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CAPÍTULO 14
Lydia sentiu-se realmente mais como uma mulher do mundo na viagem de regresso a Londres. E não simplesmente por se ter transformado oficialmente na primeira componente dessa expressão – uma mulher. A verdade
é que a noite de núpcias lhe explicara inúmeras coisas antes tão mal compreendidas.
Para começar, entendia agora algumas piadas cuja graça anteriormente lhe escapava.
E depois, a forma como o irmão e Emma se entreolhavam fazia repentinamente sentido. Apercebeu-se de que esses olhares estavam imbuídos das memórias dos seus próprios prazeres. Lydia pensou que seria bom
não corar nem soltar algum risinho da próxima vez que eles partilhassem aqueles longos olhares na sua presença.
E Cassandra! Nunca compreendera verdadeiramente o feitiço que Cassandra lançava sobre os homens. Sim, era bonita de uma forma distinta e, com os seus modos, conseguia lisonjear e desafiar ao mesmo tempo.
Apercebia-se, no entanto, agora do seu poder de atração. Muito à semelhança de Penthurst, algo nela falava de assuntos carnais e intimava o prazer latente. Foi um pouco chocante sequer pensar nisso, mas
Lydia suspeitava de que os homens ficavam excitados só de olhar para Cassandra.
Por fim, a noite de núpcias ensinara-lhe a última lição que alguma vez esperara aprender, que a natureza dera a cada mulher os recursos para se sentir extraordinária por breves momentos. Era assim que
o prazer as afetava. Lydia partira sempre do princípio de que, se uma mulher estivesse apaixonada, a união física poderia ser muito especial. Era alarmante perceber que isso poderia acontecer, não só com
um homem que não amava, mas que nunca poderia amar.
Ou, pelo menos, parecia-lhe que tudo poderia ser extraordinário. Uma vez que Penthurst não voltou a procurá-la durante a viagem, possivelmente era algo que só acontecia na primeira vez e que, mais tarde,
se tornaria efetivamente algo muito vulgar.
Quase tinha esperança de que assim fosse. Depois de ele ter abandonado a sua cama na noite de núpcias, o coração confuso de Lydia sentira a sua dose de culpa. As longas horas na carruagem concederam-lhe
demasiado tempo para refletir sobre esse assunto, até que uma tristeza se depositou no fundo do seu coração.
Não tinha qualquer intenção de passar a vida inteira a lamentar-se por um homem morto, mas não deixava de ser desleal abandonar-se ao duque como se se tivesse esquecido daquilo que ele lhe havia roubado.
Deveria ter cumprido o seu dever e nada mais. Certamente poderia ter resistido ao prazer daquela sedução, caso se tivesse dominado.
Infelizmente, a proximidade constante do duque nos longos quilómetros que percorreram levaram-na a duvidar de que pudesse ter conseguido tal coisa. Bastava ele olhar na sua direção ou tocar-lhe por motivos
absolutamente práticos e de imediato começava a sentir de novo aquela inconveniente comoção.
Quando chegaram a Berkeley Square, depararam com uma pequena multidão à porta de casa de Lydia. Três homens caminhavam pausadamente junto às escadas e todos se endireitaram, alerta, quando a carruagem
estacou. Um deles arrancou de imediato e atravessou o parque a correr, em direção à residência de Ambury. Outro, que ela conhecia, disparou para dentro de casa. Um terceiro começou a afastar-se.
– Mr. Riley – chamou Penthurst.
O jovem voltou-se e aproximou-se da janela da carruagem.
– Vossa Senhoria?
– O que está aqui a fazer?
– A senhora disse-me que esperasse aqui e que regressasse logo que o visse chegar, senhor.
– Espero que o tenham deixado dormir durante a noite.
– O Charles substituiu-me durante a noite, Vossa Senhoria.
Penthurst abriu a porta da carruagem, atirou os degraus e desceu da carruagem.
– Nesse caso, faça o que tem a fazer. Contudo, diga à minha tia que poderemos demorar algum tempo a chegar a Grosvenor Square. Terá assim tempo de preparar o pessoal para receber a nova senhora da casa.
Mr. Riley fixou o olhar na carruagem, para a única pessoa que poderia ser essa senhora. Fazendo três vénias, rodou sobre os calcanhares e afastou-se apressadamente.
Penthurst ofereceu a mão a Lydia.
– Entramos?
– Estou a pensar que preferiria não o fazer.
– Coragem, Lydia. Além do mais, agora pertence-me. Mesmo que o seu irmão a quisesse castigar pelo seu comportamento descuidado (e nunca o fez antes, porque haveria de começar agora?), já não tem essa autoridade.
Só eu a tenho.
Poderia até ser verdade, mas o que ela temia não era um castigo de Southwaite. Mais do que isso, a sua reprovação e desilusão fá-la-iam sentir-se pior do que dez vergastadas com uma vara.
Subiram as escadas. Entraram em casa. Tudo estava muito sossegado. O mordomo saudou-os como se Lydia não residisse ali. E, efetivamente, apercebeu-se ela com um sobressalto, era inteiramente verdade.
– Pergunte, por favor, ao conde se me recebe – disse Penthurst.
– Sim, Vossa Senhoria.
– Está a pensar encontrar-se com ele sozinho? – perguntou Lydia.
– Sim. Ele deve ter a liberdade de dizer o que quiser. Não o fará se a Lydia estiver presente.
– O que devo então fazer?
– Tem aqui os seus aposentos, não tem? Poderá ir até lá e emalar algumas roupas para levar consigo.
Naturalmente. E também tinha de preparar Sarah. Lydia encaminhou-se para as escadas para tratar desse assunto de imediato.
Abriu a porta dos aposentos que utilizara desde criança. Um espasmo de nostalgia latejava-lhe no peito. E depois viu Sarah, de pé, junto à porta que dava para o quarto de vestir. O sobrolho de Sarah ergueu-se
bem acima dos seus grandes olhos.
– Oh, milady, tenho estado a explodir de orgulho desde que a condessa me contou. Um duque, Quida! Um duque!
O mordomo abriu a porta da biblioteca de par em par e deu passagem a Penthurst. Anunciou-o como se fosse uma visita de Estado.
Southwaite estava sentado a uma das mesas, de pena na mão. Ergueu os olhos e depois prosseguiu com a sua tarefa.
– Penthurst! Bem-vindo de volta. Sente-se. Termino num minuto. É a declaração pública.
– Conseguiu adiar, então.
– Sim, por pouco. Tive de ameaçar uma das minhas tias e dizer-lhe que nunca mais poderia usar as nossas carruagens. E mesmo assim ela contou à sua tia, por isso a notícia espalhou-se um pouco. – Continuou
a escrevinhar e depois pousou a pena. – Como lhe soa? É com alívio que o conde de Southwaite anuncia que, finalmente, a sua irmã, Lady Lydia Alfreton, se casou, nada mais, nada menos do que com o duque
de Penthurst, provando deste modo que a roda da fortuna gira ao sabor de um capricho.
– Fico contente por o nosso casamento ser assunto de piadas. Temia que ficasse zangado.
– Zangado? Zangado? É tudo o que posso fazer para me impedir de cair a seus pés e abraçar-lhe as pernas, tal é a minha gratidão.
– Longe de mim insinuar que a sua alegria com o nosso matrimónio é inconveniente, mas... Não quer saber o que aconteceu? Não se preocupou com o facto de ela estar comprometida?
Southwaite acenou com a mão, como que a afastar a ideia, tal como enxotaria um inseto.
– Há anos que ela faz coisas que poderiam comprometê-la. Pergunte-lhe sobre o verão passado e a galé. Esse episódio quase me pôs os cabelos brancos, deixe que lhe diga. De qualquer modo, era apenas uma
questão de tempo até acontecer. Sorte a dela que, quando foi por fim apanhada num dos seus esquemas, foi consigo que ela teve de lidar e não com um qualquer salteador de estrada, um ladrão ou algo no género.
– Foi uma sorte, realmente.
Southwaite levantou-se e serviu um pouco de brandy. Aproximou-se de Penthurst e estendeu um dos copos.
– É ocasião para um brinde. – E ergueu o copo. – À vossa felicidade.
Ambos tomaram o brandy de um só trago. Southwaite pousou o copo e sentou-se numa cadeira de braços.
– Estou a falar muito a sério. Estou contente por ser consigo. Tinha mantido sempre a esperança, mas após aquele repúdio público da promessa de casamento...
– Na altura, ela era apenas uma criança. Repudiei a combinação, não a Lydia.
Southwaite encolheu os ombros.
– A sua presença recente na vida dela fez-me pensar se, talvez... mas surgia sempre uma explicação diferente e melhor. A sua carta de Buxton foi, por conseguinte, uma surpresa para mim, mas que de modo
algum me agastou.
– Fico satisfeito por saber. Só para que saiba, casámo-nos na Escócia. E deverá provavelmente ficar a saber que ela não ficou feliz por se encontrar numa situação em que as suas únicas opções eram eu ou
a ruína.
Esta informação fez desaparecer algum do regozijo da expressão de Southwaite.
– Aqui estava eu a imaginar um romance grandioso e secreto. Se calhar vai mesmo ter de me contar o que aconteceu.
– A única história que divulgaremos é que fugimos para nos casarmos. Inclusivamente a si. Quanto ao resto, como marido ela é agora responsabilidade minha. O seu dever foi bem cumprido.
– Cumprido, mas não bem, ao que parece – murmurou Southwaite pensativamente. – Surgiram alguns rumores vindos de Buxton. Não lhes prestei atenção, mas...
– Ignore-os. Todos os outros o farão também. Daqui a um mês terá sido recebida pela rainha, pelo príncipe e pelo primeiro- -ministro.
Southwaite sorriu, mas ainda estava pensativo. Perturbado, até.
– Diga-lhe que eu gostava de a receber agora. Para lhe dar a minha bênção por este casamento que ela conseguiu.
– Irei ter com ela e dir-lhe-ei para descer de imediato.
Lydia não sabia o que esperar quando entrou na biblioteca para se encontrar com o irmão. Sabia, no entanto, que Penthurst mantivera o enredo que engendrara, com base no que acontecera publicamente em Buxton.
Southwaite aceitaria provavelmente sem lhe dedicar grandes reflexões.
Quando o viu, soube que estava enganada. Não se poderia dizer que a sua expressão fosse indiferente, nem sequer feliz. Pelo contrário, olhou para ela como fazia quando ela sofria algum tipo de ofensa numa
festa ou num baile, com um entusiasmo forçado e mais preocupação do que sabia estar a revelar.
Estendeu a mão.
– Venha e sente-se ao meu lado, Lydia. No futuro, vamos ver-nos muito menos e passaremos pouco tempo sozinhos.
Um ardor subiu-lhe à garganta ao ouvir estas palavras. Os últimos dias haviam sido tão intensos e ativos, com tantas surpresas, que não ponderara o modo como a sua vida mudaria drasticamente em aspetos
do dia a dia. Compreender que residiria em casa de Penthurst não significava que tivesse plena noção de que deixaria de residir nesta. Iriam agora afastar-se, sob todos os pontos de vista.
Lydia aproximou-se, aceitou a mão e deixou que ele a conduzisse de modo a sentar-se ao seu lado num divã. Southwaite não a soltou quando se sentaram, cobrindo, pelo contrário, a mão de Lydia com a sua
outra mão.
– Lamento imenso não nos ter sido possível esperar até regressarmos a Londres – disse ela, receosa de o ter magoado com os seus votos precipitados.
– Não é invulgar as pessoas ficarem impacientes a partir do momento em que tomam uma decisão.
– Impacientes... oh, sim. – Teve de se forçar a recordar que o enredo incluía uma relação amorosa. – A cerimónia foi muito modesta, mas não me importei.
– Fico feliz por não se ter sentido privada de um casamento em grande. Não gostaria de a imaginar nessa situação. – Deu uma palmadinha na mão, em ritmo lento, como se assim expressasse os seus sentimentos.
– Também não gostaria de a imaginar infeliz com este casamento, Lydia. Penthurst escreveu acerca de uma situação de embaraço. Chegaram-me rumores que, para mim, são suficientes para eu conseguir juntar
as peças e compreender a que se referia. O tal Trilby e tudo o mais. É claro que, se tiver ido até Buxton para fugir para se casar com Penthurst, a situação comprometedora terá vindo apenas acelerar o
acontecimento por alguns dias. – Batendo ainda ritmicamente com a mão. – Foi essa a finalidade da sua viagem, não foi?
Lydia nunca antes mentira ao irmão. Não abertamente, como resposta a uma pergunta direta. Contudo, se não o fizesse agora, ele preocupar-se-ia e colocaria à prova o enredo, em busca de todas as lacunas.
Forçou um sorriso, mas o seu coração partia-se. Desejava poder revelar simplesmente tudo e deixar que ele a reconfortasse. Quando saí de Buxton, não tinha de todo a intenção de fugir para me casar. Muito
menos com o duque. Nunca poderei ser verdadeiramente feliz com ele e nunca o vi dessa forma. Não serei infeliz porque me recuso a tal, mas sempre que sonhei com um homem, não foi com o Penthurst.
– Como posso não ser feliz? Sou uma duquesa, meu querido irmão. O meu marido é um bom amigo seu e, embora me tenha por vezes faltado o bom senso, o seu é indiscutível.
Southwaite parecia tranquilizado.
– Confesso que sempre tive esperança nesta união. Sei que será bem tratada. Devo provavelmente avisá-la de que ele poderá não ser tão permissivo como eu tenho sido consigo. Ele está mais habituado à obediência,
parece-me.
– Está a tentar substituir a mãe que não tenho, Darius? A dar-me conselhos sobre comportamento adequado e outros que tais?
Southwaite riu-se.
– Que tolice a minha se o tentasse, não é? Quando penso nos conselhos que a nossa mãe teria dado, parece-me sempre melhor abandonar completamente o assunto antes que se torne infernalmente embaraçoso.
– E enrubesceu. Lydia tinha a certeza de que nunca antes o tinha visto assim. – Naturalmente, se quiser perguntar alguma coisa...
– Penso que a Emma esclarecerá todas as minhas dúvidas sobre a vida de casada.
– Sim! Muito melhor ideia. – Levantou-se e ajudou-a a erguer-se. – Devo devolvê-la ao seu marido, Lydia. Estou muito feliz por si e muito satisfeito. – Abraçou-a e beijou-a na testa. – Espero que nos visite
muitas vezes, aqui e em Crownhill, sem cerimónias nem necessidade de convites. As minhas residências continuam a ser suas, sempre, e sentiremos a sua falta.
*
– Aquele retrato ali em cima é do terceiro duque. Início do século XVII. Dizia-se que tinha noventa e um anos quando morreu, mas isso será talvez exagero. A jovem do retrato em baixo mostra a sua filha
Katherine, que se casou com o conde Hollowcroft. Era uma favorita da corte. Aqui temos o seu filho, o quarto duque. Nenhum outro Penthurst serviu, ou alguma vez servirá, num governo oficial depois dele.
É uma tradição familiar. A não confundir com falta de influência. O meu sobrinho, à semelhança do que acontecia com o meu irmão, conhece toda a gente e é consultado acerca dos assuntos mais sérios do Estado.
O poder dos Penthurst é discreto, muitas vezes invisível, mas significativo.
Lydia saltava os olhos de retrato em retrato, enquanto Lady Rosalyn lhe fazia uma apresentação da galeria. Será que deveria memorizar todos estes pormenores de imediato? Esperava bem que não, já que pouco
estava a ouvir.
Penthurst saíra de casa esta noite, para ir sabe Deus onde. Uma vez que usava a sobrecasaca com os bordados discretos a ouro, Lydia estava convicta de que se encontraria entre os seus pares. Ou quem sabe
não teria uma amante que precisava de ser apaziguada após a notícia do casamento. Na verdade, não fazia ideia, embora isso pudesse explicar por que motivo ele não a procurara na sua cama, apesar de já
terem chegado há três dias.
– Estas miniaturas representam os primos – informou Rosalyn, descendo o olhar para uma vitrina. Lydia resmungou por dentro. A vitrina continha pelo menos vinte retratos minúsculos. Preparou-se para meia
hora de biografias.
– Parece cansada, Lydia. Espero não estar a entediá-la.
– De todo. Acho tudo muito fascinante. Continue, por favor. – E continuou. E continuou. Mal Penthurst saíra, já Rosalyn anunciava que era mais do que altura de lhe fazer uma apresentação minuciosa da casa.
Tinha sido muito completa, desde o sótão até às adegas. E assim vira os aposentos luxuosos que Rosalyn criara para si mesma. O seu apartamento, na outra extremidade da casa face aos aposentos do duque,
abrangia a maior parte da área da habitação nesse lado. Damascos e padrões encantadores cobriam os móveis e as paredes luziam com uma pintura de tonalidades de espuma marinha. Um quarto de vestir de proporções
impressionantes oferecia lugares sentados para conversas privadas. Eram os aposentos luxuosos de uma mulher habituada a não se poupar nas despesas para se manter a par do estilo mais recente.
Comparativamente, tudo indicava que os aposentos de Lydia não haviam sido decorados desde o tempo da rainha Ana. Dado que eram adjacentes ao quarto de dormir do duque, pressupunha que ninguém os utilizara
desde o falecimento da última duquesa.
Terminaram os primos. Lydia rezava para que não houvesse mais vitrinas nem retratos ou patrimónios ancestrais.
– Sentemo-nos um pouco na biblioteca, Lydia. Gostaria de lhe falar dos seus deveres.
O tom de voz evocava-lhe a sua antiga precetora, que preferia uma persuasão firme à repreensão. Era a voz de uma mulher que se podia dar ao luxo de ser generosa, por saber ser ela quem detém o poder.
Na biblioteca, Rosalyn sentou-se numa cadeira de espaldar direito. Lydia escolheu o divã. Levantou os pés e pousou-os a seu lado, sobre a almofada. As sobrancelhas de Rosalyn ergueram-se quase impercetivelmente.
Lydia fingiu não reparar.
– Nos últimos vinte anos, desde o falecimento da duquesa, assumi eu a supervisão da organização doméstica. Esse é agora o seu dever. Pedirei que lhe tragam os livros-razão e os registos contabilísticos.
Pode confiar em Mrs. Hill, se decidir mantê-la como governanta. É honesta, pelo menos isso, e bastante diligente.
– Nesse caso, não haverá motivo para alterações.
– Não tenho assim tanta certeza. Ela expressou alguma apreensão quanto às mudanças que já introduziu. Em especial no que diz respeito à mulher que trouxe consigo.
– A Sarah.
– Ela já não se adequa verdadeiramente como sua aia. Para uma rapariga, talvez. Mas para uma duquesa... – Emitiu sons de reprovação com a língua e depois abanou a cabeça em jeito de consternação.
Não foi particularmente penoso para Lydia ter de caminhar quilómetros por esta casa a inspecionar todas as pratas e a ouvir a história integral dos seus criadores e respetivos cunhos. Tolerara a delineação
oral da árvore genealógica, de pé diante daquela galeria até lhe doerem os pés. Manteve-se composta e numa atitude de gratidão por toda a ajuda que lhe era oferecida pela tia do duque, ajuda essa que nunca
desejou e que até considerava insultuosa. Todavia, não se calaria enquanto esta mulher e a governanta conspiravam para lhe retirar Sarah, a única amiga que tinha neste lugar estranho.
Lydia sentou-se o mais direita que conseguiu. Sorriu o mais docemente possível.
– Rosalyn... Não se importa que a trate informalmente pelo seu nome próprio, pois não? Dado que utilizou o meu, deduzo que não se importe e agora somos família... Quero deixar uma coisa muito clara. A
Sarah não sairá. É adequada porque é minha opção tê-la a servir-me e a minha preferência é tudo o que importa. Peço-lhe por favor que o explique a Mrs. Hill, para que não haja mal-entendidos desagradáveis.
Ela deverá garantir que a Sarah se sinta bem e que seja tratada com amabilidade. Trata-se de uma promessa que o duque me fez no dia do nosso casamento. Estou certa de que nem Mrs. Hill nem a Rosalyn quererão
envolvê-lo em assuntos domésticos, mas não serei contrariada nesta questão.
As pálpebras de Rosalyn desceram-lhe até meio dos olhos. Um laivo de cor tingiu-lhe as faces brancas. Encarou Lydia com precaução, como um animal a avaliar as fraquezas da presa antes de atacar.
– Evidentemente, se é a sua preferência, não há nada a discutir – disse ela com um pequeno riso. – Quisemos apenas ajudá-la a receber o serviço que lhe pouparia muito tempo e preocupações na sua nova posição.
– Agradeço a vossa generosidade.
Ali permaneceram, sentadas, observando-se mutuamente. Lydia perguntava-se se Rosalyn passaria de imediato ao ataque ou se lhe concederia algum tempo.
– Importa-se com o facto de ele ter saído hoje? – perguntou Rosalyn. – Afinal de contas, casaram-se tão recentemente e a Lydia acabou de chegar a esta casa.
– Não me importo. Suponho que ele faça a sua vida na maioria das noites. E eu farei a minha.
– Não é uma mulher, para o caso de estar a pensar nisso.
Sentiu-se invadir por uma leveza inesperada ao ouvir aquelas palavras. Tinha estado a pensar e a importar-se com isso, um pouco. Que estupidez a sua preocupar-se com esse tipo de coisas. Que lhe importava?
E, no entanto, o pequenino cintilar de satisfação dizia-lhe que, sim, que se importava, um pouco.
– Foi aos clubes, para os intimidar – explicou Rosalyn. – Para silenciar as conversas sobre esta fuga de casamento e os rumores que vêm de Buxton sobre o vosso encontro e a interferência daquele ilusionista,
e do desafio para o duelo. Está a fazê-lo por si, evidentemente. A posição dele é inatacável.
– Certamente ninguém lhe falará do assunto.
– Isso não é nada certo. Com bebida em demasia, haverá tontos que poderão fazê-lo. Mas esperemos que não. Caso alguém diga alguma coisa, esperemos que outros terminem a conversa antes que ele seja obrigado
a fazê-lo. A ideia de ele poder ver-se envolvido num duelo devido a uma... – Fechou as pálpebras, formando uma linha firme e resoluta, e desviou o olhar.
Uma mulher assim. Foi o que Rosalyn quase disse. Devido à rapariga atrevida que há apenas semanas ela desejava que fosse para o inferno.
– Não travará qualquer duelo – disse Lydia, tentando aliviar a tia da sua preocupação. – Ele sabe que não gosto disso.
A boca de Rosalyn abriu-se de espanto. E depois riu-se.
– Acha que tem tanta influência sobre ele a ponto de ele querer saber o que a Lydia gosta ou não gosta? Oh, céus. Ainda é tão infantil e só isso me diz que o seu poder é demasiado diminuto para fazer qualquer
diferença. Ele pode ter tido a atitude correta para consigo, qualquer que seja o motivo que o levou a achar que deveria fazê-lo, mas não pode estar suficientemente enfeitiçado para ignorar um assunto que
envolva a sua honra, Lydia.
– Na verdade, não sabe o que ele pensa de mim, Rosalyn, ou o que poderia fazer a meu pedido.
– Sei pelo menos isto. O meu sobrinho nunca nutriu qualquer tipo de interesse por jovens inocentes. Interesse nenhum. Suspeito que se interesse ainda menos por inocentes de idade mais avançada, como é
o seu caso.
– E, no entanto, casou-se com uma.
– Efetivamente. Tento imaginar porquê. Esperemos que mais ninguém esteja a tentar imaginar como eu ou que tente ver mais de perto toda esta história da fuga. – Levantou-se. – Agora, venha. Vou mostrar-lhe
a sua coroa e explicar-lhe a cerimónia em que será recebida como duquesa na corte.
– Então?
A pergunta, lenta e em voz baixa, surgiu no momento em que, no Brooks, Penthurst levava um copo de vinho à boca. Deslizou da boca de Kendale, sentado à sua direita. Ambury também ouviu e o seu olhar animou-se
em expectativa.
Penthurst bebeu o vinho.
– Então? – respondeu.
– Ele está à espera que lhe revele a história do seu casamento – comentou Ambury. – Tal como eu. Uma vez que o Southwaite não está aqui, não tenho de me preocupar com a sua reação. Para o caso de a história
incluir algum elemento a que ele pudesse reagir pior, quero eu dizer.
– Já lhes contei a história. Suponho que todos já a tenham ouvido entretanto.
– Não essa história – atalhou Kendale. – A verdadeira história. A história sem os adornos pensados para as senhoras de idade e os bispos.
– Mais vale contar-nos – disse Ambury. – A Cassandra irá certamente arrancá-la da Lydia, mais cedo ou mais tarde. Tanto ela como a Emma estão muito céticas quanto ao que ouviram.
– E outras pessoas também – acrescentou Kendale. – Não faz qualquer sentido. Oh, B vai atrás de A e C vai atrás de B, tudo muito bem. Mas há muitos elementos em falta ou pelo menos estranhos.
Maldita sorte. Ambury, o investigador, e Kendale, o homem que só via pretos e brancos, haviam refletido sobre o enredo e encontrado lacunas. Isso significava que outros também o teriam feito.
– O que falta?
– Qualquer indicação de que ela se tivesse dado conta de que você sequer existia até há um mês – afirmou Kendale. – Indícios de que, no último mês, ela tivesse apreciado, e não tolerado, a sua companhia.
– Está a ser novamente demasiado brusco, Kendale – repreendeu Ambury. – O que já lhe disse sobre isso? Há que usar de alguma delicadeza.
– Que diabo, foi você quem me disse que parecia que, para ela, regressar a cavalo com ele sob a chuva era um destino pior do que a morte.
– Não coloquei as coisas exatamente dessa forma. Disse que teria suspeitado de que teriam combinado encontrar-se ali, mas que ela não parecia muito satisfeita por regressar a cavalo com ele. Talvez isso
não significasse que ela não o apreciava. Talvez tivesse receio de que alguém pudesse começar a suspeitar da sua relação secreta se a vissem naqueles preparos. – Ambury suspirou. – Escapam-lhe sempre as
nuances.
– Bem, acabou de referir outro ponto que me deixa cético. Se existia uma relação, por que razão haveria de ser segredo? – perguntou Kendale. – Não seria por falta de aprovação do Southwaite. O Penthurst
não tinha propriamente uma esposa que se pudesse queixar. Não por ela ser de origens humildes ou que os amigos fossem contra. Qual a necessidade de um encontro secreto em Buxton, já agora?
Penthurst manteve-se em silêncio e deixou-os explanar os seus argumentos, os mesmos que, sem dúvida, estavam a percorrer as mesas de jantar de toda a cidade naquela semana.
– Não vou dizer o que falta nesta história, mas há quem afirme saber o que é – concluiu Kendale.
Ambury carregou o sobrolho na direção de Kendale e depois abriu um sorriso.
– Mais vinho, parece-me. – Chamou um dos empregados do clube.
– O que acham alguns que está em falta? – perguntou Penthurst.
Ambury acenou com a mão para desviar a pergunta e também Kendale, como que afastando ar fétido.
– Ele está só a ser o Kendale. Já sabe como ele é.
– Sei, efetivamente. Infelizmente, entre as suas piores qualidades incluem-se algumas soberbas, como um talento para a análise e a dedução incisiva. Então, Kendale, o que está em falta?
– Não. Responda. Nada – ordenou Ambury com firmeza.
– Ele tem razão – disse Kendale. – Não podemos levá-lo a desafiar outro de nós para um duelo. Pode acabar por morrer desta vez e o reino precisa mais dos seus duques mais do que dos viscondes.
A menção ficou a pairar como a espada pendente que realmente era. Tão típico de Kendale, o Implacável, referir o assunto de forma casual, como se não ameaçasse fazer ricochete sobre todos eles, incluindo
ele próprio.
– Não desafiarei ninguém em duelo. Mas devo estar a par do que se diz por aí, para poder defender-me o melhor que souber.
Ambury pareceu cético. Kendale limitou-se a beber o vinho.
– O que está a faltar, mas que alguns pensam estar subentendido – começou Ambury. – Não nós, é claro, e estou certo de que não ocorreu de todo a Southwaite... O que está a faltar é uma sedução.
– Uma sedução implacável – precisou Kendale.
– Aqui, em Londres, com um posterior encontro secreto em Buxton, mas não para uma fuga – continuou Ambury.
– De uma mulher algo baralhada que alguns pensam não estar certa da cabeça de alguns anos a esta parte – lançou Kendale.
– Neste raciocínio, em que – repito – nenhum de nós acredita por um momento sequer... não é verdade, Kendale?... neste raciocínio, o aparecimento repentino de Trilby forçou-o a agir. Assim exposto o encontro
de Buxton, não teve escolha senão casar-se com ela rapidamente.
Com os diabos, maldição! Salvara-a da ruína e agora estava a ser retratado como um patife.
– Quem anda a dizê-lo? Quem? Insisto que me revelem os nomes dos canalhas.
Ambury fez uma careta.
– Ah. Bem, pois, isso não posso fazer. E dou uma sova ao Kendale se ele tentar fazê-lo. Se tiver conhecimento dos nomes, vai confrontá-los e será um grande sarilho. E depois o Southwaite fica a saber de
tudo e, quem sabe, começará a questionar-se, e lá se acabam muitas amizades.
– Na minha opinião, deveria saber, já que envolve a sua honra – confidenciou Kendale. – Estava precisamente a dizê-lo quando chegou. Mas o Ambury convenceu-me de que não precisamos de mais duelos e não
gostaria que este assunto chegasse aos ouvidos da sua mulher, o que certamente aconteceria se começasse por aí a matar pessoas por causa disso.
Penthurst não estava convicto de que estes dois não acreditavam na explicação infame conjeturada por mentes maldosas. Afinal de contas, ambos concordaram que o enredo não resistia totalmente a uma análise
minuciosa.
Olhou para eles. Ambos homens honrados. Velhos amigos, independentemente de tudo o que acontecera e apesar de Kendale não o ter perdoado totalmente.
– Contar-lhes-ei a história verdadeira, contando com a vossa discrição.
Surpreendidos, os dois inclinaram-se na sua direção, curiosos.
– Não houve sedução, nem qualquer relação secreta. A Lydia não foi a Buxton para se encontrar comigo. Eu segui-a até lá porque suspeitei de que estava a planear algum esquema imprudente, do género em que
se sabe já se ter envolvido. Logo que cheguei, vi o Trilby a tentar raptá-la. Interferi, na minha fúria desafiei-o para um duelo e isso chamou a atenção para a presença da Lydia naquela cidade, e a minha,
e a de Trilby. Era inevitável que os rumores começassem a voar, a maioria dos quais sobre ela, por isso...
– Casou-se com ela para a poupar – concluiu Ambury.
– Mais do que decente da sua parte – murmurou Kendale. – O que estava ela a fazer ali?
– Não mo quer dizer, insistindo apenas que não fez nada de mal. Penso que foi até lá para jogar, mas não tenho a certeza.
Kendale revirou os olhos.
– Obrigue-a a dizer-lhe. Com os diabos, a história real e verdadeira poderá ser a mais fácil de explicar.
– Não seja bruto. Não pode propriamente espancá-la para a obrigar a falar – disse Ambury.
– Quem disse alguma coisa sobre espancar? É marido dela. Basta exigir que lhe conte.
– Fala assim como se esse tipo de exigências conduzissem sempre à obediência. Isso é a cegueira de um recém-casado a falar. Acredite-me, Kendale, daqui a um ano pode exigir tudo o que quiser e, se a sua
mulher quiser guardar um segredo, ela fá-lo-á.
– Fale por si. Eu e Marielle não temos segredos. Pelo menos já não.
Exasperado, Ambury lançou as mãos ao ar e desviou a atenção de Kendale.
– A sua história real e verdadeira está segura connosco. Mas ele tem razão. Se puder ter a certeza de que os motivos da Lydia para se deslocar até Buxton não agravam ainda mais a sua situação, divulgá-los
seria a escolha mais sensata.
Penthurst não apreciava a ideia de tentar arrancar essa informação a Lydia, mas sabia que teria de tentar. Entretanto...
– Podem dizer o seguinte a quem quiserem. Se eu tiver conhecimento de que qualquer homem disse que eu seduzi a Lydia, quanto mais com intenções indignas, desafio-o para um duelo. Se eu tomar conhecimento
de que qualquer mulher espalhou esse tipo de rumor, tratarei de que não seja recebida em casa alguma em que valha a pena ser recebida. Apaixonámo-nos e fugimos para nos casarmos porque pensávamos que seria
romântico. Não é uma história muito dramática, e se calhar demasiado simples para quem busque a intriga, mas aqui está.
Kendale partiu pouco depois, e Penthurst e Ambury juntaram-se a outros companheiros numa mesa de cartas. Uma hora mais tarde, Ambury também se despediu.
Penthurst saiu com ele.
– Antes de se ir, dê uma volta comigo lá fora.
Ambury seguiu-o e saíram do clube. Passearam pela rua fora, envoltos na névoa.
– Decidi aceitar a sua oferta de me fazer algumas investigações – disse ele.
– Quer que eu descubra o que estava a Lydia a fazer em Buxton?
– Não é isso. – Pelo menos ainda não. – É o assunto do Lakewood. Preciso que me encontre um homem. Chama-se Michael Greenly. Penso que pertence a uma família da pequena nobreza de Yorkshire. Esteve nos
Life Guards durante alguns anos, mas já não está.
– Essa última parte já deve ajudar. Porque haveria ele de prescindir de uma posição tão apetecível como essa?
– Descobriu-se que comprara o favor da recomendação de promoção a oficial. As suas opções eram renunciar ou o escândalo e, possivelmente, um julgamento.
Ambury caminhou com Penthurst uns bons trinta metros antes de fazer a pergunta inevitável:
– Está a dizer que ele pagou ao Lakewood por esse favor? Que o Lakewood andava a vender patentes? – O seu tom revelava censura. As influências eram uma presença permanente neste tipo de coisas, mas não
deviam ser vendidas.
– O Lakewood não detinha um estatuto que lhe permitisse influenciar promoções de patentes. Mas tinha amigos que podiam fazê-lo.
– E que amigo utilizou ele para promover esse tal de Greenly?
– Eu.
Sentiu o olhar de Ambury a penetrar a noite na sua direção. Deram meia-volta e retomaram a caminhada.
– O Greenly bebeu demais e, uma noite, mencionou-o a outro oficial. O modo como pagara muito pela sua patente, e muito mais do que se sabia. A minha palavra de cavalheiro foi suficiente para silenciar
o assunto, mas ele foi convidado a renunciar de imediato. Confrontei o Lakewood, tendo percebido o que teria acontecido.
– Estou a ver o mapa que o levou até àquele campo naquela manhã, Penthurst. E dou por mim a escrutinar a minha memória para tentar saber se o Lakewood alguma vez me pediu a mim para interceder a favor
de algum jovem em busca de uma promoção a oficial.
– Sugiro que não procure demasiado. Encontre apenas Mr. Greenly, para que eu possa saber se poderá, de alguma forma, ter sido um mal-entendido da minha parte.
CAPÍTULO 15
Lydia demorou a adormecer naquela noite. Deitada na cama com o candeeiro aceso, tentava distrair a sua inexplicável inquietação planeando como poderia decorar os seus aposentos de dormir.
Tecido de linho, talvez. Verde. Não queria os seus aposentos a transbordar de cetins ou veludo. Preferia viver num jardim fresco e amplo do que num salão de baile. Substituiria os pesados móveis de madeira
esculpida por elementos de influência romana, possivelmente numa madeira clara.
Enquanto ponderava o revestimento da parede, mantinha-se à escuta dos sons do regresso de Penthurst a casa. Como é evidente, acabaria por fazê-lo. Mesmo que se tivessem concretizado os receios de Rosalyn
e ele tivesse desafiado alguém, o duelo não seria travado de imediato.
Devia ter-lhe pedido a promessa de nunca mais se envolver em tal coisa. Duvidava de que ele tivesse acedido, mas pelo menos ela poderia ter tentado. Detestava duelos e a forma como os homens os propunham
à mínima provocação. E Penthurst parecia fazê-lo mais depressa do que a maioria dos homens.
Recordou o dia em que soube daquele outro duelo. A notícia chegara por Southwaite, numa breve nota enquanto Lydia estava de visita à tia Amelia em Hampshire. Estava perturbado, conseguia perceber-se, com
a morte do amigo. As suas palavras ofereceram-lhe a ela pouco conforto, mas a verdade é que ele não sabia do que ela sentia por Lakewood.
Ninguém adivinhara. Nem as tias, nem o irmão. Nunca ninguém soube como tinha chorado contra a almofada noite após noite, ao longo de semanas sem fim. E quando a dor finalmente começou a dar tréguas, ela
ficara entorpecida e indiferente.
As memórias turvaram-lhe a visão. Afastou-as, piscando os olhos, e viu novamente os seus aposentos. E foi então que avistou o duque, à porta que dava para o quarto de vestir.
Ele observava-a. Lydia pressentia-o, apesar de surgir apenas como uma forma escura num umbral também ele escuro. O candeeiro cintilava-lhe nos olhos em minúsculos brilhos dourados. Há quanto tempo estaria
ali, a observar?
A garganta ardia-lhe ao engolir e apercebeu-se de que vertera algumas lágrimas enquanto recordava. Será que ele tinha visto?
Lydia recompôs-se. Colocou de lado a rapariga infeliz e apaixonada e encontrou a mulher do mundo. Poderia passar a vida inteira a detestar o duque e o seu fado, mas essa seria uma escolha pouco inteligente.
– A sua tia disse-me que foi aos clubes desafiar para duelos, se necessário. Espero bem que amanhã não tenhamos de receber uma fila de testemunhas.
– Não haverá qualquer visita de testemunhas. Não houve desafios para duelos.
– Fico contente.
– Pela minha segurança?
– Pelos amigos e familiares de todos, e isso inclui-o a si.
Penthurst entrou nos aposentos. Vestia um roupão de seda estampado largo. Lydia conseguia adivinhar que era tudo o que trazia vestido.
– Um dia destes teremos de falar sobre isso. Sobre amigos e familiares. – Penthurst estendeu a mão e deslizou o polegar pela face de Lydia. Quando o retirou, tinha a pele brilhante de humidade. – Teremos
de falar também sobre isto.
Lydia enxugou os olhos rapidamente.
– Agora não, espero eu.
– Não, agora não. – E voltou-se para sair.
Lydia foi atingida por uma estranha emoção. Desilusão? Não, vergonha. Viera aqui e encontrara-a a chorar como uma criança. Ele não tem interesse por jovens inocentes. Interesse nenhum.
Teria de passar uma vida inteira com este homem.
– Vai-se embora? Pensei que tivesse vindo cobrar a segunda dívida, aquela do Morgan’s.
Ele parou e voltou-se.
– É absolutamente imprevisível, Lydia. E também ainda um pouco temerária.
– Espero bem que sim. Não desejaria ser previsível e sóbria. A vida já consegue ser suficientemente entediante sem que façamos por isso logo à partida.
Penthurst sentou-se na beira da cama.
– Parece que o seu objetivo como mulher foi sempre a excitação, não o casamento. Isso explica muitas coisas.
Lydia ficou a pensar que coisas seriam essas. Talvez fosse mesmo melhor não saber o que ele realmente pensava dela, uma vez que estavam presos um ao outro.
– Admito que tenho tido preferência por experiências fora do comum. Sim, talvez tenha sido pela excitação.
Penthurst deu-lhe uma palmadinha na anca e, com um gesto, indicou-lhe que se chegasse para o lado. Despiu o roupão e deitou-se ao lado de Lydia, movendo-se depois de modo a ficar por cima dela, apoiando
as ancas entre as coxas dela. A sua presença física surpreendeu-a tal como da primeira vez. A sensação da sua pele sobre a dela, do seu corpo comprimido contra o dela, colocava-lhe todos os sentidos em
alerta, em espera.
Apoiado nos antebraços, Penthurst brincou com uma madeixa do cabelo de Lydia.
– De noite encontraremos excitação, Lydia. Se será ou não fora do comum, cabe-lhe a si decidir.
Lydia procurou perceber o que ele queria dizer, mas apenas por um breve momento. Ele beijou-a e distraiu-a das suas conjeturas sobre significados e insinuações.
Desta vez, ela sabia o que esperar. O corpo apreciou o prazer quando este iniciou a sua sorrateira agitação. Penthurst deixou-a abraçá-lo e ela agarrou-lhe os ombros, ousando uma breve carícia que revelou
a textura suave da sua pele e a firmeza da ossatura e dos músculos do corpo teso que revestia. Ele não pareceu importar-se, por isso ela explorou mais um pouco, fascinada pela sensação que dele emanava,
admirando os ombros tensos sobre ela, desviando o olhar ao passar pela cabeça enquanto ele a beijava, para poder ver os seus dedos a percorrer as colinas e vales do seu corpo.
Os lábios dele sorriram sobre os seus. Interrompeu o beijo e olhou para ela.
– Está bastante distraída com alguma coisa.
– Eu... Quero dizer, não propriamente distraída, apenas...
Penthurst rebolou e deitou-se de costas. Fechou as mãos sobre a cintura de Lydia e, com um movimento fácil, colocou-a por cima dele, sentada sobre a cintura.
– Apenas curiosa. Nesse caso, assim será melhor para si. Pode olhar e tocar tudo e quanto quiser, Lydia. As suas mãos dão-me prazer, do mesmo modo que as minhas lhe dão prazer a si.
Lydia avaliou a sua posição.
– Isto não é propriamente comum, pois não?
– Não completamente comum, mas também não tão fora do vulgar quanto isso.
Sentia que era bastante ousado. Excitante. Lydia ajustou melhor a sua posição. Uma pancadinha nas nádegas assustou-a. Olhou para trás e apercebeu-se de que a ponta do seu pénis a provocava, no fundo das
nádegas, como que à sua procura... As possíveis implicações deixaram-na pasmada.
Penthurst beijou-a no cimo da cabeça e acariciou-lhe o seio. Ela contorceu-se um pouco. A pancadinha atrás dela reagiu. Lydia tentou perceber se poderia escapar um pouco para a frente, de modo a...
– Não se preocupe. Isso fica para outra noite, não hoje.
Lydia não ficou propriamente tranquilizada. Mas pensou que, se se sentasse direita, talvez não se sentisse tão vulnerável. Quando o fez, compreendeu o que ele queria dizer com sentir-se melhor nesta posição.
Agora conseguia vê-lo bem, os ombros e os braços e o peito, até onde estava sentada. Lydia percorreu-lhe o corpo levemente com as pontas dos dedos, avaliando se todo ele emanava a mesma sensação dos seus
ombros.
Melhor ainda, decidiu ela. Pousou totalmente as palmas das mãos contra o peito dele. Sentiu o coração a bater, o seu ritmo a pulsar por dentro dela, subindo-lhe pelo braço e descendo pelo seu corpo.
Com exceção de uma lenta carícia no braço, ele deixara-a totalmente entregue às suas explorações. Mas agora, abruptamente, Penthurst puxou-lhe a cabeça para baixo e beijou-a vigorosamente.
Segurou-a assim, com a mão atrás do pescoço, enquanto lhe invadia arrebatadamente a boca. Ela sentiu o poder do desejo dentro dele, muito mais do que da última vez. O seu beijo era tanto sedução quanto
uma ordem. O corpo de Lydia sensibilizou-se em toda a sua extensão, animado de excitação. Quando a sua língua a penetrou, Penthurst segurou-a com ambas as mãos, para que não pudesse recusar ou de modo
algum recuar um milímetro que fosse.
Beijou-a até ela ficar sem respiração e só depois a soltou. Lydia apoiou o peso do seu corpo sobre os braços e sentiu a cabeça andar à roda, pensando que talvez fosse cair.
Penthurst puxou para cima a saia da camisa de dormir.
– Dispa isto.
Lydia teve de se ajoelhar para o fazer. Fê-la deslizar e tirou-a pela cabeça. O ar fresco envolveu o fino lustro de suor que a paixão fizera brotar sobre a sua pele. Era como que mais uma provocação, algo
mais concebido para que ela não pensasse nem se importasse com nada mais além de ser beijada e novamente conduzida à loucura sensual.
Segurando-a com as duas mãos em torno da cintura, Penthurst baixou-a de novo. Só que desta vez ela aterrou um pouco mais atrás, em cima da sua ereção. Ela sentiu-o por baixo de si, duro e grande, comprimido
contra a sua carne mais macia. O ventre vibrou por dentro, um estremecimento após o outro.
Esta posição poderia talvez ser melhor para ela o ver, mas a verdade é que também ele conseguia vê-la. Ele observava as suas reações enquanto lhe afagava suavemente as pontas dos seios. Via como Lydia
se esforçava por se conter e certificava-se deliberadamente de que ela não o conseguia. Excitou-a até ela mal se conseguir manter direita e até que a sua exposição ao seu olhar a desfez por completo. Lydia
queria ocultar a sua loucura agachando-se por baixo dele, para não lhe mostrar como ele conseguia fazê-la morrer de desejo.
Por fim, Penthurst trouxe-a para baixo, deu-lhe mais um beijo e falou.
– Faça agora o que eu digo e penso que conhecerá um prazer extraordinário, Lydia.
Ele levantou-se e empilhou almofadas, de modo a ficar com o tronco erguido. Debruçou-se sobre ela e puxou-a para a frente.
– Ponha as mãos aqui e aperte para se segurar.
Aqui era a cabeceira da cama, meio centímetro acima da sua cabeça. Para tal, tinha de se inclinar para a frente, como que se ajoelhando, pelo que ficou suspensa sobre o tronco e a cabeça dele.
Penthurst afastou-lhe ainda mais os joelhos, abrindo-os bem. A simples posição excitava-a tremendamente. Ele tomou-lhe os seios nas mãos e tornou tudo ainda pior. Acariciou os mamilos uma vez mais, e outra,
até que ela não mais conseguiu conter os gritos.
– Uma destas noites vou pô-la nesta posição, mas ajoelhando-me atrás de si e tomá-la-ei dessa forma. Compreende? Mas hoje não. Hoje quero que aceite o prazer. Quero que chore e grite e berre de prazer.
Obedeça-me e verá que se sentirá feliz com isso, prometo.
E depois garantiu que sim, que ela gritaria. Os seios de Lydia pendiam sobre a sua boca e ele usou os dentes e a língua para a conduzir muito além de qualquer noção de decência. Quanto mais ele a torturava,
mais ela sentia estar a esvair-se de toda e qualquer sanidade. Lydia imaginava essa noite futura em que ele se ajoelharia atrás dela e logo as nádegas se ergueram e o sexo começou a pulsar como se ele
ali estivesse.
Não teve outra hipótese senão aceitar a loucura. Tomava-a completamente sob o seu domínio. Gerou, contudo, nela um desejo atroz. Penthurst deslizou a mão no interior da escorregadia humidade que encimava
as coxas, momento em que as suas pernas escancaradas a deixaram aberta e impotente. Ele tocou-a uma e outra vez, e cada afago seguro e discreto lhe transmitia um acutilante choque de prazer para dentro
do seu caos.
Lydia gritou a plenos pulmões, frenética e impudicamente. E fazia-o novamente cada vez que ele a tocava. Quando as suas carícias se focavam em dois pontos de uma insuportável sensibilidade, os seus gritos
transformavam-se em súplicas. Como que a aprender aquilo que ele necessitava de saber, longas e profundas carícias agitavam toda a sua essência. Lydia mexia-se para tornar tudo ainda melhor, pior, mais
e perdia todo o controlo quando o conseguia.
Lydia agora voava. Ciente de nada exceto um prazer tão intenso que não era real. Derramava-se sobre ela, e depois apertava-a cada vez mais, cada vez com mais força, assustando-a.
De repente, um choque de sensação explodiu vindo do centro da intensidade e estilhaçando-o, lançando-a na escuridão. Repetidas ondas de felicidade fluíam através do seu corpo enquanto ela existia naquele
lugar sublime.
Quando voltou de algum modo a si, ele estava dentro dela e Lydia estava deitada de costas. Ele empurrava agora a cabeceira com a palma da mão, enquanto balançava o seu peso numa série de golpes ritmados.
Não tão cuidadoso como da outra vez, não tão doce, investiu uma e outra vez até que, também ele, aceitou o êxtase.
Penthurst arrastou-se de volta para um estado de alerta e para o emaranhado de membros que os dois entreteciam. Saiu de cima dela e deitou-se de costas, ainda meio absorto com aquela pequena morte libertadora.
Aconchegou-a instintivamente junto de si, para acabar de recuperar no seio do seu calor.
Lydia esticou-se contra ele como uma gata e aninhou-se sob o seu braço. Ficaram assim deitados até o cérebro de Penthurst recomeçar a funcionar devidamente.
– Tinha razão – disse ela, com sonolência. – Foi absolutamente extraordinário. Serei eu imoral?
– Somos casados.
– Sim, mas...
Mas, ainda assim, imoral, porque é praticamente um estranho, ele adivinhava o que ela queria dizer. Imoral porque as mulheres achavam que o prazer e o amor vinham sempre juntos, a menos que se tratasse
de uma meretriz.
– Que outras experiências teve para poder determinar que foi extraordinário, Lydia?
Lydia bocejou.
– Nada tão interessante como isto.
– Viu aqueles homens nus. Algo nada previsível para uma mulher inocente.
– Não poderei afirmar que o mérito foi meu. Tratou-se de um acidente, como lhe disse.
Lydia puxou o lençol para cima e enrolou-se no seu lado da cama para dormir.
– Quem eram?
Lydia ficou quieta. Não falou.
– Eu sei que ainda não adormeceu, Lydia.
Lydia suspirou.
– Se eu lhe disser, promete que não vai fazer algo nobre e honrado? Eles também não têm culpa.
Penthurst gostou daquele «também». Suspeitava de que Lydia, aspirante a mulher do mundo, olhara bem e longamente para aqueles traseiros nus.
– Não os culparei nem nunca falarei do assunto.
– Já que promete, eram o Kendale e o Ambury.
Kendale e Ambury? Oh, diabo.
Agora muito desperto, contemplou o rosto pacificado e satisfeito de Lydia.
– Há mais alguma outra experiência extraordinária de que eu deva ter conhecimento? – Soou um pouco brusco, mesmo aos seus ouvidos. Mas a sua mente viajou. Lembrava-se de Kendale mencionar bordéis masculinos.
Seria mesmo dela ser curiosa e visitar um, só para ver do que se tratava.
Não, era uma ideia louca. Lydia nunca teria feito tal coisa. Olhou-a nos olhos. Ou será que sim?
– O melhor é eu saber agora, Lydia. Por exemplo, o seu irmão referiu alguma coisa sobre uma galé...
Lydia despertou num ápice. Os olhos abriram-se e cintilaram de cólera.
– Vou repreendê-lo severamente. Como se atreve ele a falar disso? E logo a si, entre todas as pessoas possíveis.
– Pensou provavelmente que o seu marido deveria estar preparado para a existência de aventuras passadas que pudessem dar origem a falatórios.
– Ninguém sabe nada sobre isso. Só ele. E agora você. E, é claro, os contrabandistas.
– E, é claro, os contrabandistas?
– A galé era deles, não era? – Lydia sentou-se, exasperada com a indiscrição do irmão. – Foi no verão passado. Não conte a ninguém, mas vivendo na costa, como é o nosso caso, conhecemos alguns dos contrabandistas
que navegam aquelas águas. Não é de todo possível evitar travar conhecimento com alguém que pratique tal atividade. Conhecemos muito bem um em particular. Penso que ele ajuda o Southwaite naquelas vigilâncias,
mas já conhecemos o Tarrington desde que eu era criança. Como acontece consigo.
– Com a exceção de que ele é um criminoso e eu sou um duque. – Um pequeno pormenor aos olhos de Lydia, sem dúvida, mas que valia a pena realçar.
– Ele tem galés que viajam até França e regressam com vinho, rendas e coisas assim. Uma aventura! Vai e volta vezes sem conta. E eu nunca fui a França.
Penthurst cobriu os olhos com a mão. Sabia, simplesmente sabia, aonde esta história o conduziria.
– Por isso, embarquei clandestinamente. Ele descobriu-me a meio da viagem. Estava tanto calor sob a lona onde me tinha escondido que tive de sair. O Tarrington não foi particularmente simpático quando
descobriu.
– Ele sabia que o seu irmão lhe reclamaria a cabeça se alguma coisa lhe acontecesse a si.
– Foi o que ele disse. Ainda assim, não era preciso ter dado meia-volta. Pelo menos podia ter terminado a ronda para eu poder ver França. E também não era necessário contar tudo ao Southwaite. E sem qualquer
dúvida que não era preciso pôr-me a ajudar a remar. Tive bolhas nas mãos durante semanas.
Penthurst conhecia Tarrington. A opinião que nutria pelo homem ia-se elevando a cada frase proferida por Lydia.
– Meia dúzia de bolhas nas mãos foi castigo pequeno. Teve sorte por o seu irmão não ser o género de homem que lhe faz bolhas no traseiro por um capricho tão estúpido e perigoso.
– Sim, foi estúpido. Soube-o no preciso momento em que o fiz. Mas não deixou de ser excitante. – Lydia fez um sorriso matreiro, devolvendo-lhe a ele a conversa que haviam tido antes.
Penthurst endureceu de imediato. Quase a atirou de novo para a cama para lhe mostrar o que era mais excitação. Ao invés, esticou-se para puxar o roupão, vestiu-o apressadamente e saiu para a deixar dormir.
Lydia só iria significar sarilhos. Podia tentar ousadias extraordinárias e ignóbeis, umas atrás das outras. Contudo, na qualidade de duquesa, o mundo inteiro teria conhecimento da maioria delas.
Não tinha alternativa. Seria obrigado a garantir que a sua necessidade de excitação seria satisfeita de outras formas. O dever chamava-o.
– É demasiado cedo para sair – declarou Rosalyn duas manhãs mais tarde. Estava sentada na sala de pequeno-almoço a beber café e a comer os bolinhos que ordenava sempre à cozinheira. A sua chegada ao pequeno-almoço
mais cedo do que o normal significava que Lydia não conseguira sair antes de Rosalyn descer, ao contrário do que planeara.
Lydia calçou as luvas.
– Vou a Berkeley Square.
Rosalyn ponderou o que acabara de ouvir enquanto bebericava e mastigava. Por fim, fez uma expressão de quase aprovação.
– Suponho que, com a sua família, a questão de as horas serem ou não próprias poderá ser ignorada.
– Que alívio saber que pensa assim. Quase nem me vesti sem obter o seu consentimento, não fosse eu causar um escândalo.
As pálpebras de Rosalyn cobriram-lhe os olhos como uma venda.
– A mim não me engana, Lydia. Nem permitirei que faça de mim o alvo do seu sentido de humor desrespeitoso.
– Nesse caso, não ceda à tentação de me tratar como uma rapariguinha de escola, Rosalyn. Não preciso de uma precetora.
– Ai não precisa? – Varreu Lydia da cabeça aos pés com o olhar. – Teria sido, de facto, melhor não se ter vestido antes de me encontrar, ouso eu dizer. Esse vestido não será adequado a uma duquesa, mesmo
que só visite a família.
– Na verdade, vou visitar a Cassandra.
Rosalyn franziu o sobrolho. A boca crispou-se. Lydia pegou na bolsa e saiu.
Tinha sido travessa ao perturbar deliberadamente Rosalyn anunciando que iria visitar a inadequada Lady Ambury. Muito errado. Contudo, sempre que via Rosalyn, esta conseguia lançar pelo menos uma provocação
maldosa. Uma crítica, um suspiro ou uma expressão de consternação. Tendo em conta as circunstâncias, Lydia deveria ser perdoada por responder às provocações. Quem sabe dali a alguns anos ela amadurecesse
a ponto de ser capaz de resistir.
Deu indicações ao cocheiro para que a levasse a casa do irmão. Entrou pela casa adentro tal como ele insistiu que fizesse, sem cerimónias. Encontrou Emma a terminar o pequeno-almoço.
Emma acabou de comer mais depressa quando a viu.
– Estou pronta. Só mais uma trinca.
– O Southwaite já desceu?
– Não, mas não tarda.
– Nesse caso, é melhor irmos. Não quero ser obrigada a mentir-lhe.
– E eu quero? Já lhe disse que você e a Cassandra insistiram em levar-me a algumas lojas para que não morresse de tédio. Não foi uma mentira. É verdade que irei a algumas lojas antes de voltarmos.
Emma pôs-se de pé. Algo repentinamente, na última semana, o seu estado começara a notar-se. O corte dos vestidos ainda o escondia, mas, quando se mexia, a pequena protuberância tornava-se visível sob a
musselina.
– Que bom que vocês fazem isto por mim – disse ela enquanto abotoava o spencer.
– Tenho estado cheia de vontade de fazê-lo, Emma.
Saíram e dirigiram-se à carruagem, que deu então a volta à praça, até chegar à casa de Ambury. Cassandra assomou à porta logo que a carruagem parou. Desceu as escadas e aceitou a ajuda do lacaio para subir
para a carruagem.
Lydia parou para apreciar o elegante conjunto de viagem azul de Cassandra.
– Dificilmente será útil se estiver a usar isso.
– Trouxe um avental.
– Vai recusar-se a fazer seja o que for que possa sujar esse conjunto, com ou sem avental. Se eu tive de tolerar o facto de a Rosalyn pensar que eu não tinha qualquer estilo, você poderia ao menos também
ter usado roupa velha.
– A Rosalyn limitou-se a reprovar. O Ambury teria ficado desconfiado se eu me disfarçasse de criada. Vá, vamos embora. Confesso que estou muito empolgada, mas nem sei bem porquê. Se calhar é porque vamos
numa missão secreta.
– Que dramático – disse Emma. – Espero que continue assim empolgada daqui a três horas. Temo bem que tenha à sua espera uma grande desilusão. Será trabalho árduo. Teria trazido as criadas, se tivesse a
certeza de que seriam discretas.
A carruagem avançou por Mayfair, em direção a sul. Parou perto de Piccadilly, em Albemarle Street. Emma seguiu à frente e entrou num edifício alto que albergava a leiloeira Fairbourne’s.
Foram recebidas na sala de exposição por um caos de atividade. Homens esfregavam o chão e limpavam o pó de candelabros altos. Outros deslocavam mesas. Dois penduravam quadros numa das altas paredes cinzentas.
Seguiram Emma através de toda esta comoção, até chegarem a uma sala nas traseiras. Emma parou quando abriu a porta e resmungou audivelmente:
– Está ainda pior do que o Obediah conseguiu admitir na sua carta.
O compartimento estava repleto de todo o tipo de objetos. Quadros e rolos de papel. Objetos de prata e porcelanas finas. Pequenos móveis e pilhas de livros encadernados a couro.
Uma nova presença pairou sobre Lydia. Afastou-se para o lado para permitir a entrada de Obediah, um homem franzino e atacado pela calvície, de modos avunculares.
– Constrange-me que tenha sido necessário vir aqui, Lady Southwaite. – Olhou em volta, abanando a cabeça com consternação.
– Há quanto tempo o meu irmão não vem cá?
– Uma semana ou duas. Talvez três.
Emma cerrou os olhos.
– Nada disto está catalogado? O leilão é daqui a menos de duas semanas. Vou matá-lo.
Cassandra deu-lhe uma pancadinha no ombro.
– Não se exaspere em demasia. Estamos aqui e num instante teremos dado conta de tudo isto.
Emma não pareceu dar-se por convencida. Estoica, mas descontente, estudou o recheio do compartimento. E depois saiu.
– Vou eu fazê-lo, como de costume, porque ele nunca o faz. Eu digo-lhes como vamos fazer. Devem trazer-me os objetos ao escritório, um a um. Eu registo-os e podem limpar-lhes o pó enquanto eu faço isso.
Os homens têm demasiados preparativos para fazer e não podem ser dispensados hoje, mas quem sabe já poderão ajudar amanhã.
Cassandra tirou o mantelete e pôs o avental. Lydia despiu o spencer.
– Primeiro as pratas – disse Emma antes de desaparecer por uma porta próxima que dava para o escritório.
Lydia agarrou num candelabro pesado. Cassandra entregou-lhe um pano.
– Acha que o seu irmão ficará zangado, se souber que ela está a fazer isto? – perguntou Cassandra.
Lydia pensou na forma como o irmão tratava Emma. Não era um pau-mandado, e muito menos de uma mulher, mas tinham um entendimento mútuo muito especial.
– Se o tiver proibido, sim, ficará zangado, mas sobretudo por preocupação por ela. Ele compreende como a Fairbourne’s é importante para ela, e isso fará alguma diferença.
Lydia levou o candelabro a Emma. Estava sentada a uma secretária, de papel e tinta a postos. Com o seu olhar acutilante, examinou a base à procura dos cunhos e, em seguida, escrevinhou no papel. O pó esvoaçou
pelo ar quando Lydia começou a usar o pano.
Lydia regressou à arrecadação.
– Temos de limpar o pó aqui. Vai fazer-lhe mal se o fizermos no escritório.
Lydia e Cassandra encontraram um ritmo que lhes permitia desperdiçar pouco tempo. Mas era trabalho árduo, especialmente quando manuseavam objetos maiores. Se Emma estava cansada, a verdade é que não dava
sinais. As horas foram passando em séries de vaivéns, Lydia num sentido e Cassandra no outro.
Depois de entregar um dos rolos de desenhos, Lydia regressou à arrecadação e encontrou Cassandra à espera.
– Quando ela acabar com aqueles, temos de a obrigar a parar. Já passaram mais de quatro horas. Ela fica aqui o dia e a noite inteiros, se não formos firmes com ela.
– Aquele rolo era bastante grosso. Penso que vai demorar algum tempo. – Cassandra sentou-se numa cadeira que esperava a sua vez de ser catalogada. – Parece então que temos algum tempo para conversar. Como
está a dar-se em Grosvenor Square?
Lydia desviou uma tapeçaria e sentou-se noutra cadeira. Na verdade, ainda não falara com Cassandra ou Emma desde o regresso a Londres. Oh, sim, elas tinham-na visto naquele primeiro dia inundando-a de
manifestações de felicidade, mas nenhuma das duas a visitara ainda, pelo que não tinham surgido perguntas.
Mas uma acabava de surgir.
– Consigo não odiar a tia, apesar de ela não gostar nem aprovar a minha pessoa e deixar bem claras as suas opiniões. Tem, contudo, o cuidado de não se exceder, temendo que ele lhe peça para sair. Parece-me
que só isso faz com que se contenha.
– Não estava propriamente a perguntar pela tia, Lydia.
Não, claro que não.
– Aprendi que gosto de partilhar o leito com um homem bonito e excitante, mesmo que não o ame e guarde um grave ressentimento contra ele. Por isso, estou a dar-me bem, suponho eu, na única coisa que poderia
ter tornado este casamento um inferno.
O sorriso de Cassandra hesitou apenas impercetivelmente. Mas o seu olhar era inquisidor.
– Não há muitas pessoas cuja conversa me surpreenda, mas as suas palavras, Lydia, fazem-no com frequência. Não foi então um caso de amor. Eu estava na dúvida. No último mês pareceu-me que ele andava sempre
à sua volta e pensei que, talvez... Não teve escolha, Lydia?
– Ele insistiu que não e eu não vi outra saída. Perfilou-se uma comédia de coincidências e acidentes que nos conduziram àquela igreja na Escócia. Eu nem sequer estava verdadeiramente comprometida. Simplesmente
parecia mesmo que tal tinha acontecido. Se isso não é injusto, o que será? – Riu-se, e depois suspirou. – Provavelmente ele sente que foi encurralado e forçado a tomar a atitude certa e eu sinto-me encurralada
e forçada a ser uma duquesa. Se se compadecer mais dos padecimentos dele do que dos meus, não poderei censurá-la.
Cassandra tomou-lhe a mão nas suas e dedicou-lhe um olhar muito compreensivo.
– Diz que encontrou um tipo de satisfação. Quem sabe, com o tempo, poderá encontrar muitos outros.
– Estou decidida a tentar, mas...
– Mas tem um ressentimento grave. Ele tem conhecimento disso?
Lydia anuiu. Cassandra nada disse. Lydia olhou para a amiga, ali pacientemente sentada, esforçando-se por não fazer a pergunta que sussurrava por entre o silêncio. Cassandra era mais sofisticada aos dezanove
anos do que a maioria das mulheres aos quarenta. Não proferia juízos fáceis, nem da forma normal.
– É aquele duelo – saiu-lhe bruscamente. – Nada disto teria acontecido se o meu irmão e o Ambury não se tivessem tornado amigos dele outra vez. Esperavam que eu simplesmente o aceitasse e achavam que tudo
ficava perdoado e esquecido. Só que não ficou. Pelo menos para mim.
Cassandra pareceu espantada, e foi até apanhada de surpresa.
– Está a falar do Lakewood. Foi há quase dois anos e quando era um bom amigo do seu irmão...
– Também era meu amigo. Um amigo verdadeiro, não como o Ambury ou o Penthurst, que eu só via a entrar e sair lá de casa.
Cassandra perscrutou Lydia com atenção. Curiosa. Tentando adivinhar.
– Passou tempo com ele?
– Ocasionalmente, depois de debutar.
Cassandra pôs-se repentinamente em pé. Andou de um lado para o outro, de braços cruzados, com uma expressão distraída em pensamentos, lançando olhares de relance de quando em vez na direção de Lydia. Com
um olhar rápido enquanto passava pela cadeira de Lydia, Cassandra caminhou a passos largos para fechar a porta. Sentou-se novamente.
– Lydia, vejo-me confrontada com um dilema. Perdoe-me, mas tenho de perguntar: o Lakewood deu-lhe alguma indicação de que a via como mais do que uma amiga? Levou-a a acreditar que desejava uma vida consigo?
Será que tal sucedera? Lydia percorrera tantas vezes as suas memórias, mesmo antes de ele morrer. Será que a sua atenção fora pura amizade e que ela construíra o resto com base em nada? No entanto, havia
todo aquele tempo passado em Hampshire, e um beijo, e a forma como ele queria que o tempo que passavam juntos se mantivesse em segredo, para que o irmão dela não interferisse.
– Não sei – admitiu Lydia. – Não me pediu em casamento, se é isso a que se refere. E no entanto... acho que me cortejou. Não me tratava totalmente como a irmãzinha mais nova do Southwaite. Divertia-me
com descrições de grandes aventuras que poderia viver um dia, mas essas podem ter sido só histórias inventadas. Eu achei que havia algo mais, mas talvez ele estivesse só a ser simpático.
– Não se censure por ter avaliado mal as intenções do Lakewood. Se ele não queria que o seu irmão soubesse, é porque tinha alguma ideia em mente, fosse ela boa ou má. A Lydia era simplesmente demasiado
inexperiente para o perceber e para adivinhar o caminho a seguir.
Era algo que Cassandra tão tipicamente diria – direta, quase cruel, mas realçando imediatamente a parte da história que fazia com que a relação não fosse uma normal relação de amigo da família – o desejo
de discrição manifestado por Lakewood.
– Lydia, não posso absolver o Penthurst pelo que aconteceu naquele dia. Contudo, duvido de que as intenções do Lakewood consigo fossem honradas. Provavelmente estaria a planear fugir consigo para se casarem,
já que o seu irmão não aprovava um casamento. A fortuna do Lakewood tinha diminuído muito e ele procurava um bom casamento, por todos os meios possíveis.
– Condena-o facilmente, sem quaisquer provas.
– Provas suficientes, na minha opinião. Era atraente como o pecado, Lydia, mas não tinha bom carácter.
– Ataca a sua reputação com base nos ressentimentos que ainda mantém devido a seja o que for que aconteceu entre vocês os dois, mas isso foi há anos. Seis ou sete, não foi? Uma história passada, mas continua
a falar mal dele e ele não se pode defender. – Lydia levantou-se e correu para a porta. – Arrependo-me de ter confiado em si para partilhar este segredo.
Lydia encontrou Emma a limpar a pena no escritório.
– Tem de ir agora para casa ou ficará demasiado cansada e o Southwaite nunca me perdoará, Emma.
Emma reclinou-se na cadeira.
– Não vou contestar. Fiz bons progressos e estou contente porque o leilão já não será uma catástrofe. Termino os quadros noutro dia.
Cassandra também entrou na sala, despindo o avental.
– Vamos a algumas lojas em Oxford Street no caminho de volta. Só temos de lá entrar para que a nossa explicação para a saída do dia seja honesta.
– Se tem mesmo de ser – resmungou Lydia.
Esperara que Cassandra a reconfortasse, e não que lhe dissesse que Lakewood planeara utilizá-la como uma jovem e ingénua idiota. Ansiava agora por se ver a sós com os seus pensamentos em casa.
Emma empilhou as folhas impecavelmente e depois olhou para as amigas, uma de cada vez. O seu olhar demorou-se em Lydia.
– Só algumas lojas, Cassandra, se não se importa. Penso que eu e a Lydia já demos tudo o que tínhamos por hoje.
Depois da ida às lojas, o cocheiro levou Cassandra a casa. Lydia e Emma continuaram até à casa de Southwaite.
– Discutiu com a Cassandra? – perguntou Emma.
– Um pouco. Não foi importante.
Emma lançou-lhe aquele olhar direto.
– Afetou demasiado o seu estado de espírito para não ser importante.
– Ela caluniou um velho amigo que já não se pode defender.
– Está a referir-se ao Lakewood?
– Como sabia?
– Limitei-me a adivinhar. O seu fantasma tende a aparecer com demasiada frequência nas nossas vidas. Deve perdoar a Cassandra. O homem deixou-a à beira da ruína, por isso tem dificuldade em ver algo que
ele possa ter de positivo.
Lydia voltou-se e olhou Emma nos olhos.
– Sei que ela se recusou a casar-se com ele após uma espécie de compromisso ligeiro. Achei sempre que ela teve uma atitude muito sã. Não é, no entanto, razão para condenar o carácter do homem.
– Não existem compromissos ligeiros. Cassandra pagou um preço elevado por se ter recusado a casar-se com ele, Lydia. Saiu de Inglaterra logo depois para seguir viagem com a tia e esteve fora durante dois
anos para fugir ao escândalo.
Lydia recordou as palavras de Cassandra na arrecadação. Ele faria tudo por um bom casamento, dissera ela.
– Os cavalheiros acreditavam que ele teria ansiado por ela até ao fim – disse Emma quando a carruagem parou novamente. – Durante muito tempo, pensavam que ela teria sido a causa do duelo, mas agora estão
convencidos de que não foi assim.
Naquele dia tinha sofrido muitos choques, mas nenhum tão grande como aquele.
– E sabem por quem então eles travaram o duelo?
Emma abanou a cabeça.
– E o duque também não o revela. Se não falou de todo sobre o assunto no julgamento, é provável que nunca venha a fazê-lo. – Emma aceitou a mão do lacaio e desceu da carruagem. Distraída, e parecendo cansada,
encaminhou-se para a porta de casa.
Lydia enfiou o rosto na janela da carruagem.
– Emma, por que razão pensaram sequer que seria a Cassandra?
Emma voltou-se por momentos.
– Suponho que pensassem nisso porque, no final da sua vida, ele lhes dizia constantemente que a Cassandra era a única mulher que alguma vez amaria.
CAPÍTULO 16
–Uma vez que ainda cá está, em Londres, encontra-se de vez em quando com alguns dos amigos da guarda. Em privado, é claro. Apesar de ter sido poupado por si da desonra pública, todos sabiam que fora forçado
a renunciar e isso nunca é coisa boa.
– É muito bom neste trabalho, Ambury. Devia tê-lo contratado para todo o tipo de investigações anteriormente. No ano passado cheguei a perguntar aos seus antigos companheiros de armas sobre o seu paradeiro
e não obtive qualquer informação.
– Perguntou assumindo-se como um novo e simpático amigo que acabara de lhes oferecer várias rondas de bebida numa taberna ou como o duque de Penthurst a querer encontrar um homem cuja carreira havia ajudado
a arruinar? Mesmo que tentasse a primeira hipótese, eles teriam cheirado a segunda. Em confidência, os homens revelam aquilo que nunca revelariam sob coação.
Cavalgaram pelo centro da cidade, percorrendo as ruas que rodeavam Covent Garden. Esta zona de Londres exibia uma grande diversidade de pessoas de todas as classes. Meretrizes paradas indolentemente em
esquinas não muito longe dos cafés frequentados por homens sofisticados. Os mercados, grandes e pequenos, extravasavam de todo o tipo de artigos. Milhares de pessoas aglomeravam-se nos velhos edifícios
que ladeavam as ruas estreitas.
Ambury tirou uma pequena folha de papel do casaco e consultou-a, torcendo-se em seguida para se certificar dos números dos edifícios.
– Deve ser depois do próximo cruzamento.
Minutos depois, estacou o cavalo e desmontou.
– No primeiro piso, foi o que me disseram. Na frente.
Penthurst saltou do cavalo e prendeu-o.
– Tenho de lhe pedir que fique aqui.
– Se é o que deseja, mas também tenho um interesse pessoal, não tenho? – A sua expressão severa indicava que se apercebera de que, também ele, fora usado por Lakewood. Ambury já não defendia Lakewood e
disse saber muito mais do que as restantes pessoas conseguiam adivinhar, mas Penthurst duvidava de que não tivesse sentido uma cruel desilusão ao perceber que a sua amizade fora manchada desta forma.
– Disse-lhe para não pensar demasiado no assunto.
– Agradeço a sua generosidade. A mente, no entanto, nem sempre consegue travar os pensamentos. Segundo me lembro, veio falar comigo duas vezes. Se calhar dirigiu-se a si porque seria imprudente ir beber
demasiadas vezes à mesma fonte.
– Algo parecido com isso.
– Quão parecido?
Queria saber tudo, é claro. E tinha capacidade para descobrir se o deixasse entregue às suas próprias diligências. Talvez alguma informação o dissuadisse de seguir esse caminho.
– A seguir a si, o Lakewood começou por explorar o Southwaite. Então dirigiu-se a mim, depois de abordar o Kendale, ele próprio no exército na altura, que insistiu em se encontrar com o aspirante a oficial,
em vez de confiar na palavra do Lakewood.
Ambury riu-se com amargura.
– Bem, abençoado seja o Kendale. Para ele, não há cá atalhos para o dever.
– Não.
– Mas então o Southwaite também. Ele sabe?
– Penso que não.
– E não há razão para que saiba, parece-me.
– Concordo.
Ambury olhou para cima, para a janela do primeiro andar.
– Diz-se que ele bebe. Poderá ser sensato levar-me consigo.
– Ainda consigo pacificar um bêbedo, se for preciso.
– Como queira.
Penthurst entrou no edifício. Foi atacado por odores. Peixe, cebola, sebo e apodrecimento misturados com o fedor amargo de pessoas com pouca propensão para o asseio, do corpo ou da casa. Lá em cima, uma
criança gritava. Passou por uma porta de onde escapava uma discussão acesa.
No cimo das escadas, encontrou a porta do quarto que dava para a rua. Bateu e um jovem abriu. Cabelo escuro despenteado e mandíbula frouxa por barbear, o tom macilento da pele indicava que não via a luz
do dia há algum tempo.
Nunca tinha conhecido Michael Greenly pessoalmente. Isso fora um erro. Kendale tê-lo-ia considerado incapaz. Ainda não estava ébrio, mas ia a caminho, e os olhos ostentavam uma luz carrancuda que não dizia
grande coisa do seu temperamento.
Penthurst sentiu que estava a ser examinado, como numa avaliação de cavalos propostos a leilão. O que quer que Greenly tenha visto levou-o a recuar para dentro do quarto.
Havia, claramente, apenas uma pessoa. Tinha uma cama, uma mesa e uma pilha de roupa. Uma garrafa de gin repousava sobre uma prateleira não muito longe da cama.
– Quem devo a honra de conhecer?
– Penthurst.
Greenly mastigou a informação e, depois, semicerrou os olhos.
– Foi por sua causa que fui obrigado a renunciar.
– Foi também por minha causa que foi promovido.
– Parece-me bem que recebeu dinheiro por isso, limpinho. Fui eu quem ficou a perder milhares.
Penthurst resistiu à tentação de dar um soco no homem, mas apenas porque a sua cólera era dirigida a outra pessoa. Sabia que Lakewood os usara a todos. Mas, até àquele preciso momento, não tivera a certeza
de que os tinham envolvido a todos.
– Sente-se, por favor. Quero falar consigo sobre isso.
– Parece-me que não há nada a dizer. Esmifrou-me, essa é que é a verdade, e depois virou as costas e...
– Sente-se.
Greenly sentou-se.
– Quero fazer-lhe algumas perguntas simples, Mr. Greenly. Faria bem em responder também de forma simples. E honestamente.
Greenly fulminou-o com o olhar.
– Quando comprou a sua promoção, a quem pagou o suborno?
– Acabei de dizer. A si...
– A quem entregou o dinheiro?
– Ao seu amigo, que utilizou como intermediário. O Lakewood.
– Alguma vez viu alguma outra pessoa a acompanhá-lo nas negociações? Pense bem.
– Com ele, não, mas uma vez segui-o quando saiu da taberna onde nos encontrávamos e ele entrou numa carruagem com uma mulher lá dentro. Bonita. Ruiva. Não um ruivo vivo. Mais escuro. Mais para o castanho.
Lembro-me porque ele acabara de me dizer o preço e eu estava a pensar que durante muito tempo não poderia dar-me ao luxo de ter uma mulher como aquela.
– Ele alguma vez falou sobre ela?
Greenly riu-se.
– Preocupa-o que a sua amante possa ter sido exposta? Adivinhei que ela era isso. O Lakewood falou-me dela e da forma como ela geria os assuntos para que você não tivesse de sujar as mãos.
Esta fora a história inicial de Greenly – que entregara dinheiro à amante de um duque pela sua recomendação. Quando confrontado, Lakewood negara o envolvimento de qualquer mulher. Fora uma mentira cavalheiresca.
A descrição de Greenly ajudaria, mas não era suficiente.
– Disse-lhe como se chamava?
– Um pouco tarde para limpar a casa, não acha? Não, nunca disse o nome dela. Foi discreto, apesar de isso não lhe ter valido de grande coisa consigo.
Lakewood contara uma história e este homem não tinha qualquer motivo para duvidar da sua veracidade. Muito à semelhança do seu enredo para explicar o casamento com Lydia, a história encaixava muito bem
em todos os factos conhecidos. Greenly nunca se convenceria de que fora tudo uma mentira, mas havia que tentar a verdade, apesar das probabilidades desfavoráveis.
– Mr. Greenly, nunca recebi o seu dinheiro. O valor não teria afetado grandemente o meu conforto, por isso deverá perguntar-se por que razão eu arriscaria o meu nome por tal quantia. Nem tinha, na altura,
a felicidade de gozar da companhia de uma amante. O Lakewood mentiu-lhe. Guardou o dinheiro e tê-lo-á eventualmente partilhado com conspiradores que não conhecemos, incluindo essa mulher. Dado que eu não
estava envolvido, isso significa que não o traí quando, ao saber da acusação que proferiu sob o efeito do álcool, nada fiz para o salvar.
– Tudo isso é mentira.
– Acredite no que quiser, mas é esta a verdade. – Olhou em volta. – Como vive?
– Deixaram-me renunciar. Foi o melhor que consegui de toda a situação.
– Dê-se por satisfeito. Outros não o conseguiram. – Tirou vinte libras do casaco e colocou-as na mesa. – Regresse a Yorkshire e à sua família. Esta cidade não tem nada de bom para lhe oferecer.
Ambury esperava lá fora.
– Conseguiu saber alguma coisa?
– Alguma. Não o suficiente. – Não o suficiente, e tudo muito desanimador.
Subiram para os cavalos.
– Vai contar-me? – perguntou Ambury.
– Para quê? Nada de bom, isso é certo. Já me arrependo de lhe ter contado o que contei. – Virou o cavalo. – Obrigado por o ter encontrado. Vou sair da cidade esta tarde, por isso despedimo-nos aqui.
Partiu cavalgando, encaminhando o animal na direção do rio. Duas horas mais tarde, brandia um machado na quinta de Mr. Gosden.
Lydia jantou com Rosalyn. O que foi um erro. Rosalyn questionou-a e sondou-a acerca do dia passado com Emma e Cassandra. Foi preciso mais esforço do que Lydia desejaria ter despendido para evitar ser encurralada
numa mentira ou indiscrição.
Devia ter-se limitado a ficar nos seus aposentos, onde se recolhera à chegada da leiloeira e para onde regressou apressada logo que a refeição terminou. Penthurst estivera fora o dia todo e aparentemente
estaria ausente a noite toda. O tiquetaque das horas ia transcorrendo no silêncio no quarto do lado.
Não conseguiu evitar a melancolia que a havia invadido após a saída daquele dia. Ouvir Lakewood a ser denegrido por mulheres que respeitava gerou alguma confusão nas suas memórias. Ouvir que ele declarara
amor eterno por Cassandra causara-lhe grande desgosto.
Lydia deixou que a tristeza a conduzisse até ao sono. Mas depois, repentinamente, os seus sentidos despertaram. Ergueu a cabeça. Reinava ainda o silêncio no quarto do lado, mas pressentiu que havia movimento,
como se lhe chegasse através das tábuas do soalho e não por sons. Escutou atentamente e, por fim, ouviu passos do outro lado da parede, no quarto de vestir do duque. E também vozes, pensou ela.
Caminhou lentamente até à porta de comunicação. Abriu uma frincha e ouviu o duque a ordenar ao criado que pedisse água quente, em abundância. Arriscou entrar no curto corredor e assomou à esquina.
– O que lhe aconteceu? – clamou.
Penthurst ali estava, em pé, absolutamente imundo. As botas cobertas de lama. Sem plastrão e com o botão de cima da camisa desabotoado. Os casacos e a camisa estavam sujos, mas a cara era a que estava
mais maltratada.
– Fizeram-lhe uma emboscada e atiraram-no para uma vala? – Lydia aproximou-se. – Está magoado?
Um cantinho da boca de Penthurst elevou-se.
– Não estou de todo magoado. Fui visitar a quinta de um rendeiro.
– E ele atirou-lhe lama para cima?
Penthurst sacudiu o casaco e desabotoou o colete e a camisa.
– Estive a trabalhar lá. Às vezes faço isso. Pense nisso como uma pequena excentricidade minha. – Despiu a camisa e atirou-a para uma cadeira.
– Gostaria de pensar em si dessa forma, mas a verdade é que não é excêntrico. Bem, ao manter o rabo de cavalo e a roupa antiquada por tanto tempo chegou mesmo perto da excentricidade, acho eu. Ainda assim,
não é bizarro como os excêntricos geralmente são.
– Não sou? E estava eu aqui a esforçar-me tanto por sê-lo.
Três criados com baldes de água entraram em fila e alinharam os baldes no chão. O criado de quarto assomou à porta do quarto, mas o duque fez-lhe um gesto para sair. E depois verteu água para uma tina.
– Devo sair para deixar que o seu criado o sirva.
– Deseja sair?
– Não. Estava entediada e não conseguia dormir, mas não queria despertar a Sarah.
– Fique, se quiser, embora ver-me a lavar-me possa revelar-se fraco entretenimento.
Afinal, acabou por ser o contrário. Nunca antes vira um homem a lavar-se e achou-o muito interessante. Teve também a rara oportunidade de observar os ombros e as costas, o peito e os braços completos durante
muito tempo, e não apenas de relance nas pequenas vinhetas que vislumbrava na cama.
– Porque foi trabalhar na quinta do rendeiro? Ele está doente?
Depois de lavar o rosto e o pescoço, passou ao peito e aos braços. Com um pano embebido em sabonete, ensaboou-se com cuidado. Com outro pano, começou a retirar o sabonete.
– Não está doente. Mas ele acha que eu sou, um pouco. Da cabeça. Vou lá mais ou menos uma vez por mês, ou se precisar de pensar ou enterrar alguma fúria mais intensa. É trabalho físico e útil, e nada ducal.
– Olhou para ela. – Poderia encontrar algo semelhante para si também. Algo que a faça recordar-se de que é humana, para que ser duquesa não lhe afete o espírito em demasia.
– Ser filha de um conde não me afetou o espírito por aí além.
– Será diferente. Acredite em mim. Já viu como as duquesas exercem poder entre homens e mulheres. Mesmo que não tente fazê-lo, será tratada como uma mulher que o pode fazer.
– Vou concentrar-me em encontrar uma forma de me tornar mais humilde. É um tanto peculiar que tenha escolhido este trabalho para esse fim. Consigo imaginar centenas de outras formas de se recordar da sua
humanidade – disse ela. – A maioria delas não o sujariam tanto.
Penthurst fez-lhe sinal com o dedo fletido. Lydia aproximou-se e ele entregou-lhe um pano ensaboado.
– É demasiado tarde para um banho, por isso vou ter de me lavar muito bem desta forma. Uma vez que espantou o meu criado, pode limpar-me as costas.
– Posso? Mas que divertido. – Arregaçou as mangas da camisa de noite, posicionou-se atrás dele e desatou a esfregar, até lá acima para não falhar nenhuma parte do seu corpo.
– Trabalhei num campo pela primeira vez aos dez anos – contou Penthurst, enquanto ela se dedicava à tarefa, só que agora com carícias longas e ensaboadas. – Um primo e eu tínhamos gozado cruelmente com
o filho de um dos rendeiros do meu pai. Quando o meu pai soube, ordenou-me que trabalhasse para aquele agricultor durante uma semana. No primeiro dia estava zangado, no segundo indignado, no terceiro sentia
pena de mim mesmo e, ao quarto dia, tinha-me acomodado à situação. Quando cheguei ao sétimo dia, descobri que alguns aspetos do trabalho não me incomodavam nada e que até os apreciava. Quando, meses mais
tarde, se fez a colheita daquele campo, fui observar, sabendo que o meu labor ajudara aquelas culturas a crescer. – Voltou-se e tirou-lhe o pano, entregando-lhe outro para que o enxaguasse. – Por isso,
por vezes regresso e faço-o de novo, quando preciso de pensar ou de fugir de ser duque durante algumas horas.
Lydia terminou de lhe limpar as costas e questionou-se por que razão, naquele dia em particular, Penthurst teria sentido necessidade de se esquecer de que era duque.
Penthurst sentou-se e descalçou as botas. Em seguida, levantou-se e começou com os botões dos calções. Parou e olhou para ela.
– É capaz de querer sair agora. Ainda tenho algumas partes do corpo para lavar.
Lydia, sentada na cadeira, enfiou as pernas por baixo do corpo.
– Eu tapo os olhos para que não se sinta envergonhado. – Lydia esboçou um sorriso cintilante para ocultar como a desanimava a ideia de sair e ficar de novo sozinha, com todos aqueles pensamentos tristes
e confusos.
Mas, ainda assim, ele reparou. Pousou o pano e aproximou-se de Lydia. Com a mão molhada sob o queixo, levantou-lhe o rosto e olhou-a nos olhos.
– Está triste com alguma coisa. A minha tia foi desagradável consigo?
– Não estou propriamente triste. Estou só cansada de tentar perceber algumas coisas sobre as quais tenho de refletir. Não têm qualquer importância para mais ninguém a não ser para mim e hoje não estou
a conseguir discerni-las com clareza.
Penthurst não pareceu convencido, mas não insistiu.
– Se o que procura é uma distração, talvez isto ajude.
Dito isto, virou-se de costas para ela e deixou cair a roupa de baixo.
O que a distraiu valentemente. Lydia admirou o seu traseiro e decidiu que era o mais bonito de tudo o que tinha visto. E que regalo também poder estudá-lo assim de perto. Penthurst lavou o outro lado do
seu corpo enquanto ela usufruía de uma experiência profundamente estética. As pernas longas e delgadas ocupavam especialmente a sua atenção. Não se tinha dado conta de quão belas elas eram. Bem modeladas
e simplesmente perfeitas juntamente com tudo o resto.
Penthurst inclinou-se para as lavar, os músculos distendendo- -se, o corpo formando um ângulo. Em seguida, o pano ensaboado contornou a anca para lavar aquele traseiro sedutor. Num impulso, Lydia aproximou-se
e pegou no pano.
– Também posso fazer isso.
Ele rodou a cabeça apenas o suficiente para a ver pelo canto do olho. Lydia estendeu o pano sobre a palma da mão, para um melhor apoio, mas descobriu que, assim, haveria pouco tecido a interferir no contacto
com a pele. A sensação cativava-a. As mulheres eram macias nesta zona, mas as suas protuberâncias redondas eram duras e tensas, mesmo quando pressionava com a ponta dos dedos para se certificar.
– É provável que entretanto este já lhe seja útil – passando-lhe o outro pano por cima do ombro.
Lydia demorou o seu tempo, garantindo que retirava todo e qualquer vestígio de sabonete. Penthurst voltou-se antes que ela pudesse terminar como queria, agarrou-a pela cintura e apertou-a contra o seu
corpo.
– Acho que nunca estive tão limpo desde que era bebé, Lydia.
– Gosto de ser meticulosa.
Penthurst segurou-a com firmeza. Esquadrinhou-a com o olhar, sério e escuro sob o cabelo despenteado e húmido.
– Parece-me, no entanto, que foi apenas uma distração momentânea.
Será que se tornara assim tão transparente aos seus olhos, tão rapidamente?
Penthurst afagou-lhe a face com a ponta dos dedos.
– Algo está a perturbá-la. Vejo-o nos seus olhos, O que é?
Descobri hoje que a única experiência extraordinária de toda a minha vida tinha, na verdade, sido tão ordinária, tão previsível, que sinto vergonha da minha incapacidade de a ver tal como era. Desejava
conseguir dizê-lo. Ali, naquela posição, vendo uma preocupação honesta nos seus olhos, quase acreditou que ele encontraria uma forma de a convencer de que as conclusões a que estava a ser forçada a chegar
estavam erradas.
– Apenas alguns pensamentos que precisam de ser ordenados. Mas hoje estou cansada de ser atormentada por eles. E por isso me deleito tanto com esta distração momentânea. – Rodeou-o com os braços e deu-lhe
uma palmadinha no traseiro.
Penthurst agarrou-lhe a mão lá atrás.
– Não posso impedir para sempre esses pensamentos, mas sei como fazê-lo durante algum tempo. Quanto ao seu interesse passado e presente pela anatomia masculina... – Conduziu a mão de volta para a frente
e colocou-a sobre o seu pénis ereto e aumentado.
Esse gesto espantou de imediato, em choque, todos os cansativos pensamentos da sua cabeça. Demasiado curiosa para fingir o contrário, encostou o sobrolho contra o peito dele e inalou o odor a sabonete
e a carne enquanto olhava para baixo, iniciando timidamente algumas carícias. A sensação não era de todo o que esperava. Quase soltou um risinho quando aquilo cresceu ainda mais, reagindo ao seu toque.
Deu uma pancadinha na ponta e esta mexeu-se. Ele deixou-a brincar, pressionando um infindável beijo contra o cimo da sua cabeça.
– Que interessante. Que belíssima distração momentânea. Compreendo agora por que razão algumas pessoas lhe atribuem nomes, como Harry ou John.
– O que nós não vamos fazer.
– Não?
– Não.
Lydia fechou a mão em volta e olhou para Penthurst.
– Tem a certeza?
– Com mil diabos, Lydia.
Quando deu por si, o chão e as paredes passavam a voar. As pernas agitavam-se no ar e tinha a cabeça muito próxima daquele lindíssimo traseiro. Penthurst acondicionou-a debaixo do braço como uma carpete
e acelerou pelo quarto de vestir fora, entrando depois no quarto.
Com um som surdo, ela aterrou na cama de Penthurst e ele já estava em cima dela, com o joelho bem alto, entre as suas pernas, apoiado sobre os braços. Olhava para ela tão intensamente que ela pensou que
poderia ser absorvida só pelos seus olhos. Lydia tratou rapidamente dos botões e das fitas do roupão de quarto, para poder abri-lo à frente e afastar o tecido. Penthurst baixou a cabeça e a sua boca caiu
de rompante sobre o seio, ainda tapado pela camisa de noite de algodão.
A excitação brotou como uma agressão. Lydia apertou-lhe os ombros com os dedos em garra e comprimiu-se contra o joelho, saboreando a pele onde quer que a boca a alcançasse.
– Sim – sussurrou. – Dê-me uma distração bem longa. Leve-me a lugares onde eu não pense em nada mais senão no prazer.
Lydia foi feroz na sua paixão. Ele respondeu na mesma moeda e ignorou o facto de saber com toda a certeza que algo mais a motivava além do desejo.
A mente de Penthurst nublou-se enquanto uma febre de características raras os tomou a ambos. Apertando-se vigorosamente e com beijos mordentes, incitavam-se mutuamente, cada vez mais. Os seios dela, sempre
tão sensíveis, estiravam o fino tecido humedecido pela boca dele. Nenhum queria perder tempo a despir a camisa de noite.
A mão de Lydia cingiu-o novamente. Ainda a experimentar e com cuidado, mas Lydia era toda ela ousadia. Rapidamente descobriu o que lhe dava a ele prazer e tornou-se então implacável.
Penthurst conteve o impulso feroz que se ia acumulando enquanto as carícias dela lhe ofereciam sensações voluptuosas. Quando teve dúvidas de conseguir continuar a controlar-se, recuou e ajoelhou-se, afastando-se
dela, entre as suas pernas.
O roupão de quarto, com as suas fitas e rendas, enquadrava-lhe o corpo delgado. Decidiu deixá-lo ficar e a camisa de noite que ainda usava. Puxou a bainha para cima, descobrindo-lhe as pernas. Lydia observava,
agora com uma película de desejo sobre os olhos, já não tão perturbados como no momento em que ele a vira naquele dia pela primeira vez. Respirava pesadamente, arquejando sucessivamente, com uma nota aguda
e feminina sempre que apreciava o seu toque.
Penthurst levantou ainda mais a bainha, erguendo a camisa até à cintura, expondo-lhe a púbis e as coxas. Fez deslizar o dedo ao longo da fenda macia, tão implacável como ela o fora. Lydia fechou os olhos
e movimentou-se em sintonia com o toque dele. O prazer suavizou-lhe o rosto numa expressão bela e etérea. Penthurst viu como ela se deixava dominar pelo abandono e gravou no seu espírito aquela felicidade
gloriosa.
Debruçou-se e beijou-lhe o interior da coxa. Quando levantou a cabeça, viu que ela o olhava fixamente, de olhos desconfiados sob aquelas grossas pestanas.
– Agora vou usar a língua, Lydia.
Lydia içou-se sobre os braços. Tentou juntar as pernas.
– Vai gostar. Se não gostar, eu paro.
– Soa a perverso.
– Muitos acham que sim.
Lydia estava ainda chocada e cética.
– É algo que a maioria das esposas também faz?
– Não.
– Mas quer que eu o faça.
– Sim.
Lydia deixou-se escorregar novamente no colchão.
– Perverso e fora do comum. Parece-me que este dia afinal não vai ser assim tão terrível.
Só mesmo Lydia para dizer tal coisa.
Penthurst acomodou-se entre as pernas dela. Conduziu-a lentamente, usando a mão até que os seus gritos preencheram o quarto. Brincou um pouco com a língua até ela superar os primeiros choques. Mesmo quando
Lydia começou a gemer, continuou a controlar-se, apesar de o odor e o sabor de Lydia o transportarem para um lugar escuro e pouco civilizado.
A libertação de Lydia explodiu abruptamente, numa longa série de abalos que lhe fletiram o corpo por inteiro. Penthurst subiu e, com um beijo, recebeu dentro dele o grito dela, penetrando-a em seguida
e tomando-a vigorosamente até ele próprio alcançar o seu furioso fim.
Penthurst sentiu-a mexer-se, preparando-se para sair.
– Fique – pediu ele. – Quem sabe se proporciona mais alguma distração.
Lydia recostou-se novamente.
– Quem sabe.
– Lembrei-me de que esteve hoje com a Emma e a Cassandra. Questionaram-na intensivamente sobre nós?
Lydia abanou a cabeça.
– Mas ambas disseram uma coisa que mudou muita coisa e confundiu outras. – A noite pulsava de silêncio. E então ela falou de novo. – Sabia que o Lakewood era o homem que comprometeu a Cassandra há anos.
Aquele com quem ela recusou casar-se?
Depois de conversar com Greenly naquela tarde, passara horas na quinta a tentar tirar Lakewood da cabeça. Se o que perturbava Lydia tinha que ver com ele, supunha que conseguiria engolir o seu desagrado
por tal assunto.
– Sim. Nessa altura éramos amigos. A sua reputação ficou manchada com esse episódio, do mesmo modo que a dela. Fomos por isso desagradáveis com ela. Presumo que o Ambury tenha sido absolvido, mas nós não.
Não totalmente.
– Admirei-a sempre por não se ter deixado obrigar a fazê-lo. Achei que foi muito corajosa.
Lydia não tinha sido tão corajosa. Seria isso que a ocupava tão intensamente? Arrependimento por não ter sido tão ousada quanto a amiga?
– Sabia que os cavalheiros pensavam que o seu duelo com o Lakewood era por causa dela?
Diabos.
– Se tivessem falado comigo, ter-lhes-ia explicado que estavam errados.
– A Emma diz que o pensaram porque o Lakewood insistia em dizer que a amava e que nunca amaria mais ninguém.
– Presumi sempre que ele dizia isso para colher solidariedade, a fim de ser poupado aos piores pressupostos que preenchiam os mexericos em torno desse compromisso.
– Mas os outros acreditavam nele. Acha que também acreditaram que você teve um caso com a Cassandra e que foi por isso que o Lakewood o desafiou? – Voltou-se e olhou para ele no escuro. – É como um dos
seus enredos, não é? Tudo se encaixa nos factos publicamente conhecidos.
Encaixava, é verdade. Provavelmente tinham acreditado. Isso explicava muita coisa.
– Nunca tive qualquer caso com ela, nem sequer vagamente a seduzi.
– Ainda assim, o duelo tinha que ver com uma mulher, foi o que disse.
– Mas não uma amante. – Ou, pelo menos, ele achava que não. – Não éramos rivais por causa de uma mulher, é isso que quero dizer.
Estaria ele a imaginar ou ela ficara de repente mais leve? Dir-se-ia que uma nuvem escura acabara de ser soprada com o vento.
Lydia acomodou-se novamente na almofada.
– Hoje a Cassandra não teve palavras simpáticas para ele. Insinuou que faria tudo por dinheiro.
Nem Cassandra sabia metade. Se o dissesse a Lydia, será que acreditaria? Passaria bem sem aquele fantasma na sua vida, inclusivamente na cama.
– Não sei a que se referia ela, mas sei que ele tinha um talento especial para usar as pessoas.
Lydia olhou na sua direção. Alguns clarões de ressentimento cintilaram perante a crítica, mas ele viu muito mais nos olhos dela. Tristeza, como a que tinha visto no quarto de vestir. Desilusão também.
Apercebeu-se de repente de tudo o que se passava. Esta conversa e a sua necessidade de distração naquela noite, e até a sua fúria quando se falava daquele duelo.
Oh, céus. Devia ter adivinhado. Deveria pelo menos ter-se questionado. Mas porque haveria de fazê-lo? Lydia podia expressar emoções profundas para com Lakewood, mas Lakewood nunca falara uma só vez de
Lydia com interesse ou admiração. Nem uma vez.
– Sei que tem má ideia dele – disse ela. – Tem de ter, não é? Caso contrário, não haveria justificação para o que aconteceu.
Foi errado dizer o que disse, logo naquele dia. A cólera gerada pelas revelações daquele dia, combinada com ressentimento por ela insistir em manter viva a fogueira que o tomava por patife.
– Gosto de pensar que sou justo com ele, que vejo o lado bom e o lado mau. Creio também que o conhecia melhor do que a Lydia e digo-lhe já que ele não era meu amigo, nem de mais ninguém, se isso lhe servisse
os seus próprios fins.
Lydia sentou-se.
– Isso não é verdade. Eu conhecia-o muito bem, melhor do qualquer um de vocês. Ele era meu amigo. Durante anos, um bom amigo. A sua morte dilacerou-me. Nunca antes sofri tanto. Vocês, homens, nunca se
deram conta de como ele lidava comigo, como era gentil para a criança e como ajudou a revelar a rapariga. Fazia-me rir e partilhávamos confidências. Nunca tive melhor amigo e provavelmente nunca terei.
Jorrou tudo de chofre numa torrente furiosa, como se as palavras tivessem sido amaldiçoadas durante anos. O quarto mergulhou num silêncio incómodo quando Lydia terminou.
– Quer-me parecer que era mais do que um amigo, Lydia. É isso?
O rosto de Lydia enrubesceu. Fez menção de sair da cama, mas ele agarrou-lhe o braço e segurou-a.
– Era isso? É o que sugerem a sua lealdade e a sua emoção. Se se propõe atirar a sua ira e o seu ressentimento na minha cara, se esse fantasma vier para sempre interferir, pode bem admitir o motivo.
Lydia tentou recuar para trás da máscara da esfinge, mas os olhos cheios de lágrimas não lho permitiam.
– Ele foi o grande amor da minha vida – confessou ela. – Por isso, agora já sabe por que razão você seria o último homem que eu quereria a proteger-me ou que fosse forçado a casar-se comigo.
– Sim, agora sei. Mas aqui estamos nós, ainda assim.
Lydia tentou sair novamente. Ele continuou a segurá-la.
– Vai ficar aqui comigo esta noite, Lydia. O Lakewood pode ter sido o grande amor da sua vida, mas agora pertence-me. Diabos me levem se vai voltar para a sua cama e passar a noite a polir a memória que
tem dele.
Lydia nada disse. Minutos depois, voltou-se para o outro lado, de costas para ele, e fingiu dormir.
Parecia frágil ali, de pernas encolhidas e com o roupão ainda enrodilhado em torno da sua silhueta. Por fim, a sua respiração ficou mais profunda e ele soube que estava realmente a dormir. Envolveu-a com
os braços, aconchegou-a no seu corpo e também adormeceu.