quando Bitty... Oh Deus, quando Bitty pegou a mão de sua mãe, a fêmea morreu bem naquela hora. Bitty pensou que ela fosse a responsável. Isso foi... Horrível.
Nada do que eu queria para nenhuma das duas.
Eu a matei! Eu a matei!
— Talvez a mahmen dela estivesse esperando por ela.
Mary secou os olhos e deixou os braços caírem em derrota.
— É isso o que eu estou dizendo a mim mesma. Não que isso realmente ajude...
— Mary, quando fui baleado naquele campo e estava morrendo, eu estava esperando que você fosse até mim. Era a única coisa que estava me segurando aqui. Quando se
ama alguém e você está partindo, espera até que a pessoa venha... E isso toma um monte de energia, um monte de foco. Estou te dizendo Mary, eu estava esperando por
você por que precisava ficar em paz contigo, mas não conseguia aguentar por muito tempo... E embora tivemos sorte e você salvou minha vida, a realidade é que eu
prolonguei meu sofrimento só para ter aquele momento contigo.
— Oh Deus, sério... Ver você sofrendo daquele jeito... Foi um dos piores momentos da minha vida.
Como se ele estivesse determinado a mantê-la no caminho, Rhage falou sobre ela.
— Você precisa dizer isso a Bitty, ok? Dizer a ela que sua mãe morreu naquele momento por que a voz de Bitty era o que ela precisava ouvir antes que fosse para o
Fade. Ela precisava saber antes de partir que sua filha estava bem. E te garanto, Mary, se você dissesse uma palavra naquele quarto, Annalye saberia que estava com
a filha dela também. E isso quer dizer que Bitty estaria segura. Annalye foi embora por que sabia que tudo bem ela ir.
— Nunca pensei nisso desse jeito, – Mary murmurou. — Você colocou isso de um jeito ótimo. Eu queria que você pudesse dizer isso a ela.
— Talvez eu possa algum dia. Inferno, diga o dia e a hora e estarei lá.
Quando Rhage começou a ir até ela, parecia focado nela mesmo que não pudesse enxergar – e na realidade, Mary tinha muita certeza nesse momento que nada mais nesse
mundo existia para ele além dela e dos seus problemas. Adicione aquela ridícula beleza masculina, aquele desejo sexual e aquele grande coração?
— Como nesse mundo acabei ficando com você? – Ela sussurrou. — Ganhei na loteria.
Seu hellren a alcançou e trouxe para perto de novo, colocando-a sob seu queixo.
— Oh, não, Mary. É o contrário. Acredite em mim.
Quando Rhage sentiu a tensão no corpo de sua shellan acalmar, esfregou suas costas em círculos lentos... E sentiu vontade de vomitar.
Não por causa da coisa toda da Besta.
— Então, sei que ainda temos 12 horas até o anoitecer, – Ela disse — Mas gostaria de ir para o trabalho essa tarde. Mesmo que só um pouquinho e somente se você...
— Oh Deus, sim. Bitty precisa de você. – Perguntou a si mesmo se tinha sobrado algum Alka Seltzer. — Estou bem.
— Tem certeza?
Não. Não mesmo. — Inferno, sim... Quantas vezes já passei por essa recuperação? Vou só deitar aqui e dormir muito. – Por que se não estivesse consciente, não iria
se sentir daquele jeito, certo? — E na verdade, pensando bem, você não precisa que eu diga nada a Bitty. Você tem maneiras melhores de colocar as coisas do jeito
certo.
— Eu costumava acreditar nisso.
— Não. – Olhou para baixo, para onde o som da voz dela estava vindo e pegou uma de suas mãos com a dele com urgência. — Mary, você não pode ter uma segunda opinião
sobre si mesma. Ouça, você vai para a guerra do seu próprio jeito, e a pior coisa que um soldado pode fazer é ter sua confiança perdida antes que chegue ao campo.
Não são todas as vezes que vai acabar em vitória, mas você tem que começar isso todas às vezes sabendo que seu treinamento e seus instintos são ouvidos. Você não
fez nada de errado. Não magoou Bitty de propósito. Certamente não é responsável pela mahmen dela escolher aquele momento para ir para o Fade... E de fato, há muitas
evidências que sugerem que a fêmea foi embora por que sentiu que sua filha estava em boas mãos. Você precisa acreditar em tudo isso, caso contrário vai ficar presa
em algo indefinido que não vai ajudar ninguém.
— Senhor, você está sempre tão certo.
Blah. Nem mesmo perto disso. Mas não é como que fosse trazer todos seus erros à tona agora, quando ela tinha problemas reais para lidar com aquela garotinha. Ele
era um idiota egoísta, mas não era tão babaca assim.
Puta merda, não podia acreditar que fez sua shellan atravessar aquilo daquele jeito... Não poderia viver consigo mesmo sabendo que fez Mary essencialmente assisti-lo
morrer na noite passada – e tudo por nenhuma boa razão, porra.
Tudo por que não tinha ouvido Vishous.
Na verdade não, ele tinha. E isso é o pior de tudo. De fato, tinha ouvido cada palavra que o Irmão disse e saiu pra lutar do mesmo jeito, completamente ciente do
que estava esperando por ele no campo de batalha se o cara estivesse certo.
Achava que essa era a definição de suicida, não era?
O que significa que ele era...
Ah, porra.
Enquanto a cabeça de Rhage começou a implodir com a realidade que estava só agora acordando nele, Mary continuou a falar de um jeito lento, e considerando o que
ela ia fazer para a garotinha, quais as consultas medicas ela tinha que ter, e então havia algo sobre um tio em algum lugar... E Rhage simplesmente deixou a conversa
de uma só pessoa seguir.
Na verdade, estava indefinidamente agradecido que ela se sentia melhor e mais conectada com ele. Aquela merda importava. Infelizmente, estava voltando a ficar longe
dela novamente, uma parte dentro dele flutuando para fora mesmo com o corpo dele ficando onde estava.
O que tinha de errado com ele, inferno? Ele tinha tudo o que queria na vida – e ela estava em seus braços neste exato momento. Ele tinha morrido de medo e tinha
passado por isso. Havia muito pelo que viver, pelo que lutar, pelo que amar.
Então por que faria uma coisa daquela? Por que correria para um caixão todo garantido? E por que essa distância dela de volta?
Bem, havia uma explicação. Alguma coisa tinha amarrado tudo com um arco grande, gordo e psicótico.
Ele frequentemente tinha se perguntado se estava louco. Tipo, tão intrinsecamente.
Suas emoções sempre foram tão extremas, pulando da loucura para a raiva, que ele tinha ficado preocupado algumas vezes que um dia iria pender para algum dos extremos
dessa espiral, nunca retornando para a sanidade novamente. Talvez isso finalmente tivesse acontecido. E se tivesse? A última coisa que Mary precisava depois do que
tinha acontecido na noite anterior é que ele estivesse clinicamente insano.
Por que merda, por que mais ele se sentia tão malditamente estranho dentro de sua própria pele?
Maldição, parecia que tinha ganhado na loteria só para descobrir que era alérgico ao dinheiro ou uma merda assim.
— Rhage?
Ele se sacudiu. — Me desculpe, o que?
— Você quer que eu pegue alguma comida?
— Não. Continuo cheio. – Ele tornou a colocá-la contra ele novamente. — Porém eu poderia ter muito mais disso.
Mary se aconchegou perto dele, passando os braços em volta dos seus ombros o máximo que conseguia.
— Você tem.
Tentei me matar na noite passada, disse para ela na sua cabeça. E não tenho ideia do por quê.
Sim, era oficial.
Ele tinha enlouquecido.
Capítulo CATORZE
— É aqui.
Jo Early pisou no acelerador de seu Volkswagen de merda.
— Sim, sei onde é, Dougie.
— Bem aqui...
— Eu sei.
Não havia razão para acertar a placa. Às sete da manhã, não tinha nenhum outro carro por perto, ninguém para se importar como ela atravessou o portão desencaixado
com a pintura descascada da velha escola preparatória que sua mãe teve um milhão de anos atrás.
Uau. A Escola Brownswick para Garotas teve dias melhores.
Sua mãe então não aprovaria nem um pouco este paisagismo. Ou a falta dele.
Mas aí, a mulher podia romper um aneurisma através de um único dente de leão em seu gramado de cinco acres.
Dirigindo pela rua de asfalto esburacada, Jo dirigiu em torno de buracos que eram grandes o suficiente para engolir seu pequeno Golf, e se esquivou da árvore caída
em pedaços – alguns dos quais eram velhos o suficiente para apodrecer.
— Deus, minha cabeça dói.
Ela olhou para seu companheiro de quarto. Dougie Keefer era Shaggy do Scooby Doo – sem o cão alemão falante. E sim, seu apelido era Reefer por uma boa razão.
— Eu disse para ir a um médico quando passou por aqui ontem à noite...
— Fui atingido na cabeça!
— ... você provavelmente teve uma concussão.
Embora qualquer consulta de neuro com o cara seria difícil de ler por que ele normalmente tinha visão dupla. E dormência e formigamento era uma escolha de estilo
de vida em seus olhos.
Dougie estalou os dedos um por um.
— Vou ficar bem.
— Então pare de reclamar. Além disso, metade do problema é que está ficando sóbrio. É chamado de ressaca.
Enquanto iam para dentro do campus, edifícios apareceram e ela os imaginou com janelas inteiras limpas e recém-pintadas, e portas que não penduravam em ângulos ruins.
Podia absolutamente ver sua mãe aqui com seus terninhos e pérolas, atrás de seu diploma superior mesmo que tivesse sido apenas uma escola preparatória, não uma faculdade.
Tradições do século XXI à parte, coisas tinha sido adquiridas na cápsula do tempo dos 19 aos 50 anos de sua mãe. E a mulher tinha o correspondente de sapatos e bolsas
femininas para comprová-lo.
E as pessoas se perguntavam por que Jo tinha se afastado?
— Você não está pronta para isso, Jo. Estou dizendo a você.
— Tanto faz. Preciso começar a trabalhar.
— Vai explodir sua mente.
— Uh-huh.
Dougie se virou para ela, a faixa do cinto de segurança em seu peito.
— Você viu o vídeo.
— Eu não sei o que estava olhando. Estava escuro e antes que continue a discutir, lembre-se... Primeiro de Abril?
— Ok, é Outubro, tá? – A risada que ele deu era tão ele. — E sim, essa foi boa.
— Para mim não foi.
Dougie tinha decidido que seria divertido pegar o carro dela emprestado, e em seguida enviar-lhe uma imagem de photoshop da coisa enrolada em torno de uma árvore.
Como ele conseguiu se concentrar tempo suficiente para terminar o trabalho visual tinha sido um mistério, mas ele parecia tão real, que ela tinha ligado para sua
companhia de seguro.
E também teve um colapso no banheiro no trabalho quando se perguntou como diabos ia cobrir sua franquia.
Essa era a coisa sobre deixar seus pais ricos no retrovisor. Quinhentos dólares sem um orçamento certo poderia ser difícil comer.
Com uma careta, ela se inclinou em direção ao volante.
— O que é isso... Ah, merda.
Pisando nos freios, ela parou na frente de uma árvore inteira que tinha caído do outro lado da pista. Checando rapidamente o relógio, ela amaldiçoou. Mesmo enquanto
o tempo passava, não estava dentro de um Golf 4X4, e correndo o risco de ter que chamar o guincho e pagar por um reboque.
— Se vamos fazer isso, temos que andar.
— Vamos dar a volta.
— E ficar preso na lama? Choveu tarde da noite ontem. – Ela desligou o motor e retirou a chave do carro. — Vamos lá. Você quer me mostrar, é melhor começar a andar.
Caso contrário, vou dar meia volta.
Dougie ainda estava reclamando quando eles partiram a pé, passando por cima do bordo caído e continuando descendo a rua. A manhã estava amargamente fria e então
surpreendentemente – o tipo de coisa que deixava você feliz por ter trazido sua jaqueta por capricho, e chateada por ter deixado o chapéu e as luvas para trás por
que na sua cabeça, era “apenas outubro”.
— Agora sei por que não me levanto antes do meio-dia. – Dougie murmurou.
Jo levantou o olhar para os troncos nus acima. Odiava ser pessimista, mas se perguntava se qualquer um dos idiotas entrariam em queda livre e a matariam.
— Por que deixei você me meter nisso?
Ele colocou o braço ao redor de seus ombros.
— Porque você me amaaa.
— Não. – deu uma cotovelada nas costelas dele.
— Definitivamente não é isso.
E ainda meio que era. Ela conheceu Dougie e sua tropa da pesada através de um conhecido, e eles a aceitaram quando ela precisava desesperadamente de um lugar para
dormir. O arranjo era suposto ser temporário, do tipo cair no sofá, mas logo em seguida vagou um quarto no apartamento deles, e um ano mais tarde estava vivendo
numa versão de uma casa de fraternidade dos meados dos anos vinte. Com um grupo de garotos recalcitrantes que mais pareciam meninos, dos quais ela parecia ser responsável.
— Estamos chegando perto, – ele colocou as mãos na cabeça como se tivesse explodido. O que era uma viagem curta. — Quero dizer, pedaços de corpos em todos os lugares,
e o cheiro! Pior do que o que está na nossa geladeira. Quer dizer, estamos falamos corpos, Jo. Mortos! Só que estavam se movendo! E então essa...
— Alucinação de dragão. Você me disse.
— Você viu a filmagem!
— Como se eu não te conhecesse. – Ela disse enquanto sacudia a cabeça. — Você me enganou uma vez, devia se vergonhar... Me enganou duas vezes...
— Jo. Foi real. Foi real pra caralho... Vi um monstro e...
Conforme Dougie percorria a ladainha de impossibilidade outra vez, Jo focou na elevação adiante.
— Sim, ta, você já me disse. E ao contrário de você, ainda tenho minha memória de curto prazo.
— Imbecil, TJ e Soz viram também.
— Tem certeza disso? Por que quando mandei uma mensagem pra eles esta manhã, disseram que era uma viagem ruim. Nada mais.
— Eles são idiotas.
Quando chegaram na inclinação, ela sorriu e decidiu que talvez tivesse exagerado demais. Não se encaixava com a sociedade do tipo empertigada como a que os pais
dela estavam tão inseridos, mas da mesma forma, sair com um bando de maconheiros não levava exatamente a lugar nenhum também.
Ainda assim, eles eram altamente divertidos. Na maior parte do tempo.
E além do mais, a verdade era que não tinha ideia aonde pertencia.
— Você vai ver. – Dougie anunciou enquanto corria para o topo da subida. — Apenas olhe!
Jo se juntou a ele – e balançou a cabeça para tudo ali em cima, certo, ali embaixo também.
— Exatamente o que devo olhar? As árvores, os prédios ou a grama?
Dougie deixou os braços caírem.
— Não, não, isso está errado. Não...
— Acho que você finalmente deu fim ao seu cérebro, Dougie. Mas é o que acontece quando você o atinge dúzias de vezes com LSD em um período de seis horas. Pelo menos
pensou que isto era real desta vez, no entanto, é o contrário da coisa do acidente do carro batendo na árvore que você fez comigo.
É, não havia absolutamente nada anormal lá embaixo no que tinha que ser o centro do campus. Nada de corpos. Sem partes de corpos. E nenhum cheiro também. Nada além
de prédios abandonados, mais vento frio e mais nada de estranho.
— Não, não, não...
Enquanto Dougie corria lá pra baixo, ela o deixou ir, ficando pra trás e tentando imaginar como o lugar parecia quando tinha sido operacional. Era difícil pensar
que sua mãe tinha ido às aulas nestes prédios. Dormiu dentro deles. Teve aquela primeira dança com seu pai em um deles.
Engraçado, o passado como tinha sido parecia tão inacessível como era atualmente o presente com as duas pessoas que a adotaram. Os três nunca tinham tido sorte,
e apesar dela própria ser difícil às vezes, tinha sido um alívio esquecer de todas as tentativas exaustivas de fingir um vínculo que nunca se materializou.
— Jo! Venha cá!
Quando ela levou a mão ao ouvido e fingiu que não podia ouvi-lo, Dougie subiu correndo de volta até ela com o zelo messiânico de um pregador. Agarrando sua mão,
ele a puxou em uma descida rápida agitando para trás sua jaqueta do exército.
— Está vendo como tudo está pisoteado por ali? Vê?
Ela se deixou ser arrastada ao longo de uma seção do campo reconhecidamente achatada. Mas um monte de grama longa horizontal e arbustos remexidos dificilmente era
uma cena de um filme de Wes Craven, ou seja, de horror. E isso, sem dúvida, definitivamente não era o que estava no vídeo que Dougie insistiu que ela assistisse
várias vezes.
Não sabia como explicar tudo.
Mas o que estava claro para ela? Realmente não ia dar a si mesma uma cãibra no cérebro tentando conciliar tudo.
— Você viu o que eu postei! – Dougie disse. — E alguém pegou meu telefone por que não queria que ninguém visse isso!
— Você provavelmente só perdeu a coisa...
— Eu estava lá em cima. – Ele apontou para o mais alto dos prédios. — Ali! Foi ali que eu fiz a filmagem!
— Ei, Dougie, sem ofensa, mas tenho que ir trabalhar...
— Jo, estou falando sério. – Ele girou em um círculo. — Tudo bem, explique isso. Como tudo ficou esmagado aqui? Hã?
— Pelo que sei, você e nossos três colegas de quarto correram nus por aí em círculos. Na realidade, nem vamos seguir pelo lado hipotético.
Dougie a enfrentou.
— Então como é que eu consegui o vídeo? Hã?
— Não sei, Dougie. Francamente, é tão granulado que não sei o que estou olhando.
Ela lhe deu algum tempo para digerir todos os tipos de o-que-sobre-isso-e-aquilo, então ela terminou.
— Olha, eu realmente sinto muito, mas estou indo. Você pode vir comigo ou chamar um táxi para casa. A escolha é sua. Oh, espere. Sem telefone. Acho que isso significa
andar.
Enquanto ela se virava para ir embora, ele disse em uma voz surpreendentemente adulta.
— Estou falando sério, Jo. Isto aconteceu. Não me importo para o que os três vão dizer. Sei quando estou chapado e quando não estou.
Quando Jo parou e olhou para trás, a expressão dele ficou esperançosa.
— Você se importa se eu deixar você no ponto de ônibus na Jefferson? Acho que não tenho tempo para levá-lo de volta pra casa.
Dougie jogou os braços para cima.
— Ah, qual é, Jo. Deixe-me só te mostrar aqui...
— Ponto de ônibus, é isso. – Disse ela. — E lembre-me disso da próxima vez que você tomar ácido. Quero estar preparada.
Capítulo QUINZE
Algum tempo depois, Mary acordou depois de um bom e longo descanso... E sorriu ante seu companheiro decididamente adormecido. Rhage estava apagado, os olhos fechados,
uma sobrancelha loira contraindo e sua mandíbula rangendo como se talvez estivesse sonhando com uma discussão ou um jogo de bilhar. Sua respiração era profunda e
plana, e sim, ele estava roncando. Não como uma serra elétrica. Ou um estridente Mustang acelerando num sinal vermelho. Nem mesmo nada perto do texugo ferido na
rotina do Butch – o que era algo que tinha que se ouvir para acreditar.
Não, os sons que seu homem soltava eram mais como uma cafeteira Krups bem quando ela está terminando um ciclo coar o café; o tipo de coisa que borbulha em segundo
plano, oferecendo um ritmo reconfortante durante o qual ela poderia dormir se quisesse ou ficar acordada e ouvir, se fosse trabalhar novamente. Pensando nisso, seus
roncos provavelmente eram mais silenciosos do que ele, considerando como suas pisadas eram pesadas, o quanto sua risada era alta e o quanto ele falava, especialmente
se estivesse perturbando seus irmãos.
Toda essa maluquice era apenas parte do que tanto amava nele.
Ele era sempre tão vivo. Vivo demais.
Graças a Deus.
Quando ela foi se esticando, moveu-se lentamente contra o corpo dele para não acordá-lo e olhou para o relógio do outro lado da sala de recuperação. Sete da noite.
Passou o pôr do sol.
Dado o quão cansado ele tinha que estar, era capaz dele dormir mais quatro ou cinco horas. Provavelmente era melhor ela sair agora e voltar quando ele estivesse
acordado.
— Estou indo para o Lugar Seguro um pouquinho. – Ela disse suavemente. — Fica com ele. Avise a ele que logo estarei de volta, ou ele pode me ligar?
Ela estava falando com a Besta, claro – e tratando com esse enorme dragão esmagador de ossos como uma espécie de secretária social. Mas isto funcionava. Se ela tinha
que sair quando Rhage estava dormindo, sempre dizia para a Besta o que estava fazendo e quando estaria de volta. Dessa forma, Rhage não acordava suando frio achando
que ela tinha sido raptada. Assassinada. Ou que escorregou e caiu no banheiro, que ficou desmaiada e deixada sangrando por todo o chão de mármore.
É, machos vinculados tendiam a saltar para conclusões que eram apenas um pouuuuuuco exageradas.
Mary cuidadosamente desvencilhou-se de Rhage apenas para parar quando estava quase livre. Olhando para o seu esterno despido completamente intacto, ela escovou as
pontas dos dedos sobre onde bala esteve.
— Eu não te agradeci. – Ela sussurrou. — Você o salvou. Devo a você... Muito obrigada.
De repente, as pálpebras de Rhage abriram – mas não era ele acordando. Seus olhos não eram nada além de órbitas brancas, essa iluminação indicadora da consciência
da besta fixa nela com foco total.
Ela sorriu e roçou o rosto de seu companheiro, sabendo que o dragão sentiria seu toque.
— Obrigada. Você é um bom menino.
Uma versão mais tranquila do bufo afetuoso que a besta sempre dava a ela reverberou subindo e saiu da garganta do Rhage.
— Volte a dormir também, ok? Você precisa descansar também. Você trabalhou duro na última noite.
Mais um bufo... E aquelas pálpebras começaram a descer. A besta lutou contra a maré como um cachorrinho, mas acabou perdendo a batalha, retornando ao ronco. Ambos
tornando a se engajar em qualquer que seja a versão da terra dos sonhos em que estavam.
Inclinando-se, ela beijou a testa do seu companheiro e alisou seu cabelo para trás. Então foi para o banheiro e fechou a porta. Tão logo se virou para o balcão ao
lado da pia, ela sorriu. Alguém – oh, com quem ela estava brincando, tinha que ser o Fritz – tinha colocado mudas de roupas completas para os dois. Bem como escovas
de dente, lâmina e creme de barbear, um xampu e condicionador.
— Fritz, teu nome verdadeiramente é consideração.
E oh, isso é que era um chuveiro. De tempos em tempos, ela se perguntava se os sons ou cheiros acordariam Rhage, mas quando estava se enxugando, entreabriu a porta
e constatou que além de ter virado de frente pro banheiro, ele permaneceu dormindo.
Provavelmente por que ela disse para a Besta o que estava acontecendo.
Enquanto estava secando o cabelo, perguntou a si mesma onde o Volvo tinha terminado. Ela tinha vindo do campo de batalha pra cá de carona na unidade cirúrgica, mas
certamente alguém tinha trazido sua perua de volta.
Bem, ela sempre poderia levar qualquer outro para o Lugar Seguro.
Quinze minutos depois, silenciosamente caminhou até a porta. Depois de um prolongado olhar fixo para o Rhage, ela abriu a porta e...
— Oh! Deus! – Ela sibilou enquanto recuava.
A última coisa que esperava ver era a Irmandade inteira do lado de fora da sala de recuperação do seu hellren.
Mas ela devia saber. Todos estavam lá, de V e Butch, Phury e Z... Blay e Qhuinn... Tohr e John Matthew... Até mesmo Wrath e Rehvenge. Era como estar na frente de
uma equipe de futebol... Que era composta por lutadores profissionais... Com o equipamento completo de jogo.
Tudo bem, isso nem de longe era o suficiente para descrever a quantidade de macho no corredor.
— Ei, pessoal. – Ela disse calmamente enquanto puxava a maçaneta e certificava-se que as coisas estivessem fechadas. — Ele está dormindo agora, mas tenho certeza
que não vai se importar de ser acordado.
— Nós não viemos por ele. – Disse Wrath em voz baixa.
As sobrancelhas de Mary se levantaram quando ela olhou para o seu Rei.
— Oh.
Nossa, ela tinha feito alguma coisa errada? Era difícil saber dado que Wrath, com seu bico de viúva e seus óculos escuros, sempre parecia puto.
O cara não tinha a cara de uma vadia descansada, mas a descansada “vou matar alguém e incendiar sua casa”.
Engolindo em seco, ela gaguejou.
— E-eu, ah...
— Obrigado, Mary. – O Rei disse enquanto dava um passo adiante com seu cão guia, George. — Obrigado por salvar a vida do nosso irmão.
Por um momento, ela ficou completamente pasma. E então o Rei a estava puxando para um duro abraço apertado.
Quando Wrath deu um passo atrás, havia algo pendurado sobre o ombro dela.
Uma espada?
— Espere, o que é isso? – Ela bateu em uma segunda recuada. — Por que isso... Oh, meu Deus…
A arma era feita de ouro ornamentado do punho à bainha, e havia pedras preciosas brancas e vermelhas faiscando em todos os lugares. Da mesma forma, tinha uma faixa
vermelha de rubi pendurada enfeitada com pedras preciosas e metais – parecia antiga. Antiga... E inestimável.
— Wrath, não posso aceitar isso, é demais...
— Você executou um serviço de valor ao trono. – O Rei anunciou. — Salvando a vida de um membro da minha guarda particular, você é mantida na mais alta estima real,
e pode me convocar em seu benefício de valor comparável em algum momento no futuro.
Ela balançou a cabeça várias vezes. — Isso não é necessário. Sério. Não é.
E de repente ela se sentiu mal. Muito mal. Por que não salvou Rhage para estes homens maravilhosos que o amavam tanto. Não o tinha salvado para si mesma também.
Deus, por que... Por que aquele momento tinha que ser contaminado com todo o drama com a Bitty?
Mary foi tirar a espada.
— Realmente não posso...
Um por um, os Irmãos vieram até ela, abraçando-a com puxões duros, segurando-a até sua espinha dobrar e as costelas não poderem expandir mais. Alguns deles falaram
em seu ouvido, dizendo coisas que ressoaram não só por causa das palavras que foram escolhidas, mas pelo respeito e reverência nos tons daquelas vozes profundas.
Outros apenas fizeram um monte de ruídos tipo pigarros, do jeito que os homens faziam quando estavam lutando para se manter fortes e compostos em face de grande
emoção. E ali estava John Matthew, aquele com quem tinha começado esta viagem louca, quem tinha começado isso tudo ligando para o disque-suicídio onde ela era voluntária.
Vishous foi o penúltimo dos Irmãos a vir a ela, e enquanto a segurava, ela sentiu um aroma de tabaco. Junto com couro. E pólvora.
— Nós devemos a você. – Ele disse secamente. — Para sempre.
Enxugando os olhos, ela balançou a cabeça uma vez mais.
— Você me dá crédito demais.
— Nem perto. – Disse ele enquanto escovava a sua bochecha com a mão enluvada. Encarando-a, seus olhos de diamante e o rosto duro com essas tatuagens eram o mais
próximo de terno que ela jamais os viu. — Você sabia o que fazer...
— Mas eu não sabia, V. Eu realmente não tenho a menor dica de onde essa ideia veio.
Por um momento, ele franziu a testa. Então deu de ombros.
— Bem, tanto faz. Você nos deu nosso irmão de volta. E mesmo ele sendo um pé no saco, a vida não seria a mesma sem ele.
— Ou você. – Disse Zsadist.
Z foi o último a vir, e quando ele abriu os braços bem abertos, por algum motivo as faixas de escravo que foram tatuadas em torno de sua garganta e pulsos destacaram-se
para ela.
Seu abraço era rígido. Desajeitado. Obviamente difícil para ele, enquanto mantinha seus quadris distantes de seu corpo. Mas seus olhos estavam amarelos, não pretos;
e quando deu um passo atrás, ele colocou a mão no ombro dela.
A cicatriz que descia por seu nariz e ao redor de sua bochecha se moveu quando ele lhe deu um pequeno sorriso.
— Você é realmente boa em salvar vidas.
Sabia exatamente a que ele estava se referindo – todas essas sessões que eles dois tiveram na caldeira no porão da mansão, ele falando sobre o terrível abuso que
tinha sofrido nas mãos de sua senhora, ela ouvindo e fazendo comentários somente quando ele parava por muito tempo ou olhava para ela por algum tipo de bote salva-vidas
enquanto lutava em um mar de vergonha esmagadora, dor e tristeza.
— Algumas vezes eu gostaria de ser melhor. – Disse ela enquanto pensava em Bitty.
— Não é possível.
Quando Z caiu atrás alinhado com seus irmãos, Mary passou a mão no cabelo. Enxugou seus olhos. Respirou fundo. Apesar de haver muitas emoções diferentes a atravessando,
era muito bom estar por perto de pessoas que amavam Rhage tanto como ela amava.
Que ela sabia ser verdadeiro e sem questionar.
— Bem. – Ela pigarreou. — Agradeço a todos. Mas honestamente...
Enquanto cada um deles olhava para ela de cara feia, isso era o tipo de coisa que a te deixava agradecida que eles gostassem de você. Ela teve que rir.
— Ok, ok, vou manter isso, vou manter.
A conversa surgiu entre os Irmãos e houve alguns tapas nas costas, como se estivessem orgulhosos de si mesmos por fazer a coisa certa por ela.
Com um tchau final, ela se forçou a seguir em frente em direção à entrada do túnel subterrâneo... Com sua nova espada.
Rapaz, ela era pesada, pensou conforme caminhava com a espada ainda no ombro.
Quase tão pesado quanto o peso que sentia em seu coração.
Enquanto Mary caminhava pelo corredor na direção do escritório, Vishous pegou um cigarro enrolado à mão e colocou entre seus dentes da frente.
À medida que acendia a coisa, franziu o cenho pensando sobre o que ela disse a ele.
— Então Xcor não está consciente? – Wrath murmurou.
Virando-se para o Rei, V exalou e mudou as engrenagens na sua cabeça.
— Ainda não. E eu o chequei cerca de meia hora atrás.
— Onde você o colocou?
— No estande de tiro. – V olhou para Tohr, que estava fora do alcance da voz. — E nós temos um cronograma de guarda. Ele está amarrado para minha satisfação...
— Você realmente usa essa merda para o sexo?
Como um, a Irmandade inteira levantou o olhar para a interrupção. Lassiter, o anjo caído, apareceu do nada e estava parecendo um pouco menos ofensivo do que o habitual,
seu cabelo loiro-e-preto puxado para trás em uma trança que ia até sua bunda, couro preto cobrindo suas partes pudendas, argolas de ouro nas orelhas, braceletes
nos pulsos e piercings nos mamilos brilhando sob as luzes fluorescentes do teto. Ou talvez tenha sido por causa da sua extravagante disposição celeste.
Não.
— Que diabos aconteceu com sua maldita camisa? – V atirou de volta. — E por que, merda, você está fora do seu posto?
Porra, sabia que não podia colocar esse idiota de guarda. Mas pelo menos Payne não tinha deixado o estande de tiro, e isso era algo V que não precisava checar. Sua
irmã era o tipo de lutadora que ele confiaria não apenas com sua própria vida e as vidas de seus irmãos e cônjuges, mas em garantir que seu prisioneiro não ia nem
espirrar sem permissão.
— Derramei algo nela.
— Que? Você está comendo lá dentro?
— Não. Claro que não. – Lassiter foi andando devagar para onde o material de limpeza era mantido. — Ok, sim. Certo. Foi um milk-shake de morango... E só estou indo
pegar uma camisa limpa e voltar pra lá. Relaxe.
V deu uma longa tragada. Era isso ou estrangular o filho da puta.
— Morango? Sério?
— Vai se foder, Vishous.
Quando o anjo sorriu e mandou um beijo por cima do ombro, pelo menos o vadio não bombeou os quadris imitando o ato sexual.
— Posso matá-lo? – V murmurou para Wrath. — Por favor. Só uma vez. Ou talvez duas.
— Entre na fila.
V tornou a focar no assunto.
— Como eu estava dizendo, Xcor não vai a lugar nenhum.
— Quero descobrir onde os Bastardos estão ficando. – Wrath ordenou — e trazer o resto deles pra cá. Mas eles devem ter assumido que ele foi capturado. É o que eu
faria. Sem corpo? Sem testemunhas da morte? O curso mais seguro é assumir que o líder deles se tornou prisioneiro de guerra e cair fora de onde quer que eles estejam
ficando.
— Concordo. Mas nunca se sabe o que se pode aprender quando se aperta os botões certos.
— Mantenha Tohr longe dele.
— Entendido. – V olhou para Tohr de relance novamente. O irmão estava atrás do grupo e olhando para o corredor onde o estande de tiro ficava. Parecia estranho pensar
em ter de pôr rédeas no cara ou vigiá-lo, mas assim eram as coisas.
Algumas vezes as emoções eram demais, mesmo para o mais lógico dos lutadores.
Exceto para ele, é claro.
Ele era habilidoso pra caralho.
— Então Assail está dois quartos descendo o corredor. – Disse V. — Se você estiver pronto para falar com ele.
—Leve-me ali, V.
Mais uma vez, normalmente teria sido Tohr cumprindo o dever, mas V deu um passo mais perto e cutucou o Rei adiante, deixando os Irmãos reassumirem várias posições
e sentarem enquanto esperavam Rhage acordar.
Depois deles estarem a alguma distância, o Rei disse baixinho:
— Então, o que você sabe sobre Rhage e seu pequeno torneio de tiro prematuro.
Quando V amaldiçoou, Wrath sacudiu a cabeça.
— Conte-me. E não finja que não sabe de porra nenhuma. Você foi o último a falar com ele.
Vishous considerou manter a merda por baixo dos panos, mas no final, mentir para Wrath não era interesse de ninguém.
— Eu previ a morte dele e tentei fazê-lo deixar o campo. Ele não saiu e... Aí está.
— Ele foi lá fora. Sabendo que ia morrer.
— Sim.
— Droga. – Depois que Wrath soltou alguns palavrões com a letra F, ele mudou para outro assunto feliz. — Também ouvi dizer que você teve um visitante. Quando voltou
para o campus.
— O Ômega. – Cara, ele não gostava nem de dizer esse nome. Mas como gostaria de falar sobre o desejo de morrer de Rhage? — Sim, o irmão da minha mãe cuidou da limpeza.
Se o seu dia de trabalho como sendo a fonte de todo o mal no mundo não funcionar, ele tem uma segunda carreira como zelador esperando por ele.
— Algum problema?
— Ele nem sequer sabia que estávamos ali.
— Graças a Deus. – Wrath olhou de relance, apesar de não poder ver. — Falou com sua mãe ultimamente?
— Não. Não. De modo nenhum.
— Pedi uma audiência. Ela não me reconheceu.
— Não posso ajudá-lo. Desculpe.
— Vou lá em cima sem ser convidado se eu tiver que fazer.
V parou na porta do quarto de recuperação do Assail, mas não abriu.
— Pelo que exatamente você está procurando por ela?
— Quero saber se ela ainda está ali em cima. – O rosto cruel e aristocrático de Wrath ficou esticado. — Ir contra assassinos é uma coisa, mas vamos precisar de um
parceiro com sério poder para enfrentar o Ômega de cabeça erguida, e não vou me enganar. Nós acabamos de derrubar noventa por cento do que ele tem em cima da terra.
Ele vai responder, e nós não vamos gostar seja o que for.
— Foda-me. – V murmurou.
— É mais como “nós”, meu irmão.
— É. Isso também. – V deu outra tragada para se recompor. — Mas você sabe, se quer que eu fale com ela ou...
— Espero que não seja necessário.
Somos dois, amigo, V pensou.
Diante de seus problemas com a mãe que o deixou mais mal-humorado do que normalmente era, ele bateu na porta.
— Está decente, filho da puta? – Ele empurrou a porta, sem esperar permissão. — Como estamos, babacas?
Bem, bem, bem, pensou quando viu Assail sentado de pernas cruzadas sobre a cama de hospital. Desintoxicação demais?
O macho estava suando como se fosse um frango assando para o jantar debaixo de uma lâmpada quente, mas também tremendo como se a parte inferior do seu corpo estivesse
em uma banheira de gelo. Havia círculos da cor de óleo de motor debaixo de seus olhos, e suas mãos continuavam indo do rosto aos braços, escovando algum tipo de
fiapo ou fios de cabelo perdidos que não existiam.
— A q-q-que devo esta h-h-honra?
As narinas de Wrath alargaram quando o Rei testou o aroma no ar.
— Você tem um problema enorme com o vício, hein?
— P-p-perdão?
— Você me ouviu.
V olhou os primos gêmeos no canto e encontrou-os com as costas retas e imóveis como um par de canhões. E quase tão quentes e distorcidos.
Só pra constar, eles meio que não o irritavam.
— Que p-p-p-posso fazer por você? – Assail perguntou entre contrações musculares.
— Quero agradecer por trabalhar conosco ontem à noite. – o Rei disse com voz arrastada. — Entendo que seus ferimentos estão todos costurados.
— S-s-sim...
— Oh, pelo amor de Deus! – Wrath deu uma olhada para V. — Tem como conseguir pra este filho da puta sua droga de escolha? Não posso falar com ele se está todo viciado
por seu pecado. É como tentar fazer alguém se concentrar tendo um ataque epiléptico.
— Procurando por isso? – V ergueu um frasco cheio de pó e inclinou a coisa de um lado pro outro, como um pêndulo de relógio. — Mmm?
Foi patético o modo como os olhos do fodido travaram e esbugalharam. Mas V sabia como era – como você precisava de cada queimadura que você não queria, como isso
se tornava tudo em que podia pensar, como você murchava se não tivesse.
Graças a Deus por Jane. Sem ela estaria caminhando nesse caminho de consumir e ainda estar sempre vazio.
— E ele nem mesmo nega o quanto precisa disso. – V murmurou enquanto se aproximava da cama.
Nossa, enquanto o pobre coitado estendia a mão, estava claro que as mãos de Assail tremiam muito, mal dava para agarrar qualquer coisa.
— Permita-me, filho da puta.
Desenroscando a tampa preta, V virou a garrafinha marrom e fez uma linha no interior do seu próprio antebraço.
Assail tomou essa merda como um motorista de empilhadeira, aspirando metade em uma narina, metade na outra. Em seguida, caiu para trás na cama de hospital como se
tivesse uma perna quebrada e a morfina gotejando finalmente estivesse fazendo efeito. E sim, do ponto de vista clínico, era triste comentar o estado do FDP que um
estimulante como a cocaína o derrubasse.
Mas isso era o vício pra você. Nada de bom senso.
— Agora, quer tentar novamente? – V murmurou enquanto lambia seu braço até limpar e saboreava a amargura. O zumbido não era ruim também.
Assail esfregou o rosto e então deixou os braços o caírem para os lados. — O quê?
Wrath sorriu sem qualquer calor, revelando suas presas enormes.
— Quero saber quais são seus planos de negócios.
— Por que isso é da sua conta? – A voz de Assail era esganiçada, como se ele estivesse exausto. — Ou você decidiu que uma ditadura, mais do que uma democracia, combina
mais com sua personalidade...
— Cuidado com seu tom de merda. – V disse bruscamente.
Wrath continuou como se não tivesse sido interrompido.
— Seu histórico é questionável, na melhor das hipóteses. Apesar de uma tendência mais recente pra lealdade, você parece estar sempre na periferia dos meus inimigos,
seja o Bando dos Bastardos ou a Sociedade Lesser. E da última vez que chequei, estava encabeçando um cartel de drogas, algo que não pode ser feito com uma mera equipe
de dois, por mais capazes que seus capangas possam ser. Então me encontro querendo saber para onde você está indo com seus intermediários agora que os assassinos
com quem esteve trabalhando estão fora do mercado negro.
Assail tirou seus cabelos negros da testa e segurou-os no lugar como se esperasse que isso ajudasse seu cérebro a funcionar.
V preparou-se para uma mentira.
Só que então o homem disse numa voz curiosamente morta.
— Eu não sei. Na verdade... Não sei o que devo fazer.
— Você fala sem falsidade. – Wrath inclinou a cabeça conforme exalava. — E como seu Rei, tenho uma sugestão para você.
— Ou seria um comando. – Assail murmurou.
—Tome como quiser. V As sobrancelhas de Wrath desapareceram sob as bordas dos seus óculos escuros. — Leve em conta que eu posso matá-lo ou deixá-lo ir deste lugar
por capricho.
— Existem leis contra assassinato.
— Às vezes. – O Rei sorriu novamente com aquelas presas. — De qualquer maneira, quero a sua ajuda, e você vai me dar. De uma forma ou de outra.
Capítulo DEZESSEIS
No meio do caminho para o Lugar Seguro, Mary achou que acabaria precisando de uma cirurgia de joelho.
Ao pegar a saída da Northway, ela cerrou os dentes e arranhou a marcha dura como pedra do GTO vintage reformado, roxo brilhante de seu marido – também conhecido
como seu orgulho e alegria. A luz da vida dele antes dela. A coisa mais valiosa que ele tinha desde que deu a ela seu Rolex de ouro Presidential.
O carro monstruoso começou a fazer um ruído de engasgo e então soltou um padrão grave de explosões, seguidas por guinchadas agudas quando empurrou o câmbio para
a frente de volta à posição certa.
— Terceira? Terceira... Eu preciso, não, segunda? Definitivamente não a primeira.
Ela descobriu do jeito mais difícil, ao parar na base da colina da mansão e quase bater com os dentes da frente no volante, devido ao solavanco e pulo que o carro
deu.
— Oh, Sra Volvo, sinto tanto sua falta...
Quando saiu da mansão, tinha percebido que o utilitário não estava no pátio com os outros veículos da Irmandade. Mas ao invés de perder tempo tentando descobrir
onde estaria, pegou as chaves do Rhage pensando “qual seria a dificuldade de guiar este carro na cidade?”. Ela sabia como dirigir um carro com câmbio manual.
Tudo ia ficar bem.
É claro que nem imaginou que a embreagem seria dura como uma parede de tijolos, dificultando cada vez que tinha de mudar de marcha. Ou que as engrenagens seriam
tão calibradas que, caso não se acelerasse no momento certo, todos aqueles cavalos sob o capô enlouqueciam.
O lado bom? Ao menos brigar com a transmissão lhe dava algo além da ansiedade sobre Bitty com que se preocupar, enquanto dirigia para o Lugar Seguro.
Além disto, Fritz era um mecânico tão bom quanto mordomo.
Quando finalmente chegou, estacionou na entrada da garagem, saiu e cambaleou no escuro por um minuto, movendo a perna esquerda em movimentos circulares até sentir
algo estalar e subitamente não se sentir mais como um flamingo.
Praguejando, foi até a porta na garagem, digitou uma senha e entrou. Quando as luzes com sensores acenderam, ergueu a mão para proteger os olhos, mas não se preocupou
em nada. As duas baias estavam vazias, exceto por equipamentos de aparar grama e algumas marcas antigas de óleo no concreto. Subiu três degraus para chegar à porta
da cozinha, então digitou uma senha e esperou que as trancas começassem sua sequência de liberação. Também se virou e apresentou seu rosto para reconhecimento.
Momentos depois estava no vestíbulo, tirando o casaco e pendurando-o junto com a bolsa na fileira de ganchos que ficavam acima de um banco. A cozinha nova nos fundos
funcionava a todo vapor, pilhas de panquecas sendo feitas no fogão, frutas sendo cortadas nos balcões, tigelas e pratos sendo arrumados na grande mesa.
— Mary!
— Ei, Mary!
— Oi, Sra. Luce!
Respirando fundo retribuiu as saudações, aproximando-se para dar um abraço aqui outro ali, colocar a mão sobre um ombro, cumprimentar uma fêmea e retribuir um sinal
de “toca aqui” com um garoto. Havia três membros da equipe de serviço e ela os cumprimentou.
— Onde está Rhym? – Perguntou.
— Está lá em cima com a Bitty. – Disse suavemente a de cabelos cacheados.
— Estou indo para lá.
— Precisa de ajuda?
— Tenho certeza que vou precisar, – Mary meneou a cabeça. — Odeio que isto tenha acontecido a ela.
— Nós também.
Indo pra frente da casa, contornou a base da escada e subiu de dois em dois degraus. Nem se incomodou em parar para ver se Marissa estava. Era provável, dada a extensão
do ataque, que a diretora do Lugar Seguro estivesse curtindo umas horinhas de folga com seu hellren.
Estar vinculada a um Irmão não era pros fracos.
No terceiro andar, encontrou Rhym dormindo em uma poltrona acolchoada que foi puxada para perto da porta de Bitty. Com o ruído do assoalho, a outra assistente social
despertou.
— Oh, ei. – A fêmea disse ao se endireitar e esfregar os olhos. — Que horas são?
Rhym sempre lembrara a Mary de si mesma em certo grau. Ela era o tipo de fêmea que talvez não chamasse atenção imediata em um lugar, mas nunca deixava de estar lá
quando se precisava dela. Era mais alta do que baixa, um pouco magra. Nunca usava maquiagem. Geralmente prendia o cabelo para trás. Nenhum macho que se soubesse.
Sua vida era o trabalho ali.
— Seis e meia. – Mary olhou para a porta fechada. — Como foi durante o dia?
Rhym só meneou a cabeça.
— Ela não quer falar sobre nada. Só guardou as roupas em uma mala, pegou sua boneca e o velho tigre de pelúcia e sentou-se na cama. Finalmente vim para cá, pois
pensei que ela estava ficando acordada por minha causa.
— Acho que vou ver como ela está.
— Por favor. – Rhym esticou os braços e estalou as costas. — E se não tiver problema, vou para casa dormir um pouco, tudo bem?
— Absolutamente. Eu assumo daqui. E obrigado por cuidar dela.
— Já está escuro o bastante para eu sair daqui?
Mary olhou para as persianas que ainda estavam descidas por causa da luz do dia — Acho... – Como se combinado, os painéis de aço que protegiam o interior da luz
do sol começaram a subir — Ta.
Rhymm levantou-se e passou os dedos pelos cabelos louros acastanhados.
— Se precisar de qualquer coisa, se ela precisar de alguma coisa, ligue e volto imediatamente. Ela é uma garotinha especial, e eu só... Quero ajudar.
— Está bem... E novamente, obrigada.
Quando a outra fêmea começou a descer a escada, Mary falou.
— Uma pergunta.
— Sim?
Mary fitou a janela circular no final do corredor, tentando encontrar as palavras certas.
— Ela... Digo, ela disse alguma coisa sobre a mãe? Ou sobre o que aconteceu na clínica?
Tipo algo como Minha terapeuta fez eu me sentir como se tivesse matado minha mãe?
— Nada. A única coisa que disse foi que partiria assim que pudesse. Não tive coragem de dizer que não havia lugar algum para ela ir. Pareceu muito cruel. Cedo demais.
— Então ela falou sobre o tio.
Rhym franziu o cenho.
— Tio? Não, não mencionou nada assim. Ela tem um tio?
Mary olhou de volta para porta fechada.
— Transferência.
— Ah. – A assistente social praguejou baixinho. — Estas vão ser noites e dias longos para ela. Longas semanas e meses também. Mas estaremos todos ao lado dela. Ela
vai ficar bem se conseguirmos fazê-la atravessar este período sem se despedaçar.
— É. Isto é verdade.
Com um aceno, a fêmea desceu os degraus e Mary esperou até os sons de seus passos desaparecerem, caso Bitty só estivesse levemente adormecida.
Inclinando-se para a porta, colou a orelha na madeira fria. Ao não ouvir nada, bateu de levinho, então abriu.
A pequena lâmpada rosa e branca na mesinha do canto lançava um brilho no quarto escuro, e a forma diminuta de Bitty era banhada pela luz suave. A garota estava deitada
de lado virada para a parede, obviamente caiu no sono profundo em algum ponto. Ela usava as mesmas roupas de antes e tinha mesmo guardado as roupas restantes na
mala surrada – e as da mãe. As duas maletas, uma menor e da cor de uma mancha de grama, a outra maior, de uma cor alaranjada estilo Cheetos, estavam alinhadas juntas
na base da cama.
A boneca e a escova estavam no chão à frente delas, junto com aquele tigre de pelúcia que ela não largava.
Com as mãos nos quadris, Mary abaixou a cabeça. Por algum motivo, o impacto do silêncio do quarto, sua humildade e as cortinas e roupas de cama levemente puídas,
seu tapete gasto e móveis que não combinavam, atingiu-a como golpes.
A esterilidade, a impessoalidade, a falta de... Família, na falta de outra palavra, fazia querer aumentar o termostato. Como se um pouco mais de calor vindo dos
dutos no teto pudesse transformar o lugar em um quarto de garotinha mais apropriado.
Mas vamos lá, os problemas que tinham à frente teriam que ser resolvidos por muito mais do que somente um sistema de aquecimento funcional.
Aproximando-se na ponta dos pés da cama que a mãe de Bitty ocupara, pareceu adequado retirar a colcha de retalhos daquele colchão para cobrir a garotinha. Com cuidado,
Mary a cobriu sem perturbar o sono que era tão necessário.
E então ficou observando-a.
E lembrou-se de seu próprio passado. Depois de seu câncer dar o ar da graça, lembrava-se com muita clareza de pensar que estava farta de tudo aquilo. Sua mãe tinha
morrido cedo e de forma horrível, com muito sofrimento. E então ela mesma foi diagnosticada com leucemia e teve de atravessar um ano desgraçado tentando tratar a
doença até a remissão. Tudo aquilo foi muito injusto.
Como se todo o sofrimento da mãe devesse ter qualificado Mary para jamais passar por quaisquer tragédias adicionais.
Agora, enquanto observava a garota, sentia-se positivamente indignada.
É, sabia que a vida era difícil, porra. Ela aprendeu esta lição muito bem. Mas pelo menos teve uma infância marcada por todas as coisas tradicionalmente boas que
você queria ser capaz de olhar para trás e lembrar quando estivesse velho. Sim, seu pai também morreu cedo, mas ela e a mãe tiveram Natais, aniversários, formaturas
do jardim de infância, primário e colegial. Comiam peru no dia de Ação de Graças e tinham roupas novas a cada ano, e boas noites de sono, onde a única preocupação
que podia manter alguém acordado seria em relação a uma nota escolar, ou no caso da mãe, se haveria dinheiro suficiente para duas semanas de férias de verão no Lago
George ou só uma.
Bitty não teve absolutamente nada daquilo.
Nem ela, nem Annalye jamais expuseram os detalhes, mas não era difícil adivinhar o tipo de violência a que ambas foram submetidas. Pelo amor de Deus, foi necessário
um implante de pinos de aço cirúrgico na perna de Bitty.
E como isso tudo tinha terminado?
A garotinha tinha acabado aqui sozinha.
Se o destino tivesse alguma consciência, Annalye não teria morrido.
Mas pelo menos o Lugar Seguro interviu bem a tempo. A ideia de que não tivessem conseguido ajuda para Bitty quando mais precisava?
Era suficiente para fazer Mary sentir-se doente.
Rhage acordou atabalhoadamente, como se um despertador tivesse tocado perto de sua cabeça. Erguendo o torso da cama de hospital, olhou ao redor em pânico.
Só que, tão rápido quanto a ansiedade chegou, ela se foi, a noção de que Mary só foi para o Lugar Seguro o acalmou tanto, que foi como se ela tivesse falado as palavras
em seu ouvido. E achava que ela tinha mesmo. Já fazia um tempinho que eles usavam a besta como uma espécie de mural de recados quando Rhage estava inconsciente.
Funcionava – e não tinham de se preocupar em ter uma caneta à mão.
Mas ainda assim, sentia falta dela. Ainda preocupado com seu próprio estado mental. Mas aquela garotinha...
Jogando as pernas para o lado, piscou algumas vezes e sim, continuava cego mesmo depois do levantamento de pálpebras. Tanto faz. Sentia-se forte e firme – fisicamente
– e contanto que pegasse leve conseguiria chegar ao chuveiro perfeitamente bem.
Vinte minutos depois, saiu do banheiro totalmente nu e cheirando como uma flor. Incrível a diferença que pouco de xampu e sabonete faziam na vida de um cara. Uma
boa escovada de dentes também. Próxima parada? Comida. Depois que a besta saía e ele passava pela sua ressaca, ficava sempre tão faminto que suas entranhas pareciam
ocas – e a melhor coisa que podia fazer era enfiar um pouco de carboidratos de pouca fibra para elas processarem.
Doze baguetes francesas. Quatro pacotes de bagels. Três quilos de macarrão.
Este tipo de coisa.
Saindo para o corredor, ele se perguntou quanto tempo levaria para encontrar o caminho para...
— Caralho, finalmente...
— Podia ter se enrolado numa toalha...
— Fritz te trouxe roupas...
— Está de volta, seu filho da puta...
Todos os irmãos estavam lá, seus cheiros e vozes, seus risos aliviados, seus xingamentos e piadinhas, exatamente o remédio que precisava. E quando eles o abraçaram
e deram tapinhas no traseiro pelado, teve de segurar a emoção.
Ele já estava pelado. #VunerabilidadeTotalMuitoObrigado.
Deus, no meio de toda aquela reeeeeeeeuniãããããão e que era tããããããããão booooooooooooa, era impossível não ser atingido por outra carga de vergonha pelo seu egoísmo
e pelo risco a que expôs Mary e aos irmãos.
E então a voz de V soou diretamente à sua frente.
— Você está bem? – O irmão perguntou em voz rouca. — Já se sente normal?
— É. Tudo está funcionando direito, exceto minha visão, – Sinto muito também. E estou com medo. — Sabe, só um pouco cansado...
POFT!
O golpe no queixo veio do nada, atingindo-o tão forte que sua cabeça bateu para trás e quase voou de sua espinha.
— Que caralho! – Rhage proferiu abruptamente enquanto esfregava o maxilar. — O que...
— Isto foi por não me ouvir, caralho!
Crack!
O segundo golpe veio da direção oposta, o que foi uma coisa boa – o inchaço seria bilateral, então seu rosto não iria parecer tão fodido.
— E isto foi por atacar antes do combinado e foder nossa estratégia toda.
Ao conseguir nivelar seu cérebro pela segunda vez, Rhage segurava o maxilar com ambas as mãos. Pois havia uma possibilidade de que a parte inferior de seu crânio
despencasse.
O lado bom foi que o golpe duplo clareou um pouco sua visão, a cegueira retrocedeu o suficiente para poder enxergar as manchas embaçadas dos corpos e roupas de seus
irmãos.
— A gente podia ter converssssado sssssobre isssssto, – Reclamou Rhage. — Ótimo, essstou falando como se tivesse um ovo na boca.
— E qual a graça nisto? – V o agarrou e abraçou com força. — Agora, nunca mais faça uma porra dessa.
Rhage esperou pelos outros começarem a fazer perguntas. Quando ninguém o fez, imaginou que V já tinha contado a eles sobre a coisa da visão. A menos... Bem, todo
mundo parecia tê-lo visto correr adiantadamente para aquele campo e aquele tipo de merda era mais do que motivo para uma surra.
— Esssstou enxergando agora. – Disse ele.
— Pode me agradecer mais tarde.
Houve uma porção de conversa naquela hora – que o levou a descobrir que tinham Xcor sob custódia.
— Tohr já matou o fodido? – Perguntou.
— Não. – Todo mundo respondeu ao mesmo tempo.
Então houve uma história sobre o Ômega aparecer para uma faxina no campus e V salvando o dia criando um mhis.
— Eu posso ajudar no turno, – Disse Rhage. — Digo, vigiar o bastardo.
— Mais tarde, – V exalou um pouco de fumaça turca. — Você precisa se recuperar, depois a gente te encaixa.
Com isto, o grupo dispersou, alguns foram para a mansão, outros para a sala de treinamento. Rhage foi junto com os que pegaram o túnel para a casa principal, mas
enquanto os Irmãos iam para a cama, ele atravessou a sala de jantar até a cozinha da mansão.
Deus, queria que sua Mary estivesse com ele.
O lado bom era que não havia nenhum doggen por perto, a Primeira Refeição não foi servida graças ao número de ferimentos que aconteceram durante o ataque juntamente
com todo o drama do que aconteceu com ele. A equipe de serviçais estava, sem dúvida, tendo um raro momento de descanso antes de voltarem à limpeza e arrumação, e
ficava aliviado de não incomodar ninguém.
No entanto, ao perambular pelo local sagrado de Fritz, sentiu como se devesse fazer uma concessão ou algo assim, para não arrumar encrenca com o mordomo. E assim,
decidiu não cozinhar. Comeria o que já estivesse pronto e que não dependesse do fogão ou da despensa.
Ele já tinha levado dois murros e a noite mal tinha começado.
Mas primeiro, roupas. Esteve cego demais no banheiro para poder enxergar qualquer coisa que tivesse sido deixada para ele, então foi até a lavanderia atrás da despensa,
usando sua visão um pouco embaçada para localizar umas calças folgadas e um moletom enorme com o logo do American Horror Story estampado. Então era hora de resolver
o assunto comida.
Avaliando o estoque de pães, começou a diminuí-lo separando pacotes de bagels e baguetes no balcão – mas então pensou, foda-se. Tateando por baixo da gaveta, arrancou-a
dos rodízios e carregou a coisa toda para a mesa de carvalho. O passo dois era voltar para a geladeira, pegar meio quilo de manteiga sem sal e um pacote de cream
cheese e pegar a torradeira, puxando-a até o fio desencaixar da tomada.
Uma faca serrilhada e uma tábua de corte mais tarde, junto com a cafeteira, o pote de açúcar e uma caixa pequena de creme, ele se pôs ao trabalho. Enquanto o café
coava começou a fatiar, fazendo montanhas de metades amanteigadas à direita. Os bagels foram alinhados como linha de produção, para poder processá-los pela torradeira
e então besuntá-los de cream cheese.
Provavelmente deveria pegar um prato. E pelo menos outra faca, mas a lâmina maior ia ser eficiente para espalhar.
Quando o café ficou pronto, tirou a jarra, jogou o pote todo de açúcar e juntou o máximo de creme que coube. Então tomou um gole para provar.
Perfeito.
Ele colocou a coisa de volta no aquecedor e começou sistematicamente a batalhar com os bagels – pois, ei, aquilo era o mais perto de uma Primeira Refeição, certo?
Em seguida veio as baguetes, por que aquilo era o mais próximo de uma refeição que suas opções permitiam. A sobremesa seria um bolo de café com nozes. Ou dois.
Enquanto mastigava, seus dentes pareciam um pouco frouxos graças ao murro de V, mas não era grande coisa. E de vez em quando, empurrava as coisas abaixo com goles
de café direto da jarra.
Duas mil calorias depois, a realidade do quão sozinho estava o atingiu.
Mas também, o cômodo poderia estar cheio de irmãos e sentiria o mesmo.
Pior, achava que mesmo a presença de sua Mary não poderia ter consertado este isolamento dentro dele.
Sentado lá, enchendo seu estômago e ainda assim incapaz de fazer qualquer coisa com o vazio que realmente contava, ele pensou que teria sido muito mais fácil se
tivesse sequer uma indicação de qual realmente era o seu problema...
A distância, na sala de jantar, um som apressado ecoou.
Era uma porção de passos, como se alguém corresse.
Que inferno? Ele pensou se levantando da cadeira.
Capítulo DEZESSETE
Havia uma porção de cálculos a serem feitos quando se tinha um vício.
Ao sentar-se atrás da escrivaninha de mansão de vidro, Assail abriu a grande gaveta estreita, próxima às suas coxas, e tirou três vidrinhos idênticos ao que o Irmão
Vishous tinha esvaziado no próprio antebraço, lá no complexo subterrâneo da Irmandade.
Cálculo, cálculo, cálculo... A maior parte, multiplicação. Tipo, pela quantidade de cocaína que tinha, quanto tempo conseguiria manter o vício aplacado? Quatorze
horas? Quinze?
Ele abriu um dos frasquinhos marrons e derramou o conteúdo de pó branco em cima do mata-borrão de couro. Usando um cartão de crédito Centurion, da American Express,
esticou duas fileiras, inclinou-se sobre elas e cuidou do seu problema. Então, recostou-se de novo na cadeira e fungou algumas vezes.
Sério, odiava sentir o nariz constantemente escorrendo. A queimação em suas vias nasais. O gosto amargo que florescia em sua boca. E, mais especialmente, detestava
o fato de que já nem mais ficava chapado. Apenas experimentava uma ascensão temporária na horrível montanha russa na qual tinha se metido, uma espécie de trégua,
inevitavelmente seguida por um acidente em alta velocidade – e então, se não tomasse outra dose, os arranhões e apertos implacáveis da fissura.
Fitando os resquícios dos dois vidrinhos, achou difícil acreditar que tinha chegado àquele padrão. O deslize e a queda tinham sido tanto coisa de momento quanto
uma tragédia em câmera lenta. Ele inicialmente tinha começado por se acostumar à sensação de estar alerta, mas o que tinha começado como um hábito de praticidade
agora o escravizava, tal qual um mestre tinha domínio sobre um serviçal no Antigo Continente.
Caramba, não fora essa sua intenção.
Ultimamente, ele fazia várias coisas sem intenção.
Estendendo o braço, despertou seu notebook com um toque no touchpad, logou usando uma mão, embora sua senha contivesse letras maiúsculas, e acessou, via canais criptografados,
suas contas estrangeiras. A maior delas ficava em Genebra.
Ele tinha várias outras.
Tantos dígitos e vírgulas antes das casas decimais em jogo. E olhando para os dados na tela, contemplou exatamente quanto dinheiro era preciso – mesmo assumindo
que, como um vampiro, viveria dez vezes mais do que a média humana ou até mais.
Desde que seu pequeno hábito não apressasse sua ida ao Fade.
Ou no seu caso, mais provavelmente ao Dhund.
Claro que tinha o suficiente para qualquer padrão prático, mesmo à luz da crise financeira mundial... Então realmente precisava continuar traficando drogas? Por
outro lado, com a velocidade em que vinha cheirando pó, era perigoso se tornar seu maior e melhor consumidor.
Preciso de sua ajuda com a Glymera.
Enquanto considerava a proposta de Wrath, teve de se perguntar o quanto aquilo que o Rei queria fazer seria melhor ou pior do que ganhar dinheiro às custas de humanos
e sua necessidade de complementos químicos. O esforço real era algo para passar o tempo, certamente. E se não iria mais traficar drogas, precisaria passar as horas
noturnas de algum jeito.
Ou então ficaria louco.
Principalmente por sentir tanta falta daquela fêmea dele. Que, de fato, nunca foi dele.
— Marisol. – Sussurrou para a sala vazia.
Por que infernos nunca tinha tirado uma foto dela? Quando ela tinha ficado aqui, nesta mesma casa, enquanto a protegia com a própria vida, por que não tinha pegado
seu celular, apontado na direção dela e tirado uma foto? Um simples momento do tempo, uma fração de segundo, que era só o que era preciso. Mas não, não tinha feito
tal coisa, e agora aqui estava ele, do outro lado da separação sem nada dela, exceto o que havia em sua mente.
Era como se ela tivesse morrido. Só que ainda existia.
De fato, ela agora estava na Flórida, onde o oceano lambia a areia doce e as noites eram um mistério cálido, mesmo na porra do mês de outubro.
Sabia exatamente onde estava, precisamente onde ficava – por que a tinha rastreado até lá. Certificando-se que tinha chegado a seu destino a salvo com a avó. Espiara
as duas das sombras da maneira pais patética possível.
Mas tinha honrado o pedido dela. Tinha deixado-a ir. Libertara-a dele e do estilo de vida marginal que ambos levavam.
Ladrões e traficantes não podiam coexistir.
Uma humana que queria ficar do lado certo da lei e um vampiro viciado que não conseguia.
Com um gemido, pôs o rosto entre as mãos e tornou a lembrar dela. Sim, oh, sim, conseguia se lembrar com certa clareza de seus cabelos escuros e seu corpo ágil,
sua pele e olhos escuros. Mas com o passar do tempo... Ele se preocupava de que pudesse vir a se esquecer de certas nuances no começo, e então cada vez detalhes
maiores e mais significativos.
E a perda daquilo seria uma morte lenta, mesmo que permanecesse respirando.
— Chega. – Murmurou ao abaixar os braços e se recostar.
Voltando a se concentrar em si mesmo, pensou no que o Rei queria que fizesse. Podia ser uma mudança de ramo, com certeza. Mas já tinha dinheiro suficiente. Tempo
suficiente. E achar outra rede de contatos de traficantes intermediários para distribuir seu produto nas ruas de Caldwell e Manhattan subitamente parecia trabalhoso
demais.
Além disto... Depois de lutar lado a lado com a Irmandade? Ele se viu cheio de respeito por aqueles machos. Cheio de respeito pelo líder deles também.
Era uma grande mudança para um apartidário convicto – meio que como um ateu considerando a existência de Deus depois de uma experiência próxima da morte.
Mais, ele devia a Vishous sua vida; disso tinha certeza. Por menos valor que sua existência tivesse, não estaria sentado nesta cadeira, nesta mansão de vidro junto
ao Rio Hudson alimentando seu vício de cocaína, se aquele Irmão não o tivesse jogado por cima do ombro e corrido pra diabo.
Duas vezes.
Oh, aquela Besta. Se não tivesse visto, jamais acreditaria na sua existência.
Assail empurrou a cadeira com o pé de forma a poder espiar pela janela para além do rio. Um apito sutil soou do canto da sala onde um antigo relógio francês ficava.
Ao fundo, na parte dos fundos da casa, ele podia ouvir os primos se movendo pela cozinha.
Quando decidiu usar o celular, tudo o que teve de fazer foi buscar no bolso de sua jaqueta de couro despedaçada. Tinha se esquecido de remover a roupa arruinada
mesmo que sua casa estivesse bem aquecida contra a noite fria de outubro.
Mas também, ao chegar em casa, sua única preocupação foi ficar logo a sós para poder resolver seu probleminha.
Não conseguia cheirar suas carreiras na frente dos primos. Não que tivesse qualquer intenção de alterar seu comportamento por causa do julgamento de outra pessoa.
Selecionando um número de seus contatos, hesitou antes de iniciar a chamada. Com o polegar pairando sobre a tela, tornou-se agudamente ciente de que se fosse adiante
com isto, ele se tornaria algo que sempre desprezara.
Um agente do Rei.
Ou, mais especificamente... Um agente a mando de outro.
Com um estranho sentimento de temor, cedeu ao impulso e levou o aparelho ao ouvido, ouvindo-o tocar. No final, decidiu atender ao pedido de Wrath pela simples razão
de que parecia a única coisa boa que poderia fazer consigo mesmo.
Uma coisa certa.
Uma coisa positiva.
Estava começando a sentir como se já fosse hora. E talvez estivesse pegando uma página do livro de Marisol por que era a única maneira que o faria sentir-se próximo
a ela agora.
Chega de tráfico de drogas para ele.
Embora o que estava a ponto de fazer bem poderia se provar tão perigoso quanto. Mas, pelo menos, não ficaria entediado.
— Alô querida, – Disse quando a chamada foi atendida por uma fêmea. — Sim, preciso mesmo me alimentar, obrigado. Esta noite seria preferível, sim. E também senti
sua falta. De fato, muito mesmo. – Ele a deixou falar um pouquinho até ter certeza de que ela tinha engolido sua mentira, e inteira. — Na verdade, na sua casa, por
favor. Não, o chalé não está à altura de um macho como eu. Eu até abria mão de início em respeito à presença de seu hellren, mas agora que ele está acamado, não
estou mais disposto a fazer concessões. Espero que compreenda.
Houve uma longa pausa, mas sabia que ela cederia.
— Obrigado, nalla. – Falou calmamente. — Eu te vejo em breve... Oh, use algo vermelho. Sem calcinha. É só.
Ele desligou por que ela era uma fêmea que exigia trabalho em se capturar sua atenção. Tranquilo demais? Charmoso demais? Ela logo perderia o interesse, e isto não
poderia acontecer até obter todas as informações que precisava dela.
Sua próxima ligação foi para o Irmão Vishous. Quando o macho atendeu, Assail só falou duas palavras antes de desligar de novo.
— Estou dentro.
— Claaaaaro, eu fico até tarde. Sem problema. Não é como se tivesse algo melhor pra fazer.
Jo Early estava sentada atrás de sua mesa da recepção com o resto da imobiliária vazia, nada além de uma mixórdia de perfumes e a deprimente música de elevador soando
acima para lhe fazer companhia. Bem, isto e as porras dos arbustos de fícus de ambos os lados dela.
Aquelas coisas espalhavam suas folhas como se estivessem em constante derretimento – e seu TOC simplesmente não permitia que relaxasse a menos que o chão estivesse
limpo. Mas também, ela não tinha de fazer agachamentos na academia.
Não que sequer frequentasse uma academia.
Verificando seu celular, meneou a cabeça. Sete horas.
O plano, o “favor” que estava fazendo para o chefe, era ficar ali até ele trazer três contratos assinados para ela poder digitalizar e enviá-los por e-mail para
os vários corretores compradores. O porquê dele mesmo não conseguir enfiar os contratos no scanner e criar alguns PDFs era um mistério.
E, está bem, talvez ela também fosse uma parte do problema.
Não que tivesse orgulho em admitir.
Erguendo o olhar por cima da beira do tampo da mesa, fitou as portas de vidro esfumaçado que abriam para o exterior. O escritório ficava localizado em uma galeria,
entre lojas, que contavam com um salão de cabeleireiros onde o corte mais barato custava cem pratas – e isto para os cortes masculinos – uma butique que expunha
duas peças de roupas minúsculas em sua vitrine, uma loja de porcelanas e vidrarias que brilhava mesmo em dias cinzentos e, no final dela, uma joalheira que as caçadoras
de dotes de Caldwell pareciam aprovar.
A supor pela clientela pneumática do local.
— Vamos lá, Bryant. Vamos lá...
Embora, sério, não tinha nada a fazer. Ir pra casa para Dougie e as discussões sobre o círculo de colheita? Aquilo sim seria divertido.
Quando um telefone tocou na área onde os escritórios ficavam, despertou seu computador e encarou o calendário de Bryant. Ela punha os compromissos dele no Outlook
quando ele enviava uma mensagem de texto ou ligava pedindo a ela para fazer isto. Compromissos válidos como reuniões imobiliárias, mas também a vistoria do BMW dele,
e agendamentos do cara da manutenção da piscina para a casa dele naquele novo empreendimento. Lembretes pra ele ligar para a mãe no aniversário dela e encomendar
flores para as mulheres com quem saía.
O tempo todo se perguntando o que ele pensaria se soubesse quem eram seus pais.
Aquele segredinho era o que a reconfortava quando ele aparecia em uma manhã de segunda-feira e sussurrava que tinha saído com uma divorciada na sexta-feira e uma
personal trainer no sábado, e então almoçou com outra pessoa no domingo.
Sua identidade real era uma armadura que usava para lutar contra ele. Em uma guerra que ele sequer estava completamente inconsciente de estarem lutando.
Fechando a agenda dele, encarou o logotipo na tela. O último nome de Bryant, Drumm, era o segundo na linha – por que a firma foi fundada pelo seu pai. Quando o homem
morreu há quase dois anos, Bryant assumiu a posição dele do mesmo jeito que fazia tudo o mais em sua vida – sorrindo e com charme. E ei, aquela não era uma estratégia
ruim. Diga o que quiser sobre o estilo de vida playboy do cara, mas ele sabia negociar uma tonelada de imóveis e ainda parecer bonito fazendo isto.
Caldwell, a própria estrela da Lista de Milionários de Nova York.
— Vamos lá, Bryant... Cadê você?
Depois de uma nova vistoria de sua mesa já arrumada duas vezes, verificou o chão debaixo do fícus à direita, pegou uma folha e a jogou fora, sentou-se de novo e...
Que inferno, acessou o YouTube.
Dougie tinha postado aquela gravação estúpida em seu canal – um puta canal com o grande total de vinte e nove inscritos. Dos quais, tipo, quatro eram o próprio Dougie
em diferentes perfis fakes e dois eram spammers com baixos padrões. Quando clicou na seta para assistir de novo ao vídeo de quarenta e dois segundos, ligou as caixas
de som. Os efeitos sonoros eram de amadores a médios, uma combinação de uns sons de farfalhar muito altos enquanto seu companheiro de casa segurava o iPhone erguido,
e então um distante, e não tão silencioso, rugido.
Está bem, então sim, certamente aquilo parecia algo Dinossáurico no meio daquele campo. E sim, parecia haver um monte de desordem no chão, mas quem saberia o que
tudo aquilo era. Não passava de uma câmera de celular capturando uma tomada, e talvez fosse só o jeito que a área pisada parecia na lente.
Ela assistiu mais algumas vezes. Então recostou na cadeira.
Havia cinco comentários. Três eram de Dougie e seus colegas. Um era um depoimento de alguém que estava ganhando 1750 dólares trabalhando em casa!!!!$$$!!!! O último
era... Apenas quatro palavras que não faziam muito sentido.
Essa merda de vamp9120 de novo.
Deixado por alguém chamado ghstrydr11.
Franzindo o cenho, começou uma pesquisa virtual e encontrou o canal vamp9120. Uau. Está bem, três mil inscritos e o que parecia ser uma centena de vídeos. Clicando
em um deles, ela...
Gargalhou bem alto.
O cara que falava para a câmera era como um personagem LEGO do Drácula, com uma testa afiada e caninos ainda mais afiados, pelos faciais que pareciam ter sido pintados
ao invés de barbeados, e uma gola “Juro Por Deus, Aquele Deve Ser Elvis” em sua camisa. A pele do cara era branca demais, seu cabelo preto demais, seus lábios vermelhos
saídos de um tubo da MAC. E aquela voz? Parte evangelista, parte neo-vitoriano, quase Bram Stoker.
— Criaturas da noite...
Espere, esta frase não era de um filme?
— ... Vigiando as ruas de Caldwell...
Como se fosse a versão Nova Iorquina de The Walking Dead? Na dúvida, arraste uma perna.
— ... Caçando vítimas...
Está beeeeeeeem, adiante. Descendo a tela com o índice de vídeos, escolheu outro aleatoriamente. E sim, O Verdadeiro Pseudo Vlad de novo encarava a câmera – e desta
vez tinha um olhar bem esfumaçado para completar a caracterização.
— ... Existem! Vampiros existem...
Perguntando-se se o púlpito dele estava coberto com veludo pret... Está bem, uau. Era para ser uma piada, mas conforme as lentes se afastavam, parecia mesmo que
ele estava inclinado em algo que era, de fato, coberto de veludo negro.
Interrompendo o vídeo, desceu para o próximo e disse a si mesma que depois deste chega.
— Oh, ei, Vlad, qual é?
— ... Depoimento sobre um encontro vampírico, – Vlad se virou para um cara sentado perto dele em uma cadeira dobrável de plástico. Que era uma total ambientação.
— Julio? Conte a meus fãs o que aconteceu há duas noites.
Por falar em um pouco de mistureba: Julio era o antivampiro, com uma bandana do Tupac na cabeça, crucifixo no pescoço e tatuagens ao redor da garganta.
Mas seus olhos... Estavam arregalados e frenéticos, fixos em Vlad e depois ao redor.
— Eu tava no centro, sabe, com meus parças, e a gente tava...
A história a seguir começava sem nada de especial, só um maloqueiro com sua gangue atirando em rivais nos becos. Mas então as coisas entraram no rumo da Vampirolândia
com o cara descrevendo como tinha corrido para dentro de um restaurante abandonado – e daí por diante as coisas ficaram estranhas.
Supondo que se acreditasse nele.
— ... cara me jogou no balcão e foi isto, – Julio fez um gesto de presas e garras. — E seus dentes eram todos...
— Iguais aos meus. – Vlad interrompeu.
— Só que os dele eram de verdade. – Okay, Vlad claramente não gostou disto, mas Julio continuou: — E ele tinha um rosto fodido, o lábio superior fodido. E ia me
matar. Ele tinha uma...
Jo assistiu ao resto da entrevista, mesmo a parte onde Vlad empurra Julio do caminho, como se o patamar de compartilhamento do pseudo-Dracula já tivesse sido atingido.
Recostada na cadeira de novo, ela se perguntou exatamente o quão longe iria com isto. E a resposta foi ir para a página do Jornal Caldwell Courier e fazer uma busca
pelo nome do bom e velho Julio. Ahn. Quem diria. Havia um artigo escrito em dezembro passado sobre a atividade de uma gangue na área do centro – e Julio era destaque.
Tinha mesmo uma foto dele encarando de dentro de um camburão, os olhos ostentando aquele mesmo esbugalhar, a boca também arreganhada como se estivesse falando desesperadamente
com o fotógrafo.
Mas nada sobre vampiros.
Subindo a tela de novo, descobriu que o nome no subtítulo era um que ela conhecia.
Na verdade, Bryant tinha conseguido uma casa para o cara e a esposa há cerca de seis meses. Se não estava enganada.
Uma rápida busca no arquivo de clientes e, é, ela estava certa.
— Sinto muito pelo atraso!
Bryant Drumm entrou pela porta de vidro correndo, mas não parecia esbaforido. Seu cabelo escuro estava perfeitamente arrumado, o terno azul acinzentado estava adequadamente
abotoado e os documentos em suas mãos estavam separados em três seções.
Então ele não tinha realmente corrido. Veio em seu próprio ritmo, mesmo que para isto tivesse deixado-a plantada ali.
Ele pôs os cotovelos na mesa e se inclinou, com seu sorriso patenteado.
— Jo, como posso te recompensar?
Ela estendeu a mão.
— Dê-me. E me deixe ir embora.
Bryant colocou os documentos em sua mão, mas então se recusou a soltar quando ela tentou pegá-los.
— O que seria de mim sem você?
Enquanto a olhava fixamente, a concentração dele era fixa e completa – como se nada mais existisse no mundo para ele, como se estivesse tanto cativado por ela quanto
levemente admirado. E para alguém que não tinha muita importância para os pais, que foi posta para adoção pelas pessoas que a geraram, que se sentia perdida no mundo...
Era assim que ele a cativava.
De certa maneira triste que ela não gostava de questionar muito, vivia para estes pequenos momentos. Trabalhava até tarde por eles. Mantinha-se na expectativa de
que voltariam a acontecer...
O telefone dele tocou. E ainda olhava para ela ao atender.
— Alô? Oh, ei.
Jo desviou o olhar, e desta vez quando ela puxou, ele a deixou pegar os contratos. Conhecia aquele tom de voz dele. Era uma de suas mulheres.
— Posso te encontrar agora. – Murmurou ele. — Onde? Mm-hmmm. Não, já jantei... Mas topo uma sobremesa. Mal posso esperar.
Quando ele encerrou a ligação, ela já tinha se virado para o lado e ligado o scanner.
— Obrigado de novo, Jo. Te vejo amanhã?
Jo nem se incomodou em olhar por cima do ombro ao alimentar as páginas uma a uma.
— Estarei aqui.
— Ei.
— O que?
— Jo. – Quando ela se virou para olhá-lo, ele inclinou a cabeça de lado e estreitou o olhar. — Devia usar vermelho com mais frequência. Destaca seu cabelo.
— Obrigada.
Voltando ao scanner, ouviu-o sair e a porta se fechando suavemente. Um momento depois, houve o clarão de um motor potente e ele se foi.
Sabendo que estava sozinha, ergueu a cabeça e olhou para seu reflexo na entrada de vidro. As luzes das lâmpadas superiores refletiam em seu cabelo de um jeito que
seus tons de vermelho e castanho se destacavam mesmo, em contraste com todo aquele preto e cinza ao seu redor.
Por alguma razão, o vazio do escritório... Em sua vida... Pareceu tão alto quanto um grito.


CONTINUA

Capítulo TREZE
Quando Mary acordou, não tinha ideia de que horas eram. Levantando a cabeça do peitoral nu de Rhage, ela olhou em volta e se surpreendeu ao descobrir que os dois
caíram no sono na sala de recuperação e com as luzes acesas acima de suas cabeças.
Droga, não tinha tornado a conectar todas aquelas máquinas. Depois do pequeno interlúdio orgástico de Rhage, ele tinha se recusado a parar de abraçá-la, e ela deve
ter caído no sono de encontro a seu corpo quente e musculoso. Claramente Ehlena tinha chegado a conclusões certas – os monitores por si foram removidos. E sim, seu
hellren ainda estava muito vivo, seu peito subindo e descendo calmamente, e aquele maravilhoso Ba-bump, Ba-bump, Ba-bump de seu coração era um verdadeiro atestado
de sua saúde.
Fechando os olhos, estremeceu quando pensou na ferida da bala, o sangue que ele tinha tossido, aquele horrível...
— Ei, linda.
Assim que ele falou, ela levantou a cabeça. Seus olhos azuis semicerrados a prendiam, queria olhar dentro deles para sempre.
— Oi. – ela sussurrou.
Movendo sua mão para cima, ela acariciou a bochecha dele, sentindo sua barba loira começando a crescer.
— Você precisa se barbear.
— Preciso?
— É sexy, na verdade.
— Então vou jogar fora todos os meus barbeadores. Rápido, me ajude a ir pro nosso banheiro pra eu fazer isso agora.
Ela riu um pouco, então ficou séria.
— Como está sua visão?
— Que visão?
— Continua cego?
Ele soltou um som como hrrumph.
— Como se isso importasse! Você está aqui e eu posso te ouvir perfeitamente. Posso sentir você também. – A grande e larga palma da mão de Rhage esfregou seu ombro.
— Ei, tive uma ideia. Vamos pro nosso quarto e depois de cancelarmos minha assinatura do Clube de Barbear, podemos cair na Jacuzzi. Depois de um banho e meio, podemos
ir pra cama e ver o que acontece. Lembre-se que eu te devo pelo menos um bom passeio... E então tem os juros. Ohhh, aqueles juros... Tenho muita coisa pra fazer
por causa disso.
Mary riu um pouco.
— O que? – Ele disse com um olhar severo. — O que tem de errado?
Colocando-se na vertical e afastando-se do peito dele, ela estalou as costas se esticando. Jogou seu cabelo para longe do rosto. Colocou o colarinho da camisa no
lugar para não se asfixiar mais.
— Que pena, hein?
Com um gemido de dor, ele agarrou os botões do controle e deixou o ângulo do colchão mais alto para que então pudesse se sentar de modo mais apropriado.
— Fale comigo.
Quando ela se moveu para os pés de sua cama e tentou achar as palavras, Rhage recuou.
— Uau. Você está... Por que está chorando?
— Jesus, eu estou? – Uma passada rápida de sua palma na bochecha e ela achou umidade. — Uau. Sim, me desculpe por isso.
— O que está acontecendo? Preciso matar alguém pra você?
Esta era a primeira resposta de um macho emparelhado para qualquer coisa que chateasse sua shellan, e antes que pudesse evitar, ela sussurrou: — A morte já aconteceu,
na verdade.
— Huh.
Por alguma razão, seu pensamento voltou para aquela noite, cerca de dois anos atrás, quando Rhage, V e Butch saíram e mataram um hellren criminoso, então Bitty e
Annalye puderam viver.
— A mãe de Bitty morreu na noite passada.
— Ohhhhh, merda. – Rhage sentou completamente para frente por conta própria, como se tivesse em mente pular para fora da cama mesmo que não tivesse nenhum lugar
para ir, nenhum ataque para defendê-la. — Mas por que inferno você não me disse?
— Você estava meio que ocupado morrendo na hora...
— Você deveria ter me contado. Eu fiz você me masturbar...
— Pare com isso. Eu amo isso. Nós precisávamos disso.
Quando seu lindo rosto ficou insuportavelmente tenso e ele cruzou os braços no peito como se estivesse chateado consigo mesmo, ela arqueou pra cima e o beijou na
boca. — Obrigada.
— Pelo que?
— Por se importar com ela também.
— Como eu não poderia? O que posso fazer pra ajudar?
Mary se sentou e soltou.
— Eu senti sua falta.
Rhage bateu no ar entre eles como se estivesse indo tocá-la, e ela colocou seu rosto entre as mãos dele, deixando-o sentir suas bochechas e mandíbula, os lados de
sua garganta.
— Senti sua falta também, – Ele disse num tom baixo. — Nós estivemos... Afastados ultimamente. Não separados, mas afastados.
— Me desculpe. Eu sei. Estive envolvida com tudo no Lugar Seguro e isso realmente não é justo...
— Pare com isso. Você nunca tem que se desculpar comigo por amar seu trabalho ou precisar estar sempre por dentro das coisas, como faz. Sou a última pessoa que não
entenderia isso. Você é maravilhosa lá, e uma pessoa maravilhosa que ajuda todo mundo...
Mary abaixou os olhos, mesmo pensando que tecnicamente não havia nenhum olhar fixo para ela escapar.
— Nem sempre. Deus, nem sempre.
— Conte pra mim. Mary, não quero ser exigente... Mas você realmente precisa falar comigo.
Quando ela se lembrou de tudo que aconteceu, seus olhos se encheram de lágrimas novamente.
— Eu, ah... Eu recebi a ligação na minha mesa que as coisas não estavam indo bem com Annalye e levei Bitty no Havers. Eu realmente pensei... Bem, quando minha mãe
se foi, eu estava com ela e isso foi importante para mim, especialmente depois, sabe? Quero dizer, quando penso nela e sinto sua falta... Há um certo consolo que
tenho ao saber que ela não estava sozinha quando morreu. Que... Que estava comigo no começo da minha vida e que eu estava com ela no fim da dela, – Mary soltou um
suspiro trêmulo. — Quero dizer, Bitty é nova... Ainda há tantos anos pela frente para ela lidar com isso, sabe? E o que foi importante para mim quando eu era adulta,
meio que parecia algo que poderia ser importante para ela depois. Em todo caso... Eu não queria que isso acontecesse.
— O que acontecesse?
Mary cobriu o rosto com as mãos quando as memórias atravessavam sua consciência como uma faca.
— Quando Bitty... Oh Deus, quando Bitty pegou a mão de sua mãe, a fêmea morreu bem naquela hora. Bitty pensou que ela fosse a responsável. Isso foi... Horrível.
Nada do que eu queria para nenhuma das duas.
Eu a matei! Eu a matei!
— Talvez a mahmen dela estivesse esperando por ela.
Mary secou os olhos e deixou os braços caírem em derrota.
— É isso o que eu estou dizendo a mim mesma. Não que isso realmente ajude...
— Mary, quando fui baleado naquele campo e estava morrendo, eu estava esperando que você fosse até mim. Era a única coisa que estava me segurando aqui. Quando se
ama alguém e você está partindo, espera até que a pessoa venha... E isso toma um monte de energia, um monte de foco. Estou te dizendo Mary, eu estava esperando por
você por que precisava ficar em paz contigo, mas não conseguia aguentar por muito tempo... E embora tivemos sorte e você salvou minha vida, a realidade é que eu
prolonguei meu sofrimento só para ter aquele momento contigo.
— Oh Deus, sério... Ver você sofrendo daquele jeito... Foi um dos piores momentos da minha vida.
Como se ele estivesse determinado a mantê-la no caminho, Rhage falou sobre ela.
— Você precisa dizer isso a Bitty, ok? Dizer a ela que sua mãe morreu naquele momento por que a voz de Bitty era o que ela precisava ouvir antes que fosse para o
Fade. Ela precisava saber antes de partir que sua filha estava bem. E te garanto, Mary, se você dissesse uma palavra naquele quarto, Annalye saberia que estava com
a filha dela também. E isso quer dizer que Bitty estaria segura. Annalye foi embora por que sabia que tudo bem ela ir.
— Nunca pensei nisso desse jeito, – Mary murmurou. — Você colocou isso de um jeito ótimo. Eu queria que você pudesse dizer isso a ela.
— Talvez eu possa algum dia. Inferno, diga o dia e a hora e estarei lá.
Quando Rhage começou a ir até ela, parecia focado nela mesmo que não pudesse enxergar – e na realidade, Mary tinha muita certeza nesse momento que nada mais nesse
mundo existia para ele além dela e dos seus problemas. Adicione aquela ridícula beleza masculina, aquele desejo sexual e aquele grande coração?
— Como nesse mundo acabei ficando com você? – Ela sussurrou. — Ganhei na loteria.
Seu hellren a alcançou e trouxe para perto de novo, colocando-a sob seu queixo.
— Oh, não, Mary. É o contrário. Acredite em mim.
Quando Rhage sentiu a tensão no corpo de sua shellan acalmar, esfregou suas costas em círculos lentos... E sentiu vontade de vomitar.
Não por causa da coisa toda da Besta.
— Então, sei que ainda temos 12 horas até o anoitecer, – Ela disse — Mas gostaria de ir para o trabalho essa tarde. Mesmo que só um pouquinho e somente se você...
— Oh Deus, sim. Bitty precisa de você. – Perguntou a si mesmo se tinha sobrado algum Alka Seltzer. — Estou bem.
— Tem certeza?
Não. Não mesmo. — Inferno, sim... Quantas vezes já passei por essa recuperação? Vou só deitar aqui e dormir muito. – Por que se não estivesse consciente, não iria
se sentir daquele jeito, certo? — E na verdade, pensando bem, você não precisa que eu diga nada a Bitty. Você tem maneiras melhores de colocar as coisas do jeito
certo.
— Eu costumava acreditar nisso.
— Não. – Olhou para baixo, para onde o som da voz dela estava vindo e pegou uma de suas mãos com a dele com urgência. — Mary, você não pode ter uma segunda opinião
sobre si mesma. Ouça, você vai para a guerra do seu próprio jeito, e a pior coisa que um soldado pode fazer é ter sua confiança perdida antes que chegue ao campo.
Não são todas as vezes que vai acabar em vitória, mas você tem que começar isso todas às vezes sabendo que seu treinamento e seus instintos são ouvidos. Você não
fez nada de errado. Não magoou Bitty de propósito. Certamente não é responsável pela mahmen dela escolher aquele momento para ir para o Fade... E de fato, há muitas
evidências que sugerem que a fêmea foi embora por que sentiu que sua filha estava em boas mãos. Você precisa acreditar em tudo isso, caso contrário vai ficar presa
em algo indefinido que não vai ajudar ninguém.
— Senhor, você está sempre tão certo.
Blah. Nem mesmo perto disso. Mas não é como que fosse trazer todos seus erros à tona agora, quando ela tinha problemas reais para lidar com aquela garotinha. Ele
era um idiota egoísta, mas não era tão babaca assim.
Puta merda, não podia acreditar que fez sua shellan atravessar aquilo daquele jeito... Não poderia viver consigo mesmo sabendo que fez Mary essencialmente assisti-lo
morrer na noite passada – e tudo por nenhuma boa razão, porra.
Tudo por que não tinha ouvido Vishous.
Na verdade não, ele tinha. E isso é o pior de tudo. De fato, tinha ouvido cada palavra que o Irmão disse e saiu pra lutar do mesmo jeito, completamente ciente do
que estava esperando por ele no campo de batalha se o cara estivesse certo.
Achava que essa era a definição de suicida, não era?
O que significa que ele era...
Ah, porra.
Enquanto a cabeça de Rhage começou a implodir com a realidade que estava só agora acordando nele, Mary continuou a falar de um jeito lento, e considerando o que
ela ia fazer para a garotinha, quais as consultas medicas ela tinha que ter, e então havia algo sobre um tio em algum lugar... E Rhage simplesmente deixou a conversa
de uma só pessoa seguir.
Na verdade, estava indefinidamente agradecido que ela se sentia melhor e mais conectada com ele. Aquela merda importava. Infelizmente, estava voltando a ficar longe
dela novamente, uma parte dentro dele flutuando para fora mesmo com o corpo dele ficando onde estava.
O que tinha de errado com ele, inferno? Ele tinha tudo o que queria na vida – e ela estava em seus braços neste exato momento. Ele tinha morrido de medo e tinha
passado por isso. Havia muito pelo que viver, pelo que lutar, pelo que amar.
Então por que faria uma coisa daquela? Por que correria para um caixão todo garantido? E por que essa distância dela de volta?
Bem, havia uma explicação. Alguma coisa tinha amarrado tudo com um arco grande, gordo e psicótico.
Ele frequentemente tinha se perguntado se estava louco. Tipo, tão intrinsecamente.
Suas emoções sempre foram tão extremas, pulando da loucura para a raiva, que ele tinha ficado preocupado algumas vezes que um dia iria pender para algum dos extremos
dessa espiral, nunca retornando para a sanidade novamente. Talvez isso finalmente tivesse acontecido. E se tivesse? A última coisa que Mary precisava depois do que
tinha acontecido na noite anterior é que ele estivesse clinicamente insano.
Por que merda, por que mais ele se sentia tão malditamente estranho dentro de sua própria pele?
Maldição, parecia que tinha ganhado na loteria só para descobrir que era alérgico ao dinheiro ou uma merda assim.
— Rhage?
Ele se sacudiu. — Me desculpe, o que?
— Você quer que eu pegue alguma comida?
— Não. Continuo cheio. – Ele tornou a colocá-la contra ele novamente. — Porém eu poderia ter muito mais disso.
Mary se aconchegou perto dele, passando os braços em volta dos seus ombros o máximo que conseguia.
— Você tem.
Tentei me matar na noite passada, disse para ela na sua cabeça. E não tenho ideia do por quê.
Sim, era oficial.
Ele tinha enlouquecido.
Capítulo CATORZE
— É aqui.
Jo Early pisou no acelerador de seu Volkswagen de merda.
— Sim, sei onde é, Dougie.
— Bem aqui...
— Eu sei.
Não havia razão para acertar a placa. Às sete da manhã, não tinha nenhum outro carro por perto, ninguém para se importar como ela atravessou o portão desencaixado
com a pintura descascada da velha escola preparatória que sua mãe teve um milhão de anos atrás.
Uau. A Escola Brownswick para Garotas teve dias melhores.
Sua mãe então não aprovaria nem um pouco este paisagismo. Ou a falta dele.
Mas aí, a mulher podia romper um aneurisma através de um único dente de leão em seu gramado de cinco acres.
Dirigindo pela rua de asfalto esburacada, Jo dirigiu em torno de buracos que eram grandes o suficiente para engolir seu pequeno Golf, e se esquivou da árvore caída
em pedaços – alguns dos quais eram velhos o suficiente para apodrecer.
— Deus, minha cabeça dói.
Ela olhou para seu companheiro de quarto. Dougie Keefer era Shaggy do Scooby Doo – sem o cão alemão falante. E sim, seu apelido era Reefer por uma boa razão.
— Eu disse para ir a um médico quando passou por aqui ontem à noite...
— Fui atingido na cabeça!
— ... você provavelmente teve uma concussão.
Embora qualquer consulta de neuro com o cara seria difícil de ler por que ele normalmente tinha visão dupla. E dormência e formigamento era uma escolha de estilo
de vida em seus olhos.
Dougie estalou os dedos um por um.
— Vou ficar bem.
— Então pare de reclamar. Além disso, metade do problema é que está ficando sóbrio. É chamado de ressaca.
Enquanto iam para dentro do campus, edifícios apareceram e ela os imaginou com janelas inteiras limpas e recém-pintadas, e portas que não penduravam em ângulos ruins.
Podia absolutamente ver sua mãe aqui com seus terninhos e pérolas, atrás de seu diploma superior mesmo que tivesse sido apenas uma escola preparatória, não uma faculdade.
Tradições do século XXI à parte, coisas tinha sido adquiridas na cápsula do tempo dos 19 aos 50 anos de sua mãe. E a mulher tinha o correspondente de sapatos e bolsas
femininas para comprová-lo.
E as pessoas se perguntavam por que Jo tinha se afastado?
— Você não está pronta para isso, Jo. Estou dizendo a você.
— Tanto faz. Preciso começar a trabalhar.
— Vai explodir sua mente.
— Uh-huh.
Dougie se virou para ela, a faixa do cinto de segurança em seu peito.
— Você viu o vídeo.
— Eu não sei o que estava olhando. Estava escuro e antes que continue a discutir, lembre-se... Primeiro de Abril?
— Ok, é Outubro, tá? – A risada que ele deu era tão ele. — E sim, essa foi boa.
— Para mim não foi.
Dougie tinha decidido que seria divertido pegar o carro dela emprestado, e em seguida enviar-lhe uma imagem de photoshop da coisa enrolada em torno de uma árvore.
Como ele conseguiu se concentrar tempo suficiente para terminar o trabalho visual tinha sido um mistério, mas ele parecia tão real, que ela tinha ligado para sua
companhia de seguro.
E também teve um colapso no banheiro no trabalho quando se perguntou como diabos ia cobrir sua franquia.
Essa era a coisa sobre deixar seus pais ricos no retrovisor. Quinhentos dólares sem um orçamento certo poderia ser difícil comer.
Com uma careta, ela se inclinou em direção ao volante.
— O que é isso... Ah, merda.
Pisando nos freios, ela parou na frente de uma árvore inteira que tinha caído do outro lado da pista. Checando rapidamente o relógio, ela amaldiçoou. Mesmo enquanto
o tempo passava, não estava dentro de um Golf 4X4, e correndo o risco de ter que chamar o guincho e pagar por um reboque.
— Se vamos fazer isso, temos que andar.
— Vamos dar a volta.
— E ficar preso na lama? Choveu tarde da noite ontem. – Ela desligou o motor e retirou a chave do carro. — Vamos lá. Você quer me mostrar, é melhor começar a andar.
Caso contrário, vou dar meia volta.
Dougie ainda estava reclamando quando eles partiram a pé, passando por cima do bordo caído e continuando descendo a rua. A manhã estava amargamente fria e então
surpreendentemente – o tipo de coisa que deixava você feliz por ter trazido sua jaqueta por capricho, e chateada por ter deixado o chapéu e as luvas para trás por
que na sua cabeça, era “apenas outubro”.
— Agora sei por que não me levanto antes do meio-dia. – Dougie murmurou.
Jo levantou o olhar para os troncos nus acima. Odiava ser pessimista, mas se perguntava se qualquer um dos idiotas entrariam em queda livre e a matariam.
— Por que deixei você me meter nisso?
Ele colocou o braço ao redor de seus ombros.
— Porque você me amaaa.
— Não. – deu uma cotovelada nas costelas dele.
— Definitivamente não é isso.
E ainda meio que era. Ela conheceu Dougie e sua tropa da pesada através de um conhecido, e eles a aceitaram quando ela precisava desesperadamente de um lugar para
dormir. O arranjo era suposto ser temporário, do tipo cair no sofá, mas logo em seguida vagou um quarto no apartamento deles, e um ano mais tarde estava vivendo
numa versão de uma casa de fraternidade dos meados dos anos vinte. Com um grupo de garotos recalcitrantes que mais pareciam meninos, dos quais ela parecia ser responsável.
— Estamos chegando perto, – ele colocou as mãos na cabeça como se tivesse explodido. O que era uma viagem curta. — Quero dizer, pedaços de corpos em todos os lugares,
e o cheiro! Pior do que o que está na nossa geladeira. Quer dizer, estamos falamos corpos, Jo. Mortos! Só que estavam se movendo! E então essa...
— Alucinação de dragão. Você me disse.
— Você viu a filmagem!
— Como se eu não te conhecesse. – Ela disse enquanto sacudia a cabeça. — Você me enganou uma vez, devia se vergonhar... Me enganou duas vezes...
— Jo. Foi real. Foi real pra caralho... Vi um monstro e...
Conforme Dougie percorria a ladainha de impossibilidade outra vez, Jo focou na elevação adiante.
— Sim, ta, você já me disse. E ao contrário de você, ainda tenho minha memória de curto prazo.
— Imbecil, TJ e Soz viram também.
— Tem certeza disso? Por que quando mandei uma mensagem pra eles esta manhã, disseram que era uma viagem ruim. Nada mais.
— Eles são idiotas.
Quando chegaram na inclinação, ela sorriu e decidiu que talvez tivesse exagerado demais. Não se encaixava com a sociedade do tipo empertigada como a que os pais
dela estavam tão inseridos, mas da mesma forma, sair com um bando de maconheiros não levava exatamente a lugar nenhum também.
Ainda assim, eles eram altamente divertidos. Na maior parte do tempo.
E além do mais, a verdade era que não tinha ideia aonde pertencia.
— Você vai ver. – Dougie anunciou enquanto corria para o topo da subida. — Apenas olhe!
Jo se juntou a ele – e balançou a cabeça para tudo ali em cima, certo, ali embaixo também.
— Exatamente o que devo olhar? As árvores, os prédios ou a grama?
Dougie deixou os braços caírem.
— Não, não, isso está errado. Não...
— Acho que você finalmente deu fim ao seu cérebro, Dougie. Mas é o que acontece quando você o atinge dúzias de vezes com LSD em um período de seis horas. Pelo menos
pensou que isto era real desta vez, no entanto, é o contrário da coisa do acidente do carro batendo na árvore que você fez comigo.
É, não havia absolutamente nada anormal lá embaixo no que tinha que ser o centro do campus. Nada de corpos. Sem partes de corpos. E nenhum cheiro também. Nada além
de prédios abandonados, mais vento frio e mais nada de estranho.
— Não, não, não...
Enquanto Dougie corria lá pra baixo, ela o deixou ir, ficando pra trás e tentando imaginar como o lugar parecia quando tinha sido operacional. Era difícil pensar
que sua mãe tinha ido às aulas nestes prédios. Dormiu dentro deles. Teve aquela primeira dança com seu pai em um deles.
Engraçado, o passado como tinha sido parecia tão inacessível como era atualmente o presente com as duas pessoas que a adotaram. Os três nunca tinham tido sorte,
e apesar dela própria ser difícil às vezes, tinha sido um alívio esquecer de todas as tentativas exaustivas de fingir um vínculo que nunca se materializou.
— Jo! Venha cá!
Quando ela levou a mão ao ouvido e fingiu que não podia ouvi-lo, Dougie subiu correndo de volta até ela com o zelo messiânico de um pregador. Agarrando sua mão,
ele a puxou em uma descida rápida agitando para trás sua jaqueta do exército.
— Está vendo como tudo está pisoteado por ali? Vê?
Ela se deixou ser arrastada ao longo de uma seção do campo reconhecidamente achatada. Mas um monte de grama longa horizontal e arbustos remexidos dificilmente era
uma cena de um filme de Wes Craven, ou seja, de horror. E isso, sem dúvida, definitivamente não era o que estava no vídeo que Dougie insistiu que ela assistisse
várias vezes.
Não sabia como explicar tudo.
Mas o que estava claro para ela? Realmente não ia dar a si mesma uma cãibra no cérebro tentando conciliar tudo.
— Você viu o que eu postei! – Dougie disse. — E alguém pegou meu telefone por que não queria que ninguém visse isso!
— Você provavelmente só perdeu a coisa...
— Eu estava lá em cima. – Ele apontou para o mais alto dos prédios. — Ali! Foi ali que eu fiz a filmagem!
— Ei, Dougie, sem ofensa, mas tenho que ir trabalhar...
— Jo, estou falando sério. – Ele girou em um círculo. — Tudo bem, explique isso. Como tudo ficou esmagado aqui? Hã?
— Pelo que sei, você e nossos três colegas de quarto correram nus por aí em círculos. Na realidade, nem vamos seguir pelo lado hipotético.
Dougie a enfrentou.
— Então como é que eu consegui o vídeo? Hã?
— Não sei, Dougie. Francamente, é tão granulado que não sei o que estou olhando.
Ela lhe deu algum tempo para digerir todos os tipos de o-que-sobre-isso-e-aquilo, então ela terminou.
— Olha, eu realmente sinto muito, mas estou indo. Você pode vir comigo ou chamar um táxi para casa. A escolha é sua. Oh, espere. Sem telefone. Acho que isso significa
andar.
Enquanto ela se virava para ir embora, ele disse em uma voz surpreendentemente adulta.
— Estou falando sério, Jo. Isto aconteceu. Não me importo para o que os três vão dizer. Sei quando estou chapado e quando não estou.
Quando Jo parou e olhou para trás, a expressão dele ficou esperançosa.
— Você se importa se eu deixar você no ponto de ônibus na Jefferson? Acho que não tenho tempo para levá-lo de volta pra casa.
Dougie jogou os braços para cima.
— Ah, qual é, Jo. Deixe-me só te mostrar aqui...
— Ponto de ônibus, é isso. – Disse ela. — E lembre-me disso da próxima vez que você tomar ácido. Quero estar preparada.
Capítulo QUINZE
Algum tempo depois, Mary acordou depois de um bom e longo descanso... E sorriu ante seu companheiro decididamente adormecido. Rhage estava apagado, os olhos fechados,
uma sobrancelha loira contraindo e sua mandíbula rangendo como se talvez estivesse sonhando com uma discussão ou um jogo de bilhar. Sua respiração era profunda e
plana, e sim, ele estava roncando. Não como uma serra elétrica. Ou um estridente Mustang acelerando num sinal vermelho. Nem mesmo nada perto do texugo ferido na
rotina do Butch – o que era algo que tinha que se ouvir para acreditar.
Não, os sons que seu homem soltava eram mais como uma cafeteira Krups bem quando ela está terminando um ciclo coar o café; o tipo de coisa que borbulha em segundo
plano, oferecendo um ritmo reconfortante durante o qual ela poderia dormir se quisesse ou ficar acordada e ouvir, se fosse trabalhar novamente. Pensando nisso, seus
roncos provavelmente eram mais silenciosos do que ele, considerando como suas pisadas eram pesadas, o quanto sua risada era alta e o quanto ele falava, especialmente
se estivesse perturbando seus irmãos.
Toda essa maluquice era apenas parte do que tanto amava nele.
Ele era sempre tão vivo. Vivo demais.
Graças a Deus.
Quando ela foi se esticando, moveu-se lentamente contra o corpo dele para não acordá-lo e olhou para o relógio do outro lado da sala de recuperação. Sete da noite.
Passou o pôr do sol.
Dado o quão cansado ele tinha que estar, era capaz dele dormir mais quatro ou cinco horas. Provavelmente era melhor ela sair agora e voltar quando ele estivesse
acordado.
— Estou indo para o Lugar Seguro um pouquinho. – Ela disse suavemente. — Fica com ele. Avise a ele que logo estarei de volta, ou ele pode me ligar?
Ela estava falando com a Besta, claro – e tratando com esse enorme dragão esmagador de ossos como uma espécie de secretária social. Mas isto funcionava. Se ela tinha
que sair quando Rhage estava dormindo, sempre dizia para a Besta o que estava fazendo e quando estaria de volta. Dessa forma, Rhage não acordava suando frio achando
que ela tinha sido raptada. Assassinada. Ou que escorregou e caiu no banheiro, que ficou desmaiada e deixada sangrando por todo o chão de mármore.
É, machos vinculados tendiam a saltar para conclusões que eram apenas um pouuuuuuco exageradas.
Mary cuidadosamente desvencilhou-se de Rhage apenas para parar quando estava quase livre. Olhando para o seu esterno despido completamente intacto, ela escovou as
pontas dos dedos sobre onde bala esteve.
— Eu não te agradeci. – Ela sussurrou. — Você o salvou. Devo a você... Muito obrigada.
De repente, as pálpebras de Rhage abriram – mas não era ele acordando. Seus olhos não eram nada além de órbitas brancas, essa iluminação indicadora da consciência
da besta fixa nela com foco total.
Ela sorriu e roçou o rosto de seu companheiro, sabendo que o dragão sentiria seu toque.
— Obrigada. Você é um bom menino.
Uma versão mais tranquila do bufo afetuoso que a besta sempre dava a ela reverberou subindo e saiu da garganta do Rhage.
— Volte a dormir também, ok? Você precisa descansar também. Você trabalhou duro na última noite.
Mais um bufo... E aquelas pálpebras começaram a descer. A besta lutou contra a maré como um cachorrinho, mas acabou perdendo a batalha, retornando ao ronco. Ambos
tornando a se engajar em qualquer que seja a versão da terra dos sonhos em que estavam.
Inclinando-se, ela beijou a testa do seu companheiro e alisou seu cabelo para trás. Então foi para o banheiro e fechou a porta. Tão logo se virou para o balcão ao
lado da pia, ela sorriu. Alguém – oh, com quem ela estava brincando, tinha que ser o Fritz – tinha colocado mudas de roupas completas para os dois. Bem como escovas
de dente, lâmina e creme de barbear, um xampu e condicionador.
— Fritz, teu nome verdadeiramente é consideração.
E oh, isso é que era um chuveiro. De tempos em tempos, ela se perguntava se os sons ou cheiros acordariam Rhage, mas quando estava se enxugando, entreabriu a porta
e constatou que além de ter virado de frente pro banheiro, ele permaneceu dormindo.
Provavelmente por que ela disse para a Besta o que estava acontecendo.
Enquanto estava secando o cabelo, perguntou a si mesma onde o Volvo tinha terminado. Ela tinha vindo do campo de batalha pra cá de carona na unidade cirúrgica, mas
certamente alguém tinha trazido sua perua de volta.
Bem, ela sempre poderia levar qualquer outro para o Lugar Seguro.
Quinze minutos depois, silenciosamente caminhou até a porta. Depois de um prolongado olhar fixo para o Rhage, ela abriu a porta e...
— Oh! Deus! – Ela sibilou enquanto recuava.
A última coisa que esperava ver era a Irmandade inteira do lado de fora da sala de recuperação do seu hellren.
Mas ela devia saber. Todos estavam lá, de V e Butch, Phury e Z... Blay e Qhuinn... Tohr e John Matthew... Até mesmo Wrath e Rehvenge. Era como estar na frente de
uma equipe de futebol... Que era composta por lutadores profissionais... Com o equipamento completo de jogo.
Tudo bem, isso nem de longe era o suficiente para descrever a quantidade de macho no corredor.
— Ei, pessoal. – Ela disse calmamente enquanto puxava a maçaneta e certificava-se que as coisas estivessem fechadas. — Ele está dormindo agora, mas tenho certeza
que não vai se importar de ser acordado.
— Nós não viemos por ele. – Disse Wrath em voz baixa.
As sobrancelhas de Mary se levantaram quando ela olhou para o seu Rei.
— Oh.
Nossa, ela tinha feito alguma coisa errada? Era difícil saber dado que Wrath, com seu bico de viúva e seus óculos escuros, sempre parecia puto.
O cara não tinha a cara de uma vadia descansada, mas a descansada “vou matar alguém e incendiar sua casa”.
Engolindo em seco, ela gaguejou.
— E-eu, ah...
— Obrigado, Mary. – O Rei disse enquanto dava um passo adiante com seu cão guia, George. — Obrigado por salvar a vida do nosso irmão.
Por um momento, ela ficou completamente pasma. E então o Rei a estava puxando para um duro abraço apertado.
Quando Wrath deu um passo atrás, havia algo pendurado sobre o ombro dela.
Uma espada?
— Espere, o que é isso? – Ela bateu em uma segunda recuada. — Por que isso... Oh, meu Deus…
A arma era feita de ouro ornamentado do punho à bainha, e havia pedras preciosas brancas e vermelhas faiscando em todos os lugares. Da mesma forma, tinha uma faixa
vermelha de rubi pendurada enfeitada com pedras preciosas e metais – parecia antiga. Antiga... E inestimável.
— Wrath, não posso aceitar isso, é demais...
— Você executou um serviço de valor ao trono. – O Rei anunciou. — Salvando a vida de um membro da minha guarda particular, você é mantida na mais alta estima real,
e pode me convocar em seu benefício de valor comparável em algum momento no futuro.
Ela balançou a cabeça várias vezes. — Isso não é necessário. Sério. Não é.
E de repente ela se sentiu mal. Muito mal. Por que não salvou Rhage para estes homens maravilhosos que o amavam tanto. Não o tinha salvado para si mesma também.
Deus, por que... Por que aquele momento tinha que ser contaminado com todo o drama com a Bitty?
Mary foi tirar a espada.
— Realmente não posso...
Um por um, os Irmãos vieram até ela, abraçando-a com puxões duros, segurando-a até sua espinha dobrar e as costelas não poderem expandir mais. Alguns deles falaram
em seu ouvido, dizendo coisas que ressoaram não só por causa das palavras que foram escolhidas, mas pelo respeito e reverência nos tons daquelas vozes profundas.
Outros apenas fizeram um monte de ruídos tipo pigarros, do jeito que os homens faziam quando estavam lutando para se manter fortes e compostos em face de grande
emoção. E ali estava John Matthew, aquele com quem tinha começado esta viagem louca, quem tinha começado isso tudo ligando para o disque-suicídio onde ela era voluntária.
Vishous foi o penúltimo dos Irmãos a vir a ela, e enquanto a segurava, ela sentiu um aroma de tabaco. Junto com couro. E pólvora.
— Nós devemos a você. – Ele disse secamente. — Para sempre.
Enxugando os olhos, ela balançou a cabeça uma vez mais.
— Você me dá crédito demais.
— Nem perto. – Disse ele enquanto escovava a sua bochecha com a mão enluvada. Encarando-a, seus olhos de diamante e o rosto duro com essas tatuagens eram o mais
próximo de terno que ela jamais os viu. — Você sabia o que fazer...
— Mas eu não sabia, V. Eu realmente não tenho a menor dica de onde essa ideia veio.
Por um momento, ele franziu a testa. Então deu de ombros.
— Bem, tanto faz. Você nos deu nosso irmão de volta. E mesmo ele sendo um pé no saco, a vida não seria a mesma sem ele.
— Ou você. – Disse Zsadist.
Z foi o último a vir, e quando ele abriu os braços bem abertos, por algum motivo as faixas de escravo que foram tatuadas em torno de sua garganta e pulsos destacaram-se
para ela.
Seu abraço era rígido. Desajeitado. Obviamente difícil para ele, enquanto mantinha seus quadris distantes de seu corpo. Mas seus olhos estavam amarelos, não pretos;
e quando deu um passo atrás, ele colocou a mão no ombro dela.
A cicatriz que descia por seu nariz e ao redor de sua bochecha se moveu quando ele lhe deu um pequeno sorriso.
— Você é realmente boa em salvar vidas.
Sabia exatamente a que ele estava se referindo – todas essas sessões que eles dois tiveram na caldeira no porão da mansão, ele falando sobre o terrível abuso que
tinha sofrido nas mãos de sua senhora, ela ouvindo e fazendo comentários somente quando ele parava por muito tempo ou olhava para ela por algum tipo de bote salva-vidas
enquanto lutava em um mar de vergonha esmagadora, dor e tristeza.
— Algumas vezes eu gostaria de ser melhor. – Disse ela enquanto pensava em Bitty.
— Não é possível.
Quando Z caiu atrás alinhado com seus irmãos, Mary passou a mão no cabelo. Enxugou seus olhos. Respirou fundo. Apesar de haver muitas emoções diferentes a atravessando,
era muito bom estar por perto de pessoas que amavam Rhage tanto como ela amava.
Que ela sabia ser verdadeiro e sem questionar.
— Bem. – Ela pigarreou. — Agradeço a todos. Mas honestamente...
Enquanto cada um deles olhava para ela de cara feia, isso era o tipo de coisa que a te deixava agradecida que eles gostassem de você. Ela teve que rir.
— Ok, ok, vou manter isso, vou manter.
A conversa surgiu entre os Irmãos e houve alguns tapas nas costas, como se estivessem orgulhosos de si mesmos por fazer a coisa certa por ela.
Com um tchau final, ela se forçou a seguir em frente em direção à entrada do túnel subterrâneo... Com sua nova espada.
Rapaz, ela era pesada, pensou conforme caminhava com a espada ainda no ombro.
Quase tão pesado quanto o peso que sentia em seu coração.
Enquanto Mary caminhava pelo corredor na direção do escritório, Vishous pegou um cigarro enrolado à mão e colocou entre seus dentes da frente.
À medida que acendia a coisa, franziu o cenho pensando sobre o que ela disse a ele.
— Então Xcor não está consciente? – Wrath murmurou.
Virando-se para o Rei, V exalou e mudou as engrenagens na sua cabeça.
— Ainda não. E eu o chequei cerca de meia hora atrás.
— Onde você o colocou?
— No estande de tiro. – V olhou para Tohr, que estava fora do alcance da voz. — E nós temos um cronograma de guarda. Ele está amarrado para minha satisfação...
— Você realmente usa essa merda para o sexo?
Como um, a Irmandade inteira levantou o olhar para a interrupção. Lassiter, o anjo caído, apareceu do nada e estava parecendo um pouco menos ofensivo do que o habitual,
seu cabelo loiro-e-preto puxado para trás em uma trança que ia até sua bunda, couro preto cobrindo suas partes pudendas, argolas de ouro nas orelhas, braceletes
nos pulsos e piercings nos mamilos brilhando sob as luzes fluorescentes do teto. Ou talvez tenha sido por causa da sua extravagante disposição celeste.
Não.
— Que diabos aconteceu com sua maldita camisa? – V atirou de volta. — E por que, merda, você está fora do seu posto?
Porra, sabia que não podia colocar esse idiota de guarda. Mas pelo menos Payne não tinha deixado o estande de tiro, e isso era algo V que não precisava checar. Sua
irmã era o tipo de lutadora que ele confiaria não apenas com sua própria vida e as vidas de seus irmãos e cônjuges, mas em garantir que seu prisioneiro não ia nem
espirrar sem permissão.
— Derramei algo nela.
— Que? Você está comendo lá dentro?
— Não. Claro que não. – Lassiter foi andando devagar para onde o material de limpeza era mantido. — Ok, sim. Certo. Foi um milk-shake de morango... E só estou indo
pegar uma camisa limpa e voltar pra lá. Relaxe.
V deu uma longa tragada. Era isso ou estrangular o filho da puta.
— Morango? Sério?
— Vai se foder, Vishous.
Quando o anjo sorriu e mandou um beijo por cima do ombro, pelo menos o vadio não bombeou os quadris imitando o ato sexual.
— Posso matá-lo? – V murmurou para Wrath. — Por favor. Só uma vez. Ou talvez duas.
— Entre na fila.
V tornou a focar no assunto.
— Como eu estava dizendo, Xcor não vai a lugar nenhum.
— Quero descobrir onde os Bastardos estão ficando. – Wrath ordenou — e trazer o resto deles pra cá. Mas eles devem ter assumido que ele foi capturado. É o que eu
faria. Sem corpo? Sem testemunhas da morte? O curso mais seguro é assumir que o líder deles se tornou prisioneiro de guerra e cair fora de onde quer que eles estejam
ficando.
— Concordo. Mas nunca se sabe o que se pode aprender quando se aperta os botões certos.
— Mantenha Tohr longe dele.
— Entendido. – V olhou para Tohr de relance novamente. O irmão estava atrás do grupo e olhando para o corredor onde o estande de tiro ficava. Parecia estranho pensar
em ter de pôr rédeas no cara ou vigiá-lo, mas assim eram as coisas.
Algumas vezes as emoções eram demais, mesmo para o mais lógico dos lutadores.
Exceto para ele, é claro.
Ele era habilidoso pra caralho.
— Então Assail está dois quartos descendo o corredor. – Disse V. — Se você estiver pronto para falar com ele.
—Leve-me ali, V.
Mais uma vez, normalmente teria sido Tohr cumprindo o dever, mas V deu um passo mais perto e cutucou o Rei adiante, deixando os Irmãos reassumirem várias posições
e sentarem enquanto esperavam Rhage acordar.
Depois deles estarem a alguma distância, o Rei disse baixinho:
— Então, o que você sabe sobre Rhage e seu pequeno torneio de tiro prematuro.
Quando V amaldiçoou, Wrath sacudiu a cabeça.
— Conte-me. E não finja que não sabe de porra nenhuma. Você foi o último a falar com ele.
Vishous considerou manter a merda por baixo dos panos, mas no final, mentir para Wrath não era interesse de ninguém.
— Eu previ a morte dele e tentei fazê-lo deixar o campo. Ele não saiu e... Aí está.
— Ele foi lá fora. Sabendo que ia morrer.
— Sim.
— Droga. – Depois que Wrath soltou alguns palavrões com a letra F, ele mudou para outro assunto feliz. — Também ouvi dizer que você teve um visitante. Quando voltou
para o campus.
— O Ômega. – Cara, ele não gostava nem de dizer esse nome. Mas como gostaria de falar sobre o desejo de morrer de Rhage? — Sim, o irmão da minha mãe cuidou da limpeza.
Se o seu dia de trabalho como sendo a fonte de todo o mal no mundo não funcionar, ele tem uma segunda carreira como zelador esperando por ele.
— Algum problema?
— Ele nem sequer sabia que estávamos ali.
— Graças a Deus. – Wrath olhou de relance, apesar de não poder ver. — Falou com sua mãe ultimamente?
— Não. Não. De modo nenhum.
— Pedi uma audiência. Ela não me reconheceu.
— Não posso ajudá-lo. Desculpe.
— Vou lá em cima sem ser convidado se eu tiver que fazer.
V parou na porta do quarto de recuperação do Assail, mas não abriu.
— Pelo que exatamente você está procurando por ela?
— Quero saber se ela ainda está ali em cima. – O rosto cruel e aristocrático de Wrath ficou esticado. — Ir contra assassinos é uma coisa, mas vamos precisar de um
parceiro com sério poder para enfrentar o Ômega de cabeça erguida, e não vou me enganar. Nós acabamos de derrubar noventa por cento do que ele tem em cima da terra.
Ele vai responder, e nós não vamos gostar seja o que for.
— Foda-me. – V murmurou.
— É mais como “nós”, meu irmão.
— É. Isso também. – V deu outra tragada para se recompor. — Mas você sabe, se quer que eu fale com ela ou...
— Espero que não seja necessário.
Somos dois, amigo, V pensou.
Diante de seus problemas com a mãe que o deixou mais mal-humorado do que normalmente era, ele bateu na porta.
— Está decente, filho da puta? – Ele empurrou a porta, sem esperar permissão. — Como estamos, babacas?
Bem, bem, bem, pensou quando viu Assail sentado de pernas cruzadas sobre a cama de hospital. Desintoxicação demais?
O macho estava suando como se fosse um frango assando para o jantar debaixo de uma lâmpada quente, mas também tremendo como se a parte inferior do seu corpo estivesse
em uma banheira de gelo. Havia círculos da cor de óleo de motor debaixo de seus olhos, e suas mãos continuavam indo do rosto aos braços, escovando algum tipo de
fiapo ou fios de cabelo perdidos que não existiam.
— A q-q-que devo esta h-h-honra?
As narinas de Wrath alargaram quando o Rei testou o aroma no ar.
— Você tem um problema enorme com o vício, hein?
— P-p-perdão?
— Você me ouviu.
V olhou os primos gêmeos no canto e encontrou-os com as costas retas e imóveis como um par de canhões. E quase tão quentes e distorcidos.
Só pra constar, eles meio que não o irritavam.
— Que p-p-p-posso fazer por você? – Assail perguntou entre contrações musculares.
— Quero agradecer por trabalhar conosco ontem à noite. – o Rei disse com voz arrastada. — Entendo que seus ferimentos estão todos costurados.
— S-s-sim...
— Oh, pelo amor de Deus! – Wrath deu uma olhada para V. — Tem como conseguir pra este filho da puta sua droga de escolha? Não posso falar com ele se está todo viciado
por seu pecado. É como tentar fazer alguém se concentrar tendo um ataque epiléptico.
— Procurando por isso? – V ergueu um frasco cheio de pó e inclinou a coisa de um lado pro outro, como um pêndulo de relógio. — Mmm?
Foi patético o modo como os olhos do fodido travaram e esbugalharam. Mas V sabia como era – como você precisava de cada queimadura que você não queria, como isso
se tornava tudo em que podia pensar, como você murchava se não tivesse.
Graças a Deus por Jane. Sem ela estaria caminhando nesse caminho de consumir e ainda estar sempre vazio.
— E ele nem mesmo nega o quanto precisa disso. – V murmurou enquanto se aproximava da cama.
Nossa, enquanto o pobre coitado estendia a mão, estava claro que as mãos de Assail tremiam muito, mal dava para agarrar qualquer coisa.
— Permita-me, filho da puta.
Desenroscando a tampa preta, V virou a garrafinha marrom e fez uma linha no interior do seu próprio antebraço.
Assail tomou essa merda como um motorista de empilhadeira, aspirando metade em uma narina, metade na outra. Em seguida, caiu para trás na cama de hospital como se
tivesse uma perna quebrada e a morfina gotejando finalmente estivesse fazendo efeito. E sim, do ponto de vista clínico, era triste comentar o estado do FDP que um
estimulante como a cocaína o derrubasse.
Mas isso era o vício pra você. Nada de bom senso.
— Agora, quer tentar novamente? – V murmurou enquanto lambia seu braço até limpar e saboreava a amargura. O zumbido não era ruim também.
Assail esfregou o rosto e então deixou os braços o caírem para os lados. — O quê?
Wrath sorriu sem qualquer calor, revelando suas presas enormes.
— Quero saber quais são seus planos de negócios.
— Por que isso é da sua conta? – A voz de Assail era esganiçada, como se ele estivesse exausto. — Ou você decidiu que uma ditadura, mais do que uma democracia, combina
mais com sua personalidade...
— Cuidado com seu tom de merda. – V disse bruscamente.
Wrath continuou como se não tivesse sido interrompido.
— Seu histórico é questionável, na melhor das hipóteses. Apesar de uma tendência mais recente pra lealdade, você parece estar sempre na periferia dos meus inimigos,
seja o Bando dos Bastardos ou a Sociedade Lesser. E da última vez que chequei, estava encabeçando um cartel de drogas, algo que não pode ser feito com uma mera equipe
de dois, por mais capazes que seus capangas possam ser. Então me encontro querendo saber para onde você está indo com seus intermediários agora que os assassinos
com quem esteve trabalhando estão fora do mercado negro.
Assail tirou seus cabelos negros da testa e segurou-os no lugar como se esperasse que isso ajudasse seu cérebro a funcionar.
V preparou-se para uma mentira.
Só que então o homem disse numa voz curiosamente morta.
— Eu não sei. Na verdade... Não sei o que devo fazer.
— Você fala sem falsidade. – Wrath inclinou a cabeça conforme exalava. — E como seu Rei, tenho uma sugestão para você.
— Ou seria um comando. – Assail murmurou.
—Tome como quiser. V As sobrancelhas de Wrath desapareceram sob as bordas dos seus óculos escuros. — Leve em conta que eu posso matá-lo ou deixá-lo ir deste lugar
por capricho.
— Existem leis contra assassinato.
— Às vezes. – O Rei sorriu novamente com aquelas presas. — De qualquer maneira, quero a sua ajuda, e você vai me dar. De uma forma ou de outra.
Capítulo DEZESSEIS
No meio do caminho para o Lugar Seguro, Mary achou que acabaria precisando de uma cirurgia de joelho.
Ao pegar a saída da Northway, ela cerrou os dentes e arranhou a marcha dura como pedra do GTO vintage reformado, roxo brilhante de seu marido – também conhecido
como seu orgulho e alegria. A luz da vida dele antes dela. A coisa mais valiosa que ele tinha desde que deu a ela seu Rolex de ouro Presidential.
O carro monstruoso começou a fazer um ruído de engasgo e então soltou um padrão grave de explosões, seguidas por guinchadas agudas quando empurrou o câmbio para
a frente de volta à posição certa.
— Terceira? Terceira... Eu preciso, não, segunda? Definitivamente não a primeira.
Ela descobriu do jeito mais difícil, ao parar na base da colina da mansão e quase bater com os dentes da frente no volante, devido ao solavanco e pulo que o carro
deu.
— Oh, Sra Volvo, sinto tanto sua falta...
Quando saiu da mansão, tinha percebido que o utilitário não estava no pátio com os outros veículos da Irmandade. Mas ao invés de perder tempo tentando descobrir
onde estaria, pegou as chaves do Rhage pensando “qual seria a dificuldade de guiar este carro na cidade?”. Ela sabia como dirigir um carro com câmbio manual.
Tudo ia ficar bem.
É claro que nem imaginou que a embreagem seria dura como uma parede de tijolos, dificultando cada vez que tinha de mudar de marcha. Ou que as engrenagens seriam
tão calibradas que, caso não se acelerasse no momento certo, todos aqueles cavalos sob o capô enlouqueciam.
O lado bom? Ao menos brigar com a transmissão lhe dava algo além da ansiedade sobre Bitty com que se preocupar, enquanto dirigia para o Lugar Seguro.
Além disto, Fritz era um mecânico tão bom quanto mordomo.
Quando finalmente chegou, estacionou na entrada da garagem, saiu e cambaleou no escuro por um minuto, movendo a perna esquerda em movimentos circulares até sentir
algo estalar e subitamente não se sentir mais como um flamingo.
Praguejando, foi até a porta na garagem, digitou uma senha e entrou. Quando as luzes com sensores acenderam, ergueu a mão para proteger os olhos, mas não se preocupou
em nada. As duas baias estavam vazias, exceto por equipamentos de aparar grama e algumas marcas antigas de óleo no concreto. Subiu três degraus para chegar à porta
da cozinha, então digitou uma senha e esperou que as trancas começassem sua sequência de liberação. Também se virou e apresentou seu rosto para reconhecimento.
Momentos depois estava no vestíbulo, tirando o casaco e pendurando-o junto com a bolsa na fileira de ganchos que ficavam acima de um banco. A cozinha nova nos fundos
funcionava a todo vapor, pilhas de panquecas sendo feitas no fogão, frutas sendo cortadas nos balcões, tigelas e pratos sendo arrumados na grande mesa.
— Mary!
— Ei, Mary!
— Oi, Sra. Luce!
Respirando fundo retribuiu as saudações, aproximando-se para dar um abraço aqui outro ali, colocar a mão sobre um ombro, cumprimentar uma fêmea e retribuir um sinal
de “toca aqui” com um garoto. Havia três membros da equipe de serviço e ela os cumprimentou.
— Onde está Rhym? – Perguntou.
— Está lá em cima com a Bitty. – Disse suavemente a de cabelos cacheados.
— Estou indo para lá.
— Precisa de ajuda?
— Tenho certeza que vou precisar, – Mary meneou a cabeça. — Odeio que isto tenha acontecido a ela.
— Nós também.
Indo pra frente da casa, contornou a base da escada e subiu de dois em dois degraus. Nem se incomodou em parar para ver se Marissa estava. Era provável, dada a extensão
do ataque, que a diretora do Lugar Seguro estivesse curtindo umas horinhas de folga com seu hellren.
Estar vinculada a um Irmão não era pros fracos.
No terceiro andar, encontrou Rhym dormindo em uma poltrona acolchoada que foi puxada para perto da porta de Bitty. Com o ruído do assoalho, a outra assistente social
despertou.
— Oh, ei. – A fêmea disse ao se endireitar e esfregar os olhos. — Que horas são?
Rhym sempre lembrara a Mary de si mesma em certo grau. Ela era o tipo de fêmea que talvez não chamasse atenção imediata em um lugar, mas nunca deixava de estar lá
quando se precisava dela. Era mais alta do que baixa, um pouco magra. Nunca usava maquiagem. Geralmente prendia o cabelo para trás. Nenhum macho que se soubesse.
Sua vida era o trabalho ali.
— Seis e meia. – Mary olhou para a porta fechada. — Como foi durante o dia?
Rhym só meneou a cabeça.
— Ela não quer falar sobre nada. Só guardou as roupas em uma mala, pegou sua boneca e o velho tigre de pelúcia e sentou-se na cama. Finalmente vim para cá, pois
pensei que ela estava ficando acordada por minha causa.
— Acho que vou ver como ela está.
— Por favor. – Rhym esticou os braços e estalou as costas. — E se não tiver problema, vou para casa dormir um pouco, tudo bem?
— Absolutamente. Eu assumo daqui. E obrigado por cuidar dela.
— Já está escuro o bastante para eu sair daqui?
Mary olhou para as persianas que ainda estavam descidas por causa da luz do dia — Acho... – Como se combinado, os painéis de aço que protegiam o interior da luz
do sol começaram a subir — Ta.
Rhymm levantou-se e passou os dedos pelos cabelos louros acastanhados.
— Se precisar de qualquer coisa, se ela precisar de alguma coisa, ligue e volto imediatamente. Ela é uma garotinha especial, e eu só... Quero ajudar.
— Está bem... E novamente, obrigada.
Quando a outra fêmea começou a descer a escada, Mary falou.
— Uma pergunta.
— Sim?
Mary fitou a janela circular no final do corredor, tentando encontrar as palavras certas.
— Ela... Digo, ela disse alguma coisa sobre a mãe? Ou sobre o que aconteceu na clínica?
Tipo algo como Minha terapeuta fez eu me sentir como se tivesse matado minha mãe?
— Nada. A única coisa que disse foi que partiria assim que pudesse. Não tive coragem de dizer que não havia lugar algum para ela ir. Pareceu muito cruel. Cedo demais.
— Então ela falou sobre o tio.
Rhym franziu o cenho.
— Tio? Não, não mencionou nada assim. Ela tem um tio?
Mary olhou de volta para porta fechada.
— Transferência.
— Ah. – A assistente social praguejou baixinho. — Estas vão ser noites e dias longos para ela. Longas semanas e meses também. Mas estaremos todos ao lado dela. Ela
vai ficar bem se conseguirmos fazê-la atravessar este período sem se despedaçar.
— É. Isto é verdade.
Com um aceno, a fêmea desceu os degraus e Mary esperou até os sons de seus passos desaparecerem, caso Bitty só estivesse levemente adormecida.
Inclinando-se para a porta, colou a orelha na madeira fria. Ao não ouvir nada, bateu de levinho, então abriu.
A pequena lâmpada rosa e branca na mesinha do canto lançava um brilho no quarto escuro, e a forma diminuta de Bitty era banhada pela luz suave. A garota estava deitada
de lado virada para a parede, obviamente caiu no sono profundo em algum ponto. Ela usava as mesmas roupas de antes e tinha mesmo guardado as roupas restantes na
mala surrada – e as da mãe. As duas maletas, uma menor e da cor de uma mancha de grama, a outra maior, de uma cor alaranjada estilo Cheetos, estavam alinhadas juntas
na base da cama.
A boneca e a escova estavam no chão à frente delas, junto com aquele tigre de pelúcia que ela não largava.
Com as mãos nos quadris, Mary abaixou a cabeça. Por algum motivo, o impacto do silêncio do quarto, sua humildade e as cortinas e roupas de cama levemente puídas,
seu tapete gasto e móveis que não combinavam, atingiu-a como golpes.
A esterilidade, a impessoalidade, a falta de... Família, na falta de outra palavra, fazia querer aumentar o termostato. Como se um pouco mais de calor vindo dos
dutos no teto pudesse transformar o lugar em um quarto de garotinha mais apropriado.
Mas vamos lá, os problemas que tinham à frente teriam que ser resolvidos por muito mais do que somente um sistema de aquecimento funcional.
Aproximando-se na ponta dos pés da cama que a mãe de Bitty ocupara, pareceu adequado retirar a colcha de retalhos daquele colchão para cobrir a garotinha. Com cuidado,
Mary a cobriu sem perturbar o sono que era tão necessário.
E então ficou observando-a.
E lembrou-se de seu próprio passado. Depois de seu câncer dar o ar da graça, lembrava-se com muita clareza de pensar que estava farta de tudo aquilo. Sua mãe tinha
morrido cedo e de forma horrível, com muito sofrimento. E então ela mesma foi diagnosticada com leucemia e teve de atravessar um ano desgraçado tentando tratar a
doença até a remissão. Tudo aquilo foi muito injusto.
Como se todo o sofrimento da mãe devesse ter qualificado Mary para jamais passar por quaisquer tragédias adicionais.
Agora, enquanto observava a garota, sentia-se positivamente indignada.
É, sabia que a vida era difícil, porra. Ela aprendeu esta lição muito bem. Mas pelo menos teve uma infância marcada por todas as coisas tradicionalmente boas que
você queria ser capaz de olhar para trás e lembrar quando estivesse velho. Sim, seu pai também morreu cedo, mas ela e a mãe tiveram Natais, aniversários, formaturas
do jardim de infância, primário e colegial. Comiam peru no dia de Ação de Graças e tinham roupas novas a cada ano, e boas noites de sono, onde a única preocupação
que podia manter alguém acordado seria em relação a uma nota escolar, ou no caso da mãe, se haveria dinheiro suficiente para duas semanas de férias de verão no Lago
George ou só uma.
Bitty não teve absolutamente nada daquilo.
Nem ela, nem Annalye jamais expuseram os detalhes, mas não era difícil adivinhar o tipo de violência a que ambas foram submetidas. Pelo amor de Deus, foi necessário
um implante de pinos de aço cirúrgico na perna de Bitty.
E como isso tudo tinha terminado?
A garotinha tinha acabado aqui sozinha.
Se o destino tivesse alguma consciência, Annalye não teria morrido.
Mas pelo menos o Lugar Seguro interviu bem a tempo. A ideia de que não tivessem conseguido ajuda para Bitty quando mais precisava?
Era suficiente para fazer Mary sentir-se doente.
Rhage acordou atabalhoadamente, como se um despertador tivesse tocado perto de sua cabeça. Erguendo o torso da cama de hospital, olhou ao redor em pânico.
Só que, tão rápido quanto a ansiedade chegou, ela se foi, a noção de que Mary só foi para o Lugar Seguro o acalmou tanto, que foi como se ela tivesse falado as palavras
em seu ouvido. E achava que ela tinha mesmo. Já fazia um tempinho que eles usavam a besta como uma espécie de mural de recados quando Rhage estava inconsciente.
Funcionava – e não tinham de se preocupar em ter uma caneta à mão.
Mas ainda assim, sentia falta dela. Ainda preocupado com seu próprio estado mental. Mas aquela garotinha...
Jogando as pernas para o lado, piscou algumas vezes e sim, continuava cego mesmo depois do levantamento de pálpebras. Tanto faz. Sentia-se forte e firme – fisicamente
– e contanto que pegasse leve conseguiria chegar ao chuveiro perfeitamente bem.
Vinte minutos depois, saiu do banheiro totalmente nu e cheirando como uma flor. Incrível a diferença que pouco de xampu e sabonete faziam na vida de um cara. Uma
boa escovada de dentes também. Próxima parada? Comida. Depois que a besta saía e ele passava pela sua ressaca, ficava sempre tão faminto que suas entranhas pareciam
ocas – e a melhor coisa que podia fazer era enfiar um pouco de carboidratos de pouca fibra para elas processarem.
Doze baguetes francesas. Quatro pacotes de bagels. Três quilos de macarrão.
Este tipo de coisa.
Saindo para o corredor, ele se perguntou quanto tempo levaria para encontrar o caminho para...
— Caralho, finalmente...
— Podia ter se enrolado numa toalha...
— Fritz te trouxe roupas...
— Está de volta, seu filho da puta...
Todos os irmãos estavam lá, seus cheiros e vozes, seus risos aliviados, seus xingamentos e piadinhas, exatamente o remédio que precisava. E quando eles o abraçaram
e deram tapinhas no traseiro pelado, teve de segurar a emoção.
Ele já estava pelado. #VunerabilidadeTotalMuitoObrigado.
Deus, no meio de toda aquela reeeeeeeeuniãããããão e que era tããããããããão booooooooooooa, era impossível não ser atingido por outra carga de vergonha pelo seu egoísmo
e pelo risco a que expôs Mary e aos irmãos.
E então a voz de V soou diretamente à sua frente.
— Você está bem? – O irmão perguntou em voz rouca. — Já se sente normal?
— É. Tudo está funcionando direito, exceto minha visão, – Sinto muito também. E estou com medo. — Sabe, só um pouco cansado...
POFT!
O golpe no queixo veio do nada, atingindo-o tão forte que sua cabeça bateu para trás e quase voou de sua espinha.
— Que caralho! – Rhage proferiu abruptamente enquanto esfregava o maxilar. — O que...
— Isto foi por não me ouvir, caralho!
Crack!
O segundo golpe veio da direção oposta, o que foi uma coisa boa – o inchaço seria bilateral, então seu rosto não iria parecer tão fodido.
— E isto foi por atacar antes do combinado e foder nossa estratégia toda.
Ao conseguir nivelar seu cérebro pela segunda vez, Rhage segurava o maxilar com ambas as mãos. Pois havia uma possibilidade de que a parte inferior de seu crânio
despencasse.
O lado bom foi que o golpe duplo clareou um pouco sua visão, a cegueira retrocedeu o suficiente para poder enxergar as manchas embaçadas dos corpos e roupas de seus
irmãos.
— A gente podia ter converssssado sssssobre isssssto, – Reclamou Rhage. — Ótimo, essstou falando como se tivesse um ovo na boca.
— E qual a graça nisto? – V o agarrou e abraçou com força. — Agora, nunca mais faça uma porra dessa.
Rhage esperou pelos outros começarem a fazer perguntas. Quando ninguém o fez, imaginou que V já tinha contado a eles sobre a coisa da visão. A menos... Bem, todo
mundo parecia tê-lo visto correr adiantadamente para aquele campo e aquele tipo de merda era mais do que motivo para uma surra.
— Esssstou enxergando agora. – Disse ele.
— Pode me agradecer mais tarde.
Houve uma porção de conversa naquela hora – que o levou a descobrir que tinham Xcor sob custódia.
— Tohr já matou o fodido? – Perguntou.
— Não. – Todo mundo respondeu ao mesmo tempo.
Então houve uma história sobre o Ômega aparecer para uma faxina no campus e V salvando o dia criando um mhis.
— Eu posso ajudar no turno, – Disse Rhage. — Digo, vigiar o bastardo.
— Mais tarde, – V exalou um pouco de fumaça turca. — Você precisa se recuperar, depois a gente te encaixa.
Com isto, o grupo dispersou, alguns foram para a mansão, outros para a sala de treinamento. Rhage foi junto com os que pegaram o túnel para a casa principal, mas
enquanto os Irmãos iam para a cama, ele atravessou a sala de jantar até a cozinha da mansão.
Deus, queria que sua Mary estivesse com ele.
O lado bom era que não havia nenhum doggen por perto, a Primeira Refeição não foi servida graças ao número de ferimentos que aconteceram durante o ataque juntamente
com todo o drama do que aconteceu com ele. A equipe de serviçais estava, sem dúvida, tendo um raro momento de descanso antes de voltarem à limpeza e arrumação, e
ficava aliviado de não incomodar ninguém.
No entanto, ao perambular pelo local sagrado de Fritz, sentiu como se devesse fazer uma concessão ou algo assim, para não arrumar encrenca com o mordomo. E assim,
decidiu não cozinhar. Comeria o que já estivesse pronto e que não dependesse do fogão ou da despensa.
Ele já tinha levado dois murros e a noite mal tinha começado.
Mas primeiro, roupas. Esteve cego demais no banheiro para poder enxergar qualquer coisa que tivesse sido deixada para ele, então foi até a lavanderia atrás da despensa,
usando sua visão um pouco embaçada para localizar umas calças folgadas e um moletom enorme com o logo do American Horror Story estampado. Então era hora de resolver
o assunto comida.
Avaliando o estoque de pães, começou a diminuí-lo separando pacotes de bagels e baguetes no balcão – mas então pensou, foda-se. Tateando por baixo da gaveta, arrancou-a
dos rodízios e carregou a coisa toda para a mesa de carvalho. O passo dois era voltar para a geladeira, pegar meio quilo de manteiga sem sal e um pacote de cream
cheese e pegar a torradeira, puxando-a até o fio desencaixar da tomada.
Uma faca serrilhada e uma tábua de corte mais tarde, junto com a cafeteira, o pote de açúcar e uma caixa pequena de creme, ele se pôs ao trabalho. Enquanto o café
coava começou a fatiar, fazendo montanhas de metades amanteigadas à direita. Os bagels foram alinhados como linha de produção, para poder processá-los pela torradeira
e então besuntá-los de cream cheese.
Provavelmente deveria pegar um prato. E pelo menos outra faca, mas a lâmina maior ia ser eficiente para espalhar.
Quando o café ficou pronto, tirou a jarra, jogou o pote todo de açúcar e juntou o máximo de creme que coube. Então tomou um gole para provar.
Perfeito.
Ele colocou a coisa de volta no aquecedor e começou sistematicamente a batalhar com os bagels – pois, ei, aquilo era o mais perto de uma Primeira Refeição, certo?
Em seguida veio as baguetes, por que aquilo era o mais próximo de uma refeição que suas opções permitiam. A sobremesa seria um bolo de café com nozes. Ou dois.
Enquanto mastigava, seus dentes pareciam um pouco frouxos graças ao murro de V, mas não era grande coisa. E de vez em quando, empurrava as coisas abaixo com goles
de café direto da jarra.
Duas mil calorias depois, a realidade do quão sozinho estava o atingiu.
Mas também, o cômodo poderia estar cheio de irmãos e sentiria o mesmo.
Pior, achava que mesmo a presença de sua Mary não poderia ter consertado este isolamento dentro dele.
Sentado lá, enchendo seu estômago e ainda assim incapaz de fazer qualquer coisa com o vazio que realmente contava, ele pensou que teria sido muito mais fácil se
tivesse sequer uma indicação de qual realmente era o seu problema...
A distância, na sala de jantar, um som apressado ecoou.
Era uma porção de passos, como se alguém corresse.
Que inferno? Ele pensou se levantando da cadeira.
Capítulo DEZESSETE
Havia uma porção de cálculos a serem feitos quando se tinha um vício.
Ao sentar-se atrás da escrivaninha de mansão de vidro, Assail abriu a grande gaveta estreita, próxima às suas coxas, e tirou três vidrinhos idênticos ao que o Irmão
Vishous tinha esvaziado no próprio antebraço, lá no complexo subterrâneo da Irmandade.
Cálculo, cálculo, cálculo... A maior parte, multiplicação. Tipo, pela quantidade de cocaína que tinha, quanto tempo conseguiria manter o vício aplacado? Quatorze
horas? Quinze?
Ele abriu um dos frasquinhos marrons e derramou o conteúdo de pó branco em cima do mata-borrão de couro. Usando um cartão de crédito Centurion, da American Express,
esticou duas fileiras, inclinou-se sobre elas e cuidou do seu problema. Então, recostou-se de novo na cadeira e fungou algumas vezes.
Sério, odiava sentir o nariz constantemente escorrendo. A queimação em suas vias nasais. O gosto amargo que florescia em sua boca. E, mais especialmente, detestava
o fato de que já nem mais ficava chapado. Apenas experimentava uma ascensão temporária na horrível montanha russa na qual tinha se metido, uma espécie de trégua,
inevitavelmente seguida por um acidente em alta velocidade – e então, se não tomasse outra dose, os arranhões e apertos implacáveis da fissura.
Fitando os resquícios dos dois vidrinhos, achou difícil acreditar que tinha chegado àquele padrão. O deslize e a queda tinham sido tanto coisa de momento quanto
uma tragédia em câmera lenta. Ele inicialmente tinha começado por se acostumar à sensação de estar alerta, mas o que tinha começado como um hábito de praticidade
agora o escravizava, tal qual um mestre tinha domínio sobre um serviçal no Antigo Continente.
Caramba, não fora essa sua intenção.
Ultimamente, ele fazia várias coisas sem intenção.
Estendendo o braço, despertou seu notebook com um toque no touchpad, logou usando uma mão, embora sua senha contivesse letras maiúsculas, e acessou, via canais criptografados,
suas contas estrangeiras. A maior delas ficava em Genebra.
Ele tinha várias outras.
Tantos dígitos e vírgulas antes das casas decimais em jogo. E olhando para os dados na tela, contemplou exatamente quanto dinheiro era preciso – mesmo assumindo
que, como um vampiro, viveria dez vezes mais do que a média humana ou até mais.
Desde que seu pequeno hábito não apressasse sua ida ao Fade.
Ou no seu caso, mais provavelmente ao Dhund.
Claro que tinha o suficiente para qualquer padrão prático, mesmo à luz da crise financeira mundial... Então realmente precisava continuar traficando drogas? Por
outro lado, com a velocidade em que vinha cheirando pó, era perigoso se tornar seu maior e melhor consumidor.
Preciso de sua ajuda com a Glymera.
Enquanto considerava a proposta de Wrath, teve de se perguntar o quanto aquilo que o Rei queria fazer seria melhor ou pior do que ganhar dinheiro às custas de humanos
e sua necessidade de complementos químicos. O esforço real era algo para passar o tempo, certamente. E se não iria mais traficar drogas, precisaria passar as horas
noturnas de algum jeito.
Ou então ficaria louco.
Principalmente por sentir tanta falta daquela fêmea dele. Que, de fato, nunca foi dele.
— Marisol. – Sussurrou para a sala vazia.
Por que infernos nunca tinha tirado uma foto dela? Quando ela tinha ficado aqui, nesta mesma casa, enquanto a protegia com a própria vida, por que não tinha pegado
seu celular, apontado na direção dela e tirado uma foto? Um simples momento do tempo, uma fração de segundo, que era só o que era preciso. Mas não, não tinha feito
tal coisa, e agora aqui estava ele, do outro lado da separação sem nada dela, exceto o que havia em sua mente.
Era como se ela tivesse morrido. Só que ainda existia.
De fato, ela agora estava na Flórida, onde o oceano lambia a areia doce e as noites eram um mistério cálido, mesmo na porra do mês de outubro.
Sabia exatamente onde estava, precisamente onde ficava – por que a tinha rastreado até lá. Certificando-se que tinha chegado a seu destino a salvo com a avó. Espiara
as duas das sombras da maneira pais patética possível.
Mas tinha honrado o pedido dela. Tinha deixado-a ir. Libertara-a dele e do estilo de vida marginal que ambos levavam.
Ladrões e traficantes não podiam coexistir.
Uma humana que queria ficar do lado certo da lei e um vampiro viciado que não conseguia.
Com um gemido, pôs o rosto entre as mãos e tornou a lembrar dela. Sim, oh, sim, conseguia se lembrar com certa clareza de seus cabelos escuros e seu corpo ágil,
sua pele e olhos escuros. Mas com o passar do tempo... Ele se preocupava de que pudesse vir a se esquecer de certas nuances no começo, e então cada vez detalhes
maiores e mais significativos.
E a perda daquilo seria uma morte lenta, mesmo que permanecesse respirando.
— Chega. – Murmurou ao abaixar os braços e se recostar.
Voltando a se concentrar em si mesmo, pensou no que o Rei queria que fizesse. Podia ser uma mudança de ramo, com certeza. Mas já tinha dinheiro suficiente. Tempo
suficiente. E achar outra rede de contatos de traficantes intermediários para distribuir seu produto nas ruas de Caldwell e Manhattan subitamente parecia trabalhoso
demais.
Além disto... Depois de lutar lado a lado com a Irmandade? Ele se viu cheio de respeito por aqueles machos. Cheio de respeito pelo líder deles também.
Era uma grande mudança para um apartidário convicto – meio que como um ateu considerando a existência de Deus depois de uma experiência próxima da morte.
Mais, ele devia a Vishous sua vida; disso tinha certeza. Por menos valor que sua existência tivesse, não estaria sentado nesta cadeira, nesta mansão de vidro junto
ao Rio Hudson alimentando seu vício de cocaína, se aquele Irmão não o tivesse jogado por cima do ombro e corrido pra diabo.
Duas vezes.
Oh, aquela Besta. Se não tivesse visto, jamais acreditaria na sua existência.
Assail empurrou a cadeira com o pé de forma a poder espiar pela janela para além do rio. Um apito sutil soou do canto da sala onde um antigo relógio francês ficava.
Ao fundo, na parte dos fundos da casa, ele podia ouvir os primos se movendo pela cozinha.
Quando decidiu usar o celular, tudo o que teve de fazer foi buscar no bolso de sua jaqueta de couro despedaçada. Tinha se esquecido de remover a roupa arruinada
mesmo que sua casa estivesse bem aquecida contra a noite fria de outubro.
Mas também, ao chegar em casa, sua única preocupação foi ficar logo a sós para poder resolver seu probleminha.
Não conseguia cheirar suas carreiras na frente dos primos. Não que tivesse qualquer intenção de alterar seu comportamento por causa do julgamento de outra pessoa.
Selecionando um número de seus contatos, hesitou antes de iniciar a chamada. Com o polegar pairando sobre a tela, tornou-se agudamente ciente de que se fosse adiante
com isto, ele se tornaria algo que sempre desprezara.
Um agente do Rei.
Ou, mais especificamente... Um agente a mando de outro.
Com um estranho sentimento de temor, cedeu ao impulso e levou o aparelho ao ouvido, ouvindo-o tocar. No final, decidiu atender ao pedido de Wrath pela simples razão
de que parecia a única coisa boa que poderia fazer consigo mesmo.
Uma coisa certa.
Uma coisa positiva.
Estava começando a sentir como se já fosse hora. E talvez estivesse pegando uma página do livro de Marisol por que era a única maneira que o faria sentir-se próximo
a ela agora.
Chega de tráfico de drogas para ele.
Embora o que estava a ponto de fazer bem poderia se provar tão perigoso quanto. Mas, pelo menos, não ficaria entediado.
— Alô querida, – Disse quando a chamada foi atendida por uma fêmea. — Sim, preciso mesmo me alimentar, obrigado. Esta noite seria preferível, sim. E também senti
sua falta. De fato, muito mesmo. – Ele a deixou falar um pouquinho até ter certeza de que ela tinha engolido sua mentira, e inteira. — Na verdade, na sua casa, por
favor. Não, o chalé não está à altura de um macho como eu. Eu até abria mão de início em respeito à presença de seu hellren, mas agora que ele está acamado, não
estou mais disposto a fazer concessões. Espero que compreenda.
Houve uma longa pausa, mas sabia que ela cederia.
— Obrigado, nalla. – Falou calmamente. — Eu te vejo em breve... Oh, use algo vermelho. Sem calcinha. É só.
Ele desligou por que ela era uma fêmea que exigia trabalho em se capturar sua atenção. Tranquilo demais? Charmoso demais? Ela logo perderia o interesse, e isto não
poderia acontecer até obter todas as informações que precisava dela.
Sua próxima ligação foi para o Irmão Vishous. Quando o macho atendeu, Assail só falou duas palavras antes de desligar de novo.
— Estou dentro.
— Claaaaaro, eu fico até tarde. Sem problema. Não é como se tivesse algo melhor pra fazer.
Jo Early estava sentada atrás de sua mesa da recepção com o resto da imobiliária vazia, nada além de uma mixórdia de perfumes e a deprimente música de elevador soando
acima para lhe fazer companhia. Bem, isto e as porras dos arbustos de fícus de ambos os lados dela.
Aquelas coisas espalhavam suas folhas como se estivessem em constante derretimento – e seu TOC simplesmente não permitia que relaxasse a menos que o chão estivesse
limpo. Mas também, ela não tinha de fazer agachamentos na academia.
Não que sequer frequentasse uma academia.
Verificando seu celular, meneou a cabeça. Sete horas.
O plano, o “favor” que estava fazendo para o chefe, era ficar ali até ele trazer três contratos assinados para ela poder digitalizar e enviá-los por e-mail para
os vários corretores compradores. O porquê dele mesmo não conseguir enfiar os contratos no scanner e criar alguns PDFs era um mistério.
E, está bem, talvez ela também fosse uma parte do problema.
Não que tivesse orgulho em admitir.
Erguendo o olhar por cima da beira do tampo da mesa, fitou as portas de vidro esfumaçado que abriam para o exterior. O escritório ficava localizado em uma galeria,
entre lojas, que contavam com um salão de cabeleireiros onde o corte mais barato custava cem pratas – e isto para os cortes masculinos – uma butique que expunha
duas peças de roupas minúsculas em sua vitrine, uma loja de porcelanas e vidrarias que brilhava mesmo em dias cinzentos e, no final dela, uma joalheira que as caçadoras
de dotes de Caldwell pareciam aprovar.
A supor pela clientela pneumática do local.
— Vamos lá, Bryant. Vamos lá...
Embora, sério, não tinha nada a fazer. Ir pra casa para Dougie e as discussões sobre o círculo de colheita? Aquilo sim seria divertido.
Quando um telefone tocou na área onde os escritórios ficavam, despertou seu computador e encarou o calendário de Bryant. Ela punha os compromissos dele no Outlook
quando ele enviava uma mensagem de texto ou ligava pedindo a ela para fazer isto. Compromissos válidos como reuniões imobiliárias, mas também a vistoria do BMW dele,
e agendamentos do cara da manutenção da piscina para a casa dele naquele novo empreendimento. Lembretes pra ele ligar para a mãe no aniversário dela e encomendar
flores para as mulheres com quem saía.
O tempo todo se perguntando o que ele pensaria se soubesse quem eram seus pais.
Aquele segredinho era o que a reconfortava quando ele aparecia em uma manhã de segunda-feira e sussurrava que tinha saído com uma divorciada na sexta-feira e uma
personal trainer no sábado, e então almoçou com outra pessoa no domingo.
Sua identidade real era uma armadura que usava para lutar contra ele. Em uma guerra que ele sequer estava completamente inconsciente de estarem lutando.
Fechando a agenda dele, encarou o logotipo na tela. O último nome de Bryant, Drumm, era o segundo na linha – por que a firma foi fundada pelo seu pai. Quando o homem
morreu há quase dois anos, Bryant assumiu a posição dele do mesmo jeito que fazia tudo o mais em sua vida – sorrindo e com charme. E ei, aquela não era uma estratégia
ruim. Diga o que quiser sobre o estilo de vida playboy do cara, mas ele sabia negociar uma tonelada de imóveis e ainda parecer bonito fazendo isto.
Caldwell, a própria estrela da Lista de Milionários de Nova York.
— Vamos lá, Bryant... Cadê você?
Depois de uma nova vistoria de sua mesa já arrumada duas vezes, verificou o chão debaixo do fícus à direita, pegou uma folha e a jogou fora, sentou-se de novo e...
Que inferno, acessou o YouTube.
Dougie tinha postado aquela gravação estúpida em seu canal – um puta canal com o grande total de vinte e nove inscritos. Dos quais, tipo, quatro eram o próprio Dougie
em diferentes perfis fakes e dois eram spammers com baixos padrões. Quando clicou na seta para assistir de novo ao vídeo de quarenta e dois segundos, ligou as caixas
de som. Os efeitos sonoros eram de amadores a médios, uma combinação de uns sons de farfalhar muito altos enquanto seu companheiro de casa segurava o iPhone erguido,
e então um distante, e não tão silencioso, rugido.
Está bem, então sim, certamente aquilo parecia algo Dinossáurico no meio daquele campo. E sim, parecia haver um monte de desordem no chão, mas quem saberia o que
tudo aquilo era. Não passava de uma câmera de celular capturando uma tomada, e talvez fosse só o jeito que a área pisada parecia na lente.
Ela assistiu mais algumas vezes. Então recostou na cadeira.
Havia cinco comentários. Três eram de Dougie e seus colegas. Um era um depoimento de alguém que estava ganhando 1750 dólares trabalhando em casa!!!!$$$!!!! O último
era... Apenas quatro palavras que não faziam muito sentido.
Essa merda de vamp9120 de novo.
Deixado por alguém chamado ghstrydr11.
Franzindo o cenho, começou uma pesquisa virtual e encontrou o canal vamp9120. Uau. Está bem, três mil inscritos e o que parecia ser uma centena de vídeos. Clicando
em um deles, ela...
Gargalhou bem alto.
O cara que falava para a câmera era como um personagem LEGO do Drácula, com uma testa afiada e caninos ainda mais afiados, pelos faciais que pareciam ter sido pintados
ao invés de barbeados, e uma gola “Juro Por Deus, Aquele Deve Ser Elvis” em sua camisa. A pele do cara era branca demais, seu cabelo preto demais, seus lábios vermelhos
saídos de um tubo da MAC. E aquela voz? Parte evangelista, parte neo-vitoriano, quase Bram Stoker.
— Criaturas da noite...
Espere, esta frase não era de um filme?
— ... Vigiando as ruas de Caldwell...
Como se fosse a versão Nova Iorquina de The Walking Dead? Na dúvida, arraste uma perna.
— ... Caçando vítimas...
Está beeeeeeeem, adiante. Descendo a tela com o índice de vídeos, escolheu outro aleatoriamente. E sim, O Verdadeiro Pseudo Vlad de novo encarava a câmera – e desta
vez tinha um olhar bem esfumaçado para completar a caracterização.
— ... Existem! Vampiros existem...
Perguntando-se se o púlpito dele estava coberto com veludo pret... Está bem, uau. Era para ser uma piada, mas conforme as lentes se afastavam, parecia mesmo que
ele estava inclinado em algo que era, de fato, coberto de veludo negro.
Interrompendo o vídeo, desceu para o próximo e disse a si mesma que depois deste chega.
— Oh, ei, Vlad, qual é?
— ... Depoimento sobre um encontro vampírico, – Vlad se virou para um cara sentado perto dele em uma cadeira dobrável de plástico. Que era uma total ambientação.
— Julio? Conte a meus fãs o que aconteceu há duas noites.
Por falar em um pouco de mistureba: Julio era o antivampiro, com uma bandana do Tupac na cabeça, crucifixo no pescoço e tatuagens ao redor da garganta.
Mas seus olhos... Estavam arregalados e frenéticos, fixos em Vlad e depois ao redor.
— Eu tava no centro, sabe, com meus parças, e a gente tava...
A história a seguir começava sem nada de especial, só um maloqueiro com sua gangue atirando em rivais nos becos. Mas então as coisas entraram no rumo da Vampirolândia
com o cara descrevendo como tinha corrido para dentro de um restaurante abandonado – e daí por diante as coisas ficaram estranhas.
Supondo que se acreditasse nele.
— ... cara me jogou no balcão e foi isto, – Julio fez um gesto de presas e garras. — E seus dentes eram todos...
— Iguais aos meus. – Vlad interrompeu.
— Só que os dele eram de verdade. – Okay, Vlad claramente não gostou disto, mas Julio continuou: — E ele tinha um rosto fodido, o lábio superior fodido. E ia me
matar. Ele tinha uma...
Jo assistiu ao resto da entrevista, mesmo a parte onde Vlad empurra Julio do caminho, como se o patamar de compartilhamento do pseudo-Dracula já tivesse sido atingido.
Recostada na cadeira de novo, ela se perguntou exatamente o quão longe iria com isto. E a resposta foi ir para a página do Jornal Caldwell Courier e fazer uma busca
pelo nome do bom e velho Julio. Ahn. Quem diria. Havia um artigo escrito em dezembro passado sobre a atividade de uma gangue na área do centro – e Julio era destaque.
Tinha mesmo uma foto dele encarando de dentro de um camburão, os olhos ostentando aquele mesmo esbugalhar, a boca também arreganhada como se estivesse falando desesperadamente
com o fotógrafo.
Mas nada sobre vampiros.
Subindo a tela de novo, descobriu que o nome no subtítulo era um que ela conhecia.
Na verdade, Bryant tinha conseguido uma casa para o cara e a esposa há cerca de seis meses. Se não estava enganada.
Uma rápida busca no arquivo de clientes e, é, ela estava certa.
— Sinto muito pelo atraso!
Bryant Drumm entrou pela porta de vidro correndo, mas não parecia esbaforido. Seu cabelo escuro estava perfeitamente arrumado, o terno azul acinzentado estava adequadamente
abotoado e os documentos em suas mãos estavam separados em três seções.
Então ele não tinha realmente corrido. Veio em seu próprio ritmo, mesmo que para isto tivesse deixado-a plantada ali.
Ele pôs os cotovelos na mesa e se inclinou, com seu sorriso patenteado.
— Jo, como posso te recompensar?
Ela estendeu a mão.
— Dê-me. E me deixe ir embora.
Bryant colocou os documentos em sua mão, mas então se recusou a soltar quando ela tentou pegá-los.
— O que seria de mim sem você?
Enquanto a olhava fixamente, a concentração dele era fixa e completa – como se nada mais existisse no mundo para ele, como se estivesse tanto cativado por ela quanto
levemente admirado. E para alguém que não tinha muita importância para os pais, que foi posta para adoção pelas pessoas que a geraram, que se sentia perdida no mundo...
Era assim que ele a cativava.
De certa maneira triste que ela não gostava de questionar muito, vivia para estes pequenos momentos. Trabalhava até tarde por eles. Mantinha-se na expectativa de
que voltariam a acontecer...
O telefone dele tocou. E ainda olhava para ela ao atender.
— Alô? Oh, ei.
Jo desviou o olhar, e desta vez quando ela puxou, ele a deixou pegar os contratos. Conhecia aquele tom de voz dele. Era uma de suas mulheres.
— Posso te encontrar agora. – Murmurou ele. — Onde? Mm-hmmm. Não, já jantei... Mas topo uma sobremesa. Mal posso esperar.
Quando ele encerrou a ligação, ela já tinha se virado para o lado e ligado o scanner.
— Obrigado de novo, Jo. Te vejo amanhã?
Jo nem se incomodou em olhar por cima do ombro ao alimentar as páginas uma a uma.
— Estarei aqui.
— Ei.
— O que?
— Jo. – Quando ela se virou para olhá-lo, ele inclinou a cabeça de lado e estreitou o olhar. — Devia usar vermelho com mais frequência. Destaca seu cabelo.
— Obrigada.
Voltando ao scanner, ouviu-o sair e a porta se fechando suavemente. Um momento depois, houve o clarão de um motor potente e ele se foi.
Sabendo que estava sozinha, ergueu a cabeça e olhou para seu reflexo na entrada de vidro. As luzes das lâmpadas superiores refletiam em seu cabelo de um jeito que
seus tons de vermelho e castanho se destacavam mesmo, em contraste com todo aquele preto e cinza ao seu redor.
Por alguma razão, o vazio do escritório... Em sua vida... Pareceu tão alto quanto um grito.


CONTINUA

Capítulo TREZE
Quando Mary acordou, não tinha ideia de que horas eram. Levantando a cabeça do peitoral nu de Rhage, ela olhou em volta e se surpreendeu ao descobrir que os dois
caíram no sono na sala de recuperação e com as luzes acesas acima de suas cabeças.
Droga, não tinha tornado a conectar todas aquelas máquinas. Depois do pequeno interlúdio orgástico de Rhage, ele tinha se recusado a parar de abraçá-la, e ela deve
ter caído no sono de encontro a seu corpo quente e musculoso. Claramente Ehlena tinha chegado a conclusões certas – os monitores por si foram removidos. E sim, seu
hellren ainda estava muito vivo, seu peito subindo e descendo calmamente, e aquele maravilhoso Ba-bump, Ba-bump, Ba-bump de seu coração era um verdadeiro atestado
de sua saúde.
Fechando os olhos, estremeceu quando pensou na ferida da bala, o sangue que ele tinha tossido, aquele horrível...
— Ei, linda.
Assim que ele falou, ela levantou a cabeça. Seus olhos azuis semicerrados a prendiam, queria olhar dentro deles para sempre.
— Oi. – ela sussurrou.
Movendo sua mão para cima, ela acariciou a bochecha dele, sentindo sua barba loira começando a crescer.
— Você precisa se barbear.
— Preciso?
— É sexy, na verdade.
— Então vou jogar fora todos os meus barbeadores. Rápido, me ajude a ir pro nosso banheiro pra eu fazer isso agora.
Ela riu um pouco, então ficou séria.
— Como está sua visão?
— Que visão?
— Continua cego?
Ele soltou um som como hrrumph.
— Como se isso importasse! Você está aqui e eu posso te ouvir perfeitamente. Posso sentir você também. – A grande e larga palma da mão de Rhage esfregou seu ombro.
— Ei, tive uma ideia. Vamos pro nosso quarto e depois de cancelarmos minha assinatura do Clube de Barbear, podemos cair na Jacuzzi. Depois de um banho e meio, podemos
ir pra cama e ver o que acontece. Lembre-se que eu te devo pelo menos um bom passeio... E então tem os juros. Ohhh, aqueles juros... Tenho muita coisa pra fazer
por causa disso.
Mary riu um pouco.
— O que? – Ele disse com um olhar severo. — O que tem de errado?
Colocando-se na vertical e afastando-se do peito dele, ela estalou as costas se esticando. Jogou seu cabelo para longe do rosto. Colocou o colarinho da camisa no
lugar para não se asfixiar mais.
— Que pena, hein?
Com um gemido de dor, ele agarrou os botões do controle e deixou o ângulo do colchão mais alto para que então pudesse se sentar de modo mais apropriado.
— Fale comigo.
Quando ela se moveu para os pés de sua cama e tentou achar as palavras, Rhage recuou.
— Uau. Você está... Por que está chorando?
— Jesus, eu estou? – Uma passada rápida de sua palma na bochecha e ela achou umidade. — Uau. Sim, me desculpe por isso.
— O que está acontecendo? Preciso matar alguém pra você?
Esta era a primeira resposta de um macho emparelhado para qualquer coisa que chateasse sua shellan, e antes que pudesse evitar, ela sussurrou: — A morte já aconteceu,
na verdade.
— Huh.
Por alguma razão, seu pensamento voltou para aquela noite, cerca de dois anos atrás, quando Rhage, V e Butch saíram e mataram um hellren criminoso, então Bitty e
Annalye puderam viver.
— A mãe de Bitty morreu na noite passada.
— Ohhhhh, merda. – Rhage sentou completamente para frente por conta própria, como se tivesse em mente pular para fora da cama mesmo que não tivesse nenhum lugar
para ir, nenhum ataque para defendê-la. — Mas por que inferno você não me disse?
— Você estava meio que ocupado morrendo na hora...
— Você deveria ter me contado. Eu fiz você me masturbar...
— Pare com isso. Eu amo isso. Nós precisávamos disso.
Quando seu lindo rosto ficou insuportavelmente tenso e ele cruzou os braços no peito como se estivesse chateado consigo mesmo, ela arqueou pra cima e o beijou na
boca. — Obrigada.
— Pelo que?
— Por se importar com ela também.
— Como eu não poderia? O que posso fazer pra ajudar?
Mary se sentou e soltou.
— Eu senti sua falta.
Rhage bateu no ar entre eles como se estivesse indo tocá-la, e ela colocou seu rosto entre as mãos dele, deixando-o sentir suas bochechas e mandíbula, os lados de
sua garganta.
— Senti sua falta também, – Ele disse num tom baixo. — Nós estivemos... Afastados ultimamente. Não separados, mas afastados.
— Me desculpe. Eu sei. Estive envolvida com tudo no Lugar Seguro e isso realmente não é justo...
— Pare com isso. Você nunca tem que se desculpar comigo por amar seu trabalho ou precisar estar sempre por dentro das coisas, como faz. Sou a última pessoa que não
entenderia isso. Você é maravilhosa lá, e uma pessoa maravilhosa que ajuda todo mundo...
Mary abaixou os olhos, mesmo pensando que tecnicamente não havia nenhum olhar fixo para ela escapar.
— Nem sempre. Deus, nem sempre.
— Conte pra mim. Mary, não quero ser exigente... Mas você realmente precisa falar comigo.
Quando ela se lembrou de tudo que aconteceu, seus olhos se encheram de lágrimas novamente.
— Eu, ah... Eu recebi a ligação na minha mesa que as coisas não estavam indo bem com Annalye e levei Bitty no Havers. Eu realmente pensei... Bem, quando minha mãe
se foi, eu estava com ela e isso foi importante para mim, especialmente depois, sabe? Quero dizer, quando penso nela e sinto sua falta... Há um certo consolo que
tenho ao saber que ela não estava sozinha quando morreu. Que... Que estava comigo no começo da minha vida e que eu estava com ela no fim da dela, – Mary soltou um
suspiro trêmulo. — Quero dizer, Bitty é nova... Ainda há tantos anos pela frente para ela lidar com isso, sabe? E o que foi importante para mim quando eu era adulta,
meio que parecia algo que poderia ser importante para ela depois. Em todo caso... Eu não queria que isso acontecesse.
— O que acontecesse?
Mary cobriu o rosto com as mãos quando as memórias atravessavam sua consciência como uma faca.
— Quando Bitty... Oh Deus, quando Bitty pegou a mão de sua mãe, a fêmea morreu bem naquela hora. Bitty pensou que ela fosse a responsável. Isso foi... Horrível.
Nada do que eu queria para nenhuma das duas.
Eu a matei! Eu a matei!
— Talvez a mahmen dela estivesse esperando por ela.
Mary secou os olhos e deixou os braços caírem em derrota.
— É isso o que eu estou dizendo a mim mesma. Não que isso realmente ajude...
— Mary, quando fui baleado naquele campo e estava morrendo, eu estava esperando que você fosse até mim. Era a única coisa que estava me segurando aqui. Quando se
ama alguém e você está partindo, espera até que a pessoa venha... E isso toma um monte de energia, um monte de foco. Estou te dizendo Mary, eu estava esperando por
você por que precisava ficar em paz contigo, mas não conseguia aguentar por muito tempo... E embora tivemos sorte e você salvou minha vida, a realidade é que eu
prolonguei meu sofrimento só para ter aquele momento contigo.
— Oh Deus, sério... Ver você sofrendo daquele jeito... Foi um dos piores momentos da minha vida.
Como se ele estivesse determinado a mantê-la no caminho, Rhage falou sobre ela.
— Você precisa dizer isso a Bitty, ok? Dizer a ela que sua mãe morreu naquele momento por que a voz de Bitty era o que ela precisava ouvir antes que fosse para o
Fade. Ela precisava saber antes de partir que sua filha estava bem. E te garanto, Mary, se você dissesse uma palavra naquele quarto, Annalye saberia que estava com
a filha dela também. E isso quer dizer que Bitty estaria segura. Annalye foi embora por que sabia que tudo bem ela ir.
— Nunca pensei nisso desse jeito, – Mary murmurou. — Você colocou isso de um jeito ótimo. Eu queria que você pudesse dizer isso a ela.
— Talvez eu possa algum dia. Inferno, diga o dia e a hora e estarei lá.
Quando Rhage começou a ir até ela, parecia focado nela mesmo que não pudesse enxergar – e na realidade, Mary tinha muita certeza nesse momento que nada mais nesse
mundo existia para ele além dela e dos seus problemas. Adicione aquela ridícula beleza masculina, aquele desejo sexual e aquele grande coração?
— Como nesse mundo acabei ficando com você? – Ela sussurrou. — Ganhei na loteria.
Seu hellren a alcançou e trouxe para perto de novo, colocando-a sob seu queixo.
— Oh, não, Mary. É o contrário. Acredite em mim.
Quando Rhage sentiu a tensão no corpo de sua shellan acalmar, esfregou suas costas em círculos lentos... E sentiu vontade de vomitar.
Não por causa da coisa toda da Besta.
— Então, sei que ainda temos 12 horas até o anoitecer, – Ela disse — Mas gostaria de ir para o trabalho essa tarde. Mesmo que só um pouquinho e somente se você...
— Oh Deus, sim. Bitty precisa de você. – Perguntou a si mesmo se tinha sobrado algum Alka Seltzer. — Estou bem.
— Tem certeza?
Não. Não mesmo. — Inferno, sim... Quantas vezes já passei por essa recuperação? Vou só deitar aqui e dormir muito. – Por que se não estivesse consciente, não iria
se sentir daquele jeito, certo? — E na verdade, pensando bem, você não precisa que eu diga nada a Bitty. Você tem maneiras melhores de colocar as coisas do jeito
certo.
— Eu costumava acreditar nisso.
— Não. – Olhou para baixo, para onde o som da voz dela estava vindo e pegou uma de suas mãos com a dele com urgência. — Mary, você não pode ter uma segunda opinião
sobre si mesma. Ouça, você vai para a guerra do seu próprio jeito, e a pior coisa que um soldado pode fazer é ter sua confiança perdida antes que chegue ao campo.
Não são todas as vezes que vai acabar em vitória, mas você tem que começar isso todas às vezes sabendo que seu treinamento e seus instintos são ouvidos. Você não
fez nada de errado. Não magoou Bitty de propósito. Certamente não é responsável pela mahmen dela escolher aquele momento para ir para o Fade... E de fato, há muitas
evidências que sugerem que a fêmea foi embora por que sentiu que sua filha estava em boas mãos. Você precisa acreditar em tudo isso, caso contrário vai ficar presa
em algo indefinido que não vai ajudar ninguém.
— Senhor, você está sempre tão certo.
Blah. Nem mesmo perto disso. Mas não é como que fosse trazer todos seus erros à tona agora, quando ela tinha problemas reais para lidar com aquela garotinha. Ele
era um idiota egoísta, mas não era tão babaca assim.
Puta merda, não podia acreditar que fez sua shellan atravessar aquilo daquele jeito... Não poderia viver consigo mesmo sabendo que fez Mary essencialmente assisti-lo
morrer na noite passada – e tudo por nenhuma boa razão, porra.
Tudo por que não tinha ouvido Vishous.
Na verdade não, ele tinha. E isso é o pior de tudo. De fato, tinha ouvido cada palavra que o Irmão disse e saiu pra lutar do mesmo jeito, completamente ciente do
que estava esperando por ele no campo de batalha se o cara estivesse certo.
Achava que essa era a definição de suicida, não era?
O que significa que ele era...
Ah, porra.
Enquanto a cabeça de Rhage começou a implodir com a realidade que estava só agora acordando nele, Mary continuou a falar de um jeito lento, e considerando o que
ela ia fazer para a garotinha, quais as consultas medicas ela tinha que ter, e então havia algo sobre um tio em algum lugar... E Rhage simplesmente deixou a conversa
de uma só pessoa seguir.
Na verdade, estava indefinidamente agradecido que ela se sentia melhor e mais conectada com ele. Aquela merda importava. Infelizmente, estava voltando a ficar longe
dela novamente, uma parte dentro dele flutuando para fora mesmo com o corpo dele ficando onde estava.
O que tinha de errado com ele, inferno? Ele tinha tudo o que queria na vida – e ela estava em seus braços neste exato momento. Ele tinha morrido de medo e tinha
passado por isso. Havia muito pelo que viver, pelo que lutar, pelo que amar.
Então por que faria uma coisa daquela? Por que correria para um caixão todo garantido? E por que essa distância dela de volta?
Bem, havia uma explicação. Alguma coisa tinha amarrado tudo com um arco grande, gordo e psicótico.
Ele frequentemente tinha se perguntado se estava louco. Tipo, tão intrinsecamente.
Suas emoções sempre foram tão extremas, pulando da loucura para a raiva, que ele tinha ficado preocupado algumas vezes que um dia iria pender para algum dos extremos
dessa espiral, nunca retornando para a sanidade novamente. Talvez isso finalmente tivesse acontecido. E se tivesse? A última coisa que Mary precisava depois do que
tinha acontecido na noite anterior é que ele estivesse clinicamente insano.
Por que merda, por que mais ele se sentia tão malditamente estranho dentro de sua própria pele?
Maldição, parecia que tinha ganhado na loteria só para descobrir que era alérgico ao dinheiro ou uma merda assim.
— Rhage?
Ele se sacudiu. — Me desculpe, o que?
— Você quer que eu pegue alguma comida?
— Não. Continuo cheio. – Ele tornou a colocá-la contra ele novamente. — Porém eu poderia ter muito mais disso.
Mary se aconchegou perto dele, passando os braços em volta dos seus ombros o máximo que conseguia.
— Você tem.
Tentei me matar na noite passada, disse para ela na sua cabeça. E não tenho ideia do por quê.
Sim, era oficial.
Ele tinha enlouquecido.
Capítulo CATORZE
— É aqui.
Jo Early pisou no acelerador de seu Volkswagen de merda.
— Sim, sei onde é, Dougie.
— Bem aqui...
— Eu sei.
Não havia razão para acertar a placa. Às sete da manhã, não tinha nenhum outro carro por perto, ninguém para se importar como ela atravessou o portão desencaixado
com a pintura descascada da velha escola preparatória que sua mãe teve um milhão de anos atrás.
Uau. A Escola Brownswick para Garotas teve dias melhores.
Sua mãe então não aprovaria nem um pouco este paisagismo. Ou a falta dele.
Mas aí, a mulher podia romper um aneurisma através de um único dente de leão em seu gramado de cinco acres.
Dirigindo pela rua de asfalto esburacada, Jo dirigiu em torno de buracos que eram grandes o suficiente para engolir seu pequeno Golf, e se esquivou da árvore caída
em pedaços – alguns dos quais eram velhos o suficiente para apodrecer.
— Deus, minha cabeça dói.
Ela olhou para seu companheiro de quarto. Dougie Keefer era Shaggy do Scooby Doo – sem o cão alemão falante. E sim, seu apelido era Reefer por uma boa razão.
— Eu disse para ir a um médico quando passou por aqui ontem à noite...
— Fui atingido na cabeça!
— ... você provavelmente teve uma concussão.
Embora qualquer consulta de neuro com o cara seria difícil de ler por que ele normalmente tinha visão dupla. E dormência e formigamento era uma escolha de estilo
de vida em seus olhos.
Dougie estalou os dedos um por um.
— Vou ficar bem.
— Então pare de reclamar. Além disso, metade do problema é que está ficando sóbrio. É chamado de ressaca.
Enquanto iam para dentro do campus, edifícios apareceram e ela os imaginou com janelas inteiras limpas e recém-pintadas, e portas que não penduravam em ângulos ruins.
Podia absolutamente ver sua mãe aqui com seus terninhos e pérolas, atrás de seu diploma superior mesmo que tivesse sido apenas uma escola preparatória, não uma faculdade.
Tradições do século XXI à parte, coisas tinha sido adquiridas na cápsula do tempo dos 19 aos 50 anos de sua mãe. E a mulher tinha o correspondente de sapatos e bolsas
femininas para comprová-lo.
E as pessoas se perguntavam por que Jo tinha se afastado?
— Você não está pronta para isso, Jo. Estou dizendo a você.
— Tanto faz. Preciso começar a trabalhar.
— Vai explodir sua mente.
— Uh-huh.
Dougie se virou para ela, a faixa do cinto de segurança em seu peito.
— Você viu o vídeo.
— Eu não sei o que estava olhando. Estava escuro e antes que continue a discutir, lembre-se... Primeiro de Abril?
— Ok, é Outubro, tá? – A risada que ele deu era tão ele. — E sim, essa foi boa.
— Para mim não foi.
Dougie tinha decidido que seria divertido pegar o carro dela emprestado, e em seguida enviar-lhe uma imagem de photoshop da coisa enrolada em torno de uma árvore.
Como ele conseguiu se concentrar tempo suficiente para terminar o trabalho visual tinha sido um mistério, mas ele parecia tão real, que ela tinha ligado para sua
companhia de seguro.
E também teve um colapso no banheiro no trabalho quando se perguntou como diabos ia cobrir sua franquia.
Essa era a coisa sobre deixar seus pais ricos no retrovisor. Quinhentos dólares sem um orçamento certo poderia ser difícil comer.
Com uma careta, ela se inclinou em direção ao volante.
— O que é isso... Ah, merda.
Pisando nos freios, ela parou na frente de uma árvore inteira que tinha caído do outro lado da pista. Checando rapidamente o relógio, ela amaldiçoou. Mesmo enquanto
o tempo passava, não estava dentro de um Golf 4X4, e correndo o risco de ter que chamar o guincho e pagar por um reboque.
— Se vamos fazer isso, temos que andar.
— Vamos dar a volta.
— E ficar preso na lama? Choveu tarde da noite ontem. – Ela desligou o motor e retirou a chave do carro. — Vamos lá. Você quer me mostrar, é melhor começar a andar.
Caso contrário, vou dar meia volta.
Dougie ainda estava reclamando quando eles partiram a pé, passando por cima do bordo caído e continuando descendo a rua. A manhã estava amargamente fria e então
surpreendentemente – o tipo de coisa que deixava você feliz por ter trazido sua jaqueta por capricho, e chateada por ter deixado o chapéu e as luvas para trás por
que na sua cabeça, era “apenas outubro”.
— Agora sei por que não me levanto antes do meio-dia. – Dougie murmurou.
Jo levantou o olhar para os troncos nus acima. Odiava ser pessimista, mas se perguntava se qualquer um dos idiotas entrariam em queda livre e a matariam.
— Por que deixei você me meter nisso?
Ele colocou o braço ao redor de seus ombros.
— Porque você me amaaa.
— Não. – deu uma cotovelada nas costelas dele.
— Definitivamente não é isso.
E ainda meio que era. Ela conheceu Dougie e sua tropa da pesada através de um conhecido, e eles a aceitaram quando ela precisava desesperadamente de um lugar para
dormir. O arranjo era suposto ser temporário, do tipo cair no sofá, mas logo em seguida vagou um quarto no apartamento deles, e um ano mais tarde estava vivendo
numa versão de uma casa de fraternidade dos meados dos anos vinte. Com um grupo de garotos recalcitrantes que mais pareciam meninos, dos quais ela parecia ser responsável.
— Estamos chegando perto, – ele colocou as mãos na cabeça como se tivesse explodido. O que era uma viagem curta. — Quero dizer, pedaços de corpos em todos os lugares,
e o cheiro! Pior do que o que está na nossa geladeira. Quer dizer, estamos falamos corpos, Jo. Mortos! Só que estavam se movendo! E então essa...
— Alucinação de dragão. Você me disse.
— Você viu a filmagem!
— Como se eu não te conhecesse. – Ela disse enquanto sacudia a cabeça. — Você me enganou uma vez, devia se vergonhar... Me enganou duas vezes...
— Jo. Foi real. Foi real pra caralho... Vi um monstro e...
Conforme Dougie percorria a ladainha de impossibilidade outra vez, Jo focou na elevação adiante.
— Sim, ta, você já me disse. E ao contrário de você, ainda tenho minha memória de curto prazo.
— Imbecil, TJ e Soz viram também.
— Tem certeza disso? Por que quando mandei uma mensagem pra eles esta manhã, disseram que era uma viagem ruim. Nada mais.
— Eles são idiotas.
Quando chegaram na inclinação, ela sorriu e decidiu que talvez tivesse exagerado demais. Não se encaixava com a sociedade do tipo empertigada como a que os pais
dela estavam tão inseridos, mas da mesma forma, sair com um bando de maconheiros não levava exatamente a lugar nenhum também.
Ainda assim, eles eram altamente divertidos. Na maior parte do tempo.
E além do mais, a verdade era que não tinha ideia aonde pertencia.
— Você vai ver. – Dougie anunciou enquanto corria para o topo da subida. — Apenas olhe!
Jo se juntou a ele – e balançou a cabeça para tudo ali em cima, certo, ali embaixo também.
— Exatamente o que devo olhar? As árvores, os prédios ou a grama?
Dougie deixou os braços caírem.
— Não, não, isso está errado. Não...
— Acho que você finalmente deu fim ao seu cérebro, Dougie. Mas é o que acontece quando você o atinge dúzias de vezes com LSD em um período de seis horas. Pelo menos
pensou que isto era real desta vez, no entanto, é o contrário da coisa do acidente do carro batendo na árvore que você fez comigo.
É, não havia absolutamente nada anormal lá embaixo no que tinha que ser o centro do campus. Nada de corpos. Sem partes de corpos. E nenhum cheiro também. Nada além
de prédios abandonados, mais vento frio e mais nada de estranho.
— Não, não, não...
Enquanto Dougie corria lá pra baixo, ela o deixou ir, ficando pra trás e tentando imaginar como o lugar parecia quando tinha sido operacional. Era difícil pensar
que sua mãe tinha ido às aulas nestes prédios. Dormiu dentro deles. Teve aquela primeira dança com seu pai em um deles.
Engraçado, o passado como tinha sido parecia tão inacessível como era atualmente o presente com as duas pessoas que a adotaram. Os três nunca tinham tido sorte,
e apesar dela própria ser difícil às vezes, tinha sido um alívio esquecer de todas as tentativas exaustivas de fingir um vínculo que nunca se materializou.
— Jo! Venha cá!
Quando ela levou a mão ao ouvido e fingiu que não podia ouvi-lo, Dougie subiu correndo de volta até ela com o zelo messiânico de um pregador. Agarrando sua mão,
ele a puxou em uma descida rápida agitando para trás sua jaqueta do exército.
— Está vendo como tudo está pisoteado por ali? Vê?
Ela se deixou ser arrastada ao longo de uma seção do campo reconhecidamente achatada. Mas um monte de grama longa horizontal e arbustos remexidos dificilmente era
uma cena de um filme de Wes Craven, ou seja, de horror. E isso, sem dúvida, definitivamente não era o que estava no vídeo que Dougie insistiu que ela assistisse
várias vezes.
Não sabia como explicar tudo.
Mas o que estava claro para ela? Realmente não ia dar a si mesma uma cãibra no cérebro tentando conciliar tudo.
— Você viu o que eu postei! – Dougie disse. — E alguém pegou meu telefone por que não queria que ninguém visse isso!
— Você provavelmente só perdeu a coisa...
— Eu estava lá em cima. – Ele apontou para o mais alto dos prédios. — Ali! Foi ali que eu fiz a filmagem!
— Ei, Dougie, sem ofensa, mas tenho que ir trabalhar...
— Jo, estou falando sério. – Ele girou em um círculo. — Tudo bem, explique isso. Como tudo ficou esmagado aqui? Hã?
— Pelo que sei, você e nossos três colegas de quarto correram nus por aí em círculos. Na realidade, nem vamos seguir pelo lado hipotético.
Dougie a enfrentou.
— Então como é que eu consegui o vídeo? Hã?
— Não sei, Dougie. Francamente, é tão granulado que não sei o que estou olhando.
Ela lhe deu algum tempo para digerir todos os tipos de o-que-sobre-isso-e-aquilo, então ela terminou.
— Olha, eu realmente sinto muito, mas estou indo. Você pode vir comigo ou chamar um táxi para casa. A escolha é sua. Oh, espere. Sem telefone. Acho que isso significa
andar.
Enquanto ela se virava para ir embora, ele disse em uma voz surpreendentemente adulta.
— Estou falando sério, Jo. Isto aconteceu. Não me importo para o que os três vão dizer. Sei quando estou chapado e quando não estou.
Quando Jo parou e olhou para trás, a expressão dele ficou esperançosa.
— Você se importa se eu deixar você no ponto de ônibus na Jefferson? Acho que não tenho tempo para levá-lo de volta pra casa.
Dougie jogou os braços para cima.
— Ah, qual é, Jo. Deixe-me só te mostrar aqui...
— Ponto de ônibus, é isso. – Disse ela. — E lembre-me disso da próxima vez que você tomar ácido. Quero estar preparada.
Capítulo QUINZE
Algum tempo depois, Mary acordou depois de um bom e longo descanso... E sorriu ante seu companheiro decididamente adormecido. Rhage estava apagado, os olhos fechados,
uma sobrancelha loira contraindo e sua mandíbula rangendo como se talvez estivesse sonhando com uma discussão ou um jogo de bilhar. Sua respiração era profunda e
plana, e sim, ele estava roncando. Não como uma serra elétrica. Ou um estridente Mustang acelerando num sinal vermelho. Nem mesmo nada perto do texugo ferido na
rotina do Butch – o que era algo que tinha que se ouvir para acreditar.
Não, os sons que seu homem soltava eram mais como uma cafeteira Krups bem quando ela está terminando um ciclo coar o café; o tipo de coisa que borbulha em segundo
plano, oferecendo um ritmo reconfortante durante o qual ela poderia dormir se quisesse ou ficar acordada e ouvir, se fosse trabalhar novamente. Pensando nisso, seus
roncos provavelmente eram mais silenciosos do que ele, considerando como suas pisadas eram pesadas, o quanto sua risada era alta e o quanto ele falava, especialmente
se estivesse perturbando seus irmãos.
Toda essa maluquice era apenas parte do que tanto amava nele.
Ele era sempre tão vivo. Vivo demais.
Graças a Deus.
Quando ela foi se esticando, moveu-se lentamente contra o corpo dele para não acordá-lo e olhou para o relógio do outro lado da sala de recuperação. Sete da noite.
Passou o pôr do sol.
Dado o quão cansado ele tinha que estar, era capaz dele dormir mais quatro ou cinco horas. Provavelmente era melhor ela sair agora e voltar quando ele estivesse
acordado.
— Estou indo para o Lugar Seguro um pouquinho. – Ela disse suavemente. — Fica com ele. Avise a ele que logo estarei de volta, ou ele pode me ligar?
Ela estava falando com a Besta, claro – e tratando com esse enorme dragão esmagador de ossos como uma espécie de secretária social. Mas isto funcionava. Se ela tinha
que sair quando Rhage estava dormindo, sempre dizia para a Besta o que estava fazendo e quando estaria de volta. Dessa forma, Rhage não acordava suando frio achando
que ela tinha sido raptada. Assassinada. Ou que escorregou e caiu no banheiro, que ficou desmaiada e deixada sangrando por todo o chão de mármore.
É, machos vinculados tendiam a saltar para conclusões que eram apenas um pouuuuuuco exageradas.
Mary cuidadosamente desvencilhou-se de Rhage apenas para parar quando estava quase livre. Olhando para o seu esterno despido completamente intacto, ela escovou as
pontas dos dedos sobre onde bala esteve.
— Eu não te agradeci. – Ela sussurrou. — Você o salvou. Devo a você... Muito obrigada.
De repente, as pálpebras de Rhage abriram – mas não era ele acordando. Seus olhos não eram nada além de órbitas brancas, essa iluminação indicadora da consciência
da besta fixa nela com foco total.
Ela sorriu e roçou o rosto de seu companheiro, sabendo que o dragão sentiria seu toque.
— Obrigada. Você é um bom menino.
Uma versão mais tranquila do bufo afetuoso que a besta sempre dava a ela reverberou subindo e saiu da garganta do Rhage.
— Volte a dormir também, ok? Você precisa descansar também. Você trabalhou duro na última noite.
Mais um bufo... E aquelas pálpebras começaram a descer. A besta lutou contra a maré como um cachorrinho, mas acabou perdendo a batalha, retornando ao ronco. Ambos
tornando a se engajar em qualquer que seja a versão da terra dos sonhos em que estavam.
Inclinando-se, ela beijou a testa do seu companheiro e alisou seu cabelo para trás. Então foi para o banheiro e fechou a porta. Tão logo se virou para o balcão ao
lado da pia, ela sorriu. Alguém – oh, com quem ela estava brincando, tinha que ser o Fritz – tinha colocado mudas de roupas completas para os dois. Bem como escovas
de dente, lâmina e creme de barbear, um xampu e condicionador.
— Fritz, teu nome verdadeiramente é consideração.
E oh, isso é que era um chuveiro. De tempos em tempos, ela se perguntava se os sons ou cheiros acordariam Rhage, mas quando estava se enxugando, entreabriu a porta
e constatou que além de ter virado de frente pro banheiro, ele permaneceu dormindo.
Provavelmente por que ela disse para a Besta o que estava acontecendo.
Enquanto estava secando o cabelo, perguntou a si mesma onde o Volvo tinha terminado. Ela tinha vindo do campo de batalha pra cá de carona na unidade cirúrgica, mas
certamente alguém tinha trazido sua perua de volta.
Bem, ela sempre poderia levar qualquer outro para o Lugar Seguro.
Quinze minutos depois, silenciosamente caminhou até a porta. Depois de um prolongado olhar fixo para o Rhage, ela abriu a porta e...
— Oh! Deus! – Ela sibilou enquanto recuava.
A última coisa que esperava ver era a Irmandade inteira do lado de fora da sala de recuperação do seu hellren.
Mas ela devia saber. Todos estavam lá, de V e Butch, Phury e Z... Blay e Qhuinn... Tohr e John Matthew... Até mesmo Wrath e Rehvenge. Era como estar na frente de
uma equipe de futebol... Que era composta por lutadores profissionais... Com o equipamento completo de jogo.
Tudo bem, isso nem de longe era o suficiente para descrever a quantidade de macho no corredor.
— Ei, pessoal. – Ela disse calmamente enquanto puxava a maçaneta e certificava-se que as coisas estivessem fechadas. — Ele está dormindo agora, mas tenho certeza
que não vai se importar de ser acordado.
— Nós não viemos por ele. – Disse Wrath em voz baixa.
As sobrancelhas de Mary se levantaram quando ela olhou para o seu Rei.
— Oh.
Nossa, ela tinha feito alguma coisa errada? Era difícil saber dado que Wrath, com seu bico de viúva e seus óculos escuros, sempre parecia puto.
O cara não tinha a cara de uma vadia descansada, mas a descansada “vou matar alguém e incendiar sua casa”.
Engolindo em seco, ela gaguejou.
— E-eu, ah...
— Obrigado, Mary. – O Rei disse enquanto dava um passo adiante com seu cão guia, George. — Obrigado por salvar a vida do nosso irmão.
Por um momento, ela ficou completamente pasma. E então o Rei a estava puxando para um duro abraço apertado.
Quando Wrath deu um passo atrás, havia algo pendurado sobre o ombro dela.
Uma espada?
— Espere, o que é isso? – Ela bateu em uma segunda recuada. — Por que isso... Oh, meu Deus…
A arma era feita de ouro ornamentado do punho à bainha, e havia pedras preciosas brancas e vermelhas faiscando em todos os lugares. Da mesma forma, tinha uma faixa
vermelha de rubi pendurada enfeitada com pedras preciosas e metais – parecia antiga. Antiga... E inestimável.
— Wrath, não posso aceitar isso, é demais...
— Você executou um serviço de valor ao trono. – O Rei anunciou. — Salvando a vida de um membro da minha guarda particular, você é mantida na mais alta estima real,
e pode me convocar em seu benefício de valor comparável em algum momento no futuro.
Ela balançou a cabeça várias vezes. — Isso não é necessário. Sério. Não é.
E de repente ela se sentiu mal. Muito mal. Por que não salvou Rhage para estes homens maravilhosos que o amavam tanto. Não o tinha salvado para si mesma também.
Deus, por que... Por que aquele momento tinha que ser contaminado com todo o drama com a Bitty?
Mary foi tirar a espada.
— Realmente não posso...
Um por um, os Irmãos vieram até ela, abraçando-a com puxões duros, segurando-a até sua espinha dobrar e as costelas não poderem expandir mais. Alguns deles falaram
em seu ouvido, dizendo coisas que ressoaram não só por causa das palavras que foram escolhidas, mas pelo respeito e reverência nos tons daquelas vozes profundas.
Outros apenas fizeram um monte de ruídos tipo pigarros, do jeito que os homens faziam quando estavam lutando para se manter fortes e compostos em face de grande
emoção. E ali estava John Matthew, aquele com quem tinha começado esta viagem louca, quem tinha começado isso tudo ligando para o disque-suicídio onde ela era voluntária.
Vishous foi o penúltimo dos Irmãos a vir a ela, e enquanto a segurava, ela sentiu um aroma de tabaco. Junto com couro. E pólvora.
— Nós devemos a você. – Ele disse secamente. — Para sempre.
Enxugando os olhos, ela balançou a cabeça uma vez mais.
— Você me dá crédito demais.
— Nem perto. – Disse ele enquanto escovava a sua bochecha com a mão enluvada. Encarando-a, seus olhos de diamante e o rosto duro com essas tatuagens eram o mais
próximo de terno que ela jamais os viu. — Você sabia o que fazer...
— Mas eu não sabia, V. Eu realmente não tenho a menor dica de onde essa ideia veio.
Por um momento, ele franziu a testa. Então deu de ombros.
— Bem, tanto faz. Você nos deu nosso irmão de volta. E mesmo ele sendo um pé no saco, a vida não seria a mesma sem ele.
— Ou você. – Disse Zsadist.
Z foi o último a vir, e quando ele abriu os braços bem abertos, por algum motivo as faixas de escravo que foram tatuadas em torno de sua garganta e pulsos destacaram-se
para ela.
Seu abraço era rígido. Desajeitado. Obviamente difícil para ele, enquanto mantinha seus quadris distantes de seu corpo. Mas seus olhos estavam amarelos, não pretos;
e quando deu um passo atrás, ele colocou a mão no ombro dela.
A cicatriz que descia por seu nariz e ao redor de sua bochecha se moveu quando ele lhe deu um pequeno sorriso.
— Você é realmente boa em salvar vidas.
Sabia exatamente a que ele estava se referindo – todas essas sessões que eles dois tiveram na caldeira no porão da mansão, ele falando sobre o terrível abuso que
tinha sofrido nas mãos de sua senhora, ela ouvindo e fazendo comentários somente quando ele parava por muito tempo ou olhava para ela por algum tipo de bote salva-vidas
enquanto lutava em um mar de vergonha esmagadora, dor e tristeza.
— Algumas vezes eu gostaria de ser melhor. – Disse ela enquanto pensava em Bitty.
— Não é possível.
Quando Z caiu atrás alinhado com seus irmãos, Mary passou a mão no cabelo. Enxugou seus olhos. Respirou fundo. Apesar de haver muitas emoções diferentes a atravessando,
era muito bom estar por perto de pessoas que amavam Rhage tanto como ela amava.
Que ela sabia ser verdadeiro e sem questionar.
— Bem. – Ela pigarreou. — Agradeço a todos. Mas honestamente...
Enquanto cada um deles olhava para ela de cara feia, isso era o tipo de coisa que a te deixava agradecida que eles gostassem de você. Ela teve que rir.
— Ok, ok, vou manter isso, vou manter.
A conversa surgiu entre os Irmãos e houve alguns tapas nas costas, como se estivessem orgulhosos de si mesmos por fazer a coisa certa por ela.
Com um tchau final, ela se forçou a seguir em frente em direção à entrada do túnel subterrâneo... Com sua nova espada.
Rapaz, ela era pesada, pensou conforme caminhava com a espada ainda no ombro.
Quase tão pesado quanto o peso que sentia em seu coração.
Enquanto Mary caminhava pelo corredor na direção do escritório, Vishous pegou um cigarro enrolado à mão e colocou entre seus dentes da frente.
À medida que acendia a coisa, franziu o cenho pensando sobre o que ela disse a ele.
— Então Xcor não está consciente? – Wrath murmurou.
Virando-se para o Rei, V exalou e mudou as engrenagens na sua cabeça.
— Ainda não. E eu o chequei cerca de meia hora atrás.
— Onde você o colocou?
— No estande de tiro. – V olhou para Tohr, que estava fora do alcance da voz. — E nós temos um cronograma de guarda. Ele está amarrado para minha satisfação...
— Você realmente usa essa merda para o sexo?
Como um, a Irmandade inteira levantou o olhar para a interrupção. Lassiter, o anjo caído, apareceu do nada e estava parecendo um pouco menos ofensivo do que o habitual,
seu cabelo loiro-e-preto puxado para trás em uma trança que ia até sua bunda, couro preto cobrindo suas partes pudendas, argolas de ouro nas orelhas, braceletes
nos pulsos e piercings nos mamilos brilhando sob as luzes fluorescentes do teto. Ou talvez tenha sido por causa da sua extravagante disposição celeste.
Não.
— Que diabos aconteceu com sua maldita camisa? – V atirou de volta. — E por que, merda, você está fora do seu posto?
Porra, sabia que não podia colocar esse idiota de guarda. Mas pelo menos Payne não tinha deixado o estande de tiro, e isso era algo V que não precisava checar. Sua
irmã era o tipo de lutadora que ele confiaria não apenas com sua própria vida e as vidas de seus irmãos e cônjuges, mas em garantir que seu prisioneiro não ia nem
espirrar sem permissão.
— Derramei algo nela.
— Que? Você está comendo lá dentro?
— Não. Claro que não. – Lassiter foi andando devagar para onde o material de limpeza era mantido. — Ok, sim. Certo. Foi um milk-shake de morango... E só estou indo
pegar uma camisa limpa e voltar pra lá. Relaxe.
V deu uma longa tragada. Era isso ou estrangular o filho da puta.
— Morango? Sério?
— Vai se foder, Vishous.
Quando o anjo sorriu e mandou um beijo por cima do ombro, pelo menos o vadio não bombeou os quadris imitando o ato sexual.
— Posso matá-lo? – V murmurou para Wrath. — Por favor. Só uma vez. Ou talvez duas.
— Entre na fila.
V tornou a focar no assunto.
— Como eu estava dizendo, Xcor não vai a lugar nenhum.
— Quero descobrir onde os Bastardos estão ficando. – Wrath ordenou — e trazer o resto deles pra cá. Mas eles devem ter assumido que ele foi capturado. É o que eu
faria. Sem corpo? Sem testemunhas da morte? O curso mais seguro é assumir que o líder deles se tornou prisioneiro de guerra e cair fora de onde quer que eles estejam
ficando.
— Concordo. Mas nunca se sabe o que se pode aprender quando se aperta os botões certos.
— Mantenha Tohr longe dele.
— Entendido. – V olhou para Tohr de relance novamente. O irmão estava atrás do grupo e olhando para o corredor onde o estande de tiro ficava. Parecia estranho pensar
em ter de pôr rédeas no cara ou vigiá-lo, mas assim eram as coisas.
Algumas vezes as emoções eram demais, mesmo para o mais lógico dos lutadores.
Exceto para ele, é claro.
Ele era habilidoso pra caralho.
— Então Assail está dois quartos descendo o corredor. – Disse V. — Se você estiver pronto para falar com ele.
—Leve-me ali, V.
Mais uma vez, normalmente teria sido Tohr cumprindo o dever, mas V deu um passo mais perto e cutucou o Rei adiante, deixando os Irmãos reassumirem várias posições
e sentarem enquanto esperavam Rhage acordar.
Depois deles estarem a alguma distância, o Rei disse baixinho:
— Então, o que você sabe sobre Rhage e seu pequeno torneio de tiro prematuro.
Quando V amaldiçoou, Wrath sacudiu a cabeça.
— Conte-me. E não finja que não sabe de porra nenhuma. Você foi o último a falar com ele.
Vishous considerou manter a merda por baixo dos panos, mas no final, mentir para Wrath não era interesse de ninguém.
— Eu previ a morte dele e tentei fazê-lo deixar o campo. Ele não saiu e... Aí está.
— Ele foi lá fora. Sabendo que ia morrer.
— Sim.
— Droga. – Depois que Wrath soltou alguns palavrões com a letra F, ele mudou para outro assunto feliz. — Também ouvi dizer que você teve um visitante. Quando voltou
para o campus.
— O Ômega. – Cara, ele não gostava nem de dizer esse nome. Mas como gostaria de falar sobre o desejo de morrer de Rhage? — Sim, o irmão da minha mãe cuidou da limpeza.
Se o seu dia de trabalho como sendo a fonte de todo o mal no mundo não funcionar, ele tem uma segunda carreira como zelador esperando por ele.
— Algum problema?
— Ele nem sequer sabia que estávamos ali.
— Graças a Deus. – Wrath olhou de relance, apesar de não poder ver. — Falou com sua mãe ultimamente?
— Não. Não. De modo nenhum.
— Pedi uma audiência. Ela não me reconheceu.
— Não posso ajudá-lo. Desculpe.
— Vou lá em cima sem ser convidado se eu tiver que fazer.
V parou na porta do quarto de recuperação do Assail, mas não abriu.
— Pelo que exatamente você está procurando por ela?
— Quero saber se ela ainda está ali em cima. – O rosto cruel e aristocrático de Wrath ficou esticado. — Ir contra assassinos é uma coisa, mas vamos precisar de um
parceiro com sério poder para enfrentar o Ômega de cabeça erguida, e não vou me enganar. Nós acabamos de derrubar noventa por cento do que ele tem em cima da terra.
Ele vai responder, e nós não vamos gostar seja o que for.
— Foda-me. – V murmurou.
— É mais como “nós”, meu irmão.
— É. Isso também. – V deu outra tragada para se recompor. — Mas você sabe, se quer que eu fale com ela ou...
— Espero que não seja necessário.
Somos dois, amigo, V pensou.
Diante de seus problemas com a mãe que o deixou mais mal-humorado do que normalmente era, ele bateu na porta.
— Está decente, filho da puta? – Ele empurrou a porta, sem esperar permissão. — Como estamos, babacas?
Bem, bem, bem, pensou quando viu Assail sentado de pernas cruzadas sobre a cama de hospital. Desintoxicação demais?
O macho estava suando como se fosse um frango assando para o jantar debaixo de uma lâmpada quente, mas também tremendo como se a parte inferior do seu corpo estivesse
em uma banheira de gelo. Havia círculos da cor de óleo de motor debaixo de seus olhos, e suas mãos continuavam indo do rosto aos braços, escovando algum tipo de
fiapo ou fios de cabelo perdidos que não existiam.
— A q-q-que devo esta h-h-honra?
As narinas de Wrath alargaram quando o Rei testou o aroma no ar.
— Você tem um problema enorme com o vício, hein?
— P-p-perdão?
— Você me ouviu.
V olhou os primos gêmeos no canto e encontrou-os com as costas retas e imóveis como um par de canhões. E quase tão quentes e distorcidos.
Só pra constar, eles meio que não o irritavam.
— Que p-p-p-posso fazer por você? – Assail perguntou entre contrações musculares.
— Quero agradecer por trabalhar conosco ontem à noite. – o Rei disse com voz arrastada. — Entendo que seus ferimentos estão todos costurados.
— S-s-sim...
— Oh, pelo amor de Deus! – Wrath deu uma olhada para V. — Tem como conseguir pra este filho da puta sua droga de escolha? Não posso falar com ele se está todo viciado
por seu pecado. É como tentar fazer alguém se concentrar tendo um ataque epiléptico.
— Procurando por isso? – V ergueu um frasco cheio de pó e inclinou a coisa de um lado pro outro, como um pêndulo de relógio. — Mmm?
Foi patético o modo como os olhos do fodido travaram e esbugalharam. Mas V sabia como era – como você precisava de cada queimadura que você não queria, como isso
se tornava tudo em que podia pensar, como você murchava se não tivesse.
Graças a Deus por Jane. Sem ela estaria caminhando nesse caminho de consumir e ainda estar sempre vazio.
— E ele nem mesmo nega o quanto precisa disso. – V murmurou enquanto se aproximava da cama.
Nossa, enquanto o pobre coitado estendia a mão, estava claro que as mãos de Assail tremiam muito, mal dava para agarrar qualquer coisa.
— Permita-me, filho da puta.
Desenroscando a tampa preta, V virou a garrafinha marrom e fez uma linha no interior do seu próprio antebraço.
Assail tomou essa merda como um motorista de empilhadeira, aspirando metade em uma narina, metade na outra. Em seguida, caiu para trás na cama de hospital como se
tivesse uma perna quebrada e a morfina gotejando finalmente estivesse fazendo efeito. E sim, do ponto de vista clínico, era triste comentar o estado do FDP que um
estimulante como a cocaína o derrubasse.
Mas isso era o vício pra você. Nada de bom senso.
— Agora, quer tentar novamente? – V murmurou enquanto lambia seu braço até limpar e saboreava a amargura. O zumbido não era ruim também.
Assail esfregou o rosto e então deixou os braços o caírem para os lados. — O quê?
Wrath sorriu sem qualquer calor, revelando suas presas enormes.
— Quero saber quais são seus planos de negócios.
— Por que isso é da sua conta? – A voz de Assail era esganiçada, como se ele estivesse exausto. — Ou você decidiu que uma ditadura, mais do que uma democracia, combina
mais com sua personalidade...
— Cuidado com seu tom de merda. – V disse bruscamente.
Wrath continuou como se não tivesse sido interrompido.
— Seu histórico é questionável, na melhor das hipóteses. Apesar de uma tendência mais recente pra lealdade, você parece estar sempre na periferia dos meus inimigos,
seja o Bando dos Bastardos ou a Sociedade Lesser. E da última vez que chequei, estava encabeçando um cartel de drogas, algo que não pode ser feito com uma mera equipe
de dois, por mais capazes que seus capangas possam ser. Então me encontro querendo saber para onde você está indo com seus intermediários agora que os assassinos
com quem esteve trabalhando estão fora do mercado negro.
Assail tirou seus cabelos negros da testa e segurou-os no lugar como se esperasse que isso ajudasse seu cérebro a funcionar.
V preparou-se para uma mentira.
Só que então o homem disse numa voz curiosamente morta.
— Eu não sei. Na verdade... Não sei o que devo fazer.
— Você fala sem falsidade. – Wrath inclinou a cabeça conforme exalava. — E como seu Rei, tenho uma sugestão para você.
— Ou seria um comando. – Assail murmurou.
—Tome como quiser. V As sobrancelhas de Wrath desapareceram sob as bordas dos seus óculos escuros. — Leve em conta que eu posso matá-lo ou deixá-lo ir deste lugar
por capricho.
— Existem leis contra assassinato.
— Às vezes. – O Rei sorriu novamente com aquelas presas. — De qualquer maneira, quero a sua ajuda, e você vai me dar. De uma forma ou de outra.
Capítulo DEZESSEIS
No meio do caminho para o Lugar Seguro, Mary achou que acabaria precisando de uma cirurgia de joelho.
Ao pegar a saída da Northway, ela cerrou os dentes e arranhou a marcha dura como pedra do GTO vintage reformado, roxo brilhante de seu marido – também conhecido
como seu orgulho e alegria. A luz da vida dele antes dela. A coisa mais valiosa que ele tinha desde que deu a ela seu Rolex de ouro Presidential.
O carro monstruoso começou a fazer um ruído de engasgo e então soltou um padrão grave de explosões, seguidas por guinchadas agudas quando empurrou o câmbio para
a frente de volta à posição certa.
— Terceira? Terceira... Eu preciso, não, segunda? Definitivamente não a primeira.
Ela descobriu do jeito mais difícil, ao parar na base da colina da mansão e quase bater com os dentes da frente no volante, devido ao solavanco e pulo que o carro
deu.
— Oh, Sra Volvo, sinto tanto sua falta...
Quando saiu da mansão, tinha percebido que o utilitário não estava no pátio com os outros veículos da Irmandade. Mas ao invés de perder tempo tentando descobrir
onde estaria, pegou as chaves do Rhage pensando “qual seria a dificuldade de guiar este carro na cidade?”. Ela sabia como dirigir um carro com câmbio manual.
Tudo ia ficar bem.
É claro que nem imaginou que a embreagem seria dura como uma parede de tijolos, dificultando cada vez que tinha de mudar de marcha. Ou que as engrenagens seriam
tão calibradas que, caso não se acelerasse no momento certo, todos aqueles cavalos sob o capô enlouqueciam.
O lado bom? Ao menos brigar com a transmissão lhe dava algo além da ansiedade sobre Bitty com que se preocupar, enquanto dirigia para o Lugar Seguro.
Além disto, Fritz era um mecânico tão bom quanto mordomo.
Quando finalmente chegou, estacionou na entrada da garagem, saiu e cambaleou no escuro por um minuto, movendo a perna esquerda em movimentos circulares até sentir
algo estalar e subitamente não se sentir mais como um flamingo.
Praguejando, foi até a porta na garagem, digitou uma senha e entrou. Quando as luzes com sensores acenderam, ergueu a mão para proteger os olhos, mas não se preocupou
em nada. As duas baias estavam vazias, exceto por equipamentos de aparar grama e algumas marcas antigas de óleo no concreto. Subiu três degraus para chegar à porta
da cozinha, então digitou uma senha e esperou que as trancas começassem sua sequência de liberação. Também se virou e apresentou seu rosto para reconhecimento.
Momentos depois estava no vestíbulo, tirando o casaco e pendurando-o junto com a bolsa na fileira de ganchos que ficavam acima de um banco. A cozinha nova nos fundos
funcionava a todo vapor, pilhas de panquecas sendo feitas no fogão, frutas sendo cortadas nos balcões, tigelas e pratos sendo arrumados na grande mesa.
— Mary!
— Ei, Mary!
— Oi, Sra. Luce!
Respirando fundo retribuiu as saudações, aproximando-se para dar um abraço aqui outro ali, colocar a mão sobre um ombro, cumprimentar uma fêmea e retribuir um sinal
de “toca aqui” com um garoto. Havia três membros da equipe de serviço e ela os cumprimentou.
— Onde está Rhym? – Perguntou.
— Está lá em cima com a Bitty. – Disse suavemente a de cabelos cacheados.
— Estou indo para lá.
— Precisa de ajuda?
— Tenho certeza que vou precisar, – Mary meneou a cabeça. — Odeio que isto tenha acontecido a ela.
— Nós também.
Indo pra frente da casa, contornou a base da escada e subiu de dois em dois degraus. Nem se incomodou em parar para ver se Marissa estava. Era provável, dada a extensão
do ataque, que a diretora do Lugar Seguro estivesse curtindo umas horinhas de folga com seu hellren.
Estar vinculada a um Irmão não era pros fracos.
No terceiro andar, encontrou Rhym dormindo em uma poltrona acolchoada que foi puxada para perto da porta de Bitty. Com o ruído do assoalho, a outra assistente social
despertou.
— Oh, ei. – A fêmea disse ao se endireitar e esfregar os olhos. — Que horas são?
Rhym sempre lembrara a Mary de si mesma em certo grau. Ela era o tipo de fêmea que talvez não chamasse atenção imediata em um lugar, mas nunca deixava de estar lá
quando se precisava dela. Era mais alta do que baixa, um pouco magra. Nunca usava maquiagem. Geralmente prendia o cabelo para trás. Nenhum macho que se soubesse.
Sua vida era o trabalho ali.
— Seis e meia. – Mary olhou para a porta fechada. — Como foi durante o dia?
Rhym só meneou a cabeça.
— Ela não quer falar sobre nada. Só guardou as roupas em uma mala, pegou sua boneca e o velho tigre de pelúcia e sentou-se na cama. Finalmente vim para cá, pois
pensei que ela estava ficando acordada por minha causa.
— Acho que vou ver como ela está.
— Por favor. – Rhym esticou os braços e estalou as costas. — E se não tiver problema, vou para casa dormir um pouco, tudo bem?
— Absolutamente. Eu assumo daqui. E obrigado por cuidar dela.
— Já está escuro o bastante para eu sair daqui?
Mary olhou para as persianas que ainda estavam descidas por causa da luz do dia — Acho... – Como se combinado, os painéis de aço que protegiam o interior da luz
do sol começaram a subir — Ta.
Rhymm levantou-se e passou os dedos pelos cabelos louros acastanhados.
— Se precisar de qualquer coisa, se ela precisar de alguma coisa, ligue e volto imediatamente. Ela é uma garotinha especial, e eu só... Quero ajudar.
— Está bem... E novamente, obrigada.
Quando a outra fêmea começou a descer a escada, Mary falou.
— Uma pergunta.
— Sim?
Mary fitou a janela circular no final do corredor, tentando encontrar as palavras certas.
— Ela... Digo, ela disse alguma coisa sobre a mãe? Ou sobre o que aconteceu na clínica?
Tipo algo como Minha terapeuta fez eu me sentir como se tivesse matado minha mãe?
— Nada. A única coisa que disse foi que partiria assim que pudesse. Não tive coragem de dizer que não havia lugar algum para ela ir. Pareceu muito cruel. Cedo demais.
— Então ela falou sobre o tio.
Rhym franziu o cenho.
— Tio? Não, não mencionou nada assim. Ela tem um tio?
Mary olhou de volta para porta fechada.
— Transferência.
— Ah. – A assistente social praguejou baixinho. — Estas vão ser noites e dias longos para ela. Longas semanas e meses também. Mas estaremos todos ao lado dela. Ela
vai ficar bem se conseguirmos fazê-la atravessar este período sem se despedaçar.
— É. Isto é verdade.
Com um aceno, a fêmea desceu os degraus e Mary esperou até os sons de seus passos desaparecerem, caso Bitty só estivesse levemente adormecida.
Inclinando-se para a porta, colou a orelha na madeira fria. Ao não ouvir nada, bateu de levinho, então abriu.
A pequena lâmpada rosa e branca na mesinha do canto lançava um brilho no quarto escuro, e a forma diminuta de Bitty era banhada pela luz suave. A garota estava deitada
de lado virada para a parede, obviamente caiu no sono profundo em algum ponto. Ela usava as mesmas roupas de antes e tinha mesmo guardado as roupas restantes na
mala surrada – e as da mãe. As duas maletas, uma menor e da cor de uma mancha de grama, a outra maior, de uma cor alaranjada estilo Cheetos, estavam alinhadas juntas
na base da cama.
A boneca e a escova estavam no chão à frente delas, junto com aquele tigre de pelúcia que ela não largava.
Com as mãos nos quadris, Mary abaixou a cabeça. Por algum motivo, o impacto do silêncio do quarto, sua humildade e as cortinas e roupas de cama levemente puídas,
seu tapete gasto e móveis que não combinavam, atingiu-a como golpes.
A esterilidade, a impessoalidade, a falta de... Família, na falta de outra palavra, fazia querer aumentar o termostato. Como se um pouco mais de calor vindo dos
dutos no teto pudesse transformar o lugar em um quarto de garotinha mais apropriado.
Mas vamos lá, os problemas que tinham à frente teriam que ser resolvidos por muito mais do que somente um sistema de aquecimento funcional.
Aproximando-se na ponta dos pés da cama que a mãe de Bitty ocupara, pareceu adequado retirar a colcha de retalhos daquele colchão para cobrir a garotinha. Com cuidado,
Mary a cobriu sem perturbar o sono que era tão necessário.
E então ficou observando-a.
E lembrou-se de seu próprio passado. Depois de seu câncer dar o ar da graça, lembrava-se com muita clareza de pensar que estava farta de tudo aquilo. Sua mãe tinha
morrido cedo e de forma horrível, com muito sofrimento. E então ela mesma foi diagnosticada com leucemia e teve de atravessar um ano desgraçado tentando tratar a
doença até a remissão. Tudo aquilo foi muito injusto.
Como se todo o sofrimento da mãe devesse ter qualificado Mary para jamais passar por quaisquer tragédias adicionais.
Agora, enquanto observava a garota, sentia-se positivamente indignada.
É, sabia que a vida era difícil, porra. Ela aprendeu esta lição muito bem. Mas pelo menos teve uma infância marcada por todas as coisas tradicionalmente boas que
você queria ser capaz de olhar para trás e lembrar quando estivesse velho. Sim, seu pai também morreu cedo, mas ela e a mãe tiveram Natais, aniversários, formaturas
do jardim de infância, primário e colegial. Comiam peru no dia de Ação de Graças e tinham roupas novas a cada ano, e boas noites de sono, onde a única preocupação
que podia manter alguém acordado seria em relação a uma nota escolar, ou no caso da mãe, se haveria dinheiro suficiente para duas semanas de férias de verão no Lago
George ou só uma.
Bitty não teve absolutamente nada daquilo.
Nem ela, nem Annalye jamais expuseram os detalhes, mas não era difícil adivinhar o tipo de violência a que ambas foram submetidas. Pelo amor de Deus, foi necessário
um implante de pinos de aço cirúrgico na perna de Bitty.
E como isso tudo tinha terminado?
A garotinha tinha acabado aqui sozinha.
Se o destino tivesse alguma consciência, Annalye não teria morrido.
Mas pelo menos o Lugar Seguro interviu bem a tempo. A ideia de que não tivessem conseguido ajuda para Bitty quando mais precisava?
Era suficiente para fazer Mary sentir-se doente.
Rhage acordou atabalhoadamente, como se um despertador tivesse tocado perto de sua cabeça. Erguendo o torso da cama de hospital, olhou ao redor em pânico.
Só que, tão rápido quanto a ansiedade chegou, ela se foi, a noção de que Mary só foi para o Lugar Seguro o acalmou tanto, que foi como se ela tivesse falado as palavras
em seu ouvido. E achava que ela tinha mesmo. Já fazia um tempinho que eles usavam a besta como uma espécie de mural de recados quando Rhage estava inconsciente.
Funcionava – e não tinham de se preocupar em ter uma caneta à mão.
Mas ainda assim, sentia falta dela. Ainda preocupado com seu próprio estado mental. Mas aquela garotinha...
Jogando as pernas para o lado, piscou algumas vezes e sim, continuava cego mesmo depois do levantamento de pálpebras. Tanto faz. Sentia-se forte e firme – fisicamente
– e contanto que pegasse leve conseguiria chegar ao chuveiro perfeitamente bem.
Vinte minutos depois, saiu do banheiro totalmente nu e cheirando como uma flor. Incrível a diferença que pouco de xampu e sabonete faziam na vida de um cara. Uma
boa escovada de dentes também. Próxima parada? Comida. Depois que a besta saía e ele passava pela sua ressaca, ficava sempre tão faminto que suas entranhas pareciam
ocas – e a melhor coisa que podia fazer era enfiar um pouco de carboidratos de pouca fibra para elas processarem.
Doze baguetes francesas. Quatro pacotes de bagels. Três quilos de macarrão.
Este tipo de coisa.
Saindo para o corredor, ele se perguntou quanto tempo levaria para encontrar o caminho para...
— Caralho, finalmente...
— Podia ter se enrolado numa toalha...
— Fritz te trouxe roupas...
— Está de volta, seu filho da puta...
Todos os irmãos estavam lá, seus cheiros e vozes, seus risos aliviados, seus xingamentos e piadinhas, exatamente o remédio que precisava. E quando eles o abraçaram
e deram tapinhas no traseiro pelado, teve de segurar a emoção.
Ele já estava pelado. #VunerabilidadeTotalMuitoObrigado.
Deus, no meio de toda aquela reeeeeeeeuniãããããão e que era tããããããããão booooooooooooa, era impossível não ser atingido por outra carga de vergonha pelo seu egoísmo
e pelo risco a que expôs Mary e aos irmãos.
E então a voz de V soou diretamente à sua frente.
— Você está bem? – O irmão perguntou em voz rouca. — Já se sente normal?
— É. Tudo está funcionando direito, exceto minha visão, – Sinto muito também. E estou com medo. — Sabe, só um pouco cansado...
POFT!
O golpe no queixo veio do nada, atingindo-o tão forte que sua cabeça bateu para trás e quase voou de sua espinha.
— Que caralho! – Rhage proferiu abruptamente enquanto esfregava o maxilar. — O que...
— Isto foi por não me ouvir, caralho!
Crack!
O segundo golpe veio da direção oposta, o que foi uma coisa boa – o inchaço seria bilateral, então seu rosto não iria parecer tão fodido.
— E isto foi por atacar antes do combinado e foder nossa estratégia toda.
Ao conseguir nivelar seu cérebro pela segunda vez, Rhage segurava o maxilar com ambas as mãos. Pois havia uma possibilidade de que a parte inferior de seu crânio
despencasse.
O lado bom foi que o golpe duplo clareou um pouco sua visão, a cegueira retrocedeu o suficiente para poder enxergar as manchas embaçadas dos corpos e roupas de seus
irmãos.
— A gente podia ter converssssado sssssobre isssssto, – Reclamou Rhage. — Ótimo, essstou falando como se tivesse um ovo na boca.
— E qual a graça nisto? – V o agarrou e abraçou com força. — Agora, nunca mais faça uma porra dessa.
Rhage esperou pelos outros começarem a fazer perguntas. Quando ninguém o fez, imaginou que V já tinha contado a eles sobre a coisa da visão. A menos... Bem, todo
mundo parecia tê-lo visto correr adiantadamente para aquele campo e aquele tipo de merda era mais do que motivo para uma surra.
— Esssstou enxergando agora. – Disse ele.
— Pode me agradecer mais tarde.
Houve uma porção de conversa naquela hora – que o levou a descobrir que tinham Xcor sob custódia.
— Tohr já matou o fodido? – Perguntou.
— Não. – Todo mundo respondeu ao mesmo tempo.
Então houve uma história sobre o Ômega aparecer para uma faxina no campus e V salvando o dia criando um mhis.
— Eu posso ajudar no turno, – Disse Rhage. — Digo, vigiar o bastardo.
— Mais tarde, – V exalou um pouco de fumaça turca. — Você precisa se recuperar, depois a gente te encaixa.
Com isto, o grupo dispersou, alguns foram para a mansão, outros para a sala de treinamento. Rhage foi junto com os que pegaram o túnel para a casa principal, mas
enquanto os Irmãos iam para a cama, ele atravessou a sala de jantar até a cozinha da mansão.
Deus, queria que sua Mary estivesse com ele.
O lado bom era que não havia nenhum doggen por perto, a Primeira Refeição não foi servida graças ao número de ferimentos que aconteceram durante o ataque juntamente
com todo o drama do que aconteceu com ele. A equipe de serviçais estava, sem dúvida, tendo um raro momento de descanso antes de voltarem à limpeza e arrumação, e
ficava aliviado de não incomodar ninguém.
No entanto, ao perambular pelo local sagrado de Fritz, sentiu como se devesse fazer uma concessão ou algo assim, para não arrumar encrenca com o mordomo. E assim,
decidiu não cozinhar. Comeria o que já estivesse pronto e que não dependesse do fogão ou da despensa.
Ele já tinha levado dois murros e a noite mal tinha começado.
Mas primeiro, roupas. Esteve cego demais no banheiro para poder enxergar qualquer coisa que tivesse sido deixada para ele, então foi até a lavanderia atrás da despensa,
usando sua visão um pouco embaçada para localizar umas calças folgadas e um moletom enorme com o logo do American Horror Story estampado. Então era hora de resolver
o assunto comida.
Avaliando o estoque de pães, começou a diminuí-lo separando pacotes de bagels e baguetes no balcão – mas então pensou, foda-se. Tateando por baixo da gaveta, arrancou-a
dos rodízios e carregou a coisa toda para a mesa de carvalho. O passo dois era voltar para a geladeira, pegar meio quilo de manteiga sem sal e um pacote de cream
cheese e pegar a torradeira, puxando-a até o fio desencaixar da tomada.
Uma faca serrilhada e uma tábua de corte mais tarde, junto com a cafeteira, o pote de açúcar e uma caixa pequena de creme, ele se pôs ao trabalho. Enquanto o café
coava começou a fatiar, fazendo montanhas de metades amanteigadas à direita. Os bagels foram alinhados como linha de produção, para poder processá-los pela torradeira
e então besuntá-los de cream cheese.
Provavelmente deveria pegar um prato. E pelo menos outra faca, mas a lâmina maior ia ser eficiente para espalhar.
Quando o café ficou pronto, tirou a jarra, jogou o pote todo de açúcar e juntou o máximo de creme que coube. Então tomou um gole para provar.
Perfeito.
Ele colocou a coisa de volta no aquecedor e começou sistematicamente a batalhar com os bagels – pois, ei, aquilo era o mais perto de uma Primeira Refeição, certo?
Em seguida veio as baguetes, por que aquilo era o mais próximo de uma refeição que suas opções permitiam. A sobremesa seria um bolo de café com nozes. Ou dois.
Enquanto mastigava, seus dentes pareciam um pouco frouxos graças ao murro de V, mas não era grande coisa. E de vez em quando, empurrava as coisas abaixo com goles
de café direto da jarra.
Duas mil calorias depois, a realidade do quão sozinho estava o atingiu.
Mas também, o cômodo poderia estar cheio de irmãos e sentiria o mesmo.
Pior, achava que mesmo a presença de sua Mary não poderia ter consertado este isolamento dentro dele.
Sentado lá, enchendo seu estômago e ainda assim incapaz de fazer qualquer coisa com o vazio que realmente contava, ele pensou que teria sido muito mais fácil se
tivesse sequer uma indicação de qual realmente era o seu problema...
A distância, na sala de jantar, um som apressado ecoou.
Era uma porção de passos, como se alguém corresse.
Que inferno? Ele pensou se levantando da cadeira.
Capítulo DEZESSETE
Havia uma porção de cálculos a serem feitos quando se tinha um vício.
Ao sentar-se atrás da escrivaninha de mansão de vidro, Assail abriu a grande gaveta estreita, próxima às suas coxas, e tirou três vidrinhos idênticos ao que o Irmão
Vishous tinha esvaziado no próprio antebraço, lá no complexo subterrâneo da Irmandade.
Cálculo, cálculo, cálculo... A maior parte, multiplicação. Tipo, pela quantidade de cocaína que tinha, quanto tempo conseguiria manter o vício aplacado? Quatorze
horas? Quinze?
Ele abriu um dos frasquinhos marrons e derramou o conteúdo de pó branco em cima do mata-borrão de couro. Usando um cartão de crédito Centurion, da American Express,
esticou duas fileiras, inclinou-se sobre elas e cuidou do seu problema. Então, recostou-se de novo na cadeira e fungou algumas vezes.
Sério, odiava sentir o nariz constantemente escorrendo. A queimação em suas vias nasais. O gosto amargo que florescia em sua boca. E, mais especialmente, detestava
o fato de que já nem mais ficava chapado. Apenas experimentava uma ascensão temporária na horrível montanha russa na qual tinha se metido, uma espécie de trégua,
inevitavelmente seguida por um acidente em alta velocidade – e então, se não tomasse outra dose, os arranhões e apertos implacáveis da fissura.
Fitando os resquícios dos dois vidrinhos, achou difícil acreditar que tinha chegado àquele padrão. O deslize e a queda tinham sido tanto coisa de momento quanto
uma tragédia em câmera lenta. Ele inicialmente tinha começado por se acostumar à sensação de estar alerta, mas o que tinha começado como um hábito de praticidade
agora o escravizava, tal qual um mestre tinha domínio sobre um serviçal no Antigo Continente.
Caramba, não fora essa sua intenção.
Ultimamente, ele fazia várias coisas sem intenção.
Estendendo o braço, despertou seu notebook com um toque no touchpad, logou usando uma mão, embora sua senha contivesse letras maiúsculas, e acessou, via canais criptografados,
suas contas estrangeiras. A maior delas ficava em Genebra.
Ele tinha várias outras.
Tantos dígitos e vírgulas antes das casas decimais em jogo. E olhando para os dados na tela, contemplou exatamente quanto dinheiro era preciso – mesmo assumindo
que, como um vampiro, viveria dez vezes mais do que a média humana ou até mais.
Desde que seu pequeno hábito não apressasse sua ida ao Fade.
Ou no seu caso, mais provavelmente ao Dhund.
Claro que tinha o suficiente para qualquer padrão prático, mesmo à luz da crise financeira mundial... Então realmente precisava continuar traficando drogas? Por
outro lado, com a velocidade em que vinha cheirando pó, era perigoso se tornar seu maior e melhor consumidor.
Preciso de sua ajuda com a Glymera.
Enquanto considerava a proposta de Wrath, teve de se perguntar o quanto aquilo que o Rei queria fazer seria melhor ou pior do que ganhar dinheiro às custas de humanos
e sua necessidade de complementos químicos. O esforço real era algo para passar o tempo, certamente. E se não iria mais traficar drogas, precisaria passar as horas
noturnas de algum jeito.
Ou então ficaria louco.
Principalmente por sentir tanta falta daquela fêmea dele. Que, de fato, nunca foi dele.
— Marisol. – Sussurrou para a sala vazia.
Por que infernos nunca tinha tirado uma foto dela? Quando ela tinha ficado aqui, nesta mesma casa, enquanto a protegia com a própria vida, por que não tinha pegado
seu celular, apontado na direção dela e tirado uma foto? Um simples momento do tempo, uma fração de segundo, que era só o que era preciso. Mas não, não tinha feito
tal coisa, e agora aqui estava ele, do outro lado da separação sem nada dela, exceto o que havia em sua mente.
Era como se ela tivesse morrido. Só que ainda existia.
De fato, ela agora estava na Flórida, onde o oceano lambia a areia doce e as noites eram um mistério cálido, mesmo na porra do mês de outubro.
Sabia exatamente onde estava, precisamente onde ficava – por que a tinha rastreado até lá. Certificando-se que tinha chegado a seu destino a salvo com a avó. Espiara
as duas das sombras da maneira pais patética possível.
Mas tinha honrado o pedido dela. Tinha deixado-a ir. Libertara-a dele e do estilo de vida marginal que ambos levavam.
Ladrões e traficantes não podiam coexistir.
Uma humana que queria ficar do lado certo da lei e um vampiro viciado que não conseguia.
Com um gemido, pôs o rosto entre as mãos e tornou a lembrar dela. Sim, oh, sim, conseguia se lembrar com certa clareza de seus cabelos escuros e seu corpo ágil,
sua pele e olhos escuros. Mas com o passar do tempo... Ele se preocupava de que pudesse vir a se esquecer de certas nuances no começo, e então cada vez detalhes
maiores e mais significativos.
E a perda daquilo seria uma morte lenta, mesmo que permanecesse respirando.
— Chega. – Murmurou ao abaixar os braços e se recostar.
Voltando a se concentrar em si mesmo, pensou no que o Rei queria que fizesse. Podia ser uma mudança de ramo, com certeza. Mas já tinha dinheiro suficiente. Tempo
suficiente. E achar outra rede de contatos de traficantes intermediários para distribuir seu produto nas ruas de Caldwell e Manhattan subitamente parecia trabalhoso
demais.
Além disto... Depois de lutar lado a lado com a Irmandade? Ele se viu cheio de respeito por aqueles machos. Cheio de respeito pelo líder deles também.
Era uma grande mudança para um apartidário convicto – meio que como um ateu considerando a existência de Deus depois de uma experiência próxima da morte.
Mais, ele devia a Vishous sua vida; disso tinha certeza. Por menos valor que sua existência tivesse, não estaria sentado nesta cadeira, nesta mansão de vidro junto
ao Rio Hudson alimentando seu vício de cocaína, se aquele Irmão não o tivesse jogado por cima do ombro e corrido pra diabo.
Duas vezes.
Oh, aquela Besta. Se não tivesse visto, jamais acreditaria na sua existência.
Assail empurrou a cadeira com o pé de forma a poder espiar pela janela para além do rio. Um apito sutil soou do canto da sala onde um antigo relógio francês ficava.
Ao fundo, na parte dos fundos da casa, ele podia ouvir os primos se movendo pela cozinha.
Quando decidiu usar o celular, tudo o que teve de fazer foi buscar no bolso de sua jaqueta de couro despedaçada. Tinha se esquecido de remover a roupa arruinada
mesmo que sua casa estivesse bem aquecida contra a noite fria de outubro.
Mas também, ao chegar em casa, sua única preocupação foi ficar logo a sós para poder resolver seu probleminha.
Não conseguia cheirar suas carreiras na frente dos primos. Não que tivesse qualquer intenção de alterar seu comportamento por causa do julgamento de outra pessoa.
Selecionando um número de seus contatos, hesitou antes de iniciar a chamada. Com o polegar pairando sobre a tela, tornou-se agudamente ciente de que se fosse adiante
com isto, ele se tornaria algo que sempre desprezara.
Um agente do Rei.
Ou, mais especificamente... Um agente a mando de outro.
Com um estranho sentimento de temor, cedeu ao impulso e levou o aparelho ao ouvido, ouvindo-o tocar. No final, decidiu atender ao pedido de Wrath pela simples razão
de que parecia a única coisa boa que poderia fazer consigo mesmo.
Uma coisa certa.
Uma coisa positiva.
Estava começando a sentir como se já fosse hora. E talvez estivesse pegando uma página do livro de Marisol por que era a única maneira que o faria sentir-se próximo
a ela agora.
Chega de tráfico de drogas para ele.
Embora o que estava a ponto de fazer bem poderia se provar tão perigoso quanto. Mas, pelo menos, não ficaria entediado.
— Alô querida, – Disse quando a chamada foi atendida por uma fêmea. — Sim, preciso mesmo me alimentar, obrigado. Esta noite seria preferível, sim. E também senti
sua falta. De fato, muito mesmo. – Ele a deixou falar um pouquinho até ter certeza de que ela tinha engolido sua mentira, e inteira. — Na verdade, na sua casa, por
favor. Não, o chalé não está à altura de um macho como eu. Eu até abria mão de início em respeito à presença de seu hellren, mas agora que ele está acamado, não
estou mais disposto a fazer concessões. Espero que compreenda.
Houve uma longa pausa, mas sabia que ela cederia.
— Obrigado, nalla. – Falou calmamente. — Eu te vejo em breve... Oh, use algo vermelho. Sem calcinha. É só.
Ele desligou por que ela era uma fêmea que exigia trabalho em se capturar sua atenção. Tranquilo demais? Charmoso demais? Ela logo perderia o interesse, e isto não
poderia acontecer até obter todas as informações que precisava dela.
Sua próxima ligação foi para o Irmão Vishous. Quando o macho atendeu, Assail só falou duas palavras antes de desligar de novo.
— Estou dentro.
— Claaaaaro, eu fico até tarde. Sem problema. Não é como se tivesse algo melhor pra fazer.
Jo Early estava sentada atrás de sua mesa da recepção com o resto da imobiliária vazia, nada além de uma mixórdia de perfumes e a deprimente música de elevador soando
acima para lhe fazer companhia. Bem, isto e as porras dos arbustos de fícus de ambos os lados dela.
Aquelas coisas espalhavam suas folhas como se estivessem em constante derretimento – e seu TOC simplesmente não permitia que relaxasse a menos que o chão estivesse
limpo. Mas também, ela não tinha de fazer agachamentos na academia.
Não que sequer frequentasse uma academia.
Verificando seu celular, meneou a cabeça. Sete horas.
O plano, o “favor” que estava fazendo para o chefe, era ficar ali até ele trazer três contratos assinados para ela poder digitalizar e enviá-los por e-mail para
os vários corretores compradores. O porquê dele mesmo não conseguir enfiar os contratos no scanner e criar alguns PDFs era um mistério.
E, está bem, talvez ela também fosse uma parte do problema.
Não que tivesse orgulho em admitir.
Erguendo o olhar por cima da beira do tampo da mesa, fitou as portas de vidro esfumaçado que abriam para o exterior. O escritório ficava localizado em uma galeria,
entre lojas, que contavam com um salão de cabeleireiros onde o corte mais barato custava cem pratas – e isto para os cortes masculinos – uma butique que expunha
duas peças de roupas minúsculas em sua vitrine, uma loja de porcelanas e vidrarias que brilhava mesmo em dias cinzentos e, no final dela, uma joalheira que as caçadoras
de dotes de Caldwell pareciam aprovar.
A supor pela clientela pneumática do local.
— Vamos lá, Bryant. Vamos lá...
Embora, sério, não tinha nada a fazer. Ir pra casa para Dougie e as discussões sobre o círculo de colheita? Aquilo sim seria divertido.
Quando um telefone tocou na área onde os escritórios ficavam, despertou seu computador e encarou o calendário de Bryant. Ela punha os compromissos dele no Outlook
quando ele enviava uma mensagem de texto ou ligava pedindo a ela para fazer isto. Compromissos válidos como reuniões imobiliárias, mas também a vistoria do BMW dele,
e agendamentos do cara da manutenção da piscina para a casa dele naquele novo empreendimento. Lembretes pra ele ligar para a mãe no aniversário dela e encomendar
flores para as mulheres com quem saía.
O tempo todo se perguntando o que ele pensaria se soubesse quem eram seus pais.
Aquele segredinho era o que a reconfortava quando ele aparecia em uma manhã de segunda-feira e sussurrava que tinha saído com uma divorciada na sexta-feira e uma
personal trainer no sábado, e então almoçou com outra pessoa no domingo.
Sua identidade real era uma armadura que usava para lutar contra ele. Em uma guerra que ele sequer estava completamente inconsciente de estarem lutando.
Fechando a agenda dele, encarou o logotipo na tela. O último nome de Bryant, Drumm, era o segundo na linha – por que a firma foi fundada pelo seu pai. Quando o homem
morreu há quase dois anos, Bryant assumiu a posição dele do mesmo jeito que fazia tudo o mais em sua vida – sorrindo e com charme. E ei, aquela não era uma estratégia
ruim. Diga o que quiser sobre o estilo de vida playboy do cara, mas ele sabia negociar uma tonelada de imóveis e ainda parecer bonito fazendo isto.
Caldwell, a própria estrela da Lista de Milionários de Nova York.
— Vamos lá, Bryant... Cadê você?
Depois de uma nova vistoria de sua mesa já arrumada duas vezes, verificou o chão debaixo do fícus à direita, pegou uma folha e a jogou fora, sentou-se de novo e...
Que inferno, acessou o YouTube.
Dougie tinha postado aquela gravação estúpida em seu canal – um puta canal com o grande total de vinte e nove inscritos. Dos quais, tipo, quatro eram o próprio Dougie
em diferentes perfis fakes e dois eram spammers com baixos padrões. Quando clicou na seta para assistir de novo ao vídeo de quarenta e dois segundos, ligou as caixas
de som. Os efeitos sonoros eram de amadores a médios, uma combinação de uns sons de farfalhar muito altos enquanto seu companheiro de casa segurava o iPhone erguido,
e então um distante, e não tão silencioso, rugido.
Está bem, então sim, certamente aquilo parecia algo Dinossáurico no meio daquele campo. E sim, parecia haver um monte de desordem no chão, mas quem saberia o que
tudo aquilo era. Não passava de uma câmera de celular capturando uma tomada, e talvez fosse só o jeito que a área pisada parecia na lente.
Ela assistiu mais algumas vezes. Então recostou na cadeira.
Havia cinco comentários. Três eram de Dougie e seus colegas. Um era um depoimento de alguém que estava ganhando 1750 dólares trabalhando em casa!!!!$$$!!!! O último
era... Apenas quatro palavras que não faziam muito sentido.
Essa merda de vamp9120 de novo.
Deixado por alguém chamado ghstrydr11.
Franzindo o cenho, começou uma pesquisa virtual e encontrou o canal vamp9120. Uau. Está bem, três mil inscritos e o que parecia ser uma centena de vídeos. Clicando
em um deles, ela...
Gargalhou bem alto.
O cara que falava para a câmera era como um personagem LEGO do Drácula, com uma testa afiada e caninos ainda mais afiados, pelos faciais que pareciam ter sido pintados
ao invés de barbeados, e uma gola “Juro Por Deus, Aquele Deve Ser Elvis” em sua camisa. A pele do cara era branca demais, seu cabelo preto demais, seus lábios vermelhos
saídos de um tubo da MAC. E aquela voz? Parte evangelista, parte neo-vitoriano, quase Bram Stoker.
— Criaturas da noite...
Espere, esta frase não era de um filme?
— ... Vigiando as ruas de Caldwell...
Como se fosse a versão Nova Iorquina de The Walking Dead? Na dúvida, arraste uma perna.
— ... Caçando vítimas...
Está beeeeeeeem, adiante. Descendo a tela com o índice de vídeos, escolheu outro aleatoriamente. E sim, O Verdadeiro Pseudo Vlad de novo encarava a câmera – e desta
vez tinha um olhar bem esfumaçado para completar a caracterização.
— ... Existem! Vampiros existem...
Perguntando-se se o púlpito dele estava coberto com veludo pret... Está bem, uau. Era para ser uma piada, mas conforme as lentes se afastavam, parecia mesmo que
ele estava inclinado em algo que era, de fato, coberto de veludo negro.
Interrompendo o vídeo, desceu para o próximo e disse a si mesma que depois deste chega.
— Oh, ei, Vlad, qual é?
— ... Depoimento sobre um encontro vampírico, – Vlad se virou para um cara sentado perto dele em uma cadeira dobrável de plástico. Que era uma total ambientação.
— Julio? Conte a meus fãs o que aconteceu há duas noites.
Por falar em um pouco de mistureba: Julio era o antivampiro, com uma bandana do Tupac na cabeça, crucifixo no pescoço e tatuagens ao redor da garganta.
Mas seus olhos... Estavam arregalados e frenéticos, fixos em Vlad e depois ao redor.
— Eu tava no centro, sabe, com meus parças, e a gente tava...
A história a seguir começava sem nada de especial, só um maloqueiro com sua gangue atirando em rivais nos becos. Mas então as coisas entraram no rumo da Vampirolândia
com o cara descrevendo como tinha corrido para dentro de um restaurante abandonado – e daí por diante as coisas ficaram estranhas.
Supondo que se acreditasse nele.
— ... cara me jogou no balcão e foi isto, – Julio fez um gesto de presas e garras. — E seus dentes eram todos...
— Iguais aos meus. – Vlad interrompeu.
— Só que os dele eram de verdade. – Okay, Vlad claramente não gostou disto, mas Julio continuou: — E ele tinha um rosto fodido, o lábio superior fodido. E ia me
matar. Ele tinha uma...
Jo assistiu ao resto da entrevista, mesmo a parte onde Vlad empurra Julio do caminho, como se o patamar de compartilhamento do pseudo-Dracula já tivesse sido atingido.
Recostada na cadeira de novo, ela se perguntou exatamente o quão longe iria com isto. E a resposta foi ir para a página do Jornal Caldwell Courier e fazer uma busca
pelo nome do bom e velho Julio. Ahn. Quem diria. Havia um artigo escrito em dezembro passado sobre a atividade de uma gangue na área do centro – e Julio era destaque.
Tinha mesmo uma foto dele encarando de dentro de um camburão, os olhos ostentando aquele mesmo esbugalhar, a boca também arreganhada como se estivesse falando desesperadamente
com o fotógrafo.
Mas nada sobre vampiros.
Subindo a tela de novo, descobriu que o nome no subtítulo era um que ela conhecia.
Na verdade, Bryant tinha conseguido uma casa para o cara e a esposa há cerca de seis meses. Se não estava enganada.
Uma rápida busca no arquivo de clientes e, é, ela estava certa.
— Sinto muito pelo atraso!
Bryant Drumm entrou pela porta de vidro correndo, mas não parecia esbaforido. Seu cabelo escuro estava perfeitamente arrumado, o terno azul acinzentado estava adequadamente
abotoado e os documentos em suas mãos estavam separados em três seções.
Então ele não tinha realmente corrido. Veio em seu próprio ritmo, mesmo que para isto tivesse deixado-a plantada ali.
Ele pôs os cotovelos na mesa e se inclinou, com seu sorriso patenteado.
— Jo, como posso te recompensar?
Ela estendeu a mão.
— Dê-me. E me deixe ir embora.
Bryant colocou os documentos em sua mão, mas então se recusou a soltar quando ela tentou pegá-los.
— O que seria de mim sem você?
Enquanto a olhava fixamente, a concentração dele era fixa e completa – como se nada mais existisse no mundo para ele, como se estivesse tanto cativado por ela quanto
levemente admirado. E para alguém que não tinha muita importância para os pais, que foi posta para adoção pelas pessoas que a geraram, que se sentia perdida no mundo...
Era assim que ele a cativava.
De certa maneira triste que ela não gostava de questionar muito, vivia para estes pequenos momentos. Trabalhava até tarde por eles. Mantinha-se na expectativa de
que voltariam a acontecer...
O telefone dele tocou. E ainda olhava para ela ao atender.
— Alô? Oh, ei.
Jo desviou o olhar, e desta vez quando ela puxou, ele a deixou pegar os contratos. Conhecia aquele tom de voz dele. Era uma de suas mulheres.
— Posso te encontrar agora. – Murmurou ele. — Onde? Mm-hmmm. Não, já jantei... Mas topo uma sobremesa. Mal posso esperar.
Quando ele encerrou a ligação, ela já tinha se virado para o lado e ligado o scanner.
— Obrigado de novo, Jo. Te vejo amanhã?
Jo nem se incomodou em olhar por cima do ombro ao alimentar as páginas uma a uma.
— Estarei aqui.
— Ei.
— O que?
— Jo. – Quando ela se virou para olhá-lo, ele inclinou a cabeça de lado e estreitou o olhar. — Devia usar vermelho com mais frequência. Destaca seu cabelo.
— Obrigada.
Voltando ao scanner, ouviu-o sair e a porta se fechando suavemente. Um momento depois, houve o clarão de um motor potente e ele se foi.
Sabendo que estava sozinha, ergueu a cabeça e olhou para seu reflexo na entrada de vidro. As luzes das lâmpadas superiores refletiam em seu cabelo de um jeito que
seus tons de vermelho e castanho se destacavam mesmo, em contraste com todo aquele preto e cinza ao seu redor.
Por alguma razão, o vazio do escritório... Em sua vida... Pareceu tão alto quanto um grito.


CONTINUA

Capítulo TREZE
Quando Mary acordou, não tinha ideia de que horas eram. Levantando a cabeça do peitoral nu de Rhage, ela olhou em volta e se surpreendeu ao descobrir que os dois
caíram no sono na sala de recuperação e com as luzes acesas acima de suas cabeças.
Droga, não tinha tornado a conectar todas aquelas máquinas. Depois do pequeno interlúdio orgástico de Rhage, ele tinha se recusado a parar de abraçá-la, e ela deve
ter caído no sono de encontro a seu corpo quente e musculoso. Claramente Ehlena tinha chegado a conclusões certas – os monitores por si foram removidos. E sim, seu
hellren ainda estava muito vivo, seu peito subindo e descendo calmamente, e aquele maravilhoso Ba-bump, Ba-bump, Ba-bump de seu coração era um verdadeiro atestado
de sua saúde.
Fechando os olhos, estremeceu quando pensou na ferida da bala, o sangue que ele tinha tossido, aquele horrível...
— Ei, linda.
Assim que ele falou, ela levantou a cabeça. Seus olhos azuis semicerrados a prendiam, queria olhar dentro deles para sempre.
— Oi. – ela sussurrou.
Movendo sua mão para cima, ela acariciou a bochecha dele, sentindo sua barba loira começando a crescer.
— Você precisa se barbear.
— Preciso?
— É sexy, na verdade.
— Então vou jogar fora todos os meus barbeadores. Rápido, me ajude a ir pro nosso banheiro pra eu fazer isso agora.
Ela riu um pouco, então ficou séria.
— Como está sua visão?
— Que visão?
— Continua cego?
Ele soltou um som como hrrumph.
— Como se isso importasse! Você está aqui e eu posso te ouvir perfeitamente. Posso sentir você também. – A grande e larga palma da mão de Rhage esfregou seu ombro.
— Ei, tive uma ideia. Vamos pro nosso quarto e depois de cancelarmos minha assinatura do Clube de Barbear, podemos cair na Jacuzzi. Depois de um banho e meio, podemos
ir pra cama e ver o que acontece. Lembre-se que eu te devo pelo menos um bom passeio... E então tem os juros. Ohhh, aqueles juros... Tenho muita coisa pra fazer
por causa disso.
Mary riu um pouco.
— O que? – Ele disse com um olhar severo. — O que tem de errado?
Colocando-se na vertical e afastando-se do peito dele, ela estalou as costas se esticando. Jogou seu cabelo para longe do rosto. Colocou o colarinho da camisa no
lugar para não se asfixiar mais.
— Que pena, hein?
Com um gemido de dor, ele agarrou os botões do controle e deixou o ângulo do colchão mais alto para que então pudesse se sentar de modo mais apropriado.
— Fale comigo.
Quando ela se moveu para os pés de sua cama e tentou achar as palavras, Rhage recuou.
— Uau. Você está... Por que está chorando?
— Jesus, eu estou? – Uma passada rápida de sua palma na bochecha e ela achou umidade. — Uau. Sim, me desculpe por isso.
— O que está acontecendo? Preciso matar alguém pra você?
Esta era a primeira resposta de um macho emparelhado para qualquer coisa que chateasse sua shellan, e antes que pudesse evitar, ela sussurrou: — A morte já aconteceu,
na verdade.
— Huh.
Por alguma razão, seu pensamento voltou para aquela noite, cerca de dois anos atrás, quando Rhage, V e Butch saíram e mataram um hellren criminoso, então Bitty e
Annalye puderam viver.
— A mãe de Bitty morreu na noite passada.
— Ohhhhh, merda. – Rhage sentou completamente para frente por conta própria, como se tivesse em mente pular para fora da cama mesmo que não tivesse nenhum lugar
para ir, nenhum ataque para defendê-la. — Mas por que inferno você não me disse?
— Você estava meio que ocupado morrendo na hora...
— Você deveria ter me contado. Eu fiz você me masturbar...
— Pare com isso. Eu amo isso. Nós precisávamos disso.
Quando seu lindo rosto ficou insuportavelmente tenso e ele cruzou os braços no peito como se estivesse chateado consigo mesmo, ela arqueou pra cima e o beijou na
boca. — Obrigada.
— Pelo que?
— Por se importar com ela também.
— Como eu não poderia? O que posso fazer pra ajudar?
Mary se sentou e soltou.
— Eu senti sua falta.
Rhage bateu no ar entre eles como se estivesse indo tocá-la, e ela colocou seu rosto entre as mãos dele, deixando-o sentir suas bochechas e mandíbula, os lados de
sua garganta.
— Senti sua falta também, – Ele disse num tom baixo. — Nós estivemos... Afastados ultimamente. Não separados, mas afastados.
— Me desculpe. Eu sei. Estive envolvida com tudo no Lugar Seguro e isso realmente não é justo...
— Pare com isso. Você nunca tem que se desculpar comigo por amar seu trabalho ou precisar estar sempre por dentro das coisas, como faz. Sou a última pessoa que não
entenderia isso. Você é maravilhosa lá, e uma pessoa maravilhosa que ajuda todo mundo...
Mary abaixou os olhos, mesmo pensando que tecnicamente não havia nenhum olhar fixo para ela escapar.
— Nem sempre. Deus, nem sempre.
— Conte pra mim. Mary, não quero ser exigente... Mas você realmente precisa falar comigo.
Quando ela se lembrou de tudo que aconteceu, seus olhos se encheram de lágrimas novamente.
— Eu, ah... Eu recebi a ligação na minha mesa que as coisas não estavam indo bem com Annalye e levei Bitty no Havers. Eu realmente pensei... Bem, quando minha mãe
se foi, eu estava com ela e isso foi importante para mim, especialmente depois, sabe? Quero dizer, quando penso nela e sinto sua falta... Há um certo consolo que
tenho ao saber que ela não estava sozinha quando morreu. Que... Que estava comigo no começo da minha vida e que eu estava com ela no fim da dela, – Mary soltou um
suspiro trêmulo. — Quero dizer, Bitty é nova... Ainda há tantos anos pela frente para ela lidar com isso, sabe? E o que foi importante para mim quando eu era adulta,
meio que parecia algo que poderia ser importante para ela depois. Em todo caso... Eu não queria que isso acontecesse.
— O que acontecesse?
Mary cobriu o rosto com as mãos quando as memórias atravessavam sua consciência como uma faca.
— Quando Bitty... Oh Deus, quando Bitty pegou a mão de sua mãe, a fêmea morreu bem naquela hora. Bitty pensou que ela fosse a responsável. Isso foi... Horrível.
Nada do que eu queria para nenhuma das duas.
Eu a matei! Eu a matei!
— Talvez a mahmen dela estivesse esperando por ela.
Mary secou os olhos e deixou os braços caírem em derrota.
— É isso o que eu estou dizendo a mim mesma. Não que isso realmente ajude...
— Mary, quando fui baleado naquele campo e estava morrendo, eu estava esperando que você fosse até mim. Era a única coisa que estava me segurando aqui. Quando se
ama alguém e você está partindo, espera até que a pessoa venha... E isso toma um monte de energia, um monte de foco. Estou te dizendo Mary, eu estava esperando por
você por que precisava ficar em paz contigo, mas não conseguia aguentar por muito tempo... E embora tivemos sorte e você salvou minha vida, a realidade é que eu
prolonguei meu sofrimento só para ter aquele momento contigo.
— Oh Deus, sério... Ver você sofrendo daquele jeito... Foi um dos piores momentos da minha vida.
Como se ele estivesse determinado a mantê-la no caminho, Rhage falou sobre ela.
— Você precisa dizer isso a Bitty, ok? Dizer a ela que sua mãe morreu naquele momento por que a voz de Bitty era o que ela precisava ouvir antes que fosse para o
Fade. Ela precisava saber antes de partir que sua filha estava bem. E te garanto, Mary, se você dissesse uma palavra naquele quarto, Annalye saberia que estava com
a filha dela também. E isso quer dizer que Bitty estaria segura. Annalye foi embora por que sabia que tudo bem ela ir.
— Nunca pensei nisso desse jeito, – Mary murmurou. — Você colocou isso de um jeito ótimo. Eu queria que você pudesse dizer isso a ela.
— Talvez eu possa algum dia. Inferno, diga o dia e a hora e estarei lá.
Quando Rhage começou a ir até ela, parecia focado nela mesmo que não pudesse enxergar – e na realidade, Mary tinha muita certeza nesse momento que nada mais nesse
mundo existia para ele além dela e dos seus problemas. Adicione aquela ridícula beleza masculina, aquele desejo sexual e aquele grande coração?
— Como nesse mundo acabei ficando com você? – Ela sussurrou. — Ganhei na loteria.
Seu hellren a alcançou e trouxe para perto de novo, colocando-a sob seu queixo.
— Oh, não, Mary. É o contrário. Acredite em mim.
Quando Rhage sentiu a tensão no corpo de sua shellan acalmar, esfregou suas costas em círculos lentos... E sentiu vontade de vomitar.
Não por causa da coisa toda da Besta.
— Então, sei que ainda temos 12 horas até o anoitecer, – Ela disse — Mas gostaria de ir para o trabalho essa tarde. Mesmo que só um pouquinho e somente se você...
— Oh Deus, sim. Bitty precisa de você. – Perguntou a si mesmo se tinha sobrado algum Alka Seltzer. — Estou bem.
— Tem certeza?
Não. Não mesmo. — Inferno, sim... Quantas vezes já passei por essa recuperação? Vou só deitar aqui e dormir muito. – Por que se não estivesse consciente, não iria
se sentir daquele jeito, certo? — E na verdade, pensando bem, você não precisa que eu diga nada a Bitty. Você tem maneiras melhores de colocar as coisas do jeito
certo.
— Eu costumava acreditar nisso.
— Não. – Olhou para baixo, para onde o som da voz dela estava vindo e pegou uma de suas mãos com a dele com urgência. — Mary, você não pode ter uma segunda opinião
sobre si mesma. Ouça, você vai para a guerra do seu próprio jeito, e a pior coisa que um soldado pode fazer é ter sua confiança perdida antes que chegue ao campo.
Não são todas as vezes que vai acabar em vitória, mas você tem que começar isso todas às vezes sabendo que seu treinamento e seus instintos são ouvidos. Você não
fez nada de errado. Não magoou Bitty de propósito. Certamente não é responsável pela mahmen dela escolher aquele momento para ir para o Fade... E de fato, há muitas
evidências que sugerem que a fêmea foi embora por que sentiu que sua filha estava em boas mãos. Você precisa acreditar em tudo isso, caso contrário vai ficar presa
em algo indefinido que não vai ajudar ninguém.
— Senhor, você está sempre tão certo.
Blah. Nem mesmo perto disso. Mas não é como que fosse trazer todos seus erros à tona agora, quando ela tinha problemas reais para lidar com aquela garotinha. Ele
era um idiota egoísta, mas não era tão babaca assim.
Puta merda, não podia acreditar que fez sua shellan atravessar aquilo daquele jeito... Não poderia viver consigo mesmo sabendo que fez Mary essencialmente assisti-lo
morrer na noite passada – e tudo por nenhuma boa razão, porra.
Tudo por que não tinha ouvido Vishous.
Na verdade não, ele tinha. E isso é o pior de tudo. De fato, tinha ouvido cada palavra que o Irmão disse e saiu pra lutar do mesmo jeito, completamente ciente do
que estava esperando por ele no campo de batalha se o cara estivesse certo.
Achava que essa era a definição de suicida, não era?
O que significa que ele era...
Ah, porra.
Enquanto a cabeça de Rhage começou a implodir com a realidade que estava só agora acordando nele, Mary continuou a falar de um jeito lento, e considerando o que
ela ia fazer para a garotinha, quais as consultas medicas ela tinha que ter, e então havia algo sobre um tio em algum lugar... E Rhage simplesmente deixou a conversa
de uma só pessoa seguir.
Na verdade, estava indefinidamente agradecido que ela se sentia melhor e mais conectada com ele. Aquela merda importava. Infelizmente, estava voltando a ficar longe
dela novamente, uma parte dentro dele flutuando para fora mesmo com o corpo dele ficando onde estava.
O que tinha de errado com ele, inferno? Ele tinha tudo o que queria na vida – e ela estava em seus braços neste exato momento. Ele tinha morrido de medo e tinha
passado por isso. Havia muito pelo que viver, pelo que lutar, pelo que amar.
Então por que faria uma coisa daquela? Por que correria para um caixão todo garantido? E por que essa distância dela de volta?
Bem, havia uma explicação. Alguma coisa tinha amarrado tudo com um arco grande, gordo e psicótico.
Ele frequentemente tinha se perguntado se estava louco. Tipo, tão intrinsecamente.
Suas emoções sempre foram tão extremas, pulando da loucura para a raiva, que ele tinha ficado preocupado algumas vezes que um dia iria pender para algum dos extremos
dessa espiral, nunca retornando para a sanidade novamente. Talvez isso finalmente tivesse acontecido. E se tivesse? A última coisa que Mary precisava depois do que
tinha acontecido na noite anterior é que ele estivesse clinicamente insano.
Por que merda, por que mais ele se sentia tão malditamente estranho dentro de sua própria pele?
Maldição, parecia que tinha ganhado na loteria só para descobrir que era alérgico ao dinheiro ou uma merda assim.
— Rhage?
Ele se sacudiu. — Me desculpe, o que?
— Você quer que eu pegue alguma comida?
— Não. Continuo cheio. – Ele tornou a colocá-la contra ele novamente. — Porém eu poderia ter muito mais disso.
Mary se aconchegou perto dele, passando os braços em volta dos seus ombros o máximo que conseguia.
— Você tem.
Tentei me matar na noite passada, disse para ela na sua cabeça. E não tenho ideia do por quê.
Sim, era oficial.
Ele tinha enlouquecido.
Capítulo CATORZE
— É aqui.
Jo Early pisou no acelerador de seu Volkswagen de merda.
— Sim, sei onde é, Dougie.
— Bem aqui...
— Eu sei.
Não havia razão para acertar a placa. Às sete da manhã, não tinha nenhum outro carro por perto, ninguém para se importar como ela atravessou o portão desencaixado
com a pintura descascada da velha escola preparatória que sua mãe teve um milhão de anos atrás.
Uau. A Escola Brownswick para Garotas teve dias melhores.
Sua mãe então não aprovaria nem um pouco este paisagismo. Ou a falta dele.
Mas aí, a mulher podia romper um aneurisma através de um único dente de leão em seu gramado de cinco acres.
Dirigindo pela rua de asfalto esburacada, Jo dirigiu em torno de buracos que eram grandes o suficiente para engolir seu pequeno Golf, e se esquivou da árvore caída
em pedaços – alguns dos quais eram velhos o suficiente para apodrecer.
— Deus, minha cabeça dói.
Ela olhou para seu companheiro de quarto. Dougie Keefer era Shaggy do Scooby Doo – sem o cão alemão falante. E sim, seu apelido era Reefer por uma boa razão.
— Eu disse para ir a um médico quando passou por aqui ontem à noite...
— Fui atingido na cabeça!
— ... você provavelmente teve uma concussão.
Embora qualquer consulta de neuro com o cara seria difícil de ler por que ele normalmente tinha visão dupla. E dormência e formigamento era uma escolha de estilo
de vida em seus olhos.
Dougie estalou os dedos um por um.
— Vou ficar bem.
— Então pare de reclamar. Além disso, metade do problema é que está ficando sóbrio. É chamado de ressaca.
Enquanto iam para dentro do campus, edifícios apareceram e ela os imaginou com janelas inteiras limpas e recém-pintadas, e portas que não penduravam em ângulos ruins.
Podia absolutamente ver sua mãe aqui com seus terninhos e pérolas, atrás de seu diploma superior mesmo que tivesse sido apenas uma escola preparatória, não uma faculdade.
Tradições do século XXI à parte, coisas tinha sido adquiridas na cápsula do tempo dos 19 aos 50 anos de sua mãe. E a mulher tinha o correspondente de sapatos e bolsas
femininas para comprová-lo.
E as pessoas se perguntavam por que Jo tinha se afastado?
— Você não está pronta para isso, Jo. Estou dizendo a você.
— Tanto faz. Preciso começar a trabalhar.
— Vai explodir sua mente.
— Uh-huh.
Dougie se virou para ela, a faixa do cinto de segurança em seu peito.
— Você viu o vídeo.
— Eu não sei o que estava olhando. Estava escuro e antes que continue a discutir, lembre-se... Primeiro de Abril?
— Ok, é Outubro, tá? – A risada que ele deu era tão ele. — E sim, essa foi boa.
— Para mim não foi.
Dougie tinha decidido que seria divertido pegar o carro dela emprestado, e em seguida enviar-lhe uma imagem de photoshop da coisa enrolada em torno de uma árvore.
Como ele conseguiu se concentrar tempo suficiente para terminar o trabalho visual tinha sido um mistério, mas ele parecia tão real, que ela tinha ligado para sua
companhia de seguro.
E também teve um colapso no banheiro no trabalho quando se perguntou como diabos ia cobrir sua franquia.
Essa era a coisa sobre deixar seus pais ricos no retrovisor. Quinhentos dólares sem um orçamento certo poderia ser difícil comer.
Com uma careta, ela se inclinou em direção ao volante.
— O que é isso... Ah, merda.
Pisando nos freios, ela parou na frente de uma árvore inteira que tinha caído do outro lado da pista. Checando rapidamente o relógio, ela amaldiçoou. Mesmo enquanto
o tempo passava, não estava dentro de um Golf 4X4, e correndo o risco de ter que chamar o guincho e pagar por um reboque.
— Se vamos fazer isso, temos que andar.
— Vamos dar a volta.
— E ficar preso na lama? Choveu tarde da noite ontem. – Ela desligou o motor e retirou a chave do carro. — Vamos lá. Você quer me mostrar, é melhor começar a andar.
Caso contrário, vou dar meia volta.
Dougie ainda estava reclamando quando eles partiram a pé, passando por cima do bordo caído e continuando descendo a rua. A manhã estava amargamente fria e então
surpreendentemente – o tipo de coisa que deixava você feliz por ter trazido sua jaqueta por capricho, e chateada por ter deixado o chapéu e as luvas para trás por
que na sua cabeça, era “apenas outubro”.
— Agora sei por que não me levanto antes do meio-dia. – Dougie murmurou.
Jo levantou o olhar para os troncos nus acima. Odiava ser pessimista, mas se perguntava se qualquer um dos idiotas entrariam em queda livre e a matariam.
— Por que deixei você me meter nisso?
Ele colocou o braço ao redor de seus ombros.
— Porque você me amaaa.
— Não. – deu uma cotovelada nas costelas dele.
— Definitivamente não é isso.
E ainda meio que era. Ela conheceu Dougie e sua tropa da pesada através de um conhecido, e eles a aceitaram quando ela precisava desesperadamente de um lugar para
dormir. O arranjo era suposto ser temporário, do tipo cair no sofá, mas logo em seguida vagou um quarto no apartamento deles, e um ano mais tarde estava vivendo
numa versão de uma casa de fraternidade dos meados dos anos vinte. Com um grupo de garotos recalcitrantes que mais pareciam meninos, dos quais ela parecia ser responsável.
— Estamos chegando perto, – ele colocou as mãos na cabeça como se tivesse explodido. O que era uma viagem curta. — Quero dizer, pedaços de corpos em todos os lugares,
e o cheiro! Pior do que o que está na nossa geladeira. Quer dizer, estamos falamos corpos, Jo. Mortos! Só que estavam se movendo! E então essa...
— Alucinação de dragão. Você me disse.
— Você viu a filmagem!
— Como se eu não te conhecesse. – Ela disse enquanto sacudia a cabeça. — Você me enganou uma vez, devia se vergonhar... Me enganou duas vezes...
— Jo. Foi real. Foi real pra caralho... Vi um monstro e...
Conforme Dougie percorria a ladainha de impossibilidade outra vez, Jo focou na elevação adiante.
— Sim, ta, você já me disse. E ao contrário de você, ainda tenho minha memória de curto prazo.
— Imbecil, TJ e Soz viram também.
— Tem certeza disso? Por que quando mandei uma mensagem pra eles esta manhã, disseram que era uma viagem ruim. Nada mais.
— Eles são idiotas.
Quando chegaram na inclinação, ela sorriu e decidiu que talvez tivesse exagerado demais. Não se encaixava com a sociedade do tipo empertigada como a que os pais
dela estavam tão inseridos, mas da mesma forma, sair com um bando de maconheiros não levava exatamente a lugar nenhum também.
Ainda assim, eles eram altamente divertidos. Na maior parte do tempo.
E além do mais, a verdade era que não tinha ideia aonde pertencia.
— Você vai ver. – Dougie anunciou enquanto corria para o topo da subida. — Apenas olhe!
Jo se juntou a ele – e balançou a cabeça para tudo ali em cima, certo, ali embaixo também.
— Exatamente o que devo olhar? As árvores, os prédios ou a grama?
Dougie deixou os braços caírem.
— Não, não, isso está errado. Não...
— Acho que você finalmente deu fim ao seu cérebro, Dougie. Mas é o que acontece quando você o atinge dúzias de vezes com LSD em um período de seis horas. Pelo menos
pensou que isto era real desta vez, no entanto, é o contrário da coisa do acidente do carro batendo na árvore que você fez comigo.
É, não havia absolutamente nada anormal lá embaixo no que tinha que ser o centro do campus. Nada de corpos. Sem partes de corpos. E nenhum cheiro também. Nada além
de prédios abandonados, mais vento frio e mais nada de estranho.
— Não, não, não...
Enquanto Dougie corria lá pra baixo, ela o deixou ir, ficando pra trás e tentando imaginar como o lugar parecia quando tinha sido operacional. Era difícil pensar
que sua mãe tinha ido às aulas nestes prédios. Dormiu dentro deles. Teve aquela primeira dança com seu pai em um deles.
Engraçado, o passado como tinha sido parecia tão inacessível como era atualmente o presente com as duas pessoas que a adotaram. Os três nunca tinham tido sorte,
e apesar dela própria ser difícil às vezes, tinha sido um alívio esquecer de todas as tentativas exaustivas de fingir um vínculo que nunca se materializou.
— Jo! Venha cá!
Quando ela levou a mão ao ouvido e fingiu que não podia ouvi-lo, Dougie subiu correndo de volta até ela com o zelo messiânico de um pregador. Agarrando sua mão,
ele a puxou em uma descida rápida agitando para trás sua jaqueta do exército.
— Está vendo como tudo está pisoteado por ali? Vê?
Ela se deixou ser arrastada ao longo de uma seção do campo reconhecidamente achatada. Mas um monte de grama longa horizontal e arbustos remexidos dificilmente era
uma cena de um filme de Wes Craven, ou seja, de horror. E isso, sem dúvida, definitivamente não era o que estava no vídeo que Dougie insistiu que ela assistisse
várias vezes.
Não sabia como explicar tudo.
Mas o que estava claro para ela? Realmente não ia dar a si mesma uma cãibra no cérebro tentando conciliar tudo.
— Você viu o que eu postei! – Dougie disse. — E alguém pegou meu telefone por que não queria que ninguém visse isso!
— Você provavelmente só perdeu a coisa...
— Eu estava lá em cima. – Ele apontou para o mais alto dos prédios. — Ali! Foi ali que eu fiz a filmagem!
— Ei, Dougie, sem ofensa, mas tenho que ir trabalhar...
— Jo, estou falando sério. – Ele girou em um círculo. — Tudo bem, explique isso. Como tudo ficou esmagado aqui? Hã?
— Pelo que sei, você e nossos três colegas de quarto correram nus por aí em círculos. Na realidade, nem vamos seguir pelo lado hipotético.
Dougie a enfrentou.
— Então como é que eu consegui o vídeo? Hã?
— Não sei, Dougie. Francamente, é tão granulado que não sei o que estou olhando.
Ela lhe deu algum tempo para digerir todos os tipos de o-que-sobre-isso-e-aquilo, então ela terminou.
— Olha, eu realmente sinto muito, mas estou indo. Você pode vir comigo ou chamar um táxi para casa. A escolha é sua. Oh, espere. Sem telefone. Acho que isso significa
andar.
Enquanto ela se virava para ir embora, ele disse em uma voz surpreendentemente adulta.
— Estou falando sério, Jo. Isto aconteceu. Não me importo para o que os três vão dizer. Sei quando estou chapado e quando não estou.
Quando Jo parou e olhou para trás, a expressão dele ficou esperançosa.
— Você se importa se eu deixar você no ponto de ônibus na Jefferson? Acho que não tenho tempo para levá-lo de volta pra casa.
Dougie jogou os braços para cima.
— Ah, qual é, Jo. Deixe-me só te mostrar aqui...
— Ponto de ônibus, é isso. – Disse ela. — E lembre-me disso da próxima vez que você tomar ácido. Quero estar preparada.
Capítulo QUINZE
Algum tempo depois, Mary acordou depois de um bom e longo descanso... E sorriu ante seu companheiro decididamente adormecido. Rhage estava apagado, os olhos fechados,
uma sobrancelha loira contraindo e sua mandíbula rangendo como se talvez estivesse sonhando com uma discussão ou um jogo de bilhar. Sua respiração era profunda e
plana, e sim, ele estava roncando. Não como uma serra elétrica. Ou um estridente Mustang acelerando num sinal vermelho. Nem mesmo nada perto do texugo ferido na
rotina do Butch – o que era algo que tinha que se ouvir para acreditar.
Não, os sons que seu homem soltava eram mais como uma cafeteira Krups bem quando ela está terminando um ciclo coar o café; o tipo de coisa que borbulha em segundo
plano, oferecendo um ritmo reconfortante durante o qual ela poderia dormir se quisesse ou ficar acordada e ouvir, se fosse trabalhar novamente. Pensando nisso, seus
roncos provavelmente eram mais silenciosos do que ele, considerando como suas pisadas eram pesadas, o quanto sua risada era alta e o quanto ele falava, especialmente
se estivesse perturbando seus irmãos.
Toda essa maluquice era apenas parte do que tanto amava nele.
Ele era sempre tão vivo. Vivo demais.
Graças a Deus.
Quando ela foi se esticando, moveu-se lentamente contra o corpo dele para não acordá-lo e olhou para o relógio do outro lado da sala de recuperação. Sete da noite.
Passou o pôr do sol.
Dado o quão cansado ele tinha que estar, era capaz dele dormir mais quatro ou cinco horas. Provavelmente era melhor ela sair agora e voltar quando ele estivesse
acordado.
— Estou indo para o Lugar Seguro um pouquinho. – Ela disse suavemente. — Fica com ele. Avise a ele que logo estarei de volta, ou ele pode me ligar?
Ela estava falando com a Besta, claro – e tratando com esse enorme dragão esmagador de ossos como uma espécie de secretária social. Mas isto funcionava. Se ela tinha
que sair quando Rhage estava dormindo, sempre dizia para a Besta o que estava fazendo e quando estaria de volta. Dessa forma, Rhage não acordava suando frio achando
que ela tinha sido raptada. Assassinada. Ou que escorregou e caiu no banheiro, que ficou desmaiada e deixada sangrando por todo o chão de mármore.
É, machos vinculados tendiam a saltar para conclusões que eram apenas um pouuuuuuco exageradas.
Mary cuidadosamente desvencilhou-se de Rhage apenas para parar quando estava quase livre. Olhando para o seu esterno despido completamente intacto, ela escovou as
pontas dos dedos sobre onde bala esteve.
— Eu não te agradeci. – Ela sussurrou. — Você o salvou. Devo a você... Muito obrigada.
De repente, as pálpebras de Rhage abriram – mas não era ele acordando. Seus olhos não eram nada além de órbitas brancas, essa iluminação indicadora da consciência
da besta fixa nela com foco total.
Ela sorriu e roçou o rosto de seu companheiro, sabendo que o dragão sentiria seu toque.
— Obrigada. Você é um bom menino.
Uma versão mais tranquila do bufo afetuoso que a besta sempre dava a ela reverberou subindo e saiu da garganta do Rhage.
— Volte a dormir também, ok? Você precisa descansar também. Você trabalhou duro na última noite.
Mais um bufo... E aquelas pálpebras começaram a descer. A besta lutou contra a maré como um cachorrinho, mas acabou perdendo a batalha, retornando ao ronco. Ambos
tornando a se engajar em qualquer que seja a versão da terra dos sonhos em que estavam.
Inclinando-se, ela beijou a testa do seu companheiro e alisou seu cabelo para trás. Então foi para o banheiro e fechou a porta. Tão logo se virou para o balcão ao
lado da pia, ela sorriu. Alguém – oh, com quem ela estava brincando, tinha que ser o Fritz – tinha colocado mudas de roupas completas para os dois. Bem como escovas
de dente, lâmina e creme de barbear, um xampu e condicionador.
— Fritz, teu nome verdadeiramente é consideração.
E oh, isso é que era um chuveiro. De tempos em tempos, ela se perguntava se os sons ou cheiros acordariam Rhage, mas quando estava se enxugando, entreabriu a porta
e constatou que além de ter virado de frente pro banheiro, ele permaneceu dormindo.
Provavelmente por que ela disse para a Besta o que estava acontecendo.
Enquanto estava secando o cabelo, perguntou a si mesma onde o Volvo tinha terminado. Ela tinha vindo do campo de batalha pra cá de carona na unidade cirúrgica, mas
certamente alguém tinha trazido sua perua de volta.
Bem, ela sempre poderia levar qualquer outro para o Lugar Seguro.
Quinze minutos depois, silenciosamente caminhou até a porta. Depois de um prolongado olhar fixo para o Rhage, ela abriu a porta e...
— Oh! Deus! – Ela sibilou enquanto recuava.
A última coisa que esperava ver era a Irmandade inteira do lado de fora da sala de recuperação do seu hellren.
Mas ela devia saber. Todos estavam lá, de V e Butch, Phury e Z... Blay e Qhuinn... Tohr e John Matthew... Até mesmo Wrath e Rehvenge. Era como estar na frente de
uma equipe de futebol... Que era composta por lutadores profissionais... Com o equipamento completo de jogo.
Tudo bem, isso nem de longe era o suficiente para descrever a quantidade de macho no corredor.
— Ei, pessoal. – Ela disse calmamente enquanto puxava a maçaneta e certificava-se que as coisas estivessem fechadas. — Ele está dormindo agora, mas tenho certeza
que não vai se importar de ser acordado.
— Nós não viemos por ele. – Disse Wrath em voz baixa.
As sobrancelhas de Mary se levantaram quando ela olhou para o seu Rei.
— Oh.
Nossa, ela tinha feito alguma coisa errada? Era difícil saber dado que Wrath, com seu bico de viúva e seus óculos escuros, sempre parecia puto.
O cara não tinha a cara de uma vadia descansada, mas a descansada “vou matar alguém e incendiar sua casa”.
Engolindo em seco, ela gaguejou.
— E-eu, ah...
— Obrigado, Mary. – O Rei disse enquanto dava um passo adiante com seu cão guia, George. — Obrigado por salvar a vida do nosso irmão.
Por um momento, ela ficou completamente pasma. E então o Rei a estava puxando para um duro abraço apertado.
Quando Wrath deu um passo atrás, havia algo pendurado sobre o ombro dela.
Uma espada?
— Espere, o que é isso? – Ela bateu em uma segunda recuada. — Por que isso... Oh, meu Deus…
A arma era feita de ouro ornamentado do punho à bainha, e havia pedras preciosas brancas e vermelhas faiscando em todos os lugares. Da mesma forma, tinha uma faixa
vermelha de rubi pendurada enfeitada com pedras preciosas e metais – parecia antiga. Antiga... E inestimável.
— Wrath, não posso aceitar isso, é demais...
— Você executou um serviço de valor ao trono. – O Rei anunciou. — Salvando a vida de um membro da minha guarda particular, você é mantida na mais alta estima real,
e pode me convocar em seu benefício de valor comparável em algum momento no futuro.
Ela balançou a cabeça várias vezes. — Isso não é necessário. Sério. Não é.
E de repente ela se sentiu mal. Muito mal. Por que não salvou Rhage para estes homens maravilhosos que o amavam tanto. Não o tinha salvado para si mesma também.
Deus, por que... Por que aquele momento tinha que ser contaminado com todo o drama com a Bitty?
Mary foi tirar a espada.
— Realmente não posso...
Um por um, os Irmãos vieram até ela, abraçando-a com puxões duros, segurando-a até sua espinha dobrar e as costelas não poderem expandir mais. Alguns deles falaram
em seu ouvido, dizendo coisas que ressoaram não só por causa das palavras que foram escolhidas, mas pelo respeito e reverência nos tons daquelas vozes profundas.
Outros apenas fizeram um monte de ruídos tipo pigarros, do jeito que os homens faziam quando estavam lutando para se manter fortes e compostos em face de grande
emoção. E ali estava John Matthew, aquele com quem tinha começado esta viagem louca, quem tinha começado isso tudo ligando para o disque-suicídio onde ela era voluntária.
Vishous foi o penúltimo dos Irmãos a vir a ela, e enquanto a segurava, ela sentiu um aroma de tabaco. Junto com couro. E pólvora.
— Nós devemos a você. – Ele disse secamente. — Para sempre.
Enxugando os olhos, ela balançou a cabeça uma vez mais.
— Você me dá crédito demais.
— Nem perto. – Disse ele enquanto escovava a sua bochecha com a mão enluvada. Encarando-a, seus olhos de diamante e o rosto duro com essas tatuagens eram o mais
próximo de terno que ela jamais os viu. — Você sabia o que fazer...
— Mas eu não sabia, V. Eu realmente não tenho a menor dica de onde essa ideia veio.
Por um momento, ele franziu a testa. Então deu de ombros.
— Bem, tanto faz. Você nos deu nosso irmão de volta. E mesmo ele sendo um pé no saco, a vida não seria a mesma sem ele.
— Ou você. – Disse Zsadist.
Z foi o último a vir, e quando ele abriu os braços bem abertos, por algum motivo as faixas de escravo que foram tatuadas em torno de sua garganta e pulsos destacaram-se
para ela.
Seu abraço era rígido. Desajeitado. Obviamente difícil para ele, enquanto mantinha seus quadris distantes de seu corpo. Mas seus olhos estavam amarelos, não pretos;
e quando deu um passo atrás, ele colocou a mão no ombro dela.
A cicatriz que descia por seu nariz e ao redor de sua bochecha se moveu quando ele lhe deu um pequeno sorriso.
— Você é realmente boa em salvar vidas.
Sabia exatamente a que ele estava se referindo – todas essas sessões que eles dois tiveram na caldeira no porão da mansão, ele falando sobre o terrível abuso que
tinha sofrido nas mãos de sua senhora, ela ouvindo e fazendo comentários somente quando ele parava por muito tempo ou olhava para ela por algum tipo de bote salva-vidas
enquanto lutava em um mar de vergonha esmagadora, dor e tristeza.
— Algumas vezes eu gostaria de ser melhor. – Disse ela enquanto pensava em Bitty.
— Não é possível.
Quando Z caiu atrás alinhado com seus irmãos, Mary passou a mão no cabelo. Enxugou seus olhos. Respirou fundo. Apesar de haver muitas emoções diferentes a atravessando,
era muito bom estar por perto de pessoas que amavam Rhage tanto como ela amava.
Que ela sabia ser verdadeiro e sem questionar.
— Bem. – Ela pigarreou. — Agradeço a todos. Mas honestamente...
Enquanto cada um deles olhava para ela de cara feia, isso era o tipo de coisa que a te deixava agradecida que eles gostassem de você. Ela teve que rir.
— Ok, ok, vou manter isso, vou manter.
A conversa surgiu entre os Irmãos e houve alguns tapas nas costas, como se estivessem orgulhosos de si mesmos por fazer a coisa certa por ela.
Com um tchau final, ela se forçou a seguir em frente em direção à entrada do túnel subterrâneo... Com sua nova espada.
Rapaz, ela era pesada, pensou conforme caminhava com a espada ainda no ombro.
Quase tão pesado quanto o peso que sentia em seu coração.
Enquanto Mary caminhava pelo corredor na direção do escritório, Vishous pegou um cigarro enrolado à mão e colocou entre seus dentes da frente.
À medida que acendia a coisa, franziu o cenho pensando sobre o que ela disse a ele.
— Então Xcor não está consciente? – Wrath murmurou.
Virando-se para o Rei, V exalou e mudou as engrenagens na sua cabeça.
— Ainda não. E eu o chequei cerca de meia hora atrás.
— Onde você o colocou?
— No estande de tiro. – V olhou para Tohr, que estava fora do alcance da voz. — E nós temos um cronograma de guarda. Ele está amarrado para minha satisfação...
— Você realmente usa essa merda para o sexo?
Como um, a Irmandade inteira levantou o olhar para a interrupção. Lassiter, o anjo caído, apareceu do nada e estava parecendo um pouco menos ofensivo do que o habitual,
seu cabelo loiro-e-preto puxado para trás em uma trança que ia até sua bunda, couro preto cobrindo suas partes pudendas, argolas de ouro nas orelhas, braceletes
nos pulsos e piercings nos mamilos brilhando sob as luzes fluorescentes do teto. Ou talvez tenha sido por causa da sua extravagante disposição celeste.
Não.
— Que diabos aconteceu com sua maldita camisa? – V atirou de volta. — E por que, merda, você está fora do seu posto?
Porra, sabia que não podia colocar esse idiota de guarda. Mas pelo menos Payne não tinha deixado o estande de tiro, e isso era algo V que não precisava checar. Sua
irmã era o tipo de lutadora que ele confiaria não apenas com sua própria vida e as vidas de seus irmãos e cônjuges, mas em garantir que seu prisioneiro não ia nem
espirrar sem permissão.
— Derramei algo nela.
— Que? Você está comendo lá dentro?
— Não. Claro que não. – Lassiter foi andando devagar para onde o material de limpeza era mantido. — Ok, sim. Certo. Foi um milk-shake de morango... E só estou indo
pegar uma camisa limpa e voltar pra lá. Relaxe.
V deu uma longa tragada. Era isso ou estrangular o filho da puta.
— Morango? Sério?
— Vai se foder, Vishous.
Quando o anjo sorriu e mandou um beijo por cima do ombro, pelo menos o vadio não bombeou os quadris imitando o ato sexual.
— Posso matá-lo? – V murmurou para Wrath. — Por favor. Só uma vez. Ou talvez duas.
— Entre na fila.
V tornou a focar no assunto.
— Como eu estava dizendo, Xcor não vai a lugar nenhum.
— Quero descobrir onde os Bastardos estão ficando. – Wrath ordenou — e trazer o resto deles pra cá. Mas eles devem ter assumido que ele foi capturado. É o que eu
faria. Sem corpo? Sem testemunhas da morte? O curso mais seguro é assumir que o líder deles se tornou prisioneiro de guerra e cair fora de onde quer que eles estejam
ficando.
— Concordo. Mas nunca se sabe o que se pode aprender quando se aperta os botões certos.
— Mantenha Tohr longe dele.
— Entendido. – V olhou para Tohr de relance novamente. O irmão estava atrás do grupo e olhando para o corredor onde o estande de tiro ficava. Parecia estranho pensar
em ter de pôr rédeas no cara ou vigiá-lo, mas assim eram as coisas.
Algumas vezes as emoções eram demais, mesmo para o mais lógico dos lutadores.
Exceto para ele, é claro.
Ele era habilidoso pra caralho.
— Então Assail está dois quartos descendo o corredor. – Disse V. — Se você estiver pronto para falar com ele.
—Leve-me ali, V.
Mais uma vez, normalmente teria sido Tohr cumprindo o dever, mas V deu um passo mais perto e cutucou o Rei adiante, deixando os Irmãos reassumirem várias posições
e sentarem enquanto esperavam Rhage acordar.
Depois deles estarem a alguma distância, o Rei disse baixinho:
— Então, o que você sabe sobre Rhage e seu pequeno torneio de tiro prematuro.
Quando V amaldiçoou, Wrath sacudiu a cabeça.
— Conte-me. E não finja que não sabe de porra nenhuma. Você foi o último a falar com ele.
Vishous considerou manter a merda por baixo dos panos, mas no final, mentir para Wrath não era interesse de ninguém.
— Eu previ a morte dele e tentei fazê-lo deixar o campo. Ele não saiu e... Aí está.
— Ele foi lá fora. Sabendo que ia morrer.
— Sim.
— Droga. – Depois que Wrath soltou alguns palavrões com a letra F, ele mudou para outro assunto feliz. — Também ouvi dizer que você teve um visitante. Quando voltou
para o campus.
— O Ômega. – Cara, ele não gostava nem de dizer esse nome. Mas como gostaria de falar sobre o desejo de morrer de Rhage? — Sim, o irmão da minha mãe cuidou da limpeza.
Se o seu dia de trabalho como sendo a fonte de todo o mal no mundo não funcionar, ele tem uma segunda carreira como zelador esperando por ele.
— Algum problema?
— Ele nem sequer sabia que estávamos ali.
— Graças a Deus. – Wrath olhou de relance, apesar de não poder ver. — Falou com sua mãe ultimamente?
— Não. Não. De modo nenhum.
— Pedi uma audiência. Ela não me reconheceu.
— Não posso ajudá-lo. Desculpe.
— Vou lá em cima sem ser convidado se eu tiver que fazer.
V parou na porta do quarto de recuperação do Assail, mas não abriu.
— Pelo que exatamente você está procurando por ela?
— Quero saber se ela ainda está ali em cima. – O rosto cruel e aristocrático de Wrath ficou esticado. — Ir contra assassinos é uma coisa, mas vamos precisar de um
parceiro com sério poder para enfrentar o Ômega de cabeça erguida, e não vou me enganar. Nós acabamos de derrubar noventa por cento do que ele tem em cima da terra.
Ele vai responder, e nós não vamos gostar seja o que for.
— Foda-me. – V murmurou.
— É mais como “nós”, meu irmão.
— É. Isso também. – V deu outra tragada para se recompor. — Mas você sabe, se quer que eu fale com ela ou...
— Espero que não seja necessário.
Somos dois, amigo, V pensou.
Diante de seus problemas com a mãe que o deixou mais mal-humorado do que normalmente era, ele bateu na porta.
— Está decente, filho da puta? – Ele empurrou a porta, sem esperar permissão. — Como estamos, babacas?
Bem, bem, bem, pensou quando viu Assail sentado de pernas cruzadas sobre a cama de hospital. Desintoxicação demais?
O macho estava suando como se fosse um frango assando para o jantar debaixo de uma lâmpada quente, mas também tremendo como se a parte inferior do seu corpo estivesse
em uma banheira de gelo. Havia círculos da cor de óleo de motor debaixo de seus olhos, e suas mãos continuavam indo do rosto aos braços, escovando algum tipo de
fiapo ou fios de cabelo perdidos que não existiam.
— A q-q-que devo esta h-h-honra?
As narinas de Wrath alargaram quando o Rei testou o aroma no ar.
— Você tem um problema enorme com o vício, hein?
— P-p-perdão?
— Você me ouviu.
V olhou os primos gêmeos no canto e encontrou-os com as costas retas e imóveis como um par de canhões. E quase tão quentes e distorcidos.
Só pra constar, eles meio que não o irritavam.
— Que p-p-p-posso fazer por você? – Assail perguntou entre contrações musculares.
— Quero agradecer por trabalhar conosco ontem à noite. – o Rei disse com voz arrastada. — Entendo que seus ferimentos estão todos costurados.
— S-s-sim...
— Oh, pelo amor de Deus! – Wrath deu uma olhada para V. — Tem como conseguir pra este filho da puta sua droga de escolha? Não posso falar com ele se está todo viciado
por seu pecado. É como tentar fazer alguém se concentrar tendo um ataque epiléptico.
— Procurando por isso? – V ergueu um frasco cheio de pó e inclinou a coisa de um lado pro outro, como um pêndulo de relógio. — Mmm?
Foi patético o modo como os olhos do fodido travaram e esbugalharam. Mas V sabia como era – como você precisava de cada queimadura que você não queria, como isso
se tornava tudo em que podia pensar, como você murchava se não tivesse.
Graças a Deus por Jane. Sem ela estaria caminhando nesse caminho de consumir e ainda estar sempre vazio.
— E ele nem mesmo nega o quanto precisa disso. – V murmurou enquanto se aproximava da cama.
Nossa, enquanto o pobre coitado estendia a mão, estava claro que as mãos de Assail tremiam muito, mal dava para agarrar qualquer coisa.
— Permita-me, filho da puta.
Desenroscando a tampa preta, V virou a garrafinha marrom e fez uma linha no interior do seu próprio antebraço.
Assail tomou essa merda como um motorista de empilhadeira, aspirando metade em uma narina, metade na outra. Em seguida, caiu para trás na cama de hospital como se
tivesse uma perna quebrada e a morfina gotejando finalmente estivesse fazendo efeito. E sim, do ponto de vista clínico, era triste comentar o estado do FDP que um
estimulante como a cocaína o derrubasse.
Mas isso era o vício pra você. Nada de bom senso.
— Agora, quer tentar novamente? – V murmurou enquanto lambia seu braço até limpar e saboreava a amargura. O zumbido não era ruim também.
Assail esfregou o rosto e então deixou os braços o caírem para os lados. — O quê?
Wrath sorriu sem qualquer calor, revelando suas presas enormes.
— Quero saber quais são seus planos de negócios.
— Por que isso é da sua conta? – A voz de Assail era esganiçada, como se ele estivesse exausto. — Ou você decidiu que uma ditadura, mais do que uma democracia, combina
mais com sua personalidade...
— Cuidado com seu tom de merda. – V disse bruscamente.
Wrath continuou como se não tivesse sido interrompido.
— Seu histórico é questionável, na melhor das hipóteses. Apesar de uma tendência mais recente pra lealdade, você parece estar sempre na periferia dos meus inimigos,
seja o Bando dos Bastardos ou a Sociedade Lesser. E da última vez que chequei, estava encabeçando um cartel de drogas, algo que não pode ser feito com uma mera equipe
de dois, por mais capazes que seus capangas possam ser. Então me encontro querendo saber para onde você está indo com seus intermediários agora que os assassinos
com quem esteve trabalhando estão fora do mercado negro.
Assail tirou seus cabelos negros da testa e segurou-os no lugar como se esperasse que isso ajudasse seu cérebro a funcionar.
V preparou-se para uma mentira.
Só que então o homem disse numa voz curiosamente morta.
— Eu não sei. Na verdade... Não sei o que devo fazer.
— Você fala sem falsidade. – Wrath inclinou a cabeça conforme exalava. — E como seu Rei, tenho uma sugestão para você.
— Ou seria um comando. – Assail murmurou.
—Tome como quiser. V As sobrancelhas de Wrath desapareceram sob as bordas dos seus óculos escuros. — Leve em conta que eu posso matá-lo ou deixá-lo ir deste lugar
por capricho.
— Existem leis contra assassinato.
— Às vezes. – O Rei sorriu novamente com aquelas presas. — De qualquer maneira, quero a sua ajuda, e você vai me dar. De uma forma ou de outra.
Capítulo DEZESSEIS
No meio do caminho para o Lugar Seguro, Mary achou que acabaria precisando de uma cirurgia de joelho.
Ao pegar a saída da Northway, ela cerrou os dentes e arranhou a marcha dura como pedra do GTO vintage reformado, roxo brilhante de seu marido – também conhecido
como seu orgulho e alegria. A luz da vida dele antes dela. A coisa mais valiosa que ele tinha desde que deu a ela seu Rolex de ouro Presidential.
O carro monstruoso começou a fazer um ruído de engasgo e então soltou um padrão grave de explosões, seguidas por guinchadas agudas quando empurrou o câmbio para
a frente de volta à posição certa.
— Terceira? Terceira... Eu preciso, não, segunda? Definitivamente não a primeira.
Ela descobriu do jeito mais difícil, ao parar na base da colina da mansão e quase bater com os dentes da frente no volante, devido ao solavanco e pulo que o carro
deu.
— Oh, Sra Volvo, sinto tanto sua falta...
Quando saiu da mansão, tinha percebido que o utilitário não estava no pátio com os outros veículos da Irmandade. Mas ao invés de perder tempo tentando descobrir
onde estaria, pegou as chaves do Rhage pensando “qual seria a dificuldade de guiar este carro na cidade?”. Ela sabia como dirigir um carro com câmbio manual.
Tudo ia ficar bem.
É claro que nem imaginou que a embreagem seria dura como uma parede de tijolos, dificultando cada vez que tinha de mudar de marcha. Ou que as engrenagens seriam
tão calibradas que, caso não se acelerasse no momento certo, todos aqueles cavalos sob o capô enlouqueciam.
O lado bom? Ao menos brigar com a transmissão lhe dava algo além da ansiedade sobre Bitty com que se preocupar, enquanto dirigia para o Lugar Seguro.
Além disto, Fritz era um mecânico tão bom quanto mordomo.
Quando finalmente chegou, estacionou na entrada da garagem, saiu e cambaleou no escuro por um minuto, movendo a perna esquerda em movimentos circulares até sentir
algo estalar e subitamente não se sentir mais como um flamingo.
Praguejando, foi até a porta na garagem, digitou uma senha e entrou. Quando as luzes com sensores acenderam, ergueu a mão para proteger os olhos, mas não se preocupou
em nada. As duas baias estavam vazias, exceto por equipamentos de aparar grama e algumas marcas antigas de óleo no concreto. Subiu três degraus para chegar à porta
da cozinha, então digitou uma senha e esperou que as trancas começassem sua sequência de liberação. Também se virou e apresentou seu rosto para reconhecimento.
Momentos depois estava no vestíbulo, tirando o casaco e pendurando-o junto com a bolsa na fileira de ganchos que ficavam acima de um banco. A cozinha nova nos fundos
funcionava a todo vapor, pilhas de panquecas sendo feitas no fogão, frutas sendo cortadas nos balcões, tigelas e pratos sendo arrumados na grande mesa.
— Mary!
— Ei, Mary!
— Oi, Sra. Luce!
Respirando fundo retribuiu as saudações, aproximando-se para dar um abraço aqui outro ali, colocar a mão sobre um ombro, cumprimentar uma fêmea e retribuir um sinal
de “toca aqui” com um garoto. Havia três membros da equipe de serviço e ela os cumprimentou.
— Onde está Rhym? – Perguntou.
— Está lá em cima com a Bitty. – Disse suavemente a de cabelos cacheados.
— Estou indo para lá.
— Precisa de ajuda?
— Tenho certeza que vou precisar, – Mary meneou a cabeça. — Odeio que isto tenha acontecido a ela.
— Nós também.
Indo pra frente da casa, contornou a base da escada e subiu de dois em dois degraus. Nem se incomodou em parar para ver se Marissa estava. Era provável, dada a extensão
do ataque, que a diretora do Lugar Seguro estivesse curtindo umas horinhas de folga com seu hellren.
Estar vinculada a um Irmão não era pros fracos.
No terceiro andar, encontrou Rhym dormindo em uma poltrona acolchoada que foi puxada para perto da porta de Bitty. Com o ruído do assoalho, a outra assistente social
despertou.
— Oh, ei. – A fêmea disse ao se endireitar e esfregar os olhos. — Que horas são?
Rhym sempre lembrara a Mary de si mesma em certo grau. Ela era o tipo de fêmea que talvez não chamasse atenção imediata em um lugar, mas nunca deixava de estar lá
quando se precisava dela. Era mais alta do que baixa, um pouco magra. Nunca usava maquiagem. Geralmente prendia o cabelo para trás. Nenhum macho que se soubesse.
Sua vida era o trabalho ali.
— Seis e meia. – Mary olhou para a porta fechada. — Como foi durante o dia?
Rhym só meneou a cabeça.
— Ela não quer falar sobre nada. Só guardou as roupas em uma mala, pegou sua boneca e o velho tigre de pelúcia e sentou-se na cama. Finalmente vim para cá, pois
pensei que ela estava ficando acordada por minha causa.
— Acho que vou ver como ela está.
— Por favor. – Rhym esticou os braços e estalou as costas. — E se não tiver problema, vou para casa dormir um pouco, tudo bem?
— Absolutamente. Eu assumo daqui. E obrigado por cuidar dela.
— Já está escuro o bastante para eu sair daqui?
Mary olhou para as persianas que ainda estavam descidas por causa da luz do dia — Acho... – Como se combinado, os painéis de aço que protegiam o interior da luz
do sol começaram a subir — Ta.
Rhymm levantou-se e passou os dedos pelos cabelos louros acastanhados.
— Se precisar de qualquer coisa, se ela precisar de alguma coisa, ligue e volto imediatamente. Ela é uma garotinha especial, e eu só... Quero ajudar.
— Está bem... E novamente, obrigada.
Quando a outra fêmea começou a descer a escada, Mary falou.
— Uma pergunta.
— Sim?
Mary fitou a janela circular no final do corredor, tentando encontrar as palavras certas.
— Ela... Digo, ela disse alguma coisa sobre a mãe? Ou sobre o que aconteceu na clínica?
Tipo algo como Minha terapeuta fez eu me sentir como se tivesse matado minha mãe?
— Nada. A única coisa que disse foi que partiria assim que pudesse. Não tive coragem de dizer que não havia lugar algum para ela ir. Pareceu muito cruel. Cedo demais.
— Então ela falou sobre o tio.
Rhym franziu o cenho.
— Tio? Não, não mencionou nada assim. Ela tem um tio?
Mary olhou de volta para porta fechada.
— Transferência.
— Ah. – A assistente social praguejou baixinho. — Estas vão ser noites e dias longos para ela. Longas semanas e meses também. Mas estaremos todos ao lado dela. Ela
vai ficar bem se conseguirmos fazê-la atravessar este período sem se despedaçar.
— É. Isto é verdade.
Com um aceno, a fêmea desceu os degraus e Mary esperou até os sons de seus passos desaparecerem, caso Bitty só estivesse levemente adormecida.
Inclinando-se para a porta, colou a orelha na madeira fria. Ao não ouvir nada, bateu de levinho, então abriu.
A pequena lâmpada rosa e branca na mesinha do canto lançava um brilho no quarto escuro, e a forma diminuta de Bitty era banhada pela luz suave. A garota estava deitada
de lado virada para a parede, obviamente caiu no sono profundo em algum ponto. Ela usava as mesmas roupas de antes e tinha mesmo guardado as roupas restantes na
mala surrada – e as da mãe. As duas maletas, uma menor e da cor de uma mancha de grama, a outra maior, de uma cor alaranjada estilo Cheetos, estavam alinhadas juntas
na base da cama.
A boneca e a escova estavam no chão à frente delas, junto com aquele tigre de pelúcia que ela não largava.
Com as mãos nos quadris, Mary abaixou a cabeça. Por algum motivo, o impacto do silêncio do quarto, sua humildade e as cortinas e roupas de cama levemente puídas,
seu tapete gasto e móveis que não combinavam, atingiu-a como golpes.
A esterilidade, a impessoalidade, a falta de... Família, na falta de outra palavra, fazia querer aumentar o termostato. Como se um pouco mais de calor vindo dos
dutos no teto pudesse transformar o lugar em um quarto de garotinha mais apropriado.
Mas vamos lá, os problemas que tinham à frente teriam que ser resolvidos por muito mais do que somente um sistema de aquecimento funcional.
Aproximando-se na ponta dos pés da cama que a mãe de Bitty ocupara, pareceu adequado retirar a colcha de retalhos daquele colchão para cobrir a garotinha. Com cuidado,
Mary a cobriu sem perturbar o sono que era tão necessário.
E então ficou observando-a.
E lembrou-se de seu próprio passado. Depois de seu câncer dar o ar da graça, lembrava-se com muita clareza de pensar que estava farta de tudo aquilo. Sua mãe tinha
morrido cedo e de forma horrível, com muito sofrimento. E então ela mesma foi diagnosticada com leucemia e teve de atravessar um ano desgraçado tentando tratar a
doença até a remissão. Tudo aquilo foi muito injusto.
Como se todo o sofrimento da mãe devesse ter qualificado Mary para jamais passar por quaisquer tragédias adicionais.
Agora, enquanto observava a garota, sentia-se positivamente indignada.
É, sabia que a vida era difícil, porra. Ela aprendeu esta lição muito bem. Mas pelo menos teve uma infância marcada por todas as coisas tradicionalmente boas que
você queria ser capaz de olhar para trás e lembrar quando estivesse velho. Sim, seu pai também morreu cedo, mas ela e a mãe tiveram Natais, aniversários, formaturas
do jardim de infância, primário e colegial. Comiam peru no dia de Ação de Graças e tinham roupas novas a cada ano, e boas noites de sono, onde a única preocupação
que podia manter alguém acordado seria em relação a uma nota escolar, ou no caso da mãe, se haveria dinheiro suficiente para duas semanas de férias de verão no Lago
George ou só uma.
Bitty não teve absolutamente nada daquilo.
Nem ela, nem Annalye jamais expuseram os detalhes, mas não era difícil adivinhar o tipo de violência a que ambas foram submetidas. Pelo amor de Deus, foi necessário
um implante de pinos de aço cirúrgico na perna de Bitty.
E como isso tudo tinha terminado?
A garotinha tinha acabado aqui sozinha.
Se o destino tivesse alguma consciência, Annalye não teria morrido.
Mas pelo menos o Lugar Seguro interviu bem a tempo. A ideia de que não tivessem conseguido ajuda para Bitty quando mais precisava?
Era suficiente para fazer Mary sentir-se doente.
Rhage acordou atabalhoadamente, como se um despertador tivesse tocado perto de sua cabeça. Erguendo o torso da cama de hospital, olhou ao redor em pânico.
Só que, tão rápido quanto a ansiedade chegou, ela se foi, a noção de que Mary só foi para o Lugar Seguro o acalmou tanto, que foi como se ela tivesse falado as palavras
em seu ouvido. E achava que ela tinha mesmo. Já fazia um tempinho que eles usavam a besta como uma espécie de mural de recados quando Rhage estava inconsciente.
Funcionava – e não tinham de se preocupar em ter uma caneta à mão.
Mas ainda assim, sentia falta dela. Ainda preocupado com seu próprio estado mental. Mas aquela garotinha...
Jogando as pernas para o lado, piscou algumas vezes e sim, continuava cego mesmo depois do levantamento de pálpebras. Tanto faz. Sentia-se forte e firme – fisicamente
– e contanto que pegasse leve conseguiria chegar ao chuveiro perfeitamente bem.
Vinte minutos depois, saiu do banheiro totalmente nu e cheirando como uma flor. Incrível a diferença que pouco de xampu e sabonete faziam na vida de um cara. Uma
boa escovada de dentes também. Próxima parada? Comida. Depois que a besta saía e ele passava pela sua ressaca, ficava sempre tão faminto que suas entranhas pareciam
ocas – e a melhor coisa que podia fazer era enfiar um pouco de carboidratos de pouca fibra para elas processarem.
Doze baguetes francesas. Quatro pacotes de bagels. Três quilos de macarrão.
Este tipo de coisa.
Saindo para o corredor, ele se perguntou quanto tempo levaria para encontrar o caminho para...
— Caralho, finalmente...
— Podia ter se enrolado numa toalha...
— Fritz te trouxe roupas...
— Está de volta, seu filho da puta...
Todos os irmãos estavam lá, seus cheiros e vozes, seus risos aliviados, seus xingamentos e piadinhas, exatamente o remédio que precisava. E quando eles o abraçaram
e deram tapinhas no traseiro pelado, teve de segurar a emoção.
Ele já estava pelado. #VunerabilidadeTotalMuitoObrigado.
Deus, no meio de toda aquela reeeeeeeeuniãããããão e que era tããããããããão booooooooooooa, era impossível não ser atingido por outra carga de vergonha pelo seu egoísmo
e pelo risco a que expôs Mary e aos irmãos.
E então a voz de V soou diretamente à sua frente.
— Você está bem? – O irmão perguntou em voz rouca. — Já se sente normal?
— É. Tudo está funcionando direito, exceto minha visão, – Sinto muito também. E estou com medo. — Sabe, só um pouco cansado...
POFT!
O golpe no queixo veio do nada, atingindo-o tão forte que sua cabeça bateu para trás e quase voou de sua espinha.
— Que caralho! – Rhage proferiu abruptamente enquanto esfregava o maxilar. — O que...
— Isto foi por não me ouvir, caralho!
Crack!
O segundo golpe veio da direção oposta, o que foi uma coisa boa – o inchaço seria bilateral, então seu rosto não iria parecer tão fodido.
— E isto foi por atacar antes do combinado e foder nossa estratégia toda.
Ao conseguir nivelar seu cérebro pela segunda vez, Rhage segurava o maxilar com ambas as mãos. Pois havia uma possibilidade de que a parte inferior de seu crânio
despencasse.
O lado bom foi que o golpe duplo clareou um pouco sua visão, a cegueira retrocedeu o suficiente para poder enxergar as manchas embaçadas dos corpos e roupas de seus
irmãos.
— A gente podia ter converssssado sssssobre isssssto, – Reclamou Rhage. — Ótimo, essstou falando como se tivesse um ovo na boca.
— E qual a graça nisto? – V o agarrou e abraçou com força. — Agora, nunca mais faça uma porra dessa.
Rhage esperou pelos outros começarem a fazer perguntas. Quando ninguém o fez, imaginou que V já tinha contado a eles sobre a coisa da visão. A menos... Bem, todo
mundo parecia tê-lo visto correr adiantadamente para aquele campo e aquele tipo de merda era mais do que motivo para uma surra.
— Esssstou enxergando agora. – Disse ele.
— Pode me agradecer mais tarde.
Houve uma porção de conversa naquela hora – que o levou a descobrir que tinham Xcor sob custódia.
— Tohr já matou o fodido? – Perguntou.
— Não. – Todo mundo respondeu ao mesmo tempo.
Então houve uma história sobre o Ômega aparecer para uma faxina no campus e V salvando o dia criando um mhis.
— Eu posso ajudar no turno, – Disse Rhage. — Digo, vigiar o bastardo.
— Mais tarde, – V exalou um pouco de fumaça turca. — Você precisa se recuperar, depois a gente te encaixa.
Com isto, o grupo dispersou, alguns foram para a mansão, outros para a sala de treinamento. Rhage foi junto com os que pegaram o túnel para a casa principal, mas
enquanto os Irmãos iam para a cama, ele atravessou a sala de jantar até a cozinha da mansão.
Deus, queria que sua Mary estivesse com ele.
O lado bom era que não havia nenhum doggen por perto, a Primeira Refeição não foi servida graças ao número de ferimentos que aconteceram durante o ataque juntamente
com todo o drama do que aconteceu com ele. A equipe de serviçais estava, sem dúvida, tendo um raro momento de descanso antes de voltarem à limpeza e arrumação, e
ficava aliviado de não incomodar ninguém.
No entanto, ao perambular pelo local sagrado de Fritz, sentiu como se devesse fazer uma concessão ou algo assim, para não arrumar encrenca com o mordomo. E assim,
decidiu não cozinhar. Comeria o que já estivesse pronto e que não dependesse do fogão ou da despensa.
Ele já tinha levado dois murros e a noite mal tinha começado.
Mas primeiro, roupas. Esteve cego demais no banheiro para poder enxergar qualquer coisa que tivesse sido deixada para ele, então foi até a lavanderia atrás da despensa,
usando sua visão um pouco embaçada para localizar umas calças folgadas e um moletom enorme com o logo do American Horror Story estampado. Então era hora de resolver
o assunto comida.
Avaliando o estoque de pães, começou a diminuí-lo separando pacotes de bagels e baguetes no balcão – mas então pensou, foda-se. Tateando por baixo da gaveta, arrancou-a
dos rodízios e carregou a coisa toda para a mesa de carvalho. O passo dois era voltar para a geladeira, pegar meio quilo de manteiga sem sal e um pacote de cream
cheese e pegar a torradeira, puxando-a até o fio desencaixar da tomada.
Uma faca serrilhada e uma tábua de corte mais tarde, junto com a cafeteira, o pote de açúcar e uma caixa pequena de creme, ele se pôs ao trabalho. Enquanto o café
coava começou a fatiar, fazendo montanhas de metades amanteigadas à direita. Os bagels foram alinhados como linha de produção, para poder processá-los pela torradeira
e então besuntá-los de cream cheese.
Provavelmente deveria pegar um prato. E pelo menos outra faca, mas a lâmina maior ia ser eficiente para espalhar.
Quando o café ficou pronto, tirou a jarra, jogou o pote todo de açúcar e juntou o máximo de creme que coube. Então tomou um gole para provar.
Perfeito.
Ele colocou a coisa de volta no aquecedor e começou sistematicamente a batalhar com os bagels – pois, ei, aquilo era o mais perto de uma Primeira Refeição, certo?
Em seguida veio as baguetes, por que aquilo era o mais próximo de uma refeição que suas opções permitiam. A sobremesa seria um bolo de café com nozes. Ou dois.
Enquanto mastigava, seus dentes pareciam um pouco frouxos graças ao murro de V, mas não era grande coisa. E de vez em quando, empurrava as coisas abaixo com goles
de café direto da jarra.
Duas mil calorias depois, a realidade do quão sozinho estava o atingiu.
Mas também, o cômodo poderia estar cheio de irmãos e sentiria o mesmo.
Pior, achava que mesmo a presença de sua Mary não poderia ter consertado este isolamento dentro dele.
Sentado lá, enchendo seu estômago e ainda assim incapaz de fazer qualquer coisa com o vazio que realmente contava, ele pensou que teria sido muito mais fácil se
tivesse sequer uma indicação de qual realmente era o seu problema...
A distância, na sala de jantar, um som apressado ecoou.
Era uma porção de passos, como se alguém corresse.
Que inferno? Ele pensou se levantando da cadeira.
Capítulo DEZESSETE
Havia uma porção de cálculos a serem feitos quando se tinha um vício.
Ao sentar-se atrás da escrivaninha de mansão de vidro, Assail abriu a grande gaveta estreita, próxima às suas coxas, e tirou três vidrinhos idênticos ao que o Irmão
Vishous tinha esvaziado no próprio antebraço, lá no complexo subterrâneo da Irmandade.
Cálculo, cálculo, cálculo... A maior parte, multiplicação. Tipo, pela quantidade de cocaína que tinha, quanto tempo conseguiria manter o vício aplacado? Quatorze
horas? Quinze?
Ele abriu um dos frasquinhos marrons e derramou o conteúdo de pó branco em cima do mata-borrão de couro. Usando um cartão de crédito Centurion, da American Express,
esticou duas fileiras, inclinou-se sobre elas e cuidou do seu problema. Então, recostou-se de novo na cadeira e fungou algumas vezes.
Sério, odiava sentir o nariz constantemente escorrendo. A queimação em suas vias nasais. O gosto amargo que florescia em sua boca. E, mais especialmente, detestava
o fato de que já nem mais ficava chapado. Apenas experimentava uma ascensão temporária na horrível montanha russa na qual tinha se metido, uma espécie de trégua,
inevitavelmente seguida por um acidente em alta velocidade – e então, se não tomasse outra dose, os arranhões e apertos implacáveis da fissura.
Fitando os resquícios dos dois vidrinhos, achou difícil acreditar que tinha chegado àquele padrão. O deslize e a queda tinham sido tanto coisa de momento quanto
uma tragédia em câmera lenta. Ele inicialmente tinha começado por se acostumar à sensação de estar alerta, mas o que tinha começado como um hábito de praticidade
agora o escravizava, tal qual um mestre tinha domínio sobre um serviçal no Antigo Continente.
Caramba, não fora essa sua intenção.
Ultimamente, ele fazia várias coisas sem intenção.
Estendendo o braço, despertou seu notebook com um toque no touchpad, logou usando uma mão, embora sua senha contivesse letras maiúsculas, e acessou, via canais criptografados,
suas contas estrangeiras. A maior delas ficava em Genebra.
Ele tinha várias outras.
Tantos dígitos e vírgulas antes das casas decimais em jogo. E olhando para os dados na tela, contemplou exatamente quanto dinheiro era preciso – mesmo assumindo
que, como um vampiro, viveria dez vezes mais do que a média humana ou até mais.
Desde que seu pequeno hábito não apressasse sua ida ao Fade.
Ou no seu caso, mais provavelmente ao Dhund.
Claro que tinha o suficiente para qualquer padrão prático, mesmo à luz da crise financeira mundial... Então realmente precisava continuar traficando drogas? Por
outro lado, com a velocidade em que vinha cheirando pó, era perigoso se tornar seu maior e melhor consumidor.
Preciso de sua ajuda com a Glymera.
Enquanto considerava a proposta de Wrath, teve de se perguntar o quanto aquilo que o Rei queria fazer seria melhor ou pior do que ganhar dinheiro às custas de humanos
e sua necessidade de complementos químicos. O esforço real era algo para passar o tempo, certamente. E se não iria mais traficar drogas, precisaria passar as horas
noturnas de algum jeito.
Ou então ficaria louco.
Principalmente por sentir tanta falta daquela fêmea dele. Que, de fato, nunca foi dele.
— Marisol. – Sussurrou para a sala vazia.
Por que infernos nunca tinha tirado uma foto dela? Quando ela tinha ficado aqui, nesta mesma casa, enquanto a protegia com a própria vida, por que não tinha pegado
seu celular, apontado na direção dela e tirado uma foto? Um simples momento do tempo, uma fração de segundo, que era só o que era preciso. Mas não, não tinha feito
tal coisa, e agora aqui estava ele, do outro lado da separação sem nada dela, exceto o que havia em sua mente.
Era como se ela tivesse morrido. Só que ainda existia.
De fato, ela agora estava na Flórida, onde o oceano lambia a areia doce e as noites eram um mistério cálido, mesmo na porra do mês de outubro.
Sabia exatamente onde estava, precisamente onde ficava – por que a tinha rastreado até lá. Certificando-se que tinha chegado a seu destino a salvo com a avó. Espiara
as duas das sombras da maneira pais patética possível.
Mas tinha honrado o pedido dela. Tinha deixado-a ir. Libertara-a dele e do estilo de vida marginal que ambos levavam.
Ladrões e traficantes não podiam coexistir.
Uma humana que queria ficar do lado certo da lei e um vampiro viciado que não conseguia.
Com um gemido, pôs o rosto entre as mãos e tornou a lembrar dela. Sim, oh, sim, conseguia se lembrar com certa clareza de seus cabelos escuros e seu corpo ágil,
sua pele e olhos escuros. Mas com o passar do tempo... Ele se preocupava de que pudesse vir a se esquecer de certas nuances no começo, e então cada vez detalhes
maiores e mais significativos.
E a perda daquilo seria uma morte lenta, mesmo que permanecesse respirando.
— Chega. – Murmurou ao abaixar os braços e se recostar.
Voltando a se concentrar em si mesmo, pensou no que o Rei queria que fizesse. Podia ser uma mudança de ramo, com certeza. Mas já tinha dinheiro suficiente. Tempo
suficiente. E achar outra rede de contatos de traficantes intermediários para distribuir seu produto nas ruas de Caldwell e Manhattan subitamente parecia trabalhoso
demais.
Além disto... Depois de lutar lado a lado com a Irmandade? Ele se viu cheio de respeito por aqueles machos. Cheio de respeito pelo líder deles também.
Era uma grande mudança para um apartidário convicto – meio que como um ateu considerando a existência de Deus depois de uma experiência próxima da morte.
Mais, ele devia a Vishous sua vida; disso tinha certeza. Por menos valor que sua existência tivesse, não estaria sentado nesta cadeira, nesta mansão de vidro junto
ao Rio Hudson alimentando seu vício de cocaína, se aquele Irmão não o tivesse jogado por cima do ombro e corrido pra diabo.
Duas vezes.
Oh, aquela Besta. Se não tivesse visto, jamais acreditaria na sua existência.
Assail empurrou a cadeira com o pé de forma a poder espiar pela janela para além do rio. Um apito sutil soou do canto da sala onde um antigo relógio francês ficava.
Ao fundo, na parte dos fundos da casa, ele podia ouvir os primos se movendo pela cozinha.
Quando decidiu usar o celular, tudo o que teve de fazer foi buscar no bolso de sua jaqueta de couro despedaçada. Tinha se esquecido de remover a roupa arruinada
mesmo que sua casa estivesse bem aquecida contra a noite fria de outubro.
Mas também, ao chegar em casa, sua única preocupação foi ficar logo a sós para poder resolver seu probleminha.
Não conseguia cheirar suas carreiras na frente dos primos. Não que tivesse qualquer intenção de alterar seu comportamento por causa do julgamento de outra pessoa.
Selecionando um número de seus contatos, hesitou antes de iniciar a chamada. Com o polegar pairando sobre a tela, tornou-se agudamente ciente de que se fosse adiante
com isto, ele se tornaria algo que sempre desprezara.
Um agente do Rei.
Ou, mais especificamente... Um agente a mando de outro.
Com um estranho sentimento de temor, cedeu ao impulso e levou o aparelho ao ouvido, ouvindo-o tocar. No final, decidiu atender ao pedido de Wrath pela simples razão
de que parecia a única coisa boa que poderia fazer consigo mesmo.
Uma coisa certa.
Uma coisa positiva.
Estava começando a sentir como se já fosse hora. E talvez estivesse pegando uma página do livro de Marisol por que era a única maneira que o faria sentir-se próximo
a ela agora.
Chega de tráfico de drogas para ele.
Embora o que estava a ponto de fazer bem poderia se provar tão perigoso quanto. Mas, pelo menos, não ficaria entediado.
— Alô querida, – Disse quando a chamada foi atendida por uma fêmea. — Sim, preciso mesmo me alimentar, obrigado. Esta noite seria preferível, sim. E também senti
sua falta. De fato, muito mesmo. – Ele a deixou falar um pouquinho até ter certeza de que ela tinha engolido sua mentira, e inteira. — Na verdade, na sua casa, por
favor. Não, o chalé não está à altura de um macho como eu. Eu até abria mão de início em respeito à presença de seu hellren, mas agora que ele está acamado, não
estou mais disposto a fazer concessões. Espero que compreenda.
Houve uma longa pausa, mas sabia que ela cederia.
— Obrigado, nalla. – Falou calmamente. — Eu te vejo em breve... Oh, use algo vermelho. Sem calcinha. É só.
Ele desligou por que ela era uma fêmea que exigia trabalho em se capturar sua atenção. Tranquilo demais? Charmoso demais? Ela logo perderia o interesse, e isto não
poderia acontecer até obter todas as informações que precisava dela.
Sua próxima ligação foi para o Irmão Vishous. Quando o macho atendeu, Assail só falou duas palavras antes de desligar de novo.
— Estou dentro.
— Claaaaaro, eu fico até tarde. Sem problema. Não é como se tivesse algo melhor pra fazer.
Jo Early estava sentada atrás de sua mesa da recepção com o resto da imobiliária vazia, nada além de uma mixórdia de perfumes e a deprimente música de elevador soando
acima para lhe fazer companhia. Bem, isto e as porras dos arbustos de fícus de ambos os lados dela.
Aquelas coisas espalhavam suas folhas como se estivessem em constante derretimento – e seu TOC simplesmente não permitia que relaxasse a menos que o chão estivesse
limpo. Mas também, ela não tinha de fazer agachamentos na academia.
Não que sequer frequentasse uma academia.
Verificando seu celular, meneou a cabeça. Sete horas.
O plano, o “favor” que estava fazendo para o chefe, era ficar ali até ele trazer três contratos assinados para ela poder digitalizar e enviá-los por e-mail para
os vários corretores compradores. O porquê dele mesmo não conseguir enfiar os contratos no scanner e criar alguns PDFs era um mistério.
E, está bem, talvez ela também fosse uma parte do problema.
Não que tivesse orgulho em admitir.
Erguendo o olhar por cima da beira do tampo da mesa, fitou as portas de vidro esfumaçado que abriam para o exterior. O escritório ficava localizado em uma galeria,
entre lojas, que contavam com um salão de cabeleireiros onde o corte mais barato custava cem pratas – e isto para os cortes masculinos – uma butique que expunha
duas peças de roupas minúsculas em sua vitrine, uma loja de porcelanas e vidrarias que brilhava mesmo em dias cinzentos e, no final dela, uma joalheira que as caçadoras
de dotes de Caldwell pareciam aprovar.
A supor pela clientela pneumática do local.
— Vamos lá, Bryant. Vamos lá...
Embora, sério, não tinha nada a fazer. Ir pra casa para Dougie e as discussões sobre o círculo de colheita? Aquilo sim seria divertido.
Quando um telefone tocou na área onde os escritórios ficavam, despertou seu computador e encarou o calendário de Bryant. Ela punha os compromissos dele no Outlook
quando ele enviava uma mensagem de texto ou ligava pedindo a ela para fazer isto. Compromissos válidos como reuniões imobiliárias, mas também a vistoria do BMW dele,
e agendamentos do cara da manutenção da piscina para a casa dele naquele novo empreendimento. Lembretes pra ele ligar para a mãe no aniversário dela e encomendar
flores para as mulheres com quem saía.
O tempo todo se perguntando o que ele pensaria se soubesse quem eram seus pais.
Aquele segredinho era o que a reconfortava quando ele aparecia em uma manhã de segunda-feira e sussurrava que tinha saído com uma divorciada na sexta-feira e uma
personal trainer no sábado, e então almoçou com outra pessoa no domingo.
Sua identidade real era uma armadura que usava para lutar contra ele. Em uma guerra que ele sequer estava completamente inconsciente de estarem lutando.
Fechando a agenda dele, encarou o logotipo na tela. O último nome de Bryant, Drumm, era o segundo na linha – por que a firma foi fundada pelo seu pai. Quando o homem
morreu há quase dois anos, Bryant assumiu a posição dele do mesmo jeito que fazia tudo o mais em sua vida – sorrindo e com charme. E ei, aquela não era uma estratégia
ruim. Diga o que quiser sobre o estilo de vida playboy do cara, mas ele sabia negociar uma tonelada de imóveis e ainda parecer bonito fazendo isto.
Caldwell, a própria estrela da Lista de Milionários de Nova York.
— Vamos lá, Bryant... Cadê você?
Depois de uma nova vistoria de sua mesa já arrumada duas vezes, verificou o chão debaixo do fícus à direita, pegou uma folha e a jogou fora, sentou-se de novo e...
Que inferno, acessou o YouTube.
Dougie tinha postado aquela gravação estúpida em seu canal – um puta canal com o grande total de vinte e nove inscritos. Dos quais, tipo, quatro eram o próprio Dougie
em diferentes perfis fakes e dois eram spammers com baixos padrões. Quando clicou na seta para assistir de novo ao vídeo de quarenta e dois segundos, ligou as caixas
de som. Os efeitos sonoros eram de amadores a médios, uma combinação de uns sons de farfalhar muito altos enquanto seu companheiro de casa segurava o iPhone erguido,
e então um distante, e não tão silencioso, rugido.
Está bem, então sim, certamente aquilo parecia algo Dinossáurico no meio daquele campo. E sim, parecia haver um monte de desordem no chão, mas quem saberia o que
tudo aquilo era. Não passava de uma câmera de celular capturando uma tomada, e talvez fosse só o jeito que a área pisada parecia na lente.
Ela assistiu mais algumas vezes. Então recostou na cadeira.
Havia cinco comentários. Três eram de Dougie e seus colegas. Um era um depoimento de alguém que estava ganhando 1750 dólares trabalhando em casa!!!!$$$!!!! O último
era... Apenas quatro palavras que não faziam muito sentido.
Essa merda de vamp9120 de novo.
Deixado por alguém chamado ghstrydr11.
Franzindo o cenho, começou uma pesquisa virtual e encontrou o canal vamp9120. Uau. Está bem, três mil inscritos e o que parecia ser uma centena de vídeos. Clicando
em um deles, ela...
Gargalhou bem alto.
O cara que falava para a câmera era como um personagem LEGO do Drácula, com uma testa afiada e caninos ainda mais afiados, pelos faciais que pareciam ter sido pintados
ao invés de barbeados, e uma gola “Juro Por Deus, Aquele Deve Ser Elvis” em sua camisa. A pele do cara era branca demais, seu cabelo preto demais, seus lábios vermelhos
saídos de um tubo da MAC. E aquela voz? Parte evangelista, parte neo-vitoriano, quase Bram Stoker.
— Criaturas da noite...
Espere, esta frase não era de um filme?
— ... Vigiando as ruas de Caldwell...
Como se fosse a versão Nova Iorquina de The Walking Dead? Na dúvida, arraste uma perna.
— ... Caçando vítimas...
Está beeeeeeeem, adiante. Descendo a tela com o índice de vídeos, escolheu outro aleatoriamente. E sim, O Verdadeiro Pseudo Vlad de novo encarava a câmera – e desta
vez tinha um olhar bem esfumaçado para completar a caracterização.
— ... Existem! Vampiros existem...
Perguntando-se se o púlpito dele estava coberto com veludo pret... Está bem, uau. Era para ser uma piada, mas conforme as lentes se afastavam, parecia mesmo que
ele estava inclinado em algo que era, de fato, coberto de veludo negro.
Interrompendo o vídeo, desceu para o próximo e disse a si mesma que depois deste chega.
— Oh, ei, Vlad, qual é?
— ... Depoimento sobre um encontro vampírico, – Vlad se virou para um cara sentado perto dele em uma cadeira dobrável de plástico. Que era uma total ambientação.
— Julio? Conte a meus fãs o que aconteceu há duas noites.
Por falar em um pouco de mistureba: Julio era o antivampiro, com uma bandana do Tupac na cabeça, crucifixo no pescoço e tatuagens ao redor da garganta.
Mas seus olhos... Estavam arregalados e frenéticos, fixos em Vlad e depois ao redor.
— Eu tava no centro, sabe, com meus parças, e a gente tava...
A história a seguir começava sem nada de especial, só um maloqueiro com sua gangue atirando em rivais nos becos. Mas então as coisas entraram no rumo da Vampirolândia
com o cara descrevendo como tinha corrido para dentro de um restaurante abandonado – e daí por diante as coisas ficaram estranhas.
Supondo que se acreditasse nele.
— ... cara me jogou no balcão e foi isto, – Julio fez um gesto de presas e garras. — E seus dentes eram todos...
— Iguais aos meus. – Vlad interrompeu.
— Só que os dele eram de verdade. – Okay, Vlad claramente não gostou disto, mas Julio continuou: — E ele tinha um rosto fodido, o lábio superior fodido. E ia me
matar. Ele tinha uma...
Jo assistiu ao resto da entrevista, mesmo a parte onde Vlad empurra Julio do caminho, como se o patamar de compartilhamento do pseudo-Dracula já tivesse sido atingido.
Recostada na cadeira de novo, ela se perguntou exatamente o quão longe iria com isto. E a resposta foi ir para a página do Jornal Caldwell Courier e fazer uma busca
pelo nome do bom e velho Julio. Ahn. Quem diria. Havia um artigo escrito em dezembro passado sobre a atividade de uma gangue na área do centro – e Julio era destaque.
Tinha mesmo uma foto dele encarando de dentro de um camburão, os olhos ostentando aquele mesmo esbugalhar, a boca também arreganhada como se estivesse falando desesperadamente
com o fotógrafo.
Mas nada sobre vampiros.
Subindo a tela de novo, descobriu que o nome no subtítulo era um que ela conhecia.
Na verdade, Bryant tinha conseguido uma casa para o cara e a esposa há cerca de seis meses. Se não estava enganada.
Uma rápida busca no arquivo de clientes e, é, ela estava certa.
— Sinto muito pelo atraso!
Bryant Drumm entrou pela porta de vidro correndo, mas não parecia esbaforido. Seu cabelo escuro estava perfeitamente arrumado, o terno azul acinzentado estava adequadamente
abotoado e os documentos em suas mãos estavam separados em três seções.
Então ele não tinha realmente corrido. Veio em seu próprio ritmo, mesmo que para isto tivesse deixado-a plantada ali.
Ele pôs os cotovelos na mesa e se inclinou, com seu sorriso patenteado.
— Jo, como posso te recompensar?
Ela estendeu a mão.
— Dê-me. E me deixe ir embora.
Bryant colocou os documentos em sua mão, mas então se recusou a soltar quando ela tentou pegá-los.
— O que seria de mim sem você?
Enquanto a olhava fixamente, a concentração dele era fixa e completa – como se nada mais existisse no mundo para ele, como se estivesse tanto cativado por ela quanto
levemente admirado. E para alguém que não tinha muita importância para os pais, que foi posta para adoção pelas pessoas que a geraram, que se sentia perdida no mundo...
Era assim que ele a cativava.
De certa maneira triste que ela não gostava de questionar muito, vivia para estes pequenos momentos. Trabalhava até tarde por eles. Mantinha-se na expectativa de
que voltariam a acontecer...
O telefone dele tocou. E ainda olhava para ela ao atender.
— Alô? Oh, ei.
Jo desviou o olhar, e desta vez quando ela puxou, ele a deixou pegar os contratos. Conhecia aquele tom de voz dele. Era uma de suas mulheres.
— Posso te encontrar agora. – Murmurou ele. — Onde? Mm-hmmm. Não, já jantei... Mas topo uma sobremesa. Mal posso esperar.
Quando ele encerrou a ligação, ela já tinha se virado para o lado e ligado o scanner.
— Obrigado de novo, Jo. Te vejo amanhã?
Jo nem se incomodou em olhar por cima do ombro ao alimentar as páginas uma a uma.
— Estarei aqui.
— Ei.
— O que?
— Jo. – Quando ela se virou para olhá-lo, ele inclinou a cabeça de lado e estreitou o olhar. — Devia usar vermelho com mais frequência. Destaca seu cabelo.
— Obrigada.
Voltando ao scanner, ouviu-o sair e a porta se fechando suavemente. Um momento depois, houve o clarão de um motor potente e ele se foi.
Sabendo que estava sozinha, ergueu a cabeça e olhou para seu reflexo na entrada de vidro. As luzes das lâmpadas superiores refletiam em seu cabelo de um jeito que
seus tons de vermelho e castanho se destacavam mesmo, em contraste com todo aquele preto e cinza ao seu redor.
Por alguma razão, o vazio do escritório... Em sua vida... Pareceu tão alto quanto um grito.

 


CONTINUA