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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A DIVORCIADA DISSE SIM / Sandra Marton
A DIVORCIADA DISSE SIM / Sandra Marton

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A DIVORCIADA DISSE SIM

 

Era o dia do casamento da filha e Annie Cooper não conseguia parar de chorar.

- Só vou retocar a maquiagem, querida - dissera a Dawn, minutos antes, quando as lágrimas começaram a brotar mais uma vez.

E lá estava ela, trancada numa cabine do toalete feminino de uma linda igrejinha antiga Connecticut, com um monte de lenços de papel ensopados na mão.

- Prometa que não vai chorar, mãe - pedira Dawn, na noite anterior.

As duas haviam conversado até tarde, tomando chocolate com canela. Não tinham sono. Dawn estava muito excitada e Annie quis aproveitar até o último minuto a companhia da filha antes que fosse viver longe dela.

- Prometo. Logo em seguida; começara a chorar.

- Ah, mamãe, assim você vai borrar a maquiagem!

Dawn não se conformava com o fato de a mãe ainda tratá-Ia como se fosse uma adolescente irresponsável.

O problema era que Dawn ainda era uma adolescente, pensou Annie, enxugando as lágrimas copiosas. Seu bebê tinha apenas dezoito anos. Era jovem demais para se casar. Claro que não tivera argumentos para convencer Dawn disso na noite em que ela chegara em casa com um anel de noivado no dedo.

- E quanto anos você tinha quando se casou? - rebatera a filha.

A questão encerrara a discussão, pois Annie tivera que admitir: - Dezoito, o mesmo que você, e olhe o que aconteceu comigo. Com certeza, o divórcio dos pais não era culpa de Dawn.

- Ela é muito jovem - sussurrava Annie, enquanto secava as lágrimas, - É, jovem demais...

- Annie?

A porta do toalete feminino abriu-se, deixando entrar o som de vozes distantes e música de órgão, que sumiram quando a porta fechou-se novamente.

- Annie? Você está aí? Era Débora Kent, sua melhor amiga.

- Não - murmurou Annie, sentindo-se miserável, e reprimiu um soluço.

- Annie, saia daí - encorajou Deb, gentil.      - Não.

- Annie... - Deb estava usando o mesmo tom que provavelmente usava com seus alunos do primário. - Isso é ridículo. Não pode se esconder aí para sempre.

- Dê-me um bom motivo - desafiou Annie, fungando. - Bem, há setenta e cinco convidados aguardando.

- São cem - soluçou Annie. - Que esperem.

- O pastor está ficando impaciente.

- Paciência é uma virtude - rebateu Annie, e jogou os lenços de papel usados no vaso sanitário.

- Acho que sua tia Jeanne deu uma cantada em um dos padrinhos.

Seguiu-se um longo silêncio e, então, Annie gemeu. - Você está brincando!

- De jeito nenhum. Ela está com aquele olhar... você a conhece.

Annie fechou os olhos. - E?

- E ela rebolou para o lado aquele moço loiro. - Deborah falava sonhadora. - Na verdade, não a culpo. Viu o corpo daquele rapaz?

- Deb! Francamente! - Annie apertou a descarga, abriu a porta da cabine e foi até a pia. - Tia Jeanne tem oitenta anos. A gente perdoa. Mas você...

- Ouça, só porque tenho quarenta anos não significa que estou morta. Você pode fingir que não sabe no que os homens são bons, mas eu, com certeza, não estou nessa situação.

- Quarenta e três - corrigiu Annie, enquanto vasculhava a bolsinha. - Não pode mê enganar quanto à sua idade, Deb. Não quando fazemos aniversário no mesmo dia. E, quanto à especialidade dos homens, creia-me, eu sei no que eles são bons. Não em muita coisa. Em nada, para ser franca, exceto para fazer bebês,

e esse é o problema. Dawn ainda é um bebê. Ela é jovem demais para se casar.

- Isso me lembra o motivo de vir procurá-Ia. - Deb limpou a garganta. - Ele está aqui. - Quem está aqui?

- O seu ex.

Annie endireitou o corpo. - Não.

- Sim. Chegou há cinco minutos.

- Não, ele não pode estar. Está na Georgia ou na Flórida, em algum lugar assim. - Annie olhou para amiga pelo espelho. Tem certeza de que era Chase?

- Um metro e noventa, cabelo loiro-escuro, aquele belo rosto com nariz ligeiramente torto e,músculos bem torneados... - Deb enrubesceu. - Bem, eu noto essas coisas.

- Estou vendo.

- É o Chase, sim. Não sei por que está tão surpresa. Ele disse que estaria aqui para o casamento de Dawn, que não deixaria que mais ninguém levasse a filha ao altar.

Annie desdenhou. Abriu a torneira, passou sabonete nas' mãos e esfregou-as com energia.

- Chase sempre foi bom em promessas. Só não consegue cummpri-Ias. - Fechou a torneira e pegou uma folha de toalha de papel do dispositivo . - Isso tudo é culpa dele.

- Annie...

- Ele disse a Dawn que ela estava cometendo um erro? Não.

Com certeza, não! O canalha deu a bênção. A bênção. Deb, pode imaginar? - Annie amassou o papel e jogou-o no cesto de lixo. - Eu conversei com ela, disse-lhe para esperar, pedi-lhe para acabar os estudos. Ele lhe deu um beijo e disse-lhe para fazer o que achasse melhor. Bem, isso é típico. Típico! Ele sempre faz exatamente o oposto do que eu faço.

- Annie, acalme-se.

- Achei realmente, quando ele não apareceu ontem para o ensaio, que iríamos ter sorte.

- Dawn não pensou assim- observou Deb, calma, - E você sabe que ela nunca duvidou dele, nem por um minuto, "Papai vai aparecer", afirmou, ontem.

- Mais uma prova de que ela não sabe o que é bom para ela . - resmungou Annie. - E a minha irmã? Ela já apareceu?

- Não, ainda não.

Annie franziu o cenho. Espero que Laurel esteja bem. Não é do feitio dela chegar atrasada.

- Já liguei para a estação de trem. Houve um atraso, não sei o motivo. Você precisa se preocupar é com o pastor. Ele tem outro casamento daqui a duas horas, lá em Easton.

Annie suspirou e alisou a saia semilonga do vestido de chiffon verde-claro.

- Acho que não há saída. Certo, vamos... O quê?

- Não quer dar uma olhada no espelho primeiro?

Annie franziu o cenho, voltou-separa a pia novamente e ficou pálida. A maquiagem estava borrada, principalmente no contorno dos olhos verdes. O nariz pequeno e ligeiramente empinado exibia um tom rosado e o cabelo ruivo-aIourado, meticulosamente preso pelo cabeleireiro naquela manhã, estava arrepiado, como se ela houvesse sofrido uma descarga, elétrica.

- Deb, olhe para mim!

- Estou olhando -- afirmou Deb. - Sempre podemos perguntar à organista se ela conhece a canção Noiva de Frankenstein.

- Deixe de brincadeira! Tem uma centena de pessoas esperando lá fora. - E Chase, pensou, tão inesperada e inexplicavelmente que se espantou.

- O que foi agora?

- Nada - disfarçou Annie. - Quero dizer... apenas me ajude a reparar esse dano.

Deb abriu a bolsinha.

- Lave o rosto e deixe o resto comigo - sugeriu, pegando o estojo de maquiagem.

Chase Cooper parou sobre os degraus da igrejinha na Nova Inglaterra, tentando parecer pertencer ao local.

Não era fácil. Nunca se sentira tão estrangeiro na vida.

Era uma pessoa urbana. Passara a vida toda em apartamentos.

Ficara arrasado quando Armie, após o divórcio, vendeu aquele em que haviam morado e mudou-se para Connecticut, com Dawn.

- Stratham? - repetira, a voz precariamente controlada. -. Onde fica isso? Nem achei no mapa.

- Tente um desses atlas grandes, de que você gosta tanto ¸alfinetara Annie. - Esses que você usa para escolher em que , parte do país vai se esconder.

- Já lhe disse milhões de vezes - disparara Chase. - Eu não tenho escolha. Se não levar adiante os negócios pessoalmente, nada dá certo. Não se pode sustentar mulher e filhos assim.

- Bem, agora você não precisa mais me sustentar - concluíra Annie, erguendo a cabeça. - Recusei a pensão alimentícia, lembra-se?

- Porque você foi cabeça-dura, como sempre. Raios, Annie, não pode vender o apartamento! Dawn cresceu aqui.

- Posso fazer o que quiser - rebatera ela. - O apartamento é meu. Foi parte do acordo.

- Mas é o nosso lar, ráios!

- Não se atreva a gritar comigo! - vociferara, embora Chase não estivesse gritando. Ele jamais erguera-lhe a voz. - E não é o nosso lar, não mais. É só um monte de quartos, separados por paredes de tijolos, e eu odeio este apartamento.

- Odeia? - repetira Chase. - Odeia o lar que construí com minhas próprias mãos? .

- Você construiu um prédio de vinte e quatro andares que, por acaso, abriga o apartamento que foi nosso e com o qual você ganhou muito dinheiro. E, se quer saber, sim, eu odeio este apartamento. Desprezo-o e mal posso esperar para me livrar dele.

Oh, sim, pensara Chase, desejando, pela primeira vez em anos, não ter deixado de fumar. Annie pretendia vender o apartamento e mudar-se com Dawn para esse... esse pontinho no mapa, imaginando, sem dúvida, que seria o fim das visitas semanais dele à filha.

Errado. Nos primeiros anos da separação, ele percorrera os duzentos e tantos quilômetros semanalmente, sem falhar uma vez sequer. Adorava sua garotinha e ela o adorava, e Annie jamais mudaria isso. Semana após semana, ele fora a Stratham e renovara sua ligação com a filha. E, também, vira a esposa, ou melhor, a ex-esposa, construir uma nova vida para si mesma. .

Annie fizera novas amizades, montara um negócio pequeno e bem-sucedido e segundo Dawn, tinha namorados também. Ora, ele não se importava. Afinal, ele tinha namoradas, não tinha? Tantas quantas quisesse, todas da alta-roda. Aquilo era um dos privilégios do solteirismo, especialmente quando se era o presidente de uma construtora próspera e de projeção nacional.

Eventualmente, entretanto, ele parara de ir a Stratham. Era mais fácil assim. Dawn estava crescida o suficiente para tomar um trem ou avião sempre que quisesse vê-lo. E, cada vez que se encontravam, ela lhe parecia mais linda. Tornara-se uma moça encantadora.

Chase contraiu os lábios. Mas ainda não crescera o bastante para se casar. Bolas, claro que não! Dezoito anos? E já ia se entregar a um homem?

Era culpa de Annie. Se ela parasse de se preocupar só com a própria vida e pensasse na filha, ele não estaria ali, com aquela roupa desconfortável, esperando para entregar sua garotinha a um rapaz que ainda mal se barbeava.

Bem, isso não era bem verdade. Nick tinha vinte e um anos.

Chase gostava do futuro genro. Nick, ou melhor, Nicholas, era um ótimo rapaz, de boa família; com um futuro sólido à sua frente. Puderam conhecer-se quando ele e Dawn o acompanharam numa viagem de uma semana à Flórida, onde sua construtora erguia um novo empreendimento. Os garotos ficaram se olhando o tempo todo, como se o resto do mundo não existisse, e esse era o problema. Existia, e a filha não vira o suficiente do mundo para saber o que estava fazendo.

Ainda tentara conversar com a filha sobre esse aspecto, mas ela estava determinada. No fim, não teve escolha. Dawn era maior de idade. Não precisava de seu consentimento. E, como ela apresssara-se em dizer, Annie já externara a opinião de que o casamento era uma boa idéia.

Então, eliminara as objeções, dera um beijo em Dawn, apertara a mão de Nick e os abençoara, como se isso valesse alguma coisa.

Preocupava-se com o futuro da filha. Casamento, especialmente para os jovens, não era nada além de uma desculpa legítima para a insanidade hormonal.

Só esperava que Dawn e o noivo, fossem exceção à regra. - Senhor?

Chase olhou ao redor. Um rapaz que mal tinha idade para se barbear estava junto à porta da igreja. Pela roupa, devia ser um dos padrinhos.

- Mandaram dizer que eles estão prontos para começar, senhor. Senhor, pensou Chase. Ainda lembrava-se de quando chamava os homens mais velhos de "senhor". Era muito mais um eufemismo para ''homem velho" do que mostra de respeito. Era como sentia-se, de repente. Como um homem velho.

- Senhor?

- Eu ouvi! - declarou Chase, irritado e, então forçou-se a sorrir. - Desculpe-me - manifestou. - Estou nervoso como todo pai de noiva, acho.

Ainda sorrindo, mas de cenho franzido, bateu nas costas do rapaz e ultrapassou-o, entrando na nave fria e escura.

Annie ficou controlando a emoção durante a cerimônia.

Dawn estava linda,uma princesa de contos de fada materializada. Nick estava bonito o bastante para provocar lágrimas nos poucos que ainda não estavam emocionados. Embora os familiares do noivo, parados ao lado dele, parecessem muito controlados.

Chase tinha a mesma expressão. Não apenas mantinha os olhos secos como sua expressão era inflexível. Só sorrira uma vez, para Dawn, ao entregá-Ia ao noivo.

Depois, tomara seu lugar ao lado de Annie.

- Espero que saiba o que está fazendo - resmungara, ao posicionar-se perto dela.

Annie sentiu cada músculo do corpo enrijecer. Era bem dele falar daquele jeito naquele lugar. E culpá-Ia de quê? Pelo fato de a cerimônia não estar acontecendo em uma catedral? Pelo fato de não haver espaço para convidar todos os clientes importantes e transformar o evento em uma oportunidade de negócios?

Talvez ele achasse que o vestido de Dawn estava fora de moda, ou que o arranjo floral, de autoria dela, era provinciano demais. Nada a surpreendia. Para Chase, ela nunca fazia nada certo. Podia vê-lo com o canto do olho, parado a seu lado; ereto, alto e inequiivocamente masculino.

- Papai não fica um charme com roupa de gala?! - comentara Dawn, entusiasmada.

Annie sentiu um músculo do rosto se contrair. Para quem gostava de homens daquele tipo; supunha que ele estivesse mesmo charmoso. Mas ela não era adolescente e não ficava com o coração acelerado ao ver um homem atraente, bonito, com corpo de atleta.

Houve um tempo em que se perturbara com isso, entretanto.

Oh, sim, houve um tempo em que apenas ficar perto dele, sentindo o braço forte roçando em seu ombro, em que o leve perfume da colônia masculina seria suficiente para, para...

Bang!

Annie sobressaltou-se. A porta dos fundos da igréja abriu-se.

Os convidados voltaram-se, surpresos. O pastor fez uma pausa, e olhou para o frm do corredor, assim Como todo mundo, incluindo Dawn e Nick.

Uma pessoa estava parada junto à porta. Após um momento, um homem levantou-se e fechou a porta. A figura avançou.

Annie soltou um suspiro de alívio.

- É Laurel - sussurrou Annie. - Minha irmã. Estou aliviada por ela ter chegado.

- É típico dos Bennett - resmungou Chase, como o canto da boca.

Annie ruborizou.

- Perdão?

- Você me ouviu.

- Com certeza ouvi, e...

- Mãe - disparou Dawn.

Annie ruborizou mais. - Desculpe-me.

O pastor pigarreou e retomou a cerimônia: - Se há alguém aqui que saiba de algum motivo que impeça o matrimônio entre Nicholas Skouras Babbitt e Dawn Elizabeth Cooper...

Dali a pouco, a cerimônia estava encerrada.

Era interessante ser o pai da noiva quando a mãe da noiva não era mais sua esposa.

Dawn insistira em ter os dois pais sentados à mesa principal, a seu lado.

- Vai fazer isso por mim, não vai, papai? - suplicara. Quero dizer, se não se importar em ficar sentado ao lado de mamãe por algumas horas, certo?

- Faço tudo o que quiser, querida - respondera Chase.

E estava falando sério. Era um homem civilizado e Annie, apesar dos inúmeros defeitos, era uma mulher civilizada. Estavam divorciados havia cinco anos. As feridas já estavam cicatrizadas. Com certeza, seria capaz de sorrir e conversar com ela por algumas horas.

Foi o que imaginou, mas a realidade era bem diferente. Não calculara como se sentiria excitado no altar, com Annie a seu lado, mais linda do que nunca naquele vestido verde-claro. Seus cabelos avermelhados e sedosos emolduravam um rosto ainda liso, com aquele narizinho rosado que ele sempre adorara. Ela

fungara e soluçara durante toda a cerimônia. Claro que ele também sentira um nó na garganta, uma ou duas vezes. Na verdade, quando o pastor começou a falar de amor para sempre, sentira vontade de abraçá-Ia e consolá-Ia, dizer-lhe que não estavam perdendo uma fllha, mas, sim, ganhando um fllho.

Mas era mentira. Estavam perdendo uma fllha e era tudo culpa de Annie.

Na fila para receber os cumprimentos, portaram-se como gêmeos

siameses, ele tão mal-humorado quanto um leão com um espinho na pata.

- Vocês dois, sorriam - censurou Dawn, e eles obedeceram, embora o sorriso de Annie fosse tão forçado quanto o dele.

Finalmente, seguiram para a festa no bufê em Stratham em carros separados. Ao chegarem, sentaram-se um ao lado do outro à mesa sobre a plataforma.

Chase sentia o sorriso congelado no rosto. Devia estar horrível, pois Dawn ergueu o cenho, desaprovadora, ao encará-Io.

Certo, coopero controle-se. Você sabe como conversar amenidades com estranhos. Com certeza, pode entabular uma conversa com sua ex-esposa.

Olhou para Annie e pigarreou.

- Então, como está? - indagou, simpático. Annie voltou o rosto e encarou-o.

- Desculpe-me - manifestou-se, educada. - Não entendi bem. Está falando comigo?

Chase estreitou o olhar. Com quem mais ele estaria falando? Com o garçom que se inclinava para servir-lhe champanhe? Mantenha-se calmo, reforçou, e abriu um sorriso. - Perguntei como está você.

- Muito bem, obrigada. E você?

Muito bem, obrigada... Que tom afetado era aquele?

- Oh, não posso reclamar! - Chase forçou outro sorriso e aguardou que Annie prolongasse a conversa. Como ela não se manifestou, teve que tentar mais uma vez. - Para dizer a verdade, não sei se Dawn comentou, mas estamos acertando um grande contrato.

- Nós quem? - investigou ela, num tom que congelaria até um esquimó.

- Bem, a Construtora Cooper. Nós no empenhamos nesse negócio...

- Que ótimo! - cortou ela, e virou o rosto.

Chase sentiu a pressão arterial escapar ao controle. E essa era a paga que recebia por tentar ser educado. Annie não apenas tratava-o como a um ser desprezível, como mantinha-se ereta, esticando o pescoço, olhando para todos, menos para ele.

De repente, um sorriso verdadeiro surgiu no rosto dela.

- Ei? - chamou ela, suave. - Oi, tudo bem?- indagou, acenando.

Chase viu um sujeito desconhecido numa mesa próxima acenar de volta.

- Quem é o imbecil? - questionou, sem pensar.

Annie nem olhou para ele. Estava ocupada demais flertando com o imbecil, sorridente com todos os dentes à mostra.

- Aquele imbecil é Milton Hoffman, professor de inglês na universidade - informou, convencida.

O tal professor de inglês levantou-se da mesa e foi driblando os demais convidados até chegar à plataforma onde eles estavam. Alto e magro, Milton Hoffman estava de azul e uma gravata Qorrboleta. Chase achou-o sem graça como um cadáver.

- Annie! - saudou Hoffman. - Annie, minha querida. Annie estendeu a mão. Hoffman tomou-a com sua própria mão pálida e levou-a aos lábios. - Foi uma bela cerimônia.

- Obrigada, Milton.

- A decoração estava perfeita.

- Obrigada, Milton.

- As músicas, as flores... tudo estava maravilhoso.

- Obrigada, Milton.

- E você está um encanto.

- Obrigado, Milton - intrometeu-se Chase.

Annie e o professor olharam-no contrariados. Chase sorriu, mostrando todos os dentes.

- Ela está, não é? - comentou Chase. - Muito linda quero dizer.

Annie olhou para ele, cuspindo fogo, mas Chase ignorou a advertência. Inclinou-se para ela e passou o braço ao redor de seus ombros.

- Adoro esse decote em você, querida, destaca o que tem de melhor... - Fingiu trocar um olhar cúmplice com Hoffman. Alguns homens sentem-se mais atraidos pelas pernas de uma mulher çerto, Milty? Mas eu sempre preferi...

- Chase! - Annie ficou muito ruborizada.

Hoffman, com seus óculos de aro de tartaruga, piscou uma vez. - Você deve ser o marido de Annie.

- Você é rápido, Milty. Preciso reconhecer.

- Ele não é meu marido - protestou Annie, desvencilhando-se do abraço de Chase. - Ele é meu ex-marido. Meu antigo marido. Aquele que um dia foi meu marido... Francamente, Chase, se eu nunca mais o vir, serei a mulher mais feliz do mundo. - Sorriu sedutoramente para Hoffman.- Espero que esteja disposto, Milton, pois pretendo dançar a tarde inteira.

Chase sorriu. Seus olhos adquiriram um brilho malévolo.

- Ouviu isso, Milt? - disse, animado. Sentiu um prazer primitivo ao ver Hoffman empalidecer ainda mais; Annie cerrou os dentes.

- Chase, já chega!

Chase inclinou-se sobre a mesa.

- É uma dançarina maravilhosa, a nossa Annie. Mas se ela beber um pouquinho a mais de champanhe, tome cuidado. Certo, meu bem?

Annie abriu e fechou a boca sem conseguir articular qualquer som.

- Chase... - sussurrou, furiosa,

- Qual é o problema? Milt é um velho amigo seu, certo? Não precisamos ter segredos para ele, concorda, meu bem?

- Pare de me chamar assim!

- Parar de chamá-Ia como?

- Você sabe - alterou-se Annie. - E pare de mentir. Nunca fiquei bêbada na minha vida.

Chase curvou os lábios de forma sagaz.

- Ora, doçura! Não me diga que se esqueceu da noite em que nos conhecemos.

- Estou avisando, Chase!

- Ali estava eu, um calouro da universidade, cuidando da própria vida e dançando com minha namorada no baile do dia dos namorados do colégio...

- Você sabia o tempo todo - disparou Annie. Chase sorriu.

- Devia saber, meu bem. De qualquer forma, lá estava eu, fazendo a brincadeira da batata, quando vi Annie sair correndo pela porta, com a mão no estômago, como se tivesse comido uma bacia de maçãs verdes.

Annie voltou-se para Milton Hoffman.

- Não foi bem assim. O meu par tinha reforçado o meu ponche. Como podia saber...

- ...e agora - anunciou uma voz oleosa e amplificada. - O sr. e a sra. Nicholas Babbitt vão dançar pela primeira vez como marido e mulher.

As pessoas começaram a aplaudir quando Nick ofereceu o braço a Dawn e levou-a até a pista. Eles se entreolhavam com intensidade.

Annie estava constrangida. - Milton...

- Está tudo bem - adiantou-se Hoffmim. - Hoje é um dia da família, Annie. Eu entendo. - Quis pegar-lhe a mão, mas deteve-se e recuou. - Eu lhe telefono amanhã. Foi... interessante conhecê-lo, sr. Cooper

Chase sorriu educadamente.

- Chame-me de Chase, por favor. Não há necessidade de tanta formalidade, considerando o que temos em comum.

Annie não sabia o que mais desejava, se baterem Chase por seu comportamento ou esbofetear Milton Hoffman por se deixar atingir tão fácil. Levou só um segundo para decidir que Chase merecia mais. Olhou-o enquanto Hoffman voltava para seu lugar.

- Seu verme - murmurou, indignada. Chase suspirou.

- Annie, ouça...

- Não. Não, ouça você. - Ela apontou um dedo trêmulo na direção de Chase. - Eu sei o que você está tentando fazer.

Sabia? Chase balançou a cabeça. Então, - ela sabia mais do que ele. Não havia razão no mundo que justificasse seu comportamento cafajeste, minutos antes. E se Annie estivesse tendo um caso com algum cara? E se o cara fosse do tipo que desmaiava ao ver um rato? E se, de repente, ele começasse a imaginar Annie em sua cama?

Ela podia fazer o que quisesse, com quem quisesse. Com certeza, não era de sua conta.

- Você está me ouvindo? - indagou ela.

Chase olhou para Annie. Ela estava vermelha de raiva. O rubor englobava as maçãs do rosto e incidia sobre o nariz coberto de sardas douradas. Lembrava-se de como costumava beijar os pontos dourados após terem feito amor.

- Eu sei o que está planejando, Chase. Você está tentando arruinar o casamento de Dawn só porque eu não fiz do jeito que você queria!

Chase ergueu o cenho. - Você enlouqueceu?

- Oh, vamos lá! - A voz dela saía emocionada devido à raiva.

- Você queria um grande casamento em uma igreja monumental, assim poderia convidar todos os seus amigos esnobes.

- Você ficou doida! Eu nunca...

- Fale baixo!

- Estou falando baixo. É você que está...

- Deixe-me dizer-lhe uma coisa, Chase Cooper. Este casamento está acontecendo exatamente do jeito que Dawn queria.

- E está muito bom assim. Se fosse por você, nossa filha acabaria se casando no campo com os pés descalços...

- Oh, isso seria péssimo para a imagem do sr. Chase Cooper!

- Ao som de músicas pagãs executadas por algum músico exótico! - completou ele.

- Ao som de uma cítara - corrigiu Annie. - Aprenda, Cooper, embora você deva saber muito mais sobre assuntos sátiros do que sobre instrumentos musicais.

- Vamos voltar a isso? - desdenhou Chase, e Annie ficou mais enrubescida.

- Não, não "voltamos" a nada. Até onde sei... Ambos ouviram só o fim do anúncio:

- ...e os pais da noiva, sr. e sra. Chase Cooper!

Annie e Chase olharam estupefatos para a banda musical. O líder sorria-lhes e os convidados, incluindo aqueles que pareciam meio surpresos com a iniciativa, começaram a aplaudir.

- Vamos, Annie e Chase! - O líder da banda alargou o sorriso.

- Venham para a pista para acompanhar os noivos!

- Não vamos - grunhiu Chase, com os dentes cerrados.

- O homem ensandeceu - disparou Annie.

Mas os aplausos se intensificaram. Annie olhou desesperada para a filha, que apenas deu de ombros.

Chase afastou a cadeira e ergueu a mão. - Bem, vamos logo acabar com isso.

Annie ergueu o queixo. Levantou-se rígida e aceitou o braço que ele lhe oferecia.

- Eu o odeio de verdade; Chase.

- O sentimento, senhora, é mútuo.

Com os olhares cheios de raiva, Annie e Chase respiraram funndo, colocaram sorrisos civilizados nos rostos e seguiram para a pista de dança.

 

- Que mulher miserável! Eis no que se transformara sua ex-esposa durante os anos em que estiveram casados.

Na pista de dança, Chase conduzia Annie rigidamente nos braços, afastados o bastante para satisfazer até a formal srta. Elgar, coordenadora da festa de formatura da turma de Annie, sempre de olho nos casaizinhos mais empolgados ao som de músicas lentas.

Não que a mulher austera aprovasse a brincadeira da batata, mas ela parecia considerar que aqueles rodopios malucos mais seguros.

Mesmo após todos aqueles anos, Chase sorria ao lembrar-se.

Seguro? Um bando de garotos excitados balançando os quadris uns contra os outros? E, não importava o que a velha bruxa dizia, a dança lenta, de rosto colado e abraços apertados, continuava do mesmo jeito, nos corredores, nas escadas, até no estacionamento, onde a música chegava em meio à morna brisa primaveril.

E ele acabara levando Annie para o estacionamento, onde dançaram, agarradinhos, sozinhos na escuridão e tão loucos um pelo outro após quatro meses de encontros que nada mais importava.

Naquela noite fizeram amor pela primeira vez, sobre um velho cobertor de retalhos que ele levara no carro e que estendera sobre a grama macia e fresca no mirante da cidade.

- Devíamos parar - sussurrava ele, com uma voz tão rouca que parecia pertencer a outra pessoa, mas não deixou de baixar o zíper do vestido de Annie e desnudá-Ia, expondo-a a sua visão, lábios e carícias;

- Devíamos... - concordava, acariciando-o, desfazendo o nó da ridícula gravata-borboleta. Trêmula, conseguiu tirar-lhe o paletó e desabotoar-lhe a camisa, para poder sentir o calor de seu tórax.

Chase balançou a cabeça, zonzo. As lembranças o haviam envolvido como uma neblina repentina. Apertou a mão em torno da de Annie e puxou-a para mais perto.

- Chase! - protestou ela.

- Shh - sussurrou ele, os lábios junto a seus cabelos.

Annie permaneceu rígida por um segundo, então, suspirou, apoiou a cabeça contra o ombro dele e entregou-se à música e às lembranças que também a assaltavam.

Era tão bom estar ali, nos braços de Chase.

Quando haviam dançado llssim pela última vez? Descontavam-se os inúmeros bailes de caridade a que Chase comparecera querendo "fazer uns contatos". Quando haviam dançado pelo simples prazer de bailar suavemente nos braços um do outro?

Annie fechou os olhos. Sempre dançaram bem juntos, mesmo nos velhos tempos do colégio em Taft. Todos aqueles bailes de formatura, as festinhas de última hora na casa de algum colega nas sextas-feiras, quando Chase voltava da universidade, as reuuniões promovidas pela fraternidade de Chase nas férias, quando ela podia ir sozinha com ele. As formalidades da escola, com a srta. Elgar circulando entre os casais, tentando manter os pares a uma distância segura um do outro.

E a noite da formatura, quando eles finalmente foram até o fim, após meses de beijos ardentes e carícias que os deixavam trêmulos um nos braços do outro.

Annie sentiu o coração se acelerar. Lembrou-se de Chase leevando-a para o estacionamento, onde dançaram... oh, tão lentamente, ao som distante da música que vinha do ginásio. Lembrou-se de como Chase a beijara, despertando-lhe uma necessidade tão poderosa que ela mal conseguia pensar. Sem dizer nada, pegaram o carro e foram até o mirante da cidade, sentados tão juntos no banco, que até poderiam ser tomados por uma única pessoa.

Lembrava-se da maciez do cobertor que haviam estendido sobre a grama e então, a rigidez maravilhosa do corpo de Chase junto ao seu.

- Eu te amo tanto - declarou ele.

- Sim... sim... - murmurava ela, entre suspiros.

Não deviam ter feito. Ela sabia disso, mesmo, assim, continuou desabotoando-lhe a camisa e acariciando-o. Parar seria morrer.

Oh, e quando ele se deitou sobre seu corpo nu... O cheiro dele, o gosto da pele... E aquele momento maravilhoso em que ele a penetrou. Em que a preencheu. Em que se tornou parte dela, para sempre.

Exceto que não tinha sido para sempre.

Annie enrijeceu-se junto aos braços de Chase.

Tinha sido sexo e, após muitas peripécias, incluindo o casamento, separaram-se. Chase agora era o ex. Não era mais seu marido. Não era mais o rapaz por quem ela se apaixonara, nem o homem que gerara Dawn. Era um estranho, que ficara mais interessado nos negócios do que em voltar para casa, para a esposa e a fIlha.

Mais interessado em dormir com uma secretária de vinte e dois anos do que com a esposa, de quem havia enjoado.

Annie sentiu o coração enregelado. Deixou de acompanhar os passos de Chase e afastou-se.

- Basta - anunciou.

Chase piscou, pois estivera de olhos fechados. Estava ruborizado, parecia um homem rudemente retirado de um sonho.

- Annie, ouça...

- A dança por imposição acabou, Chase. Apista está cheia de gente.

Ele olhou ao redor. Annie tinha razão. Estavam na borda da pista, agora tomada por casais.

- Já cumprimos nosso papel nessa farsa. Agora, se não se importa, reservei o meu caderno de danças todinho para Milton Hoffman.

Chase fechou a expressão.

- Claro - concordou, educado. - Quero conversar com algumas pessoas também. Vejo que mudou de idéia e convidou alguns de meus velhos amigos e não apenas os seus.

- Certamente.- O sorriso de Annie poderia ter transformado água em gelo. - Alguns deles são meus amigos também. Além disso, sabia que precisaria de algo para mantê-Io ocupado, considerando que você fez o grande sacrifício de não trazer nenhuma amiguinha. Ou você está na entressafra, no momento?

Chase nunca acertara com urna mulher na vida: Raios, ele nunca sequer tivera vontade de acertar! Homens que batiam em mulheres eram desprezíveis. Mesmo assim, apenas por um instante, desejou que Annie fosse homem, assim poderia tirar aquela expressão de desdém de seu rosto.

Escolheu a segunda alternativa:

- Se você está perguntando se há alguma mulher especial em minha vida, a resposta é sim. - Ele fez uma pausa para aumentar o efeito e, então, prosseguiu para o grande final. - E agradeceria se observasse a maneira como se dirige à minha noiva.

Era como ver um edifício implodir depois de os operarios depositarem as bananas de dinamite. A expressão de desdém de Annie desapareceu e ela ficou boquiaberta.

- Sua... sua...?

- Noiva - repetiu Chase. Não era uma mentira total. Já estava saindo com Janet havia dois meses e ela não fora nada sutil quanto ao que queria do relacionamento. - Janet Pendleton. A filha de Ross Pendleton. Você a conhece?

Conhecê-Ia? Janet Pendleton, herdeira da fortuna Pendleton?

A loira de olhos azuis sempre presente nas colunas sociais dos jornais? A garota conhecida tanto por sua competência na vice-presidência da Pendleton quanto por ter recusado uma oferta de milhões de dólares para emprestar sua beleza clássica a uma emmpresa francesa de cosméticos?

Por uma mera fração de segundo, Annie sentiu como se o chão estivesse se abrindo sob seus pés. Então, endireitou-se e esboçou um sorriso.

- Não andamos nas mesmas rodas, lamento. Mas sei quem ela é, claro. É bom ver que agora anda preferindo mulheres na casa dos trinta anos. Já contou a Dawn?

- Não! Quero dizer, não, não houve tempo. Eu... eu pensei em esperar até que ela e Nick voltem da lua-de-mel.

- Milton. Aí está você. - Annie estendeu-se e agarrou Milton Hoffman pelo braço. Tinha quase certeza de que ele pretendia passar por ela e Chase sem ser notado ao dirigir-se ao bufê, mas ela nunca precisara tanto de um apoio quanto agora. - Milton, meu ex acaba de me contar uma novidade.

Hoffman olhou para Chase, cauteloso por trás dos óculos de aro de tartaruga.

- Mesmo? - indagou ele. - Que bom!

- Chase vai se casar novamente. Com Janet Pendleton.

Conseguiria manter o sorriso? - Não é ótimo? Parece que o romance está no ar: Dawn e Nick. Chase e Janet Pendleton... Levantou o rosto e olhou lânguida para o rosto comprido e ossudo de Milton. - E nós.

Hoffman engoliu em seco, quase deslocando a gravata-borboleta.

Pedira Anne Cooper em casamento havia apenas uma semana. Ela dissera o quanto gostava dele e o admirava, de quanto apreeciava sua companhia e sua atenção: Dissera tudo, menos sim.

Ele olhou para o ex-marido dela. Chase Cooper herdara a construtora do pai e usara seu grau de engenheiro e músculos para transformá-Ia em uma empresa de projeção nacional. Engoliu em seco mais uma vez. Cooper parecia estar com os músculos ainda em ordem. Naquele exato momento, o homem parecia querer usar esses músculos para pulverizá-Io.

- Chase? - chamou Annie, provocando. - Não vai nos felicitar?

- Claro - concordou Chase, e enfiou as mãos nos bolsos para não mostrar a intenção. - Desejo-lhe o melhor, Annie. A você e ao seu cadáver, ambos.

Annie deixou de sorrir.

- Você sempre sabe o que dizer, não é, Chase? Afastou-se arrastando Milton na direção do bufê.

- Anne - sussurrou Milton. - Anne, minha querida, não fazia idéia...

- Nem eu - sussurrou Annie, e sorriu com tanta vontade que ele imaginou que as lágrimas em seus olhos eram de felicidade e não por sentir um vazio no coração.

Casar, pensou Chase. A sua Annie ia se casar com aquele imbecil. Com certeza, ela já tivera um gosto mais apurado. Pousou o copo vazio no balcão.

- Mulheres! - reclamou. - É ruim com elas, pior sem elas. O garçom sorriu educadamente.

- Sim, senhor?

- Por favor, traga outro Bourbon e...

- Água e um cubo de gelo. Eu me lembro.

Chase olhou para o garçom.

- Está tentando me dizer que já bebi demais? O garçom sorriu de forma ainda mais educada.

- Daqui a pouco, terá se excedido, sim, senhor. Lei estadual, como sabe.

 

Chase contraiu os lábios.

- Quando tiver bebido demais, com certeza notificarei você.

Por enquanto, faça uma dose dupla. - Chase?

Ele voltou-se. Na pista, as pessoas estavam se alinhando para executar a dança da moda. Outros ainda estavam deleitando-se com a variedade de pratos refinados que Annie encomendara e pelos quais pagaria sozinha, uma vez que recusara a contribuição dele.

- Não tenho a intenção de pedir-lhe que pague por nada comunicara friamente, quando ele telefonou para dizer-lhe que não queria que ela poupasse nos preparativos. - Dawn é minha filha, minha empresa de projetos paisagísticos está bem e não preciso de nenhuma ajuda sua.

- Dawn é minha filha também - desdenhara Chase mas, antes que tivesse acabado de falar, Annie já tinha desligado.

Ela sempre fora boa em ficar com a última palavra, bolas. Hoje não, entretanto. Ele conseguira. E a expressão de Annie quando ele disparara a notícia sobre seu noivado com Janet tornara a vingança ainda mais doce.

- Chase? Você está bem?

A quem queria enganar? Não ficara coma última palavra daquela vez, tampouco. Annie conseguira. Como podia? Como podia se casar com um camarada sem graça daqueles...

- Chase, qual e o problema?

Chase piscou. Era David Chambers, alto, olhos azuis, com o mesmo cabelo amarrado em rabo-de-cavalo de doze anos antes, quando o contratara como seu advogado pessoal.

Deu uma risada nervosa.

- David! - Estendeu a mão, mudou de idéia e agarrou os ombros do advogado. - Que bom vê-Io! Como vai?

Chambers sorriu, deu um abraço em Chase e recuou para avaliá-Io.

- Estou ótimo. E você? Está bem?

Chase pegou a bebida e tomou metade de uma só vez. - Nunca estive melhor. O que vai querer?

Chambers olhou para o garçom.

- Uísque, um malte só, se tiver, com gelo. E um copo de vinho branco, por favor.

- Não me diga - deduziu Chase, erguendo o canto do lábio.

- Está com uma moça. Acho que a onda do amor pegou você também.

- Eu? - David riu. - O vinho é para uma moça que está à minha mesa. E quanto a onda de amor... Já superei, lembra-se? Um casamento, um divórcio... não, Chase, eu não. Nunca mais, não nesta vida!

- Sei. - Chase segurou o copo. - O que acontece? Você se casa com uma mulher e ela se transforma em outra pessoa após alguns anos.

- Concordo. Casamento é fantasia de mulher. Prometem qualquer coisa para agarrar você e então se fazem de desentendidas quando você espera que elas cumpram o acordo. - Quando o garçom colocou o copo de uísque no balcão, ergueu-o e tomou um gole. - Eu entendo que um homem precisa de uma arrumadeira, uma cozinheira e uma boa secretária. De que mais ele precisa? - De nada - declarou Chase. - De mais nada.

O garçom pousou a taça de vinho à frente de David, que pegou a bebida. Voltou-se e olhou pelo salão. Chase acompanhou seu olhar até avistar, em uma das mesas, uma morena linda, distraída, sentada sozinha, em atitude apropriada.

David sentiu um músculo do maxilar se agitar. Tomou outro gole do uísque.

- Infelizmente, há mais um aspecto a considerar. E é isso exatamente que deixa pobres-coitados como eu e você em maus lençóis.

Chase pensou na sensação de ter Annie nos braços na pista de dança havia pouco.

- Exatamente - concordou Chase, e ergueu o copo. - Bem, você e eu entendemos! Durma com elas e as esqueça em seguida, eu diria.

David riu e brindou com Chase. - Vou beber a isso.

- A quê? O que os rapazes estão tramando aqui sozinhos?

Os dois homens se voltaram. Dawn, radiante em renda branca e com Nick a seu lado, estava vindo na direção deles.

- Papai - saudou ela, beijando-lhe o rosto. - E sr. Chambers. Estou tão contente por terem vindo.

- Eu também. - David estendeu a mão para o noivo. - Você é um homem de sorte, fIlho. Tome conta dela.

Nick assentiu enquanto cumprimentavam-se. - Pretendo, senhor.

Dawn beijou Chase novamente.

- Circulando, papai. É uma ordem.

Chase ergueu o copo. Os noivos se afastaram e ele suspirou. - É a única coisa, boa do casamento. Um filho para chamar de seu.

David assentiu.

- Concordo. Sempre desejei... - Encolheu os ombros e então, pegou o copo e a taça de vinho. - Ei, Cooper, se a gente fica tempo demais encostado no balcão; acaba sentimental. Alguém já lhe disse isso?

- Já - afirmou Chase. - O meu advogado, há cinco anos, quando fomos relaxar após o processo de divórcio.

Os homens sorriram e, então, David Chambers bateu de leve no ombro de Chase.

- Aceite o conselho de Dawn. Circule. Há muitas mulheres bonitas e solteiras por aqui, caso não tenha notado.

- Para um advogado, às vezes você tem sugestões muito boas.

Que tal a morena à sua mesa? É uma possibilidade?

David estreitou o olhar. - É, no momento.

- Jura?

- Juro - confirmou o advogado. Estava sorrindo, mas havia uma expressão no olhar que Chase reconhecia. Sorriu.

- Você não tem jeito! Bem, não se prenda por mim. O que foi que minha filha disse? Circulando. É isso. Vou circular e ver o que está disponível.

Os homens se despediram. Chase acabou a bebida e foi tomar ar fora do salão.

Annie chutou os sapatos, ergueu os pés sobre o velho divã que vivia querendo jogar fora e respirou fundo. - Bem, missão cumprida.

Deb, sentada no sofá do lado oposto, assentiu.

- Acabado e enterrado. - Apoiou os braços nas costas do sofá e também tirou os sapatos. - E aposto que está satisfeita.

- Satisfeita? - Annie franziu os lábios e emitiu um assobio muito pouco feminino. - Nem chega perto. Aposto que o general Custer teve menos trabalho planejando a batalha em Little Bighorn do que eu com essa festa.

Deb arqueou uma sobrancelha escura.

- Péssima analogia, se me permite dizer.

- Mas nem um pouco exagerada. A logística do evento foi além da imaginação. Imagine a sua filha chegando uma noite e anunciando calmamente que vai se casar em dois meses e que seria maravilhoso se pudesse ter o casamento com que sempre sonhou?

Deb levantou-se, levantou um pouco a saia e descalçou a meia-calça.

- Minha filha está na onda retrô dos anos setenta - comentou, manuseando a peça de náilon. - Se tiver sorte, vai optar por se casarem alguma colina, com flores por todos os lados...

Annie levantou-se e foi até a cozinha, voltando pouco depois com uma garrafa de champanhe e dois copos de suco.

- Ele me acusou de querer aquilo, você sabe.

- Sei o quê? Querer o quê? Quem acusou você?

- Importa-se de tomar champanhe em copos comuns? Sei que devíamos usar taças, mas nunca me dei ao trabalho de ir comprar.

- Podemos tomar até em copos de plástico, por mim. De que estava falando, Annie? Quem a acusou de quê?

- Chase. O ex.

Annie tirou o arame ao redor da tampa da garrafa e mordiscou o lábio no esforço para soltar a rolha. Quando conseguiu, o champanhe transbordou um pouco, esparramando-se sobre o assoalho. Encolheu os ombros e olhou o champanhe caído no chãó.

- Há algumas semanas, ele ligou para falar com Dawn. Eu tive o azar de atender ao telefone. Chase disse que tinha recebido o convite e que estava encantado em saber que os meus instintos estavam sob controle e que eu tinha aprimorado a minha capacidade de organização de eventos. - Estendeu um copo de champanhe à amiga. - Controle - repetiu, lambendo os dedos. - E tudo porque, quando nos casamos, eu organizei algumas festas no quintal da casa em que morávamos!

- Pensei que tivesse dito que moravam num apartamento.

- Depois, mas não naquela época. Chase conhecia alguém que nos conseguiu esse aluguel barato no Queens.

Deb assentiu.

- Que tipo de festa organizava?

- Festas ao ar livre.

- Ah, é? - Deb fez urna careta. - Grande coisa!

Annie franziu os lábios. - Bem, era inverno.

- Inverno?

- Veja, o problema era, a casa sendo tão pequena, os ratos tomavam conta, e...

- Ratos?!

Annie largou o corpo no divã.

- Não era bem uma casa, mas naquela época não tínhamos muito dinheiro. Eu tinha acabado de me formar no colégio e o único emprego que consegui foi na lanchonete local. Chase tinha se transferido para a Universidade Municipal. A bolsa era menor, mas assim ele podia trabalhar alguns dias da semana com o pai. - Suspirou. - Nós passávamos por dificuldades financeiras. Creia-me, descobrimos milhares de truques para economizar dinheiro!

Deb sorriu.

- Incluindo dar festas ao ar livre no inverno. Annie sorriu também.

- Oh, não era tão ruim! Nós acendíamos a churrasqueira no quintal, sabe? E eu fazia toneladas de chili e pão caseiro. Preparávamos uma garrafa de café e cerveja para os rapazes... - Deixou a voz sumir.

- Bem diferente de hoje - observou Deb. Pegou a garrafa e encheu os dois copos novamente. - Caviar, camarão, filé com cogumelos...

- Filet de Boeuf Aux Chanterelles, por favor - corrigiu Annie, brejeira.

Deb sorriu.

- Pardonnez-moi, madame.

- Sem brincadeira. Considerando o preço daquilo tudo, é melhor chamar pelo nome francês.

- E não deixou que Chase pagasse nem um centavo, certo?

- Não - afirmou Annie.

- Ainda acho que você perdeu o juízo. O que está tentando provar?

- Que eu não preciso do dinheiro dele.

- Nem dele? - investigou Deb, suave. Annie olhou-a brava, mas a amiga não se intimidou. - Eu vi vocês na pista de dança. Pareceram-me bem envolvidos por algum tempo.

- Você viu o passado se infiltrar no presente. Creia-me, Deb. Essa parte da minha vida está encerrada. Não sinto nada por Chase. Nem posso acreditar que senti um dia.

- Eu entendo. Foi uma viagem nostálgica, humm?!

- Exatamente. Conduzida pelo casamento da minha garotinha... - Annie fez uma pausa, engoliu em seco e, então, derramou-se em lágrimas.

- Oh, querida! - Deb saiu do sofá e foi sentar-se ao lado de Annie. Envolveu-a pelos ombros e afagou-lhe as costas. - Querida, não chore. É tão comum sentir alguma coisa pelo ex-marido, sabe. Especialmente quando ele é bonitão como Chase.

- Ele vai se casar - soluçou Annie.

- Chase?

- Com Janet Pendleton.

- Quem é?

- É só uma mulher mais nova do que eu, rica, linda, maravilhosa e inteligente.

- Eu já a odeio. - Deb tomou Annie pelo queixo e forçou-a a encará-Ia. - Tem certeza?

- Ele me disse. - Annie recostou-se e tirou um lenço do decote.

- Então, eu disse a ele que ia me casar com Milton.

- Milton? Você diz Milton Hoffman? - Deb raciocinou. Não, você não fez isso!

- Por que não? Ele é solteiro, dependente, e é gentil.

- Assim como um ursinho de pelúcia - comparou Deb, horrorizada. - É preferível levar um ursinho para a cama a Milton Hoffman.

- Oh, Deb, não é justo! - Annie levantou-se. - Um relacionamento é mais do que sexo.

- Por exemplo.

- Companheirismo. Interesses em comum. Sonhos partilhados.

- E isso compensa o resto?

- Compensa! - Annie deixou os ombros caírem. - Não - admitiu. - Não é horrível? Eu gosto do Milton, mas não o amo.

Deb soltou um suspiro ao levantar-se.

- Obrigada, Senhor! Por um minuto, achei que você estava perdida.

- Não, só sou um pouco obcecada por sexo...

- Nada disso. O sexo faz parte da vida.

- Mas eu usei o coitado do Milton. Agora, vou ter de chamá-Io e dizer que não estava agindo corretamente ao apresentá-Io a Chase como meu noivo.

- Uau! - exclamou Deb, entusiasmada. - Você com certeza teve um dia cheio.

- Um dia de cão, quer dizer.

- Não me mate por dizer, mas acho que deveria repensar tudo isso. Quero dizer, sei que ele vai se casar e tudo, mas talvez você ainda sinta alguma coisa pelo seu ex.

- Eu não me importaria se ele estivesse vivendo num monastério! - O olhar de Annie brilhou. - Eu não sinto "alguma coisa" por ele. Admito que estou preocupada, mas é só porque a minha filhota se casou.

- Sabe o que dizem, Annie... Nós criamos os filhos para o mundo.

Annie guardou o lenço no decote, pegou a garrafa de champanhe e foi para a cozinha.

- Não é a saída dela de casa que me preocupa, Deb. É o fato de Dawn ser muito jovem. Jovem demais. Estou com medo por ela assumir um compromisso assim.

- Bem, você tinha a mesma idade quando se casou... - lembrou a amiga, apoiando-se no batente.

Annie suspirou. - Acha que me esqueci disso? Olhe aonde isso me levou. Eu

achava que sabia o que estava fazendo, mas acabou dando tudo errado. Era movida a hormônios, não a inteligência... - O telefone Locou. - Alô?

- Annie?

- Chase? - Annie contraiu os lábios. - O que você quer? Pensei que tínhamos dito tudo o que tínhamos para dizer um ao outro esta tarde.

Do outro lado da cidade, no quarto de hotel, Chase olhava para o rapaz junto à janela. Ele tinha os ombros caídos e a cabeça inclinada, evidenciando o desespero clássico.

Chase pigarreou.

- Annie... Nick está aqui. Annie franziu o cenho.

- Nick? Aí? O que quer dizer com isso?

- Quero dizer aqui, no meu quarto de hotel.

- Não. É impossível. Nick está voando para o Havaí com Dawn... - Annie ficou pálida. - Oh, não... Houve um acidente? Dawn...

- Não - apressou-se Chase. - Dawn está ótima. Nada aconteceu com ela, nem com Nick.

- Então por que...

- Ela o deixou.

Annie largou-se numa cadeira da cozinha.

- Dawn o deixou? - repetiu, estupidamente. Deb olhava para ela, incrédula: - Dawn deixou Nick? .

- Deixou. - Chase esfregou a nuca, onde sentia os músculos rígidos. - Eles foram para o aeroporto e despacharam a bagagem. Então, foram para a sala VIP. Eu comprei o cartão de sócios para que eles pudessem ficar no salão. Sabia que você não aprovaria, mas...

- Raios, Chase, conte-me o que aconteceu! Chase suspirou.

- Nick disse que foi pegar café. Dawn concordou. Mas, quando ele voltou com o café, ela tinha sumido.

- Mas então ela não o deixou... - declarou Annie-, a mão junto ao coração. - Ela foi raptada!

- Raptada? - espantou-se Deb. - Dawn?

- Chamaram a polícia? Você...

- Ela deixou um bilhete - informou Chase, cauteloso. Annie ouviu um barulho de papel. - Disse que o considera muito, mas...

- Ora, mas... - Annie elevou a voz. - Ela disse que amava Nick! Que era louca por ele.

- Mas que o amor apenas não é suficiente - prosseguia Chase.

- O amor o quê?

- Não é suficiente. Ela diz que não tem escolha senão acabar com esse casamento antes que comece.

Annie levou as mãos aos olhos.

- Oh, não - sussurrou. - Parece tão sinistro.

Chase assentiu; como se Annie pudesse vê-Io.

- Nick está perdido, assim como eu, A voz saía rouca de emoção. - Ele a procurou por toda parte, mas não conseguiu encontrá-Ia. Se algo aconteceu à nossa garotinha...

Annie ergueu a cabeça. Tão suave quanto um sussurro, a porta da frente abriu-se e então, fechou-se. Passos ecoaram no corredor.

- Mãe?

Dawn surgiu à porta da cozinha, ainda trajando a roupa de viagem. Tinha os olhos vermelhos e inchados. - Meu bem? - sussurrou Annie.

Dawn deu um sorriso inseguro e então começou a chorar.

- Oh, mamãe! - choramingou, e Annie largou o telefone e abriu os braços.

A filha correu pela cozinha e enterrou o rosto no colo da mãe. Deb pegou o telefone do chão.

- Chase?

- O que está havendo aí? - gritou Chase.

- Você e Nick podem parar: de se preocupar - informou Deb.

- Dawn está aqui. Acaba de chegar.

Chase fez sinal positivo para Nick, que correu para seu lado. - Nossa filha está bem?

- Está, mas parece...

Chase desligou o telefone e saiu correndo com Nick.

 

A lua subia resplandecente no céu quando foi encoberta por nuvens densas.

Suspirando, Chase acendeu o abajur ao lado da cadeira e desejou poder se esconder como o satélite natural. Talvez, assim, as pessoas parassem de olhar para ele como se tivesse uma solução para aquela situação impossível.

Situações impossíveis exigiam soluções improváveis, e ele não conseguia imaginar nenhuma. A mente parecia entorpecida. Havia poucas horas, era o pai da noiva. Agora, era o pai da... como se chamava uma moça recém-casada que abandonara o marido no aeroporto pouco antes de partirem em lua-de-mel dizendo que fora tudo um engano?

Era uma moça inteligente. Vinte e quatro horas antes, ele teria dado tudo para que Dawn adiasse o casamento até amadurecer um pouco mais.

Fechou os olhos, cansado. O problema era que Dawn não adiara o casamento. Casara-se, o que agravava muito o quadro. Agora, não se tratava mais, apenas, de cancelar a cerimônia na igreja e dispensar o bufê contratado. Dawn e Nick estavam casados seegundo as leis do Estado de Connecticut.

Dissolver aquela união seria muito mais complicado do que teria sido poucas horas antes. E não ajudava em nada o fato de Dawn chorar e dizer que amava Nick, mas que não podia, não ia e não devia continuar casada com ele.

Chase massageou a nuca para aliviar a tensão. Não entendia o que acontecia com a fIlha, a exemplo do pobre Nick. Nem mesmo Annie entendia, podia apostar, embora repetisse "eu entendo, querida" sem parar, embalando-a nos braços.

- O que você entende? - indagara a Annie, quando ela voltou do quarto após convencer Dawn a deitar-se e dormir um pouco.

Annie lançou-lhe um olhar severo e disse que não entendia nada, mas era seu dever apoiar a filha naquele momento confuso e difícil.

- Droga, Annie! - desabafara, irado.

Bastou para alvoroçar a todos, que já estavam com os nervos à flor da pele. Nick surgiu aflito, Dawn recomeçou a chorar e Annie o xingou de um nome muito feio, um que ele nem imaginava que ela conhecesse.

- Veja o que você fez! - repreendera Annie, batendo a porta do quarto de Dawn em sua cara.

Chase gemeu. Estava cansado. Tão cansado. Fazia horas que nenhum som escapava do quarto da filha. Annie e Dawn deviam estar dormindo. Nick também dormia, no sofá da sala.

Talvez, se cochilasse por alguns minutos...

Não conseguia, estava aflito demais. Era tudo de que precisava: mais tensão nos músculos do pescoço.

A culpa era daquela cadeira desconfortável em que estava. Por um minuto, esquecera-se de que não estava no apartamento que partilhara com Annie por tantos anos. Ela se livrara de todos os móveis ao comprar aquela casa, decorando-a com velharias, ou melhor, antiguidades, segundo ela. Pois ele não via graça nenhuma naqueles sofás mofados, mesas com apoios ridículos,cadeiras sem recosto...

- Estrague essa cadeira, Chase Cooper, e vai se ver comigo! Chase endireitou-se. A ex-esposa estava na entrada da saleta. Já não estava com o vestido usado no casamento, mas de calça jeans e blusão. Não lhe parecia de bom humor.

Péssimo. Muito ruim mesmo, considerando-se que ela era a maior culpada por aquela situação, em primeiro lugar. Se ao menos não houvesse sido tão condescendente. Se houvesse se imposto desde o início, argumentando com Dawn que era cedo demais para se casar...

- A cadeira merece um chute - resmungou, mas ficou quieto enquanto Annie ajeitava as almofadas, como se quisesse apagar os vestígios de sua presença ali. - Como está Dawn?

- Dormindo. - Annie sentou-se na poltrona. - E Nick? Ainda está aqui?

- Está dormindo na sala.

- Mas está bem?

- Tão bem quanto possível, considerando os fatos. A nossa filha já lhe contou, exatamente, o que está acontecendo?

Annie encarou-o. Então, passou a mão nos cabelos, afastando os fios rebeldes do rosto.

- Que tal um chá? - Sem esperar pela resposta, ela seguiu para a cozinha. - A menos que prefira cafe - ofereceu, acendendo a luz fluorescente.

Chase a seguiu.

- Chá está bom - informou, piscando ante a claridade repentina. Sentou-se numa banqueta junto ao balcão e observou Annie encher uma chaleira com água e pô-Ia no fogo.

- Ela contou?

- Contou o quê? - Annie abriu a porta do armário, tirou uma caixinha de chá e pousou-a sobre o balcão. - Quer um biscoito? Claro, não tenho aquelas roscas horríveis de que você tanto gosta, com toda aquela geléia no meio.

- Só chá - respondeu Chase, recusando-se a brigar. - Mas o que Dawn disse?

Annie fechou a porta do armário e abriu a geladeira.

- Que tal um sanduíche? Tem queijo, presunto, pão integral.

- Não, obrigado, não quero nenhum sanduíche - declarou Chase. - Não quero nada, exceto saber o que a nossa filha lhe contou e o que é que você não quer me contar. - Estreitou o olhar. - Nick a maltratou?

- Não, claro que não!

Annie fechou a porta da geladeira. A chaleira começou a soltar vapor e ela tirou-a do fogo antes que começasse a apitar.

- Por fayor, pegue duas canecas, sim? Estão na prateleira à sua direita.

- Ele não parece elo tipo que faria algo assim... - considerou Chase; pegando duas xícaras de porcelana branca. - Mas se ele tocou num fio de cabelo ele nossa filha...

- Quer se acalmar? Eu estou dizendo que não é esse o caso. Nick é um amor.

- Bem, então o que é? Annie evitava encará-lo. - É... ah, é complicado.

- Complicado? - Chase estreitou o olhar novamente. - Não é... o rapaz não

é...

- Não é o quê? Ainda toma com duas colheres de açúcar ou já aprendeu a dispensar esse veneno'?

- Duas colheres e pare de me censurar.

Annie despejou duas colheres de açúcar no chá do ex-marido e misturou-as com energia.

- Tem razão. Pode se atolar de açúcar por mim. A sua saúde não é mais problema meu, é dela.

- Dela?

- De Janet Pendleton.

- Janet Pen... - Chase enrubesceu. - Ah, claro.

Annie pousou a caneca de chá na frente dele, com força bastante para que o líquido âmbar extravasasse da borda.

- Ai! - resmungou Chase, soprando os dedos.

- Que sua noiva se preocupe com o seu peso - desdenhou Annie.

- Ninguém precisa se preocupar com o meu peso ...- informou Chase, e encolheu, a barriga discretamente.

Ele tinha razão, pensou Annie, amarga, acomodando-se na banqueta ao lado do ex-marido. Ninguém tinha que se preocupar com Chase. Ele continuava tão bonito quanto no dia do casamento e no dia em que se divorciaram. Outra vantagem de ser homem. Os homens não sofriam as terríveis mudanças que acompanhavam as mulheres na virada da meia-idade. A balança do banheiro que recusava-se a marcar direito. A carne que começava a sofrer a ação da gravidade. As rugas que Janet Pendleton ainda não tinha. A barriguinha da qual a secretária de Chase não devia ter o menor vestígio.

- ...aparentar normalidade. Não é isso o que está acontecendo com Dawn e Nick, é?

Annie franziu o cenho. - Do que está falando?

- Da realidade, é do que estou falando. Estava contando-lhe sobre esse rapaz que se casou, mesmo sabendo que era violento, na esperança de aparentar normalidade...

Annie engasgou com o chá.

- Minha nossa! - reclamou, assim que conseguiu falar. Você é um estereótipo masculino patético, Chase Cooper! Não, Nicholas não é violento.

- Tem certeza?

- Absoluta.

- Está bem. Só quis me certificar.

- Nick e Dawn já estavam morando juntos há três meses. E Dawn nunca reclamou sobre esse assunto. Pelo contrário. - Annie ruborizou. - Passei por lá algumas vezes, sempre no meio do dia entende? E posso dizer, pela aparência deles e pelo tempo que levavam para atender à porta, que tudo estava correndo muito bem nesse departamento. - Contemplou o líquido na caneca.  Até tinha resolvido não ir mais lá sem antes telefonar.

- O que quer dizer com "morando juntos"?

- Exatamente o que eu disse. Dawn não contou a você? Eles alugaram um apartamento em Cannondale.

- Raios, Annie, como pôde permitir que a nossa filha fizesse isso?

- Ora, ela só foi morar com o homem com quem ia se casar!

- Por que não a proibiu?

Ela tem dezoito anos, Chase. É legalmente adulta e pode tomar suas próprias decisões.

- É?

- O que quer dizer com isso?

- Você poderia ter-lhe dito que isso é errado!

- Amar nunca foi errado.

- Amar - repetiu Chase, e balançou a cabeça: - Diria que isso está mais para sexo.

- Eu pedi a ela para esperar, para pensar melhor e ter certeza de que estava fazendo a coisa certa. Ela disse que já tinha pensado e que era o que queria.

- Sexo - afirmou Chase. Annie suspirou.

- Sexo, amor... as duas frentes caminham juntas.

- Sim, bem, eles podiam ter um e ainda assim esperado pelo outro, até depois do casamento. - Chase tomou o chá. - Mas acho que isso já está fora de moda.

- Também estávamos à frente de nossa época, então - lembrou Annie.

Chase enrubesceu.

- O que nós fizemos ou deixamos de fazer não tem nada a ver com essa situação.

- É aí que você se engana. - Annie levantou-se. Pegou a caneca de chá com as duas mãos e caminhou até a janela que dava para o jardim. - Acho que temos tudo a ver com essa situação.

- Do que está falando?

- Pode me fazer um favor? Apague a luz. Minha cabeça está estourando.

- Quer uma aspirina? - Chase apagou a luz e a cozinha mergulhou na penumbra.

Annie balançou a cabeça. - Já tomei. - Sentou-se no peitoril da janela e levou os joelhos até junto ao queixo. Fitava a escuridão. - Quer saber o que Dawn disse? Vou contar, mas você não vai gostar nada de ouvir.

- Já não gosto de quase tudo o que aconteceu hoje - resumiu Chase. Levantou-se e foi até junto dela. - Por que essa revelação seria diferente?

- Em primeiro lugar, ela disse que ama Nick.

- Grande! - Chase cruzou os braços e recostou-se contra a esquadria. - Por que tenho a impressão de que vamos começar com as boas notícias?

- Ela disse que sabe que ele a ama.

- Estamos indo bem.

Annie assentiu.

- A má notícia é que ela fugiu dele por esse mesmo motivo. Chase franziu o cenho.

- Deixe-me ver se entendi. A nossa filha se apaixonou, ficou noiva, mudou-se para um apartamento com esse rapaz, casou-se com ele, partiu para a lua-de-mel... então, decidiu fugir porque está convencida de que o ama e de que ele a ama também?

Annie suspirou.

- Bem, é um pouco mais complicado.

- Fico feliz em saber. Por um segundo, pensei que tivesse ficado maluco. O que mais?

- Ela está com medo.

- Medo ... - repetiu Chase, tentando manter a calma. Tinha a sensação de que mergulhariam naquele mar de emoções no qual as mulheres deslizavam com tanta desenvoltura e onde os homens mal conseguiam manter a cabeça à tona. - De quê?

- De deixarem de se amar.

- Annie, - Chase sentou-se no peitoril e seus joelhos se roçaram. - Você disse que a moça gosta do rapaz e que o rapaz gosta da moça. Eles estão apenas começando. Não há motivo para ela achar que...

- Ela está com medo do que possa vir a acontecer.

Chase aguardou, mas Annie não disse mais nada. Ele praticamente via a água subir.

- O que ela acha que vai acontecer? - indagou. Annie encolheu os ombros.

- Que o amor deles vai maturar e morrer.

- Isso é ridículo!

- Eu disse a mesma coisa.

- E?

- E ela disse... - Atmie engoliu em seco, - Ela disse que nos viu hoje, na festa.

- Nós? - Chase assentiu, como se compreendesse aquela connversa maluca. As águas revelavam-se mais profundas. E agitadas. - Nós, quer dizer, eu e você,?

 

- Nós - repetiu Annie. - Eu e você. Ela disse que se ressentiu ao ver como odiamos ser forçados a dançar juntos hoje.

- Bem, claro que não gostamos! Ninguém nos avisou sobre o que ia acontecer. Você explicou isso a ela?

- Expliquei.

Chase recordou o momento em que dançaram juntos. Foi mais além, recordou como fora bom tê-Ia nos braços ... Pigarreou. - Nós demos conta do recado, não demos?

- Demos. Eu ressaltei isso a ela.

-E?

- E ela disse que foi triste ver que nós fingíamos estar nos divertindo dançando juntos novamente. - Annie sentiu o rosto queimar. A certa altura da dança, deixara de sentir-se contrariada e passara a apreciar estar nos braços de Chase. - Eu disse a ela que aquilo não era motivo de preocupação.

- E?

- E isso foi tudo.

- Foi tudo o quê? Não sei do que está falando.

Annie pousou a caneca sobre o peitoril e cruzou as mãos à frente.

- Isso motivou tudo.

- Motivou tudo o quê? Ainda não sei...

- Dawn disse que estava no aeroporto, ali junto ao balcão, você sabe, enquanto Nick despachava a bagagem e confirmava suas poltronas, quando ocorreu-lhe que estava triste por você e eu termos nos amado muito no passado.

- Ela se sentiria melhor se nós não tivéssemos nos amado? Annie engoliu em seco. Sentia um nó apertado na garganta. - Ela disse que percebeu, pela primeira vez, que você e eu devíamos ter nos sentido como ela e Nick algum dia. Você entende? Como se fôssemos os únicos seres humanos da face da Terra que se amavam tanto.

- Os enamorados sempre se sentem assim - ponderou Chase, sombrio.

- Ela disse que, se o pai e a mãe um dia tinham se sentido daquele jeito e hoje se sentiam como nos sentimos agora, então, ela não queria fazer parte desse processo que poderia levá-Ios, e que nos levou, ao ponto em que estamos.

Chase encarou a ex-esposa. Seus olhos estavam umedecidos e os lábios, trêmulos. Estaria ela, como ele, lembrando-se do sentimento que os unira um dia? Da alegria? Da paixão? Após uma longa pausa, pigarreou novamente.

- O que você disse?

- O que eu poderia dizer?

- Que os nossos erros não precisam ser os dela, para começar.

Annie acenou com a mão, dispensando-o tristemente.

- Você disse que ela provavelmente estava cansada e confusa e estava dando uma proporção exagerada ao problema?

- Disse.

- Ótimo.

- Eu pensava da mesma forma. - Annie suspirou. - Mas Dawn disse que estava sendo pragmática. Ela disse que preferia terminar tudo com Nick agora, enquanto ainda se importavam um com o outro, a esperar até... até que chegassem a se odiar.

- Mas, Annie. Nós não nos odiamos. Você disse isso a ela, não disse?

Annie assentiu.

- E?

- E ela disse que eu estava me iludindo, que o amor e o ódio eram verso e reverso da mesma moeda, que não havia meio-termo. Pessoas que se apaixonavam deixavam de se apaixonar na mesma proporção.

Chase soltou um suspiro. - Minha filha, a filósofa.

Annie ergueu o olhar, emocionada.

- O que nós vamos fazer? – sussurrou...

- Eu não sei.

- Dawn está magoada. Deve haver alguma forma de... Não podemos deixá-Ia simplesmente abandonar Nick. Ela o ama, Chase. E ele a ama.

- Eu sei. Eu sei. - Chase passou a mão pelo cabelo. - Deixe-me pensar um pouco.

- A nossa filha está assustada com o casamento e é nossa culpa!

Chase levantou-se. - Que droga!

- Também acho.

- É ruim nós termos colocado a pique o nosso casamento! Não quero me sentir culpado pelo fracasso do casamento de Dawn! Está me ouvindo, Annie?

- A casa inteira pode ouvir você! - disparou Annie. - Mantenha o tom baixo, senão você acorda os garotos.

- Eles não são "garotos". Você não acaba de dizer isso? Nossa filha é adulta o suficiente para decidir se casar, apesar de você ter tentado convencê-Ia do contrário.

Annie levantou-se, mãos aos quadris.

- Eu realmente tentei convencê-Ia a não se casar! Mas você já tinha se intrometido e dado o péssimo conselho: "siga o seu coração". Você lhe disse para fazer o que bem entendesse!

- Não é verdade.- Chase foi até Annie, o olhar traduzindo sua irritação. -Implorei-lhe para que revisse a questão. Disse-lhe que era jovem demais para dar um passo tão sério e... quer saber? Eu estava certo!

Annie soltou a respiração, que mantivera suspensa sem perceber.

- Certo, certo. Então, nós dois tentamos convencê-Ia a esperar.

         Dawn devia ter nos ouvido. Mas não ouviu.

- Não. Não ouviu. Ela fez tudo a seu modo. Então, nos viu dançando e, de repente, incorporou Sigmund Freud e percebeu que tinha cometido um grave erro.

- Chase, por favor! Fale bai...

- Ela vislumbrou uma situação futura ao nos ver dançando. Por que não se concentrou em algum pedaço de papel no chão do aeroporto? Ou algum fio elétrico exposto no teto?

- Não é hora para ironias!

- Talvez tenha sido algum músico ao piano tocando o tema de Casablanca. - Chase levou as mãos aos cabelos, agitado e por que ela não estava sintonizada no dia em que o pai tentou lhe dar um conselho?

- Eu também tentei aconselhá-Ia - reforçou Arinie. - É o que estou tentando dizer.

- E de que adiantou gastar saliva?- continuou Chase, ignorando-a. - Ela não estava ouvindo? Fez o que queria e agora acha que pode jogar a culpa no nosso divórcio?

Anne contraiu os lábios.

- Acho que ela não está tentando jogar a culpa em nada. Só está preocupada.

- Ela está preocupada? E quanto aos outros? Ela acha que nós estamos nos divertindo? - Chase ficou sombrio. – Pode imaginar como me senti ao abrir a porta e ver Nick ali de pé, contando que Dawn tinha fugido e que não conseguia localizá-Ia? Faz idéia da preocupação que eu e aquele rapaz tivemos?

- Gritar não ajuda em nada, Chase.

- Nem bancar o tolo! - Chase golpeou a parede. - Se você tivesse sido mais enérgica ...

- Não jogue a culpa em mim! - protestou Annie.

- Não sei o que você fez. Eu não estava aqui nos últimos cinco anos, lembra-se?

- E de quem é a culpa?

Chase e Annie encararam-se. Então, Annie soltou um suspiro. - Isso é inútil. Não adianta remexer no passado. Dawn precisa de nossa ajuda. Não podemos permitir que ela deixe Nick e destrua o casamento pelos motivos errados.

- Concordo. Se pelo menos ela simplesmente tivesse ido morar com Nick. Por que teve que se apressar em formalizar a situação? - Há poucos minutos, você estava furioso por ela ter se mudado para o apartamento dele!

- Você não ensinou autocontrole a ela? Se ela não tivesse deixado os hormônios falarem mais alto...

- Como se atreve? Como você se atreve a falar em autocontrole? Se você tivesse algum autocontrole, nós ainda estaríamos casados!

- Estou cansado de me defender dessa velha acusação, Annie. Além disso, se você não tivesse se comportado como se eu fosse um leproso...

- Isso mesmo. Jogue a culpa em, mim.

         - Não estou vendo mais ninguém aqui em quem jogar a culpa.

- Eu odeio você, Chase Cooper! Eu odeio você, está me ou-vindo? E lamento cada uma das vezes em que deixei que tocasse em mim!

- Mentirosa!

- Mentirosa, eu?

Chase avançou e tomou Annie pelos ombros.

- Você sempre gostou de estar nos meus braços.

- Só porque eu era muito inocente! - Annie cerrou os dentes e tentou desvencilhar-se. - Eu era praticamente uma criança quando nos conhecemos. Ou já se esqueceu disso?

- Você era a criança mais ardente que já conheci. Quando a beijei pela primeira vez, sua receptividade não deixou nenhuma dúvida. Só pude concluir que a queria para, mim, para o resto da vida.

- Até descobrir que há mais na vida a dois do que a cama.

- Oh, você com certeza me ensinou uma lição. "Agora não, Chase. Não estou com vontade, Chase"...

- E de quem você acha que era a culpa?

- Você não me viu dando-lhe as costas, viu, meu bem?

- Não me chame de meu bem! - protestou Annie, furiosa. - E, se eu lhe dei as costas, foi por um bom motivo. Eu não sentia mais nada. Acha que eu devia ter fingido?

- Não é isso que faz quando está com esse Hoffman?

Annie levantou a mão, Chase segurou-a antes que atingisse seu rosto.

- Você sabe muito bem que não precisava fingir quando fazíamos amor - grunhiu. - Mesmo no final. Você só é orgulhosa demais para admitir.

- Pobre Chase. O seu ego não agüenta a verdade?

- Eu vou lhe mostrar a "verdade"!

- Não! - protestou Annie, mas era tarde demais. Chase já lhe tomava os lábios de assalto.

Ante o beijo raivoso, Annie debateu-se, golpeando o ex-marido nos ombros, tentando desesperadamente afastar-se.

Mas então, bem no fundo da alma, algo pareceu ceder. Talvez fosse o silêncio da noite, ali bem junto à janela. Talvez fosse a tensão do dia interminável. De repente, a raiva deu lugar a uma emoção mais forte. Desejo. O mesmo desejo que existira entre eles no passado e que ela imaginara ter morrido.

Chase teve a mesma reação.

- Annie... - sussurrou, contra sua boca. Acariciou-lhe os cabelos e tomou-lhe o rosto. Com um suspiro, ela lançou os, braços ao redor de seu pescoço e entreabriu os lábios para se entregar completamente ao beijo.

Era como andar de bicicleta. Seus corpos se enrijeceram, roçando-se com a tranqüilidade da paixão havia tanto partilhada. Inclinaram mais o rosto para aproveitar melhor o beijo. As línguas trabalhavam ousadas.

Annie apertou as mãos na nuca de Chase, enquanto ele lhe apalpava as costas, até chegar aos quadris. Ele a ergueu então, ajustando-a contra seu corpo. Ela gemeu ao sentir o membro rígido contra seu ventre macio. Ele gemeu ao perceber que ela se posicionava melhor para senti-Io.

Por um longo momento, permaneceram perdidos um no outro. Então, ofegantes, afastaram-se um pouco.

Annie sentiu a pele queimar quando o ex-marido lhe tomou o rosto e varreu-lhe a boca com os láblos.

Chase desejou tomá-Ia nos braços e carregá-Ia para a escuridão. - Annie? - sussurrou.

Ela sorriu e agarrou-lhe os punhos. - Hum?

De repente, a cozinha ficou totalmente iluminada. - Mãe? Pai? O que estão fazendo aqui?

Annie e Chase voltaram-se. Dawn e Nick estavam junto à porta, boquiabertos.

 

Boa pergunta, considerou Annie .

         O que eles estavam fazendo, ela e o ex-marido? Sentiu o rosto queimar ainda mais.

Parecia que haviam voltado aos primeiros tempos, quando uma hora de namoro no carro era o suficiente para deixá-l os ansiosos por mais beijos e carícias.

- Mãe?

Dawn ainda olhava para os pais. Parecia tão chocada, como se estivesse diante de um bando de homenzinhos verdes dizendo "levem-nos a seu líder".

E era tudo culpa de Chase!

Ele se aproveitara de sua perturbação, envolvera-a enquanto ela tentava subjugar as emoções conflitantes. E por que motivo? Para calá-Ia.

Era o mesmo subterfúgio que ele usara durante todos os anos em que foram casados. Sempre que ela tentava conversar sobre o que estava errado, Chase, acomodado com a situação, dizia que não havia o que discutir. Quando ela insistia, ele a calava tomanndo-a nos braços e fazendo amor.

Dera certo, mas só por algum tempo, enquanto ela ainda acreditava que os beijos significavam que ele a amava. Eventualmente, percebera que não havia relação entre os dois fatos. Chase estava apenas silenciando-a, da forma mais direta possível, usando o que sempre funcionara bem entre eles.

Sexo. Selvagem, básico, primitivo.

Mas só sexo, por mais ardente que fosse, não bastava para manter um relacionàmento equivocado. Annie levara algum tempo para perceber, mas chegara a essa conclusão.

Chase aplicara o mesmo golpe naquela noite. E ela facilitara.

Correspondera aos beijos, quando devia saber as regras. Devolvera o beijo quando não sentia mais nada por ele o que quer que tivesse acontecido havia pouco, não significava nada. Já não sentia nada pelo ex-marido, exceto raiva.

- Mãe? Você está bem? Annie respirou fundo.

- Estou ótima - afirmou, e recompôs-se. - Estou perfeitamente bem, Dawn.

Dawn sorriu, confusa.

- Mas o que vocês estão fazendo?

Annie aguardou que Chase respondesse, mas ele continuou em silêncio. Ela teria de pensar em alguma desculpa plausível. Chase sabia que ela não contaria a verdade a Dawn, ou seja, que o pai dela apenas lançara mão de um velho truque para não deixá-Ia falar.

- Bem, seu pai e eu estávamos... conversando sobre você e Nick. E... e...

- E a sua mãe começou a chorar, então, eu coloquei meu braço ao redor dela, para confortá-Ia.

Annie voltou-se para Chase. Ele estava muito empertigado, o retrato da honra, decência e paternalismo, com calça de sarja, camisa de colarinho aberto e suéter de cashmere verde-escuro. O cabelo estava meio desalinhado e já se notava a barba por fazer, mas esses detalhes até lhe emprestavam algum charme.

Ela, por outro lado, estava um horror, de calça jeans velha e blusão desbotado. Nem sequer escovara o cabelo, desde que saíra para a igreja! Seu rosto estava lavado, sem o menor vestígio da maquiagem caprichada que fizera horas antes.

- A sua pobre mãe está preocupada - informou Chasee pousou o braço ao redor dos ombros de Annie. Sorriu-lhe confiante. Ela precisava de um ombro para chorar, não é, Annie?

- É - confirmou ela, com um sorriso falso. O que mais poderia fazer? Dizer que ele estava mentindo? Que os dois estavam no escuro, beijando-se, quase perdendo o controle da situação, porque ele era um aproveitador e ela estava havia muito tempo sem homem? Sim, eis a verdade, nua e crua. Nunca teria correspondido ao beijo de Chase se não estivesse vivendo como freira.

- Verdade? - Dawn olhou para os dois novamente e, então, entristeceu-se. - Entendo. Foi tolice minha achar... Quero dizer, quando os vi se beijando, pensei... Quase pensei... Oh, que importa?

Annie desvencilhou-se de Chase e foi para o fogão preparar mais chá.

- Beijando-nos, eu e seu pai?

- É. - Dawn foi até a mesa, puxou uma cadeira e sentou-se, apoiando o queixo nas mãos unidas. - Isso só mostra o quanto sou tonta.

 

- Não! - protestou Nick. Todos olharam para ele. Era a primeira vez que ele falava desde que tinham acendido as luzes. Ruborizou-se sob o olhar da esposa e dos sogros. - Você não é tonta.

- Sou, sim. Só isso explica eu ter me casado quando já desconfiava de que o amor se acaba durante o casamento. No fundo, todos sabemos disso.

- Não sabemos nada disso - disse Nick, e correu para junto dela. Ajoelhou-se a seu lado e tomou-lhe as mãos para aquecê-Ias.

- Olhe a seu redor, Nicky. O seu tutor, o seu tio Thomas... Separados. Os meus pais? Separados. Até o reverendo Craighill...

- O que realizou a cerimônia? - interrompeu Chase.

Dawn assentiu.

- Como sabe?

- Eu perguntei. O pobre homem já se separou duas vezes. Duas vezes, pode imaginar?

Chase olhou para Annie.

- Não - declarou, severo. - Com certeza, não posso.

- Não olhe para mim desse jeito - protestou Annie. A chaleira começou a soltar vapor e ela tirou-a do fogo. - O que tem o histórico matrimonial do homem a ver com isso?

- Um pastor que não pode manter a aliança de casamento devia pensar em arrumar outro trabalho - grunhiu Chase.

- Não, ele está no trabalho certo, papai - contrariou Dawn.

- Ele é um bastião da realidade. - A jovem suspirou novamente. - Só gostaria de ter sido inteligente o suficiente para perceber tudo isso antes, ao invés de fazer papel de idiota.

- Querida, pare de falar assim! - Nick tomou-lhe os ombros. - Você foi inteligente ao se apaixonar por mim, e mais inteligente ainda em se casar comigo. - Lançou um olhar acusador a Annie e Chase...- E quanto à impressão de viu seus pais se beijando quando acendemos a luz... você estava certa.

Dawn encarou o marido. - Estava?

- Isso mesmo. Eu os vi se beijando também.

- Não! - protestou Annie.

- Nós não estávamos nos beijando - reforçou Chase.

- Em absoluto. - Annie fez um gesto na direção do ex-marido.

- Dawn, seu pai já explicou o que aconteceu. Eu estava nervosa. Ele estava tentando me confortar.

- Está vendo, Nick? - Dawn tinha os olhos cheios de lágrimas. - Eles não estavam se beijando. Oh, como gostaria que fosse verdade!

Annie franziu o cenho. - Gostaria?

- Claro. - Dawn suspirou e passou a mão no nariz. Annie e Chase buscaram uma toalha de papel, mas Nick rapidamente ofereceu-lhe um lenço. - Entenda... quando vi você nos braços de papai... bem, quando achei que vi você nos braços dele, me senti feliz pela primeira vez desde o aeroporto. Pensei, só por um segundo, admito, mas ainda assim, pensei...

- Pensou o quê? - apressou Annie, suave, embora já soubesse, embora sentisse o coração despedaçado pelo fato de a filha ainda nutrir tal esperança. Foi para junto dela, envolveu-a pelos ombros e beijou-lhe a cabeça. - O quê, querida?

Dawn suspirou, emocionada.

- Pensei que tinha acontecido um milagre hoje - sussurrou.

- Que você e papai tinham finalmente reconhecido o erro que foi o, divórcio e percebido que ainda se amavam.

Seguiu-se um silêncio doloroso. Então, Annie soluçou baixinho. - Oh, Dawn. Querida, se fosse tão simples assim!

- Não pode julgar o futuro de seu casamento baseando-se no nosso - declarou Chase, mal-humorado. - Fofura, se você e Nick se amam...

- O que isso prova? Você e mamãe se amaram um dia.

- Bem, sim. Claro que sim, mas...

- E então viram que não estavam mais apaixonados, como todo mundo.

- Não todo mundo, querida. É uma generalização grave...

- Deve ter sido horrível saber que tinham se amado e que, de repente, tudo pareceu errado.

Chase olhou para Annle. Ajude-me, pedia o olhar dele, mas ela sabia que não tinha mais respostas do que tivera cinco anos antes. - Bem... - retomou, cauteloso - Não foi agradável. Mas isso não significa que...

- Vocês se esforçaram para me proteger, durante a separação, mas eu não era tão criança. Costumava ouvir mamãe chorando. E percebia que os seus olhos também ficavam vermelhos, às vezes, papai.

Nick levantou-se e afastou-se quando Chase foi até a filha.

- Não queríamos magoá-Ia, Dawn. Fizemos o máximo para poupá-Ia.

- Você não entende, papai. Não estou lamentando o passado, estou apreensiva quanto ao futuro. Quanto ao que vai inexoravelmente acontecer a mim e Nick. Não sei por que levei tanto tempo para perceber. Nós... nós vamos nos magoar e, antes que isso aconteça, prefiro parar.

Annie afastou o cabelo aa testa de Dawn.

- Dawn, querida, posso citar vários casamentos que deram certo.

- A estatística não é favorável.

- Não sei de onde tirou a idéia.

- Não é uma idéia, é fato. Aquele curso sobre vida familiar que freqüentei em Easton, lembra-se? O professor mostrou todas essas estatísticas, mãe. Casamento é uma bobagem!

Annie cerrou os dentes, repreendendo-se silenciosamente por ter convencido Dawn a cursar pelo menos algumas matérias na universidade local, já que não prosseguiria nos estudos, conforme haviam planejado.

- Sempre há um fator de risco em qualquer coisa que realmente valha a pena - ponderou Chase.

Annie lançou-lhe um olhar agradecido. - Exatamente.

- Então, quando as pessoas se casam, elas devem estar cientes de que estão entrando em um jogo de azar? - concluiu Dawn, olhando para os pais.

Annie ficou sem resposta.

- Bem, não... Não exatamente. As pessoas não devem pensar assim...

Olhou para Chase mais uma vez. Diga alguma coisa, estava estampado em seu rosto.

- Claro que não! - apressou-se Chase. - Os casais devem colocar toda a fé em sua habilidade de fazer o casamento dar certo.

- E se não for suficiente?

- Então, devem tentar com mais afinco.

Dawn assentiu.

- E, depois, acabam desistindo.

- Não! O que eu quero dizer é... - Chase olhou para Annie buscando apoio. - Annie? Você pode explicar isso?

Annie sentiu que pisava em areia movediça.

- O que seu pai está dizendo é que, às vezes, os casais tentam e, ainda assim, não conseguem fazer o relacionamento funcionar.

- Como você e papai.

Annie sentiu a areia cedendo, devagar, sob seus pés. - Bem, sim - concordou, cautelosa. - Como nós. Mas isso não significa que todos os casamentos fracassem.

Dawn suspirou.

- Acho que sim. Mas o casamento de outras pessoas não interessa agora. Só o que pensei hoje foi o quanto seria maravilhoso se vocês voltassem a ficar juntos. - Enterrou o nariz no lenço de Nick e assoou com força. - Então, quando vi vocês se beijando... quando achei que vi vocês se beijando...

- Nós estávamos - afirmou Chase. Annie olhou-o incrédula, estupefata.

Chase deu de ombros. Não havia por que mentirem sobre a ocorrência de um beijo, sem maiores conseqüências. Entrelaçou os dedos nos da filha e sorriu gentil.

- Você não imaginou nada, querida. Você e Nick viram isso mesmo. Eu estava beijando a sua mãe. E ela estava retribuindo.

O semblante coberto de lágrimas de Dawn iluminou-se.

- Você quer dizer... - Ela olhou para eles, os lábios trêmulos. - Eu estava certa? Vocês estão pensando em se reconciliar?

- Não! - adiantou-se Annie. - Dawn, um beijo não significa...

- Não significa que chegaram a uma decisão - ajudou Nick. - Certo, sra. Cooper?

Oh, Nick!, pensou Annie, infeliz. Pousou a mão no braço do genro.

- Ouçam, eu sei que vocês dois gostariam que eu dissesse, mas ...

- Apenas diga que há uma chance - declarou Nick, o olhar suplicante. - Ainda que pequena.

Annie sentiu a areia ceder sob os pés. - Chase, por favor, diga alguma coisa!

Chase engoliu em seco. Fazia anos que Annie não o olhava daquele jeito, como se ele fosse um cavaleiro em armadura prateada. Dawn também não o olhava com tanta adoração desde que parara de jogar softball.

As duas mulheres de sua vida contavam com ele para salvar aquela situação.

Era uma responsabilidade terrível. Infelizmente, não fazia a mínima idéia de como proceder.

Pense, incentivou-se, homem, pense! Devia haver alguma coisa... Dawn sentiu as lágrimas brotarem novamente.

- Não importa. Não precisa dizer nada. Tenho idade suficiente para saber que um beijo não é um compromisso.

Annie soltou um suspiro, como se estivesse retendo a respiração havia muito tempo.

- Isso mesmo - concluiu.

- Foi burrice achar que vocês iam tentar se reconciliar.

Annie sorriu para Chase por sobre a cabeça da filha. - Estou feliz por entender isso querida.

- Não há segunda chance... - Dawn limpou o nariz e olhou para o trio a seu redor. - Isso é Kierkegaard. Ou Sartre, talvez. Um dos dois, esqueci qual.

 

- Do seu curso de filosofia - completou Annie, sombria, decidida a cancelar o do nativo que enviaria à Universidade Comuunitária de Easton.

- Claro que há! - contrariou Chase.

- Não, não há! - teimou Dawn, suspirando - Basta olhar para vocês dois, se quer um exemplo acabado.

- Certo - declarou Chase. - Já basta.

- Chase, não diga nada de que possa se arrepender.

- Sr. Cooper, como marido de Dawn ...

- Dawn Elizabeth Cooper... Dawn Elizabeth Babbitt, você está se comportando como uma criança mimada! - Chase empurrou Nick para o lado e olhou para a filha de cima. - Isso é bobagem. Estatísticas de casamento, estatísticas de divórcio e, agora, citações de um bando de homens mortos que não eram capazes de achar os próprios...

- Chase! - repreendeu Annie.

- ...chapéus nas cabeças, quando estavam vivos - prosseguiu Chase. - Você e Nick se amam. Foi por isso que se casaram, certo?

- Certo - afirmou Dawn, baixinho. - Mas, papai...

- Não, você ouve para variar. Dei-lhe a vez e agora é a minha!

- Chase respirou fundo. - Vocês se amam. Vocês se casaram. Fizeram votos importantes, incluindo o de permanecer juntos nos bons e maus momentos. Pense nessa promessa, Dawn. – Tomou-lhe as mãos e olhou bem para ela. - Isso significa que sempre, terá que dar uma segunda chance, sempre há um bom motivo para tentar novamente.

Dawn assentiu; as lágrimas correndo soltas pelo rosto.

- Exatamente - concordou ela. - É por isso que, quando vi você e mamãe juntos, pensei como era maravilhoso vê-Ios dando uma segunda chance a si mesmos!

- Dawn, por favor, querida - pediu Nick. - Você está nervosa.

- Não estou, não - protestou Dawn, com a voz trêmula.

- Vamos sair daqui. Vamos nos dar uma segunda chance.

- Para quê? Para nos magoarmos em algum momento no futuro? - Ela soluçou forte. - Está me pedindo para participar de um jogo terrível, Nick, e fazer o que seria um milagre.

- Isso mesmo! - exclamou Chase.

Todos voltaram-se para ele.

Apesar dos argumentos contrários, Chase sabia que a filha esstava certa, Um percentual elevado dos casamentos fracassavam. E o rompimento, quando se amava tão profundamente quanto ele amara Annie, causava a pior dor imaginável.

Mas como poderia permitir que a fIlha e o genro fracassassem sem mesmo tentar?

Nick teve a idéia certa. Ele e Dawn precisavam sair dali. Precisavam ficar sozinhos e livres de pressão. Deviam partir logo para a bendita lua-de-mel e só conseguia imaginar uma forma de viabilizar aquela situação ideal. A filha queria um milagre? Certo. Ele providenciaria um. - Dawn, você está certa sobre sua mãe e eu.

- Não - protestou Annie. - Chase, não!

- Não queríamos dizer nada até termos certeza, pois ainda estamos confusos, entende? Na verdade, a incerteza é que é muito grande...

- Chase! - berrou Annie, aterrorizada.

Chase a ignorou. Dando um sorriso terno à filha, pediu perdão aos céus, caso houvesse anjos encarregados de marcar as mentiras de cada um.

- Não prometemos nada, não oferecemos garantia nenhuma, mas... sim, sua mãe e eu decidimos pelo menos conversar sobre nos dar uma segunda chance.

 

Chase observava Annie andar pela sala de estar. O movimento era quase hipnótico. Ela ia e vinha, ia e vinha, parando diante dele apenas para lançar-lhe um olhar de raiva e incredulidade com uma intensidade que faria a alegria de Medusa.

Após o repente de fúria que se seguira à partida de Dawn e Nick, ela não dissera mais nada, mas isso não significava que se acalmara. Faltava pouco para a explosão propriamente dita. O rosto pálido, os lábios contraídos e o andar decidido diziam-lhe que era questão de minutos. E sequer podia culpá-Ia.

O que o levara a fazer uma declaração tão estúpida? Sugerir uma possibilidade de reconciliação entre ele e Annie fora loucura. Fora errado... e injusto. Dawn, falsamente convencida de que reecebera seu milagre, partira com esperança no coração...

Mas, pelo menos, partira. Era isso que queriam todos, afinal de contas. Que Dawn ficasse a sós com o marido, que percebesse que o futuro de seu casamento não tinha relação com o fracasso da união de seus pais.

O fato de uma geração ter feito bobagem não significava que a geração seguinte repetiria o erro.

Chase sentiu o peso sair dos ombros. O que fizera fora impetuoso, talvez até ultrajante. Mas, se, graças a isso, Dawn fosse encontrar seu próprio caminho na vida e no casamento, então, valera a pena. A quem magoara, afinal? Quando os garotos volltassem da lua-de-mel, bastaria explicar-Ihes que os induzira a acreditar em algo que não estava acontecendo de verdade.

- E como acha que sua filha vai se sentir quando souber que foi lograda pelos próprios pais? - questionou Annie.

Chase ergueu o olhar. Annie estava trêmula de tão nervosa. Mas incrivelmente atraente.

Havia uma eternidade, ela costumava tremer assim em seus braços. Quando ele a acariciava. Quando lhe massageava os seios, o ventre. Quando ele se encaixava entre suas coxas...

- Está me ouvindo, Chase Cooper? Como acha que a nossa filha vai se sentir quando descobrir que o milagre era uma farsa?

Chase franziu o cenho. - Não é tão ruim.

- Tem razão. É pior!

- Ouça, eu estava apenas tentando ajudá-Ia.

-Hah!

- Certo, certo. Talvez eu tenha cometido um erro, mas ...

- Talvez?!

- As palavras saíram. Eu não queria...

- Não pode nem admitir que errou?

- Eu já admiti. Disse que talvez tenha cometido um equívoco.

Annie desdenhou.

- Ainda não percebe, não é? Um "equívoco" acontece quando nos esquecemos de um compromisso. Ou quando digitamos um número errado.

- Ou dizemos algo, no calor do momento, achando que poderia ...

- Você mentiu, Chase. Há uma grande diferença. Mas eu não estou surpresa.

Chase levantou-se.

- E o quê, exatamente, isso significa?

- Nada.

- Bolas! - Ele a agarrou pelos ombros e fez com que o encarasse. - Se há uma palavra que nunca suportei é essa. Você sempre diz "nada", mas até um idiota sabe que isso significa alguma coisà.

Annie sorriu satisfeita.

- Estou contente em saber.

Ele ficou sombrio. Agarrou-a com mais força e inclinou-se em sua direção.

- Está me provocando! Ela ergueu o queixo.

- O que vai fazer? Bater em mim?

Annie viu Chase estreitar o olhar. Por que ela dissera tal coisa? Eles brigavam, sim. Discutiam com palavras duras. Quando concordaram em se divorciar, tinham gasto toda a munição verbal possível.

Mas ele nunca encostara a mão nela. Nunca erguera a mão contra ela. Annie nunca tivera medo dele fisicamente e não o temia agora. Estava zangada. Ele também. Havia pouco, estiveram fora de si e acabaram um nos braços do outro, beijando-se com ardor.

Ora, o que está fazendo, mulher? Está maluca? Está tentando provocá-lo para ele beijá-la novamente?

Annie se enrijeceu e desvencilhou-se.

- Isso não vai nos levar a lugar algum - declarou, e foi até o sofá, onde sentou-se. - Só gostaria de saber o que fazer.

- Por que temos de "fazer" alguma coisa? - questionou Chase, e sentou-se na cadeira.

- Dawn vai ficar na expectativa ...

Chase suspirou e inclinou-se para a frente, os cotovelos sobre os joelhos; Apoiou o rosto nas mãos. - Eu sei.

- Como pôde? Como pôde dizer aquilo?

- Não sei. - Ele se endireitou e passou a mão no rosto. - Cansaço talvez. Não dormi nada ... em que ano estamos, aliás? - Para dizer tal bobagem a ela ...

- Certo, você já colocou o seu ponto de vista. - Ele franziu o cenho e recostou-se nas almofadas do móvel que Annie chamava de cadeira, o aparelho de tortura em que passara a última hora. - Essa almofada é de quê, afinal? Palha de aço?

- Crina de cavalo, o que combina, considerando sua mais recente atitude irracional!

Chase riu.

- Que jeito é esse de falar, Annie?

- Chase ...

- E melhor se policiar, meu bem. Controle o linguajar.

- Não me chame de meu bem. Não gosto. Só me diga o que devemos fazer agora.

Chase franziu o cenho, ao levantar-se. Esfregou a nuca e masssageou o pescoço enquanto caminhava lentamente para a janela.

Uma leve claridade amarelada surgia por detrás das árvores no quintal da casa. Amanhecia e Dawn estava quase lá, no Havaí, começando sua lua-de-mel com Nick. Sorriu e pensou em comentar isso com Annie, mas suspeitava de que ela não iria suportar a saudade da filha.

- Vamos esperar até as crianças voltarem - decidiu Chase, voltando-se. - Então, nós contaremos... eu contarei a eles que nunca deveria ter inventado que estávamos nos dando uma segunda chance.

- A verdade, quer dizer.

- Toda a verdade e nada além disso.

Annie assentiu. Levantou-se e foi para a cozinha. Chase a acompanhou.

- Suponho que isso vai limpar sua consciência.

- Chase sentou-se na banqueta junto ao balcão.

- Se vai fazer mais chá ou café ...

- É exatamente o que vou fazer.

- Para mim, não. - Ele pousou a mão no estômago. - As últimas doze xícaras ainda estão se revirando aqui.

- Talvez prefira alguma outra coisa ... Chocolate quente? Chase ergueu o cenho.

- Bem, sim, isso seria...

- Cacau mesmo, talvez. Uma xícara grande e caprichada,

- Não precisa se comportar assim, Annie.

- Não?

- Não. - Ele se levantou, foi até a geladeira e abriu a porta.

- Não tem cerveja?

- Não. - Annie passou por baixo do braço dele e fechou a porta da geladeira. - Eu não bebo cerveja.

Chase encarou-a.

- Aposto que o poeta maricas não, bebe também.

- O... - Annie ruborizou. - Se está falando de Milton...

- Que tal refrigerante dietético? Ou isso também está abaixo dos seus padrões?

Annie olhou-o com raiva. Então, foi até a despensa.

- Tome - disse ela, jogando-lhe a lata. - Tome refrigerante, apesar do inusitado da hora! Talvez isso limpe as suas idéias e você elabore, um plano que funcione.

- Eu já elaborei. - Chase puxou a tampinha da lata e reagiu com uma careta ao saborear o refrigerante morno. Abriu o conngelador para apanhar cubos de gelo. - Quando os garotos voltarem da lua-de-mel, vou dizer que nós distorcemos a verdade para o bem deles.

- Nós? - enfatizou Annie, com ar de professol'a~ - Certo. Eu. Eu distorci a verdade.

- Você ainda está fazendo isso, Chase. Diga. Você mentiu. Chase tomou um gole demorado e passou o copo gelado na testa.

- Eu menti. Está bem assim? Está se sentindo melhor? Annie não respondeu. Ficou olhando para o café escoando pelo filtro de papel.

- Você mentiu e o que foi que eu fiz?

- Ouça, não sei aonde está querendo chegar, Annie, mas nós já falamos sobre isso, lembra-se? - Suspirou e levou o copo de refrigerante ao coração. - Quer que eu jure que vou agir correetamente? Eu juro. Quer a minha palavra de que deixarei bem claro que você não teve nada com isso? Você a tem.

Annie cruzou os braços. - Mas eu tive.

- Teve o quê? Ora, acho que estou acordado há muito tempo, meu cérebro já não está funcionando bem. O que foi agora? Eu disse que contarei a Dawn que foi tudo idéia minha. Não posso fazer nada além disso, meu bem, posso?

Annie levantou-se da banqueta.

- Não me chame assim - protestou, mas sem tanta raiva. Suspirou profundamente. - Não pode dizer a ela que não tive parte nisso, porque eu tive.

- Teve? - repetiu Chase, tentando manter a calma. Olhou para o refrigerante e para o café, tentando calcular onde haveria mais cafeína. - Estou cansado - resmungou. - Preciso me deitar, Annie. Estou para lá de cansado. Posso jurar que ouvi você dizer que...

- Eu tive parte na mentira. - Annie apoiou os cotovelos sobre o balcão e esfregou o rosto. - Eu disse que sou tão responsável por essa confusão quanto você.

- Não seja ridícula. Fui eu que menti.

- Pelo menos está admitindo que foi uma mentira. - Ela suspirou, esfregou o rosto novamente, olhou para ele e cruzou as mãos. - Dawn vai me perguntar por que eu não disse nada, se sabia que você estava mentindo.

- Bem, você diz a verdade.

- E qual é?

- Que... - Chase franziu o cenho. - Nem sei mais sobre o que estamos falando. A verdade é a verdade.

- A verdade não é a verdade. Não exatamente. Quero dizer, eu ouvi você dizendo que estávamos pensando em uma reconciiliação. Eu poderia ter dito "Não é bem assim, Dawn. Seu pai está inventando"...

Chase sentiu um aperto no peito.

- Mas você não disse - observou ele.

- Eu não disse. - Annie olhou-o e confirmou: - Eu me calei.

- Por quê?

O cabelo de Annie desprendera-se, emoldurando-lhe o rosto.

Chase lutou contra o desejo de estender a mão e tocar nas mechas macias e brilhantes.

Annie suspirou. - Você vai achar que estou maluca.

- Tente.

- Porque, no fundo, eu sabia que esse era o único modo de fazê-Ia parar de comparar ela e Nick a nós. Foi tolice dela fazer isso. Só porque você e eu... porque deixamos de nos gostar... não significa que eles vão ter o mesmo destino.

Chase sentiu algo que não saberia definir. Alívio, convenceu-se.

Raios, o que mais poderia ser?

- Não vou chamá-Ia de maluca. - Sorriu. - Mas precisa admitir que está tão confusa a respeito dos limites da mentira quanto eu.

Annie assentiu.

- Bem, então, quando eles voltarem, nós dois vamos admitir que distorcemos a verdade e esperar pelo melhor.

- Suponho que sim.   

Annie sentiu o lábio estremecer.

- Dawn vai ficar magoada. E zangada.

- Ela vai superar.

- Nunca lhe mentimos, Chase. Mesmo quando... quando finalmente decidimos nos divorciar, contamos-lhe a verdade.

 

Chase olhou para a ex-esposa.

- Bem, talvez haja um outro modo. - Observou Annie enxugar as lágrimas com a mão. - Quero dizer... podíamos concordar em tentar uma reconciliação.

- O quê?

- Não de verdade, claro - explicou Chase. - Uma encenação. Você sabe, passar algum tempo juntos. Sair para jantar, por exemplo. Esse tipo de coisa.

Annie olhou fixamente para ele, os olhos muito abertos e obscurecidos.

- Fingir?

- Bem, sim. - Chase estava quase rouco. - Só assim poderemos encará-Ios de frente e dizer "sim, nós tentamos"...

- Não.

- Não?

Annie balançou a cabeça. - Eu... eu não poderia.

- Por quê não?

Annie esforçou-se para encontrar uma resposta. Por que não, mesmo? Que mal faria passar a semana da lua-de-mel de Dawn saindo, ou fingindo sair, com o ex-marido? Era só evitarem tocar em assuntos que traziam à tona as velhas animosidades e a dor. Poderiam apertar as mãos, como em um acordo comercial, e fingir, pela felicidade da filha. Mas não conseguiria fazer isso. Uma semana vendo Chase? Sete dias sorrindo-lhe durante o jantar? Vendo seu rosto, ouvindo sua voz? Caminhando a seu lado? Não. Seria muito... muito...

- Seria errado - declarou, agitada.

- Annie...

- Não há razão para consertar uma mentira com outra. - Ela levantou-se, pegou a cafeteira e jogou o conteúdo na pia. - Você tinha razão. Mais um gole de cafeína e vou começar a ter azia.

- Annie...

Ela voltou-se para encará-lo.

- Não daria certo - resumiu. - Nem para você, nem para mim... nem para ninguém.

- Quem mais? Ninguém precisaria saber. Annie parecia hesitante.

- E a sua noiva?

- Minha...

- Janet Pendleton. Como vai explicar isso a ela? Chase franziu o cenho. Outra mentira pesando em sua consciência.

- Bem... Direi a ela o mesmo que você disser ao seu projeto de poeta.

Annie ruborizou.

- Você sempre gostou de fazer pouco das pessoas. Eu pensei ter dito a você que Milton é professor na universidade.

- Ele é um cara medíocre e aposto como você está freqüentando algum curso ministrado por ele. O que é desta vez? Como falar inglês do, século dezesseis no século vinte? Cinqüenta maneiras de transformar pensamentos simples em total obscuridade?

- Obscuridade? - repetiu Annie, batendo os cílios. - Estou impressionada.

- Pois eu, não! Como pode ser tão ingênua? Assistindo a cursos idiotas monitorados por imbecis orgulhosos de seus títulos...

- Você também tem um título, sr. Cooper, mas, claro, você não é imbecil!

- Você está certa, não sou. Pelo menos, tenho calos nas mãos. Eu trabalho de verdade.

- Saiba que Milton Hoffman é um acadêmico shakesperiano com reputação notável.

- Em quê? Sedução de mulheres casadas? Annie ficou alterada.

- Eu não sou uma mulher casada! Sim, assisti a um curso que ele deu e sim, ele compõe poesias. Belas poesias que, tenho certeza, estão além da sua compreensão. - Lembrando-se de mais um detalhe, completou: - Sei que vai ficar decepcionado, mas Milton não é gay.

Chase cruzou os braços.

- Suponho que fale com conhecimento de causa - disparou, e sentiu o estômago enjoado.

Annie nem hesitou. Por que se preocupar em contar uma mentira ao mestre da arte?

- Claro - confirmou, com um sorriso.

Chase remexeu o maxilar. Era o momento de fazer algum comentário sarcástico. Infelizmente, o raciocínio não funcionou. Não, não era verdade. Sua mente encheu-se de imagens de Annie nos braços de Hoffman.

- Que bom para vocês dois! - comentou, friamente. Annie ergueu a cabeça.

- Nós achamos que sim.

- Então, quando é o grande dia?

- Que grande... - Ela engoliu em seco. - Quer dizer, o casamento? - Encolheu os ombros. - Nós... ainda não marcamos uma data. E você?

- E eu, o quê?

- Quando você e Janet vão dar o nó?

Nó era o termo. Chase até sentia o nó fechando-se no pescoço. - Logo.

- Neste verão?

- Depende. Tenho esse projeto começando em Seattle...

- E, claro isso vem em primeiro lugar.

- É um trabalho importante, Annie.

- Tenho certeza de que sim. E tenho certeza de que, Janet entende isso.

- Ela entende, sim. Ela sabe que uma empresa como a minha exige que eu me dedique vinte horas ao dia.

- Ela entende muito melhor do que eu.

- Está absolutamente certa!

Encararam-se, ambos recordando, caso já houvessem se esquecido, como era bom não estarem mais vivendo juntos.

Então, Chase informou: - Tenho que pegar um avião.

- Isso mesmo. Decole. Dê as costas à confusão que aprontou.

- Bolas, o que quer que eu faça? Devo estar em Seattle para uma inspeção amanhã à tarde. Ora, de que estou falando?  Franzindo o cenho, afastou a manga do suéter e viu as horas. É esta tarde.

- Corra! - aconselhou Annie, e cruzou os braços. - Antes mesmo de acabarmos de conversar, antes de encontrarmos uma solução para o problema que você criou.

- Ótimo. Você quer conversar? Pode me levar ao hotel para eu pegar a bagagem. E, depois, pode me levar ao aeroporto.

Quinze minutos até o hotel, pensou Annie, estreitando o olhar sobre ele, e depois mais quarenta minutos até o Aeroporto Bradley. Uma hora, mais ou menos. Com certeza, podia sobreviver à companhia dele, se isso significasse uma solução.

- Está bem - concordou Annie, mas então hesitou.

Talvez devesse subir e trocar, de roupa... ? Não. Para quê? Chase merecia ser levado ao aeroporto por uma mulher vestida com roupa de faxina. Pegou a chave do carro.

- O que está esperando, Chase? Vamos.

Annie aguardou no carro enquanto Chase fechava a conta na recepção do hotel.

Concordar em levá-Io ao aeroporto não fora uma boa idéia. Não haviam concordado em nada até aquele momento. E estar tão perto de Chase em seu carrinho popular provocava-lhe... bem, um certo constrangimento. Chase era grande demais para o carro. A coxa dele ficava a poucos centímetros da dela. Os ombros roçaavam-se quando fazia uma curva mais acentuada e o cheiro dele impregnava o ar.

Quanto antes se livrasse do ex-marido, melhor.

- Podemos ir? - indagou, quando ele se acomodou no banco.

- Podemos. - Chase tirou o bilhete aéreo do bolso. - Vou pela West Coast Air.

Annie dirigia destramente em meio ao tráfego pesado. - Terminal A ou B?

- Como vou saber?

- Deveria, porque Bradley tem dois terminais - explicou Annie, paciente. - Preciso saberem qual você vai embarcar.

- Mas não vou embarcar em Bradley.

Annie olhou-o confusa.

- Não?

- Vou embarcar em Logan, Boston. Pensei que tivesse entendido isso.

- Boston?! - exclamou Annie, lamentando o mal-entendido.

Levariam duas horas, não quarenta minutos, para chegar lá. - Mas pensei que...

- O meu vôo parte ao meio-dia. Vamos conseguir? Talvez devesse ligar para a companhia aérea. Se houver outro vôo em uma hora ou duas, poderemos parar para comer alguma coisa.

- Não seja tolo. - Annie olhou para o relógio no painel. - Há tempo de sobra - declarou, e acelerou.

Chegaram ao aeroporto com vinte minutos de antecedência. Annie estacionou o carro num local proibido. Chase abriu a porta e saltou.

- Bem, obrigado pela carona. Ela assentiu.

- Não há de quê.

- Lamento que não tenhamos chegado a uma solução.

- Eu também.

- Assim que os garotos voltarem ...

- Eu ligo para você.

- Nós acharemos uma solução até Iá.

- Com certeza.

- Dawn é uma boa menina. Ela vai entender, se decidirmos passar tudo a limpo.

- Chase, o seu ávião.

- Certo. - Chase fechou a porta do. carro. - Bem...

- Adeus - encerrou Annie. Pisou no acelerador e conduziu o carro para a saída.

Annie estacionou no acostamento pouco depois. Sentia o coração acelerádo e a visão turva.

 

Por que brigavam por assuntos tão tolos? Por que estavam sempre se alfinetando?

- Porque vocês não combinam - sussurrou, respondendo às próprias perguntas. - Nunca combinaram. Era só o sexo que os mantinha longe da verdade. Annie franziu o cenho. O que era aquilo no chão do carro? Inclinou-se e pegou um envelope comprido.

Era a passagem de Chase.

- Ah, não! - Nervosa, deu meia-volta e voltou com o carro, numa manobra irregular.

Chase não estava no terminal, ou melhor, Annie não conseguia localizá-Io. Havia tanta gente!

Annie correu para ver o painel de partidas e chegadas. Para onde ele disse que estava indo? Seattle? Sim, era isso. Pela West Coast Air. Lá estava. Portão seis.

Correu pelo saguão, passando pelos balcões das companhias aéreas, rumo aos portões de embarque. Um segurança pediu para ver sua passagem. Mostrou-a rapidamente e prosseguiu.

Se era preciso estar com um passagem para entrar ali, como Chase conseguira entrar?

Oh, lá estava ele!

- Chase! - chamou - Chase! Ele voltou-se ao ouvir sua voz. - Annie?

Ele abriu os braços. Ela tentou não correr para ele, mas não conseguia diminuir a velocidade. Estava tão ansiosa! Dali a insstantes, estava nos braços de Chase.

- Annie - sussurrou ele, gentil. - Meu bem.

Com os braços em torno do pescoço dele, ela acariciou-lhe o cabelo. Beijaram-se.

- Chase, a sua passagem ...

- Está tudo bem - disse ele, os lábios junto aos dela. - Não fale nada. Só me beije.

Ela obedeceu e voltaram aos velhos tempos. O beijo doce, a alegria e, então, a onda de excitação por estar nos braços de Chase... - Mãe! Pai! Não é incrível?

Annie e Chase afastaram-se rápido. Dawn e Nick estavam parados a um metro de distância. Nick parecia um pouco surpreso, mas Dawn estava encantada.

Annie recuperou-se primeiro.

- Dawn? E Nick? O que estão fazendo aqui? Chase pigarreou.

- Pensamos que vocês já tinham partido.

- Bem, houve um atraso. Condições meteorológicas. Algo assim. Nada sério.

- Ah, entendo - murmurou Chase. - Quero dizer, isso é ruim. Ouçam, gostaria de poder ficar e conversar, mas o meu avião...

- Nós só estamos andando para matar o tempo - disse Dawn.

- Está nesse vôo para Seattle?

- Isso mesmo. E vai partir em alguns minutos, então ...

- Claro. - Dawn avançou e abraçou os pais. - Achei maravilhoso ver vocês dois assim.

- Dawn, meu bem .

- Annie - cortou Chase, cauteloso.

Ela o encarou. Ele tinha razão. Ainda não era hora de contar à filha sobre a farsa.

- O quê, mãe?

- Apenas... apenas... mantenha-se de mente aberta, certo? Sobre... sobre seu pai e eu.

Dawn assentiu e aninhou-se junto ao marido. - Vou me manter.

- Ótimo. Isso é bom. Porque...

- Só quero que saibam o quanto significa para mim ver vocês dando uma segunda chance ao casamento.

Chase disfarçou. - Para nós também... significa muito.

- Vou aceitar qualquer decisão que venham a tomar, especialmente agora que vi que estão tentando chegar a um entendimento com tanto afinco.

Annie e Chase olharam confusos para a filha, que completou: - Viajar juntos para Seattle! É maravilhoso! Eu tinha lá minhas dúvidas, sabem? Se vocês estavam mesmo tentado se entender ou se estavam apenas querendo que eu me sentisse melhor. - Sorriu. - Agora eu sei que, o que quer que aconteça, é de verdade.

O sistema de alto-falantes anunciou:

- Última chamada da West Coast Air, vôo 606, para Seattle. Dawn deu um abraço conjunto nos pais.

- Vão - incentivou. - Nick e eu vamos ver vocês partirem. Apavorada, Annie raciocinava em busca de uma saída.

- Não, crianças, não é preciso.

Mas já estavam os quatro marchando para o terminal, Dawn rebocando Annie pela direita e Chase pela esquerda. Nick vinha logo atrás. Quando chegaram ao portão de embarque, Dawn deu um beijo em cada um.

- Eu te amo, mãe - sussurrou.

- Dawn. Querida, você não entende ...

-Entendo. E sei, do fundo do coração, que é assim que deve ser.

A comissária junto ao portão chamava-os: - Apressem-se, por favor, se quiserem pegar esse vôo.

- Chase? - invocou Annie, desesperada, sentindo a mão dele junto ao cotovelo.

- Apenas ande - murmurou ele, com os dentes cerrados, empurrando-a gentilmente.

- Não. Isso é impossível!

- Voltar também. Caminhe. Sorria... e, quando estivermos no avião, comporte-se.

- Só em sonho, Cooper Já se esqueceu? Eu não tenho passagem. Chase olhou para a mão dela.

- Perdão, mas acho que tem.

- Não seja ridículo! Eu tenho a sua passagem. Você a deixou cair no carro. Foi por isso que voltei correndo. Só então Annie reparou na ponta de um bilhete aéreo no bolso do paletó de Chase.

- Eu comprei outra - informou ele. - Tentei dizer isso a você.

- Não... - gemeu Annie.

- Sim.

Annie sentiu as pernas bambas e Chase amparou-a pelo cotovelo. - A comissária vai notar os nomes! Ela vai, ver que eu não posso ser ...

Chase pegou o envelope de Annie e retirou a passagem. - Apressem-se! - urgiu a comissária.

Dali a pouco, Annie estava sentada numa poltrona da primeira classe de um Boing 747 que acabava de decolar sob um céu azul de brigadeiro.

 

Eu não posso acreditar!

Chase suspirou, inclinou a poltrona e fechou os olhos. Sentia a cabeça sendo martelada sem piedade. - Eu definitivamente, positivamente, não posso acreditar no que está acontecendo!

- Isso você já disse uma centena de vezes esta manhã. Ou talvez, tenha sido na noite passada. Não sei por que, mas parece que perdi a noção do tempo.

- E pensar que eu permiti que você me arrastasse para essa...

- Annie. Faça-nos um favor, sim? Deite-se.

- ...essa situação surrealista! E você fica aí, deitado, descansando como se nada anormal estivesse acontecendo!

Chase segurou os braços da poltrona com força. Bem, Annie tinha motivos para estar tão alvoroçada. Ele também estava.

Vinham cometendo erros seguidos, afundando-se em mentiras.

Tudo para salvar o casamento de Dawn e Nick. Não importava que, mais cedo ou mais tarde, tivesse que decepcionar sua garotinha. - Você se importa? Não, não o sr. Chase Cooper! Ele é alheio a esses problemas. - Apenas fica aí sentado, distante...

Mas, antes, teria que suportar Annie atirando em sua cara o que ele já sabia, que fora um idiota por tê-Ios lançado nesse turrbilhão de equívocos sucessivos, em primeiro lugar.

- ...me deixa louca! Eu fico aqui sentada, pensando na grande encrenca em que nos meteu e você se preocupa?

- Annie, creia em mim. Eu estou preocupado.

- Não está, não! - acusou Annie, colérica. - Se estivesse preocupado, não teria apetite. Mas você se entregou aos prazeres da comida como um homem faminto diante de um banquete.

- Pode apostar que sim. Estava com fome. Não comi nada desde a sola de sapato e as miniaturas que o bufê distribuiu na festa.

- Sola de sapato? Miniaturas? - Annie estremeceu de indignação. - Isso só enfatiza o que você já sabe.

Chase encarou-a, Pensou em rebater, mas refletiu melhor.

Raios, pensou, cansado, Annie tinha razão. O que ele sabia?

O bastante para erguer a Construtora Cooper à posição que ocupava hoje, mas não o suficiente para salvar o próprio casamento. Agora, dentre todas às pessoas, era ele que tentava salvar o casamento da filha. Havia uma ironia aí, se ao menos conseguisse perceber.

Recostou a cabeça e deixou a tirada irônica de Annie infiltrar-se em sua mente. Estava cansado demais para argumentar, até mesmo para responder. Não se sentia tão cansado desde os primeiros anos de seu casamento, quando trabalhava durante o dia e à noite fazia cursos de administração, finanças e qualquer coisa que o ajudasse a conduzir sua empresa ao sucesso.

Ainda lembrava-se de voltar, tarde da noite, tão cansado que nem enxergava direito, mas não a ponto de dispensar os abraços da esposa, de sentar-se à mesa da cozinha e conversar sobre qualquer assunto, de política aos problemas de Annie na lanchonete.

Quando tudo começara a dar errado? Já analisara a questão, mas não descobrira um dia ou um evento ao qual pudesse atribuir a culpa. Eles haviam mudado, simplesmente, pouco a pouco, tão sutilmente que, agora, após tanto tempo, não conseguiriam mais apontar uma causa. Só sabia que, em algum momento, Annie parara de esperar por ele.

Não fora enquanto ele estudava à noite. Não, fora depois disso.

Ele começara a assumir trabalho em lugares distantes, a duas ou três horas de viagem de casa. Mas nenhuma vez deixara de voltar. Dirigia à noite, mesmo cansado, só para rever sua Annie... até que percebeu que não adiantava nada, pois a única coisa que ela dizia quando ele chegava era."não traga lama para dentro, Chase". Após comunicar-lhe que seu jantar estava no microondas, ela ia dormir.

Após fazer a refeição sozinho e planejar as atividades do dia seguinte, ele subia ao quarto e encontrava-a dormindo, ou fingindo dormir, de costas para ele, o corpo tão rígido que ele nem se atrevia a tocá-Ia.

Achara que tudo mudaria quando o dinheiro começasse a entrar.

Próspero, ele passara a comprar presentes para Annie, mimos caros que sempre desejara lhe dar. Também enviava bombons e ramalhetes de flores em arranjos elaborados.

- Obrigada - dizia ela, educadamente, e Chase percebia que continuava faltando alguma coisa.

Agora, passava muito tempo nos canteiros de obras, pois era do tipo de homem que participava do trabalho, em vez de se trancar no escritório. Acreditava que, para manter tudo sob controle, tinha de estar lá em carne e osso. Soube que alcançara o sucesso ao receber convites para todo tipo de evento. Jantares na Câmara de Comércio. Reuniões beneficentes. Eventos a que ele não podia deixar de comparecer, pois, se não mantivesse os contatos, outra empresa ocuparia o espaço conquistado e começaria a perder conntratos. Queria o melhor para Annie e Dawn, queria que elas tivessem tudo o que lhes fora negado por tanto tempo.

Diante de tantos convites sociais, ele ficara nervoso, a princípio.

Não sabia como seria interagir com aquelas pessoas. Mas Annie não se abalara.

- Eu também devo ir? - perguntara ela, quando ele mostrara o primeiro convite para uma reunião beneficente.

Sentira-se magoado com a pergunta. Esperara que a esposa o admirasse ante aquela prova de sucesso no feroz mundo dos negócios.

- Claro, você é minha esposa, não é?

Annie saiu, comprou vestidos e todos os acessórios e passou a freqüentar cabeleireiros, freqüentando os salões elegantes como se nunca houvesse trabalhado numa lanchonete ou cuidado de bebês como babá.

Ora, ele ficara tão orgulhoso da esposa! Ela exalava autoconfiança. Era bonita e inteligente. Quisera ficar a seu lado para apresentá-Ia aos convidados, mas logo percebeu que ela se saía bem sozinha. Reconhecia que ela trabalhara muito para que pudessem estar ali naquele dia e, por isso, recuava para que ela pudesse brilhar. Ele era o acompanhante e sentia-se feliz assim.

 

Que grande idiota! No fim, concluíra que ela detestava acompanhá-Io àqueles eventos. Logo começou a recusar os convites, ao mesmo tempo que iniciava uma infinidade de cursos noturnos inúteis, deixando claro que queria uma vida independente da dele.

Ele acabou dedicando-se mais ao trabalho, passando dias longe de casa. Que mal fazia? Dawn estava entrando na adolescência. Tinha seus próprios amigos. Quanto a Annie... Annie nunca estava disponível. Freqüentava um curso atrás do outro: "Como apreciar Haiku", "Entendendo Jasper Johns", fosse quem fosse Jasper Johns, "A arte da pintura em seda".

Por fim, ela se concentrou em cursos de arranjo floral e paisagismo. Foi quando ele fez a mala e disse adeus. Ah, antes, houvera um incidente! A secretária jogara-se em seus braços, embora ele não a houvesse incentivado, mas Annie não acreditara, evidentemente.

Peggy sentia-se solitária. Tão solitária quanto ele. Um batepapo, alguns almoços juntos, mais conversas após o expediente, após o que ele lhe pagava um táxi para levá-Ia em casa. Por isso mesmo, ninguém fIcara mais surpreso do que ele quando Peggy lançou-se em seus braços, certa noite. E, bem naquela hora, Annie, que muito raramente aparecia no escritório, dera o ar da graça.

Chase suspirou. Não que isso importasse mais. Ele e Annie estavam divorciados havia muito tempo. Ele construíra uma nova vida, muito agradável, e tinha certeza de que Janet ficaria encantada em partilhá-Ia, se ele lhe pedisse.

Estava feliz. Contente. Até aquele dia,

Até ter Annie novamente em seus braços na pista de dança.

Até que as lembranças voltassem com nitidez. Até ele inventar uma mentira e colocá-Ios naquela situação patética.

Ali estava ele, voando para Seattle, ouvindo Annie falar incessantemente sobre o que ele fizera, com duas horas ainda pela frente até poder embarcá-Ia de volta.

- ...poderia pelo menos mostrar alguma preocupação!

Chase olhou para a ex: Annie olhava para frente, ruborizada, os braços cruzados.

- Ouça, o que quer que eu faça? Que eu me ajoelhe e peça perdão?

Ela fungou, sem olhá-Io.

- Apenas diga, certo? - insistiu ele. - E eu farei, porque estou cansado de ouvir as suas lamentações!

Annie voltou-se para ele, o olhar fulminante. - Lamentações? Eu?

- Sim, você! Fica reclamando e choramingando e tudo porque eu cometi um equívoco.

- Não estou lamentando nem choramingando. Estou apenas enfatizando o óbvio. Sim, você cometeu um equívoco. Dos grandes! E agora aqui estamos nós, voando para Portland...

- Seattle.

- Que diferença faz?

- Portland fIca no Oregon. Seattle, em Washington. Há uma grande diferença.

- Bem, desculpe-me. Suponho que saberia a diferença, se tivesse ido para a universidade, mas infelizmente, isso me faltou. - Ensandeceu? O que um diploma de universidade tem a ver com isso?

Annie mordeu o lábio. - Nada.

- Você tem toda razão - admitiu Chase. - Agora, por que não nos faz um favor? Recline a poltrona, feche os olhos e descanse.

- Oh, sim, é fácil para você dizer! Se não fosse tão obtuso, não estaríamos passando por isso. Como pôde? Como pôde dizer a Dawn...

- Basta! - Chase tomou Annie nos braços e beijou-a. Ela ficou surpresa demais para lutar e ele tirou proveito, beijando-a longa e profundamente. - Agora, vai ficar quieta? Pois, se começar a falar novamente, vou calá-Ia com mais beijos.

Annie ficou vermelha de raiva.

- Eu odeio você! - declarou, revoltada. Chase liberou-a.

- Qual a novidade? - retrucou, cansado, e fechou os olhos, tentando não pensar em como era bom beijá-Ia, pois uma lembrança levava a outra e ele passaria a recordar como era fazer amor com Annie.

Pare, ordenou-se, e adormeceu profundamente.

Desgostosa, Annie observava Chase adormecido a seu lado. Ele ressonava e, a julgar por sua expressão, dormia o sono dos inocentes.

Bem, por que estava surpresa? Era assim que ele lidava com todos os problemas, mesmo antes do divórcio.

- Dormindo - resmungou ela, e relaxou na poltrona.

Houve uma época em que ela, ao perceber que o casamento estava ameaçado, tentara descobrir o que estava errado e qual seria a solução. Então, esperava Chase chegar, para conversarem.

Como era lenta para perceber os fatos!

Como conversar com um homem que chegava tão tarde da noite?

Que fingia ficar trabalhando até tarde quando a simples verdade era que não voltava logo porque não tinha nada para dizer à esposa?

Era culpa sua ter-se casado tão jovem, sem haver freqüentado a universidade, como ele?

Por um breve período quando a Construtora Cooper começou a crescer, ousou sonhar que as coisas estavam melhorando.

Mas não estavam. Tudo estava piorando, a começar pela noite, em que Chase voltara e anunciara que havia sido convidado para um jantar importante. Ele queria ir. Tratava-se de urna grande oportunidade de negócios, segundo ele.

Era como um convite para o paraíso.

- Você quer que eu vá? - perguntara ela.

Rezou para que ele dissesse que o que queria mesmo era que voltassem a se amar como antes.

Ao invés disso, ele fechou a cara e disse que ela deveria commparecer ao evento, pois era sua esposa.

Ou seja, Annie Cooper deveria cumprir suas obrigações como esposa de um empresário bem-sucedido. Acompanhá-Io a festas fazia parte das atribuições de seu cargo, assim como preparar as refeições a que ele nunca estava presente, ou aquecer-lhe a cama, para quando ele a procurasse.

Assim, ela saíra e comprara as roupas certas, arrumara o cabelo do jeito certo e o acompanhara à festa na Câmara de Comércio. Ou algo assim. Não se lembrava mais. Não que isso fosse imporrtante. As dezenas de recepções às quais comparecera com Chase tinham sido todas iguais e ele nem mesmo ficara com ela o tempo todo. Era sempre o mesmo roteiro. Ele a apresentava e, então, saía sozinho pela festa. Ia fazer contatos, nem mesmo fingia que apreciava a sua companhia, pois a verdade era que não se imporrtava mesmo.

Foi quando ela concluiu que estava cansada de ser a recatada esposa do formidável empresário Chase Cooper. Ele tinha seus diplomas e sua construtora. Ela também poderia ter algo seu.

Faria cursos. Sobre temas que nunca despertaram o interesse dele. Ele explodira ao chegar de uma viagem e vê-Ia saindo para uma palestra sobre haiku.

- É assim que escolhe os cursos, Annie? Olha no catálogo e diz: "Ei, esse parece 'bom! Meu marido idiota nem imagina o que seja isso!"

- Como descobriu? - ironizara ela.

E saíra logo, para que ele não a visse chorando e para que não caísse na tentação de questionar: "Chase, por favor, o que está acontecendo conosco? Eu te amo. Diga que ainda me ama".

Não era verdade, claro, sobre os cursos. Ela freqüentava os que achava interessantes. O de haiku, para se iniciar no universo japonês. Aquele sobre Jasper Johns, porque um dos clientes de Chase mencionara possuir uma coleção de Johns. E o de pintura em seda porque ficara fascinada com as cores de um vestido que vira na vitrine de uma loja.

E quisera fazer o curso de arranjos florais por nostalgia, porque houvera uma época em que Chase lhe trazia uma única rosa, pois era só o que podia comprar, mas ela apreciava cada botão solitário muito mais do que os enormes buquês que ele mandava lhe entregar agora.

Oh, como as rosas solitárias tinham sido mais significativas! Certo dia, Chase chegara em casa com uma rosa, uma garrafa de vinho e duas passagens para as ilhas Virgens, dizendo-lhe que a rosa era quase tão bela quanto ela.

Ainda se lembrava de como se atirara em seus braços...

- Tive um dia cheio, meu bem - explicara ele, rouco. - Preciso de um banho.

Ela começara a tirar-lhe a roupa. Um minuto depois, os dois entravam nus debaixo do chuveiro.

Annie ainda se arrepiava só por se lembrar daquele momento.

Tinham passado sabonete um no outro, tinham se acariciado e se beijado. Finalmente, fizeram amor ali mesmo, debaixo do jato de água. Chase a sustentara com os braços fortes e ela se agarrara à cintura dele com as pernas. Ele sussurrava seu nome contra a pele molhada e ela gritou quando atingiram o orgasmo.

As lágrimas ameaçaram brotar. Era estúpido recordar aqueles momentos. Especialmente os relacionados a sexo, pois conduziam inevitavelmente ao motivo do fim do casamento.

Durante um curso de arranjos florais, realizara alguns trabalhos notáveis e, certo dia, a instrutora solicitou-lhe que aguardasse após a aula. Queria inscrever um de seus arranjos num concurso.

Annie concordou. Entusiasmada, sem conseguir lembrar da última vez que partilhara uma boa notícia com o marido, pegara o carro e fora até o escritório de Chase. Percorreu o corredor saltitante e abriu a porta sem bater.

Annie estremeceu.

Ainda podia ver a cena, o marido e a secretária. A moça com os braços ao redor do pescoço dele, ele segurando-a pela cintura, os corpos muito juntos...

Foi isso. O casamento estava acabado.

Chase tentou explicar, distorcer a verdade, mas ela não se deixou lograr. Bastava a dor de ver o homem que amava afastar-se lentamente ao longo dos anos.

Naquela noite, sentindo-se traída e humilhada, Annie entendeu que o que sentía pelo marido não existia mais. O amor estava morto e enterrado.

- Annie, você precisa me ouvir! - implorara ele.

- Sim, sra. Cooper - reforçara a secretária. - Não é o que está pensando...

Ouvir? Ouvir o quê? Não havia nada a discutir.

Sentiu-se repentinamente calma. A decisão não estava em suas mãos, graças a Chase e à bela secretária chorosa.

- Quero o divórcio - informou, e até conseguiu esboçar um sorriso frio à secretária. - Ele é todo seu - comunicou, deu meia volta e saiu.

Tudo acontecera rápido depois daquilo. Sua irmã, Laurel, indicou-lhe uma advogada, não sem antes tentar convencê-Ia a não agir de forma tão precipitada. Mas não havia nada de precipitado em sua decisão: Ela e Chase haviam caminhado para aquele momento durante anos.

O divórcio transcorreu de forma muito civilizada. O advogado de Chase era um velho amigo, David Chambers, que cumprimentava-a com um beijo no rosto e a tratou com cortesia em todas as sessões. Chase quis que ela ficasse com o apartamento. Com metade das economias. Com metade de tudo. Mais ajuda financeira à filha e uma pensão generosa.

Mas Annie não queria nada. A advogada e o advogado de Chase advertiram-na de que agia de forma insensata. Tinha uma filha para sustentar. Só por isso, aceitou a pensão para a filha, e mais nada. Quanto ao apartamento, cheio de lembranças tristes, vendeu-o assim que pôde. Mudou-se para Stratham e começou uma vida nova, bem como uma carreira. Cortou os laços com o passado e conseguiu se sair bem. Tinha amigos. Fazia programas. Agora, tinha Milton Hoffman, que queria se casar com ela.

De repente, Chase reaparecia, estragando tudo com uma mentira estúpida.

Annie mordeu o lábio.

A quem estava enganando? Sua vida começara a ruir horas antes do episódio que Chase provocara. A verdade era que ele não fizera nada estúpido, mas apenas agira por amor à filha.

Não fora a mentira a colocá-Ia em rota de colisão com o desastre. Fora a dança. Aquela dança idiota na festa do casamento de Dawn.

Annie tentou não se lembrar. O calor dos braços de Chase ennvolvendo-lhe o corpo. A pulsação do coração dele junto ao seu. Os lábios dele contra seu cabelo, contra sua pele. A sensação de estar no lugar certo, o lugar que sempre lhe pertencera.

Oh!

Respirou com dificuldade: Pare, ordenou-se. Fechou os, olhos e concentrou-se em pegar no sono.

Uma mudança na rotação dos motores despertou Chase, horas mais tarde.

Ele bocejou e tentou se lembrar de onde estava, e levou um susto.

Annie estava adormecida com a cabeça apoiada em seu ombro. Era a posição preferida deles,na fase do namoro, quando permaaneciam juntinhos no sofá diante da televisão.

- Você assiste, eu não me lmporto - dizia, sem muito interesse em jogo. - Vou ficar lendo.

Após algum tempo, Annie dormitava e deixava escorregar o livro. Aninhada contra seu ombro, suspirava. Chase, quieto, sem se mexer para não acordá-Ia, temeroso de romper aquele momento terno, ainda que sentisse os músculos tensos com a imobilidade.

O sentimento de ternura renasceu. Ela também estava sonhando. Olhando para ela, podia ver o sorriso em seus lábios. Estaria sonhando com ele? - Annie? Annie suspirou.

-Hum?

- Meu bem, está na hora de acordar.

Ela sorriu e aninhou-se mais junto dele.

- Milton?

Milton?

Milton Hoffman? Era esse o homem nos sonhos de Annie? Era por isso que sorria e aninhava-se mais junto dele?

Chase sentiu o coração congelar.

Hoffman. Aquele protótipo de homem. Aquele idiota. Era aquilo que Annie queria. Era aquele tipo de homem que ela sempre desejara.

Por que não notara antes?

Milton Hoffman. Professor de inglês e autoridade em Shakespeare, que nunca carregou peso na vida. Que nunca teve que sair de casa antes do amanhecer para só voltar tarde da noite. Um sujeito que nunca teve que se preocupar em esconder a sujeira nas unhas, pois nunca precisou sujar as mãos com nada.

Chase endireitou-se. A cabeça de Annie ficou sem apoio. Ela reclamou sonolenta e ajeitou-se novamente junto dele. - Annie - chamou, frio. - Acorde.

-Humm.

Annie suspirou. Encontrava-se no limiar entre o sonho e a realidade, quando a pessoa sabe que está sonhando, mas não se dispõe a desistir do sonho. Não deste sonho. Estava interessada demais para saber como acabaria.

Estava sentada em uma sala de aula, com Milton de joelhos a seu lado. Ele acabara de pedi-Ia em casamento e ela estava explicando, com tato, por que estava declinando.

Gosto muito de você, Milton, dizia, e respeito-o e admiro-o muito. Mas ele não era Chase. Seus beijos não a acendiam como os de Chase. Sua carícia também não a excitava. - Annie? Acorde.

- Milton - murmurou ela, e abriu os olhos.

Chase observava-a bem de perto.

Annie afastou-se rápido, ruborizada. Estava dormindo havia quanto tempo? Quantas horas ficara aninhada junto a Chase, como se estivessem num cinema ao ar livre, se é que ainda existiam tais lugares?

Não era de admirar Chase estar olhando para ela daquele jeito.

Era provável que ela houvesse babado em cima dele.

- Desculpe-me. - Levou as mãos aos cabelos e afastou os fios rebeldes do rosto. - E ... acho que adormeci.

- E sonhou com seu príncipe encantado -- completou Chase, sarcástico.

- Príncipe ...

- O velho e bom Milty. O seu noivo.

Annie olhou para Chase e lembrou-se do sonho. - Eu ... eu disse alguma coisa?

- E o que importa, Annie? Está com medo que eu tenha ouvido o diálogo do seu sonho comprometedor?

- Não foi comprometedor! Só estava sonhando que... que...

- Não gaste a saliva - a voz de Chase soou fria. - Eu não estou interessado.

Annie enrijeceu-se.

- Desculpe-me. Eu quase me esqueci. Nada do que eu tenha a dizer jamais lhe interessou, não é mesmo?

- Sr. Cooper? Sra. Cooper? - A comissária de bordo sorriu-lhes.

- Estaremos pousando em poucos minutos. Por favor, endireitem as suas poltronas.

- Com prazer - declarou Chase.

- Vou comprar uma passagem de volta assim que pousarmos - disparou Annie, sem olhar para ele.

- Não será preciso. Creia-me, será meu prazer comprar-lhe uma passagem de volta e vê-Ia embarcando.

Era uma ótima idéia. Infelizmente não funcionou.

O vôo seguinte para Boston estava completamente lotado e com lista de espera.

- Providence, então - pediu Chase. - Bradley...

Um a um, os aeroportos foram sendo descartados.

- Tivemos longas esperas pela manhã - informou a atendente.

- Neblina em alguns aeroportos, furacões no Meio-Oeste... - Sorriu pesarosa. - Posso conseguir para a sua esposa... - Ex-esposa - corrigiu Annie.

- Como queira. Posso conseguir um lugar para amanhã à tarde.

- Paciência - resmungou Chase.

- Nada disso! - Annie olhou-o furiosa, pois era o culpado por ela estar naquela situação surrealista. - O que vou ficar fazendo até amanhã à tarde? Passeando pelo aeroporto?

- Vou deixá-Ia num hotel.

A atendente informou: - Espero que tenham sorte.

Annie e Chase olharam para a moça, que encolheu os ombros. - Fora as esperas, temos duas convenções na cidade. - Inclinou-se e falou mais baixo para eles. - A minha chefia usou todos os recursos possíveis para instalar um VIP agora há pouco e não conseguiu arranjar um lugar.

Annie viu-se integrando a horda de viajantes cansados, brigando por um assento na área do terminal.

- Não se preocupe - adiantou Chase. - Tenho certeza de que o meu cliente fez uma reserva para mim em algum lugar. Você vai poder se hospedar assim que eu entrar em contato com ele.

Nesse instante, os alto-falantes anunciaram uma ligação teleefônica para o sr. Chase Cooper.

Chase foi atender, arrastando Annie pelo braço.

- Sim? - Ele ouviu, suspirou e revirou os olhos. Era mais um problema para resolver. - Sr. Tanaka, não vi o seu funcionário com uma placa com meu nome no portão de chegada. - Olhou para Annie. - Eu estava... preocupado.

- Quem é? - quis saber Annie.

Chase voltou-se.

- Bem, é muito amável da sua parte, sr. Tanaka. Obrigado... por mandar um carro.

- É alguém de Seattle? - investigou Annie, ficando à sua frente. - Pergunte se ele conhece algum hotel com vaga.

Chase suspirou. Kichiro Tanaka, seu novo cliente, era um empresário rico e bem relacionado. Tinha investimentos no Sudoeste e agora estava voltando a atenção para a costa Oeste americana. Talvez até fosse dono de um hotel na cidade.

- Sr. Tanaka... Sim, vou procurar o motorista em seguida. Mas, antes, fiquei imaginando se o senhor poderia me ajudar com um pequeno problema...

Annie contraiu os lábios. Um pequeno problema chamado Annie Cooper Ela nunca fora mais do que isso para Chase.

- Bem... - Chase esfregou a nuca. - Minha, ah, minha esposa me acompanhou até aqui.

- Ex-esposa - corrigiu Annie.

Chase olhou para ela e tapou o fone com a mão,

- Quer que eu explique a um estranho por que está aqui? Annie ruborizou. Depois de um segundo, Chase pigarreou e recomeçou:

- Ela não pretendia ficar. Sim, bem, suponho que é um modo de ver a coisa.

- O que foi? - indagou Annie.

- Excelente. Sim. Sim, já que ela viajou essa distância toda, bem que poderíamos passar algum tempo juntos.

Annie não estava gostando nem um pouco daquela conversa. - O problema, sr. Tanaka, é que os vôos foram adiados. É provável que Annie não consiga partir senão amanhã e me disseram que os hotéis estão lotados... Mesmo?

- Mesmo o quê? - quis saber Annie.

- Está ótimo. Sim, claro. Na área de saída, em alguns minutos. Obrigado, senhor. Eu... nos veremos em breve.

- E então? - Annie não disfarçava o nervosismo. Chase desligou o telefone e agarrou-lhe a mão.

- Vamos. Temos que encontrar o carro e o motorista que ele mandou para cá.

- Que maravilha! - desdenhou ela. - Um carro com motorista só para você.

- E uma suíte só para nós. - Chase sorriu maldoso. - Pode parar de reclamar.

Annie olhou-o raivosa enquanto tomavam a escada-rolante.

- Você quer dizer... ?

- Quero dizer, para sua sorte, que conseguimos uma suíte para dois.

- Não um quarto de hotel!

Chegaram ao nível inferior e Annie teve que se apressar, para acompanhar a passada larga de Chase.

- Ele disse que tem sala, quarto, cozinha e banheiro, é um apartamento - explicou Chase.

- Bem isso é bom - concluiu Annie.

- Concordo. Eu detestaria passar a noite num saguão de hotel enquanto você ocuparia o quarto reservado para mim.

- Que cavalheirismo! Mas...

- Mas o quê?

Uma limusine preta estacionou à frente deles. O motorista saiu, cumprimentou-os e abriu a porta traseira.

- Entre no carro, Annie. Podemos suportar a companhia um do outro por mais algum tempo. Embora seja tentador largá-Ia aqui no aeroporto, não posso fazer isso conscientemente.

Embora fosse tentador para ela também, passar horas intermináveis no terminal era inviável.

- Tudo bem - disparou ela. - Mas é melhor essa suíte ser bem grande. Senão, você vai dormir no saguão de qualquer jeito!

A suíte não era tão grande , embora tivesse uma boa área. Se bem que não era uma suíte, pensou Annie, uma hora depois, ao olhar em redor, chocada. E certamente não era um apartamento.

A limusine não os levara a um dos prédios altos do centro, mas a um píer, onde tomaram um barco.

- Chase, para onde estamos indo?

Chase sabia tanto quanto ela. Olhou para o piloto.

- Diga-me que não estmos indo para a ilha – desafiou.

O piloto sorriu.

- Ora, claro que estamos!

Chase gemeu.

Annie olhou para ele, que se agarrou à amuirada e ficou olhando para as águas. Tendo lido uma das palavras em seus lábios, ela ruborizou.

Naquele momento, parada na sala, até desejava repetir a palavra.

A neblina que envolvera o barco durante todo o trajeto dissipou-se ao se aproximarem do destino. Annie vislumbroiu uma ilha com pinheiros verdes descendo pela encosta até a praia de cascalhos.

Na parte mais alta, em meio às árvores, erguia-se uma construção, ou melhor, quase uma escultura em madeira e vidro.

Chegava-se lá subindo degraus de madeira fincado na encosta irregular. Annie subira sozinha, recusando a ajuda de Chase. Chegando lá, Annie apreciou a vista magnífica e olhou ao redor, imaginando tratar-se de um condomínio com vários chalés.

Mas só havia aquela casa mesmo, Quando Chase abriu a porta e entrou, ela o acompanhou.

Os cômodos eram amplos e estavam totalmente equipados e mobiliados. A cozinha tinha balcões e armários brancos e o banheiro contava com uma banheira de hidromassagem, além de um chuveiro isolado por um painel de vidro através do qual se podia ver a floresta nativa. A sala de estar era iluminada naturalmente do teto, através de uma espécie de clarabóia, de modo que as paredes e o assoalho se tingiam de uma cor dourada.

A herança do sr. Tanaka mostrava-se em detalhes simples: no piso acolchoado sobre o chão, no biombo delicado que servia como divisória, na mesa baixa laqueada e nas almofadas de seda preta e branca junto à lareira. Portas de vidro davam para uma varanda de madeira.

Mas foi o quarto que deixou Annie apreensiva. A área de estar tinha toques orientais, mas o gosto do sr. Tanaka para dormitórios era bem ocidental.

O grosso carpete branco convidava ao relaxamento dos pés descalços. Uma das paredes era espelhada, enquanto a outra, toda de vidro, dava para a floresta. A mobília, bonita, consistia de uma cômoda, uma arca combinando, uma cadeira de balanço...

E uma cama.

Uma enorme cama circular sobre uma plataforma, coberta por metros e metros de lençóis em seda branca e preta.

 

Annie disse a si mesma para se acalmar. Conte até dez. Até vinte. Concentre-se em encontrar o centro pacífico dentro de si mesma. Não fora para isso que gastara seis semanas cursando aulas de filosofia zen?

 

Respire fundo. Segure. Um. Dois. Três. Quatro.

Expire. Não estava adiantando. Só conseguia ver a cama. Só conseguia pensar em Chase junto dela com aquela expressão de inocência.

Quando teve certeza de que não conseguiria nenhum alívio à raiva que sentia~ desistiu da atitude zen e voltou à realidade. Voltou-se e deu um soco no estômago do marido. Era um abdômen duro o dele. Ele sempre tivera um corpo fantástico e; aparentemente, aquilo não mudara, o que a deixou mais furiosa, pois a reação do golpe subiu por seu braço e ombro. Mas valeu a pena ver a expressão chocada nele.

- Ei! - protestou ele, e recuou um passo. Não que estivesse surpreso com a reação de Annie. - Vá com calma, sim?!

- Ir com calma? - Annie levou as mãos aos quadris e ficou olhando para ele, ofegante de tanta raiva. - Ir com calma? - repetiu, com voz de soprano.

- Sim. - Chase massageou a região atingida. - Não há neecessidade de ficar violenta por causa de um equívoco.

- Oh, é um equívoco, sim! Um grande equívoco, Cooper, pois, se acha que eu... que eu e você... que nós vamos dividir essa... essa cama, que vamos relembrar os velhos tempos...

- Meu bem...

- Não me chame de meu bem!

- Annie, você não acha...

- Sempre achei que você me considerava um ser sem cérebro.

Chase quase gemeu. Lá estavam novamente, mergulhando em águas fundas.

- Ouça, eu sei que está aborrecida. Mas...

- É isso. Diga que estou aborrecida. Dessa forma, você pode me calar e não terá mais que ouvir a verdade.

- Annie...

- Deixe-me dizer-lhe uma coisa, Chase Cooper. Pode ter funcionado no passado, mas não agora. Não sou a imbecil que você sempre achou que eu era.

- Annie, eu nunca achei...

- Sim, achou, mas isso não importa mais.

- Juro que não nunca achei.

- Oh, meeeuuu beeemm - imitou ela. - Desculpe-me, mas você não vai se importar se eu sair, vai? Tenho essa reunião dos filhos sagrados da ordem dos saxofones.

Apesar de tudo, Chase riu. - Reunião do quê?

- Não tente levar na brincadeira, Cooper! Não pode mudar os fatos.

- Que fatos?

- Estou falando sobre o nosso assim chamado casamento, sobre isso! Quando você costumava me tratar como se eu não possuísse neurônios.

- Ainda não sei do que está falando!

- Bem, deixe-me refrescar a sua memória. Pense nos velhos tempos, quando costumava me levar àquelas infindáveis festas, reuniões e coquetéis.

- Como a dos filhos sagrados da ordem dos saxofones?

- Só dei um exemplo hipotético e não tente levar na brincadeira, Chase. Estou falando sério.

- Sobre o quê?

- Sei que você estava preocupado por sua pobre esposinha não saber se portar nesses eventos.

- O quê?

- Então, quando viu que eu me virava, você simplesmente... simplesmente me deixou, me largou no meio de gente interesseira e foi fazer os seus contatos.

- Annie, você está louca. Eu nunca...

- Foi então que olhou ao redor e viu que poderia se divertir muito mais se me deixasse em casa?

- Um de nós está perdendo a razão - concluiu Chase. - E com certeza não sou eu.

- Ah, é?

- Acha que fiquei contente quando você parou de ir aos jantares comigo para que eu pudesse me divertir como solteiro?

- Você disse isso, não eu!

- Raios, mas a distorção que você faz do passado é espantosa!

- Qual o problema, Chase? Não consegue encarar a verdade?

- Devo esquecer que parei de pedir para que me acompanhasse porque você detestava ir?

Annie ruborizou.

- Certo, talvez eu não me importasse com aquelas festas...

- Finalmente a mulher admite a verdade!

- Por que me importaria? Só estávamos lá para que você pudesse ser citado nas seções de negócios dos jornais!

- Nós estávamos lá, Annie, para que eu pudesse engatar novos negócios. Trabalho, lembra-se? Aquilo que no fim coloca comida na mesa?

- Dá um tempo, Chase! Tínhamos muito dinheiro nessa época. Você apenas... apenas estava afagando o seu ego.

Ele sentiu um músculo se mexer no rosto.

- Continue - incentivou. - O que mais guardou aí nesses anos?

- Quando eu finalmente disse que não queria mais ir, ao invés de me fazer mudar de idéia, que seria a atitude de um homem inteligente, o que você fez?

Chase riu.

- Estamos falando o mesmo idioma aqui ou o quê?

- Ao invés de tentar me convencer, você simplesmente encolheu os ombros e concordou. Foi assim.

- Está me dizendo que eu deveria insistir para que você fizesse algo que evidentemente odiava?

- Não aja como se não estivesse entendendo o que eu estou dizendo, Chase. Eu não vou aceitar.

- E eu não vou aceitar que me transforme em algum tipo de homem das cavernas, que fica contente quando a esposa está ausente porque pode acompanhar a turma dos solteiros. Nem tente, meu bem, porque não foi o que aconteceu, não importa o que você diga!

- Bem, essa é a sua versão e você se agarra à ela.

- Não! Não é a minha versão. É um fato. Você esperava que eu me ajoelhasse e implorasse para que você ficasse comigo, ao invés das suas apostilas?

- Certo. Jogue a culpa em mim, até no fato de eu querer me aprimorar. Isso é típico. Tudo era culpa minha, nunca sua.

- Aprimorar? Se aprimorar? Para quê? Para poder me dizer que sabia mais sobre haiku do que eu sobre construção?

- Não foi bem assim e você sabe! Você não suportava ver que eu estava me transformando em uma pessoa completa ao invés da simples sra. Cooper

- Ser minha esposa não era o suficiente para fazê-Ia feliz.

- Ser a mulher que cozinhava, limpava a sua casa, criava a sua filha, quer dizer. Que esperava em casa enquanto você construía o seu império. Que ia comprar roupas e jóias para comparecer aos eventos compatível com a importância do marido!

- Se é nisso que acredita. Se acha realmente que é isso o que você significava para mim, então foi muito bom o nosso casamento ter acabado.

Annie avaliou o rosto pálido de Chase.

- Chase - invocou, e estendeu a mão, mas era tarde demais.

Ele já havia lhe dado as costas e desaparecido no corredor.

Bem mais tarde, Chase voltou e bateu na porta aberta do quarto. - Entre - disse Annie, educada.

Ele avançou pelo ambiente.

Annie estava sentada na cadeira de balanço, os dedos entreecruzados. Tinha o rosto pálido, mas ela parecia calma e até sorriu ao vê-lo.

- Oi.

- Oi.

- Foi dar uma volta?

- Sim; fui. - Ele hesitou. - Ouça, sobre tudo o que dissemos antes. Eu peço desculpas...

- Eu também. Não adianta discutir sobre o passado. Chase assentiu.

- Não adianta.

Ambos sorriram.

- Aposto que a ilha é maravilhosa - comentou Annie.

- É. Já estive aqui antes. Tanaka comprou-a de algum bilionário da área de computação. Ele me trouxe aqui logo após assinar o contrato de compra. Ele queria saber o que eu achava sobre os planos dele.

- Que planos? - especulou Annie.

- Ele vai transformar todo o lugar, quer construir uma espécie de retiro.

- Ah. - Ela baixou o olhar e tirou um fiapo da calça jeans.

- Budista?

Chase sorriu.

- Um hotel de alta classe, eu diria. O que ele tem em mente é um tipo de esconderijo para equipes de executivos. Você conhece o estilo: elegante, mas rústico. Comida simples, preparada por um chef. Suítes simples, com banheiras e um barzinho em cada sala de estar. Prazeres simples, a começar por um campo de golfe de nove buracos, quadras de tênis e uma piscina olímpica.

- Uma versão maior e mais elaborada desta cabana, quer dizer.

- Isso mesmo. - Chase sorriu. - É incrível, não?

- É. E você vai construir essa Shangri-lá para ele?

- Bem, não exatamente como ele vislumbrou. Eu disse a ele que estaria arruinando a beleza da terra e do mar, se exagerasse no luxo.

- Nada de barzinhos? Chase riu.

- E nada de suítes, campos de golfe, quadras de tênis. Para que uma piscina se o mar está logo aí?

- Praticamente, já se tem uma piscina na banheira - comentou Annie, sorrindo. - Dá para ver que é para mais de uma pessoa... - Ruborizou e desviou o olhar.

- É... aposto como teve de argumentar muito para convencê-lo.

Chase encolheu os ombros.

- Bem, levou algum tempo, sim.

O silêncio tomou o ambiente. Finalmente, Annie manifestou-se. - Chase?

- Sim?

- Bem... bem... - Ela respirou fundo. - Ouça, eu sei que vai ser embaraçoso admitir ao sr. Tanaka que você e eu acabamos juntos no avião por engano, mas acho que vai ter que contar tudo. Diga o que quiser. O que for mais fácil. Jogue a culpa em mim, se quiser. Diga que eu de repente me lembrei de algo muito importante para fazer em casa.

- Posso dizer que se esqueceu de seu noivo - sugeriu Chase.

- Que lhe parece?

Annie recusou-se a reconhecer a sutileza do golpe.

- Não me importo com o que diga. Apenas... apenas me tire desta ilha, por favor.

Chase assentiu. Annie tinha razão. Os dois precisavam sair daquele local.

- Vou cuidar disso.

- Você pode contar outra coisa - disparou Annie, quando ele ja estava junto à porta.- Que você precisa voltar para a sua noiva, também.

Chase olhou para a ex-esposa sentada na beirada da cadeira, de pernas cruzadas, com os raios do sol da tarde incidindo sobre os cabelos, deixando-os dourados. Ela parecia muito suave, doce e incrivelmente vulnerável. Imaginou-se indo até ela, tomando-a nos braços, beijando-a e dizendo-lhe que ela era a única mulher que ja desejara, a única mulher que já amara.

- Chase?

- Bem, a questão é que ambos esquecemos um fato.

- Eu acho que não - afirmou Annie, tentando suprimir as lágrimas que teimavam em brotar. - Acredite em mim, Chase, não nos esquecemos de nada.

- Não há vôos até amanhã, meu bem. Nem quartos de hotel.

- Oh! - Annie mordeu o lábio. - Está bem. Vou esperar no aeroporto.

- Não é uma boa idéia.

- É uma ótima idéia. - Annie sorriu, animada. - Sempre gostei de aeroportos. Posso comprar meia dúzia de revistas e um cachorro quente, arrumar um cantinho e...

- Ouça, vamos ficar onde estamos. Mas vamos começar tudo de novo. Novas regras. Não vamos falar sobre o passado, nem sobre nós. Certo?

- O passado e nós são as únicas coisas que temos - ponderou Annie. - Não consigo imaginar como poderemos evitar esses assuntos.

Chase olhou para ela por alguns segundos. Então, suspirou e passou a mão nos cabelos.

- Vou atrás do rapaz que nos trouxe aqui. Ele pode nos levar para o continente. Aí, telefonarei para Tanaka e verei se ele pode arranjar um quarto em algum lugar. Ou, então, eu fico com você no aeroporto até que possa embarcar.

- Não será preciso.

- Ouça, podemos discutir isso depois. Nesse momento, deixe-me apenas acionar as pessoas.

- O que vai dizer a ele? Ao sr. Tanaka? Sobre o motivo de querermos deixar a ilha, quero dizer?

Ele franziu o lábio.

- Não comece a se preocupar sobre como eu conduzo os asssuntos, Annie. Esse é meu problema, não seu.

Chase saiu do quarto e fechou a porta. Annie recostou-se na cadeira de balanço. Estava trêmula, sentia vontade de chorar, o que era uma estupidez. Isso só provava que estivera sob pressão nos últimos dias.

Respirou fundo, começou a se embalar na cadeira de balanço e tentou esquecer aquela ilha, Chase e uma centena de lembranças indesejáveis.

- Ele foi embora.

- Annie abriu os olhos e piscou.

- Quem? - indagou com a voz rouca. Franziu o cenho e esfregou os olhos com as mãos. - Quem foi embora?

Chase recostou-se na parede e cruzou os braços. Seu semblante parecia esculpido em granito.

- O homem que nos trouxe aqui. Annie sentia a cabeça rodar.

- Não estou... não estou entendendo. Está falando do piloto do barco?

- Esse mesmo.

- Como pode ter ido embora? Para onde ele foi? Ele não podia ter nos abandonado... - Annie prendeu a respiração ao ver a expressão de Chase. - Você quer dizer que ele levou o barco? - Exatamente.

Annie olhou fIxo para ele. - Estamos presos aqui?

- Totalmente.

- Bem... bem, telefone para o sr. Tanaka. Diga-lhe que ...

- Já tentei ligar.

- E?

- Não há telefone aqui, só um tipo de sistema de rádio.

- E?

- Parece que não está funcionando.

Annie mordeu o lábio e esforçou-se para não ficar histérica. - Se é alguma brincadeira sua, Chase...

- Parece que estou brincando? - Chase olhou-a sério. - O piloto deixou um bilhete, na cozinha. Parece que fIcaremos aqui até amanhã.

- Não é possível. Por que ele nos deixaria aqui?

- Não sei por quê. Nem me importo. Só o que sei é que vamos ter de fIcar aqui até amanhã às oito horas, quando o barco volta. - Às oito - repetiu Annie, mecanicamente. Olhou para o relógio. Dezesseis horas para matar. Dezesseis horas sozinha com o ex-marido.

- Entenda - declarou Chase. Annie ergueu o olhar. - Essa situação. Este ... este hotel de lua-de-mel. Asseguro-lhe não foi idéia minha.

- Eu espero que não, pois, se tiver sido, vai fIcar decepcionado ... Annie prendeu a respiração quando Chase segurou-lhe os ombros e fez com que se levantasse.

- Querida, já absorvi a minha cota máxima de insultos! Garanto-lhe, não estou tão desesperado por uma mulher na cama a ponto de armar todo esse esquema.

Ele estava sendo sincero. A acusação era sem propósito. Chase não teria conseguido aquele fiasco se tivesse planejado tudo.

E tinha razão quanto a todo o resto também. Não precisava de subterfúgios para levar uma mulher para a cama. Ele era... como Deb falara no dia do casamento de Dawn? Bonitão, isso mesmo. Era bonitão e sempre fora, especialmente agora, no apogeu. Chase era o tipo de homem que fazia com que as mulheres se voltassem para vê-Io sem mesmo jogar charme.

Não era de admirar sua presença constante nas colunas sociais, sempre acompanhado de alguma beldade.

Como Janet Pendleton, que seria sua esposa.

Annie sentiu uma aspereza na garganta. Era tolice, mas sentiu vontade de chorar.

- Você tem razão - admitiu.

- Pode apostar que sim!

- Isso tudo, o embarque no avião em primeiro lugar e agora o fato de estarmos presos aqui é... como se diz mesmo? Karma.

Chase mal podia acreditar. Annie estava segurando uma bandeira branca? Era impensável, mas, também, muitos dos acontecimentos nas últimas quarenta e oito horas caíam na mesma categoria. Se era uma bandeira branca, o que perderia aceitando a trégua? Se ia passar a noite na cadeira de balanço, seria muito melhor para os dois se não tivessem que dormir com um olho aberto.

- Karma - repetiu ele, tirando as mãos dos ombros dela. Não me diga. Fez algum curso sobre religiões orientais.

Annie sorriu e balançou a cabeça.

- Comprei um computador. Foi o que o técnico disse. Os computadores funcionam bem ou não funcionam de jeito nenhum. Isso é karma.

- Comprou um computador?

- Para os negócios. Mas também pode ser divertido. Navegar na Internet, essas coisas.

- Quem a ensinou a usar? Hoffman?

- Eu aprendi sozinha. Bem, com alguma ajuda de Dawn.

- Verdade: - Chase sorriu. - Talvez um dia possa me dar algumas dicas. Ainda me perco com qualquer coisa mais complicada do que uma planilha.

- Claro.

Eles se olharam e, então, Chase olhou ao redor exageradamente. - Lamento tudo isso. As acomodações, quero dizer. Nunca imaginei que Tanaka fosse nos deixar aqui.

- E pequeno, admito. - Annie sorriu. - Mas é muito bonito também. Talvez os hotéis sejam assim, lá de onde ele vem.

Chase sorriu.

- Ele é de Dallas, meu bem... Quero dizer, Annie. Sabe, acho que ele imaginou que nós queríamos passar algum tempo juntos.

Annie sorriu.

- Cupido Tanaka?

- Assim parece.

Novamente, o silêncio se instalou entre eles. Annie sentou-se na beirada da cadeira de balanço.

- Então, o que vai fazer? Demolir esta casa e construir um retiro do nada?

- Mais ou menos.

- Aposto que o resultado final vai ser espetacular,

- Habitável, de qualquer forma - garantiu Chase. Annie sorriu.

- Não seja modesto, Chase. Eu sei que o seu trabalho é bem conceituado. Vejo o seu nome, o nome da construtora, nos jornais o tempo todo. Você levou a empresa ao topo.

- É o que dizem. - O tom dele era indiferente, bem como o sorriso.

- Você não está feliz?

- Você está?

Ela o encarou. Por que hesitava? Claro que estava feliz. Tinha sua casa. Seu trabalho, Amigos. Interesses. Uma vida confortável, não uma em que deveria desempenhar um papel.

-Annie?

Ela ergueu o olhar, Chase aproximara-se. Só precisava estender a mão se quisesse tocá-Ia.

- Você é feliz? - perguntou ele, suave. Annie queria dizer que era. Queria dizer a ele o que acabara de mentalizar. Queria descrever como era seu dia a dia.

Ao invés disso, só conseguia pensar em como era maravilhoso quando se beijavam.

- Claro, nunca estive mais feliz em minha vida - declarou, forçando um sorriso.

Chase ficou sério.

- Então, você está feliz com sua empresa e com seu noivo. Annie assentiu;

- Assim como você.

- Isso mesmo.

Fitaram-se por algum tempo: Então, Chase caminhou até a porta.

- Bem, vou vasculhar a cozinha. Deve haver refeições prontas na geladeira ou no congelador.

- Sempre prático, hein? Até aqui.

- Todo mundo tem conceitos diferentes sobre o que é dureza, acho.

- Estou vendo. Se me dissesse que acabaríamos em uma cabana, longe da civilização, eu imaginaria uma cabana de um só cômodo, com um fogão a gás na varanda e banheiro nos fundos.

Chase sorriu.

- Como o local que alugamos no primeiro verão juntos? Lembra-se? O chuveiro ao ar livre, a fossa.

Annie riu.

- Como posso me esquecer? Compramos aquele conjunto de panelas que se encaixavam umas nas outras e os sacos de dormir...

- Como éramos bobos! - comentou Chase, rindo também. Gastamos, quanto ... uma hora ou mais, imaginando uma forma de juntar os dois sacos, pois não queríamos dormir separados... - Deixou o assunto morrer. - Sabe, fazia tempo que não pensava naquele fim de semana.

Annie também sentiu um nó na garganta ao reviver os detalhes divertidos.

- Eu ... eu acho que vou tomar um banho - informou. - E depois .. , e depois, talvez saia para dar uma volta, Só para desaanuviar a mente. Falta muito para eu poder embarcar e ... e tudo está acontecendo tão rápido.

- Sim, Claro. - Chase engoliu em seco: - Vá em frente.

Tome um banho, dê um passeio. Eu vou verificar os suprimentos. - Volto para ajudá-Io daqui a pouco. - Ela deu um sorriso confiante.

- Gostaria de ter uma escova de cabelo e um batom. Sinto-me um caco.

Chase pensou em dizer-lhe a verdade, que ela não precisava de maquiagem nenhuma, pois já era a mulher mais linda que já vira.

No entanto, saiu para o corredor e afastou-se da tentação o mais rápido que conseguiu, sem correr.

 

Chase olhou para o relógio. o Hotel Tanaka não era tão perfeito quanto parecia, pensou contrariado. A geladeira estava vazia. Alguém devia ter passado ali e levado tudo, já pensando na desativação da cabana.

Mas havia alguns mantimentos e ele pôs-se a descascar batatas e cebolas. o pensamento mantinha-se longe, entretanto. Fazia quinze minutos que ouvira a porta da frente de fechar, anunciando que Annie saíra para sua caminhada.

Talvez devesse ir atrás dela. Não que houvesse animais selvaagens de grande porte por ali. Aigumas cobras, talvez, e aranhas. Definitivamente, havia aranhas na ilha. Vira muitas delas quando estivera ali pela primeira vez, mas eram todas inofensivas, apesar de assustadoras. Sabia que Annie tinha horror a esses animais inferiores.

Lembrou-se do inverno em que assinara seu primeiro grande contrato. Chegara em casa com uma rosa perfeita para Annie, uma caixa de bombons, o contrato que justificava todos os sacriifícios que eles estavam fazendo e as reservas do pacote de turismo nas ilhas Virgens.

- Tem a cor dos seus olhos - sussurrara ele ao ouvido de Annie, enquanto contemplavam o mar. O quarto de hotel, comparado à suíte na ilha de Tanaka, era mesmo lamentável, mas... oh, como tinham sido felizes!

- Ai.

Chase voltou-se. Annie estava junto à porta, sorrindo, e foi com esforço que ele deixou de ir a seu encontro, abraçá-Ia e dizer que ... dizer que ...

- Desculpe-me por ter demorado tanto, mas perdi a noção do tempo.

Chase soltou o ar dos pulmões e desviou o olhar.

- Foi muita longe? - indagou, com uma casualidade que não sentia.

- Caminhei entre as árvores. - Annie aproximou-se, viu as batatas e cebalas e pegau uma faca. - Este lugar é maravilhoso. Detesto saber que logo ficará cheio de executivos por aqui.

Chase forçou um sorriso.

- Não vão usar terno. Vão usar bermudas, telefones celulares e microcomputadores portáteis.

Annie riu, pegou uma batata e começou a descascá-Ia.

- Grande diferença. - Trabalharam em silêncio par alguns minutos e, então, ela se manifestou mais uma vez. - Eu vi uma aranha interessante no atracadouro.

Chase ergueu o olhar.

- Que estranho. Estava mesmo pensando sobre... Você disse"interessante"?

- Isso mesmo. Era grande, sabe.... Impressionante.

- Impressionante? E você não gritou? Pelo que me lembro, você nunca foi fã desses seres inofensivos.

Annie soprou para afastar uma mecha rebelde da testa. - Não sou. Mas assisti a um curso na ano passado...

- Por que não estou surpreso?

- Era sobre insetos - especificou ela, com dignidade.

Aquilo, sim, o surpreendia.

- Você? Fazendo um curso sobre insetos? Annie ruborizou.

- Bem, por que não? Concluí que era estupidez ficar assustada

com seres com mais de quatro pernas. Decidi que, talvez, se entendesse esses animais melhar, poderia não saltar à simples visão de uma formiga.

- E?

- E aprendi a respeitar as seres que rastejam. Eles estão em

maior número na Terra e também a ocupam há mais tempo do que nós.

Chase assentiu.

- Estou quase ouvindo o "mas"...

- Mas ainda não estou pronta para um relacionamento com qualquer coisa que precise de oito pernas para andar.

Chase riu.

- É bom saber que algumas coisas jamais mudam.

Annie sorriu.

- Sim. É bom.

Trabalharam em silêncio por mais alguns minutos, Annie descascando as batatas, Chase fatiando as cebolas.

Então, Chase começou: - Annie?

-Hummm?

- Eu queria dizer-lhe... Espero que saiba... - Engoliu em seco.

- Não tive a intenção de dizer o que disse há pouca. Sobre você

freqüentar todos esses cursos para me diminuir, quero dizer.

Annie sentiu o calor nas faces. - Tudo bem.

- Não. Não está bem. Eu sei que você gosta de aprender sobre

todos esses assuntos. A poesia, a arte ... É só que não me interessam. Ora, se esse tipo de matéria fosse obrigatória para a abtenção do título de engenheiro, eu nunca teria me formado. Provavelmente, teria que cavar valas para ganhar a vida.

Annie sorriu e balançou a cabeça.

- Você sabe que não é verdade. Mas tem razão... quero dizer, eu não estudava aquelas matérias só porque você não gostava. Eu realmente aprecio poesia, arte e todos os outros assuntos. Baixau a cabeça, para que os cabelos escondessem seu rosto. Mas tenho que admitir que, quando você se mostrou confuso diante de uma poesia do século dezoito, senti algum prazer. - Ergueu a olhar. - Não porque me senti mais esperta ou coisa assim, mas porque... porque era um modo de provar que podia ter uma vida própria, entende? Que, mesmo sendo apenas uma dona-de-casa, eu não era...

- Só uma dona-de-casa?

Annie encolheu os ombros e pegou outra batata. - Era isso o que eu era.

- Só uma dona-de-casa - repetiu ele, e riu. - É uma descrição limitada para a mulher que mantinha a casa funcionando sem atropelas, que educava a fIlha, que entretia todos os palhaços que eu precisava agradar enquanto tentava manter a Construtara Cooper em atividade.

- Acho que desperdicei muito tempo tendo pena de mim mesma.

- Não foi o que eu quis dizer. Se alguém desperdiçou tempo, meu bem, fui eu. Devia ter-lhe contado o quanto estava orgulhoso de tudo o que você fazia. Mas estava ocupado demais batendo nas minhas próprias costos, me parabenizando por estar levando a empresa a um patamar que ninguém da minha família imaginara. Em algo que...

Em algo que a deixaria orgulhosa de mim, pensou, mas não disse. Era tarde demais para falar sobre isso.

- Bem, isso não importa mais - desconversou. - São águas passadas. Pelo menos, agora sei que não assistia a todas aquelas aulas só para ficar longe de mim.

- Você não ficava em casa tempo suficiente para eu me preocupar em fugir de você - replicou Annie, um pouco tensa.

- Você já poderia ter uin diploma, a esta altura - observou ele, evitando o campo minado. - Se tivesse escolhido uma área, quero dizer.

- Eu não preciso. Todos os cursos avulsos foram de utilidade.

Minha empresa é um sucesso, Chase. Precisei contratar mais pessoas e agora vou me concentrar em paisagismo.

- Isso é maravilhoso.

- A verdade é que eu nunca quis um diploma. Só queria aprender um pouco mais sobre vários assuntos. Ampliar minha visão do mundo, entende?

- Não havia nada de errado com a sua visão anterior - garantiu Chase.

- Claro que havia! Tenho apenas o diploma do colégio... Chase largou a faca e pegou-a pelos ombros.

- Você era a primeira da classe! O único motivo de não ter ido para a universidade foi porque nos casamos.

- Eu sei. Mas...

- Conversamos sobre isso, lembra-se? Concluímos que não seria

possível ambos irmos para a universidade e também nos casarmos. Então, só eu fui. Você, não. Você arrumou aquele emprego miserável na lanchonete...

- Eu não abri mão de nada. Eu quis assim.

- Tudo o que tivemos... tudo o que tenho, hoje... eu devo a você.

- Você não me deve nada,.Chase. - Annie respirou fundo. Eu queria muito mais me casar com você do que um diploma.

- Oh, Annie... - A voz de Chase saiu rouca. Ele acariciou o pescoço dela e enterrou os dedos em seus cabelos, fazendo-a inclinar a cabeça. - Eu também só pensava nisso. Em me casar com você. Em fazê-Ia minha. Então, agi de forma egoísta.

- Não, você não foi egoísta!

- Fui, sim! - Ele a fitou no rosto. - Eu permiti que você abrisse mão de seus sonhos e esperanças para que eu alcançasse o meu objetivo.

- Era importante para você. Tornar-se um engenheiro, montar sua própria empresa...

- O meu sonho era ter você. Só você. Quando consegui chegar aonde queria, quis lhe dar tudo de que você abriu mão para que pudéssemos nos casar, quis recompensá-Ia pelo sacrifício.

- Não fiz sacrifício algum - afirmou Annie, as lágrimas brotando. - Eu amava você, Chase. Eu queria ajudá-Io a chegar aonde queria.

- Eu só queria que você tivesse orgulho de mim. Ficaram em silêncio.

Se eu soubesse na ocasião, pensou Annie...

Se eu entendesse na ocasião, pensou Chase.

Seria tarde demais? imaginou ele. Podia-se voltar no tempo?

Será que aquela mulher linda e confiante em seus braços estaria disposta a tentar novamente?

         Seria tarde demais?, imaginou Annie. Eram duas pessoas diiferentes agora.

E havia Janet Pendleton. A mulher com quem Chase estava comprometido. A mulher que ele amava. Via arrependimento no olhar dele pela dor que haviam infligido um ao outro no passado, e via compaixão... mas amor, não.

Não mais.

- Annie... eu sinto muito.

- Não se lamente - apressou-se ela. - Não adianta nada. É leite derramado, sabe? É perda de tempo lamentar por isso.

- Não é tão simples assim.

- Mas é. É muito simples. Parece que estarmos aqui juntos por algum tempo foi uma boa idéia, afinal.

- Sim. Concordo.

- Nós nunca teríamos outra chance de esclarecer o passado,

- Você me perdoa por tê-Ia magoado?

~ Claro. Se você me perdoar também, pois eu também tive culpa. Então, nós poderemos continuar nossas vidas. Com... com os nossos novos relacionamentos.

A leve chama de esperança que Chase mantinha no coração se

extinguiu.

- Milton Hoffman.

- E Janet Pendleton.

Chase via o brilho no sorriso e no olhar de Annie. Era engraçado, mas havia poucos minutos, enganara-se pensando ele era o motivo daquele estado de espírito.

- Temos sorte - comentou Annie. - Algumas pessoas nunca encontram o amor, mas nós... nós o encontramos duas vezes.

Chase olhou para a estranha que um dia fora sua esposa.

- É verdade - confirmou ele, acariciando-lhe o cabelo pois simplesmente não conseguia evitar o movimento. - Temos muita sorte, nós dois.

Ele votou a fatiar cebolas.

- Malditas cebolas - praguejou Annie, fungando. - Você está cortando, mas eu estou sofrendo os efeitos. Não é ridículo?

Chase, perdido em pensamentos, assentiu. - É.

- Mas o que vamos jantar? - quis saber Annie. - Torta de batata e cebola?

De algum modo, Chase conseguiu concentrar-se nos problemas mundanos. Largou a faca e abriu a porta de um dos armários. - Voilà - anunciou ele, e voltou-se para que Annie pudesse ver a latinha circular.

- Atum? É isso? Isso foi tudo o que conseguiu encontrar nessa cozinha?

- Tem outras iguaizinhas a essa.

- Não acredito. Tudo o que o sr. Tanaka come é atum em lata?

- Acho que sushi não dura tanto no armário. - Chase sorriu.

- Topa?

- Tem certeza de que não há mais nada?

- Latas de leite em pó. Uma lata de óleo de milho. Sopa...

- Creme de cogumelos? - perguntou Annie, esperançosa.

- Hum, acho que sim.

Annie suspirou: - Pegue a sopa e o leite em pó, Cooper. Depois, fique de lado e dê espaço para a expert aqui trabalhar.

- Está me dizendo que pode preparar alguma coisa gostosa com isso?

- Posso tentar.

Chase sorriu enquanto retirava as outras latas e envelopes das prateleiras.

- Devia saber. Quase me esqueci o quanto era criativa com as panelas nos primeiros anos do nosso casamento.

- Criativa?

- Deixe-me lembrar... Batata frita, batata cozida, salada de batata, batatas grelhadas... Agora, diga-me, qual o cardápio desta noite?

-        Que tal Atum Surpresa?

Annie despejou óleo na frigideira e foi ao fogão. Ao passar por Chase; seus seios roçaram contra o braço de Chase e ele ficou imediatamente excitado. Sentiu desejo, sentiu necessidade de tê-Ia só para si. Seu sangue corria quente.

Recuou e, ao fazer isso, esbarrou na faca, que caiu no chão. - Bolas! - praguejou.

A imagem de Hoffman surgiu em seu pensamento. Hotfman, que não a amava tanto quanto ele. Porque ele, sim, realmente a amava. Não novamente, mas ainda. Nunca deixara de amá-Ia e era hora de admitir isso.

- Annie - chamou, com voz grave.

Annie ergueu o olhar. Parecia que a temperatura da cozinha subira dez graus.

A mensagem estava ali, no olhar de Chase. Annie sentiu o coração disparar. Convenceu-se de que estava fazendo papel de tola. Aquela expressão tinha origem em Janet, que aguardava Chase em Nova York.

- Annie? - sussurrou Chase.

Ele avançou em sua direção, os olhos obscuros. Um cheiro de óleo queimado invadiu o ambiente.

Annie voltou-se, tirou a frigideira do fogo e largou-a na pia. - Teremos que começar de novo - anunciou ela, com uma risada nervosa. Olhou para Chase. - A comida, quero dizer.

Chase assentiu. Então, deram-se as costas e fingiram estar ocupados com os preparativos do jantar.

Quando a refeição ficou pronta, arrumaram-na sobre a mesa baixa na sala e sentaram-se de pernas cruzadas sobre as almofadas. Jantaram em silêncio, como se fossem estranhos obrigados a partilhar uma mesa de restaurante na hora de maior movimento.

Lavaram a louça e, depois, Annie pegou uma revista. Chase foi dar um passeio.

Annie folheou a revista, mas não conseguiu se concentrar. Havia a noite toda pela frente. Ela e Chase, dividindo a cabana. E o quarto.

Como enfrentaria essa situação?

Levou um susto quando Chase entrou na sala.

- Desculpe-me - declarou ele. - Não pretendia assustá-Ia.

- Tudo bem. - Ela pousou as mãos sobre a revista fechada.

- Estava pensando... Quero dizer, ocorreu-me...

- O quê?

Annie respirou fundo.

- Bem, há uma vantagem em estarmos aqui sozinhos. Chase a encarou. Seu olhar brilhava como carvão em brasa.

- Definitivamente, há uma vantagem.

Não havia dúvida sobre a interpretação dele.

- O que quero dizer é que não há ninguém aqui para presenciar o que fazemos. Não precisaremos explicar a ninguém... Não me olhe assim - sussurrou ela.

Chase fechou a porta, sem deixar de encará-Ia. - Você quer fazer amor?

- Não! Eu não disse...

- Eu quero você, Annie.

Annie conhecia aquele olhar. Outrora, naquela situação, Annie sempre sentia os seios intumescidos, os mamilos roçando no sutiã, a umidade surgindo entre as coxas ...

- Meu bem, eu a quero tanto que nem consigo raciocinar direito.

- Não podemos ...

- Por quê? Somos adultos. Quem vai se magoar se fizermos o que temos vontade?

Eu, pensou ela, pois, se for para a cama com você, serei forçada a admitir a verdade a mim mesma, serei forçada a admitir que ainda... que ainda...

- Não... Não seria justo com... com Milton.

- Milton - repetiu Chase, como se fosse uma obscenidade.

- Isso mesmo, Milton. Estou noiva e você também. O que eu estava querendo dizer é que ninguém vai ficar sabendo que nós não dormimos no mesmo quarto.

- Entendo.

- Com certeza, nessa casa há outro lugar ...

- Não há.

- Não?

- Olhe ao redor. Não há sofá, nem cadeira, exceto a que está no quarto.

Annie olhou para o teto.

- Bem, o que há no segundo ...

- Está vendo alguma escada?

- Bem ... Não, não estou vendo. Mas ...

- É porque não há aposentos lá em cima, somente o sótão. E morcegos.

- Em outras palavras, está me dizendo que teremos que nos arranjar aqui mesmo?

- Brilhante dedução.

- Ouça, Cooper, não se faça de superior! Não fui eu que nos meteu nessa cabana e não se esqueça disso.

- Não, eu não vou me esquecer. Se você tivesse sido mais enérgica com nossa filha, proibindo-a de se casar com Nick ...

- Basta - concluiu Annie, e passou por ele.

- Não me deixe falando sozinho.

- Vou procurar outra revista para ler. Até o rótulo de enlatados deve ser melhor do que conversar com você.

- Tem razão - rebateu Chase. - Posso até arriscar e tentar voltar a nado para a terra. Qualquer coisa deve ser melhor do que ficar aqui com você!

Annie sentou-se na cadeira de balanço e olhou para o relógio. Chase saíra havia bastante tempo. Com certeza, ele não estava falando sério sobre nadar de volta...

A porta do quarto se abriu e ela ergueu o olhar.

- Desculpe-me - murmurou Chase. - Devia ter batido.

- Tudo bem. Eu só estava sentada aqui ... pensando .

- Foi um longo dia. Não sei quanto a você, mas só quero me deitar e dormir um pouco.

- Estava pensando nisso. Sobre o esquema da hora de dormir. Nós podemos partilhar o quarto.

- Nós vamos partilhar o quarto. Pensei que tivesse deixado isso claro. Não há outra alternativa.

- Você deixou. E eu... eu concordo. Não tem problema. A cama é grande o bastante. - Annie sentou-se na beirada da cama. Eu ficarei do lado direito. Você pode ocupar... O que está fazendo?

Chase estava abrindo as portas do guarda-roupa.

- Deve haver roupa de cama em algum lugar... - Tirou dois cobertores. Entregou um a Annie e estendeu o outro sobre a cadeira de balanço.

- Vai dormir na cadeira? - questionou ela.

- Isso mesmo. Não quero macular a sua reputação.

- Chase, por favor. Eu nunca quis dizer ...

Ele estendeu a mão e apagou a luz. Annie sentiu as lágrimas brotarem.

- Chase?

- O quê?

- Nada - disfarçou ela, e rolou de lado.

Eu te amo, pensou ela.

- Boa noite, Annie. - Chase podia sentir o perfume dela, e ouvir sua respiração. Tudo o que tinha a fazer era estender a mão e sentir sua pele cálida e sedosa.

Como conseguiria sobreviver àquela noite?

 

Chase acordou assustado. Estava tudo escuro. Podia ouvir a leve batida da chuva no telhado.

Onde estava? Não em casa, com certeza.

A compreensão chegou como um relâmpago. O vôo para Seattle.

O barco. A ilha. A cabana. O quarto ...

Este quarto.

E Annie. Annie dormindo a poucos centímetros dele.

Não pense em Annie. Pense em outra coisa. Qualquer coisa. Fez uma careta Apoiou-se nos braços da cadeira de balanço e endireitou-se. Esse tipo de móvel definitivamente não servia para dormir. Tateou pelo chão e localizou o cobertor. Que horas seriam? Levantou o braço e olhou para o local onde o relógio deveria estar. A luz estava fraca e precisou estreitar o olhar para ver. Deviam ser três ou quatro horas da manhã...

Ora! Onze e vinte e cinco, ainda! Dormira apenas duas horas! Bolas, a quem estava enganando? Não fora a cadeira, não fora o frio, não fora a chuva que o acordara.

O motivo puro e simples era Annie.

Como poderia atravessar a noite trancado naquele quarto com ela? .

Tinha que se concentrar na realidade. Annie estava apaixonada por outro homem e, se ele não sentia o mesmo por Janet, bem, poderia vir a sentir. Iria sentir. Era só deixar acontecer. Então, a história de Annie e Chase estaria encerrada, de uma vez por todas.

Dawn já era adulta. Ela entenderia que avida não é um conto de fadas que se acaba com a sentença "e eles viveram felizes para sempre".

Chase suspirou. Já se sentia melhor. Não ficaria mais sonhando acordado, nem dormindo. Ora, o sonho que o despertara havia pouco não se tornaria realidade mesmo. Annie não acordaria sussurrando seu nome...

- Chase?

A voz de Annie saiu tão suave e doce quanto uma manhã de verão.

- Chase? Você está acordado?

Por que ela fazia essa pergunta? Não estava ouvindo seu coração batendo alto?

Chase limpou a garganta.

- Oi - saudou. - Desculpe-me se acordei você. Annie balançou a cabeça.

- Você não acordou. É que eu tive um sonho tolo ... - Deteve-se e agradeceu por estarem no escuro, assim ele não poderia ver que ruborizava.

- Que sonho?

- Eu não me lembro.

- Mas você acaba de dizer...

- O que é isso? Chuva?

Annie sentou-se na cama e puxou o cobertor. Chase pôde ver seus ombros e braços nus. Estaria completamente nua? - É, está chovendo.

Annie suspirou.

- Humm. É bom, não é? Faz aqui dentro ficar muito aconchegante.

Aconchegante? Chase quase gemeu. Sim, aconchegante era a palavra.

- Que horas são? - quis saber Annie. - Já é quase de manhã?

Eu poderia fazer café.

- É quase meia-noite.

- Ainda ... - Annie riu. - Está brincando!

- Gostaria de estar.

Não. Não era impossível. Nunca sobreviveria até o amanhecer, pensou Annie.

- Annie?

Ela piscou e ergueu a cabeça. Acostumara-se à escuridão e podia ver Chase mais claramente agora, sentado na cadeira de balanço, olhando para ela.

- Em que está pensando? - indagou ele.

- Nada, só que... que é espantoso o sr. Tanaka conseguir dormir nessa cama. O colchão parece de aço.

Chase riu.

- Eu também não estou bem nesta cadeira.

Annie riu. O som era tão tranqüilo e leve que Chase teve vontade de rir também. O que ela faria se ele fosse até a cama? Se ele tirasse a roupa, afastasse o cobertor e se deitasse a seu lado? Sabia que ela tinha o perfume de mel e creme. Já sentira o calor em seus seios e ventre ... Os pés e mãos eram frios.

Sorriu ao lembrar-se. Annie tinha sempre os pés frios! Viviam brincando a respeito.

Chase levantou-se.

- Tome - disse, e colocou o cobertor sobre a cama. - Fique com este cobertor também. Está esfriando aqui.

- Eu estou bem. Além disso, não posso pegar o seu cobertor.

- Claro que pode.

- E você?

O que ele precisava não era se aquecer e, sim, se resfriar. - Eu, ah, não estou cansado.

- Não está cansado? Chase, não é possível. Tivemos um dia

terrível. Um dia interminável... - Isso mesmo, interminável.

- E você dormiu só... umas duas horas? Não é suficiente.

- Bem, talvez eu não queira virar rosquinha nessa cadeira.

- Tem razão. - Annie pegou o cobertor e rapidamente enro-

lou-se nele. Chase pôde ver a pele clara e mais nada. - Você fica na cama e eu fico na cadeira.

- Não seja ridícula.

- Eu sou menor.

Sem dúvida. Ela era menor e mais frágil. Feminina. O alto de sua cabeça mal lhe alcançava o queixo.

- Eu posso elevar as pernas e ficarei perfeitamente confortável, Chase. Você vai ver. Vamos. Troque de lugar comigo.

Trocar de lugar? Ir para uma cama ainda aquecida pelo corpo dela?

- Não.

- Ora, como você é machista! Não é hora de pensar em cavalheirismo.

- Basta - sentenciou ele.

- O quê?

Chase tomou-a pelos ombros, tentando não pensar que estava em contato com a pele macia, e retirou-a gentil mas firmemente do caminho.

- Chase? Onde você vai?

- Fazer café. Vá dormir, Annie. Vejo você pela manhã.

A cadeira era uma tortura. Mas ter Annie tão perto era algo muito mais terrível. E ele não era nenhum candidato a santo.

- Homem estúpido! - resmungou Annie, quando a porta se fechou. Que ficasse sofrendo, então, se era o que queria. - Brr... - tremeu, e enfiou-se sob as cobertas.

Claro que ele estava desconfortável na cadeira. Tinha um metro e noventa de altura, quase tudo só músculos. Músculos bem torneados.

Não havia como negar, ele sempre fora atraente.

Bonito, dissera-lhe certa vez, logo após se casarem. Estavam abraçados após terem feito amor e ela se apoiara no cotovelo, olhara para ele e sorrira.

- O quê? - indagara ele, depois que ela disse que pela primeira vez percebera que ele era bonito.

- Tolinha - ralhara ele, rindo. - Homens não são "bonitos".

- Por que não? - insistira Annie, e listara seus atributos, beijando-os também. O nariz. A boca. O queixo. Os ombros largos. O peito aveludado. O abdômen achatado...

- Annie - protestara ele, ofegante e, segundos depois, coloocara-a sobre seu corpo e. a levara às estrelas novamente.

Annie abriu os braços e olhou para o teto, ouvindo a chuva. O que estava acontecendo com ela? Primeiro, o sonho que a deixara desejosa e excitada. Agora, aquela recordação inoportuna e despropositada.

- Pateta - repreendeu-se, em voz alta. Não estava apaixonada por Chase. Já não admitira isso? Quanto ao sexo... Ora, sexo com ele sempre fora bom.

Até ele arruinar tudo ao deixar de procurá-Ia.

Até ela arruinar tudo tratando-o com frieza.

Annie pousou o braço sobre os olhos.

Tudo bem. Então ela não era tão inocente quanto gostaria. Mas Chase a magoara tanto. Não se preparara para a dor de vê-Io sair de sua vida, nem de encontrá-Io com a secretária.

Nem para a dor de perdê-Io.

A porta abriu-se. Annie agarrou o cobertor, sentou-se e levou-o até o queixo. Chase estava no vão da porta. A luz dourada do corredor lhe realçava a silhueta.

- Annie... - A voz dele saiu suave e rouca. Ele entrou no quarto, encarando-a na penumbra. - Eu menti - admitiu.  Não foi por causa da cadeira que não consegui dormir. Foi por sua causa.

Mesmo? Bem, é bom saber que estou fazendo da sua vida um inferno, pensou ela, mas não queria brigar mais.

Ela queria o que ele queria. Para que manter a farsa?

Eram dois adultos, sozinhos em uma ilha, longe da civilização.

Ir ao encontro de Chase, fazer amor com ele apenas por uma noite, não faria mal a ninguém.

Ele tem uma noiva, sussurrou uma voz interior. Ele pertence a outra mulher agora.

- Annie? Eu quero fazer amor com você. Eu preciso fazer amor com você. Diga para eu ir embora, meu bem, e eu irei, se for isso o que realmente quer, mas eu acho que não é. Acho que você quer vir para meus braços e experimentar os meus beijos, que nos acaariciemos como antes.

Annie largou o cobertor. Soluçou de leve e abriu os braços. Chase sussurrou seu nome, tirou a roupa e foi até ela. Beijou-lhe a boca e o pescoço. Beijou-lhe a pele macia atrás da orelha e enterrou o rosto na curva entre seu pescoço e ombro, que mais parecia seda.

Ela estava vestindo alguma coisa, afinal. Sutiã e calcinha, de algodão simples, mas ele achou que nunca vira nada tão sexy na vida. Nunca tremera tanto para retirar-lhe as peças íntimas.

- Minha bela Annie - murmurou, quando ela ficou nua em seus braços.

- Não sou - declarou ela, com a voz rouca. - Estou mais velha. Meu corpo não é mais tão bonito quanto antes.

Annie prendeu a respiração quando Chase inclinou-se e beijou-lhe a curva do seio.

- Você é perfeita - sussurrou ele, o hálito quente contra a carne. - Está mais linda do que antes.

Ele acariciou-lhe os seios, inclinou a cabeça e lambeu os mamilos. Era verdade. De moça adorável, ela passara a mulher bonita. Seu corpo era um clássico da feminilidade, com curvas sedutoras e aquecidas de desejo. Annie tinha o perfume de botões de rosa e mel, e o gosto do néctar dos deuses.

Ela era um banquete para um homem faminto havia cinco lonngos anos.

- Chase ... - sussurrou ela, quando ele começou a trilhar seu corpo com beijos. Emudeceu quando ele chegou às coxas. - Chase ... - suplicou, novamente.

Ele ergueu o olhar.

- Nunca me esqueci - declarou ele. - Do seu cheiro. Do seu calor. - Acariciou-lhe as coxas. Devagar, baixou a cabeça. - Do seu sabor.

Annie gritou quando ele encontrou o que procurava. Fazia tanto tempo. Cinco anos de noites solitárias e dias vazios. Cinco anos desejando Chase sem admitir, sonhando com ele, sonhando com isso, e, então, ter de negar todos os sonhos pela manhã.

Eu te amo, pensou ela, com ardor. Chase, meu marido, meu amado, eu te adoro! Como posso ter me esquecido disso?

Ele a beijou novamente e ela entregou-se ao beijo. Assim que ela voltou à terra, ele posicionou-se sobre ela e introduziu-se com um movimento forte e profundo.

- Chase - gritou ela e, dessa vez, quando ela atingiu novamente as alturas, ele a acompanhou, segurando-a firme enquanto retornavam ao longo da espiral do êxtase.

Antes de adormecer nos braços de Chase, Annie viu a lua crescente pelo teto de vidro. As nuvens dissiparam-se e a chuva cessou.

Annie acordou durante a noite com o roçar dos lábios de Chase em sua nuca.

Parecia que haviam se passado anos. Quantas vezes acordara com seus beijos e carícias?

- Nunca deixei de pensar em você - sussurrou ele. Nunca deixei de amar você, era o que queria dizer, mas queria estar olhando para ela ao fazer essa declaração, para testemunhar sua reação.

Por isso, passou a expressar-se com o corpo. Enterrando o rosto junto a seu pescoço, pousou uma das mãos no seio e a putra, no ventre, movimentando-se devagar, ajustando seus ritmos. Quando ela gritou, ele gemeu. Então, recomeçou a abraçá-Ia e beijá-Ia, até penetrá-Ia novamente, com mais firmeza, com o mesmo desejo, só que, dessa vez, ela voltou chorando.

- Eu machuquei você? - indagou Chase, apreensivo.

Por um segundo, Annie teve vontade de dizer que a dor viria ao amanhecer. Quando a noite seria passado e o sol faria com que tudo não passasse de sonho.

Mas isso seria errado. Aquilo era mesmo um sonho e ela sabia disso. Então, sorriu e disse que não, ele não a machucara. Suspirou então e apoiou a cabeça contra o ombro forte.

- Annie?

- Hein?

- Estive pensando. -Ele a beijou e ela sorriu. - Vamos experimentar a banheira?

Annie bocejou preguiçosa.

- Logo cedo...

E adormeceu.

Acordaram com o sol da manhã e um som de motor de barco. Annie sentou-se na cama com o coração disparado.

- O que... ?

Chase já vestira a calça e fechava o zíper.

- Pode deixar, meu bem - avisou ele. - Vou cuidar de tudo . Ela assentiu, levou a mãos ao rosto e ajeitou o cabelo.

Chase saiu ao corredor, hesitou e voltou.

- Annie? - Quando ela ergueu o olhar, ele se inclinou e beijou-a. - Foi uma noite maravilhosa - elogiou, suave.

Ela assentiu. - Sim. Foi.

Por um instante, ela achou que ele ia dizer mais alguma coisa, mas ele se voltou e pegou a camisa da cadeira, ao mesmo tempo em que alguém batia na porta.

- Já vai - disse Chase. Voltou-se uma última vez, pouco antes de abrir a porta. - Maravilhosa - reforçou. - E nunca vou me esquecer desta noite.

Annie sorriu, embora sentisse as lágrimas brotando.

A mensagem de Chase era lisonjeira, precisa e dolorosamente clara.

Fora uma noite maravilhosa. Mas já era dia e o que haviam partilhado estava acabado.

Annie desceu os degraus do prédio em que sua irmã Laurel morava. Assim que pisou na rua, deu um gritinho e recuou. Que maravilha, pensou, enquanto pesadas gotas de chuva incidiam sobre a calçada. Era exatamente do que precisava. Um dia quente de agosto e, agora, uma chuva intensa.

Annie olhou por sobre o ombro. Podia voltar ao apartamento...

Não, Laurel já devia ter-se recolhido. Demorara-se bastante, até ver que era tarde e que poderia perder o último trem para Stratham.

- Você está bem? - perguntara a Laurel.

- Estou ótima - respondera ela. - Agora é só esperar o bebê chegar!

Nossa, parecia mesmo o dilúvio. As pessoas diziam que na costa noroeste chovia forte, mas, na noite que passara lá, as gotas caíram como carícias de amante.

Annie franziu o cenho. Que bobagem! Não desperdiçara um minuto pensando naquela noite maldita e, agora, de repente, ela surgia sorrateiramente em sua mente.

Não ia mais pensar naquela noite, nem em Chase. Por que faria isso? Não era masoquista para ficar recordando seu péssimo comportamento naquela ilha.

Deixara tão claro que apreciara o desempenho de Chase que ele acreditara que teriam outra sessão.

Ele lhe telefonara com aquela intenção várias vezes. Conversara com ele na primeira vez, porque sabia que tinham de combinar o que diriam a Dawn quando ela voltasse da lua-de- mel no Havaí.

- O que quer contar a ela? - indagara Chase, praticamente jogando o problema para cima dela.

- A verdade, que você mentiu e eu fui tonta o bastante para permitir isso... mas provavelmente seria um erro. Então, por que não simplificamos tudo. Por exemplo, que nós passamos o fim de semana juntos e não deu certo.

- Não passamos o fim de semana juntos - observara Chase.

- Foi apenas uma noite. E o que aconteceu não precisa terminar ali.

Annie, tola como sempre, sentiu o coração palpitar e esperou que ele dissesse que a amava.

Mas ele não disse nada.

- Eu sei que você não quer se envolver novamente, mas tem que admitir que aquela noite foi memorável. - Memorável - concordara Annie, calma.

- Eu gostaria de vê-Ia novamente.

- Aposto que sim - declarara ela, com dignidade, e desligara o telefone.

Por sorte, o trem para Stratham estava atrasado meia hora, devido ao mau tempo.

Annie conseguiu um lugar para sentar-se, embora o trem estivesse cheio. O senhor obeso sentado a seu lado parecia querer conversar. Falou sobre o tempo, comentou sobre o cenário político e ia opinar a respeito da educação de adolescentes nos dias atuais quando Annie pegou um jornal, pediu licença e começou a ler a seção de economia.

Fora grosseira, mas não estava com vontade de conversar generalidades com um estranho.

Prendeu a respiração.

Era uma foto de Chase no jornal? Sim, era Chase, sorrindo para a câmera, parecendo satisfeito consigo e com o mundo. E por que não estaria? A seu lado, muito deslumbrante, estava Janet Pendleton.

- Maldito! - praguejou, quase soluçando. O senhor a seu lado enrijeceu-se.

- Está falando comigo, senhora?

Ela ergueu o olhar. O homem a olhava como se ela tivesse saído de um sanatório. Piscou para afastar as lágrimas.

- Também - desabafou.

Então, largou o jornal, levantou-se e foi até a porta do trem.

Estava chovendo em Stratham também.

Bem, por que não estaria? Um final perfeito para um dia perfeito, pensou Annie, sombria, enquanto caminhava pelo estacionamento. Nem adiantava correr, já estava mesmo toda ensopada. O que mais poderia acontecer?

Chegou em casa, tornou banho e vestiu um robe. Foi até a cozinha e optou por urna refeição congelada.

Colocou o prato no microondas. Já ,estava abrindo a embalagem quando a campainha tocou.

Annie olhou para o relógio. Quem seria a essa hora? Talvez fosse Dawn. Sorriu. Dawn e Nick moravam a apenas meia hora dali e costumavam visitá-Ia. A filha aceitara o fracasso da suposta tentativa de reconciliação dos pais.

- Lamento tanto, mãe, mas pelo menos vocês tentaram.

Não eram Dawn e Nick. Era Débora Kent, parada na chuva, trazendo uma enorme caixa de pizza.

- Posso entrar ou vou ter que me sentar no carro e consumir todas estas calorias sozinha?

Annie animou-se.

- Que tipo de amiga eu seria se a deixasse entregue a esse destino? - replicou, e pegou a caixa. - Vamos entrando.

- O tipo que ignora telefonemas seguidos - resmungou Deb despindo a capa de chuva. - Está pingando água. Quer que eu a pendure na lavanderia ou o quê? .

- Deixe ali na cadeira - indicou Annie, e foi para a cozinha.

- Fique à vontade enquanto pego pratos e guardanapos.

Deb surpreendeu-se ao ver a refeição solitária saída do microondas.

- Eslou vendo que interrompi um jantar de gourmet - ironizou, afastando o pratinho com unhas bem-feitas.

Annie tirou duas latas de refrigerante dietético da geladeira e colocou-as sobre o balcão.

- Não imagina o sacrifício que vai ser comer uma fatia dessa pizza.

- Uma fatia?! - Deb abriu a caixa, tirou um triângulo enorme da massa e depositou-o no prato de Annie. - Vai comer metade dessa maravilha. - Serviu-se de urna fatia igualmente generosa. - Então, o que há de novo na sua vida?

- Oh, não muito. - Annie sentou-se na banqueta. - E você, corno está?

- Boa pergunta - replicou, indignada. - Para alguém que devia ser a minha melhor amiga, você não tem me dado atenção ultimamente. Não retoma mais suas ligações?

- Claro que retorno. Eu estive ocupada, só isso. Hummm, esta pizza está ótima. E pensar que eu ia comer um congelado dietético... Nem que eu tenha que desistir de comer pelo resto da semana, essa pizza definitivamente terá valido a pena.

- Não tente me enganar, Annie Cooper. Ocupada, é? - Essa pizza está mesmo o máximo.

- Pode fingir. - Deb pegou outra fatia. - Ninguém pode estar tão ocupada assim, a não ser que não almoce mais. Está virando a moça do "não". Não quer ir ao cinema, não quer ir às compras, nem para aproveitar urna superliquidação...

- Desculpe-me, Deb. É verdade, eu estou, como disse, muito... _ E ao invés de partilhar as boas novas comigo, o que é dever de toda boa amiga, me deixou a conjecturar aqui sozinha - prootestou Deb, pegando mais um pedaço de pizza.

Annie esboçou um sorriso. Ninguém sabia o que acontecera na ilha. Ninguém imaginava que ela fora para lá com Chase, exceto Dawn e Nick.

- Que boas novas?

- Você sabe.

- Não sei, senão não estaria perguntando. Vamos, Deb. De que está falando?

Deb afastou o prato e abriu a lata de refrigerante.

- Bem, para começar, quando~ai me contar que dispensou o velho Milton Hoffman?

- Oh, isso!

- Sim. Isso. Não que ficasse triste em saber. Milton é um ótimo rapaz, mas ele não é para você.

- Onde ouviu...

- Encontrei-me com ele no supermercado outro dia. - Deb achegou-se. - Sabia que ele come cereais sem gordura?

Não estou surpresa, comentou Annie, em pensamento. Então, franziu o cenho por pensar algo tão grosseiro.

- Bem, e daí? - indagou, fiel. - Isso não o torna umna má pessoa. Além disso, se quer saber se ainda estamos nos encontrando, você deveria ter perguntado a mim. Não tem que ir alfinetar o pobre Milton.

- Eu não fui alfinetar o pobre Milton! Ele estava na seção de cereais, parecendo muito infeliz, e eu fui com o meu carrinho até ele e disse que ele deveria experimentar o cereal de aveia, ou talvez o de fibras, dependendo da necessidade dele. Quero dizer, quem sabe o que se passa por trás daquele paletó? E ele lançou um olhar que me fez lembrar de um cãozinho bassê que tive. Você se lembra dele? Era a coisinha mais terna...

- Deb, o que Milton disse?

- Ele só perguntou se eu a tinha visto ultimamente. E eu disse, bem, que tínhamos almoçado há algumas semanas. E ele disse que era mais do que ele tinha feito. E eu disse...

- Epa. - Annie ergueu as mãos. - Deixe-me simplificar a questão, certo? Milton é um homem adorável. Um homem agradável. Mas...

- Mas?

- Mas, somos apenas amigos.

- Ele parecia achar que vocês tinham sido algo mais. - Deb serviu-se de outra fatia de pizza. - Como se tivessem feito planos. - Não! Nós nunca... - Annie levou as mãos ao rosto. - Oh, minha nossa, sinto-me terrível!

Deb passou o guardanapo nos lábios.

- Você mexeu com ele - acusou Deb, severa.

- Não. Ou melhor, suponho que sim... - Annie e contou a Deb o que se passara na festa de casamento de Dawn, quando forcei uma situação com Milton por causa de Chase. - Mas eu esclareci tudo depois - acrescentou, rápido. - Expliquei que... que disse coisas sem propósito e que...

- Você despedaçou o coraçãozinho dele - sentenciou Deb, solene. Sorriu e golpeou Annie levemente no braço. - Não me olhe assim! Estou exagerando. Milton parecia bem. Mais feliz do que jamais vi. Para dizer a verdade, enquanto conversávamos, uma mulher chegou de outra seção e ficou de braço dado com ele. O nome dela é Molly e não é preciso ser gênio para saber o que está acontecendo com eles, já que estavam dividindo o carrinho.

Annie suspirou aliviada. - Estou contente.

- Milton mandou-lhe lembranças.

- Honestamente, Deb...

- Honestamente, Annie, por que não me contou que passou um fim de semana com o ex?

Annie ruborizou até a raiz dos cabelos. - Do que está falando?

- Dawn me contou. Encontrei-me com ela na seção de limpeza.

- Já considerou mudar de supermercado? O que mais a minha adorável filha lhe contou?

- Só que você e Chase estavam tentando uma reconciliação e que não deu certo. Confere?

- Sim. Foi isso mesmo.

Deb, que não era tola, estreitou o olhar.

- Talvez a sua garotinha tenha engolido a história, mas tenho mais anos nas costas.

- E o que isso quer dizer?

- Quer dizer que não vai me contar o que realmente aconteceu?

- Não aconteceu nada.

- Annie... - advertiu Deb.

A campainha tocou. Annie agradeceu aos céus.

- Não me deixe, esperando - alertou Deb, enquanto Annie corria da cozinha. - Vou retomar a inquisição, está ouvindo?

- Estou.

Havia um menino na varanda. - Sra. Annie Cooper?

Annie recebeu a caixa branca.

- Sim, mas não vou receber a encomenda.

O menino olhou para o endereço do destinatário. - Rua Spruce, 126?

- Sim, mas você vai levar as flores de volta.

- São rosas, senhora. De cabo longo, vermelhas...

- Eu sei como elas são, e não as quero.

- Mas ...

- Tome. - Ela passou uma nota de dez dólares para o menino.

- Por você ter de sair com esse tempo.

- Mas, senhora...

- Boa noite.

Annie fechou a porta. Suspirou e fechou os olhos.

- O que foi tudo isso? - indagou Deb. - De quem eram as rosas?

- De Chase. Ele está fazendo isso há semanas. A sua pizza vai esfriar, se não comer logo.

Voltaram à cozinha. Deb olhou para o prato e então, para Annie. - Deixe-me ver se entendi. Você saiu com seu ex, ele manda flores desde então e quer que eu acredite, que nada aconteceu entre vocês?

- É exatamente o que eu espero que acredite - confirmou Annie, e começou a chorar.

- Que homem horrível! - classificou Deb, meia hora depois.

- Nós éramos tão jovens quando nos casamos, Deb. Eu achava que o casamento era um conto de fadas, sabe, o príncipe encontra a donzela e eles vivem felizes para sempre. Mas não é bem assim.

Você precisa investir no casamento, conversar sobre os seus obbjetivos e problemas.

- E vocês não conversavam. Annie balançou a cabeça. -Não.

Desolada, assoou o nariz novamente. - Bem, nunca é tarde demais.

- É. - Annie jogou a toalha de papel no lixo e pegou outra.

- É tarde demais. -

- E a tentativa de reconciliação?

- Eu lhe disse. Não foi de verdade. Nós só fingimos, por causa de Dawn.

- Mas fizeram amor.

- Eu fiz amor. Chase... Chase pensa que dormimos juntos. -

Annie lançou um olhar severo a Deb. - E não se atreva a dizer que é a mesma coisa.

Deb sorriu, triste.

- Creia-me, Annie. Até eu sei que não é. Bem, o que aconteceu quando o fim de semana acabou? Ele não a quis ver mais?

- Quis. -Annie ficou séria. - Ele telefonou uma dúzia de vezes. Com certeza queria me ver. Para fazer sexo. E nada mais. - Você não acha que seria bom vê-Io? Contar a ele como se sente?

- Não! Não! Já é ruim eu ter mostrado como eu me sentia. Na cama quero dizer. Eu... - Annie balançou a cabeça. - Não quero mais falar sobre isso. Não adianta nada. Conversar não vai mudar nada...

O telefone tocou.

- Quer que eu atenda? - ofereceu-se a amiga. Annie balançou a cabeça.

- A secretária eletrônica atende. Não quero conversar com ninguém.

- Oi. Sou eu, mas não posso atendê-lo agora. Deixe uma mensagem e o telefone, darei retorno assim que possível.

- Muito original.

Annie sorriu, mas ficou séria ao ouvir a voz de Chase.

- Annie? Annie, sou eu. Por favor, meu bem, atenda se estiver aí.

- Falou no diabo... - sussurrou Deb.

- Tudo bem - declarou Chase, e suspirou. - Como posso saber por que não quer falar mais comigo, se não atende o telefone, nem entra em contato?

Annie cruzou os braços.

- Ele sabe muito bem por quê.

- Estou em Porto Rico - dizia Chase. - É um novo cliente... Raios, Annie, não vou contar a história toda. O caso é que estou voltando para Nova York esta noite. Na verdade, estou no aeroporto pronto para embarcar.

- Fascinante - resmungou Annie. - Ele vai me dar o itinerário agora.

- Só vou ficar em Nova York uns dois dias antes de voltar a San Juan, e, então, ficarei livre por algum tempo. E imaginei se há alguma possibilidade de nos encontrarmos novamente...

- Dormir com ele, quer dizer - traduziu Annie, franzindo o cenho ao telefone.

- Sei que já disse isso antes, meu bem, talvez uma centena de vezes nesse seu aparelho, mas acho que uma última tentativa não vai fazer mal. Annie, sei que não pretendíamos nos envolver novamente: Sei que fomos forçados a ficar juntos porque fiz uma trapalhada com Dawn. Mas achei... achei realmente que aquela noite que passamos juntos foi incrível. E...

- E devíamos repetir a dose - completou Annie, friamente.

- E eu sabia que não tinha o direito de pedir-lhe que me aceitasse de volta, Annie. Por isso, fiquei pensando durante toda a viagem de volta de Seattle. Você fez uma nova vida sozinha e encontrou um companheiro, e percebi o quanto lamentava o que tinha acontecido na cabana, assim que você acordou. Você estava tão silenciosa, com o mesmo olhar reservado que nos acompanhou nos últimos anos de nosso casamento.

- Annie? - chamou Deb, incerta. - Está ouvindo?

- Annie... eu te amo! - declarou Chase. - Se preferir o poeta maricas, vai ter de me encarar e dizer com todas as palavras. Não sou muito bom com palavras, mas posso dizer que a amarei até o fim da vida.

Annie derreteu-se toda: - Chase... oh, Chase...

- A única mentira que contei naquela cabana foi que estava noivo de Janet Pendleton. Janet é uma ótima moça. Eu gosto dela. Mas não a amo. Eu já disse isso a ela. Nunca poderei amar alguém senão você.

- Annie, atenda o telefone! - desesperou-se Deb.

- Estão anunciando meu vôo, mas... bolas, não vou tomá-Io! Mudei de idéia. Vou para Boston e estarei em sua porta em poucas horas e aviso: se não atender à campainha, vou entrar assim mesmo...

Annie correu para o telefone, mas era tarde demais. Ele já desligara.

- Annie, o que você vai fazer? - indagou Deb. Annie sorriu.

- Boston, aí vou eu!

Chovia em Boston também.

Todos os vôos estavam atrasados, conforme anunciava a voz pelo sistema de alto-falantes. O terminal estava lotado de viajantes cansados. As pessoas acomodavam-se em qualquer lugar. Haviafilas no banheiro femiinino, diante das máquinas de salgadinhos, nos balcões. Bebês choravam, passageiros nervosos discutiam com os atendentes, mas Annie não notava nada disso.

Estava de vigília junto ao portão nove. Toda hora, olhava para o painel de chegadas e partidas.

Nem sabia se estava esperando no lugar certo, mas não tinha outra opção.

Parecera-lhe uma idéia maravilhosa ir para Boston e recepcioonar Chase. Imaginou a expressão dele quando a visse esperando, imaginou-se correndo para ele e sendo saudada com um abraço.

No meio do caminho para o Aeroporto Logan, ocorreu-lhe que não sabia em que vôo ele estava.

Tirara o pé do acelerador. Talvez devesse voltar.

Voltar? E ficar andando de um lado para o outro? Enlouquecendo no processo? Não. Não podia fazer isso. Por isso vestira calça jeans e camiseta, calçara tênis e pegara o carro. Precisava fazer alguma coisa, senão enlouqueceria.

Precisava ver Chase assim que ele descesse do avião, iria correr para ele e dizer-lhe que nunca deixara de amá-lo.

Voltara a acelerar o carro. Ao chegar ao aeroporto, já tinha um plano.

Dirigiu-se ao balcão de informações. Embora não soubesse por qual companhia aérea ele viajava, conseguiu que a atendente listasse três possibilidades.

Seu plano era simples. Esperaria cada vôo, pela ordem de chegada: Se ele não descesse no primeiro, iria para o portão do vôo seguinte e, se fosse preciso, faria isso ainda uma terceira vez.

Estava já aguardando o último vôo possível. E se Chase não estivesse nele?

Annie sentiu as mãos trêmulas e enfiou-as nos bolsos da jaqueta. Talvez ele não tivesse conseguido trocar o vôo. Havia uma outra possibilidade, que não considerara senão naquele instante. Chase podia ter desembarcado no Aeroporto Bradley. Nesse caso, estaria a caminho de casa agora. E se ele tocasse a campainha? E se achasse que ela saíra com Milton Hoffman?

- Oh, não, por favor, por favor... Chase não estava naquele vôo.

Annie começou a chorar. Um casal olhou para ela, curioso. Sabia que estava horrível, mas não se importava.

Nada mais importava agora que perdera Chase pela segunda vez. Voltou-se e começou a andar, cabisbaixa.

- Annie?

Que grandes idiotas tinham sido, os dois. Tão apaixonados e tão incapazes de conversar, de se entender.

- Annie?

Nunca haveria outro amor em sua vida. Chase ficaria em seu coração, para sempre.

- Annie!

Sentiu mãos nos ombros, mãos familiares.

- Chase? - sussurrou ela, e voltou-se para ver o ex-marido. Fitaram-se com ternura. Então, Chase abriu os braços. Ela se lançou contra ele e beijaram-se, alheios às pessoas e ao barulho no terminal.

Um bom tempo depois, afastaram-se do centro das atenções.

- Annie, querida. - Ele tomou-lhe o rosto. Ela era linda. Tão perfeita. Inclinou-se para beijá-Ia ainda mais uma vez. - Desculpe-me, querida - sussurrou. - Nunca tive a intenção de magoar você. Sempre a amei, Annie. Tudo o que fiz; meu bem as horas de trabalho, as festas para realizar contatos comerciais tudo foi por você. Eu queria que você tivesse tudo. Queria que se orgulhasse de mim. Queria que se sentisse feliz por ser minha mulher.

Annie tomou-lhe as mãos e sorriu, apesar das lágrimas emocionadas.

- Mas eu sempre me orgulhei de você - declarou. - Não sabia disso? Eu não me importava se estava cavando valas, desde que me amasse.

Chase abraçou-a e beijou-a.

- Annie Bennett Cooper, quer se casar comigo?

- Oh, sim! - respondeu Annie - Oh, sim, Chase, sim...

- Esta noite, meu bem. Podemos pegar um avião para o Caribe e nos casar na ilha Saint John.

- Que idéia maravilhosa! - avaliou ela, e beijou-o. Chase pousou o braço nos ombros dela.

- Venha, vamos procurar um balcão de reservas.

No meio do caminho para a escada-rolante, ele estacou. - Espere-me aqui um minuto - pediu.

Beijou-a e entrou numa das lojas do aeroporto.

Annie olhou através da vitrine. Havia um vaso enorme com rosas vermelhas. Chase tirou a carteira do bolso e falou com a atendente. Segundos depois, estava novamente diante dela, com uma rosa perfeita na mão.

- Lembra-se daquela noite há muitos anos? - perguntou ele.

- Eu tinha assinado o meu primeiro grande contrato e trouxe-lhe uma rosa assim...

Annie ficou emocionada.

- Lembro-me.

- Eu a amo tanto quanto naquele dia, meu bem. - A voz dele estava rouca. - Se isso é possível, eu a amo ainda mais.

Annie recebeu a rosa.

- Eu nunca deixarei de amar você, Chase - sussurrou, e aninhou-se no abraço do marido.

 

Um dia após o Natal, os Cooper tinham parentes e amigos reunidos na sala de estar.

- Seu pai e eu não conseguiríamos consumir toda essa comida sozinhos - comentara Annie, ao ligar para Dawn convidando a ela e Nick para jantar.

- Não precisa me convencer, mãe - respondera Dawn, com alegria na voz - Se há um aspecto que particularmente não aprecio na vida de casada é cozinhar.

Naquele momento, sentada no sofá ao lado do marido que a envolvia pelos ombros, Annie olhou para a família e entendeu que nunca havia sido mais feliz.

Dawn e Nick estavam sentados de pernas cruzadas junto à árvore de Natal enorme que Chase trouxera na semana anterior.

- Não vai caber - grunhira ele, ao arrastar a árvore para dentro.

- Claro que vai! - insistira Annie.

Conseguiram... após Chase cortar meio metro do tronco coma serra.

A irmã de Annie, Laurel, estava presente, junto com o marido.

Os dois se beijavam como se não existisse mais nada no mundo. Numa pausa, ele pousou a mão no ventre da esposa e sussurrou algo que a fez corar.

Annie sorriu, desviou o plhar e focalizou a amiga, Deb; que conversava com um rapaz simpático junto à lareira. Conhecera-o havia poucos meses.

- No supermercado? - perguntara Annie, provocando a amiga. Deb ruborizara.

- Na biblioteca, mas, se contar a alguém, eu nego tudo. Annie suspirou e pousou a cabeça no ombro de Chase. Que diferença faziam uns poucos meses. Sentira-se tão infeliz no verão e agora... bem, agora, seu coração transbordava de alegria.

- Meu bem?

Ela ergueu o olhar para Chase.

- Acha que está na hora de contar a todos sobre os nossos planos?

Annie devolveu o sorriso. Estavam casados havia meses e a lua-de-mel parecia perdurar.

- Acho que sim - concordou ela.

Chase beijou-a. Então, segurou-lhe a mão e, trazendo-a consigo, levantou-se.

- Atenção, todo mundo! Ouçam, por favor...

Todos voltaram-se e olharam para Chase e Annie.

- É que Annie e eu estávamos com um problema... Seguiram-se grunhidos e gemidos de lamentação. Chase riu e trouxe Annie para mais junto de si.

- O problema era onde iríamos morar. Annie adora esta casa antiga e eu estava muito feliz com meu apartamento em Nova York...

- Deixe-me adivinhar - provocou Deb. - Vocês resolveram erguer uma barraca na praia, no Taiti.

Todos riram. Então, Chase ergueu a mão.

- Annie tem sua empresa de paisagismo e eu, a minha construtora. Como disse, nós tínhamos um problema. - Olhou para a esposa. - Conte a todos como nós solucionamos o impasse, meu bem.

- Bem, quando tivemos a idéia, pareceu simples... - começou Annie.

- Eu acertei! - festejou Deb.

- Compramos uma ilha na costa do Estado de Washington- revelou Annie.

Dawn levantou-se.

- Uma ilha, mãe? Aquela ilha? Annie ruborizou.

- Aquela ilha. Seu pai conversou com o sr. Tanaka e convennceu-o de que havia uma outra ilha à venda na costa que serviria muito melhor aos propósitos dele.

- Vou construir uma casa para nós - informou Chase.

- Já não tem uma casa lá?

Chase e Annie sorriram um para o outro.

- Tem uma casa muito bonita - confirmou ela. - Mas decidimos que queríamos algo só nosso. Algo mais... mais caprichado.

- Olhou para as pessoas ao redor. - Chase vai construir a casa, eu vou montar o jardim e, depois, vamos juntar forças. Cooper & Cooper Projetos Paisagísticos. - Sorriu. - Costumo cobrar caro, hein?

Todos riram e Dawn bateu palmas, dizendo:

- Bem, já que é hora de fazer comunicados, é a minha vez. Vou voltar a estudar, no próximo semestre.

Annie entusiasmou-se.

- Oh, meu bem, que notícia maravilhosa!

Nick sorriu orgulhoso e passou o braço ao redor da cintura da esposa.

-Não é mesmo? Dawn vai se formar daqui a quatro anos e então... - Ele ruborizou. - E então... vamos aumentar a família. - É assim que se fala, Nick! - aprovou Damian, piscando para a esposa em seus braços. - Claro que, a essa altura, Laurel e eu vamos estar no segundo bebê, ou no terceiro...

Todos aprovaram, alegres.

- Saibam que não têm o monopólio das boas novas! - declarou Deb. Respirando fundo, olhou ternamente para o homem a seu lado e enganchou-se o braço no dele. - Arthur me pediu em casamento. - Deb suavizou a voz. - E eu disse "sim". É tarde demais para voltar atrás, Arthur. Tenho testemunhas.

Em meio às risadas e comentários brincalhões que se seguiram, foi fácil para Annie e Chase escaparem para a cozinha.

Ele a tomou nos braços.

- Sabe, após todos esses anúncios felizes, estive pensando...

Ela sorriu.

- Sim?

- Bem...

- Bem o quê?

Chase devolveu-lhe o sorriso.

- Talvez devamos reconsiderar os planos para a nova casa. Quero dizer, lá onde seria o nosso quarto... não ficaria bem um quarto de criança?

Annie olhou bem para o marido. Então, sorriu, lançou os braços em torno de seu pescoço e puxou-o para um beijo apaixonado.

 

                                                                                Sandra Marton  

 

 

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